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Unesp – Universidade Estadual Paulista
Faculdade de Ciências e Letras de Araraquara
Centralização e descentralização:
mudanças institucionais e seus impactos na economia da província de
São Paulo (1835 – 1850)
Vinícius De Bragança Müller e Oliveira
Araraquara
Julho de 2006
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II
Unesp – Universidade Estadual Paulista
Faculdade de Ciências e Letras de Araraquara
Centralização e descentralização:
mudanças institucionais e seus impactos na economia da província de
São Paulo (1835 – 1850)
Vinícius De Bragança Müller e Oliveira
Dissertação de Mestrado apresentada ao
Programa de Pós-Graduação em Economia. Área:
História Econômica. Orientador: Prof. Dr. Flávio
Azevedo Marques de Saes
Araraquara
Julho de 2006
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III
“Hoje em dia, a História
Econômica é a única das
ciências sociais que ainda funde,
como questão de rotina, o
descritivo e o teórico, o
qualitativo e o quantitativo, e,
por sinal, a história e a
economia, e ainda muito do que
se situa entre elas.”
(Ralf Dahrendorf, em um discurso proferido no Congresso Internacional de
História Econômica, em Milão, Itália, 1994. Discurso reproduzido na obra do
autor: Após 1989. Moral, revolução e sociedade civil. São Paulo: Paz e Terra,
1997)
IV
Ao Tales, meu querido filho, e a
Priscilla, minha esposa e companheira
durante todo o percurso.
V
Agradecimentos
Inicialmente quero agradecer ao programa de pós-graduação em economia da UNESP,
principalmente aos professores que, além da preciosa contribuição à minha formação,
perdoaram todas as deficiências que um historiador, como eu, trouxe ao ‘mundo’ dos
economistas.
Também dedico um agradecimento especial a toda a turma do Mestrado de 2004 que, da
mesma maneira, me ajudou nos momentos complicados, além de proporcionar
inesquecíveis situações de amizade e respeito durante o percurso: Eduardo, Cristiano,
Sarah, Tatiana, Juliana, Beto, Antônio, Guilherme, Thaís, Gustavo, Marcelo e Sueila.
Agradecimentos especiais a Pascoal Paione, por compartilhar a estrada e os pedágios e
transformá-la em longas aulas de macroeconomia, e a Carlos Eduardo Supryniak, pela
amizade e pelas conversas.
A Alexandre Saes (Xixo), pela recepção em Araraquara, e a João Rafael (Xuxu), pelas
longas conversas noite adentro.
Ao COC-Vila Yara (Osasco) pelo apoio, inclusive financeiro, que me deu durante todo o
percurso. Em especial a Cristina Stersi, pela confiança que deposita em mim.
A Eneida Correia de Castro, pela cuidadosa revisão.
A minha mãe, Maria De Bragança, pelo apoio de sempre.
E, finalmente, meus agradecimentos mais que especiais ao Professor Flávio de Azevedo
Marques Saes, pela orientação, pela compreensão, pela sabedoria que me transmitiu e pela
paciência imensa que teve com um orientando que, nem de longe, se aproximou de seu
talento e conhecimento.
VI
Resumo
O desenvolvimento econômico de São Paulo em meados do século XIX esteve diretamente
ligado à relativa autonomia conquistada após a promulgação do Ato Adicional de 1834. A
descentralização política e administrativa do período regencial garantiu às províncias
capacidade de legislarem por meio de suas respectivas Assembléias, inclusive em assuntos
fiscais. A província paulista, por sua posição geográfica privilegiada e pelo bom uso que
seus representantes fizeram das “brechas” deixadas pela legislação, conseguiu apresentar
resultados econômicos satisfatórios, mesmo no período de retomada da estrutura
centralizada após 1837. Os investimentos públicos, principalmente em estradas, deram a
São Paulo a oportunidade de ter sua produção agrícola ampliada, assim como suas
exportações alargadas. Desta forma, não obstante a transferência de vultosos recursos ao
Império, o desenvolvimento econômico paulista pouco esteve vinculado às decisões de
investimentos do governo central. Esta relativa autonomia econômica fez com que uma
nova elite paulista se vinculasse ao governo Imperial através do relacionamento político,
muitas vezes consolidado por meio de cargos públicos ocupados por oriundos da elite de
São Paulo.
VII
Abstract
The economical development of São Paulo in the middle of the century XIX was directly
linked to the relative autonomy conquered after the promulgation of the Additional Action
of 1834. The political and administrative decentralization of the regencial period
guaranteed to the provinces capacity of they legislate through their respective Assemblies,
besides in fiscal subjects. The province of São Paulo, for its privileged geographical
position and for the good use that their representatives did of the "breaches" left by the
legislation, it got to present satisfactory economical results, even in the period of retaking
of the structure centralized after 1837. The public investments, mainly in highways, they
gave to São Paulo the opportunity to have its enlarged agricultural production, as well as
their enlarged exports. This way, in spite of the transfer of bulky resources to the Empire,
the economical development of São Paulo little was linked to the decisions of the central
government's investments. This relative economical autonomy did with that a new elite
from São Paulo it linked the Imperial government through the relationship political, a lot of
times consolidated through busy public positions for originating from of the elite of São
Paulo.
VIII
Sumário
Introdução......................................................................................................................Pág.1
Capítulo 1. Discussão Bibliográfica, objetivos gerais e abordagens teóricas................Pág.5
1.1 O debate sobre a autonomia fiscal das províncias no Império Brasileiro.......... Pág.5
1.2 A distribuição de recursos públicos e sua vinculação com a Revolução de 1842........
...........................................................................................................................Pág.21
1.3 Nacionalização e homogeneização da elite Imperial........................................Pág.27
1.4 Propostas e objetivos da pesquisa.................................................................... Pág.34
1.5 Teorias acerca da construção do Estado, do papel das instituições e do
relacionamento entre grupos regionais e o governo central............................. Pág.38
Capítulo 2. A economia paulista entre 1835 e 1850................................................... Pág.41
2.1 Receitas e despesas........................................................................................... Pág.41
2.2 A importância das estradas no desenvolvimento econômico........................... Pág.54
2.3 Desenvolvimento econômico: as exportações de café......................................Pág.64
2.4 A importância do bom uso da lei para o desenvolvimento econômico............Pág.73
Capítulo 3. São Paulo no governo Imperial................................................................ Pág.75
3.1 O domínio ‘saquarema’.................................................................................... Pág.75
3.2 Transferências de recursos entre São Paulo e o Império..................................Pág.79
3.3 Os liberalismos da elite paulista...................................................................... Pág.86
3.4 Participação paulista no ministério imperial.................................................... Pág.93
3.5 Perfis biográficos da elite paulista.................................................................... Pág.97
IX
Conclusão.................................................................................................................. Pág.101
Fontes......................................................................................................................... Pág.108
Bibliografia................................................................................................................ Pág.109
1
Introdução
Muito se discute sobre as especificidades que fizeram do Brasil o que é. Pode-se, para
tanto, buscar na história brasileira alguns períodos, passagens e eventos que ajudam nessa
imensa busca pelo entendimento sobre os motivos que contribuíram na construção de um
país, de uma sociedade e de uma nação tão diversa. Os múltiplos programas de pesquisa e
os interesses que se manifestam em tantas áreas do conhecimento são mostras de que, se
por um lado, muito se falou e escreveu, por outro, existe um enorme espaço que ainda
busca preenchimento.
Tal constatação a do aumento do interesse pela história do país parece-me essencial
para que se encontrem as respostas ou as dúvidas que o passado pode nos dar. Além disso,
rompe com um velho estigma que afirma que vivemos em um país que não cultiva sua
memória, que repete seus erros e que não valoriza suas experiências.
Um outro resultado obtido e facilmente constatado na produção historiográfica recente é
a profissionalização do trabalho do historiador e de suas pesquisas, agora embasadas em
métodos científicos melhor definidos e ancoradas em pesquisas primárias, garantindo um
rigor antes pouco visto. Porém, esta nova e desejável situação em que se encontra a
produção historiográfica incorre em outros erros: a tão desejada pesquisa primária acabou
por se transformar em um fim em si mesmo, abrindo mão de incursões mais analíticas e
formulações de hipóteses explicativas.
Por isso, o trabalho que ora se apresenta tenta unir as duas possibilidades na mesma
pesquisa: a análise quantitativa com a formulação de hipóteses que tentem explicar
algumas lacunas encontradas nas interpretações apresentadas pela bibliografia
2
produzida. Para tanto, foi importante usar um arsenal de conceitos e ferramentas que,
comuns em pesquisas sobre a história econômica, não são tão usuais em pesquisas de
história política ou cultural e vice-versa.
Portanto, uma preocupação com a aproximação entre as duas áreas do conhecimento a
história e a economia – foi a tônica do trabalho, que busca uma história econômica que seja
a intersecção do que fazem os economistas e os historiadores.
Neste sentido, as dificuldades acerca da construção do Estado brasileiro nos abrem a
possibilidade de pesquisas e análises que podem transitar em várias áreas, como a
economia, a cultura, a política, as instituições, a administração pública, entre outras. Prova
disso é o aumento do número de pesquisas sobre o Império Brasileiro, cujas conclusões
nos possibilitam criar uma História de “longa duração” de suas instituições, sejam formais
ou não, e do relacionamento destas com o desenvolvimento econômico.
O trabalho aqui exposto tenta mostrar algumas das tramas que podem ajudar a explicar a
estranha combinação entre centralismo e poderes locais, com destaque à questão dos
recursos fiscais da província de São Paulo sob a luz das reformas ocorridas nas décadas de
30 e 40 do século XIX. Isso porque, além da estranha situação de uma monarquia que não
tinha monarca Dom Pedro abdicara em abril de 1831 e seu filho, Pedro II, contava com
apenas 5 anos - , as instituições do então jovem país ainda não estavam formadas,
precipitando o aparecimento de discordâncias no que tange o grau de autonomia das
províncias ante o poder do Estado Nacional.
Portanto, as reformas que buscavam um possível equilíbrio entre os poderes provinciais e o
poder central nos servem como o arcabouço que possibilita perceber a ascensão da
economia paulista durante a década de 40 do século XIX.
O que a pesquisa buscou analisar foi a relação entre as reformas institucionais
concernentes à centralização e descentralização e os orçamentos provinciais paulistas entre
os anos de 1835 e 1850. Para tanto, algumas fontes primárias foram de fundamental
importância, tais como os livros da Contadoria Provincial e os de receitas fiscais,
principalmente da Barreira de Cubatão e do Porto de Santos. Além disso, os orçamentos
3
nacionais, apresentados pelos Relatórios dos Ministros da Fazenda do Império, foram
centrais para a comparação entre aquilo que São Paulo produzia em recursos para o
governo central e quanto recebia.
Outra preocupação da pesquisa foi qualificar a autonomia paulista em legislar, fiscalizar e
investir em obras públicas durante o período. Por isso, as Atas da Assembléia Provincial,
assim como os Relatórios dos Presidentes da Província foram centrais para as conclusões
obtidas. As fontes consultadas relacionadas com as decisões de investimentos em obras
públicas, como os maços de obras públicas e os livros das estradas, foram importantes
complementos porque possibilitaram, muitas vezes, confirmar em que atividades os
recursos estavam sendo investidos.
Por fim, apresento uma discussão de origem política, na qual considero os recursos
públicos como alvo das disputas pelo poder. Para isso, tento estabelecer uma conexão entre
os dados, conclusões e hipóteses que a bibliografia apresentou e o que algumas fontes
primárias puderam esclarecer. Entre elas, a participação de paulistas nos momentos
decisivos tanto do período regencial quanto da primeira década do Reinado de Pedro II.
Em outras palavras, a importância de lideranças políticas paulistas no “avanço liberal” e no
“regresso conservador”.
O primeiro capítulo apresentará uma mais cuidadosa discussão bibliográfica com os
comentários sobre as principais obras que tratam da economia e política imperial
apontando concordâncias e discordâncias e propondo algumas interpretações alternativas.
Também apresenta a abordagem teórica e as tendências historiográficas que sustentam a
pesquisa.
Já o segundo capítulo apresenta as fontes que discutem a relativa autonomia paulista
durante o período de centralização no que se refere às questões orçamentárias. Além disso,
discute o crescimento da economia da província a partir de mudanças institucionais
propiciadas por esta autonomia. Desta maneira, o capítulo destaca o papel dos
investimentos públicos provinciais neste desenvolvimento.
4
O terceiro e último capítulo destaca a questão da disputa pelo poder sendo, entre outros, a
disputa pelos recursos orçamentários. Assim, vincula a formação do Império brasileiro
com os laços existentes entre o governo central e a província de São Paulo, dando ênfase às
relações políticas e econômicas entre as duas esferas que compunham o Estado Nacional.
5
Capítulo 1. Discussão bibliográfica, objetivos gerais e abordagens
teóricas.
1.1 O debate sobre a autonomia fiscal das províncias no Império brasileiro
Entre os debates acerca do funcionamento do período monárquico no Brasil, destaca-se
aquele referente à disputa entre a tendência centralizadora e a descentralizadora que
permeou a época. Tal embate consumiu décadas de discussões entre aqueles que
acreditavam que a descentralização poderia organizar melhor um país de proporções
continentais, garantindo relativa autonomia às províncias e municípios; e aqueles que
temiam a dispersão da unidade monárquica e mesmo sua existência se o arcabouço
legal do país não garantisse a centralização administrativa e política. Dessa forma, desde,
ao menos, a independência de 1822, esta questão e seus resultados acabaram por definir
em contraste com os países hispano-americanos - a adoção da monarquia unitária no
Brasil, sinalizando que a estrutura imperial seria centralizada se comparada com o
republicanismo dos vizinhos. Não obstante a permanência de “ilhas” de tendência
republicana durante todo o período imperial, apenas no final do século XIX, e com mais
eloqüência a partir da década de 1870, a opção descentralizadora e republicana ganhou
espaço suficiente para se tornar bandeira do movimento que culminou na queda do Império
em 1889.
Mesmo assim, muitos defenderam a adoção de medidas descentralizadoras sem questionar
a monarquia, idéia que, ao ser praticada, gerou uma estranha situação conhecida como
6
“experiência republicana do Império”
1
. É nesse período, marcado pela espera da
maioridade do Imperador Pedro II após a abdicação de seu pai, D. Pedro, que se deu tal
estranha combinação. Dessa forma, o período regencial como é conhecido fundou-se
com a abdicação de Pedro I em 1831 e se caracterizou pela provisoriedade que deveria ter,
que o herdeiro do trono, Pedro de Alcântara, não assumira imediatamente o posto
porque contava, à época, com apenas 5 anos. O período regencial se estendeu de 1831 até
1840, quando o novo Imperador, ainda com 14 anos, foi coroado no episódio conhecido
como Golpe da Maioridade.
Porém, mesmo findando em 1840, os debates e medidas tomadas durante a Regência
conformaram a discussão que se prolongou por boa parte do período imperial.
2
Foi nesse contexto de espera pela maioridade do futuro Imperador que o debate acerca da
centralização ou descentralização viveu seus dias mais intensos, dada a percepção, por boa
parte da sociedade brasileira, que o perigo da re-colonização portuguesa atribuída por
muitos a D. Pedro I – havia terminado no 07 de abril
3
. Polêmicas sobre tal perigo à parte, o
fato é que a Constituição outorgada em 1824 pelo Imperador mostrava claros sinais
absolutistas e, portanto, centralizadores que, com a abdicação, poderiam ser questionados.
Além disso, a saída de D. Pedro I precipitava a possibilidade de discussão acerca da
estrutura administrativa que receberia Pedro II quando se tornasse Imperador, estimulando
a disputa política e ideológica entre tendências que começavam a se afirmar.
A definição de tais tendências se fez através dos liberais e dos conservadores, sendo
defensores da descentralização e da centralização, respectivamente.
1
Essa estranha combinação pode ser definida, em linhas gerais, pelo arranjo institucional que garantia um
compromisso das elites regionais com o poder central, criando uma situação muito próxima ao federalismo.
2
As mudanças institucionais ocorridas no período regencial marcaram toda a posterior discussão político-
partidária do Império. As duas tendências políticas que se seguiram à aprovação do Ato Adicional de 1834 –
a regressista e a progressista – deram origem, respectivamente ao Partido Conservador e ao Partido Liberal,
dominantes até a queda da Monarquia em 1889.
3
De modo resumido, a percepção de que D. Pedro I, durante seu reinado, tentaria reunificar Brasil e Portugal
foi assim exposta por Boris Fausto: “Havia no ar uma suspeita de que Dom Pedro tentaria voltar aos tempos
do Reino Unido, especialmente porque com a morte de Dom João VI, em 1826, abria-se a possibilidade de
ele assumir também, como filho mais velho, o trono português.” Ver Fausto, Boris. História Concisa do
Brasil. São Paulo:Edusp/Imprensa Oficial de São Paulo. 2002. pág. 85.
7
Panorama Partidário do Império 1831 – 1889
1831 1840 1870
Restauradores Conservador Conservador
Liberais Monarquistas Liberal Liberal
(Moderados)
Republicanos Republicano
(Exaltados)
Após alguns anos de indefinições iniciais, em 1834, a promulgação do Ato Adicional à
Constituição de 1824 aparentava ser a “vitória” dos liberais, já que adotava medidas
inegavelmente descentralizadoras quanto à divisão de funções entre o governo Imperial (a
partir daqui governo central) e as províncias. Apenas seis anos depois, com a Lei de
Interpretação ao Ato Adicional, é que a tendência centralizadora voltou a “dar as cartas” no
país.
Mas, o que afinal, aconteceu nesses seis anos que modificou de tal maneira a paisagem
política do país? Não é fácil responder, mas uma análise mais detalhada sobre o Ato de
1834 e suas conseqüências, assim como sobre eventos da época, podem apontar alguns
caminhos.
O Ato de 1834, mesmo sendo representante maior do “avanço liberal” e, portanto, da
tendência à descentralização administrativa e política trouxe, na prática, mais problemas
que soluções às províncias. É assim que Iglésias tal situação, que enxerga no Ato
Adicional brechas para a continuidade da centralização as quais foram alargadas por meio
da Lei de Interpretação do Ato Adicional de 1840
4
. Diz ainda que, o fato de os Presidentes
4
Iglesias, Francisco. Política Unitária do Segundo Reinado. Revista da Faculdade Ciências Econômicas da
Universidade de Minas Gerais. Ano 4, nº 8, julho-dezembro de 1955, pág. 38.
8
de Províncias serem nomeados pelo Imperador limitava qualquer tentativa de autonomia
provincial.
5
De maneira um pouco diversa, Ferreira avalia o Ato Adicional como algo “que veio dar
novo contorno à organização política e administrativa do Império”, assim como acredita
que “as Províncias ganharam vida nova, não mais como simples unidades administrativas,
mas sim políticas, com significativa margem de autonomia – muito embora tenha-se
mantido a nomeação dos presidentes de província pelo Imperador.”
6
Essa discussão sobre
o alcance das medidas descentralizadoras de 1834 ganha força quando ouvimos um
personagem influente da política nacional da época, o mineiro Bernardo Pereira de
Vasconcelos, em uma de suas falas mais significativas:
Fui liberal; então a liberdade era nova no país, estava nas aspirações de
todos, mas não nas leis; o poder era tudo: fui liberal. Hoje, porém, é
diverso o aspecto da sociedade; os princípios democráticos tudo ganharam,
e muito comprometeram; a sociedade, que então corria risco pelo poder,
corre agora risco pela desorganização e pela anarquia. Como então quis,
quero hoje servi-la, quero salvá-la; e por isso sou regressista. Não sou
trânsfugo, não abandono a causa que defendo, no dia de seus perigos, de
sua fraqueza; deixo-a no dia em que tão seguro é seu triunfo que até o
excesso a compromete.
7
Vasconcelos, tudo indica, atribuía ao Ato Adicional do qual ele mesmo foi um dos
redatores, embora tenha confessado, após a promulgação sua discordância em relação ao
texto final um perigo para a manutenção da ordem no país. Portanto, deve-se acreditar
que Vasconcelos, mesmo com as limitações que lhe atribuía, depositava sobre o Ato de
1834 o papel descentralizador do qual havia se originado.
De fato, se levarmos em conta duas das atribuições legadas às províncias pelo Ato
Adicional, podemos concordar que, mesmo com as limitações anunciadas por Iglésias, ele
5
Idem, pág. 39.
6
Ferreira, Gabriela Nunes. Centralização e descentralização. O debate entre Tavares Bastos e visconde de
Uruguai. São Paulo: Ed.34, 1999. pág. 28-29
7
Citado em Otávio Tarquínio de Souza. Bernardo Pereira de Vasconcelos. São Paulo: Edusp, 1988,
pág.162.
9
contribui para a descentralização administrativa e política do Império: a) a prerrogativa de
fixar receitas e despesas provinciais, incluindo a possibilidade de criar impostos; e b) de
legislar sobre a criação, supressão e nomeação para os empregos municipais e provinciais,
e estabelecimento de seus ordenados. Tais direitos, com certeza, alteravam o orçamento
das províncias, e, por conseqüência, do governo central.
8
Deveza, em seu artigo sobre a política fiscal do Império, na lei de 24 de outubro de
1832 portanto, dois anos antes do Ato Adicional a primeira vez que se distinguem as
receitas “Gerais” e as receitas “Provinciais”, destacando que “a receita provincial limitou-
se a dizer que lhe pertenciam todos os impostos ora existentes não compreendidos na
receita geral”.
9
E complementa, referindo-se já ao Ato Adicional de 1834:
(Às Províncias) Era-lhes defeso, porém, legislar sobre os impostos de
importação. Mas o certo é que, não obstante a autonomia política
outorgada às províncias, bem restrito continuou o âmbito de ação, no
setor tributário, de suas Assembléias legislativas, uma vez que as leis
orçamentárias anteriores ao Ato Adicional já haviam assente o que
pertencia à Receita Geral e que representava quase tudo quanto vinha
sendo taxado nos diferentes ramos de atividades
10
Pode-se complementar tal informação, afirmando que era vedada também a tributação
suplementar sobre o mesmo fato, restando poucos tributos para garantir uma receita
adequada às necessidades das províncias e dos municípios. Vale destacar que aqui se usa a
palavra “também” porque se consideram os impostos de importação como sendo
exclusivos do governo central. Na verdade, ao se fazer tal consideração acerca dos
impostos sobre importação, está se reproduzindo a afirmação de Tavares Bastos, um dos
mais destacados defensores da descentralização imperial:
Nos países de governo descentralizado porventura uma regra absoluta,
um critério seguro, para definir em todos os casos o caráter nacional ou
8
Ver Ferreira, G.N. pág. 29
9
Deveza, Guilherme. Política Tributária no período Imperial. In Holanda, S. B. e Campos, P.M. de (orgs.) O
Brasil Monárquico. Tomo 2, vol. 4. pág. 67
10
Idem, pág. 67
10
local de certos impostos? Alguns, o de importação, por exemplo, têm
evidentemente o cunho dos interesses do país inteiro.
11
No mesmo sentido, e com algumas considerações relevantes, Diniz afirma que:
O comércio de importação, dada a facilidade com que era tributado e o volume
de rendimento que podia produzir, constituía uma das principais fontes de
recursos dos governos no século XIX(...). No Brasil a circunstância não era
diferente, mas o Tratado de Comércio restringiu, em tese, o volume da receita
que o Governo poderia extrair dessa fonte.
12
Mais adiante, afirma:
Com o fim do Tratado de Comércio com a Inglaterra, em agosto de 1844
( i.e.via Lei Alves Branco), o Império pôde tributar livremente as
importações. Essa liberdade possibilitou que o Estado extraísse o
máximo de receita dessa importante fonte de recursos.
13
E completa, citando o artigo 12 do Ato Adicional:
A liberdade para as províncias criarem impostos, todavia, não era plena,
pois o Ato Adicional vedava às Assembléias Provinciais a criação de
tributos que prejudicassem as imposições do Governo Geral e também
não lhes era permitido legislar sobre impostos de importação.
14
Dessa forma, Diniz confirma aquilo que afirmaram Tavares Bastos e Deveza, mostrando
com clareza a importância dos impostos sobre importação no orçamento nacional e a
exclusividade desta prerrogativa sob o governo central.
11
Tavares Bastos, Aureliano Cândido A Província: Estudo sobre a descentralização no Brasil.
Brasília:Senado federal, 1996, pág. 338. 1 Edição: 1870.
12
Diniz, Adalton Franciozo. Centralização Política e apropriação de Riqueza: Análise das finanças do
Império Brasileiro (1821 – 1889). São Paulo, 2002. FFLCH/USP. (tese de doutorado). Pág. 80.
13
Idem, pág. 88.
14
Idem, pág. 157.
11
De fato, não existia nenhuma lei que garantisse às Províncias arrecadação de impostos
sobre importação, principal fonte tributária do país.
Eis, então, um ponto sobre o qual a literatura já produzida é quase unânime: as Províncias,
sem os direitos sobre importação, não participavam da melhor e mais rentável “fatia do
bolo” fiscal, resultando na péssima situação financeira que enfrentaram após a tendência
descentralizadora se afirmar a partir do Ato Adicional. Novamente, Ferreira, que, em sua
dissertação de Mestrado analisa o debate entre centralização e descentralização no Império
a partir de dois dos mais destacados defensores das duas tendências - Visconde do Uruguai
e Tavares Bastos, respectivamente -, escreve:
Sobre um ponto os dois autores concordam: a divisão de rendas que
prevalece desde a lei orçamentária de 31 de outubro de 1835 deixou as
províncias que assumiram uma série de novos encargos a partir do Ato
Adicional em precária
situação financeira. De fato, é sabido que ao
governo geral coube a parte do leão’ da matéria tributável,
particularmente os impostos de importação e exportação.
15
E, confirmando:
Diante disto, várias províncias viram-se obrigadas a pedir suprimentos
ao governo geral, para cobrirem seus déficits. Segundo Uruguai, de 1836
a 1845 não cessou o suprimento às províncias. No ano financeiro de
1840-1841, apenas três províncias puderam dispensar o auxílio do poder
geral: Rio de Janeiro, São Paulo e Rio Grande do Sul. A partir do ano de
1841, quando em virtude da Lei de Interpretação ao Ato Adicional,
várias categorias de empregados antes considerados provinciais
passaram a ser considerados empregados gerais, os suprimentos
declinaram progressivamente, mas não cessaram por completo até 1848.
Mesmo depois, de 1851 a 1857, os orçamentos gerais teriam consignado
quantias para auxiliar obras provinciais.
16
15
Ferreira, G.N. op. cit. Pág. 98.
16
Idem, pág. 98-99.
12
Aqui reside uma das maiores discordâncias entre os dois personagens estudados por
Ferreira. Vejamos quais eram as posições de Tavares Bastos e Visconde do Uruguai acerca
dos impostos de importação e exportação, sempre sob a analise da autora. Assim disse
Visconde de Uruguai:
30 anos que as Assembléias Provinciais têm atacado os impostos
gerais, principalmente de importação e exportação. De 1841 para cá,
depois que a Lei de 3 de Dezembro de 1841 anulou as leis provinciais
que haviam alterado a justiça e a polícia, depois que em 1845 cessou o
suprimento às províncias, voltaram-se ainda mais as Assembléias
Provinciais para novas excursões no campo dos impostos gerais.
17
Ferreira continua, afirmando que:
Nos casos dos impostos de importação, Uruguai observa que as
Assembléias Provinciais têm cobrado impostos: sobre produtos
importados de países estrangeiros; sobre produtos importados de outras
províncias; e sobre produtos importados de um município para outro da
mesma província. No primeiro caso, diz ele, violação clara do Ato
Adicional. No segundo caso, violação do Ato Adicional quando os
produtos importados de outras províncias são provenientes do exterior.
O argumento, aqui, é que mesmo não sendo cobrado no ato da entrada
do produto estrangeiro no Império, o imposto repercutiria sobre o
consumo e acabaria reduzindo a importação, prejudicando a renda geral
e alterando as relações internacionais.
18
Vale ressaltar que Uruguai esquece, em seu argumento, de apontar a taxação sobre
produtos importados de outras províncias, mas com origem no exterior como bi-tributação,
o que era vetado pela lei. Porém, o mesmo Uruguai outras justificativas para sua crítica
aos impostos cobrados pelas províncias sobre importação e exportação. Segundo Ferreira,
mesmo no caso dos produtos que não são importados do exterior portanto passíveis de
serem tributados pelas províncias sem prejuízo da lei
17
Idem, págs. 101-102.
18
Idem, pág. 102.
13
o autor (Uruguai) vê incovenientes na taxação de mercadorias que
circulam de uma província para outra, ou de um município para outro
uma guerra de impostos entre províncias e entre municípios teria
péssimas repercussões sobre a indústria do país. Além disso, a imposição
de taxas de uma província sobre os produtos de outra poderia ser
considerada como ofensiva aos direitos desta, pois contrariava o
princípio de liberdade de comércio e indústria, garantido pela
Constituição de 1824.
19
E continua:
mesmo assim, Uruguai reconhece a necessidade de admitir às províncias
o direito de cobrarem ‘taxas itinerárias’ lançadas sobre animais ou
veículos que transportam gêneros, para serem empregadas na construção
ou beneficiamento de estradas, ou para melhorar a navegação nos rios.
Essa questão, diz ele, é especialmente importante para as províncias
centrais (como Minas Gerais), mal aquinhoadas na divisão de rendas
estabelecida em 1835. Além de prejudicar as províncias, a proibição das
taxas itinerárias sob o fundamento de que são impostos de importação
seria irracional do ponto de vista econômico.
20
Nesse caso, é importante perceber que um dos mais aguerridos defensores da centralização
imperial admite a possibilidade de cobrança de impostos sobre o transporte de mercadorias
de uma província a outra; além disso, afirma que para as províncias centrais tal imposto era
de extrema importância.
O contraponto a Uruguai, representado por Tavares Bastos, apresenta uma outra versão ao
tema. Novamente segundo Ferreira, Tavares Bastos:
reconhece como renda peculiar do governo nacional os impostos de
importação, entendidos em seu sentido literal: taxas de entrada de
produtos estrangeiros nas alfândegas. Citando Visconde de Uruguai,
Tavares Bastos afirma que muitos exemplos transcritos por ele sobre
19
Idem, pág. 102
20
Idem, págs. 102-103
14
as incursões das províncias no campo dos impostos de importação
padecem de dois defeitos: o exagero dos inconvenientes das leis
provinciais; e a confusão quanto à natureza dos impostos criados pelas
Assembléias Provinciais. Tender-se-ia, segundo o autor, a incluir sob a
rubrica ‘impostos de importação’ outras taxas de natureza diferente: as
taxas sobre o consumo local de certos gêneros; e as taxas itinerárias.
Sobre a imposição das taxas itinerárias, Tavares Bastos observa que
Uruguai se inclina a reconhecer este direito às províncias, mas critica-o
por negar às províncias o direito de lançarem taxas sobre produtos
estrangeiros remetidos de província onde entraram primeiramente, para
outra qualquer do interior do Império.
21
Temos, então, a primeira crítica que este trabalho propõe: se, como vimos, havia espaço
para a taxação de produtos “importados” (e o argumento vale também para os produtos
“exportados”) de uma província para outra, não resultando desta atividade desrespeito às
leis gerais, será que a capacidade das províncias em arrecadar seus recursos mesmo no
período da centralização não foi subestimado? Se consideradas as recentes pesquisas
sobre a pujança do mercado interno, da circulação de mercadorias, do acúmulo de recursos
e formação de uma classe mercantil interna e não externa, como o modelo “clássico” de
interpretação sobre a economia brasileira defendeu - tal taxação sobre a circulação interna
não poderia ser suficiente para algumas províncias conseguirem seus respectivos
equilíbrios orçamentários? Será que tal dúvida não explica a independência frente aos
recursos gerais apresentada pelas províncias de São Paulo, Rio de Janeiro e Rio Grande do
Sul no exercício de 1840/41?
Tais perguntas estão no centro da primeira preocupação que aqui será apresentada, e
podem, por suas possíveis respostas, precipitar outra questão da mesma envergadura para o
entendimento da economia imperial vista através do relacionamento entre a centralização,
representada pela força do governo Imperial, e a descentralização, representada pela
relativa autonomia das províncias.
Questionada, então, a incapacidade provincial - ou de algumas delas em taxar e extrair
recursos que mantivessem o orçamento equilibrado, outras discussões pertinentes ao
21
Idem, pág. 103.
15
debate acerca da descentralização e centralização imperial surgem. Entre elas, uma que a
literatura tratou e que representa o oposto daquilo que foi comentado: a transferência
de recursos das províncias ao governo central e seu repasse, ou seja, do governo central às
províncias.
Tal questão se mostra importante na discussão porque pode lançar luz sobre o
relacionamento das províncias com o governo central. Mais que isso, pode esclarecer como
as medidas adotadas pelo governo central contribuíram para o desenvolvimento de uma
região, um grupo social, ou uma atividade econômica. E, novamente, pode ampliar a visão
que temos sobre a centralização imperial ante as dificuldades provinciais.
Dessa forma, vale ressaltar que, conforme já foi observado, as províncias, por quase todo o
tempo com as exceções comentadas precisavam que o governo central repassasse os
recursos necessários para o equilíbrio orçamentário e/ou para investimentos em melhorias.
Assim está se afirmando que, de fato, algumas províncias dependiam dos recursos centrais,
e que, portanto, o orçamento do Império era a fonte de equilíbrio de seus orçamentos.
Neste caso, uma outra pergunta se soma: será que todas as províncias, após repassarem
seus recursos ao governo central, ficavam numa tal situação de penúria econômico-
financeira que precisavam que o governo do Império socorresse e/ou garantisse recursos
para investimentos? O que se questiona, então, é a) a incapacidade das províncias gerarem
seus próprios recursos; e b) a precária situação que as províncias enfrentavam após o voraz
governo central retirar delas tais recursos. Vejamos o que afirma Diniz:
Com efeito, os dados do Balanço demonstram que, a partir da década de
1830, a estrutura financeira do Império funcionou eficientemente no
processo de apropriação da renda produzida nas províncias,
principalmente Pernambuco, Bahia, Maranhão, Pará, São Paulo e Rio de
Janeiro. Em conjunto, essas províncias forneceram 126,65 milhões de
libras em tributos ao Império e receberam 58,70 milhões de libras sob a
forma de recursos nelas despendidos; a diferença em favor do Governo
Geral foi, portanto, de 67,95 milhões de libras. (...) Mas, além do caso
dessas províncias que forneceram recursos sistematicamente ao Governo
Geral, aquelas províncias mais carentes, caso aumentassem o volume de
16
impostos gerados, também teriam parte de sua renda remetida para a
sede do poder central do Imrio.
22
Pois bem, podemos a partir de tal afirmação concluir que o problema das províncias não
era a inexistência de recursos, e sim a transferência desses recursos ao governo central
através da tributação que, quase toda, ficava a cargo deste. Desse modo se confirmaria a
estrutura altamente centralizada a qual associamos o Império Brasileiro.
Porém, outro ponto da afirmação de Diniz merece nossa atenção: aquela que diz que o
governo central não estabelecia a transferência de recursos das províncias mais ricas para
as mais pobres:
Enfim, os dados do Balanço demonstram que o Estado Imperial não
promovia a distribuição de riqueza das províncias ricas para as pobres.
As exceções a essa situação de permanente transferência de riqueza para
a Corte ocorreram nas ocasiões de calamidade, como as inundações e
secas do final da década de 1870. Mas, essas situações eram
excepcionais.
23
Tal afirmação pressupõe que esta é a função do governo central; porém, podemos
argumentar que ao contrário as províncias mais ricas poderiam exercer uma pressão
maior sobre o governo central a fim de receber uma maior parte do “bolo”. Mais que isso,
a redistribuição dos recursos às províncias poderia obedecer ao critério do “quem contribui
mais, recebe mais”, o que garantiria maiores recursos transferidos às províncias mais ricas.
O que importa, então, é definir se aquilo que era passado pelas províncias ao governo
central promovia o “caos” econômico-financeiro provincial. Se o repasse das províncias ao
governo central, e o contrário a transferência do governo central às províncias eram
desvantajosos para algumas províncias, qual era o critério que definia quem seria
privilegiado ou não? Dessa forma, podemos mensurar se a centralização imperial gerava,
de fato, uma situação precária para as províncias ou se servia de re-alocação dos recursos
conforme interesse do Império. Em outras palavras, se o governo não alocava recursos das
províncias mais ricas para as mais pobres, será que o contrário acontecia? Será que o
22
Diniz, A.F. op. cit. pág. 202.
23
Idem, pág. 202.
17
governo repassava recursos gerados das províncias pobres para as ricas, garantindo a
aceleração da disparidade regional?
Para tanto, vale refletir sobre o que disse Ferreira:
A questão dos impostos provinciais é extremamente importante no
debate aqui estudado, porque está diretamente relacionada com o poder e
o grau de autonomia das províncias. Está também relacionada com o
tema da desigualdade regional. Tavares Bastos, político alagoano,
termina o seu livro A Província chamando a atenção para a situação do
Norte, região mais afetada pelos efeitos nocivos da centralização e da
conseqüente ‘supremacia dos políticos da capital’. A centralização, diz o
autor, tem produzido naquela região um nível preocupante de
descontentamento. Estaria pairando sobre o Império uma ‘nuvem
ameaçadora’, que poderia ser dissipada pela descentralização. O
aspecto financeiro é um dos mais sensíveis: as províncias do Norte, diz
Tavares Bastos, ao contrário do que se afirma, não estão na dependência
do Sul, antes produzem saldos consideráveis. Subtraindo da receita das
onze províncias setentrionais os gastos nelas efetuados pelo governo
central – seja para os serviços que lhes interessam, como vapores e
estradas de ferro, seja para as despesas da administração geral naquelas
províncias e a quota, na região, das despesas propriamente nacionais
(administração central, representação nacional, Exército, Marinha e,
principalmente, o serviço da dívida pública), ainda sobram recursos,
remetidos aos cofres nacionais.
24
E conclui:
A centralização, portanto, estaria trazendo a esta região do Brasil
maiores sacrifícios do que benefícios. Ao problema financeiro, Tavares
Bastos acrescenta outros argumentos para corroborar esta posição: o
Norte, durante o Primeiro e Segundo Reinados, pagou com o sangue de
sua população e os seus recursos financeiros guerras externas com as
quais pouco teve a ver. Da mesma forma, o Norte - muito menos
24
Ferreira, G.N. op. cit. Pág. 107.
18
dependente do trabalho escravo do que o Sul – estaria involuntariamente
arcando com parte do ônus desta funesta instituição’. E, finalmente,
quanto aos melhoramentos materiais custados pelo Estado (portos,
estradas de ferro), estes estariam concentrados principalmente no Sul,
em detrimento das províncias do Norte. O privilégio dado às províncias
meridionais em matéria de melhoramentos materiais e de outros gastos
públicos é, aliás, o motivo pelo qual o Norte apesar de concorrer para
apenas um terço da receita imperial, contra os dois terços do Sul
remetia maiores saldos para os cofres do Tesouro do que o Sul.
25
No mesmo sentido caminha o argumento de Mello, quando afirma:
Em meio à espoliação fiscal das províncias, o problema dos saldos
provinciais adquiriu, como seria de esperar, um relevo inusitado, que
certamente não teria ganho caso os legisladores da Regência tivessem
estabelecido um sistema eqüitativo de discriminação de rendas. Os
saldos eram os excedentes da receita dos impostos gerais remetidos para
o Tesouro no Rio, uma vez deduzidas as despesas do Governo imperial
nas correspondentes províncias. As queixas foram particularmente vivas
no Norte – e com razão.
26
Em outro trecho, o historiador pernambucano prossegue:
Em Pernambuco, durante todo o século XIX, os saldos representaram o
leit motiv das reclamações provinciais. em 1824, Maria Graham os
havia mencionado na sua descrição das origens e das causas da
Confederação do Equador. Um dos líderes da revolução praieira (1848),
Henrique Pereira de Lucena, pai do futuro barão de Lucena, daria como
motivo da insurreição a necessidade de reformas como a de fazer com
que ‘ficassem na província os dinheiros nela arrecadados’. Cerca de
trinta anos depois, Herbert Smith notaria que os pernambucanos
‘queixam-se, com muita razão, de que o Rio drena para si toda a
prosperidade; que as províncias do norte são tributadas para que se
25
Idem, págs. 107-108.
26
Cabral de Mello, Evaldo. O norte Agrário e o Império 1871 – 1889. Rio de Janeiro: Topbooks, 1999. págs.
248-249.
19
construam ferrovias, edifícios públicos e outras obras nas províncias do
sul’. A crítica ao sistema de rendas não se fazia apenas ouvir pela boca
de federalistas ou de liberais exaltados, como seria previsível, mas
também, o que era mais significativo, pelas colunas do austero Diário de
Pernambuco, porta-voz da praça do Recife. Demonstrando em 1845 que
os saldos transferidos para Corte correspondiam a cerca de 2/3 da receita
imperial na província, o circunspecto jornal investia, com ardor antes
característico de gazeta praieira, contra o que denominava ‘excêntrica
partilha de rendimentos gerais e provinciais’, inspirada, a seu ver, no
mais sistemático espírito de injustiça, os democratas diriam, de
colonização .
27
Tais afirmações do jornal pernambucano, assim como a anuência de Mello, correspondem
às afirmações de Diniz:
A situação de permanente exação fiscal das províncias assemelhava-se,
para os contemporâneos e opositores da centralização, a uma situação de
tipo colonial.
28
Como se viu, tal consideração em Recife não era feita apenas pelos opositores da
centralização, mas também por aqueles ligados ao partido conservador, defensores da
centralização.
Um bom exemplo, outro citado por Mello, pode ser visto no caso do deputado paraense
Costa Aguiar que, em 1887, afirmou, segundo palavras do historiador, que:
O argumento não colhia – de que o norte era pesado ao sul, pois,
enquanto o sul, inclusive a Corte, contribuía com 2/3 da receita geral, o
norte concorria apenas com um terço que não se discutia a
participação regional na formação da receita imperial. O problema
essencial, segundo Costa Aguiar, não era o de saber quem gerava
27
Idem, págs. 249 - 250
28
Diniz, A.F. op. cit. pág 202
20
maiores recursos para as arcas do Tesouro, mas quem transferia maiores
saldos.
29
O deputado paraense, do partido conservador, ainda afirma que, “no sul, apenas São Paulo
e Rio produziam saldos”.
30
Porém, vale ressaltar que, no ano em que se baseava a fala do
deputado (1883-84), seria difícil para São Paulo e Rio apresentarem déficits dado o
momento de grandeza que a produção e exportação de café vivia. Apenas como
confirmação de tal impressão pelos contemporâneos, Tavares Bastos, em sua obra A
Província enfatizou:
satisfaz o norte, na parte que lhe compete, a todos os encargos da união.
Paga as despesas da administração geral nas suas províncias. Paga os
serviços que lhe interessam, vapores e estradas de ferro. Paga, além da
que nelas se efetua, a quota relativa da despesa com o exército e com a
armada. Paga a quota igualmente da representação nacional e da
administração central. Paga os tributos legados pelas guerras do sul,
sofre o papel-moeda, atura a vida pública...Ainda mais: remete ao Rio
de Janeiro saldos líquidos, alguns milhares de contos.
31
Pois bem, é possível concluir, então, que: a) dada a capacidade de geração de recursos nas
províncias virem acompanhadas de uma ainda maior capacidade garantida por lei do
governo central de subtrair tais recursos, as províncias tornavam-se dependentes do repasse
que o Império fazia; e b) se tal repasse era feito através da desigualdade na distribuição,
privilegiando as províncias do sul em detrimento das do norte e gerando, paradoxalmente,
saldos superavitários nas províncias que menos contribuíam nas receitas gerais e
deficitários nas províncias que mais contribuíam, é razoável inferir que aqueles que se
beneficiavam de tal “fomento à desigualdade regional” organizada pelo governo central
seriam favoráveis à centralização administrativa e política do Império. Vejamos, então,
como se deu tal “apoio” e se, de fato, ele foi constante ou, ao contrário, foi formado em
momentos específicos da História do Império Brasileiro.
29
Cabral de Mello, E. op. cit. Pág. 252.
30
Idem, pág. 253.
31
Tavares Bastos, A.C. op. cit. Pág. 357.
21
1.2 A distribuição de recursos públicos e sua vinculação com a Revolução de 1842
É curioso notar que, muitos dos líderes liberais que implementaram as medidas
descentralizadoras do Império eram paulistas. Nas palavras de Wernet:
Os liberais moderados representaram os interesses dos senhores de
engenho, dos cafeicultores paulistas e fluminenses, dos fazendeiros e de
muitos outros ‘proprietários de bens, terras e escravos’.
32
Entre eles, destacaram-se o Senador Vergueiro, paulista e antigo regente. Mas, sem dúvida,
o mais notável líder moderado na Regência foi Padre Diogo Antônio Feijó, menos por suas
posses, mais por sua atuação como ministro e, posteriormente, como Regente Uno. A
atuação do padre paulista está na base do que chamamos de “avanço liberal”, justamente
associado ao Ato Adicional de 1834. Dois discursos de Feijó atestam sua tendência liberal.
No primeiro, notemos sua “veneração” às leis e sua concordância com o 07 de Abril data
da abdicação de D. Pedro I:
Cidadãos!
A lei confiou-nos as armas, que ora trazeis. A vosso zelo e patriotismo
está entregue a defesa da cidade. O sossego público, tantas vezes
ameaçado por ambiciosos ou perversos, tem sido conservado à custa de
vossos esforços; e aos sacrifícios, que haveis feito, deve a capital do
Brasil a segurança de que gozam seus habitantes. Os exemplos de
firmeza, constância e resignação nos trabalhos a que vos chamaram os
interesses da Pátria, desde o escandaloso sucesso de julho próximo
passado, jamais serão apagados da memória de vossos concidadãos. O
respeito às autoridades, a veneração às leis, de que haveis dado tantas
provas no meio da insubordinação e desobediência com que homens
desvairados e impelidos por paixões ignóbeis procuram manchar a glória
do DIA 7 DE ABRIL, (...)
33
E, já em 1835, como Regente Uno, Feijó escreveu:
32
Wernet, A. O período regencial. São Paulo:Global Editora, 1997. págs. 45-46.
33
citado por Caldeira, Jorge. Diogo Antônio Feijó. Coleção Formadores do Brasil. São Paulo: ed. 34. 1999.
pág. 82.
22
Conserve-se a monarquia, nós o repetimos, ela nos convém, ela nos é
necessária; mas seja despida das formas de que se revestia quando era
absoluta.(...) Se entre os brasileiros alguns que sinceramente
preferem, no estado atual, a república, o se incomodem, pois estamos
com ela. Regência de um eleito pela nação, temporária, sem veto, sem
direito de dissolver a Câmara dos Deputados, sem poder conferir
condecorações, sem poder concluir tratados, fazer guerra sem
consentimento da Assembléia, é alguma coisa a menos que o presidente
dos Estados Unidos; de monarquia, temos o nome. Oito ou nove anos
são dados para a experiência, e pois estamos persuadidos que ela
convencerá aos brasileiros da necessidade de monarca, mas para os
dois fins que apontamos, uma vez que seja restrita ao que deve ser para
desempenho somente desses mesmos fins.
34
Notemos a suposta ambigüidade de Feijó em associar seu governo à república, mas
defender a permanência da monarquia. Mas era exatamente isso que marcava os liberais
como Feijó: a defesa de uma monarquia descentralizada, parecida, no limite, com a
república. Porém, mais importante que isso é sua repulsa ao absolutismo e sua crítica ao
sistema de condecorações, típicos de uma Monarquia centralizada.
Nesse sentido, era este o grupo os liberais que poderia atrapalhar o “regresso
conservador”, ou seja, as medidas que centralizaram a estrutura administrativa do Império
após a experiência descentralizadora da Regência. Porém, o exemplo de Bernardo Pereira
de Vasconcelos e sua famosa frase citada alhures, mostra bem como antigos liberais se
tornaram conservadores; o que, em outras palavras, pode ser visto nos antigos defensores
das medidas descentralizadoras do Ato Adicional que se voltaram contra elas, passando
para o lado daqueles que apoiavam a centralização monárquica. Alguns dados apresentados
por Carvalho são reveladores: “(Em 1850) A Câmara era quase unânime: apenas um liberal
entre 110 conservadores.”
35
34
Idem, pág. 167
35
Carvalho. José Murilo de A Construção da Ordem/ O Teatro de Sombras. Rio de Janeiro: Ed. Relume
Dumará/UFRJ, 1996. pág. 236
23
Percebe-se, com isso, a força do “regresso” e a velocidade com que conseguiu estabelecer
seu projeto centralizador.
Mesmo antes, em 1837 início do Regresso, com a posse de Araújo Lima (futuro marquês
de Olinda) tal mudança já havia sido sentida devido ao abandono das bandeiras liberais e
a adoção das conservadoras por muitos daqueles que haviam defendido o Ato Adicional e
suas propostas.
Tal espanto relativo às mudanças de posição foi apontado por Ferreira, que pergunta: “O
que aconteceu entre a promulgação do Ato Adicional e o Regresso? O que fez com que as
elites dirigentes investissem na construção de um Estado centralizado?”
36
E ela mesma sinaliza algumas possíveis explicações:
É interessante pensar no processo de centralização do Segundo Reinado
como um tipo de aliança, mais do que como uma ordem imposta de cima
para baixo.
37
E ainda:
Ficara para trás a ‘anarquia’ da fase quase republicana da Regência, com
seus motins, suas rebeliões provinciais, seus impasses criados pela luta
entre governo e Parlamento. Em 1842, os liberais de Minas Gerais e de
São Paulo pegaram em armas para lutar contra o poder centralizado. No
entanto, ao subir ao poder, em 1844, o Partido Liberal manteve o mesmo
arcabouço administrativo e judiciário que, na prática, também o
favorecia.
38
E sinaliza, também, com a resposta mais freqüente acerca de tal mudança de rumos na
política imperial:
36
Ferreira, G. N. op. cit. Pág. 38.
37
Idem, pág. 37.
38
Idem, pág. 37.
24
Aconteceram, em primeiro plano, as rebeliões provinciais, trazendo a
ameaça de fragmentação territorial.
39
O famoso biógrafo de personalidades políticas do Império, entre elas a de Bernardo Pereira
de Vasconcelos, assim se referiu à questão:
Triunfaram os elementos que faziam oposição a Feijó, e a maioria era de
gente cujos interesses exigiam ordem, paz social, garantias jurídicas.
Verificara-se ineludivelmente a influência dos proprietários territoriais e
donos de escravos, passando a predominar o que Evaristo chamava de
‘eleitores do campo’, isto é, o voto dos fazendeiros e senhores de
engenho, em detrimento do eleitorado urbano. Datou daí o prestígio dos
Saquaremas, do Partido Conservador que fez um dos seus centros mais
poderosos a Província do Rio de Janeiro. Vasconcelos colocou-se a
serviço da grande lavoura que ia afinal preponderar na direção política
do Brasil, dado o poder econômico de que dispunha e, concorrendo para
a criação do Partido Conservador com seu ‘regresso’, defenderia as
causas que se ajustavam aos interesses dos donos de escravos.
40
Ao que Ferreira conclui:
A grande lavoura tinha como centros mais importantes, no fim da
Regência, o açúcar nordestino, em declínio, e o café em ascensão no
centro-sul, particularmente no Vale do Paraíba. Lavoura alimentada pelo
braço escravo e, portanto, pelo tráfico de escravos. O regresso parece
corresponder a um relativo consenso desses setores quanto à necessidade
de Construção do Estado forte e centralizado como a melhor forma
de preservação de seus interesses.
41
Portanto, temos a “chave” que explica a composição centralizadora do Império
brasileiro: uma aliança entre Estado e proprietários de terras e escravos que, visando a
integridade do território ante as revoltas separatistas e a manutenção da oferta de cativos,
39
Idem, pág. 38.
40
Otávio de Souza Tarquínio. Citado por Ferreira, G.N. op. cit. Pág 39.
41
Ferreira, G. N. op. cit. Pág. 39.
25
reage às medidas descentralizadoras impostas pelo Ato Adicional de 1834. Esta aliança
explica a mudança radical de posição de Bernardo Pereira de Vasconcelos e outros que,
mesmo tendo sido defensores da descentralização, optam pela centralização como a melhor
maneira para a organização do país. Não à toa, o Golpe da Maioridade, de 1840, foi
articulado pelos liberais; tampouco o atestado dado pelos populares da época de que “nada
era mais conservador que um liberal no poder, e nada era mais liberal que um conservador
na oposição”.
Essa visão é compartilhada por Alencastro:
a vontade de viverem juntas de oligarquias regionais tão díspares
provinha sobretudo de um grande trunfo detido pelo Poder Central: a
capacidade militar e diplomática de garantir a manutenção do tráfico de
escravos.
42
E Bosi:
Nessa altura, os cafeicultores almejavam um Estado forte, uma
administração coesa e prestante ou, nos seus repetidos termos,
precisavam manter, a todo custo, a unidade nacional. Foi a bandeira do
regresso. (...) Tudo se apresenta imbricado: o centralismo se diz nacional
e vale-se do Exército, que toma vulto no período; o tráfico é utilíssimo à
expansão do café; enfim, o Partido da Ordem abraça todas essas
bandeiras que, plantadas no centro do poder, a Corte Fluminense, irão
manter-se firmes até pelo menos, os fins dos anos 50.
43
Fechando o círculo que explica a fuga de antigos liberais em direção aos conservadores no
final da Regência e início do II Reinado, temos então a necessidade de se manter a unidade
do território e o tráfico, além da expansão do café no Vale do Paraíba como maiores
motivadores.
O argumento referente à manutenção do tráfico de escravos é de difícil contestação. De
fato, a lavoura brasileira era dependente desta mão-de-obra e, dadas as pressões inglesas
42
Luis Felipe Alencastro. Citado por Ferreira, G. N. op. cit. Págs. 39-40.
43
Bosi, Alfredo. Dialética da Colonização. São Paulo: Cia. Das Letras, 1992. pág. 201.
26
contrárias à sua permanência, era preciso mais do que diplomacia para sua continuidade.
Deve ser por isso que Bosi sinaliza que, em fins da década de 50, o arranjo político entre
fazendeiros proprietários de escravos e governo imperial sofreu suas primeiras fissuras,
que, nessa época, o tráfico acabara e a importação de imigrantes para o trabalho nas
lavouras já estava na pauta das discussões do país.
Porém, algumas dúvidas pairam sobre os argumentos referentes à manutenção da unidade
nacional e principalmente ao “boom” da lavoura cafeeira no Vale do Paraíba. Se, como
vimos, a reclamação constante daqueles que viviam nas províncias do Norte era a
transferência de riqueza dessas províncias via redistribuição do “bolo” fiscal para as
províncias ricas do Sul, porque aquelas que se sentiam prejudicadas almejariam continuar
unidas com as privilegiadas? Não era impressão dos nortistas que o crescimento da lavoura
de café e os melhoramentos que contribuíram para tanto deviam a eles parte do
financiamento? E por que algumas lideranças das províncias do Sul que eram, segundo
alguns autores citados, privilegiadas na redistribuição dos recursos fiscais estavam
entre os mais destacados deres que defendiam a descentralização? Podemos argumentar
que o apoio dado pelas elites provinciais ao projeto conservador do Império tenha ocorrido
após a decadência do movimento liberal paulista capitaneado por Feijó. De fato, a última
grande aparição dos liberais pró-descentralização em São Paulo foi em 1842, nas Revoltas
Liberais. Confirmando, citamos Carvalho:
Brigas de brancos foram também as revoltas de 1842 em São Paulo e
Minas Gerais. Já reação às medidas centralizadoras do Segundo
Reinado, envolveram os mais ricos proprietários das duas províncias e
também da província do Rio de Janeiro, o pólo da economia cafeeira que
começava a dominar a pauta de exportação. Alguns dos principais
líderes liberais também se envolveram nas duas revoltas.
44
Ora, os ricos proprietários de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro em 1842, pegando
em armas para lutar contra as medidas centralizadoras do Império? Justo eles, que segundo
alguns defendem, eram beneficiados com a centralização? Portanto, a questão não se
encerra aí, podendo abrir caminhos para seu aprofundamento.
44
Carvalho, J. M. op. cit. Pág. 234
27
1.3 Nacionalização e homogeneização da elite imperial
O que se pode concluir do que já foi exposto é que :
i- as províncias, ou algumas delas, produziam riquezas suficientes para,
através da tributação, garantirem manutenção de seus orçamentos
equilibrados;
ii- o que impedia tal equilíbrio não era a falta de recursos e sim a
distribuição desigual de matéria tributável entre o governo central e as
províncias, mesmo em período conhecido pela tendência
descentralizadora;
iii- o maior problema das províncias nortistas em relação ao poder do
governo central em controlar boa parte dos recursos fiscais do país era a
desigual distribuição feita pelo Império, privilegiando as províncias
ricas do Sul em detrimento das decadentes do Norte. Isso poderia nos
induzir a pensar que as elites do Sul apoiavam as medidas
centralizadoras, afinal ganhavam com isso através da má distribuição;
iv- além disso, com o “boom” cafeeiro durante as décadas de 30 e 40 no
Vale do Paraíba, a opção centralizadora ficou ainda mais atraente a essa
elite, já que, dada a necessidade de mão-de-obra escrava, acreditava-se
que apenas o Estado forte , unitário e centralizado poderia garanti-la;
v- porém, o que vimos é que muitos daqueles que defendiam a
descentralização monárquica provinham de São Paulo – uma “rica”
província do Sul – assim como do Rio de Janeiro e Minas Gerais;
vi- isso nos leva a pensar que apenas a transferência de recursos de tal
maneira que privilegiasse e/ou garantisse o desenvolvimento econômico
das províncias do Sul, e a oferta de escravos garantida sob a
centralização do Estado não foram suficientes para dar à tendência
centralizadora o apoio unânime ou maciço das elites do sul naquele
momento.
28
É preciso, então, avançar sobre outras questões para que o círculo se feche. Uma das
possibilidades aqui levantadas se refere à formação de uma “ideologia” comum entre a
elite e o governo, resultando em um projeto único e coeso de Estado. Em outros termos,
para ganhar o apoio maciço das elites
45
fossem do sul ou do norte ao projeto
centralizador do Estado, o Império tinha que, além de garantir interesses ligados aos
grupos economicamente dominantes, formar uma “consciência” que o ajudasse a manter
tal projeto. Assim, o Estado poderia compensar sua limitação, oriunda de sua dependência
do setor agrário-exportador, aproximando elementos desta elite a seus quadros ideológicos
e, porque não, burocráticos. A formação de tal quadro burocrático-político resolveria o
problema tanto de um lado quanto de outro: uma burocracia que, oriunda da elite, além de
treinada e formalmente educada sob a ideologia do Estado centralizado, faria a “ligação”
com os setores dinâmicos da economia, diminuindo o impacto que as idéias
descentralizadoras poderiam causar em regiões que, por terem mais chances de se auto-
sustentarem, seriam mais suscetíveis a elas; e por outro lado, compensando e mantendo fiel
à sua ideologia as elites que, se sentindo prejudicadas pela desigual distribuição de
recursos entre as províncias e, conseqüentemente, pelas dificuldades de manutenção de
suas economias, teriam “voz” nas decisões do Estado Imperial através do poder político.
Tal engrenagem poderia funcionar tanto pelo mecanismo - criticado por Feijó de
nomeações e doações de títulos nobiliárquicos, como pela simples contratação de
“funcionários” pelo Estado, como os ministros.
Esta situação, qual seja a aproximação entre o Império e as elites regionais que se sentiam
em condições de se manter autônomas ou prejudicadas pela redistribuição dos recursos
centrais, poderia diminuir até esgotar a tendência crítica ao modelo centralizado do Estado
Imperial. Dessa forma, é possível complementar a discussão acerca da centralização ou
descentralização do Império a partir de elementos não-econômicos - como a distribuição
dos recursos centrais e a necessidade de manutenção do tráfico de escravos -, e sim
ideológicos e políticos. Mais que isso, tal situação poderia definir o tipo de relacionamento
entre as elites regionais muitas vezes agentes das forças centrífugas - e o Estado, que,
efetivada a coesão entre eles, estaria selado o acordo que garantiria a formação
45
É usado aqui o termo “elites” apenas para destacar aqueles que conseguiam acesso – fosse através do poder
político, fosse pelo poder econômico – às decisões da época. Não se usa, portanto, nenhum conceito
sociológico que defina “elite”.
29
institucional do país sob os moldes conservadores. Sobre isso, vejamos o que diz
Carvalho:
A importância da nacionalização da elite para a manutenção da unidade
do país pode ser avaliada pelo fato de que, apesar dela, as tendências
centrífugas, provinciais e regionais, se fizeram sentir durante todo o
período, e de maneira violenta até 1850. Mesmo após o fim das rebeliões
e após a consolidação do sistema centralizado, a rivalidade provincial e
regional permanece como dado constante da política imperial. A
desigualdade das províncias em termos populacionais e de riqueza
levava ao maior favorecimento de umas em relação às outras, gerando
ressentimentos, sobretudo nas que perdiam influência devido à
decadência econômica.
46
E continua:
é importante salientar esses aspectos para que não fique a impressão
falsa de uma unidade perfeita da elite. Exatamente porque não
correspondia à realidade social e econômica do país, exatamente por ter
sido politicamente criada, é que a unidade foi importante para evitar que
forças centrífugas levassem o país ao mesmo destino das outras colônias
da América Latina.
47
Se é possível incluir a nomeação para cargos de confiança do Império na construção desta
elite “nacionalizada”, como diz Carvalho, um importante comentário se torna
fundamental: a origem dos nomeados ministros e/ou altos funcionários da burocracia,
incluindo aqui origem social, profissional e regional. Isso porque, segundo Carvalho, a
acomodação de interesses difusos na burocracia do Estado imperial servia, principalmente,
àqueles que passavam pela decadência econômica de suas famílias e regiões ou aos
extratos médios urbanos. Dessa forma, não se encaixaria a elite ligada à lavoura cafeeira de
São Paulo, então em plena ascensão. Porém, em outro momento, o mesmo autor argumenta
que até 1871 o principal grupo que compunha a burocracia nacional - não a burocracia
em si, como também as funções políticas tais como senadores e deputados, e
46
Idem, pág. 119
30
principalmente ministros – era, por sua origem profissional, a dos magistrados. Vale
lembrar que, no Brasil, as duas Escolas de Direito, portanto formadoras destes magistrados,
estavam sediadas em (1) Recife que se encaixa na situação de região economicamente
decadente - e (2) São Paulo que, ao contrário, se aproximava progressivamente da situação
de província inclusa no eixo dinâmico da economia nacional.
Em contraste com o crescimento da presença de magistrados na burocracia e nos altos
escalões políticos do país, os padres perdiam o espaço. A dificuldade vista pelo Estado de
“enquadrar” os padres pode servir de argumento para a progressiva troca de importância
entre os dois grupos. Vale lembrar que, desde ao menos as manifestações em Pernambuco
de 1817, passando pela Confederação do Equador em 1824 até as propostas de Feijó, os
padres estiveram contra a centralização do poder. Vejamos, novamente, o que diz
Carvalho:
Nítido contraste com a formação e atuação política dos magistrados nos
é oferecido por outro ramo da burocracia imperial, o clero. (...) em
primeiro lugar, a situação do clero em relação ao Estado era ambígua. Se
por efeito da união Igreja –Estado o padre era um funcionário público,
pago pelos cofres do governo geral, não deixava também de pertencer a
uma burocracia paralela, uma organização que ao longo da história se
tinha empenhado em longas batalhas contra o mesmo Estado pelo
controle político.
48
E, por fim, o autor destaca a atuação do Exército, que segundo ele, mesmo não sendo
semelhante ao dos magistrados, também era anti-liberal e centralizador. Assim:
A hostilidade dos liberais gerou mágoas na tropa e entre oficiais. O
Sentinela da Liberdade, redigido por um mulato, dizia em 1832 que os
mulatos predominaram entre os militares que participaram da rebelião do
07 de abril e, no entanto, logo depois tinham sido perseguidos pelos
líderes liberais, seus aliados de véspera. Em 1849, o Soldado Brasileiro,
aparentemente redigido por um oficial, e falando em nome da
47
Idem, pág. 119
48
Idem, pág. 165.
31
corporação, atacava os já então chamados luzias (i.e.liberais) por terem
enganado o Exército em 1831 e o terem perseguido durante os anos que
estiveram no poder. Elogiava os saquaremas (conservadores) que,
sobretudo a partir da atuação de José Clemente Pereira no Ministério da
Guerra (1841-43) teriam iniciado a reconstrução do Exército.
49
Aqui vale a lembrança de que Feijó, líder dos liberais defensores da monarquia
descentralizada, tinha sido um dos responsáveis pela criação da Guarda Nacional quando
era ministro da Justiça da Regência. Daí deve vir tal insatisfação do Exército para com os
liberais expressa na citação acima.
Mais adiante, o mesmo autor conclui que:
pode-se dizer que os militares foram os substitutos dos magistrados no
final do Império e início da República. A mesma preocupação
centralizadora os dominava, a mesma oposição à fragmentação privatista
do poder. A diferença estava no sentido político da centralização. (...)
Resumindo, a unidade geral da elite política, melhor caracterizada pelos
magistrados, não eliminava focos de cisão interna. (...) Apesar das
divergências, os vários setores da burocracia possuíam em comum o
compromisso com o fortalecimento do Estado, a visão nacional, a
oposição ao localismo, ao predomínio excessivo de grupos ou setores de
classe.
50
O que podemos concluir disso é que, mesmo se afastando em relação aos “meios”,
magistrados e militares, dois dos principais grupos burocráticos do país, aproximavam-se
em relação aos “fins”; ou seja, a centralização administrativa e política do Império. Ao
contrário, os padres, sempre resistentes às medidas centralizadoras do Estado, foram
gradativamente sendo afastados do centro da política nacional e dos altos postos
burocráticos e, ao mesmo tempo, sendo “enquadrados” através de regimes que os levava à
dependência em relação ao Estado, como o Padroado e o Beneplácito.
49
Idem, págs. 173-174.
50
Idem, pág.177.
32
Um último comentário bibliográfico se refere à tese de doutoramento de Dolhnikoff. Nela
a autora afirma que o federalismo entendido, aqui como um exagero foi a “solução
encontrada para permitir a unidade de todo o território luso-americano sob a hegemonia de
um único Estado, cuja condição era o apoio e a cooptação dos diversos e dispersos grupos
dominantes regionais.”
51
Para chegar a tal conclusão, Dohlnikoff questiona a capacidade e mesmo a
intencionalidade - que a centralização imperial, particularmente após o “regresso” de 1837,
demonstrou para concentrar os recursos fiscais do país. Segundo a autora, a centralização
foi indiscutível quanto ao funcionalismo público, transformando antigos funcionários
provinciais em nacionais, principalmente aqueles ligados ao judiciário. Com isso, a
centralização foi benéfica às províncias, que diminuía os gastos de cada uma delas com
o pagamento de funcionários que, naquele momento, se ‘nacionalizavam’, mantendo a
estrutura fiscal descentralizada em um nível que as províncias pudessem manter seus
orçamentos equilibrados. Além disso, a ‘nacionalização’ de funcionários do judiciário que
antes eram provinciais pode ser vista como um dos elementos da aproximação, via
burocracia, apontada anteriormente. Isso fez com que:
beneficiados pela aquisição de capacidade tributária, legislativa e
coercitiva, os grupos regionais acabassem por aceitar, em certo grau, os
novos padrões de comportamento político impostos pelo Estado. Fosse
para atender demandas específicas da região, como , por exemplo, a
necessidade de estradas no caso de São Paulo, fosse para satisfazer
anseios generalizados, como o de controlar o poder provincial, os grupos
regionais acabaram envolvendo-se de fato na construção do Estado
Nacional.
52
Dohlnikoff ainda apresenta uma novidade em relação à bibliografia aqui comentada, já que
afirma que :
51
Dohlnikoff, Mirian. Construindo o Brasil:unidade nacional e pacto federativo nos projetos das elites
(1820 – 1842). FFLCH/USP, 2000, pág. 192. (tese de doutorado).
52
Idem, págs. 192 – 193.
33
O principal tributo auferido pelo governo provincial paulista era então o
‘direito de saída’, ou seja, aquele que incidia sobre os gêneros
comercializados para fora da província. Os cofres provinciais
dependiam, assim, da expansão da agricultura de exportação. Esta, por
sua vez, dependia da ação do governo.
53
Esta ação do governo pode ser vista tanto como os investimentos que a província fazia na
infra-estrutura de transporte do café, como na capacidade do governo central em garantir a
oferta de mão-de-obra escrava. Isso nos a idéia de interdependência entre os dois níveis
administrativos, dificultando a análise que a relação entre eles como um antagonismo
entre um governo central ávido em retirar os recursos provinciais e grupos regionais
buscando “independência” em relação ao Império para, justamente, poderem se apropriar
de tais recursos gerados em suas respectivas províncias.
Outra afirmação de Dohlnikoff confirma sua visão sobre um “acordo” entre as elites
provinciais e o governo central quanto a construção do Estado Nacional. Nela, afirma-se
que:
Outro recurso freqüente para qual apelavam os governos provinciais era
o de solicitar empréstimos ao governo geral. Segundo uma lei aprovada
em 1836, a
Coroa deveria suprir o déficit das províncias cujas rendas
não chegassem para suas despesas.
54
Dessa forma, por que o governo central, como afirma Diniz, se apropriaria dos recursos
provinciais com tamanha avidez? Para depois suprir as necessidades orçamentárias das
mesmas?
Adiante, a autora afirma que:
nesse quadro, a província de São Paulo surgia como uma rara ainda
que não absoluta exceção, pois durante a primeira metade do século
XIX contou com saldos positivos em muitos anos. Dispunha, portanto,
53
Idem, pág 149
54
Idem, pág. 149
34
de dinheiro em caixa para compensar aqueles anos em que o saldo fosse
eventualmente deficitário, o que lhe permitia fazer normalmente frente
as suas despesas sem recorrer à empréstimos.
55
A autora não confirma se tais empréstimos eram aqueles feitos junto ao governo central
para equilibrar o orçamento provincial, mas tudo indica que sim. Portanto, a província
paulista independia das transferências dos recursos do governo central. Com isso,
Dolhnnikoff põe em xeque algumas das afirmações já discutidas por outros autores.
1.4 Propostas e objetivos da pesquisa
Concluindo, a literatura aqui comentada apresenta algumas indicações sobre o impacto dos
arranjos institucionais na economia do país, incluindo os orçamentos provinciais. Tais
impactos ligados ao debate entre centralização e descentralização - são vistos por alguns
autores como favoráveis ao governo central, que mesmo com a descentralização não foi
dado às províncias o direito de arrecadação do principal imposto da época, qual seja o
sobre importações. Dessa maneira, o desenvolvimento econômico das províncias, e mesmo
o equilíbrio de seus orçamentos, seria dependente da ação do governo central, pois as
províncias não teriam receitas suficientes para fazer frente às despesas. Essa interpretação
nos induz a pensar que a centralização que se seguiu era a única possibilidade de
reorganizar as finanças das províncias, que alguns compromissos passariam às mãos do
governo central, única instituição capaz de honrá-los.
Isso, então, justificaria a imensa capacidade, apontada por Diniz, do governo central em
“tomar” os recursos provinciais, controlando as finanças do país através de um jogo que o
fortalecia, que os recursos repassados por ele às províncias eram sempre menores que
aqueles arrecadados. Nesse sentido, com o governo central fazendo o papel de ‘leiloeiro’
dos recursos, tal distribuição ficaria suscetível às pressões exercidas pelos grupos regionais
que, buscando o desenvolvimento econômico de suas regiões, esperavam maiores repasses
do governo central às suas províncias. Em conseqüência, as províncias que naquele
momento – meados do século XIX – estavam em ascensão, como as do sul, seriam
privilegiadas pela distribuição dos recursos em detrimento das decadentes províncias do
55
Idem, pág. 150.
35
norte. Isso explicaria porque a inicial tendência descentralizadora defendida por lideranças
do sul se transformaria em apoio à centralização, tornando os episódios favoráveis à maior
autonomia provincial para momentos cada vez mais raros e específicos, pelo menos até a
década de 1870, quando a situação se inverteria de maneira eloqüente.
Contudo, tais conclusões apresentam algumas contradições: se o problema das finanças
provinciais – ou de algumas delas – estava na incapacidade de arrecadar recursos devido às
limitações impostas à sua base tributável, a solução não seria uma maior descentralização,
garantindo maior poder tributário a elas? Se a distribuição dos recursos pelo governo
central ocorria de tal forma que privilegiava as províncias do sul em detrimento das do
norte, não seria possível supor que as lideranças que representavam as províncias do sul
apoiavam a centralização? Como isso nem sempre foi observado, pode-se pensar que
existiram outras formas de garantir apoio das elites provinciais ao modelo centralizado do
Império, até porque, de maneira diversa, a situação poderia se transformar em uma disputa
entre as regiões que colocaria a unidade do país em risco. Sendo assim, tanto Carvalho
quanto Dohlnikoff apontam para uma capacidade do Império em treinar e cooptar, via
ideologia e burocracia, partes dessas elites provinciais, recebendo um apoio mais coeso ao
projeto centralizador.
Por outro lado, e especialmente para Dohlnikoff, a análise sobre tais questões aponta que,
ao contrário de Diniz, o arranjo institucional do Império – mesmo sob a centralização – não
impediu que as províncias, com destaque para São Paulo, mantivessem suas receitas
equilibradas e que pudessem, portanto, ter “sobras de caixa” para investimentos. Assim, o
apoio à centralização dado pelas elites daquelas províncias que, segundo a análise anterior,
eram privilegiadas pelo repasse de recursos feito pelo governo central justifica-se não
por tal privilégio, mas por um acordo entre as partes que garantia às províncias capacidade
de equilíbrio orçamentário e, em alguns casos, investimentos em melhorias em troca de
controle político e ideológico pelo governo central.
Configuram-se, portanto, visões diferentes que possibilitam o avanço das pesquisas sobre
os impactos provocados pelo debate entre centralização e descentralização na economia do
Brasil Império.
36
Apresentadas as possíveis contradições contidas na literatura, esta proposta de pesquisa
pode ser melhor definida. Para tanto, repetiremos os problemas apontados e suas possíveis
soluções. Na revisão bibliográfica, seis pontos foram considerados, quais sejam:
i- as províncias, ou algumas delas, produziam riquezas suficientes para, através
da tributação, garantirem manutenção de seus orçamentos equilibrados;
ii- o que impedia tal equilíbrio não era a falta de recursos e sim a distribuição
desigual de matéria tributável entre o governo central e as províncias, mesmo
em período conhecido pela tendência descentralizadora;
iii- o maior problema das províncias nortistas em relação ao poder do governo
central em controlar boa parte dos recursos fiscais do país era a desigual
distribuição feita pelo Império, privilegiando as províncias ricas do Sul em
detrimento das decadentes do Norte. Isso poderia nos induzir a pensar que as
elites do Sul apoiavam as medidas centralizadoras, afinal ganhavam com isso
através desta má distribuição;
iv- além disso, com o “boom” cafeeiro durante as décadas de 30 e 40 no Vale
do Paraíba, a opção centralizadora ficou ainda mais atraente a essa elite, que,
dada a necessidade de mão-de-obra escrava, acreditava-se que apenas o Estado
forte , unitário e centralizado poderia garanti-la;
v- porém, o que vimos é que muitos daqueles que defendiam a descentralização
monárquica provinham de São Paulo uma “rica” províncias do Sul assim
como do Rio de Janeiro e Minas Gerais;
vi- isso nos leva a pensar que apenas a transferência de recursos de tal maneira
que privilegiasse e/ou garantisse o desenvolvimento econômico das províncias
do Sul, e a oferta de escravos garantida sob a centralização do Estado não foram
suficientes para dar à tendência centralizadora o apoio unânime ou maciço das
elites do sul naquele momento.
Sendo assim, o objetivo geral deste trabalho é observar o impacto no orçamento – inclusive
se apresenta uma homogeneidade e uma relação direta com as nuances administrativas e
políticas - e nos investimentos públicos da Província de São Paulo em decorrência das
37
mudanças institucionais ligadas à administração Imperial entre os anos de 1835 e 1850.
Tais mudanças se inscrevem na discussão entre centralização e descentralização política e
administrativa.
Para tanto, apresentam-se os seguintes objetivos específicos :
1. definir a estrutura fiscal da província de São Paulo durante o período mais notável
quanto à discussão “descentralização versus centralização” (1835 1850),
mensurando a capacidade que a província tinha de manter seus orçamentos
equilibrados sem o repasse do governo central;
2. medir o relacionamento entre a província de São Paulo e o governo central,
destacando o quanto cada um participava das receitas e despesas do outro;
3. observar em quais atividades econômicas os recursos da província de São Paulo
eram investidos, podendo, dessa forma, medir o impacto dos arranjos institucionais
– centralização e descentralização – na economia da região;
4. verificar se tais impactos estão relacionados com o crescimento da economia
paulista em meados do século XIX;
5. verificar a participação de paulistas nos ministérios do Império. Procurar a origem
profissional e estudantil dos ministros paulistas para saber se era alto o número de
ministros que estudaram na Faculdade de Direito do Largo São Francisco. Dessa
forma será possível concluir se havia uma preferência que indicaria uma
aproximação ideológica do governo central com os paulistas ou não.
Assim como o capítulo 1 levantou os problemas retirados da análise bibliográfica e propôs
algumas reflexões, o capítulo 2 apresenta e discute os dados disponíveis em fontes
primárias e/ou publicadas referentes à economia paulista no período entre 1835 e 1850.
Dessa forma a análise a partir de fontes quantitativas espera-se ser possível mensurar
para poder confirmar ou não algumas das afirmações e impressões discutidas e
apresentadas como os objetivos deste trabalho. Também neste capítulo serão apresentadas
e discutidas definições legais sobre as divisões entre as rendas gerais e as provinciais, até
para sustentar algumas conclusões que serão alcançadas.
38
no capítulo 3 serão apresentadas algumas informações também de fontes primárias
e/ou publicadas que possam sustentar algumas reflexões sobre a aproximação entre
paulistas e o governo central através da participação de oriundo da Faculdade de Direito do
Largo São Francisco em ministérios. Estas conclusões poderão abrir uma nova
possibilidade de análise sobre o relacionamento entre as províncias e o Estado Imperial
brasileiro. Com tais objetivos, espera-se ser possível perceber com maior detalhamento o
impacto que as mudanças políticas e administrativas ocorridas no Império tiveram na
província de São Paulo, assim como estabelecer o papel da província na economia e na
estrutura política nacional, além de refletir sobre a relação entre o Estado Imperial
brasileiro e a província paulista. Tudo isso pode promover um novo debate sobre o papel
do Estado Imperial no desenvolvimento da economia paulista durante o século XIX, além
de nos indicar como se a relação entre um projeto político e ideológico e o
desenvolvimento econômico.
1.5 Teorias acerca da construção do Estado, do papel das instituições e do
relacionamento entre grupos regionais e o governo central
As propostas apresentadas nesta pesquisa podem ser colocadas sob duas tendências
teóricas, além de apresentarem relação com a historiografia econômica contemporânea.
Quanto às teorias, a proposta confere à formação do Brasil no século XIX a mesma matriz
que, usada nos casos europeus, explica o relacionamento entre grupos sociais ligados à
ordem pré-moderna com aqueles característicos dos Estados Nacionais Modernos. Dessa
forma, definimos tal questão como sendo o relacionamento entre grupos sociais que,
embora localizados em uma determinada região, se inserem na discussão acerca da
formação do Estado Nacional através do relacionamento dialético que preservam com o
Rei. Em outros termos, o Estado Nacional e suas contradições acerca do funcionamento
institucional, político e econômico seriam determinados pelo resultado de um ‘jogo de
interesses’ entre grupos diferentes e entre os mesmos grupos e o Estado. O “equilíbrio”
obtido através da ação do Estado entre os grupos que lutam em seu interior por seus
respectivos interesses sejam ideológicos, políticos ou econômicos rompe quando um
deles acumula capital e poder político suficiente para transformar sua base material em
39
projeto ideológico e, assim, de Estado.
56
Portanto, ao analisar a relação entre os recursos
da província de São Paulo e a ação do governo central, é possível estabelecer contato com
a teoria sobre a formação dos Estados Nacionais Modernos. Vale lembrar que, após um
período de “conciliação”, os mesmos paulistas foram os principais responsáveis pela queda
da Monarquia e a implementação de República, em 1889.
57
Por outro lado, a proposta, por se pautar entre outros na relação entre burocracia,
cooptação e desenvolvimento econômico também se insere na matriz teórica original de
Max Weber,
58
destacando a construção da burocracia como elemento central nas definições
dos projetos de desenvolvimento, assim como fizeram Carvalho, Cardoso e Evans
59
, entre
outros. No caso, não se usa o mesmo aparato conceitual para definir burocracia, e sim
mede a influência e a presença de um grupo regional - na composição do ministério
nacional.
Quanto às tendências da historiografia contemporânea, as análises quantitativas propostas
por esta pesquisa se encontram com as exigências expressas por trabalhos recentes de
História Econômica, principalmente aqueles ligados à crítica ao modelo tradicional de
análise sobre a História do Brasil, aqui resumido pela visão de Prado Jr e Furtado. Tais
trabalhos tentam medir os impactos das economias regionais no desenvolvimento do
Brasil, assim como apresentar a dinâmica interna de uma economia que, até então, se
acreditava ser exclusivamente agrário-exportadora.
60
56
Esta visão acerca da formação dos Estados Nacionais Modernos pode ser vista em Anderson, Perry.
Linhagens do Estado Absolutista. São Paulo: ed. Brasiliense, 1995, 3ª edição.
57
Ver: Holanda, Sérgio Buarque de. História Geral da Civilização Brasileira. O Brasil Monárquico. Tomo
II, Livro 5. Especialmente os capítulos III e IV do Livro Quarto (O manifesto de 1870 e As influências
regionais) e I do Livro Quinto (A resistência às reformas).
58
Ver especialmente Weber, Max. Economia e sociedade. Brasília: Ed. UNB, Volume 1, 3ª edição, 2000.
Destaque ao capítulo III, tópico 2 da Primeira Parte.
59
Evans cita em sua obra os trabalhos de Carvalho e Cardoso como sendo significativos para o entendimento
da formação da burocracia brasileira e seu relacionamento com os grupos econômicos e políticos. No caso
deste trabalho o livro de Carvalho é mais significativo por fazer tal relação no período imperial do Brasil,
portanto o mesmo que esta pesquisa abrange. Ver: Evans, Peter. Embedded autonomy. States and industrial
transformation. Priceton, Princeton University Press, pág. 62-63. Carvalho, José Murilo. A construção da
Ordem.
60
Muitas pesquisas feitas desde os anos de 1970 vêm destacando a importância do mercado interno para a
compreensão da economia brasileira colonial e imperial. Entre eles, merecem destaque: Barickman, B. J. Um
contraponto baiano: açúcar, fumo, mandioca e escravidão no Recôncavo, 1780-1860. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2003. Costa, H.M. As barreiras de São Paulo: estudo histórico das barreiras
paulistas no século XIX. Dissertação de Mestrado, Departamento de História da FFLCH/USP, 1984. Lenharo,
A. Rota menor: o movimento da economia mercantil de subsistência no centro-sul do Brasil, 1808-1831.
Anais do Museu Paulista, tomo XXVIII, USP, 1977/78.
40
Uma outra tendência contemporânea que a proposta tangencia é a chamada “economia
institucional”. Tal tendência acentuada pelos reconhecidos trabalhos de North tenta
medir a importância das mudanças e arranjos institucionais no desenvolvimento
econômico. Para tanto, North usa não mudanças legais, mas também culturais e
ideológicas.
61
O trabalho de North abriu espaço para tantos outros que podem, também,
ser vistos como representantes ou pelo menos próximos desta tendência, tais como o
citado Evans , Olson, Haber e Summerhill.
62
61
Ver North, D. C. Institutions, institutional change and economic performance. Cambridge University
Press, 1990.
62
Um interessante estudo sobre o impacto das instituições e, principalmente, como elas podem entrar em
processo de “esclerose” foi feito por Olson, Mancur. The Rise and decline of nations. Economic growth,
stagflation and social rigidities. New Haven: Tale University Press, 1982. Outros estudos relacionados à
América Latina e os impactos econômicos em decorrência de mudanças institucionais também ganharam
destaque em recentes pesquisas. Especialmente para o Brasil, ver Haber, Stephen. The efficiency
consequences of institutional change: financial market regulation and industrial productivity growth in
Brazil, 1866-1934. in Haber (org.) Political institutions and economic growth in Latin America. Essays in
policy, History and Political Economy. Stanford University, 2000. No mesmo livro ver Summerhill, W.
Institutional determinants of railroad subsidy and regulation in Imperial Brazil.
41
Capítulo 2. A economia paulista entre 1835 e 1850.
2.1
Receitas e despesas
São conhecidos e variados os estudos que tentaram estabelecer a divisão de rendas entre o
governo central do Império e as províncias, de tal maneira que entre todos eles, nenhum
apresenta exatamente o mesmo resultado. Isto se deve ao fato que, muitas vezes, aquilo
que era de direito tributável, não o era de fato; e, ao contrário, muitas brechas na lei eram
usadas para garantir uma tributação que não estava prevista. Por exemplo, os argumentos
referentes aos direitos de exportação e importação tão importantes, como vimos eram
usados de maneira que, quando defendidos por aqueles que gritavam por uma maior
autonomia das províncias, a taxação sobre produto importado e redistribuído nas regiões
nacionais não era considerada direito sobre importação. Em outros termos, como os
impostos sobre importação eram definidos como sendo competência do governo central e
não das províncias, mas não era claramente definido o que se considerava importação, era
possível driblar tal definição e, muitas vezes, bi-tributar algum produto. Se um produto
importado chegasse ao porto do Rio De Janeiro e de fosse distribuído em Minas Gerais
era possível cobrar direitos sobre este produto na travessia entre uma província e outra.
Esse imposto seria de competência da província, e não do governo central. Porém, mesmo
os autores apresentando diferenças em suas definições sobre as competências, algumas são
comuns e parecem constituir uma base regular de tributação nas províncias. Vejamos quais
eram os impostos provinciais segundo Visconde de Uruguai
63
:
63
Paulino José Soares de Souza, visconde de Uruguai. Estudos práticos sobre a administração das
províncias do Brasil. Tomo I pág. 243-244.
42
1- contribuição de polícia;
2- décima urbana;
3- legados e heranças;
4- direitos de portagem;
5- direitos sobre a aguardente;
6- imposto de réis em libra de carne;
7- passagens de rios;
8- novos e velhos direitos;
9- próprios provinciais;
10- zimos;
11- quota do dízimo do açúcar;
12- quota do dízimo do café;
13- terças partes de ofícios;
14- direitos de chancelaria;
15- impostos nas casas de leilão e modas;
16- emolumentos de visitas de saúde;
17- emolumentos de passaporte;
18- impostos sobre seges;
19-
bens de evento.
E, de maneira um pouco diversa, por Elias e Nozoe
64
:
1- dízimos sobre produção;
2- 20% sobre o consumo de aguardente de produção brasileira;
3- novo imposto ou subsídio voluntário;
4- décima de prédios urbanos;
5- foros e arrendamentos de próprios nacionais;
6- imposto de 1$600 por cada vez que se corta $300 de subsídio
literário;
7- meia sisa de venda de escravos;
8- décima de legados e heranças;
9- novos e velhos direitos dos títulos emitidos pelas autoridades
provinciais;
64
Elias, Ibrahin João e Nozoe, Nelson Hideiki. Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo. Evolução
Histórico Funcional. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado, 1979. pág 11-12.
43
10- emolumentos da Secretaria de Governo;
11- despacho de embarcações;
12- contribuição para Guarapuava;
13- animais no registro do Rio Negro;
14- produto das multas sobre os mastros de barcos;
15- passagens de rios;
16-
impostos sobre as casas de leilão e modas.
É possível argumentar que as nuances apresentadas entre os dois trabalhos tenham sido
causadas pelas diferentes datas que foram usadas para tais definições. Enquanto Visconde
de Uruguai não diz em que ano fiscal está se baseando, Elias e Nozoe especificam que
escrevem a respeito do ano orçamentário de 1835/36. Esta indefinição é comum pela razão
que, dependendo das pressões sobre as competências provinciais e gerais, houve, de fato,
mudanças que foram percebidas durante todo o período. Podemos generalizar usando o
extenso trabalho de Tessitore como referência. Nele, a autora afirma:
Em seu primeiro orçamento, a 11 de abril de 1835, a Província de São
Paulo discriminou, pela primeira vez, suas rendas, elencando 17 itens:
1. contribuição para Guarapuava;
2. décima de heranças e legados;
3. décima urbana;
4. despacho de embarcações;
5. direitos sobre as passagens dos rios;
6. direitos do Rio Negro;
7. direitos de saída da província;
8. emolumentos;
9. imposto sobre aguardentes;
10. imposto sobre casas de leilão e moda;
11. imposto sobre reses mortas;
12. meia sisa sobre venda de escravos;
13. novo imposto sobre os animais em Sorocaba;
14. novo imposto sobre armazéns, tabernas e botequins;
15. novos e velhos direitos provinciais;
16. subsídio literário;
44
17. taxa de barreira.
65
Como vemos, com algumas diferenças, as rendas provinciais paulistas para o ano
orçamentário de 1835/36 apresentada por Tessitore é muito próxima às apresentadas por
Elias e Nozoe. Porém, o que ganha destaque é que mesmo após o chamado “regresso”
que, supostamente tinha como objetivo centralizar a administração e por conseqüência,
as rendas a definição sobre o que era geral e o que era provincial pouco mudou. Segundo
Tessitore,
entre 1849 e 1865, alguns impostos passaram para a esfera municipal,
retornaram à Província, alguns totalmente, outros em parte, num longo
processo, até sua definitiva municipalização.
66
O que espanta é que, mesmo após o “regresso”, o que as províncias perderam em termos de
rendas foi para os municípios, que, mesmo no período do “avanço liberal”, não haviam
sido tão beneficiados. Não foi, portanto, o governo central que recuperou ou tomou o que
antes era das províncias.
É importante lembrar que esta pesquisa não tem como objetivo definir as rendas
provinciais em todas as suas competências. O que se busca é perceber que, mesmo com
todas as mudanças relativas à centralização e descentralização e as dificuldades fossem
legais ou orçamentárias das províncias, era possível a elas conseguir arrecadação
suficiente para, em muitos casos, manter seus orçamentos e investimentos. No caso de São
Paulo, como veremos, esta parece ser a situação, independente de estar vivendo o período
definido pelo Ato Adicional de 1834 e, portanto, pelas tentativas de garantia de maior
autonomia às províncias ou no período da centralização. Basta, como síntese, que se afirme
a possibilidade das províncias em taxar importações e exportações que circulassem em
seus territórios pela falta de definição clara do que era considerado importado e exportado.
Sendo possível, estas rendas estariam garantidas às províncias através de vários impostos.
E, no caso de São Paulo, através, principalmente, das taxas de registros, de barreiras e dos
65
Tessitore, Viviane. As fontes da riqueza pública. Tributos e administração tributária na província de São
Paulo (1832 – 1892). Universidade de São Paulo (USP). São Paulo, 1995. (dissertação de mestrado), pág. 69.
66
Op.cit. pág. 75.
45
direitos de saída, incluídos no rol das rendas provinciais.
67
Isso porque as taxas de barreiras
respondiam por aproximadamente metade das receitas de São Paulo se somadas aos
direitos de saída.
Novamente, vejamos o que diz, sobre isso, Tessitore:
Dois tributos ocuparam imediatamente a atenção dos legisladores
provinciais e a eles se deu pronta regulamentação: os direitos de saída da
província e as taxas de barreiras. É fácil entender o porquê disso apenas
observando sua arrecadação em relação aos demais; representavam
quase 50 % da receita provincial. Ambos foram os pilares da
arrecadação em São Paulo, a taxa de barreira substituída, nas décadas de
1870 e 1880 pelo imposto de trânsito. Não poderia ser diferente numa
economia baseada na agricultura e na exportação, atividades que só
cresceram em importância ao longo do século XIX, e para as quais a
questão dos caminhos que permitissem a rápida e segura circulação da
produção era fundamental. rivalizaram com eles em renda produzida
os impostos sobre trânsito de animais – em primeiro lugar, os direitos de
Rio Negro, depois o novo imposto sobre animais em Sorocaba.
68
Ou seja, os registros taxas sobre circulação de mercadorias dentro da província -, direitos
de saída e taxas sobre trânsito de animais se somados apresentavam a maior parte da
arrecadação da província. Portanto, se a situação financeira das províncias como
afirmada por quase toda a literatura era precária devido à exagerada centralização nas
mãos do governo imperial e pela má distribuição dos recursos entre governo central e
província (que privilegiava algumas em detrimento de outras), para São Paulo, era
imprescindível que as rendas obtidas com estes três impostos (registros, direitos de saída e
trânsito de animais) fossem cada vez maiores. Para tanto, era necessário que a província
67
As taxas de registros eram cobradas sobre a circulação de mercadorias, assim como, em alguns casos,
sobre animais. As taxas de barreiras incidiam sobre o trânsito de animais e pessoas nas estradas, e os direitos
de saída sobre as exportações. No caso dos registros, eles foram criados para a cobrança sobre mercadorias
que seriam exportadas, porém foi alvo de discussões acerca da aceitação ou não da taxa paga em uma outra
província que não aquela por onde sairia. Desta forma, acabou por ser um imposto sobre a circulação de
mercadorias entre as províncias. Já no caso dos direitos de saída (dízimos provinciais), cabia à província uma
parcela daquilo que era arrecadado, sendo a outra de direito do governo geral. Desta forma está correto
quando se afirma que os direitos sobre exportação eram gerais, assim como também o está quando se afirma
que eram provinciais.
68
Tessitore, V. pág. 70.
46
construísse um mecanismo que possibilitasse a reprodução e aumento destas rendas, que
representavam, como se viu, uma parcela muito grande do total arrecadado. Tal processo
dependia, por sua vez, de uma atenção maior aos investimentos públicos para que gerasse
maior capacidade fiscal, fosse pelo controle, fosse por facilitar a circulação de mercadorias
e animais, inclusive garantindo o acesso de muitas delas aos portos. Então, estava nas mãos
das províncias, através das respectivas Assembléias Legislativas e de suas capacidades de
organização da fiscalização, a maior parte da definição dos investimentos e das rendas
obtidas. Vale para São Paulo a ressalva que foi durante a década de 1840 que sua produção
e exportação de café ganhou o destaque que pôde garantir o aumento da arrecadação e dos
investimentos. Além disso, também vale destacar que São Paulo era - e geograficamente
ainda é passagem obrigatória daqueles que iam do sul do país a Minas Gerais e ao Rio de
Janeiro e vice-versa; portanto sendo privilegiado na cobrança sobre o trânsito de animais e
de mercadorias. Em outros termos, se os três impostos eram responsáveis por grande parte
da arrecadação paulista, assim como sua produção e exportação de café apresentaram
resultados positivos expressivos durante a década de 1840, o crescimento da economia de
São Paulo e conseqüentemente o equilíbrio de seu orçamento eram, quase que
exclusivamente, de responsabilidade local, independendo das regras do governo central. O
que se está procurando é uma relação entre a arrecadação paulista, os investimentos nas
estradas e o crescimento econômico. Se isto se confirmar como tendo resultados positivos,
ou seja, se, de fato, a arrecadação for suficiente para manter o orçamento equilibrado e
ainda gerar investimentos em melhorias públicas, é possível afirmar que, independendo do
momento político-institucional proporcionar maior ou menor centralização administrativa,
São Paulo conseguiu manter sua autonomia financeira intacta.
Vejamos, a partir dos dados numéricos, os indícios que podem nos levar por esses
caminhos e, desta forma, chegarmos a tais conclusões.
Tabela 1: Receita total arrecadada pela Província de São Paulo (em mil réis)
1835-36 292:701$359 1843-44 327:312$143
1836-37 338:2894390 1844-45 408:516$055
1837-38 436:044$153 1845-46 574:138$548
1838-39 315:903$550 1846-47 706:223$325
1839-40 430:728$169 1847-48 571:828$132
47
1840-41 326:429$787 1848-49 431:746$032
1841-42 405:418$878 1849-50 457:922$434
1842-43 292:913$824 1850-51 489:531$136
(Fonte: Maia Costa, H. As Barreiras de São Paulo)
Observa-se, pela tabela, que as nuances relacionadas à centralização ou descentralização
não estabeleceram uma relação positiva com as receitas paulistas. A receita do ano
orçamentário de 1836-37, no auge das medidas descentralizadoras, não é maior que a do
ano de 1846-47, quando o “regresso” conservador e, por conseqüência, a centralização já
haviam se consolidado.
Outros dados podem ainda nos esclarecer algumas questões:
Tabela 2: Receita obtida com os direitos de saída na Província de S. Paulo (em mil réis)
1835-36 31:351$648 1843-44 58:955$816
1836-37 49:282$769 1844-45 83:107$403
1837-38 78:597$267 1845-46 90:555$000
1838-39 100:396$780 1846-47 96:809$631
1839-40 93:189$983 1847-48 79:954$088
1840-41 66:999$977 1848-49 57:089$514
1841-42 45:624$359 1849-50 81:224$078
1842-43 53:071$675 1850-51 123:842$458
(Fonte: Maia Costa, H. op. cit.)
Tabela 3: Receita obtida pela cobrança de barreiras na Província de S. Paulo (em mil réis)
1835-36 68:200$000 1843-44 -------------
1836-37 132:236$697 1844-45 71:102$463
1837-38 141:515$707 1845-46 182:718$482
1838-39 67:688$266 1846-47 181:883$389
1839-40 115:325$227 1847-48 151:461$328
1840-41 23:263$268 1848-49 109:313$368
48
1841-42 129:076$409 1849-50 161:035$229
1842-43 --------------- 1850-51 148:461$607
(Fonte: Maia Costa, H. op. cit.)
Tabela 4: Participação aproximada das rendas obtidas pela cobrança de direitos de saída na
receita total da Província de S. Paulo (em %)
1835-36 11 1843-44 18
1836-37 14.5 1844-45 20.5
1837-38 18 1845-46 16
1838-39 31.5 1846-47 14
1839-40 21.5 1847-48 14
1840-41 20.5 1848-49 13
1841-42 11 1849-50 18
1842-43 18 1850-51 25
Tabela 5: Participação aproximada das rendas obtidas pela cobrança de barreiras na receita
total da Província de S. Paulo (em %)
1835-36 23.5 1840-41 7 1845-46 32 1850-51 30.5
1836-37 39 1841-42 32 1846-47 25.5
1837-38 32.5 1842-43 --- 1847-48 26.5
1838-39 21.5 1843-44 --- 1848-49 25
1839-40 26.5 1844-45 17.5 1849-50 35
Através dos dados, pode-se concluir que a participação das duas maiores fontes
orçamentárias da província paulista era muito alta, chegando – se somadas -, no ano
orçamentário de 1836-37, a mais da metade de toda a receita. Isso significa que, de fato,
dada a autonomia referente a estes dois direitos obtida pelas províncias durante a década de
1830, eles serão definitivos no desenvolvimento da economia paulista.
49
O destaque feito aos dados referentes às rendas da província paulista durante a segunda
metade da década de 1830 e por toda a década de 1840 justifica-se ao tentar mostrar que,
sendo tão importantes as duas fontes direitos de saída e barreiras era possível
estabelecer um planejamento e controle sobre as finanças da província que independia das
mudanças institucionais que, porventura, se originassem no plano central. Isso porque, não
obstante a importância da relação entre o governo central e o provincial, era possível,
através do aumento das exportações e da circulação interna de animais e,
conseqüentemente, de mercadorias -, aumentar as receitas e, portanto, os investimentos
públicos da província de São Paulo. Além disso, mostra que as províncias – neste caso, São
Paulo tinham possibilidades de arrecadar e de manter seus equilíbrios, mais do que a
historiografia normalmente admite. Sendo assim, torna-se relevante comparar as receitas
com as despesas da província de São Paulo durante o período para que se possa confirmar
com segurança que, de fato, a arrecadação provincial ancorada nas duas fontes principais
produzia o equilíbrio e garantia os investimentos. Vejamos:
Tabela 6: Receita e despesa da província de São Paulo, em mil réis
Receita Despesa
1835-36 292:720$359 171:323$607
1836-37 338:289$390 208:145$337
1837-38 436:404$153 285:791$421
1838-39 315:903$550 306:708$441
1839-40 430:728$169 411:828$239
1840-41 326:429$787 203:086$924
1841-42 405:418$878 679:267$035
1842-43 292:913$824 363:078$524
1843-44 327:312$143 270:617$626
1844-45 408:516$055 586:813$178
1845-46 574:138$548 585:852$322
1846-47 706:223$325 615:132$335
1847-48 571:828$132 503:324$220
1848-49 431:746$032 451:459$038
1849-50 457:922$434 523:608$625
1850-51 489:531$136 503:759$530
50
(Fonte: Maia Costa, H. op.cit.)
Pode-se perceber da tabela referente às receitas e despesas da província paulista que, nos
16 exercícios revelados, 9 apresentaram superávit, enquanto outros 7 apresentaram déficit.
Mesmo assim, somados os déficits dos orçamentos de 1841-42 e 1842-43, obtém-se um
resultado maior que se feito o mesmo com todos outros 5 anos orçamentários que também
apresentaram déficits. Vale lembrar que 1842, além da onda de revoltas de caráter liberal
que tomou conta de parte da província, ocorreram geadas que diminuíram sensivelmente a
produção agrícola, comprometendo, portanto, a cobrança sobre os direitos de saída além de
precipitar gastos maiores para a recuperação de regiões atingidas.
Assim afirmou Pívaro:
É interessante observar que no exercício de 1842-43, as exportações de
chá e café estiveram em declínio, aliás, os índices mais baixos de ambos
os produtos, em conseqüência das geadas ocorridas na área paulista.
69
O que é confirmado pelo presidente da província, Pires da Mota:
A diminuta exportação no ano que consta o mapa pelo que respeita aos
gêneros – açúcar e café – deve-se um tanto atribuir, não somente ao dano
ocasionado pela geada, em alguns pontos, que sofreu a província; mas
também ao movimento de rebelião que na mesma se desenvolveu em
maio de 1842.
70
Como se sabe, o ano fiscal ia de de julho a 30 de junho do ano seguinte. Portanto, a
revolta de maio de 1842, citada por Pires da Mota, causou impacto ainda no orçamento de
1841-42, enquanto a geada atingiu o orçamento seguinte. Um olhar mais atento pode
mostrar que, de fato, o que proporcionou o exagerado déficit no ano de 1841-42 não foi a
queda da arrecadação, e sim o aumento desproporcional das despesas; enquanto no ano
seguinte, o que provocou o déficit foi a queda da arrecadação e não o aumento exagerado
dos gastos. Confirma-se, então, a proposição de que as revoltas de 1842 forçaram um
69
Pívaro, Hilda. Processo de recuperação da economia paulista (1765 a 1850) São Paulo, tese de doutorado
apresentada na FFLCH/USP, 1985, pág. 113.
70
Relatório do presidente da província de São Paulo, Pires da Mota, 1843.
51
aumento de gastos pela província que não era previsto; assim como uma queda não
esperada das receitas do ano orçamentário de 1842-43. Uma nova comparação, agora entre
a receita arrecadada e a receita orçada, assim como entre a despesa realizada e a fixada,
pode ajudar na afirmação:
Tabela 7: diferença entre despesa fixada e realizada e receita fixada e realizada, anos
selecionados, em mil réis
1841-42 1842-43
despesa fixada: 465:273$830 receita arrecadada:292:913$824
despesa realizada: 679:267$035 receita orçada: 431:760$000
(fonte: Maia Costa, H. op. cit.)
Portanto, retirando os dois anos que obtiveram resultados negativos para orçamento da
província por motivos anormais, dos 14 anos orçamentários que também estão
contemplados, apenas 5 apresentam déficits. E mesmo considerando os dois anos (1841-42
e 1842-43), se somadas todas as receitas e delas subtrair todas as despesas, ainda assim, a
segunda metade da década de 1830 e a década de 1840 apresentam, no total, superávit.
Diferença entre a soma das receitas e a soma das despesas entre os anos orçamentários de
1835-36 e 1850-51: 136:210$513.
Vale ressaltar que se optou por apresentar os orçamentos que foram também apresentados
por Maia Costa em detrimento dos que aparecem nos Relatórios de Presidentes da
Província paulista. Isso porque tais relatórios não nos dão informações para todo o período,
sendo – me parece – muito dependente do presidente que estivesse na gestão. Por exemplo,
entre os anos orçamentários de 1836-37 e 1847-48, apenas são expostas as receitas e
despesas totais para os anos de 1836-37; 1838-39; 1840-41; 1841-42. Vejamos, em
comparação com os orçamentos apresentados por Maia Costa, que estão entre parênteses:
52
Tabela 8: Receita e despesa da Província de São Paulo, em mil réis
Receita Despesa
1836-37 331:927$718 (338:289$390) 143:154$341 (208:145$337)
1838-39 248:215$284 (315:903$550) 211:812$865 (411:828$239)
1840-41 539:670$848 (326:429$787) 534:077$744 (203:086$924)
1841-42 361:510$000 (405:418$878) 502:902$245 (679:267$035)
(Fonte: Relatórios de presidentes da província de São Paulo, anos selecionados)
Mesmo algo diferentes, os orçamentos apresentados pelos presidentes da província paulista
nos anos indicados não mudam, no âmbito geral, a conclusão sobre a capacidade provincial
em manter equilibrados seus orçamentos, além de produzir superávits em alguns anos,
garantindo recursos para investimentos.
Para o único ano, segundo os relatórios, que apresentou déficit (1841-42), algumas causas
são explicitadas pelo presidente provincial:
Notarei que fui muito cauteloso em orçar as duas rendas principais a
(da barreira) do Rio Negro e a dos dízimos e a razão é porque tenho
motivos para crer que elas diminuirão por alguns anos: a primeira por
causa da rebelião da província do Rio Grande do Sul e a segunda por
causa do estrago extraordinário que fez a geada nos dois produtos de
maior valor da província, o café e o açúcar.
71
Portanto, confirma o que se disse alhures, assim como fez Pívaro.
Mesmo assim, no relatório de janeiro de 1842, lê-se:
A estas felizes disposições e à docilidade do povo de o Paulo deve-se
em grande parte, o estado de prosperidade que se acham os cofres
provinciais. Esta província pode desvanecer-se de ser, porventura, a
única que acumular-se anualmente um grande saldo depois de
satisfeita suas necessidades, que nunca deixam de ser atendidas pelo
71
Relatório do presidente da província de São Paulo, Manuel Machado Nunes, 1842.
53
poder legislativo provincial e por isso é ela também uma das que mais
rapidamente tem marchado na estrada dos melhoramentos.
72
Por fim, cabe a ressalva de que os orçamentos apresentados pelos relatórios de presidente
da província paulista eram feitos em janeiro do ano financeiro corrente, podendo, portanto,
haver mudanças até o término do período. Novamente justifica-se, assim, a aceitação dos
números apresentados por Maia Costa. Eles foram retirados de uma revisão feita pelo
órgão provincial responsável pelas estatísticas financeiras, a Contadoria Provincial, no ano
de 1884, pelo contador oficial Pedro Gonçalves Dente.
Uma outra fonte ainda é possível para apresentar, ao menos em parte, as receitas da
Província de São Paulo. Trata-se dos Diários da Tesouraria provincial de São Paulo. Dele
pode-se chegar aos seguintes números:
Tabela 9: Receita da Província de São Paulo, em mil réis
1835-36 206:883$461
1836-37 307:810$078
1837-37 374:214$127
1838-39 370:138$303
1839-40 318:294$212
1840-41 456:958$990
1841-42 234:065$663
(fonte: Diários da Tesouraria provincial de São Paulo, anos selecionados)
Esses dados servem para confirmar que não só a Província de São Paulo garantiu o
orçamento equilibrado mesmo enfrentando ao menos duas ocasiões especiais -, como
também conseguiu fazer “caixa” para eventuais novos desequilíbrios provocados por
situações imprevisíveis. Desta forma, como afirma Tessitore:
Era preciso arrecadar muito para garantir à província uma infra-estrutura
capaz de possibilitar o desenvolvimento de sua economia. A necessidade
de ampliar a receita foi insistentemente ligada à idéia de progresso, um
72
Relatório do presidente da província de São Paulo, Manuel Machado Nunes, 1842.
54
progresso a exigir do governo provincial a correspondente ampliação de
serviços e, portanto, de despesas. São Paulo, de resto, foi uma das
poucas províncias que não recorreu a auxílios financeiros do Governo
geral.
73
2.2 A importância das estradas no desenvolvimento econômico
A princípio, tentou-se mensurar a capacidade de arrecadação da província de São Paulo, se
não de maneira discriminada, ao menos apresentando a confirmação de que, de fato, ela era
capaz de assegurar o equilíbrio orçamentário, assim como gerar superávits. Essa
proposição não é nova, haja vista os trabalhos de Dolhnikoff.
74
Porém, era imprescindível
que neste momento a mais tradicional defesa vista na historiografia fosse refutada, ao
menos para a província paulista; ou seja, que com a centralização ocorrida a partir de 1840
o “regresso” –, o pouco de autonomia tributária e financeira que as províncias haviam
obtido com o Ato Adicional de 1834 se perdera. Ao contrário, o que se demonstrou é que o
equilíbrio orçamentário provincial, em São Paulo, não variou de acordo com as mudanças
institucionais que então dominavam o debate no país: centralização vs. descentralização.
Ao menos não mudou, pode-se afirmar, com a centralização. De modo diverso, se alguma
mudança institucional provocou resultados evidentes na capacidade financeira e econômica
da província paulista foi o Ato Adicional de 1834, ao definir rendas que seriam suficientes
para garantir o equilíbrio e os investimentos em São Paulo.
Um outro ponto importante é destacar novamente que, sendo os direitos sobre saída
(exportação) e sobre o trânsito de animais (barreiras), as mais relevantes fontes de
tributação provincial, estava na alçada da província sua expansão. Isso quer dizer que, para
aumentar a arrecadação a partir destas duas fontes, o governo provincial poderia atuar de
maneira a precipitar um crescimento de atividades que pudessem ajudá-lo nesse objetivo.
Desta forma, o equilíbrio orçamentário da província poderia ser obtido não através da
diminuição dos gastos públicos o que sugere uma historiografia que afirma a existência
de um progressivo aumento da exação do governo geral sobre as províncias -, mas,
principalmente, com a expansão das receitas.
73
Tessitore, V. As fontes da riqueza pública. pág. 73.
55
Não se quer aqui afirmar que não havia uma enorme receita geral retirada das províncias, e
sim que era de controle do governo provincial expandir as receitas provenientes das fontes
que, na divisão entre impostos gerais e provinciais, cabiam as estas últimas. A discussão
entre os recursos provinciais que se endereçavam ao governo geral será feita no próximo
capítulo. Porém, é inegável, dado o exemplo paulista, que era possível garantir receitas que
cobrissem as despesas e mesmo se tornassem investimentos.
Por isso, foi citada em outras passagens deste texto a preocupação do governo provincial
paulista em investir e aumentar sua malha de estradas, garantindo, assim, o aumento da
circulação de animais e de mercadorias. Em vários autores, principalmente Maia Costa e
Dolhnikoff, esta preocupação aparece de maneira evidente. O primeiro afirmou:
“As barreiras passaram a significar a efetivação da autonomia financeira
do governo paulista no tocante à questão das estradas.”
75
Assim como Dolhnikoff, que afirma:
Às assembléias (provinciais) cabia o direito de determinar as despesas
municipais e as provinciais, bem como os impostos que deveriam ser
cobrados para fazer frente a tais despesas. Ficava igualmente ao seu
cargo fiscalizar o emprego efetivo das rendas públicas, tanto provinciais
quanto municipais, além do controle final das contas. Tinham, por outro
lado, a obrigação de, com esses impostos, fazer construir as obras
necessárias ao desenvolvimento da província, prover a segurança da
população e promover a instrução pública (com exceção do ensino
superior, de competência do governo central).
76
E, ainda:
No que diz respeito especificamente à Assembléia Provincial (paulista),
as estradas eram, ainda, mais imediatamente, uma condição sine qua non
74
Dolhnikoff, Miriam. Construindo o Brasil: unidade nacional e pacto federativo nos projetos das elites
(1820 – 1842). Tese de doutorado apresentada na FFLCH/USP, 2003.
75
Costa, Hernani Maia. As Barreiras de São Paulo. Estudo Histórico das barreiras paulistas no século XIX.
Dissertação de mestrado apresentada na FFLCH/USP, 1984, pág. 220.
56
para, ao fazer chegar sua autoridade às mais distantes localidades,
permitir a submissão e o disciplinamento dos potentados locais.
77
Portanto, a importância dos investimentos em estradas na província de São Paulo é
reconhecida pelos pesquisadores. Da mesma forma, aqueles que viveram o período
também mostravam de maneira clara tal preocupação com a construção e os
melhoramentos das estradas.
Tal preocupação com a construção e melhoria das estradas fica ainda mais evidente diante
da análise de alguns dados qualitativos. Vejamos algumas opiniões:
expus à Assembléia Legislativa o quanto o governo se tinha
empenhado , mas sem fruto, em conseguir da Corte oficiais engenheiros
para a direção dos trabalhos das estradas(...) Sem o que não julgava
conveniente empreender grandes e dispendiosas obras, porque seria
gastar dinheiro com pouco proveito. Não obstante porém esta opinião
que ainda persisto, urgindo todavia cuidar na conservação das estradas
da província e nos possíveis melhoramentos, até que se possa fazer obras
de maior importância como brevemente espero. Estão, por isso,
concluídos os serviços nas estradas:
de Atibaia
da Capela de Amparo na Estrada de Bragança
de Cunha para Parati
de Freguesia de Nazaré para a capital
Estão em andamento as obras das estradas:
de Itu para a capital
de Guaratinguetá para o Rio de Janeiro
de Bananal para Angra dos Reis
da Vila de São Luis para Ubatuba
da Vila de Itapera para Iguape
76
Dolhnikoff, M. pág. 109.
77
ibidem, pág. 165.
57
de Curitiba para a Marinha
Foram concluídas:
A ponte do Rio Pirituba na estrada de Curitiba
A ponte do Rio Paraíba entre Jacareí e Paraibuna
A ponte de São Sebastião
A ponte do Rio Tietê em Porto Feliz
Estão sendo reedificadas:
A ponte do Rio Tietê em Parnaíba
A ponte do Rio Pinheiros na capital.
Sobre a redefinição do traçado da estrada de Santos:
Convencido, portanto, da utilidade desta importante obra, julguei
conveniente fazer todas as disposições preparatórias para empreende-la,
e sendo as mais essenciais ter quem a dirija, oficiais de ofício, máquinas,
instrumentos e trabalhadores necessários, mandei engajar na Europa um
engenheiro ou primeiro mestre de estradas, um segundo, oito pedreiros,
quatro canteiros, seis calçadores de estradas, dois ferreiros e três
carpinteiros, próprios para a fatura e concerto dos carros , utensílios e
ferramentas, que se devam empregar em semelhante serviço, e cem
trabalhadores, e dois mestres para serem também empregados naquela
ou em outras quaisquer obras ou estradas da província.(...) Como logo
que chegarem estas companhias de trabalhadores será indispensável
fazer-se maior despesa com o pagamento de seus jornais e muito
principalmente quando se dê começo à estrada da serra, tenho procurado
economizar a renda da barreira de Santos, da qual no último dezembro
findo (1837) existia unicamente o já mencionado saldo de 17:090$863, e
por isso poderemos sofrer razoavelmente a diminuição dos seus
rendimentos pela causa que apontei.
78
78
Relatório do presidente da província de São Paulo, Bernardo José Pinto Gavião Peixoto, 1838.
58
Como vemos, a relação de obras em andamento ou recém concluídas é extensa; e, note-se,
que esta lista faz parte da prestação de contas do presidente de São Paulo para o ano
orçamentário de 1836-37. Novamente pode-se induzir, à luz da historiografia mais
fortemente defensora da centralização imperial como causa da inanição das províncias, que
este orçamento (1836-37) é um dos mais significativos no que se refere à descentralização
provocada pelo Ato Adicional de 1834. Porém, uma breve descrição das obras em
andamento e/ou concluídas durante o ano fiscal de 1845-46, pode ser útil para não incorrer
neste erro:
Obras concluídas:
Ponte do Rio Pinheiros, na capital
Ponte do Rio Cotia
Ponte do Rio da Água Branca
4 Pontes sobre o Rio Baquerubu-gaussú
Ponte na Estrada da Penha a Guarulhos
Ponte no Rio Cubatão
Reparação da Estrada Cubatão-Santos
Ponte do Rio Jauaricatu, na estrada para Curitiba
Ponte do Rio Corumbateí e Guamerim, na estrada para Cuiabá
Obras em andamento:
Concerto da estrada de Santos para São Paulo
Concerto da estrada de São Paulo para Bananal
Concerto da estrada de São Paulo para Sorocaba
Concerto da estrada de São Paulo para Jundiaí.
Um comentário feito pelo presidente da província paulista, Manoel da Fonseca Lima e
Silva, pode ser interessante para uma pequena demonstração da capacidade de
investimento e da importância deste investimento não econômico mas também
político:
59
Em conseqüência da notícia da visita de SS.MM II (D. Pedro II) a esta
província, ordenei que se efetuassem com a maior pressa todos os
concertos, que necessários, fossem às estradas em qualquer direção, por
onde aprouvesse ao Monarca encaminhar-se, gozando especialmente
para este benefício a de Santos a esta capital (...)
79
Continuando a lista de obras em andamento na província de São Paulo durante o ano
orçamentário de 1845-46:
Estrada da Maioridade
Melhoramentos na estrada que liga São Paulo ao alto da serra de Santos
Reparos na estrada entre Mogi das Cruzes e Freguesia do Juqueri
Reparos na estrada entre Freguesia do Juqueri e São Paulo
Reparos na estrada entre Freguesia de Nazaré e São Paulo
Estrada entre Mogi das Cruzes e Cubatão
Ponte Ferrão, no Tatuapé, na capital paulista
Estrada entre Freguesia das Palmeiras e Campos de Palmas
Estrada entre Sorocaba e Itapetininga
Estrada da Constituição até Jundiaí
80
Portanto, uma lista tão extensa, senão maior, do que aquela apresentada durante o ano
orçamentário de 1836-37. Novamente, já no período posterior ao processo do “regresso”
centralizador. Também é importante lembrar que era comum que a abertura de estradas e
os reparos necessários para a conservação fossem “terceirizados” através de um processo
de arrendamento; ou seja, o poder público repassava o serviço a um particular que pagava
uma quantia ao governo em troca de poder arrecadar as taxas naquela estrada. Isto
significa, na prática, que muitas vezes a necessidade e/ou interesse de se abrir uma estrada
gerava recursos à província através dessa “terceirização”. Estes casos não estão
contemplados na lista de obras exposta, a qual explicita apenas aquelas que apareciam nas
despesas públicas da província.
79
Relatório do presidente da província de São Paulo, Manoel da Fonseca Lima e Silva, 1846
80
ibidem.
60
O que se afirma aqui é, novamente, que os recursos orçamentários da província de São
Paulo foram suficientes, durante os anos de 1835 e 1850, para garantir não o equilíbrio
entre as receitas e as despesas, mas também para produzir superávit e, conseqüentemente
investimentos públicos. Estes variados investimentos estão sendo, neste trabalho,
representados por aqueles feitos nas estradas, dada a conhecida e intensamente discutida
importância deles para o desenvolvimento da economia paulista da época. Além disso,
discutiu-se que, com a arrecadação provincial ancorada em taxas sobre a circulação interna
de mercadorias – os registros - e nos direitos de saída, ou seja, sobre exportação, as
estradas eram fundamentais para a preservação e o possível aumento da arrecadação. Em
outras palavras, sendo de responsabilidade da província e, principalmente da atuação
institucional da Assembléia Legislativa provincial - os investimentos que poderiam
diretamente melhorar sua arrecadação, era, portanto, interior à própria província boa
parcela da capacidade de se manter e se desenvolver economicamente.
Desta forma, pode-se afirmar que as mudanças institucionais produzidas pela discussão
que tomou conta do cenário político brasileiro durante o período de espera da maioridade
do imperador, qual seja, a opção entre descentralização e centralização político-
administrativa, garantiu às províncias capacidade de arrecadação e, mais do que isso, de
legislar na área fiscal, precipitando um rearranjo político dentro das províncias que desse
condições de sobrevivência orçamentária seguida por crescimento econômico. Portanto,
mesmo não sendo possível negar, como veremos, que a parte tributável do Império era
muito maior e mais rentável do que aquela destinada às províncias, era possível e o caso
paulista é eloqüente - que estas garantissem seus orçamentos sem recorrer a empréstimos e
ajudas do governo central. Esta situação pode ser vista, no caso paulista, mesmo no
período caracterizado pelo “regresso” conservador, ou seja, de centralização político-
administrativa levada a cabo após a experiência liberal de descentralização da década de
1830. A autonomia relativa garantida às províncias pelo Ato Adicional de 1834 não foi
totalmente rompida após a Lei de Interpretação ao Ato Adicional, de 1840, símbolo maior
da centralização que caracterizou a década que se seguiu.
Sendo feita a discussão de maneira interna à província e principalmente em suas
Assembléias Legislativas, não a garantia de superávits orçamentários, mas também a
viabilização institucional para o aumento das receitas, do melhor uso do gasto público e,
61
possivelmente, do aumento da riqueza provincial passaram a ser objeto de debate.
Portanto, a maneira como as províncias usavam o pouco do que lhes restava em matéria
tributável, assim como garantiram o aumento destas rendas é que deu a elas capacidade ou
não de equilíbrio financeiro e crescimento econômico. Destaca-se então uma abordagem
institucional da economia paulista no período de construção da monarquia brasileira.
Um bom exemplo, exposto, foi a intensa discussão sobre a necessidade de se aumentar
e/ou preservar as estradas, visto que por elas passavam as mercadorias a serem
consumidas internamente ou para serem exportadas que seriam taxadas, além dos
animais que também eram tributados. Então, criar mecanismos institucionais que
garantissem o sucesso dos investimentos nas estradas era imprescindível para este projeto:
O espantoso decrescimento da renda de maior parte das barreiras, que
data dos anos anteriores, é ainda um obstáculo com que tenho tido de
lutar. Ainda não pude averiguar a fundo as causas dele, mas sei que o
mal estado dos caminhos é uma delas, e temos assim um círculo vicioso
de que será difícil sair a não se tomarem medidas eficazes. A mais
simples e mais óbvia destas medidas é certamente a de se aplicarem para
as estradas os dinheiros da caixa geral das províncias, que felizmente
sobram.
81
Este depoimento contido no relatório do presidente da província paulista, Manoel Machado
Nunes, em 1840, precipita algumas questões importantes, quais sejam: a) confirma o saldo
positivo do orçamento paulista; b) confirma a importância das estradas para garantir este
equilíbrio orçamentário; c) demonstra certa discordância em relação à lei que não previa
investimentos em estradas de recursos não gerados nas barreiras.
De fato, uma lei de 24 de março de 1835 definia que os investimentos nas estradas
deveriam ser auto-sustentáveis, ou seja, pagos com os recursos obtidos nas barreiras.
Porém, como deixa claro o trecho citado, tal necessidade de investimento era, às vezes,
maior do que o arrecadado nas barreiras, o que tornava a situação “um circulo vicioso”. Se
não investisse nas estradas caía a arrecadação, se caísse a arrecadação não se investia nas
81
Relatório do presidente da província de São Paulo, Manoel Machado Nunes, 1840.
62
estradas, e assim sucessivamente. Por isso, o presidente pede uma reavaliação da lei, já que
a arrecadação das barreiras do ano orçamentário que estava apresentando tinha sido menor:
em 1838-39, as barreiras renderam ao orçamento paulista a quantia de 67:688$266,
enquanto as despesas para a manutenção das estradas de barreiras foram de 94:895$573.
82
Uma saída para este problema, e que também serviria a outros, foi a criação de uma
Diretoria de Obras Públicas. A reivindicação que antecedeu sua criação se pautava-se pelo
aumento da eficiência que os recursos das barreiras podiam ter quando investidos em
estradas. Centralização, maior controle sobre o trabalho, orçamento para a contratação de
mão-de-obra especializada e maior fiscalização eram os argumentos mais comuns.
Vejamos:
Tendo tratado das estradas, pontes, cadeias, matrizes e outras obras
públicas, eu não concluirei este artigo sem lembra-vos a criação de uma
diretoria das obras públicas nesta capital, pela qual seriam feitos os
planos, orçamentos, e mais detalhes de qualquer obra que o governo
julgasse conveniente, ou vos decretásseis de cujo seio sairiam pessoas
aptas para inspeção das obras mais importantes da província. Sem uma
tal instituição o governo de apresentar sempre planos imperfeitos,
vendo-os forçado a cingir-se às informações de pessoas dos lugares, que
raras vezes possuem os conhecimentos necessários, resultando quase
sempre, se não um desperdício dos dinheiros públicos, ao menos uma
aplicação improfícua das quantias que liberalmente costumais destinar
para muitas obras públicas.
83
Portanto, uma diretoria que centralizasse e decidisse o orçamento de todas as obras
públicas, inclusive estradas, sem a restrição da lei de março de 1835. Continuando:
Não posso deixar de recomendar-vos o emprego dos saldos existentes
em caixa de uma maneira vantajosa à província (...) Nem nos deve
atemorizar a quantia que peço para obras públicas, lembrando-vos que,
dentro de pouco tempo, cessarão as despesas que temos sido obrigados a
fazer com algumas delas e as aproveitaremos por muitos anos.
84
82
Dados apresentados por Maia Costa, Hernani. As Barreiras de São Paulo.
83
Relatório do presidente da província de São Paulo, Manoel Machado Nunes, 1840
84
ibidem.
63
Neste fragmento se estabelece, de maneira clara, a relação entre os investimentos
públicos – certamente em estradas – e o futuro “aproveitamento”. A citação termina com o
seguinte trecho:
Vou ocupar-vos de um objeto de maior importância para a província e,
principiando pela estrada de Santos, tenho de informar que toda a
extensão entre esta e aquela cidade acha-se em bom estado, e que para
encurta-la e melhorar de assento em alguns lugares, mandei examinar
alguns atalhos que pareciam prometer estas duas vantagens. Temos
constantemente desejado ter uma estrada de carro na serra de Cubatão, e
vos haveis constantemente consignado os fundos necessários para esta
importante obra.
85
Novamente, a importância das estradas para o desenvolvimento econômico e financeiro
das províncias, agora com uma reivindicação relativa a uma mudança institucional a
criação da Diretoria de Obras Públicas que garantiria maior racionalidade aos
investimentos, assim como os desvincularia das receitas das barreiras.
A resposta veio em 15 de março de 1845, quando o então presidente da província paulista,
Manuel da Fonseca Lima e Silva, decretou:
O presidente de Província, autorizado pelo artigo 11 da lei provincial de
nº 36 de 15 de março do corrente ano (1845), que criou nesta capital uma
diretoria de obras públicas, manda que nela se cumpra o seguinte: Por
mais sobriedade que eu quisesse empregar, impossível não me foi tanta,
porque despesas , que demandam antes elastério, do que parcimônia,
para que o serviço público seja plena e satisfatoriamente preenchido. Ao
passo que a dívida passiva externa, nenhuma sendo, a interna provindo
de morosidade dos credores em solicitá-la, acha na província sobejos
recursos independente de sacrifícios.
86
85
Ibidem.
86
Relatório do presidente da província de São Paulo, Manuel da Fonseca Lima e Silva, 1845.
64
Com estes trechos, percebe-se, novamente, não a existência de saldos na província
paulista, assim como a importância dada aos investimentos em obras públicas - com
destaque às estradas como base para o desenvolvimento econômico, além da
possibilidade de, com mudanças institucionais, garantir o acesso aos recursos e uma maior
racionalidade nestes investimentos. No caso, a criação da Diretoria de Obras Públicas,
vista como uma solução aos problemas relacionados à vinculação dos investimentos em
estradas às receitas de barreiras e às dificuldades de planejamento e fiscalização das obras.
2.3 Desenvolvimento econômico: as exportações de café
Pois bem, até aqui o que se mostrou é bastante diverso do que boa parte da historiografia
afirma, ou seja: a autonomia dada às províncias pelo Ato Adicional de 1834 não garantiu a
elas a capacidade financeira de manter seus orçamentos equilibrados. Isso porque a maior
parte do “bolo fiscal” ficava para o governo central, que não taxava as atividades mais
rentáveis, como importação, como também demonstrava ter um apetite sem igual na
transferência de recursos arrecadados nas províncias para o centro. Esta situação tornava as
finanças provinciais tão dependentes do governo geral que a saída foi um novo movimento
centralizador, portanto contrário à autonomia provincial: o “regresso” conservador de
1840.
Digo boa parte da historiografia porque os trabalhos recentes feitos por Dohlnikoff
mostram que, ao menos para São Paulo, estas afirmações não são procedentes. Ao
contrário, a província paulista não garantiu o seu equilíbrio orçamentário, como
produziu superávits capazes de bancar os investimentos públicos. Isso porque na divisão
entre as rendas gerais e provinciais, algumas que ficaram sob a competência destas últimas
eram rentáveis o suficiente para garantir tal situação. As duas competências mais
importantes se referiam à cobrança dos direitos de saída (exportação) e sobre a circulação
interna de mercadorias e animais, efetivadas nos registros e nas barreiras, como já vimos.
Além disso, e talvez, principalmente por isso, a capacidade de aumentar a arrecadação era
estritamente provincial, dado que as leis referentes à cobrança destas taxas eram definidas
nas Assembléias Legislativas provinciais; e os investimentos em infra-estrutura que
poderiam garantir tal aumento na arrecadação também o eram. Portanto, estava no
processo político interno da província, e não do Império, a possibilidade de garantir o
65
desenvolvimento econômico e, conseqüentemente, o aumento da arrecadação. Por isso
mesmo, justifica-se a imensa importância que aqueles que decidiam o orçamento
provincial davam às estradas. Em outros termos, quanto mais e melhores estradas, mais
mercadorias e animais circulando, mais exportações pelos portos, mais impostos
arrecadados pela província. Um mecanismo de auto-sustentação.
Então, o maior efeito que as mudanças institucionais referentes à centralização e
descentralização político-administrativa ocorridas no país provocaram na província de São
Paulo está relacionado ao Ato Adicional e à relativa autonomia que garantiu às províncias.
E não, como muitos afirmam, na centralização exagerada ocorrida a partir de 1840. A
defesa feita aqui é que tal projeto de centralização não significou a retirada da autonomia
fiscal-orçamentária das províncias, o que o caso paulista confirma. Estranho, portanto, é o
fato de, exceto São Paulo, todas as províncias não apresentarem os mesmos resultados,
ficando cada vez mais dependentes dos recursos transferidos a elas pelo governo central.
Assim, ao contrário do que insinua Mello,
87
não é possível afirmar que a ascensão da
riqueza do centro-sul, principalmente do café paulista, em detrimento da decadência da
agricultura do norte tenha sido provocada pela desigual transferência de recursos do
governo central para as respectivas regiões. O que este trabalho defende é que a ascensão
da riqueza paulista durante a década de 1840 deveu-se mais à maneira que a província usou
a autonomia, garantida por lei, para, através de legislações específicas à província e,
conseqüentemente, liberdade relativa de se rearranjar do ponto de vista institucional,
determinar sua arrecadação, seus investimentos públicos e o crescimento econômico.
88
87
Mello reconhece os saldos paulistas, mas insiste na afirmação de que os repasses feitos pelo governo
central às províncias do sul – inclusive São Paulo, mesmo que em alguns momentos trate de maneira genérica
a região toda – foram responsáveis pelo crescimento da economia do café. Ver Mello, Evaldo Cabral. O
Norte Agrário e o Império. 1871 – 1879. Rio de Janeiro: Topbooks, 1984. Principalmente o último capítulo,
A questão dos impostos provinciais.
88
Nos relatórios dos presidentes provinciais paulistas é comum a defesa da hipótese de que o crescimento da
produção, transporte e exportação agrícola dependiam dos investimentos públicos. Neste caso, vale ressaltar
que, considerada como um possível exagero no argumento - visto que podia representar uma justificativa dos
gastos envolvida em retórica política -, a hipótese não descarta o caminho oposto, ou seja, que o crescimento
da produção, transporte e exportação agrícola foi precipitado não pelo investimento público, mas sim pelo
aumento da demanda internacional. O caso do café parece bastante claro. O que se defende é que, mesmo
com o aumento da demanda internacional estimulando o crescimento da produção de café, os investimentos
públicos tiveram participação essencial na viabilidade de tal crescimento.
66
O que precisa ser feito, então, para confirmar estas proposições, é estabelecer uma possível
relação entre o orçamento paulista, o investimento em estradas e o crescimento da
economia. Algumas possíveis comparações, destacando a produção de café e sua
exportação pelo principal porto, o de Santos:
Tabela 10: Exportações de café, em arrobas, pelo porto de Santos:
1836-37 87.659 1844-45 190.850
1837-38 97.751 1845-46 207.730
1838-39 113.965 1846-47 244.338
1839-40 136.524 1847-48 246.893
1840-41 184.976 1848-49 225.588
1841-42 53.260 1849-50 130.681
1842-43 6.571 1850-51 470.054
1843-44 112.128
(fonte: Mapa de Exportação da Alfândega de Santos)
Como vemos, as exportações de café pelo porto de Santos registram, durante os 15 anos
citados, aumento de pouco mais de 500%. os direitos de saída cresceram, no mesmo
período, aproximadamente 250%. Vejamos:
Tabela 11: Direitos de saída arrecadados pela província de São Paulo, em mil réis:
1836-37 49:282$769 1844-45 83:107$403
1837-38 78:597$267 1845-46 90:555$000
1838-39 100:396$780 1846-47 96:809$631
1839-40 93:189$983 1847-48 79:954$088
1840-41 66:999$977 1848-49 57:089$514
1841-42 45:624$359 1849-50 81:224$078
1842-43 53:071$675 1850-51 123:842$458
1843-44 58:955$816
(fonte: Maia Costa, H. op. cit.)
67
Devemos lembrar que os dados são referentes ao total recolhido sobre as exportações na
província paulista e não sobre as exportações feitas por Santos. Também não considera
as variações de preço do café, ano a ano. Porém, dos 15 anos comparados, nove
apresentam relações positivas entre exportação de café e direitos de saída. Apenas seis não
apresentam, mesmo que, em nenhum dos casos, os números sejam proporcionais; ou seja, a
queda na arrecadação não é diretamente proporcional à queda do volume exportado. Seria
improvável que fossem, dadas as variações de preços possíveis entre um ano e outro. Se
usarmos o câmbio entre libras e mil-réis como parâmetro, podemos concluir que o aumento
das exportações de café, dependendo do valor do câmbio, não significava aumento das
receitas oriundas dos direitos de saída. Em outros termos, o preço do café poderia variar
para baixo em um nível maior que o aumento das exportações. Aumentava o volume de
exportação, mas não o valor total das exportações
89
. Vejamos:
Tabela 12: Paridade Cambial entre mil-réis e a libra esterlina
Mil-réis por libra
1835 6$115
1840 7$742
1845 9$435
i.1850 8$348
(fonte: IBGE, séries estatísticas retrospectivas, 1987, vol. 3)
Os dados referentes à paridade entre mil-réis e libra nos mostram claramente uma
tendência de desvalorização da moeda nacional. Portanto, estímulo à exportação. Porém,
outros dados podem esclarecer porque o aumento das exportações em volume não
significou, durante a década de 1840, aumento, na mesma proporção, de arrecadação:
89
O ano fiscal de 1842-43 apresenta uma queda muito acentuada na exportação de café e açúcar pelo porto
de Santos devido à geada que comprometeu parte da produção. Porém, a queda na arrecadação de direitos de
saída não reflete, na mesma proporção, os problemas citados. Por um lado, é possível supor um aumento de
preços temporário devido aos problemas na produção, assim como o aumento na participação de outros
produtos na composição da arrecadação de direitos de saída. De fato, durante a década de 1840, a variação da
participação do café no total da arrecadação de direitos de saída foi bastante alta (Ver tabela 17).
68
Tabela 13: Volume (em sacas) das exportações brasileiras e preço (em libras) do café:
Período volume (mil sacas) preços (libras por saca)
1831-40 9.744 2,21
1841-50 16.677 1,39
1851-60 26.252 1,89
(fonte: Buescu, Mircea. Evolução econômica do Brasil, citado por Almeida, Paulo
Roberto. Formação da diplomacia econômica no Brasil. São Paulo: Ed. Senac, 2001,
pág.149)
Como vemos, o preço do café, em libras, durante a década de 1840 foi, em média, o menor
das três décadas contempladas. Uma simples comparação pode, novamente, nos levar a
algumas conclusões:
Tabela 14: Câmbio e preço do café, em libras e mil réis:
Preço médio (em £,por saca) câmbio preço (réis)
1835 2.21 6$115 13$453
1840 1.39 7$742 10$838
1845 1.39 9$435 13$210
1850 1.39 8$348 11$687
Portanto, a variação de preço é significativa a ponto de não permitir uma relação positiva
entre aumento do volume de exportações e a arrecadação de direitos de saída. É claro que,
pelos números apresentados aqui, não se está querendo estipular o exato preço do café, até
porque se está usando uma média. Porém, estes números podem nos dar a tendência
queda ou ascensão – dos preços do café. Vale lembrar também, que os direitos de saída não
incluem apenas o café, mas todos os produtos exportados. Contudo, em um confronto entre
os dados referentes à exportação, pelo porto de Santos, de açúcar e de café os dois
principais produtos da província paulista durante a década de 1840 -, pode-se concluir que
a tendência é de queda do volume de açúcar e crescimento do volume de café.
69
Tabela 15: Exportações de açúcar e café pelo porto de Santos, em arrobas:
Açúcar Café
1836-37 433.268 87.659
1837-38 297.041 97.751
1838-39 490.018 113.965
1839-40 570.779 136.524
1840-41 533.142 184.970
1841-42 193.677 53.260
1842-43 162.771 6.571
1843-44 222.306 112.128
1844-45 495.305 190.850
1845-46 548.742 207.730
1846-47 609.095 244.338
1847-48 414.230 246.893
1848-49 278.823 225.588
1849-50 269.389 130.681
1850-51 344.904 470.054
(fonte: Livro das exportações da Barreira de Cubatão, entrada de Santos. Citado por
Pívaro, Hilda, op. cit.)
As variações na exportação de açúcar e café não seguem uma relação positiva, porém,
mesmo que no fim do período (1851) a soma das exportações de açúcar seja
significativamente maior que a soma das exportações de café, percebemos a tendência de
reversão, que no ano financeiro de 1850-51 a exportação de caé maior que a de
açúcar. Sobre isso, Pívaro afirma:
Através das evidências, poderíamos concluir observando que a década
de 1840 foi decisiva para a economia paulista, pois marca a substituição
progressiva da lavoura canavieira pela cafeeira, confirmada a partir do
exercício de 1850-51. Quando o café tornou-se o principal gênero
agrícola de exportação, deixando o açúcar na 2ª posição e, em 3º lugar o
70
fumo, em proporções menores de volumes exportados. Era o início do
domínio incontestável do café.
90
Se, ao que foi apresentado, somarem-se novos dados sobre a exportação a partir de Santos,
percebe-se a importância do café para as receitas paulistas
91
:
Tabela 16: Arrecadação sobre a exportação de café pelo porto de Santos, em mil réis:
1837
janeiro 1:138$163 julho 274$798
fevereiro 1:769$089 agosto ----------
março 2:353$654 setembro 125$486
abril 1:232$871 outubro 410$894
maio 1:047$098 novembro 398$006
junho ------------- dezembro 871$560
1838
janeiro 1:096$960 julho 727$080
fevereiro 1:131$485 agosto 265$047
março 1:691$246 setembro 217$381
abril 2:441$265 outubro 197$633
maio 1:994$980 novembro 574$246
junho 1:800$286 dezembro 1:229$149
1839
janeiro 1:478$727
fevereiro 2:335$748
março 2:705$314
abril 1:800$843
90
Pívaro, Hilda, pág. 99.
91
O imposto sobre exportação, tanto para fora da província como para fora do país, obedecia a seguinte
determinação: 5% sobre manufaturados e 10% sobre não-manufaturados. Estes valores foram definidos em
1835, logo após a criação da Assembléia Provincial. Em 1840, tais impostos foram classificados como
direitos de saída da província e se tornaram a maior fonte de renda de São Paulo. Ver Tessitore, V. As fontes
da Riqueza Pública.
71
maio 1:789$473
junho 1:010$473
1842 1843
julho 440$897 janeiro 407$426
agosto 539$964 fevereiro 368$167
setembro 175$806 março 519$207
outubro 273$887 abril 595$711
novembro 529$313 maio 547$894
dezembro 623$178 junho 636$376
1844 1845
julho 519$872 janeiro 619$059
agosto 321$358 fevereiro 296$982
setembro 347$450 março 986$475
outubro 462$369 abril 1:816$684
novembro 569$107 maio 1:269$650
dezembro 495$724 junho 256$121
(fonte: Livro da Receita do zimo provincial da Vila de Santos e Mapa demonstrativo do
dízimo provincial da Alfândega de Santos)
E, sobre o total, a participação da arrecadação sobre o café exportado (em números
absolutos e em % aproximada):
Tabela 17:
Arrecadação sobre o café total da arrecadação participação
1838
julho 727$080 1:663$937 45
agosto 265$047 965$136 27,5
setembro 217$381 831$940 26
outubro 197$633 1:571$850 12,5
novembro 574$246 2:213$525 26
dezembro 1:229$149 2:687$530 45,5
72
1839
janeiro 1:478$727 2:517$970 59
fevereiro 2:335$748 3:611$597 65
março 2:705$314 3:937$216 69
abril 1:800$843 3:214$480 56
maio 1:789$114 2:709$456 66
junho 1:010$473 1:779$206 56
1842
julho 440$897 1:567$694 28
agosto 539$964 1:534$969 35
setembro 175$806 447$538 39,5
outubro 273$887 743$497 37
novembro 529$313 1:446$719 36,5
dezembro 623$178 1:118$988 55,5
1843
janeiro 407$426 803$366 51
fevereiro 368$167 814$687 45
março 519$207 837$658 62
abril 595$711 1:015$895 58,5
maio 547$894 865$762 63,5
junho 636$376 1:107$337 57,5
1844
julho 519$872 1:165$172 44
agosto 321$358 1:249$440 25,5
setembro 347$450 1:565$001 22,5
outubro 462$369 2:612$734 17,5
novembro 569$107 1:791$120 32
dezembro 495$724 1:807$633 27,5
73
1845
janeiro 619$059 1:578$661 39
fevereiro 296$982 1:632$191 18
março 986$475 1:647$832 60
abril 1:816$684 2:807$278 65
maio 1:269$650 1:839$308 70
junho 256$121 1:191$076 22
É bom lembrar que, mesmo apresentando proporcionalmente números menores – não
obstante serem muito altos –, a arrecadação sobre o café é bem menor durante o ano
financeiro de 1842-43, assim como a arrecadação geral. Isso pode ser explicado pelas
dificuldades enfrentadas durante o início da década de 1840 devido às geadas que
ocorreram na província paulista, assim como já comentado.
Se confrontarmos os números totais de arrecadação sobre os direitos de saída nos dois
orçamentos comentados, notaremos que 1838-39 foi fantástico para a província,
representando o maior entre os 16 orçamentos apresentados. Apenas no orçamento de
1850-51 é que a arrecadação sobre os direitos de saída foi maior. a arrecadação sobre
direitos de saída do ano orçamentário de 1842-43 foi o pior entre todos os apresentados.
Apenas nos orçamentos de 1835-36, de 1836-37 e de 1841-42, os direitos de saída
arrecadados foram mais baixos que no ano orçamentário de 1842-43. Portanto, este ano foi
péssimo para tal arrecadação. Desta forma, não como confirmar nenhuma relação entre
arrecadação de direitos de saída e maior descentralização ou centralização político-
administrativa no país. O que se pode é confirmar que nos direitos arrecadados sobre
exportação pelo porto de Santos a participação do café era alta, mesmo em anos onde o
volume de café exportado era menor que o de açúcar. Em outras palavras, o café, mesmo
exportado em quantidades menores que o açúcar, rendia arrecadação maior. Daí o estímulo
em trocar a produção de açúcar pela de café, e, conseqüentemente, a tendência de queda do
primeiro em benefício do segundo produto.
74
2.4 A importância do bom uso da lei para o desenvolvimento econômico
O que se tentou neste capítulo foi mostrar que:
A relativa autonomia dada às províncias pelo Ato Adicional de 1834 foi mantida, em
alguns aspectos, mesmo após o “regresso” conservador que tinha como objetivo a
centralização político-administrativa. Essa autonomia foi marcante na área fiscal e no
funcionamento das Assembléias Legislativas provinciais.
No caso paulista, é possível ver tal autonomia pela tendência de aumento das receitas
provenientes da política fiscal. Ao contrário do que boa parte da historiografia afirma, foi
possível à província de São Paulo manter seus orçamentos equilibrados e, mais do que isso,
garantir saldos que se transformavam em investimentos públicos.
Esses investimentos públicos feitos em São Paulo foram, majoritariamente, voltados às
obras públicas, com destaque às estradas. Em uma relação de causa e efeito, a abertura,
conservação e melhoria das estradas paulistas eram vistas como condição para o aumento
da arrecadação, que a maior parte das finanças paulistas se originava na cobrança dos
direitos de saída (exportação) e sobre a circulação de mercadorias e animais (registros e
barreiras). Sendo assim, quanto maior fosse o número de estradas da província mais
facilmente circulariam mercadorias e animais, mais impostos seriam arrecadados e um
maior volume de produtos chegaria, com maior agilidade, ao porto de Santos.
Por isso a discussão sobre os investimentos nas estradas era a mais destacada entre todas
que compunham as reuniões da Assembléia Legislativa e os relatórios dos presidentes da
província paulista. Portanto, a possibilidade de crescimento das receitas da província não
estava diretamente ligada à política nacional, e sim, provincial. É nítida, neste sentido, a
pertinência das discussões a respeito de mudanças institucionais feitas na época. O
exemplo mais próximo disso foi a intensa reivindicação pela criação de uma Diretoria de
Obras Públicas, buscando, assim, uma maior racionalização e fiscalização dos gastos feitos
pela província.
E, por último, mas não menos importante, existe uma relação positiva entre as tendências
de aumento da arrecadação, dos investimentos em estradas e do crescimento das
75
exportações da província, especialmente de café. Mesmo em períodos em que o preço do
café foi, em média, menor, ele garantia a maior participação relativa na arrecadação sobre
a pauta de exportações da província. Conclui-se, então, que a província paulista conseguiu
através da combinação desses três elementos construir a base de seu crescimento
econômico. O capítulo mostra, também, que um bom uso da “brecha” deixada pela
legislação pôde ajudar o equilíbrio e o desenvolvimento econômico paulista através de
mudanças institucionais que cabiam a província promover.
76
Capítulo 3. São Paulo no governo Imperial.
3.1
O domínio “saquarema”
Uma das mais consolidadas explicações sobre o funcionamento do arranjo político-
administrativo do Brasil durante sua experiência monárquica no decorrer do século XIX se
ampara na excessiva centralização do poder nas mãos do governo imperial. Tal proposição,
que se afirma com maior segurança para o período do longo governo de D. Pedro II, está
expressa em obras historiográficas que se tornaram referências para a pesquisa em ciências
sociais no país, tais como as de Carvalho e Matos
92
, entre outros. Os motivos que tornaram
esta explicação uma das mais relevantes para o entendimento sobre a formação do Estado
brasileiro estão relacionados, assim como discutido no capítulo 1, às dificuldades de se
estabelecer um centro político tão poderoso que anulasse – ou, no mínimo, tornasse
marginal – as forças regionais que exerciam uma pressão centrífuga em um país de
dimensões geográficas tão grandes. Em outras palavras, a inquietação acerca da
organização monárquica brasileira deve-se, em partes, à capacidade que se viu de
manutenção do território nacional, mesmo com movimentos que se pretendiam regionais e
separatistas. Entre um e outro unidade e dispersão as propostas de “monarquia
federalista”
93
e as experiências republicanas dos vizinhos de língua espanhola se
mostravam como alternativas ao país que se precipitava. A unidade, defende-se, foi
garantida através de um pacto tácito que uniu a Corte à elite rural do país, interessada em
92
Ver Carvalho, José Murilo de A Construção da Ordem/ O Teatro de Sombras. Rio de Janeiro: Ed. Relume
Dumará/UFRJ, 1996. Também, do mesmo autor, ver “Federalismo y centralización em el Império brasileño:
história y argumento”, em Pontos e Bordados: escritos de História e Política. Belo Horizonte: Ed. UFMG,
1998. Uma das mais importantes pesquisas sobre a centralização do poder imperial está em Matos, Ilmar
Rohloff. O Tempo Saquarema. São Paulo: Ed. Hucitec, 2004. (5ª Edição).
93
A mais enfática defesa da existência de um ‘pacto federativo’ durante o império brasileiro foi feita por
Dolhnikoff em O Pacto Imperial. Origens do federalismo no Brasil. São Paulo: Ed. Globo, 2005.
77
manter a estrutura escravista, assim como seus interesses nas definições das políticas
públicas nacionais. O Estado monárquico, desta forma, seria a representação dos interesses
da elite agrária do país, disposta a ceder um “quantum” de poder ao governo central em
troca de garantias de privilégios e da manutenção da ordem escravista. Em contrapartida o
governo central garantiria às regiões menos favorecidas economicamente a presença na
Corte, de tal forma que elas apoiassem o projeto centralista do Império, mesmo não sendo,
teoricamente, beneficiadas por ele. Em resumo, desenvolvimento econômico para alguns;
poder político para outros; oferta de escravos para todos. Assim, o apoio ao centralismo do
Império seria majoritário. Tamanha centralização do poder em mãos do governo imperial
se consolidou após as discussões acerca de uma possível descentralização político-
administrativa ocorrida durante o período regencial, entre 1831 e 1840. Após esse
intervalo, a opção conservadora saquarema favorável à centralização se tornou
dominante, enfraquecendo as opções liberais descentralistas quase até sua extinção.
Matos é um dos principais defensores desta hipótese, principalmente no que se refere ao
domínio conservador/saquarema durante o II Reinado. Tanto que escreveu:
Assim, o que denominamos Tempo Saquarema não deve ser tomado
como o período de tempo que se estende, em linhas gerais, dos últimos
anos do período regencial até o denominado ‘renascer liberaldos anos
sessenta (...) Pelo contrário, se este período de tempo possui
singularidade é porque ele se apresenta, em primeiro lugar, como
produto desses processos, isto é, como resultado e condição da ão
saquarema, porque a direção que eles procuravam exercer, e
efetivamente exerceram, impunha que os Saquaremas se constituíssem
também em ‘produtores’ ou ‘controladores’ do tempo.
94
E confirma, adiante:
Por dirigentes saquaremas estamos entendendo um conjunto que engloba
tanto a alta burocracia imperial senadores, magistrados, ministros e
conselheiros de Estado, bispos, entre outros quanto os proprietários
rurais localizados nas mais diversas regiões e nos mais distantes pontos
do Império, mas que orientam suas ações pelos parâmetros fixados pelos
94
Ver Matos. O Tempo Saquarema, pág. 14
78
dirigentes imperiais, além dos professores, médicos, jornalistas, literatos
e demais agentes ‘não-públicos’ – um conjunto unificado tanto pela
adesão aos princípios de Ordem e Civilização quanto pela ação visando a
sua difusão.
95
Portanto, uma unidade entre Estado, governo, ideologia e elite que justificaria a ‘vitória’
dos conservadores e do centralismo político e administrativo do Império brasileiro.
Confirmando a definição de Matos, que afirma que o “domínio saquarema” ocorreu
durante o II Reinado, Carvalho expõe opiniões bastante relevantes no que tange à
organização partidária e às origens e relações sócio-econômicas dos saquaremas:
(...) os donos de terra que se ligavam ao Partido Conservador tendiam a
pertencer a áreas de produção agrícola voltadas para a exportação e de
colonização mais antiga, como Pernambuco, Bahia e, sobretudo, Rio de
Janeiro. Estes grupos tinham mais interesses na política nacional e na
estabilidade do sistema. Daí se disporem mais facilmente a apoiar
medidas favoráveis ao fortalecimento do poder central. Os donos de terra
filiados ao Partido Liberal provinham mais de áreas como Minas Gerais,
São Paulo e Rio Grande do Sul, com menos interesses na centralização e
na ordem ao nível nacional.
96
Sendo assim, seria possível afirmar que o domínio saquarema a que se refere Matos era, na
prática, representado majoritariamente por proprietários rurais do Rio de Janeiro,
Pernambuco e Bahia. Do outro lado, estariam paulistas mineiros e gaúchos em oposição à
centralização monárquica. Carvalho ainda apresenta alguns números referentes à origem
provincial dos Ministros do Império. A província de São Paulo cedeu dezesseis ministros
no período entre 1840 e 1889, sendo quatro do Partido Conservador, onze do Partido
Liberal e apenas um sem ligação partidária, confirmando a tendência predominantemente
liberal entre os paulistas. Portanto, um número significativo de liberais em meio a um
governo dominado por conservadores.
95
Idem, pág. 15.
96
Ver Carvalho, A Construção da Ordem, pág. 193.
79
Na verdade, Carvalho afirma inúmeras vezes tais proposições, sempre confirmando o
liberalismo paulista, gaúcho e mineiro. Chega a escrever que:
A oposição à centralização durante o período de 1831 e 1850 proveio em
grande parte de São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul. Tratava-
se de áreas menos ligadas ao comércio externo e com menos pessoas
com educação superior. Minas e São Paulo também se caracterizavam
por economia estagnadas ou atrasadas. (...) A oposição paulista se
baseava mais numa tradição de domínio local por donos de terra, de vez
que por esta época não havia na província pólo econômico de
importância.
97
Daqui, então, podemos contrapor algumas proposições baseadas em dados. Vimos no
capítulo 2 que a província de São Paulo viveu, durante os 16 anos que separam o Ato
Adicional e 1850, um crescimento econômico amparado no bom uso da autonomia dada às
províncias no tocante à fiscalização e decisão de investimentos. Não obstante a capacidade
fiscal das províncias ser indiscutivelmente tímida se comparada à imensa parcela dos
recursos fiscais que ficavam sob poder do governo imperial, São Paulo garantiu através da
combinação entre impostos sobre circulação interna e investimentos em estradas um
aumento da exportação de café, que, a partir de 1851, representava mais na receita
paulista do que aquela obtida com a venda de cana de açúcar. Desta forma, não podemos
com segurança afirmar que a pouca adesão paulista ao projeto conservador/saquarema e,
portanto, ao centralismo imperial, devia-se à fraqueza econômica apresentada pela
província. A não ser que consideremos este impulso econômico paulista consolidado
apenas após 1842. Neste caso, a majoritária oposição paulista ao projeto centralizador
estaria ligada diretamente à capacidade econômica da província. Porém, se extrapolarmos
o período que define esta pesquisa, constata-se que a continuidade do desenvolvimento da
economia cafeeira paulista durante as décadas seguintes não foi acompanhada de apoio ao
projeto conservador. O mesmo Carvalho é quem nos diz:
Com o desenvolvimento do café em Minas e São Paulo e do charque no
Rio Grande do Sul, essas três províncias evoluíram para uma posição
mais complexa em relação ao poder do Estado. Permaneceu a resistência
80
ao poder central (...). Mas, além disto, surgiu a necessidade de fortalecer
o poder estadual para melhor proteção dos interesses dos grupos
econômicos que surgiam ou se fortaleciam.
98
Portanto, continuamos com uma questão em aberto: o que fez com que a elite paulista,
majoritariamente liberal, deixasse de reivindicar maior autonomia à província após 1842?
vimos que o “Regresso Conservador” do final da Regência não alterou a autonomia
fiscal e, conseqüentemente, o investimento público provincial. Ao contrário, durante a
consolidação do “Regresso” na década de 1840, a província paulista apresentou um
razoável desenvolvimento econômico ancorado em sua capacidade fiscal e de investimento
público. Sendo assim, as reivindicações por mais autonomia não estiveram ligadas aos
recursos fiscais e ao desenvolvimento econômico, tanto quanto também não esteve a
aparente adesão ao projeto “saquarema” após 1842.
3.2 Transferências de recursos entre São Paulo e o Império
Como vimos no capítulo 1, muitos autores defendem que as províncias, mesmo durante a
vigência do Ato Adicional de 1834, pouca autonomia tiveram, garantindo ao poder central
predomínio político sobre o país. Esta baixa autonomia se refletia na capacidade de
obtenção de recursos fiscais, quase toda controlada pelo governo central. Sendo assim, as
províncias dependiam dos repasses que o poder imperial fazia para sobreviverem
economicamente, fazendo com que ficassem “reféns” do poder central. Por isso não
haveria outra alternativa que não a estrutura político-administrativa altamente centralizada
no Império, transformando as províncias em meros satélites de suas decisões.
Porém, vimos no capítulo 2 que, ao menos para a província paulista, as mudanças
institucionais relacionadas à centralização e descentralização pouco impacto tiveram em
sua capacidade fiscal e de investimentos, o que precipitou a necessidade de discutir tais
argumentos. Ou melhor, a autonomia conseguida pelas províncias a partir do Ato
Adicional de 1834 foi preservada no que concerne à fiscalidade, de tal forma que o
governo paulista pôde dar continuidade, mesmo durante o “Regresso” conservador, aos
97
Idem, págs. 200 e 201.
98
Idem, pág. 201.
81
seus investimentos em obras públicas. Tais investimentos, assim como previsto por aqueles
que os definiam, ajudaram a garantir o desenvolvimento da província, principalmente da
produção e exportação agrícola cafeicultora.
Esse desenvolvimento da economia de exportação cafeeira paulista foi, muitas vezes,
justificada pelos desiguais recursos que a província recebia do governo imperial. Em outras
palavras, autores como Bastos e Melo
99
insinuam que a província paulista recebia maiores
recursos do governo central se comparados com aqueles com que ela contribuía para o
orçamento do Império. Desta forma, o desenvolvimento das províncias, dado que o
governo central mantinha sua imensa capacidade de exação independente da maior ou
menor descentralização política, dependia quase que exclusivamente dos repasses que
recebiam do Império. Por sua vez, esses repasses beneficiavam as províncias do Sul, o que
justificaria a adesão das elites privilegiadas ao projeto centralizador do Império. Vale
ressaltar que Diniz especifica as diferenças entre as províncias do Sul, ou seja, Espírito
Santo, Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul, e conclui que São
Paulo não pode ser considerada deficitária.
100
Os outros dois Bastos e Melo
101
- tratam-
nas como uma coisa só, colocando todas elas, portanto, como beneficiárias da distribuição
de recursos feita pelo poder central. Por esta dificuldade, afirmo alhures que eles insinuam
que São Paulo sendo uma das províncias sulistas teria garantido seu desenvolvimento
econômico em detrimento das províncias do norte.
Confirmando, então: para consolidar sua estrutura altamente centralizada, o Império se
colocava como o grande controlador dos recursos fiscais do país, deixando muito pouco
para que as províncias e os municípios manipulassem. Os meros apresentados por
Diniz
102
, em sua extensa pesquisa para a tese de doutoramento, confirmam esta hipótese.
99
Tavares Bastos escreveu, em 1870, sua obra máxima, A Província, na qual discute a reorganização
imperial de modo que a autonomia provincial fosse alargada. Ver também Melo, Evaldo Cabral de. O Norte
Agrário e o Império. 1871 – 1889. Rio de Janeiro: Topbooks, 1999. (2ª edição). Principalmente capítulo “A
questão dos impostos provinciais”.
100
Ver Diniz, Adalton Franciozo. Centralização política e concentração de riqueza. As finanças do Império
Brasileiro no período de 1830 e 1889. Em História e Economia. Revista Interdisciplinar. Brazilian Business
School, vol. 1, nº 1, 2º semestre de 2005.
101
Ver Melo, O Norte Agrário e o Império, págs. 248-253.
102
Diniz apresenta, em sua tese de doutoramento, uma extensa pesquisa baseada nos balanços de Despesa e
Receita do Império. Diniz, Adalton Franciozo Centralização Política e apropriação de Riqueza: Análise das
finanças do Império Brasileiro (1821 – 1889). São Paulo: FFLCH/USP, 2002 (tese de doutorado).
82
Aproxima-se, assim, a formação do Estado brasileiro com as teorias que explicam a
formação dos Estados Nacionais europeus modernos. Nesses casos, procura-se a “alma do
Estado” na capacidade que ele tem de ser o extrator dos recursos fiscais em detrimento do
poder particular e/ou regional. Sobre isso, Wilma Peres Costa escreveu:
A história da fiscalidade constitui um ângulo estratégico para pensar a
formação do Estado Moderno porque ela possibilita explorar, de forma
não linear, a relação entre a dinâmica da vida material, a construção das
instituições políticas e a pulsão conflitiva das forças sociais.
103
Ainda sobre isso, Carvalho afirma:
Excelente indicador da distribuição de poder em um sistema político são
as contas do governo. O poder de lançar impostos e as condições de
legitimidade em que ele se exerce estiveram no centro das lutas que
fundaram o Estado Moderno. (...) Não foi diferente no Império
brasileiro. (...) O modelo parlamentar adotado pelo país inclui a prática
de submeter obrigatoriamente ao Parlamento a aprovação da lei de
meios, como era chamado o orçamento. O governo não podia funcionar
legalmente sem que tal lei fosse aprovada. Em caso de impossibilidade
de aprovação, havendo dissolução, por exemplo, da Câmara, votava-se a
prorrogação do orçamento do ano anterior para o ano seguinte.
104
Define-se, então, a questão fiscal como central na organização política, social e econômica
do país. Neste caso, sendo a estrutura altamente centralizada do Império brasileiro,
conclui-se que a sua capacidade fiscal, se comparada às províncias e município, era
imensa. De fato, o que se discutiu no capítulo 2 em nenhum momento nega a concentração
dos recursos fiscais sob controle do poder central. Novamente as pesquisas de Diniz e uma
103
Costa, Wilma Peres. Nem cidadãos nem contribuintes – Fiscalidade e Construção do Estado no Brasil.
Relatório de pesquisa apresentado à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), em
março de 2005, não publicado. Ver, da mesma autora ‘A economia Mercantil Escravista Nacional e o
Processo de Construção do Estado no Brasil (1808 – 1850)’, em Lapa, José Roberto do Amaral e
Szmrecsányi, Tamás (orgs.) História Econômica da Independência e do Império. São Paulo:
Hucitec/Edusp/Imprensa Oficial SP/ABPHE (Associação Brasileira de pesquisadores em História
Econômica), 1996.
104
Carvalho, A Construção da Ordem, pág. 241.
83
breve olhada nos Balanços Orçamentários do Império confirmam a centralização
105
. O que
se discutiu foi a incapacidade provincial em manter seus orçamentos equilibrados e, até,
superavitários, não obstante a maior parte dos recursos ficar sob controle do Império. Ao
contrário, o capítulo tentou mostrar que existia uma “brecha” na legislação que, sendo
usada de maneira adequada, poderia garantir às províncias a arrecadação necessária para
seus equilíbrios e, muitas vezes, investimentos. Ao menos no caso estudado, o da província
paulista, esta conclusão é possível.
106
Abre-se, então, a possibilidade de discussão sobre outras afirmações presentes na
historiografia, muitas delas apresentadas no capítulo 1. Entre elas que:
a distribuição dos recursos orçamentários do governo imperial entre as províncias
beneficiava a região centro-sul em prejuízo do norte-nordeste;
a tal distribuição desigual dos recursos está na origem do desenvolvimento
econômico do centro-sul e, em contrapartida, da decadência do norte-nordeste;
as províncias que não se beneficiavam economicamente do modelo centralizado do
Império eram recompensadas com poder político;
o apoio das elites regionais–provinciais ao projeto centralista do Império dependia
dos recursos que cada uma delas recebia.
Um confronto dos números apresentados pelos balanços orçamentários imperiais pode ser
revelador quanto à afirmação que as províncias do centro-sul eram beneficiadas em
detrimento das do norte-nordeste no que tange à distribuição dos recursos fiscais do
Império brasileiro. Vejamos as tabelas, retiradas dos balanços de Receita e Despesa do
Império Brasileiro, com destaque às províncias de Pernambuco, Bahia e São Paulo e, no
último caso (razão entre despesa e receita), do Mato Grosso.
105
Diniz, Centralização Política e apropriação de Riqueza, pág. 202 e anexos.
106
A vantagem geográfica de São Paulo - em prejuízo de outras províncias - certamente contribuiu para sua
arrecadação, principalmente sobre a circulação de mercadorias e animais que passavam por seu território
oriundos do sul do país e de Minas Gerais. Porém, a capacidade exportadora também foi importante, como
vimos no capítulo 2. Essa capacidade não dependia de sua posição geográfica.
84
Tabela 1:
Participação das províncias na receita do Império, em números absolutos (mil-réis).
Exercício SP PE BA
1836 319.728,460 1.903.170,691 2.196.342,966
1837 243.495,023 1.816.969,895 1.634.291,069
1838 342.766,727 2.146.728,493 2.472.387,448
1839 351.035,774 2.228.290,224 2.161.747,556
1840 399.589,624 2.129.142,915 1.990.194,184
1841 333.104,726 1.903.409,970 2.033.072,962
1842 278.729,369 1.808.192,276 2.062.725,156
1843 423.087,341 2.521.400,826 2.768.290,236
1844 485.715,219 3.126.115,962 3.596.363,775
1845 549.060,495 2.775.455,543 4.412.351,817
1846 604.394,184 3.065.840,170 4.586.930,623
1847 561.032,625 2.884.216,486 3.822.025,810
1848 519.827,478 3.291.699,504 3.315.164,105
1849 555.310,891 4.401.809,889 3.949.904,005
1850 593.761,190 4.693.868,602 4.870.477,290
Tabela 2:
Participação das províncias na despesa do Império, em números absolutos (mil-réis).
Exercício SP PE BA
1836 343.544,435 1.274.508,207 1.171.869,229
1837 - - -
1838 - - -
1839 - - -
1840 - - -
1841 - - -
1842 - - -
1843 - - -
85
1844 376.475,149 979.690,857 1.336.363,084
1845 402.720,789 943.659,493 1.250.016,830
1846 410.961,796 985.251,430 1.526.143,341
1847 446.941,479 1.120.958,298 1.526.689,210
1848 519.006,172 2.288.475,670 1.663.288.571
1849 562.430,870 2.198.801,967 1.763.613,689
1850 - - -
Tabela 3:
Proporção entre a participação das províncias na receita e despesa do Império (D/R)
Exercício SP PE BA MT
1836 1,07 0,66 0,53 8,39
1837 - - - -
1838 - - - -
1839 - - - -
1840 - - - -
1841 - - - -
1842 - - - -
1843 - - -
1844 0,77 0,31 0,37 22,64
1845 0,73 0,34 0,28 9,95
1846 0,67 0,32 0,33 23,01
1847 0,79 0,38 0,40 30,17
1848 0,99 0,69 0,50 9,16
1849 1,01 0,50 0,44 25,46
1850 - - - -
(Fonte: Balanço da Receita e Despesa do Império.)
É possível perceber que províncias que pouco representavam para a economia nacional, em
alguns momentos, receberam recursos acima do razoável. O caso do Mato Grosso se torna
eloqüente quando considerada sua problemática fronteiriça. No caso de São Paulo, mesmo
mantendo seus orçamentos equilibrados e seus investimentos públicos ativos de modo
86
suficiente a estimular sua economia agrária, a província não pode ser considerada
privilegiada pelo repasse do governo central. Portanto, as indicações de alguns autores,
com destaque a Melo, não se confirmam no caso paulista. Comparando a participação
paulista e a pernambucana na receita e despesa do Império durante a década de 1840
momento de crescimento da economia cafeicultora da província do Sul -, não nenhum
traço de privilégio de uma e de prejuízo de outra.
O que se pode afirmar é que a província paulista mais contribuiu do que recebeu do
governo central durante a década de 1840. Em outros termos, aquilo que era arrecadado
pelo governo central na província de São Paulo era maior do que a província recebia pelo
repasse feito pelo governo imperial. Significa, também, que o crescimento da produção
agrícola e das exportações paulistas durante o período pouco teve relação com aquilo que
recebeu e transferiu ao governo central.
Neste caso, continuamos sem saber porque as elites paulistas, em ascensão econômica
durante a década de 1840 e majoritariamente liberais pactuaram com o domínio
conservador/saquarema apontado por Matos após a derrota do movimento de 1842.
As tabelas apresentam, portanto, números que não podem confirmar um possível privilégio
dados aos paulistas nos repasses que o governo central fazia às províncias. Mesmo
considerados os dois anos 1836 e 1849 - em que a província de São Paulo recebeu do
governo central mais do que contribuiu, a ‘folga’ é muito pequena para caracterizar um
deliberado privilégio à província paulista.
Notamos, também que, nos anos disponíveis, a riqueza das províncias de Pernambuco e
Bahia é incomparavelmente maior do que a da província paulista. Vale ressaltar que,
mesmo as duas províncias do norte apresentando resultados mais contundentes no que
dizem respeito ao superávit que tinham com o governo central se comparadas com São
Paulo, o fato da província paulista não apresentar resultados superavitários tão
contundentes não significa que era privilegiada. Ao contrário, era tão prejudicada quanto
Bahia e Pernambuco. No máximo, poderíamos dizer que as duas províncias do norte eram
mais exploradas que São Paulo, e nunca que eram exploradas em benefício de São Paulo.
87
Portanto, as três províncias - e a escolha tentou caracterizar as duas mais importantes
províncias do norte que, segundo comentada historiografia, era uma região explorada pelo
governo imperial em benefício da sulista, incluindo São Paulo representam bem a
distribuição da riqueza nacional e a situação das províncias. O que emerge é que a riqueza
retirada das províncias e não devolvida às suas origens pelo Império era gasta com outros
compromissos. Parece pertinente que o governo central de um país unitário, como era a
monarquia brasileira, tão grande geograficamente e em período de construção de suas
fronteiras e instituições nacionais tivesse compromissos que ultrapassavam e muito os
limites do relacionamento entre o governo central e as províncias. Um bom exemplo é a
questão fronteiriça. Algumas províncias que apresentavam tal problema podem ser vistas
como deficitárias em relação ao governo central. É o caso do Mato Grosso. A província
recebia recursos muito maiores do que aqueles que perfilavam sua contribuição ao
orçamento imperial. Portanto, as reclamações acerca de um desigual repasse de recursos do
governo central às províncias deveria ter como alvo províncias como o Mato Grosso e não
São Paulo. Por outro lado, tais reclamações seriam pouco pertinentes tendo em vista as
necessidades diferentes que o governo nacional tinha ante as necessidades provinciais.
3.3 Os liberalismos da elite paulista.
A preocupação com o ano de 1842 se justifica, no plano econômico, pela geada que
comprometeu a produção agrícola paulista e, no plano político, pela ocorrência de duas
grandes revoltas liberais uma em Minas Gerais e outra em São Paulo contrárias à
tendência centralista que se consolidava no país.
No caso político, a historiografia apresenta uma variedade de pesquisas que, em resumo,
explicam as Revoltas de 1842 como a reação liberal contra o “regresso” conservador
instituído, principalmente, pela Lei de Interpretação ao Ato Adicional e a Reforma do
Código Criminal. Neste sentido, as províncias mineira e paulista seriam os palcos
adequados, dada a vinculação de suas elites ao projeto liberal de descentralização.
Dolhnikoff afirma que:
No que se refere à Revolta Liberal de 1842, ocorrida em São Paulo e em
Minas Gerais, pode-se dizer que foi a reação armada da facção
88
minoritária dos liberais moderados, cujos líderes concentravam-se nestas
duas províncias e que haviam perdido a grande influência de que
gozavam no jogo político nacional, substituídos por novas lideranças de
outras regiões.
107
A dúvida quanto à afirmação de Dolhnikoff paira no que toca a substituição de lideranças
paulistas por outras de províncias diferentes. Não está claro se as novas lideranças do
Partido Liberal provinham de outras regiões que não São Paulo e Minas Gerais, ou se as
lideranças do jogo político nacional progressivamente deixaram de ser paulistas e mineiras.
No último caso, o “tempo saquarema” se caracterizaria pelo isolamento da elite paulista e
mineira do jogo nacional, dada a predominância de liberais nas duas províncias. A
nacionalização da elite seria, como afirma Carvalho, uma das maneiras que o governo
imperial tinha de resistir às revoltas e demandas por maior autonomia provincial:
A importância da nacionalização da elite para a manutenção da unidade
do país pode ser avaliada pelo fato de que, apesar dela, as tendências
centrífugas, provinciais e regionais se fizeram sentir durante todo o
período e, de maneira mais violenta, até 1850.
108
Teríamos, então, uma estratégia adotada pelo governo imperial para nacionalizar a elite
brasileira através do projeto político-administrativo e, porque não, ideológico dos
conservadores. O afastamento dos liberais do centro político seria uma forma de garantir
tal coesão ideológica aos conservadores. Assim, a elite paulista estaria fora do jogo político
nacional. Ou se aliaria ao projeto imperial através de outros mecanismos. De fato, a última
grande manifestação liberal em São Paulo foi a Revolução de 1842, sendo que as
reivindicações da província por maior autonomia só seriam sentidas novamente em meados
da década de 1860. Novamente, tentou-se explicar tal “adesão” paulista ao projeto
saquarema pelos benefícios que supostamente recebiam na redistribuição dos recursos
orçamentários pelo governo central. vimos que tal hipótese não se sustenta quando
analisamos os dados.
Portanto, teríamos o seguinte quadro:
107
Dolhnikoff, Miriam. O Pacto Imperial, pág. 220.
108
Ver Carvalho, A Construção da Ordem, pág. 119.
89
o projeto conservador/saquarema que defendia a centralização político-
administrativa do Império se tornou dominante durante o II Reinado;
tal domínio se deveu à nacionalização da elite seguida de afastamento do jogo
político nacional das elites liberais, notadamente a paulista e a mineira;
a opção majoritariamente liberal de paulistas e mineiros estava relacionada a pouca
relevância e baixo desenvolvimento de suas respectivas economias;
além disso, a baixa formação intelectual de paulista e mineiros também contribuía
para que se afastassem do projeto imperial e se voltassem à defesa de autonomia
provincial.
O que esta seqüência parece definir é que o projeto liberal de paulista e mineiros era uma
idiossincrasia provinciana das elites locais, pouco afeitas às discussões nacionais. Sendo
assim, restou ao Império derrotar as ambições por maior autonomia no plano político,
através da Lei de Interpretação ao Ato e da Reforma do Código Criminal, além de afastar
as elites paulistas e mineiras das discussões em âmbito nacional. No plano econômico, pela
dependência que as províncias tinham em relação aos repasses feitos pelo governo central
e pelo privilégio que estas províncias recebiam, uma espécie de compensação por estarem
fora das definições nacionais. E, no limite, pelo uso da violência oficial contra os rebeldes
liberais que insistissem em reivindicar maior autonomia às províncias, como ocorreu em
1842. As correspondências trocadas entre Padre Feijó – um dos principais líderes da
Revolução de 1842 em São Paulo e destacado liberal, inclusive um dos responsáveis pelo
“avanço liberal” da década de 30 e Barão de Caxias, futuro Duque de Caxias e um dos
principais nomes da história do Exército Nacional são reveladoras no que concerne o uso
da violência física contra aqueles que questionaram o poder central. Escreveu Feijó:
Ilmo. e exmo. Sr. Barão de Caxias:
Quem diria que em qualquer tempo o Sr. Luís Alves de Lima seria
obrigado a combater o Pe. Feijó? Tais são as coisas deste mundo...
Em verdade o vilipêndio que tem o governo feito aos paulistas e às leis
anticonstitucionais da nossa Assembléia me obrigaram a parecer
sedicioso. Eu estaria em campo com a minha espingarda se não estivesse
moribundo; mas faço o que posso. Porém, alguns choques têm
produzido o espírito da vingança, e eu temo que o desespero traga
terríveis conseqüências; e como persuado-me que s.m.i. de procurar
90
obstar as causas que deram motivo a tudo isso, lembra-me procurar a
v.exc. por este meio, e rogar-lhe a seguinte acomodação que é honrosa a
s.m.i., e à província; e vem a ser: 1º) Cessem as hostilidades; 2º) retire-se
da província o Barão de Monte Alegre e seu vice-presidente até que s.m.
nomeie quem lhe parecer; e a província pede a v. exc. que interceda
perante o mesmo senhor para que não nomeie sócio, amigo ou aliado de
Vasconcelos; 3º) que a lei das reformas fique suspensa até que a
Assembléia receba a apresentação que a Assembléia Provincial dirigiu à
mesma sobre este objeto; 4º) que haja anistia geral sobre todos os
acontecimentos que tiveram lugar, e sem exceção; embora seja eu o
excetuado, e se descarregue sobre mim todo o castigo.
Exmo. Sr. , v. exc. é humano, justo e generoso; espero o duvidará
cooperar para o desta minha pátria. Eu lhe assevero que exigirei a
execução deste tratado por parte do governo atual da província, e como
comandante de nossas forças pode concluir definitivamente esta
capitulação.
Deus felicite a v. exc. como deseja quem é de v. exc. amigo, obrigado e
venerador.
P.S.: O portador lhe entregará alguns exemplares de um periódico que eu
redijo.
Ao que respondeu Caxias:
Ilmo. e exmo. Sr. Diogo Antônio Feijó:
Respondo a v.exc. pelas mesmas palavras da sua carta hoje recebida.
Direi: quando pensaria eu em algum tempo que teria de usar da força
para chamar à ordem o sr. Diogo Antônio Feijó? Tais as coisas deste
mundo! As ordens que recebi de s.m. o Imperador são em tudo
semelhantes às que me deu o ministro da Justiça em nome da Regência,
nos dias 3 e 17 de abril de 1832, isto é, que levasse a ferro e fogo todos
os grupos armados que encontrasse; e da mesma maneira que então as
cumpri, as cumprirei agora. Não é com as armas na mão, exmo. Sr., que
se dirigem súplicas ao monarca, e nem com elas empunhadas admitirei a
menor das condições que v. exc. me propõe na referida carta. Disponha
de forças quádruplas daquelas que hoje apóiam o partido desordeiro
desta província, e sobre a posição em que v. exc. se acha, marcham elas
91
em todas as direções; e dentro em pouco tempo a cidade de Sorocaba
será cercada e obrigada pelos meus canhões e baionetas a render-se.
Nenhuma resposta recebo que não seja a pronta dispersão e submissão
dos rebeldes.
O portador entregará a v. exc. uma porção de exemplares da
proclamação que dirijo aos verdadeiros e leais paulistas; e bem assim
daqui no mesmo sentido fez publicar s. exc. o sr. Barão de Monte
Alegre, legítimo presidente desta província.
Sou de v. exc. atento venerador e criado obrigado.
109
Portanto, nenhuma demonstração por parte de Caxias, e conseqüentemente do Império, de
‘afrouxamento’ e negociação com os rebeldes paulistas.
O que vimos, então, é que a hipótese de uso da violência contra os rebeldes se confirma, do
mesmo modo que a dependência econômica das províncias não. Nos faltam as hipóteses
políticas.
É possível que a elite paulista, tão marcadamente liberal, tenha sido substituída por uma
outra, menos liberal, e mais disposta a aceitar as regras “saquaremas”. Esta é a hipótese
levantada por Almeida e Wernet
110
, quando apontam alguns focos conservadores entre a
elite paulista. Almeida chega a firmar que tal foco se estabelecia na região próxima a
Campinas, no interior da província paulista. Já Wernet prefere apontar nomes relevantes da
elite política paulista que se tornaram líderes destacados entre os conservadores, entre eles
Carlos Carneiro de Campos, Vicente Pires da Mota, Paulino José Soares de Souza, José
Antônio Pimenta Bueno, Antônio Mariano de Azevedo Marques e Antônio da Silva Prado.
109
Peço desculpas pela longa citação, mas penso ser esclarecedora quanto à posição tanto dos rebeldes de
1842 quanto do governo imperial. A correspondência entre Feijó e Caxias foi publicada no Jornal do
Commercio, nº 181, em 10 de julho de 1842 e reproduzida por Caldeira, Jorge. Diogo Antônio Feijó. Coleção
Formadores do Brasil. São Paulo: ed. 34, 1999, págs. 222 – 223.
110
Ver Almeida, Aluísio de. A revolução liberal de 1842. Rio de Janeiro: José Olympio, 1944 Wernet,
Augustin. As sociedades políticas da Província de São Paulo na primeira metade do período regencial. Tese
de Doutorado. São Paulo: FFLCH/USP, 1975.
92
Nota-se que um deles, Paulino José Soares de Souza, futuro Visconde de Uruguai, foi um
dos maiores teóricos, senão o maior, do projeto conservador/saquarema.
111
Estas proposições se aproximam daquilo que chamou atenção Holanda. Segundo ele, a
elite paulista passou por uma transformação após a fundação do Curso de Direito na capital
da província. Holanda aproxima tal fato à mudança da formação da elite paulista, que
deixava de ser majoritariamente formada por soldados e padres e passava a ter entre seus
maiores líderes os bacharéis oriundos da Faculdade de Direito do Largo São Francisco.
112
Esta diferença uma elite formada por padres e soldados e outra formada por bacharéis
foi comentada no capítulo 1 pelas lentes de Carvalho. É, portanto, relevante que se note
a aproximação entre “baixa escolaridade” e “liberalismo” apontada por Carvalho e a
diminuição da “semente liberal” entre os paulistas quando começaram a aproximar a
formação acadêmica, o conhecimento das leis e o desenvolvimento econômico.
Matos, ao afirmar que nem todos os liberais paulistas apoiavam a sedição de 1842,
reafirma uma possível divisão da elite paulista.
113
Morse também se aproxima de tal
afirmação quando diz que, ao menos na capital de São Paulo, os bacharéis se fixavam na
cidade, transformando as discussões políticas da província
114
. Se aceita as proposições
acima descritas, a Faculdade de Direito do Largo São Francisco e seus bacharéis dividiram
a elite paulista, ao menos na capital, de tal forma que o domínio liberal foi contestado por
novas lideranças que, se não se converteram ao projeto conservador, ao menos
relativizaram a posição liberal a ponto de não estar a elite paulista unificada durante a
Revolução de 1842. Portanto, como afirma Lima:
(...) os liberais não possuíam (às vésperas da Revolução de 1842) uma
maioria absoluta na capital da província.
115
111
A importância de visconde de Uruguai para o pensamento conservador/saquarema durante o império
brasileiro foi destacada, entre outros, por Ferreira, Gabriela Nunes. Centralização e descentralização no
Império. O debate entre Tavares Bastos e visconde de Uruguai.São Paulo:Ed.34, 1999.
112
Para a proposição de Holanda ver: Holanda, S. B. de – São Paulo,. Em Holanda, S. B. de (org.). História
Geral da Civilização Brasileira 6
ª
ed. São Paulo: DIFEL, 1984 . Tomo II, 2
º
vol . pág. 450.
113
Ver Matos. O tempo Saquarema, capítulo 2.2 ‘A direção Saquarema’.
114
Ver Morse, Richard. Formação histórica de São Paulo. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1970.
115
Ver Lima, Marco Antunes de. A cidade e a Província de São Paulo às vésperas da Revolução Liberal de
1842. Escrito originalmente como projeto de iniciação científica, este artigo foi publicado pela revista digital
Klepsidra (www.klepsidra.net).
93
Se, como diz Almeida, a região de Campinas uma das importantes regiões produtoras de
café da província possuía uma “semente conservadora”, não era apenas na capital que a
elite se dividia. Neste sentido, o que Holanda afirma é que havia uma já corrente e
progressiva substituição na elite paulista, de liberais por conservadores. Diz ele:
Essa substituição (do açúcar pelo café) o é sem paralelo, aliás, em
outras esferas de atividades. Basta lembrar aqui como, quase
repentinamente, a primeira e notável (geração) dos liberais de São Paulo,
que tinha despertado para a vida pública num momento em que a
conjuntura mundial ainda parecera favorecer o negócio do açúcar,
propiciando o nascimento, na província, e o crescimento, da grande
lavoura, vai parecer cada vez mais desafinada com a sociedade política
do tempo. Com efeito, uma placidez paciente e tanto quanto possível
contemporizadora, incompatível, em todo caso, com essa espécie de
teimosia que Antônio Carlos julgou o vício ou a virtude? capital
entre os seus paulistas, é no Segundo Reinado, qualidade ideal para os
que hão de ascender aos postos de direção e influir decisivamente na
coisa pública. Depois de 1837, com a renúncia de Feijó, incapaz de
capitular ante a nova realidade representada pelos partidários do
‘regresso’, e depois, principalmente da revolução sorocabana, que é
um protesto desesperado e sem perspectivas de triunfo, a presença
daqueles homens seria quase um anacronismo no cenário político.
116
Portanto, Holanda e Almeida anunciam uma adaptação de uma nova elite paulista ao
projeto saquarema. Assim, nos falta confirmar se, de fato, a elite paulista foi afastada do
jogo político nacional após 1842. E, caso não tenha sido, se apenas aqueles que se
“converteram” ao partido conservador é que participaram desta nacionalização da elite
política do país.
Para tanto, lembremos algumas questões que já foram levantadas. Entre elas:
mesmo com projeto conservador/saquarema sendo majoritário, as províncias
mantiveram relativa autonomia. Ou seja, o “regresso” não foi tão forte como se
116
Holanda. São Paulo, pág. 463.
94
defende, ao menos no que toca as “brechas” que a descentralização feita pelo Ato
Adicional de 1834 garantiram às províncias;
não é possível identificar a opção majoritária de paulistas pelo projeto liberal ao
baixo desenvolvimento econômico da região. Ao contrário, a província apresentava
razoável crescimento econômico durante a segunda metade da década de 1830 e
toda a década de 1840, momento de consolidação do projeto saquarema;
também não é possível associar, como faz Carvalho, a baixa formação intelectual
dos paulistas à opção liberal. Desde 1828, a elite paulista se formava nos bancos da
Faculdade de Direito do Largo São Francisco. Neste caso, seria pertinente, como
fazem alguns autores, não tratar a elite paulista como homogênea. A opção
conservadora, ou no mínimo, menos liberal, era vista na capital e nos arredores
de Campinas, importante região do interior da província.
é possível, como faz Holanda, aproximar a ascensão da cafeicultura paulista à
formação de uma “nova elite”, menos liberal, ou no mínimo, menos afeita à posição
dos antigos liberais da década de 1820-30. Além disso, esta “nova elite” estaria
ligada, também, aos bancos da Faculdade de Direito do Largo São Francisco, onde
teria a formação adequada, na época, para ascender aos postos públicos e decisórios
do Império.
3.4 Participação paulista no ministério imperial
Uma “nova elite”, desvinculada da ordem decadente padres, soldados e canavieiros se
formava em São Paulo. Esta “nova elite”, por sua vez, achava-se ligada à ascendente
produção de café no interior da província e aos quadros de bacharéis formados pela
faculdade de Direito do Largo São Francisco. Esta “nova elite” é que teria, segundo
Holanda, as características ideais para ascender aos postos de direção e de tomadas de
decisões no que se referia à coisa pública. Para, então, captar com mais precisão esta
participação da elite paulista no Império, algumas informações dadas por Carvalho são
esclarecedoras
117
. Já foi citado que dos 16 paulistas que foram ministros durante o II
reinado, 11 eram liberais, 4 conservadores e 1 sem filiação partidária. Pernambuco teve, no
total, 14 ministros, sendo 8 conservadores e 6 liberais. A Bahia teve 26, sendo 12 liberais,
13 conservadores e 1 sem filiação partidária. O Rio Grande do Sul, 9 liberais e apenas 1
95
conservador. Minas Gerais, dos 18 ministros , 5 eram conservadores e 13 liberais. O Rio de
Janeiro, incluindo a Corte, 19 conservadores, 4 sem filiação partidária e apenas 5 liberais.
Esses números apenas confirmam a hipótese de que São Paulo, Minas e Rio Grande do Sul
eram as províncias majoritariamente liberais.
Um outro quadro apresentado também por Carvalho é ainda mais esclarecedor. Entre 1840
e 1853, portanto quase no mesmo período que esta pesquisa definiu como objeto, 21,75%
dos ministros do Império eram paulistas. A mesma porcentagem de mineiros, que apenas
eram menores proporcionalmente aos baianos, com 26, 09%. Portanto, as duas províncias
majoritariamente liberais eram as origens de quase a metade dos ministros do Império
durante a década de 40, justamente a de consolidação do projeto conservador/saquarema.
Para efeito de comparação, durante os 18 anos seguintes, entre 1853 e 1871, São Paulo era
a origem de 10% dos ministros do Império e Minas Gerais, de 8%. Portanto, ou uma super-
representação política paulista e mineira durante a década de 1840 ou uma sub-
representação durante os quase 20 anos posteriores.
Se usarmos alguns outros critérios, podemos notar outras contradições. No início da década
de 40, a participação de São Paulo na constituição da riqueza nacional era de
aproximadamente 6%, número próximo à participação paulista no conjunto da população
nacional.
118
No caso, portanto, da participação paulista nas discussões políticas nacionais, não é
possível afirmar que ela foi diminuída tendo em vista a consolidação do projeto
conservador. Ao contrário, foi justamente no período de maior tensão entre poder central e
poderes provinciais no II Reinado que os paulistas mais contribuíram na formação dos
ministérios. E, sendo que dos 16 paulistas que foram ministros durante o governo de D.
Pedro II, 11 eram liberais; parece que era pouco relevante ser conservador para participar
do governo imperial. Ao contrário, mesmo sendo liberal, a elite paulista pactuou com o
governo central durante a década de 1840.
117
Ver Carvalho. A construção da Ordem, págs. 71 – 74 e 197.
118
Idem, págs. 120 – 122.
96
O que parece mais pertinente é pensar em uma negociação entre a elite paulista, mesmo
liberal, com o governo central acerca do apoio ao projeto saquarema. A idéia de construção
do Estado Nacional através de um jogo que opunha poder central e poder regional, ou a
unidade e a descentralização, se transforma numa dinâmica mais complexa, que envolve
acordos, montagem de instituições legais e, principalmente, formação de uma elite que,
mantida sua capacidade de desenvolvimento econômico regional, se aproxima do projeto
político e ideológico do poder central através da consolidação de seu espaço nas esferas
decisórias do país.
Se, neste caso, a hipótese de Carvalho for considerada, a nacionalização da elite ocorreu
através do treinamento que ela recebia, principalmente através das escolas de Direito, para
assumir os cargos burocráticos e políticos nacionais. O problema é que, segundo esta
hipótese, as elites que não foram cooptadas pelo Império, foram afastadas das discussões
nacionais. Pode-se afirmar que, no caso paulista, e com menos segurança no caso mineiro,
essa elite, mesmo não se associando majoritariamente ao projeto conservador/saquarema
ou seja, mantendo-se ligada ao Partido Liberal - , continuou com acesso às discussões do
Império, nacionalizando seus interesses, ou ao menos, seu acesso ao poder. Por outro lado,
a hipótese do pacto federativo, apresentada por Dolhnikoff, mostra-se pertinente para o
caso paulista, que mantida a situação fiscal e de autonomia nas decisões de
investimentos, a elite da província pode negociar, sem depender dos recursos que recebia
do governo central, sua participação na política do Império mesmo se mantendo liberal.
Uma aproximação entre as duas hipóteses parece razoável, que nem a cooptação
absoluta e nem o afastamento das elites regionais contrárias ao projeto saquarema
ocorreram sem apresentar uma intersecção. Mais uma vez, Holanda parece anunciar tal
processo ou, seja, de uma aproximação entre governo central e a elite paulista de tal
forma que se diminuísse o impacto das idéias dos antigos liberais na província. Ao
comentar a escolha de José da Costa Carvalho Barão de Monte Alegre - para presidência
da província paulista, ele afirma:
Além disso, a escolha de Monte Alegre, baiano de nascimento, mas
identificado desde longa data com a sociedade e a política da província
(paulista) onde contava com numerosíssimo círculo de amizades e
97
devoções, parecia significar o empenho do governo geral em reduzir ao
mínimo os atritos inevitáveis com o sentimento liberal e regional que
distinguia as camadas influentes de São Paulo.
119
E logo depois, ao comentar sobre a troca de Monte Alegre por Pires da Mota, conservador
como o primeiro, durante a revolta de 1842, confirma:
Ao mesmo tempo – da troca por Pires da Mota – cuida de escolher, entre
seus partidários dedicados, os comandantes de pontos vitais, como São
Roque e Campinas.
120
O que temos, portanto, é o esforço do governo central em diminuir a influência dos liberais
da província de São Paulo através de um jogo que tinha como objetivo a substituição da
elite paulista - em curso e a aproximação entre essa nova elite e o Império. Este
acordo, ao qual Dolhnikoff chama de pacto federativo, teria sido feito num momento de
ascensão da economia paulista, principalmente da cafeicultura, precipitada pelo aumento
dos investimentos públicos em estradas que facilitavam o escoamento da produção
interiorana ao porto de Santos. Não parece, portanto, pertinente a associação que se faz
entre incapacidade econômica e apoio ao projeto de centralização imperial; menos ainda a
relação entre repasses do governo central às províncias, privilegiando algumas em
detrimento de outras. O que, de fato, temos, é que a diminuição da influência liberal em
São Paulo se deu através de um processo dialético que pode ser identificado com a
construção do Estado Nacional entre a elite provincial e o governo central. Esse processo
envolveu a nacionalização da elite paulista através de sua super-representação no
Ministério de D. Pedro II durante a década de 1840, justamente aquela que viu a
consolidação do projeto conservador/saquarema. Em outras palavras, uma nova elite
paulista, ligada à produção de café que, ciente das “brechas” legais e institucionais
garantidas pela autonomia dada pelo Ato Adicional de 1834 e não retiradas pelo
“regresso”, diminui progressivamente sua opção pelo liberalismo pró-descentralização e
opta por uma negociação com o governo central que nacionalize seus interesses. O meio de
acesso a esta nacionalização de interesses seria os bancos da Faculdade de Direito do
Largo São Francisco, onde esta nova elite treinava sua inserção nas esferas decisórias de
119
Holanda. São Paulo , pág. 466.
98
um país que carregava a tradição “bacharelesca”. Alguns dados e biografias nos ajudam a
concluir.
3.5 Perfis biográficos da elite paulista
O sr. Antônio Manuel de Campos Melo, nascido em Porto Feliz na província de São Paulo
em 1809, graduou-se em Direito pela Faculdade do Largo de São Francisco em 1833. Sua
militância liberal pode ser vista em sua ligação, como redator, do Farol Paulistano,
periódico porta-voz dos liberais da província.
Participante da Revolução de 1842, Campos Melo participou do Gabinete liberal de Paula
Souza antes de se aproximar do Gabinete da Conciliação, presidido pelo Marquês de
Paraná. Além disso, foi deputado provincial pelo partido Liberal em 1836, 1840, 1842 e
1846. Foi representante paulista na Câmara Nacional entre 1845 e 47. Foi também
presidente de Alagoas entre 1845 e 1847, presidente do Maranhão entre 1862 e 1863 e
ministro da Justiça em 1848.
O mineiro de São João D’El Rei, Domiciano Leite Ribeiro, nasceu em 1812 e graduou-se
como bacharel em Direito pela Faculdade do largo de São Francisco em 1833, mesmo ano
que Campos Melo. Era membro do Partido Liberal, mesmo discordando das ações de seus
correligionários em 1842. Era fazendeiro de café no Vale do Paraíba Fluminense, além de
deputado provincial mineiro em 1838, representante de Minas gerais na Assembléia
Nacional em 1842 e em 1863, presidente da província paulista em 1848 e da fluminense
em 1865/66. Foi Ministro da Agricultura em 1864, além de advogado e banqueiro,
jornalista e poeta. Foi agraciado com o tulo de Visconde de Araxá. Faleceu em 1881, em
Vassouras, província fluminense.
João da Silva Carrão teve uma carreira das mais interessantes da época. Nascido em
Curitiba, então província paulista, em 1810, graduou-se em Direito pela Faculdade do
Largo de São Francisco em 1837. Liberal, conciliava sua vida acadêmica com sua
militância através de artigos publicados pela imprensa paulista. Participou dos periódicos o
Novo Farol e o Americano, fundado em 1844 por Carrão e Campos Melo. Em 1843 se
120
Idem, pág. 467.
99
candidatou a uma vaga de professor da Faculdade na qual se graduou, apenas um ano
depois de estar entre os deres da Revolução Liberal paulista. Um documento enviado a
José Carlos Pereira de Almeida, ministro dos negócios do Império, e assinado pelo então
diretor da Faculdade, Sr. José Maria de Avelar Brotero, é revelador:
Ilmo e Exmo sr. O suplicante dr. João da Silva Carrão me requer faça
subir à augusta presença de S. Majestade, o Imperador, por intermédio
de V. Exa., o incluso requerimento, no qual pede uma resolução sobre o
seu concurso a uma das cadeiras de substituto das aulas maiores, vaga
neste curso jurídico; e a tal respeito tenho que dar a seguinte informação.
A cadeira foi posta a concurso e, fechado ele no tempo competente,
houve congregação no dia 16 de setembro de 1843, na qual se deram
pontos e marcou-se o dia para o exame do suplicante, único candidato
que compareceu, e tomou ponto para o dia 4 de outubro. Na congregação
ordinária de 2 do mesmo mês, apareceu a dúvida se, na votação, se
deviam levar em conta as opiniões políticas do candidato; e a mesma
congregação suspendeu o exame e consultou o Governo em ofício de 3
do dito mês. (...) Respeitosamente falando, julgo que a lei e a decência
da Academia exigem que o concurso se conclua (...) Não obstante as
minhas reflexões, S. Majestade Imperial resolverá como achar de justiça,
e for de seu agrado. Deus guarde a V. Exa., São Paulo, 9 de abril de
1845.
Ou seja, dois anos após o concurso, a admissão de Carrão ainda estava suspensa devido às
suas filiações e ações políticas liberais. O fato é que, um mês depois, Carrão foi nomeado
professor da Faculdade de Direito de São Paulo.
Conselheiro Carrão, como ficou conhecido, ainda foi deputado provincial paulista, sendo
várias vezes presidente da Casa; representante paulista na Assembléia Geral em 1842,
1845, 1848, 1857, 1861, 1865, 1867 e 1878. Foi também presidente da Província do Pará,
em 1857 e de São Paulo em 1865. E por fim, foi Ministro da Fazenda em 1865.
Permaneceu liberal por toda sua vida política. Faleceu em 1888.
100
Joaquim Antão Fernandes Leão nasceu em Minas Gerais em 1809 e graduou-se em Direito
pela Faculdade do Largo de São Francisco em 1833. Foi deputado provincial em Minas em
1836, 1838, e 1842, além de representante de sua província na Assembléia Nacional em
1842, 1845, 1848 e 1869. Liberal, pegou em armas na Revolução de 1842 contra as
medidas centralizadoras do Império. Porém, em 1862, filiou-se ao Partido Conservador.
Antes disso, contudo, já havia assumido os cargos de inspetor da fazenda em Minas,
diretor geral de rendas públicas, no tesouro Nacional, presidente da província do Rio
Grande do Sul em 1859 e da Bahia em 1861. Foi Ministro da Guerra em 1848 e da
Marinha no mesmo ano, portanto, quando ainda era liberal e poucos anos depois do
episódio de 1842. Faleceu em 1887.
José Antônio Pimenta Bueno graduou-se em Direito na Faculdade do Largo de São
Francisco em 1832, tendo nascido na mesma província em 1803. Com uma longa lista de
serviços e cargos públicos, Pimenta Bueno voltou à Faculdade em 1843 para receber títulos
acadêmicos. Nos 11 anos que separam a graduação de 1843, foi, entre outros, juiz de
direito, deputado provincial paulista, presidente da província de Mato Grosso e
representante paulista na Assembléia Nacional. Em 1844 foi destacado pelo Império como
negociador diplomático junto ao governo paraguaio. Em 1847 foi Ministro do Exterior e da
Justiça. Em 1850, de volta do país vizinho, foi presidente da província gaúcha, além de
membro efetivo do Conselho de Estado. Liberal, suas obras jurídicas foram por muito
tempo referências para o estudo do Direito no país.
E, finalmente, Martim Francisco Ribeiro de Andrada (2º), filho do antigo ministro da
Fazenda da Independência e da Maioridade, nascido em 1825, na França. Graduado em
Direito pela Faculdade da capital paulista em 1845, este liberal havia sido agente da
Revolução de 1842, assim como seria foi promotor, juiz, jurista, professor, advogado e
literato. Também deputado provincial paulista e representante de sua província na
Assembléia Nacional. Presidente da Assembléia, Martim Francisco foi ainda Ministro do
Exterior em 1866 e da Justiça entre o fim do mesmo ano e 1868. Sempre fiel ao Partido
Liberal, faleceu em 1886, nos anos finais do Império Brasileiro.
101
Como se vê, estes exemplos biográficos nos servem na medida em que mostram,
empiricamente, alguns dos que mesmo sendo liberais, paulistas ou mineiros, e tendo
participado da Revolução de 1842, participaram dos altos cargos políticos do Império, com
destaque aos Ministérios.
121
Além disso, demonstram também a relevância da formação em
Direito e São Paulo tinha uma das duas escolas do país na formação da elite política
nacional. Desta forma, tenta-se justificar a hipótese que contempla a aproximação entre a
elite paulista e o governo imperial através de uma troca que consistia, no lado daquela, a
diminuição de suas tradicionais posições liberais favoráveis ao aumento da autonomia
provincial, e deste, a preservação de relativa autonomia fiscal e institucional nas
províncias, assim como a participação da elite provincial nas esferas decisórias nacionais.
As hipóteses consagradas pela historiografia que contemplam o afastamento das elites
paulista e mineira - majoritariamente liberais - dos arranjos políticos nacionais como
condição e motor daquilo que seria chamado por Matos de ‘Tempo Saquarema’, parecem
exageradas na medida em que descartam a dinâmica política implementada por aqueles que
tinham em mãos a construção da nação.
Por outro lado, um “jogo de trocas” no qual as forças regionais no caso provinciais
abriam mão de mais autonomia, o que significa legitimar a centralização do poder
imperial, ante a garantia que, além da preservação de autonomia relativa nas decisões de
investimentos econômicos, teriam suas discussões nacionalizadas, se mostra mais
pertinente.
Vale ressaltar que essa última hipótese foi tratada pela historiografia em duas partes, sendo
que Carvalho defende o afastamento das elites liberais das decisões do Império, mesmo
enxergando a necessidade de nacionalização das elites pelo governo central. Por outro
lado, Dolhnikoff defende um ‘pacto federativo’ que garantiu a autonomia provincial
conquistada em 1834, mesmo no período de domínio saquarema/conservador. No caso,
parece que as duas, se aproximadas, se completam de modo a formar uma visão mais
abrangente e complexa, portanto mais próxima da realidade, do período responsável pela
formação do Estado Nacional.
121
Os dados bibliográficos foram retirados de Lyra, Tavares de. Instituições Políticas do Império. Brasília:
Ed. Do Senado/Editora da UNB, 1979. Edição original de 1945; e de Nogueira, José Luís de Almeida. A
Academia de São Paulo. Tradições e Reminiscências. São Paulo: Saraiva Edições/ Secretaria da Cultura,
Ciência e Tecnologia, 1977. Edição original de 1907.
102
Conclusão
O progressivo desenvolvimento da economia cafeeira ante o declínio da canavieira em
meados do século XIX esteve ligado à possibilidade dos paulistas terem condições de
garantir os orçamentos provinciais equilibrados e, mais que isso, superavitários. Essa
possibilidade, a qual nem todos os autores acreditam que existia, pode estar relacionada à
origem daquela que seria a maior riqueza do país a partir da década de 1870.
Em outros termos, a capacidade de São Paulo manter positivos seus orçamentos e
investimentos públicos possibilitou à província desenvolver suas atividades econômico-
produtivas sob uma relativa autonomia frente às mudanças que ocorriam na esfera do
poder central. Tais mudanças estiveram ligadas às reivindicações por medidas
descentralizadoras feitas pelos liberais, ou seja, aqueles que defendiam uma maior
autonomia provincial frente ao poder central. Em 1834 foi aprovado o Ato Adicional à
constituição de 1824, considerado o ápice do “avanço” liberal. De fato, o Ato Adicional
aumentava a autonomia provincial através de medidas como, por exemplo, a criação das
Assembléias Provinciais. Contudo, alguns alicerces da Monarquia, como a escravidão e a
manutenção da unidade territorial, foram colocados em xeque segundo os detratores do
alargamento da autonomia provincial. Sendo assim, era necessário promover como
ocorreu o “regresso” conservador e a conseqüente centralização política e administrativa
do Império. Além disso, era também preciso garantir o apoio político e ideológico das
elites regionais a este projeto. Em outros termos, era preciso esvaziar o conteúdo das
reivindicações favoráveis à descentralização antes que a unidade territorial e a própria
monarquia ruíssem.
103
Por outro lado, as elites provinciais não estavam dispostas a cederem as suas respectivas
autonomias, vale dizer, principalmente fiscal e de decisões de investimentos públicos, que
haviam sido conquistadas em 1834. Como vimos, as Assembléias Provinciais criadas pelo
Ato Adicional de 1834 precipitaram às províncias o direito de legislar sobre a criação de
novos impostos desde que não interferisse naqueles cobrados pelo governo central - e na
definição de investimentos. O que uma grande parte da bibliografia defende é que o apoio
à centralização por parte de até mesmo alguns que antes apoiavam a descentralização se
deveu precisamente porque as finanças das províncias eram precárias, devido à fragilidade
dos impostos que lhes eram permitidos de serem cobrados. Em outras palavras, mesmo
com relativa autonomia fiscal, as províncias ficavam com a parte menos rentável da
tributação, enquanto o governo central continuava com o controle sobre as duas maiores
fontes, quais sejam os direitos sobre importação e exportação. A solução seria a
transferência de responsabilidades provinciais ao governo central, o que teria sido feito
pelo “regresso”. Conseqüentemente, a sobrevivência das províncias dependia do repasse
que recebiam do governo central.
Porém, as conclusões apresentadas no capítulo 2, ancoradas na análise das fontes
relacionadas à província paulista entre 1835 e 1850 afirmam que, em geral, as finanças de
São Paulo eram superavitárias, precipitando investimentos públicos e crescimento
econômico. Por isso, parece-me mais pertinente pensar boa parte da situação precária nas
finanças provinciais como uma ferramenta de retórica por parte dos representantes
regionais que disputavam junto ao governo imperial uma maior fatia do “bolo” fiscal, já
que os poderes que estão em jogo na disputa política significam, muitas vezes, acesso a
maiores recursos orçamentários. A presença de determinadas vantagens geográficas em
algumas províncias, como aquela que garantia a São Paulo a arrecadação de impostos
sobre circulação de mercadorias e animais por ser uma “passagem” importante, pode
explicar parte do desenvolvimento econômico. Mas, por outro lado, o uso das “brechas”
legais é que viabilizava e transformava tais vantagens geográficas em econômicas. Uma
outra interpretação sobre a defesa da centralização que dominou o espectro político-
adminstrativo do Brasil durante a década de 1850 argumenta que a imensa capacidade de
exação do Estado Imperial vinha acompanhada de um desigual repasse dos recursos do
centro para as províncias. Esta espécie de “Leviatãque tudo controlava, exaurindo suas
províncias em nome da centralização administrativa e política, privilegiava as províncias
104
do sul em detrimento das do norte, o que justificaria a pujança econômica da primeira e a
decadência da segunda região. Esta argumentação, presente desde autores do século XIX,
como Tavares Bastos, até contemporâneos, como Evaldo Cabral de Mello, não se
sustentou após uma análise apurada de algumas províncias, como São Paulo, no sul, e
Bahia e Pernambuco, no norte. A parte da receita geral (do governo central) adquirida em
São Paulo não era menor que o repasse que a província paulista recebia do governo central,
assim como as duas mais importantes províncias do norte. Ou seja, São Paulo não era
deficitário em relação ao governo central, da mesma forma que Bahia e Pernambuco. Se
fosse, a hipótese de que as províncias do norte financiaram o desenvolvimento das sulistas
através da transferência de recursos mediada pelo Império seria pertinente. O que se vê,
contudo, é que a sulista província de São Paulo não pode ser incluída nesta proposição,
enquanto regiões que não apresentaram significativos resultados econômicos receberam,
do governo central, valores muito superiores àqueles que propiciavam, tal como o Mato
Grosso.
Observando os números referentes à receita geral e à receita provincial paulista fica
evidente a grandiosidade da primeira se comparada à segunda. A capacidade de exação do
governo imperial era, de fato, imensa. O que se afirma é que tal voracidade não impediu
que a província paulista mantivesse uma relativa autonomia econômica, independendo dos
repasses que recebia do governo central.
Além disso, a distribuição dos recursos pelo governo central parecia obedecer muito mais
às suas necessidades em regiões que apresentavam algum tipo de problema, como as
fronteiriças. Isso significa dizer que as funções do governo central exigiam, de fato,
maiores recursos para serem exercidas, o que conseqüentemente o obrigava a ter uma
receita maior mesmo se comparada com a soma das receitas provinciais. Portanto, o
desenvolvimento econômico de uma região, assim como as dificuldades de outra, não
estiveram, no limite, diretamente ligadas aos recursos que recebiam do governo central, e
sim às especificidades locais. Ao menos no caso paulista tal proposição pode ser
confirmada. Dessa forma, o apoio ou a rejeição à tendência centralizadora do governo
imperial independiam dos recursos que a província de São Paulo produzia e recebia
durante o período entre 1835 e 1850.
105
Por isso, um outro aspecto nos chamou a atenção. Após uma incisiva atuação política de
figuras de destaque na sociedade paulista ligadas aos liberais e, portanto, defensoras de
uma maior autonomia provincial, nos anos seguintes a 1842 houve um retrocesso de tal
posição, o que coincide com o domínio político e ideológico dos conservadores. O “tempo
saquarema”, como define Ilmar Matos, foi caracterizado pelo predomínio conservador,
mesmo quando os liberais tinham a chefia do governo. Este “tempo saquarema” é visto
pelo próprio Ilmar Matos como prova maior de que a forma que definiu o Império
brasileiro após as indefinições iniciais e a fracassada tentativa liberal de descentralização
foi a centralização defendida pelos conservadores. Tão majoritária que ultrapassava as
fronteiras do poder político e se transformava em ideologia dominante.
Uma conclusão possível, neste caso, é que o Estado brasileiro se construiu a partir de um
sutil acordo entre as lideranças regionais e o governo central. Tal “acordo” previa razoável
autonomia legislativa de tal modo que pudesse ser acompanhada de capacidade fiscal e de
equilíbrio orçamentário às províncias, do mesmo modo que garantia o apoio ideológico das
lideranças provinciais ao projeto centralizador defendido pelo Imperador e pelos
conservadores, os “saquaremas”.
Porém, mesmo as províncias tendo garantido relativa autonomia fiscal e orçamentária, a
parte que cabia ao governo central continuava muito grande, limitando - e não impedindo -
o desenvolvimento econômico provincial. Nestas condições, seria razoável supor que as
reivindicações por maior descentralização partissem justamente daquelas regiões mais
atingidas pela imensa voracidade fiscal do governo imperial, fragilizando o “acordo”,
como ocorreria nas décadas de 1870 e 80 na província de São Paulo. Percebe-se, desse
modo, a coerência no fato de São Paulo ter sido o berço de algumas das mais notáveis
lideranças liberais. Mas deixa de ser coerente a partir de 1842, quando praticamente
desaparecem do cenário principal as lideranças e reivindicações liberais na província
paulista. Mirian Dohlnikoff afirma que as revoltas de 1842 foram feitas apenas pelos mais
radicais defensores do Ato Adicional de 1834, não representando, portanto, os moderados
que, por sua vez, vinham mostrando adesão ao acordo que ela chama de “Pacto
Federativo”. Mesmo quando considerada a hipótese de Dohlnikoff, alguns participantes
das revoltas de 1842 eram, até então, destacados líderes políticos que entraram no ocaso
apenas depois de derrotados pelas forças do governo imperial. Portanto, diminuir a
106
influência e capacidade de liderança daqueles que estiveram à frente dos liberais em 1842
apenas pelo seu caráter “radical” não me parece encerrar a questão. Dohlnikoff ainda
considera que as revoltas de 1842 não guardaram um caráter regional, mesmo tendo
ocorrido em São Paulo e Minas Gerais. Elas teriam sido um reflexo da reviravolta política
que estava ocorrendo e que nem todos viram com bons olhos. Então, mesmo que algumas
lideranças liberais falassem informalmente em nome de suas províncias, este recurso seria
apenas uma forma de apelo à causa, não representando, de fato, as reivindicações das elites
da região. Porém, não era incomum que as justificativas ao uso de armas contra o governo
pelos liberais paulistas viessem recheadas de considerações “regionalistas”. A ênfase e a
freqüência com que aparecem tais considerações dão, no mínimo, alguma credibilidade à
suspeita de que, de fato, continham elementos regionais. Relevante, então, é perceber que
São Paulo, uma das mais importantes províncias no que tange à atuação dos liberais,
aumentou sua participação política no império, ao contrário do que poderíamos supor para
uma região que acabara de pegar em armas contra o governo central. Portanto, a hipótese
da divisão entre os liberais paulistas se torna pertinente na medida em que explica o
“desaparecimento” de parte das lideranças do teatro político sem prejuízo para a província
em sua participação nas decisões nacionais. O que não parece coincidência foi a rápida
adesão dos liberais “não radicais” portanto, que não se rebelaram em 1842 - ao projeto
majoritário saquarema. Por isso, a hipótese de que o governo imperial assumiu um “jogo”
de trocas com regiões onde parte da elite política, mesmo não sendo liberal radical, poderia
continuar a reivindicar maior autonomia provincial e, portanto, ameaçando não o tênue
equilíbrio obtido com a divisão de rendas fiscais, mas também o projeto de domínio
ideológico dos saquaremas, parece-me, também, pertinente. Está na essência do jogo
político a troca e, a julgar pelos resultados medidos pela estabilidade do projeto
conservador até fins da década de 1860, ela funcionou naquilo que, supostamente, se
dispôs a cumprir. Os atores políticos, como comentado, pareciam estar cientes desse
jogo e por isso pressionavam o governo por seus interesses, que freqüentemente estavam
relacionados ao acesso aos recursos públicos. Portanto, por que os liberais de São Paulo,
mesmo que a província conseguisse se manter em situação fiscal privilegiada, desistiram
de reclamar por mais autonomia e,conseqüentemente, recursos? Dohlnikoff defende que,
ao “institucionalizar” a discussão política, mesmo que nas Assembléias provinciais, o
governo imperial estaria “cooptando” ao seu jogo aqueles que poderiam se contrapor a ele.
107
Em contraposição à tese de Dohlnikoff pode-se elencar uma série de autores. Entre eles, o
de maior destaque é José Murilo de Carvalho, que não reconhece a predominância
ideológica dos saquaremas como resultado de um “pacto” que garantiria o apoio das elites
regionais ao governo central em troca da preservação de uma relativa autonomia provincial
e da “institucionalização” das disputas políticas. Carvalho credita como fonte do domínio
saquarema a formação e treinamento de uma elite burocrática que daria a coesão necessária
ao projeto conservador. Essa elite, majoritariamente formada por bacharéis em Direito,
teria sua origem ainda no período colonial sob o modelo da Universidade de Coimbra. Tal
modelo de formação e treinamento de uma elite teria sido transposto de Coimbra para o
Brasil do século XIX, garantindo sua reprodução durante o período imperial. Uma das
hipóteses que aqui foi levantada é que, considerando a pertinência dos argumentos de
Carvalho, São Paulo seria privilegiado na formação e treinamento desta elite que garantiu o
predomínio conservador durante o reinado de Pedro II, que abrigava uma das duas
principais Escolas de Direito do país, a Faculdade do Largo São Francisco.
Sendo assim,as principais conclusões apresentadas foram:
- independente das mudanças institucionais no que concerne a maior ou menor
centralização político-administrativa do Império, a província de São Paulo garantiu
razoável autonomia, de tal forma que, mesmo com a enorme capacidade de exação
do governo central sobre ela, era possível obter desenvolvimento econômico.
Portanto, o desenvolvimento econômico da província não estava apenas
condicionado com os recursos que fornecia ou que eram repassados pelo governo
central, e sim por fatores internos a ela;
- o desenvolvimento econômico da província paulista, portanto, mantinha estreitas
ligações com as instituições da província, permitindo aproximar a discussão
econômica da política e administrativa;
- a autonomia e o desenvolvimento da província de São Paulo que caracterizou o
período de domínio conservador não promoveu de maneira única a adesão de suas
elites ao projeto majoritário saquarema. A elite paulista, fortemente marcada pelos
ideais liberais, aderiu a tal projeto não apenas em troca da manutenção da
108
possibilidade de manejar parte de seus recursos e participar do “jogo político”
através do acesso à Assembléia Provincial e mesmo Nacional, mas também porque
se infiltrou na política da Corte;
- dessa forma, as reivindicações por maior autonomia foram suspensas até a década
de 1870, precipitando uma super-representação paulista nos ministérios do Império
durante os anos de 1840, mesmo sendo São Paulo uma província de “segundo
escalão”;
- isso foi possível, entre outros, pelo alto número de formados na Faculdade de
Direito do Largo São Francisco que foram nomeados ministros, levando para a
capital boa parte da elite paulista.
Apresenta-se assim, uma perspectiva para o entendimento sobre a formação do Estado
Brasileiro durante o século XIX, privilegiando a relação institucional, política e
administrativa e suas vinculações com o desenvolvimento econômico. Neste caso, tentou-
se produzir, através de pesquisas em fontes primárias, as respostas a algumas contradições
apontadas pela historiografia.
Por fim, pode-se ter, neste trabalho, uma hipótese sobre como o relacionamento entre
grupos regionais e o poder central - seja no aspecto legal, seja no político – contribui para o
desenvolvimento econômico. Parece relevante essa perspectiva em um país de proporções
geográficas continentais, onde o Estado ainda é o controlador de boa parte da riqueza e
que, portanto, tem uma sociedade tão dependente dele.
109
Fontes
Relatórios de Presidentes da província de São Paulo
Mapas de exportação da Alfândega de Santos
Livros Contábeis da Contadoria Provincial de São Paulo
Diários da Tesouraria da Província de São Paulo
Livro da Receita do dízimo provincial da Vila de Santos
Mapa demonstrativo do dízimo provincial da Alfândega de Santos
Séries estatísticas do IBGE
Coleção de Leis do Império
Livros de Barreiras da província de São Paulo
Livros das Exportações da Barreira de Cubatão
Atas da Assembléia Provincial
Maços de Obras públicas da Província de São Paulo
Livros das estradas da Província de São Paulo
Balanço de Receitas e Despesas do Império
110
Bibliografia
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recôncavo, 1780 – 1860. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003
Bosi, Alfredo. Dialética da Colonização. São Paulo: Companhia das Letras, 1992.
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