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ALEXANDRO BORGES BATISTA
CASERNA - LUGAR DE ‘HOMENS’:
UM OLHAR DE GÊNERO NA FORMAÇÃO DO JOVEM MILITAR
Tese apresentada à Universidade
Federal de Viçosa, como parte das
exigências do Programa de Pós-
graduação em Economia Doméstica,
para obtenção do título de Magister
Scientiae.
VIÇOSA
MINAS GERAIS - BRASIL
2005
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ALEXANDRO BORGES BATISTA
CASERNA - LUGAR DE ‘HOMENS’:
UM OLHAR DE GÊNERO NA FORMAÇÃO DO JOVEM MILITAR
Tese apresentada à Universidade
Federal de Viçosa, como parte das
exigências do Programa de Pós-
graduação em Economia Doméstica,
para obtenção do título de Magister
Scientiae.
APROVADA
em: 12 de abril de 2005
______________________________ ____________________________
Prof
a
Alice Inês de O. e Silva
(Conselheira)
Prof
a
. Patrícia F. da G. da Silva
(Conselheira)
_____________________________ ____________________________
Prof
o
Júlio Assis Simões
Prof
o
. Fábio Faria Mendes
______________________________
Prof
a
. Maria de Fátima Lopes
(Orientadora)
ads:
ii
Liberdade,
Palavra que o sonho humano alimenta.
Não há ninguém que explique
Não há ninguém que não entenda.
(Cecília Meireles)
iii
À
Filomena Borges e Maria Cerqueira
1
;
mulheres, mães, nordestinas,
guerreiras da vida e de sonhos, dedico.
O amor que sinto por vocês é
indescritível em palavras.
1
Embora ela esteja transitando em outros planos celestiais, sua presença e seu exemplo de vida se fazem vivos dentro de mim.
iv
AGRADECIMENTOS
Este trabalho está marcado por muitas caras e diversas mãos, algumas
conhecidas, outras nem tanto assim. Traz consigo amor, dedicação, realização,
anseios, frustrações, sonhos e conquistas, sentimentos que concorreram para
consolidá-lo. São os sabores e dissabores que perseguem e compreendem o sujeito
em sua totalidade, algo diretamente relacionado às nossas escolhas, acadêmicas e
pessoais, na forma de viver e está no mundo. Tenho convicção das ‘imperfeições’
desde trabalho, mas também a certeza que todos os esforços foram empenhados
para que o melhor fosse feito e, por isso, tenho muito a agradecer explicitando
minha gratidão.
Entre os muitos agradecimentos, quero fazê-lo primeiramente à Maria de
Fátima Lopes, pela confiança depositada em mim e pela amizade que foi se
consolidando no decorrer de todo o trabalho de orientação e produção do
conhecimento. À Alice Inês, pelas tardes prazerosas de reflexão e lição de vida,
regadas com suas águas mágicas, ajudando-me a clarear e ordenar as idéias. À
Patrícia Gouveia, que além de referência intelectual, tornou-se uma referência de
vida, à qual serei eternamente grato pelo carinho, amizade, dedicação e
cumplicidade, com ela se aprende até andando pelas ruas.
Aos parceiros(as) do Núcleo Interdisciplinar de Gênero/NIEG, um fórum de
formação acadêmica e de rede de sociabilidade onde fiz amigos, compartilhei
ideais, amadureci, e que terá sempre um lugar especial no meu coração e nas
minhas lembranças. Ao Instituto de Medicina Social/UERJ, pela oportunidade de
ter participado do 11
o
Curso Regionalizado de Introdução à Metodologia de
Pesquisa em Gênero, Sexualidade e Saúde Reprodutiva.
v
Sinceros agradecimentos aos professores: Júlio Simões (USP) pela
solidariedade acadêmica e pelo diálogo estabelecido, sobretudo no ritual de defesa
desta dissertação, contribuindo e enriquecendo minha reflexão. E a Fábio Mendes,
pelo olhar atencioso e pela disponibilidade que muito contribuiu para realização
deste trabalho.
À Marilda Ionta, Márcia Ludwig, Karla Damiano, quero agradece-lhes pela
rentável discussão durante o processo de qualificação que culminou na realização
deste trabalho. Aos meus ex-orientadores da graduação Marisa Barletto e Eduardo
Simonini, ambos do Departamento de Educação, do qual fiz parte, deixo aqui
registrado meu reconhecimento e minha gratidão pelos ensinamentos e pelas
experiências compartilhadas.
À Graça Floresta, por tudo que fez por mim, pela presença carinhosa, pelo
apoio e confiança no decorrer de minha trajetória acadêmica. A Jerônimo Rodrigues
e à Tatiana Velloso, pessoas fundamentais e necessárias na minha vida, o meu
carinho e a minha admiração.
Meu agradecimento aos Sargentos Jorge Augusto Guterres de Castro e
Lismar JoPuccinelli, por terem permitido e contribuído para que esta pesquisa
fosse realizada no Tiro-de-Guerra de Viçosa - MG. E aos atiradores da turma de
instrução de 2004, por terem disponibilizado seu tempo, suas histórias e suas
particularidades, imprescindíveis para a concretização deste trabalho. Ao Capitão
Mendes da Polícia Militar, pela amizade e atenção.
A minha mãe, às minhas irmãs: Joci, Nevinha e Lincha, ao meu irmão Bico
e aos meus adorados sobrinhos Luizinho, Karol e Jonas. A Vade, Niu, Tita, Bebé,
Mantonha, Ziza, enfim, à minha família sempre presente, acreditando nos meus
sonhos e aderindo aos meus projetos de vida. Obrigado especialmente por entender
a minha ausência freqüente, pelos momentos que não pude estar presente
compartilhando de maior intimidade familiar, deixo registrado aqui o meu respeito e
a minha admiração por cada um de vocês, que são pessoas especiais. A minha
escolha não é melhor e nem pior do que a de vocês, apenas diferente.
vi
A meu sobrinho Marcos Antônio que está preguiçosamente no ventre de
minha irmã, que ele possa se constituir e vivenciar socialmente uma condição plena,
plural e legítima de ser homem.
A todos os meus colegas de pós-graduação, Valeska, Didi, Sil, Dany,
Bruno, Cris, Elô, Rita e Sérgio, alguns menos outros mais, pela dedicação e pelo
companheirismo ao longo da jornada. Minha admiração especial por Silvane, que
com seu exemplo de vida, nos ensinou a ter sempre fé na vida, apesar dos pesares.
A José Raimundo, uma figura nobre que tive o privilégio de ter como
parceiro de república, interlocutor e amigo, com quem compartilhei histórias,
angústias, frustração, medos, alegrias e cevadas. À Eliana Barbosa, Apolyane e
Tatiana (Tery), por existirem.
A Marciano Fabiano, que tem se revelado uma pessoa muito especial na
minha vida, principalmente nestes momentos finais de trabalho, serei eternamente
grato por sua dedicação, lealdade, amizade e companheirismo.
Agradeço ao Programa de Pós-Graduação em Economia Doméstica, a todos
os professores que o compõe, e os demais funcionários (Aloísia, Lena, Efigênia,
Toninho) que facilitam nossa vida enquanto mestrando.
A CAPES pelo suporte financeiro.
A todos que, de uma forma direta ou silenciosa, participaram da construção
deste trabalho e da idealização de mais um projeto de minha vida; sintam-se
agraciados(as) pelo meu carinho e pelos meus sinceros agradecimentos. Certamente
outros virão.
vii
BIOGRAFIA
Alexandro Borges Batista, natural de Jequié Bahia, nascido a 09 de Julho
de 1979. Filho de Filomena Borges da Silva e de Florisvaldo Silva Batista.
Graduou-se em Pedagogia pela Universidade Federal de Viçosa - MG. Faz parte do
Núcleo Interdisciplinar de Estudos de Gênero - NIEG, desempenhando a função de
coordenador de ‘campo’. Em março de 2003 iniciou o mestrado junto ao Programa
de Pós-graduação em Economia Doméstica desta universidade, concluindo-o em
abril de 2005.
viii
ÍNDICE
LISTA DE ABREVIATURAS
........................................................................................x
RESUMO.............................................................................................................................xi
ASTRACT ..........................................................................................................................xii
INTRODUÇÃO
................................................................................................................. 1
CAPÍTULO 1
..................................................................................................................... 7
1. UM CAMPO DE POSSIBILIDADE: O PROCESSO DE CONSTRUÇÃO
DA PESQUISA
.................................................................................................................. 7
1.1 IDÉIAS E IMPRESSÕES: A composição do ‘objeto’
........................................ 7
1.2 CAMINHOS E ESCOLHAS: Os procedimentos metodológicos
.................... 15
CAPÍTULO 2
................................................................................................................... 23
2. CATEGORIA X CAMPO: SEMPRE “BOM PARA PENSAR”
..................... 23
2.1 GÊNERO: Um olhar sobre o ‘natural’
................................................................. 23
2.2 MASCULINIDADE: O homem em processo
.................................................... 33
2.3 MEMÓRIA E HISTÓRIA: Instituição, Campo e Sujeitos
............................... 43
2.4 SERVIÇO MILITAR: Um ritual de, e, para homens
......................................... 44
2.5 TIROS-DE-GUERRA: O que dele se conta
....................................................... 49
2.6 TIRO-DE-GUERRA 04-027: Tenente Kümmel
................................................ 55
2.7 ATIRADORES: Apresentai-vos!
......................................................................... 59
CAPÍTULO 3
................................................................................................................... 67
ix
3. DE PAISANO A MILITAR: UM RITUAL DE CONVERSÃO
...................... 67
3.1 A CAMINHO DA CASERNA: Uma vivência compartilhada
......................... 71
3.2 A ENTRADA NUMA VIVÊNCIA MILITAR: Uma obrigação de homens
.. 79
3.3 TIRO-DE-GUERRA: Escola de Cidadania e Civismo
...................................... 83
3.4 O TG NA MIRA DO ATIRADOR: Um olhar sobre o vivido
......................... 87
3.5 A CONFIGURAÇÃO DE UM ETHOS MILITAR
........................................... 91
3.6 A CONSTRUÇÃO’ DO JOVEM MILITAR: Um processo de aprendizagem
e socialização
............................................................................................................... 100
3.7 O TFM - TREINAMENTO FÍSICO MILITAR: Adestramento e Escape
.... 103
3.8 ENTRE O CIVIL E O MILITAR
....................................................................... 109
CAPÍTULO 4
................................................................................................................. 114
4. O JOVEM MILITAR EM QUATRO ATOS
..................................................... 114
4.1 O TABU DA AMIZADE: Uma masculinidade protegida
.............................. 114
4.2 OS GRANDES HERÓIS: ‘Velhos’ conhecidos
............................................... 119
4.3 A FORMATURA: O dever cumprido
............................................................... 124
4.4. O BAILE: Uma comemoração para ‘gente grande’
........................................ 133
V. CONSIDERAÇÕES FINAIS
................................................................................ 136
VI. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
.............................................................. 140
APÊNDICE
..................................................................................................................... 145
ANEXOS
......................................................................................................................... 154
x
LISTA DE ABREVIATURAS
CFC - Curso de Formação de Cabos
CML – Comando Militar do Leste
COTER – Comando de Operação Terrestre
CPOR – Centro de Preparação de Oficiais da Reserva
DSM – Diretoria do Serviço Militar
EMC – Educação Moral e Cívica
EMFA – Estado-Maior das Forças Armadas
ESA – Escola de Formação de Sargentos
EsPECEX – Escola Preparatória de cadetes do Exército
JSM - Junta do Serviço Militar
LSM – Lei do Serviço Militar
NGA – Normas Gerais da Ação
OM – Organização Militar
Ordem UnidaTreinamento coletivo de marchas, continências e posturas militares
OSPB – Organização Social e Política do Brasil
PBCE – Posto de Bloqueio e Controle de Estradas
RSIG – Regulamento dos Serviços Internos Gerais
RLSM - Regulamento da Lei do Serviço Militar
RM – Regiões Militares
SM – Serviço Militar
SSMR – Seção do Serviço Militar Regional
STG - Seção do Tiro-de-Guerra
TFM – Treinamento Físico Militar
TG – Tiro-de-Guerra
TN – Tiro Nacional
xi
RESUMO
BATISTA, Alexandro Borges M.S., Universidade Federal de Viçosa, abril de 2005.
CASERNA- lugar de ‘homens’: um olhar de gênero na formação do jovem
militar. Orientadora: Maria de Fátima Lopes. Conselheiras: Alice Inês de Oliveira e
Silva e Patrícia Fernanda Gouveia da Silva.
Esta dissertação teve como objetivo refletir a particularidade de um processo de
construção e socialização de homens no contexto exclusivo de formação masculina:
o Tiro-de-Guerra de Viçosa/MG. Deste modo, a reflexão centrou-se em duas
premissas sicas: a primeira buscou interpretar o padrão que exalta e reforça essa
instituição, caracterizando as ações formuladas e constitutivas de ‘ser masculino’
dada na experiência militar ali compartilhada. A segunda, como sendo um clássico
rito de passagem, a partir da obrigatoriedade do Serviço Militar, como um meio de
adentrar no mundo dos adultos, da ‘responsabilidade’, da maioridade. Sua
fundamentação teórica recorreu-se às categorias como a de gênero e masculinidade,
de estatutos diferenciados, mas afins entre si, problematizando formas de vivenciar
a experiência masculina e algumas de suas representações num espaço social
intensamente marcado por hierarquias, normas, tradições e convenções. Com base
numa agenda institucional de pesquisa qualitativa, foram utilizadas técnicas de
coleta e construção de dados: observação participante, entrevista aprofundada,
questionários e outros; instrumentos rentáveis para se refletir a masculinidade no
processo de socialização de ‘homens’. Em linhas gerais, as reflexões/discussões
possibilitaram o desnudamento de uma vivência masculina no ambiente militar, se
distanciando de um olhar naturalizado, explicitando suas particularidades,
contradições e ações junto aos sujeitos e ao seu modo de estar e se sentir no mundo.
Enfim, de estabelecer relações.
xii
ABSTRACT
BATISTA, Alexandro Borges M.S., Universidade Federal de Viçosa, april 2005.
CASERNA - 'men’s' place: a gender view in the military youth's formation.
Adviser: Maria de Fátima Lopes. Committee members: Alice Inês de Oliveira e
Silva and Patrícia Fernanda Gouveia da Silva.
This dissertation had as objective to reflect the particularity of men’s
construction and socialization process in the masculine formation’s exclusive
context: the “Tiro-de-Guerra” of Viçosa/MG. In this manner, the reflection was
centered in two basic premises. The first looked for interpreting the pattern which
exalts and reinforces that institution, characterizing the formulated actions and
constituent of 'masculine being' due to the military experience shared there. The
second, as being a classic rite of passage, from the Military Service’s compulsory
nature, as a way of entering the adults’, the 'responsibility’s' and the majority’s
world. Its theoretical recital called forth categories as the gender and the masculinity
ones, of differentiated statutes, but similar amongst themselves, problematizing
forms of living the masculine experience and some of their representations in a
social space intensely marked by hierarchies, norms, traditions and conventions.
Based in a qualitative research’s institutional calendar, collection techniques and
data construction were used: participant observation, deepened interview,
questionnaires and others; profitable instruments so to reflect the masculinity in
'men’s' socialization process. In general lines, the reflections/discussions made
possible the masculine existence’s denudation in the military atmosphere,
distancing a naturalized view, eliciting their particularities, contradictions and
actions close to individuals and to his way of being and feeling in the world. That is,
of establishing relationships.
1
INTRODUÇÃO
Esta dissertação é uma reflexão sobre o processo de construção de um
modelo de vivência masculina próprio a um contexto singular: o ‘Tiro-de-
Guerra’, do município de Viçosa -MG. Em linhas gerais, buscou-se interpretar o
padrão que informa e que exalta essa instituição e sua ação diante de um corpo
particular de sujeitos, identificando práticas formuladoras e constitutivas do ‘ser
masculino’ naquele espaço. Em termos específicos, procurou-se refletir sobre a
organização, as apropriações, reproduções e atualizações subjetivas de seus
membros, tendo como referência um conjunto de intensas mudanças socialmente
relevantes em domínios diferenciados da vida social (familiar, econômico,
político, cultural e afetivo-sexual).
O problema investigado incide sobre uma vivência particular de jovens
submetidos à obrigatoriedade do Serviço Militar. Nos termos deste trabalho, um
momento entendido como um Rito de Passagem para a maioridade,
representando um modo particular de se adentrar no mundo dos adultos (das
‘responsabilidades’) e evidenciando uma mudança de estatuto e de posição social
por parte daqueles que se submetem a tal experiência
2
.
No transcurso das mudanças do século XX, em que se sucedem rápidas
transformações políticas, econômicas, existenciais e afetivas, e paralelamente o
questionamento de velhos paradigmas, verdades estabelecidas e papéis
2
Vale ressaltar que esses jovens possuem uma singularidade entre si, não em questão de faixa etária,
mas também de expectativa de vida, uma vez que, para os homens, o marco de 18 (dezoito) anos de idade
se traduz como sendo algo significativo e constitutivo de um ideário masculino, sem dúvida um período
de grandes impasses e indecisões, em que as mudanças e cobranças sociais se intensificam. Afinal, em
certa medida, desloca-se da condição de ‘adolescente’ (‘irresponsável’, ‘rebelde’) para a de ‘jovem-
homem. Portanto, pesquisei um grupo particular e bem demarcado socialmente.
2
supostamente cristalizados, torna-se pertinente refletir sobre um tipo determinado
de vivência masculina na condição desses jovens inseridos no ambiente militar.
Em grande medida, esse espaço caracteriza-se, segundo Goffman (1974),
como sendo uma instituição total que modela seus sujeitos, seus desejos e seus
pensamentos. Pois é no Tiro-de-Guerra, ambiente institucional, que um grupo
heterogêneo de jovens passa a ser temporariamente ‘instruído’ por um manual de
normas, leis e hierarquias, que reforçam um imaginário social dominante. Esse
processo de exaltação da masculinidade ocorre num momento específico de suas
vidas, uma fase de reformulações e incertezas, própria da ‘juventude’.
Nesse sentido, a discussão afina-se a uma área emergente, sobre
subjetividades, articulando categorias analíticas que, mesmo em relação, têm
estatuto e história diferenciada: nero e masculinidade, problematizando-se
formas de se viver a experiência masculina, ou seja, suas práticas e
representações, num espaço social intensamente marcado por assimetrias,
tradições e convenções. Assim, partiu-se do pressuposto de que a lógica de
gênero é um dos fatores estruturantes da experiência e das relações sociais, em
particular dos modos pelos quais as relações entre os sexos e suas implicações
são apreendidas como mecanismos mais ou menos sutis de dominação e de
poder.
Ao eleger o ambiente institucional do TG como matriz de investigação,
buscou-se explorar um campo analítico, cada vez mais emergente, a partir de
uma demarcação de gênero como forte potencial na constituição de um modelo
de masculinidade. A própria nomenclatura da instituição (Tiro-de-Guerra)
concorre para a reprodução desse modelo, quando nos remete à idéia de uma
possível apologia à virilidade, à coragem, à intimidação, à violência, à
agressividade e a outros atributos tidos como pertencentes à vivência masculina.
Embora o tratamento dedicado ao tema possa contemplar o que está
posto pelas teorias feministas, tal abordagem não é baseada em análise das
representações do masculino vis-à- vis o feminino. Trata-se de problematizar o
lugar do masculino em um contexto particular de uma vivência disciplinadora
dos quartéis onde os jovens estão inseridos, numa tentativa para compreender a
3
produção de saberes, dispositivos e expectativas em torno do papel social do
homem e das exigências necessárias para que este seja socialmente legitimizado.
Ao longo da problematização das representações de gênero vigentes
nesse universo, percebe-se uma série de interditos e normas que regulamentam o
modo de ser e agir dos sujeitos que a compõem, sobre os quais incidem processos
de diversas ordens: esfera familiar, domínio das condutas e aparências e campo
interacional-afetivo. Este, particularmente, potencializa-se como algo, muitas
vezes, fadado ao controle via silenciamento
3
, discriminação e clandestinidade.
Na tentativa de compreender, pelo menos, parte de um processo tão
complexo, analisou-se de que forma um modelo de masculinidade vigente
recorre aos artefatos e às ritualizações de práticas de sociabilidade que
promovem um padrão hegemônico de ‘ser-homem’. Assim, no âmbito deste
trabalho, discute-se, também, a aderência desses procedimentos na vida de seus
membros, em suas redes de sociabilidade, no cumprimento de suas ‘obrigações
militares’ e no seu universo de expectativas durante suas atividades civis.
Refletir sobre as representações de masculinidade exige adotar uma
perspectiva analítica relacional, e não apenas identitária. Mais ainda, leva-nos a
enfatizar a pluralidade dos sujeitos em questão, considerando as diferenças de
classe social, geração, orientação sexual, dentre outras, que singularizam dada
experiência social. Assim, torna-se possível questionar as representações
masculinas compartilhadas pelos sujeitos no Tiro-de-Guerra e seu modo de
pertencimento ao mundo social. É uma proposta reflexiva fundamentada em
quatro argumentos centrais, que deram origem à estrutura da dissertação.
O primeiro capítulo apresenta o processo de construção e reestruturação
do objeto estudado, seus impasses e suas delimitações. Refere-se aos
procedimentos que foram sendo seguidos durante a pesquisa, dos
questionamentos e dos insights que este processo proporcionou na compreensão
do objeto; um exercício necessário à tentativa de buscar maior clareza e
3
Numa pesquisa preliminar sobre homossexualismo nos quartéis, Maria Celina D’Araújo (2003) sinaliza
limites à construção de uma sólida tradição democrática que reconheça os direitos humanos e civis para
as minorias sexuais.
4
elucidação da questão em foco. Neste processo, apresentam-se os instrumentos e
procedimentos metodológicos adotados no desenvolvimento da pesquisa
qualitativa, que se trata de um campo subjetivo, marcado por vivências
múltiplas de significados, aspirações, valores, enfim, de subjetividades. Assim,
definem-se os métodos e as técnicas de coleta e construção de dados utilizados
(observação participante e direta, entrevista aprofundada e questionário-aberto),
instrumentos particularmente rentáveis para se refletir um processo singular de
construção da masculinidade(s) e sua constituição na socialização de ‘homens-
jovens’.
O segundo capítulo sintetiza um debate conceitual, indicando a
perspectiva adotada na pesquisa e, conseqüentemente, o modo como os
fenômenos sociais foram construídos e interpretados. Não se tem a pretensão de
teorizar a respeito das categorias Gênero e Masculinidade, mas explicitar as
diretrizes teóricas que serviram de alicerce para a interpretação e reflexão sobre
uma determinada vivência de masculinidade, em um ambiente militar. Sabe-se
que essas discussões não se esgotam em um trabalho acadêmico; elas estão sendo
dinamicamente questionadas e novos saberes são incorporados, superados e, ou,
revitalizados.
Definir essas demarcações é tornar explícito os meios utilizados para se
tecer uma realidade particular, da qual fazemos parte e que nos constrói. Com o
intuito de contextualizar a base empírica da pesquisa, recorreu-se a um breve
histórico sobre a obrigatoriedade do Serviço Militar e o surgimento do Tiro-de-
Guerra no Brasil, localizando a referida instituição no âmbito do Exército e
dentro de uma conjuntura social maior. A crítica às fontes documentais foi um
instrumento estratégico para evitar o risco de legitimar uma história contada por
eles, uma vez que as fontes recorridas para tal propósito foram oferecidas no
próprio TG e nas instituições afins. Trata-se de uma ‘história oficial’ cuja
particularidade consiste no fato de ser reconhecida e divulgada por muitos que
participam desse espaço institucional.
No terceiro capítulo é feita uma compreensão dos dados produzidos,
relatando parte da experiência vivida através da observação direta, o momento da
5
entrada em campo, da ‘conversão’ submetida ao pesquisador, os impasses, os
conflitos e as reformulações decorrentes deste processo. Momentos que foram
centrais ao pensamento e à ação num campo institucional e hierárquico como o
militar, em que estão implícitos a incorporação à rotina da caserna, o uso habitual
da gramática militar e o controle de uma hierarquia a ser respeitada; uma
experiência que permitiu evidenciar os limites e as possibilidades de minha
atuação nesse universo, garantindo e perseguindo maior legitimidade aos dados.
Discutem-se os imperativos da constituição do jovem alistado/reservista,
no qual o Serviço Militar manifesta-se com um dos primeiros chamados à vida
adulta, consagrando o espaço militar, ainda, como um universo
hegemonicamente de autoridade’ e ‘vivência’masculina. Apresenta ainda uma
discussão do TG visto como uma escola de cidadania e civismo, promovendo um
entendimento ‘nativo’ em volta desses conceitos estruturantes do espaço militar,
bem como os procedimentos e as simbologias que concorrem para a constituição
de um ethos militar, uma discussão que envolve aspectos como ‘adestramento’,
subjetividade e habitus, que salienta e fundamenta um modo de ser homem e
suas formas de experimentar determinado tipo de masculinidade, ou mesmo de
masculinização do sujeito. E, por fim, aborda-se a dicotomia entre a vida civil e
militar e algumas particularidades contidas nessas vivências.
O último capítulo interpreta o jovem militar em quatro atos. O primeiro
deles corresponde à perspectiva relacional/afetiva dos atiradores: a amizade
concebida não apenas como um sentimento nobre compartilhado mutuamente,
uma forma de estabelecer relações, mas também como um valor, uma possível
‘proteção’ à vivência masculina no espaço especificamente de ‘homens’; aquilo
que compreendo como ‘tabu da amizade’.
No segundo ato são apresentados os ‘heróis’ e as ‘heroínas’ que fazem
parte do processo de socialização desses jovens, ou seja, sujeitos que se tornaram
referências e modelos de vida para eles, cujos aspectos salientam a centralidade
do ‘valor-família’ como um bem maior, trazendo à tona personagens nada
desconhecidos: as mães, as avós e os pais.
6
No terceiro ato é abordado o ritual da formatura, um dever que foi
cumprido perante a Pátria e a sociedade, uma obrigação que se traduz num rito de
passagem à vida adulta, à maioridade.
O último ato diz respeito ao coroamento de todo o ritual: o baile. O
momento da comemoração para ‘gente grande’, da apropriação de novos códigos
sociais. É o experimento da maioridade, do não mais jovem ‘irresponsável’ e
‘rebelde’, mas do jovem seguro de si e responsável por sua conduta.
Finalmente o trabalho é concluído, sintetizando aspectos centrais do que
foi discutido ao longo da pesquisa e ressaltando outros que emergiram no
decorrer do percurso, e suscita questionamentos e reflexões futuras em torno da
categoria masculinidade e suas representações e vivências. Afinal, sabe-se que
ser homem, ser masculino, ser macho são representações que constroem e
reproduzem sujeitos, que os classificam e os hierarquizam, formando e sendo
formados por uma ordem social hegemonicamente dada, cujos pilares o
legitimados pela cultura e vivenciados e ressignificados pelos próprios sujeitos.
Ao longo deste trabalho apresenta-se um modo particular de vivência
masculina num universo militar e suas múltiplas, e mesmo ambivalentes, formas
de pertencimento social. Um processo que implica necessária e inevitavelmente a
interação entre sujeitos de pesquisa (pesquisador e pesquisados) e entre sujeitos
entre si, em suas diferenças, identificações, conflitos, compartilhamentos e
silenciamento. Enfim, aspectos que passo a narrar detidamente no dinâmico e
sinuoso processo de construção dos dados e das questões próprias e nos moldes
de uma monografia acadêmica.
7
CAPÍTULO 1
1. UM CAMPO DE POSSIBILIDADE: O PROCESSO DE CONSTRUÇÃO
DA PESQUISA
1.1 IDÉIAS E IMPRESSÕES: A composição do ‘objeto’
“Quando tínhamos todas as repostas
mudaram as perguntas
(Eduardo Galeano
)
Diante de uma realidade a ser ‘desvelada’, ao adentrarmos em campo
levamos conosco, para além de nossa subjetividade, um arsenal de referências
teórico-metodológicas, composto por hipóteses e expectativas que serão testadas,
refutadas e, ou, reforçadas na interação e no confronto entre sujeitos e contextos
distintos.
Geralmente, as ‘respostas’ não condizem com as perguntas, as perguntas
já não correspondem à ‘realidade’ e outras realidades se traduzem naquilo que até
então não havia sido revelado. Esses impasses e conflitos são tipicamente
característicos da dinâmica da pesquisa social, algo tão peculiar e instigante, em
que as perguntas possuem múltiplas respostas; afinal, também são múltiplos os
significados que permeiam uma determinada vivência social. Tendo em vista que
a escolha e a construção de um objeto de estudo não são frutos de uma escolha
8
aleatória, pois, direta ou indiretamente, esses procedimentos estão imbricados
com o mundo e a experiência do pesquisador como sujeito único, relacionado
com suas vivências subjetivas que estruturam seu modo particular de estar, sentir
e se ver no mundo, enfim, de estabelecer relações.
Nesses termos, a presente investigação está marcada por opções
conceituais e reflexões que explicitam uma forma particular de se entender e
qualificar os fenômenos sociais, a partir das reflexões propostas pelos estudos de
gênero, diante das múltiplas realidades que estruturam a interação entre homens e
mulheres e da própria assimetria hierárquica que compõe esses universos, as
relações e os sujeitos.
Segundo Anthony Seeger, (1980:25), todo pesquisador tem, sem
dúvida, em virtude de sua individualidade, uma diferente abordagem de seu
objeto, e um estilo próprio de trabalho, que são aspectos ditados muitas vezes
por circunstâncias particulares. Por isso, fazer pesquisa numa perspectiva
antropológica é um privilégio para o pesquisador, por ter como contrapontos
fundamentais a experiência e o conhecimento produzido no trabalho de campo,
algo constitutivo da investigação. É no ‘confrontamento’ com o outro, com o
‘desconhecido’, que as coisas’ se revelam, se explicitam, evidenciando uma
‘realidade’ menos aparente no plano da vida dinâmica e cotidiana.
Principalmente uma realidade produzida na qual os atores vão sendo construídos,
assim como sua significância e seu senso de mundo.
No âmbito do campo institucionalizado (universidades, faculdades,
institutos e outros), tal produção é possível a partir de linguagens acadêmicas,
traduzidas em trabalhos sobre os quais literalmente nos debruçamos a construir,
buscando compreender uma realidade, muitas vezes, diferente da nossa, ou a
própria noção do que seja realidade (sem falar aqui de uma vivência própria, feita
no dia-a-dia por ‘pessoas comuns’).
A esse respeito, Eduardo Viveiro de Castro argumenta que “o
conhecimento antropológico é imediatamente uma relação social, pois é o efeito
das relações que constituem reciprocamente o sujeito que conhece e o sujeito
que ele conhece, e a causa de uma transformação (toda relação é uma
9
transformação) na constituição social de ambos” (2002:113). Portanto, é
partindo dessa relação/transformação entre pesquisador e objeto que as matrizes
desta pesquisa foram se constituindo e ‘consolidando’. Um encontro de
subjetividades e interesses diversos, que evidencia a singularidade e a
especificidade da pesquisa social, em sua tentativa de compreender os
significados e os sentidos da vida do outro, do ‘desconhecido’, possibilitando
assim interpretar a gica organizativa que permeia e norteia seu viver, imerso
em uma rede múltipla de relações e significados constitutidos por afetos,
simpatias, preconceitos, repúdio, enfim, sentimentos.
A definição do objeto desta investigação passou por inúmeras fases, e
conseqüentes reformulações, um processo teoricamente importante para o seu
amadurecimento, tanto da pesquisa quanto do pesquisador. A proposta inicial era
investigar as representações dos homens sobre a masculinidade e suas ‘facetas’
na construção de uma identidade heterossexual particular, elegendo o espaço da
academia de musculação. Seria privilegiada uma demarcação de gênero como
estruturante deste universo, de corpos e mentes desses sujeitos.
Em princípio, estudar um homem ‘malhado’, submetido a um
‘pseudocontrole’ do corpo e, provavelmente, da mente, no exercício de
determinada vivência masculina implicava problematizar duas questões centrais:
a primeira, um conjunto de práticas e representações de jovens/rapazes que
manifestavam determinado ‘estilo de ser jovem’, sustentado nesse universo dos
‘ferros’ e do espelho. A segunda, as suas redes e interações que marcavam a
especificidade daquele lugar no referido ‘estilo’ na evocação de um ideal
masculino em construção, recortado por outros marcadores como classe e
geração, potencialmente referido num ethos masculino particular.
Nessa perspectiva, a academia de musculação apresentava-se como um
espaço reforçador de um ideal de masculinidade hegemônico, postulado no
trabalho de construção de um corpo forte e viril que exaltava representações de
um ‘homem de verdade’, um corpo que materializasse um ‘discurso de macho’.
Neste caso, um tipo de masculinidade construída e conquistada diariamente,
10
diante dos crescentes apelos do mundo midiático e do questionamento de alguns
paradigmas sexuais e afetivos, principalmente pela militância feminista e gay.
Dessa forma, foi fundamental entender a categoria masculinidade e,
nestes termos, o conceito de sexualidade como campos em construção. Isto
possibilitou o distanciamento de uma visão essencialista e, portanto,
naturalizadora de tal questão. Conforme enfatiza Elizabeth Badinter (1993), a
masculinidade é algo que precisa ser construída e conquistada, adquirida à custa
de grandes sacrifícios, que incluem ritos de passagem, que em sua maioria
podem gerar dor e humilhação.
Esse argumento incisivo incitou-me a percorrer um caminho inverso,
dimensionando e perseguindo uma visão pluralista de masculinidade. A partir
daí, para além do espaço da academia de musculação (lugar legítimo de exercício
de uma vivência masculina), desloquei meu olhar para outros ambientes que
particularmente, além da família, mobilizassem determinado investimento na
produção ‘inicial’ de um tipo de masculinidade; um ambiente que possibilitasse
um investimento em um modo de masculinidade alicerçado em premissas como
‘tradicionalidade’ e ‘virililidade’.
À medida que tais reflexões iam ficando mais ‘amadurecidas’, minha
iniciativa de pesquisar o universo da academia de musculação foi se tornando
distante e menos estimulante. Simultaneamente, uma situação casual conduziu o
desenvolvimento desta pesquisa para outra possibilidade reflexiva, que me
pareceu mais instigante e desafiadora: eleger o universo militar como campo de
investigação.
Assim, o contato com o 21
o
Batalhão da Polícia da cidade de Ubá - MG,
por intermédio de um seminário temático sobre ‘Gênero, Violência e Cotidiano’,
promovido pelo NIEG (Núcleo Interdisciplinar de Estudos de Gênero)
4
, em
junho de 2001, despertou-me para a busca de um ‘novo campo’. A observação
4
O NIEG é um Núcleo vinculado ao Centro de Ciências Humanas da UFV com função gerenciadora e
executiva de estudos, pesquisas e trabalhos de extensão, desde a perspectiva de gênero, constituindo um
fórum de discussão interdisciplinar que agrega diferentes ‘vozes e olhares’. Formado por professores(as),
alunos(as) de graduação e s-graduação de diversas áreas do conhecimento, abrange quatro linhas de
pesquisa, entre elas Corpo, Saúde e Reprodução, da qual participo.
11
sistemática desse ambiente original e as discussões promovidas com o grupo de
pesquisa no NIEG
5
produziriam alguns insights para se pensar o ambiente militar
como espaço privilegiado de investigação.
Um acompanhamento sistemático da agenda de atividades desenvolvidas
pelo Núcleo com o Batalhão (reuniões, cursos, diagnósticos, encontros de
confraternização) despertou-me para pensar muitos aspectos e atributos
particulares ao mesmo. De forma ainda impressionista, pude perceber a presença
de um ethos
6
militar, freqüente na Corporação (algo que parece concorrer tanto
para unir seus membros, quanto para distingui-los), que me incitava a
transformá-lo num objeto de reflexão.
De imediato, esse universo apresenta-se como um espaço reforçador de
comportamentos tradicionalmente estereotipados e ‘viris’. Um possível modelo
de controle exercido sobre as mentes e os corpos dos soldados/polícias que
parecia se evidenciar em uma dimensão muito mais coletiva do que pessoal. Um
processo de ‘achatamento’ do sujeito como ‘ser individual’, em prol de algo
maior, uma exaltação do ‘ser coletivo’. Esse fato suscitou-me uma série de
questionamentos no entendimento sobre a questão masculina e militar.
Devido a problemas operacionais da pesquisa e à minha inserção nesse
universo, cuja identidade havia sido construída a partir do meu trabalho no
NIEG, abandonei a iniciativa de realizar a pesquisa no 21
o
Batalhão da Polícia
Militar - Ubá, passando a identificar outro campo de investigação que atendesse
às minhas aspirações e expectativas.
Envolvido em tal esforço e revendo anotações pessoais, recuperei uma
inspiração anterior, uma idéia embrionária que era problematizar a instituição
‘Tiro-de-Guerra’, uma instituição atrelada ao Serviço Militar Obrigatório (um
rito de passagem universal a todos homens brasileiros) que engloba jovens saindo
5
A partir de uma base empírica e das discussões travadas, produziu-se um artigo intitulado: ‘Em que
espelho encontrei meu corpo?’: um estilo de ser jovem. Publicado na Revista OIKOS e apresentado no
Fazendo Gênero 6/2004.
6
Este conceito é definido sociologicamente como sendo um conjunto culturalmente padronizado de
produção e organização de emoções compartilhadas por um determinado grupo, suas particularidades e
características.
12
da adolescência, correspondendo mais diretamente às minhas expectativas
analíticas.
Assim, defini essa instituição como minha base empírica, meu campo,
sem deslocar meus interesses teóricos e nem o foco de análise, buscando
entender o processo de construção de uma masculinidade no espaço militar a
partir da experiência vivida pelos jovens reservistas do TG, embasado pela
perspectiva de gênero. Muitas foram as questões que vieram à mente, algumas
relativas ao modelo de masculino ‘reforçado’ em um espaço da ordem, outras a
respeito do processo de socialização ali compartilhado.
Se por um lado parecia ter resolvido um problema, por outro criava-se
um segundo: a entrada em campo, cujo impasse fundamental era como me
aproximar desse espaço, uma vez que eu não tinha nenhum contato com ele. De
início, propus-me a problematizar uma série de aspectos que considerei
importante na construção da pesquisa, num ambiente como o do TG. Destes,
alguns serviram de norte à minha interação analítica e empírica com aquele
campo de trabalho:
As vivências do modelo de masculinidade presentes no ambiente
militar promoveriam práticas discriminatórias nas relações que o sujeito
estabelece consigo mesmo, com os colegas e com a família/sociedade.
A hierarquia presente na Corporação talvez concorresse para
reforçar práticas discriminatórias, no tocante à construção de um tipo de homem
e do espírito de ‘ser militar’.
A conexão masculino/heterossexual seria algo acionado no
momento da seleção dos reservistas
7
para a corporação e outras atividades,
priorizando atributos masculinos marcadamente tradicionais.
A farda militar e o seu valor simbólico na vida dos reservistas
concorreriam para a construção de um modelo de subjetividade masculina.
7
É o jovem pertencente à reserva das Forças Armadas. Ao completar 18 anos, o Serviço Militar torna-se
obrigatório apenas para os sujeitos do sexo masculino. De imediato, esse fato expõe uma demarcação
explícita de gênero e o lugar de homens e mulheres nessa instituição total.
13
As vivências e representações afetivo-sexuais representam tabus na
Instituição, entre os reservistas/atiradores e os seus pares.
Tais questões foram se configurando mediante o contato com o
pensamento de Michael Foucault (1984) e a literatura, sobre poder e sexualidade,
principalmente as que tratavam de minorias sexuais. Posteriormente, tal incursão
nessa literatura se apresentou como um possível empecilho, uma vez que me
conduziria a refletir a construção de uma masculinidade dada num pólo, o
‘não-gay’, correndo o risco de reduzir e empobrecer a discussão.
Nesse contexto, outro fator de ordem pessoal dificultava a fluência de
minha inserção no campo, movida por uma ‘resistênciaà aproximação com uma
instituição militar, distante do meu universo de vivência pessoal, uma vez que
não havia prestado o Serviço Militar Obrigatório. Porém, tinha na minha
trajetória pessoal a vivência no Escotismo, que compreendeu minha infância e
parte da adolescência
8
, objetivando uma vivência significativa da minha
experiência como homem.
Aqui vale destacar a significante aproximação entre o Escotismo e o
militarismo brasileiro. A criação do Movimento Escoteiro (Scouting for Boys),
pelo general inglês Baden Powell, em 1907 na Inglaterra, coincidiu com a
presença significativa de Oficias e Praças da Marinha Brasileira que estavam em
8
O Escotismo, embora seja um movimento que não é ligado às Forças Armadas ou aos Órgãos de
Formação de Oficias, e nem tão pouco de Reserva, possui um caráter/pedagogia extremamente militar.
Seu idealizador foi oficial do exército britânico, o Lord Baden Powell. A princípio, esse movimento tinha
como função treinar meninos ‘nativos’ na atuação como estafetas para atravessarem as linhas inimigas,
durante a Guerra dos ers, na África. Anos mais tarde é que ele assumiu outros contornos, tanto na
Inglaterra quanto pelo mundo. Badinter (1993) argumenta que nos Estados Unidos, em plena expansão
industrial, os homens americanos se inquietavam em relação à virilidades de seus filhos, apavorados,
sobretudo, com os discursos feministas, com a feminização da educação familiar e escolar e com a
ascendência da lei materna. Aspectos que eles julgavam retirar a oportunidade dos jovens de se tornarem
‘homens’ e, por isso, alguma providência deveria ser tomada. Segundo a autora, essas preocupações
fazem parte da implementação do Escotismo nos EUA em 1910, no qual o grande objetivo declarado do
movimento era “fazer dos meninos pequenos grandes homens e lutar contra as forças da feminização”
(BADINTER, 1993:93). Assim, a vivência no escotismo deveria enfatizar/encorajar o espírito de equipe e
a virilidade sobre todas as formas. Aqui, provas, desafios, disciplina e rigor moral vão ser exacerbados,
permanecendo longe de qualquer ‘tendência’ efeminada. Neste contexto, o então presidente Theodore
Roosevelt torna-se o modelo de ‘homem supremamente viril’ (sedutor, individualista, atlético, senhor de
si e, se necessário, agressivo) e também é eleito como seu presidente honorário. Aos poucos, foi sendo
proposto um ideal masculino, exaltando a auto-afirmação moral e física. Enfim, um espaço de doutrina e
‘adestramento’ de jovens na manutenção e reprodução de um ideal hegemônico masculino.
14
solo inglês com a finalidade de guarnecer seus novos navios que estavam em
construção. De volta ao Brasil, um grupo de suboficiais entusiasmados com o
que presenciaram trouxe em suas bagagens não as idéias do movimento, mas
também um dos seus símbolos de maior prestígio, os seus uniformes
9
.
Em 17 de abril de 1910, o Movimento Escoteiro chega ao Brasil, mais
precisamente ao Rio de Janeiro, e a partir daí espalha-se pelo País. Registra-se o
fato de essas experiências serem realizadas dentro de ambientes militares e,
muitas vezes, coordenadas por eles. Destaca-se a criação da Patrulha de
Treinamento em 4 de julho de 1912, no Realengo, Rio de Janeiro, capital do País
na época (onde se localizava a Escola Militar do Exército), sob os auspícios do
Tiro-de-Guerra 112.
Em 1915, o mesmo se com a fundação do Grêmio de Bandeirantes de
Juiz de Fora, que se reunia no Tiro-de-Guerra n
o
17. Da mesma forma que o
Escotismo chega ao solo brasileiro através de iniciativas de pessoas que tiveram
contato com experiências no exterior, sobretudo na Europa, ocorre também com
o Tiro-de-Guerra, disseminando seus ideais de instrução, disciplina e doutrina
aos sujeitos.
Mais uma vez, atentando-me ao objeto desta pesquisa, o seu processo de
‘estranhamento’ inicial foi vivenciado e vivido, possibilitando um novo olhar
diante de uma experiência empírica rica e instigante. Neste processo, tal objeto
foi se transformando em algo apaixonante, suscitando, além das incertezas,
dúvidas, medos e uma vontade particular de compreender aquele lugar no
mundo, na constituição dos sujeitos, nas nossas vidas e, inevitavelmente, em meu
universo íntimo de inquietações. Enfim, estava sendo composto meu objeto
analítico, porém era preciso deter-me mais atentamente em ‘como’ realizar o
trabalho investigativo.
9
Entre esses suboficiais estava Amélio Azevedo Marques, que fez com que seu filho Aurélio Azevedo
Marques ingressasse em um dos Grupos Escoteiros locais e se tornasse o primeiro escoteiro brasileiro,
mas precisamente o primeiro Boy Scout brasileiro.
15
1.2 CAMINHOS E ESCOLHAS: Os procedimentos metodológicos
Com os procedimentos metodológicos empreendidos neste trabalho
buscou-se apreender os mecanismos de produção simbólica que fundamentam e
estruturam determinados discursos em torno da construção de um modelo
específico de masculinidade, tomando como referência um lugar particular: o
universo militar do Tiro-de-Guerra. Num ambiente sociológico rico e instigante
foi possível entrar em contato com experiências masculinas diversas, marcadas e
recortadas por características próprias - idade, raça/cor, orientação sexual, origem
e classe social. Essa riqueza e diversidade transformaram pessoas e ambientes em
espaços prioritários à investigação.
Uma filiação teórica anterior e, especialmente, a particularidade e
natureza do tema tratado (masculinidade) concorreram para a adoção de
procedimentos de pesquisa de base qualitativa. Em vez de aplicar esquemas
generalizantes, enfatiza-se a necessidade de reconhecer primeiramente uma
dimensão singular dos atores sociais, seus comportamentos e suas redes de
relação. Dentro de uma tradição compreensiva, entender o conjunto de
significados atribuídos à ação por parte daqueles que a realizam, lembrando a sua
dimensão contextual. Por isso, recorreu-se a um conhecimento clássico em
pesquisa qualitativa que define a realidade empírica como sendo um fenômeno
essencialmente significativo, tanto para o pesquisador, quanto para o pesquisado.
De forma crítica, a Sociologia Compreensiva concebe a subjetividade
como (...) o fundamento do sentido da vida social e defende-a como constitutiva
do social e inerente à construção da objetividade em Ciências Sociais”
(MINAYO, 1997:24), trabalhando com a vivência, a experiência e o cotidiano.
Nessa perspectiva compreendem-se as estruturas e instituições como fruto da
ação humana objetivada, afirmando como inseparáveis a linguagem, as práticas e
o sentido.
Conforme muitos exaltam, essa abordagem enfrenta os excessos
cometidos pela influência positivista nas Ciências Sociais, que tende a reduzir a
compreensão da realidade a termos matemáticos. Numa perspectiva positivista, a
16
análise social assumiria um caráter objetivo desde que fosse realizada por
instrumentos padronizados, considerados pretensamente como sendo ‘neutros’.
Nesse caso, ressalta Maria Cecília Minayo que “(...) a linguagem das
variáveis ofereceria a possibilidade de expressar generalizações com precisão e
objetividade” (MINAYO, 1997:23). Essa redução da objetividade o se
consolida na tradição clássica em pesquisa qualitativa, marcada pelo debate
epistemológico em torno da observação. Contudo, a relação entre o conjunto de
dados quantitativos e qualitativos não ocorre de forma opositiva, pelo contrário,
esses indicadores se complementam, interagindo dinamicamente para superar as
possíveis dicotomias. Segundo a autora, um procedimento que tem como
conseqüência “(...) a apropriação da linguagem de variáveis para especificar
atributos e qualidades do objeto de investigação” (idem).
A metodologia utilizada permite uma valorização dos atores em seu
modo de se ver, estar e se sentir no mundo, respeitando suas individualidades,
num compartilhar consciente e sistemático de aspectos subjetivos, tornando um
quesito fundamental na compreensão da ação humana. Nesta perspectiva, o
método torna-se um meio de instrumentalização do pesquisador em sua coleta e
construção de dados. Esse abrange também o conhecimento da realidade social,
dando suporte à construção de categorias analíticas e empíricas que
compreendam os fenômenos sociais observados.
Mais uma vez recorro a Minayo, refletindo esse modo particular de se
fazer pesquisa:
Ela [pesquisa qualitativa] trabalha com o universo de significados,
motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a
um espaço mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos
que não podem ser reduzidos à operacionalização de varáveis
(MINAYO, 1997: 22).
Essa privilegiação tem como pressuposto a compreensão de que o sujeito
é tanto agente da realidade social, como também é por ela moldado. Nesse
processo de pesquisa um fator relevante é fazer o exercício de estranhar algo
familiar e torná-lo exótico. Essa busca da instrumentalização e reflexão teórica é
a base para uma possível problematização da realidade pesquisada.
17
A partir dessas referências, o trabalho empírico privilegia uma
perspectiva etnográfica, realizado no ambiente militar do Tiro-de-Guerra da
cidade de Viçosa. O processo de construção e de coleta de dados recorreu à
observação direta, centrada no contato contínuo e sistemático do pesquisador
com o fenômeno observado, visando apreender informações sobre a realidade
dos sujeitos sociais em seus contextos, valorizando conjunturas imponderáveis
10
,
suas perspectivas, circunstâncias particulares, outras perspectivas e pontos de
vista dos sujeitos envolvidos em uma situação de interação.
Desse modo, uma agenda sistemática de atividades foi seguida,
abrangendo a maioria das atividades do Tiro-de-Guerra. Algumas das atividades
tinham um caráter mais formal, como a Parada de Sete de Setembro na cidade e
fora dela, seção especial na Câmara Municipal em comemoração ao Dia do
Soldado, a Formatura para mudança de categoria (de reservista para atirador),
culto em ão de graças na Igreja Presbiteriana e inúmeras instruções diárias.
Outras seriam atividades restritas ao ambiente do TG, como a feijoada, os
bastidores das comemorações, visita de inspeção do TG pelo Major, a Formatura
e seu baile.
Esse processo de ‘proximidade’ com o campo promoveu maior
amplitude na compreensão dos fenômenos vividos pelos sujeitos em sua
totalidade, suscitando novas questões e remodelando o próprio objeto de estudo,
suas hipóteses e questões, auxiliando na própria identificação dos ‘informantes-
chaves’. Certamente, é no trabalho de campo que a pesquisa toma corpo e
estatuto, nas ações/decisões geralmente impensadas, perante situações adversas
que exigem feelling do pesquisador e no defrontar com o outro.
O estabelecimento de uma relação mais próxima com o ‘objeto’ de
estudo particulariza esse processo, uma situação de interação entre subjetividades
distintas que simultaneamente o observador pode modificar e também ser
modificado. De acordo com Touraine, a escolha de um método não depende de
10
Segundo Malinowski, o contato com o objeto pesquisado e o pesquisador, no seu cotidiano, pode
sinalizar elementos fundamentais de análise (olhares, gestos, silêncio etc.) que não são sujeitos ao registro
objetivo. Trata-se da dimensão ordinária da vida social expressa em sua cotidianidade. Para melhor
definição, ver MALINOWSKI, B. Objetivo, método e alcance desta pesquisa. In: ZALUAR, Alba.
Desvendando máscaras sociais. 2
a
edição. Rio de Janeiro. Ed. Garamond, RJ, 1999.
18
considerações técnicas; cada método corresponde a um tipo de abordagem, a
uma representação da realidade social e, por conseguinte, à escolha do
pesquisador ao privilegiar um certo tipo de conduta” (1982:37, apud
HAGUETTE, 1997:130).
Ao iniciar o trabalho de campo foram utilizados instrumentos clássicos
de investigação social, como observação direta, manuseio de documentos de
referência, questionário e entrevistas aprofundadas, visando identificar na
singularidade dos sujeitos suas representações de masculinidade. Essa
metodologia tornou-se necessária e fundamental por possibilitar maior
exploração da subjetividade dos informantes da pesquisa, vistos como agentes
potenciais em suas redes de relações e captando seus significados na dinâmica
social. Afinal, “as informações colhidas sobre fatos e opiniões devem constituir-
se em indicadores de variáveis que se pretende explicar” (CHIZZOTTI,
1995:57).
A relevância da Observação Participante (OP) na constituição da
pesquisa muito tem sido discutida na tradição de pesquisa clássica. Conforme
muitos autores apontam, um longo processo disciplinar fez com que a OP
adquirisse status científico, tornando-se um procedimento crescentemente
adotado por cientistas sociais. Contudo, nas pesquisas realizadas evidenciaram-se
não os problemas na sua utilização, mas também suas vantagens como um
instrumento de captação de certos tipos de informação, que se tornam fontes
preciosas para o desafio do entendimento dos comportamentos sociais de dado
sujeito e coletividade.
Uma das críticas a esse procedimento está no fato de ser considerado um
processo investigativo menos estruturado nas Ciências Sociais, que não
pressupõe necessariamente nenhum instrumento específico a priori para
direcionar a observação. Por isso mesmo, o sucesso de desenvolvimento na
elaboração dos dados recai inteiramente sobre os ombros do observador, salvo
um ou outro caso.
Essa tensão e ambigüidade, inerentes ao processo de pesquisa, foram
apresentadas com por Tereza Maria Haguette ao argumentar:
19
O calcanhar de Aquiles da observação participante, entretanto,
parece situar-se, principalmente: a) na relação
observador/observadores e na ameaça constante de obliteração da
percepção do primeiro em conseqüência do seu envolvimento na
situação pesquisada, envolvimento este inerente à própria técnica;
b)- na impossibilidade de generalizações dos resultados; por ser uma
técnica que busca mais os sentidos do que a as aparências das ações
humanas ela coloca seus próprios limites; por exemplo, não pode
pretender a abrangência do “survery” embora supere em termos de
profundidade dos dados. Sua força é, também, sua fraqueza
(HAGUETTE, 1997:76).
Em relação à entrevista, como qualquer outro instrumento de
coleta/construção de dados, ela é passível de procedimentos de objetivação.
Segundo Haguette:
... Submetida aos cânones do método científico, um dos quais é a
busca de objetividade, ou seja, a tentativa de captação do real, sem
contaminações indesejáveis nem da parte do pesquisador nem de
fatores externos que possam modificar aquele real origina
(HAGUETTE, 1997:86).
Sabe-se que o diálogo interpessoal e a relação intersubjetiva têm de ser
conduzidos atentamente para não se transformarem em embaraçoso conflito,
levando-os a não atingir o objetivo esperado. Dito de outra forma, não realizando
a construção de um corpus investigativo que tenha como característica e objetivo
produzir um número significativo de depoimentos sobre a problemática
investigada, com vista a construir uma legitimidade e representatividade dos
dados. Para isso, é necessário garantir a perspicácia e a habilidade técnica do
entrevistador, tanto na escolha de seus informantes, quanto no encaminhamento
da entrevista.
Ao refletir sobre a questão de entrevistas, Cynthia Sarti argumenta que
elas constituem, sobretudo, uma oportunidade singular nas vidas das pessoas
pesquisadas, a oportunidade de falar e principalmente de ser escutados. o
uma prova rara do reconhecimento de sua existência por alguém que não
pertence a seu mundo (SARTI, 2003:24).
No desenvolvimento da entrevista é fundamental que o pesquisador
permaneça atento às comunicações verbais e atitudinais (gesto, olhar etc.), que
podem reportar a questões não-ditas verbalmente, informações de uma
20
preciosidade sem igual. Para tanto, é necessário não qualificar os atos dos
informantes, desmerecê-los ou discordar das suas interpretações. De acordo com
Chizzotti, “o pesquisador, nas interações verbais e não verbais, e na
compreensão do contexto das ações do informante, vai reconhecendo os dados
que o conduzem à progressiva elucidação do problema, à formulação e à
confirmação e suas hipóteses” (CHIZZOTTI, 1995:93)
.
A partir dessa premissa, foram realizadas 18 entrevistas aprofundadas,
sendo duas delas com os Sargentos do Tiro-de-Guerra e as demais com os
atiradores, com duração aproximada de 1h20min cada uma, que foram gravadas
com as devidas permissões.
A maioria das entrevistas foi realizada dentro do TG, num lugar
reservado, o que garantiu uma relativa privacidade
11
. Outras foram feitas fora
dali, um procedimento consciente, pois proporcionaria a oportunidade de
comparar as entrevistas em lugares diferenciados, rentabilizando os dados e
dando maior legitimidade. Para as realizadas dentro do TG, os atiradores foram
dispensados da instrução pelos sargentos. Embora todos os sujeitos no batalhão
fossem voluntários potenciais do Serviço Militar, as entrevistas foram realizadas
só com aqueles que se dispuseram a participar voluntariamente da pesquisa.
De modo geral, as entrevistas não apresentaram distinções em função de
terem sido realizadas em lugares diferenciados, ou seja, dentro e fora da sede
militar, o que evidencia uma certa autonomia do sujeito diante do processo o qual
está submetido, uma possível garantia e preservação do seu eu civil. Segundo
Evering Goffman (1974), a primeira mutilação sofrida pelo sujeito numa
instituição de caráter total é a perda do seu eu civil, ocorrendo quando se coloca a
barreira entre o mundo interno (o aqui dentro = instituição) e o externo (o lá fora
= sociedade), partindo das proibições tanto no plano físico quanto do doutrinal, o
que no TG apresenta de modo menos incisivo. Neste caso, a instituição TG o
se apresenta extremamente como sendo ‘uma estufa de mudar pessoas’; mesmo
pertencendo à esfera militar, há uma distância relativa de vivência de outros
11
A maioria das entrevistas foi realizada no refeitório do TG, por ser um lugar ‘neutrodentro daquele
espaço e um lugar onde era possível de ficar a s. Algumas delas, foram realizadas fora da sede, umas
em minha própria casa e outras em praça pública.
21
ambientes totais como os hospitais e os manicômios. Diante dessa premissa,
Celso Castro argumenta que:
No entanto, creio que se perde mais do que se ganha ao classificar
dessa forma as academias militares, pois as divergências com o modelo
de Goffmam são grandes, apesar de várias semelhanças formais. Em
primeiro lugar inexiste uma divisão rígida entre ‘equipe dirigentes’ e
‘internados’ como vimos ao examinar algumas características da
hierarquia militar. Em segundo lugar Goffman deixa claro (cf. pp.23-4)
que nas instituições não se busca uma ‘vitória-cultural’ sobre o
internato, mas a manutenção de uma tensão entre seu mundo doméstico
e o mundo institucionalizado, para usar essa tensão persistente como
‘uma força estratégica no controle de homens’ (p.24) (CASTRO,
1990:33-34).
Segundo ele, na Academia Militar, e também no TG, não é diferente,
busca-se o contrário das instituições totais, ou seja, a obtenção de uma ‘vitória
cultural’ e o a criação de uma ‘tensão persistente’, que estes espaços
(Academia e TG) são vistos como sendo lugar de passagem, um estágio a ser
superado; embora essa referência (instituição total) seja fundamental na medida
que é uma organização militar (TG) que está sendo pesquisada, um ambiente de
características e peculiaridades próprias.
O fato de este trabalho ter assumido o Tiro-de-Guerra como sendo uma
instituição total foi extremamente rentável para a análise e as discussões dos
dados, mas em alguns momentos essa definição foi abandonada por exigir uma
complexidade maior de suas ações sobre suas práticas e sobre os sujeitos que a
compõem.
Com o intuito de produzir e complementar informações e visando a
elaboração de uma ficha sinóptica para caracterização dos sujeitos pesquisados,
foi utilizada a técnica do questionário. Independentemente dos possíveis riscos
que esse procedimento traz em sua realização, tornou-se um instrumento valioso
na construção, sistematização e análise dos dados.
Conforme tem sido apontado pela crítica epistemológica contemporânea,
todo processo de construção de dados, e conhecimento, assume dimensões que
vão se delineando e confrontando dentro da própria estruturação da pesquisa.
Esta, muitas vezes, termina reorganizada de acordo com as circunstâncias e as
demandas que o campo vai produzindo. Aliás, um movimento e uma dinâmica
22
‘naturalmente’ próprios à reflexão e investigação no domínio das Ciências
Sociais.
Enfim, uma vez composto o objeto era preciso investi-lo de densidade
teórica. Aqui, gênero e masculinidade foram as categorias orientadoras para
discutir o processo de construção de determinada vivência masculina, que
concorre à formação de um jovem militar. Destaca-se a diversidade das
configurações associadas a uma identidade pessoal e social do ‘ser homem’,
abordando seus arranjos, suas configurações e suas implicações na vivência
cotidiana de jovens submetidos à disciplina de quartel. O contato com uma vasta
literatura de referência permitiu tornar esse campo bastante naturalizado do
universo militar e a própria masculinidade um objeto analítico passível de
problematização.
23
CAPÍTULO 2
2. CATEGORIA X CAMPO: SEMPRE “BOM PARA PENSAR”
12
Um dia
Vivi a ilusão de que ser homem bastaria
Que o mundo masculino tudo me daria
Do que eu quisesse ter"(Gilberto Gil).
13
2.1 GÊNERO: Um olhar sobre o ‘natural’
Os atributos relativos aos homens e às mulheres encontram-se marcados
e revitalizados socialmente. Em geral, a simetria em volta desses dois modelos
tende a positivar o pólo masculino como sendo a referência única no processo de
socialização de homens e mulheres. Por isso, por muito tempo foi colocado numa
situação ‘privilegiada’ na hierarquia social. A partir desses desdobramentos dos
estudos acadêmicos e dos processos políticos esse ‘privilégio’ foi contestado e
com ele o processo de construção e socialização subjetiva e a própria condição
de ‘ser homem’ foram sendo problematizados, revistos e ressignificados, dentro
e, distintamente, fora do ambiente acadêmico, por exemplo a partir da arte, da
literatura, da moda e da música, como proposta pelo cantor Gilberto Gil, entre
outros.
12
Frase clássica nos estudos antropológicos de autoria do autor Lévi- Strauss, respondendo ao argumento
de que as espécies naturais eram escolhidas para representar grupos/pessoas porque eram boas para serem
comidas; segundo ele, ao contrário, estas seriam boas para comer porque seriam boas para pensar,
defendendo uma antecedência gica entre ambas experiências; uma supremacia/preeminência do plano
simbólico sobre o pragmático.
13
‘ Super-homem’: canção de 1979, do cantor e compositor Gilberto Gil.
24
No âmbito desse trabalho de construção dos alicerces teóricos, a
categoria gênero é compreendida a partir de dois eixos orientadores. De imediato,
como um marcador à construção social das diferenças dos atributos tidos como
masculino e feminino. Em seguida, como um indicativo que explicita a
pertinência desses atributos na experiência de homens e mulheres, na sua
produção, reprodução e manutenção de um sujeito e das relações socialmente
hegemônicas.
Como ‘fatos’ da ordem da cultura, os princípios masculino e feminino
concorrem para configurar uma ordem social hierárquica. As diferenças e
assimetrias de gênero são construídas e reproduzidas com base em uma série de
fatores, dentre os quais se destacam aspectos como a concepção de corpo, de
natureza, da divisão sexual do trabalho, do sentido de família e dos atributos
vinculados à identidade social dos sujeitos. Enfim, aquilo que se concebe como
homem, mulher, marido, esposa, filho, hetero, homo, dentre tantos outros
arranjos sociais possíveis.
Nesse sentido, o conceito de gênero é compreendido aqui a partir de sua
dimensão relacional e histórica, recorrendo a um conjunto de autores(as)
consagrados(as) nessa discussão (Joan Scott, Linda Nicholson, Donna Haraway,
Maria Luiza Heilborn, Miguel Vale de Almeida, entre outros).
Tomando como tarefa intelectual definir a utilidade da categoria gênero,
Joan Scott (1995), partindo de uma perspectiva histórica, define gênero como um
marcador constitutivo de relações sociais. Algo que revela as diferenças
socialmente estabelecidas em ambos os sexos e que manifesta uma forma
primária de dar significações às relações de poder. Seu exercício de
contextualização e relativização concorre para a crítica fundamentada sobre
sistemas de poder e relações fortemente hierarquizadas, cristalizadas em
polaridades (certo/errado, moral/imoral, verdade/mentira, bem/mal) que
reproduzem uma ordem social marcada por assimetrias que geram desigualdades,
discriminação e exclusão.
Para Adriana Piscitelli (2004), o conceito de gênero difundido
rapidamente a partir da década de 1970 teve como parte significativa o fato de
25
proporcionar um novo olhar sobre a realidade, situando as distinções entre
características consideradas femininas e masculinas no cerne das hierarquias
presentes no social. Segundo a autora, o gênero teve uma forte aderência entre os
acadêmicos que dialogavam com as discussões/perspectivas feministas, por ter
sido considerado um avanço significativo em relação às possibilidades analíticas
até então oferecidas pela categoria mulher. Essa, por sua vez, tornou-se algo
aversivo a uma geração na qual o binômio feminino/mulher parece ter saído de
foco, tornando-se algo ultrapassado (PISCITELLI, 2004).
Em se tratando da dinamicidade da categoria gênero, Sônia de Matos
argumenta que:
Na vivência do dia-a-dia, nas interações sociais e ideológicas, gênero
nunca se reduz a caracteres sexuais, mas sim um conjunto de
categorizações morais, a um conjunto de comportamentos socialmente
sancionados e constantemente reavaliados, negociados, lembrados
(MATOS, 1999: 21).
Segundo a autora, gênero representa, do ponto de vista empírico, aquilo
que se processa em constante produção, e do ponto de vista analítico, o que não
possui em si mesmo qualidades definicionais que possa servir como um operador
de reconhecimento a um dado campo específico entre as categorias de
diferenciação. Desse modo, gênero não estaria sendo referido/reduzido aos
corpos de homens e mulheres, mas a toda uma teia de significados e arranjos
convencionalmente estabelecidos entre eles.
Nesse sentido, a contribuição do Movimento Feminista, tanto no campo
reflexivo quanto na agenda política, denunciando a idéia de uma subjetividade
hegemônica concebida como natural, foi fundamental no debate progressivo
sobre as transformações necessárias nas relações sociais. Os avanços dos estudos
feministas vieram, portanto, desnaturalizar as dicotomias, pondo em cena uma
lógica diferente de interpretação da realidade e dos fatos sociais. Segundo Pedro
P. Oliveira (1998), o discurso feminista, aliado a outros fatores estruturais,
suscitou a reflexão por parte de mulheres e, também, de homens sobre seus
comportamentos e posicionamentos sociais, problematizando práticas, condutas e
atributos tradicionais.
26
Esse movimento político e crítico-reflexivo explicitaria uma série de
contradições, conflitos e limites vigentes na sociedade contemporânea ocidental,
heterogênea e globalizada, criticando alguns arbitrários culturais na construção
do que poderia conceber como sendo masculino e, ou, feminino na história das
relações de gênero, dos sexos e da natureza. Para Miguel Vale de Almeida
(1995), a distinção entre sexo e gênero é fundamental, constituindo-se em um
ponto de partida para a investigação da masculinidade. A partir da distinção feita
pela Antropologia entre a natureza e a cultura, e posteriormente, nos anos 1960,
pelas teorias feministas, imprimisse-se a necessidade de uma separação
conceitual entre sexo e gênero, afirmando-se o segundo como uma elaboração
cultural do primeiro.
Nessa perspectiva, Linda Nicholson argumenta que “o conceito de
‘gênero’ foi introduzido para superar o de ‘sexo’, não para substituí-lo. Mais do
que isso, não só o ‘gênero’ não era visto como substituto de ‘sexo’ como também
‘sexo’ parecia essencial à elaboração do próprio conceito de ‘gênero’”
(NICHOLSON, 2000: 11). Sem querer enfrentar o longo debate construído em
torno dessa problemática, cabe lembrar um aspecto simples, porém elementar: a
diferença de estatuto das categorias sexo e gênero.
Conforme argumenta Scott, gênero é uma categoria analítica, própria ao
universo acadêmico, rentável à reflexão em torno do processo de construção das
diferenças e dos arbitrários sociais e, também, sobre o processo de legitimação
de relações de poder. Já sexo é uma categoria empírica, pertinente ao vasto
domínio do mundo social, notadamente o senso comum, representando uma
forma ‘própria’ de classificação das diferenças sociais.
Maria Luiza Heilborn refinou o debate de gênero, construindo uma outra
possibilidade analítica, tendo como referência um diálogo particular com a teoria
dumontiana. Em seu trabalho de doutoramento sobre experiências conjugais
modernas entre casais homoafetivos, a autora investiga o porquê de as
representações de gênero comportarem assimetrias hieraquizantes, em a que a
assimetria de gênero é pertinente a uma ordem lógica de passagem
natureza/cultura.
27
Segundo a autora:
Não se trata apenas de afirmar que os gêneros possuem conteúdos
contrastivos e complementares. Além de distintiva, a lógica interna ao
domínio de gênero é hierárquica, fazendo com que vetores simbólicos
relacionados qualifiquem-se pelas propriedades de englobante e
englobado (HEILBORN, 2004:40-41).
Num campo etnográfico particular, quando se pretende investigar a potência
das classificações de gênero num mundo informado e afirmado pelo ideário igualitarista
moderno, Heilborn e Elaine Brandão alertam para os limites de uma dicotomia do
sistema sexo e gênero, recolocando em novos termos a discussão sobre sexo e natureza.
Elas argumentam que a sexualidade ora se restringe a um mecanismo fisiológico, a
serviço da reprodução da espécie, ora como uma manifestação que precisa ser
extravasada, uma pulsão, uma ordem psíquica. Problematizar a universalidade desse
instinto sexual possibilita salientar as diferenças específicas da ação social sobre a
sexualidade, bem como o olhar ocidental nas formas culturalmente singulares de se
conceber a sexualidade:
... Uma categoria fundante no modo como a experiência sexual é
vivenciada pelos sujeitos, na medida em que as trajetórias masculinas e
femininas são radicalmente distintas, o exatamente pelas diferenças
estampadas em seus respectivos corpos, mas sobretudo em função da
maneira como as expectativas e as aspirações em relação à
experimentação sexual são marcadas pelo gênero na tradição ocidental
(HEILBORN & BRANDÃO, 1999:11-12).
Segundo as autoras, “nas trincheiras do essencialismo viceja a
convicção de que algo inerente à natureza humana, inscrito nos corpos, na
forma de um instinto ou energia sexual, que conduz as ações (1999:09).
Inspirada nessa reflexão sobre a dicotomia cultura e natureza, o preciosa à
tradição antropológica, Matos diz que:
Fazendo uso da distinção entre cultura e natureza é possível
classificar, descrever e explicar a realidade, porque tal distinção não
apenas estabelece diferenças entre acontecimentos e coisas situadas
no campo da cultura – e que se refere a tudo que é “feito pelo
homem” – e acontecimentos e coisas situadas no campo da natureza –
e que se refere a tudo que é “dado ao homem” - mas, também,
oferece uma detalhada explicação sobre as propriedades e as
possibilidades das realidades naturais e culturais (MATOS, 1999:22).
28
Aqui, o conceito de natureza e cultura representa um par de opostos
fundamentado em uma bipolaridade. Nessa discussão é pertinente retomar as
reflexões de Laqueur (2001), em sua obra ‘Inventando o Sexo’. O autor
problematiza a noção de essencialismo, trazendo à tona um debate em torno da
construção do sexo (a partir de seu modelo único de sexo one-sex model) e a
própria definição de natureza. Segundo ele, na Antigüidade Grega e meados do
século XVIII o corpo feminino era visto como uma cópia imperfeita e investida
do masculino, e, assim, gestadas suas dicotomias. Entre elas destaca a noção de
corpo quente e expresso (masculino), em contraposição ao corpo frio e líquido
(feminino), a questão da atividade x passividade, e a própria noção de natureza e
cultura. Neste contexto, a mulher estaria para a natureza, pelo seu
desenvolvimento ‘rudimentar’, sensível’, ‘frágil’, e o homem para o universo
social, dos prazeres e das conquistas.
Antes do século XVII, o sexo representava uma categoria sociológica, e
não ontológica, indicando posições sociais de referência, e não um atributo
construtor de subjetividades reflexivas. Neste sentido, Vale de Almeida afirma
que:
Os isomorfismos de Galeno sobre os órgãos masculinos e femininos
foram rearticulados no século XIX ao nível embriológico como
homólogos: o pênis e o clitóris, bem como as outras homologias,
passaram a ser vistas como tendo uma origem comum na fase fetal.
Depois do século XVII o corpo o era visto como um microcosmo
de uma ordem maior e a ciência não gerava a hierarquia das
analogias (VALE DE ALMEIDA, 1995:79).
Cabe ressaltar que não é proposta deste trabalho teorizar a respeito da
dicotomia natureza/cultura, uma dicotomia que fundamenta outras estruturas e
que ganha novos contornos na atualidade. Privilegia-se aqui refletir e apontar
alguns delineadores da construção do masculino, o seu papel na
contemporaneidade e suas implicações na vivência de homens, e, mais
incisivamente, demarcar os limites dessas perspectivas dicotômicas que podem
substancializar formas de representação e manifestações sociais. Aliás, vale
ressaltar que não existe ‘uma natureza’ ou mesmo ‘uma cultura’, trata-se de
domínios distintos, porém ambos socialmente construídos (GOUVEIA, 2003).
29
Os contatos com esses campos analíticos me permitiram problematizar o
significado de uma vivência particular masculina, os jovens atiradores do Tiro-
de-Guerra de Viçosa - MG e o lugar que ocupam num entorno fortemente
estruturante, no mundo e nas relações que estabelecem entre si, seus ‘iguais’,
nesse ambiente institucional.
Conforme evoca o trabalho clássico de Simone de Beauvoir
14
, ‘não se
nasce mulher torna-se mulher’. Essa afirmativa também recai sobre a
experiência social do homem. Num processo de tornar-se sujeitos, os rituais, as
provas de masculinidade, a dor e a humilhação, dentre outras, vão ser
apropriados em diferentes e distintos contextos culturais. Neste sentido, apesar
de inúmeras e decisivas diferenças, uma base comum parece perpassar o
processo de construção do sujeito-homem. Acerca dessa ‘universalidade’, Vale
de Almeida, afirma que:
... Ser homem, no dia-a-dia, na interação social, nas construções
ideológicas, nunca se reduz aos caracteres sexuais, mas sim a um
conjunto de atributos morais de comportamento, socialmente
sancionados e constantemente reavaliados, negociados, relembrados.
Em suma, em constante processo de construção (VALE DE
ALMEIDA, 1995:128).
Diante desse contexto, justifica-se o uso da categoria gênero por se tratar
de um conceito desenvolvido para contestar a naturalização das diferenças
sexuais numa diversidade cultural. Segundo Donna Haraway, “a teoria e a
prática feminista em torno de gênero buscam explicar e transformar sistemas
históricos de diferença sexual nos quais ‘homens’ e ‘mulheres’ são socialmente
constituídos e posicionados em relações de hierarquias e antagonismos”
(HARAWAY, 2004:7).
É especificamente nessa dimensão de experiência socialmente construída
que o alistamento militar, via TG, assume a expressão de um rito de passagem
que concorre para socializar futuros homens, munidos de responsabilidade e
14
Beauvoir, Simone Lucie-Ernestine-Marie-Bertrand de. Escritora francesa e feminista, nascida a
9/1/1908 e falecida a 14/4/1986, em Paris. Participante do grupo de escritores filósofos que deram uma
transcrição literária dos temas do Existencialismo, ela é conhecida primeiramente por seu tratado Le
Deuxième Sexe (1949 - O Segundo Sexo), um apelo intelectual e apaixonado pela abolição do que ela
chamou o mito do "eterno feminino".
30
honra, duas evocações recorrentes da e na vida da caserna. De certa forma, o TG
torna-se um lugar eleito pelos próprios sujeitos e, em grande parte, por suas
famílias como um espaço de correção de condutas de jovens ‘rebeldes’,
‘irresponsáveis’, cujo grupo doméstico não consegue sozinho ‘administrar’. Um
lugar eleito socialmente na ‘construção’ de verdadeiros homens, ‘honestos’ e
‘honrados’.
Assim, uma idéia de honra vinculada a valores morais que de forma
menos instrumental perpassam a idéia de sustentação financeira e de construir
uma ‘família honrada’. Assim, em face da dramaticidade social da experiência
dos setores populares hoje, marcada por intensos processos de desfiliação e
discriminação, garantir a honra torna-se um imperativo de valor e um capital
simbólico entre os representantes desses segmentos (GOUVEIA, 2003).
A sociedade, ao longo do tempo, tende a naturalizar os papéis de homens
e de mulheres e, assim, determinar seus espaços, referendado principalmente na
divisão sexual do trabalho e no modo de vivenciar experiências afetivas-sexuais,
promovendo uma complexa hierarquia e desigualdade de gênero. Ao se conceber
homens e mulheres como constructos gestados no interior de uma cultura,
compreende-se como foram sendo fabricadas as diferenças e a hierarquia entre os
papéis sociais.
Nessa relativização é possível agir, pondo em xeque referências
essencialistas, trazendo à tona a discussão em torno da construção do sexo e da
própria definição de natureza. Refletir e problematizar questões acerca da
perspectiva de gênero e, conseqüentemente, dos atributos masculinos e
femininos, visando sua ‘desnaturalição’ e ‘desconstrução’, concorrem para
colocar em suspenso preconceitos e discriminações, frutos de um ideário moral
cristão, que essencializa modelos de: homem, mulher, criança, família e filho, e
inevitavelmente controla afetividade, sexo e prazer.
Geralmente, refletir sobre gênero implica abordar outra categoria
bastante abrangente, a sexualidade. Sua discussão oscila entre diferentes
discursos, assumindo, portanto, diversos significados. Desde um
conservadorismo ortodoxo, manifestado em documentos que condenam atos,
31
práticas, orientações, dispositivos e direitos sexuais, tão em voga no contexto
atual, até a banalização e a constante incitação ao sexo como definidor de
subjetividades. Mais do que negar a hipótese repressiva do sexo, preocupou-se
em qualificar os termos dessa repressão/incitação, contribuindo enormemente
para a construção de uma crítica epistemológica, e mesmo uma ão política, em
torno de formas de saber e fazer hegemônicas (FOUCAULT, 1984).
Segundo o autor, a serviço de uma moral conservadora e de construção
de corpos saudáveis, ao longo dos séculos, o sexo foi colocado em discurso. Ao
invés da repressão/silenciamento, foi submetido a um mecanismo crescente de
incitação, na qual a ‘repressão’ tornou-se um elo de ligação entre poder, saber e
sexualidade, uma categoria cunhada no âmbito das Ciências Médicas. De acordo
com suas palavras, “não se fala menos de sexo, pelo contrário. Fale-se dele de
outra maneira; são outras pessoas que falam, a partir de outros pontos de vista
e para obter outros efeitos” (FOUCAULT, 1984:29).
Nesse debate, o argumento de Vale de Almeida é pontual. Segundo ele,
“as grandes mudanças que se verificaram com a sociedade moderna no campo
da sexualidade e dos gêneros foram igualmente mudanças na interpretação do
corpo, do sexo, da reprodução, da identidade individual, e das emoções” (VALE
DE ALMEIDA, 1995:73). Conforme diversos autores apontam, o gênero, a
sexualidade e o comportamento sexual dos sujeitos articulam as esferas de
produção e reprodução social. Quanto mais a sociedade se preocupou em
normatizar a vida de seus membros, maiores foram os interesses em disciplinar
os corpos e as práticas afetivas-sexuais. Dessa forma, no transcorrer dos séculos,
a sociedade se beneficiou da ajuda da medicina, aliada aos sexólogos, na
obtenção do controle e da regulamentação de nossas atividades corporais, num
processo complexamente interconectado, pelo qual a definição precisa das
‘verdadeiras’ características femininas e masculinas esaliada a um novo zelo
em definir, nos discursos judiciário, médico e político, o que é ‘normal’ ou
‘anormal’” (WEEKS, 1999:150).
Logo após a 2
a
Guerra Mundial, especialmente nas décadas de 1960, 70
e meados de 80, uma crítica política, social e cultural produziria um
32
‘afrouxamento’ dos tradicionais códigos sociais vigentes, incitando o
questionamento de várias ordens, inclusive sobre os atributos socialmente
designados a homens e mulheres. No bojo do movimento de contra-cultura,
propagou-se uma liberdade de conduta e uma redefinição política da sexualidade,
encabeçada por segmentos liberais da sociedade (como o movimento feminista, a
militância gay e lésbica e outros). Assim, os discursos naturalizantes sobre o que
estaria sendo definido como homem e mulher foram sendo cada vez mais postos
em xeque.
Nesse contexto próprio, a condição masculina passa a ser investigada
com um olhar mais atento, tanto no âmbito do próprio desenvolvimento e
consolidação do campo dos estudos de nero, quanto da própria sociedade civil
organizada. Neste sentido, o Feminismo, ou os Feminismos, e outros
movimentos ligados à discussão dos direitos sexuais e reprodutivos permanecem
atentos a essas transformações, concorrendo para a crítica e resistência às
diversas prescrições e definições a respeito dessas e, propriamente, da
sexualidade. Esse fato parece evidente ao atentarmos para as manchetes nos
jornais, nos meios de comunicação de massa, como um todo.
Enfim, privilegiar a investigação científica sobre as representações de
masculinidade no âmbito das reflexões de gênero concorre para construir uma
análise para além da questão identitária, de forma definitivamente relacional. Tal
perspectiva enfatiza as pluralidades subjetivas, demarcando importantes
indicadores, como as diferenças de classe social, idade, orientação sexual, dentre
outras, que singularizam determinada forma de se experimentar o ‘ser homem’.
Mediante tantas variáveis, torna-se mesmo impossível essencializar determinado
processo de construção do masculino. Por isso, vale investir na leitura e
sistematização de uma literatura que discute masculinidade.
33
2.2 MASCULINIDADE: O homem em processo
Nesta pesquisa, o entendimento em torno da categoria masculinidade
está ancorado a partir das reflexões propostas por diversos autores(as), como
Badinter (1998), Vale de Almeida (1995), Bourdieu (1999), Kimmel (1998),
Nolasco (1995), dentre outros, que apesar de assumirem perspectivas
diferenciadas têm em comum o fato de problematizar/refletir a cerca da
masculinidade.
Conforme colocado, as conquistas do movimento feminista e o
desenvolvimento de reflexões em torno do conceito de nero conduziram
muitos pesquisadores(as) a se debruçarem sobre a questão da construção social
da masculinidade, sobretudo na década de 80, nos países saxões. Apesar de nos
anos 70 terem sido produzidos estudos internacionais contemplando a
problemática da masculinidade, de certo modo esses foram ofuscados pela ênfase
nos trabalhos sobre a questão das mulheres (women’s studies).
A reflexão sobre os marcadores sociais de gênero no universo de
homens, para além da explicitação de uma opressão em face da autoridade
masculina sobre as mulheres, denunciada e combatida pelo Feminismo (em
vários espaços sociais), desnudou uma outra realidade: a presença de uma ‘sutil’
opressão que incide sobre o universo masculino e na manutenção de um modelo
hegemônico de ser homem.
Conforme argumenta Socrátes Nolasco:
Os esforços empreendidos pelos homens na busca de uma outra
possibilidade de inserção na cultura contemporânea se concentram
inicialmente na tentativa de compreender o significado que têm para
suas vidas os adjetivos que os qualificam como homens na cultura do
Ocidente, para a partir daí analisar os efeitos produzidos sobre eles
(NOLASCO, 1995:21).
Na busca por esses significados emergiram questões em torno da idéia de
que a masculinidade e o ‘homem’ moderno estariam vivendo realmente uma
crise existencial e, ainda, construindo novas possibilidades de vivenciar essa
condição masculina, ou mesmo ambas prerrogativas. Aqui é possível identificar
34
mecanismos de poder que exercem a vigilância sobre os tipos ideais de ser
homem e de ser mulher, concorrendo para demarcar uma masculinidade
hegemônica no plano social, afetivo e existencial.
De certa forma, isso parece particularmente intensificado nos ‘homens’
que ‘descendem’ de instituições normativas, como a ‘Igreja’, a ‘Família’, as
‘Forças Armadas’
15
. Nesta última, o atributo ‘militar’ encontra-se próximo de um
modelo que se impõe pela força, pela disciplina, pelo adestramento e pela moral,
que prescrevem deveres e obrigações do sujeito para consigo mesmo e para com
a sociedade. Esses espaços acionam imagens que ganham estatuto emblemático,
concorrendo para promover e exaltar moralidades estereotipadas e
discriminatórias.
As novas reflexões de gênero sobre o masculino vêm distanciar o ser
masculino de sua questão falocêntrica, ligado a atributos como ‘virilidade’,
‘dominação’ e ‘violência’, situando-o em um cenário onde as construções
cotidianas dos seus desejos e sua satisfação tomam outras proporções e
significados. Trata-se de uma explicitação do próprio desejo, do próprio modo de
ser homem.
De acordo com Nolasco:
A construção de um cotidiano marcado pela explicitação das próprias
necessidades, pela tolerância em vê-las atendidas e o comprometimento
com a busca cada vez maior por satisfação emocional têm sido
apresentado por alguns Grupos de Homens que desejam
reconhecimento por sua autonomia emocional. Com isto, o sexo deixa
de ser o único operador em torno do qual se organiza a
representação masculina (NOLASCO, 1995:28 grifos meu).
Em geral, a masculinidade é concebida e legitimada com base na
universal capacidade produtiva, em que se espera do homem a plena realização
da função de provedor material e financeiro de seu grupo de referência. Junta-se
a isto uma exigência moral que lhe é solicitada como uma força ordenadora do
grupo doméstico.
As reflexões de um novo olhar sobre a masculinidade possibilitaram
contrapor, em certa medida, discussões essencialistas, como a tese biológica da
15
As instituições citadas estão aspadas de modo a não absolutilizá-las diante da dinâmica social.
35
posição do cromossomo Y, ou simplesmente a posse do órgão sexual masculino,
como atributos suficientes para determinar o ‘verdadeiro homem’. De certa
forma, a discussão em torno da masculinidade expressa mudanças em relação à
aceitação social do arbitrário poder masculino e de sua hegemonia dentro da
lógica de gênero vigente nas culturas contemporâneas ocidentais (OLIVEIRA,
2004:142).
A posse única e universal do órgão masculino, o pênis, o se
configurava mais como sendo definitivo e determinante para se moldar o
‘homem’. Afinal, ‘ser homem’ ultrapassa uma pura e simples ordem biológica,
sendo algo circunstancial em cada tempo e espaço, configurando conjuntos de
regras, normas e mbolos sociais que serão acionados para definir formas e
modelos em um modo particular de se investir os sujeitos. Neste sentido, a
masculinidade é entendida como uma categoria analítica que representa algo
plural e circunstancial (masculinidades), diretamente relacionada a questões
relativas à subjetividade.
Ao se problematizar o arquétipo da masculinidade, o importante é
perceber que não se pode falar de masculinidade, mas sim masculinidades,
indicando uma categoria altamente fluída e por isso mesmo passível de
transformação. Para Michel Kimmel:
Os significados de masculinidade variam de cultura a cultura, variam
em diferentes períodos históricos, variam entre homens em meio a uma
cultura e variam no curso de uma vida. Isto significa que não
podemos falar de masculinidade como se fosse uma essência constante,
e universal, mas sim como um conjunto de significados e
comportamentos fluídos e em constante mudança. Neste sentido,
devemos falar de masculinidades, reconhecendo as diferentes
definições de hombridade que construímos (KIMMEL, 1998:106).
Segundo o autor, ao adotarmos o termo no plural (masculinidades)
estamos contribuindo para um entendimento mais amplo e diferenciado dessa
vivência diante dos próprios homens em seu momento histórico e social. Em suas
palavras: “... masculinidade significa diferentes coisas para diferentes grupos de
homens em diferentes momentos” (KIMMEL, 1998:106). Para além desse
aspecto, ele chama a atenção para o fato de que, apesar disso, nem todas as
36
masculinidades são construídas de igual forma, muitas vezes são hierárquicas e
construídas em relação a outras vivências, e num completo jogo de poder.
Nesse sentido, Peter Fry argumenta que “sistemas de conhecimento
existem socialmente se reproduzidos pelos atores sociais, e a vitória de um ou
outro sistema dependerá, em última instância, do relativo poder de seus
proponentes” (FRY, 1982:88). Umas das principais formas que o homem
acionava para demonstrar uma eficiente aquisição de masculinidade era através
da desvalorização de outras vivências de masculinidade, numa clara oposição
entre o modelo hegemônico e o subalterno, favorecendo a construção de um
outro (KIMMEL, 1998).
Nessa perspectiva, é importante salientar que uma situação
particularmente importante nesse processo é o comportamento homossexual, e
mesmo outras práticas homoafetivas, que são constitutivas da e na experiência
masculina. Afinal, de certa forma, a homossexualidade representa um afronto ao
‘machismo’ e a uma posição ‘privilegiada de homem, colocando em jogo
saberes e práticas hegemônicas. Destes cabe destacar: a não-obrigatoriedade da
heterossexualidade, a explicitação de uma ‘nova’ forma de desejo/prazer entre
‘iguais’ e a transgressão nos códigos morais de conduta e religiosos, dentre
outros.
Prescrevendo determinado modo de ser homem, a sociedade tende a
utilizar vários artifícios, incluindo uma espécie de jogo e ritos de passagem, que
vão variar segundo os distintos grupos sociais. Esses instrumentos, na sua
maioria, manifestam formas particulares de exaltação de poder, confirmando
uma proximidade histórica entre força, virilidade, poder e dominação.
Segundo Oliveira, numa perspectiva histórica, os estudos sobre a
masculinidade entram em ascensão a partir da década de 1970, mas no Brasil
isso se tardiamente, mas especificamente na década de 80 e início da de 90,
deixando de ser uma temática secundária e passando a ocupar o centro de
algumas preocupações.
Esse é um momento de crise social e epistemológica, na qual a
hegemonia do funcionalismo passa a ser fortemente questionada. Essa guinada
37
está associada diretamente ao Movimento Feminista, que vivia um momento de
efervescência, a partir do Pós-Guerra. No bojo das discussões em torno das
‘políticas de identidade’, em grande parte propostas pelo Feminismo e pelo
movimento gay, assiste-se ao questionamento em torno da naturalização e
hegemonia de identidades masculinas dominantes e dominadoras. A partir daí
percebeu-se e divulgou-se a idéia de que não apenas as mulheres sofreriam com a
representação hegemônica e convencional dos papéis de gênero. Destas, também
sofreriam seus presumidos beneficiários os próprios homens (OLIVEIRA,
2004:146).
Além do Feminismo, o advento e a disseminação da infecção do
HIV/Aids durante a cada de 1980 elevaram a questão da masculinidade como
objeto de reflexão e de ação social, suscitando debates sobre questões até então
cristalizadas e tidas como tabu, como a relação extra-conjugal e homo-
orientadas
16
. Neste contexto cresce o debate em torno do fato de que homens
casados contraíam a doença, provavelmente em tais práticas, e contaminavam
suas companheiras. A grande protagonista pela emergência desse tema foi a
militância gay, buscando denunciar o estigma posto nesse grupo como principal
responsável pelo crescimento da epidemia. Apesar da importância do debate,
muitos trabalhos emergiram reféns de uma explícita questão política, em
detrimento de uma correspondente visão analítica da questão em si (OLIVEIRA,
2004: 148).
No que compete à década de 1990, o autor argumenta que a discussão
em torno da idéia de um índice de fertilidade masculina para os estudos
demográficos promoveria o debate acerca da masculinidade, interesse
historicamente voltado para a questão feminina. Assim, algumas agências
internacionais de financiamento manifestaram certa preocupação com a temática,
configurando-se como uma importante fonte de estímulo e recurso para pesquisa
nesse campo. Neste contexto, três marcos se destacaram em nível nacional: o
16
Embora o autor tenha apenas ressaltado a questão das práticas homo-orientadas, outras práticas de sexo
inseguro também contribuíram para ampliação desse quadro, como práticas sexuais com prostitutas,
moradores(as) de rua, inconstância de parceiros(as) e outros.
38
Feminismo nos anos 1970, a epidemia do HIV/Aids e o Movimento Gay nos
anos 1980, e as pesquisas demográficas nos anos 1990.
Além disso, outras razões estariam imbricadas na emergência e
visibilidade pública sobre a masculinidade. Destas, destacam-se aspectos como a
violência e criminalidade nos centros urbanos, a proliferação em massa de
torcidas organizadas de futebol, a propagação da mídia e de outros setores
interessados na flexibilização dos modelos comportamentais masculinos, visando
um novo e promissor nicho de mercado (como o mercado de cosméticos e dos
produtos da indústria fitness e da moda).
Nesse contexto, a vivência homoafetiva também passa a ser
resignificada, dando impressão de uma aparente e pacífica ‘aceitação social’.
Algo que ocultava e diluía a percepção de um objetivo muito maior, que é a
incitação ao consumo. Assim, agências de turismo, hotéis, boates, restaurantes e
outros setores vão se especializar para atender esse ‘público gay’. Consideram tal
público como um potencial consumidor principalmente, pelo fato de não possuir
gastos familiares
17
, sendo aptos e ávidos para consumir.
Por muito tempo a definição do que é ser ‘homem’ estava atrelada à sua
condição sexual e a atributos que o classificava e o determinava como tal. Essas
características traziam em si uma série de prescrições, como: capacidade
produtiva e reprodutiva, falar grosso, não chorar, não ser frágil e, principalmente,
não ser gay’, distanciando-o do universo feminino e promovendo o domínio
sobre tudo e todos; logo, o verbo dominar torna-se palavra de ordem no universo.
Hoje, num contexto de crítica, crise e transformações, a vivência masculina
passou a incorporar atributos até então representados como feminino, sem
comprometer a sua masculinidade. Desse modo, chorar, mostrar-se ‘sensível’, ir
ao salão de beleza, dentre outros, passaram também a fazer parte do universo
masculino.
17
Essa idéia de ‘improdutividade’ do casal homoafetivo é reestruturada pelo fato da crescente procura de
tais casais pela adoção ou reprodução assistida, principalmente pelas mulheres, para obtenção de sua
família, mesmo que a lei brasileira não tenha regularizado ainda tal questão.
39
Em vista disso, o conceito de habitus
18
proposto por Peirre Bourdieu
torna-se imprescindível na reflexão sobre a socialização masculina. Segundo este
autor, o homem é um ser social, competindo para tal a adoção de múltiplas
aquisições que aparentemente são tidas como ‘normais’, inatas. Sua reflexão
permite compreender a lógica dessas práticas tanto na sua esfera individual,
quanto coletiva, como mecanismos aptos à reprodução social.
Para Bourdieu (1999), essa dominação comporta uma dimensão
simbólica, na qual o dominador (homem) deve conseguir obter do dominado (a
mulher) uma forma de adesão que não se baseia em uma decisão consciente.
Trata-se de uma submissão imediata e pré-reflexiva dos corpos socializados,
mais ainda, através desses corpos socializados e das práticas e rituais acionadas
realiza-se um movimento no qual o passado se torna presente no imaginário
coletivo, propagando e afirmando atitudes reacionárias, preconceituosas e
tradicionais, no que se refere à conduta sexual e afetiva dos sujeitos socialmente
diferenciados.
A partir da reflexão de Bourdieu, Vale de Almeida argumenta que:
É comum dizer-se que os homens (ou muitos homens) são vítimas da
sua dominação. Bourdieu diz que isso é verdade, só que são dominados
pela sua dominação, o que faz uma grande diferença. O habitus
masculino constrói-se e cumpre-se em relação com o espaço reservado
onde se jogam, entre homens, os jogos da competição, estabelecendo
uma dissimetria entre homem e mulher nas trocas simbólicas, uma
dissimetria de sujeito e objecto, de agente e instrumento (e da o
exemplo do mercado matrimonial como realização paradigmática das
relações de produção e reprodução do capital simbólico) (VALE DE
ALMEIDA, 1995:27).
Investindo na definição da categoria, Robert Connel (1995) define a
masculinidade como sendo uma posição nas relações de gênero, isto é, as
práticas pelas quais os homens e as mulheres ocupam esse lugar no gênero e seus
efeitos nas experiências físicas, pessoais e culturais. Para Badinter, ser homem
18
Sistemas de disposições duradouras e transponíveis, estruturas estruturadas dispostas a funcionar como
estruturas estruturantes, isto é, como princípios geradores e organizadores de práticas e representações
que podem ser objetivamente adaptadas ao seu objetivo, sem supor a visada consciente de fins e o
controle ‘reguladas’ e ‘regulares’, sem ser em nada o produto da obediência a regras, e sendo tudo isso
coletivamente orquestrada sem ser o produto da ação organizadora de um maestro (BOURDIEU,
1997:76).
40
define-se principalmente a partir de condicionantes hegemônicos que indicam o
padrão de masculinidade a partir de uma perspectiva fortemente contrastiva (e
relacional) que revela tudo aquilo que ele (o homem) não dever ser:
Ser homem significa não ser feminino, não ser homossexual; não ser
dócil, dependente ou submisso; não ser afeminado na aparência física
ou nos gestos; não ter relações sexuais nem relações muito íntimas
com outros homens; não ser impotente com as mulheres (BADINTER,
1993:117) (grifos da autora).
Essa definição é incisiva e pragmática, não promovendo um
entendimento mais amplo que concorra para a desnaturalização de uma
representação universal de homem e de masculinidade. Em certa medida, neste
argumento a autora não enfatiza outras vivências sexuais que permeiam o
universo masculino, nem a dinâmica das interações e das diferenças de classe,
etnia, raça/cor, nacionalidade, dentre outras que concorrem para forjá-las.
Mesmo que de forma não consciente, estabelece uma junção entre homem-
masculino, reforçando atributos que não necessariamente podem estar projetados
em seu corpo, mas sim fora dele, encontrados em outros corpos, em outros
sujeitos. A construção de uma dada masculinidade organiza-se sempre em
relação a algo distinto, seja a figura de uma mulher, de um gay, da criança, do
machão e outros. Segundo Kimmel, “a masculinidade hegemônica é invisível
àqueles que tentam obtê-las como um ideal de gênero, ela é especialmente
visível precisamente àqueles que são mais afetados pela sua violência”
(KIMMEL,1997: 116).
Diante de um conjunto de atributos tidos como masculinos que precisa
ser adquirido, o sujeito não está numa posição passiva na construção de dada
realidade; este ‘negocia’ os códigos que lhes são impostos diariamente. Assim
como as mulheres, os homens sofreram e ainda sofrem também determinado tipo
de ‘opressão sexual’. Neste sentido, a forte coesão está presente não apenas nos
homens que compartilham de uma masculinidade estigmatizada, mas também
daqueles ‘enquadrados’ pela norma sexual e moral, em experimentam uma
vivência povoada por sofrimentos e angústias. Em muitos desses sentimentos
produzidos está a expectativa diante ao desempenho sexual e da conquista do
41
sexo oposto, mas também outras particularidades como: o tamanho do pênis, o
desempenho sexual, a ejaculação precoce, a virgindade masculina, dentre outros.
Esses aspectos concorrem para a legitimação de um ideal de homem,
marcadamente coercitivo, garantindo assim a produção e a reprodução na
sociedade de um modelo heterossexual de ser. Neste contexto, constata-se uma
forma sutil de ‘opressão’ de gênero do homem pelo próprio homem, em que
aqueles que não apresentam os atributos masculinos socialmente esperados estão
sujeitos a estigmas, estereótipos e preconceitos morais e sexuais, fundados num
padrão hegemônico masculino.
De forma simplificada e generalizante, assumia-se, a priori, uma
‘identidade’
19
masculina, na qual todos os ‘homens’ se sentiriam privilegiados
por desempenhar funções que os colocam hierarquicamente numa posição
‘superior’ às mulheres. Nesta perspectiva, aqueles que não desempenham os
atributos impostos por uma gramática masculina hegemônica estão sujeitos a
estigmas, estereótipos e preconceitos sociais e morais. Tal aspecto suscitou
problematizar a forma como alguns homens se percebem diante da realidade
social, bem como o modo de os sujeitos se relacionarem consigo mesmo, com
outros homens e com as mulheres, enfim, com a sociedade em geral.
Esses aspectos concorrem para construção de uma nova subjetividade,
redefinindo o ser macho, masculino ou homem, onde repensar essas
terminologias é particularmente importante. Em vista disto, as questões de
gênero, os atributos tidos como masculinos e as práticas e representações sobre
sexualidade estariam modificando-se sensivelmente, expressando mudanças que
são tanto resultado de um processo de reestruturação da sociedade e de novas
relações sociais de existência, quanto mudanças no espaço-tempo (por exemplo,
na reorganização urbana, no surgimento de novas epidemias, nas vicissitudes do
19
A palavra identidade está aspada por entendê-la como sendo uma perspectiva polimorfa e mutável, em
que o sujeito se configura e ao mesmo tempo reconfigura seu modo de ‘pertencer ao mundo e no
mundo.“A discussão sobre as esferas subjetivas e identitárias caracteriza-se como um questionamento de
ponta. É um tema privilegiado que muito tem contribuído, por um lado, para a formatação e consolidação
de uma polêmica crucial à reflexão contemporânea, e, por outro, para a tentativa de caracterizar e
diferenciar contextos sociais distintos, nos termos de uma ‘nova’ oposição analítica, de certa forma,
encarada na dicotomia modernidade x pós-modernidade” (GOUVEIA, 2003:91).
42
mundo do trabalho), questões essas problematizadas exaustivamente por Giddens
(1991)
20
.
A masculinidade é algo que precisa ser construída e conquistada, mas é
preciso salientar que essas conquistas são variantes e particulares a cada cultura,
mesmo que esteja presente nesses procedimentos a busca pelo poder, cuja
obtenção está quase sempre atrelada a sacrifícios que podem produzir um grande
sofrimento, dor e humilhação. Em geral, estes procedimentos encontram-se,
espetacularmente, manifestados através da virilidade, afirmando atributos como
o uso da força física, da reprodução, do trabalho braçal e, até mesmo, da
violência.
No âmbito da discussão deste trabalho, considero que as Forças
Armadas, em especial o Exército, exaltam esses mecanismos principalmente em
função de seu caráter disciplinar de controle de corpos, e de certa forma de
mentes. A partir do Alistamento Militar, o Exército impõe um rito de passagem
para todos os jovens quando atingem a idade de 18 anos, independentemente de
classe social, crença, cor/raça; todos são convocados a deixar de ser ‘jovens’ para
se tornar homens. Embora o sujeito o seja incorporado à vida militar,
submetido a um período de recrutamento, sua apresentação formal torna-se
obrigatória, submetendo-o a este rito de passagem, uma tarefa desafiadora e
necessária. Enfim, um ambiente produtor de uma cultura institucional que
contribui para a ‘fabricação de homens de verdade’, junto à família, à escola, ao
Estado, dentre outras instituições centrais à construção social dos sujeitos.
O debate sobre a masculinidade contribui, tanto no plano acadêmico
quanto na esfera político-social, para problematizar possibilidades de uma
vivência afetivo-sexual particular para homens, mulheres e todos os ‘outros’,
capazes de realizar plenamente suas orientações e opções existenciais, sexuais e
afetivas. São raros os trabalhos que se propõem fazer uma reflexão a partir de
uma perspectiva de gênero em ambiente militar, talvez isso seja o indicativo de
como esse espaço ainda está arraigado por princípios conservadores e
tradicionais.
20
Anthony Giddens. As conseqüências da Modernidade. São Paulo: Editora da Universidade Estadual Paulista, 1991.
43
No decorrer de todo o trabalho, as reflexões de gênero e de
masculinidade foram de grande valia na identificação de aspectos e situações que
potencializavam o modo de ser e se portar do jovem-militar’, em suas
experiências específicas em contextos internos e externos à experiência militar:
no mundo do trabalho, da família, dos valores, dos sentimentos e das normas.
Um conjunto de referências pertinentes no manejo do trabalho de campo,
proporcionando um olhar atento às vivências masculinas ali compartilhadas,
visando a interpretação dos códigos e sua forma de atuar no mundo. A partir
dessas referências conduziu-se uma reflexão sobre formas de socialização de
homens em um determinado ambiente militar, Tiro-de-Guerra, suas dinâmicas e
estruturas que se manifestavam no plano pessoal e social.
Refletir sobre a vivência militar é defrontar-se com uma socialização de
homens (embora a presença das mulheres seja cada vez mais representativa) num
mundo das normas, hierarquias e disciplina, em que homens são socializados
para a reprodução/manutenção de condutas hegemônicas e naturalizadas. Enfim,
é uma dessas instituições militares ‘formadoras’ de homens, o TG, que se
apresenta a seguir, contando uma história que se conta sobre ela.
2.3 MEMÓRIA E HISTÓRIA: Instituição, Campo e Sujeitos
Inicialmente, é importante frisar que este trabalho não se propõe criticar
e constrir um estudo histórico a respeito da origem, institucionalização e
formação do Serviço Militar Brasileiro e, mais particularmente, do Tiro-de-
Guerra no Brasil. Porém, considera-se pertinente contextualizar brevemente esse
processo, partindo de documentos de referência veiculados e promovidos pelo
próprio universo militar e pelas literaturas afins. O intuito é localizar essa
instituição dentro do contexto maior do Exército e do Serviço Militar Obrigatório
e, conseqüentemente, da sociedade brasileira. Ainda que se corra o risco de estar
legitimando uma história contada pela própria instituição a respeito de si mesma,
44
ressalta a relevância de tratar-se de uma história que se conta e que se ‘oficializa’
interna e externamente.
A tentativa de evidenciar esse critério revela a preocupação de suscitar
críticas ao texto apresentado, dando margem a questionamentos e à
problematização em torno de alguns de seus pressupostos. Talvez isso ‘monitore’
o risco potencial e possibilite aproximar do ideal que é de se fazer ‘conhecer’ um
pouco o campo institucional do Tiro-de-Guerra.
2.4 SERVIÇO MILITAR: Um ritual de, e, para homens
A formulação e a aplicação da Lei do Serviço Militar estão atreladas à
própria história do Brasil. Seu surgimento é longínquo, desde a época que
tínhamos como sistema administrativo as Capitanias Hereditárias. Naquela
época, o objetivo principal era a defesa do território contra os supostos inimigos
estrangeiros e os índios ‘rebeldes’.
Em 9 de setembro de 1542, na Câmara de São Vicente, foi promulgado
um ‘Termo’, organizando uma milícia formada por colonos e índios, reconhecida
como sendo a primeira organização ‘militar’ brasileira. Mais tarde, em 1548, os
proprietários de engenho e colonos receberam prerrogativas legais para
possuírem armas para defesa, fato que foi possível com a promulgação do
regimento denominado de “Regulamento do El Rei”.
A promulgação do Termo junto ao referido Regulamento evidenciava o
estabelecimento de uma organização militar, que segundo se conta tinha o
objetivo de congregar os habitantes para defesa da terra. Em 1574, junto a este
Regimento, segue-se a instituição da ‘Provisão das Ordenanças’. Um instrumento
que teria assinalado o início da regulamentação sobre a prestação do Serviço
Militar, no qual todos os cidadãos (homens), entre 14 e 60 anos, deveriam servir
nas Companhias de Ordenanças.
45
No século XVII, devido ao interesse da coroa metropolitana em expulsar
os ‘inimigos estrangeiros’ e manter a unidade do Brasil-colônia, pela primeira
vez tinha-se notícia oficial de um movimento integrando brancos, negros e
índios, cuja união forjaria o nascimento do Exército Brasileiro.
Em sua fase inicial o recrutamento militar era uma variável importante
no estabelecimento de relações entre o Exército e a estrutura de classe da
sociedade (CARVALHO, 1978). Segundo o autor, os exércitos latino-americanos
foram os que mais reproduziram o modelo europeu, estruturado numa clara
divisão de classe
21
. Neste sentido, o corpo de oficiais era recrutado entre a
nobreza e os praças entre as classes baixas. Essa nítida desigualdade de classe e
uma visível manutenção de um status quo o percorrer uma boa história dessa
instituição até aproximadamente a década de 1930, quando ocorre a ‘abertura’ do
Exército à sociedade.
Em 1874 foi aprovada uma lei do recrutamento militar na tentativa de
amenizar a desigualdade que se apresentava o Exército através de seu
recrutamento militar, estabelecendo o alistamento universal e o sorteio para
cobrir as vagas não-preenchidas pelo voluntariado e pelo reengajamento. Por
inúmeros motivos essa lei não ‘pegou’, resultando num grande fracasso. Diante
disso, Carvalho argumenta que:
Certas disposições na lei fizeram, no entanto, que ela relutasse em
completo fracasso. De um lado, permitia aos que não quisessem servir
pagar certa quantia de dinheiro ou apresentar substitutos, e introduzir
isenções especiais para bacharéis, padres, proprietários de empresas
agrícolas e pastoris, caixeiros de lojas de comércio etc. De outro lado,
deixava o alistamento e o sorteio a cargo de juntas paroquiais,
presididas pelo juiz de paz e completadas pelo pároco e pelo
subdelegado (CARVALHO, 1978:190).
Desse modo, o serviço continuou sendo prestado por uma parte
marginalizada socialmente, ou seja, os que não tinham recursos financeiros ou
políticos, entre os quais estavam os nordestinos afugentados pela seca, os
‘desocupados’ dos grandes centros, que viam nesse tipo de serviço um emprego,
os criminosos mandados pela polícia e os inaptos para o trabalho (Ibid. 1978).
21
Entre as inúmeras causas apontadas pelo autor na preservação de um modelo de estrutura do exército
português, está o fenômeno do caudilhismo, ausente no Brasil.
46
Até em 1916, o Exército vivenciava uma dualidade. Por um lado,
apresentava um recrutamento que marginalizava a si próprio, por outro lado,
impedia que o mesmo se modernizasse devido às más condições em que se
encontrava. Ainda assim, o sorteio universal apresentava-se como sendo a grande
saída para amenizar as diferenças, e por isso torna-se presença notória na
transição do Brasil Império à República.
A primeira tentativa de aproximação do Serviço Militar com a classe
média dá-se em meados de 1826, com a criação da Confederação Brasileira do
Tiro, que não apresentou sucesso, sendo reativada anos mais tarde pelo Marechal
Hermes, em 1906. Com o apoio do Ministro da Guerra Afonso Pena, o marechal
revitalizou o Exército e conseguiu, em 1908, passar a lei do sorteio, além de
tornar obrigatório a instrução militar em unidades de ensino (colégios
secundários). Essa lei não teve muito mais sorte que a anterior; foram necessários
uma longa campanha e o advento da 1
a
Guerra Mundial, para ela ter sido posto
em prática.
A campanha pelo Serviço Militar foi encabeçada por um grupo de jovens
oficiais, conhecidos como ‘jovens trucos’
22
, que tinha tido uma longa experiência
no exército alemão. Em 1913 foi fundada uma revista denominada de “A Defesa
Nacional” para propagar as idéias vinculadas ao grupo. De acordo com Carvalho,
“no governo de Wenceslau Braz (1914-1918), o Ministro da Guerra José
Caetano de Faria, simpático à campanha de renovação dos jovens turcos, chama
um deles para oficial de gabinete e a luta pelo sorteio se intensifica, agora
grandemente auxiliada pela eclosão da guerra” (CARVALHO, 1978: 193).
Em 1915, os jovens turcos recebem o apoio de Olavo Bilac
23
, que além
de ser filho de militar também era um poeta de renome na época. Neste contexto
22
O grupo recebeu essa denominação irônica por ser reformador militar de Mustafá Kemal.
23
Olavo Braz Martins dos Guimarães Bilac foi uma das principais figuras da poesia parnasiana no Brasil,
a ponto de ter sido cognominado Príncipe dos Poetas Brasileiros. A partir de sua obra ‘adulta’, dedicou-se
a escrever para crianças, obras de cunho fortemente moral e patriótico como o livro Contos Pátrios
(escrito em parceria com Coelho Neto). Várias gerações de criança aprenderam na escola a dizer de cor
sua poesia. A Pátria que se inicia com os versos: “Ama com e orgulho a terra onde nasceste/ Criança
não verás país nenhum como esse” – o que parece exemplar a preocupação de ‘inculcar’ cedo nas
crianças noções de civismo.
47
Bilac, tido como uma pessoa patriota, preocupada com questões de civismo,
inicia uma campanha em prol da implementação do Serviço Militar Obrigatório
no País. Segundo relatos oficiais, ‘tomado por esse ideal’ ele teria percorrido, de
1915 a 1916, todo o Brasil, propagando tal pensamento e angariando adeptos à
causa
24
. Sua campanha destinou-se a um público seleto, os filhos das elites civis,
por isso percorreu as faculdades de direito e medicina do centro e sul do País.
Segundo Bilac, o sorteio seria capaz de formar um exército democrático, livre e
civil, de defesa e coesão, feito com participação popular e se transformando na
própria essência de nacionalidade. Além disso, sustentava ainda a idéia de que os
quartéis eram autênticas escolas de civismo. Ao ser perguntado sobre o Serviço
Militar Obrigatório, ele diz:
É o triunfo da Democracia. É o nivelamento das classes sociais. É a
escola da Ordem, da Disciplina, da Coesão. É o laboratório da
dignidade e do Patriotismo. É a instrução primária, a educação cívica e
a higiene obrigatória. É a caserna, como filtro admirável, onde os
homens se depuram e se apuram (NOTÍCIAS DO EMFA,1998:2 -
grifos meus).
As Forças Armadas exaltam a pregação de Olavo Bilac como peça
fundamental na implantação desse ideal. Por isso mesmo, outorgaram ao poeta o
título de Patrono do Serviço Militar, sendo sua data de aniversário, 16 de
dezembro, consagrada como o Dia do Reservista.
Em 1916 foi criada a Liga de Defesa Nacional, com o apoio de
integrantes das elites civis, e foi realizado o primeiro sorteio, com base na lei de
1908, por Caetano de Farias na presença do presidente Wenceslau Brás, entre os
brasileiros com 21 anos de idade, dando início ao Serviço Militar Obrigatório por
um período de um ano (SENA, 2000). “A partir d iniciou-se o processo de
mudança que, no entanto, foi acelerado ao final da década de 30, em parte
novamente sob o incentivo da proximidade de outra guerra mundial”
(CARVALHO, 1980: 123). Dois anos mais tarde (1918), tem-se a exigência da
carteira de reservista para os candidatos a cargos públicos, e ocorre a
24
Época em que se contavam, então, com o contingente de 55.000 atiradores distribuídos em 572
Sociedades.
48
reorganização da Confederação do Tiro-de-Guerra, sobre o controle do
Exército
25
, visando absorver os sujeitos alistados e não-incorporados
(CARVALHO, 1978). Nesse momento, ocorre a extinção da Guarda Nacional;
com essa medida pensou-se pretensamente ter resolvido o fim da dualidade do
Serviço Militar, ou seja, um destinado às elites e o outro, às camadas baixas.
Em 1918, concomitantemente ao fim da 1
a
Grande Guerra, o Serviço
Militar torna-se obrigatório apenas para os homens, como até hoje se mantém,
sem nunca ter sido estendido às mulheres, como em outras sociedades. Este fato
reforça a imagem de uma época marcada pela desigualdade entre os sexos e pela
‘invisibilidade’ das mulheres na construção da vida pública social. Uma situação
que reforça a dicotomia entre o público e o privado, alicerçada na díade: para os
homens a rua, os negócios e a vida pública, entretanto para as mulheres a casa e
os afazeres domésticos. Paradoxalmente, hoje quando vários setores da vida
pública, incluindo as Forças Armadas, encontram-se cada vez mais pressionados
a discutir suas premissas institucionais, o Serviço Militar continua sendo
obrigatório apenas para o sexo masculino, mantendo-se como um lugar intocável,
‘sagrado’.
Em 1933, um decreto
26
exigia pela primeira vez o certificado de
reservistas aos sujeitos que se candidatavam a cargo públicos. Ele foi
incorporado à Constituição de 1934, por incentivo de Góis Monteiro. O que
chama a atenção é que faziam parte do seu pedido, na subcomissão que elaborou
a constituição, a extensão do Serviço Militar também para as mulheres e o
certificado de reservista para o exercício do voto (CARVALHO, 1980). Segundo
Carvalho (1978), a lei do sorteio e, provavelmente, seus desdobramentos aos
dias atuais proporcionaram ao Exército o monopólio do serviço das armas e,
conseqüentemente, aumentaram seu poderio político, algo que se mostrou
bastante evidente, principalmente, a partir da instauração da Ditadura Militar.
25
Vale ressaltar que antes desse período o alistamento militar estava sobre a responsabilidade das juntas
locais coordenadas pelos presidentes das câmaras municipais, o que dava margem a se fazer dele um jogo
político diante das lutas locais. Nesse contexto, em 1919 A Defesa Nacional chama para si o controle
desse processo perante o Exército, algo que vai se dar posteriormente.
26
Decreto n
o
22. 885 de 1933.
49
A partir da institucionalização das leis, os sujeitos do sexo masculino
devem se apresentar obrigatoriamente para o alistamento militar, feito dentro dos
primeiros seis meses do ano em que o brasileiro completar 18 anos de idade. No
caso daqueles que se candidatam como voluntários para a prestação do SM,
poderá ser feita a partir da data em que ele completar 16 anos. Quanto aos
brasileiros naturalizados ou por opção, deverá realizar-se dentro do prazo de 30
dias, a contar da data em que receberem o certificado de naturalização ou da
assinatura do termo de opção.
Os órgãos responsáveis por tais procedimentos correspondem às
Organizações Militares da Ativa ou aos Órgãos de Formação de Reserva (Tiros-
de-Guerra). E é sobre essa instituição que se apresenta a seguir.
2.5 TIROS-DE-GUERRA: O que dele se conta
Os Tiros-de-Guerra, como são socialmente conhecidos e propagados,
têm origem no desdobramento de uma organização militar específica
denominada Tiro Nacional, que tinha como finalidade a implementação da
prática do tiro ao alvo com armas portáteis do Exército, atividade essa
subordinada a um Comando Militar. Caracterizava-se como um curso destinado
aos militares e também aos civis que obtivessem licença de uma autoridade
militar competente.
O Tiro Nacional foi criado no governo do então Presidente Campos
Sales, pelo Decreto Presidencial n
o
3.224, de 10 de março de 1899, mas a
implementação dos Tiros-de-Guerra (TGs) só ocorreu alguns anos mais tarde, em
1902, tendo como seu principal criador e idealizador o Coronel Honorário do
Exército Antônio Carlos Lopes
27
(1870-1931).
27
Em 7 setembro 1902, no 80
o
aniversário da Proclamação da Independência, no Rio Grande do Sul, ele
funda a Sociedade de Propaganda do Tiro Brasileiro, que inspirou o Marechal Hermes da Fonseca, como
Ministro da Guerra, a criar por Lei de 5 setembro de 1906 a Confederação de Tiro Brasileira.
50
Segundo sua biografia, Antônio C. Lopes
28
era um homem obstinado no
culto do civismo e, por isto, tratou de propagar sua idéia de construção de uma
escola de civismo (TG), buscando estabelecer redes de contatos para a
consolidação do seu ideário. Uma das principais parcerias estabelecidas ocorreu
com as prefeituras municipais, que se tornaram responsáveis pela implementação
dos TGs em suas cidades. Para isso passaram a receber diretrizes e normas para a
efetivação dessa instituição militar, bem como os modelos de uniforme,
legislação, instruções e exemplares do jornal ‘O Tiro’
29
, direcionado às
atividades sociais. “Esses regulamentos e instruções referiam-se a assuntos
relacionados com a arte da guerra, principalmente no que tange a evoluções de
Infantaria, manobras, ginásticas, esgrima etc. (NOTÍCIAS DO EMFA,1998:2).
A idéia que permeava seus propósitos era a de criar uma organização
militar bem-sucedida, que poderia se transformar no ‘gérmen’ da Reserva do
Exército, assim como acontecia com o Tiro Nacional (TN). Seu pensamento era
fortemente influenciado por procedimentos e modelos militares importados da
Europa, especificamente da Suíça, onde a mobilização da Reserva de defesa
militar se processava de forma rápida e ‘eficaz’. Uma outra influência importante
era o ideário norte-americano acerca da prática da instrução militar em
estabelecimentos de ensino superior e em sociedades civis de Tiro ao Alvo.
A rápida propagação dos ensinamentos básicos para instalação e
funcionamento das sociedades de Tiro ao Alvo pelo Brasil contou com a
propagação da obra de autoria do próprio Antônio Lopes, ‘O Tiro Brasileiro’,
que foi aprovada e adotada pelo Estado-Maior do Exército. Tal obra, um
verdadeiro manual de instrução, contava com mais de 200 gravuras, instruindo
como construir um stand de tiro, o manejo e a nomenclatura das armas e como
funcionar um Tiro-de-Guerra. Seu livro foi aprovado por ordem do Ministro da
28
De volta ao Brasil, estimulado por tais experiências, Antônio C. Lopes cria em 7 de setembro de 1902,
no Rio Grande do Sul, a Sociedade de Propaganda do Tiro Brasileiro, que mais tarde seria denominada
Tiro-de-Guerra Brasileiro. Em 1906, pelo Decreto n
o
1.503 de 5 de setembro, é criada a Confederação de
Tiro Brasileiro, congregando todas as Sociedades do Tiro, disseminadas pelo território brasileiro, mas
com sede no Rio Grande do Sul.
29
Anos mais tarde, esse jornal se transformaria em seu órgão oficial, cuja publicação foi autorizada pela
Imprensa Nacional.
51
Guerra Marechal Hermes da Fonseca (1906-1909, tido como o modernizador do
Exército) e adotado por todos os Tiros-de-Guerra.
Durante a gestão do Marechal Hermes da Fonseca como Ministro da
Guerra, a sede da Confederação de Tiro foi transferida para o Rio de Janeiro,
então capital do País, ocorrendo a mudança de seu presidente, cargo que passa a
ser exercido por Elysio de Araújo, que defendia maior democratização da
confederação para sociedade civil.
De acordo com a publicação Notícias do EMFA:
A mocidade brasileira, sem distinção de classe e de posição social,
alistava-se nas linhas de tiro. Em 1910, a Confederação contava com
116 (cento e dezesseis) sociedades filiadas em todo o território
brasileiro, representando um total de 20.252 (vinte mil duzentos e
cinqüenta e dois) atiradores (NOTÍCIAS DO EMFA, 1998:2).
Em 1917, a Confederação do Tiro Brasileiro foi absorvida pela Diretoria
Geral de Tiros-de-Guerra, que passou por diversas alterações de nome, tornando-
se precursora da atual Diretoria do Serviço Militar (DSM).
Embora a participação do Brasil tivesse sido relativamente
pequena,
30
considerando a dimensão do conflito, após a 1
a
Grande Guerra (1914-
1918) as autoridades brasileiras sentiram necessidade de reformular o Exército,
adequando-o aos desafios de um mundo que julgavam cada vez mais conflituoso.
Assim, procuraram organizar a formação de uma reserva apta a ser prontamente
mobilizada.
A obrigatoriedade do Serviço Militar trouxe nova visibilidade às
Sociedades
31
militares que haviam passado por uma espécie de abandono. Um
‘serviço’ que passa a ser para os jovens uma certeza de trabalho na cidade, ainda
que por pouco tempo, e a possibilidade ainda que para poucos de fazer
carreira militar.
30
Resumindo-se ao envio de uma missão médica à França e a operações de patrulhamento da Marinha no
Atlântico.
31
Será usada essa denominação as organizações militares instituídas, terminologia própria do universo
militar.
52
Tais prerrogativas estimulavam a migração de jovens, que se deslocavam
para outras localidades com esse propósito, fato que acabou gerando um grave
problema social, pois os jovens não retornavam mais às suas cidades de origem,
após prestar o Serviço Militar, seduzidos pela vida urbana e pelos salários
maiores que recebiam.
Nessa época o Brasil era um país eminentemente agrário, o que explica a
enorme preocupação dessas Sociedades e suas tentativas de evitar o êxodo rural.
Uma preocupação pertinente incorporada às resoluções dos próprios Tiros-de-
Guerra, que passaram a estimular um processo de interiorização.
Conseqüentemente, até hoje os jovens do meio rural são dispensados de prestar o
Serviço Militar, revelando menos a arbitrariedade de uma tradição, mas sim a
permanência de dimensões estruturantes do problema: a evasão masculina do
mundo rural.
Em 1926, com a criação do Centro de Preparação de Oficiais da Reserva
(CPOR), dá-se um claro esvaziamento dos TGs, ocorrendo modificações na sua
estrutura, aspecto que talvez esteja ligado às reformulações políticas da época.
Em 1934, ano político emblemático,
32
dá-se a extinção da Diretoria Geral dos
Tiros-de-Guerra e é criada a Diretoria do Serviço Militar da Reserva, que mais
tarde seria denominada Diretoria de Recrutamento.
A 2
a
Guerra Mundial (1939 1945) exigia homens mais preparados e
profissionalmente mais capacitados para a guerra, qualificação esta que os TGs
não tinham estrutura para oferecer.
33
Aqui é pertinente destacar que mesmo não
tendo condições de atender às demandas da guerra, os TGs continuam se
perpetuando e não oferecendo uma instrução suficiente para formar esse corpo de
‘homens capacitados’.
Em 1945 o Ministro da Guerra baixa uma portaria que extinguia os
Tiros-de-Guerra sediados em localidades onde existiam Organizações Militares
32
Nesse ano foi promulgada uma nova Constituição Brasileira; Getúlio Vargas é eleito Presidente da
República pela Constituinte, culminando um processo político que se iniciara em 1930 com a revolução
contra a posse do paulista Júlio Prestes à Presidência da República.
33
Mesmo assim, há relatos de participação de atiradores no serviço de patrulhamento do litoral brasileiro.
53
(OM), pois muitos deles funcionavam dentro delas, duplicando o trabalho que era
prestado. Em 1946 é promulgada uma nova Constituição Federal, marcando o
fim do Estado Novo, e nela são mantidos o Serviço Militar Obrigatório e,
conseqüentemente, o funcionamento dos Tiros-de-Guerra. Indiscutivelmente,
seu papel cresceria de importância a partir de 1964, com o início do período
militar. Iniciou-se uma época em que o ‘patriotismo’ e o ‘amor’ à Pátria vão ser
exacerbados e se tornarão pretextos para perseguições políticas, exílios e
censuras à livre expressão.
34
Segundo a Lei n
o
de 17 de agosto de 1964
35
, o Regulamento da Lei do
Serviço Militar, em seus artigos 190 e 193, prevê a criação e o funcionamento
dos Órgãos de Formação da Reserva
36
, com seus regulamentos próprios,
elaborados pelas respectivas Forças Armadas, obedecendo às normas gerais
fixadas na LSM. Desse modo, esses órgãos poderiam funcionar em regime
contínuo de instrução, cujos trabalhos não deviam durar mais de 12 meses,
incluindo, se fosse o caso, o Estágio de Instrução. Permitia-se, também,
funcionar em regime descontínuo de instrução, de modo a atender, tanto quanto
possível, aos demais interesses dos convocados, conciliando seus horários de
estudos e de seus trabalhos.
A criação e a localização dos Órgãos de Formação de Reserva obedecem,
em princípio, à disponibilidade de convocados habilitados às diferentes
necessidades de oficiais, graduados e soldados ou marinheiros e às
disponibilidades de meios de cada Força Armada, bem como, se for o caso, de
34
Simplificando a questão, o governo percebe que as escolas poderiam servir para desenvolver
pensamentos críticos e contestatórios através do estudo de História e Geografia. Então, o ensino dessas
disciplinas é extinto nos currículos do Ensino Médio (2
o
grau) e Superior (3
o
grau), sendo substituídas
pela disciplina denominada Organização Social e Política do Brasil. Tornam-se obrigatórias também as
aulas de Educação Moral e Cívica (EMC) para os estudantes em todos os níveis de ensino, do Primário à
Pós-Graduação para o nível superior, denominada Estudo de Problemas Brasileiros. Esse
‘adestramentoera completado pelo trabalho de outras sociedades, como Grupo de Escoteiros, Tiros-de-
Guerra e a própria Forças Armadas.
35
Sendo reificada depois pela Lei n
o
4.754 de 18 de agosto de 1965.
36
Denominação genérica dada aos órgãos de formação de oficiais, graduados, soldados e marinheiros
para a reserva. Os Órgãos de Formação de Reserva, em alguns casos, poderão ser também Organizações
Militares da Ativa, desde que tenham as características dessas Organizações Militares e existência
permanente. Existem Órgãos de Formação de Reserva das Forças Armadas que não são constituídos de
militares, mas apenas são orientados, instruídos ou fiscalizados por elementos das citadas Forças.
54
entidades civis. Esses Órgãos de Formação
37
, específicos de formação de praças,
destinam-se também a atender à instrução e possibilitar a prestação do Serviço
Militar dos convocados não-incorporados em Organizações Militares da Ativa
das Forças Armadas
38
.
O artigo 194 da LSM destina-se exclusivamente aos Tiros-de-Guerra e
discorre acerca das disposições para sua implementação e seu funcionamento
legal, satisfazendo às exigências dos planos militares e, sempre que possível, às
conveniências dos municípios. Essas normas determinam a maneira como devem
ser as instalações propriamente físicas (a sede, material, móveis, utensílios e
polígono de tiro) sob a responsabilidade da Prefeitura Municipal. Além disso,
detalham os meios necessários para a efetivação das instruções (instrutores,
armamento, munição, fardamento e outros materiais julgados necessários) sob a
responsabilidade dos Ministérios Militares interessados.
A execução do Serviço Militar, no Exército, fica a cargo das Regiões
Militares (RM), tendo a Junta de Serviço Militar (JSM) como órgão auxiliador
desse processo. Nos municípios, elas o presididas pelos prefeitos municipais,
tendo como secretário um funcionário municipal, podendo ser designados outros
funcionários municipais como seus auxiliares.
Segundo a Lei do Serviço Militar,
todo o pessoal da Junta deverá ter reconhecida sua idoneidade moral e
profissional, sendo desconhecida a forma como esses dois critérios pessoais são
avaliados para preenchimento desse cargo.
39
37
São subunidades destinadas à formação de soldados e, ou, marinheiros/ graduados, Tiros-de-Guerra,
destinados à formação de soldados ou marinheiros e cabos, além de outros.
38
Segundo o artigo 17 inciso 2
o
da LSM, entende-se por Organização Militar da Ativa os Corpos de
Tropa, Repartições, Estabelecimentos, Navios, Bases Navais ou Aéreas e qualquer outra unidade tática ou
administrativa que faça parte do todo orgânico do Exército, da Marinha ou da Aeronáutica.
39
As Seções do Serviço Militar Regional (SSMR) e as de Tiro-de-Guerra (STG) são órgãos regionais de
planejamento, execução e coordenação do Serviço Militar, dependendo tecnicamente da Diretoria do
Serviço Militar. Nos municípios que possuem Tiros-de-Guerra, geralmente seu diretor é também o
presidente da JSM, que te como secretário o instrutor mais antigo do TG. A responsabilidade pela
instalação e manutenção adequadas das JSM (sede, pessoal e material), quer presididas pelo prefeito, quer
pelo Diretor do Tiro-de-Guerra, é responsabilidade do Município Administrativo.
55
O Tiro-de-Guerra veicula como objetivo principal a formação de
reservistas de 2
a
categoria
40
aptos ao desempenho de tarefas no contexto da
Defesa Territorial e Defesa Civil. Em sua operacionalidade, o TG busca conciliar
a prestação do serviço militar obrigatório com as atividades civis dos jovens
convocados. Faz parte de sua agenda institucional participar de ações
comunitárias, como projetos com crianças e adolescentes, consideradas em
situações de risco social; campanhas de vacinação e de prevenção de
enfermidades; recuperação e conservação de escolas públicas, entre outras. Se
não funcionar por um período de dois anos consecutivos, por problemas de
qualquer natureza, os Tiros-de-Guerra o automaticamente extintos, por ato do
Ministro Militar competente.
Enfim, retomando a questão anterior sobre a manutenção dos TGs,
embora eles não instrumentalizem ‘homens capacitados’ para atender a um
conflito maior, para além de um lugar de socialização masculina, eles concorrem
para um intenso processo de adestramento de seus membros, de apreensão de
uma gramática masculina, de modos’ de homens, legitimando assim ações e
práticas ligadas ao modelo sexual hegemônico. Esse é o espaço que se apresenta
a seguir.
2.6 TIRO-DE-GUERRA 04-027: Tenente Kümmel
41
O Tiro-de-Guerra de Viçosa - 04-027 foi criado pela Portaria Ministerial
n
o
9.619 de 5 de setembro de 1946. Atualmente, matriculam-se cerca de 100
atiradores por ano, e desse número apenas 12% são promovidos à graduação de
40
Entende-se como reservista de 2
a
categoria aquele jovem que tenha recebido, no mínimo, a instrução
militar suficiente para o exercício de função geral básica de caráter militar.
41
O Tenente Kümmell era gaúcho e veio para Viçosa cursar o ensino superior no curso de Agronomia.
Aqui assumiu o comando do Tiro-de-Guerra local. Essa informação é de fonte pessoal, uma vez que não
há registros sobre sua biografia e de sua trajetória militar no TG, algo que me pareceu inquietante devido
à tão propagada ‘importância’ desde para o desenvolvimento militar local.
56
Cabos Reservistas ao final do período
42
. Até a presente data, o TG de Viçosa
conta com um montante de 6.000 reservistas formados.
Em 29 de setembro de 1995, o TG 04-027 passa a se chamar Tiro-de-
Guerra Sargento mmel, em homenagem ao então Sargento Kümmel, antigo
Instrutor da Escola Militar que funcionou nesta cidade no período de 1932 a
1946. Este, segundo documentos do TG, muito engrandeceu o nome do Exército
Brasileiro junto à comunidade local.
43
No seu quadro organizacional, o TG conta com um chefe de instrução,
cuja patente é 1
o
Sargento de Artilharia, e também com um auxiliar, o 2
o
Sargento da Engenharia. Além dos dois sargentos, os Tiros-de-Guerra possui um
diretor central, que é sempre o prefeito municipal, e seu contrato é atualizado de
quatro em quadro anos.
Durante a prestação do Serviço Militar, o atirador recebe instruções que
visam a formação do combatente básico para atuar na Defesa Territorial Interna.
Além de treinamento corporal, fazem parte de suas atividades palestras
ilustrativas com intuito de abordar assuntos como saúde, doenças sexualmente
transmissíveis DST/Aids, primeiros socorros
44
, tóxicos, prevenção e combate a
incêndios, defesa civil, entre outras.
A Norma Geral de Ação é o regimento que estabelece as atividades
rotineiras do TG e seus serviços de escalas de trabalhos. Esta objetiva enquadrar
o TG, com suas peculiaridades, à perfeita execução do Regulamento dos Serviços
Internos Gerais, orientando os atiradores quanto ao desempenho das atividades
naquele espaço. Tal documento tem caráter normativo, e por isso deve ser de
conhecimento de todos.
42
Para se tornarem Cabos Reservistas todos os atiradores são convocados a fazer uma prova teórica não-
obrigatória, que selecionará os 20 atiradores que formarão um pelotão dos chamados CFC (Curso de
Formação de Cabos). O pelotão é composto de 20 CFCs, mas apenas 15 deles terão a possibilidade de se
tornar cabos e assumirão o comando de um pelotão, auxiliando os sargentos. As provas realizadas pelos
atiradores CFCs contam com uma parte teórica e outra prática, estando inserida aqui também a atividade
física.
43
Um desses aspectos salientados diz respeito à sua participação nas aulas de Educação Física,
preparando os estudantes da Universidade Federal de Viçosa/UFV para representações internacionais em
competições desportivas.
44
Tais palestras são ministradas, em sua maioria, por profissionais de saúde convidados pelos sargentos.
57
Numa relação mais próxima com a sociedade, os atiradores desenvolvem
atividades ‘assistencialistas’ como: visitas às escolas públicas do município para
a realização de momentos cívicos (hasteamento de bandeiras e canto do Hino
Nacional); campanhas sociais de doação de sangue; campanha do agasalho, de
remédios, de brinquedos, de livros e de alimentos, em conjunto com diversas
entidades assistenciais e instituição de serviço voltada para as comunidades
‘carentes’; campanha de vacinação contra paralisia infantil e contra gripe para
idosos; campanha em prol do meio ambiente, com o apoio do Departamento de
Engenharia Florestal/UFV; campanha de combate à dengue, prevenção e
combate às drogas e adesão a projetos de reciclagem; além de apoio nos casos de
calamidade pública.
Segundo documentos avulsos do TG, um dos maiores objetivos dessa
instituição é tornar o sujeito “um munícipe esclarecido e comprometido com a
sua comunidade, além de fortalecer os atributos fundamentais ao futuro cidadão
e pai de família”. Esse é um dos indícios de uma figura masculina hegemônica,
cuja legitimação se com a constituição da família. De posse desse modelo, a
instituição tenta moldar seus atiradores, como o que tudo indica ter ocorrido com
seus sargentos
45
.
As instruções acontecem de terça a sexta-feira, a partir de 7h45min da
manhã, e tem uma duração de duas horas por dia, e geralmente também ocorrem
nos fins de semana. Além dessa atividade, os atiradores são submetidos
diariamente a uma escalação de vigília do quartel, que abrange os três turnos
(manhã, tarde e noite) e compreende uma vigilância integral, estando eles
devidamente armados. Essas escalas são flexíveis, de modo que os atiradores têm
a liberdade de trocar de horários com os colegas.
O Tiro-de-Guerra de Viçosa possui um programa na rádio AM da
cidade
46
, uma vez por semana: ‘A Voz do Atirador’, no qual relata à comunidade
suas atividades cívicas cotidianas e salda as datas comemorativas do calendário
45
Os dois sargentos são casados. Cada um tem um casal de filhos. Para o modelo institucional militar,
eles estão dentro do modelo-padrão, um exemplo a seguir.
46
Segundo pesquisas especulativas, ela é uma das estações de rádio mais ouvida da cidade.
58
militar e as pessoais. Os apresentadores (locutores) são normalmente escolhidos
pelo 1
o
Sargento e a elaboração da programação fica a cargo dos atiradores.
É comum nos encontros de confraternização do TG a presença dos pais
do atiradores, estabelecendo uma parceria que é bastante valorizada para a
manutenção da instituição, aspecto corriqueiramente salientado pelo 1
o
Sargento.
Este entrosamento faz com que as duas instituições, TG e famílias, assumam,
num determinado momento, o mesmo estatuto de relevância na condução de uma
‘boa’ educação para a sua prole. Aqui, a idéia de filhos está atrelada ao ideal de
Pátria como mãe de todos.
Em se tratando das cerimônias e dos encontros de confraternização, os
espaços são bem demarcados, confirmando a forma hierárquica de os atiradores
se situarem naquele espaço. Mesmo em momentos aparentemente de
descontração, não há, naquele lugar, mobilidade de disposições, ainda que seja
fora da rotina de instrução.
O Tiro-de-Guerra está permeado por duas dimensões complementares. A
primeira, ligada extremamente ao universo militar, com suas normas e
hierarquias; a segunda, comprometida com o mundo social, o mundo das
relações, o mundo civil, as interações externas. Afinal, o TG não se encontra
fechado em si mesmo, trata-se de uma instituição ‘da’ e ‘em relação à’ sociedade.
Atualmente Minas Gerais conta com um total de 32 Tiros-de-Guerra em
funcionamento.
Para além de um espaço reconhecidamente como sendo da ordem, da
moral e do respeito, é também um ambiente constituidor de referências e de redes
de socialização masculina, instruindo homens em seus modos particulares de se
inserir e estar no mundo. Por isso mesmo, torna-se imprescindível apresentar os
atiradores como uma parte singular do campo institucional do Tiro-de-Guerra.
59
2.7 ATIRADORES: Apresentai-vos!
Os atiradores que participaram do TG na turma de 2004 foram os
sujeitos investigados nesta pesquisa, correspondendo a um total de 100 jovens,
que em sua maioria tinha completado 19 anos de idade, com raras exceções.a
maior parte era de jovens que concluíram ou estavam concluindo o ensino médio,
momento este que se caracteriza como um marco culturalmente definido ao
‘chamado’ à responsabilidade e às grandes decisões, tanto na esfera pessoal
quanto profissional, numa evidente aquisição da maioridade.
Percebe-se que essa conquista é vivenciada pelos jovens de vários
modos, sendo também referendada pelos grupos aos quais pertencem, mais
particularmente às suas famílias. O chamado ao trabalho assume um eixo central
em suas tomadas de decisão, o que na maioria das vezes concorre para a
sobrevivência pessoal e do seu grupo doméstico, onde o trabalho sobrepõe o
estudo em prioridade, traduzindo a necessidade do grupo de reproduzir-se e
estruturar-se como tal. A ênfase no estudo, na busca de uma profissionalização
mais qualificada através do ensino superior, muitas vezes do secundário, é até
mesmo inatingível.
Levando em consideração as características socioeconômicas do grupo
investigado no contexto específico da cidade de Viçosa, seu poder aquisitivo de
compra e consumo, bem como a trajetória familiar: o não-acesso ao ensino
superior, a origem e a descontinuidade escolar, os códigos lingüísticos
sustentados e as estratégias de ascensão social, dentre outros, permite-nos
posicioná-los como sendo jovens oriundos de segmentos menos abastados
socialmente. Esses jovens são filhos de funcionários blicos, geralmente
servidores(as) da UFV (motorista, vigilante, auxiliar de escritório ou servente),
outros cozinheiros(as), faxineiras, diaristas, auxiliar de escritório, professor(a) de
ensino fundamental e médio, profissionais liberais e aposentados(as).
Apesar de este trabalho não ter privilegiado a problematização de classe,
ela emergiu na situação etnográfica e tornou-se analítica e empiricamente
60
relevante no processo de construção e análise dos dados, mas pouco explorada
47
.
Sem ater a um debate teórico sobre classe social, evidencia-se apenas tal aspecto
como uma das vertentes importantes para compreender esse universo. uma
vasta literatura e intensos debates e reflexões de autores que se propõem
problematizar tal questão, que pesquisam e refletem sobre as vicissitudes e
possibilidades de classificação e autoclassificação de segmentos que se
encontram na base da pirâmide social, desde os estudos clássicos (Karl Marx -
Marxismo), com a definição de classe operária e exército de reserva, até os
autores contemporâneos com suas definições de classe trabalhadora, classes
populares e outras.
Ao se referir a tal temática, Luiz Fernando Duarte argumenta que:
Sob tal categoria jaz toda uma literatura e intenso debate, não sendo
absolutamente unívoca a relação entre rótulo e um determinado recorte
morfológico específico. Na verdade move-se em torno uma grande
dança de nomes, qualidades e fronteiras que não é fácil de ser
explicitada (DUARTE, 1986:6).
Em seu trabalho intitulado “Da Vida Nervosa” (1986), o autor reflete
sobre alguns conceitos de classe, em que um dos seus objetivos é justificar a sua
própria opção ao adotar a terminologia classes trabalhadoras. Seu argumento
apóia-se na forma de como os sujeitos se auto-representam. A partir desde
argumento é que classifico meu universo de pesquisa, não como classes
trabalhadoras como sugere Duarte em seu trabalho, mas como provenientes de
grupos populares, numa denominação nativa ‘pobre’.
De posse desse conceito, aproprio-me da definição da autora Patrícia
Gouveia (2003) ao estudar um grupo de mulheres de comunidade (favelas) no
Rio de Janeiro, atento a devidas proporções (Rio de Janeiro/Viçosa), em que
produz um argumento-síntese sobre o porquê de recorrer ao termo ‘grupos
populares’ para definir o conjunto particular de suas informantes.
A autora argumenta que:
47
Foram muitos os motivos que me levaram a não explorar essa categoria no meu trabalho, entre eles está
o fato da pouca familiaridade com a temática, exigindo uma dedicação e um tempo maior para tal
investimento, coisa que no momento não possuía mais, mas ela foi fundamental para entender aquele
universo e os significados ali presentes.
61
Ao utilizar tal denominação o estou negando a relevância de uma
‘condição de classe’ em seus membros e, tampouco, desconsiderando a
força estruturante desta representação no referido contexto cultural. Ao
contrário, considero que as marcações de classe continuam
referenciando corpos e definindo as posições dos mesmos no mundo
social. Simplesmente, tento, por um lado, dar contornos mais definidos
a uma ‘formação de classe’, cuja manifestação implica em uma série de
aspectos e arranjos correlacionados, e não numa mecânica transposição
de categorias abstratas a condições empíricas. Por outro, procuro
chamar atenção e valorizar a importância que uma identidade ‘popular’
(tanto quanto a de classe) assume no contexto atual; ou melhor, no
processo geral de representação e de autodenominação destes setores
sociais (GOUVEIA, 2003: 143).
Assumiu-se um posicionamento mais crítico-reflexivo diante da
realidade, potencializando a vivência dos atores pesquisados, com suas
singularidades e especificidades, que os colocam (ou não) dentro de um
determinado quadro classificatório, uma vez que os indicadores sociais
construídos ultrapassam a simples questão econômica, envolvendo outros
aspectos, diretamente ligado ao capital simbólico.
Em Viçosa, essas questões tornam-se mais explícitas e complexas no em
momento que a Universidade se impõe como um importante marcador e
delineador dessas diferenciações, caracterizando um contexto muito particular e
situacional. Representá-los como oriundos dos Grupos Populares é enfatizar a
pluralidade e a riqueza das correlações objetivas e subjetivas que compreendem e
delimitam tal segmento de classe.
A fim de ilustração, foi elaborada uma ficha sinóptica contendo os
principais indicadores sociais, numa tentativa de maior caracterização dos
informantes deste trabalho. Obviamente, essa ficha não é capaz de ‘retratar’
fielmente os atores (informantes-chaves), mas explicita alguns indicadores
importantes que serão integrados de forma articulada do corpo de análise dos
dois capítulos posteriores.
As características socioeconômicas descritas de cada atirador estão
apoiadas no modo como tais sujeitos se autoclassificam, com o seu modo de ver
e estar inserido no mundo, como segue:
62
1) Atirador B - branco, 19 anos, solteiro, possui o ensino médio concluído
em escola pública, trabalha formalmente com carteira assinada como
balconista numa farmácia, ganhando um salário mínimo. Sua mãe é dona
de casa, sua escolaridade corresponde ao ensino médio incompleto, e seu
pai é engenheiro. Moram em casa própria, localizada no Bairro de
Silvestre (afastado do centro da cidade e tido como popular); seu principal
meio de transporte para ir ao TG é a bicicleta. Como diversão gosta de
assistir à televisão, locar vídeos, DVDs e freqüentar os bares de Viçosa,
porta um telefone móvel. A renda familiar mensal está situada entre cinco
e dez salários mínimos.
2) Atirador C pardo, 19 anos, solteiro, cursa o ensino médio em escola
pública, trabalha informalmente como professor de informática, é de
religião evangélica. Sua mãe é vendedora numa loja de artigos importados
(R$ 1,99) e sua escolaridade corresponde ao ensino médio completo, e seu
pai é falecido (não havendo maiores comentários sobre ele). Moram em
casa própria, localizada no Bairro Santo Antônio (tido de origem popular).
Não disponibilizava de meios de transporte para chegar ao TG, pega
carona com amigos ou caminha até a sede. Como diversão gosta de
freqüentar o culto na igreja e de assistir à televisão; embora seja professor
de informática, não possui computador. Sua renda familiar mensal está
situada entre dois e cinco salários mínimos.
3) Atirador D moreno, 18 anos, solteiro, possui o ensino médio concluído
em escola pública. Sua mãe é dona de casa e sua escolaridade corresponde
ao ensino médio completo, e seu pai é motorista, possuindo o ensino
fundamental completo. Moram em casa própria, localizada no Bairro Bom
Jesus (tido de origem popular). Para chegar ao TG utiliza-se de bicicleta.
Como diversão gosta de sair com os amigos para as festas e ver televisão.
Sua renda familiar mensal está situada entre cinco e dez salários mínimos.
4) Atirador E branco, 19 anos, solteiro, cursa o ensino fundamental em
escola pública. Sua mãe é dona de casa e sua escolaridade corresponde ao
ensino fundamental completo; seu pai é um pequeno comerciante e sua
63
escolaridade corresponde ao ensino fundamental completo. Moram em
casa própria no Bairro Nova Era (tido de origem popular). Utiliza a
bicicleta para chegar ao TG, e como diversão gosta de sair para beber com
os amigos nos bares da cidade e de andar de skate. Sua renda familiar
mensal está situada entre dois e cinco salários mínimos.
5) Atirador F branco, 19 anos, solteiro, possui o ensino médio concluído
em escola pública. Sua mãe é dona de casa e sua escolaridade corresponde
ao ensino fundamental incompleto, e seu pai é motorista aposentado.
Moram em casa própria, localizada no Bairro João Braz (tido de origem
popular). Para chegar ao TG utiliza a bicicleta. Como diversão gosta de
assistir à televisão, de locar filmes e de ir ao clube do qual é associado.
Sua renda familiar mensal está situada entre dois e cinco salários mínimos.
6) Atirador K - branco, 18 anos, solteiro, cursa o ensino médio em uma
escola pública, trabalha eventualmente como pintor. Sua mãe é dona de
casa e possui o ensino fundamental completo; seu pai é metalúrgico
aposentado e também possui o ensino fundamental completo. Seus pais
são separados e ele mora com o pai em uma casa própria, localizada no
Bairro Santo Antônio (tido de origem popular). Utiliza-se da bicicleta para
chegar ao TG, e sua diversão é sair com os amigos pelos bares da cidade e
outras cidades vizinhas. Sua renda familiar mensal está situada entre dois
e cinco salários mínimos.
7) Atirador L - branco, 18 anos, solteiro, cursa o ensino médio em uma
escola pública. Sua mãe possui o ensino superior incompleto, é professora
do ensino fundamental (1
a
a 4
a
) da rede pública, e seu pai é formado em
Matemática e professor do ensino fundamental e médio de escolas
públicas. Moram em casa própria, localizada no Bairro Nossa Senhora de
Fátima (tido de origem popular). Utiliza-se da bicicleta para chegar ao
TG. Como diversão gosta de assistir à televisão, utilizar o computador,
assistir a filmes, locar vídeos e ir ao clube o qual é associado. Sua renda
familiar mensal está situada entre dois e cinco salários mínimos.
64
8) Atirador M - branco, 19 anos, solteiro, cursa o ensino superior
(Agronomia) na UFV, trabalha informalmente com a família. Sua mãe
possui o ensino médio completo, é dona de casa e pequena produtora
rural; seu pai possui o ensino superior incompleto e é também pequeno
produtor rural. Moram em casa própria no centro, utiliza o carro da família
para ir ao TG, levando com freqüência seus colegas de carona. Como
diversão gosta de assistir à televisão, sair com os amigos, utilizar o
computador (internet), assistir a filmes e locar vídeos, DVDs. Porta
telefone móvel. Sua renda familiar mensal é variável e está diretamente
ligada à produção agrícola familiar, situada entre dez a quinze salários
mínimos.
9) Atirador N negro, 19 anos, solteiro, cursa o ensino médio em escola
pública. Sua mãe possui o ensino fundamental completo, é instrutora
escolar de uma escola particular; seu pai possui o ensino fundamental
incompleto e trabalha como contínuo num escritório. Residem em casa
própria, localizada no Bairro Santo Antônio (tido de origem popular).
Utiliza se da bicicleta para chegar ao TG. Como diversão gosta de assistir
à televisão e sair com os amigos. Sua renda familiar mensal está situada
entre dois e cinco salários mínimos.
10) Atirador P - pardo, 19 anos, solteiro, possui o ensino médio concluído
em escola pública. Tem quatro irmãos, sua mãe possui o ensino
fundamental incompleto e trabalha como diarista; seu pai possui o ensino
fundamental incompleto e é ferroviário aposentado. Residem em casa
própria, localizada no Bairro João Braz (tido de origem popular). Utiliza-
se da bicicleta para ir ao TG. Como diversão gosta de assistir à televisão e
ver filmes e de sair com os amigos. É portador de telefone móvel. Sua
renda familiar mensal está situada entre dois e cinco salários mínimos.
11) Atirador Q - pardo, 18 anos, solteiro, cursa o ensino fundamental em
escola pública, trabalha eventualmente como vaqueiro. Tem uma irmã.
Sua mãe possui o ensino fundamental incompleto e trabalha como auxiliar
de embalagem numa fábrica de gêneros alimentícios; não fez referência ao
65
seu pai sua representação está na pessoa da mãe. Reside em casa de
aluguel no Bairro Vale do Sol (tido de origem popular), não possui meios
de transportes para ir ao TG. Como diversão gosta de sair com os amigos
nos bares da cidade e em cidades vizinhas, de dançar e de beber. Sua
renda familiar mensal está situada entre dois e cinco salários mínimos.
12) Atirador R moreno, 20 anos, solteiro, ensino médio concluído em
escola pública, trabalha formalmente (carteira assinada) como pintor
lanterneiro. Sua mãe possui o ensino médio completo e é dona de casa; e
seu pai possui o ensino fundamental completo e trabalha como motorista.
Moram em casa de aluguel, localizada no Bairro João Braz (tido de
origem popular). Utiliza a bicicleta para chegar ao TG. Como diversão
gosta de sair para festas com os amigos e ir ao clube do qual é associado.
Sua renda familiar mensal está situada entre dois e cinco salários mínimos.
13) Atirador X - branco, 18 anos, solteiro, concluiu o ensino médio em
escola pública, trabalha esporadicamente. Sua mãe possui o ensino
fundamental incompleto e é dona de casa; e seu pai está desempregado
(não mencionando sua profissão) e possui o ensino fundamental
incompleto. Moram em casa própria no centro da cidade, utiliza-se da
bicicleta como meio para ir ao TG. Gosta de praticar esportes, manusear o
computador, assistir à filmes e sair para as festas com os amigos. Sua
renda familiar mensal está situada entre dois e cinco salários mínimos.
14) Atirador Y moreno, 18 anos, solteiro, cursa o ensino superior (Gestão
de Cooperativas) na UFV. Mora em república, e sua cidade de origem é
Carangola. Está em Viçosa para estudar. Sua mãe possui o ensino
fundamental completo e é dona de casa; seu pai é engenheiro florestal e
trabalha em um órgão público. A família possui casa própria, além de
outros bens como: carro, moto, computador e outros. Para se divertir gosta
de ir ao cinema e sair com os amigos. Sua renda familiar mensal está entre
cinco e dez salários mínimos.
15) Atirador Z branco, 18 anos, solteiro, cursa o ensino médio em escola
pública. Sua mãe possui o ensino médio completo e é dona de casa; seu
66
pai concluiu o ensino fundamental, e trabalhou como motorista, hoje está
aposentado. A família possui casa própria, além de outros bens, como:
carro, moto, DVD e outros. Para se divertir gosta de ir ao clube do qual é
associado, de assistir à tv e a filmes, além de sair com os amigos. A renda
familiar mensal está situada entre dez e quinze salários mínimos.
Para além dessa ficha sinóptica, segue o quadro classificatório (Anexo
IV), com intuito de melhor visualizar as informações descritas. O próximo
capítulo traz a imersão no campo, os conflitos e as superações que caracterizam
todo o processo desta pesquisa.
67
CAPÍTULO 3
3. DE PAISANO A MILITAR: UM RITUAL DE CONVERSÃO
A entrada em campo de uma pesquisa é um processo delicado, que exige
cuidado especial, pois dela vai depender boa parte de seu sucesso. O campo é
muito mais que um espaço geográfico, pois se trata de um campo de
possibilidades composto de um conjunto de práticas discursivas, e produz uma
retórica disciplinar, a partir de habilidades interativas e comunicativas
promovidas pelo pesquisador(a) (Glifford, apud em GOUVEIA, 2003). Assim
como muitos, a minha inserção no ambiente militar exigiu um cuidado
redobrado, realizando um diálogo entre dois universos distintos. De um lado, o
Tiro-de-Guerra, uma instituição tradicional e militar, até então desconhecida do
meu universo
48
. De outro, a Universidade, uma instituição civil e ‘liberal’,
promotora de um tipo de saber hegemônico, do qual eu era mais familiar
49
.
Realizar o campo significa se confrontar com uma relação de ‘amor’ e
‘ódio’, revelando uma grande ambivalência sentimental, um ambíguo
anthropological blues (DAMATTA, 1986). Em relação ao ‘ódio’, uma das
principais razões para o seu afloramento diz respeito às mudanças pelas quais o
48
Neste momento, tive que realizar uma preparação pessoal para ‘entrar em campo’. Retirei o brinco que
usava, os colares e pulseiras que fazem parte do meu cotidiano, além de cortar o cabelo de uma forma
mais ‘apresentável’ e de escolher as roupas que condiziam com aquele ambiente institucional.
49
Sendo um ‘estrangeiro’ naquele universo, acionei como estratégia um antigo contato: um Capitão da
Polícia Militar da cidade (Viçosa), com quem havia trabalhado num convênio entre a Universidade/NIEG
e o 21
o
Batalhão da Polícia de Ubá. Por essa via, fui apresentado ao 1
o
Sargento, responsável pelo TG.
Aparentemente receptivo à proposta de pesquisa, exigiu apenas uma carta de apresentação para
formalização das relações que ali começavam a se construir. Feito o que me foi solicitado, esperei alguns
dias por uma liberação por uma autoridade superior ao 1
o
Sargento, cuja patente desconheço, e assim
pude ir a campo, liberado para acompanhar as atividades integrais do TG.
68
pesquisador é submetido ao entrar em contato com o campo. Em certa medida,
essa situação leva a assumir um estatuto de ‘não-pessoa’, na tentativa de
exorcizar as diferenças e as impossibilidades no encontro de razões subjetivas
que separam pesquisador e ‘objeto’, delimitando as fronteiras e demarcando seus
espaços. As mudanças não se restringem apenas a aspectos materiais, em face da
natureza da pesquisa, mas à elaboração de questões objetivas e subjetivas que
permeiam todo o processo reflexivo.
Ainda são raros os trabalhos que problematizam o ambiente militar numa
perspectiva de gênero. Este fato é revelador por explicitar a idéia de ‘intocável’,
de ‘consagração masculina’, e se aproxima da idéia de instituição total,
modeladora de sujeitos, desejos e pensamentos. Problematizar a vivência de
homens e ainda, indiretamente, a de mulheres nesse universo faz emergir uma
série de interditos, normas e hierarquias que regulamentam o modo de ser e agir
dos sujeitos, principalmente quando se pretende refletir sobre problemas ligados
à prática e às representações sobre sexo, prazer, afeto, dentre outros,
evidenciados na forma menos ou mais demarcada na minha própria vivência em
campo. Aqui, se ‘comportar’, se ‘locomover’ em espaços nitidamente
delimitados e se apropriar de uma gramática militar foram decisivos para ser
aceito e se ‘enquadrar’ naquele campo institucional.
Em particular, incorporar-se a uma rotina militar totalmente diferente da
vivência acadêmica, pedir autorização para as ações, além do pseudocontrole fora
e dentro do TG, o foram tarefas fáceis de se cumprir. Contudo, tornaram-se
fundamentais e, de certa forma, decisivas no desenvolvimento da pesquisa, sem
minimizar as dificuldades inerentes. Um elemento complicador compete ao
agendamento dos horários com os reservistas/atiradores para realização das
entrevistas, principalmente porque que se pretendia fazer algumas delas dentro e
outras fora do TG. As dificuldades giraram em torno tanto da rotina militar do
quartel, quanto da pouca disponibilidade da maioria dos sujeitos, uma vez que ao
sair do TG desenvolviam outras atividades.
Agendar horários, locomover e se postar ali dentro a cada dia tornava-se
cada vez mais difícil, por certo por gerar um certo ‘desconforto’ naquele espaço
69
tão hierarquizado, onde minha presença ali indicava uma quebra nessa ordem,
fugindo, de algum modo, à ‘disciplina’ e ao ‘controle’ daquele espaço,
principalmente do que pensava e escrevia. Um fato inusitado mudaria o rumo
dessa relação: certo dia ocorreu o ‘esquecimento’ de meu diário de campo na
sede do TG e, conseqüentemente, fui enquadrado numa ordem mais rígida do que
até então enfrentava. De imediato, houve uma breve interrupção da pesquisa,
pois à noite o Sargento telefonou-me avisando da inviabilidade de dar
continuidade aos trabalhos, argumentando que os Tiros-de-Guerra estavam
passando por reformulações internas e um dos principais motivos era a questão
da segurança de modo geral. Este acontecimento tornou-se crucial dentro e fora
do campo, levando-me a enfrentar uma série de indagações sobre as perspectivas
e condições de empreender tal trabalho.
Após algumas negociações, e de posse desse diário, fui ‘liberado’ a
continuar com a pesquisa, porém todos os procedimentos de investigação tiveram
que ser agendados com antecedência e estar de acordo com a exigência da
instância superior. Tais imprevistos recolocou-me em uma nova situação dentro
daquele ambiente. Apesar de ser submetido, literalmente, a uma hierarquia e ao
controle, ainda sim o teria me livrado da ‘paranóica suspeita’ que incide sobre
qualquer desconhecido/outsider.
Esse incidente representou meu ‘batizado’ de campo, submetendo-me a
uma ordem latente que precisava tornar-se visível e respeitada. Conforme muitos
autores m argumentado, a hierarquia nas relações sociais estabelecidas entre os
sujeitos, seus ‘pares’ e os ‘outros’, traduz-se também na forma de ocupação do
espaço e da própria disposição das pessoas nos mesmos, que tende a se
intensificar quando se tem o ambiente militar com foco de investigação.
Se por um lado estar submetido a um ‘controle’ do espaço, das normas e
de uma hierarquia conduziu-me a uma ‘normatização’ e delimitação do espaço,
por outro contribuiu para a maior aproximação com os atiradores, amenizando a
minha situação de estrangeiro naquele lugar; de certa forma passei a ser
considerado como ‘um deles’. Era comum ouvir enunciados do tipo: “Chega
70
Alex, você é um dos nossos... falta pôr a farda
50
, “Você vai tirar guarda
conosco também?”
51
, “Pediu autorização ao sargento também?”, “Você
também tá fazendo TG né? Todo dia está aqui com nós”.
Esses comportamentos pareciam ambíguos, tanto assumiam um caráter
de ‘investigação’, por causa da minha presença naquele espaço, como também
manifestavam uma forma de aproximação entre nós, que renderia longas
conversas indiretas, dentro e fora do TG. Uma informalidade que garantiu maior
fidedignidade nos momentos das entrevistas e nas demais situações que
compartilhamos juntos. Assim, o referido ‘ódio’ pertinente à relação pesquisador
X campo X ‘objeto’ foi se dissolvendo e cedendo lugar a uma relação mais
próxima, de companheirismo e simpatia, uma relação afetivamente positiva, de
entender aquele ambiente e o lugar dos sujeitos naquela rede social.
A relação de amor iniciada entre pesquisador e campo é o momento em
que se tem a possibilidade de traduzir e tecer uma rede de significados na
construção e interpretação de uma dada ‘realidade’, como se fôssemos porta-
vozes de um lugar, de pessoas e de seu processo naturalizado pelo convívio
social, com seus comportamentos, artefatos, particularidades e crenças. Algo
fortemente referido numa dimensão fictícia, comunicativa e interativa, pertinente
ao processo de construção e de realização do trabalho etnográfico (CLIFFORD,
1998). Um processo que possibilita ao pesquisador, através de sua escrita
(projeto, dissertação, tese etc.), a elucidação ficcional de ‘um outro’, um não-
igual que efetivamente muda de status: de objeto estranhado passa a ser sujeito
próximo (GOUVEIA, 2003).
Sem dúvida é no campo que a pesquisa se corporifica e vai tomando
formas. Na maioria das vezes os objetivos mudam, intensificam-se, são
reelaborados diante da riqueza da realidade empírica. O campo ‘falava’ coisas
que não compreendia, porque meu olhar e a minha escuta estavam centrados num
50
Atirador X, branco, 19 anos. Optei por não fazer o batismo antropológico, devido ao fato de a
corporação contar com um total de 100 atiradores e receando que alguns nomes fictícios pudessem
coincidir com os dos atiradores e gerasse possíveis confusões e constrangimentos equivocados. Assim,
recorri às letras alfabéticas como mecanismo de identificação.
51
Atirador Y, moreno, 18 anos, universitário.
71
ponto. Ao fazer um exercício de reflexão sobre isso, visualizei um leque de
aspectos a serem pesquisados para além da questão da masculinidade via
sexualidade e os discursos sobre ela. Desde então, começou-se a vislumbrar um
caminho mais sinuoso na tentativa de compreender a construção/socialização do
jovem militar como um todo, como um processo de socialização masculina.
Entende-se que o exercício de reflexão é algo constante, onde os sentidos
e as representações são dinamicamente revitalizados pelo momento histórico,
político e socioeconômico e pelos próprios sujeitos em suas situações e
interações. Por isso, repensar o lugar de algumas instituições num mundo cada
vez mais complexo concorre para se pensar a própria vivência do sujeito como
modelador e construtor de relações e de possibilidades de vida. Mais ainda,
possibilita refletir sobre o desconhecido, sobre o ‘outro’, que em parte nos revela
aquilo que somos ou aquilo que deixamos de ser. Enfim, no debate que se segue
procura-se elucidar a dinâmica e intensidade deste exercício reflexivo.
3.1 A CAMINHO DA CASERNA: Uma vivência compartilhada
A caserna apresenta-se como o reduto exclusivo da vivência militar, um
espaço fortemente demarcado por traços físicos e institucionais que o torna
distinto da vida civil. Aspectos mais ou menos típicos de instituições totais, em
que arames, muros altos, grades e portões de ferro competem para acentuar uma
demarcação entre esses dois universos. Além de um reduto de recrutas, a caserna
traz em si um ideário de confinamento, perigo, vigília, enclausuramento, tensão,
não de corpos, mas também de condutas e desejos. Uma demarcação que
ultrapassa os limites geográficos, atingindo a própria vivência do sujeito, seu
corpo e suas disposições na escala social.
Sem dúvida, a caserna é um espaço de homens. Embora a emergência
das mulheres seja algo significativo neste universo, ainda assim seus
pressupostos vigoram numa perspectiva masculina. Nele, força, resistência,
72
sacrifício, superação, competitividade, dentre outros, são tidos como referências
diretamente remetidas a uma prática masculina. Por isso mesmo, por ser
eminentemente um universo de socialização de homens, é que titulo meu
trabalho como sendo: CASERNA- lugar de ‘homens’; uma metáfora explicativa
do ambiente do TG.
Adentrar na caserna significa disposição para submeter-se às normas e às
hierarquias que fazem parte da rotina deste universo militar, algo que não pode
ser ignorado por quem se propõe a pesquisá-lo. Assim, é partindo de uma
vivência compartilhada rumo à caserna do Tiro-de-Guerra que busco socializar a
dinâmica particular desse processo.
Nas caminhadas diárias rumo ao TG, encontro com meus
‘companheiros’ atiradores que compartilham comigo desta rotina ‘árdua’. São 5
horas da manhã e o céu ainda está escuro. É inverno e o clima está frio, e a
neblina cerra nossos olhos. Vamos andando e conversando; eles devidamente
agasalhados com seus ‘mosquetões’
52
, eu, cheio de blusas de lã e cachecol.
Eram manhãs frias, com os termômetros marcando em média 8
o
C.
Nossos passos, ora rápidos ora lentos, eram acompanhados de conversas. Eles
contavam as aventuras da noite anterior, as festas, as ‘bagunças’, enfatizando no
discurso muita fartura de álcool (cerveja), mulher e gargalhadas; elementos
constitutivos daquele ambiente de jovens que descobrem e ‘ultrapassam’ seus
limites, como demonstração pública de ter conquistado a sua ‘maioridade’.
Recorriam às descrições precisas e muitas vezes exacerbadas dos
acontecimentos e das conquistas noturnas, suscitando-me algumas diante da
‘veracidade’ dos episódios ocorridos. Revelavam a conquista de um mundo até
então desconhecido, ‘marginalizado’, pois parecia que transitar por esses
ambientes afirmaria certo ar de liberdade e de ousadia; um modo de ser homem,
destemido e desbravador. Sabe-se que pouco importa a ‘verdade’ sobre os fatos
ocorridos, pois o mais significativo e revelador são as representações que
52
Na gramática militar, mosquetão corresponde ao nome de uma arma de guerra (um pequeno fuzil). Na
denominação nativa, ele também é utilizado para as jaquetas de frio usadas pelos atiradores.
73
anunciam essas ‘verdades’. Afinal, como diz a metáfora: “a mentira é uma
mentira, pois tem sempre algo a revelar”
53
.
Nesses relatos freqüentes e incansavelmente viris, o momento de relativa
‘fraqueza’ se evidenciava quando se reportavam ao ato de acordar cedo, após
uma longa noite de aventuras’ e ‘glórias’. O sol era talvez a prova mais dura e
temida a ser enfrentada, pois com ele vinham a instrução, as marchas, a doutrina
do Serviço Militar e, o que é pior, tanto esforço sem ganhar nenhum tostão por
ele, conforme colocaram. Gradualmente, a jornada ia sendo aliviada pelo
encontro com seus companheiros, que enfrentavam também a rotina e as
aventuras.
Ao chegar no quartel do TG, os portões já se encontravam abertos,
indicando o início de mais um dia de atividades militares. Aos poucos os
atiradores, ainda sonolentos, iam surgindo, rompendo a cerração e formando
pequenos grupos, dentro e fora da sede. Alguns sentados, outros em pé, ou junto
aos bancos localizados na frente do prédio. Todos devidamente fardados, barbas
feitas, coturnos brilhando e cabelos cortados.
A grande maioria chega a pé, outros de bicicleta, poucos de motocicleta e
carro. Assim, todos se cumprimentam, seja com o olhar, com um ‘palavrão’, ou
com um aperto de mão, e ficam de conversa, esperando o tocar da sirene para
‘entrar em forma’. Sem dúvida um momento de troca de informações, ‘zoações’,
de relatos dos feitos diários. Enfim, uma sociabilidade de ‘homens cordiais’, em
princípio. Logo depois, os atiradores vão formar as filas dos seus respectivos
pelotões, por ordem decrescente, em posição de sentido. Neste momento são
feitas a chamada e a computação dos faltosos pelos monitores de seus respectivos
pelotões, que posteriormente repassam o comando aos sargentos. Depois de
‘bater’ continência, o monitor um passo em forma de marcha e assume seu
posto. Ao mesmo tempo, ocorre também a inspeção da farda como um todo.
Observando atentamente essas condutas entre os jovens, percebe-se que
ali estava para além de uma cordialidade, uma explicitação clara de se tratar de
53
Essa metáfora foi proferida pela professora Patrícia Gouveia em uma de suas aulas na disciplina de
metodologia de pesquisa, da qual cursei.
74
uma disputa, seja através dos seus feitos de ‘homens’ ou pelo fato de estabelecer
a camaradagem; requisito importante nesse ambiente, com direito a homenagem
especial ao término do Serviço Militar. Entretanto, esse também é o momento
das disposições hierárquicas, cada um assumindo seu lugar naquele espaço e seus
papéis preestabelecidos: monitores, atiradores e sargentos. Tal critério
organizativo promove uma hierarquia das relações sociais que pode ser traduzida
também na forma de ocupação e circulação do espaço e na própria disposição das
pessoas.
Antes do tocar da sirene, os soldados que ficaram de vigília durante a
noite anterior (cabo da guarda) passam o comando para o sargento, num ritual
conhecido como ‘passar a guarda’. Em forma de posição de sentido, o monitor, o
maior responsável (comandante da guarda), ‘bate’ continência ao sargento,
identifica-se com seu código numérico e faz o relato da vigília. Em seguida, o
sargento faz algumas perguntas sobre possíveis alterações da rotina. Não
havendo nada além do esperado, o sargento dispensa os atiradores, que guardam
suas armas na sala destinada para esse fim (REST ADMT), e ele assume o
comando. Tudo que ocorrer de ‘errado no período de vigília é de
responsabilidade do monitor que estiver no comando. Este, portanto, deve zelar
pela segurança e integridade do TG, pela conduta de seus colegas de guarda,
além de resguardar o aspecto físico da sede. Caso isso não aconteça, são
aplicadas punições, que variam desde a perda de pontos, suspensão, até a
expulsão do atirador do Batalhão.
Ao mesmo tempo em que uma evocação do trabalho coletivo, uma
vez que a guarda é realizada por um número de seis atiradores, a
individualização das punições, recaindo sobre seu comandante tal
responsabilidade. Essa prerrogativa conduz a uma maior exigência e controle por
parte do comandante da guarda junto a seus companheiros, fato que concorre
para a emergência de atritos e dissabores que comprometem a tão propagada, e
sempre lembrada pelos atiradores, amizade na caserna. Faz parte da disciplina
local conciliar esses atritos, e é uma maneira de exercer a autoridade, calcada
numa hierarquia de comando e obediência
75
Esses conflitos não podem e não devem exceder a ‘camaradagem’
cultivada na caserna, uma vez que ela faz parte de umas das virtudes que os
atiradores devem cultivar. Sabe-se que no espaço militar não há lugar para
‘desordem’ e ‘discordância’; todos têm de obedecer, mesmo que as exigências
não atendam às necessidades pessoais. Talvez, isso se traduza como sendo uma
das mais significativas características que tal vivência exige. A condição de
subserviente a uma ordem compete não ao fato de obedecer, mas também de
pedir autorização para todas as suas ações. Para Goffman (1974), pedir permissão
para realização das atividades secundárias, que no mundo externo o sujeito pode
realizar sozinho, se traduz como sendo uma das mais eficientes formas de
perturbar a sua autonomia de ação, garantindo seu controle.
Após prestar contas ao sargento, os atiradores responsáveis pela guarda
se juntam aos demais colegas que já estão no pátio, em seus respectivos pelotões.
Com freqüência eles realizam a ordem unida, uma espécie de treinamento
coletivo de marchas, continências, canto e posturas militares, e cotidianamente
assiste-se ao hasteamento da bandeira nacional, com toda as honras militares. Em
seguida, o para a sala de instrução. Neste momento, a entrada dos sujeitos
pelas portas laterais da sede, em vez de usar a porta principal, sinaliza uma
posição de baixo status que é vivida naquele ambiente, pois depois de
graduados em atiradores poderão usar a porta principal da instituição.
Finalmente, sentam-se nas cadeiras correspondentes ao seu número.
As instruções são realizadas diariamente, com exceção de segunda-feira
e, às vezes, nos fins de semana, com o auxílio de uma apostila que contem todas
as instruções militares (armas, treinamentos, hinos e mbolos nacionais), um
verdadeiro manual a ser seguido. Percebe-se o caráter ‘tradicional’ e
‘doutrinário’ do conteúdo programático das aulas que são ministradas pelos
sargentos: Um só fala e os outros ouvem ‘atentamente’. Em dado momento
solicita-se que os atiradores leiam o texto do dia trabalhado, com o intuito maior
de manter o controle e a atenção deles, evitando sua desatenção. Não
tentativas de problematizar as questões. Aliás, não se trata de questões, mas de
normas, instrução. Esta característica é um aspecto vital das corporações
76
militares; em geral, elas estão sempre certas, não o que perguntar, questionar,
apenas obedecer.
Nesse momento são passados inúmeros vídeos sobre as atividades das
Forças Armadas, mais particularmente do Exército. Uma maneira de inculcar nos
jovens uma outra forma de encarar a vida em sociedade a partir do universo
militar. A didática aplicada tem ressonância diversa, chamando mais a atenção de
alguns poucos do que da maioria. Mas ao passar os vídeos que correspondem às
cerimônias do TG, a empolgação é grande. certa espetacularização de um até
então desconhecido que se faz ali se reconhecer. A turma fica agitada,
mostrando-se uns aos outros na filmagem, onde os comentários e sorrisos são
diversos.
O tratamento dispensado pelos atiradores à autoridade maior é marcado
pelo pronome de tratamento senhor. Neste sentido, o ‘sim, senhor’ e o ‘não,
senhor’ simbolizam respeito e submissão. Muitas vezes, se essa deferência não
ocorre, a correção é imediata: “Já falei rapaz que deve falar sim, senhor, sou eu
que mando aqui” (1
o
Sargento da instrução). Aqui, mandar impõe acima de tudo
um chamativo à submissão/obediência. Essa perspectiva relacional da submissão
é um dos condicionantes da vida militar, possibilitando a manutenção de uma
ordem institucionalizada vivida naquele ambiente e a legitimação de uma
autoridade-mor: os sargentos.
Ao levantar o braço para se pronunciar, os atiradores assim o fazem
sempre com o punho fechado, abandonando o hábito civil de levantar a mão para
pedir a palavra. Um gesto que aparentemente exprime força e garra, já que
definitivamente ali não é o lugar para gestos tidos como delicados e frágeis.
Percebe-se constantemente uma explicitação de demarcadores de gênero no
modo de se portar naquela situação, quanto às disposições hierárquicas: quem
manda e quem obedece.
É comum no Batalhão a prática do Treinamento Físico Militar, duas ou
três vezes na semana. Na maioria das vezes os atiradores usam o uniforme
próprio para tal atividade. Outras vezes, ficam apenas de coturno e calça
camuflada, pertencente ao uniforme. As atividades correspondem a uma série de
77
alongamentos, comandados ora pelos próprios atiradores, ora pelos sargentos. Ao
terminar essas atividades, é comum saírem em fila, correndo pelas ruas da
cidade. Nesse momento, a resistência física dos sujeitos é testada tanto pelos
sargentos quanto pelos próprios colegas.
A prática desses exercícios evidencia não apenas uma preparação para o
bem-estar físico dos atiradores, mas uma prova de superação de seus limites.
Embora pareça algo monótono e repetitivo para alguns, outros se divertem com a
situação, principalmente quando tal atividade se estende para os espaços públicos
da cidade; em fila e cantando eles exibem todo um fervor e contentamento. Um
momento que conseguem chamar atenção, tanto pela quantidade de iguais’ num
mesmo passo, quanto pelos cantos ecoados em voz alta. “É bom correr pela
cidade, melhor do que pela estrada de Paula Cândido. A gente se diverte pra
caramba, as pessoas passam e mexem com nós e a gente também mexe com elas,
sem o sargento vê... se não ferra nós!” (Atirador Z ,branco, 18 anos). Ser visto,
paquerar e mostrar-se fazem parte dessa atividade, como se tratasse para além de
um treinamento do corpo, uma massagem para o ego masculino; um ego menos
marcado pela estética corporal, mas sim pelo lugar social que está ocupando
naquele momento e naquela instituição.
A conservação/manutenção do armamento é prática obrigatória nesse
espaço, inspecionada pelos sargentos. Os pelotões pegam suas caixas de
manutenção, levando-as para o pátio, colocando-as em posições preestabelecidas
condizentes com as posições de cada um. Em grupo, os atiradores desmontam as
armas (fuzil), lubrificam as peças e montam novamente as armas. Os sargentos
protagonizam a cena para pôr em prática o que ensinaram teoricamente aos seus
atiradores, tanto a identificação quanto o manuseio das armas.
Esse é também um outro momento de socialização das ‘aventuras’
diárias, das conquistas da noite de cerveja, mulher e sexo, em um fórum mais
íntimo (entre seus colegas do pelotão), favorecendo a elaboração de uma
‘identidade’ naquele grupo. As conversas remetem a um universo considerado
hegemonicamente masculino. Relatos sobre sexualidade e condutas
estigmatizadas não são evidenciados, permanecendo como uma questão em
78
silêncio, um silenciamento que é muito significativo do ponto de vista da
reflexão.
A figura do gay’, ‘viado’, ‘boiola’ aparece neste contexto de forma
pejorativa ou jocosa, com o intuito de denegrir a masculinidade do outro: “E
sua bicha, você vai hoje no Fundão não?” (Atirador R, CFC, moreno, 20
anos). O mesmo tom está presente nas ordens dos sargentos: “Atenção! Cantem
direito, parece um monte de bichas. Mais alto”, ou, marchem direito,
parecendo um monte de bicha”. Uma representação ancorada numa idéia de
fragilidade e passividade.
De volta à sala de instrução, os atiradores ouvem as últimas
recomendações do 1
o
Sargento, que enfatiza freqüentemente a boa conduta dos
atiradores dentro e fora do TG, utilizando para isso a coerção, através do
argumento da perda de pontos e até o possível desligamento do Batalhão.
Programam as próximas atividades e exigem apresentação de ‘voluntários’,
desde a doação de sangue semanalmente até as atividades cívicas em escolas
públicas.
Cumprindo, rigorosamente, o horário, característico da ordem militar, os
atiradores o dispensados, saindo pelas portas laterais. Antes da saída arrumam
seus uniformes, trocam o gorro pela boina e seguem seu destino, pois também é
dever do atirador zelar pela imagem da instituição dentro e fora dela. Alguns
retornam às casas, outros vão para o trabalho e os que vão para o calçadão da
cidade; embora seja proibido que o atirador permaneça fardado pelas ruas da
cidade após o término das atividades no TG, eles assim o fazem, desobedecendo
à ordem, e ficam a se ‘mostrar’ no calçadão junto a seus ‘amigos’ e ‘amigas’
civis. Esse comportamento possibilita muitas interpretações, entre elas está a
questão da conquista do ‘outro’, acionando o fetiche da farda militar como
estratégia para isso e também utilizada como signo de distinção social e
pertencimento institucional.
Enfim, ao finalizar mais uma manhã de instrução, os atiradores voltam
ao mundo civil, alguns pegam carona com os colegas, de carro ou moto, outros
79
saem em suas bicicletas e, finalmente, aqueles que vão embora a pé, prontos
para no dia seguinte começar tudo mais uma vez.
3.2 A ENTRADA NUMA VIVÊNCIA MILITAR: Uma obrigação de
homens
Tanto em uma perspectiva acadêmica, quanto no senso comum, o
universo militar continua sendo, socialmente, um espaço hegemonicamente de
‘autoridade’ e de ‘vivência masculina. Embora tenha havido significativa
ocupação das mulheres em alguns setores das Forças Armadas, ainda assim
redutos cuja supremacia masculina prevalece. Muitos são os imperativos e as
representações que sustentam esse status do homem militar, ancorados em
discursos essencialistas e discriminatórios, remetidos a uma naturalização dos
marcadores de gênero.
A entrada do ‘jovem homem’ nesse ambiente institucional ocorre com o
alistamento militar obrigatório; a partir de 1
o
de janeiro quando ele completar 18
anos de idade, em tempos de paz, e subsistirá até 31 de dezembro do ano em que
completar 45 anos. Em tempos de guerra, esse período poderá ser ampliado, de
acordo com os interesses da defesa nacional. Este é um dos primeiros chamados
à entrada na vida adulta, do cumprimento legal de suas obrigações e seus
desafios. É um momento de assumir uma responsabilidade e começar a decidir os
rumos e as atitudes que vão nortear toda a sua vivência, pelo menos no plano
ideal. Entretanto, as cobranças sociais tornam-se presentes bem antes,
principalmente as relativas à conduta afetiva-sexual; de certa forma é a partir da
maioridade que elas se intensificam.
Conforme apresentado na discussão sobre a história e memória do TG,
nos grandes centros urbanos o Serviço Militar pode ser prestado nos quartéis das
próprias Forças Armadas (Exército, Marinha e Aeronáutica). Em lugares que não
possuem a sede dessas Armas, geralmente municípios menores, são os Tiros-de-
80
Guerra, pertencentes à Arma do Exército, os encarregados dessa missão militar,
como é o caso de Viçosa - MG.
Referente ao processo de seleção, ele se inicia, primeiramente, com
apresentação do jovem reservista na junta militar local, que os encaminha para a
sede do Tiro-de-Guerra, onde passarão pelo processo de seleção. As provas
versam sobre questões ligadas à motricidade e à atenção e sobre testes
psicotécnicos e exames médicos, em que o profissional de saúde atesta se os
jovens estão aptos fisicamente, ou não, para prestar o serviço. Como última etapa
são realizadas entrevistas pelos sargentos do TG.
Segundo dados do próprio Tiro-de-Guerra de Viçosa, ele recebe
anualmente cerca de 500 jovens para realização do alistamento militar; destes,
100 são convocados para prestar o serviço, em sua maioria são voluntariados.
Este fato é justificado pelo interesse de jovens que consideram essa experiência
militar como algo importante para a sua formação como cidadão e como homem,
argumento que posteriormente vai ser parcialmente desconstruído.
No que diz respeito às entrevistas, dois pontos relevantes: primeiro, o
discurso da instituição, apontando esse momento como o da triagem dos recrutas,
ou seja, aqueles que são aptos potenciais para ser atiradores. De acordo com os
sargentos, os critérios de seleção apóiam-se primeiramente na disponibilidade de
tempo dos jovens, uma vez que é intuito do TG conciliar as atividades militares e
as civis. Assumem um discurso legalista e de comprometimento com a pátria.
Porém, é interessante notar o silenciamento em torno das questões da sexualidade
como sendo um dos critérios de seleção; mas ao perguntar sobre a homo-
afetividade, eles dizem não acionar esse critério, uma vez os próprios candidatos
se auto-excluem durante o processo, argumentando não suportar conviver entre
os ‘homens de verdade’.
O argumento assumido pela instituição de auto-exclusão dos candidatos
parte do pressuposto de uma ‘identidade’ gay presa a uma série de estereótipos,
que provocaria sua inadequação ao regime militar, além de ser um detentor de
uma pulsão sexual descontrolada que colocaria em situação constrangedora os
outros colegas. Baseado neste argumento, não seria a instituição que exclui, mas
81
a própria vivência militar que os impõe limites. Pelo visto, ele contradiz a
realidade, sendo freqüentes as notícias na mídia de práticas homo-eróticas,
abusos e atentados ao pudor praticado por membros desses segmentos.
O segundo ponto é o discurso apresentado pelos atiradores de que os
critérios de seleção não são tão claros assim, que de fato é a instituição
(sargentos) que decide quem é apto ou não a fazer o treinamento, acionando
outros critérios não-mencionados, como: quem sabe tocar instrumentos (para
compor a fanfarra), quem é forte, quem se enquadra dentro da farda, uma vez que
elas o reaproveitadas pela turma seguinte, passando também pelo critério da
sexualidade. Mesmo os que não são voluntários são obrigados a prestar o serviço,
como assim comenta o atirador:
O TG é gostoso, eu gosto de fazer, no começo eu não queria fazer, não
fui voluntário, achava assim... Não, que vai me atrapalhar muito e tal...
Às vezes me atrapalhou mesmo em alguma coisa e tal..., Mas no
começo eu o queria de jeito nenhum, no começo eu estava vindo
obrigado para , levantar cedo, minha mãe estava me levantando
todo dia, na hora! na hora! (Atirador B, CFC, branco, 19 anos-
grifos meu).
Desse modo, tal processo não leva em consideração exclusivamente a
vontade dos jovens e nem tão pouco apenas sua disponibilidade de tempo, mas os
interesses do próprio TG, apresentando um contingente de reservistas ‘bons’,
‘sadios’, ‘disciplinados’. A fala destaca para além de um espaço da norma, a
elucidação que também se trata de uma experiência prazerosa, um compartilhar
de vida e experiências, dúvidas e incertezas e, ou, certezas. Aspecto significativo
nessa passagem de condição jovem (‘rebelde’, ‘indeciso’, ‘irresponsável’) à de
homem (disciplinado, responsável e senhor de si).
Sendo voluntários ou não, os jovens são submetidos a uma nova rotina
diferenciada da que estavam acostumados. Por isso, tendem a separar os espaços
transitados por eles em dois mundos distintos: aqui dentro (remetendo o quartel e
suas normas, com um estilo próprio, padronizado e disciplinador) e fora (um
lugar mais liberalizante e menos normativo).
Essa dicotomia vai permear toda a vivência desses jovens na construção
de um homem militar, incidindo sobre seu comportamento e suas atitudes. De
82
forma ideal típica, contribui tanto para formação de um ethos quanto de uma
hexis corporal. O ethos representado pela interiorização não-consciente de uma
moral a partir de princípios e valores militares que regulam a conduta cotidiana.
E a hexis corporal, como uma inscrição externa na qual o vínculo institucional
extravasa seus limites, expressa-se principalmente no corpo, por exemplo: no
corte do cabelo que o faz identificável e na sua própria postura na vida diária
(BOURDIEU, 1997).
Nota-se que uma constante vigília e controle dos atiradores dentro e
fora da sede do TG. Muitas vezes esses procedimentos são evidenciados não
apenas pelos atiradores e seus dirigentes, mas também por aqueles que um dia
passaram pela caserna e por seus familiares. Por um lado, isso evidencia um elo
de pertencimento ao TG, mesmo com o encerramento do Serviço Militar, pois a
preservação da ‘honra’ e da integridade do TG transcende esse tempo.
É comum haver queixas sobre as más condutas dos atiradores na
comunidade; tais delatores são, em sua maioria, os ex-atiradores, os familiares e
as pessoas que se identificam com aquela instituição, de alguma forma. Uma
situação que consagra as palavras do sargento: “uma vez atirador, sempre
atirador”. Em se tratando da questão da honra, ela permeia a maior parte dos
argumentos dos atiradores e da própria administração do TG; uma idéia de honra,
vinculada aos valores morais, principalmente a responsabilidade, que vai se
estender desde a idéia da própria sustentação financeira até a constituição de
família, algo normatizante à medida que se torna significante dessa categoria.
Por outro lado, a vigília nesses mundos dentro e fora do TG, apontada
inúmeras vezes nas entrevistas com os atiradores, é proporcionada também pelo
aspecto geográfico da cidade e pela relação de pessoalidade estabelecida,
influenciando suas redes de sociabilidade como um todo. Conforme já dito,
Viçosa é uma cidade do interior, relativamente pequena, onde todos se
‘conhecem’, e esse se ‘conhecer’ impõe controle e restrições. Em qualquer
‘falha’ cometida, os tais ‘conhecidos’ sentem-se à vontade para ligar para o TG,
delatando os atiradores. Aqui, os olhares alheios regulam comportamentos e
83
promovem a configuração de múltiplas identidades; é nesta ‘tensão’ que os
jovens aprendem a conviver.
A questão da denúncia é muito interessante ao analisar os
relacionamentos e os lugares das pessoas. Nos relatos pode-se constatar que os
‘delatores’ possuíam, ou tinha possuído, algum tipo de vínculo com a instituição,
partindo de algum membro da família (mãe, avô, pai, tio) ou de vizinhos. No
entanto, não se trata de uma atitude tão inesperada, devido ao grau de
proximidade entre famílias e TG. Mas o que é significativo é que a maioria das
denúncias partiu de ex-atiradores, uma delas acarretando desligamento do
Batalhão. De certo modo, isso legitima a interação entre família, TG e
comunidade na regulação moral de seus membros. Para os próprios atiradores
‘desviantes’, esse aspecto está diretamente relacionado à sustentabilidade da
‘honra’ do TG diante da comunidade.
Tudo leva a crer que essa atitude é um reforçador de um determinado
vínculo de pertencimento desses sujeitos com o TG, entre muitas razões, por ser
o lugar que o delegou uma ‘identidade’ respeitável e promoveu uma visibilidade
pública. Uma vez beneficiado por ele, o sujeito tende a fazer com que tal estágio
se prolongue e se cristalize; ‘honrar’ o nome da instituição parece ser um deles.
Tal sentimento torna-se possível à medida que os procedimentos adotados pela
instituição passam a ter aderência no campo de possibilidade de seus atiradores e,
assim, sendo ressignificado por eles. Uma escola na qual o que se aprende e
como se aprende vão além das regras que lhe são impostas para a vida dentro da
caserna.
3.3 TIRO-DE-GUERRA: Escola de Cidadania e Civismo
Essa frase título escrita em uma das paredes do lado de fora da sede do
TG foi algo instigante. Em certa medida, a sentença anunciava o sentido daquela
instituição, suas intenções, seus interesses e objetivos junto aos jovens
reservistas. Assim, uma vez dada a sentença, era preciso buscar compreender o
84
significado de ‘cidadania’ e também de ‘civismo’ para aquele grupo investigado
e, particularmente, identificar quais os procedimentos adotados de apreensão e
consolidação dos mesmos. Obviamente, não se trata de teorizar a respeito desses
conceitos, mas elucidar as formas como eles são concebidos e legitimados na
instituição e por parte daqueles que nela atuam, aspecto que nos possibilita
refletir e analisar o contexto estudado em si, as disposições dos sujeitos e os
sentidos e as práticas.
Partindo do pressuposto que a cidadania é um processo de construção
social e passível de múltiplos significados, no TG esta idéia é concebida como
um princípio de emancipação do sujeito a partir, principalmente, da ajuda ao
próximo e do cumprimento das obrigações civis. Em relação ao primeiro
aspecto, a instituição adota atividades com uma regular sistematicidade, podendo
ser enquadrada como ‘assistencialistas’: as chamadas atividades de apoio; além
do caráter de ‘ajudar’ ao próximo, essas atividades servem também de estratégias
para a integração comunitária de modo geral.
Nesse sentido, o TG estabelece parcerias com diversas entidades
assistenciais de Viçosa e instituições de serviço, participando de arrecadação em
campanhas de agasalhos, de alimentos, de brinquedos, de livros e de sucatas;
atuando em campanhas de vacinação tanto infantil quanto de idosos, entre outros.
Aos participantes das atividades são conferidas bonificações que podem
corresponder à dispensa do serviço, ao abono das faltas cometidas e,
conseqüentemente, à redução dos pontos perdidos e às dispensas de fazer a
guarda, além do elogio registrado em sua ficha individual, atrativos que motivam
os atiradores a se dedicarem a essas atividades.
No TG, o incentivo ao voluntariado está fortemente reforçado pela
gratificação; uma troca de ‘favores’ negociada a serviço dos interesses de cada
um, tornando-se uma das principais bandeiras da instituição. Para além da
questão do voluntariado, essas ações apontam para questões maiores,
desempenhando a função de legitimar aquele espaço e sua própria função de
existir tanto dentro do quadro das Forças Armadas quanto no âmbito municipal.
Afinal, consta no artigo 194, inciso 7
o
do regulamento da Lei do Serviço Militar
85
que: “quando, por qualquer motivo, não funcionar durante 02 (dois) anos
consecutivos, o Tiro-de-Guerra será extinto, por ato do Ministro Militar
competente”.
Talvez essa prerrogativa tende a explicitar o quadro de honra ao TG,
pregado na sala de entrada da sede, oferecido pelo Hemominas - MG, devido à
ação voluntária de doação de sangue. Vale lembrar que o processo de cortes de
gastos e a redução orçamentária vivida tanto pelas Forças Armadas, como pelas
administrações públicas municipais, m exigido cautela. Isso significa priorizar
apenas atividades fundamentais e necessárias ao bem-estar público. Portanto, o
TG precisa mostrar-se como um desses espaços produtivos, evidenciar sua
importância para cada um deles e justificar seus gastos no orçamento público.
Essa necessidade de auto-afirmação para além da referida questão de se
mostrar útil revela uma outra tentativa, que é de engrandecer a instituição e, de
certa forma, ressignificar um espaço que ainda apresenta resquícios de uma
história estigmatizada herdada da Ditadura Militar e dos processos políticos e
sociais decorrentes dessa época, que arbitrariamente, fomos submetidos.
A tentativa de construção de uma outra imagem socialmente mais
positiva leva a justificar as constantes Paradas Militares (por exemplo, a ordem
unida), as instruções e os vídeos comumente apresentados sobre a vida militar;
seus ganhos e retornos financeiros e sociais, as formaturas
54
no decorrer do ano,
com e sem a participação da família/comunidade, e as avaliações que
periodicamente os TGs são submetidos junto a um superior, geralmente, um
Tenente-coronel. Não há dúvidas de que se trata de “uma história que eles
contam a eles próprios sobre eles mesmos” (GEERTZ, 1978:278), com o intuito
de transmitir e garantir novas mensagens e sentidos a essa instituição. Trata-se de
uma tentativa de escrever uma outra história, referendada e legitimada pela
valorização e pelo reconhecimento público.
O entendimento do civismo tem como marca o culto e o respeito aos
Símbolos Nacionais, principalmente à Bandeira Nacional, que diariamente é
54
Concentração de todo o Batalhão, ou parte dele, destinado a conferir o efetivo (faltas), inspeção do
fardamento e dos aspectos pessoais (cabelo, barba e outros).
86
hasteada no TG, com todas as honras militares. Aqui, o civismo reproduzido está
fortemente associado ao ideal de cidadania eleito pelas instituições militares de
modo geral, onde o cultivo do amor à Pátria é venerado e se sobrepõe à própria
vida do sujeito, uma questão de ordem moral. Porém, no TG não uma
delimitação clara das fronteiras entre os espaços civil e militar diante da à
cidadania e sua vivência, tornando algo indissociável.
Em termos propriamente pedagógicos o ensino do civismo,
principalmente no ambiente militar, reporta-se a um contexto histórico no qual o
Exército incorpora para si a obrigação de ‘ensinar’ e ‘instruir’ os sujeitos que
nele se inserem, partindo de pedagogia militar e do seu modo de conceber o
mundo e as relações.
Segundo Juliana Mendes:
Um exemplo da civilização desempenhada nos quartéis vem da França,
no período da segunda metade do Século XIX. Foi uma época em que o
Exército realizou uma importante obra de alfabetização da população
masculina, afinal, muitos jovens vestiam a farda sem nunca ter
freqüentado a escola. Esta experiência culminou na construção - em
1816 - das primeiras escolas nos quartéis, sendo que quinze anos mais
tarde ou cursos para analfabetos (principalmente soldados) passaram a
ser obrigatórios. Neste período, as possibilidades educativas do
Exército não se restringiam a alfabetização, ‘a reflexão sobre a
educação militar sublinhava a função nacional educativa e involuntária
(MENDES, 2004: 39).
A autora argumenta que na França, em 1891, o oficial era visto como um
professor nas Artes Militares, na Higiene e na Economia, no qual o Exército
desempenhava a função educativa e involuntária aos seus membros (MENDES,
2004:39). Embora o Tiro-de-Guerra não desempenhe função educativa extensiva
às esferas da educação formal, ele atua em vel mais específico, de acordo com
seus interesses. Geralmente, compete-lhe a instrução militar para a formação de
2
a
categoria da reserva e a sua instrumentalização para garantir a continuidade da
carreira militar pelos jovens, oferecendo um trabalho de reforço escolar para as
provas que fazem parte do processo de seleção, principalmente de EsPECEX e a
ESA. Além disso, contribuem nas despesas para a participação das provas, que
normalmente são realizadas em município.
87
Tais atitudes podem ser caracterizadas como algo ‘paternalista’, que
acentua ainda mais a proximidade entre o TG e as famílias, possibilitando uma
busca por um futuro ‘promissor’ à sua prole, a ao seu rebento. Neste sentido, o
caminho promissor é a possibilidade de seguir carreira militar, ainda vista como
uma estratégia possível e promissora de ascensão social. É o olhar do atirador
sobre esse lugar institucional e sua vivência particular que será abordado a
seguir.
3.4 O TG NA MIRA DO ATIRADOR: Um olhar sobre o vivido
No imaginário coletivo dos atiradores, o TG, para além de um lugar
institucionalizado referendado pelo Exército, é representado com um espaço
legítimo de ‘correção moral’, das ‘más’ condutas e de comportamentos tidos
como ‘desviantes’. Uma idéia que também é compartilhada pelos sargentos que o
dirigem. Um espaço eleito como norteador de condutas para formação de
‘verdadeiros homens’, de reeducação social baseada em princípios morais como
a idéia de ‘honra’, ‘camaradagem’ e civismo’, competindo na
construção/reprodução de um modelo de comportamento socialmente aceitável.
Em nível de discurso, o TG torna-se uma extensão da família do atirador,
oferecendo-lhe identificação, pertencimento, mas também obrigações, algo visto
como um trampolim para uma vida de responsabilidade e decisão de futuro como
homem e profissional. Neste universo pesquisado, a família se apresenta como
eixo moral, tanto pelos sujeitos quanto pela própria instituição.
Nesse ambiente militar, o valor-família se mostra como um precioso e
fundamental instrumento formador de identidades e modelador de condutas, nos
quais os princípios referentes a honestidade, honra, vergonha e moral vão ser
gestados e salientados diariamente, permitindo a construção de ‘homens de
verdade’, aspecto referendado nas palavras do 1
o
Sargento: “a palavra convence,
o exemplo arrebata”. Aqui o sujeito transforma-se num espelho moral de
correção de si e do outro.
88
Segundo uma ampla literatura, a centralidade do valor-família como uma
ordem moral e a valorização das condutas tidas como de ‘bem’ estão muito
ligadas à questão de classe, e neste sentido é nos grupos populares que esses
princípios vão ser exacerbados, entre muitas razões, pelo fato de serem
excluídos/destituídos socialmente,
restando-lhes apenas a integridade moral como
provedor de uma possível dignidade social. Algumas dessas noções podem ser
percebidas no relato do atirador:
Acho uma coisa muito boa [TG], que você leva para a vida inteira o
que você aprende aqui dentro. Às vezes você aprende a ter atitudes,
você melhora suas atitudes, com a educação que você aprende aqui
dentro, você pode ganhar muita coisa boa... Acho que educação é
respeito e moral se relacionado a isso aí, sua forma de ser na sociedade,
não o meu caso, mas vamos supor, mais de um colega que vejo aqui
dentro, um colega bagunceiro na sociedade, um cara que faz bagunça,
um cara assim que faz coisas erradas então aqui ajuda muito a ter uma
educação moral que a pessoa adquire e no final sai daqui diferente,
bem diferente e vendo as coisas de outra maneira (Atirador B,
branco, 19 anos, CFC – grifos meu).
É interessante notar que, apesar de referendar o TG como um espaço de
correção de condutas, tal correção é sempre destinada para o outro, nunca a si
próprio. Neste sentido, é o outro que precisa ser ‘corrigido’, ‘educado’,
‘disciplinado’. Talvez seja uma tentativa de valorização perante o outro, daquilo
que se é, ou que se pretende ser. Muitos desses comportamentos considerados
‘desviantes’, mencionados nos relatos e nas entrevistas pelos atiradores, são
recortados por questões de gênero. Em suas falas apreendem-se algumas
dicotomias elaboradas a partir do padrão ideal de ser homem e, ou, mulher, mais
do que com qualquer outro delito, por exemplo, a prática de furtos, drogas, que
são tidos como atos desviantes. Assim:
Ah! tem que ser um rapaz assim mais honesto[um atirador], não tem
muito jeito de malandro, assim sabe?... Chegar de brinco, cabelo
grande, falar muito palavrão, isso não é ter cara de atirador... Mas
mesmo assim, se pegam uns caras malandros para servi, aqui bobo
ensina, aqui é bem disciplinador... Ensina ser um rapaz mais sério...
(Atirador C, pardo, 19 anos, evangélico, membro da fanfarra grifos
meu).
Eu usava brinco, mas se o sargento pegar manda embora na hora e toma
suspensão, ele viu um dos nossos na igreja de brinco tomou suspensão
(Atirador K, 18 anos, branco).
89
Uma visão tradicional e ‘conservadora’ permeia esse universo, em
especial no que diz respeito à apresentação dos seus membros. Embora alguns
aspectos tenham sido alvo de questionamentos sociais, eles ainda perduram no
imaginário coletivo dos sujeitos. Um masculino que se encontra longe de tudo
que possa lembrar o universo feminino, associado aos signos de fraqueza,
feminilidade e sensualidade passiva (brinco, cabelos longos etc.). Em uma outra
perspectiva, percebe-se também a existência de aspectos que se aproximam de
uma idéia de higienização e disciplina do corpo, um cuidado de si, com a farda,
com a barba, com o cabelo, mostrando-se sempre ‘limpo’, enfim, uma
preocupação com a aparência.
De certa forma, essa nova ordem a que os jovens são submetidos
configura-se como sendo um possível prolongamento da família, cujos reflexos
serão percebidos pelos próprios atiradores no tocante a seu modo de agir e se
comportar, principalmente em seu ambiente doméstico. Percebendo então essa
projeção, eles avaliam que a contribuição é positiva para o bom relacionamento
entre eles. Entretanto, nesta relação está implícita certa reificação do lugar de
pais e filhos numa escala de organização social e suas pretensas obrigações, e
vice-versa, deixando explícito quem manda e quem obedece, e como obedece.
Pô! cara, eu fico pensando assim... Eu venho para cá, recebo ordens de
gente que nem conheço e faço tudo, em casa não sou assim com
meus pais, então a gente muda né? E começa a tratar melhor eles... Por
exemplo, eu não chamo eles de senhor, igual faço aqui, agora me pego
falando em casa, eu falo com eles também sim senhor, são coisas
pequenas assim sabe? (Atirador M, 19 anos, branco).
De acordo com os informantes, eles não percebem as alterações bruscas
em sua rotina na vivência do Tiro-de-Guerra, porém o depoimento anterior revela
sua contradição. Segundo eles, em níveis práticos, tal experiência tinha
acrescentado apenas uma nova atividade, principalmente a obrigação de acordar
cedo, além do ‘cuidado’ com seu comportamento diariamente, uma vez que
agora passaram a ter um vigilante permanente de suas condutas, o TG.
90
Em princípio, tudo indica que a prestação do Serviço Militar não se
apresenta como um transtorno para a vida dos atiradores, pois após um período
de acomodação o TG acaba tornando-se uma experiência prazerosa.
Segundo meus informantes:
No primeiro mês eu pouco gostava, mas depois eu comecei a gostar
mesmo sabe? Hoje, como eu estava te falando, está acabando, falta um
mês só, hoje bate até saudade e pensar assim que foi o ano inteiro né! o
tanto que a gente passou, até as raivas, é engraçado né? Os momentos
de raivas e tal, eu não me arrependo... Mas se eu voltasse de novo, se
pudesse voltar no tempo assim, desde que me alistei, eu seria apto
sinceramente, eu falo com toda sinceridade, eu serei apto, eu queria
fazer (Atirador B, branco, 19 anos, CFC – grifos meu).
Tem gente que fala que não compensa você fazer TG, você não ganha
nada fazendo isso, você vai faz tudo e nem recebe nada para fazer
isso, às vezes, você até pensa isso, porque você não conhece né?
Depois que eu fiz, que fazendo, que acabando, é bem gostoso
mesmo, uma experiência muito boa, acho que todos... Devia aser
diferente, todos os jovens de 18 anos tinha, nem precisava ter essa
seleção, era colocar todo mundo para fazer mesmo. Acho uma coisa
muito boa. Porque você leva para a vida inteira o que você aprende
aqui dentro (Atirador D, moreno, 19 anos – grifos meu).
Embora haja, num primeiro momento, todo um discurso formado sobre
as vantagens e contribuições oferecidas pelo TG, num segundo momento, ao ser
perguntado sobre a possibilidade de seguirem carreira militar, a grande maioria
dos atiradores apresenta uma recusa categórica. Os seus argumentos versam
sobre as mais variadas razões, desde a rigidez da disciplina por um longo período
de sua vida, até a ‘perda’ da liberdade como homem civil, vivendo uma vida
regrada em diversos aspectos. De certo modo, isso se contrapõe aos aspectos que
foram tão referenciados anteriormente pelos próprios jovens, mostrando uma
ambivalência situacional entre o plano vivido e a ordem enunciada.
Enfim, é a partir de uma parceria virtual entre família e TG que os jovens
vão sendo preparados no período de 12 meses para assumirem funções
preestabelecidas socialmente, e uma delas é a constituição da família. Certamente
uma espécie de engendramento de papéis, em que algumas instituições
(Família, Igreja, Escola, e outras) vão qualificando e desqualificando vivências e,
de certa forma, orientando o sujeito num modo de ser e estar no mundo de regras
e normas. Essas incorporações das vivências institucionais ocorrem no próprio
91
corpo, fora dele ou a partir do modo de agir e se comportar socialmente. É
exatamente a respeito dessas incorporações que abordaremos a seguir.
3.5 A CONFIGURAÇÃO DE UM ETHOS MILITAR
Para além de uma simbologia representada pela barreira física entre
mundo interno e externo (algumas delas dadas no próprio corpo), as instituições
totais se caracterizam pelo estabelecimento de uma maior identificação do sujeito
com o campo institucional através do porte de elementos característicos e
representativos daquele universo de trânsito e pertencimento, principalmente
através de roupas, gestos e comportamentos. Uma regulação da conduta e da
aparência que ocorre cotidianamente, pelas quais são constantemente analisados
e julgados. Esse processo de inculcação, introjeção e mesmo de auto-regulação
contribui, sobretudo, para promover a configuração de um ethos que legitime
seus membros, dando-lhes uma ‘identidade’ que os une, que os identifique, mas
também que os regula, através de constrangimentos e sanções inerentes à
experiência societária.
Ao se referir ao universo militar, muitos são os contextos, os objetos e as
situações que competem para tal procedimento: a disciplina dos corpos, a farda
militar, as posturas e paradas militares, o corte do cabelo e da barba, entre outros;
‘cuidados’ que buscam uniformizar os sujeitos e ‘homogenializá-los’. Neste
sentido, um paradoxo da experiência corporativa é que ela promove também
signos de distinção, portadores de positividade àqueles que estão ‘em regiões de
fronteiras’ (GOUVEIA, 2003). Tal argumento da autora corrobora com a
realidade empírica investigada e a identificação de sues sujeitos.
Nessa perspectiva, também é possível problematizar o vestuário militar
como um dos mecanismos que contribuem para a constituição desse ethos.
Conforme vários autores argumentam, a simbologia das roupas representa algo
variável e de múltiplos significados tanto para o sujeito que as usa, quanto para
92
com quem elas interagem, principalmente se levar em consideração aspectos
como épocas, cultura, moda e modernização. Cada vez mais a vestimenta
manifesta uma representação de e para si e para o outro. Como algo simbólico e
valorativo, pode representar prestígio e status, profissão e, mesmo, o grau de
importância do sujeito em determinada hierarquia social.
Nessa discussão em torno do vestuário como símbolo de distinção social,
o autor Gilson Monteiro argumenta que:
De uma forma geral, a roupa sempre representou algo de mitológico e
uma marca da separação da sociedade em castas e classes. A roupa,
tanto modernamente quanto antigamente, serve para distinguir a classe
social a qual o indivíduo pertence. Carrega todo o significado do papel
que o indivíduo representa dentro da sociedade. Modernamente, o
representa tanto uma classe social, mas, é uma forma de distinguir o
grupo ao qual o indivíduo pertence (MONTEIRO, 1997:1).
Logo, percebe-se que uma infinidade de linguagens foi se constituindo e
solidificando como verdadeiros códigos lingüísticos que permeiam relações e
atribuem significados às coisas e aos sujeitos, e a linguagem das roupas é só mais
uma delas. Especificamente no universo militar e seu vestuário, esta linguagem
pode ser traduzida através dos uniformes elegidos pelo TG: as fardas como o
comumente chamadas. A elas são atribuídos diversos significados, que vão desde
a esfera propriamente formal à conotação erótico-sexual.
Contextualizando a questão, Alison Lurie (1997) toma como base as
idéias de James Laver, argumentando que os uniformes militares em meados do
século XVI na Inglaterra:
Pretendiam originalmente ‘impressionar e até mesmo aterrorizar o
inimigo’ no combate corpo a corpo (exatamente como os gritos de
guerra que os acompanhavam), e os guerreiros, conseqüentemente,
disfarçavam-se de demônios, esqueletos e animais selvagens. Mesmo
que a pólvora tornou esse estilo mais raro, o desejo de aterrorizar
‘sobreviveu na era moderna em formas rudimentares como a cabeça da
morte no capacete do hussardo e as costelas do esqueleto pintadas
originalmente nos corpos do guerreiro e mais tarde transformadas nos
alamares de sua túnica (LURIE, 1997:35).
Nesse contexto, o uniforme assumia uma posição mais de intimidação,
de que de apresentação ou distinção de um grupo. Atualmente, este acessório foi
reconfigurado, mediante circunstâncias específicas, objetivando simplesmente
93
não ‘aterrorizar’ o inimigo, mas principalmente implementar uniformidade,
organização e precisão. Além disso, o uso da farda adotado pelas instituições
totais, como a militar, busca atingir a maior uniformização do grupo, mesmo
composto por sujeitos e situações heterogêneas, perseguindo um ideal
pretensioso de construção de um ‘modelo-padrão’
55
.
Essa tentativa de construção de um modelo-padrão concorre para a
subsunção de uma liberdade individual, em prol de uma instância maior, o
coletivo; aspecto característico das instituições normativas, principalmente as
militares, que não poupam esforços para que tal objetivo/meta aconteça. Aliado a
isso está implícita a disciplina que incide sobre os corpos e também sobre a
subjetividade do sujeito, condicionando seu modo de ser e sentir no mundo,
aquilo que segundo Goffman (1974) promoveria uma completa mortificação do
eu.
Desse modo, segundo o autor, o sujeito abandonaria seu eu civil (seus
hábitos, sua forma de falar, cortar o cabelo, se vestir e interagir socialmente),
tudo o que lhe é mais singular, em favor de um outro eu, agora um eu
institucionalizado, neste caso representado pela instituição militar Tiro-de-
Guerra.
Tal reflexão é extremamente significativa na reconfiguração do grupo
pesquisado. Aparentemente, o que mais indica ameaçar o eu particular, pessoal,
civil, dos atiradores não é o fato de incorporar a gramática militar do ‘sim,
senhor’ e ‘não, senhor’, mas a questão do corte do cabelo, uma questão de fórum
subjetiva. Uma obrigação que revelava o aprisionamento das possibilidades do
sujeito nas suas diversas formas de expressão, seus gestos, seus estilos, suas
preferências, enfim, sua subjetividade:
Eu não gosto de cabelo baixo... Ah! eu sinto falta do meu cabelo, eu
sinto. “Era maior seu cabelo?” Grandaço. Não era comprido, mas era
bem maior do que agora. Mesmo baixinho tem como usar gel, até que
dá para usar fazendo um topetinho...(risos!) fora daqui, aqui dentro não.
(Atirador L, branco, 18 anos).
55
Podemos nos reportar aos campos de concentração da 2
a
Guerra Mundial, aos pelotões nazistas, às
prisões norte-americanas, aos manicômios, conventos e internatos, entre outros.
94
Eu tinha o cabelo grande, cortei aqui. Eu tinha cabelo grande, eu
gostava de ter cabelo grande, mas aqui não dá. Aqui tem um rapaz
próprio para cortar nosso cabelo, para não ter desculpas (Atirador Q,
19 anos, negro, membro da fanfarra).
Naquela experiência o corte do cabelo torna-se emblemático, podendo
evidenciar a existência de autoridade e disciplinamento, uma autoridade a ser
seguida e um novo ‘mundo’ a ser incorporado no período de 12 meses. Ao
argumentar sobre as possibilidades de expressão subjetiva, Anne Hollander diz
que “o cabelo é apropriado para qualquer tipo de expressão rebelde; cortá-lo
pode ser um ato agressivo ou de renúncia, e da mesma forma deixá-lo crescer”
(HOLLANDER, 1996:226). No caso do TG, ou de qualquer instituição militar,
cortar o cabelo se traduz numa forma de submissão e, ao mesmo tempo, uma
adesão a uma nova ordem, uma nova vivência a uma incorporação de hierarquias
e deveres. Neste sentido, a ‘boa’ aparência vai ser um indicativo de conduta
exemplar, disciplinamento e submissão.
A preocupação com a boa aparência dos atiradores vai ser alvo de
constante vigília por parte dos sargentos, o apenas o corte do cabelo
56
, mas
também a barba e o cuidado e uso do uniforme. A instauração de um eu militar,
que aqui poderíamos traduzir como sendo um ethos militar, parece estar
potencializada por procedimentos padronizados e contínuos de corporificação de
um modelo de socialização militar.
No trabalho recente que discute um conjunto de reflexões em torno de
certas práticas e representações de jovens/rapazes que manifestam um
determinado ‘estilo de ser jovem’, Gouveia et al. argumentam que:
De forma dinâmica, de um ethos nascem estilos que concorrem para a
integração, participação, críticas aos usos e abusos do corpo e o
significado disso em sua vida. Sabemos que roupas, acessórios,
adereços são formas de revelar maneiras de pensar e de estar no mundo,
marcadores potentes que revelam identificações, papéis e posições
sociais que muitas vezes parecem ambivalentes e contraditórias
(GOUVEIA, 2004:7).
Talvez, tal aspecto justifique os ‘cuidados’ com a aparência dos
atiradores, as rotineiras inspeções do fardamento, a manutenção das armas, a
56
Como ressaltou o atirador, há uma pessoa específica para executar tal função de forma gratuita.
95
entonação diária do Hino do Soldado, do Hino Nacional e do grito de guerra.
Aspectos que competem para desenvolver, junto a uma hexis corporal,
sentimentos que aflorem em cada sujeito o ‘espírito militar’ e,
conseqüentemente, sua adesão à instituição e ao modo de ser nela proposto.
Assim, honra, camaradagem, patriotismo, cooperação e disciplina tornam-se
elementos constituidores desse espírito, enfim deste ethos. Certamente,
identifica-se uma correlação significativa entre patriotismo e virilidade, que pode
ser exemplificada tanto a partir da vivência dos sujeitos nesse universo militar e
seu modelo normativo, quanto submetido a seus inúmeros juramentos em que se
tem a vida como moeda de troca, compromisso e aposta, somente possível entre
verdadeiros ‘homens’, ‘guerreiros’ e ‘heróis’.
Em se tratando das diferenças vividas no TG, marcadas tanto no sujeito
quanto fora dele, os atiradores vão se apoiar no discurso da ‘uniformidade’,
sobretudo no uso da farda, como um modo de ‘nivelamento’ do grupo. Tal
prerrogativa pressupõe uma forma sutil de padronizar suas diferenças,
principalmente relativas à cor/raça e à posição social. Eles julgam que o simples
porte da farda seja capaz de minimizar as diferenças, passando todos a
compartilharem de uma mesma liberdade e oportunidades dentro do TG:
Para mim, de farda todo mundo é igual, todos me tratam bem, né? o
tem diferença de cor e nem de classe social. Aqui se convive com
pessoas de todos os tipos, eu esperava, como, por exemplo, pessoal
que não tem o estudo completo, ensino médio, terceiro ano que para
mim só convivia, se fosse da minha idade assim, geralmente com quem
estava completando ou coisa assim, pessoas com renda inferior, que
mora em todo lugar da cidade, nos bairros que geralmente nem vou,
como lhe disse, conhecia no máximo cinco e o resto foi tudo conhecido
aqui, achei bem interessante, isso vai me marcar aqui dentro (Atirador
M, branco, 19 anos, monitor, universitário).
Num outro relato, o atirador argumenta que ninguém aqui é melhor que
ninguém... quando estou com a turma, todo mundo fardado, eu não sinto
diferença nenhuma... todo mundo junto, dar mais volume, tipo assim, marcaria a
todos” (Atirador L, branco, 19 anos). Discurso que se aproxima da autora
Hollander, quanto, diante dos uniformes, argumenta que “de fato, é claro que o
‘uniforme’, tão vigorosamente escarnecido pela atual retórica sobre as roupas, é
96
realmente o que as pessoas preferem usar, roupas com as quais elas se sentem
seguras e iguais aos companheiros” (1996: 229). Esse tipo de procedimento
indica, entre outros aspectos, a criação no plano do discurso de um grupo
aparentemente ‘homogêneo’ de atiradores, sem alto e nem baixo status, tão
explícito na vivência do eu civil, o de de fora. O modo de se
vivenciar/compartilhar desse ethos parece ter a pretensão de contornar as
diferenças de origem e de trajetórias particularidades de cada um, como posição
de classe, cor, religiosidade, escolaridade, dentre outros.
Observando atentamente a rotina na caserna, nota-se que essa situação
não é tão ‘harmônica’ quanto se apresenta nos discursos. Em primeiro lugar,
porque o sujeito não é passivo aos fenômenos sociais como se pensava numa
tradição realista, afinal o sujeito não é ‘achatado’ por completo pela sociedade a
ponto de se tornar inerte diante da dinâmica social. Segundo, porque as relações
são dinâmicas, constituídas por micropoderes e possuem um caráter polimorfo e
assimétrico presente nas esferas e periferias dessas relações (FOUCAULT,
1984). Essa dinâmica parece presente no seguinte relato do Atirador M que diz:
Olha, eu não recrimino não, mas tem muita gente que recrimina aqui
dentro... Fica zuando... Igual o cara é sem estudo, sei lá, meio
ignorante, fica brincando, falando coisas que o cara não entende, muitas
vezes não sabe nem o que é, não entendem a piada, mas esses caras não
têm maldade, entendeu? Então existem as diferenças, mas são muito
poucas... Comigo, eu nunca tive problema o (19 anos, branco,
monitor, universitário, CFC).
As diferenças não se apresentam apenas nas atitudes e práticas desses
jovens entre si, mas também em outras esferas, como na própria sustentação do
símbolo do TG/Exército presente numa logística militar (agasalhos de frio,
mochilas, bolsas, carteiras).
Esses objetos, embora ostentem o brasão do Exército, não são oferecidos
gratuitamente, e sim comprados pelos próprios atiradores. Como os preços não
são relativamente baixos, e a renda da maioria não é elevada, muitos acabam por
não adquiri-los por completo. Optam com freqüência por um deles, pelo mais
barato, geralmente a carteira, um símbolo que salienta, além da identificação pelo
97
seu porte, o seu pertencimento a um lugar determinado socialmente visível e
legítimo.
Convém mencionar que, ao participar de alguma cerimônia e, ou, ato
público, o Batalhão aleatoriamente escala seus atiradores para ocupar
determinadas posições dentro dos pelotões, seja carregando fuzil, camuflando-se
ou apresentando-se para uma excursão, postando seus acessórios (mochila, cantil
e outros). Nessa última escala (excursão), os atiradores que não possuem esses
acessórios tomam emprestado dos colegas, comprometendo-se a zelar pelo objeto
emprestado. Esta troca também é constitutiva de ethos militar. Não se reduzindo
apenas ao ato do empréstimo, visto por aquele grupo como uma prática de
camaradagem, mas sim ao ato cortês que se estabelece no momento da troca, do
cuidado com o que lhe foi emprestado.
Na maioria das vezes, portar esses acessórios não é apenas um aspecto
constituidor de um ethos militar, mas também um diferencial social no meio de
pessoas tidas como ‘iguais’, revelando as diferenças ‘abafadas’, tanto no aspecto
referente ao capital escolar/cultural, quanto do capital econômico, uma vez que a
maioria não dispõe de recursos financeiros para adquirir esses produtos. A
presença dos carros e das motos que compõem esse cenário, em número bem
menor que as bicicletas, a existência dos telefones móveis, símbolo de
modernidade e status para quem os porta, são outros indicadores que concorrem
ainda mais para a legitimação dessa desigualdade. Embora os atiradores
evidenciem que a farda e o fato de estarem submetidos a uma mesma ordem
tendem a eliminar as diferenças existentes, na realidade, e em situações diversas,
isso não se concretiza.
Os uniformes/fardas trazem em si uma conotação simbólica que
identifica sua singularidade, que o classifica hierarquicamente nas disposições
sociais e o legitima. A busca pela uniformização e pela ‘boa aparência’ no TG
vai ser alvo de constantes vigílias e inspeções por parte dos sargentos, o que
parece justificar a frase então posta no espelho da sala de instrução: “Do correto
uso dos uniformes dependerá o conceito disciplinar de uma unidade, em público,
o bom nome do Exército”. O interessante aqui é o fato de a farda militar ser algo
98
passível de múltiplos significados, não só ela, mas o ambiente estudado, onde é a
situação de interação desses sujeitos com seus pares e com a sociedade, que vai
fazer o diferencial. Assim, a farda pode mandar, ‘igualar’ e ‘uniformizar’ num
determinado ambiente, e em outro ela pode atuar como distinção, privilégio e
status.
Do ponto de vista do atirador, o uso da farda contribui para proporcionar
um outro sentido à vida dos sujeitos, além de representar o Exército. O TG
possibilita um espaço de visibilidade e empoderamento desses jovens, uma
possibilidade de ganhar status social, ainda que temporário. Uma posição que
lhes confere reconhecimento e ‘respeito’ por onde se apresentam, momentos que,
na maioria das vezes, não seriam vivenciados em situação da vida civil, por uma
série de razões, entre elas o seu posicionamento de classe. De certa forma, estar
fardado parece ser um dos meios viáveis para tal:
Estando de farda é diferente, o pessoal cumprimenta a gente, eles
pedem informações, se estiver precisando, eles vão e pedem ajuda
assim para qualquer coisa, eles próprios vêem com outros olhos quem
faz TG. Acho que traz o nome do Exército, que vem, não é de agora,
tem o respeito maior, ados civis com os militares, então não por
que desrespeitar mais, quando você está civil parece que fica tudo igual
(Atirador M, branco, 19 anos, monitor, universitário).
Eu acho legal, diferente né... Porque na rua a gente tem mais respeito...
Mais assim, as pessoas vêem a gente com mais respeito, com mais
responsabilidade, assim, sei lá... Então você fica mais visto (Atirador Q,
19 anos, negro).
Diante das pessoas lá fora quando você sai fardado e tal, às vezes as
pessoas te olham, como esse olhar do que é o militar, a pessoa ti
ver assim com o olhar mais de respeito, às vezes você que você é
mais respeitado, que a pessoa te olha e já tive assim com a moral assim
mais de respeito, uma coisa assim, não que seja melhor do que ninguém
não (Atirador N, CFC, negro, 19 anos).
Provavelmente a busca por uma visibilidade, e de certo modo aceitação
social, passa por uma dimensão para além da satisfação pessoal do ego, mas
reflete a própria condição da vivência dos sujeitos que, em sua maioria, não
desfrutam de um ‘privilégio’ diante de um capital simbólico e financeiro.
Convém ressaltar um aspecto muito peculiar à vivência social na cidade de
Viçosa, que é a presença significativa da Universidade Federal de Viçosa (UFV),
99
intermediando e estabelecendo novos significados à vida dos sujeitos em suas
redes de sociabilidade dentro e fora da instituição, promovendo e reproduzindo
desigualdades
57
e contradições sociais.
Refletindo sobre possíveis vicissitudes dessa ‘ordem moral local’, vestir
o uniforme/farda não se traduz apenas como uma tomada de consciência pelo
sujeito diante de sua masculinidade, um estado viril, de potência, isto é,
tornando-o ‘mais homem’; um discurso já um tanto naturalizado. Mas se
caracteriza como uma busca por visibilidade e respeitabilidade, negadas
socialmente, marcadores estruturantes dessa vivência particular do jovem. Uma
oportunidade que lhe confira uma identidade social (atirador do TG), integrando-
o a uma nova ordem social e moral, onde fotos em jornais, revistas da própria
instituição, entrevistas, participação de cerimônias e eventos municipais e
estaduais passam a fazer parte do seu cotidiano.
Entretanto, apesar do sacrifício mencionado e da disciplina que são
submetidos, os atiradores ressignificam a realidade ao desfrutar da sensação de
ser reconhecido e ‘respeitado’ por onde passam:
Representar o TG é bom né, cara? Você se sente, tipo assim, alguém
importante mesmo, como em Muriaé, nas Olimpíadas, você se sente
um atleta, você é um atleta do TG. Você não precisa roubar para sair no
jornal não, né cara? (Atirador C, 19 anos, pardo, evangélico, membro da
fanfarra).
Dessa forma, tornam-se múltiplos os significados que permeiam a
vivência do jovem atirador, aspectos que ultrapassam o simples porte da
roupa/uniforme/farda. Afinal, o que vai determinar esses significados é o lugar
que eles ocupam e como vêem o mundo. Certamente, apesar dessa diversidade de
significados, a roupa é predominantemente uma forma de classificação dos
57
Essa desigualdade se apresenta sobre diversos fatores. Um deles revela-se nas escolhas dos bares, das
festas que são promovidas cotidianamente pelos estudantes universitários, na escolha do espaço
geográfico para formarem as ‘repúblicas’, até a própria demarcação do campus universitário com suas
quatro pilastras assim nomeadas: ESTUDAR, SABER, AGIR E VENCER. Penso que o fato de ser
atirador universitário ‘nativo’ seja também uma distinção importante no ambiente do Tiro-de-Guerra, mas
num contexto mais amplo, na interação com seus ‘iguais’ na universidade. Esse aspecto parece ter uma
ressonância mais significativa de que seu status de estudante universitário. Estudar o lugar das
instituições, entre elas a UFV, e sua ressonância na vivência dos sujeitos que compartilham desse espaço,
torna-se fundamental para buscar compreender e entender a dinâmica social, suas características e
contradições no modo de o sujeito pertencer e estar no mundo.
100
sujeitos, um modo de enquadrá-los nas instâncias sociais, seja em relação à sua
posição social, religiosa, de classe, ou até mesmo de origem, com atribuição de
seus prestígios.
Enfim, hoje, com o mercado cada vez mais globalizado, os códigos se
tornam mais valorizados e desejados, onde marcas e logotipos consagrados’
são sustentados e disputados por um público consumidor cada vez mais jovem,
numa busca que oscila entre a demarcação da diferença econômica e a busca por
aceitação social. Diante disso, a supervalorização de um uniforme que indica um
vínculo de pertencimento a um grupo, aqui representado pela instância militar,
proporcionando ‘acolhimento’ em contraposição às roupas civis, faz a diferença
na vida de muitos sujeitos. Afinal, a vivência em um ‘estado militar’, marcada
por tradições, disciplinas, hierarquias e outros imperativos, contribui para este
processo de socialização. Portanto, sobre eles serão discutidos a seguir.
3.6 A ‘CONSTRUÇÃO’ DO JOVEM MILITAR: Um processo de
aprendizagem e socialização
Em geral, o espaço militar representa uma instituição total que modela
seus sujeitos, desejos e pensamentos e instrui um modo particular de ser homem,
de se viver a masculinidade. Segundo Mendes (2004), no Exército é possível
encontrar diversas vivências masculinas, tendo em vista que esta instituição
elabora e constrói ltiplos modelos de masculinidades que se relacionam e se
identificam hierarquicamente, principalmente a partir das patentes, dos postos e
das graduações, sob os quais sujeitos o reconhecidos pelas insígnias e pelos
uniformes. Desse modo, sempre uma masculinidade hegemônica sustentada e,
muitas vezes, ancorada por outras masculinidades em torno dela, proporcionando
para além de uma visibilidade a vivência do sujeito, confere-lhe também uma
identidade no grupo especificado.
101
A partir de dados construídos, o quadro normativo do TG reforça
parâmetros tradicionais de masculinidade, ligados diretamente à figura
hegemônica de homem. Na tentativa de compreender tal processo, problematiza-
se em que medida um modelo de masculinidade vigente recorre a artefatos e
ritualizações de práticas de sociabilidade que promovem um padrão hegemônico
de ser homem. Em particular, discutindo o reflexo desses procedimentos na vida
de seus membros, em suas redes de interação cotidiana, no cumprimento de suas
‘obrigações militares’ e no seu universo de expectativas dentro e fora da
instituição.
Durante o processo de interação entre os sujeitos observados, foi
possível identificar em suas conversas três assuntos que se apresentaram como
significativos e corriqueiros para aquele grupo: álcool, mulher e sexo,
diretamente remetidos aos ambientes externos contrastivos ao TG, os ‘afamados’
bares, ‘zonas’ e bailes, tão freqüentemente evocados nos discursos dos jovens.
Dimensões fortemente referenciadas no padrão masculino heterossexual
explicitando uma educação naturalizada de ‘homens’. Independentemente do
plano discursivo, a freqüência e a eloqüência dessa colocação revelam uma
naturalização problemática em torno de práticas e representações sexuais,
potencialmente vividas de forma ‘insegura’ e ‘desprotegida’.
Os discursos e enunciados enfocam e exaltam significados de âmbito
heterossexual (‘discursos de macho’), porém isso não invalida a manifestação de
práticas homoeróticas entre eles. Mesmo que de uma forma‘não-consciente’,
podemos apreendê-las nos momentos do TFM e na realização dos jogos
esportivos: futebol, voleibol, cabo-de-guerra e outros. Nessas situações, percebe-
se uma aproximação corporal, de toques e abraços, não comum na rotina diária
militar.
A questão da conquista do sexo oposto, do controle ou ‘descontrole’
sobre o álcool e a prática sexual se traduz como um elo, possibilitando uma
interação entre os diversos atores sociais dentro e fora do TG. Pode-se traduzir
tal comportamento como uma tentativa de fugir à norma e à disciplina imposta
diariamente. Conseqüentemente, ela está diretamente ligada à construção de uma
102
possível identidade de ser homem ali dentro; uma imagem associada ao fato de
possuir, tomar, penetrar, determinar e se afirmar, se necessário pela força”
(BADINTER, 1993).
Nesse campo relacional, os sargentos e os próprios atiradores, ao
submeter seus ‘iguais’ e a si a uma situação ‘incômoda’, ‘de ridicularização’ é a
figura passiva da bicha, do viado, do gay e do boiola. Essas imagens acionadas
revelam uma forma caricata de representação de um sujeito passivo, alvo de
chacotas no convívio social (PARKER, 1991). Esses são momentos no qual as
figuras masculinas ‘desviantes’ se apresentam como contraponto na
constituição/reificação do padrão masculino hegemônico, um traço
caracteristicamente presente numa concepção de masculinidade hegemônica.
Neste espaço investigado, o verdadeiro homem é eleito devido à sua condição de
sujeito ativo diante das demais e as circunstâncias que lhe o impostas.
Conforme argumenta Bourdieu (1998), “a ordem masculina está, portanto,
inscrita tanto nas instituições quanto nos agentes, tanto nas posições quanto nas
disposições, nas coisas (e palavras), por um lado, e nos corpos, por outro lado”.
Nota-se que este espaço militar é tão marcadamente masculino, que a presença
feminina, mesmo numa estrutura relacional, é descartada, prevalecendo um
modelo ‘homossexual’, e não feminino, numa ação relacional de ‘homens’.
De certa forma, nas representações dessa vivência de homens e seu
processo de interação, é possível perceber possíveis ‘riscos’ e ‘perigos’ à
constituição de uma identidade masculina modelar. Por ser um espaço de
doutrina, controle e ‘vigília’, problematizar explicitamente questões em torno da
sexualidade, especificamente práticas sexuais, tornou-se complicado em vários
níveis: desde o próprio campo institucional, a interação entre pesquisador-
pesquisado e o estatuto das análises propostas. Neste espaço o silenciamento em
torno de questões relativas à sexualidade indica uma presença masculina
ameaçada, que precisa ser ‘protegida’ e ‘resguardada’ de possíveis riscos. Por
isso, numa investigação futura, talvez se torne mais pertinente investigar a
sexualidade em espaços dessa ordem, e não menos em outros, num plano apenas
representacional, e não no âmbito dos comportamentos e das práticas.
103
Compreender o TG como um lugar da ordem e da hierarquia na
construção de novos homens ou como um rito de masculinidade que educa e
delimita práticas e comportamentos do jovem em sua vida cotidiana é
inquestionável. Porém, é importante ressaltar que o sujeito é um agente ativo que
se configura e, ao mesmo tempo, reconfigura seu modo de ser e de ‘pertencer’ ao
mundo, evidenciando uma perspectiva dinâmica e processual de dada realidade
social; uma estrutura que busca a normatização da vida, dos afetos e dos prazeres
de seus membros. Nesse contexto, apresenta-se também a
normatização/adestramento dos corpos e seus desempenhos, aspectos abordados
a seguir.
3.7 O TFM - TREINAMENTO FÍSICO MILITAR: Adestramento e Escape
No cuidado com o corpo masculino está implícito o cuidado com a
masculinidade. Embora o corpo o seja a única premissa para essa construção,
ele é, sem dúvida, um fator importante na constituição dessa ‘identidade’.
Segundo Connel, os corpos dos homens, embora não sejam determinantes de
modelos de masculinidade, são efetivamente de grande importância na
constituição desse processo (Robert Connel, Apud. em MENDES, 2004:117).
Portanto, torna-se inevitável problematizar a relação e a proximidade que se
estabelece entre o ‘cuidado’ com o corpo e as Forças Armadas, à luz do debate
sobre masculinidade.
A junção entre a educação física e o Exército tem uma história, e uma
história que importa. Pois, é através da ‘domesticação’ do corpo masculino e de
sua possível docilidade’ que se produziu a criação, sobretudo no século XIX, de
um novo modelo de Estado-Nação, higienizado, ‘sadio’ e ‘forte’. Esse processo
vai ser intensificado a partir de medidas oriundas dos ideais de nacionalização e
de higienização ocorridos nessa mesma época. A exacerbação desses
procedimentos vai produzir muitos excessos, como o audacioso processo de
eugenia, propagado por regimes políticos autoritários, como o Nazismo e o
104
Facismo. O corpo e suas formas físicas são postos em evidência, e discursos
médicos, manuais de boa forma e ginásticas vão estar em plena ascensão. Todos
buscam ensinar o meio mais eficiente de atingir o ‘bem-estar’ do corpo
perfeito
58
.
Nesse contexto, a preocupação com o corpo estava dada a partir de um
modelo higiênico ancorado na construção e reprodução de um ideal-tipo de
nação, na qual os corpos ‘dóceis’ se caracterizam como sendo um dos indícios do
processo civilizatório que se buscava atingir, distanciando da produção simbólica
submetida ao corpo hoje. Conforme tentamos discutir no trabalho sobre a
juventude e a busca frenética por academias de musculação, a produção do
corpo, a busca pelo corpo ‘perfeito’ na atualidade, ultrapassa a simples questão
narcísica, um discurso um tanto naturalizado, mas refere-se à capacidade dos
sujeitos de construir relações. No citado artigo: “malha-se para ‘agradar’
alguém, ser acolhido e dessa forma se ‘agradar’. (...) Um corpo malhado,
inchado, sarado, manifesta uma busca por uma auto-realização, uma auto-
aceitação por parte de seus ‘donos’” (GOUVEIA et al., 2004:14).
No TG esta prática física se aproxima mais de um adestramento dos
corpos do que da constituição de um ethos militar, ou um estilo propriamente
dito. Os exercícios físicos a que os jovens são submetidos semanalmente se
caracterizam como verdadeiros testes de masculinidade, referenciados num
padrão hegemônico. Neles, virilidade, força, agilidade e mesmo obediência e
disciplina tornam-se requisitos fundamentais.
As atividades são compostas por exercícios livres, uma vez que não
existe uma sala específica de musculação para seu melhor aperfeiçoamento, os
quais compreendem séries de alongamentos, flexões, exercícios com barra e
abdominais, feitos no pátio externo da sede, geralmente comandados por um
atirador CFC. Ele ocupa um lugar específico para condução da atividade,
58
Para maior historicização dessa questão ver o texto de Maria Celeste Mira PUC-SP: ‘Da higiene à musculação:
esboço para um estudo das mudanças nas concepções e práticas corporais através da história da educação física’,
ANPOCS/2004.
105
assumindo a posição de destaque
59
; raramente essa atividade é conduzida pelos
sargentos. Têm-se ainda o cooper pelas ruas da cidade ou em uma rodovia
situada próximo ao TG, a prática do cabo-de-guerra e esportes propriamente
ditos (futebol de salão, vôlei). Essas atividades físicas têm como finalidade
contribuir para o bem-estar físico dos atiradores, de modo a fortalecer sua
resistência física nas atividades propostas diariamente na realização do Serviço
Militar.
Os jovens tentam superar seus limites, principalmente no que refere à
prática da corrida. Normalmente, após ter completado todo o percurso solicitado
e acompanhado pelo sargento, eles chegam a extrapolar tal atividade para além
do que foi proposto como meta a ser cumprida, em muitos casos sem o
acompanhamento do sargento. De volta à sede, completam a atividade com
exercícios em barras fixas, que exigem força e resistência. No esforço presente,
além da busca pela superação de si, está implícito um caráter exibicionista para
as autoridades dirigentes e os seus colegas, mostrando-se fortes, destemidos e
resistentes. Força, resistência e perseverança vão estar presentes no universo
militar, influenciando a constituição da masculinidade desses jovens atiradores
60
,
atributos diretamente vinculados a uma idéia de masculinidade socialmente
reconhecida e legitimada, portanto viril e heterossexual.
Embora essa atividade tenha o objetivo de trabalhar o corpo, ela serve
também como um momento de exposição e conquistas, principalmente a prática
do cooper pelas ruas da cidade. No primeiro momento, é a oportunidade de se
mostrar, de buscar um reconhecimento na sociedade; além disto, é também um
momento de realizar uma ‘prestação de contas’ públicas do que a instituição tem
feito com seus jovens, mostrando-os disciplinados e sadios: corpos jovens,
mentes saudáveis.
59
Existe um minipalco de mais ou menos 1,5 m para que os movimentos feitos pelo sujeito que comanda
a atividade possam ser visto por todos os demais colegas.
60
A idéia de masculinidade é assumida aqui numa esfera mais ampla, portanto, embora haja uma
produção em cima de um modelo hegemonicamente masculino dentro do TG, isso não significa a garantia
de sua realização na vivência pessoal do sujeito, argumentos que compõe as premissas das discussões
sobre configurações identitárias ligadas a marcadores de gênero e sexual.
106
No segundo momento, os jovens privilegiam a corrida como o lugar
também de conquista e flerte. Com um uniforme próprio para esta atividade
61
,
que expõe mais seu corpo, esses jovens, além de entoarem gritos de guerra, em
sua maioria carregados de estereótipos, sobretudo machistas
62
, aproveitam para
exercer a atividade ‘tipicamente masculina’ da conquista, da ‘caça’: “Eu não
gosto de fazer TFM aqui dentro não [sede], o bom é correr pela cidade, a gente
se diverte pra caramba, mexe com as pessoas, com as meninas, e elas mexem
com a gente” (Atirador Q,19 anos, negro ).
A preparação para fazer o TFM é um dos raros momentos que todos se
reúnem na sala de instruções para trocar de uniforme. Este momento permite uma
maior ‘intimidade’ entre os atiradores naquele local, promovendo certa
proximidade de seus corpos. Embora eles o se inibam de estar de cuecas entre
os demais, um forte silenciamento, não havendo comentários de conotação
sexual diante do corpo alheio, o que comprometeria esse momento, mantendo
entre si uma relativa distância física. Neste fato está embutido para além de um
cuidado com o ‘outro’, com o olhar ‘invasor’, com o desejo, uma idéia de sujeito
intermediário que transita entre dois pólos: um ser assexuado, à medida que tenta
minimizar a sua própria presença e a do outro nessas relações, ‘evitando’ uma
possível ameaça à sua masculinidade e o outro; um ser homofóbico, ao evitar
qualquer tipo de proximidade com seu ‘igual’: “Deixe eu perfumar isso aqui, tem
muito fedor de homem, dá até alergia”
63
(Atirador P, 19 anos, pardo).
A proximidade entre homens, como é o caso do TG, ao mesmo tempo
em que elucida uma socialização masculina, um clube do Bolinha’
64
, evidencia
também uma vigília dos mesmos, no seu modo de ser e agir coletivamente, uma
61
O uniforme é composto de uma camiseta branca regata com a identificação numérica do atirador, de
um short verde, acima dos joelhos, meias brancas e tênis preto. Mas, às vezes, essa atividade também é
feita com a parte inferior da farda (calça) e de coturno, sem camisa.
62
Um dos gritos de guerra diz assim: “Não convém, não convém, casar com mulher baixa, mulher baixa
não convém, pois não quero tomar sopa na cabeça de ninguém...”. O significado disto varia enormemente
dentro e fora daquele contexto.
63
Esse episódio etnográfico se quando os atiradores voltam do TFM e começam a trocar de uniforme
para pôr a farda. Então esse atirador pega seu desodorante e começa perfumar a sala. De certa forma,
manifesta também uma repulsa de tudo aquilo que possa ameaçar sua condição de homem.
64
Uma metáfora explicativa retirada do artigo ‘Em que espelho encontrei meu corpo?’
107
coesão imposta por uma gramática grupal e seu pertencimento (GOUVEIA et al.,
2004). O maior contato entre os corpos desses jovens se nas comemorações
das conquistas obtidas, durante as práticas esportivas. Nestes momentos, eles se
abraçam, se tocam, até se beijam, sem se remeter a uma conotação homoerótica.
Esse aspecto parece ser bastante relevante e significativo no universo de
homens, vários autores, como Badinter (1993), Carmem Rial (1998) e Gouveia et
al.(2004), argumentam em torno dessa mesma característica. Uma determinada
proteção a uma possível ‘intimidade’ masculina mediante o ‘perigo’ da
homocorporalidade. Neste último trabalho, conforme citado, problematizamos o
universo de homens numa academia de musculação, ambiente que evidencia uma
espécie de proteção a tal proximidade dos corpos masculinos, possibilitando-os
exercer determinadas atitudes, que fora daquele ambiente poderia levar a uma
associação de ‘práticas’ homoafetivas. Afinal, “(...) além de exercer um contato
físico ‘perigoso’, onde homens se tocam, se olham, se apalpam sem receios,
‘protegidos’ por um ambiente e uma situação viril, essa possível prática homo-
erótica possibilita que não sejam avaliados em suas condutas afetivo-sexuais
(GOUVEIA et al., 2004: 8).
Para além do jogo de movimentos corporais, as relações jocosas são um
outro fator extremamente importante que permeia a socialização desses jovens,
principalmente na interação esportiva. De certa forma, a prática esportiva diz
‘coisas’ que o campo institucional às vezes não explicita, permitindo e
elucidando outras vivências e práticas masculinas, como a apresentação de
práticas consideradas ‘mais’ ou menos ‘desviantes’. É nesse jogo simbólico que a
presença de práticas homoeróticas são acentuadas e a figura do ‘viado’, gay,
bicha é enfatizada. Esses aspectos se tornam visíveis nos discursos dos
atiradores, como a seguir:
Pera aí, João, com esse chupão nas costas você comeu ou foi comido
por traz? (risos!) (Atirador R, moreno, 20 anos).
E essa sua mão machucada, agora não vai poder bater punheta”;
doido para bater punheta, não quer bater uma para mim não?(Atirador
R). O outro colega responde: “só se for fazendo fio-terra, enfiando o
dedo no seu cu... (risos!) (Atirador E, 19 anos, branco).
108
Tá vendo aqueles caras lá? É tudo zoneiros, só anda na zona pegando as
puta de lá, assim diz eles, mas eu nunca vi, não para acreditar
65
(Atirador, E, 19 anos, branco).
Diante de situações corriqueiras envolvendo esses contatos ‘perigosos’
entre homens e suas disposições na hierarquia do gênero, do sexo, cabem aqui
alguns questionamentos: o jogo estaria atuando como uma válvula de escape, não
necessariamente consciente, para amenizar a tensão de uma sociedade
homofóbica, levando em consideração aqueles que possuem um maior número de
participantes e, portanto, maior número de homens (futebol, vôlei, basquete,
rúgbi e outros)? Seria essa uma das possíveis justificativas que faz a prática dos
esportes tornar-se um aspecto essencial e naturalizado na socialização masculina,
proporcionando sua maior adesão nesse universo, se comparado ao público
feminino? Provavelmente, a sutil visibilidade do esporte entre as mulheres seja
justificada pela perda da ‘função’ proporcionada pelo jogo, primordial na
socialização masculina, de se construir um espaço para uma vivência negada
socialmente. Pois, as mulheres não precisam desse artifício, uma vez que podem
andar abraçadas, de mãos dadas, se beijar, sem que isto esteja imediatamente
associado a práticas ‘desviantes’.
Outra questão relevante refere-se ao estatuto atual de espaços
tradicionais de aprendizado do que venha a ser ‘homem’. Nesta perspectiva, a
‘zona’, o ‘puteiro’, o ‘brega’, seja qual for a denominação desses locais de sexo
‘fácil’, se consolidaria ainda hoje como um lugar de iniciação de verdadeiros’
homens? Se levarmos em consideração os discursos dos atiradores diante de tal
questão, tudo indica que sim.
Esses mecanismos, o jogo (sendo mais audacioso os esportes) e a zona’,
em certo plano, competem na legitimação de uma ordem sexual vigente,
favorecendo a manutenção de um status quo que enquadre seus homens em
funções e demarcações socialmente aceitas e esperadas. Para as mulheres ocorre-
se justamente o contrário; por haver um rompimento diante de suas expectativas,
a prática do esporte a conduziria a uma possível masculinização do corpo, dos
65
Esses comentários foram feitos no momento que eles jogavam vôlei, num ritmo dinâmico de diálogos,
o que dificultou a captação com maior precisão da conversa.
109
seus ‘modos’ de mulher, mas necessária para ser enquadrada pela norma vigente
nesse processo. No caso da zona, é algo totalmente interditado. Não se encontra
socialmente um homem ‘puto’, mas sim o ‘comedor’, sujeito que demonstra
capacidade de conquista, potência e virilidade, símbolos de um ‘homem de
verdade’.
Na tentativa de controle do comportamento, o TG recorre às punições
com: ameaças de perdas de pontos, suspensão dos atiradores, desligamento da
instituição, realização de tarefas domésticas na sede da instituição. Busca-se zelar
pela ‘integridade’ de um espaço tido como um fabricador de homens para a
sociedade, caracterizando como uma ‘razão de ser’ dentro de uma ordem maior
na formação do jovem militar.
Enfim, é nesse espaço da domesticação e de disciplina do corpo e da
mente que a ‘desordeme as ‘transgressões’ também se apresentam, se misturam
e, conseqüentemente, se instauram, embora a vigília da conduta seja uma
constante.
3.8 ENTRE O CIVIL E O MILITAR
A figura do homem presente nos discursos dos atiradores do Tiro-de-
Guerra é fundamentada na dicotomia dos espaços civil e militar. A figura do
homem civil é fortemente associada a uma vida de esbórnia, festas, bebidas e
mulheres, o ‘pode tudo’. Neste sentido, manifesta-se uma vivência masculina
sem limites, responsabilidades e obrigações, exceto consigo mesmo e com a
busca de seus prazeres, existentes sobretudo na noite, própria de uma condição
de ser jovem.
Segundo o atirador:
O civil, ele tem obrigação com ele mesmo, tem a liberdade para fazer
outros certos tipos de coisas. Às vezes, colocar qualquer tipo de roupa,
usar brinco, vamos supor muitos usam, certos tipos de coisas, tem mais
liberdade... como alguns civis fazem, ir numa festa que quiser, fazer
bagunça, beber, essas coisas assim, essas coisas de embriaguez, pegar
110
as meninas, tipo de coisa que o civil faz e tal (Atirador M, 19 anos,
branco, CFC, universitário – grifos meu).
O homem civil e o homem militar, não que sejam diferentes, mas que
podem ser diferentes. O civil pode seguir por um lado que quiser, ele
tem livre espontânea vontade de fazer o que bem entende e às vezes o
militar não tem, então militar tem um certo padrão, tem um certo tipo
de disciplina a seguir (Atirador B, 19 anos, branco- grifos meu).
A vivência desses aspirantes homens, pelo menos em nível de discurso,
está referendada por moldes tradicionais de masculinidade, conforme
evidenciado nas discussões anteriores. Esse é um aspecto que se apresenta de
modo inquietante, ao pensarmos que muitos desses atributos/modelos acionados
por eles foram ou estão sendo questionados e postos em xeque pelos próprios
homens e por parte da sociedade civil organizada, reivindicando a diversidade
social como um todo (seja ela de ordem social, sexual, étnica ou religiosa).
No confronto com essa realidade, tem-se a impressão que não houve
avanços significativos nas conquistas dos direitos sexuais e, conseqüentemente,
da socialização de homens e de mulheres. Assim, o que se torna evidente é que
essas conquistas não foram assimiladas em âmbito nacional, mas por uma parte
dela, principalmente os segmentos tidos como os mais ‘intelectualizados’ e
‘modernos’. Neste sentido, o recorte de classe, o caráter geográfico (cidade do
interior) e uma cultura regionalizada e concebida como tradicional/religiosa,
como é o caso da ‘cultura mineira’, são variáveis importantes e que precisam ser
levadas em consideração no entendimento de tal vivência.
Quando se trata do homem militar, essa questão se acentua ainda mais.
Seus atributos correspondem a adjetivos correlatos e afins, como: sérios,
responsáveis, competentes, durões, destemidos e fortes. Portanto, a força e a
postura corporal tornam-se elementos importantes na delimitação desse homem
militar. Uma vivência que exige um sacrifício diário para o cumprimento de seu
papel. Na narrativa dos atiradores, identifica-se uma perda anunciada de seus
‘privilégios’ de civil, associada à idéia de não ‘poder fazer tudo’ e apontada
como um dos principais fatores para que não visualizassem para si a construção
de uma carreira militar. A questão da conquista do ‘outro’, do sexo, torna-se
111
prioritária quando associada a um atributo pertencente tradicionalmente ao
universo masculino.
A submissão masculina a uma ordem institucionalizada torna-se algo
complexo, pois sujeitar-se a alguém, a uma hierarquia pode traduzir-se como um
indício de enfraquecimento de masculinidade, uma perda de poder e supremacia.
De forma simplificada: como lidar com a exigência e necessidade de ter homens
na corporação, uma vez que ao serem submetidos a uma hierarquia ela os estaria
enfraquecendo como homens, caçadores, guerreiros?
Em virtude desse paradoxo, é que a instituição casamento ocupa uma
relativa importância nesse universo militar, traduzindo-se como sendo o
coroamento diante de uma carreira bem-sucedida e a garantia de
virilidade/masculinidade de seus homens, ‘protegendo-os’ de possíveis condutas
desviantes e legitimando tal padrão de sujeito. No caso do homem civil, o
casamento serviria para finalizar sua vida do ‘poder tudo’ e passar às
responsabilidades. Nesse cenário, casar-se, constituir família e deixar
descendência são aspectos referendados, presentes na vivência desses jovens
atiradores, apresentando-se como o único momento que uma
similaridade/aproximação entre o homem militar e o civil.
A centralidade da família como eixo moral perpassa a vivência desses
sujeitos, assinalando suas possibilidades e limites na sua condição de ser homem:
O homem militar tem obrigação com o Exército e algumas coisas da
vida dele e ele tem que fazer... Tem que casar. Eu quero casar, quero
ter o meu filho, quero construir minha família; faz parte da vida de um
homem (Atirador M, 19 anos, branco, monitor, CFC).
Eu quero casar, é bom... Ter filhos também. Construir uma família,
acho que é desejo de fazer isso de todo homem, sei lá... Muitas pessoas
não querem, mas eu, por exemplo, quero, sei deixar alguém para
cuidar de minhas terras das minhas coisas (Atirador C, 19 anos, pardo,
evangélico).
No momento eu não pretendo casar, ter filhos não, mais é bom, ter tudo
isso. Mas quero curtir minha vida primeiro, pretendo daqui uns dez
anos construir minha família (Atirador Q, 19 anos, negro, membro da
fanfarra).
112
A presença do casamento e da descendência como aspectos constitutivos
da vivência masculina não é nenhuma novidade; a literatura que versa sobre essa
temática evidenciou isso. O contexto particular do TG traz como novidade a
preferência pelo sexo da criança. Surpreendentemente, uma preferência não mais
centrada na figura do menino, do macho; as meninas ganham importância e
visibilidade. Porém, o que se almeja como ideal é ter um casal de filhos, uma
típica idealização do modelo de família nuclear.
É instigante pensar o ‘peso’ dessa representação na vida dos sujeitos e na
sua cristalização social. Apesar de a maioria dos entrevistados ser proveniente de
famílias extensas, ou de outros arranjos não-convencionais, é este modelo que é
referência ao se pensar em família e tê-la como projeto de vida e realização
social.
Ao se reportarem à construção de uma representação de homem
independentemente de sua condição de militar ou civil, a esfera moral é que é
acionada, evidenciada pelo seu caráter, suas virtudes e suas atitudes.
Ele é uma pessoa responsável, sabe o que faz, tem consciência do
amanhã. Ele sabe que pode fazer hoje e o que não pode fazer hoje, o
que é essencial para ele hoje pode não ser essencial para ela manhã, o
amanhã que eu falo, pode ser daqui uns anos. Tem muito homem, que
diz que é homem, mas não é homem cara. A pessoa que não é sincera
consigo mesmo, uma Maria-vai-com–as-outras, isso não é homem, não
tem atitudes próprias, não tem sua opinião própria. Saber conviver com
todo mundo, casar, ter filhos, construir uma família (Atirador C, 19
anos, evangélico, membro da Fanfarra – grifos meu).
O cara tem quer ter atitudes, ser honesto, cumprir com suas
obrigações... Essas coisas, e, claro, gostar de mulher (risos!) (Atirador
M, branco, monitor, 19 anos, universitário).
A racionalidade das atitudes e o controle do seu comportamento e de
seus impulsos apresentam-se como um alvo que compete na configuração de um
arquétipo de homem, no imaginário desses jovens. Neste sentido, a questão da
orientação sexual e o desejo pelo sexo oposto mostraram-se como irrelevantes e
pouco mencionado entre os fatores característicos para tal representação. A cerca
disso, identificam-se duas hipóteses prováveis: a primeira delas seria uma
sobreposição dos valores morais e das virtudes sobre a questão sexual, tornando-
113
a ‘irrelevante’ na socialização de homens. Vale lembrar que somos herdeiros de
uma tradição moral cristã, conservadora e tradicional, em que a culpa tem sua
centralidade diante das ações dos sujeitos, do sexo, das orientações sexuais,
dentre outros.
Em segundo lugar, a não-recorrência explicita uma situação
essencializada que não precisa ser reforçada na condição masculina, ou seja, o
sujeito nasceria submetido a uma equação: homem + mulher = filhos, não
havendo possibilidade para contestação. Neste sentido, qualquer atitude tida
como ‘desvianteao padrão hegemônico borraria’ o conjunto de virtudes que o
caracteriza e o propaga.
Enfim, pelo visto, o século XXI carrega consigo alguns dos
pressupostos, das marcas e dos procedimentos que configuravam anteriormente a
vivência de homens e mulheres e sua forma de estar no mundo em face da
realidade apresentada, percebe-se que alguns desses indicadores ainda se mantêm
cristalizados e passíveis de problematização, possibilitando a construção de
novas diretrizes diante da vivência e das expectativas de homens e mulheres.
Após a elucidação de toda uma trajetória imposta ao jovem numa vivência
militar, é chegado o momento do capítulo final desta dissertação, no qual
apresento os atiradores em quatro atos distintos e importantes no ambiente
institucional, num compartilhar subjetivo na caserna.
114
CAPÍTULO 4
4. O JOVEM MILITAR EM QUATRO ATOS
4.1 O TABU DA AMIZADE: Uma masculinidade protegida
Uma sociedade que tem como princípios fundantes a estruturação e a
consolidação de seus modelos hierárquicos e normativos de organização tende a
proteger tudo aquilo que, por ventura, possa abalar os pilares que a sustenta.
Nestes processos, produzem-se mecanismos mais ou menos sutis e coercitivos
que atendam às suas expectativas de normatização.
Ao longo do tempo, inúmeros exemplos podem ser presenciados e,
particularmente, encontrados na literatura. No plano das instituições destacam-se
a família, as relações de parentesco, o casamento, as normas e os interditos
sexuais e outros, como esferas que reforçam dada ordem social. Assim, manuais
e normas de conduta foram e continuam sendo prescritos, demarcando o mundo
masculino e o feminino e as formas como os sujeitos devem se posicionar frente
a eles. Neste sentido, discussões contemporâneas m contribuído em muito na
revisão de categorias e campo institucionais, visto como dinâmicos, plurais e
contextuais, promovendo uma nova ordem e um novo modo de conceber o
masculino e o feminino e a elucidação de um novo paradigma.
No TG a preocupação com a norma e o controle das pulsões está
presente de muitas formas. Os distanciamentos dos corpos e os modos
‘hierárquicos’ de se comportar ali dentro evidenciam tal premissa. Negar as
emoções em favor de uma ‘razão’ é pertinente à experiência do jovem atirador,
115
conforme indica o Breviário de Conduta, adotado pela instituição, que diz:
“colocar a razão acima dos instintos. Se o homem é um animal racional, será
tanto mais homem, quando mais for razão, e menos instinto” (grifos meu).
Para além da construção de uma imagem de homem viril, esforçado e
resignado, na interação dos jovens aparece presente um apelo à prática da
camaradagem/amizade. Segundo o Decálogo do Soldado: “O verdadeiro
soldado: pratica a camaradagem, característica da vida na caserna”. Neste
sentido, a amizade transforma-se num elo que possibilita a esses jovens enfrentar
os momentos de dificuldades e desânimos freqüentes no decorrer do Serviço
Militar; um sentimento evocado diariamente por eles, como a mais valorosa de
todas as conquistas obtidas ali:
No início eu estava vindo meio que obrigado... Depois eu passei a
gostar, comecei a fazer amizade com o pessoal, aí passei a gostar
(Atirador B, 19 anos, branco, CFC).
Olha, o que eu acho de melhor aqui, foi as amizades que eu acho que
vou levar para a vida toda... Aprendi muita coisa assim, não me
arrependo de ter feito, apesar de não ter sido voluntário (Atirador L,
branco, 18 anos).
A amizade marca muito, todo mundo me conhece. Você conhece
pessoas que você nunca viu assim, você passa a ter amizade, a gente
aprende muita coisa também (Atirador K, branco, 18 anos).
Esse sentimento de camaradagem configura-se como um mote de
socialização masculina nesse espaço. Mais ainda, evidencia uma necessidade
elementar de construção de redes de pertencimento e laços sociais, uma vez que a
trama dessas relações e sua intensidade estruturam-se de diversas formas. Dada a
proximidade do lugar e das relações intensas vividas, os sujeitos constroem
estratégias de aproximação, de entrosamento e de ‘contato’, interagindo em
busca de sociabilidade e acolhimento, entre os outros; num encontro entre
estranhos, mas entre ‘possíveis iguais’. Um campo relacional que exige enxergar,
identificar, compreender e interpretar os outros, e a nós mesmos, numa situação
cotidiana de convivência e, mesmo, de conflitos (GOUVEIA et al., 2004).
Essa extrema valorização da amizade concorre para uma possível
harmonização dos conflitos, estabelecendo um clima de companheirismo e
116
confiança entre os jovens na caserna. Mas, ao questionar o grau de amizade e
camaradagem compartilhado pelos jovens, este não se traduz numa consolidação
imediata de confianças mútuas, capazes de proporcionar tal harmonia
66
. Os
conflitos continuam acontecendo, os estranhamentos recorrentes e as punições
são inevitáveis. Afinal, o conflito se caracteriza como uma estratégia de
identificação e de recusa, mas também de aproximação mútua.
É fato que o TG, a partir da amizade/camaradagem vivenciada,
possibilita ao sujeito tecer redes de sociabilidade tanto interna quanto
externamente. Entretanto, ainda que de maneira não-consciente, a manifestação
desses sentimentos no universo militar formaliza-se como um protocolo
institucional, sinalizado por um ethos peculiar compartilhado naquele espaço,
promovendo um protótipo de amizade em que se busca normatizar as condutas e
as vontades desses sujeitos confinados. Um ambiente que os proteja’ e os
‘distancie’ de qualquer risco de conduta, principalmente se tratando de questões
ligadas às vivências afetivo-sexuais.
Richard Miskolci (2004), em seu artigo denominado A Vida como Obra
de Arte, retoma algumas reflexões de Foucault, argumentando sobre uma relação
‘íntima’ entre a amizade e a sexualidade. Uma relação que tem uma razão de ser
e que fundamenta um ideal a ser perseguido e protegido socialmente.
O autor argumenta que:
Segundo Foucault, a questão da amizade é inextricavelmente ligada à
homossexualidade, pois esta última emergiu como problema no século
XIX porque a amizade havia desaparecido e surgira a espinhosa
questão: o que dois homens fazem quando estão juntos? (cf.
Foucault: 2004, p. 272-273). O temor era que praticassem sexo, algo
que provavelmente ocorria anteriormente, mas que não era
problematizado desde que os homens cumprissem a obrigação social de
casar e procriar (2004:15 - grifos meu).
Para Miskolci, o ‘desaparecimento’ da amizade coincide com a
emergência da homossexualidade, época em que também se o surgimento do
esporte. “Assim, a questão sobre o que os homens fazem quando estão juntos não
66
Ao compartilhar seus problemas, principalmente de foro mais íntimo, como anseios e sonhos, estes são
divididos com seus amigos de maior convívio, geralmente aqueles consolidados na infância e, o que na
sua maioria, não se faz presente no TG.
117
demorou a receber a resposta: praticam esporte, jogam futebol. É o fim da
liberdade e da invenção, a normalização das relações masculinas e até mesmo
de seus corpos” (MISKOLCI, 2004:16).
Nesse sentido, a ‘amizade’ e a intimidade entre homens têm sido evitadas
e, em seu lugar, surgiram as atividades coletivas controladas, cujas condutas vão
explicitar uma série de ‘riscos’ e ‘perigos’ resultantes dessa aproximação. Este
aspecto lança algumas luzes sobre a questão da prática do TFM no TG,
anteriormente problematizada. Provavelmente, a referida prática não funcione
apenas como uma válvula de escape no que tange ao cumprimento do script
masculino. Trata-se de um adestramento de corpos e, conseqüentemente, de
desejos e de mentes. Em vista disso, Miskolci enfatiza que a sociedade
normalizada extinguira a amizade, a invenção individual reduzira as relações
afetivas a formas institucionalizadas como o casamento”(2004:16)
67
.
Certamente, essas formas de se conceber os sentimentos exercem
constrangimentos à subjetividade das pessoas em suas redes de sociabilidade e
interações mútuas.
Ao refletir o espaço do TG, partindo de uma exacerbação da amizade,
nos deparamos também com a preocupação com a masculinidade desses jovens.
Neste ambiente são estimuladas no sujeito e no grupo a produção e a reprodução
de um modo determinado de se estabelecer o sentimento de amizade como um
valor vital para a sua consolidação. Um sentimento institucionalizado que se
aproxima de um valor ‘fraternal’, no qual as condutas e pulsões devem ser
controladas por esse indicativo. Viver exclusivamente entre homens exige
determinados ‘cuidados’, principalmente quanto à sua inclinação sexual, uma vez
que o espaço militar é tido como formadores de ‘verdadeiros homens’.
67
Centrada na questão da ‘institucionalização dos desejos’, podemos evidenciar outras formas de
institucionalização além do esporte, como a proliferação da casas de swing, saunas, casa de massagem e
outros espaços, que atendem a um público variado. Os freqüentadores(as), que mesmo adentrando num
mundo clandestino dos desejos, não abandonam a ‘identidade’ que os legitima socialmente (seja como
pai, mãe, filho(a), esposo(a), homem ou mulher), em grande parte devido ao anonimato cultivado neste
ambiente. Penso que, apesar de serem espaços tidos como ‘liberais’, estes funcionem como sendo
extremamente conservadores, justamente por permitir e determinar onde e quando estabelecer tais
vivências e condutas sexuais. Além do mais, há a questão de ser financiado/pago.
118
O controle desses jovens está referendado num plano interno de suas
emoções. Neste sentido a amizade, como valor, assumiria duas funções básicas: a
primeira, um princípio agregador de sujeitos e de condutas e a segunda, como um
interdito a esse compartilhamento, instaurando um determinado tipo de ‘tabu’ da
amizade, tendo o intuito de proteger a masculinidade de supostos ‘perigos’ e
‘ameaças’ contínuas, representadas pelo outro, pelo olhar alheio, pelo toque, pelo
despertar dos desejos. Aqui, mais do que uma ousadia, pensar algo que não seja
dentro de uma esfera ‘moral’ legitimada se configuraria como sendo um tabu’,
um ‘pecado’.
Os limites da intimidade entre homens configuram-se como um processo
extremamente complexo, pois os atributos impostos a eles os impossibilitam de
um compartilhamento mais próximo/íntimo, como ocorre no plano feminino.
Olhar, admirar, apalpar comporta muitos riscos à ‘consolidação’ da
masculinidade e ao modo de se tornar homem. Na realidade etnográfica
pesquisada, é possível visualizar tal episódio no exame médico
68
, uma vez que a
maioria dos jovens entrevistados relatou não lembrar direito como foi o
procedimento, apenas enunciaram alguns testes físicos que realizaram. A grande
maioria omitiu o fato de ficarem apenas de cuecas em grupo. Os poucos que
revelaram esse acontecimento referiram-se de maneira breve, aparentemente sem
atentar para aquela especificidade, um dado ‘sem’ importância. De forma
curiosa, um dos momentos de aparente intimidade e aproximação dos corpos
masculinos naquele espaço é entregue ao ‘esquecimento’, o que é muito
significativo.
O processo de socialização masculina está positivado por demarcadores
hegemônicos, ainda reféns de ‘velhos’ fantasmas; ao invés de contribuir para
uma vivência plural, estimula-se um enquadramento de subjetividades,
proliferando dificuldades e conflitos vivenciados pelos homens, em sua relação
consigo, com seus ‘iguais’ e com as mulheres. Repensar os imperativos que
indicam um modelo masculino torna-se fundamental e emergencial na
68
Procedimento que são submetidos ainda no processo de seleção para entrada na corporação.
119
reelaboração de uma nova vivência de ser homem, livres de estereótipos,
preconceitos e exclusão.
Enfim, de certo, os sentimentos foram regulados socialmente e a forma
de vivenciá-los também. Resta ao sujeito ressignificá-los conforme seus
interesses e projeções no mundo. Afinal, não existe apenas uma
institucionalização dos corpos, mas das mentes e dos sentimentos, influenciando
sua forma de ver e inserir no mundo. Contudo, o homem é mais do que um corpo
e uma mente subjulgada, é um agente constituidor de relações.
4.2 OS GRANDES HERÓIS: ‘Velhos’ conhecidos
Segundo uma vasta literatura que discute a mídia, o consumo, a
globalização e o desenvolvimento da imprensa e dos meios de comunicação de
massa tem provocado uma verdadeira avalanche nas vidas dos sujeitos,
estimulando e construindo desejos e sonhos, concorrendo para uma complexa
fabricação de necessidades e subjetividades, promovidas, sobretudo, na e pela
esfera do consumo. Neste bojo, muitos são os mitos criados, as‘celebridades’
construídas e as propagadas. Esses ocupam a cena doméstica, facilitando a
adesão de um grande público, tornando as crianças e os jovens seus maiores
alvos.
Buscou-se investigar, a partir dos dados etnográficos, algumas
referências que contribuíram ou contribuem na formação e vivência dos jovens
que compõem esta pesquisa. Pessoas e, ou, personalidades que, de alguma forma,
provocam sentimentos de admiração e espelhamento numa atitude louvável de
um verdadeiro herói/heroína, com seus encantamentos, ensinamentos e vitórias.
Enfim, personalidades que de algum modo representassem um exemplo de vida a
ser seguido por eles.
Ao contrário do que tem sido veiculado na mídia em relação ao
comportamento adolescente estereotipado (rebeldia, futilidade, desligado,
120
consumidor e outros), aqueles que compõem a turma de instrução/2004 do TG
assumem características distintas. As vidas desses jovens estão fortemente
referendadas pelo valor-família, centrado nas figuras dos pais, sobretudo nas
figuras femininas, como das mães e das avós. Segundo Sarti, em seu trabalho
com a população pobre de São Paulo: “a família não é apenas o elo afetivo mais
forte dos pobres, o núcleo da sua sobrevivência material e espiritual, o
instrumento através do qual viabilizam seu modo de vida, mas é o próprio
substrato de uma identidade social” (SARTI, 2003: 52-53). Portanto, referir-se a
ela é incidir sobre o modo como esses sujeitos vivenciam suas relações tanto no
âmbito doméstico quanto do público. Esse reconhecimento aproxima-se dos
diversos relatos, muitos deles emocionados, dos atiradores ao se referirem a seu
grupo familiar e às figuras emblemáticas que referendam de alguma forma a sua
vida, na sua maioria, de mulheres, mães solteiras ou viúvas e as avós.
Em relação à centralidade das avós, Gouveia (1997) argumenta que a
figura da avó reúne de forma paradigmática dois marcadores sociais, nero e
geração. Por um lado, ela deteria a memória do grupo familiar, um atributo
fundamental no processo de transmissão e reprodução de dado ethos de classe, e
por outro, atua como um reduto de moralidade, estruturador do mundo doméstico
e da subjetividade de seus membros. Segundo a autora, ambas as características
apresentam-se como comuns num universo relacional regido pela noção de
hierarquia.
Ao perguntar aos atiradores sobre suas referências de vida, eles
responderam:
Minha mãe. Porque, tipo assim, eu fui criado sem pai, sabe, e minha
mãe solteira assim, eu não fui registrado em nome dele, nunca me
ajudou em nada, e minha mãe, graças a Deus, tratou de mim, eu tenho
uma outra irmã também, sem depender de ninguém, ela trabalha até
hoje, eu, graças a Deus, trabalho e ajudo ela também, aí eu acho que ela
é uma referência (Atirador Q, negro, 19 anos, membro da fanfarra
grifos meu).
Minha avó... Meu serviu a 2
a
Guerra e tal, antes de acabar a guerra
ele veio embora para cá. Passou uns três meses ele morreu de acidente.
Minha avó teve 11 filhos, eu acho ela um exemplo, porque ela criou
sozinha os 11 filhos, tipo assim, ela perdeu o marido cedo, nova, né!?
121
Não procurou arrumar um outro marido, arrumar uma outra
pessoa, para ajudar a criar os filhos dela, ela sozinha dedicou a vida
dela para os filhos, os onze filhos, criou eles todinho, até casarem todo
mundo e tal, dedicou à religião, então minha avó é uma pessoa muito
pura mesmo, um exemplo de vida. Ela seria a minha heroína. (Atirador
B, 19 anos, branco, CFC – grifos meu).
Diante desses e de outros relatos, pode-se dizer que essas figuras tornam-
se ‘visíveis’ e importantes num contexto e numa situação familiar particular, cujo
foco foi por muito tempo centrado na figura do provedor familiar, do homem, do
pai. Para tornar-se uma figura feminina notória num reduto de poder masculino,
essas mulheres tiveram que superar a si mesmo, em uma época e realidade nada
favoráveis a tais conquistas. Elas extrapolaram para além das funções e
expectativas que eram esperadas, como a de mãe, esposa e avó; e cumpriram no
seu limite.
Viver e experimentar os limites da vivência de suas funções implicaram
também, e por isso o admiradas, a reclusão de sua sexualidade. São mulheres
que trouxeram para si, para suas vidas, atributos e, conseqüentemente,
representações do universo masculino, potencializando suas vivências como
mulher e mãe, mais ou menos dependentes de um sistema simbólico de
parentesco/família. Aqui, aspectos simbólicos se justapõem a outros de ordem
pragmática, transcendendo ao plano dos negócios, do sustento de sua prole. Não
se ousa falar que se trata de ‘mulheres feministas’. Ao contrário de uma denúncia
da desigualdade e do reconhecimento de uma opressão de gênero, estava
travando uma luta pela sobrevivência material e pela garantia da valorização
familiar e de seus descendentes, ou melhor, ‘dos seus’, daquilo que lhes pertence,
que lhes motivo de orgulho, alegria, naqueles em que pode e deve apostar por
uma vida melhor (GOUVEIA, 1997).
A presença dessas mulheres de ‘fibra’ e o significado atribuído a elas
também foram objetos de análise de Oliveira e Silva (1985), ao investigarem o
estilo de vida de um grupo de mulheres ligadas a prendas domésticas, numa
cidade do interior de Minas Gerais. Para além dessa questão, problematizam-se
mulheres excepcionais, fortes socialmente, personagens históricas, assumindo
uma perspectiva distanciada de suas biografias, entre eles está: Xica da Silva, D.
122
Joaquina do Pompeu , D. Beja e D. Tiburtina de Montes Claros, desconstruindo-
se o mito em torno de uma pretensa ‘doçura feminina’ e uma inabilidade para
gerenciar os negócios; estes vistos sempre como sendo pertencentes à capacidade
masculina.
De acordo com Sarti, “nos casos que as mulheres assume a
responsabilidade econômica da família, ocorrem modificações importantes no
jogo de relações de autoridade e, efetivamente a mulher pode assumir o papel
masculino de ‘chefe’ (de autoridade) e definir-se como tal” (2003:67). Trata-se
de mulheres que zelam pela integridade das famílias, mas também pelo seu
patrimônio, gerenciando propriedades e negócios. Deste modo, não estamos nos
referindo a qualquer mulher, mas aquelas que muito tempo ficaram ocultadas
atrás de seus homens e também da própria história brasileira, mulheres
potencialmente ‘viris’.
Apesar do heroísmo exacerbado por essas mulheres de fibra, devem ser
levados em consideração outros fatores extremamente relevantes e recorrentes
nessas biografias femininas: a sua dramaticidade da experiência social e o preço
que m que pagar por serem diferentes e fugirem à norma vigente. Em muitas
delas assiste-se a uma verdadeira sublimação em torno da sua vida afetiva e
sexual. Na maioria das vezes, são mulheres que abdicam de uma vivência sexual,
amorosa, afetiva e mesmo da juventude, em prol do cuidado e da atenção ao seu
grupo familiar, secundarizando a experiência conjugal. Faz parte da socialização
feminina, e é um dos seus objetivos primordiais a doação, uma educação voltada
para o outro, sedimentada pelo argumento da maternidade. Nesse cenário que se
desenha, a religião torna-se um instrumento fundamental de consolidação dessas
identidades, podendo alimentar e reforçar tal opção. Provavelmente, estruturada
numa suposta idéia de recompensa em um plano superior e divino pelos
‘sacrifícios’ que passaram na terra; sacrifícios que são transformados em virtudes
(GOUVEIA, 2004).
Em uma outra vertente, para muitos atiradores a referência é o pai. Ainda
que previsível, tem-se aqui algo muito curioso. Esses ‘pais heróis’ destacam-se
para além de uma figura de provedor, exaltada e bem vista aos olhos dos filhos,
123
sinônimo de responsabilidade e bravura (aspecto pouco representativo nesse
grupo), pois o que se apresentou mais enfático foi a presença de uma
sentimentalidade representada pelo afeto e carinho à sua prole. O ‘chefe’ para
além de garantir os recursos materiais, a proteção da família obtendo um
determinado poder e respeito, passa também a incorporar uma experiência
afetiva, por muito tempo tão caro à vivência da paternidade masculina. É
interessante pensarmos que, se por um lado a mulher precisa se masculinizar’
para assumir uma posição de destaque na família, o homem, por sua vez, faz o
caminho inverso, seguindo os ‘preceitos’ femininos para obtenção para além do
respeito, a admiração e o afeto dos seus filhos.
Ao se referir a seus heróis, os atiradores argumentam:
Meu pai. Porque meu pai é um cara batalhador, morava na roça e
vinha estudar aqui na UFV, não chegou a concluir devido à própria
dificuldade, mas sempre teve força de vontade e coragem... Venceu na
vida, quero ser assim como ele, até fazendo agronomia também. Ele
é um cara nobre (Atirador M, 19 anos, branco, universitário grifos
meu).
Ah! cara, meu pai. Porque ele é um paizão sabe? Sabe aquele tipo que
brinca com você, conversa, um amigo mesmo? Então, meu pai é assim,
a gente sai na rua, eu, ele e meu irmão, e o povo fala que ele é nosso
irmão mais velho...(risos!) Ele sempre foi assim, carinhoso com a
agente, talvez seja o fato de morar fora, essas coisas... Mas sem dúvida,
meu pai é um barato, temos uma relação prazerosa, ele nem parece
que é meu pai, coisa que não é comum de se ver né?! (Atirador Y,
moreno, 18 anos, universitário – grifos meu).
Meu pai. Eu moro com meu pai, ele é separado de minha mãe, e a gente
tem uma relação muito boa, de companheiro mesmo, se dá muito bem.
Meu pai é um amigo, me atenção e carinho. Ele é muito
preocupado comigo, às vezes enche até o saco (Atirador K, branco, 18
anos – grifos meu).
Nesse contexto, um deslocamento das figuras masculinas e femininas
de suas atribuições tradicionais, contribuindo na explicitação de novos modos de
‘experimentar’ a vivência familiar e, conseqüentemente, a maternidade e
paternidade. Problematizar possíveis mudanças e implicações dos marcos de
gênero, não na vivência de homens e mulheres, mas na sua própria condição
de ser pai e mãe, torna-se imprescindível a partir do momento que põe em
124
evidência outros modos de se viver tais experiências e de estabelecer vínculos
afetivos, contrapondo-se a um modelo instituído.
Segundo Sarti, “entre as relações familiares, é sem dúvida a relação
entre pais e filhos que estabelece o vínculo mais forte, onde as obrigações
morais atuam de forma mais significativa(SARTI, 2003:72). Tendo a família
como esse eixo moral e normativo, sentimentos como honra, moral, respeito e
outros vão ser supervalorizados e, possivelmente, potencializados no
comportamento e nas condutas desses sujeitos.
Enfim, os heróis e as heroínas que se fazem presentes na vivência dos
jovens atiradores são antigos conhecidos e estão cada vez mais revigorados.
Devido a essa proximidade, os heróis da ‘moda’, da mídia, foram aqui
subsumidos por aqueles que experimentam uma vivência mais singular refletidas
nas figuras das mães, dos pais e dos avós. A vivência desses jovens traz à cena
personagens que até então pareciam não estar mais em evidência, devido ao
intenso processo de produção de subjetividades que se vive hoje. Para eles a
família constitui um bem moral, e seus heróis são detentores desse processo.
4.3 A FORMATURA: O dever cumprido
Passado o período correspondente aos 12 meses de ‘serviço prestado à
Pátria’, chega então o dia tão esperado por todos: a formatura final. Momento em
que pela última vez os jovens vão estar obrigatoriamente juntos, uniformizados,
reproduzindo as posturas militares, para receber as honras de seus feitos de
‘homem’. Momento de deixar a breve vida militar e se incorporar novamente à
vida civil, a seus afazeres, seus planos e sonhos, enfim, ao seu cotidiano cheio de
exigências e deveres para quem ‘atingiu’ a maioridade. Neste trabalho, tal ato
representa um ritual de passagem, apoiando-se nas reflexões de Arnold Van
Gennep (1978); aqui o rito caracteriza-se não apenas uma passagem para vida
adulta, um chamado às responsabilidades, mas a construção e consolidação de
125
verdadeiros arquétipos de homens, futuros provedores e sustentadores de um
status quo, promovendo e legitimando determinado modelo hegemônico de
forma de ser homem.
A esse respeito, Maria de Fátima Lopes destaca que “as
sociedades/culturas utilizam-se de rituais para atualizar estruturas de poder,
marcar fases da vida coletiva ou individual, transformando-os em mecanismos de
análise do mundo social” (1995:275). Isso se evidencia ao pensarmos a relação
Serviço Militar e Tiro-de-Guerra e, conseqüentemente, em torno de seus
procedimentos institucionais e interacionais. Para os jovens e seus familiares a
formatura expressa, além do dever cumprido, sua capacidade de persistência e de
superação de desafios, caracterizando a emersão de um homem em lugar do
‘garoto’ que adentrou os portões do TG ao iniciar o ano.
A pontualidade é uma característica militar, e às 8 horas da manhã dá-se
início à formatura. O TG estava movimentado, fugindo à sua rotina: carros,
autoridades, pais e mães, amigos, anônimos e a imprensa fazem-se presentes na
cerimônia. Fardas intactas, limpas, engomadas, coturnos brilhando, cara limpa,
postura ereta; os soldados entram marchando com seus fuzis ao ombro, nos
respectivos pelotões. Numa mesma ordem e seqüência, posiciona-se diante do
palco
69
de cerimônia. Dada a posição de um ritual marcadamente exibicionista, o
lugar escolhido para a realização da formatura não poderia ser outro, a não ser no
centro da própria sede da instituição. Assim, a fanfarra
70
abre alas para o
Batalhão.
Na manhã de formatura, o sol ainda está fraco, os atiradores permanecem
em posição de sentido diante do palco. As famílias e os demais convidados
posicionam-se da melhor forma, para registrar os atos da cerimônia, munidos
com suas máquinas fotográficas: algumas são ainda de filmes convencionais,
outras, em menor número, são máquinas digitais.
69
Localizado ao centro do pátio um palanque permanente, coberto por ‘eternit’ e com um tablado ao
fundo, na cor branca, traz imponentemente o brasão do TG.
70
Os seus membros da fanfarra possuem detalhes diferenciados no fardamento: cadarço do coturno é
branco, usam luvas e uma espécie de cachecol. também branco, envolto do pescoço.
126
O tocar da corneta anuncia que a formatura vai começar. Os atiradores
posicionam-se em forma de sentido e o orador início à formatura. As
autoridades presentes são convidadas a subir ao palco e assim a presidir, junto
com os Sargentos, a comemoração, compondo a comissão de honra. Entre as
autoridades está o Magnífico Reitor da Universidade Federal de Viçosa, cujo
valor simbólico rentabiliza o evento e, de certa forma, indica um sinal de
pertencimento do próprio TG à Universidade, uma vez que sua área faz parte da
UFV. Além do representante do prefeito municipal (diretor chefe do TG), uma
vez que ele não de comparecer ao evento, o 1
o
Tenente Delegado do Serviço
Militar de Viçosa, o Capitão e ex-chefe de instrução do TG, o 1
o
Tenente e o 2
o
Sargento da 97
a
Companhia da Polícia Militar, bem como os indicados como
amigos do TG, um total de três pessoas. Personalidades que de alguma forma
competem a legitimação desse ritual.
O som da corneta indica, mais um procedimento a ser seguido. A tropa
fica em posição de sentido; suas mãos batem fortes sobre suas pernas,
produzindo um som visceral. A mando do 1
o
Sargento, o seu auxiliar (2
o
Sargento) posiciona-se na frente do Batalhão para apresentar a turma. Ao dar voz
de comando, os atiradores ecoam alto e uníssono o seu grito de guerra,
caracterizando o modo particular da vivência jovem naquela instituição:
Tiro-de-Guerra: ataca, massacra, impõe seu valor. Não tem medo da
guerra, ao inimigo toca horror. Somos atiradores, nosso lema é
vibração. Estamos sempre prontos, para cumprir qualquer missão.
Brasil acima de tudo!
Um grito que traz em si um exacerbado amor à Pátria, vivido ao limite,
superando o valor da própria vida e uma valorização de atributos imprescindíveis
à vivência militar, como a coragem, a força e a subordinação, elementos que
constituem e estrutura um ethos militar. Neste contexto, essas virtudes são dignas
de verdadeiros homens/guerreiros, registradas em suas fichas individuais e
exaltadas publicamente.
Ao som de marchas marciais, os atiradores porta-bandeiras conduzem
suas respectivas bandeiras na frente da tropa, do Brasil ao meio, tendo ao lado
direito a do Estado de Minas Gerais e à esquerda a do município. Os três jovens,
127
marchando a passos lentos, sincrônicos e contínuos, sendo resguardados por mais
três atiradores, que também fazem parte do ritual (a retaguarda). Trazem em seus
uniformes cintos brancos, luvas e um lenço ao pescoço, também da mesma cor,
aspectos que os diferenciam dos demais. O som da corneta mistura-se aos cantos
dos pássaros daquela manhã e ecoa mais uma voz de comando; momento em que
as bandeiras são retiradas da cintura, onde são carregadas, e são abertas
literalmente na frente do Batalhão. Nesse momento, em ordem de sentido e em
uma só voz, fazem o juramento à Bandeira Nacional:
Incorporamos ao Exército Brasileiro nos seguintes termos: prometo
cumprir rigorosamente as ordens das autoridades a que estiver
subordinado, respeitar os superiores hierárquicos, tratar com atenção os
irmãos de arma e com bondade e subordinados. E dedicar inteiramente
ao serviço da Pátria, cuja honra e a integridade e as instituições
defenderei, com o sacrifício da própria vida” (1
o
Sargento de instrução).
Para além de um sentimento de submissão, o juramento manifesta um
legado moral de defesa de uma honra e de uma moralidade diretamente
vinculado ao dever cívico e ao espírito de patriotismo. Uma idéia muito próxima
de um modelo de masculinidade, no qual o sujeito, o tempo todo, é instigado a
superar seus limites, a competir, a derrotar, a possuir, se preciso pela força. Sabe-
se que jurar é uma forma de estabelecer contratos/acordos, empregar palavra.
Teoricamente, ao empenhar a palavra o sujeito não poderá voltar atrás. De certa
forma, isto manifesta um modo de estabelecer confiança e garantia de realização
do que foi proposto. Dessa maneira, os atiradores estão se comprometendo
perante o público, dispondo a sua vida em defesa da Pátria, quando assim ela o
precisar. Uma verdadeira prova de masculinidade a ser encarada e assumida.
Assim, com seus braços erguidos em posição de juramento, realiza-se o
juramento.
Na vida civil também nos dispomos de juramentos diante de nossos
relacionamentos pessoais e afetivos, principalmente quando se trata de questões
delicadas e imprecisas. Esta é uma forma encontrada de lidarmos com o ‘outro’ e
com suas expectativas e projeções. Quando se eleva o juramento ao universo
militar, talvez a maior diferença esteja em impor ao sujeito uma situação extrema
128
de ‘empenharsua própria vida diante da causa patriótica, o que o deixa de ser
um controle sobre a subjetividade e a dinâmica da vida social.
Ao som do Hino Nacional, os atiradores, as autoridades, os pais, as mães
e os demais convidados o entoam em voz alta. Em seguida, ao toque da corneta e
da música instrumental, os atiradores, em fila indiana, vão marchando até o
portão principal, dão meia-volta e saúdam as bandeiras posicionadas na sua
frente, ‘batendo continência’. Aos poucos vão retornando à sua posição inicial,
até que todo o Batalhão esteja completo outra vez
71
.
Pautado no regulamento do Tiro-de-Guerra, o orador da cerimônia
convoca seus colegas promovidos a Graduação de Cabos da Reserva
72
para
serem condecorados com as medalhas de honra, entregues pelas autoridades
presentes ao ritual. Esse é o momento que o TG apresenta seus melhores
atiradores, como resultado do trabalho realizado durante toda instrução militar,
uma recompensa pelo dever cumprido, uma referência, um modelo de
verdadeiros homens, obedientes a uma hierarquia, presente não apenas nas
disposições de poder dentro da instituição, mas também expressa no modo de
agir consigo mesmo e com o outro.
Passado esse momento, os pais, as mães, os amigos e os padrinhos de
formatura dos atiradores são convocados para entregar aos atiradores seus
Certificados de Conclusão de Aproveitamento da Instrução Individual Básica de
Formação de Combatentes da Força Territorial. Abraços, beijos, sorrisos e
flashes se perdem e se misturam no meio da multidão. Aqueles condecorados
com as medalhas mostram para seus amigos e familiares a recompensa pelo seu
feito, por sua conquista. Portanto, não basta ganhar, conquistar, é preciso
também compartilhar publicamente a vitória com seus pares, investindo certa
autoridade.
71
Aspecto significativo a ser mencionado é a presença do filho do 1
o
Sargento, ainda uma criança,
devidamente fardada, participando dos procedimentos militares. De certa forma, exposto a uma dada
realidade particular, que futuramente pode ter alguma ressonância em suas escolhas, de modo particular
de vivência masculina e exemplo de vida.
72
Numa turma composta por 28 atiradores, pré-selecionados, os 12 primeiros são elevados a categoria de
cabo por terem sido aprovados e classificados no curso preparatório de formação para esta formação
específica.
129
Os atiradores cujas famílias e amigos não se fazem presentes ficam a
‘caçoar’ de seus colegas no meio da multidão, quiçá buscando algum abraço
anônimo, ou na esperança de que algum conhecido esteja ali. Quando não fazem
tal movimento, agrupam-se e compartilham entre si o momento da
confraternização do fim de um ciclo do Serviço Militar, ou mesmo o sentimento
de não ter com quem compartilhar. É na solidariedade nos momentos mais
difíceis que se descobrem os amigos e é nessa hora, tomados pela emoção, que
eles exacerbam um dos preceitos da vida na caserna: a camaradagem.
A corneta anuncia o prosseguimento da cerimônia, e os atiradores com
seus certificados, medalhas e boinas retornam aos seus devidos lugares no quadro
da cerimônia. Em seguida, inicia-se o procedimento de exoneração do 1
o
Sargento, devido ao término do prazo de permanência do TG, um período de três
anos. O referido Sargento, subindo num tablado quadricular de madeira, faz seu
pronunciamento em voz alta e em bom tom, diante do Batalhão, empossando o 2
o
Sargento, que passa a ser promovido a 1
o
Sargento de Instrução do Tiro-de-
Guerra de Viçosa. Feito os devidos procedimentos, o ex- 1
o
Sargento faz seu
discurso de despedida da instituição.
Seu discurso é ético, agradecendo as parcerias que o ajudaram a
administrar e consolidar a proposta do TG. Entre as palavras bem articuladas e
elegantes destacam-se:
Gostaria de me dirigir aos monitores e atiradores da Turma de 2004
para relembrar que foram 40 semanas de convivência desde o início em
1
o
de março, quando os senhores adentravam os portões do nosso Tiro-
de-Guerra, receosos, amedrontados e bisonhos, cheios de incertezas
frente ao desconhecido, naquele momento em que iniciavam uma nova
etapa em suas vidas. Durante o ano de instrução, muitas dificuldades
foram sendo superadas. Aos poucos, uns foram se adaptando aos
outros, devido às exigências da caserna. O horário rígido, a instruções
de ordem unida, o treinamento físico militar, o tiro, nada foi obstáculo
suficiente para impedir o progresso de cada um. As incertezas, o receio,
o medo e a bisonhice do início foram dando lugar a um soldado
determinado, corajoso e conhecedor das lides da caserna. Os
obstáculos foram transpostos, um a um, com muita fibra, garra e
determinação (1
o
Sargento de Instrução- grifos meu).
O discurso apresentado narra uma experiência atropelada por percalços e
dificuldades, cuja ‘vitória’ está alicerçada em sentimentos que trazem em si
130
numa conotação de poder e expressividade: fibra, garra, determinação. Palavras
que são corriqueiras na gramática social masculina. sempre uma conquista a
ser alcançada, mesmo que ela esteja atrelada à dor e à superação, seja ela moral
ou física; impressa no corpo ou na mente, o importante é a vitória obtida.
Para além dos sentimentos de superação, o discurso traz à cena um
personagem emblemático na vivência da caserna, o bisonho. Para além desse,
também há a figura do mocorongo, de mesma natureza. Essas duas figuras
assumem diferentes configurações no espaço militar. Aqui o bisonho está
representado pelo Sargento como uma imagem inferior do que seja o bom
atirador, mas na interação dos atiradores também assumem outras
representações:
Existe os mocorongos, aqueles caras que estão sempre fazendo as
coisas erradas... (risos!!). Às vezes o sargento vai ensina alguma
coisa um monte de vez, chega na hora de fazer lá, o cara faz errado,
não aprende de jeito nenhum (Atirador M, 19 anos, branco, monitor,
CFC, universitário).
Mocorongo, bisonho, é o lerdinho da turma né?! é aquele que não
cumpre as ordens. O sargento manda, o cara não faz, qual a primeira
palavra que vem à cabeça? Você é um mocorongo!!! Sacou? Então o
sargento pede, e ele não consegue fazer, você é uma mocorongo
rapaz!!! Entendeu? Ele me chamou muitas vezes. Porque, como eu
faço parte do grêmio
73
né, aqui para isso... Então no final do mês
todo mundo tem que prestar conta, como o restante dos mocorongos
não pagam, quem leva a culpa na hora do acerto de contas sou eu né!
(Atirador C, 19 anos, pardo, evangélico, membro da fanfarra).
Ser bisonho ou mocorongo é posicionar-se numa situação desconfortável
e de menor prestígio dentro do Batalhão. Ao primeiro compete uma
representação de um sujeito não dotado de habilidades, inexperiente na vida
militar. O segundo, o mocorongo, geralmente é determinado como sendo aquele
sujeito ‘caipira’, que não domina os códigos urbanos. A essas duas figuras
atribui-se um baixo status, e por essa razão os atiradores não querem ser
identificados como tal, embora isso nem sempre dependa exclusivamente de sua
vontade. Estes são exemplos do que os atiradores não devem ser, figuras que de
73
Os atiradores que participam do grêmio têm de pagar uma mensalidade de R$ 5,00. Esse dinheiro é
revestido para as atividades realizadas no próprio TG, como a formatura.
131
certa forma desempenham uma função coercitiva e normativa para o
estabelecimento e a reificação de um padrão único a ser seguido. É nesse
momento também que o TG evidencia sua doutrina e o efeito de sua doutrinação,
convertendo esses personagens em atiradores ‘nobres’ e de ‘prestígios’.
Ao término do discurso, o Sargento ecoa o grito de guerra, sendo seguido
pelos atiradores que atendem prontamente ao comando. Em seguida é lido o
curriculun do novo Sargento empossado, uma tentativa de evidenciar
publicamente sua competência, que a partir da presente data assume o posto de 1
o
Sargento; os dois batem continência e a cerimônia prossegue. Dando
continuidade ao ritual, o orador da formatura é convocado fazer a homenagem
em nome dos seus colegas atiradores. Eis as palavras do orador
74
:
No dia 1
o
de março de 2004, demos entrada nesta Instituição Militar.
Éramos 100 jovens temerosos por entrar em um ambiente
desconhecido, mas, ainda assim, dispostos e orgulhosos por estarmos
nos tornando representantes de uma Instituição que conta com a
admiração de todos. No princípio, pensávamos que o ano seria longo.
No entanto, graças ao apoio dos instrutores, familiares e amigos, o
tempo passou muito mais rápido do que pensávamos. Temos de
reconhecer, agora, que foi muito mais fácil do que pensávamos
inicialmente. A tarefa aparentemente pesada, do início, foi se
tornando cada vez mais leve e prazerosa.
Com o passar do tempo e após as várias instruções recebidas, fomos
adquirindo autocontrole, confiança e responsabilidade, dentre outros
atributos. Nesta escola de cidadania e civismo, nos deparamos com
situações jamais vividas antes. Aqui, tivemos a oportunidade de
aprender uma série de coisas importantes. Tivemos uma boa noção
sobre primeiros-socorros, combate a incêndios e Ordem Unida. Porém,
o mais importante foi termos tornados cidadãos mais bem
preparados, não somente para a vida militar, mas para a vida em
geral. Aprendemos sobre a importância do nosso país e que devemos
trabalhar juntos para torná-lo cada vez melhor, respeitando e
defendendo os direitos da população.
Com o término do ano de instrução, a turma de atiradores de 2004
encerra as suas atividades no TG, mas esse fato não representa apenas o
final de uma jornada, mas representa, também, o início de uma
história de grandes amizades, pois hoje temos a certeza de que, após
as várias experiências compartilhadas juntos, nos tornamos eternos
amigos, pois teremos, em comum, sempre a lembrança dos momentos
74
A escolha do orador da turma foi do 1
o
Sargento. Convém ressaltar que o atirador escolhido
desenvolvia atividades administrativas na sede do TG, fato que pode ter influenciado os critérios de
indicação dessa função.
132
felizes passados, momentos esses que, sabemos, jamais voltarão. A
partir de agora, podemos dizer orgulhosos, fizemos parte do TG 04-
027, fizemos parte do Exército Brasileiro e mais orgulhosos ainda
fizemos a nossa parte e finalmente, missão cumprida. Obrigado!
(Atirador F, 19 anos, branco, monitor – grifos meu).
Como visto, o atirador relembra os momentos vividos pela turma desde a
entrada na caserna, e suas expectativas e inseguranças. Ressalta o patriotismo ali
encontrado e vivido, além dos feitos e das amizades construídas. Enfim,
despediram-se de uma fase de suas vidas, que consideram importantes e
significativas, marcando a mudança de estatuto social, o início de um novo
tempo a ser vivido, novas conquistas e responsabilidades encaradas e
experimentadas. O jovem rapaz cresceu e cedeu lugar ao jovem homem, um
homem honrado e cidadão.
Os discursos do Sargento e do orador da formatura têm em comum a
imparcialidade das emoções. Embora as palavras exprimam sentimentos
emotivos, suas expressões são sérias, elucidando um possível controle de suas
emoções; afinal, nesse ambiente ‘fragilidades’ não são bem vistas.
Chegando ao fim do ritual, o orador da cerimônia agradece a participação
de todos que contribuíram para a realização de mais um ano de trabalho e
dedicação à causa militar, e dá-se como encerrada a formatura. Logo em seguida,
o 1
o
Sargento agradece mais uma vez a presença de todos e faz a distribuição do
primeiro exemplar da revista do TG. Momento que os atiradores ficam ansiosos
para se verem nas fotos estampadas nas páginas da mesma. Ao som do último
grito de guerra, o céu se encobre de boinas verdes jogadas ao alto, como fruto da
euforia dos atiradores. Estes assim o fazem na sua despedida do Serviço Militar e
correm para os braços de seus pais, parentes e amigos, recebendo os aplausos de
todos pelo dever cumprido de modo geral. Terminado esse ato formal, tem-se a
preparação do último ato - o baile – apresentado a seguir.
133
4.4. O BAILE: Uma comemoração para ‘gente grande’
A cerimônia de formatura chega a seu ápice com a realização de um
baile
75
. As mesas cobertas por toalhas brancas e azuis turquesa, repletas de taças
e pratos, estão à espera dos convidados, dando um certo glamour à festa. O baile
foi realizado na Associação de ex-alunos da UFV, fora do Tiro-de-Guerra. Sua
finalidade era celebrar tanto a transferência de um dos sargentos quanto a própria
formatura dos atiradores.
A maioria dos atiradores apresentava-se com roupas estilo ‘social-
esporte’
76
, mas alguns ainda traziam consigo, de algum modo, símbolos de
pertencimento à instituição TG
77
. A presença dos familiares não foi algo tão
enfática, quanto do primeiro momento do ritual. Nesse momento, as namoradas,
os colegas e os amigos tiveram maior participação.
O baile se traduz como um momento de trocas simbólicas, tanto de
reconhecimento e congratulações pelos esforços empenhados pelos atiradores e
pelos sargentos no desempenhar de suas atividades, quanto no compartilhar de
afetividade, num clima de despedida e confraternização proporcionada pelo
encerramento do Serviço Militar. Uma situação que representa o fechamento de
um ciclo para que um outro possa iniciar-se, tanto na vida dos próprios jovens,
quanto dos sargentos.
A partir desse ritual de saída, convém ressaltar três aspectos
extremamente relevantes: no primeiro momento, ele se apresenta como um ritual
de caráter mais ‘conservador’ (a formatura), ligado a uma imagem de preceito
moral, honra e civismo, tendo o espaço do TG como palco para sua ritualização e
delimitação do universo militar e do civil. No segundo, corresponde ao baile (um
momento de ‘desordem’, dos ‘excessos’, da ‘liberação’), assumindo um caráter
mais ‘liberal’, distanciando de uma esfera formal e institucionalizada da vida na
75
É característico no Estado de Minas Gerias a maioria das festas receber a denominação de baile.
76
Geralmente, calça de brim, jeans e camisa de botões. Uma vestimenta mais descontraída e informal.
77
Principalmente, os blusões que faziam parte do uniforme de frio.
134
caserna. Desse modo, explicita-se uma demarcação de dois espaços num mesmo
ciclo, mas com estatutos diferenciados.
O terceiro aspecto salientado é que a festa constitui-se como um feito
para gente ‘grande’. O primeiro sinal é o consumo de bebida alcoólica (cerveja),
fazendo parte pela primeira vez das comemorações daquele universo, antes
apenas refrigerantes faziam parte do cardápio, além da presença da música e da
dança. Aspectos que se traduzem como uma evidência de que os atiradores agora
são capazes de controlar seus desejos e suas atitudes, indicando também o
momento em que eles já ‘viraram homens’. Reforçando essa idéia tem-se a
presença feminina, como símbolo de suas conquistas e virilidade. Esta presença
implica uma auto-afirmação de si e de sua masculinidade e frente ao outro.
A festa teve como orador principal o 1
o
Sargento, que além da mensagem
final condecorou algumas autoridades com o certificado de Amigo do Tiro-de-
Guerra. Entre eles o pastor da Igreja Presbiteriana, que fez a celebração do culto
na igreja local, comemorando o encerramento das atividades do TG. Após essa
sessão mais solene foi passado no telão, colocado na frente das mesas no salão,
um filme contendo imagens das atividades e dos eventos desenvolvidos durante o
Serviço Militar. Momentos de grande euforia e de risos por parte dos atiradores,
ao verem seus feitos e os de seus colegas no telão; uma completa auto-
representação de si, perante ele mesmo e seus companheiros, de força,
competitividade e conquistas. Finalmente, foi feito o sorteio de brindes entre os
atiradores, pelo dever cumprido.
O ‘banquete’ foi servido, os alimentos e as bebidas degustados, restando
a dança para animar a festa. Agora, as pessoas tomam seus pares e adentram no
salão. Tudo é devidamente registrado pelas câmeras fotográficas, cujas fotos vão
contar um tempo e um momento da vida que serão apropriados e ressignificados
por esses jovens de diferentes modos, a partir de suas convicções e expectativas
diversas, mas acima de tudo trarão à memória uma história de socialização de
‘homens’.
Desse modo, o rito de passagem chega ao fim, refletindo não apenas uma
socialização de homens, mas também a garantia de uma legitimidade de normas e
135
instituições que tendem a reforçar, valorizar, reproduzir e dar estatuto a modelos,
em sua maioria hegemônicos, na construção do processo de sociabilidade de
homens e mulheres em relações consigo mesmo, com o outro, com sociedade e
vice-versa.
136
V. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em linhas gerais, esta pesquisa reflete sobre o processo de construção de
uma masculinidade sob dois prismas principais: o primeiro a partir de um padrão
definido e referendado pelo modelo militar, com suas normas e hierarquias. O
segundo, interpretando a experiência do Serviço Militar obrigatório como um
ritual de passagem para entrada na vida adulta pelos jovens (um momento de
aquisição de ‘certas’ condutas de homem). Conhecer esse processo foi
imprescindível e rentável, do ponto de vista da reflexão, por evidenciar a
complexidade de um campo ainda emergente na questão de gênero.
Conforme se procurou enfatizar ao longo deste trabalho, refletir sobre a
masculinidade(s) consiste em desnaturalizar um conjunto de processos de
socialização de homens (e, em termos comparativos e relacionais com as
mulheres). É adentrar num universo de construções simbólicas, de histórias de
vida, das relações sociais como um todo. Um fenômeno sutil e complexo não se
restringe a aspectos essencialistas. Trata-se de um processo que incorpora um
corpo de premissas importantes que fazem parte da vivência de cada sujeito. “O
masculino, enquanto verdade e modelo, vem sofrendo sucessivas relativizações,
chegando a ser um recurso de linguagem utilizado no cotidiano para sinalizar
algum tipo de jogo estabelecido entre iguais. Como categoria universalizante e
totalizadora, está sem sentido” (NOLASCO, 1995:27).
Enveredando nesta questão, sabe-se que o significado de ser homem
ultrapassa a idéia de um sujeito ‘autônomo’, senhor de si. Neste sentido sua
subjetividade e, conseqüentemente, seu modo de estar e se sentir no mundo vão
ser ‘negociados’ em suas redes de sociabilidade e grupo de referência. Portanto,
alguns aspectos tornam-se, de igual forma, relevantes para o entendimento dessa
137
experiência masculina, como posição de classe, de crença, cor e, principalmente,
de geração.
Em se tratando desde último aspecto, quanto mais o sujeito avançar na
escala etária, possivelmente mais complexa tornará sua vivência como homem. E
é nessa investigação que futuros esforços serão empenhados, buscando novas
possibilidades de análise inscritas no modo de conceber socialmente a
masculinidade, principalmente partindo de uma vivência homoafetiva. Embora
esta pesquisa não tenha contemplado plenamente todas os marcadores sociais
anteriormente apontados, investiu-se numa reflexão a partir de uma perspectiva
de gênero, devido à necessidade de estudos sobre o universo militar que
contemple tal abordagem teórica.
Em se tratando da especificidade do Exército, Norbert Elias (1997)
argumenta que esta instituição é responsável pela formação dos homens’ em
nossa sociedade. É muito provável que o TG consolida-se como um destes
espaços da ordem e da hierarquia para a construção de futuros homens/cidadãos,
um lugar de aquisição de capacidades para assegurar a entrada do jovem no
‘mundo dos homens’, ditando e delimitando práticas e comportamentos na vida
cotidiana. Junta-se a isto um aspecto curioso, particular à realidade etnográfica
investigada; o TG apresentou para os atiradores a possibilidade de se obter
visibilidade, adquirir status ainda que por um período temporário, de torná-los
‘importantes’ e ‘reconhecidos’ socialmente, um modo de ter
aceitação/acolhimento social, um lugar de pertencimento e de ‘possíveis’
equilíbrios das suas diferenças. Um espaço que lhes garantiu a aquisição de uma
‘identidade’ que os qualificam e os legitimam como homens e ‘cidadãos’, uma
imagem positiva ‘de si’ e ‘para si’ (GOUVEIA, 2003), articulando aspectos
geracionais e posição de classe.
As premissas constituidoras de uma ‘identidade’ do jovem homem
submetido a uma experiência militar estavam fortemente ancoradas em valores
como: do respeito à família, de princípios morais, de honra e de camaradagem,
aspectos estruturantes daquele universo. De certa forma, o reduto da sexualidade
continua sendo tabu, submetido a um silenciamento, manifestado tanto em nível
138
coletivo quanto individual. Mas um ‘silêncio que fala’, expresso nas
‘brincadeiras’ jocosas, nas atividades físicas, no contato ou distanciamento
mútuo que ali se estabelece. Percebe-se que muitos dos valores nativos
apresentados pelos atiradores trazem consigo uma carga moral muito forte,
provavelmente, herdada de sua socialização primária, muitos deles transmutados
e revestidos de novos significados, adquiridos no espaço militar. Mesmo que
tenham havido significativos avanços e transformações no modo como hoje
concebemos as relações sociais, seja entre sujeitos e sujeitos e, ou, os sujeitos e a
sociedade, muitos aspectos ainda permanecem cristalizados na socialização de
homens e, possivelmente, de mulheres, principalmente os ligados ao reduto
moral e afetivo-sexual.
No contexto brasileiro, recai historicamente uma carga pejorativa sobre a
instituição militar, o que não é novidade. Muitas vezes essa prerrogativa incita
discursos naturalizados e preconceituosos, um exemplo disso são as questões
relacionadas ao controle e à vigília da sexualidade, punição às más’ condutas e
outras. Não se desconsidera tal pressuposto, mas trata-se também de
potencializar outros aspectos compartilhados no espaço militar, passível de
múltiplos olhares e inquietações que precisam ser atentados e problematizados,
inclusive a própria idéia de ‘vigiar’ e ‘punir’ (FOUCAULT, 1984) que
caracteristicamente lhe é atribuído. Certamente, o exercício reflexivo, dentro e
fora da academia, é uma constante, onde sentidos e representações são
dinamicamente revitalizados, pelo momento histórico, político e socioeconômico
e pelos próprios sujeitos. Assim, repensar o lugar das instituições como um todo
nesse novo contexto possibilita repensar a própria vivência do sujeito, como
modelador e construtor de relações. Por isso mesmo, refletir em torno de um
ambiente, neste caso o TG, que evoca e exalta sentimentos como honestidade,
responsabilidade, reciprocidade, honra, numa época de crise de valores, merece
particular atenção.
Se por um lado, ao construir/socializar ‘verdadeiros homens’ e
‘cidadãos’, o TG contribui para a manutenção de um status quo de um modelo
sexual hegemônico, eminentemente promotor de hierarquias, dicotomias e
139
desigualdades tanto do plano da experiência quanto representacional na condição
de gênero, por outro, favorece a construção de um corpo de valores/sentimentos
tidos como fundamentais e nobres no contrato social que organiza a vida em
sociedade e, conseqüentemente, promove a harmonia social.
Problematizar esse espaço é desnudar novas possibilidades de se pensar a
masculinidade(s) em seus múltiplos sentidos e instituições. Sem vida, uma das
maiores dificuldades encontradas nesta pesquisa refere-se à dinâmica relacional
própria àquele ambiente, onde o controle e a disciplina, que o definem e o
caracterizam, tendem a alcançar as disposições do pesquisador em campo e a
explicitar a sua condição de estrangeiro na caserna, elucidando um ethos militar.
O que se transformou num dado significativo para entender aquela realidade
particular.
Enfim, problematizar uma determinada construção de masculinidade é
rever ‘velhos’ pressupostos essencialistas de conduta que regulamentam a
vivência de homens e, relacionalmente, a de mulheres. Tanto na esfera acadêmica
quanto na esfera político-social, tal problematização promove novos indicadores
na construção e garantia por livre expressão de direitos e a tentativa de buscar
encontrar novas correlações entre estruturas e dispositivos de poder que
determinam a vivência de homens e mulheres.
140
VI. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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145
APÊNDICE
146
UNIVERSIDADE FEDERAL DE VIÇOSA
CENTRO DE CIÊNCAIS HUMANAS, LETRAS E ARTES
DEPARTAMENTO DE ECONOMIA DOMÉSTICA
Viçosa, 18 de Junho de 2004
Ao Sargento Jorge Augusto Guterres de Castro
DD Comandante do Tiro-de-Guerra
Viçosa - MG
Prezado Sr
o
Desejamos desenvolver um trabalho de pesquisa acadêmica sobre
juventude masculina em ambiente militar, ambiente onde é construída uma
vivência plena de cidadania. Para isso, esperamos estabelecer uma parceria junto
ao Tiro-de-Guerra dessa cidade para sua realização.
Esse trabalho toma como referência uma tradição consagrada em
pesquisa qualitativa de observação direta dos sujeitos pesquisados. Os
procedimentos metodológicos de coleta e construção de dados serão realizados a
partir do acompanhamento das atividades diárias, entrevistas e questionário,
visando apreender seu modo de se ver, estar e se sentir no mundo.
A condução dos procedimentos de pesquisa ficará à cargo do estudante
de Pós-graduação/UFV Alexandro Borges Batista, sob orientação de um comitê
de pesquisa composto por doutores da Universidade e presidido por mim.
Contamos com atenção e a receptividade à nossa proposta, que
também faz parte da agenda institucional do Tiro-de-Guerra, participar de
ações/parcerias comunitárias que visem o bem comum. Creio que todos tenham a
ganhar com essa parceria, pois formalizam-se novos caminhos numa tentativa,
cada vez maior, de aproximação entre a sociedade civil e o saber
institucionalizado, aqui representado pela UFV.
Com os nossos agradecimentos.
Atenciosamente
Maria de Fátima Lopes
Prof
a
Dr
a
da Universidade Federal de Viçosa
147
ROTEIRO DE ENTREVISTA
1)- Trajetória dos atores sociais antes de entrar para o TG:
* Como era sua vida antes de entrar no TG?
* Você pode me falar um pouco sobre sua vida em família?
* Como é você com seus amigos?
*O que gosta de fazer diariamente?
2)- Lugar do TG na trajetória dos atiradores:
* Você pode me contar como foi o seu processo de admissão no Tiro de
Guerra?
* Como você vê o TG?
* Como você se sente servindo o Tiro de Guerra?
* Tem alguma coisa que mudaria no TG?
3)-Posição do Tiro-de-Guerra para o atirador:
* Qual a função que desempenha aqui?
* O que você tema dizer sobre a disciplina a que são submetidos no TG?
4)- Expectativa ao tempo vivido nesta instituição:
* Como é viver aqui?
* Tem alguma dificuldade?
5)- Representação do universo militar para os jovens:
* O que você acha necessário para ser um atirador?
* Existe “bom” e “mal” atirador?
* Na sua opinião o TG é só lugar de homem?
* Como você vê o homem militar?
6)- Possibilidades de construção da Honra no espaço militar:
* Tem alguma coisa que te ofende aqui no TG?
* Como é sua relação com seus colegas atiradores?
* Você tem alguma situação engraçada e/ou embaraçosa daqui que quer
me contar?
* O que ‘mancharia’, ‘estragaria’ as relações aqui dentro do TG?
* Em relação aos sentimentos, os valores, o que você pode dizer que
aprendeu aqui?
* Já cometeu alguma falta no TG? Já foi punido?
* Em quem você conta aqui no TG? E fora daqui?
148
7)- Possibilidades futuras na vida dos atiradores:
* Você pretende seguir carreira militar?
* Já fez algum curso, concurso militar?
8)- Perspectivas pessoais dos atiradores?
* Existe algo que queria muito realizar em sua vida?
* Qual a maior prioridade de sua vida?
* Você tem algum herói?
149
QUESTIONÁRIO
1. IDENTIFICAÇÃO – NOME- APELIDO:
2. IDADE: 3. SEXO:
4. AUTOCLASSIFICAÇÃO: ( ) Branco ( ) Negro ( ) Pardo ( )
Outro____________
5. ESCOLARIDADADE:
( ) Ensino Fundamental COMPLETO ( 1
a
a 4
a
série)
( ) Ensino Fundamental INCOMPLETO
( ) Ensino Fundamental COMPLETO (5
a
a 8
a
série)
( ) Ensino Fundamental INCOMPLETO
( ) Ensino Médio COMPLETO ( 1
a
a 3
a
ano)
( ) Ensino Médio INCOMPLETO
( ) Ensino Superior COMPLETO-
Qual?______________________________________
( ) Ensino Superior INCOMPLETO-
Qual/____________________________________
( ) Nenhum
6. PAIS: ESCOLARIADADE:
6.1. MÃE:
( ) Ensino Fundamental COMPLETO ( 1
a
a 4
a
série)
( ) Ensino Fundamental INCOMPLETO
( ) Ensino Fundamental COMPLETO (5
a
a 8
a
série)
( ) Ensino Fundamental INCOMPLETO
( ) Ensino Médio COMPLETO ( 1
a
a 3
a
ano)
( ) Ensino Médio INCOMPLETO
( ) Ensino Superior COMPLETO-
Qual?______________________________________
( ) Ensino Superior INCOMPLETO-
Qual?____________________________________
( ) Nenhum
6.2. PAI:
( ) Ensino Fundamental COMPLETO ( 1
a
a 4
a
série)
( ) Ensino Fundamental INCOMPLETO
( ) Ensino Fundamental COMPLETO (5
a
a 8
a
série)
( ) Ensino Fundamental INCOMPLETO
( ) Ensino Médio COMPLETO ( 1
a
a 3
a
ano)
( ) Ensino Médio INCOMPLETO
( ) Ensino Superior COMPLETO -
Qual?_____________________________________
150
( ) Ensino Superior INCOMPLETO –
Qual?__________________________________
( ) Nenhum
7. ESCOLA: ( ) Escola Pública ( ) Escola Particular ( ) Escola Filantrópica
( ) Faculdade Pública ( ) Faculdade Particular
8. ESTADO CIVIL: ( ) Solteiro ( ) Casado ( ) Viúvo ( ) Outros.
Qual/_____________
9. FILHOS: ( ) Sim ( ) Não ( ) Em gestação
10. PROFISSÃO: ( ) Sim ( ) Não Se sim,
Qual?_______________________________
11. TRABALHO:
( ) Estudante
( ) Não trabalho
( ) Trabalho eventual
( ) Trabalho formal (com carteira assinada)
( ) Trabalho informal (sem carteira assinada)
( ) Trabalha com a família, ex: feira, comércio, agricultura)
( ) Outros______________________________________________
12. RENDA FAMILIAR:
( ) Menos de um salário mínimo
( ) De um a dois salários mínimos
( ) De dois a cinco salários mínimos
( ) De cinco a dez salários mínimos
( ) De dez a quinze salários mínimos
( ) De quinze a vinte salários mínimos
( ) Acima de vinte salários mínimos
( ) Não tem uma renda fixa
13. OCUPAÇÃO:
MÃE:__________________________________________________________
PAI:___________________________________________________________
151
14. INFORMAÇÕES COMPLEMENTARES:
( ) Paga aluguel; ( ) Casa própria; ( ) Possui carro; ( ) Possui moto; ( )
Plano de saúde ( ) Celular ( ) Computador ( ) TV ( )
Vídeo ( ) DVD ( ) Associado a clubes
15. GOSTARIA DE FALAR MAIS ALGUMA COISA SOBRE VOCÊ?
152
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Eu,__________________________________,RG_________________,a
baixo qualificado, DECLARO para fins de participação em pesquisa, na
condição de sujeito objeto da pesquisa, que fui devidamente esclarecido do
Projeto de Pesquisa intitulado:________________________________________
________________________________________desenvolvido pelo pesquisador
________________________________________do Curso _______________da
Universidade Federal de Viçosa/MG, quanto aos seguintes aspectos:
a)- Justificativa, objetivos e procedimentos que serão utilizados na
pesquisa;
b)- Desconfortos e riscos possíveis e os benefícios esperados;
c)- Métodos alternativos existentes;
d)- Forma de acompanhamento e assistência com seus devidos
responsáveis;
e)- Garantia de esclarecimentos antes e durante o curso da pesquisa,
sobre a metodologia.
f)- Liberdade de se recusar a participar ou retirar seu consentimento, em
qualquer fase da pesquisa, sem penalização alguma e sem prejuízo ao seu
cuidado;
g)- Garantia de sigilo quanto aos dados confidenciais envolvidos na
pesquisa, assegurando-lhe absoluta privacidade;
h)- Formas de indenização diante dos eventuais danos decorrentes da
pesquisa;
i)- Participação voluntária na pesquisa, sem ressarcimento das despesas
da participação na mesma.
153
DECLARO, outrossim, que após convenientemente esclarecido pelo
pesquisador e ter entendido o que me foi explicado, consinto ser voluntário desta
pesquisa.
Viçosa,______ de________200__
Assinatura do Declarante
Assinatura do Pesquisador
154
ANEXOS
155
ANEXO I
CAPÍTULO 1
NGA/TG 04-027-VIÇOSA-MG
SUBORDINAÇÃO DO TG 04-027
1. GENERALIDADES
A finalidade deste capítulo é enquadrar o TG, de uma forma
global, dentro da Força Terrestre.
2. SUBORDINAÇÃO
Está organizada conforme organograma:
COMANDANTE DA
FORÇA
TERRESTRE
COTER
CML
4ª RM/4ª DE
STG/4
TG 04-027
(TG Ten Kümmel)
33 TG
156
ANEXO II
NGA/TG 04-027-VIÇOSA-MG
DÉCALOGO DO SOLDADO
O verdadeiro soldado:
1. Ama a Pátria, fiel a seus juramentos solenes;
2. É agressivamente honesto, irrepreensivelmente e arraigado à
verdade;
3. Respeita a hierarquia e é ferrenho defensor da disciplina;
4. Cultua a coragem moral e física;
5. Comanda pelo exemplo: é justo no julgamento e firme na decisão;
6. Pratica a camaradagem, característica da vida na caserna;
7. Tem sua vocação identificada pelo entusiasmo e determinação com
que se dedica às lides castrenses;
8. Conhece o ofício das armas com profundidade: é apto para duras
adversidades do combate;
9. É impecável na apresentação individual e conselheiro nas atitudes;
10. Orgulha-se do Exército e serve ao Brasil com fé inabalável em seu
futuro;
Ser soldado é mais que profissão: é missão de grandeza
157
ANEXO III
NGA/TG 04-027-VIÇOSA-MG
INTRODUÇÃO
NORMAS GERAIS DE AÇÃO DO TG 04-027
A finalidade da presente Norma Geral de Ação (NGA) é estabelecer
normas para as atividades rotineiras e os serviços de escala do Tiro-de-Guerra
04-027. Pretendendo assim enquadrar o TG, com suas peculiaridades, a perfeita
execução do Regulamento dos Serviços Internos e Gerais (RISG) e orientar os
atiradores quanto o desempenho das atividades junto ao Tiro-de-Guerra.
Esta NGA deverá ser de conhecimento de todos os integrantes do TG 04-
027.
Entra em vigor a partir desta data, substituirá quaisquer documentos
anteriores expedidos pelo TG 04-027 que com ela confrontam.
158
ANEXO IV
Quadro 1. Quadro classificatório dos atores da pesquisa
IDENTIFICAÇÃO
AUTO
DEFINIÇÃO
OCUPAÇÃO ESCOLARIDADE
PROFISSÃO
DO PAI
ESCOLARIDADE
DO PAI
PROFISSÃO
DA MÃE
ESCOLARIDADE
DA MÃE
RENDA
FAMILIAR/MENSAL
TRABALHA
1. Atirador B Pardo Estudante Ensino Médio Engenheiro Ensino Superior Dona de casa
E.M.
Incompleto
De 05 a 10 salários Formalmente
2. Atirador C Pardo Estudante E.M. Incompleto
Nada a
informar
Nada a
informar
Vendedora
(loja 1,99)
E.M. Incompleto De 02 a 05 salários Informalmente
3. Atirador D Moreno Estudante Ensino Médio Aposentado E. Fundamental Dona de casa E. Fundamental De 05 a 10 salários NÃO
4. Atirador E Branco Estudante
E. F.
Incompleto
Comerciante
(bar)
E. Fundamental Dona de casa E. Fundamental De 02 a 05 salários NÃO
5. Atirador F Branco Estudante Ensino Médio
Aposentado
(motorista)
E. Fundamental Dona de casa E. Fundamental De 02 a 05 salários NÃO
6. Atirador K Branco Estudante
E. M
Incompleto
Aposentado
(metalúrgico)
E Fundamental Dona de casa E. Fundamental De 02 a 05 salários Informalmente
7. Atirador L Branco Estudante E.M. Incompleto
Professor
(E. F. e E. M.)
Ensino Superior
Professora (E.
Fundamental)
E. S
Incompleto
De 02 a 05 salários NÃO
8. Atirador M Branco Estudante
E. S.
Incompleto
Agricultor
(pequeno p.
rural)
E. S.
Incompleto
Agricultora
(pequeno p.
rural)
Ensino Médio De 10 a 15 salários Informalmente
9. Atirador N Negro Estudante E. M. Incompleto
Escritório
(contínuo)
Ensino
Fundamental
Instrutora
Escolar
E. F.
Incompleto
De 05 a 10 salários NÃO
10. Atirador P. Pardo Estudante Ensino Médio
Aposentado
(Ferroviário)
E. Fundamental Diarista
E. F.
Incompleto
De 02 a 05 salários Formalmente
11. Atirador Q Pardo Estudante
E. F.
Incompleto
Nada a
declarar
Nada a declarar Servente
E. F.
Incompleto
De 02 a 05 salários Informalmente
12. Atirador R Moreno Estudante E. M. Incompleto Motorista
Ensino
Fundamental
Dona de casa Ensino Médio De 02 a 05 salários Formalmente
13. Atirador X Branco Estudante Ensino Médio Desempregado
E. F.
Incompleto
Dona de casa
E. F.
Incompleto
De 02 a 05 salários Informalmente
14. Atirador Y Moreno Estudante
Ensino Superior
Incompleto
Engenheiro
Florestal
Ensino Superior Dona de casa
Ensino
Fundamental
De 05 a 10 salários NÃO
15. Atirador Z Branco Estudante Ensino Médio
Aposentado
(motorista)
Ensino Médio Dona de casa
E. Superior
Incompleto
De 10 a 15 salários NÃO
159
ANEXO V
Figura 1. Atividade de Ordem Unida: Marcha de Pelotão.
Figura 2. Atividade de Ordem Unida: Apresentação das armas.
160
Figura 3. Pelotões que compõe a Turma de Instrução do Tiro-de-Guerra/2004.
Figura 4. Prática do TFM: Treinamento Físico Militar.
161
Figura 5. Pelotão em forma para inspeção.
Figura 6. Formatura Final do Tiro-de-Guerra – 2004.
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