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Costuma-se dizer que a obra realizada por Farias Brito no sentido
de salvaguardar os valores espirituais contra o dominante
dogmatismo materialista, lembra a desenvolvida por Bergson na
França, ou por Benedetto Croce na Itália. É de se notar, porém, que
Bergson e Croce tiveram antecessores da altura de um Bontroux e
de um Spaventa, enquanto que a obra do filósofo cearense não tem
entre nós antecedentes de vulto, é impressionantemente inédita.
Isto lança uma luz forte sobre a personalidade poderosa daquele
que foi o mais original de nossos pensadores e o mais lúcido
expositor e crítico dos grandes sistemas filosóficos.
201
No entanto, embora haja semelhanças entre Sorel e Farias Brito, pois ambos
utilizaram Bergson e serviram de parâmetro para os fascismos italiano e brasileiro,
respectivamente, não podemos classificá-los numa mesma corrente de pensamento.
202
Farias Brito não foi e nunca pretendeu ser o “Sorel integralista”. Além disso, o pensamento
britiano centrou-se fundamentalmente na filosofia, sendo escassas as suas opiniões e as suas
divagações a respeito dos temas que envolviam diretamente a política, sendo que o oposto
se deu com o pensador francês.
203
4.2. A filosofia de Farias Brito: Uma atividade permanente do espírito
A produção intelectual de Farias Brito tem inicio ainda no final do século XIX e tem
seu fim na segunda década do século XX, abrangendo um período de, aproximadamente,
vinte anos. A série intitulada Finalidade do Mundo compõe-se de A Filosofia como
Atividade Permanente do Espírito Humano, de 1895, A Filosofia Moderna, de 1899, e A
201
REALE, Miguel. In.: Cadernos Da Hora Presente, Rio de Janeiro/São Paulo/Belo Horizonte, outubro de
1939, p. 98.
202
Ao contrário de Alberto Torres, que em vários estudos foi enquadrado em uma determinada vertente do
pensamento autoritário brasileiro, numa espécie de consenso, Farias Brito, como vimos, tem sido motivo de
controvérsias e o seu pensamento, igualmente, é de controversa classificação. Na historiografia brasileira,
costumamos mencioná-lo como um intelectual precursor da renovação católica das primeiras décadas do
século XX. Entretanto, na filosofia, o autor tem sido referido como um precursor das idéias existencialistas,
ou elencado como mais um dos discípulos da chamada “Escola do Recife”, tendo como referência o
pensamento de Tobias Barreto. O autor Carlos Lopes de Mattos, ainda em 1962, manifestou essa preocupação
com a falta de um estudo que contemplasse o conjunto das obras do filósofo e que permitisse a compreensão
de seu significado para a História das Idéias no Brasil: “A obra de Farias Brito, já examinada sob vários
aspectos por um bom número de críticos e historiadores, do Brasil e até do estrangeiro, carece ainda, quero
crer, de um estudo de conjunto, que venha apresentar-nos o pensamento vivo do filósofo cearense, seu
significado na história das idéias no Brasil e mesmo seu lugar na história da filosofia universal”. MATTOS,
Carlos Lopes de, op. cit., p. 11.
203
Embora o estudo de Sylvio Rabello ateste uma certa ausência de temas relacionados diretamente à política
nas obras de Farias Brito, Djacir de Menezes observa que o filósofo não deve ser visto como alguém que foi
indiferente à política: “Se o filósofo fosse abastado ou filho de pai alcaide, poder-se-ia dar ao gozo do
isolamento e das leituras, sem quaisquer contatos com a política. Farias Brito era pobre – e a pobreza não
admite a indiferença. Há que arranjar emprego, concorrer, solicitar, reivindicar, acotovelar, abrir lugar ao sol.
Ele foi secretário de governo, maçom, professor de Faculdade, advogado. Não podia ser político tangido pela
ambição de mando, mas esteve de olhos voltados para a liça onde os homens politicavam”. MENEZES,
Djacir, op. cit., p. 11.