Download PDF
ads:
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO: MESTRADO
Área de Concentração: Aprendizagem e ação docente
A DIVERSIDADE CULTURAL NO COTIDIANO ESCOLAR: UMA
ABORDAGEM DA EDUCAÇÃO MULTICULTURAL
SANDRA MARA MARTINS RIBEIRO
MARINGÁ
2006
ads:
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
MESTRADO EM EDUCAÇÃO
“A DIVERSIDADE CULTURAL NO COTIDIANO ESCOLAR: UMA
ABORDAGEM DA EDUCAÇÃO MULTICULTURAL”
Dissertação apresentada por SANDRA MARA
MARTINS RIBEIRO, ao Programa de Pós-
Graduação em Educação, Área de
Concentração: Aprendizagem e ação Docente,
da Universidade Estadual de Maringá, como
um dos requisitos para a obtenção do tulo de
Mestre em Educação.
Orientador: Prof. Dr. JOÃO LUIZ GASPARIN
MARINGÁ
2006
ads:
SANDRA MARA MARTINS RIBEIRO
“A DIVERSIDADE CULTURAL NO COTIDIANO ESCOLAR: UMA ABORDAGEM
DA EDUCAÇÃO MULTICULTURAL”
BANCA EXAMINADORA
Prof.Dr. João Luiz Gasparin (Orientador)
Universidade Estadual de Maringá - UEM
Profª. Drª. Vera Maria Ferrão Candau
Pontífice Universidade Católica do Rio de Janeiro – PUC-RJ
Profª. Drª Nerli Nonato Ribeiro Mori
Universidade Estadual de Maringá - UEM
Data da Aprovação:
Dedico este trabalho
Á minha família, ao esposo Amarildo e aos
filhos Ana Paula e Fernando,
pelo incentivo, compreensão, carinho e amor.
AGRADECIMENTOS
A Deus, pela oportunidade e condições de realização deste trabalho.
Ao Professor Doutor João Luiz Gasparin, meus sinceros agradecimentos, não
apenas pela orientação firme e segura demonstrada na elaboração deste trabalho,
mas também pelo incentivo, confiança e amizade nesses anos de convivência.
À Direção e Equipe Pedagógica da escola campo de pesquisa, pelo consentimento e
apoio na realização da investigação prática.
Aos Professores e alunos participantes da coleta de dados, meu carinho especial
pela confiança nas informações prestadas.
Epígrafe
“Minha presença no mundo não é a de quem a
ele se adapta, mas a de quem nele se insere. É
a posição de quem luta para o ser apenas
objeto, mas sujeito da História.”
PAULO FREIRE
RIBEIRO, Sandra Mara Martins. A DIVERSIDADE CULTURAL NO COTIDIANO
ESCOLAR: UMA ABORDAGEM DA EDUCAÇÃO MULTICULTURAL. 118 f.
Dissertação: Mestrado em Educação – Universidade Estadual de Maringá.
Orientador: Prof. Dr. João Luiz Gasparin. Maringá, 2006
RESUMO
Encontra-se no contexto escolar pouca reflexão acerca da pluralidade de culturas
dos atores do processo de ensino e de aprendizagem. Com a ausência de reflexões
sobre como as desigualdades são produzidas, permanece cada vez mais distante a
compreensão de como as diferenças o utilizadas ideologicamente para a
produção de desigualdades. Em direção a um redimensionamento da educação,
nesta perspectiva, existem vários documentos coletivos que embasaram alterações
na legislação no que diz respeito à valorização da heterogeneidade. A comunidade
internacional já apresenta uma caminhada sólida de estudos sobre este tema,
contribuindo com vasta bibliografia abordando a valorização da heterogeneidade,
bem como as políticas públicas para a diversidade cultural. Buscando compreender
e interpretar a dinâmica interna do cotidiano escolar com relação à Diversidade
Cultural, dentro de uma perspectiva de totalidade, a principal preocupação deste
trabalho, tendo como pressuposto a dimensão teórica do tema, é identificar como os
professores lidam com a diversidade cultural em uma série de um Colégio
Estadual de Ensino Fundamental. Considera-se relevante tentar responder, ou pelo
menos clarificar as questões ditadas pela prática na abordagem da diversidade
cultural nas escolas públicas. Optou-se por uma pesquisa de cunho qualitativo,
sendo realizada através de estudo de caso, com pesquisa de campo, utilizando
entrevistas e observações para levantamento de dados. Levando-se em conta a
pesquisa feita a partir da literatura sobre o assunto, percebe-se a relevância do tema
na atualidade. Neste sentido, pretende-se contribuir com o mesmo abordando a
educação multicultural.
Palavras-chave: diversidade - cultura – educação - multiculturalismo
RIBEIRO, Sandra Mara Martins. The CULTURAL DIVERSITY In The DAILY
PERTAINING TO SCHOOL: A BOARDING OF THE MULTICULTURAL
EDUCATION. 118 f. Dissertação: Mestrado in Education State University of Maringá.
Person who orientates: Prof. Dr. João Gasparin Luiz. Maringá, 2006
ABSTRACT
The reflection concerning the plurality of cultures envolving the actors of the learning
and teaching process is insufficient. With the reflections absence about how
inaqualities are produced, the understanding of as the differences are used
ideologicaly for the production of inequalities remains more distant. In direction to a
redimensionament of the education in that perspective there are collective
documents and alterations in the existent legislation in that the valuation of the
heterogeneidade says respect. The international community has already presented a
solid round of studies on this subject, contributing with vast bibliography about the
valuation of the heterogeneidade, as well as the public politics for the culturall
diversity. Trying to understand and to interpret the internal dynamics of the daily
school with relation to the Cultural Diversity, inside of a perspective of totality, the
main objective of this work, having as estimated the theoretical dimension of the
subject, is to identify how the professors work with the cultural diversity in serie of
a State College of Basic Education. It is considered necessary trying to answer, or at
least, to clarifily the questions dictated for the boarding pratic of the cultural diversity
in the public schools. It was opted to a qualitative research that was carried by case’s
study, with field research, using interviews and comments for data-collecting. Taking
in account the research made from the literature about the subject, it has been
perceived the relevance of the subject in the present time. In the way, the intention is
to contribute with the discussion a multicultural education.
Key-words: diversity - culture - education - multiculturalism
SUMÁRIO
1
INTRODUÇÃO
11
2
CULTURA: MÚLTIPLOS OLHARES
15
2.1
Cultura
16
2.1.2 Cultura Local e Cultura Universal 22
2.1.3 Cultura Popular e Cultura Erudita 23
2.1.4 Aculturação 28
2.2
Os “ismos” derivados de Cultura
30
2.2.1 Interculturalismo 30
2.2.2 Transculturalismo 36
2.2.3 Pluriculturalismo e Multiculturalismo 38
2.2.3.1 Multiculturalismo Conservador ou Empresarial 44
2.2.3.2 Multiculturalismo Humanista Liberal 44
2.2.3.3 Multiculturalismo Liberal de Esquerda 45
2.2.3.4 Multiculturalismo Crítico e de Resistência 46
2.2.3.5 Multiculturalismo Revolucionário 49
2.3
Fenômenos envolvendo cultura
51
2.3.1 Invasão Cultural 51
2.3.2 Dominação Cultural 53
2.3.3 Diversidade Cultural 59
2.3.4 Identidade Cultural 64
2.3.5 Hibridização Cultural 65
2.3.6 Superioridade Cultural 68
2.3.7 Globalização e Cultura 69
2.3.8 Igualdade e Diferença Cultural 71
3
PERSPECTIVA CULTURAL EM EDUCAÇÃO
73
3.1 Escola e Cultura 73
3.2 Assimilação Cultural na Escola 75
3.3 Cultura Escolar – Monocultura 78
3.4 Papel Homogeneizador da Cultura Escolar 81
12
3.5 Diversidade e Fracasso Escolar 81
3.6 Educação Multicultural 84
3.7 Educação Inclusiva 92
4
A PESQUISA EMPÍRICA E SUA RELAÇÃO COM A
TEORIA DA MULTICULTURALIDADE
96
4.1 A Pesquisa de Campo 100
4.2 A Escola 101
4.3 Metodologia dos Professores Pesquisados 105
4.4 Conclusões 118
REFERÊNCIAS
120
ANEXOS
124
13
1. INTRODUÇÃO
Ao longo da história da humanidade, modos de ser, de agir e de pensar foram
sendo construídos para serem seguidos como padrões por todos aqueles que
quisessem ser aceitos por uma determinada sociedade. Esses modelos trazem
consigo a marca da homogeneidade. Neste enfoque, existe uma grande
preocupação com a negação à diferença. Assim, o não-diferente é o aceito
socialmente. Em decorrência desta prática social, muitas exclusões são consumadas
diariamente, contribuindo para aumentar em muito a parcela da sociedade que
continua anônima na construção da história da humanidade.
Cada vez mais verifica-se que a sociedade neoliberal em sua busca pela
garantia da hegemonia atua em duas frentes, de um lado busca um alto grau de
harmonia. Lutando ferrenhamente pela manutenção da homogeneidade, quando
acaba por difundir a negação do direito à diferença. Por outro lado presenciamos
uma personificação no mercado produtor para garantir o consumo por parte de
públicos específicos, ou seja, tendo como objetivo garantir o mercado consumidor
adapta seus produtos ao gosto do consumidor, incorporando a diferença à lógica de
mercado.
Ao utilizar-se deste pressuposto, a não reflexão acerca da pluralidade de
culturas de homens e mulheres, atores do processo de ensino e de aprendizagem,
reforça-se a hegemonia. Com a ausência de reflexões sobre como as desigualdades
são produzidas, permanece cada vez mais distante a compreensão de como as
diferenças são utilizadas ideologicamente para a produção de desigualdades. É
muito importante compreender que desigualdade e diferença não se opõem, pois
buscamos compreender a riqueza das diferenças na superação das desigualdades
produzidas historicamente. Desigualdade opõem-se à igualdade, e diferença à
semelhança, dialeticamente uma não exclui a outra.
14
Sem esta reflexão, a educação formal, institucionalizada nas escolas, não
transforma, apenas conforma. Onde fica, então, o caráter transformador da
educação?
Ao se fazer uma análise do contexto atual do cotidiano escolar, percebe-se a
caminhada em direção a um redimensionamento da educação apresentando como
suporte teórico a elaboração de vários documentos coletivos que embasaram
alterações na legislação no que diz respeito ao combate à homogeneidade.
A comunidade internacional apresenta uma caminhada sólida de
discussões e aprofundamento de estudos, contribuindo com vasta bibliografia
abordando a valorização da heterogeneidade, bem como as políticas públicas para a
diversidade cultural.
Abramowicz (2003) esclarece que a igualdade que todos nós desejamos
pode ser atingida se forem mantidas e respeitadas as diferenças, pois a cidadania
de alguns não pode ser construída sobre a exclusão de muitos. A autora alerta que
este é o pressuposto fundamental para um novo redimensionamento do ensino no
Brasil. Lembra, ainda, que superar preconceitos históricos é outro desafio para os
educadores, pois a escola precisa garantir a igualdade e assegurar as diferenças,
entendendo a heterogeneidade como riqueza e não como obstáculo.
Buscando compreender e interpretar a dinâmica interna observada no
cotidiano escolar com relação à Diversidade Cultural, dentro de uma perspectiva de
totalidade, a principal preocupação deste trabalho, tendo como pressuposto a
dimensão teórica do tema, é, ao realizar pesquisa empírica, identificar a relação dos
professores de uma série com a diversidade cultural no cotidiano escolar,
acompanhando o que alunos e professores dizem e fazem acerca da diversidade
cultural em uma turma de um Colégio Estadual de Ensino Fundamental, em
ambiente urbano em Cascavel - Paraná. Pretende-se, ainda, contribuir com a
literatura sobre o tema.
Este trabalho utiliza-se da concepção Dialética como pressuposto para o
diálogo entre os opostos, uma vez que somente pode-se compreender a pobreza se
discutirmos a riqueza, para vislumbrar a inclusão escolar e social precisamos discutir
a exclusão escolar e social. Também, por esta concepção teórica compreender o
homem como síntese de múltiplas determinações, ou seja, o homem concreto.
15
Assim, o aluno, ao ser compreendido como parte integrante do processo ensino-
aprendizagem, é percebido como atuante diretamente sobre a produção do
conhecimento, dentro de uma totalidade que compreende teoria e prática como uma
unidade sob o primado da prática.
Para a realização da pesquisa empírica optou-se por uma pesquisa de cunho
qualitativo, sendo realizada através de um estudo de caso. Isto devido à delimitação
do tema que apresenta contornos claramente definidos, constituindo-se uma
unidade dentro de um sistema mais amplo, que é o sistema educacional. A opção
pelo estudo de caso deu-se pela busca da interpretação das concepções de
diversidade cultural dos sujeitos pesquisados no contexto escolar, procurando
retratar a realidade de forma completa e ampla, evidenciando a inter-relação dos
seus componentes.
A pesquisa de campo foi realizada utilizando entrevistas e observações para
levantamento de dados. A observação tornou-se importante na medida em que
possibilitou um contato pessoal e estreito da pesquisadora com o fenômeno
pesquisado além de proporcionar a observadora o acompanhamento in loco das
experiências diárias dos sujeitos pesquisados que facilitaram a apreensão de suas
visões de mundo. Como garantia de fidedignidade, após a observação, foram
realizadas entrevistas com as professoras e com os alunos, confrontando suas
afirmações. As entrevistas tiveram o objetivo central de obter informações diretas
dos entrevistados. Optou-se por entrevista semi-estruturada.
A observação, bem como as entrevistas, foram realizadas com o intuito de
investigar a atuação de professores ao se defrontarem, em sua ação pedagógica na
sala de aula, com a diversidade cultural dentro do sistema educacional
convencional. A diversidade, por não ser compreendida em toda a sua dimensão,
acaba por alterar o cotidiano escolar, gerando baixo rendimento dos alunos,
inclusive culpando-os pelo seu fracasso. Partindo do pressuposto de que é a prática
social construída diariamente que determina a consciência humana quanto à
diversidade, a negação ou a promoção desta diversidade norteará a prática
pedagógica no cotidiano escolar.
16
A perspectiva de análise dos dados da pesquisa de campo apresenta como
fundamentação a educação multicultural em um processo interativo entre teoria e
prática.
Para abordar a problemática das relações entre educação e cultura(s) de
maneira adequada, tornou-se indispensável clarificar alguns dos termos básicos
presentes na produção bibliográfica sobre esta temática. Para tanto, o Capítulo I faz
uma análise da bibliografia nacional e estrangeira, disponível no momento,
abordando os conceitos gerais que estão sempre presentes no estudo das obras de
diversos autores, como Arroyo (1996 e 2003), Candau (2002 e 2005), Torres (2001),
Gómez (2001), Silva (2003), McLaren (2000), Moreira (2001 e 2002), Giroux (1997),
Veiga (1998), entre outros. Nesses autores busca-se, primeiramente, identificar o
conceito de cultura, apontando ao mesmo tempo a concepção antropológica de
cultura. Num segundo momento, busca-se compreender os “ismos” derivados da
cultura fazendo rápida explicitação dos termos: Interculturalismo, Pluriculturalismo,
Transculturalismo e Multiculturalismo. Finalmente, faz-se uma breve abordagem de
outros fenômenos envolvendo a cultura: Invasão Cultural, Dominação Cultural,
Diversidade Cultural, Identidade Cultural, Hibridização Cultural, Superioridade
Cultural, Igualdade e Diferença Cultural, e a relação entre Globalização e Cultura.
A construção do Capítulo II está toda voltada para a explicitação da
perspectiva cultural em educação, refletindo sobre a relação entre escola e cultura,
assimilação cultural na escola, cultura escolar em seu caráter monocultural, papel
homogeneizador da cultura escolar, relação entre diversidade e fracasso escolar, a
Educação Multicultural e a Educação Inclusiva.
A pesquisa de campo será descrita no Capítulo III, bem como a realidade da
escola campo de pesquisa, as metodologias utilizadas pelos professores no
cotidiano escolar no trato com a diversidade cultural e suas percepções quanto à
diversidade dentro da escola. Faz-se tamm, uma relação entre os dados coletados
através da entrevista com os professores, da entrevista com os alunos e da
observação com a teoria pesquisada sobre o tema para responder a questão central
do presente trabalho: Como os professores lidam com a diversidade cultural no
cotidiano escolar?
2. CULTURA: MÚLTIPLOS OLHARES
No panorama mundial da contemporaneidade estão sendo presenciadas
várias transformações. Evidencia-se o fato da contemporaneidade trazer consigo
vários tipos de relações facilmente perceptíveis por uma grande maioria de pessoas.
Porém, percebe-se que as relações dialéticas marcantes apresentam um alto grau
de dificuldade perceptível para a humanidade. Isto acontece pelo fato de que,
paralelamente à difusão, através de vários componentes culturais, de uma
perspectiva mais globalizante de todos os processos tecnológicos, econômicos, e
pela mundialização da cultura, presenciam-se, contraditoriamente, manifestações
como global/local, diferente/igual, singular/plural, simples/composto,
heterogeneidade/homogeneidade.
Com relação ao panorama social das últimas duas décadas, há uma
intensificação mundial do foco da abordagem cultural. Isto é facilmente perceptível a
partir dos imeros encontros e publicações que vêm divulgando e consolidando os
conhecimentos produzidos por meio de reflexões e pesquisas de vários especialistas
na área, estudiosos da cultura, como fator de transformação social.
Não se pode esquecer que a educação é parte integrante deste processo e
não se afastar da realidade dialética. Os efeitos gerados pela mundialização das
informações impactam cada vez mais intensamente no cotidiano escolar. Diante da
multiplicidade de conflitos e tensões, o eixo central de todas as discussões escolares
não pode ter simplesmente reduzido seu foco estrutural em torno da cultura escolar.
Torna-se vital que a escola incorpore a multiculturalidade em sua concepção de
realidade social e cultural, por meio do repensar a própria concepção de suas
funções e relações com o conhecimento, com a sociedade e com a construção de
identidades.
Na atualidade, convive-se com uma organização escolar baseada na
homogeneidade, onde se afirma a igualdade baseada na ênfase de uma base
cultural comum a que todos devem ter acesso garantido perante a lei com o objetivo
de ter sua cidadania garantida.
16
Desta forma, entender a realidade atual é imprescindível para buscar
alternativas de superação da estruturação escolar vigente, bem como da retomada
da emancipação humana. Para abordar a diversidade cultural faz-se necessário, em
primeiro lugar, compreender, como faz Candau (2002), “a enorme polissemia de
termos” utilizados na literatura sobre o assunto.
Inicialmente, tendo como base a bibliografia pesquisada verificaremos as
mais variadas formas de concepção do termo “cultura”, atualmente utilizadas.
2.1 – CULTURA:
A humanidade, por meio de suas organizações sociais, em cada momento
histórico, construiu modelos variados de comportamento que deveriam ser seguidos
por todos aqueles que desejassem pertencer a um grupo específico. Neste sentido,
Machado (2002) esclarece que cultura é a resposta apresentada pelos grupos
humanos ao desafio da existência. Uma resposta que se revela em termos de
conhecimento e comportamento, isto é, em termos de razão e ação. Assinala, ainda,
que a cultura é um extenso processo de seleção e filtragem de conhecimentos e
experiências, não de um indivíduo, mas, sobretudo, por um determinado grupo
social, com características próprias.
A Antropologia desvela os antecedentes históricos do conceito de cultura
marcando fortemente o caráter de aprendizado da cultura em oposição à idéia de
aquisição inata, transmitida por mecanismos biológicos. O antropólogo Laraia
(2005), professor da Universidade de Brasília, em sua obra “CULTURA: um conceito
antropológico” esclarece que a capacidade humana ilimitada de obter conhecimento
é influenciada pelo determinismo biológico e pelo determinismo geográfico. Uma
mudança no ambiente resulta numa mudança no comportamento. Lembra que em
1871, Edward Tylor (1832-1917) definiu cultura como sendo todo o comportamento
aprendido, tudo aquilo que independe de uma transmissão genética. Laraia afirma
17
que o homem é o único ser possuidor de cultura. Ele explica que para Tylor “cultura
pode ser objeto de um estudo sistemático, pois trata-se de um fenômeno natural que
possui causas e regularidades, permitindo um estudo objetivo e uma análise
capazes de proporcionar a formulação de leis sobre o processo cultural e a
evolução.” (LARAIA 2005, p.30)
Para esclarecer a confusão conceitual comum entre o orgânico e o cultural
este autor esclarece:
Não se pode ignorar que o homem, membro proeminente da ordem
dos primatas, depende muito de seu equipamento biológico. Para se
manter vivo, independente do sistema cultural ao qual pertença, ele
tem que satisfazer um mero determinado de funções vitais, como a
alimentação, o sono, a respiração, a atividade sexual, etc. Mas,
embora estas funções sejam comuns a toda a humanidade, a maneira
de satisfazê-las varia de uma cultura para outra (LARAIA 2005, p.37).
Assim, conclui-se que os comportamentos humanos não são biologicamente
determinados. A herança genética nada tem a ver com as suas ações e
pensamentos, pois todos os seus atos dependem inteiramente de um processo de
aprendizado.
Não é possível prescindir dos estudos de Candau (2002), conceituada
pesquisadora brasileira, que, desde 1996, dedica-se às questões envolvendo
“cultura(s)” e educação. Ela vem dando um enfoque especial aos problemas
relativos à diversidade cultural no cotidiano escolar, alertando que:
Ao abordarmos o termo cultura estamos lidando com um conceito amplo
e bastante geral, havendo várias maneiras de situá-lo e interpretá-lo,
existindo mais de cem tentativas de defini-lo. No sentido restrito da
palavra, esta se refere exclusivamente às produções intelectuais e
artísticas (CANDAU, 2002, p. 72).
Deste modo, a abstração que chamamos de cultura não é fácil de delimitar.
Dentro de seus estudos, Candau (1998) e Lampert (2004) mostram que da
concepção reducionista de cultura, que privilegia as dimensões artísticas e
intelectuais, referindo-se apenas às realizações artísticas, às manifestações
18
religiosas e à organização política de um povo, passa-se a uma perspectiva mais
ampla, na qual se entende cultura como o estruturante profundo do cotidiano de todo
grupo social.
Em complementação a este esclarecimento Machado (2002), afirma que:
Ao longo dos anos o termo ‘CULTURA’ foi se modificando e somente a
partir do surgimento do vocábulo inglês culture é que foi estabelecida
sua acepção complexa, que abrange conhecimentos, crenças, arte,
moral, leis, costumes ou qualquer outra habilidade ou tradição
adquiridos pelo homem, tal como a vemos hoje (MACHADO, 2002, p.
18).
O termo utilizado por Tylor, envolve a complexa realização cotidiana da
humanidade, independente de espaço e tempo, englobando em uma palavra
todas as possibilidades de realização humana.
Em sua abordagem mais ampla, a cultura pode, então, ser entendida como as
mais diversas produções do ser humano. Independente de gênero, raça, idade, etc.
cada pessoa humana é produtora de cultura. Portanto, não pode ser considerada
como privigio de certos grupos sociais, nem pode ser apenas atribuída ao
processo de escolarização formal. Ao contrário do que a sociedade dominante
difunde, a cultura é um fenômeno heterogêneo, dinâmico, multiforme e plural, pois
envolve criação e recriação devendo ser reconhecida como atividade, como ação.
Deve ser considerada tamm como um sistema de símbolos, pois fornece as
indicações e contornos de grupos sociais e sociedades específicas.
A partir desta primeira formulação, no campo da antropologia clássica, de
acordo com mez (2001), prevaleceu à interpretação da cultura como uma
complexa herança social, o-biológica, de saberes, práticas, artefatos, instituições
e crenças que determinam a controvertida textura da vida dos indivíduos e dos
grupos humanos.
A cultura determina o comportamento do homem e justifica suas realizações;
assim, o homem age de acordo com seus padrões culturais. Os seus instintos foram
parcialmente anulados ao longo do processo evolutivo por que passou. Desta forma,
a cultura é um meio de adaptação aos diferentes ambientes ecológicos. Ao adquirir
19
cultura, o homem passou a depender muito mais daquilo que aprendeu com os
demais membros do grupo a que pertence do que de a agir baseado pelas atitudes
geneticamente determinadas. É um processo cumulativo, resultante de toda a
experiência histórica das gerações anteriores. É válida a argumentação de Machado
(2002) de que a cultura, sendo vista como um todo ativo homogeneizado, é
transmitida de modo semelhante de uma geração a outra, respeitando-se os mais
variados contextos e momentos históricos. Assim, a cultura
deverá ser a base sobre a qual o ser humano caminhará e se
desenvolverá ao longo do processo histórico na busca da realização e
do aprimoramento do ser. O homem, o meio e a sociedade irão
complementar-se numa função evolutiva criadora, tendo como mola
propulsora a cultura, e como garantia de sua realização o aspecto
moral, que norteia a finalidade desse processo (MACHADO, 2002, p.
38).
Desta forma, a cultura é ensinada pelas gerações mais antigas às gerações
mais jovens, muitas vezes ideologicamente, como forma de manter o poder
dominante nas mãos dos dominadores. Pode acarretar que, esta cultura dominante,
ao ser ensinada às novas gerações, traga consigo todos os vícios da sociedade
dominante e excludente, marcados pela contradição e dualidade.
Dentro da perspectiva neoliberal, como versão atual do capitalismo, a
legislação garante igualdade formal perante as leis possibilitando a homogeneização
de toda a população. A solidariedade tornou-se responsabilidade social.
Conformismo, harmonia, aceitação, respeito, tolerância, estas são atitudes
difundidas na sociedade contraditória em que vivemos. Neste enfoque, a sociedade
é concebida como essencialmente harmoniosa, com forte tendência à integração de
cada um de seus membros, por simples aceitação.
Tem sido ressaltada a crescente importância do componente cultural no
mundo contemporâneo, no qual a cultura não pode ser reduzida a mero subproduto
ou reflexo da estrutura social vigente. Entendida por Moreira (2001), como campo no
qual se travam lutas em torno do processo de significação do mundo social, a cultura
é uma prática produtiva, um espaço constituidor, que dispõe de relativo grau de
autonomia em relação à esfera econômica. Segundo o autor, é grande a
necessidade de valorizá-la devidamente, sem, no entanto, ignorar ou desprezar a
20
força das determinações materiais. As grandes divisões da humanidade e a fonte
fundamental de conflito são, no momento presente, de ordem predominantemente
cultural.
Algumas questões tornam-se relevantes para a reflexão escolar: Há uma
cultura ou várias culturas? Quem determina a prevalência de uma sobre outra?
Quais critérios são utilizados na sua hierarquização? Por que se classificam as
culturas? Estas o apenas algumas questões com as quais nos ocupamos
recentemente, principalmente dentro do contexto escolar. Mostrar para alunos e
alunas que temos os mesmos direitos é uma batalha difícil de ser vencida diante dos
constantes ataques da sociedade excludente. Como explicar para nossas crianças a
violência, a pobreza, o desemprego, a desigualdade social? Não podemos mais
fechar os olhos para essa situação dentro das nossas salas de aula. É importante
esclarecer o que está por trás da prevalência da chamada cultura “erudita” sobre a
chamada cultura “popular”. Mostrar aos nossos jovens que a classe hegemônica
elegeu a sua própria cultura como a dominante, como aquela que deveria ser
seguida como modelo por todas as pessoas. Muitas vezes exterminando a cultura
original de vários povos originários ou atuais.
O Estado, nos moldes neoliberais, difunde ações assistencialistas e
populistas em todos os âmbitos das políticas sociais, com a finalidade de encobrir as
desigualdades e assim evitar movimentos de rebeldia ou de convulsão social, além
de propagar uma inclusão impositiva visando harmonia, tolerância, afirmando que
somos todos iguais. Vários projetos sociais já nascem falidos, outros não se realizam
em decorrência das trocas de mandatos no poder, sem fazer referência ainda aos
desvios de verbas, superfaturamentos encobertos pelas brechas nas leis.
À Cultura pertence toda e qualquer manifestação humana, podendo ser de
qualquer natureza. Desta forma, a partir do novo conceito de cultura podemos incluir
no processo cultural, sem exceção alguma, todas as manifestações de todos os
povos, pois elas aparecem como o contexto simbólico ao circundar, de maneira
permanente e de forma relativamente perceptível, o crescimento e o
desenvolvimento dos indivíduos e dos grupos humanos. Porém, nem sempre a
dimensão cultural é claramente percebida por todos os indivíduos.
21
Uma importante abordagem a ser feita é com relação ao fato de que os
fenômenos culturais não podem ser considerados, de maneira idealista, como
entidades isoladas. Para sua compreensão, é necessário situá-los dentro do conflito
das relações sociais cotidianas, nas quais adquirem significados. Cultura e poder
não estão dissociados. Estes dois componentes constituem uma articulação
indissolúvel na vida cotidiana.
Atualmente, torna-se relevante interpretar cultura como o emaranhado de
significados, sentimentos e realidades, expectativas e comportamentos,
discrepantes, convergentes e até muitas vezes contraditórios, que um determinado
grupo humano compartilha. É imprescindível que se perceba a cultura em seu
conteúdo de caráter flexível, histórico, mutável e plástico. Sendo um conhecimento
cheio de significados, fenômeno fundamental e radicalmente interativo, requer
interpretação mais do que explicação causal. Em ntese, segundo Gómez (2001),
conhecer, inclusive, a própria cultura é um empreendimento sem fim. Seu caráter
reflexivo implica sua natureza cambiante, sua identidade autoconstrutiva, sua
dimensão criativa e poética.
uma forma específica pela qual, comumente, a cultura é abordada.
Trindade (2002) esclarece que é a sua concepção em termos patrimoniais:
isto significa acreditar que a idéia de cultura é a idéia de monopólio
oficial de idéias prontas, preestabelecidas. Cultura, nessa visão, se
limita ao que está presente nos monumentos do passado, é o que está
presente nos arquivos, é o que permitiu a construção dos edifícios, a
formação de riquezas... Isso também é cultura, mas é uma visão de
cultura como patrimônio, um bem patrimonial a ser guardado
(TRINDADE, 2002, p. 17).
Nem sempre no Brasil e no resto do mundo, de maneira geral, a ausência de
letra, o analfabetismo, o ser não letrado, quer dizer que o sujeito não se seja culto. É
possível, como afirma Trindade (2002), ter sabedoria, ter cultura, no sentido de uma
instrumentalidade para lidar com o real, sem passar pela letra. Toda cultura precisa,
no encontro com outras culturas, aceitar ser desestabilizada, relativizada e
contestada em alguns de seus traços básicos, como tamm afirmam Candau
(2002) e Moreira (1999).
22
Numa sociedade de classes, a cultura torna-se parte do processo de
dominação, emergindo daí a sua grande problemática, qual seja a da hegemonia
cultural.
Além do conhecimento sobre os diferentes conceitos utilizados para a palavra
cultura, é importante compreender também, a diferenciação entre os conceitos de
cultura universal e cultura local.
2.1.2 - CULTURA LOCAL E CULTURA UNIVERSAL
Ao analisar-se mais atentamente muitos discursos e práticas sociais, fica
evidente a barreira ideológica, quase intransponível, que foi sendo construída
lentamente em nosso cotidiano, separando drasticamente vários elementos culturais
que passaram a ser classificados pela elite dominante como componentes ou da
cultura “local” ou da cultura “universal”.
Não é necessária muita teoria para entender que todos os componentes
culturais pertencentes a um grupo humano restrito, localizado geograficamente em
um local específico, constitui-se no que se denomina cultura local. os
componentes culturais que fazem parte do processo de humanização pelo qual toda
a humanidade passa ao longo de seu processo evolutivo, constituem-se a cultura
universal. Porém, com a explicitação de Candau (2002), percebe-se que em uma
visão tradicional e etnocêntrica, difundida no senso comum, existem culturas menos
desenvolvidas e outras mais avançadas.
O que de fato se elegeu como componentes culturais para a cultura
universal foram os componentes da cultura eurocêntrica, gerando assim um
etnocentrismo. O modo de vida do povo europeu foi transferido para todos os locais
do planeta que sofreram conquistas territoriais. A cultura local dos habitantes das
terras invadidas foi exterminada para prevalecer a cultura dos invasores.
23
Desta forma, constata-se que apenas o conteúdo erudito da cultura local é
admitido na escola. As culturas de grupos de menor poder aquisitivo, ou de menor
expressão social, continuam a ser ignoradas pelas instituições educacionais, mesmo
pelos que estão envolvidos na educação destes grupos.
2.1.3 – CULTURA POPULAR E CULTURA ERUDITA
Diante dos conflitos interculturais, muitas vezes extremos, torna-se relevante
que estes dois termos sejam percebidos como os dois lados da mesma moeda, no
sentido em que todos tenham respeitados seus componentes culturais pessoais e os
componentes coletivos, sem supremacia de um deles. A literatura esclarece a
concepção destas duas expressões. No imaginário social, afirmado por Candau
(2002), o termo cultura costuma estar vinculado à cultura “culta”, notadamente aos
valores da cultura intelectual e artística, assim como ao processo de escolarização.
Perrenoud (2001) afirma que, em geral, os sociólogos definem cultura de elite
como a cultura
das classes instruídas; [...] enraizada nas Humanidades, aquela das
pessoas que escutam música clássica, visitam museus e galerias de arte,
assistem ao último Woody Allen, compram os romances das edições
Gallimard (e algumas vezes não lêem), vão ao teatro, à ópera, ao balé, [...]
desprezam as emissões populares e a literatura barata. Para os membros
mais conservadores da elite, sua cultura é A cultura. Parece-lhes que não
existe outra cultura digna desse nome. [...] Os outros se caracterizam por
uma ausência de cultura (PERENOUD, 2001, p. 54).
Candau resgata a proposição de Da Matta
1
(1981 apud CANDAU 2002, p.72),
ao considerar que a cultura pode ser entendida como a maneira de viver de um
grupo, sociedade, país ou pessoa. A cultura é entendida, de acordo com este autor
como “um mapa, através do qual as pessoas de determinados grupos pensam,
1
DA MATTA, Roberto. Você tem Cultura? In: Jornal da Embratel. Edição especial, 1981.
24
classificam, estudam e modificam o mundo e a si mesmas”. Compreende-se melhor
a amplitude de abrangência do significado de “cultura” ao serem percebidas todas as
manifestações humanas, inclusive o cotidiano, como condição imperdível para
desvelarmos o descobrimento da diferença. Portanto, cada cultura possui um
conjunto de sentidos e significados próprios, ficando claro que não existe cultura
sem sentido, todas as culturas são diferentes entre si. Cultura pode ser interpretada
como os óculos através dos quais os homens vêem o mundo. Isto significa que
pessoas de culturas diferentes usam óculos variados, o que faz com que cada um
entenda a sua própria cultura como “natural”. Consequentemente, isto favorece o
surgimento da visão etnocêntrica.
É muito importante a contribuição de Candau, com relação aos aspectos
visíveis e invisíveis da cultura. Visíveis estão àqueles elementos culturais, como arte,
literatura, produção científica, música popular, erudita, entre outros. Já, com relação
aos aspectos invisíveis, no campo do subconsciente e o inconsciente, estão os
valores, os papéis relativos a gênero, idade, classe social; conceito de justiça, amor,
relações parentais, entre muitos outros aspectos. “Assim, a cultura configura o nosso
modo de ser e a maneira pela qual cada grupo social se organiza, estando
relacionada a processos extremamente complexos, e, em sua maior parte,
inconscientes” (CANDAU, 2002, p. 72).
Desta forma, a cultura não é um fenômeno estático, pois ela sofre diversas
influências, modificando-se. Candau (2002) esclarece que é impossível afirmar que
nas sociedades contemporâneas existem culturas “puras”. Todos os fenômenos
culturais o complexos, heterogêneos, históricos e dinâmicos, conforme explica,
não sendo passíveis de conceitualizações definitivas ou fixas. A autora ainda
apresenta o grande desafio dos estudos sobre a questão da cultura: lidar com a
diversidade, com a multiplicidade de perspectivas e tendências em relação à
questão da cultura, ou melhor, das culturas.
Cultura forma identidade, mas, em seu processo de elitização, isso foi tirado
das chamadas minorias”. O caminho mais eficiente para estimular a consciência
cultural do indivíduo dá-se por meio da escola, começa pelo reconhecimento e
apreciação da cultura local. Porém não se pode esquecer que a educação formal do
Terceiro Mundo Ocidental está amplamente dominada pelos digos culturais
europeus e, mais recentemente, pelo digo cultural norte-americano branco.
25
Visando uma forma de combate deste eurocentrismo, os artistas modernos europeus
foram os primeiros a criar uma justificação a favor da multicultura, apesar de
analisarem a “cultura” dos outros sob seus próprios cânones de valores.
Gómez (2001) identifica “popular” como um plano de luta política e ideológica
de um povo, sobretudo em torno da formação daquilo que é dado como “popular”, e,
além disso, em torno da formação do próprio “povo”. Cultura tem uma potente
dimensão popular e tradicional, é o espírito do povo a que cada um pertence e que
impregna, ao mesmo tempo, o pensamento mais elevado e os gestos mais simples
da vida cotidiana.
Para Perrenoud (2001, p. 55), parece mais adequado dizer que a cultura
popular
ficou limitada à esfera cotidiana, à da família, do supermercado, das
conversas de bar, das arquibancadas dos estádios ou do metrô, das
solidariedades sindicais, das grandes multidões, da paquera. [...] a cultura
popular parece uma resposta semelhante a uma condição comum: relativa
pobreza, desemprego, insegurança e solidão nas grandes cidades,
habitação precária, confronto com os imigrantes. Durante muito tempo, os
burgueses em busca da cultura do povo buscaram obras, festas, rituais,
uma literatura, uma música, artes ‘populares’. Talvez fosse uma
transposição prematura de um modelo de cultura que convém, sobretudo à
elite. Atualmente, as diferenças de consumos culturais não esgotam a
diversidade das culturas. Entretanto, são seus sinais mais perceptíveis,
especialmente na escola.
Em nosso cotidiano, percebem-se várias cenas ou discursos formados por
conteúdos cristalizados, e tidos como os únicos verdadeiramente válidos para a
sociedade em toda a sua amplitude. São situações em que, muitas vezes, não se
desvela o que está encobrindo discursos feitos unicamente com objetivo de
disseminar consensos. Consensos estes, que estão carregados de preconceitos, ou
aquilo que se conhece por senso comum. Ou seja, fatos ou fenômenos que se
acreditam como válidos sem se questionar sobre sua veracidade. Essas certezas
sem questionamentos podem acabar por naturalizar formas de pensar e até formas
de agir, que acabam se tornando costume, sem ao menos saber o porquê. Um bom
exemplo disto refere-se ao fato de a chamada cultura popular” ser vista como uma
perigosa ameaça às noções de ordem e civilidade. Isto ocorre pelo fato da
26
conhecida “cultura popular” não fazer parte do “privilegiado capital cultural” dos
grupos da classe dominante.
Seguindo este contexto, no cotidiano escolar presencia-se a adoção de uma
evidente estratégia de exclusão das chamadas “minorias”. Ideologicamente precisam
ser chamadas de “minorias” para que os elementos dos vários grupos englobados
neste conceito, efetivamente sintam-se como “minorias” e não busquem reverter a
situação atual. Todas as “minorias“ juntas formam a grande maioria. Maioria é mais
difícil de ser subjugada. Muitas vezes, a educação escolar legitima formas de
pedagogia que negam as vozes, experiências e histórias pelas quais os estudantes
dão sentido ao mundo e, assim procedendo, costumam reduzir a aprendizagem à
dinâmica da transmissão do conhecimento e da imposição de regras convencionais
já naturalizadas dentro da nossa sociedade, incorporadas às mais diversas culturas.
Outra contribuição importante é a de Giroux (2002), pesquisador defensor de
uma política da diferença, que descreve a função da escola na atualidade, tornando-
se significativa. Ao esclarecer seu papel afirma que
A educação é aquele terreno no qual o poder e a política têm expressão
fundamental, no qual a produção de significado, acerca do que significa
ser humano, sonhar, e identificar e lutar por um futuro particular e forma
de vida social. [...] ela representa a necessidade de um
comprometimento apaixonado por parte dos educadores em tornar o
político mais pedagógico, isto é, tornar a reflexão e ação crítica partes
fundamentais de um projeto social que não apenas inclua formas de
opressão, mas também desenvolva uma profunda e permanente na
luta para humanizar a própria vida (GIROUX, 2002, p. 147).
A cultura popular representa, além de um terreno contraditório de luta, um
importante espaço pedagógico, utilizado como ponto de partida onde são levantadas
relevantes questões sobre os elementos que organizam a base da subjetividade e
da experncia do aluno. Ela é organizada em torno do prazer e da diversão, onde o
aluno se sente naturalmente ele, em seu cotidiano ajudando a valorizar as opiniões
e as suas experncias.
Não se pode ignorar que a cultura popular dentro do discurso dominante
continua sendo definida como o que sobra após a subtração da alta cultura da
totalidade das práticas culturais. Segundo Gómez (2001), ela é vista como o banal e
27
o insignificante da vida cotidiana, e geralmente é uma forma de gosto popular
considerada indigna de legitimação acadêmica ou alto prestígio social. Este autor
afirma ainda que esse mesmo discurso menospreza a cultura popular, embora esta
seja em geral ignorada nas escolas, não é uma força insignificante na formação da
visão que o aluno tem de si mesmo e de suas relações com diversas formas de
pedagogia e de aprendizagem.
Em contrapartida, Gómez (2001) sublinha que a cultura popular representa
importante terreno de luta cultural por oferecer não apenas discursos subversivos,
mas também relevantes elementos teóricos que possibilitam repensar a
escolarização como uma viável e valiosa forma de política cultural.
O desenvolvimento de estudos culturais nas duas últimas décadas gerou um
forte interesse pelo conceito de “cultura popular” e estimulou, conseqüentemente,
uma rie de importantes esforços para teorizar a idéia do “popular”. Partindo de um
resgate histórico, Gómez (2001) recorda que durante muito tempo houve uma
preocupação em estabelecer características que distinguissem a cultura superior”
da cultura “inferior” ou cultura “popular” para definir qual conjunto de forma cultural
seria reconhecido como substância legítima da escolarização provida pelo Estado.
Dentro das escolas, como instituições de transmissão cultural, o popular tem
sido visto com freqüência pelos educadores como agente potencialmente
perturbador de relações de poder vigente. Gómez (2001) chama atenção para o fato
do que é considerado popular ter sido visto não como ameaça, mas também
como desejo profano, isto é, tanto como subversivo em sua capacidade de
reconstruir os investimentos em significados e desejos, como perigoso em seu
potencial de fazer com que se vislumbrem práticas sociais e formas populares que
afirmem tanto a diferença como diferentes modos de vida.
Assim, conclui ele que
A cultura dos ‘outros’ - isto é, os pobres, os negros, as mulheres, os idosos
e aqueles que partilham da experiência de total privação de poder - m
sido enxergada como um terreno marginal e perigoso, algo contra o qual se
deva ser imunizado ou na melhor das hipóteses algo a ser
ocasionalmente explorado como tática circunstancial de motivação, para
aumentar o interesse do sujeito (GÓMEZ, 2001, p. 100).
28
2.1.4 - ACULTURAÇÃO
Para abordar este conceito, Da Matta
2
(1996 apud CANDAU 2002, p.17),
chama a atenção para dois movimentos básicos sobre os quais se apóia o processo
de globalização no plano cultural: “a difusão e a aculturação. A difusão seria a
adoção de uma determinada entidade cultural do ‘outro’ e a aculturação seria o
modo específico pelo qual essa adoção será feita pelo grupo” .
Candau (2002) entende que ao se transpor um elemento de uma cultura para
a outra poderá haver uma reelaboração, que acaba por gerar outros papéis e
sentidos, determinando matizes específicos ao elemento importado. Assim, alerta
que seguindo este pensamento seria impossível ocorrer uma homogeneização
cultural, porque cada grupo social recebe e recria as influências recebidas.
Aculturação diz respeito ao conjunto de fenômenos determinados pelo contato
de grupos de indivíduos de culturas diferentes; a partir disto, a assimilação de traços
de outras culturas pode ser vista de forma bastante positiva, como um processo de
enriquecimento de uma cultura e de melhores condições de vida.
Sendo, desta forma, a transformação da cultura de um povo decorrente de
assimilação de elementos culturais de outro grupo social, com quem mantém contato
direto e regular. Silva (1987) divide este processo de transformação de uma cultura
em duas fases: primeiro acontece a perda cultural e depois a morte cultural.
Silva (1987, p.58) esclarece morte cultural como um: “Estágio do processo de
aculturação onde se observa o desaparecimento completo de uma cultura, como
resultado da total aculturação, ou a morte de um povo inteiro que participou da
aculturação”. Define perda cultural como um
Estágio de aculturação observado quando uma cultura se transforma e
adquire traços característicos de uma nova cultura em detrimento de seus
2
DA MATTA, Roberto. Globalização e identidade nacional: considerações a partir da experiência
brasileira. In: Ensaio proferido em Seminário Internacional sobre Pluralismo Cultural, Identidade e
Globalização, promovido pela UNESCO, realizado de 10 a 12 de abril de 1996, no Rio de Janeiro.
29
antigos traços, por se tornarem inúteis ou impopulares, devido à adoção de
novos traços característicos de outra cultura. Esse estágio é acelerado
durante a aculturação ou a transculturação (SILVA, 1987, p.58).
Este mesmo autor apresenta a definição de assimilação como um:
Processo de absorção de um indivíduo ou de um grupo minoritário de
pessoas por outra sociedade ou por outro grupo, através do aprendizado e
da adoção de tradições culturais por parte da sociedade à qual a
assimilação ocorre. Esse processo é freqüentemente acelerado por
casamento entre pessoas de culturas diferentes e pela diminuição da
ênfase dada a diferenças culturais ou biológicas, fazendo parte do ciclo do
contato social (SILVA, 1987, p.23).
A contribuição de Marques (2005) é significativa ao apresentar outro enfoque
para a compreensão sobre aculturação. De acordo com este autor não existe
consenso sobre a definição deste conceito. Esclarece que duas visões que se
complementam, partindo da Psicologia Social e da Antropologia cultural. Para a
primeira, a aculturação “é entendida como inculturação inerente a todo o percurso
de socialização estando associada a todo o processo de construção das diversas
individualidades pessoais”. Para a segunda, é “entendida como o resultado de
fenômenos originados pelo contato de indivíduos de culturas distintas”.
Todavia, as explicações sobre a aculturação realizadas por Marques (2005
não paginado) são mais abrangentes ainda. Segundo ele: “[...] sempre que falamos
de Aculturação estamos falando de uma interação dialética em que dois pólos
contribuem para que essa osmose se realize ou que seja possível. [...] é sempre a
sociedade dominante que determina o quando, o onde e o como é que essa
Aculturação se realizará.”
De acordo com estas afirmações, em uma sociedade onde os padrões de
normalização são fortemente definidos, outros grupos menores que migram para
esta sociedade acabam tendo seus componentes culturais enfraquecidos. Quaisquer
que sejam as manifestações da comunidade que migrou para aquela sociedade,
para os olhos da sociedade dominante, elas serão quase sempre consideradas
nocivas, sendo combatidas.
30
2.2 – OS “ISMOS” DERIVADOS DA CULTURA:
Diversos autores, entre eles Arroyo (1996 e 2003), Candau (2002 e 2005),
Torres (2001), Gómez (2001), Silva (2003), McLaren (2000), Moreira (2001 e 2002),
Veiga (1998), entre outros, apontam, os termos multiculturalismo” e
“interculturalismo”, bem como, analogamente, pluralidade cultural” e “diversidade
cultural, nem sempre remetendo-se ao mesmo significado.
Para definir a “Diversidade cultural, é preciso entender uma complexa rede
de termos. Alguns falam sobre Multiculturalismo", outros sobre “Pluriculturalismo” e
outros ainda sobre “Interculturalismo”.
Enquanto os termos “Multicultural” e “Pluricultural”, de acordo com Candau
(2005) significam a coexistência e mútuo entendimento de diferentes culturas na
mesma sociedade, o termo Intercultural” significa a interação entre as diferentes
culturas. Isso deveria ser o objetivo da educação interessada no desenvolvimento
cultural. Para alcançar tal objetivo, é necessário que a educação forneça um
conhecimento sobre a cultura local, sobre as culturas de vários grupos que
caracterizam a nação e as culturas de outras nações.
2.2.1 – INTERCULTURALISMO:
Os termos multiculturalismo” e interculturalismo” são muitas vezes
utilizados como sinônimos. Para melhor compreensão destes termos, recorremos a
Candau (2005), que prefere utilizar o termo multiculturalismo” para significar uma
realidade social: a presença de diferentes grupos culturais numa mesma sociedade.
31
com relação ao “interculturalismo” Sedano
3
(1997 apud CANDAU, 2005),
traz uma importante contribuição ao esclarecer que o termo faz referência à
interrelação entre diferentes culturas. Esclarece que Interculturalismo”, termo
utilizado pelos franceses, ao contrário dos anglo-saxões, que utilizam
“Multiculturalismo”, expressa a relação com a diferença, ao enfatizar, pelo prefixo
inter, o sentido de interação e troca, e não apenas de diversidade.
Atualmente vem sendo dado um enfoque relevante à noção de
interculturalidade, não podendo passar despercebido: de um lado torna-se um passo
importante na estratégia e no desenvolvimento de metodologias de intervenção de
entidades públicas e privadas que desenvolvem projetos com componentes de
educação, emprego, saúde, habitação, cooperação, principalmente envolvendo
locais onde a presença de diferentes culturas torna-se significativa. De outra parte,
os conflitos interétnicos surgem paradoxalmente com violência crescente nesta fase
da globalização dos mercados, podendo chegar ao extremo de abalar de modo
dramático regiões inteiras do planeta, ou até mesmo o planeta como um todo.
Diante deste quadro busca-se desenvolver estratégias de superação desta
crescente rejeição pela diferença, sendo fundamental desenvolver e trabalhar
projetos que integrem a dimensão da interculturalidade, ou seja, do respeito e da
valorização das culturas em presença num bairro, numa escola, num país, e
reconhecimento desta importância num processo de reconstrução identitária.
Apenas isto não é suficiente. Torna-se relevante um trabalho intenso e em
profundidade de desmontagem de representações associadas a esta ou aquela
cultura. Caso isto não aconteça, estas representações podem vir a constituir-se num
verdadeiro obstáculo ao estabelecimento de relações e projetos conjuntos e
importantes focos de tensão interétnica.
Este combate é uma questão vital, tendo como mola propulsora a questão do
exercício da cidadania, a questão das nossas relações com os outros no plano local,
nacional e internacional. Partindo deste pressuposto, os atores que fazem parte das
associações de imigrantes, associações de jovens, associações de desenvolvimento
e outras formas associativas ou institucionais, serão o os protagonistas de
projetos locais onde se firma o valor e o reconhecimento das diferentes culturas,
mas também os atores diretos de formas de cooperação descentralizadas,
3
SEDANO, A. Educación Intercultural: teoria e práctica. Madri: Escuela Española, 1997
32
horizontais, entre os países do Norte e do Sul. Retoma-se de Candau a afirmação de
que para a superação desta realidade cruel é necessário refletir que
A tomada de consciência desta realidade, em geral é motivada por fatos
concretos que explicitam diferentes interesses, discriminações e
preconceitos presentes no tecido social. Uma situação a então
considerada ‘normal’ e ‘natural’, se revela como permeada por relações
de poder, historicamente construídas e marcadas por desigualdades e
estereótipos raciais e culturais (CANDAU, 2005).
A educação para a participação numa sociedade pluralista integradora de
uma crescente diversidade de grupos, não pode deixar de ter em conta os reais
interesses e anseios que, em cada momento, motivam a sua participação na
sociedade alargada. Vários aspectos são pouco considerados nos processos
políticos de inserção social e cultural dos diversos grupos étnicos e culturais. Na
maioria das vezes os determinantes das orientações políticas no que diz respeito
aos imigrantes e minorias, levam em conta apenas a necessidade de controle dos
fluxos imigratórios e da acomodação resignada e pacífica dos que chegam, de sua
submissão a partir de imagens estereotipadas sobre as suas culturas, do sentimento
de ameaça frente ao outro diferente.
É fácil reconhecer que falta uma atitude exitosa na definição das políticas que
levem em conta os reais anseios das comunidades, ao mesmo tempo em que as
comprometa como instituições geradoras e coordenadoras dessas políticas, na
responsabilização por processos pluralistas de participação e igualdade de
oportunidades.
A persistência na identificação cultural das comunidades minoritárias baseada
numa visão romântica, passada e exótica, ignorando os efeitos dos contatos, trocas
e aculturações no seio da sociedade alargada, pode aceitar discursos e práticas de
ghettização e de discriminação e contribuir para reações excessivas, à margem das
regras de convivência democrática, isto porque quando um grupo é exaltado diante
dos outros, ele se destaca, parecendo ser mais importante que os demais. Desta
forma os grupos ditos minoritários fecham-se em torno de sua cultura formando um
gueto.
33
À luz dos direitos humanos, o bem estar do ser humano não é realizável por
meio da obediência cega a todos os traços que caracterizaram, no passado, as suas
culturas. Não é difícil identificar em diversas culturas, práticas que, constituíram ou
ainda constituem claras violações dos direitos humanos.
A representação de outras culturas de acordo com perspectivas arcaicas e
exóticas, ignorando os impactos positivos da difusão cultural, científica e tecnológica
tende a isolar essas culturas dificultando-lhes o acesso a bens estimáveis e às
vantagens do convívio intercultural em sociedades caracterizadas pela diversidade.
Referindo-se ao processo crescente de exclusão, Candau (2005) lembra que a
exclusão
assume novas caras e dimensões no continente, os mais afetados são os
‘outros’, os diferentes, os que não dominam os códigos da modernidade,
não têm acesso ao processo de globalização em suas diferentes
dimensões, estão configurados por culturas que resistem a colocar no
centro a competitividade e o consumo como valores fundamentais da
vida, pertencem a etnias historicamente subjugadas e silenciadas,
questionam os estereótipos de gênero presentes nas nossas sociedades,
lutam diariamente pela sobrevivência e pelos direitos humanos básicos
que lhe são negados.
No meio destas contradições e conflitos, segundo Candau (2005), cresce a
consciência do caráter multicultural do continente e de cada um dos nossos países.
Esta perspectiva está mudando, pelo menos em grupos significativos de nossas
sociedades, especialmente naqueles aos que é negado o acesso pleno à cidadania
e à democracia. Suas vozes, argumenta a autora, se fazem ouvir, surda, clara ou
violentamente. E a sociedade começa a se preocupar com a construção de
dinâmicas sociais inclusivas e participativas.
A perspectiva intercultural, esclarecida por Jordán
4
(1996 apud CANDAU
2005), surge não somente por razões pedagógicas, mas principalmente por motivos
sociais, políticos, ideológicos e culturais. A origem desta corrente pedagógica está
situada aproximadamente 30 anos, nos Estados Unidos, a partir dos movimentos
de pressão e reivindicação de algumas minorias étnico-culturais, principalmente
4
JÓRDAN, J.A. Ejes de debate y propuestas de acción para uma pedagogia intercultural. In. Revista de
Educación, Madrid, n. 307, 1995.
34
negras. Protestos anti-discriminatórios, ao mesmo tempo em que foram implantados
os direitos civis reivindicados, começam a proliferar, por parte de vários grupos, as
correlativas demandas sociais, culturais e educativas.
uma lacuna entre os ideais democráticos pluralistas proclamados pela
maioria dominante e as práticas mais ou menos discriminadoras que os grupos
minoritários continuam freqüentemente experimentando em nossos dias. Candau
(2005) demonstra, ainda, que
a perspectiva intercultural em educação não pode ser dissociada da
problemática social e política presente em cada contexto. Relações
culturais e étnicas estão permeadas por relações de poder. Daí seu caráter
muitas vezes contestador, conflitivo e mesmo socialmente explosivo. Em
decorrência disto, [...] a maior parte das políticas adotadas tendem a
enfatizar a inserção destas populações no novo contexto, favorecendo a
assimilação cultural, muitas vezes realizada tendo por base o fato de se
ignorar e mesmo negar a cultura de origem destes grupos.
Neste aspecto, Moreira (2001) propõe a prioridade da aprendizagem das
habilidades necessárias à promoção de um diálogo que favoreça uma dinâmica de
crítica e autocrítica. O reconhecimento de que qualquer cultura é incompleta e
apresenta pontos fracos torna-se condiçãosica para um diálogo intercultural.
Ao utilizar a abordagem da diferença com base em uma perspectiva de
mobilização política, Moreira (2001) apresenta algumas rejeições: à possibilidade de
consenso no campo cultural, de aceitação pacífica de acréscimos dos pontos de
vista dos grupos minoritários a uma base cultural hegemônica; à expectativa de
construção de um campo cultural harmônico no qual as diferenças coexistam sem
problemas; e da hipótese de entender a diferença como resultado de fácil
negociação entre grupos culturalmente diversos.
Após estas reflexões, é importante concordar com Sedano
5
(1997 apud
CANDAU 2005), sobre o fato de que a consciência do caráter multicultural de uma
sociedade não leva espontaneamente ao desenvolvimento de uma dinâmica social
informada pelo caráter intercultural. O interculturalismo supõe a deliberada inter-
relação entre diferentes culturas. Marca uma reciprocidade, interação, intercâmbio,
5
SEDANO, A. Educación intercultural: teoria e práctica. Madri: Escuela Española, 1997.
35
ruptura do isolamento. São representações sociais construídas em interação. O
prefixo inter se refere à interação, mudança e solidariedade objetiva. Caracteriza
uma vontade de mudança, de ação no contexto de uma sociedade multicultural.
para Zuñiga Castillo e Ansíon Mallet
6
(1997 apud CANDAU 2005), pode até a
interculturalidade converter-se num princípio normativo, tornando-se padrão, no
âmbito pessoal e dos processos sociais.
Os níveis de interculturalidade individual e social são claramente explicitados
por Candau (2005), ao afirmar que
No nível individual supõe promover o diálogo no interior de cada pessoa
entre as diversas influências culturais que a configuram e a que está
exposta, às vezes em conflito ou não sempre fáceis de serem
harmonizadas. [...] Quanto ao nível social, a interculturalidade orienta
processos que têm por base o reconhecimento do direito à diversidade e a
luta contra todas as formas de discriminação e desigualdade social e
tentam promover relações dialógicas e igualitárias entre pessoas e grupos
que pertencem a universos culturais diferentes. Neste sentido, trata-se de
um processo permanente, sempre inacabado, marcado por uma deliberada
intenção de promover uma relação dialógica e democrática entre as
culturas e os grupos involucrados e não unicamente de uma coexistência
pacífica num mesmo território. Esta seria a condição fundamental para
qualquer processo ser qualificado de intercultural.
Candau (2005) apresenta, como contribuição, um destaque das discussões
ocorridas na Bolívia, por ocasião do evento sobre “Educação Popular e Pedagogia
da Diversidade”, em 1996, abordando este tema. Foram observadas duas
tendências,
a partir da análise de diferentes experiências educativas, que se propõem
trabalhar a diversidade a partir da perspectiva cultural. A primeira, ‘proposta
única que se adapta à diferença’, parte de uma proposta global, de caráter
geral, que vai se adaptando na prática às diferenças. Quanto à segunda,
‘proposta a partir da diferença’, inverte este movimento e tem como ponto
de partida o reconhecimento da diferença como base para qualquer
trabalho educativo. Não se trata de adaptar uma visão e ação únicas e sim
de desenvolver ações diferentes em cada contexto cultural diferente
(CANDAU, 2005).
6
ZÚÑIGA CASTILLO, M. e ANSIÓN MALLET, J . Interculturalidad y Educacuiön em el Peru. Lima: Foro
Educativo, 1997.
36
Decorrentes dessas análises surgem diferentes tendências com seus reflexos
nas formas de mobilização social. Essas tendências são importantes aspectos a
serem observados em todas as sociedades:
manter a cultura hegemônica de uma sociedade determinada, reconhecer a
existência de uma sociedade multicultural, fomentar a solidariedade e
reciprocidade entre culturas, denunciar a injustiça provocada pela
assimetria cultural e lutar contra ela e avançar em direção a um projeto
educativo global que inclua a opção intercultural e a luta contra todas as
formas de discriminação. Somente os modelos orientados pelas três últimas
finalidades assinaladas poderiam ser considerados como adotando de
alguma forma ou em algum grau, mesmo com caráter limitado, uma
perspectiva intercultural (CANDAU, 2005).
Torna-se, pois, relevante a elaboração de critérios básicos para se promover
processos educativos na perspectiva intercultural.
2.2.2 - TRANSCULTURALISMO
O termo transculturação” é utilizado como um processo que ocorre em um
indivíduo quando adota uma outra cultura, podendo implicar em perda da cultura de
origem. Percebemos que este termo é muito utilizado como sinimo de difusão
cultural”.
A definição de difusão cultural apresentada por Silva (1987, p.39), é um
processo estudado no âmbito da corrente antropológica chamada ‘difusionismo’ que
implica no movimento de transferência de traços característicos culturais e idéias de
uma sociedade, ou grupo étnico, à outra”.
Este autor explica que a forma de difusão cultural inclui três tipos distintos de
processos históricos por meio dos quais a cultura se propaga:
37
a) difusão primária (ou dispersão cultural) : fase que ocorre por causa da
migração dos portadores de determinada cultura;
b) difusão secundária: fase que ocorre em conseqüência de um
empréstimo direto de um traço cultural característico da cultura de um
grupo a outro;
c) difusão de estímulo
: fase onde a sugestão de uma idéia é suficiente
como ponto de partida para que o processo ocorra e modifique uma
determinada cultura (SILVA, 1987, p.39)
Além da idéia de aculturação, na forma utilizada para explicar o processo de
desconstrução de culturas classificadas como mais vulneráveis diante da ação de
sociedades e culturas dominantes, transculturação ou transculturalidade é outro
termo que vem sendo utilizado para designar uma nova fase da sociedade global.
Este é um dos grandes temas da atualidade e é fundamental que todos o
acompanhemos.
Fernando Ortiz, sociólogo cubano, em seu estudo pioneiro da cultura afro-
cubana, em substituição aos conceitos correntes de aculturação e desculturação,
adota o termo transculturação, assim esclarecido, segundo Vasconcelos (2005, não
paginado) por tratar-se de
um conjunto de transmutações constantes; é criadora e nunca concluída; é
irreversível. Sempre é um processo no qual dá-se alguma coisa em troca do
que se recebe: as duas partes da equação encontram-se modificadas.
Surge dela uma nova realidade que não é um mosaico de caracteres, mas
um fenômeno novo, original e independente. Segundo Ortiz, a
transculturação descreve o processo em cuja base se encontra uma ‘cultura
nativa e uma ‘cultura conquistadora’, mas dada a sua natureza
permanente, são as fases ulteriores desse mesmo processo que ainda se
manifestam no atual panorama cultural.
A transculturação, de acordo com Berjman (2005), adquire toda sua
importância para a compreensão da especificidade de um povo. É através dela que
o hibridismo cultural (entendido como o resultado de um processo contínuo de
transculturação), resultado de “bricolagem”, de construções, de negociações”, de
38
reapropriações de identidades, assim como de novas sínteses culturais, torna-se um
elemento central do imaginário de um povo em formação.
No Dicionário de Sociologia (2005, p.189) transculturação refere-se ao
“processo de difusão e infiltração de complexos ou traços culturais de uma para
outra sociedade ou grupo cultural; troca de elementos culturais”.
Para Vasconcelos (2005) o vocábulo transculturação expressa melhor as
diferentes fases do processo transitivo de uma cultura a outra, porque este não
consiste somente em adquirir uma cultura distinta, pois o processo implica também
necessariamente, a perda ou desarraigamento de uma cultura precedente, o que
poderia dizer-se uma desculturação parcial e, além disso, significa a conseguinte
criação de novos fenômenos culturais que poderiam denominar-se de
neoculturação, como propõe a autora.
Berjman (2005) defende a tese de que todo o processo de transculturação se
desenvolve em três etapas não necessariamente sucessivas: 1 Importação, sem
modificação do modelo; 2 – Assimilação, com incorporação de alguns elementos; 3 –
Apropriação e ressemantização, com a modificação em seu conteúdo e significado.
Desta forma, pode-se concluir que o resultado da transculturação é um
indivíduo híbrido.
2.2.3 – PLURICULTURALISMO E MULTICULTURALISMO
Devido ao fato de encontrarmos na literatura pesquisada estes dois termos
como sinônimos, Candau (2005) apresenta uma diferenciação entre ambos.
Utilizando-se de Sedano
7
(1997, apud CANDAU 2005), afirma que
pluriculturalismo faz referência à inter-relação entre diferentes culturas. Constata
7
SEDANO, A. Educación intercultural: teoria e práctica. Madri: Escuela Española, 1997.
39
também ser freqüente a presença do termo Multicultural na bibliografia anglo-
saxônica e Intercultural na européia continental.
O termo pluricultural, na concepção de Aguado
8
(1991 apud CANDAU 2002),
indica simplesmente a existência de uma situação particular. Utiliza-se nas mesmas
circunstâncias que o multiculturalismo, mas, em lugar de frisar a existência de um
grande número de culturas em contato, ressalta-se apenas sua pluralidade.
Multiculturalismo, conforme argumenta Candau (2002), é mais um daqueles
termos importantes e polissêmicos, cujo aprofundamento é imprescindível, uma vez
que pode ser entendido a partir de diferentes perspectivas.
Sua utilização apresenta uma diferenciação esclarecida por Piña
9
(1997apud
CANDAU 2002), ao explicitar que na bibliografia francesa o multiculturalismo é
encarado como justaposição ou presença de várias culturas em uma mesma
sociedade, enquanto que na literatura anglo-saxônica o multiculturalismo seria um
termo amplo no qual se incluiriam diversos modelos e paradigmas de intervenção
social e educativa.
É relevante a consideração de Jordán
10
(1996 apud CANDAU 2002), ao
explicitar que os termos “Multicultural” e “Intercultural” são freqüentemente
empregados como sinônimos causando certa confusão, sendo necessário fazer uma
análise mais ampla desses conceitos.
Para melhor compreender toda a abrangência do termo “Multiculturalismo”,
Moreira (2001, p.85) parte do ponto de que:
a multiculturalidade não se reduz a algo em que se acredite ou com o qual
se concorde. Ela de fato existe, está entre nós e representa, neste fim de
século, uma condição de vida nas sociedades ocidentais contemporâneas.
Podemos ignorar ou abordar essa realidade de diferentes modos, mas não
podemos apagá-la: ela permanece, independentemente de nossas
respostas e de nossas reações. Ela estará sempre presente nos sistemas
escolares, nas escolas, nas salas de aula, nas experiências da comunidade
escolar, afetando inevitavelmente as ações e as interações de seus
diferentes sujeitos.
8
AGUADO ONDINA, M.T. La educación Intercultural: concepto, paradigmas, realizaciones. In JIMÉNEZ/
FERNÁNDEZ, M.C. (coord.), Lecturas de Pedagogía Diferencial. Madri: ed.Dykinson, 1991.
9
PINA, M. Bartolomé. Diagnóstico a la escuela multicultural. Barcelona: Cedecs, 1997.
10
JORDÁN, J.A. Propuestas de Educación Intercultural. Barcelona: CEAC, 1996.
40
A origem do movimento multicultural não pode ser procurada na escola, como
lembra Gonçalves (2002). As raízes deste movimento ultrapassam qualquer
reformulação curricular, pois os conflitos culturais eram travados nas ruas, por causa
das relações conflitivas originadas pelos preconceitos e pelas discriminações
culturais e sociais. A esse respeito, Gonçalves (2002, p. 33) afirma:
O multiculturalismo não interessa à sociedade como um todo, e sim a certos
grupos sociais que, de uma forma ou de outra, o excluídos dos centros
de decisão por questões econômicas e, sobretudo por questões culturais.
Tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos os primeiros proponentes e os
mais antigos defensores do multiculturalismo foram os afrodescendentes.
Em ambos os casos, o movimento foi liderado por aqueles que dentro de
suas comunidades conseguiram, apesar dos preconceitos, atingir um certo
nível de escolaridade.
Não se pode dispensar a contribuição de Gadotti, que, ao resgatar McLaren
(2000a), de que existem várias concepções do multiculturalismo indo do humanismo
liberal conservador ao humanismo crítico e de resistência. Faz-se igualmente
necessário citar Peter McLaren como um dos maiores expoentes do
Multiculturalismo. Ao escrever a apresentação do livro de McLaren, intitulado
“Multiculturalismo Crítico”, Gadotti apresenta McLaren como um educador s-
moderno crítico, de resistência”, para quem a pós-modernidade é um movimento
histórico surgido no seio da própria modernidade, que pode ter por horizonte um
mundo mais fragmentado, individualista, capitalista, ou um mundo mais solidário e
um indivíduo mais criativo e feliz. Para McLaren, a escolha depende de nós, sujeitos
da história. Faz questão de afirmar que a história não é uma fatalidade, como
sustentam os neoliberais. A história é possibilidade.
Peter McLaren é canadense, radicado nos Estados Unidos da América,
professor, escritor e atualmente membro do corpo docente do Curso de Pós-
Graduação em Estudos de Educação e Informação da Universidade da Califórnia
nos Estados Unidos. É um dos principais representantes da chamada Pedagogia
Crítica. Ancorado nela, McLaren, nos últimos anos, vem trabalhando tamm
questões hoje colocadas pela chamada perspectiva pós-moderna. Situa-se no
41
enfoque em que ele denomina de multiculturalismo crítico e, mais recentemente
renomeando-o para multiculturalismo revolucionário.
Seu trabalho se remete especialmente ao contexto americano, conforme
esclarece Candau (2002), no entanto, é uma referência fundamental para
educadores brasileiros, e alguns de seus livros estão disponíveis em português. A
influência de Paulo Freire em sua obra é explicitada pelo autor em diferentes
momentos.
Os debates sobre multiculturalismo, de acordo com o próprio McLaren
(2000a), não podem se dar ao luxo de ocultar suas conexões com as relações
materiais mais amplas através do enfoque de questões teóricas divorciadas das
experiências vividas pelos grupos oprimidos.
Na origem do multiculturalismo apresentada por Machado (2002, p. 31),
A teoria sobre a cultura tem sido progressivamente substituída pela idéia de
culturas, uma pluralidade que inclui a cultura da elite, mas também a de
diferentes grupos sociais, denotando as diferenças a respeito das etnias,
nacionalidades, sexualidades e gerações. Nessa complexidade de relações
de significados, de forma diferenciada, é que surgiu a perspectiva
multicultural. Isto significa reconhecer a pluralidade de grupos sociais,
étnicos e culturais que a compõem. Significa valorizar a riqueza que essa
heterogeneidade traz à sociedade e rejeitar quaisquer mecanismos
discriminatórios contra grupos que se manifestem em seu interior.
Existe uma intrínseca relação entre a cultura e o multiculturalismo, pois na
realidade, um contém o outro e vice-versa. A partir desta afirmação de Machado
(2002) torna-se de fundamental importância a compreensão do atual contexto
histórico, de que vivemos num tempo marcado pela ênfase dada às noções de
ruptura, de diferença e de pluralidade. Enquanto em outros momentos culturais
prevaleciam as noções de continuidade e unidade, hoje, como um dos traços
característicos do pensamento contemporâneo, prevalecem as categorias de
multiplicidade, de corte, de modificação.
O multiculturalismo defende as rias vies da vida, considerando-se a
fertilidade do espírito humano, a partir de onde cada indivíduo ultrapassa o ponto
estreito da sua própria formação cultural e é capaz de ver, sentir e interpretar por
42
meio de outras tendências culturais, todos aqueles fenômenos que enxergava
apenas por um ângulo. É o enfoque cultural heterogêneo, onde se questiona a
hegemonia do grupo étnico dominante e se reserva lugar, com mesmo valor para as
expressões das culturas minoritárias para que finalmente se promova a igualdade
real de oportunidades.
O termo, de acordo com Machado (2002), refere-se à coexistência
enriquecedora de diversos pontos de vista, interpretações, visões, atitudes,
provenientes de diferentes heranças culturais. Seu conceito pressupõe uma posição
aberta e flexível, baseada no respeito dessa diversidade e na rejeição a todo
preconceito ou hierarquia. É um fenômeno que, como Silva (2003) esclarece, tem
sua origem nos países dominantes do hemisfério Norte, e tal como a cultura
contemporânea, é fundamentalmente ambíguo. Apresenta-se, de um lado como um
movimento legítimo de reivindicação dos grupos culturais dominados no interior
daqueles países para terem suas formas culturais reconhecidas e representadas na
cultura nacional. De outro, pode ser visto, também como uma solução para os
“problemas” que a presença de grupos raciais e étnicos coloca, no interior daqueles
países, para a cultura nacional dominante. De uma forma ou de outra, não pode ser
separado das relações de poder que, antes de mais nada, obrigaram essas
diferentes culturas raciais, étnicas e nacionais a viverem no mesmo espaço.
De acordo com Gonçalves (2002, p.41), no Brasil, o interesse pelo tema tem
crescido à medida que as orientações e reformulações, pelas quais deve passar o
ensino fundamental, apontam para uma concepção de currículo escolar que leve em
consideração o caráter pluriétnico e pluricultural de nossa sociedade”.
Gonçalves (2002) apresenta a origem do multiculturalismo como princípio
ético que tem orientado a ação de grupos culturalmente dominados, aos quais foi
negado o direito de preservarem suas características culturais. No início expressava-
se exclusivamente a reivindicação de grupos étnicos, seguida da resistência, ou
seja, do choque das civilizações, passando pela contra-aculturação, que representa
o desejo de restabelecer o equilíbrio destruído buscando o retorno a um passado, no
qual as tensões ainda eram suportáveis, até chegar à chamada “interpenetração das
civilizações”, resultado do contato cultual prolongado.
43
Por representar um importante instrumento de luta política, o
multiculturalismo, de acordo com Silva (2003), transfere para o terreno político uma
compreensão da diversidade cultural que esteve restrita, durante muito tempo, a
campos especializados como o da Antropologia. A compreensão antropogica da
cultura fundamenta grande parte do atual impulso multiculturalista. Nessa visão, as
diversas culturas seriam o resultado das diferentes formas pelas quais os variados
grupos humanos, submetidos a diferentes condições ambientais e históricas,
realizam o potencial criativo que seria uma característica comum de todo ser
humano. As diferenças culturais seriam apenas a manifestação superficial de
características humanas mais profundas. Os diferentes grupos culturais se tornariam
igualados por sua comum humanidade.
Essa perspectiva, explicitada por Silva (2003), está na base daquilo que se
poderia chamar de um multiculturalismo liberal” ou “humanista”. É em nome dessa
humanidade comum que esse tipo de multiculturalismo apela para o respeito, a
tolerância e a convivência pacífica entre as diferentes culturas. Deve-se tolerar e
respeitar a diferença porque sob a aparente diferença uma mesma humanidade.
Porém, McLaren (2000b) alerta para o fato de que o multiculturalismo é uma política
da diferença que é globalmente interdependente e levanta questões sobre alianças e
coalizões intercomunais.
Em relação ao multiculturalismo, enquanto projeto político, McLaren (2000a) e
Candau (2002) fazem a diferenciação das quatro grandes tendências multiculturais
da atualidade: Multiculturalismo Conservador, Multiculturalismo Humanista Liberal,
Multiculturalismo Liberal de Esquerda e Multiculturalismo Crítico.
Com a preocupação de fazer uma diferenciação entre Multiculturalismo Crítico
e as demais formas conceituais, McLaren (2000a) se dedica a uma detalhada
apresentação de cada uma delas como uma tentativa de transcodificar e mapear o
campo cultural. Desta forma, apresenta o Multiculturalismo Conservador ou
Empresarial, o Multiculturalismo Humanista Liberal e o Multiculturalismo Liberal de
Esquerda, dos quais trataremos, brevemente, a seguir. Lembra que as
características de cada posição tendem a se misturar umas com as outras dentro do
horizonte geral da vida social” (McLaren, 2000a, p.110)
44
2.2.3.1 – Multiculturalismo Conservador ou Empresarial
Dentro desta abordagem McLaren (2000a) busca as primeiras tendências
desta forma de multiculturalismo nas visões colonialistas, nas teorias evolucionistas
e no legado de doutrinas da supremacia branca. Os multiculturalistas conservadores
são criticados pela sua posição ambientalista, ou seja, pelo falso disfarce da
igualdade cognitiva de todas as raças e por acusarem as minorias de inferiores
cognitivamente. Esta posição acaba por servir à elite cultural branca como desculpa
para ocupar todas as posições de poder. Uma estratégia muito difundida é a da
homogeneização cultural. “Nesta visão, os grupos étnicos são reduzidos a
“acréscimos” à cultura dominante”. Diante da necessidade de combater esta forma
de multiculturalismo, McLaren (2000a) apresenta vários fatores: posição defensora
da cultura comum, através da unidade nacional e da cidadania harmoniosa;
utilização do termo diversidade” para encobrir a ideologia de assimilação cultural;
sua essência monoidiomática; definição de padrões de desempenho e classificação
das raças; falta de incentivo ao questionamento do conhecimento elitizado, e por
incentivar a negação de nossa própria cultura.
2.2.3.2 - Multiculturalismo Humanista Liberal
Esta segunda posição tem como pressuposto a afirmação da igualdade
intelectual entre as diferentes etnias, com a finalidade de permitir a competição na
sociedade capitalista entre todos. Porém Candau (2002, p.83) alerta para o fato de
que,
45
para que esta competição possa ocorrer é necessário remover os
obstáculos através de reformas orientadas a melhorar as condições
econômicas e socioculturais das populações dominadas. Para tal, podem
ser criados programas específicos, dentro do modelo social vigente. Esta
posição [...] se reveste freqüentemente de um humanismo etnocêntrico e
universalista que privilegia na realidade os referentes dos grupos
dominantes.
Essa visão liberal ou humanista de multiculturalismo é questionada por
perspectivas que poderiam caracterizar-se como mais políticas ou críticas. Nessas
perspectivas, as diferenças culturais não podem ser concebidas separadamente de
relações de poder.
2.2.3.3 – Multiculturalismo Liberal de Esquerda
esta perspectiva, com relação a anterior, apresenta uma ampliação para a
abordagem dos componentes culturais, uma vez que, bem definido por Candau
(2002, pg. 83),
coloca ênfase na diferença cultural e afirma que privilegiar a igualdade entre
as raças pode abafar diferenças culturais importantes entre elas, assim
como as diferenças de gênero, classe social e sexualidade. [...] Esta
posição pode tender a essencializar as diferenças e não ter presente que
estas são construções históricas e culturais, permeadas por relações de
poder. Favorece muitas vezes também um certo elitismo populista que
valoriza as experiências dos grupos populares e étnicos e praticamente não
leva em consideração a cultura dominante.
Como movimento programático de reforma, Torres (2001) esclarece que a
educação liberal multicultural visa garantir igualdade nas escolas. Neste contexto, os
segmentos mais liberais do movimento consideram que uma de suas metas centrais
é desenvolver uma idéia de tolerância multicultural.
46
2.2.3.4 – Multiculturalismo Crítico e de Resistência
Ninguém melhor do que o próprio McLaren para esclarecer com mais
propriedade esta perspectiva. Ele explica que está “desenvolvendo a idéia de
multiculturalismo crítico, a partir da perspectiva de uma abordagem de significado
pós-estruturalista de resistência, e enfatizando o papel que a língua e a
representação desempenham na construção de significado e identidade”.
(MCLAREN, 2002.a, p.122)
No esclarecimento desta abordagem Candau (2002) aponta a necessidade de
uma contextualização a partir de uma agenda política de transformação. Afirma
ainda, que sem essa agenda corre-se o risco de se reduzir a outra forma de
acomodação à ordem social vigente.
Em sua obra Multiculturalismo Crítico” McLaren apresenta pontos relevantes
sobre os quais construiu esta abordagem. Um destes pontos é o fato desta
perspectiva compreender a representação de raça, classe e gênero como o
resultado de lutas sociais mais amplas sobre signos e significações. uma ênfase
maior à tarefa de transformar as relações sociais, culturais e institucionais nas quais
os significados são gerados. Apresenta grande recusa em ver a cultura como não-
conflitiva, harmoniosa e consensual. A democracia deixa de ser vista como um
estado de relações culturais e políticas sempre harmonioso, passando a ser vista
como um campo tenso. A diversidade deve ser firmada dentro de uma política de
crítica e compromisso com a justiça social. A diferença é compreendida como um
produto da história, cultura, poder e ideologia. Constrói um questionamento quanto à
construção da diferença e da identidade em relação a uma política radical.
A contribuição de Candau (2002, p.84) é a reflexão de que este enfoque
critica tanto os modelos conservadores em relação à maneira como
estudam questões relativas à “igualdade”, quanto os liberais no modo
como encaram a problemática da “diferença”. [...] tais perspectivas
percebem a igualdade e a diferença de forma essencialista, nas quais as
47
identidades individuais são presumidas como autônomas, autocontidas e
autodirigidas.
A perspectiva crítica de multiculturalismo, conforme Silva (2003), está
dividida, por sua vez, entre uma concepção pós-estruturalista e uma concepção que
poderia chamar de materialista”. Para a concepção pós-estruturalista, a diferença é
essencialmente um processo lingüístico e discursivo. A diferença não pode ser
concebida fora dos processos lingüísticos de significação.
Uma dimensão mais “materialista”, inspirada no marxismo, enfatiza, em troca,
os processos institucionais, econômicos, estruturais que estariam na base da
produção dos processos de discriminação e desigualdade baseados na diferença
cultural. Na perspectiva crítica não é apenas a diferença que é resultado de relações
de poder, mas a própria definição daquilo que pode ser definido como “humano”.
Encontra-se em Torres (2001) a apresentação do multiculturalismo como
movimento social, como educação multicultural e como educação para a cidadania.
Tendo como enfoque de movimento social, segundo o autor, este fenômeno é uma
orientação filosófica, teórica e política que não se restringe à reforma escolar, e que
aborda o tema das relações de raça, sexo e classe na grande sociedade.
As mais variadas formas de compreender a perspectiva multicultural são
apresentadas por Gonçalves (2002) que revela a possibilidade do multiculturalismo
ser compreendido enquanto movimento de idéias, que resulta de um tipo de
consciência coletiva, tendo seu ponto de partida na pluralidade de experiências
culturais, que moldam as interações sociais por inteiro. Existe, ainda, a sua
compreensão como uma espécie de campo teórico, com o compromisso de auxiliar
ou orientar a produção do conhecimento, tendo como ponto de partida uma visão
crítica do próprio conhecimento transmitido pelas instituições organizadoras da
cultura.
Considerando-se a existência dos mais variados matizes nas perspectivas
multiculturais, Moreira (2001) esclarece que é possível considerar um eixo comum: a
identificação do pluralismo cultural com a aceitação do diferente e do diverso como
base das relações sociais democráticas.
48
Entre seus opositores, considerados como conservadores, de acordo com
Gonçalves (2002), as posições estão divididas. Este autor esclarece que para alguns
destes opositores o multiculturalismo é considerado uma proposta política ingênua e
leviana porque parte de uma falsa consciência acerca dos reais problemas culturais.
Para outros, ele não é senão um estímulo à fragmentação da vida social, que leva,
conseqüentemente, à desintegração nacional.
Já entre seus defensores, ou seja, aqueles que pretendem transformar a
sociedade vigente, o consenso é quase impossível. Gonçalves (2002) afirma que
certos grupos advogam a idéia de que o multiculturalismo deve ser entendido como
uma estratégia política de integração social. Embora salientem as virtudes do caráter
pluricultural de suas respectivas sociedades, admitem a necessidade de se
conservar um cleo de valores comuns (nacionais), para os quais todos deveriam
convergir. Outros, entretanto, contra-atacam os referidos valores, por considerá-los
centrados em algum tipo de cultura que se julga superior a outras. Para esses
últimos, não haverá política multicultural enquanto houver qualquer forma de
etnocentrismo, sendo reivindicado como um antídoto contra o eurocentrismo.
As Teorias do Multiculturalismo referem-se ao principal propósito analítico das
teorias da cidadania. Ocupam-se com as implicações de classe, raça e sexo para a
constituição de identidade e para o papel do Estado.
Qualquer que seja sua forma ou colorido, Torres (2001) esclarece que o
multiculturalismo está relacionado com a política das diferenças e com o surgimento
das lutas sociais contra as sociedades racistas, sexistas e classistas. Como
movimento social, é uma orientação filosófica, teórica e política que não se restringe
à reforma escolar, e que aborda o tema das relações de raça, sexo, classe na
grande sociedade.
O multiculturalismo crítico deve ir além da tolerância, para que possa
encampar uma política de respeito e afirmação, este é o alerta feito por McLaren
(2000b). Deve-se examinar também as estruturas institucionais e econômicas que
estão em sua base, conforme afirmam Silva (1999) e McLaren (2000b).
49
2.2.4.5 - Multiculturalismo Revolucionário
Ampliando seus estudos McLaren denomina o Multiculturalismo Crítico de
Multiculturalismo Revolucionário esclarecendo que seu livro “Multiculturalismo
Revolucionário: pedagogia do dissenso para o novo milênio”
Segue o trabalho de multiculturalistas, na tentativa tanto de desbancar os
ataques conservadores ao multiculturalismo como os paradigmas liberais
sobre este; tais paradigmas, em minha opinião, simplesmente
reapresentam ideologias neoliberais e conservadoras sob um manto
discursivo de diversidades (MCLAREN, 2000b, p. 20).
O multiculturalismo revolucionário é visto por McLaren como um ponto de
intersecção com a pedagogia ctica, dando suporte à luta pelo hibridismo pós-
colonial. O autor aponta a relevância de nos reconhecermos como agentes
revolucionários, sendo mais do que um ato de compreender quem somos, mas um
ato de reinvenção de nós mesmos a partir de nossas identificações culturais
sobrepostas e de nossas práticas sociais, de forma que possamos vinculá-las à
materialidade da vida social e às relações de poder que as estruturam e sustentam.
Com relação à pedagogia Crítica esclarece que ela:
dirige-se a formas específicas de inteligibilidade e de racionalidade crítica,
mas também se refere à história da alma. Ela fala para os sem-voz e os
da periferia, os marginalizados e os excluídos. Ela é mitopoética, no
sentido de que é ligada pelo pulsar da memória à história das lutas de
libertação no planeta (MCLAREN, 2000b, p. 23).
É necessário, tamm, de acordo com Zaretsky
11
(1995 apud McLAREN
2000b), que se veja o multiculturalismo em um cenário mais amplo, isto é, do ponto
de referência de um novo sistema de fluxos de imigração, contínuo e em grande
escala, de culturas subalternas e em trânsito, de grandes corporações livres do
11
ZARETSKY, E. The Birth of Identity Policics in the 1960s: Psychoanalysis and the Public/ private Discussion”.
In. Mike Featherstone, Scott Lash e Roland Robertson, orgs. Global Modernities (244-259). Thousand Oaks, CA,
e Londres:Sage.
50
Estado e da força de trabalho s-industrial de mulheres, crianças e adolescentes,
minorias raciais e imigrantes de nações antes consideradas periféricas.
Explicitando a importância da abordagem revolucionária multicultural para a
Pedagogia, McLaren reconhece que:
A pedagogia não está preocupada apenas com a transmissão de
conhecimento, ela esfundamentalmente preocupada com a forma pela
qual conhecimento produz tanto o significado como a influência, como ele
vem a ser uma moeda cultural que ressoa e estende os interesses que
tanto os professores como os estudantes legitimam dentro do contexto da
sala de aula. (MCLAREN, 2000b, p. 42).
No campo educacional, Torres (2001) esclarece que as teorias de
multiculturalismo, tão difundidas ao longo dos últimos vinte anos, surgem como uma
resposta particular não apenas à constituição do tema pedagógico nas escolas, ou
à interação entre os assuntos pedagógicos e políticos nas sociedades democráticas,
mas também como uma maneira de identificar a importância de identidades
múltiplas em educação e cultura.
É necessário pensar a abordagem multicultural como um dos caminhos para
combater os preconceitos e discriminações ligadas à raça, ao gênero, às
deficiências, à idade, à cultura, constituindo assim uma nova ideologia para uma
sociedade como a nossa que é composta por diversas etnias, nas quais as marcas
identitárias, como a cor da pele, modos de falar, diversidade religiosa, fazem a
diferença. Essas marcas são definidoras de mobilidade e posição social na nossa
sociedade.
No sentido de ampliar o conhecimento sobre cultura faz-se necessário a
breve abordagem de outro enfoque da cultura. Trata-se de vários fenômenos
envolvendo-a, como a invasão cultural, a dominação cultural, a diversidade cultural,
identidade cultural, hibridização cultural, superioridade cultural entre outros que
estarão sendo brevemente abordados na seqüência.
51
2.3 – FENÔMENOS ENVOLVENDO A CULTURA:
O termo cultura está presente em várias expressões; caracterizado pelos
complementos acrescentados refere-se a concepções diferentes que é relevante
conhecer a fim de servir como um auxílio a mais na análise dos dados da pesquisa
de campo.
2.3.1. – INVASÃO CULTURAL:
Esta expressão nos mostra a representação da degeneração processual e
desrespeitadora de uma cultura e de suas riquezas. Entre vários exemplos pode-se
citar a linguagem falada no Brasil, onde vários termos em português perdem
freqüentemente espaço para estrangeirismos. O mesmo acontece na mídia, no
cinema e na música. Para muitos brasileiros tudo o que vem de fora é sempre mais
valorizado do que o produzido no Brasil. Esta situação de supervalorização da
cultura importada do primeiro mundo favorece a dominação imperialista. Romper
com ela torna-se fator de reconhecimento para que o povo brasileiro possa ser
efetivamente agente ativo de seu desenvolvimento.
A concentração de renda nas mãos de uma minoria complica ainda mais o
problema da desvalorização da cultura no país. A mais grave conseqüência da
desigualdade social e econômica no país é a espoliação cultural, que priva as
classes populares do acesso ao conhecimento, às artes, à literatura e à ciência.
A escolarização tem uma função reforçadora do status quo, como exemplifica
Torres (2001, p. 201), no caso da colonização de vários países, inclusive dos
Estados Unidos, a escolarização:
52
foi usada para homogeneizar a ngua, a experncia e os valores de
diversos grupos, assegurando que os grandes grupos de imigrantes que
vinham para os Estados Unidos assimilassem a conduta, os valores e os
costumes em um “cadinho social”, como o concebia a inteligência oficial e
a política oficial de cultura na emergente potência mundial. [...] a
diversidade cultural havia chegado a ser definida como uma crise
nacional.
Nos países periféricos isso foi muito evidente em todo o processo de
nacionalização.
A expressão “invasão cultural” remete a uma idéia de luta e de poder.
Alguém, baseado na superioridade de sua força, penetra em território alheio, e se
estabelece, originando a conseqüente realidade de existência de um dominador e de
um dominado. Trata-se de uma imagem tirada de uma experiência histórica que
mostra, através dos tempos, a existência de povos invasores e povos subjugados e
todo um corolário de conseqüências não apenas políticas e econômicas, mas
humanas, sociais e culturais.
A nova realidade cultural, decorrente da chamada globalização, é uma
preocupação demonstrada por Torres (2001, p.85) pois,
ocorre no dia-a-dia com a aparência de fatos tão naturais que dificilmente
chamam atenção para o que estes comportam de ideologia e essa
mesma ausência de estranheza; afinal, tem uma explicação: a oferta de
produtos estranhos às diversidades locais é recebida com naturalidade
porque aqueles aos quais se dirige estão preparados ideologicamente
para recebê-los. [...] Tudo que surge com a chancela de novo, moderno e
atual passa a constituir sinônimo de bom e desejável.
Assim, a invasão cultural envolve um processo complexo que encerra outros
fatores, como atitudes negativas em relação à cultura local, originários de políticas
governamentais e da comunidade. A cultura dominante” substitui algo da cultura
“dominada”.
Os componentes da classe média brasileira passaram a admitir, por extensão,
que o seu gosto é, ou deveria ser, o gosto de todos; conseqüentemente,
transformaram o particular no universal. Isto acontece pelo fato de que os produtos
53
culturais, objetos de suas expectativas e gostos, são sempre pensados, escolhidos e
manipulados pelos grandes conglomerados internacionais, que m a sede de suas
matrizes nos países desenvolvidos. Verifica-se que o universal da classe média
brasileira sempre acaba sendo o regional das classes médias dos países mais
poderosos.
Assim, continua-se a ser reféns de grupos que se mantêm no poder, grupos
que utilizam a força econômica para impor suas criações culturais no mercado
mundial. Diante desta naturalização, a invasão cultural torna-se disfarçada como um
produto natural, desejável e ao alcance de todos, oferecido pelas virtudes da
globalização. Exemplo disto é apresentado por Torres (2001, p.63) ao lembrar que:
Depois de um longo período de comoção social, as políticas de bem-estar
constituíram concessões feitas à classe trabalhadora em busca de
resultados mais predizíveis durante o fordismo (por exemplo, para
prevenir paradas de trabalho ou greves). A percepção de uma “paz social”
e o investimento público em estratégias de criação de emprego trariam
prosperidade para todos. Trabalhadores mais satisfeitos e mais bem
educados seriam mais produtivos. e tanto eles como suas comunidades e
a sociedade haveriam de prosperar.
A última instância de qualquer discussão cultural acaba sendo a discussão
política, sendo utilizada como debate necessário à abordagem da invasão cultural,
para o estabelecimento da responsabilidade de todos perante a possibilidade da
alternativa de aceitação passiva, naturalizada, ou da luta contra as imposições.
2.3.2 – DOMINAÇÃO CULTURAL:
Nem sempre a produção é o âmbito central para entendermos o processo de
reprodução social enquanto reprodução de uma dominação cultural. Castro (2005)
defende a posição de que na medida em que tanto as classes quanto a consciência
54
de classe tornaram-se fragmentadas e difusas no capitalismo contemporâneo, outros
espaços e outras formas, que não o trabalho, tornam-se privilegiados para entender
como a sociedade moderna se reproduz através da dominação cultural burguesa
sobre o proletariado.
Em seu artigo intitulado “Trabalho, cultura e sociedade: reflexões a partir do
conceito de ‘cultura operária’”, Castro (2005, não paginado) acrescenta, que
Habermas, ao:
por em questão as formas tradicionais de dominação de classe, remetendo-
nos à capacidade do Estado, enquanto aparato administrativo, de impor
uma forma de racionalidade às massas, penetrando-lhes o “mundo da vida”.
Também na perspectiva analítica da cultura como meio de dominação,
autores como Horkheimer e Adorno (1972) deslocaram o foco da atenção
para a dia, como indústria cultural; nesse sentido, as práticas culturais
passam a ser analisadas da perspectiva da cultura enquanto instituição
econômica, dotada de processos particulares de produção, distribuição e
consumo. O abandono da abordagem de dominação cultural de classe, que
levava a privilegiar o âmbito do trabalho, não leva, todavia a que se
desconsidere as categorias de dominação e hegemonia, que seguem
centrais.
O mesmo autor mostra que mais recentemente, os estudos de Foucault e
Bourdieu, tratam analiticamente dos mecanismos pelos quais a reprodução social e
dominação cultural se interligavam. Era no trabalho vale dizer, na produção da sua
sobrevivência que os homens estabeleciam as relações sociais mais decisivas. A
experiência do trabalho, bem como as representações e práticas que dela
decorriam, passavam a ser vistas como apenas um, dentre muitos outros âmbitos de
formação das classes.
Os estudos sobre a cultura voltaram-se para pensar o impacto das
representações e simbolizações não apenas na reprodução da dominação, mas na
produção da transformação, na criação de práticas de resistência, na construção de
uma identidade fundamentada no reconhecimento da alteridade.
Os métodos de dominação pelas armas, utilizados no pós-guerra começaram
a ser substituídos por outros aparentemente menos violentos, porém tão nocivos
quanto os anteriores: o domínio pelo controle da informação e da propaganda. A
internacionalização do capital fez com que tria, país, nação, soberania e culturas
55
se tornassem fatores secundários. Os grandes capitalistas passaram a administrar
mais da metade do mundo, formando grandes corporações transnacionais que
reúnem as grandes fortunas do planeta.
A história da humanidade mostra que quase não houve restrições para a
entrada das imposições culturais e econômicas nos pequenos países, onde muitos
dos líderes ditadores locais uniram-se aos Estados Unidos e outras grandes
potências como China, Japão, Inglaterra e Espanha.
Os profissionais da educação m a obrigação não de conhecer os
mecanismos da dominação cultural, econômica, social e política, ampliando seus
conhecimentos antropológicos, mas também perceber as diferenças étnico-culturais
sobre essa realidade cruel e desumana.
O “Relatório do Desenvolvimento Humano 2004: liberdade cultural num
mundo diversificado” é um documento publicado pelo Programa das Nações Unidas
para o Desenvolvimento (PNUD) pela Editora Mensagem Serviço de Recursos
Editoriais Ltda em Lisboa Portugal. Tendo como organizadora e redatora principal
Sakiko Fukuda Parr, o documento traz em seu prefácio a determinação de que
“para que o mundo atinja os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio e acabe por
erradicar a pobreza, tem que enfrentar primeiro, com êxito, o desafio da construção
de sociedades culturalmente diversificadas e inclusivas” (RELATÓRIO 2004, p. 73).
Este relatório defende que as pessoas deveriam ser livres para ser o que são,
para escolher as suas identidades. Defende que o reconhecimento de identidades
múltiplas e complementares com indivíduos que se identificam como cidadãos de
um Estado e como membros de grupos religiosos, grupos étnicos e outros grupos
culturais é o ponto fundamental para a liberdade cultural. Os movimentos hostis a
estes princípios, procuram eliminar a diversidade em nome da superioridade cultural,
colocando-se acima de todos. São conhecidos como Movimentos Coercivos a favor
da dominação cultural, sendo movidos por uma ideologia de supremacia e
dominação cultural usando a coerção para eliminar as identidades culturais dos
outros.
Muitos tipos de movimentos sociais usam estratégias coercivas de violência
ou intimidação, mas nem todos são movimentos a favor da dominação cultural.
Conforme apresentado no Relatório 2004, muitos grupos, historicamente
56
prejudicados ou subjugados, sentem-se compelidos a usar estratégias coercivas,
particularmente se são excluídos ou marginalizados do processo político normal. A
sua tática pode envolver a coerção, mas o seu objetivo é a conquista de direitos
iguais, partilha do poder, autonomia e uma sociedade mais inclusiva.
São enfocados os movimentos que, tipicamente buscam criar Estados étnica
ou religiosamente “puros”, expulsando, assimilando à força, ou até matando
qualquer pessoa vista como “outra”. Para esses movimentos, de acordo com o
Relatório 2004, os tipos de políticas multiculturalistas são anátemas. É a intolerância,
ou o ódio a outros costumes, como organizar-se para espalhar essa intolerância,
negando, ao mesmo tempo, a escolha das pessoas em relação às suas identidades,
que torna um movimento coercivo, tendo como alvo a liberdade e diversidade.
casos de movimentos coercivos para a dominação cultural que não se
baseiam principalmente na religião, mas antes em apelos à pureza racial e étnica.
Os movimentos para a dominação cultural são explicados, no Relatório 2004,
como sendo diferentes de todos os movimentos fundamentalistas. Estes se baseiam
em uma religião específica, ou grupos violentos que apresentam idéia de
supremacia e tentativa de supressão de outras identidades, mesmo com violência.
Nem todos os fundamentalistas tentam impor a sua ideologia, nem todos os grupos
violentos têm uma agenda de dominação cultural.
Movimentos coercivos e intolerantes não são novos, mas estão em ascensão.
O Relatório mostra que em muitos países:
os movimentos para a dominação cultural estão tornando-se uma foa
proeminente na política nacional, visam dominação religiosa ou limpeza
étnica. Movimentos como esses são muitas vezes marginais, mas também
podem ser segmentos de um partido político, ou mesmo de um Estado, ao
procurar impor uma noção particular de ideologia e identidade nacionais,
eliminando ao mesmo tempo outras identidades culturais (RELATÓRIO
2004, p. 74).
Não existe apenas a religião como a única fonte de extremismo. Existem
também as brutalidades com base na etnicidade, ou na raça, pois muitas vezes
incluem a tentativa de extermínio de povos. Os movimentos para a dominação
57
cultural têm em comum alguns elementos fundamentais. No Relatório 2004 aparece
a distinção pela sua identidade cultural seja ela étnica, racial ou religiosa e
tentam impor a sua ideologia coercivamente e até pelo extermínio. Esses
movimentos acreditam na superioridade da sua cultura, rejeitando todas as outras;
atuam baseados nessa convicção para impor a sua ideologia aos outros, criando o
ideal de uma sociedade “pura”; muitas vezes, embora nem sempre, recorrem à
violência para atingir os seus objetivos.
Os movimentos para a dominação cultural têm um sentimento de
supremacia e são, muitas vezes predadores. Abraçam uma ideologia que
demoniza outras identidades para justificar a criação de uma pátria “pura”,
sagrada e homogênea. Vêem qualquer pessoa que não pertence à
comunidade nuclear como inferior, indesejável e não merecedora de
respeito. São exclusivistas e procuram impor a sua ideologia aos outros.
Criam apoio engendrando uma sensação de medo de que os seus próprios
valores e identidades estejam sob ameaça. Fomentam a xenofobia, levando
a exigência de criação de sociedades monoculturais, de exclusão de
“forasteiros” das políticas de segurança social e de criação de um Estado
forte que possa proteger a nação contra as “forças do mal” (RELATÓRIO
2004, p.75).
O Relatório 2004 alerta para o fato de que, os movimentos para a dominação
cultural, tamm mantêm na mira membros da sua própria comunidade, buscando
denegrir e eliminar opiniões divergentes, questionando a integridade e a lealdade
(pureza da fé, patriotismo, etc.) destas pessoas que colocam em risco a soberania
do grupo. Muitos conflitos étnicos tamm m a ver com poder político, ou
econômico, tendo a identidade étnica como um modo de mobilizar aliados, que lutam
pela dominação cultural em nome da identidade. São abertamente violentos, sendo
que ameaças, assédio e políticas eleitorais tamm são táticas comuns. A mesma
organização pode usar várias estratégias – propaganda, políticas eleitorais.
Uma característica consistente desses movimentos, é que oferecem uma
explicação simples (muitas vezes distorcida) para os fracassos do mundo e um
programa simples para corrigi-los (expulsar imigrantes, matar membros de outras
comunidades, etc.). Quando o Estado falha, os movimentos coercivos podem
intervir, oferecendo educação, segurança, ou lei e ordem. Mudam a ideologia, ou o
alvo da organização, dependendo das circunstâncias, conforme esclarece o
Relatório 2004. Os líderes convertem atos arbitrários de coerção num esforço
58
coletivo. Recrutam, doutrinam e formam os seus quadros militantes (por vezes
crianças). Planejam atos terroristas de publicidade. E asseguram fundos para
compensar os membros das famílias dos que morrem em ação e que são, depois,
glorificados como heróis.
Esses movimentos tendem a ser mais poderosos, e ameaçadores, em
Estados o democráticos. O Relatório 2004 defende que restringir a atividade dos
movimentos coercivos é o primeiro passo. Entre as medidas comuns para reprimir
(e, eventualmente eliminar) as atividades dos movimentos coercivos estão: erguer
barreiras institucionais contra partidos políticos coercivos; promulgar leis e usar a
intervenção judicial e aplicar a força.
O aconselhamento feito pelo Relatório 2004 vai em sentido de que os Estados
devem evitar usar apenas medidas restritivas para conter ideologias intolerantes e
movimentos coercivos, porque esses movimentos exploram razões de queixa reais,
e se forem proibidos, passam simplesmente à clandestinidade.
Afirma ainda que os movimentos para a dominação cultural existem porque
exploram as razões de queixa e preocupações reais das pessoas.
Desejar ver-se livre deles, fingir que não existem, ou simplesmente pô-los
fora da lei, lhes mais legitimidade para crescer. Para desencorajar
os movimentos coercivos para a dominação cultural, os Estados têm de
responder construtiva, aberta e legitimamente às forças que os animam
(RELATÓRIO 2004, p. 82).
A experiência de vários países é apresentada no Relatório 2004, que sugere
quatro estratégias para orientar as ações dos Estados democráticos estratégias
com as quais os países o democráticos podem aprender: permitir que os
processos democráticos normais funcionem; processar os crimes de ódio; prestar
atenção aos currículos escolares; ajudar as comunidades a lidar com o ódio e a
violência do passado.
59
2.3.3 – DIVERSIDADE CULTURAL:
Uma questão inicial a ser abordada é a que trata da tensão entre igualdade e
diferença do ponto de vista cultural, levando-se em conta as dificuldades nas
relações entre grupos claramente diferenciados por razões de cor de pele, idioma,
valores e crenças, gênero, religião; diferenças sociais e culturais. Candau (2002)
aborda muito claramente as relações entre igualdade e diferença cultural, utilizando-
se do pensamento de Santos
12
(1997). Este autor faz a análise dos dois termos, ao
esclarecer que:
todas as culturas tendem a distribuir as pessoas e os grupos sociais entre
dois princípios competitivos de pertença hierárquica. Um o princípio da
igualdade opera através de hierarquias entre unidades homogêneas (a
hierarquia de estratos socioeconômicos; a hierarquia cidadão/
estrangeiro). O outro o princípio da diferença opera através da
hierarquia entre identidades e diferenças consideradas únicas (a
hierarquia entre as etnias ou raças, entre sexos, entre religiões, entre
opções sexuais) (SANTOS, 1997 apud CANDAU 2002, p.34)
Este autor contribui ainda, com a afirmação de que esses dois princípios,
necessariamente, o se sobrepõem, pois deixam claro que “nem todas as
igualdades são idênticas, e nem todas as diferenças são desiguais”.
Um grande desafio lançado à sociedade, atualmente, explicitado por Candau
(2002), é o de articular, da melhor maneira possível, os valores da autonomia,
liberdade, direito à diferença e os valores da solidariedade e da igualdade. Portanto,
reconhecer democraticamente a riqueza da diversidade é aceitar os vários tipos de
saber, é procurar o que tem de reacionarismo, o que tem de vital, para o dia-a-dia
das pessoas. Tudo isso ganha sentido democrático, conforme Trindade (2002),
quando a gente recria esse saber, ou reapropria esse saber por um discurso, uma
fala, uma ação vinculada a um projeto educacional, aberto ao enraizamento
comunitário. Ou seja, como é que esse saber se articula com um projeto de
12
SANTOS, B.S. Uma concepção multicultural de direitos humanos. LUA NOVA Revista de Cultura e Política.
GOVERNO & DIREITOS – CEDEC, nº 39, Brasil, 1997.
60
enraizamento do lugar onde estamos, do que somos, e de como somos e não como
deveríamos ser.
A ação que se pauta no reconhecimento da diversidade cultural está
para levar os indivíduos a ter orgulho do que são, a ter orgulho do que
já têm e não, às vezes, do que vão ter ou gostariam de ter. [...] O
reconhecimento dessa diversidade cultural pode obrigar à revisão de si
mesmo, pode levar a educação a desembaraçar-se do peso de ter se
tornado máquina de produção de profissionais e diplomas
burocratizantes. [...] A questão da diversidade cultural, antes de mais
nada, é a questão de levar a criança, levar o adolescente, desde a escola,
desde o início da escola primária, a valorizar o pintor, a valorizar o
território onde vive, a não desprezar, como as gerações passadas, o que
não é letra, o que não é brilho tecnológico. [...] A experiência da
diversidade cultural é a experiência da vivência democrática em seu modo
mais radical. Quer dizer, a radicalidade do reconhecimento da diversidade
cultural (TRINDADE, 2002, p. 23).
Somente quando todos os envolvidos no processo educacional estiverem
comprometidos com uma educação transformadora é que, após as décadas de luta
para salvar os oprimidos da ignorância, sobre eles próprios será identificado nosso
ego cultural produzindo orgulho dele. Isto não significa a defesa de guetos culturais
ou negar às classes menos favorecidas economicamente o acesso à cultura erudita.
A inter-relação entre os códigos culturais das diferentes classes sociais é base para
a mobilidade social. Todas as classes sociais têm direito de acesso aos códigos da
cultura erudita porque esses o os códigos dominantes os códigos de poder. É
necessário conhecê-los, ser especialista neles, porém sabe-se que estes códigos
continuarão como um conhecimento exterior até que o indivíduo tenha dominado as
referências culturais da sua própria classe social. Esta é a porta de entrada para a
assimilação do “outro”.
Não se pode deixar de fazer referência à rica contribuição de Arroyo ao se
pronunciar sobre a necessidade de assumirmos nossa diversidade cultural;
reforçando a urgência de maior sensibilidade com a diversidade nos alerta que:
Apesar dos avanços que tivemos no reconhecimento da diversidade
presente na nossa sociedade e em nossas escolas e da diversidade nos
processos de construção e apreensão do conhecimento, nosso
comportamento continua linear. Não fomos preparados para tratar
profissionalmente essa diversidade nem para entendê-la. Falta-nos uma
61
leitura teórica do peso da diversidade sócio-cultural nos processos de
aprendizagem. [...] O que está sendo feito para incorporar essa
diversidade em nossas propostas pedagógicas? O que está sendo
inovado nas escolas para darem conta dessa diversidade? (ARROYO,
1996, p. 43).
É importante frisar bem que o reconhecimento da diversidade vai além dos
aspectos estruturais; é preciso ir, além disso, penetrando na rigidez dos currículos e
do sistema de avaliação, questionando os processos de construção e apreensão de
conhecimento. Arroyo nos recobra a memória de que:
Reconhecemos que há processos diferenciados de aprendizagem, mas
medimos todos os alunos pelos ritmos médios e reprovamos, retemos
aqueles que têm tempos diversos. É como se olhássemos compassivos
para esses alunos, reconhecêssemos que são diferentes, mas por
reconhecê-los diferentes nos sentimos obrigados a reprová-los e, por isso,
retê-los como repetentes, até que sejam mais iguais. Até Quando?
(ARROYO, 1996, p. 46).
No que diz respeito a formas de encarar a diversidade, Arroyo (1996) declara
que o movimento social e cultural, cada vez mais dinâmico e diverso, recoloca essa
questão à escola e à teoria e práticas pedagógicas. Este autor questiona ainda, o
que levará a escola, a teoria pedagógica, as pesquisas a colocar o problema da
diversidade cultural nas discussões dentro da escola, pois sabemos que a base em
que será colocado vai depender do projeto sócio-cultural em que a educação é
inserida; vai depender dos movimentos sociais, da pressão das “minorias”, dos
“diversos”; da concepção de educação, de escola, do papel dos educadores frente a
essa diversidade. “Quanto mais a sociedade e a escola avançam tentando integrar
os setores excluídos, mais exposta fica a diversidade de gênero, de raça, de valores,
de concepções, de cultura desses setores. Reconhecê-la e aceitá-la é o ponto de
partida” ( ARROYO, 1996, p. 49).
Em seu artigo intitulado Diversidade cultural exige análise urgente”, Cabral
chama a atenção para este tema já alertando na introdução que:
Diversidade Cultural exige análise urgente. Em 2005 a Conferência Geral
da Unesco deverá aprovar, definitivamente, a Declaração Universal sobre a
62
Diversidade Cultural. Apesar de o documento apresentar princípios
interessantes, grupos e governos começam a se mobilizar: uns a favor e
outros contra. O motivo da contradição é simples: se a Declaração for
aprovada, será possível preservar a cultura dos povos (CABRAL, 2005).
Esclarece que a Declaração Universal sobre a Diversidade Cultural foi
aprovada na 31ª Conferência Geral da Organização das Nações Unidas para a
Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), em 02 de Novembro de 2001, com o
apoio da Rede Internacional para a Diversidade Cultural.
O documento apresenta princípios interessantes, segundo os quais grupos e
governos começam a se mobilizar. Uns se levantaram em busca da manutenção do
domínio sobre as economias e culturas de povos dependentes de seus produtos,
como os Estados Unidos. Outros analisaram os princípios que estão sendo
propostos, verificando cada palavra e sentido usados ou sua falta, evitando que a
redação que foi aprovada definitivamente na 33ª Sessão da Conferência Geral da
UNESCO em Outubro de 2005, deixasse brechas, abrindo possibilidades para que
povos continuem sendo vítimas de países desenvolvidos. O texto da Declaração
Universal sobre a Diversidade Cultural e das Linhas Gerais de um Plano de Ação
para a aplicação da Declaração são apresentados na íntegra como ANEXO I da
presente pesquisa.
Partindo deste pressuposto, vários grupos organizaram-se para impedir a
invasão cultural e preservar a cultura de cada povo para tentar chamar a atenção
dos governos para as desvantagens da negociação.
No Brasil foi criado o Instituto de diversidade Cultural (IDC), lançado em Julho
de 2004, em São Paulo (SP), filial da Rede Internacional para a Diversidade Cultural
rede mundial de artistas, criadores, composta por mais de trezentas ONGs
culturais, produtores culturais preocupados com a temática. É um movimento
presente em 71 países.
Leonardo Brant, representante do IDC, afirma que o desafio do escritório no
Brasil é estabelecer um diálogo com a sociedade brasileira e formar uma estrutura
básica de discussão com os ativistas culturais da América do Sul, analisando e
pressionando os acordos bilaterais que vêm sendo feitos na região. Dentre as
estratégias do IDC destacam-se: encontrar o ponto de equilíbrio entre a exploração
63
comercial e o respeito à Diversidade Cultural; entender os efeitos da globalização
nas culturas locais; e desenvolver a agenda política da diversidade cultural no país.
A Assembléia Geral das Nações Unidas decidiu proclamar o dia 21 de Maio
Dia Mundial da Diversidade Cultural para o Diálogo e o Desenvolvimento,
convidando todos os Estados-membros, as Organizações governamentais, as
organizações das Nações Unidas e as Organizações não Governamentais
competentes, entre outras, para sensibilizar a opinião pública para a riqueza da
diversidade cultural e, particularmente, a suscitar, através da educação e dos meios
de comunicação, uma tomada de consciência do valor da diversidade cultural.
No caso do Brasil, o governo federal, pelo Ministério da Cultura, instituiu a
Secretaria da Identidade e Diversidade Cultural que vem promovendo eventos para
discutir o assunto com a sociedade. Porém, é preciso ir mais longe e criar
estratégias conjuntas com outras nações para que as culturas locais sejam
preservadas, evitando a dependência cultural que vem sendo imposta aos países
em desenvolvimento.
Outro evento mundial importante aconteceu entre os dias 7 e 10 de Junho de
1994 em Salamanca na Espanha. Lá aconteceu a Conferência Mundial de Educação
Especial, onde delegados representando 88 governos e 25 Organizações
Internacionais reafirmaram o compromisso com a Educação para Todos. Por meio
de um documento denominado “Declaração de Salamanca” (BRASIL, 1997), ficou
reconhecida a necessidade e urgência de providenciar educação para adultos,
crianças, jovens com necessidades educacionais especiais dentro do sistema
regular de ensino.
Cabral (2005) chama a atenção para o Art. 6 da Declaração de Salamanca,
por defender que:
enquanto se garanta a livre circulação das idéias mediante a palavra e a
imagem, deve-se cuidar para que todas as culturas possam se expressar e
se fazer conhecidas. A liberdade de expressão, o pluralismo dos meios de
comunicação, o multilingüismo, a igualdade de acesso às expressões
artísticas, ao conhecimento cientifico e tecnológico inclusive em formato
digital e a possibilidade, para todas as culturas, de estar presentes nos
meios de expressão e de difusão, são garantias da diversidade cultural
(CABRAL, 2005).
64
Como defendido neste artigo da Declaração, a diversidade cultural tem sua
garantia legal, resta a divulgação ampla dos documentos citados para que cada vez
mais pessoas conheçam o que consta nas leis e possam cobrar das autoridades o
seu cumprimento.
2.3.4. IDENTIDADE CULTURAL
Para abordar a identidade cultural é primordial compreender o conceito de
identidade. Para isto será utilizada a contribuição de Candau ao esclarecer que:
Identidade é um conceito polissêmico, podendo representar o que uma
pessoa tem de mais característico ou exclusivo, ao mesmo tempo em que
indica que pertencemos ao mesmo grupo. No entanto, este termo, usado
com sentido jurídico, psicológico e cultural, é fundamental na
compreensão das relações humanas, sociais e educativas e interessa-nos
trabalhá-lo na sua relação com a dimensão cultural. A cultura tem sido um
dos principais pilares de construção e afirmação da identidade. [...] A
identidade é compreendida enquanto construção social que produz efeitos
sociais (CANDAU, 2002, p. 31).
A identidade cultural não pode ser encarada como forma fixa ou congelada.
Deve ser percebida como um processo dinâmico, enriquecido através do diálogo e
trocas com outras culturas. Neste sentido a identidade cultural também é um
problema para o mundo desenvolvido. Enquanto no Terceiro Mundo falamos sobre a
necessidade de busca pela identidade cultural, os países industrializados estão
falando sobre a leitura cultural e ecologia cultural.
No Terceiro Mundo, a identidade cultural é de interesse central, pois significa
a necessidade de ser capaz de reconhecer a si próprio, ou uma necessidade sica
de sobrevivência e de construção de sua própria realidade. Não é possível uma
65
identificação cultural nem uma leitura cultural ou, ainda, uma cultura ecológica sem a
flexibilidade para encarar a diversidade cultural existente em qualquer país, pois
estas abordagens vão muito além da simples aparência e do trato político. Numa
abordagem antropológica, esclarecida por Oliveira (2005), a identidade é uma
construção que se faz com atributos culturais:
ela se caracteriza pelo conjunto de elementos culturais adquiridos pelo
indivíduo através da herança cultural. A identidade confere diferenças aos
grupos humanos. Ela se evidencia em termos da consciência da diferença
e do contraste do outro. [...] O ideal de branqueamento e o mito da
democracia racial foram os mecanismos de dominação ideológica mais
poderosos já produzidos no mundo, que permanecem ainda no imaginário
social, o que dificulta a ascensão social de grupos minoritários
(OLIVEIRA, 2005).
A política de branqueamento, de acordo com Oliveira (2005), que caracterizou
o racismo no Brasil foi gerada por ideologias e pelos estereótipos de inferioridade
e/ou superioridade raciais. A ideologia de branqueamento teve como objetivo
propagar que não existem diferenças raciais no país e que todos aqui vivem de
forma harmoniosa, sem conflitos. Isto também é conhecido como o Mito da
Democracia Racial”. A opressão racial acabaria com a raça negra pelo processo de
branqueamento.
A falta de conflitos étnicos não caracteriza ausência de discriminação, muito
pelo contrário, o silêncio favorece o status quo que, por sua vez, beneficia a classe
dominante. Assim, vários movimentos organizados vêm denunciando com
freqüência o tratamento discriminatório recebido pelas minorias, lutando não só para
eliminar as políticas de inferiorização com respeito às diferenças culturais, mas
também pela igualdade de oportunidade, que é a luta pela ética da diversidade.
2.3.5 – HIBRIDIZAÇÃO CULTURAL
Para melhor explicitar o termo hibridização culturalCandau (2002) recorre a
García Canclini, que ajuda a entender a convivência de realidades tão distintas e a
66
mesmo contraditórias. Este autor é apresentado como grande estudioso do que
chama de culturas híbridas”. Candau utiliza-se dos estudos deste autor para
esclarecer que:
assim como não se pode colocar em contraposição o tradicional e o
moderno, também não se pode contrapor o culto, o popular e a cultura de
massa. É necessário afirmar a existência de um processo de hibridização
cultural que abarca distintas misturas culturais. Considera que este termo é
mais adequado para expressar os fenômenos que estuda por ser mais
amplo que “mestiçagem” (CANDAU, 2002, p. 33).
A assunção das identidades provoca reações de grupos contrários ou que se
sentem prejudicados. Isto exige construir uma democracia que permita não a
manifestação das expressões plurais, mas que possibilite e garanta os meios para
seu desenvolvimento. Esta seria, como diz a autora, uma democracia que
comportaria a pluralidade cultural e admitiria um processo de interculturalidade. Nos
termos que propõe Candau (2002, p. 42)
a interculturalidade orienta processos que têm por base o reconhecimento
do direito à diversidade e a luta contra todas as formas de discriminação e
desigualdade social e tentam promover relações dialógicas e igualitárias
entre pessoas e grupos que pertencem a universos culturais diferentes.
Nesse sentido, trata-se de um processo permanente, sempre inacabado,
marcado por uma deliberada intenção de promover uma relação dialógica e
democrática entre as culturas e os grupos involucrados e não unicamente
de uma coexistência pacífica num mesmo território. Esta seria condição
fundamental para qualquer processo ser qualificado de intercultural.
Alguns fatores interligados refletem o momento político-histórico-social que
hoje atravessamos. São apresentados por Candau (2002) ao mostrar que a
necessidade de um desenvolvimento equilibrado em nível mundial transformou-se
em uma meta, que muito ultrapassou os limites do que é urgente para se tornar
imperativo: uma excessiva concentração de riqueza; uma profunda injustiça social;
um alarmante esgotamento e deteriorização dos recursos naturais e dos sistemas
sustentadores da vida no planeta; uma dominação cultural e redução da diversidade
cultural, onde numerosos povos e etnias têm desaparecido ou estão sob risco de
67
desaparecer; e uma concentração de poder tanto em vel global, como no interior
dos países.
A população geral não tem por hábito participar no processo de tomada de
decisões sobre os assuntos importantes que dizem respeito a ela; não percebe que
seus efeitos acabam recaindo sobre ela mesma. O extermínio das civilizações que
serviram de base para muitas das sociedades de hoje, teve como objetivo apenas o
crescimento econômico a qualquer preço, independente do lugar onde se
efetivaram. Nesse sentido é clara a necessidade de repensar o desenvolvimento a
partir de uma conceituação mais humana e mais dinâmica do mesmo, onde a
dimensão sociocultural seja valorizada como uma prioridade e não apenas como
mais um fator a ser considerado.
Fundada em três eixos, a interligação cada vez maior entre cultura e
desenvolvimento tem sido pautada no próprio caráter pluridimensional e
integrador da cultura, em sua inevitável interdisciplinaridade e na
valorização da pessoa como ser criador e autocriador. Eixos estes que
implicam no equilíbrio entre o desenvolvimento econômico, democracia
política e equidade social e são a única garantia de um desenvolvimento
harmônico, eficiente e humano (CANDAU, 2002, p. 49).
Arroyo, citado por Candau (2002), denuncia que o mais grave é o fato da
diversidade ter sido encarada como uma patologia, o que serviu inclusive, ao longo
da história da educação, de explicação e justificativa para o fracasso escolar.
Se a nossa escola é uma instituição homogeneizadora de um tipo único de
brasileiro, trabalhador, ordeiro e cidadão, então a diversidade passa a ser
destacada como anomalia, barreira a esse papel homogeneizador esperado
da instituição educativa e conseqüentemente principal obstáculo para o
êxito escolar. Neste sentido, a escola vive uma tensão, que emerge entre,
de um lado ignorar a diversidade sob o ideal da desigualdade de trato e
acabar empurrando um número cada vez maior de alunos (as) para o
fracasso escolar e, de outro reconhecer e tratar pedagogicamente a
diversidade existente, a fim de fazer do espaço escolar um espaço múltiplo
e capaz de propiciar a todos um ambiente de construção do conhecimento
e de formação humana e cidadã (CANDAU, 2002, p. 71).
68
Esta tensão estará totalmente superada quando educadores (as), alunos
(as) e comunidade entenderem que tratamento igual o significa tratamento
uniformizante, que desrespeita, padroniza e apaga as diferenças.
2.3.6 – SUPERIORIDADE CULTURAL
Como forma de dominação ideológica das massas e fator preponderante para
a reprodução das condições de dominação, a hegemonia cultural tem sua
sustentação, graças a uma adesão voluntária às idéias dominantes, que acabam se
transformando, tanto quanto os valores, em componentes intrínsecos ao
comportamento das pessoas, não conseguindo separar-se dela.
A superioridade cultural como produto disso constitui-se em fator contra-
aculturativo para a superioridade cultural do grupo considerado, em relação ao meio
dominante. O que faz com que uma cultura seja considerada mais importante que a
outra é o fato de que nos mais variados momentos da história alguém usou o poder
para afirmar essa hegemonia. A partir da superioridade naturalizada fica fácil
manter-se na supremacia. Assim, os baixos investimentos em educação garantem o
sucesso da escola para a sociedade excludente presente no modelo neoliberal. Ao
fracassar, a escola, reforça o status quo, mantendo-se igualmente seletiva e
excludente.
Alguns desafios propostos hoje para todas as sociedades: dissipar noções de
superioridade cultural baseadas no racismo, na discriminação racial, na xenofobia e
na intolerância correlata, e facilitar a construção de um mundo humanizado. Nesta
perspectiva, a educação escolar ocupa um espaço privilegiado na produção de
estratégias de superação hegemônica, onde todos os alunos, sem exceção, de
posse do conhecimento científico, estejam preparados para a transformação social.
Sabemos que a superioridade econômica confunde-se com a superioridade cultural,
provocando o preconceito.
69
O sentimento de superioridade cultural não foi exclusivo dos ocidentais. Ele
está presente também em povos de outras culturas, como a muçulmana ou a
oriental.
2.3.7 – GLOBALIZAÇÃO E CULTURA
A apresentação da tendência, na atualidade, de perceber a globalização a
partir de três perspectivas, é assim descrita por Candau. A globalização é
1) plural (há várias globalizações) como afirma Santos (1997); o termo
globalização deveria ser usado no plural, pois diferentes conjuntos de
relações sociais dão origem a diferentes fenômenos de globalização; 2) não
linear, segundo Da Matta (1996); não há etapas a vencer para se chegar
àquilo que seria uma instância final e englobadora de toda a história
humana e 3) não recente (o global e o local, o moderno e o tradicional
coexistem muito no espaço social) ou, como afirma Canclini (1996), a
imposição de modelos culturais dos vencedores é antiga na história das
civilizações.[...] cada país, dependendo de seu papel na lógica do
capitalismo [...], viverá um tipo de globalização, que será também vivida de
forma diferente entre os grupos sociais de uma mesma Nação (CANDAU,
2002, p. 15).
Dentro da esfera cultural, a globalização não pode ser necessariamente
associada à homogeneização. Nesse sentido, tanto nos países capitalistas centrais
como nos países periféricos, se repensar a questão das identidades culturais, sendo
importante considerar “a multiculturalidade das sociedades contemporâneas,
marcadas pelo enfraquecimento de antigas referências culturais, pela influência de
uma cultura globalizada e pela multiplicação de afirmações identitárias” (CANDAU,
2002, p. 17).
O fenômeno da globalização, como agente limitador da autonomia do estado
e da soberania nacional, é citado por Torres. A globalização, gerando tensões entre
o local e o global, o pode ser definida apenas através “(...) da organização pós-
70
fordista da produção, mas surge como uma característica maior da economia
mundial” (TORRES, 2001, p. 85).
Para melhor compreensão deste fenômeno, que envolve a todos em todos os
lugares do mundo, Torres (2001), busca em vários autores o esclarecimento do que
realmente é a globalização. O primeiro autor citado por ele é Held
13
(1991 apud
TORRES 2001) que sugere ser a globalização o resultado de vários fatores, entre
eles o surgimento de uma economia mundial, da expansão dos laços transnacionais
entre unidades econômicas que criam novas formas de tomadas de decisão
coletivas, do desenvolvimento de instituições intergovernamentais, da intensificação
das comunicações transnacionais e da criação de novas ordens regionais e
militares.
Torres (2001) esclarece que o conceito de globalização é onipresente, e
acarreta tudo, desde a ocidentalização do mundo até a ascendência do capitalismo.
Afirma tamm que a globalização não pode ser analisada somente em termos de
elementos polares discretos, mas como uma situação de transição entre duas
épocas históricas. Este autor completa este conceito especificando que a
globalização econômica é o resultado de uma reestruturação econômica mundial
que envolve a globalização da economia, da ciência, da tecnologia e da cultura, sem
esquecer da profunda modificação na divisão internacional do trabalho.
Os efeitos deste fenômeno na sociedade são sintetizados desta forma:
As instituições são construídas em torno de rotinas, regras, normas e
estruturas, e dentro de certos limites e moldes de conduta elas podem
guiar a transformação da ação social. Para esta nova institucionalização,
mudanças nas relações econômicas, [...] políticas, [...] e educacionais
(taxas mais elevadas para os usuários, privatização, descentralização e
problemas de qualidade da educação) desafiam o papel da educação no
desenvolvimento (TORRES, 2001, p. 99).
Em decorrência disso o efeito da globalização na educação pode ser
apresentado como a escolarização de massa, que, é uma conseqüência importante
13
HELD, David (ed), Political Theory Today. Stanford, Calif.: Standord University Press, 1991.
71
da evolução da estrutura cultural do Ocidente, sem deixar dúvidas quanto ao fato da
política e o discurso dos direitos humanos constituírem a base da nova moldura
cultural do Ocidente. O autor alerta ainda para o fato de que esta estrutura ocidental
implica desenvolver a noção de estado-nação e de um conceito moderno de
cidadania, que é visto como uma fonte da escolarização compulsória de massa.
Torres (2001, p.99), aborda a escolarização como um rito de iniciação amplificado
que simbolicamente transforma crianças não formadas em indivíduos melhorados,
autorizados a participarem da economia, política e sociedade modernas, e que isto
acontece por definição“.
Ele demonstra sua preocupação com o atual quadro mundial ao perceber que
o desafio para educadores, pais, estudantes e políticos é pensar criticamente sobre
as falhas do passado e sobre o sem meros de práticas excludentes que ainda
permeiam o processo da escolarização daí trazendo para a linha de frente as
questões de poder e dominação, classe, raça e sexo.
2.3.8 - IGUALDADE E DIFERENÇA CULTURAL
A diferença não é uma característica natural: ela é discursivamente
produzida. Além disso, a diferença é sempre uma relação: não se pode ser
“diferente” de forma absoluta; é-se diferente relativamente a alguma outra
coisa, considerada precisamente como “não-diferente”. São as relações de
poder que fazem com que a “diferença” adquira um sinal, que o “diferente”
seja avaliado negativamente relativamente ao “não-diferente” (SILVA, 2003,
p. 86).
A problemática apresentada nas discussões em torno de diferenças e
igualdades culturais, conforme apresentada por Candau (2002), surge das
dificuldades nas relações entre grupos claramente diferenciados por razões de cor
de pele, língua, valores e crenças, gênero, religião, somando-se a tudo isso as
diferenças socioeconômicas. Torna-se relevante, de acordo com a autora, o
72
estabelecimento de um grande desafio a ser lançado à sociedade atualmente:
articular da melhor maneira possível, os valores da autonomia, liberdade, direito à
diferença e os valores da solidariedade e da igualdade.
É relevante o questionamento feito por Resende (2003), ao esclarecer que,
após algum tempo de opressão, o próprio grupo se pergunta: Quem somos nós?
Quais são nossas verdades? Quais são e onde estão fincadas nossas raízes? E
dificilmente encontram respostas para essas perguntas. A problemática apresentada
nos coloca frente a frente com uma realidade muito concreta, a de que não é mais
possível negar a necessidade de resgate das rias verdades culturais.
Decorrente deste processo, Resende contextualizando a área da educação,
afirma que nos encontramos em conflito com idéias que acabam por privilegiar a
homogeneidade, sugerindo movimentos centrados na cristalização e na exclusão, ou
seja, na manutenção e na conservação. A autora afirma que
É possível concluir que essa homogeneização ocorre pela
necessidade de controle, desconsiderando, inclusive, a história
vivencial dos alunos. Professores e comunidade escolar trazem
embutido em seu pensar e em seu fazer o princípio de que existe
uma história, a que é escrita, restrita e padronizada nos livros
didáticos, quando s somos, como na África, um continente
permeado pela diversidade e pela oralidade de regiões tão fortes em
seus valores, dogmas, costumes e princípios. RESENDE (2003,
p.37)
A globalização da educação, assim como da economia, se, por um lado,
oportuniza a imersão em contextos diferentes, pode provocar, por outro, a
descaracterização do regionalizado e, mais particularmente, da identidade local.
3 - PERSPECTIVAS CULTURAIS E EDUCAÇÃO
Entre todos os espaços da sociedade, a escola é um espaço privilegiado onde
a cultura encontra-se representada de maneira diversa em sua riqueza. É importante
conhecermos o sentido dado às várias expressões envolvendo a cultura no espaço
escolar.
3.1 – ESCOLA E CULTURA
A existência humana é historicamente produzida, isto é, nós somos produto
das relações vividas. Essas relações consistem nas mais diversas formas de
encontro e conflito entre nossa base biológica, nosso corpo e o mundo, bem como
na sociedade na qual estamos inseridos. Cada pessoa é diferente. É na diferença
que está a originalidade, o sentido e a riqueza de ser gente. A singularidade de cada
pessoa é facilmente percebida. O comportamento das pessoas não é
predeterminado inatamente, é construído através da cultura.
A importância de se entender a relação cultura - educação é apontada por
Trindade, ao esclarecer que
de um lado está a educação, e do outro, a idéia de cultura como o lugar, a
fonte de que se nutre o processo educacional para formar pessoas, para
formar consciências. A cultura é, pois, essa dinâmica de relacionamento
que o indivíduo tem com o real dele, com a sua realidade, de onde vêm os
conteúdos formativos, ou seja, de formação para o processo educacional
(TRINDADE, 2002, p. 17).
74
A prática educativa que não respeita o conhecimento e a cultura do estudante
leva à prática da pedagogia da exclusão. Lidar com as diferenças, de acordo com
Resende (2003), não é aceitar as desigualdades sociais. É preciso romper com a
gica centralizadora, que tem historicamente desconsiderado a diversidade de
opiniões, postura, aspirações e demandas dos diferentes atores sociais que agem
no interior da escola.
Por meio da cultura escolar se reproduzem as relações econômicas e sociais
que ocorrem cotidianamente, com todas as suas contradições. Os diversos
interesses dos grupos sociais, evidenciados através de conflitos, estão presentes na
sociedade. E quando os conflitos inevitavelmente ocorrem na escola, uma
tendência ora de ignorá-los, ora de desconsiderá-los, ora de reduzi-los. Todas essas
possibilidades demonstram o desrespeito com as diferenças, a desconsideração
com o outro. O respeito, de acordo com Veiga (1998), é a base para a socialização
cultural. De acordo com a autora, fundado no respeito ao saber e à cultura do
estudante, o educador cultiva as diferenças criando oportunidades para expandir os
conhecimentos, ampliar a convivência e a sensibilidade na formação do estudante.
Para educar é fundamental respeitar e acolher características e ritmos diferentes dos
estudantes. A educação emancipadora é um espaço social para a valorização
cultural, criando oportunidades educacionais para o encontro de saberes diferentes.
Pérez Gómez aponta cinco tipos de cultura como base para a educação
escolar das gerações jovens:
O responsável definitivo da natureza, do sentido e da consciência do que os
alunos e as alunas aprendem em sua vida escolar é este vivo, fluido e
complexo cruzamento de culturas que se produz na escola, entre as
propostas da cultura crítica, alojada nas disciplinas científicas, artísticas e
filosóficas; as determinações da cultura acadêmica, refletida nas definições
que constituem o currículo; os influxos da cultura social, constituída pelos
valores hegemônicos do cenário social; as pressões do cotidiano da cultura
institucional, presente nos papéis, nas normas, nas rotinas e nos ritos
próprios da escola como instituição específica; e as características da
cultura experiencial, adquirida individualmente pelo aluno através da
experiência nos intercâmbios espontâneos com seu meio (GÓMEZ, 2001,
p. 17).
O autor esclarece que a cultura crítica, alta cultura ou cultura intelectual é o
conjunto de significados e produções que, nos diferentes âmbitos do saber e do
75
fazer, os grupos humanos foram acumulando ao longo da história. É um saber
destilado pelo contraste e o escrutínio público e sistemático, pela crítica e
reformulação permanente, que se aloja nas disciplinas científicas, nas produções
artísticas e literárias, na especulação filosófica, na narração histórica. Explica ainda
que esta cultura crítica evolui, se transforma ao longo do tempo e é diferente para os
diferentes grupos humanos.
O que o autor denomina como cultura social é o conjunto de significados e
comportamentos hegemônicos no contexto social, considerado um contexto
internacional de intercâmbio e interdependências. Completa explicando sua
composição: valores, normas, idéias, instituições e comportamentos que dominam
os intercâmbios humanos em sociedades formalmente democráticas, regidas pelas
leis do livre mercado e percorridas e estruturadas pela onipresença dos poderosos
meios de comunicação de massa.
A cultura institucional tem na escola um ótimo exemplo. mez esclarece que
a escola enquanto instituição social desenvolve e reproduz sua própria cultura
específica, ditando normas, costumes, tradições, rotinas, bem como rituais.
O autor entende por cultura experiencial a peculiar configuração de
significados e comportamentos que os alunos e as alunas elaboram de forma
particular, induzidos por seu contexto, em sua vida prévia e paralela à escola,
mediante os intercâmbios com o meio familiar e social.
A seleção de conteúdos destilados da cultura pública para o trabalho escolar
é definida pelo autor como cultura acadêmica, ou seja, o conjunto de significados e
comportamentos cuja aprendizagem se pretende provocar nas novas gerações
através da instituição escolar.
3.2 – ASSIMILAÇÃO CULTURAL NA ESCOLA
No que se refere à apropriação do conhecimento produzido historicamente
pela humanidade e socialmente acumulado, a escola continua sendo o espaço eleito
majoritariamente pelas famílias. Na construção do saber se liberta o indivíduo de
76
estar submetido ao poder dos que dominam a produção cultural da humanidade e
priva o seu desfrute pela maioria da população. Apropriando-se do conhecimento
científico, dentro e fora da escola, se prepara o caráter do cidadão/ trabalhador.
Escolas públicas e privadas na forma como se apresentam, historicamente,
têm cumprido dentre outras funções a de perpetuar as desigualdades sociais.
Predomina a cultura da exclusão, onde instituições sociais brasileiras são geradas e
mantidas pelo poder dominante, fazendo apenas concessões ao povo. Esta cultura
está materializada na organização e na estrutura do sistema escolar. Na escola,
encontramos a famosa cultura do fracasso, que Arroyo (1996) crítica, pois ela
legitima práticas, rotula fracassos, trabalha com a construção de preconceitos de
etnia, gênero, classe social e cultura, que exclui porque reprovar faz parte da prática
de ensinar – aprender – avaliar.
O peso dessa cultura escolar, por sua produção em série, é apontado por
Arroyo (2003) como legitimador de condutas, currículos, avaliações, ries,
disciplinas, tornando os tradicionais processos de exclusão popular explicáveis e
legítimos, pedagógica e socialmente. O autor afirma que, não apenas alunos,
professores, cnicos e gestores justificam e legitimam suas crenças e condutas
nessa cultura escolar; também a pedagogia, a didática e as ciências auxiliares
legitimam suas concepções elitistas, seletivas e excludentes.
Os problemas com o ensino trazem a marca da temporalidade em que este
está inserido. Se de um lado todos querem viver para o “aqui e agora”, de outro
ponto de vista percebemos que a escola oficial não reflete a pluralidade da vida de
seus estudantes, e cada vez menos se presta a transformar a vida dos sujeitos.
Transformar não apenas no sentido de melhoria de vida material, mesmo dentro de
certos limites, mas modificação da forma como se tudo ao redor; desenvolver e
aperfeiçoar as capacidades de cada um.
Na forma como o ensino está organizado estruturalmente, acaba por não
deixar espaço para se fazer análise dos processos pelos quais as desigualdades
são produzidas. As diferenças não devem ser simplesmente respeitadas e toleradas,
a sua apropriação a partir das relações de poder é que devem ser desveladas.
Desta forma, o ensino não transforma, apenas conforma. Por não sentir
possibilidade de modificação de sua existência, o estudante reage. Sua apatia
77
simboliza uma reação, que é fruto de um tempo. Cabe a nós demonstrarmos isto:
que o próprio desinteresse revela a importância do aprendizado do conhecimento
produzido pelas gerações passadas e presentes, pois a apatia foi produzida pela
forma como a sociedade está organizada. A educação acaba por ser utilizada como
um instrumento para corrigir as distorções e formatar.
A Pedagogia Histórico-Crítica sustenta a finalidade cio-política da
educação, enquanto instrumento de luta de professores ao lado de outras práticas
sociais. Considera que a escola é condicionada pelos aspectos sociais, econômicos,
políticos e culturais, mas contraditoriamente existe nela um espaço que aponta a
possibilidade de transformação social. Assim, o ensino ao promover a compreensão
da realidade histórico-social garante ao sujeito construtor/ transformador da
realidade o instrumental necessário para sua inserção reflexiva na sociedade
excludente.
O conteúdo curricular do ensino, como Arroyo explica, por ser
extraído da prática de vida dos educandos, deve estar voltado para
formação da consciência política dos sujeitos para atuar e transformar a
realidade, através de problematizações da realidade, das relações sociais
do homem com a natureza e com os outros homens, visando a
transformação social (ARROYO, 1996, p. 50).
É necessário resgatar a escola como espaço de convivência, permitindo que
se tenha uma relação de afetividade com o estabelecimento, e com toda a
comunidade escolar, no combate ao individualismo. Somente se respeita o
semelhante convivendo com ele. se aprende a conviver em grupo, inserindo-se
nele. A valorização da vida em grupo certamente leva os corpos docente e discente
a perceberem a importância de conhecer como se formou o grupo, o que é próprio
desse mesmo grupo e o que seria mito.
O convívio solidário dentro de um espaço coletivo, em busca da apropriação
do conhecimento construído pelas gerações passadas e presentes, bem como a
possibilidade de construção de novos conhecimentos, permite que todos descubram
a beleza da diferença, resistindo às pressões para conservar a sociedade atual.
78
Por mais simples que pareça, criar meios de convivência dentro das escolas é
muito difícil, pois esta ação sofre pressões contrárias. O educador Miguel Arroyo
explica que a construção da cidadania, a formação do caráter e a recuperação da
dignidade humana podem receber um reforço belíssimo no momento em que, dentro
do processo pedagógico, assumimos esses aspectos como metas prioritárias,
trazendo aos conteúdos trabalhados em sala de aula um sentido que não se esgota
em cumprir a programação da grade curricular apenas por uma questão burocrática.
Torna-se relevante concordar com Abramowicz (2003) em que a igualdade,
que todos nós desejamos pode ser atingida se mantidas e respeitadas as
diferenças, pois a cidadania de alguns não pode ser construída sobre a exclusão de
muitos; este é o pressuposto fundamental para um novo redirecionamento do ensino
no Brasil. Superar preconceitos históricos é outro desafio para os educadores, pois a
escola precisa garantir a igualdade e assegurar as diferenças, entendendo que a
heterogeneidade é riqueza e não obstáculo, conforme alerta a autora.
3.3 – CULTURA ESCOLAR – MONOCULTURA
Ao lembrar que a escola é uma organização socialmente constituída e
reconstituída, percebe-se que ela segue uma dinâmica cultural. Abramowicz (2003)
afirma que se a escola está impregnada de uma cultura construída lentamente e em
permanente interação com a cultura mais ampla, a questão central é saber qual
cultura é essa, quais seus componentes e qual seu peso sobre o sucesso ou o
fracasso escolar.
Tanto hoje como ontem, de acordo com Perrenoud (2001), uma parte dos
alunos encontra na escola uma cultura com a qual está familiarizada, enquanto
outros se sentem exilados. Esclarece que isso acontece com alunos imigrantes ou
provenientes de famílias que se estabeleceram pouco tempo em outro país, e de
modo menos visível, com filhos das classes populares.
79
Padrões aceitos, como únicos, colidem-se com as chamadas culturas
marginais, vistas como constantes ameaças para a dominante homogeneização
cultural. A esse respeito Resende (2003, p. 34) lembra que
A imposição de significados de dada realidade acaba por se constituir em
focos de atrito explícito e muitas vezes velado. [...] A escola tem
evidenciado uma monocultura que se expressa pela intransigência e pela
impermeabilidade em relação tanto às realidades diversas como ao
multifacetado mundo das crianças e adolescentes.
Os espaços culturais têm-se constituído em freqüentes focos de luta, de
diferença e de disputas de poder absolutamente desiguais não em sua essência, isto
é, não se voltando às diferenças absolutas, mas àquelas relativas a certos aspectos
ou a certas combinações de algum deles, como, por exemplo, o político, o étnico, o
religioso, de gênero, de classe social, entre outros. Resende, ao abordar o conceito
de normalidade, afirma que:
Nas malhas construídas nas relações de poder, essas diferenças acabam
se transformando e travestindo de forma a se constituírem em um bloco
justificador de discriminações. Conceitos de normalidade e anormalidade,
do que é comum e diferente se misturam enquanto os estereótipos
"desejáveis" adquirem uma supremacia quase absoluta. Certamente, o
movimento desintegrador de algumas culturas está fundado na
desvalorização da rica diversidade cultural dos povos, atingindo a
capilaridade da incompetência do convívio com o outro, que pode ser
sintetizada na incapacidade de ser solidário (RESENDE, 2003, p. 35).
A questão das relações entre escola e “cultura(s)” e o papel homogeneizador
da cultura escolar são abordados por Candau ao afirmar que em nossa sociedade:
O fracasso escolar, certamente seletivo, está aí, para evidenciar quem
são os que fracassam na escola. A desconexão entre a cultura social de
referência dos alunos e alunas tem sido ultimamente denunciada por
inúmeros autores e evidenciada por diversas pesquisas. As nossas salas
de aula, onde pretensamente se ensina e se aprende, deveriam ser
espaços de lidar com o conhecimento sistematizado, construir
significados, reforçar, questionar e construir interesses sociais, formas de
poder, de vivências que têm necessariamente uma dimensão
antropológica, política e cultural. No entanto, em geral, a cultura escolar
apresenta um caráter monocultural (CANDAU, 2005, não paginado).
80
A cultura escolar é ainda apresentada por Candau (2005) como “engessada,
pouco permeável ao contexto em que se insere, aos universos culturais das crianças
e jovens a que se dirige e a multiculturalidade das nossas sociedades”. Descreve
ainda a cultura escolar padronizada como sendo “ritualística, formal, pouco
dinâmica, enfatizando processos de mera transferência de conhecimentos”.
A distância cultural entre alunos e professores é apontada por Perrenoud
como um fator de distanciamento entre estes atores da educação formal. Com
relação a este fator, o autor afirma que:
Na interação cotidiana, a escola é elitista, embora muitas vezes não seja
essa sua intenção, porque coloca crianças de todas as classes sociais (ao
menos no ensino fundamental) na presença de professores de classe
média ou alta que participam, escolarmente e em prol de uma promoção
social, da cultura de elite, que compartilham os gostos e desgostos dos que
têm educação, os valores e preconceitos (sobretudo no que se refere à
cultura de massa) dos que aspiram a se distinguir do comum
(PERRENOUD, 2001, p. 56).
A proposta de uma educação voltada para a diversidade coloca a todos nós,
educadores, o grande desafio de estarmos atentos às diferenças econômicas,
sociais e raciais e de buscar o domínio de um saber crítico que permita interpretá-
las. Nessa proposta educacional será preciso rever o saber escolar e também
investir na formação do educador, possibilitando-lhe uma formação teórica
diferenciada da eurocêntrica. O currículo monocultural até hoje proposto por vários
educadores deverá ser revisado. A escola precisa mostrar aos alunos que existem
outras culturas, pois a educação formal terá o dever de dialogar com tais culturas e
reconhecer o pluralismo cultural brasileiro.
3.4 – PAPEL HOMOGENEIZADOR DA CULTURA ESCOLAR
O atual cotidiano escolar está impregnado pela homogeneização um dos
aspectos da cultura da classe dominante que a escola transmite -, pois representa
81
as classes privilegiadas e não a totalidade da população, embora haja contradições
no interior da escola que possibilitam problematizar essa cultura hegemônica não
desprezando as diversidades culturais trazidas pelos alunos. Quanto às diferenças
Veiga (1998, p. 37) afirma: “devem ser analisadas como produtos da história, da
ideologia e das relações de poder e constituem-se em fato incontestável.”
A homogeneidade da escola é percebida ao se observar alguns elementos
apontados por Candau (2005): rituais escolares, símbolos, organização do espaço e
dos tempos, comemorações de datas cívicas, festas, etc.
É indispensável analisar e atuar em espaços onde formas veladas de
autoritarismo se travestem criando verdadeiras barreiras contra a criatividade, a
criticidade e a expressão das experiências vividas. Em boa parte das relações que
se dão no cotidiano escolar, são perceptíveis ações baseadas no democratismo,
que, Resende (2003) afirma, fazem com que propostas tidas como inovadoras e
significativas para o processo educativo esbarrem em vários aspectos.
Esta autora apresenta dois aspectos que têm-se destacado: um deles diz
respeito à resistência dos profissionais da educação à heterogeneidade, por vezes
ostensiva ou mesmo silenciosa e protegida por um discurso incompatível, do que
decorre a lapidação das diversidades, enquadrando-as no ideal educativo que o
grupo assimilou. O outro fator abrange os pacotes homogeneizados, pensados para
um coletivo, certamente heterogêneo, que acabam se mostrando pouco eficazes,
independente do valor teórico-prático que possuem.
3.5 – DIVERSIDADE E FRACASSO ESCOLAR
A superação da cultura do fracasso passa pela retomada de uma discussão
séria sobre os componentes do direito à formação básica e universal e sobre a
busca de um novo ordenamento que garanta essa formação. Arroyo (1996) lembra
82
que a ênfase na escola como experiência sociocultural, formadora, recoloca como
central a relação entre a formação e as disciplinas e os tradicionais processos de
avaliação.
Os conflitos no interior da esfera cultural derivam da divergência de interesses
entre diferentes grupos e da tentativa, por parte de determinados grupos, de impor
seus significados aos demais. A cultura passa a ser esfera de lutas, de diferenças,
de relações de poder desiguais. Essas diferenças são sempre diferenças em relação
a algo, não diferenças absolutas. Para McLaren (2000a) são diferenças políticas,
não apenas diferenças textuais, lingüísticas, formais. , Moreira (2002) afirma que
são diferenças políticas, com base em relações de poder estruturais e globais que
não devem ser secundarizadas. Essas diferenças têm, de acordo com McLaren
(2000a), com muita freqüência, justificado as discriminações e as perseguições
sofridas por indivíduos ou grupos.
Pesquisadores como Candau (2002), McLaren (2000a) e Moreira (2002)
chamam a atenção para o fato de que nesse mundo de desigualdades e
contradições, à medida que se desenvolve um processo de mundialização cultural,
processa-se tamm um movimento que, em direção oposta, procura reafirmar o
que é local e específico, com muita freqüência em bases etnocêntricas, xenófobas,
racistas, machistas, homofobas, fundamentalistas. A observação e a análise dos
dois movimentos sugerem que a capacidade de conviver com o outro e respeitar
suas especificidades, imobilizando assim todo um discurso de responsabilidade, de
solidariedade e de esperança torna ainda mais distante a visão de um futuro
marcado pelo compromisso com a democracia e com a liberdade.
Nesta mesma direção, o pensamento de Perrenoud (2001) é relevante ao
afirmar que não podemos subestimar o choque cotidiano das culturas, pois ele
influência o fracasso escolar: as rejeições, as rupturas na comunicação, os conflitos
de valores e as diferenças de costumes que contam tanto quanto o eventual elitismo
dos conteúdos. A distância não é apenas social e cultural, mas é uma questão de
personalidade e de afinidade. O autor afirma que para combater o elitismo é preciso
interessar-se muito pelo trabalho escolar cotidiano, pela disciplina, pelos
usos do tempo e do espaço, pelas normas de vestimenta, pela higiene, pelo
barulho, pela língua e pelas formas de trocas mais anódinas. É preciso
83
refletir sobre o currículo real, sobre o currículo oculto, sobre as normas não-
escritas que balizam o percurso escolar. [...] Para além da didática, é
preciso formar o professor para que ele domine a distância cultural na
relação pedagógica e na gestão de sua classe (PERRENOUD, 2001, p. 57).
Ao diferenciar escola de uma mera instância de seleção, Perrenoud (2001)
afirma que na escola, antes de avaliar, de certificar, de selecionar, deve-se ensinar.
Esclarece que o elitismo depende muito da maneira como esse ensino é ministrado.
Utiliza-se de Bourdieu para explicar que se os alunos são tratados como “iguais em
direitos e deveres” praticamos a indiferença às diferenças, deste modo o ensino é
elitista, pois favorece os favorecidos reproduzindo as desigualdades. Porém, se o
ensino é diferenciado em tempos, espaços e meios de se apropriar da cultura
escolar, o elitismo dos programas não é agravado pela pedagogia.” (PERRENOUD,
2001, p. 59).
Ao escrever sobre escolas excludentes, Candau alerta para o fato de que não
são novas as chamadas de atenção sobre a cultura do estigma e da exclusão das
camadas populares e seus efeitos sobre o rendimento escolar. Defende que:
As pesquisas que poderiam trazer maiores novidades seriam aquelas que
aprofundassem a compreensão das formas sutis em que essa cultura do
estigma se materializa na instituição escolar e impregna todas as suas
práticas. [...] A proposta, hoje tão freqüente, vai nessa direção: facilitar a
passagem de série, eliminar a reprovação por decreto, mas mantendo a
cultura escolar seletiva, hierarquizadora, seriada e gradeada (CANDAU,
2002, p. 19).
uma ênfase muito grande de Candau (2002 p.21) na afirmação de que a
cultura do fracasso e da exclusão está incrustada na organização seriada e
disciplinar do nosso sistema escolar, pois a estrutura deste sistema é excludente.
Afirma ainda que “sucesso ou fracasso escolar são produzidos deliberadamente pelo
sistema de ensino.”
Patto (1999), em sua obra “A Produção do Fracasso Escolar: Histórias de
Submissão e Rebeldia” faz uma análise das raízes históricas das concepções sobre
o fracasso escolar apontando alguns aspectos que têm sido continuamente
ressaltados no olhar dos professores: a) crença na existência de um aluno ideal, que
84
respeita as normas e consegue aprender; os que se afastam desse modelo são
excluídos aos poucos da participação na sala de aula. b) baixa expectativa dos
professores quanto à capacidade de aprendizagem dos alunos provenientes das
camadas populares. c) atribuição do fracasso escolar a fatores extra-escolares,
como família e desnutrição, sendo a família considerada a principal responsável.
Essas premissas ideológicas eximem os professores da responsabilidade na
produção escolar e a remetem para o aluno, que não tem como contestar.
3.6 – EDUCAÇÃO MULTICULTURAL
As experiências de educação intercultural, utilizando diferentes abordagens e
metodologias, m se multiplicando no contexto europeu e norte-americano, assim
como uma ampla produção acadêmica vem se desenvolvendo, acompanhada da
promoção da pesquisa na área. Na década de 50:
são várias as experiências educativas realizadas em diferentes países
latino-americanos, orientadas a atender de modo mais adequado a
diferentes grupos sociais e culturais marginalizados. Neste sentido, os
movimentos de educação popular contribuíram de modo muito significativo
e enriquecedor para promover processos educativos a partir dos
componentes culturais dos diversos grupos populares (CANDAU, 2005).
Hoje se torna urgente considerar a educação intercultural como princípio
orientador, teórica e praticamente, dos sistemas educacionais na sua globalidade,
desocultando a questão das relações entre a escola e os componentes culturais das
diversas culturas.
Candau (2005), parte do seguinte questionamento: “Quais seriam, então, os
critérios básicos para se promover processos educativos em uma educação
85
multicultural?”. Em seguida a autora enumera alguns critérios que considera
fundamentais:
- O ponto de partida deve ser uma perspectiva em que a educação é vista
como uma prática social em íntima relação com as diferentes dinâmicas
presentes numa sociedade concreta. [...]
- é importante articular a nível das políticas educativas, assim como das
práticas pedagógicas, o reconhecimento e valorização da diversidade
cultural com as questões relativas à igualdade e ao direito à educação
como direito de todos/as. Estas duas exigências mutuamente se
reclamam e não podem ser vistas como contrapostas. A atenção às
diferentes identidades é inerente à construção da igualdade e da
democracia;
- a educação intercultural não pode ser reduzida a algumas situações
e/ou atividades realizadas em momentos específicos ou por determinadas
áreas curriculares, nem focalizar sua atenção exclusivamente em
determinados grupos sociais. Trata-se de um enfoque global que deve
afetar a cultura escolar e a cultura da escola como um todo, a todos os
atores e a todas as dimensões do processo educativo, assim como a
cada uma das escolas e ao sistema de ensino como um todo.
- esta perspectiva questiona o etnocentrismo que, explícita ou
implicitamente está presente na escola e nas políticas educativas e coloca
uma questão radical: que critérios utilizar para selecionar e justificar os
conteúdos "no sentido amplo", que não pode ser reduzido aos aspectos
cognitivos da educação escolar?
- a educação multicultural afeta não somente aos diferentes aspectos do
currículo explícito, objetivos, conteúdos propostos, métodos e estilos de
ensino, materiais didáticos utilizados, etc, como também o currículo oculto
e as relações entre os diferentes agentes do processo educativo
professores/as, alunos/as, coordenadores/as, pais, agentes comunitários,
etc. Neste sentido, trabalhar os ritos, símbolos, imagens, etc, presentes
no dia a dia da escola e a auto-estima dos diferentes sujeitos e construir
relações democrática que superem o autoritarismo e o machismo tão
fortemente arraigados nas culturas latino-americanas, constituem desafios
iniludíveis (CANDAU, 2005).
A educação se apresenta como multicultural no momento em que põe em
ação na escola certas escolhas pedagógicas, que representem em seus conteúdos
e métodos a diversidade cultural do público ao qual se dirige.
86
As estratégias de democratização e emancipação através da educação
assumem modalidades diversas, variando desde aquelas que se baseiam na crença
do poder transformador e revolucionário da escola, fruto de um idealismo
pedagógico, até aquelas que se fundamentam no reconhecimento da escola como
um espaço de luta que enfrenta as diferentes forças políticas, sociais e culturais
presentes na sociedade onde está inserida.
Pensar a educação escolarizada a partir da perspectiva ou dimensão cultural
implica, por sua vez, como Candau (2002) explicita, tornar realidade um dos seus
maiores desafios da atualidade que consiste em buscar modalidades de práticas
pedagógicas que possibilitem a convergência de dois movimentos em curso e à
primeira vista bastante contraditórios: de um lado, a afirmação de um processo de
globalização, de mundialização tanto em termos econômicos como culturais de
maneira cada vez mais irreversível; de outro, as explosões, no plano mundial, de
movimentos identitários sejam eles de cunho nacionalista e/ou étnico-culturais.
“Trata-se de perceber a escola como espaço sociocultural”, diz Candau (2002,
p. 27), construído no cotidiano das práticas escolares, abrindo dessa forma a
possibilidade de se pensar o processo educativo escolar como sendo heterogêneo,
fruto da ação recíproca entre sujeito e instituição, e capaz de reconhecer e
incorporar positivamente a diversidade no desenvolvimento dos alunos e alunas
como sujeitos socioculturais. Nessa ótica, a denúncia do grau de inserção da
instituição escolar em uma perspectiva monocultural passa a ser vista como um
passo necessário para desnaturalizar certas idéias e concepções bastante
enraizadas e ainda predominantes acerca das normas, das práticas e dos saberes
que dão forma à vida escolar.
Quanto às políticas blicas de reversão de desigualdades baseadas em
diferenças de etnia, de gênero, de preferência sexual, de geração, etc., Gonçalves
(2002, p.32) assim se refere especialmente às políticas educacionais que tendo
como alvo um público definido a partir de critérios de eqüidade, ou seja,
critérios relativos aos direitos de cidadania, a pluralidade cultural se coloca
como um problema quando as sociedades não se representam enquanto
plurais, mas como monoculturais, a partir de um referencial etnocêntrico. E
ainda quando as categorias pelas quais elas se definem não dão conta da
diversidade interna.
87
A educação multicultural de acordo com Gonçalves (2002) propõe a reforma
das escolas e de outras instituições educacionais com a finalidade de criar iguais
oportunidades de sucesso escolar para todos os alunos, independentemente de seu
grupo social, étnico/racial. Utiliza-se de Bennett para argumentar que a educação
multicultural destina-se a todos, enfatizando que a habilidade de perceber, avaliar e
resolver problemas multiculturalmente de ser tão requerida quanto às de ler,
escrever e manejar computadores. Apresenta ainda a Filosofia do pluralismo
cultural, que reconhece e valoriza a importância da diversidade étnica e cultural, na
configuração de estilos de vida, experiências sociais, identidades pessoais e
oportunidades educacionais acessíveis a pessoas, grupos, nações.
Os diferentes significados dados à educação multicultural são apresentados por
Gonçalves (2002, p.56):
a) integração de conteúdos explicitada no cuidado de professores em
ilustrar conceitos e princípios das diferentes disciplinas, com dados e
informações provenientes de diferentes grupos culturais. b) salientar o
processo de construção do conhecimento, quando os professores ajudam
os alunos a compreender como o conhecimento é criado e como é
influenciado pela posição que pessoas, grupos étnicos, classes sociais,
ocupam na sociedade. c) redução do preconceito, buscando desenvolver
atitudes e valores democráticos junto aos alunos, d) fortalecimento da
cultura escolar, onde se busca reestruturar a organização dos
estabelecimentos de ensino, reelaborar os currículos escolares, reavaliar
as expectativas de professores e funcionários em relação aos estudantes,
de modo que alunos oriundos de diferentes grupos étnicos e sociais,
participem, em igualdade de condições, das experiências educativas e
sintam-se culturalmente fortalecidos.
Tanto na Europa como na América Latina e nos Estados Unidos, as propostas
que visam articular a educação e a diversidade cultural, nascem do reconhecimento
da pluralidade de experiências culturais que moldam a sociedade contemporânea e
suas relações. Candau (2002) esclarece que os projetos educacionais que surgem
desta constatação podem ser convergentes ou até opostos, mas invariavelmente
têm surgido como resposta à necessidade de em meio a uma multiplicidade de
expressões culturais, sociais e étnicas traçar políticas públicas de educação e de
trabalhar pedagogicamente a diversidade.
88
A educação multicultural como preferem denominar os norte-americanos
passa a ter como um de seus objetivos tornar audíveis e visíveis rostos e vozes a
então silenciados e invisibilizados. A partir da análise da problemática da década
dos anos 90, Peter McLaren (1998) aponta uma nova tendência nas chamadas
propostas multiculturais norte-americanas. Trata-se de uma postura que busca
atingir o somente os grupos marginalizados, mas, principalmente, o grupo
hegemônico: os brancos. Candau (2002) explica que este autor apresenta ainda um
novo abolicionismo a abolição da brancura – que visa atingir o centro hegemônico
do poder dominante nos Estados Unidos, ou seja: a ideologia do patriarcado
capitalista, de supremacia branca.
Os defensores do multiculturalismo em educação se esforçam para reverter
esta realidade enfrentando grandes desafios como o crescimento da intolerância e
da xenofobia, entendida como aversão aos estrangeiros. Outro autor do cenário
norte-americano que merece destaque
por estar profundamente envolvido com a questão das relações entre
multiculturalismo e educação, é James A. Banks, conceituado especialista
na área, com ampla produção acadêmica, professor e atualmente diretor
do Centro para a Educação Multicultural da Universidade de Washington.
Situa-se na perspectiva da construção de uma “sociedade mais justa,
lutando contra a assimetria cultural, social e política” (enfoque sócio-
crítico). Aborda a educação intercultural na escola, a partir de um enfoque
institucional, incorporando elementos de denúncia e luta contra a
discriminação e o racismo (CANDAU, 2002, p. 84).
A visão de Banks quanto à educação multicultural, apresentada por Machado
(2002) é a de
um movimento reformador que tem a finalidade de produzir modificações no
sistema educacional. Segundo Banks, o desígnio fundamental da educação
multicultural é oferecer a todos os estudantes, condições para que possam
desenvolver habilidades, atitudes e conhecimentos essencialmente úteis,
que os tornem capazes de atuar tanto no ambiente cultural dominante
quanto no universo próprio de sua cultura étnica, além de lhes proporcionar
as qualidades necessárias para interatuar com outras culturas e assumir
novas posturas em relação a um estado de coisas diferente do da sua
origem (MACHADO, 2002, p. 54).
89
A introdução da perspectiva multicultural no dia-a-dia das escolas e da sala
de aula suscita muitas questões para a didática relacionada com a seleção dos
programas escolares, as estratégias de ensino, o relacionamento entre professor e
aluno e dos alunos entre si, o sistema de avaliação, o papel do professor, a
organização da sala de aula, as atividades extra-classe, a relação entre escola e
comunidade, e muitas outras.
A educação multicultural e Intercultural tem por objetivo, de acordo com
McLaren (2000) procurar familiarizar as crianças com as realizações culturais,
intelectuais, morais, artísticas, religiosas, de outras culturas, principalmente das
culturas não dominantes, pois as crianças que não aprenderem a estudar outras
culturas perderão uma grande oportunidade de entrar em contato, com outros
mundos e terão mais dificuldades de entender as diferenças; fechando-se para a
riqueza cultural da humanidade, elas perderão tamm um pouco da capacidade de
aprender e de se humanizar.
As projeções de mudanças demográficas requerem uma ampla mudança na
educação multicultural, no sentido de uma educação multicultural mais crítica e
revolucionária, como a proposta por McLaren (2000b).
Se a educação está centrada na dominação cultural da elite branca, o
multiculturalismo, por ser uma estratégia de orientação educacional para os
problemas das diferenças culturais na instituição escolar, reconhece a alteridade e o
direito à diferença dos grupos minoritários, como negros, índios, homossexuais,
mulheres, deficientes físicos, idosos, crianças, jovens e outros que se sentem
excluídos do processo social.
Nessa proposta multicultural, a escola pode elaborar um currículo que
permita problematizar a realidade. Mesmo não sendo o único espaço de integração
social a escola poderá possibilitar a consciência da necessidade dessa integração,
desde que todos tenham a oportunidade de acesso a ele e a possibilidade de nela
permanecer. A educação escolar ainda é um espaço privilegiado para crianças,
jovens e adultos das diversas camadas populares terem acesso ao conhecimento
científico, ao saber sistematizado e elaborado, do qual muitos são excluídos. Assim,
a escola é o espaço onde se encontra a maior diversidade cultural e também é o
local mais discriminador. Tanto é assim que existem escolas para ricos e pobres, de
90
boa e de má qualidade respectivamente. Por isso trabalhar as diferenças é um
desafio para o professor, por ele ser o mediador do conhecimento. A escola em que
ele foi formado e na qual trabalha são reprodutoras do conhecimento da classe
dominante, classe esta que dita as regras e determina o que deve ser transmitido
aos alunos. Mas, se o professor for detentor de um saber crítico, poderá questionar
esses valores, e saberá extrair desse conhecimento o valor universal.
Na maioria dos casos, os professores nem se dão conta de que o país é
pluriétnico e que a escola é o lugar ideal para discutir as diferentes culturas, e suas
contribuições na formação do nosso povo. Eles também ignoram que muitas vezes
as dificuldades do aluno advêm do processo que está relacionado à sua cultura, tão
desrespeitada ou até ignorada pelos professores.
A nossa escola é baseada numa visão eurocêntrica, contrariando o pluralismo
étnico cultural e racial da sociedade brasileira. E os educadores responsáveis pela
formação de milhares de jovens na sua grande maioria são vítimas dessa educação
preconceituosa, na qual foram formados e socializados. Esses educadores não
receberam uma formação adequada para lidar com as questões da diversidade e
com os preconceitos na sala de aula e no espaço escolar. A prática seletiva da
escola silencia sobre as diferenças raciais e sociais, provocando a exclusão do aluno
das minorias.
A expressão “ensino culturalmente relevante” utilizada por Trindade (2002) :
usa a cultura dos alunos para capacitá-los a fazer um exame crítico dos
processos e conteúdos educacionais, e questionar qual o papel dele na
criação de uma sociedade verdadeiramente democrática e multicultural.
Esse tipo de ensino usa a cultura do aluno para ajudá-lo a construir sentido
e entender o mundo. Mais do que o sucesso acadêmico, esse ensino
empurra o estudante para o sucesso social e cultural (TRINDADE, 2002, p.
51).
Não é uma tarefa fácil para o professor trabalhar igualmente essas diferenças,
por que para lidar com elas é necessário compreender como a diversidade se
manifesta e em que contexto. Portanto, pensar uma educação escolar que integre as
questões étnico-raciais significa progredir na discussão a respeito das
91
desigualdades, bem como das diferenças e o direito de ser diferente, ampliando,
assim, as propostas curriculares do país buscando uma educação mais democrática.
Embora sendo impossível uma escola igual para todos, acredita-se que seja
possível a construção de uma escola que reconheça que todos os alunos são
diferentes, que possuem uma cultura diversa e que repense o currículo, a partir da
realidade existente dentro de uma lógica de igualdade e de direitos sociais. Assim,
pode-se deduzir que a exclusão escolar não está relacionada somente com o fator
econômico, ou seja, por ser um aluno de origem pobre, mas tamm pela
diversidade cultural.
Candau (2002) apresenta as dimensões da educação multicultural elaboradas
por Banks, 1999. Através de um quadro o autor apresenta as relações entre o
processo de construção do conhecimento, a redução do preconceito, uma cultura
escolar e estrutura social que reforçam o empoderamento de diferentes grupos, a
pedagogia da equidade, a integração de conteúdo, mediados pela educação
multicultural. Este quadro é apresentado no ANEXO II para melhor visualização do
seu conteúdo.
Fazendo um paralelo entre os enfoques, modelos e programas de educação
multicultural no sistema escolar, a autora nos apresenta um quadro elaborado por
Piña (1994), onde são apresentados cinco enfoques: o primeiro é em direção à
afirmação hegemônica da cultura do país de acolhida; o segundo enfoque aponta
em direção ao reconhecimento da pluralidade de culturas em aspectos parciais ou
globais dentro do sistema escolar; outro enfoque aponta em direção a uma opção
intercultural baseada na simetria cultural; o seguinte em direção a uma sociedade
mais justa, lutando contra a assimetria cultural, social e política; finalmente o
enfoque global que inclui a opção intercultural e a luta contra toda a discriminação.
O autor apresenta vários programas e políticas de atuação dentro dos citados
enfoques. Como exemplo temos: o Programa de imersão lingüística na língua do
país de acolhida, Programa de Educação Compensatória, Programa Remedial,
Programa de Transição, Programa de manutenção da Língua Materna, Programa
Multicultural Lingüístico e vários outros de acordo com cada um dos enfoques.
92
3.7 – EDUCAÇÃO INCLUSIVA
Olhar a especificidade da diferença é instigá-la e vê-la no plano da
coletividade. Pensar numa escola pública de qualidade é pensar na perspectiva de
uma educação inclusiva. É questionar o cotidiano escolar, compreender e respeitar o
jeito de ser diferente, estudar a história das etnias e assumir que a nossa sociedade
é racista. Construir um currículo multicultural é opor-se ao etnocentrismo e preservar
valores básicos de nossa sociedade.
Frente às propostas inclusivas, tornam-se relevantes questionamentos como
os feitos por Arroyo
Incluir os setores populares no mundo letrado, no saber socialmente
construído, na cidadania consciente. Incluir para tentar reduzir as
desigualdades, igualar as linguagens, os valores, os símbolos, as
crenças. Mas incluir significaria ignorar as diversidades? Apenas levá-las
em conta para superá-las num ideal maior de cidadania? (ARROYO,
1996, p. 48).
O ideário da inclusão para a igualdade termina por nivelar as diversidades.
Uma espécie de igualitarismo político-cultural, onde as diferenças de gênero, etnia,
ancestralidade e pertinências, os diferentes coletivos se nivelariam num projeto de
educação igualitário. Atualmente, defronta-se esse ideal-direito à igualdade com o
trato real que é dado à diversidade.
A escola, sob o enfoque abordado por Arroyo (1996), julga-se homogênea em
classe, raça, cultura porque, de fato, se organizou na lógica do mercado que já em si
é seletiva e excludente. Mas o problema da diversidade cultural está presente em
seu interior, não para ignorá-lo sob o manto do ideal da igualdade de todos
perante a Constituição, perante o ideal cristão ou perante a competitividade do
mercado. Ignorar a diversidade é o maior obstáculo para encará-la e equacioná-la
pedagógica e democraticamente.
93
O texto denominado “O Desenvolvimento das Escolas Inclusivas” escrito por
Mel Ainscow, faz parte da obra de Marchesi & Gil, intitulada “Fracasso Escolar: uma
perspectiva multicultural”. Ele traz o esclarecimento de que uma escola inclusiva do
ponto de vista educacional
é aquela em que se leva em conta o ensino e a aprendizagem, as
realizações, as atitudes e o bem-estar de todos os jovens. [...] Isto se reflete
não apenas no rendimento, como também em seus valores e atitudes,
assim como em sua vontade de oferecer novas oportunidades aos alunos
que tenham podido experimentar dificuldades prévias. [...] São as que
controlam e avaliam constantemente o progresso dos alunos (AINSCOW,
2004, p. 234).
O posicionamento inclusivo deve ser o cerne da escola; o ponto de partida
para a construção da proposta pedagógico-curricular da escola.
Em todas as novas vertentes educacionais os alunos vêm sendo concebidos
a partir da sua própria singularidade, sem visar uma padronização, ou o
enquadramento em alguma categoria diagnóstica. O conceito mais importante
atualmente é o de necessidades educativas especiais, ou seja, atender às
necessidades educativas especiais de cada criança, para que ela possa realmente
desenvolver ao máximo o seu potencial. Este aspecto tem sido bastante enfatizado
em documentos básicos da Educação, como a Declaração sobre Educação para
Todos (1990), a Declaração de Salamanca (1994), a nova Lei de Diretrizes e Bases
da Educação Nacional (1997). Vejamos o que diz a Declaração de Salamanca
(BRASIL,1997), especificamente sobre este aspecto:
- Toda criança tem direito fundamental à educação, e deve ser dada a
oportunidade de atingir e manter o nível adequado de aprendizagem;
- Toda criança possui características, interesses, habilidades e
necessidades de aprendizagem que são únicas;
- Sistemas educacionais deveriam ser designados e programas
educacionais deveriam ser implementados no sentido de se levar em
conta a vasta diversidade de tais características e necessidades;
- Aqueles com necessidades educacionais especiais devem ter acesso à
escola regular, que deveria acomodá-los dentro de uma Pedagogia
centrada na criança, capaz de satisfazer a tais necessidades;
94
- Escolas regulares que possuam tal orientação inclusiva constituem os
meios mais eficazes de combater atitudes discriminatórias criando-se
comunidades acolhedoras, construindo uma sociedade inclusiva e
alcançando educação para todos; além disso, tais escolas provêem uma
educação efetiva à maioria das crianças e aprimoram a eficiência e, em
última instância, o custo da eficácia de todo o sistema educacional
(BRASIL, 1997, p. 01).
Partindo do objetivo de compreender as escolas inclusivas, Ainscow (2004, p.
236) apresenta alguns itens importantes para criar contextos educacionais que
“englobem todos os estudantes”: “estimulo de um melhor uso da experiência e da
criatividade em qualquer contexto; ver as diferenças como oportunidades de
aprendizagem; inspecionar as barreiras à participação; fazer uso dos recursos
disponíveis para apoiar a aprendizagem; desenvolver a linguagem das práticas; e
criar condições que fomentem a experimentação”.
A mudança educacional não é fácil, nem direta. Como aponta Ainscow (2004,
p. 238), “implica uma trama complexa de ramificações individuais e micropolíticas
que tomam formas idiossincráticas no contexto de cada escola. (...) isso implica um
alto grau de negociação, arbítrio e coalizão, assim como sensibilidade diante das
opiniões e dos sentimentos pessoais dos colegas profissionais. Trata-se de mudar
atitudes e ações, crenças e condutas”.
4. A PESQUISA EMPÍRICA ESCOLAR E SUA RELAÇÃO COM A TEORIA
MULTICULTURAL
A preocupação com a preservação do modo de vida de determinados grupos
vem, ano a ano, causando os mais variados conflitos sociais, que, muitas vezes,
acabam por desencadear enormes tragédias mundiais em busca da homogeneidade
e supremacia de alguns.
É perceptível, hoje, na esfera mundial uma preocupação muito grande, por
parte de segmentos organizados da sociedade e autoridades, com relação à
abordagem cultural. O que durante muito tempo era apresentado à humanidade
apenas como nível de conhecimento ou de status, hoje se refere ao modo de viver
de cada grupo de pessoas. A cultura passou então a ser estudada desde sua
abrangência conceitual até a sua riqueza de variedades.
muitas produções teóricas mostrando não cultura como concepção de
folclore, costume ou tradição, referindo-se à enorme riqueza material, mas dando um
enfoque especial às instituições sociais, como a visão de mundo de cada um, as
práticas religiosas, as formas de comunicação e as práticas de sobrevivência.
No Brasil, com a Constituição de 1988 apresentam-se encaminhamentos
para se fazer valer o direito à diversidade. Em sua Seção II, artigo 215 fica clara a
preocupação com a diversidade cultural. No artigo 216 o texto diz: “Constituem
patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados
individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à
memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira.” (BRASIL, 2005,
p.93).
Ainda, a Lei Federal 8.313/91 estabelece o Programa Nacional de Apoio à
Cultura- PRONAC,- com a finalidade de apoiar todas as formas de expressões, de
modos de criar, fazer e viver, das criações científicas, artísticas e tecnológicas,
defesa do patrimônio de obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços
97
destinados as manifestações artístico-culturais, bem como dos conjuntos urbanos e
sítios arqueológicos.
Desde então vêm crescendo, a partir dos princípios básicos constitucionais, a
preocupação com a preservação das culturas, entendendo-se o direito à diversidade
como garantia da sobrevivência humana, sendo esta tão valorizada quanto a própria
necessidade de diversidade.
A Declaração Universal da UNESCO sobre a Diversidade Cultural assinada
em 03 de Novembro de 2001, na 31ª sessão da Conferência Geral da UNESCO em
Paris, define os direitos culturais como integrantes dos direitos humanos
fundamentais: “aspirando a uma maior solidariedade fundada sobre o
reconhecimento da diversidade das culturas, sobre a tomada de conscncia da
união da espécie humana e sobre o desenvolvimento das trocas interculturais.”
(ANEXO I).
Esta Declaração traça as Linhas Gerais de um Plano de Ação, onde os
Estados Membros se comprometem a tomar medidas apropriadas para garantir a
difusão da diversidade cultural. Apresenta-se a seguir os objetivos constantes na
referida Declaração:
1 – A diversidade cultural como patrimônio comum da humanidade;
2 – Da abrangência da diversidade cultural ao pluralismo cultural;
3 – A diversidade cultural como fator de desenvolvimento;
4 – Os direitos do homem como garantia da diversidade cultural;
5 – Os direitos culturais como quadro próprio da diversidade cultural;
6 – A busca por uma diversidade cultural acessível a todos;
7 – O patrimônio cultural como a gênese da criatividade;
8 – Os bens e serviços culturais como mercadorias de um tipo diferenciado;
9 – As políticas culturais como catalisadoras da criatividade;
10 – Reforçar as capacidades de criação e de difusão a nível mundial;
98
11 – Estabelecer parcerias entre o setor público, privado e sociedade civil;
12 – O papel da UNESCO como descentralizador de ações.
A partir do papel definido para a UNESCO, o grupo passou a determinar o
estabelecimento de políticas para a diversidade cultural. Políticas públicas foram
traçadas com a elaboração de vários projetos internacionais, nacionais, estaduais e
municipais, como forma de descentralização, mostrando que é possível reconhecer
as várias diferenças culturais, valorizando-as como fator importantíssimo para
coexistência pacífica da espécie humana. Os países assumiram uma série de
compromissos buscando a promoção e a proteção da diversidade cultural.
Ministros da Cultura de vários países estiveram reunidos em Johanesburgo,
África do Sul, de 14 a 16 de Outubro de 2002 para a organização da RIPC Rede
Internacional sobre a Política Cultural, buscando desenvolver políticas de apoio à
cultura e à diversidade cultural. O segundo encontro aconteceu em Paris no mês de
Setembro do ano seguinte para apresentação das propostas dos diversos países.
No Brasil, destaca-se o papel fundamental da Secretaria da Identidade e da
Diversidade Cultural, dentro do Ministério da Cultura. Esta Secretaria tem a função
de participar da construção da agenda internacional sobre a diversidade cultural,
colaborando na estruturação das políticas culturais no Brasil, levando-se em conta o
conceito de diversidade cultural. Dois grandes desafios estão na pauta de ações
desta secretaria. Um deles é o mapeamento da identidade e da diversidade cultural
no contexto brasileiro. O outro trata da ampliação dos diálogos e apoio aos grupos e
redes que compõem a diversidade cultural brasileira.
O ano de 2004 foi profícuo, tanto em nível internacional quanto nacional, em
termos de propostas apresentadas pelos governos. Assim, em Barcelona, no dia 8
de maio de 2004 realizou-se o encontro denominado: “Agenda 21 da Cultura”. Neste
encontro foi elaborado o documento orientador das políticas públicas de cultura e
contribuição para o desenvolvimento cultural da humanidade. Apresenta princípios,
compromissos e algumas recomendações quanto à promoção da diversidade
cultural aos governos locais; aos governos dos Estados e Nações; às organizações
internacionais; às organizações das cidades; às agências e Programas das Nações
Unidas e às Organizações intergovernamentais e supranacionais.
99
No Brasil, em de Julho de 2004, em São Paulo, estiveram reunidos, para a
1ª edição do Fórum Cultural Mundial, os Ministros da Cultura ou seus representantes
da Argélia, Áustria, Brasil, Espanha, Mali e México quando decidiram compartilhar
com os demais participantes do evento a “Carta de São Paulo”, submetendo-a ao
conjunto das instâncias multilaterais e aos Ministros da Cultura presentes no evento.
A Prefeitura da cidade de São Paulo apresentou também as suas linhas de
ação no encontro denominado “Diversidade e Identidade Culturais, Diversidade
Lingüística e Conteúdo Local”, onde o reconhecimento da valorização da diversidade
cultural está ligado à busca de solidariedade, da consciência de unidade do gênero
humano, do desenvolvimento de intercâmbios culturais, valorizando o acúmulo de
experiências humanas como patrimônio de todos.
Realizou-se, ainda, o Fórum Cultural Mundial“ realizado no “Theatro
Municipal de São Paulo” em 2004 e o III Fórum de Políticas Culturais que aconteceu
em Rio Claro, no Estado de São Paulo em Junho do mesmo ano, tendo como tema
“Cultura é a Mãe”, movimentando vários setores internacionais e brasileiros.
O Brasil possui, como proposta do Ministério da Educação e Cultura, o
Programa Nacional de Educação para a Diversidade e Cidadania, com a finalidade
de garantir o direito à diversidade cultural por meio de políticas públicas.
Teoricamente, vários passos foram dados em direção à garantia ao direito
de ser diferente, porém muito ainda para ser feito em termos de ações práticas. É
necessário superar a concepção de valorização do igual, em benefício da
valorização do diferente. Essa mudança de cultura demora muito tempo para
apresentar sinais visíveis. A educação escolar tem um papel muito importante neste
sentido.
Durante muitos anos, várias gerações foram sendo educadas para o
individualismo, para o comodismo, para a naturalização de várias concepções como:
não discutir assuntos controversos, buscar harmonia no grupo, eliminar conflitos,
esperar que os outros façam as coisas, confiar plenamente nas autoridades, enfim
várias atitudes que fizeram com que muitas pessoas se acreditem impotentes,
inferiores, partes de grupos fragmentados julgando que cada um fazendo a sua
parte é suficiente.
100
Romper com essa cultura passa a ser ação fundamental nas escolas, pois
uma escola que respeita a diversidade é uma escola pluralista que ensina a viver em
uma sociedade que também é heterogênea. Todos devem ter o direito de falar,
opinar e participar nos processos decisórios. Este é o desafio da educação escolar,
para isso é necessário o respeito pela diferença, pois é participando que se aprende
a participar.
4.1 – A Pesquisa de campo:
Com o objetivo de compreender como os professores lidam com a
diversidade cultural no cotidiano escolar, buscou-se conhecer o atual contexto
escolar. Para tanto realizou-se pesquisa de campo para coleta de dados, através de
estudo de caso, utilizando-se observação direta e entrevista semi-estruturada.
Com relação ao estudo de caso, tem-se a dizer que se trata de um estudo
detalhado de um contexto específico. Bogdan e Biklen (1994) comparam o plano
geral do estudo de caso representado como um funil, pois o início do estudo é
representado pela extremidade mais larga do funil, apresentando considerações
amplas, até que no decorrer do estudo a observação possa delimitar melhor o foco
do estudo. Ainda, de acordo com Chizzotti (1991, p.102):
O caso é tomado como unidade significativa do todo e, por isso,
suficiente tanto para fundamentar um julgamento fidedigno quanto
propor uma intervenção. E considerado também como um marco de
referência de complexas condições socioculturais que envolvem uma
situação e tanto retrata uma realidade quanto revela a multiplicidade
de aspectos globais, presentes em uma dada situação.
O estudo foi realizado através de observação, levando-se em conta a
afirmação de Lüdke e André (1986, p.25) que: Para que se torne um instrumento
101
válido e fidedigno de investigação científica, a observação precisa ser antes de tudo
controlada e sistemática.” com relação às entrevistas é pertinente a contribuição
de Alves-Mazzotti e Gewandsznajder (1998, p.168) que a defendem por considerar
sua natureza interativa, permitindo tratar de temas complexos que dificilmente
poderiam ser investigados adequadamente através de questionário. Lembram que:
De um modo geral, as entrevistas qualitativas o muito pouco
estruturadas, sem um fraseamento e uma ordem rigidamente
estabelecidos para as perguntas, assemelhando-se muito a uma
conversa. Tipicamente, o investigador está interessado em
compreender o significado atribuído pelos sujeitos a eventos,
situações, processos ou personagens que fazem parte de sua vida
cotidiana.
4.2 - A escola
A coleta aconteceu em um Colégio Estadual localizado na área central de
Cascavel, no Paraná. Esta escola foi escolhida entre as escolas estaduais de
Cascavel porque possui uma diversidade muito grande quanto ao local de moradia
dos alunos. Vários alunos moram na área central da cidade, outros na zona rural,
que são trazidos pelo Transporte Escolar, vários saem dos mais de cinqüenta bairros
de Cascavel.
A escola campo de pesquisa é uma das trinta e nove escolas estaduais
daquele município. A cidade conta com cerca de duzentos e cinqüenta mil
habitantes, sendo uma das cidades mais populosas do estado. O espaço escolar é
muito bem estruturado, em se tratando de estrutura física. Para uma melhor
compreensão do contexto escolar faz-se necessário conhecer um pouco desta
estrutura, bem como dos processos pedagógicos utilizados pelos professores.
O Colégio está construído num terreno com 6.871,85 m², apresentando uma
área construída de 2.463,08 m², sendo 100% da construção em alvenaria. Ocupa
102
quase uma quadra toda, muito bem localizado, ficando a 500 m de acesso ao
transporte coletivo, facilitando o acesso aos mais variados bairros de Cascavel.
Possui acesso e banheiro para deficientes.
São 1261 alunos matriculados para o ano letivo 2005, distribuídos no Ensino
Fundamental - séries finais e Ensino Médio Regular. Os alunos estão divididos nas
trinta e cinco turmas entre os três turnos que oferece.
Para atender os alunos o trinta e oito funcionários e sessenta e cinco
professores. Conta com Direção, Direção Auxiliar, Equipe Pedagógica com seis
profissionais, grupo de apoio técnico administrativo e de auxiliar de serviços gerais.
Os professores estão distribuídos pelas disciplinas da matriz curricular do
Ensino Fundamental e do Ensino Médio. Dos sessenta e cinco professores, 40%
possuem especialização em nível de Pós-Graduação, 60% possuem graduação
completa. Do total de professores 65% fazem parte do Quadro Próprio do
Magistério, tendo sido admitidos por concurso público. 25% possuem contrato de
trabalho regido pela CLT Consolidação das Leis Trabalhistas e 10% são
contratados por meio de Processo de Seleção Simplificada para contratos
temporários.
Quanto aos professores, alguns trabalham apenas nesta escola, outros
trabalham em mais de uma escola, chegando até a cinco escolas. Alguns iniciando a
carreira no Magistério neste ano, outros com alguma caminhada na educação
escolar e outros próximos da aposentadoria.
O Ensino Fundamental, nível de ensino do qual faz parte a oitava série, conta
com setecentos e noventa e cinco alunos. Destes quarenta e cinco são alunos da
turma acompanhada na coleta de dados. Foi escolhida uma das três turmas de
oitava série do período da tarde. Nesta turma se revezam oito professores em nove
disciplinas. Uma professora leciona duas disciplinas.
A opção de pesquisa com a Série deveu-se ao fato desta ser a última série
do Ensino Fundamental onde encontramos alunos com uma rica vivência escolar de
no mínimo oito anos de escolarização. Alguns destes alunos já estudaram em até
seis escolas diferentes. A turma foi escolhida por apresentar rica diversidade: conta
com alunos de idades diferentes, variando entre treze e dezessete anos. Dezessete
103
alunos reprovaram, de uma até cinco vezes. São alunos com os mais variados
níveis financeiros, variados ritmos de aprendizagem, de comportamento, de opções
individuais e sexuais, incluindo a questão homossexual. Diversos interesses e etnias
compostas pelas mais variadas miscigenações, apresentando várias organizações
familiares; possui vários grupinhos dentro da sala, organizados por identificação.
Apresentada como uma turma desunida, sendo considerada pela direção e
professores como uma turma atípica, onde não se obtém os resultados propostos no
planejamento da escola.
As aulas da turma foram acompanhadas e registradas durante um mês. Após
as observações todos os alunos e os professores desta turma foram entrevistados
individualmente.
Utilizou-se pesquisa qualitativa realizada por meio de um processo continuado
em que se procura identificar dimensões, categorias, tendências, padrões, relações,
desvendando-lhes os significados; apresenta-se de modo complexo, não-linear,
implicando um trabalho de redução, organização e interpretação dos dados que se
inicia já na fase exploratória e acompanha toda a investigação.
A análise dos dados, levando-se em conta a perspectiva da abordagem
qualitativa, foi realizada como parte integrante da coleta de dados. Sendo
concomitante, pôde facilitar a orientação no encaminhamento da coleta. Foram
seguidas as seguintes etapas: Categorização, ou seja, a construção de um conjunto
de categorias descritivas, apresentando como referência a educação multicultural;
Classificação dos dados quanto ao conteúdo manifesto e ao conteúdo latente;
Organização dos dados utilizando codificação das categorias.
Para a análise dos dados o método dialético foi escolhido como método de
abordagem por penetrar o mundo dos fenômenos por meio de sua ação recíproca,
da contradição inerente ao fenômeno e da mudança dialética que ocorre na natureza
e na sociedade. Tamm utilizou-se como métodos de procedimento o método
histórico por consistir em uma investigação de acontecimentos, processos e
instituições do passado para verificar a sua influência na sociedade de hoje e o
método comparativo por ser usado para comparações de grupos.
104
Para a validade dos dados utilizou-se como triangulação: entrevista com os
professores, observação ampla das aulas e do cotidiano escolar e entrevistas com
os alunos, tendo como objetivo comprovar a credibilidade da coleta.
Foram objetos de investigação, tanto nas entrevistas com professores e
alunos, como nas observações, aspectos quanto:
1 - Ao envolvimento direto de professores com os problemas individuais dos
alunos;
2 - Ao sentimento com a relação ao trabalho/ estudo na turma pesquisada;
3 - A qualidade de relacionamento entre alunos e professores;
4 - A forma de relacionamento entre a escola e alunos;
5 - Ao oferecimento de oportunidades especiais para todos os alunos que têm
baixo rendimento escolar;
6 - A abordagem das dificuldades individuais;
7 - Ao respeito necessário aos diferentes ritmos de aprendizagem no dia-a-dia
da sala de aula;
8 - Às Políticas Públicas para a Diversidade Cultural;
9 - À influência das diferenças sócio-econômicas dos alunos relacionadas ao
cotidiano escolar;
10 - A esclarecimentos sobre preconceito e discriminação;
11 - Às causas do baixo rendimento escolar.
Partindo destes itens de observação realizou-se análise da metodologia de
abordagem dos professores quanto à diversidade cultural, utilizando-se falas das
professoras, dos alunos e aspectos relevantes da observação.
105
4.3 - METODOLOGIA DOS PROFESSORES PESQUISADOS
A inserção gradativa da pesquisadora no espaço escolar da pesquisa de
campo contribuiu com o sucesso na coleta de dados. Um fator relevante a ser
destacado é o fato de a pesquisadora ser funcionária do Núcleo Regional de
Educação, sendo conhecida por alunos e professores. Para retirar de evidência a
visão de ação fiscalizadora que muitas pessoas têm deste órgão do governo, optou-
se primeiramente por visitas informais à escola. Alguns alunos e professores
conheciam a pesquisadora de outras escolas estaduais, sentindo-se confiantes de
que suas contribuições poderiam auxiliar na melhoria do cotidiano escolar. Em
seguida deu-se a realização da observação do cotidiano escolar dentro e fora da
sala de aula oportunizando o entrosamento entre pesquisadora e pesquisados,
onde, a partir da naturalidade se obtivesse maior fidedignidade na entrevista. Após
três semanas de convívio escolar, tanto professores como alunos conversavam
abertamente sobre a pesquisa. Queriam colaborar para melhorar a vida escolar.
Alguns elementos das entrevistas com professores e alunos foram confirmados com
a observação direta do cotidiano escolar, outros dados foram negados, pois havia
divergências entre entrevistas e observações e alguns dados foram melhor
esclarecidos. Esses elementos serão abordados na articulação entre os dados
coletados.
Fez-se, então, uma análise da articulação entre os dados das entrevistas e
observações com a teoria pesquisada, seguindo-se os itens que foram objeto de
investigação. Para preservar a identidade dos pesquisados optou-se por utilizar as
iniciais dos nomes dos alunos e nomes fictícios para as professoras.
Na entrevista, com relação ao primeiro aspecto, ou seja, quanto ao
envolvimento direto de professores com os problemas individuais dos alunos”, as
professoras, em sua grande maioria afirmaram que este aspecto é de
responsabilidade da coordenação pedagógica devido ao grande número de alunos
na escola e ao pouco tempo que cada professor pode dedicar a cada aluno, em
particular. Uma das professoras afirmou ser impossível para a escola se preocupar
com a individualidade dos alunos. Explicou como a escola tenta atuar neste sentido:
“Eu percebo que uma preocupação com aqueles casos mais gritantes, digamos,
106
aqueles casos que dão mais problema dentro da sala. uma preocupação maior
com eles. (Professora Laura)
Para os alunos seus problemas individuais fazem parte da vida escolar, pois
sendo adolescentes ainda não possuem maturidade emocional para separar seus
problemas particulares do cotidiano coletivo. Alguns alunos como JGS confirmaram
a fala das professoras ao comentar: “Às vezes, se o problema é rio mesmo, se o
aluno não tem com quem conversar em casa, procura a coordenadora, que na
maioria das vezes tenta resolver, dar uns conselhos, chama os pais para ver o que
está acontecendo”. Por outro lado, outros alunos como HYRR explicaram que: “Se
precisar de ajuda procuramos colegas, pois a escola não se preocupa com a gente,
não confiamos nos professores, eles não se interessam por nós, digo, por cada um,
querem que a gente seja tudo igual, uma massa. Imagina! Querem que eu seja igual
o OCBJ, um ‘Mauricinho’, eu quero ser eu mesmo!”.
Em busca de dar novo direcionamento às práticas da escola, Hoffmann (2005,
p.07) defende que a superação das práticas excludentes em busca da
homogeneização somente se tornará realidade: “valorizando, sobretudo, o jeito
diferente de ser de todos os alunos, buscando estratégias pedagógicas inovadoras
para promover oportunidades dignas de aprendizagem a cada um”.
Quanto ao sentimento profissional com relação à turma pesquisada todas as
professoras foram unânimes em afirmar seu descontentamento. Suas falas
revelaram a intensidade deste sentimento, reforçado pela busca da homogeneidade.
Considera-se de grande importância a transcrição das falas de todas as professoras
sobre este item, por conterem dados relevantes ao demonstrarem a negação da
multiculturalidade e defesa da dominação cultural.
Inicialmente a Professora Célia explicou que gosta do seu trabalho, mas não
se sente satisfeita, especialmente com esta turma, pois: A gente não consegue
atingi-los, nem emocionalmente, nem brigando, nem apenas pensando no saber, no
conhecimento científico. Eu percebo que eles têm alguma barreira, alguma coisa que
impede que a gente consiga atingi-los”. A Professora Laura aproveitou para fazer um
balanço de sua carreira profissional ao refletir que:
107
Na situação atual tem algumas coisas que nos impedem e, eu acho que
a gente também vai acumulando frustrações em experiências que você
tentou, tentou e não deu certo. Hoje eu vejo um mero muito grande
de alunos em sala de aula, nós temos as salas muito heterogêneas,
alunos que trabalham com nota dez e alunos que não conseguem nem
pensar sobre o que você está trabalhando. Os interesses deles o
muito diferentes, fica muito difícil você preparar uma aula para turmas
assim. Um trabalho mais prático, projetos como eu já desenvolvi aqui no
colégio. Nesse ano eu não tenho nenhum porque eu não consigo
trabalhar com determinadas turmas, inclusive com esta turma, não
consigo fazer trabalho em grupo. Eu não consigo atingir esses alunos!
Falando sobre sua experiência inicial na educação, a Professora Regina
comentou que também não está contente com o seu trabalho: “Sou nova no Colégio,
estou batalhando muito. Porém, você chega na sala de aula com uma expectativa,
recolhe outras, justamente por serem alunos com uma diversidade muito grande,
então o que você entrou esperando você não alcança”.
Para a Professora Vilma sua experiência em escola particular não contribuiu
com a realidade da escola pública: “Aqui eu ainda não consegui chegar onde eu
queria. Está sendo um pouco difícil porque, se o professor aqui quer realmente
conversar sobre o conteúdo, eles não te o muito ouvidos, pois eles estão
habituados a atividades mecânicas e não têm estímulo ao pensar, ao refletir”.
A falta de material didático é outro complicador na opinião da Professora
Dóris: Eu me sinto frustrada de modo geral com a educação. Com esta turma, por
ser uma turma muito heterogênea, até você entrar no ritmo de cada um, é muito
difícil. Esta turma ficou sem o livro didático devido à falta de critérios na distribuição,
com isso ela foi muito prejudicada”. Em início de carreira, a Professora Silvia
explicou suas frustrações:
Não estou satisfeita, porque a gente prepara uma aula e não consegue
cumprir. A gente sai da universidade com muitos ideais, ainda mais se a
gente se propõe a formar um cidadão crítico; para ser crítico ele tem
que pensar. E o aluno não quer pensar. Recebem muito mal o
conteúdo, por obrigação, quanto mais refletir. O conteúdo é subjetivo,
se vonão pensar sobre ele, fica uma disciplina sem utilidade. Eles
querem saber de decorar para ter a nota.
108
Vários anos de trabalho nesta escola, inclusive com alguns alunos desta
turma em ries anteriores contribuíram no relacionamento da Professora Camila
com a turma, que afirmou: “Conheço vários alunos mais tempo, já existe uma
caminhada com eles”.
Da mesma forma, a Professora Cátia percebeu a dificuldade, porém
melhoras: Eu sinto que estou atingindo, mas não 100%, porque é uma turma bem
agitada, a gente tenta explicar a matéria, tenta expor, tem dias que é impossível,
mas já avançamos”.
Em relação à qualidade de relacionamento entre alunos e professores, as
professoras entrevistadas, julgaram não ser bom devido a vários fatores. O que mais
chamou a atenção foi o explicitado na seguinte fala da Professora Silvia: “Dentro da
sala de aula, às vezes, eles são até sarcásticos, mas fora da escola eles são
diferentes. É o mesmo aluno, mas o comportamento na escola é diferente.
Infelizmente aqui temos que utilizar nossa relação de poder: a nota”.
Durante o acompanhamento das aulas ficou evidente o difícil relacionamento
entre alunos e professores. As professoras trabalham o conteúdo à frente da sala de
aula enquanto no máximo oito ou dez alunos que estão sentados nas primeiras
carteiras participam. Da metade da sala para trás perpetua um faz-de-conta
permanente. Alunos sem material, outros trazem o material, mas não usam, alguns
olham para todos os lados, mas não acompanham o que está acontecendo na aula,
muitos conversam o tempo todo e brincadeiras de todos os tipos acontecem
continuamente, independente da professora que esteja na sala de aula ou do
conteúdo trabalhado. Pode-se pensar que a presença de uma pessoa estranha na
sala de aula pudesse inibir alguns destes comportamentos, mas não. O que se
verificou foi que a presença da pesquisadora na sala não alterou o comportamento
dos alunos, como a Professora Silvia comentou, em voz alta, para a turma após
vários pedidos de silêncio: Nem com visita vocês de comportam!”. Em outra aula, a
Professora Vilma teve dificuldades para conseguir a atenção da turma e exclamou:
”Vamos colaborar pessoal! Temos visita na sala!” Mesmo após estes comentários a
rotina da turma não mudou. Persiste muita dificuldade em motivar os alunos para o
interesse pelo conteúdo. Percebe-se na fala da Professora Laura a angústia de seu
trabalho:
109
Eu não consigo despertar interesse, vontade, participação. Eles não
participam, eles ficam alheios a tudo isso. Isso me dá uma frustração
enorme, porque eu estou vendo que estou jogando fora, não estou
ensinando nada, eu me sinto vazia, vonão faz o trabalho que você
gostaria de fazer, da maneira como vo gostaria de fazer. Você
percebe que os alunos não estão aprendendo, então qual o objetivo? O
nosso objetivo não é atendido!
Observando o aspecto coletivo da turma esta Professora esclareceu: “Eles
não são unidos, eles têm grupinhos, o assim, bem diferentes, a gente percebe
situações, não sei se pelo nível social, ou laços de amizade anterior, eles são bem
diferentes, eles não têm comprometimento com estudar”. Outros aspectos foram
apontados pela Professora Regina: “É péssimo. A idade, a situação financeira,
namoros, tudo divide eles em grupinhos”.
Os alunos percebem formas diferentes de tratamento por parte dos
professores com relação aos alunos, o que consideram ser discriminação. Como
explicou AAG: “Tem muita diferença de tratamento, pela situação financeira, pela cor
da pele e, principalmente na relação entre o rendimento do aluno e seu
comportamento. Alunos com notas maiores são melhor tratados”.
Assim como GRL, vários alunos afirmaram haver proteção de alguns
professores com relação a alguns alunos: “Os professores tratam diferente um bom
aluno de um fraquinho. Tem aluno que é protegido e aluno que é perseguido”.
Percebeu-se que existe nas professoras um desconcerto diante das
diferenças individuais entre os alunos. Construiu-se ao longo da história, dentro da
cultura escolar um modelo ideal de aluno, assim os professores em sua maioria
rejeitam o aluno real buscando extrair dele o aluno ideal. Como isto o acontece
em algumas vezes, alunos e professores se frustram no cotidiano escolar, a ponto
de alunos se decepcionarem com a escola e professores com o magistério.
Nos quinze minutos de recreio da escola observou-se a felicidade de vários
alunos e professores por saírem da sala de aula. No pátio encontraram-se alunos
como pássaros soltos das gaiolas, em liberdade! Queriam que este espaço de tempo
perdurasse muito mais do que a legislação pertinente permite. Na sala dos
professores encontraram-se alguns professores animados, conversando, porém, o
110
que mais se encontrou são professores reclamando de alunos, de turmas, da
educação (ou da falta dela), da indisciplina e vários assuntos correlatos. A maioria
não apresentava pressa em voltar para a sala de aula quando o sinal bateu. Muitos
ainda permaneceram conversando por mais de dez minutos após o sinal até que
alguém da coordenação lembrou que o sinal já havia batido. Com muitos alunos
ocorre o mesmo. Vários chegam às salas de aula muito tempo após a entrada dos
professores.
No que diz respeito às formas de encarar a diversidade Arroyo (1996)
questiona o que levará a escola, a teoria pedagógica, as pesquisas a colocar o
problema da diversidade nas discussões dentro da escola, pois sabemos que a base
em que será colocado vai depender do projeto sócio-cultural em que a educação é
inserida; vai depender dos movimentos sociais, da pressão, das “minorias”, dos
“diversos”; da concepção de educação, de escola, do papel dos educadores frente a
essa diversidade. “Quanto mais a sociedade e a escola avançam tentando integrar
os setores excluídos, mais exposta fica a diversidade de gênero, de raça, de valores,
de concepções, de cultura desses setores. Reconhecê-la e aceitá-la é o ponto de
partida.” ( ARROYO, 1996, p. 49).
Com relação à forma de tratamento entre a escola, representada pela Direção
e Coordenação, e os alunos, a Professora Laura afirmou que: “A escola oferece
atendimento da mesma maneira para todos, porém não é absorvido por todos da
mesma maneira por causa das diferenças, um mais agitado, outro menos, o
conhecimento não chega para eles da mesma forma. Eles tratam diferente os
professores. Com cada professor eles têm um tipo de comportamento.”
As demais professoras afirmaram que tentam fazer o possível para que todos
os alunos recebam a mesma atenção, dentro e fora da sala de aula, porém,
reconhecem que nem sempre o possível é o suficiente.
Entre os alunos varia muito a intensidade de preocupação por parte da
escola, indo desde a perseguição por parte dos profissionais dela, passando pelo
total desinteresse dos adultos, até chegar na atenção total destes a cada aluno,
individualmente, como afirmou GRL: “Depende do aluno. Do dinheiro que a família
dele tem, das notas que ele tira, de onde ele mora, se vão com a cara dele ou não”.
Diante desta realidade Hoffmann (2005, p.44) afirma:
111
Diferenciar não significa subestimar, mas cuidar do jeito que cada um
precisa. E essa diferenciação se estende ao acompanhamento do
professor, à análise das manifestações dos estudantes que devem se
dar a partir das condições próprias no contexto educativo e de formas
de divulgação dos seus desempenhos ao longo do processo.
Grande parte da inquietação e angústia dos professores tem na
argumentação de Hoffmann (2005, p.15) aspectos cheios de significados que não
podem passar despercebidos pelos professores: “O olhar avaliativo, frente a
fenômenos, situações, objetos e pessoas, vislumbra múltiplas dimensões. Olhares
vários, além disso, expressam experiências, pensamentos, sentimentos e desejos,
sempre de forma única, singular. Vemos sempre muitas coisas. Pessoas diferentes
olham para o mundo de jeitos diferentes.”
É este olhar avaliativo a que Hoffmann se refere que necessita ser
compreendido pelos professores.
No que diz respeito ao oferecimento de oportunidades especiais para todos
os alunos que têm baixo rendimento escolar, as professoras explicaram que
somente é oferecido reforço escolar para os alunos da série; que para os alunos
da série somente são ofertadas tarefas e atividades passadas como recuperação.
Identificam, exclusivamente, nos alunos as causas do baixo rendimento escolar
justificando como a Professora Regina que: “Um pouco é a idade, muita diferença de
idade, a falta de interesse também, pois a maioria não tem um objetivo a seguir,
perspectiva de olhar à frente; é o momento”. A autora Jussara Hoffmann (2005,
p.16) ao escrever sobre o olhar avaliativo lembra:
Cada aluno descobre o mundo a sua própria maneira, diferente e
única. Desenvolve-se, ainda mais, quando interage com o diferente,
com pessoas de idade, gênero, etnia, experiências de vida,
sentimentos e desejos diferentes dos seus. Na heterogeneidade de
uma turma de alunos se expressam as singularidades, uma vez que
se revelam as opiniões dissonantes, os conflitos, os diferentes jeitos
de fazer, de falar, de sentir, se forem criadas oportunidades para tal. A
heterogeneidade, ou seja, os diferentes saberes dos alunos, que
cooperam entre si e debatem os assuntos, é um fator fortemente
favorecedor da melhoria das aprendizagens.
112
Encontramos ainda afirmações como da Professora Vilma: “Infelizmente a
maioria da turma apresenta falta de querer aprender.” E da Professora Camila, que
reconheceu: “Muitas vezes esquecemos que são ritmos diferentes. A escola é
padronizada”.
O aluno ACMP afirmou que: Se o professor for com a cara do aluno ele
recebeajuda, mas agora, se a professora não for, ele não tem chance”. Vários
alunos explicaram que procuram resolver a questão da falta do conteúdo buscando
ajuda de colegas fora do horário das aulas uma vez que a escola não oferece este
atendimento.
Perguntadas como as dificuldades individuais são abordadas e quanto ao
respeito necessário aos diferentes ritmos de aprendizagem no dia-a-dia da sala de
aula, as professoras explicaram que no corre-corre do cotidiano escolar não
como atendê-las. Neste sentido a Professora Laura argumentou: ”No meio da
bagunça da sala de aula é muito difícil para perceber se o aluno não produz porque
tem dificuldade ou por que é preguiça!” Complementou ainda:
Quando você trabalha com uma sala mais homogênea que não seja tão
numerosa é mais fácil atender as diferenças porque você trabalha mais
tranqüila. Você consegue fazer um trabalho diferente. Dar atendimento
para aquele aluno que tem mais dificuldade, que não conseguiu
acompanhar os colegas da mesma forma. Nesta sala eu não consigo,
São ritmos muito diferentes, bases distantes da desejada, sem falar na
falta de tempo e o conteúdo que não avança”.
A Professora Regina resumiu a situação: Não é possível percebermos as
dificuldades individuais, é tanto desinteresse, pouco tempo, muitos alunos, muitas
diferenças”. Por sua vez, a Professora Silvia desabafou: ”Deveria haver um
mecanismo para verificar onde ele não aprendeu mesmo e ter um tempo maior. Às
vezes percebemos o que sabe e não o que ele precisa aprender”.
Preocupada com esta situação a Professora Vilma questionou: “Como
podemos dar atenção a todos, com tantos interesses diferentes na mesma sala de
aula? Gostaria de saber como fazer isso. Parece que cada vez mais a escola é feita
para quem é igual!”
113
Os alunos lamentaram algumas falas dos professores ao afirmarem: “Elas
sempre dizem: ‘Quem aprendeu, aprendeu. Quem não aprendeu fale agora ou cale-
se para sempre!’” Assim o conteúdo vai sendo trabalhado como um rolo compressor
que passa por cima deles. ACMP reclamou: ”Os professores o querem saber
quem aprendeu, eles querem é saber da nota! Ficam ameaçando com ela o tempo
todo! Ajuda, conseguimos apenas dos colegas fora das aulas”.
O aluno JGS afirmou que a única preocupação dos professores é continuar a
matéria: “Eles dizem que não dá tempo para ficar explicando de novo, azar de quem
não prestou atenção”. E HYRR lembrou que “Os professores são estressados, não
têm paciência, não gostam de adolescentes. Se eu estou perdido no conteúdo
como vou acompanhar o resto?”.
Em relação aos aspectos individuais da aprendizagem, Hoffmann (2005, p.16)
contribui com a afirmação de que: “É preciso valorizar as diferenças individuais sem
jamais perder de vista o contexto interativo. Escola é sinônimo de interação.
existe escola para que muitas crianças e jovens possam conviver, trocar idéias,
reunir-se, brincar, imaginar, sorrir, conviver”.
O resultado desta situação é o baixo rendimento escolar. Perguntadas sobre
suas causas, as professoras afirmaram que estão presentes no não cumprimento do
papel de aluno por eles, na ausência da família, no número de alunos por sala, na
falta de recursos financeiros, no acesso difícil ao uso da tecnologia. Na opinião da
Professora Laura, entre as causas estão:
Em primeiro lugar, acho que é a falta de comprometimento e interesse
com o estudo, eles m para a escola para fazer qualquer coisa menos
estudar, eles não têm comprometimento com isso. Em segundo lugar é
a diferença entre eles, dentro da mesma sala os interesses são
diferentes. É muito difícil atingir eles, é difícil fazer eles produzirem, as
causas eu não sei exatamente. Heterogeneidade, talvez. Nem tanto o
número de alunos nesta sala.
Outro fator apontado pelas professoras é o papel das famílias, pois como a
Professora Vilma explicou: “Falta a cobrança da família, agora ficou tudo para a
escola, inclusive a educação, eles não fazem tarefa, não estudam em casa, como
fica a nota depois?”
114
A fala da Professora Dóris, incomodada com a situação, deixou alguns sinais
de como mudar: “Ás vezes penso que a aula não está condizente com aquilo que
eles gostariam. Precisaria haver estratégias diferentes, mais dinamismo, aulas
práticas. Falta o conteúdo ser mais atrativo para os adolescentes, mas como fazer
isso com os recursos que temos?”
De modo geral os professores consideram que a recuperação paralela é
suficiente, e que não recebem apoio para práticas diferentes. A recuperação paralela
em muitas disciplinas resume-se a oportunidade de fazer outra prova, sem novo
processo de ensino do mesmo conteúdo. A justificativa para o não atendimento
diferenciado vai em direção à defesa de turmas homogêneas, o que faz com que as
professoras sintam-se seguras quanto a prática educativa.
Em contraponto às professoras que defendem turmas homogêneas,
Hoffmann (2005, p.31) afirma que:
Todos aprendem todos os dias, de jeitos diferentes, coisas diferentes,
com pessoas diferentes, em tempos diferentes. O olhar avaliativo
precisa ser tão flexível quanto a própria diversidade do contexto
educacional, ao invés de se pautar por padrões fixos, elitistas e
comparativos que servem para menosprezar as condições reais de
aprendizagem de crianças e jovens.
De acordo com Hoffmann (2005) a celebração da diversidade é um
verdadeiro desafio para todos os educadores, combatendo o modelo classificatório
determinante do último século da educação, mantido sempre como referencial de
padrão, de uniformidade, de homogeneidade. Devido a este modelo as instituições
de ensino mantêm-se fortemente seletivas e excludentes, uma vez que se
contrapõem à natureza própria do desenvolvimento humano que tem sua origem
na diversidade.
Em defesa de uma escola aberta para a diversidade Hoffmann (2005, p.42)
aponta um caminho:
Compreendendo os diferentes jeitos de viver e de aprender de cada
aluno, estaremos propondo espaços e tempos educativos adequados
às suas possibilidades cognitivas e às suas necessidades afetivas.
115
Significa compreendê-los e valorizá-los no que apresentam de
diferente, de único e peculiar como aprendizes e atendê-los com base
nesse conhecimento, oferecendo-lhes o direito a melhores e mais
dignas oportunidades de aprendizagem no ambiente escolarizado.(...)
a justiça de valorizar as diferenças, de desejar, principalmente, que os
alunos pensem de maneiras diferentes, de pensar de jeito diferente
sobre os alunos, de buscar meios de dialogar com eles, de inventar
estratégias pedagógicas diferentes diante das encruzilhadas, de ser
um professor, uma professora diferente a cada dia a partir do que
aprender com tudo isso. Significa incluir o aluno verdadeiramente no
contexto de diversidade que caracteriza toda sala de aula, sem
desrespeitar, para isso, o seu jeito próprio de aprender, de expressar-
se, de vestir-se, de pensar, de ser. É procurar aprender com cada um
deles novos jeitos de ensinar e de agir.
Com relação às Políticas Públicas para a Diversidade Cultural, as professoras
pesquisadas afirmaram que conhecem as Políticas de Inclusão, relacionadas aos
alunos que apresentam necessidades educacionais especiais, porém não conhecem
nada específico sobre diversidade cultural. A Professora Cátia explicou: “Até hoje
ouvimos que somos todos iguais, que devemos ser igual ao fulano ou ao beltrano,
falar em diversidade em uma sociedade padronizada não é muito comum”.
Percebe-se a necessidade de aprofundamento teórico pelos docentes para
reconstrução de vários conceitos, entre eles o de igualdade e o de diversidade.
Os alunos disseram que a escola deveria abordar o tema da diversidade,
assim como discriminação e preconceito; disseram que gostariam de ter mais
informações sobre este assunto, diferentemente das professoras que afirmaram não
haver necessidade de abordar este assunto, pois, segundo eles não problemas
nesta área com os alunos. Alguns alunos afirmaram que muitos deles foram ou
são vítimas de atitudes preconceituosas ou discriminatórias por colegas e mesmo
por professores. A aluna JNF comentou: “Entre os alunos com certeza sempre
preconceito. Por parte dos professores, também tem um certo preconceito. Alguns
professores, eu não vou citar, mas têm preconceito com relação à opção sexual dos
alunos. Uma colega nossa quase foi expulsa. Eles devem tratar todos com respeito
por que isso vai da cabeça de cada um.” A colega a que esta aluna se referiu
desabafou: “Já fui muito discriminada na escola, principalmente por professores,
quase fui expulsa, meus amigos me ajudaram muito!”
116
As observações revelaram um ambiente dividido em espaços específicos para
alunos e espaços para professores. Não há momentos de integração entre docentes
e discentes. A escola não oferece projetos diferenciados que possam favorecer a
aproximação entre eles. Nem mesmo passeios e visitas práticas são realizadas. A
não realização traz como motivos apontados pela Direção da escola a questão da
indisciplina dos alunos nos lugares públicos; a questão do transporte; a
responsabilidade em se retirar alunos da escola e necessidade de trabalhar o
conteúdo da sala de aula. Aulas desmotivadas e falta de saber o que fazer para
mudar distanciam cada vez mais aqueles que seriam os protagonistas da construção
e da transformação do conhecimento.
opiniões divergentes entre as professoras quanto à influência das
diferenças sócio-econômicas dos alunos relacionadas ao cotidiano escolar, desde as
que acham que não interferem de forma alguma no cotidiano escolar, até as acham
que é o fator agravante. A Professora Laura afirmou: “A condição financeira de cada
um, indiretamente afeta a sala de aula, alguns querem ser iguais e se sentem
diferentes, isso interfere muito no dia-a-dia.” A Professora Célia considerou: “Eu
acho que a diferença social deve contribuir para que a gente saiba se relacionar
melhor com as outras pessoas, mas essa mesma diferença causa problemas para
quem está em situação menos favorável. A condição financeira não representa
diferencial nessa turma”.
Por parte dos alunos tamm encontraram-se opiniões contraditórias. Alguns
alunos sentiram-se rejeitados devido à sua condição financeira desfavorável. Outros
reclamaram que as professoras tratam melhor quem está melhor arrumado e que
professoras com melhor situação financeira do que a maioria dos alunos não
entendem a situação deles. Isto ficou visível na fala de CAM: Eu acho que tem
aluno que trata diferente. Tem bastante professor com mais dinheiro que se acha.
Aquele aluno que tem menos dinheiro se sente pequeno”. JNF afirmou: Poucos
professores tratam diferente devido à situação financeira, eu acho errado isso da
parte deles”. A preocupação de MK foi maior ao comentar: “Alguns alunos não têm
dinheiro para ficar na escola e fazer trabalhos à tarde. Os professores acham que
todo mundo pode, e quem não tem dinheiro? Quem tem que trabalhar? Como fica?”
A perspectiva multicultural é apontada por Candau (2002), como uma
abordagem da dinâmica pedagógica que constitui uma preocupação recente e
117
crescente em nível internacional. A origem desta corrente pedagógica, de acordo
com Candau (2005, p. 08), pode contribuir com novas práticas na educação, pois:
A perspectiva da educação intercultural apresenta uma grande
complexidade e nos convida a repensar os diferentes aspectos e
componentes da cultura escolar e da cultura da escola
e o sistema de
ensino como um todo. o pode ser trivializada. Coloca questões
radicais que m que ver com o papel da escola hoje e no próximo
milênio. Todos os educadores e educadoras estamos convidados a
ressituar nossas teorias e nossas práticas a partir dos desafios que
ela nos coloca. (CANDAU, 2005, p. 08)
A análise dos dados revelou pouca percepção por parte dos professores
pesquisados acerca da existência da multiculturalidade, uma vez que busca-se o
aluno ideal, de cultura única, de preferência idêntica a de cada professor. Assim, a
monocultura escolar cumpre seu papel modelador. Por extensão a isto, esses
professores não praticam interculturalidade, pois valorizam apenas uma cultura
específica: a eleita para servir de modelo. Através do relacionamento de indiferença
vivenciado no cotidiano da escola cava-se um abismo cada vez maior entre cultura
popular e cultura erudita. Não são promovidos momentos dinâmicos de debates e
reflexões sobre os fatores que vêm garantindo que o modelo conservador se
perpetue por gerações. Nem sobre o que faz com que alunos e professores sintam-
se desmotivados. A verticalização da hierarquia na escola garante o poder de quem
manda e a esperteza de quem obedece. Esquece-se que ao educador não cabe
mais a postura de neutralidade. Sob a falsa aparência de neutralidade a ação dos
professores fica a serviço da dominação, garantindo a reprodução do status quo.
Assim, ausência de Gestão Democrática, de participação coletiva na elaboração das
normas da escola, de projetos integradores, de compromisso coletivo garante a
dominação cultural. A conseqüência deste quadro é a não valorização da
diversidade cultural que aumenta a distância de uma educação multicultural.
Após a conclusão das entrevistas as professoras solicitaram ajuda da
pesquisadora na compreensão da realidade através de estudo teórico sobre a
diversidade, bem como o apoio na elaboração de um projeto envolvendo o tema,
viabilizando a transposição da teoria para a prática e vice-versa. Sugeriram
inicialmente grupo de estudos para melhor compreensão das multiculturas.
118
4. 4 – CONCLUSÕES
Para concluir, resgata-se a questão inicial: como os professores lidam com a
diversidade cultural no cotidiano escolar? A resposta para esta indagação pode ser
resumida da seguinte forma: Os professores entrevistados em geral demonstram
lidar com a diversidade da maneira como aprenderam culturalmente, repetindo as
mesmas ações perpetuadas para a dominação por uma minoria, defendendo a
submissão, incentivando o individualismo, negando as diferenças, buscando manter
o modelo de aluno padrão, garantindo assim, a cultura da exclusão. Ou seja, a partir
de suas experiências vividas como alunos, do ensino fundamental a formação
continuada, tendo como referência a educação escolar classificatória, excludente e
seletiva.
Muitos professores, dos variados níveis e modalidades de ensino, agem de
modo naturalizado e acrítico, combatendo as diferenças, o diferente, contribuindo
desta forma para a homogeneização. A ação desses professores acaba por gerar
mais preconceito e discriminação aumentando os índices de exclusão escolar e
social.
Alguns professores já percebem a importância da diversidade, mas não
sabem como lidar com ela. Reconhecem que somos diferentes, que cada um
aprende de um jeito diferente, mas não sabem como fazer isso na prática escolar.
Sentem-se angustiados, impotentes.
Outros professores sentem-se frustrados com seu trabalho por não
conseguirem trabalhar com a diversidade. Porém, não enxergam que essa é a causa
da sua frustração. Buscam culpados, querem salas homogêneas; ajuda de
Psicólogos e Psicopedagogos; os pais com mais freqüência na escola; mais
recursos financeiros, tecnológicos, humanos, menos alunos, menos diferenças.
Percebeu-se que o entra e sai de professores das salas de aula, num curto
espaço de tempo, dificulta o conhecimento do que acontece plenamente com cada
turma durante um ano letivo. Assim, os professores vivem pequenos fragmentos do
119
ano letivo de cada turma, peças que se encaixam para formar a imagem completa
da turma. Não vivenciam o todo da turma, nem são informados sobre o que
acontece quando estão em outras turmas ou em outras escolas. O que agrava esta
situação é o fato de não serem consultados sobre a organização da escola, com isto
sentem-se distantes do que acontece nela, não gerando vínculo com a comunidade
escolar, não havendo comprometimento com a mudança tão necessária.
Especificamente entre as professoras entrevistadas, nenhuma delas sente-se
satisfeita com seu trabalho; reclamam da heterogeneidade; entendem que a
diversidade atrapalha; dizem não haver condições para conhecer as diferenças
individuais; não têm como respeitar os diferentes ritmos de aprendizagem, os alunos
são indisciplinados e desinteressados; turmas homogêneas ajudariam; as famílias
são ausentes; preconceito e discriminação não são abordados nas aulas, segundo
elas, as diferenças sociais e econômicas não interferem no dia-a-dia; nenhuma tem
informação sobre as Políticas Públicas para a Diversidade Cultural.
Diante dos aspectos levantados na pesquisa empírica, torna-se relevante a
abordagem do tema na formação inicial dos educadores bem como seu
aprofundamento na formação continuada. Na formação inicial do educador torna-se
necessária a inclusão de disciplinas que abordem a reflexão a cerca da diversidade,
bem como modos de agir diante da multiculturalidade dos alunos. Outro aspecto
significativo é a superação do currículo escolar monocultural, pois uma vez que o
currículo oculto precisa ser desvelado no cotidiano escolar, a educação formal
precisa abrir o leque da diversidade enriquecendo o dia a - dia escolar em busca
de um currículo integrado. Nesse sentido, torna-se necessário um trabalho de apoio
na preparação de material didático para o ensino multicultural, visto a predominância
da referência etnocêntrica difundida através de livros didáticos e similares. Também,
necessita-se da preparação de estratégias para a abordagem anti-homogeneidade e
uma Didática para a diversidade, com o objetivo de conhecer melhor e aprofundar o
tema da educação multicultural, uma vez que a vida em sociedade pressupõe o
reconhecimento das multiculturas, pois:
Constitui verdade inquestionável o fato de que, a todo momento, as
diferenças entre os homens fazem-se presentes, mostrando e
demonstrando que existem grupos humanos dotados de especificidades
naturalmente irredutíveis. As pessoas são diferentes de fato, em relação
à cor da pele e dos olhos, quanto ao gênero e à sua orientação sexual,
com referência às origens familiares e regionais, nos hábitos e gostos,
120
no tocante ao estilo. Em resumo, os seres humanos são diferentes,
pertencem a grupos variados, convivem e desenvolvem-se em culturas
distintas. São então diferentes de direito. É o chamado direito à
diferença; o direito de ser, sendo diferente (FERREIRA e GUIMARÃES,
2003, p.37).
Partindo deste pressuposto, no que se refere à educação, para a
concretização desde direito, é necessária a construção de um espaço dialógico onde
as diferenças se complementem, não sendo fatores de exclusão. Outro pressuposto
igualmente necessário, é o de que os currículos tornem-se abertos e flexíveis,
priorizando a reflexão crítica sobre a história das minorias, dos colonizados, dos
dominados. Daqueles que, no currículo oficial foram apresentados como
coadjuvantes. Resgatando-se seu papel de protagonistas da história, como sujeitos
e não mais como objetos da ação de elites dominantes que trabalharam pela
manutenção das relações sociais vigentes durante rios culos. Nesta direção, a
Secretaria de Estado da Educação do Paraná vem dando os primeiros passos. Na
capacitação continuada dos profissionais da educação vem introduzindo textos para
a fundamentação teórica destes profissionais tendo como tema central a Diversidade
Cultural. Inicialmente percebe-se a preocupação em fazem uma abordagem mais
ampla do enfoque de diversidade e inclusão, indo além do embasamento teórico que
diz respeito às deficiências físicas ou mentais. Espera-se com este trabalho poder
contribuir com a bibliografia sobre o tema.
“Valorizar as diferenças exige, ao mesmo tempo, alteridade,
ou seja, mudar, transformar, criar, construir novos jeitos de ensinar
e de aprender nas escolas.”
HOFFMANN
REFERÊNCIAS
ABRAMOWICZ, Anete & MOLL, Jaqueline (Orgs.). Para Além do Fracasso
Escolar. Campinas: Papirus, 2003.
AINSCOW, Mel, O Desenvolvimento das Escolas Inclusivas. In MARCHESI & GIL
(Cols.). Fracasso Escolar: uma perspectiva multicultural. Porto Alegre: Artmed,
2004.
ALVES-MAZZOTTI, Alda Judith; GEWANDSZNAJDER, Fernando. O método nas
ciências naturais e sociais: pesquisa quantitativa e qualitativa. São Paulo:
Pioneira, 1998.
ARROYO, Miguel G. Assumir nossa diversidade cultural. In: Revista da
Educação da AEC, Brasília, 25 (98): 42-50, jan/mar, 1996.
________, Miguel G. Fracasso-sucesso: o peso da cultura escolar e do
ordenamento da educação básica. In. ABRAMOWICZ, Anete & MOLL, Jaqueline
(Orgs.) Para Além do Fracasso Escolar. Campinas: Papirus, 2003.
BERJMAN, Sonia. O espaço verde público: modelos materializados em Buenos
Aires. Disponível em:
<
www.vitruvius.com.br/arquitextos/arq000/bases/texto048.asp>. Acesso em 12 de
Junho de 2005. Artigo científico. Não paginado.
BOGDAN, Robert; BIKLEN, Sari. Investigação qualitativa em educação: uma
introdução à teoria e aos métodos. Porto: Porto Editora, 1994.
BRASIL, Código Civil; Código Comercial; Código de Processo Civil; Constituição
Federal/obra coletiva de autoria da Editora Saraiva com a colaboração de Antonio
Luiz de Toledo Pinto, Márcia Cristina Vaz dos Santos Windt e Lívia Céspedes.
São Paulo: Saraiva, 2005.
BRASIL, Ministério da Justiça. Secretaria de Direitos Humanos. Coordenadoria
Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência (CORDE).
121
Declaração de Salamanca (UNESCO) de princípios, política e prática para as
necessidades educativas especiais. Brasília:CORDE, 1997.
CABRAL, Eula Dantas Taveira. Diversidade cultural exige análise urgente.
Informativo Eletrônico SETE PONTOS. Disponível em:
<http://comunicacao.pro.br/setepontos/grumidia.htm>. Acesso em 23 fev.2005.
Artigo científico. Não paginado.
CANDAU, Vera Maria (org). Sociedade, Educação e cultura(s): questões e
propostas. Rio de Janeiro: Vozes, 2002.
________, Vera Maria. Interculturalidade e Educação Escolar. Disponível em:
<
www.gecec.pro.br/artig2.htm>. Acesso em 26 fev. 2005. Artigo científico. o
paginado.
CASTRO, Nadya Araújo. Trabalho, Cultura e Sociedade: reflexões a partir do
conceito de “cultura operária”-. Disponível em:
<http://geocities.yahoo.com.rb/culturadenem/texto13.htm>. Acesso em 23 fev.
2005. Artigo científico. Não paginado.
CHIZZOTTI, Antonio. Pesquisa em ciências humanas e sociais. São Paulo:
Cortez, 1991.
Dicionário de Sociologia. Disponível em:
<www.prof.2000.pt/users/discos/soc_thtml>. Acesso em 12 jun. 2005. Não
paginado.
GIROUX, Henry A. Os professores como intelectuais: rumo a uma pedagogia
crítica da aprendizagem. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997.
Glossary of Terms. Disponível em:
<http://anthro.palomar.edu/change/glossary.htm>. Acesso em 12 jun. 2005. Não
paginado.
GÓMEZ, A. I. Pérez. A cultura escolar na Sociedade Neoliberal. Porto Alegre:
Artmed, 2001.
122
GONÇALVES, Luiz Alberto Oliveira e SILVA, Petronilha Beatriz Gonçalves. O
jogo das diferenças: o multiculturalismo e seus contextos. Belo
Horizonte:Autêntica, 2002.
LAMPERT, Ernani (org). Educação, cultural e sociedade: abordagens múltiplas.
Porto alegre: sulina, 2004.
LARAIA, Jorge Zahar. Cultura: um conceito antropológico. – 18.ed. - Rio de
Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2005.
LÜDKE, Menga, ANDRÉ, Marli E.D.A. Pesquisa em educação: abordagens
qualitativas. São Paulo: EPU, 1986.
MACHADO, Cristina Gomes. Multiculturalismo: muito além da riqueza e da
diferença. Rio de Janeiro: DP&A, 2002.
MARQUES, Ricardo Mendonça. Aculturação. Disponível em:
<http://www.antidireitaportuguesa.blogspot.com/2004_05_01_antidireitaportugues
a_archive.html> Acesso em 31 mai.2005>. Artigo científico. Não paginado.
MCLAREN, Peter. Multiculturalismo Crítico. São Paulo: Cortez, 2000a.
_________, Peter. Multiculturalismo revolucionário: Pedagogia do dissenso
para o novo milênio. Porto Alegre: ARTMED, 2000b.
MOREIRA, Antonio Flávio Barbosa & SILVA, Tomaz Tadeu (orgs). Currículo,
cultura e sociedade. São Paulo, Cortez, 2002.
_________, Antonio Flávio Barbosa. Currículo: Políticas e Práticas. Campinas:
Papirus, 2001.
OLIVEIRA, Eliana de. Identidade, intolerância e a diferença no espaço
escolar: questões para debate. Revista Espaço Acadêmico Ano I 07
Dezembro de 2001. Disponível em:
<http://espacoacademico.com.br/007/07oliveira.htm>. Acesso em 25 fev. 2005.
Artigo científico. Não paginado.
123
PATTO, Maria Helena Souza. A produção do Fracasso Escolar: história de
submissão e rebeldia. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1999.
PERRENOUD, Philippe. A Pedagogia na Escola das Diferenças: fragmentos de
uma sociologia do fracasso. Porto Alegre: Artmed, 2001.
RELATÓRIO DO DESENVOLVIMETNO HUMANO 2004: Liberdade cultural num
mundo diversificado - Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
(PNUD). Lisboa, Portugal: Mensagem – Serviço de Recursos Editoriais Ltda,
2004. Tradução Instituto Portugal. Acesso em 26 fev. 2005. Disponível em:
<
http://hdr.undp.org/reports/global/2004/portuguese/pdf/hdr04_po_chapter_4.pdf>.
RESENDE, Lúcia Maria Gonçalves de. A perspectiva multicultural no Projeto
Político-Pedagógico. In: VEIGA, Ilma P. Veiga. (Org). Escola: espaço do Projeto
Político-Pedagógico. Campinas, SP: Papirus, 2003.
SILVA, Benedito (Coord). Dicionário de Ciências Sociais. 2.ed. Rio de Janeiro:
Fundação Getúlio Vargas, 1987. 2v.
SILVA, Tomaz Tadeu da. Documentos de Identidade: uma introdução às teorias
do currículo. Belo Horizonte: Autentica, 2003.
TORRES, Carlos Alberto. Democracia, Educação e Multiculturalismo: dilemas
de cidadania em um mundo globalizado. Petrópolis: Vozes, 2001.
TRINDADE, Azoilda Loretto & SANTOS, Rafael (orgs). Multiculturalismo: mil e
uma faces da Escola. Rio de Janeiro: DP&A, 2002.
VASCONCELOS, Sandra Guardini Teixeira. Os Mundos de Rosa. Disponível
em: <www.klickescritores.com.br/pag_imortais/rosa_fort3.htm>. Acesso em 22 jun.
2005. Artigo científico. Não paginado.
VEIGA, Ilma Passos Alencastro & RESENDE, Lúcia Maria Gonçalves ( Orgs) .
Escola: espaço do Projeto Político Pedagógico. Campinas: Papirus, 1998.
A N E X O S
ANEXOS
125
ANEXO I - DECLARAÇÃO UNIVERSAL SOBRE A DIVERSIDADE CULTURAL E
LINHAS GERAIS DE UM PLANO DE AÇÃO PARA A APLICAÇÃO DA
DECLARAÇÃO UNIVERSAL DA UNESCO SOBRE A DIVERSIDADE CULTURAL.
ANEXO II - DIMENSÕES DA EDUCAÇÃO MULTICULTURAL.
126
ANEXO I
DECLARAÇÃO UNIVERSAL SOBRE A DIVERSIDADE CULTURAL
A CONFERÊNCIA GERAL,
Reafirmando seu compromisso com a plena realização dos direitos humanos e das
liberdades fundamentais proclamadas na Declaração Universal dos Direitos
Humanos e em outros instrumentos universalmente reconhecidos, como os dois
Pactos Internacionais de 1966 relativos respectivamente, aos direitos civis e políticos
e aos direitos econômicos, sociais e culturais,
Recordando que o Preâmbulo da constituição da UNESCO afirma (...) que a ampla
difusão da cultura e da educação da humanidade para a justiça, a liberdade e a paz
são indispensáveis para a dignidade do homem e constituem um deve sagrado que
todas as nações devem cumprir com um espírito de responsabilidade e de ajuda
mútua”,
Recordando também seu Artigo primeiro, que designa à UNESCO, entre outros
objetivos, o de recomendar “os acordos internacionais que se façam necessários
para facilitar a livre circulação das idéias por meio da palavra e da imagem”,
Referindo-se às disposições relativas à diversidade cultural e ao exercício dos
direitos culturais que figuram nos instrumentos internacionais promulgados pela
UNESCO [1],
Reafirmando que a cultura deve ser considerada como o conjunto dos traços
distintivos espirituais e materiais, intelectuais e afetivos que caracterizam uma
sociedade ou um grupo social e que abrange, além das artes e das letras, os modos
de vida, as maneiras de viver juntos, os sistemas de valores, as tradições e as
crenças [2],
Constatando que a cultura se encontra no centro dos debates contemporâneos
sobre a identidade, a coesão social e o desenvolvimento de uma economia fundada
no saber, Afirmando que o respeito à diversidade das culturas, à tolerância, ao
127
diálogo e à cooperação, em um clima de confiança e de entendimento mútuos, estão
entre as melhores garantias da paz e da segurança internacionais,
Aspirando a uma maior solidariedade fundada no reconhecimento da diversidade
cultural, na consciência da unidade do gênero humano e no desenvolvimento dos
intercâmbios culturais,
Considerando que o processo de globalização, facilitado pela rápida evolução das
novas tecnologias da informação e da comunicação, apesar de constituir um desafio
para a diversidade cultural, cria condições de um diálogo renovado entre as culturas
e as civilizações,
Consciente do mandato específico confiado à UNESCO, no seio do sistema das
Nações Unidas, de assegurar a preservação e a promoção da fecunda diversidade
das culturas,
Proclama os seguintes princípios e adota a presente Declaração:
IDENTIDADE, DIVERSIDADE E PLURALISMO
Artigo 1 – A diversidade cultural, patrimônio comum da humanidade
A cultura adquire formas diversas através do tempo e do espaço. Essa diversidade
se manifesta na originalidade e na pluralidade de identidades que caracterizam os
grupos e as sociedades que compõem a humanidade4. Fonte de intercâmbios, de
inovação e de criatividade, a diversidade cultural é, para o gênero humano, tão
necessária como a diversidade biológica para a natureza. Nesse sentido, constitui o
patrimônio comum da humanidade e deve ser reconhecida e consolidada em
benefício das gerações presentes e futuras.
Artigo 2 – Da diversidade cultural ao pluralismo cultural
Em nossas sociedades cada vez mais diversificadas, torna-se indispensável garantir
uma interação harmoniosa entre pessoas e grupos com identidades culturais a um
128
tempo plurais, variadas e dinâmicas, assim como sua vontade de conviver. As
políticas que favoreçam a inclusão e a participação de todos os cidadãos garantem a
coesão social, a vitalidade da sociedade civil e a paz. Definido desta maneira, o
pluralismo cultural constitui a resposta política à realidade da diversidade culturais e
ao desenvolvimento das capacidades criadoras que alimentam a vida pública.
Artigo 3 – A diversidade cultural, fator de desenvolvimento
A diversidade cultural amplia as possibilidades de escolha que se oferecem a todos;
é uma das fontes do desenvolvimento, entendido não somente em tempos de
crescimento econômico, mas tamm como meio de acesso a uma existência
intelectual, afetiva, moral e espiritual satisfatória.
DIVESIDADE CULTURAL E DIREITOS HUMANOS
Artigo 4 – Os direitos humanos, garantias da diversidade cultural
A defesa da diversidade cultural é um imperativo ético, inseparável do respeito à
dignidades humana. Ela implica o compromisso de respeitar os direitos humanos e
as liberdades fundamentais, em particular os direitos das pessoas que pertencem a
minorias e os dos povos autóctones. Ninguém pode invocar a diversidade cultural
para violar os direitos humanos garantidos pelo direito internacional, nem para limitar
seu alcance.
Artigo 5 – Os direitos culturais, marco propício da diversidade cultural
Os direitos culturais o parte integrante dos direitos humanos, que são universais,
indissociáveis e interdependentes. O desenvolvimento de uma diversidade criativa
exige a plena realização dos direitos culturais, tal como os define o Artigo 27 da
129
Declaração Universal de Direitos Humanos e os artigos 13 e 15 do Pacto
Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Toda pessoa deve, assim,
poder expressar-se, criar e difundir suas obras na língua que deseje e, em particular,
na sua língua materna; toda pessoa tem direito a uma educação e uma formação de
qualidade que respeite plenamente sua identidade cultural; toda pessoa deve poder
participar na vida cultural que escolha e exercer suas próprias práticas culturais,
dentro dos limites que impõe o respeito aos direitos humanos e às liberdades
fundamentais.
Artigo 6 – Rumo a uma diversidade cultural acessível a todos
Enquanto se garanta a livre circulação das idéias mediante a palavra e a imagem,
deve-se cuidar para que todas as culturas possam se expressar e se fazer
conhecidas. A liberdade de expressão, o pluralismo dos meio de comunicação, o
multilingüismo, a igualdade de acesso às expressões artísticas, ao conhecimento
científico e tecnológico inclusive em formato digital e a possibilidade, para todas
as culturas, de estar presentes nos meios de expressão e de difusão, são garantias
da diversidade cultural.
DIVERSIDADE CULTURAL E CRIATIVIDADE
Artigo 7 – O patrimônio cultural, fonte da criatividade
Toda criação tem suas origens nas tradições culturais, porém se desenvolve
plenamente em contato com outras. Essa é a razão pela qual o patrimônio, em todas
suas formas, deve ser preservado, valorizado e transmitido às gerações futuras
como testemunho da experiência e das aspirações humanas, a fim de nutrir a
criatividade em toda sua diversidade e estabelecer um verdadeiro diálogo entre as
culturas.
Artigo 8 – Os bens e serviços culturais, mercadorias distintas das demais
130
Frente às mudanças econômicas e tecnológicas atuais, que abrem vastas
perspectivas para a criação e a inovação, deve-se prestar uma particular atenção à
diversidade da oferta criativa, ao justo reconhecimento dos direitos dos autores e
artistas, assim como ao caráter específico dos bens e serviços culturais que, na
medida em que são portadores de identidade, de valores e sentido, não devem ser
considerados como mercadorias ou bens de consumo como os demais.
Artigo 9 – As políticas culturais, catalisadoras da criatividade
As políticas culturais, enquanto asseguram a livre circulação das idéias e das obras,
dêem criar condições próprias para a produção e a difusão de bens e serviços
culturais diversificados, por meio das indústrias culturais que disponham de meios
para desenvolver-se nos planos local e mundial. Cada Estado deve, respeitando
suas obrigações internacionais, definir sua política cultural e aplica-la, utilizando-se
dos meios de ação que julgue mais adequados, seja na forma de apoios concretos
ou de marcos reguladores apropriados.
DIVERSIDADE CULTURAL E SOLIDARIEDADE INTERNACIONAL
Artigo 10 – Reforçar as capacidades de criação e de difusão em escala mundial
Ante os desequilíbrios atualmente produzidos no fluxo e no intercâmbio de bens
culturais em escala mundial, é necessário reforçar a cooperação e solidariedade
internacionais destinadas a permitir que todos os países, em particular os países em
desenvolvimento e os países em transição, estabeleçam indústrias culturais viáveis
e competitivas nos planos nacional e internacional.
Artigo 11 – Estabelecer parcerias entre o setor público, o setor privado e a sociedade
civil
131
As forças do mercado, por si sós, não podem garantir a preservação e promoção da
diversidade cultural, condição de um desenvolvimento humano sustentável. Desse
ponto de vista, convém fortalecer a função primordial das políticas públicas, em
parceria com o setor e a sociedade civil.
Artigo 12 – A função da UNESCO
A UNESCO, por virtude de seu mandato e de suas funções, tem a responsabilidade
de :
a) promover a incorporação dos princípios enunciados na presente Declaração
nas estratégias de desenvolvimento elaboradas no seio das diversas
entidades intergovernamentais;
b) servir de instância de referência e de articulação entre os Estados, os
organismos internacionais governamentais e não-governamentais, a
sociedade civil e o setor privado para a elaboração conjunta de conceitos,
objetivos e políticas em favor da diversidade cultural;
c) dar seguimento a suas atividades normativas, de sensibilização e de
desenvolvimento de capacidades nos âmbitos relacionados com a presente
Declaração dentro de suas esferas de competência;
d) facilitar a aplicação do Plano de Ação, cujas linhas gerais se encontram
apensas à presente Declaração.
LINHAS GERAIS DE UM PLANO DE AÇÃO PARA A APLICAÇÃO DA
DECLARAÇÃO UNIVERSAL DA UNESCO SOBRE A DIVERSIDADE CULTURAL
Os Estados Membros se comprometem a tomar as medidas apropriadas para
difundir amplamente a Declaração Universal da UNESCO sobre a Diversidade
Cultural e fomentar sua aplicação efetiva, cooperando, em particular, com vistas à
realização dos seguintes objetivos:
132
1 Aprofundar o debate internacional sobre os problemas relativos à diversidade
cultural, especialmente os que se referem a seus vínculos com o desenvolvimento e
a sua influência na formulação de políticas, em escala tanto nacional como
internacional; aprofundar, em particular, a reflexão sobre a conveniência de elaborar
um instrumento jurídico internacional sobre a diversidade cultural.
2 - Avançar na definição dos princípios, normas e práticas nos planos nacional e
internacional, assim como dos meios de sensibilização e das formas de cooperação
mais propícios à salvaguardar e à promoção da diversidade cultural.
3 Favorecer o intercâmbio de conhecimentos e de práticas recomendáveis em
matéria de pluralismo cultural, com vistas a facilitar, em sociedades diversificadas, a
inclusão e a participação de pessoas e grupos advindos de horizontes culturais
variados.
3 Avançar na compreensão e no esclarecimento do conteúdo dos direitos
culturais, considerados como parte integrante dos direitos humanos.
4 Salvaguardar o patrimônio lingüístico da humanidade e apoiar a expressão, a
criação e a difusão no maior número possível de línguas.
5 Fomentar a diversidade lingüística respeitando a língua materna em todos
os níveis da educação, onde quer que seja possível, e estimular a aprendizagem
do plurilingïsmo desde a mais jovem idade.
6 - Promover, por meio da educação, uma tomada de consciência do valor positivo
da diversidade cultural e aperfeiçoar, com esse fim, tanto a formulação dos
programas escolares como a formação dos docentes.
7 Incorporar ao processo educativo, tanto o quanto necessário, métodos
pedagógicos tradicionais, com o fim de preservar e otimizar os métodos
culturalmente adequados para a comunicação e a transmissão do saber.
8 Fomentar a alfabetização digital” e aumentar o domínio das novas tecnologias
da informação e da comunicação, que devem ser consideradas, ao mesmo
tempo, disciplinas de ensino e instrumentos pedagógicos capazes de fortalecer a
eficácia dos serviços educativos.
9 - Promover a diversidade lingüística no ciberespaço e fomentar o acesso gratuito
e universal, por meio das redes mundiais, a todas as informações pertencentes
ao domínio público.
133
10 Lutar contra o hiato digital – em estreita cooperação com os organismos
competentes do sistema das Nações Unidas favorecendo o acesso dos países
em desenvolvimento às novas tecnologias, ajudando-os a dominar as tecnologias
da informação e facilitando a circulação eletrônica dos produtos culturais
endógenos e o acesso de tais países aos recursos digitais de ordem educativa,
cultural e científica, disponíveis em escala mundial.
11 Estimular a produção, a salvaguarda e a difusão de conteúdos diversificados
nos meios de comunicação e nas redes mundiais de informação e, para tanto,
promover o papel dos serviços públicos de radiodifusão e de televisão na
elaboração de produções auidiovisuais de qualidade, favorecendo,
particularmente, o estabelecimento de mecanismos de cooperação que facilitem
a difusão das mesmas.
12 Elaborar políticas e estratégias de preservação e valorização do patrimônio
cultural e natural, em particular do patrimônio oral e imaterial e combater o tráfico
ilícito de bens e serviços culturais.
13 Respeitar e proteger os sistemas de conhecimento tradicionais, especialmente
os das populações autóctones; reconhecer a contribuição dos conhecimentos
tradicionais para a proteção ambiental e a gestão dos recursos naturais e
favorecer as sinergias entre a ciência moderna e os conhecimentos locais.
14 Apoiar a mobilidade de criadores, artistas, pesquisadores, cientistas e
intelectuais e o desenvolvimento de programas e associações internacionais de
pesquisa, procurando, ao mesmo tempo, preservar e aumentar a capacidade
criativa dos países em desenvolvimento e em transição.
15 Garantir a proteção dos direitos de autor e dos direitos conexos, de modo a
fomentar o desenvolvimento da criatividade contemporânea e uma remuneração
justa do trabalho criativo, defendendo, ao mesmo tempo, o direito público de
acesso à cultura, conforme o Artigo 27 da Declaração Universal de Direitos
Humanos.
16 – Ajudar a criação ou a consolidação de indústrias culturais nos países em
desenvolvimento e nos países em transição e, com este propósito, cooperar para
desenvolvimento das infra-estruturas e das capacidades necessárias, apoiar a
criação de mercados locais viáveis e facilitar o acesso dos bens culturais desses
países ao mercado mundial e às redes de distribuição internacionais.
134
17 Elaborar políticas culturais que promovam os princípios inscritos na presente
Declaração, inclusive mediante mecanismos de apoio à execução e/ou de
marcos reguladores apropriados, respeitando as obrigações internacionais de
cada Estado.
18 Envolver os diferentes setores da sociedade civil na definição das políticas
públicas de salvaguarda e promoção da diversidade cultural.
19 – Reconhecer e fomentar a contribuição que o setor privado pode aportar à
valorização da diversidade cultural e facilitar, com esse propósito, a criação de
espaços de diálogo entre o setor público e o privado.
Os Estados Membros recomendam ao Diretor Geral que, ao executar os programas
da UNESCO, leve em consideração os objetivos enunciados no presente Plano de
Ação e que o comunique aos organismos do sistema das Nações Unidas e demais
organizações intergovernamentais e não-governamentais interessadas, de modo a
reforçar a sinergia das medidas que sejam adotadas em favor da diversidade
cultural.
[1] Entre os quais figuram, em particular, o acordo de Florença de 1950 e seu Protocolo de
Nairobi de 1976, a Convenção Universal sobre Direitos de Autor, de 1952, a Declaração dos
Princípios de Cooperação Cultural Internacional de 1966, a Convenção sobre as Medidas
que Devem Adotar-se para Proibir e Impedir a Importação, a Exportação e a Transferência
de Propriedade Ilícita de Bens Culturais, de 1970, a Convenção para a Proteção do
Patrimônio Cultural e Natural de 1972, a Declaração da UNESCO sobre a Raça e os
preconceitos Raciais, de 1978, a Recomendação relativa à condição do Artista, de 1980 e a
Recomendação sobre a Salvaguarda d Cultura Tradicional e Popular, de 1989.
[2] Definição conforme as conclusões da Conferência Mundial sobre as Políticas Culturais
(MONDIACULT, México, 1982), da Comissão Mundial de Cultura e Desenvolvimento (Nossa
Diversidade Criadora, 1995) e da Conferência Intergovernamental sobre Políticas Culturais
para o Desenvolvimento (Estocolmo, 1998).
135
Fonte: BRANT, Leonardo. Diversidade Cultural: Globalização e culturas locais:
dimensões, efeitos e perspectivas. São Paulo: Escrituras Editoras: Instituto Pensarte,
2005. p.207-214.
136
ANEXO II
DIMENSÕES DA EDUCAÇÃO MULTICULTURAL
Dimensões da educação multicultural (Banks, 1999)
UMA CULTURA ESCOLAR E
ESTRUTURA SOCIAL QUE REFORCEM
O EMPODERAMENTO DE DIFERENTES
GRUPOS
Seria um processo de reestruturação da cultura
e organização da escola, para que os alunos de
diversos grupos étnicos, raciais e sociais
possam experimentar a eqüidade educacional
e o reforço de seu poder na escola.
REDUÇÃO DO
PRECONCEITO
Esta dimensão focaliza
atitudes dos alunos em
relação à raça e como elas
podem ser modificadas
através de métodos de
ensino e determinados
materiais e recursos
didáticos.
PEDAGOGIA DA
EQÜIDADE
Uma pedagogia da
eqüidade existe quando os
professores modificam sua
forma de ensinar de
maneira a facilitar o
aproveitamento
acadêmico dos alunos de
diversos grupos sociais e
culturais, Isto inclui a
utilização de uma
variedade de estilos de
ensino, coerente com a
diversidade de estilos de
aprendizagem dos vários
grupos étnicos e culturais.
PROCESSO DE
CONSTRUÇÃO DO
CONHECIMENTO
Visa entender em que
medida os professores
ajudam os alunos a
entender, investigar e
determinar como os
pressupostos culturais
implícitos, os quadros de
referência, as
perspectivas e os vieses
dentro de uma disciplina
influenciam as formas
pelas quais o
conhecimento é
construído.
INTEGRAÇÃO DE
CONTEUDO
A integração de conteúdo
lida com as formas pelas
quais os professores usam
exemplos e conteúdos
provenientes de culturas e
grupos variados para
ilustrar os conceitos-
chave, os princípios, as
generalizações e teorias
nas suas disciplinas ou
áreas de atuação.
EDUCAÇÃO
MULTICULTURAL
Fonte: CANDAU, Vera Maria (org). S
ociedade, Educação, Cultura (s): questões e
propostas. Rio de Janeiro: Vozes, 2002.
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo