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Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG
Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas – FAFICH
Departamento de Filosofia
Dissertação de mestrado em Filosofia
A produtividade da capacidade de imaginação em Kant:
as relações entre a “Crítica da Faculdade de Juízo
Estética” e a “Analítica Transcendental”
Autor: Lincoln Thadeu Gouvêa de Frias
Orientador: Prof. Dr. Rodrigo Duarte Belo Horizonte
Linha de Pesquisa: Estética e Filosofia da Arte Maio de 2006
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Resumo: O objetivo do presente trabalho é determinar com exatidão o que é a produtividade da
capacidade de imaginação mostrando qual é sua função nos juízos determinantes e nos juízos
estéticos e investigando se ela pode ser caracterizada do mesmo modo em ambos. Para tanto,
explicitar-se-á o que é a “harmonia das faculdades” a fim de apontar quais são as diferenças na
relação entre capacidade de imaginação e entendimento na realização de juízos determinantes por
um lado, e de juízos reflexivos por outro enfatizando o que seja a liberdade e a submissão da
capacidade de imaginação diante das regras do entendimento. Isso implica esclarecer
satisfatoriamente a função de exibição (Darstellung) do objeto do conceito na intuição, expondo as
distinções e relações entre seus modos simbólico e esquemático, indicando em que medida ela é um
processo realizado pela capacidade de imaginação, pela capacidade de juízo e pelo entendimento.
Por fim, mostraremos que as idéias estéticas, enquanto representações da capacidade de
imaginação, podem contribuir para o conhecimento empírico através de seu excesso intuitivo que
sugere novas regras de apreciação da experiência indicando como a capacidade de imaginação
produtiva se torna criativa.
Abstract: The aim of this work is to determine exactly what is the productivity of the capacity of
imagination showing what is its function in determinative and aesthetic judgments and
investigating if this capacity could be characterized in the same way in both types of judgment. To
pursue this aim I try to make explicit what is the “harmony of the faculties”, pointing out what are
the differences in the relation between capacity of imagination and understanding in the
determinative judgment, on one hand, and in the reflective judgment, on the hand stressing what
is the freedom and the submission of the capacity of imagination in its relation with the rules of the
understanding. This implies the necessity to make satisfactorily clear what is the exhibition
(Darstellung) of the object of the concept in intuition, expounding the differences and relations
between its symbolic and schematic modes, in order to indicate in what measure it is a process
performed by the capacity of imagination, by the capacity to judge and by the understanding.
Finally, I intend to show that the aesthetic ideas, as representations of the capacity of imagination,
could contribute to empirical knowledge through its intuitive excess that suggests new rules of
appreciation of experience indicating how the productive capacity of imagination could be
creative.
2
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“A capacidade de imaginação (enquanto faculdade de conhecimento produtiva) é mesmo muito poderosa na
criação como que de uma outra natureza a partir da matéria que a natureza efetiva lhe dá. Nós entretemo-nos
com ela sempre que a experiência pareça-nos demasiadamente trivial; também a remodelamos de bom grado,
na verdade sempre ainda segundo leis analógicas, mas contudo também segundo princípios que se situam mais
acima na razão (e que nos são tão naturais como aqueles segundo os quais o entendimento apreende a natureza
empírica); neste caso sentimos nossa liberdade da lei da associação (a qual é inerente ao uso empírico daquela
faculdade), de modo que segundo ela na verdade tomamos emprestado a matéria, a qual porém pode ser
reelaborada por nós para algo diverso, a saber, para aquilo que ultrapassa a natureza” (KU 193, 159)
1
.
À Jane e Boaventura, pelo motivo
Ao Neto e ao Rafa, pela paciência
À Céia, por tudo
1 Die Einbildungskraft (als produktives Erkenntnisvermögen) ist nämlich sehr mächtig in Schaffung gleichsam
einer andern Natur, aus dem Stoffe, den ihr die wirkliche gibt. Wir unterhalten uns mit ihr, wo uns die Erfahrung
zu alltäglich vorkommt; bilden diese auch wohl um: zwar noch immer nach analogischen Gesetzen, aber doch auch
nach Prinzipien, die höher hinauf in der Vernunft liegen (und die uns eben sowohl natürlich sind, als die, nach
welchen der Verstand die empirische Natur auffaßt); wobei wir unsere Freiheit vom Gesetze der Assoziation
(welches dem empirischen Gebrauche jenes Vermögens anhängt) fühlen, nach welchem uns von der Natur zwar
Stoff geliehen, dieser aber von uns zu etwas ganz anderem, nämlich dem, was die Natur übertrifft, verarbeitet
werden kann(KU 193, 159).
3
Índice
Introdução: …………………………………………………………………………….................. 06
A) As Faculdades Kantianas ..................................................................................................08
I. Faculdade como tipo de relação da representação ao sujeito ou ao objeto ............ 08
II. Faculdade como fonte de representações ...............................................................09
III. Faculdade em sentido geral...................................................................................10
IV. Faculdade como função transcendental ................................................................11
B) A Capacidade de Imaginação Produtiva ...........................................................................13
1. Capítulo 1 – Todo Juízo é Reflexivo e a Capacidade de Imaginação como Exibição .......... 17
1.1. Juízos Determinantes e Juízos Reflexivos ......................................................................18
1.2. O Juízo ...........................................................................................................................21
1.3. A Determinação ..............................................................................................................24
1.4. A Reflexão ......................................................................................................................24
1.5. O Juízo Estético ..............................................................................................................26
1.6. A Harmonia das Faculdades ...........................................................................................30
1.7. A Apreensão Estética (ou apreensão na mera reflexão) .................................................34
1.8. A Exibição (Darstellung) ...............................................................................................35
1.9. A Mera Reflexão ............................................................................................................39
2. Capítulo 2 – A Exibição Esquemática ………....……………………...…………………….. 42
2.1. A Síntese .........................................................................................................................45
2.1.1. Síntese da Apreensão na Intuição ......................................................................48
2.1.2. Síntese da Reprodução na Imaginação ..............................................................51
2.1.3. Síntese do reconhecimento no conceito ............................................................54
2.1.4. A Síntese Figurada (Sintesis Speciosa) .............................................................57
2.2.Esquematismo ..................................................................................................................59
2.2.1. Esquematismo de conceitos empíricos ..............................................................61
2.2.2. Esquemas sensíveis puros ..................................................................................67
4
2.2.3. Esquemas transcendentais..................................................................................68
2.2.3.1. As Categorias da Quantidade ..............................................................71
2.2.3.2. As Categorias da Qualidade ................................................................72
2.2.3.3. As Categorias da Relação ....................................................................72
2.2.3.4 As Categorias da Modalidade ...............................................................73
Capítulo 3 – A Exibição Simbólica................................................................................................. 75
3.1. Os Quatro Momentos da Analítica do Belo ...................................................................77
3.1.1. Momento Qualitativo: a relação entre capacidade de imaginação e entendimento....77
3.1.2. Momento Quantitativo: livre jogo entre capacidade de imaginação e entendimento....79
3.1.3. Momento Relacional: sobre a vivificação das faculdades ....................................82
3.1.4. Momento Modal: o livre jogo como um sentido comum .....................................83
3.2. A Definição de Arte Bela ...............................................................................................85
3.3. O Gênio ..........................................................................................................................86
3.4. As Idéias Estéticas ..........................................................................................................88
3.5. A Simbolização ..............................................................................................................90
4. Conclusão ………………………………………………………................................................ 96
4.1. A Capacidade de Imaginação nos Escritos Pré-Críticos .................................................97
4.2. A Capacidade de Imaginação na Antropologia ............................................................103
4.3. A Capacidade de Imaginação na Analítica do Sublime ...............................................108
4.4. A Capacidade de Imaginação Produtiva .......................................................................115
4.4.1. A Capacidade de Imaginação no Juízo Reflexivo Determinante ........................118
4.4.2. A Capacidade de Imaginação no Juízo Meramente Reflexivo ............................121
4.4.3. O que é a Capacidade de Imaginação Produtiva? ...............................................126
4.4.4. A Capacidade de Imaginação Criativa ................................................................128
5. Bibliografia………………………………………………………..............................................133
5.1. Bibliografia Primária ......................................................................................................133
5.2. Bibliografia Secundária ..................................................................................................134
5
Introdução
“A capacidade de imaginação é, sem dúvida, a faculdade mais mal tratada por Kant; tanto que podemos até dizer que
ela é maltratada”
(VERNEAUX, 1967-1973: 109)
2
.
Afora poucas exceções e frases esparsas (em especial, Aristóteles), até Hume os filósofos
trataram a capacidade de imaginação como uma capacidade mental que promovia ilusões e
atrapalhava o conhecimento. Hume lhe atribui uma função cognitiva proeminente. Porém, a
epistemologia humeana é calcada no hábito e sua teoria da imaginação é desenvolvida apenas o
bastante para caracterizar a capacidade associativa. Por isso, Kant é quem deve ser visto como o
autor do turning point na história do estudo da capacidade de imaginação, pois a teoria que dela nos
oferece, para além de fazê-la elemento essencial da atividade cognitiva, elabora e exacerba a
capacidade associativa empírica humeana, apontando o que a torna possível e concedendo-lhe um
âmbito de ação maior e mais sofisticado. A passagem de Hume a Kant é a mesma que veremos no
interior do pensamento kantiano entre capacidade de imaginação associativa e capacidade de
imaginação produtiva. Ao menos prima facie, no que concerne à atividade cognitiva, Kant
concordaria com o papel concedido por Hume à capacidade de imaginação, mas Kant lhe acrescenta
propriedades mais profundas e reconhece-lhe mais poderes
3
.
2 L´imagination est sans doute la faculté la plus mal traitée par Kant, au point qu´on peut même la dire maltraitée
(VERNEAUX, 1967-1973: 109). Como nesse caso, quando não indicadas na bibliografia, as traduções são nossa
responsabilidade.
3 Sobre a relação e o contraste entre Kant e Hume no que concerne à função atribuída à capacidade de imaginação ver
6
Em The Wake of Imagination, Richard Kearney atribui a Kant uma revolução copernicana
na história da teorização acerca da capacidade de imaginação:
Isso foi alcançado, primeiro, demonstrando que imaginar não é uma mera “reprodução” de alguma realidade
dada (a falácia da imitação) e sim umaprodução” original da consciência humana; segundo, mostrando que a
imagem não é uma “coisa” (res) estática posta na memória (a falácia da reificação) e sim um ato criativo
dinâmico; e, terceiro, estabelecendo que a imagem não é um guia mediando entre as esferas separadas do
“corpo” inferior e da “alma” superior (a falácia do dualismo) e sim uma unidade transcendental que resiste a
essa mesma dualidade.
(...)
A requisição moderna da capacidade de imaginação se torna efetiva pela primeira vez, ao menos oficialmente,
com Kant. Na primeira edição de sua Crítica da Razão Pura, publicada em 1781, esse pensador de
Köningsberg assustou seus contemporâneos ao anunciar que a capacidade de imaginação era a “raiz
desconhecida” comum às duas ramas da cognição humana entendimento e sensação. Esse reconhecimento
extraordinário revirou de ponta cabeça toda a hierarquia da epistemologia tradicional. Afastando-se do saber
herdado dos filósofos medievais e clássicos, Kant salvou a capacidade de imaginação de seu papel servil de
faculdade intermediária entre nossas experiências sensível e inteligível, declarando-a a pré-condição primária e
indispensável de todo conhecimento. Nada pode ser conhecido sobre o mundo a menos que seja primeiramente
pré-formado e transformado pelo poder sintético da capacidade de imaginação (Einbildungskraft).
(...)
Depois de Kant, não se pode negar à capacidade de imaginação um lugar central nas teorias modernas do
conhecimento (epistemologia), da arte (estética) e da existência (ontologia) (KEARNEY, 1988: 156-7 grifo
nosso)
4
.
O que motiva nosso projeto é a suspeita de que os aspectos relativos à capacidade de
imaginação, como um todo, na filosofia de Kant são pouco explicitados pelos comentadores desse
filósofo. E, quando o são, suas interrelações não explicitadas satisfatoriamente. Esses aspectos são a
doutrina da capacidade de imaginação produtiva (produktive Einbildungskraft
5
), suas funções
(esquematismo, simbolismo, idéias estéticas, apreensão estética e sínteses) e as articulações com o
(WARNOCK, 1976: 13-50); e para uma comparação entre os dois, porém, em uma perspectiva mais ampla,
recomendamos (MALHERBE,1980) – em especial seus segundo e terceiro capítulos.
4 “This was achieved, first, by demonstrating that imagining was not merely a 'reproduction' of some given reality (the
fallacy of imitation) but an original 'production' of human consciousness; second, by showing that the image was not a
static 'thing' (res) depositated in memory (the fallacy of reification) but a dynamic creative act; and third, by
stablishing that the image was not a mediating courier between the divided spheres of the lower 'body' and the higher
'soul' (the fallacy of dualism), but an inner transcendental unity which resists this very duality.
(...)
The modern reclamation of imagination first became effective, at least on an official level, with Kant. In the first
edition of his Critique of Pure Reason, published in 1781, this thinker from Königsberg startled his contemporaries by
announcing that imagination was the common 'unknown root' of the two stems of human cognition – understanding and
sensation. This extraodinary admission turned the entire hierarchy of traditional epistemology on its head. Departing
from the received wisdom of classical and medieval philosophers, Kant rescued imagination from its servile role as an
intermediary faculty between our sensible and intelligible experience, declaring it to be the primary and indispensible
precondition of all knowledge. Nothing could be know about the world unless it was first preformed ans transformed by
the synthetic power of imagination (Einbildungskraft).
(...)
After Kant, imagination could not be denied a central place in the modern theories of knowledge (epistemology), art
(aesthetics) or existence (ontology)” (KEARNEY, 1988: 156-7 – grifo nosso).
5 Traduzimos sempre Kraft por “capacidade” quando se referir a poderes cognitivos, pois assim se reserva
“faculdade” para Vermögen”, mantendo-nos mais fiéis ao texto kantiano em trechos como Die Einbildungskraft [ou
Die Urteilskraft’] ist das Vermögen...”. Excetuando-se as traduções de Urteilskraft por “faculdade de(o) juízo” em
títulos de livros e capítulos, pois são comuns ao leitor de língua portuguesa (para uma discussão desse tema cf.
LONGUENESSE, 1998: 7, n.12). Por isso, em todas as citações de traduções da obra de Kant a que procedermos,
substituiremos “faculdade de imaginação” ou simplesmente “imaginação” por “capacidade de imaginação” como
tradução de “Einbildungskraft”.
7
entendimento que se dão. Logo, o que esta dissertação visa é fornecer uma descrição desses
aspectos da filosofia de Kant que compreenda seus traços mais relevantes.
Para começar o cortejo a esse objetivo, o presente capítulo introdutório é dividido em duas
partes:
1) As Faculdades Kantianas: onde nos dedicaremos a explicitar o que Kant entende por
faculdade (Vermögen), a elencar as faculdades que mais interessam a nosso estudo e a apontar as
relações que elas mantêm entre si, para que tenhamos maior clareza sobre o lugar que a capacidade
de imaginação produtiva ocupa nesse elenco.
2) A Capacidade de Imaginação Produtiva: onde apresentaremos uma visão sinóptica das
principais opções exegéticas adotadas por nosso estudo e de como elas se interligam.
A) As Faculdades Kantianas
Podemos apontar quatro sentidos que Kant confere ao termo “faculdade”, todos eles
complementares e nenhum exclusivo:
I. Faculdade como tipo de relação da representação ao sujeito ou ao objeto
II. Faculdade como fonte de representações
III. Faculdade em sentido geral
IV. Faculdade como função transcendental
I. Faculdade como tipo de relação da representação ao sujeito ou ao objeto
Segundo DELEUZE (1963, 04), em um primeiro sentido, Kant distingue as faculdades,
segundo o tipo de relação que a representação mantém com o seu objeto ou com o sujeito. A partir
desse sentido, Kant distingue três faculdades gerais do ânimo (Gesamte Vermögen des Gemüts):
Faculdades Gerais do Ânimo Faculdades de Conhecimento
Faculdade de Conhecimento Entendimento
Sentimento de Prazer e Desprazer Capacidade de Julgar
Faculdade de Apetição Razão
(KU LVIII, 42
6
)
6 Como de praxe, nas referências à Crítica da Razão Pura (título que abreviaremos como KrV ) constará a indicação da
paginação de uma ou das duas primeiras edições, e após a vírgula, a página da tradução ao português consultada. No
caso da Crítica da Faculdade do Juízo (a ser abreviada como KU) e da Primeira Introdução à Crítica da Faculdade do
Juízo (abreviada como EE), indicaremos a paginação de sua segunda edição, e após a vírgula, a página da tradução
listada na bibliografia. Quando a referência for à Antropologia do Ponto de Vista Pragmático (que abreviaremos como
AP), somente a paginação da edição alemã consultada; pelo contrário, nas referências à Lógica (conhecida como Lógica
8
Na primeira coluna temos as faculdades ou capacidades gerais do ânimo; na segunda, as
faculdades de conhecimento ou poderes mentais que lhes correspondem por isso, não devemos
confundir a faculdade de conhecimento como faculdade geral do ânimo com o título da segunda
coluna, que se refere apenas à faculdade como poder mental que permite desenvolver a faculdade
geral.
Pois bem, a faculdade de conhecimento (como faculdade geral do ânimo) é aquela segundo a
qual a representação é remetida ao objeto do ponto de vista do acordo ou da conformidade; no caso
da faculdade de desejar, a representação está numa relação causal com seu objeto, na medida em
que a representação é causa da realidade do seu objeto; e o sentimento de prazer e desprazer, como
faculdade, é responsável pela relação da representação com o sujeito enquanto ela exerce sobre ele
o efeito de intensificar ou mitigar sua força vital.
Kant procura então para cada uma dessas faculdades sua forma superior (KU LVI, 40). Essa
forma superior se quando a faculdade encontra nela mesma a lei de seu próprio exercício (ainda
que essa lei implique uma relação necessária com alguma das outras faculdades), o que Kant
entende como autonomia. É o que mostra a segunda coluna do quadro acima: os princípios
constitutivos da faculdade de conhecimento lhe são fornecidos pelo entendimento, os da faculdade
de sentimento de prazer e desprazer pela faculdade do juízo e os da faculdade de apetição pela
razão.
II. Faculdade como fonte de representações
Contudo, se em um primeiro sentido “faculdade” remete aos diversos tipos de relação de
uma representação em geral, em um segundo sentido ela designa uma origem, ou fonte, específica
de representações (DELEUZE 1963, 09). Haveria então tantas faculdades quanto tipos de
representação. Ora, Kant admite dois tipos irredutíveis de representação: intuições e conceitos.
Existem, porém, as idéias, que são conceitos aos quais nenhuma intuição correspondente pode ser
encontrada (KrV A310-1 B367-8, 239-40). Existem ainda os esquemas, que são regras de
determinação da intuição para a sua subsunção sob conceitos (KrV A141-2 B180-1, 146). E, por
fim, existem os juízos que são a própria subsunção das intuições sob conceitos (KrV A132
B171,142). Isso nos permite construir o seguinte quadro das faculdades e seus respectivos produtos:
Jäsche e, por isso, aqui abreviada como LJ), citamos apenas à tradução brasileira consultada, pois não tivemos acesso a
nenhuma de suas edições alemãs ofereceremos, porém, a indicação da paginação da edição da Academia Prussiana, e
depois da vírgula a página da tradução com que lidamos.
Embora Valério Rohden e A. Marques traduzam Übereinstimmung por “concordância”, preferimos “harmonia”
pois essa é a opção da maioria dos exegetas de línguas inglesa e francesa com os quais lidamos.
9
Faculdades Produtos
Sensibilidade Intuições
Entendimento Conceitos
Razão Idéias
Capacidade de Imaginação Esquemas
Capacidade de Julgar Juízos
Contudo, duas faculdades fundamentais: sensibilidade e entendimento (A50 B74, 91),
uma vez que intuições e conceitos é que são as representações fundamentais, pois são irredutíveis.
Como idéias são apenas um tipo de conceito, a razão não pode ser contada entre as faculdades
fundamentais.
Outro ponto importante é que intuições, conceitos e idéias são representações (A320
B376-7, 243-4), esquemas e juízos não o são, pois são atividades (embora Kant algumas vezes se
refira ao juízo como “representação de uma representação”). Porém, como estão agrupados na
doutrina kantiana em uma faculdade, como se fossem representações, sugerem a organização do
quadro tal como o fizemos: das faculdades a partir de seus produtos e não de suas representações
(que são um tipo específico de produto). O que implica ser mais acertado pensar “faculdade” como
fonte de produtos (representações e atividades mentais) e não apenas como fonte de representações.
III. Faculdade em sentido geral
Kant procede ainda a uma divisão mais simples, bipolar, entre (a) faculdade superior,
entendimento ou faculdade de pensar (algumas vezes ele referir-se-á a essa faculdade superior como
“entendimento em geral”) e (b) sensibilidade ou faculdade inferior. A faculdade inferior é onde as
intuições (puras ou empíricas), o particular dos objetos, são abarcadas; e a faculdade superior
compreende o universal das representações dos objetos, a regra a que tem que se subordinar o
múltiplo sensível (AP 84). Essa divisão é paralela e, até mesmo, sinônima daquela entre
espontaneidade e receptividade; daí nomear-se uma “superior” (pois é, segundo Kant, exclusiva dos
homens entre os animais, Cf. Id. ibid.) e a outra “inferior” (compartilhada por boa parte do reino
animal).
Que fique claro, então: “entendimento” pode referir-se à faculdade de pensar ou faculdade
superior composta por entendimento (como faculdade dos conceitos), capacidade de julgar e razão
(Id. ibid).
Se a faculdade de pensar, ou superior, é composta por entendimento, capacidade de julgar e
razão, então a capacidade de imaginação pertence à faculdade inferior ou sensibilidade? A resposta
10
é “sim” e “não”, e isso demanda que sofistiquemos a concepção de faculdade.
IV. Faculdade como função transcendental
Essa quarta concepção das faculdades, é uma concepção dinâmica que as trata simplesmente
como atividades transcendentais interligadas e não como compartimentos estanques como as
precedentes
7
. O pressuposto é que todas as faculdades são derivadas da relação entre síntese e
apercepção
8
, e são, por isso mesmo, interligadas.
Como vimos anteriormente, o sujeito transcendental é originariamente composto por
receptividade e espontaneidade. A receptividade é “[a] capacidade (....) de obter representações
mediante o modo como somos afetados por objetos”
9
(KrV A19 B33, 71); e a espontaneidade, por
sua vez, “a faculdade de produzir ela mesma representações”
10
(KrV A51 B75, 91). Como se sabe, a
receptividade é condicionada pelas intuições puras do espaço e tempo
11
, de modo que tudo que nos
afeta é inserido em uma sucessão temporal e tudo aquilo que afeta o sentido externo é organizado
espacialmente. Por outro lado, a espontaneidade (exercida primordialmente pelo entendimento em
geral ou faculdade superior) é desempenhada através dos conceitos, que são regras da síntese do
múltiplo que repousam sobre funções e Kant entende por função “a unidade da ação de ordenar
diversas representações sob uma representação comum”
12
(KrV A68 B93, 102). Desse modo, a
espontaneidade, como atividade, se expressa em última análise através da síntese (KrV A77 B102,
107) – pois conceitos, regras e funções são apenas regulamentações dessa atividade.
Temos como resultado que, primordialmente, o sujeito transcendental é composto pela
capacidade de ser afetado por objetos (sensibilidade) e de sintetizar esse múltiplo (entendimento em
geral). As faculdades são apenas facetas dessa afecção e dessa síntese. Vejamos.
A sensibilidade é “a capacidade (receptividade) de obter representações mediante o modo
como somos afetados por objetos”
13
(KrV A19 B33, 107).
O entendimento, em sentido estrito, é a a unidade da apercepção em referência à síntese
7 Sobre essa concepção de Kant como um funcionalista em filosofia da mente, ver (KITCHER, 1990b) e (MEERBOTE,
1990).
8 Não nos dedicaremos a explicitar o que é a doutrina da apercepção transcendental. O leitor interessado pode se
informar em (KITCHER, 1990a: 91-116). À frente em nosso texto, na nota 12, citamos um trecho que fundamenta esse
pressuposto.
9 Die Fähigkeit (…), Vorstellungen durch die Art, wie wir von Gegenständen affiziert wurden, zu bekommen (KrV
A19 B33, 71).
10 “[D]as Vermögen, Vorstellungen selbst hervorzubringen (KrV A51 B75, 91).
11 Um ótimo tratamento desse tema é encontrado em (COHEN, 2000: 65-84).
12 “[D]ie Einheit der Handlung, verschiedene Vorstellungen unter einer gemeinschaftlichen zu ordnen” (KrV A68 B93,
102).
13 Die Fähigkeit (Rezeptivität), Vorstellungen durch die Art, wie wir von Gegenständen affiziert wurden, zu
bekommen”(KrV A19 B33, 107).
11
da capacidade de imaginação (KrV A119, 150 itálico de Kant)
14
. Pois, como vimos,
entendimento em geral é a faculdade de pensar, o que significa pensar discursivamente, e isso
pode se dar através de conceitos. Ora, conceitos são a unidade da ação de organizar a diversidade do
múltiplo sensível (KrV A105, 136), a organização do múltiplo sensível se através das sínteses
desse múltiplo remetendo-o à unidade originária da apercepção (a representação “eu penso” que
deve acompanhar todas as representações para que elas sejam conscientes, isto é, sejam
consideradas pertencentes a um sujeito (KrV A107, 137 e B131-132, 121-2)); assim, um conceito é
uma regra, ou conjunto de regras, que rege a síntese do múltiplo ligando-o à apercepção; logo, o
entendimento (faculdade dos conceitos) nada mais é do que a capacidade de sintetizar
reguladamente.
A capacidade de imaginação é a responsável pelas sínteses (KrV A78 B103, 107). O que seja
a síntese e seus desdobramentos será objeto do segundo capítulo. Por agora, nos é importante
apenas salientar que transcendentalmente falando, a capacidade de imaginação pode ser tida como
sinônimo de “síntese”. Tendo em mente o parágrafo anterior, podemos então dizer que o
entendimento nada mais é que a capacidade de imaginação regulada pois a capacidade de
imaginação, por si, é “cega”, “embora indispensável” (Id. Ibib.) (indispensável porque é a
responsável pela atividade de síntese que é expressão primordial da espontaneidade).
A faculdade de julgar é a capacidade de subsumir intuições sob conceitos (KrV A132 B171,
142). Ora, a subsunção é a ligação de uma intuição a um conceito que a abarca. Se deixarmos de
lado o aspecto lógico desse procedimento e nos ativermos somente à perspectiva transcendental,
podemos dizer que a subsunção é o que resulta de uma síntese regulada, pois a relação que intuições
e conceitos mantêm entre si é somente a que se quando da síntese regrada (e essa regra é o
conceito) do múltiplo sensível.
Logo, transcendentalmente falando, a capacidade de imaginação nomeia a força propulsora
da atividade sintética, o entendimento nomeia as regras seguidas por esse processo e a capacidade
de julgar nomeia o resultado dessa síntese, que em outros termos significa a subsunção de conceitos
a intuições
15
.
Por fim, a razão. Kant diz que ela é a faculdade dos princípios, na mesma medida em que o
entendimento o é dos conceitos. E princípios significa aqui “conhecimentos sintéticos a partir de
14 “Einheit der Apperzeption in Beziehung auf die Synthesis der Einbildungskraft (KrV A119, 150 trad modif.).
Advertimos que, quando nos referirmos somente à primeira da edição da Crítica da Razão Pura, a tradução utilizada é
diferente daquela utilizada quando nos referimos às duas edições.
15 Nesse ponto de nosso trabalho deixamos ainda indistintos os níveis transcendental e empírico do processo de
conceituação. Essa distinção será trabalhada no decorrer dos capítulos que se seguem. Sobre a relação entre capacidade
de imaginação e faculdade de juízo ver (CENTI, 2001).
12
conceitos” (KrV A301 B357-8, 233)
16
. E Kant nos oferece uma definição de razão que se enquadra
no tipo de definição dinâmica que oferecemos acima no caso das outras faculdades: “Se o
entendimento é uma faculdade da unidade dos fenômenos mediante regras, a razão é a faculdade da
unidade das regras do entendimento sob princípios” (KrV A302 B359, 234)
17
. Então, se o
entendimento é a regulação das atividades da capacidade de imaginação, a razão é a regulação desse
último, é a regra (princípio) da regra (conceito) de síntese do múltiplo sensível.
Esse é o tratamento que nos parece mais justo, pois impede os desentendimentos surgidos
quando se hipostasia essas funções transcendentais essencialmente dinâmicas em entidades
estanques. Por isso, privilegiaremos essa última concepção das faculdades em nosso trabalho.
B) A Capacidade de Imaginação Produtiva
Kant aborda a capacidade de imaginação a partir de três perspectivas: segundo o juízo
determinante, segundo o juízo reflexionante e do ponto de vista pragmático na “Analítica
Transcendental”, na “Crítica da Faculdade de Juízo Estética” e na Antropologia do Ponto de Vista
Pragmático, respectivamente. Os dois primeiros serão nossos textos básicos, pois abarcam a
apresentação da capacidade de imaginação como produtiva
18
.
Nosso tema se centra sobre a capacidade de imaginação como produtiva, pois (a) esse
aspecto fundamenta suas funções empíricas assim, esclarecer aquele implica clarear essas ; e (b)
porque o aspecto de produtividade é a contribuição original de Kant para o estudo da capacidade de
imaginação – aquela que o distancia dos seus antecessores
19
e chama a atenção de seus sucessores
20
.
16 Synthetische Erkenntnisse aus Begriffen (KrV A301 B357-8, 233). Kant procede a uma digressão para mostrar que
o conhecimento a partir de princípios não pode ser efetuado pelo entendimento, pois esse último precisa sempre se
referir à intuição, o que não acontece no caso do conhecimento a partir de princípios que se baseiam apenas em
conceitos (Cf. KrV A301-2 B358-9, 233-4).
17 “Der Verstand mag ein Vermögen der Einheit der Erscheinungen vermittelst der Regeln sein, so ist die Vernunft das
Vermögen der Einheit der Verstandesregeln unter Prinzipien (KrV A302 B359, 234).
18 Embora o primeiro parágrafo e o primeiro período do segundo parágrafo da seção 28 da Antropologia do Ponto de
Vista Pragmático sejam primordiais para nosso estudo.
19 Embora Kant baseie alguns pontos dessa doutrina em Hume, A. Baumgartner e J. Tetens.
20 Sobre a influência de Kant sobre seus sucessores, ver: (KEARNEY, 1988: 177 passim), (JOHNSON, 1987: 147
passim) (WARNOCK, 1976: 53 passim) e (KEARNEY, 1998: 7-9, 46-55, 143-6, 160-1 e 230-2).
dois extremos contemporâneos na consideração dessa capacidade em Kant: P. F. Strawson lhe nega qualquer
papel, e M. Heidegger faz dela o todo da atividade cognitiva. Em Strawson, a desconsideração da capacidade de
imaginação se dá (a) pelo seu desconforto com o “sujeito imaginário da psicologia transcendental” (“imaginary subject
of transcendental psychology STRAWSON, 1966: 32) e sua divisão em faculdades, e (b) por julgar o processo de
síntese, de responsabilidade da capacidade em questão, “uma das aberrações à qual o modo explicativo de Kant
inevitavelmente o levou” (“one of the aberrations into which Kant’s explanatory model inevitably led him ibid.).
Heidegger mantém duas teses opostas às de Strawson, são elas: (a) a capacidade de imaginação é a origem tanto da
intuição quanto do pensamento puro (entendimento e razão) (como sugerido pelo título do capítulo que expõe essa tese:
“A Capacidade de Imginação como Raiz das Duas Ramas” (“Die transzendentale Einbildungskraft als Wurzel der
Beiden Stämme” HEIDEGGER, 1951: 127-156)); e (b) a atividade sintética é a “essência” do conhecimento (Cf.
ibid.: 31-9 e 160-71).
13
Acreditamos que para compreender a produtividade da capacidade de imaginação deve-se
partir do tema da “harmonia das faculdades”, pois ela é condição para o conhecimento em geral
(KU 155, 139). Porém, é preciso distinguir entre “harmonia” e livre harmonia” (KU 28, 62 e 200,
163) das faculdades e saber em que consiste essa liberdade. Através do estudo desses tipos de
harmonia, concluiremos que essa liberdade da harmonia é a liberdade da operação de exibição. Essa
conclusão, aliada à investigação do mecanismo dos juízos, nos permitirá perceber que a diferença
entre o juízo determinante e o reflexivo consiste no modo em que se a exibição: se ela é ou não
regrada (conceitual ou a-conceitual), respectivamente. Assim, a exibição deverá ser responsável
pela diferença de função da capacidade de imaginação produtiva naqueles juízos. Ora, a capacidade
de imaginação produtiva é a faculdade de exibição
21
.
A exibição é a apresentação do objeto do conceito na intuição (EE 26, 56). A capacidade de
imaginação produtiva pode realizá-la de dois modos. O primeiro é o esquematismo
22
, um processo
“demonstrativo” e “direto” (KU 256, 196) exigido para a determinação do particular, isto é, sua
Pretendemos nos opor tanto a Strawson quanto a Heidegger; pois a reta medida nos parece ser reconhecer a
importância da capacidade de imaginação sem negar a autonomia tanto do entendimento quanto da faculdade de julgar
(como o faz (ARENDT, 1982: 80): “O papel da capacidade de imaginação para nossas faculdades cognitivas é talvez a
grande descoberta feita por Kant na Crítica da Razão Pura (“The role of imagination for our cognitive faculties is
perhaps the greatest discovery Kant made in the Critique of Pure Reason”)) posição tomada por grandes intérpretes
kantianos na década de noventa (p.ex., Patricia Kitcher, Robert Hanna, Rudolph Makkreel e Béatrice Longuenesse).
21 “A capacidade de imaginação (facultas imaginandi) como faculdade de intuição também sem a presença do objeto,
é (...) produtiva, i.e., uma faculdade da exibição originária deste (exhibitio originaria)” (“Die Einbildungskraft (facultas
imaginandi), als ein Vermögen der Anschauungen auch ohne Gegenwart des Gegenstandes, ist (...) produktiv, d.i. ein
Vermögen der ursprünglichen Darstellung des letzteren (exhibitio originaria) AP 167). Por causa desse segundo
parêntesis, sempre traduziremos Darstellung”, quando nomeando essa função, por “exibição” - e não por
“apresentação”, opção da maioria dos tradutores – fazendo essa modificação nas citações das traduções utilizadas.
Acreditamos que é a capacidade de imaginação como exibição que Kant tem em mente quando entretém a hipótese
de que ela seja a faculdade fundamental: “Temos uma (...) capacidade de imaginação pura [ou “produtiva” (KrV A123,
155)], como faculdade fundamental da mente humana” (“Wir haben (...) eine reine [ou “produktiven” (KrV A123, 155)]
Einbildungskraft, als eine Grundvermögen der menschlichen Seele” – KrV A124, 156 – grifo nosso) – contra Heidegger
e Fichte, lembremos que “fundamental” não necessarimente significa “única”.
O mesmo se pode dizer desse surpreendente e pouco conhecido trecho, ao qual voltaremos na conclusão de nosso
estudo: Anfänglich gebietet eine logische Maxime diese anscheinende Verschiedenheit [das faculdades] so viel als
möglich dadurch zu verringern, daß man durch Vergleichung die versteckte Identität entdecke und nachsehe, ob nicht
Einbildung, mit Bewußtsein verbunden, Erinnerung, Witz,Unterscheidungskraft, vielleicht gar Verstand und Vernunft
sei (A649/ B677, 397). Na tradução de Valério Rohden, o texto perde o interesse para nós: “... examinando a questão
se imaginação e consciência não estão ligadas, se recordação, humor e capacidade de distinguir não são talvez e
propriamente entendimento e razão”. A tradução correta nos parece ser: “... examinando se imaginação ligada a
consciência, não é recordação, humor, capacidade de distinguir e talvez até mesmo entendimento e razão”.
22 Certamente uma das teorias mais controversas de Kant, muito discutida hoje, mas uma discussão que fica
cristalizada nas opiniões de dois grandes filósofos: para uns “uma das mais belas páginas da filosofia kantiana” (“eine
der schönsten Seiten der kantischen Philosophie HEGEL, 1833: 570), para outros “uma simples atividade
psicológica, (...) uma suposição totalmente dispensável e meramente arbitrária” (“eine bloss psichologische Thatsache,
(...) eine ganz unerweisliche und bloss willkürliche Annahme– SCHOPENHAUER, 1818: 534). E Daval expressa sua
posição nos mesmos termos dessa controvérsia: “Ou a doutrina do esquematismo é essencial à filosofia kantiana, e,
nesse caso, se essa doutrina tem o significado que cremos poder retirar dos textos, esta filosofia é um idealismo
absoluto; ou então o kantismo não pode ser interpretado no sentido de idealismo e a doutrina do esquematismo perde
toda a significação e ela não é nada mais que um tema abortado” (“Ou bien la doctrine du schématisme est essentielle
à la philosophie kantienne, et, dans ce cas, si cette doctrine a bien le sens que l´on croit pouvoir dégager des textes
cette philosophie est idéalisme absolu; ou bien le kantisme ne puet pas être interprété dans le sens de l´idéalisme, et la
doctrine du schematisme perd toute signification, elle n ést qu´un thème qui avorte” – DAVAL, 1951: 295)
14
subsunção sob um universal (KrV A137-8 B176-7, 144-5). O segundo modo em que a faculdade
produtiva de imaginação realiza a exibição é o simbólico
23
, o modo “analógico” e “indireto” (KU
258-9, 197-8).
A diferença mais importante em relação à capacidade de imaginação produtiva nos dois
processos é: se no esquematismo (no juízo determinante), ela é submissa ao entendimento (KrV
B152, 131), regulada por ele, compondo uma harmonia regrada; no simbolismo (no juízo de gosto)
o entendimento “está a serviço” da capacidade de imaginação (KU 71, 88 ) – logo, esta é selbsttätig
(auto-ativa, espontânea) (KU 69, 86), capaz de “entreter um livre jogo” (KU 28, 62) com aquele,
dando origem a uma harmonia “livre”. E essa liberdade, o que procurávamos entender, consiste na
ausência de conceitos determinados a restringir as possibilidades de compreensão do múltiplo
exibido, é um “esquematismo sem conceitos” (KU 146, 133).
Nosso último passo será mostrar como, na exibição simbólica, a produtividade da
capacidade de imaginação passa a ser criatividade, criação e como, desse modo, mesmo a
capacidade de imaginação em sua exibição simbólica contribui para o conhecimento
24
.
A intenção desta dissertação é fundamentar e desdobrar o que dissemos até aqui. Em suma,
mostraremos qual a função da produtividade da capacidade imaginação tanto nos juízos reflexivos
quanto nos determinantes através de um estudo dos modos simbólico e esquemático do processo de
exibição o que exige que façamos uma caracterização das relações entre entendimento e
capacidade de imaginação, e resultará no esclarecimento da capacidade de imaginação criativa em
Kant
25
.
No primeiro capítulo nos dedicaremos a explicitar mais claramente a função da capacidade
de imaginação na epistemologia e estética kantianas, e para tanto explanaremos a distinção entre
juízos determinantes e juízos reflexivos, o que implicará na determinação do que seja Darstellung
23 “Esse conceito de exibição simbólica é um dos grandes resultados do pensamento kantiano” (“Dieser Begriff der
symbolischen Darstellung ist eines der glänzendsten Resultate des kantischen Denkens” – GADAMER, 1960: 81).
24 “[A] liberdade da capacidade de imaginação culmina em sua criatividade. na doutrina do gênio se entende
finalmente tudo quanto Kant diz a propósito da capacidade de imaginação em seu livre jogo com o entendimento”
(“[L]a libertà dell’immaginazione culmina con la sua creatività. Solo nella dottrina del genio si intende finalmente
quanto Kant dice a proposito della immaginazione nel suo libero gioco con l’intelletto PAREYSON, 1984: 147
grifo nosso). Se atingido esse último ponto, teremos exposto toda a atividade da capacidade de imaginação produtiva,
inclusive o ponto em que se relaciona à capacidade de imaginação reprodutiva. Mostrando, assim, o equívoco de J.
Bennet ao dizer que “[p]arece improvável que alguma teoria da imaginação digna subjaza as oscilações terminológicas
de Kant” (“It seems unlikely that any worthwhile theory of imagination underlies Kant’s terminological shifts
BENNET, 1966: XIII).
25 Não pretendemos nos deter na repercussão moral da atividade imaginativa na apreensão do sublime e na exibição de
idéias morais embora seja inevitável que consideremos certos temas expostos (p.ex., a relação entre capacidade de
imaginação e razão na exibição de idéias). Deve ser ainda notado que não há bibliografia em português especifica sobre
o estatuto da capacidade de imaginação na filosofia kantiana, ao passo que esse é um tema muito abordado entre os
comentadores de Kant, como se depreende dos anais dos Kant-Kongresse da última década.
15
(exibição) – que propomos ser a função primordial da capacidade de imaginação.
No segundo capítulo, nosso tema será a exibição esquemática, e para tanto, exporemos
detalhadamente o que são as sínteses e sua relação com o esquematismo dos três tipos de conceitos
(quais sejam, os conceitos empíricos, os conceitos sensíveis puros e os conceitos puros do
entendimento).
O modo simbólico de exibição e sua relação com as idéias estéticas, serão o tema do terceiro
capítulo.
Na conclusão, em primeiro lugar, faremos uma apresentação superficial da capacidade de
imaginação nos estudos pré-críticos, na Antropologia do Ponto de Vista Pragmático e na “Analítica
do Sublime” pois, embora estes textos não figurem entre nossos textos primários, eles servirão
como contraste ao que apresentamos, permitindo uma melhor definição de nossas conclusões. Isso
feito, faremos um balanço do caminho percorrido e tentaremos dar uma visão geral dos resultados
que forneça uma caracterização suficientemente abrangente da produtividade da capacidade de
imaginação na “Analítica Transcendental e na “Crítica da Faculdade de Juízo Estética” e uma
caracterização da capacidade de imaginação criativa.
16
1. Capítulo 1 A Capacidade de Imaginação como
Exibição
“[A] liberdade da capacidade de imaginação consiste precisamente no fato de que ela esquematiza sem conceitos”
26
(KU 146, 133).
Como foi apontado, acreditamos que conseguiremos uma melhor compreensão da
capacidade de imaginação produtiva em Kant a partir de um contraste entre o juízo determinante e o
juízo reflexivo. E é ao estudo desses tipos de juízo que nos dedicaremos nesse capítulo.
26 “[D]aß die Einbildungskraft ohne Begriff schematisiert, die Freiheit derselben besteht” (KU 146, 133).
17
Algumas vezes Kant fala em “juízo meramente reflexivo” o que leva a pensar que um
juízo que não é meramente reflexivo, que é reflexivo além de ser outra coisa. Sugeriremos aqui que
essa “outra coisa” é a determinação. Quer dizer, o juízo determinante é reflexivo, mas não só, ele é
também determinante.
Tradicionalmente, os exegetas kantianos compreenderam esses juízos como sendo de
natureza completamente distinta, sob o lema de que o juízo determinante é aquele que opera do
universal ao particular, e o juízo reflexivo é aquele que faz o caminho oposto, isto é, procura o
universal para um particular dado.
Procuraremos, porém, expor uma leitura alternativa dessa relação. Seguindo Beatrice
Longuenesse e Henry Allison, defenderemos que o juízo determinante é um tipo de juízo reflexivo;
dito de outro modo, todo juízo determinante é um juízo reflexivo, mas nem todo juízo reflexivo é
determinante: todo juízo de conhecimento é determinante e reflexivo, o juízo de gosto é apenas
reflexivo. Para tanto, depois de expor provisoriamente a distinção entre juízo reflexivo e
determinante, exporemos o que Kant entende por juízo; em seguida, nos dedicaremos ao tema da
determinação, e, em seguida, discutiremos o que seja a reflexão. Tendo feito isso, passaremos a uma
exposição dos juízos de gosto que nos sirva como elucidação da distinção entre juízos
determinantes e reflexivos, o que nos permitirá discutir os temas da harmonia das faculdades, da
apreensão estética e da exibição situando assim a capacidade de imaginação produtiva como
exibição, tal como propusemos na introdução. E, em conclusão a esse capítulo, discutiremos a
“mera reflexão”.
1.1. Juízos Determinantes e Juízos Reflexivos
São duas as citações mais famosas sobre a relação entre juízo reflexivo e juízo determinante.
São elas:
O Juízo pode ser considerado, seja como mera faculdade de refletir, segundo um certo princípio, sobre uma
representação dada, em função de um conceito tornado possível através disso, ou como uma faculdade de
determinar um conceito que está no fundamento, por uma representação empírica dada. No primeiro caso ele é
o juízo reflexionante, no segundo o determinante (EE 16, 47)
27
.
E
A faculdade do juízo em geral é a faculdade de pensar o particular como contido no universal. No caso de este
(a regra, o princípio, a lei) ser dado, a faculdade do juízo, que nele subsume o particular, é determinante (o
mesmo acontece se ela, enquanto faculdade do juízo transcendental, indica a priori as condições de acordo
com as quais apenas naquele universal é possível subsumir). Porém, se só o particular for dado, para o qual ela
deve encontrar o universal, então a faculdade do juízo é simplesmente reflexiva (KU XXV-XXVI, 23)
28
.
27 Die Urteilskraft kann entweder als bloßes Vermögen, über eine gegebene Vorstellung, zum Behuf eines dadurch
möglichen Begriffs, nach einem gewissen Prinzip zu reflektieren, oder als ein Vermögen, einen zum Grunde liegenden
Begriff durch eine gegebene empirische Vorstellung zu bestimmen, angesehen werden. Im ersten Falle ist sie die
reflektierende, im zweiten die bestimmende Urteilskraft”(EE 16, 47).
28 Urteilskraft überhaupt ist das Vermögen, das Besondere als enthalten unter dem Allgemeinen zu denken. Ist das
18
Claramente aqui, reflexão e determinação são vistas como operações judicativas
contrastantes (o movimento do particular ao universal e do universal ao particular). Porém, na
Crítica da Razão Pura, Kant afirma que a reflexão é necessária a todos os juízos:
Nem todos os juízos necessitam uma investigação, isto é, uma atenção sobre os fundamentos da verdade, pois,
se são imediatamente certos por exemplo, entre dois pontos pode haver somente uma linha reta não pode
ser indicada a seu respeito nenhuma característica mais imediata da verdade além da que eles mesmos
expressam. Entretanto, todos os juízos, antes, todas as comparações necessitam uma reflexão, isto é, uma
distinção da capacidade de conhecimento à qual pertençam os conceitos dados. O ato pelo qual aproximo a
comparação das representações em geral com a capacidade de conhecimento, em que aquele é instituído, e
pelo qual distingo se tais representações são comparadas entre si como pertencentes ao entendimento puro ou à
intuição sensível, denomino-o reflexão transcendental (KrV A261 B316-7, 212-3)
29
.
Embora não exista uma formulação explícita da distinção entre juízo reflexivo e juízo
determinante na Crítica da Razão Pura, resta aberta a questão de se o contraste que Kant estabelece
nas introduções à Crítica da Faculdade do Juízo realmente estabelece uma grande mudança em sua
concepção de juízo. Segundo Longuenesse, o que é específico deste último livro não é a afirmação
de uma atividade reflexiva do juízo, mas sim a idéia de que juízos (estéticos e teleológicos) que
são meramente reflexivos. Segundo ela, reflexão e determinação são aspectos complementares do
juízo desde o começo do período crítico. Em suporte a isso, ela oferece a seguinte citação:
Quanto aos conceitos universais da natureza, unicamente sob os quais é possível, em geral, um conceito de
experiência (sem determinação empírica particular), a reflexão tem já, no conceito de uma natureza em geral,
isto é, no entendimento, sua instrução, e o juízo não precisa de nenhum princípio particular da reflexão, mas
esquematiza-a a priori e aplica esses esquemas a toda síntese empírica, sem a qual nenhum juízo de
experiência seria possível. O juízo é aqui em sua reflexão ao mesmo tempo determinante e seu esquematismo
transcendental lhe serve ao mesmo tempo de regra. Sob a qual são subsumidas intuições empíricas dadas (EE
18, 48)
30
.
Esse denso trecho aponta três pontos extremamente interrelacionados:
1) como todos os conceitos, as categorias como conceitos distintos são elas próprias
produtos de uma atividade reflexiva. Isso é central para Longuenesse, que insiste em
que as categorias operam em dois níveis: pré-reflexivamente como as funções lógicas do
Allgemeine (die Regel, das Prinzip, das Gesetz) gegeben, so ist die Urteilskraft, welche das Besondere darunter
subsumiert (auch, wenn sie, als transzendentale Urteilskraft, a priori die Bedingungen angibt, welchen gemäß allein
unter jenem Allgemeinen subsumiert werden kann) bestimmend. Ist aber nur das Besondere gegeben, wozu sie das
Allgemeine finden soll, so ist die Urteilskraft bloß reflektierend(KU XXV-XXVI, 23).
29 Nicht alle Urteile bedürfen einer Untersuchung, d. i. einer Aufmerksamkeit auf die Gründe der Wahrheit; denn,
wenn sie unmittelbar gewiß sind: z. B. zwischen zwei Punkten kann nur eine gerade Linie sein; so läßt sich von ihnen
kein noch näheres Merkmal der Wahrheit, als das sie selbst ausdrücken, anzeigen. Aber alle Urteile, ja alle
Vergleichungen bedürfen einer Überlegung, d. i. einer Unterscheidung der Erkenntniskraft, wozu die gegebenen
Begriffe gehören. Die Handlung, dadurch ich die Vergleichung der Vorstellungen überhaupt mit der Erkenntniskraft
zusammenhalte, darin sie angestellt wird, und wodurch ich unterscheide, ob sie als zum reinen Verstande oder zur
sinnlichen Anschauung gehörend untereinander verglichen werden, nenne ich die transzendentale Überlegung” (KrV
A261 B316-7, 212-3).
30 In Ansehung der allgemeinen Naturbegriffe, unter denen überhaupt ein Erfahrungsbegriff (ohne besondere
empirische Bestimmung) allererst möglich ist, hat die Reflexion im Begriffe einer Natur überhaupt, d.i. im Verstande,
schon ihre Anweisung und die Urteilskraft bedarf keines besondern Prinzips der Reflexion, sondern schematisiert
dieselbe a priori und wendet diese Schemata auf jede empirische Synthesis an, ohne welche gar kein Erfahrungsurteil
möglich wäre. Die Urteilskraft ist hier in ihrer Reflexion zugleich bestimmend und der transzendentale Schematism
derselben dient ihr zugleich zur Regel, unter der gegebene empirische Anschauungen subsumiert werden”(EE 18, 48).
19
juízo guiando as sínteses sensíveis da capacidade de imaginação, e pós-reflexivamente
como conceitos sob os quais os objetos são subsumidos em juízos de experiência
objetivamente válidos. No que ela está certa: em sua carta-resposta a Ebenhard, Kant diz
que, embora a priori, nem as categorias nem as formas da sensibilidade são inatas; são
mais propriamente “aquisições originais” e no caso das categorias Longuenesse sugere
que essa aquisição resulta de uma reflexão sobre o produto da atividade sintética da
capacidade de imaginação sob a direção das funções lógicas dos juízos (que são por si
originais).
2) a reflexão envolvida na formação das categorias como conceitos não requer um princípio
distinto, mas é baseada na própria esquematização. Ao prover um exemplar a priori
correspondente à regra pensada no conceito puro, quer dizer, o esquema transcendental,
o juízo provém tudo o que é necessário para chegar ao conceito claro dessa regra, quer
dizer, às categorias como conceitos completos refletidos sob os quais os objetos podem
ser subsumidos nos juízos.
3) aqui o juízo é tanto reflexivo quanto determinativo (“em sua reflexão ao mesmo tempo
determinante”).
Entretanto, o trecho em questão é limitado à função transcendental do juízo com respeito à
esquematização das categorias. E a não ser que se afirme que o que vale para o nível transcendental
vale também para o empírico, não foi ainda tratada a questão de se juízos empíricos ordinários (a
subsunção de intuição empírica sob um conceito) necessariamente envolve tanto determinação
quanto reflexão.
E, em um primeiro momento, o texto da segunda introdução à Crítica da Faculdade do
Juízo parece apoiar Longuenesse menos que o da primeira. Pois naquele texto, Kant parece separar
nitidamente reflexão e determinação, e não tratá-las como atividades simultâneas. Assim, em
conexão com o esquematismo dos conceitos puros, ele aponta que “[a] faculdade de juízo
determinante, sob leis transcendentais universais dadas pelo entendimento, somente subsume”
31
(KU XXVI, 23), e disso conclui que tal juízo não precisa de um princípio distinto. Em contraste, o
juízo reflexivo, aqui entendido em sua função empírica, requer um princípio distinto para proceder
do particular na natureza ao universal (KU XXVII, 24). Então, o quadro pintado por esse texto é de
que o juízo determinante e o juízo reflexivo são duas faculdades distintas, unidas unicamente pelo
interesse comum de conectar universais a particulares. O que procuram fazer de duas maneiras
diametralmente opostas: o primeiro ao subsumir particulares sob conceitos dados (principalmente
31 Die bestimmende Urteilskraft unter allgemeinen transzendentalen Gesetzen, die der Verstand gibt, ist nur
subsumierend” (KU XXVI, 23).
20
conceitos puros do entendimento ou categorias), o que é tornado possível através do fornecimento
de esquemas para esses conceitos e o último ao ascender da intuição empírica a conceitos e
princípios empíricos, o que requer a pressuposição do princípio da finalidade (lógica) da natureza.
Esse modo de caracterizar as diferentes atividades de juízo condiz bastante com o interesse
em introduzir um princípio transcendental distinto para o juízo em sua capacidade reflexiva tema
a que Kant se dedica nas duas introduções à Crítica da Faculdade do Juízo. Inclusive, desse ponto
de vista, o fato de que a reflexão é requerida para a aquisição das categorias como conceitos
completos é dispensável, uma vez que, como dito na primeira introdução, essa reflexão não requer
um princípio distinto do juízo. E esse é provavelmente o porque de Kant ter omitido qualquer
referência a esse ponto na introdução mais compacta, que foi publicada.
Apesar disso, o quadro que Kant fornece é de algum modo enganoso, pelas razões mesmas
que Longuenesse sugere. Pois Kant não indicação do fato de que, segundo ele, todos os juízos
teóricos, inclusos os empíricos, contêm o que pode ser chamado um “momento” de reflexão assim
como de determinação. Mais ainda, o reconhecimento deste fato é crucial para o entendimento
adequado da dedução kantiana de um princípio transcendental especial em sua reflexão empírica e
no seu tratamento dos juízos de gosto puros como baseados em “mera reflexão”.
Gostaria que o leitor me concedesse um pouco de sua paciência para atingirmos um
entendimento mais profundo dessa questão no capítulo seguinte, quando tratarmos do
esquematismo, onde apontaremos como a reflexão é necessária a toda aplicação de conceitos
empíricos mostrando que um tratamento do juízo apenas em termos de determinação é
inerentemente incompleto, requerendo como seu complemento a atividade que Kant denomina
“reflexão”. Peço que o leitor nos permita, então, dedicarmo-nos por agora a explicitar as noções de
juízo, determinação e reflexão para que comecemos a situar a função da capacidade de imaginação
produtiva como exibição.
1.2. O Juízo
Na introdução à “Analítica dos Princípios” na Crítica da Razão Pura, a faculdade do juízo é
definida em contraste com o entendimento (a faculdade de regras) como “a faculdade de subsumir
sob regras, isto é, de distinguir se algo está sob uma regra dada (casus datae legis) ou não” (KrV
A132 B171, 142)
32
. Segundo Kant, a lógica geral não fornece regras para o juízo assim concebido,
pois isso levaria ao regresso ao infinito ao procurar regras para a aplicação de regras. Assim, a
32 Das Vermögen unter Regeln zu subsumieren, d. i. zu unterscheiden, ob etwas unter einer gegebenen Regel (casus
datae legis) stehe, oder nicht”(KrV A132 B171, 142).
21
explicação da possibilidade da cognição requer que em algum momento o sujeito seja capaz de
simplesmente ver se um dado ou estado de coisas instancia ou não uma regra específica. A
capacidade para essa “visão”, ou “sentimento” não-mediada, é que é o juízo, um talento particular
que só pode ser exercitado, mas não ensinado (KrV A133 B172, 142).
Contudo, essa concepção do juízo como “talento”, capacidade de “simplesmente ver”, deixa
muitas questões em aberto. Tentemos conseguir mais caracterizações.
Ora, a faculdade do juízo é a faculdade de subsumir sob regras; isto é, de distinguir se algo
está ou não sob determinada regra (KrV A132 B171, 142). Subsumir o quê? Representações
(intuições e conceitos) e outros juízos. Lembremos que “regra” é sinônimo de “conceito”. Portanto,
pode-se dizer que “um juízo é a representação da unidade da consciência de diversas representações
ou a representação da relação entre elas, na medida em que constituem um conceito” (Lógica, 121)
ou “que um juízo não é senão o modo de levar conhecimentos dados à unidade objetiva da
apercepção. Nos juízos, a partícula relacional é visa distinguir a unidade objetiva de representações
dadas da unidade subjetiva” (KrV B141-2, 126)
33
. Em suma, os juízos são tão fundamentais para
Kant, pois, segundo ele, são as operações responsáveis por fazer de nossas próprias representações
objetos de nosso pensamento, pois o ato de ajuizar é o próprio ato de relacionar representações ao
trazê-las à consciência.
Ao chamar “objetiva” a unidade de representações resultante de um juízo, Kant está não
distinguindo-a de uma mera unidade subjetiva baseada na associação, como está também indicando
que a validade objetiva é uma característica que define o juízo como tal e não uma propriedade
pertencente apenas aos juízos verdadeiros, como seria de se pensar. Entretanto, isso não deve ser
entendido como sugerindo que toda unificação de representações sob uma forma judicativa é por
isso “verdadeira”, i.e., conforme a seu objeto. Deve sim ser entendido como dizendo que todo juízo
cognitivo afirma algo sobre seu objeto putativo – e, assim, tem valor de verdade.
Portanto, o conhecimento resultante da operação judicativa é mais complexo quando
comparado aos conceitos ou às intuições. Os juízos proporcionam conhecimento do objeto na
medida em que são uma representação que contém sob si outras representações, quais sejam,
conceitos e esses se referem a intuições. Uma vez que a intuição se refere imediatamente ao
objeto, o conhecimento que se relaciona ao objeto através de um conceito ou de um juízo é sempre
uma representação mediada desse objeto. E isso é precisamente o que Kant tem em mente na
porção introdutória da “Lógica Transcendental” na qual ele caracterizou o juízo como “o
conhecimento mediado de um objeto, por conseguinte a representação de uma representação do
33 “[D] ein Urteil nichts anderes sei, als die Art, gegebene Erkenntnisse zur objektiven Einheit der Apperzeption zu
bringen. Darauf zielt das Verhältniswörtchen ist in denselben, um die objektive Einheit gegebener Vorstellungen von
der subjektiven zu unterscheiden” (KrV B141-2, 126)
22
mesmo” (KrV A68 B93, 102)
34
. Pensando na caracterização do juízo como a subsunção de uma
representação sob uma regra, podemos caracterizar o juízo como a consciência da relação que existe
entre a representação intuitiva e a representação conceitual, ou regra, ou de regras entre si.
Todavia, não devemos esquecer as caracterizações do juízo que fornecemos algumas páginas
atrás:
O Juízo pode ser considerado, seja como mera faculdade de refletir, segundo um certo princípio, sobre uma
representação dada, em função de um conceito tornado possível através disso, ou como uma faculdade de
determinar um conceito que está no fundamento, por uma representação empírica dada. No primeiro caso ele é
o juízo reflexionante, no segundo o determinante (EE 16, 47)
35
.
E
A faculdade do juízo em geral é a faculdade de pensar o particular como contido no universal. No caso de este
(a regra, o princípio, a lei) ser dado, a faculdade do juízo, que nele subsume o particular, é determinante (o
mesmo acontece se ela, enquanto faculdade do juízo transcendental, indica a priori as condições de acordo
com as quais apenas naquele universal é possível subsumir). Porém, se só o particular for dado, para o qual ela
deve encontrar o universal, então a faculdade do juízo é simplesmente reflexiva (KU XXV-XXVI, 23)
36
.
O que quer dizer que o juízo é a faculdade de refletir sobre uma representação segundo um
princípio para possibilitar um conceito ou determinar um conceito através de uma representação
empírica. O que vem a dar no mesmo que dizer que o juízo é a faculdade de pensar o particular (a
representação empírica ou intuitiva dada) como contida no universal, isto é, no conceito.
Esse universal é tornado possível através da reflexão quando do juízo, por isso se diz que no
juízo reflexivo encontra-se um universal para um particular dado. No caso do juízo determinante,
esse universal lhe está como fundamento, daí diz-se que esse tipo de juízo indica um exemplar a um
conceito dado mas isso é possível porque houve um momento reflexivo anterior a constituir o
universal.
Podemos então entender o juízo como uma operação de representação da unidade da
consciência de diversas representações (e das relações que elas mantêm entre si) através da
reflexão, operação essa que leva à unidade objetiva da consciência, afirmando ou negando algo
sobre o objeto das representações que representa, assumindo assim um valor de verdade, através da
determinação.
34 “[D]ie mittelbare Erkenntnis eines Gegenstandes, mithin die Vorstellung einer Vorstellung desselben (KrV A68
B93, 102)
35 Die Urteilskraft kann entweder als bloßes Vermögen, über eine gegebene Vorstellung, zum Behuf eines dadurch
möglichen Begriffs, nach einem gewissen Prinzip zu reflektieren, oder als ein Vermögen, einen zum Grunde liegenden
Begriff durch eine gegebene empirische Vorstellung zu bestimmen, angesehen werden. Im ersten Falle ist sie die
reflektierende, im zweiten die bestimmende Urteilskraft”(EE 16, 47).
36 Urteilskraft überhaupt ist das Vermögen, das Besondere als enthalten unter dem Allgemeinen zu denken. Ist das
Allgemeine (die Regel, das Prinzip, das Gesetz) gegeben, so ist die Urteilskraft, welche das Besondere darunter
subsumiert (auch, wenn sie, als transzendentale Urteilskraft, a priori die Bedingungen angibt, welchen gemäß allein
unter jenem Allgemeinen subsumiert werden kann) bestimmend. Ist aber nur das Besondere gegeben, wozu sie das
Allgemeine finden soll, so ist die Urteilskraft bloß reflektierend(KU XXV-XXVI, 23).
23
1.3. Determinação
Entender “determinação” com respeito ao juízo vem a ser mais complicado do que parece,
pois há três diferentes objetos de determinação.
Algumas vezes, Kant indica que é um conceito que é determinado (p.ex., EE 16, 47), a
determinação consistindo em fornecer a ele uma intuição correspondente. Como se sabe, determinar
conceitos dessa maneira é essencial para Kant, pois “[p]ensamentos sem conteúdo são vazios” (KrV
A51 B75, 92)
37
.
Para entender a concepção kantiana de juízo, entretanto, o ponto fundamental é que todo
juízo é determinante na medida em que estabelece uma afirmação sobre o seu objeto putativo.
Desse ponto de vista, o que é determinado é o objeto referido no juízo caracterizado como “x”
para indicar sua indeterminação anterior ao ato judicativo. No juízo categórico, essa determinação
ocorre através da subsunção da intuição correspondente a esse “x” sob um conceito – o qual tornará
possível a subsunção ou subordinação sob conceitos adicionais do juízo. E é precisamente porque
um juízo envolve uma referência a um objeto que ele pode ser dito determinante de seu objeto. O
que sugere que na medida em que todo juízo é objetivamente válido ele é determinante.
Contudo, uma vez que, através da subsunção, a intuição é determinada como objeto de um
tipo particular, é desse modo também um sujeito de determinação pelo juízo. Em outras palavras, a
determinação de um objeto ocorre na e, através da, determinação conceitual de sua intuição.
Em resumo, são três sujeitos não-excludentes de determinação, de modo que a determinação
envolve três aspectos: (1) a determinação do conceito ao fornecer-lhe uma intuição que lhe
corresponda, que ele seja capaz de abarcar adequadamente; (2) a determinação do objeto, “x”,
referido no juízo ao se fazer uma afirmação sobre ele; (3) a determinação da intuição ao subsumi-la
sob um conceito e caracterizá-la como um objeto de um tipo específico.
A determinação de que se fala no juízo determinante é, então, a determinação da intuição, do
conceito e do objeto, mas todas na mesma operação: compreender uma intuição em um conceito,
caracterizando-a como um objeto.
1.4. A Reflexão
A caracterização mais geral que Kant nos oferece da natureza da reflexão é a seguinte:
Refletir (Überlegen), porém, é: comparar e manter-juntas dadas representações, seja com outras, seja com sua
faculdade-de-conhecimento, em referência a um conceito tornado possível através disso. O juízo reflexionante
37 “Gedanken ohne Inhalt sind leer” (KrV A51 B75, 92).
24
é aquele que também se denomina faculdade-de-julgamento (facultas dijudicanti) (EE 16, 47)
38
.
Nesse trecho a reflexão é definida nos termos mais amplos possíveis para incluir os três
tipos de reflexão: não somente (1) a reflexão lógica envolvida na formulação de conceitos, mas
também (2) a reflexão transcendental, que ele apresenta na Crítica da Razão Pura como um
antídoto à anfibologia do uso dos conceitos de reflexão por Leibniz, e mais importante, o tipo de (3)
mera reflexão”, a qual, argüiremos, está envolvida nos juízos estéticos. Embora difiram entre si, os
três tipos de reflexão são operações de comparar e agrupar representações dadas.
Trataremos com mais vagar da reflexão lógica no próximo capítulo, quando estudarmos o
esquematismo empírico, pois é aquela que opera na formação de conceitos, juntamente com a
comparação e a abstração. Por agora, digamos apenas que ela é a comparação de representações
entre si.
Da reflexão transcendental, porém, encontramos na Crítica da Razão Pura uma definição
bastante clara:
A reflexão (reflexio) não tem nada a ver com objetos mesmos, para obter diretamente conceitos deles, mas é o
estado da mente em que nos dispomos inicialmente a descobrir condições subjetivas sob as quais podemos
chegar a conceitos. É a consciência da relação de representações dadas às nossas diversas fontes de
conhecimento, mediante a qual unicamente pode ser determinada corretamente a sua relação entre si. Antes de
todo o posterior tratamento das nossas representações, a primeira pergunta é a seguinte: a que poder de
conhecimento pertencem todas elas em conjunto? Aquilo, ante o qual elas são conectadas ou comparadas, é o
entendimento ou são os sentidos? (...)[T]odos os juízos, antes, todas as comparações necessitam uma reflexão,
isto é, uma distinção da capacidade de conhecimento à qual pertençam os conceitos dados. O ato pelo qual
aproximo a comparação das representações em geral com a capacidade de conhecimento, em que aquele é
instituído, e pelo qual distingo se tais representações são comparadas entre si como pertencentes ao
entendimento puro ou à intuição sensível, denomino-o reflexão transcendental (KrV A260-1 B316-7, 212-3
39
.
A reflexão transcendental é, então, o estado mental que permite investigar as relações das
representações com o entendimento e com a sensibilidade de modo a permitir a formulação objetiva
de conceitos ao identificar se determinada representação tem origem sensível ou intelectual.
a “mera reflexão” é aquela que está presente no juízo reflexivo. E ela é uma mera
reflexão”, ou esse juízo é simplesmente reflexivo”, porque aqui não determinação. Como se
38 “Reflektieren (Überlegen) aber ist: gegebene Vorstellungen entweder mit andern, oder mit seinem
Erkenntnisvermögen, in Beziehung auf einen dadurch möglichen Begriff, zu vergleichen und zusammen zu halten. Die
reflektierende Urteilskraft ist diejenige, welche man auch das Beurteilungsvermögen (facultas diiudicandi) nennt (EE
16, 47).
39 Die Überlegung (reflexio) hat es nicht mit den Gegenständen selbst zu tun, um geradezu von ihnen Begriffe zu
bekommen, sondern ist der Zustand des Gemüts, in welchem wir uns zuerst dazu anschicken, um die subjektiven
Bedingungen ausfindig zu machen, unter denen wir zu Begriffen gelangen können. Sie ist das Bewußtsein des
Verhältnisses gegebener Vorstellungen zu unseren verschiedenen Erkenntnisquellen, durch welches allein ihr
Verhältnis untereinander richtig bestimmt werden kann. Die erste Frage vor aller weiteren Behandlung unserer
Vorstellung ist die: in welchem Erkenntnisvermögen gehören sie zusammen? Ist es der Verstand, oder sind es die Sinne,
vor denen sie verknüpft, oder verglichen werden? [A]lle Urteile, ja alle Vergleichungen bedürfen einer Überlegung,
d. i. einer Unterscheidung der Erkenntniskraft, wozu die gegebenen Begriffe gehören. Die Handlung, dadurch ich die
Vergleichung der Vorstellungen überhaupt mit der Erkenntniskraft zusammenhalte, darin sie angestellt wird, und
wodurch ich unterscheide, ob sie als zum reinen Verstande oder zur sinnlichen Anschauung gehörend untereinander
verglichen werden, nenne ich die transzendentale Überlegung (KrV A260-1 B316-7, 212-3).
25
verá, a reflexão lógica é um passo necessário à determinação, pois é ela que permite formar o
conceito adequado a uma intuição. E a reflexão transcendental é uma preparação ainda mais
primária para a determinação do que a reflexão lógica. Pois antes de subsumir intuições a conceitos,
quer dizer, determinar a intuição e o conceito através da determinação de um objeto, deve-se
reconhecer a origem das representações caracterizando-se umas como intuições e outras como
conceitos, o que vem a ser a reflexão transcendental.
Assim, quando de um juízo determinante, tem-se primeiro a reflexão transcendental à qual
se segue uma reflexão lógica e só depois é possível a determinação.
A mera reflexão, ou reflexão estética, é aquela que não serve de preparação para uma
determinação, como o são a reflexão lógica e a transcendental. Para quê ela serve então? Serve ao
juízo reflexivo – corruptela de juízo meramente reflexivo.
Isso será o tema da próxima sessão. Antes disso, fiquemos com a seguinte lista de
caracterizações da reflexão (que abarca, tanto a mera reflexão, quando a reflexão lógica e a
transcendental):
(1) os objetos da reflexão são sempre representações dadas.
(2) a atividade da reflexão consiste essencialmente em uma comparação envolvendo essas
representações.
(3) essa comparação é primariamente direcionada à formação de conceitos.
(4) duas espécies dessa atividade: uma na qual representações são comparadas com
outras para determinar semelhanças e diferenças (reflexão lógica) e outra na qual elas são
comparadas com a faculdade cognitiva (reflexão transcendental). Ambas direcionadas à
determinação, e mais a “mera reflexão”, que não direciona-se à reflexão.
1.5. O Juízo Estético
40
Do juízo determinante sabemos que é preparado pelas reflexões transcendental e lógica
antes de proceder à determinação, a qual vimos concernir a três sujeitos. E no próximo capítulo
veremos detalhadamente seu processo de reflexão lógica quando tratarmos da aplicação de
conceitos empíricos. Por isso, na presente seção, nos dedicaremos a explicitar o que é o juízo
meramente reflexivo, com especial atenção a seu tipo estético, pois que esse é o que mais interessa
ao estudo da capacidade de imaginação.
duas espécies de juízos meramente reflexivos: juízo estético de reflexão (depois a ser
40 Sobre esse tipo de juízo, recomendamos (CROWTHER, 1998), (BRANDT, 1998) e (AMERIKS, 1998).
26
dividido em duas classes (juízos de gosto e juízos do sublime
41
) e juízo teleológico. Aqui nos
interessamos apenas pelo primeiro, e mais precisamente com o de gosto, pois, juntamente com o
determinante, é o que mais nos diz sobre a capacidade de imaginação produtiva. Mas uma rápida
olhada nos teleológicos, o que neles os fazem meramente reflexivos, nos apontará diferenças
importantes e logo uma melhor especificação do que vem a ser o juízo reflexivo estético de gosto,
ou tão somente “juízo de gosto”.
Juízos teleológicos são juízos sobre certos produtos da natureza que Kant chama “propósitos
naturais” ou “formas naturais”, isto é, seres orgânicos. Kant afirma que para entendermos a
possibilidade interna ou natureza intrínseca de tais seres, é necessário tomá-los “como se fossem
produtos de uma causa cuja causalidade pudesse ser determinada apenas por uma representação do
objeto”. Quer dizer, eles precisam ser considerados como produtos de uma causalidade intencional,
mais do que simplesmente de uma causalidade operando de acordo com leis mecânicas. Tais juízos
são reflexivos porque baseados em uma comparação do objeto dado na intuição empírica com a
idéia de um sistema da razão (um todo que precede e torna possível a conexão de suas partes).
O ponto essencial não é que juízos teleológicos são reflexivos, mas que são meramente
reflexivos. Inclusive, uma vez que eles têm a forma de juízos cognitivos sobre objetos empíricos,
pode-se pensar que, como os juízos de experiência, eles devem ser tanto determinantes quanto
reflexionantes. Mas Kant nega isso por eles não subsumirem realmente seus objetos sob o conceito
de uma causalidade de acordo com propósitos (o que os faria determinantes), mas apenas
expressarem como, dada a natureza de nossas capacidades cognitivas, tais objetos precisam ser
reflexionados, se um conceito empírico correspondente a sua natureza interna deve ser possível.
Quer dizer: eles se fundamentam em uma afirmação metodológica de que esses objetos devem ser
investigados como se eles fossem produtos de uma tal causalidade, mais do que uma afirmação
causal direta de que eles são de fato tais produtos. Assim, como no caso da finalidade lógica, é uma
matéria de heautonomia, do juízo se legislando mais do que à natureza, e é isso que torna juízos
teleológicos meramente reflexivos.
Se o problema com os juízos teleológicos é entender por que eles devam ser meramente
reflexivos (e não também determinantes), a dificuldade com os juízos estéticos é exatamente o
oposto. Pois o juízo sobre a beleza é claramente não-cognitivo, quer dizer, obviamente não
determinante; daí a pergunta que nos assalta é como ele pode ser reflexivo.
Lembremos que refletir é “comparar e manter-juntas dadas representações, seja com outras,
seja com sua faculdade-de-conhecimento, em referência a um conceito tornado possível através
41 Por motivos de economia textual e teórica, o juízo sobre o sublime será discutido no capítulo de conclusão dessa
dissertação.
27
disso” (EE 16, 47)
42
. Quando comparada a essa definição, a reflexão estética, a mera reflexão, parece
uma anomalia. Como toda reflexão, ela consiste essencialmente em uma comparação envolvendo
uma representação dada, e como a reflexão transcendental, essa comparação é com a faculdade
cognitiva mais do que com outras representações. Mas ela difere das outras formas de reflexão em
que, como estética, ela não parece propriamente caracterizável como envolvendo referência a um
conceito que ela torna possível. Pelo contrário, o que é produzido através da reflexão estética não é
um conceito, mas um sentimento. Por conseguinte, o problema é explicar como uma coisa como um
juízo estético de reflexão é possível.
Pois bem, o que faz com que um juízo seja estético é o fato de que é baseado em um
sentimento de prazer e desprazer, logo, ele não é cognitivo. Ao invés de uma afirmação sobre um
objeto, ele afirma sobre o estado representacional do sujeito ao apreender um objeto. Isso reflete a
visão kantiana de que sentimentos não possuem função cognitiva. Assim, Kant define um juízo
estético em geral como um “cujo predicado jamais pode ser conhecimento (o conceito de um
objeto) embora possa conter as condições subjetivas um conhecimento em geral” (EE 30, 60)
43
.
Isso porque o fundamento determinante de um tal juízo é sempre o sentimento de prazer e desprazer
que nunca pode vir a ser o conceito de um objeto. E não o pode pois além desse sentimento ser uma
sensação, diferentemente de sensações tais como de cor ou som (“matéria de intuição empírica”), o
sentimento de prazer e desprazer não pode ser referido a objetos em juízos cognitivos.
Isso posto, vejamos uma distinção ulterior proposta por Kant. dois tipos de juízos
estéticos: os de reflexão e os de sentido.
Kant caracteriza um juízo estético de sentido como um em que “o predicado exprime a
referência de uma representação imediatamente ao sentimento de prazer, e não à faculdade de
conhecimento” (EE 30, 60)
44
. Quer dizer, é um juízo sobre a agradabilidade (ou falta dela) da
sensação produzida por um encontro experiencial com um objeto, p.ex., o gosto do vinho.
Em contraste, no juízo estético de reflexão:
[O] jogo harmonioso das duas faculdades de conhecimento do juízo, capacidade de imaginação e
entendimento, efetua no sujeito, na medida em que, na representação dada, a faculdade de apreensão de uma e
a faculdade de exposição do outro são mutuamente favoráveis uma à outra, proporção esta que, em tal caso,
efetua por essa mera forma uma sensação, a qual é o fundamento de determinação de um juízo, que por isso se
chama estético e, como finalidade sujetiva (sem um conceito) e assim é conectada com o sentimento de prazer
(EE 30-1, 61)
45
.
42 “[G]egebene Vorstellungen entweder mit andern, oder mit seinem Erkenntnisvermögen, in Beziehung auf einen
dadurch möglichen Begriff, zu vergleichen und zusammen zu halten” (EE 16, 47).
43 “[D]essen Prädikat niemals Erkenntnis (Begriff von einem Objekte) sein kann (ob es gleich die subjektive
Bedingungen zu einem Erkenntnis überhaupt enthalten mag)” (EE 30, 60).
44 “[D]as Prädikat die Beziehung einer Vorstellung unmittelbar auf das Gefühl der Lust und nicht aufs
Erkenntnisvermögen ausdruckt (EE 30, 60).
45 “[D]as harmonische Spiel der beiden Erkenntnisvermögen der Urteilskraft, Einbildungskraft und Verstand im
Subjekte bewirkt, indem in der gegebenen Vorstellung das Auffassungsvermögen der einen und das
28
Assim, enquanto ambas espécies de juízo estético são não-cognitivos porque baseados em
sensações, eles o são de diferentes maneiras. Aqueles do sentido podem ser ditos não passar pela
cognição de nenhuma maneira, uma vez que a sensação surge imediatamente da percepção,
independentemente de qualquer reflexão nele. Em contraste, em um juízo estético de reflexão, é
precisamente o ato reflexivo de comparação, que envolve referência às faculdades cognitivas e sua
relação normativa, que produz a sensação em questão.
Em sua tentativa inicial de explicar como uma sensação ou sentimento de prazer ou
desprazer pode entrar em um ato de juízo, Kant nota que a relação entre capacidade de imaginação e
entendimento em tal ato pode ser considerada de duas maneiras: ou objetivamente como
pertencendo à cognição (Kant aqui refere-se ao esquematismo transcendental como um tratamento
dessa relação objetiva) ou subjetivamente, na medida em que uma dessas faculdades incentiva ou
atrapalha a outra em uma e a mesma representação e assim afeta o estado mental, de maneira que
aqui consideramos a relação como uma que pode ser sentida (EE 29, 59). No último caso, claro, o
juízo é estético, uma vez que a relação é sentida, mais do que compreendida conceitualmente.
Apesar disso ela permanece reflexiva, uma vez que o prazer vem da relação harmoniosa das
faculdades cognitivas em um ato de “mera reflexão”.
Kant liga ainda o sentimento de prazer conectado com tal reflexão à representação de uma
finalidade subjetiva. Ora, como se sabe, a representação da finalidade subjetiva no juízo estético de
reflexão é “o sentimento de prazer” (EE 64, 88). O que nos leva à pergunta pelo que é o prazer:
[P]razer é um estado da mente, no qual uma representação concorda consigo mesma, como fundamento, seja
meramente para conservar esse próprio estado (pois o estado de poderes-da-mente favorecendo-se mutuamente
em uma representação conserva a si mesmo), ou para produzir seu objeto. No primeiro caso, o juízo sobre a
representação dada é juízo de reflexão estético. No segundo, é um juízo estético patológico ou estético-prático
(EE 38, 68)
46
.
Kant chama essa definição de “transcendental”, e, com isso, pretendeu sublinhar sua
completa generalidade, i.e., sua aplicabilidade a todo tipo de prazer, não importando qual fosse sua
natureza ou origem. Para contrastar com o prazer que serve como fundamento de um estado mental
harmonioso que se preserva através da produção por si próprio do que lhe apraz (o livre jogo), aqui
Kant antecipa a distinção entre o prazer desinteressado e outras formas interessadas, concernidas
com a existência do objeto no qual se sente prazer (que inclui prazer tanto no agradável quanto no
bom, aqui caracterizado como “patológico” e “prazer prático” respectivamente).
Darstellungsvermögen der andern einander wechselseitig beförderlich sind, welches Verhältnis in solchem Falle durch
diese bloße Form eine Empfindung bewirkt, welche der Bestimmungsgrund eines Urteils ist, das darum ästhetisch heißt
und als subjektive Zweckmäßigkeit (ohne Begriff) mit dem Gefühle der Lust verbunden ist”(EE 30-1, 61).
46 “Lust ist ein Zustand des Gemüts, in welchem eine Vorstellung mit sich selbst zusammenstimmt, als Grund, entweder
diesen bloß selbst zu erhalten (denn der Zustand einander wechselseitig befördernder Gemütskräfte in einer
Vorstellung erhält sich selbst), oder ihr Objekt hervorzubringen. Ist das erstere, so ist das Urteil über die gegebene
Vorstellung ein ästhetisches Reflexionsurteil. Ist aber das letztere, so ist ein ästhetisch-pathologisches, oder ästhetisch-
praktisches Urteil”(EE 38, 68).
29
Precisamos agora buscar uma compreensão da reflexividade desse juízo; e para tanto
observemos um trecho onde Kant oferece um sumário de suas opiniões a respeito dos elementos de
um juízo que não é meramente reflexivo, que envolve determinação e reflexão, e assim resulta em
um conceito empírico aplicável a uma esfera de objetos, i.e., uma cognição:
A cada conceito empírico pertencem três ações da faculdade-de-conhecimento espontânea, a saber: 1. a
apreensão (apprehensio) do diverso da intuição; 2. a compreensão, isto é, a unidade sintética da consciência
desse diverso no conceito de um objeto (apperceptio comprehensiva); 3. a exibição (exhibitio) do objeto
correspondente a esse conceito na intuição. Para a primeira ação é requerida capacidade de imaginação, para a
segunda entendimento, para a terceira juízo, o qual, quando se trata de um conceito empírico, seria juízo
determinante (EE 25-6, 56 trad. modif.)
Uma vez que o objetivo dessa passagem é fornecer um contraste do juízo determinante com
as noções de “mera reflexão” e “juízo meramente reflexivo”, devemos prestar bastante atenção.
Embora Kant se refira a três “atos” distintos, parece mais razoável tomá-lo como descrevendo três
condições ou requerimentos irredutíveis de tal juízo, e não uma série de atos discretos sucessivos.
O ponto que nos interessa agora é: se no juízo determinante necessita-se de apreensão,
compreensão e exibição; no juízo estético de reflexão tem-se apenas a apreensão e a exibição,
[P]orque na mera reflexão sobre uma percepção não se trata de um conceito determinado, mas de um modo
geral somente da regra para refletir sobre uma percepção em função do entendimento como uma faculdade de
conceitos: vê-se bem que em um juízo meramente reflexionante, capacidade de imaginação e entendimento são
considerados na proporção em que têm de estar no juízo em geral em relação um ao outro, comparada com a
proporção em que efetivamente estão, em uma percepção dada (EE 26, 56)
47
.
Quando aqui se diz da proporção em que capacidade de imaginação tem que estar, Kant está
se referindo ao que, nos estudos kantianos, chama-se “a harmonia das faculdades” - e que foi
mencionada en passant parágrafos acima. Por isso, para compreender a mera reflexão, nosso
próximo passo é tratar desse tema, antes de apresentar as operações de apreensão e exibição.
1.6. A Harmonia das Faculdades
A “harmonia (Übereinstimmung a tradução brasileira diz “concordância”) das faculdades”
é condição para o conhecimento em geral (KU 155, 139). Mas é preciso distinguir entre “harmonia”
e livre harmonia” (ou “livre jogo”) (KU 28, 62 e 200, 163) das faculdades. Observemos como se
dá essa distinção.
O modo como Kant entende a relação entre capacidade de imaginação e entendimento em
toda cognição é bem expresso, embora metaforicamente, em uma passagem das transcrições de um
aluno de suas palestras sobre lógica:
47 Weil es aber in der bloßen Reflexion über eine Wahrnehmung nicht um einen bestimmten Begriff, sondern
überhaupt nur um die Regel, über eine Wahrnehmung zum Behuf des Verstandes, als eines Vermögens der Begriffe, zu
reflektieren, zu tun ist: so sieht man wohl, daß in einem bloß reflektierenden Urteile Einbildungskraft und Verstand in
dem Verhältnisse, in welchem sie in der Urteilskraft überhaupt gegen einander stehen müssen, mit dem Verhältnisse, in
welchem sie bei einer gegebenen Wahrnehmung wirklich stehen, verglichen, betrachtet werden” (EE 26, 56).
30
A capacidade de imaginação e o entendimento são dois amigos que não podem ficar um sem o outro, mas
também não podem ficar juntos, pois um sempre irrita o outro. Quanto mais universal o entendimento é em
suas regras, mais perfeito ele é, mas se ele quer considerar as coisas in concreto ele não o pode absolutamente
fazer sem a capacidade de imaginação (Logik Dohna-Wundlachen 24: 710 apud. ALLISSON, 2001: 48 – trad.
nossa).
Como a passagem sugere, a “amizade” entre entendimento e capacidade de imaginação só se
dá com uma certa tensão, resultante do fato de que eles puxam em direções opostas: o entendimento
para a universalidade e a capacidade imaginação para a especificidade. Embora o entendimento
requera a capacidade de imaginação para exibir intuitivamente o que é pensado no conceito, e a
capacidade de imaginação presumivelmente precise do entendimento para lhe dar a direção (de
modo que ela saiba o que exibir), eles apesar disso trabalham com propósitos cruzados (e assim
“irritam” um ao outro). Embora Kant não o explicite, isso presumivelmente ocorre tanto quando o
entendimento, em sua busca por universalidade, produz um conceito que é muito geral e
indeterminado para ser apresentado adequadamente in concreto por qualquer instância particular
quanto quando o particular imaginativamente apreendido é muito idiossincrático ou atípico para
representar adequadamente o que é pensado no conceito.
Segundo Allison (Op. Cit.: 48-50), isso sugere que a noção geral de harmonia das
faculdades cognitivas pode ser tomada em um sentido ideal máximo ou mínimo, com o primeiro
permitindo graus de aproximação a esse ideal
48
.
A harmonia construída minimamente ocorre sempre que acordo entre conceito e
representação intuitiva. Nesse sentido, a harmonia é uma condição necessária da cognição em geral.
Essa é a “livre harmonia” ou o “livre jogo” e isso acontece no juízo meramente reflexivo
49
.
Essa harmonia necessária para a cognição em geral, a livre harmonia, é um modo artístico
de exibição ou especificação através da reflexão; a reflexão requer seu próprio princípio
transcendental quando especifica o conceito geral de natureza e se a tarefa de ordenação
sistemática do contéudo empírico da natureza. Para entender a apreensão estética da forma é preciso
relacioná-la ao propósito sistemático do juízo reflexivo, onde a relação entre apreensão e exibição é
uma concordância sentida entre a forma apreendida e a especificação reflexiva da forma.
A despeito de sua explícita negação de status cognitivo ao sentimento de prazer e desprazer,
Kant mantém que a relação entre a livre harmonia das faculdades e o prazer no juízo de gosto é
intencional tanto quanto causal. Em outras palavras, o sentimento de prazer não é simplesmente o
efeito de uma tal harmonia (embora ele não deixe de ser isso): ele é também o próprio meio através
do qual alguém se torna consciente dessa harmonia, embora de uma maneira que não leva à
cognição. Kant caracteriza a relação entre as faculdades como uma que pode ser sentida (EE 29,
48 O que se segue acerca desse tema é praticamente uma transcrição da discussão indicada de Allison sobre esse ponto.
49 Sobre a noção de “livre jogo”, ver (GASCHE, 1998).
31
59), e que embora essa sensação da relação não seja uma representação sensível de um objeto, ela
leva a uma representação sensível do estado do sujeito que é afetado por um ato do juízo (KU 27-
31, 58-63).
Uma vez que a intencionalidade do juízo de gosto é aceita, a identificação do prazer
conectado à livre harmonia com a representação da finalidade subjetiva perde muito de seu
mistério. A livre harmonia é ela própria subjetivamente final, uma vez que ela envolve o incentivo
das faculdades cognitivas envolvidas, e o prazer é precisamente a sensação através da qual o sujeito
se torna consciente dela.
A exposição kantiana da relação entre entendimento e capacidade de imaginação na livre
harmonia condiz com nossa especificação da reflexão como uma atividade inconsciente de segunda
ordem; inclusive, o que ele diz pode parecer misterioso sem aquele entendimento da reflexão. Ele
afirma que quando um conceito não é aplicado em um juízo determinado, capacidade de
imaginação e entendimento devem ser considerados não como operam em um caso particular de
concepção, mas inteiramente em geral, respectivamente, como (1) a habilidade para apreender
qualquer múltiplo da intuição e (2) a capacidade para exibir na intuição uma figura para qualquer
concepção possível de um objeto. De maneira similar, Kant escreve que a reflexão
mantém juntos a capacidade de imaginação (em meramente apreender a intuição) e o entendimento (na
exibição de um conceito em geral) e percebe uma proporção de ambas as faculdades-de-conhecimento, que
constitui em geral a condição subjetiva, meramente sensível, do uso objetivo do juízo (ou seja, a concordância
daquelas duas faculdades entre si) (EE 30; 60)
50
.
A capacidade da reflexão de inspecionar os relacionamentos de faculdades engajadas em um
ou outro processo de primeira ordem é apenas a habilidade de considerar cada faculdade em termos
de suas funções cognitivas mais gerais, aquelas funções como elas são aplicáveis em todo o âmbito
de atividades das quais elas podem participar.
Em contraste, a harmonia maximamente construída ocorre quando o acordo entre universal e
particular é extremamente próximo, i.e., quando o conceito do entendimento não é muito
indeterminado para a capacidade de imaginação e a imagem da capacidade de imaginação exibe
todas as características essenciais pensadas no conceito. Nesse caso, pensamos nas duas faculdades
trabalhando como um mecanismo perfeito sem fricção, e a subsunção ocorre sem dificuldade que
ocorre no juízo determinante. E essa é a harmonia sem a liberdade da capacidade de imaginação,
muito antes pelo contrário, aí vemos sua submissão ao entendimento.
Essa harmonia (regrada, não livre) necessária para a cognição é um modo mecânico de
exibição ou especificação das categorias para a aplicação de conceitos; um acordo entre
50 “[D]ie Einbildungskraft (bloß in der Auffassung desselben) mit dem Verstande (in Darstellung eines Begriffs
überhaupt) zusammenhält und ein Verhältnis beider Erkenntnisvermögen wahrnimmt, welches die subjektive bloß
empfindbare Bedingung des objektiven Gebrauchs der Urteilskraft (nämlich die Zusammenstimmung jener beiden
Vermögen unter einander) überhaupt ausmacht” (EE 30; 60).
32
apreensão e exibição na esquematização das categorias pela capacidade de imaginação, acordo esse
que representa a medida à qual
a reflexão tem já. no conceito de natureza em geral, isto é, no entendimento, sua instrução, e o juízo não
precisa de nenhum princípio particular de reflexão, mas esquematiza-a a priori e aplica esses esquemas a toda
síntese empírica, sem a qual nenhum juízo de experiência seria possível. O juízo é aqui em sua reflexão ao
mesmo tempo determinante e seu esquematismo transcendental lhe serve ao mesmo tempo de regra, sob a qual
são subsumidas intuições empíricas dadas
51
.
Portanto, na livre harmonia a harmonia livre de conceitos determinados constituinte do
juízo reflexivo (KU XLVII, 35), capacidade de imaginação e entendimento são considerados
inteiramente em geral respectivamente, como a habilidade para apreender qualquer múltiplo da
intuição e a capacidade para exibir na intuição uma figura para qualquer conceituação possível de
um objeto (KU 30, 60). Por outro lado, embora quando a capacidade de imaginação e entendimento
operam em um caso particular de conceituação, um juízo determinante, estejam também em
harmonia, é uma harmonia na qual a capacidade de imaginação não é “livre”, pelo contrário, é
regida pelas regras do entendimento (EE 25-6, 56). Assim, a diferença entre os juízos reside no tipo
de ajuste (harmonia) entre capacidade de imaginação e entendimento; e a diferença das “harmonias”
é a existência ou não da “liberdade” da capacidade de imaginação diante das regras do
entendimento. Logo, interessa saber em que consiste essa liberdade.
Como já foi dito, segundo Kant, para haver um caso particular de conceituação, deve haver a
apreensão do múltiplo sensível (através das sínteses da apreensão e da reprodução), a compreensão
desse múltiplo em um conceito (síntese do reconhecimento) e a exibição do objeto do conceito na
intuição (síntese figurada) (EE 26, 56)
52
. O que as regras do entendimento regulam é a síntese
figurada (KrV B151-2, 130-1), a qual (mediante os esquemas) é responsável pela aplicação do e
subsunção no conceito que compreende o que é apreendido. A síntese figurada (assim como as
outras três sínteses citadas) é função da capacidade de imaginação produtiva (KrV B151-2, 130-1).
A liberdade da capacidade de imaginação na livre harmonia (o que caracteriza o juízo reflexivo)
consiste em não estar sujeita à síntese figurada, pois no juízo estético (aquele que se refere, não ao
objeto, mas apenas às faculdades do sujeito, quer dizer, cujo fundamento de determinação é
subjetivo (KU 04, 48)) não existe um conceito que compreenda o múltiplo apreendido e que precise
ser aplicado à e subsumir a intuição (EE 26, 57). Assim, a livre harmonia possibilita o simbolismo e
a harmonia regrada o esquematismo. Enfim, na livre harmonia existe apenas apreensão e exibição
51 “[H]at die Reflexion im Begriffe einer Natur überhaupt, d.i. im Verstande, schon ihre Anweisung und die Urteilskraft
bedarf keines besondern Prinzips der Reflexion, sondern schematisiert dieselbe a priori und wendet diese Schemata auf
jede empirische Synthesis an, ohne welche gar kein Erfahrungsurteil möglich wäre. Die Urteilskraft ist hier in ihrer
Reflexion zugleich bestimmend und der transzendentale Schematism derselben dient ihr zugleich zur Regel, unter der
gegebene empirische Anschauungen subsumiert werden”(EE 18, 48)(EE 18, 48).
52 Os parêntesis indicando as sínteses são de nossa responsabilidade. Esses parêntesis indicam ainda que tomamos as
duas versões da “Dedução Transcendental dos Conceitos Puros do Entendimento” como complementares e não
contraditórias – como sugerido por Kant (KrV B XLII, 50) e defendido por (LONGUENESSE, 1998: 34) e outros.
33
mas, e esse é o ponto importante, uma exibição que se sem a compreensão em um conceito (KU
26, 56-7). Além de que, justamente por isso, trata-se de uma apreensão sem sínteses determinadas
ou constantes, isto é, regradas. E é à explanação dessa operação de apreensão que nos dedicaremos
a seguir.
1.7. A Apreensão Estética (ou apreensão na mera reflexão)
Embora no juízo estético de reflexão a harmonia seja livre, não haja determinação, Kant nos
leva a pensar que qualquer aplicação de uma regra reflexiva a uma intuição terá que ter uma regra
exibida ou inscrita na intuição e assim requererá esquemas. No caso da aplicação real de conceitos,
a regra da síntese é dada pelo entendimento na forma de um conceito a ser aplicado. Qual esquema
é produzido depende do conteúdo do conceito a ser aplicado. Porém, no caso da reflexão estética,
quando nenhum conceito é empregado, a regra de acordo com a qual a síntese procede não pode ser
um conceito, nem pode o esquema produzido ser assim governado. A questão então é: que regra
governa a síntese envolvida na reflexão estética e que tipo de atividade sintética e produção
coordenada de exibições ela apresenta?
Como vimos, Kant afirma que a livre harmonia das faculdades expressa as mais gerais
condições que devem se dar para a conceituação ser possível (uma vez que toda aplicação
conceitual requer a apreensão do múltiplo e a exibição do objeto na intuição), sem, contudo,
qualquer conceituação acontecer. Trataremos da exibição na próxima seção.
A outra operação é a apreensão. Essa é a habilidade da capacidade de imaginação em
apreender qualquer múltiplo da intuição. Apreensão, no sentido mais geral, é a atividade de abarcar
o múltiplo da intuição e unificar os vários elementos dele em diferentes maneiras. No caso da
concepção, as regras governando essa atividade são conceitos. Ausente um conceito a ser aplicado,
é muito natural conceber a atividade da capacidade de imaginação na apreensão como sendo de
supervisionar o múltiplo da intuição e agrupar seus elementos nas diferentes maneiras que ele
permite de acordo com quaisquer similaridades que possam se apresentar.
Essa reconstrução do elemento apreensivo na harmonia das faculdades é reforçada pela
afirmação de que a capacidade de imaginação, em sua liberdade, deve ser considerada “autora de
formas arbitrárias de intuições possíveis” (KU 69, 86)
53
. O que quer dizer que no estado de
harmonia das faculdades no qual a capacidade de imaginação é livre, a atividade da capacidade de
imaginação é supervisionar o múltiplo e sugerir diferentes maneiras em que ele pode ser
organizado. Que a capacidade de imaginação em sua atividade meramente reflexiva constitua
53 “Urheberin willkürlicher Formen möglicher Anschauungen” (KU 69, 86).
34
formas de intuições possíveis nos alerta para o fato de que nenhuma síntese determinada ocorre na
mera reflexão, e torna aceitável a natureza efêmera das construções do múltiplo em que se engaja a
capacidade de imaginação quando da apreensão estética. A descrição das formas de intuições
possíveis como “arbitrárias” enfatiza que a capacidade de imaginação ordena o múltiplo de várias
maneiras sem ser restringida pelos ditames do uso de conceitos. A atividade apreensiva da
capacidade de imaginação na livre harmonia consiste no “percorrer” e “pôr junto” o múltiplo nas
diferentes maneiras em que ele pode ser unificado. Isso é o que deve ser entendido pela alcunha
“esquematismo sem conceitos” (“die Einbildungskraft ohne Begriff schematisiert”, KU 146, 133),
que deixa perplexos tantos leitores.
Se a forma de um objeto na intuição concorda com a exibição de um conceito puro do
entendimento qualquer, então harmonia na reflexão e o objeto (Gegenstand) é percebido como
final para o juízo (EE 26, 57). Então, o juízo reflexivo supõe o esquematismo, mas não a aplicação
de um conceito empírico para conhecimento determinado, pois o conceito puro do entendimento é
indeterminado. Desse modo, o esquematismo sem conceitos significa que o juízo estético compara
diretamente a forma apreendida de um objeto com o modo como as categorias são geralmente
esquematizadas em relação ao tempo e é esse acordo que apraz.
1.8. A Exibição (Darstellung)
É sabido que, para Kant, a fonte de significação da discursividade é sua referência explícita
à sensibilidade, que um pensamento conta como experiência se um vínculo intrínseco entre
conceitos e intuições. É sabido também que, para ele, os objetos são constituídos a partir do
múltiplo sensível apreendido e ordenado pelas sínteses dirigidas por conceitos.
Pois bem, a exibição (Darstellung) é a ação de estabelecer o vínculo intrínseco entre
intuições e conceitos ao apresentar ou inscrever o objeto do conceito na intuição (Cf. EE 26, 56)
54
.
Kant pensa a exibição como um estágio necessário na preparação para a aplicação ou
simples associação (como no juízo estético reflexivo) de qualquer conceito a um múltiplo da
intuição, pois qualquer aplicação desse tipo requer que o conceito seja ligado a suas possíveis
instanciações. Quer dizer, quando o conceito de um objeto é dado, a função do juízo no uso desse
conceito para a cognição consiste na exibição, i.e., pôr ao lado do conceito uma intuição que lhe
corresponda ( Cf. KrV A141/B180, 146).
A capacidade de imaginação pode realizá-la de dois modos. O primeiro é o esquematismo,
54 Kant às vezes fala da exibição de um objeto de um conceito e às vezes da exibição do próprio conceito. Penso que é
mais claro falar da exibição de um objeto do conceito na intuição, pois “objeto” significa uma instância possível do
conceito.
35
um processo “demonstrativo” e “direto” (KU 255-6, 196) exigido para a determinação do particular,
para subsumi-lo sob um universal (KrV A137-8/ B176-7, 144-5). Os esquemas transcendentais são
a exibição dos conceitos como determinações do tempo (KrV A138-9/ B177-8, 145) (p.ex.,
substância: permanência do real no tempo; causalidade: seqüência necessária de eventos etc); com
isso, eles implicam que as sínteses da capacidade de imaginação sejam realizadas segundo tais
conceitos, na medida em que eles são as regras da síntese do múltiplo em relação à unidade
originária da apercepção (KrV A142/ B181, 146) para que as sensações sejam inteligíveis. É essa
exibição realizada pela capacidade de imaginação que promove a aplicação ordinária de conceitos, e
é por ela ser uma condição transcendental que se a necessidade e universalidade do
conhecimento científico.
O segundo modo em que a faculdade de imaginação realiza a exibição é o simbólico, o
modo “analógico” e “indireto” (KU 256, 196). Esse processo se no âmbito do juízo reflexivo,
quando a predicação não é sobre o objeto, mas sobre as faculdades do sujeito e com isso, não se
a subsunção de um particular a um universal, mas sim a procura de um universal para um
particular. O simbolismo é a construção de representações da capacidade de imaginação, as idéias
estéticas do gênio (Cf. KU 256-9, 196-8). Essas se dão quando um excesso de material intuitivo
apreendido pela capacidade de imaginação, de modo que não existem conceitos capazes de
subsumi-lo (KU 193, 159), sendo assim impossível sintetizar. Então, a capacidade de imaginação
procede por analogias (símbolos) para exibir (KU 256, 196-7), utilizando conceitos que
indiretamente se relacionam àquela sensação, fornecendo não um só conceito, mas toda uma família
de conceitos na tentativa de abarcar o que é intuído e que parece inefável (KU 195, 160) (p.ex., a
luta contra os moinhos vistos como gigantes por Dom Quixote para conceitualizar as dificuldades
que os homens criam para si ou as figuras do demônio para conceitualizar o mal). Esse processo de
exibição permite a criação de obras de arte (KU 192, 158-9), a linguagem metafórica (KU 256-7,
196-7) e ajuda a tornar sensíveis idéias suprasensíveis (KU 257-8, 197-8).
No esquematismo (no juízo determinante), a capacidade de imaginação produtiva é submissa
ao entendimento (KrV B152, 131), regulada por ele; no simbolismo (no juízo de gosto) o
entendimento está “a serviço” da capacidade de imaginação (KU 71, 88), logo, essa é selbsttätig
(auto-ativa, espontânea) (KU 69, 86), capaz de “entreter um livre jogo” (KU 28, 61-2) com aquele,
um esquematismo sem conceitos (KU 146, 133).
Há ainda o problema de que Kant trata a exibição como função do entendimento (EE 30, 60)
e da capacidade de julgar (EE 25-6, 56), além da capacidade de imaginação (AP 167). Mas uma
vez que entendimento é a síntese da capacidade de imaginação ligada à apercepção (KrV A119,
150), e por isso, os conceitos puros do entendimento são regras da síntese do múltiplo à unidade
36
originária da apercepção realizada pela capacidade de imaginação produtiva (KrV A127, 159), a
exibição é um processo do entendimento apenas na medida em que ela segue as regras desse. Por
outro lado, se a faculdade de julgar é a capacidade de subsumir sensações sob conceitos (KrV A132
B171, 142), é razoável supor que a exibição é função dessa faculdade somente na medida em que a
subsunção implica a exibição do objeto do conceito na intuição (KU 25-6, 56; KrV A140-1 B179-
80, 145-6). E a exibição é uma atividade da capacidade de imaginação na medida em que é essa
faculdade que realiza a síntese pura (KrV B151, 130) e que produz esquemas (KrV A140 B179,
145) e símbolos (KU 255-6, 196) – elementos sem os quais a exibição não se realizaria.
Mas vejamos com mais calma essa confluência de três faculdades para a consecução da
exibição. Primeiramente, pensemos sobre ela ser atribuída à capacidade de imaginação e à
capacidade de julgar. É preciso lembrar que ainda que o processo de reflexão seja a partir de baixo,
a capacidade de imaginação precisa já estar operativa no nível perceptivo na apreensão do múltiplo.
E se essa apreensão deve fornecer a base para a reflexão lógica que gera um conceito empírico, ela
precisa apresentar algo “universal em si” ou, o que é o mesmo, a exibição de “um conceito ainda
não determinado”. Pois a menos que a capacidade de imaginação possa desempenhar essa função,
não haverá conceitos empíricos e assim não haverá função determinante do juízo. Mas, enquanto é a
capacidade de imaginação que produz esquemas que são reconhecidos como exibições do que é
pensado em um conceito refletido, fica ao juízo reconhecer o acordo real entre o particular
apreendido e o conceito. Quer dizer, o juízo é requerido para se tomar o que é exibido pela
capacidade de imaginação como instanciando o que é pensado no conceito. Nesse sentido, o juízo é
profundamente envolvido na exibição.
Porém, devemos nos aproximar da questão sobre qual papel a exibição deve desempenhar na
harmonia perguntando como essa atividade pode ser entendida nos termos mais gerais possíveis,
abstraindo de seu papel obtuso na concepção efetiva. Na secção 35 da Crítica da Faculdade do
Juízo, Kant diz: “a liberdade da capacidade de imaginação consiste precisamente no fato de que ela
esquematiza sem conceitos”
55
(KU 146, 133). Como a capacidade de imaginação apreensiva produz
substitutos reflexivos de intuições unificadas (as "formas de intuições possíveis”), a capacidade de
imaginação pode produzir esquemas refletidos, “regras” para a unificação temporária de intuições
que guiam a supervisão apreensiva não-conceitual do múltiplo. Isso talvez explique porque Kant
primeiro fala da exibição como uma atividade da capacidade de imaginação, quando o ponto em
questão é a efetiva aplicação conceitual, e então muda a ênfase em sua discussão da reflexão
tratando a exibição como expressando o papel do entendimento na harmonia.
Embora à primeira vista confusa, essa dupla identificação da exibição como um poder da
55 “[D]aß die Einbildungskraft ohne Begriff schematisiert, die Freiheit derselben besteht” (KU 146, 133).
37
capacidade de imaginação ou do entendimento, mantém o duplo caráter que Kant confere ao
esquematismo e à capacidade de imaginação em geral. A capacidade de imaginação opera a serviço
do entendimento e da sensibilidade e inclui em suas habilidades elementos que podem ser vistos
como nativos das duas faculdades. E, como vimos, o esquematismo é a atividade da capacidade de
imaginação especialmente em sintonia com os requerimentos do entendimento de que conceitos
sejam aplicáveis ao múltiplo da intuição. Precisamente por causa disso, é através da exibição que o
entendimento entra na harmonia. A harmonia das faculdades relevante à experiência estética é
presente quando a capacidade de imaginação tem livre reino e Kant freqüentemente fala da
harmonia apenas em termos da liberdade da capacidade de imaginação. Mas é importante notar que
a harmonia é uma relação recíproca. O entendimento também tem uma capacidade geral que deve
se sobressair na reflexão estética, embora de uma maneira que não impeça a liberdade da
capacidade de imaginação. Assim Kant afirma que a atividade imaginativa de fornecer construções
possíveis do múltiplo da intuição preenche o requisito bastante geral do entendimento durante a
reflexão que unifica o múltiplo da intuição é, transientemente, apresentado a ela. A liberdade da
capacidade de imaginação não é “completa”; se o que é significado por liberdade é liberdade da
satisfação de qualquer interesse do entendimento. Mas isso não é o que Kant entende por “livre
jogo” da capacidade de imaginação.
As expressões “conformidadade a leis (Gesetzmässigkeit) sem lei” (KU 68-9, 86) e
“conformidade a fins (Zweckmässigkeit) sem fim” (KU 44, 72) servem para assinalar que, não
obstante a liberdade da capacidade de imaginação, a legalidade do entendimento precisa também
participar da livre harmonia. Quer dizer, a liberdade da capacidade de imaginação demanda ainda
uma referência às regras, embora não uma sujeição a elas. A capacidade de imaginação em sua
liberdade pode se conformar a esse requerimento porque
se pode compreender bem que precisamente o objeto pode fornecer-lhe uma tal forma, que contém uma
composição do múltiplo, como a capacidade de imaginação se fosse entregue livremente a si própria
projetá-la-ia em concordância com a legalidade do entendimento em geral (KU 69, 86)
56
.
Tudo isso nos permite concluir que a diferença entre o juízo determinante e o reflexivo
consiste no modo em que se a exibição: se ela é ou não regrada (conceitual ou aconceitual),
respectivamente. O que faz com que a exibição seja um ponto fundamental para entender o processo
de aplicação de conceitos (o juízo determinante), a especificidade da experiência estética (o juízo de
gosto) e as relações entre a capacidade de imaginação e o entendimento.
56 “[L]äßt sich doch noch wohl begreifen: daß der Gegenstand ihr gerade eine solche Form an die Hand geben könne,
die eine Zusammensetzung des Mannigfaltigen enthält, wie sie die Einbildungskraft, wenn sie sich selbst frei überlassen
wäre, in Einstimmung mit der Verstandesgesetzmäßigkeit überhaupt entwerfen würde (KU 69, 86).
38
1.9. A Mera Reflexão
O juízo reflexivo procede a suas conclusões por analogia ou indução (LJ 132-3, 151). A
indução é regida pelo princípio de generalização segundo o qual o que a muitas coisas de um
gênero convém convém às demais também (LJ 133, 151 itálico de Kant). A analogia é um
processo submetido ao princípio de especificação imaginativa que diz: “as coisas de um gênero das
quais conhecemos muitos aspectos concordantes, também concordam nos demais aspectos que
conhecemos em algumas coisas deste gênero, mas não percebemos em outras” (Id. ibid.). Porém
esses princípios estão sob o princípio transcendental do juízo reflexivo, de sistematização, que
estabelece a unidade de todos os princípios empíricos sob princípios supremos. Se o princípio do
juízo determinante é “todo objeto particular é semelhante se se subordina a categorias universais”, o
princípio do juízo reflexivo classifica as diferenças entre objetos entre gêneros coordenados em um
sistema. Devido a essa diferença de princípios, os conceitos servem a fins diferentes nas duas
críticas. No juízo determinante, o conceito é o terceiro de três atos (apreensão, compreensão e
exibição (Gegenstand, esquematismo, aplicação ao objeto)). Já no juízo reflexivo, a exibição ocorre
sem compreensão conceitual ou síntese, pois reflexão é comparativa, a reflexão na forma estética
envolve a comparação direta da apreensão e da exibição.
A reflexão envolve comparação, e uma vez que a comparação com outras representações
para encontrar semelhança é impedida pela natureza da reflexão em questão, Kant tem que explicar
o que é comparado com o quê em tal reflexão. Sua resposta é:
em um juízo meramente reflexionante, capacidade de imaginação e entendimento são considerados na
proporção em que têm de estar no juízo em geral em relação um ao outro, comparada com a proporção em que
efetivamente estão, em uma dada percepção (EE 26, 56)
57
.
Em outras palavras, em um tal juízo, uma comparação é feita entre o relacionamento das
faculdades em questão na percepção de um objeto dado e seu relacionamento máximo ou ideal, no
qual os “dois amigos” trabalham juntos de uma maneira sem fricção. Isto é, a comparação estética é
o ato de asseverar, através do sentimento, se a forma de um objeto em que se reflete ocasiona uma
harmonia livre na mera reflexão ou não. Kant incentiva essa visão quando tenta ligar pela primeira
vez essa comparação da harmonia das faculdades com a forma do objeto em que se reflete e com
um novo tipo de finalidade lógica:
Se, pois, a forma de um objeto dado na intuição empírica é de tal índole que a apreensão do diverso do mesmo
na capacidade de imaginação coincide com a exposição de um conceito do entendimento (sem se determinar
qual conceito), então na mera reflexão entendimento e capacidade de imaginação concordam mutuamente em
favor de seu operação, e o objeto é percebido como final meramente para o juízo, portanto a finalidade mesma
57 “[I]n einem bloß reflektierenden Urteile Einbildungskraft und Verstand in dem Verhältnisse, in welchem sie in der
Urteilskraft überhaupt gegen einander stehen müssen, mit dem Verhältnisse, in welchem sie bei einer gegebenen
Wahrnehmung wirklich stehen, verglichen, betrachtet werden” (EE 26, 56)
39
é considerada meramente como subjetiva; assim como nenhum conceito determinado do objeto é requerido
para isso nem engendrado através disso, e o juízo mesmo não é um juízo de conhecimento. Um tal juízo
chama-se um juízo de reflexão estético (EE 57; 27)
58
.
Como o texto indica, uma harmonia na mera reflexão é apenas o estado mental no qual não
conflito entre capacidade de imaginação e entendimento, como quando possuem propósitos
opostos, como é normalmente o caso. Na mera reflexão, a capacidade de imaginação fornece um
conteúdo apreendido que se apresenta como contendo “algo universal em si”, i.e., algo que parece
como se fosse o esquema ou exibição de um “conceito ainda indeterminado”, embora nenhum
conceito em particular. Em um tal estado, que corresponde à norma requerida para a cognição sem
ela mesma levar à cognição, precisamos pensar no entendimento como “vivificado”
59
para
compreender a regra que parece subjazer a esse conteúdo apreendido, o qual, por sua vez, “inspira”
a capacidade de imaginação a exibi-lo tão completamente quanto possível. É dessa maneira que as
duas faculdades se incentivam reciprocamente de uma maneira indeterminada.
Embora isso tudo seja muito metafórico, podemos começar a entendê-lo com a teoria da
reflexão lógica. Pois a função atribuída à capacidade de imaginação na mera reflexão não é
diferente daquela designada a ela na cognição ou, o que é o mesmo, a reflexão levando à
determinação, quer dizer, apresentar “algo universal em si” ou exibir um “conceito ainda não
determinado”. A diferença éque na mera reflexão envolvida em um juízo de gosto, a capacidade
de imaginação não exibe o esquema de um conceito específico sob o qual o objeto pode ser
subsumido em um juízo determinante cognitivo. Pelo contrário, ela exibe um padrão ou ordem
(forma), que sugere um número indeterminado de esquematizações possíveis (ou
conceitualizações), nenhuma das quais completamente adequada, daí ocasionando engajamento
com o objeto. Assim, é dessa maneira que o objeto se apresenta na intuição, antes de qualquer
conceitualização, como se designado para nossas faculdades cognitivas, como subjetivamente final.
Nesse capítulo, depois de uma exposição provisória da distinção entre juízo reflexivo e
determinante, expusemos mais detidamente o que Kant entende por juízo para tanto, tratando
também dos temas da determinação e da reflexão em seus sentidos transcendental e lógico (adiando
o fechamento da discussão para o tratamento do esquematismo empírico que faremos no próximo
58 Wenn denn die Form eines gegebenen Objekts in der empirischen Anschauung so beschaffen ist, daß die
Auffassung des Mannigfaltigen desselben in der Einbildungskraft mit der Darstellung eines Begriffs des Verstandes
(unbestimmt welches Begriffs) übereinkommt, so stimmen in der bloßen Reflexion Verstand und Einbildungskraft
wechselseitig zur Beförderung ihres Geschäfts zusammen, und der Gegenstand wird als zweckmäßig, bloß für die
Urteilskraft, wahrgenommen, mithin die Zweckmäßigkeit selbst bloß als subjektiv betrachtet; wie denn auch dazu gar
kein bestimmter Begriff vom Objekte erfordert noch dadurch erzeugt wird, und das Urteil selbst kein Erkenntnisurteil
ist. – Ein solches Urteil heißt ein ästhetisches Reflexions-Urteil” (EE 57; 27).
59 Trataremos dessa vivificação quando tratarmos do tema do espírito em conexão com o gênio no terceiro capítulo.
40
capítulo). De posse desse entendimento do que seja o juízo, passamos a tratar dos juízos de gosto
procurando elucidar melhor a distinção entre juízos determinantes e reflexivos. Isso então nos levou
a discutir os temas da harmonia das faculdades, da apreensão estética e da exibição situando a
capacidade de imaginação produtiva como exibição. E, na última sessão desse capítulo,
apresentamos o terceiro tipo de reflexão: a “mera reflexão”.
Portanto, o principal resultado desse capítulo deve ser ter apresentado os fundamentos da
concepção da capacidade de imaginação produtiva como exibição tal como proposto na introdução.
Esses fundamentos são a distinção entre juízo determinante e juízo reflexivo (revista como entre
juízo reflexivo determinante e juízo meramente reflexivo a ênfase na presença da reflexão em
todo juízo) e as discussões preliminares acerca da harmonia das faculdades e da apreensão.
De posse desses resultados, passaremos a analisar nos dois capítulos seguintes a capacidade
de imaginação produtiva em seus dois modos de exibição: no capítulo 2, a exibição esquemática
que se no juízo reflexivo determinante; e no capítulo 3, a exibição simbólica que acontece em
relação ao juízo meramente reflexivo. Para, na conclusão, podermos explicitar de modo mais geral e
seguro o que seja a produtividade da capacidade de imaginação – e sua criatividade.
41
2. Capítulo 2 – A Exibição Esquemática
“Que a capacidade de imaginação é um ingrediente inerente à própria percepção, certamente ainda nenhum
psicólogo pensou. De certa forma isso acontece porque essa faculdade se limitava apenas às reproduções, e em parte,
porque se acreditava que os sentidos nos forneciam não apenas impressões, mas também as encadeavam e conseguiam
formar imagens dos objetos, o que, sem dúvida, além da receptividade das impressões, ainda exige algo mais, ou seja,
uma função que as sintetize” (A120, 152)
60
.
No presente capítulo, após uma pequena apresentação do incremento que Kant promove
acerca do tratamento concedido à capacidade de imaginação em epistemologia, trataremos do tema
da síntese. Uma vez que a síntese é uma atividade sob responsabilidade da capacidade de
imaginação a trataremos com certo detalhe, através do oferecimento de uma discussão em separado
de cada uma das etapas da tríplice síntese e concluindo com uma apresentação da síntese figurada e
sua ligação com o esquematismo, a exibição esquemática. E é à discussão dessa teoria que
passaremos em seguida, começando por uma discussão geral e passaremos em seguida a uma
discussão do esquematismo empírico englobando uma discussão sobre a formação de conceitos,
concluindo ali a explanação sobre a reflexão lógica iniciada no capítulo 1. O próximo tópico será
dedicado ao esquematismo de conceitos sensíveis puros; sendo seguido do tópico sobre o
esquematismo transcendental, onde tentaremos além de apresentá-lo de modo geral, tratar muito
sucintamente de cada um dos doze esquemas transcendentais.
60 Daß die Einbildungskraft ein notwendiges Ingredienz der Wahrnehmung selbst sei, daran hat wohl noch kein
Psychologe gedacht. Das kommt daher, weil man dieses Vermögen teils nur auf Reproduktionen einschränkte, teils,
weil man glaubte, die Sinne lieferten uns nicht allein Eindrücke, sondern setzten solche auch sogar zusammen, und
brächten Bilder der Gegenstände zuwege, wozu ohne Zweifel außer der Empfänglichkeit der Eindrücke, noch etwas
mehr, nämlich eine Funktion der Synthesis derselben erfordert wird (A120, 152).
42
Na dedução subjetiva
61
das categorias, Kant considera o entendimento puro quanto à sua
possibilidade e as capacidades de conhecimento a partir das quais se constitui. “Subjetiva” então,
significa legitimar o conhecimento através da descrição da capacidade de conhecer do sujeito - e
não mostrando a possibilidade de um juízo objetivo, como na dedução objetiva.
Para tal intento, é preciso explicitar as condições transcendentais da associação de idéias,
pois a psicologia sensualista concluiu pelo objeto como sendo um amontoado de impressões
sensíveis: definiu o objeto como a combinação resultante da associação dos conteúdos da
percepção. Tal tese pressupõe como inerente ao espírito as capacidades de: a) reter a impressão uma
vez recebida e b) de reproduzir os grupos de representações que a experiência fornece. Tratando-as
como uma estrutura e organização fixas e inquestionáveis do sujeito. E assim, simplesmente
apontando o mecanismo de associação de representações por explicadas as leis da constituição
dos objetos da experiência (ou talvez nem se deva falar em “constituição” dos objetos em um
contexto empirista).
Ora, mas de onde provém essa segurança de que o ser e o evento psíquico se correspondem
de modo permanente, id est, que o movimento das representações é dado? Como é possível supor
uma tal natureza, não dos objetos, mas do sujeito? Segundo Kant, explicar a existência dos objetos
somente pela referência ao mecanismo associativo das representações, longe de ser ceticismo, é
apenas retirar o incondicionado da metafísica para colocá-lo no sujeito. Remeter a recepção dos
objetos empíricos aos fatos psíquicos sem prévio exame de uma possível identidade entre os
momentos da relação entre a representação e o representado – e destes remeter às leis da associação,
de modo algum resolve o problema de como é possível o conhecimento: é preciso dar um
fundamento às “leis da associação”.
Em suma, é preciso que encontremos um fundamento objetivo a priori da possibilidade e da
necessidade de se estender as leis da associação a todas as representações dos fenômenos, tornando-
os “associáveis” e submetidos a regras gerais de uma possível articulação na reprodução da
capacidade de imaginação (KrV B129-30, 120-1). Por isso, Kant propõe uma capacidade de
imaginação produtiva, transcendental, que estabelecerá as condições imprescindíveis da capacidade
de imaginação empírica.
O fundamento objetivo da associação dos fenômenos indica a possibilidade de que eles se
combinem, possam aparecer conjuntamente, tornando possível a sua existência sucessiva ou
simultânea. Esse fundamento objetivo se realiza como afinidade dos fenômenos. É fundamento
porque se os fenômenos não podem se seguir ou se dar lado a lado, eles não são associáveis. É
61 Para um estudo detalhado - mas fortemente interpretativo - ver: KEMP SMITH, N.: A Commentary to Kant’s
Critique of Pure Reason. Nova York: Humanities Press, reed. 1962 (pag. 249 ss).
43
objetivo porque concerne aos fenômenos e não ao sujeito.
A afinidade dos fenômenos é dada como o princípio da unidade originária da apercepção
(KrV B132-3, 121-2). Essa implica que todas as representações devem ser acompanhadas da
representação originária eu penso”; caso contrário, não seria possível estabelecer o continuum do
pensamento, pois as representações não teriam nada em comum, não teriam “afinidade”, seriam
dispersas, dada a não necessidade de se referirem à mesma coisa (no caso, ao “eu transcendental”).
É condição imprescindível a unidade originária da apercepção pura para que o eu transcendental
possa reconhecer as representações dadas como suas.
No entanto, a unidade sintética originária da apercepção pressupõe a ligação do múltiplo da
intuição (transformação do apreendido pelos sentidos em representações ou melhor, formação,
bildung, de “imagens
62
”, Bilder) ligação essa realizada pela capacidade produtiva de imaginação
(Einbildunsgkraft). Pois essa ligação é que forma as representações que serão unificadas pela
unidade sintética originária da apercepção (KrV B135, 123)
63
. Essa é a síntese, a atividade de ligar
representações e que é função da capacidade de imaginação: “A síntese geral (...) é o simples efeito
da capacidade de imaginação” (KrV A78 B103, 107)
64
.
62 Imagem quer dizer o “aspecto” do recebido pelos sentidos, está entre aspas pois poderia-se pensar em algo fornecido
somente pela visão (Cf. HEIDEGGER, 1996: 84-8).
63 Em (WAXMAN, 1991: 236-242 e 259-263: 151) pode-se encontrar uma exposição do papel da capacidade de
imaginação em Kant que trata com detalhes a relação das sínteses com a apercepção e a proposição de uma revisão do
estatuto das sínteses como função exclusiva da capacidade de imaginação.
64 Die Synthesis überhaupt ist (...) die blosse Wirkung der Einbildungskraft (KrV A78 B103, 107). Robert Hanna
nos oferece uma visão suscinta e clara sobre a capacidade de imaginação como a responsável pela síntese: “Todas as
operações de processamento de informação de nossas Erkenntnisvermögen são sínteses. A origem última das sínteses
o motor gerador e produtivo da mente – é a capacidade de imaginação ou Einbildungskraft. Segundo Kant, a capacidade
de imaginação tem a propriedade primitiva e irredutível da 'espontaneidade': espontaneidade é 'o poder que a mente tem
de ela mesma produzir representações'; dito de modo mais geral, é a nossa capacidade de atividade mental criativa que é
não é estritamente determinada ou completamente incondicionada por causação natural ou física. Já o poder sintetizador
espontâneo da capacidade de imaginação é expresso através de duas capacidades cognitivas diferentes a sensibilidade
receptiva ou Sinnlichkeit (a faculdade de intuições) e o entendimento espontâneo ou Verstand (a faculdade de conceitos)
(...). Entretanto, embora muito útil para explicação, o contraste feito por Kant entre as funções conceituais espontâneas
do entendimento e as funções perceptivas receptivas da sensibilidade tem um implicação aparente bastante enganadora.
Ele parece sugerir que a sensibilidade é totalmente passiva ou não geradora e não-produtora. Porém, a receptividade
sensória não é de modo algum inercidade, e isso porque ela é essencialmente ligada à capacidade de imaginação” (“All
the information-processing operations of our Erkenntnisvermögen are syntheses. The ultimate source of synthesis the
mind´s generative and productive engine is the power of imagination or Einbildungskraft. According to Kant, the
imagination has the primitive and irreducible property of 'spontaneity': Spontaneity is ' the mind´s power of bringing
forth representations froms itself'; more generally, it is our capacity for creative mental activity that is either strictly
underdetermined or else wholly unconditioned by natural or physical causation. The spontaneous synthesizing power of
the imagination is, in turn, expressed through two different cognitive capacities receptive sensibility or Sinnlichkeit
(the faculty of intuitions), and spontaneous understanding or Verstand (the faculty of concepts) (...). Kant´s
explicatively useful contrast between the spontaneous conceptual functions of the understanding and the receptive
perceptual functions of sensibility has one quite misleading apparent implication, however. It seems to suggest that the
sensibility is wholly passive or non-generative and non—productive. But sensory receptivity is in no way a
representational inertness, and this is because it is essentially connected with the imagination”; HANNA, 2001: 36)..
44
2.1. A Síntese
Como Kant nega a afirmação empirista de que o múltiplo da intuição é dado à pura
receptividade como discriminável, que os elementos do múltiplo sejam perceptíveis como
elementos apenas em virtude de uma estrutura que o múltiplo possui independentemente de
qualquer contribuição subjetiva a ele, ele designa duas atividades responsáveis pela percepção
discriminatória do múltiplo: a sinopse e a síntese.
Sinopse é a capacidade não sintética de ter sensações (KrV A97, 125), grosso modo, é a
simples capacidade da receptividade sensível de abarcar mais de uma sensação, é formativa, uma
revisão seqüencial do múltiplo e de modo algum sintética ou produtiva. Desse modo, a sinopse
oferece apenas um múltiplo indiferenciado, não-unificado, ininteligível. Logo, para haver percepção
deve haver uma síntese correlata à sinopse:
Se uma representação particular fosse totalmente alheia às outras, se estivesse como que isolada e separada
das outras, jamais se produziria alguma coisa como o conhecimento, que é um conjunto de representações
comparadas e ligadas. Ao atribuir ao sentido uma sinopse, por conter diversidade na sua intuição, digo que a
essa sinopse corresponde sempre uma síntese e que a receptividade apenas unindo-se à espontaneidade pode
tornar os conhecimentos possíveis. Esta espontaneidade é então o princípio de uma tríplice síntese, se
apresenta de forma necessária em todo conhecimento, a saber: a síntese da apreensão das representações
como modificações da mente na intuição; aquela da reprodução dessas representações na imaginação; e a do
reconhecimento no conceito. Essas três sínteses nos conduzem a três fontes subjetivas de conhecimento, que
tornam possível o próprio entendimento e por ele a toda experiência como produto empírico do entendimento
(KrV A97-8, 125-6)
65
.
Síntese é o processo mental que “perpassa”, “acolhe” e “liga” diferentes representações,
elementos em um múltiplo, e os liga de acordo com uma regra (KrV A77 B102-3, 107). O termo
“síntese” é relacionado ao modelo de pensamento matemático, cuja fertilidade empolga Kant desde
os escritos pré-críticos
66
. Ainda que, por se referir a um ato mental, a síntese seja uma noção
psicológica, o aspecto psicológico da noção é inseparável de seu aspecto epistemológico, e do
contexto de uma investigação lógica na qual o modelo da síntese é a contrapartida da análise.
No Preisschrift (Investigação sobre a Distinção dos Princípios da Teologia e da
Moralidade), Kant diz que a Matemática forma seus conceitos a partir da síntese de conceitos
simples, enquanto que a Filosofia pode proceder através da análise de conceitos complexos.
65 Wenn eine jede einzelne Vorstellung der anderen ganz fremd, gleichsam isoliert, und von dieser getrennt wäre, so
würde niemals so etwas, als Erkenntnis ist, entspringen, welche ein Ganzes verglichener und verknüpfter Vorstellungen
ist. Wenn ich also dem Sinne deswegen, weil er in seiner Anschauung Mannigfaltigkeit enthält, eine Synopsis beilege,
so korrespondiert dieser jederzeit eine Synthesis und die Rezeptivität kann nur mit Spontaneität verbunden Erkenntnisse
möglich machen. Diese ist nun der Grund einer dreifachen Synthesis, die notwendigerweise in allem Erkenntnis
vorkommt: nämlich, der Apprehension der Vorstellungen, als Modifikationen des Gemüts in der Anschauung, der
Reproduktion derselben in der Einbildung und ihrer Rekognition im Begriffe. Diese geben nun eine Leitung auf drei
subjektiven Erkenntnisquellen, welche selbst den Verstand und, durch diesen, alle Erfahrung, als ein empirisches
Produkt des Verstandes möglich machen” (KrV A97-8, 125-6).
66 Essa gênese do conceito de síntese na filosofia kantiana está em LONGUENESSE (1998: 30-3), onde se encontram
inclusive as referências exatas do que se comentará acerca do Preisschrift, da Dissertation e da Carta a Marcus Hertz.
45
Embora essa compreensão da síntese seja bastante distante da apresentada na Crítica da Razão
Pura, combinação de um múltiplo sensível, ela é o início do desenvolvimento dessa compreensão.
O modelo matemático da síntese adquire nova significação na Dissertação, onde a
combinação discricionária ou composição de conceitos na matemática se torna inseparável da
geração de seu objeto na intuição sensível pura. O que adianta muito do uso crítico do termo: a
síntese não significa mais apenas a combinação de conceitos para a formação arbitrária de um
conceito complexo, mas também a composição de um múltiplo dado nas formas a priori da intuição
sensível. Porém, essa composição ainda não é chamada de síntese. O que acontecerá na Crítica
da Razão Pura. Na Dissertação, Kant só utiliza o termo síntese para elucidar o conceito “mundo”, a
combinação de substâncias individuais em um todo, claramente baseado no modelo matemático.
Contudo, na carta a Marcus Hertz de 21 de Fevereiro de 1772, a síntese é tratada não
como a combinação discricionária de conceitos no entendimento, mas como a combinação de um
múltiplo sensível sob a regra de um conceito ou mesmo de uma combinação de conceitos.
E assim, chega-se à definição de síntese da Crítica da Razão Pura:
“Todavia, a espontaneidade do nosso pensamento exige que tal múltiplo seja primeiro e de certo modo
perpassado, acolhido e ligado para que se faça disso um conhecimento. Denomino essa ação síntese.
Por síntese entendo, no sentido mais amplo, a ação de acrescentar diversas representações umas às outras e
de conceber sua multiplicidade num conhecimento. Tal síntese é pura, se o múltiplo não é dado
empiricamente, mas a priori (como o múltiplo no espaço e no tempo)” (KrV A77 B102-3, 107)
67
.
A sinopse é a capacidade de receber diferentes impressões dos sentidos ao mesmo tempo,
mas sem ser capaz de distinguir as diferentes representações entre si. Síntese é o processo mental
que “pega” e “junta” diferentes representações, elementos em um múltiplo, e os liga de acordo com
uma regra, pois a ordem sucessiva na qual os conteúdos do sentido interno são representados
requerem que a mente produza conexões sintéticas entre suas representações discretas. Assim, é
através da síntese que se compreende o material sinóptico como um múltiplo, como um composto
de representações.
Segundo a dedução subjetiva da primeira edição da Crítica da Razão Pura, onde se deduz o
conhecimento, três estágios subjetivos para o conhecimento: (1) apreensão intuitiva, (2)
reprodução imaginativa e (3) reconhecimento conceitual. E cada estágio tem uma síntese
transcendental associada:
1- Apreensão na intuição: síntese pela qual várias impressões dos sentidos são apreendidas
67 Allein die Spontaneität unseres Denkens erfordert es, daß dieses Mannigfaltige zuerst auf gewisse Weise
durchgegangen, aufgenommen, und verbunden werde, um daraus eine Erkenntnis zu machen. Diese Handlung nenne
ich Synthesis.
Ich verstehe aber unter Synthesis in der allgemeinsten Bedeutung die Handlung, verschiedene Vorstellungen
zueinander hinzuzutun, und ihre Mannigfaltigkeit in einer Erkenntnis zu begreifen. Eine solche Synthesis ist rein, wenn
das Mannigfaltige nicht empirisch, sondern a priori gegeben ist (wie das im Raum und der Zeit) (KrV A77 B102-3,
107). Uma concepção, bastante interessante, da síntese kantiana como processo que efetiva funções, pode ser
encontrada em (KITCHER, 1990: 74-7).
46
como um múltiplo.
2- Reprodução na imaginação: síntese pela qual representações passadas são reproduzidas
em um múltiplo presente.
3- Reconhecimento no conceito: síntese que reconhece representações passadas e presentes
como conectadas.
três exposições da tríplice síntese, uma simplesmente propedêutica, uma descendente, da
unidade transcendental da auto-consciência à intuição sensível, e uma ascendente, mais detalhada,
da intuição sensível à unidade transcendental da auto-consciência e daí às categorias. Na primeira,
Kant vai mostrar que cada uma das três sínteses pressupõe uma síntese pura, isto é, do tempo e
espaço, e dá exemplos da geometria e da aritmética. Como veremos, quando tratarmos de cada uma
das partes da tríplice síntese em separado.
As três sínteses não são apenas formativas no sentido de apreender, unir e elaborar imagens,
mas produtivas das unificações necessárias para as representações constituírem a experiência. Todas
as representações precisam ser ordenadas, conectadas e trazidas em relação ao tempo. Assim, a
apreensão intuitiva ordena, a reprodução imaginativa conecta e o reconhecimento conceitual unifica
(sequência cumulativa); mas a primeira está inseparavelmente ligada à segunda (KrV A102, 132), e
a segunda é inútil sem a terceira (KrV A103, 132-3) (sequência pressuposicional)
68
.
Essas sínteses podem ser empíricas, mas fundamentalmente elas são transcendentais e
produzem uma unidade que é derivada da espontaneidade da mente. Devemos entender essas três
sínteses como uma tríplice síntese e não como três sínteses separadas, pois uma síntese com
três estágios ou partes (“einer dreifachen Synthesis”, KrV A97, 125) e como veremos cada uma
depende das outras para sua execução.
É importante notar que os três elementos nos quais há sínteses, são representações (intuição,
imaginação, conceito), não faculdades (sensibilidade, capacidade de imaginação, entendimento)
desempenhando diferentes sínteses. Isso porque são as sínteses que tornam possíveis tais
representações: não haveria a intuição sem a síntese da apreensão, assim como não haveria
imaginação sem a síntese da reprodução, nem conceito sem a síntese da recognição. A intuição na
qual acontece a síntese da apreensão é a representação singular e imediata cuja matéria, quando
empírica, é a sensação. A imaginação na qual representação não é a capacidade de imaginação
como faculdade ou poder, mas a representação produzida por essa faculdade. E o conceito onde há a
síntese da recognição é a representação universal e refletida.
A lista das sínteses parece seguir a ordem da gênese empírica de representações desde as
68 Não se deve pensar que as duas a sequência cumulativa e a seqüência pressuposicional sejam excludentes, são
apenas diferentes maneiras de expor o mesmo elenco de condições transcendentais.
47
impressões sensíveis (apreendidas na intuição empírica) a suas representações na capacidade de
imaginação, e dessas a conceitos, cada uma delas demandando uma síntese. Kant mostra que esses
atos de combinação, sínteses, podem contribuir para a cognição do fenômeno, o múltiplo
indeterminado quando determinado, apenas se todos pertencem a um e o mesmo ato de síntese do
múltiplo espaço-temporal. A forma desse ato é determinada a priori pela natureza de nossa mente e
seu resultado é tríplice: o múltiplo da intuição representado “como” múltiplo, a representação da
capacidade de imaginação emergindo das associações empíricas e a representação universal ou
conceito, sob a qual as representações particulares são subsumidas. Esse ato é o próprio ato de
síntese que Kant atribui à capacidade de imaginação transcendental e na edição B é chamado se
synthesis speciosa, síntese figurativa. Vejamos então cada uma das partes em detalhe.
2.1.1. Síntese da Apreensão na Intuição
A capacidade de imaginação se encontra à base da percepção dos objetos (apreensão). A
síntese do múltiplo da intuição é “o simples efeito da capacidade de imaginação, uma função cega,
embora indispensável da alma, sem a qual de modo algum teríamos um conhecimento, mas da qual
raramente somos conscientes” (KrV A78 B103, 107-8)
69
. A capacidade de imaginação é, por isso,
“um ingrediente necessário da própria percepção” (KrV A120, 152)
70
. A produção de imagens dos
objetos requer precisamente uma função de síntese das impressões. “Há em nós uma faculdade ativa
da síntese desse múltiplo, a qual denominamos capacidade de imaginação” (KrV A120, 151)
71
. Sua
ação imediata sobre as percepções é a apreensão, à qual são ligadas as síntese da reprodução e do
reconhecimento.
A apreensão (formada pela sinopse e a síntese da apreensão) é a mais básica interação com o
múltiplo da intuição. Kant trata a apreensão como função da capacidade de imaginação, embora sua
explanação de como a capacidade de imaginação funciona em relação ao entendimento variará em
importantes aspectos de acordo com as edições da Crítica da Razão Pura.
Na primeira edição a apreensão é tomada como o percorrer (Durchlaufen) e pôr junto
(Zusammennehmung) o múltiplo da intuição na consciência. Kant diz que chamará essa síntese de
apreensão “porque ela é diretamente orientada à intuição que, indubitavelmente, fornece um
múltiplo, mas um que não pode nunca ser representado como um múltiplo e como contido em uma
69 “[D]ie bloße Wirkung der Einbildungskraft, einer blinden, obgleich unentbehrlichen Funktion der Seele, ohne die
wir überall gar keine Erkenntnis haben würden, der wir uns aber selten nur einmal bewußt sind(KrV A78 B103, 107-
8).
70 “[E]in notwendiges Ingredienz der Wahrnehmung selbst sei” (KrV A120, 152 – trad. modif.).
71 Es ist also in uns ein tätiges Vermögen der Synthesis dieses Mannigfaltigen, welches wir Einbildungskraft nennen
(KrV A120, 151 – trad. modif.).
48
única representação, a menos que através dessa síntese” (KrV A99, 127-8)
72
. A essa síntese
empírica corresponde uma síntese a priori da capacidade de imaginação, qual seja, a síntese do
múltiplo puro do tempo (e do espaço, quando o sentido externo está em questão) (KrV A99-100,
128-9).
A segunda edição enfatiza a importância da síntese da apreensão para a percepção: “Antes
de tudo, observo que por síntese da apreensão entendo aquela composição do múltiplo numa
intuição empírica mediante a qual torna possível a percepção, isto é, a consciência empírica de tal
intuição (como fenômeno)” (KrV B160, 134)
73
. É uma síntese perceptiva, que torna possível uma
ulterior síntese de percepções em cognições (Erkenntnisse). Toda intuição contém em si um
múltiplo que não seria representado como um múltiplo se a mente não distinguisse o tempo na
sequência de uma impressão após outra: por ser consciência dos detalhes de nossa experiência
sensível, nós precisamos considerar nossas impressões uma por vez no sentido interno. Na síntese
da apreensão, passa-se através dessas imagens discretas e reune-se-as o que nos permite
representá-las como um múltiplo e como contidas em uma única representação.
O múltiplo da intuição assim gerado como múltiplo, é ambos: o múltiplo das partes nas
quais qualquer intuição pode ser dividida, e, se a intuição é empírica, o múltiplo das qualidades
sensórias acessíveis aos diferentes sentidos. Esse múltiplo é presente de uma maneira indiferenciada
na sinopse (KrV A97, 125) de nossa intuição sensível, antes de ser apreendido como múltiplo pela
síntese da apreensão que distingue sucessivamente os elementos de nossa intuição empírica.
Mas o ato de apreensão é mais do que um ato de distinção: desde o início ele almeja unificar
o que é distinguido. Isso é o que torna o múltiplo um múltiplo da intuição, de uma representação
singular. A unidade da intuição pode ser aquela de qualquer intuição empírica, de uma árvore, de
uma casa.
Segundo a Crítica da Razão Pura, todos os conteúdos do sentido externo são apropriados
pelo sentido interno e apresentados sucessivamente: a síntese da apreensão torna isso possível ao
trazer unidas várias impressões em um múltiplo seqüencial ao relacioná-los ao continuum do tempo
como a forma do sentido interno (unido pela apercepção). Assim, a representação do tempo (tempo
só existe na representação que se faz dele) só se dá na síntese da apreensão (ela não é dada a priori).
Qualquer intuição contém em si um múltiplo que não teria sido representado como um múltiplo se a mente
distinguisse o tempo na série das impressões sucessivas, que, como encerrada num momento, cada unidade
não pode ser algo diferente da unidade absoluta. Então, para que desta unidade do múltiplo da intuição (como
72 “[W]eil sie geradezu auf die Anschauung gerichtet ist, die zwar ein Mannigfaltiges darbietet, dieses aber als ein
solches, und zwar in einer Vorstellung enthalten, niemals ohne eine dabei vorkommende Synthesis bewirken kann
(KrV A99, 127-8 – trad.modif.)
73 Zuvörderst merke ich an, daß ich unter der Synthesis der Apprehension die Zusammensetzung des Mannigfaltigen
in einer empirischen Anschauung verstehe, dadurch Wahrnehmung, d. i. empirisches Bewußtsein derselben, (als
Erscheinung) möglich wird” (KrV B160, 134).
49
na representação de espaço), é necessário, primeiramente percorrer esses elementos diversos e depois
compreendê-los num conjunto (KrV A99, 128 – trad. modif.)
74
.
O múltiplo da intuição recebido pelas formas da sensibilidade pode ser percebido como
múltiplo apenas se um ato de síntese é adicionado à receptividade. Enquanto os empiristas
consideraram o múltiplo de sensações simples como dado, o que Kant considera como dado não é
um múltiplo de átomos sensórios, mas sim intuições empíricas indeterminadas; as sensações ou
impressões constituindo sua matéria são percebidas como múltiplo apenas se elas são ativamente
distinguidas. Esse ato diferenciador pressupõe, por sua vez, a distinção dos momentos no tempo.
O tempo mencionado aqui não é aquele de uma sucessão de impressões que poderíamos
supor ser dado em si, antes mesmo do ato de apreensão. A temporalidade com a qual estamos
lidando aqui é gerada pelo próprio ato de apreender o múltiplo. Ao falar de espaço, Kant chama
atenção ao caráter espacial de qualquer intuição exterior e introduz sua principal tese: a síntese da
apreensão unifica não apenas o empiricamente dado, mas também o múltiplo puro as simples
formas do espaço e do tempo;
A síntese da apreensão precisa também ser exercitada a priori, isto é, com respeito a representações que não
são empíricas. que sem ela não poderíamos ter a priori nem as representações do espaço, nem as do tempo,
pois que estas apenas podem ser produzidas pela síntese do múltiplo que a sensibilidade fornece na sua
receptividade originária. Então, temos uma síntese pura da apreensão (KrV A99-100, 128-9)
75
.
Assim, o múltiplo das sensações é engendrado e unificado enquanto múltiplo nas formas do
espaço e do tempo. O múltiplo das sensações, o ponto inicial para as explanações empiristas da
gênese das representações, é assim tomado na forma de um múltiplo mais fundamental, uma forma
pura da multiplicidade que sozinha torna o múltiplo sensível perceptível enquanto múltiplo. De
modo que se torna explícito que elementos sensórios não são um ponto de partida, mas são eles
próprios um resultado, em um processo contínuo de gerar representações diferenciadas e
conceitualizáveis.
74 Jede Anschauung enthält ein Mannigfaltiges in sich, welches doch nicht als ein solches vorgestellt werden würde,
wenn das Gemüt nicht die Zeit, in der Folge der Eindrücke aufeinander unterschiede: denn als in einem Augenblick
enthalten, kann jede Vorstellung niemals etwas anderes, als absolute Einheit sein. Damit nun aus diesem
Mannigfaltigen Einheit der Anschauung werde, (wie etwa in der Vorstellung des Raumes) so ist erstlich das
Durchlaufen der Mannigfaltigkeit und dann die Zusammennehmung desselben notwendig” (KrV A99, 128).
75 Diese Synthesis der Apprehension muß nun auch a priori, d. i. in Ansehung der Vorstellungen, die nicht empirisch
sind, ausgeübt werden. Denn ohne sie würden wir weder die Vorstellungen des Raumes, noch der Zeit a priori haben
können: da diese nur durch die Synthesis des Mannigfaltigen, welches die Sinnlichkeit in ihrer ursprünglichen
Rezeptivität darbietet, erzeugt werden können. Also haben wir eine reine Synthesis der Apprehension(KrV A99-100,
128-9).
50
2.1.2. Síntese da Reprodução na Imaginação
A síntese da reprodução na imaginação lida ainda mais explicitamente com a temporalidade
do sentido interno e com o fato de que todas as representações são dadas sucessivamente. Pois uma
vez que representações, diferentemente do que acontece com os empiristas, não são tidas por Kant
como persistindo através do tempo, elas devem ser reproduzidas ativamente de um momento a
outro. Essa é a síntese da reprodução na capacidade de imaginação e esse é o motivo pelo qual Kant
fala de uma síntese transcendental pela qual a capacidade de imaginação pode associar
representações passadas com representações presentes segundo princípios a priori. Essa síntese da
reprodução não é limitada a um modo do tempo porque ela não forma o passado como tal, e sim nos
permite reviver o passado no presente. É o que Kant tem em mente quando diz: “A capacidade de
imaginação é a faculdade de representar um objeto também sem a sua presença na intuição” (KrV
B151, 130)
76
.
A síntese da reprodução, como o meio de promover a manutenção de uma determinada
representação, é mais um meio pelo qual Kant aponta as condições de possibilidade da associação
de idéias e assim diferencia seu tratamento da capacidade de imaginação do proposto pelos
empiristas, o que significa mostrar como a capacidade de imaginação produtiva condiciona a
capacidade de imaginação reprodutiva:
Em verdade, trata-se de lei simplesmente empírica em que representações freqüentemente ser têm sucedido ou
acompanhado, e acabam, por fim, associando-se entre si, estabelecendo então uma ligação tal que, até na
ausência do objeto, uma dessas representações faz passar a mente à outra representação, segundo uma regra
constante. Esta lei da reprodução pressupõe, entretanto, que os próprios fenômenos estejam realmente
submetidos a uma tal regra e que no múltiplo de suas representações tenha lugar acompanhamento ou
sucessão, segundo certas regras. Em não sendo assim, nossa capacidade de imaginação empírica não teria
nunca nada a fazer que não fosse concordante com sua faculdade, permanecendo oculta no íntimo da mente
como faculdade morta e desconhecida para nós mesmos (KrV A100, 129)
77
.
Quer dizer, representações não seriam associadas se elas não tivessem primeiro se
apresentado em relações de constante conjunção ou sucessão, “de acordo com uma regra”. Deve
haver, uma regularidade dada das representações para que a capacidade de imaginação aplique suas
próprias regras de associação reprodutiva. No famoso exemplo do cinabre: ele precisa se manter
sempre vermelho e pesado, para que eu associe o peso à vermelhidão.
76 “Einbildungskraft ist das Vermögen, einen Gegenstand auch ohne dessen Gegenwart in der Anschauung
vorzustellen” (KrV B151, 130).
77 Es ist zwar ein bloß empirisches Gesetz, nach welchem Vorstellungen, die sich oft gefolgt oder begleitet haben,
miteinander endlich vergesellschaften, und dadurch in eine Verknüpfung setzen, nach welcher, auch ohne die
Gegenwart des Gegenstandes, eine dieser Vorstellungen einen Übergang des Gemüts zu der anderen, nach einer
beständigen Regel, hervorbringt. Dieses Gesetz der Reproduktion setzt aber voraus: daß die Erscheinungen selbst
wirklich einer solchen Regel unterworfen seien, und daß in dem Mannigfaltigen ihrer Vorstellungen eine, gewissen
Regeln gemäße, Begleitung, oder Folge stattfinde; denn ohne das würde unsere empirische Einbildungskraft niemals
etwas ihrem Vermögen Gemäßes zu tun bekommen, also, wie ein totes und uns selbst unbekanntes Vermögen im Innern
des Gemüts verborgen bleiben”(KrV A100, 129).
51
Um caso ainda mais radical: se qualquer conjunção regular entre palavras e impressões
sensíveis nunca tivesse se apresentado, nossa capacidade de imaginação associativa não teria
ocasião para associar palavras com coisas, e todo o uso de linguagem seria impossível.
Se uma certa palavra fosse atribuída ora a esta, ora àquela coisa, ou se precisamente a mesma coisa fosse
designada ora de uma maneira, ora de outra, sem que nisso houvesse uma certa regra a que os fenômenos
estivessem por si mesmos submetidos, não poderia ter lugar nenhuma síntese empírica da reprodução (KrV
A101, 130)
78
.
E, por isso, Kant conclui: “Portanto, deve haver qualquer coisa que torne possível esta
reprodução dos fenômenos, servindo de princípio a priori a uma unidade sintética e necessária dos
fenômenos” (Id. Ibid.)
79
. Tal fundamento acabaria com as dúvidas humeanas ao considerar alguns
conceitos puros do entendimento, não como empíricos e resultados contingentes, mas como
condições a priori e necessárias das associações da capacidade de imaginação.
Porém, a isso se chega quando se reflete que os fenômenos não são coisas em si, mas o simples jogo das
nossas representações que, em última análise, resultam das determinações do sentido interno. Se podemos
mostrar, todavia, que mesmo as nossas intuições a priori mais puras não originam conhecimento a não ser que
contenham uma ligação do múltiplo, que uma síntese completa da reprodução torna possível, esta síntese da
capacidade de imaginação também está fundada, antes de qualquer experiência, sobre princípios a priori.
Então, é preciso admitir uma síntese transcendental pura desta capacidade de imaginação servindo de
fundamento à possibilidade de toda a experiência enquanto necessariamente esta pressupõe a possibilidade
de os fenômenos se reproduzirem. Sendo assim, é evidente que, se quero traçar uma linha em pensamento, ou
pensar o tempo de um meio-dia a outro, ou apenas representar-me um certo número, prioritariamente devo
conceber necessariamente, no meu pensamento, uma a uma estas diversas representações. Caso deixasse
sempre escapar do pensamento as representações precedentes as primeiras partes da linha, as partes
precedentes do tempo ou as unidades representadas sucessivamente e não as reproduzisse à medida que
passo às seguintes, não poderia jamais reproduzir-se nenhuma representação completa, nem nenhum dos
pensamentos mencionados precedentemente, nem mesmo as representações fundamentais, mais puras e
primitivas, do espaço e do tempo (KrV A101-2, 130-1)
80
.
Segundo Longuenesse (1998: 41), essa explanação é estranha por duas razões:
1) Kant como fundamento para a dada regularidade das aparências, que deve fornecer a
ocasião para sua reprodução empírica, outra reprodução, embora uma pura, exercida não
em representações empíricas, mas nos elementos sucessivos de uma linha, um período de
78 “[W]ürde ein gewisses Wort bald diesem, bald jenem Dinge beigelegt, oder auch eben dasselbe Ding bald so bald
anders benannt, ohne daß hierin eine gewisse Regel, der die Erscheinungen schon von selbst unterworfen sind,
herrschte, so könnte keine empirische Synthesis der Reproduktion stattfinden (KrV A101, 130).
79 Es muß also etwas sein, was selbst diese Reproduktion der Erscheinungen möglich macht, dadurch, daß es der
Grund a priori einer notwendigen synthetischen Einheit derselben ist (Id. Ibid.).
80Hierauf aber kommt man bald, wenn man sich besinnt, daß Erscheinungen nicht Dinge an sich selbst, sondern das
bloße Spiel unserer Vorstellungen sind, die am Ende auf Bestimmungen des inneren Sinnes auslaufen. Wenn wir nun
dartun können, daß selbst unsere reinsten Anschauungen a priori keine Erkenntnis verschaffen, außer, sofern sie eine
solche Verbindung des Mannigfaltigen enthalten, die eine durchgängige Synthesis der Reproduktion möglich macht, so
ist diese Synthesis der Einbildungskraft auch vor aller Erfahrung auf Prinzipien a priori gegründet, und man muß eine
reine transzendentale Synthesis derselben annehmen, die selbst der Möglichkeit aller Erfahrung, (als welche die
Reproduzibilität der Erscheinungen notwendig voraussetzt) zum Grunde liege. Nun ist offenbar, daß, wenn ich eine
Linie in Gedanken ziehe, oder die Zeit von einem Mittag zum andern denken, oder auch nur eine gewisse Zahl mir
vorstellen will, ich erstlich notwendig eine dieser mannigfaltigen Vorstellungen nach der anderen in Gedanken fassen
müsse. Würde ich aber die vorhergehende (die ersten Teile der Linie, die vorhergehenden Teile der Zeit, oder die
nacheinander vorgestellten Einheiten) immer aus den Gedanken verlieren, und sie nicht reproduzieren, indem ich zu
den folgenden fortgehe, so würde niemals eine ganze Vorstellung, und keiner aller vorgenannten Gedanken, ja gar
nicht einmal die reinsten und ersten Grundvorstellungen von Raum und Zeit entspringen können (KrV A101-2, 130-1).
52
tempo ou um número.
2) Ao invés de um fundamento para a representação empírica da conjunção e sucessão de
impressões sensíveis (que faz com que sejam associadas), nos é dado um fundamento
para as representações puras (linha, tempo, número), as quais certamente são
insuficientes para fundamentar relações empíricas de conjunção ou sucessão.
A explicação pode ser buscada no fato de que Kant deseja mostrar que para que a sucessão
ou conjunção se apresentem nas aparências, um ato de combinação é necessário anteriormente às
combinações associativas tornadas possíveis pelas conjunções ou sucessões repetidamente
percebidas. Agora, um tal ato é exemplificado em nossas representações de linha, número e tempo e
o ato de combinação é ele próprio um ato de reprodução. Mas se uma síntese reprodutiva é
necessária mesmo para gerar essas representações, então alguma síntese desse tipo é ainda mais
necessária para perceber uma sucessão e mesmo uma conjunção de impressões empíricas,
anteriormente a qualquer reprodução associativa daquela combinação ou daquela sucessão.
Consideremos a conjunção. Na síntese da apreensão vimos que uma coisa é ter uma intuição
“contendo um múltiplo”, outra apreender esse múltiplo como múltiplo. Esse último requer que o
tempo seja distinguido no qual cada impressão é apreendida. Se perdesse sempre as impressões, eu
não formaria a intuição sensível de uma conjunção de impressões, isto é, da unidade de um múltiplo
espacial com suas várias determinações sensórias. Assim, nunca formaria a representação da
conjunção de impressões e menos ainda de qualquer repetição dessas conjunções, as únicas que
podem gerar as associações da capacidade de imaginação reprodutiva.
Consideremos a sucessão: para perceber que duas ou mais representações (impressões ou
múltiplos de impressões apreendidas como múltiplos) sucedem uma a outra, cada elemento da
sucessão deve ser reproduzido como um vindo depois do outro. De outra maneira, nenhuma
sucessão ou, a fortiori, nenhuma sucessão repetida regularmente seria percebida: a capacidade de
imaginação empírica não teria ocasião de exercitar suas regras associativas.
Então, antes de qualquer reprodução associativa, a ocasião para a associação empírica deve
estar presente, isto é, a forma particular de combinação de um múltiplo fenomenal e sua repetição
regular. A capacidade para apresentar tais ocasiões para associação se manifesta em sua forma pura
no ato mental de desenhar uma linha, representar um número ou um período de tempo, o que
pressupõe a reprodução de cada um dos elementos da representação completa.
Para qualquer representação do múltiplo como múltiplo, não é suficiente que o múltiplo seja
dado. É necessária não apenas a síntese da apreensão, mas também, “inseparavelmente ligada a
ela”, uma síntese da reprodução de cada um dos elementos de um múltiplo apreendido, feita para
constituí-lo como uma série completa.
53
2.1.3. Síntese do reconhecimento no conceito
O reconhecimento que essa síntese promove é a consciência de que aquilo que agora
pensamos é exatamente o mesmo que pensávamos no instante anterior (KrV A103, 132). São duas
as funções que Kant lhe atribui:
1) Permitir o conhecimento da igualdade: se não fôssemos conscientes de que o que
pensamos agora é o mesmo que no momento anterior, toda reprodução na série das
representações seria inútil.
2) Produzir uma unidade entre diferentes representações. Essa síntese unifica as
representações do tempo 1 reproduzidas no tempo 2 e a representação recentemente
apreendida no tempo 2. Só assim podem representações sucessivas coexistirem como um
todo unificado (como a linha).
Ele explica essas funções como se segue:
Por não ter consciência de que aquilo que agora pensamos é exatamente o mesmo que pensávamos no instante
anterior, seria nula toda a reprodução na série das representações. que haveria no estado atual uma nova
representação, que não pertenceria ao ato pelo qual devia ser, pouco a pouco, produzida, e o múltiplo dessa
representação não formaria nunca uma conjunto, porque lhe faltava a unidade, que a consciência pode lhe
dar. Ao contar, se me esquece de que as unidades tidas no momento presente frente aos sentidos foram pouco a
pouco acrescentadas por mim umas às outras, não reconheceria a produção do número por esta adição
sucessiva de unidade a unidade nem, por conseguinte, o número, que este conceito é produzido unicamente
na consciência dessa unidade da síntese (KrV A103, 132-3)
81
.
A representação de um número é gerada pela síntese sucessiva de unidades. Cada unidade é
reproduzida na medida em que progredimos na série de um número a outro. Por exemplo,
mentalmente reproduzo a unidade a que designo o número um para sintetizá-la com uma unidade
adicional a que então chamarei de número dois; reproduzo a última por sua vez para sintetizá-la
com uma unidade adicional a que chamarei de número três, e assim por diante. Mas, claro, a
reprodução de qualquer unidade cuja síntese sucessiva deve gerar a representação de um número
(p.ex., o número de pérolas em um colar) seria sem sentido se eu não soubesse que as unidades
agora presentes aos meus sentidos foram sucessivamente adicionadas uma à outra, e se eu não as
reconhecesse como todas pertencendo a um e o mesmo ato de produção de um número (se eu não
fosse consciente de que o que penso agora é exatamente o mesmo que eu estava pensando um
momento antes).
81 Ohne Bewußtsein, daß das, was wir denken, eben dasselbe sei, was wir einen Augenblick zuvor dachten, würde
alle Reproduktion in der Reihe der Vorstellungen vergeblich sein. Denn es wäre eine neue Vorstellung im jetzigen
Zustande, die zu dem Aktus, wodurch sie nach und nach hat erzeugt werden sollen, gar nicht gehörte, und das
Mannigfaltige derselben würde immer kein Ganzes ausmachen, weil es der Einheit ermangelte, die ihm nur das
Bewußtsein verschaffen kann. Vergesse ich im Zählen: daß die Einheiten, die mir jetzt vor Sinnen schweben, nach und
nach zueinander von mir hinzugetan worden sind, so würde ich die Erzeugung der Menge, durch diese sukzessive
Hinzutuung von Einem zu Einem, mithin auch nicht die Zahl erkennen; denn dieser Begriff besteht lediglich in dem
Bewußtsein dieser Einheit der Synthesis” (KrV A103, 132-3).
54
Do mesmo modo, a reprodução empírico-associativa de representações passadas do cinabre
seria inútil (para o processo de representar um objeto) se não fôssemos de alguma maneira
conscientes da identidade entre as representações reproduzidas (as imaginações: por exemplo, as
representações de um objeto vermelho e pesado similar ao que tenho agora em minhas mãos e
diante de meus olhos conservadas na memória) e as percepções passadas cuja repetição induz a
associação presente. Agora, a consciência dessa identidade depende da consciência (ainda que
obscura) da unidade do ato pelo qual essas representações são sucessivamente apreendidas e então
reproduzidas; o que significa dizer que essa consciência depende da (ainda que obscura)
consciência do ato de constituição da experiência completa à qual toda representação particular do
cinabre pertence. Podemos, como os animais, reproduzir representações passadas sem estar
conscientes de que elas pertencem à mesma experiência e o fazemos bastante na vida diária. Mas
a consciência da identidade entre a representação reproduzida e todas aquelas que a precedem não
resultaria dessas reproduções simplesmente associativas. E nenhum conceito universal seria gerado,
sob o qual as representações sucessivamente apreendidas e reproduzidas pudessem ser subsumidas e
assim tomadas em uma próxima rede de comparações.
O reconhecimento dessa identidade das representações empíricas que são apreendidas e
reproduzidas depende, assim, da consciência de seu pertencimento a um ato de síntese unificado.
No texto que citamos acima, Kant chama conceito de consciência da unidade da síntese.
Esse é um uso bastante incomum do termo conceito. É claro que esse conceito é bastante diferente
da representação universal ou refletida definida na Lógica. Aqui, o conceito não é uma
representação universal formada pelos atos discursivos de comparação, reflexão e abstração, mas a
clara ou obscura consciência da unidade do ato de uma síntese e mais, da síntese de um todo. Kant
parece estar insistindo em que o conceito deve ser entendido como a consciência de um ato e de um
ato de combinar e compreender junto quando insiste em que prestemos atenção à palavraBegriff”
que é explícita em significar “abarcar”, “medir” (KrV A103, 133); embora, normalmente, Kant
defina conceito como regra de síntese.
A noção de regra possui duplo significado, paralelo a esse duplo significado de conceito (o
conceito como unidade do ato de síntese e como representação universal e refletida). O conceito é
uma regra na medida em que é a consciência da unidade de um ato de síntese sensível ou a
consciência do procedimento para dar forma a uma intuição sensível. Esse primeiro sentido de regra
antecipa a noção de esquema (representação de um procedimento universal da capacidade de
imaginação para dar uma imagem para um conceito, uma regra de síntese da capacidade de
imaginação), pois um conceito empírico sempre está em relação imediata com o esquema da
capacidade de imaginação como uma regra para a determinação de nossa intuição, de acordo com
55
algum conceito universal específico.
Mas o conceito é uma regra também em outro sentido, discursivo. É uma regra na medida
em que pensar um objeto sob um conceito fornece uma razão para predicar desse objeto as notas
que definem o conceito. Sob esse segundo aspecto, o termo regra tem o significado que Kant lhe
designa na Lógica e na Crítica da Razão Pura quando o usando para descrever a premissa maior de
um silogismo:
Em todo silogismo, primeiro penso uma regra (maior) pelo entendimento. Em segundo lugar, subsumo um
conhecimento sob a condição da regra (minor) mediante a capacidade de julgar. Finalmente, determino o meu
conhecimento pelo predicado da regra (conclusio), por conseguinte a priori pela razão (KrV A304 B360-1,
234)
82
.
Todo conceito é uma regra na medida em que sua explicação (p.ex., um corpo é o que é
extenso, limitado no espaço e impenetrável) pode funcionar como a premissa maior em um
silogismo cuja conclusão seria a atribuição das marcas pertencentes a esse conceito a um objeto da
intuição sensível.
Os dois significados de regra, como regra para a síntese sensível (o conceito como esquema)
e como regra discursiva (a afirmação apodítica das marcas do conceito como uma regra para
subsunção ou premissa maior de um silogismo possível) são ligados. Porque assim gerou-se um
esquema, pode-se obter uma regra discursiva por reflexão e aplicar essa regra a fenômenos. Assim,
como Kant afirma no fim da dedução da primeira edição da Crítica da Razão Pura: o entendimento
“está sempre ocupado em examinar os fenômenos com a intenção de detectar alguma regra neles”
(KrV A126, 158)
83
. Isso deve ser entendido de duas maneiras: por um lado, o entendimento é
ocupado em examinar aparências na procura de objetos conforme às regras que ele já formou; e por
outro lado, ele é ocupado em examinar as aparências para formar novas regras, isto é, novos
esquemas, que podem, por sua vez, ser refletidos como regras discursivas ou regras para subsunção
(as categorias são tidas como regras para a formação de regras, os conceitos empíricos, como dito
no final da exposição propedêutica das três sínteses).
Para que tais regras sejam formadas, o todo de nossas representações precisa ser tomado em
um e o mesmo ato de síntese, o que é possibilitado pela síntese do reconhecimento. Assim, a
identidade numérica da função de combinação (um e o mesmo ato trabalhando em todas as nossas
representações) e a unidade de consciência (a combinação de todas as nossas representações
adquiridas em um espaço e um tempo) são condições necessárias para a constituição de uma
experiência unificada e assim para a relação de nossas representações a objetos.
82 In jedem Vernunftsschlusse denke ich zuerst eine Regel (major) durch den Verstand. Zweitens subsumiere ich ein
Erkenntnis unter die Bedingung der Regel (minor) vermittelst der Urteilskraft. Endlich bestimme ich mein Erkenntnis
durch das Prädikat der Regel (conclusio), mithin a priori durch die Vernunft” (KrV A304 B360-1, 234).
83 “[I]st jederzeit geschäftig, die Erscheinungen in der Absicht durchzuspähen, um an ihnen irgendeine Regel
aufzufinden” (KrV A126, 158).
56
Lembremos ainda que para o reconhecimento acontecer, deve não apenas o ato da apreensão
ser inseparavelmente ligado ao ato da reprodução, mas esse próprio ato da reprodução deve ser
acompanhado pela consciência da unidade do ato ao qual pertence. Isso não significa que cada
momento da tríplice síntese, considerada em seu aspecto empírico, é necessariamente condicionado
pelo próximo: seria excessivo supor que apreendemos (empiricamente) apenas se tenhamos
(empiricamente) reconhecido sob um conceito. Penso que o que Kant quer dizer é que o(s) ato(s) de
apreensão/reprodução/reconhecimento leva(m) a conceitos empíricos e assim ao conhecimento dos
objetos apenas se um e o mesmo ato, unificando nossas representações, trabalha durante todo o
processo. Esse ato é o que Kant chama “identidade numérica do ato de síntese”, e ele afirma que a
consciência de uma tal identidade do ato, embora obscura, acompanha todas as nossas
representações relacionadas a objetos.
2.1.4. A Síntese Figurada (Sintesis Speciosa)
Se, como é sabido, na segunda edição da Crítica da Razão Pura não uma exibição
pormenorizada da tríplice síntese (embora possamos encontrar seus elementos de modo disperso),
por outro lado, a declaração da necessidade da síntese figurada (sintesis speciosa) é onipresente.
A síntese figurada é definida como uma síntese pura, transcendental, realizada pela
capacidade de imaginação e que é uma condição de possibilidade da experiência e de toda
composição do múltiplo em um conhecimento (KrV B150-2, 130-1). Essa síntese é considerada a
primeira e fundamental aplicação do entendimento a objetos da intuição. Ao chamá-la “figurada”,
Kant pretende explicitar sua ligação aos dados sensíveis, e assim distingui-la da síntese intelectual,
a qual não implica qualquer capacidade de imaginação e é realizada apenas pelo entendimento.
Apesar de assim ligada à experiência, a síntese figurada é possível a priori, pois consiste
simplesmente na unificação do múltiplo em geral através de sua ligação à apercepção
transcendental
84
. De modo que a síntese figurada é um exercício de espontaneidade, que é
determinante (e não, como a sensibilidade determinável), e assim pode determinar a priori o
sentido (segundo a sua forma e de acordo com a unidade da apercepção), então, a capacidade de
imaginação é uma faculdade de determinar a priori a sensibilidade, e a sua síntese das intuições,
conforme às categorias, tem que ser a síntese transcendental da capacidade de imaginação.
84 Se lembrarmos que na introdução definimos entendimento como a capacidade de imaginação em sua ligação
regrada à apercepção, vemos que, em um certo sentido, a síntese figurada é o próprio entendimento. O que se confirma
na frase: “[D]ie transzendentale Synthesis der Einbildungskraft (..) welches eine Wirkung des Verstandes auf die
Sinnlichkeit und die erste Anwendung desselben (zugleich der Grund alle übrigen) (KrV B152, 131). “[A] síntese
transcendental da capacidade de imaginação (...) é um efeito do entendimento sobre a sensibilidade e a primeira
aplicação do mesmo (ao mesmo tempo o fundamento de todas as demais)” (Id. ibid.).
57
E, estranhamente, isso é tudo que Kant nos diz explicitamente sobre a síntese figurada.
Sabemos que uma “síntese transcendental pura” fundada “sobre princípios a priori”, que se
encontra na base da possibilidade da experiência, e pertence aos “atos transcendentais da mente”,
que a faculdade que tem esse poder é a “faculdade transcendental da imaginação” e que se pode
pensar um conceito do objeto em geral segundo os diferentes modos da síntese transcendental. Não
encontramos, porém, mais especificações sobre a efetivação dessa condição transcendental nuclear.
A não ser, entretanto, que assumamos, como muitos recentes exegetas da Crítica da Razão Pura,
que a síntese transcendental é detalhada no capítulo sobre o esquematismo, ou melhor, que
enquanto a síntese figurada é a exposição kantiana de que conceitos puros do entendimento e
sensibilidade devem se ligar, o esquematismo é a resposta a como ocorre essa ligação
85
.
Logo, é premente a necessidade de que para compreender a exibição esquemática
passemos ao estudo do esquematismo.
2.2. Esquematismo
A psicologia sensualista negou aos conceitos uma natureza específica, reduzindo-o assim a
uma soma de impressões; dessa forma, concluía-se pela concepção de conceito como algo
meramente abstrato e genérico que tirava sua generalidade apenas do fato de conter em si notas
comuns entre coisas reais. Porém, Kant resolverá a heterogeneidade aparentemente intransponível
entre conceitos e impressões através da projeção do esquematismo sobre as intuições sensíveis, o
que fará dos conceitos – de modo indireto, é verdade – funções e não abstrações.
O que apresentarei sobre o esquematismo é incompleto, pois precisamos ser concisos e as
questões que nos interessam são só as relativas à capacidade de imaginação produtiva, enquanto que
a doutrina do esquematismo é de extrema relevância para se entender a Crítica da Razão Pura,
tendo sido dito por muitos vezes que ela é o centro ou a parte mais difícil ou a mais problemática de
todo aquele livro
86
. “[E]ste esquematismo de nosso entendimento é uma arte oculta nas profundezas
da alma humana cujo verdadeiro manejo dificilmente arrebataremos algum dia à natureza, de modo
a apresentá-la sem véu” (KrV A141 B180-1, 146)
87
. A doutrina do esquematismo é também muito
85 Sobre a relação entre esquematismo e síntese figurada, ver (FREULER, 1991).
86 Para uma explanação mais detalhada do esquematismo em geral ver (DAVAL, 1951) e (KANG, 1985) – deste último
recomendamos especial o trecho entre as páginas 65 a 84, quando trata especificamente da relação entre esquema e
capacidade de imaginação. E especificamente sobre a relação entre esquematismo e capacidade de imaginação
(SALVUCCI, 1975: 11-143); que trata inclusive o simbolismo como um tipo de esquematismo: “Este esquematismo é,
porém, outro que aquele da determinação do objeto (Objektsbestimmung), o qual tende não a esclarecer, mas a estender
nosso conhecimento” (“Questo schematismo é, però, altro dallo schematismo della determinazione dell´oggetto
(Objektsbestimmung), che tende a non chiarire ma ad estendere la nostra conoscenza” – Id.: 140).
87 Dieser Schematismus unseres Verstandes (...) ist eine verborgene Kunst in den Tiefen der menschlichen Seele,
deren wahre Handgriffe wir der Natur schwerlich jemals abraten, und sie unverdeckt vor Augen legen werden(KrV
58
importante em relação não à epistemologia mas à moral e à estética kantianas, uma vez que a
típica (um dos momentos do juízo moral) se constrói em comparação com essa teoria, o mesmo
acontecendo com o livre jogo das faculdades (o que caracteriza a beleza de algo, onde se o
processo que Kant chama de “esquematismo sem conceitos”, que estudaremos no terceiro capítulo).
A teoria do esquematismo é apresentada na “Analítica dos Princípios”, a segunda parte da
“Analítica Transcendental” que é o primeiro momento da “Lógica Transcendental” da Crítica da
Razão Pura. O objetivo do esquematismo é mostrar como é possível que conceitos se refiram à
intuições, dito de outro modo, como a forma dos fenômenos é aplicada à matéria dos fenômenos,
em outras palavras, como sensibilidade e entendimento interagem, ou ainda, como o pensamento é
capaz de compreender o mundo, dito ainda de outra forma, como o geral se refere ao particular,
enfim, como se a significação (pois Kant dizia que as categorias possuem significação se
referidas à sensibilidade) ou, grosso modo, como é possível a experiência.
Então, como desenvolvimento da concepção de conceito como função aparece o
esquematismo: seu verdadeiro tema consiste no problema que coloca a possibilidade do conceito
geral
88
. O esquema de um conceito é a representação de um processo (ROTENSTREICH, 1956:
13), Methode (KrV A140 B179, 146) ouMonogramm (KrV A142 B181, 146) da capacidade de
imaginação para representar um conceito em sua imagem correspondente; enquanto esquemas os
conceitos são construções, não abstrações; e se devem a atividades espontâneas do sujeito, não à
simples recepção do objeto: os conceitos não são imagens copiosas dos objetos ou impressões
sensíveis, mas sim representações de um método de síntese no mais fundamental da sensibilidade -
por isso resultam não das sensações, e sim de operações discursivas que lidam com as formas
puras da sensibilidade. O que quer dizer que a capacidade de imaginação transcendental pura
realizando uma operação discursiva pura determina a representação do conceito puro do
entendimento não segundo as notas empíricas, e sim de acordo com a relação do fenômeno com a
intuição pura universal (tempo).
O “achado” de Kant está em que os conceitos puros do entendimento são simplesmente a
expressão de um método mental lógico e dotado de validez geral; e quando lhes damos uma
representação plástica, ao invés disso servir de base à consciência de tal procedimento, na realidade
já a pressupõe (CASSIRER, 1906: 666).
A141 B180-1, 146).
88 Mas a possibilidade lógica do conceito é independente do esquematismo, visto que ela foi tematizada pela dedução
transcendental das categorias através da análise do conceito de objeto. Por isso é importante observar que as colocações
psicológicas não dão a razão de ser que justifica a validez dos conceitos puros mas são necessárias e indispensáveis
como ilustração e complemento; sua função é: mostrar como é possível que os conceitos deduzidos das condições
necessárias da experiência possível se realizam também no processo efetivo da representação e conseguem uma
expressão real (CASSIRER, p. 665).
59
Embora o pensamento adquira sua determinabilidade psicológica em relação com a
imagem, o esquema do pensamento orienta a representação da imagem. Por isso, todos os nossos
conceitos puros repousam sobre funções (ROTENSTREICH, 1956: 13) e não sobre afecções. O que
quer dizer que os conceitos puros não surgem, e nem podem surgir da simples comparação entre
impressões dadas. E mais uma vez fica marcado o caráter produtivo da capacidade de imaginação:
não nos limitamos a ler as imagens dos conceitos, mas somos nós que fornecemos ao conceito,
como simples definição abstrata, sua imagem ao construí-lo na intuição pura. Então, o esquema não
é uma delineação pálida e esvaída do objeto empírico real, mas é, sim, uma espécie de arquétipo, é
um modelo dos possíveis objetos da experiência (CASSIRER, 1906: 667).
Caso sigamos a dedução transcendental das categorias, entenderemos o entendimento não
simplesmente como uma faculdade de formar conceitos gerais e abstratos, e sim como a faculdade
de formar (Bildung) regras; e então, o entendimento deixará de ser algo completamente
incompatível com a intuição. E, assim, podemos lidar com a heterogeneidade entre conceitos e
impressões.
Não conseguiríamos da intuição algo que contivesse forma sem uma regra aplicável à
sucessão dos conteúdos concretos da representação e sem nos ser dada uma forma da intuição, não
nos seriam dadas nem sequer as representações fundamentais mais puras e primárias do tempo e do
espaço.
Como dissemos, depois de ter mostrado na “Analítica dos Conceitos”, através da síntese
figurada, que os conceitos puros do entendimento contêm os fundamentos da possibilidade da
aplicação de representações discursivas universais a representações intuitivas sensíveis particulares,
Kant desenvolve o esquematismo desses conceitos puros do entendimento no início da “Analítica
dos Princípios” onde procura mostrar como tais conceitos podem ser aplicados aos fenômenos em
geral.
Em decorrência do que vimos quando, no capítulo anterior, tratávamos do processo de
exibição em geral, dada a divisão de faculdades elaborada por Kant, o esquematismo é função da
capacidade de imaginação, mas à sua consecução concorrem também a faculdade do juízo e o
entendimento. De início, vamos atentar para a seguinte descrição: “O esquema é em si mesmo
sempre um produto da capacidade de imaginação” (KrV A140 B179, 145)
89
. Mas ele não é uma
imagem, antes, ele é o processo que torna imagens possíveis. “Ora, denomino tal representação de
um procedimento universal da capacidade de imaginação, o de proporcionar a um conceito sua
imagem, o esquema destes conceitos” (KrV A140 B179-80, 146)
90
. A palavra “procedimento” é
89 “Das Schema ist an sich selbst jederzeit nur ein Produkt der Einbildungskraft” (KrV A140 B179, 145).
90 Diese Vorstellung nun von einem allgemeinen Verfahren der Einbildungskraft, einem Begriff sein Bild zu
verschaffen, nenne ich das Schema zu diesem Begriffe (KrV A140 B179-80, 146).
60
muito importante: aponta para o fato de que esquemas não são entidades mentais ao lado de
conceitos e intuições, eles são sim funções, acontecimentos, eventos, atos.
Então, o esquema é um procedimento universal (regra) para proporcionar a um conceito
uma representação intuitiva que de alguma maneira funcione como sua imagem (Bild)
91
. Esta
imagem, portanto, difere do próprio esquema. A imagem é um produto sensível que pode ser dado à
nossa faculdade receptiva da sensibilidade. o esquema, não: ele deve ser construído e o pode
ser através do entendimento e da capacidade de imaginação.
O esquema é então uma regra diretriz das sínteses, pois é a hipostasiação sensível do
conceito, é o entendimento regulando a capacidade de imaginação em busca de certos resultados. O
esquematismo é um modo de proceder que promove através dessa regulação a determinação que
dirige as operações da capacidade de imaginação de modo a possibilitar a produção de imagens que
estejam relacionadas aos conceitos do entendimento e desse modo permitir a cognição.
Existem três tipos de esquemas: (a) empíricos, concernentes aos conceitos empíricos; (b)
sensíveis puros, os que tornam possíveis os conceitos sensíveis puros, quais sejam, os da
matemática; e (c) transcendentais, aqueles que são possibilitadores da aplicação dos conceitos puros
do entendimento. Cada um desses tipos de esquema implica um processo de esquematização
diferente. A seguir veremos esses tipos separadamente, a começar pelo esquematismo de conceitos
empíricos ou, simplesmente, esquematismo empírico.
91 “O que Kant chama nesse contexto de 'imagem' não é um elemento psicológico ou um produto mental, e menos
ainda uma imagem no sentido de reprodução ou representação. Kant tem em mira algo que pode ser melhor definido
como ícone ou signo icônico, em um sentido específico, que o distinga exatamente da imagem-representação. Bild é o
que se torna reconhecível e interpretável como signo icônico; mas esse aspecto deve ser considerado como próprio
primeiramente do próprio fenômeno, na medida em que esse consiste em uma aparência preestruturada através da
síntese figurada da capacidade de imaginação, aparência que por força dessa operação se apresenta como objeto de um
conhecimento possível. O aspecto originariamente sígnico e icônico por parte da capacidade de imaginação produtiva é
fundamento de todo o processo comunicativo baseado sobre imagens, do signo icônico convencional” (“Cio che Kant in
questo contesto chiama 'immagine' non è un fattore psicologico o un prodotto mentale, e ancor meno un´immagine nel
senso di riproduzione o raffigurazione. Kant ha di mira qualcosa che può essere definito piuttosto come icona o segno
iconico, seppure in una particolare accezione, che lo distingua appunto dalla immagine-raffigurazione. Bild è cio che
come segno iconico si rende riconoscibile e interpretabile, ma questo carattere è da considerare come proprio in prima
istanza del fenomeno stesso, in quanto esso consiste in una apparenza prestrutturata per mezzo della sintesi figurata
della immaginazione, che in forza di questa opeazione si presenta come oggeto di una possibile conoscenza. Il
carattere originariamente segnico e iconico da parte dell´immaginazione produttiva, è fondamento di ogni processo
comunicativo basato su immagini, del segno iconico convenzionale” – LA ROCCA, 1999: 37).
61
2.2.1. Esquematismo de conceitos empíricos
92
A explanação sobre a formação dos conceitos empíricos exige que voltemos como
havíamos prometido no capítulo anterior ao tema da reflexão. Nosso presente interesse é apenas
com a reflexão necessária à geração de conceitos empíricos, o que Kant chama na Crítica da Razão
Pura de reflexão “lógica”, em oposição à “transcendental”.
Para entender a mecânica da reflexão lógica, recorreremos à Lógica Jasche, onde a distinção
entre a matéria (ou conteúdo) e a forma de um conceito está subjacente à explanação da reflexão.
Segundo essa distinção, conceitos puros (os conceitos puros do entendimento e os conceitos
sensíveis puros) e conceitos empíricos diferem com respeito à matéria e à origem dessa matéria,
uma vez que aos conceitos puros o conteúdo é dado a priori, i.e., construído (como no caso de
conceitos matemáticos), enquanto que no que concerne aos conceitos empíricos ele é derivado da
experiência
93
. E apesar da diferença de conteúdo, todos os conceitos (puros, sensíveis puros ou
empíricos) compartilham a mesma forma, que é a universalidade. E é a origem dessa forma que
interessa a Kant numa determinada parte da Lógica Jasche.
No parágrafo 6 dessa obra Kant refere-se aos “atos lógicos” de comparação, reflexão e
abstração como a origem dessa universalidade e assim dos conceitos quanto à sua forma.
Comparação entendida como “o cotejo (Vergleichung) das representações entre si em relação com a
unidade da consciência”; a reflexão compreendida como “a consideração (Überlegung) do modo
como diferentes representações podem ser compreendidas em uma consciência”; e a abstração
tomada como “a separação (Absonderung) de todos os demais aspectos nos quais as representações
dadas se diferenciam” (LJ 94, 112). E depois de caracterizações dessas operações que não ajudam
muito, ele tenta ilustrar o processo todo em uma nota:
Para fazer conceitos a partir de representações, é preciso, pois, poder comparar, refletir e abstrair, pois essas
92 Bons estudos sobre os esquemas empíricos podem ser encontrados em (LEIBER, 1996) e (CARPENTER, 1995)
além daqueles de Longuenesse e Allison que citaremos mais à frente.
Como não dispomos de base exegética suficiente e nem de espaço para desenvolver satisfatoriamente o tema,
gostaríamos de relegar a essa nota uma hipótese que julgamos bastante interessante, que é a seguinte:
Embora Kant nunca trate explicitamente do esquematismo dos conceitos empíricos (a não ser como exemplo
em KrV A141 B180, 146), dados os exemplos e comentários que encontramos no capítulo sobre esquematismo na
Crítica da Razão Pura, faz bastante sentido entendermos as “Idéias Normais” apresentadas na Crítica da Faculdade do
Juízo como o esquematismo dos conceitos empíricos. Assim, o esquematismo empírico seria a construção de idéias
normais e idéias normais são a “imagem” (não visual e nem mesmo apenas sensível) que resulta dos pontos
coincidentes na sobreposição de vários exemplos de uma entidade. Quer dizer então que para se obter o conceito
“galinha” ocorre natural, automática e inconscientemente um processo de sobreposição dos vários exemplares de
galinha experimentados pelo sujeito de modo que se ressalte as características aceitáveis na identificação do que é uma
galinha. Esse esquema/idéia normal surgido dessa sobreposição é dinâmico, quer dizer, ele pode se adequar de modo a
abarcar ou excluir entidades que se considerará ou se considerou a partir do que ora se considera. Com isso funcionam
como possibilitadores (condições transcendentais) da identificação de particulares de um conceito geral.
Contudo, fica apenas registrada essa sugestão, fértil e interessante; porém, desprovida de estofo textual.
93 Para uma versão mais sofisticada da distinção entre os tipos de conceito em Kant, ver (ECONOMOS, 1973).
62
três operações lógicas do entendimento são as condições essenciais e universais da produção de todo conceito
em geral. Eu vejo, por exemplo, um pinheiro, um salgueiro e uma tília. Ao comparar antes de mais nada estes
objetos entre si, observo que são diferentes uns dos outros no que respeita ao tronco, aos galhos, às folhas e
coisas semelhantes; mas, em seguida, eu reflito apenas sobre aquilo que eles possam ter em comum entre si, o
tronco, os galhos, as folhas eles próprios, e, se eu abstraio do tamanho, da figura dos mesmos e assim por
diante, obtenho um conceito da árvore (LJ 94-5, 112).
Se é para o exemplo fazer sentido, as três operações precisam ser vistas como aspectos de
uma atividade única, unificada, não como sucessivas, pois não pode ser que primeiro notemos as
diferenças entre troncos, galhos e folhas e depois reflitamos sobre o que os objetos comparados têm
em comum, o fato de que têm essas características, e só depois abstrair suas diferenças, porque para
notar diferenças é preciso saber o que permanece.
Ainda que isso seja aceito, entretanto, as dificuldades continuam, uma vez que o processo
parece eternamente circular. Supostamente chegamos ao conceito de árvore refletindo precisamente
naquelas características dos objetos percebidos (tronco, galhos, folhas etc.) em virtude dos quais o
reconhecemos como árvores, e abstraindo dos que eram irrelevantes. Mas como alguém pode
reconhecer e selecionar essas “características constitutivas de árvore” a menos que possua o
conceito de árvore, que é exatamente o que se deveria explicar? Parece que na explanação kantiana
precisa-se ter o conceito de árvore para adquiri-lo.
Seguindo LONGUENESSE (1998: 131-8), ALLISON (2001: 24) propõe que a resposta
esteja no entendimento de Kant do “ato lógico” de comparação, o qual, como vimos, é desenvolvido
“em referência a um conceito tornado possível através disso” (EE 17, 47)
94
.
Em contraste com o tipo de comparação (ou reflexão) praticada por animais, que é
obviamente semelhante à associação, o ato lógico de comparação humano pode ser descrito como
“comparação universalizante”. Em outras palavras, é uma comparação que é dirigida desde o
começo à detecção de características comuns no múltiplo sensível, e é assim dirigida porque ela é
governada pela norma implícita da universalidade, com o objetivo de elevar essas características
comuns a marcas de conceitos que podem ser subsequentemente aplicados em juízos. Isso porque
tal comparação está a serviço das funções lógicas do juízo (ou da capacidade de julgar), e ocorre
apenas sob a liderança dos “conceitos de comparação” delineados no capítulo da Anfibologia
(identidade / diferença, concordância / oposição, interior / exterior, matéria / forma) (KrV A263
B319 e A268 B324).
Nosso interesse imediato é, porém, com os itens que serão comparados nessa “comparação
94 “[I]n Beziehung auf einen dadurch möglichen Begriff (EE 17, 47). O trecho completo diz: Refletir (Überlegen),
porém, é: comparare manter-juntas dadas representações, seja com outras, seja com sua faculdade de conhecimento, em
referência a uma conceito tornado possível através disso. O juízo reflexionante é aquele que também se denomina a
faculdade de julgamento (facultas diiudicandi)” (“Reflektieren (Überlegen) aber ist: gegebene Vorstellungen entweder
mit andern, oder mit seinem Erkenntnisvermögen, in Beziehung auf einen dadurch möglichen Begriff, zu vergleichen
und zusammen zu halten. Die reflektierende Urteilskraft ist diejenige, welche man auch das Beurteilungsvermögen
(facultas diiudicandi) nennt” – EE 17, 47).
63
universalizante”, que Longuenesse identifica como vários esquemas. Em suporte a essa leitura ela
nos remete a uma Reflexion datada entre 1776 e 1780: “Comparamos apenas o que é universal na
regra de nossa apreensão (Reflexion 2880 Ak.XVI: 557 apud. LONGUENESSE, 1998: 116
itálico de Kant)
95
. Uma vez que o que é universal em uma regra governando ou ordenando nossa
apreensão é equivalente ao que a Crítica da Razão Pura caracteriza como esquema, segue-se que a
comparação que leva à formação de conceitos é uma comparação de esquemas mais do que de
meras impressões ou imagens, e desse modo de algo que já possui certa universalidade.
Se considerarmos o tratamento da Lógica Jasche a essa luz, podemos ver que, ao comparar
troncos, galhos e folhas de várias árvores para formar um conceito geral de uma árvore, o que se
está realmente comparando são os padrões ou regras governantes da apreensão desses itens, i.e.,
seus esquemas. E é de uma reflexão sobre o que é comum a esses padrões de apreensão ou
esquemas, combinada com uma abstração de suas diferenças, que se chega ao conceito (refletido)
de uma árvore.
Isso parece oferecer uma resposta ao menos parcial à objeção que fizemos acima, uma vez
que ela explica como se pode refletir sobre as próprias características que constituem as
características definicionais ou marcas do conceito ainda não formado de árvore. Contudo, é apenas
uma resposta parcial, uma vez que ela imediatamente sugere outras duas questões: (1) Como é
possível ter um esquema antes de adquirir o conceito que ele supostamente esquematiza? E (2)
como o esquema de um conceito empírico se origina, uma vez que obviamente ele não pode ser
dado a priori?
Segundo Longuenesse (1998: 116, nota 29), a resistência inicial à idéia de que um esquema
pode anteceder seu conceito vem do fato de que quando Kant introduziu o tópico do esquematismo
na Crítica da Razão Pura, seu interesse eram as condições sob as quais um conceito que
supostamente já está formado pode relacionar-se a um objeto sensível. Isso requer um esquema, que
é sua expressão sensível ou exibição; então, sem seu esquema correspondente, um conceito não
pode ter aplicação. Inclusive, podemos ir adiante e afirmar que não se pode dizer possuir um
conceito sem também possuir seu esquema, o qual é exatamente a regra para sua aplicação. Pois é o
esquema que nos diz o que conta como estando sob um dado conceito; e claramente não se pode
possuir um conceito sem saber o tipo de coisa (ou propriedade) que o instancia.
Longuenesse sugere ainda, contudo, que se se considera a relação entre conceito e esquema
da perspectiva das deduções metafísica e transcendental, a prioridade é revertida. Pois na primeira,
Kant claramente mantém que a síntese é o resultado da capacidade de imaginação, aquela “função
95 “We compare only what is universal in the rule of our apprehension (das Allgemeine der Regel unserer Auffassung)”
(Reflexion 2880 Ak.XVI: 557 apud. LONGUENESSE, 1998: 116 – itálico de Kant).
64
cega embora indispensável da alma”, enquanto que a função do entendimento é “reportar essa
síntese a conceitos (KrV A78 B103, 107-8)
96
. Mais ainda, na primeira edição isto é elaborado na
doutrina da tríplice síntese, o último estágio da qual é chamado “reconhecimento no conceito”.
Correlativamente, na segunda edição, enquanto que o papel da capacidade de imaginação é
supostamente diminuído, Kant afirma que “só em virtude de uma previamente pensada unidade
sintética possível posso representar-me a unidade analítica” (KrV B133, 122 nota)
97
. Quer dizer, a
unidade analítica da apercepção, que pertence a todo conceito enquanto tal, é possível apenas sob a
pressuposição de uma certa unidade sintética.
Esses trechos de ambas edições da crítica sugerem fortemente que Kant mantinha que o
reconhecimento conceitual requerido para a “cognição propriamente dita” surge de uma reflexão
subseqüente sobre (um trazer a conceitos de) uma ordem ou estrutura inicialmente imposta sobre o
múltiplo sensível pela síntese cega, i.e., não dirigida conscientemente, da capacidade de
imaginação. Mais ainda, isso, em contrapartida, sugere que se pode ter e fazer uso de um esquema
(regra de apreensão) anterior a ou independentemente da representação discursiva dessa regra
(como um conjunto de marcas) em um conceito.
Voltando ao exemplo dos diferentes tipos de árvore, parece claro que se pode ter a
capacidade de distinguir um pinheiro de um salgueiro a partir das características estruturais
percebidas de seus troncos, galhos, folhas, sem também ter a capacidade de listar as marcas
definicionais de cada espécie distinta. Uma vez que a primeira capacidade é pré-linguística (e não-
conceitual) ela não implica cognição propriamente dita. Apesar disso, ela é também a fonte do
conteúdo, o qual quando elevado à forma da universalidade através das “operações lógicas” do
entendimento, faz surgir tal cognição.
Para ilustrar como a apreensão é governada por regras que precedem a formação de
conceitos nos quais essas regras são expressas discursivamente, Longuenesse cita um exemplo de
Kant no qual a apreensão não é governada por regras:
[S]e um selvagem à distância uma casa cujo uso ele não conhece, ele tem, é verdade, diante de si na
representação o mesmo objeto representado por outra pessoa que o conhece de maneira determinada uma
habitação destinada a pessoas. Mas, segundo a forma, esse conhecimento de um e o mesmo objeto é diverso
em ambos. Em um, é uma mera intuição, no outro, intuição e conceito ao mesmo tempo (LJ 33, 50).
96 [B]linden, obgleich unentbehrlichen Funktion der Seele”; diese Synthesis auf Begriffe zu bringen”. O trecho
completo diz: “A síntese em geral, como veremos futuramente, é o simples efeito da capacidade de imaginação, uma
função cega embora indispensável da alma, sem a qual de modo algum teríamos um conhecimento, mas da qual
raramente somos conscientes. Reportar essa síntese a conceitos é, todavia, uma função que cabe ao entendimento e pela
qual nos proporciona pela primeira vez o conhecimento em sentido próprio (“Die Synthesis überhaupt ist, wie wir
künftig sehen werden, die bloße Wirkung der Einbildungskraft, einer blinden, obgleich unentbehrlichen Funktion der
Seele, ohne die wir überall gar keine Erkenntnis haben würden, der wir uns aber selten nur einmal bewußt sind. Allein,
diese Synthesis auf Begriffe zu bringen, das ist eine Funktion, die dem Verstande zukommt, und wodurch er uns
allererst die Erkenntnis in eigentlicher Bedeutung verschafft” – KrV A78 B103, 107-8).
97 “[N]ur vermöge einer vorausgedachten möglichen synthetischen Einheit kann ich mir die analytische vorstellen
(KrV B133, 122 nota).
65
Mesmo que Kant indique que o que falta ao selvagem é o conceito de uma casa, acredito que
Longuenesse esteja certa ao enfatizar que a ele também falta o esquema (o qual é, no fim das
contas, uma condição necessária para a posse de um conceito). Assim, o selvagem, nunca havia
visto nada parecido com uma casa, recebe os mesmos dados sensíveis que alguém familiarizado
com casas, mas ele não tem um procedimento à mão para processá-lo de uma maneira determinada.
Não regra o obrigando a privilegiar certas marcas e deixar de lado outras, de maneira que um
conceito de casa possa se aplicar. Em outras palavras, ao selvagem falta não somente o conceito de
casa, mas também a pré-condição para adquiri-lo, o esquema.
Como, então, o esquema ou regra de apreensão é adquirido? A menos que essa questão
possa ser respondida, nosso temor inicial sobre formação de conceitos empíricos foi apenas
realocado para um paralelo a respeito de esquemas, e não foi resolvido. Além disso, a resposta de
Longuenesse, embora perfeitamente consistente com sua análise subjacente, parece confusa, ao
menos inicialmente. Pois segundo seu tratamento, o “esquema surge dos mesmos atos de
comparação universalizante dos quais eles são objetos”, quer dizer, atos desse tipo produzem tanto
os conceitos completamente refletidos através de uma comparação de esquemas quanto os próprios
esquemas a ser comparados.
Certamente, a maior confusão sugerida por essa resposta diz respeito à comparação inicial
que gera os esquemas. Como é que procederá uma tal comparação, uma vez que ex hipotesi ela
ainda não tem “o que é universal na regra de comparação”, i.e., um esquema? E como podem
esquemas tanto fornecer os termos de uma comparação universalizante quanto serem eles mesmos
um produto de tal comparação? A própria idéia parece assustar-nos com um regresso infinito ou
uma repetição da mesma circularidade que aplacou o tratamento original kantiano da formação de
conceitos.
O ponto essencial da resposta de Longuenesse é que essa comparação não começa como
uma lousa branca. Porque a mente, em sua comparação universalizante é guiada pelos mesmos
conceitos de reflexão operativos na comparação de esquemas que leva à formação de conceitos
refletidos. Presumivelmente, nesse nível, a comparação leva a mente a procurar similaridades e
diferenças, as quais podem primeiro ser codificadas como esquemas governando a apreensão e
depois refletidas como conceitos, procurando em conceitos que possui esquemas que se
aproximem de sintetizar satisfatoriamente o múltiplo que se apresenta agora e combinando-os para
formar novos. Isso é possível porque essa comparação é orientada desde o começo para a aquisição
de conceitos aplicáveis em juízos.
Assim, o selvagem de Kant, tendo nunca visto uma casa, inicialmente não tem base de
comparação para ordenar sua apreensão. Mas depois de ver vários objetos similares, os quais ele
66
provavelmente relaciona por associação com outras idéias normais e exemplos que experienciou,
ele começará a perceber similaridades e diferenças importantes, as quais, por sua vez, levarão (sob a
guia implícita dos conceitos de comparação) à formação de um esquema de uma casa como uma
regra governando a apreensão, e possivelmente mesmo o conceito pleno.
Contrariamente ao que parecia ser o caso inicialmente, não se precisa ter um esquema
para adquiri-lo. Tudo que é requerido (do lado da mente) é a capacidade de julgar, a qual é exercida
inicialmente em uma comparação universalizante de representações associadas sob a liderança de
conceitos de reflexão
98
.
Creio que pensando no processo de idéias normais, enriquecido com essa discussão da
reflexão lógica na formação de conceitos, tem-se uma compreensão do esquematismo empírico que
se não é explicitamente exposta por Kant, ao menos é bastante plausível e compatível com todo o
pouco que ele diz sobre essa teoria e os temas que lhe são adjacentes.
2.2.2. Esquemas sensíveis puros
99
Os esquemas sensíveis puros são aqueles que possibilitam os conceitos geométricos, são
chamados “sensíveis puros” porque são determinações da intuição pura espaço sem se referirem a
nada de empírico, de modo que assim eles são regras de construção de figuras como círculo e
quadrado, p.ex., apenas a partir de sua definição (quatro lados iguais etc). Com isso são aquilo sem
o qual não se pode identificar o que é um círculo.
Os conceitos da intuição sensível pura nos são dados em última instância mediante o
método da construção: quando pensamos o conceito de triângulo, não nos remetemos a um objeto
físico existente, nem a uma representação concreta dentro de nós, mas sim à unidade do ato com
que nos construímos um triângulo (p.ex., uma figura bidimensional fechada de três lados). “O
esquema do triângulo não pode existir em nenhum outro lugar a não ser no pensamento, e significa
98 Se no começo da Crítica da Razão Pura Kant trata os conceitos como possuídos, depois ele deixa claro que os
conceitos sob os quais os objetos são subsumidos em juízos são eles mesmos apenas conseguidos através de um ato
complexo de reflexão (lógica).
Concluindo a discussão do primeiro capítulo sobre a reflexividade dos juízos determinantes, podemos agora dizer com
mais propriedade que reflexão e determinação são melhor vistas como pólos complementares de uma atividade
unificada do juízo (a subsunção de particulares sob universais), mais do que duas atividades apenas tangencialmente
relacionadas pertencentes a duas faculdades distintas. Todo juízo empírico ordinário envolve momentos tanto de
reflexão quanto de determinação: o primeiro consiste em encontrar o conceito sob o qual particulares dados devem ser
subsumidos (como acabamos de ver no processo de esquematização empírica), e o último na determinação dos
particulares como sendo de tal ou qual tipo ao subsumi-lo sob o conceito. O que aprendemos da primeira introdução é
que tal reciprocidade não é completa. Embora todo juízo determinante envolva reflexão (como um condição dos
próprios conceitos sob os quais os particulares são subsumidos), nem todo juízo reflexivo envolve uma determinação
correspondente. Pois dá-se que há algo como um “juízo meramente reflexivo”.
99 Um estudo detalhado e bastante rigoroso especificamente sobre o esquematismo de conceitos sensíveis puros é
(FERRARIN, 1995).
67
uma regra de síntese da capacidade de imaginação com vistas a figuras puras no espaço” (KrV
A141 B180, 146)
100
. A regra pensada, a unidade do ato, é a origem da imagem; o que leva em si
essa regra é o que a permite “representar” o conceito. A imagem é um produto da capacidade
produtora empírica de imaginação. Pelo contrário, o esquema dos conceitos sensíveis e das figuras
no espaço são um monograma produzido pela capacidade de imaginação pura a priori. E assim,
apenas por meio dos esquemas são possíveis as imagens, que existem somente em referência a eles.
O esquema de conceitos sensíveis puros, p.ex., o esquema de triângulo, não pode ser
qualquer imagem concreta e particular de triângulo, mas sim apenas uma regra que dirige a síntese
da faculdade de imaginação na produção de imagens de triângulos. De fato, por ser individual,
nenhuma imagem determinada seria adequada ao conceito de triângulo, pois esse deve subsumir a si
todos os triângulos possíveis. Então, como qualquer imagem de triângulo nunca pode se relacionar
imediatamente ao conceito de triângulo, apenas o esquema pode fazer esse relacionamento imediato
a um conceito, pois ele é uma simples regra de determinação da nossa intuição pela qual a
capacidade de imaginação pode ser dirigida para traçar figuras em geral. Somente assim, torna-se
possível apresentar in concreto múltiplas representações intuitivas (imagens) que se relacionam,
mediante tais esquemas, a um conceito do entendimento.
E assim, o esquema sensível puro é o menos problemático dos três tipos de esquema, e, por
isso, até mesmo aquele que baseou a própria idéia de esquematismo.
2.2.3. Esquemas transcendentais
101
Kant pensa que a subsunção somente seja possível caso uma representação seja homogênea
(gleichartig) à outra (KrV A137 B176, 144), pois em toda subsunção de um objeto a um conceito,
esse deve trazer em si o que é comum aos vários exemplares do objeto.
Os esquemas transcendentais são aqueles que devem permitir que os conceitos puros do
entendimento se apliquem à realidade. Aqui Kant tem um grande problema: como esses conceitos
podem se referir à sensibilidade se eles são puras formas, operações lógicas (lembrem-se: a tábua
das categorias é derivada da tábua dos juízos), quer dizer, se, por definição, eles não têm nada de
empírico, em suma, se eles não podem ser transpostos em uma imagem? Na medida em que
conceitos puros do entendimento constituem mediatamente o que é universal e necessário, as
intuições dizem imediatamente do que é particular e contingente, pertencem evidentemente a tipos
100 Das Schema des Triangels kann niemals anderswo als in Gedanken existieren, und bedeutet eine Regel der
Synthesis der Einbildungskraft, in Ansehung reiner Gestalten im Raume” (KrV A141 B180, 146).
101 Sobre o esquematismo transcendental, recomendamos: (PHILONENKO, 1982 e 1972), (PENDLEBURY, 1995) e
(BUSSMANN, 1994 e 2001).
68
diferentes de representações. Esse problema Kant chama de “heterogeneidade entre intuições e
conceitos”: como um é de natureza completamente diferente da do outro, por definição, um não
pode se reduzir ao outro. Com os esquemas de conceitos empíricos não se tinha esse problema
porque eles são “imagens” feitas a partir da coincidência dos exemplares, quer dizer eles são
sensíveis, nem o tinha com os sensíveis puros porque eles são regras de construção da figura
geométrica ou do elemento aritmético na intuição pura espaço, de modo que esses também são
sensíveis. Mas e os conceitos puros do entendimento, como fazer com que eles se tornem sensíveis?
Por isso e porque conceitos não podem ser encontrados em intuições sensíveis, a única que
Kant considera ser possível ao homem, que se encontrar um meio que permita superar este
obstáculo, superando esta diversidade em uma unidade superior. Kant propõe que a solução para
esta “tão natural e relevante questão” (KrV A138 B177, 144) é a seguinte:
Ora, é claro que precisa haver um terceiro termo que seja homogêneo, de um lado, com a categoria e, de outro,
com o fenômeno, tornando possível a aplicação da primeira ao última. Esta representação mediadora deve ser
pura (sem nada de empírico) e não obstante de um lado intelectual, e de outro sensível. Tal representação é o
esquema transcendental (KrV A138 B177, 145)
102
.
Então, a unidade buscada entre a particularidade sensível das intuições da sensibilidade e a
universalidade intelectual dos conceitos do entendimento foi encontrada em um elemento (o tempo
como a forma pura do sentido interno) que proporciona uma conexão entre os dois, na medida em
que ele contém características comuns aos dois tipos de representações a serem relacionadas
103
.
Kant propõe que os esquemas transcendentais sejam os conceitos puros do entendimento
aplicados à intuição pura tempo, quer dizer, os esquemas das categorias são essas categorias
enquanto determinações do tempo (KrV A138-9, B177-8, 145). Isso resolve o problema porque o
tempo é sensível e puro; “sensível” porque ele é forma da sensibilidade, tudo que é sensível está no
tempo, tem o tempo como forma; e “puro” porque ele não é um dado sensível, é sim algo que o
sujeito impõe ao múltiplo sensível, aos dados da sensibilidade, ele é uma condição transcendental
inerente ao aparelho cognitivo do sujeito:
Como condição formal do múltiplo do sentido interno, por conseguinte da conexão de todas as representações,
o tempo contém na intuição pura um múltiplo a priori. Ora, uma determinação transcendental do tempo é
homogênea à categoria (que constitui a unidade de tal determinação) na medida em que é universal e repousa
numa regra a priori. Por outro lado, a determinação do tempo é homogênea ao fenômeno, na medida em que o
tempo está contido em toda a representação empírica do múltiplo. Logo, será possível uma aplicação da
categoria aos fenômenos mediante a determinação transcendental do tempo que, como o esquema dos
conceitos do entendimento, proporciona a subsunção dos fenômenos à primeira (KrV A 138-9 B 177-8,
145)
104
.
102 Nun ist klar, daß es ein Drittes geben müsse, was einerseits mit der Kategorie, andererseits mit der Erscheinung
in Gleichartigkeit stehen muß, und die Anwendung der ersteren auf die letzte möglich macht. Diese vermittelnde
Vorstellung muß rein (ohne alles Empirische) und doch einerseits intellektuell, andererseits sinnlich sein. Eine solche
ist das transzendentale Schema” (KrV A138 B177, 145).
103 (MESCH, 2001) e (MUDROCH, 1989) são bons estudos específicos sobre a relação do esquematismo com as
formas a priori da intuição.
104 Nun ist eine transzendentale Zeitbestimmung mit der Kategorie (die die Einheit derselben ausmacht) sofern
69
E assim Kant pretende ter resolvido o problema de como dar significação às categorias
105
– o
que em jargão kantiano equivale à ligação entre sensível e inteligível, pensamento e realidade:
[O] esquematismo do entendimento mediante a síntese transcendental da capacidade de imaginação não
deságua senão na unidade de todo o múltiplo da intuição no sentido interno e assim, indiretamente, na unidade
da apercepção como função que corresponde ao sentido interno (de um receptividade). Portanto, os esquemas
dos conceitos puros do entendimento são as verdadeiras e únicas condições para proporcionar a estes uma
referência a objetos, por conseguinte, uma significação (KrV A145-6 B185-3, 148)
106
.
Contudo, essa significação implica uma restrição, uma limitação do uso possível dos
conceitos puros do entendimento que, como se sabe, é uma das pedras fundamentais da filosofia
kantiana:
Todavia, conquanto os esquemas da sensibilidade realizem primeiramente as categorias, salta aos olhos que
não obstante também as restringem, isto é, limitam-nas a condições que jazem fora do entendimento (a saber,
na sensibilidade). Consequentemente, o esquema é propriamente o fenômeno ou conceito sensível de um
objeto em concordância com a categoria (numerus est quantitas phaenomenon, sensatio realitas phaenomenos,
constans et perdurabile rerum substantia phaenomenon aeternitas, necessitas phaenomena etc.) (KrV A146
B185-6, 149)
107
.
Muitos comentadores discutem se o esquematismo era mesmo necessário uma vez que a
síntese figurada mostrava a necessidade de que se ligasse entendimento e sensibilidade. Mas,
como dissemos, é fácil ver que não repetição: a síntese figurada mostra o que deve acontecer
(a própria síntese figurada a referência de conceitos à sensibilidade através da regulação do
processo sintético), o esquematismo mostra como essa síntese acontece (esquemas
transcendentais são regras de síntese).
Em resumo, o esquema transcendental (determinações do tempo), ao contrário dos esquemas
empíricos, não é uma formação psicológica, mas sim uma função transcendental, pois ele pertence
ao juízo e não à capacidade imaginação reprodutora embora o esquema seja produzido pela
capacidade de imaginação transcendental. O esquema é um “movimento”, ele é dinâmico, é um
método ou procedimento metódico realizado pelo juízo. Mais precisamente é a definição e a
gleichartig, als sie allgemein ist und auf einer Regel a priori beruht. Sie ist aber andererseits mit der Erscheinung
sofern gleichartig, als die Zeit in jeder empirischen Vorstellung des Mannigfaltigen enthalten ist. Daher wird eine
Anwendung der Kategorie auf Erscheinungen möglich sein, vermittelst der transzendentalen Zeitbestimmung, welche,
als das Schema der Verstandesbegriffe, die Subsumtion der letzteren unter die erste vermittelt (KrV A 138-9 B 177-8,
145).
105 Várias leituras enfatizam o esquematismo em sua função de significação ou seu papel semântico; dentre essas,
indicamos (HOGREBE, 1974: 94-107), (LA ROCCA, 1989), (NOLAN, 1979) e (LA ROCCA, 1999: 21-73) nas
páginas 53 a 55, esse último apresenta de forma muito interessante as formas da intuição como “horizonte de sentido”.
106 “[D]er Schematismus des Verstandes durch die transzendentale Synthesis der Einbildungskraft auf nichts anderes,
als die Einheit alles Mannigfaltigen der Anschauung in dem inneren Sinne, und so indirekt auf die Einheit der
Apperzeption, als Funktion, welche dem inneren Sinn (einer Rezeptivität) korrespondiert, hinauslaufe. Also sind die
Schemate der reinen Verstandesbegriffe die wahren und einzigen Bedingungen, diesen eine Beziehung auf Objekte,
mithin Bedeutung zu verschaffen” (KrV A145-6 B185-3, 148).
107 Es fällt aber doch auch in die Augen: daß, obgleich die Schemate der Sinnlichkeit die Kategorien allererst
realisieren, sie doch selbige gleichwohl auch restringieren, d. i. auf Bedingungen einschränken, die außer dem
Verstande liegen (nämlich in der Sinnlichkeit). Daher ist das Schema eigentlich nur das Phänomenon, oder der
sinnliche Begriff eines Gegenstandes, in Übereinstimmung mit der Kategorie. (Numerus est quantitas phaenomenon,
sensatio realitas phaenomenon, constans et perdurabile rerum substantia phaenomenon aeternitas, necessitas,
phaenomena usw.)”(KrV A146 B185-6, 149).
70
concepção de um método, de uma regra: se o entendimento é a faculdade de regras e a faculdade do
juízo a faculdade de subsumir sobre regras, o esquematismo é a transformação de regras lógicas de
síntese em determinações do tempo logicamente reguladas aplicáveis como juízos objetivos. Ora, se
os conceitos são as regras, os esquemas não são outros dos conceitos, são sim o movimento em que
a faculdade do juízo os interpreta, interpreta-os com a ajuda da capacidade imaginação
transcendental projetando-os no tempo. Por isso, o esquema é um ato que se a cada juízo não
uma entidade subsistente no entendimento
108
.
Apresentemos rapidamente os esquemas, que, enfim, são determinações a priori de tempo
segundo regras, e estas se referem, segundo a ordem das categorias, à série do tempo, ao conteúdo
do tempo, à ordem do tempo, enfim ao conjunto do tempo no tocante a todos os objetos possíveis”
(KrV A145 B184-5, 148)
109
.
2.2.3.1. As Categorias da Quantidade (KrV A142-3 B182, 147)
Ao tratar da série do tempo, o esquema das categorias da quantidade é a produção ou síntese
do próprio tempo na apreensão sucessiva de um objeto, e assim constitui uma regra pela qual os
conceitos de unidade, pluralidade e totalidade podem ser relacionados aos objetos da experiência.
Segundo Kant, “[o] esquema puro da quantidade (quantitas), porém, como conceito do
entendimento, é o número, que é uma representação que engloba a adição sucessiva da unidade à
unidade (do homogêneo)” (KrV A 142 B 182, 147)
110
. O esquema da categoria da quantidade é o
número, pois ele representa um procedimento universal de como as operações da capacidade de
imaginação devem ser dirigidas para ligar a multiplicidade presente na intuição sensível, tendo em
vista a construção de um objeto e decidir se ele perfaz uma unidade ou uma pluralidade, e se é
capaz de constituir por si uma totalidade. O esquema da categoria da quantidade é essa unidade da
síntese do múltiplo, ligado um por um, numa série de intuições homogêneas “mediante o fato de
que produzo o próprio tempo na apreensão da intuição” (KrV A143 B182, 147)
111
. Neste sentido,
como toda série temporal é um produto da capacidade de imaginação submetida a regras formais do
entendimento, pode-se dizer que o tempo é, então, produzido pela faculdade de conhecimento.
108 Duas expansões muito interessantes do esquematismo são: (SILBER, 1966) apresenta um esquematismo da razão
prática em relação à teoria da típica da razão prática e (FRANZWA, 1978) um esquematismo espacial em complemento
ao temporal.
109 Zeitbestimmungen a priori nach Regeln, und diese gehen nach der Ordnung der Kategorien, auf die Zeitreihe,
den Zeitinhalt, die Zeitordnung, endlich den Zeitinbegriff in Ansehung aller möglichen Gegenstände” (KrV A145 B184-
5, 148).
110 Das reine Schema der Größe aber (quantitatis), als eines Begriffs des Verstandes, ist die Zahl, welche eine
Vorstellung ist, die die sukzessive Addition von Einem zu Einem (gleichartigen) zusammenbefaßt
(KrV A 142 B 182,
147).
111 “Dadurch, daß ich die Zeit selbst in der Apprehension der Anschauung erzeuge (KrV A143 B182, 147).
71
2.2.3.2. As Categorias da Qualidade (KrV A143 B182-3, 147)
O esquema da qualidade é um procedimento que determina como a capacidade de
imaginação deve proceder para preencher ou não o tempo com a sensação, a matéria da intuição
empírica.
O preenchimento de um tempo qualquer pela sensação, que por possuir um grau pode
decrescer até sua extinção, o esquema da realidade, e o não preenchimento o da negação.
Embora Kant não explicite como uma estreita relação das categorias em cada classe, é plausível
supor que no esquema da categoria da limitação deve-se ter o preenchimento pela sensação de um
outro tempo, também indeterminado, mas distinto do tempo em questão.
Assim, o esquema da qualidade consiste numa determinação a priori do tempo no que toca
ao preenchimento ou não de um tempo indeterminado pela sensação em geral, daí que se diga que
ele concerne ao conteúdo do tempo.
2.2.3.3. As Categorias da Relação (KrV A143-4 B183-4, 147-8)
Os esquemas das categorias de relação dizem respeito à relação das percepções entre si em
todo o tempo segundo uma regra de determinação do tempo.
O esquema da substância é permanência da sensação no tempo, isto é, a persistência do real
(presença da sensação) no tempo, de forma que, enquanto tudo o mais que é acidente muda, a
sensação do que é substancial persiste.
Por sua vez, o esquema da causalidade é a sucessão temporal da sensação (o real) de tal
forma que esta sucessão está sujeita a uma regra. P. ex., quando entre duas realidades quaisquer A e
B, existe uma condição de que B deva necessariamente suceder o real A. Logo, se dada a sensação
de A , necessariamente a sensação de B a sucederá.
o esquema da comunidade consiste na simultaneidade de diferentes sensações no mesmo
tempo, de maneira que a presença da sensação correspondente ao real A implica necessariamente a
sensação correspondente ao real B.
De modo que o esquema da relação é sempre uma determinação a priori do tempo com
relação à ordem do preenchimento do tempo com a sensação: seja a permanência de uma mesma
sensação em diferentes instantes sucessivos, seja a presença sucessiva de sensações associadas, ou
ainda a presença simultânea de sensações distintas conectadas.
72
2.2.3.4. As Categorias da Modalidade (KrV A144-5 B184, 148)
Nessa classe os esquemas são o próprio tempo como correlato da determinação de se e como
um objeto pertence ao tempo. Como suas subdivisões são as categorias da possibilidade, da
existência e da necessidade, em todos os casos o que será esquematizado é a determinação no tempo
da relação entre o objeto e as condições subjetivas necessárias da nossa faculdade de conhecimento.
O esquema da possibilidade é a concordância da síntese de diversas representações com as
condições formais do tempo em geral. Pois, diz Kant, determinações opostas numa coisa não podem
ser simultâneas, mas apenas sucessivas, pois caso contrário haveria um desacordo com a condição
formal da intuição pura para o sentido interno (o tempo).
Por seu lado, o esquema da existência é a presença de uma determinada sensação (realidade)
no sujeito em um tempo determinado. O que não significa que tais objetos existem no sujeito, e sim
que os dados a eles correspondentes estão sempre numa relação ao sujeito e não nos objetos em si.
O esquema da necessidade é a existência do objeto em todo o tempo, como uma sensação
determinada que está sempre presente no sujeito. Note-se que se trata de uma necessidade material
da existência, não apenas de uma necessidade formal e lógica de conexão dos conceitos. O que serve
como advertência de que a existência dos objetos nunca pode ser conhecida inteiramente a priori,
apenas na medida em que tal existência é comparada relativamente a outra existência dada (KrV
A 227 B 279-80, 195).
Logo, apenas a necessidade dos efeitos pode ser conhecida e mesmo assim apenas na
medida em que o estado de sua causa é dado, tendo ainda que estar de acordo com as leis universais
da experiência.
Enfim, o esquema da modalidade é uma determinação a priori do tempo no que concerne ao
com relação ao ser no tempo, compreendido como a efetiva presença (ou efetiva ausência) da
sensação correspondente em um tempo determinado.
Esse capítulo deve ter servido como uma apresentação da capacidade de imaginação
produtiva em sua exibição esquemática. Tentamos realizá-la através de uma exposição
pormenorizada da sínteses (cada uma das etapas da tríplice síntese e da síntese figurada) e do
esquematismo (o de conceitos empíricos, o de conceitos sensíveis puros e o transcendental
incluindo a apresentação de cada um dos esquemas transcendentais), tentando fazer entender a
modificação promovida pela epistomologia kantiana na história do tratamento concedido à
capacidade de imaginação.
73
Assim, podemos passar a tratar da capacidade de imaginação em sua exibição simbólica no
próximo capítulo; para que possamos, na conclusão, apresentar as características comuns e das
diferenças dos dois modos de exibição com vistas a um melhor entendimento da produtividade da
capacidade de imaginação.
74
3. Capítulo 3 – A Exibição Simbólica
“Ora, se no juízo de gosto tiver que ser considerada a capacidade de imaginação em sua liberdade, então ela
será tomada primeiro não reprodutivamente, como ela é submetida às leis da associação, mas como produtiva e
espontânea (como autora de formas arbitrárias de intuições possíveis)” (KU 69, 86)
112
.
Esse terceiro capítulo é dedicado à apresentação da capacidade de imaginação produtiva no
que concerne à sua exibição no modo simbólico
113
. Isso será feito através de uma apresentação dos
quatro momentos do juízo de gosto enfatizando o que cada um deles implica para uma
caracterização da capacidade de imaginação produtiva e de uma discussão sobre os temas da arte
bela, do gênio e das idéias estéticas; o que nos tornará aptos a, em conclusão, caracterizar
detalhadamente o processo de simbolização promovido pela capacidade de imaginação produtiva
através da exibição simbólica
114
.
112 “Wenn nun im Geschmacksurteile die Einbildungskraft in ihrer Freiheit betrachtet werden muß, so wird sie erstlich
nicht reproduktiv, wie sie den Assoziationsgesetzen unterworfen ist, sondern als produktiv und selbsttätig (als
Urheberin willkürlicher Formen möglicher Anschauungen) angenommen” (KU 69, 86).
113 Sobre a capacidade de imaginação no contexto da filosofia da arte anterior à Kant, quer dizer, as idéias que
tornaram possível as concepões kantianas de capacidade de imaginação estética, belo, experiência estética, sublime e
gênio, recomendamos (DOBRÁNSZKY, 1992).
114 Uma interpretação muitíssimo interessante e radical, mas diferente da nossa, sobre a capacidade de imaginação no
75
Assim como na Crítica da Razão Pura Kant investigou a faculdade de conhecimento e na
Crítica da Razão Prática a faculdade de apetição, na Crítica da Faculdade do Juízo ele investiga o
sentimento de prazer e desprazer no mero ajuizar. Se na filosofia teórica se investigava a
possibilidade de juízos determinantes em busca daqueles que são científicos, e na filosofia prática
os juízos (proposições) práticos em busca daqueles que são morais, na Crítica da Faculdade do
Juízo, Kant busca caracterizar os juízos reflexivos, a fim de mostrar como natureza (o mundo
fenomênico regido pelo entendimento com suas categorias e as formas puras da sensibilidade) e
liberdade (o mundo noumênico onde apenas a razão, como vontade autolegisladora, leis) se
relacionam. Essa relação é exposta mostrando-se que os juízos reflexivos buscam encontrar
finalidade nos objetos; porém, como se referem não aos objetos, mas às faculdades do sujeito, essa
finalidade não é predicada do objeto, mas da apreensão desse objeto. Esses juízos podem ser de
dois tipos: teleológicos ou de gosto; no primeiro um conceito como fundamento e no segundo
não.
Os juízos teleológicos são aqueles que atribuem um fim aos organismos naturais vida
como biológica), não como um atributo do objeto, mas apenas como um princípio do juízo, id est,
um modo utilizado pelos homens para compreender a natureza o encontro dessa finalidade na
natureza causa prazer, pois sugere que a natureza foi feita para se conformar às faculdades
humanas.
O outro tipo de juízo reflexivo julga sobre o belo através do “gosto” que é para Kant a
“faculdade de ajuizamento sobre o belo” (KU 03, 47 nota 19)
115
. O juízo de gosto é o juízo estético
puro. Para Kant, “estético” não quer dizer “sobre o belo” ou “sobre a arte”, mas sim aquilo “cujo
fundamento não pode ser senão subjetivo(KU 04, 48)
116
. Para ser “puro”, e portanto, de gosto, o
juízo estético deve satisfazer quatro condições: 1) proporcionar satisfação desinteressada; 2) exibir
validade universal sem ser derivado de um conceito; 3) ter como base apenas a forma da finalidade
de um objeto (assim não atribui finalidade ao objeto, ela é apenas subjetiva, pois é o sujeito que
forma aos objetos); e 4) demandar um acordo subjetivamente necessário com outros sujeitos através
do sensus communis.
Em contrapartida aos juízos estéticos puros, dois tipos de juízos estéticos impuros: (a) o
juízo estético empírico, onde a capacidade de imaginação é patológica, quer dizer, interessa-se pela
existência do objeto e é essa que prazer; por isso, o objeto desse juízo é agradável, não belo; (b)
o juízo estético intelectual, onde pensa-se a perfeição do objeto de acordo com um conceito do que
contexto do juízo meramente reflexivo pode ser encontrada em (CHÉDIN, 1982) em especial o quinto capítulo:
“L´Imagination Esthétique Comme Sensibilité Pure”.
115 “[D]as Vermögen der Beurteilung des Schönen” (KU 03, 47 nota 19).
116 “[D]essen Bestimmungsgrund nicht anders als subjektiv sein kann” (KU 04, 48).
76
o objeto deva ser, logo, o objeto desse juízo é bom, não belo.
O juízo estético é sintético, mas apenas na forma, na medida em que adiciona à intuição o
sentimento de prazer ou desprazer como predicado da apreensão ou do estado da mente na
apreensão, não do objeto (assim, não é cognição) (cf. KU 147-9, 134-5); com isso, são sintéticos na
forma enquanto o conceito do sujeito é amplificado. Quer dizer, o predicado “belo” adiciona à
apreensão da rosa apenas a consciência de que o sujeito sente prazer nisso, e não que a rosa per si
possui o predicado “bela”, id est, o conceito de rosa não é amplificado.
Uma forma estética é um todo, suas partes não são apreendidas discretamente, mas
apreendidas como uma unidade indeterminada pela capacidade de imaginação. A expressão
“unidade indeterminada” significa que não há síntese da recognição, figurada e esquematismo como
no juízo determinante (nem síntese da reprodução, porque estados estéticos da mente se
reproduzem por si), e então a capacidade de imaginação não é regida pelas regras do entendimento
(conceitos), mas sim mantêm um jogo com elas. E é esse jogo que causa o prazer desinteressado,
universalmente comunicável, com validade universal e com uma finalidade sem fim (esta é o fato
de que harmonia entre capacidade de imaginação e entendimento, mas não a determinação por
um conceito particular, é o que Kant chama de “esquematismo sem conceitos”) que é o que Kant
considera ser a referência do predicado “belo”.
3.1. Os Quatro Momentos da Analítica do Belo
Para determinar as características do juízo de gosto Kant se orienta pelas funções lógicas do
juízo em geral tal como apresentadas na Crítica da Razão Pura, pois o juízo de gosto cultiva uma
relação com o intelecto – apesar dessa relação ser, como veremos mais adiante, indireta e incerta.
3.1.1. O Momento Qualitativo (KU 03-16, 47-55): a relação entre capacidade
de imaginação e entendimento
O primeiro momento do juízo de gosto é determinado segundo a qualidade: o juízo de gosto
- i.e., a decisão pela beleza ou ausência dessa em um objeto é constituído com base na referência
da capacidade de imaginação ao sujeito e ao seu sentimento de prazer ou desprazer. É por referir-se
ao sentimento que esse momento é qualitativo. Kant diz que “talvez” a capacidade de imaginação
seja ligada ao entendimento (KU 04, 47); mas de qualquer modo a referência ao entendimento não é
direta. Por conseguinte, dado que é o entendimento a faculdade de regras que constitui o
77
conhecimento, o juízo de gosto não é um juízo de conhecimento, e não é nem mesmo lógico, é sim
estético. “Estético” significa: seu fundamento de determinação é subjetivo. Um juízo de gosto
não é um juízo cognitivo; logo, as regras da lógica não se aplicam a ele: uma asserção acerca da
beleza de um objeto não contradiz uma que a negue a contradição não participa do jogo da
estética. Ambos podem ser universaisembora não objetivamente, como se verá mais adiante. Não
se trata de verdade-correspondência nesse âmbito.
A complacência
117
, grosso modo, é o sentimento de prazer. Segundo Kant, a complacência
que determina o juízo de gosto é independente de todo interesse. Interesse é a complacência ligada à
representação da existência do objeto – o que implica que a complacência interessada é determinada
direta ou indiretamente pela faculdade de apetição. O interesse não importa ao belo, pois à beleza
importa como ajuizamos na simples contemplação (intuitiva ou reflexiva). Para demonstrar gosto e
reconhecer beleza, importante é o que, em mim mesmo, é feito da representação do objeto – e não o
que faria faculdades e atitudes dependentes da existência do objeto.
Para clarear o que é o belo, durante toda a Analítica do Belo, Kant o distingue do agradável
e do bom, como mencionamos alguns parágrafos acima. três modos de complacência: no
agradável, no bom e no belo. São relações diversas entre as representações e o sentimento de prazer
e desprazer através do qual distinguem-se objetos ou modos de representação. Quanto à
complacência desinteressada a distinção assim se desenrola. Uma vez que agradável é o que apraz
aos sentidos na sensação e assenta totalmente nestes (prescindindo de conceitos), a complacência no
agradável é ligada a interesse – pois para a sensação é preciso o contato com o objeto. Logo, por ser
desinteressado, o belo é diferente do agradável. Bom é o que através do conceito e mediante a razão
apraz. Para reconhecer a bondade é preciso reconhecer o que o objeto é (ter um conceito dele), não
para a beleza, pois o belo é imediato (isto é, não mediado por conceitos). A complacência no bom é
ligada a interesse, pois exige a existência do bem (como bem em si ou como meio, útil) para o juiz.
Logo, o belo também não diz respeito à bondade do objeto. Assim, o gosto pelo belo é uma
complacência livre e desinteressada, uma vez que não é assediado nem pelos interesses dos sentidos
(como no agradável) nem pelos da razão (como no bom). Em suma, entre inclinação (ao agradável),
favor (ao belo) e respeito (ao bom) só o favor é livre.
117 Preferimos seguir a tradução da Crítica da Faculdade do Juizo de Valério Rohden e Antônio Marques, e traduzir
Wohlgefallen” por “complacência”; e não por “comprazimento”, como fazem alguns exegetas brasileiros.
78
3.1.2. Momento Quantitativo (KU 17-32, 56-64): o livre jogo entre capacidade
de imaginação e entendimento
O segundo momento do juízo de gosto é determinado segundo a quantidade, e ele diz que
belo é o que, sem conceitos, é representado como objeto de uma complacência universal. É
exigência de acordo universal, negando que cada um tenha um gosto particular e afirmando que
todos têm o mesmo gosto. Isso é assim porque o objeto aprovado pelo juízo de gosto contém o
fundamento de complacência para qualquer pessoa, pois não repousa sobre interesses ou inclinações
que o individualizaria é livre. Quer dizer, não nenhuma condição privada que motive a afeição
em tal objeto unicamente ao enunciador, uma vez que o juízo de gosto funda-se no que é de se
pressupor em todos. Isso possibilita falar da beleza como se fosse atributo do objeto (como ocorre
no juízo lógico), mas como é a opinião kantiana, unicamente referindo-a à relação
representação/sujeito (como juízo estético). Por isso se diz que a complacência no belo demanda a
reflexão em um objeto sem determinar a qual conceito conduz.
Assim, legitimamente, o juízo de gosto reivindica a validade da complacência que representa
para todos os sujeitos, mas não universalidade fundada sobre o objeto (objetiva), sim uma
universalidade subjetiva. Afirma-se uma validade comum, não universalidade como quantidade
objetiva do juízo, pois o juízo estético não remete ao objeto. Logo, a universalidade estética não
confere à esfera lógica do objeto o predicado da beleza, mas conecta este predicado à esfera lógica
completa dos que julgam. Quanto à quantidade lógica, são juízo singulares: liga-se de maneira
imediata o objeto ao sentimento de prazer e desprazer, sem a quantidade de um juízo objetivamente
válido, visto que não lança mão de conceitos quando objetos são julgados segundo conceitos,
perde-se a beleza. Em consequência, como conceitos são regras, o reconhecimento do belo não é
regrado de modo coercitivo. Embora seja preciso estar na presença do objeto como se a beleza
dependesse da sensação.
O juízo de gosto postula assim uma voz universal visando à complacência de todos sem usar
conceitos, id est, a possibilidade de um juízo estético válido para qualquer um caso contrário,
seria apenas agradável. Não é o acordo universal que é postulado (só um juízo lógico o faria, pois
ele dá razões); “ele apenas imputa a qualquer um este acordo como um caso da regra, com vistas ao
qual espera a confirmação não de conceitos, mas da adesão de outros” (KU 26, 60)
118
. De modo que
a voz universal é meramente uma idéia – um princípio regulativo.
A capacidade universal de comunicação do estado de ânimo quando de uma representação
118 “[E]s sinnet nur jedermann diese Einstimmung an, als einen Fall der Regel, in Ansehung dessen es Bestätigung
nicht von Begriffen, sondern von anderer Beitritt erwartet” (KU 26, 60).
79
dada (que proporciona o prazer no objeto) é condição transcendental do juízo de gosto, seu
fundamento. A possibilidade dessa capacidade é dada por ser o estado de ânimo (subjetivo e
aconceitual), na relação recíproca das faculdades de representação, referente a uma dada
representação para um conhecimento em geral. Assim postas, as faculdades de conhecimento estão
em livre jogo, pois não limitadas por nenhum conceito a uma regra de conhecimento particular.
Logo, o estado de ânimo aqui é o sentimento de jogo livre das faculdades de representação em uma
representação dada para o conhecimento em geral. A capacidade de imaginação (que compõe o
múltiplo da intuição) e o entendimento (que unifica as representações) são os participantes no jogo
em uma representação que fornece um objeto de conhecimento.
Livre jogo das faculdades é entretenimento livre e indeterminadamente conforme a um fim
(pois conformidade a regras é coerção) das faculdades do ânimo, “onde o entendimento está a
serviço da capacidade de imaginação e não esta a serviço daquele” (KU 71, 88)
119
. Porém, o
entendimento não deve sofrer afronta (Id. ibid.). Aquilo com o que a faculdade da imaginação joga
naturalmente e conformemente a fins nos é sempre novo e não entedia. Mas, que fique claro, a
beleza se dá onde a capacidade de imaginação apreende e não onde ela compõe poeticamente (o que
é fantasia) ( KU 73, 89); pois o livre jogo da capacidade de imaginação não é fantasia, uma vez que
a fantasia não é contemplação da beleza e sim extrapolação da representação dada através do
exercício da capacidade de imaginação reprodutiva.
Ora, se no juízo de gosto tiver que ser considerada a capacidade de imaginação em sua liberdade, então ela
será tomada primeiro não reprodutivamente, como ela é submetida às leis da associação, mas como produtiva e
espontânea (como autora de formas arbitrárias de intuições possíveis); e embora na apreensão de um dado
objeto dos sentidos ela, na verdade, esteja vinculada a uma forma determinada deste objeto e nesta medida não
possua nenhum jogo livre (como na poesia), todavia ainda se pode compreender bem que precisamente o
objeto pode fornecer-lhe uma tal forma, que contém uma composição do múltiplo, como a capacidade de
imaginação se fosse entregue livremente a si própria projetá-la-ia em concordância com a legalidade do
entendimento em geral (KU 69, 86)
120
.
Mas a legalidade do entendimento não pode impor regras determinadas senão seria a
complacência no bom (conforme a conceitos). Essa legalidade, deve ser, portanto, uma
conformidade a leis sem lei e uma concordância subjetiva da capacidade de imaginação com o
entendimento sem uma concordância objetiva, as quais podem coexistir com a livre conformidade a
leis do entendimento (conformidade a fins sem fim) e com a peculiaridade do juízo de gosto (KU
69, 86).
119 “[W]obei der Verstand der Einbildungskraft und nicht diese jenem zu Diensten ist” (KU 71, 88).
120 “Wenn nun im Geschmacksurteile die Einbildungskraft in ihrer Freiheit betrachtet werden muß, so wird sie
erstlich nicht reproduktiv, wie sie den Assoziationsgesetzen unterworfen ist, sondern als produktiv und selbsttätig (als
Urheberin willkürlicher Formen möglicher Anschauungen) angenommen; und, ob sie zwar bei der Auffassung eines
gegebenen Gegenstandes der Sinne an eine bestimmte Form dieses Objekts gebunden ist und sofern kein freies Spiel
(wie im Dichten) hat, so läßt sich doch noch wohl begreifen: daß der Gegenstand ihr gerade eine solche Form an die
Hand geben könne, die eine Zusammensetzung des Mannigfaltigen enthält, wie sie die Einbildungskraft, wenn sie sich
selbst frei überlassen wäre, in Einstimmung mit der Verstandesgesetzmäßigkeit überhaupt entwerfen würde (KU 69,
86).
80
Concluindo, fundamenta-se a comunicabilidade universal quando nos damos conta de que a
concordância entre estes é requerida para o conhecimento em geral, tendo então de valer para todos
e ser universalmente comunicável, pois funda-se unicamente sobre a universalidade das condições
subjetivas do ajuizamento dos objetos.
Essa unidade subjetiva entre entendimento e capacidade de imaginação pode ser
conhecida através de uma sensação que desperte-os para um atividade indeterminada, mas que dada
a representação é universal - pois diz do conhecimento em geral. A consciência da relação tem
como resposta não um conceito, mas uma sensação que como singular e não cotejável com outras
concorda com as condições da universalidade (tarefa do entendimento em geral), levando ambas
faculdades à disposição proporcional exigida para o conhecimento, assim, válida para qualquer um
que imprescindivelmente julgue através de entendimento e sensibilidade. Logo, a beleza não se
sem se referir ao sentimento do sujeito.
Sobre um critério kantiano para o belo, pode-se dizer que são duas as espécies de beleza: a)
beleza livre não pressupõe um conceito do que o objeto deva ser, é por si subsistente, formal e é
desta ou daquela coisa; b) beleza aderente - supõe um conceito e a perfeição do objeto quanto a ele,
é condicionada e atribuída a objetos que estão sob um conceito de um fim particular. O juízo de
gosto, pelo qual um objeto é declarado belo sob a condição de um conceito determinado (beleza
aderente), não é puro. O juízo de gosto sobre uma beleza livre é puro, pois formal. A beleza é livre
porque a capacidade de imaginação não tem sua liberdade limitada por nenhum conceito de fim ao
qual o múltiplo deveria servir ao objeto dado e ao qual este deveria representar. A liberdade da
beleza livre é então a liberdade de jogar da capacidade de imaginação na observação da figura.
Não um critério exato para decidir pela beleza de um objeto, somente o ideal da
beleza. O Urbild do gosto pode ser uma mera idéia
121
que cada um deve produzir em si mesmo,
que sirva de critério para (a) objetos de gosto, para (b) o gosto de outros e que seja (c) exemplo de
gosto. Esse
Original do gosto – que certamente repousa sobre a idéia indeterminada da razão de um máximo, e no entanto
não pode ser representado mediante conceitos, mas somente em apresentação individual - pode ser
melhormente chamado o ideal do belo, de modo que, se não estamos imediatamente de posse dele, contudo
aspiramos a produzi-lo em nós. Ele, porém, será simplesmente um ideal da capacidade de imaginação,
justamente porque não repousa sobre conceitos, mas sobre a exibição; a faculdade de exibição porém é a
capacidade de imaginação (KU 54 -55, 78)
122
.
E, como vimos no capítulo anterior, a idéia normal, que é apresentada por Kant juntamente
121 Lembremos que Idéia é um conceito da razão e ideal o ente individual que a ela se adequa.
122 Urbild des Geschmacks, welches freilich auf der unbestimmten Idee der Vernunft von einem Maximum beruht,
aber doch nicht durch Begriffe, sondern nur in einzelner Darstellung kann vorgestellt werden, besser das ideal des
Schönen genannt werden, dergleichen wir, wenn wir gleich nicht im Besitze desselben sind, doch in uns
hervorzubringen streben. Es wird aber bloß ein Ideal der Einbildungskraft sein, eben darum, weil es nicht auf
Begriffen, sondern auf der Darstellung beruht; das Vermögen der Darstellung aber ist die Einbildungskraft (KU 54
-55, 78).
81
com o ideal da beleza, é conseguida através da inexplicada capacidade desempenhada pela
capacidade de imaginação de justapor as imagens de vários indivíduos e assim encontrar algo como
a média das características deles e fazer disso a imagem de um indivíduo (sem existência real) que
teria as características essenciais dessa espécie e não apresentaria - para além dessa normalidade
que não é encontrada nos indivíduos reais – nada que o particularizaria
123
.
3.1.3. Momento Relacional (KU 32-61, 64-82): sobre a vivificação das
faculdades
O terceiro momento do juízo de gosto é determinado segundo a relação aos fins com os
quais o juízo de gosto lida. Transcendentalmente, fim é o objeto de um conceito, enquanto o
conceito é o fundamento real de possibilidade do objeto. Logo, conformidade a fins é a causalidade
de um conceito quanto a seu objeto, é onde se pensa a forma ou a existência de um objeto como
efeito possibilitado pelo seu conceito. Assim, a causa é fundamentada pela representação do efeito.
Segundo isso, prazer é a tentativa de conservação do sujeito no estado de ânimo presente através da
consciência da causalidade de uma representação que vise esse estado do sujeito. E desprazer é a
representação oposta que contém o fundamento para levar ao oposto o estado das representações,
impedindo-as ou eliminando-as (KU 33, 64).
Mesmo que seja possível sem a representação de um fim, um objeto, estado de ânimo ou
ação é conforme a um fim. Isso porque concebemos a possibilidade, por exemplo, do objeto
quando tomamos uma vontade (que o ordenou em concordância com a representação de uma regra)
como fundamento de sua possibilidade. Logo, a conformidade a fins pode ser sem fim quando não
colocamos as causas dessa forma em uma vontade, mas compreendemos sua possibilidade se a
deduzimos de uma vontade. Kant conclui que se nem sempre precisamos compreender aquilo que
observamos, podemos observar através da reflexão (e somente através dela) uma conformidade a
fins em objetos segundo a forma sem fundamentar-lhe com um fim.
Não fim subjetivo como fundamento do juízo de gosto, pois, como fundamento da
complacência, todo fim implica um interesse determinante do juízo sobre o objeto do prazer. O
juízo estético (de gosto) diz respeito somente à relação das faculdades de representação entre si
enquanto determinadas por uma representação, e não a um conceito da natureza e da possibilidade
(interna ou externa) do objeto segundo esta ou aquela causa. Por isso, juízo de gosto tem por
123 É interessante notar que essa descrição das idéias normais serviria perfeitamente para descrever um esquema
empírico – mas não dispomos de subsídios exegéticos para afirmar com certeza que eles tenham alguma afinidade mais
que aparente.
82
fundamento a forma da conformidade a fins de um objeto (ou do seu modo de representação) e nada
mais. Em outras palavras, unicamente a mera forma da conformidade a fins na representação (a
conformidade a fins subjetiva na representação de um objeto sem qualquer fim) se dela somos
conscientes pode constituir a complacência no belo (que fundamenta o juízo de gosto, pois esse
prazer é sem conceito e comunicável universalmente).
O juízo de gosto repousa sobre fundamentos a priori (i.e., sem elementos empíricos a lhe
determinar), uma vez que o prazer é a consciência da conformidade a fins meramente formal (i.e.,
sem elementos empíricos a lhe determinar) no jogo das faculdades de conhecimento em uma
representação que fornece um objeto. Isso porque em tal consciência se o fundamento que
determina a atividade do sujeito para vivificar suas faculdades de conhecimento. Dito de outro
modo, ela contém a simples forma da conformidade a fins subjetiva de uma representação em um
juízo estético: uma causalidade interna conforme a fins que sem limitar-se a um determinado
conhecimento visa ao conhecimento em geral. Tal prazer possui a causalidade de manter o estado
da própria representação e a ocupação das faculdades de conhecimento. E isso explica porque
demora-se na contemplação do belo, pois ela mesma se reproduz e fortalece. Quer dizer, a
capacidade de imaginação fica tão excitada em um juízo de gosto por causa dessa conformidade a
fins sem uma regra, sem um conceito a lhe constranger a liberdade.
3.1.4. Momento Modal (KU 62-68, 82-86): o livre jogo como um sentido
comum
O quarto momento do juízo de gosto é determinado segundo a modalidade da complacência
no objeto. A modalidade da complacência no objeto belo é: o belo é necessariamente complacente.
Mas essa não é uma necessidade objetiva teórica, que a priori leve a crer que todos sentirão
complacência no que julgo belo. Ela é uma necessidade exemplar, “uma necessidade do
assentimento de todos ao juízo que é considerado como exemplo de uma regra universal que não se
pode indicar” (KU 63, 82)
124
. Não é uma necessidade apodítica, pois o juízo é estético.
A necessidade subjetiva que atribuímos ao juízo de gosto é condicionada à suposição de que
um fundamento comum a todos no ajuizamento sobre o belo. Supõe-se que os juízos de gosto
tenham um princípio subjetivo que sem conceitos determine de modo universalmente válido o que
apraz ou desapraz. A condição da necessidade que um juízo de gosto pretende é a idéia de um
124 “[E]ine Notwendigkeit der Beistimmung aller zu einem Urteil, was wie Beispiel einer allgemeinen Regel, die man
nicht angeben kann, angesehen wird” (KU 63, 82).
83
sentido comum (não senso comum): o efeito que resulta do livre jogo das faculdades
125
.
Kant acredita tornar crível a existência de um tal sentido comum no que se segue:
Se, porém, conhecimentos devem poder comunicar-se, então também o estado de ânimo, isto é, a disposição
das faculdades de conhecimento para um conhecimento em geral, e na verdade aquela proporção que se presta
a uma representação (pela qual um objeto nos é dado) para fazê-la um conhecimento, tem que poder
comunicar-se universalmente; porque sem esta condição subjetiva do conhecer, o conhecimento como efeito
não poderia surgir. Isto também acontece efetivamente sempre que um objeto dado leva, através dos sentidos, a
capacidade de imaginação à composição do múltiplo, e esta por sua vez põe em movimento o entendimento
para unidade do mesmo em conceitos. Mas essa disposição das faculdades de conhecimento tem uma
proporção diversa, de acordo com a diversidade dos objetos que são dados. Todavia, tem que haver uma
proporção, na qual essa relação interna para a vivificação (de uma pela outra), é a mais propícia para ambas as
faculdades do ânimo com vistas ao conhecimento (de objetos dados) em geral; e esta disposição não pode ser
determinada de outro modo senão pelo sentimento (não segundo conceitos). Ora, visto que esta própria
disposição tem que poder comunicar-se universalmente e por conseguinte também o sentimento da mesma (em
uma representação dada), mas visto que a comunicabilidade universal de um sentimento pressupõe um sentido
comum; assim, esse poderá ser admitido com razão, e na verdade sem neste caso se apoiar em observações
psicológicas; mas como a condição necessária de comunicabilidade universal de nosso conhecimento, a qual
tem que ser pressuposta em toda lógica e em todo princípio dos conhecimentos que não seja cético (KU 65-66,
84)
126
.
Não nos interessa o mérito desse posicionamento de Kant, interessa-nos isso sim lembrar
que não se toma o sentido comum como um sentimento privado que é fundamento, mas como
sentimento comunitário. Ele não se funda na experiência, pois ele pretende conter um dever: não diz
que todos concordarão com o juízo, mas que devem concordar com ele. O sentido comum é uma
norma ideal e porque segue essa norma o juízo de gosto particular é um exemplo dele, um caso
exemplar. Disso se segue que embora admitido subjetivamente, ele é um princípio subjetivo-
universal: tal como um princípio objetivo, possui assentimento universal se a subsunção for feita
corretamente.
Em suma, a necessidade do assentimento universal, que é pensada em um juízo de gosto, é
uma necessidade subjetiva, que sob a pressuposição de um sentido comum é representada como
objetiva.
125 (GARRONI, 1998: 323) propõe que, nesse contexto, sentido e não-sentido equivalem, respectivamente a
comunicável e incomunicável ou público e privado.
126 Sollen sich aber Erkenntnisse mitteilen lassen, so muß sich auch der Gemütszustand, d. i. die Stimmung der
Erkenntniskräfte zu einer Erkenntnis überhaupt, und zwar diejenige Proportion, welche sich für eine Vorstellung
(wodurch uns ein Gegenstand gegeben wird) gebührt, um daraus Erkenntnis zu machen, allgemein mitteilen lassen:
weil ohne diese, als subjektive Bedingung des Erkennens, das Erkenntnis, als Wirkung, nicht entspringen könnte. Dieses
geschieht auch wirklich jederzeit, wenn ein gegebener Gegenstand vermittelst der Sinne die Einbildungskraft zur
Zusammensetzung des Mannigfaltigen, diese aber den Verstand zur Einheit desselben in Begriffen, in Tätigkeit bringt.
Aber diese Stimmung der Erkenntniskräfte hat, nach Verschiedenheit der Objekte, die gegeben werden, eine
verschiedene Proportion. Gleichwohl aber muß es eine geben, in welcher dieses innere Verhältnis zur Belebung (einer
durch die andere) die zuträglichste für beide Gemütskräfte in Absicht auf Erkenntnis (gegebener Gegenstände)
überhaupt ist; und diese Stimmung kann nicht anders als durch das Gefühl (nicht nach Begriffen) bestimmt werden. Da
sich nun diese Stimmung selbst muß allgemein mitteilen lassen, mithin auch das Gefühl derselben (bei einer gegebenen
Vorstellung); die allgemeine Mitteilbarkeit eines Gefühls aber einen Gemeinsinn voraussetzt: so wird dieser mit
Grunde angenommen werden können, und zwar ohne sich desfalls auf psychologische Beobachtungen zu fußen,
sondern als die notwendige Bedingung der allgemeinen Mitteilbarkeit unserer Erkenntnis, welche in jeder Logik und
jedem Prinzip der Erkenntnisse, das nicht skeptisch ist, vorausgesetzt werden muß” (KU 65-66, 84).
84
Resulta dos quatro momentos que o juízo de gosto é feito sobre o prazer (complacência)
desinteressado que se tem na relação entre representação e sujeito no livre jogo das faculdades ao
considerar uma conformidade a fins sem fim, necessariamente almejando universalidade subjetiva
aconceitual, ligando imediatamente, sem consideração do uso ou de fim, à mera contemplação do
belo. E resulta ainda que a capacidade de imaginação está em uma relação de igualdade com o
entendimento, isto é, não está restrita a, e por, seus conceitos; o que lhe permite entreter um livre
jogo que é renovado enquanto a conformidade a fins não tem um fim determinado; e mais, essa
livre harmonia das faculdades faz supor um sentido comum como condição da comunicabilidade.
3.2. A Definição de Arte Bela
À filosofia kantiana é muito importante a divisão entre beleza natural e beleza artística. Na
beleza natural é uma coisa bela que é experienciada ao julgar a finalidade sem fim de sua forma; na
beleza artística é a bela exibição de uma coisa, ela apresenta uma finalidade, um conceito do que a
coisa deve ser, então julgamos a perfeição dessa exibição de acordo com o fim a que ela se propõe.
Portanto, a arte bela é a bela exibição de um objeto, uma forma de exibição de um conceito, a
beleza é a exibição em que livre jogo entre as faculdades: “[i]sto basta acerca da representação bela de
um objeto, a qual é propriamente a forma da exibição de um conceito” (KU 190, 158)
127
forma essa que
permite a comunicação universal de um conceito. De modo que a produção artística visa encontrar a
forma adequada para o gosto, de que permita a exibição de um conceito sem interferir no jogo dos
poderes mentais. Enfim, o distintivo da beleza artística é que sua finalidade é acompanhada por um
propósito específico. Por isso, além de gosto a arte precisa demonstrar gênio, de modo que aquele
“propósito específico” é a comunicação de idéias estéticas (as exibições de uma coisa) pelo gênio.
Mas antes de ver como se dá esse processo, precisamos observar como Kant distingue a arte bela da
arte em geral.
Para Kant (KU 173-6, 149-50), a arte se define em três momentos, na medida em que se
opõe à natureza, à ciência e ao artesanato (Handwerk):
1) Em oposição à natureza, a arte é um fazer cujo produto é uma obra (não um atuar do qual
resulta um efeito, como na natureza). De modo que a arte é “a produção mediante
liberdade, isto é, mediante um arbítrio que põe a razão como fundamento de suas ações”
(KU 174, 149)
128
, e por conseguinte, a arte é sempre uma obra humana.
127 So viel von der schönen Vorstellung eines Gegenstandes, die eigentlich nur die Form der Darstellung eines
Begriffs ist” (KU 190, 158).
128 “[D]ie Hervorbringung durch Freiheit, d. i. durch eine Willkür, die ihren Handlungen Vernunft zum Grunde legt
(KU 174, 149).
85
2) A arte é uma habilidade, opondo-se assim à ciência, na mesma medida em que a
faculdade prática é oposta à teórica e a técnica à teoria: arte é o poder fazer, não o saber
fazer.
3) A arte distingui-se também do artesanato, na media em que ela não é remunerada, é livre,
quer dizer, é um jogo agradável por si, ela tem seu fim em si, é autônoma.
Kant distingue ainda a arte mecânica da arte estética. As artes mecânicas apenas efetivam
um objeto possível de acordo com o conhecimento que se possui dele; as artes estéticas pretendem
despertar imeditamente o sentimento de prazer. A arte estética pode ser de dois tipos: (a) arte
agradável: tem como fim que haja prazer nas representações como sensações visando o simples
gozo (p.ex., a arte de preparar uma mesa de jantar) ; (b) arte bela: tem como fim que o prazer
acompanhe as representações como modos de conhecimento, de modo que “[P]romove a cultura das
faculdades do ânimo para a comunicação em sociedade” (KU 179, 151)
129
. Portanto, para ser
comunicável esse prazer não pode ser provocado apenas pela sensação, mas sim pela reflexão; logo,
o padrão da arte bela é a medida da faculdade de juízo reflexiva, não a da sensação. Por isso, a
“[a]rte bela é arte do gênio” (KU 181, 153)
130
.
3.3. O Gênio
131
Agora sim podemos procurar entender o que acontece na arte bela, mas que não acontece
nas outras artes: a comunicação de idéias estéticas.
Segundo Kant, o fruidor de uma obra da arte bela deve possuir a consciência de que ela não
é natureza, porém a conformidade a fins presente na forma da obra deve parecer de tal modo livre
das coerções de regras arbitradas pelo gosto que faça com que essa obra pareça um produto da
natureza. Portanto, a obra de arte bela deve ser intencional, mas não deve parecer intencional (caso
pareça, ela será fruto da arte mecânica, e não se parecerá com a natureza, pois revela o conceito que
a fundamenta e a natureza não se fundamenta em um conceito).
Um produto da arte, porém, aparece como natureza pelo fato de que, na verdade, foi encontrada toda a
exatidão no acordo com regras segundo as quais, unicamente, o produto pode tornar-se aquilo que ele deve ser,
mas sem esforço, sem que transpareça a forma acadêmica, isto é, sem mostrar um vestígio de que a regra tenha
estado diante dos olhos do artista e tenha algemado as faculdades de seu ânimo (KU 180, 152)
132
.
Kant define o gênio como o talento, i.e., dom natural, que regras à arte. E conclui que,
129 “[D]ie Kultur der Gemütskräfte zur geselligen Mitteilung befördert” (KU 179, 151).
130 “Schöne Kunst ist Kunst des Genies” (KU 181, 153).
131 Acerca da temática do gênio, pode-se consultar (LORIES, 1998) e (DESMOND, 1998).
132 Als Natur aber erscheint ein Produkt der Kunst dadurch, daß zwar alle Pünktlichkeit in der Übereinkunft mit
Regeln, nach denen allein das Produkt das werden kann, was es sein soll, angetroffen wird; aber ohne Peinlichkeit,
ohne daß die Schulform durchblickt, d. i. ohne eine Spur zu zeigen, daß die Regel dem Künstler vor Augen geschwebt,
und seinen Gemütskräften Fesseln angelegt habe” (KU 180, 152).
86
como esse talento do artista é inato, ele pertence à natureza; o que permite que ele diga que o gênio
é a disposição inata da mente pela qual a natureza regras à arte (KU 181, 153). Assim, o gênio é
apenas um porta-voz da natureza.
Desse modo, arte bela é a arte do gênio:
Pois cada arte pressupõe regras, através de cuja fundamentação um produto, se ele deve chamar-se artístico, é
pela primeira vez representado como possível. O conceito de arte bela, porém, não permite que o juízo sobre a
beleza de seu produto seja deduzido de qualquer regra que tenha um conceito como fundamento determinante,
por conseguinte que ponha como fundamento um conceito da maneira como ele é possível. Portanto, a própria
arte bela não pode ter idéia da regra segundo a qual ela deva realizar o seu produto. Ora, visto que, contudo,
sem uma regra que o anteceda, um produto jamais pode chamar-se arte, assim, a natureza do sujeito (e pela
disposição da faculdade do mesmo) tem que dar regra à arte, isto é, a arte bela é possível somente como
produto do gênio (KU 181-2, 153)
133
.
“Gênio”
134
é a originalidade exemplar da naturalidade do uso livre dos poderes cognitivos
(capacidade de imaginação e entendimento). Essa definição se esclarece se observarmos que o
gênio possui quatro características distintivas (KU 182-3, 153-4):
1) originalidade; por oposição à habilidade para seguir regras é a contribuição da
capacidade de imaginação ao gênio: ele possui uma livre finalidade da exibição realizada
por essa capacidade, que permite que ele crie idéias estéticas;
2) exemplaridade; i.e., seus produtos podem ser seguidos, são passíveis de ser tomados
como regras, não são meros absurdos “originais”esta é a contribuição do entendimento
ao gênio: como talento artístico, é conceitualmente direcionado, não determinado;
3) naturalidade; ele não pode explicar como ele chegou a seu produto; porque possui uma
livre finalidade através da livre harmonia da capacidade de imaginação com a legalidade
do entendimento, assim, não pode ser explicada como regrada, tem que ser tida como
natural.;
4) artisticidade; por oposição à cientificidade, é um poder fazer, não necessariamente um
saber fazer; quer dizer, o dom natural ou talento para a originalidade artística que pode se
tornar exemplar não está sob o poder (“Gewalt”: poder de determinação conceitual) do
artista – a determinação conceitual está na ordenação teórica do múltiplo da sensibilidade
pelo cientista ou na ordenação prática da vontade pelo homem moral. O gênio escapa à
determinação conceitual, não se pode entender univocamente a auto-formação natural
pela qual desvios e modelos coexistem em uma obra disso surgem as várias
133 Denn eine jede Kunst setzt Regeln voraus, durch deren Grundlegung allererst ein Produkt, wenn es künstlich
heißen soll, als möglich vorgestellt wird. Der Begriff der schönen Kunst aber verstattet nicht, daß das Urteil über die
Schönheit ihres Produkts von irgendeiner Regel abgeleitet werde, die einen Begriff zum Bestimmungsgrunde habe,
mithin einen Begriff von der Art, wie es möglich sei, zum Grunde lege. Also kann die schöne Kunst sich selbst nicht die
Regel ausdenken, nach der sie ihr Produkt zustande bringen soll. Da nun gleichwohl ohne vorhergehende Regel ein
Produkt niemals Kunst heißen kann, so muß die Natur im Subjekte (und durch die Stimmung der Vermögen desselben)
der Kunst die Regel geben, d. i. die schöne Kunst ist nur als Produkt des Genies möglich” (KU 181-2, 153).
134 Kant define o gênio como uma faculdade, mas fala dele como se fosse o artista; o que não cria problemas se
tivermos em mente que o artista é quem tem essa faculdade muito desenvolvida.
87
interpretações possíveis de uma obra.
Essas quatro características são possíveis porque o gênio é aquele que possui uma relação
entre capacidade de imaginação e entendimento tal que o torna capaz de descobrir idéias estéticas e
expressá-las de modo que aquela sintonia entre capacidade de imaginação e entendimento que ele
possui, que é não-governada conceitualmente, e, por conseguinte, "inefável", se torna comunicável.
Então, para a beleza artística, a mera conformação ao gosto não é suficiente, é preciso que o
gênio esteja presente. Pois bem, o que é exatamente que o gênio contribui à obra? A resposta de
Kant é: espírito (Geist). “Espírito, em sentido estético, é o princípio vivificante no ânimo” (KU
192, 159)
135
, e ele vivifica através de um jogo das faculdades que se mantém por si mesmo e ainda
fortalece as capacidades de imaginação e entendimento para ele (Id. ibid.). Por isso, esse espírito (o
princípio vivificante) é “a faculdade da exibição de idéias estéticas (Id. ibid.)
136
. O espírito
expressa a sintonia causada pelas idéias descobertas pelo gênio, através da (1) apreensão do jogo da
capacidade de imaginação e da (2) unificação do jogo apreendido em um conceito comunicável
apesar de não coagido por regras. Esse conceito expressa-se indeterminadamente através das idéias
estéticas, e é original e exemplar (e assim o responsável pela originalidade e exemplaridade do
gênio). Em resumo, a contribuição do gênio para a obra é a vivificação das faculdades, i.e., ele
imprime espírito à obra para além da mera adequação a regras acadêmicas do gosto; essa
vivificação é conseguida através da exibição de “idéias estéticas” que comunicam o conceito que o
gênio tem em mente. No que se segue tentaremos esclarecer o que são essas idéias estéticas.
3.4. As Idéias Estéticas
137
Idéias estéticas são representações da capacidade de imaginação às quais nenhum conceito
determinado é adequado. São idéias porque tentam ir além da experiência para buscar uma exibição
de conceitos racionais, dando-lhes uma aparência de realidade objetiva mas são a contrapartida
das idéias racionais, pois essas são conceitos aos quais nenhuma intuição é adequada.
Porém, aqui a capacidade de imaginação torna-se criativa, na medida em que tem papel
complementar ao da razão em completar a experiência:
A capacidade de imaginação (enquanto faculdade de conhecimento produtiva) é mesmo muito poderosa na
criação como que de uma outra natureza a partir da matéria que a natureza efetiva lhe dá. Nós entretemo-nos
com ela sempre que a experiência pareça-nos demasiadamente trivial; também a remodelamos de bom grado,
na verdade sempre ainda segundo leis analógicas, mas contudo também segundo princípios que se situam mais
acima na razão (e que nos são tão naturais como aqueles segundo os quais o entendimento apreende a natureza
empírica); neste caso sentimos nossa liberdade da lei da associação (a qual é inerente ao uso empírico daquela
135 “Geist, in ästhetischer Bedeutung, heißt das belebende Prinzip im Gemüte” (KU 192, 159).
136 “[D]as Vermögen der Darstellung ästhetischer Ideen” (Id. ibid.).
137 Um ótimo tratamento dessas idéias, encontra-se em (PROUST, 1998).
88
faculdade), de modo que segundo ela na verdade tomamos emprestado da natureza a matéria, a qual porém
pode ser reelaborada por nós para algo diverso, a saber, para aquilo que ultrapassa a natureza (KU 193, 159)
138
.
Mas vale notar que a criação nas idéias estéticas não é uma formação originária (Urbildung),
mas sim um processo transformativo (Umbildung); “criação” (Schaffung), então é a transformação
da natureza de acordo com leis analógicas e com os princípios da razão e não Schöpfung, criação
ex nihilo. Essa transformação é possível porque, nesse processo, a capacidade de imaginação é livre
das leis de associação, então o material dado pela natureza, regido por essas leis, pode ser superado.
Portanto, se a idéia racional vai além da experiência quando transcende a natureza, a idéia estética
vai além da experiência quando supera a natureza ao transformá-la e enriquecê-la. Assim, se a razão
tenta completar a natureza através da postulação de um reino supra-sensível, a capacidade de
imaginação na obra de arte tenta completar a natureza de um modo ligado ao reino sensível: ou
encontra uma apresentação sensível de uma idéia transcendental da razão (Deus, alma etc) ou
uma exibição mais completa do que a que se encontra na natureza (da morte, inveja etc).
Desse modo, pode até haver uma contribuição cognitiva da arte, pois se na experiência
ordinária o entendimento regras à capacidade de imaginação, o gênio tem tanta capacidade de
imaginação que essa sugere regras ao entendimento:
do ponto de vista estético (...) a capacidade de imaginação é livre para fornecer, além daquela concordância
com um conceito, todavia espontâneamente, uma matéria rica e não elaborada para o entendimento, a qual este
em seu conceito não considerou e a qual este, porém, aplica não tanto objetivamente para o conhecimento,
quanto subjetivamente para a vivificação das faculdades de conhecimento, indiretamente, portanto, também
para conhecimentos (KU 198, 162)
139
.
Essa abundância de material não desenvolvido associado a um conceito é o conteúdo
intuitivo que não pode ser subsumido sob um conceito e aponta além dele para vir a ser uma idéia
estética. Ao deixar a capacidade de imaginação “alastrar-se por um grande número de
representações afins, que permitem pensar mais do que se pode expressar, em um conceito
determinado por palavras” (KU 195, 160)
140
a idéia estética nos leva a pensar sobre a relação do
conceito com outros; portanto, idéias estéticas aumentam os conceitos ao mostrar sua limitação.
138 Die Einbildungskraft (als produktives Erkenntnisvermögen) ist nämlich sehr mächtig in Schaffung gleichsam
einer andern Natur, aus dem Stoffe, den ihr die wirkliche gibt. Wir unterhalten uns mit ihr, wo uns die Erfahrung zu
alltäglich vorkommt; bilden diese auch wohl um: zwar noch immer nach analogischen Gesetzen, aber doch auch nach
Prinzipien, die höher hinauf in der Vernunft liegen (und die uns eben sowohl natürlich sind, als die, nach welchen der
Verstand die empirische Natur auffaßt); wobei wir unsere Freiheit vom Gesetze der Assoziation (welches dem
empirischen Gebrauche jenes Vermögens anhängt) fühlen, nach welchem uns von der Natur zwar Stoff geliehen, dieser
aber von uns zu etwas ganz anderem, nämlich dem, was die Natur übertrifft, verarbeitet werden kann” (KU 193, 159).
139 “[I]n ästhetischer Absicht (...) die Einbildungskraft frei ist, um noch über jene Einstimmung zum Begriffe, doch
ungesucht, reichhaltigen unentwickelten Stoff für den Verstand, worauf dieser in seinem Begriffe nicht Rücksicht nahm,
zu liefern, welchen dieser aber nicht sowohl objektiv zum Erkenntnisse, als subjektiv zur Belebung der Erkenntniskräfte,
indirekt also doch auch zu Erkenntnissen, anwendet” (KU 198, 162).
140 “[S]ich über eine Menge von verwandten Vorstellungen zu verbreiten, die mehr denken lassen, als man in einem
durch Worte bestimmten Begriff ausdrücken kann” (KU 195, 160).
89
3.5. A Simbolização
141
Mas, apesar de dar o que pensar, idéias estéticas são inefáveis. Para comunicá-las o gênio
precisa de espírito, quer dizer, para expressar uma idéia estética o espírito precisa apreender o
rápido jogo da capacidade de imaginação e unificá-lo em um conceito. Mas não é um conceito
determinado, é um conceito original que pode ser comunicado sem regras enquanto desenvolve uma
nova regra (KU 198, 162); e esse conceito é o que o artista tem de sua obra como propósito. Não se
requer conceitos para expressar a idéia como tal, mas apenas na medida em que a expressão é parte
de um processo artístico intencional mais largo que pressupõe um conceito determinado do produto
como um propósito. Como a comunicação determinante através de conceitos discursivos do
entendimento não é sempre possível, então o gênio utiliza modos indeterminados de comunicação:
ou diretamente através do sentimento (sensus communis) ou indiretamente através de expressões
objetivas. Essa última é a função simbólica da capacidade de imaginação.
Observemos esse processo com mais detalhe. Kant começa dizendo que a idéia estética
desperta muito pensamento. Talvez possa-se dizer que a idéia nasce do desejo impossível do artista
de expressar um idéia racional. A representação específica apresentada é um atributo estético, que
desperta a capacidade de imaginação a dançar em torno de uma multidão de representações
semelhantes que dão origem a mais pensamento do que pode ser expresso em um conceito. Por que
isso acontece?
Kant declara que uma idéia estética é tal que o conceito nunca alcança toda a intuição que a
capacidade de imaginação apresenta. A idéia estética parece então, uma anomalia, pois Kant vinha
expondo o juízo estético como envolvendo forma, não conteúdo material. Nenhum conteúdo é
possível a esse tipo de juízo além do sentimento de prazer na harmonia das faculdades. A idéia
estética, porém, é caracterizada por uma quantidade enorme de conteúdo. Através de uma idéia
estética, um conceito é tornado mais rico do que pode ser delineado; mas essa riqueza, embora não
completamente descritível por regras, precisa em alguma medida ser consistente com as regras que
de algum modo a podem descrever. É por isso que se requer gênio que vem a ser a capacidade de
produzir tais conceitos através de espírito (KU 192-3, 159). Kant nos diz, contudo, que o gênio
requer gosto e que o gosto é a habilidade de sentir a harmonia cognitiva entre entre capacidade de
imaginação e entendimento. Mas o gênio não exercita o gosto como cria obras de arte, exibições
de atributos estéticos.
Enquanto, em geral, idéias estéticas podem se originar através da sintonia do gênio ao
“substrato supra-sensível”, o problema do porque uma idéia estética contém uma tal abundância de
141 Sobre esse processo, pode-se recorrer a (MAKKREEL, 1998) e (LA ROCCA, 1998).
90
exibições parciais que não podem ser abarcadas em um conceito determinado não é completamente
resolvido mesmo que a origem daquela idéia (ou sua forma) seja o conceito indeterminado do
supra-sensível.
Como cada obra de arte reflete não meramente a harmonia do gosto mas também a harmonia
entre o conceito por detrás do conceito da obra (o que esse objeto deve ser e significar) e a exibição
imaginativa da obra, então, a idéia estética comunica um conceito que é original e que revela uma
nova regra (KU 194-7, 160-2), e assim, post hoc, a possibilidade de um novo conceito determinado.
Quer dizer, uma obra de arte deve refletir uma harmonia entre seu conceito, a idéia estética exibida
pela obra e suas representações estéticas
142
. O conceito (idéia racional ou não), a idéia estética e as
representações estéticas são os três membros de uma analogia. A função da hipotipose simbólica é
fornecer o símbolo como quarto membro.
Antes de mais nada, uma questão preliminar: o que Kant entende por analogia? Na Crítica
da Faculdade do Juízo ele responde que “[a] faculdade do juízo cumpre uma dupla função [no
simbolismo]: primeiro de aplicar o conceito ao objeto de uma intuição sensível e então, segundo, de
aplicar a simples regra da reflexão sobre aquela intuição a um objeto totalmente diverso, do qual o
primeiro é somente o símbolo” (KU 256, 196-7)
143
.
Porém, na Crítica da Razão Pura ele diz o seguinte:
Na Filosofia, porém, a analogia não consiste na igualdade de duas relações quantitativas, mas sim qualitativas,
em que a partir de três termos dados posso conhecer e dar a priori a relação com um quarto, mas não este
quarto termo, mesmo possuindo todavia uma regra para procurá-lo na experiência e uma característica para
encontrá-lo na mesma (KrV A179-80 B222, 167)
144
.
Em ambos momentos, portanto, Kant refere-se à aplicação de uma regra como princípio
regulativo que capacita a encontrar o membro ausente. É a esse processo que ele se refere como
hipotipose ou exibição simbólica (KU 255, 196).
A palavra “hipotipose” vem do grego hypo (“sob”), e typos imagem”, e assim hipotipose
literalmente significa o que possibilita uma imagem, ou ainda a ilustração ou representação visual
de uma idéia, sua exemplificação. Portanto, hipotipose é sinônimo de exibição, quer dizer, o
processo pelo qual a capacidade de imaginação fornece uma intuição para um conceito, de modo
que se demonstre ao que ele se refere através da exibição do objeto desse conceito na intuição. Os
142 Kant não detalha o que entende por “representações estéticas”, mas é certo que são os atributos sensíveis
apreendidos pela capacidade de imaginação, que despertam o livre jogo e que não se deixam determinar em um
conceito.
143 “[D]ie Urteilskraft ein doppeltes Geschäft verrichtet, erstlich den Begriff auf den Gegenstand einer sinnlichen
Anschauung, und dann zweitens die bloße Regel der Reflexion über jene Anschauung auf einen ganz andern
Gegenstand, von dem der erstere nur das Symbol ist, anzuwenden (KU 256, 196-7).
144 In der Philosophie aber ist die Analogie nicht die Gleichheit zweier quantitativen, sondern qualitativen
Verhältnisse, wo ich aus drei gegebenen Gliedern nur das Verhältnis zu einem vierten, nicht aber dieses vierte Glied
selbst erkennen, und a priori geben kann, wohl aber eine Regel habe, es in der Erfahrung zu suchen, und ein Merkmal,
es in derselben aufzufinden” (KrV A179-80 B222, 167).
91
modos desse processo são: (a) esquemático (aplicação determinante), é o fornecimento de uma
intuição direta para um conceito; a capacidade de imaginação produz um esquema temporal a priori
(uma determinação do tempo) que pode ser aplicado a objetos particulares da experiência ou um
esquema sensível puro ou um esquema empírico; (b) simbólico, que envolve a exibição de
conceitos suprasensíveis da razão, de modo que é possível fornecer intuições indiretas
correspondentes a esses conceitos; é uma especificação reflexiva em que a capacidade de
imaginação relaciona a razão à sensibilidade através de analogias formais encontradas através de
reflexão em conceitos racionais e intuições empíricas.
Como tratamos do modo esquemático de hipotipose no capítulo anterior, aqui nos
interessa apenas seu modo simbólico.
Pois bem, no simbolismo, para exibir o objeto na intuição o juízo primeiro desenvolve sua
função normal, na qual aplica um conceito a um objeto, depois, contudo, ele aplica apenas a regra,
a outro objeto (KU 256, 196); e assim ele serve como uma “transferência de nossa reflexão em um
objeto da intuição a um conceito totalmente diverso” (KU 257, 197)
145
. De modo que no processo de
simbolização o juízo tem função dupla: (1) aplica o conceito ao objeto de uma intuição sensível, e
depois (2) aplica a regra da reflexão feita sobre a intuição a um objeto diferente, do qual o primeiro
é símbolo. então algo pode ser símbolo, quer dizer, haver a transferência da regra, e apenas se
ele possui relações formais entre suas partes que sejam semelhantes àquelas daquilo que é
simbolizado. Em suma, esse processo consiste na aplicação da regra de um conceito (o esquema)
que é passível de exibição direta, a outro conceito, que não pode ser exibido esquematicamente (KU
255-7, 196-7).
Por isso, a expressão de idéias estéticas através de exibição simbólica não produz
necessariamente um novo conceito, mas uma analogia pela qual conceitos da razão são
adaptados a domínios particulares da experiência. E em decorrência dessa diferença, em contraste
com uma esquemática, uma hipotipose simbólica resulta na exibição simbólica de uma idéia que
a razão pode pensar, pois a sua referência dos conceitos à sensibilidade não é direta como requer o
trabalho do entendimento (lembremos da síntese figurada)
146
.
Mas ao assim aproximar idéias estéticas (e os temas que lhe são adjacentes no parágrafo 49)
e a exibição simbólica exposta no parágrafo 59 temos que enfrentar o seguinte problema: uma idéia
estética é uma à qual nenhum conceito pode ser adequado (KU 192-3, 159), mas que é expressa
através de uma intuição sensível; uma exibição simbólica, por outro lado, envolve como um de seus
145 Übertragung der Reflexion über einen Gegenstand der Anschauung auf einen ganz andern Begriff (KU 257,
197).
146 Sobre o processo de simbolização através de idéias estéticas enquanto processo de significação, ver (HOGREBE,
1974: 140-156).
92
termos uma idéia racional, para a qual nenhuma intuição sensível pode ser adequada (KU 255, 196),
mas para a qual um conceito pode ser adequado. Essas entidades, então, são em um certo sentido, o
inverso uma da outra. E mais, não nenhuma implicação necessária, no caso da idéia racional no
simbolismo, da multiplicidade conceitual que é essencial à idéia estética; e, por outro lado, Kant não
diz na seção 49 que a idéia estética deve envolver metáfora ou simbolismo. A idéia estética parece
distinguida pelo seu envolvimento com um conteúdo, não com a forma; e a exibição simbólica
parece envolvida com a forma e não com o conteúdo. Mas sugerimos que uma relação entre os
dois: a idéia estética e o termo racional no simbolismo; e no que se segue tento tornar isso plausível.
Tomemos o exemplo do moinho (KU 256, 196-7). Alguém quer que esse objeto simbolize o
Estado despótico na expressão: “O moinho do Estado tem uma pá”. Há, primeiramente, o
conceito de moinho: um mecanismo para triturar milho. O que o conceito de moinho “deve ser e
significar” é o Estado. A forma do conceito de moinho é a regra que é aplicada à idéia de Estado.
Qual é essa regra causal? Talvez algo como, o girar da produz a trituração uniforme do grão.
Mas aplicar essa regra ao “Estado despótico” precisa da remoção de seu conteúdo: a pá, o grão,
mesmo o movimento de girar como tal não estão presentes em um Estado. O que resta, talvez, seja
algo como: força-se a redução de algo multiforme à uniformidade. A forma da idéia do Estado
despótico, então, é agora essa forma.
Mas isso não é suficiente para o processo analógico. Não completamos a analogia porque ela
requer um quarto termo. o moinho, o símbolo que tem (A) forma e (B) conteúdo e o estado
despótico que para o argumento tem (C) forma. O termo (D), então, deve ser o conteúdo dessa
idéia. Mas enquanto que nesse exemplo particular o estado despótico pode ser uma idéia sem
conteúdo (por ser uma idéia racional), o processo analógico requer um quarto termo.
Mas Kant nos deu recursos para conseguir esse quarto termo na trecho antes citado da
Crítica da Razão Pura sobre analogia, quando diz que “uma regra para procurar um quarto membro
na experiência será um princípio regulativo, não um constitutivo”. Talvez essa passagem possa ser
interpretada no contexto da hipotipose simbólica como permitindo que o quarto membro da
analogia acima seja não os conteúdos transferidos do símbolo à idéia racional – como sua forma o é
(i.e., “não constitutiva do objeto”) mas o conteúdo do símbolo enquanto símbolo. Quer dizer, o
artista, procura na experiência aqueles conteúdos e assim cria a obra de arte para encontrá-los.
O ponto é que os conteúdos e/ou a forma do símbolo, depois do processo de hipotipose
simbólica, mudaram para suprir o quarto termo da analogia.
Quando, p.ex., Kant fala da “águia de Júpiter com as luzes em suas asas” como um atributo
do onipotente rei dos céus (KU 195, 160), ele está indicando que a águia, como um de um conjunto
de atributos estéticos que encarnam uma idéia estética, foi acrescentada a um dado conceito e ainda
93
conectada com uma multidão de representações parciais (KU 197, 162).
A águia então não pode, como atributo estético (e assim, como símbolo) reter precisamente
a mesma forma e conteúdo que antes de se tornar um atributo estético. Ao menos, as exibições
parciais com as quais ela é agora conectada não foram antes associadas com aquele atributo. De
modo semelhante, o moinho, como símbolo, não é simplesmente o moinho cotidiano.
O processo pode então ser diagramado assim: (A) forma do moinho está para (B) conteúdo
do moinho assim como (C), forma do Estado despótico está para (D), conteúdo do moinho como
símbolo do Estado despótico.
Na seção §49, então, Kant afirma que “se for submetida a um conceito uma representação da
capacidade de imaginação que pertence à sua exibição, mas por si tanto a pensar que jamais
deixa compreender-se em um conceito determinado, por conseguinte, amplia esteticamente o
próprio conceito” (KU 194-5, 160)
147
. E mais,
[A]quelas formas que não constituem a exibição de um próprio conceito dado, mas somente expressam,
enquanto representações secundárias da capacidade de imaginação, as conseqüências conectadas com elas e o
parentesco do conceito com outros, são chamadas de atributos (estéticos) de um objeto, cujo conceito,
enquanto idéia da razão, não pode ser apresentado adequadamente (KU 195, 160)
148
.
Relacionando essas passagens ao exemplo do moinho e o processo de hipotipose simbólica,
sugerimos que podemos encontrar um resultado tal como o seguinte: se suplementamos a exibição
imaginativa do moinho com as formas do Estado despótico, então as exibições do moinho se
tornaram atributos estéticos do Estado despótico, cujo conceito não pode ser exibido
adequadamente.
Assim que essas exibições são unidas àquele conceito, “a idéia estética é uma representação
da capacidade de imaginação associada a um conceito dado, a qual se liga uma tal multiplicidade de
representações parciais no uso livre das mesmas, que não se pode encontrar para ela nenhuma
expressão que denote um conceito determinado” (KU 197, 162)
149
. Assim, nesse exemplo, devido às
representações parciais conectadas com ele, o conteúdo, ao menos, do moinho mudou; e porque a
suplementação de sua forma com a forma do Estado despótico, sua forma também mudou. Ela
agora exibe (inadequadamente, do ponto de vista cognitivo) a idéia do Estado despótico.
As representações do moinho empregadas nesse processo, então, são ambas símbolos,
147 Wenn nun einem Begriffe eine Vorstellung der Einbildungskraft untergelegt wird, die zu seiner Darstellung
gehört, aber für sich allein so viel zu denken veranlaßt, als sich niemals in einem bestimmten Begriff zusammenfassen
läßt, mithin den Begriff selbst auf unbegrenzte Art ästhetisch erweitert” (KU 194-5, 160).
148 “Man nennt diejenigen Formen, welche nicht die Darstellung eines gegebenen Begriffs selber ausmachen, sondern
nur, als Nebenvorstellungen der Einbildungskraft, die damit verknüpften Folgen und die Verwandtschaft desselben mit
andern ausdrücken, Attribute (ästhetische) eines Gegenstandes, dessen Begriff, als Vernunftidee, nicht adäquat
dargestellt werden kann” (KU 195, 160).
149 “[D]ie ästhetische Idee ist eine einem gegebenen Begriffe beigesellte Vorstellung der Einbildungskraft, welche mit
einer solchen Mannigfaltigkeit der Teilvorstellungen in dem freien Gebrauche derselben verbunden ist, daß für sie kein
Ausdruck, der einen bestimmten Begriff bezeichnet, gefunden werden kann” (KU 197, 162).
94
devido a sua inicial função analógica através da hipotipose simbólica; e os atributos estéticos,
devido a sua situação final como exibições do Estado despótico. Assim as seções 49 e 59 são
intimamente conectadas através desses processos, que resultam na ativação da razão pela
capacidade de imaginação criativa a pensar mais do que pode ser compreendido e tornado distinto
na exibição (KU 195-6, 160-1).
Esse processo pode continuar, gerando novo material, até um que conceito definido resulte
ao menos em algumas mentes. A idéia estética então se torna institucionalizada e agora pode ser
analisada, criticada e empregada como exemplar. Mas o gênio não é regrado. Ele cria a idéia
estética antes que a regra possa ser formulada, pelo processo acima; finalmente, depois desses
processos (que muitas vezes não terminarão para algumas obras), a nova regra é criada, a peça é
entendida, pelo menos por alguns, e artistas futuros podem ser instruídos.
Nesse capítulo nos dedicamos a apresentar a capacidade de imaginação produtiva em sua
exibição simbólica através da apresentação dos quatro momentos do juízo de gosto a partir do papel
da capacidade de imaginação produtiva em cada um deles. Discutimos ainda os temas da arte bela,
do gênio e das idéias estéticas; o que nos permitiu concluir o capítulo caracterizando o processo de
simbolização que a capacidade de imaginação produtiva permite através da exibição no modo
simbólico.
Podemos então, passar ao capítulo conclusivo desse estudo, onde trataremos da capacidade
de imaginação nos escritos pré-críticos, na Antropologia do Ponto de Vista Pragmático e na
“Analítica do Sublime” para podermos, em seguida, proceder com segurança a uma caracterização
da produtividade da capacidade de imaginação – e de sua criatividade.
95
4. Conclusão
“Portanto, temos uma capacidade de imaginação pura como faculdade fundamental da mente humana”
(KrV A124, 156)
150
.
Em conclusão a esse estudo, para obtermos um melhor panorama do que apresentamos,
gostaríamos de confrontar o que conseguimos com a uma tematização sucinta da capacidade de
imaginação em três momentos de que não tratamos, quais sejam, (a) os escritos pré-críticos, (b) a
Antropologia do Ponto de Vista Pragmático e (c) a “Analítica do Sublime”. A confrontação com
esses três momentos nos permitirá delimitar definitivamente o que seja a capacidade de imaginação
produtiva na “Analítica Transcendental” e na “Crítica da Faculdade do Juízo Estética”, nosso
objetivo primevo. E, dessa maneira, poderemos, caracterizar melhor o que é a produtividade da
capacidade de imaginação produtiva e, enfim, mostrar como a capacidade de imaginação produtiva
torna-se criativa.
150 “Wir haben also eine reine Einbildungskraft, als ein Grundvermögen der menschlichen Seele” (A124, 156).
96
4.1. A Capacidade de Imaginação nos Escritos Pré-Críticos
Nas Reflexionen zur Anthropologie
151
, Kant propõe que temos uma faculdade formativa
(Bildungsvermögen, faculdade de formação, de organização) que possui diferentes capacidades de
formação de imagens e de ordenação das imagens formadas. Entretanto, deve-se ter claro que, para
Kant, imagens (Bilder) não se reduzem a dados visuais; são sim conjuntos de dados sensíveis
organizados de modo a permitir a compreensão através de conceitos.
Vejamos as diferentes capacidades ou poderes da faculdade formativa delineadas não-
sistematicamente nas Reflexionen zur Anthropologie e na Vorlesung über Metaphysik
152
:
1) Bildung (formação, organização, coordenação (de imagens)): É a capacidade de
coordenar ou dar forma às representações em geral (RA 331; 130 / 1776-8, 12).
2) Abbildung (retratação): É a formação direta de imagens, quer dizer, é o poder de
construir um objeto sensível presente a partir dos estímulos sensoriais, não uma cópia,
uma duplicação do que foi percebido. Esse poder é o fundamental, pois ele exibe o que é
dado aos sentidos em uma imagem (RA 315; 125 / 1769, 13) e fornece informações para
as imagens da Nach- e da Vorbildung (números três e quatro abaixo) (RA 336, 313a; 133
e 123 / 1776-8 e 1769, 13). A necessidade de que exista uma imagem do conteúdo
sensorial recebido vem do fato de que a mente (a) está sempre ocupada em formar uma
imagem instantânea dos dados sensoriais que recebe dos diferentes sentidos, pois ela não
recebe os objetos como tais, mas apenas o fluxo contínuo de intuições; e que ela (b)
forma uma imagem diferente desde cada posição corporal pois em cada uma a
organização (Bildung) dos estímulos é diferente – de todas essas aparências a mente deve
se fazer uma imagem sinóptica (cf. MAKKREEL: 15-8) reunindo-as para ter uma
compreensão do objeto que não seja completamente volúvel, mas que seja condizente
com a variação dos estímulos (VM 235 e 236, 16). Portanto, um Abbild não é um mero
efeito causal produzido por um objeto, pois ela exige atividade do sujeito. E mais,
embora a imagem formada pela mente é de um objeto no presente, a imagem abarca
mais que o presente. Segundo Kant, a imagem de uma cidade, p.ex., abarca seu aspecto
151 Por não termos tido acesso às Reflexionen zur Anthropologie (que constam do volume XV da edição da Academia
Prussiana das obras de Kant), o citamo-las a partir da discussão feita por MAKKREEL (1990: 09-25). Assim,nas
referências, abreviando o título como RA, citaremos primeiro o número da reflexão, em seguida ao ponto e vírgula, a
paginação da academia e a data aproximada da reflexão, fornecidas por Makkreel e, após a vírgula, a página do livro
deste último onde se encontra a referência em questão. Tendo dito isso, para não sobrecarregar o texto, entendemos
como desnecessário usar apud. nas referências em questão. O mesmo vale para as Vorlesung über Metaphysik
(presentes no volume XXVIII da edição da Academia), citada como VM, com o número da paginação da academia
antes, e a do livro de Makkreel depois, da vírgula.
152 A tradução dos termos alemães que se segue, de modo algum pretende ser linguisticamente correta, pretende sim
captar o sentido dado a esses vocábulos por Kant.
97
diurno (Morgenseite) e seu aspecto noturno (Abendseite) isso ilustra que um Abbild
deve compreender não apenas perspectivas espaciais, mas também temporais: a imagem
que daí resulta contém representações do passado e do futuro (VM 236, 16).
3) Nachbildung (reprodução, pós-imaginação): Formação reprodutiva de imagens que forma
a imagem empírica do passado, se movendo do passado para o presente conectando
conexões passadas com presentes (VM 236, 16).
4) Vorbildung (modelação, pré-imaginação): Formação antecipatória de imagens que forma
a imagem empírica do futuro, se move do passado e do presente para o futuro, através da
expectativa de semelhança, prolongamento das relações ou presentemente
estabelecidas
153
.
5) Einbildung (imaginação, imagens criadas para si): Formação de imagens sem a presença
de estímulos nos sentidos, produzindo imagens independentemente e para além da
realidade dos objetos através de invenção e abstração (RA 330; 130 / 1776-8, 13). Pois,
p.ex., muito das perspectivas incorporadas em uma imagem da cidade não podem ser
efetivamente sentidas no presente e precisam então ser imaginadas (p.ex., o que
depois de um morro) independentemente dos estímulos recebidos (VM 237, 19). Não se
limitando ao que é dado, essa imagem deixa de ser um Abbild
e passa a ser um Einbild.
6) Ausbildung (desenvolvimento a partir de imagens): Formação completiva, id est, um
modo de formação que completa imagens, se faz necessário quando o percebido parece
estar incompleto ou imperfeito, então, projeta-se a idéia de um todo para completar e
perfeccionar o que é tido como faltante na experiência (VM 237, 19).
7) Gegenbildung (contra-imaginação): Formação que opera por analogias de modo a
permitir às imagens servirem como significantes lingüísticos ou análogos simbólicos de
outra coisa. Em outras palavras, é um poder de representar através de signos que forma
uma contra-imagem que serve como um análogo lingüístico de algo (RA 313a e 326; 123
e 129 / 1769 e 1769-70, 13). A Gegenbildung se faz necessária quando a falta é não do
que é percebido, mas dos limites de nossas próprias forças intuitivas, formando então
análogos simbólicos para produzir ligações indiretas entre os sentidos e a razão onde
ligações diretas não são possíveis (VM 238, 19).
8) Urbildung (criação de imagens originárias, exemplos paradigmáticos ou normas):
Formação arquetípica, seja para orientar a cognição pois de todo tipo de objeto
153 As formações chamadas Ab-, Nach- e Vorbildung são temporalmente definíveis (RA 329; 130 / 1776-8, 13), quer
dizer, a Abbildung embora necessite conectar representações passadas e expectativas do futuro para compreender
todas as possibilidades de percepção do objeto indica percepções presentes, a Nachbildung embora se realize no
presente e vise condizer com ele – indica percepções passadas, a Vorbildung – embora necessite das imagens passadas e
presentes para formar (as imagens que sirvam às) expectativas – indica percepções futuras.
98
fazemos um arquétipo (Urbild) (RA 323; 127 / 1769-70, 14) – seja para a fruição – pois o
gênio é um “talento formador de arquétipos (urbildende Talent)” (RA 533; 232 / 1776-9,
14).
Organizamos essa sequência das faculdades de modo a que da Bildung à Urbildung se
observe: (a) o crescendo da independência de cada capacidade frente à matéria dos sentidos; e, em
contrapartida, (b) a cada vez maior atividade da mente na construção das imagens, começando em
Bild- e Abbildung onde o sujeito depende da presença de um objeto para formar a imagem e não
de ter tido experiência dele, como na Nach- e na Vorbildung
154
. Mas mesmo quando depende
de um objeto empírico presente, a formação de imagens nunca é mera cópia passiva por isso, o
vocabulário empirista de “impressões” não é usado, pois sempre alguma construção do sujeito,
logo, não a impressão em uma tabula rasa. Para perceber um objeto, i.e., ter uma imagem dele
enquanto objeto e não como um amontoado de sensações desconectadas (o múltiplo dos sentidos),
necessariamente é preciso que o sujeito realize uma Abbildung
155
.
Segundo Kant, a faculdade formativa atua em dois tipos de processos (RA, 332; 131 / 1776-
8, 13):
1) processos perceptivos: quando os objetos dos sentidos estão presentes realizados pela
capacidade de formação (Bildungskraft).
2) processos imaginativos: em relação a objetos dos sentidos que não estão presentes
realizados pela capacidade de formação imaginativa (Einbildungskraft).
Essa distinção nos sugere, embora Kant não o explicite, que a listagem não deveria ser
linear, e sim dividida em dois grupos, como mostra o seguinte gráfico:
154 Para realizar a Vorbildung o sujeito necessita do objeto pois precisa ter tido experiências que permitam a
expectativa de semelhança das experiências futuras com as passadas e presentes.
155 Função realizada pela síntese da apreensão na intuição na Crítica da Razão Pura.
99
Nachbildung
Bildungskräfte Abbildung
Vorbildung
Bildungsvermögen
Gegenbildung
Einbildungskräfte Ausbildung
Urbildung
Então, a Bildungsvermögen se dividiria em dois tipos de processos e esses teriam cada um
em três modos de se realizar. Com isso, a Einbildungskraft seria tida no plural (Einbildungskräfte) e
falaríamos de capacidades de formação imaginativa, que englobariam, além da própria Einbildung,
aqueles tipos de formação de imagens menos dependentes dos dados da experiência e que
demandam mais atividade do sujeito, pois esses tipos de formação (Aus-, Gegen- e Urbildung)
podem também ser caracterizados pelo que diferencia a Einbildung: invenção e abstração. A mesma
com relação ao outro grupo, ligado à Bildungskraft e as outras formações de imagens; que formam
um grupo separado pois todas são dependentes dos dados da experiência, isto é, não implicam
invenção e/ou abstração. Enfim, a diferença entre os processos é que a Einbildungskraft forma
imagens sem a presença efetiva de materiais nos sentidos, somente por invenção e abstração a partir
do que outrora esteve nos sentidos, quer dizer, é a Bildungskraft
sem que o objeto esteja presente.
Vejamos como se a proximidade da experiência nas Bildungskräfte. Como dito, a
Bildung é a capacidade de organizar as imagens, é o poder de formar imagens da experiência de
coordenar representações em geral (RA, 331; 130 / 1976-8, 12). A Abbildung é a capacidade de
compreender vários Bilder (os produtos do poder de Bildung), a partir de várias perspectivas ou em
vários momentos, em uma imagem p.ex., uma imagem da cidade que concorde com seu
aspecto diurno e noturno. Segundo Kant, a Nachbildung e a Vorbildung envolvem a geração de
imagens de acordo com as leis empíricas de associação (VM 236, 17).
Ora, se essas formações são regidas pelas leis da associação e se essas leis são baseadas no
que foi experimentado, então as imagens formadas apenas refletem o que foi experimentado: a
Vorbildung pois as imagens antecipatórias são baseadas em expectativas de semelhanças com o que
foi experimentado, id est, baseadas na mesma ordenação das representações sensíveis (intuições)
em uma imagem de experiências ocorridas; e a Nachbildung porque é a reprodução do que foi
experimentado na mesma ordem em que o foi.
Isso nos ajuda a entender o que Kant quer dizer quando afirma que Ab-, Nach- e Vorbildung
são modos da Imagination, da capacidade de imaginação enquanto “despensa (Vorrath) de
representações” (RA 334; 132 / 1776-8, 14), quando se “guarda” o que foi experimentado. Portanto,
podemos dizer que o que definimos como Bildungskräfte é a capacidade de imaginação reprodutiva,
aquela que apenas repete o que foi dado na experiência, tal como foi dado
156
.
Por outro lado, nas Einbildungskräfte, a formação de imagens é bem menos dependente dos
156 O leitor deve estar se perguntando como podem as capacidades de imaginação abarcadas pelo termo Bildungskräfte
participarem do processo perceptivo, que em uma citação acima foi dito que a Bildung se reduzia a esse tipo de
processo e que agora propomos que um grupo de modos de formação fundado na Bildung. Ora, a Ab- e a Bildung
são, como dito acima, o que torna possível a própria percepção. a Nach- e a Vorbildung participariam do processo
perceptivo no sentido em que na Crítica da Razão Pura a síntese da reprodução na capacidade de imaginação participa:
é o que permite que eu reconheça no tempo 2 que o objeto diante de mim é o mesmo do tempo 1.
100
dados sensíveis, pois se introduz uma força causal por parte da mente além da capacidade de
organização ou coordenação (Bildungskraft) existente nas Bildungskräfte. Em outras palavras, um
Einbild (a imagem produzida pela Einbildung) não tem sua causa em uma intuição de um objeto no
sentido externo, mas em uma atividade da mente (RA, 314; 124 / 1769, 15). Essa nova atividade se
dá quando a mente realiza invenção
157
e abstração
158
sobre o que é dado aos sentidos. Segundo Kant,
às vezes essa capacidade funciona inconscientemente (RA 312; 121 / 1766-8, 15), mas quando é
consciente é um modo de invenção (Erdichtung) que conecta todas as representações por um ato de
volição (RA 314; 124 / 1769, 15). É fácil ver que a Ausbildung sempre procede por invenção, p.ex.,
quando se imagina o outro lado da parede, inventa-se algo que não estava na apreensão (Abbildung)
do lado visto. Na Urbildung, se entendida como norma ou modelo, abstrai-se de tudo o que
considera-se imperfeito em um objeto. E na Gegenbildung - p.ex., em uma letra, placa ou ídolo -
abstrai-se de várias particularidades e mantém-se somente o que faz dele um signo de algo, pois
inventamos que ele possui uma referência a outra coisa além dele. Portanto, podemos considerar as
Einbildungskräfte como a capacidade de imaginação produtiva empírica, aquela que produz algo
que não estava dado na experiência.
Mas o que é produzido pela capacidade de imaginação produtiva empírica? É a forma, a
organização das intuições, a arrumação dos conteúdos sensíveis: em Ein-, Gegen-, Ur- e
Ausbildung temos o poder de inventar e abstrair, modificando voluntariamente as imagens
apresentadas pela Abbildung (a organização dos conteúdos sensíveis tal como experimentados), isto
é, essas capacidades mostram que o sujeito é capaz de provocar transformações na forma de suas
imagens transformações que podem ser a retirada de certas intuições da imagem ou a introdução
de outras
159
. Enfim, a capacidade de imaginação produtiva empírica produz imagens da experiência
que foram modificadas pelo sujeito através de invenção e abstração; ela produz novas formas,
coordenações do conteúdo sensível diferentemente do dado na intuição.
Em resumo, nosso percurso nessa seção foi: buscando a distinção entre capacidade de
imaginação produtiva e reprodutiva nos textos pré-críticos citados, encontramos a tese de Kant de
157 Um outro texto de Kant nos indica o que ele entende por invenção: Inventar uma coisa é diferente do que a
descobrir, pois a coisa descoberta é admitida como preexistente, que até então desconhecida; o que se inventa
estava plenamente ignorado para o artista (AP 224).
158 Em outra obra Kant diz que a “abstração não é nada outro que a supressão de certas representações claras que se
pratica ordinariamente com o fim de que o que reste seja com isso representado mais claramente. (...) [A abstração é]
uma atenção negativa, (...) uma verdadeira ação e atividade” (Gedanken von der wahren Schätzung der lebendigen
Kräfte; Ak. II 190 apud. MAKKREEL 1990: 19). Em outro lugar, ele acrescenta que “[d]eve-se dizer abstrair de algo e
não abstrair algo. A primeira expressão significa que ao considerar um conceito, cessamos de atentar a tudo o que lhe é
unido de qualquer maneira que seja” (Dissertação de 1770; De mundi sensibilis atque intelligibilis forma et principiis;
Ak. II 394 apud. MAKKREEL 1990: 19).
159 Mas mesmo a imagem inventada (Erdichtung, fantasia), para Kant, deriva seu conteúdo dos sentidos, quer dizer,
não se produz imagens do nada, a forma de apresentação do conteúdo sensório pode ser nova, a matéria da imagem
só pode ser conseguida através da sensibilidade (AP 167-8).
101
que temos uma faculdade formativa (Bildungsvermögen), responsável pela formação e coordenação
das representações sensíveis (intuições) em imagens. Depois, vimos que essa faculdade se divide
em oito capacidades de formação de imagens. Para além do texto kantiano mas não em
contradição com ele, e, acreditamos, seguindo seu espírito propomos que esses oito modos de
formação de imagens se agrupam em dois tipos de processos: um ligado à presença do objeto e
outro independente dessa presença. Sugerimos então que o primeiro grupo, as Bildungskräfte,
seriam o ancestral da capacidade de imaginação reprodutiva; enquanto que o outro grupo, as
Einbildungskräfte, seriam o que no período crítico é entendido como capacidade de imaginação
produtiva. Nossa conclusão foi que a distinção entre capacidade de imaginação produtiva e
reprodutiva se na dependência das leis da associação: a capacidade de imaginação produtiva
(e/ou as Einbildungskräfte) não opera de acordo com as leis empíricas de associação, a capacidade
de imaginação reprodutiva (e/ou as Bildungskräfte), sim se leis empíricas de associação são
entendidas como repetição das mesmas relações encontradas na experiência. A reprodutiva, na Ab-,
Nach- e Vorbildung obedece ao modo em que os dados sensíveis que formarão a imagem foram
apresentados na experiência, seja o objeto presente, reproduzido ou apenas previsto. Já a capacidade
de imaginação produtiva é a introdução de uma modificação ou acréscimo por parte do sujeito no
que lhe é dado pela sensibilidade. Outra conclusão é que a diferença entre as duas imagens consiste
em que a imagem reprodutiva reproduz o mundo ao reproduzir a ordem (não temporal, mas
também a ordenação espacial, tal como a de uma imagem) em que as intuições foram sentidas e a
produtiva altera essa ordem baseada no trabalho espontâneo (invenção e abstração) da mente sobre
o que a experiência forneceu.
Na Crítica da Razão Pura a Einbildungskraft divide-se em empírica tal como aqui a
apresentamos e a transcendental. Como transcendental a Einbildungskraft sofre grande
transformação, pois então é entendida como regida por conceitos puros transcendentais na
determinação das formas puras da intuição (tempo e espaço) através do esquematismo (ele próprio
um produto da capacidade de imaginação) sem que haja necessariamente consciência do sujeito.
Além de que, o que aqui foi apresentado como a capacidade de imaginação reprodutiva (Ab- ,
Nach-, Vor- e Bildung) será reformulado e tratado como três aspectos (apreensão na intuição,
reprodução na imaginação e reconhecimento no conceito) de uma síntese transcendental da
capacidade de imaginação (a síntese figurada) que é condição para o conhecimento perdendo o
caráter consciente em que foi apresentada nos escritos pré-críticos aqui tratados
160
.
Entretanto, antes de voltarmos à capacidade de imaginação transcendental, devemos
160 Sobre o papel sintético da capacidade de imaginação, que está presente nessas reflexões, embora mais ligado à
Gegenbildung, ver (RA 322 e 326; 127e 129 / 1769-70 e 1769-70, 15).
102
observar um outro texto onde a capacidade de imaginação empírica é apresentada, dessa vez
sistematicamente.
4.2. A Capacidade de Imaginação na Antropologia
Na Anthropologie in Pragmatischer Hinsicht justamente por ela ser em um viés
pragmático, e não transcendental, como as Críticas a capacidade de imaginação é tratada em seu
aspecto empírico. Esse texto, porém, ocupa um lugar específico no estudo da capacidade de
imaginação em Kant, pois é o único que concede à capacidade de imaginação seção dedicada
especificamente a ela, e mais, a seus desdobramentos. Por isso, acreditamos que uma revisão desse
material deve constar em nosso estudo.
Esses desdobramentos porém, revelar-se-ão decepcionantes a quem se aproxima do texto
com interesses direcionados à capacidade de imaginação transcendental, como é o nosso caso
161
.
O primeiro ponto a notar é que a tematização da capacidade de imaginação vem
imediatamente depois daquela acerca da sensibilidade e imediatamente antes da oferecida ao
entendimento, confirmando na própria arquitetura do texto, como sói agradar ao filósofo de
Köningsberg, o papel mediador da capacidade de imaginação.
A seção divide-se em quatro subseções e um apêndice, e as duas primeiras subseções
comportam três subdivisões, como exposto a seguir:
Da Capacidade de Imaginação
Das Faculdades de Fantasiar Sensíveis segundo suas Diferentes Espécies
A. Da Faculdade de Fantasiar Sensível da Formação
B. Da Faculdade de Fantasiar Sensível da Associação
C. A Faculdade de Fantasiar Sensível da Afinidade
Da Faculdade de se Representar o Passado e o Futuro através da Capacidade de Imaginação
A. Da Memória
B. Da Capacidade de Prever
C. Do Dom de Adivinhar
Das Ficções Involuntárias no Estado de Saúde, i.e., do Sonho
Da Faculdade de Designar
Apêndice
162
161 Uma leitura desse texto com certo detalhe é feita por (MAKKREEL, 2001).
162 Von der Einbildungskraft
Von dem Sinnlichen Dichtungsvermögen nach seinen verschiedenen Arten
A. Von dem Sinnlichen Dichtungsvermögen der Bildung
103
O primeiro parágrafo dessa seção dedicada à capacidade de imaginação é o que mais nos
interessa, pois é onde ele diferencia a capacidade de imaginação produtiva e reprodutiva:
A capacidade de imaginação (facultas imaginandi), como uma faculdade de intuição sem a presença do objeto,
é ou produtiva, isto é, uma faculdade da exibição originária (exhibitio originaria) do último, a qual, portanto,
precede a experiência; ou reprodutiva, derivada (exhibitio derivativa), a qual recupera para a mente uma
intuição empírica uma intuição que se deu anteriormente (AP 54)
163
.
Essa é a definição mais explícita, abrangente e coerente de capacidade de imaginação
produtiva que ele nos oferece mesmo considerando-se toda a sua produção. Contudo, por estarmos
em sua antropologia, mais à frente ele toma essa distinção em seu âmbito empírico:
A capacidade de imaginação é (em outras palavras) ou autora (produtiva) ou simplesmente recuperadora
(reprodutiva). Porém, ainda assim a produtiva não é por isso criadora, quer dizer, capaz de produzir uma
representação sensível que nunca tenha sido dada a nossa faculdade de sentir; pelo contrário, pode-se sempre
comprovar a matéria de que se produzem (Id. Ibid.)
164
.
E, desse modo, ele situa o tipo de produtividade da capacidade de imaginação que lhe
interessará nesse momento: “A capacidade de imaginação enquanto produz também imaginações
involuntárias, chama-se fantasia” (Id. Ibid.)
165
.
Com efeito, é somente da capacidade de imaginação empírica que ele tratará na
Antropologia do Ponto de Vista Pragmático. É às propriedades e limitações empíricas dessa
capacidade que ele se dedicará. E por isso, ofereceremos aqui apenas uma visão sucinta desse texto.
Por exemplo, Kant demora-se bastante ao discorrer sobre as propriedades das substâncias
produtoras de embriaguez em relação ao apaziguamento da capacidade de imaginação, chegando ao
ponto de diferenciar as modificações ocorridas na medida em que se utilize ópio, vinho ou cerveja
isto é, se uma torna falante, outra suscita sinceridade ou intemperança e por aí vai.
Mais à frente 30) ele nos diz: “A originalidade (produção não imitada) da capacidade de
imaginação, se concordante com os conceitos, chama-se gênio; se não concorda com eles, delírio
(AP 59)
166
. Parte, contudo, a uma discussão da habilidade da capacidade de imaginação em completar
B. Von dem Sinnlichen Dichtungsvermögen der Beigesellung
C. Das sinnliche Dichtungsvermögen der Verwandtschaft
Von dem Vermögen der Vergegenwärtigung des Vergangenen und Künftigen durch die Einbildungskraft
A. Vom Gedächtniß
B. Von dem Vorhersehungsvermögen
C. Von der Wahrsagergabe
Von der unwillkürlichen Dichtung im gesunden Zustande,d.i. vom Traume
Von dem Bezeichnungsvermögen
Anhang
163 Die Einbildungskraft (facultas imaginandi), als ein Vermögen der Anschauungen auch ohne Gegenwart des
Gegenstandes, ist entweder productiv, d. i. ein Vermögen der ursprünglichen Darstellung des letzteren (exhibitio
originaria), welche also vor der Erfahrung vorhergeht; oder reproductiv, der abgeleiteten (exhibitio derivativa), welche
eine vorher gehabte empirische Anschauung ins Gemüt zurückbringt”(AP 54).
164 Die Einbildungskraft ist (mit andern Worten) entweder dichtend (productiv), oder bloss zurückrufend
(reproductiv). Die productive aber ist dennoch darum eben nicht schöpferisch, nämlich nicht vermögend, eine
Sinnenvorstellung, die vorher unserem Sinnesvermögen nie gegeben war, hervorzubringen, sondern man kann den Stoff
zu derselben immer nachweisen” (Id. Ibid.).
165 “Die Einbildungskraft, sofern sie auch unwillkürlich Einbildungen hervorbringt, heißt Phantasie” (Id. Ibid.).
166 Die Originalität (nicht nachgeahmte Production) der Einbildungskraft, wenn sie zu Begriffen zusammenstimmt,
104
idéias ou objetos com intuições experimentadas, p.ex., à noção de ente racional sempre
associamos a figura de um homem; outro exemplo: quando se conta a história de um homem
talentoso, involuntariamente o imaginamos como possuindo grande estatura; ainda outro: a
propriedade que figuras movimentadas porém sem significação (uma chama ou a música a quem
não é musicalizado) têm de despertar pensamentos insuspeitos, etc..
Na subseção “Das Faculdades de Fantasiar Sensíveis segundo suas Diferentes Espécies”
(“Von dem Sinnlichen Dichtungsvermögen nach seinen verschiedenen Arten”), ele nos diz:
três espécies diferentes de faculdades de fantasiar sensíveis. Essas são a formadora da intuição no espaço
(imaginatio plastica), a associativa da intuição no tempo (imaginatio associans) e a afinidade proveniente da
origem comum das representações umas das outras (affinitas) (AP 64)
167
.
Da primeira, a faculdade de fantasiar sensível formadora, ele nos diz que:
Antes que o artista possa exibir uma figura corpórea (por assim dizer, tangivelmente), precisa primeiramente
tê-la acabado na capacidade de imaginação, e essa figura é então ficção, a qual, quando é involuntária (como,
por exemplo, em sonho) chama-se Fantasia e não pertence ao artista; quando, porém, é regulada pela vontade
se chama composição, invenção (AP 61-2)
168
.
No caso da composição, uma ulterior distinção entre as imagens que o artista cria, qual
seja, entre as naturais (semelhantes a obras da natureza) e as não-naturais, de “figuras
monstruosas”- ao que tudo indica, podemos inferir que as imaginações não-naturais são apenas
combinações e modificações das naturais, p.ex., minotauro, montanha de ouro etc..
Quanto aos sonhos, Kant nos diz que parece necessário a todos os animais (e até mesmo às
plantas, “por analogia com os animais”) para recobrar as energias gastas durante a vigília por
relaxar a faculdade de percepções externas; e é necessário ainda por não deixar a força vital se
extinguir durante o sono.
Ao tratar da faculdade de fantasiar sensível associativa Kant nos apresenta a lei da
associação: “as representações empíricas que se sucederam freqüentemente provocam no espírito
um hábito de fazer surgir uma quando se produz a outra” (AP 63)
169
. E passa a tratar da
impossibilidade de uma explicação fisiológica disso e, depois, da velocidade e sofisticação com
que procedemos a essas associações.
Da afinidade ele nos diz que é “a união nascida da descendência de várias coisas a partir de
um mesmo princípio” (Id. Ibid.)
170
. E em explanação disso discute a necessidade de que em uma
heißt Genie; stimmt sie dazu nicht zusammen, Schwärmerei” (AP 59).
167 “Es giebt drei verschiedene Arten des sinnlichen Dichtungsvermögens. Diese sind das bildende der Anschauung im
Raum (imaginatio plastica), das beigesellende der Anschauung in der Zeit (imaginatio associans) und das der
Verwandtschaft aus der gemeinschaftlichen Abstammung der Vorstellungen von einander (affinitas)” (AP 64).
168 Ehe der Künstler eine körperliche Gestalt (gleichsam handgreiflich) darstellen kann, muss er sie in der
Einbildungskraft verfertigt haben, und diese Gestalt ist alsdann eine Dichtung, welche, wenn sie unwillkürlich ist (wie
etwa im Traume) Phantasie heisst und nicht dem Künstler angehört; wenn sie aber durch Willkür regiert wird,
Komposition, Erfindung gennant wird” (AP 61-2).
169 “[E]mpirische Vorstellungen, die nacheinander oft folgeten, bewirken eine Angewohnheit im Gemüt, wenn die eine
erzeugt wird, die andere auch entstehen zu lassen” (AP 63).
170 “[D]ie Vereinigung aus der Abstammung des Mannigfaltigen von einem Grunde” (Id. ibid.).
105
conversação se trate de temas afins até que se esgote completamente um assunto, e então, após
uma pausa, proponha-se um outro motivo ao diálogo. Isso, porque, diz ele, em uma conversação a
capacidade de imaginação segue mais as leis da sensibilidade do que as do entendimento, e desse
modo se verifica a associação sem a consciência de suas regras embora conforme ao
entendimento, mas não como derivada dele.
Em desdobramento dos poderes dessas faculdades, Kant se dedica a temas como a limitação
da capacidade de fantasia a pensar sempre um ser racional como humano; a força da capacidade de
imaginação sobre o ânimo, p.ex, ao provocar vertigens; o poder da nostalgia provocada pelas
imaginações da terra natal e da infância; da capacidade de empatia e simpatia que a capacidade de
imaginação nos faculta; e o hábito de ficcionar relatos, constante nas crianças e freqüente nos
adultos, segundo Kant.
Na subseção “Da Faculdade de se Representar o Passado e o Futuro através da Capacidade
de Imaginação” (“Von dem Vermögen der Vergegenwärtigung des Vergangenen und Künftigen
durch die Einbildungskraft”), Kant começa mostrando o que de comum entre essas duas
habilidades:
A faculdade de representar-se de propósito o passado é a faculdade de recordar, e a faculdade de representar-
se algo como futuro, é a faculdade de prever. Enquanto sensíveis, ambas se fundam na associação das
representações do estados passado e futuro do sujeito com o presente e ainda que não sejam em si
percepções, servem de ligação das percepções no tempo, isto é, para ligar o que não é com o que ainda não
é, através do é presente (AP 69)
171
.
Seu próximo passo é tratar das três capacidades em que essa faculdade se divide: a memória,
a faculdade de prever e o dom de adivinhar. Da memória ele nos diz que ela “se diferencia da
capacidade de imaginação meramente reprodutiva no fato de que pode reproduzir voluntariamente a
representação passada e então a mente não é aí, portanto, um mero joguete da capacidade de
imaginação” (AP 69-70)
172
. Diz ainda que suas perfeições formais se baseiam em fixar algo,
reproduzi-lo facilmente, retê-lo tempo bastante e que a fantasia não deve influenciar a memória sob
pena de produzir infidelidade. E segue falando da dificuldade de coincidirem as perfeições formais
e dos métodos para desenvolver a memória – das dificuldades desse desenvolvimento.
Sobre a faculdade de prever ele é taxativo: “[p]ossuir essa faculdade interessa mais do que
qualquer outra, pois ela é a condição de toda ação possível e dos fins a que o homem endereça o
171 “Das Vermögn sich vorsätzlich das Vergangene zu vergegenwärtigen ist das Erinnerungsvermögen und das
Vermögen sich Etwas als zukünftig vorzustellen das Vorhersehungsvermögen. Beide gründen sich, sofern sie sinnlich
wird, auf die Assoziation der Vorstellungen des vergangenen und künftigen Zustandes des Subjekts mit dem
gegenwärtigen, und obgleich nicht selbst Wahrnehmungen, dienen sie zur Verknünpfung der Wahrnehmungen in der
Zeit, das, was nicht mehr ist, mit dem, was noch nicht ist, durch das, was gegenwärtig ist, in einer
ausammenhangenden Erfahrung zu verknünpfen” (AP 69).
172 “[I]st von der bloss reprodutiven Einbildungskraft darin unterschieden, dass es die vormalige Vorstellung
willkürlich zu repoduzieren vermögend, das Gemüt also nicht ein blosses Spiel von jener ist” (AP 69-70).
106
emprego de suas forças” (AP 76)
173
. Por exemplo, todo desejo encerra uma previsão do que é
possível ou a atenção ao passado que sempre serve para dirigir a previsão. A previsão empírica,
segundo Kant, é a expectativa de casos análogos e não implica o conhecimento racional de causas e
efeitos, mas apenas a lembrança de como se dão costumeiramente os acontecimentos passados e
quanto mais se exercita essa expectativa, mais habilidade nela se desenvolve. Essa capacidade se
divide em pressentimento e presunção, segundo seja um sentido misterioso do que ainda não é
presente ou uma consciência do futuro a partir da reflexão sobre a lei da causalidade (AP 77),
respectivamente. Para Kant, os pressentimentos são impossíveis pois não se pode sentir o que ainda
não é.
O mais importante na seção acerca do dom de adivinhar, são as seguintes distinções que
Kant promove :
Prever, predizer e adivinhar diferenciam-se nisto: que o primeiro é o prever segundo as leis da experiência
(quer dizer, naturalmente), o segundo é o prever contra as leis da experiência (antinaturalmente), mas o
terceiro é ou ou obtido por inspiração de uma causa distinta da natureza (sobrenaturalmente); essa capacidade,
uma vez que parece provir da influência de um deus, é a que se chama propriamente faculdade de adivinhar
(pois impropriamente chama-se também adivinhação toda averiguação sagaz do futuro) (AP 78)
174
.
Em seguida, na pequena subseção intitulada “Das Ficções Involuntárias no Estado de Saúde,
i.e., do Sonho” (“Von der unwillkürlichen Dichtung im gesunden Zustande, d.i. vom Traume”),
Kant nos oferece algumas palavras sobre os sonhos como uma agitação natural dos órgãos internos
causada pela capacidade de imaginação.
Na última subseção, aquela sobre a faculdade de designar, Kant discorre acerca das figuras
das coisas na medida em que se limitam a servir de meios à representação por conceitos, quer dizer,
como símbolos. E se serve disso para dizer que são místicos os que tomam os fenômenos reais
como símbolo de um mundo inteligível que lhe estaria por detrás (ao invés de tomar como o
simbólico do intelectual as representações dos conceitos referentes à moralidade que constituem a
essência de toda religião). E termina com uma taxonomia dos signos.
E o apêndice serve a Kant para tratar da confusão entre os signos e as coisas, gerando toda
sorte de misticismos, p.ex., no que diz respeito a certos números.
É isso que Kant oferece sobre a capacidade de imaginação na Antropologia. Como se pôde
ver, algo bastante distante da capacidade de imaginação produtiva que nos interessa; e mesmo no
que tange à capacidade de imaginação empírica em relação à epistemologia, uma elaboração bem
173 Dieses Vermögen zu besitzen interessiert mehr als jedes andere: weil es die Bedingung aller möglichen Praxis
und der Zwecke ist, worauf der Mensch den Gebrauch seiner Kräfte bezieht” (AP 76).
174 “Vorhersagen, Wahrsagen und Weissagen sind darin unterschieden: daß das erstere ein Vorhersehen nach
Erfahrungsgesetzen (mithin natürlich), das zweite den bekannten Erfahrungsgesetzen entgegen (widernatürlich), das
dritte aber Eingebung einer von der Natur unterschiedenen Ursache (übernatürlich) ist, oder dafür gehalten wird,
deren Fähigkeit, weil sie von dem Einflusse eines Gottes herzurühren scheint, auch das eigentliche
Divinationsvermögen genannt wird (denn uneigentlich wird jede scharfsinnige Errathung des Künftigen auch
Divination genannt)” (AP 78).
107
mais simplória do que a que observamos no período pré-crítico.
Voltemos então à capacidade de imaginação transcendental. Observemo-la no juízo sobre o
sublime, onde ela se comporta de maneira bem diferente do que no juízo sobre o belo.
4.3. A Capacidade de Imaginação na Analítica do Sublime
175
Como o belo, o sublime apraz por si próprio, não pressupõe nem juízo lógico determinante
nem dos sentidos e sim um juízo de reflexão, daí que sua complacência não se ligue à sensação nem
a conceito determinado e ainda assim se refere a conceitos (sem determinar quais)
por conseguinte, a complacência está vinculada à simples exibição ou à faculdade de exibição, de modo que
essa faculdade ou a faculdade de imaginação é considerada, em uma intuição dada, em concordância com a
faculdade dos conceitos do entendimento ou da razão, como promoção desta última (KU 74, 89)
176
.
E ainda, semelhantemente ao belo, o juízo sobre o sublime é também singular, mas anuncia-
se como universalmente válido com respeito a cada sujeito reivindicando, porém, apenas o
sentimento de prazer, não o conhecimento do objeto.
Por outro lado, o sublime diferencia-se bastante do belo. Eis algumas dessas diferenças:
1) o belo natural concerne à forma do objeto, que é a limitação; o sublime, além de
encontrar-se nos objetos limitados, é encontrado ainda em objetos sem forma que
representem uma ilimitação pensada em sua totalidade;
2) assim, o belo é considerado a exibição de um conceito indeterminado do entendimento e
o sublime uma exibição de um conceito indeterminado da razão;
3) logo, no primeiro a complacência é ligada à representação de uma qualidade e no
segundo à de uma quantidade;
4) se o belo implica diretamente um sentimento de promoção da vida vinculando a atrativos,
o sentimento do sublime como é produzido pelo sentido de uma inibição momentânea
das forças vitais e sua consecutiva efusão ainda mais poderosa é apenas indiretamente
um prazer;
5) por ligar-se à promoção da vida e a atrativos, o belo traz em si uma “capacidade de
imaginação lúdica” (KU 75, 90) e o sublime uma “seriedade na ocupação da capacidade
de imaginação” (Id. ibid.), pois que implica inibição e efusão poderosa das forças vitais.
6) o prazer no sublime deve ser entendido como um prazer negativo, pois é uma admiração
ou respeito, uma vez que não se é simplesmente atraído pelo objeto, mas sempre atraído
175 Sobre a capacidade de imaginação no contexto do juízo sobre o sublime, cf. (LEBRUN: 1970 563-96)
176 [M]ithin das Wohlgefallen an der bloßen Darstellung oder dem Vermögen derselben geknüpft ist, wodurch das
Vermögen der Darstellung, oder die Einbildungskraft, bei einer gegebenen Anschauung mit dem Vermögen der
Begriffe des Verstandes oder der Vernunft, als Beförderung der letztern, in Einstimmung betrachtet wird” (KU 78, 89).
108
e repelido sucessivamente.
7) o belo natural apresenta uma conformidade a fins em sua forma com o que o objeto
parece predeterminado à nossa faculdade de juízo e, logo, é por si um objeto de
complacência; o que produz o sublime, porém, pode quanto à forma parecer contrário a
fins para nossa faculdade de juízo: “inconveniente à nossa faculdade de exibição e, por
assim dizer, violento para a capacidade de imaginação, mas apesar disso e por isso é
julgado como tanto mais sublime” (KU 76, 90)
177
.
O sublime não está em formas sensíveis, mas concerne sim idéias da razão que, ainda que
não possibilitem uma exibição adequada, são evocadas e avivadas na mente justamente por essa
inadequação, que, ela sim, se deixa exibir sensivelmente. Provocando, desse modo, um sentimento
que é ele mesmo sublime e fazendo com que a mente seja levada a abandonar a sensibilidade e
ocupar-se com idéias que possuem uma conformidade a fins superior. Por isso, a oitava diferença:
8) se do belo temos que encontrar um fundamento fora de nós, qual seja, o objeto que
chamaremos “belo”; do sublime procuraremos o fundamento simplesmente em nós.
Tudo isso não impede que, como no belo, a complacência no sublime como juízo de
estético-reflexivo tem que representar segundo a quantidade de modo universalmente válido; quanto
à qualidade, sem interesse; no que toca à relação, representar uma conformidade a fins subjetiva; e
segundo a modalidade, como necessária.
Uma nona diferença faz com que a investigação kantiana do sublime divida-se em duas:
9) o sentimento do sublime traz em si um movimento da mente ligado ao ajuizamento do
objeto, o do belo a deixa em serena contemplação.
Como o sublime, no final das contas, apraz, esse movimento deve ser ajuizado como
subjetivamente conforme a fins e por isso referido pela capacidade de imaginação à faculdade de
conhecimento ou à de apetição – contudo, em ambos os casos, sem fim ou interesse. O movimento é
referido à faculdade de conhecimento quando atribui-se ao objeto uma disposição matemática, e
tem-se o sublime matemático. E o movimento é atribuído à faculdade de apetição quando atribui-se
uma dinâmica da capacidade de imaginação ao objeto, o que faz surgir o sublime dinâmico.
Comecemos pelo sublime matemático.
Segundo Kant, se tratarmos o sublime como o absolutamente grande, devemos ter em conta
que “grande” e “grandeza” são conceitos distintos e “ser grande” e “ser absolutamente grande” são
diferentes.
Segundo Kant, quando se diz que um objeto é grande não se está fazendo um juízo
177 “[U]nangemessen unserm Darstellungsvermögen, und gleichsam gewalttätig für die Einbildungskraft erscheinen
mag, aber dennoch nur um desto erhabener zu sein geurteilt wird” (KU 76, 90).
109
determinante, mas um simples juízo de reflexão sobre sua representação; e ligamos então à
representação uma espécie de respeito. Mas se denominamos algo absolutamente em todos os
sentidos e acima de toda a comparação grande, isto é, sublime, nele encontramos sua medida.
Por isso, devemos procurar o sublime não nas coisas da natureza, mas em nossas idéias (KU 84,
96).
A simples grandeza do objeto, mesmo quando sem forma, pode provocar uma complacência
comunicável universalmente e que, assim, contém a consciência de uma conformidade a fins
subjetiva no uso da faculdade do conhecimento; uma complacência não como no belo em que
uma conformidade a fins em referência ao objeto em geral, mas uma complacência na
conformidade advinda da ampliação da capacidade de imaginação em si mesma, que ensejo a
uma ligação com a razão:
precisamente pelo fato de que em nossa capacidade de imaginação encontra-se uma aspiração ao progresso até
o infinito, e em nossa razão, porém, uma pretensão à totalidade absoluta como a uma idéia real, mesmo aquela
inadequação a esta idéia de nossa faculdade de avaliação da grandeza das coisas do mundo dos sentidos
desperta o sentimento de uma faculdade supra-sensível em nós; e o que é absolutamente grande não é, porém,
o objeto dos sentidos, e sim o uso que a faculdade do juízo naturalmente faz de certos objetos para o fim
daquele (sentimento), com respeito ao qual, todavia, todo outro uso é pequeno. Por conseguinte, o que deve
denominar-se sublime não é o objeto e sim a disposição de espírito através de uma certa representação que
ocupa a faculdade de juízo reflexiva.
Podemos, pois, acrescentar às fórmulas precedentes de definição do sublime ainda esta: o sublime é o que
somente pelo fato de poder também pensá-lo, prova uma faculdade do ânimo que ultrapassa todo padrão de
medida dos sentidos (KU 85, 96)
178
.
Segundo Kant, embora a avaliação das grandezas através de conceitos numéricos seja
matemática, sua avaliação na simples intuição é estética. De modo que a avaliação da grandeza da
medida fundamental tem que consistir no fato de poder captá-la imediatamente em uma intuição e,
através da capacidade de imaginação, utilizá-la para a exibição dos conceitos numéricos. Quer
dizer, no fim das contas, toda avaliação das grandezas dos objetos da natureza é estética (isto é,
determinada subjetivamente, e não objetivamente) (KU 85, 96).
Se, uma vez que os números são infinitos, para a avaliação matemática das grandezas não
existe um máximo, certamente ele existe para a avaliação estética. O sublime existe quando esse
máximo é ajuizado como medida absoluta.
E Kant é bastante explícito no que toca ao papel desempenhado pela capacidade de
imaginação nesse processo:
178 “[E]ben darum, daß in unserer Einbildungskraft ein Bestreben zum Fortschritte ins Unendliche, in unserer
Vernunft aber ein Anspruch auf absolute Totalität als auf eine reelle Idee liegt : ist selbst jene Unangemessenheit
unseres Vermögens der Größenschätzung der Dinge der Sinnenwelt für diese Idee, die Erweckung des Gefühls eines
übersinnlichen Vermögens in uns ; und der Gebrauch, den die Urteilskraft von gewissen Gegenständen zum Behuf des
letzteren (Gefühls) natürlicherweise macht, nicht aber der Gegenstand der Sinne, ist schlechthin groß, gegen ihn aber
jeder andere Gebrauch klein. Mithin ist die Geistesstimmung, durch eine gewisse die reflektierende Urteilskraft
beschäftigende Vorstellung, nicht aber das Objekt, erhaben zu nennen.
Wir können also zu den vorigen Formeln der Erklärung des Erhabenen noch diese hinzutun: Erhaben ist, was auch
nur denken zu können ein Vermögen des Gemüts beweiset, das jeden Maßstab der Sinne übertrifft” (KU 85, 96).
110
Admitir intuitivamente um quantum na capacidade de imaginação, para poder utilizá-lo como medida ou como
unidade para a avaliação da grandeza por números, implica duas ações dessa faculdade: apreensão
(apprehensio) e compreensão (comprehensio aesthetica). Com a apreensão isso não é difícil, pois com ela
pode-se ir até o infinito: mas a compreensão torna-se sempre mais difícil quanto mais a apreensão avança e
atinge logo o seu máximo, a saber, a medida fundamental esteticamente-máxima da avaliação das grandezas.
Pois quando a apreensão chegou tão longe, a ponto de as representações parciais da intuição sensorial, primeiro
apreendidas, começarem a extinguir-se na capacidade de imaginação, enquanto esta avança na apreensão de
outras representações, então ela perde de um lado tanto quanto ganha de outro e na compreensão um
máximo que ela não pode exceder (KU 87, 97-8)
179
.
O sublime é então esse sentimento de uma inadequação da capacidade de imaginação à
exposição da idéia de um todo, porque se dissolvem em parte as primeiras representações antes que
ela acolha as últimas, fazendo com que a compreensão não se complete, e assim a capacidade de
imaginação atinge seu máximo, e na ânsia de ampliá-lo, recai em si e assim em uma comovedora
complacência (KU 88, 98).
Por isso, para Kant, a natureza é sublime em seus fenômenos cuja intuição comporta a idéia
de sua infinitude (KU 93, 101). E isso só ocorre pela inadequação do esforço máximo da capacidade
de imaginação na avaliação da grandeza de um objeto. Se a capacidade de imaginação é capaz de
avaliar matematicamente a grandeza de cada objeto porque os conceitos numéricos do entendimento
adequam toda medida a cada grandeza dada através da progressão (KU 91, 100), isso fornece a
compreensão lógica. A compreensão estética que possibilita a avaliação estética da grandeza é que
comporta um esforço de compreensão que ultrapassa a capacidade de imaginação em conceber a
apreensão progressiva em um todo das intuições. E o sentimento desse esforço e da inadequação da
capacidade de imaginação é que conduz ao substrato supra-sensível do conceito de natureza que,
como idéia de um todo absoluto, deveria ser a medida fundamental à capacidade de imaginação;
mas, obviamente, é impossível a totalidade absoluta de um progresso sem fim. Esse substrato supra-
sensível é grande acima de todo padrão de medida dos sentidos e, por isso, ajuiza-se como sublime
não o objeto, mas a disposição de ânimo na avaliação do mesmo.
E é desse movimento que advém a ligação da capacidade de imaginação com a razão:
Portanto, do mesmo modo como a faculdade de juízo estética no ajuizamento do belo refere a capacidade de
imaginação, em seu jogo livre, ao entendimento para concordar com seus conceitos em geral (sem
determinação dos mesmos), assim no ajuizamento de uma coisa como sublime ela refere a mesma faculdade à
razão para concordar subjetivamente com suas idéias sem (determinar quais), isto é, para produzir uma
disposição de ânimo que é conforme e compatível com aquela que a influência de determinadas idéias
(práticas) efetuaria sobre o sentimento (KU 95, 102)
180
.
179 Anschaulich ein Quantum in die Einbildungskraft aufzunehmen, um es zum Maße, oder, als Einheit, zur
Größenschätzung durch Zahlen brauchen zu können, dazu gehören zwei Handlungen dieses Vermögens: Auffassung
(apprehensio), und Zusammenfassung (comprehensio aesthetica). Mit der Auffassung hat es keine Not : denn damit
kann es ins Unendliche gehen ; aber die Zusammenfassung wird immer schwerer, je weiter die Auffassung fortrückt,
und gelangt bald zu ihrem Maximum, nämlich dem ästhetisch-größten Grundmaße der Größenschätzung. Denn, wenn
die Auffassung so weit gelanget ist, daß die zuerst aufgefaßten Teilvorstellungen der Sinnenanschauung in der
Einbildungskraft schon zu erlöschen anheben, indes daß diese zu Auffassung mehrerer fortrückt ; so verliert sie auf
einer Seite ebensoviel, als sie auf der anderen gewinnt, und in der Zusammenfassung ist ein Größtes, über welches sie
nicht hinauskommen kann” (KU 87, 97-8).
180 “Also, gleichwie die ästhetische Urteilskraft in Beurteilung des Schönen die Einbildungskraft in ihrem freien Spiele
111
Como dissemos, na representação do sublime o ânimo sente-se movido, na mesma medida
em que no juízo estético sobre o belo ele está em tranqüila contemplação. Esse movimento pode ser
comparado a um abalo, isto é, a uma rápida alternância entre atração e repulsão do mesmo objeto
(KU 98, 104). Assim, o excessivo para a capacidade de imaginação é um abismo em que ela mesma
teme perder-se. Mas isso não é excessivo para a idéia racional do suprasensível, a ela é sim
conforme a leis produzir esse esforço da capacidade de imaginação; logo, à razão é atraente o que à
sensibilidade é repulsivo.
Contudo, ainda que a razão esteja em jogo, o juízo continua sendo somente estético, pois
não tem como fundamento um conceito determinado do objeto e assim representa como harmônico
apenas o jogo subjetivo das faculdade do ânimo (capacidade de imaginação e razão), ainda que
através de seu contraste. Quer dizer, do mesmo modo que a capacidade de imaginação e o
entendimento produziam no ajuizamento sobre o belo através de sua concordância; aqui, capacidade
de imaginação e razão produzem através de seu conflito uma conformidade a fins das faculdades do
ânimo: um sentimento de que possuímos uma razão pura, uma faculdade de avaliação da grandeza,
a excelência da qual pode ser intuída através da insuficiência da capacidade de imaginação na
exibição das grandezas. A mesma violência feita ao sujeito através da capacidade de imaginação é
ajuizada como conforme a fins com respeito à destinação inteira do ânimo (KU 100, 105).
Isso compreendido, passemos ao sublime dinâmico.
Para Kant, poder (Macht) é a faculdade de se sobrepor a grandes obstáculos e se chama
força (Gewalt) quando se sobrepõe sobre aquilo que também possui poder. A natureza é
dinamicamente sublime na medida em que ela suscita medo em nós ao considerarmos a fraqueza de
nosso poder de resistir diante dela. Assim, o espetáculo da natureza se torna tanto mais atraente
quanto mais terrível é, contanto que nos encontremos em segurança (KU 104, 107). Chamamos a
esses objetos de “sublimes” porque elevam a fortaleza da alma acima de seu nível médio,
permitindo descobrir em nós uma faculdade de resistência de espécie totalmente diversa, que nos
encoraja a medir-nos com a aparente onipotência da natureza.
Logo, se no sublime matemático, ao encontrarmos nossa limitação na incomensurabilidade
da natureza e na insuficiência da nossa capacidade de imaginação para tomar a totalidade como
padrão de medida para a avaliação estética da grandeza, encontramos em nossa faculdade de razão
um padrão de medida não sensível que tem como unidade a própria infinitude, em confronto com o
qual tudo na natureza é pequeno e assim encontramos em nosso ânimo uma superioridade sobre a
auf den Verstand bezieht, um mit dessen Begriffen überhaupt (ohne Bestimmung derselben) zusammenzustimmen ; so
bezieht sich dasselbe Vermögen in Beurteilung eines Dinges als erhabenen auf die Vernunft, um zu deren Ideen
(unbestimmt welchen) subjektiv übereinzustimmen, d. i. eine Gemütsstimmung hervorzubringen, welche derjenigen
gemäß und mit ihr verträglich ist, die der Einfluß bestimmter Ideen (praktischer) auf das Gefühl bewirken würde (KU
95, 102).
112
própria natureza em sua incomensurablidade; no sublime dinâmico, o poder irresistível da natureza
aponta nossa impotência física, mas descobre por isso mesmo uma faculdade de ajuizar-nos como
independentes da, e superiores à, natureza (KU 104-5, 107-8). Com isso, a natureza não é sublime
em nosso juízo estético porque provoca medo, mas porque convoca nossa força (que não é natureza)
para considerar pequeno aquilo com o que nos preocupamos (bens, saúde e vida), não considerando
seu poder como uma força à qual devemos nos curvar no que tange nossos mais altos princípios, e a
afirmação ou abandono deles (KU 105, 108). Enfim, a natureza é dinamicamente sublime porque
eleva a capacidade de imaginação à exibição dos casos nos quais o ânimo torna passível de ser
sentida a sublimidade de sua destinação, acima da natureza (Id. ibid.).
Sobre a modalidade do juízo sobre o sublime na natureza, sua necessidade, Kant nos diz que
não devemos iludir-nos sobre a adesão de outros, pois ele parece exigir uma cultura bem mais vasta
da faculdade de juízo estética e da faculdade do conhecimento do que o juízo sobre o belo.
A disposição de ânimo para o sentimento do sublime exige uma receptividade do mesmo para idéias; pois
precisamente na inadequação da natureza às últimas, por conseguinte sob a pressuposição das mesmas e do
esforço da capacidade de imaginação em tratar a natureza como um esquema para as idéias, consiste o
terrificante para a sensibilidade, o qual, contudo, é ao mesmo tempo atraente; porque ele é uma violência que a
razão exerce sobre a capacidade de imaginação somente para ampliá-la convenientemente para o seu domínio
próprio (o prático) e proporcionar-lhe uma perspectiva para o infinito, que para ela é um abismo. Na verdade,
aquilo que nós, preparados pela cultura, chamamos sublime, sem desenvolvimento de idéias morais exibir-se-á
ao homem inculto simplesmente de um modo terrificante (KU 110-1, 111)
181
.
Apesar disso, segundo Kant, a disposição ao sentimento de idéias práticas, o sentimento
moral, tem seu fundamento na natureza humana.
Sobre isso funda-se então a necessidade de assentimento do juízo de outros com o nosso acerca do sublime, a
qual ao mesmo tempo incluímos nesse juízo. Pois assim como censuramos de carência de gosto aquele que é
indiferente ao ajuizamento de um objeto da natureza que achamos belo, assim dizemos que não tem nenhum
sentimento aquele que permanece inerte junto ao que julgamos ser sublime. Exigimos, porém, ambas as
qualidades de cada homem e também as pressupomos nele se ele tem alguma cultura; com a diferença apenas
de que exigimos a primeira terminantemente de qualquer um, porque a faculdade do juízo refere a
capacidade de imaginação apenas ao entendimento como faculdade dos conceitos; a segunda, porém, porque
ela refere a capacidade de imaginação à razão como faculdade das idéias, exigimos somente sob uma
pressuposição subjetiva (que porém nos cremos autorizados a poder imputar a qualquer um), ou seja, a do
sentimento moral no homem, e com isso também atribuímos necessidade a este juízo estético (KU 112, 112)
182
.
181 Die Stimmung des Gemüts zum Gefühl des Erhabenen erfordert eine Empfänglichkeit desselben für Ideen ; denn
eben in der Unangemessenheit der Natur zu den letztern, mithin nur unter der Voraussetzung derselben und der
Anspannung der Einbildungskraft, die Natur als ein Schema für die letztern zu behandeln, besteht das Abschreckende
für die Sinnlichkeit, welches doch zugleich anziehend ist : weil es eine Gewalt ist, welche die Vernunft auf jene ausübt,
nur um sie ihrem eigentlichen Gebiete (dem praktischen) angemessen zu erweitern, und sie auf das Unendliche
hinausgehen zu lassen, welches für jene ein Abgrund ist. In der Tat wird ohne Entwickelung sittlicher Ideen das, was
wir, durch Kultur vorbereitet, erhaben nennen, dem rohen Menschen bloß abschreckend vorkommen(KU 110-1, 111).
Como curiosidade, pois não poderemos nos estender sobre o assunto, chamamos a atenção ao trecho em que Kant toma
o esquematismo como modelo: “esforço da capacidade de imaginação em tratar a natureza como um esquema para as
idéias”.
182 “Hierauf gründet sich nun die Notwendigkeit der Beistimmung des Urteils anderer vom Erhabenen zu dem
unsrigen, welche wir in diesem zugleich mit einschließen. Denn, so wie wir dem, der in der Beurteilung eines
Gegenstandes der Natur, welchen wir schön finden, gleichgültig ist, Mangel des Geschmacks vorwerfen ; so sagen wir
von dem, der bei dem, was wir erhaben zu sein urteilen, unbewegt bleibt, er habe kein Gefühl. Beides aber fordern wir
von jedem Menschen, und setzen es auch, wenn er einige Kultur hat, an ihm voraus : nur mit dem Unterschiede, daß
wir das erstere, weil die Urteilskraft darin die Einbildung bloß auf den Verstand, als Vermögen der Begriffe, bezieht,
113
Mas a complacência no objeto depende da relação na qual colocamos a capacidade de
imaginação em que ela entretenha por si o ânimo em ocupação livre, pois se uma sensação ou
conceito determinar o juízo, ela é conforme a leis, mas não o juízo de uma livre faculdade do juízo.
A capacidade de imaginação, quando opera segundo a lei da associação, torna o nosso estado de contentamento
fisicamente independente; mas a mesma quando opera segundo princípios do esquematismo da faculdade do
juízo (conseqüentemente enquanto subordinada à liberdade), é instrumento da razão e de suas idéias, como tal,
porém, é um poder de afirmar nossa independência contra as influências da natureza, de rebaixar como
pequeno o que de acordo com a primeira é grande e, deste modo, pôr o absolutamente grande somente em sua
própria destinação (isto é, do sujeito). Esta reflexão da faculdade do juízo estética para elevar-se à adequação
da razão (embora sem um conceito determinado da mesma) representa contudo o objeto como subjetivamente
conforme a fins, mesmo através da inadequação objetiva da capacidade de imaginação em sua máxima
ampliação em relação à razão (enquanto faculdade de idéias) (KU 118-9, 116)
183
.
Enfim, o sublime é simplesmente a relação em que o sensível na representação da natureza é
ajuizado como apto a um seu possível uso supra-sensível (KU 114, 113), aprazendo imediatamente
por sua resistência contra o interesse dos sentidos. De modo que se o belo nos prepara para amar
algo sem interesse, o sublime nos conduz a estimá-lo ainda que contra nosso interesse sensível.
Então, o sublime é um objeto da natureza cuja representação determina o ânimo a imaginar a
inacessibilidade da natureza como exibição de idéias (KU 115, 114).
Literal e logicamente, idéias não podem ser exibidas, porém, se ampliamos matemática ou
dinamicamente a capacidade de imaginação, então a ela se juntará a razão como faculdade de
independência da totalidade absoluta, produzindo o esforço do ânimo.
Este esforço e o sentimento da inacessibilidade da idéia à capacidade de imaginação são eles mesmos uma
exibição da conformidade a fins subjetiva de nosso ânimo no uso da capacidade de imaginação para sua
destinação supra-sensível e obrigam-nos a pensar subjetivamente a própria natureza em sua totalidade como
exibição de algo supra-sensível, sem poder realizar objetivamente essa exibição (KU 115-6, 114 trad.
modif.)
184
.
O prazer no belo implica uma certa liberalidade na maneira de pensar por causa da
independência da complacência do simples gozo dos sentidos, representando a liberdade através do
jogo das faculdades. A moralidade porém é uma ocupação legal onde a razão violenta a
sensibilidade; mas no juízo estético sobre o sublime, essa violência é representada como exercida
geradezu von jedermann ; das zweite aber, weil sie darin die Einbildungskraft auf Vernunft, als Vermögen der Ideen,
bezieht, nur unter einer subjektiven Voraussetzung (die wir aber jedermann ansinnen zu dürfen uns berechtigt
glauben), fordern, nämlich der des moralischen Gefühls im Menschen, und hiemit auch diesem ästhetischen Urteile
Notwendigkeit beilegen” (KU 112, 112).
183 Denn die Einbildungskraft nach dem Assoziationsgesetze macht unseren Zustand der Zufriedenheit physisch
abhängig; aber ebendieselbe nach Prinzipien des Schematisms der Urteilskraft (folglich sofern der Freiheit
untergeordnet), ist Werkzeug der Vernunft und ihrer Ideen, als solches aber eine Macht, unsere Unabhängigkeit gegen
die Natureinflüsse zu behaupten, das, was nach der ersteren groß ist, als klein abzuwürdigen, und so das Schlechthin-
Große nur in seiner (des Subjekts) eigenen Bestimmung zu setzen. Diese Reflexion der ästhetischen Urteilskraft, sich
zur Angemessenheit mit der Vernunft (doch ohne einen bestimmten Begriff derselben) zu erheben, stellt den
Gegenstand, selbst durch die objektive Unangemessenheit der Einbildungskraft, in ihrer größten Erweiterung für die
Vernunft (als Vermögen der Ideen) doch als subjektiv-zweckmäßig vor” (KU 118-9, 116).
184 Diese Bestrebung, und das Gefühl der Unerreichbarkeit der Idee durch die Einbildungskraft, ist selbst eine
Darstellung der subjektiven Zweckmäßigkeit unseres Gemüts im Gebrauche der Einbildungskraft für dessen
übersinnliche Bestimmung, und nötigt uns, subjektiv die Natur selbst in ihrer Totalität, als Darstellung von etwas
übersinnlichem, zu denken, ohne diese Darstellung objektiv zustande bringen zu können” (KU 115-6, 114 ).
114
pela própria capacidade de imaginação (KU 116-7, 115).
Por isso, a complacência no sublime é negativa e a do belo positiva. Pois no sublime um
sentimento da capacidade de imaginação privar-se a si própria da liberdade quando é determinada
conformemente a fins segundo uma lei diversa da do uso empírico. Assim, ela consegue uma
ampliação e um poder maior do que o que sacrifica, mas cujo fundamento está oculto a ela; ela
sente o sacrifício e a causa à qual é submetida (KU 117, 115)
Em conclusão a essa exibição superficial do juízo sobre o sublime. Podemos sumariar o
papel da capacidade de imaginação em juízo como a responsável por uma exibição negativa:
Não se deve recear que o sentimento do sublime venha a perder-se por um tal modo de exibição abstrato, que
em confronto com a sensibilidade é inteiramente negativo; pois a capacidade de imaginação, embora ela acima
do sensível não encontre nada sobre o que possa apoiar-se, precisamente por esta eliminação das barreiras da
mesma sente-se também ilimitada; e aquela abstração é, pois, uma exibição do infinito, a qual na verdade,
precisamente por isso, jamais pode ser outra coisa que uma exibição meramente negativa, que, entretanto,
alarga a alma (KU 124, 121)
185
.
Tendo então observado a capacidade de imaginação em três textos que não os que foram
escolhidos como nossos textos-base para a delimitação da capacidade de imaginação produtiva e
onde nos foram oferecidos diversos contrastes com os resultados dos capítulos precedentes de nosso
estudo, encontramo-nos em uma posição ainda mais segura para oferecermos um panorama da
capacidade de imaginação produtiva na “Analítica Transcendental” e na “Crítica da Faculdade do
Juízo Estética”.
4.4. A Capacidade de Imaginação Produtiva
186
Para caracterizar satisfatoriamente a capacidade de imaginação produtiva em Kant,
preliminarmente, precisamos esclarecer três pontos:
(1) Em Kant, capacidade de imaginação não é fantasia.
(2) Precisamos distinguir claramente, por um lado, a capacidade de imaginação reprodutiva,
e por outro, a capacidade de imaginação produtiva.
(3) E precisamos explicitar o caráter eminentemente transcendental da capacidade de
imaginação produtiva.
Antes de tudo, é preciso ter em mente que a capacidade de imaginação em Kant não se reduz
185 Man darf nicht besorgen, daß das Gefühl des Erhabenen durch eine dergleichen abgezogene Darstellungsart, die
in Ansehung des Sinnlichen gänzlich negativ wird, verlieren werde ; denn die Einbildungskraft, ob sie zwar über das
Sinnliche hinaus nichts findet, woran sie sich halten kann, fühlt sich doch auch eben durch diese Wegschaffung der
Schranken derselben unbegrenzt : und jene Absonderung ist also eine Darstellung des Unendlichen, welche zwar
ebendarum niemals anders als bloß negative Darstellung sein kann, die aber doch die Seele erweitert” (KU 124, 121).
186 Além dos citados no corpo do texto e dos indicados acerca das sínteses, dos esquematismos e do simbolismo,
especificamente sobre a capacidade de imaginação produtiva em Kant, indicamos: (AQUILA, 1981), (BARBERY,
1994), (STRAWSON, 1974), (YOUNG, 1988), (SELLARS, 1978) e (VERNEAUX, 1967-73: 109-33).
115
à fantasia. A partir do estudo feito sobre a capacidade de imaginação na Antropologia do Ponto de
Vista Pragmático, entende-se por fantasia o poder voluntário de entreter-se com imagens mentais
de modo a produzir ficções e o poder involuntário das imagens oníricas. Assim, a fantasia é um dos
tipos de produção de imagens mentais ou imaginações (Einbildungen) pela capacidade de
imaginação, e figura entre os mais empíricos por isso, Kant não trata da fantasia na Crítica da
Razão Pura nem na Crítica do Juízo, mas sim na Antropologia do Ponto de Vista Pragmático.
Logo, a fantasia é um dos produtos da capacidade de imaginação; e de modo algum esta se reduz
àquela
187
.
Um segundo passo é distinguir capacidade de imaginação produtiva e reprodutiva. A
capacidade de imaginação reprodutiva encadeia representações seguindo as leis de associação. Sua
síntese produtiva da imaginação repousa sobre as condições da experiência, distinguindo-a desse
modo da reprodutiva, cuja síntese está subordinada simplesmente às leis empíricas da associação
188
.
A capacidade de imaginação reprodutiva é onde a síntese é submetida somente às leis empíricas, as
leis da associação, e não às leis a priori do entendimento, e têm então uma significação puramente
psicológica e não transcendental.
A última distinção preliminar a fazer é entre capacidade de imaginação empírica e
capacidade de imaginação transcendental. Embora, como vimos pouco, Kant fale do poder de
invenção como um aspecto da capacidade de imaginação produtiva empírica na Antropologia e
ainda que o âmbito transcendental não estivesse delineado nos estudos pré-críticos, a partir da
Crítica da Razão Pura, a capacidade de imaginação produtiva deve ser entendida como uma função
transcendental, isto é, como um elemento promotor de condições de possibilidade da experiência
intimamente ligado ao que Kant considera “puro” em nosso aparato cognitivo, as categorias e as
formas puras da sensibilidade. O que, de modo algum, impede que ela esteja em contato direto com
o múltiplo sensível através das atividades de apreensão e síntese; mas, no que toca à sua
produtividade, sempre transcendentalmente, não empiricamente.
Na medida em que é expressão primeira da espontaneidade do aparato cognitivo, a
capacidade de imaginação se chama capacidade de imaginação produtiva, e se distingue da
reprodutiva (KrV B151-2, 130-1). Podemos inferir que o vocábulo “produtiva” significa toda
uma família de conceitos, aqueles relacionados a “constitutiva”, “elaborativa”, “formativa” ou
“fabricativa”. E essa produtividade se expressa através da atividade de ordenação do múltiplo
através da síntese. entendendo a capacidade de imaginação como a fonte originária da
espontaneidade, entendemos Kant quando ele diz que “[a] unidade da apercepção em relação com
187 Sobre a distinção entre capacidade de imaginação produtiva e fantasia, ver (PIEPER, 2001).
188 Lembremos que isso não vale para a síntese pura da reprodução na imaginação que é função da capacidade de
imaginação produtiva, não da reprodutiva.
116
a síntese da capacidade de imaginação é o entendimento, e essa mesma unidade quando em relação
com a síntese transcendental da imaginação é o entendimento puro(KrV A119, 150 itálicos de
Kant)
189
. É apenas pensando a capacidade de imaginação como fonte da espontaneidade que
entendemo Kant quando ele define a capacidade de imaginação como a faculdade de sínteses (KrV
A78-9 / B103-4, 107-8).
Outra definição que Kant nos fornece é que a capacidade de imaginação é “a faculdade de
representar um objeto também sem a sua presença na intuição” (KrV B 151, 130 – cf. AP 54)
190
– se
não queremos compreendê-la como uma repetição da definição tradicional de capacidade de
imaginação como capacidade de imaginação reprodutiva (e com isso abdicar de toda originalidade
do pensamento de Kant no que toca a esse tópico) deve ser lida em combinação com essa outra
definição: “a capacidade de imaginação (como faculdade de intuições a priori)” (KU XLIV, 34)
191
.
Assim aproximadas essas duas definições podem ser lidas como nada mais que uma apresentação
diferente da definição de capacidade de imaginação produtiva que tomamos como base de nosso
estudo, qual seja, a capacidade de imaginação produtiva é a capacidade de exibição.
Ora, a exibição é a exposição do objeto do conceito na intuição (EE 26, 56), representando o
objeto sem a necessidade de sua presença à intuição porque essa exibição é dependente de modo
fundamental apenas da síntese pura da apreensão, da síntese pura da reprodução, da síntese da
recognição, da síntese figurada e do esquematismo transcendental (determinações do tempo) e
assim pode-se dizer que a capacidade de imaginação produtiva é a faculdade de intuições a priori,
pois todas as síntese acima enumeradas dizem respeito apenas às intuições puras, e elas são
necessárias, qual múltiplo a que se referirão é contingente (embora um elemento necessário da
cognição).
Assim, a capacidade de imaginação produtiva é a exibição, em seu sentido transcendental,
como confirmam os seguintes trechos:
A capacidade de imaginação (facultas imaginandi), como uma faculdade de intuição sem a presença do objeto,
é ou produtiva, isto é, uma faculdade da exibição originária (exhibitio originaria) do último, a qual, portanto,
precede a experiência; ou reprodutiva, derivada (exhibitio derivativa), a qual recupera para a mente uma
intuição empírica uma intuição que se deu anteriormente (AP 54)
192
.
Original do gosto que certamente repousa sobre a idéia indeterminada da razão de um máximo, e no entanto
não pode ser representado mediante conceitos, mas somente em exibição individual pode ser melhormente
189 “[d]ie Einheit der Apperzeption in Beziehung auf die Synthesis der Einbildungskraft ist der Verstand, und eben
dieselb Einheit, beziehungsweise auf die transzendentale Synthesis der Einbildungskraft, der reine Verstand” (KrV
A119, 150).
190 “[D]as Vermögen, einen Gegenstand auch ohne dessen Gegenwart in der Anschauung vorzustellen (KrV B 151,
130 – cf. e AP 54).
191 “[D]ie Einbildungskraft (als Vermögen der Anschauungen a priori)” (KU XLIV, 34).
192“Die Einbildungskraft (facultas imaginandi), als ein Vermögen der Anschauungen auch ohne Gegenwart des
Gegenstandes, ist entweder productiv, d. i. ein Vermögen der ursprünglichen Darstellung des letzteren (exhibitio
originaria), welche also vor der Erfahrung vorhergeht; oder reproductiv, der abgeleiteten (exhibitio derivativa), welche
eine vorher gehabte empirische Anschauung ins Gemüt zurückbringt” (AP 54).
117
chamado o ideal do belo, de modo que, se não estamos imediatamente de posse dele, contudo aspiramos a
produzi-lo em nós. Ele, porém, será simplesmente um ideal da capacidade de imaginação, justamente porque
não repousa sobre conceitos, mas sobre a exibição; a faculdade de exibição porém é a capacidade de
imaginação (KU 54 -55, 78)
193
.
Se o conceito de um objeto é dado, nesse caso a atividade do juízo, no seu uso com vistas ao conhecimento,
consiste na exibição (exhibitio), isto é, no fato de colocar ao lado do conceito uma intuição correspondente,
quer no caso disto acontecer através da nossa própria capacidade de imaginação, como na arte, quando
realizamos um conceito de um objeto antecipadamente concebido que é para nós fim; quer mediante a natureza
na técnica da mesma (como acontece nos corpos organizados), quando lhe atribuímos o nosso conceito do fim
para o ajuizamento dos seus produtos (KU XLIX, 36)
194
.
No decorrer de nosso estudo, porém, vimos que a capacidade de imaginação realiza a
exibição de duas maneiras diferentes (a esquemática e a simbólica), e por isso existem dois
comportamentos diferentes da capacidade de imaginação (o regrado e o livre) embora seja, por
assim dizer, sempre a mesma capacidade de imaginação a atuar. E esses tipos de comportamento
corresponderão aos dois tipos de juízo, quais sejam, o juízo determinante e o juízo reflexivo (para
que sejamos fiéis ao que defendemos no primeiro capítulo, devemos dizer “juízo reflexivo
determinante” e “juízo meramente reflexivo”, respectivamente).
Por isso, recapitulemos sucintamente o papel que vimos a capacidade de imaginação
produtiva desempenhar em cada um desses tipos de juízo.
4.4.1. A capacidade de imaginação produtiva no juízo reflexivo determinante
A capacidade de imaginação no juízo determinante é:
a faculdade de representar um objeto também sem a sua presença na intuição. Ora, visto que toda a nossa
intuição é sensível, devido à condição subjetiva unicamente sob a qual pode se dar uma intuição
correspondente aos conceitos do entendimento, a capacidade de imaginação pertence à sensibilidade.
Entretanto, na medida em que a sua síntese é um exercício de espontaneidade que é determinante e não, como
o sentido, meramente determinável, que por conseguinte pode determinar a priori o sentido segundo a sua
forma e de acordo com a unidade da apercepção, em tal caso a capacidade de imaginação é nesta medida uma
193 Urbild des Geschmacks, welches freilich auf der unbestimmten Idee der Vernunft von einem Maximum beruht,
aber doch nicht durch Begriffe, sondern nur in einzelner Darstellung kann vorgestellt werden, besser das ideal des
Schönen genannt werden, dergleichen wir, wenn wir gleich nicht im Besitze desselben sind, doch in uns
hervorzubringen streben. Es wird aber bloß ein Ideal der Einbildungskraft sein, eben darum, weil es nicht auf
Begriffen, sondern auf der Darstellung beruht; das Vermögen der Darstellung aber ist die Einbildungskraft (KU 54
-55, 78).
194 Wenn der Begriff von einem Gegenstande gegeben ist, so be steht das Geschäft der Urteilskraft im Gebrauche
desselben zum Erkenntnis in der Darstellung (exhibitio), d. i. darin, dem Begriffe eine korrespondierende Anschauung
zur Seite zu stellen: es sei, daß dieses durch unsere eigene Einbildungskraft geschehe, wie in der Kunst, wenn wir einen
vorhergefaßten Begriff von einem Gegenstande, der für uns Zweck ist, realisieren, oder durch die Natur, in der Technik
derselben (wie bei organisierten Körpern), wenn wir ihr unseren Begriff vom Zweck zur Beurteilung ihres Produkts
unterlegen (KU XLIX, 36). Embora não trate da exibição, Mark Johnson resume bem a definição da capacidade de
imaginação como exibição: “a função produtiva da capacidade de imaginação é o que torna possível experimentarmos
objetos públicos que partilhamos em nosso mundo comum. Essa capacidade de imaginação produtiva nada mais é que
as estruturas unificadoras de nossa consciência, as quais constituem as condições últimas para sermos capazes de
experimentarmos quaisquer obejtos da maneira que seja” (“the productive function of imagination is what makes it
possible for us to experience public objects that we all share in our common world. This productive imagination is none
other than the unifying structures of our consciousness that constitute the ultimate conditions for our being able to
experience any object whatever” – JOHNSON, 1987: 151).
118
faculdade de determinar a priori a sensibilidade, e a sua síntese das intuições, conforme às categorias, tem que
ser a síntese transcendental da capacidade de imaginação; isto é, um efeito do entendimento sobre a
sensibilidade e a primeira aplicação do mesmo (ao mesmo tempo o fundamento de todas as demais) a objetos
da intuição possível a nós. Enquanto figurada, tal síntese distingue-se da intelectual, sem qualquer capacidade
de imaginação e apenas pelo entendimento. Na medida em que a capacidade de imaginação é espontaneidade,
às vezes também a denomino capacidade de imaginação produtiva, distinguindo-a desse modo da reprodutiva,
cuja síntese está subordinada simplesmente a leis empíricas, ou seja, as da associação, e que portanto em nada
contribui para a explicação da possibilidade do conhecimento a priori, em vista disso não pertencendo à
filosofia transcendental, mas à Psicologia (KrV B151-2, 130-1)
195
.
No que toca ao estatuto da capacidade de imaginação, esse trecho nos diz que a capacidade
de imaginação pertence à sensibilidade pois toda a nossa intuição é sensível mas que ela
determina a sensibilidade através da síntese, o que a coloca dentre as faculdades espontâneas da
mente. E mais: a síntese transcendental (das intuições) da capacidade de imaginação (conforme às
categorias) é a primeira aplicação do entendimento à sensibilidade e fundamento das demais. Por
isso, quando espontânea, isto é, determinante, a capacidade de imaginação é chamada de produtiva.
Como a capacidade de imaginação reprodutiva tem suas sínteses regidas pelas leis empíricas da
associação, pertence à Psicologia e não interessa à filosofia transcendental.
Por esse estatuto bivalente (ora alinhar-se à sensibilidade, ora ao entendimento), a
capacidade de imaginação produtiva se encontra à base da percepção dos objetos (apreensão)
ou tem o estatuto bivalente por estar à base da percepção:
Que a capacidade de imaginação é um ingrediente inerente à própria percepção, certamente ainda nenhum
psicólogo pensou. De certa forma isso acontece porque essa faculdade se limitava apenas às reproduções, e em
parte, porque se acreditava que os sentidos nos forneciam não apenas impressões, mas também as encadeavam
e conseguiam formar imagens dos objetos, o que, sem dúvida, além da receptividade das impressões, ainda
exige algo mais, ou seja, uma função que as sintetize (KrV A120, 152)
196
.
A ação imediata da capacidade de imaginação sobre as percepções é a síntese da apreensão,
à qual são ligadas as sínteses da reprodução e da recognição. O que implica dizer que a capacidade
de imaginação não se exerce sobre as impressões acabadas dos sentidos; pelo contrário, ela é
195 “[D]as Vermögen, einen Gegenstand auch ohne dessen Gegenwart in der Anschauung vorzustellen. Da nun alle
unsere Anschauung sinnlich ist, so gehört die Einbildungskraft, der subjektiven Bedigung wegen, unter der sie allein
den Verstandesbegriffen eine korrespondierende Anschauung geben kann, zur Sinnlichkeit; sofern aber doch ihre
Synthesis eine Ausübung der Spontaneität ist, welche bestimmend, und nicht, wie der Sinn, bloB bestimmbar ist, mithin
a priori den Sinn seiner Form nach der Einheit der Apperzeption gemäB bestimmen kann, so ist die Einbildungskraft
sofern ein Vermögen, die Sinnlichkeit a priori zu bestimmen, und ihre Synthesis der Anschauungen, den Kategorien
gemäB, muB die transzendentale Synthesis der Einbildungskraft sein, welches eine Wirkung des Verstandes auf die
Sinnlichkeit und die erste Anwendung desselben (zugleich der Grund aller übrigen) auf Gegenstände der uns möglichen
Anschauung ist. Sie ist, als figürlich, von der intellektuellen Synthesis ohne alle Einblidungskraft bloB durch den
Verstand unterschieden. Sofern die Einbildungskraft nun Spontaneität ist, nemme ich sie auch bisweilen die produktive
Einbildungskraft, und unterscheide sie dadurch von der reproduktiven, deren Synthesis lediglich empirischen Gesetzen,
nämlich denen der Assoziation unterworfen ist, und welche daher zur Erklärung der Möglichkeit der Erkenntnis a
priori nichts beiträgt, und um deswillen nicht in die Transzendentalphilosophie, sondern in die Psychologie gehört.
(KrV B151-2, 130-1) .
196 Daß die Einbildungskraft ein notwendiges Ingredienz der Wahrnehmung selbst sei, daran hat wohl noch kein
Psychologe gedacht. Das kommt daher, weil man dieses Vermögen teils nur auf Reproduktionen einschränkte, teils,
weil man glaubte, die Sinne lieferten uns nicht allein Eindrücke, sondern setzten solche auch sogar zusammen, und
brächten Bilder der Gegenstände zuwege, wozu ohne Zweifel außer der Empfänglichkeit der Eindrücke, noch etwas
mehr, nämlich eine Funktion der Synthesis derselben erfordert wird (A120, 152)
119
condição do ato mesmo da percepção uma vez que para formar “imagens” dos objetos, além da
receptividade das impressões (razão suficiente para a percepção, segundo a psicologia
sensualista
197
), se faz necessária uma função de síntese dos elementos oferecidos pela sensibilidade.
Nesse ponto, a contribuição de Kant é mostrar que a síntese da apreensão é condição
necessária para a síntese da reprodução. Isto é, que à capacidade de imaginação reprodutiva
necessariamente deve preceder a capacidade de imaginação produtiva. Enfim, que antes de associar
imagens, é preciso formá-las além da nota fundamental de que antes de associar é preciso
encontrar uma afinidade entre os fenômenos: que para serem associáveis as representações
necessariamente devem ser acompanhadas da representação pura (eu penso), a síntese da
recognição.
No que toca à síntese da reprodução, Kant apresenta dois pontos essenciais que, na sua ótica,
representam avanços em relação à teoria empirista da capacidade de imaginação. O primeiro diz
respeito ao fato de que para que duas representações sejam associadas deve haver constância no
aparecimento simultâneo ou conjugado das representações que serão associadas. Lembremos do
exemplo do cinabre: o cinabre precisa se manter vermelho e pesado para que eu associe o peso à
vermelhidão. O outro ponto sublinhado por Kant é aquele que diz que a associabilidade do dado
empírico depende de uma síntese cuja forma pura é a reprodução de múltiplos puros espaço-
temporais síntese essa cujo ato de reprodução, em sua forma pura, toma suas regras a priori das
categorias. Essa síntese é chamada de síntese reprodutiva pura da capacidade de imaginação
produtiva.
Mas é somente com a apercepção que a função da capacidade de imaginação (por si
sensível) vem a ser intelectual. O que permite que pelo intermédio da capacidade de imaginação
pura que nós estabeleçamos a ligação entre o diverso da intuição e a condição da unidade necessária
da apercepção pura, pois uma “síntese transcendental pura” fundada “sobre princípios a priori”,
que se encontra na base da possibilidade da experiência e pertence aos “atos transcendentais da
mente”. A faculdade que tem esse poder é a capacidade de imaginação. Mas se a síntese figurada é
um exercício de espontaneidade que é determinante (e não, como a sensibilidade, apenas
determinável) e assim pode determinar a priori o sentido (segundo a sua forma e de acordo com a
unidade da apercepção), então, a capacidade de imaginação é uma faculdade de determinar a priori
a sensibilidade e a síntese transcendental é a primeira e fundamental aplicação do entendimento a
objetos da intuição. O que implica que a unidade transcendental da síntese da imaginação seja uma
forma pura própria a todo conhecimento:
197 Sobre a colocação da questão da formação de conceitos entre Kant e Berkeley/Locke ver: (PHILONENKO, 1975:
178-89).
120
Sob o nome de síntese transcendental da capacidade de imaginação, portanto, o entendimento exerce sobre o
sujeito passivo, cuja faculdade ele é, aquela ação da qual dizemos, com direito, que o sentido interno é afetado
por ela (KrV B153-4, 131-2)
198
.
Logo, os dois extremos, sensibilidade e entendimento devem necessariamente se conectar
pelo intermédio dessa função transcendental da capacidade de imaginação, sem a qual ambos até
fornecem os fenômenos, mas falta um objeto de conhecimento empírico, a experiência.
A síntese pura representada de modo universal é o conceito puro do entendimento (A78
B104, 108). Essa representação de modo universal nada mais é que o esquematismo. Se, por um
lado, a sensibilidade engloba representações particulares, intuições, sensações e, por outro lado, o
entendimento é composto de representações gerais, conceitos, regras de reconhecimento de
intuições, então, o esquematismo mostra que a capacidade de imaginação produtiva é a tradução de
regras em intuições e de intuições em elementos passíveis de regulação e essa atividade de
esquematização é aquela que vimos em detalhe no capítulo 2 em suas formas empírica, sensível
pura e transcendental segundo o tipo de conceito em questão.
4.4.2. A capacidade de imaginação produtiva no juízo meramente reflexivo
Na “Observação Geral Sobre a Primeira Seção da Analítica”, Kant resume o que é a
capacidade de imaginação produtiva no juízo de gosto:
Se se extrai o resultado das análises precedentes, descobre-se que tudo decorre do conceito de gosto; que ele é
uma faculdade de ajuizamento de um objeto em referência à livre conformidade a leis da capacidade de
imaginação. Ora, se no juízo de gosto tiver que ser considerada a capacidade de imaginação em sua liberdade,
então ela será tomada primeiro não reprodutivamente, como ela é submetida às leis da associação, mas como
produtiva e espontânea (como autora de formas arbitrárias de intuições possíveis); e embora na apreensão de
um dado objeto dos sentidos ela, na verdade, esteja vinculada a uma forma determinada deste objeto e nesta
medida não possua nenhum jogo livre (como na poesia), todavia ainda se pode compreender bem que
precisamente o objeto pode fornecer-lhe uma tal forma, que contém uma composição do múltiplo, como a
capacidade de imaginação se fosse entregue livremente a si própria projetá-la-ia em concordância com a
legalidade do entendimento em geral. Todavia, o fato de que a capacidade de imaginação seja livre e apesar
disso por si mesma conforme a leis, isto é, que ela contenha uma autonomia, é uma contradição. Unicamente o
entendimento fornece a lei. Se, porém, a capacidade de imaginação é coagida a proceder segundo uma lei
determinada, então o seu produto é, quanto a forma, determinado por conceitos como ele deve ser; mas em tal
caso, como foi mostrado acima, a complacência não é a no belo e sim no bom (na perfeição, conquanto apenas
na perfeição formal), e o juízo não é nenhum juízo pelo gosto. Portanto, unicamente uma conformidade a leis
sem lei, e uma concordância subjetiva da capacidade de imaginação com o entendimento sem uma
concordância objetiva, que a representação é referida a um conceito determinado de um objeto, pode
coexistir com a livre conformidade a leis do entendimento (a qual também foi denominada conformidade a fins
sem fim) e com a peculiaridade de um juízo de gosto (KU 68-9, 86)
199
.
198 “Er also übt, unter der Benennung einer transzendentalen Synthesis der Einbildungskraft, diejenige Handlung aufs
passive Subjekt, dessen Vermögen er ist, aus, wovon wir mit Recht sagen, daß der innere Sinn dadurch affiziert werde
(KrV B153-4, 131-2).
199 Wenn man das Resultat aus den obigen Zergliederungen zieht, so findet sich, daß alles auf den Begriff des
Geschmacks herauslaufe, daß er ein Beurteilungsvermögen eines Gegenstandes in Beziehung auf die freie
Gesetzmäßigkeit der Einbildungskraft sei. Wenn nun im Geschmacksurteile die Einbildungskraft in ihrer Freiheit
betrachtet werden muß, so wird sie erstlich nicht reproduktiv, wie sie den Assoziationsgesetzen unterworfen ist,
sondern als produktiv und selbsttätig (als Urheberin willkürlicher Formen möglicher Anschauungen) angenommen;
121
Portanto, no juízo de gosto, a capacidade de imaginação é considerada como produtiva e
espontânea (selbsttätig). Essa espontaneidade, sua produtividade, se baseia no fato de que ela
funciona como instigadora de formas arbitrárias de intuições possíveis. O que é dito de outro modo
como conformidade a fins sem fim ou conformidade a leis sem lei, pois ainda que a capacidade de
imaginação seja livre no juízo de gosto, isto é, não se submeta ao entendimento, ainda assim ela lhe
é conforme embora sem um conceito determinado (isto é, uma lei determinada ou um fim
determinado).
Quer dizer, “espontânea” é diferente de “autônoma”, id est, a capacidade de imaginação
produtiva não estabelece as leis, essas são oriundas do entendimento. Essa livre conformidade da
capacidade de imaginação à lei quer dizer que a capacidade de imaginação não pode violar o pano
de fundo categorial; o que não impede que ela possa explorar as possibilidades dadas.
Se diz que aqui um acordo subjetivo da capacidade de imaginação com o entendimento
sem acordo objetivo, porque na apreensão de um objeto belo dado aos sentidos, a capacidade de
imaginação é ligada a uma forma fornecida por esse objeto, mas uma forma que ela mesma teria
esboçado se ela fosse independente do objeto. Então, a apreensão de objetos belos pela capacidade
de imaginação é limitada por uma forma definida ao contrário do que acontece no juízo sobre o
sublime. Quer dizer, no juízo meramente reflexivo sobre o belo a capacidade de imaginação,
partindo de sua própria atividade, entra em acordo com o entendimento em geral – e não por seguir
regras do entendimento impostas a ela, como acontece no juízo determinante.
A partir disso se diz que o gosto é a faculdade da apreciação de um objeto em relação com a
legalidade livre da capacidade de imaginação e que a finalidade estética consiste na combinação
harmoniosa da capacidade de imaginação com o entendimento:
Se, pois, a forma de um objeto dado na intuição empírica é de tal índole que a apreensão do diverso do mesmo
na capacidade de imaginação coincide com a exibição de um conceito do entendimento (sem se determinar
qual conceito), então na mera reflexão entendimento e capacidade de imaginação concordam mutuamente em
favor de seu operação, e o objeto é percebido como final meramente para o juízo, portanto a finalidade mesma
é considerada meramente como subjetiva; assim como nenhum conceito determinado do objeto é requerido
para isso nem engendrado através disso, e o juízo mesmo não é um juízo de conhecimento. Um tal juízo
und, ob sie zwar bei der Auffassung eines gegebenen Gegenstandes der Sinne an eine bestimmte Form dieses Objekts
gebunden ist und sofern kein freies Spiel (wie im Dichten) hat, so läßt sich doch noch wohl begreifen: daß der
Gegenstand ihr gerade eine solche Form an die Hand geben könne, die eine Zusammensetzung des Mannigfaltigen
enthält, wie sie die Einbildungskraft, wenn sie sich selbst frei überlassen wäre, in Einstimmung mit der
Verstandesgesetzmäßigkeit überhaupt entwerfen würde. Allein daß die Einbildungskraft frei und doch von selbst
gesetzmäßig sei, d. i. daß sie eine Autonomie bei sich führe, ist ein Widerspruch. Der Verstand allein gibt das Gesetz.
Wenn aber die Einbildungskraft nach einem bestimmten Gesetze zu verfahren genötigt wird, so wird ihr Produkt, der
Form nach, durch Begriffe bestimmt, wie es sein soll; aber alsdann ist das Wohlgefallen, wie oben gezeigt, nicht das
am Schönen, sondern am Guten (der Vollkommenheit, allenfalls bloß der formalen), und das Urteil ist kein Urteil durch
Geschmack. Es wird also eine Gesetzmäßigkeit ohne Gesetz, und eine subjektive Übereinstimmung der
Einbildungskraft zum Verstande, ohne eine objektive, da die Vorstellung auf einen bestimmten Begriff von einem
Gegenstande bezogen wird, mit der freien Gesetzmäßigkeit des Verstandes (welche auch Zweckmäßigkeit ohne Zweck
genannt worden) und mit der Eigentümlichkeit eines Geschmacksurteils allein zusammen bestehen können(KU 68-9,
86).
122
chama-se um juízo de reflexão estético (EE 57; 27)
200
.
A mera reflexão atribuída à capacidade de imaginação não é diferente daquela reflexão que
ocorre na cognição. Na mera exibição, também se apresenta “algo universal em si”, que se exibe
um conceito ainda não determinado. A diferença é que, na mera reflexão, a capacidade de
imaginação não exibe o esquema de um conceito específico sob o qual o objeto seria subsumido em
um juízo determinante cognitivo. Pelo contrário, no juízo de gosto, ela exibe um padrão ou ordem
(forma) que sugere um número indeterminado de esquematizações possíveis (ou conceitualizações),
nenhuma das quais completamente adequada, ocasionando assim o engajamento com o objeto. E
assim o objeto é exibido na intuição, antes de qualquer conceitualização, como se designado para
nossas faculdades cognitivas, i.e., como subjetivamente final.
Kant não fala de síntese quando trata do papel da capacidade de imaginação na apreensão
estética (como vimos, na Crítica da Razão Pura, a capacidade de imaginação é sempre síntese).
Isso porque o juízo meramente reflexivo é sintético apenas na forma, pois embora além da
intuição do objeto e adiciona-lhe o sentimento de prazer ou dor como predicado, o faz não como
cognição. Por isso, não são sintéticos no sentido dos juízos cognitivos (quando adicionamos à
intuição um conceito que lhe regula e descreve seus atributos exaustivamente) e não dizem sobre as
propriedades objetivas do objeto. O juízo de gosto, por sua vez, diz sim sobre o estado subjetivo da
mente ao apreender a forma de um objeto. Então, estes juízos são sintéticos apenas formalmente, na
medida em que o conceito do sujeito é amplificado quando o predicado belo adiciona à apreensão
da rosa apenas a consciência de que sinto prazer nisso. Quer dizer, a beleza não é algo conectado à
rosa como uma de suas qualidades, por isso não há ato sintético que amplifique o conceito de rosa
uma vez que a apreensão da rosa e o prazer não podem ser sintetizados, pois o primeiro se dirige ao
objeto e o segundo ao sujeito: as direções não podem ser sintetizadas, podem ser apenas
harmonizadas.
Enfim, se no juízo determinante a síntese serve para tornar o objeto mais distinto,
obviamente o juízo de gosto não pode ser considerado sintético nesse sentido, pois o prazer não
distingue o objeto. Mas o juízo de gosto, além do sentido apontado no parágrafo anterior, é sintético
no sentido em que é sujeito à unidade sintética da apercepção. E ainda que não seja sintética como
na exibição esquemática, na exibição simbólica a capacidade de imaginação ainda é espontânea e
200 Wenn denn die Form eines gegebenen Objekts in der empirischen Anschauung so beschaffen ist, daß die
Auffassung des Mannigfaltigen desselben in der Einbildungskraft mit der Darstellung eines Begriffs des Verstandes
(unbestimmt welches Begriffs) übereinkommt, so stimmen in der bloßen Reflexion Verstand und Einbildungskraft
wechselseitig zur Beförderung ihres Geschäfts zusammen, und der Gegenstand wird als zweckmäßig, bloß für die
Urteilskraft, wahrgenommen, mithin die Zweckmäßigkeit selbst bloß als subjektiv betrachtet; wie denn auch dazu gar
kein bestimmter Begriff vom Objekte erfordert noch dadurch erzeugt wird, und das Urteil selbst kein Erkenntnisurteil
ist. – Ein solches Urteil heißt ein ästhetisches Reflexions-Urteil” (EE 57; 27).
123
até mais espontânea que o juízo reflexivo determinante, pois aqui ela não é regrada.
Portanto, a apreensão estética é uma síntese pré-conceitual realizada pela capacidade de
imaginação: o juízo de gosto não estabelece uma síntese determinante, objetiva; mas sim uma
síntese subjetiva. O que implica dizer que uma forma estética é um todo cujas partes não são
discretamente apreendidas, mas sentidas como uma unidade indeterminada.
Esse tratamento da fase apreensiva do juízo meramente apreensivo é reforçado pela
afirmação, de que tratamos acima, que diz que a capacidade de imaginação em sua liberdade deve
ser considerada “autora de formas arbitrárias de intuições possíveis” (KU 69, 86)
201
. Pois isso quer
dizer que no estado de harmonia das faculdades no qual a capacidade de imaginação é livre, a
atividade da capacidade de imaginação é supervisionar o múltiplo e sugerir diferentes maneiras em
que ele pode ser organizado. Ora, que a capacidade de imaginação em sua atividade constitua
apenas formas de intuições possíveis nos alerta para o fato de que nenhuma síntese determinada
ocorre na mera reflexão, tornando plausível a natureza efêmera das construções do múltiplo em que
se engaja a capacidade de imaginação na apreensão realizada pelo juízo meramente reflexivo,
quando não a maquinaria sintética. Chamar as formas de intuições possíveis de “arbitrárias”
sublinha o fato de que, aqui, a capacidade de imaginação ordena o múltiplo de várias maneiras sem
ser restringida pelos ditames do uso de conceitos. Assim, a atividade apreensiva da capacidade de
imaginação na livre harmonia consiste no “percorrer” e “pôr junto” o múltiplo nas diferentes
maneiras em que ele poderia ser unificado, perpetrando assim uma espécie de “esquematismo sem
conceitos”:
Ora, visto que aqui não se encontra nenhum conceito de objeto como fundamento do juízo, assim ele somente
pode consistir na subsunção da própria capacidade de imaginação (em uma representação pela qual o objeto é
dado) à condição de que o entendimento em geral chegue da intuição a conceitos. Isto é, visto que a liberdade
da capacidade de imaginação consiste no fato de que esta esquematiza sem conceitos, assim o juízo de gosto
tem que assentar sobre uma simples sensação das faculdades reciprocamente vivificantes da capacidade de
imaginação em sua liberdade e do entendimento com sua conformidade a leis, portanto sobre um sentimento
que permite ajuizar o objeto segundo a conformidade final da representação (pela qual um objeto é dado) à
promoção da faculdade de conhecimento em seu livre jogo; e o gosto enquanto faculdade de juízo subjetiva
contém um princípio da subsunção, mas não das intuições sobre conceitos e sim da faculdade das intuições ou
exibições (isto é, da capacidade de imaginação) sob a faculdade dos conceitos (isto é, o entendimento), na
medida em que a primeira em sua liberdade concorda com a segunda em sua conformidade a leis (KU 145-6,
133-4)
202
.
201“Urheberin willkürlicher Formen möglicher Anschauungen” (KU 69, 86).
202 Weil nun dem Urteile hier kein Begriff vom Objekte zum Grunde liegt, so kann es nur in der Subsumtion der
Einbildungskraft selbst (bei einer Vorstellung, wodurch ein Gegenstand gegeben wird) unter die Bedingungen, daß der
Verstand überhaupt von der Anschauung zu Begriffen gelangt, bestehen. D. i. weil eben darin, daß die Einbildungskraft
ohne Begriff schematisiert, die Freiheit derselben besteht; so muß das Geschmacksurteil auf einer bloßen Empfindung
der sich wechselseitig belebenden Einbildungskraft in ihrer Freiheit, und des Verstandes mit seiner Gesetzmäßigkeit,
also auf einem Gefühle beruhen, das den Gegenstand nach der Zweckmäßigkeit der Vorstellung (wodurch ein
Gegenstand gegeben wird) auf die Beförderung des Erkenntnisvermögens in ihrem freien Spiele beurteilen läßt; und
der Geschmack, als subjektive Urteilskraft, enthält ein Prinzip der Subsumtion, aber nicht der Anschauungen unter
Begriffe, sondern des Vermögens der Anschauungen oder Darstellungen (d. i. der Einbildungskraft) unter das
Vermögen der Begriffe (d. i. den Verstand), sofern das erstere in seiner Freiheit zum letzteren in seiner Gesetzmäßigkeit
zusammenstimmt (KU 145-6, 133-4).
124
Então, no juízo meramente reflexivo, o ajuizamento do objeto como belo requer um acordo
entre as faculdades: requer a subsunção não de seus produtos, mas sim a subsunção da capacidade
de imaginação (como poder de intuição e composição do múltiplo) ao entendimento em geral
(como poder de compreensão), sem haver um conceito como fundamento do juízo. E assim, temos a
liberdade da capacidade de imaginação, uma exibição não regrada. Essa subsunção de uma
faculdade à outra é o esquematismo sem conceitos, pois exibe as diferentes maneiras em que o
múltiplo poderia ser sintetizado, unificado mas por agora, enquanto o juízo for meramente
reflexivo, ele permanecerá indeterminado.
Logo, o juízo de gosto repousa sobre um simples sentimento de animação recíproca da
capacidade de imaginação em sua liberdade e do entendimento em sua legalidade: o sentimento de
prazer advindo da complacência no belo. Quer dizer, o juízo de gosto repousa sobre um sentimento
que permite julgar o objeto segundo a finalidade (incitação à atividade da faculdade de
conhecimento em seu livre jogo) da representação (pela qual um objeto é dado).
Então, a capacidade de imaginação produtiva em sua liberdade se acorda com o
entendimento em sua legalidade, de modo que a liberdade da primeira excita o segundo que, em
contrapartida, a incita a um livre jogo harmonioso. E então, a representação desse jogo, esse estado
do sujeito, será comunicada por obras de gênio não como pensamento, mas como sentimento de um
estado final do ânimo através do sentido comum.
Na beleza natural é uma coisa bela que é experienciada ao julgar a finalidade sem fim de sua
forma; na beleza artística, porém, é a bela exibição de uma coisa que é julgada e sentida. Portanto, a
arte bela é a bela exibição de um objeto e a beleza é a exibição em que livre jogo entre as
faculdades (Cf. KU 190, 158). De modo que a produção artística visa encontrar a forma adequada
para o gosto de modo que permita a exibição de um conceito do que a coisa deve ser sem interferir
no jogo dos poderes mentais. Enfim, o distintivo da beleza artística é que sua finalidade é
acompanhada por um propósito específico. Por isso, além de gosto, a arte precisa demonstrar gênio,
na medida em que o “propósito específico” é a comunicação de idéias estéticas (as exibições de
uma coisa) pelo gênio.
O gênio contribui à obra ao insuflar-lhe espírito (Geist). “Espírito, em sentido estético, é
o princípio vivificante no ânimo” (KU 192, 159)
203
. Essa vivificação se através de um jogo das
faculdades que se mantém por si mesmo e ainda fortalece as capacidades de imaginação e
entendimento para ele. Por isso, esse espírito (o princípio vivificante) é “a faculdade da exibição de
idéias estéticas(Id. ibid.)
204
. Ora, as idéias estéticas são “representações da imaginação” e, como
203 “Geist, in ästhetischer Bedeutung, heißt das belebende Prinzip im Gemüte” (KU 192, 159).
204 “[D]as Vermögen der Darstellung ästhetischer Ideen” (Id. ibid.)
125
vimos em detalhe no capítulo 3, as responsáveis pelo processo de exibição livre: o simbolismo. Na
exibição simbólica de idéias racionais através de idéias estéticas a capacidade de imaginação tem
um papel duplamente indireto: 1) suplementar com atributos estéticos o que não pode compreender
diretamente; e 2) usar estratégias indiretas (analogias ou metáforas) para compensar o que não pode
exibir diretamente.
4.4.3. O que é a capacidade de imaginação produtiva?
Esse panorama nos permite esclarecer o que é a capacidade de imaginação produtiva:
1) é primeira expressão da espontaneidade do ânimo em sua ligação com o múltiplo
sensível.
2) é a faculdade de produzir e reproduzir representações a partir do múltiplo sensível dado.
Quer dizer, primariamente ela é a função apreensiva de organizar o múltiplo sensível na
intuição; isso é também o que faz com ela possa ser o poder de intuir sem que o objeto
esteja presente aos sentidos, um modo indireto de intuir, pois pode ligar o que é ausente
com o presente;
3) é a faculdade de produzir exibições. Âmbito também intuitivo, mas mais do que
perceptivo, pois exibir (Darstellen) é apresentar o significado de algo; seja através de
esquemas, o modo direto de exibir conceitos, onde o significado é direto,
determinantemente referencial; seja através de símbolos, o modo indireto de exibir o
significado de certas idéias inarticuláveis por conceitos, onde a referência não é
unívoca
205
.
A capacidade de imaginação é produtiva na medida em que é fonte de espontaneidade e por
isso é uma das fontes subjetivas do conhecimento. Como sua síntese produtiva tem base a priori,
ela contribui para a explicação da possibilidade do conhecimento a priori e assim pertence à
filosofia transcendental. A condição de possibilidade dos juízos que está sob sua responsabilidade é
205 Barbery define a capacidade de imaginação produtiva como contendo três dimensões:
a) a capacidade de imaginação apreensiva, indissociável da percepção e da qual não se sabe jamais qual é a origem
das formas de exibição que ela fornece aos objetos; b) a capacidade de imaginação como intermediária, como acesso
entre a sensibilidade e o entendmento, ponto de junção entre dois mundos heterogêneos, zona perturbada, fluida,
ilegítima; c) a capacidade de imaginação criativa, não verdadeiramente reconhecida, até negada,que sem dúvida se junta
à capacidade de imaginação apreensiva na medida em que ela também exibe os objetos, mas que é singular pois é
dissociada da percepção” “a) l'imagination appréhensive, indissociable de la perception et dont on ne saura jamais
quelle est l'origine des formes de présentation qu'elle donne aux objets; b) l'imagination comme entre-deux, comme
passerelle entre la sensibilité et l'entendement, point de jonction entre deux mondes hétérogènes, zone trouble, floue,
bâtarde; c) l'imagination créatrice, non véritablement reconnue, voire niée, qui sans doute se rattache à l'imagination
appréhensive en tant qu'elle aussi présente des objets, mais qui est singulière car dissociée de la perception
BARBERY, 1994: “Conclusion”).
126
o intercâmbio (tradução, codificação, decodificação ou processamento) entre os dois tipos
irredutíveis de representações, as intuições e os conceitos ou, dito de modo mais geral, entre a
receptividade e a discursividade através da exibição do objeto do conceito na intuição. Na
exibição esquemática que acontece no juízo reflexivo determinante, ela encadeia representações
segundo as regras do entendimento em esquemas, conforme aos conceitos puros deste. E na
exibição simbólica que acontece no juízo meramente reflexivo, ela promove uma livre
conformidade a leis através da produção de formas arbitrárias de intuições possíveis na medida em
que produz símbolos em uma concordância subjetiva da capacidade de imaginação com o
entendimento sem uma concordância objetiva, a qual também foi denominada conformidade a fins
sem fim.
E assim podemos fazer sentidos dos três trechos seguintes que de outro modo pareceriam
despropositados; como, de fato, pareceram a muitos comentadores
206
:
Portanto, temos uma capacidade de imaginação pura, como faculdade fundamental da mente humana, quer
serve a priori de princípio a todo conhecimento. Através dela ligamos, por um lado, o múltiplo da intuição,
com a condição necessária da apercepção pura, por outro. Os dois termos extremos sensibilidade e
entendimento devem necessariamente articular-se através desta função transcendental da capacidade de
imaginação, que de outra maneira ambos até forneceriam fenômenos, porém nenhum objeto de
conhecimento empírico e, portanto, nenhuma experiência. A experiência real, que é a soma da apreensão, da
associação (da reprodução) e, por fim, do reconhecimento dos fenômenos, contém neste momento último e
supremo (reconhecimento dos elementos simplesmente empíricos da experiência) conceitos, que tornam
possível a unidade formal da experiência, e com ela toda validade objetiva (verdade) do conhecimento
empírico. Estes princípios do reconhecimento do múltiplo, na medida em que dizem respeito meramente à
forma de uma experiência em geral, são as categorias a que já nos referimos. Sobre elas é que se funda toda a
unidade formal na síntese da capacidade de imaginação e, perante esta unidade, também a de todo uso
empírico desta faculdade (o reconhecimento, reprodução, associação, apreensão) indo até aos fenômenos,
porque esses últimos, perante esses elementos podem pertencer ao conhecimento e, geralmente, à nossa
consciência e a nós próprios, consecutivamente (KrV A124, 156 )
207
.
Contudo, existem três fontes originárias (capacidades ou faculdades da alma) as quais contêm as condições de
206 “Parece improvável que alguma teoria da imaginação digna subjaza as oscilações terminológicas de Kant” (“It
seems unlikely that any worthwhile theory of imagination underlies Kant’s terminological shifts BENNET, 1966:
XIII). Ou Waxman que trata a capacidade de imaginação como a faculdade de intuição e se pergunta pelo estatuto da
capacidade de imaginação enquanto faculdade (WAXMAN, 1991: 79-117 e 260-3). Ou ainda (KOGAN, 1986: 234 e
250), que comete o disparate de fazer a distinção entre o que ele chama de “imaginação transcendental” e “imaginação
estética”, o que implica negar que as funções da capacidade de imaginação no juízo meramente reflexivo não são
condições de possibilidade para esse ajuizamento.
207 Wir haben also eine reine Einbildungskraft, als ein Grundvermögen der menschlichen Seele, das aller Erkenntnis
a priori zum Grunde liegt. Vermittelst deren bringen wir das Mannigfaltige der Anschauung einerseits, und mit der
Bedingung der notwendigen Einheit der reinen Apperzeption andererseits in Verbindung. Beide äußerste Enden,
nämlich Sinnlichkeit und Verstand, müssen vermittelst dieser transzendentalen Funktion der Einbildungskraft
notwendig zusammenhängen; weil jene sonst zwar Erscheinungen, aber keine Gegenstände eines empirischen
Erkenntnisses, mithin keine Erfahrung geben würden. Die wirkliche Erfahrung, welche aus der Apprehension, der
Assoziation, (der Reproduktion,) endlich der Rekognition der Erscheinungen besteht, enthält in der letzteren und
höchsten (der bloß empirischen Elemente der Erfahrung) Begriffe, welche die formale Einheit der Erfahrung, und mit
ihr alle objektive Gültigkeit (Wahrheit) der empirischen Erkenntnis möglich machen. Diese Gründe der Rekognition
des Mannigfaltigen, sofern sie bloß die Form einer Erfahrung überhaupt angehen, sind nun jene Kategorien. Auf ihnen
gründet sich also alle normale Einheit in der Synthesis der Einbildungskraft, und vermittelst dieser auch alles
empirischen Gebrauchs derselben (in der Rekognition, Reproduktion, Assoziation, Apprehension) bis herunter zu den
Erscheinungen, weil diese, nur vermittelst jener Elemente der Erkenntnis und überhaupt unserem Bewußtsein, mithin
um selbst angehören können” (A124, 156).
127
possibilidade de toda a experiência e que não podem ser elas próprias derivadas de nenhuma outra faculdade da
mente, quais sejam: sensibilidade, capacidade de imaginação e apercepção. Sobre elas se fundam: (1) a
sinopse do múltiplo a priori através da sensibilidade; (2) a síntese desse múltiplo através da capacidade de
imaginação; e finalmente, (3) a unidade dessa síntese através da apercepção originária. Todas essas faculdades
possuem, além de seu uso empírico, um uso transcendental, cujo emprego concerne apenas a forma e é possível
a priori (KrV A94-5 – em nota)
208
.
De início, uma máxima lógica ordena que se diminua o quanto for possível essa aparente diversidade [das
faculdades], descobrindo mediante comparação a identidade oculta e examinando se imaginação ligada a
consciência, não é recordação, humor, capacidade de distinguir e talvez até mesmo entendimento e razão (KrV
A649/ B677, 397)
209
.
Quanto ao último trecho, embora ele deva ser lido não como uma afirmação em filosofia
transcendental, mas como um enunciado sobre filosofia da mente, é interessante ver a hesitação de
Kant em que talvez todos os conteúdos da mente sejam imaginações (Einbildungen), e então a
faculdade de imaginação (Einbildungskraft) seria a faculdade fundamental o que não excluiria,
por certo, a autonomia do entendimento (entendido como a relação regrada entre capacidade de
imaginação mais apercepção). Acreditamos que é a capacidade de imaginação como exibição, tal
como a explicitamos nesse estudo, que Kant tem aqui em mente quando entretém a hipótese de que
ela seja a faculdade fundamental, pois assim ela seria capaz de estabelecer todas as interligações
que lhe são atribuídas.
E, concluindo nosso estudo, podemos agora passar a uma tentativa de compreensão da
função criativa da capacidade de imaginação produtiva e sua contribuição ao conhecimento
210
.
4.4.4. A Capacidade de Imaginação Criativa
Entender a capacidade de imaginação criativa não é um passo além no estudo da capacidade
de imaginação produtiva, mas é sim necessariamente sua conclusão
211
, pois a primeira coisa a ser
208 “Es sind aber drei ursprüngliche Quellen, (Fähigkeiten oder Vermögen der Seele) die die Bedingungen der
Möglichkeit aller Erfahrung enthalten, und selbst aus keinem anderen Vermögen des Gemüts abgeleitet werden
können, nämlich, Sinn, Einbildungskraft, und Apperzeption. Darauf gründet sich l) die Synopsis des Mannigfaltigen a
priori durch den Sinn; 2) die Synthesis dieses Mannigfaltigen durch die Einbildungskraft; endlich 3) die Einheit dieser
Synthesis durch ursprüngliche Apperzeption. Alle diese Vermögen haben, außer dem empirischen Gebrauche, noch
einen transz., der lediglich auf die Form geht, und a priori möglich ist (KrV A94-5 em nota). Inexplicavelmente, esse
trecho não existe na tradução brasileira que contém a primeira edição da Crítica da Razão Pura.
209 “Anfänglich gebietet eine logische Maxime diese anscheinende Verschiedenheit [das faculdades] so viel als
möglich dadurch zu verringern, daß man durch Vergleichung die versteckte Identität entdecke und nachsehe, ob nicht
Einbildung, mit Bewußtsein verbunden, Erinnerung, Witz,Unterscheidungskraft, vielleicht gar Verstand und Vernunft
sei” (KrV A649/ B677, 397)
210 Sobre a relação entre juízo meramente reflexivo e cognição em uma perspectiva diferente da nossa ver
(CARVALHO, 2001).
211 “[A] liberdade da capacidade de imaginação culmina em sua criatividade. na doutrina do gênio se entende
finalmente tudo quanto Kant diz a propósito da capacidade de imaginação em seu livre jogo com o entendimento”
(“[L]a libertà dell’immaginazione culmina con la sua creatività. Solo nella dottrina del genio si intende finalmente
quanto Kant dice a proposito della immaginazione nel suo libero gioco con l’intelletto PAREYSON, 1984: 147
grifo nosso).
128
dita sobre a capacidade de imaginação criativa é que ela é um modo da capacidade de imaginação
produtiva, não um seu outro.
A segunda coisa a ser dita é que a capacidade de imaginação jamais é completamente
criadora, pois:
Porém, ainda assim a [capacidade de imaginação] produtiva não é por isso criadora, quer dizer, capaz de
produzir uma representação sensível que nunca tenha sido dada a nossa faculdade de sentir; pelo contrário,
pode-se sempre comprovar a matéria de que se produzem (AP 54)
212
.
Mas, então, o que é essa criatividade?
Na exibição simbólica, a produtividade da capacidade de imaginação passa a ser
criatividade, criação (Schaffung, não Schöpfung Cf. KU 193; 159). A criatividade surge da
produtividade na medida em que a liberdade da capacidade produtiva de imaginação na exibição
simbólica torna essa capacidade ainda mais selbsttätig (auto-ativa, espontânea), i.e., não sujeita às
leis de associação da capacidade de imaginação reprodutiva (KU 69 e 193; 86 e 159); e por isso,
através da capacidade de imaginação produtiva o gênio é capaz de transpor seu “excesso” de
imaginações (Einbildungen) para idéias estéticas em obras de arte (KU 192-3; 159). Essas idéias da
capacidade de imaginação produtiva provocam a ampliação estética dos conceitos (KU 194; 160)
através de um enriquecimento da capacidade de imaginação reprodutiva ao associar vários
conceitos a uma intuição. Como esse “alargamento” “sugere” novas regras de apreciação (mas não
de determinação) da natureza (KU 199; 163), a capacidade de imaginação “como que” cria outra
natureza não como Urbilden (criação originária, ex nihilo), mas Umbilden (transformação,
superação) (KU 193; 159). É isso a criatividade da capacidade de imaginação. E assim, essa
Umbilden contribui não diretamente para o conhecimento, mas sim indiretamente, através da
vivificação das faculdades de conhecimento (KU 198; 162).
Vejamos com mais vagar esse processo.
Se a arte bela é a arte do gênio (KU 181; 153) e se ela é aquela em que o prazer acompanha
as representações como modos de conhecimento (“Erkenntnisarten”, KU 178; 151 grifo de
Kant), então o gênio deve ser o responsável por imprimir esses modos de conhecimento às obras de
arte bela. Como ele o faz?
[O] gênio consiste na feliz disposição (...) de encontrar idéias para um conceito dado e, por outro lado, de
encontrar para elas a expressão pela qual a disposição subjetiva do ânimo daí resultante, enquanto
acompanhamento de um conceito, pode ser comunicada a outros (KU 198, 162)
213
.
O gênio imprime modos de conhecimento às obras de arte bela através da sua capacidade de
212 Die productive [Einbildungskraft] aber ist dennoch darum eben nicht schöpferisch, nämlich nicht vermögend,
eine Sinnenvorstellung, die vorher unserem Sinnesvermögen nie gegeben war, hervorzubringen, sondern man kann den
Stoff zu derselben immer nachweisen” (AP 54).
213 “[B]esteht das Genie eigentlich in dem glücklichen Verhältnisse (...) zu einem gegebenen Begriffe Ideen
aufzufinden, und andrerseits zu diesen den Ausdruck zu treffen, durch den die dadurch bewirkte subjektive
Gemütsstimmung, als Begleitung eines Begriffs, anderen mitgeteilt werden kann” (KU 198, 162).
129
doar originalidade às obras (KU 182; 153); por oposição à habilidade para seguir regras. Assim é
como a capacidade de imaginação criativa se expressa através do gênio: essa originalidade que ele
possui é uma livre finalidade da exibição realizada por essa capacidade, que permite que ele crie
idéias estéticas que contenham espírito (Geist). Espírito nada mais é que a faculdade da exibição de
idéias estéticas e é, por isso, o princípio vivificante das faculdades (KU 192, 159). Essa vivificação
é conseguida porque o gênio através de sua originalidade é capaz de captar e/ou criar diferentes
sintonias do jogo em idéias estéticas através da (1) apreensão do jogo da capacidade de imaginação
e da (2) unificação do jogo apreendido em um conceito comunicável apesar de não coagido por
regras.
O gênio é ainda aquele que detêm a capaz de tornar comunicável o inefável
214
. Essa
capacidade de comunicação
é propriamente aquilo que se denomina espírito; pois expressar o inefável no estado de ânimo por ocasião de
uma certa representação e torná-lo universalmente comunicável (...) requer uma faculdade de apreender o jogo
fugaz da capacidade de imaginação e reuni-lo em um conceito sem a coerção de regras (e que justamente por
isso é original e ao mesmo tempo inaugura uma nova regra, que não pode ser inferida de quaisquer princípios
ou exemplos anteriores) (KU 198-9, 162-3)
215
.
E, para Kant, prover a comunicabilidade é primordial e decisiva, pois, nesse contexto,
sentido e não-sentido equivalem, respectivamente, a comunicável e incomunicável ou público e
privado (GARRONI, 1998: 323).
Desse modo, uma contribuição cognitiva da arte, pois se na experiência ordinária o
entendimento regras à capacidade de imaginação, o gênio tem tanta capacidade de imaginação
que essa sugere regras ao entendimento:
[D]o ponto de vista estético (...) a capacidade de imaginação é livre para fornecer, além daquela concordância
com um conceito, todavia espontâneamente, uma matéria rica e não elaborada para o entendimento, a qual este
em seu conceito não considerou e a qual este, porém, aplica não tanto objetivamente para o conhecimento,
quanto subjetivamente para a vivificação das faculdades de conhecimento, indiretamente, portanto, também
para conhecimentos (KU 198, 162)
216
.
Essa contribuição ao conhecimento fica mais clara no belíssimo texto de Cicovacki:
Embora o objetivo primário e explícito da arte não seja nos instruir sobre o que é verdadeiro e o que é falso, a
experiência da arte pode ter tais efeitos. Ela nos convida a juízos reflexivos e contemplativos. Embora tais
juízos não excluam conexões conceituais, não são baseados nelas. Juízos reflexivos são baseados no jogo de
imagens, e as conexões conceituais são relegadas a pano fundo. Diferentemente de seus correspondentes
determinantes, os juízos reflexivos não requerem evidência e demonstrações para serem verdadeiros. Juízos
reflexivos não copiam nada nem explicam ou demonstram alguma coisa no sentido em que a ciência o faz. A
214 Sobre a inefabilidade em Kant, ver (HLOBIL, 1998).
215 [I]st eigentlich dasjenige, was man Geist nennt; denn das Unnennbare in dem Gemütszustande bei einer gewissen
Vorstellung auszudrücken und allgemein mitteilbar zu machen (...): das erfordert ein Vermögen, das schnell
vorübergehende Spiel der Einbildungskraft aufzufassen und in einen Begriff (der eben darum original ist, und zugleich
eine neue Regel eröffnet, die aus keinen vorhergehenden Prinzipien oder Beispielen hat gefolgert werden können) zu
vereinigen, der sich ohne Zwang der Regeln mitteilen läßt” (KU 198-9, 162-3).
216 “[I]n ästhetischer Absicht (...) die Einbildungskraft frei ist, um noch über jene Einstimmung zum Begriffe, doch
ungesucht, reichhaltigen unentwickelten Stoff für den Verstand, worauf dieser in seinem Begriffe nicht Rücksicht nahm,
zu liefern, welchen dieser aber nicht sowohl objektiv zum Erkenntnisse, als subjektiv zur Belebung der
Erkenntniskräfte, indirekt also doch auch zu Erkenntnissen, anwendet” (KU 198, 162).
130
arte simplesmente exibe através da ilustração ou do exemplo. A verdade exibida através das idéias estéticas é
imediatamente experimentada e intuitivamente entendida. A verdade da arte é medida não por sua
objetividade mas por sua vitalidade. Kant acredita que as idéias estéticas são verdadeiras na medida em que
elas animam nossos pensamentos e excitam nossos poderes cognitivos (CICOVACKI, 2001: 485-6 itálico
nosso)
217
É através das idéias estéticas, cujo processo de elaboração vimos no capítulo 3, que o gênio
torna comunicável o inefável, porque, assim como no caso da idéia racional, a capacidade de
imaginação com suas intuições não alcança o conceito dado, no caso de uma idéia estética o
entendimento com seus conceitos nunca atinge a completa intuição interna que a capacidade de
imaginação possui:
a idéia estética é uma representação da capacidade de imaginação associada a um conceito dado, a qual se liga
uma tal multiplicidade de representações parciais no uso livre das mesmas, que não se pode encontrar para ela
nenhuma expressão que denote um conceito determinado, a qual, portanto, permite pensar de um conceito
muita coisa inexprimível, cujo sentimento vivifica as faculdades de conhecimento, e à linguagem, enquanto
simples letra, insufla espírito (KU 197, 162)
218
.
Por isso, na comparação do valor estético das belas artes entre si, Kant toma como critérios a
capacidade de movimentação da mente de cada arte e a promoção da cultura que elas proporcionam
à mente – cultura essa que é medida pelo alargamento das faculdades que na faculdade do juízo têm
que concorrer para o conhecimento (KU 220, 174).
Tal como (WHITE, 1990: 45), Pareyson acredita que se o que torna a capacidade de
imaginação livre é sua desvinculação do entendimento, o que a torna criativa é sua relação com a
razão na medida em que exibe de algum modo a idéia racional ela sensibiliza o supra-sensível,
tornando a razão, em certa medida, sensível (PAREYSON, 1984: 151).
Eis a criatividade da capacidade de imaginação: a capacidade de imaginação criativa é o
espírito (o princípio vivificante: “a faculdade da exibição de idéias estéticas (KU 192, 159)
219
)
responsável por esse esforço de pensar coisas inexprimíveis em um conceito que vivifica as
faculdades e insufla espírito à linguagem; de maneira que a capacidade de imaginação contribui ao
conhecimento ao ampliar esteticamente o conceito e nos faz pensar mais do que pode ser
217 Although the primary and explicit goal of art is not to instruct us as to what is true and what is false, the
experience of art can have such effects. It invites us into reflective and contemplative judgments. Although such
judgments do not exclude conceptual connections, they are not grounded in them. Reflective judgments are grounded in
the play of images and conceptual connections are relegated to the background. Unlike their determinative
counterparts, reflective judgments do not require evidence and demonstrations in order to be true. Reflective judgments
do not copy anything, nor do they explain or demonstrate anything, in the way that science does. Art simply displays by
illustration or example. The truth displayed through the aesthetic ideas is immediately experienced and intuitively
understood. The truth of art is measured not by its objectivity but by its vitality. Kant believes that the aesthetic ideas
are true insofar as they animate our thoughts and quicken our cognitive powers” (CICOVACKI, 2001: 485-6 itálico
nosso).
218 “[D]ie ästhetische Idee ist eine einem gegebenen Begriffe beigesellte Vorstellung der Einbildungskraft, welche mit
einer solchen Mannigfaltigkeit der Teilvorstellungen in dem freien Gebrauche derselben verbunden ist, daß für sie kein
Ausdruck, der einen bestimmten Begriff bezeichnet, gefunden werden kann, die also zu einem Begriffe viel
Unnennbares hinzu denken läßt, dessen Gefühl die Erkenntnisvermögen belebt und mit der Sprache, als bloßem
Buchstaben, Geist verbindet” (KU 197, 162).
219 “das Vermögen der Darstellung ästhetischer Ideen” (KU 192, 159).
131
compreendido, pondo em movimento a razão:
Ora, se for submetida a um conceito uma representação da capacidade de imaginação que pertence à sua
exibição, mas por si tanto a pensar que jamais deixa compreender-se em um conceito determinado, por
conseguinte amplia esteticamente o próprio conceito de maneira ilimitada, então a capacidade de imaginação é
criadora e põe em movimento a faculdade de idéias intelectuais (a razão), ou seja, põe a pensar, por ocasião de
uma representação (o que na verdade pertence ao conceito do objeto), mais do que nela pode ser apreendido e
distinguido (KU 194-5, 160)
220
.
Novamente Cicovacki expressa belíssimamente o que podemos concluir desse estudo:
Exatamente quando estamos convencidos de que no jogo [entre capacidade de imaginação e entendimento, que
o gênio comunica] não nada além de um jogo infantil, nada além da pura alegria de estar vivo, algo
insuspeito e extraordinário acontece. (...) [N]a experiência da arte algo volta para nós, que aumentado e
intensificado. Aquilo com que jogamos e o que espalhamos são imagens, o que de repente volta a nós e nos
atinge através dessas imagens é o que Kant chama de 'idéias estéticas'. (...) Essas são idéias para as quais
faltam palavras e conceitos apropriados. Kant entende idéias estéticas como arquétipos ou imagens originárias.
Isso indica que idéias estéticas não representam simplesmente qualquer possibilidade nem equivalem a
simplesmente qualquer “pode ser”. Elas exibem e trazem à nossa atenção aquelas possibilidades que são
relevantes para nós enquanto seres humanos. As possibilidades nos são relevantes na medida em que tratam de
nossos medos e esperanças, da miséria e da felicidade, do vício e da virtude, do homem e de Deus, da ilusão e
da verdade; elas são relevantes quando se dirigem a nossas necessidades e interesses humanos fundamentais.
Em nossa brincadeira ilusória e infantil somos abatidos pelo reconhecimento de um interesse humano sério. O
interesse cômico ou trágico de um personagem fictício é de repente reconhecido como um interesse humano,
como nosso próprio interesse (CICOVACKI, 2001: 484)
221
.
E assim podemos entender a epígrafe de nosso trabalho em todo o seu significado:
A capacidade de imaginação (enquanto faculdade de conhecimento produtiva) é mesmo muito poderosa na
criação como que de uma outra natureza a partir da matéria que a natureza efetiva lhe dá. Nós entretemo-nos
com ela sempre que a experiência pareça-nos demasiadamente trivial; também a remodelamos de bom grado,
na verdade sempre ainda segundo leis analógicas, mas contudo também segundo princípios que se situam mais
acima na razão (e que nos são tão naturais como aqueles segundo os quais o entendimento apreende a natureza
empírica); neste caso sentimos nossa liberdade da lei da associação (a qual é inerente ao uso empírico daquela
faculdade), de modo que segundo ela na verdade tomamos emprestado a matéria, a qual porém pode ser
reelaborada por nós para algo diverso, a saber, para aquilo que ultrapassa a natureza (KU 193, 159)
222
.
220 Wenn nun einem Begriffe eine Vorstellung der Einbildungskraft untergelegt wird, die zu seiner Darstellung
gehört, aber für sich allein so viel zu denken veranlaßt, als sich niemals in einem bestimmten Begriff zusammenfassen
läßt, mithin den Begriff selbst auf unbegrenzte Art ästhetisch erweitert; so ist die Einbildungskraft hiebei schöpferisch,
und bringt das Vermögen intellektueller Ideen (die Vernunft) in Bewegung, mehr nämlich bei Veranlassung einer
Vorstellung zu denken (was zwar zu dem Begriffe des Gegenstandes gehört), als in ihr aufgefaßt und deutlich gemacht
werden kann” (KU 194-5, 160).
221 Precisely when we are convinced that in the game there is nothing but a childlike play, nothing but a pure joy of
being alive, something unsuspected and extraordinary happens. (...) [I]n the experience of art something comes back to
us, only magnified and intensified. What we play with and throw around are images, what suddenly comes back to us
and hits us through those images is what Kant calls ‘aesthetic ideas’. (...) These are ideas for which the appropriate
words and concepts are missing. Kant understands aesthetics ideas as archetypes or original images. This indicates
that aesthetics ideas do not represent just any possibility, nor do they stand for just any ‘could be’. They display and
bring to our attention those possibilities that are relevant to us as human beings. The possibilities are relevants to us
when they deal with fears and hopes, misery and happiness, vice and virtue, man and God, illusion and truth; they are
relevant when they address our fundamental human needs and concerns. In our illusory and childish playfulness, we
are struck by the recognition of a serious human concern. The comic or tragic concern of a fictional character is
suddenly recognized as a human concern, as our own concern” (CICOVACKI, 2001: 484).
222 Die Einbildungskraft (als produktives Erkenntnisvermögen) ist nämlich sehr mächtig in Schaffung gleichsam
einer andern Natur, aus dem Stoffe, den ihr die wirkliche gibt. Wir unterhalten uns mit ihr, wo uns die Erfahrung zu
alltäglich vorkommt; bilden diese auch wohl um: zwar noch immer nach analogischen Gesetzen, aber doch auch nach
Prinzipien, die höher hinauf in der Vernunft liegen (und die uns eben sowohl natürlich sind, als die, nach welchen der
Verstand die empirische Natur auffaßt); wobei wir unsere Freiheit vom Gesetze der Assoziation (welches dem
empirischen Gebrauche jenes Vermögens anhängt) fühlen, nach welchem uns von der Natur zwar Stoff geliehen, dieser
aber von uns zu etwas ganz anderem, nämlich dem, was die Natur übertrifft, verarbeitet werden kann” (KU 193, 159).
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