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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS SOCIAIS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÂO EM SOCIOLOGIA
O REVISIONISMO DE EDUARD BERNSTEIN E A
NEGAÇÃO DA DIALÉTICA
JOANA EL-JAICK ANDRADE
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2
SÃO PAULO
2006
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JOANA EL-JAICK ANDRADE
O REVISIONISMO DE EDUARD BERNSTEIN E A
NEGAÇÃO DA DIALÉTICA
3
SÃO PAULO
2006
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa
de Pós-Graduação em Sociologia da Faculdade de
Filosofia, Letras e Ciências Humanas da
Universidade de São Paulo, com vistas à obtenção
do título de Mestre em Sociologia.
Orientador: Prof. Dr. Ricardo Musse
O revisionismo de Eduard Bernstein e a negação da dialética
Dissertação submetida à banca de Mestrado como requisito necessário à
obtenção do título de Mestre em Sociologia pelo Programa de Pós-Graduação em
Sociologia da Universidade de São Paulo.
Orientador: Prof. Dr. Ricardo Musse
São Paulo, .... de ................ de 2006.
Banca examinadora:
Prof. Dr. Ricardo Musse – Universidade de São Paulo/FFLCH
Prof. Dr. Sedi Hirano Universidade de São Paulo/FFLCH
Prof.Dr. Charles Pessanha – Universidade do Rio de Janeiro/ IFCS
AGRADECIMENTOS
4
Expresso minha dívida e profunda gratidão para com meu orientador, professor
Ricardo Musse, por seu encorajamento, zelo e valiosas contribuições, o professor Sedi Irano e
os colegas da disciplina “Seminário de Projeto”, pelas inúmeras sugestões ao projeto inicial
desta dissertação, os professores Ruy Braga e Celso Frederico, pelas pertinentes e
enriquecedoras observações críticas, os professores da Universidade Federal do Rio de
Janeiro Charles Pessanha e Franklin Trëin, por seu incentivo e amizade, os funcionários da
Secretaria de Pós-Graduação em Sociologia e da Biblioteca Central da Faculdade de
Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, por sua gentileza e
atenção.
5
Para João, Ceres, Débora, Inês e
Alexandre.
6
Em sua forma mistificada, a dialética foi moda alemã
porque ela parecia tornar sublime o existente. Em sua
configuração racional, é um incômodo e um horror
para a burguesia e para os seus porta-vozes
doutrinários, porque no entendimento positivo do
existente ela inclui ao mesmo tempo o entendimento da
sua negação, da sua desaparição inevitável; porque
apreende cada forma existente no fluxo do movimento,
portanto também com seu lado transitório; porque não
se deixa impressionar por nada e é, em sua essência,
crítica e revolucionária.
Karl Marx, 1873
7
Sumário
Introdução..................................................................................................................…..............
1 - A Social-Democracia Alemã
1.1- Origens da social-democracia e sua unificação em torno do Programa de Gotha............
1.2- A repressão e a reestruturação do movimento..................................................................
2 - Do Revisionismo Prático ao Revisionismo Teórico
2.1- A década de 1890 e o surto industrial..............................................................................
2.2- Os novos desafios decorrentes da legalização do partido................................................
2.3- O caráter conciliatório do Programa de Erfurt ...............................................................
2.4- Cisão interna e fortalecimento do reformismo................................................................
3- Eduard Bernstein e a Social-Democracia
3.1- A trajetória política de Bernstein.....................................................................................
3.2- A revisão do marxismo....................................................................................................
3.2.1- Bernstein e o desenvolvimento do capitalismo moderno......................................
3.2.2- A evolução social em direção ao socialismo.........................................................
3.2.3- Entre o materialismo e o idealismo.......................................................................
3.2.4- A perspectiva anti-revolucionária e a rejeição da dialética...................................
4 - O Bernstein-Debatte e sua Repercussão
4.1- A indefinição da “ortodoxia”...........................................................................................
4.2- O contra-ataque da ala revolucionária.............................................................................
8
10
15
34
43
61
86
97
116
150
153
170
181
189
198
202
5 – Considerações finais sobre a suposta “crise do marxismo”..............................................
6 - Referências Bibliográficas.....................................................................................................
Anexos..........................................................................................................................................
9
223
227
234
RESUMO
Nos fins do século XIX, Eduard Bernstein causou grande espanto e turbulência no
interior da social-democracia alemã ao refutar publicamente as teses oficiais propugnadas
pelos líderes do partido e, ao mesmo tempo, propor a revisão crítica do pensamento de Marx,
desferindo sérios ataques ao que considerava seu elemento “nefasto”: a dialética hegeliana.
Ao defender a rejeição da filosofia da história marxiana considerada obstáculo ao
conhecimento científico da realidade social Bernstein rompe com a perspectiva
revolucionária, aderindo a um reformismo evolucionista. Acreditando no potencial
emancipador da democracia burguesa, que tornaria possível a tomada do poder por meios
legais e pacíficos, Bernstein passa a sustentar a adoção de uma postura política conciliatória e
a mitigação da luta de classes. O surgimento desta corrente revisionista deu início a um
grande cisma no interior da social-democracia que veio a ser considerado como “a primeira
crise do marxismo”, introduzindo uma nova tendência de rechaço à concepção dialética da
história e de abdicação de quaisquer pretensões revolucionárias. Estas idéias viriam a tornar-
se hegemônicas no final do século XX, quando as teses que apregoam o “fim da história” são
amplamente difundidas e festejadas. Diante deste novo refluxo das teorias e práticas
revolucionárias, torna-se fundamental a análise minuciosa do fenômeno revisionista o
contexto em que surge, as razões de seu sucesso no âmbito da esquerda e as críticas que
podem lhe ser opostas.
Palavras-chave: marxismo; partidos políticos; social-democracia; socialismo; revisionismo.
10
ABSTRACT
In the end of the nineteenth century, Eduard Bernstein caused great turbulence in the
German social democracy when he publicly opposed to the official theses of the leaders of the
Social Democratic Party and, at the same time, recommended a critical revision of Marx’s
thought, making serious attacks on what he considered its most hideous element: the Hegelian
dialectics. While supporting the total rejection of the Marxian philosophy of history
regarded as an obstacle to the scientific knowledge of the social reality Bernstein breaks up
with the revolutionary perspective, joining an evolutionary reformism. Relying in the
emancipatory potential of the bourgeois democracy, that would make possible the
achievement of power through legal and pacific means, Bernstein sustained a conciliatory
political posture and the softening of the class struggle. The appearance of such revisionist
tendency gave birth to a schism inside social democracy that was further known as “the first
crisis of Marxism”, as it excluded the dialectical conception of history and the revolutionary
aim. These ideas became hegemonic at the end of the twentieth century, when theses
proclaiming “the end of history” were widely spread. In face of the new reflux of the
revolutionary praxis, the analysis of the revisionist phenomenon the context in which it
appears, the reason for its success and the critics opposed to it – becomes crucial.
Key-words: Marxism; political parties; revisionism; social democracy; socialism.
11
Introdução
“Eduard Bernstein (1850-1932): social-democrata alemão,
oportunista furioso; apelou, depois da morte de Engels, para a
revisão do marxismo”
1
.
A definição acima, extraída do índice onomástico das “Obras Escolhidas de Marx e
Engels”, publicadas em 1953 pelo Instituto de Marxismo-leninismo de Moscou, anexo ao
Comitê Central do PCUS, evidencia o juízo de valor a que foi submetida a imagem de Eduard
Bernstein pelas gerações de marxistas que o sucederam.
A persistente e reiterada condenação de suas idéias por ilustres membros da esquerda
contemporânea pode nos conduzir a uma série de questionamentos, por exemplo:
- Como Bernstein, um dos principais teóricos da social-democracia durante o final do
século XIX e início do século XX, amigo e herdeiro testamentário de Engels, visto por seus
companheiros como dotado de uma honestidade intelectual ímpar, temperamento dócil e
sincera humildade, tornou-se uma das figuras mais repudiadas da tradição marxista, ora
taxado como oportunista, ora removido do âmbito de suas fileiras
2
?
- Por que razão sua trajetória política, marcada pela indiscutível dedicação ao partido,
à defesa das liberdades públicas e privadas
3
e à construção de um regime “socialmente justo e
democrático”, acabou identificada com a aberta e hostil rejeição ao socialismo?
- Ou, ainda, seria adequado responsabilizá-lo pelo refluxo da teoria e prática
revolucionárias e pela perda de radicalidade que abrange contemporaneamente a esquerda
mundial, evidenciados na adesão explícita ou velada dos partidos à “terceira via”, implicando
no descarte do socialismo, na aceitação dos estreitos limites do mercado e na subordinação da
política social a critérios de “governabilidade” e “eficiência”, típicos do neoliberalismo?
A fim de responder a estas e outras indagações torna-se necessário recorrermos à
análise do revisionismo bernsteiniano como fenômeno histórico, à procura das influências e
implicações recíprocas que concorreram para seu aparecimento e para sua progressiva
hegemonia dentro do Partido Social-Democrata Alemão considerado modelo de
organização partidária socialista nos séculos XIX e XX.
1
MARX, Karl & ENGELS, F. Obras escolhidas. v. 3, São Paulo: Alfa-Omega, 1980.
2
Ver ANDERSON, Perry. Considerações sobre o marxismo ocidental. 2
a
ed. São Paulo: Brasiliense, 1989.
3
Bernstein foi uma das poucas vozes dentro do movimento socialista alemão a partir em defesa da liberdade sexual, na
ocasião do julgamento de Oscar Wilde tendo dedicado dois artigos na Die Neue Zeit à questão (BERNSTEIN. “On the
occasion of a sensational trial” 1895, In: www.marxists.org; BERNSTEIN. “The judgement of abnormal sexual
intercourse” - 6/5/1895, In: www.marxists.org).
12
Para tanto, a polêmica tentativa realizada por Bernstein de reabilitar o que considerava
essencial das teses de Marx a partir da rejeição da dialética não deve ser compreendida
simplesmente como um empreendimento teórico-filosófico. Sua contestação dos pais
fundadores do materialismo histórico está intrinsecamente relacionada com o contexto
histórico no qual emergiu o movimento social-democrata e com os inúmeros desafios por ele
enfrentados para sua consolidação, na virada do século XIX para o século XX. Como
asseverou Itzván Mézáros, a respeito das correntes reformistas da social-democracia
ocidental,
Suas ideologias não são, portanto, o resultado de “maquinações
insidiosas” e “traições subjetivas”. Nem poderiam ser
consideradas simplesmente “concepções errôneas” de
indivíduos particulares que, apesar de improvável, em princípio
poderiam ser levados a reconhecer seus erros e a modificar suas
opiniões. Elas são a articulação necessária de um “curto-
circuito” histórico em que a ala parlamentarista do movimento
da classe trabalhadora ocidental se encontra em uma
determinada época de seu desenvolvimento
4
.
Deste modo, é preciso advertir que uma ênfase excessiva na figura de Bernstein e a
sobrevalorização de sua influência sobre o movimento operário podem obscurecer o fato de
que o revisionismo, na realidade, expressava os desígnios de uma grande parcela do
movimento social-democrata, o qual, conforme expôs Bo Gustafsson, desde o princípio
encontrava-se cindido em “duas almas” distintas, uma pequeno-burguesa-radical-sindical e a
outra socialista-revolucionária
5
.
Como explicitara Rosa Luxemburg, as contradições existentes no marxismo
“ortodoxo”
6
concepção prevalecente entre os dirigentes do Partido Social-Democrata
Alemão terminavam por elevar ao primeiro plano astarefas mínimas urgentes” e reduzir o
socialismo a “uma estrela brilhando ao longe”
7
. Sendo assim, a estrutura parlamentar e
sindical passou a ser aceita como o horizonte limitador de toda ação proletária.
A adesão incondicional à tática legalista culminou na apriorística e categórica rejeição
da possibilidade objetiva de mudança social mediante a ação revolucionária dos sujeitos
históricos. Sendo a revolução concebida como um produto necessário do desenvolvimento
4
MÉSZÁROS, István. O poder da ideologia. São Paulo: Boitempo, 2004, p.417.
5
GUSTAFSSON, Bo. Marxismo y revisionismo: La critica bernsteiniana del marxismo y sus premisas
histórico-ideológicas. México: Grijaldo, 1975, p.44.
6
Denominação atribuída à doutrina formulada a partir da interpretação dos escritos de Marx, realizada pelos
dirigentes da Segunda Internacional.
7
LUXEMBURG, Rosa. “O nosso programa e a situação política”. In : Reforma social ou Revolução? E outros
textos. Lisboa: Escorpião, [197-], p.108.
13
econômico capitalista, restava ao proletariado a espera resignada e paciente pela maturação
das condições históricas objetivas.
Por considerar a teoria marxista um obstáculo à “prática positiva” da social-
democracia não fazendo distinção entre a versão “vulgarizada” e as teses marxianas
propriamente ditas –, Bernstein incumbiu-se da tarefa de desmantelar seu edifício teórico, e,
com ele, toda a perspectiva de uma transformação radical da estrutura econômica da
sociedade capitalista realizada através da luta de classes. A satisfação das exigências
imediatas implicaria, a seu ver, na renúncia ao objetivo final, isto é, à superação do status
quo. Com efeito, Bernstein repudiou o método dialético e aderiu a uma concepção histórica
que antevia um processo de transformação social pacífico e ininterrupto, nos limites da
sociedade capitalista-burguesa.
As ilusões revisionistas relativas à democracia burguesa e a superestimação do alcance
das reformas sociais, a serem conquistadas mediante a colaboração entre as classes, levaram à
difusão da crença em um progresso gradual e linear em direção à socialização parcial da
economia e à crescente democratização da esfera política. Em lugar da crítica da sociedade
existente, tal ideologia agarrava-se à forte e otimista convicção de que o elemento moral
poderia transcender a fragmentação imposta pelos interesses de classe.
Assim, em nome da libertação do partido de dogmas e doutrinas, o revisionismo
promoveu a substituição dos princípios revolucionários marxistas pela Realpolitik, ou seja,
pela assunção de um pragmatismo político orientado para o atendimento das necessidades
momentâneas e parciais, desde que neste processo sejam observadas as regras impostas pela
mesma sociedade que anteriormente se pretendia atacar. Desta maneira, o “beco sem saída
bernsteiniano”, na opinião de Mézáros
8
, produziria uma “amnésia ideológica seletiva”
9
,
confinando a ação do proletariado, como diria Marx, aos “limites do que é autorizado pela
polícia e proibido pela lógica”
10
. A luta parlamentar, desta forma, passa a ser considerada
antítese da ação revolucionária e único instrumento de mudança à disposição da classe
operária.
A teorização bernsteiniana, portanto, deve ser analisada tendo-se em conta os conflitos
travados no campo do movimento operário, motivados por uma multiplicidade de fatores
8
Mézáros, 2004, p.376-377.
9
Ibid, p. 374.
10
MARX, Karl. Crítica ao Programa de Gotha”. In: Critica do Programa de Gotha, Critica do Programa de
Erfurt e Marxismo e Revisionismo. Porto: Portucalense, 1971, p. 31.
14
externos e internos à organização que influíram para o avanço ou o retrocesso da luta de
classes, para a aproximação da meta socialista ou a acomodação à ordem capitalista vigente.
Logo, se consideramos equivocada a mistificação da figura de Bernstein, promovida
principalmente durante o período stalinista, tampouco minimizamos o papel desempenhado
por suas idéias na chamada crise da social-democracia”, pois, conforme Engels
convenientemente observara: “o oportunismo “honesto” é talvez o mais perigoso” de todos”.
11
Este trabalho tem por escopo analisar o surgimento e o desenvolvimento do
revisionismo no interior da social-democracia alemã, considerando as críticas que lhe foram
endereçadas pelas demais correntes do partido. Buscamos aferir as razões e conseqüências de
sua influência sobre grande parte do movimento operário, no intuito de oferecer subsídios
para a compreensão do triunfo das facções reformistas em 1914, representado pela adesão do
partido à política imperialista do Reich.
Procuramos examinar, igualmente, a dimensão e o significado assumidos pelo
revisionismo bernsteiniano no pós-guerra, frente ao processo de fragmentação da social-
democracia e seu rompimento definitivo com o projeto socialista revolucionário. Sendo
assim, pretendemos remontar às origens do “novo rumo político-ideológico” seguido pela
social-democracia, caracterizado pela adoção de uma postura conservadora e, por vezes,
profundamente reacionária materializada em sua condenação da Revolução Bolchevique e
na violenta repressão aos revolucionários alemães em 1919 –, em defesa do Estado burguês,
da abdicação ao objetivo emancipatório e da diluição do caráter de classe do partido.
Por fim, almejamos contribuir para o resgate da discussão acerca dos limites do
reformismo e da necessária revitalização da radicalidade no seio da esquerda. Consideramos,
portanto, que a polêmica consubstanciada nos termos “reforma ou revolução” não deve ser
vislumbrada como uma “peça de museu”
12
, mas, ao contrário, como uma questão a ser
constantemente repensada e sopesada, tendo em vista a conjuntura histórica e a forma
revestida pela luta de classes em determinada fase do capitalismo, objetivando, precisamente,
à sua superação.
Se, como enunciou Marx, “os homens conjuram os espíritos do passado para criarem
livremente sua própria história”, a recuperação da história do marxismo através da análise
11
ENGELS, F. Critica do Programa de Erfurt . Porto: Portucalense, 1971, p.48.
12
De acordo com Marco Aurélio Garcia, “A polêmica reforma X revolução é hoje peça de museu, o que não
significa que seja irrelevante. Ao contrário a reconstrução historiográfica de sua emergência e de seu curso
ulterior e a compreensão teórica dos problemas que recobre apresentam uma atualidade muito grande”
(GARCIA, Marco Aurélio. “Reforma e revolução / reforma ou revolução”. In: Revista Brasileira de História.
São Paulo: ANPUH/Marco Zero, vol.10, n.20 – março/agosto de 1990, p. 38.)
15
da intensa produção intelectual e atividade política de seus primeiros expoentes converte-se
em um instrumento potencialmente útil para que a presente geração possa, nas palavras de
Marx, “encontrar novamente o espírito da revolução”
13
. Como ressaltou Engels, a análise
crítica dos sucessos e fracassos do movimento operário não invalida ou enfraquece a sua luta,
conferindo novas bases para seu desenvolvimento futuro:
Desde as brilhantes provas que superaram a partir de 1878,
tenho confiança incondicional em nossos trabalhadores, e
neles. Assim como todo grande partido, hão de cometer erros
em detalhes da evolução, talvez grandes erros. Massas
aprendem através das conseqüências dos seus próprios erros,
através de experiências no próprio corpo.
14
Sob este prisma, a crise da social-democracia no início do século XX não deve ser
concebida como uma “crise do marxismo” ou uma “crise de alternativas” o que contribuiria
para sustentar a tese do advento do “fim da história”. Em contraste, apontaria para a
possibilidade de reconstrução dialética do movimento, a partir das novas condições históricas
encontradas. Sendo assim, esperamos que este trabalho contribua de alguma forma para a
compreensão dos caminhos e descaminhos dos partidos socialistas em sua fase inicial de
expansão e aproximação em relação às massas trabalhadoras.
13
MARX, Karl & ENGELS, F. “O 18 Brumário de Luís Bonaparte”. In: Obras escolhidas. São Paulo: Alfa-
Omega, v. 1, 1980, pp. 204.
14
Carta de Engels a Conrad Schmidt, de 5/8/1890 (Marx e Engels, 1983, p.457).
16
1 - A Social-Democracia Alemã
1.1- Origens da social-democracia e sua unificação em torno do Programa
de Gotha
Em meados do século XIX, a Europa havia sido varrida por uma onda de revoltas
populares contra o antigo regime. A crise econômica que assolou grande parte dos países nos
anos de 1846 e 1847 provocou um alto índice de desemprego, a falta de alimento nas cidades,
o aumento dos preços e a disseminação de inúmeras doenças entre a população, gerando um
clima de intensa agitação e efervescência revolucionária entre as camadas médias e baixas da
sociedade, influenciadas por uma vasta gama de ideais vinculados ao liberalismo,
nacionalismo, humanismo, materialismo, racionalismo e socialismo.
Na Alemanha, muitos insurretos da Saxônia, de Hanover, de Württemberg e de outros
Estados clamavam pela criação de um Estado pangermânico, constituído nos moldes de uma
confederação monárquica. As reivindicações oriundas da burguesia e da pequena-burguesia
concentravam-se, assim, em reformas liberais moderadas, como a promulgação de uma
constituição, a instalação de um Parlamento organizado acima das Dietas particularistas e a
nomeação de um imperador que representasse a unidade nacional, colocando-se acima dos
príncipes-soberanos
15
.
Contudo, o projeto de formação de uma “Alemanha livre e unificada”, bem como a
campanha pela institucionalização de uma ordem constitucional nos diversos Estados,
sofreram reveses. A decretação do estado de sítio com o acirramento da repressão policial e
da censura e a capitulação da burguesia aos apelos da aristocracia conduziram ao
enfraquecimento do movimento e à dissolução da Assembléia Nacional Constituinte de
Frankfurt – de cunho pseudo-liberal
16
– em junho de 1849, após um ano em funcionamento.
15
Como Bakunin posteriormente observara em relação à burguesia alemã da época: “O que os afligia não era a
falta de liberdade, com a qual não teriam sabido o que fazer, mas o fato de faltar-lhes força nacional, unitária,
indivisível, somando-se à existência real de um grande número de pequenas tiranias. Sua paixão secreta, seu
único objetivo era a formação de um grande Estado pangermânico, capaz de tudo tragar pela violência e diante
do qual todas as outras nações tremeriam” (BAKUNIN, Mikhail. Estatismo e anarquia. São Paulo: Editora
Imaginário, 2003, p.153).
16
Esta Assembléia, instaurada em 22/5/1848 reunia membros da nobreza, da burguesia e da pequena-burguesia,
com vistas à institucionalização de uma monarquia parlamentar. Segundo Bakunin, “toda a incapacidade
revolucionária, para não dizer a insondável asneira dos democratas e dos revolucionários alemães, apareceu às
claras. Os radicais prussianos jogaram-se a fundo no jogo parlamentar e desinteressaram-se por todo o resto.
Acreditavam com seriedade na virtude das decisões parlamentares e os mais inteligentes dentre eles pensavam
que as vitórias que conquistavam no parlamento decidiam a sorte da Prússia e da Alemanha. Eles haviam fixado
uma tarefa impossível: conciliar o governo democrático e a igualdade” (Bakunin, 2003, p.188).
17
Deste modo, a adesão da burguesia à contra-revolução levou ao fracasso do
movimento liberal-democrático na Alemanha e à outorga de uma constituição reacionária
pelo rei da Prússia
17
. Como Marx apontou, temendo o radicalismo do povo, a burguesia alemã
sufocou suas próprias aspirações revolucionárias no intuito de preservar seus interesses
particularistas. Neste sentido, as revoluções alemãs de 1848 e 1849 configurariam um
fenômeno secundário, diante das demais revoluções da Europa:
Longe de ser uma revolução européia, não passou de abafada
ressonância da revolução européia num país atrasado. Em lugar
de adiantar-se à sua época, atrasou-se em relação a ela em mais
de cinqüenta anos. (...) A burguesia alemã desenvolvera-se com
tanta languidez, tão covardemente e com tal lentidão, que, no
momento em que se opôs, ameaçadora, ao feudalismo e ao
absolutismo, foi de encontro à ameaçadora oposição do
proletariado e de todas as camadas da população urbana, cujos
interesses e idéias eram afins aos do proletariado
18
.
Depois de frustrada a experiência revolucionária pela fragmentação da frente popular
composta pela associação de forças entre democratas radicais, republicanos e socialistas o
incipiente movimento operário alemão seguiu rumos próprios, em direção à constituição de
uma organização autônoma e independente. Se até 1847 os socialistas ainda tinham em mente
que a conquista do poder somente poderia ser efetivada pela burguesia, cabendo-lhes tomar
parte na revolução como meros auxiliares
19
, após 1849 passaram a sublinhar as suas
divergências em relação aos democratas burgueses e pequeno-burgueses, a manifestar sua
desconfiança em relação aos “aliados” do proletariado e a ressaltar a importância de uma
“revolução permanente”, ou seja, de uma crescente radicalização da revolução:
17
A Constituição Prussiana outorgada pelo rei Frederico Guilherme IV instituía o sistema de três classes para as
eleições do Landtag, além de restringir severamente o direito de expressão e associação.
18
MARX; ENGELS. “A burguesia e a contra-revolução”. Obras escolhidas. São Paulo: Alfa-Omega, v. 1, 1980,
p.50. Escrito por Marx em 11/12/1848.
19
No projeto de programa para a Liga dos Comunistas, Engels dispunha: “Na Alemanha (...) ainda não se travou
a batalha decisiva entre a burguesia e a monarquia absoluta. Mas, como os comunistaso podem acabar com a
burguesia antes que ela chegue ao poder, convém-lhes ajudá-la a conquistá-lo o quanto antes, para que, o quanto
antes, possam eliminá-la. Os comunistas, portanto, devem sempre tomar o partido da burguesia liberal contra os
governos, recusando-se, contudo, a compartilhar das ilusões burguesas ou a dar ouvidos às promessas sedutoras
acerca das mágicas vantagens que acarretará ao proletariado o triunfo da burguesia” (ENGELS. “Princípios do
comunismo”. In: Friedrich Engels: Política - Coleção Grandes Cientistas Sociais, n.17. José Paulo Netto [org].
São Paulo: Ática, 1981, p.99).
18
Enquanto os pequenos burgueses democratas querem concluir a
revolução o mais rapidamente possível, depois de terem obtido,
no máximo, os reclamos supramencionados, os nossos
interesses e as nossas tarefas consistem em tornar a revolução
permanente até que seja eliminada a dominação das classes
mais ou menos possuidoras, até que o proletariado conquiste o
poder do Estado, até que a associação dos proletários se
desenvolva, não num só país, mas em todos os países
predominantes do mundo, em proporções tais que cesse a
competição entre os proletários desses países, e até que pelo
menos as forças produtivas decisivas estejam concentradas nas
mãos do proletariado. Para nós, não se trata de reformar a
propriedade privada, mas aboli-la; não se trata de atenuar os
antagonismos de classe, mas de abolir as classes; não se trata de
melhorar a sociedade existente, mas de estabelecer uma nova
20
.
Cabe lembrar que nesta época o movimento operário ainda encontrava-se em seus
primórdios. As associações de artesãos e os grupos e círculos democráticos freqüentados pela
burguesia progressista tais como os “comitês constitucionais” predominavam no cenário
político como representantes das camadas populares.
Assim, as primeiras organizações operárias assumiram a forma de sociedades de
assistência mútua, geralmente integradas por trabalhadores pertencentes a um mesmo ramo
produtivo ou profissão. Tais associações, desprovidas de um caráter de classe, eram toleradas
e até estimuladas pelo governo
21
. Além destas, existiam ainda associações formadas por
intelectuais, operários e trabalhadores exilados em países como França, Inglaterra, Suíça e
Bélgica como o alfaiate Christian Wilhelm Weitling. Estes grupos, por sua vez, possuíam
uma orientação variada, sofrendo influência de inúmeras correntes ideológicas, como do
socialismo utópico, do comunismo, do liberalismo-democrático e do hegelianismo de
esquerda.
Somente em 1846 os comunistas criaram na Alemanha organizações próprias,
clandestinas, associadas às “sociedades de correspondência” de Londres, Paris e Bruxelas
das quais participavam Marx e Engels. A “Federação dos Justos”, criada por Schapper, Bauer
e Moll deu origem, em 1847, à Liga dos Comunistas”, organizada com base nos princípios
do centralismo democrático, possuindo comitês regionais vinculados a um comitê central,
além de um órgão de imprensa. Em seu estatuto, constava expressamente: “A Liga persegue a
derrocada da burguesia e o domínio do proletariado, a supressão da velha sociedade burguesa
20
MARX; ENGELS. “Mensagem do Comitê Central à Liga dos Comunistas”. In: Obras escolhidas. São Paulo:
Alfa-Omega, v. 1, 1980, p. 86-87. Escrito em março de 1850.
21
GARCIA, J. Abellan. “Prefácio”. In: LASSALLE, Ferdinand. Manifesto operário e outros textos. Brasília:
Instituto Teotônio Vilela, 1999, p.13.
19
baseada no antagonismo de classes e a instauração de uma nova sociedade sem classes nem
propriedade privada”
22
.
Não obstante haver inaugurado um novo modelo de associação internacional com um
projeto revolucionário que incluía um programa e plano de ação proletários, a Liga não
conseguiu expandir o número de seus filiados e difundir amplamente seus princípios, devido à
encarniçada perseguição política exercida pelos governos. Como conseqüência, em 1852, a
Liga Comunista foi extinta
23
.
Após 1848, organizações criadas pela burguesia e pela pequena-burguesia, destinadas
a artesãos e operários também começaram a surgir, como a “Fraternidade Operária Universal
Alemã” (Allgemeine Deutsche Arbeiterverbrüderung)
24
, dirigida por Stephan Born, ou ainda
os “Círculos Operários de Estudos” (Arbeiterbildungsverein), federação de pequenas
associações operárias sob a direção de Schulze-Delitzch, deputado do Partido Progressista
(Deutsche Fortschrittspartei). Tais organizações funcionavam como sociedades de socorro
mútuo (Selbsthülfe) e cooperativas de consumo, de matérias-primas, de crédito ou de seguro
contra doenças, tendo por objetivo corrigir” as falhas do sistema capitalista, sem recorrer à
ajuda do Estado ou de organizações sindicais
25
. Desta maneira, pregavam o manchesterismo,
alegando que a intervenção ativa do Estado sob a organização dos trabalhadores levaria à sua
bancarrota e à diminuição do rendimento dos operários.
Em oposição a este tipo de organização, foi fundada em 1863 a Associação Geral dos
Trabalhadores Alemães (Allegemeiner Deutscher Arbeiterverein ADAV), sob o comando
do advogado Ferdinand Lassalle (1825-1864). Seu programa procurava conjugar a crítica ao
liberalismo progressista burguês com as reivindicações de democratas radicais. Deste modo,
anunciava que o movimento operário deveria se organizar como um partido independente
visando à realização de um trabalho de propaganda e mobilização “pacífica e legal” pela
reforma do Estado monárquico:
Sob o nome de Associação Geral dos Operários Alemães, os
abaixo assinados fundam, nos Estados confederados alemães,
22
RIAZANOV, David. Marx – Engels e a história do movimento operário. São Paulo: global, 1984, p.66.
23
Cf. MARX, ENGELS, HESS. De la “liga de los justos” al partido comunista. México: Roca, 1973.
24
Em 1849 a Fraternidade contava com 170 unidades locais e quase 15.000 membros, sendo considerada o
primeiro movimento de massas da Alemanha. Esta organização atuava em cooperação com sindicatos,
conferindo apoio a greves, associações de assistência mútua, cooperativas e a defesa de uma constituição liberal
(GARCIA, 1999, p.15).
25
Segundo Garcia, “com o seu cooperativismo, Schulze procurava manter a atividade dos artesãos, ao lado da
indústria que se desenvolvia, e integrar os operários no Mittelstand. O Mittelstand “burguês” devia acolher
também operários assalariados, que se integrariam por meio de cooperativas de produção ou dos efeitos do
crescente bem-estar social (participação nos lucros” (Garcia, 1999, p.28).
20
uma associação que, partindo da convicção de que só o sufrágio
universal igual e direto pode assegurar uma representação
conveniente dos interesses sociais da classe trabalhadora alemã,
bem como a eliminação dos antagonismos de classe, prossegue
o objetivo de agir, pela via pacífica e legal e, particularmente,
conquistando a opinião pública, para o estabelecimento do
sufrágio universal igual e direto.
26
Assim, a meta principal da organização lassalleana resumir-se-ia na instituição de uma
“monarquia social”, mediante a conquista do sufrágio universal igual e direto. Neste sentido,
somente através do exercício pleno das liberdades políticas o trabalhador poderia satisfazer
seus interesses legítimos
27
, pois, segundo Lassalle, por meio do sufrágio direto e universal os
órgãos legislativos
28
poderiam obrigar o Estado a cumprir a sua “verdadeira função”, isto é,
“proporcionar e facilitar os grandes progressos da civilização”.
29
Lassalle considerava, portanto, que seria a “vocação” e o “destino” do Estado intervir
no sentido de proporcionar meios e condições para que os operários se organizassem e se
associassem livremente
30
, especialmente através do fornecimento de capital ou empréstimos
para financiar cooperativas de produção. De acordo com Lassalle, as cooperativas de
produção, geridas de forma autônoma pelos trabalhadores, eliminaria a alienação e afastaria a
ação da “lei de ferro” dos salários que tornaria toda atividade sindical ineficaz
31
:
Converter a classe operária em seu próprio patrão: essa é a
forma única com que se poderia superar essa cruel e férrea lei
que determina o valor dos salários. (...) Se a classe operária for
seu próprio patrão, desaparecerá a distinção entre salário e
lucro, e com ela desaparece o salário propriamente, surgindo
em seu lugar o rendimento do trabalho. A supressão do lucro
empresarial da forma mais simples, pacífica e legal, ao
26
Programa da ADAV (MARX, Karl; ENGELS, F; LENIN, V. I. Critica do Programa de Gotha, Critica do
Programa de Erfurt e Marxismo e Revisionismo. Porto: Portucalense, 1971, p.89).
27
Em sua carta aberta (Offenes Antwortschreiben) ao Comitê Geral encarregado do Congresso Geral Operário
Alemão em Leipzig, de 1/3/1863, posteriormente conhecida como “Manifesto Operário” (Arbeitermanifest),
Lassalle declara: “A classe operária precisa integrar-se em um partido político independente e fazer do sufrágio
universal, igual e direto, bandeira e lema desse partido. Só a representação das classes trabalhadoras nas câmaras
legislativas alemãs pode satisfazer seus interesses legítimos em matéria política. Na dimensão política, o
programa do Partido Operário é, e tem que ser, o início de uma mobilização pacífica e ordenada rumo a esse
objetivo, com todos os meios legais ao seu alcance” (LASSALLE, Ferdinand. Manifesto operário e outros
textos. Brasília: Instituto Teotônio Vilela, 1999, p. 52).
28
“Quando se tiver elevado essa exigência nos órgãos legislativos, se possível discutir racional e
cientificamente os limites, as formas e os meios de tal intervenção. Estejam seguros então de que os homens que
compreenderem a situação de vocês e estiverem dedicados a esses assuntos, estarão de seu lado, armados com a
espada da ciência, e saberão defender seus interesses” (Ibid, p.77).
29
Para Lassalle, “esta é a vocação do Estado. Para isso ele existe, para isso sempre serviu e terá de servir” (Ibid,
p.67).
30
Ibid, p.66.
31
Segundo a “lei férrea do salário”, inspirada na teoria malthusiana, o salário é determinado pelo nível mínimo
de subsistência aceito em cada época.
21
reorganizar-se a classe operária como seu próprio empresário,
mediante associações voluntárias, é o único meio de superar
essa lei que, no sistema produtivo atual, distribui o rendimento
da produção entre salário (apenas necessário para sustentar a
vida do trabalhador) e todo o resto, que cabe ao empresário
32
.
Por conseguinte, a associação cooperativa livre e individual dos operários, viabilizada
com o auxílio do Estado, seria o único caminho para que se saia do “deserto em que foi
colocada a classe operária”. Para Lassalle, através das cooperativas de consumo o estrato
inferior da sociedade, representado pelos assalariados, elevar-se-ia ao Mittelstand, formando
uma “nova classe média universal”. Em contraste, o cooperativismo de Schulze-Delitzch seria
incapaz de oferecer melhores condições de vida para as massas trabalhadoras, pois as
cooperativas de crédito, de consumo e de matérias-primas beneficiariam um número cada vez
mais reduzido de pessoas, isto é, o “universo coletivo” dos artesãos
33
.
Destarte, em sua concepção, seria não somente tarefa do Estado, mas “sua mais nobre
obrigação”, fomentar e desenvolver as associações operárias
34
. Sob a perspectiva de Lassalle,
o Estado nada mais seria do que a “grande organização”, ou “a grande cooperativa das
classes trabalhadoras, uma vez que a sociedade seria composta predominantemente por
trabalhadores. Logo, as cooperativas de produção seriam “esquemas de assistência mútua
totalmente legítimos, naturais e justos, que as classes trabalhadoras criariam para si mesmas,
na qualidade de grande cooperativa, e concretamente para seus membros, como indivíduos”
35
.
A seu ver, portanto, a missão histórica da classe operária consistiria justamente na
eliminação de todos os privilégios e na realização do “Estado moral”, através da utilização do
sufrágio universal e igualitário. Ao conceber o Estado como uma “unidade dos indivíduos
reunidos em um todo moral”, que tem por finalidade “educar o gênero humano para a
liberdade” e, assim, “dar existência à humanidade”, Lassalle recaíra em um culto ao Estado,
que deitava raízes em sua forte admiração pela filosofia hegeliana
36
.
Sua defesa de um Estado nacional forte e centralizado levou-o a apoiar a unificação da
Alemanha sob o controle e a preponderância da monarquia prussiana e a aproximar-se de
Bismarck. Na correspondência que manteve com o Primeiro Ministro
37
, Lassalle solicitava-
lhe, em segredo, patrocínio político e favores financeiros, em troca do suporte ao governo
32
Ibid, p.66.
33
Ibid, p.57.
34
Ibid, p.72.
35
Ibid, p.77.
36
Ibid, p.29-33.
37
Publicada pela primeira vez em 1928, por Gustav Mayer (Mézáros, 2004, p.371).
22
conferido pelas massas trabalhadoras. O autor chega a lhe assegurar que a classe operária viria
a aceitar o governo ditatorial, desde que este implementasse uma política paternalista:
[Os estatutos] o convencerão claramente do quanto é verdade
que a classe trabalhadora sente uma inclinação instintiva para a
ditadura, caso ela possa ser, de início, corretamente convencida
de que esta será exercida em seu interesse; e o quanto, apesar
de todas as opiniões republicanas ou, antes, precisamente por
causa delas –, estaria, portanto, inclinada, como eu lhe disse
recentemente, a considerar a Coroa, em oposição ao egoísmo da
sociedade burguesa, como a representante natural da ditadura
social, se a Coroa, por seu lado, puder se decidir a dar o passo
certamente muito improvável de tomar uma linha
revolucionária e transformar-se da monarquia das ordens
privilegiadas em uma monarquia do povo, social e
revolucionária
38
.
Em carta a Kugelmann, de 23 de fevereiro de 1865, Marx exprimira seu profundo
desprezo pela tática política assumida por Lassalle e pelo absurdo fato de este acreditar que o
Estado prussiano poderia exercer uma ação socialista direta. Marx denunciara, então, que
Lassalle havia feito um acordo com Bismarck, prometendo-lhe apoio à campanha militarista
pela anexação de Schleswig-Holstein – então território da Dinamarca – à Prússia, em troca do
sufrágio universal
39
.
A ligação de Lassalle com o governo prussiano foi confirmada, após a sua morte, por
declarações do próprio Bismarck:
Lassalle nada tinha que pudesse dar-me como ministro. O que
me atraía nele era a figura humana: um dos homens mais
engenhosos e amáveis com quem tratei, muito ambicioso,
absolutamente não-republicano; tinha convicção nacionalista e
monárquica. Sua idéia, sua aspiração, era a de um império
alemão, e tínhamos um ponto de contato. Lassalle era muito
ambicioso e tinha dúvidas sobre se o império alemão devia
adotar a dinastia Hohenzollern ou a dinastia Lassalle, mas não
há dúvida de que era integralmente monarquista. Lamento que a
sua posição política e a minha não me permitissem tratar muito
com ele, mas me agradaria ter como vizinho um homem com
uma capacidade e uma natureza espiritualmente o rica quanto
a sua
40
.
Apesar de sua defesa do sufrágio universal, Lassalle demonstrava compartilhar da
profunda antipatia pelo liberalismo das classes médias, expressa por Bismarck. A própria
organização do partido manifestava a inclinação de Lassalle ao autoritarismo. Como observou
38
Carta de Lassalle a Bismarck de 8/6/1863 (Mézáros, 2004, p.370-371).
39
MARX, ENGELS. Obras escolhidas. São Paulo: Alfa-Omega, v.3, 1980, p. 256-260.
40
Lassalle, 1999, p.34-35.
23
Robert Michels, a “estrutura da associação correspondia não às qualidades pessoais de
Lassalle, à indomável ambição de poder e ao caráter egocêntrico que faziam dele, homem de
gênio, tão mau conhecedor de homens, mas também à sua concepção teórica da tarefa que
incumbe a toda organização partidária
41
.
A organização do partido seguia o modelo da Nationalverein (Liga Nacional
Alemã), isto é, uma sociedade unitária constituída por uma Assembléia Geral (reunida
anualmente) formada por delegados eleitos segundo o número de membros das associações
locais; uma Diretoria Executiva composta por vinte e quatro membros eleitos pela
Assembléia; e um Presidente do partido, com um mandato inicial de cinco anos. O Presidente
possuía poderes quase totais: nomeava seus substitutos, seus plenipotenciários e até seu
sucessor, decidia a ordem do dia, podia demitir os comissários (Bevollmächtige) que o
representavam nos agrupamentos do partido, além de estar investido de poderes que lhe
permitiam tomar decisões urgentes posteriormente submetidas à Diretoria ou à Assembléia.
A centralização do poder nas mãos do Presidente do partido era ainda acentuada pelo fato de
os membros da Diretoria encontrarem-se dispersos por toda a Alemanha, dificilmente
podendo ser reunidos em uma assembléia
42
.
Segundo Lassalle, a concentração do poder dentro do partido seria sinal de sua força e
coesão internas:
Essa grande associação, que se estende por quase todos os
Estados alemães, funciona e se move com a coesão compacta
de um indivíduo. Muitos poucos grupos pude visitar, ou me
fiz conhecer pessoalmente. Não obstante, do Reno até o mar do
Norte, do Elba ao Danúbio, nunca ouvi um “não”; a autoridade
que vocês me confiaram se baseia absolutamente na livre
vontade, contínua e suprema! (...) Em toda parte ouvi dos
operários palavras que podem ser resumidas nesta frase: temos
que forjar nossa vontade em um instrumento e pôr esse
instrumento em mãos de alguém cuja inteligência, caráter e boa
vontade nos mereçam a devida confiança, para que possa usá-
lo! Os dois extremos opostos, a liberdade e a autoridade,
considerados até agora por nossos estadistas como
inconciliáveis, e cuja conjunção era vista como a pedra filosofal
esses dois opostos mais radicais formaram um amálgama na
nossa associação, que se converteu, assim, em modelo reduzido
do que será nosso futuro modelo de sociedade!
43
41
MICHELS, Robert. Os partidos políticos. São Paulo: Senzala, [196-], p.107.
42
Lassalle, 1999, p.37.
43
Discurso proferido por Lassalle em Ronsdorf, 22/5/1864 (Lassalle, 1999, p.244).
24
Mesmo após a morte de Lassalle em agosto de 1864, o partido continuou a cultuar o
seu nome e a adotar os princípios inscritos no Manifesto Operário”, de maio de 1863. Seus
sucessores na presidência, Bernhard Becker (entre 1864 e 1867) e Johann Baptist von
Schweitzer (entre 1867 e 1871), conseguiram expandir a organização através do trabalho de
divulgação e propaganda, no qual o jornal
Sozialdemokrat teve um importante papel
44
.
Diante do personalismo difundido na Associação Geral dos Trabalhadores Alemães,
Marx e Engels passaram a dirigir-lhe diversas críticas e a alertar para o “caminho falso”
trilhado pela organização lassalleana. Esta, para Marx, “era, simplesmente, uma organização
sectária e, como tal, hostil à organização do verdadeiro movimento operário que a
Internacional tem por objetivo criar”
45
. Ademais, o seu apego à política realista (Realpolitik)
culminaria na acomodação à situação existente:
Acredito que Schweitzer, etc, agem de boa fé, mas são
“políticos práticos”. Querem levar em conta as circunstâncias
existentes e não pretendem abandonar o privilégio da
Realpolitik (...). Sabem que a imprensa operária e o movimento
operário na Prússia (e, em conseqüência, no resto da
Alemanha), existem por uma concessão da polícia. Querem,
por isso, tomar as coisas como são, evitar provocar o governo,
etc., da mesma forma que nossos políticos realistas
“republicanos” estão dispostos a “tomar” um imperador da casa
dos Hohenzollern
46
.
As profundas divergências teóricas e práticas entre o grupo socialista e o lassalleano,
conduziram à fundação da Associação Internacional dos Trabalhadores, mais conhecida como
a Primeira Internacional. A Internacional seria um prolongamento da tentativa de se criar uma
Liga Comunista
47
, cujo objetivo principal residia no estabelecimento de “um ponto central de
comunicação e de cooperação entre as sociedades operárias dos diferentes países que aspiram
ao mesmo fim, a saber, o auxílio mútuo, o progresso e a completa libertação da classe
trabalhadora”
48
.
44
Em 1864 possuía 4.600 membros, espalhados em 50 agrupamentos; em 1875 este número chega a 15.322
membros (ibid, p.37).
45
Carta de Marx a Bolte, de 23/11/1871 (MARX, ENGELS. Obras escolhidas. São Paulo: Alfa-Omega, v.3,
1980c, p. 265).
46
Ibid, p. 259.
47
Cabe lembrar que esta foi extinta em 1852, dois anos após a cisão interna e expulsão da fração ultra-
esquerdista de Willich e Schapper, que defendiam a transformação da Liga em uma “sociedade de
conspiradores” (cf. MARX, La fraccion ultraizquierdista Willich-Schapper”. In: De la Liga de los Justos al
Partido Comunista. México: Roca, 1973, p.117-122).
48
Artigo do Estatuto da Primeira Internacional (MARX, Karl; ENGELS, F; LENIN, V. I. Critica do
Programa de Gotha, Critica do Programa de Erfurt e Marxismo e Revisionismo. Porto: Portucalense, 1971,
p.86).
25
Diferentemente da associação de Lassalle, a Internacional pregava que a emancipação
da classe operária e a abolição de todo o regime de classes seria obtida através da luta dos
próprios trabalhadores. O movimento político, portanto, é visto como meio para se atingir a
solidariedade entre os trabalhadores de várias profissões e dos diversos países e a
emancipação econômica da classe operária. Contudo, tal organização não estava livre de
conflitos. Consoante relembrou Marx, em carta a Bolte de 23 de novembro de 1871:
Em fins de 1868, o russo Bakunin ingressou na Internacional
com o objetivo de criar, no seio da organização, e sob sua
própria direção, uma segunda internacional chamada “Aliança
da Democracia Socialista”. Bakunin homem sem qualquer
conhecimento teórico pretendia que esta organização
particular representasse a propaganda científica da
Internacional. (...) Seu programa era uma confusão superficial
de retalhos mal alinhavados: igualdade entre classes (!),
abolição do direito de herança como ponto de partida do
movimento social (tolice saint-simoneana), o ateísmo como
dogma obrigatório para os membros da Internacional, etc, - e,
na qualidade de dogma principal, a abstenção (proudhoniana)
face ao movimento político
49
.
A corrente anarquista de Bakunin sustentava que o sistema representativo, longe de ser
uma garantia para o povo, criaria, pelo contrário, a existência permanente de uma aristocracia
governamental, que, por sua vez agiria contra o povo. Deste modo, o sufrágio universal seria
uma máscara por trás da qual “se esconde o poder realmente despótico do Estado, fundado
sobre os bancos, sobre a polícia e sobre o exército”, isto é, “um meio excelente para oprimir e
para arruinar um povo em nome e sob o pretexto de uma vontade popular”
50
.
No entanto, Bakunin protestara contra o epíteto de “abstencionista”, conferido por
seus adversários, pois, a ser ver, o boicote das urnas consistiria em uma questão tática, e não
de conteúdo. Assim, a renúncia a participar de eleições e a realizar alianças eleitorais com
partidos radicais burgueses o significaria a rejeição da “política” em si, mas somente da
política burguesa. Em contraste, defendia a insurreição de todo o povo, pela livre organização
das massas trabalhadoras de baixo para cima. Logo, a realização do “socialismo anti-
autoritário”, ou “libertário”, proposto pelos anarquistas, exigiria a prévia e completa ruptura
com todos os governos e formas de política burguesa.
49
Marx; Engels, 1980c, p. 265.
50
BAKUNIN, apud, GUÉRIN, Daniel; et allii. O anarquismo e a democracia burguesa. São Paulo: Editora
Global, 1980, p.12.
26
A crítica dirigida por Bakunin ao “marxismo”
51
, predominante na Internacional,
atribuía sua concepção de revolução e seu projeto de “ditadura do proletariado”
52
a uma
característica do temperamento do povo alemão, marcado pela “docilidade hereditária” e
“sede de domínio”. Segundo Bakunin, o alemão “é criado ao mesmo tempo para ser escravo e
para dominar (...), aceita de bom grado a disciplina mais dura, mais vexatória, mais
esmagadora; está mesmo pronto a amá-la desde que ela se coloque, ou, ainda, que ela coloque
o Estado alemão acima de todos os outros e de todas as outras nações.”
53
.
Por esta razão, reinaria entre os alemães um sentimento entusiasta de triunfo nacional,
político e militar, no qual se apoiariam, sobretudo, o poderio do Império pangermânico e seu
chanceler, o príncipe Bismarck. Sendo o nacionalismo e o militarismo aspectos fundamentais
do caráter do povo, estes sentimentos também atingiriam as massas e líderes operários, sob a
forma de um “temor à revolução” que os orientaria à agitação dita pacífica e legal. Ao mesmo
tempo, esta ação dirigida à atividade parlamentar serviria como válvula de escape para o
Estado alemão, sendo útil para a conservação e legitimação do seu poder
54
.
Partindo destas considerações, Bakunin conclui:
Enfim, é impossível esperar uma revolução na Alemanha, pelo
menos porque há, na realidade, no espírito, no caráter e no
temperamento do alemão, pouquíssimos elementos
revolucionários. O alemão refletirá o quanto quiser contra todo
representante da autoridade, mesmo contra o imperador. Nunca
acabará de refletir; mas, mesmo esta disposição de espírito,
volatilizando, se se pode dizer, suas forças morais e cerebrais, e
impedindo-o de se voltar para si mesmo, protege-o contra o
perigo de uma explosão revolucionária
55
.
Por conseguinte, Bakunin via o socialismo científico como a defesa de um governo
despótico das massas proletárias por uma nova e muito restrita aristocracia de verdadeiros ou
51
Concebido como o conjunto das teorias emanadas pelo próprio Marx.
52
Convém retomar a explicação de Eric Hobsbawm, concernente ao conceito de “ditadura do proletariado”:
“Nada indica que Marx tenha jamais usado o termo “ditadura” para indicar uma forma institucional específica de
governo, mas tão somente para definir o conteúdo, mais que a forma assumida pelo domínio de um grupo de
uma classe. No seu entender a “ditadura” da burguesia podia existir indiferentemente com ou sem o sufrágio
universal. É todavia possível que numa situação revolucionária um tal governo tenda a assumir formas mais
abertamente ditatoriais; o principal objetivo do novo regime proletário não pode ser senão o de ganhar tempo,
adotando as medidas necessárias a intimidar a burguesia” (HOBSBAWM. “Aspectos políticos de transição do
capitalismo ao socialismo”. In: História do marxismo I: o marxismo no tempo de Marx. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 1987, p.311-312). Desta forma, o autor argui que não há um modelo universalmente aplicável de forma da
ditadura do proletariado.
53
BAKUNIN, Mikhail. Estatismo e anarquia. São Paulo: Editora Imaginário, 2003, p.225.
54
Ibid, p.227.
55
Ibid, p. 229.
27
pretensos doutos
56
. Neste sentido, Bakunin repudiara categoricamente a possibilidade de
aliança com o recém-formado Partido Social-Democrata dos Trabalhadores Alemães:
Preservar-nos-emos de incitar nossos irmãos de origem a
ingressar nas fileiras do Partido Social-Democrata dos
Trabalhadores Alemães, à frente do qual se encontram, antes de
tudo, sob espécie de um duunvirato investido de poderes
ditatoriais, os Srs. Marx e Engels, e atrás deles, ou abaixo deles,
os Srs. Bebel, Liebknecht e alguns judeus encarregados dos
trabalhos literários; dedicar-nos-emos, ao contrário, com todas
as nossas forças, a desviar o proletariado eslavo de uma aliança
com este partido, de modo algum popular, mas por sua
tendência, seus objetivos e seus meios puramente burgueses e,
além do mais, alemão, por exclusividade, o que seria mortal
para os eslavos
57
.
É interessante notar que Engels também havia analisado em rios escritos a
inclinação alemã à disciplina e ao “espírito militar”
58
. Em sua “Introdução à Guerra Civil na
França”, redigido em 18 de março de 1891, o autor retomou o assunto ressaltando a
necessidade de se abolir o “velho poder estatal” e substituí-lo por outro verdadeiramente
democrático. Para tanto, Engels adverte que a Alemanha é um país em que:
a fé supersticiosa no Estado se transplantou do campo filosófico
para a consciência comum da burguesia e mesmo de numerosos
operários. Segundo a concepção filosófica, o Estado é a
“realização da Idéia”, ou seja, traduzido em linguagem
filosófica, o reino de Deus sobre a terra, o terreno em que se
tornam ou devem tornar-se realidade a eterna verdade e a eterna
justiça. Surge daí uma veneração supersticiosa do Estado e de
tudo o que com ele se relaciona, veneração supersticiosa que se
vai implantando na consciência com tanto maior facilidade
quando as pessoas se habituam, desde a infância a pensar que
os assuntos e interesses comuns a toda a sociedade não podem
ser regulados nem defendidos senão como tem sido feito a
então, isto é, por meio do Estado e de seus bem pagos
funcionários.
59
Neste mesmo texto, Engels observa que teria sido dado um passo enormemente
audaz ao “libertar-se da na monarquia hereditária e manifestar-se entusiasmo pela
República democrática”. Não obstante, sublinha que o Estado “não é mais do que uma
máquina para a opressão de uma classe por outra, tanto na República democrática como sob a
monarquia; e, no melhor dos casos, um mal que se transmite hereditariamente ao proletariado
triunfante em sua luta pela dominação de classe”. Sendo assim, o proletariado vitorioso não
56
Ibid, p.213.
57
Ibid, p.75.
58
Cf. ENGELS, “The Prussian military question and the German Worker’s Party (1862)”. In: www.marxists.org.
59
MARX, ENGELS. Obras escolhidas. São Paulo: Alfa-Omega, v.2, 1980b, p. 51.
28
poderia deixar de “amputar imediatamente, na medida do possível, os aspectos mais nocivos
desse mal, até que uma futura geração, formada em circunstâncias sociais novas e livres,
possa desfazer-se de todo esse velho traste do Estado”
60
.
Como foi visto, a crítica formulada por Marx e Engels ao Estado não é menos severa e
contundente do que a endereçada por Bakunin. Contudo, as divergências em relação à tática
empregada distanciaram significativamente os dois grupos dentro da Internacional. Em
discurso à Conferência da Primeira Internacional, de 21 de setembro de 1871, Engels
explicitou tais diferenças:
Para nós, a abstenção é inviável. O partido operário existe
como partido político, na maioria dos países, e não seremos nós
que o destruiremos, pregando a abstenção. A experiência da
vida atual, a opressão política a que os governos existentes
submetem os trabalhadores (tanto com objetivos políticos como
sociais) obriga-os a se dedicarem, querendo ou não, à política.
Pregar a abstenção política aos operários significa lançá-los aos
braços da política burguesa. (...) Todos os abstencionistas se
pretendem revolucionários, e até revolucionários por
excelência. Mas a revolução é a suprema ação política: quem a
deseja deve desejar o que a viabiliza, a ação política que a
prepara, que propicia aos operários a educação revolucionária,
sem a qual, no dia seguinte ao da luta, eles serão enganados
pelos Favre e pelos Pyat. Contudo, a política a que devem
dedicar-se os trabalhadores é a política operária. O partido
operário não pode constituir-se como apêndice de um partido
burguês qualquer, mas como partido autônomo, com objetivo e
política próprios. As liberdades políticas, o direito de reunião e
associação e a liberdade de imprensa estas são as nossas
armas. Deveremos cruzar os braços e abstermo-nos quando nos
queiram tirá-las? Diz-se que toda ação política implica o
reconhecimento do estado de coisas existente. Mas quando esse
estado nos proporciona meios para lutar contra ele, recorrer a
tais meios não significa legitimar o status quo
61
.
Como resultado dos intensos e calorosos debates levadas a cabo no curso do ano de
1872 os anarquistas foram expulsos da Associação Internacional dos Trabalhadores. Convém
ressaltar que em carta a Bebel de 1873, Engels explicitou que a cisão da Internacional e a
exclusão dos anarquistas não deveriam ser concebidas como um enfraquecimento do
movimento operário; ao contrário:
dizia o velho Hegel que um partido mostra que é o vitorioso,
na medida em que se divide e consegue suportar a divisão. O
movimento proletário passa, necessariamente, por diferentes
60
Ibid.
61
ENGELS.Friedrich Engels: Política”. José Paulo Netto [org]. In: Coleção Grandes Cientistas Sociais, n. 17,
São Paulo: Ática, 1981, p.100-101.
29
fases de desenvolvimento; em cada uma dessas fases sempre
uma parte de seus componentes que se emaranha e fica no
caminho. Esta é a única razão por que, na prática, a
“solidariedade do proletariado” se realiza, em toda parte, em
diferentes grupos do partido que travam entre si uma luta de
vida ou morte, como no caso das seitas cristãs do império
romano, no período das piores perseguições
62
.
Com a exclusão dos anarquistas, consagrava-se entre os socialistas do ocidente o
formato organizacional e o paradigma programático adotados pelo Partido Social-Democrata
dos Trabalhadores Alemães, criado em 1869 por Wilhelm Liebknecht (1826-1900) e August
Bebel (1840-1913)
63
.
Em panfleto distribuído para o Congresso de Eisenach, na ocasião de fundação do
partido, Liebknecht expressava um posicionamento revolucionário e crítico em relação à
participação eleitoral:
O socialismo não é uma questão de teoria: é simplesmente uma
questão de força que não pode ser resolvida no Parlamento,
apenas no campo de batalha, como qualquer outra questão de
força... Para os povos como para os príncipes a violência tem a
última palavra. (...) sem dúvida o sufrágio universal é um
direito sagrado do povo e uma condição fundamental do Estado
democrático socialista do Estado democrático socialista ,
mas considerado à parte, separado da liberdade civil, sem
liberdade de imprensa, sem direito de associação, sob a
dominação dos sabres dos policiais e dos soldados, e, em uma
palavra, dentro do Estado absolutista, o sufrágio universal
pode ser o joguete e instrumento do absolutismo
64
.
O programa do partido (Sozialdemokratische Arbeiterpartei Eisenacher Programms)
aprovado no Congresso de Eisenach, em agosto de 1869, refletia igualmente tal duplicidade,
ou seja, a combinação do objetivo revolucionário com a demanda pela conquista das
liberdades civis, de modo a atrair, simultaneamente, elementos marxistas e radicalistas
burgueses. Destarte, o programa dividia-se em uma parte teórica, isto é, uma exposição de
princípios, e uma parte prática, com um programa de ação.
Malgrado a influência exercida pela teoria marxista colocando-se em primeiro plano
a luta pela igualdade dos direitos e dos deveres mediante a supressão de qualquer dominação
de classe o programa trazia em seu texto fórmulas vagas ou controversas, como, por
62
MARX, ENGELS. Obras escolhidas. São Paulo: Alfa-Omega, v.3, 1980c, p.274.
63
Neste mesmo ano o Partido Progressista racha devido ao dissenso quanto à unificação alemã: a ala direita do
partido constituiu o Partido Nacional-Liberal, oferecendo apoiou à unificação sob o comando da Prússia.
64
COLE, George Douglas Howard. Historia del pensamiento socialista: la segunda internacional: 1889- 1914.
México: Fondo de Cultura Economica, v.1, 1959, p.243.
30
exemplo, a pretensão de estabelecer um “Estado popular livre”, ou a idéia de restituir ao
trabalhador o “produto integral do seu trabalho”. Além disto, estabelecia que a liberdade
política seria a “condição mais indispensável da emancipação das classes trabalhadoras”, de
forma que a solução da questão social estaria subordinada à solução da questão política, pela
institucionalização de um Estado democrático
65
.
Embora se apresentasse como um braço da Internacional
66
, o Partido Social-
Democrata dos Trabalhadores Alemães demonstrava um forte viés reformista, desde a sua
criação. A ênfase concedida à via legal e às reivindicações imediatas era evidente
67
.
Tal orientação tornou-se ainda mais clara com a aprovação, no Congresso de Stuttgart
de 1870, de uma resolução segundo a qual o Partido de Eisenach deveria não apenas tomar
parte nas eleições para o Reichstag por razões de propaganda, como também no intuito de
65
A parte teórica do Programa de Eisenach dispunha: “I- O Partido Operário Social-Democrata pretende
estabelecer o Estado popular livre. II- Todo o membro do Partido Operário Social-Democrata se compromete a
defender com todas as suas forças os seguintes princípios: 1- As presentes condições políticas e sociais são
altamente injustas; convém, portanto, combatê-las com a maior energia. 2- A luta pela emancipação das classes
trabalhadoras não é uma luta com vista a privilégios e monopólios, mas uma luta pela igualdade dos direitos e
dos deveres e pela supressão de qualquer dominação de classe. 3- A dependência econômica em relação ao
capitalismo constitui, para o trabalhador, a base da servidão em todas as suas formas; a social-democracia
procura dar a cada trabalhador o produto integral do seu trabalho, pela abolição do modo de produção atual
(assalariado) e pela organização do trabalho numa base cooperativa. 4- A liberdade política é a condição mais
indispensável da emancipação das classes trabalhadoras. Portanto, o problema social é inseparável do problema
político; a solução do primeiro está ligada à solução do segundo e é possível num Estado democrático. 5-
Considerando que a emancipação política e econômica da classe operária é possível se esta travar a luta
solidária e unida, o Partido Operário Social-Democrata dá-se uma organização uniforme, mas deixa a todos e a
cada um a liberdade de fazer a sua influência para o bem da comunidade. 6- Considerando que a emancipação do
trabalho não é nem um problema local nem um problema nacional, mas antes um problema social que abrange
todos os países civilizados, o Partido Social-democrata, na medida em que lho permitem as leis sobre as
associações, declara formar um ramo da Associação Internacional dos Trabalhadores, e declara prosseguir o
mesmo objetivo que esta (MARX, Karl; ENGELS, F; LENIN, V. I. Critica do Programa de Gotha, Critica do
Programa de Erfurt e Marxismo e Revisionismo. Porto: Portucalense, 1971, p. 89-91).
66
A organização do Partido Social-Democrata dos Trabalhadores Alemães seguia o modelo organizacional da
AIT, contando com um Comitê (Ausschuss) eleito, uma Comissão de Controle e uma Assembléia Geral (GAY,
Peter. The dilemma of democratic socialism. New York: Columbia University Press, 1970, p.114).
67
A parte prática do Programa de Erfurt dispunha: “III- Entre as reivindicações mais urgentes que o Partido
Operário Social-Democrata deve tomar como objeto de uma viva agitação, têm que citar as seguintes: 1-
Sufrágio universal, igual, direto e secreto concedido a todos os homens de vinte anos, para as eleições para o
Parlamento, os Landtags, as Assembléias provinciais e municipais e todos os outros corpos representativos. Os
representantes eleitos receberão emolumentos suficientes. 2- Legislação direta (atribuição ao povo do direito de
propor e rejeitar as leis). 3- Supressão de todos os privilégios de classe, de propriedade, de nascimento e de
culto. 4- Substituição do exército permanente por uma milícia popular. 5- Separação da Igreja e do Estado, e
separação da escola e da Igreja. 6- Instrução obrigatória nas escolas populares e instrução gratuita em todos os
estabelecimentos de instrução pública. 7- Independência dos tribunais, criação do júri e de jurisdições
profissionais para cada ramo de indústria, processo público e verbal; gratuidade da justiça. 8- Revogação de
todas as leis sobre a imprensa, sobre o direito de reunião e de coligação; introdução do dia de trabalho normal;
limitação do trabalho das mulheres, proibição do trabalho das crianças. 9- Supressão dos impostos indiretos,
imposto direto único e progressivo sobre o rendimento e as heranças. 10- Apoio dado pelo Estado ao movimento
cooperativo, créditos especiais afetados pelo Estado às associações livres de produção, sob certas garantias
democráticas” (MARX, Karl; ENGELS, F; LENIN, V. I. Critica do Programa de Gotha, Critica do Programa
de Erfurt e Marxismo e Revisionismo. Porto: Portucalense, 1971, p. 89-91).
31
participar das decisões parlamentares “pelo bem da classe trabalhadora”. Todavia, de acordo
com a resolução, o partido deveria manter, em geral, uma atitude negativa frente ao trabalho
do Parlamento, além de não participar de nenhuma aliança nem aceitar qualquer compromisso
com outros partidos
68
.
A participação dos representantes do partido no Parlamento, no entanto, viu-se
prejudicada com o advento da Guerra Franco-Prussiana em 1870. Os protestos de Liebknecht
e Bebel contra a guerra e a anexação da Alsácia-Lorena renderam-lhes duas condenações por
incitação à alta-traição, sendo sentenciados a penas de quatro anos de prisão. O
recrudescimento da repressão a greves e manifestações e a crise econômica deflagrada em
1873 tiveram por efeito a aproximação entre o partido lassalleano e o partido eisenachiano, no
início da década de 70. Assim, foi iniciado um movimento pela unificação das duas
organizações operárias.
Mesmo reconhecendo a situação adversa enfrentada pelo partido, Marx e Engels
mostravam-se receosos em relação à recepção de grupos lassalleanos, considerando-os uma
ameaça em potencial de desfiguração e descaracterização do partido. Em carta a Bebel de 20
de junho de 1873, Engels manifestara sua preocupação de que uma atitude conciliatória
poderia conduzir ao sacrifício dos princípios socialistas:
É necessário não se deixar enganar pelos gritos de “unidade”.
Precisamente os que mais abusam desta palavra-de-ordem são
os primeiros a provocar dissensões (...). É natural que todo
organismo dirigente do Partido procure êxitos em seu trabalho.
Há, porém, circunstâncias em que é necessário ter a coragem de
renunciar aos êxitos imediatos em benefício de coisas mais
importantes. Isso é verdade particularmente para um partido
como o nosso, cuja vitória final está plenamente assegurada e
cujo crescimento, em nossa época e ante nossos próprios olhos,
tem sido tão grandioso. Um partido assim não necessita sempre
e em todas as condições conquistar êxitos imediatos
69
.
Assim, de acordo com Engels, embora o movimento proletário estivesse passando por
uma fase conturbada, o partido não deveria ter em mira “arrebatar, aqui e ali, alguns grupos
de militantes ao adversário”, mas sim, “influenciar as grandes massas que ainda não se
incorporaram ao movimento”. Deste modo, evitar-se-ia que fossem trazidos ao partido as
vicissitudes das concepções lassalleanas
70
.
68
PRZEWORSKI, Adam. Capitalismo e social-democracia. São Paulo: Companhia das Letras, 1989, p.22.
69
MARX, ENGELS. Obras escolhidas. São Paulo: Alfa-Omega, v.3, 1980c, p.273.
70
Ibid, p.272.
32
Malgrado as várias advertências de Marx e Engels, em maio de 1875 foi realizado o
Congresso de Gotha, no qual foi aprovada a fusão entre os dois partidos. Compareceram ao
congresso 56 delegados marxistas (que representavam 9.121 membros) e 74 delegados
lassalleanos (representando 15.322 membros)
71
. Deste modo, fundaram o Partido Socialista
dos Trabalhadores da Alemanha (Sozialistische Arbeiterpartei Deutschlands), dirigido por um
Executivo (Vorstand) eleito por um Congresso Geral, por maioria simples, além de uma
Comissão de Controle (Ausschuss) composta por dezoito membros
72
.
Nesta mesma ocasião foi aprovado o novo programa do partido, conhecido como o
Programa de Gotha. O conteúdo do programa tornava clara a tentativa de conciliação entre as
duas frações do partido, incorporando princípios lassalleanos e as reivindicações práticas
esboçadas no Programa de Eisenach. Poucos meses antes da unificação, em carta a Bebel de
18 de março de 1875, Engels havia prevenido o partido para a necessidade de se receber os
lassalleanos “da maneira mais fria”, e, assim, “testemunhar-lhes a maior desconfiança”. Para
Engels, os lassalleanos deveriam mostrar-se dispostos a abandonar as suas palavras de ordem
sectárias e os seus pedidos de ajuda ao Estado, aceitando, nos pontos essenciais, o Programa
de Eisenach de 1869, ou uma nova edição deste, corrigida conforme as circunstâncias
presentes
73
.
Contudo, de acordo com Engels, o projeto de programa apresentado pelo partido
provaria que,se a nossa gente é teoricamente muito superior aos chefes lassalleanos, quanto
à habilidade política fica muito abaixo deles. Os “honestos” conseguiram mais uma vez
deixar-se cruelmente levar pelos desonestos”
74
. Assim, em carta a Bracke, de 11 de outubro
de 1875, Engels recriminou Liebknecht pela incorporação de “frases e palavras de ordem de
Lassalle”, “banais reivindicações democráticas” e “imbecilidades horripilantes de teses
pretensamente comunistas”. Segundo o autor, “Liebknecht estragou tudo na sua ânsia de ver a
unidade realizada, de chegar a qualquer preço”; por conseguinte a unidade entre as duas
organizações traria em si o germe da futura cisão
75
.
Marx apresentou igualmente sua insatisfação, em carta a Bracke, de 5 de maio de
1875, ao considerar o programa “absolutamente condenável”. Para Marx o programa
desmoralizaria o partido, ao instituir uma “barganha de princípios”:
71
LASSALLE, Ferdinand. Manifesto operário e outros textos. Brasília: Instituto Teotônio Vilela, 1999, p.75.
72
GAY, Peter. The dilemma of democratic socialism. New York: Columbia University Press, 1970, p.115.
73
MARX, Karl; ENGELS, F; LENIN, V. I. Critica do Programa de Gotha, Critica do Programa de Erfurt e
Marxismo e Revisionismo. Porto: Portucalense, 1971, p. 68.
74
Ibid.
75
Ibid, p.75.
33
Pretendia-se manifestamente escamotear toda a crítica e banir
toda a reflexão do nosso próprio partido. É sabido que o
simples fato da unificação traz satisfação aos operários, mas
engana-se quem pensar que este resultado imediato não se paga
demasiado caro.
76
Marx aprofundou sua crítica em uma carta circular aos dirigentes do partido,
posteriormente publicada sob o título “Crítica ao Programa de Gotha” em 1891. Em sua
carta, Marx chamava a atenção para a utilização de uma fraseologia burguesa e lassalleana no
novo programa. Assim, o programa estaria permeado de afirmações como “o trabalho é a
fonte de toda a riqueza”, ou concepções estranhas ao socialismo, tais como “produto integral
do trabalho”, “direito igual”, “repartição eqüitativa”, “lei de bronze do salário” e “Estado
Livre”
77
.
Como resultado, o programa teria aderido a um socialismo vulgar que tomaria a
repartição como uma esfera independente do modo de produção e abandonaria qualquer
referência à necessidade de supressão das diferenças de classe. Destarte, em lugar da defesa
de um processo de transformação revolucionária da sociedade, tal programa pretenderia que a
“ajuda do Estado” conduziria à “organização socialista do conjunto do trabalho”; isto é, que o
fomento das cooperativas de produção pelo Estado levaria à construção de uma nova
sociedade. Para Marx este tipo de afirmação não teria base, posto que a derrubada das
condições de produção capitalistas não teriam relação alguma com a criação de sociedades
cooperativas subvencionadas pelo Estado. Neste sentido, as sociedades cooperativas só teriam
76
Marx;Engels, 1980c, p.10.
77
O Programa de Gotha, de maio de 1875, dispunha: “I- O trabalho é a fonte de toda riqueza e de toda a cultura e
como, em geral, o trabalho produtivo é possível pela sociedade, o seu produto integral pertence à sociedade,
quer dizer, a todos os membros desta, devendo todos participar no trabalho, em virtude de um direito igual,
recebendo cada um segundo as suas necessidades razoáveis. Na sociedade atual, os meios de trabalho são
monopólio da classe capitalista; o estado de dependência que daí resulta para a classe operária é a causa da
miséria e da servidão em todas as suas formas. A libertação do trabalho exige a transformação dos instrumentos
de trabalho em patrimônio comum da sociedade e a regulamentação do trabalho coletivo pela comunidade, com
afetação de uma parte do produto às necessidades gerais e distribuição eqüitativa do restante. A libertação do
trabalho deve ser obra da classe operária em face da qual todas as outras classes não formam mais que uma
massa reacionária. II- Partindo desses princípios, o Partido Operário Socialista da Alemanha esforça-se, por
todos os meios legais, por fundar o Estado livre e a sociedade socialista, por quebrar a lei de bronze dos salários
pela destruição do sistema do trabalho assalariado, por abolir a exploração em todas as suas formas, por eliminar
toda a desigualdade social e política. O Partido Operário Socialista da Alemanha, apesar de agir em primeiro
lugar no quadro nacional, tem consciência do caráter internacional do movimento operário e está resolvido a
cumprir todos os deveres que esse fato impõe aos trabalhadores com vista à realização da fraternidade de todos
os homens. O Partido Operário Socialista da Alemanha reclama, para preparar as vias para a solução da questão
social, o estabelecimento de sociedades operárias de produção com a ajuda do Estado, sob o controle
democrático do povo trabalhador. As sociedades de produção devem ser suscitadas na indústria e na agricultura
com tal amplitude que delas resulte a organização socialista do conjunto do trabalho.” (Marx; Engels; Lenin,
1971, p. 91-93).
34
valor enquanto criações independentes nas mãos dos trabalhadores, não sendo protegidas nem
por governos nem por burgueses
78
.
Ademais, Marx lançou luz à tentativa lassalleana de “dissimular a sua aliança com os
absolutistas e feudais contra a burguesia”, na medida em que reúnem todos os adversários da
classe operário em “uma mesma massa reacionária”. Em síntese, Marx realiza uma crítica
contundente à vinculação do movimento operário ao Estado e à ilusão de que através da
negociação com o governo poder-se-ia introduzir mudanças substanciais na ordem vigente.
Assim, visto que o Estado alemão não passaria de um “despotismo militar, com uma
armadura burocrática e blindagem policial, adornado de formas parlamentares, com misturas
de elementos feudais e de influências burguesas”, a idéia de uma “monarquia social” deveria
ser descartada:
A própria democracia vulgar, que na república democrática
o advento do reino milenar e que não tem a menor suspeita de
que é precisamente sob esta última forma de Estado da
sociedade burguesa que se travará a suprema batalha entre as
classes, a própria democracia esainda mil vezes acima de um
democratismo deste gênero, confinado aos limites do que é
autorizado pela polícia e proibido pela lógica (grifo nosso).
79
Cabe acrescentar que as críticas de Marx e Engels não foram bem recebidas pelos
dirigentes do novo partido. O texto da “Crítica ao Programa de Gotha” somente foi divulgado
oito anos após a morte de Marx, em 1891, devido à iniciativa e insistência de Engels. Neste
meio tempo, Marx e Engels não cessaram de se contrapor ao conteúdo do programa e à
influência da figura de Lassalle dentro do partido
80
.
Como Engels havia previsto, a busca pelo êxito imediato prevaleceu sobre a
salvaguarda dos princípios socialistas. A reputação de Lassalle e seus méritos de agitador
continuaram sendo exaltados no interior do movimento no intuito de atrair a massa dos
trabalhadores, ainda dispersa e avessa a questões de ordem política. Como conseqüência, o
Partido Socialista dos Trabalhadores da Alemanha sofreu uma significativa expansão, até ser
colocado na clandestinidade pelas leis anti-socialistas de Bismarck. Contudo, seu crescimento
não conseguiu abafar os conflitos internos latentes, que Engels identificara na ocasião de
sua fundação, conforme veremos mais adiante.
78
Ibid, p.28.
79
Ibid, p.31.
80
Engels, em carta a Bracke, de 11/10/1875, afirmou: “Felizmente o programa teve uma apreciação mais
favorável do que merecia. Operários, burgueses e pequeno-burgueses lêem nele o que verdadeiramente devia
estar e não o que efetivamente está; e nem sequer ocorreu a ninguém examinar publicamente o conteúdo real
de uma dessas maravilhosas frases. Isso permitiu-nos ficar calados” (Ibid, p.76).
35
1.2- A repressão e a reestruturação do movimento
A década de 1870 teve início na Alemanha com a vitória do projeto militarista e
expansionista das elites conservadoras. Sob a liderança de Bismarck, Primeiro Ministro da
Prússia a partir de 1862, foi concretizado o processo de unificação nacional, que o havia
motivado desde seu ingresso no governo de Guilherme I, como explicitara na ocasião:
As fronteiras da Prússia são exíguas e não convém a um Estado
de primeira ordem. Para conquistar novas fronteiras é preciso
desenvolver e aperfeiçoar a organização militar. É necessário
preparar-se para um conflito próximo e, enquanto aguardamos,
reunir e aumentar nossas forças. O erro cometido em 1848 foi o
de querer fazer da Alemanha um único Estado por meio de
instituições populares. Os grandes problemas nacionais não são
resolvidos pelo direito, mas pela força; a força tem sempre
primazia sobre o direito
81
.
A unificação do país recebeu o apoio das elites aristocráticas locais e da burguesia,
atraída, sobretudo, pelas grandes perspectivas de expansão comercial abertas pela abolição
das barreiras econômicas. Assim, a fase conhecida como Gründerzeit (“período dos
fundadores”) foi caracterizada pelo desenvolvimento de uma “modernização conservadora”
82
,
impulsionada simultaneamente pelo Estado e pelas elites econômicas do campo e da cidade.
Acompanhando o processo de expansão comercial e industrial, verificou-se ainda o
incentivo à produção em diversas áreas como nas artes, ciências, imprensa e educação
83
. As
cidades expandiram, juntamente com o número de serviços e a infra-estrutura urbana. Deste
modo, à medida que crescia economicamente e emergia como uma das principais potências da
Europa continental, a Alemanha foi estendendo seu poder e influência cultural.
O Kaiserreich, marcado pelo espírito militar e autoritário da aristocracia agrária,
prosseguiu sua política belicista e anexionista, após a consolidação da unidade alemã.
Bismarck, na qualidade de chanceler do Reich (de 1871 a 1890), promoveu uma complexa
política de alianças ao longo da década de 1880 que o colocaram em uma difícil posição
81
Discurso de Bismarck de 1862 (Bakunin, 2003, p. 205).
82
Cf. MOORE Jr. Barrington. As origens da ditadura e da democracia. São Paulo: Martins Fontes, 1983.
83
Cf. MAYER, Arno J. A força da tradição. São Paulo: Companhia das Letras, 1987.
36
diante das demais potências
84
. Ademais, criavam-se as condições para a implementação de
uma política colonialista direcionada para territórios na África, em Nova Guiné e no Pacífico.
A força e o poderio do Império constituído como uma federação das dinastias
reinantes traduziam-se, igualmente, na concentração do poder político interno. A nova
constituição, aprovada pelo Reichstag em 1871, representava a extensão da constituição da
Confederação Germânica do Norte (1866), agora abarcando 25 Estados e Alsácia-Lorena
85
.
Diferentemente do esboço preparado pela Assembléia Constituinte de Frankfurt de 1849
posteriormente dissolvida –, tal constituição não possuía uma carta de direitos fundamentais.
Segundo o texto constitucional, o rei da Prússia e Imperador Germânico seria o
chefe das forças armadas (exército e marinha), trataria de assuntos externos e nomearia o
chanceler imperial e o gabinete ministerial. Outrossim, instituía-se um sistema bicameral, no
qual o Bundesrat (Conselho Federal) composto por representantes nomeados pelos
respectivos Estados
86
aprovaria a declaração de guerra, a dissolução do Reichstag, e a
intervenção em Estados (exceto na Baviera). o Reichstag
87
cujos membros eram eleitos
por cinco anos em eleições diretas, por meio de sufrágio universal masculino
88
seria
responsável pela aprovação do orçamento e das leis referentes à jurisdição federal (exército,
marinha, impostos e taxas, indústria, comércio e comunicação, finanças, patentes, pesos e
medidas, censura, leis civis e criminais, etc.).
Cabe salientar, no entanto, que os poderes do Reichstag eram consideravelmente
limitados. Além de não poder propor leis nem poder votá-las sem a concordância do
Bundesrat, o Reichstag estava sob permanente ameaça de dissolução, pois poderia ser fechado
ao arbítrio do governo, quando, então, seriam convocadas novas eleições. Assim, o
Parlamento única instituição “unitária” representativa do povo alemão não detinha
84
Em 1882 fez parte da Tripla Aliança, com Áustria e Itália, que obrigava a declarar apoio em casos de guerra
com a Rússia (pelos Bálcans e a Bósnia Hezergovina), a França (Alsácia-Lorena, Roma) e a Inglaterra.
85
O Kaiserreich era um Estado federal, formado por 25 Länder: desde a Prússia, com mais de metade da
população e a totalidade dos recursos naturais e da metalurgia, até os pequenos principados de 50 mil habitantes,
passando pela Baviera, Saxônia e Württemberg, com alguns milhões de habitantes, mais as três “cidades livres”
de Hamburgo, Bremen e Lübeck, cada um com a sua constituição. Prússia tinha rei, Baviera, Saxônia e
Württemberg também, Baden e Hesse, grão-duques; cidades livres tinham Senado. Embora a legislação imperial
estivesse acima da estadual, os Estados deteriam controle de seu Judiciário, da polícia, da taxação local, da
política educacional, das igrejas, das ferrovias e dos correios.
(Cf. LOUREIRO. A Revolução Alemã, 1918 - 1923. São Paulo: UNESP, 2005).
86
Dos 58 assentos a Prússia exercia o controle sobre 20 deles. Era necessário o veto de 14 membros para impedir
a aprovação de emendas constitucionais (Cf. RODES, John E. Germany: a history. New York: Holt, Rinehart
and Winston, 1964).
87
Dos 397 assentos do Reichstag, 235 eram prussianos. Convém lembrar que até 1906 seus membros não eram
remunerados (Cf. Rodes, 1964).
88
Homens maiores de 25 anos.
37
controle efetivo sobre o Executivo, não possuindo poderes para destituir o Chanceler, que
apenas respondia ao Imperador (Kaiser). Deste modo, a impotência política do Parlamento
converteu-o em um mero fórum de discussões, com uma atuação política restrita à crítica,
pressão e à aprovação de projetos de lei.
Max Weber, em sua análise do “período bismarckiano”, publicada em junho de 1917
sob o tulo “Parlamentarismo e governo numa Alemanha reconstruída”, enfatizou a
necessidade de ampliação do escopo do Parlamento através da outorga de poderes de
fiscalização, como, por exemplo, o direito de instaurar inquéritos parlamentares. Segundo
Weber, o Parlamento somente seria eficaz na medida em que contribuísse para a publicidade e
supervisão da administração. Ademais, consoante o autor, como os líderes políticos não
conseguiriam encontrar sua vocação no parlamento e nos partidos e o Executivo, por sua
vez, estaria nas mãos de burocratas que não seriam líderes partidários e nem estariam em
contato permanente com os partidos o “patronato parlamentar” favoreceria a prevalência da
mediocridade na esfera política
89
.
Com efeito, o Parlamento não passaria de um “carimbo involuntariamente tolerado de
uma burocracia dominante”, caracterizado pela dependência política, impotência e baixo nível
intelectual de seus membros
90
:
um Parlamento ativo e não um Parlamento onde apenas se
pronunciam arengas pode proporcionar o terreno para o
crescimento e ascensão seletiva de líderes genuínos, e não
meros talentos demagógicos. Um Parlamento ativo, entretanto,
é um Parlamento que supervisiona a administração participando
continuamente do trabalho desta
91
.
Considerando que a participação seria precondição para o desenvolvimento do
discernimento político, Weber asseverou que a Alemanha não encontrou condições propícias
para desenvolver uma tradição política. Neste sentido, a nação estaria desacostumada a
participar da resolução de seus assuntos políticos através de seus representantes eleitos e
estaria despreparada para considerar criticamente as qualificações de seus representantes.
Assim, Weber destacara que o legado que Bismarck deixou atrás de si foi “uma nação sem
qualquer sofisticação política” e “sem qualquer vontade política própria” por estar
89
WEBER, Max. “Parlamentarismo e governo numa Alemanha reconstruída: uma contribuição à crítica política
do funcionalismo e da política partidária”. In: Coleção Os pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1974, p.52.
90
Ibid, p.21.
91
Ibid, p.44.
38
acostumada à idéia de que o grande estadista ao leme tomaria as decisões políticas
necessárias”.
92
O caráter conservador do governo imperial ficou ainda mais evidente a partir da
outorga de leis anti-socialistas, em 1878, que tornaram o Partido Socialista dos Trabalhadores
Alemães uma organização clandestina. A “política de ferro e sangue” adotada pelo governo,
sob o comando de Bismarck, com o apoio da burguesia
93
, vinha sendo colocada em prática
na perseguição a católicos, durante a Kulturkampf
94
, sobretudo no período de 1872 a 1887.
Assim como o governo tentou vincular o Partido do Centro à tentativa de assassinato de
Bismarck perpetrada por Kullmann (um tanoeiro desempregado e católico) em julho de
1874 – para justificar a promulgação de leis anti-católicas, a mesma estratégia foi aplicada em
relação aos social-democratas.
Em 1878 os social-democratas foram responsabilizados por dois atentados contra a
vida de Guilherme I, legitimando assim a elaboração de um projeto de lei anti-socialista. Este,
no entanto, não conseguiu a aprovação do Reichstag, que foi então dissolvido. Após nova
eleição, o governo obteve uma maioria para a aprovação da proposta. Por 221 votos contra
149, a lei acolhida, tendo entrado em vigor a partir de 19 de outubro de 1878.
A legislação anti-socialista aprovada pelo Reichstag proibia os socialistas de se
organizarem em grupos, devendo toda reunião operária estar submetida à supervisão da
polícia. A maioria de suas publicações foi tornada ilegal e seus distribuidores foram
condenados judicialmente por difundirem um conteúdo “subversivo para a ordem pública e
hostil ao interesse do Estado”
95
. Embora não restringisse a participação dos socialistas nas
eleições (desde que desvinculados do partido político) e o direito de greve, a vedação ao
direito de reunião e associação promoveu a desorganização do partido e de sindicatos.
92
Ibid, p.20.
93
“Os nacionais-liberais estavam dispostos a fazer mais do que concessões a Bismarck, e mesmo os
progressistas concordavam que se tomassem medidas no sentido de que se constituísse em delito comum o que
eles denominavam de “incitação ao ódio de classes” (Weber, 1974, p.18).
94
Neste período foram tomadas inúmeras medidas repressivas a fim de subordinar a Igreja ao Estado, desde
prisões de clérigos até a censura à imprensa católica. O governo, apoiado pelos partidos liberais, tinha como
objetivo obter o direito de sanção aos apontamentos da Igreja, controlar a educação e restringir a jurisdição das
cortes eclesiásticas (Weber, 18974, p.9-11).
95
Nos seis primeiros meses em que vigorou a lei de exceção, 127 publicações periódicas e 287 não-periódicas
foram censuradas. Nos dez anos seguintes estes números chegaram a 150 e 1.200, respectivamente (DROZ,
Jacques. Histoire générale du socialisme - tomo II. Paris: Presses Universitaires de France, 1974, p.25).
39
Além de restringir as atividades do partido, proibir reuniões e periódicos e fechar
associações socialistas locais, durante os doze anos em que vigorou o regime de exceção, 900
pessoas foram expulsas do país e 1500 condenadas a penas de prisão
96
.
A estratégia do governo, no entanto, não residia apenas em impor mecanismos de
coerção. A repressão foi combinada com a tentativa de promover a cooptação das massas
trabalhadoras. Com este fim foi criada uma máquina de propaganda do governo, financiada
pelo “Fundo Guelph”, que controlava a imprensa local
97
. Ademais, desde o início da década
de 1880, Bismarck levou a cabo um programa de legislação social que incluía a criação de um
sistema de seguridade social com leis de seguro à saúde (1883), seguro por acidentes de
trabalho (1884) e seguro por invalidez e velhice aos maiores de 60anos (1889) – e a regulação
das condições de trabalho.
Por conseguinte, a concessão de benefícios sociais a partir de fundos públicos ou de
fundos privados compulsórios foi utilizada como instrumento político para atrair os grupos
reformistas ligados ao movimento operário. Weber chamara a atenção para a estratégia
política do governo imperial que buscava conciliar paternalismo e política repressiva:
Ser convertida em demagogia (e péssima demagogia, diga-se)
foi também o destino da legislação de beneficência social
imperial nas mãos de Bismarck, por mais valiosa que se possa
considerar essa legislação em si mesma. Bismarck rejeitava a
legislação trabalhista protetora, a qual, afinal de contas era
indispensável à preservação dos recursos populacionais da
nação. Rejeitava-a acusando-a, em parte com argumentos
incrivelmente superficiais, de interferir nos direitos do patrão.
Pela mesma razão, Bismarck utilizou-se das disposições da
legislação anti-socialista para fazer a polícia destruir os
sindicatos, os únicos possíveis portadores de uma representação
realista de interesses da classe operária. Assim, compeliu os
membros sindicais ao mais extremo radicalismo de pura
política partidária
98
.
Até a morte de Guilherme I, em 1888, o governo não renunciou à política de
“contensão socialista”. No mês de abril de 1886, o Ministro do Interior, Robert von
Puttkammer, elaborou um decreto proibindo as greves e tornando os social-democratas
responsáveis de antemão por sua deflagração. Em julho do mesmo ano, o tribunal de Freiberg
96
JOLL, James. La Segunda Internacional. Movimiento obrero 1889-1914. Barcelona: Icalia, 1976, p.63.
97
Weber, 1974, p. 76.
98
Weber, 1974, p.19.
40
(na Saxônia) condenou a penas de prisão, sob o pretexto de reconstrução de ligas proibidas,
nove líderes social-democratas, dentre eles Bebel e Vollmar
99
.
Ao assumir o império, Frederico III, cedeu às pressões das forças progressistas,
demitindo von Puttkamer e adotando medidas mais liberais – como a anistia a presos políticos
social-democratas –, prontamente rejeitadas por Bismarck. A sua morte, apenas três meses
depois de assumir o poder, impediu a implementação de tais medidas, que seriam novamente
aventadas no início do governo de Guilherme II.
Pressionado pelo progressivo avanço do movimento social-democrata, que em 1890
conseguiu obter 20% do total de votos, Guilherme II, que ascendeu ao trono em 1889, passou
a adotar uma postura mais progressista, ensaiando uma maior aproximação com o movimento
operário através da ampliação da legislação social. Assim, em 1890 anunciou seu apoio à
greve dos mineiros no Ruhr
100
e sua intenção de estender o seguro social e a regulação das
condições de trabalho, fato que contribuiu para seu rompimento com Bismarck.
Ainda em 1890 Guilherme II inaugurou o “novo curso” de sua política através da
instituição de uma lei responsável pela criação de Tribunais do Trabalho, órgãos destinados a
mediar conflitos trabalhistas, que contariam com representantes de trabalhadores e
empregadores. Em 1891 redigiu uma lei que determinava a abolição do trabalho aos
domingos, limitava o trabalho infantil e feminino, proibia o pagamento em espécie, impunha
regras ao trabalho insalubre, limitava o poder dos empregadores quanto à imposição de multas
aos empregados e sugeria o estabelecimento de conselhos de trabalhadores ou comitês de
fábricas para ajudar a definir medidas de trabalho juntamente com os inspetores
governamentais.
Além destas medidas, o Imperador defendeu a implementação de um programa de
proteção ao trabalho a ser adotado por todos os países da Europa, por intermédio de uma
“Conferência Internacional sobre Problemas do Trabalho”, com o intuito de estabelecer
medidas comuns em todos os países, e assim evitar uma competição desigual no âmbito do
mercado. Por fim, Guilherme II rejeitou os apelos de Bismarck que bradava pela renovação
das leis anti-socialistas com novas e mais duras penas. Como os partidos conservadores não
aprovaram a versão mais branda das leis anti-socialistas, apresentadas pelo Imperador, estas
leis não conseguiram ser aprovadas pelo Reichstag, tendo sido finalmente revogadas.
99
Somente de agosto a janeiro de 1889, 237 pessoas foram levadas ao tribunal (Droz, 1974, p.29).
100
A greve dos mineiros no Ruhr reuniu mais de 120.000 trabalhadores (Rodes, 1964, p. 407-449).
41
Durante os anos em que permaneceu na ilegalidade, ou seja, de 1878 a 1890, o Partido
Socialista dos Trabalhadores Alemães assumiu a continuidade da luta socialista através de
duas frentes: o trabalho na clandestinidade e a atuação dentro da lei, através da eleição de seus
representantes para o Reichstag e, em alguns Estados, para o Landtag.
A estrutura do partido baseava-se fundamentalmente na ação dos “homens de
confiança” (Vertrauensmänner), designados pelos membros do partido de cada localidade
para que lhes representassem diante do organismo central
101
. Tentativas foram realizadas no
sentido de organizar congressos secretos que contariam com os líderes do partido, os
parlamentares social-democratas e os representantes municipais ou provinciais como
ocorreu, por exemplo, em Wyden (1880), Copenhague (1883) e St. Gall (1887) mas não
obtiveram sucesso em reunir grande número de pessoas.
Deste modo, enquanto suas atividades foram cerceadas pela legislação anti-socialista
de Bismarck, os social-democratas dedicaram-se a prosseguir em seu trabalho de organização,
administração e propaganda, empenhando-se na mobilização de novos militantes e na
utilização do Parlamento como uma instância de discussão e palco para manifestação de sua
total oposição ao governo.
Por força da lei de exceção, foram criados ainda inúmeros clubes e associações
esportivas e recreativas, com vistas a burlar a censura e reagrupar o movimento. Eram
celebradas reuniões fora do país e contrabandeadas um grande volume de publicações
socialistas como o jornal Der Sozialdemokrat”, impresso em Zurique e editado por Georg
von Vollmar. O clima de repressão e a insatisfação em relação ao governo contribuíram para
ampliar a base popular do partido
102
e radicalizar o movimento. No Congresso de Wyden
(1880), foi retirado do programa do partido o termo “legais” da cláusula que dispunha que a
ação da organização se daria “por todos os meios legais”. Em Copenhague (1883), o partido
declarou-se “revolucionário”, sem ilusões quanto à realização dos seus objetivos pela via
parlamentar.
Além de levar o partido a recorrer a meios ilegais para garantir sua sobrevivência, o
acirramento da repressão fez aumentar a desconfiança do movimento operário em relação ao
governo. Deste modo, várias correntes do partido que ainda sustentavam a política
101
Neste sistema a direção encontrava-se altamente centralizada, cabendo aos homens de confiança repassarem
as decisões do órgão central para os grupos locais.
102
Os incríveis êxitos eleitorais conquistados ainda durante o período de intensa repressão demonstraram a força
de sua organização e a disciplina de seus membros. Confira a tabela 1, em anexo, com os números referentes ao
resultado das eleições para o Reichstag.
42
conciliatória de Lassalle passaram a abraçar a idéia da luta de classes. Por conseguinte, este
período de aperfeiçoamento da luta clandestina deu ensejo à reestruturação do movimento, à
revisão de seus princípios e ao reforço da identidade de classe. Relembrando o período de
ilegalidade, Liebknecht escreveu:
A Alemanha é um despotismo com um falso
constitucionalismo. Existe a ditadura do capitalismo
representado pelo junkerismo, militarismo e polícia. Todas as
organizações independentes dos trabalhadores foram proibidas
nós não tínhamos movimento operário antes do moderno
movimento socialista, e a ausência de liberdade política nos
forçou à luta política pela sobrevivência.
103
O processo de radicalização do partido e o afloramento da crítica às instituições
políticas do Reich propiciaram o redimensionamento da tica parlamentar, ora vista como
instrumento inútil à causa proletária como para o grupo de Johann Most e Wilhelm
Hasselmann ora concebida como um entre outros instrumentos para a organização, agitação
e propaganda, capaz de demonstrar o fervor revolucionário das massas.
A expulsão dos grupos anarquistas no Congresso de Wyden, em 1880, fortaleceu o
impulso em direção à reformulação da base teórica e prática da social-democracia sob a
influência das idéias marxistas. Este processo de redefinição teórica contou com a intensa
participação de Engels, que exerceu um papel fundamental na divulgação e atualização da
teoria, sobretudo após a morte de Marx. A popularização de textos como o “Anti-Dühring”
(1878) ou de sua versão condensada, intitulada “Do socialismo utópico ao socialismo
científico” – facilitaram a recepção e apropriação do marxismo pela social-democracia.
Assim, o final do século XIX foi marcado pela expansão e progressiva hegemonia do
marxismo no interior do movimento operário europeu, destacando-se a influência exercida
pela social-democracia alemã na difusão da teoria marxista e sua significativa conversão em
paradigma organizativo para os demais partidos social-democratas criados. Deste modo, os
partidos socialistas fundados entre 1884 e 1892 adotaram os princípios da ação política e da
autonomia, concebendo a organização dos trabalhadores como o ponto de partida para a
conquista do poder político pelo proletariado uma classe social que tem como missão
histórica libertar não só a si mesma, mas também a toda a humanidade.
Tendo em vista a reorientação política do partido, o Congresso de Halle (1890)
aprovou uma moção pela criação de um novo programa para o partido, que doravante passa a
103
Entrevista de Liebknecht à revista “Justice” em 25/3/1899 (www.marxists.org).
43
ser chamado de Partido Social-Democrata da Alemanha (Sozialdemokratische Partei
Deutschlands).
O congresso seguinte, realizado em Erfurt (1891), portanto, introduziu mudanças, não
somente no tocante aos princípios adotados, mas também quanto à forma de organização. Se
durante a ilegalidade era impossível reunir uma assembléia completamente representativa do
partido, ou estabelecer um sistema de seções que pertencessem a um organismo central
elegendo-se, então, homens de confiança para estarem em contato com os pequenos grupos de
membros locais –, após a supressão da lei de exceção a estrutura básica do partido sofreu
alterações.
Assim, foi instituído um Congresso nacional de delegados eleitos em cada
circunscrição eleitoral, dentro das mesmas condições que os homens de confiança; um
Diretório partidário (Parteivorstand) composto de militantes eleitos pela Assembléia; uma
Comissão de controle, igualmente nomeada pelo Congresso para examinar as contas do
partido, composta por nove membros; e um jornal, o Vorwärts. Na base encontrava-se a união
social-democrata de cada circunscrição, dividida eventualmente em grupos locais; e acima
dela estavam as federações nacionais ou do Estado, cada uma com um Congresso e um
Secretariado.
104
Conforme a legislação se tornava progressivamente menos opressiva, ao longo das
décadas seguintes principalmente com a mudança na lei proibitiva de associações, em maio
de 1908 –, o Partido Social-Democrata foi convertendo-se em uma organização como as
demais, sendo permitida, inclusive, a admissão de mulheres. Contudo, a legalização do
partido, em 1890, trouxe à luz novas e antigas questões, reanimando velhos conflitos e
impondo novos desafios ao movimento social-democrata, como veremos a seguir.
104
DROZ, Jacques. Histoire générale du socialisme - tomo II. Paris: Presses Universitaires de France, 1974,
p.33.
44
2- Do Revisionismo Prático ao Revisionismo Teórico
2.1- A década de 1890 e o surto industrial
O início da década de 1870 foi marcado pela incidência de uma grave crise econômica
na Europa que vigorou até meados dos anos 90. Os inúmeros avanços nos setores de
transportes marítimos e terrestres propiciaram o acirramento da competição entre produtos
europeus e norte-americanos, conduzindo à queda dos preços dos alimentos e das matérias-
primas e a uma prolongada recessão econômica.
Na Alemanha recém-unificada
105
, a concorrência com produtos agrícolas estrangeiros
afetou as relações entre o campo e a cidade de modo significativo. A grande depressão
causada pela queda dos preços agrícolas particularmente de cereais, carnes e vegetais
106
levou à ruína de pequenos camponeses do oeste e do sudoeste
107
do Império. Nestas regiões
havia o predomínio de pequenas propriedades em que os camponeses mantinham certo grau
de independência. Estes camponeses cultivavam suas próprias terras ou as arrendavam para o
cultivo de sua pequena lavoura. Devido ao seu tamanho e isolamento, ficavam extremamente
vulneráveis diante do decréscimo dos preços agrícolas e freqüentemente eram levados a
hipotecar ou vender suas terras.
Diferentemente, a noroeste (em Schleswig-Holstein) e ao sul (na Baixa Saxônia e na
Baviera), onde predominavam os grandes e médios camponeses que não podiam cultivar suas
terras sem parceiros, servos ou jornaleiros, foram criadas cooperativas e comunidades
agrícolas que forneciam uma rede de apoio aos proprietários, evitando deste modo a sua
falência. a leste do rio Elba, abrangendo grande parte do território da Prússia e de
Mecklemburg, preponderava as grandes propriedades rurais e a agricultura em larga escala
que fazia uso de criados, parceiros e trabalhadores assalariados (incluindo eslavos e
poloneses). Dedicados ao cultivo intensivo de cereais (principalmente do trigo), beterrabas e
batatas, destinados não apenas ao mercado interno, mas à exportação agrícola, os grandes
proprietários rurais de origem nobre viram-se extremamente prejudicados com a crise no
campo. Diante desta situação, muitos buscaram diversificar seus investimentos, recorrendo,
por exemplo, à compra e locação de imóveis urbanos; outros aproveitaram a queda nos
105
Veja o mapa que destaca a incorporação de novos territórios na figura 1 dos anexos.
106
Para uma descrição detalhada dos efeitos da crise agrícola de 1873-1896, confira: STONE, Norman. La
Europa transformada 1878-1919. Madrid: siglo veintiuno, 1985, p. 32-39.
107
Max Weber, em “Capitalismo e sociedade rural na Alemanha”, apresenta as modificações internas da
propriedade senhorial da terra, engendradas durante a Idade Média século XIII a XV que teriam originado a
diferença entre as estruturas sociais rurais do leste e oeste (Weber, 1974, p.104-113).
45
preços das terras para expandir seu domínio fundiário, tomando-as das mãos de pequenos e
médios proprietários.
O declínio econômico dos grandes proprietários prussianos, no entanto, não
determinou a perda de seu poder político e social. Desfrutando de uma posição privilegiada
no governo, conseguiram assegurar tarifas alfandegárias, taxas de juros, subsídios e impostos
que lhes eram favoráveis. Deste modo, garantiram a aprovação, em 1879, de uma série de
medidas protecionistas que tinham em vista a elevação dos preços dos alimentos e das
manufaturas, salvaguardando os interesses dos “senhores do aço e do centeio”.
O auxílio governamental às elites agrárias, seja através da implementação de tarifas
alfandegárias ou da concessão de transporte subsidiado, crédito barato e descontos em
impostos, demonstra o prestígio e domínio reservados à nobreza, que permanecia exercendo
um papel dirigente conservador e semi-autocrático. Arno Mayer, em “A Força da Tradição”
108
, ressaltou a primazia destas elites tradicionais que, além de conservarem sua supremacia na
sociedade política, ainda retinham imensa riqueza e influência social e cultural. Segundo o
autor, sua posição era “sólida e terrível” e não precária e anacrônica precisamente porque
seu imenso capital era não apenas cultural e simbólico, mas também econômico. Embora sua
base material estivesse se debilitando devido ao relativo declínio do setor agrário, as nobrezas
sustentariam suas fortunas econômicas graças à obtenção de apoio governamental,
investimentos no setor não-agrário e a adoção de hábeis estratégias matrimoniais que os
vinculavam à nascente burguesia industrial e financeira
109
.
Além de possuírem praticamente todos os latifúndios
110
, as nobrezas detinham o
monopólio dos altos cargos do funcionalismo público civil
111
e militar
112
. A maioria dos
Ministros, Secretários de Estado e membros do corpo diplomático eram provenientes de
famílias aristocráticas. Contudo, de acordo com Mayer, a nobreza carecia das habilitações
108
MAYER, Arno J. A força da tradição. São Paulo: Companhia das Letras, 1987.
109
Ibid, p.131.
110
A nobreza deteria, em 1907, 13,5 milhões de acres. Havia 23.566 propriedades de mais de 250 acres cobrindo
cerca de 23% da superfície cultivada da Alemanha, destas 19.117 estavam na Prússia. Já no oeste, sul e centro da
Alemanha mais de 50% da terra cultivada era arrendada (25% a pequenos camponeses no oeste, 18% no sul e
5% no centro). Apenas 20% das terras senhoriais eram arrendadas nas províncias orientais e menos de 10% a
pequenos arrendatários (Mayer, 1987, p.35).
111
Segundo Mayer, em 1907, em todo o conjunto do império alemão, 25 dos 36 Regierungspräsidenten eram
nobres, 6 dos 12 Oberpräsidialräte; 35 dos 131 Oberregierungsräte, 140 dos 69 étatsmässige
Regierungsmitglieder (...), 217 dos 540 ausserestatsmässige Regierungsmitglieder, 121 dos 278
Regierungsassessorens e 271 dos 467 Landräte. Essa nobreza do serviço público incluía dois príncipes, 63
condes e 148 barões” (Mayer, 1987, p. 181).
112
Mesmo tendo decaído a percentagem total de nobres no oficialato de 65% para 30% no período entre 1860 e
1913, conservavam certo monopólio das patentes militares mais elevadas (Mayer, 1987, p.177).
46
necessárias para ocupar os escalões mais altos dos Ministérios da Guerra, Finanças,
Agricultura e Justiça. Conseqüentemente, nestas áreas ter-se-ia verificado a ascensão política
de elementos oriundos da alta burguesia.
A incorporação de grupos burgueses nos escalões inferiores do establishment cortesão-
aristocrático e sua progressiva infiltração nos altos postos da administração civil e do
oficialato militar o significaram, porém, uma ameaça ao status quo.A burguesia emergente
não contestava nem o status social nem o poder da aristocracia. Neste sentido, agia menos
como uma classe social “para si” – com um projeto político e cultural abrangente – do que um
grupo de interesse e pressão em busca de objetivos econômicos.
Consoante o entendimento de Arno Mayer, a falta de coesão social e cultural entre os
membros da burguesia industrial nacional e internacional, associada à sua desvantagem
numérica e econômica, inviabilizava quaisquer pretensões de oferecerem resistência ao poder
das elites tradicionais. Logo, às burguesias emergentes – enfraquecidas pelas divisões internas
entre a indústria pesada e a manufatura de bens de consumo em grande escala (e seus
respectivos associados bancários) e, ao mesmo tempo, separadas da pequena manufatura e do
comércio (o que as desprovia de uma ampla base popular) foi reservado um papel político
secundário como aliadas das classes governantes.
Em troca do apoio ao governo e da submissão ao poder da elite agrária, as burguesias
conseguiam o atendimento de várias reivindicações de cunho econômico, além de manter sob
controle as camadas proletárias em plena expansão. Como observou Engels, em seu prefácio
de 1891 à “Guerra Camponesa na Alemanha”,
por um lado o governo, a passos de tartaruga, reforma as leis no
interesse da burguesia, elimina os entraves feudais e os
obstáculos criados pelo particularismo dos pequenos Estados,
que impedem o desenvolvimento da indústria; introduz a
unidade das moedas, dos pesos e medidas, estabelece a
liberdade de indústria, etc; implanta a liberdade de domicílio,
pondo assim à disposição do capital e em forma ilimitada a
mão-de-obra da Alemanha; fomenta o comércio e a
especulação; por outro lado, a burguesia cede ao governo todo
o poder político efetivo, aprova os impostos, os empréstimos e
o recrutamento de soldados e ajuda a formular todas as novas
leis de reforma, de modo que o velho poder policial sobre os
elementos indesejáveis conserve toda a sua força. A burguesia
adquire sua paulatina emancipação social ao preço de sua
renúncia imediata a um poder político próprio
113
.
113
Marx, Engels, 1980b, p.199.
47
A subordinação política e cultural da burguesia industrial e financeira à aristocracia
manifestava-se também na assunção de uma mentalidade autoritária e militarizada e na
adoção dos valores pertencentes ao código de comportamento monárquico-aristocrático. A
fim de assegurar seus interesses e adquirir prestígio e legitimidade social, a alta burguesia do
Império passou, portanto, por um processo de “aristocratização” ou “enobrecimento”. Além
do ingresso no serviço público civil e militar, da obtenção de títulos
114
e ordens honoríficas
115
e da aristocratização de nomes de família
116
, seus membros reproduziam o código social e o
estilo de vida da aristocracia
117
. Deste modo, conforme atenta Mayer,
a velha nobreza rural e os novos magnatas do capital na
realidade nunca entraram numa rota de colisão. No máximo
acotovelavam-se ao manobrarem em busca de posições entre as
classes dirigentes, onde a burguesia permanecia como
seguidora e pretendente feudal. Nobres inveterados ocupavam e
controlavam rigidamente o acesso ao alto patamar social,
cultural e político a que aspirava a burguesia. Com uma
flexibilidade e capacidade de adaptação características, e
capitalizando a avidez do elemento burguês por status e avanço
social, os grandes notáveis admitiam em seu meio postulantes
individuais oriundos do mundo dos negócios e profissões. Em
vez de ceder terreno institucional, optavam por essa cooptação
seletiva [grifo nosso], seguros de sua habilidade para conter e
neutralizar sua simultânea contaminação ideológica e
cultural.
118
A assimilação do ritual, da mística e dos valores cortesão-aristocráticos encontrava
lugar nas escolas e instituições culturais da elite. Nos Gymnasien era propagado o ensino
secundário clássico, centrado na Bildung
119
, destinado a uma elite social seleta que, assim,
114
Entre 1871-1918, foram elevados 1.129 homens à nobreza. Guilherme I, por exemplo, enobreceu os
banqueiros Schicker, Friedrich Wilhelm Krause, Adolf Hansemann e Gerson Bleichroeder; Frederico III
enobreceu o banqueiro Ernst Mendelssohn e o industrial Karl Ferdinand Stumm; Guilherme II concedeu 836
títulos entre 1890 e 1918, entre proprietários rurais, generais e altos funcionários públicos, sendo que os títulos
superiores eram reservados para os descendentes da nobreza agrária e dos serviços públicos (Mayer, 1987,
p.102).
115
Como estratégia de cooptação social eram conferidas condecorações como a Águia Vermelha, a Águia Negra
e a Cruz de Cavaleiro da Casa de Hohenzollern. Além disto eram distribuídos títulos oficiosos, como de
Kommerzienrat, Justizrat, Baurat, Medizinalrat e Regierungsrat (Mayer, 1987, p.104-105).
116
“Fabricantes e comerciantes que enriquecessem comprariam as propriedades dos cavaleiros, associando sua
posse à família pelo usufruto e usando a propriedade como meio de invadir a classe aristocrática”. Cf. Cf.
WEBER, Max. “Capitalismo e sociedade rural na Alemanha”. In: Ensaios de Sociologia..Coleção Os
pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1974, p.111. Escrito de 1906.
117
Segundo Arno Mayer, “em particular durante o meio século anterior a 1914, os “burgueses enriquecidos”
sistematicamente insistiram em sua procura de títulos que legitimassem “sua ligação com a classe dominante e
adaptaram as novas forças sociais ao antigo ambiente aristocrático”, assim também “revigorando” a nobreza, de
início hostil, com “sangue novo e nova energia econômica” ” (Mayer, 1987, p. 104).
118
Mayer, 1987, p.89.
119
Concepção de educação que envolve a formação da personalidade, a aquisição de valores da Kultur. O ensino
era considerado “puro”, ou seja, sem finalidades práticas ou aplicabilidade imediata. Cf. ELIAS, Norbert. O
48
garantia sua via de ingresso na universidade
120
. Desta maneira, embora o ensino superior fosse
público posto que os Kulturministerien dos Estados financiavam e administravam das
escolas secundárias e universidades apenas uma pequena fração da população tinha acesso
ao ensino tradicional e aos privilégios oficiais dele decorrentes
121
como a possibilidade de
ingresso em carreiras no serviço público civil
122
, na Igreja, em profissões liberais e na
academia
123
.
Concomitantemente verificava-se a expansão do funcionalismo burocrático civil
124
e
militar, dando origem a uma nova classe média que se infiltrava no corpo das grandes
empresas e sociedades por ações, nas organizações públicas e privadas, na imprensa, no
sistema educativo e na administração estatal e local. Como Weber observou, estas novas
categorias de funcionários e cnicos eram caracterizadas pelo formalismo na realização de
suas atribuições e pela impessoalidade de seus vínculos empregatícios com salário, pensão,
critérios de promoção, treinamento especializado, divisão funcional do trabalho, áreas bem
definidas de jurisdição, processos documentados e ordenação hierárquica
125
. Por conseguinte,
a educação superior converteu-se em um fator importante na estratificação social, uma vez
que através dela as classes médias abastadas puderam constituir uma elite culta de
funcionários públicos, acadêmicos e profissionais liberais que passaram a integrar inclusive o
aparelho do Estado
126
.
processo civilizador. v.1. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1994, p. 23-43.
120
O Gymnasium era a única via para a universidade, posto que, ao final possibilitava a realização de um exame
final (Abitur) que determinaria o ingresso do estudante, diferentemente das Realschulen, dos Realgymnasien e
das technische Hochschule (institutos técnicos e profissionalizantes) (Mayer, 1987, p.259-260).
121
Como Weber observou, o jurista e o funcionário administrativo na Alemanha, apesar de sua educação mais
rápida e intensiva, no preparo para a universidade, tem cerca de trinta e cinco anos quando seu período de
preparo e sua atividade não-remunerada é concluída e ele consegue um cargo lucrativo. Portanto, pode sair
dos círculos abastados; é preparado para um serviço não-remunerado, ou mal remunerado, e pode encontrar
recompensa pelo seu trabalho na alta posição social de sua vocação. Cf. WEBER, Max. “Capitalismo e
sociedade rural na Alemanha”. In: Ensaios de Sociologia. Coleção Os pensadores. São Paulo: Abril Cultural,
1974. Escrito de 1906.
122
Desde 1791 a Prússia introduziu exames regulares de qualificação para o serviço público que exigiam o
diploma universitário. Cf. RINGER, Fritz K. O declínio dos mandarins alemães: a comunidade acadêmica
alemã, 1890-1933. São Paulo: Edusp, 2000, p.31.
123
Convém ressaltar, no entanto, que a camada aristocrática ainda assumia posição social e política de destaque
também no âmbito acadêmico e profissional. Assim, o acesso a títulos acadêmicos e a altos cargos nas
universidades era restrito a uma elite tradicional. Cf. RINGER, Fritz K. O declínio dos mandarins alemães: a
comunidade acadêmica alemã, 1890-1933. São Paulo: Edusp, 2000
124
Na Alemanha, em 1881 havia 452.000 funcionários públicos civis, em 1901 havia 907.000 e em 1911
1.159.000 (Rodes, 1964, p.145).
125
Weber, 1974, p.117.
126
De acordo com Norbert Elias, antes da Primeira Guerra Mundial 90% dos estudantes em universidades
alemães provinham das classes médias abastadas. Cf. ELIAS, Norbert. Os alemães: a luta pelo poder e a
evolução do habitus nos séculos XIX e XX. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997, p.48.
49
Deste modo, conforme exposto por Fritz Ringer, graças à vinculação entre as
universidades e a burocracia estatal, “acabou surgindo, paralelamente à estratificação
tradicional pelo nascimento, uma nova divisão da sociedade com base na profissão e no grau
de instrução”
127
, permitindo à classe média alta não-empresarial – a “aristocracia mandarim da
cultura” tornar-se parte da classe governante funcional do país
128
. Esta elite intelectual
formaria uma “aristocracia da educação”, apegada a valores éticos, estéticos e políticos
tradicionais. Isto era evidenciado desde o momento de ingresso dos estudantes nas
universidades, quando estes procuravam aderir a confrarias (Landsmannschaften)
129
orientadas por um ethos guerreiro, centrado em valores tradicionais de honra, disciplina,
lealdade, obediência e coragem. Tais agremiações estudantis possuíam uma estrutura
hierárquica e autoritária, exigindo de seus integrantes o apego ao código de conduta
aristocrático, expresso especialmente através da prática do duelo. Desta maneira, os
estudantes das classes médias abastadas poderiam se infiltrar em organizações tradicionais,
com vistas a superar estigmas e adquirir maior status na sociedade.
O cultivo dos valores tradicionais nas universidades alemãs e sua vinculação com o
Estado abriram caminho para que estas constituíssem locais privilegiados para o
florescimento do pensamento conservador. A visão predominante entre os “mandarins”
alemães, isto é, a elite culta da academia, apresentava fortes elementos religiosos,
aristocráticos, autoritários e nacionalistas
130
. A “ortodoxia mandarim” demonstrava profundo
receio em relação à democracia representativa e à sociedade industrial, e, em contrapartida,
exaltava freqüentemente os valores herdados da antiga ordem feudal. Assim, criticavam a
expansão do domínio do capital, do egoísmo e do pragmatismo, e defendiam o
rejuvenescimento ético da vida política. Segundo Weber, tal tipo de conservadorismo possuía
a pretensão de “proteger o espírito alemão da contaminação pela democracia”
131
, defendendo
uma política de contenção das classes trabalhadoras.
Estes representantes intelectuais dos junkers e da alta burguesia industrial e financeira
pregavam igualmente em favor do protecionismo econômico e da expansão territorial.
Conseqüentemente, em 1891, um considerável número de professores universitários, generais,
127
Ringer, 2000, p.31.
128
Ibid, p.51.
129
Confrarias como a “Borussen” de Bonn, a “Westphalen” de Heidelberg e a “Canitzer” de Leipzig (Mayer,
1987, p.259).
130
Cf. RINGER, Fritz K. O declínio dos mandarins alemães: a comunidade acadêmica alemã, 1890-1933. São
Paulo: Edusp, 2000.
131
Weber, 1974, p.33.
50
jornalistas, políticos e industriais reuniram-se em torno da Liga Pangermanista (Alldeutscher
Verband), no intuito de fornecer apoio à política expansionista promovida pelo governo.
Não obstante o peso exercido pelo conservadorismo sobre o ensino superior, convém
ressaltar que a elite culta também possuía seus elementos progressistas ou, seguindo a
denominação Ringer, “modernistas”. Estes intelectuais não expressavam grande simpatia
pelos objetivos específicos de classe nem da burguesia empresarial emergente nem das classes
tradicionais agrárias e aristocráticas. Tampouco cediam às reivindicações radicais de artesãos
e operários social-democratas, encaradas como inconseqüentes e caóticas. De acordo com
Ringer, o interesse destes intelectuais por questões de ordem econômica e social limitava-se a
um anseio muito vago de harmonia social e a exigência da intervenção governamental com
vistas à implementação de reformas moderadas
132
. Destarte, tanto conservadores como
modernistas expressavam uma forte ligação com o Estado e as classes governantes e certa
apreensão em relação à nova sociedade industrial e seus conflitos internos.
Como foi visto, ao permearem o Estado e os grupos dirigentes, as burguesias
emergentes assumiram em larga medida a mentalidade aristocrática e conservadora das
nobrezas do Império. Com efeito, como nos explica Norbert Elias, em “Os Alemães”, “vastos
setores da alta burguesia, com os escalões superiores do funcionalismo civil e os bacharéis na
liderança, submeteram-se prazerosamente e, muitas vezes, com entusiasmo à liderança
política e militar da corte e da nobreza”
133
. Desta forma, a sociedade em vias de modernização
manteve uma estrutura social aristocrática mediante a “simbiose ativa” nas palavras de
Schumpeter entre os dois estratos sociais
134
. Logo, privilégios sociais, status, prestígio e o
caráter autoritário que compunham a marca política da aristocracia passaram a integrar as
pretensões da burguesia, dando origem à figura do “plebeu de verniz”
135
. Em outras palavras,
Enquanto a elite agrária sólida e tradicional era excessivamente
absorvente e elástica, a burguesia era singularmente
impressionável e flácida. Os magnatas do capital e das altas
profissões liberais nunca se aglutinaram o suficiente para
contestar seriamente o predomínio social, cultural e ideológico
da antiga classe dominante, e o fato de a nobreza continuar a
cooptar alguns dos mais ricos e talentosos dentre eles
contribuiu apenas em parte para isso. Acima de tudo o burguês,
devido a seu caráter bajulatório, empenho na escalada social e
anseio de enobrecimento, negava-se avidamente a si próprio
132
Ringer, 2000, p.127.
133
ELIAS, Norbert. Os alemães: a luta pelo poder e a evolução do habitus nos séculos XIX e XX. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar, 1997, p.66.
134
MAYER, Arno J. A força da tradição. São Paulo: Companhia das Letras, 1987, p.40.
135
Weber, 1974, p.117.
51
[grifo nosso]. Sua suprema ambição não era atacar ou
derrubar o establishment senhorial, mas penetrar nele [grifo
nosso]. Para os grandes negociantes, financistas e profissionais
liberais, social e psicologicamente inseguros, a alta burguesia
“era apenas uma antecâmara para a nobreza”, e sua “mais alta
aspiração era, em primeiro lugar, conseguir a admissão à
nobreza e, depois, ascender no seu interior
136
.
Conforme aduz Arno Mayer, “essa maciça, reverente e venal adaptação social e
cultural da burguesia ajudou a abrir canais de acesso à sociedade política, onde o elemento
feudal continuava a dominar”
137
. Sendo assim, os magnatas do capital barganhavam seus
direitos e reivindicações políticas por vantagens econômicas, status social e privilégio civil.
Defrontada com o espantoso crescimento dos partidos social-democratas, a burguesia abdicou
de disputas com a classe dirigente para engajar-se em uma frente conservadora e autoritária
que garantia suporte ao governo imperial semi-autocrático. Ao invés de exercer pressão por
uma democratização política, a burguesia alemã agrupou-se em torno de partidos “moldados à
sua própria imagem subserviente”, que se restringiam basicamente à defesa e promoção de
seus interesses econômicos.
Como nos mostra Engels, o equilíbrio entre a nobreza latifundiária e a burguesia abriu
caminho para o estabelecimento de uma “monarquia bonapartista moderna”, na qual os
junkers controlavam a política tanto através da Câmara dos Lordes prussiana e no Landtag
(onde havia o sistema eleitoral por classes), quanto através do Reichstag, no qual saíam
fortalecidos devido à defasagem do censo eleitoral que acabava por favorecer os distritos
agrários:
O verdadeiro poder governamental encontra-se em mãos de
uma casta especial de oficiais e funcionários recrutada, na
Prússia, em parte no seio de suas próprias fileiras, em parte
entre a pequena nobreza, e em menor medida ainda entre a
burguesia. A independência desta casta, que parece manter-se
fora e, por assim dizer, acima da sociedade, confere ao Estado
uma aparência de independência em relação à sociedade
138
.
A limitação das reformas burguesas à implantação, em 1866, do sistema único de
pesos e medidas, da liberdade de domicílio e de liberdade de indústria e comércio,
possibilitou então o avanço do desenvolvimento industrial sem, contudo, alterar as estruturas
sociais, culturais e políticas tradicionais. Por conseguinte, até 1914, “o capitalismo industrial e
136
Mayer, 1987, 91, 92.
137
Ibid, p.104.
138
MARX, K, ENGELS, F. “Contribuição ao problema da habitação”. In Obras escolhidas. o Paulo: Alfa-
Omega, v.2, 1980b, p.157.
52
financeiro, para não falar do capitalismo gerencial, continuou a ter importância secundária,
não em termos econômicos, inclusive quanto à economia internacional, mas ainda em
termos de classe, status e poder”
139
.
Consoante expõe Norbert Elias, “ao contrário do que sugere o uso um tanto impreciso
da expressão “sociedade capitalista”, no período após 1871, os capitalistas financeiramente
poderosos não formavam ainda, em absoluto, o estrato socialmente mais poderoso e,
concomitantemente, o mais elevado da sociedade alemã”
140
. Corroborando tal concepção,
Mayer destacou que a crise econômica que se estendeu dos meados dos anos 1870 a meados
dos anos 1890, não chegou a ser um divisor de águas entre o velho e o novo capitalismo e
tampouco inaugurou uma era de conflitos aguçados entre o crescimento da capacidade
produtiva e a rentabilidade do negócio”. Para o autor, embora o novo capitalismo se
estabelecesse sob a forma de centros de crescimento semi-autônomos dentro das estruturas
econômicas existentes, não estava em posição de assumir o comando sobre a economia
política da Europa
141
.
Mesmo o rápido e substancial desenvolvimento industrial levado a efeito a partir de
meados do culo XIX, impulsionado pelo progresso nas técnicas de produção, não teria
conseguido tornar o novo capitalismo capaz de suplantar a agricultura e a manufatura de bens
de consumo, que continuavam a superar o setor de bens de capital
142
. Apesar dos avanços do
novo capitalismo, a agricultura, a propriedade imobiliária urbana e a manufatura de bens de
consumo continuavam a empregar grande parte da força de trabalho da Alemanha e a gerar
uma maior porção do produto nacional bruto
143
. Assim, como Mayer apontou, “o setor de bens
de capital era como um arquipélago rodeado por vastos oceanos de agricultura e manufatura
tradicional”
144
.
Durante todo culo XIX e início do século XX os proprietários de pequenas oficinas
constituíram a espinha dorsal da classe média baixa independente
145
. Enquanto a economia
139
Mayer, 1987, p.53.
140
Elias, 1997, p.54.
141
Mayer, 1987, p.28.
142
A Alemanha permanecia, portanto, predominantemente rural e agrária, e não urbana e industrial. Em 1907
40% da população ainda morava em aldeias e vilas com menos de 10 mil habitantes, 40% da força de trabalho
dedicava-se à terra, para produzir 20% da renda nacional (Mayer, 1987, p.33).
143
“A grande propriedade fundiária constituía a principal fonte não das extravagantes rendas e riquezas das
elites agrárias, como também de desmedido prestígio social, predomínio cultural e influência política. Em todos
os aspectos, incluindo número e riqueza, os senhores rurais continuavam a superar os magnatas dos negócios e
das profissões liberais” (Mayer, 1987, p.34).
144
Mayer, 1987, p.30.
145
Em 1907, 90% de todas as firmas no setor conjunto da manufatura e indústria ainda empregavam a cinco
trabalhadores, embora a força de trabalho nas pequenas empresas tivesse reduzido em 1/3 desde 1875,
53
permanecia dominada pelo capitalismo mercantil e manufatureiro – principalmente de bens de
consumo como produtos têxteis, gêneros alimentícios, couro e madeira –, o capitalismo
monopolista financeiro ou industrial estaria ainda entrando em sua fase inicial de crescimento:
Centrado nas e em torno das cidades mais antigas, o mundo das
oficinas e artesãos obscurecia as fábricas e a mão-de-obra
proletária dos centros urbanos e zonas industriais mais recentes
em termos de força de trabalho, capitalização e valor da
produção. Paradoxalmente, o crescimento da produção fabril e
das cidades beneficiou as oficinas e os trabalhadores artesanais,
ao estimular a demanda de bens e serviços que apenas eles
poderiam fornecer, em particular quanto à moradia,
alimentação, vestuário e instrumentos de precisão. Em outras
palavras, enquanto alguns ramos da manufatura tradicional
indubitavelmente se contraíam ou estagnavam, outros
floresciam e se expandiam.
146
Portanto, as empresas com produção em grande escala, capital intensivo,
financiamento externo a longo prazo e força de trabalho proletária constituíam a exceção
diante do vasto setor manufatureiro de pequenos trabalhadores e capitalistas familiares com
mão-de-obra de artífices e artesãos que trabalhavam em pequenos galpões ou oficinas com até
5 trabalhadores. A proliferação da indústria doméstica, realizada em condições precárias e
insalubres, ocorreu principalmente na Alemanha central – onde todas as formas de produção e
de propriedade apareciam mescladas em proporções diferentes segundo a localidade
147
.
Esta industria de domicílio rural
148
, praticada em aliança com a horticultura ou o
pequeno cultivo
149
, comporia, para Engels, a base para a “jovem grande indústria alemã”
150
.
De acordo com o autor, os produtos como fumo e tecidos derivados do trabalho a
domicílio rural e da utilização de mão-de-obra familiar, seriam vendidos no mercado a preços
representava 31,2% de toda a força de trabalho manufatureira e industrial (Mayer, 1987, p.47).
146
Mayer, 1987, p.44.
147
MARX, K, ENGELS, F. “O Problema camponês na França e na Alemanha”. In Obras escolhidas. São Paulo:
Alfa-Omega, v.2, 1980b, p. 226-227.
148
Tipo de produção encontrada no Baixo Reno, Westfalia, Erzgebirge da Saxônia, Silésia e nos bosques da
Tuníngia e no Rhön.
149
Como a terra própria ou arrendada não supria o sustento da família, passou a servir apenas de base para a
exploração de uma indústria doméstica.
150
MARX, K, ENGELS, F. “Contribuição ao problema da habitação”. In Obras escolhidas. o Paulo: Alfa-
Omega, v.2, 1980b, p. 110. Escrito por Engels em 1873.
54
muito baixos, devido à concorrência com a produção mecanizada
151
, afetando o nível geral
dos salários, tanto no campo como nas cidades.
Embora os artesãos continuassem a ser o elemento dominante na classe trabalhadora,
vinham sofrendo com as pressões e desgastes da modernização capitalista. Como nos mostra
Mayer, ao serem defrontados com importantes mudanças nos métodos de produção e
distribuição, os artesãos tinham de lutar arduamente para manter sua autonomia, qualificação,
status e padrão de vida
152
, posto que, ao contrário dos trabalhadores nas indústrias de bens de
capital, extração mineral e ferrovias, que se organizavam por ramos industriais, eles
continuavam divididos por ofícios artesanais. Deste modo, “ciosos de sua independência
pessoal e profissional, os artesãos tinham dificuldade em desenvolver instrumentos e
estratégias de autodefesa que ocupassem o lugar das guildas e salvaguardas legais que
presumivelmente lhes haviam servido tão bem em outros tempos difíceis”
153
.
Não obstante a permanência e adaptação das pequenas e médias manufaturas, a década
de 1890 testemunhou um grande surto industrial que engendrou transformações econômicas,
políticas e sociais em um ritmo e intensidade sem precedentes na história alemã. Por
conseguinte, após um longo período de depressão econômica e ciclos de recessão, que
abarcou as décadas de 1870 e 1880, tem início na Alemanha uma fase de grande prosperidade
e expansão capitalista
154
.
Esta revolução industrial”
155
, experimentada tardiamente pela Alemanha, foi produto
direto de uma política econômica de forte incentivo à industrialização e ao comércio levada
a efeito por Bismarck desde os primórdios do Império aliada ao financiamento proveniente
de bancos e empresas privadas. A origem deste processo de expansão capitalista e
151
A tecnologia utilizada na manufatura de bens de consumo era a da primeira Revolução Industrial, em
particular quanto ao emprego de carvão e vapor, além da pronta disponibilidade de ferro, aço e transporte
ferroviário. Esse amplo setor compreendia, sobretudo, empresas de uma unidade, com pequenas oficinas,
trabalho intensivo e instalações de médio porte (abaixo do nível das fábricas), com equipes de artesãos e
trabalhadores não-qualificados operando com maquinaria simples e de baixo consumo de energia. Devido à sua
capitalização relativamente pequena, a maioria das empresas manufatureiras era de propriedade familiar,
financiada e dirigida pela própria família (Mayer, 1987, p.29).
152
Mayer, 1987, p.45.
153
Ibid.
154
Para uma caracterização minuciosa do período veja as obras de G.D.H. Cole (1859), Jacques Droz (1974),
Peter Gay (1970), Eric Hobsbawm (2005), Carl Schorske (1972) e John Rodes (1964).
155
Esta arrancada da segunda Revolução Industrial na Alemanha, foi impulsionada pelos avanços nas técnicas e
setores envolvendo a química orgânica e sintética, a energia elétrica, a construção de turbinas e máquinas de
combustão interna e a utilização e manejo de metais não-ferrosos e ligas especiais, incluindo novos processos de
beneficiamento de minério de ferro. Estas inovações técnicas, combinadas a novas fontes de energia e materiais,
proporcionou o crescimento de empresas e o desenvolvimento de setores de ponta da indústria de bens de
produção.
55
industrialização, que remete ao período anterior à unificação política do Império, foi descrita
por Engels no segundo prefácio à “Contribuição ao problema da habitação”, de 1887:
A Alemanha surgia tardiamente no mercado mundial. Nossa
grande indústria teve início na década de 40 e recebeu o seu
primeiro impulso na Revolução de 1848; não pôde desenvolver-
se plenamente senão quando as revoluções de 1866 e 1870
varreram de seu caminho pelo menos os piores obstáculos
políticos
156
.
O governo desempenhou papel ativo no processo de desenvolvimento econômico
através da implementação de um sistema de crédito e subsídios direcionado às indústrias
pesadas
157
, químicas
158
e elétricas
159
, do investimento em institutos independentes e em
universidades que desenvolviam pesquisas aplicadas aos setores industriais (como a de
Berlim, Heidelberg, Bonn, Göttingen e Giessen), da ampliação da rede ferroviária
160
e da
construção de um sistema de transporte marítimo
161
. Estas medidas produziram rápidos e
eficientes resultados, transformando a Alemanha, em apenas algumas cadas, em um dos
países mais industrializados do mundo
162
.
Tal política se fez possível, entre outras razões, graças ao montante de cinco bilhões de
francos pagos como indenização pelo governo francês, após a derrota de 1870. Como salienta
Engels, no referido prefácio,
156
Marx, Engels, 180b, p.113.
157
Cabe ressaltar que a produção ale de aço e ferro conseguiu ultrapassar a produção inglesa em 1900 e
chegou a dobrá-la em 1910 (Rodes, 1964, p.381). Segundo Ramanosk (2005, p.42), a produção de aço passou de
1,2 milhão de toneladas em 1887, para 18,9 milhões de toneladas em 1913. a produção de ferro gusa subiu de
1,5 milhão de toneladas em 1870 para 14,8 milhões em 1910. Empresas especializadas em siderurgia como a
Krupp, Thyssen, Stumm-Halberg e Donnersmark, tiveram estrondoso crescimento no período (Ramanosk, 2005,
p.42).
158
O progresso das indústrias químicas impulsionou o desenvolvimento de outros ramos estratégicos, como a
agricultura, a indústria bélica e a indústria farmacêutica. Grandes empresas alemãs como a Bayer (Farben
Fabriek Vormals Friedrich Bayer), Hoechst e BASF (Badische Anilin und Soda Fabriek) localizadas na
Renânia-Westfália eram responsáveis pela fabricação de corantes e derivados (ácido sulfúrico, carbonato de
sódio, amônia, cloro, hidrogênio, fósforo, etc) utilizados para a confecção de inúmeros produtos, como
fertilizantes, papel, explosivos e medicamentos (Ramanosk, 2005).
159
Empresas como o complexo Siemens-Schuckert e a Allgemeine Elektrizitäts Gesellschaft (A.E.G),
destacaram-se na indústria elétrica (Ramanosk, 2005).
160
As ferrovias, que em 1870 alcançavam cerca de 19.500 km, atingiram 61.000 km em 1910 (Ramanosk, 2005,
p.42).
161
A política de apoio à construção naval tinha como principais objetivos ampliar o volume de exportações e
tornar possível a expansão colonial alemã na África, Nova Guiné e no Pacífico (Rodes, 1964; Hobsbawm, 2005).
162
Cabe lembrar que a unificação alemã tornou possível a exploração de novas fontes de riqueza, permitindo o
acesso a regiões ricas em recursos naturais, como na Alsácia e Lorena (minas de potássio), Sarre (carvão), Ruhr
(carvão), Silésia (carvão), Renânia (linhito), Elbe e Weser (depósitos de sal). Assim, a produção de carvão e
linhito passou de 37,9 milhões de toneladas em 1871 para 279 milhões em 1913 (Ramanosk, 2005, p.42). As
maiores corporações da indústria pesada da Alemanha combinavam a mineração do carvão e do ferro com a
siderurgia e a construção de máquinas, por exemplo a Krupp, Thyssen e Gutehoffnungshütte, no Ruhr; Röchling
e Stumm, no Saar, e Henckel-Donnersmarck, na Alta Silésia e no Reno (Mayer, 1987, p.58).
56
choviam sobre a Alemanha os bilhões franceses; o Estado
pagou suas dívidas; construíram-se fortificações e quartéis e
foram renovados os estoques de armas e munições; o capital
disponível, assim como a massa de dinheiro em circulação,
aumentaram de repente em enorme escala. E tudo isso
exatamente no momento em que a Alemanha surgia na cena
mundial não como “Império unido”, mas também como um
grande país industrial. Os bilhões deram um formidável
impulso à jovem grande indústria; foram eles, sobretudo, que
trouxeram depois da guerra um curto período de prosperidade,
rico em ilusões e, imediatamente em seguida à grande
bancarrota de 1873/1874, que demonstrou que a Alemanha era
um país industrial maduro para participar no mercado
mundial
163
.
Como resultado, somente entre os anos de 1893 e 1902 a produção industrial teve
crescimento de 45%
164
. Todavia, o processo de industrialização induziu à predominância de
grandes empresas
165
. De acordo com Arno Mayer, como as grandes fábricas de capital
intensivo que aumentavam a eficiência marginal da mão-de-obra exigiam uma escala de
investimentos que ultrapassava as capacidades financeiras do empreendimento familiar,
mesmo empresas de controle familiar converteram-se em postos avançados do capitalismo
gerencial de corporações, originando uma burguesia de negócios dotada de uma perspectiva
nacional e de laços crescentes com o governo e os bancos de investimento
166
.
A concentração industrial levou à criação de poderosos cartéis
167
em setores como o do
aço, do carvão e das indústrias químicas, freqüentemente controlados por grandes bancos
especializados em crédito como o Reichsbank, Diskonto, Dresdner, Darmstädter, ou
Deutsche, por exemplo – , que na prática agiam como holdings
168
. Logo, o número de grandes
empresas entre os anos de 1882 e 1907 aumentou em 221%, enquanto que, no mesmo
163
Marx, Engels, 1980b, p.107.
164
GUSTAFSSON, Bo. Marxismo y revisionismo: La critica bernsteiniana del marxismo y sus premisas
histórico-ideológicas. México: Grijaldo, 1975, p.23.
165
Entre 1882 e 1907 o número de companhias com mais de 50 trabalhadores (incluindo da construção civil e
extração de minério) aumentou de 9500 para 27 mil, e sua força de trabalho passou de 1,6 milhão para 5
milhões. Ainda assim, firmas com 1 a 5 e 6 a 50 trabalhadores ainda respondiam, respectivamente por 90% e
8,7% das unidades de produção, e empregavam 29,1% e 23,2% dos trabalhadores manufatureiros e industriais.
Deste modo, as grandes firmas perfaziam apenas 1,3% de todas as unidades de produção empregavam 47,7%
dos trabalhadores manufatureiros e industriais (Mayer, 1987, p.58).
166
Mayer, 1987, p.30.
167
Bo Gustaffson (1975, p.20) nos apresenta a seguinte evolução do número de cartéis: 14 em 1879, 90 em 1885,
210 em 1890, 260 em 1896 e, finalmente, 366 em 1905.
168
Tanto os bancos de investimentos como os bancos comerciais, hipotecários e caixas econômicas,
envolveram-se no financiamento da atividade econômica local, concedendo empréstimos hipotecários, apólices
municipais, títulos do governo e créditos comerciais (Cf. RODES, John E. Germany: a history. New York: Holt,
Rinehart and Winston, 1964, p.382).
57
período, as médias empresas aumentaram em 137% e as pequenas sofreram um aumento de
apenas 8%
169
.
Do mesmo modo, o número de trabalhadores empregados em grandes empresas
aumentou em 231%, em médias 162% e em pequenas 24%
170
. O número de trabalhadores
ocupados em pequenas indústrias representava 59% do total em 1882; 47% em 1895 e 37%
em 1907, tendo sofrido, contudo, um aumento em termos absolutos, passando de 4,3 milhões
para 5,4 milhões de trabalhadores. Simultaneamente, o número de trabalhadores ocupados em
médias empresas teria aumentado, em termos absolutos, de 1,4 milhões para 3,6 milhões,
compreendendo, em 1882, 19% do total; 24% em 1895 e 25% em 1907
171
. as grandes
empresas concentravam, em 1882, 22% da mão-de-obra total, em 1895, 30% e em 1907, 37%,
o que significava um impressionante aumento absoluto de 1,6 milhões para 5,4 milhões de
trabalhadores
172
.
A inigualável taxa de crescimento apresentada pela Alemanha nos anos 90 refletia não
apenas a rápida expansão da produção industrial de bens de consumo e capital, mas também o
florescimento do capital financeiro e a recuperação da produção agrícola, favorecida pela
montagem de uma ampla rede de transporte ferroviário e pelo crescimento populacional.
O sucessor de Bismarck
173
, o chanceler Georg Leo von Caprivi, manteve o alto nível
de crescimento ao longo dos anos noventa, procurando equilibrar as tensões e conciliar os
interesses dos grandes proprietários rurais (reunidos no Bund der Landwirte
174
criado em
1893) e dos capitalistas industriais. Contudo, Caprivi não obteve sucesso neste
empreendimento, na medida em que se viu obrigado a apoiar as demandas de livre-comércio
da burguesia industrial e financeira e a firmar acordos comerciais com oito nações européias –
válidos por um período de doze anos que incluíam a redução das tarifas de importação de
grãos. Esta iniciativa reavivou o descontentamento dos grandes proprietários rurais
provocando um racha entre os partidos que apoiavam o governo.
169
GAY, Peter. The dilemma of democratic socialism. New York: Columbia University Press, 1970, p. 126.
170
Gustafsson, 1975, p.20.
171
Ibid.
172
Jacques Droz (1974, p.555) assinala que a mão-de-obra industrial na Alemanha teria passado de 7.300.000,
em 1882, a 10.200.000, em 1895, ou seja, teria acrescido em 40%.
173
Após a destituição de Bismarck em 1890, o cargo de chanceler foi ocupado por Georg Leo von Caprivi (de
1890 a 1894), Chlodwig Karl Viktor zu Hohenlohe-Schillingsfürst (de 1894 a 1900), Bernhard von Bülow (de
1900 a 1909), Theobald von Bethmann-Hollweg (de 1909 até 14 de julho de 1917) e finalmente Georg Michaelis
(que permanece até 30 de agosto de 1917, quando há o final do Império).
174
“Liga dos Proprietários Rurais”.
58
Com vistas à reconquista do apoio dos conservadores, foram promulgadas, em 1902,
leis tarifárias que reduziam o imposto sobre a terra e forneciam crédito facilitado para
proprietários de terra. Estas medidas geraram um aumento nos preços dos gêneros
alimentícios, agravado devido à implementação de uma política protecionista em 1905. Como
conseqüência, as eleições de 1903 representaram uma grande vitória para a social-democracia,
que contou com o apoio das massas populares insatisfeitas. Este fato levou à dissolução do
Reichstag e a convocação de novas eleições. Na nova assembléia de 1906, o bloco anti-
socialista composto por conservadores, nacionais-liberais, progressistas e anti-semitas
detinha a maioria dos assentos: 203 dos 397
175
.
A mesma estratégia de conciliação entre a nobreza fundiária e a burguesia industrial e
financeira foi aventada por Bernhard von Bülow, a partir de 1900, consubstanciada em sua
tentativa de composição de um bloco formado por forças pró-governistas, como medida para
conter os avanços da social-democracia. Assim como Caprivi, Bülow enfrentou uma série de
problemas em manter o bloco liberal-conservador unido, o que culminou em sua deposição
pelo Imperador em 1909.
Não obstante a sua divergência quanto à política tarifária, tanto os grandes
proprietários de terras quanto as emergentes classes industriais foram extremamente
beneficiados pelo progresso econômico do período, alcançando patamares inéditos de
acumulação. Por outro lado, o processo de consolidação do capitalismo na Alemanha gerou
um incremento no nível de insegurança de trabalhadores do campo e da cidade. Embora os
índices de desemprego durante toda a década de 1890 tenham se mantido extremamente
baixos variando de 3 e 6% entre 1891 e 1895; e de 1 a 1,5% entre 1895 e 1900
176
e a
queda dos preços dos gêneros alimentícios tenha proporcionado um aumento relativo dos
salários, recuperando o poder aquisitivo dos assalariados urbanos, isto não repercutiu na
melhora no padrão de vida das classes trabalhadoras de maneira geral.
A ruína dos pequenos camponeses, iniciada com a dissolução do regime comunal e da
rotação obrigatória dos cultivos, os impeliu, juntamente com os assalariados do campo
177
, a
engrossarem as fileiras do proletariado urbano
178
. A retração do emprego no campo que em
175
Cf. Rodes, 1964.
176
Gustaffson, 1975, p.23.
177
Os trabalhadores agrícolas, por sua vez, encontrar-se-iam em estado de miséria ainda maior. Fracionados e
dispersos, estes integrariam em grande número os “exércitos” dos monarcas, enviando ao Reichstag a maioria
dos antigos senhores feudais e junkers.
178
MARX, K, ENGELS, F. “Contribuição ao problema da habitação”. In Obras escolhidas. o Paulo: Alfa-
Omega, v.2, 1980b, p.114.
59
1871 concentrava até 60% dos trabalhadores
179
–, ocasionada pela mecanização das técnicas de
cultivo e pela falência de pequenos proprietários, conduziu grandes contingentes
populacionais para as cidades
180
. Weber, em artigo intitulado “Capitalismo e sociedade rural
na Alemanha”, procurou esclarecer esta tendência:
Quanto mais a indústria alemã crescia no oeste, até atingir seu
volume presente, tanto mais a população sofria uma enorme
modificação; a emigração alcançou seu auge no leste alemão,
onde apenas senhores e servos existiam em distritos demasiado
amplos e dos quais os trabalhadores agrícolas fugiam, buscando
livrar-se do isolamento e da dependência patriarcal, seja
atravessando o oceano para os Estados Unidos, seja para o ar
fumarento e poeirento, mas socialmente livre, das fábricas
alemãs
181
.
Com efeito, enquanto os postos de trabalho na indústria e no comércio aumentaram,
no campo a situação foi inversa. Em 1895, 36% dos trabalhadores trabalhavam na agricultura,
quase 40% na indústria e 12% nas áreas de comércio e comunicação, sendo o restante
dividido entre funcionários do governo ou outros serviços
182
.
O êxodo rural somado à queda das taxas de mortalidade e à diminuição da emigração
acarretou um considerável crescimento populacional urbano. Entre 1871 e 1890 a população
alemã aumentou de 41 milhões para mais de 49 milhões. Em 1900 chegou a mais de 56
milhões e em 1910 atingiu 64 milhões apesar da emigração de mais de 2 milhões de
alemães
183
. Assim, o número de grandes cidades alemães em 1890, comparado ao início da
década de 50, dobrou, além de suas populações terem triplicado de tamanho
184
.
179
Rodes, 1964, p.381.
180
Marcelo Ramanosk (2005, p.42) apresenta os seguintes dados relativos à porcentagem da população: 1871-
população total: 41.059.000, porcentagem rural: 63,9%, porcentagem urbana: 36,1%; 1880- população total:
45.234.000, porcentagem rural: 58,6%, porcentagem urbana: 41,4%; 1890- população total: 49.428.000,
porcentagem rural: 57,5%, porcentagem urbana: 42,5%; 1900- população total: 56.367.000, porcentagem rural:
45,6%, porcentagem urbana: 54,4%; 1910- população total: 64.926.000, porcentagem rural: 40%, porcentagem
urbana: 60%.
181
WEBER, Max. “Capitalismo e sociedade rural na Alemanha”. In: Ensaios de Sociologia. Coleção Os
pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1974, p.111.
182
A população cresceu cerca de 33% entre 1882 e 1902, já a força de trabalho industrial e manufatureira cresceu
180%, até atingir 8,5 milhões de pessoas, ou 35% de uma força de trabalho ativa de 27 milhões. Desses
assalariados, 2,7 milhões (10%) estavam empregados em ferro e aço, metalurgia, construção de veículos e
indústrias químicas; 1,2 milhão na indústria extrativa; 1,1 milhão nos transportes; e 4,5 milhões indústria de bens
de capital, mineração e transportes (17% do total da força de trabalho ativa). O setor terciário vinculado ao
comércio e serviços, profissões liberais, serviço doméstico também sofreu uma grande expansão. Entre 1895-
1907 o número de estabelecimentos varejistas aumentou em 42% e o número de empregados em 55% (Mayer,
1987, p.80). Apenas 10 milhões de trabalhadores, numa força de trabalho ativa de 27 milhões, ou seja, 30%
estavam empregados na manufatura e na indústria (Mayer, 1987, p.46).
183
Rodes, 1964, p.381.
184
A quantidade de cidades alemãs com mais de 10.000 habitantes em 1800 seria 53; em 1850, 133; e em 1890,
382. Já a porcentagem da população urbana total seria em 1800, 5,5%; 1850 - 10,8%; 1890- 28,2% (Hobsbawm,
60
A concentração populacional nas grandes cidades determinou a criação de novas
tarifas, o aumento no custo de vida (decorrente principalmente da alta nos preços dos grãos) e
o agravamento da questão habitacional. Engels que havia analisado este mesmo processo
em “A situação da classe operária na Inglaterra”, escrito em 1844 nos apresenta um
panorama dos efeitos da concentração urbana em uma série de três artigos escritos entre 1872
e 1873, publicados no Volkstaat sob o título “Contribuição ao problema habitacional”:
A época em que um país de antiga cultura realiza essa transição
além do mais, acelerada por circunstâncias tão favoráveis
da manufatura e da pequena produção à grande indústria,
acontece ser também uma época de “penúria da habitação”. Por
um lado, massas de operários rurais o atraídas subitamente
para as grandes cidades, que se convertem em centros
industriais; por outro lado, o traçado daquelas velhas cidades
não corresponde às condições da nova grande indústria nem ao
seu grande movimento; as ruas são alargadas, abrem-se novas
ruas, as ferrovias passam por elas. No momento mesmo em que
os operários afluem em grande número às cidades, as
habitações são destruídas em massa. Daí a repentina penúria de
habitação para o operário, o pequeno comerciante e o artesão,
que dependem da clientela operária
185
.
A afluência repentina para as grandes cidades e o agravamento das condições sociais
da classe trabalhadora são vistos por Engels como conseqüências necessárias do processo de
desenvolvimento do modo de produção capitalista. Deste modo, a escassez da habitação, o
aumento no preço dos aluguéis, a aglomeração e superlotação de inquilinos, as precárias
condições sanitárias, o ambiente insalubre dos bairros operários (focos de epidemias de
cólera, tifo, febre tifóide e varíola) e o deslocamento dos bairros operários do centro para a
periferia não poderiam ser remediados através de reformas sociais pontuais, meros paliativos
alentados pelo socialismo burguês e pequeno-burguês que não alterariam a base fundamental
da ordem social capitalista
186
.
Enquanto as condições da classe operária nas cidades se agravavam, no campo a
situação não era muito diferente. A miséria crescente dos pequenos camponeses e o avanço da
moderna indústria alemã compeliram para que fosse estendida continuamente a indústria a
domicílio rural
187
. Desta forma, cada vez mais os pequenos camponeses encontrar-se-iam em
2005, p. 472). as cidades com mais de 100.000 habitantes passariam de 8 em 1871, para 26 em 1890 (Rodes,
1964, p. 381).
185
MARX, K, ENGELS, F. “Segundo prefácio à ‘Contribuição ao problema da habitação’”. In Obras escolhidas.
São Paulo: Alfa-Omega, v.2, 1980b, p. 107. Escrito por Engels em 1887.
186
Ibid., p.116.
187
Ibid., p.111.
61
situação mais caótica, recorrendo a agiotas na esperança de salvarem sua propriedade.
Conforme observou Engels,
Vemos aqui claramente como, o que numa etapa anterior era a
base de um bem-estar relativo dos operáriosa combinação do
cultivo e da indústria, a posse de uma casa, de uma horta e de
um sítio, a segurança de uma habitação – hoje, sob o reinado da
grande indústria, converte-se não somente na pior das cadeias
para o operário, mas também na maior desgraça para toda a
classe operária, na base de um descenso sem precedentes do
salário abaixo de seu nível normal. E isso não apenas em alguns
ramos da indústria ou em regiões isoladas, mas em escala
nacional
188
.
Para Engels, a precária condição de vida existente no campo poderia levar
principalmente os assalariados rurais a apoiarem a causa proletária. Deste modo, caberia à
social-democracia despertar a sua consciência de classe e incorporá-los ao movimento, pois
“no dia em que a massa de operários agrícolas aprender a ter consciência de seus próprios
interesses será impossível existir na Alemanha um governo reacionário, seja feudal,
burocrático ou burguês”
189
.
Cabe ressaltar que, ao contrário de Engels, que destacara a tendência ao declínio da
pequena propriedade rural, Weber alegou que haveria uma “superioridade econômica” do
pequeno agricultor sobre a agricultura de larga escala, devido à intensidade e alta qualidade de
seu trabalho e à adaptabilidade às exigências do mercado local
190
. Isto determinaria, portanto,
a sobrevivência e prosperidade das pequenas propriedades rurais e manufaturas, mesmo
diante do desenvolvimento das produções em larga escala. Weber, portanto, desconsiderou o
argumento de Engels de que a conservação das pequenas propriedades rurais se deu às custas
do empobrecimento e precarização da situação destes proprietários.
Como é possível constatar, a peculiar conjuntura econômica, política e social dos fins
do século XIX e início do século XX proporcionou condições favoráveis à expansão do
movimento operário alemão. Sua independência em relação às classes burguesas aliadas ao
governo semi-autocrático –, o desenvolvimento industrial e o crescimento das cidades,
combinados à elevação no nível de instrução dos trabalhadores urbanos
191
e o contato com um
farto volume de materiais fornecidos pela imprensa socialista, foram fatores importantes para
188
Ibid., p.113.
189
MARX, K, ENGELS, F. “Prefácio à ‘Guerra Camponesa na Alemanha’”. In Obras escolhidas. São Paulo:
Alfa-Omega, v.2, 1980b, p.197. Escrito por Engels em 1870.
190
Weber, 1974, p.104-113.
191
Segundo Hobsbawm (2005, p.474), a taxa de analfabetismo entre os adultos, que em 1850 era inferior a
30%, em 1913 cai para menos de 10%.
62
os extraordinários avanços do Partido Social-Democrata Alemão nos marcos da emergente
sociedade capitalista. A seguir analisaremos o papel que o SPD veio a assumir no âmbito
desta sociedade em vias de transformação e a sua própria modificação diante destas novas
circunstâncias.
2.2- Os novos desafios decorrentes da legalização do partido
Conforme assinalado por Marx e Engels, a guerra de 1870-71 e a derrota da Comuna
de Paris transferiram, ao menos provisoriamente, o centro de gravidade do movimento
operário europeu da França para a Alemanha
192
. O patente avanço industrial alemão
possibilitou a constituição de “um poderoso exército do proletariado” que, de acordo com
Engels, estaria “incessantemente em progresso, crescendo dia a dia em número, organização,
disciplina, clarividência e certeza da vitória”
193
. em 1892, Engels anunciava
entusiasticamente:
Os progressos alcançados aqui vinte e cinco anos não têm
precedentes. O movimento operário alemão avança a uma
velocidade acelerada. E se a burguesia alemã tem dado provas
de sua ausência lamentável de capacidade política, de disciplina
e perseverança, a classe operária da Alemanha demonstrou que
possui em grau extraordinário todas essas qualidades. (...) No
ponto em que se acham as coisas, será despropositado pensar
que a Alemanha venha a se tornar também o cenário do
primeiro grande triunfo do proletariado europeu?
194
A suplantação das dissidências internas entre lassalleanos e marxistas e a conjugação
de forças na criação de um novo partido cujos princípios encontravam-se definidos no
Programa de Gotha
195
dotado de uma única direção e organização, malgrado suas
contradições latentes, favoreceram o trabalho de propaganda e cooptação, trazendo para as
fileiras da social-democracia parte significativa dos proletários urbanos, principalmente
aquela formada pelos residentes nas grandes cidades.
192
ENGELS. “Introdução a “Luta de classes na França (1848-1850)”. In: Obras escolhidas. São Paulo: Alfa-
Omega, v. 1, 1980a , p.101.
193
Ibid, p.99.
194
ENGELS. “Prefácio à edição inglesa de “Do socialismo utópico ao socialismo científico””. In: Obras
escolhidas. São Paulo: Alfa-Omega, v. 2, 1980b , p. 302. v.220/4/1892,
195
O Programa de Gotha vigeu de 1875 a 1891. Cf. Capítulo 1: “As origens da social-democracia e sua
unificação em torno do Programa de Gotha”.
63
Contudo, o persistente e ordenado esforço de difusão do socialismo e da promoção da
luta de classes enfrentava inúmeros e relevantes obstáculos. O primeiro desafio a se impor à
social-democracia consistia justamente na mobilização dos trabalhadores e na formação de
sua consciência de classe. Como aponta Adam Przeworski em seu livro “Capitalismo e social-
democracia”, o processo de auto-educação e construção de sua solidariedade de classe era
dificultado pela fragmentação e concorrência presente entre os próprios trabalhadores.
Repetindo o célebre argumento esboçado por Kautsky e Lênin
196
, o autor destaca a
importância do partido para a superação das particularidades e fracionamentos internos da
classe operária, de modo a propiciar a adesão dos trabalhadores ao socialismo:
Os operários individuais, bem como os relacionados a uma
firma ou setor específico, têm um poderoso incentivo para lutar
por seus interesses particulares em detrimento de outros
operários na ausência de alguma organização sindicato,
partido ou Estado diretamente com poderes para impor a
disciplina coletiva. Portanto, para superar a competição, os
operários precisam organizar-se como uma força coletiva.
197
Sob este prisma, a transformação da “classe em si” em “classe para si”, o despertar dos
trabalhadores para sua missão histórica e o desenvolvimento de suas potencialidades
revolucionárias exigiam, portanto, um longo e demorado processo de aprendizagem e
organização
198
. Ao partido caberia o papel de incitar a coesão, a combatividade e a
identificação dos trabalhadores com sua classe, suscitando a modificação de seu
comportamento político. Assim, através da agitação política os social-democratas esperavam
“atrair a atenção das camadas de operários mais amplas e mais atrasadas para as questões
políticas e sociais”, associando a luta econômica contra o patronato e o governo à luta
política
199
.
A fim de estimular o ímpeto revolucionário das massas trabalhadoras fazia-se
igualmente necessário combater a influência ideológica exercida pelas instituições controladas
pelas classes dominantes, como a escola, o exército e as associações sindicais de caráter
burguês e pequeno-burguês
200
. A criação de sindicatos desatrelados à política conservadora e
196
LENINE. “Que fazer?”. In: Obras escolhidas. 3
a
ed. São Paulo: Alfa-Omega, v. 1, 1986.
197
PRZEWORSKI, Adam. Capitalismo e social-democracia. São Paulo: Companhia das Letras, 1989, p.35.
198
Convém ressaltar que a partir de 1905, Rosa Luxemburg contestará tal concepção, ressaltando que a
consciência de classe não é algo a ser introduzido a partir de fora por uma vanguarda do partido mas sim o
resultado da práxis, da própria experiência ativa da classe operária imersa na luta (Cf. LUXEMBURG, Rosa.
Oeuvres I (Reforme ou révolution? Grève de masse, parti et syndicats). Paris: François Maspero, 1969).
199
Lenine, 1986, p.160.
200
Como as organizações de Schulze-Delitzch, membro do Partido Progressista e criador de associações de
crédito, cooperativas de consumo e de matérias-primas e fundos de ajuda mútua. De acordo com Lassalle, até
64
assistencialista do governo foi, portanto, um dos pontos cruciais na luta pela superação da
reificação das relações sociais e das ilusões quanto às possibilidades proporcionadas por um
Estado social e de direito. Com efeito, os Sindicatos Livres que, norteados pelos ideais da
social-democracia, visavam minar a resistência ao socialismo
201
e a desatenção em relação à
política tiveram um crescimento estrondoso no final do século XIX, reunindo cerca de
90.000 trabalhadores em 1888, 294.000 em 1893, 680.000 em 1900 e 2.500.000 em 1914
202
.
Ademais, a base social composta principalmente por mineiros, metalúrgicos e trabalhadores
das indústrias de construção, transportes, tecidos e madeiras
203
e a estrutura centralizadora
dos sindicatos de massa permitiam a coordenação e a vinculação entre estes e o Partido
Social-Democrata.
Não obstante a incrível expansão dos Sindicatos Livres, estes ainda enfrentavam a
forte concorrência das sociedades de artesãos (gráficos, carpinteiros, pedreiros, luveiros,
ferreiros, moldadores, etc.
204
) e de associações profissionais localistas
205
e religiosas. Na
Alemanha, as condições decorrentes da unificação política e territorial do Império – composto
pela anexação e incorporação de trinta e seis Estados
206
suscitaram a formação de inúmeras
minorias nacionais. A diversificação cultural, étnica e religiosa deu origem a pequenos
partidos e organizações sindicais de alcance local ou regional que representavam um sério
empecilho ao avanço da social-democracia
207
.
A dificuldade em conquistar os votos dos católicos em Estados como a Renânia, a
Baviera e a Prússia (particularmente na Silésia e na Westfalia), além das cidades industriais
1863 Schulze havia instituído 450 cooperativas de crédito, 150 de matérias-primas e entre 30 e 40 cooperativas
de consumo (LASSALLE, Ferdinand. Manifesto operário e outros textos. Brasília: Instituto Teotônio Vilela,
1999, p.122).
201
A este respeito, cabe destacar a observação de Adam Przeworski: “De fato, a dificuldade inicial enfrentada
pelos socialistas foi a desconfiança dos trabalhadores com relação a quaisquer influências originadas fora de sua
classe. O socialismo parecia uma ideologia abstrata e alienígena em comparação com sua experiência cotidiana.
Para os operários, não era evidente que uma melhora em suas condições requeria a abolição do próprio sistema
salarial” (Przeworski, 1989, p.37).
202
Gustafsson, 1975, p.21.
203
ELEY, Geof. Forjando a democracia: a história da esquerda na Europa, 1850-2000. São Paulo: Fundação
Perseu Abramo, 2005, p.99-102. Confira a tabela 2, em anexo, que apresenta as organizações sindicais criadas na
Europa com o apoio dos partidos social-democratas, até o final do século XIX.
204
Eley, 2005, p.99.
205
Segundo Eley, em 1895, 45% dos operários sindicalizados de Berlim ainda estavam em sindicatos locais,
reunidos na Aliança Livre (FVDG), cuja base era de trabalhadores em construção e mecânica. em 1907-8, os
metalúrgicos foram integrados ao sindicato nacional, levando ao fechamento da FVDG (Ibid, p.101).
206
Confira o mapa em anexo (figura 1), que evidencia as anexações de territórios da França, Dinamarca, Áustria
e Bélgica.
207
A implantação da social-democracia na Alsácia-Lorena se deu de modo mais fácil, pois nestas regiões a
reivindicação por autonomia e livre determinação permitiram conquistar o assento de Mulhouse desde 1890, o de
Strasbourg em 1893, e dispor de 5 assentos no Reichstag (STONE, Norman. La Europa transformada 1878-
1919. Madrid: siglo veintiuno, 1985, p. 204).
65
do Ruhr, era patente
208
. A influência do “catolicismo social”, principalmente entre
camponeses e membros das classes médias baixas, resultou na formação de variadas
associações assistencialistas de caráter religioso. Nas regiões católicas foram criadas
organizações abertamente hostis aos socialistas como o Volksverein für das katholische
Deutschland, cuja sede era situada em München-Gladbach.
Os inumeráveis Arbeitervereine católicos, sob o controle de clérigos, e os sindicatos
cristãos (Christliche Gewerkschaften), organizados em uma União Geral, condenaram em seu
congresso de 1899 a doutrina da luta de classes e defenderam a associação do trabalho e do
capital sobre uma base profissional, em consonância com as diretrizes oficiais da Igreja.
Embora a Encíclica Rerum Novarum, enunciada pelo Papa Leão XIII
209
em 1891, criticasse os
excessos do liberalismo econômico, condenava o socialismo e os sindicatos, exortando a
classe trabalhadora a não aderir a greves e a revitalizar corporações artesanais como forma de
enfrentar os abusos do capitalismo
210
. A criação do Partido do Centro (Zentrumpartei) em
1870 e a amenização da Kulturkampf na década de 80 permitiram que os católicos pudessem
levar adiante uma política no Reichstag até certo ponto independente, ora constituindo o
“bloco azul e negro” através da aliança com os conservadores ora integrando o “bloco
vermelho e negro” – contando com o apoio de social-democratas.
Tal como os católicos, os protestantes também criaram suas organizações próprias. A
sudoeste da Alemanha o “protestantismo social” do Deutsche Protestanteverein proliferou.
Associações mais conservadoras e dogmáticas foram criadas no final da cada de 1880,
como o Partido Social Cristão, liderado pelo pastor Adolf Stöcker. Marcado por idéias anti-
semitas este “movimento cristão-social” (christlich-sozial), de base pequeno-burguesa,
opunha-se a judeus, progressistas e social-democratas, em nome da defesa de valores cristãos
208
Com vistas a atrair as minorias nacionais, o SPD chegou a criar um órgão especial para os trabalhadores
poloneses (cerca de 3.000.000) das minas do Ruhr e da Alta Silésia: “A Gazeta do Trabalho” (Gazeta
Robotnicza) e, sob o controle do partido, foi criado em 1893 um Partido Socialista Popular da Prússia (PPS), que
recebeu seus próprios organismos e estruturas. Contudo, em 1902 e 1906 as relações entre os dois partidos foi
rompida (cf. Stone, 1985, p.104).
209
Segundo Arno Mayer “como um tradicionalista tolerante, o papa Leão XIII (1878-1903) condenava o erro
exegético e tentava chegar a um acordo com a nova ordem, que, segundo esperava, traria “imensos benefícios” a
toda a humanidade e não aos “povos civilizados””. Ao mesmo tempo em que censurava a intemperança do
liberalismo econômico e social, a usura, os lucros e as fortunas desmedidas dos capitalistas e lamentava a
miséria e a superexploração dos trabalhadores, denunciava os socialistas e seus sindicatos como “irreligiosos” e
aproveitadores da situação difícil do proletariado. Declarou ainda a propriedade privada inviolável e
“componente da ordem natural de Deus”, cabendo ao Estado a proteção dos proprietários legais contra a
espoliação (Mayer, 1990, p.241). Esta ojeriza aos socialistas se agravou durante o severo pontificado de Pio X
(1903-1914).
210
Stone, 1985, p.204-205.
66
e germânicos. Em seu programa de 1892 demandavam a luta incondicional contra os social-
democratas – considerados inimigos do Estado – e o sufrágio universal
211
.
Além dos fatores profissionais, nacionais e religiosos, a desarticulação dos
trabalhadores ainda era agravada pelo sistema político e eleitoral vigente na Alemanha. Cada
Estado do Império possuía sua própria Constituição e determinava os limites da atuação
política legal. A Constituição da Prússia, outorgada em 1850, estabelecia, por exemplo, o
“sistema das três classes” nas eleições para o Parlamento local (Landtag), segundo o qual os
eleitores (exclusivamente do sexo masculino) eram divididos de acordo com o montante de
impostos pagos.
Não bastassem as distorções
212
provocadas por este sistema, o voto era indireto e
aberto, o que dava margem a fraudes e à corrupção, além de enfraquecer a posição política
dos social-democratas, que se viam obrigados a apoiar liberais e católicos no segundo turno
das eleições
213
. A política de alianças, contudo, era repudiada pela maioria do SPD, pois
implicaria a assunção de compromissos que poderiam comprometer o caráter proletário do
partido.
Se em alguns Estados os social-democratas encontravam grandes dificuldades para a
participação no Parlamento local, no âmbito federal realizaram grandes conquistas nas
eleições para o Reichstag, cujos membros eram eleitos em eleições diretas, por sufrágio
masculino (aos maiores de 25 anos), e cumpriam um mandato de 5 anos. Mesmo durante a
vigência da legislação proibitiva os resultados obtidos pelo SPD eram impressionantes
214
.
Apesar da intensa e permanente vigilância e intervenção do governo, a social-
democracia manteve sua trajetória ascendente, ganhando cada vez mais espaço no cenário
político germânico. em 1890, o SPD conseguiu superar o número de votos recebidos por
todos os demais partidos
215
: o Zentrumpartei católico, o Volkspartei
216
(composto por liberais
de esquerda), o Nationalliberale Partei (integrado por liberais de direita e conservadores
217
), o
211
Ibid, p.204.
212
Isabel Maria Loureiro nos lembra do conhecido caso de um fabricante de salsichas que constituía o único
eleitar da 1ªclasse na 58ª seção eleitoral de Berlim (LOUREIRO. A Revolução Alemã, 1918 - 1923. São Paulo:
UNESP, 2005, p.28).
213
O apoio a candidatos de outros partidos no segundo turno das eleições foi aprovado no Congresso de Halle, de
1890.
214
Confira o gráfico 1 e a tabela 1, em anexo.
215
Existiam ainda muitos pequenos partidos regionais, que em geral constituíam uma quinta parte do parlamento
alemão.
216
Em 1910 passa a se chamar Partido Progressista (Fortschrittliche Volkspartei). Defendia a liberdade de
comércio, a subordinação do Exército a um governo civil e o liberalismo político e econômico.
217
Em geral, seus membros vinham do Partido Progressista, tendo retido alguns ideais liberais; seus interesses
residiam no comércio e na indústria.
67
Partido Conservador
218
(composto por Junkers prussianos e nacionalistas que reivindicavam
tarifas protecionistas), o Partido Conservador Independente
219
(que, além de proprietários de
terras, reunia industriais e capitalistas do Ruhr) e o Reichspartei.
Cabe ressaltar que as eleições para o Reichstag baseavam-se em circunscrições
distritais obsoletas em termos de representação populacional. Como conseqüência, os
distritos agrícolas onde predominava a influência dos católicos e de conservadores
continuavam a deter grande peso político, apesar do crescimento das grandes cidades
220
. A
despeito do prejuízo causado pela defasagem do sistema de representação eleitoral baseado
no censo realizado ainda na década de 1860 – a social-democracia avançava a olhos vistos.
A revogação da legislação anti-socialista em setembro de 1890 e o arrefecimento da
repressão praticada pelo exército e pela polícia permitiram aos social-democratas
aperfeiçoarem e expandirem sua organização e repensarem sua tática política de pura
oposição e isolamento em relação a outros partidos. Tal tática incluía a oposição sistemática
ao governo mediante a rejeição dos créditos solicitados pelo governo e a recusa a apresentar
candidatos a cargos parlamentares o que ocorreu efetivamente em 1912, quando
Scheidemann ocupou o cargo de vice-presidente do Parlamento.
No Congresso de Halle de 1890 foi criado um novo Estatuto para o partido, tendo sido
rejeitada a proposta redigida pela facção parlamentar que concentrava os poderes decisórios
justamente nas mãos dos representantes parlamentares
221
. Foi estabelecido, então, que a
organização partidária seria composta por um Congresso anual de delegados, eleitos dentro
das mesmas condições que os homens de confiança”, um Diretório partidário (Vorstand),
composto por militantes eleitos pelo Congresso, e um jornal oficial o Vorwärts. Além disto,
seriam indicados 12 membros (Partei Leitung) pelo Congresso para supervisionar a execução
da política e a administração do partido
222
.
O Congresso de Halle discutiu ainda sobre a possível expulsão do “Grupo dos
Jovens”, que viria a se concretizar no congresso seguinte o Congresso de Erfurt
223
. Neste
218
O Partido Cristão-Social fundado em 1878 pelo pastor Adolf Stöcker para afastar os trabalhadores da social-
democracia não teve sucesso, tendo sido transformado, em 1881, em uma organização anti-semita destinada à
pequena burguesia e que funcionava nos quadros do Partido Conservador.
219
O Partido Conservador Independente se separou do Partido Conservador em 1866.
220
Por exemplo, em 1912 Schoumburg-Lippe (com 10.707 habitantes) e Berlim (com 104.460) possuiam o
mesmo número de representantes no Reichstag (Rodes, 1964).
221
Cf. SCHORSKE, Carl E. German social democracy. 1905- 1917: The development of the great schism. New
York: Harper Torchbooks, 1972.
222
Cf. DROZ, Jacques. Histoire générale du socialisme - tomo II. Paris: Presses Universitaires de France, 1974.
223
O Congresso de Erfurt é considerado o marco de origem do Sozialdemokratische Partei Deutschlands (SPD),
no qual foi aprovado um novo Programa, desta vez fortemente orientado pela doutrina marxista. Em sua parte
68
sentido, os líderes do SPD posicionaram-se favoravelmente à luta política, condenando tanto
as facções anarquistas presentes no partido, representadas por Paul Pawlowitsch e Gustav
Landauer, quanto os “Jovens” (Jungen)
224
, que criticavam o “aburguesamento” do partido e a
sua transformação em um aparelho oligárquico com propósitos próprios.
Nesta ocasião, Liebknecht realizou uma contundente defesa da ação política
parlamentar e da utilização dos direitos políticos e da quina legislativa para a luta em prol
dos interesses imediatos do proletariado, ao declarar: “em lugar de falar incessantemente da
revolução, é muito mais positivo trabalhar para conseguir melhorar a sorte do proletariado e
fortalecer a organização operária; esta é a forma de servir eficazmente à causa popular”
225
.
Ao relegar a revolução ao segundo plano, Liebknecht deixou clara sua adesão à
orientação reformista, fato que teve sérias implicações dentro do partido ao longo da década
de 90. A dissociação entre objetivos a curto prazo (meios) e objetivos a longo prazo (fins)
resultou na exaltação do pragmatismo, anteriormente pregado pelas correntes lassalleanas
que, nas palavras de Marx, “aceitavam como coisas reais, somente os interesses imediatos que
tem à sua frente”
226
. Este “caminho falso” da Realpolitik, agora percorrido por Liebknecht, ia
de encontro ao princípio de que “a classe operária pela própria natureza das coisas deve ser
sinceramente revolucionária”
227
.
Convém ressaltar que, conquanto as tarefas cotidianas fossem necessárias e até mesmo
indispensáveis para se galgar a melhoria das condições de vida do proletariado e evitar o
resvalo em uma atitude quietista e passiva, ainda que encoberta por uma fraseologia
“revolucionária”, por outro lado, a obliteração do objetivo revolucionário e das exigências
colocadas em função da luta de classes no decorrer do processo de transformação radical da
sociedade que podem estar inclusive em conflito com demandas e reivindicações imediatas
levouderes socialistas de vários países como Jaurés, Brousse e Millerand na França a
assumirem uma postura de endosso e acomodação ao modo de produção capitalista,
teórica são analisados os problemas decorrentes do desenvolvimento do modo de produção capitalista na
Alemanha: a monopolização dos meios de produção, a polarização das classes, a ruína das classes médias e a
multiplicação das crises, além do papel emancipador da classe operária e o internacionalismo proletário. Em sua
parte prática são listadas as reivindicações imediatas dos social-democratas: o sufrágio direto universal e
estendido às mulheres, a separação entre Estado e Igreja, a laicidade da escola, o imposto progressivo, uma
legislação social que inclua a lei das oito horas, a proibição do trabalho infantil a menores de 15 anos, um seguro
ao trabalhador a cargo do Estado e o respeito ao direito de coalizão (Marx; Engels; Lênin, 1971).
224
Após sua expulsão do partido, Paul Ernst, Max Schippel, Paul Kampffmeyer, Bruno Wille e Hans Müler
formaram o Partido Socialista Independente, que teve uma curta duração (Gustafsson, 1975, p.22).
225
JOLL, James. La Segunda Internacional. Movimiento obrero 1889-1914. Barcelona: Icalia, 1976, p. 70.
226
Carta de Marx a Kugelmann, de 23/2/1865 (MARX; ENGELS. Obras escolhidas. São Paulo: Alfa-Omega,
v.3, 1980, p.258).
227
Ibid.
69
entregando-se inteiramente ao jogo político parlamentar e às regras impostas pelas classes
dominantes.
Embora o reformismo desse sinais de revigoramento no seio do SPD, Engels, em carta
a Conrad Schmidt
228
, reforçou a atitude de reprovação aos “Jovens”. A seu ver, mesmo sendo
evidente o predomínio de elementos oriundos da pequena-burguesia
229
, os “Jovens” estariam
incorrendo em um sério equívoco ao considerarem a composição pequeno-burguesa do
partido como sendo a indicação de uma pré-disposição à burocratização e ao reformismo,
recaindo assim em um determinismo e um desprezo pelas condições históricas:
O que falta nesses senhores é a dialética. Eles sempre enxergam
apenas causa aqui, efeito acolá. Que isso é uma abstração vazia,
que no mundo real esses pólos antinômicos metafísicos
existem em crises, que todo o grande percurso ocorre sob a forma
de interação ainda que de forças desiguais, das quais o
movimento econômico é, de longe, a mais forte, primordial,
decisiva , que aqui nada é absoluto e tudo é relativo, isso tudo
eles não enxergam de jeito nenhum, para eles Hegel não existiu.
(...) nunca vi, em lugar algum, uma trapalhada de material tão
imaturo e de imbecilidade absoluta como a que essa oposição faz
aflorar. Esses jovens imaturos, que não enxergam nada mais do
que a sua presunção sem limites, querem indicar a tática do
partido.
Enquanto o Congresso de Halle centrava-se na discussão a respeito do destino a ser
dado ao “Grupo dos Jovens”, Viktor Adler manifestou inquietude em relação ao perigo
oposto: uma forte tendência de “possibilismo” que desde Nuremberg se fazia notar mais
claramente dentro do partido
230
. Os “possibilistas” visavam confrontar a resolução do
Congresso de St. Gall, em 1887, em que ficou estabelecido que os socialistas se absteriam de
votar nos segundos turnos onde seus representantes não estivessem na disputa. Apesar da
desconfiança de líderes do partido, em 1890, foi aprovada uma nova resolução que instruía
seus membros a votarem a favor de candidatos que se comprometessem a não restabelecer as
leis anti-socialistas.
Não obstante as diversas dificuldades originadas a partir de tal resolução, colocando
em relevo a problemática concernente à política de alianças que se desenvolverá mais
abertamente nos Estados do sul do Império a preocupação com o recrudescimento da
228
Carta de Engels a Conrad Schmidt de 27/10/1890 (Marx; Engels, 1983, p.463-464).
229
Segundo Bo Gustafsson, em 1890 a fração parlamentar era composta por 35 dirigentes, dos quais 7 eram
jornalistas; 6 eram comerciantes; 4 eram escritores; 3 eram hoteleiros; 3 eram fabricantes de cigarros; 2 eram
aposentados; 2 eram industriais; 2 eram artesãos; 1 era sapateiro; 1 era litógrafo; 1 era editor; 1 era advogado;
1era funcionário do partido e 1 era alfaiate (Gustafsson, 1975, p.31).
230
Gustafsson, 1975, p.28.
70
repressão governamental mostrou-se legítima. em novembro de 1894, o chanceler
Chlodwig Karl Viktor zu Hohenlohe-Schillingsfürst cedeu à pressão dos conservadores
231
e
fez retroceder as medidas liberais adotadas pelo governo, dando início a uma batalha contra
os partidos revolucionários (Umsturzparteien).
A perseguição aos social-democratas se deu basicamente por intermédio de um projeto
de lei de “combate à subversão” que tornava as greves praticamente impossíveis. Ainda no
mesmo ano, o governo revisou a legislação repressiva contra a imprensa (Umsturzvorlage) e
tentou passar uma lei de censura artística e literária (Lex Heinze). Diversos líderes da social-
democracia foram processados e condenados neste período. Entre eles estava Liebknecht,
preso em 1895 em razão de um discurso proferido no Congresso do partido.
Tal política de “endurecimento” foi igualmente efetuada nos diferentes Estados. Em
1896 a Saxônia teve a sua legislação eleitoral modificada, enquadrando-se nos moldes do
sistema eleitoral prussiano indireto e de três classes, o que ocasionou a perda de 15 dos 16
assentos conquistados pela social-democracia no Estado. A mesma alteração, desta vez a ser
implementada a nível federal, foi aventada em proposta de lei encaminhada ao Reichstag,
contudo a lei das três classes não chegou a ser aprovada. Tentativas de fazer ressuscitar as leis
anti-socialistas sob o nome de “Lei contra as pretensões da social-democracia perigosas à
comunidade” no intuito de “suprimir a agitação”, também não passaram no Reichstag. Não
obstante a sua sanção pelo governo prussiano em 1897, a lei foi declarada inconstitucional
pela Corte Suprema da Prússia.
Ainda em 1897 foi proposto ao Reichstag projeto de lei que tornaria ilegal incitar a
greve ou se filiar a associações que possam pressionar empregadores. No ano seguinte o
Imperador realizou inúmeros discursos em defesa da lei anti-greve,em que exigia duras
sentenças de prisão para grevistas, mais conhecidos como “Discursos Penitenciários”. Seu
objetivo foi atingido em 1899, com a “limitação do direito de greve pela proteção da liberdade
do trabalho”
232
.
As iniciativas visando a retomada da repressão nos anos 90, associadas à criação de
inúmeros grupos patronais como o Zentralverband der deutschen Industrie e o Bund
deutscher Industrieller estão intimamente relacionadas ao avanço extraordinário do
partido. Em sua “Introdução à Luta de Classes na França 1848-1850”, escrito em 1895,
231
A pressão foi exercida principalmente pelos ministros do interior de Hohenlohe, da Prússia von Köller e
Freiherr von der Recke – e pelo ministro de finanças do Reich – Miquel (Rodes, 1964).
232
Cf. Rodes, 1964.
71
Engels exalta a ação dos social-democratas alemães que graças à inteligência com que fizeram
uso do sufrágio universal, instituído em 1866, conseguiram que o “aumento assombroso do
partido aparecesse claramente aos olhos do mundo inteiro em cifras indiscutíveis”
233
. Assim,
ao encararem o sufrágio como um instrumento em favor da emancipação, ao invés de um
mero instrumento de manipulação ou de “fraude governamental”, serviriam de modelo aos
demais partidos socialistas da Europa
234
:
O partido alemão o mais forte, o mais disciplinado e o que
crescia mais rapidamente –, além do serviço que prestava, com
a sua simples existência, aos operários de todo o mundo, serviu
ainda à causa de outra maneira: mostrando aos seus camaradas
de todos os países a forma correta de utilizar o sufrágio
universal
235
.
A apresentação do sufrágio como um “instrumento de emancipação” e de sua
conquista como “uma das mais importantes tarefas do proletariado militante”, contudo, não
deve ser compreendida como a abdicação da luta revolucionária e a adesão irrestrita de Engels
à chamada “via pacífica ao socialismo”. A utilização estratégica do direito ao voto, seja com
vistas à agitação política, propaganda ou autoproteção contra eventuais medidas repressoras,
não implicariam, portanto, a renúncia aos objetivos revolucionários:
E se o sufrágio não tivesse outra utilidade que a de permitir que
nos contássemos de três em três anos; que a de aumentar, pela
ascensão regularmente constatada, a certeza da vitória dos
operários na mesma medida que o medo dos adversários,
tornando-se assim nosso melhor meio de propaganda; que a de
divulgar exatamente a nossa própria força, assim como a dos
outros partidos, fornecendo-nos, ainda, para avaliar a nossa
ação, um critério superior a qualquer outro, preservando-nos,
pois, quer de uma pusilanimidade inoportuna quer de uma
audácia aloucada e igualmente inoportuna se este fosse o
único benefício que o sufrágio universal nos proporcionasse,
isto seria mais que suficiente. Mas o sufrágio universal nos
deu muito mais. Com a agitação eleitoral, forneceu-nos um
meio sem igual para entrar em contato com as massas populares
onde elas ainda estão afastadas de nós, para obrigar a todos os
233
ENGELS. “Friedrich Engels: Política”. José Paulo Netto [org]. In: Coleção Grandes Cientistas Sociais, n. 17,
São Paulo: Ática, 1981, p.216.
234
Przeworski apresenta os números do progresso obtido pelos partidos socialistas, a partir da utilização da tática
eleitoral: em 1907 os social-democratas finlandeses conseguiram a maioria relativa dos votos, 37%, na primeira
eleição com sufrágio; no mesmo ano os austríacos obtiveram 21%, em 1911 25,4% e em 1914 chegaram a
40,8%; o Parti Ouvrier belga conseguiu 13,2% de votos em 1894, chegando a 39,4% em 1925; na Holanda o
partido socialista passou de 3% em 1896 para 18,5% em 1913; na Dinamarca de 4,9% em 1884 para 3,5% em
1889, tendo crescido até chegar a 46,1% em 1935; na Suécia alcançou 3,5% em 1902, 9,5% em 1905, 14,6% em
1908, 28,5% em 1911, 30,1% e 36,4% em 1914, chegando a 39,1% em 1917; na Noruega o Partido
Trabalhista cresceu gradualmente, saltando de 0,6% em 1897 para 32,1% em 1915 (Przeworski, 1989, p.32-33).
235
Engels, 1981, p.217.
72
outros partidos a defender diante do povo as suas posições e
ações frente aos nossos ataques; e, além disto, abriu aos nossos
representantes no Reichstag uma tribuna a partir da qual eles
puderam falar aos seus adversários no parlamento e às massas
no exterior, com uma autoridade e uma liberdade diversas das
existentes na imprensa e nos comícios
236
.
Para Engels, o governo e as classes dominantes teriam esgotado todos os meios legais
para impedir a expansão da social-democracia, o que significaria que em breve poderiam
lançar mão de medidas violentas para a contenção da classe operária. Preocupado com tal
perspectiva, Engels advertira que as condições de luta se transformaram profundamente.
Neste sentido, a rebelião ao estilo antigo, o combate nas barricadas, estaria ultrapassado. A
superioridade das tropas dos exércitos em número, equipamento, organização e disciplina,
além da nova conformação das cidades, com largas ruas e avenidas, tornariam inviável uma
“revolução de minorias”, nos moldes das revoluções de 1848 e 1871. Somente revoluções de
maiorias conscientes e preparadas poderiam obter êxito contra os assaltos da reação
governamental.
Deste modo, o longo e perseverante trabalho de educação e organização levado a
efeito em tempos de “paz” favoreceria o crescimento contínuo das forças socialistas
revolucionárias, posto que, em suas palavras, “nós, os ‘revolucionários’, os ‘subversivos’,
prosperamos muito melhor através dos meios legais do que pelos ilegais e pela subversão. Os
partidos da ordem, como eles se autodenominam, desaparecem pelo estado legal que eles
mesmos criaram”
237
.
É importante lembrar que o referido texto de Engels teve uma origem conturbada
238
. A
versão original do documento sofreu inicialmente alterações realizadas pelo próprio autor, a
pedido de Richard Fischer, editor do Neue Zeit. Em virtude do clima de instabilidade política
causado pelo projeto de lei anti-socialista em debate no Reichstag, Engels aceitou, a
contragosto, a requisição para suprimir partes do texto que faziam alusão direta à revolução
armada. Em resposta a Fischer, Engels expôs sua desaprovação quanto à rejeição a priori da
luta armada:
Não posso supor que vocês tenham a intenção de devotar-se de
corpo e alma à legalidade absoluta, à legalidade em todas as
circunstâncias, à legalidade inclusive em relação a leis violadas
pelos que as fizeram, em suma, à política que consiste em
oferecer a face esquerda a quem golpeou a direita. Na verdade,
236
Engels, 1981, p.218.
237
Engels, 1981, p. 224.
238
Cf. TEXIER, Jacques. Revolução e democracia em Marx e Engels. Rio de Janeiro: UFRJ, 2005, p.155-163.
73
nas páginas do Vorwärts, a revolução é renegada algumas vezes
com a mesma energia com que era antes e talvez volte à sê-lo
em breve pregada. Mas certamente, não posso considerar isso
como norma. (...) Transformar uma tática momentânea numa
tática permanente, uma tática relativa numa tática válida no
absoluto: isso eu não farei, nem poderia fazer sem
descaracterizar-me irremediavelmente
239
.
Engels manifestou ainda maior irritação quando Liebknecht publicou passagens do
texto no jornal do partido, sem o seu consentimento, que lhe deturpavam o sentido. Em carta a
Paul Lafargue, Engels recrimina a atitude de Liebknecht e sua postura inflexível em defesa da
legalidade a todo custo:
Liebknecht acaba de me pregar uma peça. Tomou, de minha
introdução aos artigos de Marx sobre a França em 1848-1850, o
que podia servir-lhe para sustentar a tática de paz a qualquer
preço que decidiu pregar a algum tempo, sobretudo neste
momento em que se preparam leis coercitivas em Berlim. Mas,
recomendo essa tática para a Alemanha de hoje e, ainda
assim, com boa reserva. Para a França, a Bélgica, a Itália e a
Áustria, essa tática não poderia ser seguida em seu conjunto, e,
para a Alemanha, ela poderá tornar-se inaplicável amanhã.
Peço-lhe que aguarde o artigo completo antes de julgá-lo (...). É
lamentável que Liebknecht enxergue branco ou preto. As
nuanças não existem para ele.
240
Tanto a versão modificada do artigo na Neue Zeit, quanto as passagens escolhidas a
dedo por Liebknecht, publicadas no Vorwärts, causaram grande impacto na social-
democracia. A partir de então o texto foi comumente utilizado por membros da corrente
reformista e adeptos da via pacífica e eleitoral que passaram a elevar o texto de Engels ao
status de “testamento teórico”. Deste modo, subvertiam por completo o sentido dos
argumentos esboçados por Engels desenvolvidos à luz das condições encontradas na
Alemanha em meados da década de 90 – apresentando-os como prova de que Engels, ao final
de sua vida, havia revisto seu posicionamento revolucionário e aderido irrestritamente à
defesa da legalidade
241
.
Somente em 1925 a versão completa do texto foi publicada por Riazánov, diretor do
Instituto Marx e Engels de Moscou. Em 1926, Bernstein publicou duas cartas de Richard
Fischer a Engels (de 6/3/1895 e de 14/3/1895) na Sozialistische Monatschefte. Porém, apenas
239
Carta de Engels a Fischer de 8/3/1895 (Engels, apud Texier, 2005, p.149).
240
Carta de Engels a Paul Lafargue, de 3/4/1895 (Engels, apud Texier, 2005, p.161).
241
Concordamos com Hans-Josef Steinberg, que afirmara que a introdução de Engels foi mal compreendida: “É
um fato que recorrendo à autoridade de Engels expoentes de primeiro plano da social-democracia alemã
fizeram passar por elemento essencial da tática e da estratégia “marxistas” um apego rígido e irremovível à linha
dos sucessos eleitorais, o que falseava completamente a perspectiva de Engels” (Steinberg, 1982, p.218).
74
com a publicação da carta-resposta de Engels a Fischer por Hans-Josef Steinberg, em 1967, a
crítica de Engels às alterações solicitadas ao seu texto tornaram-se conhecidas.
A despeito destas novas evidências, muitos estudiosos contemporâneos, seguindo os
passos de uma longa lista de autores vinculados ao marxismo ocidental
242
, persistem em
identificar nas obras do “último Engels” isto é, seus escritos das décadas de 70, 80 e 90
uma postura reformista de sustentação de uma estratégia “evolucionista-eleitoral” de chegada
ao poder. Coadunando-se a tal visão, Hector Benoit
243
credita a Engels a defesa de uma
concepção evolucionista e cientificista, baseada em um sistema naturalista-positivista, que lhe
permitiria prever com um “rigor científico inexorável” o curso da natureza e da história.
Segundo Benoit, Engels seria responsável por introduzir uma série de deformações ao
pensamento original de Marx, consubstanciadas em sua obra inacabada “Dialética da
Natureza”, escrita entre 1873 e 1882. A concepção naturalista da dialética do último Engels, a
seu ver, teria conduzido Engels a erros conceituais que se manifestariam igualmente na
“dimensão ideológico-política”:
Ora, o que representa aparentemente um erro conceitual ou
método lógico insignificante para a luta propriamente política
mostra-se posteriormente como o que realmente é: uma
perspectiva burguesa de classes, posições senão diretamente
traidoras (em relação aos interesses da classe operária) ao
menos, objetivistas, não-revolucionárias e reafirmadoras da
posição burguesa de dominação
244
.
Em sentido radicalmente oposto, Oswaldo Coggiola interpreta o fato de Engels
conceber a dialética material (o movimento dialético do mundo real) como a base da dialética
histórica e da lógica dialética (ciência do pensamento) como sendo algo próprio do ponto de
vista do materialismo histórico, uma vez que este não realiza a separação abstrata da natureza
e da história como campos regidos por leis diferentes
245
. Com efeito, tanto para Marx como
para Engels, a história humana poderia ser compreendida dentro e como prolongamento da
história natural
246
. Contudo, de acordo com seu entendimento, isto o significaria dizer que
ocorreria a transposição mecânica da “organicidade natural” para o âmbito da história:
242
Entre os grandes teóricos que endereçaram críticas à concepção dialética formulada por Engels podemos citar
Lukács, Korsch, Gramsci, Sartre, Adorno, Marcuse, Goldmann e Colletti (COGGIOLA, O segundo violino.o
Paulo: Xamã, 1995, p.76).
243
BENOIT, Hector. “Da dialética da natureza a derradeira estratégia política de Engels”. In: A obra teórica de
Marx: atualidade, problemas e interpretações. São Paulo: Xamã, 2000, pp. 91-107.
244
Benoit, 2000, p.97.
245
Coggiola, 1995, p.78.
246
Ibid.
75
A especificidade da história da sociedade humana é um
momento dentro do conjunto das leis que regem o
desenvolvimento da realidade natural e social. A principal é a
possibilidade, nessa última, da consciência dessas leis, com
vistas a governar o futuro desenvolvimento, dentro dos limites
impostos pela própria necessidade natural, que determina os
limites da própria ação humana
247
.
Assim, de acordo com Coggiola, embora seja possível considerar as incursões de Marx
e Engels pelo campo das ciências exatas e naturais como desatualizadas, à luz das inúmeras
descobertas científicas subseqüentes, ainda conservariam seu valor metodológico. Outrossim,
infere que os autores “não pretendiam revolucionar as ciências da sua época, mas demonstrar
que todo o seu desenvolvimento progressivo devia refletir o movimento dialético da
realidade”
248
. Nestes termos, a dialética materialista não se fundaria numa arbitrariedade
especulativa, isto é, numa tentativa de “fechar” a história do mundo e do conhecimento em
um sistema de verdades absolutas, tal como encontrado na filosofia positivista. Ao contrário,
em “Ludwig Feuerbach e o fim da filosofia clássica alemã”, texto datado de 1886, Engels
sublinharia mais uma vez a ruptura do marxismo com a filosofia especulativa, sobretudo a
hegeliana, no intuito de redefinir o método dialético como a “ciência das interconexões”, que
seria, nas palavras de Engels:
o grande pensamento básico de que o mundo não deve ser
compreendido como um complexo de coisas prontas, mas
como um complexo de processos, onde o aparentemente
estável, assim como a imagem que temos dele, os conceitos,
sofrem um processo ininterrupto de vir a ser e deixar de ser,
onde, apesar de tudo parecer acidental, um desenvolvimento
fundamental que se impõe no final.
249
É necessário observar, portanto, que, não obstante seu fascínio pelas novas descobertas
científicas e sua tentativa de transpor o método dialético simultaneamente para o domínio da
natureza e da história, Engels fazia uma clara distinção, no que concerne à especificidade das
leis gerais do movimento aplicáveis à sociedade humana
250
(lei da passagem da quantidade à
qualidade, da interpenetração dos contrários e da negação da negação). Como Engels ressalta
no referido texto, a práxis seria a essência humana da história:
247
Ibid, p.79.
248
Ibid, p.80.
249
Ibid, p.99.
250
Cabe lembrar a afirmação de Engels no seu prefácio de 1885 ao “Anti-Dürhing”: Marx e eu fomos, sem
dúvida alguma, os únicos que salvaram da filosofia idealista ale a dialética consciente, incluindo-a na nossa
concepção materialista da natureza e da história. Mas uma concepção da história, a um tempo dialética e
materialista, exige o conhecimento das matemáticas e das ciências naturais” (ENGELS, Friedrich. Anti-Dühring.
Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979, p.10).
76
A história do desenvolvimento da sociedade difere
substancialmente, num ponto, da história do desenvolvimento
da natureza. Nesta se excluímos a reação exercida, por sua
vez, pelos homens sobre a natureza o que existe são fatores
inconscientes e cegos que atuam uns sobre os outros e em cuja
ação recíproca se impõe a lei geral. (...) Em troca, na história da
sociedade, os agentes são todos homens dotados de consciência,
que atuam sob o impulso da reflexão ou da paixão, buscando
determinados fins; aqui, nada se produz sem intenção
consciente, sem um fim desejado. (...) Os homens fazem sua
história, quaisquer que sejam os rumos desta (grifo nosso),
na medida em que cada um busca seus fins próprios, com a
consciência e a vontade do que fazem; e a história é,
precisamente, o resultado dessas numerosas vontades
projetadas em direções diferentes e de sua múltipla influência
sobre o mundo exterior.
251
Diferentemente da filosofia da história hegeliana que concebia a história, em
conjunto e em suas diversas partes, como “a realização gradual de certas idéias que,
naturalmente, eram sempre as idéias favoritas do próprio filósofo” a história não seria
orientada, “sob o império da necessidade, para um objetivo ideal, fixado antecipadamente”
252
.
Para Engels, todas as etapas históricas são transitórias, sendo recomendável a superação tanto
das categorias metafísicas que encaram os objetos como fixos, acabados e imutáveis, como
das “velhas antíteses rígidas” e das “linhas nítidas de demarcação intransponíveis”, que
postulam soluções objetivas e verdades eternas. Neste sentido, a antítese entre “necessário” e
“casual” assim como os pares “idêntico” e “diferente”, “verdadeiro” e “falso” teria um
valor apenas relativo, posto que, “o que se afirma como necessário é feito de toda uma série
de simples acasos e o que se acredita casual nada mais é que a forma sob a qual a necessidade
se esconde”
253
.
Logo, como foi visto, Engels rejeita uma concepção mecanicista e fatalista da história,
ao ressaltar que são os homens que atuam na história, embora estejam interagindo com uma
multiplicidade de forças motrizes conscientes ou inconscientes, pois “tudo que põe os homens
em movimento tem necessariamente que passar por suas cabeças: mas a forma que adota
dentro delas depende muito das circunstâncias”
254
. Da mesma forma que as leis gerais do
movimento, imanentes e ocultas
255
, se impõem como dominantes na história humana, os
251
MARX; ENGELS. “Ludwig Feuerbach e o fim da filosofia alemã”. In: Obras escolhidas, v.3. São Paulo:
Alfa-ômega, 1980, p.197-198.
252
Ibid, p. 197.
253
Ibid, p.195.
254
Ibid, p.199.
255
Estas leis seriam alcançadas através da conexão real a ser verificada nos próprios fatos, e não por outra lei
“inventada pelo cérebro do filósofo” (Engels, 1980, p.197).
77
fenômenos naturais também estariam em processo de incessante transformação, evidenciando,
assim, o caráter histórico da natureza
256
.
Sendo evidente a preocupação de Engels em assumir uma postura anti-dogmática,
através da dissociação entre o método e o sistema hegeliano, haveria fundamento atribuir a ele
a responsabilidade pela propagação de uma versão vulgarizada da dialética materialista? Ou
seja, seria correto entrever na tentativa engelsiana de congregar em outro patamar sistema e
método, prescindindo por completo de uma “filosofia superior” dedicada especialmente ao
estabelecimento de concatenações universais, uma abertura teórica que tornaria admissível
uma concepção evolucionista e determinista da história, disseminada entre os membros do
partido principalmente devido à influência de dirigentes como Kautsky, Bebel e Liebknecht
–, que, por sua vez conduziria as massas ao imobilismo e à passividade?
De acordo com Ricardo Musse
257
, a exposição formal da dialética, realizada através de
textos como o “Anti-Dühring” escrito em 1878 como resposta à filosofia eclética difundida
pelo professor Eugene Dühring teve como conseqüência a transformação do marxismo em
um sistema orientado para a compreensão geral do homem e da natureza. A utilização do
método uniforme composto por um conjunto de leis gerais necessárias ao conhecimento
positivo e real do mundo no intuito de atualizar a teoria de acordo com as exigências
decorrentes de mudanças históricas conjunturais, incluindo a expansão dos limites do
marxismo para outros domínios (como a crítica à filosofia da natureza, as teorias acerca da
violência, a moral, o direito, etc.), teria levado Engels a ordenar a teoria em um conjunto
sistemático, enciclopédico.
Desta maneira, o obstante sua crítica à elaboração de sistemas filosóficos
258
, o
esforço de contestação do “sistema filosófico integral” de Dühring teria contribuído para que,
à revelia da intenção do autor, o Anti-Dühring e, por extensão,
o próprio marxismo, então em processo de delimitação
enquanto escola distinta das demais correntes socialistas, fosse
tomado, no mesmo registro das disciplinas burguesas rivais e na
256
Como Engels esclarece no prefácio ao “Anti-Dühring”, de 23 de setembro de 1885, “Reconhecer que estes
contrastes e diferenciações se encontram sem dúvida na natureza, mas relativamente apenas, que esta rigidez
pressuposta, este valor absoluto não se enquadram na natureza senão pela nossa reflexão; eis em que consiste, na
essência, a concepção dialética da natureza.” (Engels, 1979, p.13).
257
MUSSE, Ricardo. “De Friedrich Engels a Rosa Luxemburg”. Do socialismo científico à teoria crítica:
modificações na autocompreensão do marxismo entre 1878 e 1937. São Paulo: USP/FFLCH [Tese], 1998,
cap.III.
258
Engels ressalta em “Ludwig Feuerbach e o fim da filosofia alemã”: “o sistema representa, precisamente, o
que é efêmero em todos os filósofos, e o é, justamente, porque brota de uma perene necessidade do espírito
humano: a necessidade de superar todas as contradições” (Engels, 1980, p.175) .
78
acepção própria da época, como um sistema, isto é, como uma
teoria unitária do homem e da natureza
259
.
Assim, Musse observa que, como principal sistematizador, intérprete e divulgador do
marxismo, Engels procedeu a uma esquematização e síntese da teoria, cuja apropriação pelos
líderes do SPD especialmente através da versão condensada do “Anti-Dühring” publicada
em 1880, sob o título “Do socialismo utópico ao socialismo científico” ganhou contornos
particulares, com infiltrações positivistas, mecanicistas, deterministas e historicistas. Com
efeito, “a adesão dessa nova versão à autocompreensão do marxismo como “socialismo
científico”, destacada reiteradamente pelos teóricos da social-democracia, suscitou por longo
tempo uma impressão de identidade ou mesmo de inextrincabilidade entre as doutrinas de
Engels e da Segunda Internacional”. Tal adesão é confirmada igualmente por David Razanóv:
É preciso reconhecer que, para a difusão do marxismo como
método e sistema especial, nenhum livro depois de O Capital
fez tanto como O Anti-Dühring. Todos os jovens marxistas
Bernstein, Kautsky, Plekhánov que travaram suas primeiras
lutas entre 1880 e 1885 aprenderam no livro de Engels.
260
É importante, portanto, distinguir o pensamento de Engels daquele formulado pela
geração subseqüente de socialistas, ainda que esta tenha sofrido forte influência de seus
escritos. Neste sentido, atribuir ao autor uma adesão ao determinismo econômico
261
e ao
positivismo, concepções que o próprio Engels não cessou de combater, seria tão equivocado
quanto lhe conferir o papel de campeão da legalidade e de crítico das revoluções violentas.
Como salientara Rosa Luxemburg:
Quando se conhece as obras de Marx e Engels, quando se
conhece o espírito revolucionário vivo, autêntico, inalterado,
que se desprende de todos os seus escritos, de todos os seus
ensinamentos, ficamos convencidos de que Engels teria sido o
primeiro a protestar contra os excessos que resultaram do
parlamentarismo puro e simples (...)
262
.
A defesa de Engels da legalidade “até quando for conveniente”, portanto, não deve
conduzir a enganos ou conclusões apressadas. Trata-se de evitar o confronto até o momento
259
Musse, 1998, cap.III.
260
RIAZANOV, David. Marx – Engels e a história do movimento operário. São Paulo: global, 1984, p.180.
261
Em carta a Bloch, de 21/9/1890, Engels assinala sua contraposição em relação ao determinismo econômico
que lhe tentavam imputar: “De acordo com a concepção materialista da história, o elemento finalmente
determinante é a produção e a reprodução da vida real. Nem Marx nem eu asseveramos mais do que isso. Logo,
se alguém torce isso, dizendo que o elemento econômico é o único determinante, ele transforma aquela
proposição em uma frase sem sentido, abstrata e tola” (Marx; Engels, 1983, p.132).
262
LUXEMBURG, Rosa. “O nosso programa e a situação política”. In : Reforma social ou Revolução? E outros
textos. Lisboa: Escorpião, [197-], p.111.
79
decisivo, de modo que se possa resistir à ilegalidade da contra-revolução “de armas em
punho”
263
. Como Engels afirma em carta a Paul Lafargue, “todo apelo à legalidade tem como
única finalidade manter preparado o núcleo principal do movimento operário internacional
para o momento crítico, evitando que ele se desgaste em batalhas precipitadas”
264
. Deste
modo, como convenientemente salientou Jacques Texier,
sem dúvida, Marx e Engels admitiram constantemente uma
transição pacífica ao socialismo em certo número de países,
principalmente na Inglaterra, (...) mas o certo é que, nem em
1895, nem em 1891, nem em 1875, Marx e Engels visualizaram
uma transição pacífica no país de Bismarck, nem ao socialismo,
nem à democracia.
265
Logo, a utilização do sufrágio não substituiria de forma necessária e absoluta o
emprego de outras táticas para se alcançar o fim revolucionário
266
. A escolha dos meios a
serem usados variaria de acordo com as condições encontradas em determinado lugar e
momento histórico, das forças sociais em conflito e das armas a disposição da classe operária
para a conquista do poder. Conforme Hobsbawm exprimira, “a forma assumida pela efetiva
transferência do poder e, portanto, a transformação subseqüente da sociedade dependeriam do
grau de desenvolvimento alcançado pelo proletariado e por seu movimento, que refletiam, por
seu turno, tanto o grau de desenvolvimento do capitalismo, quanto o seu próprio processo de
aculturação e de maturação através da práxis”
267
.
em sua “Crítica ao Projeto de Programa Social-Democrata”, de 1891, Engels
ressaltava que a social-democracia deveria defender todas as reivindicações que pudessem a
aproximar do objetivo revolucionário sendo as reivindicações políticas vistas simplesmente
como apenas mais um meio para alcançar a reivindicação principal
268
. Todavia, o autor
alertava para o perigo de se resvalar no mesmo oportunismo disseminado por parte da
263
Em carta a Laura Lafargue, de 14/3/1890, Engels ressalta: “Conhecemos tempos agitados e tudo dependerá
da aptidão de nossos amigos a não se deixarem arrastar a tumultos por meio de provocações. Dentro de três anos,
teremos talvez os trabalhadores agrícolas, o elemento decisivo na Prússia, e então...fogo!” (Texier, 2005, p.155).
264
Carta de Engels a Paul Lafargue de fevereiro de 1895 (Steinberg, 1982, p.217).
265
TEXIER, Jacques. Revolução e democracia em Marx e Engels. Rio de Janeiro: UFRJ, 2005, p.109.
266
Confira a carta de Engels a Paul Lafargue de 12/11/1892: “Vejam agora que arma esplêndida teremos entre as
mãos na França, há quarenta anos, com o sufrágio universal, se tivéssemos sabido utilizá-lo! É mais lento e mais
enfadonho do que o apelo à revolução, mas é dez vezes mais seguro e, o que vale mais ainda, indica com a mais
irrepreensível exatidão o dia em que será necessário chamar à revolução pelas armas” (Texier, 2005, p.155); e de
12/2/1892, na qual afirma que o valor do sufrágio consiste em que “mostra com toda a exatidão o dia em que se
deverá lançar mão das armas para fazer a revolução; inclusive dez probabilidades contra uma de que se os
trabalhadores utilizam com habilidade o sufrágio universal, os grupos dominantes se verão forçados a transgredir
a legalidade, isto é, colocar-nos na posição mais favorável para levar adiante a revolução” (Gustafsson, 1975, p.
100).
267
HOBSBAWM. “Aspectos políticos de transição do capitalismo ao socialismo”. In: História do marxismo I: o
marxismo no tempo de Marx. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987, p.318.
80
imprensa social-democrata que, com medo de uma renovação das leis contra os socialistas,
apresentava a preservação da ordem legal na Alemanha como elemento suficiente para
garantir a realização de todas as suas reivindicações pela via pacífica
269
. Deste modo, levariam
o partido, e a si próprios, a acreditar que a sociedade atual, ao desenvolver-se, passaria pouco
a pouco para o socialismo
270
.
Segundo Engels, a “ilusão da via legal” promoveria o “esquecimento das grandes
considerações essenciais perante os interesses passageiros do dia, esta corrida aos sucessos
efêmeros e a luta que se trava em torno deles sem ter em atenção as conseqüências ulteriores,
este abandono do futuro do movimento que se sacrifica ao presente”
271
. Desta maneira, Engels
encara o reformismo presente entre setores do partido, como o “tipo de política que arrastará o
partido para um caminho falso”
272
, pois:
o fato de que na Alemanha, nem sequer ser permitido formular
um programa de partido abertamente republicano prova bem
como é enorme a ilusão de que será possível organizar a
república, por uma via tranqüilamente pacífica, e não só a
república mas ainda a sociedade comunista
273
.
A preocupação de Engels em relação à possível repressão do governo não era
desmedida. Mesmo Bakunin, defensor da estratégia de guerrilhas, insurreições locais e da
sublevação espontânea das massas populares, reconheceu, em 1873, o poderio do exército
alemão
274
e a influência exercida pelo espírito militarista”
275
sobre a população que
considerava igualmente uma ameaça à mobilização dos trabalhadores pelo fato de penetrar as
associações operárias, disseminando a exaltação à disciplina e o respeito à ordem e à
autoridade. Em seu livro “Anarquismo e estatismo”, Bakunin analisou os efeitos deste
aspecto, que considerava constitutivo do caráter do povo alemão
276
. Assim, observara que o
268
MARX, Karl; ENGELS, F; LENIN, V. I. Critica do Programa de Gotha, Critica do Programa de Erfurt e
Marxismo e Revisionismo. Porto: Portucalense, 1971, p.46.
269
A transição pacífica é concebida nos países em que a representação popular concentra em si todo o poder,
repúblicas democráticas como a França e a América e monarquias como a Inglaterra (cf. Engels, 1971, p.47).
270
Ibid, p.47.
271
Ibid, p.48.
272
Ibid, p.47.
273
Ibid, p.48.
274
Em sua análise Bakunin descreve o exército alemão como oexército real de um milhão de homens, que sob
o aspecto da organização, da instrução, da arte militar, da moral e do armamento, é o primeiro do mundo”
(Bakunin, p.2003,109).
275
Em artigo de 12/2/1865, Engels analisa o “verdadeiro espírito militar”, que seria inculcado desde a escola de
cadetes (ENGELS, “The Prussian military question and the German Worker’s Party”. In: www.marxists.org.).
276
BAKUNIN, Mikhail. Estatismo e anarquia. São Paulo: Editora Imaginário, 2003.
81
“servilismo”, a “submissão”, a “obediência” e o “culto à autoridade” sobrepunham-se à ânsia
do povo por liberdade.
Ademais, tal mentalidade manifestar-se-ia em toda a sua força na forma de um corpo
militar com profundo desprezo e antipatia em relação aos revolucionários social-democratas.
A descrição que Bakunin oferece dos membros do exército alemão como inimigos
sistemáticos das massas populares, caracterizados por uma arrogância junker que alia a
cultura à barbárie e o saber ao servilismo em relação ao Estado
277
, pode servir inclusive como
base para a compreensão dos desdobramentos históricos nas primeiras décadas do século XX
e a ampla adesão ao nazismo dentro das forças armadas.
Para um exército regular, é, com efeito, difícil imaginar algo de
melhor do que o oficial alemão. Trata-se de um ser que alia em
si o saber ao servilismo, o servilismo à bravura e a mais
rigorosa disciplina à capacidade de iniciativa, o método à
crueldade, a crueldade a um tipo de retidão, uma certa
exaltação, é verdade, em sentido único se não no mau sentido, a
uma submissão, raro igualada, à vontade do chefe; de um ser
sempre capaz de degolar ou massacrar dezenas, centenas,
milhares de indivíduos ao menor sinal daqueles que o
comandam; calmo, discreto, sereno, dócil, sempre em sentido
diante de seus superiores, altivo, friamente desdenhoso e, se
necessário, cruel em relação ao soldado; um ser cuja vida se
exprime em duas palavras: obedecer e comandar; este tipo de
homem não tem igual para o exército e para o Estado
278
.
A dura repressão governamental sobre os socialistas, no entanto, não conseguiu barrar
o crescimento do partido. O aperfeiçoamento da organização partidária levou o SPD a
expandir suas funções, proporcionando a seus membros atividades culturais, educativas e
recreativas, bem como acesso a jornais, periódicos e revistas teóricas. Assim, erigia-se todo
um “estilo de vida baseado nos princípios defendidos pelo partido
279
, de modo que este se
tornava “não apenas uma máquina de combate político, mas uma micro-sociedade”
280
com
277
“Os militares alemães possuem sobre os militares franceses, e mesmo sobre os outros militares da Europa,
uma imensa vantagem; os oficiais alemães superam todos os oficiais do mundo pela seriedade e pela amplitude
de seu saber, pelo conhecimento teórico e prático da arte militar, por seu apego apaixonado e meticuloso pela
profissão das armas, pela exatidão, pelo método, pelo controle de si, pela paciência incansável, tanto quanto pelo
grau de probidade” (Bakunin, 2003, p.109).
278
Bakunin, 2003, p.107.
279
Joll, 1976, p.100.
280
Droz, 1974, p.567.
82
uma “subcultura” própria
281
, que contava com uma eficiente imprensa, bibliotecas, congressos
e conferências públicas, além de desenvolver atividades educacionais.
A adesão ao partido representava, assim, o estabelecimento de laços sociais e redes de
apoio mútuo, reafirmando a identidade de classe e o sentimento de pertencimento a um
grupo
282
. Jacques Droz ressalta este relevante aspecto da vida partidária:
A extraordinária rede de agrupamentos, associações,
sociedades, uniões, comitês, comissões, cooperativas, sedes de
sindicatos (...) faziam que um socialista alemão operário,
mulher, jovem, velho, aposentado, doente, desempregado,
intelectual vivesse sua vida, se alimentasse, morasse, se
vestisse, lesse, cantasse, praticasse esportes, fosse ao cinema,
(...) sem jamais deixar o horizonte socialista
283
.
Para alargar seu escopo e desempenhar funções não apenas políticas, mas econômicas,
sociais e culturais, o partido necessitou construir um aparelho burocrático amplo e eficiente,
capaz de atuar inclusive nos períodos entre as eleições. Em uma entrevista concedida ao Daily
Chronicle, em junho de 1893, Engels prezou a disciplina organizacional do partido:
Nossa organização é perfeita a admiração e desespero de
nossos oponentes. Ela se tornou perfeita graças às leis anti-
socialistas de Bismarck (...) nosso treinamento militar e
disciplina são inestimáveis. Todos os 240.000 eleitores de
Hamburg receberam nossos comunicados e literatura em cima
da hora. De fato, ano passado o governo desta cidade solicitou
que o ajudássemos a distribuir instruções que ensinavam como
lidar com a cólera
284
.
281
A experiência da vida diária, como nos mostra Geoff Eley, seria indispensável para a construção da identidade
coletiva: “Em geral, a vida diária dos trabalhadores revelava muitas pequenas solidariedades. No local, as
brincadeiras rudes e a forma agradável de passar o tempo, as brincadeiras ritualizadas e o escárnio mútuo, além
dos pequenos roubos e sabotagens, eram tão vitais para o desenvolvimento de culturas de chão-de-fábrica quanto
os sindicatos” (Eley, 2000, p.110).
282
Convém salientar que dentro do partido constituíram-se variados grupos, como o de mulheres e o da
juventude, além de grupos desportivos (como organizações nacionais de Atletas Trabalhadores, Saúde Popular,
Ginastas Trabalhadores, Ciclistas Trabalhadores, Nadadores Trabalhadores), artísticos e literários (Cantores
Trabalhadores, União Teatral, Livre-pensadores Proletários), ecológicos (Amantes da Natureza) e de ajuda
mútua (Samaritanos Trabalhadores, União de Temperança dos Trabalhadores) (Eley, 2000, p.109).
283
Droz, 1974, p.567.
284
“Nós não somos o mais forte partido depois do Centro, nós somos de longe mais fortes do que o Centro,
quando se trata do corpo eleitoral. A eleição de 16 de junho deste ano nos deu 2.125.000 votos, enquanto o
Centro teve apenas 1.333.000 (...). Nós somos um partido em crescimento e expansão, e o Centro é um partido
em retração e decadência. (...) o Centro tem quase o dobro de deputados no Reichstag, e mais do que qualquer
outro partido. Mas isto é efeito de nosso miserável sistema eleitoral que não proporciona igualdade dos distritos
eleitorais. Originalmente, pela Constituição”, nós deveríamos ter um deputado ou membro para cada 100.000
habitantes. Os distritos foram formados no ano de 1867 – ou seja, há trinta e um anos atrás, naquela época, sob a
base de um censo de dez anos de idade. Agora imagine a imensa mudança na população e sua distribuição e a
grande massa que migrou do campo para as cidades. Naquela época, Berlim tinha 600.000 habitantes, e possuía
6 membros. Agora Berlim tem 1.800.000 habitantes e deveria ter 18 membros. (...) Por outro lado, o número da
população no campo permaneceu estacionário ou mesmo diminuiu, e justamente nestas partes onde idéias
democráticas e socialistas não encontram tanto respaldo e não consegue se expandir com a velocidade que
83
A manutenção de um forte e sólido aparelho burocrático composto por centenas de
funcionários permanentes exigia, todavia, o aumento na arrecadação das contribuições
destinadas ao partido e o incremento do número de membros filiados. Com isto, muitos
funcionários e dirigentes voltaram sua total atenção para as vitórias eleitorais
285
.
Conseqüentemente, como observa Przeworski, “a democracia representativa, para os social-
democratas, tornou-se simultaneamente o meio e o objetivo, o veículo para o socialismo e a
forma da futura sociedade socialista, a estratégia e o programa, apresentando um caráter ao
mesmo tempo instrumental e prefigurativo”
286
.
Liebknecht demonstra tal tendência em artigo intitulado A social-democracia na
Alemanha”, de 16 de julho de 1898, no qual apresentou os resultados eleitorais para o
Reichstag referente à eleição daquele ano
287
. Neste, ao mesmo tempo em que enfatizava o
progresso atingido pelo partido, o autor sublinhava a necessidade de ampliação da
composição social
288
da social-democracia tendo em vista a defasagem do censo populacional,
que conferiria maior peso aos distritos rurais em detrimento das regiões industriais onde os
social-democratas concentrariam sua base eleitoral
289
.
O direcionamento político à constituição de uma base social mais ampla e heterogênea
que incluísse a pequena burguesia e os camponeses a Mittleklass Strategie produziria,
contudo, novas dificuldades. O apelo às classes médias ocasionaria a perda ou diluição da
identidade de classe do partido. Assim, como Przeworski oportunamente apontou,
Ao estender seu apelo às “massas”, os social-democratas
enfraquecem a importância geral da classe como determinante
acontece nas cidades, o Centro e os Conservadores têm o sua maior força e apoio. Se nós tivéssemos tantos
membros como nossos votos nos dão direito, nós deveríamos ter 116 membros ao invés de 56, e o Centro
Católico cerca de 70, ao invés de 103”. (LIEBKNECHT. “A Social-democracia na Alemanha” . In:
www.marxists.org ).
285
Em artigo de 16 de julho de 1898, Liebknecht anuncia: “As vitórias não são ganhas nos campos de batalha; as
batalhas são na maioria dos casos ganhas e perdidas antes da briga começar. Nossa organização é tal que nós
estamos sempre ordenados e organizados para a luta. Nossos candidatos foram fixados muito tempo, e nós
temos tantos candidatos quanto são os distritos eleitorais no Império Germânico, ou seja 397. (...) Nosso
manifesto aos eleitores foi publicado no último domingo. Todos os outros partidos estão ficando para trás. Nós
somos o único partido na Alemanha que possui um programa. Nenhum dos outros partidos sabe o que fazer,
nenhum se atreve a dizer seus eleitores a verdade, desvelar seus reais objetivos” (Liebknecht,
<www.marxists.org>).
286
Przeworski, 1989, p.29.
287
Confira o mapa (figura 2 em anexo) publicado juntamente com o artigo de Liebknecht de 16 de julho de 1898:
“A Social-democracia na Alemanha” (www.marxists.org).
288
O eleitorado maior encontrava-se em cidades de maioria protestante onde a descristianização era
particularmente avançada – como Berlim, Hamburgo, Bremen e Lübeck (ibid.).
289
Segundo Droz (1974, p.36), em 1912 os social-democratas detinham 49,3% dos votos nas grandes cidades,
35,8% nas pequenas cidades e 19% no campo.
84
do comportamento político dos indivíduos. (...) É o próprio
princípio do conflito de classes o conflito entre coletividades
internamente coesas que se torna comprometido quando
partidos de operários transformam-se em partidos das massas
290
.
De acordo com o autor, o sistema democrático teria pregado uma peça perversa às
intenções socialistas: a emancipação da classe operária não poderia ser tarefa exclusiva dos
próprios operários se tivesse de ser alcançada por intermédio de eleições. Sendo assim,
restaria somente a questão de ser ou não possível recrutar uma maioria favorável ao
socialismo procurando apoio eleitoral fora do operariado
291
.
Contudo, conforme Engels havia observado, no campo, predominava entre
camponeses e trabalhadores rurais a apatia política e o isolamento, além de grande
desconfiança em relação aos socialistas, “defensores da partilha”. Oinstinto de propriedade”
do camponês, portanto, repeliria-o à propaganda socialista, uma vez que, “quanto mais difícil
se torna a luta por seu pedaço de terra ameaçado, tanto mais violento é o desespero com que
se aferra a ele; tanto mais tende a ver, no social-democrata que fala da entrega da terra à
coletividade, um inimigo tão perigoso quanto o usurário e o advogado”
292
. Por conseguinte, o
camponês tenderia a recorrer ao grande proprietário de terras em busca da defesa de seus
interesses. Sendo assim, “o grande latifundiário arvora-se em campeão dos interesses do
pequeno lavrador – e este, em termos gerais, aceita-o como tal”
293
.
A atração da pequena-burguesia do campo e da cidade com vistas à vitória eleitoral
demandaria, portanto, a moderação do discurso e a ênfase na satisfação de reivindicações
imediatas. Com efeito, as alianças e coalizões destinadas a conquistar o voto da pequena-
burguesia e da burguesia liberal geraram um dilema não apenas tático, mas uma profunda
revisão nos princípios assumidos pela social-democracia. Colocou-se em xeque a própria
meta revolucionária, substituindo-a pela conformação aos limites impostos pelo jogo
parlamentarista e pela adequação à sociedade burguesa. Deste modo, como destacou
Przeworski, embora a participação na política eleitoral tenha se mostrado útil, e a certo
ponto necessária, para a transformação dos partidos socialistas em partidos de massas, essa
290
Przeworski, 1989, p.41-42.
291
Ibid, p.39.
292
MARX, K, ENGELS, F. “O problema camponês na França e na Alemanha”. In Obras escolhidas. São Paulo:
Alfa-Omega, v.2, 1980b, p. 228. Escrito em novembro de 1894, publicado na revista Neue Zeit.
293
Ibid, p.226. Diante disto, na opinião de Engels, a conquista dos proletários agrícolas da zona Leste do Elba
teriam uma maior importância do que a conquista dos pequenos camponeses do ocidente da Alemanha e dos
médios camponeses do sul. Precisamente na parte oriental do Elba encontrar-se-ia o “campo de batalha decisivo”
envolvendo a conquista dos trabalhadores assalariados rurais (Ibid, p. 242,243).
85
mesma participação parece haver obstruído a consecução de seus objetivos finais. Neste
sentido, “trabalhar para o presente ou para o futuro” tornou-se um “verdadeiro dilema”
294
.
Desta maneira, a social-democracia alemã viu surgir em seu cerne o estabelecimento
da dicotomia entre reforma e revolução. O trabalho cotidiano do partido não seria orientado
pelo objetivo revolucionário, que, por sua vez, remanesceria como uma mera representação
ideal, quase abstrata, capaz de impulsionar o movimento operário por oferecer-lhe a certeza
da vitória final. Assim, consoante a explicação de Hans-Josef Steinberg:
No período de prosperidade econômica, os aspectos de crise do
desenvolvimento econômico haviam passado inteiramente para
segundo plano enquanto indícios do colapso iminente da
sociedade capitalista-burguesa; o lugar deles havia sido tomado
enquanto critério de aferição da velocidade e da direção do
desenvolvimento pelo progressivo aumento dos votos social-
democratas. Em outras palavras: o expectativismo
revolucionário da ortodoxia marxista liderada por Kautsky e
Bebel concentrava-se agora após se ter orientado, até quase o
final dos anos 90, no sentido da perspectiva do “zás-trás” na
obtenção de novos sucessos eleitorais, os quais, dada a estrutura
interna do Reich alemão, tinham necessariamente de restar, em
última instância, como algo carente de efeito
295
.
O socialismo, sob este novo prisma, não mais seria concebido como o resultado de um
processo revolucionário, conformado pela práxis humana em suas inter-relações recíprocas
com uma série de fatores e forças históricas em conflito na sociedade burguesa, mas sim o
ponto culminante de uma série ordenada de evoluções sociais que encarnariam a realização do
progresso.
Conforme foi apresentado, a participação eleitoral conduziu à reorientação teórica e
prática do partido e à adoção de um “radicalismo passivo”
296
, que enxergava a revolução
como uma medida “meramente defensiva, destinada a salvaguardar o exercício do poder
legitimamente adquirido pelo voto”
297
. Embora houvesse ainda muitos obstáculos a serem
removidos para que os socialistas conquistassem a hegemonia política na Alemanha, o
sucesso do movimento social-democrata alemão, atingido pela via pacífica e eleitoral, era
visto como certo e inexorável.
O crescimento dos partidos de massa social-democratas, seu êxito parlamentar e as
reformas sociais, portanto, fizeram com que uma grande parte dos deres do partido
294
Pzerworski, 1989, p.26.
295
Steinberg, 1982, p.218.
296
Expressão de Pannekoek (Texier, 2005, p.162).
297
Bebel, 1905, apud, Przeworski, 1989, p.22.
86
entendesse seu trabalho em termos de consecução de vantagens imediatas para a classe
trabalhadora, perdendo de vista a perspectiva de uma decisiva batalha final. Neste sentido “a
evolução em direção ao reformismo” não mais estaria ligada à política social do Reich – como
anteviam os lassalleanos –, mas às novas possibilidades que seriam proporcionadas aos
socialistas nas eleições
298
. A partir de então, inicia-se um distanciamento entre as duas
correntes da social-democracia: a revolucionária e a reformista, ambas representadas no novo
programa do partido, aprovado em 1891, que veio a substituir o Programa de Gotha o
Programa de Erfurt.
2.3- O caráter conciliatório do Programa de Erfurt
Em meio às discussões acerca do perfil a ser assumido pelo novo programa do Partido
Social-Democrata, Engels solicitou à Neue Zeit a publicação da “Crítica ao Programa de
Gotha”, por considerar como sua obrigação moral
299
acautelar os membros do partido contra o
possível predomínio de uma mentalidade pequeno-burguesa. Através da divulgação da carta
escrita por Marx em 1875, Engels esperava que o Congresso de Erfurt adotasse uma postura
crítica em relação aos herdeiros de Lassalle e, assim, não voltasse a repetir os erros cometidos
em Gotha.
No entanto, como o próprio Engels havia previsto
300
, a direção do partido manifestou
profundo desagrado com a contundente crítica ao lassalleanismo desenvolvida no texto,
temendo que esta trouxesse graves conseqüências internas para o partido, culminando
ulteriormente em sua fragmentação. A despeito das tentativas de obstar a impressão do artigo
(ou de ao menos lhe censurar as partes mais prejudiciais”) e da ameaça de intervenção que
pairava sobre a revista, lançada pelo grupo parlamentar por intermédio de Dietz editor do
partido –, o texto foi publicado em sua íntegra em 31 de janeiro de 1891.
As críticas, contudo, não tardaram a surgir. Em 13 de fevereiro de 1891, o jornal
Vorwärts exprimiu a posição oficial da direção do partido a respeito da “Crítica ao Programa
298
Droz, 1974, p.39.
299
Cf. Carta de Engels à Kautsky, de 23/2/1891 (Marx, Engels, Lênin, 1971, p.81).
300
Em carta dirigida a Kautsky, escrita em 15/1/1891, Engels afirma: “Liebknecht, que tinha utilizado passagens
do manuscrito (Crítica ao Programa de Gotha) – o seu discurso de Halle sobre o programa do partido está aí para
o provar – teria movido o céu e a terra para impedir a impressão” (Marx, Engels, Lênin, 1971, p.80).
87
de Gotha”, pronunciando-se francamente em oposição às afirmações de Marx. No mesmo
mês, Karl Kautsky publicou na Neue Zeit artigo intitulado “Os nossos programas” em que
partia em defesa de Lassalle:
A atitude tomada por Marx em relação a Lassalle é diferente da
atitude da social-democracia alemã (...) cuja apreciação sobre
Lassalle não é a de Marx (...). Poderíamos alguma vez esquecer
um homem cujas obras para nós, velhos membros do partido,
e também para a imensa maioria dos jovens membros
guiaram os nossos primeiros passos no estudo do socialismo?
Nós lemos atentamente e meditamos em tudo o que Marx disse
do seu aluno Lassalle, mas não devemos esquecer que Lassalle
foi também um dos nossos melhores combatentes
301
.
Apesar das objeções opostas ao texto de Marx, Kautsky, sob a orientação de Engels
302
,
passou a concentrar esforços para elaborar um esboço de programa a ser apresentado e
submetido à votação no Congresso de Erfurt, em substituição ao projeto formulado pelo
Comitê Diretor do partido, escrito por Liebknecht.
Ao redigir a parte teórica do Programa de Erfurt, Kautsky procurou adequá-la à teoria
marxista. Em seu prefácio à edição alemã de “O Programa Socialista”
303
, escrito em junho de
1892, Kautsky torna explícita sua filiação teórica:
Afora as curtas brochuras que chamam atenção das massas
sobre nossos esforços, nós precisávamos de uma espécie de
catecismo da democracia socialista, destinado àqueles que
queiram se familiarizar com as idéias socialistas, de um guia
para o propagandista que deve ser iniciado. (...) Se eles leram e
compreenderam o “Capital”, de Marx, os escritos de Engels
sobre “A situação da classe operária na Inglaterra”, o
“Socialismo utópico e o socialismo científico”, “A origem da
propriedade privada e do Estado”, depois “A mulher e o
socialismo”, de Bebel, e enfim o “Manifesto comunista”, que
havíamos citado e que, como um fio condutor (grifo nosso),
atravessa todas as obras e as inspira, são certamente capazes
apreender, o conjunto das idéias socialistas modernas
304
.
O programa, portanto, abordava questões centrais do marxismo, como o
desaparecimento da pequena indústria, a pauperização do proletariado, a concentração do
301
Marx, Engels, Lênin, 1971, p. 111.
302
Em carta a Sorge, de 24/10/1891, Engels manifesta sua aprovação em relação à adoção de uma nova linha
teórica pelo partido: “O projeto de Programa defendido por Kautsky, por Bebel e por mim serviu de base à parte
política do programa. Tivemos a satisfação de ver a crítica marxista do programa triunfar completamente”
(MARX, Karl; ENGELS, F; LENIN, V. I. Critica do Programa de Gotha, Critica do Programa de Erfurt e
Marxismo e Revisionismo. Porto: Portucalense, 1971, p.103).
303
Esta obra foi publicada na Neue Zeit como uma exposição de motivos para o projeto do Programa de Erfurt,
em 1891.
304
KAUTSKY, Karl. Le programme socialiste. Paris: Librairie des sciences politiques et sociales Marcel
Rivière, 1927, p.1.
88
capital, o crescente número de proletários e a expansão do exército industrial de reserva, as
crises econômicas de superprodução, a ênfase na luta de classes e a crítica ao socialismo de
Estado e ao cooperativismo
305
. De acordo com o programa, a monopolização dos meios de
produção suscitaria o aumento progressivo da miséria, da opressão, da sujeição, da
humilhação e da exploração do proletariado e das camadas intermediárias pequenos
burgueses e camponeses.
Ademais, o abismo que separa os possuidores e os não possuidores seria alargado
pelas crises, que teriam a sua origem na essência do modo de produção capitalista. Estas
crises tornar-se-iam cada vez mais extensas e devastadoras, fazendo da insegurança geral o
estado normal da sociedade. Somente a transformação da propriedade privada capitalista dos
meios de produção em propriedade social e a transformação da produção de mercadorias em
produção socialista, isto é, em produção efetuada para e pela a sociedade, poderiam fazer com
que a grande exploração e a produtividade crescente do trabalho social se transformassem, de
fontes de miséria e de opressão, em fontes do maior bem-estar e de um “aperfeiçoamento
harmonioso e universal”
306
.
Assim, o programa dispunha que a transformação social significaria não apenas a
emancipação do proletariado, mas do conjunto do gênero humano, vítima do status quo. Tal
transformação, porém, não poderia deixar de ser obra da classe operária, pois todas as outras
classes colocar-se-iam no terreno da propriedade privada dos meios de produção e teriam por
objetivo comum a conservação dos fundamentos da sociedade atual.
Convém ressaltar que Kautsky anunciava que a evolução econômica da sociedade
burguesa levaria, “com a necessidade das leis da natureza”, à ruína da pequena exploração, de
modo que os meios de produção tornar-se-iam monopólio de um número relativamente
pequeno de capitalistas e de grandes proprietários
307
. Como resultado, o número de proletários
tornar-se-ia cada vez maior, assim como o exército dos operários supérfluos, aprofundando a
oposição entre os exploradores e os explorados e exasperando a luta de classes
308
.
A perspectiva de Kautsky resvala, assim, em uma espécie de “evolucionismo” que
equipara a evolução das sociedades à evolução da natureza, revelando a grande influência que
305
A proletarização das massas populares, a reunião de todo o capital entre as mãos de um pequeno número de
indivíduos que governam a vida econômica das nações capitalistas, as crises, a insegurança existente, todos esses
efeitos desastrosos e revoltantes do modo de produção capitalista não podem, sobre a base do modo de
propriedade atual, ser freados em seus progressos constantes pelas reformas qualquer que seja a extensão que se
suponha (Marx, Engels, Lênin, 1971, p.104).
306
Ibid., p.94-95.
307
Ibid., p.93.
308
Ibid., p. 94.
89
a teoria de Darwin teve sobre seu pensamento
309
. Ao enfatizar o caráter “irresistível e
necessário” da evolução social, minimiza o papel ativo desempenhado pelos homens neste
processo, embora não a extinga por completo:
Quando se fala do caráter irresistível e necessário de uma
necessidade natural da evolução social, se supõe que os homens
são homens e não corpos inertes, os homens possuem certas
necessidades, certas paixões, dotados de certas forças físicas e
morais que eles empregam de seu melhor. Uma submissão
passiva a isto que parece inevitável não deixa livre o curso da
evolução social, mas a condena ao repouso. Se nós temos por
inevitável a abolição da propriedade privada dos meios de
produção, nós não pretendemos que em um belo dia a
revolução social caia do céu. Nós temos a ruína da sociedade
atual por inevitável porque nós sabemos que a evolução
econômica cria necessariamente as condições que forçam os
explorados a combaterem esta propriedade privada (grifo
nosso). Nós sabemos que o nome e a força dos explorados
cresce, que o número e a força dos exploradores que se apegam
à ordem existente diminuem. Nós sabemos, enfim, que esta
evolução cria condições intoleráveis para a massa da
população, condições que não deixam a escolha entre o
desaparecimento passivo ou a reversão ativa da ordem da
propriedade existente
310
.
Embora Kautsky considerasse que todas as tentativas de resolução ou amenização das
contradições existentes na ordem capitalista que não implicassem na abolição da propriedade
dos meios de produção se mostrariam ineficazes, não menosprezava a necessidade de se
efetuar reformas sociais
311
. Assim, Kautsky tentava conciliar seu discurso revolucionário com
as demandas imediatas reivindicadas pelos setores reformistas da social-democracia. Neste
sentido, destacou que haveria várias maneiras de agir sobre da evolução econômica: poder-se-
ia acelerá-la ou retardá-la, enfraquecer ou reforçar seus efeitos, torná-la mais dolorosa ou
menos penosa, segundo a força que se dispõe na sociedade.
Cabe sublinhar, no entanto, que, para Kautsky, “não se pode nem parar esta evolução
nem fazê-la andar para trás”. Por conseguinte, qualquer pretensão de tornar perene o modo de
produção capitalista deveria ser desacreditada, visto que “as forças produtivas que se
309
“A ciência mais recente nos ensina que na sociedade como na natureza nós podemos observar uma constante
evolução” (Kautsky, 1927, p.1).
310
Ibid, p.102-103.
311
“Nós afirmamos que as reformas sociais são ineficazes em se tratando do objetivo de suprimir a contradição
crescente existente entre as forças produtivas e o modo de propriedade atual (...). Mas nós não queremos dizer
que a revolução social, a abolição da propriedade privada dos meios de produção se produzirá dela mesma, que a
evolução irresistível se conquistará sozinha. Nós não pretendemos que todas as reformas sociais sejam coisas
inúteis, e que não reste a estes que sofrem da contradição entre as forças produtivas e o modo de propriedade que
cruzar os braços e esperar com resignação que ela desapareça” (Ibid., p.102).
90
desenvolvem no seio da sociedade capitalista não são compatíveis com a forma de
propriedade que forma sua base”. Sendo assim, querer manter esta forma de propriedade seria
o equivalente a tornar impossível seu futuro progresso social, condenando a sociedade ao
repouso, à degeneração “mas uma impressionante degeneração em vida, acompanhada de
convulsões as mais dolorosas”
312
.
Deste modo, a experiência ensinaria que todos os meios empregados para impedir a
evolução da sociedade no sentido do socialismo se mostrariam ineficazes, ou mesmo
agravariam os males que eles deveriam fazer desaparecer. Destarte, “os meios realmente
susceptíveis de remediar mais ou menos a um ou outro dos inconvenientes existentes tem por
efeito a precipitação do curso da evolução”
313
.
Ao considerar a revolução como algo certo e incontornável, Kautsky admite que a
social-democracia volte seus esforços para a luta diária por reformas que amenizem o fardo da
classe operária até que chegue o dia da vitória. Assim, Kautsky afirma que a luta do
proletariado contra a exploração capitalista seria uma luta necessariamente política, uma vez
que “a classe operária não pode conduzir as suas lutas econômicas e desenvolver a sua
organização econômica sem direitos políticos”, e, sobretudo, “não pode realizar a passagem
dos meios de produção para a posse da coletividade sem entrar na posse do poder político”
314
.
Tendo isto em vista, a tarefa do Partido Social-Democrata resumir-se-ia a tornar a luta da
classe operária consciente e unitária.
Enquanto Kautsky responsabilizou-se pela parte teórica do programa, norteada pela
doutrina marxista, coube a Eduard Bernstein a parte prática, contendo as reivindicações
concretas e imediatas da social-democracia. Tal divisão de tarefas entre os dois expoentes da
social-democracia evidenciava o fato de que Bernstein possuía maior apego às questões de
ordem prática, isto é, às tarefas imediatas da social-democracia, do que às de caráter teórico
muito antes de enveredar para o revisionismo.
Dentre as reivindicações práticas da social-democracia, constavam: o sufrágio
universal
315
, sistema de representação proporcional
316
, reformas na legislação eleitoral
317
,
312
Ibid, p.101.
313
Ibid, p.104.
314
Marx, Engels, Lênin, 1971, p.95.
315
O voto passaria a ser igual, direto e em escrutínio secreto para todos os membros do Império com mais de
vinte anos, sem distinção de sexo, em todas as eleições e em todas as votações (Ibid, p.96).
316
A que este fosse estabelecido propõe que seja realizada uma nova modificação legal das circunscrições
eleitorais após cada recenseamento (Ibid, p.96).
317
Como, por exemplo, períodos legislativos com duração de dois anos, dias de eleições e de votações marcados
para o dia de descanso legal e indenização dos representantes eleito (Ibid, p.96-97).
91
direitos civis e políticos plenos
318
para ambos os sexos, reformas administrativas
319
,
reformulação da política militar
320
, laicização do Estado
321
, reforma educacional
322
, reforma
judiciária
323
, gratuidade da assistência médica
324
e instituição de imposto progressivo sobre os
rendimentos e a fortuna
325
. Além destas medidas, o Programa de Erfurt elenca ainda tarefas
urgentes destinadas à proteção da classe operária, como a implementação de uma eficaz
legislação protetora do trabalho
326
.
Tendo analisado o projeto de programa formulado por Kautsky e Bernstein, Engels lhe
direcionou importantes observações críticas, publicadas posteriormente à morte de Liebknecht
– em 1901 – sob a forma de um artigo na Neue Zeit, intitulado “Contribuição para a Crítica do
Projeto de Programa Social-Democrata”. Em uma carta dirigida a Kautsky, datada de 29 de
junho de 1891, Engels justifica esta iniciativa, mostrando-se preocupado com a possibilidade
318
Abolição de todas as leis que limitam ou suprimem a livre expressão da opinião e o direito de associação e de
reunião, além da abolição de todas as leis que, do ponto de vista do direito público e privado, colocam a mulher
em estado de inferioridade em relação ao homem (Ibid, p.96-97).
319
Inclusão da possibilidade de legislação pelo povo por meio do direito de iniciativa e de veto, autonomia
administrativa do povo no Império, no Estado, na província e na comuna, eleição dos funcionários pelo povo e
responsabilidade penal destes últimos (Ibid, p.96-97).
320
Propunha a educação para o serviço militar para todos, milícias em substituição aos exércitos permanentes,
representação popular como a única chamada a decidir sobre questões relacionados à guerra e à paz e a
regulação de todos os conflitos internacionais por via da arbitragem (Ibid, p.96-97).
321
Declarar a religião assunto privado, suprimir todas as despesas feitas através dos fundos públicos para fins
eclesiásticos e religiosos, considerar as comunidades eclesiásticas e religiosas como associações privadas que
regulam os seus assuntos com plena independência, laicizar a escola (Ibid, p.96-97).
322
“Freqüência obrigatória nas escolas populares públicas, gratuidade do ensino, dos materiais escolares e de
manutenção nas escolas populares públicas, bem como nos estabelecimentos de instrução superior para os
estudantes que, em virtude das suas capacidades, se considera que devem receber uma instrução mais elevada”
(Ibid, p. 96-97).
323
Gratuidade da justiça e da assistência judicial, justiça promovida por juízes eleitos pelo povo, apelação em
matéria penal, indenizações para as pessoas acusadas, presas e condenadas reconhecidas inocentes e supressão
da pena de morte (Ibid, p. 96-97).
324
Compreendendo os partos e os remédios e a gratuidade dos enterros (Ibid, p. 96-97).
325
Isto implica na declaração obrigatória dos rendimentos, imposto progressivo sobre as sucessões de acordo
com a importância da herança e com o grau de parentesco, abolição de todos os impostos indiretos, direitos
aduaneiros e outras medidas econômicas que sacrificam os interesses da coletividade aos interesses de uma
minoria privilegiada (Ibid, p. 96-97).
326
Legislação nacional e internacional, nas seguintes bases: fixação de um dia de trabalho normal de, no
máximo, oito horas; proibição do trabalho industrial para as crianças com menos de quatorze anos; proibição do
trabalho noturno, salvo para os ramos de indústria que, devido à sua natureza, quer por razões técnicas, quer por
razões de bem-estar geral, o exigem; um intervalo de descanso ininterrupto de, pelo menos, trinta e seis horas,
uma vez por semana, para cada operário; proibição do truck-system (pagamento dos operários em
mercadorias); fiscalização de todas as explorações industriais, inquéritos às condições de trabalho na cidade e no
campo e regulamentação das condições do trabalho por uma repartição imperial do trabalho, repartições distritais
do trabalho e câmaras de trabalho; higiene industrial rigorosamente observada; a mesma situação para os
operários agrícolas e empregados domésticos e para os trabalhadores industriais; supressão dos regulamentos
respeitantes aos empregados domésticos; direito de coligação assegurado; seguro operário inteiramente a cargo
do Império com participação determinante dos operários na sua administração (Ibid, p. 96-97).
92
de o programa desancar no pacífico oportunismo” e na “passagem tranqüila deste velho
lamaçal para a sociedade socialista”
327
.
Em sua crítica ao programa, Engels elogia o fato de o novo projeto ter eliminado “os
numerosos resquícios de uma tradição envelhecida quer especificamente lassalliana quer
socialista vulgar”
328
. Todavia, adverte aos autores em especial Bernstein
329
em relação a
um grande defeito presente nas reivindicações políticas do projeto: a ausência de qualquer
referência à ação revolucionária, ou, ao menos, à reivindicação da concentração de todo o
poder político nas mãos da representação do povo através do estabelecimento de uma
república unitária
330
.
Para Engels, mesmo sendo verdade que as reformas propostas possam oferecer mais
alguns meios para que se alcance a reivindicação principal, sozinhas elas não seriam
suficientes para atendê-la
331
. O autor, então, alerta para o perigo de se deixar atrair pelo
“oportunismo que começa a propagar-se numa grande parte da imprensa social-democrata”,
que se apresenta na forma de um mero reformismo:
Com medo de uma renovação da lei contra os socialistas ou
lembrando-se de certas opiniões emitidas prematuramente no
tempo em que essa lei estava em vigor, pretende-se agora que o
partido reconheça a atual ordem legal na Alemanha como
suficiente para fazer realizar todas as suas reivindicações pela
via pacífica. Faz-se acreditar a si próprio e ao partido que “a
sociedade atual, ao desenvolver-se, passa pouco a pouco para o
socialismo”, sem se perguntar se, para isso, ela não será
obrigada a sair da sua velha carapaça com tanta violência como
o lagostim do rio rebenta a sua; como se, na Alemanha não
tivesse, além disso, que romper os entraves da ordem política
327
“Pareceu-me que era mais importante expor os defeitos, em parte evitáveis e em parte inevitáveis, do
programa político, pois era uma ocasião de desancar no pacífico oportunismo... e na “passagem” tranqüila deste
velho lamaçal para a “sociedade socialista” (Marx, Engels, Lênin, 1971, p.39).
328
Assim, considera que, “do ponto de vista teórico, o projeto mantém-se, no seu conjunto, no terreno da ciência
atual e é possível discuti-lo colocando-nos neste terreno” (Ibid., p.41). Em entrevista ao Daily Chronicle, de
junho de 1893, Engels voltou a elogiar o programa: “Nosso programa é puramente socialista. Nossa principal
plataforma é a socialização de todos os meios e instrumentos de produção. Ainda assim nós aceitamos tudo o
que qualquer governo possa nos dar, mas apenas como um acerto de contas, e pelo o qual nós não agradecemos.
Nós sempre votamos contra o orçamento e contra qualquer requerimento de dinheiro ou homens para o Exército.
Em locais em que nós não tivemos um candidato em que votar no segundo turno nossos apoiadores foram
instruídos a votar apenas nos candidatos que alegavam votar contra a Lei do Exército, qualquer aumento de
impostos e qualquer restrição dos direitos do povo” (www.marxists.org).
329
Embora Engels não direcione as críticas especificamente a Bernstein, estava ciente de que o mesmo foi o
encarregado pela elaboração da parte prática do programa.
330
Engels deixa claro que não descarta a via insurrecional, ao acrescentar que, diante da ameaça de novas leis
socialistas, “isto bastaria por agora, se não se pode ir mais além” (Ibid, p.49).
331
Ibid., p.46.
93
ainda semi-absolutista e, ainda por cima, indescritivelmente
baralhada
332
.
De acordo com Engels, poder-se-ia conceber que a velha sociedade pudesse “evoluir
pacificamente para a nova” nos países em que a representação popular concentrasse em si
todo o poder; onde, segundo a constituição, se pudesse fazer o que se quer, desde que se
tivesse por trás de si a maioria da nação. Sendo assim, em “repúblicas democráticas” como a
França e a América e em monarquias como a Inglaterra, em que “o resgate iminente da
dinastia é debatido todos os dias na imprensa e onde esta dinastia é impotente contra a
vontade do povo”
333
. Contrariamente, na Alemanha, “onde o governo é quase todo-poderoso,
onde o Reichstag e os outros corpos representativos não têm poder efetivo”, proclamar tais
idéias seria “tirar a folha de parreira ao absolutismo e cobrir a sua nudez com o próprio
corpo”
334
.
Deste modo, Engels invalida a proposta política dos reformistas, alegando que a defesa
da via legal na Alemanha, a longo prazo, poderia arrastar o partido para um “caminho
falso”, pois, por um lado colocaria em primeiro plano problemas políticos gerais, abstratos, e
por outro esconderia os problemas concretos mais prementes, os quais, nos primeiros
acontecimentos importantes, na primeira crise política, vêm por si próprios inscrever-se na
ordem do dia. Engels, então, infere: “que pode resultar disto senão que, de repente, no
momento decisivo, o partido será apanhado de surpresa e nos pontos decisivos reinará a
confusão e a ausência de unidade, porque estes problemas não terão nunca sido discutidos?
335
As considerações críticas de Engels tinham como alvo os setores “oportunistas” do
partido, que defendiam “o esquecimento das grandes considerações essenciais perante os
interesses passageiros do dia, esta corrida aos sucessos efêmeros e a luta que se trava em
torno deles sem ter em atenção às conseqüências ulteriores, este abandono do futuro do
movimento que se sacrifica ao presente”
336
.
332
Ibid., p.47.
333
Contudo, esta possibilidade dependeria da chegada ao poder do operariado. Em “Contribuição ao problema da
habitação”, de 1872, Engels advertira, a respeito do governo liberal existente na Inglaterra, cujo princípio é “não
propor leis de reformas sociais senão obrigados pela necessidade, e fazer todo o possível para não aplicar as
existentes. (...) É claro como a luz do dia que o Estado atual não é senão o poder organizado conjunto das classes
possuidoras, dos latifundiários e dos capitalistas, dirigido contra as classes exploradas, os camponeses e os
operários. O que os capitalistas (...) tomados individualmente não querem, seu Estado não quer tampouco. (...) O
Estado se preocupará, no máximo, em conseguir que as medidas usuais, que representam um paliativo superficial
sejam aplicadas” (Marx, Engels, 1980b, p.156).
334
Marx, Engels, Lênin, 1971, p.47.
335
Ibid., p.48.
336
Ibid.
94
Como Engels temia, precisamente esta ala da social-democracia saiu fortalecida com a
aprovação do novo programa. Ao subordinarem a vontade subjetiva do proletariado às
condições objetivas necessárias para se alcançar o socialismo, os membros da corrente
majoritária do partido conhecidos como “marxistas ortodoxos”, ou, “marxistas da Segunda
Internacional” – limitavam a luta à política parlamentar e à implementação de reformas legais.
Assim, a expectativa de uma revolução futura justificava a concentração da atividade presente
na luta por reformas, inibindo quaisquer pretensões insurrecionais contra as instituições
estatais. Como Bebel explicitara,
Se como não razão para duvidar as coisas continuarem a
se desenvolver nessa direção, considero possível que, em certo
momento, as classes dominantes terminem por ser lançadas
num estado hipnótico e deixem as coisas seguirem o seu curso,
sem quase opor resistência (...). A condição é que o
desenvolvimento possa chegar à plena maturação, sem ser
perturbada por incidentes imprevistos e que a explosão não
ocorra prematuramente.
337
O emprego da “estratégia do desgaste”
338
, ao invés da “estratégia do aniquilamento”,
isto é, o apego à idéia de que se deva aguardar o momento apropriado, quando as condições
objetivas estejam suficientemente maduras, para que se efetue a conquista do poder estatal
através da conquista da maioria do parlamento, admitia o uso da força apenas de modo
excepcional, como um meio defensivo de manutenção do poder após a conquista da vitória
parlamentar. Planejava-se formar um consenso eleitoral que conduzisse à maioria no governo
e ao redirecionamento da política estatal.
Em discurso endereçado ao Congresso de Erfurt, Liebknecht defendeu a tática
parlamentar contra os ataques das correntes esquerdistas, sustentando que seu posicionamento
conservaria o caráter revolucionário, por manter-se fiel ao objetivo final:
O parlamentarismo é simplesmente o sistema de representação
do povo. Se a agora não temos conseguido resultados no
Reichstag a culpa não é do parlamentarismo: é apenas a
conseqüência de que não temos todavia, neste país, no povo, o
poder necessário. Se tivéssemos atrás de nós tantos votos e
337
Carta de Bebel a Engels de 28 de março de 1881 (STEINBERG, Hans-Josef. “O partido e a formação da
ortodoxia marxista”. História do marxismo II: o marxismo na época da Segunda Internacional - primeira parte./
Eric J. Hobsbawm (org). Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982, p.212).
338
Como explicou Kautsky, em 1909: “A estratégia do desgaste diferencia-se da do aniquilamento apenas pelo
fato de que a primeira não visa diretamente à batalha decisiva, como o faz a segunda, mas a prepara durante um
longo tempo e se dispõe a travar essa batalha quando considera o inimigo suficientemente enfraquecido”
(KAUTSKY, apud, SALVADORI, Massimo L. “Kautsky entre ortodoxia e revisionismo”. In: História do
marxismo II: o marxismo na época da Segunda Internacional - primeira parte./ Eric J. Hobsbawm (org). Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 1982, p.330).
95
tanta força como têm os partidos burgueses, o Reichstag seria
para nós tão pouco infrutífero quanto é para eles... Dizer isto
não é sustentar que todo problema pode ser resolvido mediante
a legislação, mas que alguém me ensine outro caminho que
chegue ao nosso fim: Sei que outro caminho, o qual, na
opinião de alguns poucos de nós, é mais curto: o da violência ...
mas esse caminho conduz ao anarquismo, e é grande culpa da
oposição não haver se dado conta deste resultado... com o
passar do tempo a mera força deve ceder aos fatores morais, à
lógica das coisas. Bismarck, o homem da força bruta, o homem
da política do ferro e sangue, jaz prostrado e a social-
democracia é o partido mais forte da Alemanha... A essência
do revolucionarismo está, não nos meios, mas nos fins (grifo
nosso). A violência tem sido durante milhares de anos um fator
de reação. Prove que nosso fim é falso e então poderá dizer que
o partido foi afastado por seus chefes do caminho da revolução.
339
Diante das inúmeras críticas emanadas por membros do partido e do aumento da
desconfiança em relação ao grupo parlamentar, acusado de oportunismo, Wilhelm Liebknecht
colocou em destaque a distinção entre princípios essenciais (fins) e não-essenciais (meios)
340
da social-democracia. Deste modo, no intuito de validar a tática reformista – que pregava uma
transição pacífica e gradual ao socialismo, por meio de um contínuo trabalho de propaganda –
vociferou pela adoção de uma tática realista
341
e pragmática, que poderia variar de acordo com
as circunstâncias, uma vez que nestas questões “os interesses do partido são a única lei”.
339
WALDENBERG, Marek. “A estratégia política da social-democracia alemã”. In: História do marxismo II: o
marxismo na época da Segunda Internacional - primeira parte./ Eric J. Hobsbawm (org). Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 1982, p.244.
340
“Questões de tática são questões práticas e podem ser distinguidas das questões de princípios. Nós temos
visto que o é justificável manter que a força é a única tática revolucionária adequada e que um homem não
precisa ser chamado de reacionário se ele não aprova o uso desta tática em todos os casos. Nós mostramos que a
forçao é sempre revolucionária mas que às vezes é anti-revolucionária. Nós mostramos a necessidade de nos
emanciparmos das frases e buscarmos a força do partido na clareza do pensamento, na ação metódica e
destemida, e não em violentas frases revolucionárias que freqüentemente escondem desejo de clareza e ação.
Nós mostramos que para que o partido seja capaz de realizar idéias socialistas ele deve ser capaz de obter o
necessário poder e que isto deve ser feito antes de tudo pelos meios de propaganda. (...) Mas nós não passaremos
para o socialismo de uma vez. A transição se faz gradualmente, e o é nossa tarefa desenhar o esboço do
futuro (que seria trabalho inútil), mas determinar o programa prático para o período de transição, formular e
justificar medidas que possam ser aplicáveis imediatamente no presente estado da sociedade e possam contribuir
para trazer um melhor estado de coisas” (LIEBKNECHT. “How it could be done”. In: Justice, 7/9/1901-
www.marxists.org.).
341
Em declaração de 1892, Liebknecht afirma: “Esta é, na verdade, a grande vantagem do movimento alemão,
uma vantagem que não provém de nossos méritos pessoais mas do curso da nossa evolução histórica peculiar
(...). Trata-se de que desde o primeiro momento o movimento alemão teve um programa baseado em princípios
firmes, uma atitude científica e uma tática realista (Realpolitische)” (JOLL, James. La Segunda Internacional.
Movimiento obrero 1889-1914. Barcelona: Icalia, 1976, p.65).
96
Contudo, diferentemente de Engels, Liebknecht apoiou a renúncia, de antemão, às “violentas
frases revolucionárias”
342
, que a seu ver serviriam mais à reação do que à revolução.
Embora os líderes do partido vinculados ao “marxismo ortodoxo” conservassem no
horizonte a idéia do inexorável objetivo final, o foco em questões imediatas tornou seu
conteúdo cada vez mais vazio e abstrato. O discurso de Bebel no Reichstag, em 1893, vem a
comprovar tal assertiva, ao alegar: “não nos dedicamos a projetar detalhes utópicos, e a dizer:
a sociedade socialista tem que ser assim e assim. Esta se faz a si mesma”.
343
A interpretação evolucionista do materialismo histórico, realizada por dirigentes e
intelectuais do SPD como Kautsky e Bebel –, resultante de uma síntese entre marxismo e
darwinismo, assentava suas bases na idéia de que o fim da sociedade capitalista seria
decorrente de uma “necessidade natural”, expressa através de sucessivas crises e depressões
econômicas. Desta maneira, a perspectiva fatalista de um colapso geral (“Zusammenbruch”)
da ordem política e social existente, ou nas palavras de August Bebel, o “grande zás-trás”
(“der grosse Kladderadatsch”)
344
, desembocou no imobilismo e no gradualismo, que
excluíam táticas ilegais ou pela via extra-parlamentar.
Em suma, a apropriação da teoria de Marx e Engels pela primeira geração de
“marxistas”, cuja preocupação primordial residia na aplicação prática dos princípios visando
resultados a curto e médio prazo, originou uma doutrina que conjugava determinismo
econômico e ideologia do progresso, levando à consolidação de uma tática reformista e à
concepção de que a revolução não é algo que possa ser feito
345
.
Se, como argumenta Schorske, o Programa de Erfurt foi desenhado para um período
não-revolucionário, em que a classe trabalhadora estava crescendo em números e consciência
política, mas estava ainda muito fraca para fazer uma séria investida pelo poder
346
, não deixou
342
LIEBKNECHT. “How it could be done”. In: Justice, 7/9/1901- www.marxists.org.
343
Gustafsson, 1975, p.35.
344
STEINBERG, Hans-Josef. “O partido e a formação da ortodoxia marxista”. História do marxismo II: o
marxismo na época da Segunda Internacional - primeira parte./ Eric J. Hobsbawm (org). Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 1982, p. 210-211.
345
Conforme Hans-Josef Steinberg observou, “o que estava presente em Marx sob uma forma tendencial, sob a
forma de um princípio dinâmico do capitalismo, passou a aparecer como uma lei histórica universalmente válida;
e o que era para Marx um princípio dialético do movimento histórico configurou-se como evolução pura e
simples, em cujo término está quase como um evento natural a revolução social: o proletariado deve se
preparar para ela por meio da organização” (Ibid, p.209).
346
SCHORSKE, Carl E. German social democracy. 1905- 1917: The development of the great schism. New
York: Harper Torchbooks, 1972, p.6.
97
de expressar igualmente uma necessidade de unificação do movimento social-democrata em
torno de princípios partidários, ainda que estes tenham se subordinado à prática reformista
347
.
Com efeito, o Programa de Erfurt, acometido de um espírito conciliador, procurou
satisfazer às duas tendências antagonistas dentro do movimento operário, aderindo tanto a
uma fraseologia revolucionária como a uma tática reformista. Assim, a tese da inevitabilidade
histórica do declínio do capitalismo e do triunfo do socialismo cumpria uma função
ideológica, motivando os trabalhadores na sua luta cotidiana. Consoante nos explica Marek
Waldenberg:
A tese correspondia às exigências psicológicas das massas
proletárias; e isso em proporção tanto maior quanto mais as
relações sociais e o sistema político provocavam a
discriminação dos proletários, ao considerá-los como uma
categoria de cidadãos perigosos que deviam ser isolados do
resto da nação. Juntamente com a tese sobre a importância
histórica do proletariado, ela dava às massas operárias o
sentimento de seu próprio valor de classe e o valor do operário
singular enquanto elemento da força coletiva que liberaria a
humanidade inteira da exploração, da opressão, do
envilecimento e da miséria.
348
Todavia, ao mesmo tempo em que fortalecia a auto-estima e a identidade de classe dos
operários, a teoria do colapso com sua concepção evolucionista e naturalista da história
retirava-lhes da condição de sujeitos históricos e atribuía-lhes um papel secundário, de
simples expectadores do processo histórico, aplacando, assim, seu ímpeto revolucionário.
Como observou Walter Benjamin:
O conformismo que, desde o início, sentiu-se em casa na social-
democracia, adere não à sua tática política, mas também às
suas idéias econômicas. Ela é uma das causas do colapso
ulterior. Não nada que tenha corrompido tanto o operariado
alemão quanto a crença de que ele nadava com a correnteza
349
.
Como veremos adiante, as ambigüidades e contradições presentes no programa e na
prática da social-democracia logo foram evidenciadas diante das mudanças conjunturais no
final do século XIX, levando à progressiva desagregação do partido em várias correntes.
347
Cf. MUSSE, Ricardo. Do socialismo científico à teoria crítica: modificações na autocompreensão do
marxismo entre 1878 e 1937. São Paulo: USP/FFLCH [Tese], 1998, cap.III.
348
WALDENBERG, Marek. “A estratégia política da social-democracia alemã”. In: História do marxismo II: o
marxismo na época da Segunda Internacional - primeira parte./ Eric J. Hobsbawm (org). Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 1982, p.226.
349
LÖWY, Michael. Walter Benjamin: aviso de incêndio. São Paulo: Boitempo, 2005, p.100.
98
2.4- Cisão interna e fortalecimento do reformismo
Com a abertura política e o êxito eleitoral conquistado ao longo da década de 1890,
cada vez mais grupos dentro do partido passaram a pressionar no sentido de uma revisão
programática que pusesse fim à proibição de coalizões e participações no governo e assumisse
o caráter puramente reformista do SPD. Muitos líderes da social-democracia compartilhavam
desta opinião e iam mais além nas suas afirmações. É o caso de Georg von Vollmar, deputado
pelo Landtag da Baviera que, até então, fazia parte da ala esquerda do partido. Em um
discurso pronunciado em Munique, em junho de 1891, mais conhecido como o “Discurso de
Eldorado”, Vollmar põe em questão as previsões de Marx a respeito da agricultura e da
indústria, ou seja, a tendência à crescente polarização das classes e concentração do capital, à
ruína dos pequenos proprietários e à proletarização das massas. Com efeito, defendia a lenta
evolução orgânica da sociedade realizada através de reformas:
Além do objetivo geral final nós vemos uma meta mais
próxima: o avanço das necessidades mais imediatas do povo.
Para mim, a conquista das reivindicações mais imediatas é o
principal, não apenas porque elas são de grande valor
propagandístico e servem para aliciar as massas, mas também
porque em minha opinião este progresso gradual, esta
socialização gradual, é o método mais forte indicado para a
transição progressiva [grifo nosso]. Assim, o caminho da
calma, legal, atividade parlamentar no sentido mais amplo, está
dado, pois a mudança no sentimento popular trará a
correspondente mudança no Reichstag
350
.
Precisamente a defesa do reformismo, não apenas como mero artifício político para
arregimentar novos membros e eleitores, mas como meio para a realização do socialismo será
a pedra de toque do revisionismo de Eduard Bernstein, como veremos mais à frente. A
concepção evolucionista de Vollmar levou-o, igualmente, a rejeitar a idéia de um
desenvolvimento histórico realizado por “saltos revolucionários”:
Até agora aconteceram grandes crises em que a História dava
um salto ou parecia dá-lo. Do mesmo modo em que as relações
naturais não se desenvolvem através de transformações em
sucessão sincopada súbita e imediata, assim as ordens sociais
não se substituem umas às outras como unidades fechadas,
imediatas
351
.
350
VOLLMAR, apud, GAY, Peter. The dilemma of democratic socialism. New York: Columbia University
Press, 1970, p. 258.
351
VOLLMAR, apud, GUSTAFSSON, Bo. Marxismo y revisionismo: La critica bernsteiniana del marxismo y
sus premisas histórico-ideológicas. México: Grijaldo, 1975, p.28.
99
A conversão do Estado em mecanismo propulsor de reformas sociais, ou seja, a tática
de “utilizar as formas atuais para exercer uma influência sobre as de amanhã” conduziu
Vollmar a endossar as teses dos “socialistas de Estado” que olhavam com extremo otimismo
para o “novo curso” da política do governo. Do seu ponto de vista, a social-democracia
deveria revisar sua tática: lutar para introduzir sobre a base da ordenação social e estatal
melhorias políticas e econômicas
352
. Consoante Vollmar,
A social-democracia não tem nenhum motivo para combater
com particular zelo as idéias do socialismo de Estado em si. Se,
ao contrário, estabelecêssemos uma série de medidas
propugnadas por nós para gradualmente dar andamento a uma
nova ordem social, então poderíamos ver quais destas podem
ser caracterizadas justamente como socialistas de Estado
353
.
Na assembléia do partido, realizada em 1892, em Berlim, Liebknecht expressou seu
descontentamento em relação à defesa de Vollmar de um socialismo de Estado e das
vantagens da nacionalização, enfatizando os perigos de se estender o poder e a autoridade do
Estado existente. Para Liebknecht, “quando o Estado existente se encarrega de algo, não muda
sua natureza. Ocupa o lugar do dono de uma empresa privada: os operários não melhoram em
nada, mas o Estado reforça seu poder e sua capacidade de opressão”.
354
Ainda em 1892, no Congresso do Partido Social-Democrata bávaro, em Ratisbonne,
Vollmar apresentou um projeto de reformas, com vistas a atrair o eleitorado rural da
influência do Partido do Centro e dos Conservadores. Através desta ação pretendia limitar a
influência da Liga dos Proprietários Rurais (Bund der Landwirte) organização conservadora
e protecionista que buscava uma ão conjunta entre os grandes proprietários e os
camponeses pela incorporação de demandas sociais que atendessem tanto aos interesses dos
trabalhadores agrícolas como dos pequenos e médios proprietários rurais, como por exemplo,
a nacionalização das hipotecas, o monopólio do crédito agrícola pelo Estado, a redução da
taxa de juros do crédito agrícola, a possibilidade de exploração de bosques e dos bens
comunais e o fomento a cooperativas agrícolas.
Tais proposições haviam sido alvo das críticas de Engels. Em “O problema
camponês na França e na Alemanha”, escrito em novembro de 1894
355
, o autor identificava os
352
VOLLMAR, apud, DROZ, Jacques. Histoire générale du socialisme - tomo II. Paris: Presses Universitaires
de France, 1974, p. 31.
353
Vollmar, apud, Gustaffson, 1975, p.29.
354
COLE, George Douglas Howard. Historia del pensamiento socialista: la segunda internacional: 1889- 1914.
México: Fondo de Cultura Economica, v.1, 1959, p.262.
355
Publicado na revista Neue Zeit, p.225 a 243 (Marx; Engels, 1980c, p.225-143).
100
camponeses como “um fator essencial da população, da produção e do poder político”.
Contudo, segundo a análise de Engels, o avanço do capitalismo conduziria ao seu
deslocamento para o segundo plano em termos econômicos e políticos e, por fim, à
eliminação deste grupo social
356
. Tendo em vista que o desenvolvimento do modo de
produção capitalista estaria “matando o nervo vital” da pequena exploração da agricultura
que tenderia a decair e a marchar, irremediavelmente, para a ruína
357
Engels endereçou
algumas críticas aos socialistas franceses de tendência marxista, que formularam o primeiro
programa agrário social-democrata, aprovado no Congresso de Marselha de 1892
358
cuja
fundamentação teórica foi exposta no Congresso de Nantes, em setembro de 1894.
Engels considerava improvável que os camponeses pudessem converter-se em aliados
da social-democracia, na medida em que a conquista da massa camponesa dependeria da
realização de promessas que os social-democratas não poderiam cumprir, uma vez que teriam
que assumir a defesa de sua propriedade parcelar contra toda eventualidade decorrente dos
356
Tal previsão havia sido apresentada por Engels no segundo prefácio à “Contribuição ao Problema da
habitação”, de 1887: “Como Marx demonstrou (....) em certo grau de desenvolvimento a máquina e a fábrica
farão soar também para elas a hora da decadência. E essa hora parece estar próxima. Mas a destruição da
indústria domiciliar e da manufatura rurais pela máquina e a fábrica significam, na Alemanha, a destruição dos
meios de existência de milhões de produtores rurais, a expropriação de quase a metade do pequeno camponês, a
transformação não somente da indústria a domicílio em produção fabril, mas também da economia camponesa
em grande agricultura capitalista e da pequena propriedade territorial em grandes domínios: uma revolução
industrial e agrária em proveito da grande propriedade territorial e em detrimento dos camponeses. Se o destino
da Alemanha é passar também por tal transformação nas velhas condições sociais, isso seria indiscutivelmente
um ponto de virada” (Marx, Engels, 1980b, p.115).
357
Ibid, p. 226. De acordo com Engels, a situação do camponês seria agravada pela perda do antigo direito aos
bens comunais (do servo ou vassalo), da proteção pela comunidade autônoma de que era membro e da
participação no usufruto dos bens comunais. A sobrecarga de impostos, colheitas ruins, partilhas de heranças e
litígios os levariam a recorrer a usurários e acumularem dívidas. Assim, nosso pequeno camponês, como todo
resto de um modo de produção já caduco, está irremediavelmente condenado a desaparecer. O pequeno lavrador
é um futuro proletário” (Marx, Engels, 1980b, p.228).
358
Este programa exigia para os trabalhadores do campo: salários mínimos fixados pelos sindicatos e conselhos
municipais, tribunais industriais e agrícolas (metade dos quais deveria ser constituída por operários), proibição
da venda dos terrenos comunais, arrendamento da terra do Estado aos municípios, arrendamento de todas as
terras (próprias ou arrendadas) dos municípios a associações de operários agrícolas sem-terras para que cultivem
em comum (sob a fiscalização dos municípios e sob a proibição de emprego de trabalho assalariado), além de
pensões para velhos e inválidos (instaurando-se para isso um imposto especial sobre a grande propriedade
territorial). para os pequenos camponeses e arrendatários o programa previa: a aquisição de maquinaria
agrícola pelos municípios (a fim de alugá-la, a preço de custo, aos camponeses), criação de cooperativas
camponesas para a compra de adubos, sementes, tubos de encanamento para drenagem e irrigação, etc, assim
como para a venda de produtos, supressão dos impostos nas transmissões de terras, quando seu valor não
exceder 5000 francos, comissões de arbitragem, segundo o modelo irlandês, para fazer baixar as rendas
excessivas da terra e para indenizar os colonos e parceiros pelas benfeitorias introduzidas por eles, derrogação do
artigo 2102 do Código Civil que outorga ao proprietário da terra o direito de embargo sobre a colheita, abolição
do direito dos credores de penhoar a colheita, fixação de um montante impenhorável de instrumentos, sementes,
gado, etc, em resumo daquilo que é necessário ao camponês para a exploração de sua economia; revisão do
cadastro geral de propriedade, cursos agrícolas gratuitos de aperfeiçoamento e estações agrícolas experimentais
(Marx, Engels, 1980b, p.229).
101
“poderes econômicos em ação”. Assim, o desejo de proteger os pequenos lavradores, no que
se refere a sua propriedade, faria prolongar uma situação anacrônica na qual aqueles “não
podem nem viver nem morrer”
359
. Ao contrário, diz Engels, “o fundamental, hoje e em
qualquer época, é que os camponeses compreendam que poderemos salvá-los e conservar
em suas mãos a posse de sua casa e de suas terras através de sua transformação
360
em
propriedade e exploração coletivas”
361
.
A despeito das afirmações de Engels, Vollmar declarou, mais uma vez, diante do
Congresso Social-Democrata em Frankfurt, em outubro de 1894, a necessidade de se criar um
programa agrário, tendo recebido apoio por parte de Eduard David
362
, deputado de Hesse, e
Bruno Schönlank, deputado da Saxônia e redator da Leipziger Volkszeitung. O Congresso
criou, assim, uma Comissão Agrária composta por 15 membros, que contava, inclusive, com a
participação de Bebel
363
. Contudo, as proposições da Comissão foram recusadas pelo Plenário
do Congresso por maioria de 138 votos contra e somente 6 a favor. No ano seguinte, no
Congresso de Breslau de outubro de 1895, as idéias de Vollmar sofreram uma derrota ainda
maior. No entanto, havia sido dado o primeiro passo para a formação de uma nova corrente
política no interior da social-democracia alemã.
364
A linha reformista, seguida principalmente pelos social-democratas do sul da
Alemanha, suscitou sérias críticas ao Programa de Erfurt, no tocante aos seus objetivos
práticos e a forma como estes seriam alcançados. Pertencendo, geralmente, a Estados
359
Marx, Engels, 1980b, p.231.
360
Engels, então adverte que “ao tomarmos posse do poder do Estado, o poderemos pensar em expropriar
violentamente os pequenos camponeses (com indenização ou sem ela), como seremos obrigados a fazer com os
grandes latifundiários. Face aos pequenos camponeses, nossa missão consistirá, antes de tudo, em orientar sua
produção individual e sua propriedade privada para um regime cooperativo não pela força e sim pelo exemplo
e oferecendo-lhes a ajuda social para esse fim” (Marx, Engels, 1980b, p.237).
361
Ibid, p.238.
362
Eduard David mais tarde rebateria as críticas elaboradas por Kautsky e esboçadas em seu livro “A questão
agrária”, de 1899. Neste Kautsky defende que o processo de proletarização dos pequenos camponeses seria
inevitável, pois a agricultura se desenvolveria na mesma direção que a indústria, diminuindo o número de
proprietários, de modo que os pequenos proprietários de terras tenderiam a desaparecer. Assim, os camponeses
representariam elementos reacionários e anacrônicos, aliados aos Junkers contra a burguesia. Em seu livro
“Socialismo e agricultura”, David coloca em dúvida as conclusões de Kautsky a respeito do processo de
concentração da grande propriedade rural e de desaparição dos pequenos proprietários rurais. Almejava a
formação de um partido popular que unisse trabalhadores, camponeses e a pequena burguesia contra a classe
feudal e capitalista. Para David, a pequena propriedade rural seria a forma ideal de produção rural (Gustafsson,
1975).
363
Nesta época, Engels publicou na Die Neue Zeit um estudo sobre a questão dos camponeses na França e na
Alemanha, onde ele se recusava a apoiar a propriedade privada camponesa.
364
As orientações reformistas aos poucos foram se agrupando em torno da revista em Sozialistische
Monatshefte, órgão independente do partido, dirigido por Josef Bloch, que contava com o apoio de Vollmar,
Grillenberger, Max Schippel, Paul Kampffmeyer, Wolfgang Heine, Heinrich Peus, Eduard David, Ignaz Auer e
Eduard Bernstein.
102
preponderantemente rurais, estes reformistas exigiam a adequação das ticas às
circunstâncias sociais encontradas em seus países. Sendo assim, as questões de ordem teórica
não eram atacadas, senão tangencialmente. O verdadeiro alvo dos reformistas seria a postura
“inflexível” e “imobilizadora” sustentada pelos líderes do partido. Para grande parte deles,
portanto, a meta socialista poderia permanecer integralmente, desde que não impusesse
limites ou obstáculos às mudanças práticas imediatas.
Além de reivindicarem a reformulação da política oficial de alianças, pois
necessitavam unir forças com partidos liberais progressistas para não sucumbirem à força
política dos Junkers nos Estados do sul e do oeste do Império Germânico, os reformistas
defendiam a sua atuação “positiva” nos Landtags, através da sua participação na votação do
orçamento, na medida em que poderiam aprovar medidas que beneficiassem à classe
trabalhadora
365
, principalmente nos Estados que desfrutavam de maior liberdade civil e
política. Na concepção de Vollmar, portanto, para obter concessões é necessário negociar,
transigir ao invés de lutar”
366
. Deste modo, tanto Vollmar quanto seus correligionários
passaram a votar a favor do orçamento na Baviera a partir de 1894, atitude esta que foi
repetidamente condenada por praticamente todos os Congressos do Partido Social-Democrata
Alemão.
De fato, a ênfase na prática política imediata contribuiu consideravelmente para o
triunfo eleitoral do partido nos anos seguintes à sua legalização. Por outro lado, deu início a
um processo de fragmentação da social-democracia em correntes antagonistas, que culminaria
em sua cisão, após a deflagração da Primeira Guerra Mundial.
Mas a defesa de um pragmatismo político legalista não foi característica exclusiva da
facção parlamentar do partido. Outros grupos estiveram empenhados em promover reformas
lentas e graduais através da formação de uma tendência eminentemente anti-revolucionária no
interior do movimento social-democrata. Dentre estes podemos destacar o grupo constituído
por líderes do movimento sindical, como Karl Legien, Robert Schmidt e Paul Umbreit.
Findo o período de repressão, também as organizações sindicais passaram a se ocupar
com a redação de um novo programa. Após terem sido quase destruídas depois de 1874, no
final da década de 1880 demonstravam sinais de pronta recuperação. Assim, o número de
trabalhadores filiados aos Sindicatos Livres, vinculados à social-democracia, em 1888 era de
365
Como por exemplo, leis protetoras do trabalho, direito de associação, regulação social de consórcios de
negociantes, supressão de impostos de consumo, etc.
366
Cole, 1959, p.261.
103
90.000, em 1893 era de 294.000, em 1900 chegou a 680.000 e em 1914 o número era de 2,5
milhões de trabalhadores
367
. Contudo, sua incrível abrangência e desenvolvimento não foram
acompanhados de uma equivalente disposição para agir. Ao contrário, quanto maior e melhor
organizado o movimento sindical na Alemanha tornava-se, mais tímidas e cautelosas eram
suas decisões
368
.
A expansão dos sindicatos e de seus quadros permanentes, a disputa interna pelo
direcionamento dos recursos, a centralização das decisões no âmbito nacional e a preocupação
com o seu fortalecimento organizacional foram fatores importantes que influíram para a perda
de radicalidade do movimento sindical e para a prevalência de uma visão reformista entre os
seus dirigentes e grande parte de sua base. Deste modo, priorizava-se a tica de negociações
coletivas em detrimento de abordagens mais diretas e agressivas, estimulando na militância a
disciplina e a neutralidade política.
369
A partir de 1890 os Sindicatos Livres criaram uma organização central própria aliada a
um novo movimento cooperativo, ambos dissociados do Partido Social-Democrata. Em 1892
o Congresso Sindical, tendo à frente Karl Legien (como Presidente da Comissão Geral),
passou a adotar oficialmente o princípio da neutralidade partidária, no intuito de reunir o
maior número possível de trabalhadores oriundos das mais diversas facções políticas. O
Congresso do SPD em 1893 acatou tal decisão, ratificando a independência dos Sindicatos
Livres. Doravante, os sindicatos estariam isentos do cumprimento das designações do partido
e do respeito aos seus princípios doutrinários. O desapego dos líderes sindicais em relação a
princípios teóricos que embasassem sua prática política levou-os a aderirem a um
instrumentalismo pragmático e reformista.
A autonomia dos sindicatos, no entanto, possibilitou o surgimento de divergências
entre estes e o partido, que ocasionalmente levaram ao enfrentamento político de ambos,
como ocorreu no início do século XX. Diante das bem-sucedidas greves gerais ocorridas em
vários pontos da Europa com vistas à obtenção do sufrágio universal ou da liberdade de
associação (como na Bélgica em 1902, Dinamarca e Suécia em 1903 e a Revolução de
367
Gustafsson, 1975, p.21.
368
Cabe lembrar que nesta época também os empregadores começaram a se organizar. Em 1890 foram criadas
associações de empresários da indústria metalúrgica (Unternehmerverbände) e em 1903 foi criada a organização
“Liga Central de Industriais Alemães”, que gera duas grandes organizações: Hauptstelle deutscher
Arbeitgeberverbände para a indústria pesada e têxtil; Verein deutscher Arbeitgeberverbände para indústrias
leves (Schorske, 1972, p. 30).
369
ELEY, Geof. Forjando a democracia: a história da esquerda na Europa, 1850-2000. São Paulo: Fundação
Perseu Abramo, 2005, p.105.
104
fevereiro na Rússia no mesmo ano), o congresso do partido em Iena aprovou, em 17 de
setembro de 1905, a resolução de Bebel que admitia o uso da greve de massas como
instrumento de luta, desde que fosse um meio de defesa contra ataques ao sufrágio universal
ou ao direito de associação. Deste modo, a greve política seria utilizada nos casos em que
fosse necessário salvaguardar o exercício do poder legitimamente adquirido.
Tendo em vista a grande mobilização popular provocada no exterior e em algumas
regiões da Alemanha (como a greve dos trabalhadores das minas de carvão do Ruhr em
janeiro de 1905), vários grupos do movimento operário alemão passaram a exercer pressão
para a realização de grandes greves políticas de massas principalmente nos Estados em que
fossem privados os direitos políticos ao trabalhador
370
.
Entretanto, dirigentes sindicais reportaram-se, em 23 de setembro do mesmo ano, ao
Congresso do Partido Social-Democrata de Mannheim para fazerem aprovar a resolução do
Congresso Sindicalista de Colônia (de maio de 1905) que condenou a greve de massas, por
ser um instrumento que geraria um desgaste político e financeiro prejudicial à organização.
Assim, conseguiram implantar o reconhecimento da paridade entre Sindicatos Livres e o
partido no tocante à tomada de posição a respeito das greves de massas, o que na prática
possibilitou aos líderes sindicais frear os esforços implementados neste sentido.
Enquanto a ala reformista do partido e dos sindicatos, incluindo revisionistas e
ortodoxos
371
, procuravam estabelecer limites à utilização da greve de massas, o grupo radical
de esquerda, liderado na Alemanha por Rosa Luxemburg, saudou com entusiasmo os
resultados obtidos na Rússia. Em artigo intitulado “Greve de massas, partido e sindicatos”
372
,
escrito em 1906, Rosa defendeu o reexame dos objetivos e estratégias do partido, à luz das
novas condições históricas e do desenvolvimento da luta de classes
373
.
370
Cabe lembrar que, em 1906, ocorreu uma ofensiva pela reintrodução do sufrágio universal na Saxônia (onde o
sistema das três classes havia sido restaurado em 1896), em Hamburgo, Alsácia, Brunswick, Hessen e Prússia.
371
No Congresso da Internacional de Stuttgart Bebel afirmou: “Creio que a greve e a insurreição militar são
sacrifícios inúteis” (CARONE, Edgard. A II Internacional pelos seus congressos (1889-1914). São Paulo:
Edusp, 1993, p. 94).
372
LUXEMBURG, Rosa. Oeuvres I - Reforme ou révolution? Grève de masse, parti et syndicats. Paris: François
Maspero, 1969.
373
Convém ressaltar a mudança de posicionamento teórico de Kautsky em relação à greve de massas. Em artigo
na Neue Zeit, de 11/3/1905, intitulado “As lições da greve dos mineiros” ele havia afirmado: “as grandes ações
decisivas do batalhador proletariado será lutada através de vários tipos de greves políticas. E aqui a prática corre
mais rapidamente do que a teoria. Por um tempo nós discutimos a greve política e procuramos sua formulação e
justificação teórica, uma poderosa greve política de massas depois da outra incendiará por combustão espontânea
das massas cada greve de massas se torna uma ação política, cada grande teste político de força culmina na
greve de massas (...)” (KAUTSKY, apud, LUXEMBURG, Rosa. “Theory and Practice”. In. www.marxists.org,
1910). Após 1907 Kautsky reformulará sua opinião, passando a considerar a greve política de massas inaplicável
à Alemanha, sendo concebível somente como um evento único e definitivo, que envolvesse todo o proletariado
105
Assim, Rosa endereçou contundentes críticas aos dirigentes sindicais responsáveis
pela resolução do Congresso de Colônia especialmente Robert Schmidt, Bömelburg e
Leimpeters que condenavam terminantemente a utilização da greve de massas. Segundo a
autora, a estreiteza de visão e a mediocridade complacente dos líderes sindicais os impediriam
de enxergar as novas condições da luta de classes, que inaugurariam uma nova época na
história do movimento operário.
A seu ver, as greves de massas ocorridas na Rússia, consistiriam em um fenômeno
histórico resultante da atuação de uma multiplicidade de fatores econômicos, políticos,
sociais, gerais e locais, materiais e psicológicos
374
–, isto é, uma nova forma de manifestação
da luta de classes. Com efeito, nas palavras de Rosa Luxemburg, “na realidade não é a greve
de massas que produz a revolução, mas a revolução que produz a greve de massas”
375
. Nestes
termos, a greve de massas não seria um ato único; faria parte de todo um período de lutas de
classe, ao longo do qual o movimento popular desenvolveria uma unidade e sentido, e seus
membros, através da experiência, assumiriam uma consciência de classe ativa e concreta.
Assim, opondo-se à concepção rígida e mecânica da burocracia sindical e partidária,
que somente admitiriam a luta como “o resultado de uma organização que chega a um certo
grau de força”, Rosa afirma que a organização nasceria como produto da luta, não sendo
necessário um movimento previamente organizado e educado
376
. Por conseguinte, anuncia que
“não é a organização sozinha que fornece as tropas combatentes, mas a batalha que fornece,
em grande medida, os recrutas para a organização”
377
.
Ao destacar a importância do elemento espontâneo e das massas desorganizadas, tanto
no que se refere às ações diretas quanto à política parlamentar
378
, Rosa passa a atribuir um
novo papel
379
ao partido: em lugar de “fabricar” a revolução, deveria orientar politicamente a
luta, fornecendo a palavra de ordem e uma tática socialista conseqüente e decidida, capaz de
provocar nas massas um sentimento de segurança, confiança e combatividade
380
. O partido,
organizado (Cf. KAUTSKY, “La revolución social”. In: Cuadernos de pasado y presente, n. 68. México, D.F:
PYP, 1978).
374
Ibid, p. 135.
375
Ibid, p. 134.
376
Ibid, p.146.
377
Ibid, p.147.
378
“Mesmo no plano parlamentar, o poder das luta de classes proletária não se apóia em um pequeno núcleo
organizado, mas em uma vasta periferia do proletariado imbuída de simpatias revolucionárias. Se a social-
democracia quiser vencer a batalha eleitoral unicamente com o apoio de algumas centenas de milhares de
organizados, ela se condenará ao fracasso” (Ibid, p.147).
379
De acordo com Rosa, “a revolução faz entrar em cena massas populares tão volumosas que toda tentativa de
regrar o avanço ou estimar os custos do movimento” apareceriam como uma atitude desesperada” (Ibid, p.136).
380
Ibid, p.137.
106
portanto, deveria adaptar-se às condições da luta de classes, tornando-se porta-voz e intérprete
da vontade das massas
381
.
Consoante o entendimento de Rosa, a exasperação do conflito de classes daria ensejo a
uma situação revolucionária na qual a luta política e a luta econômica vincular-se-iam
dialeticamente. A interação recíproca entre conflito político e conflito econômico seria
evidenciada pelo fato de que, durante o período revolucionário cada luta parcial ganha a
dimensão de uma “explosão geral”.
Os operários bruscamente eletrizados pela ação política reagem
imediatamente no domínio que lhes é mais próximo: eles se
sublevam contra sua condição de escravidão econômica. O
gesto de revolta que é a luta política os faz sentir com uma
intensidade desconhecida os pesos de suas cadeias
econômicas
382
.
Deste modo, as greves de massas, nascidas de uma grande “fermentação
revolucionária”, conjugaria a batalha por objetivos econômicos e por objetivos políticos. As
greves parciais teriam seu caráter transformado a medida em que o instinto e sentimento de
classe revolucionário aflorassem. Sendo assim, a tentativa de desvinculação entre luta
econômica e luta política, realizada por dirigentes sindicais, seria frustrada.
Para Rosa, portanto, não haveria duas espécies distintas de lutas da classe operária
uma de caráter político e outra de caráter econômico mas sim uma única luta de classes que
visa tanto limitar os efeitos da exploração capitalista quanto suprimir esta exploração
383
.
A completa unidade do movimento operário sindical e
socialista, indispensável às futuras lutas de massas na
Alemanha, está realizada, ela está encarnada pela enorme
massa que constitui ao mesmo tempo a base do partido
socialista e a dos sindicatos; os dois aspectos do movimento
operário estão confundidos em uma unidade espiritual que
constitui a consciência da grande massa
384
.
Neste sentido, a distinção entre a luta política e a econômica seria um produto artificial
do período parlamentar. Na realidade, ambas constituiriam duas fases, ou dois níveis da luta
pela emancipação da classe trabalhadora, envolvendo a defesa de interesses imediatos e
futuros comuns ao proletariado. Desta maneira, a “barreira artificial” elevada entre os
sindicatos e a social-democracia seria superada no período revolucionário.
381
Ibid, p.174;
382
Ibid, p.133.
383
Ibid, p. 161.
384
Ibid, p.168.
107
Rosa adverte, então, que a teoria da “igualdade de direitos” e a teoria da “ação
paralela” que apregoam a autonomia completa dos sindicatos em relação ao partido
decorreriam de uma confusão teórica ou de uma incompreensão sobre o papel dos sindicatos
na luta pelo socialismo. Tais equívocos e descaminhos, representados pelos clamores em
favor do distanciamento entre sindicatos e social-democracia, exprimiriam, ainda, a
propagação de uma tendência oportunista presente nas duas organizações, que pretenderia
reduzir a luta política à luta parlamentar, transformando o caráter revolucionário da social-
democracia em um caráter reformista pequeno-burguês.
Segundo Rosa, a força de atração dos Sindicatos Livres não residiria em sua aparência
de neutralidade, mas, ao contrário, em seu caráter verdadeiramente socialista. Por
conseguinte, todas as tentativas de desvinculação dos sindicatos de questões de ordem política
seriam vãs incluindo a condenação das paralisações do de maio
385
pois iriam de
encontro com a própria natureza, instinto e sentimento do proletariado.
A seu ver, tal tendência oportunista seria fortalecida pela criação de uma casta de
funcionários sindicais permanentes, responsáveis por atividades profissionais especializadas
dentro do aparelho administrativo sindical. O “burocratismo” produzido pelo crescimento
dos sindicatos e pela fragmentação das lutas econômicas seria caracterizado por uma
estreiteza de visão e uma sobreestimação da organização, que passaria a ser vista como um
fim em si mesma, isto é, “o bem supremo ao qual os interesses da luta devem se
subordinar”
386
.
Esta propensão à hesitação, à moderação e à ênfase na luta sindical manifestar-se-ia
igualmente dentro do partido, embora em menor proporção
387
. Imersos na luta cotidiana, os
social-democratas acabariam aderindo a um “otimismo incondicional” que apontaria na
direção de uma nova teoria e prática parlamentar e sindical, imbuídas de uma perspectiva
ilimitada de progresso econômico sob o sistema capitalista. Assim, manifestariam
considerável hostilidade em relação à crítica teórica e indiferença em relação ao objetivo final
do movimento.
385
A greve de de maio consistia em um ato simbólico transformado em uma tradição do socialismo
internacional com vistas ao fortalecimento da consciência de classe e da solidariedade. A partir de 1905, no
Congresso de Colônia, os dirigentes sindicais colocaram em xeque a greve no de Maio, advogando pela sua
conversão em uma celebração pública após o fim da jornada de trabalho, ao invés de uma paralisação das
atividades. Estes líderes defendiam que a paralisação somente fosse realizada onde houvesse tal possibilidade,
visto que em 1905, 6.404 trabalhadores sofreram represálias após o de Maio, em 1906 foram 32.000
(Schorske, 1972, p.91).
386
Ibid, p.169.
387
Ibid, p.171.
108
A crítica de Rosa à burocracia sindical e partidária foi posteriormente retomada por
Max Weber e Robert Michels nas duas primeiras cadas do século XX, em suas análises
sobre o SPD. Weber interpretava a burocratização dos partidos como uma conseqüência do
mesmo processo inevitável em desenvolvimento no âmbito da sociedade em geral
388
seja na
economia seja na administração pública.
De acordo com Weber, o crescimento em importância do funcionalismo assalariado, a
expansão da máquina eleitoral destinada à obtenção de votos, a racionalização das técnicas de
campanha política e a expansão organizacional suscitariam o avanço irresistível da
burocratização partidária. Deste modo, alertava para o fato de que seria a “ditadura do
funcionário”, e não a do operário, que estaria em fase de ascensão
389
.
A medida em que a dominação do espírito burocrático se impõe juntamente com a
ênfase na disciplina, na arrecadação de fundos, na imprensa e na publicidade do partido
ocorreria, igualmente, a centralização do poder e a cristalização de um estrato de privilegiados
dentro da organização. Entrementes, a atividade dos membros seria restringida à colaboração
e votação nas eleições
390
. Neste sentido, a construção de um aparelho burocrático partidário no
SPD o teria transformado, de partido fundamentalmente ideológico (Weltanschauungspartei)
destinado a concretizar ideais políticos explícitos em um partido para concessão de
cargos, cujos objetivos voltam-se para a conquista dos principais postos políticos pelos líderes
e o êxito na luta eleitoral
391
.
388
“A democracia moderna, em cujo contexto os Estados Unidos são uma grande democracia estatal, irá
transformar-se em uma democracia burocratizada. E tem que ser assim porque ela substitui os funcionários
honorários provenientes da nobreza ou de outras classes por uma burocracia remunerada. O mesmo ocorre em
toda parte,inclusive no âmbito dos partidos. É um processo inevitável, e a primeira coisa que também o
socialismo deverá levar em consideração é esta realidade: a necessidade de uma prolongada preparação
profissional, de uma especialização cada vez mais refinada e de uma direção nas mãos de uma burocracia
profissional formada segundo esses critérios” (WEBER, Max. “Capitalismo e sociedade rural na Alemanha”. In:
Coleção Os pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1974, p.96).
389
Ibid, p.113.
390
“As atividades dos membros são muito limitadas, geralmente não fazem mais que pagar suas contribuições,
assinar o jornal do partido, comparecer com certa regularidade às assembléias onde oradores do partido se
apresentam, e oferecer voluntariamente uma cota moderada de trabalho à época das eleições. Em troca, eles
obtêm pelo menos participação formal na eleição do executivo local do partido e dos administradores
(Vertravensmänner) e, dependendo do tamanho da localidade, obtêm também o direito de opinar direta ou
indiretamente na seleção dos representantes às convenções do partido. Por via de regra, entretanto, todos os
candidatos são designados pelo núcleo composto de líderes permanentes e burocratas. As mais das vezes estes
candidatos o também recrutados dentre esses últimos, suplementados por alguns dignitários que são úteis e
meritórios em virtude de seus nomes bem conhecidos, influência social pessoal ou sua presteza em fazer
contribuições financeiras. (...) O eleitor comum, que não pertence a nenhuma organização e é cortejado pelos
partidos, é completamente inativo; os partidos notam-no principalmente durante as eleições, de outra forma
somente através da propaganda a ele dirigida” (Weber, 1974, p.74).
391
WEBER, Max. “Parlamentarismo e governo numa Alemanha reconstruída: uma contribuição à crítica política
do funcionalismo e da política partidária”. In: Coleção Os pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1974, p.27.
109
Assim, enquanto nos partidos o surgimento de líderes propiciaria o rompimento da
solidariedade de classe e a perda do caráter ideológico, nos sindicatos lócus de difusão de
um ethos heróico” de fraternidade ocorreria a concentração nas lutas econômicas
imediatas, em oposição a pretensões políticas. Desta maneira, paulatinamente ganhariam um
caráter apolítico ou antipolítico
392
.
As tão grandiosas esperanças que o Manifesto Comunista
depositara em uma derrubada da sociedade burguesa foram
substituídas por expectativas muito mais modestas. Entre essas
inclui-se a teoria de que o socialismo amadurece
automaticamente no caminho da evolução, posto que a
produção econômica “se socializa” de maneira crescente.
393
O estudo realizado por Michels apontou no mesmo sentido, ao relacionar a expansão
da burocracia à perda da substância revolucionária e à hegemonia de uma ideologia e
orientação política pequeno-burguesas
394
. Na concepção do autor, a burocracia seria uma força
conservadora dentro do partido. A divisão entre uma minoria dirigente e uma maioria dirigida
e a diferenciação hierarquizada de órgãos e funções conduziriam a uma tendência
aristocratizante. Por conseguinte, Michels conclui que quanto mais o aparelho de uma
organização se complexifica, isto é, quanto mais ela aumentar o número de seus adeptos,
seus fundos crescerem e sua imprensa desenvolver-se, mais terreno perde o governo
diretamente exercido pela massa, suplantado pelo crescente poder dos comitês
395
.
Deste modo, a concentração do poder
396
daria origem a uma “elite operária”, uma
oligarquia de “chefes profissionais”
397
desprovidos de motivações idealistas. Outrossim, tais
funcionários remunerados seriam orientados pela fidelidade, disciplina e sentimento de dever.
392
Ibid, p.56.
393
WEBER, Max. “Capitalismo e sociedade rural na Alemanha”. In: Coleção Os pensadores. São Paulo: Abril
Cultural, 1974, p.113.
394
MICHELS, Robert. Os partidos políticos. São Paulo: Senzala, [196-].
395
Ibid, p.15.
396
“A especialização técnica, essa conseqüência inevitável de toda organização mais ou menos extensa, torna
necessária o que chamamos de direção dos negócios. Disso resulta que o poder de decisão, que é considerado
como um dos atributos específicos da direção, é pouco a pouco retirado das massas e concentrado unicamente
nas mãos dos chefes. E estes últimos, que no início não eram mais do que os órgãos executivos da vontade
coletiva, não tardam em se tornar independentes da massa, subtraindo-se do seu controle” (Ibid, p. 15).
397
Michels ressalta a origem deste processo: “Nos primórdios do socialismo alemão, o homem de confiança, o
Vertrauensmann, continuava a exercer sua profissão normal. Quando recebia algum pagamento este era dos mais
modestos e concedido apenas a título temporário. Sua função não era, para ele, uma fonte de renda. O
empregado da organização era ainda o simples companheiro de trabalho de seus co-associados, participando do
gênero de vida e da mesma condição social. Atualmente ele é quase sempre substituído pelo político
profissional, o Berzirksleiter, etc. A medida que o partido moderno evolui para uma forma de organização mais
sólida, vemos acentuar-se a tendência de substituir os chefes ocasionais pelos chefes profissionais” (Ibid, p.17-
18).
110
Conforme se especializam em questões técnicas e pontuais, os dirigentes perderiam a
perspectiva da totalidade.
Em nossos dias, o secretário de cada sindicato procura alistar
em sua organização o maior número possível de adeptos,
aprofundar as sutilezas casuísticas dos seguros contra acidentes
e invalidez, familiarizar-se com os problemas específicos da
fiscalização do trabalho nas fábricas e da jurisdição arbitral,
com o sistema de vales aplicado nas lojas das cooperativas e
com o controle do consumo de gás na administração municipal.
Mas à medida que os dirigentes se especializam nessas questões
práticas, perdem a capacidade de apreender o conjunto do
movimento operário, senão em sua totalidade, pelo menos em
suas manifestações puramente sindicais. Quanto mais se
entregam ao estudo de questões técnicas, menos tempo lhes
resta, menos desejo e interesse pelo estudo dos grandes
problemas da filosofia da história, tornando-se cada vez mais
falsa sua maneira de julgar as questões internacionais. (...) O
espírito burocrático rebaixa o caráter e engendra a indigência
moral. Em toda burocracia, observa-se a caça aos empregos, a
mania das promoções, a servilidade obsequiosa diante dos
superiores e uma atitude arrogante para com os subordinados
398
.
Michels observa, portanto, a contradição presente no processo de expansão dos
partidos socialistas. Quanto mais fortes e organizados se tornavam, mais subordinados
estariam às “exigências efêmeras da vida cotidiana”. Em suma, “aquilo que seu ângulo de
visão ganhava em precisão, perdia em amplitude e grandeza”
399
. Como conseqüência,
rejeitavam todas as críticas, mesmo quando feitas em nome dos princípios fundamentais do
socialismo, a partir do momento em que ameaçavam enfraquecer a situação do grupo
parlamentar
400
.
Por esta razão, segundo Michels, inúmeros chefes socialistas teriam se tornado
“estranhos àquilo que o socialismo contém de essencial, debatendo-se uns contra o ceticismo,
retornando outros, conscientemente ou não, aos seus ideais pré-socialistas”
401
. Entre estes
estariam os revisionistas, que permaneceriam apenas exteriormente fiéis à causa a que um
dia sacrificaram o melhor de si mesmos”:
Renunciando, porém, ao idealismo, tornam-se oportunistas; os
antigos crentes, os altruístas de antes, cujo ardoroso coração
aspirava a dar-se, transformaram-se em céticos, em egoístas
cujas ões são guiadas apenas pelo cálculo frio. É certo que à
medida que um indivíduo alcança em seu partido, posições cada
vez mais elevadas, seu mundo psicológico e intelectual
398
Ibid, p.105.
399
Ibid, p.104.
400
Ibid, p.85.
401
Ibid, p.119.
111
geralmente sofre uma evolução que termina em transformação
completa. E quando essa transformação está concluída, o chefe
não em sua modificação mais do que um reflexo da
modificação operada, segundo pretende, no mundo que o
envolve. As novas circunstâncias, diz ele, exigem uma nova
teoria e impõem uma nova tática.
402
Para Michels, portanto, o reformismo e o revisionismo seriam fenômenos produzidos
pela expansão e burocratização dos partidos, que, por sua vez, originariam uma elite dirigente
pragmática, avessa ao idealismo e afastada das massas. Assim, de acordo com o autor, “é da
necessidade psicológica de encontrar uma explicação e uma desculpa para a metamorfoses
dos chefes que nasceu em grande parte a teoria reformista e revisionista do socialismo
internacional”
403
.
De fato, se analisarmos o período de maior desenvolvimento das instituições do
partido, de 1905 a 1909, veremos que coincide precisamente com o momento de avanço das
forças reformistas
404
. Antes de 1905 a organização hierárquica e racional do partido existia
apenas em forma embrionária. Os seus vários níveis de atuação central, regional ou local
ainda não estavam bem definidos e coordenados. Não havia um controle eficiente sobre o
tamanho da organização e sua estrutura financeira, nem um sistema regular de troca de
informações com as unidades locais.
Nesta época, a liderança nacional concentrava-se nas mãos dos parlamentares, únicos
social-democratas que sob as leis anti-socialistas desfrutaram de certa imunidade. Embora o
Comitê Diretor do partido fosse eleito por uma Assembléia Geral, a delegação parlamentar
era sempre consultada na tomada de decisões.
Desde os fins dos anos 90, tal tendência ao centralismo foi colocada em xeque. Com o
início da expansão do partido e a necessidade de estabelecer uma administração mais
“eficiente” e sistemática, um grande aparato burocrático começou a ser erigido, formado por
uma hierarquia estruturada de políticos profissionais. Desta forma, inúmeras reformulações
foram incorporadas ao estatuto do partido
405
.
Paulatinamente o centralismo democrático vigente no partido teve que ceder em
diversos pontos às tendências federalistas dos reformistas, que buscavam maior liberdade de
ação nas organizações regionais. Em 1898, o Congresso de Stuttgart decidiu rever a resolução
402
Ibid.
403
Ibid.
404
Cf. DROZ, Jacques. Histoire générale du socialisme - tomo II. Paris: Presses Universitaires de France, 1974.
405
Contudo, em 1892, no Congresso de Berlim do SPD foi levantada a preocupação com o crescimento do
número de funcionários (Schorske, 1975, p.116-145).
112
aprovada no ano anterior no Congresso de Hamburgo que embora delegasse às
organizações locais a decisão em tomar parte nas eleições, as proibia de firmarem
compromissos ou alianças com outros partidos. Assim, permitiu-se que as organizações locais
realizassem alianças com partidos que se comprometessem a defender o sufrágio universal e a
votar contra qualquer lei repressiva
406
.
Com efeito, como as condições de associação política variavam de Estado para Estado,
cada grupo local estaria livre para se organizar da melhor forma possível sob as condições
políticas que encontravam
407
. Quando, em 1899, foi revogada a lei que proibia o partido de se
organizar através das fronteiras dos Estados, a pressão para estabelecer maior uniformidade
entre as unidades locais se elevou. Contudo, o Congresso de Hannover, do mesmo ano,
consolidou a vitória dos chefes locais, defensores das alianças eleitorais, ao dispor:
O partido, a fim de atingir seu fim, emprega todos os meios
que, estando em harmonia com seus princípios fundamentais,
prometem êxito sem fazer nenhuma ilusão acerca da natureza e
essência dos partidos burgueses como representantes e
defensores da ordem política e social existente, não se nega,
em determinados casos, a unir sua ação com alguns deles
(grifo nosso), quer se trate de aumentar a força eleitoral do
partido, de ampliar os direitos e liberdades do povo, de
melhorar consideravelmente a situação social da classe
trabalhadora, de fomentar o cumprimento dos deveres frente à
civilização, ou de combater projetos hostis à classe operária ou
ao povo. Assim, o partido conserva sempre em sua atuação sua
completa autonomia e sua independência e considera cada êxito
que tenha como um passo que o aproxima do seu objetivo
final.
408
O Congresso de Mainz, de 1900, estabelecia mais um passo na direção da
descentralização ao instituir uma separação de poderes administrativos e políticos na cúpula
do partido, dividida em um Comitê Diretor (Parteivorstand) composto por 2 presidentes, 2
secretários, 1 tesoureiro e 2 associados
409
e uma Comissão de Controle, com 9 membros
com poderes para revisar todas as ações do executivo. O Estatuto aprovado em 1900 deixava
406
Era o caso da Baviera, país católico e predominantemente campesino, onde os socialistas não esperavam
obter a maioria. Assim, o Partido Social-Democrata bávaro se aliou com o Partido Católico do Centro.
407
A única instituição comum era o Vertrauensmann um agente local eleito para manter contato entre a
organização local e o Executivo do partido (Schorske, 1975, p.116-145).
408
COLE, George Douglas Howard. Historia del pensamiento socialista: la segunda internacional: 1889- 1914.
México: Fondo de Cultura Economica, v.1, 1959, p. 248.
409
Entre 1904 e 1906 adicionou-se mais 3 secretários (Droz, 1974, p.33).
113
ainda aberta a forma de organização local e reafirmava a importância do líder local
(Vertrauensmann), que, assim, tornava-se um representante oficial do partido na localidade
410
.
Além da possibilidade de constituir alianças locais com outros partidos, a revisão dos
limites à participação dos políticos nos Parlamentos estaduais (Landtags) também foi
reivindicada. No Congresso de Lübeck, de 1901, foi adotado um projeto elaborado por Bebel
que tornava admissível a participação dos social-democratas na votação do orçamento. Em
seu pronunciamento, Bebel justificou sua posição alegando que “a conquista do poder político
seria o objetivo principal que um movimento proletário consciente dos antagonismos de
classe deve perseguir”
411
.
Embora as críticas por parte da ala esquerda do partido tenham levado à condenação
das correntes revisionistas no Congresso de Dresden
412
, em 1903, sua força e influência se
mostravam evidentes no tocante à determinação da prática do partido. Assim, a reorganização
visando o sucesso eleitoral inscrevia-se na ordem do dia.
A crescente importância conferida à atividade eleitoral na vida do partido deu ensejo a
mais uma revisão do estatuto de organização do partido, aprovada em 1904, no Congresso de
Iena. Neste, fica estabelecido que as unidades básicas do partido seriam distribuídas de acordo
com os distritos eleitorais; ou seja, cada “célula” do partido corresponderia a uma
circunscrição eleitoral, cabendo-lhe organizar os trabalhos das associações locais visando à
disputa das eleições. As unidades locais, por sua vez, deveriam se reportar às organizações
estaduais ou provinciais, fornecendo anualmente dados sobre filiação, condições financeiras,
despesas, atividades desenvolvidas, etc. Finalmente, os funcionários das organizações
estaduais responderiam diretamente ao Executivo
413
.
410
Constituiu-se a tendência a fundir organizações locais (Ortsvereine) em organizações correspondentes aos
distritos eleitorais (Wahlkreisvereine). No nível dos Estados começam a surgir organizações estaduais
permanentes principalmente nos Estados do sul, onde as leis eram mais liberais e a participação nas eleições
melhor estabelecidas (Württemberg, Hesse, Baviera, Oldenburg, Mecklenburg, Schleswig-Holstein e Alsácia-
Lorena). Na Prússia e na Saxônia o desenvolvimento se deu após 1905 (Cf. Cole, 1959).
411
Droz, 1974, p.31.
412
A resolução aprovada em Dresden foi ratificada in totum pelo Congresso de Amsterdã, da Segunda
Internacional, em 1904. Este dispunha: “O congresso condena de maneira a mais enérgica as tentativas
revisionistas, tendendo a mudar nossa tática, comprovada e vitoriosa, baseada sobre a luta de classes, e a
substituir a conquista do poder político e a intensa luta contra a burguesia, por uma política de concessão à
ordem estabelecida. A conseqüência de tal tática revisionista seria fazer um partido, que pretende a
transformação a mais rápida possível da sociedade burguesa em sociedade socialista de um partido, por
conseguinte, revolucionário, no melhor sentido da palavra em um partido se contentando em reformar a
sociedade burguesa” (CARONE, Edgard. A II Internacional pelos seus congressos (1889-1914). São Paulo:
Edusp, 1993, p.75).
413
Cf. Cole, 1959.
114
A limitação da liberdade financeira das organizações estaduais e a sua relativa
dependência política exceto no que se refere à votação do orçamento e à realização de
alianças com partidos burgueses preservou ainda, em grande medida, o poder do Executivo.
Todavia, o distanciamento entre a direção central e as unidades locais, executoras das
decisões do partido, favoreceu a desaparição de discussões de cunho teórico e político mais
aprofundado nestas instituições. Ademais, a proliferação, a nível local, de funcionários e
secretários empenhados em tarefas imediatas, como a ampliação do número de membros e a
administração de órgãos do partido, acentuou a moderação e a apatia política, culminando no
fortalecimento da ala direitista do partido
414
. Como aduz Bo Gustafsson,
a camada de funcionários do partido formava uma base para o
revisionismo. É seguro que os funcionários eram receptivos a
respeito destas idéias. O revisionismo se distanciava de
transformações revolucionárias e colocava, em seu lugar, o
trabalho prático diário no Parlamento, municipalidades,
sindicatos e cooperativas de consumo em primeiro plano
415
.
Deste modo, o autor relaciona a postura conservadora dos funcionários a atributos
inerentes ao desempenho de sua atividade profissional, além de ressaltar a tendência a
priorizar a defesa de seus interesses privados e a preservação de seu cargo e posição dentro do
aparelho do partido, em detrimento da causa proletária. Como resultado, passariam
psicologicamente e economicamente para a pequena-burguesia.
Outro fator relevante que contribuiu para acentuar o caráter reformista do partido
consistiu na sub-representação das médias e grandes cidades nos congressos. Antes das leis
anti-socialistas toda organização local poderia enviar quantos delegados desejasse aos
congressos do partido. Porém, a partir de 1891 foi fixado o número de três representantes por
cada distrito eleitoral, reproduzindo, deste modo, a obsolescência presente na distribuição
eleitoral do Reich. Mesmo com a mudança deste sistema de representação partidária, em
1909, e a adoção do princípio da proporcionalidade
416
, a sobre-representação dos pequenos
distritos se manteve.
Como foi visto, a organização partidária e sindical teve um impressionante
crescimento ao longo da última década do século XIX e primeiras décadas do século XX, não
414
Segundo Bo Gustafsson, entre 1900 e 1914 triplicou a proporção de funcionários do partido em relação ao
número de militantes (Gustafsson, 1975, p.31).
415
Gustafsson, 1975, p.32.
416
Segundo este sistema, os distritos eleitorais com menos de 1.500 membros teriam direito a 1 delegado, os de
até 3.000 teriam 2 delegados, os até 6.000 teriam 3 delegados, os de até 12.000, 4 delegados, os de até 18.000, 5
delegados e os acima de 18.000 teriam 6 delegados (Droz, 1974, p.33).
115
somente em termos de número de adesões
417
, mas em relação à sua estrutura organizacional.
Devido à sua força e extensão, o Partido Social-Democrata tornou-se um modelo para outros
partidos socialistas da Europa.
Não obstante seus numerosos méritos
418
, a expansão do partido e a criação de um
eficiente aparelho burocrático levaram à predominância do elemento pequeno-burguês
419
tanto
entre funcionários, líderes e delegados do partido como em sua bancada parlamentar. Nestes
termos, a organização em si passou a constituir uma barreira à ação revolucionária da classe
operária, na medida em que o seu funcionamento e a preservação dos cargos ocupados no
partido, no parlamento ou nos sindicatos dependia da moderação política das massas e da
sua acomodação às restrições impostas pelo sistema parlamentar.
A atuação dentro dos limites institucionais da sociedade burguesa, seja através da
política parlamentarista seja da ação sindical, conduziu, portanto, à submissão à Realpolitik, à
sobrevalorização da via legalista e à renúncia dos objetivos emancipatórios socialistas. As
melhorias conquistadas pelo movimento social-democrata no período de expansão do
capitalismo eram vistas, então, como sinais de que a política reformista permitiria à classe
trabalhadora galgar patamares cada vez mais altos de renda. Assim, passavam a identificar
seus interesses com a manutenção do sistema econômico vigente.
Neste sentido, o êxito do movimento trouxe consigo elementos de sua própria
destruição. A ênfase na satisfação dos interesses parciais imediatos gerou o enfraquecimento
da luta de classes e a ilusão acerca da necessidade de conservação das bases da sociedade
capitalista. Por conseguinte, conforme nos explica Mézáros, a refutação da luta de classes
levou a social-democracia a negar a própria base de sua existência: a sua consciência e
solidariedade de classe
420
.
O surgimento de uma corrente abertamente revisionista consolidada a partir da
elaboração teórica de Eduard Bernstein cuja pretensão principal residia na reformulação da
doutrina do partido a fim de atender aos propósitos práticos e demandas imediatas, conferiu
417
Em 1906 o SPD reunia 384.000 membros, em 1914 ele passa a abrigar mais de 1.000.000 de filiados
(Gustafsson, 1975).
418
Consoante observou Jacques Droz, A organização do partido apresenta incontestáveis méritos que a tornaram
um modelo para numerosas nações. Com efeito, ele oferece o exemplo mais perfeito de livre discussão, de
controle e de crítica, não tolera nenhuma obediência cega a uma “personalidade” qualquer, deixa a cada militante
a possibilidade de fazer ouvir sua voz, enquanto ao mesmo tempo obriga a minoria a respeitar as decisões da
maioria, uma vez que a discussão esteja fechada, criando por conseqüência entre seus membros um cimento
moral e uma disciplina consentida que se revela indestrutível (Droz, 1974, p.33).
419
Em 1911, apenas 10% dos participantes do Congresso de Iena eram trabalhadores (Gustafsson, 1975, p.32).
420
MÉSZÁROS, István. O poder da ideologia. São Paulo: Boitempo, 2004, p.433.
116
maior força e coesão aos reformistas. No capítulo seguinte pretendemos analisar mais
detidamente esta corrente que logrou reunir, em um curto espaço de tempo, uma grande
quantidade de adeptos dentro do partido.
3- Eduard Bernstein e a Social-Democracia
3.1- A trajetória política de Bernstein
Se desde o seu aparecimento o Partido Social Democrata manifestava uma forte
tendência interna à fragmentação, ao longo da última década do século XIX inúmeros
esforços foram realizados no sentido de alterar o programa político do partido e a sua
orientação para a ação prática. O revisionismo teórico surgiu, assim, de forma difusa na
social-democracia, sendo antes um agregado de vozes dissonantes do que um movimento
único e coerente.
Entre as diversas personalidades do partido que ganharam destaque na controvérsia
podemos encontrar jornalistas, editores, parlamentares, sindicalistas e secretários do SPD
como, por exemplo, Eduard David, Joseph Bloch, Adolph von Elm, Edmund Fischer, Paul
Kampffmeyer, Paul Löbe, Heinrich Peus e Robert Schmid. Dedicados à tarefa de desatrelar a
tática dos princípios “arcaicos” aos quais estava ancorada, procuraram fornecer, cada um a
seu modo, fundamentos teóricos para a revisão da interpretação oficial da obra de Marx e
Engels, predominante no partido.
Ironicamente, foi na pessoa de um dos mais proeminentes líderes do partido e ex-
colaborador de Engels que o revisionismo encontrou seu legítimo porta-voz. Eduard Bernstein
ganhou notoriedade por conferir coesão e força ao grupo revisionista através da organização e
síntese de suas principais teses. Embora não representasse a única referência entre seus
adeptos, seu nome passou a ser concebido como sinônimo desta orientação, sendo ora
aplaudido ora execrado entre os membros da tradição socialista.
Sua trajetória política peculiar de certa forma espelha o movimento percorrido pelo
próprio Partido Social-Democrata, que paulatinamente transitou de uma posição
revolucionária para uma posição assumidamente reformista cujo referencial teórico
deslocara-se da perspectiva marxista para a liberal-democrática. Neste sentido, para
compreendermos as origens e o desenvolvimento do fenômeno revisionista é oportuno
117
recorrermos à análise do próprio percurso pessoal de Bernstein
421
, desde sua filiação ao
partido até sua participação no governo republicano.
Eduard Bernstein nasceu em 6 de janeiro de 1850, no seio de uma família judia de
Berlim. Seu pai, Jakob Bernstein, era maquinista ferroviário, tendo enfrentado muitas
dificuldades para garantir o sustento de seus sete filhos. No intuito de contribuir na renda
familiar, aos dezesseis anos Bernstein abandonou o curso ginasial e adquiriu um emprego
como assistente em um banco. Seu tio Aaron Bernstein era um jornalista liberal, editor da
Berliner Volkszeitung”, fato que o incentivou a prosseguir seus estudos em História e
Filosofia na qualidade de autodidata.
Seu interesse pela política manifestou-se inicialmente em virtude da Guerra Franco-
Prussiana de 1870, quando constituiu um pequeno grupo de discussões filosóficas
denominado “Utopia”. Embora ainda não tivesse estabelecido contato com a doutrina
socialista, Bernstein que se opunha à propaganda nacionalista difundida pelo governo
identificou-se com as posições assumidas por Wilhelm Liebknecht e August Bebel, que na
ocasião enfrentavam um julgamento por alta traição devido a suas declarações contrárias à
guerra e à anexação da Alsácia e Lorena. A forte convicção ética e a perspectiva
internacionalista destes homens despertaram a atenção de Bernstein para a literatura
socialista, principalmente os escritos de Ferdinand Lassalle
422
, Eugen Dühring
423
e Karl
Marx
424
.
Em fevereiro de 1872, Bernstein filiou-se ao Partido Social-Democrata dos
Trabalhadores Alemães, entrando em contato direto com Bebel, Ignaz Auer e outros membros
importantes do partido. Sua atuação partidária e militante colocou-o rapidamente em
evidência, sendo eleito para participar do Congresso de Gotha de 1875, onde foi aprovado o
novo programa do partido que consagrava a sua unificação com a Associação Geral dos
Trabalhadores Alemães. Bernstein saudou a unificação dos partidos, alertando, no entanto,
que tal empreendimento exigiria que fossem feitas concessões práticas e teóricas aos
421
Para uma exposição minuciosa da vida de Bernstein, veja: STEGER, Manfred B. The quest for evolutionary
socialism. New York: Cambridge Press, 1997; GAY, Peter. The dilemma of democratic socialism. New York:
Columbia University Press, 1970; e sua autobiografia My Years of Exile: Reminiscences of a Socialist
(1915/1921)” , In: <www.marxists.org>, publicada em 1915.
422
Herr Bastiat Schulze von Delitzsch.
423
Kritische Geschichte der Nationalökonomie und des Sozialismus” e “Cursus der National und
Sozialökonomie”.
424
“Mensagem à Liga dos Comunistas” e “A guerra civil na França”.
118
lassalleanos
425
. Na realidade, o próprio autor possuía grande admiração por Lassalle, cuja
memória era amplamente reverenciada entre os socialistas alemães da época
426
.
Durante seus primeiros anos no partido, Bernstein demonstrava igualmente grande
simpatia pela obra de Dühring
427
, principalmente seu “Curso de Economia Social e Nacional”,
tendo enviado cópias da publicação a rios líderes social-democratas, como Bracke,
Fritzsche, Most e Bebel. Neste período o ecletismo liberal e ético de Dühring arregimentara
grandes segmentos da social-democracia, o que motivou Engels a rebatê-lo em uma série de
artigos no Vorwärts, entre 1877 e 1878
428
. Com efeito, a despeito de seu espírito eclético, o
ambíguo posicionamento político de Bernstein permanecia eclipsado pelo sectarismo e pela
falta de unidade teórica vigente dentro do novo partido. Seu viés teórico reformista, no
entanto, não demoraria a despertar a atenção dos líderes social-democratas filiados à tradição
marxista.
Em 1878, por ocasião da promulgação das leis anti-socialistas, Bernstein aceitara o
convite para ocupar o cargo de secretário particular de Karl Höchberg
429
, simpatizante da
social-democracia com quem havia fundado um grupo de discussão denominado Mohren
Club
430
. Deste modo, Bernstein emigrou para Lugano, Suíça, a fim de auxiliar na editoração
do jornal “Die Zunkunft”. Tal periódico
431
, marcado por discussões teóricas de cunho idealista,
foi proibido pelas autoridades suíças, levando Höchberg a mudar seu centro de operações para
Zurique em 1879, onde prosseguiu seu trabalho de difusão de material e propaganda pró-
socialista.
425
Carta de Bernstein a Bebel, de 19 de janeiro de 1875: “Eu não sei como você se sente quanto à fusão, mas eu
acredito que nós concordamos que a idéia de unidade deve ser mantida o quanto for possível. Eu o possuo
ilusões, mas sei que a necessidade de unidade é também muito sentida entre os membros do Verein.
Infelizmente, estas pessoas são lassalleanos tão intransigentes que nós teremos que fazer concessões a este
respeito” (Gay, 1970, p.36).
426
Isto apenas começaria a ser revisto com a publicação da “Crítica ao Programa de Gotha”, na qual Marx dirige
sérias críticas ao posicionamento lassalleano.
427
Peter Gay (1970, p.103) apresenta a seguinte declaração de Bernstein, escrita no final de sua vida: “Não
apreciava Dühring como pessoa, mas como um socialista que tinha, em minha opinião, complementado (ou,
pode-se dizer, continuado) Marx de maneira mais radical do que qualquer outro. Chame isto de ecletismo ou o
que for, mas eu sinto que o movimento socialista é amplo o bastante para conter um Marx e um Dühring ao
mesmo tempo (...) o que me agradava em Dühring era sua forte ênfase no elemento liberal do socialismo”.
428
Posteriormente conhecidos sob o nome de “Anti-Dühring”.
429
Karl Höchberg era filho de um banqueiro. Sua perspectiva ética e idealista sofria influência de Lange, Kant e
Darwin, além dos economistas próximos aos socialistas de cátedra (Schramm, Rodbertus e Albert Schäffle). Cf.
Gay, 1970, p.42-59.
430
Deste grupo surgiu um projeto para educação de adultos, com escolas noturnas para trabalhadores. Cf.. GAY,
Peter. The dilemma of democratic socialism. New York: Columbia University Press, 1970, p.39.
431
Fundado em Zurique, em 1877.
119
Neste ínterim, Bernstein entrara em contato com o “Anti-Dühring” de Engels, cujo
impacto lhe infundira maior entusiasmo com a teoria marxista. Contudo, sua tentativa inicial
de aproximação com Marx e Engels foi frustrada. Em 13 de junho de 1879, Bernstein
escreveu a Engels requerendo a sua aprovação para a publicação de uma nova revista social-
reformista sob a direção de Höchberg os “Anais de Ciência Social e Política Social”
432
cujo primeiro exemplar trazia um polêmico artigo de crítica ao Partido Social-Democrata,
intitulado “Exame retrospectivo do movimento socialista na Alemanha”
433
.
O artigo listava os erros cometidos pela social-democracia alemã, particularmente sua
recusa a manter relações com as classes liberais burguesas e sua insistência no caráter
proletário do partido. Segundo o artigo, o Partido Social-Democrata deveria realizar uma
propaganda enérgica no seio da burguesia, substituindo os objetivos de longo alcance que
assustam e afugentam a burguesia pelas reformas pequeno-burguesas. Com isso, a
“catástrofe final” transformar-se-ia num processo de decomposição realizado lentamente e, na
medida do possível, de maneira pacífica
434
.
Consoante o artigo, o SPD deveria reunir em torno de si “todas as pessoas de
sentimentos verdadeiramente humanitários”. Para tanto seria imperativo que o partido
renunciasse às “grosseiras paixões proletárias” e se colocasse sob a direção de burgueses
cultos que, guiados por sentimentos filantrópicos, possibilitassem às massas populares
“adquirir gostos refinados” e “aprender boas maneiras”. Assim, não tardariam a aparecer
numerosos partidários procedentes das classes cultas e ricas justamente os elementos que
deveriam ser atraídos para que a propaganda social-democrata tivesse êxitos tangíveis:
O socialismo alemão atribuiu demasiada importância à
conquista das massas ao mesmo tempo que se descuidou da
propaganda enérgica entre as chamadas camadas altas da
sociedade, pois faltam ainda ao partido pessoas que possam
representá-lo no Parlamento, sendo desejável e mesmo
necessário que os mandatos sejam entregues a pessoas que já
tiveram tempo e possibilidades para estudar a fundo os
problemas. Os simples operários e os pequenos artesãos (...)
excepcionalmente podem dispor dos lazeres necessários para
isso
435
.
432
Jahrbuch für Sozialwissenschaft und Sozialpolitik.
433
Rückblicke auf die sozialistische Bewegung in Deutschland”.
434
Rückblicke auf die sozialistische Bewegung in Deutschland”, apud MARX; ENGELS. Obras escolhidas. São
Paulo: Alfa-Omega, v.3, 1980, p.276-282.
435
Rückblicke auf die sozialistische Bewegung in Deutschland”, p.85, apud MARX; ENGELS. Obras
escolhidas. São Paulo: Alfa-Omega, v.3, 1980, p. 277.
120
Por conseguinte, o partido deveria, através de uma atitude “melancólica e humilde”,
provar sua renúncia definitiva “aos despropósitos e aos exageros” que deram margem à
promulgação da lei contra os socialistas. Com isto deveria acabar com todo o temor de um
desenlace inevitável da moderna luta de classes, que intensificaria o ódio da burguesia em
relação à social-democracia. O artigo, deste modo, apelava para o abandono da luta de classes
a fim de que a burguesia e com ela “todas as pessoas independentes” não mais temesse
marchar de mãos dadas com o proletariado. Outrossim, a via legal e pacífica deveria ser
priorizada no movimento, que, embora mantivesse intacto seu programa, deveria adiar por
tempo indefinido a realização de suas metas de longo prazo:
Precisamente agora, sob a pressão da lei contra os socialistas, o
partido demonstra que não tem a intenção de recorrer à
violência e de marchar para uma revolução sangrenta, mas ao
contrário, está disposto (...) a seguir o caminho da legalidade,
isto é, o caminho das reformas [grifo nosso]. Deste modo, se
500 ou 600 mil eleitores social-democratas (...) dispersos, além
de tudo, por todo o país, se mostram suficientemente sensatos
para não bater com a cabeça na parede e não se lançar, na
proporção de 1 contra 10, a uma revolução sangrenta”, isso
prova que renunciaram para sempre a utilizar qualquer
acontecimento importante da política exterior e o ascenso
revolucionário que dele decorra e mesmo a vitória alcançada
pelo povo no conflito que, nesta base, se possa produzir. Se
Berlim voltar algum dia a dar prova de sua incultura, com outro
18 de março [1848], a social-democracia não tomará parte na
luta, como qualquer chusma ansiosa por lançar-se às barricadas
(...) Quanto mais sereno, objetivo e circunspecto for ele (o
partido) em sua crítica da ordem vigente e em suas propostas
para reformá-la, menos possibilidades havepara que se repita
a manobra que agora teve êxito (com a promulgação das leis
contra os socialistas) e graças a qual a reação consciente
conseguiu pôr em suas mãos a burguesia, assustada com o
fantasma vermelho .
436
O artigo enviado por Bernstein provocou a ira de Marx e Engels, que rapidamente
elaboraram uma carta circular, datada de 17 de setembro de 1879, dirigida a Bebel,
Liebknecht e Bracke. Nesta resposta, os autores manifestavam profunda preocupação com o
que identificaram como um fenômeno inevitável: a incorporação de elementos oriundos da
classe dominante ao movimento socialista o que fora mencionado no Manifesto do
Partido Comunista, no capítulo “O socialismo alemão ou o ‘verdadeiro’ socialismo”. Estes
elementos exteriores à classe operária defenderiam a submissão do proletariado aos desígnios
436
Rückblicke auf die sozialistische Bewegung in Deutschland”, p.88, apud MARX; ENGELS. Obras
escolhidas. São Paulo: Alfa-Omega, v.3, 1980, p. 278.
121
das classes burguesas, vistas como intelectual e moralmente superiores, o que significaria
nada menos do que a renúncia ao caráter de classe e ao projeto revolucionário de emancipação
das classes trabalhadoras:
Tal é o programa dos três censores de Zurique. É de uma
clareza meridiana, sobretudo para nós que, desde 1848,
conhecemos na ponta da língua todas essas teses. Trata-se de
representantes da pequena burguesia, acovardados ante a idéia
de que os proletários, impelidos por sua posição revolucionária,
possam “ir demasiado longe”. Em lugar de uma oposição
política resoluta, a conciliação geral; em lugar da luta contra o
governo e a burguesia, as tentativas de convencê-los e atraí-los;
em vez de uma resistência encarniçada às perseguições vindas
de cima, a submissão humilde e o reconhecimento de que o
castigo foi merecido. Todos os conflitos impostos pela
necessidade histórica são interpretados como mal-entendidos; e
dá-se uma saída comum a todas as discussões, com a
declaração de que, no fundamental, todos estamos de acordo
437
.
Para Marx e Engels, portanto, as afirmações contidas no artigo revelariam a ingerência
de uma ideologia burguesa e pequeno-burguesa na social-democracia, cuja preocupação
central consistiria em esfumar, diluir e debilitar a luta de classes. Seu apreço pela república
democrática, pela filantropia e pelo estabelecimento de alianças e compromissos com as
classes dominantes expressaria uma tentativa de conciliar certas idéias socialistas
superficialmente assimiladas e os conceitos políticos mais díspares.
A confusão teórica provocada pelos autores do artigo resultaria, assim, de um esforço
precipitado de adaptar a teoria no intuito de construir às pressas uma ciência particular. Em
resumo, ao invés de aprofundarem-se, antes de tudo, no estudo da nova ciência marxista e
procurarem esclarecer seus pontos fundamentais, provocaram uma confusão espantosa que,
por sorte, teria ficado circunscrita quase exclusivamente a eles mesmos.
Diante do evidente conflito entre a orientação política dos autores do artigo e os
princípios vigentes na social-democracia, Marx e Engels propuseram a desvinculação
partidária destes senhores, de maneira a evitar que a direção do partido caísse nas mãos de
homens deste tipo. Segundo os dois socialistas, o partido cometeria uma traição contra si
mesmo” se deixasse que ingressassem em suas fileiras e ocupassem postos de comando
homens que, em 1848 e 1849, “levados pelo medo de toda e qualquer atividade, freavam a
cada passo o movimento e acabaram por conduzi-lo à derrota; os mesmos que nunca
desconfiam da reação e ficam extraordinariamente assombrados quando se vêem num beco
437
MARX; ENGELS. Obras escolhidas. São Paulo: Alfa-Omega, v.3, 1980, p.279-280.
122
sem saída, onde a resistência e a fuga são igualmente impossíveis; são os mesmos que se
empenham em aprisionar a história em seu horizonte estreito de filisteus”
438
:
Esses senhores, no entanto, como já foi exposto, estão
encharcados de idéias burguesas e pequeno-burguesas, que se
justificam sem dúvida num país tão pequeno-burguês quanto a
Alemanha, mas tão-somente fora do partido operário social-
democrata. Se esses senhores se agruparem num partido social-
democrata pequeno-burguês, estarão em seu pleno direito; neste
caso, poderíamos entabular negociações, formar com eles uma
frente, em determinados momentos, etc. Dentro de um partido
operário, no entanto, constituem um elemento de falsificação
[grifo nosso]. Se, por enquanto, as circunstâncias aconselham
que os toleremos, é necessário compreender que a ruptura com
eles é apenas uma questão de tempo, e que devemos apenas
tolerá-los, sem permitir que exerçam influência sobre a direção
do partido
439
.
Embora o artigo encaminhado por Bernstein e rejeitado por Marx, Engels, Liebknecht
e Bebel não estivesse assinado, as contundentes críticas expressas na carta circular foram
claramente endereçadas a Höchberg, Bernstein e Lübeck, a quem Engels atribuiu sua
autoria
440
. No entanto, de acordo com Peter Gay, o “Manifesto dos três de Zurique”, como
ficou conhecido, fora na verdade escrito pelo reformista Karl Flesch, com a ajuda de
Höchberg e Schramm, tendo contado apenas com uma pequena colaboração de Bernstein
441
.
Não obstante a reduzida participação de Bernstein na redação do “infame” artigo
restrita à inclusão de alguns pequenos trechos ao texto final a influência das idéias de
Höchberg em sua formação política não deve ser menosprezada. Sua inclinação ao
neokantismo, encarnado na figura de Friedrich Albert Lange, e sua crença na democracia
liberal, tão presente entre os socialistas de cátedra (Kathedersozialismus), marcaram-no
profundamente. Por incentivo de Höchberg, Bernstein aprofundou seus estudos teóricos
calcando-se nas idéias reformistas de Lujo Brentano, Gerhard Schulze-Gävernitz, Gustav
Schmoller, Heinrich Herkner, Arthur Salz e Werner Sombart, os quais tentavam conciliar
socialismo e liberalismo mediante a defesa da expansão da legislação social e da
implementação de reformas graduais.
Oscilando entre posições liberais e conservadoras, estes intelectuais
“acomodacionistas”
442
ou “modernistas” pretendiam formular uma crítica à política
classista de interesses e, ao mesmo tempo, remediar os males do sistema capitalista através de
438
Ibid, p.280.
439
MARX; ENGELS. Obras escolhidas. São Paulo: Alfa-Omega, v.3, 1980, p.281-282.
440
De acordo com Peter Gay (1970, p.44), Bebel atribuiu a autoria a Höchberg, Schramm e Bernstein.
441
Gay, 1970, p.44.
123
reformas sociais moderadas. Esta parte da elite culta alemã
443
, reunida em torno da Associação
de Política Social
444
(Verein für Sozialpolitik) criada em 1872 –, aspirava à harmonia social
e à resolução de todos os conflitos sociais, principalmente os de classe, através da
implementação de propostas de seguro social, leis sobre a inspeção de fábricas, ampliação da
auto-gestão local, redução dos privilégios jurídicos e administrativos da aristocracia,
propriedade estatal das ferrovias, revisão do sistema tributário adotando impostos com taxas
progressivas, normas de salário mínimo, programas limitados de obras públicas e acordos
coletivos entre empregados e empregadores.
Assim, conforme observa Ringer, os socialistas de cátedra consideravam-se acima da
luta de classes e fora do quadro do sistema partidário convencional não obstante sua maior
aproximação com os partidos burgueses, particularmente o Partido Nacional Liberal e o
Partido Progressista. Repudiavam os interesses econômicos de classe e o utilitarismo,
clamando pelo rejuvenescimento ético da vida política em nome do bem-estar da “totalidade”
nacional. Deste modo, viam como tarefa sua o convencimento das massas, dos homens de
negócios e de seus partidos à prática de uma política “idealista” que gerasse harmonia social e
fosse guiada por objetivos culturais e éticos e pelo ideal da grandeza alemã no cenário
mundial
445
.
Por conseguinte, a doutrina “social-liberal”
446
defendida pelos socialistas de cátedra
aderia à defesa de corretivos ao sistema de produção e distribuição com vistas à conciliação
nacional e à paz social. Embora considerassem o processo de industrialização e de
democratização como irreversíveis, apostavam na possibilidade de acomodação parcial às
necessidades e condições modernas e no ajuste do organismo político e social às mudanças
442
Cf. RINGER, Fritz K. O declínio dos mandarins alemães: a comunidade acadêmica alemã, 1890-1933. São
Paulo: Edusp, 2000.
443
Cabe ressaltar que, de acordo com Ringer, “em 1890, a maioria dos professores e eruditos alemães aprovavam
a tradicional estratificação de sua sociedade, toleravam os aspectos pouco liberais do regime político vigente e
copmpartilhavam o medo e a hostilidade com que as classes dominantes enfrentavam o movimento social-
democrata” (Ringer, 2000, p.130).
444
O grupo, composto por economistas e cientistas sociais, tinha como objetivo estimular as discussões
acadêmicas e técnicas sobre os problemas econômicos e sociais da época, além de exercer uma influência sobre
a orientação política do governo e a opinião pública. Criticavam as análises atemporais e ahistóricas, que
procuravam atribuir aos homens uma natureza particular (tal como a concepção de homem econômico, oriunda
da escola clássica inglesa). Enfatizavam ainda a importância da investigação empírica dos aspectos da vida
sócio-econômica e instituições sociais; assim, as generalizações deviam basear-se em observações meticulosas
das condições reais de produção e comércio, e não em abstrações e leis gerais sobre a natureza humana (Cf.
Ringer, 2000, cap.3).
445
Esta ênfase nos sentimentos nacionais levou muitos socialistas de cátedra a tornarem-se propagandistas da
“causa nacional” e da “expansão colonial” (Ringer, 2000, p.134).
446
Alcunhada por Ignaz Jastrow em seu artigo de 1894 Sozialliberal: Die Aufgaben des Liberalismus in
Preussen” (Ringer, 2000, p.148).
124
sócio-econômicas. Deste modo, “uma sábia transformação das “instituições culturais e
políticas obsoletas”, ajudaria a preservar “os aspectos sadios e vitais” da antiga ordem
social”
447
. Logo, diante do “perigo” representado pelo crescimento da social-democracia, os
acadêmicos alemães viam uma alternativa intermediária entre a estagnação e a revolução:
“conquistar os trabalhadores para o regime vigente, aumentar a influência do governo na
solução das disputas industriais e converter os sindicatos em auxiliares inócuos da política
social-burocrática”
448
.
Com isto esperavam orientar as forças sociais e políticas emergentes da Revolução
Industrial, afastando os operários social-democratas do radicalismo e do internacionalismo da
ortodoxia marxista e inculcando-lhes um respeito mínimo pelas tradições culturais e pelos
ideais nacionais
449
. Por esta razão os membros da social-democracia reagiram ao discurso
reformista propagado pela intelectualidade alemã ora com indiferença, ora com profunda
desconfiança
450
. Segundo Engels, estes seriam representantes de um socialismo burguês ou
pequeno-burguês, que se satisfaz com simples remendos sociais, desde que não alterem a
estrutura do sistema. Ainda de acordo com Engels, esta tendência pequeno-burguesa
manifestar-se-ia inclusive dentro do próprio Partido Social-Democrata, particularmente na
fração do Reichstag, que embora reconheça a exatidão dos conceitos fundamentais do
socialismo moderno e a exigência de que todos os meios de produção sejam convertidos em
propriedade social, declara que sua realização só será possível num futuro muito remoto,
praticamente imprevisível
451
. Como se vê, tais idéias ganharam enorme peso no pensamento
de Bernstein quando posteriormente resolveu trilhar seu caminho revisionista.
Após o incidente relacionado ao Jahrbuch für Sozialwissenschaft und Sozialpolitik”,
Bernstein empreendeu esforços no sentido de apaziguar as relações entre o círculo de
Höchberg e os líderes da social-democracia alemã. Juntamente com Bebel, realizou uma visita
a Londres em dezembro de 1980, com o objetivo de restabelecer um contato amistoso com
447
Ringer, 2000, p.131.
448
Ringer, 2000, p. 147-148.
449
Ringer, 2000, p. 132.
450
“Os socialistas de gabinete não eram particularmente reverenciados pelos trabalhadores sociais-democratas e
também tinham de defender-se de ataques constantes e veementes de panfletistas e porta-vozes políticos da
facção empresarial. Tendiam a ver essa impopularidade com ambos os lados do conflito industrial como uma
conseqüência e uma prova de sua genuína imparcialidade. Estando “acima” das brigas dos grupos de interesse
concorrentes e fortificados ao mesmo tempo contra o manchesterismo e contra o marxismo por seu compromisso
lógico com as técnicas históricas, não viram motivo para duvidar de que seus próprios padrões de política social
estavam relativamente imunes aos erros de tendência e, portanto, seriam mais ou menos permanentes” (Ringer,
2000, p.149).
451
MARX, K, ENGELS, F. “Contribuição ao problema da habitação”. In Obras escolhidas. o Paulo: Alfa-
Omega, v.2, 1980b, p.110.
125
Marx e Engels
452
e ainda receber o aval destes para substituir Georg von Vollmar na
editoração do “Sozialdemokrat”, único órgão oficial do partido, iniciado em 28 de setembro
de 1879
453
.
Graças ao apoio de Bebel, Bernstein conseguiu redimir-se da impressão causada
pelo artigo, sendo apontado editor do periódico produzido na Suíça. A nomeação de Bernstein
como editor, em janeiro de 1881, impulsionou sua carreira no interior do partido e foi fator
decisivo para a sua futura consagração como proeminente teórico da social-democracia. Na
qualidade de editor do principal periódico da social-democracia alemã, Bernstein estabeleceu
uma ligação mais íntima com Engels
454
, criando laços de confiança e amizade
455
. Juntamente
com Kautsky que se tornara colaborador do Sozialdemokrat” por intermédio de Höchberg
–, Bernstein passou a ser co-responsável pela tradução e organização de obras de Marx
456
,
principalmente após a morte deste, em 1883. Sua dedicação e temperamento conferiram-lhe
um bom conceito junto a Engels, como mostra a carta deste a Bebel, de 11 de fevereiro de
1881:
Eu acredito que Bernstein é mais adequado ao trabalho que
Kautsky (...) Recentemente, Kautsky passou algum tempo aqui
(em Londres) e tive uma séria discussão com ele. Isto me leva a
acreditar que no futuro importantes diferenças de opinião entre
ele e nós poderiam surgir
457
.
O contato com Engels propiciou a Bernstein um flerte com posições políticas mais
radicais. Durante os anos em que esteve incumbido da editoração da revista, Bernstein
procurara submeter a orientação teórica da publicação ao crivo crítico do “General”
458
. Neste
452
Bebel escreveu em suas memórias, Aus meinem Leben de 1910, “Eu desejava levar Bernstein comigo à
toca dos leões (...) Marx e Engels eram fortemente hostis com ele, e eu queria mostrar a eles que ele não era o
rapaz terrível que os dois senhores acreditavam ser” (Gay, 1970, p.46).
453
Der Sozialdemokrat” foi proclamado o único órgão oficial do SPD no Congresso de Wyden, em 1880.
454
Especialmente após a segunda visita de Bernstein a Londres, em 1884. A partir de então passam a trocar uma
vasta quantidade de correspondências, posteriormente publicadas por Bernstein em 1925.
455
De acordo com Peter Gay, quando Bernstein, após três meses como editor provisório da revista, pediu sua
exoneração, Engels escreveu-lhe uma carta elogiosa, datada de 14/4/1881, enaltecendo suas qualidades de editor:
“Nós ficamos desagradavelmente surpresos em receber seu recado de que deseja sair do jornal. Nós não
podemos enxergar qualquer razão para isto, e gostaríamos muito se você reconsiderasse. Você editou o jornal
habilmente desde o princípio, você lhe deu o tom certo e desenvolveu o necessário bom senso. Ao editar um
jornal a erudição não é tão importante como a rápida compreensão das questões no correto espírito, e você
sempre demonstrou isto (...) eu não vejo quem poderia ocupar o seu lugar, agora que Liebknecht está na prisão”.
(Gay, 1970, p.50). Diante dos apelos de Engels, Bebel e Liebknecht, Bernstein reconsiderou sua decisão,
tornando-se editor permanente do periódico até 1890.
456
Como, por exemplo, “A miséria da filosofia”, originalmente escrita em francês.
457
GUSTAFSSON, Bo. Marxismo y revisionismo: La critica bernsteiniana del marxismo y sus premisas
histórico-ideológicas. México: Grijaldo, 1975, p.50.
458
Como costumeiramente Engels era chamado.
126
sentido, entre 1882 e 1888, Bernstein assumiu posicionamentos contrários à ala moderada do
partido, representada na época fundamentalmente pela fração parlamentar
459
.
Sob o pseudônimo de Leo ou Vitellius, o autor publicou diversos artigos em Der
Sozialdemokrat”
460
seguindo este mesmo perfil, sendo os principais referentes à oposição à
lei de subsídios para a indústria naval (1884)
461
, à relevância da organização sindical dos
trabalhadores (1885)
462
e à diferenciação entre propriedade social e propriedade privada
(1885)
463
. Neste último, chegou a afirmar “nada é socialista se não subscreve completamente e
sem reservas a frase clássica de “O Capital”: “a concentração dos meios de produção e a
socialização do trabalho chegam a um ponto em que se tornam incompatíveis com o
capitalismo””
464
.
Como foi visto, a “fase ortodoxa” de Bernstein, caracterizada por sua aproximação
com a teoria marxista, fora inequivocamente determinada pela predominante influência
exercida pela figura de Engels. Em razão deste forte vínculo pessoal e intelectual, seu
rompimento definitivo com o marxismo demorou a se efetivar, levando-o constantemente a
reafirmar seu pertencimento à tradição marxista e a definir seu revisionismo como uma
complementação e o descarte da teoria de Marx. Embora, conforme ulteriormente
revelou
465
, sentisse desde cedo a necessidade de adaptar o marxismo, Bernstein exerceu um
relevante papel na sua difusão através de sua atividade jornalística. Tal fato foi reconhecido
por Mehring:
Bernstein compreendeu bem como manter o jornal como um
órgão de todo o partido e de proporcioná-lo, ao mesmo tempo,
uma clara, certa e firme direção que se ajustava às demandas
táticas sem violar princípios. Em quase nenhuma questão
levantada pelas lutas políticas de uma cada certamente em
nenhuma decisiva o Sozialdemokrat manteve-se distanciado.
Em virtude de suas atividades como agitador, Bernstein estava
459
A fração parlamentar era composta por personalidades como Wilhelm Blos, Wilhelm Hasenclever e Ernst
Brewel (Gustafsson, 1975, p.51).
460
Gustafsson, 1975, p.5.
461
Nesta ocasião Bernstein publicara artigos e cartas pró e contra a lei, mas foi criticado pela ala moderada que,
através de uma declaração oficial, repudiou a política editorial de Bernstein e exigiu a submissão do jornal às
decisões do grupo parlamentar. Bernstein recebeu esta declaração com ordens de publicá-la na íntegra, mas
recusou-se por considerar um atentado à sua independência editorial, colocando seu cargo à disposição do
Partido (Gustafsson, 1975, p.52).
462
Artigo intitulado Die Bedeutung der Gewerkschaftlichen Organisation der Arbeiter”, no qual Bernstein
destacara as limitações da luta sindical, vista como tarefa secundária do movimento operário, que necessitaria
conferir um sentido político à luta: tarefa do partido político (Gustafsson, 1975, p.107).
463
Artigo Gesellschaftliches und Privateigentum”, no qual ressalta que o único caminho para o socialismo
passaria pela expropriação da propriedade burguesa (Gustafsson, 1975, p.107).
464
Gustafsson, 1975, p.107.
465
Cf. Carta de Bernstein a Bebel de 20 de outubro de 1898 (Gay, 1970, p.73).
127
familiarizado demais com as condições da luta da classe
proletária para não entender as questões em jogo. Ele
trabalhava devagar e cuidadosamente; uma natureza ponderada,
com um toque de ceticismo que tendia a superestimar o mérito
de seus oponentes, ele gostava da briga o pela briga em si, e
estava sempre pronto para uma discussão frutífera. Com Engels
como seu conselheiro, Bernstein contribuiu pelo menos tanto
para o esclarecimento teórico da classe trabalhadora alemã
quanto para sua atividade prática.
466
Contudo, sua fase mais radical logo foi interrompida quando o governo suíço,
atendendo a exigências de Bismarck, passou a reprimir e perseguir os social-democratas que
encontravam-se em seu território. Deste modo, Bernstein foi expulso da Suíça, refugiando-se
em Londres com sua esposa, em 12 de maio de 1888. Na Inglaterra, deu continuidade a seu
trabalho no Sozialdemokrat” até o ano de 1890, quando as leis anti-socialistas foram
revogadas e o órgão do partido pôde novamente ser impresso na Alemanha
467
.
A partir de então, Bernstein passou a atuar como correspondente do jornal Vörwarts e
da revista Die Neue Zeit, além de dedicar-se a estudos de caráter histórico
468
. Ainda
impossibilitado de retornar à Alemanha, o autor aproveitou seus treze anos em Londres para
estabelecer contato com uma variedade de grupos socialistas ingleses, muitos deles
desprovidos de qualquer rigor conceitual e nitidez ideológica. Dentre estes, destacavam-se os
“fabianos”, um pequeno grupo de intelectuais que fundaram em 4 de janeiro de 1884 a
Fabian Society”, organização que não possuía a pretensão de constituir um partido com
vistas à tomada do poder, mas sim impregnar outros grupos políticos com suas idéias
469
.
Em suas memórias, Bernstein tenta frisar seu distanciamento em relação aos fabianos:
Por um longo período eu tive preconceito em relação aos
fabianos, esquivando-me de estabelecer relações pessoais com
eles. Seu tom e método de procedimento era tão contrário ao
espírito do movimento como eu o concebia que quando ouvia
suas discussões eu geralmente sentia calafrios. Enquanto vivi
na Inglaterra eu mantive pouco contato pessoal com Shaw e se
algumas vez tivemos alguma conversa logo ficava óbvio que
havia uma discordância entre nós, como se habitantes de dois
466
Gay, 1970, p.60-61.
467
Engels, em sua carta de despedidas aos leitores, no último número do Sozialdemokrat, afirmara que esta foi “a
melhor publicação que o partido teve (...) Os princípios do Partido foram expostos e mantidos com rara
claridade e certeza, e a tática da redação foi, quase sem exceção, correta” (Gustafsson, 1975, p.36).
468
Dentre estes escritos cabe destacar sua obra sobre o movimento cartista “Die Chartisten-Bewegung in
England”, publicada em Zurique em 1887, seu livro “Ferdinand Lassalle como reformador social”, de 1893, e
“Cromwell e Comunismo: socialismo e democracia na grande revolução inglesa”, de 1895.
469
Em 1889 publicaram os “Ensaios Fabianos” , composto por três artigos de autoria de Georg Bernard Shaw e
Sidney Webb (“As bases do socialismo”, “A organização da sociedade”, “A transição para a social-
democracia”).
128
mundos diferentes estivessem educadamente trocando opiniões
sem o auxílio de uma terminologia comum.
470
No entanto, apesar de evitar atribuir sua “guinada revisionista” à influência dos
socialistas fabianos
471
, a poderosa impressão provocada pelo socialismo moderado e eclético
por eles propugnado sobre seu pensamento foi observada por todos os seus companheiros
mais próximos. Em carta a Bebel, Engels, em 1892, constatava o “cômico respeito de Ede
pelos fabianos”.
472
Mediante a análise da teoria e da prática dos socialistas ingleses, Bernstein modificou
substancialmente suas idéias sobre o marxismo e a filosofia socialista. Passou a questionar
abertamente a teoria do colapso, considerando-a uma ilusão doutrinária, e a advogar pelo
redirecionamento da tática empregada pelo partido, de modo que passasse a atender às
demandas imediatas, consubstanciadas nas reformas sociais graduais e na socialização
resultante da pressão democrática.
Em dois artigos de 1895, o primeiro escrito em agosto, intitulado “A evolução dos
partidos ingleses”, e o segundo em outubro, sendo o posfácio ao trabalho de Sidney e Beatrice
Webb sobre “História do trade-unionismo britânico”, Bernstein demonstrara grande apreço
pelos objetivos e métodos de trabalho do movimento sindical inglês. Nesta última obra
realizou uma crítica à teoria da luta de classes, que retomaria alguns anos depois, em meio à
querela revisionista:
Em particular na sociedade burguesa moderna com sua
extraordinária multiplicidade de grupos de interesses e suas
relações recíprocas é quase inevitável que os problemas do
movimento substituam temporalmente do horizonte aos
antagonismos profundos (...) A teoria da luta de classes de
nossos dias, tal como é erroneamente entendida com demasiada
freqüência, experimenta assim uma retificação essencial. Não
os inimigos mal intencionados mas também seus fiéis
adeptos associam a ela a idéia de uma transformação contínua,
homogênea e simultânea das relações industriais. Assim, uma
lei de tendência é entendida como se estivesse afirmando um
fato acabado, fato que assinala a direção em que se orienta
uma linha de movimento reconhecida. De fato, todavia,
estamos muito longe daquela homogeneidade do curso
evolutivo e inclusive se fosse alcançada permaneceriam todavia
atuantes grandes desigualdades na natureza dos ramos
industriais singulares que seria fatal ignorar.
473
470
BERNSTEIN, E. My years of exile: reminiscences of a socialist, 1915-1921. In: www.marxists.org.
471
Entre os membros mais destacados dos fabianos estavam Gaham Wallas, Bernard Shaw, Sidney e Beatrice
Webb, Stewart Headlam, Keir Hardie, John Burns e Ramsay MacDonald (Gay, 1970, p.68).
472
Gustafsson, 1975, p.177.
473
Gustafsson, 1975, p.187.
129
Se o contato com os fabianos despertou-lhe a atenção para a possibilidade de revisão
de muitas premissas filosóficas e políticas do marxismo, convém ressaltar que a preocupação
de Bernstein com a fundamentação teórica de seu reformismo é o ponto que ele próprio
considerava crucial em sua distinção em relação aos fabianos, vistos por ele como
pragmáticos e avessos a teorias e princípios
474
. Se, por um lado, a liberdade em relação a
dogmas e doutrinas lhes permitiria uma flexibilidade na ação, determinada por critérios
pragmáticos e utilitários, o desapego à teoria poderia conduzi-los a posturas aparentemente
incoerentes e contraditórias:
Em grande parte Shaw praticava o que nós alemães entendemos
como “conflito de classe”, mas não aceitava este nome pois,
para ele, este teria uma outra conotação. Em sua mente, o
movimento socialista estende-se para além da classe que nós
vemos como sua real defensora, e sua fé na energia auto-
sacrificadora desta classe era pequena. Ele tem consciência de
ser ele mesmo um ideólogo socialista, mas seu pensamento é
demasiadamente crítico para jurar fidelidade a idéias abstratas.
Em sua ideologia ele é um realista; pode-se dizer, por paradoxo
que isto possa soar, um ideólogo crítico, e talvez este paradoxo
possa servir como uma chave para muitas aparentes
contradições em seu comportamento
475
.
Não obstante as diversas críticas de Bernstein aos fabianos, sua formulação teórica,
que começara a tomar forma no início da década de 90, apresentava uma grande afinidade
com o fabianismo, o que levou muitos estudiosos a considerarem-nas concepções políticas
indistintas
476
. A crítica à teoria do valor de Marx, a ênfase nas reformas e na gradual
implantação de um socialismo municipal, a tática moderada de alianças e compromissos com
as classes burguesas e o repúdio à via revolucionária, seriam traços fundamentais da política
fabiana igualmente manifestados em Bernstein. Podemos reconhecer tal semelhança ao
analisarmos a seguinte passagem de Sidney Webb, extraída dos “Ensaios Fabianos”:
Os defensores da reconstrução social aprenderam a lição da
democracia e sabem que é através do lento e gradual avanço da
consciência popular em direção aos novos princípios que a
reorganização da sociedade virá, passo a passo. Qualquer
474
Cf. BERNSTEIN. “Observaciones generales sobre el utopismo y el ecletismo”. In: Las premisas del
socialismo y las tareas de la socialdemocracia. México: Siglo XXI, 1982.
475
BERNSTEIN, E. Meus anos de exílio: reminiscências de um social-democrata, 1915-1921. In:
www.marxists.org.
476
Sergundo Peter Gay, “mesmo um observador superficial pode reconhecer o fato de que o fabianismo e o
revisionismo alemão são irmãos, senão gêmeos. Ambas as doutrinas originaram-se no mesmo país, com apenas
alguns anos de distancia uma da outra, é considerado axiomático que Eduard Bernstein tenha obtido suas idéias
fundamentais dos fabianos”. Bo Gustaffson, aponta no mesmo sentido ao afirmar que o revisionismo de
Bernstein era uma forma de fabianismo inglês” (Gustafsson, 1975, p.437).
130
estudioso da sociedade, atualizado com seu tempo, seja ele
socialista ou individualista, percebe que mudanças importantes
podem ser (i) democráticas, e portanto aceitáveis pela
maioria do povo e assimiláveis por todos; (ii) graduais, o
causando portanto deslocamentos, por mais rápido que seja o
progresso; (iii) não vistas como imorais pela massa do povo, e
portanto não a desmoralizando subjetivamente; (iv) nesse país,
em qualquer caso, constitucional e pacífica.
477
Ademais, podemos notar que o rol de reformas sociais propostas por Bernstein
aproxima-se consideravelmente do elenco de reformas apontado pelos socialistas ingleses da
Fabian Society. O programa fabiano previa essencialmente seis reformas principais: a reforma
fiscal, a ampliação das leis fabris, a reforma do ensino, a reorganização administrativa da lei
dos pobres, a ampliação das atribuições dos municípios e a reforma do sistema político
478
.
Tais reformas decorreriam de um lento e gradual avanço da consciência popular em direção
aos novos princípios; ou seja, o “inconsciente abandono do individualismo” levaria a
população a aderir a projetos de reforma social de amplo alcance, a serem realizados pelo
Estado e pelos Municípios.
Para os fabianos o socialismo seria fruto da própria extensão e consolidação da
democracia, isto é, seria o lado econômico do próprio ideal democrático. O aumento constante
da regulação governamental sobre a empresa privada, o crescimento da administração
municipal e o rápido deslocamento da incidência de impostos diretamente para a renda e os
juros delineariam “o irresistível deslizamento em direção ao socialismo coletivista”
479
.
De acordo com a perspectiva fabiana, portanto, “o irresistível progresso da
democracia” estaria levando a sociedade capitalista em direção ao socialismo
480
, uma vez que
a cada dia ampliar-se-ia o consenso de que o resultado inevitável da democracia é o controle
pelo próprio povo, não de sua organização política mas também dos principais
477
WEBB, Sidney. “As bases históricas do socialismo”. In: Utópicos, heréticos e malditos / [org.] Aloísio
Teixeira. Rio de Janeiro: Record, 2002, p.348.
478
Cf. WEBB, Sidney. “As bases históricas do socialismo”. In: Utópicos, heréticos e malditos / [org.] Aloísio
Teixeira. Rio de Janeiro: Record, 2002, p.369. A reforma fiscal consistiria na completa transferência da carga
que incide sobre os trabalhadores para os que recebem rendas e juros, com vistas à extinção gradual e final dessa
última classe; a ampliação das leis fabris teria o intuito de elevar universalmente o padrão de conforto pela
aprovação geral do salário mínimo e da jornada diária de trabalho máxima ; a reforma do ensino permitiria que
todas as crianças obtenham a “melhor educação de que sejam capazes” ; a reorganização administrativa da “lei
dos pobres” possibilitaria assistir generosamente, e sem estigma, aos idosos, doentes e desamparados por falta
temporária de emprego, “sem relaxar os testes contra os capacitados para o trabalho que permanecem ociosos”; a
ampliação das atribuições dos municípios dar-se-ia através da organização gradual do trabalho com objetivos
públicos e a supressão dos capitalistas e intermediários privados; e a reforma do sistema político teria como
objetivo alcançar a mais rigorosa representação e expressão da vontade da maioria do povo.
479
Webb, 2002, p. 375.
480
Webb, 2002, p. 346.
131
instrumentos de produção de riqueza. Por conseguinte, a substituição gradual da anarquia da
concorrência pela cooperação organizada e “a conseqüente recuperação, da única maneira
possível, do que Stuart Mill denominou ‘a enorme parcela que os proprietários dos
instrumentos de produção apropriam do produto’”
481
, seriam realizadas de forma consensual,
pacífica e legal:
A necessidade de cautela e mudança gradual deve ser óbvia
para todos aqui, e poderia ser óbvia para todos, em qualquer
lugar, desde que se discutisse com os catastrofistas de forma
corajosa e sensata. O que significa, especificamente, então, uma
transição gradual para a social-democracia? Significa a
extensão gradual do direito de voto; e a transferência da renda e
dos juros para o Estado, não de um golpe, mas aos poucos.
Encarada deste ângulo, pode-se ver que fomos bem longe na
caminhada, empurrados por muitos políticos que nem sequer
imaginam que estão tocando o socialismo e que repudiariam
energicamente esse toque como se fosse contaminá-los.
482
Logo, Bernstein encontrara nos fabianos a tentativa de sustentação de um “socialismo
evolucionário” realizado por meio de reformas graduais cumulativas, algo que havia
buscado entre os socialistas de cátedra alemães. Embora Bernstein atribua sua visão da
evolução social à teoria social de Marx, citando, para tanto, a passagem do prefácio de “O
Capital” em que este afirma que a “atual sociedade não é um cristal sólido, mas um
organismo capaz de mudar e que está em constante processo de mudança”
483
, sua concepção
linear e orgânica da evolução social e seu elevado otimismo assemelham-se ao
spencerianismo encontrado entre fabianos como Sidney Webb:
Devido principalmente aos esforços de Comte, Darwin e
Herbert Spencer, não podemos mais imaginar a sociedade ideal
como um Estado imutável. O ideal social deixou de ser estático
para tornar-se dinâmico. A necessidade de crescimento e
desenvolvimento constantes do organismo social tornou-se
axiomática. Nenhum filósofo hoje em dia procura outra coisa
que não a evolução gradual da nova ordem a partir da antiga,
sem solução de continuidade nem ruptura abrupta de todo o
tecido social em algum momento do processo. O novo torna-se,
ele mesmo, velho, muitas vezes antes de ser conscientemente
reconhecido como novo; e a história não mostra nenhum
exemplo de súbita realização de utopias nem de revoluções
romanceadas.
484
481
Webb, 2002, p. 348.
482
SHAW, Georg Bernard. “A transição para a social-democracia”. In: Utópicos, heréticos e malditos / [org.]
Aloísio Teixeira. Rio de Janeiro: Record, 2002, p.392. Escrito em 1888.
483
MARX, Karl. O Capital: Crítica da Economia Política. vol.1, livro I. São Paulo: Nova Cultural, 1985, p.14.
484
Webb, 2002, p. 344-345.
132
Convém ressaltar, todavia, que tanto Marx como Engels opunham-se ferozmente a tal
concepção evolucionista e idealista da história humana. Em uma entrevista realizada ao Daily
Chronicle, em junho de 1893, Engels, ao ser indagado a respeito da eventual similitude entre
os programas políticos da social-democracia e da Sociedade Fabiana, respondeu:
Considero a Sociedade Fabiana nada mais do que um braço do
Partido Liberal. Ela não procura por outra salvação social que
não aquela fornecida pelo partido. Nós nos opomos a todos os
partidos políticos existentes e nós iremos combater a todos eles
(...) Nós não acreditamos em permear partidos de classe média.
Nós estamos permeando o povo.
485
A ambigüidade presente no pensamento de Eduard Bernstein e sua afinidade com os
fabianos demonstram como o contexto histórico-social vivenciado nos fins do século XIX deu
margem às mais diversas interpretações acerca do curso da sociedade capitalista. Seu desvio
teórico em direção ao revisionismo, portanto, pode ser melhor explicado pelo confronto
ideológico existente no movimento operário motivado pelas mudanças na conjuntura
política e econômica européia do período do que em função de uma postura meramente
oportunista ou de uma inclinação particular à defesa dos interesses burgueses.
Por conseguinte, se após 1895 o discurso de Bernstein parece sofrer uma drástica
mudança, tal fato o deve ser entendido de forma isolada e descontextualizada. A ascensão
eleitoral da social-democracia, a expansão numérica e estrutural do partido e dos sindicatos, a
atenuação da repressão política, a promulgação de leis sociais de proteção ao trabalho, o surto
industrial e a superação do período de recessão econômica vigente durante toda a década de
80 foram vistos por Bernstein como sinais de que o capitalismo estaria em vias de
transformação, dando origem a uma nova forma social mais aberta e democrática.
Os anos de 1888 a 1895 testemunharam a sua lenta, gradual e hesitante adesão ao
revisionismo. No ano de 1889, Bernstein deu uma entrevista à revista Justice a respeito do
congresso inaugural da Segunda Internacional, em Paris, na qual contestou ardorosamente o
Partido Possibilista francês. Nesta ocasião, condenava o fato de que estes “socialistas
ministerialistas” estariam no momento “com todas as intenções e propósitos de um partido do
governo”
486
, ao aliarem-se à burguesia republicana.
No ano seguinte publicou uma série de artigos no Sozialdemokrat, sob o pseudônimo
de Leo, nos quais enfatizava a responsabilidade parlamentar do SPD, mas simultaneamente
485
Cf. www.marxist.org.
486
BERNSTEIN, E. O Congresso Internacional dos Trabalhadores de 1889”. In: www.marxist.org. Publicado
na revista Justice, em 1889.
133
reafirmava o compromisso com a revolução, advertindo para a possibilidade de degeneração
do reformismo em um “cretinismo parlamentar”
487
. Ainda em 1890 a social-democracia
começara a colocar em pauta a discussão acerca da questão agrária, na qual Georg von
Vollmar aparecera como o epítome do reformismo e da política de alianças. Bernstein, então,
exprimiu apoio à formulação de uma política agrária que buscasse a um tempo atrair a
pequena-burguesia para o partido e unir forças com outros partidos políticos comprometidos
com as mudanças sociais.
O percalço do pensamento bernsteiniano nestes dois anos demonstra como sua teoria
buscava incessantemente acompanhar a prática do movimento social-democrata, adaptando-se
às suas necessidades mais imediatas. A sua ênfase na prática em detrimento da teoria é
evidenciada mais uma vez quando Bernstein é chamado a colaborar na elaboração da parte
prática do novo programa do partido, submetido à aprovação no Congresso de Erfurt, em
1891. Neste documento o autor elencou as reformas a curto prazo que a social-democracia
deveria almejar, tais como o sufrágio universal, a supressão de todas as limitações aos direitos
políticos, a gratuidade da Justiça e da assistência médica, impostos progressivos sobre os
rendimentos e a fortuna e uma eficaz legislação nacional e internacional protetora do trabalho.
Embora dedicado às tarefas práticas do partido, Bernstein ainda debruçava-se sobre a
discussão teórica. Deste modo, em 1891 direcionou críticas a Lassalle (no prefácio que
escrevera à coletânia de trabalhos deste) e a autores liberais reformistas como Gerhart von
Schulze-Gaevernitz
488
(particularmente seus escritos “Zum sozialen Frieden e “Der
Grossbetrieb”, que defendiam a tese de que a luta de classes tenderia a diminuir em violência,
a miséria do proletariado estaria desaparecendo e a paz social sobreviria ao crescimento
industrial, responsável por melhorar a qualidade de vida das classes trabalhadoras). Em 1893
o autor refutou, ainda com base em argumentos marxistas, Julius Wolf (“Sozialismus und
Kapitalistische Gesellschaft”), através do artigo “Der neueste Vernichter des Sozialismus, na
Neue Zeit. Embora engajado na tarefa de criticar tais autores, Bernstein reconheceu,
487
Estes artigos foram publicados em 2/4/1890, 3/5/1890 e 4/5/1890, sob o título de Klippen (Gustafsson,
1975, p.66).
488
Bernstein respondera na Neue Zeit, através do artigo Carlyle und die Sozialpolitische Entwicklung
Englands”, em 1891, e Technisch-ökonomischer und sozial-ökonomischer Fortschritt”, em 1893 (Gay, 1970,
p.71).
134
posteriormente, as dúvidas teóricas remanescentes de tal debate
489
. Diz Bernstein a este
respeito:
Eu o escondi de mim mesmo o fato de que as objeções que
eles levantaram não foram totalmente respondidas (...). Por
mais que eu lutasse contra isto, comecei a duvidar das doutrinas
que eu tinha considerado até então incontroversas. Os anos
seguintes trouxeram acontecimentos que aumentaram ainda
mais minha incerteza.
490
A incerteza de Bernstein cresceu a medida em que as condições econômicas da
Alemanha avançavam e prosperavam. Em sua opinião, persistir na defesa da teoria marxista,
com sua descrição da tendência decrescente da taxa de lucro (exposta no terceiro volume do
Capital, publicado em 1894), diante de uma realidade substancialmente diferente significaria
tentar conciliar o inconciliável.
Em meados dos anos 90 do século XIX, aconteceu na Europa e
na Alemanha, não em último lugar, um auge dos negócios de
uma potência e duração como não se conhecia muito tempo.
Este auge produziu sobre mim uma forte impressão. Estava em
crassa contradição com a teoria do aumento inevitável e da
crescente gravidade da crise econômica que havia de culminar
finalmente na derrubada total da economia tal como resulta da
lógica aparentemente (...) das exposições de Karl Marx no
Capital e como havia sido propagado, sobretudo, por August
Bebel com grande êxito no Partido Social-Democrata
491
.
Da mesma forma, Bernstein escreveu um artigo na Neue Zeit atacando a política
abstencionista praticada na Prússia, no qual recomendava que o partido se aliasse aos
burgueses progressistas nas eleições. Essa proposta foi discutida em 1893 pela Assembléia do
partido em Colônia, tendo sido rechaçada por unanimidade pelo SPD
492
.
Este posicionamento ambíguo e titubeante de Bernstein levou Bebel a ironizá-lo em
carta a Engels, de 14 de setembro de 1892, ao declarar: “Ede volta a escrever hoje no
Vorwärts de seu modo frouxo, de que o se sabe bem se é carne ou pescado”
493
. Engels
igualmente demonstrara ter ciência da frágil convicção nos princípios teóricos e na prática
489
Entre 1891 e 1893 Bernstein escreveu uma série de artigos na Neue Zeit nos quais defendia Marx da crítica
acadêmica de autores como Georg Adler (que em 1878 publicou tese de livre-docência intitulada “Pressupostos
da crítica de Marx à atual economia política”); Julius Wolf, professor em Zurique, Lujo Brentano, representante
da escola histórica alemã e Schulze-Gavernitz, discípulo de Brentano.
490
Gay, 1970, p.72.
491
Bernstein. “Zur Geschichte des Revisionismus, apud, Gustaffson, 1975, p.24.
492
COLE, George Douglas Howard. Historia del pensamiento socialista: la segunda internacional: 1889- 1914.
México: Fondo de Cultura Economica, v.1, 1959, p.247.
493
Gustaffson, 1975, p.111.
135
revolucionária que Bernstein manifestava
494
. Já em 3 de novembro de 1893, Engels escreve a
Kautsky:
Ede me deixou ontem à tarde o que você escreveu acerca de um
artigo sobre a greve como meio de luta política. Eu o
desaconselhei decididamente a escrever o artigo. Em minha
opinião deixou suficientemente claro na história da
eletividade das três classes [artigo de 1893 que defendia a
participação do SPD nas eleições para a Assembléia Legislativa
regional prussiana] que se converteu em um homem que perdeu
o contato com as massas e que argumenta de fora, do gabinete
de estudos, doutrinariamente, sobre questões da práxis imediata
(...).
495
Engels, com sua aguçada percepção, foi capaz de prever os rumos que iria tomar o
pensamento bernsteiniano, embora a lealdade de Bernstein para com seu mestre e amigo tenha
procrastinado a sua divergência pública com o marxismo até a morte do General, em 1895.
Cabe ressaltar que apesar de sua vacilante orientação teórica, Bernstein inspirara a confiança
de Engels que o nomeou seu executor testamentário.
496
Entre seus primeiros textos assumidamente revisionistas encontram-se a “Introdução
para a edição alemã de History of Trade Unions de Beatrice e Sidney Webb”, escrito em
1895, e o comentário e epílogo elaborados por Bernstein entre 1895 e 1896 para a edição
alemã do livro “História da Revolução Francesa de 1848”, de Louis Héritier. Nestes escritos
Bernstein realiza uma dura crítica aos revolucionários, opondo-se radicalmente à interpretação
exposta por Marx em “A Luta de Classes na França – de 1848 a 1850”.
494
No prefácio à primeira edição de “Os pressupostos do socialismo e as tarefas da social-democracia”, escrito
em janeiro de 1899, Bernstein deixa clara a anterioridade de suas divergências: “Estou plenamente consciente de
que em alguns pontos importantes discrepo das concepções teóricas de Karl Marx e Friedrich Engels, ainda que
seus escritos tenham exercido a máxima influência sobre minhas idéias socialistas e, sobretudo Friedrich Engels
tenha me honrado com sua amizade pessoal aa sua morte, chegando ao grau de deixar-me em seu testamento
uma lembrança póstuma de sua grande confiança. Estas discrepâncias não surgiram, obviamente, nos últimos
anos, sendo fruto de um conflito interno que data de muitos anos [grifo nosso]; e tenho provas de que o era
segredo para Friedrich Engels...” (Bernstein, 1982, p. 99).
495
Ibid, p.113.
496
Eleonor Marx, em uma de suas últimas cartas, manifestara preocupação com “o amigo fiel” que após a morte
de Engels adotara uma atitude crítica e pessimista, tornando-se prejudicial ao movimento: “No fim de sua vida,
foi Bernstein quem inquietou Eleonor que via, com melancolia, a subida das águas do "revisionismo". Apesar de
manter a confiança total no homem e na sua lealdade - Ede é um amigo fiel, nem um pouco dado a intrigas -
Tussy deplora o pessimismo crítico ao qual ele se abandona, após a morte do General. "O Vorwärts cai cada vez
mais sob a influência de Bernstein, e seus artigos desanimadores não são nem um pouco oportunos.
Evidentemente, uma atitude crítica é necessária e útil. Mas, há momentos em que um entusiasmo, ainda que sem
muito espírito crítico, tem mais valor. A posição de Bernstein é nefasta para o movimento (...) Sua atitude é
indefensável (...). infelizmente, agora que não temos mais o General (Engels), não mais ninguém que possa
Ter influência sobre Bernstein e fazê-lo cair em si" (Carta de Eleonor Marx a Laura Lafargue de 8/1/1898 apud
PERROT, 2005, p. 75)
136
Assim Bernstein descreveu este processo de transição intelectual, no qual desvencilha-
se dos princípios marxistas:
Esta minha mudança resulta de um longo desenvolvimento, ou
melhor, demorou muito tempo até que eu estivesse completamente
certo de que esta transformação não estava restrita a questões
específicas, mas tangeria os fundamentos do marxismo. Até dois anos
atrás eu tentei, através da adaptação dos ensinamentos de Marx torná-
los compatíveis com as realidades práticas. Finalmente, eu
compreendi completamente a impossibilidade de tal tática quando eu
dei uma palestra na Sociedade Fabiana sobre o assunto, “O que Marx
realmente ensinou”, cerca de um ano e meio atrás. Eu ainda tenho
o manuscrito daquela explanação; é um assustador exemplo de uma
tentativa bem-intencionada de resgate. Eu queria salvar Marx; queria
mostrar que ele havia previsto tudo que havia acontecido. Quando eu
terminei minha performance artística” e li novamente meu discurso,
passou pela minha cabeça o seguinte pensamento: você está fazendo
injustiça à Marx, aquilo que você está dizendo não é Marx. E algumas
poucas perguntas inofensivas do arguto fabiano Hubert Bland após a
palestra, que eu respondi da maneira antiga, realmente me atingiram.
Eu disse a mim mesmo isto não pode continuar. É impossível
conciliar o inconciliável. O que se deve fazer é deixar claro aonde
Marx acertou e onde ele errou
497
.
Este processo culminou em uma série de artigos publicados pela Neue Zeit, reunidos
sob o nome “Problemas do Socialismo”
498
, nos quais Bernstein expõe abertamente sua
intenção de contrapor-se à teoria de Marx com base em dados empíricos da Alemanha de sua
época. Desta forma, Bernstein pretende colocar em xeque a teoria e a prática apregoadas pelo
partido, repreendendo a social-democracia por adotar uma posição política calcada em uma
fraseologia radical, inteiramente incompatível com a tática adotada.
Assim, tivera início o debate revisionista no seio da social-democracia alemã, que
ganhou contornos mais precisos durante o Congresso de Stuttgart, de 1898, ao qual Bernstein
enviou uma mensagem apresentando suas teses principais. Em resposta à mensagem de
Bernstein Bebel escreveu-lhe a seguinte carta, de 16/10/1898, que na realidade sintetiza a
trajetória intelectual de Bernstein até seu revisionismo:
497
Carta de Bernstein a Bebel, de outubro de 1898 (Gay, 1970, p.73).
498
Encontramos nosProbleme des Sozialismus” os seguintes artigos: “Observações gerais sobre o utopismo e o
ecletismo” (“Allgemeines über Utopismus und Eklektizismus”, de outubro de 1896); “Uma teoria sobre os
domínios e limites do coletivismo” (“Eine Theorie der Gebiete und Grenzen des Kollektivismus, de 1896/1897);
“A situação atual do desenvolvimento industrial na Alemanha” (“Der gegenwärtige Stand der industriellen
Entwicklung in Deutschland”, de 1896/1897); “O novo desenvolvimento das relações agrárias na Inglaterra”
(“Die neue Entwicklung der Agrarverhältnisse in England“, de 1896/1897); “A significação política e social do
espaço e do número” (“Die sozialpolitische Bedeutung von Raum un Zahl”, de 1896/1897); “A luta da social-
democracia e a revolução da sociedade” (“Der Kampf der Sozialdemokratie und die Revolution der
Gesellschaft”, de 1897/1898) e “O fator realista e o fator ideológico no socialismo” (“Das realistische und das
ideologische Moment im Sozialismus”, de 1897/1898).
137
Novamente estás atravessando uma mutação (...), a mutação
que considero mais perigosa de todas as que tens sofrido até
agora. E isto porque o único remédio que poderia servir de
ajuda não se pode utilizar por razões conhecidas; refiro-me a
que mudasses para um meio diferente. Como velho amigo e
como teu companheiro de luta que sou, quero ser sincero.
Indaguei os motivos que te levaram às posições que manténs
atualmente e me dei conta, em primeiro lugar, de que, nos
quase trinta anos que nos conhecemos, teus pontos de vista
experimentaram uma mudança fundamental sempre que sobre ti
atuam durante largo tempo outras influências e impressões. Em
estas mudanças não tem sido obstáculo tua tendência a buscar a
verdade, nem tua grande agudeza; as mudanças foram
impulsionadas muito mais pelo fato de que consideras o meio
em que vives em um momento determinado como dotado de
uma validade geral que tentas provar, com toda tua agudeza, de
um modo diferente. Lembre-se por um momento de todas as
mudanças que experimentou ao longo do tempo que nos
conhecemos. Entrastes no partido como partidário de Eisenach.
Alguns anos depois, sob a influência das conferências e da
literatura dühringiana te fizestes dühringiano entusiasta. Depois
conheceste Höchberg. Os dois retiraram-se para os idílicos
lagos da alta Itália e em contato com ele te convertestes em
höchbergiano e, como tal, escrevestes junto com Höchberg e
Schramm aquele artigo (1879) que nos encolerizou tanto a
todos e que recorda muito a tuas atuais opiniões, que hoje
vais todavia mais longe. Este artigo e o que ocorreu com
Höchberg e por sua culpa constituíram a causa, como sabes, de
nossa “viagem de penitência” a “Engelsburg” de Londres, em
que realmente o único penitente eras tu e eu era o “chefe e
patrão protetor” ante a cólera dos dois senhores. Bem, nós
voltamos para casa com a necessária “absolvição” e te
converteste em redator do Sozialdemokrat e no ambiente de
Zurique, entre nossos camaradas, que naquele momento
compartilhavam um espírito altamente revolucionário por causa
da vergonhosa situação que provocava a lei anti-socialistas, te
fizestes o mais perfeito representante de suas posições e
aspirações; aquela época foi o momento brilhante de tua vida e
nada estava melhor disposto em ti que Marx e Engels. Tua
mudança para a Inglaterra e teu constante contato íntimo com
Engels, etc., não modificaram, em princípio, nada tuas
posições. Mas após sua morte, novamente mudaram teus pontos
de vista na atmosfera inglesa, nas condições inglesas e entre os
contatos que mantinhas ali, uma mudança que a maioria de nós
vê com pesar e preocupação.
499
A carta apresentada possui extrema relevância para a compreensão das origens do
revisionismo de Bernstein e das razões pelas quais uma figura de tamanha importância no
movimento social-democrata assumiu uma posição de crítica e contestação à práxis partidária,
499
Gustafsson, 1975, p.177- 178.
138
passando a ser concebido como um herege” nos círculos marxistas. Ao mesmo tempo em
que aponta traços da personalidade de Bernstein como inconstância e sugestionabilidade,
revela igualmente a sua honestidade intelectual e preocupação crítica.
Sua sincera modéstia levou-o a reiterar sua despretensão em formar uma doutrina
própria, defendendo antes a revisão e clarificação do socialismo marxista. Em sua opinião, tal
esforço não exigiria a completa substituição do marxismo por uma nova teoria ou uma
construção sociológica completamente diferente
500
, mas apenas o desenvolvimento ou
complementação das idéias políticas marxianas, de forma a considerar a mudança das
condições econômicas e políticas.
Com efeito, Bernstein declarara que as únicas correções ao método de Marx que
poderiam ser descobertas em seus trabalhos seriam aquelas feitas por ninguém menos do que
o próprio Engels
501
. Aludindo à última obra de Engels, a introdução elaborada em 1895 à obra
de Marx “As Lutas de Classes na França, de 1848 a 1850”
502
, Bernstein afirmara que Engels
teria aderido ao reformismo, ao condenar abertamente a revolução de minorias e o método de
barricadas
503
. Deste modo, a seu ver, o termo “revisionista” que lhe fora atribuído
conduziria a erros, na medida em que aglutinaria vários tipos de revisionismos sob uma
mesma e única definição
504
.
Na tentativa de depurar o termo e sistematizar seu revisionismo, Bernstein publica em
14 de março de 1899 o livro “Os pressupostos do socialismo e as tarefas da social-
democracia” (Die Voraussetzungen des Sozialismus und die Aufgaben der Sozialdemokratie),
considerado a obra fundamental do revisionismo. Tal livro foi objeto de inúmeras polêmicas,
sendo debatido em diversos congressos e periódicos do partido.
Alguns meses após a publicação do livro, o Congresso de Hanover coordenou
discussões acerca do tema nas quais foram questionadas a pertinência das críticas à teoria
marxista e suas implicações práticas. Apesar das inúmeras críticas advindas dos setores à
500
BERNSTEIN. “To my socialist critics”. In: Selected writings of Eduard Bernstein: 1900 1921. New Jersey:
Humanities Press, 1996, p33-34. Prefácio à edição francesa de Os Pressupostos do socialismo e as tarefas da
social-democracia”, escrito em 1900 e republicado na Sozialistische Monatshefte no mesmo ano.
501
Ibid, p.37.
502
“Só em 1926, após Riazanov haver publicado as passagens retiradas da “Introdução” de Engels, Bernstein
cedeu o artigo original ao SPD” , sem os cortes realizados pelos líderes do Partido(Gustafsson, 1975, p.153).
503
Bernstein, 1982, p.132.
504
BERNSTEIN. The Marx cult and the right to revise”. In: Selected writings of Eduard Bernstein: 1900
1921. New Jersey: Humanities Press, 1996, p. 46. Artigo comemorativo dos vinte anos da morte de Karl Marx,
publicado em 1903 pela Sozialistische Monatshefte.
139
esquerda do partido
505
, Bernstein não chegou a ser expulso do SPD
506
, embora suas idéias
tenham sido categoricamente rejeitadas. O autor, no entanto, não interpretou tal resultado
como um sinal de derrota do grupo revisionista:
No ano passado o congresso do Partido Social-Democrata
tomou lugar em Hanover. Delegados gastaram uma
considerável quantidade de tempo na discussão do meu livro;
almas passionais previram um veredicto aniquilador, e não
faltaram discursos almejando tal resultado. Contudo, o bom
senso e a experiência prática venceram o espírito de igreja”,
dando origem a uma resolução que meramente critica a forma
de minhas idéias, enquanto faz importantes concessões ao
conteúdo delas. Ela proclama a permissividade de coalizões
eleitorais, reconhece a utilidade de cooperativas econômicas
para o projeto emancipatório do proletariado, e abandona a
idéia de que o corrente programa do partido pode vincular mais
do que a declaração de princípios e as demandas
fundamentais.
507
Bernstein, portanto, entrevê na postura do partido a vitória e realização concreta de
suas idéias. Embora o SPD permanecesse atrelado a uma terminologia revolucionária, na
prática estaria corroborando e fortalecendo a tática revisionista, voltada para a obtenção de
resultados imediatos. Na realidade, Bernstein percebia o fato de que cada vez mais suas idéias
tornavam-se a perspectiva comum dentro do partido
508
, ainda que fossem oficialmente
repudiadas. Ignaz Auer, socialista da Baviera, em carta a Bernstein de 8/9/1899, apontou
igualmente para o caráter reformista do SPD e a desvinculação entre sua teoria e prática:
Crês que é possível que um partido que conta com suas
publicações anos e com uma organização que data de
quarenta anos atrás e uma tradição ainda mais antiga mude sua
orientação de uma forma tão simples? Para os membros mais
influentes do partido seguir a atuação que você propõe
significaria deslocar o partido e lançar por terra o trabalho de
várias décadas. Querido Ede, não se decide formalmente fazer o
que você propõe, não se diz, mas se faz. Toda nossa atuação
inclusive em tempos da vergonhosa legislação anti-socialista
505
Bernstein recebeu inúmeras críticas sob a forma em artigos de personalidades como Kautsky, na Vorwärts e
Neue Zeit, compilados no livro “Bernstein e o Programa Social-Democrata” (Bernstein und das
sozialdemokratische Programm) de 1899, Rosa Luxemburg (“Reforma ou revolução?”, de 1898) e Mehring, em
sua revista Leipziger Volkzeitung”. Além disto Bebel realizou um discurso de 6 horas contra o livro de
Bernstein no Congresso de Hannover, 1899.
506
Sua expulsão do partido chega a ser cogitada por Bebel (Carta de Bebel a Viktor Adler de 8/4/1899).
Kautsky tentou convencê-lo a deixar o partido voluntariamente e aderir ao socialismo inglês (Carta de Kautsky a
Bernstein de outubro de 1898) (Gay, 1970, p.79-80).
507
BERNSTEIN. “To my socialist critics”. In: Selected writings of Eduard Bernstein: 1900 – 1921. New Jersey:
Humanities Press, 1996, p.42. Prefácio à edição francesa de “Os Pressupostos do socialismo e as tarefas da
social-democracia”, escrito em 1900 e republicado na Sozialistische Monatshefte no mesmo ano.
508
BERNSTEIN. “From someone pronounced dead”. In: Selected writings of Eduard Bernstein: 1900 1921.
New Jersey: Humanities Press, 1996, p. 46. Artigo publicado em 1905 pela Sozialistische Monatshefte, p. 64.
140
foi a atuação de um partido social-democrata reformista. Um
partido que tem em conta as massas não pode ser outra coisa.
509
Em carta a Bernstein, Georg von Vollmar solidarizara-se com ele e atentara para o
paradoxo existente entre a teoria e a prática do SPD, ao declarar que “Desde Erfurt falo
menos e atuo mais. E onde tenho que falar, penso mais o que no momento é tolerável ao
partido. posso dizer que estou completamente satisfeito com o conseguido”
510
. Deste
modo, a polêmica revisionista reuniu vários setores do partido que aderiam e advogavam
em prol de uma prática exclusivamente reformista em torno da defesa de Bernstein.
Assim como Vollmar, Viktor Adler defendeu a permanência de Bernstein no partido,
manifestando seu apoio através de uma carta enviada a Bernstein em 17/3/1899, na qual
reconhecera a existência de uma crescente corrente revisionista dentro do SPD
511
: “Eu direi a
você e a todos francamente: em minha opinião você não se colocou em nenhum lugar fora da
social-democracia, não importa o quanto eu discorde de você em algumas coisas. Você
representa, de modo brilhante, uma corrente dentro do partido.”
512
Discorrendo a respeito do Congresso de Hanover, Georg Bernhard Shaw realizou uma
entusiástica manifestação de apoio ao revisionismo de Bernstein, que, a seu ver, nada mais
seria do que uma revolta fabiana contra os velhos dirigentes
513
da social-democracia alemã:
O informe da Fabian Society ao Congresso socialista
internacional do ano de 1896 lhes mostrava que a luta que
Bernstein iniciava naquele momento pela reforma do Partido
Social-Democrata da Alemanha era uma luta que a Fabian
Society havia mantido e que havia acabado felizmente na
Inglaterra. Naturalmente que sou muito, muito bernsteiniano.
Se Liebknecht quisesse tomar como base para seus discursos
simplesmente sua própria tática Fabiana [grifo nosso] em vez
das apaixonadas generalizações dos acontecimentos de 1848 e
1871 e o velho radicalismo revolucionário, deixaria claro para
todo o mundo que em sua atividade parlamentar já praticou
precisamente as modificações que parecem modificações do
programa. Na Inglaterra se chama hoje social-democrata ao
socialista que ficou sem esperanças atrás do curso dos
acontecimentos. Também na Alemanha se poderia chegar a que
essa apelação adquirisse o mesmo significado se o partido se
mostra incapaz de adotar as idéias de Bernstein.
514
509
JOLL, James. La Segunda Internacional. Movimiento obrero 1889-1914. Barcelona: Icalia, 1976, p.91.
510
De 28/10/1899 (Gustafsson, 1975, p.14).
511
Bebel, igualmente percebe que “toda a questão seria de pouca relevância se houvesse apenas um Bernstein,
mas nós temos um monte deles, e a maioria em posições importantes dentro do partido.”. (Bebel a Adler, carta
de 8/4/1899) (Gay, 1970, p. 81).
512
Gay, 1970, p.181.
513
Ibid.
514
Gustafsson, 1975, p.181.
141
De fato, a adesão ao reformismo e a procrastinação do projeto revolucionário para um
futuro ainda longínquo e indeterminado, no qual as condições objetivas estariam maduras o
suficiente para conduzirem ao colapso da sociedade capitalista e ao nascimento da nova
sociedade socialista, não são colocados em questão pelos deres social-democratas senão a
partir de 1905. Com a primeira Revolução Russa e as insurreições populares em vários pontos
da Europa, a mobilização dos trabalhadores para o enfrentamento revolucionário entra na
ordem do dia. Até então, a discussão acerca da tática e meta socialistas, que contrapôs
revolucionários e reformistas, havia se desenvolvido apenas no plano teórico, não
repercutindo diretamente na reorientação da prática do SPD.
Apesar de os líderes do partido terem combatido com afinco as teses revisionistas nos
congressos de Lübeck
515
, em 1901, e Dresden, em 1903, no tocante à utilização da greve de
massas como instrumento político revolucionário, tanto revisionistas
516
quanto ortodoxos”
assumiram o mesmo posicionamento contrário. A aproximação entre o centro e a direita
social-democrata alterou o espectro partidário. Paulatinamente, o reformismo galgou maior
espaço e influência dentro do Partido Social-Democrata, sendo fortalecido pelos membros dos
Sindicatos Livres, da burocracia do partido e da fração parlamentar.
O prestígio de Bernstein entre os setores reformistas do partido garantiu sua eleição
para o Reichstag, como representante de Breslau, nas eleições de março de 1902. Bernstein
recebeu 14.700 votos 3.000 votos a mais do que a soma de todos os outros
517
. A longa
carreira parlamentar de Bernstein perpassou os períodos de 1902 a 1906, 1912 a 1918 e 1920
a 1928. Contudo, Bernstein não abdicaria de sua atividade jornalística, passando a escrever
regularmente no órgão teórico dos revisionistas, Sozialistische Monatshefte, editado desde
1897 por Joseph Bloch.
A ascensão dos grupos revisionistas dentro do SPD levou Bernstein a intensificar suas
críticas ao marxismo e a assumir abertamente sua identificação com os reformadores liberais
em seus artigos na revista Sozialistische Monatshefte
518
. Em 1904, na ocasião da publicação
515
Discutiu-se no congresso o artigo de Bernstein “Como é possível um socialismo científico?”, escrito em 1901.
516
Cf. BERNSTEIN. “Political Mass Strike and Romanticizing Revolution”. In: Selected writings of Eduard
Bernstein: 1900 – 1921. New Jersey: Humanities Press, 1996, p.130-140.
517
Gay, 1970, p.56.
518
Como, por exemplo, Idealismo, teoria da luta e ciência” (1901), “O cerne da disputa: uma resposta final à
questão “como é possível um socialismo científico” (1901), “O culto a Marx e o direito de revisar” (1903), “De
alguém pronunciado morto” (1905), “Classe e luta de classes” (1905), “Greve política de massas e a
romantização da revolução” (1906). Cf. BERNSTEIN, E. Selected writings of Eduard Bernstein: 1900 1921.
New Jersey: Humanities Press, 1996.
142
de um estudo sobre Lassalle, intitulado Ferdinand Lassalle und seine Bedeutung für die
Arbeiterklasse”, ele escreve:
O julgamento de Lassalle que é expresso neste livro difere em
muitos aspectos das opiniões que sustentei na introdução da
coletânea de trabalhos de Lassalle [1891]. (...) Onde
diferenças, elas são conseqüência de um estudo mais
aprofundado de Lassalle, assim como do fato de meu próprio
desenvolvimento teórico ter me aproximado espiritualmente de
Lassalle.
519
em 1909, Bernstein apresentou ao partido um esboço de proposta para um novo
programa que pudesse substituir o Programa de Erfurt. O novo programa inspirado no
programa minimalista do Parti Ouvrier francês apresentaria dez pontos fundamentais,
antecedidos por uma breve introdução com alguns princípios gerais
520
. Entre os instrumentos
políticos de pressão abarcados pelo programa revisionista constam as coalizões políticas, as
cooperativas de consumo e os sindicatos. Ademais, a liberdade de associação, o sufrágio
universal democrático, o controle social da produção e a transferência de monopólios
econômicos para o Estado são concebidos como precondições necessárias para a emancipação
da classe trabalhadora no âmbito da sociedade capitalista.
O último ponto do documento apresentado por Bernstein propugnava o seguinte:
A luta da social-democracia não se limita a um único país,
inclui todos os países modernos e civilizados. Solidariedade
internacional entre trabalhadores, luta contra a exploração e
dominação capitalista como a raiz de toda inimizade nacional.
Internacionalismo, auto-determinação nacional, solidariedade e
humanidade civilizada
521
.
Precisamente a defesa do internacionalismo socialista será o fator que dará início ao
seu distanciamento em relação a outros revisionistas, como Max Schippel, Wolfgang Heine,
Gerhard Hildebrand, Eduard David, Friedrich Stampfer, Joseph Bloch, Carl Legien, Friedrich
Ebert, Gustav Noske, Ernst Heilmann e Philipp Scheidemann, que endossavam o militarismo
e o expansionismo através de um discurso xenófobo e nacionalista.
519
Gay, 1970, p.68.
520
BERNSTEIN, E. “Guiding principles for the theoretical portion of a Social Democratic Party Program”. In:
Selected writings of Eduard Bernstein: 1900 – 1921. New Jersey: Humanities Press, 1996, p.83-84.
521
Ibid.
143
Embora Bernstein tivesse apoiado a política colonialista do Império alemão
522
a
iminência de um conflito internacional levou-o a reconsiderar sua posição e aderir à
campanha anti-militarista realizada pela ala revolucionária do partido e ao estabelecimento de
redes de cooperação entre as nações civilizadas
523
. Neste sentido, em 1911, Bernstein escreveu
o livro “O perigo inglês e o povo alemão” (“Die englische Gefahr und das deutsche Volk”),
no qual criticava a propaganda nacionalista do governo contra a Inglaterra e a sua
incorporação pela social-democracia. Ao invés de ceder aos apelos militaristas dever-se-ia
lutar pela conciliação das nações:
Aquele que reconheceu que o povo alemão não possui inimigo
maior do que aqueles que constantemente declamam:
“Inimigos, inimigos por todos os lados!” deve ousar lutar
persistentemente pela criação de uma verdadeira liga pela paz
das nações e pela realização da grande república popular.
524
Apesar de sua oposição ao conflito entre as potências, ao estourar a guerra em agosto
de 1914, Bernstein aliou-se à ampla maioria do partido no Reichstag na aprovação dos
créditos orçamentários destinados ao financiamento do combate. Com exceção de Karl
Liebknecht e Otto Rühle
525
, os parlamentares do SPD anunciaram seu apoio ao que
consideraram uma “guerra defensiva” contra o czarismo
526
.
A capitulação da social-democracia alemã à política de guerra do governo imperial
deixou claro à corrente revolucionária o quanto o partido havia se afastado de seus princípios
522
Bernstein combateu as iniciativas propostas por Karl Liebknecht favoráveis a ações e propagandas anti-
militaristas, durante as discussões do partido em 1907. Em artigo publicado na Sozialistische Monatshefte,
intitulado “Patriotismo, militarismo e social-democracia” (julho de 1907), Bernstein defendeu a atitude de Bebel
e Noske de repreensão à Liebknecht e condenou o uso de greves de massa contra ações militares. Sobre a
propaganda anti-militarista Bernstein escreveu: “isto pode facilmente aumentar, ao invés de diminuir, o perigo
que ele deseja afastar. É verdade que nem todo tipo de propaganda anti-militarista deve ser descartada.
Militarismo é uma idéia muito ambígua. Se significa ser controlado pelos militares ou formar um exército
separado do resto do povo por uma posição especial, então a social-democracia se opõe a isto desde que existe e
continuará a se opor. (...) Mas se significa treinar o povo para manejar armamentos e preparar a nação para sua
eficiente auto-defesa, que inclui a capacidade de, se necessário, expulsar o adversário do país, e de mantê-lo fora,
então isto são coisas que a social-democracia nunca questionou e sempre defendeu” (Bernstein, “Patriotism,
Militarism and Social-Democracy”. In: www.marxists.org).
523
A idéia de ampliação e expansão das relações internacionais foi visto por Bernstein de forma extremamente
otimista: “agora que a dependência mútua das nações em todas as dimensões da vida social é já em grande parte
realidade e está se ampliando, quando o estreitamento da rede de relações econômicas de todos os tipos está se
alastrando no mundo civilizado, e jurisprudência, ciência, arte, política social estão se tornando mais
internacionais, nos coloca na posição de realizar os deveres internacionais de um partido de trabalhadores e de
um partido da paz com mais energia” (Bernstein, Patriotism, Militarism and Social-Democracy”. In:
www.marxists.org).
524
Gay, 1970, p.276.
525
A bancada parlamentar do SPD tradicionalmente votava em bloco, conforme a decisão da maioria. A decisão
de Liebknecht de opor-se aos créditos resultou em uma moção, proposta por Carl Legien, para sua expulsão da
bancada por motivo de indisciplina. Tal proposta, no entanto, não foi acatada.
526
Em reunião, a fração parlamentar do SPD decidiu pelo apoio à guerra por 96 a favor e 14 votos contra.
144
e ideais socialistas. Este fato iniciou o processo que culminaria no inevitável cisma do partido.
Neste momento, Bernstein engrossou as fileiras do grupo majoritário contra o grupo de
esquerda
527
. Todavia, o autor não demonstrava absoluta convicção na posição assumida.
Logo nos seguinte ao início do conflito Bernstein desferiu uma série de críticas ao
chauvinismo do partido e à anexação da Bélgica pelo Império
528
que o indispuseram com seus
partidários revisionistas. Seu isolamento foi evidenciado quando em setembro do mesmo ano
Bernstein teve um artigo recusado na Sozialistische Monatshefte, no qual expunha seus
argumentos contrários à propaganda anti-britânica difundida pelo governo. Em 10 de
dezembro de 1914, Bernstein escreveu a Joseph Bloch:
Nós temos divergido durante algum tempo quanto à atitude que
deve ser adotada pela social-democracia na questão das
relações internacionais e nos problemas práticos da política
internacional (...) Por esta razão eu não vejo necessidade de
tratar deste assunto pessoalmente (...) Neste momento daria
ensejo a uma violenta discussão, já que eu me deixaria levar
pelas emoções
529
.
Mesmo após o rompimento com seus companheiros revisionistas, Bernstein decide
aprovar novamente os créditos de guerra em 2 de dezembro de 1914. Somente em 20 de
março de 1915, quando é novamente colocado em votação no Reichstag, ele opta por abster-
se da votação. A partir de então passa a pronunciar-se publicamente contra a guerra e à
política anexionista alemã em artigos da Neue Zeit e Vorwärts. Em junho de 1915, Bernstein
escreveu junto com Kautsky e Hugo Haase um manifesto intitulado “A exigência do
momento”, condenando a crueldade da guerra e o expansionismo alemão, que fora publicado
na Leipziger Volkszeitung.
A oposição de Bernstein à guerra, portanto, foi tornando-se gradativamente mais
intensa. Se na votação de agosto de 1915 ainda absteve-se da aprovação dos créditos de
guerra, na ocorrida em 29 de dezembro, Bernstein votou contra a decisão da maioria da
bancada parlamentar do SPD pela primeira vez. Com isto havia dado o primeiro passo na
direção de seu desligamento do Partido Social-Democrata Alemão
530
.
527
Em 1919, Bernstein refletiu sobre sua atitude no limiar da guerra: “Eu somente posso repetir o que eu disse no
outono de 1914 em Berlim, (...) 3 e 4 de agosto foram os dias mais sombrias de minha vida política (...) a meu
ver, nossos votos foram um desastre para o nosso próprio povo assim como para o mundo civilizado. Se
disséssemos “não”, como nós tínhamos o direito de fazer, ou se tivéssemos nos abstido (...) o povo alemão
certamente não estaria tão mal como agora. Mas milhões de soldados não teriam sido mortos, milhões não teriam
ficado incapacitados.” (Gay, 1970, p.293).
528
Cf. Gay, 1970, p.281.
529
Gay, 1970, p.282.
145
Em 24 de março de 1916, em meio ao estado de sítio declarado pelo governo, a fração
oposicionista composta por dezoito representantes, dentre eles Bernstein foi expulsa da
bancada parlamentar, aumentando sua revolta em relação à Executiva do SPD. Durante o
congresso do partido, em setembro do mesmo ano
531
, foi discutida mais uma vez a posição
sustentada pela social-democracia na guerra e sua atitude para com a corrente anti-militarista.
Na ocasião, os líderes do partido apresentaram à votação um texto redigido por Eduard David,
intitulado, “Manifesto sobre a Paz”, que declarava apoio à política de guerra do governo
fundamentando-se no dever de defesa nacional contra os inimigos do povo alemão. Tal
manifesto foi aprovado por dois terços do partido.
Como resposta à resolução, Bernstein escreveu o artigo “Crítica ao ‘Manifesto sobre a
Paz’ da social-democracia alemã” na Neue Zeit, onde asseverava que a social-democracia
deveria reafirmar sua oposição ao expansionismo imperialista e se ater à defesa de relações
internacionais baseadas em princípios democráticos de autodeterminação nacional e de
solidariedade internacional do proletariado. Segundo o autor, o dever de defesa nacional seria
tão auto-evidente quanto o de salvar vidas humanas, sendo estes princípios éticos
fundamentais que não necessitam de ênfase em uma retórica especial”
532
.
Seu artigo criticou ainda o fato de o partido ter assumido a linguagem de um partido
governista apesar de a social-democracia se encontrar excluída da política de guerra do
governo imperial com concepções de paz e guerra que lembram a dos partidos burgueses e
termos como povo” que excluem a noção de classe social. Por fim, Bernstein advertia que
“para manter a coalizão de guerra com outros partidos burgueses, a social-democracia alemã
renunciou aos seus mais importantes vínculos com o socialismo internacional”
533
.
Como foi visto, durante a guerra Bernstein pôde testemunhar a ascensão do
revisionismo no seio do SPD e o seu resvalo para uma postura autoritária, em termos
partidários, e complacente em relação ao governo imperial e as classes dominantes. Não
obstante, sua ruptura com o partido em janeiro de 1917 foi realizada a contragosto. Bernstein,
assim como Kautsky, ofereceu resistência à idéia de formação de um novo partido, temendo
que este pudesse ser controlado pelos grupos radicais que viam na guerra a oportunidade de
efetivar a revolução. Contudo, em abril de 1917, sob o impacto da Revolução Russa, foi
530
Cf. SCHORSKE, Carl E. German social democracy. 1905- 1917: The development of the great schism. New
York: Harper Torchbooks, 1972.
531
Realizado em Berlim, de 21 a 23/9/1916.
532
BERNSTEIN, E. “Critique of the German Social Democrat’s Peace Manifesto”. In: Selected writings of
Eduard Bernstein: 1900 – 1921. New Jersey: Humanities Press, 1996, p.170.
533
Ibid, p.177.
146
criado o Partido Social-Democrata Alemão Independente (Unabhängigen
Sozialdemokratischen Partei Deutschlands) e Bernstein ingressou em suas fileiras.
Quando em novembro de 1918 é deflagrado o movimento insurrecional na Alemanha
e estabelecido o governo provisório da nova república burguesa, Bernstein clamou pelo
entendimento e colaboração entre o SPD e o USPD. As inúmeras e profundas divergências
entre os dois partidos, no entanto, levaram o USPD a retirar-se do governo em 27 de
dezembro. Bernstein, que havia ocupado o cargo de Secretário-Assistente (Beigeordneter) do
Ministro do Tesouro, permaneceu no governo até fevereiro de 1919, refiliando-se ao SPD.
Sua defesa da república parlamentar contra os “perigos” do “revolucionarismo
bolchevique” de certo modo justificavam, na opinião de Bernstein, a atitude do governo em
relação aos grupos oposicionistas. Entretanto, criticou o alto grau de violência perpetrada sob
o comando do Ministro da Guerra, Gustav Noske, na repressão militar contra seus ex-
companheiros de partido no início de 1919.
Bernstein via o governo revolucionário na Rússia como uma extensão do despotismo
czarista:
O bolchevismo é um fenômeno específico da Rússia que deriva
de longos séculos de absolutismo e habituação com o pior tipo
de opressão. Ele definitivamente não serve como modelo a ser
imitado. Bolchevismo é o melhor exemplo dos terríveis efeitos
de uma teoria errônea, cego às leis fundamentais da sociedade e
desconsideração pelos princípios evolucionistas que guiam os
seres humanos da barbárie à civilização
534
.
Em sua opinião a política bolchevique seguiria um curso desastroso causado pela
ignorância das leis econômicas, pela desconsideração das condições materiais e ideais do
processo econômico e pela cegueira às funções das instituições econômicas. Seus planos
relativos à educação, ao bem-estar-social, à distribuição e organização da produção e à
utilização de recursos naturais não sairiam do papel, em virtude da ausência de precondições
materiais necessárias e de um proletariado educado. Deste modo, Bernstein condenava os
bolcheviques por trazerem a desordem ao eliminarem as livres forças do mercado, que seriam
essenciais à recuperação econômica
535
. A revolução teria ocasionado a queda de 25% da
população das cidades, aumentado a miséria, criado uma vasta e poderosa burocracia que
534
BERNSTEIN, E. “The Bolshevist Brand of Socialism”. In: Selected writings of Eduard Bernstein: 1900
1921. New Jersey: Humanities Press, 1996, p.190. Artigo publicado em Der Sozialismus Einst und Jetzt, em
1921.
535
Ibid, p.189.
147
regeria o Estado e a produção industrial e suprimido as liberdades políticas, levando à
opressão da classe trabalhadora.
Em suma, Bernstein dirigiu à ditadura do proletariado severas críticas e repreensões a
seus métodos e objetivos, enquanto, simultaneamente, via como legítima a violência praticada
contra os social-democratas em seu próprio país, em nome da república parlamentarista
burguesa. Bernstein considerava que a rebelião na Rússia e a revolta na Alemanha seriam tão
diferentes em sua natureza e em sua ideologia que seria quase impossível defini-las pela
mesma palavra “revolução”. Em artigo na revista Justice, de 7 de dezembro de 1922,
Bernstein escreve:
536
Em 7 de novembro, houve um típico coup d’état, que, acredito,
pode ser definido como uma “revolução” apenas no sentido
daqueles atos de violência nos países asiáticos que resultam em
uma mudança de regime (...) em sua essência foi uma rebelião
efetuada com o auxílio de brutos soldados não-educados
politicamente a rebelião contra a Revolução e contra os
acontecimentos revolucionários.
Bernstein enxerga, portanto, a Revolução Russa como um golpe sobre a verdadeira
revolução a burguesa realizada por um partido despótico que conseguiu manter o poder
através de uma ditadura militar. Segundo o autor, a supressão de toda vida intelectual e o
extermínio de toda imprensa independente os colocaria mais próximos do velho czarismo do
que qualquer outro partido que tenha tomado parte na revolução de 1905.
Para Bernstein, os bolcheviques estariam criando em seu próprio país uma nova ordem
capitalista que diferiria da anterior apenas por seu nível inferior de cultura. Assim, por mais
honestos que fossem os objetivos dos líderes do coup d’etat, a seu ver, a história nunca daria
o nome de revolução a esta rebelião, posto que os bolcheviques teriam subjugado “um grande
país à escravidão espiritual e moral”. Diferentemente, a revolta na Alemanha teria propiciado
maior liberdade política aos trabalhadores alemães, não importando o partido a que eles
pertencessem, e, conseqüentemente, poderia ser definida como uma “revolução”, no próprio
sentido da palavra:
A nova situação política criada na Alemanha em 9 de novembro
de 1918 ainda não realizou aquilo que era esperado pelos
muitos participantes destes acontecimentos. A República
Alemã estabelecida pelos trabalhadores de Berlim não é uma
república operária. E se não é uma república da burguesia, ela
ainda permanece uma república burguesa no antigo sentido
democrático da palavra. Contudo, não é apenas na forma que a
536
BERNSTEIN, E. “On the Russian and German Revolutions”. In: www.marxists.org.
148
presente república se diferencia do antigo Império. No
tumultuado novembro de 1918, não somente tronos foram
esmagados e coroas despedaçadas: naqueles dias as cadeias que
impediam o futuro desenvolvimento do movimento operário
foram quebradas. A revolução deu aos trabalhadores alemães
não apenas direitos políticos, mas melhorou suas condições
sociais
537
.
Embora Bernstein tenha se reintegrado ao partido e se posicionado ao lado do governo
sendo novamente eleito para ocupar uma cadeira no Reichstag em 1920 a sua influência
sobre o SPD havia declinado consideravelmente. Sua oposição à guerra lhe garantiu o
dissabor do grupo direitista e seu repúdio à via revolucionária conduziu-o a cortar relações
com a esquerda. Mesmo assim, em 1921, Bernstein foi convidado a tomar parte na redação do
Programa de Görlitz, que substituíra o Programa de Erfurt, de 1891
538
. O novo programa
trazia um conteúdo reformista e moderado, destinado a transformar o SPD de um partido
proletário em um “partido do povo trabalhador”
539
(Volkspartei).
Visando à clara diferenciação em relação aos social-democratas de esquerda, o
programa declarava que qualquer atentado contra a república democrática seria concebido
como uma ameaça aos direitos fundamentais do povo. Previa ainda como metas a concessão
de maior poder às municipalidades e comunidades locais, a descentralização do poder, a
criação de uma burocracia permanente e profissional e o planejamento racional de um
coletivismo pragmático, capaz de oferecer o melhor bem-estar econômico, político e moral
possível a todos. Através de reformas pacíficas e legais seria alcançada a crescente igualdade
econômica e estendida a cidadania a todos.
Entre as políticas sociais, recebiam destaque as questões relativas à nacionalização
parcial da economia, ao seguro social, à moradia, à alimentação, à ampliação das
possibilidades legais de expropriação, e à conservação de um Estado democrático e
representativo. Apesar de o programa ter expressado a concepção hegemônica no partido, em
1925 o SPD adotou um novo programa mais à esquerda conhecido como o Programa de
Heidelberg no intuito de atrair os membros anti-bolcheviques do USPD e afastá-los do
Partido Comunista Alemão (KPD).
537
Ibid.
538
O programa foi aprovado em 23 de setembro de 1921.
539
Assim é apresentado o programa: Die Sozialdemokratische Partei Deutschlands ist die Partei des
arbeitenden Volkes in Stadt und Land. Sie erstrebt die Zusammenfassung aller körperlich und geistig
Schaffenden, die auf den Ertrag eigener Arbeit angewiesen sind, zu gemeinsamen Erkenntnissen und Zielen, zur
Kampfgemeinschaft für Demokratie und Sozialismus (Sozialdemokratische Partei Deutschlands das Görlitzer
Programm, in: www.marxists.org).
149
Em outubro de 1923, com a morte de sua esposa, Bernstein, com setenta e três anos,
passa a sentir com maior intensidade o peso de seu isolamento político. Bernstein ressentia-se,
sobretudo, da desconsideração manifestada pelos membros do partido na rejeição de inúmeros
artigos seus em periódicos como o Gesellschaft, editado por Rudolf Hilferding e Vorwärts,
publicado por Friedrich Stampfer. A partir de então, sua saúde passa a se deteriorar, tendo
sofrido dois derrames em 1925. Em 1928 se afastou do trabalho parlamentar e passou a
dedicar-se inteiramente ao jornalismo e à participação em cursos e conferências.
Deste modo, Bernstein dedicou os últimos anos de sua vida a alertar a social-
democracia para os diferentes “perigos” que cercariam a República de Weimar: o
bolchevismo, o ultra-nacionalismo de direita e o pragmatismo do próprio partido que cada
vez mais estaria concentrado nas vitórias eleitorais sem se preocupar com a educação política
das massas trabalhadoras.
Apenas seis meses antes de Adolf Hitler assumir o poder, no dia 18 de dezembro de
1932 Bernstein morre em Berlim. Por mais controversas que tenham sido suas teses, por mais
censuráveis que tenham sido as posições políticas assumidas ao longo de sua vida, a
relevância de Bernstein na trajetória da social-democracia alemã é inegável, sendo um dos
principais protagonistas políticos de seu tempo.
3.2- A revisão do marxismo
Como pudemos verificar através da análise da trajetória política de Bernstein, seus
posicionamentos básicos não sofreram uma reviravolta radical, como querem nos fazer crer
muitos estudiosos de seu pensamento
540
. As incongruências e ambigüidades presentes desde o
540
Bo Gustafsson (1975, p.115) identifica como momento marcante desta ruptura o comentário e epílogo
elaborados por Bernstein em 1895/1896 para a edição alemã do livro “História da Revolução Francesa de 1848”,
de Louis Héritier. Nestes escritos Bernstein realiza uma dura crítica aos insurretos, opondo-se radicalmente à
interpretação de Marx exposta em “A Luta de Classes na França de 1848 a 1850”. Contudo, na literatura a
versão mais corrente localiza a “conversão” de Bernstein ao revisionismo ainda no ano de 1896, na série de
artigos reunidos sob o nome “Problemas do Socialismo”, publicados pela Neue Zeit (Gay, 1970; Fetscher, 1982;
Kolakowski, 1985; e Schorske, 1972).
150
início de seu percurso intelectual, marcado predominantemente por uma evidente inclinação
ao ecletismo e ao antidogmatismo, sinalizavam para o fato de que Bernstein não adotaria,
ao longo de sua vida, um viés teórico estritamente marxista.
Seja no âmbito de sua atividade jornalística, de seus escritos teóricos ou de sua
atuação partidária e parlamentar, Bernstein declarava-se acima de doutrinas e alinhamentos
políticos, assinalando seu compromisso com a verdade. Compreendida como princípio
científico, a verdade seria instrumento fundamental à orientação da prática política voltada
para a produção de resultados. Consoante argumentara em “O novo desenvolvimento das
relações agrárias na Inglaterra”, artigo escrito em 1896, mesmo o sendo algo sempre
agradável a verdade seria útil e indispensável, pois nos ensinaria a voltarmos forçosamente
nossa atenção para as tarefas que podemos efetivamente resolver, afastando-nos do
imobilismo derivado de idéias que não se encontram amparadas na realidade
541
.
Como na doutrina positivista, a “verdade” apurada cientificamente seria o antídoto
contra a contaminação pelo utopismo e por outras mistificações a que os indivíduos estariam
sujeitos. Dentre estas mistificações encontrar-se-ia ainda o culto a personalidades. Ao
propugnar que o interesse da “grande causa” não poderia ser ofuscado pela glória de um único
indivíduo, Bernstein alertava que a social-democracia não deveria possuir lendas nem fazer de
seus precursores “santos”. Tais personalismos e glorificações impediriam a submissão dos
líderes e expoentes da social-democracia à devida análise crítica
542
tanto no plano teórico
quanto no plano das ações político-organizativas.
Tendo isso em vista, Bernstein realizou em seu estudo biográfico sobre Ferdinand
Lassalle, escrito entre 1889 e 1890, uma incisiva censura ao culto erigido ao seu redor,
promovido por discípulos como Hasselmann, Hasenclever e Tölcke responsáveis, em sua
concepção, pela conversão da Associação Geral dos Trabalhadores Alemães em uma espécie
de “seita”
543
. Se nesta fase contava ainda com o relevante apoio e orientação de Engels na
tarefa de dessacralizar a figura de Lassalle e assim minar a influência deste sobre o
movimento operário em apenas alguns anos Bernstein voltou suas armas em direção ao
arcabouço teórico marxiano.
541
BERNSTEIN. “Problemas del socialismo”. 1896-1897. In: Las Premisas del socialismo y las tareas de la
socialdemocracia. Problemas del socialismo. El revisionismo en la socialdemocracia.xico: Siglo Veintiuno,
1982, p.39.
542
BERNSTEIN, Eduard. Ferdinand Lassale: le réformateur social. Paris: Marcel Rivière, 1913, p.227.
543
Ibid, p. 226.
151
Mesmo não sendo possível ou apropriado determinar no tempo o momento preciso do
“desvio teórico” bernsteiniano em direção ao revisionismo, pode-se facilmente constatar que
no final da última década do século XIX, sobretudo após a morte de Engels em 1895,
Bernstein passou a dedicar-se com maior afinco à tarefa de sublinhar e esclarecer seus pontos
de discordância em relação ao marxismo oficial do partido.
Embora suas críticas fossem endereçadas à direção do Partido Social-Democrata
Alemão que a seu ver seria responsável por obstaculizar o progresso prático da social-
democracia através da adoção intransigente de fórmulas rígidas preestabelecidas, oriundas da
doutrina marxista –, Bernstein passou a defender a polêmica proposta de elaboração de uma
ampla e profunda revisão das teses fundamentais de Marx e Engels, no intuito de oferecer
fundamentos teóricos à prática reformista.
Recorrendo tanto à tradição socialista precedente, como é o caso de Proudhon, quanto
a autores declaradamente liberais, como Lujo Brentano e Julius Wolf, e escorando-se ainda na
análise de dados empíricos relativos ao progresso da economia alemã provenientes do censo
industrial de 1895, Bernstein pretendia apontar erros e contradições nos ensinamentos dos
pais fundadores do socialismo científico, desferindo sérios ataques contra a teoria do colapso,
a teoria da concentração do capital, a teoria da polarização das classes, a teoria da
pauperização, a teoria do valor e a própria concepção materialista da história.
Com efeito, o revisionismo socialista, “com base na ciência e nas exigências da luta
prática”
544
, procurava enxergar as mudanças políticas, econômicas e sociais geradas no seio da
sociedade capitalista, investigar suas conseqüências e atestar seu impacto sobre a teoria
marxista, a fim de determinar quais conclusões e pressuposições da doutrina ter-se-iam
tornado obsoletas frente ao desenvolvimento histórico subseqüente.
Em resumo, conquanto anunciasse sua filiação à tradição marxista, o empreendimento
teórico bernsteiniano possuía claros objetivos práticos: extirpar do programa político da
social-democracia os elementos considerados indesejáveis e ultrapassados constantes do
projeto socialista, expor a divergência entre os meios e os fins defendidos pela ala “ortodoxa”
e fundar alicerces teóricos que servissem de sustentação à tática gradualista, defendida por
diversos segmentos do partido.
Opondo-se ao dogmatismo imperante entre os membros da “ortodoxia” que, de
acordo com Bernstein, privaria a teoria marxista de seu genuíno caráter científico ao
544
BERNSTEIN. The Marx cult and the right to revise”. In: Selected writings of Eduard Bernstein: 1900
1921. New Jersey: Humanities Press, 1996, p.46. Artigo publicado pela Sozialistische Monatshefte, em 1903.
152
transformá-la em uma “sectária profissão de fé”
545
asseverava que qualquer teoria socialista
que clamasse aderir aos imperativos do método científico deveria admitir invariavelmente a
necessidade de revisão da construção marxiana. Sendo assim, um culto a Marx seria
justificado apenas enquanto permanece no estrito limite da razão e do método científico.
Os primeiros esforços do autor no sentido de realizar uma ampla revisão da teoria
marxista foram efetuados por intermédio de uma série de artigos intitulados “Problemas do
Socialismo”
546
publicados na Neue Zeit entre 1896 e 1898 e desenvolvidos, a pedido de Karl
Kautsky e Viktor Adler, no livro “Os Pressupostos do Socialismo e as Tarefas da Social-
democracia”, em 1899
547
. Nestes escritos, Bernstein dedica-se a compor os princípios
basilares do revisionismo, aos quais manteve-se fiel até o final de sua vida
548
. Seu objetivo
primordial consistia na refutação da teoria do colapso, propagada, ainda que de modo
paradoxal, pelos líderes da social-democracia alemã e firmada na parte teórica do Programa
de Erfurt. Estes aliavam à prática imediatista de luta por reformas políticas e econômicas uma
confiança inabalável na iminente derrocada final do capitalismo resultante do agravamento
das crises econômicas, conforme Marx e Engels haviam previsto.
Bernstein, ao contrário, opunha-se frontalmente à idéia de que a sociedade burguesa
estivesse à beira de um colapso. De acordo com sua perspectiva evolucionista, a economia
capitalista teria desenvolvido inúmeros mecanismos de adaptação que a teriam tornado
praticamente imune a crises econômicas gerais. Deste modo, todas as previsões marxianas
relativas às conseqüências funestas da lei geral da acumulação capitalista a concentração do
capital, a queda tendencial da taxa de lucro, a expansão do exército industrial de reserva, o
agravamento do pauperismo e a polarização das classes, isto é, os fatores que desvelariam o
caráter contraditório da acumulação capitalista estariam, para Bernstein, sob muitos
aspectos, superadas.
Seu diagnóstico, no entanto, explora de modo ligeiro e superficial a nova faceta
apresentada pelo capitalismo em sua fase expansionista. Limita-se a enunciar os efeitos
produzidos pelas mudanças circunstanciais, que em sua análise ganham caráter definitivo e
invariável. Nestes termos, o largo e contraditório processo histórico de expansão industrial
545
Ibid, p. 45.
546
Ver seção 3.1.
547
Ao tempo da publicação do respectivo livro, as teses de Bernstein já haviam sido rechaçadas e condenadas no
Congresso do Partido Social-Democrata Alemão, em Stuttgart, realizado em 20/10/1898.
548
Não observamos uma mudança substancial entre o pensamento de Bernstein até 1899, quando escreve Os
Pressupostos...”, e seu pensamento após 1900. Deste modo, não aderimos à conceituação proposta por Manfred
Steger (1997) que faz a diferenciação entre o “revisionismo de juventude” e o “revisionismo maduro” de
Bernstein.
153
atravessado pela Alemanha a partir de meados do século XIX assume, na otimista e
problemática análise bernsteiniana, o caráter de processo civilizador, no qual a sociedade
dirigir-se-ia progressiva e linearmente no sentido da maior estabilidade, organização e
harmonia social.
Deste modo, sua predição entrevê no âmbito da própria sociedade capitalista a
substituição da anarquia da produção pelo controle social a cargo do Estado, da reificação das
relações sociais e da alienação do trabalho pelo despertar moral de todas as classes sociais, da
luta de classes pela cooperação geral.
3.2.1- Bernstein e o desenvolvimento do capitalismo moderno
Entre os intelectuais evocados por Bernstein no intuito de fornecer bases teóricas à sua
revisão, que se ressaltar a preeminente influência exercida pelo economista John Atkinson
Hobson
549
. Embora Bernstein tenha constantemente reafirmado seu distanciamento político e
ideológico em relação aos socialistas fabianos
550
, sua afinidade com Hobson foi por ele
assumida em mais de uma ocasião. Uma breve análise da teoria esboçada por Hobson em uma
de suas obras de maior repercussão, “A evolução do capitalismo moderno”
551
– primeiramente
publicada em 1894
552
– revela quão próximo Bernstein estava de suas idéias e a grande dívida
que possuía para com o autor, no que concerne à estruturação e fundamentação de sua
doutrina revisionista.
Em seu livro, Hobson investiga a dinâmica interna em curso nas sociedades industriais
avançadas, particularmente verificada na Inglaterra e nos Estados Unidos. Deste modo, o
autor pretende apreender e explicar tanto os efeitos produzidos em função do
549
John A. Hobson (1858-1940), economista e jornalista inglês vindo da classe dia, adotava uma postura
teórica que alcunhava de “humanismo econômico”, com forte influência de John Stuart Mill, Herbert Spencer e
Werner Sombart (principalmente de sua obra Der Moderne Kapitalismus”). Participou de movimentos liberais
como a Sociedade Ética de Londres e mais tarde aproximou-se da Sociedade Fabiana (TEIXEIRA, A. Utópicos,
heréticos e malditos. Rio de Janeiro: Record, 2002, p.413-414).
550
Segundo Maria da Conceição Tavares, em sua apresentação ao livroA evolução do capitalismo”, Hobson é
habitualmente considerado um marxista fabiano, embora tenha sofrido influência de diversas correntes de
pensamento, de Marx a Sombart e Veblen, tendo criado uma longa carreira como economista “vigoroso, criativo
e essencialmente herético” ( Hobson, 1983, p.VII).
551
The evolution of modern capitalism: a study of machine production”. Ver HOBSON, John A. “A evolução
do capitalismo moderno: um estudo da produção mecanizada”. In: Os economistas. São Paulo: Abril Cultural,
1983.
552
Convém destacar a sua reedição em 1906, na qual Hobson introduz um estudo detalhado acerca do processo
de concentração na indústria moderna, utilizando como exemplo os Estados Unidos, e do papel desempenhado
por financistas. Em seu prefácio o próprio autor atesta que os acréscimos e alterações são tão significativos que
constituem efetivamente um novo livro (Hobson, 1983, p.3).
154
desenvolvimento dos métodos industriais modernos (como, por exemplo, a aplicação geral da
maquinaria e do motor a vapor na produção) quanto o processo de progressiva concentração e
combinação do capital, expresso pelo surgimento de cartéis e trustes em vários ramos da
economia. Além disto, Hobson ressalta ainda a dominação de capitalistas financeiros
resultante da fusão de interesses do capital industrial com o bancário sobre a indústria e seu
papel na promoção do grande capital monopolista
553
e na expansão do comércio internacional.
Hobson, todavia, não associava a concentração do capital na indústria moderna,
representada pelo crescimento das fusões, trustes e cartéis, com o declínio da taxa geral de
lucro
554
. Ao contrário, considerava a força expansiva da produção e dos mercados o prenúncio
de um aumento significativo da margem de lucro das empresas. A concentração e a
monopolização em certos setores tampouco fariam desaparecer por completo a concorrência,
proporcionando um novo impulso à produção especializada, desenvolvida a nível local nas
pequenas cidades e distritos agrários. Assim, a produção em larga escala da grande empresa
que introduz novos métodos de produção seria responsável pela expansão e unificação do
mercado.
Em suma, de acordo com o autor, a diferenciação, integração e interdependência dos
mercados (empresas e indústrias) asseguraria a sobrevivência das pequenas empresas perante
a produção em grande escala. Sob este prisma, ainda que o sistema capitalista coloque sob o
controle de um punhado de proprietários um número crescente de negócios e processos,
estabelece, em contrapartida, ligações comerciais e unidade de interesses entre uma
diversidade de empresas, negócios e mercados que se mantêm em pleno funcionamento.
A perspectiva hobsoniana, no entanto, enxerga na sociedade industrial moderna um
desajuste econômico estrutural, manifesto nos seguintes termos:
O desenvolvimento real de riqueza material, apesar de grande,
não tem sido absolutamente proporcional às potencialidades
imensamente acrescidas de produção de bens materiais,
propiciadas pelas descobertas da ciência moderna; e a utilização
parcial dessas descobertas vem sendo acompanhada por uma
distribuição muito desigual das vantagens desse aumento no
553
Hobson, assim, alerta contra o papel dominante que exercem os banqueiros nas sociedades industriais
avançadas, na medida em que são convertidos em uma classe especial de financistas que tendem a parasitar
sobre a indústria. “Como o crédito se converte cada vez mais na força vital dos negócios modernos, a classe dos
que controlam o crédito torna-se mais poderosa e embolsa como “ganhos” um percentual maior do produto
industrial” (Hobson, 1983, p.188). Ver capítulo X, “O financiador” (ibid, p.175-200).
554
Consoante Marx (1985b, p.163-176), em “O Capital”, a mudança na composição orgânica do capital em todas
as esferas da produção decisivas (com o crescimento do capital constante em relação ao variável), típico das
grandes empresas, resultaria em uma queda gradual na taxa de lucro geral.
155
que se refere ao acervo de conhecimento geral e controle da
natureza
555
.
Segundo Hobson, portanto, a rapidez e a irregularidade da descoberta e aplicação dos
novos métodos de produção impediram o ajustamento imediato da estrutura da ordem social
às novas condições tecnológicas. Logo, a excessiva utilização de maquinarias é concebida
pelo autor como o fator responsável pelo surgimento de inúmeras enfermidades materiais e
morais que prejudicam a “saúde” das sociedades industriais modernas. Neste sentido, desloca-
se mais uma vez as origens das deficiências e contradições produzidas no âmbito do modo de
produção capitalista das formas históricas de relações sociais nela atuantes para as máquinas,
que desta maneira ganham o status de categoria econômica – o que já havia sido analisado por
Marx em sua crítica à teoria proudhoniana
556
.
Este desajuste ocasionado pela introdução de mais máquinas na produção, no entanto,
estaria, na visão de Hobson, fadado ao desaparecimento. Aderindo a uma perspectiva
evolucionista, inspirada em Herbert Spencer, o autor afirma que a sociedade estaria
caminhando lenta e progressivamente rumo ao seu reajuste. Esta “adaptação natural poderia
ser acelerada através da ação consciente e reguladora da sociedade que, assim, remediaria os
males e defeitos da indústria moderna e asseguraria à humanidade os “usos, sem os abusos, da
maquinaria”
557
.
Como a tendência geral da indústria, na medida em que se
submete a economias modernas de maquinaria e método, é
tender para a concorrência ruinosa ou para o monopólio, deve-
se esperar que haja uma expansão contínua da interferência do
Estado e do volume de seus empreendimentos. Essa crescente
socialização da indústria deve ser considerada como um
ajustamento da sociedade às novas condições da produção
mecanizada
558
.
O progresso rumo a uma organização industrial estável e coerente, apta a proporcionar
o bem-estar geral, implicaria a adoção de formas de controle social sobre a produção, seja
através da imposição de uma legislação restritiva consubstanciada nos dispositivos
governamentais de proteção contra males de ordem econômica e contra abusos aos
555
HOBSON, John A. “A evolução do capitalismo moderno: um estudo da produção mecanizada”. In: Os
economistas. São Paulo: Abril Cultural, 1983, p.300.
556
“A máquina tem tão pouco de categoria econômica quanto o boi que puxa o arado. A atual utilização das
máquinas pertence às relações de nosso atual sistema econômico, mas o modo como as máquinas são exploradas
é algo totalmente diverso das próprias máquinas” (Marx, Engels, 1983, p.435). Carta de Marx a P. V.
Annenkow, 28 de dezembro de 1846.
557
Hobson, 1983, p.303.
558
Hobson, 1983, p.304.
156
consumidores seja mediante a encampação de empresas e indústrias em ramos estratégicos
da economia. A passagem de vários segmentos da indústria (tais como o dos transportes
terrestres e hidroviários, o dos correios e telégrafos, o das minas de carvão e minério de ferro,
o das companhias de água, gás e eletricidade, e até no tocante às terras
559
) e dos serviços
básicos (como a educação, a saúde pública, a assistência judiciária, a cultura e a recreação)
para as mãos do governo federal ou municipal, daria lugar a um “coletivismo limitado”
560
,
determinado pela conveniência social.
A solução apontada por Hobson e posteriormente retomada por Keynes tem como
pressuposto a idéia de que cabe à sociedade a salvaguarda do interesse público
561
em
detrimento dos interesses egoísticos particulares
562
. As limitações à liberdade individual no
âmbito da indústria e a contestação dos princípios do laissez faire, entretanto, não
prenunciariam a desaparição do sistema capitalista. Hobson coaduna em sua teoria o controle
público da produção mecanizada com a implementação de reformas que visem ao livre
comércio e à livre-concorrência
563
, propiciando o rompimento de todas as barreiras que
obstruem o livre fluxo do comércio, a migração de capital e mão-de-obra e a ampla difusão de
informações sobre a indústria
564
. Como explica Maria da Conceição Tavares, em Hobson
a liberdade de competição e de iniciativa particular na indústria
e no comércio das empresas vai a par com a ênfase no caráter
público e socialista que devem ter os grandes monopólios. Estes
são considerados como uma etapa necessária de transição para
libertar os homens das necessidades mais prementes, que não se
559
Hobson advoga que também as terras devem estar sujeitas ao controle do Estado (restringindo-se o seu uso
privado), de modo que este assegure o atendimento dos interesses públicos.
560
Para Hobson existem dois tipos de indústrias que apresentam caráter coletivo: aquelas que em função de seu
tamanho e estrutura não oferece proteção ao público consumidor (monopólios) e aquelas nas quais o desperdício
e os prejuízos decorrentes da competição pesam mais que as perdas empresariais (“concorrência ruinosa”). Deste
modo, as indústrias tenderiam a passar para a administração pública quando o objeto do monopólio fosse um
artigo de consumo geral e indispensável, e onde a elevação de preços não conseguisse encorajar uma competição
efetiva (Hobson, 1983, p.303-304).
561
“Muitas, senão a maioria, das grandes catastrofes das sociedades mercantis modernas podem ser atribuídas
precisamente ao fato de que o crédito das grandes empresas mercantis, que é sobretudo uma questão de interesse
público, antes da bancarrota é considerado como puramente privado” (Hobson, 1983, p.301).
562
“A necessidade de um controle social crescente sobre a produção mecanizada moderna, quando a produção
fica, no fundamental, sob a direção de empreendimento individual, é reconhecida por todos, embora o
desenvolvimento desse controle tenha sido desigual e determinado pela pressão de injustiças flagrantes e não
referendado por qualquer teoria específica de responsabilidade pública” (Hobson, 1983, p.303).
563
A diafaneidade perfeita das operações industriais, a perfeita fluidez do trabalho e da riqueza realizariam
economias imensamente grandes na criação de riqueza comercial” (Hobson, 1983, p.301).
564
“Na complexidade do intercâmbio comercial moderno, deve-se reconhecer que não lugar para esse
“interesse exclusivo” ou atividade reservada. Nenhum fato relacionado com preços, salários, lucros, métodos de
produção etc., afeta somente uma única firma ou um único contingente de operários” (Hobson, 1983, p.301).
157
deriva nem se compadece automaticamente com o livre
comércio
565
.
Consoante o autor, a nova sociedade em vias de construção seria “socialista” na
produção dos bens em grande escala (que afetam o consumo das massas), mas “individualista
e criativa” em relação ao fornecimento de bens vinculados ao lazer, à arte e à produção
intelectual. A sociedade, portanto, seria configurada pela existência de grandes empresas e
indústrias de propriedade estatal, caracterizadas pela produção em série de bens e insumos
socialmente relevantes, e uma grande variedade de pequenas empresas cuja produção seria
individualizada e qualitativamente diferenciada. A sobrevivência destes pequenos negócios,
vitalizados por atributos individuais, exigiria, no entanto, o aprimoramento da qualidade do
consumo. A correção do consumo e o combate à “paixão pelo consumo quantitativo”, que
sufocaria a personalidade dos consumidores com produtos padronizados e homogeneizados,
seria, a seu ver, suficiente para afastar a lei dos rendimentos decrescentes.
A similaridade entre a formulação teórica hobsoniana e o reformismo bernsteiniano é
evidente. É possível perceber o alcance de sua influência nos primeiros escritos
assumidamente revisionistas de Bernstein, publicados a partir de 1896. Bernstein chega a
dedicar um artigo inteiro na Neue Zeit à análise do livro de Hobson, publicado sob o título
“Uma teoria sobre os domínios e limites do coletivismo”
566
. Neste, Bernstein valida a
perspectiva reformista do autor e endossa suas teses acerca dos limites naturais do
coletivismo:
Se não estamos de acordo com diferentes detalhes das
explicações de Hobson, nos parece que a idéia fundamental das
mesmas é irrefutável. De todo modo, por muito tempo temos
que nos desembaraçar da idéia de que nos aproximamos de um
estado social totalmente coletivista. Temos que nos familiarizar
com a idéia de uma comunidade coletiva parcial
567
.
Calcando-se nos conceitos de “socialismo progressivo” ou de “socialismo viável”,
esboçados por Hobson, Bernstein encontra bases para a sua crítica ao que considera “o caráter
utópico do socialismo” e à “esterilidade” da tática revolucionária, a qual retornará em seu
livro de 1899, “Os pressupostos do socialismo e as tarefas da social-democracia”.
565
Hobson, 1983, p.X.
566
Eine Theorie der Gebiete und Grenzen des Kollektivismus”.
567
BERNSTEIN. “Una teoría sobre los limites del colectivismo”. 1896-1897. In: Las Premisas del socialismo y
las tareas de la socialdemocracia. Problemas del socialismo. El revisionismo en la socialdemocracia. México:
Siglo Veintiuno, 1982, p.18.
158
Seguindo fielmente o modelo formulado por Hobson, Bernstein tenta reproduzir ponto
por ponto a análise do autor, desta vez aplicada à situação da Alemanha. Através do estudo
comparativo das estatísticas fornecidas pelos censos industriais de 1882 e 1895
568
, Bernstein
constatou que o número de possuidores na Alemanha crescera consideravelmente,
acompanhando o enorme incremento da riqueza social. Partindo deste fato, deduz que a
sociedade alemã não estaria assistindo a um processo de concentração dos meios de produção
nas mãos de um pequeno número de magnatas do capital, mas sim ao progressivo aumento do
número total de capitalistas.
Uma das causas explicativas apresentadas por Bernstein para tal fenômeno consiste na
proliferação de sociedades por ações em inúmeros campos da economia. Cabe ressaltar que
embora fossem vistas como potencialmente benéficas para a economia, em virtude da
ampliação da distribuição do “produto social excedente” para maior número de indivíduos,
para o autor a expansão das sociedades por ações, no entanto, seria igualmente responsável
pelo surgimento de cada vez mais “capitalistas-parasitas”, ou seja, proprietários que não
possuem qualquer relação funcional com o processo produtivo do qual participam apenas
como acionistas – partilhando de seus lucros, mas não da responsabilidade
569
.
Outro fator a ser considerado seria o aumento significativo da quantidade de grandes e
médias empresas e sua convivência com as pequenas empresas e manufaturas. Estas
confirmariam a sua sobrevivência diante das grandes não somente em função de sua
distribuição geográfica, mas em função do processo de diversificação e complementação dos
ramos produtivos
570
. No comércio e na agricultura a integração entre o pequeno, o médio e o
grande negócio seria ainda mais forte do que na indústria, de modo que se asseguraria,
igualmente, a coexistência de grandes, médios e pequenos proprietários ainda que a
significação social deste último grupo em termos de participação no volume total da produção
tivesse sofrido uma importante diminuição
571
.
568
Ver tabelas incluídas no item “Anexo”, ao final da dissertação.
569
BERNSTEIN. “Las premisas del socialismo y las tareas de la socialdemocracia”. In: Las Premisas del
socialismo y las tareas de la socialdemocracia. Problemas del socialismo. El revisionismo en la
socialdemocracia. México: Siglo Veintiuno, 1982, p.309. Publicado em 1899.
570
Cf. BERNSTEIN. “La situación actual del desarrollo industrial en Alemania”. In: Las Premisas del socialismo
y las tareas de la socialdemocracia. Problemas del socialismo. El revisionismo en la socialdemocracia. México:
Siglo Veintiuno, 1982, p.27. Artigo integrante da coleção “Problemas do Socialismo”, publicado em 1896-1897
pela Neue Zeit, vol.XV, I.
571
BERNSTEIN. “El nuevo desarrollo de las relaciones agrarias en Inglaterra”. In: Las Premisas del socialismo
y las tareas de la socialdemocracia. Problemas del socialismo. El revisionismo en la socialdemocracia. México:
Siglo Veintiuno, 1982, p.64. Artigo integrante da coleção “Problemas do Socialismo”, publicado em 1896-1897
pela Neue Zeit, vol.XV, I.
159
Ao lado da diversificação dos ramos produtivos e da ampliação dos mercados,
Bernstein acrescenta ainda outras causas econômicas de fundamental relevância para a
estabilidade econômica e o progresso social, como, por exemplo, o desenvolvimento e a
difusão do sistema creditício moderno, a formação de cartéis e trusts
572
, a ampliação e
aceleração do comércio, a rapidez da propagação das informações sobre as condições do
mercado (devido ao aperfeiçoamento dos mecanismos de comunicação como o serviço
postal, telegráfico e de transporte de pessoas e bens) e o desenvolvimento da estatística
comercial.
Deste modo, o domínio das indústrias e de seus mercados seria demasiadamente vasto
e organizado para que pudesse ser golpeado por uma única crise de alcance geral. Da mesma
forma, a probabilidade de ocorrência de crises simultâneas de igual gravidade em todos os
ramos produtivos seria praticamente nula, dependendo, para tanto, de acontecimentos
extraordinários, aptos a espantar por igual ao mundo dos negócios e a paralisar o crédito em
todo o conjunto dos países
573
.
Tendo em vista estas mudanças sócio-econômicas geradas no interior do modo de
produção capitalista, Bernstein defende que a caracterização sumária da tendência resultante
do processo de acumulação do capital apresentada por Marx em “O Capital” não se realizaria
completamente na prática, pois poderia ser “abafada”, e, sob certas circunstâncias, até
“aniquilada”
574
.
A capacidade de adaptação, estabilização e auto-regulação desenvolvidas pelo
progresso técnico e econômico do capitalismo seria prova suficiente, segundo Bernstein, da
refutação da teoria do colapso e da desqualificação de quaisquer pretensões utópico-
revolucionárias baseadas na tomada violenta do poder político. Assim, a “era das revoluções
políticas” estaria condenada, na medida em que os períodos de crise econômica mostrar-se-
iam menos intensos e ocorreriam em intervalos de tempo cada vez mais esparsos. Os gráficos
572
As associações formadas por capitalistas infligiriam uma alta artificial dos preços, de modo que conseguiriam
evitar a queda vertiginosa dos preços de seu setor em tempos depressão.
573
BERNSTEIN. “La lucha de la socialdemocracia y la revolución de la sociedad”. In: Las Premisas del
socialismo y las tareas de la socialdemocracia. Problemas del socialismo. El revisionismo en la
socialdemocracia. México: Siglo Veintiuno, 1982, p.72. Artigo da Die Neue Zeit, vol. XVI, I, em 1897/1898.
574
BERNSTEIN. Socialismo evolucionário. Rio de Janeiro: Zahar, 1997, p. 150. Esta publicação apresenta a
tradução de “Os pressupostos do socialismo e as tarefas da social-democracia” para o português, com introdução
de Antonio Paim.
160
apresentados abaixo representariam, de acordo com Bernstein, as duas concepções a respeito
das crises econômicas na sociedade capitalista, vigentes na social-democracia
575
.
A primeira figura estaria em conformidade com a perspectiva do marxismo ortodoxo,
qual seja, a expectativa de incidência de ciclos econômicos alternados de prosperidade e
depressão em intervalos de tempo cada vez mais curtos, percorrendo uma trajetória
descendente em direção a patamares sócio-econômicos mais graves
576
. Já a segunda figura
representaria o ponto de vista revisionista, ao indicar a progressiva mitigação das crises
econômicas, enfatizando o prolongamento dos períodos de crescimento econômico,
interrompidos unicamente por crises de efeitos limitados a certos setores produtivos,
corroborando a idéia de uma trajetória ascendente da sociedade capitalista, rumo ao progresso
econômico e social.
Tal progresso social e econômico, antevisto por Bernstein, não se processaria à
margem da classe trabalhadora. O abrandamento das crises, a crescente produtividade da
economia, a rentabilidade do trabalho social global e a abertura de novos ramos produtivos
em função do avanço tecnológico levariam à gradual melhora das condições de vida dos
trabalhadores. Assim, embora as distâncias sociais entre as classes mais abastadas e as mais
pobres da sociedade aumentassem consideravelmente, isto não representaria a piora da
situação do proletariado. Contrariamente, não apenas a classe proletária seria beneficiada pelo
célere aumento da riqueza social
577
o que desmentiria a tese marxiana da pauperização
575
BERNSTEIN. “El revisionismo en la socialdemocracia”. In: Las Premisas del socialismo y las tareas de la
socialdemocracia. Problemas del socialismo. El revisionismo en la socialdemocracia.xico: Siglo Veintiuno,
1982, p. 310-311. Gráficos extraídos do informe apresentado por Bernstein à Associação dos Trabalhadores de
Amsterdã em 4 de abril de 1909, intitulado “O Revisionismo na Social-Democracia”.
576
Observe-se que Engels, no Prefácio à primeira edição de “Miséria da filosofia”, de Karl Marx, adverte que “o
período de prosperidade geral que precede as crises nem sempre aparecerá; e, na sua falta, uma estagnação
crônica, com ligeiras flutuações, tornar-se-ia o estado normal da indústria moderna” (Marx, 1976, p.16).
577
Ver tabela 6, no item “Anexo”, ao final da dissertação.
Fig.2 Fig.3
161
como também desfrutaria de uma maior possibilidade de ascensão social. A seguir
apresentamos a representação gráfica
578
da “nova tendência da divisão social” conjeturada por
Bernstein, em contraste com a visão tradicional da social-democracia:
A primeira seqüência de imagens (a, b, c) representa a tese social-democrata
condizente com a doutrina marxista que considera os efeitos da concentração de capital e da
pauperização na
transformação da
estratificação social,
redundando na progressiva
polarização das classes
sociais e no acirramento da
luta de classes. A segunda
série de figuras (a’, b’, c’)
expressa a concepção bernsteiniana da evolução da divisão social no âmbito da sociedade
capitalista avançada. Esta ressalta o fortalecimento das classes capitalistas mais altas sem,
contudo, menosprezar o crescimento do restante das camadas sociais intermediárias,
compostas tanto por profissionais autônomos, funcionários do Estado e trabalhadores
qualificados quanto por médios e pequenos proprietários.
Segundo Bernstein, a incessante diferenciação e evolução do complexo organismo
social provariam que a luta de classes não poderia ser confinada a um simples esquema, isto é,
não poderia ser explicada pela “fácil dicotomização social”
579
.
578
BERNSTEIN. “El revisionismo en la socialdemocracia”. In: Las Premisas del socialismo y las tareas de la
socialdemocracia. Problemas del socialismo. El revisionismo en la socialdemocracia.xico: Siglo Veintiuno,
1982, p. 309. Representação gráfica extraída do informe apresentado por Bernstein à Associação dos
Trabalhadores de Amsterdã em 4 de abril de 1909, intitulado “O Revisionismo na Social-Democracia”.
579
BERNSTEIN. “Class and class struggle”. In: Selected writings of Eduard Bernstein: 1900 1921. New
Jersey: Humanities Press, 1996, p.128. Artigo publicado pela Sozialistische Monatshefte, em 1905.
Fig.4
162
a
b
c
a`
b`
c`
Até um certo ponto estas dicotomias [burguesia e proletariado,
capitalistas e trabalhadores assalariados, ricos e pobres] são
úteis, mas a complexidade da sociedade contemporânea mostra
que estas polarizações simplistas refletem insuficientemente a
exigência de uma exatidão científica. Formações partidárias
políticas e sociais atuais que o mais se encaixam nas velhas
categorias dicotômicas provam que a questão da classe não
pode ser vista meramente como uma tergiversação teórica.
580
Por conseguinte, do ponto de vista bernsteiniano, conforme a sociedade evoluiria,
aumentaria em complexidade, tornando inválida e errônea a projeção da polarização das
classes sociais. Este fato tornaria os conceitos de “classe” e “luta de classes” frágeis e fluidos,
posto que não corresponderiam a fenômenos empíricos simples e delimitados, tal como na
teorização marxista. Neste sentido, o progressivo processo de aumento e diversificação das
camadas sociais médias, somado ao interesse da própria classe trabalhadora no progresso
econômico e social que o proletariado como um todo se beneficiaria do incremento da
produção e da acumulação de capital – redundariam na atenuação dos antagonismos de classe.
Bernstein argumenta então que a luta de classes tenderia a assumir naturalmente um
caráter “mais civilizado” nas sociedades industriais desenvolvidas. Justamente este
“refinamento da luta de classes em uma nova forma política e econômica”
581
asseguraria a
realização do socialismo, pois, desta maneira, a social-democracia poderia transformar-se no
“partido do povo”, e os trabalhadores tornar-se-iam o fator social decisivo em torno do qual
outros grupos sociais iriam se agrupar
582
.
Bernstein, no entanto, não contradiz a análise de Marx que atribui aos fatores que
causam o desenvolvimento da força expansiva do capital a causa da ampliação da força de
trabalho disponível. Todavia, mesmo admitindo que o crescimento da acumulação capitalista
seria acompanhado pelo aumento relativo do exército industrial de reserva, rejeita a teoria da
pauperização.
Ao contrário do entendimento marxiano de que “todos os meios que perseguem o
desenvolvimento da produção se convertem em meios de dominação e de exploração a
serviço do proprietário”, e de que “à medida que se opera a acumulação do capital, a situação
do operário quer ele ganhe pouco ou muito pode piorar”
583
, Bernstein desvincula o
580
Ibid, p.124.
581
BERNSTEIN. “What is socialism?”. In: Selected writings of Eduard Bernstein: 1900 1921. New Jersey:
Humanities Press, 1996, p.158. Artigo publicado em 1918.
582
BERNSTEIN. Guiding principles for the theoretical portion of a social democratic party program.” In:
Selected writings of Eduard Bernstein: 1900 1921. New Jersey: Humanities Press, 1996, p.82. Artigo
publicado em 1909.
583
Marx, 1969, p.170.
163
processo de acumulação de riquezas nas mãos dos proprietários da crescente “acumulação de
misérias, de sofrimento, de escravidão, ignorância, embrutecimento e degradação moral” do
proletariado
584
.
Para Bernstein, a regulação da economia e uma legislação social protetora,
combinadas com períodos de prosperidade e avanço produtivo, conseguiriam manter e até
incrementar o nível de vida da classe trabalhadora, uma vez que forneceriam condições para a
progressiva socialização da riqueza produzida.
Este deslocamento da noção de exploração do âmbito da produção para o âmbito da
distribuição leva Bernstein a concentrar mais uma vez seus esforços revisionistas para
empreender a crítica da teoria do valor marxiana. Do ponto de vista bernsteiniano, a teoria do
valor apresentada por Marx estaria fundada em dois princípios incomensuráveis, a saber, o
tempo de trabalho socialmente necessário à produção e a utilidade social:
Eu estou mais do que nunca convencido da natureza abstrata
das investigações de Marx. Embora originalmente
fundamentada, não pode ser mantida se lidamos com uma
análise do valor como fator de determinação dos preços.
585
Com efeito, para investigar a lei da mais-valia, Marx teria abstraído a questão da
utilidade (demanda), assumindo para determinados períodos de tempo uma equalização entre
oferta e demanda. Para superar tal “lacuna” na teoria de Marx, Bernstein defende a
complementaridade entre a teoria do valor-trabalho e a teoria da utilidade marginal da escola
anglo-austríaca (de Jevons e Böhm-Bawerk)
586
, que introduzem uma teoria subjetivista do
valor baseada no interesse.
Procedendo desta forma, Bernstein acaba por endossar a concepção de Werner
Sombart, para quem o conceito de valor em Marx seria uma contribuição puramente teórica
que não corresponderia a nenhuma formação social histórica
587
. Segundo esta perspectiva, a
584
Ibid.
585
BERNSTEIN. “La significación política y social del espacio y del número”. In: Las Premisas del socialismo
y las tareas de la socialdemocracia. Problemas del socialismo. El revisionismo en la socialdemocracia. México:
Siglo Veintiuno, 1982, p.40. Artigo publicado pela Die Neue Zeit, vol XV, II, em 1896/1897.
586
Eugen von Böhm-Bawerk, em Zun Abschluss des Marxschen Systems”, de 1896, defendeu que nenhuma
prova dedutiva ou empírica da teoria do valor-trabalho pode ser sustentada com sucesso (Steger, 1997). O
político, economista e jurista Böhm-Bawerk (1851-1914) foi aluno do marginalista Carl Menger, tendo
desenvolvido sua “teoria positiva do capital” (“Positive Theorie des Kapitales”) em 1889. Neste o autor refuta a
teoria da exploração, difundida pelos socialistas, de acordo com a qual o trabalhador, no sistema capitalista, não
percebe o valor pleno do produto de seu trabalho. Segundo o economista liberal, paga-se aos trabalhadores a
totalidade do valor por eles empregado à produção na forma de prestações, imediatamente após a realização de
cada serviço (Böhn-Bawerk, 1986, p.99-103).
587
Segundo Engels, a formulação de Sombart, em Archiv für soziale Gesetzgebung revista política editada
por Heinrich Braun sobre a teoria do valor “não esgota de maneira alguma a significação completa da lei do
164
teoria do valor retomada no terceiro livro
588
de “O Capital”, publicado em 1894 baseada
no tempo de trabalho socialmente necessário, seria uma construção derivada de categorias
especulativas
589
, próprias da filosofia hegeliana. Deste modo, “à medida que um determinado
artigo ou uma categoria de artigos é considerado, o valor perde toda e qualquer qualidade
concreta e converte-se num conceito puramente abstrato”
590
.
Ao considerar o conceito de valor-trabalho exclusivamente como uma formulação
especulativa ou hipótese científica, a mais-valia torna-se, igualmente, apenas uma “fórmula
apoiada sobre uma hipótese”
591
. Assim como a teoria do valor foi descartada, a teoria da mais-
valia também seria reduzida a uma mera ilustração, uma imagem metafísica que não
corresponderia à realidade social. A mais-valia seria “enganadora” sobretudo porque seria
apresentada como a medida da real exploração do trabalhador pelo capitalista, sendo
caracterizada, a taxa de mais-valia, como taxa de exploração.
Segundo Bernstein, na realidade, “a teoria do valor empresta uma norma tão
insignificante à justiça ou injustiça da partilha do produto do trabalho quão diminuta é a
influência da teoria atômica na beleza ou fealdade de uma obra de escultura”
592
. Isto
significaria que uma base científica para o socialismo não poderia desconsiderar imperativos
éticos e se apoiar exclusivamente no fato de o trabalhador assalariado não receber o valor
integral do produto do seu trabalho.
Para contornar este problema Bernstein propõe que a concepção de exploração não
esteja baseada unicamente em termos econômicos, devendo a teoria do valor enfatizar seus
componentes morais, escorados em princípios transcendentais de igualdade e justiça
593
. Desta
forma, Bernstein resgata a concepção idealista de justiça tal como esta se apresentara nas
valor” (ENGELS, F. “Suplemento ao Livro Terceiro de “O Capital””. In: O Capital. São Paulo: Nova Cultural,
1986, p.324).
588
O terceiro volume do Capital, que trata do processo global da produção capitalista, mais particularmente a sua
terceira parte referente à lei tendencial da queda da taxa de lucro, que aponta os fatores atuantes no processo
como a elevação do grau da exploração do trabalho, a compressão do salário abaixo de seu valor, o barateamento
dos elementos do capital constante, a superpopulação relativa, o comércio exterior e o aumento do capital por
ações – suscitou muitas dúvidas em Bernstein, contribuindo para seu afastamento definitivo da teoria econômica
marxiana.
589
Contrariamente às teses que concebem a teoria do valor como uma categoria abstrata, uma mera especulação
metafísica ou hipótese dissociada da realidade, a entendemos como instrumento teórico capaz de dar conta da
complexidade e ambigüidade do modo de produção capitalista. Seguindo Oskar Negt, trata-se da “quintessência
e o núcleo das categorias da realidade, das leis que estruturam a realidade social e asseguram a conexão
intrínseca no real”, ou seja, “uma lei estrutural da história, na medida em que esta conhece a produção de
mercadorias” (Hobsbawm, 1989, p.148).
590
BERNSTEIN. Socialismo evolucionário. Rio de Janeiro: Zahar, 1997, p.48.
591
Ibid.
592
Ibid., p.53.
593
Steger, 1997, p.128.
165
obras de Proudhon
594
cuja crítica à sociedade capitalista valia-se de preceitos extraídos de
uma justiça eterna” derivada da própria “essência da humanidade”
595
, uma vez que a justiça
nada mais seria do que o “instinto de sociedade que nos governa”
596
.
Aderindo a tal fraseologia idealista, típica da pequeno-burguesia
597
, Bernstein passa a
sustentar que a mais-valia dispensaria uma prova dedutiva por ser um fato empírico
demonstrável pela experiência, isto é, pela injusta distribuição da riqueza social. O
revisionismo bernsteiniano, portanto, pretende retirar da análise científica marxiana os
alicerces fundamentais que sustentam a crítica ao modo de produção capitalista: o valor-
trabalho, que desvela o caráter social do trabalho abstrato, e a mais-valia, prova objetiva do
caráter antagônico intrínseco ao processo produtivo operado na sociedade capitalista.
Utilizando-se deste artifício duvidoso Bernstein consegue fazer esmaecer a oposição
fundamental entre capitalistas e assalariados, de modo que ambas as classes passam a
partilhar do mesmo interesse comum, qual seja, o aumento da produtividade e o progresso da
economia capitalista.
O abrandamento do antagonismo de classe, por sua vez, levaria o proletariado a unir
forças com grupos sociais progressistas e, conseqüentemente, ampliar paulatinamente seu
poder social de modo a viabilizar a construção do socialismo. Por este motivo, o autor propõe
uma nova palavra de ordem à social-democracia que implicaria na reformulação de toda sua
postura política: “a linguagem do reformismo é a linguagem da moderação”
598
. Este apelo à
moderação não será demovido mesmo em face da maior e mais expressiva conquista realizada
594
Bernstein deixa claro no prefácio à edição francesa de “Os pressupostos do socialismo e as tarefas da social-
democracia” (publicado em 1900, na Sozialistische Monatshefte, sob o título “Aos meus críticos socialistas”) sua
intenção de resgatar e revalidar idéias da tradição socialista rechaçadas por Marx e Engels: “Não fui eu, mas
as atualidades da vida real que ressuscitaram o autor de Capacités Politique de la Classe Ouvrière. Isto não
significa que a crítica de Marx a Proudhon está inteiramente fora de questão, mas simplesmente que não mais se
aplica a tudo que Proudhon afirmou. O mesmo vale para as contribuições de outros socialistas geralmente vistos
como antiquados e que foram em grande parte esquecidos. O grande movimento socialista contemporâneo
ressuscitou-os ao realizar parcialmente suas idéias” (Bernstein, 1996, p. 42).
595
MARX & ENGELS. “Contribuição ao problema da habitação”. In: Obras escolhidas. São Paulo: Alfa-
Omega, v.2, 1980b, p.170. Escrito por Engels em 1872.
596
PROUDHON. O que é a propriedade?. Lisboa: Estampa, 1997, p. 199. Para Proudhon, portanto, “praticar a
justiça é obedecer ao instinto social; fazer um ato de justiça é fazer um ato de sociedade” (Proudhon, 1997,
p.197).
597
Tal como Proudhon, Bernstein estaria “ofuscado pela magnificência da grande burguesia” resguardando ainda
certa “simpatia pelos sofrimentos do povo”, algo que Marx considera típico da pequena-burguesia: Ele (o
pequeno-burguês) é burguês e povo ao mesmo tempo. Em seu for íntimo, orgulha-se de ser imparcial, de ter
encontrado o equilíbrio justo, e tem a pretensão de ser algo mais do que o áureo meio-termo”. Cf. Carta de Marx
a P.V. Annenkow, de 28 de dezembro de 1846 (Marx, Engels, 1983, p.466).
598
BERNSTEIN. “Guiding principles for the theoretical portion of a social democratic party program.” In:
Selected writings of Eduard Bernstein: 1900 1921. New Jersey: Humanities Press, 1996, p.81. Artigo
publicado em 1909.
166
pela classe trabalhadora até o presente, consubstanciada na Revolução Russa de 1917,
movimento repudiado tanto pela ala direitista quanto centrista do Partido Social-Democrata
Alemão.
Contudo, mesmo ao sustentar que a política da classe trabalhadora não estaria
necessariamente em oposição absoluta com os interesses de outras classes, defendendo então
uma política de abertura a coalizões com outras classes sociais, Bernstein não coloca em
dúvida a “missão histórica” do proletariado e o papel de liderança a ser exercido pelo Partido
Social-Democrata no que diz respeito à concretização das transformações sociais no sentido
do socialismo. Neste aspecto, segundo Bernstein, a social-democracia preservaria seu caráter
“revolucionário”:
Temos que ter em mente que um partido proletário seja ele
organizado em torno de sindicatos, como o Partido Trabalhista
Inglês, ou organizado politicamente, como o Partido Social-
Democrata Alemão deve permanecer revolucionário no
sentido de que deve endossar o amplo progresso nas
dimensões econômica, social, política e ética da sociedade
[grifo nosso] .
599
Com efeito, a implementação do socialismo, processo este tido como iniciado, seria
conseqüência da crescente influência do movimento operário e de seu desenvolvimento
econômico, político e ético. Não sobreviria de uma única e decisiva batalha política, mas do
resultado de uma série de vitórias políticas e econômicas do proletariado em várias dimensões
da vida social. Bernstein, portanto, não enxerga a sociedade socialista brotando do
“inexorável caos”, mas sim emergindo lentamente de uma combinação de conquistas de uma
classe trabalhadora criativa e de um processo de democratização efetivado em todos os níveis
da sociedade:
O amadurecimento do proletariado moderno dispensa utopias;
ele pode levar adiante a luta socialista sem um impreciso
“objetivo final”. (...) a sua crescente importância para a
sociedade moderna e a missão histórica de sua classe se
expressa na busca de verdadeiro progresso no conhecimento, na
tecnologia e na economia.
600
Tanto a pressão exercida pelo movimento operário quanto a influência das instituições
democráticas seriam, a seu ver, responsáveis pela mobilização social contra as tendências
exploradoras do capital, concentração esta que estenderia cada vez mais o campo de suas
599
BERNSTEIN. “What is socialism?”. In: Selected writings of Eduard Bernstein: 1900 1921. New Jersey:
Humanities Press, 1996, p.152. Artigo publicado em 1918.
600
BERNSTEIN. “Revisionism in social democracy”. In: Selected writings of Eduard Bernstein: 1900 1921.
New Jersey: Humanities Press, 1996, p.79. Artigo publicado em 1909.
167
operações
601
. Como prova deste fato, Bernstein apresenta a ampliação das leis fabris, a
democratização da administração municipal e a expansão de seu campo de atuação, a
emancipação das instituições sindicais e corporativas de toda trava legal e a tomada em
consideração das organizações operárias para todos os trabalhos executados pela
administração pública.
Assim, a democratização das instituições políticas modernas tornaria não somente
improvável, mas igualmente desnecessária a ocorrência de grandes “catástrofes políticas”,
além de propiciar um certo comodismo e indisposição psicológica, entre os membros da
social-democracia, para uma tomada violenta do Estado
602
.
A democracia, portanto, é apresentada simultaneamente como o meio e o fim do
socialismo. Não apenas seria a sua via de concretização, mas também a sua mais pura
essência, na medida em que o socialismo nada mais seria do que a concretização dos ideais
democráticos herdados do liberalismo político
603
. Para Bernstein, portanto, a incorporação das
exigências libertárias advindas do liberalismo burguês sua ênfase nos direitos humanos, na
individualidade e na igualdade perante a lei seria a base para a implementação da
democracia, não somente dentro do próprio partido, mas também na sociedade.
A importância atribuída por Bernstein às instituições democráticas burguesas para a
conversão gradual da sociedade capitalista em uma sociedade socialista culmina na
necessidade de uma redefinição do caráter do Estado moderno. Este não mais seria visto
exclusivamente como o “balcão de negócios da burguesia”, mas como um órgão
administrativo central fundado em princípios racionais, apto a ser colocado a serviço do
interesse geral. A reorganização do Estado pela social-democracia, seja através da
participação no Parlamento e na administração ou da simples pressão popular, tornaria
possível a utilização de seu aparato como propulsor da reforma social.
Todavia, para que o Estado desempenhasse a função de “guardião nacional dos
interesses comuns do povo” seria indispensável que fossem asseguradas as liberdades
políticas básicas para todos os cidadãos, isto é, que fossem abolidos privilégios de classe
através da implantação do sufrágio universal e da liberdade de associação e imprensa. Desta
maneira, aonde a maioria da população dos centros urbanos fosse representada pela moderna
601
BERNSTEIN. “The socialist conception of democracy”. In: Selected writings of Eduard Bernstein: 1900
1921. New Jersey: Humanities Press, 1996, p. 145. Artigo publicado pela Die Neue Zeit em 1916.
602
Ibid.
603
Cf. BERNSTEIN. “Las Premisas del socialismo y las tareas de la socialdemocracia.. In: Las Premisas del
socialismo y las tareas de la socialdemocracia. Problemas del socialismo. El revisionismo en la
socialdemocracia. México: Siglo Veintiuno, 1982, p. 218-223. Publicado em 1899.
168
classe operária, o sufrágio universal representaria a submissão gradual do poder do Estado à
vontade do proletariado
604
.
Conseqüentemente, a conquista do sufrágio universal é vista por Bernstein como “a
verdadeira revolução social”, enquanto que o “genuíno parlamentarismo”, baseado no
sufrágio universal, representaria na sociedade moderna industrial a ferramenta mais efetiva
para a implementação de profundas e graduais reformas, sem derramamento de sangue”
605
:
O sufrágio universal e a ação parlamentar devem ser vistas
como o ápice, a forma mais completa da luta de classes uma
revolução orgânica e permanente que é lutada dentro dos
parâmetros legais, refletindo o nível de desenvolvimento
cultural que corresponde à moderna civilização.
606
Devido à importância deste instrumento, Bernstein endossa a utilização da greve
política de massas com vistas à sua aquisição. Contudo, a greve de massas deveria ser vista
apenas como uma medida de emergência, não devendo ser utilizada como um “jogo pseudo-
revolucionário de românticos insurretos”, tal como em sua concepção estaria ocorrendo na
Rússia em 1905
607
. Nesta ocasião, contrapôs-se energicamente ao entusiasmo de Rosa
Luxemburg
608
e dos sindicalistas revolucionários, argumentando que tal instrumento estaria
sendo utilizado de modo irracional, desconsiderando-se as condições temporais e espaciais
concretas.
Pelo fato de a greve política atingir não apenas o regime político, mas também afetar
todo o setor comercial e, indiretamente, a própria classe trabalhadora, o autor impõe uma série
de restrições à sua utilização. Em sua concepção, os únicos casos em que a greve possui
condições de sair vitoriosa ocorrem quando a greve é apoiada por toda a sociedade civil, ou se
detiver poder suficiente para se impor tanto às partes hostis da sociedade civil quanto ao
governo.
Nestes termos, a greve política deveria ser exercida simplesmente como um forte
apelo à consciência pública, no intuito de despertar um adormecido senso de justiça nas
demais classes sociais. Neste caso acima de tudo a greve representaria uma “espada
604
BERNSTEIN. “Idealism, theory of struggle and science”. In: Selected writings of Eduard Bernstein: 1900
1921. New Jersey: Humanities Press, 1996, p.109. Artigo publicado pela Sozialistische Monatshefte, em 1901.
605
Cf. BERNSTEIN. “Political mass strike and romanticizing revolution”. In: Selected writings of Eduard
Bernstein: 1900 1921. New Jersey: Humanities Press, 1996, p.138. Artigo publicado pela Sozialistische
Monatshefte em 1906.
606
Ibid., p.139.
607
Ibid., p.136.
608
Ver LUXEMBURG, Rosa. Grève de masse, parti et syndicats. Paris: François Maspero, 1969.
169
econômica empunhada por propósitos éticos”
609
, a profunda expressão da luta por justiça que,
usada na hora certa, transformar-se-ia em uma poderosa conclamação a que outras classes se
engajassem na luta do proletariado.
Uma vez obtido o sufrágio universal, no entanto, outros meios de luta obteriam maior
destaque e credibilidade. Além da atuação legislativa no âmbito parlamentar, formas de
organização e associação de trabalhadores como sindicatos
610
e cooperativas de consumo
611
tornam-se fatores cruciais na luta emancipatória, por despertarem sentimentos de
solidariedade e responsabilidade. Estas instituições contribuiriam para organizar e disciplinar
politicamente a classe trabalhadora, preparando-a para a democracia. Isto se deve ao fato de
que, como todos os corpos democráticos, os sindicatos e as cooperativas seriam órgãos bem
estruturados que censurariam severamente as infrações ao dever, e que, ao mesmo tempo,
saberiam estimular a responsabilidade de seus membros e cuidar para que esta fosse
cumprida
612
. Assim, gradualmente a classe desenvolveria uma moral e uma consciência
jurídica que a habilitariam a participar da administração do Estado e da economia
613
.
Do ponto de vista revisionista, portanto, as tarefas incumbidas à social-democracia
consistiriam no estímulo à formação de cooperativas de consumo e sindicatos, além do total
apoio à luta parlamentar. Desta forma, progressivamente o proletariado ocuparia espaços
políticos, econômicos e morais na sociedade, influindo nos rumos do desenvolvimento social.
Logo que uma nação atingisse uma posição em que os direitos da minoria proprietária
cessassem de ser um sério obstáculo ao progresso social, onde as tarefas negativas da ação
609
BERNSTEIN. “Political mass strike and romanticizing revolution”. In: Selected writings of Eduard Bernstein:
1900 1921. New Jersey: Humanities Press, 1996, p.138. Artigo publicado pela Sozialistische Monatshefte em
1906, p.138.
610
Não obstante seu apreço pelos sindicatos, Bernstein admite que os sindicatos podem revestir-se, por vezes, de
um caráter egoísta ou mesmo reacionário, seja por defenderem interesses particulares, não extensivos a toda a
classe trabalhadora, seja por realizarem pressões com vistas a obstaculizar o progresso das forças produtivas
(Bernstein, 1982, p. 51).
611
Segundo Bernstein, enquanto as cooperativas de produção teriam experimentado um significativo fracasso
econômico, em função das dificuldades administrativas encontradas que levaram à sua oligarquização
mostrando-se inadequadas à grande produção moderna –, a cooperativa de consumo ter-se-ia mostrado muito
mais eficiente e em consonância com os interesses do proletariado. Estas representariam uma força econômica
real, um organismo com grande capacidade de direção e desenvolvimento, cujo interesse não estaria em
oposição ao interesse coletivo, por resultar na baixa geral dos preços das mercadorias (Bernstein, 1982, p.195).
612
BERNSTEIN. “La significación política y social del espacio y del número”. In: Las Premisas del socialismo
y las tareas de la socialdemocracia. Problemas del socialismo. El revisionismo en la socialdemocracia. México:
Siglo Veintiuno, 1982, p.51.
613
BERNSTEIN. “El factor realista y el factor ideológico en el socialismo”. In: Las Premisas del socialismo y
las tareas de la socialdemocracia. Problemas del socialismo. El revisionismo en la socialdemocracia. México:
Siglo Veintiuno, 1982, p.79. Artigo publicado pela Die Neue Zeit, vol. XVI, II, em 1897/1898.
170
política fossem menos prementes do que as positivas, então “o apelo à revolução pela força
converter-se-ia numa “frase sem sentido”
614
.
3.2.2- A evolução social em direção ao socialismo
Sob o prisma bernsteiniano, apesar de mais vagarosa do que o caminho
revolucionário, no tocante à remoção dos obstáculos que uma pequena minoria colocaria no
caminho do progresso social, a evolução social por via de reformas legislativas seria mais
sólida, permanente e melhor adaptada ao trabalho político-social positivo. Enquanto no
esquema revolucionário, “os preconceitos e os horizontes limitados da grande massa do povo
surgem como grande obstáculo ao progresso social”, na legislação, “o intelecto prevalece
sobre a emoção”
615
.
A ação parlamentar percebida como ética e racional levada a efeito pela
“aristocracia” do partido seria, portanto, a condutora por excelência do processo evolutivo
rumo ao socialismo, orientando e restringindo os impulsos revolucionários das massas não-
educadas. Como conseqüência, o processo de transformação histórica passa a ser concebido
como resultado dos desígnios de uma elite intelectual atuante na esfera governamental.
Evidentemente, tal deslocamento do sujeito da ação histórica transformadora reflete o grau de
distanciamento de Bernstein em relação à teoria marxiana, cuja assertiva principal consiste em
afirmar que a chave para a emancipação do proletariado reside em suas próprias mãos. Ao
mesmo tempo, mostra a sua sintonia com uma vertente liberal-democrática que se encontrou
fortalecida no início do século XX, na medida em que ressalta a iniciativa de traçar estratégias
e programas de planejamento econômico e social, no interior da sociedade capitalista, com
vistas à remodelação da ordem social.
Seguindo o raciocínio do autor, o SPD deveria assumir seu caráter anti-revolucionário
e declarar-se um partido reformista, concentrando-se na sua atividade prática imediata,
dirigida à criação de circunstâncias e condições que tornem possível e garantam uma transição
lenta, pacífica e sem sobressaltos da moderna ordem social à outra mais evoluída
616
. Neste
sentido, Bernstein afirma que o movimento (a série de processos), é tudo, ao passo que a meta
final é irrelevante, utópica.
614
BERNSTEIN. Socialismo evolucionário. Rio de Janeiro: Zahar, 1997, p.156.
615
Ibid.
616
Ibid., p. 115.
171
O lento caminho a ser trilhado em direção ao socialismo
617
envolveria, assim, a
intensificação do processo de democratização do Estado e da administração pública, através
da expansão da democracia para a área social como educação, saúde, artes e transporte e
econômica. A democratização da esfera econômica, segundo Bernstein, implicaria no controle
racional da economia e na eliminação de todas as formas de produção e expropriação
“parasitárias”
618
, de modo a subordinar os interesses da minoria privilegiada ao interesse
comum.
Como Hobson, Bernstein não subscreve a necessidade de uma completa coletivização
da economia, pois, em sua opinião, a socialização não implica fundamentalmente na
nacionalização ou municipalização de todas as empresas, podendo ser desenvolvida
gradualmente através de leis e regulamentos que restrinjam o controle privado. Neste sentido,
alega que “uma boa legislação fabril pode conter mais socialismo do que a nacionalização de
várias centenas de corporações” pois “leva em consideração os interesses do público e apóia o
bem-estar do povo em um grau muito mais elevado do que uma rápida nacionalização”
619
.
Embora o interesse da classe proletária exigisse a transferência de monopólios à
propriedade pública e o gerenciamento de fábricas e corporações exclusivamente em
benefício de toda a sociedade expandindo-se, desta forma, o controle social sobre a
produção e a distribuição –, a passagem gradual da gestão privada à pública poder-se-ia dar de
diversas maneiras:
Como representante do povo, o Estado poderia adquirir partes
das empresas privadas, e, enquanto deixa a maioria das
companhias nas mãos dos capitalistas, o Estado ativamente se
envolveria na prevenção de abusos de preços, de lucros
excessivos e do desenvolvimento monopolístico de trusts. Ao
assumir maior poder de decisão sobre a produção econômica, o
público ganharia mais direitos em face da economia privada.
620
617
Bernstein considera que “o número de pessoas, (...) o tamanho do espaço territorial que elas ocupam, o
crescente número de ramos em que se diferencia a produção e a grande quantidade, a diversidade e a extensão
das unidades de produção, tudo isto converte em uma grande improbabilidade a harmonização automática de
todos os interesses individuais em um interesse comum, que se confirma unificadamente em toda parte e em todo
sentido” (Bernstein, 1982, p.49).
618
Como Bernstein não é adepto da total coletivização da produção, pode-se concluir que as “empresas
parasitárias” a que ele se refere são, fundamentalmente, as sociedades por ações cujos proprietários
desfrutariam de lucros exorbitantes sem nenhuma contrapartida em termos de responsabilidade e gerenciamento
– e empresas que viveriam da especulação financeira.
619
BERNSTEIN. “What is Socialism?”. In: Selected writings of Eduard Bernstein: 1900 1921. New Jersey:
Humanities Press, 1996, p.156. Artigo publicado em 1918.
620
Ibid, p. 155.
172
Os limites impostos à coletivização justificar-se-iam não somente em virtude do
grande número de empresas industriais e agrícolas existentes na Alemanha, mas pela
necessidade de se manter um alto nível de produção e eficiência algo que, segundo
Bernstein não conseguiria ser obtido pela gestão de burocratas do Estado ou dos próprios
trabalhadores
621
. Além disto, a enorme diferenciação produtiva proporcionada pelas pequenas
e médias empresas atenderiam a demandas por produtos heterogêneos
622
. Deste modo, a
transformação de corporações privadas em públicas seria um processo que deveria ser
cuidadosamente decidido na base da análise de cada caso em particular, averiguando-se quais
ramos produtivos e empresas seriam mais adequados à socialização, de maneira a não
prejudicar o avanço das forças produtivas e o pleno funcionamento da economia.
Por conseguinte, Bernstein acredita não ser possível nem desejável eliminar o
capitalismo “por decreto”, uma vez que não se poderia prescindir dele
623
. Entretanto, as
empresas que permanecessem em mãos privadas estariam submetidas ao controle público,
atendendo prioritariamente aos interesses gerais da população e não à ambição de seus
proprietários.
624
Além da democratização da esfera econômica, a evolução em direção ao socialismo
exigiria a descentralização do poder público, seja através do desenvolvimento da autonomia
administrativa nas comunas, distritos e províncias (e da ampliação de suas funções), seja por
intermédio da difusão de organismos autônomos como sindicatos, comissões de arbitragem
industriais, câmaras de trabalho e cooperativas de consumidores, ou ainda instituições
econômicas semi-públicas, como seguradoras para trabalhadores e empresas de natureza
econômica mista.
621
Bernstein opõe-se à idéia de transformar trabalhadores em proprietários do dia para a noite. Em sua visão,
uma das causas principais da crise vivida na Russa após 1917 teria sido a coletivização de fábricas e a repartição
das grandes propriedades agrícolas, pois os trabalhadores, convertidos em proprietários, barrariam os avanços
tecnológicos e colocar-se-iam em oposição ao interesse geral. Para Bernstein, estas medidas não seriam
efetivamente socialistas (Bernstein, 1996, p.189-190).
622
Neste ponto, Bernstein adere à defesa da coletivização parcial, tal como esta é apresentada por Hobson: este
antevê a conveniência de adaptar-se à idéia de uma comunidade parcialmente coletivista, em que as necessidades
gerais, universais dos homens, seriam satisfeitas por “indústrias de rotina” (mecanizadas e coletivistas) para se
atender à demanda por produtos homogêneos (“consumo de massa”). Contudo, as pequenas empresas que
atendem a necessidades e gostos especiais e individuais seriam indispensáveis (Cf. Bernstein, 1982, p.17).
623
BERNSTEIN. “La lucha de la socialdemocracia y la revolucion de la sociedad”. In: Las Premisas del
socialismo y las tareas de la socialdemocracia. Problemas del socialismo. El revisionismo en la
socialdemocracia. México: Siglo Veintiuno, 1982, p.74. Artigo publicado pela Die Neue Zeit, vol. XVI,I, em
1897/1898.
624
Cf. BERNSTEIN. “Una teoría sobre los domínios y limites del colectivismo”. In: Las Premisas del
socialismo y las tareas de la socialdemocracia. Problemas del socialismo. El revisionismo en la
socialdemocracia. México: Siglo Veintiuno, 1982. Artigo publicado pela Die Neue Zeit, XV, I, e, 1896/1897.
173
A democracia socialista seria caracterizada, portanto, tanto pela difusão de formas de
controle público sobre a produção e a distribuição e pela adoção de um coletivismo limitado,
como pela descentralização do poder através da ampliação da democracia política e da
participação da sociedade civil. Logo, para Bernstein, a esfera pública deveria funcionar como
um fórum aberto à troca de idéias entre cidadãos iguais, não oprimidos por relações
econômicas de classe – pressuposto neokantiano que será retomado posteriormente por Jürgen
Habermas
625
.
O estabelecimento de relações equilibradas entre Estado e organismos populares
autônomos e democráticos nas municipalidades e províncias permitiria, de acordo com o
autor, um incremento do poder popular e a possibilidade de barrar a influência dos interesses
particulares e de formas de dominação de classe dentro do governo. Contudo, a importância e
necessidade de órgãos intermediários e corpos democráticos auto-administrativos não
tornariam o Estado, enquanto ente político, supérfluo. Por mais descentralizada que seja a
administração sempre restará tarefas sociais e funções a serem desempenhadas por um órgão
central.
Sendo assim, “não se trata, como disse Marx em “A Guerra Civil na França”, de
desfazer a unidade das nações que se tornaram historicamente grandes, mas de colocá-las
sobre uma nova base”
626
:
Não se visualiza uma razão para que no futuro as grandes
nações, historicamente construídas, deixem de ser unidades
administrativas. Uma fusão total das nações entre si não é
esperável nem desejável. As nações podem atender muito bem
aos interesses culturais comuns através de convênios e do
desenvolvimento do direito internacional, sem por isto
renunciarem à sua individualidade.
627
Decerto a ideologia do progresso propugnada pelo autor apresentava traços
nacionalistas presentes na cultura alemã dos séculos XIX e XX. Como Norbert Elias
assinala
628
, tal período foi marcado pela mudança na mentalidade dos representantes da
intelligentsia das classes médias, cuja identificação com valores e ideais humanistas
625
Cf. HABERMAS, J. Direito e democracia: entre facticidade e validade. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro,
1997.
626
BERNSTEIN. “La significación política y social del espacio y del numero”. In: Las Premisas del socialismo
y las tareas de la socialdemocracia. Problemas del socialismo. El revisionismo en la socialdemocracia. México:
Siglo Veintiuno, 1982, p. 52. Artigo publicado pela Die Neue zeit, vol. XV, II, e, 1896/1897.
627
Ibid, p.44.
628
ELIAS, Norbert. Os alemães: a luta pelo poder e a evolução do habitus nos séculos XIX e XX. Rio de
Janeiro: Zahar, 1997, p.119- 158.
174
orientados para o futuroe particularmente sua confiança no progresso moral da humanidade
– começa a dar lugar à ênfase em valores nacionais, fortalecidos devido à gradual ascensão do
Império unificado ao status de grande potência.
Os componentes idealistas da tradição cultural burguesa alemã, que ao longo do
século XVIII foram invocados no intuito de afirmar a oposição da burguesia em relação à
nobreza, passaram a entrar em declínio à medida que a própria burguesia passava a ocupar
posições de destaque no âmbito do Estado. Com efeito,
como símbolo de um desígnio global, como um ideal, o
conceito de “progresso” perdeu status e prestígio entre a
intelligentsia de classe média dos países onde grupos de classe
média se aliaram ou substituíram grupos aristocráticos como os
grupos dominantes de seus países. Deixou de ser o auspicioso
símbolo de um futuro melhor, iluminado pelo fulgor de fortes
sentimentos positivos. No seu lugar, uma imagem idealizada de
sua nação passou a ocupar o centro de sua auto-imagem, de
suas crenças sociais e de sua escala de valores
629
.
A incorporação de estratos da burguesia à elite política dominante propiciou, portanto,
o aburguesamento do código aristocrático, baseado em valores militares de estímulo à
coragem, obediência, honra, disciplina, responsabilidade e lealdade. A ampla difusão do
código aristocrático e do ethos guerreiro agora orientados por ideais nacionais entre os
membros da burguesia e da pequena-burguesia repercutiu, por mais paradoxal que possa
parecer, no seio da social-democracia, onde setores significativos mostravam-se favoráveis à
política colonial e expansionista de Guilherme II.
A posição assumida por Bernstein expressava igualmente tal dualidade. Embora
partisse em defesa da conservação das unidades nacionais, posicionava-se simultaneamente a
favor da solidariedade internacional entre trabalhadores e da autodeterminação nacional dos
países modernos civilizados. Sendo assim, apoiava a idéia de criação de uma Sociedade das
Nações, empenhada na solução pacífica dos conflitos internacionais
630
.
Todavia, em se tratando de países “mais atrasados” a social-democracia deveria
assumir uma postura diferenciada. Segundo Bernstein, nem todo levante de uma
nacionalidade ou de uma raça contra seus soberanos deveria suscitar o apoio moral ou ativo
629
ELIAS, Norbert. Os alemães: a luta pelo poder e a evolução do habitus nos séculos XIX e XX. Rio de
Janeiro: Zahar, 1997, p.129.
630
BERNSTEIN. Las Premisas del socialismo y las tareas de la socialdemocracia. Problemas del socialismo. El
revisionismo en la socialdemocracia. México: Siglo Veintiuno, 1982, p. 234.
175
da social-democracia, não obstante toda a justificada simpatia que a social-democracia
sentiria pelas lutas de libertação
631
.
A seu ver, a social-democracia deveria opor-se a todo chauvinismo colonial sem cair
no extremo oposto de apoiar indistintamente a toda reivindicação por direitos nacionais. Sua
posição a respeito da política colonial dependeria, portanto, das instituições e das condições
do país que levasse adiante semelhante política, da natureza das colônias projetadas e da
forma como o país em questão coloniza e administra suas colônias:
632
Não quero ver os nativos da África ou de qualquer outro
continente explorados ou degolados e tampouco estou de
acordo com que lhes imponham modos de vida não apropriados
ao seu clima. Foi assinalado, e eu mantenho, o direito da
civilização mais elevada sobre a inferior [grifo nosso] e é
incompreensível que um socialista possa negá-lo –, isto não
significa que a civilização inferior careça absolutamente de
direitos e que os direitos da primeira não imponham
obrigações.
633
Desta maneira, Bernstein acreditava ser possível que os Estados europeus efetivassem
medidas colonizadoras que não ferissem os direitos fundamentais dos “selvagens”, visando
assim uma “regulação humana do problema dos nativos”. No seu entender, não apenas não
seria necessário que a ocupação das terras tropicais por parte dos europeus prejudicasse a vida
dos indígenas, como isto sequer viria ocorrendo até então, posto que os nativos gozariam de
ampla proteção
634
.
Com efeito, Bernstein entende que a social-democracia deveria criticar principalmente
a forma como são submetidos os selvagens e não a dominação em si, uma vez que reconhecia
apenas um direito condicionado dos selvagens sobre os territórios que ocupam. A civilização
superior teria, em última instância, também um direito superior, por representar o “direito da
civilização e do progresso contra o espírito retardatário”
635
. Assim, defende que ante as tribos
que se adjudicaram o direito de comercializar com escravos ou tribos de ladrões que fizeram
631
BERNSTEIN. “La lucha de la socialdemocracia y la revolución de la sociedad”. In: Las Premisas del
socialismo y las tareas de la socialdemocracia. Problemas del socialismo. El revisionismo en la
socialdemocracia. México: Siglo Veintiuno, 1982, p.55. Artigo publicado pela Die Neue Zeit, vol. XVI, I, em
1897/1898.
632
Ibid, p. 75-76.
633
Ibid, p. 58.
634
BERNSTEIN. Las Premisas del socialismo y las tareas de la socialdemocracia. Problemas del socialismo. El
revisionismo en la socialdemocracia. México: Siglo Veintiuno, 1982, p. 241.
635
Íbid.
176
do saque a tribos vizinhas de agricultores um oficio permanente, a social-democracia
permaneça indiferente e, dado o caso, as enfrente como suas inimigas
636
.
A colonização, portanto, seria benéfica para povos bárbaros” e “primitivos”, tanto
econômica quanto culturalmente. A expansão do capitalismo para estas áreas levaria consigo
todo o progresso tecnológico e a abundância de mercadorias produzidas nos países centrais,
proporcionando maior desenvolvimento social e conforto aos nativos. Além disto, a difusão
da cultura moderna – com seus princípios de valorização da personalidade e da vida humana e
suas “instituições civilizadoras” justificaria, por si só, a ocupação destes territórios. Logo,
nestes casos, desde que a colonização seja efetuada sem prejuízo dos povos colonizados, a
“proteção da dominação européia” conduziria à “difusão da civilização”, ao progresso cultural
e a um “desenvolvimento geral da humanidade
637
. Diz Bernstein:
Por maior que tenha sido a violência, fraude e outras infâmias
que acompanharam a expansão da dominação européia nos
séculos passados e que atualmente continua em vigor em
muitos casos, no entanto, o outro lado da medalha mostra que
em geral os selvagens estão melhor agora, sob uma dominação
européia
638
.
Apesar de oferecer razões humanistas para a colonização de “povos bárbaros”, o autor
aponta ainda a importância das colônias para o desenvolvimento dos países capitalistas e o
fato de que a ampliação dos mercados e das relações comerciais internacionais seria uma
alavanca poderosa para o desenvolvimento social europeu, favorecendo o incremento das
forças produtivas e da riqueza destas nações
639
. Destarte, tal como Hobson, Bernstein atribui
ao colonialismo um papel relevante na obtenção de mercados externos e na expansão do
modo de produção capitalista em âmbito mundial. Longe de representar uma ameaça à social-
democracia, deveria ser visto como uma aproximação da meta socialista, uma vez que, de
acordo com o autor, quanto mais rica for a sociedade, mais fáceis e seguras serão as
realizações socialistas
640
.
636
BERNSTEIN. “La lucha de la socialdemocracia y la revolución de la sociedad. In: Las Premisas del
socialismo y las tareas de la socialdemocracia. Problemas del socialismo. El revisionismo en la
socialdemocracia. xico: Siglo Veintiuno, 1982, p. 55. Artigo publicado pela Die Neue Zeit, vol. XVI, I, em
1897/1898.
637
Ibid, p.61.
638
Ibid, p.60.
639
Ibid, p.76.
640
Ibid, p. 75.
177
Esta defesa de uma “política colonial positiva”, proferida em seu artigo “A luta da
social-democracia e a revolução social”
641
foi retomada posteriormente nos inúmeros debates
travados em congressos e publicações do partido acerca da questão colonial. Contrariando a
posição bernsteiniana, o Congresso de Mainz de 1900 aprovou uma resolução condenando a
política colonial e militarista do Reich, orientação esta que foi confirmada nos Congressos de
Paris (1900) e de Amsterdã (1904) da Internacional.
Embora consagrada em rios documentos oficiais do partido, tal determinação fora
cada vez mais questionada pela fração revisionista do SPD. Esta encontrou nos resultados
eleitorais de 1907 uma justificativa para a mudança definitiva no discurso da social-
democracia, de maneira a torná-lo mais palatável aos membros da pequena-burguesia, do
campesinato e da burguesia-liberal.
A dissolução do Reichstag, decorrente da primeira “crise do Marrocos” (em 1905)
642
, e
o processo eleitoral que a seguiu foram marcados pelo intenso estímulo aos sentimentos
nacionalistas, operado tanto pelos canais oficiais do governo como através de organizações
não-partidárias conservadoras e liberais – dentre elas destacavam-se a Liga Naval, a Liga Pan-
Germânica, a Liga Imperial contra a Social-Democracia, além de diversos grupos compostos
por colonos e militares
643
. A propaganda direcionada contra o Partido Social-Democrata
Alemão, e sua caracterização como traidor e antipatriótico, produziu efeitos consideráveis,
afastando as classes médias progressistas, seduzidas com as novas promessas da Weltpolitik
imperial. Como resultado, a social-democracia sofreu em 1907 uma significativa derrota
eleitoral, passando de 81 assentos (conquistados em 1903) para 43 assentos.
Diante do retrocesso nas eleições os representantes do partido no Parlamento passaram
a amenizar as suas críticas à política externa do governo e a pressão para a reformulação da
política colonial no sudoeste da África. Se antes pronunciavam palavras de ordem contra o
militarismo e a exploração colonial
644
, os discursos dos líderes da social-democracia,
641
BERNSTEIN. “La lucha de la socialdemocracia y la revolución de la sociedad”. In: Las Premisas del
socialismo y las tareas de la socialdemocracia. Problemas del socialismo. El revisionismo en la
socialdemocracia. México: Siglo Veintiuno, 1982, p. 484-548. Artigo publicado pela Die Neue Zeit, vol. XVI, I,
em 1897. Neste artigo, Bernstein pretende responder às acusações de filisteísmo dirigidas por Berfort Bax, em
seu artigo Kolonialpolitik und Chauvinismus” (publicado em Die Neue Zeit, n.14, 1896), realizando a defesa da
colonização inglesa na Turquia.
642
A crise contrapunha o governo alemão, que partia em defesa da autonomia nacional do Marrocos – no intuito
de afirmar seu poderio frente às antigas potências ao francês, que planejava o controle político daquele
território. Este episódio despertou a população européia para o perigo de novos conflitos internacionais.
643
Cf. SCHORSKE, C. German social democracy. 1905- 1917: The development of the great schism. New
York: Harper Torchbooks, 1972, p.62-63.
644
Diesem System keinen Mann und keinen Groschen (“À este sistema, nem homem nem vintém”) (Scorske,
1982, p. 62).
178
especialmente de August Bebel e Gustav Noske, mostravam-se cada vez mais
condescendentes: alegavam não condenar de antemão a política imperialista, restringindo-se a
advogar em nome dos “interesses nacionais” contra os “abusos do militarismo” (a forma de
tratamento dos soldados e a rigorosa justiça militar). Na tribuna, Bebel passa a utilizar como
argumento para a rejeição das leis de armamentos e das verbas orçamentárias destinadas ao
exército e à marinha o simples fato de que o fardo financeiro recairia sobre o povo, através da
taxação direta, ao invés de impostos indiretos
645
.
Enquanto a fração parlamentar e a ala direita do partido progressivamente capitulavam
perante os apelos nacionalistas e imperialistas do governo, aderindo à preleção pelo
fortalecimento do exército alemão e a preparação para eventuais “guerras defensivas”, a ala
esquerda, composta por personalidades como Karl Liebknecht, Rosa Luxemburg e Hermann
Dunker, alertava para a necessidade de congregar a juventude contra o militarismo
646
.
A divisão do partido expressou-se de forma clara no Congresso de Stuttgart da
Internacional, em agosto de 1907, onde foram colocados em pauta o militarismo e o
colonialismo a despeito da declarada oposição da delegação alemã
647
. A comissão
encarregada da elaboração de uma resolução sobre a questão colonial cindiu-se em uma
corrente minoritária, liderada por Ledebour, e uma majoritária, sob a direção de Eduard
David, Bernstein e Van Koll. Enquanto a minoria apoiou a manutenção das resoluções dos
Congressos de Paris (1900) e Amsterdã (1904) que condenavam os métodos bárbaros da
colonização capitalista, “fundados em uma política de roubos e de conquista”, a maioria da
comissão posicionou-se favoravelmente à “política colonial positiva”, enunciando os
“benefícios” da colonização para a classe operária
648
. Na ocasião dos debates Van Koll,
membro da delegação holandesa, chegara a afirmar:
As colônias são tão antigas quanto a humanidade e continuarão
a existir durante muito tempo. o haverá nenhum socialista
que acredite que as colônias são desnecessárias para a ordem
futura. (...) Eu pergunto a Ledebour se ele possui coragem para
645
Schorske, 1982, p.76.
646
Desde 1904, no Congresso de Bremen, Karl Liebknecht havia apresentado propostas de ações anti-militaristas
que foram peremptoriamente rejeitadas pelosderes do Partido. Isto se repetiu nos congressos de Iena (1905) e
de Mannheim (1906). Em 1907 Liebknecht foi condenado a um ano e meio de prisão, acusado de alta traição
pelo conteúdo de seu artigo “Militarismo e Anti-Militarismo”. Em 1908, Rosa Luxemburg publicou sua brochura
“A questão nacional”, em defesa da autodeterminação nacional dos países colonizados.
647
Em março de 1906 os delegados do SPD se opuseram à inclusão da questão militar na pauta do Congresso.
Cabe ressaltar que metade da representação alemã no Congresso era composta por pessoas escolhidas entre os
sindicatos, o restante vinha de organizações provinciais, principalmente da Baviera, Baden, Württemberg,
Hessen, e Hanover.
648
Cf. CARONE, Edgard. A II Internacional pelos seus congressos (1889-1914). São Paulo: Edusp, 1993.
179
abrir mão das colônias agora, sob o regime capitalista. Talvez
ele nos diga o que fará com a população excedente da Europa:
em que países aqueles que necessitam emigrar devem procurar
suas cidades, se o nas colônias? O que Ledebour fará com a
crescente produção da indústria européia, se não forem criados
novos mercados nos territórios coloniais? Ele, enquanto social-
democrata, rejeitará seu dever de trabalhar no sentido de
civilizar e desenvolver povos subdesenvolvidos?
649
Os argumentos de Bernstein apontaram no mesmo sentido, exigindo que a social-
democracia reconheça a necessidade das colônias para o avanço da economia alemã e adote
uma posição ativa, propositiva, para solucionar o problema das colônias. Através de reformas
e da constituição de um Direito Colonial Internacional, a social-democracia deixaria de
ocupar uma posição puramente negativa, aproximando-se de uma política colonial socialista.
Assim, de acordo com Bernstein, dever-se-ia afastar a idéia utópica que implica em abrir mão
de colônias:
As colônias estão aqui para ficar: nós devemos nos dar conta
disto. Povos civilizados devem exercer certa tutela sobre povos
não-civilizados até mesmo os socialistas devem reconhecê-lo.
Deixe que nos baseemos em fatos reais, que nos levarão a opor
a política colonial capitalista com uma socialista. Muito de
nossa vida econômica depende de produtos das colônias que os
nativos não foram capazes de utilizar
650
.
Eduard David também desempenhou um papel relevante na vitória da deliberação pró-
colonialista dentro da comissão. Segundo sua visão, a política colonial não seria prejudicial
aos nativos, porquanto sem a tutela européia cairiam novamente na “barbárie”. A “ação
civilizadora” européia levaria ao desenvolvimento econômico das colônias e à implantação do
capitalismo nestes territórios, pré-condição esta necessária para uma ordem econômica
socialista. Para fundamentar sua posição, David utiliza como referência a seguinte declaração
de Bebel, apresentada em 1º de dezembro de 1906:
A efetivação de uma política colonial não é por si um crime.
Uma política colonial pode em certas circunstâncias ser um
fator civilizador. Depende de como a política colonial é
executada. Se os representantes de sociedades civilizadas vão
para povos estrangeiros como amigos, bem-feitores, educadores
de humanidade, para ajudá-los a utilizar os tesouros de suas
terras em seu próprio benefício e de toda a humanidade
civilizada, então nós estamos de acordo com isto
651
.
649
KAUTSKY, Karl. “Socialism and colonial policy”. In: <www.marxists.com>, acesso em 20/2/2006.
650
Ibid.
651
Ibid.
180
O texto produzido pela corrente majoritária da comissão reproduziu o teor destes
discursos, anunciando que “o congresso não rejeita a política colonial, em princípio, posto que
pode operar como fator civilizador sob um regime socialista” e que “a ocupação e a
exploração de toda terra são indispensáveis ao bem-estar da humanidade”
652
. Contudo, tal
resolução foi rejeitada pelo Congresso, tendo recebido 108 votos favoráveis e 127 votos
contrários (originados principalmente das delegações francesa, inglesa e italiana).
A proposição vitoriosa na Internacional reconhecia que a política colonial capitalista
“por sua própria essência conduz necessariamente à servidão, ao trabalho forçado ou à
destruição das populações indígenas”, pois “em lugar de fazer crescer as forças produtivas, as
destrói através da escravidão e da miséria a que reduz os indígenas”
653
. Ademais, repreendia
os social-democratas que tentam encobrir a exploração dos povos nativos sob o pretexto de
levarem adiante uma missão civilizadora:
Os socialistas têm o dever de lutar contra a situação de
exploração colonial por todos os meios, entre eles o
Parlamento, que deve impor reformas para melhorar a sorte dos
indígenas, cuidando para manter os direitos destes, impedindo
toda exploração, e trabalhando pela educação destes povos pela
independência
654
.
Ainda no ano de 1907 a resolução elaborada e apoiada pela maioria da social-
democracia alemã que contrariara a deliberação anti-colonial do Congresso de Mainz foi
novamente colocada em questão no Congresso de Essen do SPD. De acordo com Kautsky em
sua obra “Socialismo e política colonial”
655
, escrita especialmente para a ocasião, as
discussões no encontro giraram em torno da tentativa de conciliar as duas posições,
minorando e menosprezando os aspectos divergentes. Kautsky, contrariamente, advertira para
o fato de que as diferenças apresentadas entre as duas propostas concernindo à questão
colonial são mais do que aparentes, repousando em diferentes posturas teóricas e práticas.
Deste modo, Kautsky sublinhara as disparidades existentes entre os socialistas e os
revisionistas, ressaltando que as divergências referentes à política colonial contrapõem a visão
otimista dos revisionistas com sua crença na humanização e no progresso da sociedade
capitalista – à visão “realista”, hegemônica no partido, de que o capitalismo seria tão danoso à
humanidade que produziria as condições históricas de sua própria superação, mediante uma
652
Carone, 1993, p.91.
653
Ibid.
654
Ibid.
655
KAUTSKY, Karl. “Socialism and colonial policy”. In: <www.marxists.com>, acesso em 20/2/2006.
181
sucessão de crises econômicas que levariam ao colapso da ordem social vigente e ao
surgimento da nova ordem socialista.
Kautsky, contudo, não se deu conta de que a concepção predominante entre os
chamados “marxistas ortodoxos”, embora substancialmente díspar do ideal revisionista, trazia
em si as mesmas vicissitudes decorrentes da ideologia do progresso. Seja pelo prenúncio de
uma mudança gradual e progressiva nas entranhas da própria sociedade burguesa, seja pela
perspectiva de um movimento natural desaguando inequivocamente no caos de onde brotaria
a nova sociedade, ambas interpretações da história redundaram em uma visão fatalista que,
conquanto fortalecesse e impulsionasse a luta cotidiana por reformas imediatas, contribuiu
para a acomodação e perda de radicalidade do movimento operário
656
.
3.2.3- Entre o materialismo e o Idealismo
Como foi visto, a concepção bernsteiniana de uma evolução “orgânica” da sociedade
em direção ao socialismo ou seja, a uma ordem social democrática e libertária que conduz a
uma distribuição mais justa do produto social, à estabilização da economia e à emancipação
econômica e moral tende a obscurecer a oposição fundamental entre liberalismo e
socialismo, sempre presente nas obras de Marx e Engels.
A superestimação da capacidade de manipulação e aperfeiçoamento das instituições
liberais no âmbito do modo de produção capitalista (no tocante ao combate aos privilégios de
classe e à desigualdade econômica) levou Bernstein a condicionar tais mudanças à elevação
moral das demais classes sociais. Tal solução exigira a reavaliação de seu posicionamento
teórico em relação ao materialismo histórico, o que manteve seu pensamento em permanente
tensão entre o materialismo e o idealismo.
Segundo Bernstein, ao identificar o modo de produção como o fator determinante do
desenvolvimento social, o marxismo teria oferecido à teoria social uma nova e inabalável
base:
O que Darwin descobriu a respeito da emergência de novas
formas e tipos de plantas e animais, Marx desenvolveu no
domínio da evolução histórica da sociedade humana. (...)
Assim, a teoria social evolucionista de Marx não pode ser nunca
interpretada como uma mera questão de vontade. Em seu curso
656
Como conseqüência, a postura passiva e o expectativismo da social-democracia conduziram grande número
de suas fileiras a negarem apoio à Revolução Russa e à insurreição alemã de 1919, vistas como momentos de
ruptura drástica de um processo predeterminado, desvios do caminho natural.
182
gradual de desenvolvimento os seres humanos continuam
ligados às suas condições de existência. Em outras palavras, é a
economia que representa, em último caso, o fator decisivo na
história da evolução da sociedade humana
657
.
A ênfase na vinculação da esfera sócio-política ao desenvolvimento econômico seria,
para o autor, o aspecto mais característico da teoria do desenvolvimento social de Marx e
Engels e sua mais valiosa contribuição
658
. Bernstein, entretanto, apresentara reservas ao que
considerava um “materialismo puro”, determinista
659
. A seu ver, o materialismo puro ou
absoluto seria tão especulativo quanto o idealismo puro ou absoluto, pois ambos
considerariam idênticos o ser e o pensar, embora sob diferentes perspectivas
660
.
De acordo com Bernstein, portanto, a idéia de que relações de produção determinam
as instituições sociais e a direção do pensamento humano facilmente conduziria ao “culto
incondicional da matéria”
661
:
Pode-se escolher interpretar esta teoria unilateralmente. Por
exemplo, pode-se exagerar a força determinante dos fatores
técnico-econômicos; pode-se esquecer do fato de que seres
humanos possuem cérebros que refletem, desenvolvem
ideologias, moralidade e leis ou desconsiderar os efeitos
determinantes das idéias sobre o desenvolvimento cultural e a
produção. Além disto, pode-se ver o conceito de “modo de
produção” superficialmente e assim subestimar a concepção
histórica de Marx, uma interpretação que pode levar a uma
sobrestimação, ou do momento econômico, ou do papel das
idéias.
662
A crítica de Bernstein à concepção materialista da história – a pedra de toque da teoria
marxista incidiria sobre aspectos de uma teoria que, em sua opinião, os próprios fundadores
657
BERNSTEIN, E. “Revisionism in Social Democracy”. In: Selected writings of Eduard Bernstein: 1900
1921. New Jersey: Humanities Press, 1996, p.69. Artigo escrito em 1909.
658
Bernstein deixa claro, no entanto, que o materialismo, aplicado à história, não é especificamente socialista,
tendo sido difundido nos movimentos liberais dos séculos XVII e XVIII na Inglaterra e na França (Bernstein,
1996, p.46).
659
Em artigo publicado em 1905 pela Sozialistische Monatshefte, intitulado “De alguém pronunciado morto”,
Bernstein revela que não pretende contrapor-se ao materialismo histórico, mas sim à interpretação determinista
do materialismo histórico: “Materialismo histórico e luta de classes sempre foram colocadas erroneamente como
matérias de disputa, pois os revisionistas nunca discordaram que mudanças econômicas influenciam
crucialmente a política, a sociedade e o pensamento. O único desacordo era com a extensão dessas forças
determinantes sobre fatores ideológicos na história” (Bernstein, 1996, p.58).
660
BERNSTEIN. “El factor realista y el factor ideológico en el socialismo”. In: Las Premisas del socialismo y
las tareas de la socialdemocracia. Problemas del socialismo. El revisionismo en la socialdemocracia. México:
Siglo Veintiuno, 1982, p. 79. Artigo publicado pela Die Neue Zeit em 1897/1898.
661
BERNSTEIN, E. “The Marx cult and the right to revise”. In: Selected writings of Eduard Bernstein: 1900
1921. New Jersey: Humanities Press, 1996, p.52. Artigo publicado pela Sozialistische Monatshefte., em 1903.
662
BERNSTEIN, E. “Revisionism in Social Democracy”. In: Selected writings of Eduard Bernstein: 1900
1921. New Jersey: Humanities Press, 1996, p.70. Artigo publicado em 1909.
183
teriam oferecido definições divergentes. Deste modo, a fórmula do materialismo histórico, tal
como fora apresentada por Marx e Engels, necessitaria de suplementação, pois ela apenas
proporcionaria a base para uma investigação da origem das grandes transformações sociais,
faltando-lhe a sutileza necessária para uma explanação minuciosa dos processos evolutivos da
história.
Segundo Bernstein, apesar de Marx e Engels terem basicamente compreendido este
fato, eles repetidamente negligenciaram importantes fatores na aplicação de sua teoria, dando
uma ênfase unilateral aos aspectos econômicos. Esta ênfase excessiva nas causas econômicas
teria resultado em uma série de erros de cálculo que levariam a prognósticos sociais
equivocados, como, por exemplo, o processo de dissolução e atomização da família
663
, a teoria
da luta de classes e a teoria do colapso
664
. Por conseguinte, a influência da ideologia teria sido
mal-compreendida nos escritos iniciais de Marx e Engels, ou ao menos não estaria definida
adequadamente
665
. Diante desta conclusão, Bernstein, asseverara que qualquer um que
pretendesse aplicar o materialismo histórico de Marx e Engels deveria aderir à versão
“madura e refinada” que Engels
666
proporcionou nos seus escritos posteriores, principalmente
em seu “Anti-Dühring”
667
:
Quem aplica hoje a teoria materialista da história está obrigado
a aplicá-la em sua forma mais avançada e não em sua forma
primitiva; tem a obrigação de tomar em conta plenamente, além
do desenvolvimento e a influência das forças produtivas e das
relações de produção, as concepções morais e jurídicas, as
tradições históricas e religiosas de cada época, a influência dos
fatores geográficos e de todos os demais fatores naturais, dos
663
Para Bernstein, a dissolução ou transformação radical da família não estaria no horizonte. A idéia de que
em círculos burgueses se encontraria a forma desenvolvida da família burguesa, verificando-se a ausência de
família no proletariado, pelo fato de os vínculos familiares terem sido abalados pela emergência da grande
indústria, o se sustentaria. Ao invés de desaparecer a forma tradicional de família burguesa teria sido
assimilada pelas demais classes sociais, sendo a família ainda considerada uma “unidade de produção”.
664
BERNSTEIN, E. “The Marx cult and the right to revise”. In: Selected writings of Eduard Bernstein: 1900
1921. New Jersey: Humanities Press, 1996, p.48. Artigo publicado pela Sozialistische Monatshefte., em 1903.
665
Segundo Bernstein, Engels admitiria isto em suas famosas cartas de 1890, como por exemplo a carta a
Conrad Schmidt, de 27/10/1890, em que admite a autonomia relativa de elementos da superestrutura, como o
Estado, e a noção de “última instância”. Cf. BERNSTEIN, E. “To my socialist critics”. In: Selected writings of
Eduard Bernstein: 1900 1921. New Jersey: Humanities Press, 1996, p.37. Prefácio à edição francesa de “Os
pressupostos do socialismo e as tarefas da social-democracia”, publicado em 1900.
666
De acordo com Bernstein, “as únicas correções do método de Marx que podem ser encontradas em seu livro
são aquelas realizadas pelo próprio Engels” (Bernstein, 1996, p. 37).
667
Bernstein atribui à Engels a idéia de que quanto maior o domínio humano sobre o desenvolvimento da
natureza e da economia, menor os efeitos deterministas das leis objetivas do desenvolvimento histórico. Assim
Bernstein interpreta a idéia da realização do socialismo como a “passagem do reino da necessidade para o reino
da liberdade”.
184
que forma parte também a natureza do homem mesmo e de suas
atitudes espirituais.
668
Assim, embora concordasse que “a economia é sempre o fator decisivo, o ponto
arquimediano de todos os grandes desenvolvimentos na história”
669
, Bernstein ressaltara a
influência concomitante de fatores não-econômicos sobre o curso histórico. A perspectiva
revisionista de Bernstein, portanto, pretendia conciliar materialismo e idealismo, no intuito de
abarcar a multiplicidade e complexidade de fatores atuantes na vida social. Neste sentido,
argumentara que os fatores sociais, políticos e ideológicos possuiriam certa autonomia,
conquanto reconhecesse que “a ordem legal geral, a composição da sociedade, e a natureza
das classes são, em última instância
670
, enraizadas nas condições econômicas”
671
. Contudo, o
grau de desenvolvimento econômico alcançado pela sociedade alemã conferiria aos fatores
ideológicos, e sobretudo aos éticos, uma autonomia muito mais ampla do que no passado. Por
conseguinte, o vínculo causal entre o desenvolvimento cnico-econômico e o
desenvolvimento das demais instituições sociais dar-se-ia de forma cada vez mais mediata e
menos decisiva.
672
Ao mitigar a idéia da existência de uma “necessidade férrea da história”, Bernstein
acreditava conferir à social-democracia um papel mais significativo na evolução gradual ao
socialismo do que aquele atribuído pelo “expectativismo revolucionário” dos líderes do
partido. Através da atuação partidária e parlamentar seria possível despertar o interesse
subjetivo do proletariado – o elemento ético do socialismo. Segundo Bernstein, esta dimensão
“ideológica” do socialismo seria incontestável, uma vez que a deliberação de uma meta e a
realização de uma idéia não seriam ditadas por uma necessidade objetiva, refletindo antes
forças subjetivas
673
.
668
BERNSTEIN. Las Premisas del socialismo y las tareas de la socialdemocracia. México: Siglo Veintiuno,
1982, p.117.
669
BERNSTEIN, E. “The Marx cult and the right to revise”. In: Selected writings of Eduard Bernstein: 1900
1921. New Jersey: Humanities Press, 1996, p.46. Artigo publicado pela Sozialistische Monatshefte., em 1903.
670
Pelo fato de a economia continuar sendo o fator decisivo, embora não exclusivo, da história, Bernstein sugeriu
a substituição do nome “materialismo histórico”, por “concepção econômica da história (Bernstein, 1982, p.
119).
671
BERNSTEIN, E. “Revisionism in Social Democracy”. In: Selected writings of Eduard Bernstein: 1900
1921. New Jersey: Humanities Press, 1996, p.70. Artigo publicado em 1909.
672
BERNSTEIN. Las Premisas del socialismo y las tareas de la socialdemocracia. México: Siglo Veintiuno,
1982, p.119.
673
Onde a vontade humana não indica a direção (como por exemplo, na competição econômica), pode-se falar
confiantemente em uma força objetiva. Mas onde a vontade determina a direção, estamos enfrentando forças
subjetivas” (Bernstein, 1996, p.36).
185
De acordo com Bernstein, o desejo de melhorar as condições de um grupo social
específico nunca poderia ser considerado “objetivo”. Mesmo reconhecendo a influência
crucial do ambiente e das condições sociais e naturais na formação da base objetiva da
vontade, esta base não seria puramente material: as concepções éticas, legais, religiosas e
científicas também desempenhariam papel importante na composição da consciência
proletária
674
. O caráter ético das idéias proletárias e, particularmente, do marxismo, residiria
no “ponto de vista do proletariado”, responsável pelo estímulo moral que daria força ao
movimento socialista em sua busca por uma ordem social mais justa e racional. Consoante
Bernstein,
Toda teoria do desenvolvimento futuro, por mais materialista
que seja, está necessariamente tingida de ideologia. Justamente
quando se apóia em fenômenos econômicos concretos, pois as
correntes espirituais, os conceitos morais, etc, são coisas
absolutamente reais, ainda quando existam nas cabeças das
pessoas. O socialismo marxista não se diferencia de outras
teorias socialistas no sentido de que está livre de toda ideologia.
Isto não ocorre com nenhuma doutrina orientada para o futuro.
Sem ideologia cessa em geral toda a atividade reformista de
grande alcance.
675
Logo, apesar de o movimento socialista estar firmemente ancorado na realidade
graças a Marx e Engels que o teriam “removido do domínio da fantasia e o colocado na base
da vida social real”, devido a seu esforço de fundamentação científica não poderia
prescindir de elementos ideológicos que exprimem a nobre meta social da moderna luta de
classes. Como doutrina o socialismo representaria, então, a teoria da luta de classes; como
movimento não seria nada mais do que a concentração em um objetivo específico, qual seja, a
transformação da sociedade capitalista em uma economia organizada coletivamente.
676
Por conseguinte, o socialismo, seja enquanto teoria de uma ordem social, seja como
movimento em direção a uma certa ordem, seria imbuído de um elemento idealista é algo
que deve ser ou o movimento em direção a algo que deve ser. Sem o fator subjetivo o
674
A consideração da ação simultânea de forças materiais e ideológicas afastar-nos-ia tanto do fatalismo
histórico quanto do voluntarismo inconseqüente, já que a “vontade é importante, mas para sair vitoriosa depende
de certas forças e condições sociais e do grau de sua maturidade” (Bernstein, 1996, p.187).
675
BERNSTEIN. “El factor realista y el factor ideológico en el socialismo”. In: Las Premisas del socialismo y
las tareas de la socialdemocracia. Problemas del socialismo. El revisionismo en la socialdemocracia. xico:
Siglo Veintiuno, 1982, p. 91. Artigo publicado pela Die Neue Zeit em 1897/1898.
676
BERNSTEIN, E. “How is scientific socialism posible?”. In: Selected writings of Eduard Bernstein: 1900
1921. New Jersey: Humanities Press, 1996, p.96. Palestra apresentada na Associação Estudantil para Ciência
Social, na Universidade de Berlim em maio de 1901.
186
interesse e a moral não haveria qualquer ação social, pois embora a cognição seja capaz de
despertar ou liderar o interesse, por si só ela seria inativa.
Uma teoria socialista baseada no materialismo histórico retira o
socialismo do domínio da pura ideologia. Ao mesmo tempo
mostra que o socialismo não é meramente voluntário, mas que a
aspiração ao socialismo, longe de ser casual, é condicionada por
circunstâncias históricas particulares. Contudo, estas
circunstâncias históricas não podem regular a vontade nem
(...) prever o futuro [grifo nosso].
677
Como a luta de classes, para Bernstein, representaria um conflito de interesses, sua
meta seria igualmente produto das aspirações coletivas do proletariado. Sendo assim, a idéia
de um objetivo final em um futuro longínquo perderia quase inteiramente seu caráter
científico. Diante disto, quanto mais a teoria socialista fosse influenciada pela “meta final”
678
,
menos científica ela seria. Do mesmo modo, ela ganharia em estatura científica ao limitar-se a
simples proposições, baseadas nas tendências e forças empíricas atuantes no momento, que
visassem criar, no presente, as condições para uma transformação socialista da sociedade.
679
Contudo, mesmo limitada a estas tarefas imediatas, a teoria socialista nunca poderia
chegar ao patamar de uma “ciência pura”. Na concepção de Bernstein, para ser considerado
uma ciência pura, o socialismo teria que renunciar a ser uma doutrina de classe, uma vez que
a teoria socialista apenas seria científica se suas proposições pudessem ser aceitas por
qualquer desinteressado e objetivo não-socialista .
680
Desta forma, Bernstein simultaneamente contestara o caráter científico da doutrina
socialista – na medida em que todas as projeções históricas conteriam um elemento hipotético
e exaltara sua fundamentação empírica, característica que a distinguiria de outras doutrinas
políticas:
A ciência é livre de tendências; ao meramente reconhecer a
facticidade da vida social, ela não pertence nem a partido nem a
classe. Ao contrário, o socialismo expressa tendências e como
uma doutrina de um partido progressista ele não pode estar
vinculado a simples fatos. Mas porque o objetivo do socialismo
está de acordo com o desenvolvimento social como
constantemente mostrado pela pesquisa científica relativa às
forças motoras da sociedade moderna é possível para a teoria
677
BERNSTEIN, E. “The Marx cult and the right to revise”. In: Selected writings of Eduard Bernstein: 1900
1921. New Jersey: Humanities Press, 1996, p.47. Artigo publicado pela Sozialistische Monatshefte em 1903.
678
O conceito de “meta final”, portanto, seria útil heuristicamente, mas não científico.
679
BERNSTEIN, E. “The core issue of the dispute: a final reply to the question: how is scientific socialism
possible?”. In: Selected writings of Eduard Bernstein: 1900 1921. New Jersey: Humanities Press, 1996, p.116.
Artigo publicado pela Sozialistische Monatshefte em 1901.
680
Ibid.
187
socialista, mais do que para qualquer outra teoria política,
encontrar demandas científicas. A social-democracia, o partido
do socialismo, é então superior a qualquer outro partido político
por ajustar seus objetivos e demandas à teoria e exigências das
ciências sociais.
681
Nestes termos, embora não fosse considerado por Bernstein como uma ciência pura
682
,
o socialismo se beneficiaria sobremaneira do conhecimento científico dos fatores que
contribuem para o desenvolvimento social. A utilização da ciência na escolha dos métodos e
estratégias apropriados para a consecução dos objetivos almejados pelos social-democratas
seria uma tarefa de extrema importância a ser efetivada pelo partido pois, para alcançar as
metas estipuladas, o socialismo necessitaria compreender as causas e efeitos, forças e
interdependências da sociedade.
683
Sendo assim, apesar de depender de fatores subjetivos, a realização do socialismo não
seria nunca uma questão de mera arbitrariedade, porquanto, se subjugassem a ciência à
vontade petrificar-se-ia o dinamismo da crítica em um dogmatismo estático. Outrossim,
consoante o autor:
Negligenciar esta divisão entre ciência e vontade pode provocar
tentativas teóricas rígidas para fazer o socialismo depender de
provas de sua necessidade imanente. Tais esforços não podem
nunca coincidir com o método científico. Meu kantismo
socialista emerge das tentativas realistas de derivar a “razão da
vontade socialista” de um método que leva em conta condições
históricas realmente existentes e tendências evolucionistas.
684
A oposição bernsteiniana à cientificidade do socialismo levou-o a questionar o
conceito de “socialismo científico”, introduzido por Engels. De acordo com sua opinião, além
de evocar idéias errôneas, este rótulo também traria um grande risco para o socialismo ao
instituir a premissa de imparcialidade científica em um movimento social parcial por
natureza, devido à sua perspectiva de classe. Bernstein, então, recomenda que se substitua o
termo “socialismo científico” por “socialismo crítico”
685
, alegando, contudo, que não estaria
681
BERNSTEIN, E. How is scientific socialism possible?”. In: Selected writings of Eduard Bernstein: 1900
1921. New Jersey: Humanities Press, 1996, p.101. Palestra apresentada na Associação Estudantil para Ciência
Social, na Universidade de Berlim em maio de 1901.
682
Para Bernstein, enxergar o socialismo como uma ciência pura significaria aderir a uma especulação metafísica
ao invés de se lidar com a realidade.
683
BERNSTEIN, E. How is scientific socialism possible?”. In: Selected writings of Eduard Bernstein: 1900
1921. New Jersey: Humanities Press, 1996, p.100. Palestra apresentada na Associação Estudantil para Ciência
Social, na Universidade de Berlim em maio de 1901.
684
BERNSTEIN, E. “Idealism, theory of struggle, and science”. In: Selected writings of Eduard Bernstein: 1900
– 1921. New Jersey: Humanities Press, 1996, p.110. Artigo publicado pela Sozialistische Monatshefte.em 1901.
685
Bernstein utiliza “crítica” no mesmo sentido do criticismo de Kant. O autor deriva esta nova nomenclatura da
mudança sugerida por Antonio Labriola, que substituíra o termo “socialismo científico” por comunismo
188
negando as linhas científicas básicas do marxismo. A seu ver, simplesmente estaria afirmando
que o socialismo nunca poderia ser “exclusivamente” científico, sem colocar em xeque a
possibilidade de fundamentação científica da teoria socialista.
686
Mais uma vez, portanto, Bernstein contrapôs-se radicalmente às teses de Marx e
Engels. Estes não possuíam quaisquer dúvidas a respeito da cientificidade de seu
empreendimento teórico. Para tais pensadores, tratava-se de descobrir, através de investigação
empírica, as leis e tendências que governam o modo de produção capitalista e as relações de
produção e de troca a ele inerentes:
É, sem dúvida, necessário distinguir o método de exposição
formalmente, do método de pesquisa. A pesquisa tem de captar
detalhadamente a matéria, analisar as suas várias formas de
evolução e rastrear sua conexão íntima. depois de concluído
esse trabalho é que se pode expor adequadamente o movimento
real. Caso se consiga isso, e espelhada idealmente agora a vida
da matéria, talvez possa parecer que se esteja tratando de uma
construção a priori .
687
Bernstein não realiza a distinção supracitada entre método de exposição e método de
pesquisa, passando a vislumbrar, em meio à obra de Marx, um dualismo
688
que macularia o
potencial científico da teoria marxista. Segundo o autor, Marx teria repetidamente ajustado os
resultados de sua análise ao objetivo último do esquema demonstrativo, comprometendo
assim seus prognósticos relativos ao desenvolvimento do modo de produção capitalista.
Em sua opinião, “no fundo, esta grande mente científica encontrava-se prisioneira de
uma doutrina”
689
que influenciaria o resultado final de sua análise acerca das tendências
operantes na sociedade capitalista. Bernstein considerou o capítulo XXIV de “O Capital”,
onde Marx discorrera a respeito da tendência histórica da acumulação capitalista, um exemplo
significativo desta contradição:
crítico”.
686
Ibid, p.113.
687
MARX, Karl. O Capital: Crítica da Economia Política. vol.1, livro I. São Paulo: Nova Cultural, 1985, p. 20.
Posfácio à segunda edição de “O Capital”.
688
Bernstein não foi o primeiro autor a atribuir a Marx uma postura dualista e contraditória. Assim, no Posfácio
da segunda edição de “O Capital”, Marx constata este fato: “O método aplicado em O Capital foi pouco
entendido, como o demonstraram as interpretações contraditórias do mesmo. Assim, a Revue Positiviste me
acusa de que eu, por um lado, trato a Economia metafisicamente e, por outro adivinhem! –, de que eu me
limitaria à mera análise crítica do dado, em vez de prescrever receitas (comteanas?) para a cozinha do futuro”
(Marx, 1985, p.18).
689
BERNSTEIN. Las Premisas del socialismo y las tareas de la socialdemocracia. México: Siglo Veintiuno,
1982, p.266. Ao contrário de Marx, que concebe a passagem do socialismo utópico ao socialismo revolucionário
como a passagem de uma ciência doutrinária a uma ciência revolucionária (Marx, 1976, p. 99-100), Bernstein
considera como sinônimos “doutrina’ e “revolucionarismo”.
189
Em minha opinião o capítulo revela mais um dualismo que
circula por toda a obra monumental de Marx (...) que consiste
nisto: que a obra pretende ser uma análise científica apesar de
tratar uma tese bem definida muito antes de a obra ser
concebida; que esta se baseia em um esquema no qual o
resultado a que devia conduzir o desenvolvimento já foi
conseguido de maneira antecipada. O retorno ao Manifesto
Comunista denota aqui um resíduo efetivo de utopismo no
sistema de Marx.
690
Justamente a censura a este “utopismo”, apontado por Bernstein como o responsável
pelos desvios especulativos de Marx em direção a uma perspectiva revolucionária, será agora
analisada mais detidamente.
3.2.4- A perspectiva anti-revolucionária e a rejeição da dialética
Conforme mostramos anteriormente, Bernstein adverte que a teoria “científica”
marxista poderia levar ao utopismo quando seus resultados fossem interpretados
dogmaticamente. Este tipo de “utopismo” que consistiria no extremo oposto do velho
utopismo especularia sobre um “hipotético” salto brusco da sociedade capitalista à
socialista, mas não discutiria os pormenores desta nova organização social. Diz Bernstein:
A social-democracia moderna se orgulha de haver superado
teoricamente o utopismo socialista e, indubitavelmente com
razão, na medida em que entra em consideração a elaboração de
um modelo de estado futuro. Nenhum socialista responsável
descreve atualmente cenas futuras com o objetivo de dar à
humanidade uma receita que irá conduzir com maior rapidez e
segurança ao objetivo desejado para que reine sobre a Terra a
felicidade perfeita. As especulações sobre o futuro que, todavia,
são feitas do lado socialista são tentativas de esboçar a traços
largos o curso provável do desenvolvimento à ordem socialista,
ou quadros esboçados, com mais ou menos talento, de um
estado socialista que não pretendem ser outra coisa mais que
imagens fantasiosas.
691
Tal “utopismo” consideraria os intentos de reforma da sociedade atual como um
simples remendo ou paliativo, enquanto que as verdadeiras soluções seriam trazidas pela
sociedade socialista. Assim, estes “utopistas” não se empenhariam em um trabalho
690
BERNSTEIN. Las Premisas del socialismo y las tareas de la socialdemocracia. México: Siglo Veintiuno,
1982, p. 265.
691
BERNSTEIN. “Observaciones generales sobre el utopismo y el eclectismo”. In: Las Premisas del socialismo
y las tareas de la socialdemocracia. México: Siglo Veintiuno, 1982, p.4. Artigo publicado pela Die Neue Zeit,
vol.XV, I, em 1896/1897.
190
sistemático no interior da sociedade capitalista; apenas viveriam o dia “deixando-se levar
pelos acontecimentos”
692
. Além disto, usariam a referência à luta de classes e ao
desenvolvimento econômico para superar todas as suas dificuldades teóricas, adiando todas as
soluções para o dia da vitória definitiva do socialismo.
Bernstein apontara como uma das conseqüências desta espécie de “utopismo” o
fortalecimento do “romantismo revolucionário”, típico dos revolucionários franceses de 1848
e 1871, com sua “desconsideração irracional das condições temporais e espaciais concretas”.
Este teria vindo à tona novamente com a Revolução Russa de 1917. Para Bernstein, o
bolchevismo seria o melhor exemplo dos terríveis efeitos de uma teoria errônea, que seria
“cega às leis fundamentais da sociedade e indiferente aos princípios evolucionistas que guiam
os seres humanos da barbárie à civilização”.
693
Na visão de Bernstein, portanto, os bolcheviques teriam sido responsáveis pela
distorção dos escritos ulteriores de Marx, através da “vulgarização” e “barbarização” do
pensamento marxista. Desconsiderariam a visão de Marx
694
segundo a qual, até um certo
ponto no desenvolvimento capitalista as funções empresariais seriam elementos
indispensáveis ao progresso
695
. Para os bolcheviques, segundo a perspectiva bernsteiniana,
não haveria “limites históricos ao poder da vontade revolucionária”, sendo sua inteira
concepção de política obscurecida pela falta de entendimento destes limites
696
. Ao mesmo
tempo, utilizariam a violência como fonte criativa e glorificariam a força como remédio
social
697
.
Bernstein, por fim, acusara os bolcheviques de omitirem todas as partes da teoria
marxista que não se encaixavam em sua estratégia. Assim, a tomada revolucionária do poder
político, que lhes permitiria direcionar o curso da sociedade, não levaria em conta as
692
Ibid.
693
BERNSTEIN, E. “The bolshevist brand of socialism”. In: Selected writings of Eduard Bernstein: 1900
1921. New Jersey: Humanities Press, 1996, p. 190. Artigo publicado em 1921.
694
Exposta no capítulo XXIV de “O Capital”.
695
Segundo Bernstein, “em tempos remotos, quando a Alemanha já desfrutava de um nível econômico e cultural
superior ao da Rússia em 1918, os fundadores do moderno socialismo endossaram uma estratégia proletária de
apoio temporário à burguesia progressista” (Bernstein, 1996, p.185).
696
Cabe ressaltar que Bernstein considerava o bolchevismo como um fenômeno específico da Rússia, que
derivaria de longos culos de absolutismo e convívio com o pior tipo de opressão. Assim, acreditava que ele
definitivamente não serviria como modelo a ser imitado pelos países do Ocidente. A classe operária na Rússia
estaria lidando com uma fraca burguesia e um regime político totalmente em descrédito e internamente
paralisado, ou seja, encontraria uma impotência temporária das outras classes e da autoridade pública (Bernstein,
1996, p.181).
697
BERNSTEIN, E. “The bolshevist brand of socialism”. In: Selected writings of Eduard Bernstein: 1900
1921. New Jersey: Humanities Press, 1996, p. 186. Artigo publicado em 1921.
191
exigências e precondições necessárias à transformação socialista, qual seja, a maturidade do
proletariado e o desenvolvimento econômico.
698
Desta maneira, Bernstein opõe aos bolcheviques as mesmas críticas que havia
direcionado ao blanquismo, isto é, a condenação tanto do recurso à “força criadora da
violência política revolucionária” como da superposição da mera vontade em detrimento das
necessidades econômicas, das relações de força e do nível de desenvolvimento das classes
sociais.
De acordo com Bernstein, Marx e Engels teriam propiciado a aproximação do
marxismo com o blanquismo ao preservarem o dualismo em sua teoria, tendo realizado a
síntese entre a concepção “revolucionária” e a concepção socialista” conciliando a luta
pela emancipação dos trabalhadores e a ênfase nas precondições econômicas e sociais
necessárias a esta emancipação
699
. Contudo, embora em inúmeros escritos estivessem
imbuídos deste “espírito blanquista” – como, por exemplo, no programa de ação
revolucionária do “Manifesto Comunista”, em “As lutas de classes na França”, em “O dezoito
Brumário de Luís Bonaparte” e na “Mensagem à Liga dos Comunistas Bernstein alegara
que os escritos ulteriores de Engels, no seu entender, teriam abandonado definitivamente a
idéia da conquista do poder político através de golpes revolucionários.
698
Ibid.
699
BERNSTEIN. Las Premisas del socialismo y las tareas de la socialdemocracia. México: Siglo Veintiuno,
1982, p.136.
192
As contradições presentes, segundo Bernstein, na teoria marxista seriam a razão para
que uma teoria que parte da influência determinante da economia sobre o poder político
desembocasse em “uma verdadeira milagrosa na virtude criadora do poder político” e na
subordinação de todas as pretensões científicas à utopia. Tal ambigüidade teria raízes na
incorporação da dialética hegeliana e de suas premissas a confluência recíproca dos opostos
e a transformação da quantidade em qualidade ao marxismo. Deste modo, com base na
dialética hegeliana, Marx e Engels teriam chegado a elaborar uma doutrina totalmente afim ao
blanquismo.
A grande “armadilha” da lógica hegeliana da contradição, em sua opinião, seria
responsável pela adoção de construções arbitrárias, uma vez que trataria de adiantar
dedutivamente certas evoluções com base em princípios predeterminados. Este risco seria
tanto maior quanto mais complexo fosse o objeto cuja evolução se pretendesse descrever.
Quando se trata de um objeto normalmente simples, a
experiência e o juízo lógico deixam-nos geralmente a salvo do
perigo de deixar-nos arrastar, por princípios analógicos como o
da “negação da negação”, a conclusões inverossímeis sobre
suas possibilidades de mudança. Mas quanto mais complexo é
um objeto – pelo número e heterogeneidade de seus elementos e
pela multiplicidade de suas relações dinâmicas –, a capacidade
de tais princípios para revelar algo de sua evolução é menor.
Adotá-los como base de dedução significa, então, perder todo
critério de valoração.
700
Assim, Bernstein segue o entendimento de Friedrich Albert Lange, para quem “tanto
na vida do indivíduo como na história, o desenvolvimento por antíteses não se apresenta em
uma forma tão fácil e radical, nem de um modo tão preciso e simétrico como na construção
especulativa”
701
. Por conseguinte, embora não pretendesse negar todo o método dialético de
Hegel, Bernstein opunha-se à sua influência sobre a investigação histórica, rejeitando a
filosofia da história hegeliana e sua idéia de desenvolvimento por antíteses.
Após condenar a adesão ao método dialético, que conduziria ao abandono do mundo
empírico em prol da especulação metafísica, Bernstein propunha aos socialistas de seu tempo
uma maior aproximação com o neokantismo. Assim, aderira ao movimento intelectual de
700
BERNSTEIN. Las Premisas del socialismo y las tareas de la socialdemocracia. México: Siglo Veintiuno,
1982, p.128.
701
Ibid.
193
“retorno à Kant”, propugnado por acadêmicos alemães
702
desde a década de 1870
703
. Seu
ecletismo teria recebido não apenas a influência de Lange
704
(e sua concepção do socialismo
como algo eticamente desejável), como também de Hermann Cohen (para quem os postulados
éticos tornariam Kant “o verdadeiro fundador do socialismo alemão”), Conrad Schmidt (e sua
tentativa de conciliar Marx e Kant) e Ludwig Woltmann (com sua ênfase no retorno à
Filosofia Crítica de Kant).
Bernstein, no entanto, não acolheu completamente a teoria do conhecimento de
Kant
705
, tendo sido muito criticado pelos membros da Escola de Marburg
706
que
efetivamente retomavam questões epistemológicas e reexaminavam os fundamentos racionais
do conhecimento à maneira de Kant por sua inclinação ao positivismo e ao empirismo
707
. A
conjugação do criticismo kantiano com a doutrina positivista tinha como conseqüência a
limitação da ciência estritamente ao “estabelecimento de regularidades entre elementos
empiricamente observáveis”
708
, retirando, assim, da Ética o status de disciplina racional. Deste
modo, o conceito de “Wissenschaft” é empregado por Bernstein em um sentido diverso ao de
Kant, na medida em que considera que os juízos morais não poderiam ser compreendidos a
priori ou submetidos ao entendimento racional, sendo taxados como não-científicos.
Para autores como Peter Gay, esta divergência seria sinal de que Bernstein não teria
verdadeiramente compreendido Kant, tendo recorrido ao filósofo como recurso para efetuar
uma crítica objetiva e precisa do dogmatismo proveniente da dialética hegeliana
709
. de
acordo com a análise de Manfred Steger, Bernstein conscientemente teria seguido os passos
702
Autores como, por exemplo, F.A.Lange, H. Vaihinger, Hermann Cohen, Paul Natorp, Rudolf Stammler,
F.Staudinger e Ernst Cassirer.
703
Sobre a influência do pensamento de Kant na academia, Ringer observa: “Nem todo professor alemão de
filosofia do século XIX foi neokantiano. Mas, entre os que não o foram, um número considerável foi “além de
Kant” e ingressou em alguma forma de idealismo. Além disso, ensinou-se tão freqüentemente que a crítica
kantiana era um ponto de partida de todo pensamento filosófico que isso influenciou muitos eruditos que não
eram filósofos profissionais” (Ringer, 2000, p.98-99).
704
Tendo como referência obras como “História do materialismo” e “Die Arbeiterfrage.
705
Cabe lembrar que Kant realizava uma crítica às investigações empíricas que confundiam de forma simples as
impressões e idéias com os objetos físicos ou eventos (a coisa em si). A verdade não seria a correspondência
entre a idéia e o objeto, mas a ordenação lógica das sensações e conceitos, de acordo com certos elementos
racionais pré-existentes, ou seja, os axiomas necessários a todo o conhecimento. As normas do raciocínio correto
assegurariam a ordem e a certeza de nossa experiência (Cf.Ringer, 2000).
706
Os membros da Escola de Marburg concentravam-se nas críticas às especulações metafísicas, ao empirismo e
ao cientificismo. A seu ver, os “problemas de cognição continuavam a exigir uma análise lógica e filosófica”, em
face do avanço do empirismo e do materialismo. O seu principal representante foi Herman Cohen (Ringer, 2000,
p.285-286).
707
Cf. STEGER, Manfred B. The quest for evolutionary socialism. New York: Cambridge Press, 1997, p.116-
119.
708
Steger, 1997, p.117.
709
GAY, Peter. The dilemma of democratic socialism. New York: Columbia University Press, 1970, p.156.
194
de Friedrich Albert Lange em sua recusa a qualquer fundamentação metodológica do
idealismo ético, o que significaria que não teria falhado em apreender os princípios filosóficos
kantianos
710
.
Conforme pretendemos mostrar, o objetivo fundamental de Bernstein em sua polêmica
com o marxismo seria como ele próprio resume em seu prefácio a “Os Pressupostos do
Socialismo e as Tarefas da Social-democracia” “reforçar ao mesmo tempo o elemento
realista e o elemento idealista do movimento socialista, combatendo os vícios de uma
mentalidade utopista que se encontrariam dentro da teoria socialista”.
711
O elemento “realista” do socialismo conduziria o partido a concentrar suas ações em
metas “factíveis” e imediatas: a luta por reformas sociais e econômicas, visando à evolução
social no sentido da democratização de todas as esferas da sociedade. o seu elemento
“idealista” serviria para impulsionar o proletariado e as demais classes da sociedade em
direção às reivindicações por justiça social e igualdade, materializadas nas metas socialistas.
Desta forma, Bernstein projetara um novo caminho a ser seguido pelo movimento
social-democrata que não mais contaria com a perspectiva de um colapso geral do sistema e
de subseqüentes revoluções políticas. Em substituição a este prognóstico, Bernstein
apresentara a perspectiva de uma evolução “orgânica” e “criativa”, partindo do interior do
próprio sistema capitalista.
Bernstein atribuíra esta perspectiva evolucionista das sociedades humanas à influência
de Marx e Engels, que, a seu ver, subordinariam o desenvolvimento socialista ao
desenvolvimento econômico pleno do modo de produção capitalista. Para justificar sua teoria,
Bernstein cita a seguinte passagem do prefácio à primeira edição de “O Capital”:
Em si e para si, não se trata do grau mais elevado ou mais baixo
de desenvolvimento dos antagonismos sociais que decorrem
das leis naturais da produção capitalista. Aqui se trata dessas
leis mesmo, dessas tendências que atuam e se impõem com
necessidade férrea. O país industrialmente mais desenvolvido
mostra ao menos desenvolvido tão-somente a imagem do
seu próprio futuro [grifo nosso] .
712
Neste sentido, não seria possível saltar estágios evolutivos, passando-se diretamente de
um sistema escravista ou feudal ao socialista. Mesmo que a sociedade reconheça sua própria
lei do movimento ela não poderia “nem pular as suas fases naturais de desenvolvimento nem
710
Steger, 1997, p.118.
711
BERNSTEIN. Las Premisas del socialismo y las tareas de la socialdemocracia. México: Siglo Veintiuno,
1982, p.99.
712
MARX, Karl. O Capital: Crítica da Economia Política. vol.1, livro I. São Paulo: Nova Cultural, 1985, p.12.
195
aboli-las por decreto”, embora possa “encurtar e diminuir os espasmos do nascimento”
713
.
Ademais, Marx e Engels teriam ressaltado a necessidade da consolidação e expansão do modo
de produção capitalista para o desenvolvimento das forças produtivas até um nível que “torne
possível um desenvolvimento igual e humanamente digno para todos os membros da
sociedade”, uma vez que “somente a produção capitalista cria as riquezas e as forças
produtivas necessárias para atingir esse objetivo”
714
.
De acordo com Bernstein, justamente a apreensão deste processo evolutivo seria o que
de mais forte e profundo diferenciaria Marx dos socialistas passados e de seus
contemporâneos:
A sociedade moderna seria como um organismo em perene
desenvolvimento que não poderia ser mudado por pura vontade
nem petrificada em um determinado momento da história. Marx
reconheceu leis sociais inerentes ao desenvolvimento que
precisariam ser expostas detalhadamente antes que quaisquer
reformas fossem realizadas.
715
Bernstein não considerara uma simples coincidência o fato de Marx ter escrito seu
“Prefácio à Crítica da Economia Política” no mesmo ano em que Darwin publicara seu
trabalho sobre a evolução orgânica da natureza. Ambos os escritos teriam emergido “como
uma reflexão de uma mesma época histórica, partilhando do mesmo espírito e apresentando a
mesma idéia fundamental”
716
. Desta maneira, Bernstein corroborou e levou às últimas
conseqüências a analogia expressa por Engels em seu “Discurso diante da sepultura de Marx”,
no qual afirmara que assim como Darwin havia descoberto a lei do desenvolvimento da
natureza orgânica, Marx haveria descoberto a lei do desenvolvimento da história humana
717
.
Para Bernstein, tanto no prefácio quanto na introdução ao primeiro volume de “O
Capital”, Marx teria revelado sua concepção evolucionista, segundo a qual a sociedade
presente não seria um cristal sólido, mas um organismo capaz de mudar e que es em
constante processo de modificação. Bernstein identifica nestes textos, bem como na
explanação a respeito das leis fabris (integrante do primeiro volume do Capital), “passagens
que mostram uma forte inclinação reformista no pensamento, em geral revolucionário, de
713
Marx, 1868, apud Bernstein, 1996, p.73.
714
MARX; ENGELS. “O Capital de Marx”. In: Obras escolhidas. São Paulo: Alfa-Omega, v.2, 1980, p.31.
715
BERNSTEIN, E. “Revisionism in Social Democracy”. In: Selected writings of Eduard Bernstein: 1900
1921. New Jersey: Humanities Press, 1996, p. 69. Artigo publicado em 1909.
716
Ibid.
717
Marx; Engels, 1980b, p. 351.
196
Marx”
718
. Ressalta ainda o trecho do prefácio à edição inglesa de “O Capital” escrito por
Engels em 1886 – que, em sua opinião, revelaria que Marx teria chegado à conclusão de que a
Inglaterra seria o único país da Europa “onde a inevitável revolução social poderia realizar-se
inteiramente por meios pacíficos e legais”. Contudo, Bernstein preferiu desconsiderar a frase
de Engels que segue a afirmativa anterior: “Certamente ele [Marx] nunca se esqueceu de
acrescentar que não esperava que as classes dominantes da Inglaterra se submetessem a essa
revolução pacífica e legal sem tentar uma proslavery rebellion
719
A interpretação evolucionista das obras de Marx efetuada por Bernstein possibilitou a
sua adesão a uma concepção linear do progresso social e a uma prática reformista sem
necessariamente desvinculá-lo por completo da tradição marxista, ao contrário do que
ocorrera com os fabianos, que substituíram a teoria marxiana pelas contribuições de Comte,
Darwin e Spencer.
Ao rechaçar a idéia da “ruína necessária” do modo de produção capitalista, Bernstein
recorre aos elementos éticos para justificar a transformação social, conferindo às idéias “vida
própria” e autonomia. Desta maneira, adere tanto ao idealismo quanto ao positivismo, uma
vez que realiza a separação entre juízos de fato e de valor buscando a complementaridade
entre Comte e Kant
720
, igualmente defendida por Max Weber
721
.
Rebelando-se contra o todo dialético da teoria marxista, Bernstein excluíra de seu
sistema teórico todas as patentes contradições do modo de produção capitalista, explicitadas
pela teoria do valor-trabalho e da mais-valia, colocando os antagonismos sociais em segundo
plano e partindo em defesa de um reformismo não atrelado ao compromisso revolucionário.
Como conseqüência, esvaziou a teoria marxista de todo conteúdo crítico e transformador,
levando a social-democracia a endossar as teses liberais e a legitimar o sistema capitalista.
718
BERNSTEIN, E. “The bolshevist brand of socialism”. In: Selected writings of Eduard Bernstein: 1900
1921. New Jersey: Humanities Press, 1996, p. 183. Artigo publicado em 1921.
719
Marx, 1985, p.34.
720
Bernstein defende a existência de uma ciência social empírica, cientificamente neutra, fundamentada em fatos
bem delimitados, e de uma moral ideal, pura, absoluta e eterna.
721
Assim como Weber, Bernstein argumenta que a grande complexidade da sociedade humana moderna e a
incrível multiplicidade de forças sociais interdependentes que agem sobre ela levariam à divisão fundamental
entre ciência e suposição, conhecimento e inclinação (vontade) (Bernstein, 1996, p.106). Propõe ainda que para
se apreender as múltiplas formas da realidade social, dever-se-ia recorrer a métodos sincréticos e ecléticos,
embora, em se tratando de teoria, fosse freqüentemente impelido pela necessidade a apontar claramente a
influência de um único princípio ou força (Bernstein, 1996, p.42). Portanto, na visão de Bernstein,
diferentemente das ciências naturais a sociologia não poderia prever com absoluta certeza se uma sociedade
imaginada pelo socialismo irá realmente se materializar um dia, a ciência social poderia antecipar as
condições sob as quais o socialismo poderia possivelmente aparecer, estimando a probabilidade desta ocorrência
(Bernstein, 1996, p.96).
197
Como Mézaros aponta,
O grande atrativo da racionalização ideológica apresentada por
Bernstein foi que, por intermédio dela, a tendência do
desenvolvimento sócio-econômico e político que então se
manifestava e que, em relação às exigências objetivas da
emancipação socialista, era extremamente problemática e
contraprodutiva podia o ser apresentada como uma
tendência totalmente livre de suas implicações negativo-
destrutivas; pior ainda, podia ser até saudada como um grande
avanço positivo: a tranqüilizadora prova e a garantia da
obtenção do resultado desejado
722
.
Seja pela importância pessoal de Bernstein e seu papel de executor testamentário de
Engels, seja pelo fato de representar em suas teses os anseios de uma parcela significativa do
Partido Social-Democrata Alemão em processo de expansão, o revisionismo de Bernstein teve
ampla ressonância no seio do movimento socialista, sendo responsável pela deflagração do
Bernstein-Debatte. Suas idéias, embora aplaudidas por variados grupos como liberais
progressistas, sindicalistas e membros da burocracia do partido –, foram repetidamente
condenadas pelos dirigentes partidários e rebatidas por uma vasta gama de intelectuais
oriundos das mais diferentes correntes teóricas. No capítulo seguinte procuraremos apresentar
algumas destas críticas e suas repercussões no seio do movimento socialista alemão.
722
MÉZAROS, István. O poder da ideologia. São Paulo: Boitempo, 2004, p.377.
198
4 - O Bernstein-Debatte e sua Repercussão
4.1- A indefinição da “ortodoxia”
A recepção às idéias de Bernstein entre os dirigentes do partido foi marcada por uma
clara ambigüidade. Apesar de oficialmente rejeitadas nos textos e congressos da social-
democracia alemã, a postura dos principais dirigentes era não apenas de cautela como de
franca hesitação diante das correntes reformistas. A seu ver, a manutenção da unidade do
partido justificaria a adoção de uma postura menos enérgica do que a dispensada aos grupos
de inclinação anarquista, que foram expulsos do partido em 1890.
Com a querela revisionista a preocupação existente desde a fundação do SPD, quanto
à necessidade de se empreender esforços com vistas a conciliar as tendências divergentes
dentro do partido, viu-se redobrada. Por conseqüência, a tática política de se evitar a
desagregação do partido sobrepôs mais uma vez os interesses práticos imediatos visados
pelos líderes do partido – à questão da salvaguarda dos princípios socialistas.
723
Neste sentido, Karl Kautsky
724
, considerado o principal expositor da ortodoxia” do
marxismo, encarregado da linha teórica oficial do partido, enveredou na virada dos séculos
XIX e XX cada vez mais para a direita social-democrata, apregoando a utilização tática do
“radicalismo passivo”. A conciliação entre a adoção de uma fraseologia revolucionária e uma
prática reformista, ou seja, o apego ao método pacífico e legalista da luta de classes levou à
caracterização do SPD em um “partido revolucionário que não faz revoluções”.
Sendo assim, “o kautskismo permitia conservar a ficção do caráter revolucionário da
social-democracia”, de modo que esta ficção da qual a direção do partido se serviria
conscientemente seria concebida como indispensável ao processo de integração
725
. A
unidade do partido, portanto, foi realizada às custas do sacrifício de princípios e da prática
revolucionárias
726
.
723
MUSSE, Ricardo. Do socialismo científico à teoria crítica: modificações na autocompreensão do marxismo
entre 1878 e 1937. São Paulo: USP/FFLCH [Tese], 1998, cap.IV.
724
Karl Kautsky (1854-1938) nasceu em Praga e cursou a Universidade de Viena. Começou seu trabalho como
jornalista do SPD em 1880, tornando-se editor da Neue Zeit em 1883. Esta se tornou a principal revista teórica
marxista até o seu fechamento, em 1914. Entre seus primeiros escritos de maior peso destacam-se “As doutrinas
econômicas de Karl Marx” (1887)
725
MATTHIAS, Erich. “Kautsky y el kautskismo” In: La revolución social. El camino del poder. Cuadernos de
pasado y presente, n. 68. México, D.F: PYP, 1978, p.20.
726
Em carta a Adler de 8/3/1899, Bernstein observou: “Ninguém crê mais que August [Bebel] na teoria do
colapso, mas ninguém se deixa determinar menos que ele em sua ação prática por esta teoria (...) seria capaz de
me mandar decapitar se eu o demonstrasse teoricamente o que ele realiza na prática” (Ibid, p.31).
199
Não obstante a adesão à “tática do desgaste”, a crítica de Kautsky ao revisionismo lhe
valeu o apoio de vários grupos de esquerda. Bernstein, na ocasião das discussões de seu livro
observara:
O livro de Kautsky foi recebido com entusiasmo por aqueles
que me atacam do campo marxista, e também formou a base
teórica do discurso de 6 horas de Bebel contra meu livro no
Congresso de Hannover (1899). O trabalho de Kautsky,
portanto, incorpora tudo o que é dirigido contra mim neste
campo
727
.
O livro de Kautsky “Bernstein und das sozialdemokratische Programm. Eine
Antikritik”, escrito em 1899 – apresentou algumas refutações e objeções à teoria de Bernstein.
Devido à antiga amizade compartilhada entre ambos, Kautsky evidenciou seu desconforto em
realizar o “difícil, desagradável e infrutífero” trabalho de crítica ao revisionismo
728
, logo no
início de sua explanação. O autor lamenta, então, a existência de divergências de natureza
individual, local, profissional e teórica dentro do partido; contudo, ressalta que tais diferenças
seriam não só inevitáveis como necessárias à vida intelectual.
Assim, ao mesmo tempo em que saúda a discussão teórica levantada, por contribuir
para evitar que o partido se converta de uma “legião de lutadores” em uma assembléia de
retóricos”, Kautsky demonstra certa irritação com a “perda de tempo” e “desgaste de forças”
em conflitos internos que poderiam levar à quebra da unidade, da coesão e da ação comum da
social-democracia. Segundo o autor, a tática seria diferente da propaganda esta estaria
ajustada às condições individuais e locais, fazendo uso dos recursos que se dispõe
729
. Deste
modo, enquanto a propaganda poderia variar, a tática, isto é, a ação política, deveria ser
única
730
. Apesar de a unidade de ação o excluir as divergências do pensamento nem as
diferenças do ponto de vista teórico, ela demandaria certo sacrifício da individualidade, em
nome da organização.
Após estas considerações iniciais, Kautsky prossegue em sua tarefa de rebater os
argumentos apresentados por Bernstein, que, em sua opinião, não teria exposto sua teoria “de
modo claro e conseqüente”
731
.
727
BERNSTEIN. “To my socialist critics”. In: Selected writings of Eduard Bernstein: 1900 1921. New Jersey:
Humanities Press, 1996, p.34. Prefácio à edição francesa de “Os pressupostos do socialismo e as tarefas da
social-democracia”, escrito em 1900 e republicado no mesmo ano na Sozialistische Monatshefte.
728
KAUTSKY. La doctrina socialista. Buenos Aires: Claridad, 1966, p.17.
729
Ibid, p.21.
730
Ibid, p.13.
731
Ibid, p.12.
200
A primeira objeção feita refere-se ao ataque bernsteiniano ao método marxista.
Segundo Kautsky, Bernstein consideraria idênticos o determinismo e a hipótese de que o
desenvolvimento das forças produtivas determina o desenvolvimento das condições sociais
o que seria enganoso. Assim, Kautsky, concordando com Bernstein, argumenta que a
formulação inicial da concepção marxista da história seria determinista. Contudo, ressalta que
teria deixado de sê-lo mais tarde
732
, embora Marx e Engels tenham permanecido materialistas
até o fim de suas vidas.
Para Kautsky, portanto, “o grande mérito de Marx e Engels consiste em terem feito
entrar, com mais êxito que seus antecessores, os fatos históricos no domínio dos fatos
necessários, elevando assim a história à categoria de ciência”
733
.
Mas a sociedade não pode abreviar e amenizar as dores do
parto das novas fases da evolução social? Certamente, mas
como? Encarregando-se da necessidade destas fases. Mas este
ato não é uma coisa arbitrária: depende da natureza de nosso
intelecto, do poder de nossos meios de investigação, do meio
que determina nosso ponto de vista. Não posso descobrir em
nenhuma parte menor atenuação, a menor limitação do
determinismo. Não confundirá Bernstein o determinismo com o
mecanicismo? Sem dúvida, a evolução social não se verifica em
nenhum lugar mecanicamente; é o resultado da ação e do
esforço de seres conscientes; não se verifica maquinalmente do
mesmo modo em todas as partes, mas o quer dizer que não
seja necessária.
734
Sendo assim, Kautsky realiza uma defesa do determinismo histórico que rejeita,
inclusive, a diferenciação entre o conceito de “lei” e “tendência”. Com efeito, Bernstein
erraria ao concluir que a concepção materialista da história não seria determinista, uma vez
que segundo esta perspectiva, o modo de produção determina os fenômenos sociais.
Para validar seu argumento Kautsky faz uso de inúmeras metáforas tomadas das
ciências da natureza, embora sublinhe que as relações são mais simples e manifestas do que
nas ciências sociais
735
. Aderindo, portanto, a um determinismo econômico e a um naturalismo
darwinista, Kautsky oferece sua própria interpretação da teoria de Marx, que foi amplamente
difundida no SPD.
Deste modo, rejeita a maneira como Bernstein descreve a evolução do materialismo
histórico, afirmando que “não é a concepção de Marx, mas a de Bernstein, que se modificou
732
Ibid, p.23.
733
Ibid.
734
Ibid, p.25.
735
Ibid, p.28.
201
(...) alijando-se da concepção marxista”
736
. Kautsky observa que o teoria de Bernstein seria
motivada por um curto período de alta econômica; assim, indaga: “Bastaria isto a Bernstein
para deduzir uma lei histórica da sociedade moderna e a quebra do materialismo histórico?
Em tal caso, sua concepção da história moderna carece de solidez”
737
.
O autor realiza igualmente uma crítica à concepção moral bernsteiniana, de caráter
idealista. Assim, rejeita a existência de uma moral independente das forças econômicas e
superior a elas, capaz de “vencer as resistências, suavizar as oposições, substituir a luta pela
evolução pacífica da reconciliação”
738
:
A maneira como Bernstein concilia a necessidade histórica e a
liberdade moral em sua filosofia da história significa que na
prática o Partido Socialista deve aceitar um compromisso entre
a necessidade da evolução econômica e a liberdade do
utopismo, entre a luta de classes e a reconciliação das classes
pelo interesse coletivo
739
.
Kautsky não somente parte em defesa do materialismmo e do determinismo que
vislumbra na obra de Marx mas também reprova o descarte da dialética realizado pelo
revisionismo. Assim, o autor pergunta: “O que resta da doutrina marxista quando se retira a
dialética, que era “sua melhor ferramenta” e “sua arma mais potente”? “Não eram Marx e
Engels dialéticos com toda a força da palavra”?
É evidente que a dialética não deve ser mais que um
instrumento para estudar a realidade e compreendê-la, e não um
meio de se evitar estudá-la, que não é uma fórmula mágica que
produz por si resultados definitivos, e que não tem valor a
não ser em quanto seus resultados o justificados pelos fatos.
Isto se passa com a dialética e com todo o método de
observação
740
.
Kautsky assevera ainda que Bernstein não explicou no que consiste o erro da dialética.
Com efeito, o autor alia à sua concepção fatalista e determinista do desenvolvimento
histórico, uma interpretação da dialética hegeliana extraída do “Anti-Dühring” que deságua
em uma evolução social e econômica cujos desdobramentos possuem a força de leis naturais.
Ademais, o autor adverte que Bernstein não deixa claro sua teoria sobre o valor, de
maneira que não se sabe se seria a mesma de Marx, de Jevons, de Buch ou uma síntese das
três. Curiosamente, Kautsky considera, tal como Bernstein, a teoria da utilidade marginal tão
736
Ibid, p.30.
737
Ibid, p.33.
738
Ibid, p.36.
739
Ibid.
740
Ibid, p.41.
202
válida quanto a teoria marxista do valor. Ambas representariam partes de um mesmo objeto.
Assim, a crítica kautskiana recai sobra o seguinte ponto: Bernstein não teria especificado
quando seria necessário utilizar a teoria marginalista e quando seria necessário recorrer à
teoria marxista:
Não conhecemos um exemplo, em toda a história da
economia política de que um escritor tenha partido em um caso
da doutrina de Marx e em outro caso da teoria da utilidade
mínima ou que tenha achado possível empregar semelhante
método. Bernstein deveria ter dito quando e como isto é
possível
741
.
Assim, segundo Kautsky, Bernstein não chegou a um resultado positivo como crítico
da teoria do valor nem como crítico da concepção materialista da história.
Enquanto os ortodoxos” concentravam seus esforços na unificação do movimento,
com vista à salvaguarda da tica eleitoral, as alas à esquerda passaram a lhes direcionar
severas críticas, repreendendo os dirigentes da “ortodoxia” por não terem esboçado uma
reação suficientemente dura no Congresso de Paris no ano de 1900, quando estes se
recusaram a expulsar os militantes revisionistas do seio do Partido. Tal fato principiaria o
gradual afastamento das duas correntes, culminando no seu definitivo rompimento em 1914,
em razão da capitulação das social-democracias européias à política de guerra de seus países.
4.2- O contra-ataque da ala revolucionária
A publicação dos artigos de Eduard Bernstein na Neue Zeit, em 1897 e 1898, provocou
grande turbulência no interior da social-democracia alemã. Esta encontrava-se, então, sob a
ameaça de ser novamente colocada na ilegalidade, devido à submissão de um novo projeto de
lei anti-socialista ao Reichstag. Assim, a conclamação revisionista pela renúncia ao objetivo
final revolucionário e a defesa de uma tática puramente pacífica, a ser concretizada de forma
lenta e gradual por via de reformas, gerou um clima de grande indignação entre as correntes
revolucionárias do partido.
Não somente a proposta de revisão teórica das teses marxistas vista com profunda
desconfiança –, mas, sobretudo, a mera conjectura de o partido abdicar da luta de classes por
uma política conciliatória, considerando aliar-se aos mesmos grupos que se empenhavam em
741
Ibid, p.56.
203
mais uma vez relegar os social-democratas à clandestinidade, era concebida como uma traição
política e uma capitulação prévia à burguesia.
Sem dúvida, uma das respostas mais contundentes ao revisionismo partiu de Rosa
Luxemburg
742
, em seu ensaio “Reforma social ou Revolução?” (1899). Rosa percebia a vital
importância de se refutar os argumentos apresentados por Bernstein, procurando fornecer
bases para a fundamentação do socialismo, sem, no entanto desconsiderar as condições
históricas encontradas. Em carta a Leo Jogiches, de 2 de julho de 1898, a autora expôs as
dificuldades enfrentadas para a realização de tal tarefa:
Agora o mais importante Bernstein. Consegui ter uma idéia
boa a respeito do conjunto do artigo, porém nem por isso está
melhor, porque vejo enormes dificuldades. Tenho já um plano
excelente. dois problemas difíceis: 1) escrever sobre a crise;
2) demonstrar de modo inequívoco que o capitalismo
fracassará. É indispensável prová-lo, mas isto significa escrever
concisamente um novo argumento para o socialismo científico.
Ajude-me, pelo amor de deus, ajude-me. A rapidez é essencial
porque 1) se alguém se adianta a nós, perde-se todo o trabalho;
2) porque o acabamento toma muito tempo. Começamos muito
bem. As notas que escrevi em Zurique são a massa (contudo
meio assada) de que precisamosse soubesse o que escrever, a
forma aí então se delinearia, sinto-o em meus ossos. Acho-o tão
importante, daria metade de minha vida por este artigo.
743
Tendo finalizado a sua réplica a Bernstein em fins de 1898, ganhou notoriedade dentro
do partido por seus vastos conhecimentos de economia e filosofia combinados a uma crítica
radical ao oportunismo pequeno-burguês, que pretendia modificar os objetivos do partido no
intuito de influir na prática adotada. Para Rosa, o revolucionarismo seria da própria essência
do socialismo; sendo assim, o dilema entre reforma social ou revolução corresponderia à
questão de “ser ou não ser” da social-democracia. A tentativa revisionista de converter a
reforma social, de simples meio da luta de classes em seu fim último esvaeceria a distinção
entre o movimento socialista e as demais organizações da democracia burguesa ou do
radicalismo burguês.
Prosseguia ainda afirmando que “entre a reforma social e a revolução, a social-
democracia um elo indissolúvel: a luta pela reforma social é o meio, a revolução social é o
742
Rosa Luxemburg (1871-1919), de origem judia e polonesa, viu-se obrigada a deixar a Polônia em 1889, onde
ajudou a fundar o Partido Social-Democrata Polonês. Doutorou-se em Economia em Zurique, chegando na
Alemanha em 1898, no auge dos debates com os revisionistas (Cf. LOUREIRO, Maria Isabel. Rosa
Luxemburgo: vida e obra. São Paulo: Expressão Popular, 2003).
743
LUXEBURG, Rosa. Camarada e amante: cartas de Rosa Luxemburgo a Leo Jogiches. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 1983, p.81.
204
fim”
744
. Por conseguinte, na polêmica erigida por Bernstein e seus partidários o que estaria em
jogo afinal não seriam os métodos de luta ou o emprego de táticas, mas a própria existência
do movimento socialista. Rosa, portanto, adverte que a teoria de Bernstein estaria em absoluta
contradição com os princípios do socialismo científico:
Se o revisionismo se limitasse à previsão de uma evolução do
capitalismo muito mais lenta do que é normal atribuir-lhe,
poder-se-ia unicamente inferir um espaçamento da conquista do
poder pelo proletariado, o que na prática resultaria
simplesmente num abrandamento da luta. Mas não se trata
disso. O que Bernstein põe em causa não é a rapidez dessa
evolução, mas a evolução do capitalismo em si mesma e, por
conseqüência, a passagem ao socialismo
745
.
Quanto à crítica bernsteiniana da teoria do colapso, Rosa opõe-lhe uma minuciosa
análise no intuito de demonstrar a possibilidade objetiva do advento de crises gerais,
baseando-se em três fundamentos do capitalismo: a crescente anarquia da produção, a
socialização crescente do processo produtivo e a organização e consciência de classe. Cabe
destacar que nesta época a autora ainda identificava-se com o “marxismo ortodoxo”
apregoado pelos dirigentes do partido apesar de não defender a inevitabilidade de tais
tendências nem lhes conferir a insígnia de leis naturais
746
. Ademais, a ênfase atribuída à
consciência de classe, sem a qual o socialismo não seria possível, afastaria a idéia de um
processo histórico predeterminado e fatalista
747
.
É evidente que a tática social-democrata não consiste em
esperar o ponto extremo das contradições capitalistas para que
se produza uma mutação revolucionária da situação. Pelo
contrário, a essência da tática revolucionária consiste em
reconhecer a tendência do desenvolvimento e daí transpor as
suas conseqüências últimas para a luta política
748
.
Não obstante, neste ensaio, Rosa concebia a revolução socialista como uma necessidade
histórica objetiva. Neste sentido, os fenômenos que Bernstein apontara como sinais da
“capacidade de adaptação” do capitalismo – as fusões, o crédito, o aperfeiçoamento dos meios
744
LUXEMBURG, Rosa. Reforma social ou revolução. São Paulo: Global Editores, 1986, p. 23.
745
Ibid, p.28.
746
Ibid, p.29.
747
Segundo Isabel Maria Loureiro: “Mesmo em obras de forte caráter economicista como “Reforma Social ou
Revolução?”, “A acumulação do capital” e “Anticrítica”, em que insiste na teoria do colapso, Luxemburg repete
que o socialismo não resulta automaticamente das contradições objetivas do capitalismo, que é necessário o
“conhecimento subjetivo, por parte da classe operária, da inelutabilidade da supressão da economia capitalista
por meio de uma revolta (Umwälzung) social”. Ou seja, ela compreendeu, desde o início da sua carreira política,
que a economia por si só não levará ao socialismo” (LOUREIRO, Isabel Maria. Rosa Luxemburg: os dilemas da
ação revolucionária. São Paulo: UNESP, 1995, p. 32-33).
748
Luxemburg, 1986, p.67.
205
de comunicação, a elevação do nível de vida da classe operária não conseguiriam evitar o
desmoronamento deste sistema e assegurar sua sobrevivência através da anulação ou
atenuação de suas contradições internas
749
.
O crédito instituição que aumenta a capacidade extensiva da produção e facilita a
troca – contribuiria para a concentração de grande número de capitais privados num só, como,
por exemplo, através do sistema das sociedades por ações. Deste modo, incrementaria a
capacidade de expansão da produção em proporções inauditas, levando-a a ultrapassar
constantemente os limites do mercado. Sendo assim, o crédito seria uma “faca de dois
gumes”, uma vez que colaboraria para a intensificação das crises de superprodução, e, por
conseqüência, para a “destruição radical das forças produtivas que por ele foram
movimentadas”.
Desde os primeiros sintomas de estrangulamento do mercado, o
crédito funde-se, abandona a sua função de troca precisamente
no momento em que seria indispensável; revela a sua ineficácia
e inutilidade quando ainda existe, e contribui, no decurso da
crise, para reduzir ao mínimo a capacidade de consumo do
mercado
750
.
De “fator de adaptação”, o crédito passa a ser entendido como um elemento agravante
das contradições e das crises do capitalismo. O mesmo processo verificar-se-ia com as
organizações patronais, tais como fusões e monopólios, que, ao invés de colocarem fim à
anarquia da produção através da regulamentação –, não passariam de um paliativo para a
baixa fatal da taxa de lucro em certos setores da produção
751
:
O objetivo econômico final e a ação das organizações é,
excluindo a concorrência no interior de um setor da produção,
influenciar a repartição do lucro bruto realizado no mercado, de
maneira a aumentar a parte desse setor da indústria à custa de
outros, precisamente por estar generalizada. Prolongada a todos
os setores industriais importantes, anula por si própria o seu
efeito.
752
749
Ibid, p.31.
750
Ibid, p.34.
751
“No conjunto, as fusões, tal como o crédito, aparecem como fases bem determinadas do desenvolvimento que,
em última análise, apenas contribuem para aumentar a anarquia do mundo capitalista, manifestando em si
próprias e levando à exaustão todas as contradições internas. Agravam o antagonismo existente entre o modo de
produção e o modo de troca, agudizando a luta entre produtores e consumidores (...). Agravam, por outro lado, a
contradição entre o modo de produção e o modo de apropriação, opondo à classe operária, da maneira mais
brutal, a força superior do capital organizado, conduzindo assim ao extremo o antagonismo entre o capital e o
trabalho” (Ibid, p.38).
752
Ibid, p.36.
206
Deste modo, as associações patronais estariam muito longe de suprimir a anarquia,
resultando antes no agravamento da concorrência no exterior e reforçando, assim, a anarquia
no mercado mundial. Rosa analisa, portanto, as conseqüências do desenvolvimento do
mercado mundial, esgotado pela concorrência dos países capitalistas, que incluiriam a
imobilização parcial ou forçada do capital em dimensões consideráveis.
Ao ocupar-se do estudo da nova fase do desenvolvimento do capitalismo, caracterizado
pelo agravamento dos antagonismos entre o modo de produção e a troca, o modo de produção
e o modo de apropriação e o capital e o trabalho, Rosa deu o primeiro passo para a construção
de sua teoria acerca do imperialismo, posteriormente apresentada no livro “A acumulação do
capital”, de 1913, no qual destaca a impossibilidade de uma acumulação contínua do capital
que garantisse o bem-estar e o progresso econômico
753
.
Consoante Rosa, Bernstein teria igualmente se equivocado quanto ao processo de
preservação das classes médias. No entanto, Rosa confere outro sentido à idéia de desaparição
progressiva das classes médias, que difere do conceito comumente difundido, referente a uma
“tendência revolucionária do desenvolvimento capitalista”. Ao contrário, tratar-se-ia de uma
“paragem, uma letargia desse desenvolvimento”; isto é, não estaria representada por uma
linha reta descendente que iria do declínio progressivo à desaparição total, mas sim por uma
evolução dialética que oscilaria constantemente de acordo com as contradições inerentes ao
processo. Assim, as classes médias capitalistas sofreriam a influência de duas tendências
antagônicas, uma ascendente e outra descendente:
A tendência descendente é o crescimento contínuo da escala de
produção que ultrapassa periodicamente o quadro dos capitais
médios, desviando-os regularmente do campo da concorrência
mundial. A tendência ascendente é constituída pela depreciação
periódica do capital existente, o que faz baixar por um certo
tempo a escala da produção segundo o valor do capital mínimo
necessário, tal como a penetração da produção capitalista em
novas empresas
754
.
A disputa entre empresas médias e o grande capital não resultaria necessariamente na
diminuição absoluta das primeiras, podendo ser constatado ou um aumento progressivo do
capital mínimo necessário para o funcionamento das empresas, ou ainda uma diminuição
constante do intervalo de tempo durante o qual os pequenos capitalistas detêm a exploração
dos setores de produção no qual atuam. Deste modo, nas palavras de Rosa, seria como se “os
753
LOUREIRO, Isabel M. “Introdução”. In: A revolução russa. Petrópolis: Vozes, 1991, p.18.
754
Ibid, p. 42.
207
pequenos capitais fossem periodicamente ceifados para apressar seu florescimento a fim de
serem novamente ceifados pela grande indústria”
755
.
As abundantes estatísticas citadas por Bernstein tendo por escopo comprovar, com
“base em fundamentos econômicos”, a elevação do número de proprietários e assim
desacreditar a teoria da concentração indicando a emergência de sociedades por ações,
seriam, para Rosa mal-interpretadas
756
. Na realidade, o aumento da quantidade de sociedades
por ações teria um significado completamente diverso: assinalaria o crescente processo de
socialização da produção no interior do capitalismo, combinado com a concentração do
capital. Assim, Rosa atenta:
Hoje uma empresa capitalista não corresponde, como outrora, a
um único proprietário do capital, mas a um número cada vez
mais considerável de capitalistas e que por conseqüência, a
noção econômica do “capitalista” não dissimula um indivíduo
isolado, significa que o atual capitalista industrial é uma pessoa
coletiva composta por centenas ou mesmo milhares de
indivíduos, e que a própria categoria capitalista tornou-se, nos
quadros da economia capitalista, uma categoria social, que se
socializou.
757
A socialização crescente da produção consistiria, portanto, na reunião de “um grande
número de pequenas fortunas num grande capital de produção”, separando-se, por outro lado,
a produção da propriedade do capital
758
. Destarte, segundo Rosa, Bernstein estaria equivocado
ao entrever no fenômeno das sociedades por ações uma dispersão e não uma concentração do
capital além de conceber o capitalista, não como uma unidade econômica, mas como uma
unidade fiscal. Deste modo, graças à “confusão herdada da economia vulgar”, todo o mundo
lhe surge como um formigueiro de “capitalistas”
.
759
Logo, para a autora, a “teoria da adaptação”, enunciada por Bernstein, não seria mais do
que uma generalização teórica do ponto de vista do capitalista isolado, isto é, uma vertente da
economia vulgar burguesa, onde se toma os fenômenos de forma independente e parcial. Com
755
Ibid, p.42.
756
Rosa adverte que para ter valor comprobatório, as estatísticas deveriam se reportar aos mesmos setores da
indústria, e, então, demonstrar se as pequenas empresas surgem em substituição às grandes empresas, ao invés de
em setores onde predomina o capital familiar, o artesanato ou a micro-empresa. De acordo com Rosa, a
substituição de inúmeras empresas médias ou pequenas por sociedade por ações poderia ser explicada pela
penetração, em novos setores da produção, do sistema das sociedades por ações (ibid, p.77).
757
Ibid, p.78.
758
Ibid, p.77-78.
759
Ibid, p.78-79.
208
efeito, seus “antídotos” contra os males do capitalismo seriam igualmente restritos e
ineficazes
760
.
Consoante aponta Luxemburg, recorrendo à economia burguesa, Bernstein tentou
destruir as fundações da teoria marxista do valor – baseada em uma perspectiva histórica – de
modo a obscurecer as contradições presentes na economia capitalista. Nestes termos, passa a
conceber a economia capitalista como uma realidade perene, erigindo a sociedade burguesa à
“última etapa da evolução da humanidade
761
. Para tanto, ao mesmo tempo em que tentaria
transformar a lei do valor-trabalho de Marx em uma “simples abstração”, uma “construção do
espírito”, Bernstein recorreria a construções idealistas a respeito de uma sociedade socialista
nos interstícios da sociedade burguesa, graças ao princípio do cooperativismo
762
, cujo objetivo
seria a “repartição mais justa” e cuja legitimação histórica seria a idéia de “justiça”.
A “política de compensação”, neste sentido, seria uma “política de mistificação”
763
, uma
vez que traduziria uma perspectiva fantasiosa que vincularia a realização “automática” de
reformas à transformação gradual da sociedade em uma sociedade socialista. Em resumo, ao
negar as contradições internas do sistema capitalista, rejeitando assim a teoria do colapso,
Bernstein buscaria embasar o socialismo em um “conhecimento puro”, conferindo, desta
forma, um fundamento idealista do socialismo. Com efeito, o autor cairia no seguinte dilema:
“ou o revisionismo tem razão e nesse caso a transformação socialista da sociedade é uma
utopia ou o socialismo não é uma utopia e, nesse caso, a teoria dos “fatores de adaptação”
perde a sua base”
764
.
Outrossim, de acordo com Rosa, o desenvolvimento ininterrupto da democracia
antevisto pelo revisionismo à maneira do liberalismo burguês como uma lei fundamental
da história humana, revelar-se-ia uma “miragem”, pois o regime político seria sempre o
760
Ibid, p.71.
761
Ibid, p.84.
762
De acordo com Rosa, as cooperativas seriam instituições de natureza híbrida dentro do capitalismo, por
constituírem uma produção socializada em miniatura que é acompanhada por uma troca capitalista. Na economia
capitalista, devido a concorrência, para que a empresa possa sobreviver seria necessária uma “impiedosa
exploração da força do trabalho, quer dizer, a dominação completa do processo de produção pelos interesses
capitalistas. Praticamente, isso traduz-se numa necessidade de intensificação do trabalho, de encurtar ou
prolongar a sua duração conforme a conjuntura, de contatar ou dispensar a força de trabalho conforme as
necessidades do mercado, numa palavra, praticar todos os métodos, sobejamente conhecidos, que permitam a
uma empresa capitalista sustentar a concorrência de outras empresas” (Ibid, p.87-88). Deste modo seus membros
passariam a desempenhar o papel de empresários capitalistas. Assim, “uma reforma socialista baseada no
sistema de cooperativas abandona a luta contra o capital da produção (...) e se contenta em dirigir os seus ataques
contra o capital comercial, mais exatamente o pequeno e o médio capital comercial. ataca os ramos
secundários do tronco capitalista” (Ibid, p.89).
763
Ibid, p.65.
764
Ibid, p. 32.
209
resultado de um conjunto de fatores políticos internos e externos. Ademais, Rosa constata que
as instituições democráticas teriam chegado ao fim de sua intervenção no desenvolvimento da
sociedade burguesa, após a concretização da unificação dos grandes Estados modernos.
Assim, o liberalismo se tornaria inútil para a sociedade burguesa, chegando mesmo a
entravar o seu desenvolvimento”
765
. Diante disso, a autora reprova as tentativas efetuadas por
Bernstein de aconselhar o operariado a “recuperar o liberalismo assustado e afastá-lo do redil
da reação onde se refugiou” e a “abandonar o objetivo último do socialismo”
766
. Assim, o
autor defenderia que a condição essencial da “ressurreição da democracia burguesa” seria o
repúdio, pela classe operária, de seu objetivo final.
Fazendo do abandono do socialismo uma condição primeira das
premissas sociais da democracia burguesa, demonstra clara e
simultaneamente que a democracia contradiz a atual orientação
interna da evolução social e que o movimento operário é uma
resultante direta dessa orientação.
767
Com efeito, diferentemente de Bernstein, Rosa aduz que “não é a sorte do movimento
socialista que está ligada à democracia burguesa, mas pelo contrário, é a democracia que se
encontra ligada ao movimento socialista”
768
. Deste modo, em lugar de abrirem mão de sua
emancipação em nome da democracia, seria indispensável realizá-la para que a democracia
pudesse avançar. Portanto, nas palavras de Rosa, “renunciar à luta pelo socialismo é renunciar
simultaneamente ao movimento operário e à própria democracia”
769
.
Segundo Rosa, o empirismo de Bernstein o tornaria incapaz de examinar os fenômenos
sob o ponto de vista da totalidade do desenvolvimento econômico e social. Este fato
acarretaria a elaboração de uma concepção histórica mecânica e antidialética
770
. Com efeito, à
perspectiva totalizante e revolucionária de Marx, Bernstein contraporia uma visão parcial,
baseada na análise de fatos empíricos isolados, sem uma conexão entre si
771
. A adoção desta
perspectiva poderia explicar vários aspectos de sua teoria, como, por exemplo, a crença na
possibilidade de implantação do socialismo por intermédio de reformas legais balizadas pelo
Estado. Para Rosa, ainda que assumisse medidas e funções de interesse geral, o Estado não
deixaria de ser uma organização da classe capitalista dominante; desta forma, somente
765
Ibid, p.95.
766
Ibid, p.96.
767
Ibid.
768
Ibid, p.97.
769
Ibid, p.97.
770
Cf. LOUREIRO, Isabel Maria. Rosa Luxemburg: os dilemas da ação revolucionária. São Paulo: UNESP,
1995, p.25.
771
Luxemburg, 1986, p.27.
210
alinharia-se com o proletariado na medida em que o interesse geral e o desenvolvimento
social coincidissem com os interesses da classe dominante”
772
.
O atual Estado não é uma “sociedade” no sentido de “classe
obreira ascendente”, mas o representante da sociedade
capitalista, quer dizer, um Estado classista. Eis porque a
reforma por ele proposta não constitui aplicação do “controle
social”, isto é, do controle da sociedade de trabalhadores livres
sobre seu próprio trabalho, mas um controle da organização da
classe do capital sobre os processos de produção do capital.
Aliás, as reformas chocam-se com os limites dos interesses do
capital
773
.
Portanto, a evolução linear e gradual em direção ao socialismo, seja por intermédio da
atuação parlamentar e sindical, seja pela democratização política do Estado, não poderia
concretizar-se, pois este conservaria seu caráter de classe. Estes elementos, de acordo com
Rosa, poderiam, no melhor das hipóteses, manter a exploração capitalista no interior dos
limites “normais” determinados em cada momento pela conjuntura, mas estariam longe do
processo de suprimir a exploração em si mesma, mesmo que progressivamente
774
.
Os sindicatos, por exemplo, teriam como função principal “permitir aos operários a
realização da lei capitalista dos salários”, ou seja, “a venda da força de trabalho ao preço
conjuntural do mercado”
775
. Neste sentido, os sindicatos serviriam aos interesses do
proletariado tendo em vista as conjunturas do mercado. Por esta razão, não poderiam suprimir
a lei dos salários nem exercer uma “influência reguladora progressiva na produção” em prol
do interesse geral do proletariado:
A atividade dos sindicatos reduz-se, essencialmente, à luta para
o aumento dos salários e para a redução do tempo de trabalho,
procura unicamente ter uma influência reguladora sobre a
exploração capitalista, segundo as flutuações do mercado; toda
a intervenção no processo de produção é-lhe, pela própria
natureza das coisas, interdita
776
.
Por conseguinte, “mesmo no interior dos limites de sua esfera de influência, o
movimento sindical não aumenta indefinidamente a sua expansão, como o supunha a teoria da
adaptação ao capitalismo”
777
, ao contrário, ele tenderia a encontrar pela frente cada vez mais
772
Ibid, p. 56.
773
Ibid, p.50.
774
Ibid, p.46.
775
Ibid.
776
Ibid, p.48.
777
Ibid.
211
dificuldades, representadas pelos limites impostos pelos interesses do capital
778
. Deste modo,
a idéia de uma expansão ilimitada do sindicalismo não passaria de uma ilusão.
Em seu discurso ao Congresso de Hanover, de 1899, Rosa voltou a questionar a idéia
de uma evolução linear e mecânica da sociedade em direção ao “socialismo”, destacando sua
incapacidade para promover a emancipação econômica e política do proletariado:
Camaradas que pensam que podem conduzir a sociedade para o
socialismo de modo pacífico, sem um cataclismo, não possuem
base histórica nos fatos. Por revolução nós o precisamos
dizer banho de sangue. Uma revolução também pode ser
efetivada num nível cultural, e se algum momento houvesse a
possibilidade disto seria numa revolução proletária, já que
somos os últimos a aderir a meios violentos, os últimos a
desejar uma revolução brutal sobre nós. Mas esta questão não
depende de nós, depende de nossos oponentes. Nós devemos
colocar de lado a questão da forma pela qual nós tomaremos o
poder, pois não podemos prever tais condições. Nós estamos
interessados na essência do processo, que é a nossa luta pela
total transformação da ordem econômica capitalista vigente,
que pode ser obtida apenas pela conquista do poder do Estado e
nunca pelo caminho da reforma social dentro dos limites da
sociedade existente. Estes que cedem a esta esperança baseiam-
se ou na ignorância em relação ao passado ou no otimismo em
relação ao futuro
779
.
A perspectiva revolucionária de Rosa Luxemburg colocava-a em conflito não somente
com o grupo revisionista, mas também com a direção do partido, adepta de uma tática
exclusivamente parlamentar. Em seu ensaio, Rosa punha em xeque a confiança cega na “via
democrática”, dispondo que o caráter contraditório do Estado capitalista manifestar-se-ia “de
forma explosiva” no parlamentarismo moderno. Segundo a autora, “é evidente que
formalmente o parlamentarismo serve para exprimir na organização do Estado os interesses
do conjunto da sociedade”; “mas, por outro lado, o que o parlamentarismo representa aqui é
unicamente a sociedade capitalista, quer dizer, uma sociedade onde predominam os interesses
capitalistas”. Por conseqüência, continua Rosa, “nessa sociedade, as instituições formalmente
democráticas reduzem-se, no seu conteúdo, a instrumentos dos interesses da classe
dominante”
780
.
778
Segundo Rosa, “quando o desenvolvimento da indústria atingir seu apogeu e o mercado mundial iniciar a fase
descendente, a luta sindical tornar-se-á mais difícil: - porque as conjunturas objetivas do mercado serão
desfavoráveis à força de trabalho, a procura da força de trabalho aumentará mais lentamente e a oferta mais
rapidamente o que não é o caso atual; - porque o próprio capital para se compensar das perdas sofridas no
mercado mundial, se esforçará por reduzir a parte do produto pertencente aos operários” (Ibid, p.49).
779
Discurso de Rosa Luxemburg de 11/10/1899, no Congresso de Hanover (<www.marxists.org>).
780
Luxemburg, 1986, p.59.
212
Também a idéia da conquista por uma maioria parlamentar
aparece como um cálculo errado: preocupando-se unicamente, à
semelhança do liberalismo burguês, com o aspecto formal da
democracia, descuida-se totalmente do outro aspecto, o do seu
conteúdo real
781
.
Para Rosa, portanto, o Estado tenderia a assumir mais abertamente seus interesses de
classe, posto que a propriedade privada ganharia a forma de uma exploração capitalista cada
vez mais brutal. Assim, as contradições internas do capitalismo se acentuariam assim como
a conscientização da classe operária abrindo caminho para a realização de um golpe
revolucionário
782
. Ao contrário de Bernstein, portanto, Rosa concebia as crises como sendo
manifestações orgânicas, inseparáveis do conjunto da economia capitalista
783
, que corrigiriam
periodicamente o desequilíbrio existente entre a capacidade ilimitada de expansão da
produção e os limites estreitos do mercado:
[A] concepção mecânica e antidialética manifesta-se na idéia de
Bernstein de que a cessação das crises é um sintoma “da
adaptação” da economia capitalista. Para ele as crises reduzem-
se a desordens produzidas no mecanismo da economia; se as
desordens param o mecanismo, recomeça o movimento. Ora, de
fato, as crises não são desordens no sentido exato da palavra, ou
melhor, são desordens mas sem as quais a economia capitalista
não poderia desenvolver
784
.
Embora entre os social-democratas e os revisionistas não houvesse divergências em
termos práticos, a luta cotidiana endossada pelo partido possuiria um conteúdo diferente.
Tanto a luta sindical como a luta parlamentar seriam encaradas, na visão de Rosa, como
meios de dirigir e educar, pouco a pouco, o proletariado para a conquista do poder político, e
não apenas com vistas a aquisição de melhorias pontuais imediatas.
Deste modo, tais lutas revestir-se-iam de um significado socialista, pelo fato de
consistirem em uma preparação para o processo de transformação revolucionária, do qual
tomará parte o proletariado. Através da experiência da luta sindical e política, o proletariado
adquiriria a convicção de que é impossível transformar radicalmente a sua situação por meio
de uma única luta, e, assim, sentir-se-ia motivado a apoderar-se do poder político,
781
Ibid, p.60.
782
“As relações de produção da sociedade capitalista aproximam-se sucessivamente das relações de produção
socialista. Em contrapartida, as suas relações políticas constroem entre sociedade capitalista e a sociedade
socialista um muro cada vez mais alto. Nesse muro, nem as reformas sociais nem a democracia abrirão brechas,
contribuirão, pelo contrário, para o segurar e consolidar. Apenas um golpe revolucionário, isto é, a conquista do
poder político pelo proletariado, o poderá abater” (Ibid, p.61).
783
Ibid, p.69.
784
Ibid, p.69.
213
constituindo o fator subjetivo da transformação socialista
785
. Por atuar sobre a consciência do
proletariado, organizando-o como classe, o objetivo revolucionário não poderia ser descartado
sem, com isso, abandonar-se a própria perspectiva de classe. Portanto, a desvinculação entre
as reformas sociais e a revolução tornaria esta última irrealizável, além de enfraquecer
simultaneamente a coesão do movimento e a busca pelos objetivos traçados a curto prazo:
Qualquer que seja a tática utilizada, e porque as reformas
sociais são e continuarão a ser, no regime capitalista, nozes
ocas, a etapa seguinte será, muito logicamente, a desilusão,
mesmo no concernente ao valor próprio das reformas (...)”
786
.
Em resumo, o abandono do objetivo último, a revolução, em prol das reformas sociais
vistas como objetivos autônomos conduziria à perda do caráter de classe do partido,
incutindo uma mentalidade pequeno-burguesa, ou mesmo burguesa, no proletariado. Logo, a
definição do objetivo final não seria uma questão meramente acadêmica, sem relação imediata
com a prática, na medida em que constitui o caráter socialista de todo o movimento. Sendo
assim, para um partido proletário revolucionário, não existe questão mais prática do que a
referente ao objetivo final”
787
.
Tendo isso em vista, Rosa conclui que a “reforma e a revolução não são métodos
diferentes do progresso histórico que se possam escolher à vontade”, “mas fatores diferentes
da evolução da sociedade classista, que se condicionam e completam reciprocamente”
788
.
Enquanto a revolução seria um ato de criação política, a legislação seria uma expressão, no
plano político, da existência “vegetativa e contínua” da sociedade. Assim, as reformas
estariam subordinadas à direção histórica – ou forma social – conferida pela última revolução.
Seria, portanto, errôneo apresentar como faz Bernstein “o trabalho de reformas como uma
revolução diluída no tempo, e a revolução como uma reforma condensada”:
Uma revolução social e uma reforma legal não são elementos
que se distingam pela sua duração, mas pelo seu conteúdo; todo
o segredo das revoluções históricas, da conquista do poder
político reside precisamente na passagem de simples
modificações quantitativas, numa nova qualidade ou,
785
Ibid, p.64.
786
Ibid, p.66.
787
Discurso de Rosa ao Congresso de Stuttgart, de 3/10/1898 (www.marxists.org). Rosa complementa: “por
objetivo final o se quer dizer a imagem de um Estado futuro, mas o pré-requisito para qualquer sociedade
futura, a conquista do poder político.(...) Esta concepção de nossa tarefa está intimamente relacionada com a
nossa concepção da sociedade capitalista: imersa em insolúveis contradições que vão requerer ulteriormente uma
explosão, um colapso”.
788
Ibid, p.100.
214
concretizando, na passagem de uma dada forma de sociedade a
outra num período histórico.
789
Sendo assim, a escolha pela via das reformas legais em detrimento da conquista do
poder político, isto é, da revolução social, implicaria na escolha de um diferente objetivo: ao
invés de almejar a edificação de uma nova sociedade, contentar-se-ia com a introdução de
modificações parciais à sociedade existente
790
. Destarte, seria impossível transformar as
relações fundamentais da sociedade capitalista através de reformas legais que “respeitarão o
seu fundamento burguês”
791
:
Marx e Engels nunca puseram em dúvida a necessidade da
conquista do poder político pelo proletariado. Estava reservado
a Bernstein considerar o pântano do parlamentarismo burguês
como o instrumento chamado a realizar a transformação social
mais formidável da história, quer dizer, a transformação das
estruturas capitalistas em estruturas socialistas.
792
Com efeito, sob o pretexto de que a conquista do poder pelo proletariado o deveria
ser realizada prematuramente, Bernstein condenaria o movimento operário à inação,
culminando na “traição passiva de sua própria causa”
793
. Para Rosa, ao contrário, a grande
massa popular consciente somente poderia realizar a revolução prematuramente, uma vez que
ela seria parte de um processo de amadurecimento do próprio proletariado, que travaria uma
longa e intensa batalha até a sua concretização definitiva. Destarte, opõe-se à concepção de
que a revolução proletária não deveria chegar demasiado cedo por não encontrar “maduros”
nem as condições econômicas nem o proletariado. A seu ver, a revolução não pode chegar
cedo porque a simples existência das forças revolucionárias do proletariado é uma
conseqüência da maturidade das condições econômicas e da experiência da ação
revolucionária.
Cabe lembrar, portanto, que embora Rosa acredite que a democracia seja indispensável
para a classe operária, posto que criaria formas políticas que serviriam ao proletariado como
“trampolim e sustentáculo na sua luta pela transformação revolucionária da sociedade
burguesa” por possibilitar que, ao lutar pela democracia e exercer os seus direitos, o
789
Ibid, p.101.
790
Ibid.
791
Ibid, p.103.
792
Ibid, p.106.
793
Ibid.
215
proletariado ganhe a consciência dos seus interesses de classe e de suas tarefas históricas –,
ela não tornaria inútil a conquista do poder político
794
.
Deste modo, Rosa, à frente do grupo revolucionário que passaria a distanciar-se do
centro partidário a partir da grande divergência suscitada pela Revolução Russa de 1905 –,
condenou enfaticamente as teses expostas por Bernstein. A seu ver estas traduziriam a
“primeira e última” tentativa de legitimar cientificamente o oportunismo prático, fenômeno
este visto por Rosa como inevitável, fruto das condições da luta e da expansão do movimento
social-democrata.
A teoria de Bernstein foi a primeira e a última tentativa para
fornecer ao oportunismo uma base teórica. Dizemos “última”
porque com a doutrina de Bernstein, o oportunismo foi tão
longe negativamente na abjuração do socialismo científico e
positivamente na confusão teórica, amálgama incoerente de
todos os elementos disponíveis nos outros sistemas que nada
fica para lhe acrescentar. O livro de Bernstein marca o fim da
evolução teórica do oportunismo, extraindo-lhe as últimas
conseqüências
795
.
Rosa procurou explicar o revisionismo como fenômeno histórico produzido no decorrer
da evolução do partido
796
, resultado da luta permanente contra a ordem estabelecida. Assim,
como ressaltou Rosa,
Se se considerar a enorme expansão do movimento no decurso
dos últimos anos e o caráter complexo das condições em que se
deve travar a luta, assim como os objetivos que deve ter, era
inevitável que num determinado momento se manifestasse uma
certa flutuação: ceticismo quanto à possibilidade de atingir os
grandes objetivos finais, hesitações quanto ao elemento teórico
do movimento. O movimento operário não pode e não deve
progredir de outra forma; os instantes de hesitação, de
descrença, estão muito longe de surpreender os marxistas, pelo
contrário, foram previstos e preditos desde muito por Marx
(...).
797
Enquanto expressão teórica do fortalecimento das correntes oportunistas dentro do
partido, o revisionismo pretendia minar do programa partidário todos os aspectos da teoria
794
Ibid, p.105.
795
Luxemburg, 1986, p.120.
796
“o movimento proletário, mesmo na Alemanha, não se fez de repente socialista, faz-se um pouco em cada
dia, faz-se corrigindo os desvios opostos: o anarquismo e o oportunismo; um ou outro erro são fases do
movimento considerado como um processus contínuo. Nessa perspectiva não é a aparição de uma corrente
oportunista que deve surpreender, é sobretudo a sua fragilidade. Tanto quanto se manifestou em ocasiões
isoladas, a propósito da ação prática do partido, poder-se-ia imaginar que se apoiava numa base teórica séria”
(Ibid, p.122).
797
Ibid, p.121.
216
que representassem um entrave ao livre jogo das barganhas políticas, de modo que pudesse
mudar sua tática ao sabor das circunstâncias mais imediatas. Por conseqüência, Bernstein
abandonou as categorias do pensamento do proletariado revolucionário a dialética, a
concepção materialista da história, etc. – recaindo em princípios oriundos da ciência, da moral
e da democracia burguesas.
Como Rosa nos mostra, os ataques bernsteinianos miraram de forma certeira o centro
nervoso da luta revolucionária. Através da rejeição da dialética, a pedra de toque de toda a
concepção histórica marxista, permitia-se a acomodação à sociedade existente, a perpetuação
da relação de forças sociais e a negação das contradições inerentes aos fenômenos sociais,
fechando-se as portas, assim, às possibilidades de transformação pela ação proletária
consciente e revolucionária.
reservando os ataques mais violentos contra a dialética, não
estará a visar o modo de pensar específico do proletariado
consciente, lutando pelas suas aspirações? Não será a dialética
o instrumento que deve ajudar o proletariado a sair das travas
onde mergulha o seu futuro histórico, a arma intelectual que
permite ao proletariado, ainda sob o jugo material da burguesia,
triunfar, convencê-la de que está condenada a morrer, a provar-
lhe a certeza infalível da sua vitória? Esta arma não terá
desempenhado a sua obrigação no âmbito do espírito da
revolução? Bernstein, abandonando a dialética, entrega-se ao
jogo intelectual menor das fórmulas equilibristas tais como
“sim, mas”, “por um lado, por outro lado”, “ainda que,
contudo”, “mais ou menos”, adota logicamente o modo de
pensar histórico da burguesia decadente, modo de pensar que
reflete fielmente a sua existência social e a sua ação política
798
.
Por conseguinte, Rosa frisou inúmeras vezes, seja em artigos ou em seus discursos, a
necessidade de se ultrapassar a corrente oportunista “hostil à teoria” e aos princípios
socialistas dentro do partido, o que significaria na prática a expulsão de seus adeptos.
Contudo, seus apelos não foram atendidos pelos dirigentes do SPD, que embora
recriminassem as teses de Bernstein oficialmente principalmente nos Congressos de
Stuttgart (1898), Hanover (1899), Dresden (1903) e no Congresso da Internacional de
Amsterdã (1904) o consideravam que pudessem representar uma séria ameaça à
organização, uma vez que não desvios teóricos não refletiam na prática.
Demonstrando preocupações com o descarte dos princípios socialistas, tanto pela direita
como pelo centro partidários, Rosa concentrou-se em explorar a forma como a teoria marxista
havia sido interpretada e apropriada dentro do movimento. Em artigo publicado pelo
798
Ibid, p.115.
217
Vorwärts, em 14 de março de 1903
799
, Rosa analisou as razões pelas quais a teoria de Marx e
Engels havia passado por um processo de vulgarização e enrijecimento. A autora concluiu que
herança de Marx continuava não-aproveitada pelos chefes ideológicos da social-democracia.
Contudo, segundo Rosa, se nada era acrescentado ao edifício construído por Marx não seria
porque o quadro fosse gido demais, nem porque estivesse completamente acabado
800
, mas
pelo fato de que as condições históricas ainda o teriam colocado na ordem do dia questões
que Marx havia trabalhado em sua teoria
801
.
Se sentimos, agora, em nosso movimento, um certo
estacionamento das pesquisas teóricas, não é porque a teoria de
Marx, de que somos discípulos, não possa desenvolver-se, nem
porque tenha “envelhecido”, e sim porque nos apoderamos,
para a nossa luta, de todas as armas intelectuais mais
importantes do arsenal marxista de que tínhamos necessidade
até aqui. E nem por isso está esse arsenal esgotado. Não
“ultrapassamos” Marx no decurso de nossa luta prática; ao
contrário, Marx, com suas criações científicas, é que nos
ultrapassou como partido de combate. Marx não produziu o
bastante para as nossas necessidades, como também as nossas
necessidades ainda não foram suficientemente grandes para que
utilizássemos todas as suas idéias
802
.
Deste modo, Rosa relaciona a falta de forças intelectuais pertencentes ao movimento
capazes de continuar a teoria de Marx, com as condições históricas encontradas que
fixariam limites bastante estreitos para a atividade intelectual da classe operária
803
tendo em
vista que: “cada época forja, por si mesma, o seu material humano, e se a nossa tivesse
verdadeiramente necessidade de trabalhos teóricos, criaria sozinha as forças necessárias à sua
satisfação”
804
.
799
Cf. LUXEMBURG, R. Estacionamentos e progressos do marxismo”. In: In: Marxismo. São Paulo: Unitas,
[198-], p.179-189.
800
Ibid, 181.
801
“Essa obra que constitui, como descoberta científica, um todo gigantesco, ultrapassa as necessidades
diretas da luta de classe do proletariado, para as quais foi criada. Na análise completa e detalhada da economia
capitalista, como no método de pesquisas históricas, com as suas infinitas possibilidades de aplicação, Marx nos
deu muito mais do que era necessário para a prática da luta de classe. Só recorremos ao grande depósito de idéias
de Marx, para trabalhar e valorizar alguma parcela de sua doutrina, na medida em que o nosso movimento
progride de estágio e se em face de novas questões práticas. O nosso movimento, porém, como toda luta
verdadeira, se contenta com as velhas idéias diretrizes, ainda muito tempo depois delas terem perdido o valor.
Por outro lado, a utilização teórica das lições de Marx não progride senão com extrema lentidão” (Ibid, p.188).
802
Ibid, p. 188-189.
803
“A classe operária pode criar uma arte e uma ciência próprias depois de se libertar completamente de
sua atual situação de classe. Tudo o que pode fazer hoje é proteger a cultura da burguesia contra o vandalismo da
reação burguesa e criar as condições sociais necessárias ao livre desenvolvimento da cultura. Na sociedade atual,
pode fazer obra positiva nesse domínio, forjando as armas intelectuais necessárias à sua luta emancipadora”
(Ibid, p.187).
804
Ibid, p.182.
218
Ao chamar atenção para a necessidade de se desenvolver e atualizar a teoria de Marx,
Rosa deixa claro que suas críticas a Bernstein não decorrem de uma aversão a uma visão
crítica das obras de Marx ou de sua conversão em dogmas sagrados. A reprovação ao
revisionismo incide, portanto sobre as conclusões e conseqüências práticas extraídas desta
teoria, que conduziriam ao abandono da meta revolucionária e à rejeição ao método de
pesquisa histórica. Para Rosa, “a parte mais preciosa dos escritos de Marx”, seria a concepção
materialista e dialética da história. Esta nada mais seria do que “um método de pesquisa, um
grupo de idéias gerais, que permitem a visão de um mundo novo, que abrem perspectivas
infinitas às iniciativas individuais, que dão asas ao espírito para as incursões mais audaciosas
nos domínios inexplorados”
805
.
no início da década de 1920, Georg Lukács, emHistória e Consciência de Classe”
(1923), reconhecerá a importância da contribuição de Rosa Luxemburg no combate ao
oportunismo e ao marxismo vulgar; destacando igualmente sua ênfase no método como o
diferencial do “marxismo ortodoxo”
806
. Para o “jovem” Lukács, Rosa Luxemburgo teria sido
“o único discípulo de Marx que prosseguiu realmente a obra da sua vida, tanto no plano dos
fatos econômicos, como no plano do método econômico e que, deste ponto de vista, se ligou
concretamente ao nível presente da evolução social”
807
Lukács ressaltara que a conservação da essência revolucionária do método formaria o
ponto de vista do legítimo “marxismo ortodoxo”. Neste sentido, o seria necessário se
agarrar ao conteúdo doutrinário das obras de Marx, mas apenas zelar pela aplicação correta do
método dialético:
Um marxista ortodoxo rio poderia reconhecer
incondicionalmente todos estes novos resultados, rejeitar todas
as teses isoladas de Marx, sem, por um momento, se ver
forçado a renunciar à sua ortodoxia marxista. O marxismo
ortodoxo não significa, pois, uma adesão sem crítica aos
resultados da pesquisa de Marx, não significa uma numa ou
noutra tese, nem a exegese de um livro sagrado. A ortodoxia
em matéria de marxismo refere-se, pelo contrário, e
exclusivamente, ao método
808
.
805
Segundo Rosa, os “chefes ideológicos” do proletariado estariam deixando “enferrujar essa arma maravilhosa”
(Ibid, p.181).
806
Para Lukács o “marxismo ortodoxo” difere do marxismo propagado pelos dirigentes da Segunda
Internacional. Cf. LUKÁCS. História e consciência de classe. Rio de Janeiro: Elfos, 1989.
807
Ibid, p.7. Convém ressaltar que Lukács paulatinamente aproximou-se do leninismo, tendo passado a afirmar
que o “renascimento do marxismo” manifestou-se através de duas obras fundamentais: “A acumulação do
capital” (1913) de Rosa Luxemburg e “Estado e a Revolução” (1917) – de Lênin; por retomarem o modo de
exposição histórico e dialético de Marx (Ibid, p.49).
808
Ibid, p. 15.
219
Assim, segundo Lukács, o método dialético constituiria um método correto para a
compreensão adequada das condições históricas passadas e presentes. Assim, a dialética,
como centro vital do todo, permitiria constantemente relacionar o instante presente e as
tarefas em relação ao processo histórico, permitindo a unidade entre teoria e prática,
considerando-se a relação dialética entre sujeito e objeto no processo histórico.
O que surgiu com o materialismo histórico foi, ao mesmo
tempo, a doutrina das “condições da libertação do proletariado”
e a doutrina da realidade do processo total de desenvolvimento
histórico, e isto unicamente porque é, para o proletariado, uma
necessidade vital,uma questão de vida ou morte, atingir a visão
mais perfeitamente clara da sua situação de classe; porque a sua
situação de classe só no conhecimento da sociedade total é
compreensível; porque os seus atos têm este conhecimento
como condição prévia, inelutável. A unidade da teoria e da
práxis é pois, apenas a outra face da situação social e histórica
do proletariado; do ponto de vista do proletariado,
conhecimento de si mesmo e conhecimento da totalidade
coincidem, ele é ao mesmo tempo sujeito e objeto do seu
próprio conhecimento.
809
Neste sentido, a primazia do método possibilitaria não somente a interpretação das
transformações em processo e das forças recíprocas atuantes, mas a ação dos sujeitos
históricos, que assumiriam o ponto de vista da totalidade, isto é, a percepção do caráter
fetichista das formas econômicas, da reificação das relações humanas e do caráter histórico e
transitório dos fatos e o caráter antagônico da ordem capitalista. Desta maneira o método
dialético em si, produto da luta de classes – é visto como veículo da revolução, da atividade
crítica e prática, afastando-se o fatalismo e o voluntarismo.
Para Lukács, “a ruptura revisionista do movimento e da finalidade última”, consistiria
em um “recuo até o nível mais primitivo do movimento operário”
810
, no isolamento em
relação ao proletariado, pois “ao separar o que é indivisível, os oportunistas privaram-se desse
conhecimento ativo de si, do proletariado”
811
. De acordo com Lukács, Bernstein teria
exprimido “com a maior clareza” e formulado “com a melhor precisão” a objeção ao método
dialético, “em parte por causa da sua própria “imparcialidade” que não é perturbada por
nenhum conhecimento filosófico”.
Por outro lado, as conseqüências reais, políticas e econômicas
que ele deduz do seu desejo de libertar o método das “ratoeiras
809
Ibid, p.35.
810
Ibid, p.38.
811
Ibid, p.57.
220
dialéticas” do hegelianismo, mostram claramente a onde este
caminho nos leva. Mostram precisamente que que separar a
dialética do método do materialismo histórico quando se quiser
fundar uma teoria conseqüente do oportunismo, da “evolução”
sem revolução, da “passagem natural” e sem luta ao
socialismo
812
.
Deste modo, ao render-se a um “empirismo tacanho”, Bernstein demonstraria sua
“repugnância instintiva e profunda por toda a teoria”. Por conseguinte, “crê poder encontrar
em cada dado, em cada número estatístico, em cada factum brutum da vida econômica, um
fato importante para ele”. Portanto, “não que a mais simples enumeração de fatos, a
justaposição mais despida de comentários é uma interpretação, que a este nível os fatos
foram captados a partir de uma teoria, de um método, que os abstraímos do contexto da vida
em que originariamente se encontravam e os introduzimos no contexto de uma teoria”
813
.
Como foi visto, o esforço empreendido por Rosa na defesa dos princípios socialistas,
isto é da união entre teoria e prática revolucionárias, foi merecidamente destacado por Georg
Lukács. Em prefácio à “Greve de massas, partido e sindicatos”, escrito em 1921, Lukács
sublinhara o relevante papel desempenhado por Rosa como a “verdadeira líder da revolução
proletária” que “cultiva com maior profundidade o marxismo, a dialética revolucionária, a
ciência da luta de classes”
814
.
Rosa Luxemburg nunca esqueceu a prática e a colocou junto à
teoria. A teoria mais profunda e verdadeira era válida para
ela à medida que mostrasse uma nova via para a ação proletária,
assim como a crítica foi para ela apenas um meio para a
descoberta de meios de luta positivos
815
.
Assim como Rosa havia feito, Lukács procurou extrair o verdadeiro sentido do
marxismo: “a revolucionarização do proletariado”. Rosa teria sido a primeira a opor a teoria
da revolução proletária contra a teoria do oportunismo, retornando ao verdadeiro método de
Marx em suas análises a respeito da acumulação do capital e da nova etapa do
desenvolvimento capitalista. Assim, Rosa buscava compreender os problemas dos novos
tempos como forma de reorientar a práxis revolucionária.
Não obstante todo seu empenho, os “oportunistas” ganharam enorme espaço dentro da
social-democracia. Privilegiando “seus interesses mesquinhos e míopes” e “viciando as
812
Ibid, p.19.
813
Ibid, p.19-20.
814
LUKÁCS, G. “Prefácio à “Greves, partido e sindicatos”. In: LÖWY, Michael. A evolução política de Lukács
(1909-1929). São Paulo: Cortez, 1998, p.320.
815
Ibid, p.324.
221
reflexões e os sentimentos do proletariado durante décadas”,
habituaram-nos a não observar os acontecimentos do ponto de
vista dos interesses de classe gerais do proletariado, mas a fazer
que cada um se preocupe antes de tudo com seus interesses
pessoais, ou seja, os referidos à profissão ou à fábrica,
estritamente. Ao fazê-lo, conseguiram obscurecer a consciência
do proletariado, dirigir a classe trabalhadora numa direção
oportunista e pequeno-burguesa, além de educá-la neste
sentido
816
.
Contudo, como Rosa avaliara, o revisionismo bernsteiniano não conseguiu
corresponder a todas as suas pretensões e expectativas
817
. Não somente faltava-lhe a
genialidade teórica de uma figura como a de Marx, mas, principalmente, devido ao fato de
que as condições históricas ainda colocavam os princípios revolucionários e a crítica à
sociedade burguesa na ordem do dia.
Isto restou evidenciado em um curto espaço de tempo, iniciado a partir da sublevação
operária na Rússia, em 1905, da adesão do partido à guerra imperialista em 1914, da
Revolução Bolchevique em 1917 e da Revolução e contra-revolução (levada a cabo pela
corrente direitista do SPD) na Alemanha em 1918 e 1919, que culminou no assassinato de
Rosa Luxemburg e Karl Liebknecht. A cada novo desdobramento histórico restavam
manifestas as profundas divergências ideológicas e os inúmeros conflitos que abatiam os
social-democratas, alquebrando sua frágil e dissimulada unidade. Como expressara Rosa em
discurso no Congresso de Fundação da Liga Spartakus, em 31 de dezembro de 1918:
a dialética da história quis que retomássemos agora as
concepções que Marx e Engels tinham depois abandonado (...)
O desenvolvimento do capitalismo que entretanto se verificou
fez com que aquilo que era então um erro se tornasse hoje
verdade, e hoje, a tarefa imediata consiste em realizar o que
Marx e Engels contavam fazer em 1848
818
.
Deste modo, o início do século XX desnudou a incompatibilidade entre as correntes
reformistas e as revolucionárias, obscurecida durante o período de expansão do movimento,
além de ressaltar a ambigüidade existente no projeto social-democrata, que promoveu a
desvinculação entre a teoria e a prática do movimento. Este processo suscitou, por sua vez, o
rechaço do socialismo, a descaracterização do partido, o abandono do internacionalismo
operário e o enfraquecimento e desorganização da esquerda mundial o que veio a propiciar
816
Ibid, 320-321.
817
“O oportunismo não está à altura de construir uma teoria positiva que resista, um mínimo que seja, à crítica
(Ibid, p.119).
818
LOUREIRO, Maria Isabel. Rosa Luxemburgo: vida e obra. São Paulo: Expressão Popular, 2003, p.107.
222
o fortalecimento dos grupos burgueses de extrema direita em inúmeros países da Europa nas
primeiras décadas do século XX.
A capitulação dos partidos social-democratas à política imperialista de seus
respectivos governos após a deflagração da Primeira Guerra Mundial e o conseqüente
esfacelamento da Segunda Internacional deu ensejo a numerosos conflitos no interior do
socialismo europeu que culminaram em sua efetiva fragmentação. Na Alemanha, entre os
representantes da direita partidária, prevaleceu a concepção de que a política nacional deveria
figurar em primeiro plano juntamente com seu “direito à autodefesa nacional contra ataques
externos agressivos”
819
. Com o cessar do conflito mundial, tal corrente achou por bem
substituir o tradicional mea culpa, por novas tentativas de reintegração das forças partidárias
(particularmente com o retorno do Partido Social-Democrata Independente). Desta vez os
dirigentes do partido apresentavam uma “nova ameaça iminente” ao movimento: os
bolcheviques. Em sua concepção, a fabricação de um novo inimigo externo, desta vez oriundo
das próprias fileiras do proletariado internacional, propiciaria a coesão necessária ao
enfrentamento da crise que se abateu sobre a social-democracia após sua empreitada
chauvinista.
As correntes revolucionárias, por sua vez, ganharam novo fôlego após a vitoriosa
Revolução de Outubro, embora ainda demonstrassem receio quanto à adequação do modelo
revolucionário bolchevique às condições encontradas no Ocidente. A conjugação de forças
para a institucionalização da República, em 9 de novembro de 1918, logo colocou em
evidência as divergências entre as duas correntes. A tentativa de ascender ao poder e instaurar
uma república socialista pelo grupo revolucionário foi violentamente reprimida pelo governo
social-democrata de Friedrich Ebert, Philip Scheidemann e Hugo Haase, que passou a assumir
um caráter conservador e a defesa do Estado burguês.
819
Cf. Bernstein, 1996.
223
5 - Considerações finais sobre a suposta “crise do marxismo”
Por toda a Europa, amplos setores da social-democracia expressaram a sua adesão à
tendência revisionista e à sua crença na evolução pacífica do capitalismo ao socialismo, que
procurava transformar o socialismo da condição de antítese teórica e prática do sistema
capitalista à condição de um movimento parlamentar integrante deste mesmo sistema, no que
foi considerada a primeira “crise do marxismo”
820
.
Devemos ressaltar que, contrariamente a Croce que proclamara o esgotamento do
marxismo teórico em virtude de sua fragmentação doutrinária –, Georges Sorel concebera a
“crise” como frutífera e positiva. Segundo sua concepção:
a crise do marxismo marca um longo progresso, possibilita a
superação de obstáculos do pensamento o socialismo não é
uma doutrina, uma seita, um sistema político: é a emancipação
das classes operárias que se organizam e criam instituições
novas
821
.
Apesar de todas as críticas e acusações dirigidas aos revisionistas, Lênin compartilha
desta mesma opinião:
A luta contra os revisionistas serviu para um fecundo
reavivamento do pensamento teórico do socialismo
internacional, tal como ocorrera 20 anos antes, com a polêmica
de Engels com Dühring.
822
Assim, ao examinar o fenômeno revisionista, que considerava reflexo de uma infiltração
inevitável de mentalidade pequeno-burguesa no seio dos grandes partidos operários, Lênin
escreveu:
A divisão no seio do socialismo internacional contemporâneo
estabelece-se hoje, nos diversos países do mundo,
820
Expressão cunhada pelo liberal Masaryk em 1900. Cf. MASARYK, T.H.G. Die philosophischen und
Soziologischen Grundlagen des Marxismus. Studien zur sozialen Frage. Viena, 1899 (Gustafsson, 1975, p.439).
Em fevereiro de 1898, publicou no periódico vienense Die Zeit uma série de artigos sob o título Die
wissenschaftliche und philosophische Krise innerhalb des gegenwärtigen Marxismus (“A crise científica e
filosófica do marxismo contemporâneo”). Die Zeit de 19/2, 26/2, 5/3 de 1898; Die Krise innerhalb des
gegenwärtigen Marxismus” –Die Zeit 29/10/1898; “Zur Krise innerhalb des Marxismus” – Die Zeit 29/4/1899.
Em 1899 Bernstein escreveu: “Masaryks Kritik des MarxismusDie Zeit de 8/7, 15/7, 22/7 de 1899: “Masaryk
deu com muita correção a prova de que o marxismo precisava de revisão e reelaboração”.
Em carta de Masaryk à Bernstein, de 29/7/1899, tempos que mantemos um contato espiritual bastante
intenso. Me alegro de que em uma grande quantidade de pontos, se não coincidimos totalmente, pelo menos
pensamos de forma muito parecida. De fato, o paralelismo que existe entre suas “Premissas” e meus “Princípios”
é muito grande” (Gustafsson, 1975, p.425).
821
SOREL, Georges. Reflexões sobre a violência. São Paulo: Martins Fontes, 1992, p. 141.
822
LÊNIN. “Marxismo e revisionismo”. In: Obras escolhidas. 3
a
ed. São Paulo: Alfa-Omega, v. 1, 1986b p.42-
43.
224
essencialmente numa mesma linha, o que mostra um
formidável passo em frente que se deu em comparação com o
que ocorria trinta ou quarenta anos, quando lutavam nos
diversos países tendências heterogêneas dentro de um
movimento socialista internacional único (...) O caráter
inevitável do revisionismo é determinado pelas suas raízes de
classe na sociedade atual. O revisionismo é um fenômeno
internacional. Para nenhum socialista um pouco informado e
consciente pode existir a menor dúvida de que a relação entre
ortodoxos e os bernsteinianos na Alemanha, entre os guesdistas
e os jauressistas (agora, em particular, os broussistas), em
França, entre a Federação Social-Democrata e o Partido
Trabalhista Independente, em Inglaterra, entre De Brouckère e
Vandervelde, na Bélgica, os integralistas e os reformistas, em
Itália, os bolcheviques e os mencheviques na Rússia, é por toda
a parte essencialmente a mesma, e não obstante a gigantesca
diversidade das condições nacionais e dos fatores históricos na
situação atual de todos esses países.
823
Com a dissolução da Segunda Internacional em 1914, por ocasião da deflagração da
Primeira Guerra Mundial, e o abandono dos princípios do internacionalismo operário, a
social-democracia entrou em um processo de contínua fragmentação que atingiria seu ponto
máximo em 1917, com a Revolução Russa. Na medida em que o reformismo passa a ser uma
tendência dominante nos partidos social-democratas, muitos líderes decidem edificar novos
grupos revolucionários, como é o caso de Rosa Luxemburgo e Karl Liebknecht na Alemanha,
fundadores da Liga Espartaquista
824
.
Por conseguinte, as décadas de 20 e 30 foram marcadas pela redefinição teórica da
social-democracia, que então passara a associar seu programa à implementação do Welfare
State e ao repúdio do socialismo soviético. em 1921, o Programa de Görlitz do Partido
Social-Democrata Alemão passa a adotar oficialmente as concepções revisionistas de
Bernstein, que inclusive participa de sua redação.
O reconhecido “desvio à direita” da social-democracia européia se acentuara no
segundo pós-guerra em razão do financiamento americano da reconstrução européia e da
emergência da Guerra Fria. O coroamento deste redirecionamento político ocorreu nos fins da
década de 50, quando grande parte dos partidos europeus rompeu os laços remanescentes que
os vinculavam ao socialismo e à doutrina marxista
825
.
823
Lênin, 1986b, p.45-46.
824
Após a tentativa de levante ocorrida em 1919, a Liga Espartaquista seria severamente reprimida, tendo seus
principais dirigentes sido assassinados no mesmo ano.
825
Ocorre na Áustria e Suíça em 1958, na Holanda e Alemanha (Programa de Bad-Godsberg) em 1959, na
Suécia em 1960 e na França em 1962 (Przeworski, 1989).
225
O final do século XX, no entanto, causaria ainda maior impacto no seio da esquerda
mundial. As promessas de “renovação da social-democracia” pela adoção de uma “terceira
via” condizente com a política neoliberal, a queda do muro de Berlim e o desmantelamento da
União Soviética provocaram o abandono progressivo de vários pressupostos básicos das teses
social-democratas e a prevalência de um discurso único em defesa do aperfeiçoamento
gradual e, sobretudo, limitado do sistema capitalista por meio de reformas legislativas, mesmo
entre os partidos ditos “socialistas”. A nova “crise” reavivou antigas fórmulas que
anunciavam o “fim da história”, o fim das ideologias” e o “fim das utopias”, colocando
novamente a dialética no centro das discussões, tanto da esquerda quanto da direita.
Indubitavelmente as críticas e intervenções na querela revisionista deram origem a
importantes revisões teóricas e a novos questionamentos. Seu mais expressivo legado teórico
terá sido incontestavelmente a rediscussão do próprio conceito de dialética, tal como este era
difundido pelo marxismo “oficial”. A crucial relação entre necessidade e liberdade (ou seja,
entre as condições materiais de existência e os sujeitos históricos) era resolvida pela filosofia
da história determinista com a preservação da antinomia entre sujeito-objeto e a prevalência
do último sobre o primeiro, de forma mecânica e direta, pela invocação de leis naturais. Desta
forma, a dialética subjetiva (história humana) seria o mero reflexo da dialética objetiva
(história da natureza) e as transformações se produziriam independentemente da vontade ou
ação humanas, em função da própria natureza contraditória do ser. Assim, o papel do homem
como sujeito histórico é reduzido ao máximo, perdendo seu próprio caráter revolucionário.
Para o materialismo histórico clássico, é fundamental que o homem tome consciência de
si próprio como ser social, simultaneamente sujeito e objeto do devir histórico. Para Marx, na
práxis revolucionária
826
coincidem a mudança das circunstâncias e a transformação da
consciência. Deste modo, exclui a compreensão de que as ações humanas sejam absorvidas
por uma causalidade gida, cristalizações e determinismos, permitindo que a liberdade seja
considerada como algo além da mera constatação da necessidade.
Assim, a concepção marxiana da história opõe-se frontalmente tanto ao materialismo
mecanicista quanto ao idealismo voluntarista, pelo fato de entrever nesta relação dialética
entre sujeito e objeto, homem e circunstância, atividades humanas e condições dadas, a
própria auto-emancipação, a práxis auto-libertadora.
826
Nas “Teses sobre Feuerbach” Marx expõe sua concepção de práxis, essencial para a compreensão da dialética
materialista.
226
Como nos mostra Walter Benjamin, a história concebida como uma marcha triunfal
para o progresso necessário atribuiu à classe trabalhadora o papel de redentora de gerações
futuras mas, simultaneamente, “cortou-lhe o tendão das suas melhores forças”, posto que os
homens, sujeitos históricos, poderão ter noção de sua potência criadora se passarem a
enxergar a história como objeto de uma construção que tem lugar “não no tempo vazio e
homogêneo, mas no repleno de atualidade”
827
.
Se o determinismo mecanicista e dogmático adotado pelo marxismo ortodoxo
representou, como foi demonstrado, a ocultação do potencial transformador e revolucionário
dos sujeitos históricos, por outro lado, a rejeição e exclusão da dialética marxista efetuada por
Bernstein posicionou-o do outro lado dos extremos, aproximando-o do idealismo kantiano e
da ciência positivista. Deste modo, excluiu de seu sistema teórico todas as patentes
contradições do modo de produção capitalista, ocultando-lhe os antagonismos sociais e
partindo em defesa de um reformismo não atrelado ao compromisso revolucionário. Como
conseqüência, esvaziou a teoria marxista de todo conteúdo crítico e transformador, levando a
social-democracia a endossar as teses liberais e a legitimar o sistema capitalista. Conforme
previra Rosa Luxemburgo, o revisionismo bernsteiniano levou à descaracterização da social-
democracia e à sua identificação com um democratismo liberal apático e comodista.
827
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234
ANEXOS
Figura 1: Mapa da Alemanha - 1871
Fonte: ARRUDA, José Jobson de A. Atlas histórico básico. São Paulo: Atlas, p.27.
235
Figura 2: Mapa da Alemanha indicando o resultado das eleições para o Reichstag em
1898.
828
Fonte: LIEBKNECHT, “Socialdemocracy in Germany”. In: Justice (16.7.1898), apud
<www.marxists.org>.
828
Os distritos onde os social-democratas foram eleitos para o Reichstag foram coloridos de preto.
236
Gráfico 1: Progressão dos votos obtidos pelo SPD nas eleições para o Reichstag, de 1871-
1912
Fonte: RODES, John E. Germany: a history. New York: Holt, Rinehart and Winston, 1964, p.385.
Tabela 1: Votos obtidos pelo SPD nas eleições para o Reichstag, de 1871-1912.
Fonte: CARONE, Edgard. A II Internacional pelos seus congressos (1889-1914). São Paulo: Edusp:1993, p.9
Ano Nº de votos percentual Cadeiras no Parlamento
1871 124.655 3 2
1874 351.952 6,8 10
1877 493.158 9,1 13
1878 437.158 7,6 76
1881 311.961 6,1 13
1884 549.128 9,7 24
1887 763.128 10,1 11
1890 1.427.298 19,7 35
1893 1.786.738 23,3 44
1898 2.107.076 27,2 56
1903 3.010.771 31,7 81
1907 3.259.020 28,2 43
1912 4.250.329 34,8 110
237
Tabela 2: Federações Sindicais na Europa.
País / Partido Ano de
criação do
partido
Ano de
criação das
associações
sindicais
Federação Sindical Nacional
Grã-Bretanha (LP) 1900 1868 Congresso dos Sindicatos
Espanha (PSOE) 1879 1888 Sindicato Geral do Trabalhador
Espanhol
Alemanha (SPD) 1875 1891 Comissão Geral dos Sindicatos Livres
Hungria (MSZP) 1880 1891 Conselho dos Sindicatos
Áustria (SPÖ) 1889 1893 Comissão dos Sindicatos
Terras tchecas (CSDSD) 1878 1897 Comissão dos Sindicatos
Bélgica (POB) 1885 1898 Federação Geral do Trabalhador Belga
Dinamarca (SDF) 1876 1898 Confederação dos Sindicatos
Suécia (SAP) 1889 1898 Confederação dos Sindicatos
Noruega (DNA) 1887 1899 Confederação dos Sindicatos
Bulgária (BWSDP) 1891 1904 Sindicato Geral dos Trabalhadores
Holanda (DAS) 1881 1906 Federação dos Sindicatos
Itália (PSI) 1892 1906 Confederação Geral do Trabalhador
Italiano
Fonte: ELEY, Geof. Forjando a democracia: a história da esquerda na Europa, 1850-2000. São
Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2005, p.98.
Tabela 3: Número de empresas de acordo com os censos industriais alemães.
1882 1895
Número de
empresas
Porcentagem de
Empresas
Número de
Empresas
Porcentagem de
empresas
Empresas
individuais
755.176 61.8 674.042 57.5
Pequenas
empresas
(1 a 5 operários)
412.424 33.7 409.332 34.9
Empresas
medianas
(6-50 operários)
49.010 4 78.627 6.7
Grandes
empresas
(acima de 51
operários)
5.529 0.5 10.139 0.9
Total 1.222.139 100 1.172.140 100
Fonte: BERNSTEIN. “La lucha de la socialdemocracia y la revolución de la sociedad”. In: Las
Premisas del socialismo y las tareas de la socialdemocracia. Problemas del socialismo. El
revisionismo en la socialdemocracia. México: Siglo Veintiuno, 1982, p.68.
238
Tabela 4: Número de pessoas empregadas em empresas de acordo com os censos industriais
alemães.
Quantidades Pessoas empregadas
Estabelecimentos 1895 1907 1895 1907
Muito pequenos
(só 1 pessoa)
1.029.954 955.707 1.029.954 955.707
Pequenas
empresas
(2 a 5 operários)
593.884 767.200 1.638.205 2.038.236
Empresas
medianas
(6-50 operários)
108.800 154.330 1.390.745 2.109.164
Grandes
empresas
(51-500
operários)
10.127 17.287 1.287.085 2.095.065
Muito grandes
(501-1000
pessoas
380 602 261.507 424.587
Gigantescos
(acima de
1001pessoas)
191 371 338.585 710.253
Total 1.743.336 1.895.497 5.876.083 8.332.912
Fonte: BERNSTEIN. Socialismo evolucionário. Rio de Janeiro: Zahar, p.164.
Tabela 5: Propriedades agrícolas na Alemanha em 1895.
Espécie de
propriedade
Número de propriedades Número de hectares para fins
agrícolas
Área total em
hectares
Muito pequena
(até2 hectares)
3.236.367 1.808.444 2.415.414
Pequenos
camponeses
(2-5 hectares)
1.016.318 3.285.984 4.142.071
Camponeses
médios (5-20
hectares)
998.804 9.721.875 12.537.660
Grandes
camponeses (20-
100 hectares)
281.767 9.869.837 13.157.201
Grandes
proprietários
(acima de 100
hectares)
25.061 7.831.801 11.031.896
Fonte: BERNSTEIN. Socialismo evolucionário. Rio de Janeiro: Zahar, p.70.
239
Tabela 6: Número de pessoas que pagaram imposto de renda na Saxônia em 1894 e 1897.
Renda (£) 1897 1894 Aumento
absoluto
Aumento
percentual
Até 40 828.686 972.257 143.571 17.3
40 a 80 165.362 357.974 192.612 116.4
Rendas dos
proletários
994.048 1.330.231 336.183 33.8
Renda (£) 1897 1894 Aumento
absoluto
Aumento
percentual
80 a 165 61.810 106.136 44.326 71.6
165 a 480 24.072 41.890 17.818 74
480 a 2.700 4.683 10.518 5.835 154.4
Acima de
2.700
238 886 648 272
Total 1.084.851 1.489.661 Média: 37..3
Fonte: BERNSTEIN. Socialismo evolucionário. Rio de Janeiro: Zahar, p.58.
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