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Lilian Cláudia Cordeiro Araldi
A EDUCAÇÃO ESTÉTICA E O FEMININO:
PROPOSTAS PARA UMA VISÃO HUMANIZADORA
EM EDUCAÇÃO
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Educação da Faculdade de
Educação da Universidade de Passo Fundo, como
requisito para obtenção do grau de Mestre em
Educação, sob a orientação da Dra. Graciela R.
Ormezzano.
Passo Fundo
2006
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Para minha filha Maria Clara, luz e amor na
minha vida.
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Agradeço a todas as mulheres que me
constituem. A todas as que me formaram e
transformaram.A todas as que me emprestaram
suas creas e suas incertezas, seus temores e
seus afetos. E, principalmente, agrado às que
me ensinaram, qualquer que tenha sido a lição.
Serei eternamente grata à professora Dra.
Graciela Ormezzano, mulher envolvida com a
essência do feminino em sua prática pedagógica,
pelo apoio e pelo norte; às mulheres-educadoras
que fizeram parte dos grupos investigados, pela
confiança em doar suas preciosas imagens e
vincias. À Universidade de Passo Fundo, pelo
incentivo através de bolsa, financiando este estudo.
Agradeço às amigas e companheiras:
Jucélia, pelo carinho e cuidado; Sônia pelo apoio
material e de fé; Elenize, pela presença maternal,
e Roseli, companheira do dia-a-dia. E a todas as
demais que formaram ao meu redor um
verdadeiro Círculo de Mulheres nesse momento
especial da minha vida.
Por fim, agrado a minha mãe e aos meus
irmãos e, especialmente, ao meu pai, pelo suporte
espiritual, e ao João, por ter me feito mãe.
RESUMO
Este estudo promoveu algumas reflexões acerca da educação estética e do feminino.
Para tanto, foram realizadas duas oficinas de educação estética com educadoras de escolas
públicas de Lagoa Vermelha, município do Rio Grande do Sul. Tais oficinas envolveram,
além do fazer artístico, a simbologia do feminino, seu conhecimento ancestral, bem como
os mitos, os rituais e as histórias. A problemática girou em torno do seguinte
questionamento: a vivência artística é capaz de promover visões diferenciadas acerca de si,
da sua condição de mulher e de educadora nas participantes das oficinas de educação
estética? Com base nessa questão, surgiram os objetivos específicos: observar se as
educadoras se percebem como mulheres inseridas na contemporaneidade; entender como
elas compreendem e vivenciam os conhecimentos ancestrais femininos, em parte
esquecidos hoje; identificar se elas percebem se o afeto, o cuidado e a sensibilidade fazem
parte da sua prática pedagógica. O trabalho teve como referencial teórico os estudos do
imaginário e a teoria de Jung, considerando as mulheres como seres multidimensionais,
dotados de conhecimentos ancestrais, expressos nas imagens e falas que emergiram das
oficinas. A análise dos resultados foi feita ao longo das oficinas e sua conclusão foi
baseada no desenho realizado no último encontro, no qual foi respondida a pergunta “O
que significou para mim ter participado das oficinas de educação estética?” Para a
interpretação das imagens foi utilizada a Leitura Transtextual Singular desenvolvida por
Ormezzano (2001). A partir dessa análise, reitera-se o entendimento de que as mulheres
possuem conhecimentos e saberes ancestrais passíveis de serem empregados para
qualificar suas relações pessoal e pedagógica, promovendo uma ressignificação de suas
capacidades e uma melhora na auto-estima.
Palavras-chave:
arquétipos, educação estética, imaginário feminino.
ABSTRACT
This study promoted some reflex ions about aesthetics education and about feminine.
Then, it was done two workshops of aesthetics education with teachers from public schools,
in Lagoa Vermelha, Rio Grande do Sul. These workshops involved, besides of “to do
artistic, the simbiology of the feminine, its ancient knowledge, its myths, rituals and its
histories. The problem rounded of the follow question: has the artistic life been able of
promoting different itself views, the condition of woman as a teacher working in workshops
of aesthetics education? Thinking this way, the specific objectives appeared: to observe if the
teachers realize themselves as women inside nowadays; to understand as they live ancient
feminine knowledge, in part it has forgot in this days, to realize affects, the care and the
sensibility that happen in its educational practice. This work had as theoretical base, the
imaginary studies and the Jung theory, it consider the women as multidimensional beings,
full of ancient knowledges express in the images and talking that goes from the workshops.
The analysis of results was done from draw made in the last meet which answered the
question; what did it signify for me to have done the aesthetics workshops. To interpret the
images were used the Singular Transtextual Reading from Ormezzano (2001). From this
analysis, I claim the understanding, of which the women have of ancient knowledge are
possible of to be used to qualify their personal and educational relationships, promote a re-
significance from their capacities and a better self- confidence.
Key- words: archetype, aesthetic education, the feminine imaginary.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1 - Mandala de I .............................................................................................. 63
Figura 2 - Mandala de L ............................................................................................. 64
Figura 3 - Mandala de E ............................................................................................. 65
Figura 4 - Mandala de H............................................................................................. 66
Figura 5 - Mandala de C............................................................................................. 66
Figura 6 - Mandala de M ............................................................................................ 67
Figura 7 - Mandala de A............................................................................................. 68
Figura 8 - Família e do Sol ......................................................................................... 74
Figura 9 - Do Sol, do Coração e da Flor...................................................................... 74
Figura 10 - Sol no topo da Mandala............................................................................ 75
Figura 11 - O relógio .................................................................................................. 79
Figura 12 - cronos....................................................................................................... 79
Figura 13 - Kairós....................................................................................................... 79
Figura 14 - Desenho de L - O Sol ............................................................................... 97
Figura 15 - Criança e a Duplicidade............................................................................100
Figura 16 - Coração da Mãe .......................................................................................101
Figura 17 - Sagrada Falia........................................................................................104
Figura 18 - As ts graças ...........................................................................................106
7
Figura 19 - A criança divina .......................................................................................108
Figura 20 - A Estrela ..................................................................................................110
Figura 21 - A Estrela (XVII).......................................................................................113
Figura 22 - A Sombra .................................................................................................114
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.......................................................................................................... 10
1 EDUCAÇÃO ESTÉTICA: AS MÚLTIPLAS FACES DA EDUCAÇÃO EM
ARTE ..................................................................................................................... 15
1.1 Propostas para uma educão do sensível ......................................................... 19
1.2 Oficina pedagógica: um espaço para a sensibilidade......................................... 23
2 SOBRE O FEMININO ............................................................................................ 27
2.1 Escola, um espaço feminino?............................................................................ 34
3 O IMAGINÁRIO E A TEORIA DE JUNG ............................................................. 38
3.1 Proposições sobre o imaginário......................................................................... 38
3.2 O pensamento de Jung ...................................................................................... 44
4 RECURSOS METODOLÓGICOS .......................................................................... 52
4.1 Campo e sujeitos da pesquisa ........................................................................... 52
4.2 A construção das oficinas ................................................................................. 54
4.3 Vivências estéticas: penetrando no universo simbólico das mulheres................ 60
4.3.1 Círculo de Mulheres: configurando um espaço sagrado............................ 60
4.3.2 Encontro com a boneca: aprendendo a confiar na intuição ....................... 69
4.3.3 Encontro com a bruxa: reconhecendo a sombra........................................ 73
4.3.4 Oficina do Tempo: desacelerar................................................................. 76
4.3.5 Self-book: o livro da alma........................................................................ 80
4.3.6 Deméter e Perséfone: a relação primordial do feminino ........................... 83
4.3.7 A casa da infância: um lugar no espaço-tempo......................................... 87
4.3.8 Segredos, armários e cofres: espaços de intimidade ................................. 90
4.3.9. Entrevista icnográfica.............................................................................. 94
5 LEITURA TRANSTEXTUAL SINGULAR ............................................................ 95
5.1 Compreensão dos textos iconográficos LTS................................................... 96
CONSIDERAÇÕES FINAIS......................................................................................117
9
REFERÊNCIAS .........................................................................................................120
ANEXO......................................................................................................................125
INTRODUÇÃO
A concepção do ser humano em sua totalidade, abrangendo, além da materialidade
e da objetividade, um ser sensível, capaz de expressar-se de maneiras diversas, de realizar
complexas configurações simlicas, de perceber e de perceber-se, requer um processo
educativo que vise à compreensão e ao desenvolvimento dessas implicações. Dessa forma,
a arte, como instrumento psicoeducativo, utilizando-se de recursos como a criatividade, a
construção artística e o simbolismo, torna-se capaz de dialogar com essa diversidade e de
envolver aspectos não abarcados por outras abordagens.
A nossa hipermodernidade
1
apresenta uma estética de choque e de fragmentação
2
,
na qual as questões que envolvem outros níveis do conhecer e do viver o são
consideradas e valorizadas por várias instâncias, inclusive pela educação. Como afirma
Meira (2003), “paradoxalmente chegamos a um tipo de civilização que desenvolveu como
nenhuma outra poderosos instrumentos para a ampliação do olhar, para a penetração nos
desvãos mais escondidos do corpo e do universo. Mas desconhece os afetos, os efeitos e as
percepções mais recônditos das imagens inventadas por nossas almas”. ( p. 30). Portanto,
como podemos educar para humanidades se não reservamos espaços àquilo que mais nos
aproxima do sentido do humano, que é a imaginação, a vincia na relação, a troca
sensível, a construção de afetos?
Valho-me desse termo em detrimento de “pós-modernidade” por comungar com o pensamento de Duarte Jr.
(2001) e Hillman (1993), segundo os quais não há um rompimento com as bases da modernidade para
instaurar um processo de “pós”, apenas uma exacerbação extremada desse pensar, fundado na racionalidade,
na oposição sujeito-objeto, na instrumentalidade e na fragmentação.
Essa estética fragmentada é atribuída por Meira (2003) à obediência de uma lógica do espetáculo,
multiforme e multimídia, na qual o real é transformado em imagens e essas, em realidade.
11
Hoje a educação, majoritariamente, passa pela mão das mulheres
3
; logo, pensar o
feminino se faz necessário se quisermos penetrar amplamente nesse universo. Questiona
Louro (1997) quanto ao gênero da escola:
[...] a escola é feminina, porque é, primordialmente, um lugar de atuação de
mulheres elas organizam e ocupam o espaço, elas são as professoras; a
atividade escolar é marcada pelo cuidado, pela vigilância e pela educação, tarefas
tradicionalmente femininas. Além disso, os discursos pedagógicos (as teorias, a
legislação, a normatização) buscam demonstrar que as relações e as práticas
escolares devem se aproximar das relações familiares, devem estar baseadas em
afeto e confiança [...]. (p. 88).
As mudanças ocorridas na sociedade provocaram alterações de valores e a
necessidade de constante adaptação, fato que tem desestruturado o psiquismo feminino,
pois, num peodo muito curto de tempo, as mudanças de comportamento social, cultural e
familiar não foram acompanhadas pelas mudanças psíquicas necessárias. Tudo isso
interfere nas práticas profissionais, gerando dúvidas acerca da postura perante os alunos e
as abordagens pedagógicas. Pensando nessa mulher educadora e nos seus questionamentos,
acreditei que a educação estética, com suas proposições a novas percepções de mundo, as
vivências focadas no sensível e na valorização do humano, poderia promover avanços em
seu autoconhecimento.
o tenho a pretensão de desenvolver um estudo dito de gênero, visto que,
conforme o pensar de Jung (2003), homens e mulheres contêm em seus psiquismos traços
arquetípicos do outro sexo, em forma de pares de opostos complementares, que apresentam
características próprias e predominantes. Contudo, convém aclarar como entendo esse
conceito, para o que, tomo a definição de Grossi (2006): “Gênero é uma construção
cultural, processo que passa necessariamente pela educação formal e informal de homens e
mulheres e, com, isso, nos afastamos do senso comum de que sexo é um legado biológico
que determina, por si só, comportamentos masculinos e femininos”. (p. 1). Assim, gênero é
uma das formas que tomam as relações sociais entre subjetividades, marcadas por fatores
históricos e culturais.
Busquei junto à Secretaria Estadual de Educação do Rio Grande do Sul os percentuais de mulheres
professoras atuando nas escolas e/ou universidades, mas fui informada de que o Censo Escolar não coleta tais
dados. O IBGE também não possui uma pesquisa para tal. Porém, a observação empírica nos mostra que em
maioria as mulheres ocupam o espo como educadoras nas escolas.
12
Também postulei que a arte, em suas diferentes manifestações, pode ser capaz de
desenvolver um ser mais criativo, apto a visualizar diferentes soluções para problemas que,
porventura, poderiam surgir durante o curso de sua vida. Aliada a esse fato, a
sensibilização promovida pela vivência e pela apreciação da arte apresenta-se como uma
porta para a emergência de um ser mais perceptivo, capaz de perceber a si e ao mundo de
forma a superar o senso comum, o que pode se refletir em sua postura profissional e influi
de forma positiva na sua relação pedagógica.
Ainda, a arte apresenta um olhar transdisciplinar, envolvendo aspectos múltiplos do
educador, do educando e das relações que se estabelecem entre ambos
4
, e interdisciplinar,
perpassando áreas do conhecimento como a psicologia, a filosofia, a antropologia e a
própria pedagogia, trazendo a possibilidade de observar e provocar eventos que
repercutiram em vários aspectos desse contexto.
Como seres humanos, não somos prioritariamente lógicos, como nos foi feito
acreditar, mas temos infinitas capacidades perceptivas e cognitivas. O pensamento racional
o nos causa impressões profundas, pois priva as idéias de sua energia emocional. É
necessária a linguagem do imaginário, o simbolismo, para nos fazer mudar de atitude ou de
comportamento. Essas manifestações envolvendo universos mais amplos têm tanta energia
psíquica que nos obrigam a prestar-lhes atenção.
Assim, penso que o desenvolvimento dessas capacidades passa, inevitavelmente,
pelas mãos das mulheres, seres aptos a transcender o real e a mostrar novos caminhos para
a humanidade, rumo a uma visão da multidimensionalidade. Essa predisposição inata
feminina pelo sensível e pela vastidão da mente e do conhecimento intuitivo veio a ser um
interessante acréscimo ao processo pedagógico. Segundo Neumann (2005), a mulher
desempenhou imenso papel como figura
mana
, como a soberana de atuação mágica, tanto
positiva quanto negativa, como sacerdotisa ou como feiticeira. Para o autor, isso pode ser
aptidão constitucional, habilidade desenvolvida através de uma iniciação, ou de um
processo natural de debilitação (menstruação, parto, doença, fome), ou, ainda, de
mudanças da personalidade normal condicionadas pelo envelhecimento ou por situações de
Segundo Ormezzano (2002), a transdiciplinaridade procura o encontro de axiomas comuns entre arte,
ciência, filosofia e tradição. Ormezzano apóia-se em Crema para completar a definição, segundo o qual a
transdiciplinaridade é um avanço qualitativo, pois convoca para a reflexão e sinergia ao lado dos cientistas e
técnicos, artistas, poetas, filósofos e místicos, promovendo a qualificação dos que estavam condenados a um
quase ostracismo e marginalidade. A interdisciplinaridade, por sua vez, implica a integração de diversas
disciplinas.
13
necessidade. Além disso, as mulheres estão relacionadas com a preparação mágico-mântica
de substâncias oriundas da natureza para os mais variados fins.
A manipulação desse tipo de substâncias tem feito parte do saber primordial do
Feminino, desde o seu mais antigo ciclo de dominação, que era exercido através
do ritual do crescimento, até a feiticeira do período de decadência do
matriarcado, que conhece e utiliza ervas terapêuticas. Todos esses recursos
somente colocam em ação uma potência natural à psique feminina, através de
cuja posse ela sempre influenciou a humanidade, como xamã, sibila, sacerdotisa
e velha sábia. (p. 258).
Estés (1999) afirma que a intuição é o tesouro da psique da mulher, assim como os
instintos: “Usamos nosso sentidos para farejar tudo. [ ...] para espremer a verdade das
coisas, para extrair o alimento das idéias, para ver o que há para ser visto, para conhecer o
que há para ser conhecido, para ser as guards do fogo criativo e para ter uma
compreensão íntima dos ciclos de vida-morte-vida de toda a natureza”. (p. 99-100).
Outro ponto visualizado foi a compreensão do modo como se podem reduzir as
desarticulações entre o mundo afetivo e as relações escolares vivenciadas hoje. Como envolver
as educadoras, imbricadas num fazer dessensibilizado, na percepção de outras formas de agir
para uma verdadeira formação de seus alunos? Nesse sentido, questionei: evitar e não utilizar
aspectos da emoção e da sensibilidade nas relações escolares apontaria para as próprias
dificuldades das professoras em reconhecerem e vivenciarem plenamente seus sentimentos?
Seria possível respeitar a construção artística e incentivar a vivência estética do educando sem
respeitar e experienciar o próprio processo criativo dessas educadoras?
Uma das finalidades da arte na educação é propiciar uma relação mais consciente
do ser humano no mundo, contribuindo para a formação de pessoas mais abertas ao
sensível, mais críticas, criativas e passíveis de atuar na transformação da sociedade. As
experiências estéticas também incluem os sujeitos nos universos da emoção, da percepção
ampliada, do respeito e cuidado com o outro e com o ambiente. Para a inserção desses
pressupostos no viver educacional é necessária a criação de alternativas de ação, papel esse
de pesquisadores e educadores que estejam comprometidos com a transformação de uma
escola necessitada dos atributos da arte e do sensível.
Deste modo, foi indispensável reflexão e discussão acerca das práticas educativas,
ampliando o olhar sobre o que está sendo desenvolvido e buscando alternativas para o que
14
nos é apresentado. Sendo assim, a problemática desta pesquisa girou em torno do seguinte
questionamento: a vivência artística é capaz de promover visões diferenciadas acerca de si,
da sua condição de mulher e de educadora nas participantes das oficinas de educação
estética? Com base nessa queso maior, propus-me como objetivos específicos: observar
se as educadoras se percebem como mulheres inseridas na contemporaneidade; perceber
como elas compreendem e vivenciam os conhecimentos ancestrais femininos, em parte
esquecidos hoje; identificar se o afeto, o cuidado e a sensibilidade fazem parte da sua
prática pedagógica.
O campo de ação foi a rede escolar pública de Lagoa Vermelha/RS, de onde
emergiram dois grupos de mulheres educadoras para a realização de oficinas
psicoeducativas, baseadas nas vivências em arte, do mito, do ritual e dos conhecimentos do
sensível, concomitantemente com reflexões e diálogos do grupo acerca das experiências. A
proposta inicial dos encontros foi de serem realizadas semanalmente, com duração
aproximada de duas horas e meia cada, porém, em razão de falta de tempo das
investigadas, esse prazo tornou-se bastante elástico.
Para a compreensão das informações foi realizada a leitura das imagens através da
Leitura Transtextual Singular, proposta por Ormezzano (2001). Para tanto, as participantes
fizeram um desenho ao final do último encontro, por meio do qual responderam à
pergunta: “O que significou para a mim a participação nas oficinas de educação estética?
Por essas imagens procurei visualizar se o conhecimento ancestral, os arquétipos e demais
símbolos do feminino estariam presentes, procurando compreender o seu significado
naquele momento da vida das pesquisadas.
1 EDUCAÇÃO ESTÉTICA: AS MÚLTIPLAS FACES DA EDUCAÇÃO
EM ARTE
Se puede ser claro con la ambivalência a cuestas, en un mundo ambíguo,
cambiante, polivalente, muchas veces contradictorio. Ante un panorama así, se
pueden tener unos únicos lentes para mirarlo?
Alejandro Reisin
Existem muitas formas de visualizar e promover a educação em arte, bem como de
visualizar a experiência estética, cada uma delas se reportando a fatores históricos, sociais e
teóricos de determinados períodos. Dessa forma, considerei importante fazer um breve
apanhado da vio da educação estética no decorrer do tempo. Não há como fugir dos
preceitos da estética como teoria da arte, os quais dão os subsídios para o entendimento do
que seja pensado como educação estética hoje. Por isso, o caminhar sempre foi feito por
essas trilhas. Para tanto, tomei por base o escrito de Gennari em sua obra de 1997,
La
educación estética arte y literatura
, por se tratar de um estudo amplo e bastante completo.
A história da estética, para Gennari (1997), não pode ser vista senão como
conseqüência da condenação de Platão à arte imitativa. Para Platão, a pintura e a poesia
concedem ao homem apenas a vio ilusória do mundo, sua imitação, não a verdadeira
essência, que é dada pelo discurso filosófico. Mais do que isso, a arte imitativa corrompe
ao promover a visão da iluo em lugar da essência, da verdade.
Aristóteles, entretanto, ampliou essa visão platônica ao propor que não é objetivo
da arte (principalmente na tragédia grega) colocar-se em lugar da realidade, senão apontar
o verossímil, expressando o universal em lugar do particular. Inaugurando o conceito de
catarse, apontou que a arte pode promover a purificação de certas paixões no momento em
16
que as expressa. Essa emoção que a arte origina no indivíduo converter-se-á em parte de
sua vida ativa posteriormente e indelevelmente (ABBAGNANO, 2003).
A estética medieval, por sua vez, receberia sua essência do mundo grego, árabe,
hebraico e cristão, porém convertendo-a numa visão transcendental, na qual a função
estética seria uma intuição humana advinda das sensões, porém criada por meio da
iluminação divina. Desse modo, a beleza formal é uma maneira de aproximar o homem de
Deus, e a beleza integral é a união do belo e do bem. Nessa época, Santo Agostinho,
conforme observa Gennari (1997), já admitia a subjetividade da sensação, pois o sujeito
interpreta o mundo mediante as sensações, segundo seus próprios sistemas de informações.
Todavia, as verdades intuídas pelo intelecto eram tidas como criadas pela iluminação
divina, fundamento absoluto de toda a verdade humana.
No Renascimento, em virtude de intensas mudanças, como o aprimoramento da
ciência, os descobrimentos, a organização das cidades e o mercantilismo, entre outras, o
homem passou a ocupar o centro da estética dita humanístico-renascentista. A estética
renascentista procura fundir as dicotomias apresentadas - teoria e prática, ciência e arte, a
mística platônica e a rao aristotélica, o universal e o particular - fundando-se, sobretudo,
numa idéia nascente de modernidade. Posteriormente, no período barroco, haveria um
retorno ao caos das emoções e do simbólico em contraposição ao racionalismo
renascentista. Abarcando a Contra-Reforma, com Descartes, Newton, Rubens, Spinoza,
Shakespeare, Bach e outros, a visão estética pretendia promover o impacto através das
formas, das luzes, sons e cores. Sua intenção era a busca da originalidade, o simbolismo, o
ilusionismo e o retorno ao mitológico. (GENNARI, 1997).
O século XVIII contrapôs-se a essa profusão barroca inaugurando a estética
moderna e a primeira teoria filosófica sobre a educação estética. Isso ocorreu com
Baumgarten (1960), que utilizou o termo “ estética” pela primeira vez para assinalar o
conhecimento sensível, a doutrina da arte que inclui o mundo das imagens, atendo-se ao
seu valor poético e propeutico. Baumgarten propunha a existência de uma “ doutrina do
sensível
, ou seja, um sistema de saberes diferente do saber lógico. O clima iluminista
favoreceu suas proposições, ainda que essa visão atribua um sentido demasiado intelectual
à experiência estética, considerando a beleza como uma construção objetiva do mundo,
percebida por meio da razão humana. É admitida, porém, uma zona de conhecimento
confusa, relativa a coisas que são obscuras, apesar da clareza evidente de sua
representação, como a arte e a poesia. Baumgarten identificou, já nessa época, um dos
17
princípios fundamentais da estética moderna: a arte e a beleza encontram seu objetivo
somente em si mesmas.
Em contrapartida, Kant (1995), em sua terceira
Crítica
, que trata precisamente da
vida dos sentimentos, uniu pensamento científico e pensamento moral, natureza e sujeito,
afirmando que há no homem algo de superior, o sentimento. Com Kant surge a vida
sentimental do sujeito, juntamente com sua atividade prática, pautada pela subjetividade,
com suas paixões, desejos e sentidos de gosto. É o juízo do sentimento que estabelece o
juízo estico. O princípio estico, portanto, é reflexo da estrutura transcendental do
conhecimento e do postulado moral; é um princípio subjetivo, apriorístico, universal,
necessário e não teleológico. A beleza, para Kant, é carente de intenção e de interesse, e,
ao contemplá-la, reduzimos a natureza à liberdade; o indivíduo, ao mundo; o sujeito, a si
mesmo e o homem, à verdade. Assim, o sujeito está preparado para viver sua própria
reflexão sobre a beleza e sobre a arte. Com Kant nasce o homem estético, a partir do qual
foram firmados os pressupostos de uma educação estética que seriam desenvolvidos pelo
romantismo e pelo idealismo alemão, principalmente por Schiller, Hegel e Goethe.
Seguindo esse curso, Schiller (1963), em suas cartas ao príncipe Federico, escritas a
partir de 1793, voltou-se ao problema da beleza, pela primeira vez considerando a
formação (
Bildung
) estica do homem. Nascia, portanto, o conceito de educação estética,
vinculado por Schiller à estética kantiana, à filosofia da educação de Rousseau e à sua
própria idéia de sentimento. Para ele, só é possível alcançar a liberdade por meio da beleza,
e o que mais o interessa é a harmonia interior do homem e a sua formação. Portanto, a
importância da educação estica estaria em promover no homem moderno o
desenvolvimento harmônico do seu ser, evitando que ele se torne instrumento passivo de
sua atividade prática diária. Dessa forma, Schiller (1963) considerava a educação do
sentimento uma das necessidades mais urgentes.
Aponta Gennari (1997) que uma das principais contribuições de Schiller, além
dessa proposição de uma educação estética, estaria na tarefa de reunir a razão, a moral e
a beleza, tratadas por Kant separadamente em suas Críticas, pois, para Schiller, a única
via de amadurecimento espiritual dar-se-ia pela união da razão e da moral, do gosto e do
sentimento, além de ser própria do homem estético. Schiller lançou bases para uma
concepção pertinente até hoje nas discussões sobre estica, denominada de “estado
intermediário”, ou seja, o ânimo, a vontade, passam da sensação ao pensamento atras
do estado intermediário, no qual sensualidade e racionalidade estão simultaneamente
18
ativas. Esse estado seria, então, um estado de liberdade, no qual nem a razão nem a
sensação teriam supremacia uma sobre a outra. Assim, o estado da sensação seria o
estado físico, ao passo que o racional englobaria a lógica e a moral, e o intermediário
seria o estado estético.
Schiller (1963) criou um paradigma estético segundo o qual só a educação estética
pode formar o homem completamente e trazer à superfície a humanidade que o habita.
Tamm instou a humanidade a realizar um esforço palingenésico destinado a unir a cultura,
a estética e a pedagogia, esforço esse que apresenta ecos até os tempos contemporâneos.
Os princípios da estética assim estabelecidos seguiram um curso até o século XX,
com a contribuição de muitos pensadores, que criticaram ou propuseram outras formas de
ver esse fenômeno. Em Hegel (1996), a arte constitui-se numa forma do espírito absoluto,
mas não é sua manifestação mais elevada, que seria o conceito e o conhecimento. Esse
pressuposto hegeliano geraria a crise da arte na modernidade, mas também implantaria a
estética como uma teoria filosófica da arte.
Os filósofos da Escola de Frankfurt (principalmente Adorno e Benjamin),
conforme Freitag (1986), tentaram construir uma estica crítica capaz de contrapor-
se à racionalidade instrumental e à indústria cultural e de propor transformações
sociais. Já o fenomenólogo Husserl (ABBAGNANO, 2003) propôs a observação do
fenômeno estético como ocorre em sua manifestação natural e pelos acontecimentos
que provoca no interior do homem e sua influência externa. A partir dele, surgiu a
estética fenomenológica, cujos expoentes foram Merleau-Ponty (1986) e Heidegger
(1997). Por sua vez, a hermenêutica, com Gadamer (1997), procura promover o
entendimento do fenômeno da interpretação, intercambiando o espectador, a obra e o
autor. As proposições da semiótica são centradas na interpretação do texto, na
estrutura da obra e nos códigos de sua linguagem, com o que chega aos sistemas de
significação, à interpretação textual. Para os semioticistas a estética é considerada
uma teoria da linguagem, tendo como seus representantes importantes Eco (1991) e
Gombrich (1993).
Apesar de a proposição não ser recente, é no contexto da contemporaneidade que se
tornam mais evidentes os efeitos produzidos pelo pensamento acerca da estética como fator
pedagógico. Com um pensamento semelhante a Schiller, Read (1982) propôs uma
“educação através da arte”. Para ele, a educação estética é o caminho que pode levar à
harmonia racional, ao equilíbrio físico e à integração social; os pressupostos naturais da
19
educação seriam a percepção psicológica, a imaginação icônica, o aspecto lúdico e a
expressividade. Segundo Duarte Júnior (2001), Read esperava um aprimoramento da
sensibilidade dos educandos por meio do contato intensivo com a arte, do que emergiriam
também a curiosidade e a motivação para o desvendar racional e reflexivo do mundo
através da ciência e da filosofia.
1.1 Propostas para uma educão do sensível
É fato que já vem sendo pensada e, mesmo, requerida uma educação do sensível,
como contraponto às formas de educação que vêm sendo levadas a termo em nossos dias e
como questão de reflexão acerca da vida no mundo hipermoderno.
Neste segundo momento, enfoco o novo paradigma estético e seus pressupostos
na educação, bem como sua interface com o sensível, procurando abarcar no debate
diversos aspectos envolvidos quando se propõe uma vivência estética e suas
implicações no sistema de crenças e de imagens pessoais ou coletivas dos sujeitos. Para
tanto, valho-me dos escritos de Gennari (1997), Ormezzano (2001) e Duarte Júnior
(2001), entre outros.
A união da educação com a estética não pode ser pensada sem que haja a
transcendência dos termos “educação” e “estética”, resultando em novos pressupostos
e numa conceituação peculiar. Dessa forma, a estética como fundamento filosófico da
arte, de
per se
, não pode ser simplesmente transposta a um papel pedagógico;
tampouco a experiência artística, como fazer técnico, configura-se num processo de
educação estética, pois há que se superar a simples feitura e instaurar um processo
que abarque as funções imaginativas, corporais, estésicas
5
. Também os fundamentos
da educação precisam ser revisitados nessa proposição, imperando a necessidade de
ampliação e de inclusão de fatores considerados à margem do processo, como o
Estésico vem da palavra grega
aisthesis,
usada para
percepção ou sensação. Segundo Hilmann (1993),
significa “inspirarou “conduziro mundo para dentro, “a respiração entrec ortada, ‘a-há’, o ‘uhh’ da respiração
diante da surpresa, do susto, do espanto, uma reação estética à imagem (
eidolon
) apresentada”. (p. 17).
20
estésico, o afetivo, entre outros, compondo uma nova forma de ver a educação do
prisma da educação da sensibilidade
6
.
Mesmo os termos “saber” e “conhecimento” são discutidos por Duarte Júnior
(2001), o qual infere que o verbo “saber” tem uma denotação mais ampla que “conhecer” :
Enquanto o conhecimento parece dizer respeito à posse de certas habilidades
específicas, bem como limitar-se à esfera mental da abstração, a sabedoria implica
numa gama maior de habilidades as quais se evidenciam articuladas entre si e ao
viver cotidiano de seu detentor estão, em suma, incorporadas a ele. (p. 14).
Esse incorporar significa trazer ao corpo, fundir o saber. Ainda lembra o autor que
“saber” tem a acepção de
ter o sabor
; portanto, o saber carrega em si o sabor, é capaz de
dizer aos sentidos, ao corpo, integrando-se à existência do sujeito.
De acordo com Ormezzano (2001), para fundamentar a educação estética é
preciso partir de uma concepção que perceba a maneira como o ser humano se
apropria do mundo por meio do sensível em toda sua atividade e, particularmente, na
atividade artística. O estico também abarca o ético e as formas de socialização, nas
quais a pessoa interage com o outro e o ambiente por meio de trocas sensíveis e
conscientes. Semelhantemente, Duarte Júnior (1995) considera que a experiência
estética se dá com a percepção global do universo do qual fazemos parte e com o qual
estamos em relação. Assim, o estético apresenta implicações com a forma como
vemos o mundo e nos relacionamos com ele, numa clara referência aos novos
paradigmas ecológicos, segundo os quais o sujeito deveria ser capaz de sentir em
uníssono com o universo que habita, relacionando-se com ele de modo a transcender
a atitude instrumental e cientificista.
Seguindo essa linha de pensamento, Galeffi (2006) aponta que falar de educação
estica é falar da
sensibilidade humana aprendente
. “Nitidamente, isso não é qualquer
coisa. Pelo contrário, é algo que toca o cerne da condição humana vivente e vivida.” (p.
2). O autor afirma que, como seres estéticos que somos por nossa natureza sensível, não
6
Acerca das diversas formas de pensar educação estética, Gennari agrupa as teorias da seguinte forma: numa
perspectiva evolutivo-interpretativa, com contribuição da psicologia e da psicanálise; do ponto de vista
metodológico-didático ou de caráter criativo, com referência à teoria da comunicação, e da percepção da
Gestalt e, mais recentemente, nas concepções semióticas.
21
podemos conceber a educação estética como algo que regula o comportamento pela
limitação aos padrões estabelecidos de gosto, mas como algo essencial à existência
efetivo-afetiva do ser no mundo. “O estético, neste se ntido, não é o supérfluo e o
meramente fugaz. Pelo contrário, é o campo onde a experiência humana alcança o seu
supremo grau de realização.” (p.2). Para ele, não somos somente razão discursiva e
propositiva, somos também sensibilidade encarnada: “Nossa car ne é a morada do
sensível.” (p.2). Essa hegemonia de algumas formas de conhecimento e ação sobre outras
o pode, de acordo com Galeffi, ser admitida, pois as hegemonias são indicativas da
dominação e preponderância de uns sobre os outros. Assim, a educação estética deve
basear-se na multidimensionalidade das formas de ser do humano. “Toda forma de ser,
afinal, é modo de ser sensível, e não há razão suficiente que explique ou justifique a
prepotência ideológica de alguns [...].” (p.3).
Nesse mesmo sentido manifesta-se Duarte Júnior (2001) ao apontar a
necessidade de uma maior atenção à educação do sensível, do sentimento, que, para
ele, poderia ser chamada de “educação estética”, porém não como vem sendo praticada
nas escolas, atendo-se ao repasse de informações teóricas acerca da arte, dos artistas e
dos objetos estéticos; deve, sim, ser trabalhada como um retorno à aiesthesis grega, à
estesia, como indicativa da capacidade de homens e mulheres de sentirem a si e ao
mundo num todo integrado.
A educação do sensível nada mais significa do que dirigir nossa atenção de
educadores para aquele saber primeiro que veio sendo sistematicamente
preterido em favor do conhecimento intelectivo, não apenas no interior das
escolas mas ainda e principalmente no âmbito familiar de nossa vida cotidiana.
Desenvolver e refinar os sentidos, eis a tarefa, tanto mais urgente quanto mais o
mundo contemporâneo parece mergulhar numa crise sem precedentes na história
da humanidade. (DUARTE JÚNIOR, 2001, p. 13-14).
É ponto comum aos pensadores referidos a capacidade integradora da educação
estica: entre os saberes racional e sensível; da concepção do eu e do universo, num
voltar-se a si e ao mundo; da contemplação e da realização; de consciente inconsciente e,
mesmo, em termos práticos, de servir de ponte aos diversos saberes hoje
compartimentados postos a termo nas escolas, compondo uma verdadeira relação
transdisciplinar. Assim, valho-me de Ormezzano (2001), para a qual a educação estética
propõe um modo de conhecimento capaz de ajudar a reduzir a dicotomia entre razão e
22
imaginário, integrando a emoção, a aparência, os sentidos, provocando uma sinergia
entre o pensar e o sentir.
Acrescenta Gennari (1997) que o uso das linguagens estéticas, suas expressões e
seus conteúdos favorecem a formação de uma personalidade multilateral, encontrando no
senso estético um posicionamento equilibrado entre a parte e o todo, o eu e o outro, o
objeto e o sujeito, a realidade e a imaginação e o desenvolvimento e a paralisação.
El arte es capaz de establecer uno de los equilíbrios más convincentes respecto la
persona em processo de formación; puede incluso convertirse en un modo de ser,
en un paradigma vital, en un corroborador de experiências enriquecedoras en el
nível del inconsciente y del consciente, en un canal para la expressividad, la
creatividad o la atitude crítica. (GENNARI, 1997, p. 160).
Tamm ao pensar educação estética deve-se considerar a multiplicidade dos seres,
acolhendo as singularidades: “De nada adianta uma educação estética que não sai ba valorizar a
efervescência criadora e plural das possibilidades de beleza e altivez dos grupos humanos
historicamente enraizados em suas tradições celebrativas e rituais próprios.” (GALEFFI, 2006, p.
3). De acordo com o autor, a multiplicidade cultural, étnica e religiosa deve ser considerada em
termos de uma educação estética, visto que esta deve contemplar e acolher as distintas formas de
sentir e de celebrar a vida e a morte, através de rituais religiosos, ou de produções artísticas e,
mesmo, conceituais. Há que se promover uma educação aberta ao imprevisível, sem perder a
referência de si e de sua constituição cultural, social e sensível.
Isto significa, antes de tudo, que cada educador haverá de desenvolver-se
esteticamente a partir da sua própria singularidade vivente, o que acarreta uma
complexa trama de inter-relações aprendentes a serem experimentadas em
atenção ao primado da vida, e não das coisas dadas e supostamente imperantes e
dominantes. (GALEFFI, 2006, p. 3).
Em complementação ao exposto, Duarte Júnior (2001) aponta outro ponto a ser
abordado por uma educação estética: a dificuldade do sujeito de nosso tempo de adentrar
no reino da sensibilidade simlica da arte. Para ele, as pessoas estão afastadas dos
atributos do sensível, pois os sentidos são bombardeados pela mídia, pela poluição dos
ambientes e pelos sabores artificializados e padronizados. Há uma regreso sensível
23
operada pela sociedade industrial; a questão é, portanto, verificar o quão embrutecidos e
toscos estão os sentidos e atuar sobre eles, “promovendo -lhes o crescimento e o
desenvolvimento mínimos para que se possa adentrar no reino da sensibilidade simbólica
regida pela arte”. (p. 26). Ainda o autor alerta que a educação do sensível não prescinde
da arte, mas é necessário que se proponha a atuar num nível anterior ao da simbolização
estica: “Mais do que nunca, é preciso possibilitar ao educando a descoberta de cores,
formas, sabores, texturas, odores etc. diversos daqueles que a vida moderna lhe
proporciona.” (p. 26). Assim, deve-se levar em conta esse retorno à estesia, à
redescoberta da capacidade de sensibilização, para, posteriormente, descortinar o
universo simbólico da experiência estética propriamente dita.
1.2 Oficina pedagógica: um espo para a sensibilidade
A escola, atendo-se às formas tradicionais de ensino-aprendizagem, pode
frustrar a autonomia do aprender, comprometendo o ato de conhecer, visto que submete
as pessoas às normas institucionais e a rituais escolares culturalmente impostos. Esta
proposta de trabalho pretendeu apontar a oficina pedagógica com recursos expressivos
como uma modalidade educativa capaz de romper com a repetição irrefletida e acrítica
desses rituais e com a falta de criatividade e capacidade de reinventar a ação
pedagica. A oficina pode ser capaz de ampliar o envolvimento dos participantes que
assumem seu próprio autodesenvolvimento, além de auxiliar na visualização das
ltiplas dimensões do humano e, por conseguinte, do aprendizado, integrando os
diversos aspectos que os constituem.
A proposta das oficinas com os grupos de educadoras esteve centrada na visão
de que toda a experiência artística é efetivada num contexto onde ao sujeito, com sua
bagagem física e sensória, junto com seu universo psíquico, é proposto um fazer
significativo, num espo de trabalho, de prática estética, de criação e de
entendimento, de diálogo e de sentidos. A experiência é, então, chamada de
vincia”, e a oficina é um espo de encontro vivencial. Para Duarte Júnior (1991),
somente a partir das vivências, do sentimento das situações, que o pensamento
racional pode se dar”. (p. 33). Dessa maneira, a arte ajuda a integrar pessoa e
24
conhecimento, ligando os aspectos afetivos aos cognitivos e conceituais da
aprendizagem.
Literalmente, oficina é um local onde se exercem ofícios. Para Pey (1997), a
técnica, o ofício, não é apenas ciência aplicada, como comumente se afirma, mas, como
antigamente, a técnica é que originava a teoria e a ciência. Hoje, com o status da
universalidade da ciência, a técnica foi relegada a um fazer sem importância, determinando
que o exercício pedagógico se dê muitas vezes apenas no âmbito teórico.
Segundo Ormezzano (2001), as oficinas surgiram na Idade Média com os gmios
de artesãos e nos conventos femininos, já como espaços coletivos de ensino-aprendizagem
e produção artística nos quais mestres e aprendizes compartilhavam casa, comida e
trabalho. A oficina era o local onde se trabalhava e se criava, sem a distinção entre o fazer
intelectual e o manual, entre trabalho e lazer.
Vieira da Cunha (2004) ressalta que é “conhecendo e pensando sobre a produção
simbólica,
vivenciando e entendendo
os seus processos expressivos que as pessoas
ampliao suas visões sobre arte.” (p. 2, grifo nosso) em suas mais variadas dimensões.
Ormezzano (2002) aponta que, propondo vivências estéticas com educadores, estes
“obteriam maiores subsídios para o desenvolvimento da criatividade e do sensível,
descobrindo outros modos de perceber o outro e de perceber-se, facilitando as relações
professor/professor e professor/aluno”. (p. 62).
A oficina pedagógica é capaz de auxiliar no desenvolvimento de outras modalidades
cognitivas e de novas ações para atingir uma consciência crítica dos sujeitos no processo
educativo. Seu aspecto criador permite ultrapassar a ação reprodutora e ritualística exercida no
cotidiano escolar. “A oficina é um espaço de troca, que evolui pela capacidade de participação
de seus membros e do sistema em sua inteireza.” (ORMEZZANO, 2001, p. 82). Essa
modalidade rejeita a divisão do tempo, do espaço, dos corpos e saberes, visando à inclusão de
um saber-fazer-partilhar, partindo de curiosidades, indagações, explorações, promovendo
vivências. Para Ormezzano (2003),
a tendência da nossa sociedade para fragmentar o coletivo em singulares, faz
sentir-nos pessoas separadas e não seres integrados. Para eliminar a fantasia da
separatividade, necessita-se uma educação que transforme o ser-individual em
ser-total, pleno de senso de humanidade, e com uma percepção de
interdependência, na qual acredito que a arte tenha um importante papel. (p. 93).
25
Pey (1997) ressalta que uma oficina não é meramente
[...] “um novo modo de trabalhar um conteúdo dado, (dado pela Ciência e dado
como válido para ser ensinado aos alunos). O modo como se opera com essas
coisas e situões da Oficina, e como se fala delas, convida as pessoas a se
afastarem do modelo “ científico de organização/classificação, agrupamento e
separação das coisas. Esse afastamento se faz pela possibilidade que abre ao
grupo de estabelecer seu próprio critério (sua própria racionalidade) de
organização. (p. 51-52- grifo do autor).
Assim, a oficina pedagógica pode dar trânsito aos saberes autorizados e aos não
autorizados, aos “populares e eruditos”; pode, ainda, derrubar hierarquias, não somente de
conhecimentos, mas de autoridades, em função de grau acadêmico, papel institucional,
idade, sexo, origem, posição, já que o saber que cada um possa ter e o respeito devotado a
esse saber são os fatores que anulam essa hierarquização.
A oficina educativa exige dos educadores uma postura transformadora, pelo
conhecimento de si e, por conseguinte, do outro, e tamm do crescimento como sujeito
criador e crítico, comunicante e facilitador.
No espaço-tempo da oficina educativa, promovem-se vivências pessoais e
interpessoais, alicerçadas numa ação criadora e motriz do desenvolvimento das
quatro funções básicas da consciência: pensamento, sentimento, sensação e
intuição. A oficina precisa muito de intuição. De perceber o jogo de olhares, a
postura corporal, os gestos dos participantes, ao captar qual o momento de
atenção [...]. (ORMEZZANO, 2001, p. 82).
Segundo Pey (1997), a perspectiva não disciplinar da prática das oficinas rompe
com o funcionamento escolar do tempo rotineiro, porque não cabem nos ritmos temporais
da educação formal, pois podem durar mais ou menos tempo em razão dos desdobramentos
que podem acontecer. A oficina também rompe com a organização curricular rígida dos
conteúdos e ignora a avaliação como julgamento e a “política de verdade dos conteúdos
escolares, segmentação do saber em conteúdo escolar, cientificidade como validação de
tudo isso”. (p. 47).
De acordo com Pey, as características das oficinas são a dialogicidade, essencial na
relação entre pessoas, a produção de saberes em autorias e obras, não pela reprodução do
26
conhecimento, e a articulação no âmbito dos saberes práticos, tecnológicos, científicos,
artísticos, artesanais, intuitivos, literários etc., sem uma hierarquia entre eles. Na oficina
procura-se um saber de resistência aos saberes disciplinares das instituições formais de
ensino, um saber de investigação, ao invés do cumprimento de tarefas rotineiras.
As oficinas que utilizam as linguagens plásticas, poéticas e musicais, entre outras,
podem tornar-se um caminho de expressão, reflexão e interatividade entre os participantes.
Pela representação simbólica, eles podem melhor vislumbrar, por meio de suas mensagens
visuais, suas necessidades e os recursos de que dispõem. As oficinas expressivas também
se utilizam das linguagens verbais e não verbais, facilitando a comunicação daqueles que
m dificuldades da expressão apenas pela palavra. Para Gomes (2005), no
desenvolvimento das oficinas, ao dar materialidade ao que é difuso, pelo manuseio de
materiais e pelo espaço de exploração que permitem, é possibilitado a cada sujeito
despertar a singularidade do seu ser.
Alessandrini (1995) infere que a oficina é um lugar que deve favorecer a criação:
“Viver a oficina é construir, pintar, modelar, aquilo que é mais próximo de ‘si -mesmo’. É o
espaço onde o imaginário cria forma, adquire cor, aproximando-se de um real
personalizado, sentido e vivido com alegria.” (p. 48).
Para Carvalho (2005), as oficinas configuram-se como encontros vivenciais e são
imprescindíveis à atualização e à capacitação profissional connua dos professores. Além
disso, segundo a autora, a criação artística traz a potência da expressão por inteiro,
alicerçando uma aprendizagem que não parte simplesmente da crítica ao modo de ser dos
educadores, mas que vai às suas raízes como ser humano, respeitando sua experiência e
possibilitando a vivência de situações que nunca tiveram a oportunidade de viver
anteriormente. “Nesse sentido, os encontros vivenciais emergem como espaços de
construção e aprendizagem de novas formas de ser no mundo, conectando o sentimento ao
corpo, à fala e à expressão plástica.” (p. 82).
2 SOBRE O FEMININO
Tudo que a tecelã toca produz ouro é ao mesmo tempo númen,
instancializando u e terra no aqui e agora, na cotidianeidade da história
factual.
Marly Meira
Tratar sobre o feminino é entrar em contato com um universo em profunda
transformação em nossa época, transformações essas que decorrem da aquisição de
comportamentos e da assunção de novos papéis. Essa alteração de valores e a necessidade
de constante adaptação a diferentes posturas têm desestruturado o psiquismo feminino, ou
seja, num período muito curto de tempo, as mudanças de comportamento sociais, culturais
e familiares não conseguiram ser acompanhadas pelas mudanças psíquicas necessárias.
Atualmente, as mulheres buscam objetivos nos quais suas avós sequer ousavam pensar,
fato que vem acompanhado de inúmeras cobranças. Mulheres que trabalham fora se sentem
culpadas por não darem a devida atenção à casa e à família, ao passo que as que permanecem
em casa ficam insatisfeitas se comparadas àquelas que construíram uma carreira bem-sucedida.
Também na queso emocional esses paradoxos se repetem. Dúvidas acerca da liberdade de
estar só ou da necessidade de se ter um parceiro e uma família surgem repetidas vezes.
Muitas vezes as mulheres, quando ousam aventurarem-se pelo mundo do
trabalho, deparam-se com a dor da culpa de não cumprir integralmente tarefas
relativas ao cuidado dos filhos. Por isto, muitas mulheres deixam de ingressar no
mercado de trabalho e muitíssimas que o fazem não investem com toda sua
potencialidade e com toda sua garra porque são acossadas pela sensação de
descumprimento do que elas consideram sua principal atribuição: estar ao lado
dos filhos. Para muitas, este é o lugar que o imagirio social lhes destina.
(GROSSI, 2006, p. 5).
28
Essas transformações ocorreram de uma maneira radical e abrupta, pois se
perpetraram o mais do que há duas gerações. No tempo das nossas avós, ficar em casa
com os filhos não seria visto como um problema, pois esse era o papel esperado;
provavelmente, não existiam maiores dúvidas acerca do porquê de ter de fazê-lo.
Um breve passeio pela formação da identidade feminina se faz necessário para
clarear os motivos dessas modificações atuais. A mulher, na Pré-História, durante
milênios, foi tida como a única responsável pela produção da vida, já que não se tinha
conhecimento da necessidade masculina para a fecundação. Assim, instaurou-se um culto
ao feminino. Segundo Lins (1997), os vestígios de estatuetas femininas
7
, pinturas e objetos
revelam uma religião em que a mulher ocupava um lugar primordial: “o manifestações
do culto a uma deusa-mãe como fonte regeneradora de todas as formas de vida.” (p. 18).
Esse culto duraria milhares de anos, intensificando-se no decorrer do tempo.
Com o advento da agricultura, provavelmente uma invenção feminina, passou-se a
acreditar que as mulheres influenciavam a fertilidade dos campos, o que levou a que
gozassem de enorme prestígio. A mãe era a personagem central nessa sociedade e a mulher
e a deusa eram muito importantes no imaginário das pessoas. Entretanto, Lins (1997)
aponta que, ao contrário da cultura patriarcal, não havia um domínio do feminino sobre o
masculino, pois os objetivos da deusa não seriam a conquista e a superioridade, nem
obediência, punição e destruição, mas, ao contrário, a doação: “É o cultivo da terra e o
fornecimento de meios materiais e espirituais para uma existência satisfatória. A ausência
de imagens de dominação ou guerra reflete uma ordem social em que homens e mulheres
trabalhavam juntos, em parceria igualitária, em prol do bem comum.” (p. 21).
A cultura patriarcal surgida em torno de cinco mil anos, de acordo com a autora,
confunde-se com a própria história da nossa civilização. Seu tempo de duração entre s é
o longo que a forma de sentir e pensar gerada a partir disso é considerada parte da
natureza humana. O culto à deusa, embora seja conhecido e se refira a um período muito
longo, é ignorado na constituição de nossa identidade.
Cabe, neste momento, a observação de Capra (2002) de que a exploração da
natureza tem andado de mãos dadas com a das mulheres, porque estas têm sido
identificadas com a natureza ao longo dos tempos. Dessa forma, a terra, especialmente,
Desse período é a estatueta da Vênus de Willendorf. Desenterrada nesse local, na Áustria, com
aproximadamente 12 cm, representa uma mulher de nádegas e seios imensos, quadris largos, barriga
proeminente e uma grande fenda vaginal.
29
tem sido vista como “nutriente e benévola mãe, mas t ambém como fêmea selvagem e
incontrolável. Em eras pré-patriarcais, seus numerosos aspectos foram identificados com as
múltiplas manifestações da Deusa”. (p. 37). Na predominância do patriarcado, a natureza
passou a ser vista como passiva, e a sua porção incontrolável deveria ser dominada pelo
homem. Assim também foram tratadas as mulheres. Posteriormente, com a ciência
newtoniana, a natureza passou a ser vista como um sistema mecânico passível de ser
manipulado e explorado: então, novamente essa visão foi estendida às mulheres: “A antiga
associação de mulher e natureza interliga a história das mulheres e a do meio ambiente e é
fonte de um parentesco natural entre feminismo e ecologia que está se manifestando hoje
em grau crescente”. (p. 38).
Para Lins (1997), a nossa história define-se por dois aspectos fundamentais: a
divisão sexual das tarefas e o controle da fecundidade da mulher. Essa estrutura surge
baseada no poder do pai e no exercício de um controle rígido sobre a sexualidade feminina,
o que não foi responsável apenas pela submissão das mulheres, pois os homens também
foram atingidos. Na medida em que às mulheres coube o
status
de inferiores, aos homens
coube o de superiores, levando-os a assumir uma adequação social de infalíveis.
Os mais de quinze mil anos de paz, onde homens e mulheres viviam em
harmonia consigo mesmos e com a natureza, foram encerrados quando um deus
masculino decretou que a mulher era inferior ao homem e que deveria ser
subserviente a ele. Dividida, assim, a humanidade em duas partes, feminina e
masculina, com o domínio de uma sobre a outra, todas as relações humanas se
adaptariam a esse modelo. (LINS, 1997, p.21).
Pensando de forma semelhante, Burin (2006), estudiosa do psiquismo feminino,
afirma que a cultura patriarcal reduziu as funções da mulher à maternidade, criando um
lugar e um papel social considerados como garantias da saúde feminina. Para consolidar
essa função e manter essa identificação, foram utilizados diversos recursos materiais e
simbólicos, como o desejo maternal, a função materna, o ideal de mãe etc. Foi, porém, a
partir da Revolução Industrial que surgiram dispositivos de poder para homens e mulheres,
referentes às funções sociais a que estavam submetidos: para os homens, o poder racional e
econômico; para as mulheres, o poder dos afetos. Essa distribuição deixaria marcas
profundas na saúde mental de ambos. As mulheres passaram a ter seu espaço reduzido ao
ambiente familiar, perdendo perspectivas no contexto social; assim, sua subjetividade
30
restou centrada nos afazeres familiares e domésticos, que passaram a ser paradigmáticos do
gênero feminino.
Dessa forma, Burin (2006) infere que a subjetividade feminina ficaria reduzida a
características emocionais de receptividade, capacidade de contenção e de nutrição, não
somente dos filhos, mas tamm dos homens na volta do trabalho ao ambiente doméstico:
A la circulación de afectos ‘inmorales’ del mundo del trabajo extradoméstico pleno de
rivalidades, egoísta e individualista se lê opuso una ‘moral’ del mundo doméstico, donde
las emociones prevalecientes eran la amorosidad, la generosidad, el altruísmo, la entrega
afectiva, lideradas y sotenidas por las mujeres.” (p.1).
A eficácia, portanto, em cumprir esses estados de afetos garantiria às mulheres
um lugar e um papel cultural com claras definições de como pensar e atuar. Assim
surgiram, juntamente com os papéis a serem desempenhados, as respectivas condições
afetivas para que isso ocorresse: para o papel de esposa, a docilidade, a compreensão, a
generosidade; para o papel de mãe, a amorosidade, o altruísmo, a capacidade de
contenção emocional; para o de dona de casa, a disposição submissa para servilidade, a
receptividade e o controle da agressividade.
Burin (2006) aponta que, com a saída da mulher de casa para conquistar o mercado
de trabalho, a partir da Primeira e da Segunda Guerras Mundiais, multiplicaram-se os
fatores para que esses papéis das mulheres deixassem de ter sentido. Ocorreu, então, uma
crise da subjetividade feminina; sobretudo, entrou em crise o sentido de outorgar à mulher
a supremacia emocional. Colaboraram para isso também numerosas teorias e práticas
psicológicas
8
, as quais tentaram diminuir o poder materno com o intento de combiná-lo e
de relativizá-lo com o poder paterno.
Ao mesmo tempo em que transformações ocorreram com as mulheres, o universo
masculino também foi sendo alterado. Essa reformulação do papel do homem contribui
sobremaneira para a redefinição da identidade feminina, pois, diante dessas novas
condições, ele apresenta dúvidas acerca de sua conduta e de suas atitudes em relação às
mulheres, à família e à sociedade. Assim, homens e mulheres, embora distintos em muitos
aspectos, são parte do todo que nos come como humanidade e não devem ser analisados
separadamente; há, pois, que se levar em conta seu conteúdo complexo e relacional, visto
que o comportamento de um implica alterações também no outro.
Burin cita algumas hipóteses psicológicas e psicossociais das mães ditas “patógenas”: mães esquizofrênicas,
mães abandônicas, mães simbiotizantes etc.
31
Esse entendimento é corroborado por Boff (2002): “Quando falamos de masculino e
feminino queremos com estas palavras sinalizar a estrutura de base do ser humano [...].
Masculino e feminino existem em cada ser humano, homem e mulher, como forças
produtoras de identidade e de diferenças”. (p, 75). Essa dualidade nos suscita questões
arcaicas e arquetípicas de todo nosso desenvolvimento como espécie humana. Segundo Boff
(2002), “a estrutura humana é dialogal e sempre interpessoal”. (p. 64). Essa dimensão
interpessoal está na origem do ser humano e é por meio dela que cada um se descobre como
homem e mulher mutuamente. Dessa forma, para melhor compreender a transformação de
um, há que se observar os reflexos no outro. “Tanto o homem quanto a mulher projetam, ao
seu modo, a existência, têm as suas maneiras próprias de tecer as relações, de costurar as
rupturas existenciais e sociais e de elaborar um horizonte utópico.” (p. 46).
Embora a espécie humana seja composta dessa dualidade, existem diferenciações
entre os gêneros que são apontadas por distintas questões, como as biológicas, por
exemplo, dentre as quais as questões hormonais. Dessa maneira, os androgênios,
hormônios masculinos, tendem a potenciar a agressividade, e os estrogênios, hormônios
femininos, a inibi-la. Essas diferenças de constituição biológica tornaram atribuições
masculinas as atividades que exigem força, como a conquista territorial, a dominação e o
jogo de poder. Do mesmo modo, a estrutura da mulher a prediss a tarefas ligadas à
produção, à conservação e ao desenvolvimento da vida, em razão do seu envolvimento
com a prole e com os demais membros de sua família e comunidade ser maior do que o do
homem. Ainda segundo Boff (2002),
as mulheres estão muito mais ligadas a pessoas que a objetos. Mesmo quando
m a ver com os objetos, facilmente os transformam em símbolos, e os atos em
ritos. Isto porque as mulheres são mais centradas na teia de relações pessoais,
entregues ao cuidado da vida, sensíveis ao universo simbólico e espiritual,
capazes de empatia e comunhão com o diferente. O homem, por sua vez, está
mais ligado a objetos que a pessoas e, no processo de produção, tende a tratar as
pessoas como objetos, como ‘material humano’. (p. 49).
Corroboram esse pensamento as colocações de Rose Marie Muraro (2002b) ao
considerar que, no Brasil, as mulheres são 70% dos que se engajam nas lutas populares
pela inclusão e pela melhor distribuição de renda. A mulher da classe popular dedica-se
mais à família do que o homem, o que está fixando a população no campo, produzindo
comida mais barata e desinchando os bolsões de miséria das cidades grandes. As mulheres
32
também são mais envolvidas em trabalho voluntário e em ONGs, porque predomina entre
elas o espírito de solidariedade e cooperação, sendo mais propensas ao trabalho em equipe
e à formação de redes informais. “É um trabalho colossal, mas silencioso, como silenciosas
o as coisas das mulheres”. (MURARO, 2002b, p. 12). A saída de casa das mulheres
estaria, portanto, humanizando um mundo desumano e destrutivo.
Boff (2002) aborda outra queso biológica, revendo a estrutura cerebral humana e
conectando-a com o aspecto do feminino-masculino. Nesse ponto enfoca os três estágios
cerebrais: o cérebro reptiliano, o límbico e o neocortical. Ele explica que o cérebro
reptiliano é o responsável pela nossa fisiologia de subsistência, pelas reações instintivas e
pré-reflexivas. O sistema límbico, surgido com os mamíferos, relaciona-se com os
sentimentos, a afetividade e o cuidado com a prole; é o responsável pela comunicação oral
e “teve a mais longa duração temporal e estrutura fundamentalmente a profundidade
humana, feita de
pathos
(‘sentimento’) e
eros
(‘afeto’). É o cérebro da dimensão da
anima
em todos os seres superiores”. (p. 47). Essa parte do cérebro humano corresponderia a
questões atribuídas ao feminino em nosso desenvolvimento como espécie. Já o cérebro
neocortical, mais recente, surgiu há três miles de anos e é o que menos memória
genética possui; responsável pelo pensamento, pela capacidade de abstração e de
ordenação dos seres humanos, corresponderia, segundo o autor, ao
animu
s, à visão
masculina presente nos homens e mulheres.
A partir dessas definições biológicas e emocionais, de acordo com Boff (2002), o
feminino, tanto no homem quanto na mulher, configura-se naquele momento de mistério,
de integralidade, de profundidade abissal, de capacidade de pensar com o próprio corpo, de
decifrar mensagens escondidas sob sinais e símbolos, de interioridade, de sentimento de
pertença a um todo maior, de receptividade, de poder gerador, nutridor, de espiritualidade.
Já o masculino manifesta-se, no homem e na mulher, como o outro pólo, o da razão, da
objetividade, da ordem, do poder, da materialidade e da agressividade, o movimento para a
clareza que distingue, separa e ordena. O feminino constitui a fonte origiria da vida e o
masculino, a vida já formada e evoluída. No feminino reside o poder da plenitude interior;
no masculino, o poder da organização exterior. No feminino, há o cuidado e a conservação;
no masculino, a conquista e a apropriação. No feminino há a defesa; no masculino, o
ataque. No feminino, a reverência ao mistério do divino e da vida; no masculino, a vontade
de desvendá-lo e decifrar esses mistérios. Todas essas acepções são perfeitamente
representadas pelo
yin-yang
do Tao, símbolo da unidade dos dois pólos presentes em cada
33
ser humano, concretizando-o como ser dual, polar, com partes opostas, mas
complementares.
[...] os antigos chineses acreditavam que todas as pessoas, homem ou mulheres,
passam por fases yin e yang. A personalidade de cada homem e de cada mulher
o é uma entidade estática, mas um fenômeno dimico resultante da interação
entre elementos masculinos e femininos. Essa concepção da natureza humana
está em contraste flagrante com a da nossa cultura patriarcal que estabeleceu
uma ordem rígida em que se supõe que todos os homens são masculinos e todas
as mulheres, femininas, e distorceu o significado desses termos ao conferir aos
homens os papéis de protagonistas e a maioria dos privilégios da sociedade.
(CAPRA, 2002, p. 34).
É importante, nesse ponto, retomar os preceitos junguianos, segundo os quais
homens e mulheres contêm em seu psiquismo o outro gênero, na forma de arquétipos.
Assim, no homem há a presença da
anima
, sua porção psíquica feminina, e, na mulher,
existe o
animus
, representando a porção masculina da psique feminina
9
. Para Jung (2002),
os pares de opostos são as sizígias
10
, existindo inúmeras delas em nosso imaginário
mitológico e simlico. A sizígia masculino-feminino, mergulhada na obscuridade da
mitologia primitiva, é um dos pares de opostos mais importantes que aparecem muito
freqüentemente em nossa simbologia.
Essa dualidade da formação da nossa espécie faz parte do nosso inconsciente
coletivo, tornando-se um ponto praticamente imutável. Porém, o mundo contemporâneo,
constantemente, lança novos desafios à psique humana, aos quais ela procura se adequar.
Essas mudanças são impostas sem respeitar o tempo necessário para que a psique seja
capaz de processá-las e de compreendê-las. Com transformações estruturais ocorrendo nos
universos masculino e feminino e, sobretudo, na inter-relação entre ambos, há dificuldades
para a tomada consciente de novas atitudes, gerando apenas ações reativas.
Diante disso, as mulheres defrontam-se com a insegurança de uma “corda bamba”,
pois são alvos das cobranças referentes aos novos papéis assumidos, para os quais elas
ainda não se reorganizaram completamente. Ao mesmo tempo, tentam corresponder
Afirma Neumann (2006) que, quando a situação cultural é marcada pela dinâmica psicológica de um dos
sexos, (matriarcado ou patriarcado), esta é válida para ambos. Hoje, sob o domínio do patriarcado, a posição
masculina da consciência, e sua evolução mostram-se válidas também para a mulher moderna.
Syzygos: acasalado, unido; syzygia: coniugatio (JUNG, 2002).
34
satisfatoriamente a tudo que se espera delas, exigindo-se um esforço descomunal de
ressignificação e de respostas.
2.1 Escola, um espo feminino?
No contexto apresentado, há que se pensar em como se encontra a mulher
educadora nos dias de hoje e como se constitui como tal em decorrência dos fatos que a
antecederam e perpassaram. A escola é considerada por muitos como um ambiente de
mulheres, que em maioria atuam e ocupam esse espaço. Louro (1997) considera que a
atividade escolar é marcada pelo cuidado, pela vigilância e pela educação, tarefas
tradicionalmente femininas, e que o discurso pedagógico reafirma que as relações e as
práticas escolares precisam se aproximar das familiares, embasadas no afeto e na
confiança
11
. Assim, a ação das educadoras guarda semelhanças com a ação das mulheres
no lar. Esse processo teve início a partir da segunda metade do século XIX, com a
permiso das mulheres de atuarem como docentes, desembocando no seu predomínio nas
salas de aula. “O magistério será representado de um modo novo na medida em que se
feminiza e para que possa, de fato, se feminizar.” (p. 95).
A feminização da educação apontada pela autora surgiu pela vinculação à educação
de filhos e filhas e como continuidade das funções sociais do casamento. Assim, o magistério
tomou de empréstimo os atributos associados tradicionalmente às mulheres, como o amor, a
sensibilidade, o cuidado etc. As professoras são compreendidas como mães espirituais,
combinando elementos religiosos e atributos femininos, construindo o magistério como
atividade de doação, amor e vigilância. Essa condição conduziu a que as mulheres
acreditassem que sua opção foi fruto de uma verdadeira vocação, não de uma escolha que
leva em conta as possibilidades concretas de realização profissional. (COMIOTTO et al.,
1997). Dessa forma, as escolas de formação docente passam a ser preenchidas
majoritariamente por moças, tornando-as as novas especialistas em educação e infância.
Segundo Capra (2002), a sociedade de hoje, baseada em valores materiais, reserva às mulheres o papel de
apoiar e dar suporte à competitividade masculina, deixando a seu cargo funções que atendem a essa
necessidade: “Assim, secretárias, recepcionistas, aeromoças, e nfermeiras, donas-de-casa, executam tarefas
que tornam a vida mais confortável e criam atmosfera em que os competidores podem triunfar”. (p. 42). Isso
também se estende às atividades de educar.
35
Louro ainda (1997) alerta para as representações simbólicas das professoras em
diferentes momentos. Elas foram vistas como solteironas ou “tias”
12
, gentis normalistas,
habilidosas alfabetizadoras, modelos de virtude e, posteriormente, como trabalhadoras da
educação. Essa linguagem esconde sua sexualidade, as roupas escondem seu corpo e o fato
de ser “tia” esconde seu estado de casada
13
. Segundo a autora, inicialmente a incursão das
mulheres no magistério ficou reduzida àquelas que não se casavam e não seguiam o
destino “natural”. O fato de não terem marido também ajudava a representá-las como
desprovidas de sexualidade, evitando problemas com alunos e alunas.
Entretanto, essas mulheres se sustentavam com seu salário e, com isso, garantiam
certas prerrogativas tidas como masculinas, como circular em espaços anteriormente
reservados apenas aos homens. Isso levou a que de ceis professorinhas passassem a se
tornar trabalhadoras da educação, com seus sindicatos, reivindicando melhores salários e
condições de trabalho, fazendo greves, expondo e discutindo sua situação de educadoras.
Outro fator que conduziria as mulheres a predominarem na atividade docente,
apontado por Fernandez (2001), foi a desqualificação salarial e simbólica do lugar do
professor. Mesmo no ensino médio e na universidade há um maior número de educadoras
mulheres do que homens. Relata Fernandez: “Na família, há muito tempo, as funções
ensinantes associadas às primeiras aprendizagens (comer, caminhar, falar, controlar os
esfíncteres) foram tomadas pelas mulheres, deixando os homens excldos da alegria de
descobrir-se gestando o próprio filho.” (p. 40).
Fernandéz (1994), em outro estudo, faz um importante apontamento acerca das
similitudes do trabalho doméstico e do trabalho docente. O trabalho doméstico, incluído aí
o cuidado com as crianças, é considerado inerente à natureza das mulheres, retirando-se,
assim, o caráter produtivo dessa atividade. Dessa forma, as professoras têm seu trabalho
desvalorizado. De acordo com a autora, a tarefa docente suporta uma sobrecarga
depreciativa também em virtude da desqualificação infantil. Essa infantilização ocorre
inclusive no trabalho docente: “Ao considerar o ‘cuidado’ das crianças e sua educação
como inerentes à ‘natureza’ feminina, o trabalho docente passa por um esvaziamento. Tal
O termo “tia” já representa uma pessoa mais disponível, rec eptiva, desprovida de vida sexual e sem filhos.
Em espanhol, para referir-se a professora utiliza-se o adjetivo “senhorita”, antecedendo seu nome, mesmo
que ela seja casada, numa clara referência à dificuldade em admitir sua vida sexual.
Lembro o caso de uma amiga, professora iniciante em escola de ensino médio, quando mostrava suas
novas “roupas de professora”, que comprara julgando -as mais adequadas para se apresentar aos alunos e aos
demais professores. Tratava-se de camisas de mangas longas e golas fechadas que não deixavam entrever um
pedaço de pele e transformavam uma moça de vinte e poucos anos numa senhora sisuda e assexuada.
36
situação o transforma em uma atividade não mediatizada, não criativa, não rentável, não
produtiva e até invisível, como uma extensão do trabalho doméstico.” (p. 110).
Por outro lado, a escola lida fundamentalmente com o conhecimento produzido
pelos homens; portanto, ainda que as agentes educadoras sejam mulheres, elas se ocupam
de pressupostos masculinos em sua práxis. Além disso, a forma como ministram esses
conhecimentos é orientada por uma vio masculina, tornando a escola, embora em sua
maioria composta de mulheres, um ambiente de saberes eminentemente masculinos.
Segundo Comiotto
et
al.
(1997), no que se refere ao currículo escolar, as disciplinas
consideradas mais importantes são as que exigem um raciocínio lógico mais desenvolvido.
Também o tipo de educação que as mulheres receberam pode interferir na sua
prática docente. Em sua maioria, tendo recebido uma educação pela qual deveriam se
mostrar submissas, obedientes, passivas e agradáveis, sem se atrever a perguntar, quando
professoras não se mostram à vontade com o questionamento de seus alunos, chegando a
considerar agressivas essas ações (FERNANDÉZ, 2001)
14
.
Outra questão que se observa é a incapacidade das mulheres educadoras de
apreenderem com amplitude a situação na sua própria história. Parece que o conhecimento
ancestral que as tornava conhecedoras dos mistérios da vida e da morte foi se perdendo sob
as rodas do progresso, do cientificismo, da falsa vaidade, da futilidade, que servem para
encobrir uma baixa auto-estima e uma incapacidade de perceber a verdadeira beleza e a
sabedoria do universo feminino. A perda dessas capacidades esvazia a prática docente, na
medida em que a converte exclusivamente num repasse de saberes científicos,
mecanizados, visando apenas a um resultado quantitativo, levando a uma insatisfação com
relação ao papel de formadoras.
Segundo Byington (2003), se o padrão matriarcal, suplantado pelo patriarcal, fosse
resgatado no ensino, este seria enriquecido extraordinariamente com prazer,
espontaneidade, sensualidade, intimidade, ludicidade, sentimento e intuição, exatamente
por se trazer o subjetivo de volta ao aprendizado. “Essas funções estruturantes multiplicam
magicamente a motivação para aprender, integrar e preservar o aprendido pela memória
vivida do Self. O resgate da intuição e do prazer no ensino nos encaminha para o reino da
fantasia e da imaginação”. (p. 169).
Segundo Fernandez (2001), cada professor possui um modelo interno do que seja um “bom aluno”. Este
modelo é constituído por idéias conscientes e inconscientes, por mitos, que, sobretudo na hora da avaliação,
podem se sobrepor aos critérios conscientes.
37
Assim, somente quando essas educadoras começarem a valorizar os saberes de sua
corporeidade, sensibilidade, amorosidade e capacidade de afeto, podeo construir uma
nova relação de educação em sua função de ensinantes, inaugurando a gestão do cuidado e
estabelecendo, conforme Dorneles (2003), uma alternativa de constituir relações para que
as pessoas manifestem suas potencialidades e se desenvolvam como sujeitos.
3 O IMAGINÁRIO E A TEORIA DE JUNG
A imaginação não pode ser declarada desequilibrada por não concordar
com os fatos da “realidade. É a realidade quem deve ser declarada louca
quando não concorda com as aspirações da imaginação.
Rubem Alves
3.1. Proposições sobre o imaginário
A produção deste capítulo representa um esforço no sentido de compreender as
concepções acerca do imaginário com base no pensamento de Gilbert Durand (1995) e de
Gaston Bachelard (2003). Para iniciar o estudo do que seja imaginário, há que se
compreender o que seja imaginação numa visão mais ampla. A imaginação pode ser vista
como algo oposto à realidade cotidiana, como algo que não existe no plano concreto; é a
produção de devaneios e imagens capazes de afastar a visão do cotidiano, comumente
chamada de “a louca da casa”, numa clara oposição ao racionalismo. Segundo o
Dicionário Abbagnano
(2003), em termos gerais, a imaginação é a possibilidade de evocar
ou produzir imagens, independentemente da presença do objeto a que se referem.
O estudioso do imaginário Gilbert Durand (1995) parte da fenomenologia da
imaginação de Bachelard e da psicologia da profundidade de Jung, entre outras bases, para
construir sua própria teoria. Durand ainda busca na nova visão da física contemporânea a
não-dissociação entre sujeito e objeto, entre o imaginário e a razão, o sagrado e o profano,
a ciência e a poesia, para embasar suas formulações. “Não porque um dos termos de nossos
39
dualismos ancestrais se reduziria ao outro, mas porque são ambos significantes de um
mesmo significado
tertium datum
que os estrutura os dois.” (p. 20).
Gaston Bachelard (2003) segue essas mesmas posições tecendo críticas ao
racionalismo. Para ele, o filósofo que formou todo seu pensamento nas trilhas cientificistas
“deve esquecer o seu saber, romper com todos os hábitos de pesquisas filosóficas, se quiser
estudar os problemas propostos pela imaginação poética”. (p. 1). Assim, nas questões do
imaginário não há, como nos métodos filosóficos tradicionais, uma relação de causalidade.
A imagem poética não está sujeita a uma relação com o passado, pois tanto pode referir-se
a ele como ter um ser próprio, um dinamismo próprio. É a partir desse entendimento que
Bachelard (2003) propõe suas fundamentações:
Dizer que a imagem poética foge à causalidade é, sem dúvida, uma declaração
grave. Mas as causas alegadas pelo psicólogo e pelo psicanalista jamais podem
explicar o caráter realmente inesperado da imagem nova, nem tampouco a
adesão que ela suscita numa alma alheia ao processo de sua criação. O poeta não
me confere o passado de sua imagem, e no entanto ela se enraíza em mim. (p. 2).
Bachelard (2003), para esclarecer o problema filosófico da imaginação, propõe uma
fenomenologia da imaginação, que seria o estudo da imagem poética quando esta emerge
na consciência como produto direto do coração, da alma, do ser do homem em sua
atualidade. Para ele, essa fenomenologia da imaginação representa um paradoxo: como
uma imagem singular pode revelar-se como uma concentração de todo o psiquismo? Como
pode reagir em outras almas, em outros corações, apesar de todas as barreiras do senso
comum? Essa
transubjetividade da imagem
não pode ser apreendida em essência levando-
se em conta apenas as referências objetivas, pois é definitivamente
variacional
. Portanto,
um leitor de imagens, e Bachelard ao falar de imagens sempre se refere a imagens poéticas,
o deve encará-las apenas como um objeto ou como substitutas de um objeto. Ele deve
captar sua realidade específica, ou seja, associar o ato da consciência criadora ao seu
produto mais fugaz: a imagem poética. “Para bem especificar o que pode ser uma
fenomenologia da imagem, para especificar que a imagem vem
antes
do pensamento, seria
necessário dizer que a poesia é, mais que uma fenomenologia do espírito, uma
fenomenologia da alma.” (p.4).
40
Para Bachelard (2003), alma e espírito são indispensáveis para estudarmos os
fenômenos da imagem poética em suas diversas nuanças, e isso foge à aquisição de um
saber, este no sentido científico e metodológico. Alerta também para que não se caia
numa esfera da “sublimação pura”, na qual os psicólogos e psicanalistas vêem apenas
um jogo, destituindo as imagens daquilo que mais precisamente elas têm, uma
significação poética, caindo, assim, num psicologismo: “Ele escava a história de um
homem; vê, mostra os sofrimentos secretos do poeta. Explica a flor pelo adubo”. (p.
13). Por outro lado as questões da sublimação não podem ser preteridas pelo
fenomenólogo da imagem, porque, amplamente estudadas pela psicanálise, já fazem
parte do nosso arcabouço de conhecimento.
Ainda Bachelard (2003) procura deixar clara a diferença entre imagem e memória:
“Propomos, [...] considerar a imaginação como uma potência maior da natureza humana.
Por certo, nada esclarecemos ao dizer que a imaginação é a faculdade de produzir imagens.
Mas essa tautologia tem pelo menos a vantagem de sustar as assimilações entre imagem e
lembrança.” (p. 18). Como uma atividade viva, a imaginação desprende-se ao mesmo
tempo do passado e da realidade, abrindo-se para o futuro.
Por outro ponto, referindo-se ao imaginário na contemporaneidade, Durand (1995)
alerta que o pensamento simbólico está habitando a clandestinidade. Para ele isso ocorre
porque a pedagogia cientificista ainda vigente não é senão uma conseqüência da
mentalidade mais profunda de desagrado com relação ao espiritual em proveito do ganho
material, reinante em nossos tempos.
É essa mentalidade que não só rejeita em vão o sentido da imagem, com toda a
potência da sua pedagogia, mas deixa que a consciência se afogue passivamente
nas marés de imagens sufocantes porque despidas de qualquer intenção
hermenêutica. Pode-se dizer que a mentalidade do Ocidente instaura um duplo
iconoclasmo: de um lado, pela rarefação pedagógica dos símbolos, em benefício
dos fatos materiais e dos signos objetivos: de outro, pela inflação patológica de
imagens desorientadas, carentes a priori de qualquer valor hermenêutico,
cancerizando a imaginação criadora. (p. 26).
Nessa mesma questão, Durand (1995) aponta a repressão da imagem na
mentalidade ocidental: a redução “positivista” da imagem a signo; a redução “metafísica”
da imagem a conceito e a redução “teológica” da imagem às servidões temporais e
deterministas da história e às justificativas diticas. A imagem, então, entregue à
41
clandestinidade e privada de uma tradição hermenêutica e de seus mecanismos profundos,
já não pode garantir seu papel terapêutico e espiritual. Todavia, é possível a homens e
mulheres da sociedade industrializada uma experiência simbólica autêntica, o que é
recomendado como antídoto à onda avassaladora das imagens a que somos submetidos.
Isso só se dará a partir do reconhecimento de uma prenhez simbólica
15
e da recusa de uma
pedagogia temporal mecanicista, pela inserção numa tradição rica em imagens e pela
recusa às imagens redutivas de nossa civilização, além de aceitar o esforço de recondução
hermenêutica e recusar a idolatria da história.
Como contraponto, Durand (2002) propõe uma pedagogia da imaginação, já que
outrora os grandes sistemas religiosos desempenhavam o papel de conservatório dos regimes
simbólicos e das correntes míticas, o qual hoje poderia ser desenvolvido pelos meios
pedagógicos. Por isso, é necessário que uma pedagogia venha esclarecer, senão ajudar, essa
sede de imagens, de fantasia e de sonhos. O autor propõe o ensino da arquetipologia, da
mitologia, da estilística, da retórica e das belas artes sistematicamente; assim, poderiam ser
restaurados os estudos literários e reequilibrada a consciência do homem de amanhã. “Um
humanismo planetário não se pode fundar sobre a exclusiva conquista da ciência, mas sim
sobre o consentimento e a comunhão arquetípica das almas”. (p. 430).
É com base na perspectiva simbólica que Durand (1995) se posiciona para estudar
os arquétipos fundamentais da imaginação humana. Portanto, a imagem sempre se reporta
ao símbolo; mais enfaticamente, ela é sempre símbolo. Nesse ponto ele tece críticas aos
estudiosos que não levam em conta esse pressuposto e que, justamente por isso, “deixaram
evaporar a eficácia do imaginário”. (p. 29). É tal a importância do símbolo, que lhe é
atribuído um poder equilibrante por excelência: “Ele lastreia a libido com um ‘sentidoe
carrega a consciência com uma energia que lhe permite um constante ‘salto para a frente
significativo. (p. 37).
Nesse ponto, é preciso tornar clara a concepção duraniana de símbolo. Para Durand
(1995), antes de ser um
homo sapiens
, o homem é um
animal symbolicum.
Dessa forma, o
símbolo é o processo geral do pensamento e constitui o dado primordial da consciência
humana. Portanto, torna-se necessário que se compreendam as motivações simbólicas a
fim de escapar à esterilidade da explicação linear e, ainda, não cair nos ímpetos intuitivos
Para Durand, diante da meta da objetividade, o pensamento é apenas fisionomia do processo de
objetivação, porque nunca pode intuir diretamente uma coisa. É uma “prenhez simbólica”, ou seja, tem a
presença inelutável de sentido. Assim, para a consciência humana nada jamais se apresenta, tudo é
representado.
42
da imaginação. Já as motivações extrínsecas à consciência imaginante (motivações sociais,
religiosas e outras) levariam a uma concepção utensiliária da semântica imaginária:
“Torna -se então necessário procurar as categorias motivantes dos símbolos nos
comportamentos elementares do psiquismo humano, reservando para mais tarde o
ajustamento desse comportamento aos complementos diretos ou mesmo aos jogos
semiológicos.” (p. 38).
Bachelard (2003) também se aproxima da visão duraniana de que o símbolo é
eficaz para o bom equilíbrio da consciência: por um lado, a imagem tornando-se signo
pelos conceitos científicos; por outro, o preenchimento da percepção por imagens poéticas,
chegando a uma participação afetiva. Esses seriam constitutivos dos fluxos e refluxos de
uma alma feliz, da boa saúde mental. Assim, a terapêutica psíquica, ou até mesmo social,
consistiria em provocar uma eficácia simbólica adequada ao caso tratado. “Hoje está bem
estabelecido que a doença mental e os estados ditos de ‘baixa tensão’ consistem em um
desequilíbrio dos regimes do imaginário e ao mesmo tempo em uma rarefação da
tonalidade simlica pelo jogo em
hiper
e em
hipo
” (p. 45).
Nas questões psíquicas, Durand (1995) afasta-se da vio freudiana que atribui
imenso poder às motivões sexuais, anais, orais: “É evidente que o simbolismo na sua
riqueza ultrapassa de longe o estreito setor do recalcado e não se reduz aos objetos que a
censura tornou tabus”. (p.39). O autor aproxima-se mais do pensamento de Jung, que
mostra como a libido se complica e se metamorfoseia sob a influência de motivações
ancestrais: “As ima gens não valem pelas raízes libidinosas que escondem mas pelas flores
poéticas e míticas que revelam”. (p. 39). Cita Pradines, para quem o pensamento não tem
outro conteúdo que não seja ordenar as imagens. Também Jung (2002) percebeu que o
pensamento repousa em imagens gerais, os arquétipos, que são determinantes
inconscientes do pensamento e estruturantes da psique.
Segundo Durand (1995), para estudar o simbolismo imaginário é imprescindível
enveredar pela via da antropologia, considerando-a como o conjunto de ciências que
estudam o
homo sapiens
e para a qual “nada de humano deve ser estranho”. Portanto, é
preciso colocar-se num
“trajeto antropológico, ou seja, a incessante troca que existe ao
nível do imaginário entre as pulsões subjetivas e assimiladores e as intimações objetivas
que emanam do meio cósmico e social.”
(p. 41 grifo do autor).
O imaginário, então, poderia ser compreendido como a representação do objeto pelas
pulsões do sujeito, como as acomodações do sujeito ao meio objetivo. Assim, o símbolo
43
seria o produto dos imperativos biopsíquicos pelas intimações do meio. A isso Durand
chama de “trajeto antropológico”. Segundo Ormezzano (2001), o trajeto antropológico,
como metodologia de estudo da imaginação, é a troca existente entre a subjetividade e o
ambiente sociocultural e natural, e o imaginário poderia ser, então, o ponto de encontro entre
a polaridade sujeito/objeto provocando sua complementaridade Nesse trajeto, ele parte do
psíquico para o cultural, pois crê que é mais fácil ir do sujeito para os complementos diretos
e, depois, para os indiretos, preconizando uma comodidade metodológica.
Durand (1995), considerando o ser humano em sua totalidade, com as suas
dimensões lógica e afetiva, integrado num meio objetivo (cósmico e social), observa
que todo o esforço de criação tem por finalidade dar uma resposta à passagem do
tempo e à inevitabilidade da morte. Para ele, o imaginário constitui a essência do
esrito, isto é, o esforço do ser para erguer uma esperança viva, frente e contra o
mundo objetivo da morte. Se o mundo fosse totalmente objetivado, sem sentido (seja
filosófico, religioso, político...), não seria vivível. Assim, o ser humano, a cada
instante, cria sentidos para o mundo, para si e para o cosmos. Só então será possível
enfrentar a fragilidade e a finitude humanas. E, para se defender da angústia
existencial e da morte, é preciso representá-las, pois representar já é uma maneira de
exorcizar, de promover catarse. Dessa forma, os povos criaram várias imagens que
triunfam sobre a morte, revelando esquemas primários fundamentais. Essa angústia
da morte é representada por uma série de símbolos que Durand (2002) denominou “os
semblantes do tempo”.
É a objetividade que baliza e recorta mecanicamente os instantes mediadores da
nossa sede, é o tempo que distende a nossa saciedade num laborioso desespero, mas
é o espo imaginário que, pelo contrário, reconstitui livremente e imediatamente em
cada instante o horizonte e a esperança do Ser na sua perenidade. (p. 433).
Acerca dessas constelações de imagens, Durand (1995) encontra nos estudos sobre
o imaginário a visão de duas dominantes no recém-nascido humano: a primeira é a
dominante de posição, relacionando-se à posição vertical; a segunda é a dominante de
nutrição, ou de engolimento, que se manifesta nos reflexos de sucção labial e da orientação
correspondente da cabeça. Assim, a nutrição e a posição são reações inatas de caráter
dominante. Uma terceira dominante é acrescentada, a rítmica, pois é sob o signo do ritmo
44
que se desenrola o ato sexual
• esta s er i a a domi n an t e s ex ual . Essas dominantes seriam as
responsáveis pela constituição do imaginário, levando em consideração que o corpo todo
colabora na constituição da imagem. O ponto de partida de Durand (1995) é que existe
uma estreita concomitância entre os gestos do corpo, os centros nervosos e as
representações simbólicas.
O Regime Diurno tem a ver com a dominante postural, a tecnologia das armas, a
sociologia do soberano mago e guerreiro, os rituais da elevação e da purificação; o
Regime Noturno subdivide-se nas dominantes digestiva e cíclica, a primeira
subsumindo as técnicas do continente e do hábitat, os valores alimentares e
digestivos, a sociologia matriarcal e alimentadora, a segunda agrupando as técnicas
do ciclo, do calendário agrícola e da indústria têxtil, os símbolos naturais ou
artificiais do retorno, os mitos e os dramas astrobiológicos. (p. 58).
Mais adiante, Durand admite a soma de um terceiro regime aos demais, o
crepuscular imagens do ciclo, do ritmo e da progressão sintetizadora, relacionado com
a dominante copulativa (ORMEZZANO, 2005, p. 91). Assim, Durand funda seus estudos
sobre os regimes do imaginário, as estruturas
16
, que se dividem em regime diurno e
regime noturno do imaginário. Ao regime diurno cabem as imagens de ascensão, da
iluminação e da purificação; ao noturno, os símbolos que se referem à inversão, à
intimidade, ao místico.
3.2 O pensamento de Jung
No mundo contemporâneo, atribulado, numa época em que a racionalidade impera
absoluta, pode ser intrigante que um trabalho educativo seja pautado por questões que se
proponham a conduzir os sujeitos a estados nos quais a fantasia e a imaginação sejam
dominantes, como é o caso da utilização das vivências estéticas baseadas nos mitos, rituais
e histórias. No caso da arte, não poderia se optar pelo contrário, levando em conta
simplesmente as questões da razão. O contato com aquilo que não se explica logicamente
Segundo Ormezzano (2001), hoje Durand chamaria de “modalidades” o que anteriormente chamou de
“estruturas”.
45
apenas é um importante desencadeador de processos capazes de transformações e elevação
de consciência das pessoas.
Por confiar nisso, conduzi as oficinas com base na construção ritualística e utilizei
as histórias e mitos para configurar as vivências. Todas essas questões encontraram no
trabalho de Jung um respeitável suporte. Assim, não poderia deixar de fazer um breve
“passeio” pelo pensamento desse estudioso, que introduziu importantes conceitos na esfera
da psicologia e cuja linha teórica será um guia deste trabalho.
A arte como atividade psicológica foi efetivamente analisada a partir de Freud, mas
foi Jung (2003) quem a estudou como impulsionadora da atividade terapêutica. Freud, com
seu método reducionista, restringia a arte reportando-a a infância e aproximando-a dos
núcleos neuróticos. Seu método baseia-se na suposição de que existem conteúdos
psíquicos, normalmente de caráter moral e negativo, que ficam reprimidos no inconsciente.
A psicologia analítica, fundamentada por Jung, de outro lado, analisou a arte sem compará-
la com aspectos doentios e considerou a expressão artística como um importante método
para a liberação dos conteúdos inconscientes, os arquétipos, portanto um fator auxiliar no
processo terapêutico (ABBAGNANO, 2003).
A evidência de que o inconsciente age, em muitos casos, como inspirador do
artista ao concretizar sua obra, podendo ser, inclusive, seu único inspirador, pautou o
pensamento de Jung. Dessa forma, o inconsciente pode se manifestar na obra, de modo
que a própria mente consciente acompanhe o processo com espanto. Isso comprova o
preceito junguiano de que o consciente é influenciado pelo inconsciente e, em algumas
situações, pode ser dirigido por ele. Como afirma Hauser (1994), “não é apenas a razão
que guia os nossos atos, pois além dela, operam, em nosso inconsciente, fatores que
para lá foram empurrados porque os consideramos inconvenientes em nossa vida tão
racional e organizada”. (p. 15). Quando nos deixamos guiar pelo inconsciente ao
criarmos uma representação artística, quase sempre expressamos conteúdos
arquetípicos, ao contrário do que pensava Freud acerca da mera representação de
conteúdos neuróticos e reprimidos.
Outra questão na qual o pensamento de Jung (2003) se diferencia do de Freud é que
este considera o inconsciente como de natureza exclusivamente pessoal, ao passo que
aquele, embora admita o inconsciente pessoal, afirma que ele repousa sobre uma camada
mais profunda, inata, que chamou de “inconsciente coletivo”. A natureza do inconsciente
46
coletivo é universal; ele não deve sua existência à experiência individual, mas à
hereditariedade, não sendo, portanto, uma aquisição do indivíduo.
Postula Jung (2003) que o inconsciente coletivo possui conteúdos que são os
mesmos em todas as partes e para todas as pessoas, constituindo um “substrato psíquico
comum de natureza psíquica suprapessoal que existe em cada indivíduo”. (p. 15). Esses
conteúdos nunca estiveram na consciência, como os do inconsciente pessoal. Para Jung, no
inconsciente coletivo estão armazenadas as verdades eternas do ser humano, sem limites de
espaço e tempo.
Minha tese é a seguinte: à diferença da natureza pessoal da psique consciente,
existe um segundo sistema pquico, de caráter coletivo, não-pessoal, ao lado do
nosso consciente, que por sua vez é de natureza inteiramente pessoal e que [...]
consideramos a única psique passiva de experiência. O inconsciente coletivo não
se desenvolve individualmente, mas é herdado. Ele consiste de formas
preexistentes, arquétipos, que só secundariamente podem tornar-se conscientes,
conferindo uma forma definida aos conteúdos da consciência. (p. 54).
Jung (2003), entretanto, não nega a importância da consciência; ao contrário, afirma
que todas as nossas ações inconscientes deveriam, como ideal, ser assimiladas pela
consciência. Também não divinizou os processos inconscientes, mas percebeu neles
padrões que estruturam e coordenam as atividades da consciência humana, incluindo as
religiões e as descobertas científicas. Para Jung (2003), o inconsciente apresenta dois
aspectos: um retrospectivo, que aponta para trás, em direção ao instinto pré-consciente e
pré-histórico, e outro que antecipa potencialmente o futuro, que é o conteúdo prospectivo.
“Chamamos o inconsciente de ‘nada’, e no entanto ele é uma
realidade in potentia
: o
pensamento que pensaremos, a ação que realizaremos e mesmo o destino de que amanhã
nos lamentaremos já estão inconscientes no hoje”. (p. 272).
Outra questão importante do legado junguiano a ser considerada no decorrer desta
pesquisa é o conceito de arquétipo, principalmente pelas suas implicações na teoria do
imaginário de Durand. Jung (2003) afirma que os arquétipos estão armazenados no
inconsciente coletivo e que é por meio deles que o inconsciente se manifesta. “Enquanto o
inconsciente pessoal consiste em sua maior parte de
complexos,
o conteúdo do
inconsciente coletivo é constituído essencialmente de
arquétipo
. (grifo nosso, p. 53).
Entende que, quando nos referimos aos conteúdos do inconsciente coletivo, estamos nos
47
referindo a tipos arcaicos ou primordiais, isto é, a imagens universais que existiram desde
os tempos mais remotos. Esses conteúdos são os arquétipos, cujas manifestações ocorrem
em forma de fantasias e imagens simbólicas dos instintos, estes entendidos como os
impulsos fisiológicos percebidos pelos sentidos.
A origem dos arquétipos não é conhecida, ainda que se repitam em qualquer época
e qualquer lugar do mundo. Segundo Jung (1964), os arquétipos “parecem quase dotados
de um feitiço especial [...], criam mitos, religiões e filosofias que influenciam e
caracterizam nações e épocas inteiras”. (p. 79). Seriam, então, esquemas ou
potencialidades funcionais que determinam inconscientemente o pensamento.
Todo o arquétipo condiz, portanto, com uma forma preexistente
.
Constituem um
bem inalienável da psique e pertencem aos mais supremos valores da alma humana; logo,
descartá-los como algo insignificante representa realmente uma perda. Os arquétipos
aparecem nos mitos e contos de fadas, bem como nos sonhos e nos produtos das fantasias,
nas representações artísticas e no imaginário em geral. Longe de serem invenções
arbitrárias, são elementos autônomos da psique inconsciente, anteriores a qualquer
invenção. Na pessoa os arquétipos aparecem como manifestações involuntárias dos
processos inconscientes; no mito, porém, são formações tradicionais de idades que não
podemos calcular. Os arquétipos representam essencialmente um conteúdo inconsciente, o
qual se manifesta através de sua conscientização e percepção.
Jung (2003), entretanto, faz um alerta que julgo pertinente mencionar no caso da
representação e da análise de arquétipos: “Em momento algum devemos sucumbir à ilusão
de que um arquétipo possa ser afinal explicado e com isso encerrar a questão.” (p. 161). A
melhor tentativa de explicação de um arquétipo apenas serve para trans-lo a outra
linguagem metafórica, gerando uma outra imagem sobre ele. Para Jung não há substantivo
“racional” para o arquétipo. No caso de uma psicoterapia, todo entendimento deve ser
buscado conjuntamente com o paciente, pois os arquétipos assumem matizes que variam
de acordo com a consciência individual na qual se manifestam. Esse pensamento é
corroborado por Durand (2002), que afirma que os arquétipos não apontam para um único
ponto no espaço imaginário; antes, indicam uma direção, levando essas “realidades
dinâmicas” a se agruparem nas “categorias do pensamento”.
Os arquétipos também são fatores de ligação entre o consciente e o inconsciente,
por meio dos símbolos que os representam, levando a um maior grau de
48
autoconhecimento e, como conseqüência, a um melhor ajustamento ao mundo no qual o
indivíduo está inserido.
A partir do momento em que os arquétipos entram na esfera pessoal da psique,
ou seja, no nível do inconsciente pessoal, por necessidades psicológicas
individuais, tomam forma e se expressam em imagens ou símbolos numinosos,
que constituem uma ponte entre a consciência e o inconsciente, para poderem ser
elaborados não já em nível impessoal e atemporal, mas no âmbito individual da
psique. (HAUSER, 1994, p. 20).
Nesse ponto, em virtude da abordagem que utilizo, a qual leva em conta as questões
das manifestações arquetípicas e simbólicas, cabe promover um entendimento do que seja
símbolo com base na postura junguiana. Para Jung (2003), símbolo é o produto concreto de
um arquétipo, a sua configuração formal, sua imagem, sua expressão. O arquétipo habita o
plano da potencialidade, ao passo que o símbolo se encontra no plano material. Como
exemplo, no arquétipo central, ou self, o símbolo pode ser manifestado de muitas maneiras,
como representações de mandalas ou outras formas a ele associadas.
Outra diferença ocorre porque o arquétipo é somente inconsciente, ao passo que o
símbolo inclui a polaridade consciente-inconsciente. O símbolo alia esses dois pólos,
aglutina as energias psíquicas e as conduz à consciência, podendo, assim, produzir uma
reordenação na ordem vigente naquele momento. Dessa forma, a análise simlica do
produto plástico possui inúmeros substratos, que, ao serem pensados conjuntamente com o
sujeito, podem promover uma nova elaboração psíquica.
Outra questão abordada por Jung (2003) em suas postulações é o chamado “pro cesso
de individuação”: “Uso o termo ‘individuaçãono sentido do processo que gera um
‘individuum’ psicológico, ou seja, uma unidade indivisível, um todo”. (p. 269). Para Jung,
este processo corresponde ao decorrer natural de uma vida, em que o indivíduo
se torna o que sempre foi. E porque o homem tem consciência, um
desenvolvimento desta espécie não ocorre sem dificuldades; muitas vezes ele é
vário e perturbado, porque a consciência se desvia sempre de novo da base
arquetípica instintual, pondo-se em oposição a ela. Disto resulta a necessidade de
uma síntese das duas posições. Isto implica uma psicoterapia mesmo no nível
primitivo, onde ela toma a forma de rituais de reparação. (p. 49).
49
Jung (2003) afirma não ser apenas a consciência que representa a totalidade da
psique do sujeito, mas o conjunto dos processos inconscientes também come essa
totalidade. Para ele, porém, os conteúdos inconscientes não fazem parte do eu consciente,
pois, se fizessem, seriam necessariamente conscientes. Esses “fenômenos dit os
inconscientes têm tão pouca relação com o eu, que muitas vezes não se hesita em negar a
sua própria existência. Apesar disso os mesmos manifestam-se na conduta humana.” (p.
49). Assim, seria um preconceito supor que algo nunca pensado possa não ter existido
dentro da psique.
O processo de individuação compreende, com base nesses pressupostos, a
possibilidade de convivência equilibrada entre consciente e inconsciente, levando em conta
a incapacidade da consciência de abranger o inconsciente totalmente. Evidentemente, o
inconsciente tamm não pode se impor à consciência; caso isso ocorra, Jung (2003)
descreve as patologias mentais, nas quais a consciência não está bem estruturada para se
sobrepor ao inconsciente.
Consciente e inconsciente não constituem uma totalidade, quando um é reprimido e
prejudicado pelo outro. Se eles têm de combater-se, que se trate pelo menos de um
combate honesto, com o mesmo direito de ambos os lados. Ambos são aspectos da
vida. A consciência deveria defender sua razão e suas possibilidade de autoproteção,
e a vida caótica do inconsciente também deveria ter a possibilidade de seguir o seu
caminho, na media em que o suportarmos. (p. 281).
Um indício que se apresenta ao terapeuta acerca do processo de individuação do
seu paciente é a análise da simbologia apresentada na sua produção artística e sua conexão
com o conteúdo arquetípico. Alguns desses símbolos
17
são aportes para que se vislumbre o
processo de individuação, daí emergindo novas situações ou novos estados de consciência.
Para Jung (2003), “a meta de uma psicoterapia que não se contenta apenas com a cura dos
sintomas é a de conduzir a personalidade em direção à totalidade” (p. 282), finalidade da
individuação. Para Durand (1995), tamm os símbolos são fonte de saúde psíquica,
associando a doença mental à incapacidade de simbolização:
Segundo Durand, “enquanto o arquétipo está no caminho da idéia e da substantificação, o símbolo está
simplesmente no caminho do substantivo, do nome”. (2002, p. 62).
50
Pela doença mental a individuação é desregulada de dois modos: em primeiro lugar,
pelo domínio das pulsões instintivas que não chegam a “simbolizar”conscientemente
a energia que as anima e faz com que o indivíduo se desligue do mundo ambiente
como nos “casos” estudados pela psicanálise. Ou eno pela ruptura do equilíbrio em
favor da consciência clara, quando o símbolo se estreita num signo e a pessoa perde
seu “sentido” humano, transformando -se em simples engrenagem de todas as
justificativas racionais. (p. 37).
Outro entendimento de Jung (2003), importante de ser enfocado, é o conceito de
self
ou
si-mesmo, que para ele é o centro da personalidade, um local central no interior da alma, com o
qual tudo se relaciona e que ordena todas as coisas. Esse centro representa também uma fonte de
energia: “A energia do ponto central manifesta -se na compulsão e ímpeto irresistíveis de tornar-
se o que se é, tal como todo organismo é compelido a assumir aproximadamente a forma que lhe
é essencialmente própria”. (p. 353). Esse núcleo não é pensado como se fosse o eu, mas como
sendo o
self
, anterior e mais completo do que o eu consciente. Sua manifestação através da
simbologia arquetípica oferece pistas
o apar eci
mento dos arquétipos e sua representação
simbólica, como o círculo, as mandalas, o quadrado e outros - acerca do processo de
individuação do sujeito.
A interpretação da imagem produzida em arte, com seus símbolos advindos do
inconsciente a fim de serem decifrados e compreendidos, pode ser um dos recursos mais
eficazes para que esses conteúdos sejam agregados à consciência. Há uma maior
possibilidade de conjunção entre os conteúdos inconscientes e conscientes, por meio das
imagens e da forma e sua agregação à consciência pelas leituras pessoais e grupais.
A imagem é veículo do Ser. Encontra-se no profundo da pessoa, no mundo de
suas intuições, uma vida interna a querer se expressar. De início, uma lenta e
penosa gestação onde todo um universo de experiências começa a tomar forma.
No momento exato, há a ruptura definitiva e o Ser se manifesta em forma de
imagem. Na imagem que há por trás das emoções a “voz do Ser” se faz ouvir. A
compreensão do Ser, a clareira do Ser, abrigou-se nessas imagens. (GOUVÊA,
1989, p. 30).
Assim, na criação e na forma se conjugam ação e imagem num processo de organização
mental e material. Para Philippini (2002), a matéria ajuda a “em-formar”, a dar forma, para se
obter uma “in -formação”, ou uma configuração interna, inconsciente, o que dará origem às ações
de “trans -formação”. Logo, no momento em que os conteúdos tenham a qualidade “trans”, de
51
trânsito entre os diferentes níveis psíquicos e transposição de formas de ação propostas por essa
nova configuração psíquica, novos níveis de consciência podem se desvelar ao sujeito.
Uma vez imposta a dualidade da pessoa e da imagem concretizada no material,
haverá um conscientização do fenômeno, o que possibilitará um novo estágio, uma nova
dinâmica, uma dialética consciente-inconsciente. Haverá, então, uma transposição a um
novo estágio de consciência, possibilitando um avanço no entendimento psíquico.
4 RECURSOS METODOLÓGICOS
Nos mitos e sonhos e em nossa memória coletiva, as mulheres são
relembradas como algum dia foram e puderam ser: portadoras do sagrado
feminino. Se é que o patriarcado deva ser curado e o planeta restaurado, seria a
sabedoria feminina necessária?
Jean Shinoda Bolen
4.1 Campo e sujeitos da pesquisa
A proposta desta pesquisa buscou educadoras, independentemente de idade, que
atuassem em escolas públicas de ensino fundamental e médio de Lagoa Vermelha/RS
com a finalidade de formar um grupo para a realização das oficinas de educação
estica
18
. A partir de convite, apresentou-se um grupo de oito educadoras que iniciou
as oficinas em novembro de 2004, em sala cedida pela direção da Escola Estadual de
Ensino Fundamental e Médio Presidente Kennedy, localizada no centro da cidade. Em
virtude da evasão, foi formado um segundo grupo, composto de três professoras, que
teve como local de reunião o ateliê onde exerço atividade artística, também localizado
no centro da cidade de Lagoa Vermelha
19
, cujos encontros se deram a partir de
novembro de 2005.
No total foram realizados nove encontros conforme descrito no item dos recursos metodológicos.
19
Optei por realizar as oficinas deste grupo em meu ambiente de trabalho em virtude da praticidade, pois os
materiais e instrumentos estariam à mão, já que fazem parte do dia-a-dia de um ateliê de artes plásticas, além
da localização, que facilitava o acesso das participantes.
53
Compreendendo os dois grupos, foram selecionadas, em razão da assiduidade, sete
educadoras com idades entre 23 e 48 anos, das quais quatro fizeram parte do primeiro
grupo e três, do segundo. Descrevo-as a seguir, começando pelo primeiro grupo.
I
-
Professora do ensino médio e fundamental, há 21 anos atuando em escolas públicas,
com 43 anos de idade; casada, tem dois filhos adolescentes. Mulher vivaz e interessada, foi
assídua aos encontros embora, tivesse muitos compromissos com as escolas onde atua.
E -
Professora do ensino fundamental há 17 anos. Concluiu graduação em Letras, mas
ainda não atua nessa área, aguardando concurso. Com 44 anos, casada, tem uma filha de 19
anos. Sempre participou ativamente dos encontros, tendo, inclusive levado a filha a um
deles por considerar que também aproveitaria as vivências.
H
- Professora de ensino fundamental há 24 anos. Casada, com 44 anos, tem três filhos, de
21, 18 e cinco anos de idade. Extrovertida, H não hesitava em falar de si e de seus
problemas familiares, incluindo dificuldades conjugais e um filho envolvido com
drogadição grave.
L -
Professora de ensino fundamental, atuando há mais de 10 anos. Com 37 anos é
separada recentemente, tem dois filhos adolescentes. Também se graduou em Letras
mas ainda não realizou concurso. Exerce o magistério há 17 anos. L se mostrava
bastante dividia entre a expectativa de reconstruir sua vida e a responsabilidade de criar
sozinha os filhos.
O segundo grupo foi composto pelas seguintes educadoras:
A
- Professora de educação infantil. Separada, com 42 anos, tem dois filhos, de 14 e sete
anos de idade. Exerce o magistério há 21 anos. Detalhista, sempre era a última a entregar o
objeto plástico, cuidando para que ficasse a seu contento.
M
- Professora do ensino fundamental há três anos. Tem 23 anos, é casada, sem filhos.
Demonstra alguma insegurança com relação ao futuro profissional e buscou na oficina
conhecer-se melhor e descobrir potenciais para auxiliá-la nessa questão.
C -
Professora do ensino fundamental há oito anos. Casada, com quarenta anos, tem três
filhos, uma menina com 17 anos e dois meninos, com 11 e cinco anos de idade. Realizada
como professora, foi quem convidou as demais para a viabilização do grupo.
54
4.2 A construção das oficinas
Cada grupo de mulheres realizou nove encontros, nos quais procurei abordar alguns
temas do universo simbólico feminino
20
. O primeiro grupo iniciou suas atividades em 8 de
novembro de 2004, quando a intenção era realizá-las uma vez por semana, porém a
dificuldade em reunir as participantes estendeu os encontros até 13 de abril de 2005. O
segundo grupo teve seus encontros iniciados em 26 de outubro de 2005 e concluídos em 21
de dezembro do mesmo ano, com intervalo de uma semana cada.
O intuito das oficinas psicoeducativas não foi a “adaptação” das mulheres a
esse momento ainda desordenado do mundo contemporâneo, mas centrou-se em
ajudá-las a perceber a situação, a entender como se sentem perante ela e, a partir
disso, a procurar meios de transformá-la, no que fosse possível, através da
criatividade, da capacidade de conhecer-se e da restauração da intuição e da
percepção, processos femininos que podem ser considerados inatos. Nesse ponto,
valho-me de Capra (2002), que utiliza a simbologia chinesa para vincular o feminino
ao contrátil, ao conservador, ao receptivo, ao cooperativo, ao intuitivo e ao sintético,
representados pelo yin. Já no yang estão o masculino, o expansivo, o exigente, o
agressivo, o competitivo, o racional e o analítico.
Dentre os objetivos que foram buscados em cada encontro estiveram: a
compreensão dos diálogos entre as diferentes linguagens utilizadas durante o fazer artístico
e a discussão sobre sua abordagem na prática pedagógica de cada educadora; o debate,
com base nas vivências artísticas grupais, de proposições para a educação estética em nível
pessoal, social e profissional; a apresentação da linguagem artística e suas interfaces como
um processo criativo e educativo, visando ao autoconhecimento pela exploração de
aspectos cognitivos que não costumam ser acessados corriqueiramente pela concepção
cientificista predominante na escola.
Cada encontro foi registrado através de anotações pessoais e de gravação em fita
cassete dos momentos em que houve debates acerca das propostas e das expressões
plástica. A compreensão dos resultados foi realizada tendo por base a Leitura Transtextual
Singular proposta por Ormezzano (2001).
Para construção das oficinas tomei por base meu estudo de concluo da especialização em Arteterapia, no
qual realizei oficinas com mulheres, porém com objetivos diversos dos desta pesquisa. (ARALDI, 2004).
55
As oficinas realizadas foram concebidas por meio de etapas que se repetiram em
cada uma delas. No tópico a seguir esclaro tais etapas e sua fundamentação teórica.
a) Configuração do espaço como território sagrado:
neste primeiro momento,
configurou-se o espo vivencial para tor-lo sagrado, utilizando rituais e objetos
renovados a cada encontro. Eliade (2001) distingue duas modalidades de ser no mundo, a
sagrada e a profana. Assim, no espaço profano está incluído tudo aquilo que se refere ao
sentido pragmático da vida, resultando no desenvolvimento do pensamento lógico do
homem. O espo sagrado, por sua vez, tem um valor existencial e religioso; portanto, é
forte e significativo. O profano, sem estrutura nem consistência, é amorfo e não tem
nenhuma diferenciação qualitativa.
Segundo Philippini (1999):
Todas as culturas têm seus territórios sagrados, um espo de proteção, calma e
serenidade em que os indivíduos podem realizar seus ritos de conexão com
Aquele que concebem como divindade. Locais para renovar as forças, espaço de
reverenciar ancestrais, pedir proteção, inspiração e harmonia. Nesses territórios
reúnem-se símbolos que facilitam um processo de resgate de um chão original,
uma verdadeira casa no sentido psíquico. (p. 12).
O espo vivencial foi sendo construído para ser um espaço psíquico,
reservado para a criação e a reflexão: “território sagrado da criação, um espaço
acolhedor e flexível no qual, em meio às asperezas do cotidiano, abrem-se trilhas de
entrada num espo mítico de autodescoberta, lugar de gestar-se em sonhos e
projetos. (PHILIPPINI, 1999, p. 16). Dessa maneira, a pessoa que estivesse naquele
intervalo de tempo-espaço seria capaz de recriar-se, de rever-se, de mergulhar na
própria existência sagrada e retornar ao espo profano, da lógica e da racionalidade,
revigorada e reconfortada.
b) Sensibilização:
as atividades desenvolvidas nesta etapa tiveram o objetivo de vincular o
sujeito à proposta. Desse modo, sempre considerando o tema e os objetivos de cada
encontro, foram pensadas atividades sensibilizantes para, a partir delas, promover-se a
vivência plástica. Nesse momento foram utilizados recursos do nosso universo simbólico,
como os mitos, os rituais e as histórias. A seguir fo um apanhado breve dessas
estratégias simlicas e arquetípicas, procurando esclarecer a concepção em que foram
utilizadas na pesquisa.
56
Acerca do ritual reporto-me a Campbell, para quem, desde tempos remotos, todo
o evento social era ritualmente estruturado e tornado profundo graças à religiosidade
que lhe era conferida. Apesar de ter perdido o caráter religioso, o ritual ainda
sobrevive, embora muitas vezez não tenhamos consciência de que o estamos
praticando. Eliade (2001) afirma que “o homem moderno que se sente e se pretende a -
religioso, carrega ainda toda uma mitologia camuflada e numerosos ritualismos
degradados”. (p. 166). Exemplos disso são os festejos que acompanham o Ano Novo,
os nascimentos, os casamentos, as mudanças de casa, de emprego e outros. Porém, essa
falta da consciência, não nos permite usufruir a força de estruturação e ordenação que
essa prática ancestral proporcionaria.
O ritual repete o primeiro ato com o qual o homem primitivo promoveu a
organização de seu universo caótico, que depois foi sendo repetido reiteradas vezes para
que a ordem estabelecida se mantivesse. Do mesmo modo, nas oficinas, o rito foi utilizado
como evento primário, impulsionador para posteriores vivências artísticas.
Estés (1999) entende o ritual como “um dos meios pelos quais os seres humanos
colocam suas vidas em perspectiva [...]. Os rituais reúnem as sombras e espectros das vidas
das pessoas, como que os organizam e os fazem repousar”. (p. 248). Dessa forma, os
elementos que foram acessados e envolvidos pela consciência durante as vivências
estéticas tiveram no rito uma forma de serem reelaborados e registrados. Neste caso, o
ritual funcionou como catalisador dessa energia e como promotor da reintegração dessa
vivência ao andamento cotidiano do indivíduo.
Em algumas oficinas fiz uso dos mitos, portanto faz-se necessário esclarecer
meu entendimento acerca desse tema. Parti do pressuposto de que o ritual é a
ferramenta do mito, a sua materialização. Para Campbell (2000), os mitos são os
suportes mentais dos ritos e os ritos, a ratificação física dos mitos. Eliade (2001)
entende que o mito faz parte da esfera do sagrado, pois conta uma história sagrada, um
acontecimento primordial que teve significado no como do tempo; é a narração de
uma criação, de uma cosmogonia.
Meira (2003a) reforça essa asserção ao afirmar que o mito é construído para
compreender o processo de criação, para entender como os gestos se constituem e como
as formas se organizam. Ele “aparece na fabulação, nas artes, nas narrativas, nas imagens
em série da televisão, conjugando imaginário e pensamento lógico simultaneamente”. (p.
42). Trata-se de uma retórica primária e recorrente, de uma construção extremamente
57
ecológica, relacionando o homem com as forças que o ultrapassam. “O mito não
responde a perguntas como por quê, para quê, como, de onde vem o mal, o bem, a
beleza, a verdade, a justiça, a ordem e a desordem, a violência ou a bondade humana”.(p.
42). Ele não se traduz, não traz verdades, não traz preceitos, mas abre questões:
“experimentação, jogo, arte, laboratório, conceito e fantasia são seus movimentos e
interações”. (p. 42).
Meira também acredita que o mito é promotor e, ao mesmo tempo, ferramenta
do autoconhecimento. Basta que se pergunte de que forma ele pode ser condutor de
uma vivência criativa, se deixar levar por ele, criar ressonâncias e, assim, poder
acrescentar-lhe outros saberes. Para ela, viver o mito não é apenas conhecê-lo, mas
trabalhar com ele.
Campbell (2000) postula que o mito também possui uma função psicológica, sendo
guia e apoio para as pessoas do nascimento até a morte, nas transições que a vida
apresenta, iniciando o sujeito nas ordens de sua própria psique e orientando-o para o seu
enriquecimento e realização espiritual. Os mitos falam dos desafios e das atribulações no
processo de iniciação aos diferentes esgios da vida adulta, falam de ordem social, de
papéis familiares, de conflitos e de resoluções.
Portanto, a utilização da mitologia nas vivências artísticas teve a intenção de
suscitar nas mulheres o encontro com outras formas de narrativas, reportando ao
inconsciente, ao irracional, ao estético. Como afirma Meira (2004) “os mitos nos
permitem delirar sobre aparências inscritas na temporalidade dos fatos cotidianos,
banais, fazendo com que apareçam como excepcionais, atravessando a couraça
anestesiada do hábito do senso comum e da objetividade desencarnada da ciência
gica. (p. 5).
A utilização dos contos de fadas e de histórias nas oficinas de educação estética foi
conjugada com a questão mitológica. As histórias possuem a capacidade de externar em
outro plano aquilo que está na interioridade do sujeito. Elas são representações de
acontecimentos psíquicos e, como os mitos e rituais, são expressões do inconsciente
coletivo. Examinar o simbolismo contido nas histórias promove uma comunicação entre o
consciente e o inconsciente, tornando-as um instrumento facilitador para a autodescoberta
e o autoconhecimento. (ARALDI, 2004).
58
Para Estés (1999), “os contos de fadas, os mitos e as histórias proporcionam uma
compreensão que aguça nosso olhar para que possamos escolher o caminho deixado pela
natureza selvagem” (p. 19), caminho este que envolve o retorno à intuição e o contato com
as energias reparadoras liberadas do inconsciente.
Os contos de fadas e as histórias tamm falam de relações sociais e familiares, de
papéis e seus conflitos, promovendo ressonâncias e reflexões na pessoa acerca de si e de
suas relações. Contudo essas identificações não ocorrem na superficialidade, conduzindo a
uma elaboração dos conteúdos desordenados e uma recondução da postura cotidiana.
Ainda que aparentemente adormecidos, seus conteúdos permanecem latentes e vão
gradativamente sendo trabalhados pelo inconsciente. Talvez por isso, já no seu sentido
mais antigo, as histórias não eram apenas uma diversão, mas uma arte medicinal.
Conforme Bettelheim (2003):
Num conto de fadas, os processos internos são externalizados e tornam-se
compreensíveis enquanto representados pelas figuras da estória e seus incidentes.
Por esta razão, na medicina tradicional hindu, um conto de fadas personificando
seu problema particular era oferecido para meditação a uma pessoa desorientada
psiquicamente. Esperava-se que meditando sobre a estória a pessoa perturbada
fosse levada a visualizar tanto a natureza do impasse existencial que sofria, como
a possibilidade de sua resolão. (p.33).
c) Vivência artística:
neste momento as educadoras realizaram uma atividade artística
na qual, pela exploração de materiais e técnicas, expressaram em linguagem não verbal
suas impressões acerca da proposta e do conteúdo ao qual foram sensibilizadas.
Durante uma vivência, ao sujeito, com sua bagagem física e sensória, junto com seu
universo psíquico, é proposto um fazer significativo, num espo de trabalho, de criação e
de entendimento, de diálogo e de significados. Cada vivência é realizada fora da
continuidade da vida cotidiana e, ao retornar, a pessoa é capaz de transcender, de
ressignificar sua visão de mundo. (ARALDI, 2004).
Vivenciar, no sentido geral, significa estar presente no momento em que algo
acontece, remete à imediaticidade com que se apreende algo real. Porém, um fator
importante para dar sentido permanente a uma vivência significativa é a
intencionalidade, tornando-a um ato da vontade. Se não for dessa forma, ficará apenas
na condição de “momentos materiais, apenas vi vidos, mas não vivenciados
59
(GADAMER, 1997). Esse entendimento cabe perfeitamente na dinâmica estética, na
qual a intenção e a entrega no momento em que é proposta uma vivência são essenciais,
pois não há repercussões expressivas sem a vinculação da vontade do sujeito.
Além disso, vivência é, conforme Gadamer (1997), fundamento de todo o
conhecimento. Também Byington (2003) afirma que tudo o que vivenciamos pode se
tornar fonte de aprendizado e de desenvolvimento da personalidade, “ou seja, o modelo
vivencial de formação da identidade no início da vida, baseado nas relações emocionais
primárias, pode ser visto como o mais fecundo modelo de aprendizado durante toda a
vida”. (p. 19). Acerca da educação afirma o autor:
Um tipo bastante diferente de estudante vivencia o aprendizado racional e
emocionalmente como todos nós fazemos com experiências que nos ensinam os
segredos da vida. Foi para mim um marco quando percebi que o principal fator
que separa a erudição da sabedoria é a vivência e a compreensão da sua função
no processo existencial. (p. 19, grifo do autor).
Como fator de aprendizado, a verdadeira vivência não esgota seu conteúdo, mas
está sempre sendo resgatada pelo nosso psiquismo e nos levando a novos entendimentos e
reflexões acerca do vivenciado e da vida em sua totalidade.
d) Expressão verbal acerca do vivenciado
: é o momento de troca grupal acerca do
vivenciado e da expressão plástica. Nessa fase, cada mulher verbalizou sua experiência e
ouviu as impressões das outras. Pensei que discutir as imagens estimularia a linguagem e a
conversação no grupo.
A imagem icônica é criada primordialmente para refletir a visão simlica do
sujeito, mas este é forçado a ajustá-la à racionalidade no momento em que são feitas
tentativas para desvelar seu significado. Dessa forma, ocorre a utilização de dois recursos
básicos da expressão: um referindo-se ao não-verbal, ao simlico, ao inconsciente, e
outro, mais pragmático, mais próximo da compreensão narrativa, mediado pela linguagem,
pelo cognitivo, pelo consciente.
A promoção de discussões acerca dos textos visuais não nega o processo de
vincia estética; antes, promove uma acomodação entre as duas formas de
comunicação, cada um dos aspectos dando suporte ao outro. Afirma Riley (1998) que,
60
normalmente, uma imagem simbólica não revela todo o seu significado até que o
sujeito tenha tido tempo para contemplá-la e construir relações conscientes com ela.
4. 3 Vivências estéticas: penetrando no universo simbólico das mulheres
Neste tópico descrevo os encontros vivenciais das duas oficinas de educação
estética, procurando estabelecer uma interface entre a simbologia do universo feminino por
meio do suporte teórico, as impressões das mulheres acerca do vivenciado, através da
verbalização e da expressão artística e as minhas percepções a partir da observação
envolvida com o grupo.
4.3.1 Círculo de mulheres: configurando um espaço sagrado
Num primeiro momento, procurei configurar o espo para tor-lo um círculo
sagrado de mulheres. Para tanto, coloquei no centro da sala uma vela acesa e flores,
onde cada uma das participantes deveria depositar um objeto considerado sagrado que
trouxesse consigo. Ao redor das velas estavam dispostos papéis com fragmentos da
obra de Jean Shinoda Bolen, O milionésimo círculo um guia para círculo de mulheres
(2003). Para Bolen as mulheres têm um talento natural para os círculos: “O Círculo é
uma forma arquetípica que parece familiar à psique da maioria das mulheres. Ele é
pessoal e igualitário. [...] o Círculo intensifica as cooperações e aproxima
emocionalmente as pessoas que trabalham juntas, proporcionando uma relação menos
hierárquica. (p. 20). Para Jung (1964), o círculo é um símbolo do self e expressa a
totalidade da psique em todos os seus aspectos, incluindo o relacionamento do homem
com a natureza: “Ele indica sempre o mais importante aspecto da vida sua extrema e
integral totalização”. (p. 240).
A seguir, transcrevo os pequenos textos utilizados nesse encontro:
61
Formar alguma coisa tem diferentes significados, como lançar uma rede ou uma
linha de pesca, ou formar um Círculo mágico, ou montar uma peça ou produzir
um filme e selecionar quem poderá atuar nele. Como este novo Círculo tomará
forma? (p. 39).
Um novo Círculo de Mulheres começa com a idéia ou o desejo de estar em
Círculo. A imagem de um Círculo e a intenção de formar um precisam caminhar
juntas. (p. 39).
Se há um segredo sobre o que forma um Círculo, é o fato das mulheres do Círculo
conhecerem as histórias pessoais umas das outras, conhecerem as jornadas umas das
outras, saberem o que é importante, onde estão os desafios e as dificuldades
envolvidas. Para isto é necessário tempo para compartilhar. No início de cada novo
rculo, entretanto as perguntas são: Com que freqüência? Quando? Por quanto
tempo? (p. 49).
Quando um Círculo de Mulheres está centrado, ele forma uma roda ou mandala
invisível. O Círculo reúne-se como que a o redor de um fogo sagrado no centro de
uma lareira redonda. O centro é o que torna o Círculo especial ou sagrado. O centro
invisível, como fonte de energia, compaixão e sabedoria. Como acender esse fogo e
mantê-lo ardendo? (p. 53).
Uma vez que as mulheres reuniram-se em Círculo deve haver um período de
gestação, um tempo de formação e crescimento em que cada mulher decidirá por si
mesma se irá ou não comprometer seu tempo e seu Ser com o Círculo. (p. 55).
A idéia de um Círculo de iguais é mantida com uma intenção comum. Cada mulher
se compromete a desenvolvê-la e mantê-la, para si própria e para o Círculo. Cada
mulher no Círculo tem importância para si mesma e para o Círculo. Cada mulher
contribui para o Círculo com sua presença e , quando ela fala, pelo que ela discerne e
compartilha. (p. 62).
Silêncio é consentimento. Se uma mulher domina o Círculo e se apodera de “todo o
ar da sala”, não é somente ela mas todas a s demais que são igualmente responsáveis.
Cada mulher fala apenas por si própria eo pelas outras do Círculo. (p. 63).
O círculo é uma forma com uma circunferência ininterrupta e é um símbolo de
totalidade. A linha fronteiriça que o circunda define o Círculo. Uma vez rompida essa
linha, não é mais um Círculo. O mesmo princípio é aplicado a um Círculo de
Mulheres. Alinha que o define precisa estar intacta para que ele seja um Círculo e
para que seja seguro. Esse limite é a habilidade de preservar o contdo, a condição
para a confiança existir. O que é dito em confidência, em confidência deve ser
mantido. Claro e simples. (p. 73).
Em ambos os grupos nos quais foi realizada a vivência as mulheres foram
recebidas ao som de música instrumental conjuntamente com sons da natureza. Cada
uma foi convidada a sentar-se ao redor do centro, as pegar um dos papéis
dispostos. A seguir, solicitei que depositassem um objeto que trouxessem consigo e
considerassem sagrado. Algumas colocaram as alianças, representando o vínculo com
o marido e a família; outras, fotos dos familiares, inclusive de pessoas falecidas, e
outras, ainda, imagens de santos ou objetos de devoção. Através desses objetos
significativos, sacralizou-se o espo vivencial.
62
Nesse primeiro encontro agi de modo que se iniciassem os vínculos com o
ambiente e com o grupo. Também busquei a familiarização das mulheres com as
práticas, tanto artísticas como ritualísticas, explicando a utilização desses recursos
nas oficinas.
A sensibilização deu-se com a fala sobre o objeto sagrado de cada uma e a
reflexão sobre os escritos do Círculo de Mulheres de Bolen. Algumas comentaram
que refletir sobre o sentido do sagrado levara-as a se darem conta do quanto
consideram esses objetos significativos, do que antes não tinham consciência.
A expressão plástica foi proposta a partir da entrega de uma folha em branco,
em cujo centro estava desenhado um grande círculo, formando uma mandala
21
. As
um relaxamento
22
, breve, induzido, cada participante deveria responder na folha
destinada, em forma de desenho, à seguinte pergunta: “Como estou hoje?
Segundo Jung (2003), a mandala é um símbolo de individuação, que aponta o
ordenamento do universo interior do sujeito. Também reporta ao materno, ao
feminino, ao vaso, à cornucópia. “As manda las são lugares de nascimento, ou melhor,
conchas de nascimento, flores de lótus das quais nasce o Buda. (p. 135). Ainda Jung
(2003), acerca do processo de individuação e da simbologia do self (si-mesmo),
representado pela mandala, afirma:
Seu tema básico é o pressentimento de um centro da personalidade, por assim dizer
um lugar central no interior da alma, com o qual tudo se relaciona e que ordena todas
as coisas, representando ao mesmo tempo uma compulsão e ímpeto irresistíveis de
tornar-se o que se é, tal como todo o organismo é compelido a assumir
aproximadamente a forma que lhe é essencialmente própria. Este centro não é
pensado como sendo o eu, mas se assim se pode dizer, como o si-mesmo. (p. 353).
A seguir foi feita uma leitura grupal dos desenhos. Alertei as mulheres de que
uma resposta verbal à pergunta traria questões racionalizadas, já filtradas pelo ego, ao
passo que o desenho poderia fazer com que elas mesmas se surpreendessem com o
significado das imagens, por tratar-se de representações simbólicas, expressando níveis
profundos e inconscientes da psique. “Fato que permite que tais conteúdos sejam
Mandala, em sânscrito, significa círculo.
Conforme Reichow (2002), esses exercícios são utilizados para proporcionar o relaxamento físico e mental
e, através destes, um estado ampliado de consciência, no qual nossa percepção da realidade transforma-se
através de uma alteração qualitativa no padrão de funcionamento mental.
63
confrontando na consciência propiciando insights e posterior transformação e expansão
da consciência”. (ARALDI, 2004, p. 12).
A partir do primeiro grupo, exponho as mandalas que surgiram, bem como a leitura
do grupo acerca do desenho.
a) Mandala de I
Figura 1 - Mandala de I
Provoquei o grupo perguntando como I. estava se sentindo. As mulheres
observaram que o colorido denotava alegria, porém “as cores são alegres, mas têm um
cinza bem no meio”. I falou acerca do seu desenho, concordando com as demais:
Justamente como vos falaram: eu tô feliz, tô alegre, por isso as cores vivas, as cores
alegres. Um pouquinho de preocupação em relação a algumas coisas, por isso usei o
cinza e não o preto”. Questionei se a mandala não estava um tanto fragmentada, ao que
a própria I concordou: “Fragmentada, porque meu dia foi corridinho hoje, eu tinha
muita coisa pra fazer. Por isso coloquei várias cores, porque eu tentei responder à
pergunta: como estou hoje? Eu nem consegui jantar, só tomei um lanche, fiz tudo
correndo. Mas isso não me desgasta, tá tudo legal, tudo bem. Mas esse corre-corre é o
fragmento da minha vida...”.
64
b) Mandala de L
Figura 2 - Mandala de L
O grupo afirmou acerca do desenho acima que ela estava florindo, colhendo os
frutos. Uma das mulheres, porém, observou que o círculo estava com poucos elementos e a
planta, muito isolada: “Isso dá uma idéia de solidão”. Esse pensamento foi sendo
acompanhado pelo das outras: “Ela tá sozinha, na vida dela mas ela tá conseguindo crescer,
tá conseguindo colher os frutos”. I observou: “Ela tá se achando uma heroína”. L
concordou: “Tô me achando mesmo”. Apontei que havia alguns frutos ainda não maduros.
Acerca do seu desenho L argumentou que se utilizou do espaço interno da mandala por
querer demonstrar que se sente sozinha mesmo:
É uma plantinha que tá nascendo de novo. Eu sinto que eu ganhei uma
oportunidade nova de crescer como pessoa, como ser humano. O que vocês
pensaram que são frutos verdes, não são, são folhas. São três tipos de folhas. São
folhas indefinidas, porque eu to me conhecendo, querendo descobrir quem eu
sou. Porque num período da minha vida eu esqueci de mim, me joguei no lixo,
vivi a vida dos outros.
L, possivelmente, referia-se ao término de seu casamento e a toda a dor e mágoa
que uma separação acarreta. Comentou que o verde significava esperança e o vermelho “é
vida, é amor e eu quero muito isso pra mim”.
65
c) Mandala de E
Figura 3 - Mandala de E
Chamou a atenção na mandala de E o fato de ser a única a ter usado o espo
externo do círculo. O grupo interpretou que, por ter concluído a graduação em Letras,
estaria colocando para fora a alegria: “Desenhou uma árvore bem grande, porque a meta
dela era bem grande”. O sol e as nuvens reforçam essa idéia de vitória. As colegas
ponderaram: “Eu acho que aquela plantinha que você plantou há vários anos hoje está
bem enraizada e dando frutos”. E comentou acerca do desenho:
Teve momentos que passei por grandes dificuldades, foi muito escuro na minha
vida. Mas eu sempre tive esperanças, que Deus era maior. Deus foi essa força na
minha vida. Esse amarelo, esse sol, é a força de Deus, que apesar de todas as
dificuldades, algumas nuvens negras, eu venci. Com a ajuda de muita gente, da
escola, da família. Eu tô muito feliz.
Comentei que o tom escuro das nuvens estava fora do círculo e não representava
tanto perigo, com o que E concordou.
66
d) Mandala de H
Figura 4 - Mandala de H
O grupo ponderou acerca da imagem acima que H deveria estar se sentindo como
um sol, com muita luz e calor. Ela, no entanto, disse que o desenho era a expressão de
como gostaria de estar naquele dia, com o sol, com uma luz a indicar um caminho. Para ela
o azul nas bordas invoca a paz e serenidade buscadas.
O segundo grupo produziu as seguintes mandalas:
a) Mandala de C
Figura 5 - Mandala de C
No relaxamento C disse que se sentira bem e que visualizara uma luz e muito azul,
o que procurara representar na mandala. Essa imagem está presente nos seus sonhos como
um nevoeiro azul com uma luz que brilha, meio tênue: “Parece que tem sempre uma coisa
67
atrapalhando, quando eu vou ver alguma coisa, sempre tá nebuloso”. Sobre como se sentia
no dia comentou: “Eu não tô ruim, mas também não tô bem. Tem momentos que eu tô bem
baixo astral, outros, alto astral, é um meio-termo. Mas tem uma luz” (sic). O grupo apontou
que o azul não é uma cor negativa, não é uma cor escura atrapalhando a vio de C, e
associou imagem com uma estrela no céu azul.
b) Mandala de M
Figura 6 - Mandala de M
M explicou sua mandala como sendo uma luz de néon. Disse que fizera esse
desenho porque seu objetivo é encontrar o próprio centro: “Uma palavra pra dizer como
me sinto hoje é perdida”. Ela disse que precisa encontrar um caminho para se sentir
útil. C afirmou que, embora M estivesse se sentindo perdida, conservava o centro bem
firme, e as linhas saindo dele poderiam representar perspectivas, caminhos. O grupo
também percebeu que a imagem pode ser lida de duas formas: como um penetrar, um
mergulhar no centro, ou como aflorar, sair. Também foi associada a forma à íris do
olho, à busca da visão, do autoconhecimento.
68
c) Mandala de A
Figura 7 - Mandala de A
O grupo leu a imagem de A como de tranqüilidade, paz, calma. O sol aquece o
ambiente e as águas do mar, com ondas suaves, transmitem serenidade. Comentei que
o barco é símbolo de travessia, pois conduz os mortos com segurança até o outro
lado. A mencionou que está passando por um momento difícil, pela separação do
marido, fato que tem demandado uma energia grande para se manter tranqüila, serena,
com segurança.
Nessa atividade, a mandala mostrou-se uma figura pregnante, concentrando e
expressando a situação psíquica das mulheres naquele momento; serviu como um foco
visual para a captação de um estado de consciência. Afirma Reichow (2005): “Quando
desenhamos uma mandala, estamos desvelando a dinâmica de nosso self. [...] No espo
sagrado do círculo mandálico encontram-se juntos os motivos do passado coletivo da
humanidade e os símbolos da jornada pessoal de cada um”. (p.146).
Acredito que o primeiro contato das mulheres com um espaço diferenciado,
onde, por meio de propostas distintas daquelas corriqueiras da vivência em educação,
com a utilização de simbologia e significações distintos, fê-las adentrar num outro
universo, no qual a curiosidade, a criatividade e o estranhamento promoveram um
envolvimento com o grupo e com as propostas desta pesquisa.
69
4.3.2 Encontro com a boneca: aprendendo a confiar na intuição
Esta oficina foi construída tendo por base um antigo conto russo, apresentado por
Estés (1999). As histórias mostram-se úteis para criar um ambiente relaxado e “quebrar o
gelonum trabalho de grupo. “Iniciar uma vivência com uma história torn a o ambiente um
campo do imaginário, um local de fantasia, atmosfera extremamente propícia ao posterior
trabalho de criação. Local onde, não raro, as pessoas reportam-se à infância, com a leveza
de crianças, predispõem-se a rever as posturas que seriam penosas de serem confrontadas
de outra maneira.” (ARALDI, 2004, p. 28).
Trata-se da história de “Vasalisa”, que, como comumente ocorre nesse tipo de
narrativa, é uma menina órfã, que mora com o pai, a madrasta e suas duas filhas. Acerca da
recorrência no conto de fadas das figuras da e boa (normalmente morta) e da madrasta,
afirma Bettelheim (2003) que é útil principalmente para a criança, porquanto ela vivencia
sentimentos contraditórios de amor e ódio à mãe.
Assim, o conto de fadas sugere a forma da criança lidar com sentimentos
contraditórios que de outro modo a esmagariam neste estágio onde a habilidade
de integrar emoções contraditórias está apenas começando. A fantasia da
madrasta malvada não só conserva intacta a mãe boa, como também impede a
pessoa de se sentir culpada a respeito dos pensamentos e desejos raivosos quanto
a ela - uma culpa que interferiria seriamente na boa relação com a mãe. (p. 86).
A mãe de Vasalisa, em seu leito de morte, entregou-lhe uma boneca mágica
que teria a capacidade de esclarecer todas as suas dúvidas e ajudá-la no decorrer da
vida. Mais tarde, a menina seria submetida pela madrasta a uma série de provas,
tendo de viver um período de tempo na floresta em companhia de uma bruxa, a Baba
Yaga
23
Nesse tempo, Vasalisa aprende a confiar na boneca, o que lhe possibilita que
ela a ajude nos momentos de dúvidas e dificuldades. Estés (1999) faz uma analogia
Baba-Yaga é personagem recorrente em contos russos; embora apareça com características diversas,
apresenta o mesmo caráter arquetípico (JUNG, 2003).
70
desse fato com o desenvolvimento da capacidade de ouvir a intuição, representada no
conto pela boneca
24
Um dos objetivos dessa atividade foi restabelecer o vínculo das participantes do
grupo com sua intuição, incentivando nelas a percepção de que não houvera o
desaparecimento total dessa faculdade, mas apenas o rompimento do contato com ela. Esse
fato pode ter vindo de muitas gerações de mulheres que não tiveram condições, ou não
acreditaram que fosse necessário transmitir o conhecimento e a confiança nos seus recursos
internos. Para Estés (1999), “não foi a intuição que se partiu, mas, sim, a bênção
matrilinear da intuição, a transmiso da confiança intuitiva de todas as mulheres de uma
linhagem, que já se foram, para aquela específica é esse longo rio de antepassadas que foi
represado”. (p. 119).
Acerca da educação, afirma Byington (2003) que a intuição é própria do padrão
matriarcal e foi banida do ensino juntamente com este, tende sido preterida pelo padrão
patriarcal, baseado na racionalidade. Tal se deu em virtude da intuição ser uma função
estruturante temida e antagonizada pela sua tendência à onisciência e à ubiqüidade e pela
capacidade de interligar a consciência ao inconsciente inexplicavelmente:
A intuição nunca pode ser racionalmente deduzida. Ela simplesmente irrompe na
Consciência, como as ilhas vulcânicas surgem no meio do oceano. A intuição é
imprevisível e, por isso, sentida como irracional pelo Ego. Sabemos que ela
expressa alguma parte do Todo, mas não sabemos por que a parte foi escolhida
daquela maneira, naquele momento. [...] A grande dificuldade em se empreender
racionalmente as explicações dos intuitivos é que eles geralmente começam a
explicar as coisas pelo fim. (p. 167-168).
Essas questões do instinto e da intuição constituem intensamente o feminino,
no entanto foram sendo perdidas com as novas posturas da mulher em seu meio social
e familiar. A natureza básica foi sendo gradativamente afastada, deixando na sua
psique um imenso vazio. Hoje as mulheres desprezam aquilo que as aproximava da
natureza; sua vida perdeu a conexão com a essência de fêmea, de mãe, de nutridora de
Para a autora as bonecas são símbolos da nossa natureza instintiva. Durante séculos, os seres humanos
acreditavam que delas emanava algo de sagrado, de mana. Elas eram mantidas como amuletos dotados de
uma força misteriosa, sendo usadas em ritos, vodus, feitiços de amor e de maldade. Eram empregadas
também como símbolos de autoridade e como talismãs para relembrar as pessoas de sua própria força. Essas
capacidades eram conferidas aos manas em razão da crença de que eram objetos enviados por seres divinos,
logo, participavam do sagrado.
71
suas crias e de seu próprio psiquismo. O próprio conhecimento intuitivo foi relegado
a segundo plano em razão da relevância atribuía à racionalidade e ao cientificismo.
Para o ser humano moderno, a única forma de adquirir um conhecimento útil passa
pelo intelecto, cuja manifestação procede, singularmente, através da linguagem verbal
e da lógica matemática.
Arnheim (1989) critica essa visão ao afirmar que “a intuição é considerada um dom
misterioso conferido de vez em quando ao indivíduo pelos deuses ou pela hereditariedade,
sendo, portanto, dificilmente ‘ensinável’. Pela mesma razão, não se espera que o trabalho
intuitivo exija um sério esforço mental”. (p. 13). No entanto, para o autor, a intuição não é
privilégio apenas de clarividentes e artistas, mas é uma dimensão indispensável do
conhecimento. “A intuição e o intelecto são dois processos cognitivos” (p. 13) e ambos se
relacionam com a percepção e o pensamento de uma forma complexa, não atuando
separadamente, mas em cooperação mútua.
A intuição é uma parte da percepção que partilha de todo ato cognitivo, seja este
apenas perceptivo ou em um nível mental muito próximo ao do raciocínio; também é
ferramenta privilegiada para a observação da estrutura total das configurações. Para Arnheim
(1989), a intuição é o mais alto nível da sabedoria humana, visto que propicia uma visão direta
das essências transcendentais às quais todos os fatos que experienciamos estão interligados.
Ostrower (1996) também compreende a intuição como um dos mais importantes
modos cognitivos. A autora acredita que agir com intuição não é agir apenas com instinto
resposta instantânea do organismo humano, mas está além da mera reação, pois a
intuição é sempre uma ação. A autora se coaduna com o pensamento de Arnheim ao
afirmar que a intuição se interliga com os processos de percepção e assim reformula os
dados circunstanciais dos mundos externo e interno, oferecendo-lhes uma estrutura e os
tornando significativos.
Com base nas idéias expostas, atribuo à intuição a capacidade de vislumbrar a
coerência de fenômenos e de conseguir reconhecer sob elas situações que sejam novamente
coerentes, sendo, então, capaz de antecipar alguns fatos pelo reconhecimento do padrão
que se repete num novo acontecimento. “Distinguir um pado é buscar a normalidade, a
ordem, a coesão e, através disso, tornar-se competente para ler a realidade, sendo ela
interior ou exterior. A intuição é a capacidade de perceber as coisas e ver em que podem
resultar”. (ARALDI, 2005 p. 193).
72
Dessa forma, as a leitura do conto, propus um debate acerca da intuição,
questionando seu significado para cada uma das mulheres. Em seguida a um exercício de
relaxamento, conduzi uma visualização dirigida
25
, na qual deveriam caminhar pelo campo,
depois por uma floresta e aproximar-se de um rio. Perto deste, uma pessoa iria entregar-
lhes uma boneca, um mensageiro do inconsciente, simbolizando essa capacidade de
autoconhecimento e de intuição.
Muitas mulheres receberam a boneca de pessoas conhecidas suas. No primeiro
grupo, E, cuja ligação com a religiosidade foi bastante visível em suas produções
simbólicas e falas, relatou que a recebera de uma santa, uma Nossa Senhora.
No segundo grupo chamou a atenção M, que recebeu a boneca de um pai de
santo já falecido, cuja influência na sua família foi muito grande: “Ele era muito
importante para mim quando eu era criança”. C, por sua vez, recebeu-a de uma criança,
cujo rosto ela não viu
26
.
A também a recebeu de uma figura emblemática, afirmando
que, quando menina, tivera uma visão (não sabe se era sonho ou fantasia) de uma
mulher, uma freira, serena, calma, mas que de repente ficava furiosa, brava. Depois de
adulta, A novamente sonhou com essa mulher, que dessa vez foi levada por vários
homens de ternos pretos. Depois disso, nunca mais tivera o sonho. Um desses homens
de preto veio lhe entregar a boneca durante a vivência, o que a deixou muito intrigada:
Por que será que eles vieram me trazer a boneca?” A, como referido no primeiro
encontro, sempre procura manter-se calma, reprimindo uma explosão, um ataque de
raiva, ainda que a situação o permitisse.
Depois do exercício, propus às mulheres que construíssem sua própria boneca
com materiais à disposição na sala. Ao final do encontro, mostravam-se orgulhosas e
felizes, reafirmando a várias vezes que não parecia terem sido elas que construíram as
bonecas. Todas estavam planejando para quem iriam mostrá-las, dividindo a experiência
da oficina. Perguntadas se em momentos de dúvidas recorreriam à boneca-intuição,
afirmaram que sim, que confiariam nas suas soluções particulares simbolizadas pelo
mana, constrdo por elas mesmas, como deve ser (re)construída a intuição.
Também Reichow (2002) esclarece: “Esses exercícios consistem em propor a visualização mental de
alguma coisa, uma história, um lugar ou uma situação”. (p. 55).
Como será visto na LTS de C, o arquétipo da criança foi bastante significativo para ela.
73
4.3.3 Encontro com a bruxa: reconhecendo a sombra
Este encontro também teve por base o conto de Vasalisa, porém o personagem-foco
foi Baba Yaga, a bruxa, a partir da qual, iniciamos o diálogo. Para Jung (2003), a figura da
bruxa representa uma mater natura, ou seja, o estado originário, matriarcal do inconsciente,
indicando o estado psíquico no qual apenas uma consciência fraca e dependente se opõe ao
inconsciente. A bruxa pertence, segundo Neumann (2005), ao grupo das figuras femininas
demoníacas e negativas e diz respeito a um estágio da consciência humana que ainda não
atingiu a fase da configuração, a partir da qual elas apareceriam como divindades. As
bruxas em alguns contos de fadas são as fiandeiras do destino, as tecelãs; seu caldeirão é
símbolo original de fertilidade, pertencente ao caráter elementar do feminino, pois, como
tal, fornece o alimento, é a cornucópia, mesmo em sua forma cristianizada, o Graal.
Para Byington (2003), o surgimento da figura da bruxa e das forças ocultas
malignas deve-se ao banimento da intuição da consciência, provocando seu aparecimento
como sombra
27
Porém, estando integrada à razão e à cotidianidade e exercitada
habitualmente, a intuição, principalmente nas mulheres, favorece o desenvolvimento da
mediunidade, do sexto sentido, “ou seja, da percepção da relação das partes entre si e com
o Todo, inconscientemente. Trata-se da visão do ‘terceiro olho’, como se lê na literatura
esotérica”. (p. 168).
A atividade expressiva foi realizada sobre uma mandala previamente desenhada no
papel, composta de um círculo maior e um menor, este representando o self. No círculo
maior, as mulheres deveriam desenhar as situações em que agem como bruxas; o círculo
central deveria ser pintado da cor que desejassem. A verbalização deu-se com a leitura do
desenho para o grupo e o debate acerca do vivenciado.
No primeiro grupo, a discussão centrou-se na postura que as participantes assumem
com a família e filhos. E falou que se sente uma bruxa em relação à filha: “Quando ela
arranjou um namorado, s não gostávamos dele, então dificultamos a vida dos dois”.
Segundo Jung (2003), a sombra coincide com o inconsciente pessoal (correspondente ao conceito
freudiano de inconsciente): “A figura da sombra personifica tudo o que o sujeito não reconhece em si e
sempre o importuna, direta ou indiretamente, como por exemplo, traços inferiores de caráter e outras
tendências incompatíveis”. (p. 277).
74
Porém, ela e o marido não impediram o relacionamento, esperando que a menina se
“desencantasse” com o rapaz, o que realmente acontece u. Considerei importante anexar
sua mandala, em virtude da simbolização recorrente da falia (ts figuras à esquerda e
self dividido em três) e do sol. Esses elementos aparecerão novamente no último desenho
de E e serão analisados mais detalhadamente na LTS.
Figura 8 - Família e do Sol
H falou da sua agressividade e dos gritos que dá com os filhos e como isso os deixa
agitados, principalmente o menor: “Eu sou a psicopata da família. Porém, disse que tenta se
policiar, pois acha que a educação se dá pelo exemplo dos pais. Sua mandala mostra nuvens
pesadas e uma chuva escura: “O clima fica horrível lá em casa”. Também nesse caso,
motivou a anexação da imagem a recorrência dos símbolos do sol, do coração e da flor, que
se mostraram importantes para ela, eis que aparecerão novamente no último desenho.
Figura 9 - Do Sol, Do Coração e da Flor
75
L não soube dizer qual era sua bruxa naquele dia. Falou de si antes da separação:
“Estou confusa, mas antes eu era a vítima”. Sua mandala expressa essa confusão : o casal
em cores esmaecidas à esquerda demonstra que o relacionamento ainda respira e determina
algumas motivações suas; o coração, com um buraco cinza no meio, também se refere à
perda da relação, e o self, dividido, no qual sua individualidade e feminilidade, o vermelho,
começam a sobrepujar o masculino, frio do azul. Sua busca pela consciência e pelo
equilíbrio L representou com um sol no topo da mandala.
Figura 10 - Sol no topo da Mandala
As mulheres do segundo grupo também relacionaram sua bruxa com a falta de
paciência com marido, filhos e alunos. Falar demais, “perder as estribeiras” foi
assinalado. Apenas A associou sua bruxa com a sua “lerdeza”: “Eu não consigo ser
rápida, parece uma coisa”.
Refletir sobre a forma que o arquétipo da bruxa, da mãe selvagem, toma na vida das
mulheres ajudou-as a conviver com ele, reconhecendo-o não como a expressão da maldade,
mas como uma parte do inconsciente que congrega o conhecimento ancestral delas. Como
afirma Estés (1999), “encarar o poder selvagem em n ós mesmas é ganhar acesso aos
inúmeros rostos do feminino oculto. Eles nos pertencem de modo inato e podemos optar por
incorporar os que nos forem mais convenientes a qualquer momento. (p. 122). Torna-se
importante esclarecer que o termo “bruxa”, antigame nte, era dado às benzedeiras, visto que
witch ( bruxa em inglês) deriva de wit sábio. Estés conclui que essa face da sombra “e
aspectos que a cultura considera apavorantes na psique das mulheres são exatamente as
bênçãos que elas mais precisam resgatar e trazer à superfície”. (p. 122).
76
4.3.4 Oficina do Tempo: desacelerar
Este encontro teve um planejamento peculiar pelas dificuldades em dar
prosseguimento satisfatório ao trabalho em razão da indisponibilidade de tempo e de
entrega aos encontros pelas mulheres. Julguei necessário abordar o tema buscando
promover uma reflexão acerca dos embates do tempo para cada uma delas para o bom
prosseguimento dos trabalhos.
Na oficina, num primeiro momento, falei sobre a lenda dos deuses gregos Cronos e
Kairós, personagens ligados ao tempo. Segundo Brandão (1999), Cronos é o tempo
simétrico e foi identificado com o Tempo personificado, porque em grego Khrónos é
tempo. Filho de Urano e Geia (Gaia), com a ajuda da mãe, destronou o pai cortando seus
testículos e assumindo seu lugar no governo do mundo. Sob seu longo e paciente reinado, a
obra da criação completou-se, sendo conhecida como a “idade do ouro”. Todavia, Cronos
converteu-se em déspota, acabando também deposto por seu filho Zeus. “Como deus do
Tempo, governou a passagem ordenada das estações, do nascimento e do crescimento
seguidos pela morte, pela gestação e pelo renascimento”. (SHARMAN-BURKE;
GREENE, 2003, p. 55). Cronos é o tempo mensurável, cronológico, decorrido, é um tempo
que se consome a si mesmo, o que falta para a morte.
Conforme César (2006), o oposto de Cronos é Kairós
28
: momentos afortunados que
transcendem as limitações impostas pelo medo da morte. É o tempo relacionado aos
valores, à qualidade, é o tempo vivido. Kairós é uma palavra-chave na clássica filosofia
grega, significando o “tempo certo”, oportuno, livre do peso de cargas passadas e sem a
ansiedade de anteceder o futuro; manifesta-se no presente, instante as instante. Na
verdade, Kairós é atemporal, é o tempo do self.
Em nossa vida contemporânea utilizamos o tempo Cronos como parâmetro para
praticamente tudo, mas na vigência de Kairós o sinalizadas a criatividade e a liberdade.
Este tempo é sagrado, espiritual, é o tempo do mito, de Jung; dele extraímos a matéria das
nossas criações, sendo, portanto, o tempo da vincia estética. Nesse ponto reporto-me a
Na mitologia grega, Kairos é um deus muito pequeno, que se parece com um elfo. Ele é representado pela
imagem de um jovem homem nu, de asas nos ombros e nos tornozelos, que corre num movimento de fuga
segurando uma lança. Sua cabeça é calva e contém uma única mecha, que representa a marca de sorte de uma
oportunidade: se não formos capazes de segurá-la no instante em que ocorre, ela escorrega pela calvície de
Kairos”. (CESAR, 2006).
77
Meira, cuja afirmação num encontro recente deixou em mim impressões profundas. Para
ela o tempo em arte é encurtado e, ao mesmo tempo, dilatado, pois uma vivência estética
pode trazer em parcos minutos cronológicos toda uma consciência de mundo. Meira nos
deixa um pensar: o tempo é a imanência do vivido.
Então, foi proposto o diálogo partindo das seguintes questões:
- O tempo da oficina é igual ao tempo cotidiano? Que tempo deve ser o de uma
vivência estética? Como se entregar a esse tempo?
- O que significa tempo para mim? Qual é o meu tempo pessoal? Como
vivencio/vivenciei o meu tempo?
- Qual é o tempo de uma sala de aula? Qual deveria ser?
- Quando eu vivencio o tempo de Cronos e o de Kairós?
Após essa conversa, foi feito um relaxamento através de respiração profunda. Nesse
momento cada mulher deveria buscar o seu próprio tempo interno, desacelerando e
entrando em contato com seu ritmo corpo-tempo verdadeiro.
A atividade artística foi a construção, com caixas de papel e recortes de revistas, de
um relógio no qual estivesse expresso o seu tempo, ou os seus tempos. Posteriormente,
houve a verbalização acerca das vivências. As observações seguintes são do primeiro grupo.
H, sempre agitada, comentou: “Enquanto esquenta a água eu vou pro banheiro,
depois eu já vou escolher o feijão, programar o que tem que fazer de comida. O meu
relógio tá sempre assim, correndo, e nunca sobra tempo”. I, ao contrário, falou: “Eu sou
diferente, tudo o que puder fazer devagar eu não faço ligeiro. Eu prefiro fazer com calma,
mas se tiver que apressar eu apresso”. H afirmou que o ritmo da vida moderna desgasta e
estressa: “Eu tenho inveja das pessoas calmas”. L disse que, ou tudo é muito rápido, ou é
muito lento, se está cansada: “Ou eu fo tudo, ou eu não fo nada”. Para ela as pessoas
vivem em função do amanhã: “Se a gente tá na sala de aula, quer que chegue as cinco
horas pra ir pra casa, depois quer que chegue as férias e só pensa nas férias. A gente tem
que viver o hoje, o agora, porque talvez o amanhã nem chegue”.
I comentou: “Muitas vezes a gente faz coisas que não é necessário. Porque você
vive num mundo pelos outros e pelas coisas dos outros. Eu vou pra escola, e a escola me
suga muito. E eu trago muita coisa da escola pra fazer na rua. [...] E que tempo? É o meu
tempo, o tempo que eu teria pra mim, pros meus filhos”. E, nesse sentido, comentou: “A
78
gente dedica tempo mais para os outros: filhos, marido, alunos, casa. A gente é se sobrar
um tempo. Não é o tempo de qualidade, é de noite, na hora de dormir. Eu gosto muito de
ler e é o único tempo que tenho”.
L comentou: “Eu tenho tido tempo pra mim até demais”. Comentei que a culpa
acompanha a nossa relação com o tempo, pois, se tiramos alguns momentos para o
descanso, pensamos naquilo que falta fazer.
Perguntei às mulheres quanto ao tempo passado: “Foi bem aproveitado?H disse
que seu maior arrependimento é ter sido ansiosa, não ter vivido as coisas a seu tempo. I,
por sua vez, arrepende-se de não ter sido mais ousada, mais corajosa: “Eu deixei o tempo
de muita coisa passar”.
Do segundo grupo, julguei importante destacar a observação de que o tempo é
diferenciado em relação à classe social, fato observado no bairro onde está localizada a
escola na qual as mulheres trabalham: muitas meninas de dez anos já estão casadas e com
12, 13 anos, já têm filhos. “Elas falam que é normal, que lá na vila todo mundo tem filho
com essa idade. Eu, com essa idade, brincava de boneca”, afirmou C. Elas apontaram que
também em relação aos filhos há um choque de tempo, como observa A: “Eu vou
conversar com o meu filho e digo que no meu tempo... Ele diz: ‘Teu tempo era outro,
agora é diferente”.
O grupo comentou a dificuldade em realizar o contato com seu tempo interno
durante o relaxamento. Observei que é difícil se dissociar do tempo cronológico, pois é
como se entregar a uma outra dimensão, a um outro mundo-tempo. Este grupo ressaltou a
importância do tempo vivido, do envelhecer e do medo dessa fase da vida. M comentou
que isso a assusta. Para A a cobrança da beleza eterna provoca incertezas quanto à velhice:
A gente quer ter a experiência da maturidade, com a beleza de per manecer jovem”.
Para elas, o tempo de Kairós deveria ser vivido durante o dia-a-dia, procurando
alternativas para desacelerar, como a meditação, ouvir uma música tranqüila, procurar
atividades lúdicas. Essa poderia ser uma proposta tamm para a escola, onde muitas vezes
o se respeita o tempo interior de cada aluno.
Selecionei dois relógios do primeiro grupo em virtude da força que acreditei estar
impressa nos objetos. H construiu o seu reportando-se ao tempo de Cronos: “O relógio
cronológico acorrenta, aprisiona o meu relógio interno. Eu gostaria de ter mais momentos
pra mim e, devido à família, ao trabalho, eu me sinto aprisionada”. Seu filho menor cobra
79
atenção e cuidado, ao que H argumenta: “Meu filho, a mãe é cozinheira, faxineira,
passadeira, a mãe não tem tempo”. O relógio de H foi feito com a colagem de algemas e
dois ponteiros coloridos:
Figura 11 - O Relógio
Outro relógio selecionado foi o de L, que mostrou nas faces opostas de uma caixa
os dois tempos, Cronos e Kairós.
Figura 12 - Cronos Figura 13 - Kairós
O tempo cronológico, masculino, é representado pela figura do sol, do pai. Nessa
representação L grafou as palavras “trabalho, filhos, obrigação”, referindo -se às atividades
cotidianas que tem de realizar. No verso, ela retratou Kairós, representado pela lua, pela noite
estrelada: tempo feminino, fluido, tempo de descobrir-se. Nesse espaço-tempo ela se
80
posicionou: “eu”, escreveu. Na vigência da carta da Lua, no Tarô, o sujeito depara -se com as
forças do inconsciente coletivo, com o mundo transpessoal, onde a individualidade fica diluída.
L passa pela dificuldade da separão e busca reencontrar-se consigo mesma. A carta indica
um período de espera, para que os potenciais surjam dessa água profunda (SHARMAN-
BURKE; GREENE, 2003). L busca-se nas oficinas e numa terapia, procurando-se mãe,
profissional, mulher, confiando na espera, no tempo: “As pessoas falam mal do tempo, mas
tempo é ótimo. O tempo é uma maravilha, o tempo é remédio, cura feridas. Quando não tem
outra solução, só o tempo é remédio, só ele é capaz de curar”.
O objetivo desta oficina foi uma lacuna no tempo de Cronos para levar a que as
mulheres refletissem e se entregassem ao tempo diferenciado das oficinas. De fato, esse
intervalo espaciotemporal mostrou-se necessário e eficiente. Foi um dos encontros em que
os debates foram mais acalorados, conjuntamente às queixas em relação à vida atribulada e
às obrigações cotidianas. Nas reuniões seguintes observei uma entrega maior, todavia a
força de Cronos (que gerava e engolia seus próprios filhos) manteve-se presente nas
pressões das inúmeras atividades exigidas das mulheres hoje. Acredito que essa reflexão
deixará algumas impressões, como afirma Philippini (2001):
A entrada no espo criativo e atemporal de Kais também tem seus sinais visíveis.
Muda a fisionomia, muda o corpo que se descontrai, muda a respiração que se
tranqüiliza e se aprofunda, muda a expressão que se suaviza, mudam os olhos que
brilham e aparecem sorrisos de satisfação em rostos antes trancados. Assim as
formas produzidas deixam de ser ‘símbolos vazios’ para serem imagens plenas de
energia psíquica, capazes de promover transformações [...]. (p. 42).
4.3.5 Self-book, o livro da alma
Esta oficina teve como objetivo refletir sobre as muitas mulheres que exercem ou
exerceram influências em nossa vida. Em virtude dessa abordagem, cabe um rápido
esclarecimento do que seja “transgeracionalidade”. O processo de transmissão
transgeracional baseia-se no pressuposto de que todo o indivíduo, ao nascer, insere-se
dentro de uma história preexistente, da qual é herdeiro e também, de certa forma,
prisioneiro. Conforme Marques e Silveira (2006), “isto ocorre porque o indivíduo não pode
inventar totalmente a sua própria história. Ao contrário, ele se insere naquela que lhe foi
81
delegada por seus antecedentes. Sua identidade será construída a partir deste legado (p.1).
Essa é uma das formas pelas quais se define o espo assumido pela pessoa no grupo
familiar e social.
Jung (2003) sobre o mito de Deméter e Perséfone/Core, mãe e filha, afirma que
totalizam uma consciência feminina para o alto e para baixo. Juntando velho e novo, forte
e fraco, ampliam a consciência individual limitada ao tempo e espaço, rumo a uma
personalidade maior e mais abrangente, participando do acontecer eterno.
Por isso poderíamos dizer que toda mãe conm em si sua filha e que toda filha
contém em si sua mãe; toda mulher se alarga na mãe, para trás e na filha, para
frente. [...] Da vivência consciente desses laços resulta um sentimento da
extensão da vida, atras de gerações: um primeiro passo em direção à
experiência e convicção imediatas de estar fora do tempo dá-nos o sentido de
imortalidade. (p. 188, grifo do autor).
Assim, a experiência subjetiva é incorporada à vida cheia de sentido das gerões,
devendo o fluxo geral fluir através de cada um.
Nesta oficina busquei conectar as participantes através da sensibilização e da vivência,
com as mulheres, principalmente da sua família, que lhes transmitiram um legado de
conhecimento feminino. A sensibilização deu-se com a leitura do conto atribuído a Marina
Colassanti “Com sua voz de mulher” (PHILIPP INI, 2004). Na narrativa, num tempo remoto,
Deus desce à terra e passa-se por mulher, contando histórias às pessoas e divertindo-as muito. A
partir disso, propus um debate acerca do legado familiar e social do feminino de cada uma delas.
As mulheres comentaram que não tinham em sua família nenhuma mulher “contadeira de
hisrias”, mas que as mães sempre contavam as da sua própria vida. Comentei que minha avó
contava muitas fábulas conhecidas aqui do Rio Grande do Sul, as histórias do ‘Tigre e do
Macaco, a fuga de Nossa Senhora e do Menino Jesus no lombo do burro, entre outras.
A atividade expressiva foi a construção do self-book, ou “Livro da Alma”
(PHILIPPINI, 2004), com colagens. Nele deveriam se reportar às mulheres que tivessem
feito parte da sua história. Segundo Chevalier e Gheerbrant (2002), o livro, antes de ser
símbolo de ciência e sabedoria, é símbolo do universo. Por exemplo, O Livro da Vida do
Apocalipse e o Livro dos Mortos dos epcios. O livro também está relacionado à
revelação divina, à palavra de Deus.
82
Após, houve a verbalização, iniciando pela análise do livro do outro e, depois, do seu
pprio. L fez um livro retratando sua vida, infância, adolescência e fase adulta. Nesse ponto
falou: “Aqui eu ia retratar o casamento com a separação, mas pensei: ‘Não, melhor já fazer direto
o que restou, que foram os filhos, que vão ficar comigo pra sempre’”. Na última página, abaixo
de uma figura sorridente e colorida, ela escreveu: “paz, filhos, prosperidade, saúde, trabalho,
amor, família”. Gravando em seu Livro da Vida coisas positivas, acreditou que realmente elas
viriam acontecer.
I lembrou, enquanto ouvia a história, que, pequena, em torno de cinco anos, seguia sua
mãe até o milharal, só para ficar de longe olhando para ela. “Se ela me enxergava, ela me
atropelava pra casa”. I reconhece que sua mãe, “embora tenha dado uma de bruxa”, sempre a
apoiou e ajudou. “Ela tá sempre me dando a mão”. I colocou uma foto de mãos dadas,
representando essa força da mãe. Por último, fez uma colagem de três figuras: duas
representando seus filhos e uma, sua mãe.
E tamm usou o livro para falar da relação com sua mãe, simbolizada numa
estrela: “Ela sempre brilhou na minha vida”. Comentou que sua mãe, tendo perdido uma
filha antes de ela nascer, rezava para o Espírito Santo lhe mandar outra menina. “Ela
sempre reza por mim, se eu estou onde estou, é por causa dela”. Também colou uma figura
de anjo representando o pai: “A minha mãe foi lutadora, mas o meu pai trabalhou muito,
ele era pedreiro. Eu tenho orgulho disso. As mãos dele foram mãos de anjo, elas me
sustentaram”. E emocionou-se nesse momento por causa da saudade do pai já falecido.
No segundo grupo chamou a atenção o livro de C, que comentou: “A mulher é um
ser que sofre bastante. Talvez seja um privilégio, mas a gente sofre bastante, tem filhos e
tudo é mais trabalhoso pra nós. Mas tem o lado bom, como todas as coisas. A mulher é
mais sentimental, os homens não. Então a gente sofre mais”. Falou de uma fase de muitos
conflitos com a mãe: “Ela me cobra muito desde pequena. Eu tive uma infância bem
difícil. Mesmo depois de grávida, às vezes eu tava doente e ela me cobrava que eu tinha
que fazer as coisas. Ainda hoje ela não me deixa faltar o serviço, mesmo que esteja mal”.
O grupo apontou que, possivelmente, C. também vá cobrar da filha, repetindo o padrão da
mãe. Todas concordaram que, de alguma forma, agem como as mães, reproduzindo o
mesmo comportamento, a mesma história.
Essas narrativas fazem lembrar que a vida das mulheres e as histórias se interligam
no decorrer dos tempos. Conforme Estes (1999),
83
as modernas contadoras de histórias descendem de uma comunidade imensa e
antiqüíssima [...]. Contar ou ouvir histórias deriva sua energia de uma altíssima
coluna de seres humanos interligados através do tempo e do espaço,
sofisticadamente trajados com farrapos, mantos ou com a nudez da sua época, e
repletos a ponto de transbordarem de vida ainda sendo vivida. (p. 34-35).
Reviver esses fatos permite que algumas das mulheres se reconciliem com o
passado, principalmente com a figura da mãe. Com suas próprias vivências, elas puderam
compreender e ressignificar as atitudes maternas e, ainda, perceber de que maneira isso deu
forma às relações estabelecidas consigo e com o outro. Esse entendimento pode fazê-las
rever o posicionamento pessoal e mesmo pedagógico, pois o autoconhecimento e o
respeito pela sua própria história de vida, acredito, estendem-se à história pessoal de cada
aluno e das demais pessoas. Reflete Reisin (2000):
Las historias de cada cual, los presentes de cada quien, los futuros visibilizados
conciente o inconcientemente, interactuán en una polifonía de acciones con las
historias, presentes y futuros del outro, los otros, quienes a su vez, ‘danzan com sus
instrumentos’ tocando diferentes partituras en diversos esp acios, en una música
móvil y perpetua, cuyo fin inacabado se va marcando por la muerte de sus
integrantes. Pero, hasta entonces, la autorregulación de la vida es posible. (p.42).
4.3.6 Deméter e Perséfone: a relação primordial do feminino
Apesar de muito da convivência mãe-filha ter emergido no encontro anterior,
mantive o objetivo deste encontro, a revisão da condição da maternagem
29
das
participantes, por considerar necessária, ainda, a reflexão acerca da relação com os filhos,
em virtude de isso se transferir, em parte, para a relação professora e aluno. Para provocar
tais reflexões, utilizei o mito grego de Deméter e Core/Perséfone
30
.
Segundo Grossi, entende-se por maternagem os cuidados materiais e biológicos com os filhos: “d istinga-se
maternagem de maternidade, pois elas são duas instâncias distintas da criação e educação de uma criança. Por
maternagem, entendam-se os cuidados para com uma criança. Por maternidade, entenda-se algo mais amplo
que se refere ao desejo da mãe de gerar uma criança e dar-lhe sentido de viver. Maternagem e maternidade
o confundidas em uma só posição para grande parte das pessoas em nossa sociedade, que vêm na
reprodução feminina um dos principais empecilhos da vida profissional das mulheres. (GROSSI, 2006, p. 4-
5).
Antes do rapto a deusa era conhecida como Core, posteriormente, foi chamada de Perséfone.
84
Segundo Brandão (1999), Deméter é a deusa maternal da terra cultivada, filha de
Cronos e Réia; é a deusa do trigo, tendo ensinado aos homens a arte de sem-lo, colhê-lo
e fabricar o pão. Sua filha, Core, crescia tranqüila e feliz quando foi raptada por seu tio
Hades, soberano do mundo ctônico. Desde então, Deméter procura a filha, com um archote
aceso em cada uma das mãos, vagando por nove noites e nove dias em profunda tristeza,
sem se banhar, comer ou beber. Isso provocou uma imensa seca sobre a terra, fazendo com
que Zeus intercedesse pedindo a Hades que devolvesse Perséfone. O rei dos infernos
acatou a ordem, mas fez com que sua esposa Core se alimentasse no mundo subterrâneo, o
que a vinculava a ele (fê-la comer uma semente de romã). Finalmente, chega-se a um
consenso: Perséfone passaria quatro meses com seu esposo e oito com a mãe. Assim,
Deméter, ao reencontrar a filha, faz com que a terra se cubra de verde, nos meses de
primavera e verão.
Para Neumann (2005), a reunião de Deméter e Perséfone exprime o caráter de
transformação do feminino, manifesto na experiência de passar de menina a mulher. “Ser
raptada, vitimizada, a decadência da menina, a morte e o sacrificar-se ocupam o centro
desses acontecimentos.” (p. 278). Porém, Core não personifica apenas a submissão à vontade
masculina, mas um ser entregue à feminilidade. As a reunificação de Perséfone, tornada
mulher e Deméter, a Grande Mãe, é que está concluída a transformação fundamental do
feminino. Contudo, é um feminino não apenas capaz de fertilizar a terra e a vida, mas situado
num estágio superior, na dimensão espiritual. Perséfone então se torna uma deusa lunar,
medial entre os três mundos: a terra, o mundo inferior e o superior, celeste.
31
.
Na oficina, o espaço sagrado foi configurado com terra, grãos e vela, colocados no
centro do Círculo de Mulheres, além das duas cartas do tarô mitológico representando
Deméter e Perséfone. (SHARMAN- BURKE; GREENE, 2003). As que contado o mito,
reforçando aspectos coincidentes com as relações das mulheres com suas mães e filhas,
cada uma deveria passar por um túnel de tecido
32
, sendo recebida ao final pelas demais
com um caloroso abro e pela luz de uma vela. Essa experiência teve o intento de reportá-
las ao seu próprio nascimento.
Neumann (2005) aponta que as diversas imagens de Maria mãe de Jesus, Santa Ana e o menino reportam-
se ao mito de Demeter/Perséfone e ao filho divino, grupo dotado de grandeza mítica, no qual Santa Ana
representa Grande Mãe.
O túnel de tecido foi feito em malha azul, bastante macio e com elasticidade, com aproximadamente dois
metros e meio de comprimento e um metro de diâmetro.
85
Dos debates acerca da experiência, o primeiro grupo destacou que as mães, como
Deméter, tendem a proteger as filhas, evitando seu sofrimento. Hoje, porém, devido às
exigências do mundo moderno, as mulheres preferem que filhos e filhas sejam mais
independentes, evitando um sofrimento posterior.
O grupo comentou que, atualmente, observando as atitudes das mães e delas
próprias como mães, apontariam muitos “erros”, “mas na época era com a melhor
intenção”. Nesse sentido pondera Reisin (2000): “[...] cuando uno puede percibirse dentro
del sistema (que es a la vez determinante y determinado por la situación configurada) es
posible distanciarse y ver una totalidad desde fuera, vndose en la propia implicación. La
recursividad del sueño que sueña que esta soñando. (p. 39-40, grifos do autor).
H considerou que, como mãe, age diferente em relação à filha e aos dois filhos: “Se
eles me pedem uma torrada eu vou fazer, se é a minha filha, eu mando que vá se virar,
porque a gente acha que mulher tem fazer tudo e o homem não. I falou que cobrava de
sua mãe essa atitude diferenciada no tratamento dela e de seus dois irmãos: “Eu fazia tudo
e eu apanhava. O mais velho tinha condições de ajudar, mas não ajudava, e o mais novo
era eu que tinha que cuidar. Eu fui a única que apanhei...” Hoje, a mãe cuida da casa para
ela trabalhar. I. observa: “Ela faz tudo, não deixa os guris fazerem nada, e eu acho que eles
m que ajudar. Ela serve eles no prato. Ela não se incomoda, ela faz questão de servir”.
Para o grupo isso é um “pecado” das mulheres, que tomam para si todas as tarefas
“poupando” os meninos e os homens.
O grupo lembrou das dificuldades de conviver com as mães, principalmente em
relação à educação dos seus filhos. Como avós, elas não impõem limites aos netos,
interferindo diretamente na relação mãe-filhos, criticando as atitudes das filhas: “A gente
vira bandida pras crianças. A avó interfere muito, é muita proteção”.
Acerca da experiência do “renascimento”, elas relembraram o parto de seus filhos e
trocaram experiências. I disse que, no momento da passagem pelo túnel, sentiu paz: “Se eu
tivesse que ficar ali uma hora, não tinha problema nenhum. Eu adorei”. H e E comentaram
que o melhor momento foi serem recebidas com o abraço, o aconchego e o carinho e que,
dentro do túnel, sentiram-se bem, com muita paz. Para o grupo, esse nascimento foi
intencional: elas queriam vir para a luz, diferentemente do nascimento verdadeiro, em que
o bebê age involuntariamente.
86
Do segundo grupo anotei as seguintes impressões. C sentiu-se mal durante a
passagem pelo túnel e teve dificuldades em terminar o percurso. Durante a verbalização
disse que seu parto fora muito difícil: “tiveram que me tirar a ferro”. Todavia, depois da
experiência, se sentiu relaxada e tranqüila. M, durante a travessia, parou no meio do túnel e
chorou por alguns minutos. O grupo manteve-se tranqüilo, esperando que se recompusesse;
então ela retomou o movimento e chegou até à luz. Disse que se sentiu muito bem e que
chorou porque não queria sair. Acerca do seu parto, o que sua mãe conta é que fora muito
fácil e que ela nascera rapidamente. Quanto à experiência de ser acolhida depois da
passagem, afirmou: “Me senti como u m bebê que é recebido com um abraço. Eu me senti
um bebê”. M fez uma analogia desse evento com sua vida: “Tem certos momentos que eu
vou seguindo um caminho, mas eu paro no meio. Não sei o que vou fazer, mas daí quando
tem que fazer eu pego e faço. Eu penso demais e eu sofro com isso”.
A afirmou que não ouviu comentários acerca do seu parto, nem de sua mãe. Disse
que não gosta de escuro, por isso procurou fazer a passagem rapidamente: “Até 11, 12 anos
eu dormia com a luz acesa. Hoje, eu deixo a luz do banheiro acesa pra poder dormir. Eu
tenho que enxergar a claridade. Se tô no escuro eu me sinto muito mal, eu entro em
pânico”. Quando viu o túnel, pensou: “Eu vou sufocar, eu vou passar mal, tenho que sair
mais rápido possível”. Pom, como o tecido era largo,o se sentiu mal, mas procurou
atravessá-lo brevemente. O grupo lembrou a afirmação de A. de que era muito “lerda” e
apontou que, na hora da travessia, ela fora bastante veloz. Então afirmaram que, talvez,
esse estigma devesse ser revisto pela própria A. Comentou C: “Ela é ágil, o que ela é, é
detalhista e a A, enquanto professora, é agilidade em escrever e em passar para as
crianças”. A afirmou “Eu queria ser mais rápida...C declarou: “Mas você é rápida, no
raciocínio, em muitas coisas que faz, só é lerda nos detalhes”. A concluiu: “Eu acho que
preciso trabalhar isso comigo, porque a vida inteira eu ouvi que era lerda, uma tartaruga”.
Nesse ponto, as mulheres lembraram que muitas vezes a repetição de uma sentença
para uma criança leva a que, depois de adulta, ela continue seguindo o padrão. Também
comentaram que, às vezes, embora neguem as atitudes das mães, acabam fazendo igual em
relação aos filhos: “A gente nem se dá conta e, quando vê, tá fazendo igual”.
Nesta oficina, trabalhamos com o arquétipo da Grande Mãe, Deméter, que não
representa apenas a experiência da maternidade, mas a ligação à vida natural, aos ciclos, à
espera pela germinação da semente até o fruto final. Conforme Neumann (2005), “a
mulher se vivencia, antes de tudo e principalmente, como fonte a vida. [...] A íntima
87
relação que existe entre mãe e filha, que é o cerne do grupo das mulheres, reflete-se na
manutenção da ‘relação primordial’ entre ambas”. (p. 2 67).
O renascimento através do túnel tanto representou a gestação de Deméter quanto a
subida de Perséfone do Hades, do inconsciente, para a compreensão da vida e sua
ciclicidade. Acredito que essa reflexão auxiliou as mulheres no entendimento de si como
filhas e como mães e na ressignificação dessas relações. Para Neumann, através de
Deméter e Core, a mulher madura e a virgem, o mistério do feminino torna-se capaz de
uma renovação infinita. A vivência do encontro procurou compreender essa relação,
confiando que para evitar a repetição de padrões irrefletidos é necessária a passagem pela
consciência de conteúdos que, eventualmente, estejam esquecidos na psique, uma metáfora
para o renascer.
4.3.7 A casa da infância: um lugar no espaço-tempo
Para trabalhar as memórias da infância com o grupo de mulheres, escolhi a
simbologia da casa, tendo por base os escritos de Bachelard (2003), nos quais ele tece uma
metáfora entre a casa, o corpo e a alma humana. O autor, ao propor observações acerca das
“imagens de intimidade”, aborda o que chama de “poética da casa”: “Analisada nos
horizontes teóricos mais diversos, parece que a imagem da casa se torna a topografia do
nosso ser íntimo”. (p. 20).
Infere Bachelard (2003) que todo espo habitado traz a essência da noção da casa,
tratando-se de uma mano ou de uma caverna: o ser abrigado é que sensibiliza os limites
de seu abrigo, significando seu espaço. A casa também apresenta um valor de intimidade
protegida, pois nela somos os senhores absolutos de nossos segredos e de nossos recantos;
ela é nosso universo particular, nosso cosmo.
Para Bachelard (2003), “as lembranças do mundo exterior nunca hão de ter a
mesma tonalidade das lembranças da casa” (p. 25-26), a qual garante que as vivências do
passado permaneçam imperecíveis dentro de nós. Bachelard afirma que o inconsciente
permanece nos locais, sendo melhor que a determinação das datas a determinação dos
espaços. Assim, as imagens e as formas da casa caminham em dois sentidos: estão em nós,
88
porque as contemos em nossa memória, tanto quanto nós estamos nelas, porque, ao
retornarmos mentalmente a um espaço vivido, sempre nos projetamos nele.
A simbologia das edificações é associada a uma verticalidade proporcionada pela
polaridade do porão e do sótão. Bachelard atribui uma racionalidade ao teto e uma espécie
de irracionalidade ao porão. Dessa forma, todos os pensamentos relacionados ao telhado
o claros e nele os medos se dissipam. No porão, ao contrário, agitam-se seres mais
misteriosos, a conscientização é mais lenta e menos clara, nunca é definitiva. Tornou-se
corrente essa simbologia entre os teóricos junguianos os quais postulam que “o exterior da
casa é a máscara ou a aparência do homem; o telhado é a cabeça e o espírito, o controle da
consciência; os andares inferiores marcam o nível do inconsciente”. (CHEVALIER;
GHEERBRANT, 2002, p. 197)
33
.
Outra associação feita por Bachelard com a morada é acerca de sua capacidade de
concentração, de levar a uma consciência de centralidade, por conter o ser no interior dos
limites que o protegem. Sem ela o homem seria um ente disperso, pois sua habitação é uma
das maiores forças de integração para os pensamentos, as lembranças e os sonhos.
Por sua vez, o imaginário feminino está repleto das imagens das moradas. As
mulheres são as grandes responsáveis pela construção e manutenção desses espaços
sagrados, reservados para o ser. Confiei que a abordagem da metáfora da casa seria
importante para provocar no grupo uma revisão acerca do papel feminino na constituição
desse espaço de proteção e abrigo dentro delas. Conforme Neumann (2005), o feminino,
em sua qualidade protetora e acolhedora, congrega em si a vida da família e do grupo sob o
símbolo da casa.
Esse aspecto aparece nas chamadas urnas domésticas, vasos moldados na forma
de casas. Até os dias de hoje, o caráter vaso feminino, originalmente vinculado à
caverna, e depois à casa (no sentido de estar dentro e de estar protegido,
aquecido ou abrigado no interior dessa casa), sempre esteve relacionado coma
vivência original de estar contido pelo útero. (p. 125).
33
Segundo tais estudiosos
,
a leitura das imagens oníricas de quartos desconhecidos poderia indicar áreas
escondidas ou inexploradas da estrutura psíquica potencial do indivíduo. Do mesmo modo, nos sonhos, os
movimentos realizados no interior da habitação reportam-se a essa metáfora, ou seja, descer ou subir escadas
pode ser relacionado às fases de busca da racionalidade, ou de descida às profundidades inconscientes.
89
Neste encontro, num primeiro momento, conduzi um diálogo sobre a metáfora da
casa e sobre a importância de um lar psíquico, além de físico para as mulheres. Depois,
propus um reencontro imaginativo com sua casa da infância, atras de uma visualização
dirigida. Nessa casa deveriam entrar, reconhecer espaços e detalhes, prestando atenção aos
cheiros, aos sons, às cores e às sensações. As esse exercício, por meio do desenho, as
mulheres representaram a casa natal.
Durante a conversa, muitas lembraram com detalhes a casa de sua infância e os
acontecimentos significativos vividos dentro dela. As alegrias e os medos da infância e da
adolesncia, o contato com pais e irmãos foram recordados com trocas significativas entre elas.
Do primeiro grupo anotei as impressões que seguem. H lembrou a casa de bonecas
em que brincava com as quatro irmãs e as amigas (um galinheiro velho), onde elas
imaginavam o futuro, a profissão, como seria a vida adulta. E lembrou uma escada que
havia em sua casa, da qual caíra diversas vezes. Também lembrou as brincadeiras de
infância com o irmão mais novo, com um carrinho de rolimã e desenhou a casa com
detalhes: “A m inha infância foi muito feliz”.
No retorno à casa, I, lembrou-se de um fato importante: “Eu lembrei de uma briga
de meu pai e minha mãe, que ele quebrou o quadro de casamento deles. Ele quebrou tudo
e pegou o facão e deixou picadinho. Eu lembrei disso quando começou o relaxamento.
Acho que eu sou bem sugestiva pra essas coisas”. O que I mais gostava era das árvores
de um mato que havia perto da casa, onde passava uma sanga: “Lá a gente fazia balanço
e brincava muito. Eu adorava”. Dessa lembrança do pai, I comentou: “eu não sou muito
do meu pai. Ele não é uma pessoa que marcou muito a nossa vida. Eu tenho amor pelo
meu pai, eu respeito, ele faz as refeições lá em casa, mas importante na minha infância,
ele não foi. Eu tenho a mãe, que tamm era a mãe má, mas tava sempre presente”.
Comentei que talvez essa lembrança a ajudasse compreender a figura paterna em sua
infância e o distanciamento que tem dele hoje. “Eu não sei por que eles briga vam, mas eu
me lembro de brigas, mas eu era feliz, porque aquilo não me atingia”. H comentou que,
quando há agressão, o registro da criança é maior. I conclui que as mulheres do tempo de
sua mãe suportavam mais: “A minha mãe poderia se separar dele hoje se ela quisesse,
mas ela nunca quis, é uma coisa que acho que é da criação”.
No segundo grupo, M comentou que sentiu muita saudade, mas que não gostaria de
estar lá novamente, apenas de recordar: “Eu não sou mais aquela criança que brincava
debaixo da escada”.
90
C comentou que praticamente toda a vida dela ficou impressa nessa casa natal, pois
passou a infância, a adolescência e, quando casou e teve o primeiro filho, foi lá que viveu.
“Entrouno quarto dos pais e o viu tal e qual era no tempo em que sua mãe er a viva. Então
sentiu muitas saudades e um aperto no coração, “mas gostei muito da visita”, afirmou.
“Hoje, quando eu sonho com aquela casa, eu tenho medo, pois, quando eu era pequena, eu
vi uma pessoa de branco e comecei gritar, eu fiquei com aquilo... mas eu vi, eu tenho
certeza, o meu pai ralhou comigo, ele era muito enérgico”.
A “visitaà casa levou as mulheres à lembrança de eventos que aconteceram dentro
dela, corroborando o pensamento de Bachelard de que o espaço contém a memória. Essa
viagem onírica-las ressignificar esse espaço da memória, pois, como falaram, fazia muito
tempo que não lembravam esses eventos-espaços. A metáfora da casa foi importante para
provocar no grupo uma revio acerca do papel feminino na constituição desse espaço, pois
hoje, ainda que tenham inúmeras atividades fora, as mulheres, incluindo as dos grupos, são
as principais responsáveis pela manutenção física e psíquica dos seus lares, muitas vezes a
custos bastante elevados para elas. Duarte Júnior (2001)complementa nossa reflexão:
[...] a nossa casa veio deixando de ser um lar, no sentido de constituir uma extensão
de nossas emoções e sentimentos, veio deixando de ser um lugar expressivo da vida
de seus moradores e da cultura onde se localiza. Foi se transformando, nesta
expressão difundida, numa ‘máquina de morar’, fria e estritamente utilitária, sem o
aconchego e o afeto de uma verdadeira morada. (p.78).
4.3.8 Segredos, armários e cofres: espaços de intimidade
A escolha de trabalhar com segredos levou em consideração a estreita relação que
eles têm com o universo feminino e com seu simbolismo. Há que se considerar os múltiplos
aspectos em que as mulheres foram condenadas ao silêncio, sobre si, sobre suas relações e
sobre a maneira como percebiam o mundo. Acerca disso afirma Imber-black (1994):
As mulheres e as suas vidas têm sido um dos segredos universais mais duradouros e
mais bem-mantidos, e suas histórias, com freqüência, deixaram de ser contadas, suas
vozes deixaram de ser ouvidas. Não apenas a vida das mulheres deixou de receber
voz ou expressão adequada, mas a linguagem das mulheres e suas formas de
narrativa têm sido menosprezadas e ridicularizadas. (p. 245).
91
Em termos gerais, os segredos são relacionados a nascimento, sexo e morte. O
conteúdo dos segredos tem vários significados, dependendo da sua origem, do contexto
social, cultural e familiar. Portanto, o que é mantido secreto muda a partir de uma
transformação desses significados. Para Estés (1999), os segredos das mulheres não se
referem a pecados mortais, mas a erros lamentáveis. No entanto, são julgados como tais,
podendo causar nelas a própria restrição ou sabotagem das possibilidades de felicidade.
Os segredos das mulheres podem ser mantidos por uma imposição própria ou por
ameaça de alguém que detenha mais poder. Eles quase sempre se referem a um medo
profundo da privação dos seus direitos, de serem consideradas indesejáveis, da
possibilidade de destruição dos relacionamentos que lhes são importantes e, até mesmo, da
ameaça de violência física. No momento em que existe um segredo atroz na psique
feminina, a mulher geralmente não consegue se confrontar com ele, evitando qualquer
coisa que o lembre ou fa sua dor crônica se intensificar. Essa manobra defensiva muito
comum influencia sobremaneira as escolhas objetivas das mulheres. (ARALDI, 2004).
Pensando nessas restrições das possibilidades de felicidade, propus uma atividade
envolvendo o segredo, trabalhando com metáforas e com a simbologia da intimidade. Para
tanto, utilizei o pensamento de Bachelard (2003) acerca do que ele chama de “devaneios de
intimidade”. O autor propõe uma relação com a intimidade e os segredos através dos temas
das gavetas, dos cofres, das fechaduras e dos armários, e considero um dos espaços mais
prenhes de intimidade, o imaginário feminino e seu simbolismo.
Para Bachelard (2003), os armários representam verdadeiros órgãos da vida psicológica
secreta. A simbologia do armário reporta ao passado, pois nele as mais caras recordações ficam
guardadas: ele está cheio do tumulto mudo das lembranças. A memória, simbolicamente,
tamm é vista como um armário, onde guardamos nossas vivências, as ordenamos e, de vez
em quando, precisamos retirá-las para expô-las ao sol, reavivá-las ou recic-las, se for o caso.
Abrir o armário implica um exercício sagrado, pois ele não é um móvel cotidiano: “Não
se abre todos os dias. Da mesma forma a chave de uma alma que não se entrega, não está na
porta”. (p. 92). As chaves do nosso armário não entregamos para qualquer um. As mulheres,
desde pequenas, são incentivadas e legitimadas a terem e guardarem seus mistérios e seus
objetos; as meninas, por exemplo, costumam ganhar um bauzinho ou uma caixinha para isso.
Pensando nisso, preparei o ambiente terapêutico nesse dia configurando-o com a
sacralidade de um espaço reservado à intimidade, para o que utilizei almofadas, uma luz
92
suave e música relaxante. Sugeri que as mulheres relacionassem a sua intimidade com
esses espaços metafóricos, localizando em seu psiquismo o lugar em que estavam os seus
armários, seus repositórios de segredos. Também relacionei a questão da ordem dos
armários com a manutenção da organização da casa, fazendo uma analogia à
reestruturação da psique.
Aprofundando a queso dos segredos, abordei a metáfora do cofre. Segundo
Bachelard (2003), o cofre representa uma necessidade de segredo, de uma inteligência do
esconderijo. Dentro dele estão os tesouros que guardamos propositadamente, protegidos
pela fechadura e pelo segredo. Dessa forma, quando um cofre se abre, há uma descoberta;
quando um segredo se revela, torna-se banal, já não simboliza mais a vergonha e o medo.
E “sempre haverá mais coisas num cofre fechado do que num cofre aberto. A verificação
faz as imagens morrerem. Imaginar será sempre maior que viver”. (p. 100).
Nessa atividade trabalhei com visualização dirigida, conduzindo as mulheres à sua
casa onírica, onde deveriam encontrar-se com o armário, não um qualquer, mas aquele
onde suas coisas mais caras estariam guardadas. Olhando mais detalhadamente o armário,
no interior mais profundo dele encontrariam o cofre, este contendo seus segredos. Então,
com a chave, que só elas possuíam, poderiam abri-lo. Nesse momento, deveriam decidir:
poderiam deixar o segredo sair para a vastidão do externo ou poderiam encerrá-lo
novamente no interior seguro do cofre. Qualquer decisão seria válida, desde que fosse
tomada com segurança e certeza.
Após essa visualização, propus ao grupo a construção do cofre com caixas,
recortes, papéis coloridos e outros materiais disponíveis. Dentro dele elas deveriam
depositar o seu segredo. A fase final foi a verbalização acerca do vivenciado.
No primeiro grupo as impressões anotadas foram as seguintes. E comentou que,
durante a visualização, abrira o cofre, de onde saíra muita luz. “Na mesma hora eu lembrei
que quando era pequena, eu peguei um galão e coloquei dentro da caixa de luz e incendiou,
deu muita faísca e veio a CEEE e faltou luz na rua inteira”. Na caixa do segredo E colocou
uma imagem de um céu estrelado, representando essas luzes: “Eu acho que o significado
dessa caixinha é que eu tô realizando todas as coisas que eu queria, desde construir a casa,
terminar a faculdade. Graças a Deus”.
L colou dentro da caixa uma imagem de duas crianças: “Eu coloquei aqui dentro os
meus dois filhos, mas agora, pensando, eu acho que tô colocando tudo neles, e não é por aí.
93
Porque na hora da visualização eu vi o meu namorado, mas eu resolvi colocar só os filhos.
Pensei: ‘Mas eu ainda não vou colocar ele junto com os meus filhos, calma... devagar...
Filho é filho, é coisa sagrada, mas namorado é coisa passageira”.
H comentou que, embora se considere uma pessoa aberta, há dias em que se vê dentro de
uma caixa: “Eu imagino que o mundo tem ‘n’ caminhos, mas eu me vejo dentro de uma caixa e
todo mundo me flechando. E eu preciso então é de liberdade e de esperança”. H s dentro de
sua caixa a figura de uma mulher com os braços ao alto rompendo algemas, sobre um fundo
verde, representando a esperança: “Eu, na minha família, me sinto o chefe da casa e eu não quero
isso. Eu quero dividir. Eu quero um marido e um companheiro que enfrente junto comigo esse
problema que a gente tem [refere-se ao filho drogadito]”. I, que acompanha o drama de H há um
bom tempo, comentou: “eu te acho uma pessoa muito forte. Com tudo o que você passa. Eu
tenho nojo a de pensar no teu marido, por tudo o que você passa e tem agüentar tudo o que ele
faz.”. H comentou com o grupo as dificuldades pelas quais passa o filho, nessa época internado
numa clínica de recuperação, mas pressionando-a para voltar para casa.
I comentou: “A minha caixinha é só alegria e felicidade!”. Dentro, ela colocou
imagens de crianças alegres, sorrindo, representando, imaginariamente, as fotos das amigas
da infância com as quais ela brincava. Por fora, colou imagens de crianças e paisagens
campestres representando sua vida “no sítio”.
O segundo grupo também se referiu a passagens da infância, possivelmente
provocadas pelo retorno ao armário das lembranças. Quanto ao segredo, também o
retrataram como luz e associaram-no a coisas positivas: “Quando a bri o cofre, veio um raio
de luz que me iluminou, acho que vai me acompanhar na vida”, disse C. Convém ressaltar
que nenhuma das mulheres, em ambos os grupos, desejou manter fechado ou fechar
novamente o cofre; todas deixaram o “segredo” vir à tona, à luz.
Essa representação da vinda para a luz reporta-nos aos ritos dos mistérios secretos das
imeras religiões, nos quais, as a iniciação, o iniciado recebe a luz, o conhecimento. Trata-
se de um rito de transformação. (JUNG, 2003). No caso das mulheres desta pesquisa, não
houve o relato de um segredo real, embora algumas delas possam ter se defrontado com ele
durante a vivência, sem ter tido a segurança de deixá-lo emergir no grupo. Porém, conforme as
falas e os objetos produzidos, todas parecem ter tido esse contato com seu próprio “mistério
enquanto rito e enquanto transformação, buscando iluminar, trazer à consciência.
94
4.3.9 Entrevista iconográfica
Neste encontro foi realizada a entrevista iconográfica, as um relaxamento
induzido com música. Após, foi feita a pergunta “O que significou para mim ter
participado das oficinas de educação estica?A resposta, apresentada em forma de
desenho, é um texto iconográfico que se constitui no principal instrumento de coleta de
informações desta pesquisa, juntamente com a fala das participantes. Concomitantemente,
as mulheres deveriam escrever num papel, no qual os desenhos estavam identificados por
números, em poucas palavras, o que haviam sentido acerca do desenho de cada uma,
incluindo o seu. Posteriormente, houve a leitura das imagens pelas autoras e pelo grupo.
5 LEITURA TRANSTEXTUAL SINGULAR
Bom mesmo seria nem precisar de palavras, pois são fonte de mal-entendidos.
Rubem Alves
A compreensão das informações deu-se, a partir dos textos iconográficos obtidos na
última oficina. Para a leitura desses textos utilizei a Leitura Transtextual Singular (LTS),
desenvolvida por Ormezzano (2001) a partir da junção entre a iconologia e a semiótica. “Esta
leitura procura dar um sentido à imagem, enquanto texto, percebendo seu próprio fazer, a
autoria do outro, a imagem em si mesma e a união fundamental com os Cosmos.” (p.98).
Iconologia, segundo a autora, é uma metodologia interpretativa surgida como síntese
que permite a compreensão de imagens alegóricas no campo das artes visuais. “A imagem
refaz a quem a cria e, ao mesmo tempo, oferece a quem a aprecia a possibilidade de interagir,
abrindo caminhos para outras formas comunicacionais e educativas. A obra constitui uma
expressão ambígua e reflexiva.” (p. 90). A autora usa a semiótica para o entendimento da
imagem como obra aberta, como linguagem a ser compreendida com a cooperação entre autor
e espectador. “Ler a imagem provoca um desenvolvimento da pessoa, no qual os atos
cognitivos são orientados pela imaginação e a fantasia. Podem-se compreender determinados
conteúdos pelas diversas formas de comunicação verbal ou não-verbal.” (p. 92).
Os passos da leitura singular são os seguintes:
a) o suporte e o material do desenho: neste momento são observados os aspectos
materiais da imagem que se apresenta, como o suporte (papel, tecido, madeira e
outros), e os demais instrumentos, como lápis, tinta, carvão e outros;
b) aspectos compositivos da linguagem: são o ponto, a linha, o plano, o ritmo, etc.,
que, ao se articularem, configuram o espaço gráfico;
96
c) a simbologia espacial: baseada em estudos do Instituto C.G. Jung de Zurique.
Com a divisão do plano, são atribuídos significados aos espaços obtidos. Por
exemplo, o espaço central, acima, relaciona-se com a imaginação, arquétipo do pai,
luz, vazio, ar, saudade; (ZIMERMANN, 1992).
d) a simbologia das cores: baseada na interpretação do imaginário universal, nas
referências do imaginário segundo a teoria de Durand e os estudos de Portal (1996);
e) referências do imaginário: feitas à luz da teoria de Durand. “O imaginário faz
parte, principalmente na Europa, de investigações nas áreas de psicologia,
sociologia, história, arte e educação.” (ORMEZZANO, 2001, p. 95);
f) síntese do pesquisador: relação dos textos gráficos com outras fontes, reforçando o
sentido dos símbolos e arquétipos presentes. A autora entende por síntese a união de
múltiplas leituras, dentre as quais o logos poético e estético, embora os aspectos
psicológicos e sociológicos também sejam considerados;
5.1 Compreensão dos textos iconográficos - LTS
No retrato que me fo traço a traço
às vezes me pinto nuvem, às vezes me pinto árvore...
às vezes me pinto coisas
de que nem há mais lembrança...
Mario Quintana
97
a) Desenho de L O Sol
Figura 14 - Desenho de L - O Sol
O texto icnográfico foi realizado em folha de sulfite com hidrocor violeta, única
coloração utilizada. L desenhou linearmente uma figura humana bem no centro da folha,
uma menina, ou adolescente, vestindo calças e camiseta, com os cabelos desalinhados e um
leve sorriso nos lábios. De cada lado da figura emergem duas flores levemente inclinadas à
direita, ambas com uma folha no caule. Também de cada lado, se elevam duas linhas em
direção ao final da folha, configurando uma espécie de caminho. À direita, no alto, L
desenhou um sol, coroado por raios. A menina, as flores e a estrada estão sobre uma
representação de solo ocupando em torno de um quarto da folha.
L por várias vezes referiu-se, durante as oficinas, a estar “nascendo de novo”,
vivendo uma nova vida após a separação do marido. Ao retratar uma menina, ou
adolescente, ela nos mostra uma metáfora para explicar seu renascer, pois nessa fase do
crescimento vivem-se transformações drásticas físicas e emocionais.
A verticalidade é predominante no desenho de L, presente nas flores e na menina e
reforçada pelas linhas do “caminho” atrás dela. Optei por interpretar essas linhas como
caminho guiada pela mulheres do grupos, cujas afirmações foram :canal de abertura para
98
a vida”; “abriu caminhos luz”; “encontr ou o seu caminho, a sua paz, no grupo”
34
. Acerca
desse tema, Durand (2002) afirma que o ascendente é a única direção que tem uma
significação ativa, espiritual; é o eixo estável das coisas, reportando à subida e, esta, à
escada, cuja característica é ser celeste, é conduzir ao sol. “A ascensão é, assim, a ‘viagem
em si, a ‘viagem imaginária mais real de todas’ com que sonha a nostalgia inata da
verticalidade pura, do desejo de evasão para o lugar hiper ou supraceleste [...].” (p. 128).
O arquétipo do caminho insta à verticalidade. Segundo Neumann (2005), os
caminhos difíceis e perigosos levavam aos templos primitivos localizados nas montanhas,
tornando-se, após, conscientemente, um sacrifício, um ritual do caminho. Hoje, as
procissões religiosas de todos os povos, como forma de rito coletivo, são a continuidade
dessas práticas. A Via Crucis, caminho de Jesus ao Calvário, é outra forma do arquétipo,
no qual “o caminho do destino torna -se o caminho da salvação”. (p.23). Nesse caso,
porém, há uma transformação, pois, ao afirmar “eu sou o caminho”, Jesus o torna interior e
simbólico. Portanto, todas as formas de representação dessa simbologia referem-se à
orientação do indivíduo rumo ao objetivo de atingir o sagrado.
No texto de L, o caminho que conduz ao alto tem em seu cimo o sol, cuja análise
simbólica estendo um pouco, neste momento, em virtude de também fazer parte dos
desenhos de outras mulheres. Acerca do sol, infere Neumann (2005) que a simbologia não
pode ser reduzida aos aspectos patriarcais, ao consciente, ao racional, porque, antes, ele é
originário do feminino, do sol noturno, da lua, é surgido do inconsciente, do espírito da
Grande Mãe: “O dia e sol são considerados no matriarcado como filhos do Grande
Feminino que, como noite escura e manhã, é a mãe do aspecto iluminado.” (p. 59).
Assim, partindo-se do suposto produto final do processo evolutivo, a razão
estruturante, com a qual o masculino se identifica, passou-se à negação do princípio
matriarcal. Infere Neumann (2005): “Ou mitologicamente falando, chega ao matricídio à
revalorização patriarcal em que o filho, ao se identificar com o pai, fez de si mesmo a fonte
do qual teria surgido o Feminino (assim como Eva, a partir da costela de Adão), de forma
espiritual e antinatural”. (p. 61). Conclui Neumann: “Onde quer que encontremos o
símbolo do renascimento, estaremos diante de um mistério de transformação matriarcal, e
isso é verdade mesmo quando seu simbolismo ou interpretação aparecer camuflado pelo
patriarcal.” (p.61).
Tais afirmações foram feitas por escrito, como descrito no item 5.2.
99
Conforme Durand (2002) o sol significa, primordialmente, luz e luz suprema.
Cristo é freqüentemente comparado ao sol. “É a ascensão luminosa que valoriza
positivamente o sol.” (p. 150). O levante também é associado a ressurreição, a juventude; é
o mito do herói guerreiro que se levantou contra as potências noturnas. Dessa forma, o sol
manifesta as coisas, tornando-as perceptíveis, além de medir o espaço, representando a
distância. Associado à luz, o sol reporta ao conhecimento, é a inteligência cósmica; sua
sede é o coração
35
; seu órgão do sentido é o olho, cuja função somente é possibilitada
através da luz. (CHEVALIER; GHEERBRANT, 2002).
Da mesma forma, no ta, a carta do Sol representa o final da noite, sua dissipação
pela insurgência da luz. Como afirma Nichols (2003), “saímos agora da es cura
complexidade da paisagem lunar inumana, impessoal para o mundo simples da infância
ensolarada, onde a vida já não é um desafio que precisa ser vencido mas uma experiência
para ser desfrutada”. (p. 319). Essa carta diz dessa alegria infantil do recomo, de encarar
a vida com a esperança de uma criança.
Podem ser observadas na carta abaixo semelhanças com o desenho de L: a figura da
criança e a duplicidade (L nos mostra duas flores e, na carta, aparecem duas crianças). Jung
(2003) infere que a duplicação não é operada pela consciência, mas surge espontaneamente
nos produtos do inconsciente. “Isto indica a conscientização na medida em que um
conteúdo, ao emergir do inconsciente, em dado momento se decome em duas metades
idênticas, uma das quais é consciente e a outra, inconsciente.” (p. 366).
A lua, por sua vez, tem sua sede no cérebro.
100
Figura 15 - Criança e a Duplicidade
A carta do Sol (NICHOLS, 2003, p. 319) alerta que a capacidade positiva não está
distante no céu; antes, é um novo modo de experimentar o mundo já conhecido. Nichols
esclarece: “Não chegamos ao jardim secreto conduzidos pelo intelectualismo estéril, senão
através do jogo imaginativo. Quando esse novo sol nasce dentro de nós, faz que todo o
espectro da realidade externa brilhe para s com maior clareza do que nunca.” (p. 320).
A flor é outro elemento associado à transformação. Neumann (2005) nos informa
que é símbolo matriarcal de transformação do Grande Feminino, no que é corroborado por
Jung
36
(2003): “Na imagística cristã, Maria é a flor, na qual Deus se abriga, ou ro sácea na
qual o
rex gloriae
e juiz do mundo domina. (p. 323). A flor é o colo, o seio feminino.
Jung tamm associa o símbolo da flor com o da criança, “às vezes a criança aparece no
lice de uma flor. (p. 161). Ainda Jung:
Buda é representado como o deus em germinação, porquanto está sentado na flor
de lótus. Ele é o deus nascente, o mesmo símbolo de Rá como falcão, a fênix que
se eleva do ninho, Mitra na copa da árvore, ou o filho de Hórus dentro da flor de
lótus. Todos eles o representações do
status nascendi
no lugar germinativo do
solo materno. Nos hinos medievais, Maria também é louvada como cálice de
flor, sobre o qual desce Cristo como pássaro, nele repousando em aconchego.
[...] Tal como a planta representa o crescimento, a flor manifesta o desabrochar a
partir de um centro. (p. 362-363).
Nesse caso a transformação máxima seria a capacidade de gerar a criança divina.
101
A flor é símbolo da terra viva, pois somente quando fértil é capaz de gerá-la. A
planta, no caso de L, representa o crescimento, o desenvolvimento, aproximando-se ainda
da simbologia do girassol, eis que ela inclina as flores levemente em direção ao sol,
buscando a luz.
Entretanto, L não almeja a mudança sem estar assentada em algumas bases que
permanecem nessa sua nova fase. Eno ela representa os cabelos bastante enfatizados no
desenho. Durand (2002) associa-os à água negra, ao sangue menstrual, princípios do
feminino
37
. O cabelo ainda é associado ao tempo, é recordação, talis; quando guardado,
reporta ao passado. Nesse ponto acredito que L vai levar como bagagem dessa
transformação suas vivências, ressignificadas, no que as oficinas de educação estética
parecem tê-la auxiliado.
Toda essa simbologia, é trazida por L em violeta, cor do equilíbrio, pois
compatibiliza em si, em igual proporção, o vermelho e o azul. É a cor da temperança no tarô,
a mediação entre a terra e o céu, os sentidos e o espírito, a paixão e a inteligência, o amor e a
sabedoria, o masculino e o feminino. (CHAVALIER; GHEERBRANT, 2002). Nesse caso,
penso que L esteja buscando um equilíbrio no renascer como mulher depois da separação,
assumindo novos papéis na família e na própria vida. Ainda, conforme referiu em alguns
encontros, busca conhecer-se, saber de si e, quem sabe, reencontrar um novo amor.
b) Desenho de H - “Coração-de-mãe”
Figura 16 - Coração da Mãe
Bachelard (2001) esclarece que não é forma da cabeleira que suscita a imagem da água corrente, mas seu
movimento.
102
O desenho foi realizado com canetinhas em folha de sulfite grossa. Neste desenho
H representou um sol na parte superior à esquerda em cor laranja, do qual partem muitos
raios espalhando-se pelo papel. A partir do sol, ts corações (cor-de-rosa) e três volutas
(verdes), depois duas flores (novamente em rosa), ainda oito setas de um marrom
sanguíneo, todas em movimento ascendente e anti-horário. Na parte inferior direita, deixou
apenas o papel em branco.
Acerca da simbologia do sol, reporto ao registrado na análise do desenho de L,
acrescentando que H o colocou na localização espacial referente ao arquétipo do pai
conforme os estudos junguianos (ZIMERMANN, 1992), reforçando os aspectos
relacionados com a racionalidade, a iluminação e o consciente.
O órgão do Sol, como já referido, é o coração, que está contido no interior do vaso-
útero, sendo símbolo de transformação do feminino, pois reporta à criança, produto do vaso e
da flor. Neumann (2005) alerta que a simbologia matriarcal do coração também foi sendo
apropriada pelo patriarcado, culminando com a suprema inversão judaico-cristã. É do senso
comum a relação das mães com o coração
38
: “em coração de mãe sempre cabe mais um”, ou,
ainda, a planta avermelhada conhecida como “coração -de-mãe”, relacionando o órgão à
maternidade, fazendo com que a simbologia retorne a quem de direito.
H tem três filhos, os três corações representados. Ela sofre com a drogadição de
seu filho mais velho, em idas e vindas a clínicas de recuperação e passagens pela polícia.
A filha adolescente, no despontar da sexualidade, exige atenção e o filho menor ainda
precisa dos cuidados de uma criança pequena. Aqui ela parece implorar ao consciente, ao
sol, ao pai, ao marido, figura sem muita representatividade na família, conforme afirmou,
a ajuda para enfrentar esses problemas, o que foi percebido pelo grupo, que escreveu
acerca de seu desenho: “abertura, luz, ajuda, amor”.
A proximidade desses corações do sol remete aos sacrifícios realizados pelos
astecas, que os arrancavam do corpo das vítimas ainda vivas e os ofereciam ao sol, a
fim de garantir a chuva abundante e a fertilidade da terra. Era uma forma de aplacar a
e-terrível, o inconsciente, a sombra: “O fato de arrancar e erguer o coração é um
subsídio mágico tanto para o sol nascente como para o crescimento do milho.
(NEUMANN, 2005, p. 173). O coração, por outro lado, também simboliza a suprema
sabedoria, que conjuga o sentimento, o afeto, não somente os atributos racionais,
Basta notar as vitrines das lojas em época do “Dia das Mães”, onde fervilham corações relacionando -os
com a maternidade.
103
representados pela cabeça. Jung (2003) afirma que o coração refere-se ao inconsciente,
à intuão, ao feminino.
H também representa três espirais: ainda os três filhos. Em vasos primitivos com
figuras da Grande Mãe, as espirais eram os seios, a manutenção da vida. Também
significam a fecundidade aquática e lunar, afirma Jung (2003) “porque indica o
movimento de uma certa unidade de ordem ou, inversamente, a permanência do ser sob
sua mobilidade. (p. 398). Esse símbolo, igualmente, reforça a idéia do sacrifício, pois
representa o momento zero da cosmologia maia, o solstício de inverno: “É o instant e
crítico em que é preciso assegurar o recomeço do ciclo anual, sem o qual seria o fim do
mundo. São conhecidos os sacrifícios humanos [...] que os astecas praticavam para dar
força e sangue ao sol, a fim de que ele retomasse sua trajetória.” (p. 399). A espiral
evoca a evolução de uma força, de um estado, a morte e o renascimento (CHEVALIER;
GHERBRANT, 2002); reporta ao fio e sua forma, ao labirinto Então, temos o conjunto
metafísico-ritual, que contém a idéia de dificuldade, de perigo de morte, como no mito
do minotauro. (DURAND, 2002).
Por vezes H mencionou que seu filho estava em situação extrema no
envolvimento com as drogas e que ela não acreditava na sua recuperação. Talvez essa
quase certeza da perda do filho tenha sido representada nas flores, apenas duas e não
mais três, como os corações e as volutas. O três é o número do u e o dois, o da terra. O
três é número perfeito, é a expressão da totalidade, ao qual nada pode ser acrescentado:
passado, presente futuro, nascimento, vida, morte, começo, meio e fim. Já o dois é o
princípio da dualidade, da oposição, da divisão. É associado à mãe, ao feminino.
(CHEVALIER; GHEERBRANT, 2002).
As flechas que partem do sol indicam no desenho de H uma saída do centro, ou, por
outro lado, propõem-se a prote-lo; elas “fechamo desenho, como os ponteiros de um
relógio, porém em sentido anti-horário. H sempre foi muito prolixa nos encontros, nunca
deixou de falar nada nem escondeu o que quer que fosse. Deixou claro que considerava o
espaço da oficina como um lugar de liberdade. Para Durand (2002), a flecha, a seta, suscita,
sobretudo, um impulso, aproximando-se do raio; é um símbolo ascensional, como a escada e a
asa. “A finalidade do arqueiro, tal como a intenção do vôo, é sempre a ascensão.” (p. 135).
Complementa Durand: “Os símbolos ascensionais aparecem -nos marcados pela preocupação
da reconquista de uma potência perdida, de um tônus degradado pela queda.” (p. 145).
104
c) Desenho de E - “Sagrada Família”
Figura 17 - Sagrada Família
E tamm se valeu de folha de sulfite e canetinhas para realizar seu desenho.
Sua família ocupa a maior parte do plano, conforme referiu na expressão verbal. À
esquerda, o marido; ao centro, ela e, à direita, a filha. Todos estão de mãos dadas e
com um largo sorriso nos lábios. Ao fundo, no horizonte, vêem-se três árvores com
flores cor-de-rosa; no canto superior à esquerda, um sol intenso em amarelo. As
figuras apóiam-se sobre uma linha. O desenho é linear, sendo preenchido com massa
de cor somente o miolo das flores. A verticalidade é predominante nas árvores e nas
figuras da família, encimadas pelo resplandecente sol. As representações de
verticalidade são sempre valorizadas positivamente, desde a ascensão à elevação.
(DURAND, 2002).
Acerca da simbologia da árvore, Neumann (2005) esclarece que é a filha
suprema da Grande Mãe-Terra, e os ritos e mitos de fertilidade assentam-se nesse
contexto arquetípico.
105
Como árvore da vida que dá frutos, ela é feminina: gera, transforma e nutre; as
folhas, os ramos e os galhos estão ‘contidos’ nela e l he são dependentes. O
aspecto protetor torna-se claro na copa, que abriga os ninhos e as aves. Além
disso, a árvore desempenha a função de conter, porquanto é o tronco ‘dentro’ do
qual vive o seu espírito, assim como a alma habita no corpo. A natureza feminina
da árvore confirma-se, ainda, pelo fato de que tanto a sua copa quanto o tronco
m o poder de dar à luz, como se comprova, entre muitos outros exemplos, pelo
nascimento de Adônis. (p. 53).
39
A árvore equilibra o masculino e o feminino, é de natureza urobórica, pois
representa o falo, o princípio masculino elevando-se da terra. Jung (2003) esclarece:
A alquimia viu a simbologia da união dos opostos na árvore, e por isso não é de
surpreender que o inconsciente do homem hodierno, o qual já não se sente à
vontade no seu mundo, nem pode basear sua existência no passado transcorrido,
nem no futuro ainda por vir, volte a buscar o símbolo da árvore da vida,
enraizada neste mundo, crescendo em direção ao pólo celeste, que o homem
também é. Na história do símbolo, a árvore é descrita como o caminho e o
crescimento para o imutável e eterno, gerada pela união dos opostos e
possibilitando a mesma através do seu eterno já-existir. (p. 116).
A árvore é símbolo de transformação, conforme Neumann (2005), pelo mais
numinoso de todos os mistérios da transformação, o crescimento: a humilde semente
transmuta-se em caule forte; este, em folhas e flores e, posteriormente, em frutos. Todo
esse processo coma no interior da terra-mãe e completa-se com a ajuda da água, do ar e
do calor do sol. A árvore de Natal é um resquício da simbologia da árvore celeste, noturna,
árvore anímica do renascimento, na qual a pessoa depois da morte se torna luz celeste.
Ainda, a árvore é símbolo do destino, porque enraizada nas profundezas; dela também
surge a cruz, que culmina na morte e na transformação do material em espiritual.
As três árvores desenhadas por E correspondem a cada uma das pessoas da família.
A figura da mãe, maior, centralizada, tem sua árvore grande localizada à direita, a única
com um fruto no alto; o pai tem a sua à esquerda, menor, com três flores. A filha tem uma
árvore incompleta, sem a casca verde e a copa marrom, como as outras: está toda em rosa,
é uma árvore-flor, pois tem um miolo, ainda não chegou a ser árvore completa.
A mãe é a maior das figuras desenhadas. Durante a oficina da Deméter/Perséfone,
E afirmou que sua mãe “era cuidadosa demais, tinha um excesso de amor” com ela, o que
Jesus também foi recebido pela árvore transformada na madeira da manjedoura.
106
atribui ao fato de ter perdido uma irmã, falecida antes de ela nascer. E acredita que essa
superproteçãoa prejudicou “um pouco”, pois “eu poderia ter caminhado com meus próprios
pés. Durante um longo tempo eu fui muito dependente, mas depois a vida me ensinou”.
Como mãe, ela também se mostrou forte na própria família, sempre preocupada com o
marido e com a filha, mas disse que procura deixar sua filha “se virar”. Contudo, ela se deu
conta de que, em alguns momentos, agiu de forma semelhante à mãe. No desenho, a
caba da mãe ocupa o lugar para onde convergem todas as linhas da simbologia espacial,
o lugar do centro, do
self
. A cabeça representa o chefe, o guia, o rei, e os olhos são sua
luminária. A cabeça ainda é considerada o receptáculo do espírito.
Em diversas mitologias, o casamento sagrado,
hieròs gámos
, tem por finalidade a
fertilização da terra, a produção de frutos. E representa seu casamento e os frutos da terra:
sua filha e as árvores. Para ela o sol é Deus. Ela escreveu sobre o desenho, referindo-se ao
grupo da oficina e à pergunta motivadora: “Nos tornamos uma família à procura d o nosso
‘eu’”. Tal afirmação foi corroborada pelas demais mulheres que leram seu desenho e
escreveram: “amizade, brilho, esperança, paz; união, carinho, ajuda mútua”; “encontro,
amizade, amor, alegria”; “sentimento de que não se está só satisfação bem-estar”.
d) Desenho de I - “As ts graças”
Figura 18 - As três graças
107
I utilizou folha de sulfite e canetinhas em sua imagem. Este desenho mostra um trio
de meninas, sendo a do centro a maior. Também em número de três, I desenhou pequenas
árvores e, em cada uma, flores de pétalas redondas e em forma de estrela ou asterisco.
Acima, à esquerda, está um sol com face sorridente e raios, num vermelho vibrante. Todas
as meninas estampam um largo sorriso. Sob as figuras há um solo ondulado em tons de
vermelho, marrom e verde.
Chama atenção a semelhança dos desenhos de I e E, pois ambos representam ts
pessoas, três árvores e o sol. A simbologia do sol, da árvore e do três, já mencionada, cabe
perfeitamente na análise dessa imagem. É peculiar, no entanto, a representação das três
mulheres-meninas. I sempre teve uma ligação forte com a mãe, que, ainda hoje é quem
toma conta de sua casa e de seus filhos enquanto ela trabalha. Jung (2003) alerta que a
identificação com a mãe leva à supervalorização dessa figura: a filha contenta-se em
depender dela, cuja perfeição acredita não conseguir almejar. Porém, a partir de uma
defesa contra a mãe, verifica-se ocasionalmente um desenvolvimento espontâneo da
inteligência, com o intuito de criar uma esfera em que a mãe não exista. Dessa maneira, I
transita em outro universo que não divide com a mãe, seu trabalho na escola e os estudos,
que a aproximam mais das funções do intelecto, do princípio masculino, reportando à
imagem do sol, localizado no espo pictórico no lugar correspondente ao arquétipo do
pai, ao intelecto, à racionalidade. É importante recordar aqui o que emergiu no encontro do
segredo, onde I “lembrouque seu pai quebrou a fotografia do casamento.
A criança, para Jung (2003), é indício do processo de individuação e aparece no
folclore sob a forma de anões, elfos, duendes, fadas, como personificação de forças ocultas
da natureza. Jung afirma que ela é uma irrupção do inconsciente. Para ele o motivo da
criança não reporta apenas à infância da própria pessoa: antes, é sempre uma imagem que
pertence à humanidade inteira: “O motivo da criança representa o aspecto pré -consciente da
infância da alma coletiva.” (p. 162). A criança mitológica é sempre divina, prodigiosa, não
necessariamente humana; ora é Deus, ou gigante, ora é o Pequeno Polegar, o animal, etc.
A criança, refere Jung (2003), não é apenas um ser do começo, mas um ser do fim:
O ser do começo existiu antes do homem, e o ser do fim continua depois dele.” (p. 178).
Simboliza a essência humana pré e pós-consciente. Pré-consciente é o inconsciente da
primeiríssima infância do homem e o pós seria uma antecipação da vida as a morte. A
tradição cristã tem a criança como símbolo da pureza e da inocência. Jesus disse que, se
o nos tornássemos como crianças, não entraríamos no Reino dos Céus.
108
Segundo Nichols (2003), a atração que sentimos pelas crianças explica-se porque
elas simbolizam o “eu natural”. “Quando fitamos os olhos de uma criança, religamo -nos
brevemente à inocência e à pureza de nossa natureza fundamental. A criança simboliza o
eu arquetípico, a força dirigente central da psique humana com a qual estávamos todos
sintonizados quando crianças.” (p. 321). À medida que o ego se desenvolve, há um
afastamento do inconsciente e pode haver a perda do contato com ele. No final da vida,
porém, há um retorno ao interior dessa criança perdida.
As crianças de I não representam uma irrupção incontida do inconsciente, ainda que
surjam de uma terra-mãe em turbulência, representada pelas ondas e cores contrastantes. Elas
estão sorridentes, em companhia da simbologia positiva e transformadora das árvores e
flores e da representação da consciência fulgurante do sol. A personalidade de I denota essa
função integradora do consciente-inconsciente, referida por Jung como individuação,
capacidade emergida nas oficinas, quando “lembrou” de fatos relacionados à sua família na
infância. O grupo apreendeu essa vivência de I, escrevendo acerca de seu texto iconográfico:
“comunicação, encontro, diálogo, compreensão, am de referir alegr ia e felicidade”. Na
verbalização I falou que o grupo representou amizade, compreensão e respeito.
e) Desenho de C - A criança divina”
Figura 19 - A Criança Divina
109
O suporte dessa imagem foi folha de sulfite; o material, lápis de cera e de cor. C
utilizou a folha na diagonal, representando na parte superior uma lâmpada azul, de onde
surge uma luz amarelada sobre uma menina no centro do plano. A menina, de cabelos
pretos e boca vermelha, apresenta um leve sorriso, veste camiseta laranja, bermudas
magenta e tênis branco. Uma das mãos está dobrada sobre a rego do plexo solar e a outra,
solta ao longo do corpo. Seu olhar parece dirigir-se para a mão dobrada. Uma grande
massa de terra marrom a sustenta, em direção à ponta da folha.
O simbolismo da lâmpada está ligado ao da emanação da luz: a lâmpada é o suporte
e a luz, sua emanação. A lâmpada permite vislumbrar a sabedoria. Seu uso ritual é tido
como sinal da presença de Deus, sendo, muitas vezes, a descrição literal da presença dele.
É a vela usada para queimar diante dos santos afirmando o sacrifício e a presença do fiel.
(CHEVALIER; GHEERBRANT, 2002). A iluminação do homem é analogia para a
aproximação da verdade e da divindade. A luz, no caso de C, indica que ela integrou uma
nova realidade à consciência. Segundo Neumann (2005), os corpos luminosos são sempre,
em sua dimensão arquetípica, símbolos da consciência e do espírito da psique humana.
C representa uma das polaridades do inconsciente em sua imagem: o calor da luz e
da lâmpada, princípio masculino; e o escuro, ctônico, feminino, da terra, ambos em
oposição no desenho. Entre um e outro, a figura da criança, símbolo da divindade,
representando o
self
. A criança de C é como uma planta, surge do ventre da terra e, com o
auxílio da luz, vem para a vida. A planta em crescimento irrompe do escuro útero e
vislumbra a “luz do mundo”. Conforme Neumann (2005):
Essa libertação do escuro para o claro caracteriza o caminho da vida, bem como
o caminho da consciência. Ambos os caminhos conduzem sempre, e
basicamente, da noite para a luz. Este é um dos motivos para a conexão
arquetípica entre simbolismo do crescimento e a aquisição da consciência,
enquanto que a terra, a noite, a escuridão e o inconsciente são um conjunto em
oposição à luz e à consciência. Na medida em que o Feminino liberta para a vida
e para a luz o que nele está contido, torna-se a Grande Mãe e a Mãe Bondosa de
toda a vida. (p. 66).
Neumann (2005) alerta que o surgimento da vida sempre reporta às trevas
primordiais: delas se origina a luz, sob a forma da lua, das estrelas e do sol. “Com efeito, o
inconsciente é a mãe de todas as coisas, e tudo o que ‘surgiue permanece na luz da
consciência está numa relação filial com a escuridão, como o é a própria consciência que
110
também é filha das profundezas originais” (p. 188)
-
como Perséfone que ressurge do
Hades, tornada uma “portadora” da luz. A luz como princípio masculino é quem fecunda a
mulher, gerando o filho divino, o filho da luz. “Com o nascimento do filho, a mulher
efetiva o milagre da natureza, que é dar à luz algo inteiramente distinto dela e oposto a si
mesma.” (p. 279). Com o filho divino, “a mulher experimenta seu poder de gerar a luz e o
espírito, de gerar um espírito de luz que é eterno e imortal, apesar de todas as
transformações e quedas. [...] Aquela que dá à luz também se renova”. (p. 279).
C sempre se referiu aos filhos nos encontros, principalmente à filha adolescente,
por quem nutria preocupações. Escreveu acerca dessa imagem: “As reuniões para mim
foram como uma luz espalhando seus raios para me ajudar a me encontrar como mulher e
mãe.” Outra pessoa do grupo observou: “Está buscando um lugar, na luz do seu brilho, tem
algo a ver com a infância que não teve e quer viver agora”.
A figura da menina emergindo da terra, recebendo as luzes da divindade-lâmpada,
indica o crescimento que C referiu em sua fala. Ainda o amarelo é uma das mais quentes e
expansivas das cores; representa os raios do sol que atravessam o azul celeste,
manifestando o poder da divindade (CHEVALIER; GHEERBRANT, 2002). Essa cor no
desenho de C tem muito da simbologia do ouro, pois representa a luz, e o ouro-luz é o
símbolo do conhecimento, é o
yang
.
f) Desenho de M. -A Estrela”
Figura 20 - A Estrela
111
M utilizou folha de sulfite e lápis de cera. No desenho há uma espécie de estrela,
em azul, bem no centro da folha, com seus pentáculos levemente curvos. Essa figura
simétrica parece tamm uma fenda. Ao redor da imagem e seguindo a forma que dela
emergiu, há um espo em branco; posteriormente, uma série de raios coloridos (azul,
verde, laranja, marrom, vinho e amarelo).
Convém, nesse caso, partir das próprias palavras de M acerca do desenho para um
futuro mergulho na simbologia que ela expressa. Ela afirmou: “É meu renascimento, as
cores são minhas alegrias e expectativas da vida, do meu mais íntimo sentimento”. As
companheiras leram a imagem como “abertura” e “estrela que está se abrindo”.
Valho-me de Neumann (2005), o qual esclarece que portão, porta, garganta,
abismo, fendas são todos símbolos femininos da terra-útero, caracterizando, enquanto
lugares numinosos, o caminho desde a escuridão mítica do mundo inferior à abertura.
Conforme Neumann (2005), a caverna é a expressão maior dessa simbologia, pois abriga o
inferno e os demônios, representando o inconsciente, o desconhecido. “O inferno e o
mundo inferior são, enquanto vasos da morte, formas do vaso-ventre terrível e negativo
que traz a morte, correspondendo na mesma proporção ao seu aspecto positivo e provedor
da vida.” (p. 152).
A forma desenhada permite, do mesmo modo, associações com a estrela e o cristal,
ou pedra preciosa, eis que os raios que partem do centro remetem às cores do prisma.
Acerca do cristal afirma Bachelard (2001): “As gemas são as estrelas da terra. As estrelas
o os diamantes do céu.” (p. 230). Para o estudioso das imagens, o cristal desperta um
materialismo da pureza, também sendo considerado uma forma fundamental, uma forma
perfeita. Ele aponta que, quando as gemas são imaginadas numa gruta iluminada, são
sempre de cores múltiplas e muito variadas: “Têm, por assim dizer, essa estranha cor
onírica da multiplicidade variegada que poderíamos chamar a
cor do inumerável
.” (p. 234,
grifo do autor). Reportam ao caleidoscópio e a sua excessiva mobilidade.
Jung (2003) menciona que a gruta é o lugar do renascimento, “espaço oco secreto
em que se é encerrado, a fim de ser incubado e renovado. [...] O ‘meioé o centro, onde jaz
o tesouro, [a pedra preciosa] onde se dá a incubação, o processo do sacrifício ou ainda a
transformação”. (p. 139). Conclui Jung que “quem por acaso chega nessa gruta, ou seja, na
gruta que cada um tem dentro de si, ou na escuridão que fica por detrás da sua consciência,
é envolvido num processo de transformação, a princípio inconsciente”. (p. 139). Ocorre,
112
então, uma incorporação pela consciência desses conteúdos inconscientes, podendo gerar
uma grande modificação na personalidade.
Bachelard (2001) entende que o arquétipo da pedra preciosa, do tesouro, não se
refere à aquisição de bens materiais, mas a uma outra riqueza, misteriosa, porém evidente,
a riqueza que liga a todos os sonhos: “Enquanto o dinheiro nos torna socialmente
poderosos, a jóia nos torna oniricamente poderosos.” (p. 236). O dinheiro e a jóia não
pertencem à mesma camada psíquica, pois a jóia, quando é agregado valor sentimental,
ultrapassa o valor meramente material.
Se a pedra preciosa toca as regiões inconscientes e profundas, é de admirar que
ela possa concentrar todas as forças cósmicas dos devaneios da potência
humana? Tudo o que um homem pode almejar: saúde, juventude, amor,
clarividência, existem pedras preciosas para realizar suas aspirações. Um cristal
traz sorte, um cristal faz amar, um cristal preserva dos perigos. (p. 236).
M sempre esteve mais preocupada em descobrir-se, em saber o que realmente
desejava para sua vida, não apenas com o retorno material. Sua busca estava naquilo que
lhe desse prazer e alegria; assim, excursionava pelos trabalhos manuais, aprendia novos
ofícios, tentava uma nova profissão como educadora. Na época dos encontros ainda andava
envolvida com a feitura de bijuterias, pesquisando cores e pedrarias em suas criações.
A carta da Estrela do tarô (NICHOLS, 2003, p.291) também aproxima significados
ao desenho de M. Segundo Nichols, o aparecimento da grande estrela sugere que “uma nova
vio da totalidade se ergueu das profundezas e logo estará ao alcance da consciência total”.
(p. 292). Retrata um centro fixo, que une o espírito à intuição, e o corpo, à emoção. Os
alquimistas também retratavam uma estrela gigante fixa quando se referiam ao processo de
iluminação. “Em torno desse ponto focal, as luzes menores, os diversos fragmentos da
personalidade, podem começar a girar.” (p. 292). Assim ocorre na imagem de M, cujas cores
gravitam e se mantêm em torno da forma maior. O desenho mostra o aparecimento do
self
como estrela, a partir do caos profuso das cores. A estrela é a ordem perante o caos, é força
condutora: guia os marinheiros pelos mares desconhecidos e é instrumento da astrologia para
predizer tendências futuras. Também levou os magos até a manjedoura de Jesus.
113
Figura 21 - A Estrela (VII)
A estrela de M, lembra o homem, o pentagrama: braços, pernas e cabeça. Sua cor
é azul, portanto fria, racional, porém os raios do entorno englobam diversas cores, dentre
as quais o vermelho e o amarelo, quentes, femininos. Jung (2003) associa o vermelho ao
sentimento e o amarelo, à intuição. “Trata -se por conseguinte de um deslocamento do
centro da personalidade para a região mais quente do coração e do sentimento, e pela
inclusão da intuição surge a modo de um pressentimento uma apreensão irracional da
totalidade.” (p. 376).
Como a carta do tarô, a estrela de M não emerge de um céu noturno, mas de um
fundo branco. O cristal condensa em si os quatro elementos - água, terra, fogo e ar - e a
carta da Estrela também os têm em si, pois a mulher ajoelhada na terra trabalha com a
água e, ats dela, no u aéreo, as estrelas ardentes dominam. Para Jung (2003), os
quatro elementos referem-se às quatro funções da psique: o pensamento, o sentimento, a
intuição e a sensação.
Confio que M tenha aproveitado as oficinas para promover esse encontro, o
renascimento que ela refere, um autoconhecimento para que pudesse saber, de fato, se
estava no caminho certo como educadora, ou se deveria buscar sua realização de
outras formas.
114
g) Desenho de A -A sombra”
Figura 22 - A Sombra
O desenho foi feito em sulfite com lápis de cor. Toda a superfície da folha foi
utilizada. A representão é (segundo a própria A) um pôr-do-sol sobre o mar e a figura
negra seria a sombra de uma pessoa projetada sobre a areia. O mar é composto de azuis e
turquesas em ondas suaves. Acima da linha do horizonte projeta-se o sol, centralizado na
folha, de onde emergem tons de amarelo em círculo, culminando nos vermelhos próximos
ao horizonte e nos azuis bem acima.
A água, para Neumann (2005), é um dos elementos da natureza essencialmente ligado
ao simbolismo do vaso. “A água que contém, presente como útero primordial da vida a partir
da qual nascem os seres vivos em inumeráveis mitos, é a água ‘inferior’ ou água das
profundezas, lençol de água e mar, lago e tanque.” (p. 52). Essa água primordial tem um
cater urobórico, pois contém em si o masculino, em sua indiferenciação elementar. As águas
dos rios, por exemplo, são consideradas masculinas por serem fertilizantes e pela expressão do
movimento, porém o fruto das águas é sempre considerado como filho.
115
Mitologicamente, as profundezas das águas do mar abrigam monstros devoradores,
membros da noite, do mundo inferior e da morte. Conforme Neumann (2005), essas figuras
extraordinárias são aspectos do inconsciente negativo e estão relacionadas ao simbolismo do
feminino terrível, representando o perigo da inundação do mundo. A mitologia asteca acredita
que “somente o herói solar da consciência, aquele que sempre triunfa sobre a serpente abissal,
sabe a forma de conter a calamidade provocada pela inundação”. (p. 165). Essa viagem do
hei pelo mundo inferior, com sua transformação e renascimento, é extremamente
significativa nessa e noutras culturas que mantêm com vitalidade o mito da mãe terrível.
Assegura Neumann (2005) que o mar, como a terra ou o céu, nos mitos da origem
da vida, sempre se refere às trevas primordiais. É delas que se origina a luz considerada
descendente da mãe noturna em praticamente toda a parte. Essa simbologia reporta ao
inconsciente: “Com efeito, o inconsciente é a mãe de todas as coisas, e tudo o que ‘surgiu
e permanece na luz da consciência está numa relação filial com a escuridão, como o é a
própria consciência que tamm é filha das profundezas originais.” (p. 165).
A projeta sua própria sombra, parte na areia e parte na água do mar. Para Jung
(2003), aquele que olha o espelho da água vê, em primeiro lugar, sua própria imagem e,
caminhando em sua direção, corre o risco de encontrar-se consigo mesmo. “O espelho não
lisonjeia, mostrando fielmente o que quer que nele se olhe; ou seja aquela face que nunca
mostramos ao mundo, porque a encobrimos com a
persona
, a máscara do ator. Mas o
espelho está por detrás da máscara e mostra a face verdadeira.” (p. 30).
Encontrar-se consigo mesmo significa estar com a própria sombra, que não é o todo
da personalidade inconsciente, mas representa conteúdos desconhecidos do ego,
pertencentes à esfera pessoal e que podem vir a se tornar conscientes. Quando uma pessoa
tenta ver sua sombra, conscientiza-se das tendências e impulsos que nega existirem em si
mesma, mas que consegue ver nos outros. Esses valores são necessários à consciência, mas
é difícil sua integração na vida de cada um. (Von FRANZ, 1995). Ao ignorar a sombra
paga-se caro demais, alerta Jung (2003):
Um ser humano possuído por sua sombra está postado em sua própria luz, caindo em
suas próprias armadilhas. Sempre que possível, ele prefere exercer uma impressão
desfavovel sobre os outros. Em geral, não tem sorte, porque vive abaixo de si
mesmo, e no máximo alcança o que não lhe convém. Onde não há soleira na qual
possa tropeçar, ele a constrói, imaginando ter feito algo útil. (p. 128-129).
116
É preciso coragem para se encontrar com a própria sombra, uma vez que ela é uma
parte viva da personalidade e, por isso, quer apresentar-se de alguma forma. Mas não é
possível anulá-la com argumentos conscientes ou torná-la inofensiva através da racionalização.
A disse na oficina da boneca que se deu conta de que era muito “lerda”, demorada
em fazer as coisas e extremamente perfeccionista; às vezes, inclusive, perdia
oportunidades por estar ligada ao detalhe, deixando de ver o todo. Ao concentrar-se e
manter sua atenção focada nos afazeres, A contém a sombra e seus impulsos destrutivos.
Na época dos encontros, ela estava vivendo a separação do marido, acompanhada de
dificuldades financeiras e do cuidado com os filhos; mesmo assim, mantinha-se focada
na tentativa de atingir a perfeição em cada tarefa proposta, inclusive na escola e em casa,
conforme comentou.
A sombra buscando o mar pode significar, nesse caso, uma espécie de fuga para o
inconsciente, como meio de escapar à realidade. Jung (2003) alerta que a sombra é tão
antipática à consciência que acaba recalcada no inconsciente; porém, reprimida, ela terá
melhores condições de conservar-se, posto que no inconsciente nada seja corrigido. “O
obscuro e o mal não se desfizeram em fumaça, mas recolheram-se no inconsciente devido
a uma perda de energia, onde permanecem inconscientes enquanto tudo vai bem na
consciência.” (p. 261). Quando a consciência é abalada por situações críticas, a sombra
encontra oportunidade favorável para reaparecer.
Entretanto, a sombra, alerta Jung (2003), não é totalmente negativa, mas é como se
ela escondesse conteúdos significativos sob um invólucro inferior. A sombra é a figura mais
próxima da consciência e a menos explosiva, é a primeira a manifestar-se num processo de
análise do inconsciente. Sua figura aparece no início do caminho da individuação.
A parece estar buscando conhecer-se, e o sol, acima, como força consciente,
racional, apóia essa decisão. Ao mesmo tempo em que a sombra emerge/imerge do/ao
inconsciente, ela própria, que não está desenhada, mas presume-se pela projeção da
sombra, vislumbra o céu, com os pés firmes sobre a areia da praia, molhados pelas águas
do mar profundo.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Tornou-se impensável realizar essa pesquisa sem me incluir, como mulher e
educadora, no contexto desse viver atribulado que nos exige e nos massacra, como disse
Rubem Alves (1987), vivemos numa sociedade doente. Nesse universo de Cronos, esta é
uma proposta diferenciada, pela esperança de vivermos tempos-mundos melhores. As
mulheres que doaram seus preciosos bens, as imagens produzidas pelo seu ser em inteireza
refletem em muitos aspectos a minha vida e a vida de inúmeras outras mulheres sem rosto,
sem alguém que as ouça e lhes permita dar vazão àquilo que sentem e que as aprisiona.
É difícil compreender e aceitar o dano ao sentir e ao pensar feminino perpetrado a
partir do patriarcalismo, já que as mulheres eram as sacerdotisas, as conhecedoras dos
mistérios da vida e da morte; eram respeitadas como as provedoras máximas do
sobrenatural, portanto, da imaginação; elas curavam e protegiam. No entanto, nutrição,
intuição, empatia e emoção, seus atributos naturais, foram banidos pela ameaça e pelos
impedimentos que representavam ao progresso da nova ordem científica, ainda que seus
conhecimentos tenham dado sustentação a essa nascente mentalidade. Essa identidade
feminina continua pulsante no psiquismo das mulheres, implorando para vir à tona, eis que
pode ser um dos meios mais preciosos para promover mudanças em nosso perdido e
atônito olhar.
Os conhecimentos ancestrais apareceram vivos e pulsantes nas falas, inclusive de
bastidores, nas quais as receitas de remédios físicos, emocionais e espirituais emergiam.
Também estiveram presentes na troca de experiências, buscando nos exemplos das
antepassadas e nos próprios um conselho, uma palavra, um apoio, alento para o coração de
quem precisava naquele momento. Torna-se necessário que voltemos a nos apropriar
118
desses “pequenos” saberes, visto que somente assim poderemos afrontar o poder dos ditos
“grandes” saberes.
Com base nas falas e, sobretudo, nas imagens que emergiram dos grupos,
evidenciou-se a capacidade que as vivências estéticas, criativas, com seus modos
diferenciados de pensar e viver, têm de promover reflexões acerca da condição de
mulheres e de educadoras. Conforme Reisin (2000):
Creer en la creación y crear la creencia de que: 1. Todos tenemos subjetividad.
Tenemos por lo tanto derecho a ejercerla, a hacer algo con ella, desde ella; esto
es, producir desde nuestra singularidad subjetiva. 2. Todos tenemos la
posibilidad de relacionarnos desde éstas, nuestras producciones. Enlace
complejo de cuestiones propias y con las de otro. 3. La producción subjetiva es
una apuesta arriesgada, sensible, compleja, fascinante, que genera espacios de
resignificación implicación creación. 4. La actitud creadora produce espacios
de salud. Como la mayoría de los espacios, hay que ocuparlos, transitarlos,
dimensionarlo, habitarlos, apropiándonos de este. (p. 5, grifos do autor).
A maneira pela qual as mulheres se vêem inseridas num tempo-espaço também foi
passível de ser observada, seja por meio da relação com o tempo, seja pelas reflexões
acerca das outras maneiras como levavam-levam a vida, as mães, as avós, as bisavós, com
as quais teceram relações, configurando formas novas e surpreendentes.
O questionamento acerca da dúvida sobre se o afeto, a sensibilidade e o cuidado
participam da práxis pedagógica da educadora por si mesmo mostra uma resposta
convincente vinda da essência do ser feminino, da afinidade que as mulheres sempre
tiveram com esses sentimentos no decorrer dos tempos. Como dissociar mulher de mãe?
Como dissoc-la, então, de amor, de cuidado, de afeto? Ainda que a cultura e a sociedade
nos façam enrijecer, em nossa essência pulsam emoção e empatia. Ainda que as relações
nos tenham feito endurecidas, a reflexão e a ressignificação delas podem, sim, promover
avanços a caminho da compreensão do outro, seja esse a pessoa ou o universo. Como
afirmou uma das mulheres dos grupos: “Primeiro, a gente tem que se amar muito, pra
depois poder se doar”.
Assim, considero que os objetivos desta proposta de trabalho foram alcançados,
bem como os meus pessoais, ao realizar este estudo. A questão fundamental também restou
atendida, pois um olhar sensível sobre as construções imagísticas e sobre as palavras das
mulheres aponta nesse sentido.
119
A educação estética não se funda num ato, mas num processo e, como tal, aponta
para estruturas diferenciadas, enlaçamentos, redes, configurações dinâmicas e tempos
reinventados para possibilitar esse acontecimento. E isso, antes de qualquer coisa, implica
amadurecimento e autoconhecimento dos educadores e, por conseguinte, dos educandos. A
possibilidade de ser concretizada hoje em nossas escolas, espaço de conhecimentos
racionalizados, fragmentados, ainda é tênue, contudo, retomando Rubem Alves (1987),
devemos viver pelo amor daquilo que nunca veremos.
Este trabalho talvez venha a abrir portas às mulheres que ajudaram a construí-lo, a
quem se dispuser a lê-lo e a mim mesma, para mundos ainda não habitados, mas prenhes
de significações. E o que me move em direção ao futuro é, como diz uma canção de
Renato Russo, “essa saudade que eu sinto de tudo o que eu ainda não vi”.
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Estadual de Campinas Campinas, 1992.
ANEXOS
126
ANEXO A - Consentimento livre e esclarecido
Estamos solicitando a sua participação em um projeto de pesquisa que está sendo
coordenado pela Profª Dra. Graciela Ormezzano, professora do Programa de Pós-
Graduação da Universidade de Passo Fundo - Mestrado em Educação e pela mestranda
Lilian Cláudia Cordeiro Araldi, que realizará as oficinas de educação estética. O telefone
de contato do Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade de Passo Fundo, para
esclarecimento de dúvidas e informações, é (054) 3316-8370 .
Os objetivos da pesquisa são: observar os diálogos entre as diferentes linguagens
utilizadas durante o fazer artístico e propor uma discussão sobre sua abordagem na prática
pedagógica de cada envolvida; discutir, a partir das vivências artísticas grupais,
proposições para a educação estética em nível pessoal, social e de ptica pedagógica;
compreender as práticas estéticas como vivências essenciais para o processo de
humanização e para a vio do sujeito em sua totalidade, contrapondo-se à racionalidade
instrumentalizadora; apresentar a linguagem artística visando ao autoconhecimento através
da exploração de aspectos cognitivos que não costumam ser acessados corriqueiramente;
propor vivências dirigidas à compreensão do outro e do grupo, visando a um crescimento
psicossocial conjunto, através de trocas autênticas, com a construção de confiança e
respeito mútuos; aprofundar conhecimentos acerca dos temas propostos que permitam
reflexões e construções teóricas; desvelar as implicações da educação estética na vida das
participantes da pesquisa e evidenciar a significação das imagens criadas pelas mulheres
com base na interpretação simbólica das teorias do imaginário. Para isto, serão
desenvolvidas oficinas de educação estética, assim como um espaço de discussão das
experiências. A proposta de seis encontros não possui riscos e terá benefícios pessoais e
sociais. A cada encontro será realizada uma atividade artística, tais como: recorte e
colagem, desenho, pintura, gravura, costura e uma avaliação sobre a oficina de educação
estética.
A sua colaboração é muito importante, uma vez que estas e outras informações de
cunho teórico permitirão compreender as possibilidades e limites desta metodologia com
as educadoras participantes. Gostaríamos de deixar claro que você está livre para
desautorizar a qualquer momento o uso e a divulgação dos seus trabalhos e, caso se
considere prejudicado de alguma forma, poderá entrar em contato com o Comitê de Ética
da Universidade atras do telefone acima citado, a qualquer momento. Os seus dados
127
pessoais serão mantidos em sigilo e os resultados gerais obtidos serão utilizados apenas
para alcançar os objetivos do trabalho, expostos acima, incluída sua publicação na
literatura. O material produzido por você será utilizado somente para fins de investigação e
destruído após a conclusão da pesquisa. Se tiver alguma pergunta a fazer antes de decidir,
sinta-se à vontade para fazê-la.
128
CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Eu concordo em fornecer informações sobre aspectos da minha vida para o projeto
de pesquisa acima mencionado e autorizo a utilizar as imagens por mim criadas. A
pesquisadora me informou sobre o caráter voluntário da minha participação na pesquisa, o
direito de negar o meu consentimento a qualquer momento e o direito ao tratamento
confidencial das informações que eu fornecer. Minhas dúvidas foram esclarecidas. Eu
compreendi que me será dada uma cópia assinada deste consentimento informado. Eu li
(ou foi lido para mim), compreendi este documento e concordo em participar deste estudo.
Data: .......................................
Nome do entrevistado: .................................................................................
Assinatura do entrevistado ou responsável: .................................................
Nome da pesquisadora: Lilian Cláudia Cordeiro Araldi
Assinatura: .................................................................................
Telefone para contato: (54) 3358 2896
Assinatura...........................................................................
____________________________________________________________________
A659e Araldi, Lilian Cláudia Cordeiro
A educação estética e o feminino: propostas para uma visão
humanizadora em educação / Lilian Claúdia Cordeiro Araldi.
Passo Fundo, 2006.
128 f.; 29 cm.
Orientação: Profª. Drª. Graciela R. Ormezzano.
1. Educação. 2. Estética. 3. Imaginário feminino. 4. Arte
I. Ormezzano, Graciela R., orient. II. Título.
CDU 37.036
___________________________________________________________________
Catalogação: bibliotecário Juliano de Lima Rodrigues - CRB 10/1642
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
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