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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO PARANÁ
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GESTÃO URBANA
JOSIANE ALVES DE OLIVEIRA
A GOVERNAA URBANA COMO INDUTORA DO
DESENVOLVIMENTO LOCAL: APLICAÇÕES DO MODELO
COLABORATIVO DE CURITIBA NA REGIONAL DO CAJURU
CURITIBA
JULHO/2006
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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO PARANÁ
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GESTÃO URBANA
JOSIANE ALVES DE OLIVEIRA
A GOVERNAA URBANA COMO INDUTORA DO
DESENVOLVIMENTO LOCAL: APLICAÇÕES DO MODELO
COLABORATIVO DE CURITIBA NA REGIONAL DO CAJURU
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Gestão Urbana, do Centro de
Ciências Exatas e de Tecnologia CCET, da Pró-
Reitoria de Graduação, de Pesquisa e Pós-
Graduação da Pontifícia Universidade Católica do
Paraná PUCPR, como requisito parcial para
obtenção do grau de Mestre em Gestão Urbana.
Orientador: Prof. Dr. Klaus Frey
Co-orientador: Prof. Dr. Manoel Camillo O. Penna
Neto
CURITIBA
JULHO/2006
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RESUMO
A governança urbana, entendida como uma maneira inovadora de
governar cidades, onde a participação é tida como premissa básica, surge
como resposta aos inúmeros desafios encontrados pelos governantes na
atual sociedade da informação. Esta dissertação analisa o potencial da
governança urbana como indutora do desenvolvimento local, mais
especificamente na sua dimensão econômica. Apresenta como estudo de
caso uma iniciativa de geração de trabalho e renda para uma das áreas
mais carentes da cidade, a comunidade do Cajuru, analisada à luz dos
modelos de gestão urbana, bem como suas interfaces com alguns
conceitos fundamentais ao desenvolvimento sustentável, tais como capital
social, redes sociais e empoderamento. Recorrendo à metodologia de
análise de redes sociais, a pesquisa investiga as estruturas de rede que
caracterizam o Modelo Colaborativo de Curitiba a partir da identificação
dos principais atores sociais locais e suas inter-relações. A pesquisa
conclui que a experiência de colaboração se configura como um processo
de governança que contribui para a ampliação da participação da
comunidade local nas iniciativas de geração de trabalho e renda.
Palavras-chave: governança comunitária; capital social; redes sociais;
desenvolvimento local sustentável; economia solidária.
ABSTRACT
Urban Governance, considered as an innovative manner for the
management of cities where participation is understood as basic premise
–, stands out as a response to the several challenges faced by local
administrators in today’s information society. The present dissertation
analyses the potential of urban governance to induce local development,
giving emphasis on its economical dimension. A job/income generating
initiative is presented as a case study, focusing one of the needy areas of
Curitiba, the “Cajuru” community. Taking into account different models of
urban management, the study highlights the interfaces with some concepts
related to sustainable development, such as: social capital, social networks
and empowerment. Based on the methodology of social network analysis,
the research investigates the network structures that characterize the
Collaborative Model of Curitiba by identifying the local social actors and
their inter-relationships. The study comes to the conclusion that the
experience of collaboration contributes to the expansion of community
participation in the examined job/income generating initiatives.
Key words: community governance; social capital; social networks;
sustainable local development; social economy.
ii
AGRADECIMENTOS
Com muita alegria, agradeço a todas as pessoas que me
incentivaram e me ajudaram neste trabalho.
Em primeiro lugar, agradeço ao meu orientador, Prof. e diretor do
Mestrado, Klaus Frey pela dedicação e paciência, ao prof. Camillo,
também pela sua dedicação e ao professor e amigo Christian, que me
incentiva desde a monografia da graduação.
À minha família, principalmente por compreenderem minha
ausência em tantos encontros, em especial, agradeço ao meu pai, José, à
minha mãe, “in memorian” pelo seu exemplo de força e perseverança,
indispensáveis para a conclusão deste trabalho.
Aos meus amigos, também agradeço pela paciência e compreensão
por eu deixar de estar presente em tantas “baladas”, principalmente à
Jaqueline, Daiane, Kátia e Joana. À Mara e sua mãe Dalila por
acreditarem e apostarem em mim.
Aos meus superiores e colegas de trabalho, em especial ao prof.
Busnardo e à minha equipe de coordenação pela paciência.
A todos que contribuíram com a pesquisa, principalmente à Cecília
Teles e à Alzenir, da Fundação de Ação Social.
À CAPES, pela concessão da bolsa.
iii
SUMÁRIO
LISTA DE QUADROS................................................................................ vi
LISTA DE FIGURAS................................................................................. vii
LISTA DE GRÁFICOS............................................................................. viii
LISTA DE TABELAS............................................................................... viii
LISTA DE SIGLAS .................................................................................... ix
1 INTRODUÇÃO ....................................................................................... 1
1.2 PROBLEMA ......................................................................................... 3
1.3 PERGUNTA DE PESQUISA ................................................................ 5
1.4 HIPÓTESES ......................................................................................... 5
1.5 OBJETIVOS ......................................................................................... 6
1.5.1 Objetivo Geral ................................................................................... 6
1.5.2 Objetivos Específicos ........................................................................ 6
1.6 ESTRUTURA DA DISSERTAÇÃO ....................................................... 6
2 GESTÃO URBANA E GOVERNANÇA COMUNITÁRIA ........................ 8
2.1 REFORMA DO ESTADO ..................................................................... 8
2.2 DESCENTRALIZAÇÃO E O PODER DO LOCAL .............................. 10
2.3 NOVOS MODELOS DE GESTÃO PÚBLICA NO ÂMBITO DA
GOVERNANÇA URBANA ................................................................... 15
2.3.1 Modelo Gerencial de Administração Pública ................................... 16
2.3.2 Modelo Democrático-Participativo de Administração Pública ......... 17
2.3.3 Diferenças e Complementaridades entre os Modelos de
Administração Pública ...................................................................... 21
2.4 GOVERNANÇA COMUNITÁRIA .........................................................23
2.4.1 Planejamento Urbano e Gestão Pública em Curitiba ...................... 27
2.4.2 Capital Social ................................................................................... 29
2.4.3 Redes Sociais e Empowerment .......................................................37
3. DESENVOLVIMENTO LOCAL SUSTENTÁVEL ................................. 48
3.1 FUNDAMENTOS DO DESENVOLVIMENTO LOCAL SUSTENTÁVEL .. 48
3.1.1 Conceito de desenvolvimento sustentável ...................................... 49
iv
3.1.2 Concepções de desenvolvimento .................................................... 52
3.1.3 Abordagens de desenvolvimento local ............................................ 56
3.2 ECONOMIA SOLIDÁRIA .................................................................... 61
3.3 CAPITAL SOCIAL E REDES SOCIAIS NO DESENVOLVIMENTO
ECONÔMICO LOCAL ......................................................................... 79
3.4 INICIATIVAS DE PROMOÇÃO DO DESENVOLVIMENTO
ECONÔMICO LOCAL EM CURITIBA ................................................. 88
4. ANÁLISE DE REDES SOCIAIS ........................................................... 98
4.1 OS DIFERENTES PARADIGMAS ACERCA DAS ANÁLISES DE
REDES SOCIAIS ...................................................................................... 98
4.2 IMPORTÂNCIA E CARACTERÍSTICAS DA ANÁLISE ESTRUTURAL
DAS REDES SOCIAIS ...................................................................... 101
5. ESTUDO DE CASO ........................................................................... 106
5.1 A EXPERIÊNCIA DO MODELO COLABORATIVO DE CURITIBA .. 106
5.2 DESCRIÇÃO DO LOCAL ................................................................. 110
5.3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS ......................................... 115
5.4 APRESENTAÇÃO DOS RESULTADOS ANÁLISE HISTÓRICO-
INTERPRETATIVA ............................................................................ 119
5.4.1 Processo Histórico da Formação da Rede de Colaboração de
Artesanato ........................................................................................ 119
5.4.2 Tempo de participação no Modelo Colaborativo ........................... 121
5.4.3 Formas de descoberta das ações de geração de renda do Modelo
Colaborativo ...................................................................................... 122
5.4.4 Avaliação dos encontros do Modelo Colaborativo ......................... 123
5.4.5 A participação nas iniciativas de geração de renda no Modelo
Colaborativo ...................................................................................... 124
5.4.6 Efetividade das ações do Modelo Colaborativo ............................. 125
5.4.7 Mudanças no Modelo Colaborativo após a troca de prefeito ........ 127
5.4.8 Dificuldades encontradas no Modelo Colaborativo ....................... 128
5.4.9 Mudanças das condições de trabalho e renda em função do Modelo
Colaborativo ...................................................................................... 129
v
5.4.10 Expectativa de futuro com relação às iniciativas de geração de
renda do Modelo Colaborativo .......................................................... 131
5.5 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS EXCLUSIVOS À ANÁLISE
ESTRUTURAL .................................................................................. 132
5.6 APRESENTAÇÃO DOS RESULTADOS ANÁLISE
ESTRUTURAL .................................................................................. 134
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................... 148
BIBLIOGRAFIA ...................................................................................... 151
ANEXO: QUESTIONÁRIO - MODELO DE COLABORAÇÃO DE
CURITIBA ......................................................................................... 160
vi
LISTA DE QUADROS
QUADRO 01 - SÍNTESE DAS CARACTERÍSTICAS PRINCIPAIS DO
MODELO GERENCIAL E DO MODELO DEMOCRÁTICO-
PARTICIPATIVO .......................................................................................22
QUADRO 02 PADRÕES TRADICIONAIS E INOVAÇÕES NO CAMPO
DE AÇÃO PÚBLICA ................................................................................. 45
QUADRO 03 MUDANÇA DE PARADIGMA DO MODELO
COLABORATIVO ................................................................................... 108
QUADRO 04 - RESULTADO DAS MEDIDAS E REDES MODELO
COLABORATIVO DE CURITIBA ............................................................ 139
vii
LISTA DE FIGURAS
FIGURA 01 – TRIPÉ DE DESENVOLVIMENTO ...................................... 90
FIGURA 02 ILUSTRAÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO REGIONAL
CAJURU ................................................................................................. 111
FIGURA 03 ILUSTRAÇÃO DA RENDA POR SETOR CENSITÁRIO NA
ADMINISTRAÇÃO REGIONAL CAJURU ............................................... 112
FIGURA 04 ILUSTRAÇÃO DAS ÁREAS EM OCUPAÇÕES
IRREGULARES NA ADMINISTRÇÃO REGIONAL CAJURU ................ 113
FIGURA 05 ILUSTRAÇÃO DAS ÁREAS DE OCUPAÇÃO IRREGULAR
NA ADMINISTRAÇÃO REGIONAL CAJURU E SEUS PRINCIPAIS
PROBLEMAS ......................................................................................... 114
FIGURA 06 - SOCIOGRAMA DA REDE DE COLABORAÇÃO
COMISSÃO DE ARTESANATO DA COMUNIDADE DO CAJURU ....... 135
FIGURA 07 - SOCIOGRAMA DA REDE DE CONFIANÇA COMISSÃO
DE ARTESANATO DA COMUNIDADE DO CAJURU ............................ 137
FIGURA 08 - SOCIOGRAMA DA REDE DE COMUNICAÇÃO
COMISSÃO DE ARTESANATO DA COMUNIDADE DO CAJURU ....... 138
FIGURA 09 REDES DOS GRUPOS PERTENCENTES À COMISSÃO
DE ARTESANATO DA COMUNIDADE DO CAJURU (SOCIOGRAMAS 04
A 09) ....................................................................................................... 141
FIGURA 10– CENTRALIDADES BASEADAS EM GRAU COMISSÃO DE
ARTESANATO DA COMUNIDADE DO CAJURU (SOCIOGRAMAS 10 A
12) ........................................................................................................... 144
viii
FIGURA 11 CENTRALIDADES BASEADAS EM INTERMEDIAÇÃO
COMISSÃO DE ARTESANATO DA COMUNIDADE DO CAJURU
(SOCIOGRAMAS 13 A 15) ..................................................................... 145
LISTA DE GRÁFICOS
GRÁFICO 01: TEMPO DE PARTICIPAÇÃO NO MODELO COLABORATIVO
DOS INTEGRANTES DA REDE DE COLABORAÇÃO DO ARTESANATO ......122
GRÁFICO 02: OPINIÃO SOBRE OS ENCONTROS DO MODELO
COLABORATIVO NAS AÇÕES DE GERAÇÃO DE TRABALHO E
RENDA ................................................................................................... 124
LISTA DE TABELAS
TABELA 01: AVALIAÇÃO DAS MUDANÇAS APÓS INÍCIO DA
PARTICIPAÇÃO DOS ENTREVISTADOS NAS ATIVIDADES DE
GERAÇÃO DE TRABALHO E RENDA DO MODELO
COLABORATIVO ................................................................................. 130
ix
LISTA DE SIGLAS
PMC - Prefeitura Municipal de Curitiba
IPPUC - Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba
IMAP - Instituto Municipal de Administração Pública
ONG - Organização Não-Governamental
ONU - Organização das Nações Unidas
PNUD - Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
IDH - Índice de Desenvolvimento Humano
SEBRAE - Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas
ADS - Agência de Desenvolvimento Solidário
ANTEAG - Associação Nacional de Trabalhadores e Empresas de
Autogestão
DLIS - Desenvolvimento Local Integrado e Sustentável
APLs - Arranjos Produtivos Locais
IPARDES - Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e
Social
SEP - Secretaria de Estado do Planejamento e Coordenação
Geral
MDIC - Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio
Exterior
FIEP - Federação das Indústrias do Estado do Paraná
IEL -Instituto Euvaldo Lodi do Paraná
BRDE - Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo Sul
SENAES - Secretaria Nacional de Economia Solidária
FBES - Fórum Brasileiro de Economia Solidária
URBS - Companhia de Urbanização de Curitiba
CIC - Companhia de Desenvolvimento de Curitiba
CES - A Comunidade Empreendedores de Sonhos
OSCIP - Organização da Sociedade Civil de Interesse Público
SNA - Social Network Analysis
x
ARS - Análise de Redes Sociais
CIDA - Conselho da Comunidade Solidária e da Agência de
Cooperação Canadense
UWC-CC - United Way of Canada-Central
GETS - Grupo de Estudos do Terceiro Setor de São Paulo
1
1. INTRODUÇÃO
A governança urbana tem sido um dos temas de maior destaque na
atualidade quando o assunto é gestão urbana. Pode-se entender a governança
urbana como uma maneira inovadora de governar uma cidade, onde a participação
(em todos os níveis organizacionais e societais) é tida como premissa básica.
A governança urbana surge como uma resposta aos inúmeros desafios
encontrados pelos governantes na atual sociedade. Estes desafios dizem respeito à
escassez de recursos públicos, aos problemas sociais e ambientais cada vez mais
crescentes, à competitividade acirrada entre as cidades com vistas à atração de
investimentos privados, ao avanço tecnológico, entre outros.
Nesta dissertação, recorre-se ao debate acerca da governança urbana como
referência teórico-conceitual para a análise de uma experiência de governança
comunitária. Isto é, são considerados os mesmos preceitos da governança urbana e
averiguada sua relevância para a governança comunitária. Esta opção deve-se ao
fato de que a presente dissertação tem como foco central o desenvolvimento da
comunidade local, mais especificamente, os novos arranjos de governança adotados
na comunidade do Cajuru, em Curitiba.. Entende-se com isso que as transformações
gerais que vêm provocando mudanças da gestão urbana tradicional centrada na
atuação da autoridade estatal para uma prática de governança urbana com uma
participação ampliada, acontecem crescentemente também em âmbito comunitário,
mesmo tendo outros atores como seus principais protagonistas.
Outro tema também de relevância no âmbito da gestão urbana são as novas
configurações em rede das organizações. De acordo com Castells, “as redes
constituem a nova morfologia social de nossas sociedade, e a difusão da lógica de
redes modifica de forma substancial a operação e os resultados dos processos
produtivos e de experiência, poder e cultura” (CASTELLS, 1999, p. 497).
O presente estudo tem por finalidade a análise de uma nova experiência de
governança comunitária em Curitiba, denominada Modelo Colaborativo.
Utiliza-se da metodologia de análise de redes sociais e, através de entrevistas
de campo, efetuam-se levantamentos qualitativos e quantitativos para a identificação
dos principais atores sociais locais e suas inter-relações, no que diz respeito à
2
experiência de geração de trabalho e renda de cinco grupos de artesanato da
comunidade do Cajuru. Tal metodologia subsidia o estudo no sentido de verificar se
o Modelo Colaborativo se configura como um processo de governança efetivo onde
a comunidade local é envolvida e realmente torna-se participante dos processos de
gestão urbana. Pretende-se apreender as estruturas e processos que caracterizam
esta proposta de gestão pública participativa.
O Modelo Colaborativo foi implantado na comunidade do Cajuru em janeiro de
2000, configurando uma nova experiência de governança no segundo mandato do
Prefeito Cássio Taniguchi. Esta nova experiência de participação comunitária
representa, conforme informações da Prefeitura Municipal de Curitiba, um novo
modelo de gerenciamento onde a comunidade local é vista como parte integrante e
co-responsável das ações de gestão urbana implantadas em seu território (PMC,
2000).
Estas ações estão fundamentalmente definidas em quatro linhas:
1) integração urbana,
2) habitação,
3) meio ambiente,
4) desenvolvimento social e econômico (CIC/IPPUC, 2004).
A presente dissertação tem como foco de análise, o desenvolvimento local, e
destaca as ações de geração de trabalho e renda, contemplando a quarta linha de
ação do Modelo Colaborativo que é a de desenvolvimento social e econômico.
O objetivo é verificar se as atuais práticas de gestão na comunidade do
Cajuru, no âmbito da geração de trabalho e renda, com os grupos locais escolhidos,
têm contribuído para que tal comunidade se torne realmente sustentável, capaz de
minimizar seus problemas locais de forma conjunta e emancipatória e não mais de
forma dependente baseada em ações clientelistas por parte do governo local.
3
1.2 PROBLEMA
O estudo está relacionado à forma como a governança comunitária pode
possibilitar um desenvolvimento sustentável local, focando a questão econômica, no
que diz respeito à geração de trabalho e renda em Curitiba.
Um dos principais obstáculos da governança comunitária é a questão da
participação, pois, se sabe que na atual realidade brasileira, a participação acontece
de forma incipiente. É um direito que o cidadão possui, mas que precisa ser muito
melhor explorado e “refinado”. Tanto governos quanto cidadãos precisam se
preparar para utilizar-se desta ferramenta, ou seja, da participação, imprescindível
para os “novos tempos” da gestão urbana.
Com relação à geração de trabalho e renda, a governança está diante de um
grande desafio, pois entende-se que, somente a partir da Constituição de 1988, os
municípios brasileiros puderam ter maior autonomia e suas responsabilidades e
recursos expandidos. Porém, expandiram-se também as demandas sociais e os
desafios advindos da globalização, criando novos campos de ação.
Esta nova realidade faz com que as políticas públicas entrem num processo
bastante intenso de municipalização, ou seja, suas definições agora se dão muito
mais em nível local. A cidade agora “desponta como a unidade social básica da
organização social, desempenhando um papel semelhante para a sociedade, ao que
a empresa moderna representa para as atividades econômicas” (DOWBOR, 1999, p.
6).
Diante desses novos campos de ação, a performance do setor público
municipal é fundamental, sobretudo no que diz respeito à qualidade de desempenho
dos governos locais nos planos econômico, social e político-administrativo.
De acordo com Farah (1999, p. 325), as políticas públicas promovidas pelo Estado
brasileiro até o início dos anos 1980 caracterizavam-se pela centralização decisória
e financeira na esfera federal, ficando por conta dos Estado e municípios a função
de executores das políticas formuladas centralmente, tendendo a estabelecer-se
uma articulação entre governos estaduais e municipais e governo federal baseada
na troca de favores de cunho clientelista, em que, muitas vezes, as instâncias locais
de Poder Público transformavam-se em agenciadores de recursos federais para o
4
município ou Estado, procurando garantir a implementação de determinada política
pública para sua clientela.
Mesmo havendo uma forte centralização na esfera Federal, as políticas
públicas caracterizavam-se pela fragmentação institucional, além de terem sua
eficiência e efetividade comprometidas por conta da desarticulação existente no
âmbito de um mesmo nível de governo, bem como entre as diferentes esferas.
Outro problema relativo às políticas públicas está relacionado ao seu caráter
setorial. Em cada área de atuação (educação, saúde, habitação, transportes, etc.)
havia iniciativas de descentralização, mas ao mesmo tempo uma falta de articulação
entre essas ações, causando a perda de potenciais efeitos positivos de ações
coordenadas voltadas a um mesmo público-alvo.
A exclusão da sociedade civil era uma característica central das políticas
públicas vigentes no Brasil até os anos 80. De acordo com Farah, “as políticas
públicas promovidas pelo Estado incorporavam interesses da sociedade civil e do
mercado: no entanto, tal incorporação era excludente e seletiva, beneficiando alguns
restritos trabalhadores e interesses de segmentos do capital nacional e
internacional” (1999, p.328).
Tratava-se de um padrão não democrático de articulação Estado-Sociedade,
reforçando a exclusão de amplos segmentos da sociedade do acesso a bens e
serviços públicos.
Tal realidade começa a ser modificada a partir da Constituição de 1988,
quando a valorização do poder local é retomado, a partir do debate de
descentralização e de participação dos cidadãos na formulação e implementação
das políticas. Inicia-se uma reformulação da agenda buscando a eficiência, eficácia
e efetividade na ação estatal. “Nessa perspectiva, a preocupação com a eficiência e
com a eficácia articula-se com a orientação para a equidade e para a
democratização dos processos decisórios, envolvendo tanto alterações institucionais
com ênfase à descentralização como novos padrões de relação entre Estado e
Sociedade” (FARAH, 1999).
Dessa forma, reaparecem com um novo significado na perspectiva
progressista cada um dos elementos presentes na proposta neoliberal de reforma de
atuação do Estado na área social, tratando-se de novas formas de articulação com a
5
sociedade civil e com o setor privado, deixando o Estado de ser o provedor direto
exclusivo, para agora, se transformar em coordenador e fiscalizador de serviços que
podem ser prestados tanto pela sociedade civil quanto pelo mercado ou em parceria
com esses setores.
Porém, a descentralização em direção aos municípios também apresenta
problemas. A mais importante no contexto deste trabalho é que nem sempre a
descentralização significa a democratização do processo de decisão e controle.
Segundo Marques, para que isso ocorra é “absolutamente necessário que a
comunidade esteja organizada de forma a efetivamente participar dos conselhos ou
demais órgãos criados na descentralização” (MARQUES, 1999, p.108). Sendo
assim, a descentralização aparece como condição necessária, mas não suficiente. A
efetiva participação da comunidade nos rumos das políticas locais sempre
dependerá do grau de organização e interesse construído por ela mesma no seu
processo decisório.
1.3 PERGUNTA DE PESQUISA
O Modelo Colaborativo de Curitiba se configura como um modelo de
governança comunitária onde a população está realmente envolvida e participa dos
processos de gestão comunitária em favor do desenvolvimento local?
1.4 HIPÓTESES
O estudo apresentado pretende dar resposta às seguintes hipóteses:
1) O Modelo Colaborativo de Curitiba representa um arranjo institucional
capaz de promover um envolvimento efetivo da população na governança local.
2) O Modelo Colaborativo contribui para o aumento do capital social, da
capacidade de ação coletiva e de uma nova forma de atuação em rede por parte das
comunidades locais.
3) O trabalho colaborativo auxilia o processo de geração de trabalho e renda,
além de propiciar uma melhor qualidade de vida à população.
6
1.5 OBJETIVOS
1.5.1 Objetivo geral
Analisar as potencialidades e os limites do Modelo Colaborativo em relação à
consolidação de uma prática de governança comunitária capaz de promover o
desenvolvimento local.
1.5.2 Objetivos espeficos
- Identificar os principais atores envolvidos nas ações de geração de trabalho
e renda no Modelo Colaborativo do Cajuru, bem como suas inter-relações e suas
práticas de ação coletiva.
- Identificar se as práticas colaborativas advindas do Modelo Colaborativo
propiciam o desenvolvimento local.
- Verificar um possível aumento do capital social na comunidade do Cajuru
em decorrência da implantação do Modelo Colaborativo.
1.6 Estrutura da Dissertação
A presente dissertação inicia com a introdução, onde são explanadas as
idéias gerais de todo o contexto do trabalho, apresenta-se o problema, a pergunta
de pesquisa, as hipóteses, os objetivos e a estrutura da dissertação. Em seguida, no
capítulo dois sobre gestão urbana e governança comunitária, discute-se a reforma e
a descentralização do Estado, os modelos de gestão pública e a importância da
governança comunitária, enfatizando o capital social, o empowerment e as redes
sociais. O capítulo três, sobre o desenvolvimento econômico local, aborda os
fundamentos teóricos deste conceito, dando ênfase na dimensão socioeconômica do
desenvolvimento local sustentável. Destaca a experiência da economia solidária e,
de maneira sucinta, apresenta algumas iniciativas de promoção do desenvolvimento
7
econômico local em Curitiba. No quarto capítulo apresenta-se a abordagem
metodológica da análise de redes sociais, seus diferentes paradigmas, além da
importância e das características da análise estrutural das redes sociais. O capítulo
cinco descreve a experiência do Modelo Colaborativo de Curitiba, os procedimentos
metodológicos e apresenta os resultados da pesquisa empírica na comunidade do
Cajuru, tanto da análise histórico-interpretativa quanto da análise estrutural. Por fim,
nas considerações finais são apresentadas as conclusões da pesquisa, tentando
evidenciar as potencialidades e as limitações do Modelo Curitiba de Colaboração
como instrumento de gestão urbana participativa.
8
2. GESTÃO URBANA E GOVERNANÇA COMUNITÁRIA
Este capítulo inicia com uma abordagem sobre transformações ocorridas no
âmbito urbano, desde a reforma do Estado, a autonomia dos municípios pós
Constituição de 1988, até a definição do “local” como espaço estratégico para a
indução do desenvolvimento local. O mesmo serve para ilustrar a importância que
deve ser dada à atual autonomia municipal, autonomia esta que permite ao poder
local a criação de políticas públicas próprias, tais como as políticas concernentes à
geração de trabalho e renda. A autonomia local tem como alicerce as novas
experiências de governança urbana e comunitária, a exemplo do Modelo
Colaborativo de Curitiba e dos grupos de colaboração de artesanato da comunidade
do Cajuru, escolhidos como objeto de pesquisa desta dissertação.
Após esta contextualização das transformações ocorridas, aborda-se o tema
dos novos modelos de gestão pública, tais como o modelo gerencial e o modelo
democrático-participativo. Tem-se como objetivo principal explicar o conceito de
governança comunitária, fruto de recentes transformações na gestão pública. De
forma geral, o conceito remete a necessidade de mitigar os efeitos nocivos dos
antigos “modos” de gerir as cidades, de cunho patrimonialista ou burocrático. Tais
práticas não “cabem” mais na atual agenda pública, e estão cedendo lugar a dois
principais modelos de gestão urbana: o gerencial e o democrático-participativo
(FREY, 1996).
O tema sobre governança comunitária é estudado tendo como direcionadores
os conceitos de capital social, empowerment e redes sociais.
2.1 REFORMA DO ESTADO
Reformar o Estado significa criar uma estrutura pública capaz de romper com
o antigo sistema estatal burocrático que perdurava na década de 1980 e que
mostrou sinais de esgotamento e ineficácia. Este rompimento com as práticas
burocráticas e clientelistas de gestão se fez imprescindível por conta das novas
demandas impostas aos Estados em decorrência do processo de globalização, que
9
passou a exigir um Estado eficiente, com novas instituições, novas competências e
novas estratégias administrativas. Segundo Bresser Pereira, a reforma do Estado,
por envolver aspectos políticos (relação com a promoção da governabilidade),
aspectos econômicos e administrativos (que visam o aumento da governança) se
constitui como um tema bastante amplo e complexo (1998b, p. 23).
O principal ponto de interesse desta dissertação no tema da reforma do
Estado se refere às possibilidades de mudança de um sistema burocrático de gestão
para outros modelos de gerenciamento público, tais como o modelo gerencial e o
modelo democrático-participativo, destacando dentre estas mudanças, o advento da
descentralização, que possibilitou que muitas das ações antes de competência do
governo federal, passassem a ser responsabilidades dos governos municipais.
Um dos fatores mais marcantes da reforma do Estado, a busca de
rompimento com os modelos patrimonialista e burocrático de administração pública,
aconteceu porque os antigos modelos passaram a ser insuficientes frente às
necessidades de uma nova sociedade inserida no processo de globalização.
A administração burocrática veio substituir a administração patrimonialista das
antigas monarquias e sistemas feudais que se revelou incompatível com o
capitalismo industrial do século XIX. Dessa forma, a administração burocrática era
vista, como superior ao patrimonialismo por ser mais eficiente. Porém, Bresser
Pereira explica que essa visão o se tornou real, pois, a partir do momento em que
o Estado liberal do século XIX cedeu lugar ao “grande Estado social e econômico de
século XX”, verificou-se que a administração burocrática era ineficaz, lenta, cara e
“pouco ou nada orientada para o atendimento das demandas dos cidadãos”
(BRESSER PEREIRA, 1998a, p. 241).
Osborne & Gaebler (1998, p. 16) ressaltam que o modelo burocrático teria
funcionado por um período significativo porque correspondia às necessidades de
uma sociedade lenta, onde as mudanças aconteciam com menor rapidez.
Funcionava não porque era eficiente e sim porque resolvia os problemas
fundamentais. Porém, atualmente, na sociedade da informação a realidade é outra,
as mudanças são rápidas, o mercado é global e os consumidores se acostumaram a
uma grande variedade e qualidade de produtos proporcionados pelos mercados.
10
De acordo com Bresser Pereira e Spink, a reforma do Estado configura-se
como um “marco teórico e uma nova prática para a administração pública – a
abordagem ‘gerencial’, que substitui a perspectiva ‘burocrática’ anterior” (1998b, p.
7).
“A abordagem gerencial, também conhecida como ‘nova administração
pública’, parte do reconhecimento de que os Estados democráticos
contemporâneos não são simples instrumentos para garantir a propriedade e
os contratos, mas formulam e implementam políticas públicas estratégicas para
suas respectivas sociedades tanto na área social quanto na científica e
tecnológica” (BRESSER PEREIRA & SPINK, 1998b, p. 7).
Para Fernando Henrique Cardoso, passa-se por um processo de transição
entre um modelo de Estado assistencialista e paternalista para um novo modelo “no
qual não basta mais a existência de uma burocracia competente na definição dos
meios para atingir os fins”, ou seja, “o que se requer é algo muito mais profundo: um
aparelho de Estado que, além de eficiente, esteja orientado por valores gerados pela
própria sociedade” (CARDOSO, 1998, p. 19). Para ele, esta transição é um dos
grandes desafios do mundo contemporâneo.
A reforma do Estado abriu caminho para a prática da “boa governança”, tema
abordado no item 2.4. A seguir, descreve-se o processo de descentralização do
Estado brasileiro, dando continuidade aos fatores que contribuíram para a efetivação
dos modelos de gestão urbana contemporâneos.
2.2 DESCENTRALIZAÇÃO E O PODER DO LOCAL
A descentralização iniciou-se a partir da Constituição de 1988, quando os
municípios passaram a ter uma maior autonomia, inclusive no tocante à gestão de
políticas públicas que até então ficavam a cargo dos Governos Federal e Estadual.
As novas responsabilidades e posturas às quais os governos municipais
precisavam incorporar incidem sobre a qualidade de vida dos cidadãos, em
particular aos dos mais pobres, pois estes demandam atenção mais intensa
principalmente nas áreas da saúde, educação, moradia, transportes, trabalho e
renda.
11
Isto significou, para Pinho & Santana (2002, p. 275) “uma valorização dos
níveis subnacionais de governo em detrimento do governo central”. De acordo com
estes autores, “o esgotamento da capacidade de lidar com problemas complexos e
extensos por parte dos governos centrais” foi o motivo que levou à transferência
desses problemas para os níveis subnacionais, principalmente o municipal. Dessa
forma, as novas atribuições do governo municipal, passaram a ser as seguintes:
“políticas de responsabilidade fiscal, elevando a capacidade de arrecadação
própria; reconhecimento da sociedade civil organizada como novo ator social, o
que leva a institucionalização de mecanismos de democracia direta como
orçamento participativo, conselhos municipais, fóruns de consulta, além de
parcerias com o setor privado; práticas gerenciais centradas na qualidade e no
exercício da participação; intervenções na área de abastecimento envolvendo
produção, circulação, comercialização e consumo; defesa do meio ambiente;
políticas de cunho redistributivo ou anticíclico para garantir a renda e o
emprego; reconhecimento que a industrialização não é o único caminho para o
desenvolvimento, mas que também a agricultura, o comércio e o turismo
podem ser considerados como setores potenciais de geração de emprego e
renda; abandono da visão tradicional assistencialista substituída por políticas
mais consistentes de combate à exclusão social e à pobreza, e sobretudo um
novo papel de agente de desenvolvimento local, desenvolvimento este que
abrange o econômico, o social e o humano” . (PINHO & SANTANA, 2002, p.
275).
Segundo Abrucio & Couto (1996), analisando as condições da reforma do
Estado no nível municipal, fica constatado o enfrentamento de dois principais
desafios: “o cumprimento das funções de bem-estar e de desenvolvimento local”
(p.46). Para os autores, os municípios estão cada vez mais assumindo o papel de
welfare, através de iniciativas “em prol do desenvolvimento econômico local,
especialmente direcionadas à geração de emprego e renda”. Segundo eles, “talvez
seja essa a maior novidade em termos de redesenho do Estado no nível local”
(1996, p. 41). Estes processos e desafios fizeram com que os governos locais
vissem suas agendas ampliadas, passando a ter uma importância cada vez mais
relevante no processo de desenvolvimento.
Neste contexto, os prefeitos e governantes locais precisavam reconhecer
suas limitações em resolver os problemas urbanos unilateralmente. Os desafios
eram inúmeros diante da responsabilidade e da dinâmica urbana. Sendo assim,
ficou evidente a necessidade de chamar a sociedade para uma gestão conjunta das
ações e políticas públicas a serem implementadas.
12
“A descentralização representa em teoria a possibilidade de ampliação para o
exercício dos direitos dos cidadãos, a autonomia da gestão, a participação
cotidiana dos cidadãos na gestão pública e uma potencialização de
instrumentos adequados para um uso e redistribuição mais eficientes dos
recursos públicos” (JACOBI & TEIXEIRA, 1996, p. 119).
Para Cohn, a descentralização associa-se à democratização política e social,
“de modo quase imediato e mecânico, uma vez que em princípio ela favorece a
ampliação do espaço público”. (COHN, 1998, p. 145). Segundo Melo, a
descentralização pode ser entendida “enquanto transferência de poder decisório a
municípios ou entidades e órgãos locais” e expressa “tendências democratizantes,
participativas e de responsabilização”, como também, expressa “processos de
modernização gerencial da gestão pública” (MELO, 1996, p. 13).
Contudo, por mais que a descentralização possua inúmeros pontos positivos,
com um potencial de transformar as antigas sociedades regidas pelo autoritarismo,
clientelismo, etc., em sociedades mais democráticas e justas, ela não se configura
como uma solução absoluta em seu processo de gestão. Segundo Lobo, por mais
que exista um consenso sobre a “relação positiva e a maior eficiência e eficácia das
ações na área social, deve-se ter cautela para não se ”mistificar o processo de
descentralização e assumi-lo como a solução gica para males muito além da
centralização” (LOBO, apud COHN, 1998, p. 159). Para a autora, as experiências de
governo local onde a participação da sociedade na gestão pública é priorizada,
acontece “de forma tensa e contraditória entre si”
1
.
Conforme visto até este momento, a transferência de competências do
governo federal para o governo municipal, leva a uma discussão sobre o poder
destinado aos municípios, ou seja, ao local. Mais do que nunca, após a reforma do
Estado, cabe aos gestores municipais chegar pelo menos próximos à governança
ideal, o que seria dizer, transformar seus municípios em locais nos quais, em
conjunto com a sociedade civil, efetivamente se alcance o desenvolvimento
sustentável, a partir de um modelo de gestão democrático e participativo.
Ladislau Dowbor, em seu estudo sobre processos de “reprodução social” e
suas implicações para a gestão pública, destaca o conceito de espaço e a
1
Para uma exposição aprofundada sobre alguns dos efeitos negativos da descentralização após a Constituição de
1988, consultar MELO, M. A. Crise federativa, guerra fiscal e “hobbesianismo municipal” efeitos perversos da
descentralização? ; ABRUCIO, F. L.; COUTO, C. G. A redefinição do papel do estado no âmbito local. Ambos
artigos se encontram na revista São Paulo em Perspectiva, 10 (3), 1996.
13
importância que este espaço assume no cotidiano das comunidades. Para o autor,
existe uma crescente complexidade nos processos de transformação dos espaços:
“O que está ocorrendo, é uma nova hierarquização dos espaços, segundo as
diferentes atividades, envolvendo tanto globalização como formação de blocos,
fragilização do Estado-nação, surgimento de espaços subnacionais fracionados
de diversas formas, transformação do papel das metrópoles, reforço do papel
das cidades, e uma gradual reconstituição dos espaços comunitários
desarticulados por um século e meio de capitalismo. E estes diversos espaços
em plena transformação e rearticulação abrem novas dimensões para a
inserção do indivíduo no processo de reprodução social, permitindo talvez a
reconstituição de um ser humano mais integrado a partir dos segmentos hoje
fragmentados” (DOWBOR, 1998, p. 30).
A globalização teve uma grande importância para o processo de se repensar
o local. Para Pinzani (2001), pode-se considerar dois aspectos principais que
caracterizam a globalização: o primeiro, foi a expansão do espaço da economia e da
política, quebrando o paradigma do “progresso como fenômeno ligado à
temporalidade”. O tempo, segundo este autor, se reduz
“ao breve momento, ao instante necessário para a transferência de
informações dum ponto ao outro do planeta através dos ‘novos’ meios
tecnológicos: o telefone, o dio, a televisão, o computador. As grandes
transformações sobressaltam a humanidade de repente e tomam posse do
mundo num tempo incrivelmente breve (...). Elas se movem mais na dimensão
espacial que na temporal” (PINZANI, 2002, p. 213).
O segundo aspecto da globalização se refere ao predomínio da lógica
econômica, que traz uma expansão do mercado limitada aos países industrialmente
mais avançados, como os Estados Unidos, Japão e países da Europa, ficando
apenas as migalhas para os outros países. Além das “simples transações comerciais
ou das especulações financeiras”, o autor se refere também às várias culturas que
se abrem a outros âmbitos culturais até então desconhecidos (PINZANI, 2002, p.
215).
Contudo, Dowbor adverte que a “globalização não é geral”, nem tudo se
globalizou, basta prestar atenção na vida cotidiana para perceber que muitas das
atividades continuam sendo locais, tais como a moradia, “o médico para a família, o
local de trabalho, até os horti-fruti-granjeiros da nossa alimentação cotidiana” (1998,
p. 32). Para o autor, existe a necessidade de uma “melhor compreensão de como os
14
diversos espaços do nosso desenvolvimento se diferenciam e se rearticulam, cada
nível apresentando os seus problemas e as suas oportunidades, e, a totalidade
representando um sistema mais complexo”. A partir deste entendimento, os
problemas mais específicos devem se concentrar nos locais mais próximos de
decisão dos cidadãos, o que exige uma maior participação dos atores sociais locais
e sistemas mais democráticos de gestão, enquanto que outros problemas devem
ficar num nível mais central de decisão do país, tais como os equilíbrios
macroeconômicos, as desigualdades regionais, a inserção do país na economia
mundial, eixos tecnológicos de longo prazo, etc. Para ilustrar esta questão, o autor
utiliza uma frase de um relatório das Nações Unidas
2
que resume bem o problema:
“O Estado-nação tornou-se pequeno demais para as grandes coisas, e grande
demais para as pequenas” (DOWBOR, 1998, p. 32-36).
Dessa forma, Dowbor afirma que se deve apostar no poder local, bem como
em modelos de gestão democrática e participativa como formas de se atingir o
desenvolvimento sustentável a partir das localidades.
Vieira & Vieira (2003, p. 130) referem-se ao poder em três esferas distintas: o
poder político, o poder social e o poder econômico.
O poder político é determinante da ação administrativa e se traduz como a
soma de vários poderes compartilhados, emanados das entidades que representam
a sociedade organizada. Os dois grandes domínios do exercício do poder são o
executivo e o legislativo. O poder social distribui-se em diversos segmentos e é
representado pelas entidades de classe, pelas organizações não governamentais e
“pelo domínio intelectual do conhecimento e das técnicas”. Compartilhado, o poder
social tem se ampliado e vem sendo utilizado como instrumento de ação política e
como “respaldo na implementação das estratégias de gestão”. Tal ampliação do
poder social deve-se a um contexto cada vez mais complexo na dinâmica das
cidades. O terceiro poder, o econômico, define-se como “o mais dinâmico e influente
mecanismo de atuação na gestão blica”, pois ao mesmo tempo em que agrega
valores, também destrói princípios e respeito aos direitos comuns bem como à
sustentabilidade ambiental (VIEIRA & VIEIRA, 2003, p. 130).
2
UNDP, Human Development Report, 1993, p. 5.
15
Anete Ivo (2000) levanta a questão dos conflitos que surgem no âmbito do
poder local. Para a autora, este poder não se consolida apenas nas “relações entre
o governo municipal e a sociedade civil, como espaço do exercício responsável e
solidário”. Ele também assume muitas vezes um caráter conflitivo quando “na
criação de soluções alternativas para o tratamento dos problemas vinculados à
produção da pobreza e das desigualdades sociais, sustentadas pela ampliação de
atores participativos” (IVO, 2000, p. 15).
Um dos grandes desafios da gestão do local é adequar e integrar as
diferentes instâncias de poder que influenciam a vida dos cidadãos.
As pressões sofridas pelos gestores por parte das comunidades é mais um
dos desafios da gestão local. Conforme Frey, estas comunidades “são expostas aos
chamados ‘efeitos colaterais’ do progresso econômico e da globalização aumento
do desemprego, da criminalidade e violência urbana, deterioração ambiental e de
qualidade de vida em geral”. Para o autor, o dilema enfrentado pelo gestor urbano
está entre a necessidade de “criar condições favoráveis para uma inserção dos
setores mais modernos e dinâmicos da cidade no mundo da economia globalizada”
e ao mesmo tempo, “procurar medidas e políticas capazes de mitigar os crescentes
problemas sociais, econômicos e ambientais que afetam os setores sociais mais
fragilizados e empobrecidos” (FREY, 2003).
Para fazer frente aos desafios expostos, surgem novos modelos de gestão
pública, analisados a seguir, sendo eles o modelo gerencial e o modelo democrático-
participativo.
2.3 NOVOS MODELOS DE GESTÃO PÚBLICA NO ÂMBITO DA GOVERNANÇA
URBANA
A nova dinâmica urbana em que vivem as cidades, na qual o local ganha
cada vez mais força de transformação exige da gestão pública modelos inovadores e
adequados a este novo cenário que vem se configurando nas cidades.
16
Sendo assim, dois novos modelos de gestão pública vêm se delineando para
fazer frente aos novos anseios da sociedade urbana atual: o modelo gerencial e o
modelo democrático-participativo.
2.3.1 Modelo Gerencial de Administração Pública
A modelo gerencial de administração pública surgiu na segunda metade do
século XX, como resposta à crise do Estado, com os objetivos principais de enfrentar
a crise fiscal, reduzir os custos, tornar mais eficiente a administração pública e
proteger o patrimônio blico “contra os interesses do rent-seeking ou da corrupção
aberta”. (BRESSER PEREIRA, 1998b, p. 28).
O modelo gerencial associa-se aos preceitos de um novo modo de governar,
a partir do conceito da reinvenção do governo. Segundo Osborne & Gaebler, “o
surgimento de uma economia global pós-industrial, baseada no conhecimento,
abalou velhas realidades em todo o mundo, criando oportunidades maravilhosas e
problemas espantosos” (1998, p XVI). Sendo assim, os autores defendem a idéia de
que é necessário que os governos reajam e se reinventem, transformem-se em
governos empreendedores ou governos inovadores.
Bresser Pereira define as seguintes características básicas da administração
pública gerencial: é orientada para as necessidades dos cidadãos, para o alcance de
resultados, considera que políticos e funcionários públicos são merecedores de
limitado grau de confiança, serve-se da descentralização e do incentivo à
criatividade, bem como à inovação como estratégias, além de se utilizar dos
contratos de gestão como instrumento para controlar gestores públicos (1998b, p.
28).
Ao contrário da gestão burocrática, “toda administração pública gerencial tem
de considerar o indivíduo, em termos econômicos, como consumidor (ou usuário) e,
em termos políticos, como cidadão” (BRESSER PEREIRA, 1998b, p. 33).
Os processos de reforma possuem uma amplitude que vai além do Estado.
Constituem-se num conjunto bastante diverso de ações descentralizadas nas
diversas formas de governo local, estimulando e gerando novos fóruns de debate
17
sobre a eficácia e a efetividade da gestão pública. Estes diversos novos atores que
passam a incluir o processo administrativo por meio de parcerias, assumem um
papel cada vez maior na provisão de serviços públicos sociais e científicos
(BRESSER PEREIRA & SPINK, 1998, p. 13).
2.3.2 Modelo Democrático-participativo de Administração Pública
Para entender o modelo democrático-participativo no Brasil, se faz necessário
uma breve introdução dos conceitos de democracia e participação.
Segundo o dicionário Aurélio, democracia é uma “doutrina ou regime político
baseado nos princípios da soberania popular e da distribuição eqüitativa do poder”
(AURÉLIO, 2004, p. 291). Para Fleury (2003, p. 111), a construção da democracia
no Brasil deve-se principalmente ao novo formato constitucional das políticas sociais
brasileiras.
Fazendo uma retrospectiva dos ciclos da democracia nas grandes cidades
brasileiras, Soares & Gondim (1998) afirmam que o primeiro ciclo do novo modelo de
“democracia urbana” se iniciou em 1985 quando se retomou as eleições diretas para
prefeito. Neste ciclo prevaleceu a “soberania do voto” possibilitando “aos novos
movimentos sociais a oportunidade de intervir diretamente na definição e
fiscalização das políticas públicas no plano local” (p. 64).
Nessa primeira fase, dentre as cidades que tiveram administrações que se
propunham realizar mudanças no modelo de relacionamento entre governo e
sociedade civil, apenas Recife e Curitiba conseguiram executar, de forma mais
consistente, propostas que viriam em larga medida orientar um novo padrão de
gestão nas administrações locais. A primeira destacou-se por programas com
alta densidade de participação popular. A segunda conseguiu combinar o
elevado padrão de planejamento existente na cidade com programas de
grande repercussão social. As experiências das outras capitais terminaram
naufragando, em decorrência, principalmente, de problemas na composição
das alianças políticas, de falta de experiência e da ausência de uma equipe de
governo trabalhando de forma coordenada (SOARES & GONDIM, 1998, p. 65).
Para Soares & Gondim (1998), o segundo ciclo da democracia é marcado
pelas eleições de 1988, época em que o PT sai vitorioso em mais de quarenta
cidades e passa a administrar 20% do eleitorado brasileiro. Neste ciclo inaugurou-se
18
uma nova concepção de gestão local centrada na capacidade ativa do povo, o
discurso da participação direta se torna radical a partir das propostas de instalação
de “conselhos populares deliberativos” (p.66). No entanto, segundo os autores, tais
propostas não conseguiram se viabilizar. As administrações petistas não
corresponderam às expectativas com relação às propostas alternativas de gestão
municipal, principalmente nas cidades de São Paulo e Campinas. Em contrapartida
aos “conselhos deliberativos”, algumas prefeituras “consagraram um novo estilo de
negociação, por intermédio da discussão do orçamento municipal, que passaria a
ser marca das administrações inovadoras no poder local” (p. 67). Esta experiência
iniciou-se em Porto Alegre, na gestão do governo Olívio Dutra, perdurando nas
administrações seguintes e, inclusive, sendo adotada por outros municípios
brasileiros.
Por fim, o terceiro ciclo das gestões locais inovadoras reforça a participação,
a parceria e o desenvolvimento econômico. Destaca-se a experiência do orçamento
participativo e a “combinação de formas de participação semidireta na gestão (os
conselhos setoriais) com a parceria da iniciativa privada, ONGs e organizações
populares no desenvolvimento de projetos econômicos” (SOARES & GONDIM,
1998, p. 67).
Após a reconstituição dos ciclos da democracia brasileira, observa-se que
este regime político possui classificações distintas, tais como democracia formal e
democracia participativa.
Segundo Singer (1998, p. 125), a democracia formal apresenta uma divisão
de trabalhos entre o governo e a sociedade civil, onde o governo trata de negócios
públicos, a sociedade civil cuida dos interesses privados. Nestas condições, o autor
explica que a participação da sociedade civil acontece na época das eleições, ou
seja, é uma participação limitada.
Para Singer (1998), o grande desafio político é tornar a democracia
participativa, não se opondo à democracia formal, mas sim, deixando-a mais ampla
e mais autêntica, além de servir como elemento de melhoria do desempenho das
autoridades, permitindo a formação de parcerias entre poder público e organizações
de cidadãos, empresas, etc. Com a parceria, abre-se oportunidade de viabilização
19
de diversas atividades que sozinhas, as instituições não conseguiriam viabilizar (p.
125).
Para isso, os prefeitos precisam conquistar a confiança dos líderes
comunitários e de classe, a fim de convencê-los de que “vale a pena aceitar o
desafio de participar” (SINGER, 1998, 125). A democracia participativa oferece
oportunidades para que as decisões não rotineiras, que possam afetar amplos
setores da sociedade possam ser discutidas e decididas com todos os interessados.
O modelo democrático-participativo de administração pública possibilita o
envolvimento e o apoio dos cidadãos e da sociedade civil organizada, ou seja, cria-
se uma parceria que tende a minimizar os problemas e a facilitar o processo de
desenvolvimento das comunidades locais.
O processo de parceria entre governo e sociedade civil gera um grande
potencial de inovação social, “transformando as estruturas governamentais e as
formas de gestão pública e permitindo, assim, a inclusão de setores anteriormente
excluídos da condição de cidadania” (Fleury, 2003, p. 112).
“O ponto fundamental é, sem dúvida, a compreensão da importância de abrir
as estruturas estatais de planejamento e gestão à sociedade, para que se
possam criar processos democráticos de co-gestão. Aceitar, enfim, que dividir
poder não diminui o poder do governante, mas sim o multiplica: eis a base da
geração de governabilidade local, requerida na transformação da gestão de
estruturas tradicionalmente comprometidas com o clientelismo e a corrupção.
No campo das políticas sociais, em que interesses tão diversos em jogo e
em que são enormes as disparidades de recursos dos diferentes grupos de
interessados, é imprescindível criar espaços públicos nos quais os interesses
possam ser confrontados de forma transparente, gerando possibilidades de
negociação e geração de consensos” (FLEURY, 2003, p. 112).
Para Soares & Gondim, a participação popular na administração pública,
“tornou-se hegemônica na cultura política brasileira recente, ou seja, deixou de ser
apanágio dos partidos de esquerda e dos movimentos sociais e passou a ser
incluída nas propostas de governos e no planejamento estratégico das cidades,
independente da orientação ideológica dos gestores” (1998, p. 81).
Porém, a democracia participativa faz parte de uma nova cultura política, que
precisa ser exercitada cada vez mais por toda a sociedade para que seus conceitos
e aplicações sejam realmente eficazes. Cidades tais como Fortaleza, Recife, Santos,
20
São Paulo e Porto Alegre
3
foram as primeiras a utilizar-se de maneira intensa deste
modelo de gestão e podem testemunhar as dificuldades que ocorrem no dia-a-dia da
administração municipal,
“o recurso à participação popular, mesmo servindo para impactar
positivamente a máquina administrativa, muitas vezes poderia atuar também
como um complicador, pois, ao invés de agilizar, podia emperrar ainda mais a
máquina burocrática. Uma das justificativas é que, ao abrir espaços para o
confronto de interesses divergentes, a prática da democracia semidireta, numa
sociedade marcada por fortes desigualdades socioeconômicas, pode acirrar os
conflitos, em vez de viabilizar soluções negociadas” (SOARES & GONDIM,
1998, p. 82).
As dificuldades intrínsecas à participação popular o bastante diversas. Vão
desde a falta de cultura participativa até à manutenção da participação. Com relação
à falta de uma cultura participativa, Soares & Gondim explicam que, nas
“administrações populares” percebe-se que “a população tende a só considerar
válida a participação quando suas reivindicações são atendidas” (1998, p. 83).
Estas dificuldades acontecem porque, segundo Cohn (1998), não existe “uma
tradição intersetorial de enfrentamento da questão social, nem por parte dos
governos locais nem dos próprios setores sociais mais diretamente envolvidos” (p.
163). Tendências de tensões são evidenciadas: “entre o particular e o universal,
entre a segmentação e a setorização e a necessidade de se equacionar as questões
urbanas em termos mais gerais, orientadas para a garantia de melhor qualidade de
vida para todos” (p. 165). Os principais atores envolvidos nestas “tensões” são o
poder público, assessoria técnica, lideranças populares e comunidade, ressaltando
“difícil negociação entre a racionalidade política da administração, a racionalidade
técnica da máquina administrativa e as necessidades e demandas das organizações
populares e da comunidade” ( p. 167).
A falta de uma cultura democrática participativa, de acordo com Soares &
Gondim (1998) faz com que a participação seja efetiva “apenas durante períodos
limitados, quando uma ameaça externa catalisa a união dos diversos segmentos
3
“Um conjunto de experiências inovadoras no âmbito da gestão local vêm sendo registradas pelo
programa Gestão Pública e Cidadania, dirigido por Peter Spink na FGV; pelo Dicas Municipais do
Instituto Pólis, pelo Cepam no quadro de seu Catálogo de Experiências Municipais; pela Secretaria de
Assuntos Internacionais do Partido dos Trabalhadores; pela Fundação Abrinq no quadro do
movimento Prefeito-Criança” (DOWBOR, 2000, p. 4).
21
afetados, ou quando demandas específicas e localizadas a serem atendidas” (p.
83).
Para os autores, não existe continuidade nos processos de participação por
parte da sociedade, tornando-se essencial que se busque “mecanismos capazes de
institucionalizar os processos participativos, de modo a assegurar-lhes continuidade
e eficácia” bem como sua auto-sustentabilidade (SOARES & GONDIM, 1998, p. 84).
A parceria entre governo e sociedade é um processo político cada dia mais
dominante na governança local, por isso, as dificuldades existentes quanto à
efetivação da democracia devem ser superadas, pois a participação representa “o
reconhecimento dos próprios limites da ação estatal”. Governar, então, “torna-se um
processo interativo porque nenhum ator detém sozinho o conhecimento e a
capacidade de recursos para resolver problemas unilateralmente” (STOKER, 2000:
93, apud FREY, 200).
Ainda sobre a parceria governo sociedade, ela se “desdobra” em algumas
estruturas. Entre elas, a estrutura de redes sociais, que significam um potencial
instrumento de participação e interação entre governo, comunidade e setor privado.
O tema das redes sociais é abordado no capítulo cinco deste trabalho.
2.3.3 Diferenças e Complementaridades entre os Modelos de Administração Pública
“Referir-se ao local é dizer que mais do que administrar com maior eficácia
(modelo gerencial) existe um movimento bastante intenso no sentido da gestão
democrática: Estado, sociedade civil, participação, universo organizacional e
qualificação dos gestores” (NOGUEIRA, 2005, p. 11).
Seguindo a idéia de Nogueira, para cada modelo de gestão acima exposto,
existem vantagens e desvantagens. Porém, eles não são excludentes e sim,
complementares. O modelo gerencial foca muito mais a eficiência enquanto que o
modelo participativo valoriza sobremaneira a participação da sociedade nas
decisões das ações públicas.
22
FREY, em seus estudos sobre modelos de administração pública, faz uma
relação de características dos modelos gerencial e democrático-participativo,
conforme sintetizado no quadro abaixo:
QUADRO 01 - SÍNTESE DAS CARACTERÍSTICAS PRINCIPAIS DO MODELO
GERENCIAL E DO MODELO DEMOCRÁTICO-PARTICIPATIVO.
MODELO GERENCIAL MODELO DEMOCRÁTICO-PARTICIPATIVO
1 - Inspira-se na prática do gerenciamento
de empresas privadas, buscando
transferir instrumentos de gerência
empresarial para o setor público.
1 - Inspira-se na teoria da democracia
participativa e passa pelo aumento do
controle social, pela democratização das
relações Estado-sociedade e a ampliação
da participação da sociedade civil e da
população na gestão da coisa pública.
2 - As diretrizes baseiam-se na nova
administração pública, ou New Public
Management, orientando-se para a
obtenção de resultados, a utilização do
contrato de gestão como instrumento de
controle dos gestores públicos, a
descentralização administrativa, os
incentivos à criatividade e à inovação
como estratégias principais e para a
transferência de ampla autonomia e
responsabilidade aos gerentes públicos.
2 - As diretrizes baseiam-se na promoção
das condições de accountability através
de estímulos ao envolvimento e à partição
da sociedade civil organizada e dos
cidadãos tanto na formulação como na
implementação de políticas e projetos
públicos.
3 - Visa isolar e proteger o gestor público
das pressões oriundas da sociedade;
3 Visa novas habilidades do gestor
público, sobretudo em relação à
articulação e à cooperação com os mais
variados atores políticos e sociais.
4 - O gestor público é avaliado conforme
sua capacidade de alcançar as metas
estabelecidas pelo sistema de decisão
política.
4 Ganha relevância o próprio processo
da gestão pública, particularmente no que
diz respeito ao seu caráter democrático,
ao apoio popular alcançado e ao
engajamento cívico almejado.
FONTE: FREY, 2004.
23
Segundo Frey, nas recentes práticas da administração municipal observa-se
uma mesclagem das duas abordagens acima citadas, comprovando uma tendência
de aproximação entre os dois distintos modelos, sem, no entanto, “chegar a uma
dissolução de antagonismos ideológicos”. (2004, p. 4).
“Governos municipais, tradicionalmente de esquerda e comprometidos com o
discurso democrático-participativo, recorrem crescentemente a instrumentos de
gestão defendidos pelo novo gerencialismo, ao passo que governos do campo
político de tendência neoliberal, advogando a revolução gerencial no setor
público, vêem-se obrigados a abrir espaços para a participação popular em
função da perda de legitimidade política e das crescentes demanda sociais.
Mesmo no tocante ao debate teórico, a distinção entre as duas abordagens,
antagônicas nas suas origens, se torna mais difícil, na medida em que, de um
lado, o discurso da cidadania e da participação pública entrou nas concepções
gerenciais e, de outro lado, estratégias de privatização e de parcerias blico-
privado são cada vez mais defendidos pelos adeptos do modelo democrático-
participativo” (FREY, 2004, p. 8).
Neste contexto, vem se delineando a nova estrutura de governança urbana,
com governos enfatizando cada vez mais, tanto o aumento da eficiência e
efetividade, quanto o potencial democrático.
2.4 GOVERNANÇA COMUNITÁRIA
Após descrito o processo de descentralização do Estado e os conseqüentes
desdobramentos de tal acontecimento, isto é, a incumbência de novos papéis
assumidos pelos municípios, além do surgimento dos novos modelos de gestão
pública, será aprofundado a partir deste momento o conceito da governança
comunitária.
Este tópico tem por finalidade explicar o que se entende sobre o conceito de
governança, além de refletir sobre sua relevância para o espaço do urbano,
considerando a atual dinâmica das relações entre Estado e sociedade civil.
A gestão, segundo Kliksberg, (1997, p. 74), em todo o mundo, “é uma das
grandes questões de nosso tempo”, um recurso estratégico e escasso. Para o autor,
gerenciar, isto é, exercer uma gestão, significa “alcançar as metas previstas”. De
acordo com Fischer, “a gestão é um ato relacional que se estabelece entre pessoas,
em espaços e tempos relativamente delimitados, objetivando realizações e
expressando interesses de indivíduos, grupos e coletividades”. (2002, p. 29).No
24
âmbito deste trabalho, “o espaço” ao qual Fischer se refere, diz respeito às cidades e
à sua zona urbana, ou seja, à gestão pública das cidades.
Gerenciar nos dias de hoje é bastante diferente de gerenciar nos anos 80,
principalmente no âmbito do setor público, por serem as questões cada vez mais
complexas e muito particulares a cada organização pública (Kliksberg, 1997, p. 74).
No atual contexto da sociedade da informação, do conhecimento e dos fluxos
globais, as cidades e sua expressão maior, a zona urbana, possuem incumbências
cada vez maiores quando comparadas à era industrial. Precisam cada vez mais se
apropriar de uma nova personalidade, de um novo poder e de novas estratégias de
gestão. Estão ligadas de forma cada vez mais intensa às estratégias globais,
“articulando-se às redes de produção, circulação e consumo mundial” (VIEIRA &
VIEIRA, 2003, p. 128).
Em especial nos últimos 50 anos, a urbanização se intensificou de maneira
extraordinária, o que “torna os centros urbanos caixas de ressonância das
demandas humanas, projetadas por fatores econômicos, sociais, culturais e mais
recentemente, tecnológicos” (VIEIRA & VIEIRA, 2003, P. 128). De acordo com estes
autores, são estas demandas que obrigam as cidades a exercer novas funções,
influenciando fortemente para a criação de novas estruturas organizacionais, bem
como novas metodologias de gestão.
Para Kliksberg, as novas demandas apresentadas à gerência do setor público
referem-se ao “desafio de estabilizar a democracia, de impulsionar o
desenvolvimento e a competitividade, de enfrentar a gravíssima situação social e de
promover maior integração econômica” (1997, p. 79). Gerir a cidade, para Vieira &
Vieira “é enfrentar extraordinários fluxos de demandas sociais, a exigirem
permanentemente redefinição, inovação e articulação de estratégias à minimização
dos impactos que a dinâmica de funcionamento descarrega, diariamente, sobre a
estrutura de poder e a capacidade de gestão” (2003, p. 127).
A “boa gestão” que se impõe aos atuais governantes, passa a ser identificada
por Fischer e diversos outros autores, como “governança”. Este conceito traduz uma
gestão idealizada, entendida como “o poder compartilhado ou a ação coletiva
gerencial” (2002, p. 26).
25
“A governança transformou-se em categoria analítica, associada a conceitos
como participação, parceria, aprendizagem coletiva, regulação, sinimo de
‘bom governo’, enfim, um guarda-chuva para as boas práticas valorizadas
pelas agências internacionais, como o orçamento participativo e ações de
desenvolvimento local e regional” (FISCHER, 2002, p. 26).
Para Cassiolato & Lastres, governança origina-se da implantação de “práticas
democráticas locais por meio da intervenção e participação de diferentes categorias
de atores Estado, em seus diferentes níveis, empresas privadas locais, cidadãos e
trabalhadores, organizações não-governamentais etc. nos processos de decisões
locais” (2002, p. 71). Anete Ivo utiliza-se do conceito de governança conforme
descrito pelo Banco Mundial que o define enquanto:
“capacidade governamental de fazer prevalecer regras universalistas nas
transações políticas e sociais, através da promoção, formas e mecanismos de
coordenação e cooperação, nem sempre sustentado no uso da autoridade
pública, mas em arranjos cooperativos, que reduziriam os custos de transação
e evitariam ações predatórias, como clientelismo, corrupção, etc.” (IVO, 2000,
p. 15).
Neste sentido, de acordo com Dowbor (1996, p. 27), a governança “trata de
deixar a sociedade gerir-se de forma mais flexível segundo as características de
cada município”, através de mecanismos participativos simplificados, comunicação
de forma ágil com a população, flexibilização dos mecanismos financeiros,
ampliação da área de atuação da prefeitura, ultrapassando “preocupações com a
cosmética urbana e algumas áreas sociais” e tornando-se catalisadora de “forças
econômicas e sociais da região” além de, também, organizar “redes horizontais de
coordenação e cooperação entre municípios, tanto no plano geral como, sobretudo,
em torno de programas setoriais”.
O conceito de governança diz respeito à superação da pobreza, à eficiência
dos programas públicos, ao trabalho conjunto entre poder público e os demais
atores sociais que pertençam à comunidade em torno de projetos estruturantes,
tendo como objetivo principal, “contribuir para a redefinição de um modelo de
desenvolvimento para cada sociedade” (KLIKSBERG, 2001 apud FISCHER, 2002, p.
27).
Segundo estes autores, a governança apresentauma boa “performance”
com relação ao desafio de vencer os obstáculos e realmente redefinir um modelo de
desenvolvimento para as comunidades locais, a partir do momento em que haja uma
forte integração entre poder público e a sociedade.
26
O conceito de governança surge no momento em que os governos
encontram-se numa situação crucial, em que não conseguem mais “dar conta”
sozinhos dos desafios políticos, sociais e econômicos. Sendo assim, a proposta da
governança se apresenta como uma possível solução para a crise de
governabilidade que atinge as prefeituras brasileiras, tendo como premissa básica
para sua efetivação, a parceria, a inclusão de novos atores da sociedade civil para
gerir de forma conjunta com o poder público, os espaços urbanos.
O tema sobre governança, cada vez mais destacado na literatura sobre
gestão urbana, salienta “novas tendências de administração pública e de gestão de
políticas públicas, particularmente a necessidade de mobilizar todo conhecimento
disponível na sociedade em benefício da melhoria da performance administrativa e
da democratização dos processos decisórios locais” (FREY, 2004, p.3). Estas novas
tendências de administração pública inerentes ao processo de governança se
manifestam nos modelos gerencial e democrático-participativo, abordados
anteriormente neste mesmo capítulo.
Com relação ao espaço no qual a governança se materializa, espaço este que
abrange mais do que a própria cidade, abrange seu entorno, tanto físico quanto
espacial, este pode ser caracterizado como espaço urbano. Este espaço urbano,
para Vieira & Vieira (2003, p. 128), é uma expressão maior das cidades. Para o
autor, as cidades são consideradas “um acontecimento populacional, social e
econômico e de poder político”, enquanto que o urbano refere-se a “uma articulação
espacial, contínua ou descontínua, da população e suas atividades”.
Segundo Lefebvre, é preferível utilizar o termo fenômeno urbano ou o urbano
à palavra “cidade”, pois para o autor, o termo cidade “parece designar um objeto
definido e definitivo, objeto dado para a ciência e objetivo imediato para a ação,
enquanto a abordagem teórica reclama inicialmente uma crítica desse objeto e exige
a noção mais complexa de um objeto virtual ou possível”. Para o autor, o urbano é o
possível, define-se por uma direção, e não “como realidade acabada, situada, em
relação à realidade atual, de maneira recuada no tempo, mas, ao contrário, como
horizonte, como virtualidade iluminadora” (LEFEBVRE, 1999).
A cidade, para muitos analistas, perde seu “sentido conceitual ao tempo que
cresce o conceito urbano de uma nova relação de espaço e sociedade” (VIEIRA &
27
VIEIRA, 2003, p. 128). Neste trabalho o que se faz relevante é destacar as
mudanças da gestão pública no âmbito urbano e suas implicações para a
governança comunitária.
Em nível nacional, estas mudanças têm início, principalmente, a partir da
reforma do Estado, tema discutido no início do presente capítulo. O próximo subitem,
explica como ocorreram e como Curitiba se inseriu neste contexto de mudanças de
gestão, expostas até o presente momento.
2.4.1 Planejamento Urbano e Gestão Pública em Curitiba
Durante as décadas de 1950 a 1980, Curitiba (assim como outras cidades
brasileiras) sofreu um intenso processo de urbanização, apresentando uma das
maiores taxas de crescimento anual no país, principalmente na cada de 1970,
pois enquanto a taxa populacional do Brasil crescia a 2,48% ao ano, Curitiba crescia
5,34% ao ano.
Com o intuito de evitar as crises crônicas estabelecidas na maioria das outras
cidades brasileiras devido ao crescimento exagerado e descontrolado, Curitiba
preocupou-se em ordenar e direcionar o crescimento urbano, desenvolvendo o
Plano Diretor de Curitiba, ocasião onde é fundado o Instituto de Pesquisa e
Planejamento Urbano de Curitiba - IPPUC, com o objetivo de implantar as diretrizes
do Plano Diretor, em 1963.
Desde então o IPPUC foi o órgão responsável em planejar a cidade, seja no
aspecto ambiental e de lazer, seja na área de equipamentos urbanos ou de sistema
viário. Durante muitos anos a cidade foi destaque nacional e internacional no que
dizia respeito ao seu planejamento urbano. Atualmente, porém, o atual sistema
parece dar sinais de esgotamento, principalmente em seu sistema viário.
Os impactos são sentidos principalmente por conta da nova dinâmica urbana
que toma conta de todo o país. As cidades estão cada vez mais “inchadas”, as
demandas pelos serviços públicos são cada vez maiores e o governo municipal
acaba por não vencer, sozinho, os atuais desafios.
28
Dessa forma, Curitiba começou a criar canais de participação, por exemplo,
através da realização de audiências públicas, realizadas desde a gestão anterior
do ex-prefeito ssio Taniguchi e se intensificando no atual governo do prefeito
Beto Richa, no sentido de trabalhar de maneira mais próxima à comunidade.Além
das audiências públicas, as reuniões realizadas com entidades empresariais, de
classe e universidades, os Conselhos Municipais e o Portal da Prefeitura (IMAP,
2005) se constituem em canais de participação e de comunicação entre governo
municipal, sociedade civil e cidadãos. Outra ferramenta utilizada pela Prefeitura,
visando a participação baseada na parceria entre governo, sociedade civil e
iniciativa privada, é o Modelo Curitiba de Colaboração, que é investigado nesta
pesquisa.
Segundo o Instituto Municipal de Administração Pública IMAP, órgão do
governo municipal, a gestão pública de Curitiba pode ser caracterizada da seguinte
maneira (IMAP, 2005):
Estruturas organizacionais mais flexíveis, adaptáveis às demandas da
sociedade, favorecendo o uso da criatividade e inovação,
Administração pública mais próxima da população através da
descentralização com melhor conexão e flexibilidade entre os níveis: local,
regional e central, resultando em respostas mais ágeis,
Raciocínio estratégico presente em todos os níveis e voltado para resultados
(forte presença do modelo gerencial),
Mecanismos de participação da sociedade reforçados, o que constitui e
amplia a rede de parcerias com a apropriação da metodologia do Modelo
Curitiba de Colaboração,
Intersetorialidade presente na ação da PMC,
Criação de redes eficazes de comunicação interna e externa,
Ações territoriais, com dimensões e contornos próprios em função do local ou
público a quem se destina. Dessa maneira, em parceria com a comunidade, a
Prefeitura acredita conseguir, ao menos, amenizar os “efeitos colaterais” da
globalização e da nova dinâmica urbana, seja no âmbito do planejamento
urbano, da saúde, da educação, da habitação, do transporte, do
desenvolvimento econômico, etc.
29
No entanto, a questão do desenvolvimento econômico objeto desta
investigação é uma das atribuições mais recentes assumidas pelos
municípios em virtude da descentralização do Estado nacional, conforme
abordado no primeiro capítulo deste trabalho.
Conforme visto até o presente momento, a governança no atual contexto da
sociedade da informação, do conhecimento e dos fluxos globais é um dos maiores
desafios aos gestores públicos, face às novas imensas e diversificadas demandas
desta nova sociedade. A seguir apresentam-se dois fatores intrínsecos à governança
urbana ou, mais especificamente neste caso, à governança comunitária, que podem
vir a potencializar a “boa governança”, já que se tratam de fatores diretamente
ligados a uma atuação ativa e efetiva da comunidade local, quais sejam a promoção
do capital social e de redes sociais, bem como condições favoráveis ao
empowerment.
2.4.2 Capital Social
A literatura sobre o tema é vasta e os aspectos sobre o capital social são
bastante diversos, podendo contemplar as áreas política, econômica e/ou social.
Segundo Costa, trabalhar o conceito de capital social é desafiador, pois além de
envolver outros conceitos em seu “corpo estrutura”, tais como a confiança, as redes
sociais, a solidariedade e a reciprocidade entre outros, o conceito também envolve
aspéctos políticos, sociais e econômicos, ora analisados por alguns autores de
maneira conjunta e associada, ora de formas isoladas e desconectadas. (COSTA,
2003, p.156). Enfatiza-se de forma primordial nesta parte do trabalho, a dimensão
sociopolítica do capital social, ou seja, seu potencial de dar suporte à democracia e
à governança local. Salienta-se que, a relevância do capital social nos processos de
desenvolvimento econômico será discutida no capítulo subseqüente.
O conceito de capital social ganhou expressão e projeção a partir dos
trabalhos de Coleman (1990) e Putnam (1996). Porém, a expressão é bem mais
antiga. De acordo com Ferrarezi, em 1916 ela aparecia num ensaio de Hanifan,
30
que buscava realçar a importância das relações sociais para a democracia e o
desenvolvimento (FERRAREZI, 2003, p. 8).
James Coleman e Robert Putnam são considerados os teóricos de maior
referência sobre o tema capital social. Procuram defini-lo “como a coerência cultural
e social interna de uma sociedade, as normas e valores que governam as interações
entre as pessoas e as instituições nas quais elas estão envolvidas”. Destacam a
importância do papel das instituições que funcionam como mediadoras da interação
social, tais como as escolas, empresas, clubes, igrejas, famílias. Afirmam que
compreender o papel destas instituições e suas influências numa comunidade faz
parte do processo de avaliação do capital social (COSTA, 2003, p. 155). Coleman
demonstrou que o capital social pode ser um recurso importante para as não-elites e
o define pelos efeitos relacionais presentes na estrutura social que beneficiam
indivíduos concretos, e não pelas causas desses efeitos. Para Coleman, “assim
como outras formas de capital, o capital social é produtivo possibilitando a realização
de certos objetivos que seriam inalcançáveis se ele não existisse” (FERRAREZI,
2003, p. 10). Enquanto em Coleman predomina a dimensão econômica do capital
social, sua relevância para o processo produtivo – por isso, será abordado no
capítulo 3 – deve-se a Robert Putnam o renovado interesse em estudos sobre
capital social e suas implicações para a democracia e os processos sociopolíticos,
sobretudo após a divulgação de livro Making democracy work.
Para Putnam, o “capital social diz respeito a características da organização
social, como confiança, normas e sistemas, que contribuam para aumentar a
eficiência da sociedade, facilitando as ações coordenadas” (PUTNAM, 2000, p. 177).
Em seu livro, Putnam estudou o rendimento das instituições das regiões
italianas e explica que os créditos institucionais devem-se à dotação de capital social
de que dispõem. Para ele, o capital social consiste em características da
organização social, como a confiança, as normas de reciprocidade e as redes de
associativismo cívico, que promovem a cooperação e a ação coletiva que dessa
forma, aumentam a eficiência da sociedade. Sobretudo, são as redes sociais do tipo
horizontal e as normas de reciprocidade generalizada, as que formam a confiança,
diminuindo os comportamentos oportunistas e favorecendo as ações coletivas
(PISELLI, 2003, p. 75).
31
Em seu estudo comparativo sobre o desenvolvimento político das regiões da
Itália, Putnam estabeleceu uma conexão entre o grau de civismo de uma
comunidade e a qualidade de sua governança. Para o autor, o maior
desenvolvimento do Norte italiano deve-se às organizações que datam de quase mil
anos atrás, baseadas no associativismo horizontal e com alto grau de participação
cívica. na região Sul da Itália existiriam maiores desigualdades sociais
provenientes da predominância das relações verticais, “caracterizadas pela
concentração de poder de proprietários de terra, menor participação social,
incapacidade de os indivíduos agirem coletivamente e maior alocação de
oportunidades individualistas” (COSTA, 2003, p. 155).
Em toda a literatura avaliada para a construção do presente capítulo, se fez
unânime a citação de Putnam. Porém, conforme foi possível constatar, o grande
mérito de Putnam foi ter colocado em evidencia e despertado diversos estudiosos a
se debruçarem sobre o tema do capital social, pois, pouco se encontra de
contribuição efetiva com relação a conceitos e definições sobre o capital social.
Entretanto, também foram freqüentes as críticas sobre suas obras.
Reis (2003), ao se referir à obra de Putnam, defende a idéia de que “a
despeito da enorme popularização do conceito que produziu”, o estudo de Putnam
não é sobre capital social “que desempenha ali o papel de uma espécie de
coadjuvante que rouba a cena nos momentos finais do filme”, quando apontado
“como elemento facilitador da cooperação voluntária, decisiva para a instauração
dos círculos virtuosos favorecedores do bom desempenho institucional”. Para Reis,
esta sim é a variável dependente fundamental de todo o estudo. “Contudo, o
conceito de capital social permanece surpreendentemente impreciso durante toda a
exposição do capítulo final – pois Putnam jamais o define” (REIS, 2003, p. 44).
Portes & Landolf (1996 apud COSTA, 2003 p. 155) dizem que os argumentos
de Putnam são inconsistentes na medida em que ele atrela o sucesso ou fracasso
de uma comunidade à existência ou não do capital social, pois, para os autores, a
situação de pobreza não é resultado de falta de capital social, mas sim da falta de
recursos econômicos concretos. Abu-El-Hay
4
(apud Costa, 2003b, p. 156) diz que o
ponto de vista de Putnam acaba sendo “de profundo ceticismo, quando associa as
4
ABU-EL-HAJ, J. O debate em torno do capital social: BIB, Rio de Janeiro, n. 47 p. 65-79. 1999.
32
possibilidades de avanço democrático à existência de ingredientes culturais naturais
a certas sociedades”.
Peter Evans
5
(1996, apud COSTA, 2003, p. 156 ) questiona a possibilidade da
sinergia Estado e sociedade civil depender de dotes sócio-culturais preexistentes e
com origens históricas. Para Evans, a sinergia fracassa sim, quando o engajamento
das instituições públicas não é forte o bastante. Caso contrário, a sinergia existente
pode criar um círculo virtuoso de mudança institucional.
“O cientista político Peter Evans (1996), procurando representar uma
alternativa neo-institucionalista à visão culturalista de Putnam, enfatizou o
papel decisivo da burocracia estatal na formação de capital social, no sentido
de que a função do Estado passaria da ação reguladora da interação social
para a de indutor e mobilizador do capital social, ligando cidadãos e
mobilizando as agências públicas a aumentarem a eficiência governamental, a
partir de uma sinergia entre o Estado e a sociedade civil como um conjunto de
relações que ultrapassa a divisão pública-privada (COSTA, 2003b, p. 156)”.
Para Costa, tanto Abu-El-Hay quanto Evans convergem para uma mesma
questão: “o capital social não é simplesmente um atributo cultural cujas raízes
podem ser fincadas ao longo de muitas gerações. Ele pode ser criado desde que
haja organizações suficientemente fortes para sinalizar aos indivíduos alternativas
aos comportamentos políticos convencionais” (COSTA, 2003, p. 156).
No que se refere à criação e disseminação do capital social, Fukuyama
aparece com uma visão intermediária, na medida em que considera que tanto o
Estado quanto os mecanismos culturais são elementos capazes de criar e mobilizar
o capital social de uma comunidade. Sua colocação de que “o capital social difere
dos outros tipos de capital humano até hoje conhecidos porque é habitualmente
criado e transmitido através de mecanismos culturais, como a religião, a tradição ou
o hábito historicamente transmitido”, o remete ao culturalismo de Putnam. Mas
acrescenta, por outro lado, que, “nos casos em que existe um déficit em capital
social, essa carência pode ser suprida através da intervenção estatal, tal como o
Estado pode retificar um déficit em capital humano através da construção de mais
escolas e universidades”. (FUKUYAMA, 1999, apud CUNHA, 2000). Segundo
5
EVANS, P. Government action, social capital and development: Reviewing the evidence on synergy. World
development, v. 24. n. 6, p. 1119 – 1132.
33
Cunha, é a diversidade socioterritorial que leva Fukuyama a relativizar sua
conclusão.
Para Piselli, os argumentos do discurso de Putnam não têm produzido mais
do que uma série de repetições e verdades óbvias, sua visão de cultura e de
tradições morais e cívicas são pré-determinadas, estáticas, inertes, ignoram o rol de
atores sociais existentes e subestimam a contribuição autônoma das variáveis
políticas. Para a autora, muitas das limitações dos traçados de Putnam derivam do
uso restrito e inadequado do conceito de capital social e, sobretudo, de sua
incapacidade de captar as características situacionais e dinâmicas (PISELLI, 2003,
p. 77)
Em seu mais recente livro, Bowling Alone: the collapse and revival of
american community (Putnam, 2000) Putnam escreve seu estudo sobre o declínio
das comunidades americanas, detectando um “crescente desinteresse dos cidadãos
americanos em questões relacionadas às comunidades locais” (FREY, 2003, p.
167).
“O diagnóstico constata um declínio generalizado do engajamento político,
taxas decrescentes de participação em eleições, em encontros públicos sobre
questões referentes a cidades ou escolas, a redução de todo tipo de
engajamento direto em questões políticas e governamentais e a diminuição da
disposição de associar-se a partidos politicos e outras organizações sociais e
políticas locais. Esse declínio do engajamento cívico estende-se ao
envolvimento em grupos religiosos, sindicatos de trabalho, associações de pais
e professores e outros tipos de organizações cívicas e fraternais” (FREY, 2003,
p. 167)
A hipótese básica de Putnam é que membros de associações tendem a ser
tanto política quanto socialmente mais ativos e, dessa forma, dão apoio às normas
democráticas, ou seja, “a densidade de todos os tipos de associações em uma dada
sociedade representa o seu estoque de capital social”, que pode ser medido, por
meio do levantamento quantitativo do envolvimento e da participação em
associações. (GRIX, 2001, p. 193 apud FREY, 2003, p. 167).
De acordo com Frey, uma abordagem basicamente quantitativa ignora
particularidades tais como a diferença entre ser membro de um clube de boliche ou
de ser membro de um partido político ou de uma associação de moradores,
principalmente em termos de exercício da cidadania. Para o autor, mesmo que todos
os tipos de associações contribuam para aumentar as conexões sociais, nem todas
34
se dedicam ou estão engajadas na solução de questões públicas e de problemas da
coletividade. Ao contrário, algumas delas agravam e muito os problemas da
coletividade, como por exemplo, o Primeiro Comando da Capital - PCC nas favelas
do Rio de Janeiro que, seguindo a interpretação de Putnam, é uma organização
social e, toda organização social, automaticamente aumentaria o capital social e
representaria uma contribuição para o fortalecimento da cultura cívica (FREY, 2003,
p. 167).
Diversas outras críticas se seguem a respeito dos trabalhos de Putnam,
porém, para o presente estudo, elas serão limitadas às expostas, pois o foco são
as definições e contribuições do capital social no âmbito da governança comunitária.
Neste sentido, o conceito de redes sociais ganha relevância como elemento
imprescindível para a composição do capital social.
Para Franco, “de tudo que se fale ou do que se falou sobre o tema deve-se
reter apenas uma coisa fundamental: capital social é rede social” e, redes sociais
são, em essência, “os múltiplos caminhos existentes entre indivíduos e grupos”.
Dessa forma, para o autor, “capital social se refere à configuração móvel das
conexões internas de um corpo coletivo de seres humanos, incluindo não apenas a
sua morfologia, mas também o metabolismo que parece lhe ser próprio (ou, pelo
menos, possível); ou seja, a democracia” (FRANCO, 2004, p. 1).
Assim, capital social para Franco “não é um conceito econômico (como
poderia sugerir o termo ‘capital’), nem sociológico (como poderia sugerir o termo
‘social’). É um conceito político, que tem a ver com os padrões de organização e
com os modos de regulação praticados por uma sociedade” (2004, p. 1).
Segundo Lima, o capital social na sociedade estaria presente não apenas
entre os indivíduos, mas também nas redes que se estabelecem nos movimentos
sociais. “Estas redes possibilitariam maior pressão por políticas públicas e por seus
resultados, o que levaria ao estabelecimento de regras mais claras no
funcionamento do aparelho do Estado e ao estabelecimento de relações de
confiança entre os atores envolvidos” (LIMA, 2001).
Para Lima, o conceito de capital social pode resultar em numerosos
benefícios diretos ou indiretos, sendo determinante na compreensão da ação social.
No entanto, para incorporar os processos de interação, normas, funcionalidade,
35
redes sociais, comunidade, solidariedade, subjetividade, o conceito acaba por
misturar diversas tradições sociológicas, pretendendo explicar muita coisa, com
resultados polêmicos. Dessa forma, suscita críticas recorrentes ao seu conceito e ao
seu uso, muitas vezes indiscriminado e amplo, em que as relações sociais seriam
transformadas em “capital”. (LIMA, 2001).
O autor diz que, “embora controverso em sua aplicabilidade, o conceito possui
um caráter explicativo, se constituindo num instrumental importante a ser utilizado ou
mobilizado na busca de políticas sociais transparentes e na construção efetiva de
relações de confiança entre Estado e Sociedade” e, desta maneira, haveria uma
aproximação do que seriam boas políticas ou bons governos, que a teoria do
capital social permite, assim, analisar fenômenos presentes no comportamento
social e pode ser operacionalizada na implementação de políticas publicas (LIMA,
2001).
Ainda sob um contexto político, a “mobilização” do capital social de uma
comunidade ou sociedade passa a ser considerada um fator positivo no que se
refere ao fortalecimento da participação popular nas instituições políticas. Segundo o
autor, essa mobilização “refere-se à utilização dos recursos organizacionais e
associativos, formais e informais, existentes na sociedade civil no planejamento e
execução de políticas públicas” (LIMA,2001).
No entanto, a existência de capital social na sociedade não é sinônimo de sua
utilização efetiva ou do êxito das políticas públicas nele baseadas. Dependendo da
forma como o capital social é mobilizado ou construído, ele pode funcionar ou não.
Sendo assim, Lima entende o capital como um “recurso potencial” (2001).
Alguns autores, engrossando o desafio de definir o que seja capital social,
defendem a idéia de que o conceito soma-se aos conceitos de capital físico,
humano, econômico e cultura, “acrescentando a estes os elementos subjetivos
presentes nas relações sociais e não imediatamente utilitários ou objetivos em sua
constituição (normas, valores, redes sociais)” possibilitando o benefício mútuo dos
envolvidos nessas relações, de informações úteis na vida cotidiana, e na
organização de políticas públicas. (LIMA, 2001).
O capital social segundo Trigilia, é em essência, um conceito situacional e
dinâmico. Implica uma visão mais aberta da ação social, menos rigidamente
36
vinculada aos valores herdados e mais idônea para aceitar as inovações através da
interação social e o desenvolvimento de novas formas de cooperação. Usado com
cuidado e nesta perspectiva, este instrumento pode ser uma contribuição importante
e inovadora para o conhecimento das dinâmicas sociais (TRIGILIA, 2003 p. 17).
Para a equipe de pesquisadores do Banco Mundial, apesar da idéia de capital
social ter gozado de um crescente prestígio nas ciências sociais durante a última
década, ainda há muito a ser feito“ (GROOTAERT, et al, 2003, p. 3).
Para o referido grupo de pesquisadores, os debates conceituais não podem
ser resolvidos empiricamente, ou seja, não podem ser solucionados em um vazio
empírico. A partir desta idéia, fornecem um estudo, com a intenção de prover um
conjunto de ferramentas empíricas para medir o capital social. Tais ferramentas são
introduzidas com foco em aplicações nos países em desenvolvimento e foram
construídas com a intenção de fornecer uma base para medir diferentes dimensões
de capital social, encorajando um maior diálogo e ampliando o conhecimento das
dimensões sociais do desenvolvimento econômico, fomentando assim, a capacidade
conjunta ”para desenvolver e implementar estratégias de redução da pobreza mais
eficazes” (GROOTAERT, et al, 2003, p. 3).
Em meio à sua diversidade, as noções de capital social assimiladas no
presente trabalho, baseando-se no estudo de Costa, (2003, p. 156-157), podem ser
sintetizadas da seguinte maneira:
- redes sociais, a participação comunitária, a cooperação a confiança e a
solidariedade contribuem para a criação e/ou para o fortalecimento do capital social
de uma comunidade, facilitando o desenvolvimento do bem-estar da coletividade;
- a participação coletiva é fundamental ao capital social de uma comunidade,
exigindo assim, regimes políticos democráticos e favoráveis ao acesso às
informações que permitam acompanhar as práticas da política pública adotada;
- cabe ao Estado democrático promover ações criativas que induzam à
otimização das relações sociais de reciprocidade e confiança, por meio da sinergia
entre governo, comunidade e mercado, aumentando dessa maneira o capital social
e contribuindo para aumentar a autonomia da sociedade na garantia do seu bem-
estar social;
37
- o capital social apesar de ser um elemento indispensável ao
desenvolvimento social, econômico e político de uma comunidade, não é um
elemento único e máximo. Ele deve interagir necessariamente com as demais
formas de capital (natural, humano e financeiro) para que possa influenciar de forma
positiva o desenvolvimento sustentável e amplo da comunidade.
Esta pesquisa tem como um dos principais objetivos de verificar se e de que
maneira o novo modelo de colaboração de Curitiba conseguiu contribuir para o
aumento do capital social na comunidade do Cajuru. No próximo sub-item
aprofunda-se o conceito de rede social e sua potencial contribuição tanto para o
capital social como para a governança comunitária.
2.4.3 Redes sociais e empowerment
A concepção de redes sociais ganha espaço cada vez maior nos últimos
anos, tanto no âmbito das ciências sociais quanto no debate sobre gestão urbana.
Neste trabalho, o destaque maior é dado às redes sociais, especificamente às redes
de colaboração e de solidariedade, no sentido de verificar de que maneira estas
redes podem ser significativas para a perseguição do desenvolvimento sustentável
local, tema do próximo capítulo do presente trabalho.
“Onipresente” e “onipotente”. É assim que Musso define a noção de rede.
Para o autor, em todas as disciplinas utiliza-se a noção de rede:
“Nas ciências sociais, ela define sistemas de relações (redes sociais, de
poder...) ou modos de organização (empresa-rede, por exemplo); na física, ela
se identifica com a análise dos cristais e dos sistemas desordenados
(percolação); em matemática, informática e inteligência artificial, ela define
modelos de conexão (teoria dos grafos, cálculos sobre rede, conexionismo...);
nas tecnologias, a rede é a estrutura elementar das telecomunicações, dos
transportes ou da energia; em economia, ela permite pensar as novas relações
entre atores na escala internacional (redes financeiras, comerciais...) ou
elaborar modelos teóricos (economia de rede, intermediação); a biologia é
apreciadora dessa noção de rede que, tradicionalmente, se identifica com a
análise do corpo humano (redes sangüíneas, nervosas, imunológicas...)”
(MUSSO, 2004, p. 17).
Para Minhoto & Martins, o conceito de rede é polissêmico e de “notória
complexidade”, podendo ser utilizado no âmbito econômico, político, organizacional,
38
acadêmico e social. Os autores consideram também, o seu uso como “estratégia
privilegiada de luta contra o agravamento do quadro social no âmbito do capitalismo
globalizado” (2001, p. 81).
Etimologicamente a palavra rede origina-se do latim rete, o que significa
entrelaçamento de fios, formando uma espécie de tecido composto com aberturas
regulares. A partir desta noção de entrelaçamento, segundo Adulis, a palavra
ganhou diversos outros significados e passou a ser empregada em diferentes
situações:
Estrutura física reticulada (rede de esgoto, rede elétrica);
Conjunto de meios de comunicação (rede telefônica, rede de televisão);
Rede de computadores (Internet, intranet);
Conjunto de indivíduos e grupos (rede de contatos, de espionagem);
Estabelecimentos que tem por finalidade prestar determinado serviço (rede
bancária, rede pública de ensino, rede do crime organizado);
Rede de organizações (rede de empresas, rede de ONGs). (ADULIS, 2005)
Tanto Musso quanto Minhoto & Martins preocupam-se com a amplitude do
conceito de rede. Por mais que o fato da intensa utilização do termo de rede seja
uma prova de seu poder, Musso acredita que “o excesso de seus usos metafóricos
parece condenar a própria noção, como se o excesso de empregos em extensão
ocasionasse o vazio em compreensão, ou até mesmo sua diluição” (2004, p. 17).
Minhoto & Martins, por acreditarem ser o conceito de redes bastante amplo,
preocupam-se sobre o risco de que o tema se converta “em espécie de panacéia
analítico-explicativa” sobre as principais transformações da sociedade
contemporânea (2001, p. 81).
Peci (2000), citando Lipnack & Stamps
6
, explica o papel das redes na atual
sociedade. Inicia lembrando que a humanidade divide-se em quatro grandes épocas:
a nômade, a agrícola, a industrial e atualmente, a da informação. Para cada uma
destas épocas, uma forma de organização. Sendo assim, na atual era da
informação a forma organizacional predominante é a das redes, ou seja, as redes
servem para organizar estruturas sociais.
6
LIPNACK & STAMPS. The age of network: organizing principles for the 21
st
century. New York: J. Wiley,
1994.
39
Segundo Marteleto, “o trabalho pessoal em redes de conexões é tão antigo
quanto a história da humanidade, mas, apenas nas últimas décadas as pessoas
passaram a percebê-lo como uma ferramenta organizacional”, que pode amenizar os
conflitos permanentes “entre diferentes correntes nas ciências sociais, que criam
pares dicotômicos indivíduo/sociedade; ator/estrutura, abordagens
subjetivistas/objetivas; enfoques micro ou macro da realidade social colocando
cada qual a ênfase analítica em uma das partes” (2001) p. 72). Para Trivinho, “na
etapa atual das forças produtivas, as redes tecem as sociedades, rearticulam a
política, reorganizam as economias, modulam as culturas” (1998, p. 13).
Manuel Castells (1999, p. 33) considera a concepção da sociedade em rede
como um traço vital da sociedade moderna. É uma caracterização de “uma nova
estrutura social atrelada a um novo modo de desenvolvimento”. Para o autor, esta
concepção da sociedade em rede tem como base material as novas tecnologias da
informação e comunicação.
Para Loyola & Moura (1997, p. 63), o conceito de rede está atrelado às novas
formas de organização e de gestão das instituições tanto públicas quanto privadas.
É resultante de questionamentos sobre a eficácia das estruturas burocráticas e
hierárquicas.
“O crescente recurso à interação em rede, surge como uma estratégia para
enfrentar as turbulências e incertezas que caracterizam o ambiente
contemporâneo, decorrentes do crescimento da competitividade, crises e
movimentos de reestruturação, tanto na esfera pública como na dos negócios”
(LOYOLA & MOURA, 1997, p. 56).
Fritjof Capra afirma que, nos últimos anos, “as redes se tornaram um dos
principais focos de atenção em ciências, negócios e na sociedade em geral, através
de uma cultura global emergente” (2004, p. 7).
“Atualmente, a maioria das grandes empresas está organizada em redes
descentralizadas de pequenas unidades, conectadas a redes de pequenos e
médios negócios que servem como sub-contratados ou fornecedores, e
redes similares existem entre organizações sem fins lucrativos e
organizações não governamentais. De fato, por muito tempo ‘construir redes’
tem sido uma das principais atividades de organizações políticas de base. O
movimento ambientalista, o movimento para os direitos humanos, o
movimento feminista, o movimento pela paz, e vários outros movimentos
políticos e culturais de base têm se organizado como redes que ultrapassam
fronteiras nacionais” (CAPRA, 2004, p. 13).
40
Conforme dito anteriormente, o conceito de rede é bastante amplo. Loyola &
Moura (1997, p. 55 a 57) o delinearam como fazendo parte de quatro campos: das
relações interpessoais, dos movimentos sociais, do Estado/políticas públicas e dos
negócios.
As redes do campo das relações interpessoais focam o indivíduo e surgem
por meio de interesses compartilhados. Normalmente são relações de base afetiva,
de vínculos familiares, profissionais, entre outros, caracterizadas por comunicação
intensa entre os atores, consolidando-se de maneira informal.
As redes do campo dos movimentos sociais são compostas das ONGs, das
associações, dos sindicatos, etc. Visam entre outros objetivos, a formulação de
projetos e políticas. Fundam-se em identidades e valores coletivos. São
denominadas também de redes de movimento, redes sociais e redes de
solidariedade.
No campo do Estado, as redes formam-se para enfrentar problemas sociais,
formular e implementar políticas públicas. A articulação existente é entre as agências
governamentais e/ou “destas com redes sociais, organizações privadas ou grupos”.
Segundo Maurel (apud Loyola & Moura, 1997, p. 57), tratando-se exclusivamente
das políticas públicas desenvolvidas no âmbito local, “o trabalho em rede (...)
significa uma profunda redefinição das políticas sociais, uma recomposição do papel
do Estado e das coletividades”.
Por fim, no campo dos negócios, a rede forma-se entre a empresa e o
mercado, “rompendo os princípios da hierarquia inflexível”, nos processos da
atividade econômica.
Seguindo esta classificação de Loyola & Moura, pode-se concluir que a rede
de colaboração, objeto do estudo empírico deste trabalho “encaixa-se”, sobretudo,
no campo das relações interpessoais. Apesar disto, possui características bastante
fortes das redes do campo do Estado, dos negócios e dos movimentos sociais.
Apesar de existirem estudos acerca de redes sociais, Marteleto afirma que
não existe uma “teoria de redes sociais”, pois seu conceito pode ser empregado com
diversas teorias sociais e sua análise pode ser aplicada no estudo de diferentes
situações e questões sociais, estabelecendo um novo paradigma na pesquisa sobre
a estrutura social (MARTELETO, 2001, p. 73).
41
Sendo assim, existe atualmente uma fragilidade no que diz respeito ao apoio
metodológico para o estudo das redes sociais. Esta fragilidade acaba por impedir,
por vezes, um estudo mais aprofundado e apurado principalmente no tocante à
análise de redes sociais.
Porém, seguem alguns conceitos sobre redes sociais que se encontram
disponíveis na atual literatura.
Para Peci, rede social é um conjunto de s, representados pelas pessoas e
pelas organizações, “ligadas através de um conjunto de relações sociais específicas,
tais como amizade, família, entre outras” (PECI, 2000).
De acordo com a Organização Mundial da Saúde, redes sociais podem ser
definidas como “um agrupamento de indivíduos, organizações ou agências
organizadas em bases não hierárquicas em torno de questões ou preocupações, as
quais atuam proativamente e sistematicamente baseadas no compromisso e
confiança” (ADULIS, 2005).
Para Kiriki et al, entende-se “rede social como uma estrutura horizontal,
democrática, participativa, aberta e presencial que une indivíduos e/ou organizações
em torno de valores e objetivos compartilhados, sem que as partes percam
autonomia e identidade” (2003).
Capra (2004, p. 6) tem dedicado suas pesquisas no sentido de estender o
conceito sistêmico de vida para o campo social. Para ele, “redes sociais o antes
de tudo redes de comunicação, que envolvem linguagem simbólica, restrições
culturais, relações de poder, etc. Para entender as estruturas de tais redes
precisamos subsídios de teoria social, filosofia, ciência cognitiva, antropologia e
outras disciplinas”.
Uma das características básicas das redes sociais é a horizontalidade.
Porém, esta característica apresenta algumas concepções diversas. Entendida como
um novo modelo de relações interorganizacionais, para Minhoto & Martins (2001), a
rede pressupõe por definição, a ausência de relações hierárquicas, garantindo a
horizontalidade entre os diferentes saberes dos nós que a compõem, a autonomia
de seus participantes e o compartilhamento de informações, recursos e atribuições
que fazem o sucesso da rede.
42
De acordo com Kiriri, a horizontalidade das redes é uma contraposição às
relações tradicionais de poder e representação. As redes não possuem uma
estrutura central de poder. Porém, Kiriri admite que a horizontalidade não precisa ser
“absoluta”. A autora explica que, muitas vezes surgem figuras de liderança numa
rede. Este fato não atrapalha sua configuração desde que esta liderança surja de
maneira legítima, comprometendo-se com os compromissos firmados, e que
represente de forma democrática à vontade do conjunto.
Uma comparação entre a estrutura organizacional e o conceito de rede,
retirado do dicionário Aurélio e utilizado por Loyola & Moura:
“A presença de um ponto central, de uma fonte geradora/propulsora, não figura
no significado popular de rede. A igualdade e a complementaridade entre as
partes são seus aspectos básicos, reforçados pela regularidade entre as
malhas. Cada do tecido é estratégico, é fundamental para o todo, mas eles
formam o tecido quando ligados entre si pelas linhas. Não há, portanto,
diferenças nem entre os “nós”, nem entre as linhas. Além disso, como
encarnam em si as idéias de origem e de destino, os “nós” limitam e, ao mesmo
tempo, são pontos a partir dos quais a rede se expande. A transformação da
rede dá-se apenas pela expansão. Por isso, não também diferenças
hierárquicas entre linhas e nós. Só há diferenças de função entre eles ligação
e sustentação, respectivamente – para formar o tecido” (1997, p. 54).
Loyola & Moura, explicam que, a horizontalidade acontece dependendo de
que campo está se tratando, pois, ela marca fortemente as redes de movimentos
sociais e das relações interpessoais. Já nas redes do campo do Estado e dos
negócios, a hierarquia se faz presente na figura “do centro animador ou operador, ou
ainda da empresa focal”.
Segundo Ayres, “não é possível pensar em uma rede horizontal sem
liderança”. Para o autor, seria mais apropriado usar uma imagem de rede não
horizontal, e sim “encaracolada”, ou seja, “onde a própria dinâmica de
relacionamento entre os integrantes fortalece a todos para proporem e
empreenderem ações de acordo com suas habilidades e objetivos” (AYRES, 2002).
Uma rede é composta por indivíduos, grupos ou organizações e sua dinâmica
está voltada para a perpetuação, a consolidação e o desenvolvimento das atividades
de seus membros, além do que, a participação em redes sociais envolve direitos,
responsabilidades e rios níveis de tomada de decisões. Sua estrutura não supõe
um centro hierárquico, sendo sua organização definida pela multiplicidade
quantitativa e qualitativa dos elos entre seus diferentes membros, orientada por uma
43
lógica associativa. Porém, relações de poder e de dependência não são excluídas.
O estudo de redes sociais significa considerar as relações de poder advindos de
uma organização não-hierárquica e espontânea, além de procurar entender até que
ponto a dinâmica do conhecimento e da informação interfere nesse processo
(MARTELETO, 2001, p. 73).
Entendida a complexidade na qual está inserida o tema de redes, seu
surgimento na atual sociedade da informação, bem como vistos alguns dos
conceitos de redes sociais, a partir de agora se foca a importância das redes sociais
como ferramentas capazes de auxiliar sobremaneira os processos de governança
urbana que visam o desenvolvimento sustentável das comunidades.
Scherer-Warren encara a articulação social em rede como expressão de uma
“nova cultura política” que caracteriza os movimentos sociais. Para esta autora,
trata-se de uma tendência, uma inovação, uma prática social em construção e que
faz com que muitos movimentos locais e seus líderes obriguem-se a “alargarem sua
visão cotidiana original” para se “ramificarem em várias direções e juntarem forças
em frentes unificadas de ação”, seja na construção de uma nova ética, seja na
propensão política para a democracia, conduzida de maneira inédita em suas formas
e expressões, por meio da articulação em redes (SCHERER-WARREN, 1993, p. 22).
A forma de organização social em redes quebra diversos paradigmas antigos,
pois esta “união” de pessoas proporciona vantagens antes não valorizadas e hoje
consideradas como fundamentais num contexto de governança comunitária. De
acordo com Adulis (2005) são elas:
reunião de um “estoque” de conhecimento e capital social;
surgimento de iniciativas descentralizadas entre os membros
envolvidos, baseadas na comunicação e na troca;
possibilidade de acomodar diversidade e diferenças, favorecendo a
inovação;
troca mútua de conhecimentos e construção coletiva de uma nova
realidade;
canais múltiplos de comunicação que facilitam a transmissão de
informações e idéias;
44
flexibilidade na entrada e saída de membros, bem como adaptação a
novos contextos.
Considerando estas vantagens, em resumo, as redes favorecem “a troca e a
circulação de informações, o compartilhamento de experiências, a colaboração em
ações e projetos, o aprendizado coletivo e inovação, o fortalecimento de laços entre
os membros, a manutenção do espírito de comunidade e a ampliação do poder de
pressão do grupo” (ADULIS, 2005).
A partir do momento em que as estruturas de redes sociais quebram diversos
conceitos e práticas antigas de gestão urbana, nas quais imperavam a burocracia, a
morosidade das ações públicas, o clientelismo, a passividade dos cidadãos, elas
tendem a passar uma expectativa de empoderamento para as comunidades, uma
vez que, de acordo com os autores estudados, estas redes possuem potencial para
reproduzem trabalhos de forma democrática, participativa e colaborativa
possibilitando aos seus integrantes o fortalecimento, a aprendizagem, a superação
das dificuldades pessoais e coletivas, a luta por seus direitos, a realização de suas
ações, enfim, possibilitam o “empoderamento”.
Comunidades empoderadas representam boas parceiras aos gestores
públicos que buscam soluções para as atuais crises sociais que acometem a grande
maioria das cidades brasileiras, pois estas auxiliam na criação, implementação e
continuidade das políticas públicas direcionadas a corrigir os efeitos negativos da
atual economia globalizada (pobreza, miséria, desemprego, etc) e também para a
construção de comunidades sustentáveis. “Cultural change in the organization of
government has an important impact on local communities, and can go some way to
building an empowered and self-regulaging system” (STEWART, 2000, p. 177).
As redes sociais configuram o atual momento histórico, no qual a população,
segundo Frey et al (2005, p. 2).
“deixa de ser vista como uma mera receptora de políticas públicas, passando a
ocupar, cada vez mais, um papel privilegiado no que se refere a sua acepção
como uma importante fonte de informações, ao mesmo tempo em que passa a
ser vista como um relevante ator em prol da consolidação de políticas públicas
que visem o seu bem-estar”.
45
No quadro a seguir, Loyola e Moura ilustram os padrões tradicionais e as
inovações decorrentes das redes no campo da ação pública.
QUADRO 02 PADRÕES TRADICIONAIS E INOVAÇÕES NO CAMPO DE AÇÃO
PÚBLICA
Padrões "tradicionais"
Redes de informais e pouco visíveis
de acessoa centros decisórios ("anéis
burocráticos", redes de clientela...)
Parcerias, espaços, negociação/participação,
democratização/mobilização de recurosos. Redes "cio-
governamentais de caráter público.
Arranjos neocorporativos
Redes de solidariedade assumem caráter público
(ações de solidariedade pública, fóruns, ONGs)
Movimentos sociais cobram do
Estado ação pública
(reivindicações/pressão)
Ação pública via rede de oferta de serviço - centro
anima/incita e articula peradores
Ação pública via aparato específico
com profissionais
Trabalho em rede por projeto
Departamentalização
Integração burocrática
Fonte: LOYOLA & MOURA, 1997, p. 60
CAMPO DE AÇÃO PÚBLICA
Articulação de ações a partir do local. Repartição de
competências.
Para Peci (2000), as redes sociais têm sido os grandes laboratórios da gestão
contemporânea, pois se acredita que uma das mais significativas mudanças
históricas nas funções administrativas é o aumento da interdependência
organizacional, seja na área empresarial, seja na área governamental. Esta
interdependência parece ser facilitada pelas redes sociais.
Segundo Weyer
7
, citado por Frey (2003, p. 175), “em redes é imprescindível
a ocorrência de formas de cooperação entre seus membros, viabilizadas e
sustentadas por relações de interdependência”. Outro fator também citado é a
cooperação, “marca central da rede”, que se baseia na confiança entre atores
autônomos e interdependentes.
A interdependência, a cooperação e a confiança são atributos que podem
levar à promoção da solidariedade. Redes solidárias são o assunto do item a seguir,
porém, antes, se faz prudente abordar o “outro lado” das redes sociais.
7
WEYER, J. 2000. Soziale Netzwerke. Konzepte und Methoden der sozialwissenschaftlichen
Netzwerkforschung. München/Wien: R. Oldenbourg.
46
Segundo Frey, “é possível constatar que redes dificilmente representam uma
panacéia para os problemas que as comunidades locais estão enfrentando nos
países em desenvolvimento”. Tal afirmativa decorre do fato de que, “uma concepção
aparentemente democrática pode facilmente ser transformada em uma ferramenta
capaz de reforçar as relações de poder existentes, sobretudo se não houver
esforços explícitos para superar impedimentos institucionais e culturais” (2003, p.
177). O autor alerta que o processo de redes também pode se transformar em
instrumento de exclusão, principalmente com relação a uma “pequena e poderosa
elite”, tanto as elites políticas quanto as elites sociais tradicionais, que acabam por
se beneficiar das vantagens intrínsecas às redes para seus interesses pessoais.
Outro exemplo de implicações negativas das redes, citado tanto por Frey (2003, p.
177) quanto por Castells, é a atuação das redes do crime organizado e do tráfico de
drogas, entre outras.
Em síntese, as redes sociais se constituem como uma nova forma de
organização social, através da qual abre-se um leque enorme de oportunidades de
participação e de empoderamento às comunidades.
Aos gestores locais, utilizar-se dos potenciais surgidos em meio às redes
sociais se traduz numa opção bastante atrativa devido à agilidade que pode ser
proporcionada na criação, implementação e gestão de políticas públicas que
considerem o desenvolvimento sustentável local.
As redes sociais possuem potencial para empoderar comunidades, agilizam
processos e, segundo Scherer-Warren (1993, p.123), tornam-se espaços de
construção de novos modos de vida alternativa, onde o pluralismo de ideologias e
organizações existente nestas redes se transformam numa “expressão da
construção de um imaginário e de uma prática mais democrática e tolerante à
diversidade social, mas não à desigualdade, produto da exploração e da
discriminação”.
Conforme dito anteriormente, as redes sociais não se apresentam como uma
panacéia aos problemas das comunidades locais, porém, se bem administradas e
atentas às armadilhas relacionadas à dominação e ao abuso de poder, possuem
uma importância fundamental no âmbito das comunidades locais, pois são capazes
de promover e disseminar a solidariedade, a confiança, a reciprocidade e induzir ao
47
capital social, ou seja, contribuir para o aumento da eficiência da comunidade,
facilitando ações coletivas coordenadas.
O presente capítulo mostrou as mudanças ocorridas no âmbito da governança
comunitária, deixando clara a urgência das mudanças que devem ocorrer face às
novas exigências urbanas e comunitárias, ou seja, não mais espaço para antigos
modos de governar tais como o patrimonialismo e a gestão burocrática, exigindo
novos modelos de governança capazes de fomentar comunidades mais
participativas e orientadas pelas concepções gerencial e democrático-participativo
da gestão pública. Segundo Stewart, as práticas tradicionais de governo sofrem
pressão das lideranças comunitárias em busca de novas práticas governamentais. A
necessidade de modernização se torna uma força que deve impulsionar às
mudanças no sentido de descentralizar a gestão, dar apoio às redes sociais, facilitar
a formação de capital social e possibilitar o empoderamento social e político
necessários para que as comunidades participem desta nova dinâmica de
governança (2000, p. 186).
O capítulo a seguir vem complementar a questão da governança comunitária,
sob a ótica do desenvolvimento local, uma vez que o estudo empírico deste trabalho
foca parte de uma comunidade que justamente tenta se desenvolver, de forma
sustentável, tendo como base a atividade do artesanato.
48
3. DESENVOLVIMENTO LOCAL SUSTENTÁVEL
No presente capítulo é discutida a temática do desenvolvimento local,
enfatizando sua dimensão econômica, com vistas à sustentabilidade. Este capítulo
uma base teórica direcionada ao estudo de caso, que trata de identificar atores e
ações de desenvolvimento local priorizando a dimensão econômica de uma das
comunidades mais pobres de Curitiba, o Cajuru. Dentre as alternativas de
desenvolvimento local aqui discutidas, se dá ênfase à concepção de economia
solidária, uma vez que a experiência apresentada no estudo empírico se baseia no
princípio da solidariedade e na colaboração entre os atores envolvidos como
premissas básicas das ações desenvolvidas no âmbito da comunidade. Além da
experiência citada, o presente capítulo aborda mais uma experiência, esta
parcialmente orientada nos princípios de economia solidária, que previa a criação de
um pólo de confecção na comunidade do Cajuru, na cidade de Curitiba.
Atualmente, o desenvolvimento sustentável é a tônica que rege muitas das
iniciativas comunitárias, pois cada vez mais existe uma conscientização de que de
nada adianta um crescimento sem desenvolvimento e de que este desenvolvimento
deve ser sustentável, ou seja, sólido e duradouro, respeitando as dimensões social e
ambiental.
É avaliada a importância do capital social bem como as redes sociais para o
processo de desenvolvimento sustentável, com ênfase na dimensão econômica.
3.1 FUNDAMENTOS DO DESENVOLVIMENTO LOCAL SUSTENTÁVEL
A seguir o tratados alguns dos fundamentos sobre o desenvolvimento local
sustentável, contemplando seu conceito, suas concepções e suas abordagens.
49
3.1.1 Conceito de desenvolvimento sustentável
O desenvolvimento sustentável é um tema com várias dimensões, além de
possuir um conceito multidisciplinar. Segundo Silva,
“trata-se de um “processo de transformação que ocorre de forma harmoniosa
nas dimensões espacial, social, ambiental, cultural e econômica a partir do
individual para o global. Essas dimensões são inter-relacionadas por meio de
instituições que estabelecem as regras de interações e que também
influenciam no comportamento da sociedade local” (SILVA, 2005, p. 37).
O autor acima citado explica que a principal questão do desenvolvimento
sustentável diz respeito a “como produzir, [...] em detrimento do que e para quem
produzir” (SILVA, 2005, p. 11).
Ainda segundo o mesmo autor, até a década de 1970, apesar das distinções
conceituais existentes, as ações econômicas eram regidas através do tripé:
produção, consumo e riqueza e este era o “grande desafio para o desenvolvimento
da sociedade”.
Santos explica que o foco era a aceleração do crescimento econômico,
implicando na marginalização de outros objetivos sociais, econômicos e políticos,
tais como a “participação democrática na tomada de decisões, a distribuição
eqüitativa dos frutos do desenvolvimento e a preservação do meio ambiente” além
do que, os projetos de desenvolvimento econômico foram concebidos “a partir de
cima”, sem considerar a participação das comunidades afetadas pelas políticas que
eram implementadas (2002, p. 45).
Para Santos, em termos gerais, o desenvolvimento propõe alguns
pressupostos: o primeiro pressuposto constitui-se de uma crítica à estrita
racionalidade econômica que rege o pensamento e as políticas de desenvolvimento
dominantes. O desenvolvimento alternativo não rejeita a idéia do crescimento
econômico, porém, inspira-se nos valores de igualdade e cidadania, concebendo
desta forma, o desenvolvimento econômico “como uma forma de promover melhores
condições de vida para a população em geral, e para os setores marginalizados”,
devendo significar uma melhoria substancial nas condições de vida e sustento da
maioria das pessoas, e em particular, dos “setores marginalizados na produção e
usufruto dos resultados do desenvolvimento”. (2002, p. 47). O segundo pressuposto
diz respeito a uma proposta de desenvolvimento “de baixo para cima”, o que
50
significa ter como atores centrais do desenvolvimento, as comunidades organizadas
que “procuram seguir em frente”.
“A iniciativa e o poder de decisão sobre o desenvolvimento, longe de ser
competência exclusiva do Estado e das elites econômicas, deve residir na
sociedade civil. Em especial, face aos efeitos desiguais e de exclusão do
modelo convencional de desenvolvimento, os atores da busca de alternativas
devem ser as comunidades marginalizadas, que têm sido os objetos – e não os
sujeitos declarados dos programas de desenvolvimento” (SANTOS, 2002, p.
47).
Esta rediscussão sobre o tema de desenvolvimento significou admiti-lo como
algo muito mais abrangente que apenas ligado ao contexto econômico.
Para analisar o desenvolvimento de forma abrangente, segundo Clemente &
Higachi, é necessário considerar seus diversos aspectos, dentre os quais vale
destacar o econômico, o social, o político e o cultural. Para os autores, devido a
grande dificuldade de separá-los de maneira satisfatória, os aspectos econômico e
social são considerados em conjunto e “podem ser analisados como representando
o nível de vida da população”, através de indicadores tais como a renda, o emprego,
a saúde, a educação, a alimentação, a segurança, o lazer, a moradia e o transporte
(CLEMENTE & HIGACHI, 2000 p. 130).
Segundo Dowbor existe algo de novo no entendimento de desenvolvimento: a
nova importância da dimensão social. O autor defende a idéia de que não é novo
afirmar que, para o funcionamento adequado da área empresarial produtiva são
necessárias redes de infra-estrutura compatíveis, serviços de intermediação
eficientes e um forte desenvolvimento da área social, porém, o novo, diz respeito à
dimensão e a importância da área social que “mudaram qualitativamente, exigindo
novos equilíbrios nas prioridades da sociedade”, sendo que “o equilíbrio das várias
áreas do desenvolvimento passou a depender de articulações sociais mais
complexas” (DOWBOR, 2001, p. 23).
Para Dowbor, “a dimensão social do desenvolvimento deixa de ser um
complemento, uma dimensão humanitária de certa forma externa aos processos
econômicos centrais, para se tornar um componente essencial do conjunto da
reprodução social” (DOWBOR, 2001, p. 23).
Desta forma, Dowbor defende a idéia de que já não há mais espaço para
51
“uma estranha separação entre economistas formais, que tratam de coisas
“sérias”, como taxa de juros, câmbio, investimentos, e cientistas sociais, que se
preocupam com a tragédia social e se concentram em denunciar o drama das
crianças, dos pobres, dos excluídos. Uns se preocupam com a taxa de
crescimento do Produto Interno Bruto (PIB), e outros trazem o band-aid para as
vítimas do processo. Já é tempo de se rever essa esquizofrenia. Entre o
cinismo pragmático e o idealismo ingênuo, é tempo de se construir as
pontes” (DOWBOR, 2001, p. 17).
Segundo Dowbor a transformação é profunda, passando de uma visão
filantrópica para a compreensão de que a “área social se tornou essencial para as
próprias atividades econômicas”. As áreas empresariais, com o suporte de diversos
estudos do Banco Mundial passaram a entender que “não se trata de simples
cosmética social, mas das condições indispensáveis para a própria produtividade
empresarial”. Neste sentido, “a atividade econômica é um meio, o bem-estar social é
o fim” (DOWBOR, 2001, p. 25).
Dowbor acredita que a mudança de enfoque contribuiu para dar um “choque
de realismo”, pois enquanto as atividades produtivas eram colocadas no centro da
visão do Banco Mundial, focada no produto interno bruto, o Brasil podia se vangloriar
de ser a oitava ou nona economia mundial, enquanto que, se olhado pelo prisma da
qualidade de vida, nos critérios definidos nos Índices de Desenvolvimento Humano,
das Nações Unidas, o lugar do Brasil no ranking planetário é 79º (DOWBOR, 2001,
p. 25).
Segundo o mesmo autor, dessa forma, surgem claramente duas idéias-chave:
primeira, a área social tornou-se central para o desenvolvimento mundial. Segunda,
os resultados nessa área constituem o principal critério de avaliação da política de
desenvolvimento em geral (DOWBOR, 2001, p. 25).
Busca-se desta maneira, de forma inteligente, as soluções negociadas entre
os diversos atores econômicos e sociais, que permitirão maximizar o interesse
social, econômico e ambiental. Um exemplo citado pelo autor é a Suécia, um país
pequeno e que permanece congelado sete meses por ano. Mesmo assim, com todas
as dificuldades econômicas que isso implica, goza de uma simultânea prosperidade
econômica e qualidade de vida. O motivo da prosperidade deve-se, em grande
parte, ao fato de se zelar não pelo capital da empresa, mas crescentemente pelo
capital social do país. Em termos práticos, deve-se “aprender a construir uma
sociedade economicamente viável, socialmente justa e ambientalmente sustentável”.
52
Isto deve ser feito articulando Estado e empresa no quadro de uma sociedade civil
organizada. “A palavra-chave, uma vez mais, não é a opção entre um ou outro; é a
articulação do conjunto” (DOWBOR, 2001, p. 25).
Evidenciada a idéia de que desenvolvimento sustentável significa um conjunto
de aspectos, quais sejam: sociais, econômicos, políticos e culturais, a partir deste
momento destaca-se seu aspecto econômico, face este aspecto estar ligado de
forma mais direta ao estudo empírico deste trabalho.
3.1.2 Concepções de desenvolvimento
Ao falar de desenvolvimento, se faz importante deixar clara a distinção entre
crescimento e desenvolvimento, pois para Clemente & Higachi, esta é parte da
polêmica em torno do conceito. O crescimento econômico, segundo muitos autores,
“refere-se ao crescimento da produção e da renda, enquanto o desenvolvimento, à
elevação do nível de vida da população” (CLEMENTE & HIGACHI, 2000 p. 131).
Segundo Souza, existem duas correntes de economistas: uma que considera
crescimento como sinônimo de desenvolvimento. Para estes, “um país é
subdesenvolvido porque cresce menos do que os desenvolvidos, embora possua
recursos ociosos, como terra e mão-de-obra” (1999, p. 20). Por não utilizar de forma
integral seus fatores de produção, a economia se expande abaixo de suas
possibilidades. Desta noção emergem idéias de que o crescimento econômico,
distribuindo a renda entre os proprietários dos fatores de produção,
“automaticamente” promove a melhoria dos padrões de vida e o desenvolvimento
econômico. Fazem parte desta linha de pensamento, autores de tradição
neoclássica, tais como Meade, Solow e os de inspiração keynesiana, como Harrod,
Domar e Kaldor. (SOUZA, 1999, p. 20).
A outra corrente de economistas defende que o desenvolvimento econômico
não pode ser confundido com crescimento, pois os frutos dessa expansão nem
sempre beneficiam a economia como um todo. Um exemplo é o de que muitas
vezes, por mais que a economia esteja apresentando altas taxas de crescimento, o
desemprego pode não estar diminuindo na rapidez necessária, principalmente por
53
causa da crescente informatização do processo produtivo. São integrantes desta
corrente de pensamento, não apenas economistas de orientação crítica, como
Prebisch, Furtado, Singer e os demais autores da tradição cepalina e marxista, mas
também uma parcela considerável dos chamados economistas do desenvolvimento.
(SOUZA, 1999, p. 21).
Para Souza, desenvolvimento econômico define-se, portanto:
“pela existência de crescimento econômico contínuo, em ritmo superior ao
crescimento demográfico, envolvendo mudanças de estruturas e melhoria de
indicadores econômicos e sociais. Compreende um fenômeno de longo prazo,
implicando o fortalecimento da economia nacional, a ampliação da economia
de mercado e a elevação da produtividade” (SOUZA, 1999, p. 22).
Segundo Souza, o crescimento econômico emerge com vigor na obra de
Adam Smith, A riqueza das nações, em 1776, na qual o autor procura identificar os
fatores da formação da riqueza nacional. Em 1911, o economista Joseph
Schumpeter em sua obra Teoria do desenvolvimento econômico, diferencia
crescimento e desenvolvimento. “Quando há crescimento, a economia funciona
em um sistema de fluxo circular de equilíbrio, cujas variáveis econômicas aumentam
apenas em função da expansão demográfica”. Porém, quando há desenvolvimento,
ocorre na presença de inovações tecnológicas, por obra de empresários inovadores,
financiados pelo crédito bancário (SOUZA, 1999, p. 16).
A abordagem do desenvolvimento enfatizou-se em função das flutuações
econômicas do século XIX e da concentração de renda e riqueza nos países
industrializados, evidenciando desta forma, a disparidade entre as nações ricas e
pobres. Esta realidade salientou o desnível do desenvolvimento entre as regiões e
classes sociais, e enfatizou a noção de desenvolvimento atrelada à questão da
distribuição. A Grande Depressão dos anos de 1930 mostrou o dramático problema
do desemprego. Nesta fase, “tornou-se mais premente a ação do Estado na
economia, realizando investimentos diretos e manipulando políticas anticíclicas, com
a finalidade de reduzir o desemprego e amenizar as repercussões sociais das
flutuações econômicas” (SOUZA, 1999, p. 17).
No final dos anos de 1930, com a aplicação da Contabilidade Nacional,
surgida através da teoria keynisiana, o tema sobre desenvolvimento econômico
ganhou ainda mais fôlego, pois se passou a comparar a renda per capita dos
diferentes países e classificá-los em ricos e pobres. Os países pobres passaram a
54
ser caracterizados como subdesenvolvidos por apresentarem crescimento
econômico insuficiente e instável, alto grau de analfabetismo, elevadas taxas de
natalidade e de mortalidade infantil, insuficiência de capital, baixa produtividade,
instabilidade política, etc. (SOUZA, 1999, p. 17).
Segundo Souza, assim como a Grande Depressão “mostrou que políticas
monetárias e fiscais dos governos tornam-se imprescindíveis para amenizar as
crises”, a ONU e o Banco Mundial publicaram alguns diagnósticos, que provocaram
o grande despertar nos países subdesenvolvidos que passaram a reivindicar uma
maior ajuda econômica dos países mais ricos. Tais diagnósticos mostraram que a
miséria nos países mais pobres eram, sem dúvida, o maior problema econômico
mundial, tornando-se urgente o estudo das “causas da pobreza das nações” e,
combatê-las tornou-se uma questão econômica, humanitária e política. Nesse
sentido, Souza afirma que, para os técnicos do Banco Mundial, não bastam os
investimentos produtivos e de infra-estrutura para reduzir a pobreza no curto prazo.
O problema se faz muito maior e urgente, tornando necessárias ações humanitárias
diretas nos focos de pobreza, para combater a fome, as doenças e reduzir as
disparidades internacionais do nível de renda (SOUZA, 1999, p. 18).
Após a Segunda Guerra Mundial, a macroeconomia keynesiana passou a ser
aplicada, porém, de acordo com Souza, ela tinha falhas ao explicar o
desenvolvimento, por este ser um fenômeno de longo prazo. Dessa forma, os
economistas buscaram na História Econômica os elementos para a formação de
uma “teoria do desenvolvimento”, através das quais constatou-se que o
subdesenvolvimento deriva do desenvolvimento. Outras teorias foram estudadas,
tais como as teorias do imperialismo e da dependência, e, mesmo diversas delas
sendo passíveis de críticas, verificou-se que, de fato, “o principal entrave ao
desenvolvimento era de natureza política, pois se reservava aos países pobres uma
posição subalterna no contexto da divisão internacional do trabalho” (SOUZA, 1999,
p. 18).
Durante a década de 1950 e nos anos subseqüentes, foram bastante
acirrados os debates acerca do desenvolvimento econômico, indicando dessa forma,
que se trata de uma questão que se liga “à própria evolução cultural das nações, aos
55
anseios de progresso e de melhoria das condições de vida de cada população”
(SOUZA, 1999, p. 20).
Com relação aos indicadores de desenvolvimento, o principal e mais utilizado
é a renda per capita. Porém, utilizada como média, camufla a distribuição de renda e
deixa de refletir o nível de bem-estar da população de baixa-renda, que muitas
vezes é bastante numerosa. (SOUZA, 1999, p. 26).
O Relatório de Desenvolvimento Humano publicado desde 1990 pelo
Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) baseia-se no Índice
de Desenvolvimento Humano (IDH), que considera três fatores: longevidade,
educação e renda per capita (2000, p. 131).
Segundo o Banco Mundial “sem desenvolvimento social concomitante, nunca
haverá desenvolvimento econômico satisfatório”. Rattner acredita que, apesar dos
“esforços louváveis” do Banco Mundial para financiar e apoiar projetos de
desenvolvimento social, os resultados têm sido decepcionantes, pois seus mentores
ignoram “a contradição fundamental inerente ao sistema de produção capitalista,
cuja dinâmica de acumulação e reprodução via busca cega de mais produtividade
e lucros tende a destruir o tecido das relações sociais”. Através da exploração e
alienação no trabalho, do desemprego tecnológico e estrutural, das migrações e o
conseqüente desarraigamento de trabalhadores rurais e urbanos propagam os
sintomas de desordem social, tais como agressões, violência e criminalidade,
afetando indiscriminadamente todas as camadas da população (RATTNER, 2004).
Santos defende a idéia de um desenvolvimento alternativo que estrutura-se
em múltiplas análises efetuadas a partir dos resultados do desenvolvimento
convencional. “O debate sobre formas alternativas de desenvolvimento constitui hoje
uma das principais fontes de energia e idéias nas críticas à globalização neoliberal”
(SANTOS, 2002, p. 46).
Segundo Santos (2002, p. 51) as propostas de desenvolvimento alternativo
produziram muitos frutos:
- atualmente participam de estratégias e argumentos contra a globalização
neoliberal, inclusive no centro do sistema mundial;
- deram lugar a milhares de projetos econômicos comunitários, influenciando
o enfoque de diversas ONGs e governos no que se refere ao desenvolvimento;
56
- tiveram um papel de modificação, mesmo que lento, da “aproximação
ortodoxa dos programas de desenvolvimento” de agências internacionais, conforme
deixa transparecer a preocupação declarada do Banco Mundial com programas de
desenvolvimento comunitário e de microcrédito nos anos de 1990.
- contribuíram para produzir múltiplos fóruns e tratados internacionais sobre a
preservação do meio ambiente, o respeito pela diversidade cultural e o impacto do
desenvolvimento econômico convencional sobre a população de países pobres,
temas centrais que eram deixados de lado pela abordagem ortodoxa.
Contudo, mesmo tendo produzido vários frutos, Santos enfatiza que
existem vários “vazios” nas abordagens sobre o desenvolvimento alternativo.
Para ele, uma das tarefas urgentes para os diversos enfoques sobre o tema
geral de desenvolvimento alternativo,
“é formular modos de pensamento e ação que sejam ambiciosos em termos de
escala, ou seja, que sejam capazes de pensar e atuar em escala local,
regional, nacional, e a mesmo global, dependendo das necessidades das
iniciativas concretas. Para isso, é preciso passar da imagem da comunidade
como uma coletividade fechada e estática (comunidade-fortaleza) para uma
imagem da comunidade como uma entidade viva e dinâmica, aberta
simultaneamente ao contato e à solidariedade com outras comunidades, em
diferentes escalas, e decidida a defender as alternativas contra-hegemônicas
que surjam no seu interior (comunidades-ameba)” (SANTOS, 2002, p.53).
3.1.3 Abordagens de desenvolvimento local
Neste momento, estuda-se o “local”, dada sua importância como elemento
estratégico do desenvolvimento sustentável local.
Paulo de Jesus (2003, p. 73) diz que, desenvolvimento local trata de um
esforço localizado e concertado, ou seja, uma determinada localidade onde
lideranças, instituições, empresas e habitantes se articulam com o objetivo de
encontrar atividades que venham fazer diferença positiva nas condições de
produção e comercialização de bens e serviços de forma a proporcionar melhores
condições de vida aos cidadãos e cidadãs, tendo como ponto de partida a
valorização e ativação das potencialidades e efetivos recursos locais.
57
Segundo Jesus, identifica-se uma iniciativa ou um processo de
desenvolvimento local a partir do momento que se “constata a utilização de recursos
e valores locais, sob o controle de instituições e de pessoas do local, resultando em
benefícios para as pessoas e o meio ambiente local” (2003, p. 73).
Para Farah, o desenvolvimento local surgiu a partir do momento em que
ocorreu a “falência do modelo de Estado interventor, produtor de bens e serviços e
ao mesmo tempo regulador e controlador das atividades da sociedade”. Segundo o
autor, “as sociedades locais passam a ter de construir opções de desenvolvimento
baseadas principalmente em recursos locais (humanos, financeiros, patrimoniais,
materiais e culturais)” (2005, p. 82).
Para tanto, Farah enfatiza que a comunidade local deve assumir um
posicionamento pró-ativo, deixando de lado posturas passivas, vindo a compor de
forma sinérgica, junto ao poder público em nível local, as políticas que visem gerir de
forma adequada e equilibrada, o desenvolvimento social, econômico e tecnológico
da região.
No Brasil, as origens de desenvolvimento local se deram nas últimas décadas
do século XX, quando os efeitos da globalização se intensificaram no país.
Sucederam-se discussões e práticas inovadoras relacionadas com a centralização e
descentralização na administração pública, o público e o privado e, sobretudo, com
estratégias de desenvolvimento em nível nacional, regional e local (JESUS, 2003, p.
72).
Segundo Jara (apud JESUS, 2003, P. 72), as mudanças nos enfoques
tradicionais de desenvolvimento para enfoques de desenvolvimento local são as
seguintes:
a) Da gestão burocrática e centralizada de programas de desenvolvimento
para uma administração que considera a participação da sociedade civil e
procura estabelecer complementaridades com as instituições regionais e
locais, públicas ou privadas, para assegurar os processos;
b) De uma prática que prioriza a dotação de capital físico e financeiro à
alternativa que enfatiza o papel do capital humano e do capital social;
c) Das intervenções centradas no homem produtor e chefe de família para
uma abordagem que enfatiza as questões de gênero.
58
O desenvolvimento local pode ser definido, segundo Farah,
“como um aumento da atividade econômica e produtiva, que reflita no uso
adequado do meio ambiente em seu sentido mais amplo e que resulte na
substancial melhoria da qualidade de vida da população. Assim, espaço e
território assumem o conceito de local geograficamente delimitado, onde o
espaço material (área) serve para que se realize a transformação da sociedade
sob a ótica econômica (determinado conjunto de atividades produtivas), sócio-
cultural e político-administrativa” (FARAH, 2005, p.83).
O atual interesse e importância dada ao fenômeno do desenvolvimento local
tem feito surgir uma série de iniciativas, seja governamental, através de ações do
Programa Comunidade Solidária, pára-governamentais, como por exemplo o
programa de Desenvolvimento Integrado Local e Sustentável DLIS, coordenado
pelo Sebrae, seja por organizações não-governamentais, tais como os programas de
Agência de Desenvolvimento Solidário ADS e da Anteag, por exemplo (JESUS,
2003, p. 72).
Entre as diversas experiências de desenvolvimento local no Brasil, a que vem
mais se destacando é o DLIS Desenvolvimento Local Integrado e Sustentável, que
se traduz numa metodologia de indução do desenvolvimento local que “potencializa
a participação coletiva, promove parcerias entre as iniciativas privadas de cidadãos e
os programas públicos, integrando áreas dispersas e promovendo novas sinergias
entre as diversas ações já existentes” (DLIS, 2005).
O que difere o DLIS das outras metodologias de promoção do
desenvolvimento local, é o fato desta metodologia estar investindo
fundamentalmente no capital social. Tal estratégia “é aplicada por meio de algumas
tecnologias sociais inovadoras de articulação de redes e de efetivação de processos
democrático-participativos ensaiados em escala local” (DLIS, 2005).
Na prática,
“adota-se uma metodologia participativa, pela qual mobilizam-se recursos das
comunidades, em parceria com atores da sociedade civil, de governos e
empresas, em todos os veis, para a realização de diagnósticos da situação
de cada localidade, a identificação de potencialidades, a escolha de vocações
e a confecção de planos integrados de desenvolvimento, a captação de
recursos e a negociação e a execução de agendas de prioridades que
desdobrem esses planos em ações concretas”. (DLIS, 2005).
Clemente & Higachi consideram o crescimento das cidades como uma
questão “particularmente interessante para as economias regional e urbana” pois, a
formação de “enormes centros urbanos significa também a concentração de
59
gigantescos problemas, como desemprego, marginalização e poluição” (2000, p.
137).
Os autores afirmam que os fluxos migratórios são a principal causa do
“inchaço” nas grandes cidades. São parcelas da população rural que migra para os
grandes centros urbanos em busca de emprego e de uma melhor qualidade de vida
(CLEMENTE & HIGACHI, 2000 p. 138).
Este fenômeno faz com que o papel do Estado seja intensificado, pois a
demanda por bens públicos é cada vez maior. De acordo com Dowbor, (2001, p. 30),
antes uma família que vivia no campo resolvia seus problemas individualmente,
como no caso do lixo, da água, da lenha, do transporte, etc. Na cidade, a residência
é viável quando integrada na rede de energia elétrica, telefonia, água, esgoto,
calçamento, redes de vias públicas e assim por diante. Os bens públicos exigem
forte presença do Estado e a questão da urbanização desmedida torna-se um dos
grandes desafios do desenvolvimento econômico.
Uma pratica que tem sido bastante utilizada como abordagem de
desenvolvimento local são os Arranjos Produtivos Locais – APLs.
De acordo com o Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e
Social IPARDES e com a Secretaria de Estado do Planejamento e Coordenação
Geral SEPL do estado Paraná, um APL pode ser definido “como um aglomerado
de agentes econômicos, políticos e sociais que operam em atividades correlatas,
estão localizados em um mesmo território e apresentam vínculos de articulação,
interação, cooperação e aprendizagem” (IPARDES, 2005, p.1).
Segundo o IPARDES, os APLs são capazes de impulsionar de maneira
significativa o emprego e renda locais.
“Pode-se dizer que de maneira geral, aglomerações de empresas
geograficamente concentradas e setorialmente especializadas tornaram-se
objetos de políticas públicas, as quais em coordenação com ações de agentes
privados, visam melhorar as condições locais para o crescimento das
empresas, atração de investimentos, desenvolvimento tecnológico, aumento
das exportações e, sobretudo, aumento do emprego e renda local” (IPARDES,
2005, p.1).
Os APLs, de acordo com Stainsack, “possuem um papel fundamental no
desenvolvimento econômico, social e tecnológico de uma região”, pois, segundo a
autora, beneficiam as empresas e engajam ao seu redor, “comunidades locais,
centros de tecnologia e pesquisa, instituições de ensino e entidades públicas ou
60
privadas”, possibilitando a “geração de maior competência às empresas, maior
competitividade e inserção em novos mercados, inclusive externos” (2005, p. 1).
De acordo com Lastres & Cassiolato, os arranjos produtivos podem ser
considerados sistemas produtivos e inovativos “em que interdependência,
articulação e vínculos consistentes resultam em interação, cooperação e
aprendizagem, com potencial de gerar o incremento da capacidade inovativa
endógena, da competitividade e do desenvolvimento local” (2003, p. 11).
O Governo Federal, através do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e
Comércio Exterior MDIC, apóia as APLs através de um grupo de trabalho que tem
como foco a implantação de uma “estratégia integrada” para apoio e
desenvolvimento de arranjos produtivos locais em todo o território nacional, tendo
como finalidade, torná-los “mais competitivos e sustentados, quanto às suas
dinâmicas econômica, tecnológica, social e ambiental” (MDIC, 2006).
No Paraná criou-se a Rede Paranaense de Apoio aos Arranjos Produtivos
Locais – Rede APL Paraná, tendo como entidades participantes, o Governo do
Estado, instituições de classe e de apoio ao empresário e instituições de fomento e
de pesquisa e tecnologia, tais como a Federação das Indústrias do Estado do
Paraná FIEP, Instituto Euvaldo Lodi do Paraná IEL, Serviço Brasileiro de Apoio
às Micro e Pequenas Empresas – SEBRAE, Banco Regional de Desenvolvimento do
Extremo Sul BRDE, Banco do Brasil entre outras. Tal rede tem como objetivo
principal “articular o alinhamento e a interação das diversas instituições de promoção
dos APLs para a captação de recursos, solução de entraves, concepção,
estruturação e implementação de planos, estudos e projetos de desenvolvimento
empresarial e territorial” (IPARDES, 2005, p. 1). Até o presente momento, são vinte e
duas APLs identificadas, muitas delas com resultados bastante positivos, tais como
a APL do Boné, em Apucarana, de Confecções em Cianorte, de Malhas em Ibituva,
entre outras
8
.
Sem vida as APLs representam um significativo diferencial não
econômico, mas também cultural e social, para as comunidades. Significam uma
opção de desenvolvimento local endógeno, isto é, aproveita-se a habilidade local em
produzir e comercializar produtos, tendo o governo, os empresários e a sociedade
8
Maiores informações consultar: www.redeapl.pr.gov.br
61
civil comprometidos com as mesmas finalidades: melhorar a qualidade de vida da
comunidade através da geração de trabalho e renda, além da construção do
conhecimento conjunto e da sustentabilidade local.
A seguir, descreve-se mais uma experiência bastante em voga na economia
tanto nacional quanto internacional, que também representa um importante
instrumento de desenvolvimento sustentável local: a economia solidária.
3.2 ECONOMIA SOLIDÁRIA
Num contexto atual de desenvolvimento econômico local sustentável, através
do qual a articulação das esferas econômica e social se torna imprescindível para a
sustentabilidade das comunidades, a economia solidária surge como uma opção
concreta de diminuição do desemprego, melhor e mais justa distribuição de renda e
uma maior interação social alicerçada na cooperação e solidariedade, de acordo
com os autores estudados.
O economista Paul Israel Singer, atual secretário da SENAES - Secretaria
Nacional de Economia Solidária, criada pelo governo do Presidente Luis Inácio Lula
da Silva em 2003, explica que a economia solidária surgiu como uma resposta à
pobreza e ao desemprego decorrentes da difusão das quinas-ferramenta e do
motor a vapor no início do culo XIX. Desta forma, os trabalhadores viam nas
cooperativas uma alternativa de recuperar trabalho e a autonomia econômica, se
orientando nos valores do socialismo tais como a igualdade e a democracia (Singer
2002, p. 83).
A economia solidária “foi inventada” por operários, nos movimentos do
cooperativismo, surgido das lutas de resistência contra a Revolução Industrial
durante os séculos XIX e XX, movimento que teve como idealizador, Robert Owen,
considerado o mais importante iniciador da ideologia do socialismo. (SINGER, 2003
p.117; 2002, p.83).
Hoje, a economia solidária é um tema bastante em voga, porém, tal como
afirma Cruz (2005), as publicações sobre o tema representam um conjunto disperso
e heterogêneo de iniciativas. Segundo Lima (2003), não se dispõe de uma
62
bibliografia ampla e consolidada sobre o tema, além do que, a literatura existente é
marcada por opiniões bastante polêmicas sobre o assunto.
Tais polêmicas giram em torno de duas posições distintas: de um lado estão
os autores que acreditam na economia solidária como alternativa para a geração de
trabalho, emprego e renda, além da emancipação social da parcela mais pobre e
excluída da população. De outro lado estão os autores que vêem na economia
solidária uma proposta inviável e utópica. Esta discussão está presente no decorrer
deste capítulo.
Antes do estudo das diferentes concepções e definições sobre o tema se faz
importante esclarecer a seguinte questão: a economia solidária é um tema de
relevância internacional, porém, seu surgimento e sua dinâmica possuem
características bastante diferenciadas e muito arraigadas à cultura de cada país e,
conseqüentemente, de suas realidades econômicas.
O ponto em comum é o de que a economia solidária é decorrente do “novo
associativismo” dos anos 1980/90, surgido da decomposição de um padrão de
regulação anterior. Acontece que este padrão não era o mesmo na Europa e no
Brasil (CRUZ, 2005).
De acordo com Cruz (2005), enquanto a pressão das demandas sociais
reprimiam parcialmente o ataque ao welfare state, confrontando políticas
econômicas liberais hegemônicas e ousadas, a produção de forma associativa
“assumiu um caráter organizado, articulado a alternativas de mercado, estruturado
sobre uma base social atingida pela crise econômica, mas educada sob as noções
de cidadania e consumo”. Desta forma, segundo estudiosos na França, Espanha e
Itália, a economia social “nasce nos interstícios entre o público e o privado” em
regiões nas quais o movimento operário tinha maior tradição e também, nas quais as
administrações públicas procuravam alternativas de ação em meio às pressões
hegemônicas.
No Brasil e em outros países da América Latina, tais como a Argentina e a
Colômbia, o surgimento da economia solidária se de forma bastante diferente do
que na Europa, que as experiências associativas nascem da auto-regulação, na
maioria das vezes de forma empirista, por sujeitos sociais que não possuíam a
tradição das lutas operárias, muito menos possuíam uma proteção estatal às suas
63
iniciativas. Foram então, levados à experiência da produção associativa em
conseqüência de uma “luta desesperada e coletiva pela sobrevivência” o que nada
coincide com uma “saída estudada e planejada à luz da experiência histórica” como
nos países europeus (CRUZ, 2005).
Segundo Singer (2002, p. 87), as primeiras experiências de economia
solidária no Brasil aconteceram como resposta à grande crise de 1981/83, época em
que muitas indústrias, inclusive as grandes tiveram que fechar suas portas. Neste
momento formam-se as cooperativas que assumem a indústria Wallig de fogões em
Porto Alegre, a Cooperminas (exploradora de mina de carvão) em Criciúma e as
cooperativas que operam as fábricas de cobertores da antiga Telecelagem Parahyba
em Recife e em São José dos Campos. Todas continuam em operação até os dias
de hoje.
De acordo com Silva & Schiochet (2005), “é cada vez mais urgente e
necessária a coleta e divulgação de informações sistematizadas da economia
solidária para que seu perfil, abrangência e potencialidades se tornem visíveis,
que ela é pouco conhecida e reconhecida pelos seus próprios atores”.
Neste sentido, a SENAES e o Fórum Brasileiro de Economia Solidária (FBES)
estão realizando o mapeamento da economia solidária no Brasil para possibilitar
medir sua viabilidade, além de orientar seu processo de organização e subsidiar os
processos de formulação e execução de políticas públicas para o seu
desenvolvimento. O processo teve início em 2004 e irá até o mês de outubro de
2005. Até o momento foram identificados oito mil empreendimentos econômicos
solidários no Brasil, indicando um crescimento de 65% destas atividades entre os
anos de 1990 e 2005 (SILVA & SCHIOCHET, 2005).
A economia solidária é um tema que divide seus estudiosos. Existem tanto
concepções favoráveis quanto desfavoráveis sobre o tema. As concepções
favoráveis estão baseadas principalmente nas atuais reflexões acerca dos efeitos
negativos do capitalismo tais como a centralidade do capital, a exclusão social cada
vez mais acentuada e o fato de que o trabalho encontra-se em situação de
subordinação aos interesses dos “donos” do capital. A partir deste pensamento, cria-
se um terreno fértil para a introdução e concepção da economia solidária.
64
Segundo Razetto (1998), embora a atual economia se mostre eficiente na
geração de riqueza, ela também é eficiente na geração da pobreza e está longe de
produzir respostas adequadas para as necessidades, aspirações e fins dos seres
humanos. Neste contexto, a economia solidária enuncia-se como um projeto, ou pelo
menos, uma orientação teórica e prática fundamentalmente transformadora.
“nos últimos anos, tem havido uma renovação e uma intensificação na busca
teórica e prática tanto em termos de pensamento criativo quanto na
experimentação social concreta - de novas formas econômicas alternativas
orientadas para encontrar e aperfeiçoar outros modos de fazer a economia.
Estas buscas, cuja tendência é a de situar o trabalho acima do capital, de fazer
predominar a solidariedade sobre o individualismo e o ser humano por sobre os
produtos e os fatores materiais, podem ser expressas de forma sintética pelos
enunciados: "papel central do trabalho" ou "centralidade do trabalho" e
"economia de solidariedade" (RAZETTO, 1998).
Conforme o autor, “o que chamamos de economia de solidariedade não
consiste em um modo definido e único de organizar unidades econômicas. Trata-se
de um processo multifacetado através do qual incorporamos solidariedade à
economia” (RAZETTO, 1998).
Para Razetto, (1998), a solidariedade deve ser introduzida na própria
economia, devendo operar nas diversas fases do processo econômico, ou seja, na
produção, distribuição, consumo e acumulação, com a intenção de gerar novas
relações produtivas a partir dos excluídos do sistema e não apenas sobreviver
dentro do sistema ou arranjar ocupação aos que não têm lugar numa economia
automatizada.
Santos, (apud LIMA 2003) também partilha da idéia de que a solidariedade é
um elemento fundamental para o contexto econômico. Para ele, novas crenças
embasadas na prática da solidariedade podem prever “a coexistência/convivência de
duas lógicas: a atual racionalidade hegemônica e a nova racionalidade vinda de
baixo”, ou seja, da fatia mais pobre da população.
Estas novas crenças citadas pelo autor são decorrentes dos limites impostos
pela racionalidade capitalista dominantes, através dos quais constata-se que a
proliferação de irregulares e informais acontece devido ao fato de que uma parcela
da humanidade, não é mais capaz de obedecer às leis, normas, regras,
mandamentos, costumes derivados da atual racionalidade hegemônica, seja por
desinteresse, seja por incapacidade.
65
Para Lima (2003), a economia solidária justifica-se como uma estratégia
alternativa de desenvolvimento para o Brasil, que ainda não conseguiu “achar o
caminho do desenvolvimento. A pobreza, a concentração de renda e a falta de
solidariedade marcam o seu cotidiano”. A economia solidária fundamenta-se em
organizações sociais do trabalho que possuem como princípio básico os “laços
solidários”. Em geral, prima-se pela não mercantilização das relações de trabalho e
visa-se o lucro social (LIMA, 2003).
Segundo França e Laville (2004, p.16), economia solidária é um termo que
reflete uma atual tendência mundial de “proliferação de iniciativas autônomas de
grupos organizados na sociedade civil, com o intuito de produção de atividades
econômicas de modo distinto daquela praticada no mercado”, ou seja, é uma
maneira de intervir nas formas tradicionais do mercado econômico, atualmente com
seu viés capitalista bastante acentuado, e fazer uma “outra economia”, (assim
denominada pelos autores), concebida a partir de iniciativas prioritariamente de
natureza cooperativista e associativista, surgidas das necessidades da sociedade
civil e dos meios populares, com diferentes configurações e formas, dependendo das
regiões e países em que foram introduzidas.
Estas iniciativas assumem formas de cooperativas de produção e prestação
de serviços, bancos populares, clubes de troca, empresas sociais, entre outras e
possuem a solidariedade como fator central da elaboração de suas atividades
econômicas que também servem como meio para realização de objetivos sociais,
políticos e culturais (FRANÇA & LAVILLE, 2004, p. 16).
Ainda de acordo com França e Laville, a economia solidária se consolida
como um modo de produção híbrida, ou seja, é formada por atividades recíprocas
desenvolvidas por profissionais e atividades financiadas através de subsídios
estatais. Configura-se como “uma tentativa de articulação inédita entre economia
mercantil, não-mercantil, e não monetária numa conjuntura que se presta a tal,
haja vista o papel conferido aos serviços pela terceirização das atividades
econômicas” (2004, p. 16). Tem como grande desafio, a acumulação de
vantagens da economia monetária, fonte de liberdade individual proporcionado
pelo mercado, com aquelas da economia não-monetária baseadas em trocas,
retirando-as do anonimato.
66
A economia solidária também se apresenta como um instrumento articulador
entre o econômico e o social, pois considera a questão do trabalho crucial para
pensar a organização de formas de atividades econômicas baseadas no princípio de
solidariedade.
“Numa sociedade em que a economia mercantil adquiriu uma função primordial
na regulação social, é o trabalho assalariado que articula em seu seio a relação
entre o econômico e o social. O trabalho é o lugar de um paradoxo que lhe
confere seu papel essencial na modernidade: ele manifesta, por meio da
relação salarial, a exploração do trabalhador na sua dependência ao capital,
mas ao mesmo tempo, graças aos direitos sociais que estão aí ligados, ele
afirma o vínculo desse mesmo trabalhador à comunidade política”. (FRANÇA &
LAVILLE, 2004, p. 54).
Galvão (apud LIMA, 1999) diz que o cerne da economia solidária se revela
através de experiências que podem representar uma nova cultura do trabalho, tais
como “pequenas unidades produtivas, mutirões na construção e conserto de casas,
formas associativas de produção de alimentos, vestuário, remédios, artesanato,
objetos de uso pessoal e pequenos serviços, bem como agricultura familiar”.
Para Galvão, a economia solidária possui as seguintes características:
“Desenvolve-se nos setores populares; são iniciativas associativas organizadas
de acordo com determinados objetivos, decisões e programas; objetivam
enfrentar carências e necessidades; buscam enfrentar problemas mediante a
ação direta com esforço coletivo e recursos próprios; implicam relações e
valores solidários; não se limitam a uma atividade, tendem a se integrar com as
atividades econômicas, sociais, educativas e culturais e buscam algum nível de
mudança social na perspectiva de uma sociedade mais justa” (GALVÃO, 1999,
p 123).
Singer explica que o conceito diz respeito à organização de produtores,
consumidores, poupadores, etc, distinguindo-se por duas especificidades: a primeira
refere-se ao estímulo da solidariedade entre os membros diante da prática da
autogestão, que significa que “a mais completa igualdade de direito de todos os
membros deve reinar nas organizações da economia solidária” (SINGER, 2003, p.
116).
De acordo com Singer, (2002, p. 83) “a empresa solidária nega a separação
entre trabalho e posse dos meios de produção, que é reconhecidamente a base do
capitalismo”, ou seja, o capital da empresa solidária pertence aos que nela
trabalham e estão fundidos porque todos os que trabalham são proprietários das
mesmas. Esta propriedade da empresa é dividida por igual entre os trabalhadores,
possibilitando que todos tenham o mesmo poder de decisão sobre ela. Esta
67
“modalidade” de posse e gerenciamento é bastante diferente do “modo” capitalista,
pois uma empresa capitalista pertence aos investidores, aos que forneceram o
dinheiro para adquirir os meios de produção, por isso, “sua única finalidade é dar
lucro a eles”.
A segunda especificidade da economia solidária diz respeito à prática da
solidariedade para com a população trabalhadora em geral, com ênfase na ajuda
aos mais desfavorecidos, significando que “as entidades que promovem a economia
solidária priorizam a organização de cooperativas formadas por desempregados,
trabalhadores em vias de perder o emprego por crise na empresa que os assalaria e
pobres em geral”. Manifesta-se também na formação de cooperativas de prestação
de serviços, dando amparo a crianças em situação de risco, idosos desamparados,
viciados, deficientes físicos ou mentais, etc. Em muitos casos, tais atividades são
desenvolvidas por organizações o governamentais (ONGs), sustentadas
principalmente pelo poder público mediante contratos, fazendo a economia solidária
integrar-se ao terceiro setor (SINGER, 2003, p. 116).
Com relação à primeira especificidade exposta, a qual diz que a economia
solidária compõe-se das empresas efetivamente praticantes dos princípios do
cooperativismo, ou seja, a autogestão, conclui-se que a economia solidária faz parte,
portanto, da economia cooperativa ou social. Para Singer (2002, p. 86), “a economia
solidária compõe-se das empresas que efetivamente praticam os princípios do
cooperativismo, ou seja, a autogestão. Ela faz parte, portanto, da economia
cooperativa ou social, sem, no entanto confundir-se com as cooperativas que
empregam assalariados”. Isto significa que, a economia solidária constitui um modo
de produção que “compõem a formação social capitalista”, que esta “molda a
superestrutura legal e institucional de acordo com seus valores e interesses”.
O fato da economia solidária compor a formação social capitalista comprova o
fato de que, “mesmo sendo hegemônico, o capitalismo não impede o
desenvolvimento de outros modos de produção, porque é incapaz de inserir dentro
de si toda a população economicamente ativa” (SINGER, 2002, p. 86) e, é esta a
principal “brecha” que fez a economia solidária ter seu espaço na atual dinâmica
econômica: o fato do capitalismo deixar uma grande parte da população
68
trabalhadora à margem das oportunidades de trabalho e das condições de obter
uma renda digna.
Alguns autores fazem uma crítica bastante acentuada com relação ao sistema
de produção capitalista, por considerá-lo injusto e desumano. Para Cattani, por
exemplo, “a economia capitalista precisa ser superada. Sob todos os aspectos, ela é
predatória, exploradora, desumana e, sobretudo, medíocre, não correspondendo
mais às potencialidades do tempo presente” (2003, p. 9).
O autor diz que, quando de seu surgimento, o modo de produção capitalista
representou um avanço extraordinário no mundo ocidental moderno, porém,
atualmente, o sistema capitalista torna-se ultrapassado, e é responsável por “três
gravíssimos problemas”: acumulação, agravação das desigualdades e os riscos
ligados à sobrevivência física do planeta e da sua população. Cattani (2003, p. 10)
defende a construção de uma nova economia que se faz necessária para “atender
às demandas de uma sociedade mais exigente, técnica e intelectualmente mais
qualificada”.
A economia solidária seria, para o autor, um dos elementos constitutivos da
nova economia, movimento que vem sendo registrado na contracorrente do sistema
e da ideologia dominantes.
Cattani (2003, p. 11) define esses elementos formadores de um mundo
melhor, como elementos novos, ousados, que buscam romper com o capitalismo e
ser melhor e mais avançados do que ele.
“Processos, instituições, valores, manifestações, etc., designados por nomes
ou conceitos diversos: socioeconomia solidária, economia popular solidária,
economia do trabalho, empresas autogestionárias, novo cooperativismo,
investimento ético, empresa social, redes de consumo solidário e outros
tantos. São fenômenos que correspondem, por um lado, a algo bem concreto
(instituições formais, práticas sociais), por outro, a dimensões abstratas,
como projetos, valores, percepções, etc., que não correspondem à economia
e às práticas convencionais” (CATTANI, 2003, p. 11).
São diversas as justificativas para a emergência da economia solidária no
Brasil. No âmbito dos efeitos da globalização, onde o mercado de trabalho se
apresenta insuficiente para alocar toda a mão-de-obra necessária e disponível,
trabalhadores se defendem, precisam recuperar o emprego, o salário e a dignidade.
(GALVÃO, 1999). Esta forma, as ações intrínsecas à economia solidária estão
69
reestruturando as unidades produtivas e assumem formas mais flexíveis, mais
democráticas e solidárias de trabalho.
Para Sabourin (2005), a economia solidária o se limita apenas ao mercado
de trabalho, mas também, à vida da comunidade como um todo, ou seja, os
aspectos sociais, culturais, históricos, ambientais, os saberes e as tradições. Falar
de economia solidária, segundo Sabourin, implica numa definição correta de
economia através da qual as necessidades de todas as pessoas sejam satisfeitas e
reconhecidas como o objetivo do sistema econômico.
“As sociedades e seus modos de organização voltados pra satisfazer
necessidades individuais e coletivas devem contribuir não como meios de
enriquecimento mas como meios de contribuição para a vida e o progresso da
humanidade. Produzir, intercambiar, consumir, assim, como trabalhar,
gerenciar, poupar e investir fazem parte dos atos econômicos inelutáveis;
entretanto, as maneiras de fazê-los, no contexto da economia solidária,
desafiam os hábitos que se incrustam na esfera mercantil e que, atualmente,
contaminam e intoxicam toda a ação humana” (SABOURIN, 2005).
A economia solidária é uma proposta através da qual se resgata o direito ao
trabalho e à renda, conjugando-se com o reconhecimento das atividades
comunitárias, propiciando, mediante as atividades voluntárias, o amplo volume de
serviços necessários para a reprodução da vida social, através de atores sociais
engajados (LISBOA, 1999, p. 58).
Para Lisboa, é visível a “germinação de uma nova cultura da parceria” e do
“espaço sócio-econômico solidário” no plano municipal e microrregional, o que
desafia a que estas experiências
9
sejam pensadas em seu significado mais amplo. O
autor afirma a necessidade de articulação das estratégicas de sobrevivência dos
excluídos com a crescente inovação das redes de empreendimentos locais, das
organizações contra-hegemônicas locais e dos governos municipais, não se tratando
de “políticas de frente de trabalho geradoras de ocupações temporárias, mal pagas e
humilhantes”, mas sim, de dinamizar as experiências de subsistência e de pensar a
economia solidária como portadora de alternativas de geração de trabalho e renda, a
partir de políticas públicas para o desenvolvimento do país, não confundindo com
políticas sociais compensatórias (LISBOA, 1999, p. 65).
9
Várias experiências estão descritas em Lisboa (1999), pgs. 62, 63 e 64.
70
“É surpreendente que, mesmo em condições econômicas desfavoráveis, estes
empreendimentos irrompam com uma enorme vitalidade, o que nos obriga a
perguntar como seria a realidade destas iniciativas se elas tivessem o suporte
dos imensos fundos públicos, e não as atuais migalhas, e fossem apoiadas por
efetivas políticas nacionais de desenvolvimento (LISBOA, 1999, p. 64)”.
Outro fator de destaque com relação ao tema, lembrado pelo autor é o de
que, a economia solidária compreende atividades formais e informais, normalmente
realizadas num contexto onde os laços culturais e as relações de parentesco, de
vizinhança e afetivas tem um grande peso e não são motivadas pela idéia da
maximização do lucro, “o que não significa que ele não esteja presente”, mas sim,
são motivadas pelo lucro social, não dependentes do mercado mas sim, interagindo
com ele, de forma a satisfazer suas necessidades cotidianas de forma auto-
sustentável, sem depender de filantropias (LISBOA, 1999, p. 77).
Em continuidade à sua defesa pela economia solidária, Lisboa (1999, p. 80)
insiste que não é a condição de informalidade o que caracteriza a economia
solidária. O que a caracteriza, é a “sua condição de estar voltada para prover o
sustento do grupo”, sem a presença da mercantilização do trabalho, através de uma
racionalidade produtiva inserida nas relações sociais.
Assim como França e Laville, Lisboa também defende uma outra economia
diferenciada do mercantil e do estatal, por meio de associações crescentes, que não
caminhem para o desaparecimento nem para a desconexão do mercado capitalista,
mas que surja uma dinâmica híbrida através da qual a economia solidária seja uma
alternativa não mais “ao” capitalismo, mas “no” capitalismo, de forma a resistir à
lógica destrutiva da atual sociedade contemporânea, “assentando as possibilidades
de construir, a longo prazo, porém, aqui e agora, as condições para uma nova
sociedade” (1999, p. 86).
De acordo com Arruda, a economia solidária enuncia mudanças táticas e
estratégicas que podem orientar as empresas para caminhos que ultrapassem o
“mero alívio à pobreza a curto prazo” e sim, que se tornem “agentes eficazes no
combate às causas do empobrecimento e na promoção de relações sociais justas,
igualitárias e sustentáveis” (ARRUDA, 2005).
Para tanto, Arruda (2005) afirma que é fundamental a adesão de empresários
conscientes de sua cidadania e a parceria com outros atores sociais e o Estado, com
71
o objetivo de estruturar “uma outra economia fundada nos valores da cooperação e
da solidariedade, a nível local, nacional e internacional”.
Laville defende o reconhecimento e aceitação das experiências de parcerias
citadas por Arruda, no sentido de promover “uma mudança de valores” e “uma
mutação cultural e política” (Laville, 1997, apud LIMA, 2005).
Estas parcerias viabilizam as iniciativas econômicas populares ligando-se ao
surgimento de ações institucionais e políticas blicas voltadas para apoiar
tecnológica, financeira e politicamente a economia solidária.
“Ações levadas a cabo pelo poder público municipal, sindicatos, movimentos
populares podem fornecer apoio e patrocínio para que os empreendimentos
possam ser alavancados. Existe, desse modo, o potencial de atração de sócios
e a possibilidade de fomento através da criação de instituições de apoio, como
o banco do povo que garantiria crédito facilitado” (LIMA, 2005).
Neste sentido, o Estado deve repensar sua posição, pois durante mais de um
século, os compromissos que prevaleceram confirmaram a dissociação operada
entre economia e solidariedade. A construção societária que delimitou o econômico
e o social traduziu-se pela ascensão da sociedade de trabalho e do Estado protetor,
culminando com a sociedade assalariada dotada de um Estado-previdência na
segunda metade do século XX. (FRANÇA & LAVILLE, 2004, p.56).
De acordo com França e Laville (2004, p. 18), hoje a solidariedade é
encarada como uma ação voluntária de pessoas projetando-se num espaço público,
com vistas ao enfrentamento de problemas públicos em áreas tais como: educação,
cultura, meio ambiente, geração de emprego e renda entre outros. Este fato
demonstra a “vocação” da economia solidária em “combinar uma dimensão
comunitária (mais tradicional) com uma dimensão pública (mais moderna) na sua
ação”. Isto torna-se claro nos casos de associativismo intensamente baseados em
vínculos comunitários atuando na resolução de problemas públicos no contexto de
um bairro, por exemplo, demonstrando uma preocupação crescente com a questão
do desenvolvimento local.
Desta forma, no âmbito de uma nova governança, que tem como objetivo o
desenvolvimento econômico local sustentável, a economia solidária deve ser uma
ferramenta estratégica a ser utilizada pelos governos, conforme os autores vistos até
o presente momento.
72
Porém, da mesma maneira que existem as concepções favoráveis à
economia solidária, existem às concepções desfavoráveis. Aos críticos deste “novo
modo” do sistema econômico é inconcebível aliar a economia com a solidariedade.
Definem como algo utópico e incapaz de se inserir na dinâmica do mercado, tal
como às organizações do sistema capitalista, por não terem potencial e auto-
sustentação.
De acordo com Lima (2005), em torno da economia solidária, confluem
atualmente muitas correntes, tornando-a um vasto e heterogêneo agregado de
atividades que tem se expandido, porém, ainda não se constituem num campo
articulado. Dessa forma, suscitam várias controvérsias e indagações. m dos
principais questionamentos e foco dos debates é o fato dessa proposta alicerçar-se
sobre a conjunção da idéia de solidariedade com a atividade econômica.
Segundo Kraychete (2002), a opinião predominante da teoria econômica
tradicional é que essa seria uma tentativa de juntar coisas que se repelem, que se
opõem, que a economia é entendida para alguns como um mundo da competição
e da concorrência, movido pelo egoísmo e auto-interesse.
Amartya Sen, ganhador do Prêmio Nobel de Economia, critica tal
pensamento, lembrando que o comportamento humano é regido por uma pluralidade
de motivações e não apenas pelo egoísmo. Sen encara essa visão estreita sobre os
seres humanos como uma das principais deficiências da teoria econômica
contemporânea, mostrando o quanto a economia moderna se distanciou da ética e
defende a importância dos empreendimentos econômicos associativos como fator de
mudanças sociais, não apenas para trazer benefícios econômicos, mas também,
para vislumbrar novas perspectivas teóricas e práticas que digam respeito ao que se
chama de economia solidária. (Kraychete, 2002).
Carlos Vainer posiciona-se contra a idéia de economia solidária. O autor
afirma que não existe lugar para a solidariedade no mundo da economia capitalista.
Em sua análise,
73
“quando assumida por pessoas bem intencionadas, a idéia de gerar
alternativas locais ao capitalismo global, ou de organizar em âmbito local
cooperativas que dariam origem a uma ideal economia solidária, o passa de
uma ingenuidade. Mas o fato é que o Banco Mundial, o Banco Interamericano
de Desenvolvimento e outras agências multilaterais ou nacionais, como o
Comunidade Solidária, estão vendendo a idéia do desenvolvimento local como
alternativa para as periferias. Aqui o é mais ingenuidade, mas estratégia
ideológica e política, que, na melhor das hipóteses, pretende compensar a
miséria engendrada pelo desenvolvimento do capitalismo e, quase sempre,
acaba por produzir apenas alguns mecanismos de controle político de
populações miseráveis, à beira do desespero” (VAINER 2000, apud LIMA
2005).
Soares (2005) diz tersérias dúvidas” a respeito da viabilidade da tese de que
a economia solidária possa se transformar num setor independente do Estado e do
capital, nem tampouco ganhar corpo e espaço na economia, vindo a ser um setor
gerador de empregos.
O autor diz que acredita em utopias, porém, o fato de que a produção por
conta própria possa vir a competir com a produção do grande capital é sonho, algo
em que não acredita, é uma visão romântica e inviável como solução estrutural.
Soares considera a economia solidária “um mero instrumento pontual de
sobrevivência com alguma dignidade para pequenas parcelas de desempregados e
de desesperados”, ficando fatalmente apenas neste estágio, dificilmente deixará de
ser um “quebra-galho”.
“É importante, porém, não esquecer que, nesse modelo alternativo de
produção que escomeçando a virar modismo ou panacéia, a economia é a
parte subjetiva e a solidariedade é a parte adjetiva. E isso não é por acaso nem
é uma simples questão gramatical, pois consubstancia a prevalência da
economia sobre a solidariedade, submetendo esta a uma posição subalterna, a
serviço daquela. (...) Interpretamos esse conceito como adequado à situação
de um casal cujo matrimonio foi ‘pras cucuias’ na lua de mel. Nesses termos,
não deveriam, mesmo, é ter casado!” (SOARES, 2005).
Contudo, Soares explica que se o contexto for ampliado e reavaliado de forma
a recolocar o homem como sujeito da História, pode-se realmente construir um
sistema alternativo ao capitalismo, no qual “a solidariedade econômica e não a
economia solidária” possa vir a ser um instrumento de mudança para uma sociedade
efetivamente mais humana, fraterna, democrática, solidária, livre e feliz.
Robert Castel refere-se a modos de “quase-assistência ou de quase-
voluntariado” para as iniciativas de economia solidária, pois não são portadoras de
74
futuro e nem inovadoras, sendo pouco visíveis socialmente, o ultrapassando o
estágio da experimentação. Em suas palavras, “a preocupação em promover uma
economia solidária, isto é, de ligar a questão do emprego e a da coesão social, de
criar nculos, ao mesmo tempo que atividades, entre as pessoas, é respeitável ao
máximo. Porém, na situação atual, trata-se mais de declaração de intenção do que
da afirmação de uma política”. (CASTEL, 1998 apud LIMA, 2005).
Segundo Cruz (2005), embora a economia solidária seja aceita por alguns
estudiosos como uma alternativa de organização da produção e do consumo de
camadas mais pobres da população, ou seja, uma alternativa legítima de
organização das relações de trabalho, sua aplicabilidade em conjunto com a atual
lógica de reprodução do capital, baseada na relação “investimento & poupança”
produziria a médio e longo prazo, “efeitos perversos sobre a capacidade de
desenvolvimento do país”.
Sob este aspecto, as perspectivas da economia solidária são aceitas
enquanto “política de emergência”, para dar acesso ao emprego e à renda para uma
faixa da população excluída dessas possibilidades. Porém, a economia solidária
funcionaria como um “mercado complementar, paralelo e temporário” (CRUZ, 2005).
Ainda segundo o mesmo autor, numa combinação entre elementos teóricos
keynesianos e marxistas, pode-se sim pensar na economia solidária como embrião
de um novo modo de produção, que aconteceria nos limites da contradição entre o
desenvolvimento atual das forças produtivas e as relações sociais de produção, ou
seja: os maiores defensores da economia solidária argumentam que, os vários
pontos de estrangulamento do capitalismo tais como a desregulamentação do
mercado, a subordinação da economia nacional frente à globalização, a falta de
planejamento e coordenação econômica, o desemprego estrutural, a concentração e
centralização do capital entre diversos outros efeitos negativos, apontam para “uma
crise prolongada e recorrente do sistema capitalista, com um aprofundamento
crescente e perverso da concentração da riqueza e da exclusão social” e, ao
engendrar a economia solidária (entre outras formas de iniciativas econômicas não
originárias da lógica da acumulação capitalista),
75
“estaria conformando o embrião histórico de um novo modo de produção, cuja
expansão, gerada pelo próprio aprofundamento da crise capitalista, levaria
ambos os sistemas, no longo prazo, a uma transmutação política dessas
contradições econômicas, gerando o enfrentamento necessário à resolução
das contradições do sistema capitalista para além, para sua superação em
direção a uma nova formação social”. (SINGER e SOUZA:2000 apud CRUZ,
2005).
Conforme conceituação de Dzimira e França (1999 apud LIMA, 2005), os
críticos à economia solidária o são devido à falta de compreensão da hibridação das
características de atividades mercantis (venda de produtos ou prestação de
serviços), o mercantis (através de subsídios ou acordos e contratos junto a
instituições públicas) e não monetária (através de contribuições voluntárias, de
“dádivas”), principalmente sob a forma do benevolato (dádiva de si mesmo e do seu
tempo).
Tal hibridação o se deixa apreender apenas sob a figura única do “puro
mercado, conhecido pelos economistas e críticos que configuram a economia
solidária como “uma economia de precariedade, da neodomesticação ou da
pobreza, e finalmente a uma espécie de remendo institucional monstruoso,
associando de maneira ineficaz lógicas distintas”.(Dzimira & França, 1999, apud
LIMA, 2005). Mesmo os defensores da economia solidária admitem que, quando
colocadas em prática, as organizações sociais se deparam com algumas
dificuldades que ainda necessitam serem remediadas.
Tesch (1999, p. 47) fala que existe uma carência de articulação entre as
experiências de economia solidária, é escassa a reflexão acadêmica, além de ser
baixo o grau de envolvimento na cultura do cooperativismo e de democracia nos
locais de trabalho. Esses fatores acarretam dificuldades na consolidação e
ampliação de tais experiências, ficando fadadas a se transformarem em empresas
tradicionais. Para Tesch, problemas clássicos como a falta de capital de giro, de
crédito, as dificuldades de comercialização e carência de fornecedores de matérias
primas, atraso tecnológico na cadeia produtiva, falta de capacitação gerencial, entre
outros, acabam por se repetir num contexto de unidades autogeridas pelos
trabalhadores e se tornam um grande desafio a ser vencido (2005, p. 48).
Lisboa também é um dos defensores da economia solidária que reconhece
que são muitas as debilidades dos pequenos empreendimentos comunitários. Além
dos problemas citados por Tesch, Lisboa acrescenta os decorrentes de barreiras
76
legais, da carência de entidades de apoio e de padrões gerenciais adequados. Para
ele, o intercambio é dificultado devido à precária rede de articulação entre as
diferentes experiências. Esta precariedade de articulação também traz como
conseqüência a falta de amadurecimento nas reflexões comuns dos êxitos e
dificuldades, o que gera um acentuado ritmo de natalidade-mortalidade entre essas
atividades. (LISBOA, 1999, p. 84).
Para ele, é indispensável superar o atual imediatismo das ações, articular
politicamente as redes que constituem a economia solidária, estabelecendo elos
com os demais setores da economia, além de consolidá-la como um projeto de
interação ativa no mercado mundial. De acordo com Singer, a “revivência da
economia solidária se torna possível pelo apoio de instituições governamentais e
da sociedade civil”, porém, precisa ser repensada em sua operacionalização, pois
atualmente se dedica às necessidades imediatas e necessidade de que sejam
criadas teorias “bem fundamentadas” que permitam planejar sua “trajetória futura e a
transformação social e econômica que poderá induzir” (SINGER, 2003, p. 125).
Gaiger (2003) nos seus estudos sobre economia solidária faz um debate
teórico e político sobre o tema, no qual afirma o caráter alternativo das novas
experiências populares de autogestão e cooperação econômica, representando um
novo modo de organização do trabalho e das atividades econômicas em geral, em
especial aos segmentos sociais de baixa renda, porém, considera “estremecida” a
noção de que a economia solidária constitui uma alternativa ao capitalismo,
evidenciando a complexidade dos fatores envolvidos em toda a questão.
O autor reconhece o quadro promissor da economia solidária, o crescente
apoio de ativistas, organizações sociais e órgãos públicos, os quais admitem haver
em tal modelo não apenas um novo campo de trabalho institucional, mas também
um alvo de políticas públicas de contenção da pobreza, nova frente de lutas de
caráter estratégico, uma resposta aos excluídos, uma base de um modelo de
desenvolvimento comprometido com os trabalhadores (GAIGER, 2003, p. 183).
Contudo, esta nova forma alternativa de modo de produção apresenta um
déficit de autonomia, o que compromete suas chances reais de vigência histórica.
Segundo Gaiger, diante do predomínio do capital, o trabalho solidário configura-se
de forma incompleta de emancipação, dependente e obrigado a conviver dentro dos
77
moldes ditados pelo capitalismo, “seja na esfera da circulação e distribuição, seja na
renovação contínua das forças produtivas”. O autor entende que a economia
solidária não “reproduz em seu interior as relações capitalistas”, porém, tampouco as
elimina ou as ameaça, pelo menos, pelo que se tenha conhecimento (GAIGER, 2003
p. 194).
Após a explanação das opiniões favoráveis e contrárias à economia solidária,
resgata-se e resume-se as diferenças entre ela e as formas tradicionais de relações
de trabalho do mercado capitalista. Baseando-se nos autores estudados, têm-se os
seguintes pontos:
1) Relações de troca, reciprocidade, confiança e solidariedade entre os
membros envolvidos em todo o processo da economia solidária em
detrimento à competição exacerbada intrínseca ao capitalismo;
2) Todos os trabalhadores são donos e responsáveis pelo empreendimento
respondendo de forma igualitária pelo sucesso ou fracasso de suas
iniciativas, ao contrário do processo capitalista onde se trabalha para os
donos do capital. Este processo faz com que os trabalhadores cresçam
socialmente, pois, para chegarem a um bom nível gerencial coletivo, precisam
administrar inúmeras situações adversas de conflitos. Como resultado, tem-se
a superação de seus limites no âmbito de um trabalho conjunto, bem como o
aprendizado e empoderamento, o que sugere a independência dos
trabalhadores com relação às ações do governo tornando-se social e
economicamente sustentáveis;
3) O lucro é visado, porém, não o monetário, mas sim o social, ou seja, o ganho
é coletivo e acontece a partir do momento em que todo o grupo envolvido
possua sua renda de forma satisfatória e que a qualidade de vida e o bem
estar seja alcançado por todos. Este modelo difere do capitalismo, que
nele, o lucro monetário e individual é o princípio sico de qualquer
empreendimento, fazendo com que muitos empresários estabeleçam
condições desumanas de trabalho aos seus funcionários, tudo por conta de
atingir um lucro cada vez mais elevado.
78
Por mais que as opiniões sejam divergentes, existe um ponto em comum
tanto aos defensores quanto aos opositores da economia solidária: são louváveis as
tentativas, na medida em que elas amenizam os níveis de desemprego e geram
renda para a parcela da população que se encontra à margem do atual processo
econômico, “nem que seja de maneira temporária” como diriam os oposicionistas.
Outro ponto em comum são as dificuldades encontradas para que tais
empreendimentos solidários realmente se firmem e sejam capazes de se consolidar
no mercado. Essas dificuldades vão desde as administrações internas dos
empreendimentos (devido, em grande parte, à falta de cultura e competências da
autogestão), até a busca por espaço num mercado gerido pela hegemonia
capitalista.
Fazem-se necessários estudos e investigações profundas para saber
exatamente o “poder” da economia solidária como processo econômico e “o que” ela
significa num contexto de economia nacional (se é que ela significa algo, como
duvidariam os oposicionistas).
Não se pode negar que se trata de um assunto rico em discussões e análises
e, por ser um fenômeno recente ao qual ainda não se atribui um consenso, ao
contrário, existe uma multiplicidade de idéias, mas não se pode chegar, neste
momento, a uma conclusão definitiva sobre o tema.
Desta forma, ressalta-se a importância de um olhar justo e crítico sobre o
assunto, através de estudos e análises, principalmente porque, pelo que tudo indica,
é um movimento positivo e em ascensão, merecedor de atenção especial por parte
dos governantes inclusive no que tange ao redirecionamento no sentido de incluir
iniciativas de economia solidária nos investimentos e nas políticas públicas.
Mais uma consideração a ser feita sobre o alcance das iniciativas de
economia solidária, é a de que, por mais que ela seja um importante diferencial nas
questões de desenvolvimento local, principalmente se for inserida nas comunidades
mais carentes de uma região, isto não significa que seus princípios se prestem
aos pobres e aos marginalizados do capitalismo vigente. Ao contrário, ações
voluntárias, reciprocidade e solidariedade, princípios intrínsecos à economia
solidária deveriam permear todo o processo de desenvolvimento de uma sociedade.
79
Para Cattani, tais princípios podem proporcionar avanços em todos os
domínios, além de “envolver de maneira responsável amplos segmentos da
sociedade”, possibilitando “destinos mais generosos” à criatividade humana na
geração de produtos e serviços que proporcionem maior conforto e qualidade de
vida (2003, p. 13).
Considerando seus aspectos positivos, a economia solidária foi abordada
neste capítulo por ser considerada um importante instrumento de desenvolvimento
econômico sustentável local. O objeto de estudo empírico desta dissertação em
muito se “encaixa” nos preceitos, configurações e resultados da economia solidária,
apresentado no capítulo 5.
No final deste capítulo, uma experiência da Prefeitura Municipal de Curitiba de
desenvolvimento econômico local é descrita que, pelo menos em parte, está também
baseada nos preceitos de economia solidária. Trata-se da tentativa de criação de um
pólo de confecções numa das regiões mais carentes da cidade, a comunidade do
Cajuru (mesma comunidade do estudo empírico).
Por fim, duas questões importantes e ainda o comentadas neste capítulo,
dizem respeito à importância que a organização em rede e o capital social possuem
nos empreendimentos solidários, temas do próximo subitem.
3.3 CAPITAL SOCIAL E REDES SOCIAIS NO DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO
LOCAL
Num contexto de desenvolvimento econômico local, tem-se o capital social
como um dos fatores mais relevantes. Sua importância na questão do
desenvolvimento deve-se ao fato de que ele pode ser entendido com sendo a
somatória do conhecimento adquirido, ou seja, conhecimento surgido a partir da
troca, da sinergia, da confiança, da interação e da cooperação entre a população
local, utilizado de maneira integrada e articulada, visando o desenvolvimento
comunitário.
Franco afirma que, quando se trata de desenvolvimento local, há na equação
um fator ou variável que está implicada na própria geração daquilo que se denomina
80
localidade. “Tal fator é o capital social, ou o ‘poder social’, ou a capacidade de um
coletivo humano estável de se mover, de alterar suas relações internas” (2004).
De acordo com Franco, o conceito de capital social só pode surgir, além de só
fazer sentido, a partir do momento em que se encara o desenvolvimento como
desenvolvimento local. Para o autor, o local é fator essencial na existência do capital
social e, todas as evidências empíricas sobre a relação entre capital social e
desenvolvimento foram recolhidas em localidades. Estas localidades “apresentaram
incrementos em seus índices de desenvolvimento em virtude da existência de redes
sociais, de organizações voluntárias da sociedade civil e outras formas de
sociabilidade motivadas por emocionalidades cooperativas” (FRANCO, 2004).
Para Franco, a concepção de desenvolvimento compatível com a noção de
capital social é a de que desenvolvimento seria,
“um processo de mudança, regulado pelas redes sociais, que depende de
estímulos internos e externos, múltiplas interações entre alterações internas e
externas, aleatórias ou não, cujo propósito” é assegurar a conservação
dinâmica dessas próprias redes e, nessa medida, dos elementos que a
compõem” (FRANCO, 2004).
Para Rattner (2003), o conceito de capital social se justifica como um dos
pontos centrais na questão de desenvolvimento por considerar a questão do ser
humano como ator social, presente e atuante, além de considerar o espírito de
cooperação e os valores de apoio mútuo e solidariedade, como base na “eficiência
social coletiva”, privilegiando também a “contribuição da capital social e humano
para o desenvolvimento tecnológico, o aumento da produtividade e o próprio
crescimento da economia”.
Uma nova política social é concebida como condição indispensável para o
desenvolvimento sustentável, na qual o conceito de Capital Social ocupa um espaço
crescente, “devido à percepção de seus impactos na reformulação das práticas de
desenvolvimento”. (RATTNER, 2004).
Segundo Rattner, o capital social é um conceito inovador e contribui “para o
desenvolvimento tecnológico, o aumento da produtividade e o próprio crescimento
da economia” (2003, p. 2).
Conforme visto no capítulo anterior sobre gestão urbana e governança
comunitária, o tema sobre capital social é complexo e seus aspectos são bastante
81
diversos, pois permeia as áreas política, econômica e/ou social. No presente
capitulo, ênfase é dada à perspectiva de capital social como elemento dinamizador
do desenvolvimento econômico local.
Sob este enfoque, o capital social apareceu no estudo de Jane Jacobs, em
1961 sobre o fenômeno urbano, destacando o valor dos vínculos informais de
vizinhança para evitar a violência nas metrópoles.
De acordo com Franco, no final da década de 1950, Jane Jacobs estava
preocupada com um fenômeno que ocorria nas cidades americanas: enquanto
algumas pareciam “vivas”, outras pareciam estar “morrendo”. Em seu livro publicado
no início dos anos 60, Jacobs descobriu que nas cidades “vivas” sempre existiam
pessoas conectadas com pessoas, nos seus bairros e distritos, segundo um padrão
de rede, ocupadas com assuntos públicos. Estas redes foram chamadas por ela, de
capital social. Para a autora, a vitalidade das localidades americanas em termos de
desenvolvimento eram decorrentes do capital social (FRANCO, 2005).
Em 1977, Glenn Loury se refere ao capital social tratando de explicar o êxito
obtido por jovens no que se refere ao seu “capital humano”, ou seja, seus
conhecimentos e habilidades empregados no mercado de trabalho. Para o autor, o
capital social serve para indicar as redes de relações familiares e sociais que podem
aumentar o capital humano (TRIGILIA, 2003, p. 8).
Segundo Lima (2001), Glenn Loury “utiliza o conceito a partir de uma crítica
às teorias das desigualdades raciais e às políticas delas decorrentes nos EUA”. Para
Loury, o baixo capital social decorrente das limitadas redes sociais da população
negra caracterizada pela pobreza era o fator responsável pelo acesso diferenciado
aos bens materiais.
“as proibições legais contra a discriminação racial no emprego e a
implementação de programas de oportunidades iguais não eliminariam as
desigualdades. Primeiro, pelo environment em que vive a população negra,
caracterizada pela pobreza, que tenderia a reproduzir para as crianças as
limitadas oportunidades econômicas e culturais dos pais; segundo, pelas fracas
conexões dos jovens negros com o mercado de trabalho e falta de informação
sobre oportunidades” (LIMA, 2001).
Para Pizzorno, algum tempo, os limites entre o social e o econômico
foram desvanecendo e confundindo-se. Por um lado, a ciência econômica tem
anexado territórios tradicionalmente de domínio sociológico, tais como as relações
82
de família, de formação educacional entre outras, começando dessa forma, a usar,
por exemplo, o conceito de “capital humano” para designar a acumulação de
conhecimentos e habilidades com que um indivíduo contribui no processo produtivo
da riqueza. E, para explicar como se forma este processo, graças ao aporte das
relações sociais nas quais os indivíduos estão inseridos, se começou a usar a
expressão “capital social”, expressão esta que, por outro lado, havia sido introduzida
por um sociólogo, Pierre Bourdieu para designar os recursos que derivam da posse
por parte de um ator social, bem como de suas relações de mútuo conhecimento
(PIZZORNO, 2003, p. 20-21).
Em 1980, Pierre Bourdieu distingue o capital social do econômico e cultural,
dizendo tratar-se de redes de relações pessoais diretamente empregadas por
indivíduos para perseguir seus fins e melhorar sua posição social.
De acordo com a definição de Bourdieu:
“ o capital social é o conjunto de recursos atuais ou potenciais que estão
ligados à posse de uma rede durável de relações mais ou menos
institucionalizadas de interconhecimento e de inter-reconhecimento ou, em
outros termos, à vinculação a um grupo, como conjunto de agentes que não
somente são dotados de propriedades comuns (passíveis de serem percebidas
pelo observador, pelos outros ou por eles mesmos), mas também são unidos
por ligações permanentes e úteis”. (BOURDIEU, 1998, p. 67).
Segundo Ferrarezi (2003, p.9), Bourdieu preocupava-se com as iniqüidades
que o capital social associado a outros tipos de capital poderiam produzir, porém,
destacava também as vantagens que uma rede de relações poderia oferecer aos
indivíduos, como por exemplo, maiores chances de ascender e ter acesso ao capital
físico e humano, vasto campo de possibilidades para a vida social e incremento das
probabilidades de relacionamentos.
“o volume do capital social que um agente individual possui depende então da
extensão da rede de relações que ele pode efetivamente mobilizar e do volume
do capital (econômico, cultural ou simbólico) que é posse exclusiva de cada um
daqueles a quem está ligado” (BOURDIEU, 1998, p. 67).
Para Bourdieu, o capital social pode ser dividido em dois elementos: o
conjunto das próprias relações que permitiriam aos indivíduos reivindicar os recursos
comuns aos participantes e a quantidade e qualidade dos recursos. “Apesar do autor
enfatizar a intercambialidade das diferentes formas de capital (econômico, cultural e
83
social), o capital econômico (trabalho humano acumulado) seria a base dos outros
capitais” (LIMA, 2001).
Mark Granovetter foi o autor que mostrou a importância das redes sociais no
funcionamento do mercado de trabalho e nas formas de organização produtiva, sem
dirigir-se diretamente ao tema capital social, porém, mostra de maneira convincente
e inovadora como as redes influenciam nas possibilidades de encontrar trabalho.
Mais tarde, em 1985 estendeu sua perspectiva de investigação às atividades
produtivas, tendo como importante linha de análise econômica, uma explicação da
escolha entre hierarquia e mercado, baseada nos custos de transação. Granovetter
destacava como o capital social (rede de relações pessoais que ligavam os
empresários) pode permitir uma recuperação do mercado, inclusive na presença de
transações de risco, pois oferece um recurso crucial: a confiança. Para o autor, o
capital social influenciou as distintas formas de organização produtiva (TRIGILIA,
2003, p. 9).
Francis Fukuyama
10
define capital social como sendo “... a capacidade das
pessoas trabalharem em conjunto, em grupos e organizações que constituem a
sociedade civil, para a prossecução de causas comuns”. (1996, p. 21-22 apud
CUNHA 2000). De acordo com o autor, a relação entre confiança e desenvolvimento
é central, tendo em vista que ele procura mostrar que “uma das lições mais
importantes que podemos extrair de uma observação da vida econômica é a de que
o bem-estar de uma nação, bem como a sua capacidade de competir, são
condicionados por uma única e sutil característica cultural: o nível de confiança
inerente à sociedade em causa” (FUKUYAMA, 1996, p. 19 apud CUNHA, 2000).
Fukuyama como uma questão fundamental, a capacidade de associação
dos membros das diversas sociedades e comunidades, algo que “... depende do
grau de partilha de normas e valores no seio de comunidades e da capacidade
destas para subordinarem os interesses individuais aos interesses mais latos dos
grupos”, ou seja, depende fundamentalmente do grau de confiança dos membros de
uma comunidade entre si. Nesses termos, pode-se afirmar que “a confiança nasce
10
FUKUYAMA, Francis. Confiança, as Virtudes Sociais e a Criação da Prosperidade.
Rio de Janeiro: Rocco, 1996.
84
desta partilha de valores e tem um vasto e mensurável valor econômico
(FUKUYAMA, 1996, p. 22 apud CUNHA 2000).
Para ABU-EL-HAJ, citado por Cunha (2000), a capacidade de ação é
ampliada em situações em que a confiança permeia uma coletividade (ou
associação), facilitando a otimização do uso de recursos sócio-econômicos e
humanos disponíveis.
Coleman sugere que “o bem-estar de uma nação, bem como sua habilidade
para competir é condicionado por uma única característica cultural: o nível de
confiança inerente numa sociedade” (CATTANI, 2003, p. 28). Coleman destacou a
confiança como elemento-chave do capital social, confiança esta que maximiza suas
oportunidades sociais e econômicas, reduzindo os custos das transações entre os
indivíduos. Também destacou que, assim como o capital físico e humano, o capital
social sofre depreciação caso não seja permanentemente renovado.
“A criação, manutenção e destruição do capital social dependem fortemente de
elementos tais como “closure”, relações de confiança e proximidade existentes,
por exemplo, entre empresas que podem resultar em preços fixos em suas
relações comerciais, ou entre clientes de empresas que podem se organizar
para boicotar preços ou produtos. Um “capital” precioso seja na realização de
objetivos comuns, seja na defesa de grupos com menor poder econômico
contra grupos mais poderosos” (LIMA, 2001).
Como se pode constatar, as origens do conceito de capital social se colocam
no âmbito do estudo das atividades econômicas. Mais precisamente, se ligam ao
intento de mostrar como os fenômenos sociais condicionam o funcionamento da
economia. No entanto, há algo novo com respeito ao passado. Não se trata somente
de relevar a influência da sociedade através dos valores que orientam a ação
econômica, mas sim, a nova sociologia quer mostrar que as escolhas econômicas
não são influenciadas apenas pela disponibilidade dos recursos econômicos, mas
também, pela disponibilidade dos recursos sociais, em particular pelas redes de
relações sociais. (TRIGILIA, 2003, p. 10)
Ferrarezi diz que embora antigo, o conceito de capital social tem sido
renovado por alguns pesquisadores ao mesmo tempo em que é vigorosamente
criticado por outros. O tema representa um caro debate à sociologia e economia e,
por sua associação com políticas públicas de desenvolvimento e combate à pobreza,
85
tem merecido destaque na literatura nos anos recentes, além de receber incentivo
pelas agências multilaterais. Para a autora,
“foi a noção de capital social que popularizou o argumento de que a dimensão
social é um componente central na explicação do desenvolvimento econômico.
O argumento se fundamentava nas conseqüências do social sobre a economia,
isto é, os efeitos secundários derivados da interação das redes sociais e não
de ações de indivíduos em busca de interesse próprio” (FERRAREZI, 2003,
p.7)
Segundo Costa, “o capital social tem sido identificado como um componente
integral do desenvolvimento econômico e social, que molda a quantidade e a
qualidade das interações sociais de uma sociedade”. Para a autora, o termo “refere-
se aos laços de confiança, compromisso, vínculos de reciprocidade, cooperação e
solidariedade, capazes de estimular normas, contatos sociais e iniciativas de
pessoas para aumentar o desenvolvimento humano e econômico” (2003, p.154,155).
Para Valdivieso, o capital social é um conceito rico e que pode oferecer uma
boa base de apoio para enfrentar problemas da pobreza, indulgência, exclusão
social e déficits de cidadania democrática. Para o autor, existe uma sinergia entre
capital social, desenvolvimento socioeconômico e democracia, ou seja, quanto maior
o grau de confiança, coesão, interação e participação social, maior se o capital
social de uma sociedade e vice-versa. (VALDIVIESO, 2003, p. 21). O capital social
para o autor, se afirma como promissor instrumento de análise, sobretudo para o
estudo dos fenômenos econômicos (2003, p. 17).
Woolcock (apud AGUIAR, et al, 2003 p.2) destaca que o capital social
preenche a lacuna que separa as teorias sociais do desenvolvimento das teorias
econômicas, podendo ser utilizado como um fator de crescimento macroeconômico.
Para Woolcock, o conceito de capital social inclui tanto redes e relações sociais
como também aspectos psicológicos (habilidades sociais, cooperação, honestidade)
e medidas políticas (liberdade civil), o que permite que ele seja medido através do
grau de confiança e governança no âmbito nacional.
Após esta explanação sobre a importância do capital social, passa-se a
verificar mais um recurso de desenvolvimento econômico sustentável: as redes
sociais. O tema sobre redes sociais já teve sua contextualização efetuada no
capítulo 2 sobre gestão urbana e governança comunitária. Dessa forma, cabe aqui
esclarecer sua importância num contexto de desenvolvimento econômico
86
sustentável local. O tema inspirou o estudo empírico na comunidade do Cajuru,
demonstrada no capítulo 5.
Assim como o capital social, as redes sociais também são um tema complexo,
pois podem permear tanto o espaço econômico, quanto o político, acadêmico e
social. De acordo com os autores estudados, as redes sociais possuem um impacto
positivo nos processos da atividade econômica principalmente porque rompem os
princípios da hierarquia entre a empresa e o mercado.
Segundo Mance (2003), as redes locais de colaboração solidária, podem
viabilizar o processo de construção de uma alternativa viável à globalização. O autor
vê na implantação destas redes, uma estratégia para organização de uma sociedade
pós-capitalista, que se conecta de forma recíproca com as unidades de produção e
de consumo, permitindo a geração de emprego e renda, bem como o fortalecimento
da economia e do poder local.
A formação destas redes não possui regras. Cada uma se forma segundo a
realidade e as características intrínsecas a cada lugar. Quanto mais pessoas
participarem da rede e quanto maior a diversidade de produtos e serviços
comercializados, “maior é o crescimento da riqueza coletiva de todos” (MANCE,
2003, p. 84).
Para Mance, o principal objetivo das redes solidárias é:
“gerar trabalho e renda para as pessoas que estão desempregadas e
marginalizadas ou que desejem construir novas relações de produção, melhorar
o padrão de consumo de todos os que dela participam, proteger o meio ambiente
e construir uma nova sociedade em que não haja a exploração das pessoas ou a
degradação do equilíbrio ecológico” (2003, p. 81).
Mance explica que a rede de colaboração solidária é formada por grupos de
consumidores, de produtores e de prestadores de serviços. Organizados, todos se
propõem a praticar o consumo solidário, comprando produtos e serviços da própria
rede, com a intenção de garantir trabalho e renda aos seus componentes. Esta rede
se alimenta a partir do momento em que parte do excedente recebido com a venda
dos produtos e serviços é investida na própria rede, gerando mais cooperativas e
grupos de produção (2003, p. 81).
Para Villasante (2002, p. 210), algumas redes passam a ser “operativas
economicamente”, mostrando dessa forma, que “novos tempos estão começando a
87
se construir”. Para o autor, as redes de comércio ecológico, justo e solidário podem
não apresentar resultados significativos em termos econômicos “pois põem em
relação algumas pequenas produções com núcleos de poucos consumidores”,
porém, a importância destas redes é a sua “significação”, ou seja, ela representa
para os produtores e consumidores envolvidos uma forma alternativa e possível de
mercado.
Aos gestores locais, utilizar-se dos potenciais surgidos em meio às redes
sociais se traduz numa opção bastante atrativa devido à agilidade que pode ser
proporcionada na criação, implementação e gestão de políticas públicas que
considerem o desenvolvimento sustentável local.
As redes sociais possuem potencial para empoderar comunidades, agilizam
processos e, segundo Scherer-Warren (1993, p. 123), tornam-se espaços de
construção de novos modos de vida alternativa, onde o pluralismo de ideologias e
organizações existente nestas redes se transforma numa “expressão da construção
de um imaginário e de uma prática mais democrática e tolerante à diversidade
social, mas não à desigualdade, produto da exploração e da discriminação”.
Conforme dito anteriormente, as redes sociais não se apresentam como uma
panacéia aos problemas das comunidades locais, porém, se bem administradas e
atentas às armadilhas relacionadas à dominação e ao abuso de poder, possuem
uma importância fundamental no âmbito das comunidades locais, pois são capazes
de promover e disseminar a solidariedade, a confiança, a reciprocidade e induzir ao
capital social, ou seja, contribuir tanto para o aumento da eficiência quanto da
compreensão mútua nas comunidades, facilitando ações coletivas coordenadas.
Conforme visto até o presente momento neste capítulo, o desenvolvimento
sustentável possui várias dimensões, tais como sociais, econômicas, ambientais
entre outras. Focando sua dimensão econômica, fez-se um estudo sobre a
economia solidária, demonstrando seu potencial para contribuir para o
desenvolvimento sustentável local. Em seguida, destacaram-se os aspectos tanto do
capital social quanto das redes sociais, ligados diretamente ao desenvolvimento
econômico de uma comunidade.
88
A partir do próximo subitem este capítulo apresenta, de maneira sucinta,
algumas das iniciativas que a cidade de Curitiba adotou para promover o seu
desenvolvimento econômico local.
3.4 INICIATIVAS DE PROMOÇÃO DO DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO LOCAL
EM CURITIBA
11
Em seu processo histórico de desenvolvimento econômico, Curitiba utilizou-se
de diferentes estratégias. A primeira e uma das mais significativas foi a criação da
Cidade Industrial, seguindo um modelo mais tradicional de política econômica,
através de atração de empresas, principalmente internacionais, concedendo alguns
benefícios fiscais. Outras estratégias utilizadas, estas complementares, dizem
respeito ao fortalecimento das potencialidades endógenas, à diminuição da pobreza
e o aumento de renda da população. Estas estratégias complementares acabam por
vezes, a fomentar o capital social e o empoderamento das comunidades locais.
Curitiba, até a década de 1950 possuía um crescimento econômico da cidade
era bastante lento, atrelado ao ciclo de exploração e beneficiamento de produtos
naturais como a erva-mate e a madeira. A economia da cidade era desconectada do
mercado nacional e do surto de desenvolvimento agrícola-cafeeiro do Norte do
Paraná. Porém, nos anos 60, acontece a preparação institucional e da infra-estutura
para industrialização.
Na década seguinte cria-se a Cidade Industrial de Curitiba, com o objetivo
principal de reorientar a economia do município, como sendo o primeiro conjunto de
iniciativas da Prefeitura para apoiar o processo de industrialização. A Cidade
Industrial inicialmente foi gerida pela Companhia de Urbanização de Curitiba –
URBS e mais tarde, denominou-se CIC Companhia de Desenvolvimento de
Curitiba.
Nesse mesmo período, surge o parque industrial na região de Curitiba,
estendendo-se pelos municípios limítrofes, enfatizando-se dessa forma o fenômeno
11
Este item baseou-se em dois principais trabalhos. O primeiro foi a monografia escrita pela autora desta dissertação, no ano
de 2000, intitulada: Uma Análise de Competitividade do Setor Turístico de Negócios em Curitiba na Década de 90. O segundo
foi: CURITIBA S.A; UniFAE: Desenvolvimento Econômico em Curitiba: Perfil, Tendências e Territorialidade. Curitiba, 2005.
89
da metropolização. Incentivou-se então, durante a década de 90, com o apoio do
governo estadual, a vinda de diversas indústrias multinacionais, principalmente do
ramo automotivo para se instalar na região metropolitana, como medida de
modernização econômica e de geração de emprego e renda. A industrialização se
tornou a base para o acelerado crescimento econômico da Região Metropolitana,
com ênfase na indústria automotiva
12
.
Em 1996, criou-se o Parque de Software, um espaço dentro da cidade
industrial, composto por 23 lotes que variam entre 2.700 a 5.600m² cada. Neste
espaço existe a exclusividade de instalação de empresas da área de tecnologia de
software, tendo como concepção, propiciar maior produtividade a todo o conjunto de
empreendimentos.
A partir de 2000, com a incorporação das funções da Secretaria Municipal da
Indústria, Corcio e Turismo, extinta na reestruturação da Prefeitura, a Companhia
de Desenvolvimento de Curitiba redimensionou sua atuação nas áreas industrial,
comercial, de serviços e turismo. Em 2005, com o foco no desenvolvimento
econômico e empresarial, passou a ser denominada Companhia de
Desenvolvimento de Curitiba CURITIBA S.A., deixando de atuar na área de
turismo, já que para esta atividade criou-se o Instituto Municipal de Turismo.
Atualmente Curitiba possui uma economia bastante diversificada atraindo
inúmeros investimentos, tais como a subsidiária brasileira da Microsoft, grupo
Multiplan, a Kraft Foods, o pólo de exportação da Siemens (maior multinacional na
área de comunicação corporativa), o centro mundial de desenvolvimento de
tecnologia do HSBC, entre outros.
De acordo com a Revista Exame, entre as 100 melhores cidades para fazer
negócios no Brasil, Curitiba ficou em lugar durante três anos seguidos: 2000,
2001 e 2002. Segundo a edição especial da revista América Economia de 2006,
Curitiba ocupa a colocação entre as melhores cidades para investir na América
12
O pólo automotivo, que começou a se formar nos anos 70, com a vinda da New Holland, fabricante de colheitadeiras e
tratores agrícolas, e da Volvo, sendo incorporado ao pólo, as montadoras Renault, Volks/Audi e uma constelação de
fornecedores diretos globais, com destaque para a Tritec motores, a Detroit Diesel, a Renault motores, a Dana Corporation, a
Lear Corporation, a Siemens e a Bertrand Faure, além da Companhia Siderúrgica Nacional (LOURENÇO, 2000 p. 58).
90
Latina
13
e a colocação entre as melhores cidades brasileiras, ficando atrás
somente de São Paulo.
Para a prefeitura, o desenvolvimento sustentável forma-se a partir de tripés,
envolvendo as áreas: social, econômica e ambiental, conforme ilustração a seguir.
FIGURA 01 – TRIPÉ DE DESENVOLVIMENTO
FONTE: IPPUC/SETOR DE MONITORAÇÃO
A partir de 1997 a Prefeitura Municipal de Curitiba lança um programa
denominado “Linhão do Emprego”. Tratava-se da primeira iniciativa onde
identificava-se uma vinculação estreita entre os objetivos sociais e econômicos,
buscando fomentar atividades econômicas nas comunidades tradicionalmente
negligenciadas pela ação pública.
Este programa incentivava a geração de emprego, trabalho e renda, a
geração de oportunidades para os micro e pequenos estabelecimentos aliado à
melhoria da infra-estrutura urbana, implantação de equipamentos cias e a
melhoria da qualidade de vida da população (CIC/IPPUC, 2004, p. 19).
Foi definida a implantação de 10 pólos de atuação do programa, distribuídos
na área sul de Curitiba. Cada pólo era dotado de infra-estrutura, equipamentos e
atividades próprias de Programa e serviriam de indutores “do desenvolvimento das
13
Rrevista América Economia, publicada em maio de 2006, edição Especial Cidades 2006, que tem como título "A Cidade
Inovadora".
91
economias comunitárias através de micro e pequenos empreendimentos,
promovendo a integração da população, desenvolvimento empresarial e
comercialização dos produtos” (CIC/IPPUC, 2004, p. 21).
Em cada pólo foram construídas incubadoras empresariais que abrigavam
empresas selecionadas e, entre outros objetivos, estimulavam a criação de novos
investimentos.
Este projeto teve “altos e baixos” referentes à sua administração durante as
duas gestões passadas do prefeito Cássio Taniguchi. Hoje ele está sendo
totalmente remodelado e passa a se chamar “Parque de Incubadoras”.
Este novo programa tem como objetivos principais, promover o
desenvolvimento empresarial, oferecer espaço e condições adequadas à instalação
de novos empreendimentos industriais, facilitar o apoio institucional ente outros.
Segundo o plano de governo da atual gestão do prefeito Beto Richa, no que
diz respeito ao desenvolvimento econômico, são priorizados os setores de
tecnologia, turismo, bem como são incentivados os micro e pequenos empresários.
Os principais programas e projetos destinados a dar conta de tais prioridades, além
do já citado Parque de Incubadoras Empresariais, segundo a Curitiba S.A
14
. são:
Bom Negócio: Promoção do desenvolvimento econômico em
comunidades carentes; capacitação de empreendedores formais e/ou
informais;
Revitalização da CIC: Reestruturação da CIC para viabilizar melhores
condições de funcionamento;
Curitiba Tecnoparque: Atração de empresas de base tecnológica e
projetos de inovação;
Curitiba Exporta: Disseminação da cultura exportadora para micro e
pequenos empreendedores;
ISS Tecnológico: Incentivo a empresas prestadoras de serviços para
aplicação do desenvolvimento da atividade empresarial;
Microcrédito: Facilitação do acesso ao crédito para micro e pequenos
empreendedores, a custos subsidiados;
14
Maiores detalhes sobre os programas: www.curitibasa.com.br
92
Profissão Empresário: Facilitação do processo de formalização de
micro e pequenas empresas;
Programa Municipal de Design: Promoção e aumento da
competitividade das empresas através da adoção do design como
ferramenta estratégica;
Parque de Software: Oferecimento de espaços para implantação de
empresas de software.
Após esta rápida explanação sobre os atuais programas da área econômica
do município, a presente dissertação relata uma das iniciativas da Prefeitura de
Curitiba relacionada ao desenvolvimento sustentável local, que diz respeito à
tentativa de criação de um pólo de confecções na comunidade do Cajuru. Ressalta-
se que, além desta iniciativa, no capítulo 5 é relatada uma segunda iniciativa, esta
relacionada à atividade do artesanato, também na comunidade do Cajuru.
Na época da pesquisa para o presente trabalho, a administração municipal de
Curitiba utilizava uma ferramenta estratégica que norteava todas as ações de
desenvolvimento comunitário que era o Modelo Curitiba de Colaboração. As
premissas do modelo (melhor explicadas no capítulo 5), faziam com que os
cidadãos entendessem que eram responsáveis pela qualidade de vida de sua
região. Eles se tornavam co-responsáveis pelas ações implementadas em suas
comunidades.
A escolha do Cajuru como “laboratório” para o Modelo Curitiba de
Colaboração devia-se a dois principais fatores: em 1998 (início da implantação do
Modelo) era a região que apresentava a realidade mais complexa em termos de
intervenção urbana, além de possuir a maior concentração de áreas de invasão da
cidade.
A primeira medida tomada com relação ao desenvolvimento comunitário do
Cajuru, diretamente ligada à geração de trabalho e renda, foi efetuar uma pesquisa,
pois, de acordo com entrevista realizada em setembro de 2004 com o então
Superintendente da FAS, Ari Ricardo Arantes, o primeiro passo para se trabalhar
com desenvolvimento local é ter claro os seguintes itens: 1º) conhecimento da
realidade local; ) levantamento das potencialidades e habilidades; 3º)
estabelecimento de um foco econômico.
Esta pesquisa foi realizada em conjunto com a Fundação Brasil e os
moradores locais, tendo como processo indutor desta ação, o Modelo Colaborativo.
93
À Fundação Brasil coube o papel de formular os questionários, fazer o treinamento
dos pesquisadores, a coleta e os relatórios da pesquisa.
De posse do resultado, que teve como principal potencialidade local a
atividade econômica da “confecção”, montou-se um projeto de viabilidade econômica
tendo como responsáveis, a FAS e a Fundação Brasil. A intenção do poder blico
municipal era transformar o Cajuru num Pólo de Confecção do Município.
Porém, para que tal projeto tivesse sucesso, de acordo com Arantes, o poder
público não poderia ser o gestor, pois, “queira ou não”, quando o poder público é
gestor de uma ação, a cultura de assistencialismo e de dependência por parte da
população seria presente. Outro ponto limitador era o de que o poder público não
dispunha de equipe e fôlego suficiente para tal pretensão. Sendo assim, neste
momento houve a necessidade de se ter uma instituição que ficasse responsável
pelo papel de gerir o projeto, fazer todo o trabalho de orientação, treinamento,
contatos com iniciativas privadas, pesquisa e monitoramento constante do mercado
para fins de escoamento da produção.
Neste momento, surgiu uma instituição do Terceiro Setor, denominada
“Empreendedores de Sonhos”, que possuía um projeto de desenvolvimento local,
com experiência em outras cidades brasileiras e que se dispôs a trabalhar no projeto
e acabou por preencher a lacuna que se fazia presente. A Comunidade
Empreendedores de Sonhos - CES – constituía-se uma OSCIP que atuava em
quatro estados brasileiros, com projetos de geração de trabalho e renda para jovens
em situação de risco e jovens universitários. Na época (início do ano de 2004), de
acordo com informações da Empreendedores de Sonhos, geravam em média 2.150
empregos por ano, distribuídos em uma rede de 380 pequenas empresas que
atuavam em 9 setores da economia (design, informática, agricultura orgânica,
turismo, artesanato, indústria cultural, confecção, serviços e reciclagem). Todos os
seus produtos possuíam um selo “Teia de Luz”, o que conferia qualidade ao produto.
Em Curitiba, a prioridade da CES passou a ser a criação de um “Cluster
Social”, ou seja, a “articulação de uma rede de pequenas empresas dentro da
vocação das comunidades, que se complementam no processo de produção,
comercialização e gestão, como o objetivo de reinserir jovens em situação de risco
94
social com o apoio de jovens universitários, tendo como premissa a articulação do
Desenvolvimento Local”. (CLUSTER SOCIAL TEIA DE LUZ, 2004).
Ficou então, a cargo da CES, o papel de selecionar, capacitar e treinar os
empreendedores (que necessariamente tinham de ser os moradores locais), bem
como fazer a articulação com o mercado no sentido de escoar a produção de forma
lucrativa e eficaz. O trabalho na comunidade do Cajuru foi iniciado em fevereiro de
2004. Desta forma, utilizou-se de uma das incubadoras do antigo programa Linhão
do Emprego (já citado anteriormente), que foi denominada “Incubadora de
Confecção e Moda Jovem”, administrada pela CES, onde além de abrigar um
espaço aos jovens empreendedores locais por um período determinado, foi montada
uma cooperativa de costureiras, também de moradoras locais, que, através de um
trabalho compartilhado e em rede com os empreendedores, iniciaram as atividades.
A intenção era, após o início dos trabalhos, expandir as atividades
econômicas ligadas ao ramo de confecção, tais como desenho, costura, design, etc,
para toda a região do bairro, envolvendo cada vez mais os moradores que
apresentem interesse, tanto na área de produção como de comercialização. A
incubadora era apenas um embrião necessário para iniciar a estrutura do “Cluster
Social”.
Esta era uma das iniciativas de desenvolvimento econômico onde o poder
público tinha o papel principal de articulação de todo o processo com a comunidade,
o mercado e o terceiro setor, porém, não exercia mais um papel de assistencialismo,
com o qual as comunidades estavam acostumadas, ranço de um processo de
gestão pública arcaica.
A Incubadora de Confecção e Moda Jovem, localizada no Cajuru seria a
âncora de todo o processo. Neste projeto, num período de quatro anos, a intenção
era de criar 20 empresas de confecção e moda, com aproximadamente 8 jovens por
empresa, gerando 160 postos de trabalho diretos. Segundo o relatório de
desempenho apresentado pela CES, inscreveram-se 32 jovens e destes, 30 foram
selecionados. Deste conjunto, formaram-se 10 empresas com 3 jovens
empreendedores cada. Houveram capacitações dirigidas para os futuros
empresários na área de desenho técnico, moda e estilismo, de empreendedorismo,
95
e planos de negócios, de gestão financeira, de informática, de micro-crédito, além da
realização de diversas palestras e workshops.
Após a capacitação dos empreendedores, iniciou-se a elaboração dos planos
das empresas com o apoio de 10 alunos do MBA da Fundação Getúlio Vargas e 20
alunos de administração da PUC-PR. Com o apoio de uma estilista contratada pela
CES e mais 5 estudantes voluntários do curso de design da UFPR foram
desenvolvidas as logomarcas das empresas bem como as primeiras peças de suas
coleções.
Os empreendedores foram apresentados, com a ajuda da CES para duas
grandes varejistas do PR (que não tiveram seus nomes citados no relatório), das
quais 3 empresas tiveram algumas peças vendidas além de receber “dicas” e
conselhos destas varejistas para as próximas produções.
A experiência foi divulgada em diversos eventos nacionais e internacionais,
tais como feiras, fóruns e seminários. Porém, com o decorrer de todo o processo,
alguns empreendedores foram desistindo. Numa entrevista realizada com um
psicólogo da FAS, em junho de 2005, ele explicou que houve problemas de
relacionamento entre empreendedores selecionados, tanto entre os que abriram
suas empresas quanto entre as costureiras.
Fazia parte da metodologia da CES deixar os empreendedores “livres” para
gerenciar suas empresas após o processo de orientação e capacitação, com o
intuito de não gerar dependência por parte dos empreendedores. Porém, no início
de suas atividades práticas, os problemas de gestão foram surgindo. Assim como
com qualquer empresa que se inicia, o retorno financeiro é lento e até então, eles
não haviam conseguido acesso ao micro-crédito devido à burocracia bancária.
Alguns empreendedores começaram a se ausentar durante o dia e isto
começou a gerar “fofocas” e confusões no grupo. Havia, de acordo com o
entrevistado, claramente a necessidade de um gerente que organizasse o processo,
mas a CES não concordava com a idéia, pois, para a Comunidade Empreendedores
de Sonhos, para se tornar um verdadeiro empresário deveria-se passar por estas
dificuldades e administrá-las por conta própria.
Após 2 meses de trabalho, restavam apenas 3 empresas funcionando. Neste
momento houve a intervenção da Prefeitura (com os devidos cuidados para não
96
invadir o espaço da CES), disponibilizando 2 psicólogos que iniciaram um processo
de gestão de conflitos em grupo. Porém, de acordo com o entrevistado, que fez
parte deste processo, já era tarde demais. Não havia muito mais o que ser feito, pois
restavam pouquíssimas pessoas ainda trabalhando no barracão. Segundo o
entrevistado os principais problemas apontados que impediram o bom
funcionamento da iniciativa foram:
- auto-gestão prematura para empreendedores de baixa renda e baixa
escolaridade;
- falta de planejamento na área de gestão de pessoas;
- pressão familiar, ou seja, a família às quais os jovens empreendedores
pertenciam pressionavam para que se obtivesse lucro, mas esse processo era lento
e a necessidade de dinheiro era imediata. Sendo assim, muitos desistiam de esperar
e voltavam a seus empregos anteriores, tais como pedreiros, por exemplo, pois por
mais que o salário fosse baixo, ele era garantido todo mês.
- falta de micro-crédito, apontada como causa “fatal” para a não continuação
das atividades.
Apesar de todas as dificuldades, ainda tentou-se continuar os trabalhos,
focando principalmente a cooperativa de costureiras. Porém, mesmo assim houve
problemas com liderança, disputa de egos, renovações de contrato, entre outros.
Dessa forma, houve a dissolução total dos trabalhos e o barracão fechou.
Esta experiência mostra a dificuldade em se consolidar uma iniciativa de
desenvolvimento econômico local sustentável. Por se tratarem de experiências ainda
recentes, todos os atores que estiverem envolvidos neste processo devem
amadurecer. Não se trata de um trabalho de assistencialismo, mas sim, de um
trabalho que precisa estar enraizado em todos os atores envolvidos, principalmente
na população local para que ele realmente surta efeitos positivos.
Verificou-se neste capítulo que a Prefeitura de Curitiba, no sentido de
fomentar o seu desenvolvimento econômico utiliza-se de estratégias diversas, tanto
tradicionais, tais como a atração de novos investimentos como também, estratégias
que visam fortalecer o empresariado local, com destaque aos micro e pequenos
empresários.
97
Porém, a gestão destas iniciativas deve ser cada vez mais compartilhada,
visando à criação do capital social, o empoderamento e as redes sociais, afim de
atingir o real desenvolvimento econômico sustentável local.
98
4. ANÁLISE DE REDES SOCIAIS
Após a contextualização sobre o tema de redes, efetuada no item 2.4.2,
através do qual demonstrou-se a importância desta nova configuração social, na
busca do desenvolvimento sustentável para as comunidades locais, o presente item
aborda os aspectos metodológicos de sua análise.
Isto significa que redes sociais ou comunitárias, tendo elas um caráter mais
formal ou informal, podem ser analisadas, permitindo identificar sua estrutura e
compreender os processos e as condicionantes da sua formação.
Vale ressaltar que, além de abordar questões sobre a importância, as
diferentes concepções e as características diversas dos métodos de análise de
redes sociais, este item também serve de base conceitual e metodológica para o
estudo de caso, apresentado no capítulo 5.
4.1 OS DIFERENTES PARADIGMAS ACERCA DAS ANÁLISES DE REDES
SOCIAIS
A análise de redes sociais representa uma abordagem teórico-metodológica
que tem sido utilizada de forma cada vez mais acentuada nas ciências sociais. Ela
permite entender uma rede social não por sua dimensão estrutural, mas também
pelo processo histórico de sua formação. Diante das expectativas de que as redes
sociais podem se constituir num fenômeno que possam vir a promover o
desenvolvimento sustentável local, um melhor entendimento do seu funcionamento é
necessário para que se possa conhecer suas potencialidades, possíveis deficiências
e limites.
Em primeiro lugar é importante esclarecer que, quando se trata de análise de
redes sociais, existem dois paradigmas distintos. Um refere-se à análise da estrutura
e o outro, à análise dos processos históricos das redes.
Scherer-Warren (2005, p. 32) explica que, “em seus primórdios, os
procedimentos para a análise das redes sociais eram predominantemente
nomotéticos”, isto é, buscava-se descobrir e descrever padrões da estrutura social
99
nas leis gerais, a exemplo da física, da matemática e das ciências naturais. Iniciava-
se então, “o uso e técnicas investigativas advindas das ciências exatas, como a
sociometria e a teoria de grafos”. Segundo a autora, esta é uma tendência que ainda
predomina na abordagem internacionalmente conhecida como social network
analysis (SNA), que neste estudo denomina-se como Análise de Redes Sociais
(ARS).
Os principais autores internacionais adeptos a esta perspectiva de análise e
que são utilizados neste trabalho são Wasserman & Faust (1997) e Hanneman
(2005).
No Brasil, poucas são as experiências que se utilizam da ARS. Um dos
primeiros pesquisadores brasileiros a se dedicar a estes estudos é Eduardo
Marques. O autor faz um estudo empírico inovador no que diz respeito ao papel e ao
método de análise da estrutura das redes sociais para examinar os padrões de ação
estatal e de sua interação com a sociedade. As experiências ocorreram em São
Paulo e no Rio de Janeiro, onde Marques estudou as políticas urbanas e sua inter-
relação com atores e elementos internos e externos ao Estado, tais como políticos,
empresas privadas e órgãos representativos da comunidade. (MARQUES, 2003).
Tradicionalmente, no Brasil predominam as análises de redes sociais que
dizem respeito ao segundo paradigma definido por Scherer-Warren, ou seja, o
paradigma das análises dos processos históricos das redes sociais.
Como exemplo de autores nacionais, pode-se citar Loyola & Moura (1997),
que tiveram seus estudos utilizados neste trabalho no capítulo anterior, Mance
(2003), etc. e, como exemplo de autores internacionais que também se utilizam da
perspectiva histórica da análise de redes sociais, cita-se Villasante (2002), Castells
(1999), entre outros.
As análises dos processos históricos das redes sociais são definidas como
“abordagens idiográficas (estudos etnográficos e históricos)”, de acordo com
Scherer-Warren (2005, p. 32). Segundo a autora, os estudos históricos sobre as
redes passaram a ser importantes na medida em que contribuem para a
investigação e o entendimento da dinâmica dos movimentos sociais no mundo
contemporâneo (2005, p. 45).
100
Em síntese, tanto a perspectiva estrutural quanto a perspectiva histórica sobre
as redes sociais o igualmente importantes. Cada uma delas contribui, a seu modo
para o entendimento da dinâmica das redes sociais e, normalmente, são utilizadas
de forma cruzada na pesquisa (SCHERER-WARREN, 2005, p. 46 e 32).
No estudo empírico realizado neste trabalho, o questionário foi dividido em
duas partes, justamente para que fosse possível analisar a rede sob os dois
enfoques, ou seja, entender sua estrutura e, ao mesmo tempo identificar e
caracterizar os atributos inerentes à sua realidade histórica.
Com relação à perspectiva estrutural, procurou-se analisar no estudo
empírico, os tipos de ligações existentes entre os sujeitos que compõem a rede de
colaboração, ou seja, questões como a confiança, a reciprocidade, as relações de
poder, a fragmentação, a densidade entre outras. Tais questões foram abordadas,
porque se acredita que elas são essenciais para a formação do capital social,
atributo fundamental para a formação de comunidades locais sustentáveis e a
consolidação de novas formas de governança.
Sendo assim, o estudo empírico em sua relação com a perspectiva estrutural
procura desvendar se a rede de colaboração formada através da comissão do
artesanato na comunidade do Cajuru, realmente se apresenta como uma estrutura
capaz de induzir ao capital social, bem como a uma comunidade local sustentável,
tendo como foco principal averiguar a capacidade das redes de colaboração
identificadas na geração de trabalho e renda.
No que tange à perspectiva histórica, o estudo empírico visa dar luz às
“variáveis atributivas”, ou seja, focaliza tanto o relacionamento entre os integrantes
da rede, que pode ser do tipo parentesco, amizade, classe social, etc., quanto a
natureza da criação da rede, isto é, analisa os processos evolutivos e as razões
motivadoras à construção da rede.
A seguir, este capítulo se detém ao estudo relacionado à perspectiva
estrutural da análise de redes sociais, o que servirá de alicerce quando da
apresentação dos resultados do estudo empírico. Porém, antes, faz-se necessário
apresentar a discussão sobre a importância da análise das redes sociais, sob a ótica
de alguns autores.
101
4.2 IMPORTÂNCIA E CARACTERÍSTICAS DA ANÁLISE ESTRUTURAL DAS
REDES SOCIAIS
Para Marteleto, “a análise de redes pode ser aplicada no estudo de diferentes
situações e questões sociais”, além de estabelecer um “novo paradigma na pesquisa
sobre a estrutura social” (2001, p. 72).
De uma maneira ampla, segundo Marques (2003, p. 153), “as redes
estruturam a vida cotidiana e, a análise desta “estruturação” permite identificar
inúmeros fenômenos sociais e políticos, sob a ótica da “relação entre indivíduos,
grupos e organizações presentes em uma dada esfera da sociedade (e do Estado)”.
Marques parte do pressuposto de que os diversos padrões que constituem as
redes e estão em constante transformação podem ser reproduzidos analiticamente
e, dessa forma, pode-se entender a “sua influência sobre vários fenômenos sociais e
políticos” além de, também, poder influenciar diversos processos (2003, p. 153).
A importância da análise de redes é vista por alguns autores, principalmente
pela característica de facilitar o estudo e identificar a relação do indivíduo com a
estrutura, com o grupo.
Para Frey et al, a característica mais determinante da análise de redes sociais
é o “foco no relacionamento”.
Segundo Frey et al,
“a análise de redes sociais inclui métodos e modelos para a análise das
informações que descrevem os relacionamentos em estruturas sociais, e parte
do pressuposto fundamental que as relações existentes entre os atores
influenciam o processo social, isto é, atrela-se relevância à estrutura das redes
como elemento explicativo dos processos de organização social” (2005, p. 10).
Hanneman & Riddle (2005) também partilham da idéia de que a análise de
redes sociais tem como foco a estrutura social da rede como um todo e não mais o
indivíduo, analisado individualmente. Os autores atribuem à analise de rede o papel
de examinar as formas através das quais os indivíduos se conectam à rede, bem
como verificar as distâncias entre eles, ou seja, “a textura” das relações sociais, que
pode ser entendida, analisada, quantificada e desenhada.
Na realidade, os todos de análise de redes sociais vêm sendo criados por
pesquisadores que, buscando descrever fenômenos sociais empíricos, tiveram
alguns insights motivados por conceitos fundamentais da teoria social, fundados em
102
conceitos matemáticos, “de propriedades estruturais de redes envolvendo atores,
grupos e subgrupos de atores”. (FREY et al, 2005, p. 11).
Antes de apresentar algumas das principais características da ARS na
perspectiva estrutural, é importante fazer um resgate do conceito de rede social
entendido para fins deste trabalho: considera-se uma rede como um conjunto de nós
relacionados entre si que trabalham em conjunto, em prol de um ou mais objetivos
em comum.
Resgatado o conceito, parte-se então para a apresentação das características
da ARS. Baseando-se em Wasserman (1997), segue uma lista de alguns dos
principais conceitos utilizados em análise de redes sociais:
Atores: entidades sociais que estão conectadas na rede, também
denominados como “nós”;
Relação: conjunto de ligações de um tipo específico entre os membros de um
grupo;
Ligação relacional: ligações sociais pelas quais os atores estão conectados
entre si: as redes se formam justamente pelas relações que podem ser de
trabalho, de amizade, familiar, biológicas, de vizinhos, de associações
formais, entre outras;
Díade: um par de atores e as possíveis ligações entre eles;
Tríade: um subconjunto de três atores e as possíveis ligações entre eles.
Subgrupo: um subconjunto de atores e as possíveis ligações entre eles.
Grupo: um conjunto finito de indivíduos sobre os quais as medidas de rede
são aplicadas.
Para poder ser adequadamente analisada, uma rede precisa de um número
finito de atores. Dependendo dos objetivos da pesquisa, pode-se entrevistar todo o
conjunto de atores ou então, optar por um método de amostragem. Muitas vezes,
pelo fato das redes constituírem-se como estruturas bastante dinâmicas, o processo
para selecionar um conjunto de atores a serem investigados torna-se uma tarefa
complicada. Por se tratar de um sistema aberto, atores podem “ir e vir” e a sua exata
quantidade é de difícil identificação. Normalmente, para se chegar a uma definição
da rede, baseia-se na freqüência relativa das interações ou na intensidade das
ligações entre os atores envolvidos. Neste caso, é possível distinguir duas
103
abordagens: a realística, na qual os limites do conjunto de atores são determinados
pelos próprios atores integrantes da rede e; a nominalista, na qual os limites
baseiam-se nas preocupações teóricas do pesquisador.
Sendo assim, a formação do conjunto de atores depende dos aspectos
práticos e teóricos próprios da pesquisa. No caso de estudos onde o limite de atores
é desconhecido, existem algumas técnicas para se definir a amostra; dentre elas,
uma das mais utilizadas é a “snowball method” ou, “método bola de neve”. Nele
inicia-se a pesquisa com um conjunto de atores, e, através destes, os demais
componentes são rastreados. Outra técnica de definição de amostragem é o “ego-
centric networks” ou, “redes ego-centradas”. Neste método, após identificados os
nós focais (egos), identifica-se com quais outros nós, denominados de “alter”, os
egos estão ligados.
A pesquisa empírica junto aos atores envolvidos pode ser efetuada de duas
maneiras. A primeira, denominada “lista completa”, requer a organização prévia de
uma lista completa com todos os membros integrantes da rede antes de iniciar a
coleta de dados; a segunda, denominada lembrança livre, prevê que o pesquisador
não apresenta uma lista fechada de atores aos pesquisados, deixando que as
respostas sejam livres e espontâneas (WASSERMAN & FAUST, 1997, p. 19).
Após identificado o conjunto de nós ou atores, inicia-se a pesquisa com os
integrantes da rede com o intuito de identificar, principalmente, os tipos de relações
existentes entre os componentes da rede, bem como os principais atributos que
caracterizam os mesmos. Quais tipos de relações devem ser levados em
consideração na pesquisa depende das características do problema a ser estudado
pelo pesquisador e dos pressupostos teórico-conceituais. No caso desta pesquisa,
optou-se por estudar as relações de colaboração, confiança e a comunicação entre
os integrantes da rede.
Depois de realizado o levantamento empírico dos dados em campo, pode-se
então passar para a etapa da análise das redes levantadas. Para a análise estrutural
de redes, recorremos ao software mais utilizados em ARS, o Ucinet, que permite
uma análise apurada de redes, baseada em medidas estruturais e em
representações gráficas das redes com suas inter-relações. Dentre o universo
possível de medidas, foram selecionadas algumas consideradas mais propícias e
104
condizentes com a realidade da rede social pesquisada e com os objetivos da
pesquisa, quais sejam:
Centralidade:
É um dos atributos estruturais que indica quais são os atores que estão
extensivamente envolvidos em relações com outros atores. Marteleto (2001, p. 76)
explica que um alto grau de centralidade não significa que o ator tenha maior
número de contatos diretos, mas sim que tenha uma posição estratégica favorável
na rede.
Conforme este raciocínio, a centralidade pode ser medida sob vários
aspectos; entre eles é possível distinguir:
centralidade baseada em graus – degree centrality: número de elos nos
quais o está envolvido; índice de exposição do ator aos fluxos na
rede; pode ser interpretado como a oportunidade de influenciar e ser
influenciado;
centralidade baseada em intermediação – betweenness centrality
mede quão freqüente um nó encontra-se no menor caminho entre
qualquer outro par de s; indica o potencial do ator de funcionar como
um controlador ou facilitador de fluxo entre atores; interpretado como o
poder de acesso aos fluxos diversos da rede.
Para Marteleto, a centralidade de intermediação
“é o potencial daqueles que servem de intermediários. Calcula o quanto um
ator atua como ”ponte”, facilitando o fluxo de informação em uma determinada
rede. Um sujeito pode não ter muitos contatos, estabelecer elos fracos, mas ter
uma importância fundamental na mediação das trocas. O papel de mediador
traz em si a marca do poder de controlar as informações que circulam na rede
e o trajeto que elas podem percorrer” (2001, p. 79).
Ainda de acordo com Marteleto a centralidade traz consigo a idéia de poder:
“quanto mais central é um indivíduo, mais bem posicionado ele está em relação às
trocas e à comunicação, o que aumenta seu poder na rede”.
105
No caso de um estudo empírico, a medida da centralidade permite entender e
saber quem são os atores mais centrais, por exemplo, os atores mais “estratégicos”
da rede de colaboração de artesanato da comunidade do Cajuru.
Densidade:
Significa caracterizar toda a população segundo todas as suas possibilidades
de ligações entre os nós, ou de modo mais preciso, é o número de enlaces dividido
pelo número máximo de enlaces possíveis no grafo.
Quanto maior a densidade da rede, maior o número de ligações entre os
atores envolvidos. Uma das conseqüências de uma alta densidade pode ser, por
exemplo, a comunicação ao longo da rede torna-se mais eficiente, assim como a
difusão de normas, valores e informações entre todos os atores que a compõem.
Quanto maior for a densidade, maior a coesão, ou seja, maior a integração
entre os atores e maior também a facilidade de efetivar ações coletivas na rede. A
medida da densidade permite, portanto, avaliar o grau de entrosamento entre os
integrantes da rede de colaboração e o grau de coesão entre eles. Este resultado
reflete na facilidade ou não da efetivação das ações desenvolvidas e das decisões
tomadas de forma coletiva.
Reciprocidade:
Mede a bilateralidade dos elos, ou seja, relações mútuas, seja no que diz
respeito à confiança, ao fluxo informacional ou ao simples reconhecimento. Quanto
maior o grau de reciprocidade, mais os atores estão interagindo entre si e maior o
equilíbrio nas relações da rede.
As medidas descritas são algumas das medidas possíveis de rede. Como
foi dito, o leque de opções é muito maior. Porém, explorar todas as opções possíveis
de medidas de análise de redes, neste trabalho, não se configura como foco. O
importante é contemplar aquelas medidas de maior relevância analítica para a
compreensão dos processos interativos na rede de colaboração, formada a partir da
comissão de artesanato da comunidade do Cajuru, ou seja, medidas que mostrem
como estão os níveis de centralidade, reciprocidade, união, entre outros aspectos
relevantes, no âmbito da colaboração e da solidariedade comunitária.
106
5. ESTUDOS DE CASO
Este capítulo apresenta os resultados da pesquisa empírica sobre a adoção
do modelo colaborativo em projetos de geração de trabalho e renda na cidade de
Curitiba, na comunidade do Cajuru, tendo como foco central o trabalho em rede.
Porém, anterior à apresentação destes resultados, são tratados alguns outros
aspectos de relevância para a compreensão do caso em estudo. Em primeiro lugar,
apresenta-se o Modelo Colaborativo de Curitiba. Em segundo lugar faz-se uma
descrição do local onde se efetuou a pesquisa. A partir desta fase, explicam-se os
procedimentos metodológicos gerais e faz-se a apresentação dos resultados. Esta
apresentação do levantamento empírico é feita em duas partes: a primeira,
denominada como análise histórico-interpretativa e a segunda, denominada análise
estrutural. Antes da análise estrutural, mais uma vez fala-se dos procedimentos
metodológicos, porém, desta vez, eles são específicos à análise estrutural.
5.1 A EXPERIÊNCIA DO MODELO COLABORATIVO DE CURITIBA
15
O Modelo Colaborativo, de acordo com a Prefeitura Municipal de Curitiba,
significa “uma nova metodologia de trabalho comunitário”, através do qual, o
desenvolvimento social das comunidades tem seus alicerces baseados na parceria
entre governo, iniciativa privada e sociedade civil (PMC, 2002, p. 8).
Segundo a Prefeitura (PMC, 2002 e PMC, s.a.), o Modelo Curitiba de
Colaboração se traduz como sendo uma metodologia de envolvimento comunitário
no desenvolvimento dos projetos previstos no plano de governo municipal,
possibilitando um novo caminho com relação à participação da comunidade local nos
processos decisórios de gestãoblica, tendo como objetivo fundamental alcançar a
sustentabilidade local. O Modelo Colaborativo, conforme a Prefeitura, representa
uma nova opção de atuação conjunta da sociedade civil, do poder público e da
15
Este sub-capítulo foi baseado no artigo: FREY, K; OLIVEIRA, J. A. A mobilização do conhecimento local
para a gestão urbana: o potencial das novas tecnologias da informação e comunicação. 2004. In: JACOBI, P.;
FERREIRA, L. C. Diálogos em ambiente e sociedade no Brasil. São Paulo: ANPPAS, Annablume, 2006.
107
iniciativa privada, revelando um potencial para fundamentar um novo modelo de
governança urbana.
O primeiro contato com o conceito de Modelo Colaborativo em Curitiba
aconteceu em 1998, a partir de uma iniciativa do Conselho da Comunidade Solidária
e da Agência de Cooperação Canadense (CIDA), envolvendo também a
organização canadense United Way of Canada-Centraide Canada (UWC-CC) e o
Grupo de Estudos do Terceiro Setor (GETS) de São Paulo.
A primeira atividade concreta para início do modelo de gestão comunitária em
Curitiba, baseado na metodologia canadense aconteceu em julho de 1999, tendo
como foco das ações, a Regional do Cajuru, onde formou-se um Grupo de
Colaboração composto por representantes da sociedade civil organizada, governo e
comunidade. Este grupo desempenhou o papel de facilitador entre os vários setores
no fomento às iniciativas de trabalho integrado e colaborativo e estava encarregado
da necessária adaptação da metodologia canadense para a realidade da
comunidade local.
O Cajuru foi escolhido como “laboratório” para a implantação do Modelo
Colaborativo por ser, na época, a região que apresentava a realidade mais complexa
e mais carente em termos de intervenção urbana, além de possuir a maior
concentração de áreas de invasão da cidade.
Segundo a Prefeitura, o Modelo tem como objetivo principal desenvolver o
conceito de mudança da comunidade pela própria comunidade, ou seja,
conscientizar as pessoas de que elas próprias são agentes de mudança na sua
região. Um ponto de partida é recorrer ao conhecimento local na identificação de
necessidades e de potencialidades locais existentes. Trata-se, principalmente, de
quebrar o paradigma de que as ações governamentais devem chegar prontas e
serem implantadas na comunidade, assim como tornar a população co-responsável
pelas ações a serem implementadas em sua região. Com isso o projeto se baseia no
princípio da participação, de um lado, e na divisão de responsabilidades entre
comunidade e governo, de outro.
Busca-se por parte da Prefeitura "uma mudança de cultura nas pessoas,
quebrando o paradigma de uma situação atual de dependência e clientelismo da
comunidade com relação ao poder público para uma situação ideal de co-
108
responsabilidade e cidadania no desenvolvimento de ações para a melhoria das
condições de vida da comunidade" (PMC,s.a., p.13).
QUADRO 03 – MUDANÇA DE PARADIGMA DO MODELO COLABORATIVO
DE PARA
DEFICIÊNCIAS CAPACIDADES
Foco sobre problemas e dificuldades Foco sobre as habilidades e potencialidades
PERITOS COMUNIDADE
Prevalece a opinião técnica Prevalece o saber da comunidade
PODER SOBRE PODER COMPARTILHADO
a comunidade com a comunidade
PROCESSO DECISÓRIO CENTRALIZADO PROCESSO DECISÓRIO COMPARTILHADO
RECURSOS OFERTADOS VÊM DE FORA RECURSOS ESTÃO NA COMUNIDADE
DEPENDÊNCIA E CLIENTELISMO CORRESPONSABILIDADE E CIDADANIA
MUDANÇA DE PARADIGMA
FONTE: PREFEITURA MUNICIPAL DE CURITIBA, 2002.
O processo colaborativo é alicerçado num tripé composto por grandes grupos
de ações nas áreas (1) da mobilização, (2) da conscientização/participação e (3) do
desenvolvimento de projetos e ações comunitárias. Estes grupos de ações visam
estabelecer um processo interativo, dinâmico e constante. O Modelo Curitiba de
Colaboração é desenvolvido por grupos específicos que possuem a seguinte
estrutura básica:
Grupo de Coordenação: é o elo de ligação entre os diversos grupos e
atividades, respondendo pela gestão gerencial;
Grupo de Colaboração: tem o objetivo de propor práticas sobre temas
relacionados ao desenvolvimento comunitário e colaboração;
Grupos de Trabalhos Temáticos: Desenvolve estudos e atividades
essenciais do Modelo Colaborativo;
Grupos de Colaboração Local: desenvolve e multiplica a metodologia e
as ações junto com a comunidade.
109
As ações de mobilização iniciam o processo colaborativo e tem como objetivo
principal garantir a participação efetiva da população. Essas ações subdividem-se
em ações específicas, quais sejam:
1) identificação das lideranças e entidades envolvidas;
2) validação das lideranças identificadas;
3) envolvimento das lideranças no processo;
4) mobilização da população.
As ações de conscientização e participação são responsáveis por
desenvolver o conceito de mudança da comunidade pela própria comunidade. Além
desta expectativa, tem-se como objetivo, a criação de uma rede de atores sociais
que promove ações comunitárias, cuja auto-sustentabilidade é buscada por meio da
participação.
A criação desta rede é um dos motivos principais pela adoção de perspectiva
de rede como referencial analítico desta pesquisa. Além deste objetivo, três outros
princípios norteiam, segundo a Prefeitura Municipal de Curitiba (2002), o trabalho
colaborativo: empowerment, segurança e participação.
A experiência inaugural do Modelo Colaborativo foi o projeto Operação Cajuru
que se iniciou no ano 2000 com recursos do BNDES. Representa uma grande
intervenção no processo de urbanização, visando a recuperação ambiental e
promoção social na área do Cajuru. Tendo como objetivo principal o
desenvolvimento social e econômico sustentável, a Prefeitura se propôs a "refletir e
agir de forma colaborativa na comunidade, estimular o desenvolvimento das
lideranças locais, conectar as pessoas, grupos e áreas para usar as suas
capacidades, propor projetos e ações, sugerindo inclusive a necessidade e o
funcionamento de alguns equipamentos sociais" (PMC, s.a., p.20).
Foram criados grupos de ações de melhoria de infra-estrutura, de geração de
trabalho e renda, de melhoria dos indicadores de saúde e outros fatores que
pudessem melhorar a qualidade de vida da comunidade. Entre outras ações, foi
realizado um mapeamento dos talentos, recursos e habilidades da comunidade,
além do mapeamento de suas necessidades. Este mapeamento das necessidades e
potencialidades foi considerado um dos principais instrumentos para orientar os
passos subseqüentes, a saber, a definição dos eixos de atuação para intervenção
110
na comunidade, o desenvolvimento de um plano de ações comunitárias, envolvendo
técnicas de mediação como a concepção do “estacionamento de idéias” para
levantar possíveis soluções. Finalmente, o mapa de recursos se revelou fundamental
para o desenvolvimento dos projetos, por exemplo, para identificar potenciais
parceiros e financiadores ou para definir os papéis de cada um dos envolvidos no
desenvolvimento do projeto. Um ponto fundamental para o êxito da experiência,
conforme a Prefeitura, foi o comprometimento da administração municipal com o
projeto e sua cooperação na busca da viabilização dos projetos e ações propostas.
O princípio da colaboração se estendeu para além do desenvolvimento do processo
de colaboração, incluindo a própria avaliação da experiência participativa,
principalmente a avaliação do processo colaborativo, o desenvolvimento e aplicação
de indicadores de sucesso e a mensuração e avaliação dos resultados alcançados.
Um dos resultados do mapeamento a respeito das necessidades locais foi a
necessidade de criação de fontes de trabalho e renda para a população, tema que
se tornou objeto específico desta pesquisa. Diagnosticada esta necessidade latente,
várias ações foram pensadas, tendo como objetivo principal diminuir o número de
pessoas sem trabalho, bem como de aumentar a renda de pessoas que estivessem
dispostas a participar do programa.
Além das iniciativas na área de trabalho e renda, esta metodologia de
desenvolvimento comunitário abrange diversos segmentos da ação pública, tais
como saúde, educação, habitação, esporte, lazer, entre outras.
Seu gerenciamento é executado pela Fundação de Ação Social - FAS e pelo
Instituto Municipal de Administração Pública - IMAP.
5.2 DESCRIÇÃO DO LOCAL
A Regional do Cajuru compreende cinco bairros: Capão da Imbuia, Cajuru,
Jardim das Américas, Guabirotuba e Uberaba. O Cajuru é o bairro que concentra a
maior parte dos territórios pesquisados, juntamente com o Uberaba. A figura 02
ilustra a regional e seus bairros componentes.
111
FIGURA 02 – ILUSTRAÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO REGIONAL CAJURU
A Regional Cajuru possui 195.742 habitantes, o que representa 12,33%, da
população total de Curitiba, (IPPUC, 2005). Dos bairros integrantes da regional, o
que mais se destaca em número de população é o Cajuru, sendo 89.784 habitantes,
o terceiro bairro mais populoso da cidade (IPPUC, 2005).
112
Com relação à renda, o bairro Jardim das Américas apresenta uma renda
média entre 15 a 20 salários mínimos, o bairro Guabirotuba de 10 a 15 salários
mínimos e o Cajuru, Capão da Imbuia e Uberaba apresentam uma renda média
entre 5 e 10 salários mínimos. Sabe-se que, muitas vezes, a renda média acaba por
mascarar as disparidades na distribuição da renda total (IPPUC, 2005). Na figura 03,
mostra-se a distribuição da renda na Regional do Cajuru.
FIGURA 03 ILUSTRAÇÃO DA RENDA POR SETOR CENSITÁRIO NA
ADMINISTRAÇÃO REGIONAL CAJURU
113
A figura 04 indica as áreas de ocupações irregulares na Administração
Regional do Cajuru. Os grupos pesquisados, os quais compuseram a rede de
colaboração estudada no capítulo 5, concentram-se principalmente nas regiões:
Autódromo, Trindade, São Domingos, Acrópolis, Yasmin, Vila Audi e Vila União.
FIGURA 04 ILUSTRAÇÃO DAS ÁREAS EM OCUPAÇÕES IRREGULARES NA
ADMINISTRAÇÃO REGIONAL CAJURU
Comparando com o mapa anterior, percebe-se que as áreas estudadas
encontram-se na faixa de renda média entre 0 a 3 salários mínimos. Estas regiões
114
possuem uma situação social bastante complicada, por isso são considerados
territórios priorizados para as ações públicas. Na figura a seguir, mostra-se um
resumo dos principais problemas da região que são principalmente, a violência, o
uso de drogas e a subabitação.
FIGURA 05 ILUSTRAÇÃO DAS ÁREAS DE OCUPAÇÃO IRREGULAR NA
ADMINISTRAÇÃO REGIONAL CAJURU E SEUS PRINCIPAIS PROBLEMAS
A partir de agora, passa-se a analisar o estudo de caso que se refere à
formação da rede de colaboração de artesanato com vistas à geração de trabalho e
115
renda na comunidade do Cajuru, focando o desenvolvimento sustentável local, tendo
como princípio básico e norteador, o Modelo Colaborativo.
5.3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
O início do estudo deu-se através de entrevistas informais no decorrer do ano
de 2004, com os superintendentes do IMAP e da FAS, bem como com alguns dos
responsáveis pela implantação do Modelo Colaborativo na Regional Cajuru. Nestas
reuniões foi explicado o funcionamento do Modelo Colaborativo na região, além de
discutir sobre suas fraquezas e suas potencialidades, identificando-se iniciativas
referentes à geração de trabalho e renda, entre outras.
Durante o ano de 2005, sucederam-se outras entrevistas exploratórias com os
responsáveis da administração do Modelo Colaborativo na Regional Cajuru. Através
destas entrevistas, obteve-se informações da maioria das iniciativas, nos mais
diversos assuntos tratados no âmbito do Modelo, tais como geração de trabalho e
renda, habitação, saúde, lazer entre outros.
Como o presente estudo tem por finalidade destacar o aspecto econômico do
desenvolvimento sustentável, procurou-se focar nas atividades relacionadas ao
tema. Identificou-se que, em cada território existem diversos grupos que
desenvolvem atividades de geração de trabalho e renda, tais como: artesanato,
manicuro, reciclagem etc.
Um dos destaques na área de geração de trabalho e renda é a experiência
que ocorre num dos territórios denominado como “Iraí”. Neste território existe um dos
barracões empresariais da PMC, onde os coletores de lixo, de forma coletiva, estão
aprendendo e avançando nas técnicas de produção de materiais reciclados e, até o
término do levantamento empírico, eles estavam se capacitando para montar uma
cooperativa de reciclagem de lixo, que, segundo representantes da FAS, tem como
eixo norteador de estruturação e relacionamento, os princípios que regem o Modelo
Colaborativo.
Outro destaque é no setor de artesanato que se configura como uma das
iniciativas mais bem estruturadas na área de geração de trabalho e renda, a ponto,
116
inclusive, de ter uma comissão que coordena os grupos e as ações desenvolvidas
no âmbito do Modelo Colaborativo. Esta foi, então, a experiência escolhida para o
estudo, que teve como período de pesquisa de campo, os meses de junho a agosto
de 2005.
Além do grau de amadurecimento de tal experiência também foi levado em
conta, o fato de que ela abrange não apenas um, mas sim, três territórios priorizados
pela Regional Cajuru, quais sejam: Território Operação Cajuru, Autódromo e
Lotiguassu (junção dos territórios Iraí e Audi). Territórios priorizados, segundo
responsáveis da Regional, significam locais onde as ações públicas são mais
emergenciais por possuírem uma situação social “mais grave” que os demais locais.
Na figura 05, pode-se verificar a localização e a situação destes territórios.
Após a escolha da atividade a ser investigada, decidiu-se que a rede social a
ser analisada seria dos representantes dos grupos que faziam parte da “comissão”
de artesanato. Esta comissão foi formada por representantes dos grupos de
colaboração que exercem atividades colaborativas de produção de artesanato.
Existem alguns grupos de colaboração que produzem artesanato, porém, não se
dispõem a trabalhar de forma conjunta com outros grupos, não fazendo parte então,
da referida comissão. No período da pesquisa, os grupos que compunham a
comissão eram cinco: Grupo Guerreiras pela Vida, Grupo Autódromo, Grupo Iraí,
Grupo Santos Inocentes e Grupo Acrópole.
Em quase todos os territórios existe um local específico, que funciona como
uma sede descentralizada da FAS, chamada de “Casa da Comunidade” ou “Casa da
Família”. Nestas casas acontecem diversas atividades direcionadas à população
local, em todas as áreas de atuação com as quais o Modelo Colaborativo se propõe
a trabalhar: saúde, educação, cultura, geração de renda, etc. Estes espaços, de uso
exclusivo da comunidade, são utilizados de acordo com as necessidades locais.
Inclusive, é neles que acontecem os cursos de treinamento e a produção do
artesanato de maneira coletiva. Nos territórios em que ainda não foi possível instalar
uma “Casa da Comunidade”, estas atividades acontecem em outros espaços
coletivos existentes na comunidade, tais como capelas, etc.
Uma vez sendo a comissão de artesanato objeto de estudo para a formação
da rede de colaboração, o início da pesquisa aconteceu numa das reuniões da
117
comissão. Esta comissão era formada apenas pelos representantes de cada grupo
(além da responsável técnica, integrante da FAS). Como critério de escolha dos
atores para a formação da rede de colaboração a ser pesquisada definiu-se que
cada representante dos grupos participantes da comissão seria um dos atores
iniciais da rede, o que totalizava sete atores. A partir desta definição, e, no sentido
de ampliar os atores que seriam considerados membros participantes da rede de
colaboração, cada um dos representantes pesquisados indicou quem eram as
pessoas com quem eles mais se relacionavam, de maneira colaborativa, para
execução dos trabalhos relacionados ao artesanato. Não havia um limite de número
de pessoas para serem citadas por cada um dos representantes. Porém, para que o
universo da pesquisa não ficasse muito grande e inviável de ser estudado, das
pessoas citadas foram consideradas apenas as que faziam parte de um dos grupos
que compunham a comissão. Diversas outras pessoas foram citadas, pois para a
efetivação dos trabalhos de geração de renda através da atividade do artesanato,
estavam envolvidos líderes comunitários, pastores, padres, diretores de escolas, etc.
Depois de realizadas as entrevistas com os sete representantes de grupos,
partiu-se para a pesquisa das pessoas citadas pelos mesmos (obedecendo os
critérios de seleção, ou seja, apenas os citados que participavam de um dos cinco
grupos pertencentes à comissão de artesanato). Estas pesquisas seguintes foram
realizadas, normalmente, durante as reuniões de cada grupo.
O princípio utilizado para a identificação da rede foi o relacionamento de maior
contato, ou seja, para delimitar o conjunto de atores componentes da rede,
perguntava-se quais eram as outras pessoas com quem as representantes dos
grupos possuíam uma relação de maior contato, levando em consideração as
práticas de trabalho e colaboração para a produção do artesanato.
Desta investigação, formou-se um universo de 43 integrantes (39 mulheres e
4 homens) que foram entrevistados individualmente. Porém, para a primeira etapa
da pesquisa, a que corresponde à análise qualitativa de uma perspectiva histórico-
interpretativa, o universo foi de apenas 40 pessoas. Esta diferença deve-se ao fato
de que dois entrevistados não participavam das reuniões do Modelo Colaborativo e,
dessa forma, não poderiam responder a esta parte da pesquisa. Porém, mesmo não
participando das reuniões do Modelo, (já que exercem funções de secretárias nas
118
casas da comunidade) foram citadas porque se destacam como referência no
processo de geração de trabalho e renda. Além disto, mais um entrevistado não
estava com tempo disponível para responder a pesquisa inteira e preferiu responder
apenas a segunda etapa que diz respeito à parte da análise estrutural da rede.
Do total dos 43 entrevistados, 17, ou seja, 39% são ligados a FAS. São
funcionários que trabalham na Regional do Cajuru, ou exercendo funções gerenciais
no âmbito do Modelo, ou trabalhando diretamente com os grupos, nas casas da
comunidade, como psicólogos, assistentes sociais ou educadores.
Na pesquisa realizada, a opção foi pelo critério de lembrança livre por se
tratar de uma rede informal e por não existir uma listagem prévia e completa dos
atores envolvidos. Os mesmos foram identificados no decorrer da pesquisa, no
momento em que as representantes indicavam as pessoas com as quais possuíam
contato direto e que foram lembradas no momento da entrevista.
Quando comparada à estrutura e às divisões de campos de redes propostas
por Loyola & Moura (1997), inicialmente, é possível dizer que a rede de colaboração
de artesanato da comunidade de Cajuru faz parte diretamente do campo das
relações interpessoais, que seu surgimento se deve a interesses compartilhados,
é informal, tem como base relações de solidariedade, trabalhos coletivos, baseados
na confiança e na colaboração, possuindo como finalidade comum a melhoria da
qualidade de vida da comunidade, de maneira sustentável.
De forma secundária, permeia o campo dos movimentos sociais por ter
ligações com associações, sindicatos e ONGS. Insere-se, no entanto, também no
campo do Estado devido ao fato de ser composta e articulada por alguns
funcionários da Prefeitura ligados à FAS, além de ter surgido de um modelo de
gestão participativo, o Modelo Colaborativo, proposto pelo governo municipal.
Finalmente, está igualmente ligada ao campo dos negócios, pois se consolida
como uma rede que tem como objetivo produzir e vender produtos de artesanato de
maneira colaborativa. Tanto o processo de produção quanto o processo de venda
são intrínsecos ao mercado e é neste mercado, ou seja, no campo dos negócios que
a rede deve se firmar para que possa se prospectar, se dinamizar, de maneira a
abranger uma fatia cada vez maior da comunidade, realizando seus objetivos
119
principais que são a geração de renda e o desenvolvimento local de forma
sustentável.
Ao apresentar características das mais diversas formas de redes,
desempenhando um certo papel de intermediação entre estas fundamentais áreas
de ação social, a rede de colaboração apresenta um caso privilegiado para o estudo
das potencialidades e limites da estrutura organizacional da rede na busca de um
desenvolvimento mais sustentável.
5.4 APRESENTAÇÃO DOS RESULTADOS ANÁLISE HISTÓRICO-
INTERPRETATIVA
A partir de agora se apresentam os resultados do levantamento empírico
realizado, ou seja, a pesquisa da rede de colaboração da comissão de artesanato. A
primeira análise refere-se à sua formação histórica e a segunda, que setratada na
seqüência, à sua formação estrutural. Os levantamentos estão baseados em
entrevistas realizadas com os principais atores envolvidos na rede colaboração e de
documentos produzidos sobre a experiência do Modelo Colaborativo de Curitiba.
5.4.1 Processo Histórico da Formação da Rede de Colaboração de Artesanato
De acordo com a PMC (2000), o Modelo Colaborativo iniciou na comunidade
do Cajuru tendo como objetivo principal criar um espaço de participação aos
moradores da região. Segundo um estudo anteriormente realizado, denominado
“Decidindo Curitiba”, a Administração Regional do Cajuru foi apontada como a área
mais necessitada de intervenções públicas.
“Na Administração Regional do Cajuru e especificamente no trecho de Área de
Preservação Ambiental do Iguaçu APA Iguaçu, localizado dentro dessa
Regional, evidenciaram-se de modo exemplar todos os processos de fenômeno
da “EROSÃO SOCIAL”. O risco, a insalubridade, a degradação, o isolamento e
o transtorno atingem brutalmente esta área da cidade quanto ao meio
ambiente, aos indivíduos e grupos, a habitabilidade, a propriedade e a
qualidade de vida urbana” (PMC, 2000, p. 5).
120
Desta forma, a Prefeitura propôs a “Operação Cajuru”, um conjunto de obras
que visava “uma intervenção multisetorial, alocando os equipamentos sociais
necessários, as obras de infra-estrutura de caráter estruturante e a integração com
outros Projetos” da então gestão municipal, com vistas a “atender às necessidades
da população local, ao mesmo tempo em que estabelece novas referências
comunitárias” (PMC, 2000, p. 6).
O Modelo Colaborativo foi concebido como um instrumento de participação
através do qual a população decide junto com os técnicos da Prefeitura quais as
obras que deveriam ser efetuadas de maneira prioritária na região. A partir daí,
iniciou-se a experiência do Modelo com toda a comunidade, que aprendeu, segundo
a Prefeitura, a olhar o que a região possuía de bom, quais as potencialidades tanto
da região, quanto pessoais, etc. Daí em diante, o Modelo foi se consolidando, as
ações foram se espraiando, os assuntos foram sendo ampliados e os grupos de
colaboração se multiplicando.
Sendo assim, dentre os assuntos tratados, a geração de trabalho e renda
também teve um espaço significativo. Aconteciam então, alguns cursos em diversas
áreas, entre elas a do artesanato. Foram destas reuniões e destes cursos que
nasceu a rede de colaboração de artesanato. No início, vários de seus integrantes
reuniam-se para aprender alguma atividade artesanal através da qual eles
pudessem se distrair e se reunir para conversar uma ou duas vezes por semana.
Neste aspecto cada grupo de colaboração possuía uma realidade diferente. O grupo
“Guerreiras pela Vida”, por exemplo, foi formado por mulheres que, inicialmente
sofriam de depressão e viam no artesanato uma forma de “terapia”.
Com o passar do tempo, os participantes aprenderam diversas cnicas de
artesanato. Os cursos são ministrados principalmente pelos próprios integrantes dos
grupos e compõem uma enorme diversidade de produtos: de crochê, de tricô,
sabonetes, velas, chaveiros, biscuit, patchwork, pinturas em pano de prato, etc. Além
de produzir para si, acabavam ficando com alguns produtos excedentes. A partir daí,
tiveram a idéia de vender estes produtos que eram produzidos em conjunto durante
os cursos, e iniciaram o processo de produzir uma quantidade maior, a cada
encontro e depois, vendê-los. Deu-se início ao trabalho em rede, com a intenção,
agora sim, de geração de renda.
121
O sistema de produção e venda se constitui da seguinte forma: cada grupo de
colaboração local produz o seu artesanato. Estes produtos são vendidos em
diversos pontos. Um dos pontos fixos é o Armazém das Artes, localizado no centro
de Curitiba, no qual a comissão possui um stand onde os produtos ficam expostos e
são vendidos. Para a venda neste stand, existe uma escala diária de pessoas
integrantes da rede que se disponibilizam vendê-las. Outro local fixo de venda é a
“feirinha do Largo da Ordem”, que acontece aos domingos, também no centro da
cidade. O sistema de venda e divisão do dinheiro funciona da mesma maneira
explicada acima. Em ambos os casos, o dinheiro obtido com as vendas é separado e
repassado para cada grupo de onde se originaram os produtos vendidos. Deste
total, uma porcentagem é separada para pagar o aluguel do stand, outra para
comprar material e o restante é dividido entre as “artesãs”.
Além dos pontos fixos de venda, existem diversos outros pontos ocasionais,
tais como feiras temáticas que acontecem em toda a cidade, feiras eventuais na
própria comunidade, além de lojas de artesanato localizadas na própria comunidade
onde os proprietários cedem lugares para os produtos ficarem expostos.
Este sistema de produção e venda colaborativa vem se consolidando a partir
do ano de 2005. Na verdade, segundo os artesãos entrevistados, eles ainda não
podem contar com uma renda mensal estável e suficiente, porém, todos afirmam
que a tendência é a renda melhorar daqui em diante, já que se sentem mais
preparados, estão aprendendo técnicas de venda, de aperfeiçoamento da qualidade,
de empreendedorismo, etc.
A seguir, apresentam-se os principais resultados da pesquisa empírica, sob o
ângulo histórico-interpretativo. Tais resultados foram obtidos a partir do questionário
aplicado que se encontra em anexo.
5.4.2 Tempo de Participação no Modelo Colaborativo
Uma das primeiras questões abordadas dizia respeito ao tempo em que os
entrevistados participam dos encontros do Modelo Colaborativo.
122
Conforme se apresenta no gráfico I, constatou-se que 10% participam
cinco anos (desde o início do Modelo), 25% participam três anos e o mesmo
percentual, o equivalente a 10 pessoas participam dois anos. 27,50% participam
um ano e 12,5% participam há menos de um ano, o que contabiliza seis pessoas.
Verifica-se que mais da metade dos entrevistados (60%), participam do Modelo a
mais de dois anos. Este resultado demonstra que existe uma experiência
consolidada, um tempo de maturação suficiente para dar suporte à estrutura atual.
GRÁFICO 01: TEMPO DE PARTICIPAÇÃO NO MODELO COLABORATIVO DOS
INTEGRANTES DA REDE DE COLABORAÇÃO DO ARTESANATO
5 anos
10,00%
2 anos
25,00%
1 ano
27,50%
6 meses
12,50%
3 anos
25,00%
FONTE: ENTREVISTAS DE CAMPO.
5.4.3 Formas de “Descoberta” das Ações de Geração de Renda do Modelo
Colaborativo
Para identificar a maneira como os integrantes ficaram sabendo sobre as
ações de geração de renda do Modelo Colaborativo (pergunta direcionada apenas
aos integrantes moradores da comunidade, excluindo os integrantes da FAS),
26,09% responderam que foi através de amigos, 17,37% souberam através das
assistentes sociais da FAS. Formas diversas tais como: através das Casas da
Comunidade, membros da família, agentes de saúde, integrantes do Modelo, ficaram
123
empatados com 8,7% cada, ou seja, cada opção foi citada por duas pessoas. A
opção “outras formas” foi citada por 21,74% dos entrevistados.
Pode-se constatar então que, a divulgação por parte da Prefeitura (FAS,
Casas da Comunidade, Assistentes Sociais, Agentes de Saúde) não é a forma
predominante de divulgação das iniciativas, e sim, o que predomina são as relações
de amizade entre os moradores locais, que vão divulgando entre si as ações do
Modelo Colaborativo, revelando a importância da existência de redes de confiança
prévias para o êxito de projetos governamentais de promoção de redes de
colaboração.
5.4.4 Avaliação dos Encontros do Modelo Colaborativo
No sentido de avaliar a percepção dos participantes com relação aos
encontros do Modelo, no que tange às ações de geração de renda (reuniões,
debates e trabalhos em grupo), tendo como opções as variáveis: ótimos, bons,
fracos, ruins; obteve-se os seguintes resultados: como mostra o gráfico 2, 42,50%
consideram que os mesmos são ótimos, 45% consideram bons, 5% acham fracos e
três pessoas (7,5%) não responderam.
Verifica-se que os índices de “ótimo” e “bom” são bastante altos se
comparados com o índice “fraco”. Nota-se também que nenhum integrante da rede
respondeu que os encontros são ruins. Portanto, é possível concluir que existe em
geral uma boa aceitação da forma como estão realizados os encontros, as reuniões,
enfim, as formas de coordenação entre os participantes.
124
GRÁFICO 02: OPINIÃO SOBRE OS ENCONTROS DO MODELO COLABORATIVO
NAS AÇÕES DE GERAÇÃO DE TRABALHO E RENDA
ótimo
43%
bom
44%
fraco
5%
não
responderam
8%
FONTE: ENTREVISTAS DE CAMPO
5.4.5 A Participação nas Iniciativas de Geração de Renda no Modelo Colaborativo
Perguntou-se sobre a real oportunidade de participação nas iniciativas de
geração de renda, através do Modelo, bem como, sobre a oportunidade de contribuir
no planejamento e na elaboração do Programa através de idéias e ações. A
pesquisa mostrou que, 100% dos que responderam disseram que sim, que
realmente existe esta oportunidade efetiva de participação. Destes, 4 entrevistados
disseram que, apesar deste espaço, a participação é fraca, pois as pessoas ainda
não estão acostumadas a se valer deste tipo de oportunidade e muitas ainda muito
mais ouvem do que contribuem com idéias e opiniões.
Ouvindo os relatos dos integrantes da rede, conclui-se então que o processo
de participação se de uma forma lenta; por mais que exista o espaço, precisa
antes haver um tempo para aprendizagem e também de assimilação da idéia de que
as pessoas podem e devem participar.
125
5.4.6 Efetividade das Ações do Modelo Colaborativo
Para saber se as ações do Modelo possuem efetividade na comunidade do
Cajuru como um todo, foi perguntado se ele realmente era efetivo em suas
iniciativas. Três entrevistados (7,5%) não responderam exatamente sobre a
efetividade, apenas disseram achar excelente, ótimo ou muito bom.
Quatorze pessoas, o equivalente a 35% do total dos entrevistados
responderam que as ações do Modelo o efetivas. Dentre os motivos citados para
justificar a efetividade, destacam-se, nas palavras dos próprios entrevistados, os
seguintes:
Pessoas são ajudadas e aprendem com isto;
As pessoas aprendem a produzir algo e já estão ganhando dinheiro
com o que produzem;
Há espaço para reuniões, debates e trabalhos conjuntos;
A parceria que se criou entre os diversos órgãos da Prefeitura é muito
importante e faz com que as coisas realmente aconteçam na grande
maioria das vezes;
O trabalho intersetorial é importante, ele agiliza o processo e traz
grandes avanços;
Fortaleceram-se os vínculos comunitários;
Aproximação das lideranças locais com o poder público;
Ajuda a comunidade a olhar para si como capaz de se transformar pelo
próprio esforço e não apenas ficar esperando que as melhorias
venham do poder público;
Aconteceram muitas melhorias na comunidade;
As pessoas se unem e tornam-se amigos;
Dinamiza outros projetos além do artesanato;
Decisão em conjunto sobre o que deve ser feito na comunidade;
Ajuda na conscientização da comunidade;
A competição que havia antes da implantação no Modelo na
comunidade ficou de lado;
É abrangente e possibilita oportunidade para todos;
126
Do total dos entrevistados, oito (20%) consideram as ações do Modelo
Colaborativo boas, efetivas ou positivas. Quatro deles (10%), consideram as ações
boas, porém, vêem o processo como sendo lento, precisando avançar. A falta de
interesse por parte das pessoas foi identificada como o motivo principal para os
limites do modelo. Outros 10% alegaram uma falta de efetividade do Modelo, dos
entrevistados identificaram a falta de divulgação do Programa na comunidade como
principal obstáculo para sua efetivação e efetividade.
Entre os quatro entrevistados (10%), que alegaram uma falta de efetividade
do Modelo foram levantadas as seguintes limitações do modelo:
inexistência de geração de renda;
processo é muito inconstante;
muito do que foi solicitado não foi atendido pela Prefeitura.
Não parece haver, portanto uma crítica geral ao processo participativo
introduzido pela prefeitura, mas sim a uma falta de continuidade ou constância do
mesmo, ao passo que as críticas mais relevantes se referem aos resultados das
ações em termos de geração de renda e material proporcionado pela Prefeitura, o
que demonstra a importância de melhorias concretas para a legitimidade de um
modelo de participação comunitária.
Três pessoas não souberam ou não quiseram responder a pergunta.
De forma geral, verifica-se que a maioria considera o Modelo como sendo
efetivo em suas ações, porém que ele precisa de melhorias, pois 20% dos
entrevistados o o consideram efetivo e este é um percentual significativo. Sendo
assim, se faz necessário uma maior divulgação e estratégias governamentais
capazes de contribuir para o aumento do interesse por parte da comunidade em
participar das ações e tornar esta ferramenta realmente efetiva no âmbito do
desenvolvimento comunitário sustentável.
127
5.4.7 Mudanças no Modelo Colaborativo após a troca de Prefeito
O Modelo Colaborativo iniciou-se na gestão anterior à do atual prefeito Beto
Richa, no ano de 1998, com o ex-prefeito Cássio Taniguchi. Dessa forma, foi
perguntado se os entrevistados sentiram mudanças no andamento das ações, após
a troca de governo. Vinte e oito pesquisados (70%), disseram não ter notado
diferença alguma na maneira de gerir o Modelo Colaborativo e suas ações, por parte
da Prefeitura.
Quatro pessoas (10%), responderam ter notado diferença negativa. Elas
referem-se ao envio das matérias-primas, por parte da FAS, para a fabricação dos
produtos. Afirmam que existe um atraso e uma falta de matéria-prima que está
atrapalhando o processo de produção.
Outras duas (5%), também notaram uma diferença negativa por parte das
chefias da Prefeitura. Antes, segundo elas, as chefias eram mais empenhadas e a
participação era maior. uma pessoa (2,5%) notou uma diferença positiva,
alegando que atualmente a exigência voltada para resultados é maior por parte da
Prefeitura. Outras respostas tais como: “é muito cedo para falar” e “não conheci a
gestão anterior” foram respostas dadas por duas pessoas, representando (5%) do
total dos entrevistados. Três pessoas (7,5%) não responderam.
Desta questão, tira-se a conclusão de que, não foram sentidas mudanças na
maneira de gestão do Modelo para a grande maioria dos entrevistados (70%).
Contudo, a maioria dos que responderam sentir diferença, esta foi apontada como
negativa, e diz respeito ao envio da matéria-prima. Tendo em vista o problema da
descontinuidade administrativa que comumente permeia as administrações públicas
no Brasil, é possível observar um grau significativo de consolidação do modelo e um
apoio importante por parte das comunidades envolvidas que assegurou a
continuidade do modelo com a mudança de governo.
128
5.4.8 Dificuldades Encontradas no Modelo Colaborativo
Sobre as principais dificuldades encontradas, seja no trabalho do dia-a-dia
dos grupos, seja na continuação ou na expansão dos trabalhos, obteve-se as
seguintes respostas: quinze entrevistados, o equivalente a 37,50% do total dos
entrevistados alegaram ser a dificuldade em trabalhar com “pessoas” o principal
obstáculo para o avanço das iniciativas de geração de renda de forma colaborativa.
De forma geral, as justificativas para estas dificuldades, nas palavras dos próprios
entrevistados foram:
Baixa auto-estima das pessoas.
Comodismo, falta de interesse, cultura do assistencialismo;
Dificuldade de entendimento do que seja um trabalho colaborativo,
prevalência de interesses pessoais, oportunismo;
Incapacidade de auto-gestão de forma independente dos benefícios
ofertados pela Prefeitura;
Baixa escolaridade;
A baixa auto-estima das pessoas foi identificada como principal motivo para o
grupo de renda não crescer em suas iniciativas. Uma das pessoas entrevistadas
justificou esta baixa auto-estima pelo fato de que muitas pessoas da comunidade do
Cajuru, por serem oriundas de camadas mais pobres da sociedade, são
acostumadas a sofrer, acreditando na “naturalidade” deste fato. Por mais que elas
tentem aprender algo para produzir e ganhar dinheiro, tendem a desistir nas
primeiras dificuldades encontradas por acreditarem que não seriam merecedoras ou
capazes de progredir.
Como verificado em questão anterior sobre a efetividade das ações do
modelo, também nesta questão oito entrevistados (20%) mencionaram que a
dificuldade é a falta ou a demora de repasse de matéria-prima por parte da
Prefeitura como dificuldade encontrada no modelo, fato que é inclusive atribuído à
mudança das responsabilidades na FAS com a troca de governo.
A falta de infra-estrutura, como por exemplo, espaço para cursos, mesas,
máquinas de costura, etc. foi o motivo de dificuldade para cinco (12,50%) dos
129
entrevistados. Duas pessoas (5%) responderam que a dificuldade é a falta de locais
para exposição e venda dos produtos.
Outras 5% identificaram a gestão do processo e a falta de pessoas e de
material como impedimentos para a continuação das iniciativas de geração de
renda. Comentou-se que se faz fundamental um investimento inicial do setor público,
como, por exemplo, distribuição de passagens gratuitas para locomoção dos
participantes até os locais das feiras, ajuda para pagamento do aluguel dos pontos
de venda, alimentação, etc. Este investimento inicial seria necessário até o ponto em
que os participantes consigam formar o seu capital de giro e d sim, começar a
“andar com as próprias pernas”, de maneira independente. Uma pessoa (2.5%)
disse que os horários dos encontros são problemáticos. Por fim, 17,5% dos
entrevistados, ou seja, sete pessoas disseram não haver dificuldade alguma.
De forma geral, é possível identificar várias dificuldades, algumas inclusive
relacionadas à contra-partida do governo local. Existe uma expectativa de um papel
pró-ativo do governo em ajudar a vencer estas dificuldades encontradas, porém as
restrições relacionadas às condições da própria população, como o exemplo da falta
de auto-estima, acabam dificultando a continuação do processo. Neste caso, espera-
se mudanças positivas da própria experiência prática do Modelo Colaborativo.
5.4.9 Mudanças das Condições de Trabalho e Renda em Função do Modelo
Colaborativo
Procurou-se avaliar a mudança com relação ao trabalho, à renda, à
qualificação profissional, a confiança entre as pessoas da comunidade e à qualidade
de vida após o início da participação dos entrevistados nas iniciativas de geração de
renda do Modelo Colaborativo. Como resposta, as opções eram: melhorou muito,
melhorou pouco, continua como antes, piorou. Estas respostas encontram-se na
tabela a seguir. No caso dos integrantes da FAS, suas respostas diziam respeito às
suas avaliações de mudança do grupo com o qual eles trabalham e/ou acompanham
de forma geral.
130
TABELA 01: AVALIAÇÃO DAS MUDANÇAS APÓS INÍCIO DA PARTICIPAÇÃO
DOS ENTREVISTADOS NAS ATIVIDADES DE GERAÇÃO DE TRABALHO E
RENDA DO MODELO COLABORATIVO
Qtde. % Qtde. % Qtde. % Qtde. % Qtde. %
Trabalho 25 62,50 4 10,00 5 12,50 0 0,00 6 15,00
Renda 12 30,00 11 27,50 10 25,00 0 0,00 7 17,50
Qualificação Profissional 23 57,50 8 20,00 1 2,50 0 0,00 8 20,00
Confiança 26 65,00 2 5,00 2 5,00 0 0,00 10 25,00
Qualidade de Vida 22 55,00 6 15,00 4 10,00 0 0,00 8 20,00
Itens
Melhorou muito Não respondeuPiorouContinua como antesMelhorou pouco
FONTE: ENTREVISTAS DE CAMPO
Constata-se que, com relação ao trabalho, para a maioria dos entrevistados
(62,50), a situação melhorou muito, o que se explica pelo fato de grande parte dos
entrevistados que participam da experiência não ter nenhuma outra fonte de renda
anterior ao modelo.
Sobre a renda, as respostas ficaram divididas entre: melhorou muito, 30%;
melhorou pouco (27,50%) e continua como antes (25%), ou seja, embora para
alguns dos participantes o modelo tenha proporcionado uma atividade de trabalho,
isto não necessariamente acarretou pelo menos até este momento ganhos de
renda para as famílias envolvidas. Segundo os próprios entrevistados esta situação
se justifica porque as ações de geração de renda estão apenas no início, muitas
iniciativas ainda estão se consolidando, porém, segundo eles, as perspectivas o
bastante positivas para que a renda melhore no futuro.
Por outro lado, mais da metade dos integrantes (57,50%) alegou melhorias na
qualificação profissional, o que indica pelo menos perspectivas positivas para
possíveis ganhos de renda no futuro.
Com relação à confiança entre as pessoas da comunidade, 65% dos
entrevistados disseram que ela aumentou, após o início da participação no Modelo.
Sendo as relações de confiança um elemento fundamental para a caracterização da
existência de capital social, trata-se também de um indício positivo para a
possibilidade de ações coletivas futuras mais consistentes e para a potencialidade
do Modelo em auxiliar efetivamente na construção de comunidades mais
sustentáveis.
131
Por fim, quanto à qualidade de vida, 55% responderam que ela melhorou
muito. Portanto, uma parte significativa dos envolvidos no modelo já identificou
melhorias se manifestando na vida do dia-a-dia das pessoas.
Verifica-se, portanto que, que mesmo os ganhos mais imediatos do modelo
parecem ainda limitados, sobretudo no quesito renda. Existem indícios significativos
na questão da qualificação profissional e da formação do capital social que
demonstram que o Modelo Colaborativo parece antes de tudo um investimento no
futuro do bem-estar das comunidades locais, o que deve se manifestar no item
seguinte sobre a expectativa de futuro dos entrevistados.
5.4.10 Expectativa de Futuro com Relação às Iniciativas de Geração de Renda do
Modelo Colaborativo
Tentando identificar o que os entrevistados mais esperavam com relação ao
futuro dos trabalhos de geração de renda na comunidade, indagou-se aos
integrantes do Modelo sobre suas principais expectativas. Seguem algumas das
principais respostas:
Expansão dos investimentos além do artesanato, envolvendo, por
exemplo, cozinhas industriais para fabricação de alimentos, por
exemplo;
Maior maturidade e independência dos grupos da Prefeitura;
Participação rotineira em feiras e eventos;
Aumento significativo da renda para todos os integrantes;
Fortalecimento das ações desempenhadas;
Maior aderência da comunidade ao modelo;
Melhor qualificação dos produtos;
Fortalecimento do espírito empreendedor da comunidade;
Aumento da oferta de cursos de treinamento nas áreas de técnicas de
vendas, contabilidade, empreendedorismo;
Transformação da região em pólo de referência no artesanato;
132
Instalação de uma feira permanente para exposição do material
produzido;
Adaptação dos cursos às realidades locais e contemplação das
pessoas com mais necessidades;
Criação de cooperativa para possibilitar produção em grandes
quantidades e suprimentos da crescente demanda.
Estas respostas demonstram uma preocupação com as condições da própria
comunidade, com uma ampliação e adaptação das ofertas de qualificação e com a
necessidade de inclusão de outras pessoas, as mais necessitadas, que hoje ainda
não tem acesso ao modelo. Existe também uma preocupação com a
sustentabilidade econômica das iniciativas e sua expansão, incluindo sugestões
referentes a uma feira permanente, a revisão da qualidade dos produtos e até a
formação de uma cooperativa de produtores. Estes resultados sugerem, portanto,
um avanço no processo de conscientização e de cooperação entre os integrantes do
modelo.
Na parte que segue pretende-se verificar até que ponto estas percepções
aparentemente bastante agudas e conscientes sobre a situação, os avanços e
limites do Modelo Colaborativo no que concerne à geração de trabalho e renda
acaba se manifestando na estrutura de colaboração identificada no Modelo. Segue
então, a análise de rede de colaboração sob a perspectiva estrutural.
Estes foram os principais resultados obtidos na primeira fase da pesquisa, ou
seja, sob a perspectiva histórica-interpretativa. A seguir, o apresentados os
resultados da análise de redes sob a perspectiva estrutural.
5.5 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS EXCLUSIVOS À ANÁLISE
ESTRUTURAL
Neste subitem são apresentados os procedimentos metodológicos específicos
da análise estrutural da rede estudada na comunidade do Cajuru.
Pode-se classificar a rede estudada como ego-centrada pois utilizou-se como
critério de delimitação de integrantes da rede, apenas as pessoas citadas pelas
133
representantes de cada grupo de colaboração local que participam da comissão de
artesanato, ou seja, os alters citados pelos egos (representantes).
Para esta etapa da pesquisa estrutural, foram considerados todos os
quarenta e três entrevistados, que foram selecionados pelo critério da rede ego-
centrada, conforme descrito nos procedimentos metodológicos (item 5.2.1).
Efetuada a identificação dos atores que compõem a população para as redes
de artesanato da comunidade do Cajuru, foram definidas as relações mais propícias
ao estudo de caso, conforme discutido no capítulo 4. Os tipos de relações
escolhidas foram colaboração, confiança e comunicação, dando origem a três redes
distintas que são apresentadas e avaliadas na seqüência.
A Rede de Colaboração foi formada por pessoas que colaboravam entre si, ou
seja, prestavam auxílio, cooperavam, nas questões do trabalho em geral da
fabricação de artesanato.
A Rede de Confiança foi formada a partir das respostas sobre, dentre as
pessoas com as quais os entrevistados mais se relacionavam (rede de colaboração),
em quais delas eles mais confiavam. Cabe esclarecer aqui que, o sentido de
confiança refere-se a “poder contar com”. Esta pergunta foi necessária porque,
muitas vezes as pessoas se relacionam com outras por pura necessidade, mas isto
não significa que haja uma relação de confiança entre as mesmas.
Quanto à Rede de Comunicação, a intenção principal era descobrir como se
davam os fluxos comunicacionais na rede, isto é, quem eram os principais atores
que repassavam a informação e por quais meios (pessoalmente, por telefone ou e-
mail).
Definidas as relações, foram escolhidas as medidas estruturais que seriam
avaliadas, conforme descrito no capítulo 5. As medidas escolhidas foram: densidade,
reciprocidade, centralidade de grau e centralidade de proximidade.
Tais medidas foram selecionadas por representarem da melhor maneira a
intenção do estudo empírico, ou seja, descobrir se esta rede de atores sociais possui
algum dos aspectos fundamentais à formação do capital social, entre os quais pode-
se mencionar os laços de confiança, compromisso, participação, vínculos de
reciprocidade, cooperação e solidariedade. Tais aspectos proporcionam o estímulo
134
de normas, contatos sociais e iniciativas de indivíduos no sentido de aumentar o
desenvolvimento sustentável comunitário.
Por motivos de privacidade, os atores tiveram suas identificações traduzidas
em duas letras: a primeira refere-se ao grupo a que pertencem e a segunda, ao seu
nome. O critério utilizado para a escolha das letras foi a seqüência da ordem
alfabética.
O capital social, segundo autores estudados, influencia toda uma dinâmica
de relações sociais e políticas e fornece uma boa base de apoio para enfrentar
problemas da pobreza, indulgência, exclusão social e déficits de cidadania
democrática. Novamente citando Valdivieso
16
(2005), existe uma sinergia entre
capital social, desenvolvimento socioeconômico e democracia, ou seja, quanto maior
o grau de confiança, coesão, interação e participação social, maior se o capital
social de uma sociedade e vice-versa.
5. 6 APRESENTAÇÃO DOS RESULTADOS - ANÁLISE ESTRUTURAL
A seguir, apresentam-se as três redes estudadas.
A figura 06 apresenta o sociograma da rede de colaboração de forma a
indicar os grupos distintos que a compõem, além dos integrantes que fazem a
coordenação geral através da FAS.
16
Esta citação já se encontra no item sobre Capital Social
135
FIGURA 06 - SOCIOGRAMA DA REDE DE COLABORAÇÃO COMISSÃO
DE ARTESANATO DA COMUNIDADE DO CAJURU
FONTE: ENTREVISTAS DE CAMPO.
Através deste sociograma, bem como nos dois próximos, pode-se distinguir
cinco grupos de colaboração, além dos integrantes da FAS que gerenciam o
processo, seguindo as seguintes indicações:
Rosa - B: Grupo Guerreiras pela vida
Azul - E: Grupo Iraí
Verde escuro - A: Grupo Acrópole
Vermelho - D: Grupo Santos Inocentes
Verde claro - H: Grupo Ouro Verde
Amarelo - F: Integrantes da FAS
: representantes de cada grupo
: organizadora geral da comissão de artesanato.
136
Vale lembrar que as letras atribuídas a cada grupo foram escolhidas de
maneira aleatória.
Cada grupo possui um número diferenciado de participantes. Ressalta-se aqui
que, os atores que compõem a rede não se configuram como sendo o total de
integrantes dos grupos. Normalmente cada grupo possui mais integrantes, porém,
não citados como relevantes para o processo de trabalho colaborativo, por parte dos
representantes.
Percebe-se que o grupo B apresenta o maior número de membros, enquanto
que o grupo H conta com apenas três integrantes mencionados nas entrevistas.
Em todos os grupos uma participação intensa e rotativa de participantes,
pois através de cada um deles são ministradas aulas de diversas modalidades de
artesanato, tais como: fabricação de velas, chaveiros, crochê, etc. disponíveis para
todos os moradores da região que queiram participar, aprender e iniciar ou aprimorar
suas atividades no intuito de obter e/ou aumentar sua renda.
Sendo assim, a rede de colaboração apresentada é composta apenas dos
participantes fixos, ou seja, aqueles que iniciaram para aprender ou aprimorar uma
atividade e ficaram, ensinando outros participantes e/ou produzindo, engajando-se
nos trabalhos do dia-a-dia dos grupos.
A figura 07 apresenta o sociograma da rede de confiança formada a partir
das respostas sobre em quem cada uma das pessoas entrevistadas dizia confiar.
137
FIGURA 07 - SOCIOGRAMA DA REDE DE CONFIANÇA COMISSÃO DE
ARTESANATO DA COMUNIDADE DO CAJURU
FONTE: ENTREVISTAS DE CAMPO.
Neste sociograma aparecem todos os atores do sociograma anterior. A
diferença consiste nos relacionamentos, ou seja, a direção das flechas e o resultado
das medidas, citadas no quadro 04.
Esta rede mostra o resultado dos atores que responderam em quem
realmente confiam, no sentido de poder contar com a responsabilidade, seriedade e
compromisso.
O sociograma seguinte apresenta a rede de comunicação formada a partir
das resposta sobre de quem os entrevistados recebiam informações sobre o seu
trabalho de artesanato.
138
FIGURA 08 - SOCIOGRAMA DA REDE DE COMUNICAÇÃO COMISSÃO
DE ARTESANATO DA COMUNIDADE DO CAJURU
FONTE: ENTREVISTAS DE CAMPO.
Na verdade, houve uma dificuldade para o entendimento e a resposta correta
desta questão por parte dos entrevistados. De início, alguns respondiam que não
havia necessidade de se comunicar com ninguém para a execução de seus
trabalhos, que eles obtinham as informações necessárias através de revistas (de
crochê, por exemplo) ou outros meios. Desta forma, a pergunta era refeita,
explicando que a comunicação dizia respeito ao andamento dos trabalhos da
comissão de artesanato, isto é, quando aconteceriam as exposições dos produtos,
em quais locais, etc.
Sendo assim, a rede de comunicação ficou bastante “solta”, pois normalmente
tais informações vêm “de cima para baixo”, isto é, as representantes é que
repassavam tais informações. Não se verifica uma maior intensidade de fluxos de
informação entre os atores e, os resultados desta rede, quando comparados com os
resultados das duas primeiras redes, ficam baixos. Porém, quando se pensa em
capital social, não são apenas os processos formais que importam. Por mais que a
139
rede de comunicação apresente resultados baixos, as conversas entre as
integrantes do grupo são intensas, principalmente as informais, quando na roda dos
cafés da tarde, por exemplo, que geralmente ocorrem quando as reuniões de
produção do artesanato se encerram. Nesta informalidade pode-se verificar o quão
intensos são os laços de comunicação entre as integrantes da rede.
Após a apresentação das redes, o quadro 04 demonstra quais são os
resultados das medidas de rede selecionadas para cada uma das redes.
QUADRO 04 - RESULTADO DAS MEDIDAS E REDES MODELO
COLABORATIVO DE CURITIBA
Colaboração Confiança Comunicação
Densidade 11,08% 9,90% 2,80%
Reciprocidade 28,05% 21,77% 0,00%
Centralidade de Grau 28,16% 17,89% 11,56%
Centralidade de Intermediação 28,10% 20,38% 1,72%
Redes
Medidas
FONTE: ENTREVISTAS DE CAMPO.
De acordo com os resultados das medidas de rede apresentados acima,
chegou-se às seguintes interpretações:
A densidade, primeira medida analisada, mede a diferença entre as ligações
existentes e o total de ligações possíveis entre todos os atores, o que corresponde à
situação de todos os integrantes da rede estarem relacionados a todos os demais
integrantes. Pode-se considerar que a rede de colaboração é bem pouco densa,
pois são efetivados apenas 11,8% dos laços de relacionamento possíveis.
Dado que a rede de colaboração é composta por vários subgrupos que
trabalham de forma independente em diferentes comunidades, o número de
interações entre os integrantes dos diferentes subgrupos é razoável, apesar delas
acontecerem de maneira intensa principalmente entre os representantes de grupo, já
que cabe a eles a organização dos processos de produção e venda da rede como
um todo.
Verificou-se então, o relacionamento apenas entre as representantes dos
grupos de colaboração local, isto é, a densidade das representantes. Neste caso, o
índice saltou para 71,4%. Um índice bastante significativo, dado que se explica pelo
140
fato da interação e da colaboração entre as representantes dos grupos ser bastante
alto, uma vez que existem reuniões semanais para juntas, planejarem o processo
das atividades de artesanato e repassar aos seus grupos.
Quanto à densidade da rede de confiança, têm-se uma densidade de 9,9%,
ou seja, ainda mais baixa do que a rede de colaboração. Este resultado significa que
é ainda menor a quantidade dos integrantes através dos quais existe confiança com
relação ao total dos integrantes da rede. Isto revela que às vezes a colaboração
entre artesãos acontece sem necessariamente fortalecer os laços de confiança entre
eles.
Finalmente, na rede de comunicação, a densidade é de apenas 2,8% de
densidade. Este percentual demonstra o quanto é restrita a comunicação quando se
compara a dinâmica da rede como um todo. Ressalta-se que a comunicação
acontece principalmente pessoalmente e é pouco intensiva em informações
relacionadas às atividades desenvolvidas, o que corresponde à pergunta colocada.
Outra maneira de comunicação é através do telefone. Outras opções, tais como
comunicação por e-mail inexiste entre as participantes. Por serem pessoas de renda
bastante baixa, elas não possuem computadores e nem acesso a e-mail.
A segunda medida analisada, a reciprocidade, diz respeito à bilateridade dos
laços de relacionamento, isto é, indica que a relação ocorre nos dois sentidos. Na
rede de colaboração, a reciprocidade foi de 28,05% e na rede de confiança, a
reciprocidade foi de 21,77%, significando uma reciprocidade relativamente baixa.
na rede de comunicação a reciprocidade foi de 0,00%, ou seja, inexiste
reciprocidade na comunicação. De fato, as orientações sobre o funcionamento do
processo vem “de cima para baixo”, conforme já mencionado anteriormente.
Tendo em vista que estas medidas apresentaram um resultado baixo em
relação à rede de colaboração da comissão de artesanato, dividiu-se os grupos,
criando sociogramas para cada um deles, medindo a densidade e a reciprocidade de
cada grupo conforme segue.
FIGURA 09 – REDES DOS GRUPOS PERTENCENTES À COMISSÃO DE ARTESANATO DA COMUNIDADE DO CAJURU
(SOCIOGRAMAS 04 A 09)
SOCIOGRAMA 4: Rede das Representantes
Densidade: 71,4%
Reciprocidade: 46,6%
SOCIOGRAMA 5: Rede do Grupo A
Densidade: 63,3%
Reciprocidade: 58,3%
SOCIOGRAMA 6: Rede do Grupo B
Densidade: 39,0%
Reciprocidade: 47,9%
142
SOCIOGRAMA 7: Rede do Grupo D
Densidade: 53,3%
Reciprocidade: 45,4%
SOCIOGRAMA 8: Rede do Grupo E
Densidade: 39,9%
Reciprocidade: 27,2%
SOCIOGRAMA 9: Rede do Grupo H
Densidade: 83,3%
Reciprocidade: 66,6%
Na terceira medida analisada, a centralidade baseada em graus, apresenta
um resultado de 28,16% na rede de colaboração, 17,89% na rede de confiança e
11,56% na rede de comunicação. Estes resultados demonstram que o número de
nós em que os atores estão envolvidos não são muitos. No geral, cada ator envolve-
se com poucos outros atores.
Na quarta e última medida analisada, a centralidade de intermediação,
apresenta um resultado de 28,10% na rede de colaboração, 20,38% na rede de
confiança e 1,72% na rede de comunicação, demonstrando índices baixos de atores
influenciando e tendo acesso aos fluxos diversos da rede.
A seguir, são apresentados quais são os atores que mais se destacam nestas
medidas de centralidade, bem como os atores que ficam mais à margem deste
processo.
FIGURA 10– CENTRALIDADES BASEADAS EM GRAU – COMISSÃO DE ARTESANATO DA COMUNIDADE DO CAJURU
(SOCIOGRAMAS 10 A 12)
SOCIOGRAMA 10: Rede de Colaboração
SOCIOGRAMA 11: Rede de Confiança
SOCIOGRAMA 12: Rede de Comunicação
Legenda:
Cor azul escuro: atores com maior centralidade de grau
Cor azul claro: atores com menor centralidade de grau
FIGURA 11– CENTRALIDADES BASEADAS EM INTERMEDIAÇÃO – COMISSÃO DE ARTESANATO DA COMUNIDADE
DO CAJURU (SOCIOGRAMAS 13 A 15)
SOCIOGRAMA 13: Rede de Colaboração
SOCIOGRAMA 14: Rede de Confiança
SOCIOGRAMA 15: Rede de Comunicação
Legenda:
Cor azul escuro: atores com maior centralidade de intermediação
Cor azul claro: atores com centralidade de intermediação zerada
146
Centralidade de grau:
Constata-se que os atores que possui uma maior centralidade
baseada em grau, ou seja, aquele que está envolvido no maior número de
elos e que mais facilidade tem de influenciar e ser influenciado, na rede de
colaboração, na ordem, são os atores BR, FA e BK, ilustrado na cor azul
escuro, no sociograma 10. No sociograma seguinte, o que mostra a rede
de confiança, também estão destacados os mesmos atores, porém seus
graus de representatividade aparecem numa ordem diferente: o primeiro é
o FA, o segundo o BK e o terceiro, o BR.
Verificou-se na pesquisa de campo que estes atores realmente são
os mais envolvidos com o maior número de pessoas, participando de
maneira efetiva em todas as iniciativas e ações que permeiam a rede. Um
dos atores pertence à FAS e comanda a estrutura da rede de colaboração.
O outro ator é o representante de um dos grupos, porém, não restringe
suas ações apenas neste grupo a que pertence. Atua também em alguns
outros grupos, dando aulas, ajudando a organizar processos, etc. O
terceiro possui papel fundamental no grupo em que atua, pois auxilia o
processo como um todo, (transporte, matérias-prima necessárias, etc).
Este trabalho acaba extrapolando seu grupo e acaba por auxiliar inclusive,
alguns dos outros grupos.
No sociograma 13, a medida de centralidade de grau teve como
destaque os atores BK, FB e EZ. O ator BK continua citado, assim como
nas duas outras redes. Aqui aparecem como novidade, os atores FB e EZ.
Estes dois são funcionários da FAS e fazem um papel mais de “passar as
coordenadas gerais” sobre a dinâmica do Modelo, tais como informar
sobre recebimento de matéria-prima para os grupos, distribuir vale-
transportes, coordenar o processo do Modelo no que concerne às reuniões
de grupo, avaliações do andamento dos trabalhos, entre outras funções.
Os atores marcados com a cor azul claro são os que representam os
índices de centralidade baseada em grau mais baixos.
147
A outra medida de centralidade, a baseada em intermediação diz
respeito ao potencial que o ator possui de ter acesso aos diversos fluxos
da rede, ou seja, é o poder de atuar como “ponte” e facilitar o fluxo de
informações.
Na rede de colaboração os atores tidos como mais centrais, assim
como na medida de centralidade de grau, são o FA e o BR. Tem-se como
novidade aqui, o ator AR. Este é representante de um dos grupos e se
destaca pela facilidade em que interage com os outros grupos também.
Na rede de confiança, destacam-se os atores FA, ES e BR. Aqui
também se tem a novidade do ator ES, que é um funcionário da FAS, que
integra o grupo e que interagem com muita facilidade entre os diversos
grupos de artesanato.
Na rede de comunicação, os atores que se destacaram foram o FB,
EZ e BH. Aqui aparece pela primeira vez o ator BH, que possui um
trabalho de apoio interno a um dos grupos. É um dos psicólogos
contratados pela FAS, pessoa bastante querida pelos demais integrantes
do grupo ao qual pertence.
Na cor azul claro marcada nos sociogramas referentes à
centralidade de intermediação estão os atores que apresentaram seus
índices de centralidade de intermediação zerados. Isto mostra que estes
atores não possuem nenhum potencial de atuar como “ponte”, de facilitar o
fluxo de informações e de ter acesso aos diversos fluxos da rede. Fica
claro nos sociogramas que tais atores realmente ficam à margem do
processo, agindo de forma descentralizada.
Por fim, conclui-se que, por mais que os resultados gerais das redes
da comissão de artesanato tenham resultados baixos, quando analisada a
rede de colaboração dos grupos de maneira individual, estes resultados
aumentam e são significativos, apresentando na sua maioria, índices
acima de 50%, tanto na densidade quanto na reciprocidade. Dessa forma,
estes resultados demonstram a realidade vista no período do levantamento
de dados, ou seja, integrantes produzindo, vendendo e fazendo o
148
processo do trabalho colaborativo caminhar a passos largos, com cada vez
mais locais para expor, além da significativa melhoria da qualidade dos
materiais produzidos.
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A presente dissertação apresentou referências teóricas necessárias
à discussão de questões sobre governança urbana, desenvolvimento
sustentável comunitário e redes sociais. Cada uma destas questões
engloba assuntos essenciais para a análise empírica do presente trabalho.
Dividida em duas partes, referencial teórico e estudo empírico, a
dissertação realizou uma pesquisa sobre um novo modelo de governança
urbana ou comunitária, o Modelo Colaborativo, e sua aplicação na área de
geração de trabalho e renda na comunidade do Cajuru em Curitiba.
Analisando o contexto geral deste trabalho, pode-se concluir que o
Modelo Colaborativo de Curitiba possui ferramentas potenciais para
alavancar o desenvolvimento sustentável comunitário. Ele envolve os
moradores interessados em participar e auxilia sobre os passos a serem
dados, com o objetivo de fazer com que cada cidadão entenda que é
responsável pelos resultados, condições e realidade de sua comunidade.
No caso específico da experiência de geração de trabalho e renda, os
resultados da pesquisa qualitativa demonstraram que o Modelo pode
incentivar e proporcionar opções de mudança da realidade
socioeconômica em comunidades carentes. Pode-se afirmar que o Modelo
Colaborativo como forma de gestão urbana e comunitária realmente possui
149
o potencial de desenvolver de maneira sustentável a comunidade do
Cajuru.
Porém, foram identificados diversos limitantes para que o modelo
efetivamente se configure como um elemento proporcionador do
desenvolvimento sustentável comunitário. O primeiro e principal deles é a
falta de cultura e experiências de participação por parte tanto da população
quanto da própria Prefeitura. Conforme os próprios entrevistados, uma
grande parte dos moradores estaria acomodada, sem interesse em
participar das atividades do modelo.
Conforme ressaltado na parte teórica deste trabalho, a participação
é um elemento fundamental na busca do desenvolvimento econômico
sustentável comunitário. Somente através da participação e do
envolvimento nas ações conjuntas, através de um processo de
empoderamento, é que uma comunidade alcança poder e aumenta sua
capacidade de ação coletiva.
Uma das alternativas para o desenvolvimento econômico
sustentável comunitário, conforme visto no presente trabalho é a economia
solidária. Porém, conforme Friedmann
17
(1998, apud Frey, 2001), explica,
uma comunidade se torna forte quando seus membros deixam de agir
de maneira individual e isolada e se unem em prol de suas causas
comuns. Segundo o autor, o empoderamento “pode ocorrer a partir do
momento em que as aspirações da sociedade civil se voltam das
preocupações privadas para as preocupações públicas da comunidade
política envolvendo a luta pela inclusão, pela ampliação das oportunidades
de auto-desenvolvimento e pela justiça social”.
Conforme discutido no capítulo sobre gestão urbana, o
empoderamento é importante na medida em que possibilita a cooperação
real entre o poder público e as comunidades locais nos processos de
governança comunitária.
17
FRIEDMANN, J. “The new political economy of planning: the rise of civil society”. In:
DOUGLASS, M. & FRIEDMANN, J. Cities for citizens. Planning and the rise of civil society
in a global age. Chichester, New York: John Wiley & Sons, 1998, pp. 19-35.
150
Outro limitante, este específico da comunidade estudada, é a baixa
auto-estima e o desconhecimento de suas potencialidades. Tal realidade
deve-se às condições de vida precárias relacionadas à pobreza, educação,
violência, entre outros. Conforme as afirmações de alguns entrevistados,
uma parte dos participantes iniciais do Modelo que aceitam participar
inicialmente dos treinamentos e cursos, acaba desistindo no decorrer do
processo, pois acreditam não serem capazes de desenvolver seus
trabalhos e melhorar de vida. Segundo alguns entrevistados, tratar-se-ia
de pessoas acostumadas a sofrer com suas condições de vida,
acreditando que este sofrimento seria natural e que é assim que a vida
deveria seguir. Pode-se dizer, conforme Friedman, que é a falta de poder
psicológico que muitas vezes impede o avanço no empoderamento social
ou político.
No tocante à rede de colaboração estudada, percebe-se indícios de
um fortalecimento dos grupos no processo de colaboração, relações de
confiança entre os atores que revelam um incremento do capital social
como base para uma mudança social mais efetiva, mesmo ainda restrita
na sua abrangência.
Os atores estudados e que compuseram a rede de colaboração são
exemplos de pessoas que acreditaram em seu potencial como agentes
indutores do desenvolvimento sustentável.
A possibilidade deste modelo, implementado de forma experimental
na comunidade do Cajuru, se tornar um novo modelo efetivo de
governança comunitária capaz de promover mudanças duradouras no
sentido de um desenvolvimento sustentável local, depende de dois fatores
principais. Primeiro, da sua própria consolidação e da condição da
população em assumir efetivamente esta nova forma de colaboração
social como princípio de ação coletiva. Segundo, da possibilidade de sua
disseminação na cidade como um todo, o que exige uma preparação do
funcionalismo público e um aprofundamento da descentralização
151
administrativa da Prefeitura, buscando uma aproximação geral aos
cidadãos e às comunidades.
Para finalizar é importante ressaltar que a proposta do governo de
Curitiba teve como objetivos, além de fomentar a participação da
população na gestão local e o fortalecimento o espírito comunitário, uma
maior eficiência e efetividade nas políticas de geração de trabalho ou
renda, ou seja, um aumento do número de emprego ou ocupações e da
renda na comunidade local. Portanto, ficaria para futuras pesquisas
verificar até que ponto houve melhorias significativas neste sentido, o que
não foi objeto deste estudo. Além disso, seria interessante averiguar
possíveis relações entre indicadores de desempenho como produção
mensal, renda individual mensal, e demais fatores de desempenho de
cada grupo de colaboração e as mudanças nos índices de densidade e/ou
reciprocidade de cada rede. Deste modo, se disporia de mais elementos
quantitativos para avançar na compreensão da possível inter-relação entre
capital social e desempenho no desenvolvimento econômico local.
Ao mesmo tempo, se tornaria necessário verificar as possibilidades
da experiência participativa no modelo colaborativo contribuir para avançar
da formação do capital social e do empoderamento social para o
aprofundamento da democracia local ou do empoderamento político,
conforme a concepção de Friedman. Mas também neste sentido este
estudo apenas conseguiu apresentar alguns indícios promissores.
Também neste sentido se faz necessário remeter a futuras investigações e
ao desenvolvimento de novas metodologias adequadas para tais análises.
152
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162
ANEXO
QUESTIONÁRIO – MODELO DE COLABORAÇÃO DE CURITIBA
163
QUESTIONÁRIO 1 – MODELO DE COLABORAÇÃO DE CURITIBA
1ª Parte
Pesquisa realizada com participantes que possuem ligação com as ações de geração
de emprego e renda na comunidade
1 - Nome: ________________________________________________________________
2 - Idade: _____________________
3 - Fone: _____________________
4- E-mail: ____________________
5 - Endereço: _____________________________________________________________
6 – Atividade/Órgão: ______________________________________________________
7 - Desde quando participa do MCC?
( ) Iniciei nos últimos 6 meses (de dez/04 a mai/05);
( ) Iniciei há um ano
( ) Iniciei há dois anos
( ) Iniciei há três anos
( ) Iniciei há quatro anos
( ) Iniciei há cinco anos (fazer duas etapas)
( ) Outro. Qual? _____________
8 – Como funciona o processo do modelo colaborativo nas questões de geração de renda e
qual sua ação neste processo?
9 - Com que freqüência são realizados os encontros do MCC?
( ) Uma vez por semana
( ) Uma vez a cada quinze dias
( ) Uma vez por mês
( ) Outra. Qual? ________________
10 – Como o Sr. (a) avalia os encontros do grupo?
( ) Ótimas
( ) Boas
( ) Fracas
( ) Ruins
Comentários adicionais:
164
11 Como se a participação dos integrantes do grupo? (oportunidade de participar
dando sugestões, idéias para melhorar o processo, etc.)
- em geral:
- com relação a emprego e renda:
12) Qual a sua avaliação com relação à efetividade do MCC em toda a comunidade do
Cajuru?
- em geral:
- com relação a emprego e renda:
13) Quais as principais dificuldades encontradas no processo do MCC?
14 Quais suas expectativas com relação ao futuro das ações de geração de renda na
comunidade do Cajuru?
15 – Aconteceram mudanças no MCC após a mudança de prefeito?
16 – Conhece a ONG “Empreendedores de Sonhos”?
( ) Sim
( ) Não
Se sim:
17 – O Sr. (a) sabe qual é a atuação da ONG na comunidade?
( ) Sim
( ) Não
165
18 – Possui contato com alguém que trabalha na ONG ou no barracão?
( ) Sim. Quem? _________________________
( ) Não
19) Como se dá a interação entre os projetos?
20 Como o Sr. (a) avalia a mudança dos integrantes do grupo, em sua maioria, desde o
início de suas participações no MCC, com relação a:
20.1 – Trabalho: Comentários adicionais:
( ) Melhorou muito
( ) Melhorou pouco
( ) Continua como antes
( ) Piorou
20.2 – Renda: Comentários adicionais:
( ) Melhorou muito
( ) Melhorou pouco
( ) Continua como antes
( ) Piorou
20.3 – Qualificação profissional: Comentários adicionais:
( ) Melhorou muito
( ) Melhorou pouco
( ) Continua como antes
( ) Piorou
20.4 - Confiança entre as pessoas da comunidade:
( ) Melhorou muito
( ) Melhorou pouco Comentários adicionais:
( ) Continua como antes
( ) Piorou
20.5 Qualidade de vida:
( ) Melhorou muito Comentários adicionais:
( ) Melhorou pouco
( ) Continua como antes
( ) Piorou
166
QUESTIONÁRIO 1 – MODELO DE COLABORAÇÃO DE CURITIBA
2ª Parte
1 Com quais pessoas o Sr.(a) se relaciona após o início de suas atividades no MCC e,
qual o seu grau de confiança em cada uma delas?
Nome Grau de confiança
( ) alto
( ) baixo
( ) nulo
( ) alto
( ) baixo
( ) nulo
( ) alto
( ) baixo
( ) nulo
( ) alto
( ) baixo
( ) nulo
( ) alto
( ) baixo
( ) nulo
( ) alto
( ) baixo
( ) nulo
( ) alto
( ) baixo
( ) nulo
( ) alto
( ) baixo
( ) nulo
( ) alto
( ) baixo
( ) nulo
( ) alto
( ) baixo
( ) nulo
167
2 – Quais são as pessoas de quem o Sr.(a) recebe informações importantes para seu
trabalho e, de que forma recebe estas informações?
Fonte de Informações Forma de comunicação
( ) pessoalmente
( ) por e-mail
( ) por telefone
( ) outro. Qual?_______
( ) pessoalmente
( ) por e-mail
( ) por telefone
( ) outro. Qual?_______
( ) pessoalmente
( ) por e-mail
( ) por telefone
( ) outro. Qual?_______
Outras fontes de informação: órgão público, internet, etc.
3 Liste as pessoas com quem o Sr.(a) trabalha em conjunto em suas atividades
profissionais e de que maneira:
(para medir a colaboração)
Nomes Forma de trabalho
( ) intensamente (todo dia, 1 vez por
semana)
( ) moderadamente (de vez em quando)
( ) raramente (uma ou outra vez)
( ) intensamente (todo dia, 1 vez por
semana)
( ) moderadamente (de vez em quando)
( ) raramente (uma ou outra vez)
( ) intensamente (todo dia, 1 vez por
semana)
( ) moderadamente (de vez em quando)
( ) raramente (uma ou outra vez)
( ) intensamente (todo dia, 1 vez por
semana)
( ) moderadamente (de vez em quando)
( ) raramente (uma ou outra vez)
( ) intensamente (todo dia, 1 vez por
semana)
( ) moderadamente (de vez em quando)
( ) raramente (uma ou outra vez)
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