Download PDF
ads:
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA
Alexandre Blankl Batista
“Mentores da Nacionalidade”:
a apropriação das obras de Euclides da Cunha,
Alberto Torres e Farias Brito por Plínio Salgado
Porto Alegre
2006
ads:
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
Alexandre Blankl Batista
“Mentores da Nacionalidade”:
a apropriação das obras de Euclides da Cunha,
Alberto Torres e Farias Brito por Plínio Salgado
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em História do Instituto de
Filosofia e Ciências Humanas da
Universidade Federal do Rio Grande do
Sul, como requisito parcial para obtenção
do título de Mestre em História.
Orientação:
Prof
a
. Dr
a
. Carla Simone Rodeghero
Porto Alegre
2006
ads:
Alexandre Blankl Batista
“Mentores da Nacionalidade”:
a apropriação das obras de Euclides da Cunha,
Alberto Torres e Farias Brito por Plínio Salgado
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em História do Instituto de
Filosofia e Ciências Humanas da
Universidade Federal do Rio Grande do
Sul, como requisito parcial para obtenção
do título de Mestre em História.
Porto Alegre ____________ de 2006
______________________________
Prof. Dr. René E. Gertz
______________________________
Prof. Dr. Temístocles Cezar
______________________________
Prof. Dr. João Fábio Bertonha
AGRADECIMENTOS
Agradeço à Universidade Federal do Rio Grande do Sul e ao Programa de Pós-Graduação
em História, respectivamente, pela minha formação acadêmica e pela acolhida ao projeto de
pesquisa. Ao CNPq pelo auxílio financeiro concedido, sem o qual esse trabalho não poderia ter sido
realizado. Também sou grato à FAPERGS, a qual concedeu a bolsa de iniciação científica que me
permitiu trilhar os primeiros passos no caminho que levou a este estudo.
Ao professor René Gertz pela sua orientação no tempo de graduação e mesmo nesta fase de
Mestrado, emprestando sempre sua erudição e sua atenção incondicional aos alunos. Aos
professores do Pós-Graduação que, de uma maneira ou de outra, colaboraram, através de sugestões,
com o desenvolvimento da pesquisa. Em especial a Cesar Guazzelli, a Benito Schmidt, a Regina
Xavier e a Carla Brandalise.
A Carla Rodeghero, pela amizade, orientação segura e por ter me estimulado a pensar,
sistematizar, problematizar, corrigir e teorizar o conteúdo da dissertação, marcando não apenas a
feitura desta empreitada, mas também a minha própria formação em História.
Um agradecimento especial aos amigos que revisaram o texto, Alessandra Gasparotto (que
também me ajudou a preparar o resumo em língua estrangeira), Ângela Flach, Daniel Milke e
Vinícius Rambor. A todos os colegas que ingressaram no Programa de Mestrado em 2004 e que
dividiram comigo as angústias e as alegrias da “escrita da história”. Também me valeu a ajuda dos
funcionários do Arquivo Municipal de Rio Claro e dos membros da Lista Geint, na Internet.
Aos colegas que fazem ou fizeram parte do Centro de Documentação sobre a AIB e o PRP:
Ângela Flach, Carla Silva, Claudira Cardoso, Daniel Milke, Fabienne Cruz, Gilberto Calil, Gustavo
Coelho, Irma Bueno, Márcia Stormowski, Rodrigo Oliveira e Tiago Vanin. A todos sou grato pelo
apoio, ajuda, incentivo e aprendizado em conjunto. Como diz a Carla Silva, “espero que
continuemos aprendendo juntos”.
A Cristina, pela paciência e incentivo.
Aos meus pais, a quem devo tudo.
Resumo
O trabalho trata da apropriação das obras de Euclides da Cunha, Alberto Torres e Farias
Brito por Plínio Salgado, líder da Ação Integralista Brasileira (AIB), na década de 1930.
Tais autores eram citados em conjunto pelo líder da AIB para justificar uma referência
eminentemente nacional do integralismo. Procurou-se analisar a leitura particular que
Salgado fez do pensamento e da biografia desses pensadores, tendo como referência
outras apropriações feitas por intelectuais da geração de Salgado, bem como os estudos
mais recentes que se ocuparam em interpretar as idéias daqueles autores.
Palavras-chave: Plínio Salgado; Intelectuais; Integralismo; Apropriação.
Abstract
This paper deals with the appropriation of Euclides da Cunha’s, Alberto Torres’s and Farias
Brito’s work by Plínio Salgado, the Ação Integralista Brasileira (AIB) leader, in the 1930’s.
These authors were quoted as a whole by the AIB leader to justify an exclusively national
reference to integralismo. We tried to analyse the personal reading that Salgado made of
these authors thoughts and biography, having as a reference other appropriations made by
intellectuals of Salgado’s generation, as well as the latest studies that tried to interpret these
authors ideas.
Keywords: Plínio Salgado, Intellectuals; Brazilian Integralism; Appropriation.
LISTA DE SIGLAS
AIB: Ação Integralista Brasileira
CD-AIB/PRP: Centro de Documentação sobre a Ação Integralista Brasileira e o Partido de
Representação Popular
FAPERGS: Fundo de Amparo à Pesquisa no Rio Grande do Sul
GEINT: Grupo de Estudos sobre o Integralismo
PRP: Partido de Representação Popular
SEP: Sociedade de Estudos Políticos
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO ................................................................................................................9
1.1. OS ESTUDOS REALIZADOS SOBRE PLÍNIO SALGADO....................................................15
1.2. PLÍNIO SALGADO E OS INTELECTUAIS: QUESTÕES TEÓRICO-METODOLÓGICAS............20
2. CAPÍTULO 1 – PLÍNIO SALGADO: ENTRE OS HERÓIS E OS INTELECTUAIS
..............................................................................................................................................29
2.1. O NACIONALISMO E O ESPIRITUALISMO DE SALGADO: HERANÇAS DA EFERVESCÊNCIA
CULTURAL DAS PRIMEIRAS DÉCADAS DO SÉCULO
XX NO BRASIL......................................29
2.2. A CONJUNTURA INTERNACIONAL E A RELAÇÃO COM O FASCISMO ..............................38
2.3. DADOS DA BIOGRAFIA DE PLÍNIO SALGADO: A NOÇÃO DE HERÓIS DA PÁTRIA” ........42
2.4. PLÍNIO SALGADO: O ESCRITOR MODERNISTA..............................................................47
2.5. OS HERÓIS NACIONAIS E O PERFIL DE PLÍNIO SALGADO..............................................50
2.6. O CONTRASTE SERTÃO X LITORAL EM EUCLIDES DA CUNHA......................................57
3. CAPÍTULO 2 – A LEITURA DAS OBRAS DE ALBERTO TORRES POR PLÍNIO
SALGADO ..........................................................................................................................67
3.1. AS PRIMEIRAS REFERÊNCIAS ÀS OBRAS DE ALBERTO TORRES NOS ESCRITOS DE
SALGADO...........................................................................................................................67
3.2. A APROPRIAÇÃO DAS NOÇÕES DE NACIONALIDADE E DE RAÇA...................................72
3.3. A GERAÇÃO DE 1930: OS DISCÍPULOSDO PENSAMENTO TORREANO........................77
3.4. OS ESTUDOS RECENTES: INCOMPATIBILIDADE ENTRE OS PENSAMENTOS DE SALGADO E
TORRES..............................................................................................................................86
3.5. O MODELO DE ESTADO: AUTORITARISMO X TOTALITARISMO....................................90
3.6. O MODELO DE ESTADO: PLÍNIO SALGADO, MIGUEL REALE, ALBERTO TORRES ......100
4. CAPÍTULO 3 - PLÍNIO SALGADO E O ESPIRITUALISMO EM FARIAS
BRITO ...............................................................................................................................107
4.1. CONTROVÉRSIA NA INTERPRETAÇÃO DO PENSAMENTO BRITIANO.............................107
4.2. A FILOSOFIA DE FARIAS BRITO: UMA ATIVIDADE PERMANENTE DO ESPÍRITO ..........114
4.3. PLÍNIO SALGADO E O ESPIRITUALISMO DE FARIAS BRITO.........................................119
4.4. A GERAÇÃO CATÓLICA E A APROPRIAÇÃO DAS OBRAS DE FARIAS BRITO..................124
4.5. A INTUIÇÃO EM BERGSON ........................................................................................131
4.6. A INTUIÇÃO EM PLÍNIO SALGADO ............................................................................133
5. APONTAMENTOS FINAIS .......................................................................................137
6. APÊNDICE ...................................................................................................................142
A APROPRIAÇÃO DOS INTELECTUAIS BRASILEIROS NO MOVIMENTO INTEGRALISTA.........142
7. BIBLIOGRAFIA ..........................................................................................................152
8. FONTES IMPRESSAS ................................................................................................161
8.1. OBRAS DE PLÍNIO SALGADO.....................................................................................161
8.2. OBRAS DE MIGUEL REALE E GUSTAVO BARROSO ....................................................161
8.3. OBRAS E ESTUDOS SOBRE OS INTELECTUAIS............................................................162
8
8.4. JORNAIS....................................................................................................................164
8.5. REVISTAS..................................................................................................................164
9. ANEXOS........................................................................................................................166
9.1. ANEXO 1...................................................................................................................166
9.2. ANEXO 2...................................................................................................................167
9.3. ANEXO 3...................................................................................................................168
9.4. ANEXO 4...................................................................................................................169
9.5. ANEXO 5...................................................................................................................170
9
1. INTRODUÇÃO
Este trabalho trata das referências nacionais do líder integralista Plínio Salgado
apropriadas nas obras de Euclides da Cunha, Alberto Torres e Farias Brito. O caminho que
levou à escolha desta temática iniciou com o contato feito junto ao acervo documental do
Centro de Documentação sobre a Ação Integralista Brasileira e o Partido de
Representação Popular (CD-AIB/PRP), resultado de dois anos e meio de bolsa de iniciação
científica financiada pela FAPERGS. O CD-AIB/PRP dispõe de significativa quantidade de
documentação ligada ao integralismo, constituindo-se em um acervo de referência para
aqueles que hoje se dedicam ao estudo do tema, não só no Rio Grande do Sul como
também fora do Estado. Por essa razão, o acervo, ao longo do tempo, atraiu o interesse de
pesquisadores acadêmicos, em sua maioria mestrandos e doutorandos, que divulgaram a
existência do Centro fora do Rio Grande do Sul.
Em razão desses contatos, a equipe do CD-AIB/PRP foi convidada a participar de
uma lista de discussões na Internet, a qual reuniria os acadêmicos interessados na pesquisa
do integralismo. A lista foi idealizada em 2000, na época, por um jovem mestrando da USP,
Renato Dotta, com o intuito de aproximar os pesquisadores do país inteiro que se
dedicavam ao estudo desse tema. Ainda hoje a lista, que tem o nome de GEINT (Grupo de
Estudos sobre o Integralismo), é uma importante ferramenta de discussão, de divulgação e
de troca de informações sobre os trabalhos que se realizaram e que se realizam nas
principais instituições acadêmicas do país relacionados a esta temática.
Por meio dessa lista, foi divulgada a realização do I Encontro de Pesquisadores do
Integralismo, na cidade de Rio Claro (SP), em outubro de 2002.
1
O encontro contou com a
participação de pesquisadores de diversos Estados como Sergipe, Goiás, Rio de Janeiro,
Paraná, Minas Gerais, Rio Grande do Sul e São Paulo. A apresentação dos trabalhos no
1
O II Encontro de Pesquisadores do Integralismo foi realizado em Porto Alegre, na PUCRS, em outubro de
2003. O III Encontro foi realizado em novembro de 2005, em Ponta Grossa (PR).
10
encontro motivou também a publicação de anais, no formato de artigos, em livro editado
pelo Arquivo Público Municipal de Rio Claro, levando o sugestivo título de Integralismo:
Novos estudos e reinterpretações.
2
Nossa presença no encontro de Rio Claro serviu para a escolha definitiva do tema
de pesquisa em questão, principalmente pelo apoio e sugestão dos colegas em relação ao
estudo dos intelectuais brasileiros apropriados por Plínio Salgado. A estadia na cidade foi
importante também, não apenas pela troca de experiências acadêmicas, mas pelo contato
que tivemos com o Arquivo Municipal. Essa cidade, na época de atuação da Ação
Integralista Brasileira (AIB), havia sido reconhecida pelo “Chefe Nacional” como segunda
cidade integralista, título dado em função do número crescente de militantes naquele
momento. Não sabemos se por esta ou outra razão o acervo particular de Plínio Salgado
ficou sob a guarda do Arquivo do município de Rio Claro. Mas o fato é que esse acervo se
constitui, atualmente, como um dos mais ricos que guardam documentos referentes ao
integralismo.
Em viagem recente, feita em março de 2005, fomos a Rio Claro com o intuito de
encontrar edições do jornal A Razão, de 1931, um esforço para pesquisar os escritos de
Salgado imediatamente anteriores à criação da AIB e os originais de livros do dirigente
integralista da década de 1930. A utilização das fontes do acervo em Rio Claro foi
necessária em virtude da escassez de material no Rio Grande do Sul referente ao
integralismo na década de 1930.
O Encontro de Rio Claro proporcionou ainda outras percepções em relação à
temática em questão, a respeito do estudo das referências nacionais do integralismo de
Plínio Salgado presentes nas idéias da tríade de intelectuais citada. Daquela ocasião,
lembramos dos depoimentos prestados no encontro por ex-militantes integralistas que
“exigiam” o reconhecimento, por parte dos pesquisadores e da sociedade brasileira, da
referência nacional do integralismo. Uma das palestras, ministrada pelo ex-militante João
Batista de Carvalho, chamou a atenção pelos seus dizeres: “Nós não líamos nada a respeito
do fascismo. Líamos os livros de pensadores nacionais como Alberto Torres e Oliveira
Vianna”.
3
2
DOTTA, Renato; POSSAS, Lídia; CAVALARI, Rosa (Orgs.). Integralismo: Novos Estudos e
Reinterpretações. Rio Claro: Arquivo do Município, 2004.
3
A participação de integralistas no Encontro de Pesquisadores, como depoentes, motivou discussões
constrangedoras do público pesquisador com os ex-militantes do movimento. Alguns detalhes desse episódio
estão contados no artigo do professor João Fábio Bertonha, presente no livro produzido a partir do Encontro
11
Os depoentes, nessa oportunidade, estavam agindo de forma similar a de Salgado
quando tentava defender sua doutrina, dando-lhe os fundamentos de uma referência local. É
interessante contemplar o que os militantes percebem ainda da natureza de seu movimento,
principalmente depois de mais de 70 anos da criação do integralismo. Certamente, muitos
deles não se consideram fascistas, ou negam que a AIB tenha sido fascista. Mas estariam
eles agindo coerentemente com as ações da AIB nos anos trinta? Não é neste trabalho que
pretendemos analisar as percepções dos militantes e de outros integralistas, de modo a
abranger o estudo do movimento. Cabe-nos, aqui, investigar parte do discurso e das ações
de Plínio Salgado e os condicionantes que construíram a sua visão oficial em relação à
doutrina do sigma. Mesmo assim, embora não tenhamos focado o estudo no integralismo
em si, como um complemento, no Apêndice, acrescentamos algumas considerações de
como foi o reflexo, de modo geral, dessa visão oficial do líder integralista para o
movimento camisa-verde.
A Ação Integralista Brasileira, primeiro movimento de massas do Brasil, criada em
1932, é conhecida e identificada como fascista, ou, pelo menos, identificada como um
movimento de extrema direita, comparada, dessa forma, às correntes políticas autoritárias
de origem européia. Apesar disso, verificamos na AIB a presença de um pensamento com
referência nacional, que tem como fonte certos intelectuais brasileiros, importantes para a
orientação doutrinária dos integralistas. Tal pensamento, que buscava uma origem nacional,
foi transmitido ao movimento por Plínio Salgado, líder da AIB, e era atribuído,
principalmente, às “influências” das obras de Euclídes da Cunha, Alberto Torres e Farias
Brito.
É importante ressaltar que, mesmo com o acréscimo desse “pensamento local”, a
AIB não deixa de ser caracterizada como “fascista”. Esse é um fundamental avanço às
observações feitas por Renzo De Felice, autor que entendia o fascismo como um fenômeno
eminentemente europeu.
4
Como destaca Juan Linz: “Ao mesmo tempo em que discordamos
de De Felice, que afirma serem os fascismos fora da Itália pouco mais que imitações
apagadas, ridículas e mal sucedidas, sustentamos que ele está certo quando salienta as
diferenças importantes entre esses movimentos”.
5
Da mesma forma, Hélgio Trindade
afirma que o fascismo brasileiro “parece responder à objeção de De Felice sobre os limites
de Pesquisadores do Integralismo: BERTONHA, João Fábio. Integralistas e pesquisadores do integralismo: o
embate entre Memória e História. In: Integralismo: Novos Estudos e Reinterpretações, op. cit, pp. 155-166.
4
DE FELICE, Renzo. Explicar o Fascismo. Lisboa: Edições 70, 1976.
12
europeus do fenômeno fascista. O Integralismo consegue reproduzir os traços
característicos dos movimentos fascistas europeus, mas, ao mesmo tempo, não se limita a
ser uma mera imitação político-ideológica”.
6
Assim, esses elementos locais do
integralismo, antes de serem caracteres que o afastem de seu congênere europeu, explicam
a gênese e as particularidades de sua ideologia.
Em função disso, e em razão de nos parecer um tema instigante de pesquisa,
principalmente para entender o significado dessas referências e elementos locais, é que nos
debruçamos sobre as leituras brasileiras de Plínio Salgado. Esperamos que as fontes de
pesquisa aqui estudadas (livros e artigos do dirigente integralista, além dos livros dos
intelectuais e estudos a respeito de suas obras) possam responder às nossas
problematizações e, desta forma, desvendar características relevantes do pensamento de
Salgado em relação a esse pensamento de referência local manifesto no integralismo.
Para Plínio Salgado, cada um desses intelectuais carregava virtudes grandiosas,
motivo pelo qual suas biografias e suas contribuições escritas foram inúmeras vezes
mencionadas por ele como sendo a fonte de inspiração para a criação do integralismo. A
referência que Plínio Salgado buscou nesses autores brasileiros foi anterior ao ato de
criação deste movimento de extrema direita. Diante disso, podemos notar nos escritos de
vários momentos da trajetória intelectual de Salgado a menção às idéias desses intelectuais,
o que evidencia, antes de uma referência para o integralismo, um elemento importante para
a constituição de seu próprio pensamento.
Este raciocínio, apesar de parecer uma obviedade, pode propiciar uma problemática
interessante, principalmente se considerarmos o contraste entre as idéias de Plínio Salgado
e as idéias de outros dirigentes integralistas. Mesmo se, em um primeiro momento,
aceitarmos que as concepções de Salgado a respeito de Estado, nação, raça e história foram
apropriadas de intelectuais brasileiros como Euclides da Cunha, Alberto Torres e Farias
Brito, não podemos generalizar e classificar o integralismo como um movimento
homogêneo em relação às idéias e às propostas políticas, supondo, assim, uma possível
unidade interna. Um exemplo disso é a distinção que encontramos entre Gustavo Barroso,
um dos dirigentes integralistas, que pregava abertamente o anti-semitismo, e o próprio
Plínio Salgado, para quem o anti-semitismo não era um motivo preponderante de
5
LINZ, Juan. Prefácio à segunda edição. In: TRINDADE, Hélgio. Integralismo: o fascismo brasileiro na
década de 30. 2
a
edição. São Paulo/Rio de Janeiro: Difel, 1979, p. X.
6
TRINDADE, Hélgio. O Nazi-fascismo na América Latina: mito e realidade. Porto Alegre: Editora da
UFRGS, 2004, p. 65.
13
preocupação.
7
O dirigente maior do integralismo preferia ressaltar o encontro de etnias e a
valorização das diversas raças presentes no Brasil, posição, aliás, semelhante à adotada por
Alberto Torres em seu livro O problema nacional brasileiro.
8
Por essa razão - a falta de homogeneidade no pensamento das lideranças -
preferimos analisar a apropriação de Plínio Salgado em relação aos intelectuais
anteriormente mencionados, considerando suas idéias e suas biografias como referência
para o dirigente máximo do integralismo antes do que, propriamente, para a AIB,
movimento que envolveu um manancial mais amplo de conceitos e idéias. Isso não
significa, no entanto, que o integralismo ficará à margem dos objetivos de investigação
deste trabalho. A personalidade, em diversos momentos, conciliadora de Salgado, que dizia
desejar ser apenas um ideólogo, mas que, ao mesmo tempo, conquistou o carisma de
“Chefe” desse movimento, indica um caráter ambíguo que acompanha toda sua trajetória
intelectual.
Plínio Salgado, antes da constituição da AIB na década de trinta, já tinha em mente
muitas das concepções que o integralismo iria adotar. Ele sempre fez questão de ressaltar as
origens da AIB, movimento, segundo Salgado, de referências nacionais e preocupado com
os problemas brasileiros, exaltando o caráter nacionalista do integralismo. Essa visão, a
qual denominaremos de “visão oficial”, não foi questionada apenas em âmbito acadêmico,
com os estudos que apontaram a AIB como um movimento fascizante. Alguns jornais de
época e os discursos dos inimigos políticos dos integralistas impuseram o cunho de fascista
para referirem-se ao movimento.
Não era difícil identificar traços semelhantes entre o fascismo italiano e o
integralismo brasileiro. Ambos pregaram acirradamente a bandeira do nacionalismo;
posicionaram-se como uma via alternativa frente ao liberalismo e ao comunismo; tinham
milícias organizadas e um Chefe que centralizava o comando. Além disso, havia a
7
“Entre os ideólogos do partido, o anti-semitismo foi um tópico central apenas na obra de Barroso. Era menos
explícito nos textos doutrinários de Miguel Reale e Plínio Salgado, que não atacavam os imigrantes judeus no
Brasil, mas o ‘capitalismo e o comunismo judaicos internacionais’. No caso de Barroso, tratava-se de um anti-
semitismo influenciado pelo catolicismo de extrema direita francesa do século XIX, que responsabilizava o
judaísmo pela ruptura com o idealizado mundo medieval e pré-moderno. Salgado chegou a censurar a difusão
do anti-semitismo de Barroso na Imprensa integralista. Afinal, o anti-semitismo, entre outros aspectos, era
utilizado pelo chefe das milícias integralistas como um instrumento de competição política com Plínio
Salgado. A disputa pela liderança do movimento integralista caminhou pari passu com a radicalidade do
discurso anti-semita de Barroso”. MAIO, Marcos Chor; CYTRYNOWICS, Roney. Ação Integralista
Brasileira: um movimento fascista no Brasil (1932-1938). In: FERREIRA, Jorge & DELGADO, Lucília
(orgs.). O Brasil Republicano: O tempo do nacional-estatismo – do início da década de 1930 ao apogeu do
Estado Novo. Livro 2. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003, p. 56.
14
semelhança na ritualística e no uso de uniformes. Em suas vestimentas destacava-se a cor
verde, sendo que os integralistas eram conhecidos como camisas-verdes, congêneres à
designação da camiccia nera dos fascistas de Mussolini, que tinham a cor preta como
predominante no uniforme, ou da camisa parda adotada pelos nazistas. Apesar disso,
Salgado negava a influência fascista, admitindo ser o seu movimento um co-irmão do
partido europeu, porém apenas concernente à proposta de organização estatal.
9
Já na década de 1930, havia duas visões a respeito do movimento: a daqueles que o
observavam de fora e a daqueles que absorviam o discurso oficial através da imprensa
integralista e dos livros de Plínio Salgado. Essa última, a visão oficial, legitimaria a
referência nacional da AIB e daria voz aos pensadores nacionais no seio do discurso do
principal dirigente integralista. Cabe, então, investigar como esses pensadores eram
utilizados no discurso de Salgado, através de escritos do mesmo, para assim melhor analisar
a sua versão da doutrina, segundo a qual o integralismo foi um movimento de referências
eminentemente nacionais. Da mesma maneira, é preciso levar em conta a identificação já
comentada de características fascistas no movimento, não nos deixando induzir, assim, pela
“visão oficial”.
Um ponto de partida para identificar a presença dessa referência nacional, sem
dúvida, pode ser a recuperação de alguns aspectos da trajetória pessoal e intelectual de
Salgado antes do lançamento do manifesto de 1932 que oficializou a criação da AIB. A
trajetória pessoal indica alguns traços interessantes que mostram indícios de suas
concepções políticas e intelectuais. Desde o início de seus estudos políticos, Plínio Salgado
mostrou uma certa ambigüidade: quando começou a interessar-se pelo materialismo não
abandonou o catolicismo; mesmo quando se dedicou aos romances não abandonou o ideal
político, por vezes dispensável em obras de literatura; se interessou pelo herói mas hesitou
em internalizar o posto de condutor das massas; negou o fascismo mas o reconheceu como
um partido que tendia a se transformar naquilo que era o seu ideal de movimento político.
Todas essas posturas ambíguas apontam para uma certa tendência de mediador por parte de
Salgado, fator que se refletiu enquanto ele dirigiu a AIB.
8
TORRES, Alberto. O problema nacional brasileiro. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1933 [1
a
ed.
de 1914]
9
SALGADO, Plínio. O sofrimento universal. Rio de Janeiro: José Olympio Editora, 1934, pp. 105-110.
15
1.1. Os estudos realizados sobre Plínio Salgado
Vários estudos já foram feitos sobre a Ação Integralista Brasileira. Para nosso
trabalho, no entanto, destacaremos quatro que julgamos de interesse específico, pois se
debruçam sobre o pensamento de Plínio Salgado, tendo sido elaborados durante as décadas
de 1970 e 1980. O precursor desses estudos foi Hélgio Trindade, que apresentou sua tese de
doutorado na Universidade de Paris em 1971, publicada no Brasil com o título:
Integralismo, o fascismo brasileiro na década de 30.
10
Além de constituir uma ótima
análise sobre a doutrina integralista e sobre o contexto histórico que permitiu a criação da
AIB, o estudo avança bastante em relação ao desenvolvimento intelectual do líder
integralista. Trindade trata de explicar a “emergência do Chefe” (Plínio Salgado) na
sociedade brasileira da década de 1920, sua “mutação ideológica” ao longo da década de
trinta e sua “formação política”. Uma importante contribuição de Trindade é identificar a
“metamorfose ideológica” de Salgado após o futuro Chefe integralista ter visitado o Oriente
e a Itália fascista em 1930.
Além disso, o autor atribui um peso maior à experiência literária de Salgado em
relação à sua experiência política: “Pode-se, pois, legitimamente concluir que o
engajamento literário representou uma experiência mais crucial para Salgado do que sua
participação em atividades políticas”.
11
Para o autor, o integralismo é a espécie de junção
entre uma concepção autoritária e espiritual brasileira e o fascismo europeu. Para mostrar a
“influência” de pensadores nacionais para o integralismo, o autor remonta uma espécie de
panorama intelectual brasileiro do após-guerra. Mostra que, dentro desse “panorama
intelectual”, surgiram pensadores como Alberto Torres, Farias Brito, Jackson de
Figueiredo, Alberto de Faria, Tristão de Athayde, Oliveira Viana, entre outros, que
repercutiram no pensamento do líder integralista. Trindade, no entanto, não aprofunda a
análise de quais seriam as aproximações e distanciamentos das concepções teóricas dos
intelectuais citados por ele e Plínio Salgado.
Mais tarde, no final da década de 1970, mais dois significativos estudos se seguiram
à obra de Trindade: o de Gilberto Vasconcelos e o de José Chasin. Gilberto Vasconcelos
interpreta a ideologia integralista sob a perspectiva de um fascismo mimético, mas com
características particulares.
12
Para o autor, os principais pressupostos da AIB já estavam
10
TRINDADE, Hélgio. Integralismo: o fascismo brasileiro na década de 30. São Paulo: Difel, 1974.
11
Idem, p. 55.
12
VASCONCELOS, Gilberto. Ideologia Curupira: análise do discurso integralista. São Paulo: Brasiliense,
1979.
16
presentes nas manifestações do modernismo, através da participação de Salgado nas
correntes nacionalistas do verde-amarelismo e da Anta. O autor conclui que em um país
periférico e dependente das influências econômicas externas como o Brasil, país submetido
ao capitalismo internacional, foi impossível para a AIB ter se mantido com um discurso
independente do fascismo europeu. Dessa forma, apesar do discurso de independência
ideológica, o fator periférico determinou o caráter mimético do movimento. Para o autor,
apesar das referências literárias nacionais de Plínio Salgado e da constituição autóctone da
AIB, o movimento teve de mesclar seu discurso nacional com o fascismo.
Vasconcelos não se preocupou em analisar as referências de Salgado em relação aos
pensadores autoritários como Alberto Torres e Oliveira Viana ou aos intelectuais
espiritualistas como Farias Brito e Jackson de Figueiredo. O autor preferiu privilegiar em
sua análise as referências modernistas do dirigente integralista, na época em que Salgado
participou das correntes Verde-Amarelo e Anta, ressaltando que as características
nacionalistas do modernismo estiveram sempre presentes em seu pensamento.
Chasin, por outro lado, fez um estudo muito controverso do integralismo,
argumentando que a doutrina integralista tinha menos pontos em comum com o fascismo
europeu do que tradicionalmente se havia mencionado.
13
Dessa maneira, o integralismo se
valeria muito mais de suas origens autóctones do que qualquer influência estrangeira. O
autor se valeu dos escritos do líder Plínio Salgado para formular a sua argumentação e
literalmente transpôs a visão oficial do Chefe dos camisas-verdes a respeito da natureza do
integralismo. Tentou, assim, mostrar que a doutrina da AIB foi uma ideologia reacionária
que nasceu em uma fase de regressão referente ao capitalismo brasileiro, totalmente
desvinculada do fascismo europeu.
Por ter apresentado essa interpretação, Chasin foi muito criticado em âmbito
acadêmico, especialmente por ter utilizado apenas as idéias e os escritos de Plínio Salgado a
respeito do movimento, fazendo uma análise pouco crítica e não procurando fontes de
outros dirigentes integralistas. Para o autor, o integralismo não teve ligação direta com
ideologias estrangeiras e manteve seu discurso fiel aos postulados de Plínio Salgado. O
autor critica Trindade por dar um peso muito grande à suposta índole fascista da AIB. No
entanto, não explora muito o estudo das referências nacionais de Salgado, preferindo a
análise das “incompatibilidades” entre o fascismo e o integralismo, bem como a exposição
13
CHASIN, José. O integralismo de Plínio Salgado: forma de regressividade no capitalismo hiper-tardio.
São Paulo: Livraria Editora Ciências Humanas, 1978.
17
das concepções do mesmo a respeito da doutrina da AIB, incorporando, dessa forma, a
visão oficial do dirigente integralista a respeito de seu movimento.
Estes três trabalhos proporcionaram debates interessantes em relação à natureza da
doutrina em questão. Apesar de ter sido escrita antes das demais, a obra e a versão de
Trindade é a que encontra ainda maior aceitação nos meios acadêmicos, sendo sempre a
mais referenciada. A despeito das interpretações distintas, houve um consenso, nas três
obras mencionadas, em identificar os primeiros passos da doutrina integralista nas
referências intelectuais de Plínio Salgado, tanto em relação à sua atuação literária no
modernismo quanto ao seu interesse pelas obras de intelectuais brasileiros como Oliveira
Viana, Alberto Torres, Farias Brito, Jackson de Figueiredo e Euclides da Cunha.
Ainda no final da década de 1970, Jarbas Medeiros reuniu em livro os artigos que
escreveu para a Revista de Ciência Política (1974-75), tratando de estudar alguns autores
que foram relevantes para o pensamento político autoritário brasileiro.
14
Apesar de não ter a
intenção de focar o integralismo como tema principal, o capítulo sobre Plínio Salgado faz
um bom apanhado de seu pensamento político e literário-político, mostrando suas
preocupações principais através dos temas mais recorrentes em seus escritos. Medeiros não
entra em nenhuma grande polêmica historiográfica, limitando-se a descrever passagens dos
escritos de Salgado exemplificando-os como noções de autoritarismo do autor, destacando
a proximidade com os pensamentos de Alberto Torres e Oliveira Vianna.
Apesar de ser bem documentado, o trabalho de Medeiros não expõe uma análise
crítica, limitando-se a ser “uma obra de suporte e referência”, como ele mesmo propõe. O
autor, a exemplo de Hélgio Trindade, preocupou-se com os diferentes momentos históricos
relacionados com os escritos de Salgado. Diante disso, divide o pensamento do líder
integralista em cinco fases distintas, abrangendo desde a época meramente literária de
Salgado até a criação do Partido de Representação Popular, no período pós-guerra.
Outro estudo que se ocupou do pensamento de Plínio Salgado e dos fatores que o
conduzem ao manifesto integralista é o de Ricardo Benzaquen de Araújo.
15
O autor utiliza
interpretações de intelectuais como Hannah Arendt, Raymond Aron e Claude Lefort para
justificar que o integralismo de Salgado caracteriza-se muito mais pelo totalitarismo do que
por qualquer outro movimento de cunho autoritário e conservador. Segundo Araújo, as
noções igualitárias e de união das raças, pregadas por Salgado, corroboram a explicação em
14
MEDEIROS, Jarbas. A ideologia Autoritária no Brasil (1930-1945). Rio de Janeiro: FGV, 1978.
18
torno da característica totalitária de se eliminar todas as diferenças sociais. O autor se
utiliza também dos livros de Salgado para diferenciar tendências dentro do integralismo,
marcando divergências entre os pensamentos de Plínio Salgado, Miguel Reale e Gustavo
Barroso.
16
Araújo também enfatiza a questão literária como importante referência para a
trajetória política de Salgado, mas, partindo dessa premissa, como um elemento dado em
estudos anteriores, não elabora nenhuma análise específica sobre a mesma.
Diante dessas análises, nosso trabalho tenta contribuir com a linha de pesquisa
sobre o pensamento de Plínio Salgado, aprofundando mais o estudo desta referência
literária, calcada nos intelectuais brasileiros. Nossa pesquisa pôde verificar que houve uma
curiosa tríade de autores mais citados por ele, na qual Euclides da Cunha, Alberto Torres e
Farias Brito se apresentavam como os “mortos mais ilustres” do pensamento nacional.
Diante do fato dessas referências literárias terem sido pouco exploradas para o estudo da
constituição do pensamento político de Salgado, propomos, através de nosso trabalho,
aprofundar a análise sobre as mesmas.
A respeito da produção teórica que analisa o pensamento de Plínio Salgado cabe
uma última ressalva, especificamente em relação aos estudos de Trindade, Vasconcelos e
Chasin. Ao retomar o tema que deu origem à sua obra pioneira, Hélgio Trindade escreveu
em artigo para a coleção História Geral da Civilização Brasileira, em 1981, sobre os
estudos que, na época, foram elaborados após a publicação de seu livro a respeito do
integralismo. Em seu texto, o autor apontou as colaborações dadas por Gilberto
Vasconcelos e José Chasin, nas obras que já comentamos acima.
Segundo Trindade, em síntese, Vasconcelos dera importante contribuição em
relação ao estudo da fase modernista de Plínio Salgado, mas pecara, exatamente, em
resumir o pensamento integralista de Salgado em apenas um dos vários momentos que o
líder dos camisas-verdes atravessou em sua trajetória intelectual, ou seja, Ideologia
Curupira fica aquém, “uma vez que a análise do discurso deixa a desejar”, porque é
“centrado em textos preponderantemente do pensamento pré-integralista (anteriores à
15
ARAÚJO, Ricardo Benzaquen de. Totalitarismo e Revolução: o integralismo de Plínio Salgado. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar, 1988.
16
ARAÚJO, Ricardo Benzaquem. In médio virtus: uma análise da obra integralista de Miguel Reale. Rio de
Janeiro: FGV/CPDOC, 1988; e As classificações de Plínio: Uma análise do pensamento de Plínio Salgado
entre 1932 e 1938. In: Revista de Ciência Política. Rio de Janeiro: 21 (3): 161-180, jul./set., 1978.
19
criação da AIB em 1932) não sendo, pois, representativo da ideologia considerada
globalmente”.
17
Por outro lado, a crítica de Trindade em relação à obra de Chasin foi mais
contundente:
Teoricamente monolítico e apoiando-se exclusivamente em
textos de Plínio Salgado, o fio condutor de sua análise é um
esforço exaustivo e monocórdio em negar o caráter fascista do
integralismo a fim de preservar sua premissa básica que só
admite a existência de fascismo como “um fenômeno de
expansão da fase superior do capitalismo”.
18
Segundo Trindade, Chasin preocupou-se, desde o início de seu trabalho, em
responder ao apelo de Plínio Salgado a respeito da originalidade de seu pensamento, da raiz
brasileira das idéias propagadas pela AIB e da distinção desta em relação ao fascismo
europeu. Nesse sentido, a tese do autor incorporou a visão oficial do Chefe integralista
sobre a índole positiva do movimento. Trindade apontou também os equívocos de Chasin
em utilizar vários textos de Salgado escritos após o término da Segunda Guerra, época em
que o líder integralista mais tentou desvincular a sua doutrina dos regimes de extrema
direita então derrotados, e, da mesma maneira que Vasconcelos, desconsiderou as
diferentes fases dos escritos do principal dirigente integralista.
Embora as críticas de Trindade sejam procedentes, o autor não escapa de algumas
omissões e imprecisões que transparecem em sua obra precursora. A esse respeito,
Wanderley Guilherme dos Santos tece críticas pertinentes, as quais nos colocam questões
relevantes quanto à análise das categorias teóricas impostas ao estudo do integralismo e de
Plínio Salgado:
Hélgio Trindade promove completa confusão, em seu
trabalho, dos conceitos de autoritarismo, corporativismo,
fascismo, extrema-direita e eventualmente até monarquia, o
que o leva a atribuir a movimentos ou personagens de
direita comportamentos, características e opiniões que
podem ser atributos autoritários, porém não neces-
sariamente de direita. Considere-se por exemplo uma das
passagens em que procura caracterizar a orientação fascista
do líder do movimento integralista brasileiro, Plínio
Salgado. Plínio Salgado, diz Trindade, enquadra-se na
corrente fascista porque sustentava a opinião de que “só os
governos fortes, que disponham da verdadeira autoridade,
poderão realizar um dia os entendimentos necessários para
17
TRINDADE, Hélgio. Integralismo: Teoria e práxis política nos anos 30. In: FAUSTO, Boris (coord.).
História Geral da Civilização Brasileira. 3
o
volume (tomo III). Rio de Janeiro: Difel, 1981, p. 305.
18
Ibidem, p. 310.
20
impor ao mundo contemporâneo um ritmo seguro”. Ora,
opinião semelhante não é apenas insuficiente para
caracterizar qualquer fascismo, ele não permite nem mesmo
a diferenciação de autoritarismo pois pode e tem sido
sustentada por inúmeros liberais.
19
Frente a esse problema, nos parece indispensável a utilização da noção de Ricardo
Benzaquen de Araújo, sugerindo o enquadramento das características de certos intelectuais
em um padrão autoritário ou totalitário. Isso permitirá uma análise mais precisa da proposta
de estudo em questão. E diante da preocupação anteriormente levantada por Hélgio
Trindade, a respeito dos trabalhos de Chasin e Vasconcelos, procuramos em nossa
abordagem investigar tanto fontes pré-integralistas como as da época de atuação da AIB.
As fontes pesquisadas que representam o período pré-integralista são os livros O
estrangeiro, de 1926, e Literatura e Política, de 1927, além das colunas políticas de Plínio
Salgado escritas para o jornal A razão, de São Paulo, em 1931. Para o período de atuação
da AIB (1932-1937), utilizamos os livros de Salgado produzidos naquele ínterim. Além
disso, tentamos considerar a problemática pertinente na utilização de algumas fontes
(ocasionais) de origem posterior ao término da Segunda Grande Guerra, época de
reelaboração da doutrina integralista.
1.2. Plínio Salgado e os intelectuais: questões teórico-metodológicas
É difícil descrever, em poucas linhas, quais foram as várias analogias feitas por
Plínio Salgado em relação a intelectuais como Euclides da Cunha, Alberto Torres e Farias
Brito. No instante, o que podemos mencionar é que esses autores, de maneira geral, foram
os mais mencionados por Salgado. Inclusive, ele mesmo costumava, em diversas ocasiões,
citá-los, excluindo ora um e ora outro autor, como síntese do pensamento integralista.
Dessa forma, para demonstrar alguns elementos das apropriações feitas por ele e
exemplificar a maneira de citá-los em conjunto, escolhemos esse trecho de um texto de
Salgado da década de 1930:
A revolução literária determinou a revolução política. De Alberto
Torres, excluíamos os prejuízos do tempo e servíamos-nos do seu
processo de observação. De Euclides da Cunha, rejeitávamos o
que havia de exibicionismo científico, e tomamos a formidável
expressão da terra e do homem onde residem “as grandes
19
SANTOS, Wanderley Guilherme dos. Ordem Burguesa e Liberalismo Político. São Paulo: Duas Cidades,
1978, p. 30.
21
reservas nacionais”, na expressão de Oliveira Vianna. Farias
Brito trazia-nos a inquietação espiritual.
20
Diante dessas “fontes abastecedoras”, de maneira geral, o líder integralista aludia às
idéias de Alberto Torres, o intelectual mais referenciado por ele, como as mais inspiradoras
para se pensar as condições de uma nacionalidade, em que se observava uma proposta,
pioneira no Brasil, de fortalecimento do Estado, semelhante ao Estado Integral, defendido
pelos camisas-verdes, e ao Estado corporativo fascista, em ascensão na Europa, além de
vislumbrar uma valorização da raça mestiça brasileira; de Euclides da Cunha, pelo impacto
que a obra Os Sertões causou no entendimento da geografia e na situação dos brasileiros
que viviam afastados das cidades; e de Farias Brito, como o maior filósofo brasileiro,
contrário ao materialismo e instigador da espiritualidade. Vemos que Plínio Salgado não
absorvia as idéias desses intelectuais completamente, pois revelava a exclusão do prejuízo
do tempo em Alberto Torres e a rejeição do exibicionismo científico em Euclides da Cunha.
Diante disso, a pretensão, em uma análise geral, neste estudo, é tentar verificar quais
foram as idéias destes intelectuais mais aludidas por Salgado e, da mesma forma, identificar
como eram apresentadas ou ocultadas as idéias rejeitadas. Em outras palavras, faremos uma
análise das apropriações de Plínio Salgado em relação ao pensamento de Euclides da
Cunha, Alberto Torres e Farias Brito.
Desde já, enfatizamos que esses intelectuais eram tratados como verdadeiros heróis
pelo dirigente integralista. Nas fontes de que dispomos para a análise, os referidos
pensadores começaram a aparecer nos escritos de Plínio Salgado ainda na década de 1920,
na obra Literatura e Política. Mais tarde, em 1931, nas notas do jornal A razão, as idéias
desses autores também foram objeto de reflexões. E, na década de 1930, temos os diversos
livros de Salgado dispondo das referências a eles.
Diante dessas fontes, em que é possível verificar quais eram as idéias que Salgado
mencionava a respeito dos intelectuais, utilizaremos o conceito de “apropriação” indicado
por Roger Chartier:
A apropriação, tal como a entendemos, tem por objetivo uma
história social das interpretações, remetidas para as suas
determinações fundamentais (que são sociais, institucionais,
culturais) e inscritas nas práticas específicas que as produzem.
21
20
SALGADO, Plínio. A quarta humanidade. 2
a
edição. Rio de Janeiro: José Olympio, 1936 [1
a
edição de
1934].
21
CHARTIER, Roger. A história cultural: Entre práticas e representações. São Paulo: Difel, 1990, p. 26.
22
A apropriação, descrita por Chartier, está relacionada às formas de leitura possíveis
dos indivíduos sobre os textos escritos. Em outras palavras, o ato de ler, muitas vezes,
transforma o texto original, trazendo elementos novos típicos das práticas particulares de
leitura. Dessa forma, a recepção de textos escritos através da prática de leitura dos mesmos
por determinados sujeitos históricos faz parte do processo de constituição dos sentidos e seu
estudo permite detectar as nuances da interpretação.
A utilização do conceito de “apropriação” se fez necessária como ferramenta
teórica, principalmente para evitar uma noção de transmissão de pensamento relacionada à
idéia, pouco precisa, que poderia acarretar o termo “influência” e para proporcionar um
leque mais amplo no estudo das referências literárias de Plínio Salgado. Temos consciência
de que o pensamento nunca é reproduzido de forma idêntica nos processos de transferências
ideológicas. Dessa forma, a transmissão de pensamentos, ou o legado de idéias, seja através
de um discurso absorvido ou de uma leitura feita pelo receptor de um texto, acarreta a
construção de um sentido particular da idéia apropriada.
Para justificar a escolha desse conceito, acusamos que o termo “influência”,
utilizado de maneira despreocupada com a problemática da apropriação, parece ainda estar
condicionado a um elemento fixo e a um sentido uniforme, que não representa um
movimento, uma transformação, no ato da comunicação. A noção de influência está ligada
a uma relação de predominância, de que algo ou alguém exerce efeito sobre alguma coisa
ou sobre alguma pessoa. Esse termo remete à idéia de passividade, seja do leitor, seja do
receptor do discurso. Por essa razão, utilizaremos o conceito de apropriação justamente
para contrastar com a idéia de passividade do leitor, idéia equivocada por considerar o
sujeito que sofre ação daquilo que leu como um mero reprodutor do conteúdo da leitura.
A exemplo de Chartier, os processos de recepção de textos, e as transformações de
sentido que neles podem se operar, são analisados por muitos outros autores. Para
permanecer apenas entre os franceses, citamos os nomes de Roland Barthes, Paul Ricoeur e
Michel de Certeau. Segundo Roland Barthes não há, de maneira nenhuma, uma leitura
ingênua que reproduza fielmente o conteúdo de um texto. O indivíduo que lê se transporta à
leitura e interage com ela, construindo um laço de correspondência entre o que está lendo e
o que constituiu suas experiências particulares, reconhecendo no escrito que vai
consumindo os elementos de suas lembranças anteriores. Dessa forma, o leitor constrói um
23
novo texto a partir do discurso apreendido.
22
Sendo assim, o sentido do texto só irá emergir
no próprio ato da leitura.
Na mesma direção, Paul Ricoeur acredita que o sentido do texto não pode ser
separado do sentido que a ele é dado pelo leitor, pois “sem leitor que o acompanhe, não há
ato configurante em ação no texto; e sem leitor que se aproprie dele, não há mundo
desdobrado diante do texto”.
23
Nesse caso, o receptor do discurso escrito tem uma função
tão importante quanto o próprio texto para a construção de seu significado.
Essa preocupação em relação ao receptor remete-se à desconstrução da noção de
uma suposta passividade do leitor em relação ao texto. Michel de Certeau ao argumentar
sobre a impossibilidade de tal passividade e relacionando a idéia de produção e consumo,
respectivamente, com escrita e leitura, questiona se o público é modelado pelos produtos
que lhe são impostos: “Supõe-se que ‘assimilar’ significa necessariamente ‘tornar-se
semelhante’ àquilo que se absorve, e não ‘torná-lo semelhante’ ao que se é, fazê-lo próprio,
apropriar-se ou reapropriar-se dele”.
24
Segundo Certeau, desde o século XVIII vem se vinculando uma produção da
sociedade ao sistema “escriturístico” acumulado por ela. Assim, segundo esse raciocínio
que conduz ao equívoco, o público estaria, desde essa época, sendo moldado pela produção
escrita. Em contraposição a isso, Certeau nega que a produção conduza ao consumo
receptáculo e diz que se deve “descobrir uma atividade criadora ali onde foi negada”.
25
Nesse sentido, a negação em relação à passividade da leitura tem a seu favor o
argumento de que a recepção do texto e os seus condicionamentos endógenos seriam
elementos que se afastam do próprio texto. Em algumas situações, o leitor dá à forma o seu
sentido; ou seja, sua leitura inventa nos escritos uma forma diferente daquilo que era o
sentido original, o sentido que o autor queria passar através do texto. Esse fenômeno é
caracterizado como uma reação do receptor frente à leitura e, por essa razão, não podemos
cair no erro de dizer que essa leitura é uma atividade livre e que o leitor absorve o texto
como quer, sem ser acometido por ele. Então, há sempre um leque possível de
interpretações e apropriações do que se está lendo.
Considerando assim a relevância da diversidade das leituras, a apropriação de idéias
deve ser entendida como um processo de absorção de conteúdo para a finalidade da
22
BARTHES, Roland. Leitura. In: Enciclopédia Einaudi. Lisboa: Imprensa Nacional, 1987, p. 192.
23
RICOEUR, Paul. Tempo e narrativa. Tomo III. Campinas: Papirus, 1997, p. 283.
24
CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano I. Artes de fazer. 2
a
edição. Petrópolis: Vozes, 1996, p.
261.
24
construção de um sentido. Diante desse processo, não temos um sentido único, mas, sim, o
reconhecimento de formas diferentes de interpretação das idéias. É a partir dessa noção que
partiremos para a análise das idéias dos intelectuais apropriadas por Plínio Salgado.
Segundo as fontes pesquisadas, verificamos que Salgado fez uma leitura particular
em relação aos intelectuais citados, ora distinta em alguns elementos, ora mais próxima
daquela que estudiosos recentemente fizeram a respeito das obras desses pensadores. Além
disso, foi possível detectar uma similaridade muito grande de sua leitura da tríade de
autores com a leitura feita por certos homens de sua geração.
Podemos indicar também algumas formas variadas de apropriação dos intelectuais
brasileiros por Plínio Salgado. A primeira é a citação direta, comentando a idéia do
pensador para explicar determinada posição política; a segunda é a utilização da biografia
do autor como exemplo de uma grande personalidade que os brasileiros deveriam seguir e
admirar, possivelmente ligada à noção de “herói nacional” (a qual analisaremos no capítulo
primeiro); e, a última, a transcrição de trechos inteiros dos livros desses intelectuais,
adaptados às finalidades específicas que os mesmos tiveram nos textos de Plínio Salgado.
Verificamos que nos casos de interpretação dos textos de Euclides da Cunha,
Alberto Torres e Farias Brito, Salgado alterou, em diversas ocasiões, o sentido do
pensamento original dos mesmos. Nos escritos do líder integralista, as idéias desses
pensadores apareciam sobremaneira descontextualizadas, e como frutos de uma prévia
seleção que valorizava certos aspectos em detrimento de outros. Embora essas leituras
também o tenham conduzido a determinadas reações e pensamentos que iam ao encontro
dos preceitos dos autores, é possível identificar como e quando há a ruptura com as idéias
originais.
Tendo em vista essa problemática, duas questões pertinentes aparecem quando
propomos a perspectiva de análise em torno da apropriação feita por Plínio Salgado em
relação aos textos de Euclides da Cunha, Alberto Torres e Farias Brito. Como analisar as
interpretações particulares que ele dava aos textos que lia tendo por referência apenas os
escritos dos pensadores e do líder integralista? Como buscar uma referência para o estudo
das idéias desses intelectuais quando se pretende aproximá-los ou afastá-los das idéias de
Plínio Salgado?
Dissemos acima que houve uma proximidade muito grande entre a interpretação
dada aos textos dos intelectuais brasileiros por Plínio Salgado e a interpretação dos mesmos
25
Idem, p. 262.
25
por certos homens de sua geração. As questões anteriores podem ser respondidas com o
auxílio da intertextualidade ligada às gerações intelectuais.
26
Segundo Maria Izabel
Oliveira, é importante “tentar entender um texto relacionando-o com outros textos. Dessa
forma, é possível perceber em quais dimensões de seu trabalho os teóricos políticos foram
originais ou convencionais, e como se torna possível, ainda, captar as particularidades de
seu pensamento”.
27
Entendemos que a melhor maneira de visualizar a referência
intertextual é por meio do conceito de geração.
O conceito de geração revelou-se usual no estudo dos movimentos intelectuais,
principalmente ao que se refere à noção de herança e ruptura. De modo geral, quando uma
determinada faixa etária se depara com acontecimentos como golpes de Estado, guerras,
revoltas, esses aceleram um sentimento comum, provocando, por vezes, a mesma percepção
em relação aos acontecimentos. Autores como Wilhelm Dilthey, Karl Manheim e Paul
Ricoeur foram precursores e colaboraram com esse tipo de noção.
Em caminho semelhante, Jean-François Sirinelli, autor de um trabalho sobre
gerações nos anos 1930 e 1940,
28
preocupado com a utilização da noção de geração na
história política, amplia seu campo de pesquisas propondo a leitura dos escritos que
mobilizaram os intelectuais em determinada época. Segundo o autor, em razão da
circulação desses escritos e das conseqüentes influências, os mesmos provocaram a
produção de uma série de outros textos e de manifestos, nos quais é possível perceber as
paixões intelectuais e as divisões políticas.
29
O autor empreende um estudo que dá conta do
coletivo, mas que toma os diversos casos individuais, considerando suas ligações e os
condicionantes de suas idéias. A contribuição de Sirinelli está justamente na análise da
repercussão de escritos de época que mobilizaram grupos individuais em um determinado
período histórico em que o autor tenta captar as redes de sociabilidade intelectual.
Essas redes de sociabilidade são feitas através da descrição dos textos dos
pensadores que se destacaram em meio a um evento histórico. Assim, Sirinelli apresenta os
escritos dos intelectuais, revelando suas gêneses e a repercussão dos mesmos no âmbito
26
Essa noção que se remete ao método de relação intertextual é utilizada por Skinner: “Todo meu trabalho é
intertextual, isto é, trata de saber como e até que ponto o entendimento de um texto pressupõe o entendimento
de sua relação com outros textos”. SKINNER, Quentin. Entrevista. In: PALLARES-BURKE, Maria Lucia
(org.). As muitas faces da História. São Paulo: Editora Unesp, 2000, p. 335.
27
OLIVEIRA, Maria Izabel de Morais. História Intelectual e Teoria Política: Confluências. In: LOPES,
Marcos Antônio (org.). Grandes Nomes da História Intelectual. São Paulo: Contexto, 2003, p. 62.
28
SIRINELLI, Jean-François. Génération intellectuelle, Khâgneux et normaliens dans l’entre-deux-guerres.
Paris: Fayard, 1998.
26
social e político que forma as solidariedades entre os autores. Essas redes são captadas,
muitas vezes, de maneira sutil, por meio de uma “palavra chave” ou da semelhança de
idéias percebida na intertextualidade. O sentido do termo “geração”, construído por
Sirinelli, vislumbra um grupo de pessoas que não está restrito aos marcos cronológicos,
abrigando todos aqueles que foram “marcados” por acontecimentos relevantes e que
conservam os mesmos estruturados na memória. Dessa forma, uma rede de sociabilidade
pode formar-se a partir de elementos em comum partilhados por um grupo de pensadores
que são “provocados” por acontecimentos do momento histórico, bem como pelos textos
que circulam e que refletem a interação com esse momento.
Diante dessa perspectiva, propomos para a análise da repercussão da obra de
Alberto Torres, no contexto da década de 1930, a utilização de algumas obras bibliográficas
escritas a respeito do autor por intelectuais da época, como Alcides Gentil, Cândido Motta
Filho e Oliveira Vianna, além da leitura de bibliografia atualizada sobre o pensamento
torreano. Dessa forma, utilizaremos como parâmetro de análise os diversos estudos feitos
em relação a Alberto Torres e os estudos, notas ou comentários de época.
Da mesma maneira, utilizaremos para a análise de Farias Brito as obras de autores
como Jackson de Figueiredo, Alceu de Amoroso Lima, Silvio Rabello, entre outros, para
tentar compreender as leituras que foram feitas do filósofo brasileiro, pela geração de
Salgado e pelos estudos posteriores. Já para Euclides da Cunha, um intelectual que vinha
tendo repercussão em gerações anteriores à década de 1930, sendo referenciado muito além
da geração do líder integralista, teremos a referência de Cassiano Ricardo, intelectual que
atuou junto com Plínio Salgado na corrente verde-amarela do modernismo. Além desse
autor, utilizaremos também o parâmetro dos estudos recentes que se ocuparam do
pensamento euclidiano para compreender de que maneira a figura de Euclides foi
idealizada nas primeiras décadas do século XX.
As contribuições teóricas dos autores mencionados, os quais auxiliaram no manejo
dos conceitos de apropriação e geração, foram utilizadas de maneira que pudéssemos
interpretar as idéias de Plínio Salgado com a possibilidade de visualizar as particularidades
de sua trajetória intelectual, em especial quando se refere à sua leitura dos intelectuais
brasileiros. Nessa direção, procuramos entender essa leitura frente à perspectiva de que as
29
SIRINELLI, Jean-François. Intellectuels et passions françaises. Manifestes et pétitions au XX
e
siècle. Paris:
Fayard, 1990.
27
idéias de Plínio Salgado ora se afastem, em determinados aspectos, ora se aproximem das
idéias desses pensadores nacionais.
Desse modo, o objetivo é examinar a “apropriação” dos conceitos e da biografia dos
intelectuais por Salgado, apontando as alterações dos textos lidos em função dos
significados atribuídos por ele, o receptor da leitura. A interpretação particular, quando
sintomática de um grupo específico, será pensada dentro da problemática descrita dentro do
conceito de “geração”. Os autores apropriados por Plínio Salgado foram resgatados dentro
de grupos intelectuais heterogêneos, mas que mantinham certos vínculos e idéias em
comum, como a semelhança através do conservadorismo político.
Vários homens pertencentes à geração de Salgado estiveram, de uma forma ou de
outra, preocupados com os problemas da realidade nacional, os quais envolviam as
insatisfações e as decepções com a política praticada na consolidação do regime
republicano e com o “falso nacionalismo ufanista” exaltado por alguns. Outros, como os
intelectuais católicos, estavam preocupados com a espiritualidade, tentando qualificar e
aumentar o alcance do catolicismo, em contraste, especialmente, com um suposto prejuízo
oriundo das idéias cientificistas e materialistas. Essas tendências de pensamento
contribuíram para determinadas leituras dos intelectuais em questão por certos homens
dessa geração, fazendo-se sentir, também, nas interpretações de Plínio Salgado.
Assim, explorando a contribuição de Sirinelli, tentaremos identificar os aspectos e
os elementos evidenciados na exposição dos pensamentos nos textos, procurando apresentar
as redes de sociabilidade intelectuais, inseridas nas gêneses dos escritos e nas idéias em
comum, que, de alguma forma, tinham relação com a forma de pensar de Plínio Salgado.
Em vista disso, elaboraremos uma análise preocupada com as aproximações, os
distanciamentos e a utilização das idéias desses intelectuais pelo líder integralista, tendo
como referência, ou parâmetro, outras noções e interpretações a respeito do pensamento
desses autores. Então, tentaremos perceber a espécie desse legado dos intelectuais para o
pensamento de Plínio Salgado e mesmo em que medida ele se choca com a sua concepção
de integralismo.
Para dar conta destes propósitos, a dissertação foi assim organizada: no capítulo
primeiro, inicialmente, focalizaremos as atenções para o perfil de Plínio Salgado, avaliando
algumas características de sua trajetória de político e escritor. Também traçaremos um
panorama geral das idéias que repercutiram no pensamento do líder integralista, partindo
das primeiras décadas do século XX, enfatizando a efervescência cultural dos anos 1920. E,
28
por fim, destacaremos a forma como foram apropriadas as idéias de Euclides da Cunha,
momento em que será privilegiada a análise de contraposição entre sertão e litoral e a
“questão da raça”. Compararemos, assim, a leitura que Salgado fez de Os Sertões com a
leitura feita por Cassiano Ricardo. Além disso, também utilizaremos os estudos
contemporâneos a respeito dessa obra como um parâmetro de referência.
Especificamente em relação a Plínio Salgado, algumas questões que nortearam esse
capítulo foram: como Salgado avaliava sua posição de Chefe do integralismo tendo em
vista uma dubiedade de sua personalidade: o doutrinador (ou teórico) versus o homem de
ação (o Chefe)? E, em relação aos pensadores que foram referências para o líder da AIB
(Euclides da Cunha, Alberto Torres e Farias Brito), qual foi o estatuto dado a eles por
Salgado? E como os relacionava com o posto de Chefe do integralismo e com suas facetas
de intelectual e de condutor das massas? Essas questões podem nos ajudar a compreender
melhor a presença e o alcance das contribuições desses intelectuais no pensamento de
Plínio Salgado, na constituição de seu modelo doutrinário e na sua prática política.
No segundo capítulo, que versará sobre as referências às idéias de Alberto Torres
em seu pensamento, analisaremos os elementos relacionados ao nacionalismo e ao ideal de
Estado do intelectual fluminense. Veremos como essas noções foram vislumbradas por
alguns homens da geração de Salgado e como elas se afastam ou se aproximam da visão
que delas tinha o líder dos camisas-verdes. Por fim, destacaremos a problemática de
classificar ambos os intelectuais (Salgado e Torres) em uma vertente do chamado
“pensamento autoritário brasileiro”.
No terceiro e último capítulo, trataremos de estudar a apropriação feita por Salgado
das idéias de Farias Brito. Daremos ênfase à referência intuitiva e anti-materialista presente
no pensamento do filósofo brasileiro. Iremos comparar a leitura de Salgado e de sua
geração (principalmente dos chamados intelectuais católicos) sobre os escritos de Brito com
a interpretação feita de suas obras pelos estudos mais recentes.
Para fechar este estudo, nas notas conclusivas, faremos um balanço da apropriação
desses autores para Plínio Salgado e apresentaremos uma breve análise de como o
pensamento dos mesmos foi articulado e utilizado dentro do movimento integralista.
29
2. CAPÍTULO 1 – PLÍNIO SALGADO: ENTRE OS HERÓIS E OS INTELECTUAIS
Neste capítulo faremos um preâmbulo em que daremos atenção a alguns traços da
biografia de Salgado que se remetem aos intelectuais em questão e que nos ajudarão a
pensar a forma como ele se apropriou dos autores nacionais. Tentaremos localizar esses
intelectuais no tempo e identificar no contexto histórico, relativo ao estudo das idéias, os
dados relevantes que trouxeram seus nomes à tona. Por último, destacaremos como se deu a
apropriação das idéias de Euclides da Cunha por Plínio Salgado, principalmente com ênfase
na referência do contraste entre o sertão e o litoral.
2.1. O nacionalismo e o espiritualismo de Salgado: heranças da efervescência cultural
das primeiras décadas do século XX no Brasil
O nacionalismo cristão dos integralistas tem sua origem nos primeiros decênios do
século XX. Por isso, antes de analisar a apropriação de Plínio Salgado em relação às obras
de Euclides da Cunha, Alberto Torres e Farias Brito, necessitamos conhecer alguns
aspectos do ambiente onde se constituíram as idéias principais desses autores. Esse
nacionalismo cristão, presente na doutrina da AIB, foi expresso tanto no âmbito das idéias
quanto na referência às personalidades literárias e históricas brasileiras. Muito desta
característica nacional baseava-se no culto ao elemento autóctone, na simbologia e na
mística em relação ao destino do país.
Os integralistas formalizavam uma série de rituais que deveriam ser seguidos por
seus militantes. Certos ritos, como o casamento integralista, faziam com que o movimento
fosse vivenciado no cotidiano de seus adeptos. Outros rituais, como a saudação integralista
“Anauê!”, oriunda do idioma tupi-guarani, era feita pelos integrantes do movimento, com o
braço direito erguido, semelhante à saudação feita pelos integrantes do partido nazista
alemão. Esses rituais serviam para o disciplinamento e a identificação com o movimento.
Da mesma forma, o uniforme, com as camisas-verdes, calças brancas e sapatos pretos, era
30
um dos elementos de distinção dos membros da AIB. Fazer parte do integralismo dava ao
militante, em última instância, o sentimento de identidade comum a esse grupo.
Essa busca de unidade interna e a idolatria pelo sentimento nacional foram
amplamente propagandeadas, com o intuito de conquistar a simpatia de novos membros, e
expressos também na simbologia, com a iconografia material pintada em verde e amarelo,
presente nas bandeiras, uniformes, armas e utilitários em geral, como pratos, xícaras, facas,
canivetes, broches, etc. Essa simbologia integralista também era representada pela letra
grega sigma (Σ), significando a soma ou integralidade, fazendo alusão ao nome do
movimento. O sigma representava também, aliado às pretensões dos integralistas, a
tentativa de superar as “politicagens” locais e integrar as forças sociais do país na tomada
de consciência pela nacionalidade. Do mesmo modo, notamos na saudação “Anauê!” a
busca das origens dessa nacionalidade na raça indígena; e na cor verde do uniforme uma
referência à cor predominante da bandeira brasileira, alusiva também à natureza,
representada pelo ambiente natural do Brasil.
Por essa razão, esse “espírito” de brasilidade era mostrado em todas as esferas da
AIB, tanto simbólicas quanto na divulgação dos textos escritos. O tema da construção da
nacionalidade brasileira, portanto, ocupou um espaço destacado na produção teórica dos
integralistas. Se tentarmos identificar elementos comuns entre as características do
nacionalismo integralista e de movimentos intelectuais que o precederam, certamente
encontraremos esses elementos na década de 1920 e mesmo em anos anteriores.
Adiante discutiremos mais a fundo a relação e a apropriação feita por Salgado dos
intelectuais brasileiros. Neste momento traçaremos alguns aspectos que nos ajudarão a
localizar esses pensadores em seu tempo e tentar identificar, ainda que de maneira sumária,
a repercussão de seus pensamentos nas primeiras décadas do século XX.
Se considerarmos real o fato de que a intelectualidade passou a pensar o Brasil nos
anos 1920, no sentido de propor reformas e reivindicar a construção de uma nação
moderna, temos de ter o cuidado de não exagerar no tom de determinismo do papel
científico. De modo geral, o clamor pela racionalidade técnica era, naquele tempo, no
Brasil, ainda muito incipiente, mesmo que a ciência fosse, gradativamente, ganhando
adeptos em âmbito ideológico, especialmente entre as vanguardas intelectuais.
30
30
LAHUERTA, Milton. Os intelectuais e os anos 20: Moderno, Modernista, Modernização. In: LORENZO,
Helena Carvalho de; COSTA, Wilma Peres da (Orgs.). A década de 20 e as origens do Brasil moderno. São
Paulo: Unesp, 1997, p. 96.
31
A alavanca para o pensamento sociológico de cunho científico se deu com a entrada
de idéias oriundas do positivismo na corrente de Spencer ou de caráter evolucionista de
Darwin, o que acarretava uma visão progressista a respeito do enfoque sociológico.
31
A
preocupação com o rigor das análises científicas veio acompanhada do amadurecimento de
um nacionalismo crítico em relação à realidade brasileira. Apesar de se perceber desde o
final do século XIX um paulatino crescimento do sentimento nacional, esse teve uma
natureza distinta do conteúdo nacionalista explicitado por determinados setores intelectuais,
sobretudo, no segundo decênio do século XX.
O nacionalismo de fins do século XIX foi marcado por um ufanismo em torno do
ambiente natural, exemplificado no conteúdo do livro Por que me ufano de meu País, de
Afonso Celso, quando a geografia, os elementos físicos da paisagem eram o tema principal
em voga.
32
A questão nacional que estimulou os homens das décadas de 1920 e 1930, por
sua vez, esteve intimamente ligada à tomada de consciência referente aos problemas
relacionados aos temas políticos e sociais da realidade brasileira.
Um marco simbólico para essa tomada de consciência foi, em 1902, a publicação de
Os Sertões de Euclides da Cunha. O impacto do livro elucidou a evidência de esquecimento
e abandono das regiões interioranas brasileiras. Podemos dizer que esse “renascimento” do
nacionalismo, agora com feições claras a favor de se encarar os defeitos do país em vez de
se exaltar as suas belezas naturais, esteve ligado diretamente às ações da intelectualidade
dos primeiros decênios do século XX. Nesse sentido, temos de, forçosamente, compreender
como se deu o engendramento desse elemento nacional que repercutiu no movimento
modernista, no pensamento nacionalista autoritário e na renovação espiritual através dos
intelectuais católicos.
Todas essas referências são importantes para compreendermos o ambiente em que
se formou o pensamento do jovem líder integralista, porque foi nesse período, transcorrido
31
CRUZ COSTA, João de. Contribuição à história das idéias no Brasil. Rio de Janeiro: José Olympio, 1956,
p. 355.
32
“No debate intelectual brasileiro contemporâneo o [nome de Afonso Celso] costuma ser pronunciado com
certas reservas. Via de regra, associado a uma contribuição sem maiores pretensões historiográficas, destinada
ao público infantil, que ele mesmo qualificou de ligeiro trabalho de vulgarização, preparado para celebrar a
passagem do quarto centenário do descobrimento do Brasil. Refiro-me ao livrinho Porque me ufano do meu
país, cujo título deu origem ao substantivo ufanismo, expressão que passou a ser empregada para criticar o
comportamento ou a atitude de quem se vangloria desmedidamente do potencial das riquezas e belezas
naturais brasileiras”. GUIMARÃES, Lucia Maria Paschoal. Por uma história ultramontana: Afonso Celso. In:
Intellectus. Rio de Janeiro: UERJ, 2003, Ano II, n
o
1. Disponível em:
<www2.uerj.br/~intellectus/textos/TEXTO LÚCIA.pdf> Acesso em: 31 de agosto de 2005.
32
do segundo decênio do século XX até a década de 1930, que Plínio Salgado colheu as
principais idéias que, mais tarde, fizeram parte da doutrina integralista.
O modernismo, o pensamento autoritário e os pensadores espirituais-católicos
colaboraram para a herança intelectual de Salgado. Por esse motivo devemos compreender
essas ações intelectuais articuladas com o tempo de maturação das idéias do futuro líder da
Ação Integralista Brasileira.
Retomando a menção ao livro célebre de Euclides da Cunha, Os Sertões foi a obra
que impulsionou a preocupação de se pensar com mais empenho as feições desiguais
apresentadas nas diferentes populações espalhadas pelo Brasil. É a obra que, sem dúvida,
marcou uma espécie de transição na forma de ver a realidade nacional e repercutiu, em
determinados meios, como uma denúncia ao abandono dos brasileiros em difíceis
condições de vida. Contudo, essa maneira engajada de pensar o nacionalismo somente
ganhou seus contornos mais definidos nos anos transcorridos durante e após a Primeira
Guerra Mundial. Entre os principais nomes que defenderam o nacionalismo tentando
evidenciar os problemas brasileiros, antes dos homens da geração de Plínio Salgado,
podemos citar Monteiro Lobato, Alberto Torres e Olavo Bilac.
Às vezes, compreendemos como determinadas situações são representadas por
personagens da literatura. Nesse intuito, talvez o personagem sintetizador do sentimento
nacionalista do pós-guerra tenha sido o “Jeca Tatu”, de Monteiro Lobato, caricaturando
também o sentimento disseminado com o impacto de Os Sertões, ao descrever o “Jeca”
como um homem subnutrido, apático e abandonado pelos brasileiros. Lobato, ainda, não
limitou suas preocupações com os problemas nacionais apenas na literatura, mas em ações
práticas como na iniciativa em favor do petróleo do Brasil.
Outro precursor do nacionalismo que resultou nessa tomada de consciência relativa
aos problemas do país foi Olavo Bilac. Defensor da República e da causa abolicionista,
Bilac preocupou-se ainda em formar cidadãos com consciência cívica, atuando como
propagandista da Liga de Defesa Nacional, criada em 1916, por Pedro Lessa, Miguel
Calmon, pelo próprio Bilac e sob a presidência de Rui Barbosa.
A campanha incitada pela Liga mobilizou a população das principais cidades do
País, empolgando principalmente os jovens estudantes. Uma conquista importante da Liga,
ainda em 1916, foi a realização do primeiro sorteio público militar, sendo que, dois anos
mais tarde, se exigia a carteira de reservista aos candidatos a cargos públicos. Bilac se
lançou em várias conferências sobre civismo e patriotismo, publicadas em uma coletânea de
33
1917, chamada A defesa nacional.
33
O tema mais enfatizado foi a defesa do serviço militar
obrigatório, na tentativa de preservar a nação e combater o analfabetismo. Por essa razão,
desde o início, a Liga teve o apoio das forças armadas.
As motivações para o crescimento desse pensamento nacionalista podem também
ser explicadas pelo impacto mundial causado pela Primeira Guerra. O reflexo dos
acontecimentos externos marcou muito os grupos de gerações das décadas de 1920 e 1930,
bem como as novas idéias vindas da Europa, apesar de as gerações dos intelectuais
brasileiros desses anos se ocupassem demasiadamente da tentativa de construção de um
pensamento autônomo. No Brasil, as manifestações, presentes nos movimentos intelectuais,
estiveram mais relacionadas a um descontentamento com as práticas políticas e culturais do
que, propriamente, aos problemas e às crises econômicas. Isso não impedia, contudo, que
os erros apontados na política brasileira fossem interligados, também, à conjuntura
internacional e aos efeitos causados pelo capitalismo. Um sintoma que, sem dúvida,
repercutiu no Brasil foi o descrédito paulatino do sistema liberal na Europa, mesmo antes
da crise desencadeada com o grande crack de 1929.
No Brasil, esse descrédito foi vinculado à atuação das oligarquias regionais,
principalmente em virtude das constantes fraudes e conchavos nas eleições dos políticos
nos diferentes Estados brasileiros. As soluções pensadas para esse problema, entre os
intelectuais, começaram a ser discutidas em torno da necessidade de construir uma unidade
nacional e dissolver as “politicagens locais”.
Nesse contexto, surgiu um importante pensador, político e ensaísta social do Rio de
Janeiro que vinculou suas principais preocupações com o “problema nacional”, sugerindo
que a solução para ultrapassar os obstáculos que impediam o pleno desenvolvimento
brasileiro passaria pela discussão da questão da unidade da nação. Considerado o precursor
do que hoje podemos denominar de “pensamento nacionalista autoritário” Alberto Torres
foi, durante algum tempo, uma voz solitária ao criticar a Constituição de 1891, justamente o
elemento em comum do conjunto de obras que compõem o elenco dos mais significativos
pensadores autoritários.
34
Torres se preocupava com as falhas do sistema político eleitoral brasileiro e alertava
também para uma atenção exagerada aos povos residentes no litoral em detrimento dos
33
BILAC, Olavo. A defesa nacional (discursos). Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 1965 [1
a
edição de
1917].
34
LAMOUNIER, Bolívar. “Formação de um pensamento político autoritário na Primeira República”. In:
História Geral da Civilização Brasileira. Tomo III, Volume 2. São Paulo: Difel, 1977, p. 345.
34
povos residentes no interior, retomando o elemento justificado desse novo nacionalismo
percebido na obra célebre de Euclides da Cunha.
A sua preocupação com o Estado forte esteve relacionada ao temor de
expansionismo das grandes potências, ao imperialismo e ao colonialismo que deram início
à Primeira Grande Guerra. Um problema ligado à proteção e ao resguardo da nacionalidade,
portanto. Esse problema também foi motivo de preocupação para os integralistas e será
discutido com maiores detalhes adiante, quando trataremos da apropriação das idéias de
Alberto Torres por Plínio Salgado.
As idéias organicistas, ligadas à administração política, e o crédito à autoridade,
relacionado ao fortalecimento do poder executivo, foram levados às últimas conseqüências
na década de 1930 sob a égide do Estado, principalmente em virtude da maturação dessas
noções nas décadas anteriores, acentuadas pela crise da ordem oligárquica e com a noção
ou perspectiva de que somente com um Estado forte se poderia realizar a construção da
nação. Além disso, no panorama internacional se construíam os exemplos totalitários de
organizar a nação. A influência mais nítida dos emergentes regimes europeus na vida
institucional brasileira esteve presente na Constituição de 1937, a qual foi inspirada na
Carta Magna polonesa.
O desencadeamento do movimento modernista foi outro elemento fundamental no
somatório de fatores que resultaram no imbróglio cultural da década de 1920. Apesar de ter
tido referência no Manifesto Futurista de Marinetti, portanto advindo de idéias estrangeiras,
o modernismo brasileiro trouxe uma inspiração fortemente nacionalista e refletiu o
movimento de tomada de consciência daquela geração frente aos problemas e realidades do
País.
Sem dúvida, o ano de 1922 foi o momento simbólico para o desencadeamento do
processo de inovação da estética através do modernismo. Veiculado às transformações nas
artes e literatura, o movimento foi incorporando uma crescente preocupação com a política,
e seu rompimento gradativo com as velhas oligarquias deu o tom de uma vanguarda que
desejava também romper com a ordem social.
Nos primeiros tempos, o modernismo foi liderado por Oswald de Andrade e Menotti
Del Picchia e, depois de 1922, o movimento em torno das lideranças tornou-se mais
complexo, especialmente pelos contornos de ordem política, manifestando-se em correntes
de esquerda e de direita. No entanto, todos tinham em comum a preocupação de promover
35
mudanças em relação à cultura artística anterior. Plínio Salgado também esteve presente na
Semana de Arte Moderna, mas, segundo Hélgio Trindade, participou discretamente e “sem
o prestígio dos grandes nomes do movimento (…) Seu papel será mais importante nas
correntes pós-modernistas”.
35
Salgado se identificou ao longo do movimento modernista com a tendência
nacionalista próxima de Menotti Del Picchia e Cassiano Ricardo, a qual defendia a
brasilidade nos temas folclóricos e indígenas. Atuou, primeiramente, na corrente do verde-
amarelismo e, posteriormente, na corrente da Anta, em virtude de uma cisão da corrente
anterior.
Outra vertente dessa efervescência cultural, representada pelos intelectuais
católicos, exprimiu a tentativa de uma verdadeira renovação espiritual. A necessidade de
renovação foi um fator compreensível frente às novas questões surgidas com o
evolucionismo e o darwinismo social, ligado às interpretações das idéias positivistas no
âmbito das ciências sociais. Segundo Cruz Costa, “a elite burguesa brasileira encontraria no
evolucionismo uma síntese filosófica que justificava a sua atitude política, social e até
religiosa, pois que, como diz Engels, o próprio agnosticismo era uma maneira de aceitar
ocultamente o materialismo e renegá-lo publicamente”.
36
O movimento de renovação espiritual brasileiro que se constituiu em torno do
Centro Dom Vital, sob a tutela de Jackson de Figueiredo, teve raízes na reação a essa
tendência de enfraquecimento da Igreja e da descrença em relação às questões espirituais.
Aproveitou-se ainda de algumas ações precursoras, como a trajetória do Padre Júlio Maria
(1850-1916) que se entregou a diversas atividades, na tentativa de catolicizar o Brasil,
realizando conferências, discursos, numerosos artigos em jornais do Rio de Janeiro, Minas
Gerais e São Paulo; e de ações feitas pela cúpula da Igreja, como a publicação em 1916 da
carta pastoral de D. Sebastião Leme, arcebispo de Olinda e Recife. Essa carta denunciava a
apatia do catolicismo naquele momento e conclamava uma união de forças para alavancar
uma reação contra aquele estado de letargia dos intelectuais da Igreja, em que se
reafirmariam os apelos à ordem e à autoridade.
Também é muito mencionada, pela geração de novos intelectuais católicos, a
referência de Farias Brito, especialmente por Jackson de Figueiredo (1891-1928). A relação
entre Figueiredo e Brito se deu quase que na convivência entre, respectivamente, discípulo
35
TRINDADE, Hélgio. Integralismo: fascismo brasileiro na década de 30, op. cit., p. 50.
36
CRUZ COSTA, João de, op. cit., p. 281.
36
e mestre. Nascido em Salvador, Figueiredo mudou-se para o Rio de Janeiro em 1915, após
concluir o curso de Ciências Jurídicas. Daí em diante participou de atividades cívicas e
literárias e travou relações pessoais com Farias Brito, filósofo que pregava o espiritualismo
para contrapor-se à filosofia inspirada no positivismo, em que a introspecção seria uma
ferramenta usual no comportamento do homem suscetível às causas espirituais.
37
Brito teve
também suas obras admiradas pelos integralistas e o seu pensamento foi, várias vezes,
evocado por Plínio Salgado.
Segundo Moura, “a morte de Farias Brito, em 1917, tem grande repercussão em
Jackson. Vivera num certo momento mergulhado no ceticismo, mas aos poucos fora-se
empolgando pelo espiritualismo subjetivista de Farias Brito, que o orientava no caminho da
crença religiosa”.
38
Após a morte de Farias Brito, Figueiredo aderiu ao catolicismo. Em
1921 fundou a revista A ordem e, em 1922, o Centro Dom Vital, o ponto de encontro dos
intelectuais católicos e o organismo que deu início ao processo de revitalização do
catolicismo. A maior preocupação dos integrantes do Centro Dom Vital, em que se
reuniram ao longo das décadas de 1920 e 1930 nomes como Nestor Vítor, Tasso da
Silveira, Xavier Marques, Almeida Magalhães, Alceu de Amoroso Lima e o próprio
Jackson de Figueiredo, era a propagação do catolicismo, mas se empenharam também nas
discussões a respeito da ordem, da autoridade, do nacionalismo pungente da época e,
especialmente, da moralidade. Exemplo disso foi a simpatia de setores da Igreja Católica
pelo Integralismo.
39
Figueiredo foi o homem de ação que impulsionou a renovação espiritual através de
suas publicações e do Centro Dom Vital, importante local de encontro com o grupo que o
seguia. Jackson de Figueiredo se insere intelectualmente num momento propício para a
discussão em torno das questões espirituais, pois o Estado oligárquico estava em crise e a
antiga ordem perdia credibilidade ideológica no discurso em favor da implantação de uma
37
BRITO, R. Farias. O mundo interior (ensaio sobre os dados gerais da filosofia do espírito). 3
a
ed. Lisboa:
Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 2003.
38
MOURA, Sérgio Lobo de; ALMEIDA, José M. Gouvêa. “A Igreja na Primeira República”. In: História
Geral da Civilização Brasileira. Tomo III, Volume 2. São Paulo: Difel, 1977, p. 337.
39
“A AIB propagou-se celeremente nos meios católicos, atingindo várias regiões do Brasil e deixando
realmente hesitantes muitos membros da hierarquia católica. Para a Igreja, o integralismo assemelhava-se aos
poços artesianos, que ‘nascem no mesmo lençol oculto no seio da terra, sobe irresistível, em altos jatos do
subsolo em todos os Estados do Brasil’. Tentando mostrar que o integralismo poderia trazer felicidade ao país
se o teor de seu programa fosse bom, salientava o exemplo da Itália, com Mussolini, e de Hitler, na
Alemanha, esse como o grande salvador da pátria”. TONINI, Veridiana M. Uma relação de amor e ódio: o
caso Wolfram Metzler (1932-1957). Passo Fundo: UPF, 2003, p. 47. Ver também: LUSTOSA, Oscar de
Figueiredo. A Igreja e o integralismo no Brasil (1932-1939). Revista de História, São Paulo, v. 54, n
o
. 108,
out./dez. 1976, p. 513.
37
pretensa modernidade. Assim, ele e o grupo de intelectuais católicos que o seguiram
tomaram para si as causas da Igreja hierárquica, a qual desejava maior prestígio frente ao
Estado no Brasil. As principais preocupações estavam em torno do afastamento da Igreja
nas questões que envolviam o ensino, que ficara, fundamentalmente, sob a responsabilidade
dos educadores laicos.
40
A revista A ordem e o Centro Dom Vital, ainda, ajudaram Jackson de Figueiredo na
tentativa de propiciar ao catolicismo uma posição de destaque perante a sociedade, numa
clara postura de discutir os problemas tanto na esfera política como religiosa. Segundo
Mônica Velloso, já no primeiro ano de publicação, a revista A ordem enfatizava seu
conteúdo no caráter reacionário contra o liberalismo, o socialismo e a revolução, tentando
se opor ainda contra quaisquer correntes de pensamento, crenças ou políticas que fossem de
encontro com os ideais da Igreja católica. Além disso, proclamava “obediência absoluta à
autoridade eclesiástica, colocando as atividades do centro Dom Vital como destinadas a
apoiar o episcopado na sua obra de recatolização da intelectualidade brasileira”.
41
Esse mesmo grupo católico dava destaque à publicação da carta de D. Leme que
apoiou os estatutos e a iniciativa do Centro Dom Vital e o recomendou à comunidade
católica. Da mesma forma destacava-se a carta pastoral de 1916, de Olinda, como
documento fundador da reação católica. Após a morte de Jackson de Figueiredo, o Centro
Dom Vital e a revista A ordem ficaram sob a responsabilidade maior de Alceu de Amoroso
Lima, seguidor dos ensinamentos de Figueiredo.
Alceu de Amoroso Lima, muito próximo a Jackson de Figueiredo, deu continuidade
ao trabalho de seu precursor a partir de 1928. Amoroso Lima conduziu o pensamento
católico dos anos 1930, criando, em 1934, a Liga Eleitoral Católica e expandindo a
influência do Centro Dom Vital durante a Era Vargas. Esse intelectual esteve muito
próximo dos integralistas, chegando a ver até com simpatia a adesão dos católicos ao
movimento dos camisas-verdes.
42
40
“Consumada a separação entre a Igreja e o Estado, a Igreja não cessará de denunciar o divórcio entre o
Estado leigo, para não dizer laicista, e a nação católica, em sua grande maioria. O ensino principalmente era
visto como uma grande violência imposta à consciência católica. Seu caráter leigo conflitava com a fé da
maioria dos alunos e com a fé professada pela nação”. Vide: BEOZZO, José Oscar. A Igreja entre a
Revolução de 1930, o Estado Novo e a Redemocratização. In: PIERUCCI, Antônio F. Oliveira [et al]. 3
a
edição. História Geral da Civilização Brasileira. Tomo III, V. 4. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1995, p.
280.
41
VELLOSO, Mônica Pimenta. A ordem: uma revista de doutrina política e cultura católica. In: Revista de
Ciência Política. Rio de Janeiro: FGV, 21 (3):117-160, jul./set., 1978.
42
“No artigo Catolicismo e integralismo [na revista A Ordem], Tristão de Athayde [ou Alceu de Amoroso
Lima, como era seu verdadeiro nome] aponta qual a atitude a ser tomada pelos católicos em face do
38
Esse terreno fértil de idéias, impulsionado pelo modernismo, tendenciando ao
autoritarismo e à renovação espiritual, tinha em comum, mesmo que com elementos
próprios, a perspectiva de romper com a cultura e com a política manifestas no início da
República, ainda que com um viés conservador, pois não desejavam grandes
transformações no sistema político-econômico. Somado a isso, esse quadro de idéias foi
fomentado por um nacionalismo, expresso pela preocupação com a realidade nacional e
com os reais problemas brasileiros. Esse foi o ambiente no qual estiveram presentes as
idéias de alguns dos intelectuais que foram marcantes na formação de Salgado, em que a
década de 1920 representou o ápice de efervescência intelectual.
Todo esse ambiente intelectual efervescente moldou as idéias, não apenas de
Salgado, mas de todo um grupo geracional que possuía elementos em comum, como Alceu
de Amoroso Lima, Cândido de Motta Filho, Alcides Gentil, Oliveira Vianna, entre outros.
Assim, não é uma tarefa fácil buscar, nesse fecundo ambiente, as referências literárias do
líder integralista. O leque de opções ideológicas e políticas presentes nessa geração é
igualmente fecundo. Por essa razão as referências intelectuais ora se cruzam e aproximam-
se umas das outras, ora rompem ou modificam o significado das heranças literárias
anteriores.
Atentamos, dessa maneira, para o significado, ou os significados, que essa geração
de 1930 deu para a produção escrita e a ação da geração das duas décadas precedentes. Por
esse caminho, poderemos identificar com maior precisão a apropriação de Plínio Salgado
das idéias de Euclides da Cunha, Alberto Torres e Farias Brito, comparando a leitura feita
por Salgado, da obra desses autores, com a leitura feita por alguns homens de sua própria
geração.
2.2. A conjuntura internacional e a relação com o fascismo
Além do aspecto nacional também devemos observar o contexto internacional e
quais os principais fatores que propiciaram o resgate e a releitura do autoritarismo
manifesto nas organizações de direita. O crescimento dos movimentos intelectuais,
científicos e tecnológicos que permearam a Europa na virada dos séculos XIX para o XX
deu o impulso necessário para a origem dos movimentos de extrema direita e das idéias
movimento. Coloca a compreensão e a participação como as atitudes ideais, observando que o integralismo
possui os mesmos inimigos (comunismo), e amigos (Deus, Pátria e Família) que a Igreja. Apresenta três
condições indispensáveis à filiação dos católicos ao movimento: predomínio da consciência católica sobre a
política, real vocação política e nenhuma vinculação com a Ação Católica”. Idem, p. 142.
39
ditas autoritárias. Nesse cenário, a disseminação e o impacto das idéias trazidas por Marx se
confrontava com a crise das teorias liberais. A guerra de 1914 agravou ainda mais esse
sentimento de crise e no decorrer do conflito, em 1917, os bolcheviques, com o apoio dos
populares, puseram em prática a Revolução e assumiram o poder na Rússia. Além disso, a
ascendência de movimentos nacionalistas se alimentava de um sentimento contrário ao
liberalismo.
Nos anos vinte, após a Europa ter sido castigada pela Primeira Guerra Mundial e ter
conhecido o sucesso da Revolução Russa, um novo quadro era apresentado frente às
expectativas e perspectivas políticas. Após o conflito, surge na Europa uma nova direita,
que poderíamos chamar de revolucionária ou contra-revolucionária. François Furet em Le
passé d’une Illusion aponta para essa nova configuração política, em que a nova direita
diferia bastante da direita tradicional conservadora.
43
Seria o sintoma da ascensão das
idéias fascistas, baseadas na mobilização social em torno da força do Estado.
Os primeiros indícios dessa nova direita apareceram na França,
44
quando se afirma
a Action Française, movimento que despontou antes do início da Primeira Guerra.
Identificamos a ruptura no pensamento da direita européia nas ações intelectuais de
Maurras, Bonald, Joseph de Maistre, Barrès, Drumont, Sorel, entre outros. Charles Maurras
foi o principal articulador da Action Française, criada em 1889. O movimento foi marcado
por um nacionalismo contrário ao individualismo. Além de Maurras, outros intelectuais
como Barrès e Drumont também adotaram a mesma linha nacionalista. Todos tinham uma
visão orgânica da sociedade, indo de encontro aos preceitos burgueses da Revolução
Francesa. O ideal de vida burguês, da liberdade individual presente na economia e na vida
social era contrastado com a idéia de se agrupar os indivíduos e absorvê-los sob o ponto de
vista de um único corpo.
A releitura do marxismo também foi uma característica dessa nova configuração da
direita. A revisão do marxismo, na França, foi impulsionada por Georges Sorel, e seus
escritos “traçam o espaço conceitual no qual vão evoluir os teóricos do sindicalismo
revolucionário”.
45
Sorel não acreditava na igualdade e nem na justiça social e defendia a
manutenção da propriedade privada. Na Itália, berço do fascismo, Arturo Labriola,
fundador do “sorelismo italiano”, pregava uma espécie de liberalismo de classe, em que
seriam preservados a propriedade privada, o lucro individual e a economia de mercado. Em
43
FURET, François. Le passé d’une Illusion. Paris: Robert Laffont, 1995.
44
STERNHELL, Zeev. La droite révolutionnaire (1885-1914). Paris, Seuil, 1978.
40
síntese, esse revisionismo sorelista trocava o racionalismo hegeliano pela nova
interpretação da natureza humana preconizada por Le Bon e servia-se da intuição de
Bergson para criticar o cientificismo, declarando-se contra a razão.
O nacionalismo europeu, depois do revisionismo marxista e das novas
interpretações feitas em relação aos ideais da Revolução Francesa, havia se transformado
frente ao nacionalismo contrário ao absolutismo monárquico de meados do século XIX. Os
interesses nacionais passaram, então, para o plano organizacional da cultura; ou seja, a
rearticulação dos princípios ligados à liberdade dos indivíduos e sua atuação em âmbito
social para reforçar o corpus da nação.
É como diz Lúcia Lippi de Oliveira:
A geração de 1890, agente e paciente das mudanças na forma de
pensar o mundo, incluiu figuras como Gustave Le Bon, Drumont,
Barrès, Sorel, Vacher de Lapouge, para citar apenas autores
franceses. Para eles, o indivíduo não tinha valor próprio e a
coletividade não era concebida como a soma de indivíduos. Ao
rejeitar a sociedade como agregação de indivíduos, consagravam
uma nova forma, orgânica, de unidade social, baseada na nação.
46
Sob a influência de Sorel, os sindicatos se recusaram a aceitar a democracia e a
consideraram prejudicial para a vida proletária. Mussolini aproveitou-se das lições de
economia-política tomadas durante a primeira década do século XX em meio à influência
dos sindicalistas revolucionários que realizavam uma releitura do marxismo e inaugurou o
movimento fascista na Europa. Em síntese, os movimentos de extrema-direita europeus que
chegaram ao poder foram favorecidos por um ambiente propício à propagação de suas
idéias, em que o nacionalismo, a partir da França, ganhou contornos radicais e extremos,
apresentando seus porta-vozes em outros países da Europa, como Itália e Alemanha.
47
Alguns desses intelectuais europeus, como Marinetti e Sorel, através de sua
repercussão nos meios político e ideológico, contribuíram na formação intelectual de
Salgado e no ideário da geração modernista. Como dizia o líder integralista: “De 1922 a
1926, eram tão absorventes as leituras que fazíamos de Marinetti, Soffici, Govoni,
Apollinaire, Cocteau, Max Jacob, Cendrars, como de 1926 a 1930, tendo nós mudado de
tema, foram as leituras de Marx, Sorel, Lenini, Trotzki, Riazanov, Pleckanov, Fuerbach”.
48
45
STERNHELL, Zeev. Nascimento da ideologia fascista. Lisboa: Bertrand, 1996, p. 35.
46
OLIVEIRA, Lúcia Lippi de. A questão Nacional na Primeira República. São Paulo: Brasiliense, 1990, p.
66.
47
Vide: STERNHELL, Zeev. La droite révolutionnaire (1885-1914), op. cit., e Nascimento da ideologia
fascista, op. cit.
48
SALGADO, Plínio. Despertemos a nação. Rio de Janeiro: José Olympio, 1935, pp. 7-8.
41
Mas é um erro dizer que intelectuais como Sorel tiveram uma apropriação semelhante à dos
intelectuais brasileiros por Salgado. Para o líder integralista “é o ‘materialismo dogmático’,
extremo oposto da teologia, ele próprio uma nova teologia, uma nova religião, a religião do
ateísmo, cuja liturgia é a violência de Sorel”.
49
Assim, ao passo que os intelectuais
brasileiros carregavam grandes virtudes e seriam exemplos a serem seguidos, Sorel era lido
para se entender o funcionamento e a lógica do materialismo e da filosofia comunista.
50
O quadro intelectual europeu que motivou o desenvolvimento do fascismo surgia
como fundamental para a compreensão da aceitação do partido de Mussolini em âmbito
político na Itália. No Brasil, apesar de parcela da intelectualidade se mover em tendência
autoritária, em que se manteve o caráter conservador, as idéias que impulsionaram a direita
contra-revolucionária européia não tiveram aqui uma grande repercussão em um primeiro
momento. No entanto, com a ascensão e as constantes notícias vindas de fora a respeito do
fascismo, esses intelectuais foram lidos e tornaram-se mais conhecidos entre a
intelectualidade brasileira.
Com um esclarecimento maior sobre a natureza totalitária de alguns regimes
europeus, foi inevitável, em âmbito nacional, comparar os integralistas com tais modelos
totalitários. Por esse motivo, era compreensível que o movimento de Plínio Salgado fosse
objeto de analogismos com os congêneres europeus e, na medida que esses modelos
ganharam mais e mais prestígio, o integralismo foi visto pelos seus inimigos como uma
alternativa política perigosa, com reais chances de chegar ao poder.
O interesse dos integralistas pelo pensamento de Sorel se explica também pela
intenção de entender o fascismo e explicar a posição da AIB frente aos movimentos de
extrema-direita europeus. No discurso, pelo menos, os camisas-verdes se diziam
independentes dos regimes fascistas, admitindo semelhanças ideológicas e negando outras.
Em suma, se mantinha uma forte postura nacionalista voltada para os problemas da
realidade brasileira.
Porém, hoje se sabe que a relação entre o integralismo e o fascismo italiano não se
restringia à similitude entre os movimentos. As fontes italianas pesquisadas por Ricardo
Seitenfus mostram claramente uma cooperação entre os integralistas e os fascistas através
do contato da embaixada italiana no Rio de Janeiro com Plínio Salgado. Esse caso foi
49
SALGADO, Plínio. A quarta humanidade. Rio de Janeiro: José Olympio, 1934, p. 47.
50
“É a religião do ateísmo, intransigente como os maiores fanatismos. Aliás, Sorel procura desculpar o
socialismo marxista, escrevendo: ‘A religião não é a única ocupante das profundezas da consciência: os mitos
42
marcado por uma “dupla diplomacia” italiana, já que se tentava preservar relações
amistosas com o governo brasileiro, ao mesmo tempo em que eram feitos contatos com os
integralistas.
51
O motivo para tal aproximação era o constante crescimento da AIB que, a partir de
1935, se apresentou como um partido político promissor no âmbito nacional brasileiro.
Além disso, havia o receio por parte dos fascistas da aproximação e cooptação dos
integralistas pelos nazistas. No entanto, essa precaução contra os adeptos do hitlerismo foi
reavaliada no princípio de 1936, momento em que se inicia a gradativa colaboração entre
Roma e Berlim.
Os emissários de Roma chegaram mesmo a intermediar uma subvenção
considerável para os integralistas, pois entendiam que a AIB poderia ter um desempenho
satisfatório nas eleições brasileiras marcadas para 1938, tendo Plínio Salgado como
candidato à presidência da República. Houve também indícios de planos para tentar
alcançar o poder através de um golpe armado, visto que os documentos italianos mostram
as tratativas de envio de armas pela Itália fascista à AIB.
52
Contudo, Getúlio Vargas havia
se antecipado às tentativas subversivas e impôs um golpe em 1937 que prorrogou seu poder
à frente do Estado até 1945. Era o fim da “dupla diplomacia” italiana no Brasil e da
tentativa de ascensão ao poder dos integralistas.
53
2.3. Dados da biografia de Plínio Salgado: a noção de “heróis da pátria”
Plínio Salgado nasceu na cidade de São Bento de Sapucaí, em 1895, interior de São
Paulo. Em meio à agitação cultural da década de 1920 e ao clima de reformulação política e
social da década de 1930 é que se forjou o seu pensamento político. Autodidata, Salgado
revolucionários assentam-se ali com as mesmas prerrogativas’. Essa frase de Sorel mostra como os marxistas
acreditam pouco na sua ciência...”. SALGADO, Plínio. Idem, p. 101.
51
SEITENFUS, Ricardo. A entrada do Brasil na segunda guerra mundial. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2000;
Ver também: SEITENFUS, Ricardo. As relações entre Brasil e Itália no período 1918-1939. In: Boni, Luis de
(org.). A presença italiana no Brasil. Vol. II. Porto Alegre/Torino: Escola Superior de Teologia; Fondazione
Giovanni Agnelli, 1990. A partir dos dados trazidos por Seitenfus, a discussão sobre a cooperação entre a
Itália fascista e os integralistas foi confirmada e complementada por João Fábio Bertonha: BERTONHA, João
Fábio. O fascismo e os imigrantes italianos no Brasil. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2001, pp. 367-390.
52
SEITENFUS, Ricardo. As relações entre Brasil e Itália no período 1918-1939, op. cit., pp. 50-51.
53
Como se sabe, os integralistas ainda tentaram um fracassado putsh em 1938, investindo sobre o palácio da
Guanabara. No episódio, os rebeldes foram contidos e reprimidos pelo governo Vargas. Depois disso, Plínio
Salgado, apesar de negar seu envolvimento com os infortúnios golpistas, foi exilado em Portugal, só voltando
ao Brasil após a queda do Estado Novo, em 1945. Detalhes sobre o putsh integralista podem ser vistos em
Hélio Silva: SILVA, Hélio. 1938 - Terrorismo em campo verde. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1971.
Recentemente, Rogério Lustosa Victor publicou um trabalho que trata da relação entre memória e a intentona
integralista: VICTOR, Rogério Lustosa. O integralismo nas águas do Lete: história, memória e esquecimento.
Goiânia: Editora da UCG, 2005.
43
era leitor voraz. Apesar de apreciar os clássicos estrangeiros da literatura, insistia que a
intelectualidade brasileira deveria se voltar para os autores nacionais. Esse apreço por
pensadores brasileiros pode ser incluído como um elemento fundamental de seu
nacionalismo. Dessa maneira, se tentarmos identificar a relação que há entre a referência
aos autores brasileiros e o nacionalismo do líder integralista, poderemos compreender
melhor a apropriação que Salgado fez das obras de Euclides da Cunha, Alberto Torres e
Farias Brito.
A admiração de Plínio Salgado pelas questões da pátria, pelos heróis nacionais, pelo
civismo e pela política, de acordo com as reminiscências do próprio, começou ainda em
âmbito familiar. Sua formação moral e cívica foi tutorada pelo avô, pela mãe e,
principalmente, pelo pai, Francisco das Chagas Esteves Salgado, autoridade política de São
Bento de Sapucaí. A convivência com seu pai, no entanto, foi curta, pois o mesmo faleceu
quando Salgado tinha apenas quinze anos. Apesar disso, foi o suficiente para que o futuro
líder integralista internalizasse as lições a respeito dos “heróis da pátria” e “do sentimento
de brasilidade”. Somado aos ensinamentos do pai, às lições da mãe, Salgado lembrava dos
ensinamentos provenientes da literatura. Assim, Salgado foi educado pelas vias do civismo
e do culto aos “heróis nacionais”:
Desde a escola primária e, posteriormente, nas férias do ginásio,
habituei-me, todas as noites, a sentar-me numa cadeira, com
perguntas engatilhadas, e a ouvir-lhe as respostas, que ele [o pai]
me dava passeando de um lado para outro da sala. Ouvi de seus
lábios as descrições das batalhas da guerra do Paraguai e do Prata.
Aos meus olhos perpassavam as figuras de Tamandaré e de
Barroso, de Caxias, de Osório, de Argolo, Falava-me dos grandes
vultos do Império: Paranhos, Cotegipe, Zacarias, Nabuco, e tantos
outros. (…) À minha mãe, mais versada em literatura do que ele,
deixava as lições sobre os poetas e escritores. Ela trazia de cor os
versos de Gonçalves Dias, de Castro Alves, de Fagundes Varela e
de Casimiro, e não se limitava a recitá-los, pois também me
contava as biografias de tão ilustres brasileiros.
54
Esse relato, a despeito de ter sido escrito no período pós 1945 e, portanto, correr o
risco de estar “contaminado” com as adaptações e reconstruções da ideologia integralista do
pós-guerra, encontra proximidade com textos de Salgado escritos na década de 1930, assim
interpretados por Hélgio Trindade:
A formação intelectual de Salgado sempre foi marcada por um
sentimento nacionalista e religioso. Sua mãe, professora da Escola
Normal, ensina-lhe “as primeiras lições de História do Brasil, de
54
SALGADO, Plínio. Sentimentais. In: Obras Completas. Volume XX. São Paulo: Editora das Américas,
1954, p. 304-305.
44
História Sagrada, de Geografia, de Aritmética e de Francês”; seu
pai, que “era profundamente nacionalista e admirador de Floriano”,
“tinha o hábito de, à noite, reunir seus filhos para lhes contar as
proezas de Caxias, Osório e os episódios da vida dos grandes
homens de Estado do Império”, sem jamais revelar aos filhos o
Estado de origem desses personagens, a fim de os formar em um
sentido nacionalista e não regionalista.
55
Esse estímulo ao conhecimento e ao engrandecimento dos “heróis” e dos escritores
certamente repercutiu em sua trajetória intelectual. Se buscarmos as diversas referências
que Plínio Salgado fazia em seus escritos sobre personalidades como Osório, Caxias e
Tamandaré, além dos poetas como Casemiro de Abreu ou Castro Alves, perceberemos que
ele considerava as “personalidades” da história e da literatura como exemplos concretos dos
valores herdados pelos brasileiros ou, em síntese, verdadeiros “heróis nacionais”. Podemos
identificar, em um primeiro momento, que o herói era o responsável pelos grandes feitos,
aquele que daria uma contribuição para o crescimento da pátria. As referências aos líderes
militares como Caxias e Osório serviram para o Brasil em um tempo mais distante do
presente. A renovação desses valores deveria ser feita, principalmente no início dos anos
trinta, quando o Brasil, segundo Salgado, necessitava de referências para guiar os
brasileiros e criar uma idéia de nação.
Curiosamente, Salgado alimentou essa admiração pelos heróis desde criança até o
nascimento da AIB, somando esse elemento à sua trajetória intelectual. No mesmo relato
em que falava dos heróis e dos escritores, destacava também que, nessa época, quando
criança, em que não havia rádio e nem televisão, ouvia dos lábios de sua mãe as
conferências de Rui Barbosa em sua campanha civilista e palavras sobre a importância que
a religião tinha para os homens.
56
Dessa forma, a influência familiar parece ter incitado
Salgado ao gosto pelas fontes brasileiras, ao interesse pela política e, finalmente, à
valorização da religião. Além disso, considerar essa “bagagem cultural” oriunda do
ambiente de família, algo que fez parte dos princípios de Salgado, é admitir que a referência
nacional de seu pensamento foi um fator intrínseco de sua personalidade. É interessante
mencionar, desde já, que ele aceitava a noção de história dos grandes vultos construídos no
incipiente resgate historiográfico brasileiro do tempo do Império, criticando apenas a
política dos anos mais recentes, percebida nas práticas oligárquicas implantadas depois do
surgimento da República.
55
TRINDADE, Hélgio. Integralismo: o fascismo brasileiro na década de 30, op. cit., p. 43. O autor cita: Obra
coletiva, Plínio Salgado, São Paulo, Ed. Revista Panorama, 1936, pp. 7-8.
56
Ibidem.
45
Ao longo da infância, com o passar do tempo, se confrontou com a morte do pai e
foi obrigado a abandonar os estudos aos 16 anos.
57
Assim, não demorou muito para
trabalhar em São Bento de Sapucaí. Entre outras atividades destacou-se como professor e
jornalista local. Ainda na cidade natal, em 1918, casou-se com Maria Amélia Pereira, sendo
que um ano depois a esposa faleceu, deixando-lhe a sua única filha, Ana Amélia Salgado. O
incidente parece ter provocado em Salgado uma profunda crise espiritual, pois ele se voltou
intensamente para a religião, procurando nas obras de Farias Brito e de Jackson de
Figueiredo uma nova posição em relação à sua espiritualidade.
Nesse período, Salgado havia descoberto o materialismo científico, fato que causou
inquietude ao “jovem Plínio”. Segundo Ricardo Benzaquen de Araújo, a descoberta de
Farias Brito através de Jackson de Figueiredo, por sua vez, provavelmente indicaria um
contraponto de Salgado em relação às concepções materialistas, principalmente pelas
posições antipositivistas e espiritualistas destes autores. O autor sugere que ambas as
influências, evidentemente, encaminhariam Salgado em direções opostas. Contudo, ele
acredita que um estudo mais acurado sobre essa questão poderia indicar uma
complementaridade para a síntese ideológica que Plínio Salgado desenvolveria nos anos
trinta.
58
Após ter atuado como jornalista e político local no Partido Municipalista,
agremiação que ajudou a criar, Salgado partiu para São Paulo, onde conseguiu emprego no
Correio Paulistano, órgão do Partido Republicano Paulista (PRP). Neste novo ambiente
tornou-se membro do PRP e travou amizade com Menotti Del Picchia, o redator-chefe do
jornal. Mais tarde, junto com Cassiano Ricardo e Del Picchia, Salgado integrou a corrente
verde-amarelista do movimento modernista. Em 1922, durante a Semana de Arte Moderna,
teve discreta participação, tornando-se conhecido apenas depois da publicação de O
estrangeiro, em 1926, época em que ingressou na corrente nacionalista do modernismo.
Apesar de ter sido eleito deputado estadual em 1928, pelo PRP, e de ter apoiado
Júlio Prestes à Presidência da República logo em seguida, Salgado se decepcionou com a
legenda e acabou se desligando do Partido e do Jornal. Em 1930 viajou para o Oriente e
para a Europa, onde conheceu Mussolini e se impressionou com o fascismo. Por motivo da
57
Os detalhes da trajetória de Salgado mencionados neste capítulo foram retirados de: TRINDADE, Hélgio,
idem; ARAÚJO, Ricardo Benzaquen de. Totalitarismo e revolução: O integralismo de Plínio Salgado, op. cit.;
e BRANDI, Paulo. Verbete: Plínio Salgado. In: ABREU, Alzira e BELOCH, Israel et al. (coords.). Dicionário
Histórico Biográfico Brasileiro (Pós-1930). Rio de Janeiro: Editora FGV; CPDOC, 2001, vol. V, pp. 5195-
5206.
58
ARAÚJO, R. Benzaquen. Totalitarismo e Revolução, op. cit., p. 23.
46
viagem, não teve muito envolvimento com a Revolução de 1930. Após retornar ao Brasil,
Plínio Salgado se mostrou disposto a criar um movimento baseado em suas convicções
políticas e espirituais. Muitas dessas convicções ele descreveu nos artigos dedicados ao
jornal A Razão,
59
de São Paulo. Depois de alternadas notas de desconfiança e de apoio ao
governo provisório, Salgado partiu para a ofensiva contra o novo governo, redigindo notas
de desagrado frente às decisões de Vargas na presidência.
Por meio de suas notas políticas no jornal, conclamava jovens do país inteiro para a
união de forças em torno de um ideal nacionalista. Como resultado deste esforço, em
fevereiro e março de 1932 foi organizada a Sociedade de Estudos Políticos (SEP) com o
intuito de disseminar novas idéias para a organização de um novo movimento. A SEP foi o
embrião para o lançamento da AIB. A entidade tinha a tarefa de facultar uma obra
educativa dos problemas brasileiros e discutir os pontos principais para a formulação do
novo movimento. Nos meses seguintes, Salgado, ao mesmo tempo em que realizava uma
série de conferências junto a estudantes e intelectuais, se articulava com homens influentes
de diversos Estados, como Olbiano de Mello (Minas Gerais), Altamirano Pereira e Petrônio
Chaves (Rio de Janeiro), João Santos (Bahia) e Severino Sombra (Ceará).
A despeito de já estar pronto o manifesto integralista em junho de 1932, o mesmo só
foi lançado por Salgado em outubro, em função do ato ter sido interrompido pela
Revolução Constitucionalista de São Paulo. Dessa forma, a AIB é oficialmente criada por
Plínio Salgado em outubro de 1932. Antes de se tornar partido, em 1935, a AIB foi
oficializada como uma associação nacional de direito privado. De acordo com o seu
primeiro congresso em março de 1934, em Vitória, no Espírito Santo, sua finalidade era:
a) Funcionar como centro de estudos e cultura sociológica;
b) Desenvolver uma grande propaganda de elevação moral e cívica
do povo brasileiro;
c) Implementar no Brasil o Estado Integral.
60
Plínio Salgado atuou inicialmente como o organizador do movimento, e a Ação
Integralista Brasileira funcionou no início como um grande centro de estudos sociológicos.
Tendo como objetivo instaurar um novo regime, o movimento propunha que as massas o
fizessem. Para fazê-lo, no entanto, seria necessário um sentimento comum e uma
mentalidade nova. Nesse sentido, os integralistas tomariam a iniciativa de divulgar e
59
Este periódico será uma de nossas fontes de análise, especialmente para investigar suas referências aos
intelectuais citados por Plínio Salgado antes da criação da AIB.
60
Estatutos da AIB, Monitor integralista, março de 1934.
47
incentivar essa nova mentalidade. Eis a tarefa inicial da AIB, movimento que, na data de
criação, ainda não dispunha oficialmente de um “Chefe Nacional”.
Assim, durante os primeiros tempos de sua trajetória intelectual, Plínio Salgado foi
guiado pelo nacionalismo familiar, quando tomou gosto pela leitura e pelo sentimento de
exaltação aos “heróis”, se instigou com as teorias materialistas, ganhou experiência
profissional como jornalista e escritor. Esteve sempre perto dos acontecimentos marcantes
na área cultural, como exemplificam seus interesses nos intelectuais brasileiros e nos
movimentos contemporâneos à sua geração, como o movimento modernista. O seu
engajamento literário, antes de ser um interesse meramente cultural ou de autopromoção,
refletiu sempre suas preocupações com o destino e o futuro da pátria nacional. Em outras
palavras, seu engajamento literário esteve sempre mesclado com seu engajamento político.
Em última instância, essa característica literária também foi herdada para a sua doutrina,
expressa na AIB, especialmente no início do movimento, quando foram promovidos, até
mesmo, cursos de formação política e sociológica para os membros aderentes do
integralismo.
61
2.4. Plínio Salgado: o escritor modernista
Os verde-amarelos formaram, no cerne do movimento modernista, um grupo
eminentemente de paulistas, composto por Plínio Salgado, Cassiano Ricardo, Menotti del
Picchia e Cândido Mota Filho. Durante a década de 1920, o grupo se opôs à corrente
modernista majoritária do Pau-Brasil. Para eles, os brasileiros deveriam se desvincular da
herança cultural européia, entrando na modernidade com a originalidade das referências
nativas. Por essa razão, o grupo tinha como lema “Originalidade ou Morte!”. Como afirma
Gilberto Vasconcelos, a “xenofobia verdeamarela é inseparável do pressuposto de
promover uma cultura nacional autônoma”.
62
Nesse sentido, a independência político-
cultural do país passava necessariamente pela reconstituição dessas raízes brasileiras. Foi
através do jornal do Partido Republicano Paulista, o Correio Paulistano, o qual tinha
Menotti del Picchia como redator-chefe, que o grupo defendeu suas principais idéias. Os
artigos escritos no jornal foram reunidos em uma coletânea, em 1927, sob o título O
61
No Monitor Integralista de maio de 1934, sob o título “A preparação das elites Integralistas”, anunciava os
cursos e os ministrantes para aquele ano, dados pelo Departamento de Estudos Integralista do Distrito Federal.
São eles: Direito Corporativo (prof. San Tiago Dantas), Introdução à Sociologia Geral (prof. Thiers Martins
Moreira), História Militar Brasileira (prof. Gustavo Barroso), História Social e Política do Brasil (prof. Hélio
Vianna) e História das Doutrinas Econômicas (prof. Antônio Gallotti).
62
VASCONCELOS, Gilberto, op. cit., p. 88.
48
Curupira e o Carão, obra conjunta de Plínio Salgado, Cassiano Ricardo e Menotti del
Picchia.
Na década de 1930, o grupo modernista se dividiu. Enquanto Plínio Salgado criou o
integralismo, os demais criaram o bandeirismo, liderado por Cassiano Ricardo. Com a
adesão de mais alguns intelectuais paulistas o movimento das bandeiras ganhou prestígio
em São Paulo. Esse novo grupo pregava o fortalecimento do Estado, posicionando-se,
simultaneamente, contra o comunismo e o fascismo, especialmente com o intuito de
defender a cultura brasileira contra a penetração no solo nacional de ideologias
consideradas “alienígenas” e desagregadoras da nação. A respeito desse rompimento entre
“bandeiras” e integralismo destacamos esse trecho escrito por Cassiano Ricardo em seu
livro de memórias:
Havíamos conversado, Plínio e eu, até altas horas da noite, em
minha casa, no Alto da Lapa, sobre o integralismo e o partido que
ele ainda iria fundar (…) Fiz minhas objeções a Plínio: não devia a
sua organização ter como subtítulo “Fascismo brasileiro”, pelas
complicações e confusões que isso iria provocar no futuro.
Ademais, tínhamos combatido os “ismos” literários de importação,
como Parnasianismo, Futurismo, Expressionismo, e por que
importarmos naquela hora um outro “ismo” mais grave porque
político-ideológico? O certo, a meu ver, seria “bandeirismo” ou
qualquer outro “ismo” histórico, mas brasileiro.
63
Embora tenha seguido caminho diferente ao de Cassiano Ricardo, Salgado manteve
muitas características de sua “fase modernista” até quando traçava os detalhes doutrinários
da AIB na década de 1930. O mais difícil, nesse caso, é saber o que teria lhe impulsionado
a se desligar de seus companheiros verde-amarelos e lhe motivado a seguir um caminho
diferente. Além do mais, é impraticável desvendar as intenções de Salgado analisando
paralelamente o que o diferenciava dos intelectuais que não aceitaram o integralismo e nem
simpatizavam com o fascismo.
Plínio Salgado, em meio ao movimento verde-amarelo, publicou a primeira edição
de O estrangeiro em 1926, iniciando sua trajetória de escritor. O intuito de mostrar os
elementos extremos existentes entre a cidade e o hinterland, os quais estavam explícitos no
prefácio da obra, ditam os contornos do romance, em que o autor descreve o percurso de
seus personagens em função das características encontradas no confronto com a terra e o
meio:
63
RICARDO, Cassiano. Viagem no Tempo e no Espaço: Memórias. Rio de Janeiro: José Olympio, 1970, p.
114.
49
Este livro procura fixar aspectos da vida paulista nos últimos dez
anos. Vida rural, vida provinciana e vida na grande urbe. Ciclo
ascendente do colono (os Moldolfis); ciclo descendente das raças
antigas (os Pantojos). Marcha do caboclo para o sertão e novo
bandeirismo (Zé Candinho); deslocamento do imigrante nas suas
pegadas e novo período agrícola (Humberto); regresso dos antigos
fazendeiros para a Capital e novos elementos para o funcionalismo
público e classes liberais (ainda os Pantojos).
64
Os personagens de Salgado são claramente rotulados perante as convicções
ideológicas do autor. Assim encontramos no contraste entre Ivã e Juvêncio a pretensão de
determinar os destinos dos mesmos em função de suas mentalidades, respectivamente,
cosmopolita e interiorana. Ivã, um exilado russo em terras tupiniquins, não se adapta à
fazenda e acaba instalando sua própria indústria, transformando-se em burguês.
Personalidade, por vezes, contraditória, hesita em impor o individualismo burguês acima de
sua condição humana, sentindo-se um “estrangeiro” frente à terra que ocupava. Observava
duas perspectivas distintas: a de um solo, que em muitos aspectos, estava livre da “perversa
influência cosmopolita”, mas que, ao mesmo tempo, em outros, começava a apresentar os
vícios dos grandes centros europeus, onde predominariam a frieza e o egoísmo. Diante
dessas observações, Ivã sofre angustiado com a sua consciência. Embora tivesse obtido
lucro nos negócios da fábrica, aos poucos se convencia de sua inutilidade para a
humanidade e acabou fracassando, desistindo da vida, pois não conseguiu dar um
significado satisfatório a sua experiência existencial.
Opondo-se a essa personalidade fracassada, a qual representava a inviabilidade de
conciliar uma humanidade livre dos vícios do capital aos males existentes nas grandes
cidades, Plínio Salgado trazia ao romance o personagem do sertão, caracterizado em
Juvêncio. Embora o enredo do romance gire em torno de Ivã, Juvêncio é o personagem
mais identificado com o autor. Salgado descreve que “a terra é pueril; e os que a procuram,
com sinceridade, sofrem a sua atração deliciosa. Transformam-se ao seu contato”.
65
Juvêncio encontrou, nesse contato com a terra, o verdadeiro significado da nacionalidade,
comunicando-se com a natureza, não correndo o risco de se degradar no meio urbanizado e
cosmopolita. Assim, o tema nacional em O estrangeiro se encontrava na noção de
anticosmopolitismo, na valorização do elemento autóctone, e, além disso, na formação da
nacionalidade, representada também em diferentes personagens secundários, os quais
sugerem uma composição do brasileiro na soma de etnias, do imigrante e do caboclo,
64
SALGADO, Plínio. O estrangeiro. São Paulo: Hélios, 1926, p. 7.
65
Idem, p. 251.
50
expressas em personalidades como Zé Candinho, “o caboclo forte” e Humberto, “o filho de
imigrante”.
Salgado reproduz no romance muitos elementos presentes no verde-amarelismo,
expondo sua feição engajada com o movimento. O escritor Plínio Salgado apresentava no
romance uma preocupação social acima de tudo. Um ano depois, em 1927, o autor de O
estrangeiro publicaria o livro Literatura e Política, uma obra em que se tornava mais nítido
o pensamento em relação ao contraste entre a cidade e o Hinterland, referência confessa à
obra Os Sertões de Euclides da Cunha.
Todavia, embora haja semelhanças entre algumas concepções de Salgado e de
Euclides, como na relação entre o “homeme a “terra”, não podemos afirmar que há uma
homogeneidade entre ambos os pensamentos. Para o autor de Os Sertões, havia um maior
grau de determinismo que imperava na relação entre o homem e o meio, enquanto que, para
Plínio Salgado, as regiões afastadas dos grandes centros eram as mais propícias ao
desenvolvimento do indivíduo, pois este não estaria à mercê das idéias supostamente
nefastas que estariam abrigadas nas grandes cidades. Em sua primeira obra literária, a
preferência de Salgado pelo sertão era atestada por um sentimento intuitivo presente no
personagem Juvêncio, o qual revelava uma percepção interior que o diferenciava
positivamente de Ivã. Essa espécie de irracionalismo, visível através do elemento intuitivo
“benéfico”, e contrário à orientação mais trágico-agônica
66
do pensamento de Euclides da
Cunha, foi uma característica dos verde-amarelos, apresentando seus contornos também no
ideário pós-modernista de Plínio Salgado.
2.5. Os heróis nacionais e o perfil de Plínio Salgado
Apesar de a AIB ter sido criada em 1932, foi somente depois de fevereiro de 1934,
após o Congresso Integralista de Vitória (ES) que se definiram as diretrizes do movimento,
o Estatuto e o plano de ação com diversas tarefas distribuídas em vários departamentos, e
os mesmos repartidos nos respectivos núcleos municipais integralistas. Tais tarefas, no
início, eram realizadas pelos departamentos de doutrina, de propaganda, de milícia, de
66
Antônio Cândido, por ocasião do Cinqüentenário de Os Sertões, em 1952, analisava o pensamento de
Euclides da Cunha: “Há nele uma visão por assim dizer trágica dos movimentos sociais e da relação da
personalidade com o meio – físico e social. Trágica, no sentido clássico, de visão agônica, em que o destino
humano aparece dirigido de cima. (…) Semelhante visão não se confunde com o mecanicismo de muitos
deterministas de seu tempo, ou anteriores a ele. Em Ratzel, ou em Buckle, não há tragédia: há jogo mútuo
quase mecânico entre o homem e o meio”. CÂNDIDO, Antônio. “Euclides da Cunha sociólogo”, in: O
Cinqüentenário de 1952: Os Sertões”, página especial de O Estado de São Paulo, São Paulo, 13 de dezembro
de 1952, Apud LIMA, Luiz Costa. O controle do imaginário. São Paulo: Brasiliense, 1984, p. 238.
51
cultura artística, de finanças e de organização política. No Congresso também foi definido o
Estatuto do Chefe Nacional, que delegava plenos poderes a Plínio Salgado, estabelecia que
os atos desferidos de seu comando eram inquestionáveis no exercício de suas funções.
Segundo esse Estatuto, expresso no órgão oficial de divulgação da AIB, o Monitor
Integralista,
67
o cargo da chefia era considerado perpétuo e a centralização era tal que todos
os departamentos funcionariam sob o seu poder e tomariam as posições, em última
instância, segundo a decisão do homem designado para essa função.
A centralização do poder sobre o movimento integralista colocou Salgado, de certo
modo, em situação desconfortável. Antes de liderar a AIB, ele sempre manteve a postura de
um ideólogo e não de um homem de ação. O fato de ser líder do movimento não lhe
convinha de início, mas, ao longo do desenvolvimento do integralismo, sua postura como
Chefe provisório foi se consolidando na posição de Chefe permanente e, após o Congresso
de Vitória, o lugar de Plínio Salgado como dirigente absoluto dos camisas-verdes foi
assegurado e mantido até a extinção da AIB em 1937 com o golpe do Estado Novo.
Os dados até aqui levantados sobre a trajetória de Salgado, a sua atuação como
escritor e político e a sua tentativa de construir um movimento, mas em princípio não
liderá-lo, indicam uma posição mais de teórico do que de líder. Sua admiração pelos heróis
brasileiros fazia com que ele os utilizasse como exemplos a serem seguidos. Mas qual seria
a comparação entre as qualidades desses heróis e as de Plínio Salgado, feita, possivelmente,
por ele mesmo? Interpretando essa natureza dos heróis, vista por Plínio Salgado, talvez
consigamos elencar mais dados a respeito da personalidade do Chefe integralista.
Para Plínio Salgado, a interpretação da história do Brasil, do passado e da então
realidade nacional se remetia a um “tipo ideal”, aos exemplos positivos e negativos que,
segundo Salgado e os integralistas, interferiram em solo nacional. Os exemplos negativos
ficavam por conta da aceitação e reprodução, pelos políticos, do sistema liberal vigente, o
qual não se enquadraria para sanar os problemas da realidade brasileira.
68
Para o Brasil
deveriam se preservar as raízes nacionais, voltadas para o homem simples, do interior, em
67
Monitor integralista, “Estatutos da AIB”, Rio de Janeiro, maio de 1934. O monitor integralista publicava
mensalmente todos os atos, resoluções e ordens de Plínio Salgado, além dos regulamentos, diretivas, tabelas e
as informações das Secretarias Nacionais da AIB.
68
“O capitalismo é uma conseqüência do liberalismo. O liberalismo é o império do Individualismo. O
individualismo é o rompimento com todas as disciplinas morais capazes de compor equilíbrios na sociedade,
de acordo com os interesses superiores do espírito. Por conseqüência, o individualismo é o materialismo. E a
prova de que o individualismo é o materialismo é o fato dessa concepção de vida ter tido como fonte os
postulados epicuristas, stoicistas ou naturalistas que constituíram toda a trama do pensamento dos fins do
52
contraposição ao homem das grandes capitais. Dessa forma, Plínio Salgado e os
integralistas elegeram o capitalismo e o comunismo como os inimigos principais a
combater.
Os exemplos positivos ficavam por conta dos “heróis nacionais”. Esses heróis eram
cultuados como os verdadeiros exemplos a serem seguidos pelos brasileiros. Assim, os
integralistas reconheciam as figuras de Osório, Caxias e Tamandaré como as grandes
referências militares; José Bonifácio, Dom Pedro I e os bandeirantes como personalidades
históricas altamente relevantes. Os bandeirantes, por exemplo, levavam o crédito pelo
desbravamento e reconhecimento das regiões centrais brasileiras, enquanto Dom Pedro e
José Bonifácio ganhavam os méritos pela conquista das bases da unidade nacional.
Evidentemente, uma admiração, por essas personalidades, muito semelhante com a de
Salgado quando ouvia as narrativas de história de seu pai.
As formas de cultuar essas personalidades eram variadas, mas sempre mencionadas
a partir de um discurso que enfatizava a necessidade de dar impulso à formação da
consciência da nacionalidade. Eram citados e homenageados e, em algumas oportunidades,
fazia-se, até mesmo, concursos para quem melhor promovesse a memória desses “heróis”,
como este, em que a premiação consistia de um valor em livros fornecidos pelos
integralistas e escolhidos pelo vencedor:
O Integralismo no prosseguimento de sua obra educativa de
formação da consciência da Nacionalidade, vai, este ano,
promover, excepcionais comemorações à Caxias e Tamandaré (…)
Desde já são convocados todos os intelectuais do Brasil
(sociólogos, historiadores, críticos militares, escritores, poetas,
pintores, escultores e músicos) para produzirem trabalhos que, sob
todos os aspectos, possam pôr em evidência os vultos desses dois
heróis nacionais. Os ensaios dos sociólogos, dos historiadores e dos
críticos, assim como as obras de arte dos romancistas, dos poetas,
dos escultores, pintores e músicos, relativas às lendárias figuras e
dos episódios em que foram vultos centrais deverão ser desde já
iniciados. O prazo para a recepção será até 1
o
de maio de 1936.
69
Em torno das figuras de Caxias e Tamandaré foi criado um mito de heroísmo
legitimado pela Historiografia oficial do Império e da Historiografia Militar. Os
integralistas apenas retomaram a maneira como esses “heróis” eram apresentados.
Provavelmente, uma tentativa de reforçar a idéia de nação a partir das bases edificadas no
século XVIII, da Enciclopédia e da Revolução Francesa”: SALGADO, Plínio. A doutrina do sigma, op. cit., p.
106.
69
Monitor Integralista, Rio de Janeiro, agosto de 1935.
53
tempo de D. Pedro II, quando se tentou instituir uma unidade através da construção de uma
identidade histórica.
Ao culto às personalidades históricas, como Caxias e Tamandaré, somava-se o culto
aos poetas e intelectuais brasileiros. Principalmente por intermédio de Plínio Salgado, os
integralistas acostumaram-se a aclamar os nomes de Castro Alves, Casemiro de Abreu,
Euclides da Cunha, Alberto Torres, entre outros. Esses últimos, objetos desse estudo,
intelectuais importantes para o entendimento das idéias do líder integralista.
É interessante notar uma diferença de “status” para o culto dos intelectuais. Não
obstante alguns nomes de relevo terem sido citados pelos integralistas, como Oliveira
Vianna e Tristão de Athaíde, como importantes referências para a orientação da AIB e
inspiradores para o integralismo, a eles não era atribuído o mesmo estatuto dado a Alberto
Torres, Farias Brito e Euclides da Cunha. Nesse caso, observamos que havia um insistente
discurso a favor dos intelectuais e dos jovens pensadores que se preocupavam com o
destino da Pátria brasileira. Contudo nota-se uma distinção entre os vivos e os mortos. Os
intelectuais vivos eram também mencionados, mas não eram colocados no mesmo posto
daqueles que já haviam morrido. Era tal essa preocupação que, em determinado momento,
Plínio Salgado proclamou a proibição dos nomes de pessoas vivas ao batizar instituições
integralistas:
O Chefe Nacional da AIB, usando dos poderes que lhe foram
reconhecidos e proclamados pelo 1
o
Congresso Integralista
Brasileiro de Vitória e reafirmados no 2
o
de Petrópolis e nas Cortes
do Sigma (…) Considerando que só os mortos ilustres, os heróis
nacionais e os que por qualquer motivo se tornaram em vida,
dignos da admiração dos brasileiros, devem ter seus nomes em
evidência para servir de exemplo às gerações presente e futuras;
(…) Resolve: Proibir [que] sejam dados nomes de pessoas vivas,
integralistas ou não, inclusive o Chefe Nacional, às escolas,
campos de esporte, ambulatórios, lactários, bibliotecas, enfermarias
ou a outras quaisquer instituições da AIB.
70
Mesmo bem antes dessa resolução, a menção aos intelectuais brasileiros mortos era
feita através de lembranças e homenagens, realizadas em suas memórias, como o batizado
de escolas integralistas com o nome de Euclides da Cunha, Jackson de Figueiredo, Alberto
Torres e outros; além de notas em jornais e em revistas integralistas exaltando as biografias
dos mesmos.
71
70
O monitor integralista, , n
o
17, ano V, 20 de fevereiro de 1937, p. 5.
71
Exemplo disso era o espaço reservado na revista Panorama para os “Mentores da Nacionalidade”, onde
apareciam textos de intelectuais já falecidos. Na descrição deste espaço era colocado o seguinte: “páginas
dedicadas às grandes figuras de pensadores brasileiros, há muito desaparecidos do cenário nacional e que
54
Esse estatuto diferenciado mostra que, em algumas situações, os integralistas se
colocavam abaixo desses intelectuais. Como evidencia essa resolução de Salgado, citada
anteriormente, nem mesmo o Chefe integralista poderia ser homenageado, pois somente os
mortos ilustres e os heróis nacionais seriam dignos de terem seus nomes em evidência.
Mesmo assim, veremos mais adiante, Plínio Salgado servia-se sempre das palavras e das
biografias desses pensadores (talvez, justamente, por estarem mortos e não poderem dizer o
contrário) e, por vezes, discordava de suas idéias. Isso também não impedia o discurso
messiânico do líder da AIB, considerando-se clarividente em relação ao momento político e
histórico e percebendo em si uma capacitação diferenciada frente aos demais, justificada
pelo elemento intuitivo.
72
No entanto, é curioso notar que Plínio Salgado enfatizava a necessidade de se
espelhar nesses heróis, mas nunca se comparava a eles. De fato, o líder integralista hesitava
em assumir a postura de um “herói”, exemplificado por ele nessas personalidades
históricas. Mas, ao mesmo tempo, assumia a tarefa de líder e se julgava capaz de guiar o
movimento integralista. Há indícios de que não é simples coincidência essa dubiedade de
status. Afinal qual era o estatuto que Salgado dava a ele próprio e qual o estatuto que ele
dava a esses heróis da pátria? A resposta, provavelmente, é que Salgado escrevia sobre os
heróis sob o ponto de vista de quem desejava instruir o povo brasileiro e não fazer qualquer
tipo de equiparação entre ele e os intelectuais como Euclides da Cunha, Alberto Torres e
Farias Brito, o que não o impedia de utilizá-los a seu favor.
Ainda há a questão referente à ambigüidade de Salgado sobre sua posição de líder,
ao mesmo tempo que se considerava escritor. O fato de Salgado ter tido uma expressiva
acolhida literária em 1926, com a publicação de O estrangeiro, e de ser reconhecido antes
escritor do que um político, líder do movimento integralista, intrigava a ele próprio:
“Minha vida tem sido, assim, cheia de paradoxos. A incoerência dos homens tem sido tão
grande em torno de mim, que hoje não me admira que muitos deixem de reconhecer no
organizador do Integralismo o mesmo escritor daquele tempo [época da publicação de O
estrangeiro]”.
73
Nicolau Gut, apesar de, visivelmente, admirador da personalidade de
devem ser relembrados pelos ensinamentos e previsões que nos deixaram”. Vide Panorama, São Paulo,
Janeiro de 1936, n
o
1 (Nesse 1
o
número, aparece um trecho de texto de Alberto Torres, retirado de A
organização nacional).
72
“Uma intuição secreta me dizia que eu possuía a chave para decifrar a psicologia de um povo e que era
preciso conhecê-lo antes de dirigi-lo”. SALGADO, Plínio. Despertemos a nação, op. cit., p. 12.
73
SALGADO, Plínio. Despertemos a nação, op. cit., p.6.
55
Salgado, também sugere que o líder integralista viveu, na década de 1930, com a dupla
face, de escritor e político:
Alma sensível e avessa às violências, Plínio Salgado, procurou
sempre corrigir os governos, aconselhando, persuadindo, pedindo
quase e suplicando, em vez de opor-se como adversário
irreconciliável. A sensibilidade do poeta impediu a realidade do
político: no que não vai uma crítica pejorativa, pelo contrário, um
elogio da humanidade de Plínio Salgado.
74
A dubiedade entre o escritor e o político se traduzia na prática entre,
respectivamente, o teórico e o homem de ação. Isso evidencia que o seu comando era
legitimado pela sua trajetória de intelectual, de homem de idéias. Essa constatação também
se confirma em várias passagens de seus livros, em entrelinhas, quando sugere que os
movimentos políticos devem ser guiados por uma ação coletiva (em detrimento de ações
individuais), como fica claro nesta passagem de A doutrina do sigma, quando Salgado
escrevia sobre o papel dos heróis naquele instante:
As massas populares já estão desiludidas dos taumaturgos e
caudilhos e dos messianismos estúpidos que exprimem estados de
barbaria (…) Quem falar ao povo de um modo mais claro criará a
grande unidade (…) Há um novo sentido de heroísmo: do
sacrifício, da luta, da tenacidade, da cultura. A força criadora de
Pátrias. A força da Idéia que, só ela, altera o curso da História.
75
Confirmando esse raciocínio de que Plínio Salgado vivia o dilema entre ser teórico e
ser líder do Integralismo, Hélgio Trindade mostra que, nas discussões mais polêmicas
dentro da AIB, Salgado cumpria, muitas vezes, um papel de intermediador dos debates
mais acirrados. Ele assumia, desta forma, uma postura mais flexível nas decisões a serem
tomadas em relação ao cumprimento de determinadas tarefas:
Salgado define seu papel segundo um duplo critério. Defende a
rigidez da chefia em matéria doutrinária, ao mesmo tempo que
postula a flexibilidade nas decisões dirigidas à ação. Esta
concepção significa, na realidade, uma racionalização do papel do
chefe adaptada à sua personalidade mais de doutrinador e agitador
político do que de homem de ação.
76
Em virtude do desenvolvimento do movimento integralista, Salgado racionalizou
sua tarefa de Chefe, em função de sua personalidade de doutrinador, cumprindo esse duplo
critério que assegurava seu comando no plano doutrinário, mas que lhe tirava poderes de
decisão no plano da ação, fazendo isso de maneira consciente. Essa postura de Salgado, de
74
GUT, Nicolau de Flue. Plínio Salgado, o criador do integralismo na literatura brasileira. Speyer a. Rh.,
Pilger-Druckerei GmbH, 1940. Dissertação de Mestrado defendida em Munique, na Alemanha.
75
SALGADO, Plínio. A doutrina do Sigma. São Paulo: Verde-amarelo, 1935, p. 143.
76
TRINDADE, Hélgio. Integralismo: o fascismo brasileiro na década de 30, op. cit., p. 175.
56
se eximir de decisões práticas no comando da AIB, não deixa de ter semelhança com a
postura de um dos mais conhecidos líderes de partidos de cunho fascista.
Como se sabe, Hitler se eximia das decisões práticas na direção do nazismo e do
governo alemão, responsabilizando seus secretários mais próximos para cumprirem as
tarefas, mas mantinha uma postura de condottiere, segundo a designação fascista italiana,
ou de führer, na designação alemã, mantendo, pelo menos, o perfil e a imposição do
comando. Nesse sentido, apesar dessa semelhança inicial, o que faltava para que Salgado se
aproximasse da figura de um condottiere era a imposição, a imagem de líder e do heroísmo
ativo. Esse foi, segundo relatos consulares, mostrados por Ricardo Seitenfus, um dos
motivos para que a Itália fascista fosse, aos poucos, desconfiando do êxito integralista no
Brasil. Segundo o autor, após estreitar as relações com os integralistas, em 1936, a
embaixada da Itália, representada por Vicenzo Lojacono, em 1937, expressou um
desapontamento com o integralismo e com o seu Chefe Nacional:
Lojacono pensa que é impossível conceber o fascismo sem “um
conteúdo heróico, e sobretudo sem um herói”. Salgado, “pensador
profundo, consciência mística, não tem a dimensão do
condottiere”; nem a imagem, nem a “coragem física”. Salgado
pode ter um “herói passivo, mas não tem um herói ativo daquele
que sai das trincheiras para ir ao assalto”.
77
Mesmo sem o “perfil” de condutor e líder de um movimento de massas, a tarefa de
Salgado como ideólogo e dirigente integralista colocou-o como “guru” dos camisas-verdes
e, ao longo do tempo, ele assumiu uma espécie de postura messiânica na chefia do
movimento. A sua imagem foi estimulada pela propaganda interna da AIB, edificando um
homem capaz de guiar as massas rumo à revolução integralista, transformando-o em
verdadeiro herói dentro do movimento, apesar de ser visto pelo viés contrário fora dele.
Além disso, a despeito dessa imagem revitalizada, de ideólogo a salvador da pátria, ele
insistia que a alavanca do movimento deveria ser dada pela constituição de uma nação
brasileira. O nacionalismo, segundo o líder dos integralistas, era a verdadeira força de que o
Brasil necessitava. Dessa forma, essa dubiedade possivelmente fazia com que Salgado se
eximisse de uma responsabilidade maior em relação às decisões mais polêmicas a serem
tomadas no cerne da AIB.
Mantendo essa postura de Chefe e ideólogo, Salgado encontrava um subterfúgio no
nacionalismo, em que o herói era procurado e exemplificado no valor das grandes
77
SEITENFUS, Ricardo. As relações entre Brasil e Itália no período 1918-1939. In: Boni, Luis de (org.). A
presença italiana no Brasil, op. cit., pp. 49-50.
57
personalidades da pátria. Isso podemos notar em várias cartilhas integralistas, em que o
nacionalismo dos camisas-verdes se traduzia, segundo eles, no culto aos heróis nacionais,
ou seja, aos vultos históricos, poetas e escritores que contribuíram para o engrandecimento
do país. Isso vai ao encontro da noção de herói traduzida por Salgado e, pelo que
conhecemos de sua biografia, implica afirmar que o nacionalismo do principal dirigente
integralista se refletia também nesses pensadores, poetas e heróis nacionais. Além disso, o
nacionalismo era representado também pela preocupação com os problemas brasileiros,
vinculado à questão “sertão-litoral”, e de proteção à pátria contra as ideologias consideradas
nefastas à constituição da nacionalidade.
2.6. O contraste sertão x litoral em Euclides da Cunha
Euclides da Cunha nasceu em Cantagalo, no Rio de Janeiro, em 1866. Iniciou seus
estudos na Escola Politécnica, na capital do Estado, depois se transferiu para a Escola
Militar, onde foi expulso em 1888 por ter desacatado o Ministro da Guerra.
78
Voltaria ainda
para a Escola Militar para se formar em Engenharia Militar e Ciências Naturais. Finalmente
em 1896 ele rompeu definitivamente com o Exército. Defensor do regime republicano,
nessa época, Euclides estava já desapontado com os rumos tomados pela República.
Decidiu então se mudar para São Paulo, onde aceitou o convite do jornal O Estado
de São Paulo para atuar como repórter e cobrir a Campanha de Canudos. Em outubro de
1897, quando acabou a guerra, Euclides tinha um vasto material, baseado em suas
anotações de campo, do qual iria se servir para escrever sua maior obra. Depois de ter se
desligado do jornal, Euclides da Cunha teve uma longa estadia em São José do Rio Pardo,
pois havia sido contratado para planejar a construção de uma ponte. Ali teve tempo para
escrever nas horas de folga. Do final da Guerra de Canudos até a publicação do livro
contaram-se cinco anos. Em 1
o
de dezembro de 1902 foi publicada a 1
a
edição de Os
Sertões. Quando retornou ao Rio de Janeiro, pouco antes de sua morte, disputou vaga para
ministrar a disciplina de Lógica no Colégio Pedro II, ficando em segundo lugar, atrás do
filósofo Farias Brito. Mesmo assim acabou sendo nomeado para o cargo. Em 1909 morreu
baleado na Estação de Piedade, próximo de onde residia.
78
Na escola militar “se passa o incidente em que pela primeira vez na vida Euclides chama a atenção pública,
quando, em sinal de protesto contra a monarquia, atira ao chão seu sabre no momento em que o Ministro da
Guerra visitava a [escola]”. GALVÃO, Walnice Nogueira. Gatos de outro saco. São Paulo: Brasiliense, 1981,
p. 65-66.
58
Tradicionalmente, a publicação de Os Sertões é um marco no estudo da literatura
brasileira, pois dá início ao período denominado “Pré-Modernista”, em que se caracterizam
os elementos da realidade natural, representada, às vezes, por um certo pessimismo e
crueldade percebidos na vida real e na condição humana. Assim, tais elementos são
chamados de “naturalistas”. A obra de Euclides da Cunha inaugurou, na literatura, um
movimento de reação ao romantismo, em que se acentuou a preocupação com a fidelidade à
expressão natural. Como os movimentos literários não se dão por acaso, as abstrações para
efeito de estudo obrigatoriamente se remetem aos acontecimentos práticos da realidade
social do país.
Nesse sentido, as referências culturais mudaram no momento em que Euclides deu o
tom de denúncia da realidade brasileira ao retratar o contraste cultural de dois “Brasis”, o
do sertão e o do litoral. A transição dos valores que caracterizavam o Brasil como belo e
majestoso, que se referiam a um tipo ideal de homem, como o índio e o gaúcho, agora
mostrava as condições reais do sertanejo, do jagunço, uma espécie de “sub-raça” que
habitava o nordeste brasileiro, mas que, apesar de tudo, resistia às tragédias impostas pelo
seu destino: “O sertanejo é, antes de tudo, um forte. Não tem o raquitismo exaustivo dos
mestiços neurastênicos do litoral”. E continuava Euclides, observando a estética do
mestiço: “A sua aparência, entretanto, ao primeiro lance de vista, revela o contrário. Falta-
lhe a plástica impecável, o desempenho, a estrutura corretíssima das organizações
atléticas”.
79
Euclides fez a crítica à população litorânea (residente nas grandes cidades e
capitais) por ter dado as costas à população do sertão, agindo de forma cruel e com um
horizonte cego, cometendo um crime contra si própria. Esse modo nefasto de agir começa a
ser denunciado, em Os Sertões, através da própria Campanha de Canudos: “Aquela
campanha lembra um refluxo para o passado. E foi, na significação integral da palavra, um
crime. Denunciemo-lo”.
80
A divisão de sua narrativa – Terra, Homem e Luta – corresponde ao método de
Taine – meio, raça e momento histórico – e está imbuída de um determinismo histórico e
geográfico. Descreve, primeiramente, as condições climáticas e geográficas do sertão,
partindo, em seguida, para a descrição do sertanejo, do jagunço e de Antônio Conselheiro, o
líder espiritual de Canudos. Só então parte para a narração do conflito, em que destaca a
luta entre a sociedade do sertão e a sociedade urbana. A precisão de seus termos e a
79
CUNHA, Euclides da. Os sertões. São Paulo: Nova Cultural, 2002, p. 77.
80
Idem, p. 9.
59
preocupação com os detalhes do evento descrito mostram o caráter científico e historicista
de Euclides da Cunha.
Para ele, os determinismos do clima e da terra constituíram a organização social, ao
passo que a raça daria o perfil psicológico e a tendência no comportamento do sertanejo.
Dessa maneira, teria se obtido no sertão, resultado dos cruzamentos raciais entre brancos e
índios, o mestiço. Esse homem teria sido influenciado por todo tipo de superstições e, a
despeito de sua grande luta contra a natureza, não teve chances de superar as condições
naturais contrárias ao pleno desenvolvimento de sua cultura.
Embora observemos a valorização do caboclo brasileiro em Os Sertões, quando
Euclides da Cunha descreve a bravura do sertanejo sobrevivendo em condições precárias de
vida, diante do abandono da região, suportando os castigos naturais do clima, da terra e da
resistência “heróica” empreendida por eles frente ao Exército, a autora Walnice Galvão
matiza essa perspectiva única e observa a possibilidade de se ler “dois livros em um só”:
A repetição incessante de afirmações contraditórias oferece a
possibilidade de se ler dois livros num só. Num deles, os rebeldes
são heróicos, fortes, superiores, inventivos, resistentes, impávidos.
No outro, eles são ignorantes, degenerados, racialmente inferiores,
anormais, atributos que impregnam também, por extensão, seu
líder Antônio Conselheiro e o próprio arraial onde viveram.
81
Trazendo a discussão para o pensamento de Plínio Salgado, embora haja essa dupla
perspectiva de leitura da obra, o líder integralista adotava, de Os Sertões, a visão do
sertanejo forte, interpretando uma valorização do brasileiro representado pelo caboclo:
Como Euclides da Cunha amava sua Pátria! Seu grande livro,
chamado “Os Sertões”, exalta a grandeza da nossa terra e da nossa
gente. Naquelas páginas de um estilo forte, luminoso e rico, ele
revela seus conhecimentos científicos e sua energia moral. Euclides
descreve o caboclo do Brasil, em pinceladas impressionantes,
mostrando o seu valor. O sertanejo descrito por Euclides da Cunha
é uma figura extraordinária: na aparência, dá a impressão de um
fraco, mas na hora da luta, é um verdadeiro gigante.
82
Plínio Salgado contava que descobriu Os Sertões, de Euclides da Cunha, após
algumas tentativas de procurar os costumes do povo brasileiro na leitura da obra de
Machado de Assis. A obra de Euclides teria sido indicada por um amigo que se
impacientava com a leitura em voz alta de Salgado de um trecho de um dos livros de
Machado:
– Pára! Pára! – gritou angustiada a voz do meu amigo. – Isto só
com uma bala no ouvido! Olhei-o e não pude deixar de sorrir. Ele
81
GALVÂO, Walnice Nogueira, op. cit., p. 81.
82
SALGADO, Plínio. Nosso Brasil. Rio de Janeiro: Editora A. Coelho Branco Filho, 1937, pp. 63-64.
60
contava vinte e quatro anos, era já um conceituado pintor da nossa
terra, cheio de sonhos para o futuro. Nas confabulações em que
uma turma de jovens brasileiros gastava longas horas noturnas, a
discutir os problemas do Brasil, a idear uma grande revolução,
aquele rapaz era um dos mais entusiastas. Agora, ele se levantava
irritado, aflito, entregando-me um volume que apanhara de sobre a
mesa. “Leia isto”. Era o volume de “Os Sertões”, de Euclides da
Cunha.
83
Para Salgado, a geração anterior à sua teria sido instruída pela obra machadiana,
influenciada por elementos do naturalismo. Sua geração, contudo, não encontrava o
conteúdo adequado na obra de Machado. Essa geração estaria desencantada e desiludida
com a geração anterior, por essa estar “preocupada com as formas verbais da literatura e
satisfeita com as formas simétricas de um regime político absolutamente alheio à vida e ao
espírito da Nação”.
84
Segundo Salgado, ainda que se pudesse encontrar traços dos costumes
de época em Machado de Assis, sua obra estava repleta de conceitos eurocêntricos,
mostrava com superficialidade os problemas fundamentais do país e, principalmente, esse
literato “julgava tudo inútil, com um sorriso amarelo que lhe vinha da amarga filosofia do
escritor máximo da sua época”.
85
Machado representava, portanto, a figura do escritor que vivera em um período de
artificialismo verbal, em que predominava a inconsciência política e o ceticismo filosófico.
Euclides da Cunha, ao contrário, teria em sua obra a necessária expressão humana, o
sentimento incutido na terra e na raça. Assim, o autor de Os Sertões teria um valor mais
qualificado, pois não havia se ocultado diante dos problemas nacionais. Já Machado,
segundo Salgado, “sempre [foi] alheio aos debates filosóficos, às polêmicas no terreno do
direito e da sociologia, e até mesmo a política jamais o interessou”.
86
Machado de Assis,
que antes era o grande escritor brasileiro, não estaria à altura de Euclides da Cunha.
Mesmo com esse descrédito pelo autor e de uma valorização maior da obra de
Euclides, devemos estar cientes de que Plínio Salgado não desprezava por completo as
obras de Machado de Assis. Ele ressaltava que num período de revisão de valores o autor
havia sido esquecido, mas “na fase construtiva” que a sua geração empreendeu, “avultou de
novo, como um espírito atual”.
87
O líder integralista, ao se referir a Euclides e a Machado,
83
SALGADO, Plínio. A quarta humanidade, op. cit., pp. 156-157.
84
Idem, p. 157.
85
Ibidem.
86
Ibidem, p. 158.
87
“Machado de Assis, que até então, no período agudo da iconoclastia, da revisão violenta de valores,
estivera, não propriamente condenado, porque não tínhamos força para condenar um gênio, mas pelo menos
61
nesse texto, sempre alude à leitura desses autores a sua geração, mas não cita nomes e nem
a época. Podemos entrever, porém, que, provavelmente, isso se dá em meio ao movimento
modernista, possivelmente, na corrente do verde-amarelismo, período em que Salgado
estava procurando os subsídios nacionais nos escritores brasileiros. Essa seria a fase de
“revisão dos valores”. A “fase construtiva” poderia ser o período de maturação do
integralismo até a constituição formal do movimento, momento em que as personalidades
nacionais foram objeto de manipulação na doutrina da AIB.
Seja como for, havia essa diferença de estatuto entre a trilogia dos autores mais
citados por Salgado – Euclides da Cunha, Alberto Torres e Farias Brito – e a dos
intelectuais que, segundo ele, não se preocupavam com os problemas reais do país e ainda
seguiam um pensamento vinculado às tradições européias:
Vê-se bem a nossa condição de pupilo da França, depois de ser
filho de Portugal. E, no panorama vasto do nosso pensamento, a
tragédia de Gonçalves Dias e José de Alencar, defronte outra em
que se agiria a trilogia precursora de Euclides da Cunha, Alberto
Torres e Farias Brito.
88
Entre outras virtudes, como a atenção prestada aos problemas nacionais, que o líder
integralista encontrou também em Alberto Torres e Farias Brito, Euclides da Cunha havia
chamado a atenção de Salgado, fundamentalmente, pela descrição que fez do sertanejo, em
Os Sertões, e pelo contraste entre o sertão e o litoral:
Temos, ainda hoje, dominando os círculos culturais do país, uma
mentalidade teórica, que se cristalizou nos gabinetes, que não
acompanhou, que não quer acompanhar o movimento da sociedade
moderna; que não quer compreender os imperativos do instante
universal; que não quer se desgarrar da crosta de uma civilização
litorânea, ganglionar, posta já em choque com as forças bárbaras da
terra, como Euclides da Cunha evidencia na epopéia dos
“Sertões”.
89
A alusão ao autor era feita, principalmente, no âmbito das idéias, mas eram comuns
também os elogios feitos em relação ao seu valor moral. Lembrado também quando atuou
em suas tarefas relativas à profissão de Engenheiro, Euclides da Cunha era referenciado
como o grande desbravador do interior do Brasil (uma espécie de bandeirante),
precisamente quando Rio Branco, em 1904, o convidou para chefiar a comissão brasileira
ao Alto Purus. Esse episódio chamou a atenção de Salgado, que louvava as atitudes de
Euclides:
esquecido, Machado de Assis, na segunda fase, na fase construtiva que a nossa geração empreendeu, avultou
de novo, como um espírito atual”. Ibidem, p. 164.
88
SALGADO, Plínio. Despertemos a nação, op. cit., pp. 59-60.
62
Euclides, em todos os momentos, mostrava ser patriota. Uma vez,
estando numa comissão de limites do Brasil e da Bolívia, no dia de
plantar um marco divisório, os engenheiros e oficiais de ambos os
países promoveram uma pequena festa. Era um jantar, num rancho.
Pelas paredes havia as bandeiras de muitos países sul-americanos,
mas a do Brasil não estava lá. Euclides olhou para as paredes
cobertas de folhas e flores e notou que as cores predominantes
eram o verde e o amarelo, cores da nossa Bandeira Nacional. E
quando chegou a hora dos brindes, Euclides disse: “O Brasil não
tem aqui uma bandeira de pano, mas tem uma mais bela e gloriosa,
mais tocante na sua simplicidade”. E apontando para as folhagens
verdes com flores amarelas disse: “Ali está a bandeira do
Brasil!”.
90
Em algumas vezes, como no exemplo acima, a obra literária ficava à margem das
atitudes práticas, em que a índole pessoal do escritor era exacerbada com a romanceação de
seu ideal nacionalista e patriota. Assim, a utilização de Euclides não se restringia apenas à
menção do seu pensamento, mas também ao uso de sua biografia.
Essas apropriações em torno da figura de Euclides e de sua obra, referenciando-o
como um grande escritor e um “grande homem”, não foram restritas a Salgado. O
intelectual já era há muito tempo consolidado como um dos maiores pensadores do Brasil e
sua obra considerada um best-seller. Mas a construção da grande personalidade em que
Euclides se tornou foi construída gradualmente.
O engrandecimento de Euclides da Cunha e de sua obra não se deu de imediato.
Euclides morreu já como grande escritor, mas foi ao longo do tempo que o intelectual
ganhou o status de grande autor nacional, resultado de uma construção posterior à sua
morte. Os Sertões foi considerado o primeiro clássico brasileiro por ter se tornado um
best-seller de longa duração”, como afirma Regina Abreu, ganhando notoriedade pela
mobilização da opinião pública que respondia com simpatia e era unânime em confirmar o
valor da obra, e que, em razão disso, teve inúmeras reedições, sendo também inserida como
estudo obrigatório nos currículos escolares.
91
A mobilização de escritores e admiradores que divulgaram a sua obra,
imediatamente após a morte de Euclides, deu o passo inicial para o resgate e a preservação
da memória do autor. Desde muito cedo, esses homens trataram de lembrar Euclides como
uma grande singularidade, misturando o conteúdo literário, o valor moral do intelectual e as
fatalidades de sua biografia trágica relacionadas à luta incansável do escritor diante das
89
Notas Políticas, A razão, São Paulo, 2 de julho de 1931.
90
SALGADO, Plínio. Nosso Brasil, op. cit., pp. 63-64.
91
ABREU, Regina. O enigma de Os Sertões. Rio de Janeiro: Funarte/Rocco, 1998, p. 276.
63
dificuldades impostas pelo seu destino.
92
Em outras palavras, os funerais de Euclides
marcaram o início do culto ao escritor. Após sua morte não tardaram as biografias e os
elogios dos jornais. Entre as biografias de destaque estão as de Francisco Venâncio Filho,
Elói Pontes, Oswaldo Galotti, Sylvio Rabelo e Olímpio de Souza Andrade.
Um ano após a morte de Euclides da Cunha, em seu aniversário de falecimento, um
grupo reunido em volta de seu túmulo decidiu se organizar para divulgar a obra do escritor.
Entre eles estavam Alberto Rangel e Coelho Neto que, juntamente com outros admiradores
de Euclides, fundaram o Grêmio Euclides da Cunha, no Rio de Janeiro. O movimento se
ampliou quando, em 1917, outro “euclidiano”, Edgar de Mendonça idealizou uma
campanha mais incisiva para o incipiente movimento que pretendia difundir a obra de
Euclides. Nesse sentido, os membros do Grêmio teriam a tarefa de promover a realização
de conferências que versassem sobre Euclides e sua obra, a promoção de biografias, estudos
e até de um monumento em homenagem ao autor.
Em 1918 aderiram ao movimento alguns intelectuais paulistas. Ao mesmo tempo se
tinha notícias de celebrações à memória de Euclides da Cunha em São José do Rio Pardo,
local em que foi escrita a célebre obra Os Sertões. Em 1921, diversos intelectuais de São
Paulo, como Vicente de Carvalho, Affonso Taunay, Plínio Barreto, Monteiro Lobato,
Alberto de Souza e Arthur Motta, assinaram moção de apoio ao trabalho do Grêmio
Euclides da Cunha. A partir do apoio dos intelectuais paulistas, pôde-se erigir um grande
arquivo do escritor brasileiro, em que se reuniu um acervo de tudo o que a ele se referia.
92
Descrevendo a crise conjugal com a esposa do escritor, D. Saninha, Walnice Galvão expõe muito bem o
final trágico da vida de Euclides da Cunha: “O desenlace só se dá quando a esposa, levando os filhos,
abandona o lar e vai para a casa de Dilermando de Assis, o outro homem em sua vida. No dia 15 de agosto de
1909, Euclides invade aquela casa, armado, e começa a atirar. Dilermando e seu irmão Dinorah adiantaram-se
para enfrentar Euclides (…) Ora, os dois irmãos eram militares, Dilermando cadete do Exército e Dinorah
aspirante de Marinha. Euclides atingiu Dinorah na espinha, em conseqüência do que ficou inválido, teve sua
carreira interrompida e anos mais tarde suicidou-se. Mas Dilermando atirou certeiramente, matando Euclides.
Mais tarde, depois de julgado e inocentado como autor de morte em legítima defesa, Dilermando de Assis se
casou com D. Saninha, e tiveram mais filhos. Parece que sua carreira foi dificultada, tendo ele sido sempre
enviado a postos longínquos e preteridos nas promoções. O certo é que a todo momento, durante toda a sua
vida, era obrigado a vir a público para se defender de calúnias que continuaram a lhe dirigir, tendo inclusive
escrito livros de justificação. Ora, isto tudo foi um affaire entre militares, já que Euclides era tenente
reformado do Exército e sua esposa filha de General. Os poderes constituídos e a opinião pública desejavam
com tal ardor o sangue do homicida, que a menor dúvida sobre sua inocência afetaria o veredito. Se nessas
condições altamente desfavoráveis, ainda assim não foi possível declarar Dilermando culpado, é porque
realmente não se encontrou fundamentação legal. Euclides foi velado na Academia Brasileira de Letras e
enterrado com todas as honras públicas. A nação ficou de luto”. Sete anos mais tarde, “o filho segundo de
Euclides, que tinha o mesmo nome que ele e também se encaminhava para a carreira militar, (…) agride a
tiros, dentro do Fórum do Rio de Janeiro, o mesmo Dilermando de Assis. Este, que mais tarde seria campeão
nacional de tiro ao alvo, novamente é atingido várias vezes, e com um tiro certeiro mata Euclides da Cunha
Filho. Novo processo, nova inocentação por legítima defesa. Várias décadas mais tarde, Dilermando ainda
64
Em São José do Rio Pardo se deu o auge do movimento euclidiano que a partir de
1935 mobilizou intelectuais de renome para conferências na recém criada “Semana
Euclidiana”, tradicional evento da cidade que se mantém até hoje. A idéia era realizar uma
semana com atividades totalmente voltadas para celebrar a obra do escritor. O ponto alto
seria a Conferência, em que, a cada ano, convidar-se-ia um intelectual respaldado para
ministrá-la. Em 1936, o historiador Pedro Calmon foi o convidado, nos anos seguintes,
foram conferencistas, entre outros, Roquete Pinto, Afonso Arinos, Alberto Rangel, Afrânio
Peixoto, Menotti Del Picchia, Cassiano Ricardo e Plínio Salgado.
93
Cassiano Ricardo, Menotti Del Picchia e Plínio Salgado, integrantes da corrente
verde-amarela, no movimento modernista, apresentavam apropriações semelhantes da obra
de Euclides da Cunha. Segundo Regina de Abreu, os dois primeiros, junto com Cândido de
Motta Filho, outro verde-amarelo, atuaram no “movimento das bandeiras”, na década de
1930, comparando o antigo ideal bandeirante ao desbravamento dos sertões, a suposta
descoberta do interior do Brasil feita por Euclides. A maioria das apropriações sobre a obra
euclidiana estava ligada à valorização da civilização interiorana do sertão, mas variava em
torno das temáticas, como a Geografia, a Antropologia, a História Militar, o Folclore, o
Nacionalismo, etc.
Regina Abreu descreve com detalhes a conferência de Cassiano Ricardo em 1947,
intitulada O bandeirante Euclides.
94
Ela relata que “o conferencista estabelecia uma
classificação entre os intelectuais brasileiros, dividindo-os em dois grupos: o primeiro,
‘preocupado com os problemas do nosso hinterland’”, se aproximaria das preocupações de
Euclides, e “o segundo, que sofria da ‘hemiplegia do litoral’”, se aproximaria de Machado
de Assis: “Euclides da Cunha e Machado de Assis seriam ‘os representantes típicos dessas
duas tendências contrárias’”.
95
declarava ao escritor Francisco de Assis Barbosa que carregava no corpo quatro balas que não puderam ser
extraídas, duas do pai e duas do filho”. GALVÃO, Walnice Nogueira, op. cit., pp. 63-65.
93
Plínio Salgado ministrou a conferência, durante a semana euclidiana, em 1953, versando sobre o “grande
homem” que foi Euclides. O tema intitulava-se “A qualidade e as virtudes de Euclides da Cunha”. A
Conferência, na íntegra, foi publicada junto ao texto de Tasso da Silveira: SALGADO, Plínio & SILVEIRA,
Tasso. Euclides da Cunha. Coleção Águia Branca. Rio de Janeiro: Livraria Clássica Brasileira, 1954.
94
Cassiano Ricardo, em sua obra Marcha para o Oeste, também destaca o “bandeirismo” de Euclides: “(…)
Episódios de igual colorido são as demarcações de Cunha Gomes e Luís Cruls. Mas basta o relatório de
Euclides da Cunha, relativo à região do Alto Purus, na exploração demarcatória que lhe foi confiada. Que nos
diz então o imortal estilista dos Sertões, a quem Lúcia Miguel Pereira chama tão agudamente “escritor
bandeirante”? RICARDO, Cassiano. Marcha para o Oeste. Volume II. 3
a
edição. Rio de Janeiro: José
Olympio, 1959, p. 326.
95
ABREU, Regina, op. cit., p. 342.
65
Segundo Cassiano Ricardo, em sua conferência, Machado de Assis representava a
tradição dos “escritores do litoral” que seriam “europeus, cosmopolitas, litorâneos”. Ele
sofreria do “negativismo próprio do litoral”, ficando alheio aos “problemas brasileiros”.
Cassiano Ricardo sugeria, nessa ocasião, que se fizesse uma comparação entre Brás Cubas
e Os Sertões.
96
Essa interpretação, de contrastar duas tendências opostas entre Euclides e
Machado, como vimos anteriormente, é idêntica à interpretação feita por Plínio Salgado.
Esse dado, para nós, é significativo, pois Salgado e Cassiano Ricardo foram da mesma
geração, foram companheiros no movimento modernista dentro da corrente verde-amarela,
partilharam idéias que tinham em comum. Uma verdadeira sociabilidade entre intelectuais,
como indica Sirinelli, que representa a maneira como são construídas e circulam certas
noções entre os pensadores de uma mesma geração.
De qualquer forma, a notoriedade adquirida pela obra Os Sertões foi ímpar na
cultura brasileira, primeira obra realmente impactante em termos de significação e
reconhecimento das gerações posteriores. Euclides da Cunha não foi um autor, comparado
a Alberto Torres e Farias Brito, os quais tiveram suas obras acolhidas por apenas uma
parcela da intelectualidade. Ele foi uma unanimidade nas primeiras décadas do século XX,
todavia sua admiração pelo cientificismo, com forte referência positivista, foi contestada
por certos pensadores, inclusive alguns intelectuais da década de 1930, entre eles, o próprio
Plínio Salgado. O líder integralista dizia, a respeito de sua geração e sobre a leitura da obra
euclidiana: “De Euclides da Cunha, rejeitávamos o que havia de exibicionismo científico, e
tomávamos a formidável expressão da terra e do homem onde residem ‘as grandes reservas
nacionais’”.
97
Mais tarde, quando passou um pouco a euforia do lançamento de sua obra,
também os estudos contemporâneos criticaram o determinismo do meio e da raça na
conjuntura explicativa da obra euclidiana.
Mas de todas as apropriações, talvez a de Salgado, em determinado momento, tenha
ultrapassado os limites da mera simpatia pelo autor, chegando ao tom do exagero e do
delírio, pois ele achava que, se Euclides da Cunha fosse vivo, seria integralista. O relato
curioso está em Carta aos Camisas Verdes, de Plínio Salgado. O líder integralista, em uma
oportunidade, teria visitado Cantagalo, terra natal de Euclides: “Há 15 anos nutro esse
desejo de conhecer a terra natal de Euclides da Cunha. Se Euclides da Cunha vivesse, seria
96
Idem, p. 343.
97
SALGADO, Plínio. A quarta humanidade, op. cit., p. 164.
66
integralista? Essa idéia me perturba”. E explicando com mais detalhes essa sua intuição,
dizia ele:
Euclides amava o Brasil. Ninguém cantou como ele a epopéia da
nossa Raça e ninguém penetrou melhor os misteriosos segredos da
Terra. Quase tenho a certeza de que ele, Alberto Torres, Farias
Brito e Olavo Bilac seriam integralistas… Euclides não me saía do
pensamento.
98
O desfecho desse passeio foi uma reunião em torno do busto de Euclides da Cunha,
em que o morto “respondeu a chamada”, mesmo sem ter nada a ver com o episódio criado
em torno de sua figura. E mais ainda, Salgado convencera-se: Euclides era integralista! Por
isso a evocação do “grande integralista”:
Ao cair da noite, sem que eu dissesse nada; alguém me pergunta:
“Quer ir a Cantagalo? Dista 15 min de automóvel…” De um salto,
pus-me de pé. “Vamos!”. A pergunta veio de novo no íntimo do
meu espírito: - Euclides seria integralista se vivesse? Recordei-me
então que uma vez, num dia 7 de setembro, em Paris, eu festejara a
data da Pátria lendo a página de “O Sertanejo” a um grupo de
brasileiros num “quartier” cinzento e cosmopolita. Não há dúvida.
Euclides é integralista (…) Na praça central de Cantagalo há um
busto de Euclides da Cunha. Reunimo-nos ali (…) No alto, as
estrelas silenciosas. Nós estivemos também, em silêncio, alguns
minutos. Em seguida, ordenei que o brigadeiro Thompson fizesse a
chamada do “grande integralista”. Ele não o pôde fazer, porque se
comovera e não podia falar. Então Jaime Ferreira fez a chamada.
Nossas vozes responderam no silêncio: “presente!”. Eu cumprira
meu desejo de 15 anos…
99
Entre narrativas, delírios e romantizações, Salgado traçava o perfil dos intelectuais
brasileiros, expunha suas idéias, rejeitava, de determinados intelectuais, alguns
pensamentos que não o agradavam, o que não impedia o engrandecimento dos mesmos em
seus escritos.
Para se ter uma idéia mais precisa da relação entre a apropriação das idéias e a
“sociabilidade dos intelectuais”, partiremos agora para a análise da leitura de Plínio Salgado
sobre as obras de Alberto Torres. Esse intelectual pode nos fornecer mais dados do que
Euclides em relação à questão geracional, pois foi sintomático o repentino interesse da
geração de Salgado pela obra de Torres diante do momento político e cultural que o país
atravessava.
98
SALGADO, Plínio. Carta aos camisas-verdes. Rio de Janeiro: José Olympio Editora, 1935, pp. 40-41.
99
Idem, p. 17.
67
3. CAPÍTULO 2 – A LEITURA DAS OBRAS DE ALBERTO TORRES POR PLÍNIO
SALGADO
Já mencionamos anteriormente que as idéias de Alberto Torres foram bastante
citadas nos escritos de Plínio Salgado. A partir de agora, procuraremos identificá-las e
apresentá-las sob a interpretação do líder integralista. Tentaremos, inicialmente, localizar
no tempo o interesse de Salgado pelas obras de Torres e, a partir daí, verificar quais foram
as primeiras idéias por ele apropriadas. Ao longo do capítulo, destacaremos os elementos
enfatizados por Plínio Salgado no pensamento torreano. São eles: o ideal de raça, o
nacionalismo e a noção de Estado. Veremos ainda alguns detalhes pertinentes à forma e ao
conteúdo das citações feitas pelo líder integralista referentes aos intelectuais brasileiros, em
especial ao conjunto de pensadores de sua geração.
Além disso, utilizaremos alguns autores do grupo geracional de Salgado para
perceber de que maneira certas idéias do intelectual fluminense foram por eles apropriadas.
Também serão utilizadas as referências de estudos contemporâneos que se ocuparam do
pensamento de Alberto Torres e de que maneira eles o relacionam com o pensamento de
Plínio Salgado. Por fim, avaliaremos as características conservadoras de Torres e Miguel
Reale em contraste com as características revolucionárias de Salgado, a fim de enquadrá-los
nos preceitos que remetem aos conceitos de autoritarismo e totalitarismo. Assim, a questão
inicial poderia ser a seguinte: a partir de que momento percebemos as referências do
pensador fluminense nos escritos de Salgado?
3.1. As primeiras referências às obras de Alberto Torres nos escritos de Salgado
Encontramos as pistas para responder a essa pergunta aceitando a cronologia dos
dados biográficos de Salgado proposta por ele mesmo em seu livro Despertemos a Nação,
bem como em outros trechos de suas obras em que ele narrou os acontecimentos de sua
trajetória intelectual, como em A doutrina do Sigma e Carta aos Camisas-Verdes. Muitos
fatos relevantes sobre a constituição da AIB e da biografia de Plínio Salgado são contados
por ele próprio em seus livros. Exemplo disso é o conhecimento que temos a respeito dos
68
dados sobre o desenvolvimento da Sociedade de Estudos Políticos até o lançamento da
AIB, a sua experiência como político, escritor e jornalista, entre outros detalhes.
Esses dados foram muito utilizados pelos diversos estudiosos que analisaram o
movimento integralista, como Hélgio Trindade, José Chasin e Gilberto Vasconcelos, como
fonte para o pensamento “pré-integralista”, ou seja, foram informações utilizadas para
explicar os fatores que antecederam o fenômeno integralista. Partiremos então dessas
informações de Salgado a respeito de sua descoberta em relação aos intelectuais brasileiros,
em especial Alberto Torres, confrontando-as com o conteúdo do primeiro livro de caráter
explicitamente político do autor, ou seja, sua obra de 1927: Literatura e Política.
Vejamos antes, em Despertemos a Nação, o que Salgado dizia a respeito do impacto
das obras dos intelectuais brasileiros sobre o seu pensamento:
Com Raul Bopp, atravessei muitas noites estudando a língua tupi
(…). Em conseqüência do estudo do índio, o mistério da Unidade
Nacional absorveu-me. Minhas leituras eram, nesses dias,
Alberto Torres, Euclides, Oliveira Vianna. O político despertava
no escritor.
100
A época em que Salgado se referiu nesse trecho, por volta de 1927, foi marcada
anteriormente pela ruptura literária de 1922, e refletiu, durante a trajetória intelectual de
Salgado, a sua experiência nacionalista nas correntes, impulsionados pelo movimento
modernista, do Verde-amarelismo e da Anta. A partir de 1927, Salgado abandonou o
movimento da Anta, coincidindo com o seu rompimento com Raul Bopp. Segundo o
dirigente integralista, Bopp, que havia estudado junto com Salgado a língua Tupi e havia
partilhado muitas de suas opiniões nacionalistas, preferiu ficar ao lado dos modernistas.
Segundo ele, foi o momento em que descobriu a obra dos intelectuais brasileiros.
Se aceitarmos essa cronologia, temos uma fase de sua trajetória intelectual que
durou de 1922 a 1927, na qual Salgado se guiou por correntes nacionalistas no interior do
movimento modernista. A partir de 1927, segundo ele próprio referiu, “o político
despertava no escritor” depois de ter lido as obras dos pensadores por ele referidos.
Diante disso, poderíamos apontar uma segunda fase de seu pensamento, que se
inicia em 1927, e que seria conduzida pela mescla entre a política e as fontes literárias. Um
forte indício dessa perspectiva é a publicação, nesse mesmo ano, de um livro com o
sugestivo título de Literatura e Política. Nesse livro, encontramos a primeira evidência
empírica das referências dos intelectuais brasileiros no pensamento de Plínio Salgado:
100
SALGADO, Plínio. Despertemos a Nação, op. cit., p. 12.
69
Sentir-se-á nestas páginas a impressão que me tem ficado da obra
de Alberto Torres, das ponderações de Tavares Bastos, do novo
pensamento nacional que, com feições diferentes, por vezes
contrastantes, espelha-se na literatura social e política de Oliveira
Vianna, Pontes de Miranda, Licínio Cardoso, Roquete Pinto,
Tristão de Athaíde, Jackson de Figueiredo, e outros de igual
merecimento. Também será observada a influência dos
depoimentos e comentários de Euclides da Cunha, visionador
alcantilado dos problemas brasileiros. E ver-se-á, finalmente, que
tomei o Brasil dentro do seu tempo e das contingências
internacionais, sob a impressão fortíssima da situação nacional
em face da luta de idéias que derivou, nos velhos países, da
Grande Guerra e da Revolução Russa.
101
Com esse trecho, Salgado iniciou o seu estilo de citar um conjunto de intelectuais
para justificar, reforçar ou expor as suas idéias. Como podemos observar, ele propunha uma
espécie de síntese de pensamentos, na qual buscava amparo para compreender os problemas
de sua época, tanto os de âmbito nacional quanto internacional. Segundo ele, alguns desses
intelectuais, como Euclides da Cunha, valiam pelo seu olhar profundo (visionador) diante
dos obstáculos que o país estaria enfrentando. Parte desses problemas nacionais também
estariam relacionados diretamente com a Guerra Mundial, terminada em 1918, e a
Revolução Russa, deflagrada em 1917. Leia-se, também, uma preocupação com o
liberalismo e o comunismo e qual deveria ser a atitude política brasileira frente às
contingências internacionais.
Somado a isso, é evidente a identificação de Plínio Salgado com um grupo de
autores brasileiros aos quais se refere com estima e esperança em seus potenciais
intelectuais. A forma de citar apresentava-se sempre com uma enumeração de autores, em
que se fazia uma breve menção às suas contribuições intelectuais. Salgado utilizava
adjetivos positivos e enfatizava a maneira como ele próprio era tocado pelas leituras
realizadas, a despeito de perceber que as obras eram, por vezes, “contrastantes”. Além
disso, os autores, oriundos de uma jovem geração, traziam idéias novas que constituíam
uma literatura meritória. Ele tomava essa geração visando uma síntese de pensamentos.
Esse intuito de união, de integração dos elementos que Salgado julgava favoráveis para
erguer a nacionalidade, foi uma característica que sempre esteve presente nos seus escritos.
Os dizeres de Salgado apresentavam a noção de uma mentalidade nova que ele
atribuía à sua própria geração. Uma geração que compreendia jovens intelectuais ou
escritores que Plínio Salgado não cansou de enumerar e citar, dizendo que portavam “um
espírito novo de crítica (…), um esboço de unidade de cultura, fundindo-se, num mesmo
101
SALGADO, Plínio. Literatura e Política, op. cit., p. 9.
70
corpo de pensamento, a geografia, a história, a etnologia, a geologia, numa palavra, o
conjunto de fatores que entram na formação do homem brasileiro”.
102
Era o desejo de
síntese que, ao mesmo tempo, não impedia a consciência da divergência. Conforme ele:
É a época de Oliveira Vianna, Licínio Cardoso, Pontes de
Miranda, Roquete Pinto, Rondon, Alarico Silveira, A. Taunay,
Paulo Prado, Gilberto Amado, Tristão de Athayde, Jackson de
Figueiredo, Hamilton Nogueira, Carneiro Leão, Celso Vieira,
que embora às vezes divergentes entre si, formam o núcleo que
vai se alargando da nova opinião nacional. Compreende-se a
ecologia de Euclides, posta em destaque pelo espírito de Roquete
Pinto. Alarga-se a faculdade da generalização, do mesmo modo
que se impõe a necessidade de sínteses precisas (…) As
conseqüências desses fenômenos nos domínios da sociologia são
extraordinários, pois eles preparam a consciência nacional para a
aceitação de novos rumos.
103
Segundo Salgado, pela primeira vez no Brasil, tinha-se uma geração que era capaz
de perceber o ritmo dos tempos modernos e de assinalar uma postura autônoma frente aos
problemas mundiais. Mesmo com o esforço de integrar os autores ele tinha a consciência de
que havia “feições diferentes”, “por vezes contrastantes” nas obras dos intelectuais, os
quais formariam um núcleo crescente de uma opinião nova,embora às vezes divergentes
entre si”. Essa utilização consciente das idéias dos diferentes pensadores revela indícios de
uma apropriação particular de Plínio Salgado em relação à produção intelectual de sua
época, em que ele aceitava certas idéias e rejeitava outras.
Além da consciência frente a essas divergências, ele tinha a noção de uma
construção orgânica das idéias novas. Nesse sentido, quando citou acima a questão dos
estudos sociológicos que “preparam a consciência nacional para a aceitação de novos
rumos”, ele viu essa evidente organicidade que tornaria possível a transmissão e,
principalmente, a aceitação de idéias, as quais não seriam disseminadas de maneira isolada,
mas acompanhadas de um processo construído gradativamente para consolidar a
legitimidade de um pensamento uniforme.
Isso significa dizer que os intelectuais que precederam a década de 1930, como
Euclides da Cunha e Alberto Torres, e os que estavam vivendo e atuando naquela época,
como Oliveira Vianna, estavam todos eles falando, de certa forma, de mudanças de atitudes
no cenário político-social em que viviam. A “preparação da consciência nacional”, nas
palavras de Salgado, dependeria da legitimação das idéias novas, as quais teriam de ser
aceitas pela direção ideológica e cultural da sociedade. Esses escritores, ou mais
102
Idem, p. 32.
71
precisamente, essa geração a qual Salgado se referia, representava, portanto, não apenas a
perspectiva de mudança nos quadros intelectuais, mas também a perspectiva de mudanças
entre as elites políticas. Eles, e muitos outros, elaboraram as idéias que se tornaram
dominantes e aceitas no conjunto social daquela época.
E é neste sentido, de uma nova mentalidade que toma a iniciativa para mudanças
nas atitudes político-sociais, que Plínio Salgado evoca, pela primeira vez, em Literatura e
Política, a obra de Alberto Torres:
Vê-se agora que é a literatura que dá o primeiro passo para a
compreensão de realidades as quais apenas tinham sido
vislumbradas por meia dúzia de cérebros privilegiados. A
mentalidade brasileira, livre de todas as peias, interessa-se já pela
obra de Alberto Torres, cujo espírito parece ter só agora
encontrado os seus verdadeiros contemporâneos.
104
A retomada das obras de Torres pela geração de Salgado foi sintomática de uma
conjuntura de fatores, internos e externos, que preocupava os homens daquela época. Os
rumos políticos internacionais refletidos no cenário pós-guerra europeu, em que os países
procuravam políticas alternativas frente ao liberalismo econômico, criaram condições
propícias para a ascensão do fascismo e o crescimento das idéias comunistas,
principalmente com o sucesso da Revolução Russa. Além disso, crescia muito rapidamente
a decepção com o quadro político republicano brasileiro, fazendo com que os intelectuais e
críticos políticos procurassem alternativas frente aos problemas diagnosticados. Portanto,
apesar de ter sido um grupo heterogêneo que retomou os estudos do intelectual fluminense,
havia um sentimento comum entre aqueles indivíduos, que acarretou uma percepção
semelhante a todos em relação às obras de Alberto Torres.
105
De maneira geral, podemos dizer que Alberto Torres teve o cuidado de teorizar os
possíveis caminhos políticos que poderiam guiar a administração do Estado brasileiro frente
ao liberalismo internacional. Da mesma forma, pensou em uma reformulação política
interna, tentando chamar a atenção para a importância de se criar uma idéia de
nacionalidade, noção que auxiliaria a integração do povo em diferentes regiões e seria o
primeiro passo para diminuir as diferenças sociais existentes em função da extensão do
território nacional.
103
Ibidem.
104
Ibidem.
105
Mannheim dizia que “a unidade de uma geração não consiste primariamente em um vínculo social do tipo
que leva à formação de um grupo concreto, embora algumas vezes possa acontecer de um sentimento pela
unidade de uma geração ser conscientemente desenvolvido como base para a formação de grupos concretos”.
FORACCHI, Marialice Mencarini (org.). Karl Mannheim. São Paulo: Ática, 1982, p. 69.
72
Diante disso, Salgado, lendo as obras dos intelectuais brasileiros, especialmente Os
Sertões, de Euclides da Cunha, A Organização Nacional e O Problema Nacional
Brasileiro, de Alberto Torres, interpretou a disparidade que havia entre a cidade e o campo
como sendo o principal obstáculo para o desenvolvimento social do Brasil, ou como ele
mesmo preferia descrever, o problema da desigualdade social que havia entre os habitantes
que viviam próximos do litoral e a população que vivia no interior do sertão.
Para Salgado, o homem do campo, em função de seu modo de vida isolado, longe
das novidades vindas do exterior, diferiria do homem da cidade em relação à sua índole
pessoal. Essa idéia é reforçada quando ele cita Torres: “O homem do campo é
individualista, já dizia Alberto Torres…”.
106
O individualismo do homem do campo seria
manifestado por razão de sua independência em relação às influências externas. Nesse
sentido, o homem da cidade ficaria muito dependente dos elementos modernos trazidos do
exterior, o que, em última instância, moldaria a psicologia dos habitantes do litoral. Salgado
acreditava que era a partir desse homem, residente no sertão, que deveria ser iniciada a
construção de uma unidade nacional.
Essa noção da diferenciação entre o sertão e o litoral seria, mais tarde, desenvolvida
com maiores detalhes por Salgado em suas obras da década de 1930, quando relacionou o
que considerava como os males externos, o liberalismo e o comunismo, como sintomas
típicos das grandes metrópoles. Aqui, chamamos a atenção para a origem da idéia, que,
segundo ele, teve nas obras de Torres e nos Sertões de Euclides da Cunha as suas maiores
referências. Euclídes seria o “visionário alcantilado” dos problemas do sertão, enquanto
Torres seria o sistematizador das possíveis soluções para esses problemas.
3.2. A apropriação das noções de nacionalidade e de raça
Outro aspecto relevante da referência de Torres tomada por Salgado em Literatura e
Política é o desenvolvimento da idéia de nacionalidade, intimamente ligada à procura das
origens da raça brasileira. Ali, Salgado, citando a personalidade de Júlio Prestes e atestando
uma simpatia pelos seus discursos patrióticos, escreveu: “Júlio Prestes não pertence ao
número daqueles líricos patriotas a que se refere Alberto Torres, que não se cansam de falar
senão de nossas grandezas. É patriota prático e sincero”.
107
Nessa passagem há uma
106
SALGADO, Plínio. Literatura e Política, op.cit., p. 37.
107
Idem, p. 42.
73
referência à demagogia dos políticos e do nacionalismo falso. A citação de Torres remete à
idéia de patriotismo do autor de O Problema Nacional Brasileiro:
Nós não exprimimos o interesse pela conservação nacional, senão
com a forma dramática do culto da bandeira e do ardor militar (…)
Não é, não pode ser este o símbolo ideal da nossa nacionalidade.
Este símbolo deve ser mais humano e mais nobre: não pode conter
um voto de renúncia, a aceitação do sacrifício.
108
A virtude de Torres estaria no fato de ele não ser um nacionalista lírico, mas um
nacionalista prático. Realmente, o pensador fluminense destacava em suas obras a
necessidade de se prestar atenção na realidade dos fatos da vida social brasileira e deixar o
nacionalismo ufanista de lado. Este “nacionalismo prático”, em contraposição ao
nacionalismo romântico, que cantava as belezas naturais brasileiras, seria necessário para
defender o Brasil e torná-lo soberano frente aos demais países.
109
Nas obras de Salgado da década de 1930, podemos observar uma preocupação mais
explícita desse “nacionalismo prático”, em que o autor se volta para os detalhes do meio e
da raça. Opinando sobre a capacidade de desenvolvimento humano no clima da América do
Sul, Salgado retoma A Organização Nacional, de Alberto Torres, dizendo que,
do ponto de vista do meio físico, é a América Latina o teatro onde
se verificará, da maneira mais promissora, o nascimento de um tipo
novo de humanidade. ‘A zona intertropical’ – escreve Alberto
Torres – ‘é o berço do animal humano: foi em climas médios, ou
cálidos, que se fixou o tipo mais perfeito do reino animal, aí
floresceram as primeiras e mais luxuriantes civilizações; para aí
convergem, naturalmente, as aspirações e desejos dos homens de
todas as regiões. Só o esgotamento do solo, a proliferação das
populações, as incursões bárbaras e as guerras conseguiram
arremessar grandes massas de populações para zonas frias. É
natural que o homem tente voltar para seu berço, sempre que aí
encontre terras férteis e climas propícios à vida’”.
110
108
TORRES, Alberto. O problema nacional brasileiro. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1933, pp.
134-135.
109
Segundo Adalberto Marson, Alberto Torres estava preocupado com os rumos tomados na política
internacional, principalmente com as práticas imperialistas que culminaram na Primeira Grande Guerra. “O
reformador nacionalista monta um engenhoso sistema de controle das mudanças, se necessário com a
paralisação do processo que levava à anti-Nação. A ocupação de um espaço autônomo na ordem internacional
do imperialismo exigia a fundação de um novo ciclo orgânico, que seria, na sua linguagem, o ciclo nacional,
construído mediante o aproveitamento do potencial interno e, só a título de colaboração, dos recursos
tradicionais (capital, imigrantes, comércio) do exterior”. MARSON, Adalberto. A ideologia nacionalista em
Alberto Torres. São Paulo: Duas cidades, 1979, p. 198.
110
SALGADO, Plínio. A quarta humanidade, op. cit., p. 75. Vide: TORRES, Alberto. A organização
Nacional. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1933, p. 60. Nesta mesma página, antes do recorte feito
por Salgado, o intelectual fluminense destacava o ambiente nacional como um dos mais propícios para a
prosperidade do homem: “O Brasil é (…) um dos países que apresentam mais sólidos elementos de
prosperidade e mostram condições para um mais nobre e brilhante destino”.
74
Como atestam o estudo de Ricardo Benzaquen Araújo e a leitura de Psicologia da
Revolução e A Quarta Humanidade, de Plínio Salgado, o líder integralista seguia de perto
Alberto Torres na interpretação de nosso meio físico e da adaptação da raça brasileira ao
ambiente tropical. Isso porque Salgado, a exemplo de Torres, acreditava nas virtudes das
diferentes raças que, segundo ele, compunham o perfil do brasileiro de sua época.
111
Segundo Salgado, a sociedade brasileira havia criado laços determinados pelo
espiritualismo que propiciaram o desmanche de diferenças substanciais entre os homens.
Além disso, seguindo a idéia de que a composição de nosso povo se daria pela união da
raça indígena, negra e branca, Salgado explicava que, num futuro próximo, essa mistura
extinguiria as desigualdades sociais pela formação do caboclo, resultado final do processo
de cruzamento entre as diferentes raças.
Da mesma forma que o meio físico não era um obstáculo para os latinos e,
conseqüentemente, para os brasileiros, Alberto Torres, escrevia a favor da raça negra e
índia em O problema nacional brasileiro:
(…) temos verificado em cinco séculos de vida, que as diversas
variedades humanas, habitantes de nosso solo, são capazes de
atingir o mais alto grau de aperfeiçoamento moral e intelectual
alcançado por qualquer outra raça (…) Podemos afirmar que o
negro puro e o índio puro são suscetíveis de se elevarem à mais alta
cultura.
112
Essa postura de crença no desenvolvimento e prosperidade das raças não arianas em
solo brasileiro era um dos elementos mais admirados por Salgado no pensamento de Torres.
Tanto que o líder integralista deu uma ênfase especial a esse aspecto na pequena biografia
dedicada a Torres no livro Nosso Brasil:
(…) O que torna Alberto Torres digno da gratidão de todos os seus
patrícios é a atitude que ele assumiu de reação contra certas teorias,
que os inimigos do Brasil faziam circular, de que o nosso povo era
inferior aos outros. Grande parte dos intelectuais brasileiros
criminosamente adotou essas teorias, escravizando-se aos
preconceitos raciais dos que nos amesquinhavam. Alberto Torres,
em estudos irrefutáveis, eleva a nossa gente e prova que as
instituições, isto é, as leis é que deviam ser modificadas, pois o
111
“Nós somos um povo que começou a existir desde a morte de todos os preconceitos, quando as três raças
se fundiram, irmanadas, no exército selvagem de negros, de índios e de brancos (…) Então, a meiga
ingenuidade do índio, raça infantil em permanente comunhão cósmica, raça constituída de homens árvores,
virginais nas suas impressões e nos seus raciocínios porque vinham agora mesmo da terra, misturava-se à
onda negra trazida das florestas da África no bojo dos navios, para reiniciar o diálogo de Cham com seus
irmãos, interrompido na Ásia, depois do dilúvio. E o branco arremedou de si todos os preconceitos para
abraçar seus irmãos”. SALGADO, Plínio, Idem, p. 140-141.
112
TORRES, Alberto. O problema nacional brasileiro, op. cit., p. 142.
75
nosso Povo digno, inteligente, trabalhador é capaz como nenhum
outro.
113
As teorias às quais Salgado se refere eram aquelas adaptadas de teóricos europeus
que empreenderam seus estudos a partir do que foi chamado de “darwinismo social” e que
identificaram o maior ou o menor potencial de desenvolvimento de um povo ligado ao grau
de adaptação ao meio e condicionado, especialmente, pela virtude da raça.
114
De qualquer
forma, identificamos mais um elemento ligado ao nacionalismo de Torres, exemplificado
na valorização das raças brasileiras, pois, assim como Salgado, ele achava que, somados ao
branco, o índio e o negro estariam perfeitamente adaptados à terra, o que proporcionaria um
efeito positivo de rendimento de suas aptidões pessoais. A mistura das raças também era
vista com simpatia e qualificada como benéfica por Torres. Dessa forma, o intelectual
fluminense destacava que nossa raça mestiça não perdia em termos de virtudes pessoais
para a raça ariana. Sendo assim, o que se deveria preservar eram as relações de
solidariedade entre as raças para não se gerar a desigualdade social:
Nas sociedades mistas de varias raças, a solidariedade política,
jurídica e econômica envolve o interesse atual e futuro de todas as
raças num mesmo interesse e num mesmo compromisso de apoio
mútuo (…) Admitir uma desigualdade social entre as raças,
importa decretar a guerra entre elas, pois que a subordinação não é
mais possível.
115
Assim, Torres tinha uma clara idéia sobre a desigualdade baseada em teorias
deterministas: a imposição de uma raça em relação à outra com a justificativa de uma
suposta superioridade não poderia ser consentida, senão pela guerra. Era mais um
argumento a favor da unidade do território e contra o imperialismo das grandes nações. Em
função de se voltar contra os interesses estrangeiros, a favor das raças não arianas, Torres
acabou dando grande ênfase para a idéia de o país concentrar suas atenções nas riquezas
internas, como as geradas a partir do cultivo da terra. Segundo ele, a terra era a fonte do
desenvolvimento social, principalmente em relação à subsistência e à prosperidade do
113
SALGADO, Plínio. Nosso Brasil, op. cit., pp. 123-124.
114
As teorias cientificistas que penetraram nos círculos culturais do país na passagem do século XIX para o
século XX tinham uma raiz comum no evolucionismo de Charles Darwin, associadas a um ideal positivista
que se tornou dominante no Brasil. Do evolucionismo europeu herdaram-se as teorias que priorizavam a
análise do determinismo do meio e da raça. Gobineau, amigo pessoal de D. Pedro II e destacado ensaísta que
escrevia sobre as desigualdades das raças humanas, foi um dos autores estrangeiros que encontrou bastante
receptividade em nossos meios intelectuais. Autores brasileiros, adeptos da teoria a respeito da desigualdade
entre as raças, como Sílvio Romero (1851-1914) e Nina Rodrigues (1862-1906), atribuíam, ao negro e ao
índio, estereótipos comportamentais que serviram para a legitimação da dominação da raça branca em relação
às raças não-brancas no Brasil. Maiores detalhes, vide: BOSI, Alfredo. História concisa da literatura
brasileira. São Paulo: Cultrix, 1982.
115
TORRES, Alberto. A organização nacional, op. cit., p. 147.
76
homem. Esse dado foi apontado também por Lucia Lippi de Oliveira que ressaltou o papel
de Alberto Torres “como formulador de um pensamento agrarista no Brasil”.
116
A questão da terra é bastante enfatizada por Torres em A Organização Nacional,
pois o autor estava preocupado em convencer os leitores da fecundidade do solo e das
condições propícias do meio para o desenvolvimento social. Segundo Torres, a terra
poderia suprir tudo aquilo de que o brasileiro careceria para viver.
117
O autor, guiado pela
certeza de que o desenvolvimento de um povo passava, necessariamente, pela construção
da nação, recomendava uma política de conscientização nacional que, entre outras coisas,
deveria preconizar o reconhecimento dos recursos naturais brasileiros. Nesse viés, Alberto
Torres identificava a pobreza e a falta de recursos como um problema político,
diagnosticado pelo desconhecimento e não aproveitamento dos potenciais nacionais, tanto
físicos como humanos.
A exemplo de Torres, Plínio Salgado também destacava o ambiente natural como
uma fonte de riquezas ainda inexploradas. Segundo o líder integralista, o produto agrário
teria um valor mais substantivo frente ao produto industrial num futuro próximo.
118
É o
raciocínio trazido de suas reflexões a respeito da obra de Euclides da Cunha, de que o
homem inocente, geralmente o caboclo, que tinha apenas a terra como sustento, não era o
homem corruptível das grandes cidades.
119
A idéia de voltar a atenção para o sertão em vez
do litoral é o mais forte indício dessa perspectiva. Tal idéia estava relacionada, assim como
em Torres, com a busca de unidade nacional, de encontrar uma solução para as
desigualdades sociais.
120
116
“Entendemos por agrarismo a formulação que exalta a agricultura como a ‘verdadeira essência’ da
sociedade brasileira e que vê a terra como o verdadeiro gerador das riquezas”. OLIVEIRA, Lúcia Lippi. A
questão nacional na Primeira República, op. cit., p. 123.
117
TORRES, Alberto. A organização nacional, op. cit., ver especialmente as páginas 149 a 210.
118
“Dentro das próprias leis da Economia Clássica, a predominância do produto agrário sobre os produtos
industriais vai ser uma fatalidade neste século. Uma fatalidade que virá do próprio progresso técnico. Eis
porque este novo século, ainda nisso se parece com os tempos primitivos das sociedades humanas: ele
retornará à grandeza da agricultura. Neste dia, que não está longe, os países de vastos latifúndios terão
hegemonia econômica. Não deve assaltar-nos a menor dúvida em afirmar, que antes do crepúsculo do século
XX, a América do Sul, e particularmente o Brasil, terão uma importância econômica decisiva no mundo”.
SALGADO, Plínio. A quarta humanidade, op. cit., p. 78.
119
A respeito das idéias estrangeiras que entravam no Brasil, Salgado tinha a convicção de que elas somente
tinham efeito nos homens do litoral: “A influência que sobre nós exerceu a cultura do século XIX e o
experimentalismo científico, longe de apagar os traços caracterizadores da nossa personalidade espiritual,
filtrou-se através das cátedras divulgadoras, abrindo imensas possibilidades ao nosso poder de pesquisas e ao
nosso gênio inventivo, sem abalar o alicerce de nossa índole moral. O materialismo grosseiro ficou, apenas,
no litoral, em alguns aspectos das grandes metrópoles”. SALGADO, Plínio, Idem, pp. 73-74.
120
Guiado por esses indícios, J. Chasin relacionou o integralismo de Plínio Salgado a uma espécie de
“regressividade no capitalismo”, justamente por negar os valores das grandes cidades e valorizar as riquezas
das terras do interior, visão muito criticada por diversos acadêmicos, contudo é um estudo que tem boas
77
3.3. A geração de 1930: os “discípulos” do pensamento torreano
Essa busca de unidade não preocupava apenas Salgado, mas a maioria dos
intelectuais que revisitaram o pensamento torreano na década de 1930. Tal elemento,
calcado na preocupação de construir uma “consciência nacional”, foi muito mencionado
como uma das principais virtudes de Torres por intelectuais como Tristão de Athayde,
Alcides Gentil, Cândido de Motta Filho, Sabóia Lima, entre outros.
121
É possível que tenha
emergido destes autores, cujas idéias foram muitas vezes intercambiáveis, a conexão entre
o pensamento de Torres e a situação política em que o Brasil se encontrava naquele
momento.
Como nos mostra Cruz Costa, reproduzindo o relato de Ronald de Carvalho, os
primeiros anos após a Revolução de 30 foram marcados pela conscientização, daquela
geração, dos problemas nacionais:
A nossa geração, com essa floração magnífica de escritores,
sociólogos, jornalistas, orientados todos no sentido da suprema
política de que depende a vida dos povos, é a geração que Alberto
Torres sonhou. Ela aí está e sabe que o Brasil reclama o
congraçamento de todos os contingentes humanos num grande
partido, cuja razão de ser não decorra da política vulgar mas do
estudo e da resolução dos problemas administrativos, econômicos,
financeiros e sociais, movimento este que reúna todas as forças da
nação.
122
O momento que o país atravessava, antes mesmo da chamada “Revolução de 30”,
na transição da década de 1920 para a de 1930, mas, principalmente no período de 1931 a
1933, propiciou a alguns indivíduos do grupo geracional de Salgado retomar esse
nacionalismo de Torres e torná-lo “o tema de uma geração”. Apesar de o nome de Torres já
ter sido citado nas obras de Oliveira Vianna, na década de 1920, foi em 1931, com o livro
Alberto Torres e o tema de nossa geração, de Cândido Motta Filho, que o intelectual
fluminense foi revisitado de maneira mais contundente.
Parte do conteúdo do livro, que se remete ao título, mostra claramente a idéia de que
uma geração nova estava surgindo naquela época, distinta das gerações anteriores, por ter
sido “sacrificada”, nas palavras do autor, com a expectativa frustrante dos primeiros tempos
reflexões a respeito do pensamento literário e político de Salgado: CHASIN, José. O Integralismo de Plínio
Salgado: forma de regressividade no capitalismo hiper-tardio, op. cit.
121
ATHAYDE, Tristão. Política. Rio de Janeiro: Edição da livraria católica, 1932; GENTIL, Alcides. As
idéias de Alberto Torres. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1932; MOTTA FILHO, Cândido. Alberto
Torres e tema de nossa geração. Rio de Janeiro: Schimidt, 1931.
122
CRUZ COSTA, João. Contribuição à história das idéias no Brasil. op. cit., pp. 396-397. Apud Geraldo
Silos, “Meia hora com Miguel Reale”, In: Cadernos da Hora Presente, junho de 1940, p. 158.
78
da República, não possuindo um caminho claro e seguro a ser trilhado a partir de então.
123
Assim como Salgado, Motta Filho mostrava uma descrença na política partidária e via a
possibilidade de retomada da consciência nacional através da ação da nova geração, a qual
estava determinada a acreditar em idéias novas em detrimento de um decadente idealismo
da classe política que estava no poder.
O livro de Motta Filho parece ter estimulado Salgado a se debruçar mais
intensamente sobre o intelectual fluminense, principalmente pelas evidências presentes em
suas notas políticas no jornal A razão, nas quais foram aparecendo mais sistematicamente o
perfil de Alberto Torres. Se as facetas políticas e literárias de Salgado, reunidas no texto de
Literatura e Política, foram escritas como um ensaio intelectual em que suas posições
ideológicas não estavam ainda visivelmente definidas, a atividade jornalística em A razão,
pelo contrário, se orientou em posicionamentos mais sólidos. Já se podia identificar com
maior articulação e precisão uma insistência no argumento a favor do nacionalismo
engajado, da moral baseada nos costumes familiares, além da total descrença em relação ao
sistema político vigente e ao liberalismo internacional. Dessa forma, o futuro líder da AIB
utilizou o jornal como um meio de divulgação para o advento do integralismo.
124
Observamos que o livro em questão - Alberto Torres e tema de nossa geração - é
prefaciado por Salgado, no qual ele confirma uma “harmonia de vistas”, provavelmente
substanciada por pontos de vista em comum em relação à admiração pela obra de Alberto
Torres e pelo “tema de sua geração”:
Meu caro Motta Filho (…), compreendo, entretanto, a significação
deste nosso encontro no limiar do volume em que V. estuda a obra
de Alberto Torres em face do tema que ora se propõe à mocidade
da nossa terra. É um ato público, consagrando uma harmonia de
vistas, que se vem acentuando com o tempo e através da amizade
fundada numa compreensão mútua e num objetivo comum.
125
O prefácio, escrito por Salgado, está datado no livro de Motta Filho em 7 de outubro
de 1931. Lendo suas notas políticas, em A razão, notamos que, imediatamente após a data
do prefácio, Plínio Salgado escreveu sucessivos textos expondo as idéias do intelectual
123
“A nossa geração passa por uma situação única na história do país e que a torna, sem dúvida, uma geração
sacrificada. Tivemos gerações construtoras e libertadoras. Todas elas convictas de sua missão. Umas
conduziram o Brasil à Independência. Outras fizeram movimentos políticos e literários. Os moços que, em 89
[1889], fizeram a república, estavam certos de que iam definitivamente salvar o Brasil.” MOTTA FILHO,
Cândido. Alberto Torres e tema de nossa geração, op. cit., p. 10.
124
TRINDADE, Hélgio. Integralismo: fascismo brasileiro na década de 30, op.cit., p. 88.
125
SALGADO, Plínio. Prefácio. In: MOTTA FILHO. Alberto Torres e o tema de nossa geração. Idem., p. I.
É importante lembrar que Cândido de Motta Filho participou, junto de Salgado, das correntes modernistas do
verde-amarelismo e da Anta.
79
fluminense nesse jornal. Embora tenha feito referência à obra de Alberto Torres em
algumas notas no início desta sua atividade jornalística, para justificar ou reforçar algumas
de suas idéias, a partir dessa data, no jornal, a referência tornou-se mais contundente,
expressando a relevância que mereceriam as obras do intelectual fluminense. Em sua
coluna do dia 13 de outubro, Plínio Salgado exibe o título: Uma página do mestre, e
escreve:
Em 1912, Alberto Torres, nosso grande gênio político, escrevia as
linhas seguintes, que cabem, admiravelmente, dentro desta “nota
política”, porque constituem a crítica dos dias que estamos agora
vivendo.
126
Essas quatro linhas são seguidas de uma ipsis literis de sessenta e oito linhas de uma
citação de Torres, que é finalizada com o comentário de Salgado: “Era assim que falava
Alberto Torres”. O texto retirado de O problema Nacional Brasileiro trata dos erros
cometidos na política governamental e aponta para possíveis soluções:
O caráter nacional, a formar, entre nós, não é o caráter dramático,
das obras de regeneração, nem um rijo caráter punitivo; mas um
caráter consciente e sereno, capaz da sinceridade de reconhecer,
sobre os espelhos das nossas flagrantes realidades, que não
sabíamos nada das coisas da nossa terra, que temos vivido a
pretender executar, sobre este solo único, um repertório de teorias
exóticas. Tendo caminhado para o oceano, precisamos regressar ao
centro: voamos abandonando a terra, que implorava os nossos
cuidados. Quisemos formar cabeças antes de possuir um corpo;
plantamos sementes importadas, e ainda não sabemos produzir
sementes; importamos e cultivamos frutos alheios, abandonando os
frutos do nosso clima.
127
Nesse dia, Salgado cedeu o espaço de sua coluna para o texto de Torres, fazendo
suas as palavras do intelectual fluminense. E, nesse trecho, observamos claramente que o
nacionalismo, representado na preocupação com os problemas nacionais, está unido à idéia
de se olhar para o interior do Brasil em vez de concentrar a atenção para o litoral. Uma
noção que era fundamental para Salgado e que explica a sua constante preocupação pelo
sertão, pelas regiões afastadas dos grandes centros. O nacionalismo, buscado por ele em
Alberto Torres, traduzia a psicologia de grande parte dos brasileiros como homens de
mentalidade rural, representada em uma pureza que não devia ser contaminada pelo contato
com os homens das grandes cidades.
Pouco mais de uma semana depois dessa última nota, em 22 de outubro, Salgado
voltou a citar ipsis literis outra passagem de O problema Nacional Brasileiro, a qual
126
Notas Políticas, A razão, São Paulo, 13 de outubro de 1931.
127
Idem, Apud TORRES, Alberto. O problema Nacional Brasileiro, op. cit., pp. 109-111.
80
ocupou todo o espaço de sua coluna no jornal. Dessa vez com o título de Os profetas da
Nação, Salgado apresentou Torres como um visionário, que previu todos os problemas
nacionais a que os brasileiros estariam condicionados no futuro.
128
O status do pensador
nacional passou de “mestre” a “profeta”, nas duas notas do jornal aqui mencionadas,
especialmente porque alguns escritos de Torres diziam exatamente o que Salgado gostaria
de opinar naquele momento a respeito da noção que se deveria ter de nacionalidade.
Nos dois meses seguintes, Salgado dedicou ainda mais duas colunas inteiras de seu
espaço no jornal ao pensador nacional. Uma em homenagem ao aniversário da República,
em 15 de novembro de 1931, com o título A inteligência brasileira e outra para relacionar o
estudo de Torres com o momento político vivenciado naqueles dias, quando ainda se
comemorava o primeiro ano da ascensão do novo governo, com o título A obra de Alberto
Torres, em 11 de dezembro de 1931.
No primeiro desses dois artigos, Plínio Salgado exaltava uma vez mais as virtudes
de Torres dizendo que “as palavras do mestre, possivelmente do único estadista e político
da nossa terra, que elaborou constantes reflexões sobre as realidades e as possibilidades
deste país, são palavras que merecem ser divulgadas, neste instante em que está se
formando uma nova mentalidade”.
129
No entanto, percebe-se a preocupação com algumas
ressalvas que deveriam ser feitas:
Alberto Torres é sempre oportuno. Mesmo quando muito de seus
alvitres hajam de ser hoje em dia refutados, ou considerados com
alguma reserva, ou restrição, o que se não pode negar é o alto valor
dos processos de suas apreciações e algumas afirmativas de ordem
geral, assim como de numerosas observações de caráter particular,
concernente ao problema brasileiro.
130
Parece que Salgado não estava preocupado em compreender o pensador nacional
dentro do tempo dele. Embora tenha dito que as premissas de Torres caberiam para aquele
momento político, ele considerou que algumas idéias deveriam ser estudadas com reservas.
E percebendo que outros intelectuais também estavam com o olhar atento para as obras de
Alberto Torres, Salgado alertou, em sua coluna de 11 de dezembro, para o seguinte:
Registra-se atualmente, nos meios intelectuais e entre os políticos
verdadeiramente interessados na grande tarefa da reconstrução do
país, um movimento de bom senso digno de atenção. A obra de
Alberto Torres está sendo estudada, está sendo meditada. As idéias
128
Notas Políticas, A razão, São Paulo, 22 de outubro de 1931. Em sua coluna, nesse dia, Salgado novamente,
retirou um trecho de O problema nacional brasileiro de, aproximadamente, duas páginas: TORRES, Alberto.
O Problema Nacional Brasileiro, op. cit., pp. 175-177.
129
Notas Políticas, A razão, São Paulo, 15 de novembro de 1931.
130
Ibidem.
81
gerais do grande pensador da República estão sendo apreciadas e
pesadas. E, possivelmente, elas irão influir poderosamente nos
nossos destinos. Quando dizemos que a obra do autor da
“Organização Nacional” e do “Problema Nacional” vai ganhando
terreno, evidentemente não nos referimos ao que já tem sido feito
por duas ou três dezenas de estudiosos da presente geração, mas à
marcha acelerada, à rápida carreira que o pensamento de Alberto
vem fazendo, da revolução de outubro para cá, empolgando os
espíritos sinceros, na hora da confusão geral. Agora, os estudiosos,
os sinceros, os verdadeiros patriotas se voltam para o estudo da
obra de Alberto Torres. E isso é um sinal de bom senso. Cumpre,
entretanto, evitar os erros dos entusiasmos demasiados.
131
Essa cautela frente ao entusiasmo pelos estudos feitos nas obras de Torres encontra
semelhante posição no livro que prefaciou para Motta Filho. O autor desse livro,
posicionando-se próximo à opinião de Salgado, afirmava:
[Alberto Torres] nem sempre acertou. Lidando com um material
ingrato e de difícil manejo, e vivendo ainda num tempo em que o
conceito montesquieuneano do Estado imperava, e em que
florescia um certo entusiasmo pelo liberalismo, e não tendo essa
espantosa oportunidade que a civilização ofereceu, após guerra,
Alberto Torres contaminou-se de certos prejuízos e propugnou por
certas idéias impraticáveis.
132
Salgado, provavelmente concordando com essa opinião de Motta Filho, acharia que
as idéias de Torres deveriam ser estudadas com cuidado, pois a reforma proposta por ele
nas obras de 1914 destacava a organização nacional dentro da ordem liberal, sem dúvida,
um elemento que era dispensado por Plínio Salgado em todos os seus escritos. Além disso,
a passagem mostra que Plínio Salgado esteve preocupado com essa retomada súbita das
obras do intelectual fluminense, talvez pelo perigo que ofereceria caso os textos de Torres
fossem interpretados de maneira distinta daquela que ele gostaria.
Nesse sentido, é peculiar o que nos conta Barbosa Lima Sobrinho a respeito da
constituição da Sociedade dos Amigos de Alberto Torres. A sociedade foi fundada em 10 de
novembro de 1932 no Rio de Janeiro. Entre seus fundadores estavam Oliveira Vianna,
Alcides Gentil, Sabóia Lima, Carlos Pontes, Porfírio Neto e Mendonça Pinto. Parte das
atividades dessa sociedade era destinada aos estudos e divulgação da obra de Alberto
Torres, fato que instigou a atenção dos integralistas:
Desencadeado o movimento integralista, que baseava seu
nacionalismo na imitação do estrangeiro, adotando fórmulas e
idéias vitoriosas na Itália e na Alemanha, Plínio Salgado imaginou
uma espécie de fusão entre o partido que criara ou dirigia e a
Sociedade dos Amigos de Alberto Torres. Tentou infiltrar-se na
131
Notas Políticas, A razão, São Paulo, 11 de dezembro de 1931.
132
MOTTA FILHO, Cândido. Alberto Torres e tema de nossa geração, op. cit., p. 161.
82
Sociedade de todos os modos. Deve ter intensificado esse trabalho
no período que correspondeu à presidência de Rafael Xavier, na
Sociedade dos Amigos de Alberto Torres, de 1935 a 1936, em que
o integralismo obteve uma ascensão, de que Getúlio Vargas se iria
servir, para chegar ao 10 de novembro.
133
Segundo Lima Sobrinho, essa informação foi dada a ele por Rafael Xavier, que
percebeu a tentativa de infiltração integralista. No entanto, acreditamos que os integralistas
não eram impedidos de freqüentá-la. O próprio Lima Sobrinho citou Plínio Salgado como
um dos diversos palestrantes que colaboraram com as atividades da Sociedade.
Não temos maiores informações a respeito da Sociedade dos Amigos de Alberto
Torres, mas pelo que sabemos, tentou desempenhar o papel de divulgadora da obra de
Torres e de suas principais preocupações em relação aos problemas econômicos e sociais
brasileiros. Isso se daria por meio de seus “discípulos”, os quais realizavam conferências,
promoviam estudos e, ao mesmo tempo, com os recursos que mantinham a Sociedade,
patrocinavam publicações, tudo com o objetivo de despertar a consciência de todos para os
problemas brasileiros detectados por Alberto Torres.
134
Dos relatos de época, Sabóia Lima nos dá uma idéia da extensão das atividades da
Sociedade:
A Sociedade já realizou um curso para professores de Escolas
Regionais (…). A Sociedade promoveu comemorações em todo o
Brasil do nome de Saturnino de Brito (…) Recentemente realizou
na Bahia com êxito o 1
o
Congresso de Ensino Rural. Tem
promovido a criação de centenas de clubes agrícolas e reduzido as
semanas ruralistas. Procurando irradiar a sua ação de norte a sul do
país, a Sociedade dos Amigos de Alberto Torres vem patrocinando
a criação de núcleos estaduais. Estes focos de difusão foram logo
surgindo: em Minas Gerais, Espírito Santo, Estado do Rio
(Campos), Bahia, Pernambuco, Goiás e recentemente São Paulo.
135
Vemos que a Sociedade, de acordo com Sabóia Lima, tentava interagir no meio
social através de congressos, comemorações e eventos diversos. Além disso, ela não
limitava sua área de atuação ao Rio de Janeiro, mas procurava expandir-se para outros
estados. Parece uma organização relevante de ser estudada. É uma pena não dispormos de
fontes para compreendê-la mais a fundo. Os relatos a respeito dessa Sociedade também
podem ser imprecisos, especialmente se levarmos em consideração o discurso ideológico e
o exagero de possível grandiloqüência em relação às atividades desempenhadas por ela.
133
SOBRINHO, Barbosa Lima. Presença de Alberto Torres: Sua vida e pensamento. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 1968, p. 513.
134
SABÓIA LIMA, A. Alberto Torres e sua obra. São Paulo: Editora Nacional, 1935, p. 312.
135
. Idem, p. 314.
83
Além disso, as “denúncias” de Barbosa Lima Sobrinho em relação aos grupos que,
porventura, tenham participado das atividades da Sociedade, como os integralistas, por
exemplo, e tenham gerado um “incômodo” a certos indivíduos que não desejavam o
envolvimento da organização em atividades políticas, devem também ser considerados com
reserva.
136
Assim, devemos ter em conta que o ponto de vista de Sobrinho é o de um
adversário dos camisas-verdes, já que ele mesmo deixa clara a depreciação em relação ao
movimento.
137
Pode ter acontecido também uma conscientização por parte de Salgado em relação
ao momento propício para a discussão do pensamento de Alberto Torres, mais no sentido
de intercâmbio de idéias do que tentar dirigir a Sociedade. De qualquer forma, não temos
muitos relatos sobre o funcionamento da mesma em seus primeiros anos, mas, mesmo
assim, é provável que muitos dos seus freqüentadores também tenham circulado nas sessões
de estudos da SEP ou da própria AIB.
Exemplo disso foi Oliveira Vianna, intelectual que foi um dos fundadores e
freqüentadores da Sociedade dos Amigos de Alberto Torres e, ao mesmo tempo, manteve
relações com os integralistas, por sinal, outro autor mencionado por Plínio Salgado como
uma referência para o seu pensamento. Vianna, assim como Alberto Torres, era natural do
Rio de Janeiro. Quando jovem, mantinha boas relações de amizade com Torres e foi um dos
primeiros a declarar-se seu discípulo. Além disso, foi o primeiro intelectual a citar
sistematicamente as obras de Alberto Torres na década de 1920. Assim como outros
intelectuais interessados na Sociedade dos Amigos de Alberto Torres, participou
intensamente de suas atividades.
O periódico oficial da AIB, o jornal O monitor integralista, que circulou
nacionalmente entre 1934 e 1937, mostrava Oliveira Vianna como assíduo colaborador do
núcleo integralista no Rio Janeiro. No espaço do periódico reservado à divulgação das
“províncias integralistas” constava o nome de Vianna como membro do Departamento de
136
Sabóia Lima ainda acrescenta, em carta enviada ao recém criado núcleo mineiro da Sociedade, que o grupo
reunido em torno das idéias de Torres, apresentadas em O Problema Nacional e A organização Nacional,
nunca imaginaria “fazer dessa obra a rígida moldura, onde se enquadrassem as convicções em sistema
fechado a novas pesquisas ou novos conceitos, mesmo porque, sendo espíritos militantes, eram espíritos
independentes, associados em torno de um nome e de um ideal sem prejuízos ortodoxos (…). Não foi um
círculo inviolável, traçado pelo dogmatismo, o que se gerou da nossa ideação, mas uma escola nacionalista, a
escola da vontade enérgica e do pensamento afinido, na qual os amigos intelectuais de Alberto Torres
examinam, debatem, verificam os princípios e as conclusões dos seus estudos para divulgar os que ressaltam,
como imperativos de brasilidade ou signos orientadores, através da ordem natural e da ordem social tendendo
à conservação da terra e à educação do homem”. Idem, p. 315.
137
SOBRINHO, Barbosa Lima. Presença de Alberto Torres: Sua vida e pensamento, op. cit., p. 513.
84
Estudos da Ação Integralista Brasileira no Estado do Rio.
138
Da mesma forma, o nome do
intelectual estava relacionado na primeira lista da comissão que iria para o primeiro
congresso integralista em Vitória-ES.
139
Além disso, ele foi um dos pensadores brasileiros mais citados pelos integralistas,
talvez o intelectual “vivo” mais citado, representando uma simpatia mútua, que
determinava uma cumplicidade de ambos os lados. Tanto isso é patente que os textos de
Vianna eram publicados em periódicos da AIB e, nos mesmos, por vezes, apareciam
elogios do intelectual à produção material dos camisas-verdes.
140
Em função disso, esses
dados evidenciam um flerte, na época, entre Oliveira Vianna e os integralistas. A obra de
Torres, nesse sentido, pode ter servido como um elo de ligação entre os adeptos da doutrina
do sigma e os demais interessados nas obras do intelectual fluminense.
Os intelectuais da geração de Salgado que se dedicaram ao estudo da obra de Torres,
como dissemos, constituíam um grupo heterogêneo. Oliveira Vianna, por exemplo, apesar
de se dizer discípulo de Alberto Torres, apresentava divergências significativas em relação
às idéias de seu mestre. Torres acreditava que havia potencial na raça cabocla brasileira,
que era tão capaz quanto qualquer outra.
141
Já Vianna acreditava que a miscigenação faria
com que o peso das raças inferiores diminuísse e que essa medida seria uma das soluções
para os problemas nacionais, muitos dos quais figuravam não apenas num determinismo
racial como geográfico.
142
Esse aspecto, da valorização do meio e da raça, era um elemento
mencionado por Salgado como sendo uma virtude do pensamento de Torres, idéia que o
afastava de Oliveira Vianna.
138
“Províncias Integralistas, Estado do Rio: Chefe Provincial: Dr. Thiers Martins Moreira; Secretário Geral:
Dr. Alberto Lamêgo Filho; Tesoureiro Geral: Dr. Ataliba Lepage; Departamento de Estudos:
Dr. Oliveira
Vianna, Dr. Leopoldino Alcântara, Dr. Alberto Lamêgo, Dr. Belfort Vieira e Cap. Castro Afilhado”. Monitor
Integralista, dezembro de 1933, n
o
2.
139
Com o título de “Grande comissão do Congresso da AIB”, Salgado convocava os nomes que dela fariam
parte: “A Grande Comissão, que nesta data nomeei, encarregada de promover, organizar, orientar e ordenar
os trabalhos do Congresso, é constituída de companheiros nossos residentes no Distrito Federal, Niterói e
Vitória (…) Escolhi para a Grande Comissão os srs. Dr. Gustavo Barroso, Dr. Madeira de Freitas, Sr. Sérgio
Silva, Dr. Everardo Leite, sr. Arnaldo Magalhães, Dr. T. Martins Moreira, Dr. Rodolfo Jovetti, Capitão
Jeovah Motta, Tenente Severino Sombra, Cap. A. Ribeiro do Valle, Dr. Lacerda Nogueira, Dr. Ataliba
Lepage, Dr. Alberto Lamêgo F., Dr. Lealdino Alcântara, Dr. San Tiago Dantas, Dr. C. de Miranda, Dr.
Carvalho Cardoso, Dr. Ribeiro Conto,
Dr. Oliveira Vianna, Dr. Manuel Ferreira”. Monitor Integralista,
dezembro de 1933, n
o
2.
140
Exemplo disso foi o elogio de Oliveira Vianna à revista integralista Panorama, publicado na mesma
revista: “...bela revista, que consegue conter tanta coisa em tão pequeno volume”. Panorama, n
o
7, ano I,
julho de 1936.
141
TORRES, Alberto. O problema nacional brasileiro, op. cit., especialmente o capítulo “Em prol das nossas
raças”, pp. 115-171.
142
Ver: VIANNA, Oliveira. Raça e Assimilação. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1934.
85
Tanto Torres como Vianna defendiam a prerrogativa de um poder coordenador e a
vigência de uma hierarquia estatal. Aproximaram-se também na crítica, feita por ambos,
aos interesses estaduais que se sobrepunham aos interesses gerais do País, o que
evidenciaria uma inexistência de unidade nacional. Alberto Torres discordava do texto da
Constituição de 1891 e, por isso, culpava a ortodoxia democrática e as falhas do sufrágio
universal, mas não os condenava completamente. Assim, tentava unir a prerrogativa do
sufrágio universal com a utilização do corporativismo para a escolha das funções políticas.
Já Oliveira Vianna discordava e mesmo criticava Torres por ele ter posto o sufrágio em seu
projeto de Constituição.
Por esse mesmo caminho, Tristão de Athayde, ou Alceu de Amoroso Lima, como
era seu verdadeiro nome, também destacava alguns elementos negativos em Alberto Torres:
Nenhum sociólogo pátrio goza hoje de maior prestígio do que ele
(…). Creio portanto, que a indicação de alguns pontos essenciais da
obra de Alberto Torres, em confronto com a posição doutrinária
que penso devermos assumir em face do problema da
nacionalidade, será mais útil ao estudo da estrutura política do
Brasil, do que a apresentação direta de qualquer programa de
reconstrução (…). Não vou fazer aqui nenhum estudo direto da
obra de Alberto Torres. Desejo tomá-la apenas como alvo de
referência, para melhor ressaltar os nossos pontos de contato e os
de dissídio.
143
Athayde, como pensador preocupado em unir a política aos postulados espirituais
católicos, era contrário à idéia de separação entre Estado e religião. Além disso, segundo o
pensador católico, apesar de Alberto Torres propor uma organização estatal forte, elogiada
por Tristão de Athayde, o intelectual fluminense repudiava o passado, apresentando a pátria
como um elemento de presente e de futuro. Isso ia contra o modelo de nacionalidade de
Athayde que idealizava uma pátria que prezasse as tradições. Nesse sentido, esse
argumento de Torres deveria ser abandonado, pois, segundo o intelectual católico, ao se
seguir aquela premissa, “a pátria, em vez de ser a terra de nossos pais e de nossos filhos,
passa a ser apenas a destes últimos”.
144
Vimos que a apropriação da idéia de pátria por Salgado, tomando a referência de
Torres, foi distinta da de Athayde. Apesar de Salgado também considerar importante o
elemento espiritual no que ele chamava o “conceito integral de nacionalidade”, ele
percebeu apenas a concepção de “nacionalismo prático”, como já havíamos mencionado.
143
ATHAYDE, Tristão. Política, op. cit., pp. 179-180.
144
Idem, p. 182.
86
Talvez um dos poucos dessa geração de 1930 que retomou Torres e que não
enumerou exceções ou reservas ao seu pensamento foi Alcides Gentil. O autor preferiu
elaborar um livro das idéias de Torres organizado com as principais temáticas abordadas
pelo intelectual fluminense. Gentil escreveu que teve predileção por uma obra nesses
moldes a elaborar um estudo crítico. E Oliveira Vianna descrevia o autor como sendo um
dos poucos que se mantiveram fiéis aos postulados de Alberto Torres:
Dos discípulos de Torres ele é o que mais de perto conviveu com o
mestre, na sua intimidade de filósofo e de evangelista, aquele que
mais completamente lhe assimilou o pensamento, mais perfeita e
integralmente se conservou fiel ao espírito da sua filosofia social e
política. Todos os outros se desviaram; menos Gentil, que ficou
sendo o ortodoxo do grupo.
145
Tirando uma ou outra exceção, como Alcides Gentil, e observando algumas
características apresentadas por alguns intelectuais dessa geração de Salgado podemos
notar que, além de sua heterogeneidade, eles faziam ressalvas às obras de Alberto Torres.
Essas ressalvas podem estar ligadas ao que Sirinelli chamou de memória ideológica de uma
geração, o que vai ao encontro de nossa proposta de estudo a respeito da apropriação de
idéias: “Ela [a memória ideológica de uma geração] é adquirida e não formada de maneira
natural, pois mais do que uma transmissão, há uma transmutação sob formas complexas e
que podem variar da herança ideológica transmitida pela geração precedente”.
146
Portanto, apesar de Torres ter representado uma importante referência para Salgado,
depois de uma análise inicial, é possível identificar pontos de distanciamento entre ambos.
Não só há diferenças identificáveis entre Salgado e Torres, como há diferenças entre o
pensamento torreano e o pensamento dos homens pertencentes à geração de Salgado que
retomaram suas idéias. Esse pode ser um sinal e uma característica dessa geração. Um
elemento a mais a ser considerado em nossa análise.
3.4. Os estudos recentes: Incompatibilidade entre os pensamentos de Salgado e Torres
De qualquer forma, voltemos para as interpretações particulares que o líder
integralista dava ao pensamento torreano. Barbosa Lima Sobrinho, em sua obra dedicada à
145
VIANNA, Oliveira. Prefácio. In: GENTIL, Alcides. As idéias de Alberto Torres. São Paulo: Companhia
Editora Nacional, 1932, p. VI.
146
“Elle est acquise et non innée puisque, plus que transmission, il y a transmutation, sous des formes
complexes et qui peuvent varier, de l’héritage idéologique transmis par la generation précédente.”
SIRINELLI, Jean-François. Génération et histoire politique. In: Vingtième siècle: revue d’histoire, n. 22,
avril-juin 1989, p. 72.
87
biografia, ao pensamento e à repercussão das obras de Alberto Torres, atenta também para
esse cuidado:
Se não foi ainda maior sua influência, ou a repercussão de suas
palavras [de Alberto Torres], há que considerar uma circunstância
relevante: a confusão que se procurou estabelecer entre suas teses e
algumas ideologias que foram surgindo, à margem das crises
mundiais. A confusão com o integralismo, por exemplo.
147
Nessa mesma perspectiva, de atentar para o cuidado de não confundir as idéias de
Torres com as idéias integralistas, Teotônio Simões, em Repensando Alberto Torres,
afirmou o seguinte:
É verdade que o próprio Plínio Salgado seguidamente mostrou sua
admiração pela obra torreana, como diz em prefácio a livro de
Cândido Motta Filho. Mas concluir daí que tivesse ido buscar em
Torres o ideário integralista é simplificar demasiadamente a gênese
das idéias, a própria história. É o mesmo que aconteceu com a
crítica socialista ao liberalismo, que influenciou o próprio
fascismo, mas nem por isso lhe deu origem. Melhor seria dizer que
o fascismo utilizou politicamente [grifo do autor] a crítica
socialista.
148
No mesmo livro, Teotônio Simões comenta sobre uma preocupação, anterior a dele
e a de Barbosa Lima Sobrinho, do filósofo Cruz Costa, o qual apontou também suas
impressões sobre as relações entre as idéias de Torres e dos integralistas. Assim, o filósofo,
de acordo com os autores anteriores, afirmava:
Alberto Torres teria assim encontrado o grupo integralista que, por
volta de 1932 a 1937, imitou, no Brasil, as atitudes fascistas e
nazistas, com o apoio da política de Mussolini e de Hitler e a
benevolência do Presidente Getúlio Vargas, que se aproveitaria da
conivência ou ingenuidade daquele grupo para dar o golpe de
estado de 10 de novembro de 1937. Embora Alberto Torres tenha
sido citado algumas vezes pelos integralistas (Miguel Reale, O
Estado Moderno, pgs. 9, 176 e 240) o movimento que pretendeu,
sem sucesso, empolgar o poder em 1937, servindo-se dele, sofreu
mais a influência das idéias políticas dos movimentos de direita
então em ascensão na Europa do que propriamente do pensador
brasileiro.
149
Indo ao encontro do pensamento desses autores, Loiva Otero Félix, também
concorda que devemos diferir os pensamentos torreano e integralista, enfatizando a
necessidade de um estudo mais sistemático que aponte essas diferenças:
As relações entre o pensamento de Alberto Torres e o integralismo
ainda é (sic) uma questão a ser estudada mais sistematicamente,
porque, embora os teóricos integralistas refiram-se freqüentemente
147
SOBRINHO, Barbosa Lima, op. cit., p. 512.
148
SIMÕES, Teotônio. Repensando Alberto Torres. São Paulo: Ed. Semente, 1981, p.80.
149
CRUZ COSTA, João. Contribuição à História das idéias no Brasil, op. cit., p. 397.
88
ao pensamento de Alberto Torres, parece que não pode se
estabelecer uma conexão direta entre os dois pensamentos.
150
A posição desses estudiosos em relação às aproximações das idéias de Torres com
as de Salgado é cautelosa. Tanto Barbosa Lima Sobrinho quanto Teotônio Simões insistem
em afastar a possibilidade de confluência entre o pensamento de Alberto Torres e a doutrina
integralista. Ambos se referem ao integralismo como um movimento congênere ao
fascismo europeu e que as idéias de Torres nada tinham de ver com as idéias fascistas. O
estudo de Cruz Costa aponta também para essa interpretação, acrescentando que foram os
movimentos de direita, em ascensão na Europa, em meados da década de 1930, as
principais referências do integralismo, dando uma importância secundária para o intelectual
fluminense.
Tais autores estão corretos quanto à preocupação com o caráter fascista da AIB. No
entanto, já mencionamos que os principais ideólogos integralistas apresentavam pontos de
vista distintos em relação às suas posições políticas. Plínio Salgado, por exemplo, o
principal dirigente dos camisas-verdes, teve uma referência muito significativa dos
intelectuais brasileiros referidos neste trabalho, um fato que exige uma preocupação de
pesquisa mais atenta e que tem de levar em conta elementos que vão além da referência
fascista. O correto seria considerar também a faceta do argumento nacional caracterizado
no discurso integralista.
Diante disso, discordamos da posição de Teotônio Simões que afirma não haver a
referência do pensamento torreano na gênese da doutrina integralista. Acreditamos que ela
claramente existe, pelo menos nas idéias de Plínio Salgado. Nesse sentido, reafirmamos que
a melhor maneira de analisar essa referência é por meio da noção de apropriação.
Dessa forma, estamos atentos para perceber que no trabalho de interpretação dos
escritos intelectuais é importante tentar captar quais as propostas escondidas no texto dos
autores. Deve-se ler o texto como um produto histórico, buscando-se, dessa forma, procurar
a explicação do motivo pelo qual um texto assume a forma que assumiu. Como afirmam
Teotônio Simões e Barbosa Lima Sobrinho, a simples menção das idéias de Alberto Torres
por Plínio Salgado não significa que seus pensamentos tiveram em todos os pontos traços
em comum. No entanto, não podemos negar que essa referência existiu. O que temos de
fazer é verificar mais atentamente como o pensamento de Alberto Torres difere do
pensamento de Plínio Salgado.
150
FÉLIX, Loiva Otero. O modelo político de Alberto Torres. Porto Alegre: UFRGS, 1977, p. 82, Dissertação
89
Nesse sentido, indo diretamente às fontes para verificar o que o líder dos camisas-
verdes tem a dizer sobre o pensamento torreano, encontramos no livro Despertemos a
nação, de Plínio Salgado, de 1935, este trecho interessante em que o próprio Salgado
comenta o conjunto das obras do pensador fluminense:
Alberto Torres é nosso contemporâneo. Precisamos rever e anotar a
sua obra. Escoima-la do que já hoje perdeu oportunidade; limpá-la
do pecado da unilateralidade com que ele considera certos aspectos
dos problemas nacionais; perdoar-lhe algum excesso; retificá-lo no
que a experiência rude do mundo contemporâneo o está exigindo;
pô-la, enfim, em dia com o problema universal que Torres, aliás,
encarou com segurança em seus livros Le Problème Mondial e
Vers la Paix. Os trabalhos do autor de A Organização Nacional
valem, sobretudo, como processo, como orientação geral, como
método. É a antecipação do conceito integral de Nacionalidade que
serve hoje de base ao nacionalismo alemão, ao italiano, ao
português. É a profecia sobre o drama pelo qual passa a autoridade
do Estado democrático, entre os dois perigos iminentes: o do
estatismo absoluto e o do liberalismo depauperante, aniquilador.
Esse interesse que se observa hoje em dia pelo notável pensador
brasileiro, é um bom sintoma. Parece que o Brasil está despertando
do letargo liberal em que se conservava sob a ação narcótica do
embevecimento geográfico.
151
O líder integralista argumentou sobre a relevância da obra de Torres, na qual estaria
inserido o princípio do “conceito integral de nacionalidade”. No entanto, o próprio Plínio
Salgado admitia querer “escoimar” algumas das idéias do pensamento torreano. O fato de
ele querer “corrigir” e “perdoar-lhe os excessos” já indica, por si só, uma independência do
pensamento de Salgado em relação ao pensamento de Torres. Quando ele se refere aos
“prejuízos do tempo”, mostrando que, em alguns pontos, Torres está desatualizado, o líder
integralista evidencia as divergências de opinião, balizado pelos problemas de sua época,
fontes de preocupação de sua geração. Além disso, o “pecado da unilateralidade” indica que
havia a necessidade de somar outras questões aos dados levantados pelo intelectual
fluminense. Temos então de questionar, de acordo com a referência anterior de Salgado, o
que teria perdido de atualidade no ideário de Torres? Quais seriam os excessos e os erros
que o líder integralista identificou, os quais teriam de ser retificados?
Até agora, comparando os pensamentos de Alberto Torres e do líder integralista,
encontramos as diferenças quanto ao regime liberal, o qual era insustentável para Salgado, e
mostrando essa discordância de pontos de vista, tanto os intérpretes da geração de Salgado
quanto os recentes estudiosos sobre o intelectual fluminense afirmam que Torres não
(Mestrado em Ciência Política).
151
SALGADO, Plínio. Despertemos a nação, op. cit., p. 13.
90
pretendia derrubar o regime liberal. No que se refere às suas reflexões sobre o liberalismo,
apenas admitia que o mesmo estava enfraquecido, propondo alternativas para reorganizar as
instituições no interior daquele regime que considerava fragmentário.
A interpretação particular de Salgado em relação a Vers la paix e Lê Problème
Mondial também é um ponto a ser ressaltado. Estudiosos como Teotônio Simões
152
interpretam essas duas obras como as menos nacionalistas de Torres, em que o autor
fluminense defendia a evolução para um governo mundial baseado no modelo do império
inglês, que engloba nações distintas sob sua tutela. Essas obras, portanto, não estavam
enfatizando os problemas específicos do Brasil diante da política internacional, e sim, havia
uma preocupação com a situação mundial e com a diplomacia entre os países.
O mesmo se pode dizer quanto ao caráter religioso de cunho cristão e intuitivo, mais
próximo da filosofia de Farias Brito, que impregnou todos os escritos de Salgado, e que,
contudo, não encontrava nexo no pensamento de Torres. O intelectual brasileiro enfatizava
a necessidade de separar Estado e religião, vendo na dualidade do militarismo e das
doutrinas religiosas os elementos que determinaram a evolução política e social dos
povos.
153
Na época da publicação de Despertemos a Nação, em 1935, em que os modelos
autoritários europeus ganhavam prestígio, Salgado tentava interpretar Torres em
consonância com sua geração e, especialmente, aproximar seu pensamento do modelo
integralista de nacionalidade, baseado em Deus, Pátria, Família e refletido no que seria a
representação do Estado Integral. Este argumento revela que Salgado endossava a sua
doutrina com as idéias desse pensador e o referenciava como um precursor dos movimentos
europeus, semelhantes ao integralismo, que buscavam uma alternativa frente aos “perigos”
do comunismo e do liberalismo.
3.5. O modelo de Estado: Autoritarismo x Totalitarismo
O Estado forte, defendido por Salgado, deveria apresentar as características do
Estado forte defendido por Torres, como a condução da nacionalidade por um líder que
tivesse plenos poderes sobre a estrutura estatal. Em outro de seus livros da década de 1930,
Salgado expõe quais seriam os ditames que deveriam gerir a organização estatal em
152
SIMÕES, Teotônio, op. cit.
153
SOBRINHO, Barbosa Lima, op. cit., p. 514.
91
consonância com a revolução integralista. A reformulação do Estado seria a “mudança de
atitude” defendida por Torres:
No plano espiritual, o objetivo é mediato, porque para atingi-lo
teremos de levar muitos anos de doutrinação, de educação
constante da massa, de esforço individual de cada um. No plano
cultural, o objetivo é imediato, porque o Brasil necessita, desde
logo, de uma transformação do Estado, mediante a qual poderemos,
como queria Alberto Torres, assumir nova atitude em face dos
problemas.
154
E a mudança de atitude estaria intimamente ligada à revolução integralista:
Uma vez que o Estado se identifica com a alma de uma nação e
haure desta o poder revolucionário, ele, o Estado, tem o direito e a
autoridade suficientes para interferir com energia no campo
econômico e social, político e financeiro, recompondo equilíbrios,
sempre que alguns elementos da sociedade se hipertrofiam em
detrimento de outros. É a atitude nova em face dos problemas.
Revolução, em verdade, é mudança de atitude.
155
Portanto, o modelo estatal de Salgado é intervencionista e deveria fundir-se a uma
revolução espiritual em longo prazo, conquistada com a força do doutrinamento e da
educação das massas. Mas, como destacamos, Alberto Torres defendia a separação entre
religião e Estado e não poderia ser essa a aproximação pretendida por Salgado com o
modelo estatal de Torres. Nesse sentido, houve mais uma apropriação dos significados
pretendidos por Torres em seu modelo estatal.
Somado a isso, ressaltamos que os modelos explicativos referentes ao autoritarismo
e ao totalitarismo podem contribuir para entender a apropriação do regime estatal proposto
pelos integralistas e como poderíamos diferenciá-lo daquele proposto por Alberto Torres.
Essa problemática é um tanto densa para resumir em poucas palavras, mas partiremos das
informações desse trecho de Boris Fausto:
Em textos dos líderes mais expressivos do movimento – Plínio
Salgado e Miguel Reale -, há uma clara intenção de distinguir a
doutrina integralista das concepções totalitárias do fascismo
italiano. Embora considere o integralismo um dos ramos do
fascismo, distinguindo-se das concepções de juristas fascistas
italianos como Alfredo Rocco, Reale sustenta que o integralismo
defendia a existência de esferas autônomas de poder, insuscetíveis
de serem absorvidas pelo Estado.
156
Acreditamos que há uma problemática mais complexa referente à teorização do
Estado Integral, proposta pelos integralistas. Como afirma Boris Fausto, os integralistas
154
SALGADO, Plínio. A doutrina do sigma, op. cit., p. 14.
155
Idem, p. 22.
92
defendiam uma liberdade mais ampla, dentro do Estado, em relação às corporações e outras
esferas sociais do que aquela apresentada no fascismo italiano. Esse detalhe é um elemento
passível de maior atenção, pois revela aspectos fundamentais para que se possa enquadrar o
Estado Integral em um modelo explicativo adequado, seja autoritário ou totalitário.
Outra questão pertinente se refere às peculiaridades apresentadas entre os diferentes
teóricos integralistas. Plínio Salgado também discutia assuntos referentes à organização
Estatal, mas o estudioso e articulador dos detalhes do Estado Integral no âmbito da AIB
havia sido Miguel Reale. Diante disso, tentaremos enumerar os elementos mais relevantes
para entender a inserção do integralismo de Salgado no modelo explicativo mais adequado.
Além disso, devemos comparar o modelo de Estado de Alberto Torres com o modelo de
Estado Integral apresentado por Reale.
Dessa forma, como uma questão teórica oportuna para a comparação entre os
modelos de Salgado e de Torres, começaremos pela distinção entre os conceitos de
autoritarismo e de totalitarismo. Tais conceitos surgiram da necessidade de enquadrar os
regimes surgidos na primeira metade do século XX, caracterizados não apenas por adotar
um “Estado forte”, para precaverem-se política e economicamente em relação às crises
suscitadas pelo liberalismo (uso moderno do termo), mas, especialmente, para classificar os
regimes não democráticos. Os diversos usos do conceito de autoritarismo, para
nomenclaturar os regimes não democráticos, têm sido, muitas vezes, imprecisos e passíveis
de variáveis políticas no estudo das diversas situações ditas “autoritárias” dentro dos
regimes de governo.
De modo geral, “no campo das ideologias políticas, a área de significado do
autoritarismo é incerta. Mas existe uma tendência significativa para limitar o uso do termo
para as ideologias nas quais a acentuação da importância da autoridade e da estrutura
hierárquica da sociedade tem uma função conservadora”.
157
Seguindo essa tendência, a
ordem hierárquica a ser preservada é sempre a anterior à proposta de instaurar o regime
autoritário e se fundamenta na desigualdade entre os homens, condicionada pelas
potencialidades inerentes e naturais de cada um. Somado a isso, o sentido moderno do
termo, que aqui nos interessa, tem seu significado intimamente ligado às reações contra o
156
FAUSTO, Boris. O pensamento nacionalista autoritário (1920-1940). Rio de Janeiro: Jorge Zahar editor,
2001, p.17.
157
STOPPINO, Mario. Autoritarismo. In: BOBBIO, Norberto (et al). Dicionário de Política. Brasília: UNB,
1986, p. 95.
93
liberalismo, a partir da primeira metade do século XX. E é essa reação autoritária que nos
compete investigar.
Também necessitamos compreender o significado usual do conceito de totalitarismo
e diferenciá-lo do conceito de autoritarismo. Embora semelhantes em alguns aspectos, o
autoritarismo, no sentido que aqui nos interessa, tem a tendência de preservar a ordem
política anterior (em casos de substituição para um modelo político autoritário),
manifestando um elemento conservador, enquanto o totalitarismo prega o caráter
revolucionário, negando o conservadorismo e o elencando como um elemento nefasto para
a nação.
No Brasil, os diversos estudos feitos sobre o autoritarismo mencionam, na maioria
das vezes, o elemento conservador como característica dos intelectuais político-reformistas
das décadas de 1920 e 1930 e dos intelectuais católicos da vertente de Jackson de
Figueiredo. O ponto em comum entre a intelectualidade dessa época foi, justamente, a
imposição do limite para a participação dos corpos sociais na vida pública. Ou, em outras
palavras, o desejo de se evitar a mobilização das massas.
158
Por outro lado, temos o integralismo como o primeiro movimento de massas do
Brasil se afastando dessa tendência autoritária conservadora. Para Plínio Salgado, haveria a
restrição da liberdade social somente quando essa representasse um elemento negativo,
como o caso de organizações de esquerda próximas ao comunismo. Caso contrário, se
defenderiam e se apoiariam os movimentos vistos como positivos, os quais viessem a se
somar à idéia de organização política integralista.
Assim, essa perspectiva totalitária que Salgado manifestava, dá ao seu pensamento
uma distinção significativa em relação ao conservadorismo autoritário dos intelectuais
político-reformistas, como Alberto Torres, e dos conservadores católicos, como Alceu de
Amoroso Lima e Octávio de Faria. No caso de uma organização totalitária, recordando de
Leford, Ricardo Benzaquen Araújo diz que os militantes são em si mesmos os
representantes do partido ou do movimento e, ao mesmo tempo, agregam em suas
individualidades a representação do social.
159
158
Um estudo precursor que associou o pensamento autoritário brasileiro com o conservadorismo e a
manutenção das elites através de uma ideologia de Estado foi o de Bolívar Lamounier: LAMOUNIER,
Bolívar. “Formação de um pensamento político autoritário na Primeira República”. In: História Geral da
Civilização Brasileira. Tomo III, Volume 2. São Paulo: Difel, 1977, p. 356.
159
O militante nos remete “à formação de um novo tipo de agente social (…) em cuja figura se pode enxergar
inscrição do sujeito no discurso que se supõe falado por ele. O militante não está no partido como num meio
determinado com fronteiras visíveis; ele é em si mesmo um representante do partido; (…) [encarnando] em
sua pessoa a generalidade do social”. Leford, Claude. Esboço de uma Gênese da Ideologia nas Sociedades
94
Essa concepção totalitária de Salgado, que destaca a mobilização dos agentes
sociais, também é a diferença mais sensível comparada às concepções autoritárias de outros
intelectuais que se destacaram na década de 1930, como Oliveira Vianna e Azevedo
Amaral. Nesse sentido, é possível apontar propostas divergentes entre o modelo político
integralista e certos modelos autoritários brasileiros, especialmente por esses últimos
apresentarem uma proposta de organização estatal mais conservadora e elitista, limitando
muito a participação social devido ao verticalismo nas decisões políticas.
Pensando em termos gerais, a fórmula autoritária foi, e talvez ainda seja, um
elemento cultural arraigado nos princípios políticos brasileiros. Entre outras explicações,
essa marca política poderia ser exemplificada através da dificuldade encontrada pela
sociedade civil de organizar representações estáveis e partidos para defender os interesses
das diferentes classes sociais na disputa pelo poder, o que, por certo, ocasionou uma atração
constante pelo viés autoritário, tanto pelos conservadores quanto pelos liberais e os
representantes da esquerda.
As questões que envolviam democracia e representatividade estavam difusas em
meio às disputas pelo poder nas décadas de 1920 e 1930. A esquerda, por diversas vezes,
associava os adeptos do liberalismo aos membros das oligarquias e, por essa razão,
desvalorizava a forma de elegibilidade democrática em voga no país. Somado a isso, os
liberais, bem como a classe oligárquica, reforçavam esse sentimento em função de temer as
reformas sociais e colaborar com a interrupção da democracia formal sempre que ameaçada
a ordem então estabelecida. A subversão, desde cedo, foi o pretexto utilizado para a adoção
do autoritarismo e a manutenção do elemento conservador no Brasil.
Por tudo isso, destacamos que a vertente do pensamento autoritário, inaugurada no
país por Alberto Torres, tinha o objetivo de se servir do Estado para a resolução dos
problemas e a transposição dos obstáculos de índole socioeconômica e política.
160
Nesse
sentido, devemos voltar a atenção, dentro desse padrão autoritário geral, para os seus
elementos característicos mais precisos. Dessa forma, essa corrente que se inseriu no
Modernas. In: Estudos Cebrap, no. 10, out./nov./dez., 1974, p. 39. Apud: ARAÚJO, Ricardo B. Totalitarismo
e Revolução, op., cit., p. 82.
160
Segundo Bolívar Lamounier, além de Torres, outros intelectuais como Gilberto Amado, Oliveira Vianna,
Azevedo Amaral e Francisco Campos compõem um grupo que colaborou com a ideologia de Estado, expressa
em âmbito geral por um movimento que aspirava ou o seu benefício próprio na escala do poder burocrático,
ou pelos sentimentos altruístas movidos através do nacionalismo, contrário ao colonialismo predatório
estrangeiro, ou ainda pela tarefa de trazer a ordem para a classe burguesa, entre outros fatores. Dessa forma,
determinados indivíduos (intelectuais, nesse caso) constituem agentes, definem interesses e projetam novas
95
organismo estatal da Era Vargas e que tinha a ideologia de Estado como elemento comum,
assumiu a postura de uma modernização conservadora, fórmula que delegava ao Estado
organizar a nação para constituir o desenvolvimento social e econômico, porém sem
grandes alterações na ordem do sistema político vigente.
Essa característica conservadora, como já destacamos, foi um elemento de distinção
fundamental dessa corrente em relação às correntes, tanto de esquerda quanto de extrema
direita, como o integralismo. Apesar de haver alguns traços similares entre essa corrente
autoritária conservadora e o totalitarismo do líder integralista, o pensamento de Plínio
Salgado tentava uma reforma social através das massas, reforçando a concepção de uma
articulação revolucionária. De maneira distinta, os conservadores não mencionavam a
interatividade das massas e do Estado, mas uma atitude verticalizada, que punha o poder de
Estado como uma espécie de poder esclarecido, como entendia Alberto Torres. Em suma,
se defendia uma reforma que aumentasse o poder do executivo e que restringisse o poder de
decisão nas mãos de um grupo fechado de agentes governistas.
Dessa forma, os autoritários se colocavam no interior do Estado, fortalecendo um
grupo de poucos indivíduos na decisão direta das ações que tornavam possíveis o
funcionamento da sociedade. Já a perspectiva totalitária, mais próxima à proposta de
Salgado, sugeria a participação popular no cerne do Estado, ainda que sob rígida
hierarquização, como o fundamento da aparelhagem de funcionamento do governo forte.
Enquanto no autoritarismo há uma tendência de se preservar uma relativa autonomia das
instituições, no totalitarismo não haveria independência dos organismos sociais em relação
ao organismo governamental, estando todos eles vinculados, de uma forma ou de outra,
buscando-se uma estrutura orgânica que represente uma unidade de ação.
No entanto, saindo do terreno das abstrações, em algumas situações, é controversa a
classificação de alguns regimes em modelos totalitários. O único consenso, por exemplo, é
o de classificar o nazismo como regime tipicamente totalitário. Além do nazismo, alguns
autores, como Hanna Arendt, incluem o estalinismo soviético como totalitário, uma
afirmação que encontra a oposição do historiador inglês Eric Hobsbawm.
161
Em relação ao
fascismo, Arendt e outros autores sustentam que apenas o movimento teve características
perspectivas de convivência social, tudo solucionado através do organismo estatal. LAMOUNIER, Bolívar,
op, cit, pp. 351, 356 e 372.
161
HOBSBAWM, Eric. A era dos extremos. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.
96
totalitárias, contudo quando atingiu o poder acabou se transformando em um regime
autoritário, apesar de mobilizador das massas.
162
No caso do integralismo e de suas feições totalitárias, nunca saberemos a diferença
entre o movimento e a prática do poder exercido, já que o integralismo fracassou como
projeto político na década de 1930. O integralismo que se rearticulou no período pós-
guerra, através do Partido de Representação Popular (PRP), não serve para tirarmos essa
dúvida, pois os membros dessa agremiação, entre eles Plínio Salgado, aceitaram a disputa
pelo poder através do voto no período da chamada “democracia populista” e perderam
muitas características ideológicas da fase anterior.
163
As principais características totalitárias do movimento são identificadas,
principalmente, na produção teórica do líder integralista, como apontam os estudos de
Ricardo Benzaquen de Araújo.
164
O ideal igualitário de Salgado, perseguindo a política da
equidade social representada na raça cabocla, de eliminação das diferenças é um forte
indício dessa perspectiva. Além disso, o líder integralista perseguia seu ideal de nação na
conjugação de todos os indivíduos, que deveriam se conscientizar de seu papel dentro da
nova ordem a ser estabelecida pelos camisas-verdes, ou seja, a necessidade de
envolvimento total do indivíduo com a doutrina, outra condição para a caracterização
totalitária.
No entanto, encontramos alguns elementos que se distanciam dessa visão orgânica
de Salgado quando investigamos os escritos de Miguel Reale, o teórico do Estado Integral.
Para compreendermos o pensamento de Reale temos de observar atentamente sua proposta
de empregar na organização estatal um sistema baseado em corporações, semelhante às
corporações da Itália fascista. Atentamos para o fato de uma escassez de estudos dos
intelectuais autoritários brasileiros a respeito do corporativismo. Miguel Reale, o autor de O
Estado Moderno, foi um dos primeiros no Brasil a tentar teorizar um modelo
governamental sustentado por forças corporativas. De fato, o sentido de corporativismo
ganhara um novo significado depois de ter sido revigorado pelo fascismo, quando se
insistia na designação de “Estado Corporativo”.
162
ARENDT, Hanna. Origens do Totalitarismo. São Paulo: Companhia das Letras, 1989, pp. 395-397.
163
Entre as mudanças ideológicas mais expressivas do PRP em relação à AIB podemos citar a perda do
caráter revolucionário (tomada do poder pela ação das massas) e o enfraquecimento da crítica em relação ao
liberalismo. Maiores detalhes podem ser encontrados no estudo de Gilberto Calil: CALIL, Gilberto Grassi. O
integralismo no pós-guerra: a formação do PRP (1945-1950). Porto Alegre: EDIPUCRS, 2001, pp. 116-121.
164
ARAÚJO, Ricardo B. Totalitarismo e Revolução: O integralismo de Plínio Salgado, op. cit. e In médio
virtus: uma análise da obra integralista de Miguel Reale. Rio de Janeiro: FGV/CPDOC, 1988.
97
Há uma relevante diferença quando falamos de corporativismo e de Estado
Corporativo. Corporativismo é uma expressão muito utilizada para designar os ofícios e as
organizações de trabalho das épocas clássica, medieval e moderna, e que persistem mesmo
além do século XVIII em alguns locais da Europa. Na época contemporânea, o
corporativismo é muito associado aos sindicatos e aos grupos profissionais. Nessa linha, a
corporação representa um grupo de pessoas que visa ao mesmo fim e está subordinado às
mesmas normas e estatutos. Assim, podem figurar como um conjunto de pessoas que
exercem a mesma profissão, ou estão no mesmo ramo, reunidas numa associação
autorizada e regida por uma disciplina própria. Também pode representar um grupo que,
coletivamente, administra ou dirige certos negócios de interesse público.
165
Já no Estado corporativo, no sentido empregado pelo fascismo, o corporativismo é
uma ferramenta que utiliza o apoio das organizações sociais, dos grupos profissionais e
econômicos para a sustentação econômica do Estado. As corporações seriam todos os
corpos sociais, econômicos e culturais que formariam o organismo de funcionamento da
nação. Geralmente, nas concepções dos intelectuais autoritários brasileiros, elas
desempenhariam a organização que dirigiria os empregos, os cargos ou as funções
profissionais, tudo sob a fiscalização do Estado.
166
Na verdade, as manifestações nacionalistas de cunho autoritário, especialmente da
década de 1930, reivindicavam um pensamento autônomo, mas trouxeram para o Brasil
concepções estranhas até então para a política nacional. São extraídos, até mesmo, traços do
nacionalismo europeu da época, como a repulsa pelo individualismo, por exemplo. Repete-
se a transferência que ocorreu com o condenado liberalismo, importado anteriormente para
o Brasil, com a diferença de que, nesse momento, os regimes europeus congêneres aos
modelos autoritários, estão ganhando forma a partir de teorias e conceitos, tão díspares e
imprecisos como os apresentados em solo brasileiro.
Como o Estado autoritário estava renascendo, em uma formação eclética e em
âmbito abstrato, não havia regras e experiências imediatas, concretas, de sucesso. Sendo
assim, toda e qualquer soma e fusão de idéias e conceitos poderia ser tentada. Segundo
Evaldo Vieira, apesar dos nomes de teóricos europeus como Manoilesco e Perroux serem
mencionados entre os intelectuais autoritários da década de 1930, como se pode entrever
165
Ver: INCISA, Ludovico. Corporativismo. In: BOBBIO (et al). Diccionario de Política. 5
a
edição. São
Paulo: UNB, 2004, pp. 287-291.
166
Ibidem.
98
nas obras de Oliveira Vianna,
167
as concepções a respeito dos elementos que articulariam o
corporativismo de Estado tiveram origens variadas. Na prática, não havia nenhuma teoria
acabada e nenhuma tentativa nesse sentido, a respeito de uma sistematização de como
deveria funcionar esse corporativismo de Estado. Dessa forma, a imprecisão a respeito do
modelo estatal e a generalização sobre a adoção das corporações foram as características
mais perceptíveis entre os defensores do modelo autoritário conservador.
168
No caso de Alberto Torres, antecessor dos intelectuais autoritários da década de
1930, devemos apontar algumas ressalvas necessárias. Apesar de o pensamento torreano
defender o Estado Intervencionista e os governos fortes, condenava a coletivização com a
supressão do indivíduo às escalas do poder político e dos interesses econômicos. Portanto,
não sacrificava os direitos individuais.
169
A nação, para Torres, tinha de ter unidade e este é
um direito que deveria prevalecer sobre as reivindicações de autonomia dos Estados.
Poderíamos enquadrar Alberto Torres mais como um teórico e divulgador do Estado
forte e intervencionista, pelo simples fato de o intelectual fluminense não ter se debruçado
sobre o funcionamento da prática corporativista. De maneira geral, o corporativismo, para
ele, representou apenas um elemento a mais para rejeitar a liberal democracia. Assim,
empenhado no esforço de substituir o sufrágio universal, Torres propôs a utilização do
critério corporativo para a escolha do Senado e do Presidente da República em A
Organização Nacional, quando redigiu seu projeto de Constituição.
170
A exemplo de Torres, em relação ao corporativismo, o líder integralista não deixou
suas impressões, e aos assuntos de funcionamento do Estado Integral, Plínio Salgado fez
167
O esforço de Oliveira Vianna constituiu a única tentativa que foi um pouco além na teorização de
conceitos corporativos do Estado autoritário. Ainda assim, não existiu uma formulação sistemática, faltando
um sistema pormenorizado de explicações práticas de como organizar a produção. “A despreocupação com a
montagem de um sistema teórico de corporativismo parece explicar-se em virtude da urgência em debater-se
os inúmeros problemas da criação de um Estado Nacional, centralizado, eficiente e representativo dos
interesses sociais. Os nacionalistas defensores do autoritarismo só se dirigem para a doutrina corporativa a fim
de buscar uma solução para a desorganização dos agentes da produção no Brasil”. VIEIRA, Evaldo.
Autoritarismo e corporativismo no Brasil. 2
a
edição. São Paulo: Cortez, 1981, p. 97.
168
“O corporativismo é utilizado como uma das respostas ao momento brasileiro; torna-se fato corriqueiro,
entre os nacionalistas adeptos do Estado autoritário, a referência a elementos da doutrina corporativa,
aplicados sem qualquer sistematização”. VIEIRA, Evaldo. Autoritarismo e corporativismo no Brasil. 2
a
edição. São Paulo: Cortez, 1981, p. 96.
169
“O papel dos governos contemporâneos, nas sociedades normalmente organizadas, consiste, neste ponto,
em defender os indivíduos, contra os abusos do individualismo, a sociedade, contra seus déspotas
espontâneos: em fazer a polícia da vida nacional e econômica, contra os privilégios, os monopólios, os
açambarcamentos, dos ‘reis’ das soberanias argentarias”. TORRES, Alberto. O Problema Nacional
Brasileiro, op. cit., p. 244.
170
Torres sugeriu a composição de um colégio eleitoral especializado para a escolha do Presidente e do Vice-
Presidente da República. Nesse colégio deveria haver membros de certas classes e corporações. Talvez esse
99
poucas explanações. Em seus livros da década de 1930, o líder integralista preferia os temas
mais filosóficos relacionados à natureza do homem e do espírito. Apesar disso, podemos
identificar alguns escritos políticos de Salgado, mesmo na fase anterior à constituição da
AIB, em que ele destacou a necessidade de impor um governo forte com ênfase na
organização do Estado:
No Brasil não há ainda um sentimento coletivo de interesse
nacional. Cumpre-nos, ao iniciar a discussão dos problemas que
nesse momento nos suscita, declarar, como base de uma orientação
segura, que não há interesses estaduais diante dos supremos
interesses nacionais. Colocando-nos neste ponto de vista de
nacionalismo integral, é que iniciamos a nossa ação jornalística
neste trepidante momento da vida brasileira.
Esse nacionalismo integral implica em uma concepção de Estado descrita assim:
É a força suprema interveniente nos rumos e finalidades sociais [que
mantendo a propriedade e a iniciativa particular] saiba demarcar os
limites gerais e nacionais, [fazendo com que] as classes se representem
em corpos legislativos.
171
Temos algumas pistas, nesse relato, do ponto de vista de Salgado em relação às
corporações. Segundo ele, o Estado deveria fazer com que as classes se representassem em
corpos (corporações). No entanto, não especifica como se daria esta organização. Seguindo
essa linha, as sugestões de Salgado a respeito do funcionamento do Estado Integral são
sempre muito vagas e imprecisas. Esse aspecto impede a análise do ideal de Estado de
Plínio Salgado e o enquadramento dessa perspectiva em um viés conservador ou totalitário.
Por essa razão, tentaremos encontrar essa relação na concepção de Estado de Miguel Reale
e nas distinções mais protuberantes entre os pensamentos desse teórico integralista e o líder
do movimento, Plínio Salgado.
Embora tenham nascido na mesma cidade, São Bento do Sapucaí, e militado na
cúpula do mesmo movimento, o integralismo, Plínio Salgado e Miguel Reale ostentavam
algumas diferenças sutis que podem ser apontadas, especialmente, na maneira como se
dirigiam aos seus leitores e no destaque de determinados elementos da doutrina. Essas
pequenas distinções podem não representar grandes contradições no seio do que
denominamos genericamente “integralismo”, mas podem indicar os elementos
característicos que se destacam no pensamento de cada um dos autores. Essa distinção é
seja o único vestígio de uma proposta para definir a função que desempenharia uma corporação específica.
Vide: TORRES, Alberto. A Organização Nacional, op. cit., pp. 399-400.
171
SALGADO, Plínio. “Erros de hoje, Perigos de Amanhã”. In: A razão, de 5 de junho 1931; “A verdadeira
concepção do Estado”. In: A razão, 4 de setembro de 1931. Apud: VIEIRA, Evaldo. Autoritarismo e
corporativismo no Brasil, op. cit., p. 94.
100
necessária para não cairmos na simplificação da doutrina integralista e, assim, menosprezar
o grau de autonomia certamente presente nos escritos dos teóricos em questão.
3.6. O modelo de Estado: Plínio Salgado, Miguel Reale, Alberto Torres
Naturalmente, a posição de Chefe, ocupada por Salgado, já lhe dava um status
diferenciado de Miguel Reale, que era o Secretário de Doutrina. Isso acarretava em seu
estilo um tom mais inflamado, principalmente ao dirigir-se aos seus leitores. Havia a
necessidade de uma voz de comando, de uma certeza de direção. Mas isso não impedia que
Salgado também manifestasse uma ambigüidade, própria de sua personalidade. O líder
integralista sempre viveu entre a literatura e a política, campos que se complementavam
diante de sua produção escrita; entre o espiritual e o material, os elementos que eram
compreendidos justamente pela própria natureza de sua oposição; e pela condição de líder e
de ideólogo, contraposição que não o deixava em posição cômoda frente à tarefa de
“condução das massas”. Como vimos no primeiro capítulo, Plínio Salgado certamente se
sentia mais a vontade no papel de ideólogo do que de Chefe.
Miguel Reale não vivia entre essas ambigüidades. Seu estilo teórico é fortemente
marcado pela formação jurídica. Após manter contato com a SEP e acompanhar o grupo
que fundou a AIB, Reale decidiu entrar para o movimento alguns meses depois de sua
fundação, tinha vinte e três anos quando se tornou integralista. Muito rapidamente tornou-
se Secretário de Doutrina da AIB e não demorou a se tornar um dos teóricos mais
importantes do movimento. A secretaria de doutrina teve diversas atribuições, como a
coordenação e organização dos periódicos integralistas, órgãos especializados para a
doutrinação interna, e a direção dos núcleos regionais de estudos integralistas. É na obra de
Reale, em O Estado Moderno, que encontramos os principais indícios de como seria o
Estado Integral, tão comentado pelos integralistas.
Encontramos no estilo de Reale um discurso mais explicativo, comparado com o de
Salgado. Guiado por sua formação, ele constrói seu texto com termos mais técnicos,
próximos do vocabulário jurídico e distante do estilo “romântico” de Salgado. A disposição
do conteúdo exposto por Reale em O Estado Moderno deixa claro o seu objetivo de
explicar e sistematizar o tema do Estado, procurando o sentido atual do “Estado Moderno”
e o situando no momento político então vivenciado em âmbito mundial.
Dessa forma, introduzia as questões que eram discutidas na Europa e nos Estados
Unidos diante da crise do liberalismo, bem diferente dos escritos de Salgado que, apesar de
101
não relegar os temas relacionados às políticas do Estado e da organização da nação, preferia
dar ênfase na questão da transformação espiritual do homem. Na obra de Reale, há a crítica
do capital como um produto inerente do sistema capitalista, produzido pelas contradições e
crises do sistema; já para Plínio Salgado, a crítica do capital relaciona-se com a corrupção
do homem e o abalo de sua moral. É um problema espiritual acima de tudo.
De maneira geral, podemos afirmar que Salgado descrevia o ideal de sociedade e
organização política estatal utilizando elementos muito genéricos e os relacionando com o
seu sentimento intuitivo, “romanceando” a análise da realidade. Reale, por sua vez, definia
com maior precisão seus conceitos e utilizava mais a racionalidade para sistematizar o seu
pensamento. O autor estava preocupado com o caráter político das instituições e menos
com o caráter “místico” da ordem universal, como era o caso de Salgado.
É importante destacar que Miguel Reale não contradiz Plínio Salgado nos pontos
importantes da doutrina integralista, principalmente nos temas relacionados à
espiritualidade e à revolução interior. No entanto, não era prioridade para Reale, como era
para Salgado, o elemento espiritual. O autor de O Estado Moderno adotava uma visão de
mundo humanista, na qual o elemento cristão também estava imbuído, mas devido ao seu
estilo rigoroso, esse elemento acabava subjugado por uma postura marcadamente
acadêmica.
Essa postura moderada determina um certo ingrediente conservador nas análises de
Reale, especialmente quando o autor se preocupa com uma possível desordem causada pelo
mau proveito das forças individuais. Assim, a força governamental se reduz nocivamente,
segundo sua ótica, pois a função do Estado se limitava em apenas arbitrar certas situações
de crise da economia. Ao contrário, para ele, esse Estado deveria estar mais presente,
desempenhando um papel preponderante junto à sociedade. Era exatamente o oposto do que
pregava o liberalismo clássico que, segundo Miguel Reale, havia se transformado em um
verdadeiro fantasma, corrompido por suas próprias contradições.
Para entender o verdadeiro proveito da individualidade e do “espírito corporativo”,
Reale partiu do fascismo italiano, comparando como, ao contrário do liberalismo, o
indivíduo era totalmente absorvido pelo Estado. Em outras palavras, o liberalismo deixava
de lado o Estado, enquanto o fascismo desprezava os indivíduos quando esses estavam
agrupados. Havia uma necessidade de totalidade que deveria diferir da concepção fascista.
Essa necessidade era resumida pela “unidade orgânica” que articulasse os diferentes valores
102
sociais e, ao mesmo tempo, respeitasse a ação de esferas autônomas dentro do
funcionamento da sociedade:
Uma das características da unidade orgânica é precisamente esta de
integrar discriminando. O todo não deve absorver as partes
(totalitarismo), mas integrar valores comuns respeitando os valores
específicos e exclusivos (integralismo).
172
No entanto, a solução dessa integração de valores tem, para Miguel Reale, a
essência na visão “qualitativa” do indivíduo, como nomeou Ricardo Benzaquen de
Araújo.
173
O próprio Reale, lembrando de Aristóteles, admite que “o fim supremo do
homem é a autarquia”, pois só assim o indivíduo alcançaria o limiar de suas
potencialidades:
O homem, como indivíduo, é um fragmento, cujo significado só se
revela inteiramente ao integrar-se no Estado. Somente como anel
de uma cadeia de direitos e de deveres, é que o homem realiza
plenamente os fins da existência. Estado e indivíduo são
simultaneamente meio e fim: o indivíduo encontra no Estado os
meios de alcançar a autarquia, isto é, o desenvolvimento completo
da personalidade; e o Estado, mediante os indivíduos, realiza a
síntese dos valores, dos deveres comuns.
174
Essa visão do indivíduo que deveria desenvolver os seus valores e as suas
potencialidades se distancia da idéia de igualdade do indivíduo, tão cara a Plínio Salgado.
Assim, “a igualdade , conseqüentemente, deixa de ter qualquer importância, e a liberdade
adquire um significado puramente ‘interior’, confundindo-se com a noção de auto-
realização, de expressão das ‘qualidades’ internas de cada indivíduo”.
175
Dessa forma,
parece que Reale compreendeu melhor a proposta de Alberto Torres do “nivelamento das
possibilidades” em detrimento do nivelamento das aptidões:
É impossível a igualdade entre os homens. Realizar a justiça não é
nivelar as aptidões pessoais, mas sim dar possibilidades iguais a
capacidades iguais, sem permitir que umas subjuguem as outras. É
esse o ensinamento de Alberto Torres sobre o nivelamento das
possibilidades e dos meios de ação a fim de alcançarmos a justiça
distributiva.
176
De fato, Reale descarta o misticismo para interpretar e solucionar a questão social.
O Estado cumpriria seu papel de mediador e complementaria a ação baseada na concepção
qualitativa do indivíduo. Diante disso, se construiria a possibilidade de aliança desse Estado
com esses homens que atuariam em fortes grupos organizados, intermediários entre o
172
REALE, Miguel. O Estado Moderno. Rio de Janeiro: José Olympio, 1934, p. 188.
173
ARAÚJO, Ricardo Benzaquem. In médio virtus: uma análise da obra integralista de Miguel Reale, op. cit.
174
REALE, Miguel, idem, p 181.
175
ARAÚJO, Ricardo Benzaquen, op. cit., p. 19.
103
indivíduo e o Estado: as corporações. Esse é outro ponto que distingue Miguel Reale de
Plínio Salgado. O líder integralista não chegou a sugerir a forma de agrupamento dos
indivíduos e como eles seriam aproveitados pelo Estado Integral.
As características designadas à individualidade, por Reale, portadora de
potencialidades que poderiam ser expandidas, apontam para a especialização das atividades
produtoras. Por isso, o autor propunha a formação de corpos intermediários, expressos nos
sindicatos e nas corporações. Ele sugeria que, em cada setor da atividade produtiva,
houvesse um sindicato abrigando patrões, e outro reunindo os empregados. No caso das
corporações, seriam organizadas por setor produtivo, e agrupariam um representante do
sindicato dos patrões e outro dos empregados. Somado a esses dois se juntaria um membro
enviado pelo Estado, o qual coordenaria as discussões para a resolução dos problemas e as
demandas dos sindicatos.
Observamos então uma ordem que pretendia arbitrar dentro de uma organização
hierárquica. Cada corporação funcionaria como um grupo especializado que atenderia às
reivindicações de duas classes distintas e se fundaria nas singularidades dos indivíduos, na
aptidão pessoal e nas diferenças potenciais abarcadas por eles. A pretensão intervencionista
do Estado de Reale, como se vê, era bem grande, abrangendo todas as esferas profissionais,
complementando as diferenças e integrando as atividades produtivas.
É importante também que se destaque a importância dada por Reale à iniciativa
individual e à manutenção da ordem social pela organização hierárquica das corporações.
Ele defendia que a iniciativa individual deveria ser incentivada e preservada, porque seria
ela que ergueria a produção e tornaria prazeroso o trabalho. Portanto, a organização das
corporações e a intervenção sobre a sociedade produtiva não deveriam ser fundamentadas
num estatismo absoluto, nem na liberdade total do indivíduo. Dessa forma, se conservaria a
base de organização social da ordem anterior ao estabelecimento do Estado Integral, apenas
se instaurando uma verticalização de participação e de decisão.
Ao compararmos essa caracterização mais conservadora de Miguel Reale,
identificada na diferença de potencialidades entre os indivíduos e na verticalização da
ordem social, concluímos que ele estava mais próximo de Alberto Torres do que Plínio
Salgado, especialmente no que concerne ao elemento conservador e racional. No entanto, a
concepção estatal de Reale vai além da concepção estatal de Torres ao especificar o papel
das corporações na manutenção do organismo do Estado. Para Reale, o pensador
176
REALE, Miguel, In médio virtus: uma análise da obra integralista de Miguel Reale, op. cit., p 176.
104
fluminense não era a fonte principal para a inspiração do modelo estatal corporativo que ele
formulara em O Estado Moderno. Alberto Torres representava mais uma espécie de
precursor desse “Estado Moderno” e das formas de organização políticas modernas, as
quais tinham o fascismo como a principal referência:
Pensando bem, não é muito lógico falar em criador do fascismo. A
doutrina corporativa tem antecedentes no tempo e no espaço, tanto
no domínio jurídico como no econômico-social. Precursores são,
por exemplo, Dupont White, Sismondi, List, Le Play, Maurras,
Sorel, Alberto Torres, etc., cada qual cooperando com uma especial
contribuição. Mussolini orientou a síntese, realizou o sincretismo
das teorias, algumas delas consideradas até então contraditórias ou
irredutíveis (…) Seu mérito é inexcedível, mas só mesmo a paixão
nacionalista poderia considerar todo o “corporativismo” um
produto genuíno da Itália.
177
O corporativismo de Estado, tal qual o corporativismo fascista, não tinha sido
explorado por Alberto Torres. Ressaltamos que a preocupação de Reale com as corporações
reflete muito de sua referência às corporações fascistas, embora ele, da mesma forma que
Salgado, considerasse o fascismo como um partido que não havia atingido ainda o caminho
que o integralismo estaria trilhando. Reale nomeava o fascismo como o “totalitarismo” que
suprimia as forças individuais, ao passo que o integralismo revitalizaria essas forças
individuais por meio da ação do Estado e do poder de síntese.
Em contrapartida, o poder Coordenador, defendido por Torres tinha um caráter
menos orgânico e mais verticalizado, pois não se apoiava nas corporações como o Estado
Integral preconizado por Miguel Reale. Alberto Torres estava preocupado, essencialmente,
com o esvaziamento do poder executivo federal que se concentrava nos poderes estaduais.
Por essa razão, sua única preocupação foi estruturar os órgãos da administração central
através do fortalecimento e capacitação do poder Executivo. Assim, o poder Coordenador
seria o quarto poder, juntando-se com o Executivo, o Legislativo e o Judiciário. Uma
espécie de poder Moderador, comparado com a Constituição do Império que teria o papel
de “harmonizar” e “integrar” os outros poderes e seus membros seriam escolhidos, por
votação, pela cúpula do poder executivo.
178
Da mesma maneira que Plínio Salgado e Miguel Reale, Alberto Torres era
antiliberal. No entanto, não escondia seu objetivo de reformar o Estado dentro do sistema
liberal, ao contrário dos integralistas. Seu conservadorismo aproxima-se de Reale quando
ele condiciona o governo e a administração a um seleto grupo de indivíduos portadores de
177
Panorama, n
o
6, p. 14.
105
“capacidades muito conscientes”, ou seja, a proteção e o equilíbrio da nação seriam
tutelados por pessoas capacitadas e não por instituições compostas e fortalecidas através de
pessoas comuns. Miguel Reale também tinha esse pensamento ao sugerir o monitoramento
de perto das corporações por interventores designados pelo Estado.
As características totalitárias do pensamento de Salgado o distinguem de Reale e,
principalmente, de Alberto Torres. O líder integralista, como afirma Ricardo Benzaquen de
Araújo, absolutiza a participação popular e prega uma espécie de “absolutização da
liberdade positiva, a qual se manifesta tendo como base a total eliminação das diferenças
quer no interior da sociedade civil quer na relação entre os diversos grupos sociais e o
Estado”.
179
Para Salgado, os indivíduos deveriam se integrar totalmente aos preceitos da
doutrina integralista para que não se cultivasse a corrupção e a decadência, tão conhecidas
das instituições liberais. Assim, o cidadão agiria permanentemente como um militante
consciente e o Chefe seria apenas mais um soldado, “que eventualmente exprime o
princípio da autoridade”:
Cristalizando, dia a dia, uma unidade de pensamento, o
Integralismo não se baseia num homem, porém num sistema de
idéias. Seus alicerces, pois, são os mais sólidos possíveis. O Chefe
não passa de um simples soldado, que eventualmente exprime o
princípio da autoridade.
180
Além disso, o totalitarismo de Plínio Salgado exprime a idéia de valorização das
raças brasileiras (a branca, a negra e a índia), a fim de que elas formem o caboclo, o
resultado dessa mistura de raças e a conseqüente uniformização do indivíduo. Apesar de
Alberto Torres também ressaltar o valor das raças negra e índia, o autor não menciona a
uniformização do indivíduo e, assim como Miguel Reale, defende a escolha dos mais
capacitados para exercer determinadas funções sociais.
Na leitura que Salgado fez das obras de Torres, ele se apropriou de certos elementos
que foram objeto de estudo do intelectual fluminense, mas isso não significa a fidelidade
dos conceitos e a interpretação despretensiosa de seus postulados. A retomada da obra de
Torres pela geração de 1930 foi sintomática de um período conturbado que ainda estava
absorvendo os diversos acontecimentos políticos e culturais da década anterior. A
apropriação com ressalvas das idéias expostas na obra de Alberto Torres não foi uma
178
TORRES, Alberto. A organização nacional, op. cit., p. 489.
179
ARAÚJO, Ricardo B. Totalitarismo e Revolução, op. cit., p. 71.
180
SALGADO, Plínio. A doutrina do Sigma, op. cit., p. 30.
106
exclusividade de Plínio Salgado e dos integralistas, mas uma tendência da geração de 1930,
como vimos em Cândido de Motta Filho, Oliveira Vianna, Tristão de Athayde, entre outros.
Mas, a despeito dessa tendência, Salgado ainda apresentava alguns elementos
singulares, como um misticismo intrínseco que, segundo ele, o tinha guiado na leitura da
obra de Torres. Em vista disso, temos o exemplo narrado pelo próprio líder integralista que,
depois de expor suas leituras a respeito dos intelectuais brasileiros em Despertemos a
Nação, utilizando como parâmetro de análise o estudo do índio, procurou o conteúdo que
explicasse as origens e o desenvolvimento do povo brasileiro nas obras dos intelectuais
nacionais. Diante dessa perspectiva é que notamos o curioso relato em que ele próprio
descreve o cenário de sua leitura de Alberto Torres:
Lembro-me de que li a obra de Torres, viajando, de canoa e de
navio gaiola pela Ribeira de Iguape. Ali, pude também meditar
junto aos sambaquis, sobre a nossa etnografia pré-histórica e sobre
o destino do Continente Americano.
181
O cenário da leitura, dentro da canoa, em progressão pelo rio e cercado pela
paisagem natural, somado à sua preocupação com o tema indígena, proporcionou um
ambiente romantizado pelo líder integralista, em que ele supostamente pôde despertar para
a realidade nacional. Esse relato ilustra muito bem a forma como os intelectuais brasileiros
eram mencionados por Salgado, sempre com o elemento providencial, como uma espécie
de verdade revelada além do conteúdo racional.
Diante desse quadro, avaliando os conceitos de nacionalidade, raça e modelo
político estatal, nos parece que Plínio Salgado, muito mais do que descobrir as idéias de
Alberto Torres, descobriu as suas idéias no pensamento do intelectual fluminense. Um
aspecto bastante relevante quando nos questionamos sobre a distância das idéias entre
ambos os pensadores. O fator “místico”, presente no pensamento de Salgado, talvez seja o
principal fator de distinção, contrário ao pensamento mais racional de Alberto Torres. Essa
característica, mais próxima ao pensamento de Farias Brito, provavelmente explique
melhor certas idéias de Plínio Salgado. Sendo assim, partiremos a seguir para a análise de
sua leitura das obras desse filósofo brasileiro.
181
SALGADO, Plínio. Despertemos a Nação, op. cit., p. 12 e 13.
107
4. CAPÍTULO 3 - PLÍNIO SALGADO E O ESPIRITUALISMO EM FARIAS
BRITO
Farias Brito nasceu em São Benedito, Ceará, em 24 de julho de 1862. Em 1884,
formou-se em Direito pela faculdade de Recife, em Pernambuco, onde recebeu a influência
de Tobias Barreto. De volta ao seu Estado, exerceu as funções de Promotor Público e
Secretário do Governo. Após a instauração da República, em 1889, foi candidato à
Assembléia Constituinte, mas não se elegeu. Mudando-se para o Pará, foi nomeado
professor de Lógica de um colégio local e Catedrático suplente da Faculdade de Direito.
Em 1909 mudou-se novamente, desta vez para o Rio de Janeiro, onde foi aprovado para a
cadeira de Lógica do Colégio Pedro II, deixando em segundo lugar o célebre escritor
Euclides da Cunha. Teve suas obras publicadas entre 1895 a 1914. Faleceu em 1917. Ele
foi o primeiro escritor brasileiro, de destaque, a ocupar-se exclusivamente da filosofia.
Os elementos principais que iremos analisar sobre a apropriação de Plínio Salgado
em relação ao pensamento britiano dizem respeito à idéia de finalidade, a crítica ao
materialismo e a concepção espiritualista baseada no caráter introspectivo (intuição).
Adiante, partiremos dessas noções, comuns a ambos, para demonstrar algumas
discrepâncias que impossibilitam uma aproximação mais íntima de seus pensamentos.
Antes disso, é importante que se mostre a controvérsia em torno dos escritos de Farias Brito
nas diferentes gerações de estudiosos de sua obra, especificamente para, mais adiante, se
compreender a utilização de sua biografia pela geração de católicos que compunham o
Centro Dom Vital, bem como a relação de sua filosofia com o sistema filosófico do francês
Henri Bergson.
4.1. Controvérsia na interpretação do pensamento britiano
A interpretação do pensamento de Farias Brito foi passível de muita controvérsia.
Há, pelo menos, três fases distintas de percepção em relação às suas idéias. Farias Brito
reprovava de maneira austera o espírito científico ligado ao positivismo. Condenava assim
o materialismo que se contrapunha ao espiritualismo. Por essa razão, seu pensamento foi
108
apropriado, nas décadas de 1920 e 1930, por jovens intelectuais que constituíram um grupo
produtor de uma ideologia própria, que defendia valores católicos e estava engajado
socialmente na ascensão desse catolicismo.
O filósofo brasileiro foi utilizado como um referencial de orientação para esse
grupo. Através da divulgação de seu nome e de suas obras, surgiram discípulos e
simpatizantes de suas idéias. Sem dúvida, o maior responsável por essa acolhida a Farias
Brito foi Jackson de Figueiredo, o criador do Centro Dom Vital, expressiva liderança desse
grupo católico, sendo dele o primeiro ensaio a respeito das idéias do filósofo cearense,
Algumas Reflexões sobre a Filosofia de Farias Brito (1916).
Através da revista A Ordem, também criada por Figueiredo, eram publicados
ensaios sobre o autor de O Mundo Interior e transcritos textos de sua autoria. Seguindo essa
linha, que exaltava o pensamento de Farias Brito, diversos pensadores católicos, membros
do Centro Dom Vital, também expressaram sua admiração pelo intelectual cearense, como
Nestor Victor, Almeida Magalhães, Tasso da Silveira, Jonathas Serrano e Alceu de
Amoroso Lima.
Já na década de 1940, outros intelectuais se interessaram pela obra britiana,
demonstrando preocupação com as interpretações particulares do grupo católico em relação
ao pensamento do filósofo brasileiro. Farias Brito foi depreciado por utilizar um ecletismo
de idéias que não atendia ao apelo de alguns estudiosos, os quais consideravam que suas
obras não traziam contribuição ao pensamento filosófico. Tal juízo foi formulado por
autores como Sílvio Rabello, João de Cruz Costa e Gilberto Freire.
182
Sílvio Rabello, em
1941, inaugurou a ala de críticos ao pensamento do filósofo nacional, publicando Farias
Brito ou uma Aventura do Espírito. João de Cruz Costa parece ter sido influenciado por
Rabello, pois utilizou esse mesmo título para criticar Farias Brito em sua obra A Filosofia
no Brasil, de 1945.
Segundo Cruz Costa, o filósofo brasileiro edificara uma obra bastante confusa e
copiara, fundamentalmente, os conceitos e as reflexões de filósofos estrangeiros, não
formulando, portanto, um pensamento original: “A sua hesitante e prolixa ‘filosofia’, que é
apenas o resumo, o comentário de doutrinas alheias, sufoca o pequeno cabedal de idéias
182
Embora Farias Brito fosse criticado mais sistematicamente na década de 1940, suas idéias tinham já
opositores anteriores, como Sílvio Romero e Clóvis Beviláqua, principalmente em razão da severidade com
que o filósofo julgou as doutrinas referentes ao materialismo, ao positivismo e ao evolucionismo. No entanto,
apesar da oposição desses autores, ambos reconheciam a capacidade intelectual e filosófica de Farias Brito,
ponto de vista contrastante com aquele revelado pelos autores da década de 1940.
109
próprias que talvez tenha possuído”.
183
A mesma opinião tinha Gilberto Freire, que
confessadamente deixou-se levar pelas críticas de Rabello: “Do que tenho lido de Farias
Brito ou acerca de Farias Brito – principalmente as páginas lúcidas e penetrantes que acaba
de lhe dedicar o Sr. Sylvio Rabello – concluo que o autor de O mundo interior ainda não se
firmara em idéias próprias e em métodos novos e seus de indagação filosófica”.
184
A crítica de Sílvio Rabello em relação à falta de originalidade do pensamento de
Farias Brito havia sido realmente desconcertante. Para o autor, o filósofo apenas copiara as
idéias estrangeiras e se afastara das preocupações nacionais, tão mencionadas pelos
intelectuais católicos: “Era Farias Brito desses filósofos fechados às influências mais
próximas” e, “excetuando as suas poesias em favor da emancipação dos escravos e uma ou
outra referência aos erros da política positivista dos começos da República, nada mais
existe na obra de Farias Brito sobre o Brasil e que o distinga como um pensador
genuinamente brasileiro”.
185
Somado a isso, Rabello entendia que o filósofo fracassara em sua tentativa de
elaborar um sistema universal de idéias e que o insucesso “viria sobretudo da falta de
preparação clássica”. Seria Farias Brito “um homem profundamente ingênuo” e “o seu
sistema de idéias” resultaria “não raras vezes em ridículo”.
186
Percebe-se no argumento de
Rabello, ainda, uma depreciação em relação ao grupo católico, especialmente porque parte
dos membros do Centro Dom Vital estavam em sintonia com o integralismo. No prefácio
da segunda edição de seu livro, na década de 1960, Sílvio Rabello enfatizava a relação do
Centro Dom Vital com a Ação Integralista Brasileira:
O Centro intencionalmente denominado Dom Vital foi o setor onde
Jackson Figueiredo desenvolveu a sua propaganda que a princípio
não ia além da filosofia e da religião. Mas os associados do Centro
Dom Vital não permaneceram nessa situação de irmãos em Cristo,
preocupados exclusivamente com a salvação das próprias almas.
Vimos depois como os mais prestigiosos dentre eles se fizeram
doutrinadores e mesmo adeptos da Ação Integralista Brasileira. E
como, em certa altura, trocaram suas opas de devotos do Senhor
pelas camisas verdes de milicianos do chefe Plínio Salgado.
187
183
CRUZ COSTA, João. A filosofia no Brasil. Porto Alegre: Livraria do Globo, 1945, p. 97.
184
FREYRE, Gilberto. Um mestre sem discípulos. In: Perfil de Euclydes e outros perfis. Rio de Janeiro: José
Olympio, 1944, p. 156.
185
RABELLO, Sylvio. Farias Brito ou uma aventura do espírito. 2
a
edição. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 1967, p. 192.
186
Idem, pp. 101 e 102.
187
Idem, p. 2.
110
Em tom de esclarecimento, o autor contava as motivações de sua crítica, na década
de 1940, ao pensamento britiano, ressaltando a incompatibilidade das idéias de Farias Brito
com o grupo católico e com os grupos políticos de direita:
Dizíamos naquele ensaio que não deixava de ser curioso como
Farias Brito era explorado por certo grupo de católicos e por certa
ala de políticos da direita, irmanados desde muito, no mesmo
propósito de fazer vingar as mais obscuras forças da reação. Uns e
outros tinham feito do autor da Finalidade do Mundo um filósofo
que se aproximava da Igreja em suas tendências mais profundas e
um filósofo que de algum modo preparara uma política direitista,
sem ter intencionalmente orientado o seu pensamento nesta
direção.
188
Ou seja, naquele momento, Sylvio Rabello expressava seu estranhamento quanto à
suposta proximidade entre as idéias do filósofo cearense, o pensamento manifesto no grupo
católico e a “política direitista”, subentendida no integralismo, argumentando que aquela
junção não era possível. No mesmo sentido, Cruz Costa se referia a uma estranha e
paradoxal referência de Farias Brito na doutrina integralista: “E que estranho, e também
paradoxal sintoma o haver sido Farias Brito considerado, em certo momento, pelos
integralistas, como o Chefe espiritual da vaga ideologia, que essa doutrina reacionária
pretendeu impor ao país! No entanto talvez havia razões para isso”.
189
Embora certas críticas à apropriação das idéias do filósofo cearense tivessem
procedência e fossem ratificadas em estudos posteriores, a leitura desses autores sobre o
conjunto da obra de Farias Brito foi superada na década de 1960. O reconhecimento
nacional às obras do filósofo cearense surgiu, apenas, a partir do IV Congresso Nacional de
Filosofia, em 1962, realizado pelo Instituto Brasileiro de Filosofia, em São Paulo e
Fortaleza, promovido e incentivado por Miguel Reale, em função do centenário de
nascimento de Farias Brito.
190
Esse interesse repentino pelo intelectual brasileiro é
atribuído, paradoxalmente, ao estudo crítico de um estrangeiro. Em visita ao Brasil, durante
a década de 1950, o professor norte americano Fred Gillette Sturm, da Universidade da
Columbia, afirmava que havia similaridades entre o pensamento de Farias Brito e o
desenvolvimento da filosofia existencialista e da fenomenologia, importantes movimentos
intelectuais da época.
188
Idem, p. 2 e 3.
189
CRUZ COSTA, João. Contribuição à História das Idéias no Brasil, op. cit., p. 328 (grifos do autor).
190
Além de ter feito parte da AIB e de ser reconhecido como um talentoso jurista, Reale também teve atuação
destacada na área da Filosofia. Em 1954, fundou a Sociedade Interamericana de Filosofia. Também presidiu,
foi secretário, relator, além de outras atribuições, de diversos Congressos Internacionais de Filosofia fora do
Brasil.
111
Assim, ele sugeria uma releitura do pensamento britiano, sustentando que suas obras
seriam uma proveitosa referência para os filósofos ligados a esses dois movimentos.
191
Além disso, em contraposição às críticas que classificavam as obras de Brito como
desprovidas de originalidade, Sturm situava o intelectual brasileiro dentro de uma
problemática ocidental, não condenando o seu pensamento, como outros fizeram, por ele
ter, teoricamente, ignorado a realidade sócio-cultural brasileira.
A grande e confusa polêmica feita em torno das obras de Farias Brito, sem dúvida,
teve origem na apropriação das idéias do filósofo feita pelos intelectuais católicos nas
décadas de 1920 e 1930. Construindo uma interpretação estreita aos seus interesses
ideológicos, eles consideraram o intelectual cearense como um intérprete da realidade
brasileira, tarefa que ele não se propôs a fazer, segundo opinaram de modo consensual os
estudiosos que, posteriormente, se ocuparam da análise de seu pensamento, em especial
aqueles da década de 1960. Entre os autores que se empenharam no resgate do pensamento
de Farias Brito, após o Congresso Nacional de Filosofia, em 1962, destacam-se, entre
outros, Carlos Lopes de Mattos, Djacir Menezes e Alcântara Nogueira. Esse último
ressaltava com muita propriedade a polêmica em torno das obras do filósofo brasileiro:
Não têm sido pequenas as divergências em torno de Farias Brito. Já
não se trata do que se refere à interpretação de seu pensamento
propriamente dito, mas ao julgamento do que ele representa, o qual
vai desde a exaltação da obra, considerada de alto nível, ainda que
não aceita a doutrina, à negação do próprio mérito da produção,
tida como construção falha sob vários aspectos.
192
Segundo o autor, uns encontraram no pensamento de Farias Brito “um sentido
idealista” e procuraram “descobrir condições para mais ou menos acomodar aquele a uma
forma de espiritualismo”, para chegarem, enfim, “à conclusão de que se o pensador
prosseguisse na sua obra, vivendo mais anos, escreveria uma obra que seria o encontro do
caminho da verdade…”, enquanto outros não tinham meios termos: reduziam a obra do
intelectual “a um conjunto confuso de idéias, totalmente desvalioso”.
193
Djacir Menezes também segue essa linha crítica às interpretações dadas à obra do
filósofo. O autor destaca que “os problemas universais” não mudariam com o clima, a raça
ou devido às condições do solo, pois Farias Brito pensaria, principalmente, nos “problemas
supremos”. Segundo Menezes, o intelectual cearense “caminhava pelas vias abertas na
191
Em sua visita ao Brasil, Sturm deixou publicado, nos anais do IV CNF, as suas impressões a respeito do
pensamento de Farias Brito: STURM, Fred Gillette. “O significado actual do pensamento britiano”, Anais do
IV Congresso Nacional de filosofia. São Paulo/Fortaleza, IBF-MEC, 1962.
192
NOGUEIRA, Alcântara. Farias Brito e a filosofia do espírito. São Paulo: Freitas Bastos, 1962, pp. 7 e 8.
112
cultura européia. Esta, a paisagem que o interessava”.
194
Diante disso, Farias Brito
recuperaria os méritos de sua obra, menos por ter realizado a leitura da realidade nacional,
mas por ter sido um expositor e intérprete dos sistemas modernos que lhe despertavam
interesse.
Essas novas interpretações deixaram de procurar um sistema filosófico único no
conjunto das obras do autor, publicadas entre 1895 e 1914, pressupondo fases distintas e
considerando que seus estudos não seguiram uma só orientação. O conjunto de suas obras
representaria o depoimento de uma alma inquieta, que havia procurado nos livros o sentido
de sua própria existência.
195
Segundo Carlos Lopes de Mattos, o pensamento britiano não
seguiu um mapeamento planejado. Esse desordenamento seria em função da “evolução”
das idéias do filósofo cearense entre os anos de 1895 e 1914.
196
Sob o mesmo viés, Djacir Menezes afirma que Farias Brito promovia a crítica do
positivismo, “não do ponto de vista do progresso científico – mas dos preconceitos
metafísicos, que não descobre de uma vez. Seu pensamento, nesse passo, é reticente, como
pressentindo a vacilante debilidade da tese”.
197
Portanto, sua obra caracteriza-se por
posições de pouca nitidez e de alguma incerteza. Por isso sua obstinação em retomar idéias
e sistemas de outros filósofos e de ter sido alcunhado de “Historiador da Filosofia
Moderna”.
198
Embora os estudos contemporâneos da década de 1960 atestem certos excessos nas
críticas que estudos realizados na década de 1940 fizeram ao filósofo, alguns aspectos
dessas críticas merecem nossa atenção. Cruz Costa, por exemplo, insiste na ausência da
preocupação com a realidade nacional em Farias Brito e destaca o desenvolvimento do
pensamento britiano a partir de idéias estrangeiras.
199
Julgamos que, em parte, a crítica do
193
Idem.
194
MENEZES, Djacir. Evolucionismo e positivismo na crítica de Farias Brito.. Fortaleza: Impr. Universitária
/ UFC, 1962, p. 9.
195
CARVALHO, Laerte Ramos de. A formação filosófica de Farias Brito. 2
a
edição. São Paulo: Saraiva/USP,
1977, p. 32.
196
MATTOS, Carlos Lopes de. O pensamento de Farias Brito. São Paulo: Herder, 1962, pp. 11-47.
197
MENEZES, Djacir, op. cit., p. 36.
198
RABELLO, Sylvio, op. cit., pp. 101-114.
199
“Pouco tempo depois da Revolução de 1924, aparecia, no Rio de Janeiro, um livro original e significativo
(…) Intitulava-se: À Margem da História da República (…) Em um dos capítulos do livro, ao estudar o
problema da nossa consciência nacional, o escritor Tasso da Silveira designara o filósofo cearense Farias
Brito como sendo o verdadeiro intérprete da nossa consciência nacional. Tal afirmação excitou a minha
curiosidade (…) Procurei conhecer as obras do pensador cearense (…) Não encontrei, depois, na folhuda obra
de Farias Brito, nada que me determinasse a mudar de idéia. Farias Brito não era o intérprete da nossa
consciência nacional. Talvez traduza uma certa inquietação a hesitação da nossa inteligência. Mas só isso (…)
A sua hesitante e prolixa ‘filosofia’, é apenas o resumo, o comentário de doutrinas alheias”. CRUZ COSTA. A
filosofia no Brasil, op. cit., pp. 93, 94 e 97.
113
autor se justifica. O pensador brasileiro desenvolveu toda sua filosofia seguindo os
clássicos da filosofia mundial e, paralelamente, se interava das novas teorias filosóficas de
seu tempo, como o chamado “bergsonismo”, corrente de idéias que destacava, entre outras
questões, a utilização da intuição como uma ferramenta para se perceber o espírito. Nesse
sentido, uma “contribuição estrangeira” marcante em Plínio Salgado, a partir do
pensamento de Farias Brito, foi o pensamento de Henri Bergson, como bem destaca o
depoimento do próprio Cruz Costa no prefácio que fez à obra de Hélgio Trindade:
[Plínio Salgado] escrevia possuir uma “intuição secreta” que lhe
daria a “chave para decifrar a psicologia do povo brasileiro”…
Essas idéias vagas, essa linguagem, por vezes apocalíptica, essas
atitudes que me pareciam carnavalescas, não conquistaram a minha
simpatia. Via naquilo tudo um produto nebuloso e ingênuo, mal
digerido, da então incipiente vulgarização da psicanálise e de
resquícios de bergsonismo mal amanhado – em suma, uma
pantomima”.
200
Cabe não esquecer que, entre os intelectuais precursores do movimento fascista,
Sorel foi um dos que mais utilizou os preceitos de Bergson, justamente para superar o
marxismo e revigorar o pensamento socialista. O pensamento sorelista abandonou os
elementos racionalistas e positivistas do socialismo, reduzindo-o através de uma filosofia
da revolução, em que imperavam os mitos revolucionários baseados em uma espécie de
irracionalismo das ações movidas pela intuição.
É necessário destacar que o texto inaugural do fascismo, escrito por Giovanni
Gentile e assinado por Mussolini, evocava os franceses Georges Sorel, Charles Peguy e
Hubert Lagardelle como as fontes inspiradoras do movimento. Tanto Sorel como Peguy
foram influenciados por Bergson, evidenciando a referência do filósofo europeu para o
partido de extrema-direita italiano. Se, de um lado, o fascismo europeu apreendeu o
bergsonismo através de Sorel, de outro, o integralismo brasileiro, em grande medida, se
abasteceu de idéias similares através de Farias Brito.
Por si só, isso evidencia que o pensamento de inspiração brasileira, presente no
integralismo e reivindicado por Plínio Salgado, também se abasteceu de idéias estrangeiras
que deram origem ao fascismo, mesmo tendo sido, na origem, de referência nacional. Nessa
mesma direção, em virtude dessa semelhança, o intelectual brasileiro era, por vezes,
comparado ao pensador francês ou a teóricos do fascismo, como indicava Miguel Reale:
200
CRUZ COSTA. Prefácio. In: TRINDADE, Hélgio. Integralismo: O fascismo brasileiro na década de 30.
1
a
edição, op. cit., p. 6.
114
Costuma-se dizer que a obra realizada por Farias Brito no sentido
de salvaguardar os valores espirituais contra o dominante
dogmatismo materialista, lembra a desenvolvida por Bergson na
França, ou por Benedetto Croce na Itália. É de se notar, porém, que
Bergson e Croce tiveram antecessores da altura de um Bontroux e
de um Spaventa, enquanto que a obra do filósofo cearense não tem
entre nós antecedentes de vulto, é impressionantemente inédita.
Isto lança uma luz forte sobre a personalidade poderosa daquele
que foi o mais original de nossos pensadores e o mais lúcido
expositor e crítico dos grandes sistemas filosóficos.
201
No entanto, embora haja semelhanças entre Sorel e Farias Brito, pois ambos
utilizaram Bergson e serviram de parâmetro para os fascismos italiano e brasileiro,
respectivamente, não podemos classificá-los numa mesma corrente de pensamento.
202
Farias Brito não foi e nunca pretendeu ser o “Sorel integralista”. Além disso, o pensamento
britiano centrou-se fundamentalmente na filosofia, sendo escassas as suas opiniões e as suas
divagações a respeito dos temas que envolviam diretamente a política, sendo que o oposto
se deu com o pensador francês.
203
4.2. A filosofia de Farias Brito: Uma atividade permanente do espírito
A produção intelectual de Farias Brito tem inicio ainda no final do século XIX e tem
seu fim na segunda década do século XX, abrangendo um período de, aproximadamente,
vinte anos. A série intitulada Finalidade do Mundo compõe-se de A Filosofia como
Atividade Permanente do Espírito Humano, de 1895, A Filosofia Moderna, de 1899, e A
201
REALE, Miguel. In.: Cadernos Da Hora Presente, Rio de Janeiro/São Paulo/Belo Horizonte, outubro de
1939, p. 98.
202
Ao contrário de Alberto Torres, que em vários estudos foi enquadrado em uma determinada vertente do
pensamento autoritário brasileiro, numa espécie de consenso, Farias Brito, como vimos, tem sido motivo de
controvérsias e o seu pensamento, igualmente, é de controversa classificação. Na historiografia brasileira,
costumamos mencioná-lo como um intelectual precursor da renovação católica das primeiras décadas do
século XX. Entretanto, na filosofia, o autor tem sido referido como um precursor das idéias existencialistas,
ou elencado como mais um dos discípulos da chamada “Escola do Recife”, tendo como referência o
pensamento de Tobias Barreto. O autor Carlos Lopes de Mattos, ainda em 1962, manifestou essa preocupação
com a falta de um estudo que contemplasse o conjunto das obras do filósofo e que permitisse a compreensão
de seu significado para a História das Idéias no Brasil: “A obra de Farias Brito, já examinada sob vários
aspectos por um bom número de críticos e historiadores, do Brasil e até do estrangeiro, carece ainda, quero
crer, de um estudo de conjunto, que venha apresentar-nos o pensamento vivo do filósofo cearense, seu
significado na história das idéias no Brasil e mesmo seu lugar na história da filosofia universal”. MATTOS,
Carlos Lopes de, op. cit., p. 11.
203
Embora o estudo de Sylvio Rabello ateste uma certa ausência de temas relacionados diretamente à política
nas obras de Farias Brito, Djacir de Menezes observa que o filósofo não deve ser visto como alguém que foi
indiferente à política: “Se o filósofo fosse abastado ou filho de pai alcaide, poder-se-ia dar ao gozo do
isolamento e das leituras, sem quaisquer contatos com a política. Farias Brito era pobre – e a pobreza não
admite a indiferença. Há que arranjar emprego, concorrer, solicitar, reivindicar, acotovelar, abrir lugar ao sol.
Ele foi secretário de governo, maçom, professor de Faculdade, advogado. Não podia ser político tangido pela
ambição de mando, mas esteve de olhos voltados para a liça onde os homens politicavam”. MENEZES,
Djacir, op. cit., p. 11.
115
Verdade como Regra das Ações, de 1905. Em 1912 foi publicada a primeira edição de A
Base Física do Espírito e, em 1914, o último livro do filósofo cearense, o Mundo Interior,
encerra a produção da filosofia britiana.
Segundo Carlos Lopes de Mattos, houve uma insistente reelaboração das idéias de
Farias Brito em seu esforço de pensar sua filosofia, razão pela qual existem
descontinuidades no conjunto de sua obra. Esse pensamento, que parece descontínuo e
inacabado, já havia sido problematizado por Clóvis Beviláqua e Nestor Victor, os quais
identificaram fases distintas que influenciaram o filósofo cearense. Esses autores
afirmavam que Farias Brito teria sido naturalista até 1905 e, desde então, tornara-se
espiritualista. No entanto, Mattos reinterpreta essa classificação:
As duas grandes fases de Farias Brito não devem, pois, ser
caracterizadas como a do naturalismo e a do espiritualismo,
seguindo-se Beviláqua, e sim como monismo e teísmo, sendo que o
filósofo sempre foi espiritualista (como em parte afirmava Nestor
Víctor), de um espiritualismo que poderia chamar perfeitamente
“paralelista” até 1899, e espiritualista na acepção mais própria
desde 1905. A grande transformação que se operou em suas idéias
foi a passagem do monismo (sempre espiritualista em certo
sentido) para o teísmo pluralista.
204
Em suas obras, a partir de 1905, o monismo do filósofo cearense tornava-se
espiritualista, na concepção mais bem definida do termo, principalmente em a Base Física
do Espírito e O Mundo Interior.
205
A mudança mais evidente é percebida na ênfase, em sua
última obra, do pensamento como “coisa-em-si”, na concepção kantiana, resultando daí o
pressentimento do fenômeno da natureza. A “coisa-em-si” era a existência verdadeira,
aquela consciente de si própria. Esse seria um princípio fundamental da existência, a
confirmação do espírito. Da mesma maneira que fez Bergson, Farias Brito tomava o
kantismo para retomar a idéia de que o conhecimento das coisas só seria viável a partir de
determinados raciocínios ou de atividades resultantes da constituição do espírito.
A evolução de seu pensamento foi gradativa, de modo que percebemos os elementos
de continuidade em suas obras, pautadas pelos questionamentos e investigações
progressivas. No primeiro volume que compunha a série Finalidade do Mundo, e que tinha
como título A Filosofia como Atividade Permanente do Espírito, o autor afirmava que as
ciências representariam o pensamento organizado, enquanto a filosofia seria “o
204
MATTOS, Carlos Lopes de, op. cit., p. 46.
205
Genericamente, o monismo procura reduzir a realidade última a uma substância primordial, quer material,
quer espiritual, ao passo que o espiritualismo é um sistema filosófico que se funda na essência espiritual, uma
doutrina metafísica que preconiza o primado do espírito sobre a matéria.
116
conhecimento em formação”.
206
Nesse sentido, a indagação filosófica estaria no processo
de constituição do saber científico, sendo parte de uma primeira etapa de apreensão abstrata
dos dados.
Entretanto, a atividade da filosofia prosseguiria, agora com o auxílio das ciências,
para desvendar o desconhecido. O movimento de busca aos aspectos da realidade seria o
estímulo pelo qual estaria condicionado o espírito, atraído pelo fascínio em relação ao
conhecimento. Em função dessa procura incessante, a filosofia seria o próprio espírito
humano em sua atividade permanente.
Em A Verdade como Regra das Ações, de 1905, e A Base Física do Espírito, de
1912, Farias Brito expôs seu pensamento fundamentando princípios como a verdade e a
moral relacionadas à importância não apenas para a elaboração do saber, mas da própria
existência. A filosofia cumpriria este papel de dar um significado para a existência através
da compreensão da totalidade das coisas, auxiliada em grande medida pelas descobertas da
ciência. Era preciso dar um sentido para os atos dos homens, cujo comportamento e
escolhas orientariam o caráter ético de suas atividades. Tal caráter ético, relacionado com a
moral entre os homens, estaria em comunhão com a finalidade do mundo.
207
Aproximando-se do pensamento de Spinoza,
208
Farias Brito concebia sua ética e sua
metafísica no plano de conscientizar o homem a respeito de si mesmo e de defrontá-lo com
a realidade que o cerca. Diante da necessidade de disseminar a moral, o pensador brasileiro
relacionava a religião, no primeiro e segundo volumes de A Finalidade do Mundo, à
manutenção da ordem. Apesar disso, rejeitava as religiões de seu tempo, pois considerava
mistificação as explicações referentes à transcendência e à divindade do ser.
Para o autor de Finalidade do Mundo, Deus seria a força luminosa que atua no
exterior do ser e a luz interior que representaria a consciência, idéias similares ao conceito
206
“Penso assim: a ciência é o conhecimento já feito, o conhecimento organizado e verificado; a filosofia é o
conhecimento em via de formação”. BRITO, Farias. Finalidade do mundo. 1
o
Volume. 2
a
edição. Rio de
Janeiro: INL, 1956, p. 76.
207
Segundo Benedito Nunes, a relação entre o problema da finalidade do mundo e o conceito de filosofia
como atividade permanente do espírito “se traduz por um encadeamento circular de conceitos, pois que a
finalidade do mundo não pode ser concebida independentemente da finalidade da filosofia, e que dá ao
pensamento de Farias Brito, tão dispersivo e hesitante, quanto prolixo e retórico, por vezes, uma certa unidade
teórica que, se não chega a conferir-lhe um arcabouço doutrinário sistemático, imprime-lhe os traços
inequívocos da universalidade e do propósito de fundamentação racional, com os quais Dilthey caracterizou
as concepções filosóficas do mundo”. NUNES, Benedito. Farias Brito: Trechos escolhidos. Coleção Nossos
Clássicos. Rio de Janeiro: AGIR, 1967, p. 10.
208
Nascido em Amsterdam, Benedictus de Spinoza (1632-1677), mais conhecido como Baruch de Espinoza
(seu nome hebraico), Bento de Espinosa ou Bento d'Espiñoza, foi um dos grandes racionalistas da filosofia
moderna, juntamente com René Descartes e Gottfried Leibniz. Considerado o fundador do criticismo bíblico
moderno.
117
espinozista de substância infinita. A idéia de Deus concebida pelo filósofo, embora
desprovida dos caracteres transcendental e sobrenatural, continha o elemento integral, a
perfeição em seu estado puro. Em outras palavras, todas as coisas se encontrariam em Deus
e a evolução, assim como a gradativa apreensão do saber, seguiria a marcha para a
compreensão do real e o esclarecimento da verdade.
Em A Verdade como Regra das Ações, ele avançou sobre o conceito de verdade, o
qual parecia já estabelecido em seu estudo precedente, relacionando a concepção divina
como a verdade superior. Assim, Farias Brito voltou novamente à problemática filosófica
da finalidade do mundo, desfazendo o absolutismo da verdade e retomando-a como objeto
do conhecimento. Porém, o filósofo não terminaria de explanar sobre o espírito. Todavia
ter-se abastecido das filosofias de Kant
209
e Spinoza e tomado essas idéias por referência
em todas as suas obras, Farias Brito faria ainda um avanço significativo em suas
investigações sobre o espírito, especialmente após o contato com as obras de Renouvier,
Hamelin e Bergson.
Em suas duas últimas obras, A Base Física do Espírito, de 1912, e O Mundo
Interior, de 1914, é que se percebem acréscimos decisivos em relação às obras que
constituem a série de Finalidade do Mundo. Nelas o filósofo destacou a metafísica como
método de investigação dos fenômenos psíquicos, em que “a filosofia era a psicologia, a
ciência do espírito”.
210
O espírito seria uma impressão atestada pela consciência. Seria
impossível, segundo Farias Brito, compreender a existência dos diferentes fenômenos sem
o domínio da consciência. Ela representaria o ser que reage, por meio de sua atividade,
diante dos fenômenos naturais, ou seja, o ser consciente seria guiado pelo espírito.
A referência a Bergson em O Mundo Interior é marcante. O próprio Farias Brito
reconhece a importância do filósofo francês para a sua época: “é uma influência
extraordinária que começa a exercer, a tal ponto que já não se pode filosofar sem tratar de
209
Embora tenha tentado superar a filosofia kantiana, Farias Brito partiu do kantismo para refletir sobre a
teologia e o espírito religioso: “É preciso determinar as condições da experiência, de modo a ficarem
definitivamente lançados os limites do conhecimento; é preciso saber o que se pode conhecer para que se
possa firmar a verdade do que se conhece: tal é o espírito geral do kantismo, de onde vê-se que é exatamente
no kantismo que mais logicamente se pode fazer a crítica da teologia, como do sentimento religioso em geral,
porquanto a religião é também uma das formas fundamentais do conhecimento e o kantismo sendo a crítica do
conhecimento é por isto mesmo igualmente a crítica da religião”. BRITO, Farias. Finalidade do mundo (1
o
volume), op. cit., p. 158.
210
“A filosofia é a psicologia, a ciência do espírito. Tal é, por conseguinte, a nossa tese fundamental”.
BRITO, Farias. O mundo interior (ensaio sobre os dados gerais da filosofia do espírito). 3
a
edição. Lisboa:
Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 2003, p. 75
118
Bergson”.
211
Diante disso, o filósofo cearense articulava suas impressões sobre sua
temática relacionada ao espírito e elaborava sua filosofia em torno do “conhecimento de
si”, como afirma Cerqueira:
Compreende-se que com o conhecimento de si mesmo há
modificação interna no ser pensante (…) Não se resolve, pois, em
conceitos ou generalização de princípios, mas em intuição da vida
e em governo de si mesmo (…) Nisto claramente se vê não
somente a distinção essencial que existe entre a ciência do espírito
e as ciências da natureza (…) As ciências da natureza, ou mais
precisamente as ciências da matéria, são realmente, como pretende
o pragmatismo, e como sustenta, por seu lado, Bergson, e com
Bergson todos os representantes atuais da reação anti-
intelectualista, instrumentos de ação.
212
Segundo Luiz Alberto Cerqueira, Farias Brito já herdara de Tobias Barreto a idéia
de que o homem moderno, consciente de si como energia ou força, era aquele capacitado a
exercer um domínio sobre as coisas, e que esse domínio deveria iniciar através de si, ou
seja, do próprio eu. No entanto, “a idéia de que a mesma força ou energia, que do ponto de
vista da ciência física só se conhece externamente como movimento ou corpo deslocando-
se no espaço, revela-se internamente como consciência, ele encontrou-a em Bergson”.
213
Pondo-se de acordo com o filósofo francês, o intelectual cearense entendia que era
insuficiente indagar se o conhecimento das coisas dependeria da constituição de nosso
espírito e acrescentava a necessidade de distinguir o eu fenomênico, aquele que apenas toca
o mundo, do eu interior, aquele que sente, pensa e se apaixona. Além disso, segundo Farias
Brito,
pensar, só por si, é já fazer teoria psíquica, e agir, só por si, é já
fazer dessa teoria aplicações práticas. A psicologia é uma ciência
intuitiva e concreta, uma espécie de visão interior consubstancial
com o sujeito, e deste modo não é somente conhecimento mas
energia e vida.
214
A coisa em si, para a filosofia britiana, só poderia ser conhecida por observação
interior, ou seja, por introspecção. Assim, somente na distinção entre o mundo interno, ou
entre a subjetividade e a objetividade, que estaria a base ou o critério para distinguir os
fenômenos e a “coisa em si”. Durante a introspecção devia-se manifestar o conhecimento e
o sentimento (na forma de emoção e paixão) para desenvolver a energia psíquica. Dessa
forma, em um momento íntimo e profundo se revelaria a realidade verdadeira, a existência
211
BRITO, Farias. O mundo interior, op. cit., p. 211.
212
Idem, p. 64.
213
CERQUEIRA, Luiz Alberto. Maturidade da filosofia brasileira: Farias Brito, in.: O Mundo Interior, op.
cit., pp. 28-29 (Prefácio à terceira edição).
119
fundamental; numa palavra: o espírito. Essa seria a essência de todas as coisas e o conjunto
de todas as coisas seria a manifestação desse mesmo espírito: “a eterna fenomenalidade em
que este se desenvolve indefinidamente através do espaço e do tempo”. É “o espírito
manifestando-se exteriormente, desdobrando-se sob uma variedade infinita de aspectos,
desenvolvendo, na sucessão sem fim das idades, o drama eterno de sua existência”.
215
4.3. Plínio Salgado e o espiritualismo de Farias Brito
No limiar do século XX, alvorece a Civilização Atlântica. É a voz
da América pela voz da Pátria Brasileira. É a Quarta Humanidade,
que vai aparecer no Novo Mundo. Em 1914, antes da Grande
Guerra, Farias Brito profetizou o advento do Integralismo
Brasileiro, escrevendo estas palavras: “Ouve-se como que o ruído
de uma música distante, a harmonia longínqua de um canto de
guerra, como a anunciar a invasão de um exército salvador, em
campo de batalha onde já começavam a fazer sentir os efeitos
desastrosos da desolação e do terror, a previsão e certeza da vitória
do inimigo. Despertam energias ocultas que dormiam ignoradas no
fundo da consciência”. Esse exército são os camisas-verdes,
batedores dos Tempos Novos, anunciadores da próxima alvorada
humana.
216
As apropriações e a romanceação referentes às idéias do filósofo não diferiam muito
em relação ao mesmo tratamento que Plínio Salgado dispensava a Euclides da Cunha e a
Alberto Torres. Mesmo assim, e embora no trecho descrito acima o intelectual fosse
utilizado como um “profeta do advento integralista”, Salgado costumava se deter mais no
espiritualismo de Farias Brito adaptando-o ao seu pensamento nacionalista-cristão.
A referência ao espiritualismo é constante nos textos de divulgação da AIB. Como
afirma Trindade, “o integralismo, sensível à tradição religiosa do povo brasileiro e
estimulado pelo catolicismo de Salgado, incorpora à doutrina uma concepção espiritualista
do homem e da história”.
217
Em sua cartilha de divulgação do integralismo, em 1933, Plínio
Salgado perguntava: “Qual o destino do homem e da Sociedade?”. Segundo ele, a grande
questão “desde que o mundo é mundo” reside no “grande problema da finalidade do
Homem”.
218
A concepção integralista do mundo agregava o universo, o homem, a
sociedade e as nações, somando e submetendo todos os elementos a um enfoque espiritual.
214
BRITO, Farias. O mundo interior, op. cit., p. 64.
215
“O que há, atrás de tudo o que vemos e percebemos, o que constitui o fundo e a realidade íntima de todas
as coisas, é, pois, o ser sensível e ativo, o ser consciente, ou numa palavra, o espírito. Este é que
rigorosamente constitui o que se chama existência, o ser verdadeiro”. Idem, p. 352.
216
SALGADO, Plínio. A Quarta Humanidade, op. cit., p. 133.
217
TRINDADE, Hélgio. Integralismo: o fascismo brasileiro na década de 30, op. cit., p. 272.
218
SALGADO, Plínio. O que é integralismo. Rio de Janeiro: Schmidt Editor, 1933, pp. 16 e 17.
120
Dessa forma, teoricamente, o elemento materialista se agruparia com o sentido da idéia
(pensamento) e ambos estariam subordinados a um ritmo supremo (espiritual). Como dizia
Salgado:
Consideramos que a finalidade do Homem é transcendental, é
superior, é intelectual e moral. Consideramos, entretanto, que nem
por isso o Homem deixa de ser um índice biológico, isto é, o
Homem é um ser complexo, com aspirações na Terra, como corpo,
e aspirações no Infinito, como centelha da Luz Eterna.
219
Essa interpretação do líder integralista a respeito do “destino superior” do homem
tem a referência na concepção de finalidade em Farias Brito.
220
Para o filósofo cearense a
existência somente faria sentido e teria valor se houvesse um princípio de finalidade, tanto
do homem quanto do universo. O conhecimento do homem seria o fator que animaria a
realidade, a força que daria vida a tudo que existe. Exemplo disso é quando Brito se
apropria do pensamento de Lastarria, atestando que “o fim geral do homem e da sociedade
não pode ser outro senão a vida em toda a sua intensidade no espaço e no tempo”.
221
Segundo Carlos Lopes de Mattos, para Farias Brito, “a natureza deveria ser
concebida como um todo orgânico” e a idéia de finalismo vigoraria na humanidade, assim
como na natureza. A humanidade se desenvolveria “sempre para um estado superior, à
maneira de um todo orgânico. E na consciência humana, a evolução finalista refletir-se-ia
do mesmo modo, obedecendo às mesmas leis”.
222
Em suma, para o pensamento britiano, próximo às idéias de Plínio Salgado de
finalidade do homem, o destino do ser humano, bem como o destino do espírito, “era
aperfeiçoar-se e dar a maior extensão possível às suas energias, e alcançar em todas as
manifestações de sua atividade o mais alto grau de desenvolvimento”.
223
Essa
característica, comum a ambos, foi o ponto de partida para o líder camisa-verde
desenvolver seu ideário espiritualista. No entanto, como veremos adiante, a condição de
“finalidade” em Farias Brito e Salgado diferia no pensamento do primeiro em relação à
concepção cristã do segundo.
219
Idem, p. 29.
220
Salgado, ao explicar o Manifesto de Outubro, em 1957, dizia o seguinte sobre a concepção de finalidade:
“E aí se encontra a influência de Farias Brito quando, no seu livro ‘A verdade como regra das ações’, mostra
que não podem existir normas de moralidade, sem que preliminarmente adotemos uma noção precisa da
origem e da finalidade do Ser Humano”. SALGADO, Plínio. O Integralismo na vida brasileira, in.:
Enciclopédia do Integralismo. Vol. I. Rio de Janeiro: Livraria Clássica Brasileira, 1958, pp. 23-24.
221
BRITO, Farias. Finalidade do Mundo: A filosofia como atividade permanente do espírito. 2
a
edição. 1
o
Volume. Rio de Janeiro: INL, 1957, p. 123.
222
MATTOS, Carlos Lopes de, op. cit., p. 18.
223
BRITO, R. de Farias. O Mundo Interior (ensaio sobre os dados gerais da filosofia do espírito), op. cit., p.
64.
121
Além da noção de finalidade, esteve presente também na simpatia do líder
integralista pelas idéias de Farias Brito a sua crítica ao materialismo: “Farias Brito, nas
páginas de A Verdade como Regra das Ações, desdobra de maneira impressionante a
confusão a que a filosofia, escravizada à volúvel ciência, lançou o mundo
contemporâneo”.
224
O filósofo brasileiro, em síntese, condenava o cientificismo calcado
unicamente pelas “explicações materialistas”. Como dizia Salgado, o filósofo cearense
viveu em uma época propensa às explicações puramente científicas, em que era estimulada,
em toda a sua extensão, a compreensão do elemento material e, muitas vezes rechaçando-se
o elemento espiritual:
Ele, Farias Brito, viveu numa época de materialismo, isto é, num
tempo em que os intelectuais, na maioria, só acreditavam na
matéria e negavam a alma e até a existência de Deus. Essas idéias
eram nefastas ao povo brasileiro, pois saindo desses intelectuais os
governantes e administradores, eles não enxergavam o Brasil como
Nação Espiritual, moral, voltada para as superiores finalidades,
porém como uma simples casa de negócio, dentro de cuja
prosperidade material podiam gozar a vida todos os aventureiros e
velhacos, sem fé, sem Pátria, sem delicadeza de sentimentos.
225
Em Psicologia da Revolução, Plínio Salgado chamava a atenção para essa
preocupação do filósofo e acrescentava que a “concepção totalista do mundo” havia sido
substituída pelo “conceito científico do universo”. Isso acarretaria “a quebra do sentido de
unidade espiritual”. No entanto, saindo do terreno meramente filosófico, Salgado avançava
em direção à economia e à política. Dizia ele que a quebra da unidade espiritual
determinara “a fragmentação da Inteligência Humana e seu conseqüente desprestígio em
face de uma unidade econômica, cada vez maior”.
226
A crítica ao materialismo, por parte do líder camisa-verde, objetivava a condenação
do “liberalismo burguês” e do regime comunista, o qual comparava, paradoxalmente, aos
regimes de índole burguesa. Salgado dizia em Páginas de Combate: “Onde estão as fontes
do comunismo? No materialismo burguês (…) O comunismo é apenas um sintoma do
materialismo grosseiro de que o burguês é a fonte originária”.
227
Em A Quarta
Humanidade, ele considerava o materialismo russo e burguês antifinalistas e, em especial
ao “fenômeno russo”, acusava a negação pela finalidade da existência do regime comunista
224
SALGADO, Plínio. Psicologia da Revolução. 2
a
edição. Rio de Janeiro: José Olympio Editora, 1935, p.
29.
225
SALGADO, Plínio. Nosso Brasil, op. cit., p. 140.
226
Idem, p. 28, 29 e 30.
227
SALGADO, Plínio. Páginas de Combate. Rio de Janeiro: Livraria H. Antunes, 1937, pp. 8-9.
122
como uma prova do empirismo e do positivismo presente em seu pragmatismo:
228
“Esses
[burgueses e comunistas] é que constituem, na forma aparente de suas atividades
pragmáticas, os legítimos representantes do materialismo”.
229
Portanto, a condenação ao capitalismo burguês, alicerçado no materialismo, era
intimamente correlacionado ao pensamento marxista que, para enfrentar a prática burguesa,
procurava as ferramentas de combate no próprio materialismo. Plínio Salgado manifestava
repulsa ao regime comunista especialmente pela negação do sentimento religioso ou
espiritual. Em vista disso, relacionava essa forma de materialismo do regime inimigo a uma
espécie de aberração, pois os comunistas russos considerariam as religiões como
incentivadoras de misticismo, o que supostamente alienaria as pessoas e impediria a
formação de uma consciência crítica. A apropriação do pensamento do filósofo cearense
servia de sustentação para condenar a esquerda política, embora, em nenhum momento,
Farias Brito estivesse em oposição ao comunismo russo ou criticado o regime bolchevique,
até porque Farias morreu ainda em 1917, ano marco da Revolução Russa.
Essa utilização do pensamento britiano para se opor ao comunismo é reveladora do
significado da obra de Farias Brito para Plínio Salgado. A partir do que conhecemos de sua
biografia, ele teria tomado contato com a obra do filósofo logo após ter descoberto o
marxismo. Segundo ele, por volta de 1927, o grupo de amigos composto por Plínio Melo,
Fernando Callage, Jaime Adour da Câmara, Augusto Frederico Schmidt, Raul Bopp, Mário
Pedrosa e Araújo Lima trocava idéias e lia a respeito de Marx. Diante disso, afirmava Plínio
Salgado:
Nossas leituras eram todas marxistas. Não cheguei a ficar
comunista, porque “as novidades” do materialismo histórico já me
tinham fascinado aos dezessete anos, quando lia Buchner,
Lamarcke, Haeckel, Le Bon, devorando a filosofia burguesa de
Spencer, na qual encontrava, agora, tanta afinidade com a obra de
Marx. A recordação das páginas de Farias Brito despertava porém
no meu espírito.
230
Segundo Salgado, a presença do pensamento britiano já estaria inclusa nos seus
primeiros escritos políticos e até mesmo no seu primeiro romance, de 1926, pois em 1927,
228
Ao criticar a falta de espiritualismo no regime comunista, Salgado utiliza-se do argumento do filósofo
cearense: “Farias Brito escreve, em O Mundo Interior: ‘Mas como afirmar ou negar qualquer coisa, sem
reconhecer-se a si próprio como espírito, aquele que nega ou afirma, uma vez que só um espírito, isto é, uma
consciência, pode afirmar ou negar?’ E, aos que repelem Deus e a Alma, replica: ‘A matéria pode ser negada,
porquanto o que se nos apresenta no espaço e aí ocupa um lugar e se move, pode ser uma ilusão, como
acontece no delírio da febre ou nos fantasmas do sonho’”. SALGADO, Plínio. A quarta humanidade, op. cit.,
p 48.
229
Idem, p 49.
123
recordava da leitura do filósofo brasileiro em meio ao grupo que estudava o marxismo. Indo
por essa direção e retomando algumas análises já realizadas sobre o líder camisa-verde,
encontramos algumas referências sobre o “irracionalismo” de Salgado que podem nos dar
pistas relevantes para encontrar a referência mais significativa ao espiritualismo de Farias
Brito.
Nesse aspecto, José Chasin, preocupado com o intuicionismo do líder integralista,
nos dá um bom panorama desse “irracionalismo”, traduzido no método da intuição,
presente não apenas no romance O estrangeiro mas em grande parte do pensamento da
geração modernista.
231
Segundo o autor, alguns personagens de Salgado deslocavam-se
para “além” da consciência transcendental ou da razão absoluta, como é o caso de Juvêncio
(personagem de O estrangeiro) que pressente o verdadeiro significado de sua existência ao
fixar-se no campo.
232
Com um enfoque semelhante, Leonardo Padilha, em estudo recente, fez um paralelo
entre esse irracionalismo, visto na fase modernista de Plínio Salgado, e as referências de
Farias Brito e Graça Aranha, os quais teriam influenciado a geração modernista. Segundo o
autor, ao passo que Graça Aranha foi uma influência para toda essa geração, Farias Brito
teria influído mais diretamente no grupo verde-amarelo e no pensamento do líder
integralista, o qual teria apreendido através do filósofo brasileiro o elemento intuitivo
presente no método filosófico de Henri Bergson.
233
A partir dos “romances plinianos”, Padilha constata que há uma enfática repetição
das idéias de Salgado como se a concretização das mesmas fosse inevitável e que “os
personagens, principalmente aqueles que captam o sentido da pátria, vão expor essa
‘constatação’ aos que não a compreendem, num claro esforço de convencimento destes
últimos a partir dos indícios da fatalidade que se configurava”.
234
Além da utilização da intuição em sua obra literária, Plínio Salgado a utilizava em
sua doutrina política, como veremos adiante. Essa apropriação da “introspecção”,
“intuição” ou “irracionalismo”, seja qual for o termo empregado para designá-la, somente
será entendida se compreendermos o ambiente propenso aos “racionalismos” positivista e
naturalista da virada do século XX e a reação espiritualista que se processou nessa mesma
230
SALGADO, Plínio. Despertemos a Nação, op. cit., p. 13.
231
CHASIN, José, op. cit., pp. 186-187.
232
Idem, ver páginas 243 a 265.
233
PADILHA, Leonardo Ayres. Perscrutar o Hinterland: O pensamento modernista de Plínio Salgado. Rio de
Janeiro: PUCRJ, 2005. Dissertação de Mestrado, Programa de Pós-Graduação da PUCRJ.
234
Idem, p. 94.
124
época, na Europa e, em seguida, no Brasil. Dessa forma, é importante situar o ideário da
geração católica reunida em torno do Centro Dom Vital em relação ao pensamento de
Farias Brito e de Plínio Salgado. Além disso, em seguida, será necessário mencionarmos a
relevância do sistema filosófico de Henri Bergson para o intuicionismo do líder integralista.
4.4. A geração católica e a apropriação das obras de Farias Brito
O primeiro livro que cobrou o despertar e a atenção para as obras de Farias Brito foi
Algumas Reflexões sobre a Filosofia de Farias Brito, de Jackson de Figueiredo, de 1916. Já
destacamos anteriormente que Jackson foi um dos precursores da reação espiritualista
brasileira e um dos mais destacados intelectuais do grupo católico reunido em torno do
Centro Dom Vital. Sua interpretação das obras do filósofo cearense representou o elo de
ligação com a apropriação feita do pensamento britiano pelo grupo católico.
Da mesma maneira que Plínio Salgado, Jackson de Figueiredo dizia-se materialista
até o momento em que lera obras que questionavam o cientificismo e o materialismo, entre
elas as do filósofo brasileiro.
235
A simpatia em relação a Farias Brito é denotada por
Jackson de Figueiredo nos seguintes termos: “Eu o ponho entre os que pensam que ‘a
filosofia é força, é movimento, é vida’, e não como os pragmatistas para quem a melhor é
aquela ‘que exerce mais influência sobre a prática’”.
236
No entanto, não faltava a ele a discordância com determinados termos da filosofia
britiana. Jackson, após citar um trecho de O Mundo Interior, em que Farias Brito
comentava a essência da religião como “a mais alta manifestação da intelectualidade”,
dizia: “Se a religião é a aplicação do pensamento filosófico na ordem prática, ela não será
‘a mais alta manifestação da intelectualidade’ e sim o apurado, o aproveitado (sic) de todo o
esforço da filosofia como atividade do espírito para a interpretação universal”.
237
O intelectual católico entendia que essa idéia de Farias Brito subjugava a religião
“como uma serva da filosofia”, porém, em sentido oposto, ele acreditava que a religião, ou
o sentimento religioso, era anterior a todas as filosofias.
238
Da mesma forma, não concebia
o sentimento religioso como supersticioso ou relacionado à moral – como fizera o filósofo
cearense – e sim um estado de sensibilidade, simplesmente, proporcionado pela fé: uma
235
FIGUEIREDO, Jackson de. Algumas reflexões sobre a filosofia de Farias Brito: profissão de fé
espiritualista. Rio de Janeiro: Revista dos Tribunais, 1916, pp. 15-24.
236
Idem, pp. 26-27.
237
Idem, p.29.
125
contraposição à ênfase dada à razão pelo autor de Finalidade do Mundo.
239
Mesmo assim,
Jackson de Figueiredo, ao mesmo tempo em que tecia a crítica, penitenciava-se dos
julgamentos que ia fazendo sobre o pensamento britiano:
Mas Deus me livre de querer impor o meu pensamento,
pensamento de um pobre cético, de um pobre pessimista cujo único
refúgio é a fé, e se compraz em demonstrá-la algumas vezes com
maior ou menor absurdo. Farias Brito será o primeiro a perdoar-
me; ele saberá ver que eu só quis render-lhe a homenagem que
merece de todos nós, os intelectuais que ainda não esmoreceram
nesta tremenda crise que vai atravessando o pensamento
contemporâneo.
240
Vemos que, acima de tudo, havia uma grande admiração de Jackson por Farias
Brito. E a admiração era recíproca, como nos atesta a carta do filósofo ao intelectual
católico, datada de 30 de setembro de 1915, em que o primeiro confessava a satisfação de
ter encontrado no segundo uma afinidade de pensamentos, apesar de alguns pontos de vista
contrastantes:
[Citando Jackson] “O homem, por si mesmo, é o homem (no
sentido usual da palavra); o homem com o homem, a unidade do eu
e do tu, é Deus”. Foi o que claramente pela vida nova de que me
senti inundado, só pelo fato de ter encontrado uma consciência que
se identificou perfeitamente comigo, na mesma corrente de idéias.
Veio-me então, à mente, esta reflexão: será este o meu discípulo
desejado? Discípulo, não. Encontrei-o, como sabe, espírito feito,
aos vinte e três anos de idade.
241
Jackson de Figueiredo, quando conheceu Farias Brito, já tinha sua independência
intelectual consolidada. Contudo, devido à similitude de interesses em certas questões
filosóficas, de pontos de vista em comum e, principalmente, em função da amizade
construída por ambos, o intelectual católico carregou consigo a referência do pensamento
britiano e a disseminou através dos veículos de divulgação criados por ele: O Centro Dom
Vital e a revista A Ordem.
A interpretação de Jackson em relação às idéias do filósofo cearense, por vezes
discordando do mesmo, também foi seguida pelos discípulos do Centro Dom Vital nas
238
“Creio que a religião é anterior a todas as filosofias. Não sei se digo bem dizendo religião, pois quero falar
do sentimento religioso livre ainda das suas sistematizações, quero referir-me ao sentimento religioso no
indivíduo”. Idem, p. 30.
239
“Eis o que me diferencia essencialmente de Farias Brito. Ele pensa que todo o domínio da vida pertence à
razão. Para mim só a fé nos dá a certeza de que somos alguma coisa de divino que se debate no cenário do
mundo, e procura voltar à sua perfeição, que é Deus mesmo, impossível de ser raciocinado ou pensado,
porque a razão só tem como campo de ação o problema do mundo, do mundo que nos contém e é como uma
sombra interposta entre a nossa ansiedade e a glória eterna, a infinita glória de Deus”. Idem, p. 208.
240
Idem, p. 58.
241
BRITO, Farias. Uma carta de Farias Brito. In.: FIGUEIREDO, Jackson de. Algumas reflexões sobre a
filosofia de Farias Brito, idem, p. 223.
126
décadas de 1920 e 1930. Embora reconhecessem nas obras do autor de Finalidade do
Mundo as idéias precursoras do novo espiritualismo que era propagado naquele momento,
os intelectuais desse grupo católico discordavam de certas posições de Farias Brito.
O exemplo mais contundente dessa tendência, influenciada por Jackson de
Figueiredo, foi a de seu discípulo Alceu de Amoroso Lima, intelectual que liderou o grupo
católico após a morte do mestre. Amoroso Lima dedicou algumas páginas à “estética de
Farias Brito” em Estudos, de 1926. Fica evidente, nessa obra, alguma discordância, que
chegou a classificar como pensamento absurdo,
242
quando identificou uma certa
depreciação no valor da arte por parte do filósofo.
Em contrapartida, também fez ressalvas sobre as qualidades do filósofo, as quais se
sobrepunham aos seus supostos deslizes estéticos. Segundo o autor, apesar de ter
depreciado a importância da arte, “isso não alteraria, entretanto, a importância fundamental
que a estética representa em seu sistema do mundo. Sempre, até o fim, considerou o espírito
como essência da realidade”.
243
Outros intelectuais que escreveram para a revista A ordem, depois da morte de
Jackson de Figueiredo, continuaram reproduzindo a leitura do criador do Centro Dom Vital
a respeito da incredulidade cristã de Farias Brito. Em 1934, J. Vieira Coelho, no artigo
intitulado A concepção do direito e da moral na filosofia de Farias Brito, argumentava que
o intelectual cearense, apesar de culto e versado nos sistemas filosóficos, não foi um
“pensador que tivesse ultrapassado o período da crítica”. Faltaria a ele “a convicção, que é
sempre ou uma graça de Deus ou o produto de uma idéia amadurecida”:
Farias Brito foi um [filósofo] que ficou no meio da carreira. Ele só
seria filósofo, o filósofo que faltava na história do pensamento
humano, no dia em que abraçasse o cristianismo, para onde
marchava com a sua consciência límpida, e com ele ingressasse na
síntese de sua filosofia perene. A melhor prova disso nós podemos
encontrar no seguimento católico que quiseram dar suas idéias e
tendências espiritualistas os seus discípulos de maior caráter.
244
Segundo essa interpretação, o progresso e a continuidade das idéias do filósofo só
foram possíveis graças à acolhida das mesmas pelo grupo seguidor de Jackson de
Figueiredo. Assim, o pensamento britiano foi passível de correção e essa tarefa coube, em
242
“Chegou mesmo a escrever essa coisa absurda: ‘No dia em que se fizer definitiva e completa sobre o
mistério interior, a arte tornar-se-á desnecessária e deixará de ser, por falta de destino”. ATHAYDE, Tristão
de. Estudos: 1
a
série. 2
a
edição (1
a
ed. de 1926). Rio de Janeiro: Ed. de A Ordem, 1929, p. 368.
243
Idem.
244
COELHO, J. Vieira. A concepção do direito e da moral na filosofia de Farias Brito. In.: A Ordem. Rio de
Janeiro: Centro Dom Vital, julho de 1934, p. 13.
127
primeiro momento, aos integrantes do Centro Dom Vital. Isso indica que esse grupo não
negava a falta de crença cristã em Farias Brito e, aliado a isso, o diagnosticava como um
filósofo vacilante, defeito que lhe teria sido corrigido pelo acréscimo da fé, segundo o
receituário católico.
Coincidindo com o pensamento desse grupo, Plínio Salgado confirmava a referência
de suas idéias espirituais no pensamento de Farias Brito, contudo somava a isso o elemento
cristão, desprestigiado no ideário do filósofo cearense. O próprio líder camisa-verde
declarava sua simpatia pelas idéias de Jackson de Figueiredo. Segundo Salgado, o Deus
integralista era cristão, e o integralismo a “confraternização de ‘todos os que, acreditando
num Deus, fazem dele o fundamento indestrutível de toda ordem social’, conforme diz a
Encíclica de Pio XI”. Esse texto teria sido compreendido pelos Integralistas “tanto católicos
como luteranos, presbiterianos ou espíritas”.
245
Dessa forma, no que se trata da concepção
espiritual, o pensamento de Plínio Salgado se aproximava intimamente do grupo católico,
pois, da mesma maneira que esse grupo, tinha referência filosófica em Farias Brito,
acrescida com a fé no cristianismo.
Uma evidência dessa aproximação entre Salgado e o grupo católico, na tentativa de
impor determinada visão sobre o pensamento de Farias Brito, foi a criação, no final da
década de 1930, dos Cadernos da Hora Presente, sob a gerência de Tasso da Silveira. O
primeiro número desse periódico mensal foi publicado em maio de 1939, época em que os
integralistas já estavam na ilegalidade. O plano das atividades propagandeado na revista
aponta para uma tentativa de reedição das obras de Farias Brito, em que participariam
Plínio Salgado e intelectuais membros do Centro Dom Vital.
No primeiro número da revista, destaca-se o artigo de Almeida Magalhães, É
preciso reeditar Farias Brito. O autor abre, com esse texto, a intensificação da campanha
de reconhecimento do valor do filósofo cearense, impressa em todos os números da revista.
Nesse sentido, insistia na necessidade de reeditar o conjunto de suas obras: “Impõe-se a
reedição das obras do filósofo patrício, a fim de que seu espírito e a essência de sua
filosofia sejam conhecidos dos que estudam e pensam”.
246
Segundo o planejamento
publicado na revista, participariam do trabalho de reedição, incluindo a elaboração de
prefácios e comentários sobre as obras, intelectuais como Tasso da Silveira, Jônathas
Serrano, Leonel Franca, Santiago Dantas e Plínio Salgado.
245
SALGADO, Plínio. A doutrina do Sigma, op. cit., p.37.
128
Obras completas de Farias Brito
247
Em edição definitiva, incluindo os inéditos e a correspondência do grande pensador.
8 Volumes, caprichosamente confeccionados, com a harmoniosa e inteligente distribuição
da matéria em 14 tomos:
1
a
Série: - Finalidade do Mundo
Volume primeiro – “A filosofia como atividade permanente do espírito humano”.
(Introdução geral sobre a figura e a obra de Farias Brito, por Tasso da Silveira).
Volume segundo – “A filosofia moderna”.
(Prefácio de Jônatas Serrano)
Volume terceiro – “O mundo como atividade intelectual”.
(Prefácio do Padre Leonel Franca)
Volume quarto – “A verdade como regra das ações”.
(Prefácio de Barreto Filho)
2
a
Série: - Filosofia do Espírito
Volume quinto – “A base física do espírito”.
(Prefácio de Tristão de Ataíde)
Volume sexto – “O mundo interior”.
(Prefácio de Santiago Dantas e Almeida de Magalhães)
3
a
Série: - Complementar
(Poemas. Auto-biografia. Conferências. O Panfleto. O Concurso de Lógica.
Correspondência. Esparsos. Inéditos).
Volume sétimo (Prefácio de Andrade Murici)
Volume oitavo (Prefácio de Plínio Salgado)
Farias Brito, como veremos, nos excertos que publicaremos no próximo número, foi
consagrado pela crítica como uma das celebrações pinaculares do Brasil.
Tal projeto seguia o impulso do livro Farias Brito: o homem e a obra, publicado no
mesmo ano, por Jônathas Serrano, em que o autor deu ênfase à biografia de Farias Brito,
além de incluir os principais pontos do pensamento do filósofo. A partir desse livro, a vida
pessoal do intelectual foi objeto de referência. Depois dele, a exaltação da figura de Farias
Brito podia ser remetida aos seus pequenos feitos pessoais, entre eles, o de ter passado em
primeiro lugar, na frente de Euclides da Cunha, no concurso para a Cadeira de Lógica do
Colégio Pedro II.
248
Assim como no livro de Serrano, os intelectuais que escreveram para os Cadernos
da Hora Presente insistiram na exaltação da biografia do autor de Finalidade do Mundo.
Uma reação a essa evocação ao nome do filósofo e que exemplifica bem o conteúdo da
revista foi a de Sylvio Rabello, que dizia: “O nome de Farias Brito vem necessariamente
como o autor de uma filosofia que não se conhece, mas de que se tem notícia por tradição.
246
MAGALHÃES, Almeida. É preciso reeditar Farias Brito. In.: Cadernos da Hora Presente. Rio de
Janeiro/São Paulo/Belo Horizonte, maio de 1939, p. 65.
247
Idem, contracapa mostrando o planejamento da reedição das obras de Farias Brito.
248
SERRANO, Jônathas. Farias Brito: o homem e a obra. São Paulo: Nacional, 1939.
129
Um mito nacional. E mito que vem sendo explorado por um sectarismo religioso e até por
um sectarismo político”.
249
A exploração desse mito, no entanto, não se deu de forma repentina. O diretor dos
Cadernos, o poeta Tasso da Silveira, era grande admirador de Farias Brito, mas não apenas
do filósofo cearense. Além desse último, Alberto Torres e Euclides da Cunha compunham
uma tríade que era muito divulgada por Silveira. O poeta já havia declarado sua admiração
por Farias Brito e por Torres em seu artigo para a conhecida obra À Margem da História da
República, de 1924, organizada por Vicente Licínio Cardoso.
250
Bem mais tarde, 1937, em
texto publicado para a revista católica A ordem, Tasso da Silveira elencava os três
pensadores como precursores da poesia simbolista no Brasil:
Poderíamos, no Brasil, escrever igualmente volumes inteiros, e
haveremos de fazê-lo, a respeito da significação nova da poesia de
um Cruz e Souza, de um Emiliano Pernetta, de um Silveira Netto,
de um Alfhonsus de Guimarães, ou da sensibilidade diferente de
um Gonzaga Duque, de um Graça Aranha, ou das revelações
inesperadas do pensamento de um Alberto Torres, de um Nestor
Victor, de um Euclides da Cunha, de um Farias Brito. Os nomes
que citei e que não citei por acaso, são, de fato, com mais alguns,
os que definem e delimitam, de maneira mais perfeita, o
movimento simbolista no Brasil. Muitos perguntarão: que têm que
ver com o simbolismo o criador da sociologia brasileira, o paladino
de “Os Sertões”, o filósofo de “O Mundo Interior”? Têm que ver
simplesmente o seguinte: é que nasceram do mesmo inesperado
ambiente de pulsação nova do espírito.
251
Em sintonia com Plínio Salgado, Tasso da Silveira procurava explicar o ambiente
favorável para a atuação intelectual de sua geração em função do “pensamento precursor”
da tríade de autores da geração anterior. Essa consideração ímpar em relação a esses três
intelectuais não ficava restrita somente ao líder integralista e ao poeta católico. Nos citados
Cadernos da Hora Presente encontramos subsídios para pensar que a referência a essa
tríade de autores era comum a outros pensadores.
O exemplo mais candente pode ser visto nas idéias de Geraldo Silos ou mesmo nos
dizeres de Vicente Licínio Cardoso. Geraldo Silos, dizia “que de três fontes iniciais se
249
RABELLO, Sylvio, op. cit., p. XI.
250
“Parece-nos que se poderia traçar assim a curva do desenvolvimento da consciência brasileira (…): o
verdadeiro despertar da consciência nacional em Farias Brito e (inscrevamos agora o nome de outro genial
precursor) Alberto Torres; e finalmente, na geração mais nova, na geração dos que nasceram com a
República, a afirmação de um espírito que claramente vê, que profundamente sofre porque a realidade é
amarga, mas que, sobretudo, infinitamente espera, porque confia na vitória da Inteligência”. SILVEIRA,
Tasso da. A consciência brasileira. In.: À margem da História da República. Tomo II. 2
a
edição. Brasília:
Universidade de Brasília, 1981, p. 45.
251
SILVEIRA, Tasso da. Parnasianismo e simbolismo. In.: A ordem, Rio de Janeiro, Centro Dom Vital,
Janeiro de 1937, pp. 58-59.
130
originou todo o esforço em prol da construção espiritual e política do Brasil: Farias Brito,
Alberto Torres e Euclides da Cunha”.
252
Por sua vez, Licínio Cardoso considerava-os como
“os três marcos iniciais decisivos da independência espiritual do pensamento e da cultura
brasileiras”:
Admiro com fervor puríssimo e álacre a expressão artística de
Euclides da Cunha, a concepção política de Alberto Torres e o
pensamento filosófico de Farias Brito, os três marcos iniciais
decisivos da independência espiritual do pensamento e da cultura
brasileiras (…) Se Euclides conhecesse a obra de Farias Brito, não
teria entrado naquele concurso célebre de lógica.
253
Esses excertos e textos, que encontramos na revista A ordem e nos Cadernos da
Hora Presente, indicam a harmonia de pontos de vista, não apenas sobre o filósofo Farias
Brito, mas também sobre a tríade de pensadores tão mencionada por Plínio Salgado. Não é
por acaso também a referência a Licínio Cardoso, o organizador de À Margem da História
da República, obra em que se viam vários intelectuais que partilharam, à época, de certas
idéias de Plínio Salgado, como Tasso da Silveira, Tristão de Athayde, Oliveira Vianna e
Jonathas Serrano. Todos eles criticando, em maior ou menor medida, o rumo tomado até
então pelo regime republicano.
Da mesma forma, muitos deles viram em Euclides da Cunha, Alberto Torres e
Farias Brito os intelectuais-símbolo de exceção de uma incipiente República, os quais
teriam destoado de alguma forma, justamente por terem se ocupado dos problemas
nacionais, como Euclides e Torres, ou por terem rompido com o positivismo dominante,
como foi o caso de Farias Brito.
A geração de ideólogos católicos, a qual Salgado acompanhou de perto, foi uma das
fontes que abasteceu o pensamento do líder integralista no que se refere ao seu ideal cristão.
A boa relação entre o grupo católico e os integralistas era fruto de uma aproximação das
idéias oriundas do Centro Dom Vital e do pensamento de Plínio Salgado. As apropriações
das obras de Farias Brito são um bom exemplo disso, pois em ambos os lados, católico e
integralista, revelam, em relação ao filósofo cearense, a exaltação das mesmas virtudes.
Em suma, o intercâmbio de idéias propiciado a partir de sua geração, seja por livros
de autores do grupo verde-amarelo, seja pelos autores do Centro Dom Vital ou de outros
intelectuais autoritários e nacionalistas, no sentido de pensar “a realidade nacional”,
impulsionou suas reflexões a respeito da nacionalidade brasileira. Da mesma forma,
252
SILOS, Geraldo. Pensador da Nova Geração. In.: Cadernos da Hora Presente, Rio de Janeiro/São
Paulo/Belo Horizonte, outubro de 1939, p. 137.
131
propiciou uma interpretação semelhante aos autores de sua época em relação aos
intelectuais em questão.
4.5. A intuição em Bergson
A filosofia de Henri Bergson (1859-1941) esteve relacionada com o positivismo do
século XIX e com a tentativa de superar essa corrente de idéias através do espiritualismo. O
intelectual francês buscou na relação entre o conhecimento científico e a metafísica os
princípios para a explicação da realidade. O real seria evidenciado pela consciência e seria
sinônimo de duração. No interior da consciência é que se revelaria a percepção verdadeira,
em que somaria a experiência e a intuição. Assim, para Bergson, o elemento intuitivo
representava o significado da verdadeira experiência, a chave para se desvendar as lacunas,
o ato que colocava o ser humano no interior das coisas, em suma, uma atividade viva.
Bergson está inserido na tendência do espiritualismo francês, alavancado por uma
filosofia voluntarista e personalista, que teve entre seus precursores nomes como Maine de
Biran, Ravaisson-Mollien, Jules Lachelier e Émile Boutroux, de quem Bergson fora
discípulo. Além disso, o filósofo partiu do evolucionismo de Spencer, numa tentativa de
aprofundar os fundamentos desse sistema, realizando seus estudos que, por vezes, se
aventuravam pela chamada “crítica da ciência”. Entre as obras do autor, a que mais
especula sobre os princípios de ética e religião é As Duas Fontes da Moral e da Religião
(1932), embora tenha constituído, em três obras escritas anteriormente, as bases de sua
filosofia sustentada pelo espiritualismo: Ensaios Sobre os Dados Imediatos da Consciência
(1889), Matéria e Memória (1896) e A Evolução Criadora (1907). Nessas obras,
encontramos a sua teoria do conhecimento, sua psicologia e sua metafísica.
Uma das principais noções dessa filosofia espiritualista era condicionada pelo élan
vital, o impulso vital, traduzido pela própria vontade de Deus.
254
Diante dessa idéia, o ser
humano seria dotado da qualidade de superar o dom da inteligência através do impulso
criador, ultrapassando mesmo os níveis da moral e da religião. O impulso vital na vida do
homem desenvolve a inteligência. Na filosofia, a inteligência, genericamente, é a
253
Idem, p. 159.
254
“Se a vida realiza um plano, deverá manifestar uma harmonia mais elevada à medida que avançar mais.
Assim, a casa desenha cada vez melhor a idéia do arquiteto à medida que as pedras se erguem umas sobre as
outras. Pelo contrário, se a unidade da vida se acha por inteiro no impulso que a impele ao longo da estrada do
tempo, a harmonia não se acha em frente, mas atrás. A unidade vem duma vis a tergo: é dada no início como
impulso, e não afirmada no fim como atrativo”. BERGSON, Henri. A evolução criadora. Rio de Janeiro:
Delta, 1964, p. 126.
132
capacidade de conhecer, de forma geral e abstrata, os objetos materiais a fim de se chegar à
compreensão dos objetos espirituais.
Para Bergson, necessariamente, a faculdade humana que corresponde à matéria é a
inteligência, a qual se orienta em direção à ação, e esse estímulo ao movimento é que
comandaria a forma que o intelecto iria assumir. Como o domínio dessa inteligência é a
matéria, ela a captura para instrumentalizar os corpos. Em razão disso, além de captar os
fenômenos, a inteligência apreende também a essência das coisas.
Bergson explicava a compreensão da essência da matéria pela utilização da
inteligência, pois, segundo ele, ela teria a capacidade de analisar algo minuciosamente para
que se pudesse conhecer a natureza de um objeto ou sua constituição. Ademais, ela poderia
decompor e recompor esse objeto para a busca de sua clareza e de sua distinção. Por outro
lado, a inteligência não teria a capacidade de compreender a duração real, ou seja, a vida, o
tempo real, aquele que é pressentido pela consciência e que tem como característica
essencial exatamente a duração. Essa condição da inteligência lhe seria imposta pela
própria natureza, em que o intelecto relacionaria erroneamente as formas materiais,
passíveis de cálculo, com o mundo da duração, representado pelo espaço.
255
Na época de Bergson, especialmente na virada do século XX, em que havia a
tendência a um pensamento hegemônico vinculado ao cientificismo, a noção de tempo tinha
também uma concepção científica e positivista, de modo análogo à noção de espaço. A
idéia de tempo era homogênea e atrelada às posições em que se davam os acontecimentos.
Nesse sentido, o tempo passado diferiria dos tempos presente e futuro somente pela razão
de anteceder a ambos. Bergson argumentava que a consciência era de caráter contínuo e
não tinha intervalos marcados, a exemplo de uma febre de característica intermitente.
Por isso, nenhum estado de consciência se revelaria semelhante ao outro e, por
conseqüência disso, as sucessões desses estados se apresentariam de maneira diversificada
e representariam a verdadeira noção de tempo, ou seja, de duração. Vale dizer que a
duração não se reduziria apenas ao estado da consciência, sendo estendida para o
255
Nas palavras de Bergson: “é possível perceber, no tempo, e apenas no tempo, uma sucessão pura e simples,
mas não uma adição, isto é, uma sucessão que viesse a dar numa soma. De fato, se uma soma se obtém pela
consideração sucessiva de diferentes termos, ainda é necessário que cada um destes termos persista quando se
passa ao seguinte e espere, por assim dizer, que lhe acrescentemos os outros: como esperaria ele, se não
passasse de um instante da duração? Onde esperaria, se não o localizássemos no espaço? Involuntariamente,
fixamos num ponto do espaço cada um dos momentos que contamos, e é apenas com esta condição que as
unidades abstratas formam uma soma (…) É possível perceber os movimentos sucessivos do tempo
independentemente do espaço”. BERGSON, Henri. Ensaio sobre os dados imediatos da consciência. Lisboa:
Edições 70, 1988, pp. 59-60.
133
significado da realidade (a vida). Dado que o estado real representaria a própria vida,
tornava-se necessário um método que fosse capaz de decifrá-la. Sendo assim, para o
filósofo francês, a única forma de se conhecer a duração seria através do método da
intuição.
A intuição, ao contrário da inteligência, não estaria a mercê da ação e da prática. Ela
não analisaria minuciosamente a partir da constituição do raciocínio laborioso, e sim
perceberia por meio da mera visão, de um pressentimento. Em outras palavras, ela viveria a
realidade da duração através da memória.
256
Essa capacidade de intuir, contudo, não seria
de fácil apreensão e somente poderia ser adquirida em determinados momentos, intrínsecos
a certas situações e, necessariamente, em instantes ou ocasiões íntimas de cada pessoa. Em
razão dessa particularidade íntima, seria possível conhecer a realidade do próprio eu, uma
unidade que comporia os vários estados da duração real.
Segundo a premissa de que as forças atuantes em todas as coisas seriam percebidas
pelo ser humano, Bergson defendia a idéia de que os sentidos do homem interagiam com
essas forças. Haveria uma participação do ser humano na dinâmica de tudo o que está
diante da vista, daquilo que se cheira ou do que se toca. Deveríamos, por esse raciocínio,
penetrar no interior de nós mesmos – quanto mais profundo fosse o ponto a que se tivesse
chegado, mais intenso o impulso que nos levaria à superfície. Seria a intuição filosófica este
contato e seria a filosofia este impulso. A vantagem do método intuitivo estaria presente na
forma de perceber de imediato o objeto e todo o seu dinamismo, em que se poderia entrever
mesmo suas nuances e modificações.
4.6. A Intuição em Plínio Salgado
Embora insistisse na negação do messianismo, Plínio Salgado utilizava, sem dúvida,
uma retórica em tom profético. Embora o estudo de seus romances seja importante para
captar as situações de fatalidade e de caráter inevitável do finalismo intuitivo de seus
personagens, como o fez José Chasin ao analisar o irracionalismo de Salgado, o estudo de
suas obras políticas revela mais claramente a natureza do intuicionismo do líder camisa-
verde. Nesse sentido, detendo-nos em alguns trechos de Despertemos a Nação fica explícita
256
“No que concerne à memória, ela tem por função primeira evocar todas as percepções passadas análogas a
uma percepção presente, recordar-nos o que precedeu e o que seguiu, sugerindo-nos assim a decisão mais útil.
Mas não é tudo. Ao captar numa intuição única momentos múltiplos da duração, ela nos liberta do movimento
de transcorrer das coisas, isto é, do ritmo da necessidade. Quanto mais ela puder condensar esses momentos
num único, tanto mais sólida será a apreensão que nos proporcionará da matéria”. BERGSON, Henri. Matéria
e Memória (ensaio sobre a relação do corpo com o espírito). São Paulo: Martins Fontes, 1999, pp. 266-267.
134
a intenção de Salgado de profetizar a sua trajetória, ou seja, anunciar por conjeturas,
antecipadamente, o futuro, que lhe teria sido dado por inspiração divina: “Uma intuição
secreta me dizia, porém, que eu tinha na mão a chave para decifrar a psicologia de um
povo, que seria necessário conhecer, antes de pretender dirigi-lo”.
257
A intuição, como vimos em Bergson, se aproxima do espiritualismo apresentado em
O Mundo Interior, revelado por Farias Brito. Em outras palavras, de modo geral, representa
a introspecção, o sentimento interior que não é dado pela exterioridade ou pelo meio
material. O próprio líder integralista reconhecia que para ele, lembrando de sua trajetória no
verde-amarelismo, se criou a necessidade de um outro modelo de nacionalismo, que
deixasse o pictório, o exterior, de lado e se voltasse para o interior, para o elemento
intuitivo:
Pela mesma maneira como, com os verde-amarelos rompi contra os
chamados modernistas porque se desviavam do rumo de uma
revolução necessária, também senti que o verde-amarelismo se
estacionava num nacionalismo demasiadamente “exterior” e
pictório. Urgia um nacionalismo “interior”, intuitivo.
258
Como um ideólogo, aos moldes fascistas, Plínio Salgado recomendava a utilização
da consciência interior para se implementar um movimento revolucionário em Psicologia
da Revolução. Nessa obra, o principal conceito que permeia o seu raciocínio é o de “idéia
força”, referência ao filósofo italiano Adriano Tilgher (1887-1941), aliado à noção
bergsoniana do arbítrio dado pela consciência em contato com o meio material, como ele
mesmo confessa em A Quarta Humanidade:
Sem chegarmos aos exageros de Nietzche, ou ao conceito absoluto
da Idéia Força, desse magnífico pensador da Itália nova, que é
Adriano Tilgher, nós ampliamos o pensamento de Bergson, quando
afirma que cada um de nossos atos indica certa inserção de nossa
vontade na realidade. “São as linhas da ação-possível”, diz ele. É a
permanência da revolução, dizemos nós.
259
A idéia-força seria condicionada pela oportunidade histórica determinada através da
interpretação de um sentido social oportuno, ou seja, entre a relação do homem com a
sociedade, entre a idéia humana e o fato histórico.
260
Assim, o momento de implementar a
idéia força seria pressentido e as ações corretas seriam dadas também pela consciência:
“Entre o bem e o mal, só a consciência esclarece e só o livre arbítrio decide”.
261
Mas, ao
257
SALGADO, Plínio. Despertemos a Nação, op. cit., p. 12.
258
Idem, p. 10.
259
SALGADO, Plínio. A quarta humanidade, op. cit., p 116.
260
SALGADO, Plínio. Psicologia da Revolução, op. cit., p. 22.
261
Idem, p. 24.
135
mesmo tempo, Salgado, procurava relativizar o uso da idéia-força, considerando a
possibilidade do erro que estaria fora da vontade interior:
Se o mundo inorgânico e os seres organizados, mas sem
consciência, errassem, isso significaria que Deus errava. Só o
homem erra, porque tem consciência e livre arbítrio. O
inconsciente não é movido por uma vontade interior, mas pela
vontade exterior de um interferente, que é de um modo absoluto,
Deus, e de um modo relativo, o homem.
262
A finalidade do homem, no sentido dado por Farias Brito, seria o princípio buscado
por Salgado através das revoluções para estabelecer o equilíbrio de uma sociedade sem
angústias. Segundo o líder camisa-verde, os integralistas “aceitavam a precedência, a
permanência e a prevalência de um conceito moral supremo, fonte da energia
revolucionária e expressão da finalidade superior do homem”.
263
Salgado, dessa forma, negava a capacidade absoluta da Idéia-Força, mas afir-mava o
seu valor relativo e predominante sobre o determinismo compreendido pelos evolucionistas
e pelos críticos materialistas. Em síntese, considerava a inteligência, por si mesma, um erro
de cálculo e não um erro moral. Por isso, a inspiração sobrenatural só poderia vir do interior
e nunca do exterior, das leis imperantes na natureza que, por vezes, confundiriam o sentido
dos homens.
O finalismo de Salgado estava articulado com a sua idéia de revolução. Nesse
sentido, traduz-se um caráter de transformação, típico do totalitarismo. Seu misticismo é
comparável às correntes revolucionárias inspiradas no intuicionismo de Sorel que levaram o
fascismo ao poder na Itália. A intuição do “chefe”, do “condottiere”, é aquela que move a
direção da ação. A trajetória de Plínio Salgado é marcada por uma espécie de missão
espiritualista e nacionalista, a qual ele considerava tarefa de sua geração, mas que lhe deu
enfim a responsabilidade, segundo ele mesmo afirmava, de conduzir os destinos da nação:
“Só o chefe deverá saber, no instante supremo em que o destino dos povos lhe falar aos
ouvidos”.
264
O discurso ambíguo de Salgado, que em certas situações não assumia a
responsabilidade da chefia, é contraposto por outras declarações em que ele assumia a
postura messiânica, o que evidencia, uma vez mais, a racionalização de sua liderança.
A intuição, sob o ponto de vista descrito acima, funcionava como uma estratégia
carismática, pois, ao mesmo tempo em que a filosofia de Salgado propunha uma ruptura na
ordem política, buscava a conciliação no sistema integral, de síntese. Em suma, uma
262
Ibidem, p. 20.
263
Ibidem, p. 33.
136
verdadeira dubiedade na práxis teórico-política do Chefe integralista. Da mesma forma,
funcionava como a ferramenta reguladora de suas ações. Isso condicionava a
irracionalidade das atitudes “teórico-práticas”, como o norteamento da mentalidade
direcionada ao homem do sertão em detrimento do homem do litoral.
A presença de Farias Brito no finalismo imposto ao sertão foi uma soma ao estudo
precursor de Euclides da Cunha. Farias Brito, talvez, foi para Salgado o que Sorel
representou para Mussolini. Se o pensamento do último agiu decisivamente para a
construção do corpo da doutrina fascista, a filosofia do primeiro seguiu o mesmo rumo com
relação à constituição do ideário integralista, com a diferença de que o pensador cearense
não foi contemporâneo à Ação Integralista Brasileira e não apoiou tal movimento.
O filósofo brasileiro, ao contrário de Salgado e dos integrantes do Centro Dom
Vital, não era católico e sequer dizia-se cristão. Da mesma maneira não assumia uma
postura anticomunista, mesmo porque a época em que viveu não conheceu o sucesso da
Revolução Bolchevique. Entretanto, de modo geral, percebemos também as semelhanças
entre Farias Brito e Plínio Salgado, como a idéia de finalidade e a introspecção interior,
embora, talvez chamem mais atenção as diferenças entre ambos pensadores.
Isso, porque, de certa forma, a maneira como a sua obra foi apropriada demonstre a
utilização política estratégica não apenas de suas idéias, mas, principalmente, de sua
biografia. Aproveitando-se do momento oportuno, em que os integrantes do Centro Dom
Vital construíram o prestígio que o filósofo brasileiro nunca tivera até então, Salgado pôde
integrar-se no meio católico e mesmo compartilhar de uma sociabilidade no que diz
respeito às idéias do pensador cearense. Depois de tudo, e apesar das diferenças, o
pensamento de Farias Brito talvez seja o que mais se aproxime do ideário de Plínio Salgado
entre a tríade de pensadores por ele citada.
264
SALGADO, Plínio. Páginas de Combate, op. cit, p. 89.
137
5. APONTAMENTOS FINAIS
Mais do que uma simples referência para o pensamento de Plínio Salgado, os
intelectuais aqui mencionados foram objetos de uma racionalização imposta pelo líder
camisa-verde através de suas idéias e biografias. Havia um desejo de síntese (como foi
peculiar na doutrina integralista) expresso não apenas na forma como foi lida a tríade de
pensadores mencionada, mas também na aproximação com as idéias de certos autores
contemporâneos à geração de Salgado e na maneira como eram reportadas outras
personalidades históricas que, de uma maneira ou de outra, eram lembradas como “os
heróis brasileiros” do passado.
É necessário dizer que não podemos prescindir, em hipótese alguma, do fenômeno
fascista para explicar o advento do integralismo. Em certo sentido, essa racionalização feita
em torno dos “heróis da pátria” pelos integralistas se identificava com o modelo
nacionalista italiano da mesma época, pois o mesmo retomava o passado de forma
idealizada e romanceada. Somado a isso, não eram poucas as analogias feitas pelos próprios
dirigentes camisas-verdes entre o seu movimento e os demais movimentos de característica
fascizante. O próprio Gustavo Barroso chegou a considerar a AIB como uma alternativa
que se colocava ao lado de outros partidos que poderiam ser classificados como fascistas,
tendo como o principal elemento em comum o nacionalismo.
265
É verdade que há distinção entre os pensamentos dos homens que compuseram o
primeiro escalão de comando integralista, mas é preciso compreender que a ênfase dada por
Salgado às referências nacionais de seu pensamento foi fundamental para constituir uma
das importantes premissas dos movimentos fascistas, a caracterização pelo nacionalismo.
Dessa forma, é necessário considerar as idéias de Plínio Salgado, e a sua busca de
265
Embora considerasse o integralismo um co-irmão do fascismo Gustavo Barroso destacava uma pretensa
originalidade de seu movimento, posição semelhante às assumidas por Plínio Salgado e Miguel Reale: “Essa
doutrina não vem de fora, através de traduções, como a dos marxistas. Ela nasce do sentimento, da
compreensão e do amor à realidade brasileira. Ela vem da tradição cristã da nossa vida. Ela se projeta em
dezenas de volumes de autores nacionais integralistas. Não é um empréstimo; é uma criação”. BARROSO,
Gustavo. Espírito do Século XX. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1936, p. 17.
138
racionalização da doutrina da AIB, interligadas tanto ao parâmetro fascista, quanto aos
subsídios de suas leituras nacionais, além da referência aos intelectuais de sua geração. Ao
interpretar as idéias de Euclides da Cunha, de Alberto Torres e de Farias Brito, Salgado
teve a influência (no sentido de que suas leituras dialogaram com a interpretação de
terceiros) dos intelectuais do movimento verde-amarelo, dos pensadores católicos,
conservadores e autoritários. Isso mostra a presença em suas idéias de correntes de
pensamento atuantes no Brasil, mas não esconde o fato de que essas mesmas correntes eram
simpatizantes dos modelos autoritários europeus.
Ao utilizar a biografia e o pensamento dos três intelectuais brasileiros junto às
manifestações intelectuais de sua geração, Plínio Salgado promovia um esforço de síntese
que contemplava diversos elementos do pensamento nacional. Da mesma maneira, esse
esforço de síntese deixava de contemplar, muitas vezes, o significado das obras dos
intelectuais, uma vez que apreendia conteúdos de destaque desses livros em detrimento de
outros, igualmente significativos. Devemos estar cientes de que esta prática não foi, e não é,
exclusiva do líder integralista. Entretanto, ressaltamos que a utilização dos intelectuais
assumia, por vezes, o caráter estratégico, como uma espécie de propaganda e respaldo para
a doutrina do sigma. Esse ponto foi fundamental para a mescla entre as idéias integralistas e
as idéias dos pensadores brasileiros que foram analisados.
A obra máxima de Euclides da Cunha, Os Sertões, representou para Plínio Salgado
a descoberta do Brasil interiorano, abandonado, destoante dos grandes centros. O confronto
entre sertão e litoral foi um dos elementos mais mencionados pelos primeiros comentadores
da obra como uma significativa contribuição de Euclides para elucidar aspectos da
realidade nacional. As apropriações de Salgado, e de outros intelectuais de seu tempo,
como Cassiano Ricardo, não foram diferentes, até porque o líder integralista sempre deixou
clara a sua referência no pensamento euclidiano.
No entanto, embora houvesse esse ponto em comum, Plínio Salgado fez alguns
acréscimos à idéia de confronto entre sertão e litoral exposta na obra Os Sertões. Em
nenhum momento Euclides da Cunha idealizou o sertão. Ao contrário, o sertanejo é que era
um forte por resistir às dificuldades impostas pelo meio físico. Para Salgado, o sertão era o
lugar onde a inocência ainda se guardava, em que imperavam as esperanças futuras. Um
lugar livre das nefastas influências das grandes cidades, as quais se abririam para toda a
espécie de males oriundos do estrangeiro.
139
O determinismo (ciência) foi o fator preponderante na escrita do autor de Os
Sertões, enquanto a intuição (espírito) foi o fator de maior relevância para Salgado.
Exemplo disso é a caracterização dos personagens de Plínio Salgado no romance O
estrangeiro, em que Juvêncio era o “destinado à felicidade”, pois achara a nacionalidade
em contato com a terra, com o sertão, enquanto Ivã, apesar de enriquecer, não encontrou o
significado de sua existência com sua mentalidade cosmopolita. Nesse sentido, para
Salgado, o verdadeiro “espírito” (a satisfação interior) se encontraria no sertão e não no
litoral.
O líder integralista deixava clara essa rejeição pelo cientificismo de Euclides da
Cunha, mas não perdia a oportunidade de exaltar a obra e a biografia do intelectual. Em
relação à figura do autor de Os Sertões, Salgado somava o mérito de grande escritor ao
suposto valor moral do mesmo, exaltando-o como um “herói da pátria”. E mais: segundo o
Chefe dos camisas-verdes, se o pensador estivesse vivo, seria integralista, bem como
Alberto Torres e Farias Brito.
Um sintoma da apropriação da figura de Euclides por Plínio Salgado em
consonância com o movimento verde-amarelo foi a comparação do escritor com Machado
de Assis. A mesma comparação de ambos intelectuais foi feita anos depois por Cassiano
Ricardo, uma evidência da sociabilidade de idéias presente naquela corrente modernista, em
que participaram além de Salgado e Cassiano Ricardo, Menotti Del Picchia e Cândido
Motta Filho.
Motta Filho foi quem melhor descreveu a retomada de Alberto Torres por sua
própria geração. No livro prefaciado por Plínio Salgado, Alberto Torres e o tema de nossa
geração, o autor apresentava uma apropriação da obra torreana em consonância com
Salgado. Ambos apontavam algumas restrições às idéias do intelectual fluminense,
especialmente ao que concernia à proposta de organização do Estado dentro da ordem
liberal.
Embora houvesse uma retomada das obras de Alberto Torres, na década de 1930, os
intelectuais daquela geração seguidamente chamavam a atenção para supostos equívocos do
autor de O problema nacional brasileiro. Além de Motta Filho e Salgado, pensadores como
Oliveira Vianna e Tristão de Athayde teciam elogios, ao mesmo tempo em que corrigiam as
idéias do intelectual fluminense.
É certo que havia também concordâncias entre os pensamentos de Torres e Salgado.
O líder camisa-verde aproximava-se de Alberto Torres no tocante ao ideal de raça,
140
concordando com ele em relação à idéia de que o homem brasileiro não seria inferior a
nenhum outro. Também estavam de acordo quanto ao nacionalismo, representado na noção
de evidenciar os reais problemas do País. Além disso, ambos eram a favor de um poder
coordenador e verticalizado. Mesmo assim, apesar das tentativas de comparar o pensamento
de Alberto Torres com o integralismo, Plínio Salgado não conseguiu esconder as
divergências com o autor.
Um dos pontos de divergência foi na maneira como era vista a religião. Para
Salgado, o elemento religioso deveria estar presente na organização política da nação,
enquanto que, para Torres, dever-se-ia separar a religião do Estado. Além disso, como já
destacamos, outra discordância foi a idéia da forma de implantação do Estado centralizado,
o qual deveria ser instituído dentro da ordem liberal para o intelectual fluminense.
Somado a isso, é relevante lembrar que os estudos que se debruçam sobre os
pensamentos de Alberto Torres e Plínio Salgado nos dão subsídios para distingui-los,
respectivamente, segundo as noções de autoritarismo e de totalitarismo. As características
proeminentes do autoritarismo no ideário torreano ficavam por conta de um maior
conservadorismo, diferente do caráter revolucionário presente no conjunto das idéias de
Salgado. O racionalismo do intelectual fluminense aproximava-se muito mais de Miguel
Reale, um autor que exprimia também conceitos de ordem conservadora.
No pensamento do líder integralista percebia-se um irracionalismo intuitivo,
semelhante à introspecção interior proposta por Farias Brito, com o propósito de se
estabelecer contato com o sentido espiritual. Tal irracionalismo foi transmitido pela obra do
filósofo cearense a Plínio Salgado através da noção de intuição em Henri Bergson, autor
que foi referência aos teóricos, oriundos da França e da Itália, que serviram de inspiração ao
fascismo.
Ao lado da intuição a idéia de uma finalidade superior do homem, calcada em suas
atividades espirituais, teve uma importância significativa para o integralismo de Salgado. A
partir daí, o líder integralista relacionou essa finalidade espiritual ao contraponto da idéia
material. O materialismo criticado por Plínio Salgado era lido na obra britiana e relacionado
com o materialismo comunista, encadeamento que Farias Brito nunca construiu, mesmo
porque ele faleceu antes da consolidação do novo regime soviético.
Da mesma forma que nos casos anteriores, as discordâncias de Plínio Salgado com
esse intelectual iam ao encontro das posições ostentadas por certos pensadores de sua
geração que se apropriaram das idéias do filósofo. Esse grupo se constituiu em torno do
141
Centro D. Vital e realizou a leitura do autor conforme a interpretação do fundador do
Centro: Jackson de Figueiredo.
Esse intelectual, autor da obra Algumas reflexões sobre a filosofia de Farias Brito
reconhecia sua divergência em relação ao filósofo, a quem prestava grande respeito e
admiração, mas cuja obra era julgada como desprovida do elemento que Figueiredo
considerava indispensável: o cristianismo. Da mesma maneira, Plínio Salgado absorvia a
intuição do intelectual cearense, mas acrescentava a ela o ideal cristão, indo ao encontro da
apropriação feita do pensamento do filósofo por Jackson de Figueiredo, estando em perfeita
sintonia com a utilização da obra e da biografia de Farias Brito feita pelos intelectuais do
grupo Dom Vital.
Há de se destacar também que a apropriação em conjunto dessa tríade de pensadores
não foi restrita a Plínio Salgado. Autores como Licínio Cardoso e Tasso da Silveira também
mencionavam os três intelectuais como uma espécie de síntese. Esse é mais um indício de
que as principais referências nacionais de Salgado não se limitavam à citada tríade de
autores, e sim, abrangiam em maior medida, os intelectuais das décadas de 1920 e 1930 que
também fizeram a leitura das obras de Euclides da Cunha, de Alberto Torres e de Farias
Brito.
Tal apropriação, também, não seguiu apenas uma orientação, porque as idéias estão
condicionadas ao ambiente em que são criadas e ao receptor que as recria. Por essa razão o
pensamento dos intelectuais caros ao Chefe dos camisas-verdes, na década de 1930, foi
transformado e recriado, condicionado ao contexto histórico brasileiro e ao contexto
europeu com a ascensão dos novos modelos políticos autoritários, ajudando a dar um
sentido nacional à doutrina liderada por Plínio Salgado. Da mesma maneira, esse
pensamento teve de ser repensado no cenário pós-guerra. Além disso, os elementos
próprios presentes em determinados meios da geração do líder integralista é que parecem
ter propiciado a apropriação particular das obras pertencentes à tríade dos intelectuais
mencionados, sugerindo que a interpretação dada pela geração de Salgado às idéias de
Euclides, Torres e Farias Brito teve mais peso em seu pensamento do que as próprias obras
dos referidos pensadores.
142
6. APÊNDICE
A apropriação dos intelectuais brasileiros no movimento integralista
Ultrapassando o espaço restrito às obras do líder da AIB, os intelectuais brasileiros
apropriados por Plínio Salgado serviram como subsídio teórico para a doutrina integralista
em outros meios de disseminação do movimento. Apesar das diferenças entre os
intelectuais mencionados e o pensamento do líder camisa-verde, as semelhanças que havia
entre as obras dos autores e os elementos defendidos na doutrina do sigma eram
amplamente exploradas na imprensa da AIB. Os colunistas que escreviam para os jornais
integralistas seguidamente embasavam suas opiniões sobre política, economia, raça e
religião com idéias oriundas de Alberto Torres, Farias Brito, Euclides da Cunha e de
autores contemporâneos à época, como Oliveira Vianna e Tristão de Athayde. Além disso,
excertos das obras dos “intelectuais mortos” eram comumente expostos nas revistas e nos
jornais da AIB.
Até o momento, havíamos privilegiado a apropriação dos intelectuais nas obras de
Plínio Salgado. Contudo, julgamos que é importante mostrar, ainda que por meio de uma
breve noção, como os citados pensadores brasileiros apareciam na propaganda doutrinária
da AIB. Mesmo que, nesse instante, estejamos no apêndice do trabalho, a seguinte amostra
serve como uma justificativa e como um atestado da relevância da utilização daqueles
intelectuais brasileiros pelos integralistas. Além disso, este acréscimo elucida um pouco
mais o uso feito deles, através da manipulação de suas idéias e de suas biografias pelo líder
camisa-verde, e a relação da apropriação dos mesmos articulada com a doutrina da AIB.
Um exemplo muito ilustrativo da prática alusiva à utilização dos intelectuais
brasileiros na Ação Integralista Brasileira pode ser observado na revista Panorama. Entre
os anos de 1936 e 1937, a AIB dispunha de duas revistas de circulação nacional destinadas
a públicos distintos. Além da revista Panorama, os integralistas publicavam uma revista
143
chamada Anauê!. Essa última, de característica quase oposta à primeira, reunia grande
propaganda anticomunista, mostrava muitas ilustrações e era escrita de maneira simples e
direta, evidenciando a feição mais popular do periódico, direcionado claramente para as
grandes massas.
266
Uma curiosidade interessante nessa revista é notar como, por vezes,
apareciam pequenos “plinianos”, parentes de grandes personalidades brasileiras, como uma
forma de prestigiar o movimento. A figura de Euclides da Cunha foi utilizada, através de
seu neto, como um sinal de que os descendentes dos “heróis” seguiriam o exemplo virtuoso
de seus progenitores quando aderissem ao integralismo.
267
Já a revista Panorama se destinava ao público letrado. Nela apareciam textos e
idéias dos integralistas, mesclados a artigos de pensadores não integralistas, mas
autoritários e conservadores, contemporâneos ou não ao movimento dos camisas-verdes. As
discussões registradas nesse periódico abrangiam temas como “concepção de Estado
governamental”, “origens do povo brasileiro”, “espiritualidade”, “história brasileira” e a
questão da “nacionalidade”. Nesse aspecto, a revista tinha um caráter menos popular que a
revista Anauê!, tratando questões de maior densidade e que exigiam dos leitores uma certa
“bagagem” de cultura.
Em seu primeiro número, a revista Panorama destacava um espaço chamado
Mentores da Nacionalidade, tendo a seguinte nota explicativa: “Páginas dedicadas às
grandes figuras de pensadores brasileiros, há muito desaparecidos do cenário nacional e que
devem ser relembrados pelos ensinamentos e previsões que nos deixaram”. A primeira
“grande figura” contemplada nesse espaço foi Alberto Torres, através de um excerto
retirado de O Problema Nacional Brasileiro, que discutia a situação do proletariado no
Brasil e a suposta ilusão do regime democrático de sua época. Tema que, evidentemente, ia
ao encontro das pretensões integralistas de denunciar uma “falsa democracia”, a qual estaria
em voga no Brasil. Em números posteriores, foram também apresentados textos de Torres
versando sobre os benefícios de um Estado forte, planificado, dirigido por um líder
igualmente forte.
268
Ou seja, reflexões que se aproximavam dos ditames expressos na
doutrina integralista.
266
A revista Panorama foi um periódico mensal de circulação nacional. Suas edições foram de 1936 até 1937.
A revista Anauê! teve vida mais longa: foi editada de 1935 a 1937.
267
Ver anexo: foto do neto de Euclides da Cunha, vestindo a camisa-verde. Anauê!, Rio de Janeiro, setembro
de 1936, n
o
12, p. 5.
268
Ver especialmente os números 3, 8 e 13 da revista, em que o pensamento do intelectual fluminense foi
novamente posto à mostra.
144
As palavras de Euclides da Cunha também tiveram sua vez no espaço reservado aos
Mentores da Nacionalidade, no segundo número da revista. Em trecho retirado de Os
Sertões, nos poucos parágrafos escolhidos, mostrava-se um Euclides otimista com o futuro
da raça brasileira, a qual estava relacionada à “evolução social” do país. Além disso, havia
o destaque para a variedade étnica que compunha essa raça:
O assunto assim vai derivando multiforme e dúbio. Acreditamos
que isto sucede porque o espaço essencial destas investigações se
tem reduzido à pesquisa de um tipo étnico único, quando há, certo,
muitos. Não temos unidade de raça. Não teremos, talvez, nunca.
Predestinamo-nos à formação de uma raça histórica em futuro
remoto, se o permitir dilatado tempo de vida nacional autônoma. A
nossa evolução biológica reclama a garantia de evolução social.
269
Esse excerto é parte de um sub-capítulo de Os Sertões intitulado “Complexidade do
problema etnológico do Brasil”, que antecede a explicação sobre o homem do sertão, por
parte de Euclides da Cunha. Era um enfoque pertinente aos integralistas, porque o texto
sugeria que o cruzamento de raças levaria à unidade racial, a qual conduziria o Brasil a um
destino mais promissor quanto ao desenvolvimento social. Idéia próxima a de Plínio
Salgado quando idealizava a composição do brasileiro representada pela mistura do índio,
do negro e do branco, embora saibamos que o pensamento de Euclides primava pelo
determinismo do meio e da raça e o de Salgado romantizava esses elementos, expressando
um ideal finalista e intuitivo presente nos mesmos.
O filósofo Farias Brito também foi utilizado no segundo número de Panorama com
um pequeno recorte que ilustrava a presença do espírito em sua filosofia. Porém, mais do
que isso, o texto era um trecho de O Mundo Interior, preferido de Plínio Salgado, que já o
havia citado, resumidamente, em duas de suas obras, A Quarta Humanidade e A Doutrina
do Sigma. O excerto do filósofo cearense dizia: “Ouve-se como que o ruído de uma música
distante, a harmonia longínqua de um canto de guerra, como anunciar a invasão de um
exército salvador”.
270
Em suas obras, Salgado afirmava que esse “exército salvador” era o integralismo e
insistia no tom profético da suposta previsão de Farias Brito.
271
Essa evidência torna claro o
fato de que os trechos escolhidos entre os escritos do filósofo eram os sinônimos da
preferência do líder camisa-verde. Dessa forma, é patente afirmar que a escolha dos
trechos, e mesmo a leitura feita através da revista Panorama das obras dos intelectuais
269
Panorama, São Paulo, 1936, n. 2, pp. 4-5. Apud: CUNHA, Euclides da. Os Sertões, op. cit., p. 52.
270
Idem, p. 72.
271
SALGADO, Plínio. A Quarta Humanidade, op. cit, p. 133 & A Doutrina do Sigma, op. cit, pp. 182-183.
145
brasileiros, era uma interpretação dirigida por Plínio Salgado, ou pelo menos refletia a
leitura feita por ele daqueles pensadores.
272
Esses três exemplos estão estampados nos dois primeiros números da revista e são
parte de um conjunto de outros que também poderiam ser mencionados. O importante é
estar ciente de que os textos dos intelectuais em questão eram objeto de manipulação feita
pela AIB e que a leitura dos mesmos era representativa das idéias de Plínio Salgado. Talvez
à exceção de Miguel Reale, como vimos no capítulo dois, não houve nenhuma interpretação
a respeito desses intelectuais, entre os membros da AIB, que destoasse significativamente
das leituras feitas por Salgado.
Ademais, é necessário acrescentar que os intelectuais brasileiros, tanto “os mortos”
quanto os pertencentes à geração do líder da AIB cumpriram o papel de “fontes para a
doutrina integralista” especialmente no início do movimento, quando os principais teóricos
camisas-verdes não possuíam ainda um número significativo de produções escritas
próprias. Os pensadores não-integralistas, no entanto, jamais foram dispensados da área
doutrinária, mesmo depois que a fileira de obras integralistas começou a crescer, já no
início de 1935.
O indício dessa perspectiva pode ser observado no jornal O Monitor Integralista,
em que se desenhava um quadro de indicações de leituras destinadas aos militantes do
movimento do sigma. É possível observar que, ao longo do tempo, os intelectuais que não
pertenciam à AIB foram sendo substituídos nas indicações de leitura feitas através do
jornal, pelos autores integralistas.
273
272
De modo geral, muitos textos publicados nos periódicos da AIB eram retirados, através de trechos ipsis
litteris, dos livros de teóricos integralistas, especialmente de Plínio Salgado, sem a citação da fonte. Como
observa a professora Rosa Cavalari, ao analisar a imprensa integralista, “com relação à transcrição sem
referência à fonte, é importante destacar que, neste caso, evidencia-se o caráter autoritário do movimento. A
palavra não precisa ser situada, ela paira acima das contingências de tempo e lugar. Deixa de ser uma fala
particular, para ser a fala, o “Verbo”. Representa a voz onipresente da autoridade”. CAVALARI, Rosa M. F.
Integralismo: ideologia e organização de um partido de massa no Brasil (1932-1937). São Paulo: EDUSC,
1999, p. 97.
273
Como afirma Rosa Cavalari, a Bibliografia Integralista não permaneceu a mesma durante o período em
que foi publicado o Monitor. Ao contrário, “passou por um processo de alteração, cujo objetivo parece
apontar para a necessidade de mantê-la constantemente atualizada. Essa atualização ocorria de duas maneiras:
em um primeiro caso, ela se dava de modo a contemplar publicações integralistas mais recentes, isto é, à
medida que o Movimento se consolidava e novas publicações a respeito do [integralismo] iam sendo
produzidas, estas passavam a ocupar o lugar de obras mais gerais, que serviam, até então, de “subsídios” ao
Movimento”. Idem, p. 111.
146
Biblioteca Integralista
Plínio Salgado - Psicologia da Revolução
- O que é Integralismo
- Deveres do Integralista
- O estrangeiro
- O esperado
- O Cavaleiro de Itararé
- Federação e Sufrágio (no prelo)
Alberto Torres – O Problema Nacional Brasileiro
Alberto Torres – A Organização Nacional
Alcides Gentil – As Idéias de Alberto Torres
Gustavo Barroso – Integralismo em Marcha
Octávio de Faria – Maquiavel e o Brasil
Octávio de Faria – Destino do Socialismo
Virgínio Santa Rosa – Desordem
Virgínio Santa Rosa – O sentido do Tenentismo
Estudos Integralistas – 1
a
Série
Miguel Reale – O Estado Liberal
Tristão de Athayde – Estudos, 1
a
, 2
a
, 3
a
e 4
a
séries
Tristão de Athayde – Problema da Burguesia
Tristão de Athayde – Populações Meridionais do Brasil
Oliveira Vianna – Problemas de Política Objetiva
Oliveira Vianna – Evolução do Povo Brasileiro
Tenente Severino Sombra – O ideal Legionário
Olbiano de Mello – Comunismo ou Fascismo
Gottíried Feder – As Bases do Nacional Socialismo
Henry Ford – O judeu Internacional
– Os Protocolos dos Sábios de Sion
Leon de Ponsins – As Forças Secretas da Revolução
Almir B. de Andrade – A Verdade contra Freud
Monitor Integralista, 1
a
quinzena de dezembro de 1933, n
o
1
Esse quadro, publicado no primeiro número de O Monitor Integralista, é a primeira
referência das indicações literárias para os militantes camisas-verdes. Nele podemos
observar a mistura das obras de pensadores integralistas, como Plínio Salgado e Miguel
Reale, de autores nacionais não integralistas, como Alberto Torres e Octávio de Faria, de
intelectuais contemporâneos ao movimento, como Oliveira Vianna e Tristão de Athayde e
de autores estrangeiros, como Henry Ford. As indicações se alteraram um pouco no final
daquele ano e no princípio do ano seguinte:
147
Livros recomendados aos Integralistas
Plínio Salgado - Psicologia da Revolução
- O que é Integralismo
- Deveres do Integralista
- O estrangeiro
- O esperado
- O Cavaleiro de Itararé
- Federação e Sufrágio (no prelo)
Gustavo Barroso – Integralismo em Marcha
Miguel Reale – O Estado Liberal (Prelo)
Oliveira Vianna – Populações Meridionais do Brasil
Oliveira Vianna – Problemas de Política Objetiva
Oliveira Vianna – Evolução do Povo Brasileiro
Tenente Severino Sombra – O ideal Legionário
Alberto Torres – O Problema Nacional Brasileiro
Alberto Torres – A Organização Nacional
Alcides Gentil – As Idéias de Alberto Torres
Farias Brito – Finalidade do Mundo
Farias Brito – Mundo Interior
Farias Brito – Base Física do Espírito
Farias Brito – A Verdade como Regra das Ações
Octávio de Faria – Maquiavel e o Brasil
Octávio de Faria – Destino do Socialismo
Virgínio Santa Rosa – Desordem
Virgínio Santa Rosa – O sentido do Tenentismo
Estudos Integralistas – 1
a
Série
Tristão de Athayde – Estudos, 1
a
, 2
a
, 3
a
e 4
a
séries
Tristão de Athayde – Problema da Burguesia
Motta Filho – O Tema da Nova Geração
Olbiano de Mello – Comunismo ou Fascismo
Gottfried Feder – As Bases do Nacional Socialismo
Henry Ford – O judeu Internacional
– Os Protocolos dos Sábios de Sion
Leon de Ponsins – As Forças Secretas da Revolução
Almir B. de Andrade – A Verdade contra Freud
Monitor Integralista, 2
a
quinzena de dezembro de 1933, n
o
2 & 2
a
quinzena de fevereiro de 1934, n
o
5.
Os acréscimos feitos ficaram por conta das indicações dos livros de Gustavo
Barroso e de Farias Brito, ausentes no primeiro quadro. Os autores não integralistas eram
ainda, a exemplo da relação anterior, agrupados juntamente com os adeptos do movimento.
Em publicações posteriores, no entanto, esse quadro se alterou novamente.
148
Livros Recomendados aos Integralistas
I - Obras Integralistas
Plínio Salgado, O que é o Integralismo
Plínio Salgado, Psicologia da Revolução
Plínio Salgado, O Sofrimento Universal
Plínio Salgado, O Integralismo perante a Nação (no prelo)
Gustavo Barroso, O Integralismo em Marcha
Gustavo Barroso, O Integralismo de Norte a Sul
Gustavo Barroso, Brasil, Colônia de Banqueiros (no prelo)
Miguel Reale, O Estado Moderno
Olbiano de Mello, República Sindicalista dos Estados Unidos do
Brasil.
Olbiano de Mello, Comunismo ou Fascismo?
Vários, Estudos Integralistas - 1 série
II - Principais Subsídios no Brasil
Alberto Torres, O Problema Nacional Brasileiro
Alberto Torres, A Organização Nacional
Oliveira Vianna, A Evolução do Povo Brasileiro
Oliveira Vianna, Populações Meridionais do Brasil
Oliveira Vianna, Pequenos Estudos de Psicologia Social
Oliveira Vianna, O Idealismo na Evolução Política
Oliveira Vianna, O Idealismo da Constituição
Oliveira Vianna, Problemas de Política Objetiva
Tristão de Athayde, Introdução à Economia Moderna
Tristão de Athayde, Preparação à Sociologia
Tristão de Athayde, Política
Tristão de Athayde, O Problema da Burguesia
Pontes de Miranda, Fundamentos Atuais do Direito Constitucional
Contreiras Rodrigues, Novos Rumos Políticos e Sociais
Alcides Gentil, As Idéias de Alberto Torres
Octavio de Faria, Destinos do Socialismo
Octavio de Faria, Machiavel e o Brasil
Virginio Santa Rosa, A Desordem
Virginio Santa Rosa, O Sentido do Tenentismo
A.A. de Mello Franco, Preparação ao Nacionalismo
Farias Brito, Finalidade do Mundo
Farias Brito, Mundo Interior
Farias Brito, Base Física do Mundo
Farias Brito, A verdade como regra das ações
Monitor Integralista, ano II, n. 7, agosto de 1934.
A partir do segundo semestre de 1934 os autores integralistas foram separados dos
não integralistas, classificados agora como “Principais Subsídios no Brasil”. Nota-se
também que foram descartados os autores estrangeiros, presentes até então. Ainda nos
primeiros meses de 1935, o Monitor passou a recomendar apenas livros de autores
integralistas. Contudo foi no segundo semestre daquele ano que o quadro dos livros
indicados aos camisas-verdes ganhou uma configuração mais ou menos definitiva, com
algumas poucas alterações até a extinção do periódico, em 1937:
149
Bibliografia Integralista
Iniciação Integralista
Plínio Salgado, O que é o Integralismo
Gustavo Barroso, O que o Integralista deve saber
Miguel Reale, Perspectivas Integralistas
Miguel Reale, ABC do Integralismo
Ferdinando Martino, Pela Revolução Integralista
J. Venceslau Júnior, O Integralismo ao alcance
Vários, Estudos Integralistas (1
a
Série)
Filosofia Social e Política
Plínio Salgado, Psicologia da Revolução
Plínio Salgado, O Sofrimento Universal
Miguel Reale, O Estado Moderno
Gustavo Barroso, O Integralismo de Norte a Sul
Olympio Mourão F., Do Liberalismo ao Integralismo
História e Filosofia da História
Plínio Salgado, A Quarta Humanidade
Gustavo Barroso, O Quarto Império
Miguel Reale, Formação da Política Burguesa
Hélio Vianna, Formação Brasileira
Economia
Miguel Reale, O Capitalismo Internacional
Gustavo Barroso, Brasil, Colônia de Banqueiros
Para a História do Integralismo
Plínio Salgado, Despertemos a Nação
Plínio Salgado, Carta aos Camisas-Verdes
Olbiano de Mello, Razões do Integralismo
Ensaios Diversos
Plínio Salgado, A Doutrina do Sigma
Plínio Salgado, Palavra Nova dos Tempos Novos
Gustavo Barroso, O Integralismo em Marcha
Gustavo Barroso, A Palavra e o Pensamento Integralistas
Custódio de Viveiros, Camisas-Verdes
Olbiano de Mello, República Sindicalista dos Estados Unidos do Brasil.
Olbiano de Mello, Comunismo ou Fascismo?
Olbiano de Mello, Concepção do Estado Integralista
Ovídio da Cunha, Integralismo e Americanidade
Victor Pujol, Rumo ao Sigma (só a 2
a
parte)
Monitor Integralista, RJ., ano III, n. 11, Agosto de 1935.
Nesse momento, como podemos observar acima, além da exclusão de autores não
integralistas da relação, as recomendações de leitura eram organizadas por temáticas. Dessa
forma, o militante não precisaria mais recorrer aos “subsídios no Brasil”, pois teria à sua
disposição um quadro completo que englobaria, além da compreensão do ideário da AIB,
noções de “História”, “Economia”, “Filosofia Social e Política”. Em todas essas áreas, se
encontravam livros produzidos por militantes integralistas. Essa atualização reflete a
150
consolidação da doutrina do sigma, a qual poderia, a partir de então, “promover a cultura”
apenas com obras escritas por seus correligionários.
No entanto, isso não tirou a importância dos intelectuais brasileiros em estudo para
o integralismo, pois os mesmos já estavam incorporados à doutrina. Em certa medida, a
utilização dos autores nacionais voltou a ter peso e cumpriu o papel de justificar uma
suposta raiz brasileira do integralismo, especialmente quando a defesa da doutrina se
tornava mais difícil, depois da derrota dos modelos fascistas europeus na Segunda Guerra.
Assim, de 1945 a 1964, o integralismo pôde se sustentar, rechaçando a inspiração fascista,
pregando o espiritualismo e o anticomunismo através do Partido de Representação Popular
(PRP), sob a liderança de Plínio Salgado. Nesta nova fase, não faltaram referências aos
intelectuais brasileiros, que teriam sido os únicos a inspirar o integralismo, conforme a
visão de Plínio Salgado:
O Integralismo é uma doutrina independente, sólida, patriótica,
humana e não se inspirou em qualquer movimento totalitário. Suas
fontes abastecedoras são as obras de Farias Brito, pelo seu
espiritualismo, de Euclides da Cunha, pelo contraste revelado entre
a civilização litorânea e o vasto interior abandonado, de Alberto
Torres, pela crítica realista que faz das instituições baseadas na
constituição de 91, de Olavo Bilac, pelo sentimento nacionalista e
patriótico, de Oliveira Viana, pelos seus profundos conhecimentos
de sociologia.
274
Embora retomasse os intelectuais para legitimar a referência nacional do
integralismo, Plínio Salgado parece ter mudado de idéia na apropriação que fez da obra de
Euclides da Cunha. Na década de 1950, em A inquietação espiritual na Literatura
Brasileira, o agora líder perrepista descrevia Euclides como um “fanático da ciência”.
Assim, na obra euclidiana sentir-se-ia “a superstição dominadora do experimentalismo do
século e o misticismo às avessas” que faria da “técnica” a “divindade contemporânea”.
275
Salgado sempre disse que descartava o “cientificismo” de Euclides, mas jamais o havia
condenado, como nesse momento. No mesmo livro destacava com ênfase as virtudes de
Alberto Torres e Farias Brito.
O período pós-guerra não é objeto de nosso estudo, mas lembramos que a
apropriação das idéias dos intelectuais brasileiros obedeceu a fases distintas no pensamento
de Plínio Salgado, talvez menos por opção unicamente sua e mais por exigência do
274
Correio da Manhã. Rio de Janeiro: 18 de janeiro de 1961; A Marcha. Rio de Janeiro: 27 de janeiro de 1961
(reproduzindo a mesma entrevista antes publicada no Correio da Manhã).
275
SALGADO, Plínio. A Inquietação Espiritual na Literatura Brasileira. In: Obras Completas. Volume 17.
São Paulo: Editora das Américas, 1956, p. 306.
151
contexto em que se apresentavam as idéias políticas. Nesse sentido, sempre que houve
menção às idéias, por exemplo, de Alberto Torres no período pós-guerra, Salgado não
aludia nem ao autoritarismo do autor, nem à concepção de Estado forte. Esse
comportamento mostra, claramente, um esforço de se adequar ao pensamento de uma época
em que esses intelectuais não repercutiam de uma maneira tão positiva quanto na década de
1930.
Assim, pode-se perceber uma perspectiva paradoxal na apropriação dos intelectuais
como uma espécie de prova das referências nacionais do integralismo. Na década de 1930,
os mesmos cumpriram um papel importante para o conjunto ideológico da doutrina da AIB;
já no período pós-guerra, no momento em que os integralistas mais precisavam daquela
referência nacional, aqueles autores eram revisados de modo bastante crítico e, por vezes,
esquecidos. Além disso, quando eram lembrados, na maioria das vezes, faziam-se apenas
citações nominais, sem uma reflexão mais apurada de suas obras e de seus pensamentos. O
integralismo, bem como Plínio Salgado, cumpria, assim, em parte, uma trajetória de dizeres
e desdizeres, em uma perspectiva ininterrupta de buscar raízes nacionais e tentar edificar
certas brasilidades. O que se percebe, no entanto, é uma doutrina que se modificou no
período pós-guerra, tentando camuflar, justamente, suas semelhanças com os regimes
estrangeiros rejeitados e derrotados em solo europeu.
152
7. BIBLIOGRAFIA
ARAÚJO, Ricardo Benzaquen de. Totalitarismo e revolução. O integralismo de Plínio
Salgado. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1988.
_________________________ As classificações de Plínio: Uma análise do pensamento de
Plínio Salgado entre 1932 e 1938. In: Revista de Ciência Política. Rio de Janeiro: 21 (3):
161-180, jul./set., 1978.
_________________________ In médio virtus: uma análise da obra integralista de Miguel
Reale. Rio de Janeiro: FGV/CPDOC, 1988.
ARENDT, Hannah. Origens do totalitarismo. Anti-semitismo, imperialismo, totalitarismo.
São Paulo: Cia. das Letras, 1997.
ATTIAS-DONFUT, Claudine. “La notion de génération: usages sociaux et concept
sociologique”, L’homme et la societé, n
0
90, XXII année, 1988.
AZÉMA, Jean-Pierre. “La clef générationnelle”, Vingtième siècle: revue d’histoire, n
0
22,
avril-juin 1989.
BARTHES, Roland. Leitura. In: Enciclopédia Einaudi. Lisboa: Imprensa Nacional, 1987.
BASTOS, Elide Rugai; RIDENTE, Marcelo; ROLLAND, Denis (Orgs.). Intelectuais:
sociedade e política. São Paulo: Cortez, 2003.
BERGOUNIOUX, Alain. “Générations socialistes?”, Vingtième siècle: revue d’histoire, n
0
22, avril-juin 1989.
BERTONHA, João Fábio. Entre Mussolini e Plínio Salgado: o fascismo italiano, o
integralismo e o problema dos descendentes de italianos no Brasil. In: Revista Brasileira de
História. São Paulo, 2001, v. 21, n
o
40, p. 85-105.
_____________________ O fascismo e os imigrantes italianos no Brasil. Porto Alegre:
EDIPUCR, 2001.
153
BILAC, Olavo. A defesa nacional (discursos). Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 1965
[1
a
edição de 1917].
BEOZZO, José Oscar. A Igreja entre a Revolução de 1930, o Estado Novo e a
Redemocratização. In: PIERUCCI, Antônio F. Oliveira [et al]. 3
a
edição. História Geral da
Civilização Brasileira. Tomo III, V. 4. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1995.
BERGSON, Henri. A evolução criadora. Rio de Janeiro: Delta, 1964.
_______________ Ensaio sobre os dados imediatos da consciência. Lisboa: Edições 70,
1988.
_______________ Matéria e Memória (ensaio sobre a relação do corpo com o espírito).
São Paulo: Martins Fontes, 1999.
BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de
Política. 5
a
edição. São Paulo: UNB, 2004.
BOBBIO, Norberto. Os intelectuais e o poder: dúvidas e opções dos homens de cultura na
sociedade contemporânea. São Paulo: Ed. UNESP, 1997.
BOSI, Alfredo. História concisa da literatura brasileira. São Paulo: Cultrix, 1982.
BRANDALISE, Carla. O fascismo na periferia latino-americana: paradoxo da
implantação do integralismo no Rio Grande do Sul. Porto Alegre: UFRGS, 1992.
Dissertação de Mestrado, Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da UFRGS.
BRANDI, Paulo.Plínio Salgado”. In: ABREU, Alzira e BELOCH, Israel et al. (coords.).
Dicionário Histórico Biográfico Brasileiro (Pós-1930). Rio de Janeiro: Editora FGV;
CPDOC, 2001, vol. V, pp. 5195-5206.
BURON, Thierry. Os Fascismos. 1
a
Ed. Rio de Janeiro. Editora Zahar, 1980.
CALIL, Gilberto Grassi. O integralismo no pós-guerra: a formação do PRP (1945-1950).
Porto Alegre: EDIPUCRS, 2001.
CALDEIRA, João Ricardo de Castro. Integralismo e política regional: a Ação Integralista
Brasileira no Maranhão. São Paulo: Annablume, 1999.
CANABARRO, Ivo dos Santos. Uma abordagem cultural de um movimento político dos
anos 30: o caso do integralismo em Ijuí. Porto Alegre: UFRGS, 1994. Dissertação de
Mestrado, Programa de Pós-Graduação em História da UFRGS.
CARDOSO, Claudira S. C. Partido de Representação Popular: política de alianças e
participação nos governos estaduais do Rio Grande do Sul de 1958 e 1962. Porto Alegre:
154
PUCRS, 1999. Dissertação de Mestrado, Programa de Pós-Graduação em História da
PUCRS.
CAREY, John. Os intelectuais e as massas. São Paulo: Ars Poetica, 1993.
CARNEIRO, Márcia Regina S. Ramos. Memória e integralismo: um estudo da militância
no Rio de Janeiro. Niterói: UFF/ICHF, 2002. Dissertação de Mestrado, Programa de Pós-
Graduação em História da UFF.
CARNEIRO, Maria Luiza Tucci. O anti-semitismo na era Vargas (1930-1945). São Paulo:
Brasiliense, 1988.
CARONE, Edgar. A República Nova (1930-1937). São Paulo: DIFEL, 1974.
CAVALARI, Rosa Maria Feiteiro. Integralismo: ideologia e organização de um partido de
massa no Brasil (1932-1937). Bauru: EDUSP, 1999.
CERTEAU, Michel de. A invenção do Cotidiano I – A arte de fazer. 2
a
ed. Petrópolis:
Vozes, 1996.
CHARTIER, Roger. A história Cultural: entre práticas e representações. Rio de Janeiro:
Bertrand, 1990.
CHASIN, José. O integralismo de Plínio Salgado: Forma de regressividade no capitalismo
hiper-tardio. São Paulo: Livraria Editora Ciências Humanas, 1978.
CHÂTELET, François. História das idéias políticas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2000.
[1
a
edição de 1982]
CHAUÍ, Marilena. Apontamentos para uma crítica da Ação Integralista Brasileira. In:
Ideologia e mobilização popular. São Paulo: Paz e Terra, 1978.
CHRISTOFOLETTI, Rodrigo. A celebração dos 25 anos do integralismo: O caso da
Enciclopédia do Integralismo (1957-1961). Assis/SP: UNESP, 2002. Dissertação de
Mestrado, Programa de Pós-Graduação em História da UNESP.
CRUZ COSTA, João de. Contribuição à história das idéias no Brasil. Rio de Janeiro: José
Olympio, 1956.
CYTRYNOWICZ, Roney. Integralismo e anti-semitismo nos textos de Gustavo Barroso na
década de 30. São Paulo: USP/FFLCH, 1992. Dissertação de Mestrado, Programa de Pós-
Graduação em História da USP.
DE FELICE, Renzo. Explicar o fascismo. Lisboa: Edições 70, 1976.
155
DOTTA, Renato Alencar. O integralismo e os trabalhadores: As relações entre a AIB, os
sindicatos e os trabalhadores através da imprensa integralista (1932-1938). São Paulo:
USP/FFLCH, 2003. Dissertação de Mestrado, Programa de Pós-Graduação em História da
USP.
DOTTA, Renato; POSSAS, Lídia; CAVALARI, Rosa (Orgs.). Integralismo: Novos
Estudos e Reinterpretações. Rio Claro: Arquivo do Município, 2004.
DUTRA, Eliana de Freitas. O ardil totalitário: imaginário político no Brasil dos anos 30.
Rio de Janeiro: Editora UFRJ, Belo Horizonte, Editora UFMG, 1997.
FAUSTO, Boris. A revolução de 1930: historiografia e história. 16
a
ed. São Paulo: Cia. das
Letras, 1997.
_____________ O Brasil republicano: sociedade e política (1930-1964) In: GOMES,
Ângela Maria de Castro et al. História Geral da Civilização Brasileira. 6ª ed. Rio de
Janeiro: Bertrand Brasil, 1996.
_____________ O Pensamento nacionalista autoritário (1920-1940). Rio de Janeiro: Jorge
Zahar Editor, 2001.
FEBVRE, Lucien. “Générations”, Revue de synthèse historique, juin 1929.
FERREIRA, Jorge & DELGADO, Lucília (orgs.). O Brasil Republicano: O tempo do
nacional-estatismo – do início da década de 1930 ao apogeu do Estado Novo. Livro 2. Rio
de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.
FIELDS, Belden. “Aperçus du problème des générations: Mentré, Ortega et Mannheim”,
L’Homme et la société: générations e mémoires, n
0
111-112, 1994.
FLACH, Ângela. Os vanguardeiros do anticomunismo: o PRP e os perrepistas no Rio
Grande do Sul (1961-1966). Porto Alegre: PUCRS, 2003. Dissertação de Mestrado,
Programa de Pós-Graduação em História da PUCRS.
FORACCHI, Marialice Mencarini (org.). Karl Mannheim. São Paulo, Ática, 1982.
FURET, François. Le passé d’une Illusion. Paris: Robert Laffont, 1995.
GERTZ, René. O fascismo no sul do Brasil. Germanismo, nazismo, integralismo. Porto
Alegre: Mercado Aberto, 1987.
____________ O perigo alemão. Porto Alegre: EDUFRGS, 1991.
156
GERTZ, René; PADRÓS, Enrique S. & RIBEIRO, Luis Dario T. Segunda Guerra
Mundial: da crise dos anos 30 ao Armagedón. Porto Alegre: Folha da História/CD-AIB-
/PRP/ Palmarinca, 2000.
GONZALES, Horácio. O que são intelectuais. São Paulo: Brasiliense, 1981.
GRAMSCI, Antonio. Cadernos do Cárcere. 3
a
edição. Volume 2. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2004.
GUIMARÃES, Lucia Maria Paschoal. Por uma história ultramontana: Afonso Celso. In:
Intellectus. Rio de Janeiro: UERJ, 2003, Ano II, n
o
1. Disponível em:
<www2.uerj.br/~intellectus/textos/TEXTO LÚCIA.pdf> Acesso em: 31 de agosto de 2005.
GUT, Nicolau de Flue. Plínio Salgado, o criador do integralismo na literatura brasileira.
Speyer a. Rh., Pilger-Druckerei GmbH, 1940. Dissertação de Mestrado, defendida em
22/12/1938 na Ludivig-Maximilian / München.
HOBSBAWM, Eric. A era dos extremos. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.
LAMOUNIER, Bolívar. Formação de um pensamento político autoritário na Primeira
República. Uma interpretação. In: FAUSTO, Boris. História Geral da Civilização
Brasileira (Parte III – O Brasil Republicano): Sociedade e Instituições (1889 – 1930). Rio
de Janeiro: Difel, 1977.
LINZ, Juan. Prefácio à segunda edição. In: TRINDADE, Hélgio. Integralismo: o fascismo
brasileiro na década de 30. 2
a
edição. São Paulo/Rio de Janeiro: Difel, 1979.
___________ O Integralismo e o fascismo internacional. Porto Alegre: Revista do IFCH -
UFRGS, 1980.
LOPES, Marcos Antônio. Grandes nomes da História Intelectual. São Paulo: contexto,
2003.
LORENZO, Helena Carvalho de; COSTA, Wilma Peres da (organizadoras). A década de
1920 e as origens do Brasil moderno. São Paulo: Editora da UNESP, 1997.
LUSTOSA, Oscar de Figueiredo. A Igreja e o integralismo no Brasil (1932-1939). Revista
de História, São Paulo, v. 54, n
o
. 108, out./dez. 1976.
MAIO, Marcos Chor. Nem Rotschild nem Trotsky. O pensamento anti-semita de Gustavo
Barroso. Rio de Janeiro: Imago, 1992.
MAIO, Marcos Chor; CYTRYNOWICS, Roney. Ação Integralista Brasileira: um
movimento fascista no Brasil (1932-1938). In: FERREIRA, Jorge & DELGADO, Lucília
157
(orgs.). O Brasil Republicano: O tempo do nacional-estatismo – do início da década de
1930 ao apogeu do Estado Novo. Livro 2. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.
MARTINS, Wilson. História da inteligência brasileira. São Paulo: Cultrix, 1978.
MEDEIROS, Jarbas. A ideologia Autoritária no Brasil (1930-1945). Rio de Janeiro: FGV,
1978.
MICELI, Sérgio. Intelectuais e classe dirigente no Brasil (1920-1945). São Paulo/Rio de
Janeiro: Difel, 1979.
MILKE, Daniel. Integralismo na capital gaúcha: Espaço político, receptividade e
repressão (1934-1938). Porto Alegre: PUCRS, 2003. Dissertação de Mestrado, Programa
de Pós-Graduação em História da PUCRS.
MILMAN, L. e VIZENTINI, P. Neo-nazismo, negacionismo e extremismo político. Porto
Alegre: Editora da Universidade (UFRGS)/CORAG, 2000.
MOTTA, Carlos Guilherme. Ideologia da cultura brasileira (1933-1974): pontos de
partida para uma revisão histórica. 9. ed. São Paulo: Ática, 1998.
MOURA, Sérgio Lobo de; ALMEIDA, José M. Gouvêa. “A Igreja na Primeira República”.
In: História Geral da Civilização Brasileira. Tomo III, Volume 2. São Paulo: Difel, 1977.
NOLTE, Ernst. Lês Mouvements fascistes: l’Europe de 1919 à 1945. Paris: Calmann-Lévy,
1969.
OLIVEIRA, Lúcia Lippi de. A questão Nacional na Primeira República. São Paulo:
Brasiliense, 1990.
OLIVEIRA, Rodrigo Santos de. “Perante o tribunal da história”: o anticomunismo da
Ação Integralista Brasileira (1932-1937). Porto Alegre: PUCRS, 2004. Dissertação de
Mestrado, Programa de Pós-Graduação em História da PUCRS.
PADILHA, Leonardo Ayres. Perscrutar o Hinterland: O pensamento modernista de Plínio
Salgado. Rio de Janeiro: PUCRJ, 2005. Dissertação de Mestrado, Programa de Pós-
Graduação em História da PUCRJ.
PAYNE, Stanley. História del fascismo. Barcelona, ed. Planeta, 1995.
PARENTE, Josênio C. Anauê. Os camisas verdes no poder. Fortaleza: EUFC, 1986.
PÉCAUT, Daniel. Os Intelectuais e a Política:entre o povo e a nação. São Paulo: Ática,
1990.
158
PINHEIRO, Paulo Sérgio. Estratégias da ilusão: a Revolução Mundial e o Brasil (1922-
1935). 2ª ed. São Paulo: Cia. da Letras, 1992.
PINSKY, Jaime. O Brasil nas relações internacionais: 1930-1945. In: MOTA, Carlos
Guilherme. Brasil em perspectiva. 10
a
ed. Rio de Janeiro: DIFEL, 1978.
PRADO, Antonio Arnoni. 1922 - itinerário de uma falsa vanguarda: os dissidentes, a
Semana e o integralismo. São Paulo: Brasiliense, 1983.
RAMOS, Alberto Guerreiro. A Crise do Poder no Brasil. Rio de Janeiro: Zahar, 1961.
_______________________. A inteligência brasileira na década de 1930, à luz da
perspectiva de 1980. In: A Revolução de 30 (seminário realizado pelo CPDOC da
Fundação Getúlio Vargas). Brasília: Editora da UNB, 1982, p. 527-548.
REICH, Wilhelm. Psicologia de massa no fascismo. São Paulo: Martins Fontes, 1972.
RICOEUR, Paul. Tempo e narrativa. Tomo III. Campinas: Papirus, 1997.
SANTOS, Wanderley Guilherme dos. Ordem Burguesa e Liberalismo Político. São Paulo:
Duas Cidades, 1978.
SCHWARTZMAN, Simon. Bases do autoritarismo brasileiro. Rio de Janeiro: Campus,
1982.
SEITENFUS, Ricardo. A entrada do Brasil na segunda guerra mundial. Porto
Alegre: EDIPUCRS, 2000.
___________________ As relações entre Brasil e Itália no período 1918-1939. In: Boni,
Luis de (org.). A presença italiana no Brasil. Vol. II. Porto Alegre/Torino: Escola Superior
de Teologia; Fondazione Giovanni Agnelli, 1990.
SILVA, Carla Luciana. Onda Vermelha: imaginários anticomunistas brasileiros (1931-
1934). Porto Alegre: EDIPUCRS, 2001.
SIRINELLI, Jean-François. Intellectuels et passions françaises. Manifestes et pétitions au
XX
e
siècle. Paris: Fayard, 1990.
______________________ “Générations et histoire politique”, Vingtième siècle: revue
d’histoire, n
0
22, avril-juin 1989.
__________________________ Génération intellectuelle, Khâgneux et normaliens dans
l’entre-deux-guerres. Paris: Fayard, 1998.
159
______________________ Os intelectuais. In: RÉMOND, René. Por uma história política.
2
a
ed. Rio de Janeiro: FGV, 2003 [1988].
SKIDMORE, Thomas. Brasil: de Getúlio a Castelo. 10
a
ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1996.
SKINNER, Quentin. Entrevista. In: PALLARES-BURKE, Maria Lucia (org.). As muitas
faces da História. São Paulo: Editora Unesp, 2000.
SILVA, Hélio. 1938 - Terrorismo em campo verde. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
1971.
SOLA, Lourdes. O golpe de 37 e o Estado Novo. In: MOTA, Carlos Guilherme. Brasil em
perspectiva. 10
a
ed. Rio de Janeiro: DIFEL, 1978.
SOUZA, Francisco Martins de. O integralismo. In: Curso de introdução ao pensamento
político brasileiro. Unidade IX e X. Brasília: Editora da UNB, 1982.
STERNHELL, Zeev. La droite révolutionnaire: origines françaises du fascismo (1885-
1914). Paris. Ed. Seuil, 1978.
STERNHELL, Zeev; SZNAJDER, Mario; ASHERI, Maia. O nascimento da ideologia
fascista. Lisboa, Liv. Bertando, 1996.
TONINI, Veridiana M. Uma relação de amor e ódio: o caso Wolfram Metzler (1932-
1957). Passo Fundo: UPF, 2003.
TRINDADE, Hélgio. Integralismo: O fascismo brasileiro da década de 30. Porto Alegre:
DIFEL/UFRGS, 1974.
_________________ O Nazi-fascismo na América Latina: mito e realidade. Porto Alegre:
Editora da UFRGS, 2004.
_________________ Revolução de 30: Partidos e Imprensa Partidária no RS (1928-1937).
Porto Alegre: L&PM, 1980.
_________________ Integralismo: Teoria e práxis política nos anos 30. In: FAUSTO,
Boris (coord.). História Geral da Civilização Brasileira. 3
o
volume (tomo III). Rio de
Janeiro: Difel, 1981.
WINOCK, Michel. “Les génerations intellectuelles”, Vingtième siècle: revue d’histoire, n
0
22, avril-juin 1989.
VASCONCELOS, Gilberto. A ideologia curupira: análise do discurso integralista. São
Paulo: Brasiliense, 1979.
160
VELLOSO, Mônica Pimenta. A ordem: uma revista de doutrina política e cultura católica.
In: Revista de Ciência Política. Rio de Janeiro: FGV, 21 (3):117-160, jul./set., 1978.
VICTOR, Rogério Lustosa. O integralismo nas águas do Lete: história, memória e
esquecimento. Goiânia: Editora da UCG, 2005.
VIEIRA, Evaldo. Autoritarismo e corporativismo no Brasil. 2
a
edição. São Paulo: Cortez,
1981.
161
8. FONTES IMPRESSAS
8.1. Obras de Plínio Salgado
SALGADO, Plínio. A Doutrina do Sigma. São Paulo: Editora Verde-Amarelo, 1935.
_______________ A Inquietação Espiritual na Literatura Brasileira. In: Obras Completas.
Volume 17. São Paulo: Editora das Américas, 1956.
_______________ A Quarta Humanidade. 2
a
ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1936.
_______________ Carta aos camisas-verdes. Rio de Janeiro: José Olympio, 1935.
_______________ Despertemos a Nação. Rio de Janeiro: José Olympio, 1935.
_______________ Nosso Brasil. Rio de Janeiro: Coelho Branco, 1937.
_______________ O estrangeiro. São Paulo: Hélios, 1926.
_______________ O que é integralismo. Rio de Janeiro: Schmidt Editor, 1933.
_______________ O sofrimento universal. Rio de Janeiro: José Olympio Editora, 1934.
_______________ Páginas de Combate. Rio de Janeiro: Livraria H. Antunes, 1937.
_______________ Psicologia da Revolução. 2
a
edição. Rio de Janeiro: José Olympio
Editora, 1935.
_______________ Sentimentais. In: Obras Completas. Volume XX. São Paulo: Editora
das Américas, 1954.
8.2. Obras de Miguel Reale e Gustavo Barroso
BARROSO, Gustavo. Espírito do Século XX. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1936.
BARROSO, Gustavo. Integralismo, Fascismo, Nazismo. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 1937.
REALE, Miguel. O capitalismo internacional. Rio de Janeiro, José Olympio, 1935.
162
REALE, Miguel. O Estado Moderno. Rio de Janeiro: José Olympio, 1934.
8.3. Obras e Estudos Sobre os Intelectuais
ABREU, Regina. O enigma de Os Sertões. Rio de Janeiro: Funarte/Rocco, 1998.
ATHAYDE, Tristão de. Estudos: 1
a
série. 2
a
edição (1
a
ed. de 1926). Rio de Janeiro: Ed. de
A Ordem, 1929.
___________________ Política. Rio de Janeiro: Edição da livraria católica, 1932.
BRITO, Raimundo de Farias. A base fisica do espirito. 2
a
. ed. Rio de Janeiro: Inl, 1953.
_________________________ Finalidade do mundo. 1
o
, 2
o
, e 3
o
Volumes. 2
a
edição. Rio
de Janeiro: INL, 1956.
_________________________ Inéditos e dispersos: Notas e variações sobre assuntos
diversos. São Paulo: Editora Grijalbo Ltda, 1966.
_________________________ O mundo interior (ensaio sobre os dados gerais da filosofia
do espírito). 3
a
ed. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 2003.
CARDOSO, Licínio (org.). À margem da História da República. 2
a
edição. Brasília:
Universidade de Brasília, 1981.
CARVALHO, Laerte Ramos de. A formação filosófica de Farias Brito. 2
a
edição. São
Paulo: Saraiva/USP, 1977.
CRUZ COSTA, João de. A filosofia no Brasil. Porto Alegre: Livraria do Globo, 1945.
CUNHA, Euclides da. Os Sertões. São Paulo: Nova Cultural, 2002 [1
a
Edição de 1902]
ESTEVES, Fernando Segismundo. Venâncio filho, Fernando de Azevedo e Euclides da
Cunha. In: Revista da Faculdade de Educação (São Paulo). São Paulo: Vol. 20, n. 1/2
(jan./dez. 1994), p. 52-72.
FÉLIX, Loiva Otero. O modelo político de Alberto Torres. Porto Alegre: UFRGS, 1977.
Dissertação de Mestrado, Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da UFRGS.
FIGUEIREDO, Jackson de. Algumas reflexões sobre a filosofia de Farias Brito: profissão
de fé espiritualista. Rio de Janeiro: Revista dos Tribunaes, 1916.
FREYRE, Gilberto. Um mestre sem discípulos. In: Perfil de Euclydes e outros perfis. Rio
de Janeiro: José Olympio, 1944.
163
GALVÃO, Walnice Nogueira. Gatos de outro saco. São Paulo: Brasiliense, 1981.
GENTIL, Alcides. As idéias de Alberto Torres. São Paulo: Companhia Editora Nacional,
1932.
GUIMARÃES, Aquiles Côrtes. Atualidade de Farias Brito. In: Revista Brasileira de
Filosofia. São Paulo, vol. 35, n.144 (out./dez. 1986), p. 293-302.
LIMA, Luiz Costa. O controle do imaginário: razão e imaginação no ocidente. São Paulo:
Brasiliense, 1984.
MARSON, Adalberto. A ideologia nacionalista em Alberto Torres. São Paulo: Duas
cidades, 1979.
MATTOS, Carlos Lopes de. O pensamento de Farias Brito: sua evolução de 1895 à 1914.
São Paulo: Herder, 1962.
MEDEIROS, Jarbas. Ideologia autoritária no Brasil (1930/1945). Rio de Janeiro: FGV
Ed., 1978.
MEDEIROS, Mario Ferreira de. Alberto Torres. Porto Alegre: A Nação, 1941. Coleção
Heróis Brasileiros.
__________________________. Alberto Torres e a revolução de São Paulo. Porto Alegre:
Globo, 1934.
MENEZES, Djacir. Evolucionismo e positivismo na crítica de Farias Brito. Forta-
leza: Imprensa Universitária / UFC, 1962.
MOTTA FILHO, Cândido. Alberto Torres e tema de nossa geração. Rio de Janeiro:
Schimidt, 1931.
NOGUEIRA, Alcântara. Farias Brito e a filosofia do espírito. São Paulo: Freitas Bastos,
1962.
NUNES, Benedito. Farias Brito: Trechos escolhidos. Coleção Nossos Clássicos. Rio de
Janeiro: AGIR, 1967.
RABELLO, Sylvio. Farias Brito ou uma aventura do espírito. 2
a
edição. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 1967.
RICARDO, Cassiano. Marcha para o Oeste. Volume II. 3
a
edição. Rio de Janeiro: José
Olympio Editora, 1959.
164
RICARDO, Cassiano. Viagem no Tempo e no Espaço: Memórias. Rio de Janeiro: José
Olympio Editora, 1970.
SERRANO, Jônathas. Farias Brito: o homem e a obra. São Paulo: Nacional, 1939.
SILVEIRA, Tasso da. Estado corporativo. Rio de Janeiro, José Olímpio, 1937.
SIMÔES, Teotônio. Repensando Alberto Torres. São Paulo: Semente, 1981.
SABÓIA LIMA, A. Alberto Torres e sua obra. São Paulo: Editora Nacional, 1935.
SOBRINHO, Barbosa Lima. Presença de Alberto Torres: Sua vida e pensamento. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 1968.
STURM, Fred Gillette. “O significado atual do pensamento britiano”. In: Anais do IV
Congresso Nacional de filosofia. São Paulo/Fortaleza, IBF-MEC, 1962.
TORRES, Alberto. A organização nacional. São Paulo: Companhia Editora Nacional,
1933. [1
a
Edição de 1914]
___________________ Problema nacional brasileiro. São Paulo: Companhia Editora
Nacional, 1933. [1
a
Edição de 1914]
VIANNA, Oliveira. Raça e Assimilação. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1934.
WEBER, Thadeu. A filosofia como atividade permanente em Farias Brito. Canoas: La
Salle, 1985.
8.4. Jornais
A razão, São Paulo, 1931.
A offensiva, Rio de Janeiro, 1934 a 1937.
*
Monitor integralista, Rio de Janeiro, 1933 a 1937.
*
8.5. Revistas
A Ordem, Centro Dom Vital, Rio de Janeiro, 1934 e 1937.
Anauê! Editor Sigma Jornais Reunidos, Rio de Janeiro, 1936 - 1937.
*
Cadernos da Hora Presente, RJ / SP / BH, 1939 – 1941.
165
Panorama, “Coletânea Mensal do Pensamento Novo”. São Paulo: 1935 – 1936.
*
*
Periódicos Integralistas.
166
9. ANEXOS
9.1. Anexo 1
Nota: Acima, à esquerda, foto do neto de Euclides da Cunha, de camisa-verde. Fonte:
Anauê!, Rio de Janeiro, setembro de 1936, n
o
12, p. 5.
167
9.2. Anexo 2
Nota: Livro de Alberto Torres, O Problema Nacional Brasileiro, rabiscado pelo integralista
gaúcho Oscar Machado. Na folha de rosto, vê-se a anotação “Idéia de Pátria (página) 133”.
Exemplar do CD-AIB/PRP, doado por Beatriz Machado.
168
9.3. Anexo 3
Nota: Dois documentos em um: reedição de O Problema Nacional Brasileiro, em 1933, e o
vestígio deixado pelo integralista gaúcho Oscar Machado, relacionando a “Idéia de Pátria”
integralista ao pensamento de Torres, indicada na folha de rosto (ver figura anterior),
grifada e assinalada com um “sigma” na página 133.
169
9.4. Anexo 4
Nota: Artigo do Pe. Helder Câmara na Revista Integralista Panorama, descrevendo suas
impressões sobre o pensamento de Farias Brito. Panorama, Rio de Janeiro, 1937, n
o
13, p.
5.
170
9.5. Anexo 5
Nota: Texto de Alberto Torres publicado no espaço da revista Panorama intitulado
“Mentores da Nacionalidade”, em que eram recuperadas as idéias dos intelectuais já
falecidos. Acima, logo abaixo do título, era descrita a intenção expressa no conteúdo do
texto publicado: “Páginas dedicadas às grandes figuras de pensadores brasileiros, há muito
desaparecidos do cenário nacional, e que devem ser relembrados pelos ensinamentos e
previsões que nos deixaram”. Panorama, Rio de Janeiro, 1936, n
o
8.
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo