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Sou inocente, conseqüentemente sustento que nenhum ato criminoso, qualquer que
seja, justifica minha presença atual ante a este tribunal.
Encontro-me aqui por ser vítima de uma maquinação política que, longe de
demonstrar minha culpabilidade, indica o Estado da Califórnia como agente da
repressão política. Em efeito, o Estado da Califórnia revela seu papel ao utilizar como
prova contra a mim, a minha participação em lutas que livra o meu povo- a
população negra- contra as múltiplas injustiças sociais, ao utilizar, especialmente
minha participação no Comitê em defesa dos Soledad Brothers. Até agora, o povo
norte-americano têm sido induzido a acreditar que tal participação é garantida pela
Constituição.
Para estar segura de que estas questões políticas não serão anuladas nem
desnaturalizadas, me vejo obrigada a tomar parte ativa em minha própria defesa:
como acusada, como mulher negra e como comunista.
(...) Ninguém pode falar melhor do que eu mesma das minhas convicções e
atividades políticas. Uma justiça que condena virtualmente ao silêncio a mesma
pessoa que mais tem a perder, parece conter os germes da sua própria destruição.
(...) Para aumentar as possibilidades de que aconteça um processo justo-o qual por
hora, não me pareça que seja o caso-, é absolutamente necessária a autorização de
que eu mesma participe da minha defesa. Poderia agregar que ao meu pedido não
carece/precisa de precedentes no plano jurídico.
Se este tribunal rechaçar nossa petição, e não me incluir como defensora neste
processo, se alinhará junto as forças do racismo e da reação que ameaçam empurrar o
nosso país aos horrores do fascismo; e muitas pessoas que tem perdido gradualmente
a sua ilusão a respeito do sistema jurídico encontrarão aqui uma razão mais para
confirmar sua opinião e para pensar que já não é mais possível ser julgado
imparcialmente nos Estados Unidos.
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O texto nos parece muito interessante por conseguir resumir aspectos
recorrentes do pensamento e da trajetória de Angela. O primeiro ponto importante,
diz respeito a sua autodefinição, como mulher negra e comunista. Essa apresentação
resume tanto a identidade de Angela quanto as suas prioridades políticas e intelectuais
que estão ligadas às dimensões de classe, gênero e raça. O segundo ponto relaciona-se
a auto-representação, à necessidade de defender a si mesma, um aspecto recorrente
nos discursos dos militantes negros desde Malcom X. O aspecto seguinte relaciona-se
à afirmação da sua inocência, e à alegação da perseguição política por parte do Estado
da Califórnia, que tentava incriminá-la como forma de conter o seu trabalho político,
uma técnica muito utilizada na ocasião com os militantes revolucionários, não só nos
Eua, como em diversos países, como o Brasil por exemplo. E, por último, a denúncia
do processo de implementação de uma cultura fascista vivida por aquela sociedade.
O julgamento inocentou Angela. O intuito do processo de criminalização de
Angela tinha o objetivo bem nítido de conter a influência de Angela na comunidade
negra, em especial o exemplo para outras mulheres negras. Ela representava uma
ameaça, em grande medida no plano simbólico. Uma mulher negra que
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DAVIS, Angela. Angela Davis habla. Buenos Aires: Ediciones de La Flor, 1972, pp. 57-8.
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