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FEAD-MINAS CENTRO DE GESTÃO EMPREENDEDORA
NÚCLEO DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA
MESTRADO EM ADMINISTRAÇÃO
MODALIDADE: PROFISSIONALIZANTE
TRABALHO, PODER E AUTORITARISMO NUMA
EMPRESA DE GRANDE PORTE DO SETOR
BANCÁRIO: UMA CRÍTICA À CONCEPÇÃO ATUAL
DA ADMINISTRAÇÃO
Paulo Ernesto Corrêa
Belo Horizonte
2006
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2
Paulo Ernesto Corrêa
TRABALHO, PODER E AUTORITARISMO NUMA
EMPRESA DE GRANDE PORTE DO SETOR
BANCÁRIO: UMA CRÍTICA À CONCEPÇÃO ATUAL
DA ADMINISTRAÇÃO
Dissertação apresentada ao curso de Mestrado
Profissional em Administração da FEAD-Minas –
Centro de Gestão Empreendedora, como requisito
parcial à obtenção do título de Mestre em
Administração.
Área de Concentração: Gestão, Organizações e
Mudanças
Orientadora: Profa. Dra. Solange Maria Pimenta
Belo Horizonte
FEAD-MINAS
2006
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4
AGRADECIMENTOS
Agradeço
[...] a DEUS, mesmo sem endereço
aos AMIGOS, não os mereço
à FAMÍLIA, nunca esqueço
aos incautos que apontam para o impossível, não obedeço
a todos que desconheço,
pois quando agradeço
à VIDA brindo
em busca do recomeço.
Paulo Ernesto
A meu PAI, que mesmo tendo feito um “pit stop” com DEUS, sempre esteve ao meu lado.
À mulher que escolhi para viver e para quem tudo que escrevo não traduz o que sinto, Maria
Ofélia Romano.
5
Agradeço
À “ORIENTAMIGA”,
O dia-a-dia nos mostra a importância das pessoas,
são elas, assim como as estrelas, que nos ORIENTAM,
nos guiam, nos norteiam, por esse mar tortuoso chamado VIDA.
SOLANGE,
ao orientar-me, reconheci essa estrela em você,
cujo brilho (re)ordenou a rota – não só acadêmica – da minha jornada.
Ao alvorecer, através do sol, lembro-me de você.
Ao cair da tarde, anunciando a noite, apesar de mudada, lá estás,
por milhões de brilhos representada,
sempre pronta a guiar,
mais um “orientando”, por esse mar [...]
Por fim,
ao final da noite, pouco antes de me despedir
AGRADEÇO [...]
através de um muito OBRIGADO,
por VOCÊ existir!!!
Paulo Ernesto
6
CORRÊA, Paulo Ernesto. Trabalho, Poder e Autoritarismo numa empresa de grande
porte do setor bancário: uma crítica à concepção atual da administração. Belo Horizonte,
FEAD-Minas, 2006. (Dissertação, Mestrado Profissional em Administração)
RESUMO
Este estudo busca identificar as manifestações autoritárias que se processam numa
organização de grande porte do setor bancário. Para tanto, em duas fronteiras difusas –
weberiana e marxista – dá-se a consolidação de todo este processo. Trata-se de um estudo de
caso – o do Banco do Brasil – que tem na abordagem qualitativa o seu guia principal.
Acredita-se que esta pesquisa abre caminho para novas investigações sobre o tema, através da
abertura de um espaço pouco comum nos estudos administrativos, articulados como uma
crítica à Teoria Geral da Administração. Dessa forma, foi realizada uma pesquisa que se
desenvolveu através de um diagnóstico histórico-cronológico, com os seguintes tópicos: 1)
caracterização das esferas dominantes; 2) transformação do poder; 3) solidificação das bases
do poder; 4) novo modelo de poder; 5) BB assume-se como poder. Assim, o governo, o Banco
do Brasil e os funcionários são os principais protagonistas desta pesquisa. Na imposição da
vontade, como forma de poder, emerge a relação de dominação que é a principal característica
do autoritarismo na organização. O poder é o meio através do qual os conflitos de interesses
são resolvidos, porém ao assumir-se como tal ele deixa de ser o meio e passa a ser o próprio
sentido da dominação. O desenvolvimento da pesquisa aponta para a condição em que todas
as etapas estão marcadas por manifestações autoritárias, umas mais que as outras, o que ajuda
a corroborar com o problema e o objetivo do estudo dentro de um espírito crítico ao
paradigma dominante. A estrutura administrativa do Banco do Brasil e seus reflexos são
mostrados a partir do ano de 1964 até 2004, ou seja, durante quarenta anos. Sobre ela foi
implementada uma série de programas de ajustes que compuseram, em conjunto com o
mercado, fatores de significativa influência nas relações intra e extra organizacional. O
desenvolvimento cronológico do período alvo da pesquisa tem uma série de fatos marcantes:
Golpe Militar e a Reforma Bancária – 1964; extinção da Conta-movimento – 1986. Inicia-se
aí, a crise de identidade – banco público versus banco privado; promulgação da Constituição –
1988; Plano Real – 1994; relacionamento Tesouro Nacional com o Banco do Brasil. O BB
precisava ajustar-se aos limites estabelecidos pelo Acordo da Basiléia e o Plano de Demissão
Voluntária – 1995; BB-Plano de Reestruturação. A capitalização foi o item deste plano que
causou mais impacto na opinião pública e no público interno – 1996; a partir de 1997, os fatos
foram integrados e articulados como uma crítica, representados pelos paradigmas classista e
weberiano.
Palavras-chave: organização, governo, funcionários, autoritarismo, dominação e poder.
7
CORRÊA, Paulo Ernesto. Work, Power and Authoritarianism in a corporation of large
scale of the bank sector: a critical a current conception of the administration. Belo
Horizonte, FEAD-Minas, 2006. (Dissertação, Mestrado Professional in Administration)
ABSTRACT
The present study aims at the identification of authoritarian manifestations processed within
large scale corporations of the bank sector. It is a case study focused on a qualitative approach
of the process. It is believed that this research may inaugurate new paths for investigations
related to business administration studies. Therefore, this research has been developed
through a chronological-historical analysis, including the following topics: 1) characterization
of the spheres dominant; 2) transformation of the power; 3) basis of power solidification; 4)
new model of power; 5) Banco do Brasil establishes its position. This is how the Brazilian
Government, Banco do Brasil and its employees are the main characters in this research.
From the establishment of one side’s will as a means of power, emerges the relationship of
domination which is the main characteristic of authoritarianism observed in the corporation.
Power is the means through which conflicts of interests are solved, although from the moment
these conflict are approached as such, they are no longer the means, but the meaning of the
domination. The administrative structure of BB and its effects are approached from 1964 to
2004. Upon this structure, a number of programs and adjustments – together with the market
variations – have influenced BB’s intra and extra organizational relationships. The
chronological development of the research shows a series of important facts such as: Military
Coup and Bancary Reform – 1964; the expiring of Conta-movimento – 1986. At this point an
identity crisis takes place: public bank versus private bank, the promulgation of the
Constitution of 1988; Plano Real – 1994; the relationship between BB and the Tesouro
Nacional (National Treasury). BB needed to be adjusted to limits estabilished by Acordo da
Basiléia and Plano de Demissão Voluntária -1995; BB- Plano de Reestruturação.
Capitalization was the most polemic item from this Plano both among public opinion and
BB’s employees – 1996; from 1997 on have been integrated as critics, active elements,
represented by weberian ans classist paradigms.
KEY WORDS: organization/corporation, government, employees, authoritarianism,
domination and power.
8
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 01 – Subsistema dos Líderes ..................................................................................... 103
Figura 02 – Tipos de escolha estratégica .............................................................................. 116
Figura 03 – Stakeholders, organização e coalizão interna .................................................... 118
Figura 04 – O Ciclo de Adaptação Estratégica ..................................................................... 124
9
LISTA DE QUADROS
Quadro 01 – NÍVEIS DO AUTORITARISMO ...................................................................... 32
Quadro 02 – AS BASES DO PODER E SUAS TIPOLOGIAS ESPECÍFICAS ................... 43
Quadro 03 – CONCEITO DE “CLASSE” – DUAS PERSPECTIVAS ................................. 44
Quadro 04 – ORGANIZAÇÃO E GESTÃO: ESTRUTURAS, MODOS, FORMAS E
OBJETIVOS ...................................................................................................... 49
Quadro 05 – NOVAS ESTRATÉGIAS EMPRESARIAIS .................................................... 60
Quadro 06 – MANIFESTAÇÕES DO AUTORITARISMO ................................................. 84
Quadro 07 – TIPOS DE ESCOLHAS ESTRATÉGICAS .................................................... 116
Quadro 08 – PERIODIZAÇÃO DA PESQUISA ................................................................. 196
10
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 01 – Inflação Anual (ICP-FIPE) .............................................................................. 136
Gráfico 02 – Participação das Instituições Financeiras privadas e públicas no PIB
(1990 a 1995) ................................................................................................... 145
11
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
BACEN: Banco Central do Brasil
BB: Banco do Brasil
BB-DTVM: Distribuidora de Títulos e Valores Mobiliários
BBNET: Banco do Brasil Sistema de Informações Interno
BNDESpar: Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico Participações
CACEX: Carteira de Comércio Exterior
CCQ: Circulo de Controle de Qualidade
CDB: Certificado de Depósito Bancário
CMN: Conselho Monetário Nacional
CNB-CUT: Confederação Nacional dos Bancários – Central Única dos Trabalhadores
COPOM: Comitê de Planejamento, Orçamento e Marketing
COPOM: Comitê de Política Monetária
CVM: Comissão de Valores Mobiliários
DIEESE: Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-Econômicos
FAT: Fundo de Amparo ao Trabalhador
FBB: Fundação Banco do Brasil
FEBRABAN: Federação Brasileira de Bancos
FGV: Fundação Getúlio Vargas
MF: Ministério da Fazenda
ON: Ordinárias Nominativas
PAI: Programa de Ação Imediata
PAQ: Plano de Adequação dos Quadros de Pessoal
PCC: Plano de Cargos Comissionados
12
PCS: Plano de Cargos e Salários
PDV: Programa de Demissão Voluntária
PIB: Produto Interno Bruto
PLR: Participação nos Lucros e Resultados
PN: Preferenciais Nominativas
PREVI: Caixa de Previdência dos Funcionários do Banco do Brasil
PROER: Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema Financeiro
Nacional
PUC RJ: Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro
RDB: Recibo de Depósito Bancário
SAD: Sistema de Serviço no Local do Domicílio
SAO: Serviço de Assistência Opcional
SEEB: Sindicato dos Empregados em Estabelecimentos Bancários
SFN: Sistema Financeiro Nacional
SUMOC: Superintendência de Moeda e Crédito
TAO: Sistema de Talentos e Oportunidades ou Banco de Talentos
UNICAMP: Universidade Estadual de Campinas
URV: Unidade Real de Valor
13
SUMÁRIO
PARTE I – ASPECTOS FORMAIS
1. INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 16
2. PROBLEMA E JUSTIFICATIVA .......................................................................... 20
3. OBJETIVOS .............................................................................................................. 23
3.1. OBJETIVOS GERAIS .................................................................................. 23
3.2. OBJETIVOS ESPECÍFICOS ....................................................................... 23
4. PERCURSO METODOLÓGICO ........................................................................... 24
PARTE II – BREVE REVISÃO TEÓRICA
II.1. ASPECTOS GERAIS ............................................................................................... 30
II.2. AUTORITARISMO NAS ORGANIZAÇÕES ....................................................... 31
II.3. CULTURA POLÍTICA, ESTADO E DOMINAÇÃO; AS RAÍZES DA
DESIGUALDADE(?) ................................................................................................ 34
II.4. AUTORITARISMO E PODER ............................................................................... 41
II.5. AUTORITARISMO E GESTÃO ............................................................................ 46
II.6. INSTÂNCIAS DE MANIFESTAÇÃO DO AUTORITARISMO NAS
ORGANIZAÇÕES .................................................................................................... 50
II.6.1. PROCESSO DE TRABALHO, ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO e
GESTÃO ........................................................................................................ 50
II.7. DINÂMICA ORGANIZACIONAL ......................................................................... 66
II.8. “O OLHAR DA ESCOLA DOMINANTE” – SISTEMAS ABERTOS ............... 72
II.9. A EMPRESA, OBJETO DE PESQUISA ................................................................ 76
II.9.1. BREVE HISTÓRICO ................................................................................ 77
14
PARTE III – DIAGNÓSTICO CRONOLÓGICO: AUTORITARISMO COMO
EXPRESSÃO DE PODER, CONTROLE E DOMINAÇÃO
III.1. CONTEXTUALIZANDO O ESTUDO ................................................................... 81
III.2. DETECÇÃO DO PARADIGMA – CARACTERIZAÇÃO DA ESFERA
DOMINANTE (1964-1985) ...................................................................................... 87
III.3. REALINHAMENTO DO PARADIGMA – TRANSFORMAÇÃO DO PODER
(1986-1988) ................................................................................................................. 98
III.4. REFORÇO AO PARADIGMA – ALICERÇANDO AS BASES DO PODER
(1988-1995) ............................................................................................................... 112
III.5. METAMORFOSE DO PARADIGMA – INICIA-SE UMA NOVA REALIDADE,
UM NOVO MODELO DE PODER (1995) ........................................................... 144
III.5.1. O PDV ........................................................................................................ 153
III.5.2. “DEPOIS DA TEMPESTADE” .............................................................. 158
III.6. ASSUMINDO O PARADIGMA – RENDENDO-SE AO PODER (1996-2004)
.................................................................................................................................... 162
PARTE IV – ESTÁ CHEGANDO A HORA [...]
CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................. 196
REFERÊNCIAS .................................................................................................................. 202
15
PARTE I: ASPECTOS FORMAIS
“Enquanto os homens exercem seus podres poderes
[...]”
Caetano Veloso
16
I.1. INTRODUÇÃO
De um modo geral, concebe-se a sociedade atual como sendo uma sociedade organizada, na
qual uma série de organizações se fazem presentes, impulsionadas pela mais abundante
matéria-prima do mundo moderno (capitalista), o homem. Este verifica que as organizações
estão inseridas no dia-a-dia do ser humano, desde a sua concepção (maternidade), passando
pela sua educação (escola), pelo seu trabalho (empresa), pelo seu casamento (igreja), pela sua
morte (cemitério) e, de alguma forma, até depois dela (testamento, seguro, dívida). A
premissa aponta para uma inversão de papéis, pois, onde existia uma sociedade estruturada
por homens que se agrupavam e se estabeleciam de forma organizada (formação da polis),
para prover o seu sustento, hoje existe uma sociedade de organizações que se estruturam para
prover e ser providas pelo homem.
É no interior de uma organização com essa característica que se processa a questão do
presente trabalho: O AUTORITARISMO.
A questão do autoritarismo, no âmbito organizacional, tem sido objeto de estudos sob os mais
diferentes enfoques analíticos, mas que têm o funcionalismo como paradigma dominante.
Esses enfoques têm se ocupado, em nível do discurso, em justificar os seus propósitos e
formam uma cadeia, onde o próximo enfoque sempre nega, total ou parcialmente, o anterior,
no que diz respeito às questões ligadas às condições de trabalho, à eficiência e à satisfação do
indivíduo.
Esta pesquisa utiliza-se, de maneira crítica, destes enfoques para tratar do tema
“manifestações de autoritarismo”, em uma organização de grande porte do setor bancário,
observadas a partir do golpe militar de 1964. Embasa-se este estudo, também, no contexto
intra e extra organizacional. Pretende-se, com isso, reconhecer e apontar as manifestações
17
autoritárias que se processam no interior da organização, bem como monitorar as influências
de que elas resultam, apontando o estágio em que se encontram.
A organização objeto de estudo é o Banco do Brasil, cuja história acompanha a própria
história do país. É tão estreita esta relação, que nos seus resultados financeiros se reflete a
situação econômica da época. Com isto, o Banco do Brasil funciona, também, como um
sinalizador, pois, quando ele vai bem, o país segue o mesmo rumo, e vice-versa. A relação
com o governo remonta às suas origens, e é o Banco do Brasil quem operacionaliza algumas
das políticas econômicas governamentais. Como disseminador dessas políticas, o Banco do
Brasil torna-se um agente do desenvolvimento econômico do país.
Este estudo analisa a relação governo e BB e governo versus BB, desde 1964. Compreender a
relação de parceria e dominação tornou-se relevante ao longo do estudo. Analisar a relação de
poder é fundamental para a compreensão das manifestações que se estabelecem no âmbito da
organização. E é nesse sentido que se desenvolve este estudo.
O mundo dispõe hoje de uma grande quantidade de recursos para o desenvolvimento
organizacional. Dentre estes recursos, os que mais se evidenciam são o tecnológico e o
informacional, devido ao grande avanço – praticamente uma revolução – nestas áreas. O
Banco do Brasil, ao utilizar-se destes recursos, teve como resposta um grande “boom” nos
seus negócios. Mas, inversamente a esta visão, chega-se, através da análise crítica dos
modelos adotados pela tecnologia de gestão, ao seu objetivo fim: o controle.
As organizações se estruturam, como se diria na física, em condições normais de temperatura
e pressão. Todavia, quando se volta para o aspecto relação formal – “normal” –
organização/empregado, tem-se, ainda, dentro das organizações, práticas sociais e políticas
dissociadas de todo esse avanço tecnológico.
18
Este trabalho, ao basear-se numa dessas práticas, estabelece um universo de causas cuja
conseqüência é comum às organizações: o autoritarismo, que vem a ser, segundo Motta (apud
Faria, 1985a, p. 11), “a essência do fenômeno burocrático” por se traduzir na sua
funcionalidade.
Além disso, a partir da análise de poder, busca-se aprofundar o conhecimento das inter-
relações que se estabelecem na organização, principalmente, as de mando. Para tanto, o poder
tem que ser entendido como uma possibilidade de imposição e ter o respectivo aceite,
derivando, daí, a dominação.
Assim, a caracterização da variável ‘dominação’ se torna relevante para o estudo, ao revelar-
se em duas formas: a primeira, mediante interesses mútuos e a segunda, mediante mando e
subordinação. As manifestações autoritárias residem na segunda forma.
Para se compreender o autoritarismo, foi preciso, também, analisar o passado social e político
e as mudanças que ocorreram nas últimas décadas, no Brasil. De todo este arcabouço
acumulado, verificam-se, como resultado, as influências que ele ainda exerce sobre a maneira
pela qual a sociedade brasileira se percebe e se desenvolve. Daí resulta que o autoritarismo
não é um simples fenômeno passageiro, suas raízes são profundas e não se desfazem com a
implantação de programas administrativos recorrentes.
A expressão do autoritarismo como forma de dominação de uma classe ou categoria social,
está, em termos de existência, “pari passu” com as organizações, apesar de não lhes ser
inerente. Cabe salientar, ainda, que o autoritarismo vem da diversidade entre interesses,
conflito e poder que permeiam a organização estudada. O governo aparece como agente
principal dessa diversidade, e é sobre ela que se desenvolve boa parte da pesquisa.
19
A magnitude das questões que envolvem esta discussão deve ser suficiente para deixar claro
que, na realidade, a expressão “autoritarismo” é pouco mais que um termo de interesse,
utilizado para se referir a uma realidade cheia de contradições, onde o Estado brasileiro
carrega o padrão histórico de ser burocratizado e ligado a uma sociedade dependente. É
também da superação deste padrão histórico e suas conseqüências que depende a manutenção,
ou não, do autoritarismo como prática administrativa.
Ao alicerçar-se no processo autoritário que tem raízes na cultura política brasileira e se
expressa, de maneira especial, no fenômeno burocrático das organizações contemporâneas,
este trabalho parte da construção de um modelo teórico – com base na sociologia
compreensiva e no tipo ideal de Weber (apud FARIA, 1985b) – que estrutura as
manifestações de autoritarismo, para apontá-las. Este modelo confronta-se com a realidade –
também (re)construída através da pesquisa documental – do Banco do Brasil.
20
I.2. PROBLEMA E JUSTIFICATIVA
Ao definir esta linha teórica como prioritária para o presente estudo, tentou-se oferecer
possíveis contribuições com o intuito de aprofundar antigos temas que instigam, inquietam e
dizem respeito à posição administrativa assumida por uma organização de grande porte do
setor bancário. Ao se ouvir falar de autoritarismo, sinaliza-se que a organização tem um
tempo específico e uma história própria, mas mergulhada/inserida no processo cultural e
político brasileiro.
Esta perspectiva sobre as bases históricas de estudos organizacionais e sociais ajuda a
compreender melhor as transformações que se processaram nas organizações e na sociedade
brasileira e contribuem, decisivamente, para entender a formação de uma identidade cultural
própria.
Este estudo surge como possibilidade de proporcionar maior compreensão do fenômeno
autoritário nas organizações e aprofundar mais o conhecimento sobre o tema, intencionando
identificar e pormenorizar esta complexa manifestação que se perpetua nas organizações,
locais fundamentais das relações sociais e políticas da época atual.
Consiste, também, em proporcionar um maior destaque a esta linha teórica que, por ser
polêmica e instigante, é pouco explorada e, de certa forma, se coloca à margem do
“paradigma dominante nas ciências administrativas”
1
. Esta pouca exploração evidencia a
necessidade de se produzirem mais pesquisas que permitam uma maior e melhor
compreensão/divulgação do fenômeno, contribuindo, assim, para o conhecimento e,
possivelmente, para despertar maior interesse por parte das organizações, com respeito a esta
prática.
1
Reed (1999, p. 42) refere-se ao paradigma dominante como o “triunfo do conhecimento racional e da técnica
sobre a emoção e o preconceito humano”, o que faz essa vitória constituir-se um axioma para dirigir todas as
formas de prática e análise organizacional.
21
Assim, o autoritarismo pode ser visto como um dificultador administrativo e limitador de
avanços organizacionais. O autoritarismo é – em função de suas raízes e de sua disseminação
cultural e ideológica – de difícil reconhecimento/detecção, por seu caráter, na maioria das
vezes, não explícito e rotineiro.
Diante deste contexto, pretende-se com este trabalho, responder à seguinte questão:
Quais são as manifestações do autoritarismo que estão presentes nas relações
institucionais e que se evidenciam em uma organização
de grande porte do setor bancário?
O problema do autoritarismo pode ser visualizado a partir de duas concepções. A primeira se
manifesta nas relações sociais de dominação que, de certa forma, podem se personalizar no
universo chefe-subordinado ou proprietário-propriedade. A segunda se manifesta nas relações
de poder e não pode ser encarada apenas como uma relação pessoal.
O trabalho focaliza três agentes sociais: governo, Banco do Brasil e funcionários e abarca
cinco fases: 1) de 1964 a 1985; 2) de 1986 a 1988; 3) de 1988 a 1995; 4) 1995 e 1996 e 5) de
1996 até 2004.
Com relação ao agente governo, observa-se que ele permanece como “dominante” em todas
as cinco fases, sendo que, nas duas últimas, ele estabelece uma relação não intervencionista –
mais profissional. Já o agente Banco do Brasil, na primeira e na segunda fase, estabelece-se
como “dominado”. Na terceira fase, começa a articular-se, dentro da tríade, como um agente
em transição de “dominado” a “dominante”. Nas duas fases seguintes, ele absorve o próprio
22
sentido “dominante”. No que diz respeito ao agente funcionários, ele é o efeito concreto da
manifestação do autoritarismo, no interior da organização, assume-se como “dominado” em
todas as cinco fases. Estes “agentes” revelam-se como parâmetros para análise, pois
representam a organização como um todo. Mostram-se, também, intimamente relacionados,
de tal forma que, no transcorrer da pesquisa, não se concebeu um sem o outro, ou seja, não se
permitiu analisá-los em separado.
Ao tomar por base dois paradigmas distintos – marxista e weberiano –, este estudo busca
valorizar um lado controverso e muito criticado pela administração científica, desmistificá-lo,
ensejando outras reflexões acerca do problema proposto, contribuindo, assim, para o
conhecimento. Visa, também, assumir o papel de provocar o diálogo entre diferentes correntes
de pensamento, com o intuito de aumentar o universo do saber e fornecer subsídios para
novas pesquisas.
A escolha do Banco do Brasil como base da pesquisa – além dos elementos já mencionados –
está diretamente ligada a aspectos pessoais, afetivos – condição de ex-funcionário – e,
também, por ter sobre a organização uma extensa fonte de pesquisa – documentos,
dissertações, teses, folders, papers, livros e outros.
23
I.3. OBJETIVOS
Este trabalho pretendeu compreender os fundamentos conceituais e as dinâmicas de
explicação que esclarecem, de certa forma, o funcionamento do autoritarismo e sua
reprodução, como prática, numa organização de grande porte do setor bancário.
I.3.1. OBJETIVO GERAL
O objetivo geral desta pesquisa consistiu em identificar as manifestações e especificidades de
autoritarismo, em uma organização de grande porte do setor bancário, protagonizado pelos
seguintes agentes: governo, Banco do Brasil e funcionários, no período de 1964 a 2004.
I.3.2. OBJETIVOS ESPECÍFICOS
Descrever e caracterizar as relações, os efeitos e as práticas de dominação, bem como
as manifestações concretas do autoritarismo dos/nos três agentes – governo, Banco do
Brasil e funcionários – a partir de 1964, fundamentando a construção de um “modelo
Banco do Brasil”.
Levantar, rever e analisar a bibliografia existente sobre o autoritarismo,
fundamentando a construção de um modelo teórico a partir de suas manifestações em
três instâncias principais: governo, organização e pessoas.
Identificar e analisar os sinais manifestos do autoritarismo, com base na reconstituição
histórico-documental do “modelo Banco do Brasil”.
Confrontar os dois modelos – o teórico e o histórico-documental – analisando as
diferenças e similitudes entre eles, detectando as especificidades da organização
pesquisada.
24
I.4. PERCURSO METODOLÓGICO
O percurso metodológico refere-se às regras disciplinares da ciência, fornecendo as diretrizes
e orientações de como proceder, como pesquisar, qual a seqüência adequada a se seguir, quais
as técnicas a serem utilizadas, com o objetivo primordial de atribuir confiabilidade aos
resultados.
Vertentes analíticas que compõem o escopo deste estudo foram estabelecidas e aprofundadas
em diversos temas e nas várias condições ambientais que se apresentaram. O estudo se
realizou com base em pesquisas teóricas e documentais, além de revistas e jornais, através de
ferramentas metodológicas.
O tipo de abordagem foi definido com base no problema formulado e nos objetivos de
pesquisa traçados, levando a escolha para o desenvolvimento da abordagem qualitativa, pois
esta lida com interpretações das realidades sociais. O método qualitativo ocorre em um campo
de pesquisa próprio das ciências sociais, pois neste método verificam-se inúmeros fenômenos
que não podem ser experimentados ou quantificados e só podem ser explicados pela
interpretação. Por isso, o estudo fez o uso deste método, com a intenção de mostrar a
realidade do autoritarismo, como estrutura de poder no Banco do Brasil. Para tanto, buscou-se
detectar as manifestações autoritárias que incidem na organização. Procuraram-se, também,
através de parâmetros externos – sociedade e mercado – explicações que sirvam de base ao
estudo organizacional. Estas situações compartimentadas permitiram manter um olhar
aguçado no problema, bem como mergulhar nas suas origens e na evolução do tema proposto,
tão presente na organização.
A principal característica desta pesquisa de abordagem qualitativa é que ela parte do
pressuposto de que os atores sociais atuantes no Banco do Brasil agem em função das suas
25
crenças, percepções, sentimentos e valores, e que seu comportamento tem sempre um sentido,
um significado que não dá a conhecer de modo imediato, precisando ser desvendado. Assim, a
visão holística e a liberdade de observação foram as principais características deste estudo
qualitativo.
De qualquer forma, o fato de a pesquisa se propor a compreender a realidade do Banco do
Brasil, cujos significados são vinculados a um contexto de relações de poder, não a exime de
contribuir para a produção do conhecimento. A detecção das manifestações de autoritarismo é
o foco da questão, cabendo ao pesquisador adquirir familiaridade com o que já existe de
conhecimento sobre o tema, para poder propor questões significativas e não investigadas.
Para atingir os objetivos, foi necessário explorar, descrever e explicar as particularidades e
especificidades do Banco do Brasil nas fases exploradas, objetivando, com isso, o
levantamento específico das questões que envolvem o tema, naquele momento, em
desenvolvimento. A análise foi construída através de um modelo teórico, desenvolvido por
meio de um exame bibliográfico minucioso, confrontado com um modelo histórico-
documental reconstituído a partir de documentos, teses, dissertações e artigos cujo universo
específico recaía sobre o Banco do Brasil. O desenvolvimento, o esclarecimento e as
modificações de conceitos e idéias são, também, características do estudo, isto porque ajudam
a formulação de problemas e hipóteses que abrem caminho para estudos posteriores. Mais que
isso, o estudo procura se ater às particularidades e singularidades, ao invés de conjecturar o
futuro.
Finalmente, esta fase permitiu aumentar a experiência do pesquisador em torno do tema
proposto – autoritarismo –, que é de grande amplitude. Pode vir a permitir, também, levantar,
diagnosticar e responder a possíveis futuros problemas de pesquisa.
26
Por meio de um estudo de caso essencialmente documental, este trabalho concentrou os
esforços nos pressupostos teóricos agregados durante a sua realização, redobrando a atenção
para as novas categorias que afloravam nas possíveis interações com a organização estudada.
Isto fez com que a pesquisa seguisse uma trajetória quase independente, porém com o “sinal
de alerta” aceso a cada degrau de sua evolução. Houve a necessidade de uma atenção
redobrada na sua concepção.
Neste contexto, ao optar pelo estudo de caso, constatou-se a necessidade de desenvolver a
pesquisa com base na experiência do pesquisador, adquirida nos quase vinte anos de Banco do
Brasil, ou seja, procurou-se investigar o fenômeno dentro de seu contexto na vida real.
Constituiu-se daí a particularidade da realidade e da ótica do autor, no que tange ao fenômeno
das manifestações autoritárias.
Do ponto de vista dos procedimentos técnicos, ou quanto aos meios de investigação, pode-se
classificar esta pesquisa como bibliográfica e documental, já que tem como característica
buscar, através de livros, estudos previamente aceitos no meio acadêmico e de documentos do
Banco do Brasil, acessíveis ao público, subsídios que apóiem e corroborem a pesquisa, para
seu êxito, ou seja, para obtenção de conhecimento e, também, como um legado para futuros
estudos.
A coleta de dados foi feita através de fontes secundárias, como bibliografias, dados históricos
e, também, através de consultas a outros estudos relacionados com o tema proposto –
autoritarismo – obtidos em bibliotecas, sítios, Banco do Brasil e arquivos particulares. Esta
fase foi separada em quatro incursões:
1) Bibliotecas: UFMG e PUCMinas – o material colhido correspondeu a seis
dissertações, sendo cinco na UFMG e uma na PUCMinas;
27
2) Sítios: UFRS, UFSC, UFRJ e Banco do Brasil – o material colhido correspondeu a
dezessete dissertações, sendo seis da UFRS, dez da UFSC e uma da UFRJ. No Banco
do Brasil o material colhido correspondeu a cinco relatórios anuais, mais o histórico
da empresa;
3) Banco do Brasil: relatórios anuais (anteriores a 2000), documentos, revistas, folders,
papers e jornais, que perfizeram um total de noventa e três exemplares;
4) Arquivos particulares: livros, documentos e revistas, que perfizeram um total de
cinqüenta e dois exemplares.
Diante deste “manancial”, foi realizada uma triagem minuciosa que reduziu
significativamente a quantidade de material. Em termos de dissertações, cinco serviram de
referência – três da UFMG, uma da UFRS e uma UFSC. Isto não significa que foram
desprezadas as demais, todas trouxeram contribuições para este estudo, ainda que
contingencialmente. Por isso, não constam da referência.
Com relação à pesquisa propriamente dita, é importante salientar que seu desenvolvimento
transcorre em cinco fases: 1) a primeira fase corresponde ao período que vai de 1964 até
1985. Nesta fase captou-se uma forte influência externa – governo – na administração do
Banco do Brasil; 2) a segunda fase corresponde ao período que vai de 1986 até 1988. Esta
fase confirma a influência externa, mas há um realinhamento administrativo do Banco do
Brasil; 3) a terceira fase corresponde ao período que vai de 1988 até 1995. Esta fase pode ser
considerada a do limbo administrativo – “nem ao céu nem ao inferno” –, pois, apenas reforça
as bases do poder; 4) a quarta fase corresponde ao ano de 1995, pode ser considerada como
um divisor na relação de dominação entre o governo e o Banco do Brasil. Implementa-se,
nesta fase, uma série de programas que acarretam numa transformação administrativa,
estabelecendo um “novo” modelo de poder no Banco do Brasil e; 5) a quinta e última fase
28
corresponde ao período que vai de 1996 até 2004. Esta pode ser considerada como a fase em
que o BB assumiu-se como poder. O banco se rendeu a um “novo” paradigma.
A análise dos dados foi referenciada na análise de conteúdo, tendo como principais tendências
à comparação dos documentos produzidos em diferentes momentos históricos, a comparação
das mensagens em diferentes situações e a adequação ou não dessas mensagens ao padrão da
pesquisa.
Verifica-se, diante do exposto, que o Banco do Brasil desenvolveu, em seu interior, uma
estrutura administrativa autoritária, o que pode ser verificado nas várias fases da pesquisa. O
BB vem procurando novos caminhos, e esses caminhos, muitas vezes, recheados de influência
externa, o levaram a adotar políticas administrativas que culminaram nas práticas autoritárias.
Tais práticas encontram-se especificadas na pesquisa como “manifestações autoritárias”.
Em síntese, com este estudo, pretende-se mostrar “quais” foram as manifestações autoritárias,
que tinham no agente governo o seu principal disseminador, com o BB em segundo plano –
até 1995 – e os funcionários como destinatários desse processo de gestão. Após 1995, com o
estabelecimento das reformas internas, referendadas por uma obrigação advinda do mercado
financeiro internacional (Acordo da Basiléia), o Banco do Brasil reconfigura-se e assume-se
como poder.
Assim, esta dissertação compõe-se de três partes fundamentais, assim distribuídas: 1) aspectos
formais; 2) breve revisão teórica; 3) diagnóstico cronológico – autoritarismo como expressão
de poder, controle e dominação e 4) está chegando a hora [...], composto pelas considerações
finais e referências.
29
PARTE II – BREVE REVISÃO TEÓRICA
“Olhando meu navio
O impaciente capataz
Grita da ribanceira
Que navega para trás [...]”
Chico Buarque
30
II.1. ASPECTOS GERAIS
Esta parte do estudo, intitulada “breve revisão teórica”, tem por finalidade apresentar o
referencial teórico de maneira simplificada, visto que o mesmo será explorado, de forma
abrangente, concomitantemente com a pesquisa. O “diálogo” entre os recursos teóricos forma
o “corpo” e o “espírito” deste estudo.
Essa diretriz tem no trabalho, no poder e no autoritarismo seu principal alicerce, constituindo-
se, aí, o principal núcleo de pesquisa.
A detecção do fenômeno autoritário no Banco do Brasil decorre da análise deste referencial e,
também, da confrontação entre duas correntes paradigmáticas, de fronteiras difusas, porém,
neste caso, não excludentes.
31
II.2. AUTORITARISMO NAS ORGANIZAÇÕES
Para se falar de autoritarismo nas organizações, primeiro tentar-se-á compreender o
significado da palavra autoritarismo, através das seguintes definições encontradas em
dicionários da língua portuguesa:
Sistema político que concentra o poder nas mãos de uma autoridade ou pequena elite
autocrática (HOUAISS, 2000).
Regime político que postula o princípio da autoridade, aplicada com freqüência em
detrimento da liberdade individual (NOVO AURÉLIO, 1999).
Nota-se que existem diferenças de conceito entre as fontes: enquanto o Houaiss trata o
autoritarismo como Sistema, ou seja, forma de governo, o Aurélio trata-o como Regime ou
modo de governar. Tem-se, ainda, para o Houaiss, este mesmo Sistema como concentrador
de poder nas mãos de uma autoridade, enquanto, para o Aurélio, tem-se o Regime fundado no
princípio da autoridade.
O autoritarismo pode ser configurado através do seu emprego em três níveis, detalhados no
quadro a seguir:
32
NÍVEIS DO AUTORITARISMO
Estrutura dos Sistemas
Políticos
Disposição Psicológica a
Respeito do Poder
Ideologias Políticas
Î Regimes que privilegiam
a autoridade governamental
e diminuem de forma mais
ou menos radical o consenso,
concentrando o poder
político nas mãos de uma só
pessoa ou de um só órgão e
colocando em posição
secundária as instituições
representativas. Neste
contexto, a oposição e a
autonomia dos subsistemas
políticos são reduzidos à
expressão mínima e as
instituições destinadas a
representar a autoridade de
baixo para cima ou são
aniquiladas ou
substancialmente esvaziadas.
Î Fala-se de personalidade
autoritária, quando se quer
denotar um tipo de
personalidade formada por
diversos traços
característicos, centrados no
acoplamento de duas
atitudes, estreitamente
ligadas entre si: de uma
parte, a disposição à
obediência preocupada com
os superiores, incluindo por
vezes o obséquio e a
adulação para com todos
aqueles que detêm a força e
o poder; de outra parte, a
disposição em tratar com
arrogância e desprezo os
inferiores hierárquicos e em
geral todos aqueles que não
têm poder de autoridade.
Î As ideologias autoritárias
negam, de uma maneira mais
ou menos decisiva, a
igualdade dos homens e
colocam em destaque o
princípio hierárquico, além
de propugnarem formas de
regimes autoritários e
exaltarem, amiudadas vezes,
como virtudes alguns dos
componentes da
personalidade autoritária.
Quadro 01 – Níveis do Autoritarismo
Fonte: Dicionário de Política (BOBBIO, 2004, p. 94), adaptado pelo autor.
O quadro acima mostra o detalhamento dos níveis do autoritarismo e ajuda a posicionar as
estruturas políticas, psicológicas e ideológicas, permitindo, daí, uma analogia de seu
funcionamento na esfera organizacional. Percebe-se que o autoritarismo se fundamenta em
uma estrutura onde os sistemas políticos, suas ideologias e as disposições psicológicas
compõem níveis objetivos e subjetivos que ajudam a compreender a lógica autoritária.
É neste sentido que o estudo pretende desenvolver fundamentalmente duas vertentes que
estruturam o autoritarismo: o fenômeno burocrático e, neste, os sistemas de poder e
dominação e a busca de seu entendimento a partir de suas raízes na cultura política brasileira.
33
Entende-se que se trabalha em dois paradigmas distintos e coloca-se o problema em fronteiras
de diferentes campos do conhecimento, difusas e pouco delineadas. Mas o fenômeno é
complexo, e o risco é inerente a toda investigação científica.
Nas organizações, o autoritarismo envolve, também, relações não só econômicas, no âmbito
da produção, mas políticas e sociais. Segundo Faria (1985a), a organização configura-se como
o local específico onde as classes, frações e segmentos de classes sociais definirão e realizarão
seus interesses relativamente autônomos. Classes que são conseqüências das desigualdades
existentes na sociedade e se reproduzem no interior da organização.
Para Motta (1986), a questão da burocratização das organizações coloca em evidência o
autoritarismo e, neste, as relações de poder, a divisão e a exploração do trabalho, o
recalcamento e a repressão. A burocratização, cuja origem encontra-se nos aparelhos estatais,
manifesta-se, com crescente intensidade, nas variadas formas de organizações, a saber, nas
escolas, nos partidos políticos, nos sindicatos, nas fábricas, nas instituições religiosas, nas
empresas e nas associações.
Ao remeter a estrutura autoritária da sociedade para dentro das organizações verifica-se que
estas buscam “reduzir as situações imprevistas, visto que se todo comportamento social fosse
passível de previsibilidade, a questão do controle não traria nenhuma dificuldade, na medida
em que o planejamento, a organização e a direção seriam estáveis” (FARIA, 1985a, p.25). Na
realidade essa não estabilidade e previsibilidade tornam as manifestações do autoritarismo
uma incógnita bastante peculiar nas organizações modernas e, em particular, no Banco do
Brasil com toda sua bagagem cultural e política.
34
II.3. CULTURA POLÍTICA, ESTADO E DOMINAÇÃO; AS RAÍZES DA
DESIGUALDADE(?)
A relação entre autoritarismo e a cultura política brasileira, além de possuir seu enraizamento
na nossa sociedade está, também, nas organizações. Lado a lado com essa relação, Sales
(1994, p. 26) detecta “[...] o problema da desigualdade social, que tem sido o cartão de
apresentação do Brasil ao mundo, enquanto a nossa moeda para uso interno traduz o fetiche
da igualdade”. Tal fetiche é expresso da seguinte forma:
O fetiche da igualdade, para a definição do qual me vali dos conceitos da
democracia racial de Gilberto Freyre e homem cordial de Sérgio Buarque de
Holanda, são os fatores mediadores de nossas relações de classe, que tem ajudado a
dar uma aparência de encurtamento das distâncias sociais, contribuindo dessa forma
para que situações de conflito freqüentemente não resultem em conflito de fato,
mas em conciliação (SALES, 1994).
Segundo Sales (1994, p. 27) “[...] a cultura política caracteriza-se como uma espécie de
cimento das relações de mando e subserviência, que fornece a base para a continuidade de tais
relações, as quais, por sua vez, são associadas à cultura da dádiva” que preconiza que “os
direitos básicos à vida, à liberdade individual, à justiça, à propriedade, ao trabalho; todos os
direitos civis, enfim, para o nosso homem livre e pobre que vivia na órbita do domínio
territorial, eram direitos que lhe chegavam como uma dádiva do senhor de terras”. Temos
ainda, na cultura política brasileira, as raízes da desigualdade definida pela autora da seguinte
forma: “no nosso país ou bem se manda ou bem se pede. Está no simples conteúdo destes dois
verbos o significado mais profundo de nossa cultura política do mando e da subserviência”.
Portanto, no exercício do poder soberano encontra-se a mais nítida forma de autoritarismo.
Uma maneira mais particular de se ver a cultura política brasileira está vinculada a um
provedor forte representado pelo proprietário de um domínio territorial – “sesmaria, latifúndio
escravocrata ou grande propriedade, importando aí, o aspecto do domínio rural ou territorial,
que implica a contrapartida do favor, da dádiva, do mando e da subserviência” – que
35
[...] controlava os aparelhos da justiça, os delegados de polícia e as corporações
municipais, são eles que amparam o homem comum e todos esses controles sob a
proteção da família, base inconteste do poder privado, que vai desde o Brasil
colônia até a proclamação da República (SALES, 1994, p. 27 e 28).
Vemos ainda que a administração da colônia brasileira durou cerca de três séculos e
reproduziu, por aqui, segundo Martins (1997), os vícios do Estado português: centralização,
regulações equivocadas e forte influência da igreja. Para Sales (1994) essas práticas foram
bem definidas por Sérgio Buarque de Holanda, que buscou nas raízes ibéricas os fundamentos
para as relações de mando e subserviência. O princípio de hierarquia e a falta de coesão na
vida social marcaram profundamente a cultura política desses países.
Para Lopes (1994), não obstante as contribuições, o texto de Sales, que busca nas relações de
mando e subserviência nascidas no passado colonial escravista as raízes da desigualdade,
“peca” pelo tratamento uniforme dado as diferenças regionais existentes no Brasil. Por
exemplo, comparando as características da área açucareira do Nordeste com a zona cafeeira
do Centro-Sul, percebe-se que a diferença entre as duas regiões é o regime de trabalho que
substitui o escravo, enquanto no Nordeste há uma troca “quase feudal” do uso da terra pelo
trabalho na terra do senhor, no Centro-Sul prevalece o trabalho livre capitaneado pelo surto
cafeeiro do planalto Paulista. Assim, com a dissolução do regime escravista, os trabalhadores
se juntaram num único grupo liberto e “continuaram à margem do sistema central de
produção, como parte da nossa pobreza secular, desintegrando-se pouco a pouco suas relações
de subordinação tradicional” (LOPES, p. 34).
Sales (1994) ao fazer uma releitura de Freyre sinaliza que a história social do engenho de
açúcar, com sua separação entre a casa grande e a senzala, é a que capta melhor a história de
vida do povo brasileiro: “[...] um ser marcado em sua vida social, doméstica e conjugal pelo
patriarcalismo escravocrata e polígamo e, com o cristianismo reduzido à religião de família e
totalmente impregnado pelas crendices da senzala [...]” (SALES apud FREYRE, 1973, p. 75).
36
Nas casas-grandes, se exprimiu melhor o caráter brasileiro; a nossa continuidade social, onde
os reflexos dessa influência autoritária podem ser sentidos até os nossos dias.
Oliveira (1994), também, exprime sua crítica ao texto de Sales apontando para necessidade de
se radicalizar a releitura de Gilberto Freyre e Sergio Buarque de Holanda para não cair nas
armadilhas desses dois grandes clássicos, pois é a anulação ou a não-construção das
diferenças entre o público e o privado que é o cerne do fetiche da desigualdade social. Dentro
deste enfoque o autor compara: “[...] a negra amolengando o formalismo das relações sociais
é hoje recuperada, por uma certa antropologia, como a mais brilhante percepção teórica avant-
garde da importância da sexualidade nas relações sociais; um evidente e impróprio exagero”
(OLIVEIRA, p. 44). E ainda,
[...] o “homem cordial” seria fundamentalmente ibérico, onde a separação entre
público e privado parece nunca ter ocorrido, o que é, também, uma leitura
demasiada e perfidamente weberiana de um complexo problema que tem no êxito
do empreendimento colonial sua determinante maior (p. 44).
Por outra vertente – perspectiva weberiana –, pode-se notar que o Estado brasileiro tem como
característica histórica predominante sua dimensão patrimonial, que é uma forma de
“dominação política gerada no processo de transição para a modernidade com o passivo de
uma burocracia administrativa pesada e uma sociedade civil – classes sociais, grupos
religiosos, étnicos, lingüísticos, nobreza, entre outros – carente de força e pouco articulada”
(SCHWARTZMAN, 1988, p. 22). Diante do exposto, para o autor, “não se trata de afirmar
que, no Brasil, o Estado é tudo e a sociedade nada [...]”. Trata-se é de entender os padrões de
relacionamento entre Estado e sociedade, que no Brasil têm-se caracterizado, através dos
séculos, por uma burocracia estatal pesada, todo-poderosa, ineficiente e pouco ágil. Uma
sociedade submetida legitimamente ao exercício de poder do Estado. Poder este definido por
Weber (1991, p. 33) como: “a probabilidade de impor a própria vontade dentro de uma
relação social mesmo contra resistências, seja qual for o fundamento dessa probabilidade”.
37
Este padrão de predomínio do Estado constitui-se, historicamente, com uma característica
predominante: um sistema burocrático e administrativo patrimonial – para seguir a tradição
weberiana – e, também, pela apropriação de funções, órgãos e rendas públicas por setores
privados, que permanecem, no entanto, subordinados e dependentes do poder central,
formando o “estamento burocrático” (FAORO, 1958).
Quando esse tipo de administração se moderniza e segmentos do antigo estamento burocrático
vão se profissionalizando e burocratizando, surge uma segunda característica do Estado
brasileiro, tratado por Faoro (1958) como “despotismo burocrático”, em que nossos
governantes tendem a achar que tudo sabem, tudo podem, e não têm, na realidade, que dar
muita atenção às formalidades da lei.
Essa visão do homem/governante mostra-se logo mais próxima daquela representada pelo
homem selvagem de Hobbes (RIBEIRO, 2000) que para acessar o domínio do justo
necessitaria de um Estado poderoso acreditando que as forças sociais eram reduzidas, em
última instância, às vontades, aos atos e às relações positivas, verificáveis e observáveis.
Segundo Faoro (1958), o jogo político que se desenvolve nestas condições consiste muito
menos em um processo de representação de setores da sociedade junto ao Estado do que em
uma negociação contínua entre o Estado patrimonial e todo o tipo de setores sociais quanto à
sua inclusão ou exclusão nas vias de acesso aos benefícios e privilégios controlados pelo
Estado. A política é tanto mais importante quanto maior é o poder do Estado e por isto na
tradição brasileira, todas as questões – religiosas, econômicas e educacionais – passam
sempre pelo crivo do poder público. Essa negociação contínua leva a vários tipos de solução e
as lideranças mais ativas são – muitas vezes – cooptadas pelo sistema político e colocadas a
seu serviço.
38
Diante de um Estado com estas características, as organizações se estruturam, em parte,
seguindo uma dinâmica própria, mas arraigadas neste processo político-cultural, que traz no
seu bojo o autoritarismo.
Segundo Schwartzman (1988, p. 2), a sociedade civil brasileira no decorrer da nossa história
não tem tido a capacidade de criar um sistema político em condições de se opor efetivamente
ao peso subjugador do poder central ou equilibrá-lo. As razões são muitas e uma delas é que
“[...] a oposição ao autoritarismo tende constantemente a se equivocar e mesclar dois tipos de
problemas totalmente distintos”: o “[...] Estado patrimonial, centralizador, autoritário, e os
setores da sociedade que se pretendem autônomos, descentralizadores e representantes do
racionalismo privado dos grupos sociais mais organizados”. Por outro, no entanto, percebe-se
o contraste entre as “[...] ideologias liberais de não-intervencionismo, privatismo,
laissez-faíre
e as necessidades de planejamento governamental e intervenção do Estado na vida econômica
e social do país”.
Ao unir as duas dimensões em uma só, temos por parte da oposição liberal a defesa da tese de
que o Estado não deve estar acima da sociedade, controlá-la e de que é importante que os
setores sociais mais dinâmicos e dotados de recursos próprios e autonomia tenham o direito e
a oportunidade de se fazer ouvir e se fazer valer. Ao mesmo tempo, no entanto, essa
perspectiva liberal nega a validade do planejamento social, da intervenção do Estado na vida
econômica, da possibilidade de definição de valores sociais e nacionais que sejam superiores
à simples agregação de interesses privatizados. Ela se confunde assim, com a defesa do
"status quo", com a manutenção de regalias econômicas e com o tradicionalismo. O reverso
da moeda é a defesa obstinada do intervencionismo governamental, não considerando os
grupos sociais autônomos, os mecanismos claros e eficientes de responsabilização dos
governantes em relação aos governados, enfim, o autoritarismo.
39
Outro aspecto bastante importante diz respeito, segundo Sales (1994, p. 30), aos “primeiros
direitos civis necessários à liberdade individual – de ir e vir, de justiça, direito à propriedade,
direito ao trabalho – que foram outorgados ao homem livre, durante e depois da ordem
escravocrata, mediante a concessão dos senhores de terras”.
A cidadania concedida tem como base a “servidão voluntária” e é marcante na sociedade rural
emergida da escravidão, pois refere-se a forma de como a sociedade ainda hoje lida com os
interesses dos poderosos e à dicotomia entre pobres e ricos. A esses poderosos, a sociedade
em geral, se refere, não por acaso, como o grande proprietário ou o político local. Nesse
sentido, “a pobreza do brasileiro não é um estado que tem a ver apenas com as condições
econômicas”. Ela tem a ver, igualmente, com sua condição de submissão política e social. É o
“compromisso coronelista que está por trás desse tipo de autojustificação da pobreza como
sendo do interesse dos mandatários”, como o meio mais importante de eles obterem os
favores necessários a operacionalidade de seu mando e de sua riqueza (SALES, 1994, p. 34).
Este compromisso do meio rural veio se atualizando em função do intenso processo de
urbanização, de 1930 para cá, deslocando-se para as cidades e, também, para as empresas.
Por fim dentro da bagagem cultural que transforma o homem em agente da vontade do senhor
por meio do autoritarismo cria-se o “homem cordial” como forma de neutralizá-lo e de
amortecer os conflitos dele resultantes. Verifica-se, daí, um sério dilema brasileiro. Por um
lado, a contribuição brasileira para a civilização será de cordialidade, visto que daremos ao
mundo o “homem cordial”. “A afabilidade no trato, a hospitalidade, a generosidade, virtudes
tão enaltecidas por estrangeiros que nos visitam”, representam um traço marcante do caráter
brasileiro, na medida em que permanece ativa e fecunda a “influência ancestral dos padrões
de convívio humano, informados no meio rural e patriarcal” (HOLANDA, 1984, p. 106/7).
Por outro lado, esse mesmo homem cordial “representa a nossa impossibilidade de atingir
40
uma ordenação impessoal que permita a ruptura com os padrões privatistas e particularistas
dominantes no sistema e na família patriarcal” (SALES, 1994, p.36).
41
II.4. AUTORITARISMO E PODER
Segundo Faria (1985a), pode-se encarar o poder como manifestação do autoritarismo na
medida em que se caracteriza por uma organização global de dominação-subordinação,
consistindo em uma distribuição não igualitária de poder em seus diversos níveis. Isto
significa mais precisamente que, como manifestação do autoritarismo, o poder é uma
capacidade relativamente unilateral e eminentemente coercitiva, cujo exercício contínuo e
importante é o monopólio de uma classe, fração ou segmento de classe social.
Na realidade, continua Faria (1985b, p. 16), “o poder não está apoiado necessariamente em
uma única base; assegura-se, também, em última instância, pela coerção, a qual, sendo uma
base muito onerosa, apresenta-se como recurso final na realização de interesses”.
Para Maquiavel, em sua obra “O Príncipe” (1996, p. 80), “o poder deve ser conquistado e
quaisquer possibilidades de que este fique em xeque devem ser combatidas com a força e a
imediatez necessárias a dizimar na raiz quaisquer oposições”. Temos – nas organizações
contemporâneas – no modo de mediação entre comandante e comandados a negociação como
elemento-chave. O que nos leva a entender que a força não é um modo exeqüível de
manutenção do poder, ainda mais que hoje as organizações pautam suas atividades por
princípios participativos, ainda que prioritariamente no nível do discurso.
Antes de examinar como se processam as relações de poder ou, mais precisamente, para que
possamos fazê-lo, cumpre verificar os significados de influência, de autoridade e de
coerção/coação, que se constituem como as bases do poder, com exceção da influência.
Para Faria (1985b) a influência não se caracteriza como base de poder na medida em que seu
aspecto de introspecção e reciprocidade pressupõe apenas uma ação que alguma pessoa,
grupo, organização, instituição ou até mesmo objeto de caráter simbólico – caso típico das
42
seitas religiosas – exerce sobre outra no sentido de incutir determinados valores ou percepções
às quais o(s) influído(s) pode(m) entregar-se, até mesmo com entusiasmo e respeito.
A autoridade é destacada na perspectiva weberiana através de três tipos: de caráter racional
(autoridade legal), de caráter tradicional (autoridade tradicional) e de caráter carismático
(autoridade carismática). Esta perspectiva adverte que nenhuma destas três tipologias ocorre
de forma pura na realidade histórica, podendo na prática, verificar-se a combinação destes
tipos em diferentes graus. Importa, no entanto, salientar que os que estão submetidos à
autoridade obedecem devido à aceitação desta autoridade, legitimada pela referência a uma
norma geral aceita por todos (racional-legal ou burocrática), pela tradição (paternalista ou
patrimonialista), ou pelo carisma (FARIA, 1985b).
A coerção reside, fundamentalmente, na aplicação de – ou na ameaça de – sanções físicas,
psicológicas, sociais e culturais, de forma a castigar; impor restrições de movimento; reprimir
a expressão de sentimentos e desejos; controlar – principalmente pela força – a satisfação de
necessidades básicas; permitir a escassez de recursos; bloquear a obtenção de conhecimentos;
induzir ao medo; impedir e/ou punir manifestações espontâneas; cercear com normas o
desempenho de agentes; etc. A coerção é a base máxima do poder e seu uso nas sociedades
mais modernas não é feito às claras, pois “os detentores de poder freqüentemente a empregam
às ocultas”, aparecendo em atos que podem não ser dirigidos especificamente a um indivíduo,
mas que atingem a todos indistintamente (FARIA, 1985b, p. 20 até 22).
O quadro a seguir relaciona as tipologias das bases do poder:
43
BASES
DO
PODER
TIPOLOGIA
Legal Tradicional Carismática
Autoridade
Racional/
Burocrática
Patrimonialista ou
Paternalista
Exemplaridade/
Heroísmo
Direta Indireta
Coerção
Explícita/Repressiva Implícita/Sutil (Sofisticada)/
Recalcante
Quadro 02 - As Bases do Poder e suas Tipologias Específicas.
Fonte: Relações de Poder e Formas de Gestão (FARIA, 1985b).
Referir-se às relações de poder implica examinar as bases – também chamadas de recursos de
poder – que, por sua vez, indicam se as manifestações serão via autoridade – em suas
tipologias combinadas –, via coerção – em suas tipologias combinadas – ou resultante da
combinação de ambas – e suas tipologias – em diferentes formas e graus.
As relações de poder abarcam as relações de trabalho, ainda que não as esgotem. Dito de
outra forma, nem todas as relações de trabalho podem ser tomadas como relações de poder,
como prática de classes, pois nem todo processo produtivo envolve compra e venda de força
de trabalho, sua dominação ou, ainda, controle de posse de excedentes a título de remuneração
de propriedade.
Dada a maneira como o poder é concebido, ou seja, como capacidade de definir e realizar
interesses relativamente autônomos, têm-se que “as relações de poder não são relações entre
indivíduos, mas relações de classe – frações ou segmentos –, na medida em que o lugar de
constituição do conceito de poder é o campo das práticas de classe” (FARIA, 1985b, p. 17).
Faria (1985a, p. 23) define classes sociais como: “agrupamentos de agentes sociais
determinados pelo lugar objetivo que ocupam no conjunto das práticas sociais. Tal lugar
abrange a determinação estrutural das classes, as quais somente existem como práticas de
44
classes e só podem ser colocadas, portanto, em sua oposição”. Fica claro, contudo, que “a
aplicação do conceito de classes se circunscreve ao âmbito restrito das desigualdades sociais,
mas nem todas as desigualdades sociais dão lugar à formação de classes” (BOBBIO, 2004, p.
170).
O quadro a seguir aprofundará o conceito de “classe” em duas perspectivas:
Marx Weber
Classes são expressão do modo de produzir da
sociedade no sentido de que o próprio modo de
produção se define pelas relações que interagem entre
as classes sociais, e tais relações dependem da relação
das classes com os instrumentos de produção. Numa
sociedade em que o modo de produção capitalista
domine, sem contrastes, em estado puro, as classes se
reduzirão fundamentalmente em duas: a burguesia,
composta pelos proprietários dos meios de produção,
e o proletariado, composto por aqueles que, não
dispondo dos meios de produção, têm de vender ao
mercado sua força de trabalho. No primeiro caso, a
análise das classes na sociedade capitalista tenderá
para um modelo dicotômico que considera a
existência de duas classes antagônicas, a burguesia e o
proletariado; no segundo caso, teremos a pluralidade
de classes ou de agrupamentos no seio das classes –
por exemplo, uma burguesia financeira, comercial,
industrial, um proletariado e um subproletariado,
camponeses independentes e trabalhadores braçais
agrícolas, etc. – e o antagonismo dominante se
articula em vários antagonismos particulares, abrindo
campo à formação de alianças entre classes diversas e
entre uma classe ou frações dissidentes da classe
antagonista.
Portanto, não pode haver burguesia sem proletariado,
e vice-versa.
Weber o define claramente, limitando, porém, seu
alcance teórico à descrição de um campo muito
restrito de fenômenos. Parte de uma definição
estritamente econômica do conceito de classe.
Segundo tal definição, fazem parte de uma classe
todos aqueles que possuem a mesma situação em
relação ao mercado, ou seja, têm as mesmas
possibilidades objetivas de acesso aos bens escassos
que o mercado oferece. Os fatores que influem na
situação em relação ao mercado e, portanto, na
situação de classe, são da mais variada natureza.
Todavia, tal como Marx, também Weber reconhece
que a classe dos proprietários goza de vantagens
particulares na porfia pelo acesso aos bens. A
propriedade não é, porém, o fundamento da divisão da
sociedade em classes; é tão-só uma fonte freqüente de
privilégios e de discriminação no mercado. Portanto,
não se pode falar em classes senão nas sociedades em
que se desenvolveram formas de economia de
mercado; e que as classes, como tais, são, pura e
simplesmente, agregados sociais que não determinam
necessariamente a formação de grupos sociais
efetivos.
Quadro 03 – Conceito de “classe” – duas perspectivas.
Fonte: Dicionário de Política (BOBBIO, 2004, p. 171 até 173), adaptado pelo autor.
Segundo Faria (1985b, p. 27) “o que caracteriza as relações de poder, em que prevalecem as
formas autoritárias, é o exercício relativamente unilateral e eminentemente coercitivo – a
coerção prevalece nas diversas combinações das duas bases – do poder, ainda que a coerção
esteja ausente”. Ausência apenas aparente, na medida em que surge como último recurso na
45
consecução dos objetivos de uma associação ou como principal instrumento na redução do
imprevisto social.
46
II.5. AUTORITARISMO E GESTÃO
Segundo Faria (1985b), as formas de gestão são caracterizadas pelo modo como são aplicadas
na organização, desde as mais liberais, até as mais radicais. Dentre essas aplicabilidades
destacam-se os seguintes tipos: a heterogestão, a co-gestão e a autogestão, o primeiro por
representar um modelo com tendência radical – comumente encontrado nas organizações – e
os outros dois por representarem uma tendência participativa.
O autoritarismo organizacional se apresenta, sob a “heterogestão, em seu aspecto mais radical,
quer pela coerção, quer pela impotência em acolher o indivíduo em toda a sua complexidade”,
instaurando uma visão simplista da natureza das coisas, de forma a não perceber, em um
mesmo momento, nos atos e nos fenômenos, sua negação formal (alienação) e absoluta
(autogestão). Os atores, colocados em sua “unidimensionalidade – monística: de um lado o
que comanda e de outro o que é comandado –, isolam-se, alienam-se, negam a heterogestão
que, por seu turno, mantém e reforça a ordem estabelecida: tudo é controlado” (FARIA,
1985b, p. 52).
A heterogestão é uma forma de gestão radical, personificando amplamente o autoritarismo
organizacional. Suas implicações e conseqüências têm-se mostrado desfavoráveis a conseguir,
ao mesmo tempo, o aumento da produtividade e a redução dos conflitos, já que as bases do
poder, que aí são exercidos, fundamentam-se na coerção e na autoridade legal (FARIA,
1985b).
Na visão de Faria (1985b) a co-gestão embora promova a derrocada da heterogestão, como
forma dominante de gestão, não a ultrapassa, já que tem o efeito de dissimulá-la, disfarçá-la.
A co-gestão não pode sequer ser encarada, ainda que no limite, como um passo necessário
para a eliminação do autoritarismo nas organizações.
47
Já Bobbio (2004) pontua co-gestão no sentido exato do termo, ou seja, constituída na forma
gradual de participação na gestão. Os graus podem ser classificados da seguinte forma:
a) informação dos trabalhadores em relação às opções da direção da empresa; b)
informação recíproca entre direção e trabalhadores através da discussão; c)
processos de consulta preventiva não obrigatória; d) consulta obrigatória dos
trabalhadores em relação a determinadas decisões da empresa, consulta que poderá
ir da negociação e do controle até o direito de veto; e) co-decisão, quando as
decisões são tomadas de comum acordo entre as duas partes (
p. 179).
De um lado tem-se a direção de ofício que comanda a estratégia (política) da empresa nos
planos técnicos (operacional), financeiro e comercial (econômico), enquanto as remunerações
(por categorias ou mesmo as individuais) e as promoções profissionais vão depender de uma
“instância eleita”, controlada pelo pessoal. Nesse sentido, tal forma de gestão é capaz de criar
um clima democrático na empresa, tornando possível que os pontos de vista da direção sejam
aceitos pelo conjunto dos trabalhadores. De outro lado, “a co-gestão não elimina o
autoritarismo organizacional, mas tem o efeito de mascará-lo, constituindo-se em um logro
astucioso da classe dirigente” (FARIA, 1985b, p. 63).
Para Bobbio (2004) os problemas da co-gestão são muito mais amplos e diferenciados do que
o da participação dos trabalhadores na propriedade e/ou nos lucros da empresa, isto porque
ambos se interligam. O foco principal do problema está na condição que a co-gestão induz os
trabalhadores ao desejo de participar nos resultados econômicos da empresa que ajudam a
gerir; inversamente, os trabalhadores que participam do resultado econômico da empresa se
sentem movidos a reivindicar o controle e a co-responsabilidade na gestão. Dos anseios dos
trabalhadores com a “contra-parte” dirigente emergem as relações intra-organizacionais.
As relações de poder que se estabelecem sob a co-gestão estão assentadas nas diversas
estratégias de cooptação e de envolvimento de trabalhadores nos mecanismos da gestão
capitalista do processo de produção. De forma alguma se trata de uma gestão democrática,
48
embora as implicações imediatas da gestão autoritária – heterogestão – sejam amplamente
atenuadas, garantindo, às empresas, a reprodução das relações capitalistas de produção, o
processo de excedentes e a acumulação de capital (FARIA, 1985b).
A autogestão destrói a noção de economia atrelada ao lucro, à exploração e à dominação e
rejeita a noção comum de política como uma função reservada a uma casta de políticos.
Temos, portanto, a autogestão não apenas como um modelo democratizante na economia
capitalista, muito mais que isto, ela muda os seus fundamentos quando permite determinar
quais são os produtos úteis aos homens e não os que permitirão aumentar ao máximo o lucro
da classe proprietária ou o poder do Estado centralizado (FARIA, 1985b).
Entende-se ainda como autogestão um sistema de organização das atividades sociais,
desenvolvidas mediante a cooperação de várias pessoas, onde as decisões relativas à gerência
são diretamente tomadas por quantos aí participam, com base no poder decisório das
coletividades definidas por cada uma das estruturas específicas de atividade (BOBBIO, 2004).
Na medida em que não pretende abolir a autoridade nas organizações, mas as estruturas
autoritárias na sociedade, a autogestão ultrapassa toda e qualquer proposta democratizante no
âmbito da teoria administrativa (FARIA, 1985b).
O quadro a seguir visa sintetizar o mecanismo de organização e gestão nas suas várias
estruturas, modos, formas e objetivos.
49
ORGANIZAÇÃO E GESTÃO: ESTRUTURAS, MODOS, FORMAS E OBJETIVOS
FORMAS
POLÍTICAS
DE ESTADO
ESTRUTU-
RAS
ORGANIZA-
CIONAIS
MODOS
DE
ORGANIZAÇÃO
FORMAS DE
GESTÃO
INTERESSES
OBJETIVOS
ESPECÍFICOS
TIPOS
CARACTERÍSTI-
COS DE
ORGANIZAÇÃO
Autoritarismo
Radical ou
Absoluto
(Totalitaris-
mo; Ditadura)
Inferior
Heterogestão
Totalmente
definidos e
realizados pelos
dirigentes e
impostos aos
participantes.
Organização
burocrática em
geral: órgãos
públicos, escolas,
empresas,
organizações
militares, igrejas,
etc.
Autoritarismo
Relativo ou
Parcial
(Presiden-
cialismo e
Parlamenta-
rismo)
Autoritária
De
Cooptação
Co-gestão;
Gestão
Participativa
Parcial ou
totalmente
definidos pelos
dirigentes e
realizados, total
ou
parcialmente,
pelos
participantes.
(Manipulação;
Recalcamento;
Cooptação).
O tipo característico
depende da forma
específica da gestão.
Exemplos: Fábricas
Alemãs
(mitbestimug).
Democracia
Relativa ou
Parcial
(Conselhos
Dirigentes)
De Transição
I
n
t
e
r
m
e
d
i
á
r
i
o
De
Transição
Cooperativa
Operária de
Produção;
Conselho
Operário
Conjunta e
conflitivamente
definidos e
realizados pelos
participantes e
dirigentes.
(Relações
constantemente
conflitivas de
poder, com
ausência de
uma hegemonia
pré-determinada
nestas relações).
Conselhos Operários
(Turin; Hungria;
Polônia;
Tchecoslováquia).
Cooperativas de
Produtores
Associados
(Iugoslávia); etc.
Democracia
Direta ou
Absoluta
(Autogestão
Social)
Democrática
Superior
Autogestão
Totalmente
definidos e
realizados pelos
participantes e
dirigentes, ou
seja, gestores de
suas próprias
atividades.
(Ausência de
relações de
subordinação).
Mutirão;
Movimentos
Autônomos de Base.
Quadro 04 – Organização e Gestão: Estruturas, Modos, Formas e Objetivos.
Fonte: Relações de Poder e Formas de Gestão (FARIA, 1985b).
50
II.6. INSTÂNCIAS DE MANIFESTAÇÃO DO AUTORITARISMO NAS
ORGANIZAÇÕES
Este trabalho, ao apoiar-se no modelo desenvolvido por Faria (1985b), terá como foco de
análise as instâncias Processo de Trabalho, Organização do Trabalho e Gestão. Nessas
instâncias busca-se identificar as manifestações do autoritarismo, apesar de não repará-las ou
particularizá-las na análise dos dados coletados.
Isto porque essas instâncias – bases do modelo – fazem parte de um objetivo mais amplo de
análise, pois estão presentes nas relações desenvolvidas pelos principais agentes do estudo –
governo, Banco do Brasil e funcionários.
II.6.1. PROCESSO DE TRABALHO, ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO e
GESTÃO
No processo de trabalho, a natureza é transformada para atender às necessidades humanas.
Mas essa transformação deve processar-se dentro de certas relações sociais que podem ser
vistas no próprio processo produtivo, e que definem não só as condições de trabalho e a
distribuição do produto, mas também a configuração geral das classes e a divisão do trabalho
entre diferentes atividades (ERBER, 1982).
O processo de trabalho pode ser definido como o processo pelo qual matérias-primas, ou
outros insumos, são transformados em produtos e/ou serviços com valor de uso.
A história do processo de trabalho está ligada ao desenvolvimento do sistema produtivo (ou
modos de organização da produção) e ao movimento do capital (movimento de acumulação e
movimento de valorização do capital); e, também, com a ascensão de formas de divisão do
trabalho, seja na coletividade dos trabalhadores (trabalho simples/trabalho complexo, divisão
51
do trabalho em diferentes tipos de atividade e outros), ou dentro das relações sociais (trabalho
intelectual, trabalho manual e outros) (HORTA, NEVES E LE VEN, 1983).
O desenvolvimento histórico do processo de trabalho foi marcado por um certo número de
fases, ligadas a formas específicas da produção de excedente: cooperação, manufatura,
maquinaria e fábrica. O aparecimento da fábrica levou ao taylorismo e ao fordismo, e também
à automação, e esta constitui hoje o ponto de partida para uma possível transformação do
processo de trabalho no capitalismo contemporâneo.
No século XX firmou-se um processo de trabalho dirigido para a produção em massa, isto é,
para a produção de excedente intensivo – mais-valia relativa – através da redução do valor de
troca da força de trabalho. Paralelamente, há um processo de trabalho dirigido para a
reprodução da hegemonia das camadas dominantes, uma hegemonia que se baseia no controle
das relações de mercadoria – controle da inovação e concepção, da realização das
mercadorias, da organização da produção, da administração e da força de trabalho –
(PALLOIX, 1982).
Anabuki (1979), ao fazer uma releitura de Marx (O Capital), define o processo de trabalho
como sendo o próprio trabalho no momento de sua atividade. O processo de trabalho é o lugar
onde se efetua a transformação formal de valores de uso em novos valores de uso, ou
produtos, e que este mesmo processo termina com a produção desses valores de uso. Porém,
não se resume apenas nisto, as matérias-primas e os instrumentos de trabalho, ou os meios
materiais de produção, constituem as “condições objetivas da produção”, enquanto que a
capacidade de trabalho vivo, a força de trabalho criadora é a “condição subjetiva”.
E ainda, continua Anabuki (1979), a noção de processo de trabalho na obra de Marx tem um
sentido maior quando inserida dentro do modo de produção capitalista. Toda análise do
52
processo de trabalho passa a ter importância na medida em que são efetuadas todas as
determinações específicas desse processo do capitalismo. Nesse caso, a determinação
específica fundamental refere-se à apropriação do processo de trabalho pelo capital, dando-lhe
características novas e específicas ao se analisar o processo de produção capitalista. Dizer que
houve uma apropriação do processo de trabalho pelo capital, significa que o processo de
trabalho capitalista é parte integrante do processo de produção de mais-valia, ou que seu
desenrolar não tem outra finalidade, senão a de valorização do capital.
Se o processo de trabalho é o meio e o processo de valorização o fim da produção capitalista,
não resta nenhuma dúvida de que ambos estão indissoluvelmente ligados e que, portanto,
todas as análises sobre as transformações do processo de trabalho devem ter como referência
o processo de valorização. Proceder de outra maneira significa o mesmo que desconsiderar as
relações sociais de produção capitalistas que estão na base desses processos, além de
considerar o processo de trabalho como algo “natural”, não específico e, por conseguinte, “a-
histórico”. Ou seja: uma vez mais se limita a uma análise puramente “economicista” que
considera apenas os aspectos “técnicos”, sendo estes desprovidos de qualquer
condicionamento social (ANABUKI, 1979).
A progressão desde uma relativa autonomia do trabalhador até a perda total do domínio,
inclusive do seu próprio trabalho, reflete nada mais do que a necessidade imperiosa do capital
de controlar o processo de trabalho na tentativa de evitar interrupções ou convulsões que
venham eventualmente colocar obstáculos ao processo de valorização. Reflete, na verdade, o
aprofundamento da divisão do trabalho que se materializa nas transformações profundas do
processo de trabalho, fruto do desenvolvimento das forças produtivas que exigiram mudanças
igualmente profundas nas relações sociais de produção (ANABUKI, 1979).
53
Para Horta, Neves e Le Ven (1983) “o processo de trabalho é a materialização histórica de
uma relação de força entre os diversos agentes envolvidos no processo de produção”. É,
portanto, uma tentativa de compreensão do processo de trabalho como relação social e
política que contém visões e projetos sociais não só diferentes, mas conflitantes, ou seja, o
processo de trabalho, como tecnologia, organização do trabalho, relações coletivas de
trabalho, concretiza uma relação social que expressa uma situação de conflito. O processo de
trabalho pode, portanto, permitir uma abordagem teórica da classe trabalhadora que faça a
unidade entre o “objetivo e o subjetivo”, quer dizer, entre o campo onde se geram as relações
sociais, a organização e a consciência.
A divisão social do trabalho, enquanto divisão de tarefas, não é uma conseqüência direta da
sociedade capitalista, pois já existia em outros modos de produção. O modo de produção
capitalista trouxe em si não a divisão das operações manuais, mas a separação intelectual
entre os indivíduos ligados ao processo produtivo e a subdivisão sistemática do trabalho em
operações limitadas e entre indivíduos diferentes.
O processo de trabalho renova-se, no modelo capitalista, com a necessidade de se produzir
mais em menor tempo e teve em Taylor – tempos e movimentos – seu maior ícone. De acordo
com Faria (1985a), Taylor decreta o princípio da separação do processo de trabalho das
especialidades dos trabalhadores, tendo com isto a não dependência absoluta das capacidades
dos trabalhadores, trocando-a pela dependência total das políticas industriais. A
racionalização do trabalho tomou conta da produção e difere da divisão manufatureira do
trabalho, na medida em que aquela é uma característica de todas as sociedades e esta implica
o parcelamento dos processos inerentes à fabricação de produtos em diversas operações,
executadas por diversas pessoas.
Faria (1985a, p. 31) pontua da seguinte forma o processo de trabalho:
54
No início do século XX, com o advento da engenharia industrial e da gerência da
produção, as quais, através das funções básicas de planejamento, direção e controle,
impuseram, ao processo de trabalho, técnicas cada vez mais sofisticadas que, em
conseqüência, passaram a ser do conhecimento de um número cada vez menor de
pessoas. O trabalhador alienou-se do processo de trabalho tornando-se uma
ferramenta humana da gerência, sob a égide do capital; foi, ademais, levado à
submissão quando se generalizou a heterogestão e lhe foi tirada a posse efetiva do
processo de trabalho.
A manutenção das formas de gestão de mão-de-obra autoritárias e pouco compatíveis com o
envolvimento dos trabalhadores predomina há longos anos no país, reforçado pelos baixos
salários, pela divisão dos trabalhadores através de políticas salariais que buscam
individualizá-los, pela resistência em estabilizar minimamente a mão-de-obra (LEITE, p.
111).
Existe dificuldade de incorporação de “técnicas gerenciais que dependem, para sua aplicação
e seu sucesso de condições sócio-culturais e históricas bem particulares” (HIRATA, 1983, p.
65). Com relação à adaptação da experiência japonesa no Brasil, a autora destaca a resistência
das empresas em delegar decisões aos trabalhadores da produção, bem como a limitação da
participação a trabalhadores mais qualificados.
Humphrey (apud LEITE,1990, p. 19) sugeria que a opção que estaria sendo desenvolvida no
Brasil seria a do “just-in-time taylorizado”, na qual “os gerentes podem usar o just-in-time
como um meio de definir as tarefas de trabalho e revelar se elas estão ou não sendo
executadas”. Considerava, ainda, que esta poderia ser a maior aproximação aos métodos
japoneses que muitas empresas brasileiras poderiam alcançar.
“Apesar de muitos estudos salientarem maior flexibilidade do trabalho no Brasil com relação
a outros países, muito em função dos processos de trabalho serem relativamente isentos de
regulamentação”, o que ficou claro é que as políticas de gestão das empresas tendem a
enrijecer a estrutura organizacional ao invés de flexibilizá-la. Por outro lado, “o excesso de
flexibilidade, presente na inexistência de impedimentos legais à demissão de trabalhadores,
55
gerou entre as empresas a prática de trabalhar com altas taxas de rotatividade da mão-de-obra,
hoje não tão presente como nas décadas de 1970 e 1980” (LEITE, 1994, p. 114).
Hoje, as organizações apresentam uma maneira mais sutil de organizar o processo de trabalho,
através do envolvimento e da participação dos trabalhadores de forma que possam decidir
sobre ritmos, processos de produção, horários, autoria e responsabilidade dos produtos. Esta
transferência de responsabilidades é a nova tônica da produção moderna e é, também nesta
aparente gestão participativa onde se detecta as mais variadas formas de manipulação que dão
origem ao autoritarismo (FARIA, 1985a).
As análises sobre as transformações do trabalho e suas implicações sociais têm seu foco,
sobretudo, no setor industrial, em geral, examinando a realidade das empresas de ponta,
especialmente, a indústria automobilística. Poucos estudos abordam o setor de serviços, pelo
menos no Brasil, apesar da crescente relevância desse setor, mundialmente, não só em termos
de participação no emprego e de participação no PIB, mas, também, em termos de extensão
de mudanças tecnológicas – como bem o atestam a área de bancos, de informática e das
telecomunicações.
Dados relativos ao Brasil mostram que a participação no emprego (formal e informal) do setor
terciário passou de 24% em 1950, para 31% em 1970 e para 57%, em 1996, enquanto o setor
secundário (indústria, minas, utilidades públicas e construção) passou de 17% em 1950, para
18,5% em 1970 e para 23,4% em 1990, caindo para 20% em 1996. Em termos de participação
em relação ao PIB, verificou-se, no período 1980-1996, um crescimento total de 1,7%: 0,8%
de participação da indústria e 2,1% dos serviços (DIEESE, 1997).
Pochmann (1999) aponta que a perda da importância relativa do setor secundário no total das
ocupações pode induzir a conclusões sobre a capacidade de geração de ocupações no setor
56
terciário da economia brasileira. Nesta mesma linha, o setor de serviços apresenta
particularidades relativamente ao setor industrial, de forma que as conclusões extraídas para
um deles nem sempre são válidas para o outro. Decorre daí o interesse em conhecer melhor os
aspectos da dinâmica desse setor, abordando o caso dos bancos, um subsetor que passa por
profundas modificações não apenas pela extensa informatização, mas, também, em razão de
processos de desregulamentação e de privatização.
O subsetor bancário experimentou, mundialmente, nas décadas de 1970 e 1980,
transformações importantes que afetam a natureza dos produtos, dos mercados e da
organização de suas atividades internas e que estão relacionadas à reestruturação do
capitalismo internacional, pautada pela “globalização” e “financeirização” do sistema. Em
decorrência, verifica-se intenso processo de informatização das atividades bancárias,
resultando em mudanças significativas na situação do trabalho no subsetor (LARANGEIRA,
2000).
A modernização da organização brasileira do trabalho se deu por opção do empresariado por
uma modernização conservadora, na qual as iniciativas de reorganização do trabalho tendiam
a manter características importantes da organização taylorista/fordista do trabalho como a
concentração do planejamento e concepção nas mãos dos técnicos e engenheiros e a
centralidade do trabalho individualizado e em tempos impostos (LEITE, 1994, p. 110). Este
tipo de característica se conserva apenas na forma superficial, de tal modo que às vezes se
torna imperceptível na organização atual do trabalho.
Com a globalização houve a necessidade das empresas buscarem uma maior flexibilização do
trabalho, pois o aumento da concorrência desregulada trouxe impactos no mercado de
trabalho e as empresas tiveram que se readequar a este quadro, tendo por meta a redução de
custos, da ociosidade e dos riscos ampliados pela instabilidade financeira e dos mercados
57
(POCHMANN, 1999). Isto mostra que o movimento atual de concorrência desregula os
impactos no mercado de trabalho e seus efeitos recaem diretamente na organização do
trabalho.
A organização do trabalho no Brasil passa, também, pela adoção de técnicas japonesas,
adaptando-as as nossas necessidades, tendo em vista a resistência do empresariado em adotar
métodos baseados na participação dos trabalhadores (LEITE, 1994, p. 112).
Também no que se refere às técnicas japonesas, vale a pena salientar a diferença entre a
maneira como elas tendem a ser empregadas no Japão e o modo como estavam sendo
difundidas no Brasil, sublinhando o caráter autoritário das relações de trabalho no país e a
resistência do patronato brasileiro nas decisões relativas ao processo de produção, bem como
na aceitação do trabalho em equipe (LEITE, 1994, p. 112).
Parte-se do princípio de que o “modelo japonês” não consiste apenas numa soma de métodos
e técnicas, mas antes numa forma de organização da produção que se assenta “num conjunto
de relações sociais de trabalho onde há participação coletiva na inovação, na resolução de
problemas, na gestão da produção e onde o processo produtivo é baseado no trabalho em
grupo” (FERREIRA et al, 1991, p. 18).
Salienta-se, também, a inadequação de se caracterizar as tendências de organização do
trabalho no Brasil como se elas significassem a introdução do “modelo japonês” no país,
tendo em vista as características diferentes que tendiam a predominar nas relações de
trabalho, marcadas pela dificuldade do patronato em adotar seja o trabalho em grupo, seja
uma participação mais efetiva dos trabalhadores na gestão da produção (LEITE, 1994, p.
113).
58
As formas de organização de trabalho e de gestão da mão-de-obra, associadas à tradicional
resistência do patronato brasileiro em negociar as questões relacionadas à organização e
condições de trabalho, faziam parte de um certo consenso entre os analistas de que o país
estava se encaminhando em direção a um modelo bastante conservador de modernização, que
combinava a “inovação tecnológica com práticas conservadoras de gestão de mão-de-obra que
dificultam a adoção de formas de organização do trabalho baseadas numa participação mais
efetiva dos trabalhadores nas decisões relativas ao processo produtivo” (LEITE, 1994, p.
115).
O taylorismo é um dos exemplos mais significativos de exploração do trabalho enquanto
técnica de organização do trabalho e até mesmo como técnica de produção – pela
padronização dos instrumentos de trabalho – que elevou substancialmente a força produtiva
do trabalho. Tendo como “célula básica à noção de tarefa, contrariamente à de ofício”, e
apoiando-se na filosofia da separação crescente das tarefas de elaboração, planejamento e
comando daquelas de execução (divisão trabalho intelectual – trabalho manual), provocou
transformações profundas no que poderíamos chamar de composição técnica do coletivo de
trabalhadores ao nível da empresa. Ao se generalizar, estendendo-se a toda classe operária,
configurou toda uma hierarquia de funções que tem implicações econômicas, sociais e
políticas extremamente importantes do ponto de vista da valorização do capital. É inegável
que o taylorismo enquanto método de organização do trabalho é um método particular, porém
extremamente eficaz e altamente ilustrativo como mecanismo de produção de mais-valia
(ANABUKI, 1979).
O fato do padrão burocrático ou da empresa taylorista/fordista ter sido o modelo
predominante ao longo do século XX, não o define como o único modelo existente na
59
organização do trabalho. Temos diversos enfoques que sustentam a Organização do Trabalho
que foram assim apontados por Faria (1985a):
Enfoque Clássico (Taylor e Fayol): a função planejamento levou à separação entre
pensadores e executores do processo de trabalho, dando as condições para o
surgimento da gerência científica, que é muito mais que a análise reducionista de
tempo e movimento, cronometragem, etc. Trata-se, principalmente, da própria
essência do modo capitalista de produção.
Enfoque das Relações Humanas (Elton Mayo): introduz na organização do trabalho o
conceito da cooperação espontânea, enquanto bem-estar social.
Enfoque Neoclássico (Peter Drucker): preconiza a administração por objetivos.
Enfoque Behaviorista (Barnard, Simon, March, Argyris, Likert e Blake & Mouton):
comportamental com ênfase na Psicologia Organizacional.
Enfoque Desenvolvimentista (Blake & Mouton, Bennis, Beckhard, Lawrence &
Lorsch, Walton e Schein): especialização do enfoque comportamentalista.
Enfoque estruturalista (Merton, Blau, Scott, Crosier, Etzioni, Selznick, Gouldner e
Thompson): Para quase todos estes teóricos, a base do estudo das organizações está
em Max Weber, ou seja, a teoria burocrática é o centro dos estudos.
Enfoque da “Teoria Z” (Ouchi): como dirigir e organizar as pessoas no trabalho, com
o envolvimento dos agentes na empresa capitalista através de um processo sutil de
manipulação psicológica, sentimental e moral.
Esses enfoques direcionam a organização do trabalho que dependem da corrente
implementada na empresa para seguir determinada diretriz administrativa.
60
Para Pochmann (2001) as duas últimas décadas estão marcadas por mudanças substanciais na
organização do trabalho e na gestão da produção. A adoção de novas estratégias de
competitividade e produtividade, representada por uma nova conduta empresarial, seria um
dos principais fatores explicativos das mudanças na organização do trabalho. Essas novas
estratégias são destacadas a seguir:
NOVAS ESTRATÉGIAS EMPRESARIAIS
Estratégias de competitividade Estratégias de produtividade
desverticalização da produção;
diversificação dos produtos;
recomposição da produção interna com a
externa (novo mix de produção);
elevação da qualidade dos produtos;
redução dos custos de produção;
mudança no lay-out da produção;
redefinição dos fornecedores (just-in-
time);
inovações tecnológicas e organizacionais;
nova conduta empresarial
(desnacionalização, joint-venture, fusão,
incorporação ou abandono de atividade).
flexibilidade produtiva (economia de
escopo);
redução de custos e do tempo morto;
desmonte de parte da estrutura produtiva;
programas de qualidade total e gestão
participativa;
programas de remuneração variável e
distintos contratos de trabalho;
programas de reengenharia;
terceirização e subcontratação de mão-de-
obra;
melhor aproveitamento das possibilidades
da economia de escala (redução dos
estoques);
redefinição do conteúdo da atividade
empresarial: fechamento da empresa ou
passagem à representante comercial.
Quadro 05 – Novas Estratégias Empresariais
Fonte: O Emprego na Globalização (Pochmann, 2001).
A organização do trabalho bancário passou por uma experiência de transformação radical nas
duas últimas décadas, em decorrência não só de extenso processo de informatização, mas
também, de mudanças estruturais no setor
2
– que afetaram a natureza dos produtos, dos
mercados e da organização das atividades internas – resultando em mudanças significativas
nas condições de trabalho no setor, constituindo-o em caso ilustrativo das implicações sociais
da automação e da reorganização do trabalho.
2
Resultado da abertura do mercado aos bancos estrangeiros e também a instituições não-bancárias.
61
A questão da organização do trabalho bancário não pode ser apreendida de forma unilateral,
no sentido de que a gerência detém o monopólio da decisão. As experiências internacionais
mostram que as características da força de trabalho condicionam a ação dos gerentes
(LARANGEIRA, 1997). Nessa perspectiva, a natureza dos sistemas educacionais regulares e
de formação profissional constitui-se em fator fundamental para condicionar as estratégias de
organização do trabalho. Dessa forma, estratégias que envolvam a ampliação de tarefas, o
trabalho em equipe, o incentivo à solução de problemas não-previstos, o treinamento e à
formação tendem a ampliar o grau de autonomia dos funcionários.
Com relação a gestão, ela pode ser compreendida como um processo administrativo que tem
no trabalhador seu eixo central, dentro de uma perspectiva ampliada do conceito, que pode ser
universalizada e, dessa forma, se torna mais facilmente legitimada pelo seu corpo social e
pelos parâmetros da sociedade e da cultura onde se insere (PIMENTA, 1999).
O corpo social tem encontrado dificuldades na legitimação em virtude da maior incerteza do
mundo moderno, o constante clima de mudanças, e é neste pensamento que a gestão tem que
se tornar, também, adaptável e flexível, ao visar o aumento da competitividade e da
produtividade, sem, contudo, esquecer seus desdobramentos.
As organizações de trabalho têm passado por transformações profundas nas últimas décadas,
paralelamente a mudanças políticas, sociais e econômicas mais amplas. A globalização da
economia e o acirramento da disputa de mercados em nível mundial são alguns dos fatores
que podem explicar a crescente competitividade das empresas capitalistas, que buscam
enfrentar as demandas de mercado recorrendo a diferentes estratégias de modernização. Se até
bem pouco tempo modernizar era sinônimo de investir em novos equipamentos, hoje cada vez
mais a modernização está associada com chamadas “novas” estratégias de gestão da força de
trabalho.
62
Os estudos sobre processo de trabalho, desenvolvidos nos últimos anos no Brasil, apontam
para o quanto às empresas buscam superar estratégias convencionais e parciais de
modernização, optando pela implementação de estratégias sistêmicas. A modernização
sistêmica visa flexibilidade, integração e qualidade, obtidas por meio da introdução das novas
técnicas de organização da produção, aliadas ou não ao uso de equipamentos microeletrônicos
(FLEURY, 1988). Estas estratégias de modernização têm sido introduzidas nas empresas
brasileiras através de diversos modelos, no entanto, percebe-se uma recorrência às novas
formas de organização do processo produtivo inspiradas no chamado “modelo japonês”. Este
modelo de gestão da produção e da força de trabalho traz consigo uma série de mudanças,
entre as quais é possível destacar a demanda por um novo perfil de trabalhador, participante e
comprometido com o processo produtivo.
O que se observa é que os novos modelos – incluindo o japonês – de gestão da força de
trabalho vêm buscando substituir o controle coercitivo dos trabalhadores, característico da
administração clássica, por formas aparentemente mais democráticas de relações de trabalho,
incluindo aí a gestão participativa. É importante lembrar que a demanda por participação dos
trabalhadores não traz em si nenhuma novidade, pois está presente nas organizações desde os
clássicos experimentos de Mayo, em Hawthorne. A questão que se coloca hoje é em que
medida as chamadas “novas” formas de gestão se constituem em avanços para os
trabalhadores, na conquista de maior autonomia e poder nas relações de trabalho; ou se tratam
apenas de formas mais sutis de dominação subjetiva.
Dentro dessa modernidade, as empresas ao mesmo tempo em que oferecem maior autonomia
aos seus integrantes, solicita que estes se identifiquem com seus objetivos, o que certamente é
uma contradição, já que implica em “liberdade” desde que dentro de limites bem precisos. Se
o controle na clássica gestão taylorista-fordista do trabalho se dava sobre o corpo e os gestos
63
dos trabalhadores, agora estaria ocorrendo um controle sobre o seu próprio modo de ser e de
pensar (Pagès et al, 1987). Torna-se necessária, a “incorporação de elementos culturais do
sistema social” no processo gestor como forma de legitimação e de formação de identidades –
“a empresa se apropriando do imaginário” – para melhor lidar com o trabalho e com a
subjetividade e a experiência do trabalhador. A partir dessa apropriação dos elementos
culturais, a construção de um “modelo gestor específico de cada empresa” constitui a
continuidade da renovação do processo, até chegar na “dimensão sócio-política” que se
constitui na construção, propriamente dita, de uma nova visão de trabalho e vida (PIMENTA,
1999, p. 139 até 141).
Coutinho (2000), destacou que apesar da crescente introdução de estratégias participativas nas
empresas brasileiras, o autoritarismo é ainda um traço marcante da nossa cultura. Desta forma
é possível observar que a participação tem sido utilizada muito mais como um meio de
manipulação dos trabalhadores, não conduzindo a formas efetivas de distribuição do poder
entre os integrantes das organizações de trabalho.
Aliás, este parece não ser apenas um problema brasileiro, pois como demonstra Heller (apud
COUTINHO, 2000), a partir de uma ampla revisão de estudos sobre compartilhamento de
influência no trabalho, os trabalhadores, em especial os de níveis hierárquicos mais baixos,
exercem pouca influência no trabalho.
Apesar dos limites das chamadas “novas” formas de gestão, que se constituem muitas vezes
em novas formas de dominação, pode-se pensar que sempre existe a possibilidade de efeitos
não planejados. As transformações em curso hoje apontam para uma realidade cada vez mais
complexa, o que certamente dificulta a total instrumentalização da mudança pela gerência
(ZUBOFF apud COUTINHO, 2000), já que nem sempre as transformações ocorrem
exatamente na direção planejada.
64
Este direcionamento tem esbarrado em um ambiente de grande competição, onde as
organizações são induzidas a assumirem novas posturas. Torna-se, assim, não apenas investir
em novas tecnologias, mas preocupar-se, também, em como auferir maior rentabilidade e
oferecer mais e melhores serviços por menores preços, não se esquecendo dos aspectos
sociais.
As “novas tentativas” já possuem um histórico e, segundo Oliveira (1995), num passado
recente, particularizando seus estudos nas organizações de cunho financeiro – bancos –,
fizeram-se necessários novos instrumentos de gestão que premiassem posturas como a busca
da qualidade total, pelo aprimoramento contínuo de procedimentos, visando a máxima
eficiência nas operações empreendidas e a eliminação de todas as atividades que não
adicionassem valor aos serviços oferecidos.
Com isto, atualiza-se o modelo de gestão para atender as organizações nesse novo ambiente
competitivo, permitindo, também, resolver problemas pontuais, tais como, o da gestão de
ativos e passivos com o uso de simulação e da escolha de alternativas pelo resultado
econômico obtido e assegurar que o resultado previsto seja alcançado, que a missão da
empresa seja cumprida com continuidade – modelos voltados para o resultado (OLIVEIRA,
1995).
Ainda, segundo Oliveira (1995), ao se aplicar esses conceitos na mensuração dos eventos
econômicos, torna as informações contábeis mais relevantes para a tomada de decisão.
Possibilita-se, desta forma, a gestão por resultados, na qual o gestor atua otimizando o
resultado de sua área e o resultado da empresa e, ao mensurar os resultados por atividade,
permite identificar as atividades que não adicionam valor.
65
O modelo traz dentro de si uma visão sistêmica dos processos da empresa onde todos os
subsistemas empresariais são contemplados de forma integrada e simultânea, visando à
otimização dos resultados das diferentes atividades desempenhadas quase que
mecanicamente.
66
II.7. DINÂMICA ORGANIZACIONAL
Em função da complexidade organizacional, qualquer perspectiva de análise utilizada de
forma isolada pode ser insuficiente para a compreensão das muitas faces que podem existir da
mesma questão. Assim, para o completo entendimento do funcionamento e administração de
uma empresa é necessário descobrir diferentes formas de enxergar a organização e condições
de observação da mesma situação a partir de diferentes dimensões (MORGAN, 2000).
Esse conjunto de maneiras diferentes de ver a organização ficou conhecido como
administração por metáforas ou dinâmica organizacional por metáforas na visão de Morgan
(2000). Para ele metáfora é “[...] uma força primária através da qual os seres humanos criam
significados usando um elemento de sua experiência para entender outro” (p. 21).
Ao abordar a mesma situação de formas diferentes, as metáforas ampliam a visão das
situações e sugerem ações que não teriam sido possíveis antes com a visão única da questão.
Da mesma maneira, à medida que se aprende a usar as implicações de diferentes metáforas, é
possível perceber que as idéias criadas por uma metáfora podem, muitas vezes, ajudar na
superação das limitações de outras.
Além do mais, uma metáfora leva a outras metáforas, criando pontos de vista concorrentes e
complementares, o que contribui para o enriquecimento da compreensão de como diferentes
aspectos da organização se inter-relacionam, demandando métodos múltiplos de tratamento
das questões. Qualquer situação pode ser interpretada de múltiplas formas e, se essa
multiplicidade de interpretações não for exercitada, corre-se o risco de cair no dilema de
encontrar e perceber o que se está procurando somente. Conforme Albert Einstein (apud
MORGAN, 2000, p. 25), “é a teoria pela qual observamos uma situação que decide o que
vamos notar”.
67
Toda metáfora pode ser persuasiva, mas também pode ser limitante e bloquear a capacidade
de obtenção de visão geral, segundo Morgan (2000). Assim, torna-se necessário aprender a
adotar perspectivas múltiplas e diversas que não dêem um ponto de vista único sobre as
situações e o uso das diversas metáforas se propõe a trazer esta contribuição.
Morgan (2000) discute, a título de ilustração, oito principais metáforas: as organização vistas
como máquina, como instrumento de dominação, como prisões psíquicas, como interesses
políticos, como culturas, como cérebros, como fluxo de transformação e como organismos.
Quando a direção pensa a empresa como uma máquina ela tende a gerenciá-la e a planejá-la
como máquina, ou seja, como um conjunto de partes interligadas, racionais, planejadas e
estruturadas para atingir determinados fins, onde cada parte possui uma função definida,
necessária ao funcionamento global. A principal limitação dessa concepção é que a
abordagem mecanicista cria formas organizacionais com dificuldades de adaptação à
mudança e podem resultar em sistemas burocráticos e desprovidos de bom-senso.
A organização como instrumento de dominação coloca o foco sobre os aspectos
potencialmente exploradores da vida corporativa. As organizações às vezes usam seus
empregados, as comunidades onde se situam e até a economia mundial para atingir seus
próprios fins. Essa metáfora ajuda a entender os aspectos das organizações que radicalizam as
relações entre os trabalhadores e a administração e os aspectos negativos da empresa global.
A metáfora é útil para se entender como ações que são racionais de um ponto de vista podem
ser vistas como exploradoras de outra perspectiva. Nessa visão, a racionalidade pode ser vista
como um modo de dominação, o que desperta para os aspectos ideológicos e éticos da
organização. Esse enfoque trata a dominação como um fenômeno intrínseco e ajuda a
entender os conflitos e a polarização, além de desafiar os administradores a desenvolver uma
compreensão mais profunda da responsabilidade da empresa. Porém pode “aumentar a
68
polarização entre grupos sociais se a dominação for interpretada como um objetivo e não
como um resultado não intencional” (MORGAN, 2000, p. 340).
A metáfora das organizações como prisões psíquicas apresenta-se quando as pessoas são
vistas como prisioneiras de seus pensamentos, idéias e crenças inconscientes. Segundo essa
metáfora, forças psíquicas podem agir como dimensões ocultas da organização, encorajando
ou bloqueando a inovação, ou resistindo à mudança organizacional. Essa metáfora encoraja o
desafio às premissas básicas sobre as quais é visto e sentido o mundo, gera novas perspectivas
sobre os desafios da inovação e da mudança organizacional, mas o “enfoque do inconsciente
pode desviar a atenção para outras forças de controle” (MORGAN, 2000, p. 247) e pode
subestimar o poder dos interesses constituídos em sustentar o status quo.
A déia da metáfora política vê a organização como diferentes conjuntos de interesses,
conflitos e jogos de poder que determinam as atividades organizacionais; explora as
organizações como sistemas de governo e considera os fatores que determinam os aspectos
políticos da vida organizacional. A organização é vista como um processo político com
diferentes estilos de governo e com interesses divergentes. Segundo Morgan (2000, p.189):
“Em contraste com a visão de que as organizações são empresas racionais e integradas, cujos
membros procuram alcançar um objetivo comum, a metáfora política encoraja-nos a ver as
organizações como redes soltas de pessoas com interesses divergentes que se juntam por
motivo de conveniência pessoal (ganhar a vida, desenvolver uma carreira, defender uma meta
ou objetivo pessoal). As organizações são coalizões e são formadas por coalizões, e a
formação de coalizões é uma dimensão importante de quase toda vida organizacional”.
As coalizões surgem quando grupos de indivíduos se juntam para cooperar em questões ou
assuntos específicos, eventos ou decisões, ou para defender valores e ideologias específicas.
69
Assim, as organizações são formadas por grupos formais ou não formais com interesses na
organização, mas cujos objetivos e preferências podem diferir entre si.
A metáfora política ajuda a empresa a perceber que toda atividade organizacional é baseada
em interesses e a avaliar o funcionamento organizacional com base nessa constatação, o que
auxilia na aceitação de que a política é um aspecto inevitável da vida organizacional.
O enfoque da organização vista como culturas oferece forma de gerir e planejar baseada no
reconhecimento dos valores, idéias, crenças, normas, rituais e outros padrões de significados
compartilhados que guiam a vida organizacional. Com essa forma de ver a organização passa-
se a entender que os desdobramentos em qualquer empresa são reflexos do que as pessoas que
compõem a organização pensam. É possível identificar as culturas corporativas uniformes e
fortes e as fragmentadas pela presença de “subculturas”. A principal vantagem da abordagem
da organização como cultura é a criação de um significado compartilhado que é a própria
organização e a consciência do papel exercido e do impacto dos líderes e dirigentes na
empresa.
Quando as organizações são vistas como cérebros, ganham importância o processamento da
informação, o aprendizado e a inteligência. Nessa abordagem passam a ter destaque questões
tais como a capacidade de aprendizado da organização, as barreiras ao aprendizado, as formas
de prescrutar e antecipar mudanças ambientais e as maneiras de se criar organizações que
aprendem. As vantagens dessa percepção giram em torno da geração de diretrizes para a
criação de organizações capazes de aprender e do reconhecimento da importância de lidar
com paradoxos, porém há desvantagens, principalmente no conflito que pode existir entre os
requisitos de aprendizagem organizacional e as realidades do poder e do controle.
70
Se a organização é vista como fluxo de transformação, é possível abordar quatro lógicas da
mudança que determinam a vida social: as organizações tidas como sistemas autoproduzidos
que se criam à sua própria imagem; as idéias originárias do estudo do caos e da complexidade,
vendo a vida organizacional por meio de imagens de padrões de atração concorrentes; a
organização como produto de fluxos circulares de feedback positivo e negativo e os aspectos
da moderna organização como produto de uma lógica dialética em que cada fenômeno gera
seu oposto. As principais vantagens do uso dessa perspectiva são a possibilidade de nova
compreensão da natureza e da fonte da mudança, de novos horizontes de pensamento a serem
usados para enriquecer o entendimento da administração e da perspectiva nova e poderosa
sobre o papel dos líderes e gerentes de facilitadores da mudança emergente na organização.
A visão das organizações como organismos leva à concentração da atenção no entendimento
e na gestão das necessidades organizacionais e das relações ambientais e faz com que sejam
vistos os diferentes tipos de organização como sendo pertencentes a diferentes espécies e,
portanto, adaptando-se a diferentes ambientes. Esta visão leva ao entendimento de como as
organizações nascem, crescem, se desenvolvem, declinam e morrem e de como podem
adaptar-se a novas circunstâncias. Essa metáfora ajuda no entendimento das organizações
como conglomerados de seres humanos, negócios e necessidades inter-relacionados e
encoraja a sobrevivência corporativa, além de incentivar o desenvolvimento de sistemas
abertos a novas mudanças. Essa abordagem sugere que as organizações necessitam prestar
atenção no seu ambiente externo, preocupar-se com sua sobrevivência e evolução e ser
congruentes com o ambiente em que se encontram.
Segundo Srour (1998, p. 122), “[...] toda organização importa do ambiente externo objetos
naturais para poder realizar suas atividades”, e já que se constitui como uma coletividade ela
71
regula os interesses intra e extra-organizacionais, ao estabelecer regras disciplinares para o
seu efetivo e para organizar as suas trocas com o ambiente.
As organizações se estabelecem sobre três dimensões analíticas – econômica, política e
simbólica – que demarcam todo seu espaço social interno e servem para diferenciar as
organizações em função da dominância de uma delas. Na dimensão econômica ocorre o
controle através da utilização ou dependência das contribuições materiais, já na dimensão
política este mesmo controle se dá na utilização ou na dependência das coações físicas e por
fim na dimensão simbólica o controle se dá através dos padrões culturais que se elaboram e se
difundem por representações imaginárias (SROUR, 1998).
72
II.8. “O OLHAR DA ESCOLA DOMINANTE” – SISTEMAS ABERTOS
A teoria dos sistemas abertos foi introduzida na análise organizacional da mesma
forma que a psicologia, na ciência política, na sociologia e na economia, isto é,
através da divulgação do trabalho do biólogo Ludwig von Bertalanffy nos Estados
Unidos. [...] Bertalanffy admitia a existência de leis, princípios e modelos que
podiam ser aplicados a qualquer tipo de sistema ou ainda a seus subsistemas. Em
função disso propunha a teoria geral dos sistemas como uma nova disciplina
científica, entendida como campo lógico-matemático, cuja tarefa seria formular e
desenvolver os princípios aplicáveis a todos os sistemas (MOTTA, 2001, p. 19).
Enquanto isso, na administração clássica, defendia-se que a eficácia e o sucesso da
organização dependiam da eficiência das operações internas e assim, as organizações e
políticas administrativas eram desenvolvidas para realizar um grupo de tarefas e metas
organizacionais estáveis, que as faziam serem vistas como sistemas relativamente fechados
(BOWDITCH E BUONO, 1997).
Dessa forma, pouca atenção era dada à adaptação das organizações às mudanças ambientais.
As teorizações tendem a pensar a organização como um sistema fechado, em que a empresa é
independente e sem referência ao ambiente externo, focada apenas na estrutura interna,
segundo Emery e Trist (apud KATZ E KAHN, 1987).
Segundo Srour (1998, p. 125), “as organizações são sistemas abertos e campos de forças, pois
competem para absorver mais energia ou valor do ambiente externo, processam insumos e
geram produtos, administram pressões/apoios e dependem da credibilidade que vão
construindo”. Diante deste quadro de influências, conclui-se que cada vez mais o ambiente
externo vem exigir das organizações uma enorme capacidade de adaptação e flexibilidade.
O “modelo do stakeholder” (Mintzberg, 1983) corrobora com esta visão e diferentemente do
“modelo do acionista”, empregado ao longo da história econômica e empresarial, em que a
empresa é vista como uma porção de propriedade privada detida por aqueles que dela têm
73
ações, sugere que, além dos acionistas, existem outros grupos com os quais a organização tem
determinados tipos de responsabilidades.
O modelo de Mintzberg (1983), contempla como membros da coalizão externa os
proprietários; os sindicatos e associações de empregados; os associados, constituídos pelos
fornecedores, aliados, competidores e clientes e o público em geral, como o governo em seus
vários níveis, os grupos de interesses e pressão – organizações não-governamentais,
associações civis e outros – a imprensa, os formadores de opinião, dentre outros.
Os constituintes da coalizão interna podem ser o Presidente ou Executivo Principal; os
operadores, ou seja, aqueles empregados que efetivamente produzem ou diretamente
contribuem para os resultados e serviços; os gerentes a quem os operadores são subordinados
e que constituem a linha hierárquica da organização; os membros da tecnoestrutura,
responsáveis pelo projeto e operação de setores tais como planejamento, financeiro e
contabilidade; o pessoal de apoio, responsável pelas atividades-meio, tais como xerox, café,
limpeza e outras.
O modelo de Mintzberg (1983) considera ainda a ideologia existente no interior da
organização que é constituída de crenças e valores compartilhados pelos membros da coalizão
interna e representa um ator no sistema de poder que possui vida própria, apesar de ser
inanimado.
O modelo de stakeholders e da coalizão interna da organização será considerado na pesquisa
em questão, uma vez que representa uma técnica de análise que dá boa noção da influência de
determinados agentes na transformação organizacional.
Já Hrebiniak e Joyce (1985) estudaram a interação da escolha estratégica e do determinismo
ambiental e propuseram quatro tipos de adaptação organizacional. Para eles, determinismo e
74
escolha estratégica são variáveis independentes e não excludentes. Criaram a possibilidade de
haver “alta capacidade de escolha” e “alto determinismo” e, por outro lado, “baixo
determinismo” e “baixa capacidade de escolha” estratégica no processo de adaptação
estratégica das empresas.
Para estes autores, na adaptação organizacional por “Seleção Natural”, em que há “alto
determinismo” e “baixa escolha estratégica”, a organização não tem controle sobre os fatores
exógenos, o que é mais comum nos casos de existência de concorrência perfeita ou em
organizações posicionadas em nichos de mercado em condições de concorrência imperfeita.
A adaptação é determinada externamente à organização, sendo o ambiente o responsável por
selecionar as organizações, e sobrevivendo apenas os formatos com variações apropriadas. O
ambiente é, então, fator crítico na determinação das organizações que obterão sucesso ou
fracassarão, por meio da seleção dos competidores mais fortes mediante a eliminação do mais
fracos. Assim, a ação gerencial é limitada e coagida nas organizações que se encontram nesse
tipo de adaptação.
O termo Adaptação Estratégica significa indicação de mudança que se obtém como resultado
da capacidade de alinhamento organizacional com as condicionantes ambientais
(HREBINIAK E JOYCE, 1985). Essa visão envolve o comportamento organizacional
proativo e reativo na antecipação ou reação às variáveis exógenas à organização.
O ciclo adaptativo, para Miles e Snow (1978) é uma fisiologia geral do comportamento
organizacional em que os três problemas adaptativos encontram-se intrinsecamente
entrelaçados. A adaptação ocorre freqüentemente pelo movimento seqüencial das fases
empresarial, de engenharia e administrativa, mas o ciclo pode ser engatilhado em qualquer
uma delas.
75
Segundo o modelo de Miles e Snow (1978) a organização é um todo integrado em dinâmica
interação com seus ambientes e o processo de adaptação organizacional é dirigido por
escolhas estratégicas dos altos executivos. As escolhas são numerosas, complexas e mais ou
menos contínuas e assim, podem ser de natureza empresarial, operacional ou de engenharia e
administrativas e devem ser analisadas pelo exame de consistência entre essas categorias.
Estes modelos sevem como auxilio, tanto das influências externas como da dinâmica de
interação dos ambientes, à identificação das manifestações autoritárias na organização
estudada.
76
II.9. A EMPRESA – OBJETO DE PESQUISA
Com quase dois séculos de história no mercado brasileiro, o Banco do Brasil é constituído por
um corpo de funcionários que primam pela qualificação. Atualmente, o BB é um dos
principais empregadores do País, com 82,7 mil funcionários, 10,4 mil estagiários, 8,3 mil
contratados temporários, além de 4,7 mil adolescentes trabalhadores
(SÍTIO:
http://www.bb.com.br, acesso em 08/11/2005).
O perfil médio do funcionalismo do BB, com base em dados estatísticos, é o do profissional
do sexo masculino, entre 32 e 47 anos de idade, com curso superior. Com relação a
escolaridade, o BB tem cerca de 54% do seu efetivo atual com graduação superior – cerca de
45 mil funcionários –, sendo que destes, 8 mil são pós-graduados, em nível de
aperfeiçoamento, especialização, mestrado ou doutorado
(SÍTIO: http://www.bb.com.br,
acesso em 08/11/2005).
Na cultura do Banco do Brasil, encontra-se uma singularidade: o BB é um banco
comprometido com o desenvolvimento do País e uma instituição financeira voltada para o
mercado. Com a máxima, “seus valores são os nossos valores”, o Banco ratifica essa
dualidade, de funcionar como banco de formato social – fomento – e como banco de formato
capitalista, o que o torna único.
Quando a empresa assume seu caráter social, a maioria dos funcionários sente orgulho de
fazer parte do Banco do Brasil, tanto por perceber que seu trabalho faz as cidades crescerem e
se desenvolverem como por participarem de campanhas de vacinação promovidas pelo Banco
em suas agências, por exemplo. De outro modo, quando a Empresa está totalmente inserida no
mercado “se esforçam” para manter e conquistar negócios e posições de liderança (SÍTIO:
http://www.bb.com.br, acesso em 08/11/2005).
77
Da própria história da Empresa surgem características como flexibilidade e capacidade de
adaptação, que dão ao BB um diferencial em relação ao mercado, colocando-o, muitas vezes,
à frente de seus pares no desenvolvimento de produtos e serviços, nas inovações tecnológicas,
na gestão dos negócios e nas estratégias de atuação (SÍTIO:
http://www.bb.com.br, acesso em
08/11/2005).
Nestes moldes, o Banco do Brasil assume um caráter de reprodutor da cultura nacional, pois
as características nele existentes refletem toda uma gama de elementos captados e adaptados
da cultura brasileira.
II.9.1. BREVE HISTÓRICO
O Sistema financeiro brasileiro teve início com a criação do Banco do Brasil em 12 de
outubro de 1808, em decorrência da chegada da corte portuguesa ao Brasil e da abertura dos
portos às nações amigas. A estrutura inicial do Banco do Brasil foi inspirada no Banco da
Inglaterra e o prazo de duração do Banco foi estipulado em 20 anos, findos os quais seria
dissolvido ou novamente constituído, se fosse do interesse do governo
(PRICEWATERHOUSECOOPERS, 2003).
Até que o Banco do Brasil fosse criado, operavam no setor de crédito brasileiro apenas alguns
capitalistas nacionais e ingleses, que sacavam sobre as praças européias e recebiam dinheiro
em “conta corrente” ou depósito, na maior parte das vezes para passá-lo aos bancos da
Inglaterra ou convertê-lo em títulos de renda assegurada.
Em 1836, foi criado o Banco do Ceará e a partir dessa data, começaram a se instalar no
território brasileiro os bancos privados, tais como o Banco Comercial do Rio de Janeiro, em
1838, o Banco do Maranhão, em 1846, o Banco do Pará, em 1847, o Banco Comercial de
78
Pernambuco, em 1851 e o Banco Comercial do Pará, em 1853
(PRICEWATERHOUSECOOPERS, 2003).
A partir de 1860, as atividades de intermediação financeira no Brasil foram ampliadas com a
chegada de bancos estrangeiros, inicialmente, o London & Brazilian Bank e The Brazilian and
Portuguese Bank. No final da década de 1870, já existiam no País dezessete bancos que
atuavam preponderantemente no apoio financeiro aos setores cafeeiro e de infra-estrutura
(PRICEWATERHOUSECOOPERS, 2003).
A reforma bancária de 1924 que teve como finalidade organizar e fortalecer o sistema
bancário, ensejou a criação de um órgão de controle denominado Inspetoria Geral de Bancos,
e atribuiu ao Banco do Brasil a função de banco emissor, de acordo com
PricewaterhouseCoopers (2003).
Após a segunda guerra mundial, a inflação que se instalou no País levou à desorganização dos
negócios financeiros exigindo a criação de um órgão controlador e fiscalizador do sistema
bancário.
Assim, em 1945, por meio do Decreto-Lei Nº 7.293, de 02 de fevereiro, a Inspetoria Geral de
Bancos transformou-se na SUMOC-Superintendência da Moeda e do Crédito, subordinada ao
poder executivo, segundo a autoria já citada. As medidas saneadoras adotadas a partir da
criação da SUMOC provocaram intenso processo de fusões e incorporações ou o
encerramento das atividades de alguns bancos. O Banco do Brasil que acumulava as funções
de banco emissor e de fomento à produção agro-industrial, ao lado da SUMOC, dos bancos
posteriormente denominados comerciais, das caixas econômicas, dos bancos públicos de
fomento, das financeiras, das companhias de seguro e capitalização e das bolsas de valores,
formavam o Sistema Financeiro Nacional de então.
79
Em 31 de dezembro de 1964, a Lei 4.595 transformou a SUMOC e seu conselho,
respectivamente em BACEN-Banco Central do Brasil e CMN-Conselho Monetário Nacional,
outorgando-lhes autoridade para permitir a instalação, regulamentação e fiscalização das
instituições do SFN Sistema Financeiro Nacional (LEI 4.595, 1964).
Para o Sistema Bancário Brasileiro e, em particular, para o Banco do Brasil, 1964 representa
uma nova etapa, pois foi o ano marcado pelas reformas implementadas no SFN e, também, na
esfera política, pelo Golpe Militar. Pela sua representatividade, a partir desta data desenvolve-
se a pesquisa, que possui em seu escopo o histórico do Banco do Brasil até os dias 2004.
A história da empresa é o fio condutor deste estudo, por isto ela será retomada em cada uma
das fases que o compõe.
80
PARTE III: DIAGNÓSTICO CRONOLÓGICO –
AUTORITARISMO COMO EXPRESSÃO DE PODER,
CONTROLE E DOMINAÇÃO
“[...] será que nunca faremos senão confirmar a
incompetência da américa católica que sempre
precisará de ridículos tiranos?”
Caetano Veloso
81
III.1. CONTEXTUALIZANDO O ESTUDO
A evolução do setor bancário brasileiro tem estreita relação com os avanços mercadológicos e
o Banco do Brasil registra seu impacto através de cinco etapas distintas. A implantação da
reforma bancária, ocorrida durante os anos 60, marca a primeira delas.
A segunda surge em meados dos anos 80, com a extinção da Conta-movimento, cujos
desdobramentos se difundiriam, gradualmente, ao longo da década seguinte.
A terceira etapa se concretiza com a promulgação da constituição, em 1988, que deliberava a
anistia do crédito rural. Essa medida acarretou uma grande inadimplência no setor.
A quarta se desenvolve em 1995 com o reconhecimento, por parte do Tesouro Nacional, das
dívidas do governo com o Banco do Brasil.
A quinta, e última etapa inicia-se em 1996 e estende-se aos dias atuais, está marcada pela
capitalização do Banco do Brasil e teve grande importância nas mudanças estruturais
ocorridas interna e externamente.
Concomitantemente a esses fatos, a partir da terceira etapa, houve o processo de
“mundialização” do capital. No setor de serviços, em particular, no bancário, o grande
paradigma que acompanha este processo pode ser definido na frase: “o cliente em primeiro
lugar”. A grande marca a partir desta etapa, é a busca, quase desesperada, pelo aumento da
produtividade do trabalho. Para que esta seja alcançada, o trabalhador bancário é conclamado
a prestar a maior colaboração possível, como forma de atender à tendência, apresentada pelo
processo de acumulação capitalista de explorar, ao máximo, o trabalhador.
Esta tendência é revelada pelo fato de existir um poder central representado pelos detentores
do capital, que é exercido através do controle e da dominação. Estas formas de atender os
82
princípios de acumulação de capital não se restringem apenas ao nível da organização sobre
os trabalhadores, mas, também, no que diz respeito ao governo e suas influências políticas
sobre uma organização de grande porte do setor bancário.
O setor bancário brasileiro vem passando por profundas transformações, desde 1964, com a
reforma bancária e a criação do Banco Central do Brasil. Nas décadas de 70 e 80 apoiava-se
nos ganhos de floating
3
proporcionados pelas elevadas taxas de inflação e no financiamento
da dívida pública, caracterizando-se, neste período, por uma alta lucratividade. A partir da
segunda metade da década de 80 verificou-se um processo de reestruturação dos bancos
relacionado diretamente aos planos econômicos. Teve como seu marco a histórico a adoção
do Plano Cruzado em 1986, que trouxe o congelamento de preços e uma significativa queda
da rentabilidade, em boa parte derivada do processo inflacionário. Neste contexto verificou-se
a eliminação de 109 mil postos de trabalho dos cerca de 870 mil postos de trabalho
(CARVALHO E OLIVEIRA, 1998). Sucederam-se a este plano o Plano Collor I e II (1990 e
1991) e o Plano Real (1994).
O Plano Collor caracterizava-se pela tentativa de eliminação do déficit público através da
implementação de um conjunto de reformas estruturais e a drástica redução da liquidez da
economia através do bloqueio financeiro. Isso se traduziu no fechamento de agências com
redução dos custos operacionais e administrativos, principalmente de mão-de-obra – o saldo
acumulado apontava a eliminação de mais de 126 mil empregos, que correspondiam a 15,3%
do quadro de pessoal (DIEESE, 1997).
A implantação do Plano Real afetou a rentabilidade dos bancos em virtude da queda dos
índices inflacionários. As receitas inflacionárias contabilizadas pelos bancos, que eram cerca
3
Ganhos com ativos não remunerados, proporcionados pela aplicação por parte dos bancos dos depósitos não
remunerados das contas correntes e de recursos oriundos de pagamentos de carnês e taxas, que podiam ser
repassados às contas favorecidas com alguns dias de atraso (DIEESE, 1997).
83
de 40% das receitas totais em 1990-93, reduziram-se drasticamente em 1995 para 0,6%. O
número de bancários continuou a cair e no final de 1995, estava em 571 mil, que representava
um contingente 30,8% inferior ao existente antes do início da onda de demissões dos anos 80.
Dentre os bancos públicos a situação se refletiu de uma maneira muito mais significativa, em
virtude da má qualidade de seus ativos e à incapacidade de seu principal acionista em aportar
recursos para capitalização (CARVALHO E OLIVEIRA, 1998).
Outra característica marcante do setor bancário diz respeito ao contexto competitivo, que se
distingue pela acumulação do capital num tempo mais curto através da mundialização
financeira que tem nos programas de investimento em automação a base da concorrência pelo
público-alvo. Segue-se a isso a lógica do ideário neoliberal, que preconiza “menos Estado”,
“mais firma” e “mais empresa” (CAMPOS, 2000). Com as mudanças constantes e as “novas”
estratégias dos bancos verificam-se alterações significativas do perfil do setor.
Diante do cenário apresentado coloca-se em destaque, através de uma evolução cronológica,
as manifestações autoritárias – extras e intra-organizacionais – que permeiam uma
organização de grande porte do setor bancário sob a tutela do governo, passando pela
“estrutura dos sistemas políticos (concentração do poder), pela disposição psicológica a
respeito do poder (alinhamento total com as diretrizes traçadas) e pelas ideologias políticas
(negação da igualdade)” (FARIA, 1985a). Por isto, dá-se ênfase às “escolas” de administração
através de uma análise crítica sobre as suas influências nas manifestações autoritárias.
Através de um modelo desenvolvido e adaptado pelo pesquisador a partir de textos de José
Henrique de Faria (1985a/b e 2004), que focaliza o poder nas organizações, particularizando o
autoritarismo com suas formas de atuação nas seguintes instâncias: processo de trabalho,
organização do trabalho e gestão, buscou-se fundamentar as manifestações autoritárias no
Banco do Brasil.
84
MANIFESTAÇÕES DO AUTORITARISMO
Instâncias de Análise
Processo de Trabalho Organização do Trabalho Gestão
Operações realizadas
– pelos trabalhadores – de
forma organizada, com a
finalidade de produzir
mercadorias (sempre como
atividade fim);
A produção é a
geração e apropriação de
valor excedente – trabalho
não pago – pelo capital
(alienação do trabalhador);
O processo de
trabalho constitui-se em uma
atividade orientada para um
fim específico: por exemplo,
transformar o couro em
sapato; nos Bancos, criar um
imaginário de consumo
visando a multiplicação do
capital (money make the
money);
Ao se acrescentar ao
processo de trabalho o
processo de valorização, já
não se trata mais de
qualidade, de conteúdo ou de
natureza do trabalho, mas
somente de sua quantidade;
O processo de
trabalho, além de visto da
forma “qualitativa”, aparece,
também, na forma
“quantitativa” medido pelo
tempo de trabalho necessário
à produção de uma
mercadoria.
Fenômenos Peculiares
I – O trabalhador trabalha sob
o controle do capitalista, que
é o proprietário de seu
trabalho pelo tempo
contratado. Sob a vigilância
do capitalista, o trabalho
realiza-se em ordem e os
Forma pela qual o
processo de trabalho encontra-
se “estruturado” (quase
sempre mecanicista);
Estrutura o P.T.
através de sua divisão técnica
e social, do estabelecimento de
uma hierarquia gerencial e de
um sistema disciplinar
específico (organização
capitalista do trabalho –
supremacia do capital);
O seqüestro da
subjetividade do sujeito
trabalhador e os mecanismos
sutis de controle têm, para o
capital, uma dupla função:
1)Aumentar a produtividade
do trabalho – natureza
econômica – encontra-se
sujeita a uma medida objetiva
que se pode encontrar nos
resultados proporcionados
pelo aumento na taxa de valor
excedente e na taxa de
produtividade;
2)Ampliar o poder ou o
domínio político e ideológico
sobre os trabalhadores
somente pode ser avaliada
qualitativamente e por mais
sofisticados que possam ser os
instrumentos de medida, não
se pode determinar exatamente
as relações entre os
mecanismos sofisticados de
controle subjetivo e os
resultados objetivos da
produção;
A captura da consciência do
trabalhador pelo capital tem
uma relevância nas formas de
resistência deste e nas formas
de dominação daquele, porque
quanto mais o trabalhador é
envolvido na ideolo
g
ia do
Distribuição não igualitária
de poder, ou seja, uma relação
predominantemente unilateral
de dominação – heterogestão;
Certa dualidade linear entre o
que gere, e o que é gerido
(criador e criatura), ou seja,
entre dois agentes sociais: o
que comanda (que concebe) e
aquele que é comandado (que
executa), na medida em que
esses dois agentes sociais
estão diretamente envolvidos
com o trabalho produtivo;
Ao analisar-se que de um
lado temos o que comanda e
de outro, o que é comandado,
teremos uma visão aparente de
“dualismo”, já que se trata da
concepção da unidade das
forças reduzidas a um só
fenômeno de movimento,
portanto “monística”;
Na perspectiva dualística os
agentes estão colocados um ao
lado do outro, separados
intelectualmente e por função,
no monismo os agentes estão
efetivamente separados, pela
repressão;
Controlar as formas pelas
quais o trabalho deva
reproduzir-se
ininterruptamente, pois, com o
lucro no posto de comando,
esvazia-se o aspecto político,
buscando-se exclusivamente
produzir mais, em menor
tempo e com menos custos,
pela exploração e pelo avanço
tecnológico;
Sistema baseado em uma
relação de produção que
permite, aos dirigentes, a
extração da mais-valia de
acordo com os interesses
objetivos específicos da classe
dominante e visando perpetuar
85
meios de produção são
empregados de acordo com
seus fins. Não há desperdício
de matéria-prima e os meios
de trabalho são preservados.
Só é destruído o que é
exigido pelo uso no trabalho;
II – O produto do processo de
trabalho não pertence ao
produtor direto, ao
trabalhador, mas ao
capitalista. O capitalista, ao
comprar a força de trabalho,
incorpora o próprio trabalho
aos elementos que constituem
o produto, o qual lhe
pertence. A força de trabalho
é consumida como
mercadoria que o capitalista
comprou, quando este, a
coloca em movimento
acrescentando-lhe meios de
produção.
capital e muito subjetivamente
submisso a este, menor será
sua capacidade de luta.
Divisão do Trabalho
Divisão social do trabalho –
é inerente ao trabalho humano
assim que este se converte em
trabalho social, ou seja,
trabalho não isolado, mas
executado na e através da
sociedade;
Divisão técnica do trabalho –
implica o parcelamento dos
processos inerentes à
fabricação de produtos em
diversas operações, executadas
por diversos indivíduos, a qual
se subdivide em parcelamento
das operações e parcelamento
do trabalho, este último, por
sua vez, desdobra-se em uma
divisão entre trabalho manual
e trabalho mental;
Divisão internacional do
trabalho – incorpora elementos
das anteriores, mas efetivados
em termos globais, destinando
a cada região um tipo ou um
conjunto de atividades
fracionadas, que, ao final, em
conjunto, compõem o
processo globalizado de
produção.
dominante e visando perpetuar
a sua dominação;
Imposição de limites ao
acesso das informações bem
como uma orientação e
seleção prévias de sua difusão
para que se evite
comprometimentos;
Postula-se a educação de
uma elite (competente para
manipular informações), para
o cumprimento das funções
complexas de chefia;
O conhecimento tratado
como uma capacidade inerente
a uma minoria e que leva, no
limite, ao centralismo;
Introduz em suas prescrições
a hierarquização dos agentes
pela divisão técnica e social do
trabalho: a competência perde
seu caráter orientador para cair
na imposição;
A falta de interesse no
trabalho provoca o
absenteísmo, a instabilidade e
a rotatividade dos
trabalhadores;
O trabalho é complementado
pela oferta de prêmios e por
benefícios (vantagens);
Administração por objetivos;
. Gestão participativa
(escolher o escolhido).
Quadro 06 – Manifestações do Autoritarismo
Fonte: Relações de Poder e Formas de Gestão (Faria, 1985a), adaptado pelo autor.
Faria (1985a) defende que a organização é tomada como meio de poder das classes
dominantes na medida em que através dela são realizados seus interesses objetivos
específicos, ao passo que a administração tem sido instrumento que desenvolve as técnicas
necessárias para que as classes dominantes ajam no interior da organização sem que
necessitem recorrer, cotidianamente, à coerção.
86
A partir desta análise, Faria (1985a, p. 189) formula a seguinte questão: “Isto significa que
organização e administração são inviáveis em uma ordem social democrática?” E, o mesmo
autor responde com uma negativa, afirmando que
[...] o que conta não é a organização em si, mas, mais propriamente, as formas
como elas são criadas. Como uma nova ordem social, superior a atual, concretizar-
se-á historicamente, pois nenhum sistema social é eterno; estar-se-á, certamente, na
presença de outras formas de gestão, de administração e de organização.
87
III.2. DETECÇÃO DO PARADIGMA – CARACTERIZAÇÃO DA ESFERA
DOMINANTE (1964-1985)
O ano de 1964 foi um marco histórico para o país e para o mercado financeiro, que se deveu,
primeiramente, ao “Golpe Militar”. Em segundo lugar, concomitantemente a esse fato,
implantou-se a reforma bancária no Brasil – Lei 4.595, de 31 de Dezembro. Essa lei criou a
CVM-Comissão de Valores Mobiliários, em substituição ao Conselho da Superintendência da
Moeda e do Crédito, com função de reger a política monetária do País em níveis interno e
externo.
A mesma Lei “extinguiu a SUMOC Superintendência da Moeda e do Crédito – vinculada ao
Banco do Brasil – transformando-a em autarquia sob denominação de Banco Central da
República do Brasil, que incorporou a Carteira de Redescontos e a Caixa de Mobilização
Bancária do Banco do Brasil” (BANCO DO BRASIL – REL. ANUAL, 1988, p. 232).
A criação da CVM e a transformação da SUMOC para Banco Central provocaram o
deslocamento de algumas atribuições de autoridade monetária do Banco do Brasil para o
Banco Central, mas esse deslocamento não afetou a sua posição de autoridade monetária. Esse
processo estabeleceu uma reconfiguração nas atribuições do Banco, levando-o assumir suas
funções de origem – autarquia de crédito –, porém, ainda, garantia-lhe vantagens políticas e,
principalmente, econômicas com a da primazia da “movimentação” dos recursos do tesouro
nacional.
Além de assumir algumas funções controladoras, antes atribuídas à Carteira de Câmbio, ao
Banco Central coube a tarefa da emissão de papel-moeda, a execução dos serviços de meio
circulante, o recebimento de depósitos compulsórios, as operações de redesconto, os depósitos
das reservas internacionais do país e o controle de capitais estrangeiros e de crédito, sob todas
88
as formas (BANCO DO BRASIL – REL. ANUAL, 1988). Pela nova lei, o Banco do Brasil
passou a configurar-se como instrumento de execução da política creditícia e financeira do
Governo Federal (LEI 4.595, 1964).
A criação do Banco Central – “Banco dos bancos” – tem como objetivo explícito centralizar o
controle do sistema financeiro brasileiro para o governo através das seguintes e, principais
atribuições, contidas na Lei 4.595: autorizar o funcionamento de instituições financeiras e
fiscalizar suas operações de acordo com leis específicas, emitir papel moeda, receber
depósitos compulsórios e voluntários do sistema financeiro nacional, realizar operações de
compra e venda de títulos públicos federais e executar a política financeira do governo
(BACEN, 2004). Todas as atribuições e, em especial, esta última, ressaltam o caráter
monopolista financeiro que a ditadura militar empregaria durante a sua estada no poder.
Nasce de um momento sóciopolítico turbulento um novo Banco do Brasil, não mais como
autoridade monetária de direito, mas lhe cabia, ainda, assento no CMN-Conselho Monetário
Nacional
4
, na figura de seu presidente, e uma série de outras atribuições, o que acabava por
conferir-lhe a autoridade de fato.
Cabia ao Banco do Brasil receber, a crédito do Tesouro Nacional, as importâncias
provenientes da arrecadação de tributos ou rendas federais e o produto das operações ligadas à
colocação de obrigações, apólices ou letras do Tesouro Nacional. Além disso, ficou
encarregado de realizar os pagamentos e suprimentos necessários à execução do Orçamento
Geral da União e das leis complementares, de conformidade com as autorizações do
Ministério da Fazenda, as quais não poderiam exceder o nível global dos recursos recolhidos a
ele, sendo vedada ao estabelecimento a concessão de créditos de qualquer natureza ao
4
O Conselho Monetário Nacional foi criado como órgão colegiado e ficou encarregado da supervisão de todo o
Sistema Financeiro Nacional; dele faria parte o presidente do Banco do Brasil. Coube ao Conselho Monetário
Nacional, com a reforma bancária, assegurar os recursos específicos para o Banco do Brasil (LEI 4.595, 1964).
89
Tesouro Nacional. Cumpria-lhe, ainda: conceder aval, fiança e outras garantias, consoante
expressa autorização legal; adquirir e financiar estoques de produção exportável; executar a
política de preços mínimos dos produtos agropastoris; ser agente pagador e recebedor do País
e executar o serviço da dívida pública consolidada. (BANCO DO BRASIL – REL. ANUAL,
1988).
Esta configuração do Banco do Brasil pode ser analisada, no modelo de manifestações
autoritárias, sob a perspectiva “dualística” desenvolvida por Faria 1985, que tem de um lado o
governo – quem comanda – e do outro o próprio Banco do Brasil – o comandado. Como se
tratava da concepção da unidade das forças reduzidas a um só fenômeno de movimento numa
via de mão única, onde prevalecia quem comanda, era considerada “monística”. O governo
assume sua posição de “dono” e impõe ao Banco do Brasil uma nova estrutura.
Em função das novas disposições legais, o Banco do Brasil deixou de realizar as operações de
redescontos e o financiamento das necessidades de caixa do Tesouro Nacional. Ainda em
1964, foram transferidos do Banco do Brasil para o Banco Central o controle e a
regulamentação do mercado de câmbio, as operações com os outros bancos, a fiscalização
destes e as ações concernentes às relações do governo com os organismos estrangeiros ou
internacionais. As atividades desenvolvidas por meio da Carteira de Crédito Geral e da
Carteira de Crédito Agrícola e Industrial não sofreram alteração com a lei (BANCO DO
BRASIL – REL. ANUAL, 1988).
O Banco do Brasil teve sua condição de depositário exclusivo das entidades públicas federais
assegurada. Sua capacidade de captar depósitos voluntários do público ficou limitada à lei de
livre concorrência com as demais instituições. Dessa forma, não foi reduzida sua importância
como instrumento de crédito e permaneceu como o maior banco do País, em situação mista de
banco comercial, rural, de fomento e de exportação.
90
Assim, a partir de 1965, com a criação do Banco Central, o Banco do Brasil deixou de emitir
moeda e passou a fazer uso de uma conta denominada “Conta-movimento” junto ao Banco
Central que permitia o “zeramento” das posições do Banco do Brasil a cada final de dia. Ou
seja, as sobras ou faltas de caixa decorrentes do movimento do dia do Banco do Brasil eram
acertadas por meio de lançamentos – a débito ou a crédito – na Conta-movimento. Pode-se
exemplificar essa mecânica da seguinte forma: quando faltava dinheiro no caixa do Banco do
Brasil, era debitada à Conta-movimento do Banco Central, realizando-se uma operação de
saque à vista, que representava emissão de moeda.
Este procedimento alimentou os lucros sucessivos do Banco do Brasil por muito tempo. Dava
a nítida impressão de uma administração sem falhas, enxuta e imune às intempéries do
mercado. Na realidade, ao viver este período de “berço esplêndido”, o Banco do Brasil criou
junto ao seu funcionalismo a falsa ilusão de uma casta privilegiada que servia ao seu senhor
sem contestar, opinar ou debater. A palavra de ordem era “obedecer”, o que reforça, ainda
mais, a perspectiva “monística”. Além disso, em função do momento político, não existia
espaço para contestação (FARIA, 1985b).
Em 1967, o Banco do Brasil promoveu uma profunda reestruturação administrativa
acompanhada de “intensiva modernização de equipamentos e da adoção de técnicas e
métodos para a racionalização progressiva dos serviços” (BANCO DO BRASIL – REL.
ANUAL, 1988, p. 235), seguindo a tendência taylorista, que propõe o máximo de
prosperidade ao capitalista e ao assalariado, mas que esconde a sua verdadeira intenção,
através do aproveitamento total do homem, ou seja, da exploração racional do trabalhador a
extração da mais-valia. Via-se dessa tendência uma aparente prosperidade generalizada, que
na realidade era unilateral, pois não é dado ao trabalhador senão uma pequena parcela dos
resultados, tendo em vista sua “colaboração” (FARIA, 1985b).
91
A partir daí, o Banco do Brasil assumiria uma nova roupagem, intensificando a fase da
burocracia mecanizada – instrumentos humanos adaptados à maquinaria de produção – que
contribuiu para o “alto padrão material de vida” dos seus funcionários, em detrimento da
qualidade. Verificou-se, também, a “expropriação do saber” através da rotinização do
processo de produção (OLIVEIRA, 2001). Para Braverman (1987) esta fase pode ser
analisada sob o aspecto dos trabalhadores que,
[...] não apenas perdem o controle sobre os instrumentos de produção como
também devem perder o controle até de seu trabalho e do modo como o executam.
[...] Este controle pertence agora àqueles que podem arcar com o estudo dele a fim
de conhecê-lo melhor do que os próprios trabalhadores conhecem sua atividade
viva (p. 103 e 106).
Apesar do “apelo material preconizado” – homem econômico –, percebia-se que o lado
humano na organização continuaria relevante, por isso, com efetiva influência da escola de
Relações Humanas
5
, já que questões econômicas estavam subjugadas ao poder de barganha e
ao medo de perda de emprego, que sempre foram muito mais relevantes para explicar o
convívio entre os trabalhadores e as empresas, bem como a manutenção nos postos de
trabalho (BRAVERMAN, 1987).
Seguindo na mesma linha, intensiva/expansionista, durante o final da década de 1960 e início
da década de 1970, o Banco do Brasil consolidou sua presença no exterior, com inauguração
de agências em vários países na Europa, Ásia e América Central. Em 1971 já possuía 975
agências no País e 14 no exterior. No Brasil, na mesma época, o banco lançou o popular
“cheque-ouro” que representou grande avanço em termos de produtos bancários, os “caixas-
executivos”, em que foi pioneiro, e um novo e moderno logotipo, escolhido por concurso
público, do qual participaram mais de quatrocentos concorrentes (BANCO DO BRASIL –
REL. ANUAL, 1988). O Banco do Brasil buscava assim, a massificação de sua marca, ou
5
Tal como o enfoque clássico, o das Relações Humanas encara a organização a partir das relações internas,
deixando de lado o fato de que a empresa está inserida na sociedade não apenas como uma parte desta, mas
como reprodutora das relações que a sociedade comporta (FARIA, 1985a, p. 68).
92
seja, criar no imaginário popular a crença de uma empresa abrangente, sólida e moderna
objetivava a conquista do cliente.
A empresa despertou seu interesse para uma “administração de objetivos”
6
, que privilegiava o
imediatismo e a imposição de suas estratégias em detrimento do planejamento de longo prazo,
seguindo a tendência capitalista de alinhamento com o mercado, salvaguardando as diretrizes
impostas pelo “dono”. O direcionamento “mercantil/capitalista” estava em consonância com
as aspirações do Banco do Brasil de conquista do mercado (FARIAb, 1985).
Após a crise do petróleo de 1974 que afetou a posição econômica do Brasil, o País retomou o
processo de incentivo às exportações, de desestímulo a importações e de abertura para os
contratos de risco para prospecção de petróleo. O Banco do Brasil já estava presente nos cinco
continentes nessa época. Apesar da crise, em 1976, o PIB-Produto Interno Bruto brasileiro
cresceu 8,2%, a indústria 11%, as reservas cambiais elevaram-se e o déficit na balança
comercial ficou num patamar em dólar de 1,5 bilhões, considerado aceitável, já que nos anos
de 1974 e 1975, este déficit foi da ordem de 4,5 bilhões e 3,5 bilhões, respectivamente
(BANCO DO BRASIL – REL ANUAL, 1988).
De olho no “petro-dólar”, criou-se o Banco Brasileiro e Iraquiano, o primeiro banco
binacional integrado ao Banco do Brasil que mais tarde se desfez em virtude das constantes
crises do golfo. Constituiu-se, em 1982, a BB Leasing Company Ltd, sediada em Grand
Cayman, para operar em arrendamento de plataformas de prospecção de petróleo em contratos
com a Petrobrás. Inaugurou-se também a BB-Tours-Voyages et Tourisme, empresa sediada
6
As fases do pensamento administrativo representadas pela Teoria Clássica, Escola de Relações Humanas e
Escola Estruturalista, na perspectiva capitalista, tem como meta, ao analisar o termo “administração por
objetivos”, não só extrair a mais-valia relativa da força de trabalho comprada ao trabalhador, mas igualmente,
aprimorar instrumentos de manipulação e de controle de indivíduos. Visando, de alguma forma, controlar o
processo produtivo e, no limite, pacificar o conflito inerente à relação capital-trabalho (FARIA, 1985a, p. 188).
93
em Paris, com vistas à ampliação do fluxo de turismo para o Brasil (BANCO DO BRASIL –
REL ANUAL, 1988).
A partir de 1979, o esforço do País para reversão da tendência inflacionária com a retomada
do crescimento econômico passou a ser a prioridade governamental. O Banco do Brasil
passou a preocupar-se com o acesso do mini e do pequeno produtor ao crédito rural. Também
na área internacional, “a atuação do Banco do Brasil contribuiu para expansão do intercâmbio
comercial para captação, através de empréstimos e lançamento de bônus das divisas de que o
País necessitava” (BANCO DO BRASIL – REL ANUAL, 1988, p. 238).
Houve neste mesmo período tentativas infrutíferas, por parte do Banco do Brasil, através de
grupos de estudos
7
, de desatrelar-se da tutela econômica do governo, pois já se vislumbrava a
perda da Conta-movimento (BANCO DO BRASIL – REL. ANUAL, 1988). O objetivo fim,
dessas tentativas, era motivar os funcionários, fazendo-os reagir efetivamente às demandas do
serviço e, funcionava, ao mesmo tempo, como uma “cortina de fumaça” que escondia uma
realidade inconteste, o alinhamento da alta administração – presidência e diretorias – aos
objetivos do governo. Este fato pode ser compreendido através da ingerência governamental
na escolha dos dirigentes.Via-se claramente que as políticas de um teriam que ser seguidas a
risca pelo outro.
Utilizando-se conceitualmente Habermas (1987), pode-se definir este tipo de estrutura
administrativa como razão instrumental ou dominação burguesa e relacioná-la à sociedade
através de um conjunto sistêmico que se refere à “reprodução material” regida pela lógica
instrumental que adequa os meios aos fins. Este conjunto sistêmico é constituído por dois
subsistemas: econômico (mercado) e administrativo (poder). Em outras palavras, na esfera da
7
As medidas discutidas diziam respeito a uma possível nova condição da empresa de sobreviver sem os recursos
do governo e, para tanto, necessitava da montagem de um fluxo de caixa e de um sistema de custos próprios
(BANCO DO BRASIL – REL. ANUAL, 1988). No seio do funcionalismo isto soou como uma resistência.
94
vida privada, que representa um âmbito de ação estruturado comunicativamente, passa a ser
colonizada por imperativos sistêmicos que expulsam de sua esfera os elementos “prático-
morais”. A instrumentalização viria a ser, assim, a prática corrente do período.
Mesmo com a alta das taxas de juros no mercado internacional, o Brasil e outros países, ainda
em 1981, sentiram-se obrigados a recorrer a recursos externos
8
. O setor exportador cresceu
16% e a política de substituição de combustível importado foi impulsionada com incremento
na produção interna de petróleo e com a incorporação de combustível nacional. A estratégia
adotada acompanhou as necessidades do Governo, com o Banco do Brasil voltando seu
relacionamento para o exterior, com a inauguração de duas novas dependências no Caribe,
cinco filiais no Extremo Oriente e com expansão de sua representação na África (BANCO
DO BRASIL – REL. ANUAL, 1988).
O Banco do Brasil conseguiu no ano de 1982, autorização para instalar 1.134 novas agências,
principalmente, em remotas regiões do país, dando continuidade a sua política intensiva de
conquista de mercado (BANCO DO BRASIL – REL. ANUAL, 1988).
Em 1983, houve crescente racionalização organizacional e austera política de gastos, em
virtude da expansão do número de agências – 1.134 novas agências –, principalmente, em
regiões mais remotas do país, no ano anterior. Também nesse ano consolidou-se o uso do
saque eletrônico em Brasília, com adesão de 40 bancos comerciais e foi
implementada a compensação nacional
9
. Entraram em atividade os fundos
especiais
10
instituídos pelo Banco do Brasil (BANCO DO BRASIL REL. ANUAL, 1988).
8
Este paradoxo deveu-se a fuga do capital especulativo, fazendo com que a poupança interna decrescesse e a
necessidade por recursos aumentasse para honrar as obrigações com as dívidas (BACEN, 1982).
9
Serviço executado pelo Banco do Brasil de troca de cheques entre bancos (BANCO DO BRASIL – REL.
ANUAL, 1988).
10
Fundos Mútuos de Investimento – funcionam como uma sociedade de investidores organizada por uma
instituição financeira ou por um administrador de recursos. Nesta sociedade, cada investidor entra com o
dinheiro que quiser investir, comprando cotas da carteira que tem o perfil desejado. E depois sai do investimento
vendendo estas cotas, obedecendo aos limites pré-estabelecidos (BANCO DO BRASIL – REL. ANUAL, 1988).
95
Foi realizada, em 1984, oferta pública de 2,9 bilhões de ações do Banco do Brasil, sendo
incorporados 273 mil novos acionistas à sua base acionária em 13 dias. Inaugurou-se, nesse
ano, no âmbito estatal, os primeiros acordos com órgãos classistas dos bancários (CONTEC-
Confederação Nacional dos Trabalhadores nas Empresas de Crédito), dando início à
reabertura de negociação entre empregado e empregador (BANCO DO BRASIL – REL.
ANUAL, 1988).
Neste período de efervescência das reivindicações por parte dos sindicatos, houve um
momento do “passo para trás”, quando se rompeu à barreira do dissídio coletivo por uma
prática que enseja a cooptação do sujeito classista por parte da empresa – o sindicato passa a
negociar em separado as reivindicações dos funcionários do Banco do Brasil –, em virtude da
elite ser encorajada a “ter seus próprios sindicatos independentes, seus próprios seguros saúde
co-financiados pela empresa”, mas tendo, ao mesmo tempo, sua capacidade de negociação ou
de reivindicação limitadas em função do seu isolamento e do seu apego aos privilégios que
lhes são concedidos (LIMA, 1995).
A partir de 1985, ocorreram mudanças na CACEX Carteira de Comércio Exterior para torná-
la mais eficiente na execução da política de comércio exterior (BANCO DO BRASIL – REL.
ANUAL, 1988). As mudanças promovidas seguiam as diretrizes da política econômica do
governo – acionista majoritário – que se voltava para a exportação de produtos objetivando
obter superávit na balança comercial.
Esse contexto obrigou o Banco do Brasil a promover ajustes operacionais, com deslocamento
da atenção para as operações financeiras e de comércio exterior. Com o objetivo de adequar-
se à realidade do mercado mundial, foram desativadas 18 dependências externas, a fim de que
os esforços pudessem centrar-se nas áreas de negócios prioritárias da Empresa. A intenção era
recuperar o espaço perdido pelo Banco do Brasil no sistema financeiro e restaurar a
96
capacidade de contribuição para o desenvolvimento do país. Na área externa, a intenção era
transformar o Banco do Brasil em autêntico Banco Internacional (BANCO DO BRASIL –
REL. ANUAL, 1988).
Em 1985, foi verificado um grande reforço no parque tecnológico, levando o Banco do Brasil
a sair da nona posição para a primeira em capacidade de armazenamento e velocidade de
processamento (BANCO DO BRASIL – REL. ANUAL, 1988). A ocorrência dessa
implementação tecnológica, como apontam Braverman (1987) e Heloani (1996), veio apenas
intensificar a especialização, o ritmo de trabalho e, por conseqüência, a alienação e
insatisfação dos trabalhadores. Seguia-se, assim, a tendência taylorista, onde “a gerência
científica cria o monopólio do conhecimento, através do qual controla cada uma das fases do
processo de trabalho e os modos como o trabalho é executado” (FARIA, 1985a).
Por conta da alienação e insatisfação dos seus funcionários, em função das perdas salariais, o
Banco do Brasil desenvolveu mecanismos compensatórios do tipo incorporação das
gratificações ao salário, empréstimo a juros subsidiados – posteriormente anistiado – e
unificação dos níveis de carreira (BANCO DO BRASIL – REL. ANUAL, 1988). A
introdução dessas “vantagens” funcionava como estratégia de mitificação
11
– crença em uma
organização capaz de preencher todos os desejos e necessidades –, onde vínculo afetivo –
cultura política da dádiva – tem grande relevância, à medida que possui o dom de hipnotizar
os sujeitos que a ela se entregam e que o aceitam como verdade absoluta. A entrega total
causa perda da identidade individual e coletiva, contribuindo para a alienação total do sujeito
ao trabalho sob o controle do capital (FARIA, 2004).
11
Além de acomodar e tranqüilizar o homem em face de um mundo assustador dando-lhe a confiança de que
através de suas ações mágicas o que acontece no mundo natural depende, em parte, dos atos humanos, o mito
também fixa modelos exemplares de todas as funções e atividades humanas. O mito, portanto, é “uma primeira
fala sobre o mundo”, a primeira atribuição de sentido ao mundo, sobre a qual a afetividade e a imaginação
exercem grande papel, em cuja função principal não é explicar a realidade, mas acomodar o homem ao mundo
(FARIA, 2004).
97
Segundo Sales (1994), a cultura política da dádiva pode ser considerada um sistema de
reciprocidade, que tem de um lado o senhor (chefe, comandante, gerente) e do outro o escravo
(subordinado, comandado, funcionário comum). Esta reciprocidade não tem um cunho
democrático, muito pelo contrário, ela afirma o “favor” de uma concessão em troca de
reconhecimento e fidelidade, estando intimamente ligada com o termo “cidadania concedida”.
Assim sendo, a cultura política da dádiva pode ser vista como uma simples troca unilateral,
uma manifestação autoritária, em que o lado dominante dá algo que já pertence, por direito,
ao dominado.
Pode ser traçado, neste período, “um paralelo entre o Banco do Brasil e o Capitalismo de
Estado, onde o lucro foi substituído pelo(s) plano(s)”
12
, mas os funcionários continuavam
sendo objeto de uma administração centralizada e burocrática: tanto os controles sobre o lucro
como os controles sobre o plano geraram formas cada vez mais agudas de repressão.
Constituiu-se em uma teoria não apenas econômica – capitalista –, mas de política e poder
(FARIA, 2004). A condição de lucro já estava garantida ao Banco do Brasil por intermédio da
utilização do mecanismo da Conta-movimento que proporcionava a empresa à utilização dos
recursos do Tesouro Nacional a custo zero, restava a empresa alinhar-se às vontades do
governo e estabelecer e ampliar seu espaço interno de dominação. Assim sendo, emergem e
verificam-se neste paralelo algumas situações que apontam para as manifestações autoritárias
que traduzem a realidade do período.
12
Esta analogia – o pesquisador apóia-se em Sales (1994) – está relacionada à condição do Banco do Brasil
como um banco público replicador das políticas (planos) econômicas implementadas pelo governo e, também, os
favorecimentos oriundos da Conta-movimento, que garantiam o lucro sem esforço – relação de dominação ligada
a “cultura política da dádiva”.
98
III.3. REALINHAMENTO DO PARADIGMA – TRANSFORMAÇÃO DO PODER
(1986-1988)
Em 1986, o processo de transformação organizacional do Banco do Brasil sofreu forte
impacto, quando o CMN-Conselho Monetário Nacional extinguiu a chamada “Conta-
movimento”. Com o Voto do CMN foi facultado ao banco ampliar o espectro de suas
atividades permitindo a entrada em todos os segmentos de mercado. A partir daí, o Banco do
Brasil passou por sucessivas mudanças, com o objetivo de adequar-se às sua nova condição e
de garantir a sua competitividade no mercado.
A primeira vista parece que estamos diante de uma ruptura com o paradigma dominante, mas
as mudanças faziam parte de um realinhamento, caracterizando a transformação como de
natureza incremental. Esta se refere a um distanciamento lógico das ações previstas no âmbito
do planejamento estratégico empresarial, isto porque os ajustes foram concebidos como parte
integrante e inerente ao referido processo. Neste caso, de acordo com Ansoff (1990), parece
oportuno identificar o grau de continuidade ou descontinuidade das transformações
organizacionais, em especial se comparado às estratégias e objetivos previamente
estabelecidos. Isto porque, em se tratando de uma transformação organizacional incremental
esta tende a ser descontínua toda vez que caracterizar ou promover um redirecionamento nos
interesses e/ou nas necessidades empresariais, perante a atuação no mercado, nas tecnologias
prioritariamente adotadas, nos produtos elaborados e nos serviços prestados, que representam
uma ruptura com o modus operandi.
A extinção da Conta-movimento acarretou uma grande mudança ambiental que influenciou,
de forma definitiva, o Banco do Brasil. A extinção fez com que o banco se desvinculasse das
funções de banco central, passando a atuar em regime de competição com os demais
intermediários financeiros.
99
Com o Banco do Brasil de 1986, surgiu, também, uma nova postura estratégica. Naquele ano,
o governo implementou um plano de estabilização, de cunho heterodoxo, denominado Plano
Cruzado, cuja base estava no congelamento de preços, no controle do déficit público e na
desindexação formal da economia. Uma das medidas empregadas para conter o déficit público
foi a extinção do mecanismo que permitia o suprimento automático de recursos do Banco
Central pelo Banco do Brasil (BANCO DO BRASIL – REL. ANUAL, 1987).
Durante o ano de 1985, portanto um ano antes da medida, havia uma conscientização de
alguns dirigentes de que o Banco do Brasil deveria estar preparado para o dia em que fosse
extinta a Conta-movimento e ter seu próprio fluxo de caixa, já que a cobertura do seu caixa
com recursos do Tesouro Nacional não poderia mais existir. Era preciso mudar a mentalidade
do funcionário do Banco do Brasil para a posição de sobrevivência sem os recursos oficiais
(BANCO DO BRASIL – REL. ANUAL, 1987).
Tornava-se evidente que os acontecimentos políticos, sociais e econômicos influenciaram a
mudança de mentalidade, pois o Brasil acabava de sair de uma ditadura militar que se
arrastava desde o golpe de 1964, a sociedade empunhava a bandeira da liberdade e
vislumbrava-se uma melhora econômica com a chegada de um governo civil. Havia a clara
necessidade de se desvincular dos resquícios ditatoriais e paternalistas
13
que se estabeleceram
no Banco do Brasil, não com um adeus, mas com um até logo. Pois, segundo Faria (1985a), as
manifestações autoritárias só trocam de atores, mas permanecem presentes enquanto houver
política e poder nas organizações que possuem a sua essência no capital.
Com a extinção da Conta-movimento do Banco do Brasil junto ao Banco Central, foi alterada
a natureza do relacionamento de ambos e com o Tesouro Nacional. Foi dado ao Banco do
Brasil um prazo de trinta dias para se adaptar à nova realidade. Na verdade, a negociação do
13
A combinação de concentração de poder e personalismo, em maior ou maior grau, tem como síntese o
paternalismo. Ele apresenta duas facetas: o patriarcalismo e o patrimonialismo (PRATES E BARROS, 1997).
100
fechamento da Conta-movimento durou cerca de um ano, e, de acordo com os valores da
época, montava algo em torno de “cinqüenta a sessenta bilhões de dólares”, incluindo todos
os ativos agrícolas do Banco do Brasil e todos os programas típicos da atividade
governamental, tais como os auxílios às secas e a outras catástrofes (BANCO DO BRASIL –
REL. ANUAL, 1987).
O cenário que se apresentava, na década de 80, principalmente, no setor bancário, dizia
respeito as grandes lutas por melhores salários. As mudanças ocorridas no setor, ainda que
associadas às mudanças em nível mundial, expressas pela “mundialização” e pela
“financeirização” do sistema econômico, podem ser consideradas no contexto particular do
país, em que se destaca: o processo inflacionário que dominou a economia brasileira por todo
este período, onde se destacam os altos lucros em função dos spreads. Esta prática colocava a
inflação como a maior aliada dos banqueiros, pois quanto mais alta maior o lucro
(LARANGEIRA, 2000).
A Empresa, que não tinha fluxo de caixa, não conseguia competir no mercado e vivia de
resultados fictícios decorrentes da inflação. Em função da queda da inflação provocada pelo
Plano Cruzado, o Banco do Brasil viu-se exposto, e forçado a promover mudanças profundas.
Não era mais possível esconder suas fragilidades “debaixo do tapete da inflação”.
Com o Plano Cruzado e a partir da perda do fluxo de recursos provenientes da Conta-
movimento, processou-se um trabalho de mudança cultural no Banco do Brasil, já que a
realidade com relação as suas atribuições havia sido alterada, passando, pois, passou a poder
praticar quaisquer operações ativas, passivas e acessórias permitidas à rede bancária, a partir
da resolução do CMN, de 30 de janeiro de 1986 (BANCO DO BRASIL – Comparações
críticas entre os planos econômicos, 1989). Estava enraizada junto ao funcionalismo a
101
“cultura” da sobrevivência sem competitividade, pois os recursos vinham de forma fácil e não
requeriam esforços para a sua obtenção.
Oliveira (2001), através do relato de um entrevistado (nível de diretoria), captou a mudança
cultural que estava em curso no Banco do Brasil. Por meio de uma campanha intensiva de
captação, que ditava uma nova postura e que exigiu um “esforço hercúleo” de conscientização
das pessoas de que deveriam “captar primeiro para depois aplicar”, porque “todo mundo
achava que aplicando captava, como conseqüência”.
A gente saiu pelo País inteiro berrando na orelha dos gerentes que precisava captar.
Exerça a humildade de pedir! Peça! Peça poupança, peça para comprar seguro!
Peça isso, peça aquilo! Peça! Nosso cliente tem tudo para nos dar. Ele só não dá
porque a gente não pede. O cliente pega o nosso dinheiro aqui e vai depositar no
Bradesco. A moça do Bradesco vem buscar na porta. Então, não vamos deixar mais
que isso aconteça (p. 85).
Para sobreviver, a Empresa necessitou mudar sua cultura e alterar seu funcionamento. Não era
mais possível contar com o contexto favorável e esperar que os resultados ocorressem de
forma automática.
O Banco do Brasil sobrevivia, mantinha-se funcionando, em parte, por meio de um
movimento inercial. Movimento inercial em que as coisas eram feitas para cumprir a missão
da empresa, cumprir os objetivos traçados pelo governo, através daqueles que eram nomeados
com esse intuito. Esse movimento inercial sob ponto de vista do resultado financeiro está
diretamente relacionado com a “acomodação” por conta do lucro inflacionário, presente até a
implementação do Plano Real (1994), ou seja, se estenderia pelas 2ª e 3ª etapas em que se
dividiu ente trabalho.
No entanto, o Banco do Brasil sempre foi capaz de enfrentar as incertezas provocadas pelas
adversidades econômicas da história do país, adaptando-se às circunstâncias políticas e
102
superando crises. Essa tem sido a principal característica do Banco do Brasil, desde sua
fundação (BANCO DO BRASIL – REL. ANUAL, 1988). Era o discurso que se promovia.
O paradoxo entre “acomodação” e “adaptabilidade” está diretamente relacionado às relações
de poder. A acomodação refere-se ao indivíduo que sob o efeito da “influência” de uma
determinada generalidade – inflação – via os seguintes fatores: cooptação, capital de relações
sociais – mesmo o de caráter subjetivo – e posição na estrutura hierárquica e tem no caráter
genérico o principal diferencial com relação à adaptabilidade. A adaptabilidade está
diretamente vinculada a um mix de autoridade, partindo sua legitimação de uma norma geral
aceita por todos e pela tradição (FARIA, 1985b). Este mix de autoridade se sustenta sobre dois
pilares, o governo e o próprio Banco do Brasil na figura de alguns funcionários com respaldo
político. O resultado desta queda de braço era de perda para os funcionários e, principalmente,
para a sociedade.
Sustenta-se, também, nesta base a cultura do Banco do Brasil. Utilizando-se o “modelo de
ação cultural brasileiro” (PRATES E BARROS, 1997), que tem como característica um
sistema composto de quatro subsistemas – o institucional (ou formal), o pessoal (ou informal),
o dos líderes e o dos liderados –, verificamos que os “pilares” governo e Banco do Brasil do
mix de autoridade estão representados no subsistema dos lideres, isto porque este subsistema
reúne traços encontrados naqueles que detêm o poder.
Tal fato pode ser visualizado na figura a seguir:
103
Fonte: PRATES, Marco A. S.; BARROS, Betania T. O estilo brasileiro de administrar, p. 59. In: MOTTA, F. C.
P. e Caldas, Miguel (org). Cultura organizacional e cultura brasileira. São Paulo: Atlas, 1997.
Figura 01: Subsistema dos Líderes
(
*
)
mix de autoridade
Impunidade
Liderados
Concentração
do poder
Paternalismo
Postura de
espectador
Lealdade pessoal
Formalismo
Flexibilidade
Evitar
conflito
Personalismo
Líderes
(
*
)
Formal Pessoal
Na dimensão institucional / formal, o que existe é a “concentração de poder”. A seu lado,
surge o extenso personalismo, presente na dimensão pessoal de nossa sociedade. O terceiro
elemento que surge, articulando essas duas dimensões e que dá o perfil do estilo brasileiro de
liderar, é o paternalismo, que está diretamente inserido na cultura do Banco do Brasil.
No que diz respeito à concentração de poder Prates e Barros (1997) observam que
[...] a sociedade brasileira tem se valido, de forma alternativa, da força militar
tradicionalista e do poder racional-legal para o estabelecimento e a manutenção da
autoridade, criando, assim, uma cultura de concentração do poder baseada na
hierarquia / subordinação. “Manda quem pode, obedece quem tem juízo” reflete um
ângulo importante desta cultura (p. 59).
104
Continuava havendo reações e manifestações contrárias às mudanças, principalmente vindas
de segmentos políticos, representados, principalmente, pelos ruralistas, que insistiam em
continuar fazendo uso do Banco do Brasil para “acomodação” de suas políticas. Na época da
perda de Conta-movimento uma coisa que marcou muito o funcionalismo foi à
incompreensão das autoridades governamentais com o que tinha acabado de acontecer, pois
queriam que o Banco do Brasil continuasse a fazer as mesmas operações, sendo que este já
não possuía os recursos a custo zero.
A crise de identidade que se instalou e colocou em cheque a capacidade de sobrevivência da
empresa fez com que o Banco do Brasil fizesse um esforço concentrado para colocar em
funcionamento o sistema de fluxo de caixa que já vinha sendo pensado. O seu funcionamento
fez com que o Banco do Brasil passasse a geri-lo e ter sua liquidez sustentada pela capacidade
de gestão das captações e das aplicações, pois havia muita pressão por parte do governo e da
sociedade que se relacionava com a capacidade da empresa em adaptar-se a essa nova
realidade.
Estes fatos apressaram uma mudança cultural no Banco do Brasil por parte do funcionalismo,
que já se fazia sentir a partir do momento em que eles começaram a fazer planejamento de
“banqueiro”. Para algum pagamento a ser liquidado o recurso teria que estar,
obrigatoriamente, aprovisionado. Não havia mais o mecanismo da utilização da Conta-
movimento para “zeramento” (BANCO DO BRASIL – Profissionalização, out/86).
A partir da extinção da Conta-movimento, mas ainda sem firmar-se no mercado como banco
de múltiplas funções, inclusive sofrendo preses e resistências de clientes de classes
específicas e de políticos e, até, de membros do governo para a continuidade das atividades
típicas de governo, começou a acentuar-se a crise de identidade no Banco do Brasil. Houve
105
dificuldade em entender o papel da Empresa como “banco público” ou como “banco privado”
(BANCO DO BRASIL – REL. ANUAL, 1987).
Desencadeou-se, assim, uma crise sobre a natureza do Banco do Brasil: pública ou privada. O
Banco do Brasil ficou, então, dividido entre ser um banco privado que deveria competir no
mercado ou um banco público com papel de executor de políticas públicas em atividades
típicas de governo.
O Banco do Brasil passou a atuar, a partir daí, com duas visões distintas e/ou contraditórias.
De um lado, um banco comprometido com os objetivos governamentais e com a mobilização
de recursos para impulsionar o desenvolvimento nacional; de outro, uma empresa com feições
mercantis, que necessitava ser rentável e ágil para ocupar posição de destaque no sistema
financeiro.
Enquanto banco público uma questão importante a ser destacada diz respeito, apesar de não
ser exclusivo do banco, à “burocratização originária dos aparelhos estatais, que coloca em
evidência o autoritarismo e neste as relações de poder, a divisão e a exploração do trabalho, o
recalcamento e a repressão” (MOTTA, 1986).
E quanto à transição de “banco público” para “banco privado”, verificou-se, uma quase
impossibilidade. Na realidade a sua sobrevivência dependia de assumir-se, ao mesmo tempo,
como público e privado, arregimentando mecanismos de controle para manter-se
economicamente estável.
A partir desse momento, o Banco do Brasil deixa de ser, de fato, autoridade monetária, já que
havia deixado de ser de direito, desde 1965, apesar da lei ser de 1964, ela entrou em vigor,
efetivamente, a partir de 1º de abril de 1965.
106
O Banco do Brasil, até a extinção da Conta-movimento, era um dos bancos mais lucrativos do
mundo, em função da utilização de recursos a custo zero, originários do Tesouro Nacional. No
próprio ano da extinção da Conta-movimento, o banco apresentou a primeira queda de
rentabilidade (BANCO DO BRASIL – REL. ANUAL, 1988). Isto vinha caracterizar a
necessidade de um realinhamento administrativo.
Houve, a partir de 1986, o “Choque RR do Banco do Brasil”. A primeira vertente do choque
foi o “Choque de Rentabilidade”. A segunda vertente foi o “Choque da Realidade”, em que
foi colocada em cheque a capacidade do Banco do Brasil de continuar como agente de
políticas públicas (BANCO DO BRASIL – Profissionalização, nov/87).
Este “choque” teve diferentes efeitos na cultura do Banco do Brasil, isto porque os recursos
oriundos da Conta-movimento a custo zero transmitiam a falsa impressão de competência, ao
mesmo tempo em que o sentimento de acomodação instalava-se entre os funcionários.
O ambiente de incertezas aumentava as sobrecargas de informação e decisão no Banco do
Brasil. Para Morgan (1996), à medida que a incerteza aumenta, as organizações tipicamente
encontram formas de controlar os resultados – por exemplo, colocando objetivos e alvos – em
lugar de controlar comportamentos – por exemplo, através de regras e regulamentos. Uma das
maneiras encontrada para controlar ou se proteger dessa incerteza foi partir para a conquista
do mercado. Assim, a partir de 1986, o Banco do Brasil passou a viver do seu próprio esforço,
já que não havia mais a utilização “despreocupada” dos recursos oriundos do Tesouro
Nacional.
A empresa reagiu voltando-se para o mercado e inserindo em sua cultura preocupações com o
ambiente externo e, principalmente, com o cliente. O Banco do Brasil passou a preocupar-se
com a gestão financeira do fluxo de caixa. E quem gera caixa, tanto do ponto de vista da
107
movimentação dos passivos e ativos, quanto do ponto de vista do resultado financeiro são os
clientes (BANCO DO BRASIL – Profissionalização, fev/88).
Durante o ano de 1986, criou-se a BB-DTVM – BB Distribuidora de Títulos e Valores
Mobiliários – e sucederam-se lançamentos de produtos, tais como caderneta de poupança,
fundo de investimento em ações, Cheque Ouro Família, Crédito Rápido, dentro de um esforço
de colocação da Empresa em melhor situação competitiva perante os concorrentes privados.
Novos serviços, também, foram agregados para oferecer mais comodidade aos clientes: SAO-
Assistência Opcional e SAD-Sistema de Serviço no local do Domicílio (BANCO DO
BRASIL – REL. ANUAL, 1987).
Ainda em 1986, o Banco do Brasil desenhou um Plano de Ação para ser implementado em
1987. O plano era composto de sete problemas estruturais que precisavam ser resolvidos.
Enquanto não fossem resolvidos, o Banco estaria correndo um sério risco. Os problemas
detectados no plano foram: 1) relação incestuosa com o acionista majoritário – governo – que
ditava atribuições sem respaldo técnico, que provocavam, na maioria das vezes, enormes
prejuízos. Como exemplo os subsídios à agricultura; 2) folha de pagamento impagável; 3) má
formação gerencial, com gerentes despreparados e sem ferramentas adequadas; 4) inversão de
valores em termos de pagamento na carreira funcional. Como exemplo o salário de um caixa,
muitas vezes, acima do salário de um chefe de departamento que, por sua vez, ganhava menos
que os dos bancos concorrentes; 5) defasagem tecnológica; 6) inadimplência; e 7) rede
inadequada (BANCO DO BRASIL – REL. ANUAL, 1987).
A empresa começava a compreender que necessitava sobreviver por meio de um processo
competitivo. Isso mudou a organização, que passou a investir em mecanismos de gestão e de
capacitação interna.
108
O Plano Bresser, lançado em 12 de junho de 1987, “foi um ventinho no Banco do Brasil” já
que não possuía meta de inflação zero e nem tencionava eliminar a indexação da economia.
Assim, nesse ano, o destaque foi a modernização de produtos e serviços, com o contínuo
aprimoramento da “infra-estrutura de serviços” que marca as ações voltadas para atendimento
dos clientes. Houve, ainda, a revisão da estrutura física e de pessoal das agências, das rotinas
de trabalho, da automação e do processo decisório “em busca de aperfeiçoamentos capazes de
assegurar melhores condições para bem servir à coletividade” (BANCO DO BRASIL – REL
ANUAL, 1987, p. 28).
Já em dezembro de 1987 ficou constatado o fracasso do Plano Bresser na tentativa de
estabilização da economia e surgiu o que ficou conhecido como política econômica “feijão
com arroz”, tendo à frente do Ministério da Fazenda Maílson da Nóbrega, originário do
Banco do Brasil. Tal política vigorou até o final de 1988 (BANCO DO BRASIL – REL.
ANUAL, 1987).
O Banco do Brasil ao lançar-se em um mercado em turbulência, em regime de competição,
optou pela implantação da filosofia de administração estratégica, já que a nova realidade
impunha todo um trabalho de mudança de atitudes. Diante disso e para definir o
posicionamento da empresa no mercado, foram constituídas equipes interfuncionais que
formularam a estratégia corporativa da empresa, validada pelo corpo diretivo em 1988 e
subseqüentemente atualizada em 1991, 1992, 1994, 1995 e 2000 (BANCO DO BRASIL –
Profissionalização, dez/2000).
A filosofia predominante na época estava centrada na expansão e crescimento dos serviços
fornecidos a clientes e à comunidade. Para isso foram feitos planos para reestruturação das
agências e CESEC-Centros de Processamento de Serviços e Comunicações, englobando
premissas, pessoas e tecnologia (BANCO DO BRASIL – REL. ANUAL, 1988).
109
Houve, também, a intensificação do trabalho da rede BBNET – sistema de informação interno
–, que foi de grande importância para a automação no Banco do Brasil (BANCO DO BRASIL
– REL. ANUAL, 1988).
Ao voltar-se para uma administração estratégica – “pacote fechado” – o Banco do Brasil
optou por isolar o homem do processo, alienando-o. Segundo Faria (1985a), com relação à
administração estratégica, o que justifica a organização burocrática é a alienação. A oposição
destes momentos implica a negação da alienação através de uma distribuição de poder,
caracterizada pela participação conquistada na gestão da organização. Como as conquistas
não estavam sendo apreciadas e a lógica do pacote fechado era se ter o funcionário a margem
do processo, o autoritarismo se fazia presente. Sendo assim, tem-se que
[...] todo esforço dos teóricos da administração em desenvolver a organização
esconde não apenas uma panacéia gerencialista, mas a real dimensão da dominação
ideológica, mascarada por uma democracia sui generis, isto é, uma democracia cuja
gênese se dá na cúpula, a qual obviamente se compraz em apropriar-se dos
benefícios decorrentes das limitadas outorgas liberalizantes, que ocorrem
independentemente do fato de se estar na presença de uma sociedade hierarquizada
(FARIA, 1985a, p. 194).
Até aquele momento, as iniciativas administrativas e negociais tomadas pelo Banco do Brasil
produziram os efeitos desejados, sem que o Banco recorresse a medidas drásticas, tais como
redução de número de funcionários e fechamento de agências (BANCO DO BRASIL, 1986).
A partir de 1987 teve início ao que o Banco do Brasil chamou o “Processo de Modernização”,
para dar continuidade ao processo de ajustes iniciados no ano anterior. O foco da Empresa
recaiu sobre a solução de problemas estruturais, já que anteriormente o esforço havia sido
centrado na resolução de problemas conjunturais que foram acontecendo.
Implantou-se novo perfil de agências com atendimento personalizado e globalizado do
cliente, com transferência de grande parte dos serviços realizados pelas agências para os
CESEC-Centros de Processamento de Serviços e Comunicações.
110
Este período coincidia com uma intensa atividade política que culminou com a promulgação
da oitava constituição brasileira, em 1988. No campo econômico, houve o agravamento da
inflação que alcançou a indesejável marca de 933% no ano (BANCO DO BRASIL – REL.
ANUAL, 1988), o que levou o governo a reduzir despesas, subsídios e incentivos e a
introduzir aperfeiçoamentos no controle das finanças públicas, com vistas a conter o déficit
orçamentário.
A influência de seguidos ajustes administrativos define a forma como o Banco do Brasil
garantia o cumprimento de sua missão, sua trajetória e seu projeto, mesmo estando atrelado a
influências externas. Com base em Faria (2004), pode-se verificar que ao definir seus
objetivos para construir sua forma de ser, a organização tratou de explicitar as maneiras de
atingi-la. Para tanto, foi necessário a formulação de um sistema de idéias aberto a diversas
interpretações que possibilitassem a manutenção da relação entre trajetória e o projeto da
organização, sua missão e o mito original. O Banco do Brasil não implementava um sistema
democrático, mas um modelo destinado à construção de uma realidade própria.
Segundo Dias (2003), a compreensão sobre mito parte de acontecimentos da vida real que têm
a característica de interessar e comover um grupo de indivíduos da organização “permitindo
que sirvam como guia” na resolução de problemas que se apresentam em seu interior. Os
mitos estabelecem diretrizes do que é adequado ou não para os indivíduos na organização e
possuem a função precípua de manipular o homem para atingir determinado objetivo e, neste
caso pode ser traduzido como o cumprimento da missão da empresa.
A compreensão sobre mito, no que diz respeito à “permissão”, nos remete a Sales (1994),
quando esta aborda o tema raízes da desigualdade e nele trata a cidadania concedida, em cuja
definição reside a manifestação de autoritarismo: “[...] no nosso país ou bem se manda ou
111
bem se pede” e, “está no conteúdo desses dois verbos o significado mais profundo de nossa
cultura política do mando e da subserviência”.
112
III.4. REFORÇO AO PARADIGMA – ALICERÇANDO AS BASES DO PODER
(1988-1995)
A promulgação da Constituição Brasileira, em 1988, trouxe em um de seus artigos um aspecto
muito importante para o mercado financeiro, a desregulamentação. Este artigo trata da
alteração da lei anterior que exigia cartas patentes individualizadas para cada atividade
financeira. Com a nova lei, torna-se possível a uma instituição integrar diversas atividades
financeiras (poupança, crédito pessoal, crédito imobiliário, distribuição de títulos e outros)
dando origem aos chamados bancos múltiplos. Estimulados pela nova legislação, muitas
corretoras e distribuidoras, bem como empresas ligadas ao comércio e grandes grupos
empresariais, constituíram bancos múltiplos (LARANGEIRA, 2000).
Amplia-se, assim, o número de bancos em curto espaço de tempo, aumentando
significativamente a competição e, por conseguinte, a concorrência. Em conseqüência da
crescente competição, os bancos reorientaram suas atividades – voltadas anteriormente,
prioritariamente, para a área financeira e que, diante da concorrência de instituições não
bancárias, tornam-se menos rentáveis – voltando-se para a área de negócios, que inclui
atividades relacionadas à gestão de risco. Na nova concepção de serviço bancário, a área mais
importante das agências passa a ser a “estação de negócios”, ambiente destinado à captação e
à aplicação de recursos (LARANGEIRA, 2000).
A nova constituição trazia, também, um artigo que deliberava sobre a anistia do crédito rural e
isso levou ao crescimento da inadimplência no setor. A anistia do crédito rural afetou de
maneira importante o Banco do Brasil que era o principal banco aplicador nesse segmento de
mercado. A dívida decorrente da anistia foi cobrada do Governo pelo Banco do Brasil e, em
14 de novembro de 1989, foi recebido cerca de um bilhão de dólares. A anistia funcionou
como um alerta e como agente de mudança cultural no Banco do Brasil. O crédito rural era
113
visto como função social, mas só com dinheiro do Governo. O Banco do Brasil não tinha mais
obrigação de subsidiar (BANCO DO BRASIL – REL. ANUAL, 1988).
Em função dessa crise, em 1988, o Banco do Brasil contratou um pool de universidades –
Universidade Federal do Rio, PUC RJ e Universidade de Minas Gerais – para discutirem o
Papel do Banco do Brasil no “Novo Modelo de Crescimento do País”. Daí saíram os subsídios
para levar o Banco para o chamado “mercado bancário amplo”, formado por todos os
produtos e serviços disponíveis às instituições financeiras. Nasce, em outubro de 1988, como
fruto dessa reflexão, o BB-BI Banco do Brasil Banco de Investimentos (BANCO DO
BRASIL – Profissionalização, fev/89).
Os BB-BI, por ser um banco de investimentos, segundo Fortuna (1998), foi criado para
canalizar recursos de médio e longo prazos para suprimento de capital fixo ou de giro das
empresas, tendo como objetivo maior dilatar o prazo das operações de empréstimos e
financiamento, sobretudo para fortalecer o processo de capitalização das empresas, através da
compra de máquinas e equipamentos e da subscrição de debêntures e ações. Este tipo de
banco não pode manter conta-corrente e capta recursos pela emissão de CDB e RDB, através
de captação e repasse de recursos de origem interna ou externa ou pela venda de cotas de
fundos de investimento por ele administrado. Através do BB-BI o Banco do Brasil passou a
atuar em todos os segmentos do mercado financeiro e a fazer parte do mercado bancário
amplo.
Durante o período 1986 a 1989, o contexto era de instabilidade econômica com sucessivos
planos de estabilização fracassados e altos índices inflacionários proporcionando receitas de
floating ao sistema financeiro (BANCO DO BRASIL – REL. ANUAL, 1988). Neste período
verificavam-se duas diferenças básicas com relação ao período anterior. A primeira, e
principal, referia-se ao fim da ditadura militar e; a segunda, ao fim da Conta-movimento. A
114
primeira refere-se à substituição dos atores – retira-se a farda e veste-se o terno – e a segunda,
de natureza econômica, que coloca um ponto final numa má administração do dinheiro
público. Seguindo a linha de Faria (1985b), essas duas diferenças viriam a reforçar as novas
bases do poder sob o ponto de vista da autoridade e da coerção indireta – implícita, sutil e
recalcante – nos seguintes tipos: racional legal e tradicional.
Apesar das sucessivas crises, o Banco do Brasil teve esse período marcado por grandes
realizações, principalmente no campo mercadológico com a expansão, a modernização e a
diversificação de suas atividades. Surgiu uma “nova mentalidade voltada para o mercado” que
passou a orientar a atuação da Empresa (BANCO DO BRASIL – REL. ANUAL, 1988).
Promoveu-se a descentralização de decisões, o que possibilitou aos gerentes e
superintendentes regionais solucionar quase todas as propostas de operações. Foi lançado
novo modelo de agências que, em lugar da tradicional segmentação com ênfase no produto,
adotou nova estrutura que orientou para os tipos de clientes e criou condições para tratamento
mais personalizado (BANCO DO BRASIL – REL. ANUAL, 1988).
Ao lado do esforço de expansão e modernização do atendimento, o Plano Integrado de
Automação de Agências ganhou significativo reforço. Foram realizados remanejamentos
orçamentários que propiciaram recursos financeiros extras para apressar sua implementação.
O sistema on-line expandiu-se e os terminais de transferência de fundos começaram a ser
instalados em estabelecimentos comerciais (BANCO DO BRASIL – REL. ANUAL, 1988).
Na prática, o que ocorreu foi o deslocamento da centralização para os estados, na figura das
superintendências, já que antes era em nível nacional, na figura da presidência. Quanto à nova
postura em relação aos clientes, ou seja, de sua segmentação, efetivou-se a barreira do
preconceito. Este fato se passou à revelia do cliente, sendo-lhe imposto limites de crédito,
115
cartão especial e uma série de outros produtos, de acordo com o seu “novo perfil” de
reciprocidade. A frase que marca o paradigma do setor, “o cliente em primeiro lugar”, foi
reforçada pela seguinte: quanto mais o cliente possa me dar, mais eu farei por ele.
O autoritarismo voltava-se para o cliente via imposição de produtos e serviços seguindo uma
tendência do mercado. Este tipo de coerção é uma combinação do tipo direto – explícito –
com o indireto – sutil. Isto porque, ao mesmo tempo em que o Banco do Brasil obriga o
cliente a se enquadrar nessa nova realidade, ele aumenta a oferta de crédito revivendo, assim,
a “cultura da dádiva” (SALES, 1994), que delineia uma afirmação de poder e dominação.
Weber (1991, p. 33), define o poder e a dominação da seguinte forma: “[...] probabilidade de
impor a própria vontade dentro de uma relação social, mesmo contra resistências, seja qual for
o fundamento dessa probabilidade” e, “a probabilidade de encontrar obediência a uma ordem
de determinado conteúdo, entre determinadas pessoas indicáveis”, respectivamente.
Para Hrebiniak e Joyce (1985), a adaptação organizacional é determinada externamente à
organização, sendo o ambiente o responsável por selecionar as organizações, sobrevivendo
apenas os formatos com variações apropriadas. O ambiente é, então, fator crítico na
determinação das organizações que podem ou não obter sucesso por meio da seleção dos
competidores mais fortes mediante a eliminação dos mais fracos. Assim, a ação gerencial é
limitada e coagida nas organizações que se encontram nesse tipo de adaptação.
Apesar da posição paradigmática conflitiva com a abordada nesse estudo, esses autores
ajudam a perceber a realidade da empresa sob o prisma dominante e enriquecem o
posicionamento crítico no que tange as manifestações autoritárias.
A Figura abaixo ilustra o determinismo ambiental de Hrebiniak e Joyce (1985):
116
Figura 2 – Tipos de escolha estratégica
Fonte: Adaptado de Hrebiniak e Joyce (1985).
Escolha Máxima Diferenciação ou Foco
Adaptação às Condicionantes
Escolha Integral Escolha Mínima
Adaptação por Mudança
Escolha Indiferenciada
Escolha Diferenciada
Seleção Natural
Escolha Estraté
g
ica
Baixa
Al
t
a
Capacidade
de escolha
estratégica
Baixo Alto
Escolha Estratégica Escolha Diferenciada Escolha Indiferenciada
as organizações que
possuem “alto grau de
escolha” e “baixo
determinismo” defendem
que as escolhas estratégicas
determinam os domínios
organizacionais ou as
oportunidades ambientais e
que as condições exógenas
são influenciadas pelas
organizações. A adaptação
estratégica é planejada, o
comportamento é proativo e
há lugar na empresa para a
inovação e a prospecção.
define o tipo de adaptação
em que existe “alta escolha
estratégica” e “alto
determinismo ambiental”.
A existência de regras e
limitações às empresas que
atuam em nichos de
mercado limitados ou às
que atuam em múltiplos
nichos com diferentes
limitações, oportunidades
e concorrência, indica um
contexto turbulento para a
adaptação.
identifica a adaptação
ocorrida com “baixa escolha
estratégica” e “baixo
determinismo ambiental”,
em que a organização
apresenta comportamento
reativo e é forçada a
procurar movimentos em
outro domínio, a fim de
adquirir vantagem no
mercado, por meio do
deslocamento para outro tipo
de adaptação.
Quadro 07 – Tipos de Escolhas Estratégicas
Fonte: Dados da Pesquisa.
Segundo os apontamentos de Hrebiniak e Joyce (1985) pode-se analisar o período como
sendo de “alto determinismo” para o Banco do Brasil e, caracteriza-se pelo elevado grau de
117
regulamentação, tanto no que se refere às características dos produtos, quanto aos níveis de
performance, às exigências de capital e pressões legais e quanto aos meios de conduzir os
negócios. A indústria bancária apresenta essas características e, nesse período, exibiu fatores
determinantes dessa condição, tais como o Voto 045 do Conselho Monetário Nacional
14
,
alterando o desenho do Sistema Financeiro e a regulamentação dos “Bancos Múltiplos”.
Além do “alto determinismo”, as condições ambientais, nesse período, não proporcionaram
liberdade de escolha ao Banco do Brasil, o que caracteriza o processo de adaptação como
“Seleção Natural”. A Conta-movimento foi extinta e facultada à empresa Banco do Brasil a
prática dos produtos e serviços bancários adotados pelas outras empresas do setor, que
acabaram sendo regulados pela legislação dos “Bancos Múltiplos”. Coube ao Banco do
Brasil, apenas, escolher a velocidade de introdução desses novos negócios (HREBINIAK E
JOYCE, 1985).
A escolha estava condicionada às pressões políticas e governamentais que, apesar da extinção
do mecanismo de ajuste automático de caixa, continuavam, durante esse período, a exigir do
Banco do Brasil posição de banco de governo, o que limitou e até coagiu a ação gerencial.
Segundo Bowditch e Buono (1997), o “modelo do Stakeholders” – de Mintzberg – ou de
interessados na organização, reconhece que as exigências sobre as organizações empresariais
crescem continuamente e inclui uma variedade cada vez maior de grupos de interesse na
organização. Um interessado na organização é qualquer grupo ou indivíduo que possa afetar
ou ser afetado pelo desempenho da organização em termos de seus produtos, políticas e
processos operacionais.
14
O Voto 045 do CMN, de 30.01.86 eliminou o mecanismo de nivelamento automático das reservas do BB no
BACEN; o congelamento dos saldos da Conta-movimento viria a ocorrer em 28.02.86, quando do lançamento do
plano cruzado (BANCO DO BRASIL – Rel. Anual, 1988).
118
A figura abaixo representa o modelo do Stakeholders de Mintzberg (1983), que associa os
integrantes da coalizão externa e os membros da coalizão interna da organização.
Figura 3 – Stakeholders, organização e coalizão interna
Tecnoestrutura
Presidente
Apoio
Gerentes
Operadores
AMBIENTE
ORGANIZA
Ç
ÃO
COALIZÃO INTERNA
Proprietários
Clientes
Governo
Concorrentes
Fornecedores
Ideologia
Sindicatos
ONG
Fonte: Adaptado de Mintzberg (1983).
O “stakeholder”, segundo o modelo de Mintzberg (1983) que mais influenciou a mudança do
Banco do Brasil, de “autarquia de crédito”, para “banco de mercado” foi o governo, por meio
da alteração da regulação das funções da Empresa.
119
No caso específico, o governo era, também, o dono, já que detinha o controle acionário da
empresa, acumulando, então, o papel de governo e de proprietário no modelo de stakeholders
da Organização. Também a “coalizão interna” interferiu nas escolhas feitas pelo Banco do
Brasil e nas negociações após a extinção da Conta-movimento. Os “chefes de departamento”
tiveram grande influência nas principais decisões tomadas pela Diretoria e pelo Presidente da
Instituição, naquele período (BANCO DO BRASIL – REL. ANUAL, 1989).
Foi um período de profundas mudanças na área econômica com determinação do Governo de
combater a inflação e de promover a modernização da economia, provocando a
implementação de medidas, tais como a reforma administrativa do Estado, a adoção de
política fiscal marcada pela austeridade e a restauração dos instrumentos básicos de controle
monetário. Em virtude da política econômica restritiva, ocorre neste momento um
afastamento momentâneo do governo nas decisões de cunho financeiro do Banco do Brasil.
Em 1989, continuou o esforço de adaptação e mudança da filosofia de trabalho (BANCO DO
BRASIL – REL. ANUAL, 1989).
O desmonte da máquina federal afetou profundamente o Banco do Brasil.
O Banco do Brasil passou pelo Plano Verão, de 14 de janeiro de 1989, “sem maiores sustos”
(OLIVEIRA, 2001, p. 48), apesar da reforma monetária que culminou com a instituição do
cruzado novo como unidade básica do sistema monetário.
Os resultados financeiros do Banco do Brasil foram modestos no ano de 1989, pelos seguintes
motivos: a indexação dos empréstimos
15
à taxa de 28,8%, enquanto a inflação foi de 70,3%; a
mudança nos critérios de contabilização da correção monetária; os créditos inadimplidos; o
crescimento anormal do número de empréstimos atrasados, com perda de receita e
15
A indexação das taxas de empréstimo tinha como objetivo retirar o dinheiro do mercado para conter a inflação.
Essa medida foi implantada por Funaro – Ministro da fazenda do governo Sarney (BACEN, 1989).
120
necessidade de provisões e o impacto causado pelo reajuste salarial dos funcionários, por
causa da indexação dos salários à inflação (BANCO DO BRASIL – REL. ANUAL, 1989).
Sobre o Plano Verão, Mantega (1989) fez a seguinte analise:
[...] Agora, o governo Sarney, com seu pacote híbrido, um tanto ortodoxo, um tanto
heterodoxo, que abriga discursos pretensamente privatistas, traz a público o mito do
neoliberalismo à brasileira. Ocorre que a burguesia nacional, que se submete à
cartilha do FMI, é incapaz de levar a termo os projetos de inspiração liberal. Vale
conferir, à luz do plano verão, as evidências deste fato, [...] ao misturar
argumentação neoliberal com o instrumental heterodoxo conservador, o plano
verão constitui uma amostra do que representa uma das principais vertentes
ideológicas da sociedade brasileira. Este plano abre discussão sobre a sucessão
presidencial e revela, na prática, os ingredientes da corrente neoliberal que aspira
perpetuar-se no poder.
O Banco do Brasil, na busca de modernização e diversificação de atividades, colocou ênfase
no projeto de administração estratégica para a obtenção de harmonização dos esforços da ação
administrativa e das decisões negociais em sintonia com seus objetivos. A Direção Geral da
Empresa em 1989 foi reestruturada e medidas foram adotadas para promover eficiência, com
o fechamento de oito superintendências regionais e a criação de setores para cuidar de
assuntos com o Tesouro Nacional, segurança e prevenção, marketing e recuperação de crédito
(BANCO DO BRASIL – REL. ANUAL, 1989).
Johann (2004) aponta que, definida a importância da estratégia da construção de um “novo
modelo social”, deve-se ter em mente que o grau de dificuldades na implantação das
mudanças culturais será tão elevado quanto a lacuna que existir entre os preexistentes e aquele
almejado. Com esse vácuo cultural, pode não haver quem filtre ou decodifique
adequadamente os valores emergentes do ambiente externo, da sociedade que espera serviços
de qualidade da organização. Nesses casos, é muito comum à cultura fechar-se em si mesma,
com seus membros pactuando mecanismos que tragam vantagens para si e para seu grupo, e
não para os clientes externos. Sendo assim,
121
[...] a ausência de foco no mercado pode levar a uma cultura da pessoa,
denominação usada para caracterizar o voltar-se para dentro, em que o indivíduo
passa a se servir da estrutura e dos recursos organizacionais. E mesmo que alguns
poucos idealistas tentem reverter essa imagem negativa, a possibilidade de
alternância político-partidária acaba sedimentantando um dos mecanismos mais
perversos e disfuncionais ainda presentes nas organizações públicas: a paralisia
gerada pelo efeito Orloff do “lembre-se: eu posso ser o seu chefe amanhã”
(JOHANN, 2004, p. 13).
Ao final de 1989, o Banco do Brasil configurava-se como um virtual conglomerado, com
subsidiárias atuando nos segmentos de distribuição de títulos e valores mobiliários, crédito,
financiamento e investimento, leasing, corretagem de seguros e administração de cartões de
crédito. A fim de racionalizar custos, os recursos humanos e materiais foram compartilhados
por todas as empresas do grupo, numa estruturação operacional assemelhada à dos bancos
múltiplos. No entanto, com o esgotamento dos efeitos de estabilização dos planos
econômicos, o Banco do Brasil voltou a acomodar-se aos lucros fáceis e perdeu um pouco de
sua agilidade no mercado. O retorno da inflação entorpece de novo a empresa, face aos
ganhos inflacionários (BANCO DO BRASIL – REL. ANUAL, 1989).
A escolha organizacional praticada pelo Banco do Brasil, aproxima-se da “Seleção Natural”,
na tipologia de Hrebiniak e Joyce (1985 – fig. 2), em que há “alto determinismo ambiental” e
“baixa capacidade de escolha”.
Por outro lado, a ilusão de que as organizações e seus processos são objetos “naturais” e
respostas funcionais para “necessidades” as protegem de serem examinadas, na qualidade de
terem sido produzidas sob condições históricas específicas – que, potencialmente, estão
passando – e considerá-las fora de relações de poder específicas (MORGAN, 1996). Com as
oscilações do ambiente externo criou-se uma espécie de blindagem onde as relações Banco do
Brasil e governo foram amortecidas.
122
Assim, ao estabelecer-se um diagnóstico para um doente terminal (portador de câncer)
apontando que as causas são “naturais”, é o mesmo que assumir o “complexo de avestruz” e
fazê-lo ignorar que na sua origem reside a principal causa. Isto não quer dizer que se trata da
“personificação da cultura” (JOHANN, 2004), ou que venha provocar o efeito Orloff, mas sim
de uma realidade que não pode apenas ser explicada pelo mercado. O determinismo ocultado
pelo processo natural é uma manifestação tão autoritária quanto os processos diretos do tipo
“manda quem pode, obedece quem tem juízo”.
Nesse período, em função da instabilidade econômica, dos freqüentes planos de estabilização
e das altas taxas de inflação, o Banco do Brasil, assim como os demais bancos, voltaram a
usufruir receitas inflacionárias decorrentes da defasagem de recebimentos e repasses de
recursos de terceiros e da utilização de aplicações financeiras em detrimento de financiamento
da atividade produtiva.
Ainda sobre o modelo de Tipos de Escolha Estratégica (HREBINIAK E JOYCE, 1985) e a
sua justificação pela “Seleção Natural” no período. Segundo Alvesson e Deetz (1999), é
recomendado examinar a naturalização no momento presente, pois ajuda a expor a inter-
relação estrutural das forças institucionais, os processos pelos quais sua natureza arbitrária é
ocultada e, conseqüentemente, fechada para discussão, não permitindo, daí, abertura à
participação, tampouco a críticas, ou seja, o modelo não se reduz apenas a “Seleção Natural”,
pois se trata, apenas, de mais uma variável a ser analisada no ato do acontecimento.
Sendo assim, com relação à negociação da Conta-movimento, pode ser notada a inter-relação
estrutural das forças institucionais estabelecidas entre governo e Banco do Brasil, mas com
pouca margem de manobra para o segundo, no que diz respeito ao reconhecimento da nova
condição imposta pela legislação. Na “análise do momento” (ALVESSON E DETZ), a
retirada das atividades de autoridade monetária foi devido às forças ambientais que
123
impuseram a transformação do Banco do Brasil em banco de “dupla personalidade” do tipo
público e privado.
Miles e Snow (1987), na particularidade de seu paradigma, desenvolveram o “Ciclo de
Adaptação Estratégica” que consiste numa filosofia geral do comportamento organizacional
em que os três problemas adaptativos encontram-se intrinsecamente entrelaçados. Esses
“problemas” são definidos por eles da seguinte forma:
[...] Problema Empresarial: refere-se à definição concreta do domínio
organizacional, ou seja, um produto ou serviço específico e um mercado-alvo ou
segmento de mercado a ser atendido e a respectiva alocação de recursos para esse
domínio.
Problema de Engenharia: envolve a criação de um sistema ou desenvolvimento de
uma tecnologia que traga respostas ao problema empresarial.
Problema Administrativo: refere-se à redução de incertezas dentro do sistema
organizacional ou a racionalização e estabilização de atividades que resolveram
com sucesso problemas da organização durante a fase empresarial e a de
engenharia (p. 52).
A figura a seguir dará uma idéia sobre este ciclo:
124
Figura 4 – O Ciclo de Adaptação Estratégica
Fonte: Adaptado de Miles e Snow (1978).
O problema empresarial
Escolha do domínio
produto-mercado
O problema de
engenharia
Escolha de tecnologias
para a produção e
distribuição
Seleção da área para
inovação futura
O problema administrativo
Racionalização da
estrutura e
p
rocessos
Segundo o ciclo adaptativo (MILES E SNOW, 1978), no que tange o “Problema Empresarial”
do Banco do Brasil no período, a questão mais relevante foi manter um conjunto estável de
produtos e consumidores diante da mudança ambiental que lhe retirou parte de suas
atribuições e lhe permitiu novas possibilidades de compor outros domínios produto-mercado.
Esse foi o primeiro embate interno: a aceitação da nova realidade.
A solução acabou sendo a manutenção do domínio produto-mercado, mantendo-se o foco no
cliente, uma vez que os novos produtos e serviços passaram a ter expressividade apenas nos
períodos subseqüentes, havendo certa conservação da tradição anterior por todo esse período
de contato com a nova realidade, ou seja, estende-se – por certa inércia – a posição anterior.
125
Também teve início o processo de automação do Banco do Brasil, na busca da eficiência,
evidenciando, embora de forma discreta, a importância do “Problema de Engenharia” no
período, descrito no Ciclo de Adaptação Estratégica apresentado por Miles e Snow (1978).
Com relação ao “Problema Administrativo” ele surgiu como conseqüência da não orientação
da empresa para o mercado e para o cliente, que culminou na adoção da filosofia de
administração estratégica. Esta se desenvolve, sem perder de vista as atitudes e a ação
gerencial na implementação das estratégias formuladas e que foram observadas nos modelos
estratégicos adotados.
Ao final da década de 1980, o Banco sinaliza ter encontrado uma nova identidade, através da
introdução, em suas práticas empresariais, de modelos de gestão e processos voltados para o
mercado e, da sua maneira, não se descuidando do cliente. Esta postura parece pôr fim a sua
crise de identidade, com a opção recaindo sobre o banco de mercado em detrimento do banco
público.
A partir do momento em que o Banco do Brasil volta-se, apenas, para modelos baseados no
mercado, fica caracterizado que ele
[...] opta por não abordar a questão do poder social e da intervenção humana, não se
interessando, também, pelas mudanças organizacionais em função de lutas de poder
entre os atores sociais e as formas de dominação que eles legitimam, advindas do
modelo (CLEGG, HARDY & NORD, 1999).
Uma das maneiras de fortalecer a Empresa eram as aplicações que o banco acreditava saber
fazer bem, principalmente no que diz respeito aos empréstimos agrícolas, dada a sua tradição
no mercado. Então, a Empresa lançou-se no mercado por meio do “Projeto Número Um” com
objetivo de conquistar a liderança na sua categoria. Este acabou por ser o maior fracasso da
empresa no período. O Banco do Brasil lançou-se, sem um planejamento prévio, num
126
movimento de aplicação, aumentando os recursos destinados a operações de crédito em cerca
de 40% (BANCO DO BRASIL – REL. ANUAL, 2000).
O Banco do Brasil tratou o “Projeto Número Um” como uma resposta ao mercado, uma
imposição, contrastando-o com os enfoques tradicionais/clássicos de planejamento. Para
Morgan (1996), essa tendência a impor objetivos, metas e alvos, não permite vislumbrar a
importância da inteligência e da direção que podem emergir do processo organizacional
corrente, ou seja, um aprendizado ajustado às características da empresa.
As condições do mercado, aliadas ao despreparo do Banco do Brasil em garantir condições de
retorno das operações de crédito, levou-o a uma situação de profunda vulnerabilidade, dada a
alta taxa de inadimplência que ocorreu no período. As aplicações cresceram, mas disparou a
taxa de inadimplência, colocando em risco a sobrevivência da Instituição. Este foi o ponto
mais vulnerável da história recente do Banco do Brasil, que culminou com uma grave crise de
liquidez (BANCO DO BRASIL – REL. ANUAL, 1990).
Em termos da cultura organizacional, esta lógica mostra que o Banco do Brasil ainda não
havia superado a dependência dos recursos do Tesouro Nacional a custo zero, já que
anteriormente, quando os empréstimos não eram honrados havia o mecanismo da emissão de
moeda para cobrir o déficit da sua carteira. Para Johann (2004, p. 30), isso pode ser traduzido
nas “prisões psíquicas, onde a alma organizacional mostra inflexibilidade e está enredada em
armadilhas geradas pelo sucesso em tempos passados”. Pressupostos falsos, regras sem
questionamento e acomodação são algumas dessas armadilhas cognitivas. Essas
características são comumente aplicadas nos processos autoritários, que tem nas suas
manifestações sua funcionalidade.
127
Além disso, em grande medida os estudos do lado “humano” das organizações – clima,
enriquecimento do cargo, qualidade de vida no trabalho, programas de participação do
trabalhador e cultura – têm sido transformados de fins alternativos para novos significados a
serem colocados sob o controle técnico, de modo a servir aos interesses do grupo dominante
da corporação (ALVESSON, 1987).
Com os fracassos registrados e a necessidade de diminuir o impacto salarial nas suas
despesas, promoveu-se um conjunto de demissão, rescisões de contratos de trabalho, dispensa
de menores estagiários e contratados por tempo determinado e aposentadorias, que contribuiu
para a redução de 15.739 funcionários de março a dezembro de 1990, representando
diminuição de 10% com relação ao ano anterior (BANCO DO BRASIL – REL. ANUAL,
1990). Foi introduzido novo Plano de Cargos Comissionados que unificou, criou e extinguiu
funções, visando privilegiar uns poucos “escolhidos” em detrimento de uma grande maioria
que se ligaria a essa massa de excluídos.
Ainda em 1990, a Empresa criou o Banco do Brasil Business Card – Padrão Visa – o cartão
internacional do Banco do Brasil destinado a empresas exportadoras, para cobertura de gastos
efetuados por seus dirigentes ou funcionários, no exterior e no País, em viagens a negócios,
serviço ou treinamento. Também a função marketing começou a se destacar no Banco do
Brasil, a partir dessa época, principalmente, no que se refere às ações de promoção de
esportes, principalmente, vôlei e tênis (BANCO DO BRASIL – REL ANUAL, 1990).
Houve certa resistência, por parte dos funcionários, às mudanças, principalmente no que diz
respeito às novas exigências do perfil profissional para se trabalhar no Banco do Brasil.
Exigia-se do funcionário uma qualificação constante, com cursos internos, como matemática
financeira, contabilidade, administração, economia e cursos externos, que eram desde cursos
superiores direcionados ao objetivo fim da empresa, até os de pós-graduação.
128
Para o “novo” profissional havia apenas duas alternativas, ou se adequava, ou estaria alijado
do processo de crescimento interno. Isso fez com que as resistências iniciais fossem
substituídas pelo engajamento da maioria dos funcionários ao modelo proposto.
O ano de 1991 representou tempo de intenso trabalho para o Banco do Brasil na consecução
de seus objetivos, mas os resultados mostraram-se compatíveis com as possibilidades
oferecidas pelo mercado bancário e pela conjuntura econômica, ou seja, com o advento do
Plano Collor. Para Carvalho e Oliveira (1998, p. 261), “a situação dos bancos públicos
tornou-se quase insustentável, face à má qualidade de seus ativos e à incapacidade de seu
principal acionista em aportar recursos para capitalização”.
Neste mesmo ano, o Banco do Brasil continuava na busca da atualização tecnológica e da
ampliação e aperfeiçoamento do leque de produtos e serviços, no sentido de obter os recursos
necessários ao cumprimento da sua missão de “instituição financeira comprometida com o
desenvolvimento nacional” (BANCO DO BRASIL – REL. ANUAL, 1991, p. 9).
Neste sentido, Alvesson e Willmott (1996) chamam a atenção em seus estudos críticos da
organização para a forma dela ser vista como poder colonizador e controlador da sociedade,
advogando através da imposição de seus valores o consumismo e o dinheiro como parâmetro
para tomada de decisão política individual e coletiva. Neste chamamento verifica-se a
verdadeira face do autoritarismo agindo através do que Marx (1978) chama de “processo
capitalista de acumulação”.
Foram lançados o OuroCard Internacional, primeiro cartão de crédito com validade
internacional emitido no Brasil, o Fundo-Ouro de Aplicação Financeira que substituiu a antiga
Conta-Ouro e o Ouro Vivo, representado por barras circulares de ouro destinadas a
poupadores e colecionadores. Foi preparado o lançamento do Travellers Cheque Banco do
129
Brasil, o primeiro da modalidade a ser emitido por um banco brasileiro (BANCO DO
BRASIL – REL. ANUAL, 1991).
O conjunto da sociedade não se beneficiaria com essas medidas já que foram adotadas para a
conquista do segmento médio/alto da população, onde “homens ricos e homens pobres são
iguais perante a lei e desiguais de fato”. Enquanto os mais favorecidos detêm os meios de
produção e apropriam-se do excedente de trabalho que estes proporcionam, outros,
possuidores somente de sua força de trabalho, vêem-se apartados dos seus frutos (MARX E
ENGELS, 1993).
Continuava o processo de redução do quadro de pessoal e em 1991, o número de funcionários
foi diminuído em 6.420 pessoas. E depois de sete anos sem contratação de pessoas, o Banco
do Brasil abriu seleção externa e recebeu mais de um milhão de inscrições de candidatos
(BANCO DO BRASIL – REL. ANUAL, 1991). Mas, pela primeira vez em 83 anos, um
concurso público do Banco do Brasil foi alvo de fraude e necessitou ser anulado, ensejando
suspeitas quanto à reputação de lisura que acompanhava a empresa durante todo esse tempo.
Também em 1991 foram modernizadas as relações entre capital e trabalho, com a
incorporação da participação dos funcionários nos lucros da empresa (PLR-Participação nos
Lucros e Resultados), no dissídio coletivo desse ano (BANCO DO BRASIL – REL. ANUAL,
1991). Dessa forma, a empresa foi suficientemente hábil para encontrar medidas que
satisfizesse os “colaboradores”, assegurando, assim, a paz organizacional e, dissipando,
porventura, alguma resistência (LIMA, 1995).
Ou seja, a PLR viria funcionar como um mecanismo de defesa tanto no aspecto econômico
como no psicológico. A empresa economizava porque aqueles recursos não se incorporariam
aos salários e seriam pagos apenas uma vez e, por sua vez, os funcionários se sentiriam
130
agraciados por receberem o quinhão daquilo que eles produziram. Marx (1978), não havia
captado mais esta sutileza do capitalismo, o da apropriação do excedente por parte do
capitalista com sua distribuição ao trabalhador, que funcionou como benéfico e como
simbólico. Assim, o capitalismo lança mão de mais um mecanismo autoritário de dominação.
Após 14 anos, o Banco do Brasil volta a promover chamada de capital com finalidade de
ampliar o potencial de atuação no País e no exterior e acelerar a informatização da rede de
dependências (BANCO DO BRASIL – REL. ANUAL, 1991).
O ano de 1992 foi o da priorização do Programa de Qualidade Total, cujo objetivo era
alcançar excelência na prestação de serviços, por meio do controle da qualidade com o
conseqüente aumento dos negócios (BANCO DO BRASIL – REL. ANUAL, 1992).
A introdução do CCQ-Círculo de Controle de Qualidade pelo Programa permitiu ampliar a
exploração da força de trabalho, apesar de ser introduzido como uma forma democrática de
gestão. De acordo com Faria (1985a, p. 182), “como todas as demais técnicas, esta também
não passa de um logro para os trabalhadores que são convencidos a aderir à nova estratégia do
capital para aumentar e ou mesmo manter a apropriação do trabalho não pago” e, de forma
mais abrangente, continua o autor:
[...] de Taylor a Ouchi, ou de A a Z, a essência da Teoria Geral da Administração
permanece imutável: é sempre, em qualquer dos enfoques, uma teoria da gestão
autoritária das organizações. A teoria administrativa aparece, destarte, como a
própria teoria do autoritarismo nas organizações (p. 184).
Durante 1993 a meta principal da administração do Banco do Brasil era transformar a
organização em empresa moderna e competitiva, aumentar a liquidez e expandir a
rentabilidade, condições básicas para o fomento do desenvolvimento econômico e social do
País e a remuneração adequada do capital dos acionistas (BANCO DO BRASIL – REL.
ANUAL, 1993).
131
E ainda, construir nova estrutura capaz de proporcionar atendimento de qualidade aos
clientes, assegurar novas fontes de recursos para o desenvolvimento, garantir a solidez dos
ativos e buscar investimentos mais rentáveis (BANCO DO BRASIL – REL. ANUAL, 1993).
Da mesma forma, perseguiu-se desenvolvimento tecnológico e de pessoal, eliminação de
desperdícios e de despesas, que não concorriam diretamente para os resultados financeiros, e
combate à inadimplência. Tinha no funcionário o provedor dessas metas.
As metas “demonstravam a velha combinação de realização e exploração”, onde se assumia o
trabalhador como principal peça da engrenagem, ou seja, manipulável – através do aumento
da jornada de trabalho – a ponto de sentir-se grato por ter sido o escolhido. Por isto,
compreendia-se a organização como forma de dominação, onde a busca dos objetivos de
poucos – acionistas – através do trabalho de muitos, permanecia cada vez mais viva
(MORGAN, 1996).
No período 1993 e 1994, o Banco do Brasil reagiu às exigências do mercado, ou seja, de
maior participação, mas sua resposta era apenas de natureza econômica e não financeira. A
empresa aumentava sua base de clientes, mas não tinha resposta financeira, não tinha
lucratividade. Era a continuação do processo de levar o Banco do Brasil para o chamado
mercado financeiro amplo, ou seja, atuar em todos os setores no qual o mercado bancário já
atuava. Configurou-se, daí, o chamado “Choque de Mercado”, que começou em torno de 1989
e durou até mais ou menos 1994.
O Banco do Brasil descobre que não está preparado para a competição. E um dos itens mais
vulneráveis nessa capacidade de competir era a incapacidade de entender o cliente como dono
da Empresa. O cliente era visto como pretendente de crédito. O Banco era doador de recursos.
E os funcionários eram soberanos de uma corte particular (BANCO DO BRASIL – O
BANCO DO BRASIL NA HORA DA VERDADE, 1996).
132
Verificou-se no período do “Choque de Mercado” que existiam internamente resquícios da
época da ditadura militar, onde os funcionários, apesar de já não mais usufruírem altos
salários, permaneciam vivendo de um falso “status” perante a sociedade. Guiavam-se, assim,
por uma máxima capitalista que preconiza o “eu sou pelo que tenho”.
Veloso (2000, p. 102) capta esse sentimento através de um entrevistado, de nível de gerência,
que assim o descreve: “[...] trabalhar no Banco do Brasil tinha aquele ‘status’. Eu era uma
pessoa extremamente necessária. O meu ‘status’ era aquele do prefeito da cidade, do
delegado, seja lá o que fosse”.
No início de 1994, diante das perspectivas de introdução do Plano Real na economia, com
forte alteração no quadro de estabilidade econômica, e forte impacto na liquidez das
instituições financeiras, o Banco do Brasil limitou-se a constituir um “colchão de liquidez”
que o ajudaria a atravessar a crise. As mudanças necessárias não foram feitas e a única ação
desenvolvida foi a formação de reserva financeira que iria ajudar o Banco do Brasil a
atravessar a crise de liquidez que se formava, em função da perda dos ganhos de floating
inflacionário (BANCO DO BRASIL – REL. ANUAL, 1999).
Em função de uma nova realidade que se avizinhava e, também, por possuir uma estrutura em
que seus membros não tinham os recursos protegidos para verificar a verdade, a legitimidade,
a sinceridade, ou a clareza das alegações feitas pelas estruturas estabelecidas de autoridade –
sistema de controle –, havia uma certa acomodação do e no Banco do Brasil. Utilizando
conceitualmente Clegg, Hardy e Nord (1999), esta acomodação pode apresentar cunho
dogmático em vez de aprendizado social, tirania em vez de autoridade, manipulação em vez
de cooperação, e desordem em vez de sensibilidade, já que estas inversões de valores
desenhavam a estrutura autoritária da organização.
133
O Plano Real, introduzido na economia em julho de 1994, deu início a amplo processo de
reformas estruturais no setor financeiro, em função da perda das receitas de float pelas
empresas do setor, decorrentes da estabilização econômica e da queda da inflação (BANCO
DO BRASIL – REL. ANUAL, 1994).
A expansão das operações de crédito, por parte das instituições financeiras, foi a forma mais
utilizada, no início do processo de ajuste, para compensar as perdas inflacionárias. A
expansão das operações de crédito, sem os devidos cuidados com a capacidade de pagamento
dos tomadores, aumentou a vulnerabilidade dessas instituições. O resultado foi o crescimento
dos empréstimos de liquidação duvidosa (MINISTÉRIO DA FAZENDA, 1997).
A partir do Plano Real, as instituições financeiras passaram a operar em quadro extremamente
adverso, com encolhimento do tamanho do mercado
16
, redução drástica das receitas de
floating e o rigor da política monetária. Os bancos particulares adaptaram-se à nova realidade,
fechando agências e cortando pessoal, o que foi mais complexo para o Banco do Brasil.
Assim, começou o desafio da empresa de ajustar-se às condições de uma economia
estabilizada (BANCO DO BRASIL – REL. ANUAL, 1994).
O ambiente interno do Banco do Brasil era de abertura para o mercado, sinalizando, naquele
momento, que a crise de identidade (público versus privado) estava superada no plano do
discurso e na efetividade de algumas ações. Por outro lado, verificava-se uma forte crise de
liquidez provocada pela perda de floating decorrente do estancamento do processo
inflacionário.
Mudou-se a filosofia de atuação dos funcionários administradores de ponta, de meros
representantes do Banco “em funções burocráticas e sociais”, para “homens de negócio”
16
O aumento do percentual de recolhimento compulsório dos bancos ao BACEN e as altas taxas de juros, são
fatores que contribuíram para o “encolhimento do mercado” (BANCO DO BRASIL – REL. ANUAL, 1994).
134
(BANCO DO BRASIL – REL. ANUAL, 1990, p. 5). Na realidade, a nova identidade
assumida já se fazia presente e o seu reflexo recaiu sobre e intensificação da qualificação dos
funcionários e a criação de novos instrumentos de avaliação de desempenho (seria adotado o
tipo 360º), que se distingue por ser do tipo ato contínuo, onde as funções de avaliador e
avaliado sofrem alternância. A conseqüência imediata foi a reavaliação do desempenho dos
titulares das Superintendências Estaduais, com rodízio e substituição dos administradores por
funcionários mais sintonizados com as novas diretrizes (BANCO DO BRASIL –
Profissionalização, set/90).
Ainda em 1994, o Banco do Brasil investiu maciçamente em automação (BANCO DO
BRASIL – REL. ANUAL, 1995).
Na área de recursos humanos, três fatos principais se destacaram no ano de 1994:
modernização da política de pessoal; recuperação do Plano de Cargos e Salários, embora
permanecessem as defasagens com relação aos salários praticados antes do Governo Collor; e
Programa de Treinamento para Altos Executivos, em convênio com diversas universidades e
escolas no País.
Cabe salientar, que o perfil do novo bancário, neste mesmo período, volta a ser o de um
profissional, tal como havia sido até os anos 60, mas com características próprias, ditadas pelo
tempo. O novo profissional deveria ser especializado em vendas, necessitando de
conhecimentos sobre mercado financeiro, sobre utilização de software (que permitem a
utilização de recursos como simulação de negócios), de matemática financeira, além da
aquisição de atitudes e comportamentos relacionados ao “saber-vender”. As funções do
bancário são ampliadas, na medida em que se enfatiza a polivalência e se desestimula a
prescrição de tarefas, já que as rotinas são informatizadas. O perfil do novo bancário é,
portanto, traçado a partir da ênfase na capacidade de lidar com tarefas não prescritas e com
135
limites pouco definidos, contrariando a exigência anterior, quando as atividades eram
claramente delimitadas pelo manual de tarefas. “Uma mudança significativa diz respeito à
forte redução do trabalho burocrático e menos qualificado, expresso pela redução do número
de escriturários que chega a 53% em quatorze anos” (ABREU & SORJ, 2000, p. 6).
Durante o período 1990 a 1994, passados os efeitos do Plano Collor com “enxugamento” da
liquidez e perda de floating, o setor financeiro sofreu as conseqüências do Plano Real, com a
estabilização econômica e conseqüente redução de sua participação no PIB-Produto Interno
Bruto.
Assim, o Banco do Brasil continuou sua trajetória de entrada em novos negócios, lançamento
de novos produtos e constituição de novas empresas.
Na tipologia de Faria (1985b), a escolha organizacional, no entanto, ocorreu pelo emprego da
“autoridade na forma legal – racional/burocrática – e na forma tradicional – patrimonialista”,
aliando-se, a isso, a “coerção”, empregada na forma indireta, que privilegiava a sua ação
através da sutileza na forma implícita.
Foi um período de difícil adaptação para o Banco do Brasil, que, embora tenha percebido os
problemas que se avizinhavam com o lançamento do Plano Real, não foi capaz de fazer as
escolhas mais apropriadas, até mesmo, em função das pressões externas que existiam, pelo
fato de se enxergar a empresa como executora de políticas públicas, sem a adequada
remuneração das atividades e sem assumir os riscos das operações feitas em nome do
Governo (BANCO DO BRASIL – REL. ANUAL, 1995).
A área de planejamento da Empresa teve grande expressão na época e foi possível dar maior
consistência ao processo de planejamento estratégico, iniciado em 1988 (BANCO DO
BRASIL - REL. ANUAL, 1990).
136
Finalmente, com controle da inflação, sustentado pelo Plano Real, a partir de 1994, veio um
novo impacto ao sistema. Depois do Plano Real, as instituições bancárias perderam
rentabilidade, a qual foi, em parte, compensada por receitas obtidas através de intermediação
financeira, da prestação de serviços e da cobrança de tarifas. Mesmo assim, a busca por maior
produtividade tornou-se uma imposição (BANCO DO BRASIL – REL. ANUAL, 1995).
Gráfico 1: Inflação Anual (ICP-FIPE)
Real
Collor II
Collor I
Veo
Bresser
Cruzado
0
10
20
30
40
50
60
70
80
90
1985 1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000
FONTE: Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas FIPE/2000
Os dados apresentados demonstram comparativamente os picos de inflação nos planos
econômicos anteriores ao Plano Real.
O Plano Real teve a sua implantação acompanhada por três etapas: 1) a primeira através do
PAI (Programa de Ação Imediata), de 14 de junho de 1993. Tinha como objetivo assegurar a
retomada do crescimento econômico em bases sustentáveis; 2) a segunda através da criação
da URV (Unidade Real de Valor), de 28 de fevereiro de 1994 e aprovada em 27 de maio de
1994. Tinha como objetivo restaurar a função de unidade de conta da moeda, referenciando
contratos e obrigações, bem como preços e salários e; 3) a terceira com a efetiva implantação
do REAL, em 1 de julho de 1994.
Nestas circunstâncias, os bancos que se mantinham graças à inflação não conseguiram
sobreviver. Em decorrência, verificou-se acentuada redução do número de bancos, resultado
137
de falências, fusões, incorporações e aquisições, bem como de privatizações. O sistema
bancário brasileiro era constituído, em 1993, por 245 bancos, passa para 194, em 1999
(LARANGEIRA, 1997, p. 129; FEBRABAN, 1999).
No ciclo adaptativo desenvolvido por Miles e Snow (1978), o Banco do Brasil procurava a
solução para o seu “problema empresarial”, ou seja, de domínio produto-mercado, através da
ampliação do domínio com o lançamento de produtos e a criação de novas empresas –
“interesses objetivos específicos” – além do crescimento por desenvolvimento de produto e
penetração no mercado. E, também, pela valorização das funções marketing e planejamento,
como instrumentos de busca de novos domínios produto-mercado. Foi criado um Comitê
denominado COPOM-Comitê de Planejamento, Orçamento e Marketing, para tomar as
decisões relacionadas a essas funções (BANCO DO BRASIL – REL. ANUAL, 1994).
Assim como nos períodos anteriores, o Banco do Brasil aproximou-se de um modelo de
organização burocrática cuja característica se assemelhava a órgãos públicos, escolas,
organizações militares, pois possuía, em certos momentos, seus interesses objetivos
específicos definidos e realizados pelos dirigentes e impostos aos funcionários. Essa forma
reforça o conceito de Faria (2004), que a classifica como “monística”, onde o corpo dirigente
julga-se capaz de gerir, determinar, guiar, os interesses dos funcionários, pois acredita que
estes nada fazem por livre iniciativa, mas somente atuam sob um comando inteligente,
exercido em seu nome.
Do mesmo modo, a ênfase no produto desviava toda e qualquer tentativa de desvincular-se
deste modelo, pois, segundo Miles e Snow (1978) o processo de adaptação organizacional é
dirigido por escolhas estratégicas dos altos executivos, ou seja, pela elite administrativa.
Segundo Faria (1985, p. 187a), para que esta
138
[...] possa manter e/ou incrementar os mecanismos de direção e controle sobre os
funcionários, de modo a permitir que o resultado das tarefas organizadas seja
obtido, a custa de motivação de comportamento, com maior eficiência e eficácia,
segundo padrões definidos pela estrutura burocrática da organização e de acordo
com os seus fins objetivos específicos.
Na perspectiva analítica de Miles e Snow (1978), o Banco do Brasil, operava, claramente, em
dois tipos de domínios produto-mercado: um relativamente estável e outro em permanente
mudança, ambos caracterizados pela “dualidade pública-privada” da Empresa. O lado público
continuou suas práticas, freqüentemente, reforçadas ou desestimuladas com a alternância da
coalizão dominante e por forças ambientais externas e internas à Organização, ao mesmo
tempo em que o lado privado ousou no mercado à procura de espaço de atuação.
A adaptação nesses dois domínios mais o “problema empresarial” passa a ser o dilema de
identificar e explorar novos produtos ou manter os produtos e consumidores anteriores
(MILES E SNOW, 1978).
O Banco do Brasil sofreu período de extrema vulnerabilidade na tentativa de conciliação dos
seus dois tipos de domínios: 1) competir no mercado sem abrir mão das funções de
desenvolvimento do País, da forma tradicional como operava por longo período ou; 2)
assumir-se como banco público e ser engolido pelo mercado. O Projeto Número Um e a crise
de inadimplência, principalmente no crédito rural, foram reflexos dessa luta e crise de
identidade, que persistiu durante todo o período de 1990 a 1994. Colocado desta maneira,
temos: que para os dois domínios ele só tinha uma escolha que estava representada pelo
autoritarismo do mercado – sobrevivência.
E ainda, na concepção de Miles e Snow (1985), o problema administrativo da organização
consistia em diferenciar estrutura e processos para os dois domínios existentes.
139
O Banco do Brasil teve esse problema. Nesse período, criou a Diretoria de Crédito Rural
como forma de enxergar melhor as ações voltadas para atividades de desenvolvimento. Além
disso, a empresa passou por reestruturação organizacional, criando a Diretoria de Recursos
Humanos e extinguindo a de Comércio Exterior e de Administração. Também, promoveram-
se desimobilização e alienação de imóveis. Adotaram-se Programa de Qualidade Total e de
treinamento de altos executivos e promoveram-se corte de cargos e comissões, rodízio e
substituição de administradores.
O “problema administrativo” manifestou-se, também, nesse período, através da defasagem
tecnológica existente frente à concorrência. O comprometimento da infra-estrutura
tecnológica já era evidente e os novos negócios salientavam ainda mais essa questão (MILES
E SNOW, 1978).
A solução foi projetada em um plano denominado “Plano Diretor de Informática”, que
reconhecia a defasagem e previa ações para retirar a empresa da situação de desvantagem em
que se encontrava. Nesse período, foi criado o Home Banking denominado “Linha Direta BB”
e iniciou-se a participação do Banco do Brasil no “Banco 24 Horas”. Iniciaram-se os
investimentos em automação, que foram completados nos períodos seguintes (BANCO DO
BRASIL – REL. ANUAL, 1994).
O Plano Diretor de Informática foi criado a partir de pressões decorrentes de um ambiente
mais competitivo e da crise de financiamento do setor público, que levaram à intensificação
da adoção de medidas de reorganização das estruturas operacionais, porém a um ritmo e a
uma intensidade diferenciada em relação ao verificado nos bancos privados (BANCO DO
BRASIL – REL. ANUAL, 1994). Segundo Carvalho e Oliveira (1998), esse processo resultou
em fechamento de agências e demissão, configurando mais um quadro de insegurança.
140
Por outro lado, as mudanças ambientais resultantes da estabilização econômica foram
percebidas, mas pouco foi feito para evitar a crise de liquidez e a perda de rentabilidade que
ocorreram ao final desse período, para sair da situação adversa da estrutura de custos que se
instalara a partir de 1986. Também não foram adotadas medidas capazes de reverter o hiato
tecnológico que se formara, a partir da conquista de novos domínios produto-mercado, e do
crescimento no mercado. Esses fatos caracterizam o comportamento “reativo” da empresa no
período, segundo o modelo de Miles e Snow (1978).
Em síntese, as estratégias adotadas pelo Banco do Brasil foram de crescimento, com elevação
das aplicações; de racionalização de despesas e de modernização, consubstanciadas na revisão
da estrutura organizacional; de aumento de rentabilidade, buscada na expansão dos negócios,
na racionalização e em novos produtos e negócios; de formação de “colchão de liquidez”,
para fazer face às necessidades de caixa advindas do estancamento do processo inflacionário e
da perda de rendimentos originários das aplicações financeiras abundantes; e de
desimobilização, com venda de imóveis não de uso e de imóveis funcionais, seguindo a
prática do Governo Federal.
Nas estratégias adotadas, os públicos – stakeholders – que mais influenciaram as mudanças
foram, no âmbito externo, os competidores e os clientes e, no âmbito interno, a “elite
administrativa”, formada por funcionários dos altos escalões que colocaram os principais
dirigentes – Presidente e Diretores – a par dos riscos e vulnerabilidades da empresa, mas que
não foram capazes de influenciar a implementação de medidas necessárias à saúde financeira
da empresa, em função do caráter “presidencialista” da organização ou da “forte presença do
presidente na empresa”.
A figura do presidente está associada à figura do pai, onde se estabelece a autoridade
tradicional paternalista como base do poder que tem sua origem na herança político-cultural
141
brasileira. É importante salientar que os que estão submetidos à autoridade obedecem devido
à aceitação desta autoridade (FARIA, 1985b).
Com efeito, de um lado existia uma direção profissional que comandava a estratégia política
da empresa nos planos técnicos (operacional), financeiro e comercial (econômico), e do outro
os funcionários que exerciam as atividades referendadas pela estratégia e impostas pela
chefia, enquanto as remunerações dependiam do aspecto negocial – acordo – entre as partes.
De acordo com Faria (1985b), essa perspectiva de gestão é do tipo “monística”, na esfera
operacional e, ao mesmo tempo “dualística” (de mão dupla), na esfera econômica. Verifica-se
que se as perspectivas em conjunto não eliminam o autoritarismo organizacional, pelo menos
tem o efeito de escondê-lo de acordo com os interesses da classe dirigente.
Também nesse período, o padrão administrativo do Banco do Brasil não se apresentou único,
em função da diversidade de negócios, da complexidade da empresa e das influências
externas, não sendo fácil identificar uma única estratégia dominante no período, mas um
grupo de ações convergentes sinalizadoras dos padrões adotados.
Segundo Coutinho (2003), as várias estratégias adotadas recaem sobre a questão do papel
fundamental exercido pelas relações sociais cotidianas na construção dessa identidade, sendo
um elemento importante neste processo o poder que cada um dispõe de se impor como
diferente na sua relação com o outro. Esse poder não é fortuito ou casual, mas está
estreitamente relacionado com o exercício do seu papel social e nas suas trocas com os outros.
Portanto, a construção/transformação da identidade do Banco do Brasil está ligada à tentativa
de substituir o controle coercitivo dos trabalhadores por formas mais democráticas de relações
de trabalho, incluindo aí a gestão participativa.
142
Coutinho (2003, p. 1 e 2), analisa a construção da nova identidade com o seguinte
questionamento: “A questão que se coloca é se este tipo de gestão constitui avanço para os
trabalhadores, na conquista de maior autonomia e poder nas relações de trabalho; ou se tratam
apenas de formas sutis de dominação subjetiva”. Esta pesquisa defende a segunda hipótese.
A partir de 1995, o forte aperto de liquidez, decorrente do monitoramento da política
monetária, tornou delicada a situação de vários bancos, até de grande porte. A captação de
recursos, mesmo no interbancário, ficou mais difícil em função dos maiores riscos envolvidos,
enquanto as taxas de juros foram majoradas e o crédito tornou-se seletivo e escasso. A crise
do Banco Econômico, sob intervenção a partir de agosto de 1995, e do Banco Nacional deu
início ao período mais delicado do ajuste do sistema financeiro brasileiro (BANCO DO
BRASIL - bb.com.você, 10/95).
Em agosto de 1995, instalou-se um crescente clima de apreensão quanto à saúde financeira
dos demais bancos privados do País, e o governo federal, diante das conseqüências negativas
que a crise do sistema financeiro poderia trazer para a economia, adotou conjunto de medidas
voltadas à reestruturação e ao fortalecimento do sistema financeiro nacional. Dentre elas,
destacava-se a instituição do PROER-Programa de Estímulo à Reestruturação e ao
Fortalecimento do Sistema Financeiro Nacional, que tinha como objetivo assegurar liquidez e
solvência ao Sistema Financeiro Nacional e resguardar os interesses de depositantes e
investidores (MF-RESOLUÇÃO Nº 2.208, 1995). Para o Banco do Brasil o estabelecimento
de limite mínimo de capital para a constituição de banco e limites adicionais de acordo com o
grau de risco da estrutura dos ativos bancários, o que ficou conhecido como “Acordo de
Basiléia” e a instituição, pelo Banco Central, da responsabilidade das empresas de auditoria
contábil ou dos auditores contábeis independentes em casos de irregularidades na instituição
financeira (MF-RESOLUÇÃO Nº 2.099, 1994 e Nº 1.334, 1996, respectivamente) tiveram a
143
maior importância, pois além de obrigá-lo a gerir seus ativos com maior controle, inaugurou
um relacionamento mais profissional com o governo.
O controle para que o banco se situasse nos limites estabelecidos pelo Acordo da Basiléia fez
que com que a margem de manobra do governo ficasse limitada, o que viria aumentar o poder
de decisão do Banco Brasil com relação a sua gestão. A influência do governo sobre o banco
não havia acabado, apenas foi estabelecido um teto para este exercício. Sendo assim, as
relações de poder e dominação passam a ser relativas. Transferiu-se para a própria instância
administrativa do banco as práticas autoritárias praticadas pelo governo.
Cabe salientar, no que se refere à ocupação dos postos de trabalho, na sociedade dominada
pelo capital, o objetivo das instituições é o de reproduzir o sistema capitalista. Portanto, para
que o indivíduo possa trabalhar em uma organização é preciso que aceite seu sistema de
controle, pois é no trabalho que o sujeito adquire sua identidade social e o reconhecimento
pelo outro. Nessa perspectiva, ele participa no processo de manutenção da vida institucional
de forma alienada, cuidando de sua manutenção e melhoria sem ter condições de avaliar, de
forma consciente, suas relações concretas de existência (ENRIQUEZ, 1997).
Enriquez (1997) também destaca o poder de dominação das empresas modernas, dotadas do
que ele denomina de uma estrutura estratégica nas quais o objetivo econômico é disfarçado
através de um discurso que valoriza o bem-estar das pessoas. Para o autor nunca o indivíduo
esteve de tal forma submetido às organizações, que fazem com que ele se sinta livre e
criativo, quando de fato ele está preso dentro de uma armadilha tão sutil, que chega mesmo a
reivindicar esta prisão. Ocorre uma identificação com a empresa e com os chefes, criando
uma espécie de servidão voluntária.
144
III.5. METAMORFOSE DO PARADIGMA – INICIA-SE UMA NOVA REALIDADE,
UM NOVO MODELO DE PODER (1995)
Visando adequar-se as medidas estabelecidas pelo SFN Sistema Financeiro Nacional (MF-
RESOLUÇÃO Nº 2.099, 1994 – ACORDO DA BASILÉIA
17
), o Banco do Brasil
encaminhou as pendências relativas ao reconhecimento de dívidas com a empresa – R$ 4,6
bilhões – e teve o seu pleito reconhecido em 1995, inaugurando-se uma nova etapa no
relacionamento entre o Tesouro Nacional e o banco. A partir daí, as novas demandas
passaram a ser atendidas mediante prévia formalização, de modo a assegurar ao Banco do
Brasil o efetivo direito de recebimento (BANCO DO BRASIL, 1995).
O governo – intérprete dos interesses da classe política –, através do Tesouro Nacional, ao
inverter a lógica de realizar seus interesses através do Banco do Brasil, não dava continuidade
a uma prática de concessões com estratégias de manipulação, estabelecendo, daí, uma nova
relação de dependência que pode ser caracterizada por um poder relativo. Segundo Faria
(1985b), este tipo de relação de poder está inserido na base do autoritarismo. O Banco do
Brasil, ao iniciar uma relação de mão dupla – dualística – deixa de concentrar as tarefas
particulares de interpretação e realização dos interesses do governo, tornando-se, assim, na
visão de Mintzberg (1983), um “aparelho de coalizão”, que tem como finalidade utilizar-se da
influência de determinados agentes na transformação organizacional. Alterou-se uma relação
de poder, o que não significa dizer que se pôs fim ao autoritarismo na organização.
17
O primeiro Acordo de Capital da Basiléia, aprovado em 1988, recomenda padrões mínimos de requerimento
de capital para fazer frente à evidente deterioração dos índices de capital dos bancos internacionais na década de
80. O foco principal deste acordo foi a ponderação dos ativos de acordo com o risco de não cumprimento das
obrigações de uma contraparte, ou seja, o risco de crédito. No Brasil, o Acordo, teve início oficial com a
divulgação da Resolução 2099, de 1994. Foi adotado com medidas mais conservadoras do que as inclusas no
Acordo de 1988. O índice entre capital e ativos ponderados pelo risco de crédito (“índice da Basiléia”), por
exemplo, no Brasil é de 11%, enquanto o Acordo propõe 8%. Outra medida, diz respeito as faixas de risco para
ponderação dos ativos em uma escala que varia de 0 a 100%, no Brasil foi estabelecida uma faixa adicional de
risco para créditos tributários, com ponderação de 300% (CARVALHO, 2004).
145
Passados os efeitos do Plano Collor com drástico “enxugamento” da liquidez e a perda do
floating, o Setor Financeiro Nacional sofreu os efeitos do Plano Real, com a estabilização
econômica e conseqüente redução de sua participação no PIB Produto Interno Bruto,
conforme demonstra o gráfico abaixo:
Gráfico 2: Participação das Instituições Financeiras privadas e públicas no PIB (1990 a 1995)
0
2
4
6
8
10
1990 1991 1992 1993 1994 1995
Privadas
Públicas
Fonte: ANDIMA/IBGE: Sistema Financeiro – Uma análise a partir das Contas Nacionais 1990-1995, apud Ministério da Fazenda (1997).
Nesse ambiente, o Sistema Financeiro Nacional passou por um processo de reorganização, em
que a queda do lucro inflacionário foi sendo compensada por aumento de produtividade,
geração de novos produtos, busca de novos mercados, elevados investimentos em tecnologia e
maior internacionalização. O Banco do Brasil teve de conviver com a política monetária
restritiva, com o recrudescimento da inadimplência e o descompasso entre ativos em dólar e
passivos em real, fatores que, aliados a reflexos da perda de receitas de floating, por conta da
redução dos ganhos inflacionários, causaram forte impacto no seu desempenho financeiro
(BANCO DO BRASIL – REL. ANUAL, 1995).
Com isso, o Banco do Brasil, em 1995, promoveu grandes mudanças, as quais se
caracterizaram como um “Choque de Administração e de Resultado”. Foram introduzidas
146
medidas consubstanciadas em um plano de ajustes com foco em duas premissas básicas: no
curto prazo, eliminar o desequilíbrio financeiro, por meio da elevação das receitas e redução
das despesas e no médio e longo prazo, modernizar a empresa para enfrentar o desafio de
conviver em ambiente competitivo e de estabilidade econômica (BANCO DO BRASIL, REL.
ANUAL, 1995).
O plano foi chamado de Programa de Ajuste 95/96, porque era exatamente o que se fazia
necessário naquele primeiro momento: implementar uma série de ajustes para, rapidamente,
tentar equilibrar as finanças da Empresa e torná-la mais competitiva. O diagnóstico revelava
alguns problemas de grande dimensão: uma estrutura de custos extremamente grande, quando
comparada com a capacidade de geração de receitas; uma inadimplência muito acentuada,
extremamente onerosa e; um hiato tecnológico em relação à concorrência, absolutamente
dramático (BANCO DO BRASIL – REL. ANUAL, 1995).
O diagnóstico realizado e as soluções identificadas levaram à elaboração do programa de
ajustes que conjugava amplo conjunto de medidas organizadas em planos, com os seguintes
conteúdos: 1) Novo Modelo de Gestão; 2) Plano de Otimização da Capacidade Operacional;
3) Plano de Modernização Tecnológica e Informações Gerenciais; 4) Plano de Otimização de
Recursos Humanos; 5) Plano de Elevação e Geração de Receitas; 6) Medidas Emergenciais de
Impacto e 7) Plano de Redução de Custos e Recuperação de Despesas (BANCO DO BRASIL,
1995).
O Novo Modelo de Gestão foi estruturado tendo em vista a gestão colegiada; para a
adequação administrativa; para a busca de dinamicidade e agilidade decisória; para a adoção
de sala unificada para a Diretoria e para a apuração de resultado por negócio, por
dependências e por área geográfica. Introduziu-se, também, a prática de empowerment nos
níveis gerenciais e departamentais. Isso significava maiores poderes para as pessoas
147
permanentes na Organização. Foi a partir dessa idéia que nasceu o “Comitê Executivo”,
composto por executivos de primeira linha, subordinados à Diretoria, que pretendia
estabelecer um cinturão de proteção da empresa contra ingerência externa (BANCO DO
BRASIL – REL. ANUAL, 1995).
Da mesma forma que se deu mais poder aos administradores, houve necessidade de definição
de responsabilidades e avaliação de seu desempenho, a partir das estratégias formuladas para
cada negócio. Nesse contexto, foi introduzida a “Administração por Resultados” em todos os
níveis organizacionais (BANCO DO BRASIL – REL. ANUAL, 1995).
Segundo Faria (1985b), a administração por resultados é um conjunto de técnicas
multidisciplinares de gestão, desenvolvidas e aperfeiçoadas para capacitar um número
reduzido de pessoas – especialistas – da cúpula da organização, no sentido que estas possam
manter e/ou incrementar os mecanismos de direção e controle sobre os funcionários, que neste
caso, estão diretamente ligadas às metas pré-estabelecidas, de modo a permitir que o resultado
das tarefas organizacionais seja alcançado, à custa de motivação de comportamento, segundo
padrões definidos pela estrutura burocrática.
[...] O conteúdo desta definição revela que a administração por resultados, tal como
é encarada, sempre privilegia as elites e preocupa-se apenas com o
desenvolvimento de atitudes, habilidades e comportamento dos administradores
com objetivo de adaptar os funcionários à estrutura burocrática da organização e a
obtenção dos resultados. As técnicas utilizadas são técnicas de punição, visando
tornar os indivíduos dóceis e produtivos (FARIA, 1985a, p. 187).
O Plano de Otimização da Capacidade Operacional tinha como objetivo a reformulação do
modelo organizacional e operacional da empresa, na busca da otimização de resultados e da
capacidade instalada. Dentro deste mesmo plano procedeu-se à revisão da rede de
dependências, com encerramento das atividades de 108 agências no país e de oito
dependências no exterior, durante 1995 (BANCO DO BRASIL – REL. ANUAL, 1995).
148
Com relação a este plano, via-se que desde 1977, estudava-se no Banco do Brasil a
necessidade de reduzir o tamanho das mega-agências. Em 1990, foi feito um trabalho,
encomendado pelo presidente, para subsidiar o fechamento de agências, o qual concluiu que
apenas 20% das agências do Banco do Brasil estavam situadas em municípios que possuíam
arrecadação acima da média de arrecadação das cidades de sua faixa (BANCO DO BRASIL –
REL. ANUAL, 1995). Ao fazer-se um comparativo com o Banco do Brasil, os bancos
concorrentes encontravam-se numa situação inversa – Bradesco, 75%; Itaú, 90%; Unibanco,
80% (FEBRABAN, 1996). Ficou provado, naquela época, que a rede do Banco do Brasil
estava “equivocada” ou que as razões por ele assumidas mereciam ser revistas.
Esta situação se refletia, também, no resultado da participação no PIB dos bancos públicos
(Gráfico 2). Por existir uma preocupação em levar o desenvolvimento ao interior, o Banco do
Brasil perdia uma grande fatia do mercado nos grandes centros, o que impactava
negativamente seu resultado.
Em 1995, o Banco do Brasil conseguiu autorização do Banco Central e do Ministério da
Fazenda para expandir a rede, sem que houvesse expansão do número de funcionários, por
meio da divisão de grandes agências, o que resultou na expansão da rede, com redução dos
custos (BANCO DO BRASIL – REL. ANUAL, 1995). Esta expansão da rede acarretou numa
sobrecarga de trabalho, causando um enorme descontentamento por parte dos funcionários,
que se refletiria, mais tarde, na adesão ao plano de demissão.
O Plano de Modernização Tecnológica e Informações Gerenciais visava à adoção de soluções
tecnológicas modernas para a automação bancária e de escritórios, com utilização de sistemas
de informações voltados para a melhoria da ação gerencial e pressupunha a redefinição da
planta tecnológica e um programa de investimentos dirigidos para a Banco do Brasil
(BANCO DO BRASIL, 1995).
149
O objetivo do Plano de Otimização dos Recursos Humanos era otimizar a alocação, a
capacitação, a utilização e o acompanhamento de desempenho dos recursos humanos
disponíveis na empresa. Previa a realocação de pessoal, a revisão do plano de cargos e
salários e a capacitação dirigida dos funcionários (BANCO DO BRASIL – REL. ANUAL,
1995).
Na implementação do Plano de Otimização dos Recursos Humanos, foi introduzida a
avaliação de desempenho com o propósito de subsidiar a PLR-Participação nos Lucros e
Resultados, mas, também, com o objetivo “de mostrar, para as pessoas, que resultado era a
palavra de ordem, e de, no futuro, subsidiar demissões daqueles que não dessem resultado”
(OLIVEIRA, 2001). A remuneração variável veio, então, da crença da direção da empresa de
que o salário fixo era oneroso e gerava acomodação. Oneroso porque resultava num aumento
real de salários e; gerador de acomodação porque independentemente da produção do
funcionário, sua remuneração estava garantida. Sendo assim, aqueles que “vestissem a
camisa” teriam seu reconhecimento da forma capitalista mais peculiar, ou seja, o dinheiro.
Como os resultados do banco no período eram de prejuízo não havia repasse da PLR, o que
fazia com que a empresa negociasse abono na época do dissídio.
Por conta dessa política, os salários já defasados perderam ainda mais o seu valor. Nos
dissídios coletivos a discussão não era mais pela reposição salarial e sim por abono. Para o
Banco do Brasil foi um “verdadeiro achado”, pois o impacto do pagamento do abono ocorre
apenas no mês subseqüente à assinatura do acordo, o que o deixava aliviado no restante do
ano, ou seja, até o dissídio seguinte (CNB/CUT, 1997). Com essa política, a folha de
pagamento deixa de ser um problema para o caixa do Banco do Brasil.
O Plano de Elevação e Geração de Receitas visava o incremento das receitas do Banco do
Brasil, com base no crescimento do volume de negócios, na melhor gestão dos recursos
150
existentes e na atuação em mercados e produtos ainda pouco explorados pela Empresa. O
plano continha medidas de gestão financeira do portfólio de produtos, de incremento dos
negócios com subsidiárias, de desenvolvimento de Unidades de Negócios Corporativos para
propiciar atendimento diferenciado ao segmento de grandes empresas e de introdução de
novos produtos e novos mercados (BANCO DO BRASIL – REL. ANUAL, 1995).
A fim de solucionar o problema de estrutura de custos, foram analisadas várias opções e
concluiu-se que a solução não passaria por fechamento de agências deficitárias. Havia
pequeno número de funcionários localizados nesses pontos, normalmente de menor porte, o
que não levaria a ganhos substanciais em termos de custos capazes de levar a empresa ao
resultado de que necessitava. A solução que parecia mais adequada seria, então, aumentar a
escala do banco de varejo, o que permitiria direcionar a estrutura de receitas um pouco mais
para prestação de serviços ou receitas decorrentes de tarifas e prestação de serviços (BANCO
DO BRASIL – REL. ANUAL, 1995).
O Banco do Brasil era o maior banco de varejo, mas não tinha preocupações de varejo. Então
começou a criar produtos destinados a este segmento e a focar o atendimento específico a um
conjunto de clientes com comportamento semelhante. Foi aperfeiçoado o cartão de crédito e
lançada a concessão de crédito por terminal eletrônico, por exemplo, como esforço de
dedicar-se de forma especial ao segmento. O alvo passou a ser, também, as classes C, D e E.
Não se tratava de uma demanda social e sim uma demanda de mercado, pois
comprovadamente esse segmento era o de melhores pagadores (DIEESE, 1997).
Assim, o cliente pessoa física passa a ser o principal alvo para a melhora do desempenho do
Banco do Brasil, o qual, por sua vez, procurará alimentar o ego e a fantasia desse cliente,
atraindo-o a uma armadilha. O cliente não apreenderá a realidade, já que sua percepção é
limitada pelas imagens que cobrem e mascaram as reais intenções da empresa que, ao
151
alimentar a fantasia do ego do cliente, captura não só seu dinheiro, mas, também, os seus
desejos. Segundo Faria (1985a), é enquanto máscara que o imaginário se encontra no centro
da formação das ideologias, na medida em cobre as relações reais, mistifica e falsifica a ação
transformadora, ao mesmo tempo em que, acreditando possível o impossível, preserva e
alimenta utopias.
Karl Marx ao conceituar ideologia, define-a como aquelas formas de consciência social que
dão aos agentes sociais a familiaridade com seu mundo e organizam sua experiência de vida,
sendo neste caso, a ideologia um nível constitutivo de toda organização e sociedade (MARX e
ENGELS, 1993). Dias (2003) ao particularizar a ideologia de uma organização, afirma tratar-
se de um sistema de idéias, crenças, tradições, princípios e mitos, interdependente, criado
pelas organizações e compartilhado pelos indivíduos.
Existia nesta referência três agentes ou personagens, o primeiro seria a empresa – na figura
dos gestores –; o segundo seria os clientes e; o terceiro seriam os interlocutores dos primeiros
que fariam chegar aos segundos toda uma gama de benefícios: os funcionários.
Com relação aos “terceiros”, por conta do seu imaginário, pode-se inferir que é a contraparte
inconsciente do “self organizacional”
18
e está localizado na “zona de sombras” de uma
organização, em que residem os medos inconfessos, os tabus, os preconceitos e até os
contratos psicológicos, sejam eles positivos ou não. Neste caso, uma análise mais detida de
prisões psíquicas, sistemas políticos e instrumentos de dominação, permitirá uma adequada
leitura-diagnóstico. Daí tem-se, resumidamente, por prisões psíquicas um tipo de “alma
organizacional” que mostra inflexibilidade e está enredada em armadilhas geradas pelo
sucesso em tempos passados. Pressupostos falsos e fanatização são algumas dessas
18
O self organizacional situa-se no ponto central do núcleo da cultura de uma organização, representando a
interface entre os sistemas consciente e inconsciente e serve como regulador da totalidade da cultura (JOHANN,
2004).
152
armadilhas cognitivas. Com relação a sistemas políticos o poder é o seu ponto central, com
executivos autoritários manipulando-os habilmente como forma de impor a sua influência,
detendo daí, o monopólio decisório, a filtragem de informação e o controle do conhecimento.
Já a dominação conta com a eficiência da classe detentora do poder em ver a sua verdade
particular ser socialmente aceita pelos clientes, por conta do seu direito de mandar e do dever
dos demais de obedecer (JOHANN, 2004).
As medidas emergenciais de impacto visavam identificar ações de impacto no curto prazo,
que pudessem contribuir para a reversão do quadro de déficit estrutural em que se encontrava
a empresa. Dentre as principais medidas estavam à solução de pendências com o Tesouro
Nacional referentes a créditos do Banco do Brasil não resolvidos, o recebimento de créditos
inadimplidos e a alienação de imóveis não de uso. Constavam do plano, também, ações
referentes a planejamento tributário e incremento de negócios, além de medidas específicas
para a área internacional que incluíam revisão da rede de dependências (BANCO DO
BRASIL, 1995).
O Plano de Redução de Custos e Recuperação de Despesas tinha como objetivo a
identificação de áreas com possibilidade de redução de custos, sem perda de qualidade, e de
ressarcimento de despesas de conta de terceiros e incluía recursos materiais, recursos
humanos, planejamento tributário e evasão de receitas, segundo o Banco do Brasil (1995).
Havia a clara intenção de reduzir custos e assim corrigir a deficiência da empresa em termos
de geração de receitas suficientes para manter o equilíbrio econômico-financeiro.
Com relação à redução de despesas, o programa contemplava vasto elenco de medidas que
abrangiam a racionalização dos recursos materiais, a intensa utilização de modernos sistemas
de informática, a venda de imóveis ociosos e a redução das despesas com pessoal (BANCO
DO BRASIL – REL. ANUAL, 1995).
153
A redução das despesas passava pela adequação do quadro de pessoal, que contava com
119.380 funcionários, ao final de 1994 e pela tentativa de resolver o problema com a folha de
pagamentos. Com isto, foi lançado o PDV-Programa de Desligamento Voluntário, ao qual
aderiram 13.388 funcionários (BANCO DO BRASIL – REL. ANUAL, 1995).
III.5.1. O PDV
No espírito de “o último a sair apaga a luz”, o PDV embasava-se na Circular do Banco
Central do Brasil (BACEN) nº 2.582, de junho de 1995, que autorizava o diferimento de
gastos relativos ao redimensionamento de recursos humanos, decorrentes de reorganização
administrativa (Tribunal de Contas da União, 1995). E com este amparo legal, o Banco do
Brasil dava início ao seu programa, considerando como objetivo que justificava a medida a
adequação do quantitativo de pessoal à capacidade de geração de receitas, com vistas a
preservar a saúde financeira da empresa.
O Banco do Brasil elaborou cursos preparatórios para inserção do funcionário “eleito” e/ou
“aderente” na sociedade (BANCO DO BRASIL – REL. ANUAL, 1995). Esses cursos
ajudaram a criar no imaginário do funcionalismo a expectativa de melhoria do padrão de vida
para aqueles que “aderissem” ao Plano de Demissão Voluntária ou que para ele fossem
“eleitos”. Segundo Faria (1985a), a crença no visível imediato, faz com que o indivíduo –
funcionário – caia na armadilha da organização, porque não apreenderá a realidade, já que a
sua percepção está limitada às imagens produzidas pela organização. O domínio do
inconsciente é uma forma sutil de autoritarismo.
Os termos “aderente e eleito” estão relacionados com os critérios definidos pelo banco e,
segundo Campos (2000), existiam dois: através da elaboração de listas, pelos gerentes, de
funcionários dispensáveis – os eleitos – e; o incentivo demissional direcionado, que
154
compreendia a remuneração mensal do funcionário mais um plus, que variava de acordo com
o tempo de empresa – os aderentes.
Os gerentes, neste caso, na estrutura organizacional, como forma de dominação, assumem
para si a figura do feitor que mantém o funcionário – escravo – sob o seu domínio. Essa forma
de dominação, segundo Johann (2004), despertou o interesse de Marx e Weber ao analisarem
a criação e a manutenção de estruturas de dominação que acabam se tornando legítimas e
socialmente aceitas sempre que alguém se vê com o direito de mandar e os demais se
consideram no dever de obedecer. Com respeito a este interesse, Weber (1991) argumenta que
a probabilidade de impor a própria vontade dentro de uma relação social, mesmo contra
resistências, seja qual for o fundamento dessa probabilidade é uma reação de poder. E,
continua o autor, a probabilidade de encontrar obediência a uma ordem de determinado
conteúdo, entre determinadas pessoas indicáveis é uma característica da dominação.
Coutinho (1999, p. 150) em sua análise sobre a atuação dos gerentes, faz a seguinte
observação:
[...] Os gerentes médios e supervisores sempre atuavam como verdadeiros feitores:
domesticavam a plebe, supervisionavam a execução das tarefas, a conservação das
instalações e dos equipamentos, coibiam os atrasos e o descanso; eram, enfim,
encarregados de arrancar com seu garrote o cumprimento das metas estabelecidas
de produção e de custo.
Ainda sobre a criação, no imaginário do funcionário, de crenças relativas às vantagens e
desvantagens do plano, Gonçalves (1999, p. 3) analisa que
[...] apresentava-se, como vantagem, à possibilidade de deixar de ser subordinado a
um sistema produtivo considerado opressor, a possibilidade de ter sua própria
pequena empresa, gozando dos privilégios da livre iniciativa e desenvolver o
instinto empreendedor que cada homem possui. Por desvantagem de permanecer,
estava colocada a possibilidade de constar da lista de demissíveis, o que, caso não
fosse atingido o número pretendido através do Programa, poderia ocasionar
rescisão contratual sem os incentivos. Fato curioso este, pois sob todos os aspectos
– vantagens ou desvantagens – a análise era feita a partir da perspectiva de deixar o
emprego.
155
Em conformidade à análise de Campos (2000, p. 91), existiu deliberadamente um
investimento para enfraquecer a própria alma da instituição, que era representada pelos
funcionários. Estes consideravam que seu papel era:
[...] promover o desenvolvimento do país, criar empregos, apoiar o setor primário e
industrial, preocupar-se com a produção de alimentos, incentivar exportações, e,
inclusive, trabalhar nos pontos mais longínquos do território brasileiro. A auto-
estima do funcionalismo do Banco era elevada, tinha orgulho de pertencer à
instituição, considerando o Banco uma extensão de sua própria casa.
Sendo assim, seguindo a tipologia das bases do poder de Faria (1985b), os sujeitos –
funcionários – vinculados à empresa que estavam sob ameaça de dispensa sofriam uma
violência que se caracterizava por ser sutil, sofisticada, indireta e de cunho autoritário. O
Banco do Brasil, utilizando-se desta forma de pressão, tinha como finalidade criar, manter,
reforçar ou ampliar a sua estrutura de dominação sobre os funcionários.
Contrariando o discurso dominante, não se levava em conta o caráter social dessas medidas,
observava-se o lucro que elas iriam proporcionar. A empresa mostrava que não era portadora
de nenhuma mudança substancial que apontaria para uma maior humanização da sociedade
(LIMA, 1995). Ao contrário, mostrava-se muito mais como reflexo de uma sociedade
desigual, injusta e distante dos valores humanos mais fundamentais. Segundo Sales (1994), na
nossa sociedade, as raízes dessa desigualdade se dão mediante a relação de mando e
subserviência que estão na base da cultura da dádiva.
Segundo Campos (2000), o PDV teria como objetivo-fim o projeto do governo de Fernando
Henrique Cardoso que, através do Conselho Diretor do Banco, transformaria o enxugamento
no início do processo para privatizar o Banco do Brasil, demitindo trabalhadores, com a “falsa
ilusão de dias melhores”.
156
No episódio do PDV o Banco do Brasil chegava ao “ápice do autoritarismo”. Para se chegar a
esse “cume” o banco contou com a assessoria de uma empresa americana de consultoria em
Recursos Humanos, chamada DBM
19
(Drake, Beam & Morin do Brasil), que organizou todos
os passos empresariais, prevendo inclusive as variações emocionais dos bancários. O jornal
do Sindicato dos Bancários – “O Espelho”, de 05.09.95 – faz a seguinte denúncia, já a partir
da sua manchete “DBM armou um xadrez psicológico” e, em seu conteúdo, relata que
[...] a empresa de consultoria, em nove lâminas de retroprojeção, especifica com
riqueza e frieza de detalhes as possíveis reações emocionais dos trabalhadores,
mesmo antes das demissões compulsórias serem cogitadas. Essas transparências
apresentam inicialmente uma onda de inquietação e boatos sobre as dispensas. Fica
claro que os boatos e a inquietação são parte integrante da estratégia de recursos
humanos idealizada pela DBM.
Torna-se evidente o desempenho que essa empresa teve na orientação e desenvolvimento do
Programa de Desligamento Voluntário, inclusive utilizando formas de controle psicológico,
salientado à época pelo jornal O Espelho (set/95) da seguinte forma: “quem fez o PDV do BB
foi uma empresa de consultoria americana”.
Enquanto isso, os bancários que permaneceram trabalhando – sobreviveram – estavam
cumprindo jornadas de trabalho mais extensas, de oito, dez ou doze horas diárias. Essa era
uma forma de os banqueiros – leia-se, governo – imporem, na prática, a derrubada das seis
horas diárias conquistadas em acordos e convenções coletivas da categoria e, ao mesmo
tempo, irem aos poucos implantando o banco de horas
20
(CAMPOS, 2000).
Menegasso (1999, p. 85) apontava a perda do emprego como um verdadeiro choque para
quem o vivencia, pois
19
Empresa de consultoria norte americana que fez um estudo de motivação para o governo americano durante a
guerra do Vietnã (O Espelho, SET/1995). Sobre este trabalho a empresa faz a seguinte colocação: “quando você
tem uma quebra de relação da população americana com o governo dos Estados Unidos, é num primeiro
momento uma revolta muito grande, um descrédito, uma quebra de produtividade, depois uma aceitação, uma
assimilação, um salve-se quem puder, uma alta dose de produtividade às custas de um número muito grande de
sacrifício, isto no caso da guerra”.
20
Banco de horas: registro de horas extras trabalhadas que podem ser revertidas em dinheiro ou folga para os
trabalhadores.
157
[...] ele é tudo, numa sociedade comercial onde tudo gira em torno do conceito de
comércio, o indivíduo, exercendo o emprego, recebe um salário, um certo montante
em dinheiro com que compra aquilo que lhe é possível adquirir. O emprego passou
a ser categoria dominante – senão exclusiva – para reconhecimento do valor dos
propósitos humanos. Numa sociedade assim, não ser empregado é sinônimo de ser
imprestável ou excluído. Para a economia, na sua origem, o emprego formal é
pedra angular para seu funcionamento.
Assim sendo, não existe algo mais autoritário para o trabalhador do que ficar sem o seu
“tudo”.
O PDV foi algo de extrema importância para a cultura do Banco do Brasil, porque quebrou o
paradigma da “estabilidade”. No lugar da estabilidade, foi construído o conceito de
“empregabilidade”, que diz respeito à preocupação do funcionário em ser empregável em
qualquer tempo, independentemente de estar trabalhando para o Banco do Brasil (BANCO
DO BRASIL – REL. ANUAL, 1996).
A mudança cultural introduzida com o PDV fez com que os sujeitos – funcionários, clientes, a
sociedade em geral – alterassem sua forma de se relacionar com a empresa. Os funcionários
precisariam adequar-se a nova realidade, com um novo perfil traçado e idealizado pela
empresa e, os clientes trabalharem a sua expectativa com a nova realidade da empresa, que se
direcionava ao capitalismo de mercado. A sociedade em geral viu-se diante de um banco de
mercado.
Este relacionamento, segundo Campos (2000, p. 20),
[...] não ia ao encontro do sentimento que nutria o corpo funcional quanto ao seu
papel de promover o desenvolvimento do país, criar empregos, apoiar o setor
primário e industrial, preocupar-se com a produção de alimentos, incentivar
exportações e, inclusive trabalhar nos pontos mais longínquos do território
brasileiro. A autoestima do funcionalismo do banco era elevada, tinha orgulho de
pertencer à instituição, considerando o banco uma extensão de sua própria casa.
Destruía-se, deliberadamente, através do PDV, um mito e a própria “alma” da
empresa, que são os funcionários.
158
O resultado do PDV foi uma redução de cerca de R$ 37,4 milhões, em termos nominais, na
folha de pagamento, já em agosto de 1995. O número de funcionários saiu de 119.380, em
1994, para 94.669, em 1995 (BANCO DO BRASIL, 1995).
III.5.2. “DEPOIS DA TEMPESTADE”
Continuou o processo de grandes mudanças no Banco do Brasil, as quais se caracterizaram
como um “Choque de Administração e de Resultado”. Foram introduzidas medidas
consubstanciadas em um plano de ajustes, iniciado em fevereiro de 1995, com foco em duas
premissas básicas: no curto prazo, eliminar o desequilíbrio financeiro, por meio da elevação
das receitas e redução das despesas e no médio e longo prazo, modernizar a empresa para
enfrentar o desafio de conviver em ambiente competitivo e de estabilidade econômica
(BANCO DO BRASIL – REL. ANUAL, 1995).
Com a implementação desses planos, começou efetivamente um processo de grandes
mudanças no Banco do Brasil, que abrangiam: mudança cultural, mudança de processo de
gestão e mudanças mercadológicas. Novos produtos voltaram a ser lançados. Processos de
gestão foram introduzidos para orientar as estratégias. Enfim, o Banco do Brasil justifica a sua
nova fase com o título por ele adotado no momento da sua concepção, ou seja, “Novo Modelo
de Gestão”.
Todo esse processo possui sua característica centrada no modelo funcionalista e tem por base
a divisão do trabalho, através do parcelamento de tarefas e da cisão entre o trabalho
intelectual, centrado na elite dirigente monopolizadora do saber e, manual, representado pelos
funcionários de carreira. No gigantismo das instalações e na centralização do poder que daí
decorre, a Empresa sustenta sua performance eficaz, introduzindo e reforçando as medidas
necessárias para que o capital possa perpetuar sua dominação (GORZ, 1980).
159
Dando continuidade a todo este movimento, para resolver o problema de liquidez, foi lançada
uma campanha de captação, que, em 90 dias, colocou para dentro do Banco do Brasil três
bilhões de reais. Assim que se encerrou a campanha de captação, foi lançada uma campanha
de recuperação de crédito, em função da inadimplência decorrente da estrutura de concessão
de crédito existente até então. A campanha de recuperação de crédito, embora não tenha
obtido os resultados esperados, trouxe o resgate da cultura de cobrança de créditos e da
importância da qualidade do deferimento, como também obteve o efeito moralizador com as
batalhas judiciais pelo recebimento de dívidas (BANCO DO BRASIL – REL. ANUAL,
1995).
Não ocorreu o mesmo com o sistema de crédito praticado que acabou agravando a situação de
inadimplência e levando o Banco do Brasil à acumulação de prejuízos decorrentes de
empréstimos não liquidados. Foram adotadas medidas para reverter essa situação, conforme
estava previsto nas Medidas Emergenciais de Impacto do Programa de Ajustes 95/96. A
reforma no processo de crédito passou por mudanças no sistema de crédito, por melhor
caracterização de clientes, por avaliação de riscos, por definição de limites de crédito de
empresa e de cliente, por sistema de controle e por forte suporte tecnológico, necessário para
que se pudesse crescer de forma mais organizada e mais consistente (BANCO DO BRASIL –
REL. ANUAL, 1996).
Na área internacional, as principais medidas foram no sentido de integração do banco externo
ao banco interno. As operações comerciais, econômicas e de investimentos passaram a ser
discutidas e analisadas por esses dois pólos, refletindo os avanços tecnológicos e de controle
que se desenvolvia no Banco do Brasil (BANCO DO BRASIL – REL. ANUAL, 1996).
O avanço no controle se situa, neste particular, na instância politico-ideológica, que diz
respeito à superestrutura construída a partir das relações de produção, sua institucionalização
160
e todo aparato normativo. Visa uma trajetória de sucesso com metas a serem atingidas para
manter ou aperfeiçoar o domínio. Esse tipo de controle não pode ser considerado como sendo
democrático, mas um modelo destinado à construção, tão somente, daquela realidade
(FARIA, 2004). O Banco do Brasil aperfeiçoa seu sistema de controle com finalidade de
aumentar seu espectro de dominação.
Os resultados decorrentes do Programa de Ajustes 95/96 demandaram mais tempo do que o
desejado. No entanto, vitórias importantes foram conseguidas, tais como: 1) o aumento da
participação no mercado em segmentos de produtos tradicionais – depósitos a vista, a prazo e
de poupança; 2) a consolidação da liderança na indústria de fundos de investimentos e nas
operações de câmbio; 3) a ascensão do Ourocard ao primeiro lugar do ranking de bandeira
Visa no País; 4) os resultados obtidos pelas subsidiárias, que passaram a representar forte
instrumento de incremento de negócios e receitas para a Empresa; e 5) a ampliação das
receitas provenientes de tarifas sobre serviços, que praticamente dobraram no exercício
(BANCO DO BRASIL – REL. ANUAL, 1995).
As vitórias conquistadas na visão do Banco do Brasil significaram um rol de ganhos tangíveis,
porém em virtude de todo processo, em que foi necessário adotar medidas extremas, que
passaram pela demissão, pela opressão, pela manobra de pessoas – dominação –, tais vitórias
tiveram como conseqüência uma mudança cultural bastante abrangente, pois nunca na história
do banco tinha sido proposto um plano de demissão, ou sido implementado um plano de
demissão em massa. Desta relação autoritária fica uma herança de medo e de uma não
identificação com os novos objetivos do Banco do Brasil.
Em síntese, o ano de 1995 foi marcado por muitas dificuldades, mas foi bastante produtivo
para o Banco do Brasil, na implementação de suas estratégias de: ampliação do portfólio de
161
negócios; maior eficiência de custos; melhores produtos e serviços; mais qualidade no
atendimento; e efetiva modernização da Empresa.
Com relação aos programas adotados e aos resultados alcançados, verifica-se que eles têm em
comum a base no controle e se inserem na empresa de duas formas. Uma de tendência
autoritária e a outra mais participativa – nas organizações modernas dificilmente elas atuam
separadamente. Segundo Faria (2004), as formas de controle estão presentes em todas fases da
empresa e recaíram sobre os sujeitos – funcionários, clientes, a sociedade em geral – que
apesar de estarem a margem do processo, sentiram os efeitos por ele produzidos.
Os programas adotados em conjunto com os resultados alcançados dão a nítida idéia de que o
Banco do Brasil caminhava para a modernização, apesar de sua opção recair sobre uma base
mais autoritária como forma de evitar o diálogo aberto e o enfrentamento, intencionando não
colocar em risco a identidade social por ele (re)construída e que o acompanha na sua
existência, ou seja, remodela a identidade sem perder a força da tradição e do imaginário
constituído.
Sendo assim, os procedimentos adotados pela organização foram utilizados para satisfazer os
desejos e projetos de um determinado segmento ou grupo e estes se utilizam deste poder para
se autorealizarem. Por sua vez, quanto mais esta casta detentora de poder conseguir oferecer,
aos sujeitos (funcionários), oportunidades, reais ou fictícias, de realização das fantasias, mais
os mesmos se envolverão em sua rede simbólica e mais facilmente serão apanhados nas
armadilhas da identificação e da idealização (FARIA, 2004). A importância do resultado
positivo ao final do período é o que importa – lógica capitalista – independente dos meios
utilizados para alcançá-lo, reforçando assim a máxima “os fins justificam os meios”, ou seja, a
plena utilização da ética funcional.
162
III.6. ASSUMINDO O PARADIGMA – RENDENDO-SE AO PODER (1996-2004)
Este período corresponde ao ano de 1996 e se estende até os dias atuais e “pode ser
considerado um marco na história do Banco do Brasil, com ajustes de dimensões comparáveis
às que sucederam à reforma bancária de 1965 e à extinção da Conta de Movimento em 1986”
(BANCO DO BRASIL – O BANCO DO BRASIL NA HORA DA VERDADE, 1996, p. 5).
No início de 1996, aflorou um grave problema com a qualidade da carteira de créditos do
Banco do Brasil, pois com todo o problema que o país vivenciou nos últimos anos
inflacionários, o Banco continuou assistindo fortemente a atividade produtiva, enquanto os
bancos privados estavam, basicamente, direcionando seus recursos para títulos públicos e
alocando seus recursos na ciranda financeira (BANCO DO BRASIL – REL. ANUAL, 1996).
Esta fase é também conhecida como do autoritarismo de mercado, onde a especulação
financeira se sobrepôs à produção, paralisando, em grande parte, a indústria, a agricultura e
qualquer outro setor que sobrevivesse às custas de financiamento.
A economia ficou bastante desestabilizada, não só em função do estancamento da inflação
proporcionado pelo Pano Real, mas, também, pelo legado econômico deixado pelo governo
anterior (Collor), como a abertura da economia sem a devida regulamentação e,
principalmente, pela estagflação
21
, que culminou, naquele momento, no desequilíbrio do
mercado. Em virtude deste novo cenário, muitas empresas começaram a quebrar e o Banco do
Brasil, que estava muito posicionado em crédito, começou a ter problemas (BANCO DO
BRASIL – REL. ANUAL, 1996).
Em virtude de pressões externas – o congresso pressionava o governo que por sua vez
pressionava a empresa –, o Banco do Brasil começou a fazer composição de dívidas e a
21
Situação na economia onde o declínio do nível de produção e emprego se combinam com uma inflação
acelerada (FORTUNA, 1998).
163
renovar operações de clientes que não tinham como arcar com suas obrigações junto a ele. A
partir de meados de 1995, os créditos sem condição efetiva de serem honrados passaram não
mais a ser “rolados” e foram aprovisionados na conta de prejuízos. Com isso, a inadimplência
começou a aparecer e a realidade da empresa em termos de rentabilidade foi agravada,
levando o Banco do Brasil a uma seqüência de prejuízos que começaram em 1995. Colocava-
se em dúvida a capacidade de sobrevivência do banco. A inadimplência e o conseqüente
prejuízo do banco pode ser creditado ao governo, muito em virtude da sua nova postura –
neutralidade – à rolagem das dívidas e ao controle monetário rígido do meio circulante
(BANCO DO BRASIL – REL. ANUAL, 1996).
Os prejuízos foram bastante significativos. No final do exercício de 1995, o banco teve um
prejuízo de mais de quatro bilhões de reais e, no primeiro semestre de 1996, um prejuízo de
algo em torno de seis bilhões (BANCO DO BRASIL – REL. ANUAL, 1996).
Sugere-se daí um paradoxo, pois apesar da medida do governo de neutralidade aparentar
exatidão ela resultou em prejuízos. Isto porque houve um descasamento do que era esperado
pelos devedores, ou seja, a rolagem da dívida, e o que efetivamente ocorreu, a cobrança. Esse
episódio mostrou a total incapacidade dos devedores, principalmente, os usineiros e os
agricultores em honrar as suas obrigações. Existia no meio rural a cultura da benevolência, da
dádiva (SALES, 1994). Uma cultura em que o Estado tem que suprir todo bem-estar do seu
povo e, neste caso, os próprios também. Foi uma espécie de “apropriação” do Estado, uma
clara evidência do patrimonialismo, ou seja, a apropriação do público pelo privado.
Ao interromper a prática de realizar seus interesses através do Banco do Brasil, o governo –
intérprete dos interesses da classe política – rompe uma relação de dependência que é
característica de um poder relativo. “Este tipo de relação de poder está inserido na base do
autoritarismo” (FARIA, 1985b, p. 24). Neste episódio, ou seja, a partir do rompimento, o
164
banco, que concentrava as tarefas particulares de interpretação e realização dos interesses do
governo, firmou-se nas suas próprias bases de poder.
Desta forma, o banco na figura de seus gestores, aparecia como aparelho onde se
concentravam as tarefas particulares de interesse da classe dominante que resultavam em
ações – do tipo autoritárias – que fluíam, ou melhor, eram impostas aos funcionários para que
as providências fossem tomadas. Esses mesmos funcionários passaram a ter um domínio
próprio para exercer o seu poder.
Esta análise permite se ter uma noção sobre o “novo modelo de poder”, onde o Banco do
Brasil assume a sua autoridade na forma legal em virtude do seu distanciamento do governo
nas tomadas de decisão, principalmente, as de caráter técnico e econômico. Nesta perspectiva,
percebia-se uma influência do neoliberalismo de Estado, que é conduzido de forma a
dissimular sua presença. Desta forma
[...] o autoritarismo, nada tem de ambíguo, pois na história humana o autoritarismo
é. Querer ignorá-lo ou pretender eliminá-lo com um passe de mágica, é
desconhecer a natureza das coisas e dos seres, suas imperfeições e seus valores. A
ambigüidade não gira em torno do autoritarismo, senão em torno das estruturas
capazes de criá-lo (FARIA, 1985a, p. 26).
Sendo assim, foi necessário um segundo movimento de mudança, em um horizonte maior do
que o Programa de Ajustes 95/96. Implementou-se uma série de ajustes para, rapidamente,
tentar equilibrar as finanças da empresa e torná-la mais competitiva. Diante do quadro de
reestruturação do sistema financeiro e de dificuldades enfrentadas por grande parte dos
bancos, o primeiro passo para a elaboração do plano foi a realização de um profundo
diagnóstico da situação da empresa, que trouxe à tona a situação difícil em que ela se
encontrava (BANCO DO BRASIL – REL. ANUAL, 1995).
165
No final de 1995 e início de 1996, como já comentado, aflorou um grave problema com a
qualidade da carteira de créditos do Banco do Brasil em virtude da renegociação e/ou
alongamento das dívidas. Existia um direito para recebimento dos recursos, mas os
mecanismos políticos os bloqueavam (BANCO DO BRASIL – REL. ANUAL, 1996).
Momentaneamente, de acordo com Faria (1985a), as formas pelas quais o capital deveria
reproduzir-se ininterruptamente foram bloqueadas, retirando o lucro do posto de comando,
acentuando-se o aspecto político via mecanismos de correlação de forças que pendia,
autoritariamente, para o lado dominante – governo – que intervinha diretamente no processo.
Na elaboração do programa houve uma tomada de posição científica – dentro do espírito
funcionalista
22
– que foi o retrato do Banco do Brasil. Daí elaborou-se o “Plano de
Reestruturação” com a finalidade de melhor estruturar a empresa para enfrentar o mercado
mais competitivo diante do quadro de estabilização econômica e de internacionalização –
efeito globalização – do setor financeiro. O Plano veio introduzir novas técnicas de gestão de
recursos humanos e de gestão financeira e, também, veio resolver uma série de deficiências
estruturais que o Banco ainda tinha na sua relação com o governo, as quais se encontravam
pendentes de solução (BANCO DO BRASIL – O Banco do Brasil na Hora da Verdade,
1996).
O Plano de Reestruturação, implementado em março de 1996, foi concebido em complemento
ao Plano de Ajustes iniciado em fevereiro de 1995, e era composto de sete pilares
complementares entre si: 1) recomposição da estrutura de capital; 2) reformulação da gestão
da Empresa; 3) melhoria da estrutura de ativos; 4) revisão das práticas de crédito; 5)
22
A “função” e o “funcionamento” são categorias estritamente relacionadas entre si: algo tem uma função, se
favorece o funcionamento do sistema. O funcionalismo é, por isto, a escola sociológica que estuda todos os
problemas sob o aspecto do funcionamento equilibrado e perfeito das sociedades e seus “subsistemas”,
analisando cada fenômeno enquanto contribuição para manter a harmonia do sistema (DAHRENDORF, 1992).
166
modernização tecnológica; 6) reestruturação administrativa; e 7) estratégias mercadológicas.
As principais medidas adotadas foram as seguintes:
Recomposição da Estrutura de Capital
Readequação do Patrimônio Líquido à Resolução Nº 2.099 de 1994 do Banco Central
do Brasil – Índice de Adequação do Capital, Acordo de Basiléia;
Chamada de capital no valor de oito bilhões de reais, por meio da emissão de ações
Ordinárias Nominativas – ON – e Preferenciais Nominativas – PN – “no percentual de
589% da posição acionária existente em 28 de março de 1996, com garantia do
Tesouro Nacional para aquisição de eventuais sobras”;
Aquisição pelo BB Investimentos, junto ao Fundo Nacional de Desestatização e Fundo
de Amortização da Dívida Pública, de ações de primeira linha, de propriedade da
União, até o valor correspondente a R$ 2,9 bilhões, a fim de minimizar efeitos sobre a
dívida pública;
Concessão às ações Preferenciais Nominativas – PN – inclusive às já existentes à
época, do direito de voto restrito para indicação de representante no Conselho de
Administração e no Conselho Fiscal.
A recomposição da estrutura de capital tinha como base central o Acordo da Basiléia que
estabelece limites – máximo e mínimo – de exposição patrimonial. Este acordo colocava “em
cheque” a estrutura de dominação do governo – representado pela classe política – no que diz
respeito a imposições financeiras.
167
Reformulação da Gestão
Estabelecimento de salvaguarda para assegurar a continuidade administrativa e o
cumprimento da missão do Banco do Brasil, com a reformulação do Conselho de
Administração que passou a ter sete integrantes, sendo quatro representantes da União,
dois dos acionistas privados e um dos empregados que fossem acionistas. O
representante dos empregados seria indicado por um clube de investimento – com
participação mínima de 3% do capital social da empresa – formado por funcionários
da ativa ou aposentados;
Introdução da prática de maioria qualificada de cinco votos para aprovação, no
Conselho de Administração, da “Política Geral de Negócios” do Banco, da escolha do
titular da Auditoria Interna e do Auditor Independente e da eleição da Diretoria,
exceto o Presidente nomeado pelo Presidente da República;
Mudança qualitativa do Conselho Fiscal, que passou a contar com dois membros
eleitos pelos acionistas detentores de ações ordinárias, um pelos acionistas
minoritários detentores de ações preferenciais de voto restrito e um pelos detentores de
ações de qualquer espécie, exceto o acionista controlador.
Estas medidas tornavam, aparentemente, a gestão mais participativa, porém a nova
configuração requerida quando analisada com criticidade demonstrava que a força dos
membros apontados pelo governo constituem maioria, portanto, a vontade do acionista
majoritário prevalecerá, neutralizando toda e qualquer reivindicação que não se alinhe aos
objetivos dominantes. Estes fatos demonstram o teor, também, autoritário do Conselho de
Administração.
168
Este fato de dar maior visibilidade aos acionistas minoritários decorreu da necessidade de
melhorar a percepção do mercado sobre a capitalização para que o custo do Tesouro Nacional
fosse o menor possível no processo. A forma encontrada de melhorar a aceitação do mercado
foi dar ao acionista minoritário assento no Conselho de Administração.
Esta foi uma modificação importante que introduziu, ao mesmo tempo, no “modelo de
governança” do Banco do Brasil, um documento chamado “Política Geral de Negócios”. Este
documento estabelecia um conjunto de regras de funcionamento da Organização, à qual a
Diretoria Executiva tinha de se submeter. Essas regras regulavam, principalmente, a relação
do Banco com o governo e a relação das práticas de crédito adotadas pela empresa (BANCO
DO BRASIL – REL. ANUAL, 1996).
Melhoria da Estrutura de Ativos
Redução dos riscos de descasamentos existentes na estrutura de ativos e passivos, com
ênfase no descasamento de moeda, na definição do mix de produtos e na redução do
índice de risco da carteira de crédito;
Redução do prazo de transferência de operações para créditos de liquidação duvidosa;
Equacionamento de pendências remanescentes junto ao Tesouro Nacional.
Este pilar está diretamente relacionado com o controle rigoroso dos recebimentos – direitos –
e pagamentos – obrigações –, os quais englobam os agentes da valorização do capital –
clientes e fornecedores – que caracterizam uma relação de propriedade ou de dependência
econômica.
169
Revisão das práticas de crédito
Modernização dos métodos de trabalho e desenvolvimento de instrumento para
melhorar o gerenciamento de risco, em conjunto com Programa Permanente de
Qualidade do Crédito – desvinculação das funções operacionais e de crédito.
Situa-se no sistema de “controle de risco de crédito”.
Modernização Tecnológica
Investimentos maciços para atualização do parque de equipamentos;
Instalação de novas salas de auto-atendimento, leitores de código de barras e de
cheques, atendendo a todas as agências e cash dispensers em agências e
supermercados; ampliação da capacidade do home banking, dentro do programa Linha
Direta BB; interligação de todas as agências ao sistema de compra e venda de ações
on-line e prestação de serviços bancários por meio da Internet comercial.
A esfera tecnológica impõe aos usuários toda uma gama de recursos, transferindo – a revelia
da sua vontade – os serviços antes executados por funcionários. Essa economia de mão-de-
obra não é repassada aos clientes, o que resulta num excedente, que pode ser caracterizado
como mais-valia.
Reestruturação Administrativa
Ênfase na redução de custos administrativos e na melhoria da capacitação dos
empregados;
170
Foco do novo modelo organizacional em segmentos de mercado – a empresa foi
estruturada em unidades administrativas, denominadas unidades estratégicas de
negócio, de função e de assessoramento;
Revisão do plano de cargos e salários, de modo a não mais privilegiar o fator tempo de
serviço, adotando-se sistema de remuneração flexível e profissionalização com
planejamento autogerenciado de carreira.
Nesse pilar o que mais chama atenção é o autogerenciamento, pois é dada a liberdade de
escolha ao funcionário no direcionamento de sua carreira, mas, o mesmo pagará por uma
escolha errada. Assim, a escolha do direcionamento de carreira deve sempre recair para “o
que a empresa espera de você?” E não para “o que você quer de você?”
Estratégias Mercadológicas
Inserção definitiva nos mercados de capital, de seguridade, de agribusiness, de
negócios com o Governo, de administração de fundos de investimentos e de dinheiro
eletrônico (BANCO DO BRASIL – O Banco do Brasil na Hora da Verdade, 1996).
O incentivo ao uso do dinheiro eletrônico vem como conseqüência da violência, que é a forma
mais literal do uso da coerção nos dias de hoje. Isto se traduz na ilegalidade dominando a
escolha/vontade da sociedade.
De todas as medidas adotadas no Plano de Reestruturação, a capitalização, que fazia parte do
Programa de Recomposição da Estrutura de Capital, foi a que causou mais impacto na opinião
pública e no público interno do Banco do Brasil, em função do volume financeiro
apresentado. Para colocar o Banco em uma nova posição de equilíbrio, foi necessária uma
mega-capitalização no valor de oito bilhões de reais. Foi uma capitalização jamais vista no
mercado brasileiro, para repor a condições de reais de solvibilidade do Banco, com o nível de
171
capital mínimo para operar em patamares adequados (BANCO DO BRASIL – REL. ANUAL,
1996).
A capitalização foi uma espécie de acerto de contas com o acionista majoritário que foi levado
ao limite, até o ponto de apresentar-se uma conta de oito bilhões de reais e ele assumi-la.
Então, o acionista fez o seu papel (BANCO DO BRASIL – Profissionalização, out/96).
O Banco do Brasil chegou naquele ponto tendo o governo como controlador e foi o próprio
governo que o deixou chegar naquele ponto. Portanto, era razoável supor que o governo, de
alguma maneira, estivesse de acordo com a mudança de rumo que exigia, de fato, um nível de
capitalização expressivo – oito bilhões de reais. O governo, implicitamente, através da
capitalização reconheceu que, de fato, ele “errou” ao longo do tempo em beneficiar, com
anistias ou renegociações de créditos, determinadas categorias ou segmentos de classe e,
portanto, precisava, corrigir o erro.
Mas a iniciativa de capitalização foi interna ao Banco do Brasil. O governo, em nenhum
momento, deu qualquer sinalização de que entendia como saída para a Empresa aquele nível
de capitalização. A situação foi identificada a partir de estudos internos que levaram à
conclusão de que, sem aquela providência, muito dificilmente o Banco conseguiria avançar
(BANCO DO BRASIL – Profissionalização, nov/95).
Tratava-se de uma adaptação administrativa do governo – acomodação estratégica – com
relação à gestão do Banco do Brasil, referendada pela lógica neoliberal por ele adotada, que se
mostrava benéfica e sem risco, já que o seu poder político não estava de forma alguma sendo
posto em questão por esta renúncia à fixação de detalhes; ao contrário, pode-se argumentar
que diante deste novo paradigma – neoliberalismo – ele se reforçou ao dissimular suas formas
mais nítidas e os seus meios mais eficientes de controle. Segundo Faria (2004), este recuo
172
estratégico é uma característica da perspectiva “monística”, mas ao “liberar” o banco para
prover os seus desígnios, assume-se como de perspectiva “dualística”, que não pode ser
encarada como um passo necessário para eliminação do autoritarismo na empresa.
A necessidade de capitalização demandou, ainda em 1995, a realização de elevadas provisões,
acarretando prejuízos significativos. O Banco do Brasil aprovisionou quase doze bilhões de
reais e por isso mesmo houve a necessidade de aumentar o capital para ajustar-se ao nível de
patrimônio que o Banco Central requeria (BANCO DO BRASIL – REL. ANUAL, 1995).
No entanto, a capitalização foi parte de um projeto estruturado de reformas pelas quais tinha
de passar o Banco do Brasil, para que não mais surgissem as questões do passado, que o
deixaram na situação em que se encontrava. O Banco do Brasil mudou por uma questão de
sobrevivência (BANCO DO BRASIL – REL. ANUAL, 1995). Acrescenta-se a isso a questão
da renúncia às suas origens e ao significado da sua representação social.
Em decorrência da capitalização, a base acionária do Banco do Brasil ficou assim distribuída
em 31 de dezembro de 1996: 72,7% das ações com o Tesouro nacional; 5,5% com o
BNDESpar Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico Participações, 14,8% com
quatro grandes fundos de pensão, 1,0% com investidores estrangeiros e 6,0% com os outros
381.419 acionistas (BANCO DO BRASIL – REL. ANUAL, 1996).
Houve preocupação do Banco do Brasil com as possíveis interpretações e com a repercussão
que poderia trazer ao mercado capitalização de tamanha magnitude de recursos. Foi feito um
trabalho em nível internacional para explicar em cada país o que o Banco do Brasil estava
fazendo, porque havia dado aquele prejuízo e porque precisava do aporte de capital. Isso foi
assimilado pelo mercado, e o fato de ter sido mostrada a deficiência operacional da empresa,
173
principalmente, pela qualidade ruim dos créditos, acabou abrindo portas para todo o processo
de reformas que ocorreu (BANCO DO BRASIL – REL. ANUAL, 1995).
Havia, ainda, outro problema de grande magnitude relacionado à falta de aprovisionamento
das obrigações com a aposentadoria dos funcionários empossados antes de 1967, ano em que
foi criada a PREVI-Caixa de Previdência dos Funcionários do Banco do Brasil, o fundo de
pensão dos funcionários. Quando surgiu a exigência de registro desses valores, aumentou o
“rombo” que já havia, proveniente das provisões decorrentes de créditos inadimplidos –
vencidos e não pagos (BANCO DO BRASIL – REL. ANUAL, 1996).
Foi necessária muita negociação, concretizada em 1997 com a transferência, para o fundo de
pensão das obrigações para pagamento em até 32 anos pelo Banco do Brasil, para solucionar
o problema (BANCO DO BRASIL –REL. ANUAL, 1997).
A relação capitalista que advinha da negociação Banco do Brasil versus PREVI, se torna
nítida com o resultado do pleito que transferia um montante de, aproximadamente, quatro
bilhões de reais. Essa relação tem característica dupla, de “Propriedade Real” e “Propriedade
Legal”, funcionando o Banco do Brasil como controlador econômico e dos meios que
distinguem a atividade fim da PREVI, respectivamente, na perspectiva analítica de Faria
(2004).
Seguindo a perspectiva de Faria (2004), essas iniciativas reforçam a característica “monística”
já observada, pois, ao invés de colocar os agentes “em pé de igualdade”, um ao lado do outro,
os coloca em separado, pelo grau de importância e de efetiva influência, naquele momento.
Ao mesmo tempo em que aparentam um tratamento igualitário, as iniciativas tendem a
esconder a real correlação de forças, visto que por detrás das negociações existe a figura
marcante do governo, o que reforça a tese de uma perspectiva “dualística”. Como exemplo
174
dessa constatação, na negociação de transferência das obrigações para pagamento de salários,
temos na configuração do Conselho de Administração
23
a realidade dessa presença, da mesma
forma com relação à capitalização.
Em continuidade ao ajuste iniciado em 1995 com o PDV-Programa de Desligamento
Voluntário, foi implementado o PAQ-Plano de Adequação dos Quadros de Pessoal, de cunho
permanente, com o objetivo de incentivar a transferência de funcionários para praças de difícil
provimento e desligamento voluntário incentivado de pessoal. Assim, em 1996, houve
redução de 9.308 empregados e 7.033 estagiários nos quadros do Banco do Brasil, que fechou
o ano com 99 mil funcionários (BANCO DO BRASIL – REL. ANUAL, 1996).
O PAQ já não causava tanto temor por parte dos funcionários em virtude da experiência
apreendida com o PDV, mas de qualquer forma a ameaça de transferência para praças
longínquas obrigou o funcionário a uma tomada de decisão, que recaiu para a demissão, visto
que toda sua estrutura familiar estava consolidada nos grandes centros. Segundo o Jornal
Bancário, havia uma clara e manifesta demonstração do Banco do Brasil em proporcionar
duas opções aos funcionários: “[...] você vai e perde a família ou você fica e perde o banco”
(BANCÁRIO, OUT/97).
Neste mesmo período, foram desativadas setenta e seis agências deficitárias e trinta e quatro
CESEC-Centros de Processamento de Serviços e Comunicações, o que resultou na
centralização de diversos serviços nos níveis estadual e regional, com conseqüente queda nos
custos operacionais. Mais de 2.050 imóveis foram alienados, no ano, em continuidade ao
Programa de Desimobilização (BANCO DO BRASIL – REL. ANUAL, 1996).
23
O Conselho de Administração do Banco do Brasil é composto por acionistas, eleitos pela Assembléia Geral, e
terá sete membros. É assegurado aos acionistas minoritários, o direito de eleger ao menos dois conselheiros de
administração e caberá a União – grifo do autor – indicar cinco conselheiros de administração (BANCO DO
BRASIL – REL. ANUAL, 1996).
175
O Plano de Reestruturação englobava outro aspecto considerado de grande relevância, que era
a modernização tecnológica. Para isso, foi necessário um investimento maciço em tecnologia.
Havia, também, no Banco do Brasil, na época, uma falta de padronização muito grande de
canais, de pontos de atendimento e de agências. Então, decidiu-se dotar toda a rede de
agências com padrão visual único e, também, fornecer toda a infra-estrutura tecnológica
necessária para o banco, pelo menos, dobrar a quantidade de clientes. O processamento
tecnológico era dividido em dez centros espalhados pelo País e foi centralizado em Brasília. O
centro de processamentos do Banco, praticamente, triplicou de tamanho. Houve intensa
implantação de terminais de infra-estrutura tecnológica nas agências (BANCO DO BRASIL –
REL. ANUAL, 1996).
No que diz respeito aos Programas Melhoria da Estrutura de Ativos e Revisão das Práticas de
Crédito, foi realizada auditoria nos créditos do Banco, com aprovisionamento, no País, de
todos aqueles considerados de difícil recuperação, o que acarretou na necessidade de
capitalização, já comentada (BANCO DO BRASIL – REL. ANUAL, 1996).
Com o objetivo de desvincular as funções de análise e estabelecimento de limites de crédito –
risco – das funções operacionais – negócios – criou-se uma Central de Análise de Crédito em
São Paulo, para permitir melhor seletividade no deferimento das operações, minimizando os
riscos do processo, onde era mais crítica a situação de inadimplência. Houve apoio por parte
dos funcionários à nova postura de concessão de crédito posterior à capitalização, mas havia
insatisfações, em função da mudança de procedimentos, principalmente da “classe política”,
que estava acostumada a ter seus pleitos atendidos em questões relacionadas às operações de
crédito da empresa (BANCO DO BRASIL – REL. ANUAL, 1996).
A gestão capitalista impõe os interesses do capital aparecendo como uma afirmação do poder
político que consiste em perpetuar a dependência e a subordinação, retirando do responsável
176
pela condução do processo o direito de gerir o capital (FARIA, 2004). Ao interromper essa
prática, o Banco do Brasil tomou para si a responsabilidade da gestão, estabeleceu-se, daí,
uma nova relação com a classe política, mas manteve-se o seu controle nas mãos do governo.
As solicitações, antes imposições, foram atendidas, assim como qualquer operação de crédito,
mediante análise prévia, com aval do corpo técnico do banco.
A mudança mais significativa do período 1995 a 1998 foi de natureza cultural e relacionada à
motivação de pessoas. Os funcionários estavam desmotivados com o estado de destruição em
que se encontravam as agências, principalmente no que diz respeito aos aspectos
tecnológicos. Com as mudanças, foi alterado o clima organizacional e as pessoas passaram a
sentir que trabalhavam em uma empresa que estava vencendo (BANCO DO BRASIL –
Profissionalização, mar/98). Levaram-se em conta os aspectos capitalistas de exploração que
têm na “subsunção real de natureza subjetiva” seu enquadramento e, segundo Faria (2004,
vol. 2, p. 49), pode assim ser compreendido:
Quando ocorre uma relação político-ideológica e psicossocial entre o capital e o
trabalho, de forma que aquele se apropria, através de mecanismos sutis, da
consciência deste pelo seqüestro de sua subjetividade. A ciência do
comportamento, em sua forma de tecnologia de gestão, é intensamente aplicada
sobre a capacidade de trabalho. É relativa ao modo contemporâneo,
especificamente, capitalista de produção.
Daí verifica-se que a influência do capital justificou toda onda de reformulações – tecnologia
de gestão e de organização – pela qual passou o Banco do Brasil, pois “[...] a teoria geral da
administração está repleta de verdades. Tais verdades, por estarem relacionadas não com a
história do pensamento científico, mas com a história do pensamento capitalista, fazem da
teoria administrativa a própria teoria da gestão autoritária” (FARIA, 1985a, p. 193).
Na consecução do Programa de Estratégias Mercadológicas, deu-se prioridade ao segmento
de varejo em razão de sua melhor rentabilidade para a Empresa, dos efeitos positivos da maior
diversificação de risco e da otimização do aproveitamento da rede de atendimento. “Em
177
nenhum outro momento da história do Banco do Brasil foi adotado um conjunto de ações com
tamanha abrangência para situá-lo no contexto dos novos tempos” (BANCO DO BRASIL –
REL. ANUAL, 1996, p. 5).
Apesar de todo movimento de ajustes, o lucro de quase duzentos e cinqüenta e cinco milhões
de reais do segundo semestre de 1996 não foi suficiente para reverter o prejuízo do primeiro
semestre e assim o Banco do Brasil fechou o ano com prejuízo de sete e meio bilhões de reais
(BANCO DO BRASIL – REL. ANUAL, 1996).
Durante 1997, verificou-se que continuava a perda crescente de participação da atividade no
PIB devido ao estremecimento do sistema financeiro e à chegada dos conglomerados
internacionais que exigiram novas estratégias de redução de custos, de ampliação de
investimentos em tecnologia, de restabelecimento da cultura de crédito e de disseminação da
necessidade de foco nos resultados e capacitação de funcionários (BANCO DO BRASIL –
REL. ANUAL, 1997).
Apesar desse contexto nebuloso, o Banco do Brasil continuou demonstrando capacidade de
adaptação às exigências do mercado, oferecendo novas opções de crédito e outros produtos e
serviços moldados de acordo com a nova realidade econômica. Em 1997, a empresa fez
esforço extra no sentido da ampliação de sua base de clientes e, para sustentar esta nova fase,
continuou a realizar investimentos maciços em novas tecnologias, pilar para qualquer projeto
de expansão de negócios (BANCO DO BRASIL – REL. ANUAL, 1997).
Com o objetivo de se ajustar à expansão, o Banco do Brasil criou o Programa Novos
Gestores, em 1997. Treinou, no mesmo ano, 439 funcionários com objetivo de identificar,
desenvolver e certificar profissionais para atuarem em qualquer unidade da empresa e atender
a essa nova demanda (BANCO DO BRASIL – REL. ANUAL, 1997).
178
Foi instituído o novo PCS-Plano de Cargos e Salários definindo os salários com base na
prática de mercado e corrigindo o crescimento vegetativo da folha de pagamentos gerado
pelas promoções automáticas por tempo de serviço. Também, implementou-se o PCC-Plano
de Cargos Comissionados por nível de responsabilidade funcional, com o objetivo de torná-lo
compatível com a arquitetura organizacional da Empresa e de criar maiores opções de
crescimento profissional para os funcionários.
A continuação e expansão do Programa de Qualidade Total, que integrou todos os
funcionários na construção de um novo banco, levou à conquista do certificado ISO 9002 para
a administração de Traveller’s Cheques, em outubro de 1997, e para a Central de Análise de
Crédito, em novembro do mesmo ano.
Também em 1997, efetivou-se a negociação do Banco do Brasil com a PREVI-Caixa de
Previdência dos Funcionários do Banco do Brasil do passivo referente à complementação de
aposentadoria do pessoal admitido pela empresa até 14 de Abril de 1967 e procedeu-se a
mudanças no estatuto e no plano de benefícios daquela entidade. O acordo do Banco com a
PREVI permitiu a redução do passivo referente ao complemento de aposentadorias, que
deverá ser amortizado em aproximadamente 32 anos.
As mudanças ocorridas a partir de 1995 revelaram que a maior instituição financeira da
América Latina adquiriu notável sentido de velocidade e de capacidade de adequar-se às
transformações do meio, saindo de um resultado negativo em 1996 e atingindo lucro, embora
modesto, no exercício de 1997 – R$ 573,8 milhões em valores correntes (BANCO DO
BRASIL – REL. ANUAL, 1997).
Ao corrigir seu rumo, nos últimos anos, o Banco do Brasil reconstruiu parâmetros de
qualidade do crédito, diversificou a oferta de produtos e serviços, racionalizou custos e
179
investiu intensivamente em tecnologia. O resultado conquistado em 1998 assinalou o acerto
das medidas adotadas de redução de despesas de pessoal; de incremento das receitas de
prestação de serviços; de novo modelo de gestão do crédito; e de adoção de mecanismos
inovadores na recuperação de créditos (BANCO DO BRASIL – REL. ANUAL, 1998).
O que fica evidente é a opção do Banco do Brasil por um modelo voltado para o mercado e
que este não possui qualquer tentativa contínua de abordar a questão do poder social e da
intervenção humana, principalmente, quando assinala o acerto das medidas adotadas sem
discutir os seus efeitos sobre os funcionários. Este tipo de modelo, segundo Morgan (1990),
possui uma lógica evolucionária que subordina a ação individual e coletiva aos imperativos de
eficiência e sobrevivência, que vão muito além da influência humana.
Ao correlacionar o resultado final com o “acerto” das medidas, o Banco do Brasil confirma a
máxima de que “os fins justificam os meios”. Isto está diretamente relacionado, na
perspectiva de Faria (2004), ao cunho capitalista que possuem duas estratégias diferentes, as
que centram ações diretas e explícitas e as que centram o sistema em ações sutis e indiretas
cuja posição ideológica sustenta-se em uma mesma base geral que é a afirmação do controle
de tudo e de todos.
Assim, as medidas iniciadas em anos anteriores tiveram continuação, principalmente no que
se refere à política de pessoal, à atualização tecnológica e ao lançamento de novos serviços,
como foi o caso do Plano Ouro de Serviços para clientes pessoas físicas, que consistia no
pagamento de tarifa única mensal pela utilização de diversos produtos e serviços. Pela
primeira vez na sua história o Banco do Brasil baseou seus ajustes num programa de longo
prazo. O que demonstra um certo amadurecimento com relação aos seus processos e na sua
relação com o governo ou apenas um recuo estratégico por parte deste, que, aparentemente, ao
180
assumir o seu erro no episódio da capitalização, salvaguardou-se de um confronto que poderia
propiciar uma coalizão indesejada da cúpula da Empresa.
A preocupação com resultados incorporou-se de forma definitiva em todas as ações da
empresa, com a adesão dos funcionários aos novos desafios mercadológicos. A mudança de
mentalidade, traduzida na adoção de paradigmas competitivos na cultura interna de uma
empresa centenária, foi o maior triunfo. “O Banco passou a ser uma empresa moderna, com
ênfase na sua natureza empresarial, sem perder o compromisso com a sociedade brasileira”
(BANCO DO BRASIL – REL. ANUAL, 1998, p. 55).
Houve evolução nos três pontos destacados como os principais problemas em 1995 (estrutura
de custos, inadimplência e hiato tecnológico). A tecnologia evoluiu bastante. Talvez seja o
ponto mais bem sucedido das mudanças, no período. Na questão da estrutura de custos,
também, houve uma evolução importante. A redução do quadro de pessoal permitiu dar ao
Banco do Brasil uma situação mais favorável em relação ao futuro, na perspectiva dos custos.
Mas, na inadimplência, talvez, não tenha havido o desempenho esperado, embora avanços
significativos tenham ocorrido.
O Banco do Brasil implementou modificações importantes de 1995 a 1998, do ponto de vista
de modernização, de ajuste interno e de folha de pagamento. De maneira geral, neste período,
o Banco do Brasil agiu por antecipação, não permitindo que os problemas ganhassem uma
dimensão que, eventualmente, pudessem levar a situação irreversível, pois se encontrava com
acentuada inadimplência, com defasagem tecnológica em relação à concorrência e com
estrutura de custos inadequada à sua capacidade de geração de receitas (BANCO DO
BRASIL – REL. ANUAL, 1998).
181
Nesse contexto, como já assinalado, o Banco do Brasil passou por ajustes estruturais
profundos, por meio de um “choque de administração e de resultados”, firmando sua posição
como banco de varejo no mercado brasileiro.
Na tipologia “bases do poder” de Faria (1985b), o Banco do Brasil reforçou o estilo
“tradicional” de autoridade, onde há uma vinculação “patrimonialista” que se renova de
maneira racional e legalista se investindo num modelo burocrático, mas em contexto
altamente turbulento para a organização. As interferências externas e as condições ambientais
pressionaram, fortemente, o Banco do Brasil em seus resultados e comportamentos,
direcionando a escolha do estilo adotado. Outro fator de influência deveu-se ao ambiente
político favorável à estabilização e à redução da participação do Estado na economia –
neoliberalismo.
Os efeitos dessas mudanças, no que diz respeito ao resultado financeiro foram positivos. Mas,
não houve perenidade nas transformações e alguns desgastes eram visíveis, em função de
descontinuidade administrativa.
Durante todo esse período de mudanças, houve resistências tanto de clientes, quanto da
concorrência e dos funcionários. No que se refere aos clientes, a resistência maior veio dos
ruralistas, que eram representados por uma parcela da elite política tomadora de crédito, os
usineiros.
Apesar de toda resistência o Banco do Brasil adaptou-se rápido ao novo cenário, tendo ainda
muitos desafios. Com o estreitamento dos spreads e a incorporação dessa cultura, ficou muito
mais difícil para o sistema financeiro sobreviver, visto que o Banco do Brasil estrutura-se em
bases de custos elevados, tornando difícil a obtenção de margem de lucro que garantisse a
cobertura.
182
Um dos principais desafios a ser superado estava relacionado com a posição do Banco do
Brasil no crédito rural.
Porém, no que diz respeito à inadimplência do setor rural, que era o grande problema até
1995, o quadro havia sido revertido e nas novas operações realizadas após 1995, os níveis de
créditos não honrados eram baixos. De qualquer forma, em função da globalização do
mercado e das necessidades de modernização do setor agrícola, o Banco do Brasil
desenvolveu mecanismos facilitadores da realização de negócios, com destaque para o “site
de agronegócios” como opção em termos de internet para a compra de produtos agrícolas no
Brasil.
O Banco do Brasil passava por fase de reafirmação de seu processo de abertura para o
mercado, porém com fragilidade no que diz respeito aos seus mecanismos de controle e
dedicou-se, nesse período, à consolidação dos ajustes estruturais iniciados no período anterior.
Dentro da tipologia utilizada por Faria (2004), o Banco do Brasil situou-se segundo a análise
de controle nas organizações capitalistas dentro das seguintes instâncias:
[...] Mítica, que permite compreender como o mito atua na organização, desde o
mito fundante, original, através do qual a organização remete à sua história oficial,
ao seu passado, até o mito contemporâneo, à crença em uma organização capaz de
preencher todos os desejos e necessidades e; Social-histórica, que analisa a forma
como a organização garante o cumprimento de sua missão, sua trajetória e seu
projeto (vol. 3, p. 27 e 35).
Embora essa fase tenha sido de consolidação dos ajustes estruturais iniciados anteriormente,
muito desse processo de ajustes sofreu descontinuidade. Os casos mais evidentes estão
relacionados à desaceleração dos negócios de seguridade e a pouca ênfase dada aos ajustes
relativos à curva de custos.
Dessa forma, mesmo com variáveis ambientais sinalizando reajustamento nas estruturas do
setor, com queda de participação no PIB, e com rearranjo decorrente das fusões e aquisições,
183
caracterizando forte presença para os competidores do setor, o Banco do Brasil exerceu de
maneira tímida sua capacidade de escolha e de realização de mudanças complementares às do
período 1995 a 1998, o que se deveu, em parte, as ingerências pontuais exercidas pelo
governo (BANCO DO BRASIL – REL. ANUAL, 1998).
Por outro lado, pelos tipos de escolha estratégica de Hrebiniak e Joyce (1985), esteve
presente, no mesmo período, o alto determinismo e a alta capacidade de escolha do Banco do
Brasil na adoção de medidas de adequação da Empresa à regulação da supervisão bancária.
Com esse propósito, foi criada a Diretoria de Controle e foram introduzidos mecanismos de
gerenciamento de riscos na Empresa.
A adaptação organizacional adotada pode ser definida como reativa, já que as mudanças
foram realizadas, basicamente, por imposição ambiental, principalmente, no caso das
exigências da supervisão bancária.
No entanto, o resgate do papel de apoio ao desenvolvimento versus banco de mercado reforça
o caráter defensivo da adaptação organizacional do Banco do Brasil no período.
A Empresa não resolveu de forma definitiva essa dualidade, que ganha maior ou menor
importância na Organização em função do posicionamento pessoal de quem ocupa o cargo de
presidente, mostrando que a defesa do domínio “banco de políticas públicas” fica apenas
latente na Organização, aflorando sempre que o contexto interno permite e/ou demanda a sua
volta.
Assim, compatível com o que defende Faria (2004), o Banco do Brasil aperfeiçoou
/intensificou o seu sistema de controle, visando um imaginário de eficiência, em que a
“coalizão” (Mintzberg, 1983) dominante passou a ter maior força entre os executivos. Da
mesma forma teve lugar o planejamento orientado pelo custo e a alta centralização do
184
controle, que, de acordo com o autor, são características dos níveis “econômico”, “político-
ideológico” e “psicossocial” de adaptação.
Neste período, as principais estratégias adotadas foram: 1) crescimento por meio do aumento
da base de clientes; 2) relacionamento com os clientes; 3) novos canais de distribuição, com a
introdução da internet e criação do Portal BB; 4) eficiência operacional, como um dos pilares
estratégicos da organização para o triênio 2000 a 2002; 5) controle de custos; 6)
racionalização de processos internos e inovação; 7) busca de resultado econômico; 8)
desenvolvimento da percepção de utilidade para a sociedade.
Anteriormente, como já assinalado, apesar das forças ambientais econômicas e da
reorganização do setor exigirem mudanças, o Banco do Brasil foi capaz de elaborar
minuciosos planos de transformação organizacional. O primeiro plano foi o Programa de
Ajustes 95/96, lançado em 1995, e o segundo foi o Plano de Reestruturação, lançado em 1996.
Esses planos foram de iniciativa da empresa, que após diagnóstico detalhado de sua situação
econômica, financeira, mercadológica e competitiva, estruturou a melhor forma coordenada
de sair da crise em que se encontrava. Pelo modelo de Mitzberg (1983), os planos abrangeram
todos os aspectos mais relevantes da gestão empresarial e incluíram medidas e negociação
com os principais “stakeholders” e membros da “coalizão interna” naquele contexto, quais
sejam, os proprietários e os funcionários.
A adaptação organizacional por que passou o Banco do Brasil, no período, pode ser
caracterizada como “Analista”
24
na tipologia de Miles e Snow (1978), em função da
convivência dos aspectos mais tradicionais do negócio bancário com os negócios mais
instáveis, como no caso de seguros, em que o Banco do Brasil avançou no período.
24
Tipo “Analista” consiste em diferenciar estrutura e processos para os dois domínios existentes, ou seja, o
paradoxo de se competir no mercado sem se expor ao risco (MILES E SNOW, 1978).
185
No cenário mais estável, o Banco do Brasil fez campanhas de captação e de recuperação de
créditos, na tentativa de reequilibrar a situação financeira debilitada em que se encontrava, em
função da inadimplência, da estrutura de custos inadequada à geração de receitas e da
defasagem tecnológica existente perante a concorrência. Nessa parte estável, o Banco do
Brasil procurou aumentar a base de clientes detentores de conta-corrente e diversificar seus
produtos com lançamento de modalidades diferentes de produtos tradicionais (BANCO DO
BRASIL – REL. ANUAL, 1997).
O Banco do Brasil identificou-se com o que Faria (1985a) caracteriza como tipo “autoritário”,
onde os administradores do topo observam as novas idéias dos concorrentes e adotam
rapidamente as que aparentam ser mais promissora – benchmarking. Para Johann (2004), o
fato é que a introdução deste “modismo” apresenta severa limitação quando se trata de obter
um elevado e permanente grau de comprometimento por parte dos funcionários. Até porque
causa danos irreversíveis à relação de confiança mútua entre capital e trabalho, ruptura essa
que pode significar a verdadeira diferença entre o sucesso e o insucesso da empresa.
A parte mais estável dos períodos anteriores às atividades voltadas para o desenvolvimento do
País manteve-se relativamente preservada, mas com profunda mudança de relacionamento da
empresa com o acionista majoritário, o governo. As atividades exercidas em nome deste
passaram a ser negociadas para garantir recursos, assunção de risco e adequada remuneração
ao Banco do Brasil pelo serviço prestado (BANCO DO BRASIL – REL. ANUAL, 1997).
O problema administrativo foi relevante no período. A solução para o “problema
administrativo” passou pela gestão mais eficiente que englobava três medidas corretivas. A
penetração no mercado com aumento da base de clientes e pelo desenvolvimento de produtos,
com entrada definitiva nos negócios de seguridade. Da mesma forma, foi dado foco na
inovação de produtos relativos a crédito, a capitalização, a fundos e a cartão de crédito; a
186
promoção de um “salto tecnológico”, resultado de investimentos maciços em tecnologia
dentro de um plano de modernização tecnológica iniciado no período anterior e que teve seu
ápice no período em questão; a Empresa centralizou o controle, implantou nova estrutura
organizacional por função e por produtos, posteriormente por mercados, valorizou os
instrumentos de marketing e de planejamento e adotou a avaliação de performance por
unidade de negócio e de desempenho de administradores. Também foram adotados
mecanismos de seleção e treinamento de novos gestores (BANCO DO BRASIL – REL.
ANUAL, 1998).
O governo, nos seus vários segmentos políticos, ao tratar com maior eficiência dinheiro
público aplicado em ações do Banco do Brasil, assumiu o desejo da sociedade. Embora a
iniciativa de ajustes tenha sido interna, seguindo a liderança do Presidente da Instituição no
período, o aliado mais importante foi o governo que capitalizou a empresa em oito bilhões de
reais (BANCO DO BRASIL – REL. ANUAL, 1999).
Este desejo da sociedade está relacionado com a mudança de postura do governo, pois, apesar
de não negar o seu domínio sobre o banco, este passa a basear-se em critérios técnicos. A
relação que se caracterizava por ser exclusivamente monística, passa a ter um cunho
dualístico. A figura de quase um interventor passa a ser a de a um aliado. Este paradoxo
constituído pela transformação da relação de dois dos elementos mais importantes desta
pesquisa (governo e BB), ratifica as manifestações autoritárias aqui pontuadas.
Dentre os “stakeholders” descritos por Mintzberg (1983), os que mais influenciaram o Banco
do Brasil, neste período, foram: o Banco Central, o CMN e outros órgãos reguladores, estes
considerados partes integrantes da “coalizão externa” e componentes do item governo no
modelo. Estes dados são reveladores e mostram a importância em se confrontar este
paradigma com o da pesquisa, pois os elementos dele extraídos servem para referenciar o
187
autoritarismo no Banco do Brasil, principalmente, no que diz respeito à influência “governo”
e suas várias vertentes.
Após todo o processo de forte crescimento e de revolução interna, foi necessário um período
de consolidação em que foram avaliadas as medidas adotadas e aperfeiçoadas as ações
planejadas. O período de 1999 a 2000 teve essa função. O Banco do Brasil superou o cenário
restritivo que se desenhou com a crise cambial de janeiro de 1999 e o aperto de liquidez da
indústria bancária e dedicou-se à implementação de ajustes organizacionais voltados para
consolidar os instrumentos de controle e gerenciamento de riscos (BANCO DO BRASIL –
REL. ANUAL, 2000).
Nesse período, a empresa esforçou-se para consolidar as mudanças introduzidas no período
anterior, por meio da busca de equilíbrio entre fazer negócios e fazer a coisa certa, da maneira
certa. Esse contexto demandou do Banco do Brasil a implantação de um processo de
“arrumação da casa” para trazer o Banco para uma situação de equilíbrio. Esse processo
provocou um movimento pendular. O Banco do Brasil foi para a outra ponta e despreocupou-
se com os aspectos internos da empresa. Foi necessário um movimento de volta para os
processos internos, sem deixar de se preocupar com o mercado e seus componentes (BANCO
DO BRASIL – Profissionalização, fev/99).
Essa pretensa volta é apenas a afirmação mais aguda da opção do Banco do Brasil por um
modelo autoritário cuja base está no controle.
Dessa forma, o Banco do Brasil implementou, em 1999, ajustes organizacionais em sua
estrutura para adequar-se às disposições da Resolução CMN 2.554, que versa sobre sistema de
controles internos. Nesse sentido foi criada a Diretoria de Controle, que passou a coordenar as
unidades “Contadoria”, “Controladoria” e “Controles Internos”, com o objetivo de concentrar
188
os mecanismos de controle da empresa (Banco do Brasil, 1999). A Unidade “Controles
Internos” foi criada a fim de garantir que os negócios do Banco do Brasil fossem conduzidos
de acordo com as leis e regulamentos aplicáveis, com as exigências da supervisão bancária e
com as políticas e procedimentos internos.
Ao mesmo tempo em que detinham essas atribuições, os mecanismos de controle partem de
uma origem na qual a ênfase estava na repressão e na hierarquia e, sem abandonar esta
origem, investem atualmente e de forma sutil sobre a psique humana, cumpre um roteiro que
poderia ser qualificado como de “[...] busca a gênese das formas de controle e sua
manifestação no capitalismo contemporâneo” (FARIA, 2004, vol. 3, p. 19).
Em julho de 1999 foi alterada a estrutura interna da subsidiária BB-DTVM Distribuidora de
Títulos e Valores Mobiliários, para atender à Resolução do CMN, que dispõe sobre a
segregação da administração de recursos próprios e de recursos de clientes. Foram retiradas
da BB-DTVM as atividades de administração de seus próprios recursos, a fim de assegurar o
interesse dos cotistas de fundos e de buscar transparência na gestão de recursos de terceiros
(BANCO DO BRASIL – REL. ANUAL, 1999).
Também em 1999 o Banco do Brasil publicou edital de concorrência para a contratação de
consultoria especializada para aperfeiçoamento dos seus modelos de análise de risco e
estabelecimento de scoring de clientes e para desenvolvimento de modelo de gestão de risco
da carteira de crédito (BANCO DO BRASIL – REL. ANUAL, 1999). Reforça a velha
máxima do “vale quanto pesa”, contrariando a lógica da “oferta e procura”, pois o Banco do
Brasil somente oferece recursos àqueles que dispõem – autoritarismo do mercado?
189
Foram feitos esforços de desenvolvimento de relacionamento com o governo no atendimento
de suas necessidades como cliente e de implementação do Projeto Segmentação e de expansão
da base de clientes.
Durante o ano de 2000, “o Banco do Brasil agregou as qualidades de empresa competitiva e
moderna à função de principal agente financeiro da União, integrado ao ambiente da nova
economia” (BANCO DO BRASIL – REL. ANUAL, 2000, p. 4).
O Banco do Brasil, em nível de discurso, estabelece que a ênfase na atuação mercadológica e
a busca por resultados crescentes estiveram em sintonia com o seu compromisso de ser útil à
sociedade, pois o valor adicionado ao cliente e ao acionista ampliou-se com a execução de
programas governamentais, com as iniciativas para a valorização da cultura e do desporto e
com as ações sociais desenvolvidas pela FBB-Fundação Banco do Brasil (BANCO DO
BRASIL – REL. ANUAL, 2000). O BB procura com isso justificar a coexistência do banco
social com o banco de mercado, mas, pelo relato, o que se observa é que ele funciona como
um repassador de recursos dos programas assistencialistas do governo e que as suas funções
sociais foram absorvidas pela FBB. Assim, sendo a função primeira da empresa capitalista o
lucro, essa coexistência inexiste, pois o “social” e o “mercado” são funções antagônicas.
O Banco do Brasil direcionou seu esforço para atividades essenciais do negócio bancário,
trabalhando também para interiorizar o crédito, revelar oportunidades e descobrir novos
nichos de mercado e, assim, responder às expectativas e necessidades dos clientes e das
comunidades. Mas, o papel dual da Empresa, de “agente de políticas públicas” e de “banco de
mercado”, passou a ser visto como seu diferencial e sua principal vantagem competitiva.
Atuou em sintonia com as peculiaridades locais para expandir negócios, promover as
pequenas e médias empresas, incentivar a agricultura e as exportações brasileiras (BANCO
DO BRASIL – REL. ANUAL, 2000).
190
O aperfeiçoamento dos produtos e serviços, a modernização dos pontos de atendimento, a
automação de processos e o aumento de produtividade foram os principais objetivos
perseguidos pelo Banco do Brasil, durante o ano 2000, que teve como orientação básica três
dimensões impulsionadoras: a eficiência operacional, a otimização dos mercados já atendidos
pela Empresa e o resultado econômico (BANCO DO BRASIL – REL. ANUAL, 2000).
O desempenho de 12,2% de retorno sobre o patrimônio líquido, no ano, foi marcado pela
ênfase na expansão dos negócios, no controle de custos operacionais, na busca da excelência
na gestão de riscos e na melhoria da composição da carteira de crédito (BANCO DO BRASIL
– REL. ANUAL, 2000).
O resultado alcançado, lucro de quase novecentos e setenta e cinco milhões de reais, recebeu
contribuição da estratégia mercadológica baseada na segmentação da base de clientes, com
atendimento diferenciado, a partir da introdução de gerentes de relacionamento para grupos de
clientes. Também foi influenciado pela retomada das operações de crédito, da mesma forma
que foi impulsionado pela utilização de novos canais, como foi o caso do Portal do Banco do
Brasil na Internet,
www.bb.com.br, inaugurado em maio de 2000 (BANCO DO BRASIL –
REL. ANUAL, 2000).
Continuando os esforços de redução de riscos, no início do ano 2000, o Banco do Brasil
centralizou os modelos e métodos de apuração, mensuração e alocação de riscos financeiros,
bem como a gestão de ativos e passivos na Unidade Gestão de Risco criada com objetivo de
orientar a Diretoria na tomada de decisão.
De forma simplificada, o esforço organizacional do Banco do Brasil, de 1995 a 2000, pode ser
resumido na expansão de negócios, na racionalização dos processos internos, nos
investimentos em tecnologia, na gestão de riscos e no controle dos custos operacionais.
191
Ao final do ano 2000, com a consolidação das mudanças ocorridas no período 1995 a 1998,
alguns aspectos denotaram claramente as transformações importantes por que passou o Banco
do Brasil. Um aspecto relevante que foi destacado foi o modelo de tomada de decisão que foi
modernizado de forma a permitir a melhor solução por meio da decisão colegiada.
Outros aspectos como a performance tecnológica e o tamanho da base de clientes foram
destacados como relevantes no período. O Banco do Brasil, hoje, é tido como o banco de
melhor tecnologia do mercado, do ponto de vista quantitativo e até mesmo qualitativo.
O Banco do Brasil, do novo milênio, adota práticas de gestão, não só de gestão financeira,
mas de gestão de crédito, de gestão do conhecimento, de gestão econômica, e de gestão de
pessoas que são reconhecidas no mercado, embora haja grande defasagem na arquitetura de
informações, o que dificulta o aperfeiçoamento dessas práticas.
Tais tecnologias de gestão instauram formas participativas de gerenciamento, mas escondem
métodos mais sutis e efetivos de controle, ampliando as bases coercitivas e tornando as
atitudes dos empregados, mais domesticadas, docilizadas e disciplinadas, mais submetidas à
ordem organizacional. Por trás dessa fachada, esconde-se o sofrimento dos que trabalham, não
aqueles predominantemente físicos, que caracterizavam os processos produtivos anteriores,
mas psicológicos (FARIA, 2004).
A pesquisa desenvolvida por Oliveira (2001), sobre “mudança” e “qualidade de vida no
trabalho” em uma unidade do Banco do Brasil de Belo Horizonte resultou na seguinte análise:
a mudança caracteriza-se, em termos de gestão, estrutura organizacional e cultura, pela
manutenção do paradigma anterior, ou seja, burocrático mecanístico. Com relação à qualidade
de vida no trabalho, seu resultado final – satisfatório –, deriva-se do resultado da “mudança”.
Este resultado permite estabelecer um paralelo com as manifestações autoritárias, pois o
192
paradigma citado tem no controle e na dominação seus pontos fortes. Ao utilizar-se Faria
(2004) como referencial de análise, verifica-se que o modelo burocrático mecanístico está
relacionado com o desenvolvimento da ciência e da tecnologia sob o domínio do capital e sua
aplicação sobre o processo produtivo estará sob orientação do princípio que o norteia: a
produção e a apropriação de valor excedente. Sendo assim, perpetua-se a exploração do
trabalhador que fica submetido ao ritmo homogêneo dos automatismos e preso à nova
disciplina “automatizada”.
Apesar da vulnerabilidade a influências externas, o Banco do Brasil, ao longo da sua história,
tem mostrado capacidade de adaptação a mudanças e resposta a adversidades (Banco do
Brasil – Profissionalização, out/03). Esta capacidade de adaptação à mudança quando
relacionada ao sentimento de “pertinência” que existia entre os funcionários foi abalada, pois
através de uma série de medidas já relatadas se descortinou a figura do mito organizacional
que os impulsionava no sentido de conseguir levar a empresa, que lhes “pertence”, para a
direção desejada, quando eram clamados a isso. Ao desfazer-se o mito, o BB ascendeu ao
poder com outras formas sutis de dominação.
O lado dominante da questão procurará evitar que o funcionário transfira seus sentimentos
para o grupo como forma de defesa, através do controle de suas atividades, pois não pode
conferir ao grupo coesão, sob pena de perda do controle da instância grupal, pois só existe um
projeto, que é o da organização (FARIA, 2004). Por isso, o Banco do Brasil traçou sua linha
estratégica baseada no mercado – também em “modismos”, como o benchmarking – que
revela a organização, segundo Reed apud Willian (1983), como sendo constituída por uma
ordem social e moral em que os interesses e valores individuais e grupais são simplesmente
derivados de uma estrutura de interesses e valores do sistema, que não se contaminam por
193
conflitos setoriais e lutas de poder. Assim, o que ocorre fora dos interesses específicos da
organização não tem a menor importância.
Esta fase mostra como característica principal da consolidação das reformas que foram
iniciadas no período anterior e que alteraram a configuração do Banco do Brasil tanto no que
diz respeito a sua parte econômica como e, principalmente, na que trata da sua relação com o
governo – classe política – e que lhe garante uma nova fase, um novo paradigma, ao assumir-
se como poder.
No período de 2001 a 2004 verificou-se a consolidação do Banco do Brasil como ágil, forte e
preparado para o mercado competitivo e, também, da sua aproximação definitiva do cliente,
“onde um namoro antigo, transformou-se em casamento”.
O fato mais marcante do período ficou por conta da representatividade do Banco, ao atuar
como agente social, repassando verbas do programa “Fome Zero”, implementado em 2003, às
famílias carentes (BANCO DO BRASIL – REL. ANUAL, 2003). O assistencialismo não
pode ser considerado um retorno do Banco do Brasil as políticas sociais, pois neste particular
ele apenas figura como repassador de verbas públicas.
Por tudo isso, o autoritarismo se torna emblemático, pois decorre de uma análise de poder e,
quando entendido como uma possibilidade de imposição por alguém ou por um grupo,
manifesta-se como dominação. A dominação é um conceito-chave para a compreensão do
fenômeno organizacional e se refere a um estado de coisas na qual a vontade manifesta do
dominante se expressa como se os dominados a acatassem como sua. O autoritarismo é, por
assim dizer, a forma extrema de expressão da dominação, e tão antigo quanto as organizações
embora não lhes seja inerente (FARIAa, 1985).
194
Etzioni (1974) ao analisar a organização como sistema social propõe a reelaboração do
conceito weberiano de poder que é legítimo aos olhos dos destinatários, na medida em que
estes compartilham, pelo menos parcialmente, das suas premissas de valor. O autor sustenta,
de fato, que o elemento que caracteriza toda organização é o controle que dentro dela se
exerce, e que este controle assume formas e características diversas de acordo com a relação
que existe entre as modalidades de articulação da autoridade da organização e a expectativa
dos que nela participam. Eis por que o controle organizacional pode se basear na coação, na
distribuição de gratificações econômicas ou em valores normativos. Aqui, as variáveis
principais são constituídas pelas modalidades de adesão ao comando organizacional. Por
haver três tipos de controle organizacional, cada um deles corresponde a um determinado tipo
de controle social. Deste modo, ao fim, será possível chegar a uma classificação de todas as
organizações, levando-se em conta o predomínio nelas de controles coercivos, utilitaristas ou
normativos.
195
PARTE IV – ESTÁ CHEGANDO A HORA [...]
“A nossa pátria mãe tão distraída
Sem perceber que era subtraída
Em tenebrosas transações [...]”
Chico Buarque
196
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao longo deste trabalho, procurou-se, através de dados históricos do Banco do Brasil, apontar
os indícios autoritários decorrentes da relação de três personagens chaves: governo, Banco do
Brasil e funcionários. Afloraram-se as manifestações autoritárias desta trama
institucionalizada a partir da relação de dominação entre o governo e o BB e entre o BB e os
funcionários.
O quadro a seguir resume a periodização efetuada neste período.
DETECÇÃO
DO
PARADIGMA
REALINHAMENTO
DO PARADIGMA
REFORÇO AO
PARADIGMA
METAMORFOSE
DO PARADIGMA
ASSUMINDO
O
PARADIGMA
Períodos
1964 – 1985 1986 – 1988 1988 – 1995 1995 1996 – 2004
Fatos
Marcantes
1) Golpe Militar
2) Implantação
da Reforma
Bancária
1) Extinção da Conta-
movimento
1) Promulgação da
Constituição
Brasileira e, ao seu
reboque a
2) Desregulamentação
Financeira
1) Enquadramento do
BB ao “Acordo da
Basiléia”
2) PDV
3) Choque de
Administração e de
Resultados
1) Plano de
Reestruturação e
através dele o
2) PAQ
Relações
Neste período o
governo exerce o
domínio, quase
que exclusivo,
sobre o Banco do
Brasil e o
funcionalismo
vive “em berço de
ouro”. Este
período é marcado
pela não
dependência da
Empresa em
relação aos
clientes e ao
mercado. Os
lucros estavam
garantidos com o
mecanismo da
Conta-movimento.
Continua muito forte o
domínio do governo
sobre o Banco do Brasil.
O BB, não contando
mais com os benefícios
da Conta-movimento,
juntamente com as
demandas por recursos
advindas do governo –
políticos – começa a dar
prejuízos. Os
funcionários se vêem
impelidos a dispensar o
real tratamento que os
clientes faziam por
merecer.
Continua muito forte o
efeito da extinção da
Conta-movimento. No
reboque da Constituinte
houve o perdão das
dívidas agrícolas, o que
quase liquidou o BB. A
Empresa, ainda,
encontrava-se
mergulhada nos ditames
do governo. Inicia-se,
mais para o final deste
período uma acanhada
reação do BB. Os
funcionários são
enquadrados pelos
gerentes ao grau de
“eleitos” à demissão.
A “mamata” do
governo parece ter
chegado ao fim. O
“Acordo da Basiléia”
estabelece os limites de
exposição financeira
dos bancos. Com isto, a
relação do governo
com o BB passa a se
guiar por critérios
técnicos. Os pleitos não
mais se seguem a
revelia que os seus
impactos possam vir a
produzir. Prepara-se,
neste mesmo período, a
“privatização” do BB
e, como primeira
medida, adota-se o
PDV. Este plano é o
“nocaute” aos já
combalidos
funcionários.
Este período é a
“pá de cal” no
velho paradigma,
nele se sacramenta,
através do Plano de
Reestruturação, as
reformas iniciadas
em 1995. O
governo passa a
exercer o seu
domínio na forma
de provimento de
cargos. Os
funcionários, antes
altivos e garbosos,
se assumem como
simples bancários,
simples “mortais”.
Quadro 08 – Periodização da Pesquisa
Fonte: Dados da Pesquisa.
197
Os fundamentos da concepção empresarial do Banco do Brasil residiam na sua relação direta
com o governo, não apenas pautadas pela implementação das políticas públicas, mas, também
por resolver pendências particulares que eram ditadas pela classe política. Verificou-se que a
maioria dos governos teve sua sustentabilidade ancorada no Banco do Brasil, e que essa
relação autoritária criou situações de vulnerabilidade que foram perniciosas para a
sustentabilidade do banco, tanto em nível organizacional, como institucional.
Cabe salientar que o arcabouço cultural e político brasileiro exerceram influências na
administração do Banco do Brasil e que por conta disso detectaram-se as manifestações
autoritárias.
O legado adquirido da cultura política da dádiva pode ser considerado como um dos
principais estímulos às manifestações autoritárias na organização, pois ao contar com um
sistema de reciprocidade do tipo de mão única, permite àquele que concedeu – “o direito à
existência” e/ou “o direito ao trabalho” – ter controle sobre o beneficiado. Sob esta égide se
desenvolveu a relação governo, BB e funcionários, de modo a propiciar a identificação das
manifestações autoritárias no Banco do Brasil.
Os seguidos ajustes administrativos demonstraram a vontade da empresa em se adequar às
realidades externas, no que se refere à influência do governo – relação “patrão versus
empregado” – e aos ditames do mercado – sobrevivência através do lançamento de produtos –
que repercutiram internamente na forma de atualização, quase que constante, dos seus
processos administrativos.
Através desta discussão, a interrogação central do estudo viu-se diante de seu alinhamento
com os objetivos propostos, sendo pautada pelas transformações que influenciaram os atores
artífices dessas mudanças. O Banco do Brasil voltou-se para o seu projeto empresarial dando
198
nova forma as suas estratégias e diretrizes empresariais, que afetaram suas relações com o
governo e os funcionários.
O governo possibilitou este “novo rosto” para o Banco do Brasil, por conta da não
continuidade das práticas, quase intervencionistas, de dominação que ocorriam de maneira
sistemática de 1964 até 1995. Esta mudança de atitude ocorreu em virtude do estabelecimento
do limite de exposição financeira regulamentado pelo Acordo da Basiléia, que culminou no
monitoramento – controle – da relação do governo com o BB, estabelecido, através de análise
técnica, no próprio banco. A reconstrução histórica, através da documentação catalogada foi
que determinou o modus operandi dos principais agentes e permitiu essa transformação.
As medidas de monitoramento deixam claro que a influência do governo sobre o banco não
acabou, apenas foi estabelecido um “teto” para este exercício. Sendo assim, a relação de poder
e dominação que antes era total, passa a ser relativa. Desta maneira, transferiu-se para a
própria instância administrativa do banco as práticas autoritárias praticadas pelo governo.
O estudo, apesar de ter no autoritarismo o seu tema central, não é uma análise reducionista,
pois permitiu a visualização da estrutura do Banco do Brasil e toda sua transformação no
passar do tempo. Entende-se que o Banco do Brasil a partir de 1995, praticamente resolveu o
seu conflito de identidade, quando seu lado social foi absorvido pela imposição do mercado.
O fato é que a política social do Banco do Brasil passou a se restringir a atividades
assistencialistas. Entretanto o banco mantém junto à sociedade brasileira uma imagem de
banco social, que ele próprio ajudou a disseminar, visando popularidade e prestígio político e
público. Quando necessário, ela retorna como elemento cultural e apaziguador de conflitos.
Coloca-se em evidência outra questão que ocorreu simultaneamente, neste mesmo período e
que resultou em mudanças culturais ao nível do funcionalismo que durante o período
199
pesquisado esteve sob a égide de uma administração voltada, quase exclusivamente, para o
resultado, que culminou no PDV. Este plano pode ser classificado como um marco das
manifestações autoritárias sobre o funcionalismo em virtude da sua abrangência.
Outro aspecto que merece destaque diz respeito às novas tecnologias adotadas, tanto na forma
de gestão, como na atualização do maquinário bancário. O Banco do Brasil, através desse
rearranjo reconfigurou o seu trabalho bancário, alterando os processos e os meios pelos quais
se organizava. A tecnologia constituiu-se numa ferramenta para adoção das drásticas e rápidas
mudanças que ocorreram na concepção empresarial. Da sua inserção reside grande parte da
sustentabilidade do Banco do Brasil e, por seu caráter de racionalização do trabalho, assume a
condição de substituir o homem, tornando-se elemento explicativo para demissões,
rompimentos, imposições ao conjunto de funcionários. Isto acaba por refletir no perfil do
bancário, que tem na adaptabilidade, na flexibilidade as características para alcançar a
multifuncionalidade. Daí conclui-se que o emprego não racional da tecnologia resulta no
autoritarismo.
Verificou-se na estrutura estratégica do Banco do Brasil que o objetivo econômico é
disfarçado através de um discurso que valoriza o bem-estar das pessoas. Isto estabelece uma
maior submissão dos funcionários aos objetivos do banco, e fazem com que ele se sinta livre e
criativo, quando de fato ele está preso dentro de uma armadilha tão sutil, que chega mesmo a
reivindicar esta prisão. Ocorre uma identificação com a empresa e com os chefes, criando
uma espécie de “servidão voluntária”. O funcionário passa a se sentir “grato” por estar
empregado, por receber salário e até por ficar depois da hora. Entretanto, esta “gratidão” não é
suficiente para sustentar o clima organizacional. Certa insatisfação continua a existir apesar de
difusa e pouco localizada.
200
A concepção administrativa mais recente do Banco do Brasil faz do controle sua ambição
permanente. A ênfase deste controle recai na repressão e na hierarquia e, investe, também, de
forma sutil sobre a psique humana. Assim, este estudo se insere num campo polêmico de
lutas, pois a sua lógica além de apoiar-se em bases teóricas oriundas dos paradigmas
competidor e oculto, possui elementos que tratam as manifestações capitalistas como
autoritárias. Permite-se, com isso, a abertura de um campo de enfrentamento com a literatura
representativa dos estudos organizacionais.
No que se refere à ocupação dos postos de trabalho, na sociedade dominada pelo capital, o
objetivo do Banco do Brasil é o de reproduzir o sistema capitalista. Portanto, para que o
indivíduo possa trabalhar em uma organização é preciso que aceite seu sistema de controle,
pois é no trabalho que o sujeito adquire sua identidade social e o reconhecimento pelo outro.
Nessa perspectiva, ele participa no processo de manutenção da vida institucional de forma
alienada, cuidando de sua manutenção e melhoria sem ter condições de avaliar, de forma
consciente, suas relações concretas de existência, que tem na submissão total do trabalhador
seu “carro chefe”.
Com relação à arquitetura da gestão de pessoas, segundo pesquisa de Veloso (2000), em uma
agência do Banco do Brasil de Belo Horizonte, o contexto ambiente externo globalizado foi
que impulsionou o mercado, mas, ao mesmo tempo trouxe o desemprego, a instabilidade e as
dificuldades econômicas que modificaram e redefiniram as fontes de pressão no trabalho.
Verifica-se, daí, uma nova configuração para o BB que se relaciona, principalmente, com a
possibilidade da perda do emprego. Esta característica é um sinal da queda de outro princípio,
o da estabilidade.
Essa configuração vai ao encontro das mudanças globais que, configuradas em um modelo
neoliberal, estruturam os novos arranjos decorrentes do desenvolvimento das forças
201
produtivas, constituindo a face da globalização, que torna os processos mais flexíveis criando
uma nova composição de forças ou, mais propriamente, novas relações de poder que afetam
tanto o trabalho realizado, em termos de condições e de procedimentos, como as expectativas
de emprego.
As vitórias conquistadas, na visão da empresa, significaram um rol de ganhos tangíveis,
porém em virtude de todo processo, em que foi “necessário” adotar medidas extremas que,
passando pela demissão, pela opressão, pela manobra de pessoas – dominação – tais vitórias
tiveram como conseqüência uma mudança cultural bastante abrangente, pois nunca na história
do banco tinha sido proposto um plano de demissão, ou sido implementado um plano de
demissão em massa. Desta relação autoritária, para os funcionários, fica uma herança de medo
e de uma não identificação com os novos objetivos do Banco do Brasil.
Os programas de reestruturação adotados em conjunto com os resultados alcançados dão a
nítida idéia de que o Banco do Brasil na sua caminhada para a modernização, não estabelece
conseqüências e sim resultados. Os procedimentos adotados pela organização foram utilizados
para satisfazer os desejos e projetos de uma elite que utiliza o seu poder para se autorealizar.
O estudo mostra que o Banco do Brasil assume o papel de ator via seu alto escalão dirigente.
Percebe-se, por tudo isso, que as manifestações autoritárias se estabelecem pela forma
administrativa adotada pela organização que tem no capitalismo seu principal artífice. Esta
singularidade não permite o fim do autoritarismo, resta tentar minorá-lo.
Finalmente, acredita-se que este estudo possa abrir caminho para novas pesquisas que
ensejem outras articulações entre o Banco do Brasil, o governo e os funcionários.
202
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