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UNIVERSIDADE DE MARÍLIA
MESTRADO EM COMUNICAÇÃO
A MÍDIA NA ESCOLA: INTERATIVIDADE E PRODUÇÃO DE TEXTOS
A PARTIR DE CANÇÕES DE CAETANO VELOSO
LILIANE SCARPIN DA SILVA STORNIOLO
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MARÍLIA - SÃO PAULO
2006
UNIVERSIDADE DE MARÍLIA
REITOR
MÁRCIO MESQUITA SERVA
PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO
COORDENADORA PROFª DRª SUELY FADUL VILLIBOR FLORY
ÁREA DE CONCENTRAÇÃO
MÍDIA E CULTURA
LINHA DE PESQUISA
PRODUÇÃO E RECEPÇÃO DE MÍDIA
ORIENTADORA
PROFª DRª SUELY FADUL VILLIBOR FLORY
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Dissertação apresentada ao Programa
de Pós-Graduação Strictu Sensu em
Comunicação, área de concentração
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Mídia e Cultura. Linha de pesquisa:
Ficção na mídia , para obtenção do título
de Mestre, sob a orientação da Profª.
Suely F. V. Flory.
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Agradecimentos
Agradeço a Deus por me dar coragem, iluminar minha mente sempre e me
proteger por essas estradas, principalmente nos dias que o cansaço me dominava.
À minha querida orientadora Suely Flory que nunca me deixou sem
respostas, mesmo nos momentos difíceis pelos quais passou.
À minha família que sempre me encorajou com palavras e atos carinhosos,
especialmente minha irmã Sandra, minha avó Lileta (In Memorian), minha tia Sueli e
meus primos, amigos e irmãos Alan, Joel, Daniel , Neto e Mara.
Ao meu esposo Djalma que teve extrema paciência comigo, sempre me
apoiou, incentivou, acreditou em minha capacidade de superar obstáculos.
À minha amiga, mãe, irmã Rita de Cássia que é um anjo em minha vida.
Agradeço pelos conselhos que recebi das minhas amadas amigas Kátia e
Maristela que sempre sabiam o que dizer para que eu acordasse” durante minhas
crises existenciais.
Aos meus amigos: Marcos, Robinson, William, Maristela Mascari, Alessandra,
Ana, Aline, Rosa, Arlete, Nilcéia, Célia, Cássia, Samanta, Helena, Harumi, Luciana
Montanari, Maria Nilcéia, Celinha, Luciani e João Paulo agradeço por me
suportarem e me socorrerem durante momentos muito difíceis, agradeço por
acreditarem na minha capacidade intelectual e de superação e me “levantarem
todas às vezes que “caí”.
Agradeço ainda aos meus amigos e companheiros de trabalho Sônia, Márcia,
Telma e Edval que muitas vezes me ouviram e me incentivaram.
Finalmente agradeço a todas as pessoas que de uma forma ou de outra
contribuíram para que eu chegasse ao final de mais uma etapa de minha vida.
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Resumo
Esta pesquisa apresenta os resultados da utilização das canções de Caetano
Veloso, como estratégia de sensibilização para produção de textos de alunos do
último ano do Ensino Fundamental e do primeiro e terceiro anos do Ensino Médio
tendo como apoio metodológico teorias da Estética da Recepção, que analisam o
texto verbal a partir do receptor.
A música sempre esteve presente na vida do ser humano e o adolescente
dificilmente criaresistência para utilizá-la em sala de aula.O estudo das canções
torna-se uma maneira prazerosa e dica de aprender algo que os jovens julgam
difícil, ou seja, a produção de qualquer tipo de texto que o professor proponha em
sala de aula.
O cantor e compositor Caetano Veloso é um ícone da Música Popular Brasileira,
está sempre presente no cenário midiático, escreve poemas musicais com uma
linguagem mesclada entre o erudito e o popular, reúne em sua obra momentos
históricos de nosso país e utiliza-se de elementos intertextuais com maestria e, por
esse motivo, resolvemos utilizar seus textos e sicas para a sensibilização do
nosso público-alvo.
As estratégias utilizadas neste trabalho têm como suporte as linhas de pesquisa da
Estética da Recepção de Wolfganger Iser e Hans Robert Jauss e uma
complementação da lingüística e da semiótica que trata da relação do receptor com
o texto, que lê dos teóricos Mikail Bakhthin, Umberto Eco, entre outros.
Palavras-chave: dia; receptor; música popular brasileira; vazios; dialogismo.
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Resumen
Esta pesquisa presenta los resultados del utilización de las canciones de Caetano
Veloso, como estrategia de sensibilización para la producción de textos de alumnos
del último año del enseñanza general básica y del primero y tercero año del
bachillerato unificado, tiendo como apoyo metodológico teorias de la Estética de la
Recepción, que analizan el texto verbal a partir del receptor .
La música siempre estuvo presente en la vida del ser humano y los adolescentes
difícilmente criaran resistencia para utilizarla en clases de aulas. El estudio de las
canciones tornase una manera placentera y lúdica de abordar temas y proponer
tareas que los jovenes consideren difíciles, o sea, la producción que cualquier tipo
de texto que el profesor solicite en clases de aulas.
El cantor y compositor Caetano Veloso es un ícono de la Música Popular Brasileña,
esta siempre presente en el escenario mediático, escribe poemas musicais con una
lenguaje mezclada entre el erudito y el popular, reúne en suas obras momentos
históricos de nuestro país y se utiliza de elementos intertextuales con maestria y,
por ese motivo, resolvimos utilizar sus textos y músicas para sensibilización del
nuestro público- objetivo.
Las estratégias didacticas-pedagógicas utilizadas en este trabajo tienem como
suporte teóricos los estudios sobre la Estética de la Recepción, de Wolfgang Iser y
Hans Robert Jauss y una complementación de los estudios de lingüística y de
semiótica que trata de la relación del receptor con o texto que lee de los teóricos
Mikail Bakhtin, Humberto Eco, entre otros.
Palabras-clave: medía; receptor; música popular brasileña; vacíos; dialogismo.
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Sumário
INTRODUÇÃO 9
1 PRESSUPOSTOS TEÓRICOS 16
1 O texto e o leitor 16
2 O dialogismo nas canções de Caetano Veloso 22
2 A TRAJETÓRIA DE UMA VIDA FILTRADA PELA MÍDIA 26
2.1 A relação com adia através dos anos 26
2.2 Uma entrevista com ou sem pretensões 32
2.3 A folia soteropolitana de Caetano Veloso 33
2.4 O bem que Caetano faz 35
3 A INTERTEXTUALIDADE NAS CANÇÕES DE CAETANO VELOSO 38
3.1.1 Análise interpretativa das canções 39
3.1.2 Texto 1- “Livros” 39
3.1.3 Texto 2- “Sou seu sabiá” 47
3.1.4 Texto 3- “Os argonautas” 55
3.1.5 Texto 4- “José 58
3.1.6 Texto 5- “Outro retrato” 63
3.1.7 Texto 6- “Língua” 64
3.1.8 Texto 7- “Pra ninguém 72
4 A MÚSICA COMO ESTRATÉGIA NA SENSIBILIZAÇÃO PARA A PRODUÇÃO DE
TEXTOS 78
4.1 A Música 78
4.2 Descrição das Estratégias Metodológicas da Aplicação das Canções como
tema de produção de textos 82
4.3 Avaliação de Recepção das Canções 96
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS 98
6 REFERÊNCIAS 101
6.1 Bibliográficas 104
6.2 Consultas on-
line...................................................................................104
9
6.3 Discografia 105
INTRODUÇÃO
Destino eu faço, não peço
Tenho direito ao avesso
Botei todos os fracassos
Nas paradas de sucesso.
(VELOSO, 2003,p. 261)
Esta pesquisa apresenta os resultados da utilização das canções de Caetano
Veloso em sala de aula, como estímulo e estratégia de sensibilização à produção de
textos por alunos do Ensino Fundamental e Médio, tendo como apoio metodológico
teorias da Estética da Recepção, que analisam o texto verbal a partir do receptor.
O cantor e compositor Caetano Veloso não foi escolhido por acaso. Como
podemos notar na citação acima, ele desafia situações, através de provocações em
suas letras e suas canções. É um ícone da MPB (Música Popular Brasileira) com
grande poder de comunicação e interação com seu blico, trabalhando com as
palavras de modo peculiar e escrevendo poemas que, posteriormente, são
cantados.
Caetano fala: efusivo, excessivo, longe da economia restritiva da escrita. A
fala irradia-se largamente em reflexões que se constróem–desconstróem. É, então,
uma maneira de cantar: abre-se aos ritmos, às melodias, inflexões, modulações,
repetições.(FERRAZ, 2003,p. 12)
As estratégias utilizadas m como suporte as linhas de pesquisa da Estética
da Recepção e recebem uma complementação dos estudos de Lingüística e de
Semiótica que tratam da relação do receptor com o texto que lê.
Os teóricos que fundamentam esta pesquisa são: Mikhail Bakhtin; Wolfgang
Iser; Hans Robert Jauss e Umberto Eco que vêem e estudam, na produção de
textos, estratégias de interação com o leitor que prevêm os movimentos (respostas)
10
do outro, ou seja, um texto, desde a sua geração, tem mecanismos de inserção do
leitor no próprio discurso narrativo, como parceiro de um diálogo com o autor.
Na realidade, toda palavra comporta duas faces. Ela é determinada tanto
pelo fato de que procede de alguém, como pelo fato de que se dirige para alguém.
Ela constitui justamente o produto da interação do locutor e do ouvinte. Toda
palavra serve de expressão a um em relação ao outro. Através da palavra,
defino-me em relação ao outro, isto é,em última análise, em relação à coletividade.
A palavra é uma espécie de ponte lançada entre mim e os outros. Se ela se apóia
em mim numa extremidade, na outra apóia-se sobre o meu interlocutor. A palavra é
o território comum do locutor e do interlocutor.(Bakhtin,1995,p.113)
Sobre a relação entre locutor e interlocutor na mídia diz Thompson:
Devemos abandonar a idéia de que os destinatários dos produtos
da mídia o espectadores passivos cujos sentidos foram
permanentemente embotados pela contínua recepção de mensagens
similares. Devemos também descartar a suposão de que a recepção em
si mesma seja um processo sem problemas, acrítico,e que os produtos são
absorvidos pelos indivíduos como uma esponja absorve água. Suposições
desse tipo têm muito pouco a ver com o verdadeiro caráter das atividades
de recepção e com as maneiras complexas pelas quais os produtos da
mídia o recebidos pelos indivíduos, interpretados por eles e incorporados
em suas vidas.... No intercâmbio comunicativo de uma interação face a
face, o fluxo de comunicação tem o dupla: uma pessoa fala, a outra
responde, e assim por diante.Em outras palavras, os intercâmbios numa
interação face a face o fundamentalmente dialógicos. (THOMPSON,
2004,31)
Pudemos notar pelas palavras de Thompson que suas idéias sobre a
recepção assemelham-se à teoria bakhtiniana que afirma não haver comunicação
que proceda apenas de um falante, mas sim que esse necessita de um interlocutor
para a quem transmitir a mensagem. Bakhtin fala que as palavras têm duas faces”
enquanto Thompson refere-se a essa relação como face a face”. Em ambos os
casos a alteridade e a relação entre o dito” e o “não dito” são imprescindíveis para
que se construa um significado complexo que possibilitaria a configuração do
sentido do texto.
11
O autor, quando escreve, tem em mente um tipo de leitor (leitor ideal) que
possa entender todo o significado que cada significante estará transmitindo. Na
maioria das vezes, porém, quem lê o texto não é esse tipo de leitor, pois cada leitor
transporta para o texto seus conhecimentos prévios de mundo, ou seja, tudo o que
tem significado para ele. Portanto, quando Bakhtin diz que a palavra é semi-alheia
refere-se à relação entre o mundo, o autor e o leitor.“Diria que um texto é um jogo
de estratégias mais ou menos como pode ser à disposição de um exército para uma
batalha”. (ECO, 1.984,p.9)
Segundo Umberto Eco, (1986,p. 36), o autor prevê seu leitor (leitor modelo) e
age no sentido de organizar o texto para que ocorra um tipo de leitura, que ele
considera adequada às suas intenções e, para isso, utiliza estratégias textuais, as
mais diversas, dos estudos lingüísticos às ideologias, envolvendo forma e conteúdo.
O mundo oferece o universo das palavras e o autor utilizar-sedelas, de acordo
com a sua ideologia e com a sua bagagem cultural.
Para que um texto se torne vivo, presentificando-se através do ato da leitura,
é necessário que o receptor acredite que o autor tem algo a dizer, caso contrário,
não o lerá. Além disso, fará sua leitura sempre de acordo com sua ideologia e com
seu conhecimento de mundo. Para analisar um texto é necessário que façamos sua
desconstrução para que, posteriormente, possamos reconstruí-lo com a nossa
interpretação, que será baseada em nosso repertório, valores e cosmo- visão.
O texto possibilita uma leitura horizontal sintagmática- e uma leitura
vertical-paradigmática. Em ambas, quando os vazios aparecerem, o leitor deverá
preenchê-los buscando respostas às suas dúvidas, em seus conhecimentos
lingüísticos e sociais, em suas crenças, preconceitos, medos e esperanças. No
entanto, não se pode aceitar uma leitura aleatória, que não seja pertinente à
intenção do autor e assim sendo, deve seguir parâmetros, ter limites impostos pela
própria narrativa e suas estruturas lingüísticas e ideológicas.
Como já dissemos, o autor constrói seu discurso dentro de seu mundo de
valores e quando seu texto encontra o leitor cria-se um contexto, onde há interação
entre interlocutores, cabendo ao receptor analisar as estratégias utilizadas pelo
emissor para que haja interação entre ambos. Cada teórico denomina o leitor que
interage com o texto de uma forma diversa, sob um ângulo diferente:
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“Arquileitor”- leitor assíduo de determinados autores, que tem familiaridade
com as estratégias estilísticas do emissor. A soma de suas leituras sobre
um mesmo autor torna-o um “Arquileitor” (RIFFATERRE,1971); leitor
“informado” desenvolve processos em que os textos o atualizados pela
recepção através da interação texto / leitor de determinadas comunidades
interpretativas (FISH,1967);o leitor “implícito” que se encontra previsto nas
estratégias textuais (ISER,1974) e “leitor modelo” (ECO,1979) que é aquele
que o autor tem em mente quando escreve, um tipo de receptor idealizado
pelo “emissor.”
A interpretação de um texto, mesmo podendo provocar inúmeras
interpretações, impõe seus limites, não pode ser entendida como um mero ato de
decodificação, mas como um espaço de construção de sentido, onde um signo
exprime uma organização de significantes os quais, além de ter como designar um
objeto-significado, designam também instruções para a produção de uma
significação. O ato de interpretar, para Eco, estaria na tarefa semiótica de
compreender como se produz e como são construídos os significados para seu
leitor modelo.
O conceito de leitor implícito, desenvolvido por Wolfgang Iser, parte da noção
de concretização, que se traduz em duas vertentes: de um lado a do horizonte de
expectativas lançado pela obra, configurando-se no efeito (Wirkung)
predeterminado pelo texto, o qual transmite orientações prévias, inalteráveis sobre
certos aspectos, pois a obra tem que manter uma unidade estrutural; de outro lado
temos a segunda vertente, a recepção de cunho extra-literário, condicionada pelo
leitor, que colabora com suas experiências pessoais para fornecer vitalidade à obra
e manter com ela uma relação dialógica. É a recepção da obra por diferentes
comunidades interpretativas, em diferentes épocas, pertencentes a diversas
camadas sócio-econômicas, estudada por Stanley Fish em suas obras e retomada
pelos teóricos de Constanza, anos depois, tanto Iser como Jauss.
Wolfgang Iser considera como um dos pontos teóricos básicos da Estética da
Recepção a comunicação transmitida pela obra desde a sua estrutura, que
necessita de um leitor para a construção do seu sentido. Um texto se
presentifica, existe”, através do ato da leitura. As estruturas e estratégias
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textuais prevêem o leitor. É a teoria do efeito estético desenvolvida em sua obra O
ato de ler.
Iser concentra-se nos efeitos que os vazios do texto, as insinuações, ironias,
o não dito, os subentendidos, provocam na consciência de um leitor ideal. O texto,
produto de uma combinação de linguagem e de sentido, apresenta um espaço
implosivo de vazios e carências que possibilitam a inauguração de um processo de
comunicação. Estes vazios o os responsáveis pelas diferentes perspectivas de
representação, levando o leitor a fazer uma coordenação durante o processo de
leitura. As carências, ausência de elementos determinantes que são apenas
insinuados no texto, condicionam o posicionamento dos leitores na ótica da Estética
da Recepção, permitindo-lhes compreender o sentido e a forma da obra literária
pela variedade histórica das suas interpretações. Exige, por outro lado, que a obra
individual seja introduzida na seqüência literária adequada, o que permitirá
reconhecer o seu papel histórico no contexto das leituras experimentadas pela
literatura “séria” e, só assim conseguiremos captar todo o seu potencial criativo.
Hans Robert Jauss, por sua vez, afirma que a primeira impressão que o leitor
tem frente ao texto é o estranhamento e que a recepção apresenta-se no
intercâmbio de três etapas: a compreensão, a interpretação e a aplicação. A
primeira inicia a leitura, é fundamentada na lógica da pergunta e da resposta. A
segunda trata da leitura retrospectiva que pressupõe a percepção estética enquanto
pré-compreensão, que somente podem ser concretizadas, significações que se
manifestem ao intérprete, como perspectiva de uma leitura histórica reconstruída, à
qual o texto respondia na época em que foi escrito, e a terceira aplicação é a
significação do texto em relação a um leitor específico.
Jauss enfoca o conceito de experiência estética, desenvolvido em seu artigo
“O prazer estético e as experiências fundamentais da Poiesis, Aisthesis e Katharsis”
(apud COSTA LIMA, 1979), assinalando a denominação da filosofia, da religião e da
metafísica platônica do belo, deixando em aberto as ambivalências que tais cririos
propunham. Pede o resgate hermenêutico da necessidade da experiência estética
do leitor e junta-se ao idealismo, denunciando a visão da arte moderna como
mercadoria. Jauss define a experiência estética agrupando-a em três categorias
fundamentais: poiesis, aisthesis e katharsis analisando, em três abordagens, os
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diferentes graus de envolvimento do receptor, arrebatado pelos sentidos no ato de
ler.
Se os vazios do texto ficcionais orientam (os atos de representação do autor)
contra o pano de fundo da linguagem pragmática, contribuindo para a
desautomatização das expectativas habituais do leitor, então este precisa
reformular para si o texto formulado, a fim de ser capaz de recebê-lo. Quanto
maior a quantidade de vazios, tanto maior será o número de imagens construídas
pelo leitor. (COSTA LIMA, 1.979 ,p. 105)
Ao trabalharmos com a análise na perspectiva da Estética da Recepção não
podemos jamais dissociar o dialogismo e a intertextualidade, pois são componentes
fundamentais de tal análise, uma vez que a Estética da Recepção está atrelada à
análise do discurso, às estratégias estruturais e lingüísticas do texto, a par das
visões de mundo do emissor e do receptor.
Nesta pesquisa é fundamental falarmos sobre o dialogismo de Mikail Bakhtin,
uma vez que se trata de uma pesquisa ancorada na análise da recepção de textos,
por alunos do Ensino Fundamental e Médio e, portanto, de relações dialógicas que
se estabelecem entre as canções analisadas e seus receptores.“Tudo se reduz ao
diálogo, à contraposição dialógica enquanto centro. Tudo é meio, o diálogo é o fim.
Uma voz nada termina, nada resolve. Duas vozes são o mínimo de vida.” (
Bakhtin,1978,p.123).
Compreendendo o que Bakhtin nos diz na citação acima, buscaremos edificar
nossa pesquisa na comunicação que ocorre quando “um diz algo a “outro” e
espera ser compreendido.
Esta pesquisa divide-se em cinco capítulos que dialogam entre si
apresentando teorias e suas aplicações: no primeiro capítulo, são abordados os
pressupostos teóricos que dão suporte à pesquisa, enfocando a Estética da
Recepção e os conceitos de dialogismo e repertório do receptor. O texto faz
sentido quando lido, portanto, nesse capítulo analisaremos como os adolescentes
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recebem e lêem as canções de Caetano Veloso e as estratégias que utilizam para
“dialogar” com elas acrescentando seus conhecimentos prévios.
No segundo capítulo, é apresentada a relação que Caetano Veloso tem com
a mídia, sempre muito conturbada, repleta de polêmicas. A relevância deste capítulo
dá-se pela necessidade do conhecimento de um pouco da história
do autor pelos adolescentes. Nesse capítulo, Caetano Veloso, que é considerado
pela mídia um campeão de entrevistas, apresenta-se em uma entrevista e são
mostrados pontos de vista de jornalistas em relação ao compositor. Caetano é um
artista multimídia, portanto os adolescentes tiveram contato com ele através de
algum veículo midíático, esta é a razão do presente capítulo.
No terceiro capítulo, enfoca-se a questão da intertextualidade atrelada ao
dialogismo, fundamental para a análise das canções de Caetano Veloso. Nesse
capítulo as canções são desconstruídas e posteriormente reconstruídas com
informações sobre a funcionalidade dos intertextos usados amplamente, por
Caetano Veloso.
No quarto capítulo, efetua-se a aplicação das teorias descritas nos capítulos
anteriores. O trabalho é feito com alunos do último ano do Ensino Fundamental e
com alunos da primeira e terceira séries do Ensino Médio que analisaram as
canções de Caetano Veloso e posteriormente compuseram seus textos. Trata-se de
um trabalho de prática em sala de aula e as séries escolhidas para amostragemo
séries em que pudemos trabalhar, efetivamente, visto que são classes regidas por
nós.
Na última parte, Considerações Finais, apresenta-se o resultado baseado
em análise de dados, uma vez que nos fundamentamos no material produzido
pelos alunos do Ensino Fundamental e Médio. São textos diversos produzidos pelos
alunos em sala de aula, a partir de estudos de recepção de canções de Caetano
Veloso e baseado nos temas e intertextos analisados em suas composições.
Considera-se, nesta dissertação, a extrema importância da utilização de
metodologias diferenciadas para o ensino de redação, visto que, cada vez mais, os
adolescentes estão perdendo a habilidade da escrita pela facilidade propiciada pelo
avanço tecnológico e pela síntese “telegráfica” da linguagem da Internet. A
utilização de canções une o interesse dos alunos que “curtem o som, com sua
16
necessidade de conhecimento, preenchida pela riqueza textual das canções de
Caetano Veloso.
17
1 PRESSUPOSTOS TEÓRICOS
1.1 O texto e o leitor
Abordam-se neste capítulo algumas estratégias de análise do discurso,
através da Estética da Recepção e do estudo de aspectos lingüísticos, tendo em
vista o papel do Enunciador (sujeito) e do Enunciatário (objeto) na composição de
letras de músicas de Caetano Veloso, analisadas como texto poético.
Segundo Iser, o processo comunicativo entre texto e leitor ocorre na
interação entre ambos, isto é, as exigências daquele e as respostas deste. Contudo
é imperativo destacar as diferenças existentes entre interação texto-leitor e
interação interpessoal. Nas relações interpessoais, uma atividade interpretativa
da imagem do outro, ou seja, as pessoas, ao se comunicarem, procuram agir de
acordo com aquilo que acreditam serem as expectativas do interlocutor, embora
seja impraticável corresponder totalmente, tendo em vista a impossibilidade de
conhecê-las em profundidade. Paradoxalmente, essa impossibilidade funciona como
elemento propulsor de ações interpretativas, isto é, na relação face a face, por
exemplo, valemo-nos de perguntas e respostas, na tentativa de superar prováveis
contingências, que comprometeriam a comunicação e, no texto escrito, com uma
relação “In absentia”, precisamos suprir essa ausência pelas estratégias
discursivas.
O que poderia designar de “estranhamento” objetivado pela
interação dos segmentos das mais diversas áreas de conhecimento do
texto, é denominado pelo autor de “valor estético(p. 137). A tarefa do leitor
consiste em formar, a partir desses segmentos, uma nova e coerente
combinação (“sistema de equivalências”) que o é formulada no próprio
texto. Chama-se isso de objeto estético”. Nesse trabalho individual, o leitor
naturalmente é guiado pelo texto, principalmente pelas ”estratégias
textuais”; mas já as alusões literárias, ainda pertencentes ao repertório,
indicam a direção que a formação do sistema de equivalências deve seguir.
Portanto,a parte do repertório, derivada da tradição literária, assumiria a
função de uma primeira indicação para a apropriação, a partir dos sentidos
da época. ( COSTA LIMA, 2002,p. 996,v.2)
18
Na relação texto-leitor, em que o confronto face a face é impossível, um
desequilíbrio, provocado pelos vazios” (Wolfgang Iser), que são fundamentais no
processo de interação. Eles assinalam a quebra das conexões dos segmentos
textuais, ou seja, deixam espaços que devem ser conectados, de acordo com o
ponto de vista do leitor, enriquecendo sua atividade imaginativa. Também impõem
dificuldades ao leitor, induzindo-o a se afastar de um contexto de ações
pragmáticas, para construir uma significação que gere um sentido decorrente de
suas próprias projeções interpretativas.
Assim, os vazios ampliam o leque de possibilidades de significação das
conexões dos segmentos textuais e, conseqüentemente, da atividade imaginativa do
leitor, e essa atividade é controlada pelo autor, pois oferece um objeto dado, uma
situação pré-determinada, de acordo com os valores do público visado.
Os vazios do texto são as palavras “não-ditas”, os subentendidos nas
entrelinhas, ou seja, idéias sugeridas pelo texto ou intuídas pelo leitor como
espaços abertos para a plurissignificação, levando o receptor a participar da
construção do texto através de suas atividades de interação.
O prazer da experiência estética, como apontamos anteriormente, dá-se,
para Jauss, em três níveis intercambiáveis: poiesis, aisthesis e katharsis.
A poiesis corresponde ao prazer estético decorrente da participação do leitor
na compreensão do texto, pois ajuda a construí-lo, preenchendo seus vazios,
completando e presentificando a significação textual através de suas projeções
pessoais.
A aisthesis designa o prazer do conhecimento do belo, do contato com a
arte, com a mudança decorrente do prazer de contemplar a perfeição, que nos
permite usufruir a própria arte.
A katharsis é a possibilidade de identificação do leitor com as
personagens,conflitos e idéias transmitidas pelo texto. O leitor -se retratado nos
dramas vividos pelas personagens; sente-se liberto dos seus problemas cotidianos
e imerso na ficção, o que o faz voltar-se sobre si mesmo e identificar-se com as
emoções vividas pelos actantes (aqueles que atuam) da trama ficcional.
19
Para alguns lingüistas, como Benveniste e Ducrot em seus estudos,
inicialmente o que transformava a língua em discurso era a enunciação: o autor é
dotado de uma atividade psicológica necessária à produção do enunciado; o autor é
a origem dos atos ilocutórios, realizados na produção de um enunciado, afinal, é
com o autor que o texto se inicia, portanto é uma produção solitária. Posteriormente,
Ducrot combate esse tipo de sujeito, ao propor a teoria da polifonia.
Na terceira época da Análise do Discurso, cheux apresenta uma tentativa
de caracterização do que chama de “discurso do outro”:
O discurso de um outro, colocado em cena pelo sujeito, ou discurso do sujeito
se colocando em cena com um outro? ‘(c.f. as diferentes formas de
‘heterogeneidade mostrada )’: mas também, e, sobretudo a insistência de um
‘além’ interdiscursivo que vem aquém de todo autocontrole funcional do ‘ego-eu’
instala-se, ao mesmo tempo, em que se desestabiliza (nos pontos de deriva em
que o sujeito passa no outro, onde o controle estratégico de seu discurso
escapa-lhe) Uma outra evidência de que há dúvidas pode ser vista nesta outra
pergunta: o sujeito seria aquele que surge por instantes, lá onde o ‘ego-eu’
vacila?(PÊCHEUX ,1983, p. 316-7 )
A intertextualidade tem um papel fundamental mostrando que “cada texto é
um tecido de textos, aquele jogo aberto de uma intertextualidade flutuante na luta
entre homens e símbolos’. (COSTA LIMA, 2002, p.883, v.2) . Durante a leitura, o
receptor recria o texto (cada leitura é um entendimento), pois o texto permite-lhe
diferentes interpretações e leituras realizadas em tempos diferentes.Cada leitor
transporta para o texto seus conhecimentos prévios (verbais, sociais, ideológicos),
concretizando o texto ficcional segundo suas próprias projeções interpretativas.
O autor, para criar uma atmosfera de polifonia, portanto heteroglótica, deve
levar para seu texto, além de seus conhecimentos a respeito da língua, sua
criatividade e seu mundo de valores que são a chave para o interesse do leitor, uma
20
vez que possibilita a fusão dos horizontes de expectativas do emissor e do
receptor.
A entonação do autor, tanto verbal como não-verbal, é de extrema
importância para a compreensão de sua obra. Ele cria uma situação e dá-lhe
entonação, para que sua iia seja entendida pelo leitor. A língua torna-se, dentro
de um texto, uma opinião concreta sobre o mundo, dentro de um texto musical, ela
ganha forças e muitas vezes torna-se um ícone da história, podendo representar
toda uma geração, como é o caso da canção Sem lenço e sem documento de
Caetano Veloso.
Partindo da análise teórica sugerida por Bakhtin e dos pressupostos da
Estética da Recepção de Iser e Jauss , as letras de algumas canções de Caetano
Veloso serão colocados como objeto de nosso trabalho, focalizando principalmente
o dialogismo, a interação e sua recepção pelos alunos do Ensino Fundamental e
Médio, que construirão seus próprios textos, a partir das canções estudadas e
analisadas em classe com o professor.
Iniciar-se-á buscando fundamentar esta pesquisa na teoria, então,
passar-se-á para uma análise mais concreta , trabalhando com os textos, canções
selecionadas de autoria de Caetano Veloso, para trabalhar com alunos do último
ano do ensino Fundamental e do primeiro e terceiro anos do Ensino Médio, em
dissertações narrações e paródias.
Sabe-se que para a interpretação de um texto, o leitor utiliza seus
conhecimentos prévios (repertório cultural) e, assim sendo, cada leitor pode
aprofundar-se, mais ou menos, no universo do texto que está sendo seu objeto de
leitura ou estudo.
O texto é construído de maneira tal que leve as vozes narrativas a se
organizarem num discurso, onde uma interação do sujeito (autor) e do receptor
(leitor) e é a partir dessa intenção que seu enunciado é configurado, devendo
também prever uma possível reação de seu interlocutor. Há, portanto, reciprocidade
dentro do enunciado e fora dele (interação de interlocutores).
Dentro de uma canção de amor, por exemplo, o autor dirige-se ao seu
interlocutor (pessoa amada) de maneira que a faça compreender seus sentimentos,
21
não descartando em momento algum a possível rejeição dos mesmos , uma vez
que, conhecendo o ser amado , pode prever algumas de suas atitudes.
Portanto, sendo a música uma linguagem universal, o autor direciona seus
sentimentos inicialmente a uma pessoa, a um conflito pessoal e a muitos outros
focos, mas posteriormente esses sentimentos podem ser interpretados de acordo
com a cosmovisão do receptor, tornando-se mais amplos e abrangentes e passando
de uma declaração individual para um sentimento humano, que pode ser
compartilhado por qualquer pessoa.
As letras das sicas (poemas) de Caetano permitem uma análise estilística,
em que se encontram continuidades e descontinuidades , conservação e
dissolução, surpresa e espera, marcada pela temporalidade e muitos outros
elementos semânticos que permitem a compreensão de seu texto, marcado pela
genialidade.
A palavra da língua é uma palavra semi-alheia. Ela se torna
“própria” quando o falante a povoa com sua intenção, com seu
acento, quando a domina através do discurso, torna-a familiar
com sua orientação semântica e expressiva. (Bakhtin,
1998,p.100).
A linguagem literária é plurilíngüe, um diálogo de linguagens, para o qual o
autor e seus receptores contribuem com seus repertórios, suas visões de mundo,
seus quadros de valores, interagindo de forma dinâmica e concretizando o texto
ficcional, que antes de ser lido, é uma virtualidade, uma possibilidade de existência.
Embora o plurilingüismo, os contextos de outrem, a realidade social e outros
fatores envolvam o autor, o mesmo deve imprimir sua marca à obra, bem como sua
entonação e seu acento.
Bakhtin afirma que o poeta não utiliza vozes de outrem, mas imagina o
repertório do outro e tem domínio total de sua linguagem, porém acreditamos que
sempre a presença de um fator ideológico, pois ele escreve para outrem, visto
que a linguagem do poeta existe na medida em que existe seu interlocutor, na
22
troca de experiências, na interação verbal e emocional e, para que isso ocorra, deve
partir de aspectos concretos da vida cotidiana.
Bakhtin afirma :“Ele deve partir da linguagem como um todo intencional e
único: nenhuma estratificação pluridiscursiva e muito menos plurilíngüe deve ter
qualquer reflexo marcante sobre sua obra poética.”( Bakhtin, 1998, p.103 )
Percebe-se, por essa afirmação, que o poeta, no ponto de vista do lingüista,
deve ter uma linguagem totalmente individualizada e transformar tudo o que
conhece da realidade em um texto único, que imprima somente suas intenções.
“Tudo aquilo que penetra na obra deve se afogar no Letes, esquecer sua vida
anterior nos contextos de outrem: a língua pode lembrar de sua vida nos
contextos poéticos. “ ( Bakhtin,1998, p.103)
A figura lingüística do autor fica responsável por toda palavra como se fosse
sua, mas não podemos esquecer que o próprio Bakhtin afirma que o ato de escrever
não é individualizado, é, na verdade, um jogo interativo “quem fala são os códigos e
não quem escreve”. Acredita-se, contudo, que esse jogo interativo, assim como a
intenção discursiva do autor se realizam e se concretizam numa interação maior
e mais complexa: a interação sujeito/ interlocutor.
O “sujeito discursivo” (eu lírico nos poemas) dentro das canções representa o
“sujeito do mundo”, apesar de não sê-lo efetivamente, e sim por referir-se e ter sido
criado por ele, por retratar uma ideologia e representar um sujeito pertencente a um
determinado grupo, a uma classe e uma sociedade, com sua visão de mundo.
Bakhtin faz a afirmação de que todo signo é ideológico”, ou seja,o autor
colhe seu discurso dentro de uma ideologia e o transporta para a sua. Sabe-se que
toda modificação da ideologia desencadeia uma modificação da língua. A evolução
da ngua obedece a uma dinâmica positivamente conotada. A variação é inerente à
língua e reflete variações sociais.
A evolução lingüística obedece a leis internas, mas é, sobretudo, regida por
leis externas de natureza social. O signo é encarado como signo dialético, mutável
e dinâmico, plurivalente e vivo que se renova ou adquire novas significações em
diferentes épocas ou comunidades interpretativas.
Bakhtin fala de uma “interação dialética constante” que é a dialética e a
ideologia interagindo dentro de um contexto social que faz de todos s, autores e
leitores, partes integrantes de um contexto que nos molda e influencia.“O signo
23
ideológico vive graças à sua relação no psiquismo e reciprocidade, a realização
psíquica vive do suporte ideológico.” ( Bakhtin: 1987,p.54)
A língua é um fato social, portanto, a língua, que é “nascida” e “criada” dentro
de uma sociedade, tende a adquirir características sociais próprias, fazendo com
que haja dentro do discurso, múltiplas linguagens que, quando desprendidas da
fala, criam um texto e um contexto onde interação entre os
interlocutores.“Nenhum enunciado em geral pode ser atribuído apenas ao locutor:
ele é produto da interação dos interlocutores e, num sentido mais amplo, o produto
de toda essa situação social complexa em que ele surgiu.” ( Bakhtin, in Todorov,
1981,p.50)
Na concepção de Bakhtin, a psicologia social é o meio ambiente inicial dos
atos da fala de toda espécie. Isso quer dizer que qualquer manifestação da fala
cotidiana, tanto no discurso exterior como no interior ( consciência), verbais ou não-
verbais, constituem a ideologia social.
Segundo Bakhtin, o signo individual, dentro da sociedade, é refletido e
refratado nas características ideológicas de cada um. Assim, em todo signo
ideológico, confrontam-se valores contraditórios. O signo se torna a “arena onde se
desenvolve a luta de classes”, o que torna o signo vivo, móvel e capaz de evoluir.
Apesar das perspectivas e abordagens, a psicologia, a sociologia e a
lingüística cruzam-se na elaboração de um discurso, por isso se fazem necessários
os comentários e citações sobre esses assuntos, mostrando a ligação inevitável
entre eles.
Não se pode imaginar que o produtor do discurso musical tenha o poder
soberano de produzir mensagens fechadas, que serão decodificadas de maneira
uniforme por todos os receptores, nem que tais discursos não se ancorem em
pressupostos comuns, muitas vezes de base ideológica, capazes de conduzir a
interpretação. A mídia desempenha papel central na divulgação dos textos musicais,
no entanto, a apropriação desses discursos são ltiplas, o que resulta,
obviamente, em entidades sociais tambémltiplas.
A síntese aqui apresentada permite vislumbrar algumas das possibilidades de
interpretação e interação com textos musicais.
1.2 O Dialogismo nas canções de Caetano Veloso
24
A comunicação é inerente ao homem desde o seu nascimento pela
necessidade de sobrevivência. Os estudos lingüísticos mostram a transformação da
língua durante o desenvolvimento do ser humano e tornando a comunicação mais
completa e complexa, pois o vocabulário do indivíduo é ampliado e enriquecido com
conhecimentos adquiridos durante sua vida. Quanto mais complexa é uma
sociedade, mais complexos serão os gêneros do discurso a serem percebidos na
sua função de comunicação.
A presente pesquisa tem por objetivo auxiliar o educando na aquisição de
novos conhecimentos que conseqüentemente aumentarão sua capacitação
discursiva, ou seja, deverão auxiliar o adolescente em sua busca pelo conhecimento
apresentando-lhe instrumentos para a construção de textos mais consistentes,
unindo elementos que o se dissociam: a comunicação midiática através da
audição de músicas e a lingüística.
Luís Ramiro Beltrán afirma que os estudos de comunicação vistos ao longo
do século XX são baseados nos princípios da “retórica” do filósofo grego Aristóteles
que são divididos em três elementos: locutor, discurso e ouvinte, ou seja, alguém
que fala algo para outro alguém. Para Aristóteles, o objetivo maior da comunicação
é a persuasão: a capacidade que o locutor deve ter para convencer o ouvinte de
que seu discurso é justo, coerente e correto. Esse esquema ainda é utilizado por
muitos autores. A dia sonora (rádio, e aparelhos que reproduzem Compact Disc)
utiliza esse esquema sico, porém, além de simplesmente utilizá-lo, fornece
códigos lingüísticos para uma análise mais profunda, baseada em estudos que
tratam da relação entre o locutor (emissor) e o ouvinte (receptor) na ótica da
análise do discurso, dos estudos de Bakhtin (dialogismo, plurilingüismo) e da
Estética da Recepção.
O código lingüístico compõe-se de signos gráficos e fônicos, que são
interpretados de acordo com o conhecimento de mundo do receptor (ouvinte) da
mensagem, pois a mensagem nunca é decodificada em sua íntegra. O emissor
(locutor) que a transmite, tem seu próprio conhecimento de mundo, assim como o
ouvinte (receptor) possui seus próprios quadros de valores e referências.
25
A essência desta pesquisa reside na composição de um conjunto de
atividades com os alunos, em sala de aula, a partir de textos de músicas de
Caetano Veloso, com o objetivo de buscar a articulação entre a expressão literária
poética e a informação objetiva de um texto. Tais textos visam o estabelecimento da
leitura dialógica que os integra em uma rede única de conhecimentos, fornecendo
subsídios para que os alunos elaborem seus próprios textos de formatos diversos
(dissertação, narração, paródia) a partir de proposições das letras das músicas de
Caetano Veloso.
Busca-se, ainda, descobrir de que maneira ocorre o dialogismo nas canções
de Caetano Veloso, partindo dos textos escritos e audições das canções pelos
alunos do último ano do Ensino Fundamental e do primeiro e terceiro ano do Ensino
Médio de Escolas Públicas.
Sabendo-se que dificuldade na leitura e elaboração de textos de alunos,
especialmente do Ensino Médio, apresentar-se-á uma proposta de ensino da
redação partindo de textos musicais, visto que, a transmissão da mídia sonora por
programas radiofônicos, televisivos ou por um instrumento como um rádio que
reproduz CDs é facilmente recebida pelos adolescentes. Trabalhar-se-á, deste
modo, com um material diferente dos quais eles têm contato em sala de aula
freqüente. As estratégias para esta pesquisa deverão atender aos preceitos
(exigências) e interesses do público alvo, ou seja, deverão ser oferecidos métodos
de ensino/ aprendizagem que estimulem o interesse desse público.
Os diferentes discursos de locutores diversos revelam que o diálogo do
discurso próprio com diversas fontes de fala é da ordem da linguagem e o da
língua, podendo ser mais ou menos marcado como tal por quem enuncia e, mais ou
menos percebido por aquele a quem ele é dirigido, sendo, portanto, uma questão de
interação e não de formas. Revelam também que por meio desse diálogo, os
locutores se posicionam com relação ao mundo, ao outro, a ele mesmo e ao próprio
discurso.
Pressupõe-se que o autor coloca o centro significante de sua linguagem na
perspectiva do outro, com o qual irá interagir (receptor). É a perspectiva do outro
que lhe interessa, pois não escreve canções para si mesmo. Essa voz alheia não
vem intacta, ela vem alterada justamente pela inserção do conhecimento de mundo
de cada indivíduo.
26
Caetano Veloso consegue ser ao mesmo tempo erudito e popular.Sua
erudição pode ser observada principalmente pela freqüente intertextualidade em
suas canções e pela utilização de palavras que não estão presentes no cotidiano
dos falante. sua popularidade dá-se por conseguir atingir a “massa”, ou seja,
pessoas de todos os níveis cio-econômicos. Ao interpretar suas canções o
adolescente i adquirir novos conhecimentos para utilizá-los na interpretação de
textos diversos, visto que, muitos textos mostram o retrato da sociedade brasileira,
assim como outros os “sentimentos do mundo”; situações que fazem parte do ser
humano durante toda sua vida, como por exemplo, a eterna luta do bem contra o
mal na canção Meu bem meu mal (FERRAZ,2003,p.139) e muitas outras que
mostram o paradoxo do amor.
Com esta análise, esperamos apresentar atividades que, principalmente,
estimulem a escrita dos adolescentes, enriqueçam seu vocabulário e propiciem uma
escrita de textos,com conteúdo mais rico em informações.
Os alunos (receptores) entrarão em contato com as canções selecionadas e
terão a oportunidade de conhecer a forma como esses textos foram desenvolvidos,
através da desconstrução e reconstrução dos mesmos, com auxílio de estratégicas
analíticas oferecidas pela Estética da Recepção.
No próximo capítulo, falaremos sobre a trajetória de Caetano Veloso
registrada pela mídia, uma relação permeada por declarações que ficam entre dois
extremos, o amor e o ódio mas, revelam sempre um artista preocupado com o seu
país, o seu povo e a sua cultura. Os estudos das canções de Caetano Veloso
permitem uma ampla abordagem dos mais diversos temas, embora sempre
sublinhados pelo seu amor ao seu povo e ao “outro”, ao seu parceiro(a) que o
completa. A intertextualidade é uma marca de seu texto poético, uma vez que
através do dialogismo e da intertextualidade, o outro é parte integrante de seu
discurso.
27
2 A TRAJETÓRIA DE UMA VIDA FILTRADA PELADIA
2.1 A relação com a mídia através dos anos
Quase não tínhamos livros em casa
Mas os livros que em nossa vida entraram
São como radiação de um corpo negro
Apontando pra expansão do Universo
10
Caetano Emanuel Viana Telles Veloso, nascido em 07 de agosto de 1942,
em Santo Amaro da Purificação, a 73 quimetros de Salvador, Caetano Veloso,
como ficou conhecido por todo o país, já sabia desde pequeno o que queria ser na
vida e construiu seu conhecimento literário por conta própria, buscando ler tudo o
que podia, conforme suas próprias palavras:
...não havia livros na minha casa. Aquela frase da minha canção ‘Livros’ é
quase um desabafo, um lamento autobiográfico. Nossa casa era imensa,
um sobradão daqueles enormes, antigos do recôncavo da Bahia, (...), mas
não tinha uma biblioteca.Nem sequer uma estante com livros. Mas havia
livros em minha casa. Uns livros fugazes que sempre estavam nas mãos
de minha mãe que era a única pessoa que eu via dentro de casa lendo.
(VELOSO, 2001,p.43)
28
Com pouco mais de quatro anos de idade, o irmão de Maria Bethânia
compunha A Tua Presença Morena, revelando seus dotes artísticos.Mas sua
trajetória musical começou, realmente, quando se mudou com a família para
Salvador no início dos anos 60. A capital baiana vivia um momento de
efervescência cultural, e Caetano aproveitou sua paixão pela música e pela bossa
nova de João Gilberto e começou a tocar em barzinhos da cidade.
Em 1963, ingressa na Faculdade de Filosofia da Universidade Federal da
Bahia e conhece o parceiro Gilberto Gil. Do fruto dessa amizade surgiram
composições como No dia em que eu vim-me embora, Panis et Circenses, São
João, Xangô Menino, Haiti, Cinema Novo, Dadá, entre outras.Nesse período,
também conheceu Gal Costa e Tom , futuros componentes da Tropicália. Em
1965 abandona a faculdade e acompanha sua ir Bethânia, que foi chamada ao
Rio para substituir a cantora Nara Leão no show "Opinião", sucesso naquele ano.
No mesmo ano, Bethânia gravou É de Manhã, de Caetano, e a música marcou sua
estréia com um compacto simples.
Em 1966, a "Revista Civilização", no seu número sete, publica um
depoimento de Caetano Veloso, em que ele fala da necessidade da "retomada da
linha evolutiva da sica popular brasileira" a partir das lições mais fundamentais
da bossa nova. É uma das primeiras manifestações teóricas do artista-crítico,
pensador da arte, Caetano.
Estreando na era dos festivais, que sacudiram a MPB nos anos 60, ele
concorre, em o Paulo, no Festival Nacional da Música Popular, da TV Excelsior,
com "Boa palavra". A canção, defendida por Maria Odette, classifica-se em quinto
l u g a r .
O grande poeta da canção começa a ser reconhecido como tal. A sua "Um
dia" recebe o prêmio de melhor letra, no 2º Festival de Música Popular Brasileira da
TV Record de São Paulo.
Em novembro, Caetano promove disputas nas quais os artistas participantes
exibem seus conhecimentos de sica popular; passa a se tornar mais conhecido.
Compõe a trilha do filme "Proezas de Satanás na terra do leva-e-traz" de Paulo Gil
29
Soares. Contratado pela Philips, gravadora pela qual saíram todos os seus discos
daquele momento em diante, Caetano lançou seu LP de estréia "Domingo", dividido
com Gal Costa; do repertório, constam "Coração vagabundo" e "Avarandado" entre
outras. O disco mostra uma filiação do artista à bossa nova; no texto, na
contracapa, porém, ele avisa que sua inspiração está tendendo a novos caminhos
muito diferentes do que havia conseguido até aquele instante.
A apresentação de sua marcha "Alegria, alegria", ao som das guitarras
elétricas do conjunto pop argentino Beat Boys, enlouquece o 3º FMPB, da TV
Record, juntamente com a cantiga de capoeira "Domingo no parque" de Gilberto Gil,
com acompanhamento d'Os Mutantes. As duas canções se classificam,
respectivamente, em quarto e segundo lugares. Eram os baianos rompendo com a
tradição na nossa música.
"Alegria, alegria" é lançada em compacto simples. A essa altura, está em
curso o Tropicalismo, movimento de vanguarda que abalará nossas estruturas
musicais e culturais, com conseqüências notáveis até hoje. O movimento aplica e
atualiza, num contexto de massa, a filosofia antropofágica do modernista Oswald de
Andrade, que propôs o reprocessamento de informações estrangeiras para a
criação de uma arte brasileira e original. Público, crítica e artistas - entre
tropicalistas e esquerdistas engajados dividiram-se. Na imprensa, o poeta Augusto
de Campos saudou o grupo baiano que o promoveu.
Um “happening” ocorre em Salvador e repercute nas revistas de todo o país:
o seu casamento pop-tropicalista com a baiana Dedé Gadelha. Em janeiro de 1968,
houve a gravação de seu primeiro LP individual, "Caetano Veloso". No disco
ressaltam grandes e memoráveis clássicos como "Alegria, alegria", a emblemática
"Tropicália", "Soy loco por ti, América" (esta, de Gil e Capinan).
O Brasil vivia momentos de repressão por parte do governo militar. Com a liberdade
de expressão proibida, os artistas tentavam, a todo custo, quebrar as barreiras da
censura. Caetano era um dos revoltados com a situação pela qual passava o país.
Junto com Gil, lançou o movimento cultural Tropicalista na tentativa de expressar
seu inconformismo. Através do deboche, da irreverência e da improvisação, o
tropicalismo revoluciona a MPB, utilizando-se de elementos estrangeiros fundidos
30
com a cultura brasileira (a filosofia antropofágica do modernista Oswald de
Andrade) e baseando-se na contracultura. O movimento foi lançado no Festival de
MPB da TV Record, em 1967, com as músicas Alegria, Alegria, de Caetano, e
Domingo no Parque, de Gil, que se tornaram hinos da juventude da época. Em
1968, no auge do movimento, Caetano lançou o álbum Tropicália, junto com
Gilberto Gil, Gal Costa e Tom Zé.
A parceria com Gilberto Gil estendeu-se da sica e foi parar na vida dos
dois artistas. O choque de idéias com a ditadura militar ocasionou a prisão dos dois
em São Paulo, e impôs o exílio na Inglaterra, em 1968. Entretanto, a barreira
geográfica não impediu que os protestos continuassem e, de Londres, Caetano
enviasse artigos para o jornal O Pasquim e músicas para diversos intérpretes como
Gal Costa, Maria Bethânia, Elis Regina, Erasmo e Roberto Carlos.
Caetano retornou ao Brasil em 1972 e passou por um momento de alta
criatividade. Até o final dos anos 70, muitos sucessos como Tigresa, Leãozinho,
Odara e Sampa foram lançados. O encontro com os antigos companheiros Gal,
Bethânia e Gil resultou, em 1976, na formação do grupo Doces rbaros. O show
excursionou por São Paulo e outras dez cidades brasileiras, revivendo antigos
sucessos e, resultando na gravação de um LP. Em 1993, a parceria com Gilberto Gil
foi retomada e juntos lançaram o disco "Tropilia 2".
Multimídia, Caetano tamm se arriscou em outras formas de arte. Em 1986
comandou, ao lado de Chico Buarque, o programa de televisão da Rede Globo
"Chico & Caetano", onde cantavam e traziam convidados. Essa experiência na
televisão ajudou a quebrar a imagem de que os dois músicos não se davam bem.
No cinema, ele dirigiu o filme O Cinema Falado e outros, como escritor, sua estréia
foi Verdade Tropical, no qual faz um relato pessoal sobre os principais aspectos e
acontecimentos relacionados ao movimento tropicalista.
Hoje, com mais de sessenta (60) anos, Caetano Veloso é um senhor grisalho
e de cabelos aparados que, à primeira vista, em nada lembra aquele representante
da geração hippie. Em seu novo CD e show, A Foreign Sound, Caetano volta a
buscar em composições alheias, no caso, de autores norte-americanos, a
possibilidade de criticar um sistema dominante. Em um repertório que mistura Assis
31
Valente, Noel Rosa com Nirvana e Cole Porter, Caetano faz a ponte entre o Brasil e
o mundo que ele começou a conhecer no exílio.
A ousadia continua sendo uma marca registrada de Caetano.
Caetano é o mais original compositor/criador musical da nossa geração e
essa originalidade reside no tratamento elegante e delicado que à sua
inequívoca ousadia poética, à exploração de um modernismo
melódico/harmônico que equilibra com perfeição signos da melhor tradão
da música popular nacional (samba, caão, baião, toada nordestina), à
utilização dos elementos arrojados da modernidade pop e rock (incluindo aí,
se quisermos, as inflncias da Escola de Viena a Stockhousen). (...) A
música de Caetano é um convite e um estímulo à meditação sobre a eterna
tragédia da solidão do ser e da contingência da vida, um estímulo ao cultivo
da palavra sonora, hospedeira da verdade e da mentira: pertence, quase,
ao plano da Filosofia.
11
Nos anos setenta, Caetano era mal visto pelos conservadores da época e
hoje é visto como intelectual e excêntrico.
Caetano envolve-se freqüentemente, em polêmicas com a mídia. Ele não
procura agradar ao interlocutor, enfrenta a mídia em plano de igualdade. É uma das
poucas figuras públicas que m peso, agilidade e disposição para fazê-lo. Muitos
jornalistas pensam que o sucesso de uma entrevista está em “desmascarar” alguém
que tenha conseguido uma certa unanimidade. Caetano é, na área cultural,
considerado por alguns como artista decadente, aburguesado que está sempre
aparecendo na mídia. É uma espécie de reação ao “grande consenso que se formou
em torno do autor”, conforme comentário do jornalista Marcos Augusto Gonçalves,
em artigo da edição do caderno Mais! da Folha de São Paulo de novembro de 1997.
A capa daquele suplemento dedicado ao livro “Verdade tropical já indicava o
desejo de desmascarar Caetano.Os textos diziam: “O tropicalismo do cárcere ao
poder”, Documentos mostram que o regime militar não diferenciava a tropicália de
outras manifestações culturais que agitaram o Brasil nos anos 60”.
Essa última afirmação era baseada numa reportagem com o general António
Bandeira, que em 1968 ocupava posto de comando na estrutura dos organismos de
repressão política.
32
De acordo com o general, conforme apurou Mais! , os tropicalistas não
incomodavam tanto os militares quanto os guerrilheiros envolvidos na luta armada.
O jornal procurava desnudar o que seria um erro na avaliação de Caetano
Veloso. Em seu livro, ele diz que acreditava que os tropicalistas seriam os mais
profundos inimigos do regime militar.
Caetano tem uma relação, assim como outros intelectuais, de amor e ódio
com a mídia, porém prefere, na maioria das vezes, não dar importância ao que
dizem a seu respeito. Assume posições pessoais e controvertidas, mesmo correndo
o risco de ser “odiado” pela mídia que não tolera muito as mediações e quer
respostas imediatas, diretas, enquanto Caetano procura ter sua opinião “ou não”,
como fala na maioria das vezes em suas entrevistas, e foi motivo de muitas
piadas por humoristas que fazem sua imitação em programas como Casseta e
Planeta Urgente” da Rede Globo de Televisão. Em uma de suas entrevistas à
revista Época, Caetano fala de sua relação com a crítica:
... dialogo e entro em competão com a crítica. Sempre atuei criticamente,
desde os tempos da revista que Glauber Rocha editava. Isso não é
desprezo pelos jornalistas, como alguns pensam. Ao contrário, respeito a
boa crítica. Gosto de propor discussão de idéias, cada vez mais difícil nos
jornais. O problema é que, para vocês jornalistas, o pior é sempre o melhor.
Trabalho com atitude explícita. Nada fica sem resposta.(VELOSO, 2004:
61)
Quando Caetano participa de programas televisivos, as atenções se voltam
inteiramente para ele. Trata-se de um ícone de nossa MPB, e não importa quem
esteja falando ou amesmo cantando, as câmeras focalizam todos os movimentos
de Caetano, como foi visto no último dia 21 de agosto de 2005, em sua aparição no
programa Global “Domingão do Faustão” no lançamento da trilha sonora do filme
“Os dois filhos de Francisco”. No dia 22 de agosto, no caderno Ilustrada da Folha de
São Paulo foi publicada uma nota dizendo que Caetano ficou após o programa
conversando com os atores da novela América, dizendo ser fã da mesma.
Caetano é um cantor com um imenso repertório que, como foi dito,
apresenta desde o erudito até o popular com desenvoltura e influenciou vários
33
cantores como Ney Matogrosso, segundo uma declaração do cantor na revista
Época de 29 de agosto de 2005.
A primeira vez que vi Caetano eu era um funcionário público em
Brasília, no fim dos anos 60. Ele apareceu vestido de cor-de-rosa, dos pés
a cabeça. Naquele tempo homem não usava nem meia cor-de-rosa.
Imagina o choque; ditadura, você encontra Caetano Veloso todo de rosa
em Brasília! Pensei ‘Se um dia eu for artista, quero causar nas pessoas o
que ele causa em mim.(MATOGROSSO, 2005, p.103).
Apesar de intelectuais cultuarem Caetano como ícone da Música Popular
Brasileira, ter também uma diversidade de público e de suas aparições na dia
sempre serem mostradas como um grande espetáculo, as sicas mais conhecidas
pelo público principalmente ouvintes da mídia radiofônica na atualidade são
composições de outros artistas interpretadas por ele, como por exemplo, a canção
“Sozinho” de Peninha que foi um grande sucesso por ser tema da novela Global
"Suave Veneno". Gravada no disco "Prenda Minha" de 1999, a canção ajudou a
alavancar as vendas do CD que chegaram a um milhão de cópias.
12
Orfeu, filme de 2000 com direção de Cacá Diegues, ganhou os prêmios de
Melhor Filme, Melhor Fotografia e Melhor Trilha Sonora (Caetano Veloso), no
Grande Prêmio Cinema Brasil. A canção, de autoria e interpretação de Caetano
Veloso Sou você” rendeu-lhe o prêmio António Carlos Jobim, mas não obteve êxito
com a mídia.
Outra canção interpretada por Caetano que foi muito executada nas rádios
em 2003, Você não me ensinou a te esquecer” dos compositores Bruno Mattos e
Odair José foi tema dos personagens principais Leléu e Lisbela do filme Lisbela e
o prisioneiro” com direção de Guel Arraes.
2.2 Uma entrevista “com” ou “sem” pretensões
Em entrevista concedida à revista Época, em 24 de maio de 2004, ao
jornalista Luís Antônio Giron, Caetano fala de tudo um pouco e rebate as alfinetadas
do jornalista com muito bom humor. (Anexa entrevista na íntegra)
34
O jornalista descreve Caetano como alguém de bem com a vida, que não
precisa provar nada a ninguém, faz comentários sobre suas frases polêmicas e
obtém como resposta do entrevistado explicações simples para falas que foram
supervalorizados pela imprensa desde a década de sessenta (1960).
Ao ser questionado sobre sua condição de intelectual, diz que gosta de
externar suas opiniões sobre qualquer assunto e atribui isso ao momento histórico
pelo qual passou, quando todos os artistas deviam sempre ter opiniões próprias a
respeito de tudo, pois era uma obrigação.“... sou uma pessoa da área de
entretenimento que dá suas opiniões”.(VELOSO, 2004: 108)
Sobre política, apesar de ser um político em sua essência, diz que não gosta,
mas sempre lê jornais para ficar por dentro de tudo o que ocorre no país e no
mundo. em Ariano Suassuna um gênio, mas diz que o autor transforma-se em
um palhaço pela obrigação de manter uma posição conservadora e afirma que a
xenofobia não é bem vinda nos dias atuais.
Sente-se lesado pela pirataria de CDS, mas o quer entrar no mérito da
questão por considerar-se despreparado para isso e acima de tudo não dar a menor
importância ao fato.“... perdemos o controle sobre a veiculação de música. Não sou
empresário, não sou nem mesmo capitalista. não posso cuspir no prato em que
comi. Existe uma crise, mas eu não estou nem aí”.(VELOSO, 2004:110)
A sica é considerada pelo compositor como arte e os lucros que vêm dela
nada mais são do que reconhecimento pelo trabalho e dedicação do artista.
João Gilberto é a sua grande influência musical. Quando questionado sobre o
porquê de não cantar como o ídolo, diz que tentou imitá-lo, mas considerou o feito
impossível.
Admite que sua competência musical é limitada, comparada com artistas
como Chico Buarque, por exemplo. Considera-se um bom compositor.
Sobre cinema, diz que gosta muito e que foi muito bom dirigir um filme e tem
o desejo de dirigir algo ambientado em Salvador, Bahia.
35
Acredita arriscar seu prestígio com o lançamento de seu disco em inglês e
considera a música americana melhor que a nacional, por influenciar maior número
de pessoas no mundo.
2.3 A folia soteropolitana de Caetano Veloso
“A inteligência puramente musical de Caetano Veloso”
13
No jornal eletrônico de vinte (20) de agosto de mil novecentos e noventa e
nove (1999), o jornalista J. D. Borges faz uma crítica a Caetano mostrando sua
aversão pelas idéias, comentários e a própria presença do compositor, dizendo que
ele gosta de aparecer e faz falsas interpretações de fatos, dando suas opiniões
sobre tudo e não tem paciência para explicar ao público suas obras. (Anexa,
entrevista na íntegra)
Considera Caetano um recordista de entrevistas e trata o Tropicalismo como
um movimento de iias vagas, de mau gosto e popularesco típico. Diz, ainda, que
para o compositor, o único Estado que tem importância em nosso país é a Bahia.
Acusa Caetano de privilegiar seus conterrâneos baianos, cita João Gilberto e
António Carlos Magalhães, diz que o artista é inconseqüente, inoportuno,
cara-de-pau e ingrato a São Paulo e Rio de Janeiro. Diz ainda que o estilo musical
e comentários do compositor estão ultrapassados e praticamente pede para que ele
“ se recolha à sua insignificância” com palavras bem agressivas.
Não é raro encontrarmos opiniões como a de J. D. Borges na imprensa
nacional. Na maioria das vezes, os jornalistas consideram Caetano como alguém
que não pensa para falar e que, por vezes, tem uma verborragia que pode
prejudicar sua imagem na mídia.
Como foi dito anteriormente, muitos jornalistas querem “desmascarar”
quem de alguma forma consegue se destacar, midiaticamente, no panorama
nacional ou a internacional e sabemos que embora Caetano seja quase” uma
36
unanimidade nacional, um “coro de contrários” às suas produções artísticas e
suas opiniões, muitas vezes polêmicas.
Podemos citar, como exemplo da manipulação da dia, uma entrevista para
o jornal O Globo de 27 de maio de 2001 cujo título foi recortado de uma
declaração do artista pelo jornalista ou editor do jornal. Tratava-se de um
comentário normal, mas tornou-se uma “afronta” aos leitores, principalmente
conterrâneos de Caetano. O título dizia “A estrela baiana aqui sou eu”. Quem não
leu a entrevista, certamente imaginou Caetano prepotente, mas quem a leu, de
perceber que o artista diz isso ao ser perguntado sobre António Carlos Magalhães
na intenção de não desfocar a entrevista na qual falava sobre seu trabalho e não
sobre política ou outro assunto qualquer.
2.4 O bem que Caetano faz
Se nariz de poeta aponta sempre contra os chapadões. Mesmo no contexto
de absurda excelência da poesia da música popular brasileira, um de
nossos maiores patrimônios, relativamente pouco estudado, a arte de
Caetano Veloso é qualquer coisa, ou muito. Encanta e surpreende a cada
página, que nunca se dá sem fogo, sem o brilho da consciência e da
paixão. Depois do quê, ficamos nós, desastrados tropeçando nos milagres
(NESTROVSKI, 2003, Folha de são Paulo)
Neste trecho do artigo de Arthur Nestrovski à Folha de São Paulo, o jornalista
mostra a paixão pelas letras de Caetano Veloso e no contexto faz intertextualidade
com canções “Qualquer coisa” e “Livros”.
Assim como Nestrovski, muitos jornalistas reconhecem o brilhantismo de
Caetano Veloso. Em artigo à Folha on line, de novembro de 1997, Mário Vitor
Santos também sai em defesa do compositor, que havia lançado seu livro Verdade
Tropical” e fora duramente criticado pela mesma Folha de São Paulo no suplemento
dominicalMais!” de novembro, do mesmo ano, pelo jornalista Marcos Augusto
Gonçalves.
37
Marcos Augusto Gonçalves dizia, na reportagem, que Caetano, em seu livro
“Verdade tropical” , considerava-se o dono da verdade.
Mário Vitor Santos considera este comentário invejoso e acredita que a
colocação foi feita pelo jornalista a fim de desautorizar a integridade de Caetano.
Santos diz que “Verdade tropical” é um livro excelente, com uma linguagem
de fácil entendimento e sem prepotência do autor e que o jornalista da Folha tem
necessidade de um enfrentamento franco com Caetano, para que entenda sua obra
e possa criticá-la.
O jornalista considera as intervenções críticas de Caetano, no terreno
jornalístico, revigoradas através dos anos, sabe que Caetano não tem a menor
intenção de agradar seu interlocutor e, quando faz uma declaração, enfrenta a
dia, em plano de igualdade, sendo uma das poucas pessoas que faz isso com
destreza.
Não é apenas sobre os brasileiros que o compositor e cantor Caetano Veloso
causa forte impacto. Famoso internacionalmente, o baiano deixa jornalistas
estrangeiros inquietos, ao saberem de uma possibilidade de entrevista, como revela
a repórter de Chicago Irma Nunez, que escreveu, especialmente para o jornal
japonês The Japan Times. Na reportagem, Irma não esconde seu prazer e orgulho
em conversar com Caetano.
Santuza Cambraia Naves, em Revista do Arquivo Nacional de 23 de junho de
2004, fala sobre Caetano Veloso, apresentando uma figura paradigmática, de uma
certa tradição de compositores populares brasileiros que, por recorrerem a
procedimentos metalingüísticos embaralhando assim as classificações referentes
à arte erudita e popular —, demandam interpretação.
Parafraseando Bakhtin em sua alusão a Dostoiévski (1981:14), creio que
posso afirmar que Caetano é, por excelência, o bardo das transformações
realizadas na sociedade brasileira e nas concepções sobre a sua natureza.
Mas trata-se de um bardo atualizado, que não se contenta em recolher e
comentar repertórios diversos; Caetano atua como significante desta
38
pluralidade cultural, expressando e dramatizando, em sua figura pública, as
contradições inerentes ao seu meio. (NAVES,1998:71)
No texto acima, podemos concluir que Naves coloca Caetano como um artista
que cria, inova sobre atualidade e com isso consegue deixar sua marca nada
convencional na cultura nacional.
Romildo Sant’ Anna fala sobre Caetano e resume o sentimento das pessoas
que admiram sua arte.
Veloso de tantas brisas e velas, tratando o som com desvelo, ele se
mantém fora das opiniões padronizadas; é o doce bárbaro de todas as
mídias, do disco às telas, que refletem o iluminar da vida. Desfolhamento,
em alta voz, de um montão de livros. ( SANT ’ANNA, 2003: 320)
Como pudemos perceber, Caetano Veloso coloca-se sempre à disposição da
dia, mesmo sabendo que ela pode ser benéfica ou maléfica à sua imagem.
O compositor e cantor sempre responde aos questionamentos feitos a ele
com extrema naturalidade e não tem medo de admitir que esteve errado em algum
aspecto. Em uma de suas entrevistas, diz que não gostava da música Pétala” de
Djavan quando foi lançada, mas com o tempo apaixonou-se pela canção.
No desejo de alcançar prestígio nos meios de comunicação de massa, alguns
jornalistas ou repórteres tentam criar sensacionalismo, envolvendo nomes de
pessoas famosas como é o caso de Caetano e, algumas vezes, extrapolam os
limites e constroem uma imagem destorcida da realidade, manipulando e colocando
palavras fora do contexto em que foram ditas.
Caetano é extremamente polêmico e, às vezes, fala demais. Ele mesmo
admite ser este seu maior defeito, mas não se pode negar seu talento literário,
musical e principalmente sua sensibilidade na maneira de tratar as palavras, de
criar poemas musicais.
A mídia tem todo interesse em suas atividades, sejam elas artísticas ou
envolvendo sua vida íntima. Suas opiniões, suas posições ideológicas, suas
sicas, seus amores, seus amigos são sempre notícia. Os repórteres, ora
39
admiradores ora críticos, estão sempre atentos aos seus movimentos. È uma vida
filtrada pela mídia que se revela aos leitores em todos os seus ângulos, mas é na
sua sica que ele se coloca por inteiro, sendo considerado, com toda razão, um
dos ícones da arte musical brasileira, onde erudito e popular fundem-se em músicas
que são a essência de nossa sociedade e de nosso tempo.
No capítulo seguinte veremos o estudo da intertextualidade contida nos
textos que serão analisados, visto que este fator é o mais representativo nas
canções analisadas.
3 A INTERTEXTUALIDADE NAS CANÇÕES DE CAETANO VELOSO
À referência implícita ou explícita de um texto a outros textos, dá-se o nome
de intertextualidade.Um texto é a voz que dialoga com outros textos, mas também
funciona como eco das vozes de seu tempo, da história de um grupo social, de seus
valores, suas crenças, preconceitos, medos e esperanças e isso não poderia ser
mais claro do que nas canções de Caetano Veloso. Segundo suas próprias
palavras:
“As minhas letras são todas autobiográficas. Até as que não são, são”.(VELOSO,
2003,p. 09)
As relações transtextuais evidenciam que o texto literário não se esgota em si
mesmo: plurariza seu espaço nos paratextos; multiplica-se em interfaces; projeta-se
em outros textos; perpetua-se na crítica; estabelece tipologias; repete-se em
alusões, plágios, paródias, paráfrases e citações.
A intertextualidade, confirmada na literatura pelos temas retomados,
eternizando e dando novas feições aos mitos e às emoções humanas, comprova
que os textos se completam e se inter-relacionam.
40
Pode-se dizer que a intertextualidade ocorre na mídia com muita freqüência e
entre textos de diferentes signos lingüísticos, textos verbais e não-verbais. Portanto,
neste momento, analisaremos como Caetano Veloso se utiliza desse recurso
lingüístico para tornar suas canções inesquecíveis.
Nas canções afastadas de sua melodia, as palavras ganham em
materialidade e se mostram das mais diversas maneiras: versos econômicos
aparecem ao lado de longas estruturas narrativas, construções experimentais
convivem com formas tradicionais, simplicidade extrema mistura-se à sofisticação
formal.
É indiscutível que o leitor deve ter um conhecimento de mundo (memória
discursiva) amplo ao ler as canções de Caetano. Se isso não for possível, deve
haver interesse em ampliar seus conhecimentos pesquisando, quando ocorrerem
dúvidas sobre o sentido de frases dentro do contexto das canções, para que sua
interpretação seja satisfatória.
Quando falamos em intertextualidade, devemos pensar tamm em
dialogismo que é o que constrói o texto “vivo”. É a relação que existe entre os
falantes envolvidos no discurso das canções. Um texto existe, se for contado ou
lido por alguém, e esse alguém tem o poder de transformar o texto em outro texto,
isto é, o texto com interferência de conhecimentos prévios de receptor já não é mais
o texto original, pois foi “povoado” pelo conhecimento de mundo desse receptor.
3.1 Análise interpretativa das canções
Neste momento faremos a desconstrução das letras de algumas canções de
Caetano Veloso, procurando preencher os vazios (uma das possibilidades
interpretativas) deixados pelo autor, para que posteriormente possamos
reconstruí-las com nossa memória discursiva, ampliada através da pesquisa
detalhada sobre cada paráfrase, paródia ou citação.
Analisaremos aqui oito canções, mas na prática de sala de aula
trabalharemos com apenas algumas (Capítulo IV), pois foram escolhidas as que
mais se adequaram aos interesses dos alunos, as demais serão utilizadas em
outras oportunidades.
41
3.1.1 Texto 1- “Livros”
A primeira canção que analisaremos será “Livros” do disco Livro de 2.004 que
fala da paixão pelos livros e das transformações que estes podem provocar na vida
do ser humano.
Livros
Tropeçavas nos astros desastrada
Quase não tínhamos livros em casa
E a cidade não tinha livraria
Mas os livros que em nossa vida entraram
São como a radiação de um corpo negro
Apontando pra a expansão do Universo
Porque a frase, o conceito, o enredo, o verso
(E, sem dúvida, sobretudo o verso)
É o que pode lançar mundos no mundo
Tropeçavas nos astros desastrada
Sem saber que a ventura e a desventura
Dessa estrada que vai do nada ao nada
São livros e o luar contra a cultura
Os livros são objetos transcendentes
Mas podemos amá-los do amor táctil
Que votamos aos maços de cigarro
Domá-los, cultivá-los em aquários,
Em estantes, gaiolas, em fogueiras
Ou lançá-los pra fora das janelas
(Talvez isso nos livre de lançarmo-nos)
Ou o que é muito pior por odiarmo-los
Podemos simplesmente escrever um:
42
Encher de vãs palavras muitas páginas
E de mais confusão as prateleiras
Tropeçavas nos astros desastrada
Mas pra mim foste a estrela entre as estrelas.
A canção é composta por vinte e seis (26) versos e dividida em quatro (4)
estrofes.
Na primeira estrofe, cujo primeiro verso é repetido como refrão por três vezes
no decorrer da canção, o autor faz intertextualidade com um dos versos de Orestes
Barbosa da canção Chão de estrelas que foi gravada pela primeira vez em 1937
por Sílvio Caldas.
Notemos a semelhança entre os versos:
Caetano: “Tropeçavas nos astros desastrada”
Orestes: “E tu pisavas nos astros distraída”
Caetano substitui a palavra distraída (desatenta) pela palavra desastrada
(que produz desastres, danos, prejuízos) e o uso dessa palavra muda o contexto do
verso de Orestes que usou a palavra distraída com suavidade, podemos comprovar
isso nos seis (6) últimos versos da canção “Chão de estrelas” :
“A porta do barraco era sem trinco
Mas a lua furando nosso zinco
Salpicava de estrelas nosso chão
E tu pisavas nos astros distraída
Sem saber que a ventura desta vida
É a cabrocha, o luar e o violão”
43
Caetano usou a palavra desastrada com mais agressividade,considerando
que seu interlocutor tropeçava nos astros (livros/ palavras) por desconhecê-los pela
falta de leitura. Isso percebemos pelos versos a seguir:
“Quase não tínhamos livros em casa
E a cidade não tinha livraria”
Seus versos são praticamente um protesto, um desabafo como em suas
próprias palavras “...não havia livros em minha casa. Aquela frase da minha canção
‘Livros’ é quase um desabafo, um lamento autobiográfico” (VELOSO,2001,p.43).
Ainda na primeira estrofe, nos dois últimos versos aparece a importância dos
livros na vida do compositor representando a “radiação de um corpo negro”, um
caminho novo a ser percorrido o qual o conduzirá ao mundo dos sentimentos, das
emoções e da razão.
“Mas os livros que em nossa vida entraram
São como a radiação de um corpo negro
Apontando pra expansão do Universo”
Ao lermos sobre “A teoria da grande explosão” percebemos que Caetano nos
remete a ela, comparando os livros com a radiação provocada por essa suposta
teoria da expansão do Universo.
Podemos comparar a radiação penetrando em um corpo negro com uma
“chapa” de Raio X, ou seja, a radiação entra pelo corpo e é impressa em uma
“chapa” que antes da radiação era negra, depois apresenta pontos transparentes,
tornando fácil de enxergar o que na parte interna do corpo. Assim, os livros que
apareceram na vida do emissor foram exatamente como essa radiação que abriu o
Universo para ele.
Percebemos que a primeira estrofe e a segunda são ligadas pelo primeiro
verso que fala da expansão do Universo já explicitada anteriormente.
Vejamos os próximos versos da segunda estrofe:
44
“Porque a frase,o conceito,o enredo, o verso
(E, sem dúvida, sobretudo o verso)
É o que pode lançar mundos no mundo”
O compositor deixa clara a idéia da construção de uma visão mais ampla do
mundo. Os livros, através das palavras que podem ser frases, conceitos, enredos e ,
segundo o compositor, “sobretudo o verso” abrem espaço para novas idéias e
concepções sobre a vida, lançam “mundo nos mundos”, ou melhor, fazem com que
a visão de mundo das pessoas se amplie.“Dá-nos a impressão de o mundo estar ao
nosso alcance; não podemos compreendê-lo, conviver com ele, mas até
modificá-lo à medida que incorporamos experiências de leitura” (MARTINS,
1994,p.17)
Nos dois últimos versos da segunda estrofe:
“Tropeçavas nos astros desastrada
Sem saber que a ventura e a desventura
Dessa estrada que vai do nada ao nada
São livros e o luar contra a cultura”
Novamente Caetano trabalha com a intertextualidade com o texto de Orestes
Barbosa, as contradições da vida contidas nos livros que são expressas pela
antítese ventura/desventura ;a desilusão de muitas vezes não chegar a lugar algum
nada/nada.
Esses versos podem ser pensados como algo que alguém lê e essa leitura
não lhe traz conhecimento, mas ilusão de uma vida que não existe (sempre com
final feliz). A antítese ventura/desventura pode estar ligada aos livros fugazes que o
compositor via nas mãos de sua mãe quando criança “Mas havia livros em minha
casa. Uns livros fugazes que sempre estavam nas mãos de minha mãe...”
45
(VELOSO,2001,p.43). Esses livros poderiam ser romances para mulheres da época
que serviam apenas de entretenimento, e por serem fugazes levavam quem os lia
“do nada ao nada”, não transmitiam cultura. No último verso da primeira estrofe o
compositor faz uma provocação afirmando que esses livros que fazem sonhar (luar)
são contra a cultura.
Na terceira estrofe, o compositor apresenta o poder que o livro pode exercer
sobre o ser humano que ultrapassa as coisas materiais e sentimentais (são objetos
transcendentes) e que pode despertar nosso amor, nossa indiferença ou o ódio:
“Os livros são objetos transcendentes
Mas podemos amá-los do amor táctil
E voltamos aos maços de cigarros
Domá-los , cultivá-los em aquários,
Ou lançá-los pra fora das janelas”
Quando o emissor fala sobre “amor táctil” faz alusão ao nível básico de
leitura sensorial que é o que faz com que tenhamos capacidade de sentir um livro
com o tato, com a visão, com a audição, com o olfato e com o gosto é o início do ato
de leitura: “Antes de ser um texto escrito, um livro é um objeto; tem forma, cor,
textura, volume, cheiro. Pode-se até ouvi-lo se folhearmos suas ginas.”
(MARTINS,1994,p.42)
Ao dizer que volta aos maços de cigarros a alusão é feita ao nível básico de
leitura racional, que implica na leitura de um texto intelectualmente, isso é,
entendendo o que lê sem se deixar levar pelas emoções. Dessa forma podemos
dizer que a intenção do emissor ao nos reportar supostamente, à advertência sobre
os malefícios do uso do cigarro que depois que a mensagem foi lida e decodificada
se dissipa o abstrato (sensorial ou emocional) e permanece a escrita concreta
(racional) e a decisão de acatar a advertência ou não fica a critério do leitor.
46
“... a leitura racional acrescenta à sensorial e à emocional o fato de
estabelecer uma ponte entre o leitor e o conhecimento, a reflexão, a
reordenação do mundo objetivo, possibilitando-lhe, no ato de ler, atribuir
significado ao texto e questionar tanto a própria individualidade como o
universo das relações sociais. E ela não é importante por ser racional, mas
por aquilo que seu processo permite, alargando os horizontes de
expectativa do leitor e ampliando as possibilidades de leitura do texto e da
própria realidade social.” (MARTINS, 1994,p.66)
Quando o emissor fala que podemos “Domá-los, cultivá-los em aquários”
refere-se ao nível sico de leitura emocional que é o nível em que soltamos nossa
imaginação e deixamos nossos sentimentos nos guiarem, mesmo que no futuro nos
arrependamos.
“Na leitura emocional emerge a empatia, tendência de sentir o que
se sentiria caso estivéssemos na situação e circunstâncias experimentadas
por outro, isto é, na pele de outra pessoa, ou mesmo de um animal, de um
objeto, de um personagem de ficção. Caracteriza-se, pois, um processo da
participação efetiva numa realidade alheia, fora de nós. Implica
necessariamente disponibilidade, ou seja, predisposição para aceitar o que
vem do mundo exterior, mesmo se depois viermos a recharçá-lo.”
(MARTINS, 1994, p.51, 52)
O quarto verso da terceira estrofe, além de apresentar-nos o nível de leitura
emocional, não deixa de ser uma provocação às pessoas que por acharem um livro
de dicil entendimento ou mesmo por preguiça o o lêem, o emissor sugere que o
leitor “dome o livro como se fosse um animal”, que tenha coragem para ler. Ao falar
sobre “cultivá-los em aquários” nos reportamos a um tempo em que os livros nunca
eram lidos, serviam de enfeites em estantes que tinham portas de vidro para que
ficassem à mostra, era “moda”.
No verso a seguir, Caetano nos conduz à época da repressão à leitura na
Contra-Reforma quando em 1943 foi lançada uma lista de livros proibidos, o Índex
47
“Em estantes, gaiolas, em fogueiras”
Os livros nessa época eram encerados em estantes de bibliotecas e num ato
extremo eram queimados em praça pública por serem considerados
indecentes,leituras que depunham contra a moral e os bons costumes da época. O
emissor mostra-se contrário a essa idéia,isso fica claro com o próximo verso no
qual o compositor mostra seu anseio pela liberdade de expressão:
“Ou lançá-los para fora das janelas”
Nessa mesma estrofe, podemos encontrar um verso que representa a
realidade (ficcional) que os livros nos proporcionam, liberta-nos do desespero da
realidade pessoal que nos livra de nos lançarmos fora das janelas.
“(Talvez isso nos livre de lançarmo-nos)”
Em seguida o livro é desmistificado, pois qualquer um tem liberdade de se
expressar adequadamente, mas muitas pessoas escrevem e publicam livros sem se
preocuparem se seu conteúdo será útil para alguém a não ser pra si mesmo.
“Podemos simplesmente escrever um:
Encher de vãs palavras muitas páginas
E de mais confusão as prateleiras”
Os versos abaixo configuram um intertexto com os versos de Orestes
Barbosa na canção “Chão de estrelas” que já foi explicitada no início desta análise.
“Tropeçavas nos astros desastrada
Mas para mim foste a estrela entre as estrelas”
Nesses versos um interlocutor: tu (mulher) e dão a idéia de uma vida
simples, pautada pelo amor, a mulher, a música e pelos livros que são
onipresentes na vida do compositor.
Caetano extraiu da canção de Orestes Barbosa a idéia transmitida por seus
versos mais expressivos que são os três últimos:
48
“E tu pisavas nos astros distraída
Sem saber que a ventura desta vida
É a cabrocha, o luar e o violão”
A intertextualidade apresentada na análise dessa canção deixa bem clara a
importância da intertextualidade e principalmente o conhecimento de mundo do
emissor que uniu Poesia, História, Química e Física em um texto ímpar.
Como se pôde observar, além de contribuir para um texto criativo e
conseqüentemente atraente, a intertextualidade resgata textos, os quais muitas
vezes caem no esquecimento ou são desconhecidos para muitos.
A intertextualidade pressupõe um universo cultural muito amplo e complexo,
pois implica a identificação de alusão a outros textos literários ou não, textos mais
ou menos conhecidos, além de exigir de seu interlocutor a capacidade de interpretar
buscando respostas em sua memória discursiva.
3.1.2 Texto 2 “Sou seu sabiá”
Agora se ve um exemplo de intertextualidade que ultrapassa as
expectativas de um texto poético, pois, magistralmente, Caetano Veloso une texto
verbal e não-verbal na cançãoSou seu sabiá” do disco Noites do Norte de 2000.
Sou seu sabiá
Se o mundo for desabar sobre a sua cama
E o medo se aconchegar sob o seu lençol
E se você sem dormir
Tremer ao nascer do sol
Escute a voz de quem ama
Ela chega aí
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Você pode estar tristíssimo no seu quarto
Que eu sempre terei meu jeito de consolar
É só ter alma de ouvir
E coração de escutar
Eu nunca me canso do uníssono com a vida
Eu sou
Sou seu sabiá
Não importa onde for
Vou te catar
Te vou cantar
Te vou, te vou, te vou, te dar
Eu sou
Sou seu sabiá
O que eu tenho eu te dou
Que tenho a dar?
Só tenho a voz
Cantar, cantar, cantar, cantar
Essa canção é composta por vinte e três (23) versos e quatro (4) estrofes.
Nesse texto pode-se fazer uma interface com Gonçalves Dias, que
imortalizou o canto do sabiá, ave símbolo nacional desde outubro de 2002, no
poema “Canção do exílio”, usado inúmeras vezes em paráfrases, paródias e
citações. Vejamos os primeiros versos do poema:
“Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá;
As aves, que aqui gorjeiam,
Não gorjeiam como lá.” (Gonçalves Dias, 1843)
50
Dentro do texto Sou seu sabiá”, o enunciador (eu lírico) aparece com um
diálogo mascarado e somente uma voz se faz ouvir, pois a do enunciatário (o
receptor) é abafada. A importância do organismo criador interno não é a mesma
em todos os gêneros poéticos, ela é máxima na poesia lírica” (BAKHTIN, 1988,p.67)
O enunciador,organismo criador” nas palavras de Bakhtin, coloca-se diante
do enunciatário e busca sua adesão através da persuasão, construída na
suposição de problemas iminentes e soluções possíveis para esses problemas. O
texto assume uma nítida intensão argumentativa, já que o desejo do “eu lírico” é
convencer a mulher amada a aceitar seu amor.
Vejamos como exemplo a primeira estrofe do texto:
“Se o mundo for desabar
sobre a sua cama
e o medo se aconchegar
sob seu lençol
se você sem dormir
tremer ao nascer do sol
escute a voz de quem ama
ela chega aí.”
A suposição de algum problema iminente pode ser vista principalmente pela
hipérbole “se o mundo for desabar/ sobre sua cama”, que revela um amor carnal,
visto que, fala-se de elementos que pertencem ao universo desse tipo de amor (
cama, lençol). A solução para este problema é dada ao enunciatário somente se ele
escutar a voz de quem ama.
Tudo se concentra na expectativa da superação de um estado melancólico do
enunciatário (nos primeiros versos). Trata-se de um tempo parado que precisa se
distender e essa transição vem sintetizada no verso seguinte no qual o enunciador
expõe seus sentimentos e se coloca à disposição do enunciatário, para ajudá-lo a
solucionar o problema com a razão e com o coração.
51
Em Bakhtin, o sujeito tem um projeto de fala que não depende de sua
intenção, mas que depende do “outro” (primeiro o “outro” com quem fala; depois o
“outro”, ideológico porque é tecido por outros discursos do contexto). O sujeito de
Bakhtin se constitui na e através da interação e se reproduz na sua fala e na sua
prática o seu conceito imediato e social.
A palavra não é monológica, mas plurivalente, e o dialogismo, uma condição
constitutiva do sentido. Portanto, não haveria sentido e não seria possível o texto
ser escrito pelo enunciador e dirigido a ele mesmo, pois, mesmo sendo monológico,
um texto sempre busca um interlocutor.
O dialogismo na canção é explicitado pelo verso em que o enunciador se
dirige diretamente ao interlocutor:
“Que tenho a dar ?”
O enunciador do texto analisado apresenta uma metáfora dizendo ser o sabiá que
possui um canto melodioso e nostálgico e que canta no tempo do amor: a primavera.
O texto é narrado em primeira pessoa num discurso direto e dirige-se a uma
segunda pessoa.
“Que eu sempre terei
meu jeito de consolar”
“Se o mundo for desabar
sobre a sua cama
e o medo se aconchegar
sob seu lençol”
Os pontos de indeterminação (vazios) do texto aparecem nos primeiros
versos com a utilização do pronome Se que indica uma situação condicional e cria
uma expectativa sobre o desfecho do texto, atiçando a curiosidade do leitor para
chegar ao final do texto,saber o final da “estória”.
52
O leitor participa na construção, preenchendo os pontos de indeterminação
do texto de acordo com seus conhecimentos prévios e sua imaginação, é o prazer
da ”poiesis” de que nos fala Jauss:
A poiesis corresponde ao prazer estético decorrente da
participação do leitor na compreensão do texto, pois ajuda a construi-lo,
preenchendo seus vazios, completando e presentificando a significação
textual através de suas projeções pessoais. ( cap. 1)
O texto que estamos analisando traz, em todo seu conteúdo, como já foi dito,
situações hipotéticas que buscam a superação de um estado melancólico do
enunciatário causado supostamente por uma desilusão amorosa, para isso o
enunciatário cria a história” do texto de acordo com sua bagagem cultural e busca
soluções para os problemas apresentados.
As hipóteses levantadas pelo enunciador chegam a dois problemas: medo e
tristeza.
A primeira hipótese, o medo, pode-se detectar nos versos:
“Se o mundo for desabar
sobre a sua cama
e o medo se aconchegar
sob seu lençol
se você sem dormir
tremer ao nascer do sol”
A segunda hipótese, a tristeza, é explicitada claramente pelo adjetivo
superlativo absoluto sintético tristíssimo.
“Você pode estar
tristíssimo no seu quarto”
As duas hiteses conduzem o enunciatário, através do preenchimento de
pontos indeterminados (o não-dito) e o que está dito, a uma situação depressiva e
cria um clima melancólico. O enunciador apresenta soluções irrecusáveis que
53
envolvem sentimentos profundos, capazes de curar qualquer enfermidade da alma e
do coração.
“É só ter alma de ouvir
e coração de escutar”
Os verbos ouvir e escutar apresentam sentidos diferentes, o segundo
trata-se apenas do ato passivo de escutar uma mensagem sem decodificá-la,
enquanto o primeiro, além de decodificar a mensagem, apresenta uma interpretação
do seu sentido completo, o entendimento da mesma.
Lendo esses versos vemos a intertextualidade implícita com o texto de Olavo
Bilac:
Via Láctea
Ora (direis) ouvir estrelas! Certo
Perdeste o senso! E eu vos direi, no entanto,
Que, para ouvi-las, muita vez desperto,
E abro as janelas, pálido de espanto...
E conversamos toda a noite enquanto
A via láctea, como um pálio aberto,
Cintila. E ao vir do Sol, saudoso e em pranto
Inda as procuro pelo céu deserto.
Direis agora: "Tresloucado-amigo!
Que conversas com elas? Que sentido
Têm o que dizem, quando estão contigo?"
E eu vos direi: "Amai para entendê-las!
Pois só quem ama pode ter ouvido
Capaz de ouvir e entender estrelas."
54
Olavo Bilac
Como pudemos ler e analisar, Bilac apresenta o verbo “ouvir” como condição
essencial para “entender as estrelas no poema acima. Caetano na canção que
estamos analisando fala dessa mesma condição quando diz: “É ter alma de
ouvir/ e coração de escutar”. Suas condições são mostradas de maneira sutil, porém
com muita profundidade e, sem dúvida, extrema sensibilidade. Somente quem é
sensível é capaz de “ouvir” e “entender” estrelas, o mesmo acontece com quem é
capaz de “ouvir” e “entender” o canto do sabiá.
No verso seguinte:
“E nunca me farto
do uníssono com a vida”
Demonstra-se uma maneira plena de viver, em que a vida e o enunciador
caminham em um ritmo (em um som), sem deixar-se envolver pelo “coro de
contrários” que fazem com que pessoas desafinem muitas vezes.
Nas duas últimas estrofes, a transição do estado de expectativa do leitor
para a superação dessa expectativa.
“Eu sou seu sabiá
não importa
onde for vou te catar
te vou cantar te vou
te vou te vou te vou
Eu sou, sou seu sabiá
O que eu tenho eu te dou
e tenho a dar
só tenho a voz
cantar, cantar, cantar.”
55
Através da disposição das palavras utilizadas pelo enunciatário afirmando
que independente do local que seu objeto de desejo estiver, ela também estará e o
buscará com seu canto. Percebe-se essa iia pelo verbo catar que também tem
significado de ficar à espreita, estar atendo, nesse caso, de ficar à espera da
necessidade do interlocutor.
Ao ler o texto, percebe-se a onomatopéia do canto de um sabiá pelo uso de
verbos que fazem a melodia do texto: catar, cantar e dar e vou (repetidos). Essa
característica de musicalidade é comparada às cantigas medievais do
trovadorismo, mais especificamente às cantigas de amor que focalizam as idéias e
sentimentos dos cavaleiros a cerca da mulher amada.
Ao ouvir-se a declamação do poema musical, percebe-se a onomatopéia
somada à sinestesia que faz com que se tenha uma sensação sublime e bucólica, é
a katharsis que faz com que o leitor se identifique com as emoções vividas pelos
actantes ( personagens) do texto ficcional.
A katharsis é a possibilidade de identificação do leitor com as
personagens,conflitos e idéias transmitidas pelo texto. O leitor vê-se
retratado nos dramas vividos pelas personagens; sente-se liberto dos seus
problemas cotidianos e imerso na ficção, o que o faz voltar-se sobre si
mesmo e identificar-se com as emoções vividas pelos actantes da trama
ficcional. (Cap.1)
Percebe-se, então, a grande criatividade e sensibilidade do autor e
principalmente sua memória discursiva, ele usa a intertextualidade imitando o canto
do pássaro com palavras e estabelece um conluio com o receptor que, num primeiro
momento sente-se inserido no próprio texto, um co-autor que preenche os vazios e
brancos da canção e, num segundo momento, experimenta uma relação catártica
uma vez que se como ele mesmo um sabiá que se doa à pessoa amada e
assim pode escapar da opressão que o domina.
Caetano Veloso coloca sutilmente sua capacidade de usar a língua para mostrar
que tudo é possível, desde que haja sensibilidade do leitor, inclusive para conseguir
ler o canto do sabiá.
3.1.3 TEXTO 3 - “OS ARGONAUTAS”
56
No próximo texto, “Os argonautas”, do disco Caetano Veloso de 1.969,
configura-se uma intertextualidade constante com a poesia “Navegar é preciso” de
Fernando Pessoa, frisando os percalços da vida, a importância da travessia do
nascimento à morte do ser humano, o fazer (nossas necessidades cotidianas) que
nos leva a cumprir nossa sina, mais importante que o próprio viver.
Os argonautas
O barco, meu coração não agüenta
Tanta tormenta, alegria
Meu coração não contenta
O dia, o marco, meu coração
O porto, não
Navegar é preciso
Viver não é preciso
O barco, noite no céu tão bonito
Sorriso solto, perdido
Horizonte, madrugada
O riso, o arco da madrugada
O porto, nada
Navegar é preciso
Viver não é preciso
O barco, o automóvel brilhante
O trilho solto, o barulho
Do meu dente em tua veia
O sangue, o charco, barulho lento
57
O porto, silêncio
Navegar é preciso
Viver não é preciso
Nesse texto Caetano Veloso faz o resgate do poema “Navegar é precisode
Fernando Pessoa.
Navegar é preciso
Navegadores antigos tinham uma frase gloriosa:
"Navegar é preciso; viver não é preciso".
Quero para mim o espírito desta frase,
transformada a forma para a casar como eu sou:
Viver não é necessário; o que é necessário é criar.
Não conto gozar a minha vida; nem em gozá-la penso.
Só quero torná-la grande,
ainda que para isso tenha de ser o meu corpo e a (minha alma) a lenha desse
fogo.
Só quero torná-la de toda a humanidade;
ainda que para isso tenha de a perder como minha.
Cada vez mais assim penso.
Cada vez mais ponho da essência anímica do meu sangue
o propósito impessoal de engrandecer a pátria e contribuir
para a evolução da humanidade.
É a forma que em mim tomou o misticismo da nossa Raça.
(PESSOA, 1986,p.15)
Fernando Pessoa utiliza-se também da intertextualidade, quando coloca a
frase que Pompeu, general romano, 106-48 aC., dita aos marinheiros,
58
amedrontados, que recusavam viajar durante a guerra (cf. Plutarco, in Vida de
Pompeu) “Navigare necesse; vivere non est necesse”.
Fernando Pessoa utiliza o signo preciso como sinônimo de precisão,
exatidão, pontualidade.Usa somente o espírito da frase de Pompeu:“Quero para
mim o espírito dessa frase”, ou seja, utiliza apenas a idéia transmitida por Pompeu e
dá seu significado particular ao signo preciso.
No poema “Navegar é preciso” Fernando Pessoa diz que a vida, que não
passa de uma tênue teia, pode ser vivida com intensidade a cada momento, não lhe
importa viver muitos anos, o que realmente importa é o que pode fazer da vida para
torná-la grande” e, conseqüentemente, imortal. Caetano trabalha com o texto de
Pessoa e mostra que a vida não é simples de ser vivida, mas os seres humanos, “os
navegadores”, devem conduzi-la da melhor maneira possível.
A canção de Veloso divide-se em seis (6) estrofes, sendo três delas o refrão:
“Navegar é preciso
Viver não é preciso”
A força da repetição instiga o interlocutor para as necessidades de batalhar,
perseguir ideais, atravessar a vida, cumprir seu caminho e, principalmente, ser parte
da humanidade, contribuir para torná-la grande.
Caetano compartilha dos sentimentos de Fernando Pessoa que coloca sua
vida e sua alma à disposição dos dissabores do mundo, sabendo que o tempo é
inexorável.
Ao navegar, o marinheiro orienta-se pela bússula, enquanto a vida pode nos
surpreender a cada dia com problemas que podem mudar o “curso” da nossa
existência, é preciso enfrentar a travessia através de realizações, de feitos que nos
permitam permanecer para além da vida.
59
Pessoa fala sobre sua alegria de viver e tornar a vida uma “criação”,
colocando-se como peça fundamental nesse processo, nem que seja num tempo
diminuto.
“Não conto gozar a minha vida; nem em gozá-la penso.
Só quero torná-la grande;
ainda que para isso tenha que ser o meu corpo e a (minha alma) a lenha
desse fogo.”
Veloso fala sobre algo que escapa à precisão científica e à certeza do
experimento. O barco não é o limite, mas uma precisão, e o coração transborda e se
inquieta. É a inquietação que faz com que o sujeito se depare com suas incertezas
e o seu vazio, próprio do ser humano; e é que aparecem as paixões e os amores,
o discurso do poeta fala sobre a falta de precisão da vida que o conduz por
caminhos tortuosos.
“O barco, meu coração não agüenta
tanta tormenta...”
3.1.4 Texto 4 “José”
Na canção que veremos a seguir, cujo nome é José” do disco homônimo de
1987, pela gravadora Polygram, a intertextualidade explícita é feita com o texto
bíblico “José, vendido pelos irmãos” (Gn 37, 2 36), também uma
intertextualidade implícita com o poema de Carlos Drummond de Andrade José”,
cujo interlocutor passa por uma agonia semelhante à de seus homônimos da Bíblia
e de Caetano. Vejamos o poema de Drummond:
José
E agora, José?
A festa acabou,
60
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José?
e agora, Você?
Você que é sem nome,
que zomba dos outros,
Você que faz versos,
que ama, protesta?
e agora, José?
E agora, José?
sua doce palavra,
seu instante de febre,
sua gula e jejum,
sua biblioteca,
sua lavra de ouro,
seu terno de vidro,
sua incoerência,
seu ódio, - e agora?
Com a chave na mão
quer abrir a porta,
não existe porta;
quer morrer no mar,
mas o mar secou;
quer ir para Minas,
Minas não há mais.
José, e agora?
Se você gritasse,
se você gemesse,
se você tocasse,
a valsa vienense,
se você dormisse,
se você cansasse,
se você morresse....
Mas você não morre,
você é duro, José!
Sozinho no escuro
qual bicho-do-mato,
sem teogonia,
sem parede nua
para se encostar,
sem cavalo preto
que fuja do galope,
você marcha, José!
61
José, para onde?
A parábola “José, vendido pelos irmãos” fala sobre José, filho de Jacó, o
mais jovem dos doze filhos que fora vítima de inveja dos irmãos por ser o mais
amado pelo pai e por saber interpretar sonhos.
Certa vez, quando foi apascentar o rebanho com seus irmãos, esses tiveram
idéia de matá-lo, mas foram dissuadidos por um deles chamado Rúben que sugeriu
que José fosse jogado em uma cisterna, para que houvesse tempo de buscar ajuda
e salvá-lo das mãos dos irmãos invejosos, porém, ao voltar com ajuda, José já havia
sido vendido para os egípcios como escravo.
Vejamos agora, a canção de Caetano:
José
Estou no fundo do poço
Meu grito
Lixa o céu seco
O tempo espicha mas ouço
O eco
Qual será o Egito que responde
E se esconde no futuro?
O poço é escuro
Mas o Egito resplandece
No meu umbigo
E o sinal que vejo é esse
De um fado certo
Enquanto espero
Só comigo e mal comigo
No umbigo do deserto
Essa canção é composta por quinze (15) versos em uma só estrofe.
62
Como se pode analisar, Caetano descreve a suposta agonia de José em uma
situação sem perspectiva de solução, comparando-a com a sua e do ser humano
em geral, enquanto estava no fundo de uma cisterna (poço), no meio do deserto,
sem suas roupas e imagina um sonho (eco) de Jo que diz que o Egito é seu
futuro, o que realmente acontece na história bíblica, quando ele é vendido aos
egípcios pelos irmãos e para lá é levado. O nome próprio José, e o que os versos
vão colocando a seu respeito, atribuem a este José de Caetano, aspectos que nos
remetem ao José Bíblico. No entanto, este é um José que se aproxima do outro mas
que compartilha das dores de qualquer “José” nas mesmas circunstâncias. Isto
comprova-se por exemplo no verso em que o Egito deixa de ser
particular,específico, para se tornar um lugar universal: o lugar da incerteza, da
dúvida – “Qual será o Exito que responde / E se esconde no futuro?”
“Estou no fundo do poço
Meu grito
Lixa o céu seco
O tempo espicha mais ouço
O eco”
Nos versos acima, o compositor utiliza a primeira pessoa do singular através
dos verbos “Estou/ Meu/ ouço”, em seguida os versos são dirigidos ao seu
interlocutor, então aparece o dialogismo:
“Qual será o Egito que responde
E se esconde no futuro?”
Outro fato que evidencia a intertextualidade com o texto blico é a citação de um sinal
dizendo que terá muita tristeza no Egito.
E o sinal que vejo é esse
De um fado certo
Enquanto espero
63
Só comigo e mal comigo
No umbigo do deserto”
O “fado certo” refere-se à sua prisão na narrativa bíblica, por não querer
deitar-se com a mulher do Faraó que, ao ser rejeitada cria uma mentira, dizendo ao
Faraó que José havia tentado violentá-la.
A intertextualidade implícita com o poema de Drummond é vista justamente
na agonia de um Jo que pode ser qualquer ser humano que se vê em uma
situação sem saída. Drummond trabalha com dialogismo em todo seu poema
perguntando a seu interlocutor: “E agora José?”
Outra intertextualidade não pode deixar de ser feita, é com relação à obra de
José Saramago, mesmo sabendo que Caetano Veloso não pôde utilizar-se do livro
“Evangelho segundo Jesus Cristo” de José Saramago, que foi escrito em 1.991;
portanto, posterior à letra escrita por Caetano, essa leitura, que também merece ser
considerada, somente poderá ser feita pelo leitor que tem conhecimento dessa obra
de Saramago.
Trata-se da passagem em que José está no meio do deserto com Maria e
Jesus, dentro de uma caverna escura, e pode ouvir os gritos de horror diante de um
fato que sabia que iria acontecer, a matança de meninos com menos de três
anos, autorizada por Herodes; José carrega essa culpa pelo resto de sua vida.
... alguém gritara na aldeia, um grito agudíssimo que nem parecera de
uma voz humana , e logo depois os ecos pareciam ressoar de colina a
colina, um clamor de novos gritos e prantos encheu a atmosfera, não
eram os anjos chorando sobre a desgraça dos homens, eram os homens
enlouquecendo debaixo de um céu vazio ... No interior da cova o
negrume podia-se palpar. Maria tinha medo da escuridão, habituara-se
...3
Portanto a intertextualidade transcende o tempo e existe a partir do momento em que o
leitor tem maior ou menor memória discursiva. O tema central do desespero é superado pela
esperança, pelo “Egito” (futuro) que cada um de nós poderá vir a ter.
64
3.1.5 Texto 5 Outro retrato
Agora veremos a intertextualidade na canção “Outro retratodo disco Estrangeiro de
1989, Poliygram.
Outro retrato
Minha música vem da
Música da poesia de um poeta João que
Não gosta de música
Minha poesia vem
Da poesia da música de um João músico que
Não gosta de poesia
O dado de Cabral
A descoberta de Donato
O fato, o sinal
O sal, o ato, o salto:
Meu outro retrato
O “Outro retrato”, sobre o qual fala Caetano, fundamenta-se em suas influências
poéticas e musicais. É o resgate de suas influências, de pessoas e idéias que
marcaram a sua vida e a sua música, sua música, sua voz, a expressão do seu ser,
o seu modo de comunicar-se com o outro.
“Minha música vem da
música da poesia...”
65
Caetano inicialmente faz intertextualidade com João Cabral de Melo Neto que
é um poeta que não gosta de música, isso pode ser comprovado através de trechos
de entrevistas com críticas negativas e positivas, com o próprio autor, contidos nos
anexos desta dissertação.
Quando Caetano fala sobre um João que não gosta de poesia, podemos
imaginar que seja João Gilberto, amado e odiado pelo público por seus hábitos
peculiares, pois em seguida fala de João Donato, compositor, poeta e arranjador,
admirado e considerado por Tom Jobim como gênio e o único que João Gilberto
convidaria para tocar com ele. Assim, Caetano se reconhece com um amálgama de
poetas esicos que vieram antes dele e que fazem parte de sua construção como
ser humano e músico, encarregado como todos os artistas de serem porta vozes”
da humanidade.
3.1.6 Texto 6- “Língua”
A intertextualidade na canção a seguir é extremamente clara, ela é composta
inteiramente com referências a outros textos. Falamos da canção Língua” do disco
Velô,1984 - Polygram.
Língua
Gosto de sentir a minha língua roçar a língua de Luís de Camões
Gosto de ser e de estar
E quero me dedicar a criar confusões de prosódia
E uma profusão de paródias
Que encurtem dores
E furtem cores como camaleões
Gosto do Pessoa na pessoa
Da rosa no Rosa
E sei que a poesia está para a prosa
Assim como o amor está para a amizade
E quem há de negar que esta lhe é superior?
E deixe os Portugais morrerem à míngua
"Minha pátria é minha língua"
66
Fala Mangueira! Fala!
Flor do Lácio Sambódromo Lusamérica latim em pó
O que quer
O que pode esta língua?
Vamos atentar para a sintaxe dos paulistas
E o falso inglês relax dos surfistas
Sejamos imperialistas! Cadê? Sejamos imperialistas!
Vamos na velô da dicção choo-choo de Carmem Miranda
E que o Chico Buarque de Holanda nos resgate
E – xeque-mate – explique-nos Luanda
Ouçamos com atenção os deles e os delas da TV Globo
Sejamos o lobo do lobo do homem
Lobo do lobo do lobo do homem
Adoro nomes
Nomes em ã
De coisas como rã e ímã
Ímã íímã ímã ímã ímã ímã ímã
Nomes de nomes
Como Scarlet Moon de Chevalier, Glauco Mattoso e Arrigo Barnabé
e Maria da Fé
Flor do Lácio Sambódromo Lusamérica latim em pó
O que quer
O que pode esta língua?
Se você tem uma idéia incrível é melhor fazer uma canção
Está provado que só é possível filosofar em alemão
Blitz quer dizer corisco
Hollywood quer dizer Azevedo
E o Recôncavo, e o Recôncavo, e o Recôncavo meu medo
A língua é minha pátria
67
E eu não tenho pátria, tenho mátria
E quero frátria
Poesia concreta, prosa caótica
Ótica futura
Samba-rap, chic-left com banana
(– Será que ele está no Pão de Açúcar?)
– Tá craude brô
– Você e tu
– Lhe amo
– Qué queu te faço, nego?
– Bote ligeiro!
– Ma’de brinquinho, Ricardo!? Teu tio vai ficar desesperado!
– Ó Tavinho, põe camisola pra dentro, assim mais pareces um espantalho!
– I like to spend some time in Mozambique
– Arigatô, arigatô!)
Nós canto-falamos como quem inveja negros
Que sofrem horrores no Gueto do Harlem
Livros, discos, vídeos à mancheia
E deixa que digam, que pensem, que falem
A riqueza plural da língua portuguesa falada em nosso país de extrema
importância no processo de comunicação é apresentada nessa canção de maneira
magistral. Ao ser declamada ou cantada a canção Língua” deixa seu emissor e
conseqüentemente seu receptor que esteja atento, sem fôlego” por sua beleza
estética e sua riqueza de informações que não podem ser assimiladas com uma
única leitura.
Caetano utiliza-se da intertextualidade nessa canção para falar da Língua
Portuguesa que recebeu influência da miscigenação de raças que deu origem ao
povo brasileiro e ocorre até hoje pelos estrangeirismos oriundos da aquisição de
novas tecnologias.
68
A identificação da intertextualidade fica clara nas citações de nomes
completos ou sobrenomes: Luís de Camões; Pessoa (Fernando Pessoa); Rosa
(Guimarães Rosa); Carmem Miranda; Chico Buarque de Holanda; Moon de
Chevalier; Glauco Mattoso; Arrigo Barnabé; Maria da e Azevedo (Alinor
Azevedo).
Caetano reúne nessa canção nomes de artistas de diferentes áreas
culturais, nacionais e internacionais que requerem atenção do leitor para identificar
cada um deles e paciência para pesquisar, caso desconheça algum deles, e isso o
torna um excelente material para análise, pois o adolescente entra em contato com
algo que a então era desconhecido, aumentando assim, sua capacidade
discursiva.
No primeiro verso da canção o enunciador faz uma alusão a Luís Vaz de
Camões considerado um dos maiores poetas da ngua portuguesa. Seu propósito é
mostrar a beleza da língua (há ‘gosto’) em falar nossa língua:
“Gosto de sentir minha língua roçar a língua de Luís de Camões”
Os três versos seguintes apresentam algumas possibilidades de se “brincar”
com a riqueza da língua portuguesa e isso pode ser comprovado pelas palavras:
confusãoe profusão que tem como um dos sinônimos a palavra exuberância.
“Gosto de ser e de estar
E quero me dedicar a criar confusões de paródias
E uma profusão de paródias”
As palavras m poder tanto de consolar as pessoas como de arrasá-las, de
persuadi-las ou dissuadi-las, então, sobre isso, Caetano diz:
“Que encurtem dores
E furtem cores como camaleões”
Ao dizer furtem cores como camaleões” o enunciador apresenta a
versatilidade da nossa língua, que é diferente da língua falada em Portugal, na qual
o significante (palavra) pode adquirir vários significados, dependendo do contexto
69
em que é colocado e da intenção de quem escreve ou fala, para persuadir seu
receptor.
Nos versos seguintes Caetano faz referência a dois grandes escritores
Fernando Pessoa, que escrevia por meio de seus muitos heterônimos, dividindo-se
em diversas vozes poéticas e João Guimarães Rosa, que em “Grandes sertões
veredas” criou a personagem Diadorim, que a princípio assumia papel masculino
para poder lutar entre homens e no final do livro é descoberta como uma mulher.
“Gosto do Pessoa na pessoa
Da rosa no Rosa”
A seguir temos versos que em 2004 Arnaldo Jabor inspirou-se para nomear
seu livro Amor é prosa, Sexo é poesia” com a seleção de suas melhores crônicas
afetivas. Posteriormente, na composição musical Amor e Sexo” com Rita Lee e
Roberto de Carvalho o escritor utilizou-se das mesmas palavras nos versos:
“Amor é prosa
Sexo é poesia”
No 12º verso Caetano afirma a superioridade da língua portuguesa falada
no Brasil apoiado no 8º ,e 10º versos da canção: “Da Rosa no Rosa/ E sei que a
poesia está pra prosa/ Assim como o amor está para a amizade”
Caetano faz uma provocação a seu receptor questionando:
“E quem há de negar que esta lhe é superior?”
Este questionamento se refere aos versos que apresentam a equação:
poesia/prosa, amor/ amizade.
70
Caetano se refere à poesia contida na prosa de Guimarães Rosa mostrando
a superioridade dessa, à língua nacional, confirmando tal efeito de sentido pelo 1
verso: “E deixem os portugais morrerem à míngua”.
Caetano “dialoga” com seus receptores e sabe que a pergunta feita é
provocativa, pois nem todos compartilharão de suas idéias e conclusões.
No verso abaixo Caetano faz intertextualidade com o seguinte verso:”A
minha pátria é a língua portuguesa” do Livro do Desassossego de Bernardo
Soares considerado um semi-heterônimo de Fernando Pessoa por ser muito
parecido com Álvaro de Campos, segundo carta de 1935 a Adolfo Casais Monteiro,
Pessoa justifica o porquê de não o considerar como os outros:
«O meu semi-heterónimo Bernardo Soares, que aliás em muitas coisas se
parece com Álvaro de Campos, aparece sempre que estou cansado ou
sonolento, de sorte que tenha um pouco suspensas as faculdades de
raciocínio e de inibição; aquela prosa é um constante devaneio. É um
semi-heterónimo porque, não sendo a personalidade a minha, é, não
diferente, mas uma simples mutilação dela. Sou eu menos o raciocínio e a
afectividade. A prosa, salvo o que o raciocínio de ténue à minha, é igual
a esta, e o português perfeitamente igual [.....] »
O verso de Caetano diz:
“Minha pátria é minha língua”
Em seguida o emissor utiliza-se do dialogismo num discurso muito repetido
pelos puxadores de samba no nosso carnaval para incentivar os componentes da
escola de samba à animação,Caetano fala de uma das mais antigas escolas do Rio
de Janeiro, a “Mangueira”.
“Fala Mangueira!Fala!
Num dos versos mais intertextuais da canção:
“Flor do Lácio Sambódromo Lusamérica latim em pó”
71
Observaremos o verso em duas etapas:
“Flor do Lácio/ latim em pó”. A língua portuguesa é considerada a última filha” do
latim e ao dizer “latim em pó” o emissor mostra a evolução e a fragmentação da
ngua portuguesa em nosso país que originou “nossa língua portuguesa”.
Caetano utiliza-se do primeiro e do terceiro versos do poema de Olavo Bilac
Língua Portuguesa” de 1964:
“Última flor do Lácio...,
Ouro nativo...”
A utilização da palavra Sambódromo é um neologismo remete-nos ao local
onde são realizadosos desfiles da festa mais popular do nosso país,o Carnaval.
Lusamérica remete-nos a mistura da nossa língua vinda de Portugal com o
estrangeirismo, principalmente da língua inglesa no Brasil.
Caetano utiliza-se de palavras em inglês colocando suas respectivas
traduções para o português no mesmo verso:
Blitz quer dizer corisco”
ou, como no exemplo seguinte, deixa que o leitor imagine que tipo de inglês é
falado pelos surfistas:
“...falso inglês relax dos surfistas”
ou ainda:
“Samba-rap, chic-left com banana”
Faz uma brincadeira com as palavras misturando ritmos, relacionando samba
com o rap e fazendo um jogo de palavras que nos remetem ao grupo musical baiano
“Chiclete com Banana” ( chic-left com banana).
72
Cita Luanda, lembrando uma das origens do Carnaval do Brasil:
“E xeque-mate- explique-nos Luanda”
A rede de televisão mais importante do país, cuja influência é inevitável nos
hábitos da população do nosso país:
“Ouçamos com atenção os deles e os delas da TV Globo”
Nos versos:
“Se você tem uma idéia incrível é melhor fazer uma canção
Está provado que só é possível filosofar em alemão”
Caetano, segundo Luís Carlos Carpein
8
, não achincalha com a pretensão
germânica de Heidegger, o pensador que acreditava ser possível filosofar em
alemão, quanto exige profunda reflexão sobre o poder da língua portuguesa” em
transformar filosofia em canção.
Quase no final da canção, o poeta dialoga (dialogismo) com seus
interlocutores, possivelmente amigos do Rio de Janeiro.
“- Será que estão no Pão de Açúcar?”
O diálogo dispensa a utilização da norma culta ao empregar a gíria mano”
palavra originária de brothers, que em português significa irmãos, expressão vinda
dos guetos americanos que são marginalizados (há citação do Gueto do Harlem),
mais especificamente das igrejas evangélicas onde os fiéis utilizam essa expressão
para se cumprimentarem.
O último verso da canção remete-nos ao primeiro rap genuinamente
brasileiro “Deixa isso pra lá” composto e cantado por Jair Rodrigues no disco “Vou
de samba com você” de 1964:
“Deixa que digam, que pensem, que falem
73
Essa frase resume o que pensam Jair Rodrigues e Caetano Veloso sobre
comentários a respeito de suas atitudes e suas letras de canções.
Em entrevista à revista Cult, Caetano Veloso afirma que a canção Língua
nasceu da vontade de usar os procedimentos do rap como veículo para “celebrar a
ngua portuguesa” falada no Brasil:
“Eu planejava então explorar um novo filão de textos declamados sobre
base rítmica (mas uma base inventada por mim e meus amigos músicos,
não uma reprodução do que faziam os americanos): seria um modo de ter
mais liberdade para a poesia na música. E o tema de gostar de falar
apareceu logo, o que me levou a celebrar a língua portuguesa, sugerindo
reflexões sobre ela .”(VELOSO, 2001: 56).
3.1.7 Texto 7- “Pra ninguém”
Sobre canção Pra ninguém” do CD Livro de 1997, pela gravadora Polygran,
Caetano diz: “É uma lista do que eu gosto, uma lista quase acrítica. ao final é
que surge o João, acima de tudo, como a atitude crítica que rege tudo o mais, até o
gosto acrítico.”
9
As palavras de Caetano são bem claras, fala de vários intérpretes e
compositores e classifica João Gilberto como o mais crítico de todos, faz
intetextualidade com os nomes das canções e seus respectivos interpretes, canções
que cantam, mas não compuseram.
Pra ninguém
Nana cantando "Nesse mesmo lugar"
Tim Maia cantando "Arrastão"
Bethânia cantando "A primeira manhã"
Djavan cantando "Drão"
Chico cantando "Exaltação à Mangueira"
Paulinho, "Sonho de um carnaval"
Gal cantando "Candeias"
E Elis, "Como nossos pais"
74
Elba cantando "De volta pra o aconchego"
Sílvio cantando "Mulher"
E Elisete cantando "Chega de mágoa"
Carmen cantando "Adeus batucada"
Gilberto cantando "Sobre todas as coisas"
Cauby cantando "Camarim"
Orlando cantando "Faixa de cetim"
Milton, "O que será?"
Roberto, "A madrasta"
Bosco, "Rio de Janeiro"
E Dalva, "Poeira do chão":
Melhor do que isso só mesmo o silêncio
E melhor do que o silêncio só João
Nara cantando "Diz que fui por aí"
Marisa, "A menina dança"
Aracy cantando "A camisa amarela"
Amélia, "Boêmio"
Max, "Polícia"
Nora, "Menino grande"
Dolores, "Não se avexe não":
Melhor do que isso só mesmo o silêncio
Melhor do que o sincio só João
Vamos à análise intertextual:
Nana Caymmi é filha de Dorival Caymmi Dori Caymmi, cantor e compositor
baiano.
A canção “Nesse mesmo lugar” sobre a qual se refere o texto é dos
compositores Klécius Caldas e Arnaldo Cavalcanti.
75
Sebastião Rodrigues Maia é compositor e violonista carioca. Em 1957 formou
o conjunto Os Sputniks, que tinha também entre seus integrantes Erasmo Carlos e
Roberto Carlos, tendo sido professor de violão de ambos.
A canção “Arrastão” foi composta por Edu Lobo e Vinícius de Morais.
Maria Bethânia é cantora e irmã do compositor e cantor Caetano Veloso.
A primeira manhã, na verdade, com título original Na primeira manhã é
composição de Alceu Valença.
Djavan, cantor e compositor Alagoano . Por sua originalidade e polinização
de suas canções, a única coisa que se pode prever a cada novo trabalho de Djavan
é sua versatilidade de tons.
Drão, canção composta por Gilberto Gil do disco “Um banda Um de 1982.
Chico Buarque, além de cantor e compositor consagrado da MPB (Música
Popular Brasileira), trilhou com êxito o caminho da dramaturgia e incursionou pela
literatura ficcional. Uma das características marcantes de sua obra como letrista é a
verossimilhança com que retrata o imaginário feminino.
Exaltação à Mangueira”, canção composta por Enéas Brittes e Silva e Aloísio
Augusto da Costa em 1955, foi lançada por Jameo no carnaval de 1956.
Paulinho da Viola é um dos mais requintados compositores de samba em
atividade, letrista e instrumentista.
Sonho de um carnaval, canção composta por Chico Buarque de Holanda em
1965 e gravada no disco “Nervos de aço de 1973 pela Odeon.
Gal Costa é uma das vozes mais afinadas da MPB (Música Popular
Brasileira) e considerada por Caetano Veloso a melhor cantora do Brasil.
A canção “Candeias” foi composta por Edu Lobo em 1967.
Elis Regina tornou-se conhecida nacionalmente em 1965, ao sagrar-se
vencedora do I Festival de Música Popular Brasileira da TV Excelsior, defendendo a
sica "Arrastão" de Edu Lobo e Vinicius de Moraes.
76
A canção Como nossos pais” é composição de Belchior dos anos 70 que foi
gravada por Elis Regina em 1971 e foi a alavanca da carreira do compositor, pois
posteriormente, vários artistas famosos interpretaram suas canções também.
Elba, cantora nordestina, teve como cartilha os mais diversos ritmos dessa
ensolarada região: baião, maracatu, xote, frevo, pastoril, caboclinhos e forrós.
Gêneros musicais que preservam a pureza ao mesmo tempo que criaram novas
dinâmicas na cultura popular e influenciaram toda a música brasileira.
De volta pro aconchego”, citada por Caetano, tem como nome original De
volta pro meu aconchego”, composição de Dominguinhos e Nando Cordel de 1985.
O cantor Sílvio Caldas foi o maior responsável pela consolidação da seresta
na música popular brasileira, tendo contribuído para o nero também como
compositor nos anos 30. Por isso ele se tornou identificado como "O Seresteiro do
Brasil", epíteto ao qual se manteve fiel durante toda a sua longa carreira.
A canção “Mulher” de 1940 é composição de Custódio Mesquita e Sadi
Cabral.
Elizeth Cardoso foi uma das maiores divas da canção brasileira. Faleceu em
7 de maio de 1990.
“Chega de mágoa” foi uma composição coletiva ( Milton Nascimento, Djavan,
Rita Lee, Caetano Vesoso, Elisete Cardoso e outros), gravada no compacto simples
“Nordeste já” no ano de 1985, ano da solidariedade.
Carmem Miranda, cantora e atriz brasileira de origem portuguesa, nasceu em
9 de fevereiro de 1909 e faleceu em 5 de agosto de 1955. A gravação de 1935,
citada por Caetano, é de composição de Sinval Silva.
Gilberto Gil e Caetano Veloso revolucionam, com o Tropicalismo, toda a
sica popular brasileira, com composições mais engajadas e políticas, ao contrário
da ingenuidade que a jovem guarda passava para a juventude de então. Em 1969
foi exilado, juntamente com Caetano, devido a convicções políticas discordantes dos
então ditadores de plantão.
A canção “Sobre todas as coisas” é composição de Chico Buarque e Edu
Lobo de 1982 e foi composta para o balé “O grande circo místico”.
77
Cauby Peixoto foi um dos grandes ídolos da era do dio em 1.954
perseguido pelas fãs. Sua imagem foi forjada para agradar: vestindo-se de maneira
extravagante para a época, e colocando trinados e versos inexistentes em suas
canções, criou um tipo diferente, obtendo sucesso imediato.
A canção Camarim” é uma composição com letra de Hermínio Bello de
Carvalho e música de Cartola.
Orlando Silva, cantor da era do rádio, recebeu o slogan” de “O cantor das
multidões” do radialista Oduvaldo Cozzi, depois de cantar em 1.938 para um público
de dez mil pessoas em São Paulo.
A canção “Faixa de cetim” de 1962 é composição de Ary Barroso.
Milton Nascimento é considerado, tanto no Brasil quanto no exterior, um dos
maiores cantores da música brasileira, além de ser um compositor consagrado, que
influenciou toda uma geração de músicos. Em 1998 ganhou o Grammy na categoria
A canção “O que será?” ou “À Flor da pele” é composição de Chico Buarque
de Hollanda de 1976.
Roberto Carlos, considerado o REI” Da MPB (Música Popular Brasileira) foi
um dos primeiros ídolos jovens da cultura brasileira. Além do programa e dos
discos, estrelou filmes, inspirados no modelo lançado pelos Beatles nos anos 60.
A canção “A madrasta” ou somente “Madrasta” é composição de Beto
Ruschel e Renato Teixeira de 1968, está no disco O inimitável” pela gravadora
CBS.
João Bosco é violonista, cantor e compositor mineiro e foi parceiro de
grandes nomes da MPB.
A canção “Rio de Janeiro” ou “Samba do avião” é composição de Tom Jobim
de 1962.
Dalva de Oliveira também da era do rádio foi eleita a “Rainha do rádio” em
1.951.
A canção Poeira do chão” é composição de Armando Cavalcanti e Klécius
Caldas de 1952.(Em anexo: vida e obra dos cantores e compositores acima
citados).
78
Nas canções analisadas, observamos a intertextualidade (o diálogo entre
diversos tipos de textos) e o dialogismo (Mikail Bakhtin) que fazem que consigamos
interagir com as canções, como receptores da palavra poética e da música de
Caetano. Para Bakhtin a língua se harmoniza em conjuntos, pois não é um sistema
abstrato de normas, mas sim uma opinião plurilíngüe concreta sobre o mundo e
assim as ideologias do autor e receptores encontram-se em horizontes e
expectativas comuns.
Caetano faz paráfrases e paródias e, para tanto, utiliza-se de grande
variedade de textos de várias épocas históricas (desde o Gênesis da bíblia,
passando por artistas até citações como nossa maior festa popular, o Carnaval),
exprimindo o que pensa através de letras poéticas e utilizam-se de seu vasto
repertório,onde se fundem o erudito e o popular, o clássico e a massa, encontrando
eco, em diferentes níveis nos repertórios de seus mais variados receptores.
Ao analisarmos a intertextualidade nas canções de Caetano Veloso
podemos constatar sua memória discursiva ilimitada. O talento do compositor é
indiscutível, suas citações vão desde o Gênesis da blia Sagrada às gírias
populares.
É de extrema importância que os leitores dos textos de Caetano Veloso
tenham uma boa memória discursiva, mas, se isso não for possível, é necessário
que haja disposição em adquiri-la através de pesquisas, para que a leitura seja
efetiva e os leitores consigam entender e interagir (dialogar) com eles, através dos
vazios deixados pelo compositor.
No capítulo seguinte, enfocamos a prática em sala de aula, ou seja, como
fazer das canções de Caetano instrumentos de motivação e estímulo para que os
alunos escrevam textos diversos, de dissertações a poesias, tendo como tema e
inspiração, as idéias, os sentimentos e as visões de mundo, auridas da análise das
canções de Veloso.
79
4 A MÚSICA COMO ESTRATÉGIA NA SENSIBILIZAÇÃO PARA A PRODUÇÃO
DE TEXTOS
4.1 A Música
“A mais simples canção popular imbuída de humanidade é poesia”
Benedetto Croce
A música, como já dissemos em capítulo anterior, sempre esteve presente na
vida do ser humano é através dela que podemos contar a história da humanidade
resgatando costumes, crenças, medos e anseios de cada etapa vivida pelo receptor.
A música não tem fronteiras.
As canções de Caetano Veloso fazem parte da história política do nosso país,
representam toda uma geração incompreendida, no momento em que a ditadura
militar assolava nosso país. Essa geração consagrou o compositor como um de
seus líderes, aquele que dizia o que todos queriam dizer e não tinham coragem.
Em suas canções, Caetano era a voz de um povo oprimido.
80
Eu sou apenas um velho baiano
Um fulano, um caetano, um mano qualquer
Vou contra a via, canto contra a melodia
Nado contra a maré (VELOSO, 1989 )
Nesse trecho da canção “Branquinha” podemos dizer que existe
intertextualidade implícita com versos do poema Morte e vida Severina” de João
Cabral de Melo Neto quando diz: “Eu sou apenas um velho baiano/ Um fulano, um
Caetano, um mano”. Observemos os versos de João Cabral de Melo Neto:
“O RETIRANTE EXPLICA AO LEITOR
QUEM É E A QUE VAI”
- O meu nome é Severino,
como não tenho outro de pia.
Como muitos Severinos,
que é santo de romaria,
deram então de me chamar
Severino de Maria;
como há muitos Severinos
com mães chamadas Maria
fiquei sendo o da Maria
do finado Zacarias.
Mais isso ainda diz pouco:
há muitos na freguesia,
por causa de um coronel
que se chamou Zacarias
e que foi o mais antigo
senhor desta sesmaria.
81
intertextualidade também com uma tradução de Augusto de Campos de
um poema provençal de Arnaut Daniel que diz: “eu nado contra a maré”; com essas
palavras, Caetano expressa seu lugar de defensor da sociedade, diante de fatos
que vão contra a sua ideologia.
Na época da opressão do governo militar, Caetano escreveu várias canções,
um dos exemplos mais explícitos é a canção Enquanto seu lobo não vem do disco
“Tropicália” de 1968 que estabelece intertextos que propiciam o dialogismo entre o
autor e o receptor com o conto de fadas “Chapeuzinho vermelho”, no título e no
início do poema, remetendo à repressão militar, com a repetição do refrão Os
clarins da banda militar”, numa canção política que incita aos protestos e à
revolução.
Vejamos a letra da canção na íntegra:
Enquanto seu lobo não vem
Caetano Veloso
I
Vamos passear na floresta escondida, meu amor
Vamos passear na avenida
Vamos passear nas veredas, no alto meu amor
Há uma cordilheira sob o asfalto
II
(Os clarins da banda militar…)
A Estação Primeira da Mangueira passa em ruas largas
(Os clarins da banda militar…)
Passa por debaixo da Avenida Presidente Vargas
(Os clarins da banda militar…)
Presidente Vargas, Presidente Vargas, Presidente Vargas
(Os clarins da banda militar…)
III
Vamos passear nos Estados Unidos do Brasil
Vamos passear escondidos
Vamos desfilar pela rua onde Mangueira passou
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Vamos por debaixo das ruas
IV
(Os clarins da banda militar…)
Debaixo das bombas, das bandeiras
(Os clarins da banda militar…)
Debaixo das botas
(Os clarins da banda militar…)
Debaixo das rosas, dos jardins
(Os clarins da banda militar…)
Debaixo da lama
(Os clarins da banda militar…)
Debaixo da cama
Estruturalmente a canção é composta, basicamente, da seguinte forma:
- A primeira estrofe da canção apresenta a figura de estilo anáfora nos
primeiros versos e uma conclusão no último verso, que configura a busca de
interação com o outro, representados pela namorada e pelo receptor que estão
todos contidos no sintagma “Vamos”, repetido com grande força semântica no início
dos versos;
- A segunda estrofe quebra essa estrutura com versos que se intercalam com
o refrão que aparece entre parênteses, quatro vezes, instaurando a idéia que se
concretiza do decorrer da canção (poema), de repressão militar que se apresenta
em todas as situações vividas pelo autor e pelos receptores de sua mensagem;
- A terceira estrofe é composta somente com a anáfora, sem nenhuma
conclusão, mostrando o percurso que nós todos somos convidados a seguir
reiteradamente reforçado pelo sintagma “Vamos”;
- A última estrofe segue a mesma estrutura da segunda estrofe, aumentando
a intensidade da repressão e dos perigos que o autor ( personagem) e todos nós
compartilhamos ao enfrentar a ditadura e as perseguições políticas da época.
A canção sugere que os amantes andem pela cidade nos subterrâneos para
se livrarem da repressão militar, sempre lembrada pela frase “(Os clarins da banda
militar)”, como vemos, sempre entre parênteses como se estivessem falando sobre
esse som num sussurro para não serem descobertos.
83
Caetano Veloso faz um comentário sobre essa canção no livro “Sobre as Letras”
14
:
Uma música muito política, do período tropicalista. É uma incitação às
passeatas de protesto... Presidente Vargas é invocado aos brados! Apesar
do forte conteúdo potico, os censores deixaram-na passar, porque não
entenderam nada... Aliás, a esquerda também não entendeu direito,
ninguém entendeu muito bem, e quem entendeu fingiu que não.
(VELOSO, 2003: 38)
Caetano queria mais. Queria inovar, chocar. De tão autêntico, chegou a ser
vaiado ao levar para o palco “É proibido proibir na eliminatória paulista do
Festival Internacional da Canção, no Teatro da Universidade Católica de São Paulo,
em 1968. No entanto, nada o derrubaria. Em 1969, depois de ser delatado, foi
mandado para o exílio em Londres, onde continuou compondo e participando da
vida de sua Terra, agora tão distante.
Portanto, são letras que por sua força histórica muito contribuem para a
educação do nosso país e quando usadas como estímulo à escrita,
automaticamente ajudam na formação de um cidadão mais crítico e principalmente
consciente.
4.2 Descrição das Estratégias Metodológicas da aplicação de canções como
tema de produção de textos
As canções que serão apresentadas como objeto de estudo neste capítulo
foram selecionadas de acordo com o interesse, o conhecimento prévio e a vio de
mundo de alunos de Escolas Públicas Estaduais do último ano do Ensino
Fundamental e do primeiro e terceiro anos do Ensino Médio, trata-se de um público
heterogêneo, com postura e interesses de adolescentes, massificados pelo
consumismo desenfreado de início do Século XXI, que visa sobretudo o “objeto” e
não a sua análise crítica, dentro desse contexto, as canções: “Livros”, Sou seu
sabiá” e Os argonautas”, foram as que mais se enquadraram na realidade
84
sócio-cultural desses alunos, conforme suas análises e comentários realizados em
sala de aula.
Tudo se reduz ao diálogo, a contraposição dialógica enquanto centro.
Tudo é meio, o diálogo é o fim. Uma só voz nada termina, nada
resolve. Duas vozes são o mínimo de vida.
Mikail Bakhtin
O dialogismo é um diálogo entre textos com diversas formas de expressão (oral,
escrito, visual, etc.) e de todos os textos envolvidos nesse diálogo sairá um novo texto.
Conforme citação de Bakhtin não há diálogo sem pelo menos duas vozes (enunciador e
enunciatário) e essas vozes imprimem no texto sua memória discursiva, que depende de seu
conhecimento de mundo e da ideologia dos envolvidos no discurso.
As palavras do enunciador estão sempre e, inevitavelmente, atravessadas pelas palavras
do outro: o discurso elaborado pelo enunciatário se constitui também no discurso do outro que
o atravessa, condicionando o discurso do eu de Bakhtin que diz que o discurso nunca é
individual, mas social.
Bakhtin aborda o processo de formação do discurso em três etapas: o eu para - mim;
o eu para –os -outros e o outro para - mim. Essa tade mostra sua visão em relação ao eu
relacionando-se com o mundo.“Para ele não há mundo dado ao qual o sujeito possa se opor. É
o próprio mundo externo que se torna determinado e concreto para o sujeito que com ele se
relaciona.”(FREITAS, 1995: p. 126-6)
Os sujeitos do discurso vivem em constante diálogo e o emissor pode oferecer
obstáculos à sua realização ou manutenção provocando rupturas que vão infiltrando senveis
mudanças no contexto. É neste momento que ocorre a interferência do professor no processo
de recepção dos textos pelos alunos.
O ensino da ngua Portuguesa deve ser voltado para o desenvolvimento crítico do
cidadão, em relação aos aspectos políticos, culturais, profissionais e participativos da
sociedade.
Os educandos deverão conscientizar-se de seu papel dentro da sociedade e
caberá ao educador ter competência para organizar os conhecimentos que deverão
ser adquiridos por eles, levando em consideração a realidade e a sociedade em que
85
eles estão inseridos e contribuindo para sua transformação através do
conhecimento que construirão através de pesquisas, aulas expositivas e muita
leitura, decodificação, interpretação e escrita de textos.
A competência lingüística do educando deve ser construída com bases
sólidas, portanto a escolha das canções de Caetano Veloso fazem parte dessa base
em nossa pesquisa, visto que aguçará a capacidade do aluno em ler, interpretar e
escrever textos.
Cabe ao professor colocar à disposição dos alunos instrumentos que os façam
compreender melhor os textos preenchendo os vazios neles contidos.
Os textos que serão analisados e posteriormente utilizados como tema de redações são
fontes inesgotáveis de vazios, conforme palavras de EucanFerraz:
Penso inicialmente nas várias e longas entrevistas com Caetano
Veloso. Apesar da condução incisiva das questões que abraça,
assistimos mais que a exteriorização do que está pronto:
acompanhamos o alçar de um pensamento e uma fala ela mesma,
pontuada por vazios, reminiscências, desvios.( FERRAZ, 2000,11)
Cabe ao leitor preencher os vazios dos textos com sua memória discursiva que é
adquirida, conforme já dito, com tudo que o leitor aprende durante sua vida.
Foram aplicados vários textos de Caetano Veloso, cuja análise intertextual consta no
segundo capítulo, e feitas propostas de redação com os diferentes tipos de composição:
Dissertação, Narração e Paródia.
Dissertação: “nesse tipo de texto predomina a defesa de uma idéia, de um ponto de
vista. Portanto, tem objetivos bem distintos, se comparado a outros tipos de composição.A
dissertação é o fruto da razão, da capacidade de argumentação, do racionio lógico. O autor
do texto desenvolve argumentos que sedimentam, solidificam sua posição final.” (NICOLA:
1986, 52)
É muito importante que os educandos reconheçam os vários formatos textuais na
manifestação cultural, para que haja a perpetuação cultural, propagação de ideologias,
convenções, valores e , principalmente, a formação de um sujeito crítico.Para isso e por isso o
processo da comunicação e tão importante para o homem.
86
Inicialmente trabalharemos com o texto “Livros”.
15
Vejamos a letra da canção na a seguir:
Livros
Tropeçavas nos astros desastrada
Quase não tínhamos livros em casa
E a cidade não tinha livraria
Mas os livros que em nossa vida entraram
São como a radiação de um corpo negro
Apontando pra a expansão do Universo
Porque a frase, o conceito, o enredo, o verso
(E, sem dúvida, sobretudo o verso)
É o que pode lançar mundos no mundo.
Tropeçavas nos astros desastrada
Sem saber que a ventura e a desventura
Dessa estrada que vai do nada ao nada
São livros e o luar contra a cultura.
Os livros são objetos transcendentes
Mas podemos amá-los do amor táctil
Que votamos aos maços de cigarro
Domá-los, cultivá-los em aquários,
Em estantes, gaiolas, em fogueiras
Ou lançá-los pra fora das janelas
(Talvez isso nos livre de lançarmo-nos)
Ou o que é muito pior por odiarmo-los
Podemos simplesmente escrever um:
Encher de vãs palavras muitas páginas
E de mais confusão as prateleiras.
Tropeçavas nos astros desastrada
Mas pra mim foste a estrela entre as estrelas.
Caetano Veloso
87
A metodologia utilizada para a produção de textos dissertativos com base na
canção aqui apresentada foi:
1- Entrega de uma cópia do texto para cada aluno;
2- Leitura silenciosa do texto pelos alunos;
3- Leitura em voz alta do texto pelo professor pausadamente e com
expressividade;
4- Interpretação oral do texto pelos alunos após breve explanação dos
elementos do texto pelo o professor (Ver análise da canção no Capítulo III, item
1.0);
5- Primeira audição da canção na sala de aula através de um aparelho de
rádio que reproduz a mídia sonora CD Player;
6- Análise de elementos intertextuais do texto em um seminário com
interação entre professor e alunos;
7- Aulas interdisciplinares com utilização de palavras da canção:
- História – Santa inquisição (índex e queima de livros);
- Física- Radiação, Corpo Negro, Expansão do Universo.
8- Pesquisa na sala de informática;
9- Segunda audição da canção na sala de aula, com a música tocada no
violão por um convidado ou por um dos alunos da sala;
10- Novo diálogo sobre a canção entre professor e alunos com maior
interação pelo maior entendimento da mensagem transmitida pela canção;
11- Proposta de redação pelo professor: “Com base no poema Livros de
Caetano Veloso redija um texto dissertativo / argumentativo sobre o seguinte tema:
Qual a importância dos livros em nossas vidas”;
12- Produção de textos dissertativos pelos alunos.
O público alvo desta atividade foram 40 alunos da terceira rie do Ensino
Médio da Escola Estadual “Victor Maida” de Ibitinga, SP.
A duração da atividade foi de cinco horas-aula (50 min).
Os objetivos foram centrados na estimulação da escrita através de texto de
uma canção com conteúdo que causasse interesse nos jovens e da sensibilização
conseguida através da reprodução da canção, principalmente, ao vivo, podemos
comprovar essa afirmação nos textos dos alunos em anexo.
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Ainda com esse mesmo texto a proposta de redação foi uma composição
narrativa.
As estratégias metodológicas foram as mesmas utilizadas no texto
dissertativo, apenas foi mudado o foco do tipo de texto a ser escrito que passou da
dissertação para a narração.
Narração: o texto centra-se em um fato ou acontecimento; personagens
que atuam e um narrador que relata a ação. Percebe-se o predomínio de frases
verbais, indicando um processo ou ação. (NICOLA: 1986, pág.52)
O público alvo desta atividade foram 40 alunos da primeira série do Ensino
Médio da Escola Estadual Victor Maida” de Ibitinga, SP. (Em anexo exemplo de
narrações)
As outras etapas da produção do texto repetiram-se conforme as utilizadas
na produção do texto dissertativo.
A próxima atividade de produção textual utilizou-se da paródia.
Paródia: é recurso encontrado com freqüência na literatura. Reside na
retomada de um texto, trabalhado com novas e diferentes intenções daquelas com
que foi criado por seu autor. Encontramos paródias humorísticas, críticas, poéticas.
Detendo-se na etimologia da palavra, Genette (1982) nos faz lembrar que
ode é canto, canção e para de paródia, aquilo que se desenvolve ao longo de, ao
lado de. Logo, a paródia seria um contracanto, uma canção transposta com
interação irônica ou humorística.
Genette destaca três possibilidades de paródias representadas na tradição
literária:
1. a aplicação de um texto nobre, modificado ou não, a um diferente
assunto, geralmente vulgar; 2. a transposição de um texto nobre para um estilo
vulgar;
3. o emprego de um estilo nobre (epopéia) de uma obra singular a um
assunto vulgar ou não-heróico.
“A forma mais rigorosa de paródia consiste na retomada de um texto
conhecido para lhe dar um novo sentido ou mesmo desli-lo de seu contexto e de
seu nível de dignidade. Ela se faz, nesse caso, paródia de umas poucas frases,
textos curtos, provérbios, ditos históricos tomados em outro sentido que não o
original. Com essas características, funciona como destaque dentro do texto que a
89
abriga, levando o receptor a estabelecer relações entre o texto de origem e a
paródia inserida em novo contexto.
Encontram-se paródias que consistem em mudar uma letra em uma palavra;
outras trocam uma palavra de um verso; outras ainda, sem qualquer alteração
textual, suprimem o sentido de uma citação, ao dar-lhes um novo contexto. Existem
aquelas que compõem toda uma obra nos moldes de outra, modificando-lhe o
assunto ou o sentido mediante alteração de certas expressões.
Uma outra forma de paródia, que se caracteriza por desenvolver textos de
acordo com o gosto e o estilo de autores pouco aceitos, é vista por Genette como
‘imitação estilística com função crítica ou ridicularizante.’ Essa paródia de aspecto
caricatural recebe a denominação específica de pastiche.” (GENETTE, 2005,p. 35)
Após estudar as relações intertextuais, os alunos da primeira série do Ensino
Médio fizeram uma paródia da canção “Sou seu sabiá” 16que veremos a seguir:
Sou Seu Sabiá
Se o mundo for desabar
sobre a sua cama
E o medo se aconchegar
sob o seu lençol
E se você sem dormir
tremer ao nascer do sol
Escute a voz de quem ama
ela chega aí
Você pode estar
tristíssimo no seu quarto
Que eu sempre terei
meu jeito de consolar
É só ter alma de ouvir,
e coração de escutar
E nunca me farto
do uníssono com a vida
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Eu sou, sou seu sabiá
Não importa
onde for vou te catar
Te vou cantar te vou
te vou te vou te vou
Eu sou, sou seu sabiá
O que eu tenho eu te dou
E tenho a dar
Só tenho a voz cantar,
cantar, cantar, cantar
Caetano Veloso
A metodologia utilizada para a sensibilização para a escrita de textos foi a
seguinte:
1-Todos os alunos receberam a cópia da canção;
2-Leitura silenciosa da letra pelos alunos;
3-Levantamento de idéias sobre o significado do nome da canção pelos
alunos;
4-Leitura oral por um aluno do poema “Canção do exílio” de Gonçalves Dias
por um dos alunos;
5- Pesquisa sobre o sabiá com livros da biblioteca e na sala de informática da
escola com utilização da internet;
6- Posicionamento das cadeiras dos alunos em círculo;
7- Leitura oral do texto Sou seu sabiá” feita por um aluno com entonação e
expressividade;
8- Leitura do poema “Via Láctea” por um aluno;
9- Compreensão e interpretação oral com interação entre professor e alunos,
descobrindo as intenções e as sugestões levantadas pelo eu-lírico ( Ver análise da
canção no Capítulo 2, item 2.1.2);
- Esgotadas as dúvidas quanto ao vocabulário, à compreensão e à
intencionalidade da canção houve a audição da canção em um aparelho de CD
Player;
91
- A sala foi dividida em duplas para que os alunos escrevessem uma paródia
ou um poema sobre a canção.
O público alvo dessa atividade foram 40 alunos da primeira série do Ensino
Médio da Escola Estadual “Ângelo Martino” de Ibitinga, SP.(Nos anexos alguns
trabalhos dos alunos).
A duração da atividade foi de cinco horas-aula (50 min).
Os objetivos foram centrados na estimulação da escrita através de texto de
uma canção com conteúdo que causasse interesse nos jovens, afinal, estão na
época das “paixões adolescentes”, e da sensibilização conseguida através da
reprodução da canção.
A última estratégia de sensibilização teve como tema a canção “Os
argonautas” ,o poema de Fernando Pessoa “Navegar é preciso” 17e a utilização do
Tangram18:
Vejamos com dobraduras e detalhes a historinha” do Tangram que foi
retirada de um Caderno Pedagógico Fome e solidariedade do Concurso viagem
Nestlé pela literatura de 2003.
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Lenda do Tangram
O Tangram surgiu na China e seu nome significa Tábua das Sete
S a b e d o r i a s .
Conta-se que, no culo XII, um monge taoísta deu ao seu discípulo um
quadrado de porcelana, um rolo de papel de arroz, pincel e tintas, e disse:
- Vai e viaja pelo mundo. Anota tudo que vires de belo e depois volta.
A emoção da tarefa fez com que o discípulo deixasse cair o quadrado de
porcelana que se partiu em sete pedaços. O discípulo, tentando reproduzir
o quadrado, viu formar uma imensidão de figuras belas e conhecidas a
partir das sete peças.
De repente percebeu que não precisaria mais correr o mundo. Tudo de
belo que existia poderia ser formado pelo Tangram.
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O Tangram é um jogo educativo construído com um quadrado de papel
chacrim (no caso de nosso trabalho) ou de outros materiais que é dividido através
de dobraduras em: dois triângulos grandes; dois triângulos pequenos; um triângulo
dio; um trapézio e um quadrado pequeno, essas formas geométricas permitem a
criação de várias outras formas, como, por exemplo, animais, pessoas, etc.
Vejamos, agora a canção de Caetano:
Os argonautas
O barco, meu coração não agüenta
Tanta tormenta, alegria
Meu coração não contenta
O dia, o marco, meu coração
O porto, não
Navegar é preciso
Viver não é preciso
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O barco, noite no céu tão bonito
Sorriso solto, perdido
Horizonte, madrugada
O riso, o arco da madrugada
O porto, nada
Navegar é preciso
Viver não é preciso
O barco, o automóvel brilhante
O trilho solto, o barulho
Do meu dente em tua veia
O sangue, o charco, barulho lento
O porto, silêncio
Navegar é preciso
Viver não é preciso
Caetano Veloso
A metodologia utilizada para a produção de textos foi:
1- Cada aluno recebeu uma folha de papel de dobradura;
2- A professora contou aos alunos a origem do Tangram;
3- Seguindo a “historinha” do Tangram foram feitas as dobraduras para sua
construção;
4- Debate entre professor e alunos com manifestações espontâneas dos alunos
sobre atitudes de inconformismo das pessoas com a realidade e transformação que
o ser humano pode construir;
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5- Os alunos construíram personagens com as peças do Tangram;
6- Audição da a canção “Os argonautas” reproduzida por um aparelho de CD
Player;
7- Entrega do texto da canção para os alunos;
8- Estudo do texto com leitura compartilhada entre alunos e professor em voz
alta com expressividade de ambas as partes;
9- Leitura e exploração compartilhadas do texto Navegar é preciso” de
Fernando Pessoa;
10- Estabelecimento das marcas de intertextualidade entre a canção, o poema e
a historinha do auto-conhecimento;
11- Produção de um texto em prosa ou em verso com o tema “Navegar é
preciso” com a seguinte proposta: Produzir um texto escrito em prosa ou verso a
partir da canção ‘Os argonautas’ de Caetano Veloso, do poema ‘Navegar é
preciso’ de Fernando Pessoa e da história do Tangram.
O público alvo dessa atividade foram 41 alunos da oitava rie do Ensino
Fundamental da Escola Estadual “Profª Iracema de Oliveira Carlos” de Ibitinga, SP.
(Em anexo, trabalho dos alunos.)
A duração da atividade foi de cinco horas-aula (50 min).
Os objetivos foram centrados na estimulação da escrita através de texto de
uma canção, com conteúdo que conduzisse os alunos à reflexão sobre
transformações pessoais e o crescimento interior do ser humano. Esse
entendimento foi auxiliado pelo poema e pela atividade lúdica do Tangram, que
auxiliaram na interpretação da canção, através da intertextualidade feita entre os
textos.
4.3 Avaliação da recepção das canções
As atividades despertaram interesse nos alunos, especialmente a atividade
dica do Tangram os deixou mais “soltos” e predispostos para as atividades de
análise e produção textual. A audição das canções, desconhecidas pelos alunos, foi
de extrema importância na sensibilização dos alunos para a escrita de textos, fez do
ato de redigir uma atividade lúdica e prazerosa.
100
As canções selecionadas para estudos em salas de aulas de acordo com os
interesses dos alunos foram: “Livros”, Sou seu sabiá” e Os argonautas” , cada
uma delas refere-se respectivamente aos temas: 1- a importância dos livros-2, o
amor e o livre arbítrio do ser humano para conduzir sua vida e propiciam material
para a escrita ( sobre o que escrever) suprindo uma necessidade sempre apontada
pelos alunos que afirmam “não saber o que escrever”, “não ter assunto”.
Os alunos participaram de maneira efetiva na interpretação dos textos e,
quando não conseguiam preencher os vazios deixados pelo compositor, faziam
questionamentos ao professor ou pesquisavam em livros, nas Bibliotecas das
escolas e nas Salas de Informática utilizando a Internet.
As produções textuais foram consideradas satisfatórias, embora possam
melhorar ainda mais com a aplicação dessas atividades com maior freqüência.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
101
Nossa pesquisa é fundamentada na Estética da Recepção, no dialogismo
bakhtiniano e na Semiótica. A Estética da Recepção e o dialogismo têm teorias que
se complementam, portanto nossos estudos concentraram-se nesse aspecto.
Na Estética da Recepção o texto é o objeto das investigações do receptor
que o analisa e o interpretará de acordo com seu conhecimento de mundo, o
momento histórico em que vive e conhecimentos adquiridos através de informações
obtidas por meio de descobertas (pesquisas).
O leitor “desconstrói” o texto através de sua análise para posteriormente
“reconstruí-lo” preenchendo os “vazios” deixados pelo emissor que quando
escreveu imaginou um leitor implícito ( Wolfgang Iser).
... do ponto de vista da Estética da Recepção, o texto apenas se “concretiza”
através da atuação do leitor e que, devido a isso, não pode simplesmente ser
compreendido como uma partitura de instruções que por si própria já
assegurassem sua transformação em forma significativa. Isto quer dizer, contudo,
que aquela base de comparação, que deveria possibilitar “a discutibilidade
intersubjetiva, das interpretações individuais, feita durante a leitura”, não pode
mais ser obtida como um conceito de texto separado do leitor - seja ele
modificado como for - e sim apenas como resultado da co-atuação entre texto e
leitor. (COSTA LIMA, 2002,p. 991, v.2)
O dialogismo também trata da relação do texto com seu receptor, porém,
concentra-se nas diversas estratégias utilizadas pelo emissor no momento em que
escreve seu texto (momento da criação) afim de persuadir seu leitor, é como se
imaginasse um diálogo entre texto (objeto) e leitor (receptor).
O falante tende a orientar o seu discurso, com o seu círculo determinante, para o
círculo alheio de quem compreende, entrando em relação dialógica com os
aspectos deste âmbito. O locutor penetra no horizonte alheio de seu ouvinte,
constrói a sua enunciação no território de outrem, sobre o fundo aperceptivo do
seu ouvinte. ( BAKHTIN, 1998,p.91)
102
Esta pesquisa foi desenvolvida em salas de aula e as metodologias utilizadas
propiciaram aos receptores, alunos do ensino Fundamental e Médio, o encontro
com textos de Caetano Veloso os quais, inicialmente, causaram estranhamento,
mas propiciaram um estudo significativo que ampliou seus conhecimentos, visto que
são canções com grande conteúdo histórico e cultural e levou-os a redigir com
maior segurança e espírito crítico decorrentes de debates e seminários.
A análise da intertextualidade nas canções de Caetano foi a estratégia de
maior significação para nosso estudo, visto que é um material de pesquisa
inestimável e conduz o receptor, auxiliado pelo educador, para a pesquisa e
compreensão efetiva dos temas, envolvendo aspectos sociais e pessoais, desde o
período de repressão da ditadura militar até a dedicação e envolvimento amorosos.
Caetano Veloso é um dos artistas considerado campeão de aparições na
dia. Muitas vezes suas declarações são polêmicas, sempre fala o que pensa e
não tem medo de voltar atrás quando percebe que errou em alguma declaração
feita. Os jornalistas ou apresentadores de programas televisivos sempre procuram
saber sua opinião sobre tudo. Caetano tem sua vida filtrada pela mídia, é um dos
ícones da arte musical brasileira e suas composições são poemas musicais, como
foi exposto no Capítulo II.
Os receptores das canções de Caetano Veloso em nossa pesquisa
(adolescentes entre quinze e dezessete anos), não possuíam conhecimentos
prévios sobre as canções analisadas. Conheciam, somente, algumas sicas que
tiveram grande veiculação na dia. Muitas delas eram somente interpretadas por
ele e não composições próprias, como, por exemplo, a canção de Peninha
Sozinhoque fez parte da trilha sonora de uma novela da Rede Globo e “Você não
me ensinou a te esquecer” de Fernando Mendes, que faz parte da trilha sonora do
filme Lisbela e o Prisioneiro.
As sicas, que inicialmente causaram estranhamento nos receptores,
depois de analisadas, provocaram admiração e certamente enriqueceram o
vocabulário, além de transmitirem conhecimentos históricos e culturais do nosso
país, através de vivências pessoais do autor, bem como outras informações
importantes.
Toda essa metodologia aplicada resultou em produções escritas satisfatórias
de diversos tipos de textos (narrativos, dissertativos e poéticos) pelos receptores, os
103
quais foram estimulados principalmente por o serem somente textos estáticos os
que analisaram, mas pela sedução da sonoridade, que nos leva a interagir com as
canções musicais muito mais do que com poemas estáticos, o que se compreende,
pois os jovens têm em seu repertório maior contato com textos musicais.
Pode-se concluir, portanto,que a metodologia utilizada produz bons
resultados, desde que aplicada por educadores que desejem inovar e interagir com
os alunos,revelando-lhes as belezas e as inúmeras possibilidades de leituras e
interpretações resultantes da análise poética. No caso deste estudo, tendo como
“corpus básico” as canções de Caetano Veloso, procurou-se enriquecer o repertório
dos alunos com análises, audições e interação emissor e receptor
(professor/canções de Veloso e alunos), levando-os a uma maior compreensão da
realidade histórico-social e humana que os cerca, conseguindo concretizar a
produção de textos verbais com conteúdo, coesão e coerência, advindos de um
trabalho conjunto marcado pela seriedade e dedicação.
104
6 REFERÊNCIAS
6.1 BIBLIOGRÁFICAS
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Yara Frateschi Vieira, colaboração de Lúcia Teixeira Wisnik e Carlos Henrique D.
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6.2 Consultas On-Line
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VELOSO, Caetano. Página Oficial na Internet.Disponível em:
<http://www.caetanoveloso.com.br>. Acesso em: 19/03/05.
6.3 Discografia
VELOSO, Caetano. Caetano Veloso. Rio de Janeiro: Philips, p.1969. 1 disco
sonoro.Lado A, faixa 6.
VELOSO, Caetano.Caetano. Rio de janeiro: Polygram, p. 1987, VELOSO, 1 disco
sonoro.Lado A, faixa 1.
VELOSO, Caetano.Estrangeiro. Rio de janeiro: Polygram, p. 1989, VELOSO, 1 disco
sonoro.Lado A, faixa 7.
VELOSO,Caetano.Noites do Norte. São Paulo: , p. 2001, 1 CD, faixas 11 e 25.
109
VELOSO,Caetano.Livro. Rio de janeiro: Polygram, p. 2004, 1 CD, faixas 2 e 14.
VELOSO, Caetano. Caetano Veloso. Rio de Janeiro: Philips, p.1969. 1 disco
sonoro.Lado A, faixa 6.
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
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