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LUIS FERNANDO MARTINEZ
A INTENÇÃO POR TRÁS DAS LENTES:
O processo de construção no fotojornalismo
MARÍLIA
2005
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LUIS FERNANDO MARTINEZ
A INTENÇÃO POR TRÁS DAS LENTES
O processo de construção no fotojornalismo
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-graduação em Comunicação da Universidade
de Marília, para a obtenção do título de Mestre
em Comunicação.
Área de concentrão: Mídia e Cultura.
Linha de Pesquisa: Produção e Recepção de
Mídia.
Sob a orientação da Professora Doutora
Maria Cecília Guirado.
MARÍLIA
2005
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UNIVERSIDADE DE MARÍLIA
FACULDADE DE COMUNICAÇÃO, EDUCAÇÃO E TURISMO
REITOR
MÁRCIO MESQUITA SERVA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO
COORDENAÇÃO: PROFESSORA DOUTORA SUELY FADUL VILLIBOR FLORY
ÁREA DE CONCENTRAÇÃO
MÍDIA E CULTURA
LINHA DE PESQUISA
PRODUÇÃO E RECEPÇÃO DE MÍDIA
ORIENTADORA
PROFESSORA DOUTORA MARIA CECÍLIA GUIRADO
A INTENÇÃO POR TRÁS DAS LENTES
O processo de construção no fotojornalismo
Autor: Luis Fernando Martinez
Orientadora: Professora Doutora Maria Cecília Guirado
Aprovado pela Comissão Examinadora
_____________________________________
Professora Doutora Maria Cecília Guirado
Orientadora
__________________________________________
Professor Doutor João Batista Ernesto de Moraes
_______________________________________________________
Professora Doutora Lúcia Correia Marques de Miranda Moreira
Data da apresentação: 30 de março de 2005.
Agradecimentos
À minha família, meus pais, Luiz e Ivonete, pelo orgulho que sempre demostraram por
seu filho, compartilho em especial com você, minha mãe, esse sonho realizado, minha
avó Olímpia e minha tia Ivandi por sempre abrirem e iluminarem meus caminhos com
suas orações, minha irmã, Luciana, por sempre poder contar com você para qualquer
coisa a qualquer hora em qualquer lugar e meu sogro João por proporcionar segurança
à minha casa em minhas longas ausências.
À Professora Doutora Maria Cecília Guirado, orientadora deste trabalho, agradeço-lhe,
por mostrar meus caminhos, e proporcionar-me condições de trilha-los.
À Universidade de Marília Unimar, e às amigas Professora Doutora Sueli Flory e
Professora Mestra Maria de Fátima Faila, diretora e coordenadora do curso de
comunicação da UNIMAR, agradeço por acreditarem na força do meu trabalho e
proporcionarem condições para a realização do mesmo.
Ao amigo Edson Lara por fazer me apaixonar pela fotografia, aos jornalistas Walter
Gonçalves e Júlio Garcia que ajudaram a moldar minha visão fotojornalística, exigindo
sempre mais qualidade, respeito e compromisso com a profissão e com o leitor.
Dedico este trabalho às minhas filhas Alexia e Julia,
e ao amor da minha vida Simone, por serem os pilares da minha existência
Epígrafe
No fundo a fotografia é subversiva,
não quando aterroriza,
perturba ou mesmo estigmatiza,
mas quando nos faz parar para refletir.
Roland Barthes
Resumo
O presente trabalho tem como objetivo mostrar uma possível metodologia para
futuras análises, levando em conta a utilização das ferramentas da linguagem
fotográfica, como também a intencionalidade do autor. Quando o fotojornalista
raciocina sobre a imagem e alinha equipamentos e intenções, ele promove uma
estruturação da mensagem, que possui objetivos concretos em relação ao receptor.
Foram identificadas as ferramentas utilizadas na composições fotográficas do livro
Terra, de Sebastião Salgado e extraímos dessas mensagens as prováveis intenções com
que foram construídas. Pois, um texto, mesmo que não verbal, possui inter-relações com
o meio em que está inserido e esta obra de Salgado não é exceção, ela conta com uma
introdução de José Saramago e um CD com sicas de Chico Buarque, que se
relacionam intimamente com as imagens do livro.
Essa pesquisa baseou-se em alguns prismas da Estética da Recepção, procurando
estabelecer conexões entre a intencionalidade construída pelo fotojornalista e os reflexos
desse constructo na interpretação no receptor.
Abstract
This paper has as an objective to show a possible methodology to future analyzes,
considering the utilization of photographic language tools and also the intension of the
author. When the photojournalist rationalizes the image and aligns the equipment and
intention, he promotes a structure of the message that has concrete objectives in relation
with the receptor.
The tools were identified using the photographic compositions of the book Terra
(Earth) by Sebastião Salgado. We extracted from these messages probable intentions
that were built. A text, even a non-verbal one, has interrelations with the environment
that the masterpiece is inserted in. This masterpiece of Salgado’s is not an exception; it
counts with an introduction by José Saramago and a CD with music from Chico
Buarque that relates themselves intimately with the images of the book.
This research was based on prisms of the Reception of Esthetics, trying to
establish connections between the intensions built by the photojournalist and the
reflections of this constructo on the interpretation of the receptor.
SUMÁRIO
Introdução 12
Capítulo I – O fotojornalismo
1 - O surgimento do fotojornalismo 14
2 - A evolução
1 - Salomon: o primeiro paparazzo 25
2 - Cartier-Bresson: o intelectual 34
3 – O paradigma da fotografia digital 38
4 – O fotojornalismo no Brasil 41
Capítulo II – A linguagem fotográfica
2.1- A imagem que traduz a mensagem 50
2.2- Componentes de ordem material 56
2.2.1 – Velocidade de obturador 56
2.2.2 – Diafragma 59
2.2.3 – Objetivas 61
2.2.4 – Filmes 64
2.2.5 – Filtros 66
2.2.6 – Luz 67
2.3 – Componentes de ordem imaterial 73
2.3.1 – Elementos de significação 73
2.3.2 – Textura 74
2.3.3 – Composição 76
2.3.4 – Equilíbrio 78
2.3.5 – Regra dos terços 79
2.3.6 – Perspectiva 80
2.3.7 – Ângulo de tomada da imagem 83
2.3.8 – Planos de enquadramento da imagem 87
2.3.9 – Planos de foco 91
2.3.10 – Contraste 93
2.3.11 – Cor ou preto e branco 94
2.3.12 – Da manipulação imagética 96
Capítulo III – O livro Terra
1 – Autores e protagonistas 98
2 – Os textos de Terra 101
Considerações Finais 124
Referências Bibliográficas 126
Anexos 133
Introdução
Alguns defendem a fotografia como substituto do real, outros aceitam-na somente
como obra fotográfica uma construção imaginária e estética. Nesse sentido, várias vertentes
se põem muito aquém da importância fotográfica, para tanto, é necessário considerar a
credibilidade que a fotografia construiu desde seu nascimento efetivo no culo XIX até a
advento da fotografia digital, no século XX. Vale lembrar que alguns dos conceitos básicos da
câmara escura e dos experimentos com materiais fotorreagentes datam do século V
a.C. com o chis Mo Tzu, também largamente estudados durante o renascimento (séculos
XIV ao XVII). Entretanto, a data oficial do surgimento da fotografia no cenário mundial data
de 1826, durante o positivismo, com a fixação de uma imagem em superfície metálica
por Joseph Nicephore Niepce, químico francês que dedicara sua vida a essa pesquisa, é que a
fotografia passa a fazer parte efetivamente do cotidiano das pessoas.
Porém, não podemos atribuir-lhe uma paternidade, pois foram cerca de dois mil e
quinhentos anos de procura incessante de incontáveis estudiosos para que todas as glórias
fossem atribuídas injustamente a um homem. Essa controvérsia é apenas uma das inúmeras
celeumas criadas em torno da fotografia no decorrer dos anos que se seguiram. A sua
utilização como ferramenta dos veículos de comunicação de massa não tardou, pois a imagem
não precisava de palavras para promover a mensagem, servindo aos mais diversos interesses
foi colocada em um patamar de excelência, com o status de prova testemunhal dos fatos
ocorridos. O mundo então havia diminuído de tamanho e o passado poderia ser recuperado.
Uma enorme janela no espaço havia sido aberta e em pouco tempo todos teriam seu lugar de
observador garantido.
Mesmo cientes de que a fotografia pode ser considerada como reprodutora da verdade
visual do fato ocorrido, não podemos descartar as interferências externas sofridas pelo
profissional que captura essas imagens, tampouco podemos ignorar seu background, que acaba
influindo diretamente como filtro cultural e ideológico e pode alterar o conteúdo da mensagem
fotográfica.
Nosso objeto de estudo é o livro Terra, de Sebastião Salgado, com introdução de Jo
Saramago, Prêmio Nobel de Literatura 1998, acompanhado de um CD com quatro músicas
especialmente gravadas por Chico Buarque de Holanda. Analisamos as imagens procurando
identificar-lhe a intenção com que foram utilizadas as ferramentas da linguagem fotográfica e
quais suas possíveis relações com o leitor. Para concretizar esse prosito recorremos a alguns
aspectos da Estética da Recepção, apesar de ser uma teoria utilizada para análises literárias,
encaixa-se perfeitamente em nosso trabalho, pois trata o assunto sob a ótica do leitor, levando
em conta todos os atributos da construção do texto, verbal ou não verbal, estabelecendo uma
relação entre as intenções contidas na produção da obra e seu objetivo principal, que é a
interpretação do leitor.
No primeiro capítulo tentamos acompanhar historicamente as principais
rupturas e mudanças comportamentais dos então pseudo fotojornalistas, e a relação dessas
rupturas com os resultados fotográficos por eles apresentados. A evolução do fotojornalismo
deixou claro que as intenções dos profissionais da fotografia de imprensa e de seus veículos,
são fatores que não podem ser deixados de lado na conjuntura de análise das imagens
midiáticas. Não nos esquecemos de abordar os reflexos dessas mudanças no comportamento
dos profissionais no Brasil e suas conseqüências diretas e indiretas, até chegarmos ao mais
reconhecido fotojornalista brasileiro: Sebastião Salgado, com seu incansável trabalho de crítica
e denúncia social realizado por meio de suas imagens.
Tratamos, no segundo capítulo, dos modos de operacionalização das
intencionalidades, que funcionam como mecanismos de orientação e controle de leitura. Como
os fotojornalistas realizam seu trabalho e com quais ferramentas eles se fazem entender.
Verificamos que as imagens de imprensa são recheadas de intencionalidade tanto de seus
autores, quanto das empresas jornalísticas. Essas intenções ficam claras quando sabemos quem
é o fotógrafo, como e para quem ele trabalha e qual a sua ideologia. Quando esses elementos
são conhecidos, as imagens produzidas ficam ainda mais claras e acabam criando mais
controvérsias a seu respeito. Evidenciamos uma das discussões mais freqüentes sobre a
fotografia jornalística, ou seja, a intenção de sua utilização, pois uma mesma imagem poderá
ser reutilizada para finalidades diferentes em épocas diferentes, desde que corretamente
interrelacionada com o meio de veiculação e seu contexto de publicação.
A mensagem fotográfica por ser constituída de códigos abertos e contínuos e não
necessariamente tabulados, que lhe atribui um poder de recepção sob qualquer circunstância,
das formas mais espontâneas e menos ortodoxas possíveis, mas enganam-se os que pensam
que por conta disso essas imagens fotográficas não podem ser constrdas de forma a levar
esse leitor, mesmo que sutilmente, a ter suas conclusões próximas daquelas idealizadas por
seus criadores.
A Estética da Recepção nos permitiu realizar, no terceiro capítulo, uma fusão de
análises de imagens fotográficas do livro Terra, conciliadas com os outros tipos de estruturas
textuais constantes na obra, músicas e introdução, identificando assim a inter-relação existente
entre essas ts formas artísticas de expressão, chegando a identificar, por fim, o punctum da
obra.
Esta pesquisa propõe um nova abordagem analítica sobre a linguagem fotojornalística,
não apenas tentando entendê-la como ilustração complementar ao texto verbal, mas como
parte desse texto, abrangendo o sentido total da informação. A fotografia, muitas vezes, deixa
de lado seu papel de coadjuvante e passa a figurar como personagem principal, levando o leitor
a vagar por suas entranhas mesmo antes de saber de que se trata o texto que segue junto a
imagem.
A ausência de material didático, dotado de uma problematização mais crítica e
pormenorizada dessa linguagem, necessária para o desenvolvimento da disciplina de
Fotojornalismo do curso de Comunicação Social, fez com que esse estudo se aprofundasse
sobre as questões que rondam o fazer fotográfico, assim como decodificar a utilização de suas
ferramentas e trazer à tona as intenções implícitas na construção da mensagem fotojornalística.
CAPÍTULO I - O FOTOJORNALISMO
1.1 – O surgimento do fotojornalismo
Desde sua criação em 1826 até meados de 1925, trabalhar com fotografia significava
lidar com pesados equipamentos, produtos químicos senveis e de difícil manipulação,
exigindo de seus operadores grande esforço físico para manusear e carregar seus
equipamentos, levando a fotografia, em seu estágio inicial, a ter um caráter quase artesanal.
Somente em 1925, ano em que foi lançada a câmera Ermanox e, a seguir, sua mais famosa
concorrente, a câmera Laica, em 1927, é que a fotografia pode ser utilizada sem que os
fotografados pudessem se aperceber disso.
Os suportes, normalmente placas de cobre, prata e principalmente vidro, eram
emulsificadas uma a uma, depois expostas à luz necessitando ser reveladas e fixadas
imediatamente, mas sua perenidade era comprometida pela fragilidade de seus suportes e
processos químicos. Mesmo assim, em fevereiro de 1855, durante a Guerra da Criméia
(1854-1856), o ex-advogado e fotógrafo inglês, Roger Fenton embarcou em uma aventura
patrocinada pelo governo inglês. Este patronio impunha uma única condição a ser cumprida:
Fenton não revelaria os horrores da guerra para não preocupar as famílias dos soldados
envolvidos no conflito.
As imagens, cerca de 360 placas de vidro emulsionadas com colódio úmido, demoravam
entre dois e vinte segundos sob sol intenso para serem impressionadas e retratavam, conforme
o acordo de Fenton com seu patrocinador, apenas soldados fora da batalha e acampados na
retaguarda dos confrontos. Antes de serem veiculadas, as imagens de Fenton e de seus quatro
assistentes ainda eram censuradas pelo exército inglês tornando-as ainda mais pueris.
Se olharmos mais de perto a expedição de Fenton perceberemos que o fotojornalismo
surgia repleto de restrições, neste caso, regras declaradas sem nenhum constrangimento pelos
contratantes da empreitada, …com a primeira cobertura fotojornalística’ de guerra nasce a
censura prévia ao fotojornalismo” (SOUZA, 2000: 34).
Foto – ROGER FENTON/1855
Carroça que servia como laboratório fotográfico de Fenton durante a guerra da Criméia.
Segundo Jane Carmichael (apud ROBIN, 1990: 07) diretora do Imperial War Museum
de Londres: “Os fotógrafos oficiais não tinham acesso às linhas de frente... sua missão
consistia em tranqüilizar a retaguarda, extenuada pela duração do conflito”.
Foto - ROGER FENTON/1855
Acampamento da cavalaria na Criméia.
Quando trata da expedição de Fenton, Freund (1995:108) diz: “Estas imagens dão uma
idéia muito falsa da guerra, pois apenas apresentam soldados bem instalados por detrás
das linhas de fogo”. Somente seis anos após o trabalho encomendado a Fenton, na Guerra
Civil Americana (1861-1965) é que o fotojornalismo realmente conseguiu uma cobertura
liberta de compromissos previamente assumidos.
Mattew B. Brady, fotógrafo norte americano, enfrentou as mesmas dificuldades técnicas
de Fenton, capturou milhares de imagens durante a guerra, esperando comercializá-las em
seguida, o que acabou não acontecendo. Com as vendas abaixo do esperado e sem conseguir
saldar seus compromissos, Brady teve de entregar todo o material produzido a seu principal
credor, a empresa fornecedora de produtos fotográficos, que comercializou o material durante
vários anos, o fotógrafo por sua vez, acabou por perder toda sua fortuna ao saldar o resto das
vidas contraídas durante a captura das imagens.
Mas, pela primeira vez na história, uma cobertura “fotojornalística” havia sido
concretizada, sem censura ou direcionamento ideológico, sem contratante, enfim um retrato
sem precedentes dos horrores de uma guerra.
Foto – MATTEW B. BRADY/1862
Soldado morto em trincheira na guerra civil americana
Brady e seus colaboradores conseguiram, mesmo com as dificuldades técnicas ainda
vigentes na época, mostrar o desespero e a destruição causados pela guerra, disponibilizando
ao mundo uma visão sem compromissos, que retratava somente a sua versão dos fatos.
Foto - REEKIE/1865
Restos da Batalha de Cold Harbor fotografado por um auxiliar de Brady.
No entanto, o jogo de fortes interesses de grupos, governos e sistemas levaram a
fotografia a ser usada como instrumento de manipulação de informação. Na guerra
franco-prussiana (1870-1871), as fotografias feitas durante o conflito foram utilizadas
após seu término, para identificar os perdedores; e, logo após como prova de insurreição em
seu julgamento, o que culminou com a condenação à morte dos fotografados. As imagens
fotográficas servem ainda hoje como provas testemunhais sobre a verdade em tribunais,
descartando qualquer relação maior com a intencionalidade de seu autor quando capturou as
imagens.
Foto - Autor desconhecido/1870
Guerra Franco-Prussiana
A veiculação de imagens ainda não era comum aos jornais, somente algumas publicações
utilizavam a técnica de escultura em madeira, de um original fotográfico que era reproduzido.
Até então as reproduções na imprensa eram raras e inteiramente artesanais; a sua base técnica
era a gravura em madeira; até mesmo as fotografias foram reproduzidas desse modo e com a
menção a partir de uma fotografia(FREUND, 1995: 106).
Praticamente as únicas imagens satisfatórias veiculadas eram as ilustrações, em sua maioria
baseadas em fotografias.
Somente a 04 de março de 1880, o Daily Graphic de Nova Iorque, com um processo
chamado halftone, publicou o que seria considerada a primeira fotografia de imprensa do
mundo, sob o tulo de Shantytown (bairro de lata ou favela). Fato considerado como marco
histórico mundial e que mudou os rumos do jornalismo impresso.
A introdução da fotografia na imprensa é um femeno de imporncia
capital. Ela muda a vio das massas. Até então o homem vulgar apenas
podia visualizar fenômenos que se passavam perto dele, na rua, na sua aldeia.
Com a fotografia abre-se uma janela para o mundo. Os rostos das
personagens políticas, os acontecimentos que têm lugar no próprio país ou
fora de fronteiras tornam-se familiares. Com o alargamento do olhar o mundo
encolhe-se (FREUND, 1995: 105).
É uma opinião da qual não podemos nos distanciar até os dias de hoje. É fato que a
massificação das imagens aproxima-nos dos acontecimentos, tornando personagens e fatos do
mundo íntimos do leitor, deixando qualquer distância sica, mental ou intelectual reduzida ao
mero interesse do espectador. Com a fotografia, o passado não era mais passado e podia ser
revivido através das imagens que representavam uma porção da emoção do momento que
ficara para trás.
Não tardou e a fotografia também já mostrava sua potencialidade de se multifacetar.
Uma dessas faces era a possibilidade de aumentar a credibilidade das opiniões lançadas nas
matérias jornalísticas. Em 1890, o jornal New York Tribune foi o precursor dessa nova
modalidade com o jornalista dinamarquês, radicado nos Estado Unidos, Jacob A. Riis ao
ilustrar suas matérias, sobre as condições miseráveis de vida dos imigrantes nos bairros mais
pobres da cidade. Era a fotografia sendo utilizada como instrumento de crítica social.
Com a obra How the Other Half Lives (como vive a outra metade) de 1890, do próprio
Riis, profundas mudanças são causadas na opinião pública americana ao revelar, e provar com
as imagens, as precárias condições de trabalho e de vida desses imigrantes.
Seguindo os passos de Riis, Lewis W. Hine, sociólogo que entre 1908 e 1914, trabalhou
na captura de imagens da jornada de trabalho de até 12 horas de criaas em fábricas, campos
e minas, publicando esse material em vários jornais dos Estados Unidos causando extrema
comoção, forçando os legisladores norte americanos, em 1918, a instituir mudanças de
algumas leis sobre trabalho infantil. O que culmina, mas somente em 1938, na promulgação de
uma legislação completa para o trabalho infantil em solo Norte Americano.
Foto - FRANCIS HINE/1911
Crianças em mina de carbono na Pensilvânia
.
Foto – FRANCIS HINE/1911
Menina tecedeira nos EUA
A fotografia havia se instalado como promotora de novos paradigmas da informação. O
ato de informar da imagem era impositivo, a partir do momento em que ela representava algo
ou alguém para um terceiro espectador, o fato passava a ser uma realidade inquestionável.
... a imagem tem o poder de apresentar. Ela é capaz de mostrar algo de
modo claro, objetivo e eficiente, é nisto que reside seu grande potencial
informativo e daí seus argumentos para a produção de sentido
(CAMARGO, 1999: 08).
Outro acontecimento que a fotografia ajudou a revelar ao mundo, e que mais
tarde a história mostraria, cujas imagens vieram a ser utilizadas em outro contexto com
outras intenções, ocorreu na China entre 1898 e 1901: a chamada revolta dos Boxers contra
o colonialismo ocidental. A represália das potências ocidentais não tardou e, no icio do
século XX, os Boxers foram sumariamente executados e suas mortes fotografadas.
Mas se observarmos as fotografias de um jornalista europeu que acompanhava as tropas
ocidentais na vingança, notaremos que nenhum dos executores dos Boxers é ocidental, e sim
japoneses que na época eram aliados dos ocidentais e ocupavam a China. As fotografias das
execuções eram a prova da defesa dos interesses ocidentais na Ásia, mas raramente veremos
soldados ocidentais nesses episódios.
Por que essa ausência?
Foto - Autor desconhecido/1900
Execução dos Boxers.
Era necessário cessar a revolta dos nacionalistas chineses, mas os ocidentais não
poderiam correr o risco de perder o apoio dos líderes da colônia.
Segundo o historiador inglês Gilles Baud-Berthier:
...no primeiro plano as vítimas chinesas; atrás, os japoneses, aliados dos
ocidentais. No entanto embora as oito potências estrangeiras tenham
participado na repressão, são raras as fotografias nas quais figuram militares
europeus (apud ROBIN, 1990:02).
Para o professor de história da Universidade de Pequim, Zang Haipeng: “Essas
fotografias somente foram publicadas na China após a chegada de Mao Tsé Tung ao poder”
(apud ROBIN, 1990: 02). Hoje as imagens constam em manuais de história chinesa para
mostrar todo o mal que o ocidente causou ao seu povo. Existe aqui um claro exemplo da
manipulação na utilização das mesmas imagens em épocas distintas com finalidades diferentes.
No entanto, não existe um marco preciso onde surge a profissão de repórter fotográfico,
esses profissionais permeiam a história já nas duas últimas décadas do século XIX, a profissão
toma vulto a partir do momento em que os jornais europeus e norte-americanos começam a
utilizar mais freqüentemente a fotografia em suas páginas. Os equipamentos eram ainda muito
grandes e pesados e os recém-nascidos” repórteres fotográficos eram escolhidos muito mais
por sua força física que por seu talento fotográfico.
Por volta de 1910 o material fotosenvel ainda era obsoleto e necessitava de iluminação
extra quando o trabalho era realizado em recintos fechados. Usava-se uma carga de magnésio
em que era incendiada, exalando uma luz intensa juntamente com uma nuvem de fumo
ácido que nauseava os presentes, proporcionando imagens repletas de bocas abertas, olhos
fechados, caretas ou poses pouco ortodoxas para uma fotografia.
A concepção da época era que a imagem tinha que possuir qualidades técnicas para
ser publicada e valia tudo para conseguir essas imagens, ainda que isso viesse a contrariar
qualquer personagem ou anfitrião.
No icio do século XX o aspecto da simplificação tecnológica da fotografia permitiu a
entrada no ramo fotográfico de indivíduos praticamente sem conhecimento técnico, abrindo
assim possibilidades de trabalho a pessoas sem formação especializada. Os processos eram
aprendidos e repetidos sem qualquer tipo de profundidade no conhecimento dos processos
químicos realizados por parte desses novos fotógrafos.
A falta de preparo dos repórteres fotográficos, associadas às dificuldades técnicas de
iluminação do icio do século XX tratou de atribuir a esses profissionais a fama desagradável
de intrometidos, inconvenientes e mal educados. As imagens não eram assinadas por seus
autores, que não eram considerados mais que meros carregadores de câmeras e apertadores de
botões.
Foto - Autor desconhecido
Tradicional fotografia da família do início do século XX.
A postura do repórter fotográfico perante o fato jornalístico era apenas de confecção de
imagens isoladas, com finalidade apenas de ilustração do texto jornalístico.
O status do fotógrafo de imprensa durante quase meio século foi considerado
como inferior, tido como comparável ao de um simples servidor ao qual se
dão ordens mas que está privado de qualquer iniciativa. Era preciso uma
outra raça de repórteres fotográficos para dar prestígio a essa profissão
(FREUND, 1995: 109).
Essa má fama dificultava também o acesso dos jornalistas que cobriam os
acontecimentos. A profissão de repórter fotográfico que mal fora criada chegava a um ponto
em que ou se preparava melhor, mudando sua própria imagem, ou iria fatalmente desaparecer.
Fazia-se necessária uma nova gama de profissionais, com nova postura diante do fato
jornalístico, com melhor preparo, tanto tecnológico quanto intelectual. É somente quando a
imagem fotojornalística adquire autonomia e obtém a possibilidade dela mesma contar a
história do fato é que o fotojornalismo galga alguns degraus quanto ao reconhecimento de sua
importância dentro da mídia impressa.
Existe então, uma equiparação de valores, o texto ficaria com a responsabilidade de
explicar ao leitor o que a fotografia não conseguiu, elevando a imagem fotográfica ao mesmo
patamar de importância de que o texto verbal já desfrutara.
A evolução técnica e a melhor formação dos repórteres fotográficos viriam firmar-se
com a cobertura dos acontecimentos s Primeira Guerra Mundial e a recuperação econômica
da Alemanha, que de nação derrotada ressurge como nação industrializada e com forte
desenvolvimento nos campos das artes, letras e esporte. ainda que considerar que no
mundo todo as ilustrações vão perdendo lugar, cada vez maior, para as fotografias, por se
acreditar que elas expressavam com mais fidedignidade a realidade dos acontecimentos.
1.2 – A evolução
1.2.1 – Salomon: o primeiro paparazzo
Até a segunda década do século XX, as antigas limitões técnicas de peso, tamanho e a
parca iluminância das câmeras, objetivas e filmes ainda determinavam a presença do fografo
perante seus fotografados. Com o lançamento da Ermanox, em 1925 da Leica, em 1927,
ambas câmeras pequenas, leves, dotadas de objetivas claras, que dispensavam a utilização do
flash para fotografias em interiores, é que os fotojornalistas puderam começar a capturar
imagens espontâneas. Tem icio então uma nova era do fotojornalismo.
As fotografias sem flash tinham se tornado possíveis... Essas fotos são vivas
porque não são posadas. Isso se o início do Fotojornalismo moderno. Já não
será a nitidez de uma imagem que dará seu valor, mas seu assunto e a emoção
que ela deve ser capaz de suscitar (FREUND, 1995:115).
A possibilidade de capturar imagens com câmeras que mal podiam ser notadas e sem
flash, abriram novas vertentes no ocio dos profissionais da fotografia, possibilitando-lhes
conseguir imagens com extrema facilidade.
Junto com a nova tecnologia vieram os novos profissionais, essa nova gama de
fotojornalistas nada tinha a ver com seus antecessores: eram educados, bem vestidos e falavam
outras línguas, mal se distinguindo daqueles que deviam fotografar.
O fotojornalista que mais marca essa época é, sem dúvida, o doutor Erich Salomon
(1896-1944), advogado judeu, educado com uma formação clássica, que se empenhou em ser
chamado de Her Doktor”, mantendo assim sua distinção dos demais, pois era integrante da
alta sociedade alemã. Apesar de ter fotografado por apenas cinco anos (1928-1936), pois foi
morto pelos nazistas no campo de extermínio de Alschwitz na Polônia, durante a Segunda
Guerra mundial, ele possuía todas as qualidades técnicas e intelectuais que a nova geração de
fotojornalistas necessitava. Salomon foi o primeiro a fazer fotografias em interiores sem flash,
sem que seus personagens se apercebessem disso. Para isso ele aperfeiçoou um obturador de
velocidades mais silencioso, para definitivamente o ser notado. Isso levou-o a ser apelidado
de “O rei dos indiscretos”.
...considerado o pai do fotojornalismo moderno, não só por ter introduzido a
“foto natural”, não protocolar, obtida atras de instantâneos, captando assim
aspectos ainda até então desconhecidos do olho humano, mas ainda pelos
expedientes que usava para obter esses flagrantes. Salomon costumava
esconder a mara ou usar aparelhos silenciosos, para melhor se aproximar
das pessoas sem ser notado (FARIA e ZANCHETTA, 2002: 132).
Foto - Autor desconhecido
Câmera Ermanox, funcionava com placas de vidro
tamanho 5x7,6 cm que tinham de ser carregadas uma
a uma.
Foto – Autor desconhecido
Erich Salomon Rei dos indiscretos.
O primeiro trabalho de Salomon publicado foi, em 19 de fevereiro de 1928, no jornal
Berliner Illustrierte. Na Alemanha, nessa época, de ascensão do nazismo, era proibido tirar
fotografias em tribunais e foi exatamente de um tribunal a foto obtida. Quase sem foco, mas
única, essa fotografia rendeu praticamente um salário a mais ao seu autor, que tornou-se
especialista em “roubar fotografias”, expressão até hoje usada pelos profissionais da área
fotojornalística quando alguém obtém êxito em conseguir uma imagem sem possuir
autorização para tal.
A coqueluche era fotografar os grandes nomes em suas vidas privadas, no que o Her
Doctor era hábil, vindo a ser reconhecido em toda Europa.
Assim Salomon caracterizava as dificuldades de trabalho em sua época:
A atividade de um fotógrafo de imprensa que quer ser mais do que um artesão
é uma luta contínua pela imagem. Tal como o caçador está obcecado pela sua
paio de caçar, também o fotógrafo está obcecado pela fotografia única que
quer obter. É uma batalha contínua. É preciso lutar contra os preconceitos
por causa dos fografos que continuam a trabalhar com flash; lutar contra
administração, os empregados, a polícia, os guardas; contra a má luz e as
grandes dificuldades em fazer fotografias de pessoas que estão em
movimento. É preciso apanhá-las no momento preciso em que estão iveis.
Depois, é preciso lutar contra o tempo. Pois cada jornal tem um deadline ao
qual é preciso antecipar-se. Antes de tudo o mais, um repórter fotográfico
deve ter uma paciência infinita, e não se enervar nunca; deve estar ao corrente
dos acontecimentos e saber a tempo e horas onde é que irão desenrolar-se. Se
necessário, devemos servir-nos de toda espécie de astúcias, mesmo que elas
nem sempre sejam bem sucedidas (SALOMON, 1931: 12).
O filho de Salomon, Peter Hunter acredita que seu pai tenha sido o precursor da classe
de fotógrafos que mais tarde viriam a ser chamados de paparazzi. Meu pai instalava a
sua Ermanox no tripé, afastando-se discretamente, em seguida, com o cabo fazia a
foto. Era assim que fotografava sem ser notado. Foi o primeiro paparazzo do século
(apud ROBIN, 1990: 15).
E foi assim que Salomon conseguiu uma das mais célebres imagens do fotojornalismo
moderno, durante a conferência de Haye no final da Primeira Guerra Mundial, onde se
discutiam os destinos dos perdedores e o clima era de tensão total, ele flagrou os ministros
europeus em estado de sonolência no restaurante do hotel onde estavam.
Hunter diz ainda que:
Finalmente ao descobrir sua presença, o ministro das finanças francês,
Chéron, diz ao meu pai: que esta aí, poderia ajudar-nos a resolver o
nosso grave problema (apud ROBIN, 1990:15).
A trajeria do trabalho de Salomon levanta uma discussão quanto à ética de seu
comportamento profissional, assunto que se fosse abordado agora desviaria o curso do
presente trabalho.
FotoERICH SALOMON/1930
Ministros sonolentos flagrados durante a Conferência de Haye.
Outro feito marcante de Salomon foi no Cassino de Monte Carlo que nunca permitira
que fossem feitas fotografias das celebridades jogando, mas abriu suas portas para Salomon
fazê-lo, com alguns de seus empregados trabalhando e outros fazendo papel de jogadores mas
com o cassino ainda fechado. A habilidade do fotógrafo era tamanha que não se podia perceber
o que era montagem e o que era realidade. As fotos foram publicadas em vários jornais
europeus com o título de As primeiras fotografias jamais feitas no interior das salas de jogo
do Cassino de Monte Carlo” (FREUND, 1974: 118).
Outros nomes vão aparecendo durante a evolução do fotojornalismo. Em 1930, Stefan
Lorant, redator chefe da Munchner Illustrierte Presse começou a incentivar fotos em série,
que contavam uma história com a sucessão de imagens, descartando de vez as montagens. As
reportagens fotográficas deveriam possuir um começo, meio e fim, definidos pelo local, tempo
e ação, como no teatro.
Essa tendência agradou ao público, pois era muito mais rápido e fácil olhar as imagens
do que ler as várias páginas das imensas reportagens que permeavam os jornais da época, o
que acabou levando o estilo a disseminar-se pelo mundo. Alguns anos mais tarde, não somente
jornais mas tamm revistas como a americana Life (1936-1972), a francesa Vu (1928-1938) e
a brasileira O Cruzeiro (1929-1973) tinham em seu corpo, reportagens fotográficas com várias
páginas dando seqüência a uma reportagem.
Salomon e Lorant tiveram seguidores que se espalharam pelo mundo consolidando o
fotojornalismo moderno. Durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945) um nome
destacou-se como expoente do fotojornalismo mundial: Henrich Hoffman que comandou tanto
a confecção quanto a veiculação da imagem de Adolph Hitler e também do próprio Império
nazista. A análise desse processo de construção da imagem será aprofundada nos capítulos
seguintes.
Vale a pena ressaltar que Hitler era extremamente inábil quanto à sua própria
valorização. A imagem do Fuhrer (líder, em alemão) não existia antes de Hoffman
construí-lo ao longo de 22 sessões fotográficas onde foram experimentados diversos
vestuários, gestos, posições, penteados e expressões faciais que denotassem poder, segurança
e o porte altivo e superior que Hitler necessitava. Tudo foi cuidadosamente experimentado e
ensaiado. O objetivo era apresentar Hitler como o redentor da Alemanha” (ROBIN, 1990: 16).
A possibilidade de construir uma aparência, que difere do real, mas representa o objeto
fotografado gerando uma ordem no aparente caos dos fatos, pode assim ser explicada:
A imagem, mental ou escrita, entretém com o visível uma dupla relação que
os verbos ser e parecer ilustram cabalmente. O objeto dá-se, aparece, abre-se
à vio, entrega-se a s enquanto aparência. Em seguida, com a reprodução
da aparência, esta se parece com o que nos pareceu. Da aparência à
parecea: momentos contíguos que a linguagem manm próximos. ( ... ) O
que dá o ser à imagem acha-se necessariamente mediado pela finitude do
corpo que olha. A imagem do objeto-em-si é inaferrável; e quem quer apanhar
para sempre o que transcende o seu corpo acaba criando um novo corpo: a
imagem interna, ou o desenho, o ícone, a estátua. Que pode adorar ou
esconjurar. Mas que assume, nem bem posto a nossa frente, o mesmo
estatuto desesperante da transcendência (BOSI, 1997: 14).
Fotos – HENRICH HOFFMANN/1933
Parte dos ensaios fotográficos de Hoffmann que ajudaram na construção da imagem do Fuhrer.
Foto – HENRICH HOFFMANN/1933
Nasce pelas mãos de Hoffmann o redentor da Alemanha.
A imagem intitulada “Hitler chanceler do Reich” é o ponto culminante dessa construção
imagética hitleriana.
Sobretudo militar, com a Cruz de Ferro da Primeira Guerra Mundial e as
insígnias do NSDAP, diagonal da risca do cabelo sobre o traço do bigode,
olhar intenso, sublinhando a iluminação e a boca voluntariosa. Inscrevendo-se
na tradição do retrato real prussiano (ROBIN, 1990: 16).
Uma verdadeira fortuna girou em torno da produção e comercialização dessas imagens.
Todas as fotos, tanto do Fuhrer”, quanto da Segunda Guerra Mundial necessitavam estar
vinculadas à agência central, de propriedade de Hoffman. A agência triava e editava as
imagens para satisfazer a necessidade da propaganda alemã. Hoffman foi um dos nazistas que
mais benefícios econômicos obteve com o processo de ascensão e queda do império construído
por Adolf Hitler.
Após a guerra seu acervo foi confiscado e o proprietário, condenado, por crimes de
guerra, a dez anos de trabalhos forçados, perdendo todos os direitos de reprodução sobre o
material. Em 1957, aos 72 anos de idade, morre sem recuperar a propriedade dos negativos, o
que somente acontece no icio dos anos sessenta com seu filho, que ganha o processo para
recuperar o patrimônio fotográfico do pai, dissolvido entre várias agências fotográficas
internacionais, que não repassavam nenhum direito à família.
Concomitante ao trabalho de Hoffman, na França aparece a revista Vu, com suas páginas
repletas de fotografias. A maior de todas as publicações da revista, em termos fotográficos, é
quando Lucien Vogel (proprietário e diretor da revista), lança o número de abril de 1932:
Lénigme Allemande quando mostra pela primeira vez aos franceses o perigo nazista
iminente, a revista contava com 125 páginas, contendo 438 fotografias sobre a Alemanha de
Hitler.
Também toma vulto mundial o trabalho de um fotógrafo que mais tarde seria
considerado o maior fotojornalista de guerra já conhecido pelo mundo: André Friedman, mais
conhecido como Robert Capa. E foi na Vu que publicou sua mais famosa fotografia: a de um
soldado republicano espanhol caindo morto ao ser atingido por uma bala durante a guerra civil
espanhola (1936-1939).
Foto – ROBERT CAPA/1936
Morte de soldado espanhol durante a Guerra Civil Espanhola, publicada na Revista Vu.
Vogel permaneceu na revista até 1936, quando sua posição declaradamente esquerdista
confrontou-se com a posição dos anunciantes que clamavam sua saída, o que aconteceu
imediatamente após a publicação da matéria sobre a guerra civil espanhola do ponto de vista
republicano, a revista entrou em declínio e só sobreviveu até 1938. Mas, a semente fora
lançada em terreno fértil, pois as revistas ilustradas multiplicaram-se pelo mundo, dentre elas a
mais famosa é a americana Life.
Quando da morte de Lucien Vogel a família recebeu um telegrama de Henry Luce
dizendo “Sem a Vu, Life nunca teria visto a luz do dia” (FREUND, 1995: 127) prestando
assim uma última e justa homenagem ao criador das revistas alicerçadas na imagem.
1.2.2 – Cartier-Bresson: o intelectual
Outro marco no fotojornalismo mundial é Henri-Cartier Bresson (1908-2004) francês,
filho de industriais do ramo da fiação na região de Paris. Bresson respirava arte desde sua
infância, o pai gostava de desenhar e o tio era pintor, seus referenciais foram Goia, Degas,
Cézane, Delacroix e Matisse.
Cidadão do mundo, ele apaixonou-se subitamente pela fotografia ao deparar-se em 1931
como uma foto de Martin Munkacsi: “Crianças às margens do lago Tanganica”. Comprou uma
Leica e peregrinou pelo mundo atrás de imagens: México, Costa do Marfim, Índia, China,
Birmânia, Indonésia, Japão, URSS, EUA e toda a Europa. Bresson praticamente morou onde
trabalhou, gostava de fazer parte do contexto que fotografava sem interferir diretamente.
Segundo ele é necessário ao fotógrafo conhecer o que fotografa, “interagir sem interferir”.
É o que nos revela esse fragmento de texto de sua autoria:
...o amor é cego... não consigo separar o físico do mental. Há uma unidade
absoluta entre matéria e espírito. O puritanismo é algo de terrificante: se não
existir nem voluptuosidade nem sensualidade, não existe arte, a música não
existe, resta apenas a diferença e a brutalidade... A minha paixão é acionar o
disparador da máquina. É uma questão de sensibilidade, o contrio do
pensamento didático... um prazer, uma geometria, uma intuição ... O
importante é estar disponível, receptivo, receber e dar. A elegância está na
lentio. É preciso tempo. Rodin dizia que o que se faz com tempo é
respeitado pelo tempo... A vida é uma eterna mudança, tudo nasce e
desaparece a cada momento... É extremamente melindroso meter-se uma
Laica entre a camisa e a pele de uma pessoa... (BRESSON apud ROBIN,
1990: 18).
Trabalhou com fotografia até 1972, quando se voltou totalmente para seus desenhos que
são, segundo ele próprio, uma paixão de infância. Como fotojornalista deixou um legado de
imagens primorosas, fotografias que possuem cada qual sua história, cada qual seu recado para
o mundo, Bresson tinha sua maneira de enxergar o mundo e o fotografava sob o prisma da o
intervenção no assunto fotografado. Considerado um purista radical da fotografia pois
...somente fotografa com câmeras Leica com objetivas de 50mm e em preto e branco e jamais
admitiu uma pose” (MEDEIROS, 1989: 45). O que lhe proporcionava um ângulo de visão
semelhante à visão humana, sem interferência das distorções nas perspectivas decorrentes da
utilização de outras objetivas e conseqüentes outros ângulos de visão.
Fotos - CARTIER-BRESSON/1946
Jean-Paul Sartre
CARTIER-BRESSON/1960
Marilyn Monroe
CARTIER-BRESSON/1948
Eunuco da última dinastia
imperial chinesa.
Quando fala do momento exato da captura da imagem ele nos revela parte de sua
sensibilidade:
... no decorrer de toda ação há um instante em que todos os
elementos estão em perfeito equibrio: a fotografia deve captar
esse momento, para tornar visível a harmonia que o rege (BRESSON
apud MASCARO, 1989: 40).
Esse instante decisivo é sua marca, e a característica fotográfica purista regeu o seu
trabalho e a sua vida. Após a Segunda Guerra Mundial os fotógrafos começaram a soltar-se
das amarras ideológicas dos patrões”, obtendo certo controle dos textos que acompanhavam
as fotografias. Para isso, a única saída era produzir as reportagens, custeando essas produções
e somente depois tentar vendê-las para quem se interessasse. Assim apareceram as Agências
Fotográficas, a mais importante delas seria a Magnum, de propriedade de Cartier-Bresson,
Robert Capa, Ernst Haas, David Seymour entre outros grandes nomes da fotografia mundial.
Freund em seu livro Fotografia e Sociedade ratifica essa idéia quando diz:
... a fotografia não era somente uma maneira de ganhar
dinheiro. Queriam expressar, atras da imagem, seus próprios
sentimentos e suas idéias sobre os problemas de sua época (1974:
142).
Esse modelo de agência de fotografia evoluiu, dando origem às atuais agências de
notícias internacionais. Nesse instante, o mundo já era pequeno, as distâncias não mais
existiam e a velocidade com que a informação era transmitida trabalhou em prol da criação de
um novo comportamento fotográfico. ”A partir dos anos 40, a máquina fotográfica entra para
o jornalismo como um instrumento e nesta posição se consolida” (BAHIA, 1990: 139). No afã
de buscar imagens totalmente inéditas os fotojornalistas tornaram-se cada vez mais agressivos
e insistentes.
Ocorre então, no icio dos anos cinqüenta, o ressurgimento do lema tudo por uma
imagem”, dando origem a uma categoria de profissionais da fotografia chamados paparazzi.
Nos dias de hoje ser um paparazzo é pejorativo dentro da própria classe fotojornalística,
pois são em sua maioria profissionais free lancer, ou seja, profissionais sem vínculo
empregatício, que trabalham por conta própria, e dependem de seus recursos e astúcia para
conseguir imagens que sejam interessantes aos veículos de informação. Diferentemente de
Salomon, esses profissionais não primam por sua educação tampouco pela ética, de
comportamento agressivo eles simplesmente não medem esforços para atingir seus objetivos.
Salgado em uma entrevista sobre a revista e o jornal de nome Paparazzi diz:
o gosto que minhas fotografias nem se aproximem destas publicações,
por causa do nome tenho avero. Porque o Paparazzo é um violador ...
Mas é uma coisa que tem que ser discutida, pois no fundo, o Paparazzo
existe porque existe uma necessidade de Paparazzo na sociedade (SALGADO
in WERNECK, 1997: 70).
Revista PAPARAZZI
Ano I Nº3 Jan/Fev 1996
Revista PAPARAZZI
Ano I Nº4 Mar/Abr 1996
Por outro lado, os vculos compram o material produzido que seja interessante, não
tendo que expor seus profissionais e tão pouco vincular seu nome aos procedimentos
peculiares de “conseguir as imagens a qualquer custo” dos paparazzi.
Todos condenam tanto os métodos de obtenção das imagens, quanto o resultado, mas
essa classe de fotojornalistas permanece resistente ao tempo, pois os mesmos veículos que não
se prestam a empregá-los oficialmente, veiculam seu produto sem problemas, mesmo
condenando tal prática em algumas ocasiões, pois as imagens são extremamente comerciais e
os veículos encontram oportunidades de aumentar suas vendas.
Para aprofundar a questão seria necessário adentrar pelos campos da ética e seu eterno
embate com os interesses comerciais dos veículos de informação. Discussão profícua que nos
afastaria do objeto principal desse trabalho. Mesmo assim, registre-se que:
... adia obedece a um escuso jogo de interesses protegido por profissionais
eficientes de comunicação e por um povo ignorante. Temos uma carga
enorme de informações num curto espaço de tempo... e como um exército de
boas ovelhas, consumimos orientados e dirigidos pelos jornais, revistas e pela
TV (FRATE, 1998: 35).
Até então a fotografia ainda contava com a fama de ser completamente fiel à realidade
que retratava, sem qualquer possibilidade de ser manipulada sem que essa manipulação ficasse
evidente aos olhos de seus leitores. Um bom exemplo dessa maneira de pensar é este trecho de
crônica denominada “Fotojornalismo”, publicada, em 13 de janeiro de 1901, no jornal Gazeta
de Notícias, onde Olavo Bilac escreveu:
... as palavras o traidoras, e a fotografia é fiel. A pena nem
sempre é ajudada pela intelincia; ao passo que a máquina
fotográfica funciona sempre sob a égide da soberana verdade (BILAC,
1901: 02).
Bilac agiu e pensou como age e raciocina grande parte dos leitores até hoje, pelo simples
fato de não reconhecerem nas fotografias possibilidades de intervenção física por parte de
quem as idealiza, descartando a possibilidade de manipulação e intervenção ideológica que
uma imagem pode sofrer.
Esse comportamento começou a mudar quando a era da fotografia digital surgiu no
horizonte.
1.3 – O paradigma da fotografia digital
Após a era digital, o vínculo com a verdade tornou-se mais fgil, a discussão da
possibilidade de manipulação do pixel fotográfico é levada a cena, e a credibilidade da
fotografia, quanto a ser um retrato fiel e irrefutável da realidade, ficou comprometida.
Com o aparecimento da imagem digital as grandes discussões ficaram por conta da
possibilidade da manipulão sica da imagem e não somente da intervenção ideológica do
autor na captura da fotografia, que sempre existiu mas não era levada em conta. O público, de
maneira geral, percebeu que editar, cortar, apagar, realçar cores, retocar defeitos, saturar
contrastes, após a captura da imagem, eram processos pasveis de manipulação, quebrando
então a relação da fotografia com a sua “verdade” ou a sua realidade primária. Mas, são
desconsideradas, ou pelo menos desconhecidas do leitor, as relações presentes durante o
processo de criação da imagem, as ideologias do autor e seus desdobramentos.
As evoluções tecnológicas somente fizeram com que os fotojornalistas tivessem cada vez
maior possibilidade de êxito em suas jornadas. Câmeras menores, com objetivas potentes, foco
automático, filmes rápidos e a partir de 1986 com o lançamento pela Kodak da câmera digital
de 1.4 megapixel. Os fotógrafos obtêm uma maior possibilidade de intervenção não somente
quando da captura da imagem, mas agora manipular uma fotografia, até mesmo após a captura
da imagem pela câmera é possível. Cai nesse momento por terra a antiga e enganosa idéia de
que a fotografia não mente.
Até o advento da imagem fotográfica digital poucos eram capazes de identificar a
intervenção, manipulação e orientação de leitura, impostas ao leitor pelos fografos ou pela
ideologia do veículo de comunicação..
Porém, mesmo no icio da fotografia, existiam aqueles que alertavam sobre o
perigo da manipulação das imagens Lewis Hine um dos precursores da utilização da fotografia
como instrumento de crítica social, em 1912 disse: “Embora as fotografias não possam mentir,
os mentirosos podem fotografar” (apud BURKE, 1998:12).
A discussão em torno da possibilidade de manipulação da fotografia digital faz com que
alguns autores não considerem as imagens digitais como fotografia, estes alegam que elas
advêm de um processo diferente da fotografia tradicional (processo químico) e é mais passível
de manipulação.
Erroneamente chamadas de fotografias as imagens produzidas ou
processadas digitalmente que nada têm de fotográfico, apesar de sua
aparência dizer o contrário (CAMARGO, 1999: 148).
É verdade que as imagens químicas são aceitas em tribunais de justiça como provas
cabais dos atos de seus personagens e as imagens digitais não. Mas as diferenças terminam por
, pois todos os processos e ferramentas de obtenção das imagens são idênticos, como
câmeras, objetivas, diafragmas, obturador de velocidade, filtros e os demais componentes do
equipamento fotográfico estão à disposição dos fotógrafos tanto no processo químico quanto
no digital, então não podemos tomá-los como diferentes. Além disso, podemos dizer que 99%
das imagens publicadas nos dias de hoje são digitalizadas, mesmo os veículos da dia
impressa que ainda fotografam em filmes, digitalizam suas imagens para agilizar o processo de
impressão e não por isso são mais ou menos passíveis de manipulação.
o pintor pode representar uma paisagem apenas de lembrança, ou mesmo
simular uma paisagem imagiria; o escritor trabalha com signos que apenas
remotamente apontam para um referente concreto; mas diante de uma foto
ninguém pode negar que a coisa esteve lá”: a presença do objeto
fotografado nunca é metafórica (MACHADO, 1984: 38).
Porém, seria mais importante, e mais prudente, detectarmos, antes da conclusão de
leitura de uma imagem, quais os mecanismos usados pelos fotógrafos e editores para conseguir
aquele significado que ali está, tema que será aprofundado no próximo catulo.
A digitalização não muda fundamentalmente a archè da fotografia, quer
dizer, o estatuto fotônico do sinal fotográfico, mas unicamente os
procedimentos de sua tradução em imagem (que deixam de ser qmicos para
se tornarem eletrônicos). Ora a fotografia numerizada e armazenada em disco
faz da impressão numérica uma obra fotográfica original multiplicável à
vontade estando claro que multiplicar não é reproduzir por simples
reduplicação de sinais numéricos ( SCHAEFFER, 1995:43).
Estamos nas mãos desses profissionais, e nossos raciocínios serão por eles constrdos
até que possamos identificar suas intenções.
Para não sermos enganados por fotografias... precisamos assim como no
caso dos textos prestar atenção à mensagem e ao remetente,
perguntando quem está tentando nos dizer o quê, e por que motivos (BURKE,
1998: 14).
Tais cuidados deveriam ser tomados com toda informação que nos chega e não somente
com as imagens. Toda e qualquer obra possui um autor e esse autor uma intenção, devemos
nos acostumar a tratar essas informações com a cautela necessária para filtrarmos o que nos é
pertinente.
Outra mudança de comportamento se deu no campo da quantidade de imagens
capturadas, pois não existia o custo operacional do filme fotográfico, liberando o
fotojornalista para capturar quantas fotografias achasse necessário, o que a primeira vista pode
parecer insignificante para muitos, para um profissional, que precisa contar uma história por
meio de uma seqüência de imagens, é de grande importância.
1.4 – O fotojornalismo no Brasil
Antoine Hercule Romuald Florence, francês naturalizado brasileiro, radicado na então
vila de São Carlos (hoje Campinas-SP), reivindica a paternidade da fotografia pois a teria
realizado pelo menos alguns anos antes que Joseph Nicephore Niepce. O mesmo Florence é
citado como um dos precursores na impressão, não de fotografias mas, de ilustrações, em 1825
e em 1831, com litografias para o editor carioca Pierre Plancher fundador do Jornal do
Commércio.
Nos anos de 1898 e 1900, surgem as primeiras oficinas tipográficas em
jornais cariocas e paulistas que contratam para operá-las fotógrafos
profissionais. A ilustração, contudo, ainda predomina por longo tempo
como informação gráfica. Com o desenvolvimento da reportagem fotogfica,
no entanto, a sua tendência será a especialização na charge, no cartum, na
história em quadrinhos, na caricatura, na arte (BAHIA, 1990: 125).
O estilo de jornalismo ilustrado se alastra, mas as imagens são de baixa qualidade e altos
custos, sempre resultantes de entalhes em madeira, chumbo ou material similar que era por
demais dependente do talento do escultor que copiava as imagens nestes moldes para, logo
após, imprimi-las em separado das matérias. A precursora deste estilo de jornalismo é a revista
Semana Ilustrada de 1864.
Finalmente em 02/08/1895, quinze anos após a primeira fotografia ser impressa nos
Estados Unidos, a Gazeta de Notícias, começa a operar o sistema de zincografia, que fazia
clichês em zinco e possibilitava a impressão de ilustrações, charges e fotografias.
O próximo passo foi dado pelo JB (Jornal do Brasil), que em 1898 operacionalizou suas
oficinas de galvanoplastia e fotografia, trazendo assim a possibilidade de trabalhar suas
impressões fotográficas com melhor qualidade.
Os fotógrafos documentaristas do icio do século passado, como Gilberto Ferrez, Louis
Compte, Augusto Stahl, Arsênio da Silva, não imaginaram a importância do legado que
deixaram em seus registros, talentosos profissionais que em várias épocas fizeram a diferença
entre apenas fotografar ou contar uma história, no diálogo silencioso que a fotografia impõe ao
seu leitor. Mesmo ainda não existindo a profissão de fotojornalista, o espírito desses pioneiros
já demonstrava a vontade de levar o mais próximo possível da realidade, as imagens que
retratavam. Como exemplo podemos citar: Juan Gutierrez de Padilla, espanhol naturalizado
brasileiro, republicano ferrenho, morto durante a primeira grande cobertura fotográfica
realizada em solo brasileiro, a revolta de Canudos(1896/1897).
Quanto às revistas, a precursora na área fotográfica foi a Revista da Semana
(1900-1959) suplemento ilustrado do Jornal do Brasil, que em 1900 surgiu com farto material
fotográfico impresso em suas páginas. Por conta desse suplemento, o JB, aumentou sua
tiragem de 30.000 exemplares em 1999, para 50.000 em 1900, chegando a 62.000 exemplares
em 1902, sendo responsável pela popularização da fotografia na imprensa brasileira.
O mimetismo pictórico (aqui colocado como busca pela analogia do real) imperou na
fotografia brasileira até meados da década de quarenta do século XX, quando um grupo de
fotógrafos liderados por Thomas Farkas, German Lorca e Eduardo Salvatore reestruturou os
patamares da composição fotográfica nacional. Interligados com artistas plásticos pouco
ortodoxos remanescentes do modernismo de 22, esse grupo pulverizou seus trabalhos
fotográficos com marcas do concretismo, surrealismo e abstracionismo rompendo os
paradigmas estruturais fotográficos vigentes, propondo novos tipos de abordagens nas
composições e criando uma nova estética, incorporando composições desequilibradas, com
rimas plásticas e isotopias pouco ortodoxas. Fatos que refletiram quase que imediatamente no
fotojornalismo nacional, liberando definitivamente os fotojornalistas das amarras da
composição tradicional.
Também em meados de 1940, a revista, O Cruzeiro (1928-1975), recém adquirida por
Assis Chateaubriand, passa por reformulações em seu parque gráfico e em sua linha editorial o
que acaba por transformá-la no na maior revista brasileira baseada em fotografias da época.
A revista é claro não foi a primeira a utilizar fotografia no campo do
fotojornalismo. Antes dela, na cada de 20, a Vida Doméstica já veiculava
matérias pagas com fotos de casamentos… Contemponeas de O Cruzeiro,
publicações como Sombra, Rio Magazine, A cigarra, Para-Todos, Careta e
Fon-Fon se integravam ao contexto das revistas ilustradas da época. Mas o
que diferenciou O Cruzeiro das outras publicações foi a obra fotográfica
produzida e inserida nas grandes reportagens que irrompeu no marasmo do
fotojornalismo que, até aquele momento, publicava a fotografia como imagens
dispersas no periódicos (PEREGRINO, 1991: 20).
Suplemento especial sobre o assassinato de John Kennedy
22/Novembro/1963.
Edição sobre a corrida espacial entre Estados Unidos da América e
União da Repúblicas Socialistas Soviéticas, Na ocasião as duas
grandes potências Mundiais.29/setembro/1962
Apesar da fotografia de imprensa existir, os procedimentos tanto de captação quanto
de impressão ainda eram muito rudimentares, sua baixa qualidade e custos muito altos,
dificultavam sua disseminação pelo resto dos jornais e revistas do país, O Cruzeiro trabalhava
cobrindo grandes acontecimentos políticos e sociais nacionais e internacionais, e os turbulentos
fatos que ocorreram nas décadas de 40, 50 e 60 do século passado, tornavam o material
impresso fascinante aos olhos dos leitores.
Vale lembrar, porém que a revista O Cruzeiro imperava com seu estilo
jornalístico praticamente sozinha no mercado, tanto que Flavio Damm
considera que ela era, na época, mais do que a Globo é hoje (PEREGRINO,
1991: 27).
O prestígio da revista O Cruzeiro no Brasil era tamanho que, seus fotojornalistas
eram considerados e tratados como estrelas, nomes como Jean Manzon, Flavio Damm, José
Medeiros e Arlindo Silva entre outros não menos importantes, chegavam a dar autógrafos nas
ruas das cidades onde passavam.
O único senão era a qualidade de impressão das imagens da revista.
É importante ressaltar que, apesar de todos esses fatores, O Cruzeiro não
conseguia alcançar a qualidade de impressão da revista Life. Assim, as fotos
publicadas na revista brasileira se constituíam num pálido reflexo do trabalho
realizado por seus autores (PEREGRINO, 1990: 21).
Por conta do sistema de impressão em rotogravura; as fotografias ficavam quase sempre
borradas e sem qualidade técnica, mas a força dessas fotografias encarregava-se de superar
esses contratempos. Mas, o surgimento da televisão no Brasil, a concorrência acirrada
(Revistas como Manchete e Fatos & Fotos) e a falta de modernização da linha editorial, deram
icio à decadência da revista, que parou de circular no início dos anos 70. Mas, O Cruzeiro
deixou uma marca não no fotojornalismo nacional, mas em todo brasileiro que teve acesso a
ela, a revista é até hoje o veículo do gênero com a maior longevidade no Brasil, fundada em
novembro de 1928 e editada até julho de 1975, ininterruptamente somente de 1943 a 1975.
Em mais de 40 anos de circulação, com ênfase no período de 1944 a 1960, O
Cruzeiro foi o que havia de melhor no fotojornalismo brasileiro. Revelou
grandes nomes, consagrou outros. Inovou no estilo, investiu em qualidade,
ousou na proposta editorial. Bateu recordes históricos da tiragem. Exerceu
influência sobre outros veículos, estipulou paradigmas, virou referência
(BONI, 2000: 225).
Na seqüência de O Cruzeiro, suas concorrentes consolidaram a importância do
fotojornalismo dentro do jornalismo impresso, ratificando ainda mais a posição e a importância
das imagens dentro do contexto dos veículos de comunicação de massa. A fotografia passou
definitivamente a fazer parte do cotidiano do brasileiro, hoje seria praticamente impossível
qualquer revista ou jornal sem o fotojornalismo, “Caso um ou outro sobrevivam, seriam a
exceção e não a regra (BONI, 2000: 227). Aproveitando o sucesso de O Cruzeiro, surge em
1952 a revista Manchete, que circula até 1992, cunhada nas imagens de sua predecessora, mas
que não se moderniza e acompanha a decadência do grupo Block.
Com um olhar mais crítico mas tamm pautada na fotorreportagem e no
jornalismo investigativo e também editada pela Abril, surge a revista Realidade (1966-1976).
É considerada uma das mais conceituadas revistas brasileiras de todos os tempos. Depois
dela, a Editora Abril investiu em Veja” (SCALZO, 2003: 31).
Revista Realidade anuncia o
primeiro número de Veja.
Setembro/1968.
Lançada nos moldes da norte-americana Time, a revista Veja (fundada em 1968) é hoje a
quarta revista com maior circulação no mundo, e a maior do Brasil, “imprimindo cerca de
1.200.000 exemplares semanais” (SCALZO, 2003: 31) e também tem em seus pontos fortes o
fotojornalismo. Mas as imagens em Veja são colocadas de maneira diferente dos moldes das
antigas concorrentes brasileiras. As coberturas dos principais fatos ocorridos na semana no
Brasil e no mundo são impressos com qualidade impecável, suas reportagens são menores e
com estilo diferenciado.
Em contrapartida às revistas, os tradicionais jornais brasileiros foram os últimos a
modernizar-se, novamente por conta dos altos custos operacionais dos processos fotográficos.
Os jornais do país somente foram publicar fotografias coloridas por volta de 1970, a exemplo
disso a Folha de São Paulo, em primeiro de fevereiro de 1974, veicula, por ocasião do
incêndio no edifício Joelma, uma capa com três fotografias sendo duas coloridas, feito
novamente realizado somente durante a visita do Papa João Paulo II ao Brasil, em quatro de
julho de 1980.
01 de fevereiro de 1974
04 de julho de 1980
Os jornais passaram a imprimir suas páginas principais totalmente a cores diariamente
somente no final de 1989. O fotojornalismo a essa altura é considerado como a alma do
jornalismo impresso, com a responsabilidade de informar com o mesmo peso do texto verbal.
Uma fotografia é o reconhecimento simultâneo, numa fração de segundo, da
significação de um fato e de uma organização rigorosa das formas percebidas
visualmente que exprimem esse fato (BRESSON, 1952: 74).
O conceito de Bresson se ajusta perfeitamente à função jornalística da
fotografia, à natureza da reportagem fotográfica. Por ele se entende que
apanhar em uma imagem o essencial da cena é a finalidade principal. É
como transmitir o acontecimento como fazer a história por meio de fotos
(BAHIA, 1990: 127).
A evolução do fotojornalismo brasileiro pode ser assim resumida:
1900 a 1920 Mantêm-se a convencionalidade dos anos anteriores e que se
exprime no registro formal de imagens, no retratismo; 1920 a 1940 – O
flagrante se sobrepõe ao registro formal e quadrado de imagens. O retrato
começa a se despedir do conteúdo informativo; 1940 a 1950 A ênfase do
fotojornalismo contribui para associar a vio do cotidiano à prioridade do
flagrante. O repórter fotográfico se afirma. A fotografia de imprensa se
demarca definitivamente da fotografia comum; 1950 a 1960
Profissionalização. A fotografia acentua e consolida a tendência anterior para
exprimir nos meios de comunicação a sua própria linguagem; 1960 a 1970
Adeo do mercado (fotojornalismo e publicidade) aos padrões criados pela
profissionalização. A referência do jornalismo assegura à fotografia uma
qualidade específica, que se desdobra em outros campos da expressão visual;
1970 a 1980 – A influência da televisão. Reduz-se ao alcance que a fotografia
havia adquirido nos anos anteriores (BAHIA, 1990: 133).
Contemporâneos, não menos importantes, nem menos criativos e inovadores são os
fotojornalistas Walter Firmo(JB), Pedro Martinelli(Veja), Itamar Miranda(O Estado de São
Paulo), Maurillo Clareto(Época) e Luiz da Conceição(O Globo), todos envolvidos na luta por
um fotojornalismo ético e transparente.
A evolução da fotografia de imprensa no Brasil atinge seu ápice quando olhamos o
trabalho de Sebastião Salgado, o mais renomado e premiado fotojornalista brasileiro,
classificado como um narrador da história do homem, por conta de seu trabalho engajado em
mostrar as mazelas que o ser humano pode impingir aos seus semelhantes. Suas obras como
Êxodos, Trabalhadores, Terra, Um incerto estado de graça e Outras Américas, têm em suas
páginas poderosas imagens que levantam questões sobre a própria miséria humana. Salgado já
exs em quase todos os grandes museus do mundo, coleciona prêmios, mas também é
criticado por beneficiar-se dos miseráveis que fotografa. Ele se defende:
As pessoas não compreenderam meu trabalho. Ele não é importante nem pra
mim nem pra elas. Meu trabalho não é nada, é apenas um tracinho entre um
enorme problema e um enorme universo. Mais nada. Eu achava que as
pessoas deveriam compreender mais. Não o meu trabalho. Isso não interessa.
Deveriam compreender mais umas às outras. Deveriam ir mais onde as coisas
estão ocorrendo. Fala-se apenas bobagens. Vão conhecer a periferia. Todo
mundo me falava do perigo da periferia de o Paulo. é o lugar menos
agressivo. O lugar mais perigoso é o centro de o Paulo. (SALGADO in
PERSICHETTI, 2000: 86).
Abordamos até aqui um panorama da evolução do fazer fotojornalístico, suas estruturas
e padrões, suas rupturas de paradigmas comportamentais no decorrer do tempo, juntamente
com os motivos que levaram a essas mudanças. Verificamos que a fotografia pode servir como
instrumento de crítica social, de denúncias, pode até mesmo servir como prova de um ato ou
de um fato. E, ao atingirmos a atualidade e suas incessantes novas tecnologias, poderemos
traçar algumas considerações já esboçadas ao longo deste catulo, sendo a principal delas a
intencionalidade existente no profissional da fotografia, que dispõe no ato do fazer fotográfico,
além de sua própria ideologia, o direcionamento de seu contratante. E para atingir seu objetivo
este profissional lança o de ferramentas que o ajudarão a estabelecer o contato com seu
leitor, prendê-lo pela curiosidade ou pela surpresa, atingindo-o assim por meio das ferramentas
da linguagem fotográfica.
Elencaremos no próximo capítulo as ferramentas de construção da imagem fotográfica,
suas relações com a intencionalidade do fotojornalista e que efeitos a utilização desses
instrumentos causam no leitor da imagem.
CAPÍTULO 2 – A LINGUAGEM FOTOGRÁFICA
2.1 – A imagem que leva a mensagem
A imagem fotográfica é composta indissociavelmente dos valores que o fotojornalista
carrega associados diretamente com as intenções do veículo que o emprega, existe sempre uma
interpretação do fato pelo profissional, sua vio perante o assunto. Esses dois fatores
funcionam como filtros ideológicos e servem de base para as decisões a serem tomadas dentro
do processo da construção fotográfica.
A fotografia tem uma realidade própria que não corresponde necessariamente
à realidade que envolveu o assunto, objeto do registro, no contexto da vida
passada. Trata-se da realidade do documento, da representação: uma segunda
realidade, construída, codificada, sedutora em sua montagem, em sua estética,
de forma alguma innua, inocente, mas que é, todavia, o elo material do
tempo e espaço representado, pista decisiva para desvendarmos o passado
(KOSSOY: 2002, 22).
Estabelecemos que nenhuma imagem, principalmente a jornalística, é isenta de relações
íntimas com seu criador e seu contratante, pois serve a uma determinada
finalidade/intencionalidade e que essa motivação influirá decisivamente na concepção e
construção da imagem final (KOSSOY, 2002: 27). Temos a partir de agora, que centrar
nossos esforços em prol da utilização das ferramentas da linguagem fotográfica utilizadas pelos
fotojornalistas para obter êxito em suas pautas.
Mas o que é linguagem?
Linguagem é uma inesgotável riqueza de múltiplos valores. A linguagem é
insepavel do homem e segue-o em todos os seus atos. A linguagem é o
instrumento ao qual o homem modela seu pensamento, seus sentimentos, suas
emoções, seus esforços, sua vontade e seus atos, instrumento graças ao qual
ele influencia e é influenciado, a base última e mais profunda da sociedade
humana. Mas é também o recurso último e indispensável do homem, seu
refúgio nas horas solitárias em que o espírito luta com a existência, e quando
o conflito se resolve no monólogo do poeta e na meditação do pensador. Antes
mesmo do primeiro despertar de nossa consciência, as palavras já ressoavam
à nossa volta, prontas para resolver os primeiros germes frágeis de nosso
pensamento e a nos acompanhar inseparavelmente atras da vida, desde as
mais humildes ocupações da vida quotidiana aos momentos mais sublimes e
mais íntimos dos quais a vida de todos os dias retira, graças às lembranças
encarnadas pela linguagem, força e calor. A linguagem não é um simples
acompanhante, mas sim um fio profundamente tecido na trama do
pensamento: para o indivíduo ela é o tesouro da meria e a consciência
vigilante transmitida de pai para filho (...) O desenvolvimento da linguagem
está tão inextricavelmente ligado ao da personalidade da cada indiduo, da
terra natal, da nação, da humanidade, da própria vida , que é possível
indagar-se se ela não passa de um simples reflexo ou se ela não é tudo isso: a
própria fonte do desenvolvimento dessas coisas (HJELMSLEV, 1978: 179).
Podemos então atribuir à linguagem todo e qualquer processo de comunicação, uma
forma de organização do pensamento, segundo Saussure. Entender os códigos da linguagem é
preencher, segundo nosso repertório, as lacunas deixadas na mensagem, esse entendimento de
sinais se segundo um repertório diretamente ligado às crenças e ideologias individuais do
intérprete, o background.
Nenhum ser humano é desprovido de gosto, simpatia e antipatia, e esses componentes
são parte do repertório informacional desse indiduo. Quanto maior for esse repertório de
conhecimento perante o assunto, maior será a possibilidade do indiduo realizar uma leitura
paradigmática (leitura mais aprofundada do texto), levando-o a desvendar várias das
possibilidades interpretativas possíveis sobre o assunto, preenchendo as lacunas do texto, que
são os espaços deixados pelo autor para que o leitor faça sua análise segundo o que lhe é
pertinente, "... a leitura do intervalo, do não dito, das entrelinhas..." (ISER, 1975: 253).
Esse espaço deixado pelo autor, para o leitor exercitar sua interpretação, tampouco é
livre de direcionamentos, tais elementos são cuidadosamente colocados ali, não para serem
percebidos literalmente, mas absorvidos junto às informações contidas no texto, com finalidade
especifica de “ajudar” o leitor, induzindo sua interpretação final.
Guiado pelo autor, o leitor terá a sua conclusão, preenche os vazios daquele texto
segundo seu entendimento. Todavia, essa conclusão será realmente aquela conduzida pelo
autor desde o icio da leitura. Existe uma linha tênue entre a intenção do autor e a
interpretação do leitor, todas as mensagens intrínsecas e extnsecas deixadas pelo autor no
texto poderão ou não surtir efeito durante o processo de leitura e o leitor poderá tanto rejeitar
quanto acatar a abordagem do autor. Esta autonomia relaciona-se diretamente com o
repertório do leitor.
O preenchimento das entrelinhas se realizado satisfatoriamente para o autor se o
receptor possuir em seu repertório informações suficientes para formular uma interpretação do
fato, um indiduo que não possui lastro informacional suficiente sobre o assunto, dificilmente
poderá realizar uma leitura adequada às expectativas do autor.
Mesmo aqueles que o fizerem poderão, em novo contato com a obra, deparar-se com
novas conclues, novas leituras daquele assunto, isso porque a linguagem é composta por
códigos abertos e contínuos, o mesmo ocorrendo com os padrões estéticos, mutáveis com o
passar do tempo. Podemos afirmar, então, que a multiplicidade de interpretações é, no caso
das leituras de textos ideologicamente abertos, uma regra praticamente sem exceções.
Cabe então ao autor saber utilizar as ferramentas da linguagem para que sua mensagem
seja clara aos olhos de quem as . Mesmo que o leitor o compactue com as idéias do autor
este leitor poderá, a partir da obra, realizar uma abordagem, seguindo o ponto de vista do
autor e chegar muitas vezes a conclusões que sejam pertinentes somente a ele (leitor) e que
não coincidam necessariamente com as expectativas do autor.
O acúmulo de conhecimentos e a modificação dos padrões estéticos poderão ser
responsáveis por alterar o status quo informacional individual, alterando assim a percepção do
real; como conseqüência direta do ocorrido as releituras poderão diferir da primeira,
fazendo-se mais pormenorizadas e críticas.
Não podemos deixar de levar em conta a ideologia do vculo que divulga a informação;
juntamente com a linguagem do autor, o veículo é responsável por uma ideologia muitas vezes
superior à vontade e às intenções do próprio autor. Esses vculos muitas vezes podem ser
considerados a própria mensagem e não somente o meio de levá-la adiante.
A fotografia, nos dias de hoje, apesar de ser considerada uma obra ou um produto que
carrega junto a si uma determinada mensagem dependente de técnicas e linguagens específicas,
é um dos principais instrumentos dos meios de comunicação de massa, se considerarmos que
seu poder de persuasão, sua capacidade de ser entendida mesmo por indiduos que não
dominam o idioma do autor da imagem, nem mesmo compreendem totalmente o que ele queria
dizer com aquela foto. Mesmo com essas limitações, o leitor de uma fotografia poderá exercer
seu papel de leitor, embora não totalmente inteirado dos pormenores intencionais do autor,
mas será atingido pela mensagem mais profundamente ou mais superficialmente, ninguém
sobrevive imutável após deparar-se com uma imagem.
Qualquer indiduo pertence a um determinado grupo, e esse grupo têm seus valores
comportamentais e seus digos de pensamento. Em qualquer grupo de indiduos existem
linhas de pensamento, seus digos e suas leis, essa estrutura molda o indivíduo, que por sua
vez possui seu próprio repertório de entendimentos; mas mesmo fazendo parte do grupo, cada
qual possui seu repertório informacional individual de entendimentos.
Essas verdades levam-no a considerações pertinentes a ele mesmo e a mais ninguém; o
papel dos meios de comunicação de massa passaria nesse momento a ser o de modelador de
ideologias, propondo sutilmente um padrão de racionio, atingindo o maior número de
pessoas possível para vender a verdade que for conveniente ao autor ou ao vculo, ou ao
dono do veículo, ou a quem contrata o vculo para assim distribuir sua mensagem.
Parafraseando Umberto Eco, essa manipulação provém dos detentores do poder,
traçando planos políticos, pedagógicos, econômicos, levando todos a uma consciência coletiva
sobre o assunto em pauta, sem qualquer possibilidade de uma leitura crítica real do assunto.
timas totais de uma doutrinação ideológica.
O modelo imperialista de comunicação deixará esses indiduos discutirem suas verdades
até que cheguem perto da conclusão ideal para o poder econômico, e os menos avisados terão
a impressão que chegaram a tal conclusão sozinhos, não se dando conta de que estão sendo
direcionados.
Esses procedimentos deixarão que o leitor interaja com o texto colocando ali suas
experiências de vida, esse receptor em algum momento estará reconhecendo-se na mensagem,
pois colocará nos vazios do texto suas experiências de vida e acabará compactuando assim
com a mensagem oculta do autor.
A função do vazio consiste em provocar no leitor operações estruturadas (...)
é pela seqüência de imagens conflitantes surgidas dos vazios do texto que o
significado do texto se torna vivo na consciência imaginativa do leitor (...)
(ISER, 1979: 132).
Esse preenchimento dos vazios do texto é controlado sutilmente por ferramentas de
direcionamento da leitura, para que aquele vazio seja preenchido com certa concordância com
a opinião do autor.
Os lugares vazios dos textos forçam o leitor a se desfazer de parte da suas
expectativas habituais. Pois o leitor precisa reformular o texto formulado
para poder incorporá-lo. (...) Os vazios suspendem a conectabilidade,
estimulando a atividade de formação de representações do leitor (...) Tais
lugares vazios obrigam o leitor a dar vida própria à história narrada (...)
(ISER, 1999: 129).
As ferramentas de manipulação são instrumentos a serviço de alguém, pois qualquer
mensagem, seja ela qual for, possui dentro de si algo de impuro, algo que interessa a alguém
em algum momento e de alguma maneira. A mensagem é, e sempre será, contaminada pelo
meio que a transporta. O próprio recorte da realidade, elaborado pelo fotógrafo, é uma
expressão de suas intenções, pois ele apropria-se de uma porção do real para representar um
todo, colocando nesse recorte toda a responsabilidade de passar adiante a mensagem
idealizada.
Essas ferramentas da linguagem possuem, em cada um de seus usos, peculiaridades, que
se dominadas permitirão ao autor possibilidades de direcionamento da leitura cada vez mais
imperceptíveis ao leitor, restando-lhe acatar sua conclusão como fruto somente de suas
descobertas no texto.
Buscando um aprofundamento de algumas dessas ferramentas, trataremos da linguagem
fotográfica. A fotografia possui uma forma de escrita própria, escrita com a luz, quando
falamos diretamente da raiz grega da palavra. Claros e escuros, foco e desfoque, congelado e
borrado são algumas das formas de expressar da fotografia, usadas de acordo com as
intencionalidades do autor a fim de proporcionar algum tipo de entendimento mais
direcionado.
Alguns menos avisados poderão dizer que basta apertar o botão e a imagem se
materializa, sem qualquer outro tipo de intervenção por parte de quem a captura, mas o autor
de uma fotografia possui instrumentos que, se utilizados habilmente, levarão o leitor a uma
conclusão que o fará facilmente acreditar ser a visão dele próprio, e não um recorte da
realidade representando um todo escolhido pelo autor para essa finalidade.
Quanto melhor for a utilização das ferramentas da linguagem fotográfica maior se a
possibilidade da mensagem implícita do autor ser compreendida, como ele a imaginou. Esse
resultado será completo quando o leitor realizar a interpretação que o autor idealizou para
aquela obra, tendo a impressão que não foi manipulado, que aquela conclusão foi dele, leitor.
A utilização efetiva das ferramentas da linguagem fotográfica agem sutilmente, orientando,
direcionando, chamando a atenção para onde lhe é pertinente, podendo levar o leitor a uma
interpretação preestabelecida pelo autor.
Segundo Marx, citado por Netto,
A existência concreta e objetiva de uma possibilidade não
eqüivale, necessariamente, à sua conversão em efetividade; a passagem de
uma possibilidade à efetividade demanda a complexa intervenção da
atividade organizada dos homens (1998: 36).
Essa intervenção está carregada de intenções ligadas não a uma ideologia reinante no
processo da comunicação, mas também ao repertório individual de cada um. A
intencionalidade do autor na fotografia dá-se de duas formas distintas, com componentes de
ordem técnica e de ordem ideológica.
Componentes de ordem material - recursos técnicos, óticos,
químicos ou eletrônicos, responsáveis pela materialização da imagem e
que também podem conter em si possibilidades de persuao quanto se
trata de convencimento do leitor. Componentes de ordem imaterial -
componentes de ordem mental e cultural. Estes sobrepujam os primeiros,
ou seja, em primeiro lugar os componentes de ordem intelectual se
organizam e logo a seguir se organizam os elementos de ordem técnica
(KOSSOY, 2002: 27).
Concordamos com Kossoy quando diz que a seqüência lógica do raciocínio fotográfico
decorre da seguinte forma: o fator intelectual formando a imagem antes mesmo dela aparecer
de fato para o fotógrafo, que usa das técnicas fotográficas para poder passar adiante sua
mensagem. Nesse momento do processo de criação da imagem é que o autor lança mão de sua
maneira de enxergar o mundo, expressando-se segundo suas percepções e utilizando todo seu
repertório para mostrar ao mundo aquele fato.
O leitor ideal terá que, ao deparar-se com uma imagem, analisar não somente as
preocupações estéticas, mas também as posturas ideológicas daquele autor, do veículo, do
contexto histórico, podendo a imagem ser lida não só como uma obra de arte, mas também
como um testemunho do autor, deixando de possuir um caráter artístico e passando a possuir
um caráter também ideológico.
(...) a fotografia é criada de um só golpe, normalmente tomada em
frações de segundo, mas sua intencionalidade quanto às mensagens
implícitas são meticulosamente programadas (DUBOIS, 2001: 162).
BRESSON tamm garante que:
Algumas vezes acontece de o fotógrafo paralisar, atrasar, esperar
para que a cena aconteça. Outras vezes, há uma intuição de que todos os
elementos da cena estão lá, exceto por um pequeno detalhe. Mas que
detalhe? Talvez alguém repentinamente entrando no enquadramento do
visor. O fotógrafo, eno acompanha seu movimento através do visor da
mera. Espera, espera e espera, até que finalmente aperta o botão e
então sai com a sensação que captou algo (embora não saiba exatamente o
quê). Mais tarde, no laboratório, ele faz uma amplião da foto e procura
nela as figuras geométricas que aparecem à análise e o fotógrafo se
conta, então, de que a foto foi feita no instante decisivo
(CARTIER-BRESSON, 1952: 68).
Estamos diante da clara preocupação com a intencionalidade, de um dos maiores
fotógrafos do século XX. O ato de esperar até que a composição esteja completa, deixa claro
que se a fotografia fosse feita antes, ou após, o momento decisivo não teria em si todos os
elementos relevantes para atingir com êxito o seu alvo e assim provocar no leitor o tipo de
leitura desejada.
Para que essa composição obtenha sucesso se faz necessário um completo donio, por
parte do fotojornalista, das técnicas materiais e imateriais de captação da imagem fotográfica,
itens que iremos desmembrar com o intuito de esclarecer com quais intenções o fotojornalista
os utiliza.
Durante o processo de criação das imagens fotográficas o autor percorre etapas em que
lida com componentes de ordem técnica e mental, existe claramente uma seqüência ao qual
esse processo é submetido, o fotojornalista deve decidir em segundos como a imagem deve ser
capturada, sua intenção estará por trás dessas decisões, ele então, lança mão de seus
conhecimentos intelectuais e técnicos para concretizar a imagem previamente idealizada.
Assim como os demais documentos elas (as fotografias) o plenas de
ambigüidades, portadoras de significados o explícitos e de omissões
pensadas, calculadas, que aguardam pela competente decifração. Seu
potencial informativo pode ser alcançado na medida em que esses
fragmentos forem contextualizados na trama histórica em seus ltiplos
desdobramentos (sociais, políticos, econômicos, religiosos, artísticos,
culturais enfim) que circunscreveu no tempo e no espaço o ato da tomada do
registro (KOSSOY, 2002: 22).
Para compreender com que intenções foram utilizadas as ferramentas da linguagem
fotográfica, devemos decom-las, separando seus elementos constitutivos e estruturando seu
papel na trama fotográfica, tais elementos permeiam a mente do fotojornalista guiando-o no
labirinto do processo de criação.
2.2 - Componentes de ordem material
2.2.1 - Velocidade do obturador
O obturador controla o intervalo de tempo de exposição do filme à luz, medido em
segundos seus múltiplos e frações; funciona como uma janela que fica aberta por determinado
tempo deixando passar a luz.
É um dispositivo controlador de tempo, responsável pela duração da exposição do filme
à luz e a conseqüente quantidade de luz que chegará ao filme, quanto mais tempo esta janela
permanecer aberta maior será a quantidade de luz que atingirá o filme. Como resultado direto
desse tempo de exposição teremos o congelamento ou não dos objetos da imagem.
A velocidade do obturador da câmera, controlada por um
marcador que assinala as frações de segundo, assim como os segundos
inteiros, e combinada com a abertura, determina a quantidade de luz que
atingi o filme. Além disso, a velocidade do obturador também afeta a
maneira pela qual objetos em movimento ou estáticos o registrados,
quer nítida e integralmente detalhados, quer borrados ou de forma mais
impressionista (HEDGECOE, 1996: 30).
Quanto menor for o tempo de exposição, isto é, quanto menos tempo a janela ficar
aberta, menor será a possibilidade de um objeto percorrer uma distância significativa dentro da
imagem, teremos então imagens com alto grau de estatismo ou congeladas. Quanto maior o
tempo de exposão, maior a possibilidade de um objeto que esteja em movimento durante a
exposição gravar seu percurso no fotograma, borrando a imagem. Não podemos nos esquecer
da velocidade B (bulb) que trava o obturador aberto enquanto o disparador estiver
pressionado, utilizado para longas exposições.
As escalas dos obturadores variam entre marcas e até mesmo em modelos da mesma
marca, mas a relação entre a velocidade e o resultado esperado permanece a mesma, as
velocidades mais comuns são:
1 1/2 1/4 1/8 1/15 1/30 1/60 1/125 1/250 1/500 1/1000 1/2000 1/8000 ... 1/20000
velocidades baixas velocidades altas
Existem características pertinentes a cada uma das velocidades. As mais freqüentes e de
fácil observação são: em velocidades baixas qualquer objeto que estiver em movimento irá
gravar seu percurso no fotograma borrando sua imagem. Com o uso das velocidades mais
altas, mesmo os movimentos mais rápidos serão congelados no fotograma.
(SALGADO, 1995: 69).
Velocidade baixa: tanto os objetos em movimento quanto os que
estavam parados estão borrados.
(SALGADO, 2000: 25).
Velocidade 1/15 segundos: tudo que es
em movimento na cena ficou borrado,
os objetos que não se movimentaram estão
congelados.
(SALGADO, 2000: 405).
Velocidade alta: toda a imagem está congelada, mesmo aqueles movimentos que são mais rápidos
2.2.2 - Diafragma
O diafragma localiza-se na objetiva, normalmente constituído de lâminas semicirculares
em forma de íris que se deslocam em torno de uma área central determinando o diâmetro
efetivo da abertura por onde passará a luz que vem do objeto fotografado até o filme.
Quanto maior esse diâmetro, maior quantidade de luz atingirá o filme. Tal procedimento
possui uma conseqüência direta. Quanto menor for o diâmetro da abertura, maior será a
quantidade de imagem tida na fotografia e quanto maior for esse diâmetro, menor será a
quantidade de imagem nítida. A quantidade de imagem tida é medida em termos de
profundidade e é chamada na fotografia de profundidade de campo.
O diafragma da objetiva não só afeta a exposição como também controla a
profundidade de campo. Toda vez que a objetiva é focada num ponto,
sempre uma zona de foco tido aceitável tanto na frente quanto atrás
desse ponto, essa zona é conhecida como profundidade de campo
(HEDGECOE, 1996:28).
Os números que expressam as aberturas de uma objetiva estão expressos em progressão
geométrica ou seja, cada abertura deixará passar o dobro ou a metade da quantidade de luz do
valor adjacente e são inversamente proporcionais quanto maior o número menor será o
diâmetro do diafragma e maior a conseqüente profundidade de campo.
As escalas numerais dos diafragmas, assim como nos obturadores de velocidade, diferem
entre marcas e modelos. Basicamente referem-se ao mesmo racionio já explicado
anteriormente, ou seja, quanto maior o número do diafragma menor seseu diâmetro e maior
a profundidade de campo da imagem e quanto menor o número do diafragma maior será o
diâmetro selecionado causando assim uma profundidade de campo menor. As escalas mais
comuns de diafragmas são:
1.8 2.0 2.8 3.5 4.5 5.6 8.0 11 16 22 32 64
Menor profundidade de campo Maior profundidade de campo
Diafragma aberto: produzirá imagens com
profundidade de campo reduzida.
(SALGADO, 2000: 33).
Diafragma mediano: produzirá imagens
com profundidade de campo mediana.
(SALGADO, 1995: 33).
Diafragma fechado: produzirá imagens com
profundidade de campo alta.
(SALGADO, 2000: 119).
2.2.3 – Objetivas
Podemos considerar como uma objetiva qualquer conjunto de lentes de um instrumento
óptico a ser direcionado para o objeto que se quer observar. A objetiva é o olho da câmera,
responsável por converter o mundo tridimensional exterior à câmera fotográfica em uma
imagem bidimensional.
Em uma câmera fotográfica, essa objetiva é colocada à frente da câmara escura onde está
o filme a ser emulsionado, esse é o ponto inicial da distância focal, que é a distância entre o
plano focal e o centro concêntrico do primeiro elemento ótico da objetiva e determina seu
ângulo de visão. Quanto maior a distância focal, menor seo ângulo de visão da objetiva e
quanto menor a distância focal, maior será o ângulo de visão da objetiva.
“Uma objetiva será considerada normal quando possuir uma distância focal semelhante à
medida da diagonal do filme que está no plano focal(TRIGO, 1998: 79) que garante a essa
objetiva um ângulo de visão comparável ao ângulo de visão humana monocular, que gira em
torno de 45 graus. Por conta desse fator é que Cartier-Bresson somente admitia usar as
objetivas 50mm, as distorções ópticas nas imagens causadas pela variação de ângulo de vio
não lhe agradavam.
Além desta objetiva podemos encontrar algumas com distâncias focais menores que
serão consideradas grande angulares, podendo variar entre 45 e 180 graus seu ângulo de
visão. Muito utilizada para captar imagens de ambientes pequenos, com possibilidade de uma
vasta cobertura da imagem. Quanto maior o ângulo de visão, maior se a possibilidade da
imagem apresentar distoões em forma de "barril" nas linhas laterais; essas distorções
diminuem à medida que essas linhas se colocam mais ao centro da imagem.
Outro grupo de objetivas é denominado de teleobjetivas. Possuindo distâncias focais
maiores que a medida da diagonal do filme colocado no plano focal, essas objetivas têm
emprego totalmente oposto às grande angulares.
O ângulo de visão reduzido por conta da longa distância focal proporciona ao fotógrafo
a possibilidade de se manter a longa distância do objeto a ser fotografado, o que é muito útil
para fazer fotografias espontâneas.
Uma objetiva que possua distância focal variável de grande angular até uma
superteleobjetiva é uma possibilidade interessante quando se precisa de velocidade; é o caso
das objetivas Zoom que aliam grande angular com teleobjetivas em um mesmo corpo ótico,
proporcionando objetivas extremamente práticas. Os quadros abaixo mostram-nos o ângulo de
visão de cada uma das objetivas mais comuns do mercado.
20mm
24mm
28mm
35mm
50mm
100mm
135mm
200mm
300mm
400mm
600mm
Fotos – Fernando Martinez (Arquivo pessoal)
1000mm
As objetivas possuem caractesticas e usos peculiares, cada qual com sua indicação, o
grupo de grande angulares possui como características fundamentais a pequena distância focal
(abaixo dos 50mm), grande ângulo de visão o que tende a afastar os planos, acentuando a
profundidade de campo e distorcendo a perspectiva com o arredondamento dos cantos das
imagens.
Um grupo intermediário de objetivas ocorre quando temos distâncias focais
intermediárias (entre 70mm e 135mm), o que produz imagens com ângulo de visão mediano,
não alterando o distanciamento dos planos e proporcionando mínima distorção de perspectiva.
as teleobjetivas ou superteles com distâncias focais acima de 135mm, possuem um pequeno
ângulo de visão, o que aliada a uma grande distância focal proporciona um achatamento nos
planos de visão da imagem. As lentes Zoom possuem distância focal variável proporcionando
assim comodidade, versatilidade e velocidade nas fotos que exigem tais qualidades.
Quanto à luminosidade, toda objetiva possui o diafragma que regula a quantidade de luz
que passa pelas lentes. Quando se diz qual é a luminosidade de uma lente, entende-se a
abertura máxima que o diafragma permite. Uma lente clara possui um alto grau de
transparência, portanto uma qualidade ótica tamm maior.
As objetivas tamm possuem qualidades quanto a contraste, definição e resolução ótica
que tamm influenciarão no resultado final da imagem (TRIGO, 1998: 74) mas, por sua vez,
não são instrumentos de trabalho que mudam com freqüência, geralmente um profissional fica
vários anos com o mesmo conjunto de objetivas.
2.2.4 - Filmes
O filme possui uma base de triacetato, revestida por uma emulsão sensível à luz.
Essa emulsão é composta basicamente por sais de prata; quando a luz chega no filme, ela
modifica a estrutura química das partículas criando um registro invivel chamado de imagem
latente e este registro torna-se vivel quando exposto aos químicos da revelação.
A estrutura dos filmes pode ser dividida em três elementos
sicos: o suporte flexível ou base; a gelatina onde estão suspensos os
microcristais ou haletos de prata; e os próprios sais sensíveis à luz. A
diferenciação de cada tipo de filme passa por sutilezas no processo de
fabricação. A espessura e os componentes adicionados à gelatina, a
forma, o tamanho, a quantidade e a distribuão dos cristais de prata e os
produtos químicos diversos adicionados são fatores que o determinar
muitas características importantes, entre elas a sensibilidade, o contraste
e a definão dos filmes (SCHISLER, 1995: 03).
Esses filmes diferem quanto à sensibilidade à luz: um filme de ASA 200 é duas vezes
mais sensível à luz do que um filme de ASA 100 e possui a metade da sensibilidade de um
filme de ASA 400. Quanto mais sensível é o filme, menos luz ele precisará para gravar uma
imagem satisfatoriamente, a escolha do filme se diretamente ligada à quantidade de luz
disponível no local e horário das fotos.
Em um local e horário de muita luz, como o centro de um campo de futebol às 13:00
horas de um dia ensolarado, o fotógrafo o terá necessidade de um filme muito sensível, ao
contrário de um dia nublado, onde ele terá que aproveitar toda luz disponível e o fará com um
filme mais sensível. Tais procedimentos terão conseqüências diretas no contraste e na
saturação de cor das fotografias captadas, quanto maior for a sensibilidade do filme, menores
serão o contraste e a saturação de cores das imagens. E quanto menor a sensibilidade do filme,
maiores serão o contraste e a saturação de cores presentes nas imagens.
Quanto à quantificação foram criados vários padrões; os mais usados e que são
expressos em praticamente todos os filmes conhecidos atualmente são DIN - Padrão Alemão
(Deutsh Industrie Norm), ASA (American Standart Association) padrão Americano e ISO
(International Standart Organization) padrão internacional. São comumente confundidos
entre si pois disponibilizam a mesma informação de formas e com valores diferentes, ou seja, o
quanto aquele filme é senvel à luz.
Esses padrões praticamente definem-se assim:
DIN 21 24 27 30 33 36 39
ISSO 100 200 400 800 1600 3200 6400
ASA 100 200 400 800 1600 3200 6400
Menos sensíveis Mais sensíveis
2.2.5 - Filtros
Material transparente colocado à frente da objetiva com basicamente duas finalidades: de
correção ou de criação de efeitos na cena, eliminar reflexos de superfícies, desfocar, duplicar a
imagem, saturar cores, eliminar certos tipos de luz, reduzir a quantidade de luz e mais uma
infinidade de efeitos e correções. Aqui temos os principais filtros do mercado e suas
utilizações.
três tipos principais de filtros. Os usados com filmes preto e
branco que manipulam o modo como os vários tons o registrados. Os
filtros para filmes em cores que podem ser cinzas ou de cores leves ou a
mesmo incolores, ou em cores fortes para corrigir problemas que
ocorrem, se houver o tipo inadequado de filme na câmera. Para os dois
tipos de filme existem dezenas de filtros para efeitos especiais
(HEDGECOE, 1996: 204).
Dentre essas dezenas de filtros os mais utilizados são:
UV (Ultravioleta) filtra os raios ultravioletas que são percebidos sempre ao fundo de paisagens
como uma névoa mais densa e azulada, deixando a foto com aspecto mais natural, quase
sempre imperceptível para os menos exigentes. Esse filtro é usado também como proteção às
lentes frontais das objetivas e podemos usá-lo o tempo todo.
Skylight, ligeira coloração âmbar, diminui o tom azulado das imagens, seus resultados podem
parecer a muitos imperceptíveis.
Polarizador, muito versátil, pois serve ao P/B e colorido, indicado para saturação de cores,
aumento do contraste e redução de reflexos de superfícies não metálicas como vidro ou água.
ND (densidade neutra) são filtros de coloração âmbar que reduzem a quantidade de luz que
entra pela objetiva. Podem ser usados em filmes coloridos e em P/B sem alterar as tonalidades,
saturação ou contraste. Indicado para quando o fotógrafo precisa usar velocidades mais baixas
ou diafragmas mais abertos.
Filtros coloridos, usados para corrigir cores indesejadas ou acentuá-las ainda mais. Existem
cerca de 18 filtros coloridos para correção de cores, cada qual com sua aplicação determinada
para certo tipo de luz a fim de transformá-la em luz branca. Usados com criatividade pelos
fotógrafos para colorir artificialmente as imagens. Os filtros coloridos quando associados à
filmes P/B produzem alterações muito significativas. Sabemos que os filmes P/B convertem as
diferentes cores em diferentes tons de cinza, mas não reproduzem cada uma delas com a
mesma intensidade relativa que têm para nossos olhos. Quando usamos um filtro verde em
uma foto P/B, todas as tonalidades de verde ficarão mais claras; para fazer com que o verde
fique mais denso um filtro de cor complementar como o laranja, amarelo ou até mesmo um
vermelho seriam os mais indicados.
2.2.6 - Luz
Dominar a iluminação de uma imagem é dominar quase que totalmente a imagem,
podendo comparar-se com o domínio completo do texto para o escritor. Vale ressaltar que
mesmo dominando a linguagem, o autor perde parte do seu domínio sobre sua obra quando
esta chega às os do leitor. Por tratar-se de uma composição de signos, a fotografia permite
a construção do significado também por quem o interpreta. Esse completo domínio da luz se
faz necessário para o fotógrafo poder percorrer todas as categorias fotográficas sem
deparar-se com problemas técnicos.
A luz que se pode ver é apenas uma pequena parte de um amplo
espectro de uma mesma manifestação, o conjunto das radiações
eletromagnéticas. A chamada região visível do espectro é a faixa que o
olho humano está adaptado para detectar, da mesma forma que as
emulsões fotográficas tradicionais também podem captar (TRIGO,
1998:13).
Existem códigos razoavelmente convencionados para a utilização da iluminação, cada
tipo de luz vai gerar impressões no leitor que poderão variar desde tranqüilidade até um
desconforto total e os filmes, assim como os olhos humanos, poderão captar essas sensações
transformando-as em informação para a leitura da imagem.
Para que isso ocorra, devemos entender como a luz caminha e como o meio em que ela
caminha poderá modificar seu estado e conseqüentemente seu resultado. Entendemos como
transmissão à passagem da luz através de meios translúcidos. A transmissão pode ser:
Direta – Quando o meio não oe resistência à passagem da luz ( cristais, água, etc. ...)
Difusa – quando o meio converte o raio luminoso em diferentes raios de menor intensidade.
Seletiva Quando o meio seleciona os comprimentos de onda de acordo com sua própria cor,
absorvendo os comprimentos de ondas opostas.
A luz possui duas grandes características: a luz direta que nos sombras duras e
contrastes altos, trazendo sensações de desconforto e a luz difusa, que induz geralmente uma
sensação contrária, levando conforto e suavidade para as imagens. Dentro da luz difusa
encontramos também a luz rebatida: em vez de passar por um meio translúcido ela é refletida
por um anteparo diluindo ainda mais a luz.
Como é uma forma de energia a luz, pode sofrer diferentes processos de transformação.
Uma intensa luz branca incidindo sobre uma superfície de cor preta, será quase que totalmente
absorvida e transformada em calor refletindo somente uma pequena parte.
O contrário também é funcional, uma superfície branca reflete quase que totalmente a luz
incidente, transformando um mínimo em calor.
Quando não existe nenhum anteparo entre a origem da luz e o objeto a ser fotografado,
produzindo neste objeto sombras duras, com recortes acentuados e exatos, o contraste entre as
áreas menos iluminadas e as mais iluminadas será muito acentuado, dando a essa foto um ar
dramático e pesado.
(SALGADO, 2000: 79)
Esse tipo de iluminação é usado geralmente quando o objetivo é dramatizar a imagem,
reduzindo os espaços entre luz e sombra, aumentando a amplitude das sombras, reduzindo
assim as áreas de transição entre claros e escuros. “Essa técnica, embora defina bem os
contornos, não mostrará os detalhes, volumes e texturas; dramatizando a imagem
(BUSSELLE, 1978: 42).
Quando antes de chegar ao objeto fotografado a luz passa por um anteparo translúcido,
criando sombras suaves, pouco pronunciadas provocando uma iluminação do motivo de
maneira uniforme, sem grandes contrastes entre as áreas claras e escuras.
(SALGADO, 2000: 84)
Esse tipo de iluminação faz-se necessária quando a imagem tem por obrigação salientar
as texturas e mudanças nas áreas de transição dos tons de cinza com suavidade. “Via de regra,
o uso de uma fonte de luz suave e difusa é a melhor maneira de realçar os volumes e texturas
de um objeto(BUSSELLE, 1978: 44).
Se antes de chegar ao objeto fotografado a luz é refletida em um anteparo qualquer,
produzindo uma iluminação de intensidade média muito parecida com a anterior diferindo
somente quanto a angulação da incidência da luz sobre o objeto, que ocorre nesse caso
normalmente em um ângulo de quarenta e cinco graus, originando a elevão dos volumes do
objeto fotografado salientando suas texturas.
(SALGADO, 2000: 85).
2.3 - Componentes de ordem imaterial: significação e comunicação
2.3.1 - Elementos secundários
Qualquer ferramenta da linguagem fotográfica poderá ser usada como elemento
secundário: velocidade, foco, cores, composição, perspectiva, fornecendo informações ao
receptor, referentes aos elementos que poderão ajudar a causar sensações conduzindo o
receptor no processo de leitura da imagem.
Entendem-se elementos secundários como qualquer aspecto da composição fotográfica
que o seja o sujeito principal da ação e que possa facilitar a leitura, dar sentido, reforçar
ações, a fim de ajudar o leitor na construção de um significado próximo ao objetivo do autor
para aquela imagem.
Tais elementos terão relação direta com o protagonista da imagem, facilitando a
compreensão da mensagem, estarão sempre abrindo um caminho durante a leitura da imagem,
para uma interpretação mais pertinente com a intenção do autor.
Podemos utilizar os componentes de ordem material para causarmos sensões como,
por exemplo, a velocidade ou o diafragma, assim como elementos de ordem imaterial, como
Salgado que usou elementos da composição como os corpos e os despojos abandonados à
beira da estrada para evidenciar que a morte ronda aquele lugar, no desalento da caminhada
sem que nenhum passante tenha ao menos a curiosidade de parar para olhar ou ao menos
indignar-se.
Na maioria das fotografias um elemento dominante para o qual o olho é
particularmente atraído, e ao qual os outros elementos são subordinados... É
muito importante identificar esse elemento e procurar sua posição ideal para
eno, decidir como os outros elementos da imagem podeo ser utilizados
para enfatizá-lo ou complementá-lo (BUSSELLE, 1978:126).
(SALGADO, 2000: 189).
Como as mensagens visuais o oferecem digos fechados, a leitura dos elementos
secundários restringem a possibilidade dos receptores realizarem leituras que não compactuam
com os ideais do autor. O cuidado do fotógrafo quando da utilização de elementos secundários
terá que ser redobrado, pois a imagem poderá fugir ao seu objetivo se algum elemento estiver
fora de contexto, assim como a quantidade de informação deverá ser reduzida pois um excesso
de elementos poderá poluir a imagem, comprometendo o resultado final. Uma imagem pode
ser carregada de sentido simbólico a cada vez que é utilizada em cada época, em cada contexto
ou cada cultura” (CAMARGO, 1999: 108).
2.3.2 - Textura
Responsável por criar condições visuais suficientes para que o leitor possa saber como
seria tocar na superfície que está vendo, exatamente como se estivesse “sentindo com os
olhos a superfície.
A textura consiste em detalhar os objetos fotografados quanto ao seu relevo; sua correta
aplicação permitirá ao leitor diferenciar qualidades dos materiais que compõem a imagem.
Interpretação visual das características de uma superfície tátil dos objetos e,
como tal, tem papel importante a desempenhar em quase todas fotografias
bem realizadas. Como o tato é uma parte decisiva de nossa experiência
cotidiana, a textura forte de uma imagem colabora para criar essa ilusão
bidimensional da realidade que é a fotografia (HEDGECOE, 1996: 48).
(SALGADO, 1995: 84)
Na imagem acima, Salgado nos proporciona uma visão clara das mãos de uma senhora
que seguramente está desnutrida e desidratada, que tem uma vida sofrida e repleta de
privações, o desespero e o desalento dessa vida o ainda mais salientados pelo relevo das
mãos e por sua textura evidentemente em consonância com as rugas do tecido, tão desgastado
e puído quanto o ser humano que o utiliza, aqui a textura exerce também a função de elemento
secundário responsável por levar ao leitor todo o desalento e a falta de expectativa de vida do
sujeito protagonista da imagem. Todos os relevos das mãos e do tecido oferecem protão ao
rosto do sujeito, como que o protegendo da vergonha de estar naquela condição miserável.
O leitor terá assim a possibilidade de identificar sensações de lisura, rigidez, porosidade,
maciez, aspereza, robustez, fragilidade entre outras ... Com a tradução da textura se junta à
fotografia uma potencialidade de tridimensionalidade ainda maior da imagem, aumentando
suas possibilidades de leitura. Esse efeito tridimensional aumenta na medida em que a
iluminação ressalta a textura desvelando o relevo da superfície e levando assim o leitor a
vasculhar a imagem à procura dos sentidos que lhe interessam.
A textura é realçada em uma fotografia quando a luz desliza
obliquamente e com um ângulo baixo sobre a superfície, produzindo
sombras visíveis da posição da câmera. Em geral isso requer iluminação
por trás ou lateral. A iluminação Axial que vem da direção da câmera -
produz menos textura (CIVITA, 1978: 280).
A aparência da textura depende fundamentalmente do ângulo de incidência da luz sobre
o objeto fotografado; criando sombras no relevo desse objeto colocaremos em maior evidência
sua textura.
2.3.3 – Composição
Ligada diretamente à forma de apresentação da imagem, quando falamos
bidimensionalmente, a composição trabalha com a disposição dos elementos da imagem.
Lidando com os elementos, o fotógrafo faz o arranjo final na composição, posicionando os
elementos disponíveis no fotograma de acordo com suas intenções.
Uma boa composição é apenas um arranjo agradável e bem
equilibrado de todos os elementos da imagem num todo integrado. Estes
elementos são a matéria prima da arte da fotografia: formas, texturas,
padrões, luz e sombra e cor; todos, ou alguns, existem em todos os temas,
e a essência da boa fotografia esem identificá-los, realçando o que for
necesrio (BUSSELLE, 1982: 126).
A composição é uma seleção do fotógrafo dos elementos que comporão o fotograma.
Equilibrada ou o, a imagem tem na composição um forte elemento de sentido de leitura,
podendo facilitar ou dificultar o acesso do leitor às informações.
Faz-se necessário lembrar que uma imagem desequilibrada ou polda de elementos,
necessariamente o se trata de uma imagem errada ou ruim; em alguns casos o objetivo final
pode ser este mesmo, o de causar incômodo e desconforto ao leitor. “Compor é estabelecer
certas ordens ou hierarquias entre os elementos que participam de uma imagem” (CAMARGO,
1999: 89). A composição se dá em duas etapas distintas:
- A escolha dos elementos que irão compor a cena, animais, humanos, objetos, ambiente,
etc. Geralmente essa escolha se por meio do enquadramento e do corte e está
diretamente ligada à sensibilidade estética do fotógrafo.
- E as técnicas de como fotografar o que foi escolhido, tais como velocidade do obturador,
diafragma, ângulo de tomada, plano de foco, perspectiva, textura, etc.
Estes procedimentos estão ligados diretamente ao domínio das técnicas fotográficas.
Por meio da composição fotográfica, o fotojornalista pode provocar no leitor sensações de
desconforto e estranheza, pode também privilegiar certos elementos assim como poderá
deixá-lo com importância reduzida ou até mesmo suprimi-lo da composição se assim achar
necessário, o que nos leva a concluir que no caminho da construção da fotografia o
profissional deve, além dos conhecimentos técnicos, possuir a imagem preestabelecida
incorporada ao objetivo que se quer atingir.
A produção da obra fotográfica diz respeito ao conjunto de mecanismos
internos do processo de construção da representação, concebido conforme
uma certa intenção, construído e materializado cultural, estética/ideogica e
tecnicamente, de acordo com a vio particular de mundo do fografo
(KOSSOY, 2002: 42).
Cuidando da disposição dos elementos na composição, decidindo o que vai entrar na
fotografia e como vai ficar, o fotógrafo estará definindo assim qual papel cada item vai
representar na sua imagem, manipulando o tema para expressar um determinado ponto de
vista.
2.3.4 - Equilíbrio
Quando falamos em equilíbrio, falamos naturalmente em equilíbrio da composição
fotográfica, relacionando-o à disposição harmônica dos elementos que figuram na imagem.
Trabalhar o equilíbrio na composição fotográfica proporciona maior facilidade de acesso do
leitor à imagem como um todo, deixando claras as idéias e conceitos básicos que aquela
mensagem visual pretende promover.
O fotógrafo pode alterar a cena intervindo nas cores, iluminação, foco, tomadas e
inúmeros outros elementos fotográficos a seu inteiro dispor na hora do click. Considera-se que
o mais importante para o equilíbrio é o interesse que determinará a composição dos outros
elementos, tais como: volume, localização, cor e conceituação.
Uma imagem totalmente desequilibrada gerará um certo incômodo durante a leitura, por
conta da dificuldade de acesso aos dados disponíveis, já uma imagem equilibrada deixará o
leitor mais confortável, pois os dados da fotografia estarão disponíveis, naturalmente e sem
maiores dificuldades de acesso, proporcionando uma maior legibilidade. O desequibrio
poderá ser obtido, por exemplo, alterando a linha do horizonte colocando-a em diagonal em
relação à largura da fotografia, e até mesmo o acúmulo de informação em um quadrante da
imagem, deixando o restante da fotografia sem informação relevante ao contexto.
(SALGADO, 1995:
83).
Imagem equilibrada, toda ela é preenchida por informação com relevância significativa, a facilidade de
acesso a leitura é evidente.
2.3.5 - Regra dos Terços
Tal procedimento na composição é decorrente direta dos estudos do número de ouro e
da proporção áurea amplamente estudada e utilizada durante movimento renascentista (séc.
XIV ao XVII) por grandes mestres como Da Vinci, Giotto, Michelangelo. Todavia, não existe
técnica mais intuitiva que a regra dos terços quando se trata de contextualizar informação ou
privilegiar algum elemento na imagem.
A regra dos terços consiste em dividir imaginariamente o que se
pretende fotografar em terças partes. Basta traçar imaginariamente no
visor duas linhas horizontais e duas verticais, cortando assim o fotograma
em nove partes iguais com quatro interseções (BONI, 2000: 79).
Essas quatro interseções são conhecidas como pontos ouro, consideradas como regiões
de maior dinamismo em uma imagem, onde o elemento vital é mais enfatizado. Ao colocá-lo
em um dos pontos ouro, o fotógrafo estará dando maior possibilidade do objeto trocar
informação com o meio em que está inserido, ao mesmo tempo esse objeto exerce o privilégio
de estar em um ponto onde existe a convergência natural dos olhos do leitor para dar início ou
finalizar a leitura.
(SALGADO, 1995: 72).
Neste caso o autor evidenciou o ponto ouro inferior direito da composição com o
elemento principal da imagem, o cadáver colocado no canto da sala parece estar aguardando
remoção, a subnutrição evidenciada pelas costelas mostra que a fome foi a responsável pela
morte, os outros cadáveres colocados na outra sala, preparados para serem levados,
funcionam como elementos secundários dando-nos a impressão de um processo em rie,
sugerindo a existência de uma catástrofe de grandes proporções.
2.3.6 - Perspectiva
Toda imagem fotográfica projetada em algum suporte é bidimensional, caracterizada por
altura e largura. Quando o fotógrafo consegue expressar, além de altura e largura, um terceiro
eixo, o da profundidade, passa a representar em duas dimenes um espaço que na realidade
não existe na fotografia, a profundidade. Com essa impressão visual de que se está olhando
uma imagem com altura, largura e profundidade, o fotógrafo está lançando mão do uso da
perspectiva.
A composição com perspectiva trará ao leitor um grau de veracidade ainda maior, uma
possibilidade de mergulho na imagem, provocando muitas vezes também a sensação de que a
própria imagem poderá “saltar do papel”, trazendo aquela realidade o mais próximo possível
do leitor.
Representar objetos na composição, respeitando suas distâncias em termos de
profundidade, exige conhecimento de várias técnicas fotográficas, tais como o uso correto das
objetivas, do diafragma usado e sua conseqüente relação com a sensibilidade do filme e a
velocidade de obturador usados na imagem. Representaremos aqui as três mais relevantes
formas de expressão da perspectiva, a saber: por linhas convergentes ou linear, por diminuição
do tamanho ou afastamento dos planos e perspectiva atmosférica ou aérea.
Na representão de perspectiva por linhas convergentes ou linear, as diferenças entre o
primeiro plano e plano de fundo da imagem são aumentadas, fazendo com que planos, objetos
ou linhas paralelas que se afastam da câmera tendam a convergir em determinado ponto,
levando o leitor a perceber a distância representativa existente entre os elementos que compõe
aquela imagem.
É determinante, para que esse tipo de representação de perspectiva se manifeste
corretamente, que existam entre os planos linhas ou objetos paralelos representando uma via
central significativa.
Numa escala de diminuição – as coisas parecem menores à medida
que se afastam da mera fotográfica. A perspectiva linear é mais
imediatamente evidente: as linhas paralelas (trilhos da estrada de ferro,
por exemplo parecem convergir ou mesmo se encontrar ao longe
(HEDGECOE, 1998: 72).
(SALGADO, 2000: 219)
As barras de madeira que sustentam a maca improvisada, compõem uma perspectiva linear,
proporcionando ao leitor uma visão além da bidimensionalidade do suporte onde a imagem está ancorada.
Na representação de perspectiva por diminuição do tamanho ou afastamento dos planos,
os objetos similares, situados a distâncias diferentes da câmera, aparecem em tamanhos
distintos. Quanto mais distantes do fotógrafo, menores se farão representar os objetos, mesmo
sendo do mesmo tamanho. Ao passo que as barras da maca se afastam da câmera fotográfica
elas causam a impressão que elas se aproximam, levando ao leitor a impressão de que eles
estão aproximando-se de uma multio que vai esmagá-los, podemos crer que aquela multidão
ali está para também enterrar seus mortos, dando-nos uma dimensão da fome que assola o
lugar.
O tamanho das pessoas parece diminuir ao passo que se afastam damera (SALGADO, 2000: 171).
Na perspectiva atmosférica ou perspectiva aérea, existe um enfraquecimento da imagem
com a distância. Quanto maior a distância entre objeto fotografado e a mera, menor será a
nitidez da visão, também chamada de efeito bruma. Esse efeito poderá ser atribuído a qualquer
evento atmosférico que interfira com a representação dos objetos na imagem. “Deve-se levar
em conta que as cores e os tons tendem para o azul, à medida que se perdem de vista”
(HEDGECOE, 1998: 73). Observamos aqui uma sugestão de Salgado quanto à importância
dos retirantes, apesar dos personagens possrem pesos diferentes na composição ocupando
espaços menores à medida em que se afastam do fotógrafo, eles possuem a mesma
importância, e só estão ali para mostrar que a fila da miséria humana não termina após a curva,
ela se perpetua pelo mundo afora.
(SALGADO, 2000: 27)
A névoa, na foto acima, age como um fator de enfraquecimento da imagem, os tons
progressivamente claros ao fundo mostram que as árvores estão mais distantes que o objeto
principal da imagem, aumentando a sensação de distanciamento do horizonte, permitindo-nos
concluir que os sujeitos da imagem que estão no trem estão deixando para trás um passado
nebuloso e cheio de sofrimento, que não merece ser lembrado.
2.3.7 - Ângulo de tomada
O ângulo de tomada de uma imagem representa o ponto de vista do fotógrafo em
relação ao tema ou motivo fotografado, ou o ângulo de visão da câmera em relação ao objeto
fotografado. Dividem-se as tomadas de ângulo geralmente em ts.
Quando a tomada é feita na mesma altura do tema ou motivo a ser fotografado, diz-se
que o ângulo de tomada é normal, deixando o fotografado retratado com maior fidedignidade e
proporcionalidade, respeitando suas proporções e mantendo a realidade.
(SALGADO, 2000: 162)
A imagem respeita as proporções, o intervindo nas formas da composição, o ângulo
de tomada nesse caso equipara em importância os elementos do primeiro plano com o
contexto que estão inseridos, ou seja, os sujeitos estão razoavelmente saudáveis em
concordância com o restante da paisagem que também, apesar de árida, não é das piores
sugerindo que esse lugar pode ser um centro de recuperação.
Quando o ângulo de tomada é abaixo do objeto ou tema fotografado, diz-se que o
ângulo é baixo ou contra-mergulho ou contre-plongé, valorizando o elemento, ressaltando sua
grandeza, tornando-o superior e representando-o maior do que ele realmente é, levando assim
o leitor a considerar uma imagem melhor e mais poderosa do que realmente existe.
(SALGADO, 2000: 255)
O ângulo de tomada da imagem favorece o objeto fotografado, destacando ainda mais a
altura da oca, valorizando e colocando-a em evidência. Nesse ensaio Salgado aborda os
indígenas saudáveis e orgulhosos de sua posição, a imponência da obra é ainda mais ressaltada
pelo ângulo de tomada contra-mergulho convergindo assim para que o leitor possa verificar
que apesar de viverem no meio da selva eles estão confortáveis e seguros.
Quando o ângulo de tomada é elevado em relação ao tema fotografado, chamamos de
mergulho ou plongé e tende a diminuir o elemento, desvalorizando-o, diminuindo seu
tamanho e importância, conotando ares de fraqueza, submissão e derrota. Deixando explícita
a intencionalidade do tomador das imagens. “O ângulo de tomada superior achata por exemplo
a silhueta humana, conotando a mesma proporção à cabeça ao tronco e as pernas
(BUSSELLE, 1982: 136).
(SALGADO, 2000: 269)
O ângulo de tomada nesse caso coloca os sujeitos da imagem em uma posição achatada
em relação ao ambiente, diminuindo seu poder, sugerindo uma insignificância das pessoas
perante seu destino, sugerindo que os três camponeses terão que percorrer todo o vale em uma
longa jornada que evidencia a fragilidade do ser humano diante da natureza.
É evidente que existem exceções quanto a essa regra pois a imagem o é somente
composta pelo seu ângulo de tomada, mas também de outros atributos que comporão aquela
cena, podendo atenuar os resultados do ângulo de tomada da imagem.
2.3.8 - Planos de enquadramento
Enquadrar, significa selecionar os elementos de um espaço que serão parte integrante da
fotografia, variando de acordo com a distância do fotógrafo em relação ao objeto ou às
objetivas usadas.
Limpar a imagem das coisas que não nos interessam mostrar, é simplificar o
mero de informações visuais que existem dentro de um quadro, é dirigir o
olhar de quem a foto para onde queremos (MOURA, 1999: 433).
Os planos de enquadramento definirão qual parte da realidade o leitor vai ter acesso, esse
profissional da imagem é que vai demarcar o icio e o final da imagem. Ele (fotógrafo) estará
funcionando mais uma vez como filtro da realidade, editando previamente a imagem, limpando
interferências, salientando e privilegiando fatos, ações e personagens. É sem dúvida uma das
ferramentas que mais permite ao fotojornalista intervir diretamente na imagem, também é a
mais evidente quando tratamos de identificar sua utilização, pois, com o mundo globalizando
informação com velocidade real, qualquer leitor poderá identificar o por quê da utilização de
um determinado plano, por quais motivos ele o utilizou, o que ele queria mostrar.
Se o enquadramento determina a fixação de um ponto a partir do qual a
câmera toma seu objeto, isso por si só já estabelece uma hierarquia de valores
dentro do quadro, que corresponde à forma como a posição da objetiva
retrata o visível: algumas coisas vão estar em primeiro plano ou numa
posição privilegiada em relação ao ponto de tomada e, por conseqüência, vão
ser valorizada se ganhar importância na cena; outras vão ser jogadas para o
fundo, reduzidas de tamanho na realidade das proporções perspectivas e,
dessa forma, funcionarão com um peso menor na escala de imporncia da
cena: uma terceiras ainda terão sorte pior: seo eliminadas de campo, pois o
enquadramento as esconderá atrás de algum objeto ampliado no primeiro
plano ( MACHADO, 1984: 103).
Existe também a intenção de não mostrar propositadamente algum fato e esta ação
também gera impressões, pois o acontecimento pode, se mostrado sem cortes, ultrapassar os
limites da ética e do bom senso. E este procedimento também pode acentuar a informação
extraquadro, aquela que não é mostrada, mas que existe e todos têm consciência dela, ficando
a cargo de cada leitor correlacionar a informação mostrada com o seu repertório.
Toda fotografia, seja qual for o referente que a motiva, é sempre um
retângulo que recorta o visível. O primeiro papel da fotografia é selecionar e
destacar um campo significante, limitá-lo pelas bordas do quadro, isolá-lo da
zona circunvizinha que é a sua continuidade censurada (MACHADO, 1984:
76).
Podemos assim classificá-los: grande plano geral, plano geral, plano médio, primeiro
plano e, por fim, plano de detalhe. O grande plano geral é executado geralmente com objetiva
grande angular, o ambiente como um todo pode ser visto como um contexto geral, temos o
ambiente como elemento principal; uma pequena parcela da foto poderá ser reservada para um
objeto em especial, mas que será mais um elemento na composição sem maiores destaques.
Nenhum objeto se destaca do contexto geral. Todos são importantes para a compreensão do total da imagem,
mas sem destaque para nenhum em especial (SALGADO, 2000: 112).
O plano geral é obtido com objetivas de curta distância focal com até 50mm, onde o
objeto coexiste com os elementos da cena de igual para igual, existindo grande possibilidade de
descrição da ação. Aqui a interação entre sujeito da imagem com o contexto em que ele se
encontra inserido começa a aparecer mais claramente.
(SALGADO, 2000: 63)
O objeto principal da imagem começa a aparecer com mais destaque, sobressaindo-se em relação ao
contexto em que está inserido.
No plano médio captado normalmente com objetivas meia tele de 50mm a 180mm,
existe um preenchimento do quadro com o elemento principal; possuindo pouco contexto, é
muito descritivo, levando o leitor a observar principalmente o objeto principal da imagem.
Uma característica marcante do plano médio é que, devido às objetivas usadas, geralmente os
planos não apresentam distorções.
(SALGADO, 2000:
158)
A expressão do homem é o elemento principal, o contexto possui pouca relevância.
Para o primeiro plano são geralmente usadas teleobjetivas potentes acima de 200mm,
destaca o semblante do fotografado e tem como principal objetivo registrar a emoção do
homem ou destacar um objeto. Pouquíssimo ou nenhum contexto é encontrado nesse plano de
tomada.
(SALGADO, 1995, 88)
O objeto principal da
imagem não possui
nenhum outro elemento
que dispute a atenção do
leitor.
O plano de detalhe somente é conseguido com objetivas macro, que isolam parte do
objeto ou do rosto de uma pessoa elegendo os detalhes como únicos elementos da cena.
(SALGADO, 2000: 99)
Temos aqui parte do rosto de uma e que segura a foto do filho morto, a atenção do leitor
É levada para os detalhes como a expressão do rosto e a textura da mão.
2.3.9 - Planos de foco
Diretamente ligado ao diafragma e à objetiva utilizada, o plano de foco decide quais
elementos, dentre os estabelecidos na composição, ficarão nítidos e quais ficarão desfocados,
deixando um elemento ficar mais nítido que outro, o fotojornalista privilegia sua leitura, em
detrimento dos outros elementos ali dispostos.
Planos de foco dizem respeito à seleção de foco nos elementos que compõem o
fotograma ou sua profundidade de campo. O fotógrafo pode, em termos de
nitidez, privilegiar um elemento em detrimento de outro, evidenciando a
importância dos elementos presentes na imagem (BONI, 2000: 76).
Em outras palavras, seria o mesmo que dizer ao leitor: nesse contexto existem muitos
elementos, mas preste atenção especial neste aqui, pois ele é o que mais importa. Os planos de
foco podem ser divididos em três grandes grupos:
- Plano de foco amplo – quando existe grande quantidade de nitidez na imagem.
- Plano de foco mediano – quando existe uma quantidade mediana de foco.
- Plano de foco restrito – quando a imagem apresenta uma quantidade de foco pequena.
(SALGADO, 2000: 229) (SALGADO, 1999: 108)
Dirigindo assim o seu leitor, o fotógrafo deixa clara sua intenção e a sua interpretação do
fato. Como Salgado trabalhou as imagens acima: a menina está retratada em um plano de foco
restrito o que acaba por desfocar o fundo trazendo toda a atenção do leitor para a menina, sua
expressão dura e as más condições de vida. Assim como a imagem da esquerda possui um
plano de foco amplo deixando a disposição do leitor toda a informação existente no quadro,
não privilegiando nenhum elemento, mas sim o todo também com a intenção de voltar a
atenção dos leitores para a realidade das condições de vida dos personagens. Desfocando
alguma parte da imagem ou deixando tudo tido, o fotógrafo estará dirigindo a leitura da
imagem, omitindo assim o que não interessa e mostrando o que ele quer que seja visto.
2.3.10 – Contraste
Quanto mais drástica for a passagem das partes iluminadas da imagem para as partes não
iluminadas, mais contrastada será a imagem. Quanto mais acentuada for essa passagem, menor
será o contraste, ou seja, quanto maior for a quantidade de tons de cinza entre o branco e o
preto na imagem, menor será o contraste.
...a diferença de densidade entre duas áreas, podendo ser o
contraste da cena fotografada dado por sua variação tonal ou o contraste
de uma luz (claro e escuro) (SCHISLER, 1995:106).
Nestes exemplos, poderemos verificar no alto contraste a pouca quantidade de tons
de cinza entre o preto e o branco; no baixo contraste essa quantidade será maior e no médio
ela será mediana. Quanto ao contraste tonal, a regra continua a mesma, mas a diferença não
será mais entre o branco e o preto, mas sim entre as cores. Por exemplo, a quantidade de tons
de laranja entre o amarelo e o vermelho influenciará no contraste.
As intenções quanto à utilização do contraste são evidentes, as cores quentes "saltam" da
imagem se aproximando, assim como as cores frias se afastam do leitor. Se o fotógrafo quiser
aproximar ainda mais as cores do leitor, poderá aumentar o contraste tonal e as cores
"saltarão" ainda mais aos olhos.
(SALGADO, 2000: 259)
Contraste alto, as diferenças entre os tons mais
saturados fazem com que a imagem cresça em
volume tornando o objeto principal ainda mais
visível.
(SALGADO, 1995: 425)
Contraste baixo, a imagem fica sem impacto e com
seus planos achatados e sem volume.
2.3.11 - Cor ou preto e branco
As fotografias coloridas levam ao leitor uma realidade próxima do fato ocorrido,
cobrando desse leitor somente a interpretação dos fatos retratados e ligando-os diretamente ao
real. imagens em preto e branco deixam por conta do leitor algumas interpretações da
realidade que podem fugir ao cotidiano, deixando de exprimir o apelo direto das cores, as
imagens em preto e branco possuem um forte apelo estético, exatamente por deixar a cargo do
repertório imaginativo do leitor o preenchimento das lacunas deixadas pela ausência de cromia.
A imagem em preto e branco exibe em algumas ocasiões uma força de
expressão muito superior à das imagens em cor. Para fotografar, por
exemplo, mazelas sociais (pobreza, mendicância, pessoas que sobrevivem
garimpando os lixões de centros urbanos, filas à espera de atendimento nos
hospitais da rede pública de saúde, o precário atendimento pelos corredores
superlotados de hospitais, e tantas outras situações), trabalhadores e a
terceira idade, o preto e branco proporciona expressividade visual mais
acentuada que a do colorido (BONI, 2000: 98).
Deixar esse tipo de interpretação por conta do leitor pode levá-lo a conclusões pouco
ortodoxas, liberando-o para preencher a falta de cor com elementos que lhe são pertinentes. A
imagem em preto e branco deixará nas entrelinhas espaços abertos passíveis a qualquer tipo de
preenchimentos pertinentes somente ao indiduo que lê aquela imagem, o que não ocorreria se
fosse uma imagem colorida, que possui digos de entendimento bem mais fechados e
convencionados.
A imagem colorida caracteriza-se por deixar mais dispoveis ao leitor as informações,
enquanto a foto preto e branco deixa a cargo do leitor o preenchimento de alguns itens que se
ocultam na ausência de cores.
Foto – Fernando Martinez
(Arquivo pessoal)
Por conta dessas peculiaridades é que Sebastião Salgado desenvolve seu trabalho
basicamente com imagens em preto e branco.
(…) fotografo em preto e branco. faço o que for compatível com meu
trabalho. Não mudo o tipo de película, só uso filme de alta sensibilidade (…)
aceitei muita reportagem em cor. Mas a minha cor sempre foi um preto e
branco colorido (SALGADO in WERNECK, 1997: 46).
2.3.12 - Da manipulação imagética
Uma fotografia o é apenas uma imagem, ela carrega consigo uma mensagem, uma
visão de mundo, um recado do autor para qualquer indiduo que for atingido por suas setas.
Essas setas foram responsáveis por destruir carreiras, muros, mandatos, governos e até
mesmo vidas. Mas também constrram mitos, vigiaram mundos, levaram tantos a julgamento,
viram vidas surgirem e serem tiradas, inventos nascerem, acompanharam dramas, causaram
celeumas, chocaram e sensibilizaram milhões.
Cabe então à fotografia a missão de testemunhar a vida não podendo acovardar-se
perante os fatos, e aqueles que têm a tarefa de pensar a melhor imagem para contar uma
história necessitam coragem para mostrar não somente os vencedores, mas também a história
dos vencidos.
Quanto ao dilema ético da manipulação imagética, cabe-nos ressaltar que a ética
preocupa-se em estabelecer relações maniqueístas de valor, entre positivo e negativo, certo e
errado, bem e mal, dentro da sociedade, respeitando os valores morais da época vigente.
Portanto, é pertinente dizer que hoje a ética, e seus estudos de jzo de valores que
qualificam o bem e o mal, são tratados sobre um ponto de vista mutável perante o passar do
tempo, perante a sociedade e seus interesses, perante os labirintos ideológicos, até mesmo
comparados à mutabilidade dos padrões estéticos perdendo, assim a sua função conceitual.
Os fotógrafos são as testemunhas presenciais dos fatos que o mundo vesegundo seus
olhos; e a fotografia é seu ponto de partida, incumbida de ser a portadora dos paradigmas da
sociedade, às vezes condescendente, às vezes contestadora, mas sempre caracterizada por
contínuas possibilidades de novas leituras.
A fotografia nada mais é que o resultado de uma distribuão
desigual de sais da prata durante o tratamento químico do negativo. As
partículas individuais que armazenam informação luminosa o são
jamais dadas à visão na fotografia, porque são minúsculas demais para
serem captadas pelo olho humano. O único meio de torná-las visíveis é
através da ampliação de uma pequena porção do negativo em um
microscópio (MACHADO, 1984: 158).
Os leitores são esse microscópio e as ferramentas da linguagem fotográfica são os pontos
a serem descobertos. Ao passo que desvelamos as intencionalidades do autor, interagimos cada
vez mais com a imagem; perante várias releituras, o leitor tecondições de incorporar todos
os sistemas figurativos intrínsecos à imagem, indo buscar no autor suas reais intenções.
Identificamos que as fotografias são permeadas de ferramentas da linguagem fotográfica
e que essas ferramentas dirigem a leitura da imagem. A fotografia passa então de um simples
meio de transporte de mensagem para uma poderosa ferramenta de manipulação das massas
por ela atingidas.
O ato de fotografar adquire a partir de agora uma nova dimensão quanto às suas
possibilidades de orientação da leitura, que é repleta de significados tanto para o fotojornalista
como para seu leitor. Conscientes que nenhum ato de construção textual, seja ele verbal ou
imagético, está isento das influências intnsecas e ou extrínsecas ao indivíduo que fotografa,
faz-se então necessário um realinhamento das perspectivas desse trabalho, percorremos a
historia do fotojornalismo e verificamos as possibilidades de intervenção externa (dos
contratantes) nos resultados das reportagens, também abordamos a instrumentalização da
fotografia, suas vertentes ideológicas e conseqüências quanto à utilização ou não das
ferramentas da linguagem fotográfica no dia a dia do profissional da fotorreportagem.
Como leitores, superamos etapas de interpretação e não satisfeitos queremos sempre
alcançar o que está além do horizonte; cresceremos continuamente, até preenchermos
totalmente as lacunas deixadas por nós mesmos ao longo de nossas vidas. E ao chegarmos lá,
veremos que nossa própria existência não é possuidora de digos fechados e convenções que
resistam a um olhar mais crítico. Entenderemos então que somos eternos aprendizes, e que
nosso grande mestre é a vida.
Entraremos agora no foco central desta discussão: será que os fotojornalistas utilizam as
ferramentas da linguagem fotográfica conscientes de suas conseqüências? Traçaremos análises
das imagens e textos do livro Terra, de Sebastião Salgado, procurando inter-relações entre as
mensagens contidas na obra. Por meio da Estética da Recepção que oferece o instrumental
teórico para refletir o entrelaçamento das mensagens contidas na produção do fotojornalista,
com a intenção de relacioná-las a seus receptores, realçando a eficácia ou não da utilização das
ferramentas da linguagem fotográfica na construção da fotografia.
CAPÍTULO 3 – O LIVRO TERRA
3.1 – Autores e protagonistas
O livro Terra, de Sebastião Salgado, editado em 1997 pela editora Companhia das
Letras, possui uma singular combinação de talentos que pode ser considerada, uma seleção de
formadores de opinião.
Sebastião Ribeiro Salgado Junior é mineiro de Conceição do Capim, Distrito de
Aimorés, nascido a 8 de fevereiro de 1944, economista formado em 1967, pela Universidade
Federal de Vitória (Es), com mestrado na Universidade de São Paulo e nos Estados Unidos
pela Universidade Vanderbilt, após sua volta ao Brasil engajou-se nos movimentos políticos
contra a ditadura militar que culminou em 1969 na necessidade de sair do país:
Tive necessidade de sair do Brasil para completar os estudos que havia feito
na Universidade de o Paulo e também porque, por minhas opções poticas,
era difícil ficar lá. Naquela época, eu estava no movimento estudantil, ligado
a outros movimentos. Tinha de entrar no pau, na clandestinidade, ou sair do
país (SALGADO in VIGGIANI, F. o Paulo: 18/03/2000: 6).
Em Paris, Salgado cursou o doutorado em 1971, aos trinta anos, dois anos depois
largou um emprego estável na Organização Mundial do Café, em Londres, para dedicar-se à
fotografia. Foi o atentado ao ex-presidente norte americano Ronald Reagan que possibilitou a
realização de seu primeiro grande sonho. Salgado foi o único fotojornalista que pôde vender
as imagens porque era free-lancer e não pertencia ao pool de agências credenciadas, o que
acabou por render-lhe o suficiente para passar oito meses fotografando temas de seu interesse,
era o icio de uma carreira vinculada ao compromisso ideológico adquirido no Brasil.
Salgado cresceu profissionalmente e estabeleceu-se como renomado e premiado
fotojornalista brasileiro radicando-se em Paris. Foi em 1994 que a Amazonas Images (Agência
fotográfica de propriedade de Salgado) iniciou as atividades do seu mais ousado projeto de
fotorreportagem: documentar os movimentos populacionais ocasionados pelos fluxos
migratórios decorrentes do desequilíbrio econômico mundial: o projeto Êxodo. Em junho de
1995, o jornal Folha de São Paulo publicou a primeira reportagem da série, essas fotografias
também foram publicadas nos jornais The New York Times (EUA), The Independent (Reino
Unido), El País (Espanha), e nas revistas Times (EUA), Paris Match (França), Stern
(Alemanha) e Visão (Portugual).
No processo de criação do livro Êxodo, que registrava a fuga de milhares de pessoas em
busca de uma vida melhor, nasceu o livro Terra.
Salgado fotografou as manifestações e os acampamentos dos integrantes do
movimento dos Sem-Terra, documentando a situação dos refugiados” nos
estados do Pa, Paraná, Sergipe e Bahia. Comparando a vida dos Sem-Terra
brasileiros à vida dos tantos outros refugiados que fotografou pelo mundo
afora, comenta que: “elas vivem na beira da estrada, e eu as considero
refugiadas como os refugiados do mundo inteiro” (F. SP: 06/04/1996, 2-2).
O livro Terra foi publicado simultaneamente em oito países em 1997, também
foram produzidos cinqüenta cartazes com imagens do livro com a finalidade de angariar fundo
para os Sem-Terra. A obra é dividida em ts capítulos: o primeiro dedicado totalmente ao
Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra, o segundo trata dos índios brasileiros e seu modo
de vida, e, finalmente, o terceiro trata da questão do mal aproveitamento da terra.
Acusado de beneficiar-se com a estetização ou embelezamento da miséria e também de
fotografar com caráter político e ideológico declarado, sendo muitas vezes panfletário,
Salgado declara estar ciente que seu papel é levar adiante as imagens para sensibilizar e fazer
refletir sobre o sofrimento humano, não se preocupando com quem não entende suas
motivações pelo trabalho.
Salgado descobriu aquilo que todos nós desconfiamos mas o temos
coragem de articular: pobre, dependendo da iluminação e do ângulo, um
dinheirão (LESSA: 2000, D-9).
A estética de Salgado é uma espécie de chantagem emocional acionada pela
performance de uma direção de arte (...) ela é inventada, superficial,
auto-referente, sentimental e de simbolismo barato (SISCHY apud
FAGUNDES: 2001, 43).
Em contrapartida existem muitas opiniões que dignificam o trabalho de Salgado
colocando-o em seu devido lugar:
A beleza das fotos de Salgado não é aquela que abranda ou facilita as coisas;
é uma beleza que confronta, porque mostra belos elementos em lugares
inesperados. Isso pode nos mobilizar e nos foar a fazer perguntas sobre
situações que pensávamos conhecidas ... A boa imagem deve conter um
punctum”, o momento de vigor que atiça você, faz vo prestar atenção,
exige uma resposta. Se a estética de Salgado alcança isso, e certamente o faz,
ela não anestesia, mas ajuda a politizar (VALOR: 08/06/2000, D-9).
O livro é composto, além das imagens, de uma introdução escrita por José Saramago
nascido em Portugal na aldeia ribatejana de Azinhaga, no dia 16 de novembro de 1922. No
seu primeiro emprego foi serralheiro mecânico, tendo depois exercido diversas outras
profissões como: desenhista, funcionário da saúde e da previdência social, editor, tradutor e
jornalista. Por fim trabalhou durante doze anos numa editora, onde exerceu funções de direção
literária e de produção. Engajado nos movimentos de esquerda e comunista filiado ao Partido
Comunista Português, após a queda do comunismo na antiga União Soviética, ele ainda se
declara um Socialista-marxista. Após o lançamento de seu livro O Evangelho Segundo Jesus
Cristo, em 1991, Jo Saramago foi considerado persona non grata pela igreja católica de
Portugal e excomungado em seguida, após esse fato auto-exilou-se na ilha vulcânica de
Lanzarote, arquipélago das Canárias na Espanha. Como escritor, seu apogeu é sem dúvida o
prêmio Nobel de Literatura em 1998 ( o primeiro dado a um autor de língua portuguesa).
Também acompanha o livro Terra um CD inédito de Francisco Buarque de Hollanda,
conhecido como Chico Buarque, nascido no dia 19 de junho de 1944 na Maternidade São
Sebastião, no Largo do Machado, Rio de Janeiro. Em 1963 ingressa na FAU - Faculdade de
Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, curso que abandonaria três anos
depois. Um dos ingredientes para a decisão é o clima de repressão que toma conta das
universidades após o golpe militar de 1964. Começam seus problemas com a censura e, mesmo
com seu auto-exílio na Itália, suas músicas continuam fazendo sucesso no Brasil. Compositor,
poeta, autor de textos literários e teatrais, Chico, consolida sua imagem como uma voz crítica
que não quer calar. O CD conta com duas letras compostas sob medida para o livro, que são:
e Assentados, além de novas versões de Fantasia e Brejo da Cruz, esta última baseada num
poema de José Saramago.
O MST, (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra) objeto das imagens de
Salgado, foi criado em meados dos anos oitenta, vindo dos antigos movimentos glebeiros, atua
hoje em 23 estados, envolvendo mais de dois milhões de pessoas. Calcula-se que, cerca de 350
mil famílias foram assentadas por meio desta luta e outras 160 mil vivem em acampamentos.
Segundo o MST, Sem-Terra tornou-se nome próprio, nome de trabalhadores
organizados lutando pela reforma agrária e para transformar a sociedade, tentando
resgatar a dignidade dos sem identidade e excluídos da sociedade. Lutando declaradamente
contra o neoliberalismo, o MST resgata a dignidade perdida do cidadão, dando-lhe escola,
fornecendo-lhe documentos, colocando seus filhos para aprender a ler e escrever e, bem ou
mal, consegue-lhes um teto para viver e, na maioria das vezes, também distribui alimentos para
a subsistência.
Podemos nos perguntar o que Saramago, Salgado e Chico Buarque têm a ver com o
MST? O que eles têm em comum? A resposta está nos objetivos gerais do próprio MST que é
sem dúvida o maior, senão o único, movimento social organizado do Brasil. As informações
acerca dos objetivos referidos são tamm colhidas do site do MST:
1. Construir uma sociedade sem exploradores e onde o trabalho tem supremacia sobre o
capital.
2. A terra é um bem de todos. E deve estar a serviço de toda a sociedade.
3. Garantir trabalho a todos, com justa distribuição da terra, da renda e das riquezas.
4. Buscar permanentemente a justiça social e igualdade de direitos econômicos, políticos,
sociais e culturais.
5. Difundir os valores humanistas e socialistas nas relações sociais.
6. Combater todas as formas de discriminação social e buscar a participação igualitária da
mulher.
A luta por terra acaba tornando-se pequena quando revelados esses objetivos, e se
formos procurar, mesmo que superficialmente, no perfil ideológico de cada um de nossos
autores, os encontraremos pactuando com esses objetivos ao longo se duas vidas. Partilham,
portanto, de um repertório comum, em que são valorizados os seres humanos e seu direito a
uma vida digna.
Comparando, então, o perfil ideológico de Salgado, Chico Buarque e Saramago
encontraremos a mesma consciência social, o que os aproxima da causa e da luta do MST. O
livro acaba sendo um pacto de rebeldia, inconformismo e insatisfação com o modelo
econômico e social implantado no mundo atualmente.
3.2 – Os textos de Terra
Neste estudo consideram-se textos, imagens, poemas musicados, músicas, introdução,
enfim toda e qualquer expressão que come o livro Terra e possa ser entendida como
mensagem. As três formas de texto (imagens, textos escritos e músicas) cumprem o objetivo
da obra: denunciar a injustiça da má distribuição de terra e de renda nesse planeta.
A intertextualidade contida na obra faz com que a mensagem soe uníssona e atinja o
leitor com os ideais e a forma de agir desses três cidadãos, críticos e conhecedores da miséria
humana, que escancaram sua posição contra os abusos dos detentores do poder. Veremos aqui
o outro lado do poder econômico e o preço pago pela utilização do modelo neoliberal.
As análises das fotos e dos textos de Saramago e Chico sublinham e convencem o leitor
que não é natural, tão pouco necessário, que para alguns viverem dignamente, outros tantos
tenham que literalmente morrer de fome. Essa é a postura ideológica das sicas, poemas,
imagens, livros, exposições, filmes, e peças teatrais produzidas ao longo da vida desses três
indivíduos, postura essa que atinge um ponto alto com o encontro na produção de Terra.
Mas, como analisar as estratégias dissertativas de uma imagem? Como vincular o texto
não verbal de Salgado com as palavras de Chico e Saramago? Esses são alguns dos desafios a
perseguir na releitura dos significados da obra.
Não podemos, de forma alguma, considerar a introdução de Saramago e o CD de Chico
Buarque como compartimentos estanques do livro, pois eles fazem parte do contexto geral,
viabilizando uma leitura paradigmática e mais profunda do discurso, fazendo-se necessária
a compreensão de quem são e o que representam esses indivíduos em suas áreas.
O texto de Saramago e as músicas de Chico Buarque são as próprias fotografias em
forma de palavras e canções, fortalecendo e complementando a indignação sobre a realidade
apresentada nas imagens. São, verdadeiramente, reflexões tricas da leitura visual das
imagens do livro.
Salgado diz em entrevista à revista Playboy que o fotógrafo deve possuir uma formação
abrangente, para que tenha um referencial do que está acontecendo no mundo e que esse
fotógrafo tem de interagir completamente com o meio em que se encontra, o podendo
ignorar seus instintos e suas crenças.
(...) eu fotografo com minhas crenças e minhas ideologias ... é tanta
coisa paralela que no fundo, é minha vida toda que eu fotografo, o
é a reportagem que El País e a Folha vão publicar. Isso é a riqueza
da fotografia: não é a relação cnica do repórter com a matéria que está
realizando. É tudo em volta, é toda a vida (SALGADO in WERNECK,
1997: 69).
Tal preocupação vem de encontro com Mouillaud quando diz que, (...) o gesto de
promover é inseparável de um olhar que vem ao seu encontro(1997: 37), ou seja, ninguém
está isento de suas paixões, simpatias e antipatias, crenças religiosas, posição econômica e
política e possuindo essas posições esse indivíduo estará interagindo com o meio em que está
inserido, sofrendo suas influências e produzindo um simulacro daquela realidade, um retrato
que é pertinente à sua maneira de enxergar aquele momento.
As fotos do livro não são imagens isoladas e capturadas aleatoriamente, elas contam uma
história que se interrelaciona com a introdução e com as músicas numa preocupação única: a
de atingir o leitor de modo a criar indignação e cumplicidade.
A capa do Compact Disk e o próprio CD possuem imagens que constam no livro e que
possuem pertinência no contexto geral da obra: os oprimidos e explorados, os ingênuos e
simples, e os sem teto, todos seres desprovidos da sorte de ter um lar, uma proteção, uma
chance de ser gente.
Capa do CD
CD
Isso se comprova quando Chico Buarque diz que Salgado deixou-lhe algumas das fotos
que iriam constituir o livro, e foram essas fotos a base material para as composições musicais
do CD. O tema é a terra, o trabalhador , o Sem-Terra na cidade e no campo. Esse ponto de
partida de Chico Buarque, juntamente com sua posição ideológica ajudou-o a engajar-se no
trabalho que possui uma intensa interação entre seus componentes. Um enfoque uníssono que
nos leva a refletir sobre o nosso papel no mundo a todo instante. As fotografias, as músicas e a
força do texto escrito fundem-se com o horizonte de expectativas do leitor.
Misto dos digos vigentes e da soma de experiências sociais acumuladas; e
da emancipação, entendida como a finalidade e efeito alcançado pela arte, que
libera seu destinario das percepções usuais e confere-lhe nova visão de
realidade (ZILBERMAN, 1989: 49). Fusão de horizontes Conceito
emprestado de Gadamer, significa o processo mesmo de intercâmbio do leitor
com a obra literária do passado; esta, integrada na origem de um horizonte,
vai se apropriando dos horizontes dos novos contextos temporais onde
circula. Portanto, não apenas cada leitor contribui com seu horizonte, como
recebe da obra os horizontes a que ela já se amalgamou com o decorrer da
história (Op. Cit: 113).
Esse diálogo entre a obra e o leitor persiste o tempo todo durante a presentificação
(leitura) da obra, causando em um leitor ideal um impacto muito forte durante uma leitura
mais profunda. Leitor ideal seria o leitor que deveria possuir os mesmos códigos que o autor
para realizar o potencial do texto, o leitor ideal não deveria realizar o potencial de sentido
do texto (...) mas também deveria esgotá-lo” (ISER: 1999: 66). Um leitor menos crítico pode
até entender a mensagem, mas, por possuir um perfil ideológico ou um repertório diferente do
leitor ideal, suas conclusões poderão diferir dos ideais dos autores.
Aqui deparamo-nos com as diferenças de horizonte de expectativas, um integrante do
MST fará uma leitura muito diferente da obra se comparada à leitura por um integrante da
UDR (União Democrática Ruralista).
E essas leituras, mesmo que distintas, o poderão ser consideradas equivocadas, pois
elas provêm de indiduos com referenciais de repertório e horizontes de expectativa
totalmente distintos.
Quando Saramago diz na introdução do livro:
Foi o caso que estando já a terra assaz povoada de seus filhos,
filhos de filhos e filhos de netos da nossa primeira mãe e de nosso
primeiro pai, uns quantos desses, esquecidos de que sendo a morte de
todos, a vida também o deveria ser, puseram-se a trar uns riscos no
chão, a espetar umas estacas, a levantar uns muros de pedra, depois do
que anunciaram que, a partir desse momento, estava proibida (palavra
nova) a entrada nos terrenos que assim ficavam delimitados, sob
pena de um castigo, que segundo os tempos e os costumes, poderia vir a
ser de morte, ou de prisão, ou de multa, ou novamente de morte. Sem que
até hoje se tivesse sabido do porquê, e não falta quem afirme que disto
não poderão ser atiradas as responsabilidades
para as costas de Deus, aqueles nossos antigos parentes que
por ali andavam, tendo presenciado a espolião e escutado o inaudito
aviso, não só não protestaram contra o abuso com que fora tornado
particular o que até então havia sido de todos, como acreditaram que era
essa a irrefragável ordem natural das coisas ... ( 1997: 10).
Ele está perguntando ao leitor indiretamente quem deu aos "donos" de terra esse título
de propriedade e de quem realmente é a terra?
(SALGADO, 1997: 70)
A imagem da página 70 leva-nos a um açude seco da chapada do Araripe, no Estado de
Pernambuco, durante a grande seca de 1982/83. Mesmo com o açude totalmente sem água a
cerca aparece no primeiro plano, impondo limites mesmo que não tenha o que oferecer, aquela
terra tem seu "dono", seu patrão. Nesse momento até mesmo um leitor menos atento poderá
visualizar a clara ligação entre o texto de Saramago e a imagem de Salgado, até mesmo os
elementos que não estão na fotografia, permeiam sua existência pela imagem.
A exemplo, o "dono" da terra que o está presente mas se faz representar pela cerca.
Esta onipresença podeser considerada um elemento intrínseco do texto imagético, colocado
ali para ser preenchido com o repertório do leitor, quando da decodificação da imagem e do
texto.
A perspectiva atmosférica no fundo da imagem age enfraquecendo os planos de fundo,
acentuada pela provável utilização de um filtro polarizador, afastando-os do leitor a fim de
realçar a tridimensionalidade na fotografia, aumentando com isso a sensação de imensidão do
latifúndio improdutivo. O mesmo ocorre com a iluminação difusa, pois a imagem foi
capturada em um dia nublado ou com muitas nuvens, o que se verifica no céu ao fundo, essa
luz difusa privilegia ainda mais a textura da paisagem do lugar que nada tem a oferecer e onde
nada se produz, mas mesmo assim a entrada é proibida.
O desequilíbrio da composição, sem nenhum ponto ouro ostentando qualquer elemento
significativo, causa um estranhamento, que é uma forma de causar impacto, desconforto,
estranheza no leitor por conta de algo pouco ortodoxo no texto, verbal ou não; esse incômodo
força uma maior reflexão por parte desse leitor.
O ângulo plongé de tomada da imagem diminui ainda mais a importância dos poucos
elementos ainda vivos da fotografia, deixando transparecer a clara intenção de mostrar a
completa falta de possibilidade de sobrevivência naquele lugar.
Outra relação de intertexto com outras imagens igualmente poderosas como a da página
74, onde no sertão da Bahia uma família de retirantes foge da estrutura agrária feudal e da
seca, e a cerca ali está, não o "dono" da terra, mas sua cerca, dizendo a todos onde não
podem ir, a estrada funciona como um ponto de fuga, indicando o único caminho a ser
seguido. A estrada que os levará até às cidades grandes do Nordeste ou do Sul do país.
O desequilíbrio da composição novamente é utilizado com mais força, pois a linha do
horizonte, representada pela estrada, traça uma diagonal na imagem o que torna tanto a leitura,
quanto a tarefa dos personagens muito mais difícil e penosa, a imagem fica ainda mais pesada
quando verificamos as sombras dos personagens causadas por uma iluminação direta, que além
de sugerir o provável horário da captura da imagem, evidencia ainda mais a falta de
perspectiva de vida, pois se ali permanecerem fatalmente irão sucumbir.
O ponto ouro superior esquerdo privilegia uma árvore praticamente seca que representa
o futuro daqueles personagens caso ali permanecessem. O plano de foco amplo evidencia a
paisagem, indicando uma nitidez que proporciona a completa análise do cenário.
A opção é caminhar, sempre em frente, sem destino, carregando suas vidas e esperanças
nas trouxas e sacolas, mas conscientes que "sendo a morte de todos" (SARAMAGO in
SALGADO, 1997: 10), será apenas nesse instante, o da morte, que irão igualar-se ao dono da
cerca.
(SALGADO, 1997: 74).
Essas correlações são pertinentes a um leitor que possua uma visão que compactue
com a visão dos autores, uma fusão de horizontes de expectativa acontecerá se o leitor possuir
o referencial trico e imagético suficiente para realizar uma leitura paradigmática, ou
uma leitura mais profunda e completa da obra.
A música remete-nos a essa realidade:
Como então? Desgarrados da terra? Como assim? Levatados do
chão? Como embaixo dos pés uma terra. Como água escorrendo da mão?
Como em sonho correr numa estrada? Deslizando no mesmo lugar?
Como em sonho perder a passada E no oco da terra tombar? Como
então? Desgarrados da terra? Como assim? ? Ou na planta dos s uma
terra. Como água na palma da mão? Habitar uma lama sem fundo?
Como em cama de se deitar? Num balanço de rede sem rede. Ver o
mundo de pernas pro ar? Como assim? Levitante colono? Pasto aéreo?
Celeste curral? Um rebanho nas nuvens? Mas como? Boi alado? Alao
sideral? Que esquisita lavoura! Mas como? Um arado no espo? Será?
Choverá que laranja? Que pomo? Gomo? Sumo? Granizo? Maná?
A letra da música pergunta-nos em todas as estrofes: como? Como sobreviver se não
existem possibilidades mínimas para isso? Como produzir se não existe terra, nem água, nem
recursos, muito menos forças? Como existir, se quase não restam forças?
Podemos enxergar algumas possibilidades de respostas ao depararmo-nos com a saga da
família de Domingos Mal Tempo, personagem do livro de Saramago escrito em 1979,
Levantado do Chão, que narra as desesperanças daquele grupo de pessoas durante boa parte
do século XX, na região do Alentejo, no sul de Portugal. O enredo mostra a luta contra a
exploração dos menos providos e as batalhas desses miseráveis quando desenvolvem uma certa
consciência política e começam a questionar a própria condição de vida, enfrentando os
poderosos para garantir seus direitos. Ou em Morte e Vida Severina, poema escrito por João
Cabral de Melo Neto, em 1956, adaptado para o teatro. A peça foi musicada por Chico
Buarque. O poema mostra Severino, um homem do agreste (região nordeste do Brasil) que
migra rumo à capital do Estado e se depara, em cada canto, com a morte, presença
anônima e coletiva, até que, chega à cidade de Recife onde fica sabendo do nascimento de
um menino: sinal de que ainda existe algo que resiste à constante negação da vida.
Fica evidente que esses autores compartilham os mesmos ideais e possuem uma postura
de contestação quando tratamos da exploração do homem pelo próprio homem.
(SALGADO,1997:87).
Algumas das respostas estão nas imagens do livro, permeadas da realidade dos
resultados produzidos pelo descaso da classe mandatária do país. A fotografia da gina 87
foi realizada em um viaduto da marginal Pinheiros em São Paulo onde existem milhares de
Sem-Terra, sem teto, sem emprego, sem perspectiva, sem qualquer dos mínimos necessários
para a sobrevivência digna de um cidadão.
Salgado trabalha, privilegiando os quatro pontos ouro da imagem, equilibrando a
composição e disponibilizando assim os elementos principais da mensagem ao leitor, que
encontrará nos pontos superiores toda a velocidade do trânsito caótico da capital do Estado
de São Paulo. Com a utilização de uma velocidade de obturador relativamente baixa que se
mostra nos veículos borrados e a segurança que tanto se almeja no ponto superior direito,
representada aqui por um prédio diante de um estacionamento, fotografado com um diafragma
relativamente fechado, proporcionando uma profundidade de campo quase que total, ratificada
pela alta nitidez da imagem, dilda apenas por uma perspectiva atmosférica responsável por
afastar o prédio que está ao fundo, do elemento principal da imagem que es dormindo no
primeiro plano da foto, ressaltado pelo contraste entre a sombra do viaduto e a farta
iluminação direta que atinge o restante da imagem.
Esse contraste é responsável por diferenciar a condição de vida daquele indiduo que
dorme na escurio da solidão, dos prováveis moradores dos edifícios ao fundo, ou ainda,
numa visão mais poética: a solidão acentuada pela escuridão contrapondo-se ao sonho
inatingível destacada pela luminosidade intensa dos prédios ( a luz é distante e esno fim do
túnel!).
O autor não fechou o conteúdo ideológico da imagem, apenas indicou o caminho que
ele, autor, achou pertinente que o leitor seguisse naquela hora e contexto, não colocando na
composição todos os elementos à vista. O autor deixa assim o preenchimento de alguns dos
itens do texto para o leitor preencher com seu repertório.
Esses pontos de indeterminação, os vazios do texto, são espaços para interpretação do
leitor, previamente deixados ali como uma invocação do autor, afim de concretizar a
participação do leitor, que preencheessas lacunas com seu repertório individual, assunto já
abordado anteriormente no capítulo 2.
O leitor no ato da presentificação da obra é submetido a uma assimetria em seus
horizontes de expectativa, pois esse leitor não sabe o que o autor quer dizer exatamente em
sua mensagem. Somente a partir de uma segunda leitura é que poderá existir uma
verticalização na significação da obra, pois o leitor já terá subsídios para entender onde o autor
quer chegar, nivelando novamente os horizontes e acabando com a assimetria na relação
obra/leitor.
A essas lacunas corresponde a assimetria sica de texto e leitor,
caracterizada pela falta de uma situação e de um padrão de referências
comuns. Aqui como ali, a carência é estimuladora, ou seja, os graus de
indeterminação implicados na assimetria de texto e leitor compartilham uma
função com a contingência e o no-thing da interação interpessoal, a saber, a
função de constituir comunicação. Em conseqüência os graus de
indeterminação da assimetria, da contingência e do no-thing o apenas
diferentes formas de um vazio constitutivo subjacente à tona inter-relação.
Entretanto, tal vazio não é um dado ontológico em que se fundamentariam as
relações mencionadas; ele é criado e modificado pela falta de equilíbrio
inerente tanto à relação diádica, quanto à assimetria de texto/leitor. O
equilíbrio se deixa reconstituir se a carência for superada, razão pela qual
o vazio constitutivo está sendo constantemente ocupado por projeções (ISER,
1999: 103).
Quanto maiores forem os vazios do texto, maior será a gama de interpretações posveis,
enquanto em um texto ideologicamente fechado esses espaços praticamente não existem,
exatamente para não deixar possibilidades de interpretações que não sejam pertinentes à
intencionalidade do autor.
Quando falamos em leitura de imagens, falamos em interpretações de digos bem mais
abertos que os textos verbais, as combinações desses códigos não verbais praticamente abrem
oportunidades de leituras até mesmo as pouco ortodoxas, pois estão atreladas diretamente ao
repertório do leitor.
Tanto o texto de Saramago quanto as sicas de Chico Buarque estão no livro como
instrumentos de direcionamento da leitura para enfatizar os referenciais idealizados pelos
autores, convidando assim o leitor a ser um co-autor, enquadrando desse modo os horizontes
de expectativa dos autores com os horizontes dos prováveis leitores. Ainda assim, existem
possibilidades de várias outras leituras da obra, e a cada releitura a conclusão poderá diferir da
anterior.
No livro Terra, deparamo-nos com causa e efeito do problema social que não é privilégio
do Brasil. Segundo o MST, a causa é o descaso da classe dominante e do governo, que não
encaram o problema de frente, sempre tomando medidas paliativas que terminam por agravar a
situação e não por resolvê-la e seu efeito direto transforma-se em miséria, fome e falta de
oportunidades de uma vida digna.
Salgado nos leva a observar o problema das populações mais carentes, a seca, a miséria,
a fome e as mortes tratadas sempre de maneira crua, verdadeira e sem maquiagem, mostrando
de que material a realidade é fabricada. Deparamo-nos com imagens de indivíduos fazendo-se
ouvir com a única arma que possuem, a sua resistência para não sucumbir perante a vida.
A imagem das crianças brincando com ossos de carneiros, cavalos, jumentos e bois
possui itens que funcionam como elementos de significação. Perto de 265 ossos, cinco
cavalinhos de plástico que são para as crianças como tesouros. A tranqüilidade e a intimidade
com que elas tratam os ossos, como brinquedos, é praticamente irreal para uma criança que
não pertence àquele meio, esses elementos de significação juntamente com um plano médio de
enquadramento, onde os elementos principais possuem pouco, mas relevante contexto são
responsáveis por levar o leitor a ver que a morte ali é constante.
A escuridão que emoldura o ambiente proporciona à imagem um certo grau de
insegurança, somos transportados novamente a inncia e ao velho medo do escuro, ou seja,
`a uma inquietante sensação de perigo perene.
(SALGADO, 1997: 06/07)
A perspectiva de linhas convergentes que Salgado utiliza quando fotografa o chão de
tijolos, aliada ao ângulo de tomada plongé, desfavorecem os elementos da composição
achatando-os quanto ao seu volume e diminuindo sua representatividade espacial na imagem,
causando a impressão de que esses elementos são ainda menores e menos importantes do que
realmente o. No ponto ouro superior direito a expressão de uma das crianças totalmente
alheia ao que está acontecendo ao seu redor, leva o leitor a indagar o que seria mais
importante que brincar para uma criança daquela idade? A resposta vem no próprio desalento
que a imagem proporciona e um eco remitente durante a leitura, mais importante que brincar
seria sobreviver. Mais uma vez a utilização da contra luz sugere que existe algo além do
horizonte, uma esperança que permeia as imagens e não deixa os personagens em total
escuridão, essa luz entrando pela porta pode sugerir a esperança em um futuro melhor, difícil
de alcançar, mas que pode acontecer. Essa fotografia abre o livro, ela está antes mesmo da
introdução de Saramago voltando em composição diferente na página 67 remetendo-nos a uma
profunda reflexão sobre o incerto futuro daquelas crianças.
Contraponto a essa realidade, a última imagem é a de uma mega ocupação de terras no
Estado do Paraná, mais especificamente na Fazenda Giacometi, de 83 mil hectares. Foram
cerca de 3.000 famílias, algo em torno de 12.000 pessoas, que andaram 22 quilômetros a pé,
pela noite fria, até chegarem aos portões da fazenda. Segundo o próprio livro somente aquela
propriedade seria suficiente para proporcionar sustento e dignidade para todas aquelas pessoas.
Salgado captura essa fotografia com uma objetiva grande angular, o que lhe proporciona um
grande plano geral de enquadramento, igualando assim a importância de todos os personagens
o que nos induz a crer que esses personagens representam outros milhões de desprovidos de
nosso país.
Se verticalizarmos a leitura, procurando uma intertextualidade maior entre as próprias
imagens, podemos concluir que os personagens que comem a ocupação de terra, são o
resultado do descaso com as crianças da imagem que abre o livro. Esses homens, mulheres e
crianças que participaram dessa ocupação podem ser considerados como personagens da obra
e é por eles, por suas expressões e atos que o autor fala. Eles estabelecem um contato com o
leitor, construindo seu próprio enredo, cada qual contando um pouco de sua vida, com suas
expressões, gestos e atitudes, assumindo o posto de narradores da sua história e em algumas
vezes tomando para si a voz do próprio autor, passando a ser co-responsáveis pelo desenrolar
da obra.
Quanto à estética, Salgado trabalha suas composições e deixa sua marca registrada,
evidenciando a contraluz e o preto e branco, ele mesmo diz: "A minha cor sempre foi um preto
e branco colorido" (SALGADO in WERNECK, 1997: 46).
Esses procedimentos funcionam como um convite para ingressar no mundo
do autor, estabelecidas as regras, o leitor penetra nos fatos pelos olhos de
Salgado, mediante os filtros da sua versão que é expressa por sua linguagem
particular. A realidade não é essa coisa que nos é dada pronta e predestinada,
impressa de forma imutável nos objetos do mundo: é uma verdade que advém
e como tal precisa ser intuída, analisada e produzida. s seríamos incapazes
de registrar uma realidade se o pudéssemos ao mesmo tempo criá-la,
destruí-la, deformá-la, modificá-la: a ação humana é ativa e por isso nossas
representações tomam a forma ao mesmo tempo de reflexo e refração. A
fotografia, não pode ser o registro puro e simples de uma imancia do
objeto: como produto humano, ela cria também com esses dados luminosos
uma realidade que não existe fora dela, nem antes dela, mas precisamente nela
(MACHADO, 1984: 40).
(SALGADO, 1997: 136)
Essa escolha tem por princípio diferenciar as imagens das demais produzidas por outros
fotógrafos que trabalham com o mesmo tema. No preto e branco de Salgado enxergamos em
tons de cinza todas as demais cores, com clareza, como se estivessem realmente ali
representadas. Mas, o preto e branco têm um porém, a falta de cores pode causar suavização
das imagens, como por exemplo na página 118, que mostra um integrante do MST morto em
1996, no Pará em um confronto com a PM para a desocupação da rodovia PA-150, onde
foram assassinados cerca de 19 pessoas e 57 ficaram feridos.
A imagem seguinte (pág. 118), do morto sem identificação, com o rosto ensangüentado
possui um peso ainda maior porque a cor do sangue não aparece. O vermelho transposto em
tons de cinza deixa a cargo do leitor o preenchimento de algumas lacunas.
(SALGADO, 1997: 118)
Se o vermelho do sangue ali estivesse representado, o choque inicial seria muito maior,
o que afugentaria leitores mais sensíveis, que não se demorariam na observação da cena.
Salgado diz que: “... a cor é um motivo de desconcentração...” (SALGADO in WERNECK,
1997: 46), podemos deduzir que a utilização do preto e branco é uma estratégia para
proporcionar mais tempo de leitura, proporcionando assim um nculo maior entre leitor e
obra. Sem chocar tanto no primeiro contato, a imagem permite ao leitor um tempo maior de
observação e, conseqüentemente, maior refleo sobre a violência que sofreu aquele indiduo.
A contraluz, outra marca registrada que também é um recurso que pode ser utilizado
para suavizar a leitura.
Adoro o contra luz. As coisas m tanto mais força, tanto mais detalhe, tanto
mais relevo, todos os relevos se acentuam. É dicil fotografar assim, mas; é
uma coisa que eu dominei quase que instintivamente. Nasci numa cidade do
interior de Minas, Aimorés, onde durante oito, nove meses do ano não chove –
é luz, é muito sol, é muito calor. E a gente vive na sombra, ainda mais uma
pessoa branca como eu: quando menino vivia abrigado, para o meu nariz não
despelar inteiro de sol. A lembrança de menino que eu tenho do meu pai é dele
vindo do sol para a sombra. Então contraluz para mim é uma coisa natural
(SALGADO in WERNECK, 1997:63).
Esse tipo de visão nunca mais o abandonou. No mundo fotográfico este é um dos
grandes desafios a vencer, os fotógrafos costumam fugir da contra luz, poucos têm coragem de
enfrentá-la, mas dominá-la utilizando-a muitas vezes como luz principal de uma imagem é
realmente para poucos. Salgado faz isso rotineiramente, como uma das regras de sua estética.
Na foto da página 44, além da utilização de um plano geral de enquadramento que lhe
proporciona a contextualização dos elementos principais da imagem dentro do seu meio. A
utilização de uma contra luz, como fonte principal para iluminar o ambiente no lado oposto ao
da câmera, ficando a iluminação frontal somente com a luz rebatida como preenchimento para
a contextualização do cenário que come a imagem, evidenciando a textura dos objetos
principais da fotografia, que é o rapaz sentado à direita, está sendo quase que totalmente
iluminado pela contra luz e que também acontece na imagem da página 31.
(SALGADO, 1997: 31)
(SALGADO, 1997: 44)
A maior dificuldade quando da utilização da contra luz é a de conseguir mostrar a face
do objeto que está voltada para a câmera, que a iluminação está colocada exatamente atrás
desse objeto. Salgado não só consegue dominar essa técnica fotográfica, como a utiliza para
destacar ainda mais texturas e relevos da composição. A iluminação atribui aos sujeitos das
fotografias aspectos sombrios, que acaba por tirar-lhes um pouco de sua identidade, neste
caso, obtendo equivalência entre si, perdidos em seu mundo, cada qual com seus problemas em
sobreviver.
Quando Salgado coloca o discurso de suas imagens sob a responsabilidade de muitas
vozes, transfere parte de sua voz para esses personagens, sem nenhuma caracterização
especial, verbal ou não, e esses “autores”, mostrarão as diversas vertentes do mesmo fato.
Nessa utilização de polifonia o autor divide a autoria com seus personagens e estabelece uma
contínua intertextualidade dessas imagens com seus leitores, mesmo quando não possuem um
personagem distinto, elas refletem as muitas visões e vozes que constróem o universo
retratado. São imagens que mostram apenas detalhes dos trabalhadores, sem seus rostos ou
somente o rosto ou parte dele, que transpiram suas vidas duras, sem conforto e cheia de
incertezas.
(SALGADO, 1997: 59)
Poucas imagens mostram tão pouco, e, simultaneamente possuem tanto significado
quanto `a da página 59, a textura aliada ao plano de enquadramento de detalhe, são
responsáveis por evidenciar tanto a miséria quanto a falta de cuidados sicos de higiene
desses trabalhadores, Sandálias gastas, unhas mal cuidadas e sujas, roupas puídas e até mesmo
o chão estão igualmente desgastados. O plano de detalhe neste caso é responsável por
transformar os pés, no centro de interesse da fotografia, colocando-os para representar os
personagens a quem eles pertencem.
Na composição, a presença de um terceiro e a posição invertida dos outros dois
sugerem que esses pés podem ser de qualquer indiduo, não importando quem seja ele, são
todos iguais em suas esperanças esquartejadas, seus medos e futuros duvidosos. A foto foi
feita durante uma pausa para descanso na construção de um açude, em 1982, onde homens,
mulheres e crianças da frente de trabalho recebiam como remuneração o alimento necessário
para a sua subsistência e nada mais.
O momento da reflexão causada por qualquer imagem, música ou texto literário
constante na obra é o momento em que os autores da obra conseguem chegar ao leitor,
tocá-lo, influindo assim em seu status-quo informacional. Esse processo é composto por três
momentos distintos e subseqüentes.
O leitor, feito co-autor do texto ficcional vivencia o prazer estético da
“Poiesis” decorrente da construção do texto pelo ato da leitura, atualizando
possíveis combinações de discursos que se alternam, se complementam a até
se contradizem. A consciência receptora, o prazer de renovar sua participação
no mundo, de uma nova percepção da essência humana através do jogo lúdico
do texto, definem a “Aisthesis”. A fruição de si no outro, a liberdade de
potencializar sua capacidade de julgar e envolver-se, de se poder ver refletido
na própria diegese ficcional, libertando-se do cotidiano, configura o prazer
efetivo da “Katharsis” (FLORY, 1997: 86).
O belo no trabalho de Salgado não está ligado à definição ortodoxa do termo, onde
estará o belo na miséria? Encontraremos a resposta a partir da comuno entre nossos
horizontes e dos autores da obra. Ao enxergarmos a beleza na força de vida que essas pessoas
tem, encontraremos o caminho para desvendar a questão.
O poder mimético da fotografia leva-nos a uma viagem de identificação e interiorização
entre obra e receptor, da imitação passamos a identificarmo-nos com aqueles nossos pares tão
sofridos e buscamos dentro de nós uma explicação justa para que essas pessoas sofram assim,
sem que parte da culpa recaia sobre nossos próprios ombros.
Assim que começa a interiorizar a obra e a preencher os vazios do texto com seu
repertório, esse leitor estará realizando a Poiesis que é a contrapartida do leitor quando da
presentificação (leitura) da obra, uma troca de informações que levarão esse leitor a tornar-se
um co-autor. Para tal, torna-se necessário uma fruição compreensiva, ou seja, compreender
totalmente a mensagem, realizar uma leitura profunda do texto.
Já um arquileitor, que é o profundo conhecedor da obra, ou do conjunto das obras de um
autor, poderá atingir a Katharsis que é a interiorização de todos os valores agregados ao texto,
seja ele literário ou imagético, uma interação total entre leitor, autor e obra, fundindo seus
horizontes de expectativas completando assim uma leitura paradigmática.
Essa katharsis entre leitor-obra-autor não fecha a questão quanto à interpretação
daquele texto, significações e significados podem diferir ao longo do tempo, assim como
padrões éticos e estéticos vigentes na época da presentificação da obra.
Para compreender o significado é preciso conhecer as convenções sociais
vigentes na época em que a obra foi escrita, os pressupostos e preconceitos do
autor e as estratégias textuais que revelam o autor implícito. A significação,
por sua vez, repousa na temporalidade marcada do leitor, na visão de mundo
e na avaliação do efeito do texto, presentificado através do ato da leitura
(FLORY, 1997: 33).
Uma releitura do texto acarretará novas interpretações e conseqüentes novas conclusões,
essas diferenças de contingência, que consistem na diferença entre o estado do status quo
informacional do leitor antes e após a leitura, relacionam-se diretamente com a maneira como é
processada a informação, e é onde reside a polissemia, ou plurisignificação da mensagem que
permite ao leitor múltiplas possibilidades de interpretação ou significação.
Se isso pode ocorrer com um arquileitor ocorrerá ainda mais com os leitores aleatórios,
que ainda não compreendem totalmente os digos das mensagens do texto. Mouillaud, diz:
... toda informação engendra o desconhecimento, no mesmo movimento pelo qual informa”
(1997: 39). Essa alegação leva-nos a concluir que não basta uma leitura para a compreensão
total do texto, serão necessárias releituras constantes para a atualização dos novos códigos de
compreensão, mecanismos estéticos e conjunturais da obra e do leitor.
Na produção de uma obra, o ato criativo é apenas um momento incompleto e
abstrato; se existisse só o autor, ele poderia escrever tanto quanto quisesse – a
obra nunca viria à luz como objeto e o autor pararia de escrever ou se
desesperaria. Mas o processo de escrever, enquanto correlativo dialético,
inclui o processo de leitura, e esses dois atos dependem um do outro e
demandam duas pessoas diferentemente ativas. O esforço unido de autor e
leitor produz o objeto concreto e imaginário que é a obra do espírito. A arte
existe unicamente para o outro atras do outro (SARTRE apud ISER, 1999:
11).
Se tudo for levado em conta provavelmente teremos releituras diferenciadas em cada
novo contato do leitor com a obra. Por exemplo, a canção Brejo da Cruz, refere-se o
somente ao tempo presente das crianças do livro, mas também antevê seu futuro. Existe uma
relação entre as crianças do Brejo da Cruz “que se alimentavam de luz”, referindo-se às parcas
possibilidades de sobrevivência digna que possuem esses personagens. Eles, caso sobrevivam,
farão parte da legião de semi empregados miseráveis que vemos em todo o lugar, todos eles
resultantes do descaso das políticas sociais do Brasil. Se utilizarmos um trecho da canção
como legenda de uma imagem do livro, poderemos obter uma completa sinergia de
pensamentos entre os autores. Um exemplo claro é quando a letra cita as crianças que se
alimentam de luz, referindo-se as imagens do livro de crianças desnutridas com aspecto
cansado e triste que praticamente não se alimentam, apenas sobrevivem, poeticamente, de luz.
(SALGADO, 1997: 65)
A novidade
Que tem no Brejo da Cruz
É a criançada
Se alimentar de luz
Alucinados
Meninos ficando azuis
(SALGADO, 1997: 101)
(SALGADO, 1997: 108)
(SALGADO, 1997: 117)
Todas estas imagens possuem um ponto em comum, um apelo silencioso dos olhares
pedindo justiça e impelindo o leitor à conscientização, remetendo-o a um extracampo da
imagem, onde a beleza não abranda nem acalenta o olhar, mas indaga a todo momento sobre o
nosso papel e o que podemos fazer a respeito desta realidade.
Falando à multidão (Deus) anunciou: “A partir de hoje chamar-me-eis
Justiça."E a multidão respondeu-lhe: "Justiça, já s a temos, e não nos
atente." Disse Deus: "Sendo assim tomarei o nome de Direito." E a multidão
tornou a responder-lhe: "Direito, s já o temos, e o nos conhece." E Deus:
"Nesse caso, ficarei com o nome de caridade, que é um nome bonito." Disse a
multidão: "Não necessitamos de caridade, o que queremos é uma Justiça que
se cumpra e um Direito que nos respeite." Eno, Deus compreendeu que
nunca tivera, verdadeiramente, no mundo que julgara ser seu, o lugar de
majestade que havia imaginado, que tudo fora, afinal, uma ilusão, que
também ele tinha sido tima de enganos, como aqueles de que se estavam
queixando as mulheres, os homens e as criaas, e, humilhado retirou-se para
a eternidade. A penúltima imagem que ainda viu foi a de espingardas
apontadas à multidão, o penúltimo som que ainda ouviu foi o dos disparos,
mas na última imagem já havia corpos caídos sangrando, e o último som
estava cheio de gritos e lágrimas (SARAMAGO in SALGADO, 1997: 10).
O trecho da introdução do livro segue narrando o episódio de Eldorado de Carajás,
massacre ocorrido no dia 17 de abril de 1996 na Estado do Pará, onde 155 soldados da Polícia
Militar, armados de escopetas, metralhadoras e com cães, assassinaram 19 trabalhadores e
feriram outros 57. Dando continuidade à narrativa; outro confronto o de Corumbiara em 9 de
agosto de 1995, 600 famílias acampadas na Fazenda Santa Elina foram atacadas pela Polícia
Militar do Estado de Rondônia, 10 trabalhadores foram mortos dentre eles uma menina de 7
anos, baleada pelas costas enquanto fugia, no embate que se seguiu também 2 policiais foram
mortos.
Entre os anos de 1964 e 1995, foram mortos 1.635 camponeses na luta pela Reforma
Agrária no Brasil.
Saramago termina a introdução dizendo:
O Cristo do Corcovado desapareceu, levou-o Deus quando se retirou para a
eternidade, porque não tinha servido de nada -lo ali. Agora, no lugar dele,
fala-se em colocar quatro enormes painéis virados às quatro direcções do
Brasil e do mundo, e todos, em grandes letras, dizendo o mesmo:
UM DIREITO QUE RESPEITE UMA JUSTA QUE CUMPRA (1997:
13).
Parte do sofrimento imposto ao povo brasileiro, é narrado por Salgado, que mostra na
capa do livro uma menina num acampamento do MST, às margens da rodovia PR-158, em
1996.
Olhar penetrante e sofrido, sujeira no rosto, cabelos igualmente sujos e despenteados
evidenciados pela textura, as imagens destacam o estado natural daqueles outros tantos seres
representados no livro. E na contra capa uma senhora com as mesmas características, em que a
tristeza e o mau trato são evidentes.
Salgado em tons proféticos de preto e branco mostra-nos que a diferença entre esses dois
personagens é que a menina da capa ainda terá em seu futuro todo esse destino, todos os
percalços e privações constantes nos textos da obra. Quando, e se chegar à idade da senhora
da contra capa, terá ela sofrido igual? Sebastião Salgado, José Saramago e Chico Buarque
trabalharam juntos em Terra para que isso não ocorra, o intuito é o de sensibilizar e
conscientizar os leitores, na esperança de despertar-lhes um olhar mais crítico e menos distante
da realidade. Boa parte da população mundial não se incomoda com a fome e a miséria, e o
caminho para mudar tal situação é trazê-lo à tona para melhor discuti-lo. O objetivo principal
da obra fica, eno, evidente: mostrar que sanar as desigualdades sociais do mundo o é
responsabilidade de alguns, mas de todos nós.
Considerações finais
Abordamos neste trabalho alguns códigos pertinentes à fotografia, mais especificamente
pertencentes ao fotojornalismo, ferramentas cuja utilização deixam claras as intenções do
repórter fotográfico no momento da captura da imagem. Apesar dessas ferramentas da
linguagem fotográfica possrem pouca fundamentação na literatura da área, elas compõem um
vocabulário próprio e são largamente utilizadas por fotógrafos profissionais e amadores em
todo o mundo.
Verificamos que a fotografia, tem ligações diretas com a intencionalidade de seus
autores e está também comprometida com a ideologia do vculo onde é divulgada. Mudanças
nos padrões estéticos, morais, sociais, educacionais e comportamentais, assim como rupturas
de estruturas paradigmáticas da própria fotografia também influenciam a produção das
imagens, transformando-as em poderosos instrumentos de manipulação.
Identificamos alguns códigos fotográficos, as prováveis conseqüências na leitura
correlacionadas às intenções do autor, conscientes que tais códigos são abertos e contínuos.
Tornando inúmeras as possibilidades de interpretação, trouxemos à tona a intencionalidade que
existe por trás das câmeras de todo repórter fotográfico.
O objeto de estudo para a demonstração da eficácia do instrumental fotográfico foi a
produção e a recepção estética de livro Terra, de Sebastião Salgado. A escolha se justifica por
ser o autor, um dos mais renomados e premiados fotojornalistas do Brasil, e além disso a
primazia com que desenvolve seu trabalho Etnográfico, que aborda a pobreza e a miséria de
maneira particular, com sua postura declarada diante da questão social de nosso país e do
mundo.
Associadas às fotografias, o livro Terra, traz músicas de Chico Buarque e a Introdução
de JoSaramago, formando uma obra que evidencia a relação do ser humano com a injustiça,
causando indignação perante a miséria apreendida pelas objetivas de Salgado. As análises das
fotografias demonstram a eficácia da utilização das ferramentas da linguagem fotográfica, pois
causam o efeito desejado para que Salgado e seus companheiros, cada qual a seu modo,
toquem o leitor chamando-o para também partilhar de seus ideais.
Entendemos que eles unem-se em torno de um mesmo objetivo e utilizam-se de seu
instrumental para passar adiante sua maneira de pensar. Salgado por sua vez, leva o leitor por
um caminho que mostra a sua visão da realidade, que ao mesmo tempo choca e enternece,
incitando esse leitor a não partilhar do conformismo neoliberal instaurado mundo afora.
As ferramentas da linguagem fotográfica são os meios que o autor possui para conseguir
passar adiante sua mensagem. Ângulos de tomada, objetivas, diafragmas, velocidades de
obturador, planos de enquadramento e as demais ferramentas dessa linguagem imagética
proporcionam o caminho da construção do significado.
O trabalho de um fotógrafo, de um pintor ou de um cineasta, para ser
realmente visto, respeitado, levado em conta, precisa ter uma forte ligação
com o momento histórico-social, com a problemática da humanidade. A arte
pela arte é completamente inútil, não tem razão de ser. O tipo de coisa que
faço não é arte é informação (SALGADO, 1996).
Mesmo sendo composto de combinações sígnicas abertas, Terra possui características de
um texto ideologicamente fechado. A obra deixa-nos clara a posição dos autores que
conclamam o leitor para tamm indignar-se perante as misérias do mundo. Dessa forma, a
condição de vida dessas pessoas, existe mesmo que o leitor não queira enxergá-las. Também
não redime, esse leitor, da culpa por não fazer a sua parte no sentido de querer melhorar tais
condições.
Em qualquer processo de comunicação, seja ele de digos abertos ou fechados, verbais
ou não verbais, teremos a intencionalidade do autor por trás da mensagem. O fotojornalismo,
como procuramos tornar evidente nesse trabalho, não está livre da contaminação ideológica,
que é constante e se faz presente na elaboração da mensagem fotográfica.
Certos de que não existem verdades que resistam a um olhar mais crítico e
pormenorizado, deixamos aqui uma contribuição para que outros possam utilizar-se desses
conhecimentos quando estiverem à busca das suas verdades.
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Anexos
Introdução do livro Terra de Sebastião Salgado
Oxalá não venha nunca a cabeça sublime de Deus a idéia de viajar um dia a estas
paragens para certificar-se de que as pessoas que por aqui mal vivem, e pior vão morrendo,
estão a cumprir de modo satisfatório o castigo que por ele foi aplicado, no começo do mundo,
ao nosso primeiro pai e à nossa primeira mãe, os quais, pela simples e honesta curiosidade de
quererem saber qual a razão por que tinham sido feitos, foram sentenciados, ela, a parir com
esforço e dor, ele, a ganhar o pão da família com o suor do seu rosto, tendo como destino final
a mesma terra donde, por um capricho divino, haviam sido tirados, que foi pó, e tornará
a ser. Dos dois criminosos, digamo-lo já, quem veio a suportar a carga pior foi ela e as que
depois dela vieram, pois tendo de sofrer e suar tanto para parir, conforme tinha sido
determinado pela sempre misericordiosa vontade de Deus, tiveram também de esforçar-se o
mesmo ou mais do que eles, que a vida, durante muitos milênios, não estava para a senhora
ficar em casa, de perna estendida, qual rainha das abelhas, sem outro obrigação que a de
desovar de tempos em tempos, não fosse ficar o mundo deserto e depois o ter Deus em
quem mandar.
Se, porém, o dito Deus, não fazendo caso de recomendações e conselhos, persistisse no
prosito de vir até aqui, sem dúvida acabaria por reconhecer como, afinal, é tão pouca coisa
ser-se um Deus, quando, apesar dos famosos atributos de omnisciência, mil vezes exaltados em
todas as línguas e dialectos, foram cometidos, no projecto da criação da humanidade, tantos e
tão grosseiros erros de previsão, como foi aquele, a todas as luzes imperdoável, de apetrechar
as pessoas de glândulas sudoríparas, para depois lhes recusar o trabalho que as faria funcionar
as glândulas e as pessoas. Aodisso, cabe perguntar se não teria merecido mais prêmio que
castigo a pussima inocência que levou a nossa primeira mãe e nosso primeiro pai a provarem
do fruto da árvore do conhecimento do bem e do mal. A verdade, diga o que disserem as
autoridades, tanto as teológicas quanto as outras, civis e militares, é que, propriamente
falando, não o chegaram a comer, só o morderam, por isso estamos nós como estamos,
sabendo tanto do mal e do bem tão pouco.
Envergonhar-se e arrepender-se dos erros cometidos é o que se espera de qualquer
pessoa bem nascida e de sólida formação moral, e Deus, tendo indiscutivelmente nascido de si
mesmo, está claro que nasceu do melhor que havia no seu tempo. Por essas razões, as de
origem e as adquiridas, após ter visto e percebido o que aqui se passa, não teve mais remédio
que clamar mea culpa, mea maxima culpa, e reconhecer a excessiva dimensão dos enganos em
que tinha caído. É certo que, a seu crédito, e para que isso não seja um contínuo dizer mal
do Criador, subsiste o facto irresponvel de que, quando Deus se decidiu a expulsar do
paraíso terreal, por desobediência, o nosso primeiro pai e nossa primeira mãe, eles, apesar da
imprudente falta, iriam ter ao seu dispor a terra toda, para nela suarem e trabalharem à
vontade. Contudo, e por desgraça, um outro erro nas previes divinas não demoraria a
manifestar-se, e esse muito mais grave do que tudo quanto até havia acontecido. Foi o caso
que estando a terra assaz povoada de filhos, filhos de filhos e filhos de netos de nosso
primeiro pai e nossa primeira mãe, uns quantos desses, esquecidos de que sendo a morte de
todos, a vida também o deveria ser, puseram-se a traçar uns riscos no chão, a espetar umas
estacas, a levantar uns muros de pedra, depois do que anunciaram que, a partir desse
momento, estava proibida (palavra nova) a entrada nos terrenos que assim ficavam
delimitados, sob pena de um castigo, que segundo os tempos e os costumes, poderia a vir a ser
de morte, ou de prisão, ou de multa, ou novamente de morte. Sem que até hoje se tivesse
sabido porquê, e não falta quem afirme que disto não poderão ser atiradas as responsabilidades
para as costas de Deus, aqueles nossos antigos parentes que por ali andavam, tendo
presenciado a espoliação e escutado o inaudito aviso, não não protestaram contra o abuso
com que fora tornado particular o que até então havia sido de todos, como acreditaram que era
essa a irrefragável ordem natural das coisas de que se tinha começado a falar por aquelas
alturas. Diziam eles que se o cordeiro veio ao mundo para ser comido pelo lobo, conforme se
podia concluir da simples verificação dos factos da vida pastoril, então é porque a natureza
quer que haja servos e haja senhores, que esses mandem e aqueles obedeçam, e que tudo
quanto assim não for será chamado de subversão.
Posto diante de todos esses homens reunidos, de todas essas mulheres, de todas essas
crianças (sede fecundos, multiplicai-vos e enchei a terra, assim lhes fora mandado), cujo suor
não nascia do trabalho que não tinham, mas da agonia insuportável de não o ter, Deus
arrependeu-se dos males que havia feito e permitido, a um ponto tal que, num arrebato de
contrição, quis mudar o seu nome para um outro mais humano: “A partir de hoje
chamar-me-eis Justiça.” E a multidão respondeu-lhe: “Justiça, já nós a temos, e não nos
atende.” Disse Deus: “Sendo assim, tomarei o nome de Direito.” E a multidão tornou a
responder-lhe: “Direito, nós o temos, e o nos conhece.” E Deus: “Nesse caso, ficarei com
o nome de Caridade, que é um nome bonito.” Disse a multidão: “Não necessitamos de
caridade, o que queremos é uma Justiça que se cumpra e um Direito que nos respeite.Então,
Deus compreendeu que nunca tivera, verdadeiramente, no mundo que julgara ser seu, o lugar
de majestade que havia imaginado, que tudo fora, afinal, uma ilusão, que também ele tinha
sido tima de enganos, como aqueles de que se estavam queixando as mulheres, os homens e
as crianças, e, humilhado, retirou-se para a eternidade. A penúltima imagem que ainda viu foi a
de espingardas apontadas à multidão, o penúltimo som que ainda ouviu foi o dos disparos, mas
na última imagem havia corpos caídos sangrando, e o último som estava cheio de gritos e
lágrimas.
No dia 17 de Abril de 1996, no estado brasileiro do Pará, perto de uma povoação
chamada Eldorado dos Carajás (Eldorado: como pode ser sarcástico o destino de certas
palavras...), 155 soldados da polícia militarizada, armados de espingardas e metralhadoras,
abriram fogo contra uma manifestação de camponeses que bloqueavam a estrada em ação de
protesto pelo atraso dos procedimentos legais de expropriação de terras, como parte do
esboço ou simulacro de uma suposta reforma agrária na qual, entre avanços mínimos e
dramáticos recuos, se gastaram cinquenta anos, sem que alguma vez tivesse sido dada
suficiente satisfação aos gravíssimos problemas de subsistência (seria mais rigoroso dizer
sobrevivência) dos trabalhadores do campo. Naquele dia, no chão de Eldorado dos Carajás
ficaram 19 mortos, além de umas quantas dezenas de pessoas feridas. Passado três meses sobre
esse sangrento acontecimento, a pocia do estado do Pará, arvorando-se a sim mesma em juiz
numa causa em que, obviamente, poderia ser a parte acusada, veio a público declarar
inocentes de qualquer culpa os seus 155 soldados, alegando que tinham agido em legítima
defesa, e, como se isso lhe parecesse pouco, reclamou processamento judicial contra três dos
camponeses, por desacato, lesões e detenção, ilegal de armas. O arsenal bélico dos
manifestantes era constituído por três pistolas, pedras e instrumentos de lavoura mais ou
menos manejáveis. Demasiado sabemos que, que muito antes da invenção das primeiras armas
de fogo, já as pedras, as foices e os chuços haviam sido considerados ilegais nas mãos daqueles
que, obrigados pela necessidade a reclamar pão para comer e terra para trabalhar, encontraram
pela frente a polícia militarizada do tempo, armada de espadas, lanças e alabardas. Ao
contrário do que se geralmente se pretende fazer acreditar, não nada mais fácil de
compreender que a história do mundo, que muita gente ilustrada ainda teima em afirmar ser
complicada demais para o entendimento rude do povo.
Pelas três horas da madrugada do dia 09 de Agosto de 1995, em Corumbiara, no estado
de Rondônia, 600 famílias de camponeses , que se encontravam acampadas na Fazenda Santa
Elina, foram atacadas por tropas da polícia militarizada. Durante o cerco, que durou o resto da
noite, os camponeses resistiram com espingardas de caça. Quando amanheceu a polícia fardada
e encapuçada, de cara pintada de preto, e com apoio de grupos de assassinos profissionais a
soldo de um latifundiário da região, invadiu o acampamento, varrendo-o a tiro, derrubando e
incendiando barracas onde os viviam. Foram mortos 10 camponeses, entre eles uma menina de
7 anos, atingida pelas costas quando fugia. Dois policiais tamm morreram na luta.
A superfície do Brasil, incluindo lagos, rios e montanhas, é de 850 milhões de hectares.
Mais ou menos metade desta superfície, uns 400 milhões de hectares, é geralmente considerada
apropriada ao uso e ao desenvolvimento agrícolas. Ora, actualmente, apenas 60 milhões
desses hectares estão a ser utilizados na cultura regular de grãos. O restante, salvo as áreas que
têm vindo a ser ocupadas por explorações de pecuária extensiva (que, ao contrário do que um
primeiro e apressado exame possa levar a pensar, significam, na realidade, um aproveitamento
insuficiente da terra), encontra-se em estado de improdutividade, de abandono, sem fruto.
Povoando, dramaticamente esta paisagem e esta realidade social e econômica, vagando
entre o sonho e o desespero, existem 4 800 000 famílias de rurais s. A terra está ali, diante dos
olhos e dos braços, uma imensa metade de um país imenso, mas aquela gente (quantas pessoas
ao todo? 15 milhões? mais ainda?) não pode entrar lá para trabalhar, para viver com a
dignidade simples que só o trabalho pode conferir, porque os voracíssimos descendentes
daqueles homens que primeiro haviam dito: Esta terra é minha”, e encontraram semelhantes
seus bastante ingênuos para acreditar que era suficiente tê-lo dito, esses rodearam a terra de
leis que os protegem, de polícias que os guardam, de governos que os representam e
defendem, de pistoleiros pagos para matar. Os 19 mortos de Eldorado dos Carajás e os 10 de
Corumbiara foram apenas a última gota de sangue do longo calvário que tem sido a
perseguição sofrida pelos trabalhadores do campo, uma perseguição contínua, sistemática,
desapiedada, que, entre 1964 e 1995, causou 1635 timas mortais, cobrindo de luto a
miséria dos camponeses de todos os estados do Brasil, com mais evidência para Bahia,
Maranhão, Mato Grosso, Pará e Pernambuco, que contam, só eles, mais de mil assassinatos.
E a Reforma Agrária, a reforma da terra brasileira aproveitável, em laboriosa e
acidentada gestação, alternando as esperanças e os desânimos, desde que a Constituição de
1946, na sequência do movimento de redemocratização que varreu o Brasil depois da Segunda
Guerra Mundial, acolheu o preceito do interesse social como fundamento para a
desapropriação de terras? Em que ponto se encontra hoje essa maravilha humanitária que
haveria de assombrar o mundo, essa obra de taumaturgos tantas vezes prometida, essa
bandeira de eleições, essa negaça de votos, esse engano de desesperados? Sem ir mais longe
que as quatro últimas presidências da República, será suficiente relembrar que o presidente
José Sarney prometeu assentar 1 400 000 famílias de trabalhadores rurais e que, decorridos os
cinco anos de seu mandato, nem sequer 140 000 tinham sido instaladas; será suficiente
recordar que o presidente Fernando Collor de Mello fez a promessa de assentar 500 000
famílias, e nem uma o foi; será suficiente lembrar que o presidente Itamar Franco
garantiu que faria assentar
100 000 famílias, e se ficou por 20 000; será suficiente dizer, enfim, que o actual presidente da
República, Fernando Henrique Cardoso, estabeleceu que a Reforma Agrária irá contemplar
280 000 famílias em quatro anos, o que significará, se tão modesto objectivo for cumprido e o
mesmo programa se repetir no futuro, que irão ser necessários, segundo uma operação
aritmética elementar, setenta anos para assentar os quase 5 000 000 de famílias de
trabalhadores rurais que precisam de terra e não a têm, terra que para eles é condição de vida,
vida que já não poderá esperar mais. Entretanto, a pocia absolve-se a si mesma e condena
aqueles a quem assassinou.
O Cristo do Corcovado desapareceu, levou-o Deus quando se retirou para a eternidade,
porque não tinha servido de nada -lo ali. Agora, no lugar dele, fala-se em colocar quatro
painéis virados às quatro direcções do Brasil e do mundo, e todos, em grandes letras, dizendo
o mesmo: UM DIREITO QUE RESPEITE, UMA JUSTIÇA QUE CUMPRA.
José Saramago
Brejo da Cruz
Chico Buarque/1984
A novidade
Que tem no Brejo da Cruz
É a criançada
Se alimentar de luz
Alucinados
Meninos ficando azuis
E desencarnando
no Brejo da Cruz
Eletrizados
Cruzam os céus do Brasil
Na rodoviária
Assumem formas mil
Uns vendem fumo
Tem uns que viram Jesus
Muito sanfoneiro
Cego tocando blues
Uns têm saudade
E dançam maracatus
Uns atiram pedra
Outros passeiam nus
Mas há milhões desses seres
Que se disfarçam tão bem
Que ninguém pergunta
De onde essa gente vem
São jardineiros
Guardas noturnos, casais
São passageiros
Bombeiros e babás
Já nem se lembram
Que existe um Brejo da Cruz
Que eram crianças
E que comiam luz
São faxineiros
Balançam nas construções
São bilheteiras
Baleiros e garçons
Já nem se lembram
Que existe um Brejo da Cruz
Que eram crianças
E que comiam luz
Levantados do Chão
Milton Nascimento - Chico Buarque/1997
Para o livro Terra
Como então? Desgarrados da terra?
Como assim? ?
Como embaixo dos pés uma terra
Como água escorrendo da mão?
Como em sonho correr numa estrada?
Deslizando no mesmo lugar?
Como em sonho perder a passada
E no oco da Terra tombar?
Como então? Desgarrados da terra?
Como assim? ?
Ou na planta dos pés uma terra
Como água na palma da mão?
Habitar uma lama sem fundo?
Como em cama de pó se deitar?
Num balanço de rede sem rede
Ver o mundo de pernas pro ar?
Como assim? Levitante colono?
Pasto aéreo? Celeste curral?
Um rebanho nas nuvens? Mas como?
Boi alado? Alazão sideral?
Que esquisita lavoura! Mas como?
Um arado no espaço? Será?
Choverá que laranja? Que pomo?
Gomo? Sumo? Granizo? Maná?
Assentamento
Chico Buarque/1997
Para o livro Terra
Quando eu morrer, que me enterrem na
beira do chapadão
contente com minha terra
cansado de tanta guerra
crescido de coração
Tôo
(apud Guimarães Rosa)
Zanza daqui
Zanza pra acolá
Fim de feira, periferia afora
A cidade não mora mais em mim
Francisco, Serafim
Vamos embora
Ver o capim
Ver o baobá
Vamos ver a campina quando flora
A piracema, rios contravim
Binho, Bel, Bia, Quim
Vamos embora
Quando eu morrer
Cansado de guerra
Morro de bem
Com a minha terra:
Cana, caqui
Inhame, abóbora
Onde vento se semeava outrora
Amplidão, nação, sertão sem fim
Ó Manuel, Miguilim.
Fantasia
Chico Buarque/1978
E se, de repente
A gente não sentisse
A dor que a gente finge
E sente
Se, de repente
A gente distraísse
O ferro do suplício
Ao som de uma canção
Então, eu te convidaria
Pra uma fantasia
Do meu violão
Canta, canta uma esperança
Canta, canta uma alegria
Canta mais
Revirando a noite
Revelando o dia
Noite e dia, noite e dia
Canta a canção do homem
Canta a canção da vida
Canta mais
Trabalhando a terra
Entornando o vinho
Canta, canta, canta, canta
Canta a canção do gozo
Canta a canção da graça
Canta mais
Preparando a tinta
Enfeitando a praça
Canta, canta, canta, canta
Canta a canção de glória
Canta a santa melodia
Canta mais
Revirando a noite
Revelando o dia
Noite e dia, noite e dia.
Ficha Catalográfica
Elaboração Biblioteca "Zilma Parente de Barros"
Martinez, Luís Fernando
M385i A intenção por trás das lentes: o processo de construção no
fotojornalismo / Luís Fernando Martinez. Marília : Unimar, 2005.
131p.
Dissertação (Mestrado em comunicação) - Faculdade de Comunicação,
Educação e Turismo da Universidade de Marília, 2005.
1. Fotojornalismo 2. Fotografia 3. Intencionalidade 4. Construção de
significado imagético I. Martinez, Luís Fernando II. A intenção por ts
das
lentes: o processo de construção no fotojornalismo
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