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A CONSTRUÇÃO DISCURSIVA DA MASCULINIDADE EM
PRÁTICAS SOCIAIS DE LETRAMENTO NÃO-ESCOLAR
ANDERSON DA SILVA LOPES
Dissertação de Mestrado apresentada ao
Programa Interdisciplinar de Lingüística
Aplicada, Faculdade de Letras, da
Universidade Federal do Rio de Janeiro,
como parte dos requisitos necessários à
obtenção do tulo de Mestre em
Lingüística Aplicada.
Orientador: Professor Doutor Luiz Paulo da Moita Lopes
Rio de Janeiro
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Junho de 2006
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Lopes, Anderson da Silva
A Construção Discursiva da Masculinidade em Práticas Sociais
de Letramento Não-escolar / Anderson da Silva Lopes Rio de Janeiro:
UFRJ/CLA, 2006.
xi, 174 f; 29,7 cm.
Dissertação (Mestrado em Lingüística Aplicada) – Universidade
Federal do Rio de Janeiro, Faculdade de Letras, 2006.
Orientador: Luiz Paulo da Moita Lopes
1. Visão sócio-construcionista do discurso e das identidades
sociais. 2. Construção da masculinidade. 3. Letramento
não-escolar. I.Moita Lopes, Luiz Paulo da (Orient.). II.
Universidade Federal do Rio de Janeiro. Faculdade de Letras.
Programa Interdisciplinar de Lingüística Aplicada. III. Título.
A CONSTRUÇÃO DISCURSIVA DA MASCULINIDADE EM
PRÁTICAS SOCIAIS DE LETRAMENTO NÃO-ESCOLAR
Anderson da Silva Lopes
Dissertação de Mestrado apresentada ao
Programa Interdisciplinar de Lingüística
Aplicada, Faculdade de Letras, da
Universidade Federal do Rio de Janeiro,
como parte dos requisitos necessários à
obtenção do título de Mestre em
Lingüística Aplicada.
BANCA EXAMINADORA:
__________________________________________________
Professor Doutor Luiz Paulo da Moita Lopes - UFRJ
Orientador
__________________________________________________
Professora Doutora Branca Falabella Fabrício - UFRJ
__________________________________________________
Professora Doutora Liliana Cabral Bastos – PUC-Rio
__________________________________________________
Professora Doutora Myriam Brito Correa Nunes - UFRJ
Suplente
__________________________________________________
Professora Doutora Maria da Graça Dias Pereira – PUC-Rio
Suplente
Rio de Janeiro
Junho de 2006
Aos meus pais, meus eternos amores, que
ensinaram a mim e a meu irmão o verdadeiro
significado de honestidade, de perseverança
e de fraternidade em um mundo tão marcado
pelo egoísmo.
AGRADECIMENTOS
Ao Professor Luiz Paulo da Moita Lopes, por seus ensinamentos e
orientações ao longo de minha vida acadêmica. Como orientador, sou grato
por sua paciência, confiança e pelos merecidos e necessários puxões de
orelha”. Como amigo, sou eternamente grato por seu imenso coração e por
me mostrar que a vida é um desafio que deve ser enfrentado com garra” e
determinação.
À Professora Maria Alice da Fonseca Freire, co-responsável pelo meu
crescimento como pesquisador durante a Inicião Científica. Seu
profissionalismo e ética ficarão para sempre guardados.
À Professora Myriam Brito Correa Nunes, exemplo de generosidade e de
bom-humor. Sou grato por seus ensinamentos, que muito contribuíram para
meu amadurecimento como pesquisador. Com você, aprendi que os desafios
da vida devem ser superados com muita fé em Deus e perseverança.
À Professora Branca Falabella Fabcio, por sua incansável disposição em
me ouvir e ajudar. Obrigado por ter compartilhado seu vasto saber,
possibilitando-me tornar um cidadão mais ctico e reflexivo.
À Professora Liliana Cabral Bastos, por seu pronto aceite em participar de
minha banca examinadora. Agradeço também por ajudar a enriquecer os
meus conhecimentos, obtidos por meio de congressos e encontros.
À Professora Maria José Monteiro, a Lia, por suas valiosas contribuições
para a minha formação como pesquisador em Lingüística Aplicada. Muito
obrigado por seus ensinamentos e simpatia.
À Professora Maria da Graça Dias Pereira, pelo convite aceito para compor
minha banca.
Ao CNPq, pela bolsa de mestrado, sem a qual não poderia dedicar-me
integralmente à elaboração desta pesquisa.
Aos meus irmãos (Marcos e Claudionor), minha querida avó, tios, sobrinhos
e cunhadas. Sou grato por vocês, cada um a seu modo, estarem
constantemente me mostrando o valor de se ter uma falia.
Aos amigos e colegas do Projeto Salínguas (Cida, Raquel, Luciana, Talita,
Milena, Alan, Isaías, via, Márcia, Diane, Gisele, Iorans, Felipe, Paula,
lvia, Thiago, Leda e João), pelo companheirismo e pelos inenarráveis
momentos compartilhados no Salínguas e nos congressos. Em especial, à
amiga Bianca, companheira de Inicião Científica. Muito obrigado por sua
amizade dentro e fora do contexto acadêmico.
À minha grande companheira de mestrado Alba. Sou grato pelos incentivos
e pelo apoio que me deu nos momentos de aflição, vida e desespero”
que compartilhamos e enfrentamos juntos. Conseguimos chegar na etapa
final!
Ao Projeto Vida Plena, minha segunda falia. Sou eternamente grato pelo
apoio, compreensão e amizade de cada membro e participante. Com vocês,
tenho aprendido o verdadeiro significado da perseverança e da união.
Aos meus velhos amigos. Em especial, ao amigo Rubens Junior, a quem sou
muito grato por estar sempre caminhando ao meu lado nos diversos
momentos de minha vida. E à amiga Érica, pelos momentos alegres e tristes
que enfrentamos. Saudades!
Aos novos amigos. Em especial, ao amigo Nélio Georgini. Muito obrigado
pelos divertidos momentos que temos passado juntos e por contribuir para
meu crescimento como ser humano. Sou, também, eternamente grato pelo
apoio profissional e pessoal que tem me dado e às incansáveis dicas para o
aprimoramento desta dissertação.
Especialmente, quero agradecer ao sujeito desta pesquisa por ter aceitado
participar desta investigação. Sem sua colaboração, esse trabalho o seria
possível.
A todas as demais pessoas que contribram direta ou indiretamente para a
viabilização desta pesquisa.
RESUMO
A CONSTRUÇÃO DISCURSIVA DA MASCULINIDADE EM
PRÁTICAS SOCIAIS DE LETRAMENTO NÃO-ESCOLAR
Anderson da Silva Lopes
Orientador: Luiz Paulo da Moita Lopes
Resumo da Dissertão de Mestrado submetida ao Programa
Interdisciplinar de Lingüística Aplicada, Faculdade de Letras, da
Universidade Federal do Rio de Janeiro UFRJ, como parte dos requisitos
necessários à obtenção do título de Mestre em Lingüística Aplicada.
Esta pesquisa focaliza a (re-)construção da masculinidade de um
homem em pticas sociais de letramento não-escolar de natureza midiática.
Com base em protocolos verbais e em conversas sobre textos, o estudo faz
uma análise dos posicionamentos discursivos dos participantes em tais
práticas. Os resultados indicam que o homem (re-)constrói sua
masculinidade de formas distintas e, às vezes, contraditórias. Apesar de
haver um predomínio do modelo hegemônico tradicional nos eventos de
letramento estudados, esse homem tamm se posiciona de acordo com o
modelo do chamado “novo homem”.
Palavras-chave: socioconstrucionismo; letramento midiático; masculinidade.
Junho de 2006
Rio de Janeiro
ABSTRACT
THE DISCURSIVE CONSTRUCTION OF MASCULINITY IN MEDIA
LITERACY SOCIAL PRACTICES
Anderson da Silva Lopes
Orientador: Luiz Paulo da Moita Lopes
Abstract da Dissertação de Mestrado submetida ao Programa
Interdisciplinar de Lingüística Aplicada, Faculdade de Letras, da
Universidade Federal do Rio de Janeiro UFRJ, como parte dos requisitos
necessários à obtenção do título de Mestre em Lingüística Aplicada.
This research focuses on the (re-)construction of a man’s masculinity
in media literacy social practices. By using verbal protocols and talk about
texts as research instruments, the study analyses the participants’
positionings in such practices. The results indicate that the man
(re-)constructs his masculinity in different and contradictory ways. Although
there is a tendency for the traditional hegemonic model of masculinity in the
literacy events studied, this man also positions himself in accordance with
the model of the so-called “new man”.
Key words: socioconstrucionism; media literacy; masculinity
June 2006
Rio de Janeiro
LISTA DE CONVENÇÕES E ABREVIATURAS
Lista adaptada de MARCUSCHI (1991).
/ ................................................................................................... pausa
breve
// .................................................................................................. pausa
longa
:: ................................................................................. alongamento da
vogal
[ .................................................................................. sobreposição de
vozes
(( )) ................................................................... comentários do
pesquisador
MAIÚSCULA ............................................................ ênfase ou acento
forte
/.../ .............................................................................. corte na produção
oral
P ..................................................................................................
pesquisador
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ....................................................................................
12
2 O QUE CONTA COMO LETRAMENTO? ......................................
19
2.1 Letramento midiático .....................................................................
22
2.2 Perspectiva social da leitura ...........................................................
27
2.3 A conversa sobre textos ..................................................................
30
3 A VISÃO SÓCIO-CONSTRUCIONISTA DO DISCURSO .............33
3.1 Discurso e poder .............................................................................
37
3.2 Posicionamento discursivo .............................................................
40
3.3 O discurso da mídia ........................................................................
44
3.3.1 Pluralização do mercado editorial de revistas masculinas ..... 47
4 A CONSTRUÇÃO SOCIAL DAS IDENTIDADES ..........................
51
4.1 A mídia e as identidades sociais .....................................................
54
4.2 As identidades de gênero ................................................................
61
4.3 Masculinidades: a construção social do homem ............................ 64
4.4 O novo homem ...........................................................................
70
5 METODOLOGIA E CONTEXTO DE PESQUISA ......................... 75
5.1 O paradigma de pesquisa ................................................................
75
5.2 O estudo de caso .............................................................................
77
5.3 A pesquisa introspectiva .................................................................
80
5.3.1 O "pensar alto" - a técnica do protocolo verbal ..................... 84
5.4 Contexto de pesquisa ......................................................................
85
5.4.1 Onde a pesquisa foi realizada .................................................
85
5.4.2 Os participantes ......................................................................
86
5.5 Instrumentos de pesquisa ...............................................................
87
6 ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS ..........................................
93
6.1 A construção discursiva de masculinidades ................................... 94
6.1.1 “A sociedade já tá acostumada com um padrão ..................... 95
6.1.2 Cueca aparecendo é estilo” ...................................................
97
6.1.3 “O homem começou a se preocupar mais com a vaidade” .. 101
6.1.4 Eu vou te deserdar” ............................................................
104
6.1.5 “Homem que é homem gosta de mulher” ............................ 107
6.1.6 “O cara tem compromisso... então o cara é bom” ................ 113
6.1.7 “Num rola nada, sentimento nenhum................................. 117
6.1.8 “Na época dele... era comum ..............................................
119
6.1.9 “Escova elétrica! Coisa de bichinha! .................................. 122
6.1.10 Eu sou desse pensamento” ................................................
125
6.1.11 Aliso meu cabelo às vezes” ..............................................
128
6.1.12 “Mas eu corto com a tesoura, entendeu?.......................... 130
6.1.13 “Só se for gay mesmo” .......................................................
132
6.1.14 Mas ele é pinta” ................................................................
134
6.2 Respondendo às questões de pesquisa .........................................
137
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................
142
8 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .............................................
146
ANEXOS ................................................................................................
154
1 INTRODUÇÃO
Quanto mais formos capazes de
compreender racionalmente o mundo, e a nós
mesmos, mais poderemos moldar a história
para nossos próprios prositos. Temos de
nos libertar dos hábitos e preconceitos do
passado a fim de controlar o futuro.
(GIDDENS, 2002, pp. 13-14).
Vivemos tempos em que a vida tradicional,
ou seja, muitos valores, éticas, ideologias e
percepções da vida social entendidos como
verdades naturalizadas, estão sendo
profundamente questionados.” (MOITA
LOPES, 2003, p. 16).
Estamos vivendo em um mundo que, devido à globalização, o acesso
à informação cultural e científica se de maneira cada vez mais intensa e
veloz. Grandezas como espaço” e tempo”, que antes eram diretamente
proporcionais, hoje são vistas como independentes uma da outra
(BAUMAN, 1999). Encontramo-nos imersos em uma época de rápidos
avanços tecnológicos e de profundas transformões nos mais variados
âmbitos da vida social. Hoje, com o aulio dos meios de comunicação de
massa como a TV e a internet, por exemplo podemos obter informações
imediatas sobre o que está acontecendo no mundo, bem como conhecer
lugares e culturas de diferentes povos.
O pensador britânico Anthony Giddens (2002) ressalta que a
comunicação eletrônica instantânea desempenha uma tarefa que vai além da
de transmitir informões de maneira mais rápida: sua existência altera a
própria estrutura de nossas vidas, quer sejamos ricos ou pobres”
(GIDDENS, 2002, p. 22). O autor destaca ainda que a globalização é
também um fenômeno que se aqui dentro’, influenciando aspectos
íntimos e pessoais de nossas vidas.” (Ibidem, p. 22) Partindo, então, dessa
afirmão, podemos ver que ninguém está imune às transformações e aos
questionamentos trazidos pela globalização, e que essa tem influenciado a
maneira pela qual tentamos fazer sentido do mundo e das pessoas a nossa
volta.
O acesso a essas rápidas transformações, oriundas da compressão
espaço/tempo e viabilizadas por meio da mídia, tem nos posicionado em
meio a um contexto cada vez mais diversificado e plural e em meio a
inúmeras incertezas a respeito do mundo. Tais transformões têm, ainda,
possibilitado o acesso a novas escolhas de vida até então o
disponibilizadas. A esse respeito, Moita Lopes (2001, p. 208) aponta que a
expressão da nossa sexualidade, a organização da vida em família, a maneira
de ser homem ou mulher, entre outras coisas “são algumas das escolhas com
que nos deparamos diante das possibilidades de viver a vida social
contemporânea ou de construir as identidades”. Ele destaca, ainda, o fato de
que muitas dessas novas escolhas foram possibilitadas a partir do declínio
de modos tradicionais de viver a vida social os quais, devido ao acesso
imediato à informão por meio da mídia, têm sido questionados em
diversas partes do mundo e em diversos contextos sociais.
Com base nesses questionamentos, nos últimos anos tem havido um
crescente interesse em se estudar as identidades sociais no intuito de se
obter uma maior compreensão da vida social. Muito se estudou (e se tem
estudado) acerca das transformões do papel da mulher na sociedade, por
exemplo. Essas transformões fizeram com que o homem se
desestabilizasse e se voltasse para um questionamento de sua própria
identidade social. Assim, como conseqüência das diversas alterações
ocorridas no universo feminino, a identidade masculina também está
passando por um processo de mudanças.
Durante toda minha adolescência, lembro-me de que muitos desses
questionamentos transitavam pela minha mente, sem encontrar respostas.
Não compreendia por que as pessoas, supostamente, tinham de viver dentro
de um formato pré-estabelecido pela sociedade. Como venho de uma família
católica e de valores bastante tradicionais, na qual muitos aspectos do
chamado senso comumeram (e ainda são) ressonantes, sempre fui levado
a acreditar que o homem deve, a todo instante, provar que é homem.
Recordo-me tamm, com tristeza, que na escola, devido ao fato de não
gostar de jogar futebol, fui obrigado por um professor de educação física a
entrar para o time, pois esse dizia que homem que é homem tem de jogar e
gostar de futebol. Fui crescendo, então, tentando compreender por que
existiam receitas prontas” de como ser homem, ou de como ser mulher, por
exemplo. Afinal, sempre acreditei que o fato de eu nunca ter gostado de
jogar futebol não me fazia menos homem do que meus colegas de classe.
Contudo, devido a todas essas pressões advindas dos contextos familiar e
escolar, achei mais cil tentar adequar-me ao formato do que a sociedade
reconhecia como um homem adolescente.
Em 1999, durante a minha graduação, ingressei como bolsista de
Inicião Científica no Projeto Salínguas, coordenado pelo Prof. Luiz Paulo
da Moita Lopes, no qual tive meu primeiro acesso a questões relacionadas
às identidades sociais. As primeiras respostas para meus questionamentos
começavam, então, a surgir. Lá, passei a compreender, com base na
teorização utilizada no Projeto, que somos atravessados por diversos traços
identitários e que esses são construídos socialmente via discurso.
Compreendi tamm que todos aqueles formatos aos quais tentava me
adequar eram resultado dos chamados regimes de verdade impostos pela
sociedade.
Desde que ingressei nesse Projeto, interessei-me em estudar questões
acerca da construção das masculinidades, talvez, ainda sem saber, devido às
experiências que sofri em minha adolescência. O fato de compreender que
as pessoas não eram obrigadas a viverem formatadas”, dentro de pacotes
identitários”, e que existiam outros modos disponíveis de viver socialmente,
causava-me um certo misto de conforto e estranhamento. Afinal, apesar de
ter encontrado parte da solução para meus questionamentos, ainda me
encontrava bastante preso aos valores tradicionais sob os quais fui criado.
Com o intuito de buscar encontrar mais respostas para meus
questionamentos acerca das identidades sociais e de tentar compreender a
dinâmica das masculinidades no panorama contemporâneo, proponho-me,
nesta dissertão, a estudar qual a importância das informações veiculadas
pelo discurso midiático, especificamente o de uma revista masculina (a
revista VIP), na construção da masculinidade de um determinado homem.
Para tanto, procurarei pautar-me nas seguintes questões:
1) como esse homem (re-)constrói sua(s) masculinidade(s) frente
aos significados veiculados pela revista VIP; e
2) sua interação com esses significados promove a construção de
um novo padrão de masculinidade para si?
Meu interesse em focalizar o discurso de uma revista encontra
respaldo no crescente papel que a mídia vem ocupando na vida social. A
esse respeito, Moita Lopes (2003b, p. 3) afirma que “a mídia vê tudo e faz a
mediação de uma pluralidade desconcertante de experiências humanas”. A
escolha pela revista VIP, que é voltada para o blico masculino
heterossexual, deu-se devido ao fato de que uma das propostas da revista é
buscar explorar o ponto de vista dos homens sobre si mesmos, i.e., o que o
homem pensa e quais são seus desejos, sejam eles sexuais, profissionais ou
de consumo. Desse modo, ao contrário de outras publicações masculinas,
que têm como foco esportes, negócios e mulheres nuas, a VIP é baseada no
modelo das revistas femininas, apresentando um novo padrão de
masculinidade, segundo os próprios editores:
O objetivo da VIP é ser, a seu modo, uma revista
indispensável para o homem inteligente. Se você está
preocupado com a sua saúde e boa forma, se você gosta de
carros e de se vestir bem, se tem interesse por esporte,
viagens, comida e outras coisas boas (inclusive bom
humor), então VIP é a sua revista. (VIP nº158, jun 1998, p.
7)
Em relação ao sujeito estudado, João, decidi-me por analisar sua
interação com os significados produzidos pela revista devido ao fato de o
mesmo se auto-identificar com ela, ao dizer que o homem atual tem outros
tipos de prioridades e preocupações. Ao mesmo tempo, seu discurso aponta
para uma visão bastante essencialista e homogênea da masculinidade.
Assim, as idéias expostas por ele despertaram meu interesse em investigar
seu posicionamento frente aos significados produzidos por essa revista, bem
como o papel desses na construção sócio-discursiva de suas masculinidades.
Para levar a efeito esse estudo, esta dissertação está organizada em 7
capítulos. Considerando que minha pesquisa tem como uma de suas bases a
visão teórica que considera a leitura e a conversa sobre textos como práticas
sociais capazes de proporcionar a (re-)construção das identidades sociais,
torna-se necessário discutir questões gerais sobre algumas visões
contemporâneas do termo letramento. No capítulo 2, portanto, abordo as
variedades dos tipos de letramento, os modelos autônomo e ideológico, e
aponto a importância do letramento midiático na vida contemporânea (seção
2.1). Em seguida, apresento a leitura como um evento social e cultural, i.e.,
os sujeitos constroem conjuntamente os significados ao interagirem com o
texto (seção 2.2). Ainda nesse capítulo, uma discussão a respeito da
conversa sobre textos (seção 2.3), que utilizo como um instrumento para
observar como João constrói os significados acerca das masculinidades.
O capítulo 3 aborda o conceito de discurso e de identidades sociais
com base em uma perspectiva sócio-construcionista. Desse modo, o
discurso é entendido como uma forma de agir no mundo ele tanto constrói
o mundo social como se constitui por meio dele – e como uma prática social
permeada por relões de poder (seção 3.1). A seguir, trato da questão do
posicionamento discursivo (seção 3.2), utilizado aqui como construto
teórico-metodológico, uma vez que, em toda interação discursiva, nos
localizamos e localizamos o outro frente aos discursos dos quais
participamos e a partir de nossas marcas identitárias. Discorro, também,
sobre as transformões que o discurso da mídia vem provocando na
contemporaneidade (seção 3.3), bem como sobre a pluralização do mercado
editorial de revistas masculinas (seção 3.3.1).
No capítulo 4, discuto a natureza social, plural e fragmentada das
identidades de gênero e a importância da mídia na constituição de quem
somos (seção 4.1). na seção seguinte, apresento o conceito de gênero
(seção 4.2). O traço identitário de masculinidades é tratado aqui sob uma
abordagem sócio-construcionista cuja natureza é múltipla e dinâmica (seção
4.3). Aponto, ainda, que um novo padrão de masculinidade está surgindo e
ganhando espaço no discurso midiático (seção 4.4).
A metodologia e o contexto de pesquisa utilizados para este trabalho
são apresentados no capítulo 5. Adoto um paradigma de pesquisa
interpretativista (seção 5.1) e fo um estudo de caso (seção 5.2), uma vez
que focalizo uma realidade específica de forma contextualizada. A fim de
tentar elucidar as questões que me propus investigar, lanço mão da pesquisa
introspectiva (seção 5.3). Descrevo também o contexto em que esta
pesquisa foi realizada (seção 5.4) e os instrumentos utilizados na geração
dos dados (seção 5.5).
No capítulo 6, analiso e interpreto os dados à luz da teoria e
metodologia abordadas aqui, buscando responder a cada uma de minhas
questões de pesquisa.
As considerações finais a respeito dos resultados da pesquisa são
apresentadas no capítulo 7.
2 O QUE CONTA COMO LETRAMENTO?
Os significados não são propriedades nem
de textos fixos e estáveis nem de leitores
livres e independentes, mas de comunidades
interpretativas que o responsáveis tanto
pela forma das atividades do leitor quanto
pelos textos que estas atividades produzem.”
(FISH, 1993, p. 156).
[o letramento é] o estado ou a condição que
adquire um grupo social ou um indiduo
como conseqüência de ter-se apropriado da
escrita e suas práticas sociais.” (SOARES,
2000, p. 18).
As formas recentes de entender o letramento apontam-no como
estando ligado o somente às explicações cognitivistas sobre o que é saber
ler e escrever mas também às práticas sociais, culturais e históricas
(STREET, 1984, 1995; SIGNORINI, 1994; KLEIMAN, 1995; SOARES,
2000; entre outros). Nesse sentido, Soares (2000, p. 20) assinala que “não
basta apenas saber ler e escrever, é preciso também saber fazer uso do ler e
do escrever, saber responder às exigências de leitura e de escrita que a
sociedade faz continuamente”. O letramento, então, não pode ser associado
apenas a competências individuais. Ao contrário, ele envolve as práticas
sociais que utilizam a leitura e a escrita em determinados contextos com
propósitos específicos. No caso desta pesquisa, procuro estudar como a
leitura de alguns textos midiáticos e a conversa sobre esses textos são
utilizadas como uma prática social no qual João pode (re-)construir suas
masculinidades.
Como o letramento é, muitas vezes, associado apenas ao contexto
escolar, cabe, aqui, ressaltar que o existe apenas um tipo de letramento,
i.e., não se pode ignorar importantes vertentes das práticas diárias de
letramento dos indiduos. Eles estão continuamente se evolvendo em outras
práticas de letramento como, por exemplo, o letramento midiático, que é o
foco deste trabalho. Assim, podemos dizer que prática de letramento em
ações como trabalhar na Internet, ler uma revista, entre outras. Todas as
vertentes de letramento, portanto, podem ser consideradas tão importantes
(ou, em alguns casos, até mais) para a construção de conhecimento quanto o
letramento escolar. Nesse mundo globalizado, as práticas de letramento
midiático, por exemplo, têm, cada vez mais, um papel central na vida social,
como discutirei mais adiante.
Street (1984, 1995) descreve dois modelos para explicar os
letramentos, a saber: o modelo autônomo e o modelo ideológico de
letramento. O modelo autônomo pressupõe a existência de apenas uma
forma de letramento: aquela que normalmente aprendemos na escola. Essa
visão aborda o letramento apenas em seus aspectos técnicos,
independentemente do contexto social.” (STREET, 1995, p. 161). Sob essa
perspectiva, o letramento seria, então, um fenômeno individual, neutro; uma
mera técnica que é adquirida sem se levar em consideração os aspectos
sócio-históricos que o caracterizam. Esse tipo de letramento, portanto, é
reduzido a questões técnicas e, a cognição a algo independente da vida
social. Soares (2000, p. 88) aponta que essa visão é limitada e em geral
insuficiente para responder às exigências das práticas sociais que envolvem
a língua escrita fora da escola”. Assim, o modelo autônomo anula a vida
social dos indivíduos, apagando suas marcas identitárias, como se essas o
fossem relevantes para os processos que envolvem as práticas de
letramento.
Contrariamente a essa visão tradicional, homogênea e individual de
letramento, uma outra abordagem mais contemporânea, que adoto neste
trabalho, entende o letramento como um processo relacionado às práticas
sócio-culturais e históricas dos indivíduos (STREET, 1995; SOARES, 2000;
entre outros). Moita Lopes (2005, no prelo) afirma que
ainda que seja verdade que as habilidades decodificativas e
cognitivas desempenhem um papel importante quando os
participantes se envolvem em práticas de letramento,
estudos mais recentes neste campo m chamado atenção
para o letramento como um evento social situado.
Com base nessa perspectiva, o letramento, portanto, deve ser
considerado como uma prática plural situada em contextos sociais e
culturais específicos. Conforme argumentam Green et al. (1994, p. 124), o
letramento é um fenômeno construído socialmente, que é definido e
redefinido situacionalmente em grupos distintos, incluindo grupos de leitura,
salas de aula, escolas, comunidades e grupos profissionais”. Street (1984,
1995) chama essa outra abordagem de modelo ideológico de letramento em
oposição ao modelo aunomo. Segundo ele, essa forma de ver o letramento,
a qual tem sido utilizada por muitos pesquisadores contemporâneos (por
exemplo, BLOOME, 1983; BARTON, 1994; SOARES, 2000; MOITA
LOPES, 2005; entre outros), busca focalizar “as práticas de letramento
como estando intimamente ligadas às estruturas cultural e de poder em uma
dada sociedade.” (STREET, 1995, p. 161). Assim, as práticas ideológicas
de letramento, situadas em contextos sociais e culturais específicos, são
políticas e podem propiciar mudanças na vida dos indiduos, uma vez que
favorecem a compreensão e a (des-) construção de ideologias impostas pela
sociedade como regimes de verdade” (ver nota 2). O modelo ideológico de
letramento, portanto, considera que as práticas de letramento são capazes de
questionar valores, tradições e formas de distribuição de poder presentes
nos contextos sociais” (SOARES, 2000, p. 74).
Nesta pesquisa, como apontei, entendo o letramento com base no
modelo ideológico por acreditar que os significados apreendidos via leitura
não são inerentes ao texto, mas construídos dentro de uma comunidade
interpretativa específica. Desse modo, as práticas de letramento não existem
fora do contexto sócio-histórico, pois estão intimamente ligadas à cultura e
aos valores que circulam em uma determinada sociedade. Além disso,
entendo que o caráter ideológico do letramento pode ser compreendido com
base na percepção do caráter ideológico de todo e qualquer discurso, uma
vez que a construção de crenças, valores, identidades e visões de mundo
estão sempre em jogo. Ao observar, portanto, o modo como João lê textos
da mídia e constrói significado com base em tais textos, acredito ser possível
também analisar seu posicionamento frente aos significados que ele constrói
bem como os processos pelos quais ele (re-)constrói sua identidade de
gênero.
2.1 Letramento midiático
[As mudanças sociais] têm afetado
profundamente nosso sentido de ‘si mesmos’
e de lugar, causando uma confusão
considerável e que tem sido amplamente
referida como uma perda de sentido.”
(CHOULIARAKI & FAIRCLOUGH, 1999,
p. 3).
Estamos todos imersos em uma era de profundos e rápidos avanços
tecnológicos, de transporte de comunicação em tempo quase imediato, de
novos significados e valores de ordem extraterritorial. Todos esses
acontecimentos ocorridos na sociedade contemporânea têm colocado o
sujeito social frente a uma profusão de significados heterogêneos que, antes,
não eram disponibilizados. Uma vez frente a esses significados novos, que
não fazem parte de seu repertório de sentidos, os sujeitos sociais perdem seu
referencial e se deparam com um sentimento de insegurança e impotência.
Segundo Fridman (2000), as vertigens trazidas por essas rápidas
transformões resultam em esforços de se tentar compreender o mundo
atual. Esses esforços
evidenciam a tentativa de elucidação dos meios e modos
em que se processa a globalização, a comunicação
instantânea, a volatilidade do capital, a ação à distância, os
novos apartheids sociais, a fragmentação do sujeito e a
predominância da mídia na constituição do universo
simbólico das grandes massas. (FRIDMAN, 2000, p. 11)
Thompson (2004) aponta que para se compreender as características
institucionais das sociedades modernas e as condições de vida que elas
criam, é necessário analisar o impacto e o desenvolvimento dos meios de
comunicação nesses contextos. O autor aponta também que “o uso dos
meios de comunicação transforma a organização espacial e temporal da vida
social, criando novas formas de ação e interação, e novas maneiras de
exercer o poder.” (THOMPSON, 2004, p. 14). Os meios de comunicação
transformaram, ainda, a organização espaço-temporal de modo que os
indiduos podem interagir sem compartilhar um local comum. A esse
aspecto Thompson (2004, p. 28) chama de distanciamento
espaço-temporal”. Em relação a essa característica, Fridman (2000, p. 17)
aponta que é possível saber o que afeta o mundo todo e não estar em lugar
algum. Desse modo, podemos experimentar os acontecimentos sem a
necessidade de compartilhar simultaneamente o mesmo espaço que nosso
interlocutor.
Um outro aspecto importante da mídia é a sua capacidade de
transformar objetos e experiências de todo o tipo em mercadorias. Fridman
(2000, p. 23) assinala que a onipresença da mídia, ambiente em que se
processa a nova expansão do capitalismo, informa a idéia de sociedade da
imagem”. Nesse contexto, o predomínio das imagens influencia as maneiras
de pensar, sentir, desejar, consumir e agir dos indiduos. Desse modo,
a propaganda e a mídia são fundamentais na criação das
novas necessidades, com ênfase nos aspectos simlicos
que promovem a estetização” da economia. Esse processo
se efetiva através da multiplicação de linguagens do
mundo da mídia em uma cultura de imagens que
sobrepassa a cultura literária observada nos momentos do
capitalismo industrial clássico. (FRIDMAN, 2000, p. 30)
O autor aponta também que na comunicação de massa, a
onipresença da mídia, a inundação de imagens (televisão, computadores,
publicidade etc.) e a integração entre vídeo, som e banco de dados
suplantaram a cultura literária anteriormente predominante.” (FRIDMAN,
2000, p. 16). Assim, as informações sobre os acontecimentos do cotidiano
são, fundamentalmente, veiculadas pelo discurso da mídia cujas narrativas
produzem uma realidade à parte, criando um mundo de simulacros que
dispensa a experiência vivida”. (Ibidem, p. 17). O desenvolvimento dos
meios de comunicação, portanto, favoreceram a comunicação instantânea de
modo que hoje os indiduos têm contato com o mundo por meio da tela de
uma televisão ou de um computador.
Essa rapidez de circulação da informação, possibilitada pela
globalização, trouxe, portanto, a perda dos referenciais, já mencionados,
que, antes, eram encontrados nas verdades” da tradição, da família e da
religião. No mundo de desencaixe das referências locais, a confiança em
sistemas abstratos é fundamental para se seguir em frente.” (FRIDMAN,
2000, p. 45). A esse respeito, Giddens (2002) aponta que a globalização
favoreceu o que seria o fim da tradição. Ele assinala que nos países
ocidentais, não só as instituições blicas mas também a vida cotidiana
estão se libertando do domínio da tradição.” (GIDDENS, 2002, p. 53).
Corroborando essa visão, Cope & Kalantzis (2000, p. 5) também
assinalam que os pidos avanços dos meios de comunicação, ao
disponibilizarem o acesso a diferentes culturas, têm abalado nossas certezas
e nosso sentido de verdade”. Desse modo, ao termos acesso aos canais da
mídia, estamos também tendo acesso a diferentes visões de mundo e,
conseqüentemente, a novas formas de ser e de agir no mundo social. Assim,
no intuito de dar conta da multiplicidade de canais de comunicação e da
mídia” e da proeminência de diversidade cultural e lingüística”, esses
autores passaram a utilizar o termo multiletramentos”. Esse termo, a
exemplo do modelo ideológico de letramento (STREET, 1984, 1995),
apresenta o letramento como um conjunto de práticas nas quais as pessoas
estão situadas em relações sociais mais amplas.
Sob essa perspectiva do multiletramento”, a construção do
significado não é vista apenas com base nos elementos lingüísticos, mas
também por meio dos processos áudio-visuais, gestuais, entre outros. Assim,
tentar fazer sentido do mundo hoje requer acesso a um letramento
multimodal, ou a uma diversidade de tipos de letramento, uma vez que os
novos meios de comunicação estão reformulando a maneira pela qual
utilizamos a linguagem(COPE & KALANTZIS, 2000, p. 6). Desse modo,
ao analisar a interação de João com os textos veiculados pelo discurso da
revista VIP, considero tanto a sua leitura dos aspectos lingüísticos como a
leitura que ele faz dos aspectos visuais presentes nos textos, tais como a
formatação, as cores, as figuras, entre outros.
Como uma das fontes geradoras da multiplicidade de experiências
que podem ser vividas, a rápida circulão da informação por meio dos
canais da mídia parece ter sido intensificadas na vida contemporânea.
Torna-se importante, então, perceber o discurso da mídia como uma vertente
de letramento que tem um papel central na vida social dos indiduos, uma
vez que escada vez mais presente no processo de construção de nossas
visões de mundo.
É importante também ressaltar que o uso dos canais da mídia, assim
como outras práticas de letramento, vai além de um processo de codificação.
Thompson (2004, p. 29-30) assinala que
quando os indivíduos codificam ou decodificam
mensagens, eles empregam não somente as habilidades e
competências requeridas pelo meio cnico, mas também
rias formas de conhecimento e suposições de fundo que
fazem parte dos recursos culturais que eles trazem para
apoiar o processo de intercâmbio simbólico. Estes
conhecimentos e pressuposições dão forma às mensagens,
à maneira como eles as entendem, se relacionam com elas
e as integram em suas vidas.
Assim, podemos dizer que, ao construir significado nas práticas de
letramento midiático, os indivíduos também estão (re-)construindo suas
identidades sociais, uma vez que “o processo de compreensão é sempre uma
ação recíproca entre as mensagens codificadas e os intérpretes situados
[que] sempre trazem uma grande quantidade de recursos culturais de apoio a
este processo” (Ibidem, p. 30).
Tendo em vista essas características, e conforme mencionado
anteriormente, a minha escolha por utilizar textos da mídia escrita nesta
investigação encontra respaldo na centralidade que o discurso midiático, em
geral, tem na vida dos sujeitos na contemporaneidade, e na possibilidade de
acesso a múltiplas experiências que esse tipo de discurso oferece aos
sujeitos. Acredito, também, que esse leque de possibilidades disponibilizado
pela mídia pode promover a problematização de algumas crenças
sedimentadas, as quais poderão, ou o, ser negociadas e desestabilizadas.
Nesse sentido, em minhas conversas com João, busco levantar alguns
questionamentos acerca de seu posicionamento frente ao surgimento de um
novo modelo de masculinidade na sociedade contemporânea.
2.2 Perspectiva social da leitura
Apreender a constituição social e histórica
desses dois elementos centrais de todo ato de
leitura – o texto (e o impresso), de um lado, e
os leitores (e as comunidades de intérpretes),
de outro, assim como os modos de ler que
nas relações entre esses dois elementos
emergem, tem sido a aposta dos estudos
sobre práticas de leitura.” (BATISTA &
GALVÃO, 1999, p. 26).
A concepção de leitura como um processo social tem sido discutida
por diversos autores contemporâneos (BLOOME, 1983, 1993; GREEN et
al., 1994; BATISTA & GALO, 1999; entre outros). Segundo essa
concepção, a leitura é entendida como um evento no qual os participantes
discursivos se engajam ativamente na (re-)construção e negociação de
significados, i.e., os participantes estão construindo significados
conjuntamente por meio de interações discursivas. Essa perspectiva social
da leitura difere da concepção de leitura fundamentada na visão tradicional
de letramento, conforme já apontado anteriormente.
Bloome (1983, p. 168) chama essa perspectiva de visão
construtivista” da leitura. Em uma nota, ele afirma que esse termo tem sido
utilizado por alguns pesquisadores para descrever os processos cognitivos
que ocorrem durante o ato de leitura. Contudo, ele o utiliza para se referir
aos processos social e comunicativo envolvidos na interação face-a-face.
Segundo ele, essa visão, aplicada aos eventos de leitura, sugere que os
participantes constroem o significado que o texto terá, e eles também
constroem os meios de se pensar sobre o texto, os meios de orientar a si
mesmos para os outros [...] e os meios de se pensar sobre o mundo [...]”
(BLOOME, 1983, p. 169). Assim, ao se envolverem em práticas de leitura,
os indiduos não estão agindo em um cuo social, mas estão situados em
momentos sócio-históricos específicos.
Considerando, portanto, que os significados são construídos nas
práticas sociais, a concepção de leitura que adoto nesta pesquisa não a
compreende como um instrumento de transmissão de conhecimento entre
autor e leitor, mas, ao contrário, postula que os significados são construídos
intersubjetivamente com base na interação entre os participantes de um
determinado evento de letramento. Dessa maneira, é impossível entender a
leitura isoladamente das práticas sociais. Bloome (1993, p. 100) destaca que
ao se definir a leitura como um processo social e cultural, a leitura é vista
como um modo de estabelecer, manter ou mudar relões sociais e
identidades sociais”. Assim, focalizar a leitura sob um olhar sócio-cultural
nos leva a perceber que a maneira pela qual os indiduos em um texto e
constroem significados sobre ele nas práticas de leitura possibilita identificar
o processo de (re) construção das identidades sociais nessas práticas.
A concepção de letramento como um evento propiciador da formação
e transformação das identidades sociais considera os aspectos
sócio-históricos e o contexto no qual a leitura se dá, levando-nos a refletir
não sobre o que a leitura é, mas sim sobre o que a leitura faz (BAYNHAM,
1995, p. 186). Vemos, portanto, que há uma estreita relação entre as
práticas de letramento e os processos de construção identitária (MOITA
LOPES, 2005). Esse autor (ibidem, p. 2) aponta que se tornar letrado é um
modo de construir identidades sociais específicas situadas em determinadas
práticas de letramentos ao nos envolvermos nos discursos que circulam em
tais contextos”. Isso significa dizer que os participantes dos eventos de
leitura constroem significados sobre o mundo e sobre si mesmos a partir de
contextos sócio-históricos e culturais específicos.
Devido ao fato de que esses participantes são seres sociais diferentes,
os significados construídos nos eventos de leitura tamm são múltiplos e
contraditórios. Nesse sentido, o significado o essituado na intenção de
uma pessoa ou de um texto isoladamente, nem deve ser visto como fixo ou
estável, mas, ao contrário, deve ser pensado como sendo fluido e
indeterminado, uma vez que “é público e convencional; não é o resultado da
intenção individual, mas da inteligibilidade interindividual. Em outras
palavras, o significado é socialmente construído [...]” (ARONOWITZ &
GIROUX, 1991, p. 93). Nesse sentido, Bloome (1993, p. 104) assinala que,
como os indiduos estão sempre interagindo entre si e, como vimos, são
seres sociais diferentes uns dos outros, os significados que são construídos
nessa interação nem sempre são claros e mesmo se forem claros e
ratificados pelos participantes no momento da interação [...] estão sempre
abertos para serem contestados e modificados posteriormente”. Assim,
entender o significado construído via leitura como sendo fluido e
indeterminado implica dizer que a leitura é um ato inacabado e renegociável;
a leitura que se faz de um texto é provisória. Portanto, a indeterminação de
significados não é um problema, mas um recurso lingüístico ou
oportunidade de fazer sentido e de realizar ações” (Ibidem, p. 104).
Ao pensarmos a leitura como uma prática social, devemos levar em
consideração as conversas que permeiam a construção de sentido de um
texto. É nesse sentido que, no presente estudo, busco investigar a (re-)
construção da(s) masculinidade(s) de João por meio de conversas sobre
textos midiáticos das quais ele e eu participamos, uma vez que tais práticas
são lugares de (re-) construção identitária.
2.3 A conversa sobre textos
As leituras são constrdas, contestadas e
negociadas por meio da conversa na medida
em que os textos são [...] conjuntamente
relembrados.” (MAYBIN & MOSS, 1993, p.
138).
Ao focalizar a leitura como evento social, os
antrologos destacaram que as interações
dos indivíduos com os textos são
freqüentemente mediadas por meio das
práticas da língua oral.” (Ibid., p. 138)
Em sua pesquisa sobre as conversas informais de crianças a respeito
de textos eletrônicos e impressos, Maybin e Moss (1993) apontam que a
conversa é crucial para a construção dos significados sobre os textos.
Segundo essas autoras, a conversa fornece dados primários sobre o
processo real de construção de sentido que chamamos de leitura” (MAYBIN
e MOSS, 1993, p. 140). Desse modo, a leitura é vista como um processo
colaborativo de construção e negociação de significados via diálogo, e as
conversas sobre textos, por sua vez, são co-construídas pelos participantes
da interação.
Sempre que lemos ou conversamos sobre um texto, estamos
simultaneamente trazendo e reconstruindo nossas marcas sócio-históricas e
culturais. As conversas, portanto, são poderosos contextos de análise das
diferentes visões e expectativas dos indiduos e das construções sociais,
uma vez que são co-construídas pelos participantes e pelas diversas vozes
trazidas à tona por eles próprios, pelo texto e pelo autor. Dessa maneira,
esse tipo de interação o se somente entre leitor e texto, i.e., sob uma
perspectiva individual e cognitiva de construção de sentido, mas
concretiza-se essencialmente nesses eventos envolvendo vários sujeitos
que oralmente dialogam a respeito de um texto” (PAES, 2003, p. 82). As
leituras, então, ocorrem de acordo com as circunstâncias sociais, culturais e
históricas nas quais os textos estão inseridos: os textos são (re-)
contextualizados por meio da conversa sobre eles (MAYBIN e MOSS,
1993).
Um dos aspectos centrais no trabalho dessas autoras, portanto, é o
fato de que a conversa sobre textos ativa os pontos de vista e as
subjetividades dos participantes envolvidos nesse contexto, de modo que o
foco da pesquisa esna leitura que esses participantes fazem dos textos a
partir de suas relações e identidades sociais. Nesse sentido, a dinâmica das
conversas sobre textos é utilizada nesta pesquisa como um instrumento que
possibilita que eu compartilhe a construção de significados sobre os textos
da mídia com João, procurando observar sua visão acerca dos aspectos
relevantes para minha investigação.
Assim, considerando que os eventos de leitura ocorrem de acordo
com as circunstâncias sócio-históricas e culturais em que os textos e os
participantes estão inseridos, que as leituras nunca estão concldas, o
continuamente feitas e refeitas na conversa sobre texto” (MAYBIN e
MOSS, 1993, p. 144), e que esses eventos propiciam a (re-)construção das
identidades sociais, acredito que a utilização da conversa sobre textos
possibilita a investigação dos processos sociais que levam à compreensão de
João a respeito do que está sendo lido, bem como do processo de (re-)
construção de sua identidade de gênero masculino. Isso quer dizer que a
conversa sobre textos é um construto tanto teórico quanto metodológico
nesta dissertão.
3 A VISÃO SÓCIO-CONSTRUCIONISTA DO DISCURSO
É impossível pensar o discurso sem focalizar
os sujeitos envolvidos em um contexto de
produção: todo discurso provém de alguém
que tem suas marcas identitárias específicas
que o localizam na vida social e que o
posicionam no discurso de um modo singular
assim como seus interlocutores.” (MOITA
LOPES, 2003, p. 19).
A noção de discurso que defendo neste trabalho é aquela ancorada em
uma visão sócio-construcionista, a qual está voltada para a preocupação com
o que fazemos com nossas vidas e com as dos outros quando utilizamos a
linguagem. O discurso, portanto, é caracterizado como uma ação na qual os
significados e as identidades sociais são gerados pelos participantes de
um evento discursivo específico. Compreender, então, o discurso sob essa
ótica implica dizer que esse tem efeitos sociais, o que nos leva a percebê-lo
como uma forma de ação no mundo social. Dessa forma, pode-se dizer que
existe uma estreita ligão entre o discurso e as identidades sociais: é por
meio de práticas discursivas que nos (re-) construímos e (re-)construímos as
pessoas socialmente. Em outras palavras, é por meio das práticas discursivas
nas quais atuamos no caso desta pesquisa em conversas sobre textos da
mídia que constituímos nossa realidade social e nossas identidades sociais,
ou seja, constituímos ou construímos a sociedade em várias dimensões”
(FAIRCLOUGH, 1992, p. 39).
Cabe, ainda, ressaltar que entendo o discurso o apenas como sendo
constituído de estruturas lingüísticas palavras escritas e/ ou faladas mas,
ao contrário, compreendo que os discursos são pticas sociais que
englobam todos os meios semióticos (verbais e não-verbais) tecendo
valores, crenças e identidades. Chouliaraki & Fairclough (1999, p. 21)
concebem essas práticas como “modos habituais, ligados a momentos e
lugares específicos, nos quais as pessoas aplicam recursos (materiais ou
simbólicos) para agirem conjuntamente no mundo”.
Na constante busca de se tentar fazer sentido do mundo por meio do
uso da linguagem nas práticas discursivas, a presença do outro se configura
como de extrema relevância para esse processo. A obra de Mikhail Bakhtin
muito contribuiu para os estudos da linguagem no que concerne à
importância da alteridade na construção de quem somos. Desse modo,
focalizar o discurso à luz da teoria desse pensador implica compreendê-lo
como uma construção dialógica, i.e., é o engajamento discursivo com o
outro que idar forma ao que dizemos e ao que somos. Ou como aponta
Moita Lopes (1998, p. 306), é a presença do outro com o qual estamos
engajados no discurso que, em última análise, molda o que dizemos e,
portanto, como nos percebemos à luz do que o outro significa para nós”, i.e,
nós nos reconhecemos e nos construímos, de uma maneira ou de outra, em
relão a nosso(s) interlocutor(es). Assim, no uso da linguagem, sempre
alguém para quem desejamos nos remeter e com quem desejamos nos
relacionar. A alteridade, portanto, é um elemento crucial para a construção
do significado assim como de nossas marcas sociais: a diferença molda
nosso modo de se tornar presença no mundo social.
Entretanto, para Bakhtin, esse aspecto dialógico do discurso o
envolve somente duas vozes, de modo que o se restringe a uma conversa
entre duas pessoas apenas, mas compreende também todas as vozes que se
encontram por detrás de nossas falas. Assim, qualquer enunciado, inclusive
o monólogo solitário, tem seus ‘outros’, e só existe em relão ao contexto
de outros enunciados.” (STAM, 1992, p. 73). A esse respeito, Faraco (2003,
p. 57) aponta que o Círculo de Bakhtin
as vozes sociais como estando numa intrincada cadeia
de responsividade: os enunciados, ao mesmo tempo em
que respondem ao já-dito [...], provocam continuamente as
mais diversas respostas [...] O universo da cultura é
intrinsecamente responsivo, ele se move como se fosse um
grande diálogo.
Nesse sentido, não emitimos enunciados sozinhos, que o tenham
sido constrdos com base no diálogo com o outro. De acordo com a visão
dialógica de discurso, o há palavra que não seja resposta a alguma coisa,
ainda que seja um enunciado na forma escrita como, por exemplo, os artigos
publicados em jornais e revistas.
Uma outra característica dessa visão de discurso é o fato de que,
sempre que nos engajamos em uma conversa ou lemos um texto, por
exemplo, estamos fazendo também uma avaliação ou julgamento sobre
determinado tópico. Ou seja, ao (re-) construirmos significados via discurso,
estamos o tempo todo fazendo escolhas que deixam transparecer nossos
posicionamentos em relação ao que está sendo dito e para quem estamos
nos dirigindo. Assim, a significação dos enunciados tem sempre uma
dimensão avaliativa, expressa sempre um posicionamento social valorativo.”
(FARACO, 2003, p. 46). Isso significa dizer que, sob uma ótica bakhtiniana,
as vozes que atuam em nossos discursos estão imbricadas de valores, de
modo que estamos sempre nos apropriando de discursos de outros para a
construção de quem somos, i.e., nosso discurso reflete outros discursos
provenientes de outras práticas discursivas. Sendo assim, nossas identidades
devem ser entendidas como construtos de um processo interacional em que
o interlocutor assume um papel central.
Com base nessa natureza social do discurso, Moita Lopes (2002, p.
197) aponta que os significados que as pessoas constroem quando agem
nas práticas discursivas são reveladores de como compreendem o mundo a
sua volta, a si mesmas e os outros como participantes desse mundo”. Dessa
forma, acredito que minhas conversas com João sobre os textos da revista
VIP são de fundamental importância para entender o modo como ele (re-)
constrói suas masculinidades, que busco investigar aqui.
Uma vez que o discurso tem uma estreita ligação com o mundo
social, podemos dizer que ele é gerado com base no momento
sócio-histórico em que ocorre, i.e., tudo aquilo que falamos está
historicamente situado. Desse modo, sempre que nos engajamos em práticas
discursivas, nos posicionamos dentro de um contexto sócio-histórico
específico, mesmo que o nosso interlocutor o esteja presente fisicamente.
Ou seja, os participantes das práticas discursivas o estão em um cuo
social, de modo que cada interlocutor “não é uma entidade que existe
independente do discurso, mas, ao contrário, uma função do discurso em si
mesmo” (FAIRCLOUGH, 1992, p. 43).
No dia em que convidei João para participar desta pesquisa,
lembro-me de que uma das coisas que mais me chamou a atenção foi o fato
de ele ter afirmado que, apesar de estar aceitando participar de minha
investigação, o saberia que tipo de contribuição poderia me oferecer, uma
vez que nunca havia participado de uma pesquisa, e que eu deveria
ensiná-lo” o que fazer. Nesse momento, lembrei-me de que, em toda
prática discursiva, nos posicionamos frente a nossos interlocutores como
base em um contexto específico, em nossas identidades, e nas relões de
poder, i.e., em todo processo de construção de conhecimento, há poder
envolvido, como discuto a seguir.
3.1 Discurso e poder
Não existe algo unitário e global chamado
poder, mas unicamente formas spares,
heterogêneas, em constante transformação. O
poder não é um objeto natural, uma coisa; é
uma prática social e, como tal, constituída
historicamente.” (MACHADO, 1999, p. x).
[a palavra] variará se se tratar de uma
pessoa do mesmo grupo social ouo, se
esta for inferior na hierarquia social ou o,
se estiver ligada ao locutor por laços sociais
mais ou menos estreitos.”
(BAKHTIN/VOLOSHINOV, 1929/1981, p.
112).
Como vimos anteriormente, tudo aquilo que falamos es
sócio-historicamente situado, de modo que desempenhamos identidades
sociais distintas nos diferentes contextos sociais nos quais interagimos.
Desse modo, ao pensar o discurso como constituinte das identidades sociais,
devemos considerar que, ao se engajarem em práticas discursivas, os
participantes estão posicionados na história, na cultura e em relações de
poder. Essas relações são caracterizadas por relações de conflito, nas quais
grupos sociais, com interesses distintos, engajam-se por meio de práticas
discursivas (FAIRCLOUGH, 1989). Podemos, então, dizer que muitos
discursos são intencionais e constituídos de acordo com determinadas regras
de interação que são características de cada contexto. Nessa perspectiva,
Shotter (1989, p. 149) aponta que
os meios que utilizamos para conversar não são neutros; há
intenções para diferentes formas de relacionamento social,
diferentes estados, diferentes modos de nos posicionarmos
em relação aos outros, diferentes matérias de certezas e
privilégios, e obrigações.
Ao tratar das relações de poder, Foucault (1979/1999) refere-se ao
exercio do poder”. Afirma que o poder é exercido por um indivíduo ou
grupo social no (e por meio do) discurso, em uma prática discursiva
específica. A esse respeito, Moita Lopes (2002, p.197) aponta que “nas
práticas discursivas em que as pessoas se envolvem, elas estão posicionadas
em relações de poder de acordo com o papel que desempenham nas
assimetrias interacionais em que atuam”. No curso da interação social e nas
várias práticas do cotidiano, portanto, os indiduos estão envolvidos em
embates discursivos no exercício do poder, por meio dos posicionamentos
que ocupam na sociedade e nas interações das quais participam. Assim, as
relões de poder não são fixas, uma vez que nossos posicionamentos
podem ser alternados (ver seção 3.2). É nesse sentido que Fairclough (1992,
p. 61) também destaca que os indivíduos “não são apenas posicionados
passivamente, mas são capazes de atuar como agentes”. Isso implica dizer
que espaço para resistência, em que contra-discursos são construídos.
Nesse sentido, Barton (1994, p. 41) salienta que os papéis não são fixos ou
coisas imutáveis que as pessoas incorporam. Ao contrário, eles são
negociados, aceitos e, algumas vezes, desafiados”. Em outras palavras, o
poder o é monolítico, i.e., ele não é exercido em apenas uma direção. Da
mesma forma que o discurso é um espaço no qual o poder pode ser
exercido, ele também se constitui em um local em que esse poder pode ser
perdido, resistido ou contestado.
Cabe salientar que as relações de poder constituem-se em formas de
gerar subjetividades, comportamentos, desejos e saberes: o poder é
produtor da individualidade. O indivíduo é uma produção do poder e do
saber”. (MACHADO, 1999, p. xix). Assim, poder e saber estão
estreitamente interligados. Essas relações também produzem os discursos e
os conhecimentos socialmente legitimados como regimes de verdade, o que
significa dizer que a verdade está ligada a sistemas de poder que a
produzem e apóiam, e a efeitos de poder que ela induz e que a reproduzem
(FOUCAULT, 1979/1999, p. 13). Desse modo, nossas identidades e
posicionamentos são tomados com base em determinados tipos de discurso
legitimados e apoiados pela sociedade, que os faz funcionar como
verdadeiros. É nesse sentido que determinados grupos sociais se julgam
superiores a outros ao se pautarem em determinadas concepções
naturalizadas, por exemplo, de que o branco seria superior ao negro, e o
homem superior à mulher. É nesse sentido, também, que determinados
tros identitários são tomados como desviantes como, por exemplo, a
masculinidade e a feminilidade homoeróticas.
Essa questão do poder como constituinte dos significados socialmente
legitimados e que es presente nas práticas discursivas do cotidiano é
central para esta pesquisa, uma vez que existe um poder em exercício no
meu discurso como pesquisador e no discurso de João. Nesse sentido, o
caráter assimétrico estabelecido em nossas conversas eu, o pesquisador
que deveria ensiná-lo como agir em uma pesquisa e, ele, o aprendiz”
pode influenciar o discurso de João, caso ele venha a considerar que estou
em posição de exercício do poder pelo fato de ser detentor de
conhecimentos que ele não possui.
Considerando, portanto, que toda prática discursiva é permeada por
relões de poder e que somos posicionados no mundo social com base
nessas relões, passo a discutir, na seção seguinte, o conceito de
posicionamento e seu papel na (re) construção das identidades sociais.
3.2 Posicionamento discursivo
[Posicionamento] é o processo discursivo
por meio do qual os indiduos são
localizados nas conversações como
participantes coerentes, de modo subjetivo e
observacional, nas estórias produzidas
conjuntamente.” (DAVIES & HARRÉ, 1990,
p. 48).
Compreender o discurso como uma prática social implica dizer que
estamos a todo momento (re-)construindo significados nas diversas práticas
discursivas em que atuamos, e isso é feito com base nas posições que
ocupamos nessas práticas (DAVIES & HARRÉ, 1990), i. e., agimos
discursivamente com base em determinados posicionamentos ou
localizações que tomamos na conversa. Van Langenhove & Har(1999, p.
2) apontam que
em qualquer prática discursiva, o posicionamento constitui
o falante inicial e os outros de uma certa maneira e, ao
mesmo tempo, é um recurso por meio do qual todas as
pessoas envolvidas podem negociar novas posições [e
novos significados].
Portanto, cada um dos participantes discursivos está engajado em um
processo de posicionar a si próprio e aos seus interlocutores. A esse
respeito, Bamberg (1999, p. 221) afirma que durante as conversas, devido
a forças sociais intrínsecas, as pessoas posicionam-se de acordo com os
outros a sua volta (...) As pessoas produzem umas às outras (e a si mesmas)
de forma situada como seres sociais’”. Isso ocorre porque cada indivíduo,
no processo de interação com o outro, age de acordo com determinadas
posições, ao trazer consigo sua visão de mundo e seu modo de ser e de agir.
Assim, Fairclough (1992, p. 3) assinala que as práticas discursivas
posicionam as pessoas em diferentes maneiras como sujeitos sociais (como
médicos e pacientes, por exemplo)”. Nesse sentido, Davies & Har(1990,
p. 48) apontam que
ao falar e agir de uma posição, as pessoas estão trazendo
para a situação particular suas histórias como um ser
subjetivo, isto é, a história de alguém que esteve em
múltiplas posições e engajado em diferentes formas de
discurso.
Mas isso não quer dizer que os participantes o se posicionem a fim
de atingirem determinados objetivos seus em detrimento de outros, de modo
a (re-)construir suas identidades e as identidades de seus interlocutores.
Segundo Van Langenhove & Harré (1999, p. 16), “o posicionamento pode
ser entendido como a construção discursiva de histórias pessoais que torna
as ações das pessoas inteligíveis e relevantes como atos sociais”.
Ainda de acordo com esses autores, os posicionamentos são
caracterizados por sua natureza dinâmica: “as formas concretas que tais
posicionamentos vão tomar diferem de acordo com as situações em que
ocorrem (Van Langenhove & Harré, 1999, p. 30). Nesse sentido, em uma
mesma conversa, por exemplo, um indivíduo pode se posicionar ou
posicionar seu(s) interlocutor(es) de diversas maneiras, sendo algumas até
mesmo contraditórias entre si. Ou seja, estamos sempre nos re-posicionando
e re-posicionando o outro nas pticas discursivas em que interagimos, uma
vez que os posicionamentos são fluidos e provisórios, sempre sujeitos a
mudar no transcorrer da interação.
Esses posicionamentos, portanto, podem também ser desafiados,
questionados e (re-)negociados pelos participantes, o que nos remete às
noções de resistência e contra-discursos, discutido na seção anterior. Assim,
uma vez que as práticas discursivas são perpassadas por relações de poder,
nos posicionamos com base naquilo que o meu interlocutor significa para
mim em tais relações, i.e., nosso interlocutor pertence a uma geração, um
gênero, e uma classe específicos, é alguém com mais ou menos poder do
que nós mesmos, alguém próximo ou afastado de s”. (STAM, 1992, p.
33).
Segundo Davies & Harré (1990, p. 46), um outro aspecto do
posicionamento diz respeito ao fato de que, ao assumir uma determinada
posição, o interlocutor não apenas se localiza discursivamente, mas também
passa a ver o mundo sob o ponto de vista que aquela posição assumida lhe
permite ver. Por isso, ao utilizarmos a linguagem, estamos ecoando vozes
que refletem conceitos gerados com base em nossa posição em determinado
contexto interacional, como vimos anteriormente.
Essa abordagem acerca do conceito de posicionamentos torna-se
fundamental nesta pesquisa uma vez que o foco central é a análise da (re-)
construção das identidades sociais de masculinidades de João com base nos
posicionamentos que os participantes assumem nas conversas sobre textos.
Portanto, fo uso dessa visão de posicionamento como um outro construto
teórico-metodológico que estará guiando minha interpretão dos dados,
pois acredito que os meus posicionamentos e os de João revelam a maneira
pela qual entendemos o mundo a nossa volta e a nós mesmos.
Ao discutirem esse conceito de posicionamento, Van Langenhove &
Harré (1999) fornecem uma taxonomia para definir tipos de posicionamento.
Neste trabalho, faço uso de alguns tipos discutidos por eles por achá-los
mais relevantes para a análise e interpretação dos dados gerados.
Para esses autores, o posicionamento pode ser de primeira ou de
segunda ordem. O primeiro ocorre quando os indivíduos localizam a si
próprios ou a seus interlocutores discursivamente. Esse posicionamento
pode ser refutado ou questionado pelo(s) interlocutor(es). O posicionamento
de segunda ordem também chamado de reflexivo ocorre quando um
participante discursivo teve seu posicionamento anterior questionado por
outro participante e, dessa forma, (re)posiciona-se junto ao(s) seu(s)
interlocutor(es).
Outro tipo de posicionamento apontado pelos autores é o
posicionamento moral, que ocorre quando uma pessoa se posiciona ou
posiciona a outra com base em aspectos da vida social legitimados pela
sociedade, i.e., é utilizado pelos indiduos a fim de serem aceitos nos
grupos sociais dos quais almejam participar (VAN LANGENHOVE &
HARRÉ, 1999, p. 21).
Por fim, o posicionamento intencional, no qual o indiduo
posiciona a si mesmo e ao outro de maneira consciente ou intencional.
Segundo os autores, o posicionamento intencional pode ocorrer quando: 1) o
indiduo deseja mostrar tros de sua identidade pessoal, com o objetivo de
atingir propósitos específicos (auto-posicionamento deliberado); 2) a
necessidade de assumir determinada posição se por exigência do
posicionamento de um outro interlocutor (auto-posicionamento forçado); 3)
o indiduo fornece informações sobre outra pessoa, podendo ou não ser
essa o próprio interlocutor (posicionamento deliberado do outro); e 4) um
indiduo é posicionado por outra pessoa de acordo com os julgamentos de
uma dada instituição ou ordem moral (posicionamento forçado do outro).
(VAN LANGENHOVE & HARRÉ, 1999, pp. 22-27).
Existem, portanto, diferentes modos de se posicionar nas práticas
discursivas e esses são construídos e negociados entre os participantes na
interação, de modo que os posicionamentos estão estreitamente relacionados
à construção das identidades sociais. Nesse sentido, considero a noção de
posicionamento como um construto teórico central para a análise de como
somos construídos no mundo social.
Como busco investigar o processo de (re-)construção das
masculinidades de João por meio de seus posicionamentos em uma conversa
sobre textos do discurso da mídia, passo, na próxima seção, a discutir as
características desse tipo de discurso e sua importância para a vida
contemporânea.
3.3 O discurso da mídia
Não devemos perder de vista o fato de que,
num mundo cada vez mais bombardeado por
produtos das indústrias da mídia, uma nova e
maior arena foi criada para o processo de
autoformação.” (THOMPSON, 2004, p. 46)
Os avanços na tecnologia da informação,
principalmente os meios de comunicação da
mídia, implicam em transformações tanto
culturais como econômicas, possibilitando
novas formas de experiência e de
conhecimento, e novas possibilidades de
relacionamentos com outros [interlocutores]
distantes via televisão ou internet.”
(CHOULIARAKI & FAIRCLOUGH, 1999,
p. 3)
Ao refletir sobre as conseqüências da globalização na vida
contemporânea, entendo que novas formas de experiência e modos de ser e
agir têm sido disponibilizados principalmente pela profusão de discursos que
circulam pela mídia. Esses discursos, como vimos, têm levantado
questionamentos acerca de antigos referenciais (ver seção 2.1) fazendo com
que alguns atores sociais recorram a sistemas peritos no intuito de se
orientarem na tomada de decisões. Esses sistemas peritos podem ser
encontrados em diversas formas e formatos midiáticos: em programas de
televisão, em jornais e revistas, em páginas da internet etc. Podemos,
portanto, observar a grande relevância da mídia no processo de (re-)
negocião de sentidos.
Thompson (2004, p. 12) aponta que o uso dos meios de
comunicação implica a crião de novas formas de ão e de interação no
mundo social, novos tipos de relões sociais e novas maneiras de
relacionamento do indivíduo com os outros e consigo mesmo”. A mídia,
então, tem se apresentado como um lugar crucial de construção identitária,
pois tem favorecido a percepção de um mundo mais plural, no qual uma
enxurrada de discursos sobre diferentes formas de vida vem ocorrendo, de
modo que a vida local pode ser influenciada por acontecimentos que estão
ocorrendo a quilômetros de distância. Desse modo, a mídia nos possibilitou
experimentar formas de ser e agir no mundo totalmente desligadas da
atividade de encontrá-las face-a-face, i.e., a presença do outro na construção
de nossas identidades sociais o mais se dá exclusivamente por meio da
interação face-a-face (THOMPSON, 2004, p. 182).
Essa disjunção espaço-temporal trazida com o discurso da mídia
contemporânea, como vimos, favorece aos indiduos acesso a mundos
sócio-discursivos diversificados que tornam possíveis modos diversos de
construção da vida social nos contextos sociais em que vivemos.” (MOITA
LOPES, 2003b, no prelo, p. 5). O desenvolvimento da mídia, portanto, têm
possibilitado transformações significativas nos processos de produção e de
circulão de informações. A esse respeito, Thompson (2004, p. 19) afirma
que
o desenvolvimento dos meios de comunicação é, em
sentido fundamental, uma reelaboração do caráter
simbólico da vida social, uma reorganização dos meios
pelos quais a informação e o conteúdo simlico são
produzidos e intercambiados no mundo social e uma
reestruturação dos meios pelos quais os indivíduos se
relacionam entre si.
Dentre essas diversas reestruturações possibilitadas pelo discurso
midiático, um aspecto central é o seu impacto na fronteira entre o público e
o privado, i.e., a mídia faz uma medião entre esses dois domínios. Desse
modo, programas e notícias que são produzidos em um domínio público são
consumidos em um domínio privado e, ao contrário, eventos privados como
as vidas privadas de figuras públicas [...] têm se tornado eventos blicos”
(FAIRCLOUGH, 1995, p. 37). Em outras palavras, assuntos que, antes,
eram discutidos dentro de casa, em conversas íntimas ou em um consultório
médico, por exemplo, hoje são tematizados nos discursos que circulam pela
mídia.
De acordo com Thompson (2004, p. 78), uma das características mais
evidentes da vida contemporânea proporcionada pelo desenvolvimento da
mídia é o advento da quase-interação mediada”. Ele utiliza esse termo em
distinção aos outros dois tipos de processos interativos: a interação
face-a-face, em que os participantes partilham um mesmo sistema
referencial de espaço e de tempo”; e as interações mediadas, que implicam
o uso de um meio técnico (papel, fios elétricos, ondas eletromagnéticas,
etc.) que possibilitam a transmissão de informação e conteúdo simbólicos
para indivíduos situados remotamente no espaço e no tempo”. Assim, a
quase-interação mediada é utilizada para se referir às relações sociais
estabelecidas pelos meios de comunicação de massa” (Ibidem, p. 79). Ela é
caracterizada, principalmente, pela divisão entre um produtor individual ou
um time de produção relativamente pequeno e um corpo de receptores que é
indeterminado em tamanho e quantidade. (CHOULIARAKI &
FAIRCLOUGH, 1999, p. 43). Com isso, quero apontar que o uso dos meios
de comunicação favorece também novas possibilidades de os indiduos
atuarem à distância, permitindo que eles dirijam suas ações para outros,
dispersos no espaço e no tempo, como também respondam a ações e
acontecimentos ocorridos em ambientes distantes.” (THOMPSON, 2004, p.
78).
Uma vez que me propus a analisar o posicionamento de João frente
aos significados veiculados por uma revista voltada ao blico masculino
heterossexual, a VIP, discuto, a seguir, a pluralização do mercado editorial
de revistas masculinas.
3.3.1 Pluralização do mercado editorial de revistas masculinas
Apesar de se deslocarem e, em alguns
pontos, se aproximarem, as diferenças entre
os sexos não desaparecem. Um bom exemplo
disto é a dificuldade das editoras de
acertarem uma fórmula de revista de
informação e de negócios dirigida às
mulheres, bem como de encontrar uma
revista capaz de levar os homens a discutir os
seus sentimentos.” (MIRA, 1997, p. 155).
Ao optar por analisar os textos da revista VIP como instrumento para
gerar os dados de minha pesquisa, busquei também investigar a forma como
suas matérias são produzidas para atrair um determinado leitor projetado
neste caso, um leitor homem, heterossexual e, conseqüentemente,
contribuir para a (re-) construção de suas identidades.
As estratégias comerciais de uma revista atuam no sentido de criar
uma referência clara de um leitor ideal (o perfil sócio-econômico e cultural,
o nero, a raça, bem como outros tros daquele indiduo que é
consumidor potencial da revista). Esse perfil norteia a produção das
matérias e serve como referência para o mercado publicitário e para os tipos
de informação que são veiculadas. Nesse sentido, a produção de revistas, no
contexto atual, busca atender um mercado cada vez mais fragmentado, de
modo a garantir um certo contingente de público específico.
No que tange a essa fragmentão, Nixon (1996) busca analisar a
proliferação de publicações masculinas na Grã-Bretanha e o surgimento de
uma imagética do novo homem”, e faz um estudo de revistas voltadas para
profissionais da indústria de publicidade, mostrando como, entre esses
profissionais, houve um debate a respeito do público consumidor masculino
e como a propaganda deveria mudar de estratégia a fim de lhe falar com
mais eficiência. Nixon discute como as agências desse setor mudam os
padrões de definição do consumidor e se baseiam, cada vez mais, em novas
categorias de estilo de vida, de sexo e idade. A segmentação se torna,
portanto, central nas pticas contemporâneas de propaganda e de circulação
de informação.
De forma muito semelhante, Mira (1997) analisa o contexto estrutural
que afetou as mudanças desse mercado no Brasil. Como na Inglaterra, existe
uma percepção de que a sociedade brasileira está altamente diversificada.
Assim, o mercado editorial considera de suma importância ter uma visão
clara do estilo de vida do leitor, o apenas sob os aspectos de suas
identidades de sexo, idade, raça ou classe social, mas também de sua
atitude, desejos e visões de mundo. Tal visão é vital para o processo de
produção de um periódico, servindo de base para a articulação de
significados que façam sentido ao seu leitor.
Todo esse processo de pluralização do mercado de revistas, a
exemplo do desenvolvimento dos outros meios de comunicação, contribui
para modificar o sentimento de pertencimento dos indiduos a um grupo ou
a uma comunidade específica. Ou, como aponta Thompson (2004, p. 39):
à medida que [...] nossa compreensão do mundo e do lugar
que ocupamos nele vai se alimentando dos produtos da
mídia, do mesmo modo, a nossa compreensão dos grupos e
comunidades com que compartilhamos um caminho
comum através do tempo e do espaço, uma origem e um
destino comuns, também vai sendo alterada: sentimo-nos
pertencentes a grupos e comunidades que se constituem em
parte através da mídia.
Essa pluralização do mercado editorial possibilita novas formas de
conceber as revistas masculinas, abrindo novos conceitos de masculinidade
e, conseqüentemente, novas formas de ser homem. Em outras palavras, as
novas exigências dos leitores e do mercado publicitário levam a uma
reorganização das revistas masculinas, bem diferente do padrão tradicional
de revistas com mulheres nuas como é o caso da Playboy –, promovendo
novas formas de tratar o masculino em uma publicação.
A revista VIP, que utilizo nesta pesquisa, nasceu há vinte e cinco anos
treze como encarte especial da revista EXAME. Fugindo do padrão de
outras publicações masculinas (esportes / negócios / mulher nua), VIP se
baseia, segundo os próprios editores, em boa parte, no modelo das revistas
femininas, trazendo para o mercado de publicações masculinas novidades
como a preocupação com o corpo e a sde do homem, moda,
comportamento, e relacionamentos, características marcantes da imagética
do novo homem(ver seção 4.4). Apesar de o sexo ainda ser o elemento
mais importante do contdo das reportagens e mulheres serem mostradas
em profusão, elas nunca aparecem totalmente nuas. A abordagem dada aos
textos e às matérias é diferente de revistas masculinas mais tradicionais por
não se centrar na nudez feminina como proposta editorial.
Em outras palavras, seu conteúdo é diferente daquela proposta
tradicional de revista masculina, apresentando, eno, uma linha editorial
mais moderna. Como apontei, características como ensaios de nudez, um
machismo mais exacerbado e uma proximidade maior com a pornografia o
estão presentes nesse novo padrão de revista. Da importância de utilizar
os textos da VIP para mediar minhas conversas com João, uma vez que um
de meus objetivos é observar se os significados que são negociados nessa
interação promovem a construção de um novo padrão de masculinidade para
ele. Ou seja, considerando que o discurso midiático produz certos efeitos de
sentido na vida social, acredito que o conteúdo simbólico veiculado pelos
textos da revista VIP podem favorecer o estudo da (re-) construção da
identidade de gênero de João.
4 A CONSTRUÇÃO SOCIAL DAS IDENTIDADES
As velhas identidades, que por tanto tempo
estabilizaram o mundo social, estão em
declínio, fazendo surgir novas identidades e
fragmentando o indivíduo moderno, até aqui
visto como um sujeito unificado. (HALL,
2000, p. 7)
A identidade é, pois, segundo Bauman, um
eu transitório sempre à cata de possibilidades
inéditas, o que é o mesmo que apontar para
uma personalidade pastiche que se compõe
de nacos ou de um bricolage que traz o
emblema de uma unidade sempre perseguida
e nunca alcançada.” (FRIDMAN, 2000, p.
83)
Como apontado no capítulo anterior, a concepção social de
discurso possui uma relão intrínseca com o processo de (re-)construção
das identidades sociais. As identidades, portanto, são constituídas ao nos
engajarmos nas práticas discursivas com outro(s) interlocutor(es).
Segundo Hall (2000), estamos atualmente vivendo um momento de
transição, no qual velhas referências que estabilizavam nossas percepções a
respeito do mundo e de quem somos estão perdendo, paulatinamente, o
sentido. Desse modo, essas referências que definiam aquilo que éramos no
mundo como classe, gênero, sexualidade, raça etc. estão sendo
deslocadas e fragmentadas, colocando em cheque a estabilidade dessas
categorias e, conseqüentemente, abalando o sentido de segurança e a nossa
certeza enquanto sujeitos estáveis e integrados. Essa chamada “crise de
identidade” atinge significativamente a própria noção de indivíduo como
portador de papéis estáveis e subjetividade, de modo que o sujeito
contemporâneo o possui mais um senso de identidade fixo ou essencial
(HALL, 2000, p. 9). Isso indica que somos compreendidos como tendo
identidades múltiplas que, por vezes, são contraditórias ou não-resolvidas
(HALL, 2000, p.12).
Caracterizar, portanto, nossas identidades sociais como múltiplas e
fragmentadas implica dizer que essas o devem ser entendidas sob uma
visão homogênea, mas que, ao contrário, são multifacetadas (MOITA
LOPES, 2002), i.e., ao atuarmos nas diferentes práticas discursivas, as
várias facetas ou traços de nossas identidades sociais como gênero, raça,
sexualidade, classe social etc. estão sendo simultaneamente retratados.
Assim, podemos dizer que não somos caracterizados por uma identidade
singular, mas por identidades múltiplas, que são constituídas por diferentes
posições subjetivas que se articulam. Tendo por base essas afirmões,
Moita Lopes (2002, pp. 138-139) aponta que as identidades sociais possuem
três características principais, a saber:
1) fragmentação as identidades não possuem uma forma
homogênea, mas são multifacetadas e vêm à tona nas diversas
práticas discursivas em que atuamos, i.e., possuímos múltiplas
identidades que vão se manifestar de acordo com o contexto
discursivo em que estamos inseridos. Dessa forma, as pessoas
são caracterizadas por seu nero, raça, sexualidade, classe
social, etc;
2) natureza contraditória podemos dizer que identidades
sociais contraditórias co-existindo em uma mesma pessoa. Nesse
sentido, podemos afirmar que, dependendo das relões de poder
que estão sendo exercidas em determinada prática social (ver
seção 3.1), um indivíduo pode assumir identidades sociais
contraditórias. Como exemplo, podemos imaginar um homem
casado e com filhos, que mantém relões com outros homens
fora de casa
3) fluidez as identidades não são fixas, i.e., elas são construídas e
reconstruídas ao interagirmos com o outro, por meio de práticas
discursivas. Essa característica de fluidez das identidades sociais
ocorre, como vimos anteriormente, devido às mudanças
constantes, rápidas e permanentes da sociedade contemporânea.
Como vimos, todo esse processo de descentração do sujeito”
(HALL, 2000, p. 9) ocorre em um momento histórico no qual os sistemas de
significação e representação cultural como as informações veiculadas pela
mídia – se multiplicam cada vez mais. O sujeito, confrontado com uma
multiplicidade de referenciais possíveis, perde seu senso de segurança
existencial e se forçado a fazer escolhas a todo instante; seu sentido de
coerência e estabilidade se torna um exercício de reflexão diária, em que
referenciais múltiplos são incorporados na forma de estilos de vida
particulares, os quais não se referem apenas às esferas do consumo ou da
aparência, mas a uma narrativa de vida, um sentido de si mesmo
(THOMPSON, 2004; MOITA LOPES, 2003b, no prelo).
Thompson (2004) aponta que esse momento da história favoreceu um
processo de formão identitária mais reflexivo e aberto: o processo de
formão do self se torna mais e mais dependente do acesso às formas
mediadas de comunicação tanto impressas quanto eletronicamente
veiculadas” (Ibidem, p. 184). Isso torna a visão múltipla e fragmentada das
identidades mais visível, uma vez que as novas tecnologias de comunicação
proporcionam ao indiduo um contato constante e, na maioria das vezes,
simultâneo com o que esacontecendo no mundo, de modo que o processo
de formação do indiduo está, cada vez mais, sendo substituído por novas
formas de conhecimento não locais. Torna-se, portanto, mais cil
compreender diferenças de atitudes, ideologias e comportamentos. O sujeito
não fica preso às formas de ser estipuladas pela comunidade da qual faz
parte; ele fica suscetível a uma pluralidade de discursos outros, que não
aqueles que fazem parte do repertório de seu dia-a-dia.
Tendo em vista a importância das informões mediadas na
constituição do self, passo a discutir, mais detalhadamente, a relão entre o
discurso midiático e as identidades sociais.
4.1 A mídia e as identidades sociais
O processo de formação do self é cada vez
mais alimentado por materiais simbólicos
mediados, que se expandem num leque de
opções dispoveis aos indiduos e
enfraquecem sem destruir a conexão
entre a formação e o local compartilhado.”
(THOMPSON, 2004, p. 181)
Antes de a mídia ter alcançado a relevância que tem hoje, o processo
de autoformão estava ligado ao contexto local de interação, i.e., os
materiais simbólicos empregados por muitos indiduos para a formão do
self eram adquiridos em contextos de interação face a face” (THOMPSON,
2004, p. 184). Assim, a maior parte da compreensão de mundo que os
indiduos tinham eram transmitidos de geração em geração por meio do
discurso oral e limitados pelos padrões da interação face-a-face. Segundo
Thompson (2004), esses padrões, em alguns casos, estendiam-se além dos
contextos locais, gras às histórias que eram contadas por viajantes e
vendedores ambulantes.
Hoje, tendo em vista a tempestade de informões que são veiculadas
pela mídia, podemos dizer que o processo de formação de nossas
identidades se torna cada vez mais dependente do acesso aos meios de
comunicação mediados, i.e., o conhecimento local é suplementado por
novas formas de conhecimento que são reproduzidos tecnicamente e
transmitidos pela mídia. Nesse sentido,
ao abrir novas formas de conhecimento não local e outros
tipos de material simbólico mediado, o desenvolvimento
da mídia enriqueceu e acentuou a organização reflexiva do
self. Ele enriqueceu essa organização no sentido de que,
quando os indivíduos têm acesso a formas mediadas de
comunicação, eles se tornam capazes de usar um extenso
leque de recursos simbólicos para construir o self
(THOMPSON, 2004, p. 185).
Os discursos midiáticos podem, então, disponibilizar novas formas de
ser e de agir no mundo social, i.e., eles têm a capacidade de intervir no
curso dos acontecimentos, de influenciar ões dos outros e produzir
eventos por meio da produção e da transmissão [sic] de formas simbólicas
(THOMPSON, 2004, p. 24). Segundo Fridman (2000, p. 81), na sociedade
contemporânea em que vivemos, a identidade se constitui em um ambiente
que aciona o desejo e estimula prazeres cambiáveis, em vez da repressão
que acompanhou e delimitou a interioridade dos indivíduos da
modernidade”. Assim, vemo-nos, então, como pessoas permanentemente
solicitadas a fazer escolhas no universo das novidades ininterruptas do
consumo” (Ibidem, p. 82). A esse respeito, Thompson (2004, p. 182)
assinala que a mídia aumentou a capacidade dos indivíduos
experimentarem, através da quase-interação mediada, fenômenos que
dificilmente poderiam encontrar na rotina ordinária de suas vidas”.
Vivemos, portanto, em um momento sócio-histórico em que o
seqüestro de experiências locais caminha de mãos dadas com a profusão de
experiências mediadas. Isso tem uma implicação direta na constituição de
quem somos, uma vez que, em meio a esse bombardeio de informações,
cada indivíduo busca fazer uma seleção das experiências que são mediadas,
dando mais atenção aos aspectos que lhes são de maior interesse e
ignorando ou filtrando outros” (Ibidem, p. 182). Lutamos, então, para dar
sentido às informações que entram em cena, esforçando-nos para
relacioná-las ao contexto de nossas próprias vidas. Desse modo, à medida
que novas experiências e novos significados vão sendo assimilados, vamos
redefinindo nossas identidades, i.e., elas o sendo continuamente
modificadas nesse processo. Fridman (2000, pp. 82-83) aponta que
a identidade não se completa, depende do que está por vir.
O desmantelamento e reconstrução pós-modernos agregam
incerteza permanente e irredutível à experiência de homens
e mulheres contemponeos. [...] A plasticidade do eu é
passaporte para a viagem no universo do consumo, com
seus “êxtases” de experiências e sensações que nunca são
os últimos. “Consumidores aptos” têm identidades fluidas,
pois “o eixo da estratégia de vida pós-moderna não é fazer
a identidade deter-se mas evitar que se fixe” (Bauman,
1998: 114).
Vemos, então, que os desejos e prazeres cambiáveis da sociedade
contemporânea tornam-se cada vez mais associados ao consumo, fazendo
com que os estilos de vida também estejam associados às mercadorias.
Desse modo, nossos traços identitários nunca estiveram tão estreitamente
relacionados ao consumo de determinados objetos ou à experiência de
determinadas sensações. Com isso, quero dizer que o projeto identitário
envolve, então, um processo de negociação no qual a informação veiculada
pela mídia está implicitamente associada à participação de cada indiduo no
consumo dos produtos midiáticos (imagens, objetos, idéias etc.).
Essa profusão de materiais simbólicos pode fornecer aos indiduos
formas alternativas de vida, permitindo-lhes uma reflexão crítica sobre si
mesmos e sobre a realidade que os cerca. Assim, ao observar, por exemplo,
que determinado comportamento ou conceito de uma cultura específica
difere daquele que é legitimado nas culturas de que participa, o indivíduo
passa a refletir e questionar acerca de seus próprios valores e percebe que
seus horizontes estão continuamente se alargando, seus pontos simbólicos
de referência estão continuamente mudando” (THOMPSON, 2004, p. 185).
Desse modo, a mídia veicula significados que são, na verdade,
co-construídos pelos sujeitos sociais, que co-participam na crião,
legitimação ou questionamento dessas imagens, objetos e idéias que se
multiplicam na vida contemporânea.
Apesar de disponibilizar a exploração de formas alternativas de vida,
o desenvolvimento dos produtos da mídia pode trazer conseqüências
negativas para a formação de nossas identidades (THOMPSON, 2004, pp.
186-190). O autor destaca quatro conseqüências principais:
1) a intrusão mediada de mensagens ideológicas formas simbólicas
específicas o são ideológicas per se: elas são ideológicas
somente, e até onde servem, em circunstâncias particulares, para
estabelecer e sustentar sistematicamente relações assimétricas de
poder. Contudo, as mensagens mediadas podem ser ideológicas
dependendo de como serão recebidas pelo indiduo e
incorporadas reflexivamente em sua vida (p. 186);
2) a dupla dependência mediada a disponibilidade dos produtos da
mídia torna a organização reflexiva do self extremamente
dependente de sistemas sobre os quais o indiduo tem
relativamente pouco controle. Assim, enquanto mais o processo de
formão do self se enriquece com as formas simbólicas mediadas,
mais o indiduo se torna dependente dos sistemas da mídia que
ficam além do seu controle (p. 187);
3) o efeito desorientador da sobrecarga simbólica a crescente
disponibilidade dos materiais simbólicos mediados pode também
ter um efeito desorientador. Os indivíduos se confrontam com
inúmeras narrativas autobiográficas, inúmeras cosmovisões,
inúmeras formas de informão e comunicação que dificilmente
poderiam ser coerente e efetivamente assimiladas. Esses
indiduos também dependem de outros com quem interagem
todos os dias, e cujas opiniões aprenderam a respeitar como fonte
de conselho experiente sobre como tais materiais devem ser
interpretados, quais materiais simbólicos devem ser assimilados ou
rejeitados (p. 188);
4) a absorção do self na quase-interação mediada em alguns casos,
os indiduos confiam muito mais nos materiais simbólicos
mediados do que naqueles intercambiados em interações
face-a-face com membros da família, amigos e outros com quem
interagem no cotidiano. Esses materiais se tornam menos um
recurso de que eles se servem e que eles incorporam
reflexivamente em seus projetos de vida, do que um objeto de
identificação a que eles se apegam forte e emocionalmente. O self
é absorvido por uma forma de quase-interão mediada (p. 190).
Embora os produtos da mídia possam trazer conseqüências negativas,
ao observarmos a centralidade da mídia na constituição de quem somos, i.e.,
na (re-) construção de nossas identidades sociais, percebemos que: a) os
materiais simbólicos mediados têm um grande poder de atração sobre cada
indiduo; e b) a natureza da quase-interação mediada pode tornar-se a
principal forma de envolvimento social em torno do qual outros aspectos da
vida social do indivíduo são organizados, gerando um tipo de intimidade que
não compartilha o mesmo ambiente espaço-temporal com o outro, e que não
implica reciprocidade (THOMPSON, 2004, p. 191). Para ilustrar essa forma
de relão, o autor utiliza o exemplo da tietagem de um fã para com seu
ídolo. Ele assinala que
o processo de se tornar um pode ser entendido como
uma estratégia do self isto é, uma maneira de
desenvolver o autoprojeto através da incorporação
reflexiva de formas simlicas associadas à tietagem [...]
que aos indivíduos meios de drenar uma rica fonte de
materiais simbólicos que podem ser usados para
desenvolver uma relação de intimidade não recíproca ou
cultivar laços, e que podem desse modo ser incorporados
reflexivamente no projeto de formação do próprio self
(THOMPSON, 2004, p. 194).
O autor acrescenta, ainda, que o mais importante tipo de atração que
essa forma de intimidade pode oferecer é a possibilidade de se tornar parte
de um grupo ou de uma comunidade, i.e., o indivíduo pode estabelecer uma
rede de relões sociais com outros que compartilham suas mesmas
experiências. Nesse sentido,
associar-se a outros fãs é descobrir que as escolhas que se
fez na construção do próprio projeto de vida não são
inteiramente idiossincráticas. É descobrir que a trajetória
de vida que se escolheu coincide significativamente com
trajetórias de vida de outros, de tal maneira que certos
aspectos do self incluindo, em alguns casos, os próprios
desejos e sentimentos mais íntimos podem ser
compartilhados com outros sem nenhuma vergonha
(Ibidem, p. 195).
Ao explicitar essa relação de intimidade não-recíproca estabelecida
no exemplo da tietagem, quero apontar para o fato de que nosso sentido de
pertencimento a um grupo ou comunidade depende, cada vez mais, dos
produtos que circulam pela mídia, pois esses possibilitam o indiduo a
entrar em contato, mais facilmente, com diferentes aspectos identitários,
como formas distintas de ser homem ou mulher, por exemplo. Assim,
tornam-se mais fáceis compreender diferenças de atitudes, de ideologias e
de comportamentos, e compreender a identificação, ou não, do sujeito com
cada um desses traços, de modo que esse sujeito o fica mais restrito às
formas de ser disponibilizadas pela comunidade local da qual faz parte,
atentando, então, para outros discursos.
Com base nessa visão que aponta o discurso midiático como central
no alargamento dos horizontes dos indiduos, busco investigar questões
relacionadas à (re-)construção das identidades sociais de gênero
apresentando, a seguir, uma breve discussão sobre esse traço identitário.
4.2 As identidades de gênero
À medida que as crianças aprendem as
práticas discursivas de sua sociedade, elas
aprendem a se posicionarem corretamente
como masculinos ou femininos, uma vez que
é isso que é esperado deles para que tenham
uma identidade reconhecida na ordem social
existente.” (DAVIES, 1989, p. 238)
Como apontei na seção anterior, nesta dissertação, as identidades
são focalizadas sob uma ótica sócio-construcionista. Semelhantemente, o
tro identitário de gênero também é focalizado aqui como sendo construído
socialmente nas práticas discursivas do cotidiano. As questões relacionadas
ao nero, portanto, devem ser tratadas com base no discurso que as
verbaliza, de modo que “aqueles que querem entender como o sistema de
gênero é recriado e mantido devem atentar para o uso da linguagem
(CRAWFORD,1995, p. 180).
A exemplo de outros traços identitários, o gênero tambémo é fixo e
imutável, i.e., está sempre se constituindo. Corroborando essa visão, Louro
(1999, p. 35) aponta que
ao aceitarmos que a construção do gênero é histórica e se
faz incessantemente, estamos entendendo que as relações
entre homens e mulheres, os discursos e as representações
dessas relações estão em constante mudança. Isso supõe
que as identidades de gênero estão continuamente se
transformando.
Contudo, as identidades de nero são muitas vezes confundidas com
a categoria sexo. Portanto, torna-se importante esclarecer que o conceito de
gênero se refere ao modo como as características sexuais são
compreendidas e representadas ou, então, como são trazidas para a prática
social e tornadas partes do processo histórico” (LOURO, 1999, p. 22), i.e.,
diz respeito a todo o processo de construção social e histórica acerca de
características biológicas, ao passo que o sexo de um indiduo está
relacionado aos aspectos físico-biológicos propriamente ditos. Isso implica
dizer que o gênero deixa de ser apenas um atributo geneticamente
determinado e passa a ser compreendido como existindo no âmbito social.
Nesse sentido, Crawford (1995, p. 12) assinala que o gênero não é um
atributo dos indiduos, mas um modo de se fazer sentido nas relações”. Ou
como aponta Louro (1999, p. 21),
para que se compreenda o lugar e as relações de homens e
mulheres numa sociedade, importa observar não
exatamente seus sexos, mas sim tudo o que se construiu
sobre os sexos. O debate vai se constituir, então, através de
uma nova linguagem, na qual gênero será um conceito
fundamental. (grifo da autora)
Assim, podemos dizer que homem e mulher não somente nascem
como homem e mulher, mas são socializados como tal no processo de
interação com o outro e em circunstâncias sócio-históricas específicas, i.e.,
ser homem ou ser mulher é um produto de negociação social; um processo
produzido culturalmente. Logo, nossas identidades de nero não podem ser
vistas como uma essência, mas como possuindo uma natureza
fundamentalmente social e, portanto, fluida e dinâmica.
A autora também assinala que nossa linguagem e nossas práticas
muito freqüentemente os confundem [gênero e sexo], tornando dicil
pensá-los distintivamente” (LOURO, 1999, p. 27). Quero, com isso,
assinalar que essa relão direta da construção do gênero com o sexo, em
nossa sociedade, favorece a visão desses construtos como fixos, imutáveis,
apresentando o gênero como uma maneira de controlar a sexualidade. Desse
modo, o indiduo que nasce com a marca biológica de homem deve agir de
acordo com o modelo de homem hegemônico. A esse respeito, Badinter
(1993, p. 34) se refere à negação tríplice, na qual o menino, para afirmar
uma identidade masculina, deve convencer-se e convencer os outros de que
não é uma mulher, não é um bebê e não é um homossexual. Essa
necessidade de diferenciação é, segundo essa autora, uma maneira de o
indivíduo compreender seu próprio ambiente: as pessoas, os objetos, as
idéias são comumente classificados como masculinos ou femininos”
(BADINTER, 1993, p. 62).
A visão sócio-construcionista do nero, então, vai de encontro ao
determinismo biológico ou ao conceito essencialista de gênero, que assevera
que as características sexuais são fatores determinantes nas diferenças entre
homens e mulheres. Contrariamente a essa visão determinista, devemos
entender nossas identidades como sendo construídas sócio-historicamente
no processo de interação social. Como aponta Hall (2000, p. 13), a
identidade é definida historicamente, e não biologicamente”. Dessa
maneira, nossas identidades de nero são aprendidas e ensinadas
socialmente. E todo esse processo ocorre desde o nascimento de um bebê.
Badinter (1993, p. 41) evidencia que mal ele nasce, nós lhe ensinamos pelo
gesto, pela voz, pela escolha dos brinquedos e das roupas a que sexo
pertence”.
Uma vez que procuro, neste estudo, compreender a dinâmica da
construção das masculinidades por meio de conversas sobre textos,
observando a interação de João com textos midticos, torna-se fundamental
discutir aqui determinadas questões a respeito do processo de
(re-)construção desse traço identitário, i.e., determinadas crenças
naturalizadas em nossa sociedade que dizem respeito ao que é ser homem
ou ser mulher.
4.3 Masculinidades: a construção social do homem
A masculinidade hegemônica está sob
ameaça.” (TALBOT, 1997, p. 173)
Na medida em que continuamos a definir o
gênero pelo comportamento sexual e a
masculinidade por oposição à feminilidade, é
inegável que a homofobia, a exemplo da
misoginia, desempenha papel importante no
sentimento de identidade masculina”
(BADINTER, 1993, pp. 116-117)
Desde o seu nascimento, as marcas biológicas determinam se o
indiduo é do sexo masculino ou do sexo feminino. Portanto, todas as
instituições sociais como a família, a escola e a mídia, por exemplo
contribuem para formar meninos e meninas dentro de formatos
pré-estabelecidos do que é ser homem e do que é ser mulher, construindo o
desejo sexual com base no sexo oposto. Em outras palavras, a visão
essencialista do gênero favorece sua estreita relação com o sexo e a
associão desse com a heterossexualidade.
Badinter (1993) aponta que conceber a masculinidade sob essa visão
não é suficiente para caracterizar o homem, que o tornar-se masculino
envolve fatores psicológicos, sociais e culturais que nada têm a ver com a
genética, mas desempenham papel o menos determinante, talvez mais, do
que ela”. Assim, até ser reconhecido como tal, o homem tem de passar por
um longo caminho em busca da chamada identidade masculina.
Desse modo, a sociedade tem exigido que o homem e, de modo
semelhante, a mulher se comporte de acordo com padrões claros, i.e.,
formatos pré-estabelecidos socialmente, diferentes dos do sexo oposto. A
esse respeito, Nolasco (1993, p. 133) aponta que os homens têm de
obedecer a regras de comportamento que aprenderam como corretas, com
base em um tipo de imposição social que os faz agir, por vezes, de forma
alienada, buscando novos referenciais, ou seja, com o intuito de ser aceito
pelo grupo social do qual faz parte, i.e., para se sentir pertencente ao grupo,
cada homem precisa estar aliado àqueles que são iguais a ele. Para isso, o
deve medir esforços para se adequar às convenções sociais vigentes que
definem o que é ser homem.
Badinter (1993) assinala que o processo de formação do indiduo
parece ser mais árduo para o homem. Ao tratar das dificuldades da
identidade masculina, ela aponta que o menino aprende a ser homem ao se
definir, em primeiro lugar, negativamente
ser homem significa não ser feminino; não ser
homossexual; não ser cil, dependente ou submisso; não
ser efeminado na aparência física ou nos gestos; não ter
relações sexuais nem relações muito íntimas com outros
homens; não ser impotente com as mulheres.
(BADINTER, 2003, p. 117)
A autora aponta, também, que o homem contemporâneo segue um
ideal masculino que não sofre mudanças séculos: o comportamento que
as sociedades definem como adequadamente masculino é feito de manobras
de defesa” (Ibidem, p. 49). Dentre essas manobras, estão os temores de ser
feminino ou de ser passivo ou mesmo de ser desejado por outro homem.
Assim, o indiduo do sexo masculino busca se afastar de qualquer
característica que possa remeter ao nero feminino, levando-o, por vezes, a
reprimir desejos que estejam associados a esse traço identitário.
Ainda segundo a autora (BADINTER, 1993, p. 134), esse ideal foi
estabelecido, de maneira célebre, por dois estudantes universitários
norte-americanos por meio de quatro imperativos em forma de slogans
populares, a saber.
1. No Sissy stuff [“nada de fricotes”] – uma vez que os homens
de verdade são isentos de toda feminilidade, eles o podem
fazer nada que remotamente sugira a essa feminilidade;
2. Be the Big Wheel [“seja um personagem importante”] a
masculinidade é medida pelo poder, pela riqueza e pelo
sucesso adquiridos pelo homem. É a exigência de
superioridade em relão aos outros;
3. Be a Sturdy Oak [“seja um carvalho sólido”] esse
imperativo aponta para a necessidade de o homem ser
independente e contar consigo mesmo. Manifestar
emoção ou dependência são sinais de fraqueza;
4. Give’em Hell [“mande todos para o inferno”] – obrigação de
ser mais forte que os outros, se necessário por meio da
violência. O homem deve exibir audácia e, até mesmo,
agressividade.
Esse ideal masculino faz parte da cultura de muitas sociedades
contemporâneas. Entender o homem, portanto, como um produto social
significa dizer que ele, ao longo de sua vida, assimila comportamentos,
crenças e valores aprendidos por meio de sua interação com o outro nos
mais variados contextos sociais. E, embora participem desses mesmos
contextos, homens e mulheres, desde sua inncia, são submetidos a tarefas
e cobranças distintas no que concerne a suas práticas sociais.
De acordo com Connell (1995), o conceito de masculinidade difere de
uma sociedade para outra, i.e., esse conceito é particular de algumas
sociedades de modo que defini-lo torna-se uma tarefa dicil devido à
relatividade desse termo. Desse modo, o que é masculino pode ser
entendido em relação ao que é feminino em uma sociedade específica. Isso
implica dizer que é impossível estudar a masculinidade sem analisar os
aspectos das feminilidades e as relações de poder que existem nas práticas
discursivas que envolvem homens e mulheres. Corroborando essa visão,
Badinter (1993, pp. 10-11) assinala que a masculinidade [é] um conceito
relacional (...) tanto que, quando a feminilidade muda (...) a masculinidade
se desestabiliza” (veja discussão a seguir). Assim, esse caráter dicotômico
estabelece que a masculinidade existe com base em seu oposto, a
feminilidade, o que nos leva a concluir que a masculinidade é relativa e
reativa, pois os homens se definem em relão às mulheres.
Connell (2000, pp. 10-14) assinala também que pesquisas recentes no
campo de estudos das masculinidades têm apontado determinadas
conclusões empíricas que possuem uma significância que vai além do
contexto local, i. e., têm significância para todo o mundo ocidental, a saber:
1. Masculinidades ltiplas (p. 10) não existe um padrão
único de masculinidade. Algumas sociedades, por exemplo,
tratam as práticas homossexuais como parte da construção
da masculinidade, ao passo que outras consideram essas
práticas como sendo incompatíveis com a verdadeira
masculinidade. Essa diversidade também existe dentro de
uma mesma sociedade uma vez que os indiduos do sexo
masculino são atravessados por outros tros identitários
que influenciam o modo como a masculinidade é concebida
e aprendida. Devemos, então, falar de masculinidades” no
plural.
2. Hierarquia e hegemonia (pp. 10-11) existem relações de
hierarquia entre as masculinidades, uma vez que algumas
masculinidades são dominantes ao passo que outras são
subordinadas ou marginalizadas. Existe uma forma
hegemônica de masculinidade que é mais honrada e
desejada, que exerce um domínio sobre as demais formas.
Em nossa sociedade, esse domínio é exercido pelo modelo
heterossexual.
3. Masculinidades coletivas (p. 11) as masculinidades o
definidas coletivamente na cultura, sendo sustentadas nas
instituições. Assim, o processo coletivo de construção e
regulão das masculinidades pode ser traçado em rios
contextos institucionais. Em diferentes circunstâncias
históricas, diferentes instituições terão mais, ou menos,
notoriedade na construção da masculinidade.
4. Corpos como arenas (p. 12) os corpos masculinos são
definidos e disciplinados pela ordem de nero de uma
determinada sociedade. O nero é o meio pelo qual esses
corpos são desenhados” na história; são arenas para se
estabelecer os padrões de gênero.
5. Construção ativa (pp. 12-13) as masculinidades não são
programadas em nossos genes nem fixadas pela estrutura
social. Elas passam a existir conforme as pessoas agem.
Assim, elas são ativamente produzidas, utilizando os
recursos e estratégias disponíveis em um dado contexto
social.
6. Complexidade interna e contradição (p. 13) uma das
razões principais por que as masculinidades não são fixas é
o fato de não serem homogêneas. Diversas pesquisas
apontaram que existem desejos e condutas contraditórios em
formas particulares de masculinidade.
7. Dinâmica (pp. 13-14) – existe forte evidência de que as
masculinidades, de fato, mudam. Elas são criadas sob
circunstâncias históricas específicas e, conforme essas
circunstâncias mudam, as práticas de nero podem ser
contestadas e reconstruídas.
Com base nessas características, podemos observar que a linguagem é
um elemento central na definição de nossas identidades. Assim, para
entendermos a dinâmica das masculinidades na contemporaneidade, é
necessário compreendê-las como construtos provenientes de práticas
discursivas, i.e., elas são forjadas levando-se em considerão o outro.
Assim, é por meio do discurso na interação social que as masculinidades são
(re-) construídas, de modo que aprendemos a nos comportar culturalmente, e
de forma variada, de acordo com nosso sexo. Em outras palavras, a visão
sócio-construcionista das identidades nos permite compreender que o que
regula a construção das masculinidades é a relação com o outro, por meio
do discurso, no sentido de que, ao (re-) construirmos nossas identidades,
estamos também (re-)construindo as identidades do nosso interlocutor, e
vice-versa. Desse modo, como venho discutindo, as masculinidades, a
exemplo de outros traços identitários, são constrdas em pticas
discursivas, i.e., não são atributos inerentes e fixos, mas frutos de
negociões com outros por meio do engajamento nessas práticas.
Conforme já mencionado, as identidades sociais têm passado por
diversas transformações na contemporaneidade. Conseqüentemente, a
masculinidade está sendo redefinida, em parte devido à própria redefinição
da identidade feminina, a partir do movimento feminista (BADINTER,
1993, pp. 6-7). Essa desconstrução da identidade masculina mostra que o
modelo predominante do masculino não era suficiente para responder a
questões e vidas do homem contemporâneo. O homem passou, então, a
perceber suas limitações e a buscar uma identidade que restabelecesse o seu
sentido de pertencimento ao grupo dos homens. Desse modo, como aponta
Badinter (1993), tem-se observado que o velho homem parece estar dando
lugar a um outro bem diferente que surge diante de nós. Tendo em vista essa
afirmão, passo, na seção seguinte, a discutir alguns aspectos do
surgimento do chamado novo homeme sua configuração no discurso da
mídia.
4.4 O “novo homem”
Pergunta de 1 milhão de dólares: o que é ser homem hoje?
Oh, como era simples responder a pergunta acima há 10 ou 15 anos.
O homem daquela era primordial sem internet, sem celulares, ou
TV a cabo, sem globalização, naturalmente provinciana era um
homem antigo. Puro e duro, dedicava-se sobretudo à competão
profissional e dava largo espaço a ideologias. Restava-lhe pouca
margem para a emoção, incluindo-se o que era considerado típico
da esfera feminina – os prazeres estéticos, o convívio afável entre os
amigos, os cuidados com o corpo, uma versão lúdica da vida, o
cultivo inteligente do tempo livre, a introspecção. O mundo muda,
felizmente para melhor. Muitos dos pedidos ou sugestões que VIP
recebe de seus leitores são de matérias sobre saúde, a cosmética e a
aparência masculina. Qual é o melhor modo de se fazer a barba?
Quais são os novos perfumes para o homem? (...) E muitos querem,
na medida do possível, atender e satisfazer a mulher (que presente
dar a ela?). São todos temas que estão sempre presentes em VIP.
Fazemos a nossa revista respondendo, a cada número, aquela
questão inicial: o que é ser homem hoje?
(VIP,nº 147, ago 1997, p. 11).
O processo de deslocamento do sujeito, apontado por Hall (2000) e já
discutido no início deste capítulo, também encontra reflexo na identidade
dos homens. Isso tem possibilitado que o modelo hegemônico de homem
venha sofrendo modificações ao longo do tempo. Fala-se, portanto, no
novo homem”, cuja masculinidade não seria orientada pelo modelo
hegemônico tradicional.
Segundo Nolasco (1993, p. 174), esse tipo de homem estaria em
busca de seu lado feminino, ou seja, ele estaria passando por uma crise de
identidade, na qual aspectos tradicionalmente compreendidos como
femininos estariam vindo à tona, trazendo uma certa insegurança a respeito
de seu papel no mundo social. O autor aponta, ainda, que esse novo
homem estaria se projetando em relação ao modelo tradicional e
hegemônico de masculinidade. Esse homem, então, seria o resultado de uma
crise que se baseia em antagonismos que estão associados a características
normalmente atribuídas às mulheres.
Badinter (1993, p. 165) denomina esse novo padrão de masculinidade
de homem reconciliado”, o qual saberia encontrar um equibrio entre
solidez e sensibilidade. Segundo ela, os homens jovens de hoje não se
reconhecem nem na virilidade caricatural do passado, nem no repúdio à
masculinidade. Eles são herdeiros de uma primeira geração de mutantes”
(BADINTER, 1993, p. 187).
Essa imagética do novo homem tem sido bastante difundida na
contemporaneidade por meio do discurso midiático. Desse modo, em muitas
publicações direcionadas ao público masculino, como é o caso da revista
VIP, temos encontrado uma nova representão do que é ser homem, em
que são utilizados significados antes restritos à configuração da identidade
feminina. Essa revista traz para o leitor heterossexual masculino temas
entendidos como tradicionalmente femininos, como o cuidado com o corpo
e dicas de moda, por exemplo.
A mídia tem denominado esse novo homem de metrossexual” (fusão
dos termos metropolitano” e heterossexual”). Esse termo é apontado,
segundo Lúcio Ribeiro, colunista da Folha de S. Paulo, como uma
designação fashion-mercadológica para um homem das grandes cidades
que gasta mais de 30% de seu salário com cosméticos e roupas, freqüenta
manicures, aprecia um bom vinho, adora um shopping, é (para resumir) mais
que simpatizante da cultura gay. Mas não se engane: é um sujeito bem
macho(RIBEIRO, 2003). A partir dessa definição, vemos que, apesar de
ter características tipicamente femininas, a questão da heterossexualidade é
acentuada para se definir o metrossexual. Vemos, portanto, que a
heterossexualidade é uma característica fundamental para tratar a identidade
masculina, i.e., ainda existe uma forte associação da masculinidade com a
heterossexualidade. Nesse sentido, apesar do forte apelo a uma visão mais
múltipla e contemporânea da identidade masculina, o modelo hegemônico de
masculinidade – a heterossexual – ainda exerce uma posição de domínio, e é
tomado como o único privilegiado em nossa sociedade. Desse modo,
revistas como a VIP ainda utilizam temáticas de revistas masculinas
tradicionais, de modo que o homem que quer viver bem, quer fazê-lo em
primeiro lugar com sua mulher ou namorada. O recurso da garota da capa”,
a inevitável figura feminina sensual chamando a atenção do blico
masculino e o uso constante de mulheres seminuas faz um apelo à
heterossexualidade natural” dos leitores, mesmo que de forma mais
refinada” ouinteligente”, como os editores gostam de dizer:
não se faz uma boa revista sem uma missão editorial clara,
uma equipe capaz e uma preocupação central com as
necessidades, ambições e desejos do leitor. Na sua reforma
editorial, VIP definiu o seu foco no universo de interesses
do homem. (...) Com reportagens, ensaios e testes que
procuram ser ao mesmo tempo úteis e divertidos, a revista
quer desvendar para o homem as motivações e os gostos
femininos (VIP, n. 158, jun. 1998, p. 7).
Em outras palavras, apesar de tratar de temas diferenciados que
estariam mais relacionados ao surgimento desse novo padrão de
masculinidade –, a revista VIP, seguindo a linha tradicional das revistas
masculinas, coloca o desejo heterossexual como pressuposto básico de
qualquer masculinidade. De alguma forma, todas as matérias se direcionam
ao homem que deseja agradar as mulheres. Assim, de nada interessaria saber
de moda, comportamento, cuidado com o corpo etc., se não fosse para
agradar as mulheres.
Há, portanto, uma grande exaltação da heteronormatividade para o
novo homem”, apesar de suas qualidades mais femininas, i.e., na mesma
medida em que valores mais femininos são reivindicados como próprios de
um novo padrão de masculinidade, cada vez mais ocorre um reforço da
barreira intransponível que separa os gêneros feminino e masculino. O
homem, apesar de mais feminino em tese, jamais pode confundir-se com
uma mulher ou com um homossexual. Esse novo homemsomente assimila
tais valores na medida em que esses facilitam a conquista de mulheres.
Essa questão do surgimento do “novo homem é de fundamental
importância para esta pesquisa, pois meu foco central é analisar, em minhas
conversas com João, como os significados veiculados pela revista VIP
propiciam a (re-) construção de sua masculinidade.
Após ter apresentado e discutido os construtos teóricos que sustentam
este trabalho, passo, a seguir, a discutir a metodologia e o contexto de
pesquisa aqui utilizados.
5 METODOLOGIA E CONTEXTO DE PESQUISA
Todo pesquisador, ao se propor realizar uma pesquisa, deve escolher
cuidadosamente um determinado paradigma, procurando observar aquele
que melhor se relaciona com o tipo de trabalho a ser desenvolvido. Para a
elaboração desta investigação, propus-me realizar uma pesquisa
introspectiva, que está inserida no paradigma interpretativista. Desse modo,
neste capítulo, busco esclarecer alguns aspectos metodológicos e
contextuais que serviram para nortear e guiar minha pesquisa.
5.1 O paradigma de pesquisa
Em relação a seres humanos, uma
interpretação subjetiva dos dados [...] parece,
a meu ver, ser capaz de acrescentar uma
dimensão humanística rica à exatidão exibida
pelos números” (CAVALCANTI, 1989, p.
161).
A tarefa de escolher um determinado paradigma de pesquisa não deve
ser uma opção aleatória, uma vez que a escolha por um, em detrimento do
outro, é norteada por bases filosóficas. Nesse sentido, Nunan (1992) aponta
que, ao se fazer uma pesquisa, deve-se pensar em uma pergunta ou
problema a investigar, nos dados da pesquisa e na análise e interpretão
desses dados. McDonough e McDonough (1997) também apontam os
critérios que devem ser observados na produção de uma pesquisa, chamando
a atenção para o fato de que a qualidade do trabalho depende, sobretudo, do
compromisso assumido pelo pesquisador. Tal compromisso diz respeito à
clareza dos pressupostos metodológicos do pesquisador como, por exemplo,
seu entendimento do que seja pesquisar, qual a sua função frente à produção
do conhecimento e quais os instrumentos mais apropriados para a geração
de dados.
Uma vez que esta pesquisa tem como foco analisar o processo de
construção identitária via discurso, optei por adotar o modelo
interpretativista de pesquisa, que se baseia em uma concepção ontológica na
qual o mundo social se constitui somente com base nas ões e significados
construídos pelo ser humano, i.e., os fenômenos sociais são entendidos
como inseparáveis dos seres humanos (MOITA LOPES, 1994). Esse
modelo se afasta do modelo positivista por não se ater a generalizações de
resultados, provenientes de experimentos e dados estatísticos, que poderiam
comprometer a validade dos mesmos.
Em outras palavras, ao tratarmos do mundo social, estamos,
inevitavelmente, tratando da linguagem, pois essa tem um papel central no
processo de construção do mundo social em que vivemos. Desse modo, ao
contrário do tratamento dado às questões de pesquisa nas Ciências Naturais,
nas Ciências Sociais é preciso levar em consideração questões relativas à
linguagem e ao ser humano sob um aspecto qualitativo, com o objetivo de
particularizar e interpretar os significados, evitando, assim, obter uma visão
distorcida ou simplificada da complexa realidade social. Moita Lopes (1994,
p. 331) assinala que na posição interpretativista, não é possível ignorar a
visão dos participantes do mundo social caso se pretenda investigá-lo, já que
é esta que o determina”. Nunan (1992, p. 12) também defende a abordagem
qualitativa nas Ciências Sociais, ao afirmar que a pesquisa qualitativa
pressupõe que todo conhecimento é relativo, que há um elemento subjetivo
em todo conhecimento e pesquisa, e que estudos holísticos e
não-generalizáveis são justificáveis”.
Considero, portanto, uma abordagem qualitativa de pesquisa mais
adequada para investigar como os seres humanos utilizam o discurso para
agir socialmente e construir o mundo e a si próprios, uma vez que estudar o
ser humano e o discurso implica compreender subjetividades que o podem
ser tratadas quantitativamente. Moita Lopes (1994, p. 331) aponta que
o que é específico, no mundo social, é o fato de os
significados que o caracterizam serem construídos pelo
homem [sic], que interpreta e re-interpreta o mundo a sua
volta, fazendo, assim, com que não haja uma realidade
única, mas várias realidades.
Cabe, por fim, ressaltar que, na pesquisa interpretativista, tornam-se
importantes descrever detalhadamente o contexto em que se realiza a
investigação, os sujeitos que estão envolvidos na pesquisa e os instrumentos
a serem utilizados para que, assim, se possa ter acesso aos significados
construídos por esses sujeitos (NUNAN, 1992; MOITA LOPES, 1994).
Como busquei focalizar o caráter subjetivo estabelecido na relação
interacional da qual João e eu fizemos parte, realizei um estudo de caso, que
discuto a seguir.
5.2 O estudo de caso
Um estudo de caso (...) não é em si uma
metodologia de pesquisa (...) ele emprega
métodos e técnicas na investigação de um
objeto de interesse” [tradução minha] (MC
DONOUGH & MC DONOUGH, 1997, p.
203).
Apesar de diversos pesquisadores apontarem o estudo etnográfico e o
estudo de caso como termos equivalentes, Lüdke & André (1986) chamam
atenção para a necessidade de se diferenciar tais tipos de pesquisa. Assim,
procuro nesta seção discutir algumas características do estudo de caso.
Fo opção por esse caminho de pesquisa por se tratar de um tema
que requer uma aproximação mais cuidadosa do contexto de pesquisa e de
seus participantes. Considero, então, minha pesquisa um estudo de caso
qualitativo, pois será desenvolvida em uma situação natural singular, com o
auxílio de dados descritivos, focalizando a realidade de forma
contextualizada. Assim, o foco em um caso possibilita um maior
aprofundamento na fase de geração e interpretão dos dados (LÜDKE &
ANDRÉ, 1986, p. 18).
O estudo de caso utiliza características da etnografia não só por
estudar um fenômeno em contexto, mas também por utilizar métodos de
geração de dados semelhantes (daí muitos pesquisadores utilizar um termo
pelo outro). Contudo, apesar de tais similaridades, o estudo de caso permite
que o pesquisador limite mais o escopo da pesquisa (NUNAN, 1992, p. 75).
Desse modo, ao realizar tal estudo, o pesquisador focaliza o singular e o
individual (MC DONOUGH & MC DONOUGH, 1997).
Embora esse tipo de pesquisa permita explorar a situação em
profundidade e obter a perspectiva do(s) participante(s) em relão à
realidade estudada, a qual será vista como única dentro do contexto descrito,
não desconsidero a possibilidade de um caso ter semelhanças com outros.
No entanto, meu interesse aqui é trabalhar com aquilo que ele tem de único.
Mc Donough & Mc Donough (1997, p. 206) apontam que, qualquer
que seja o tipo de investigação, os estudos de casos podem ser classificados
de diferentes maneiras, dependendo do objetivo da pesquisa e do paradigma
adotado. Assim, para classificar uma pesquisa como um estudo de caso
qualitativo, Lüdke & André (1986, p. 18-20) destacam que essa, entre outras
coisas, deve 1) visar à descoberta de novos elementos que podem emergir
como importantes durante o estudo; 2) enfatizar a interpretação em
contexto”; 3) utilizar variadas fontes de informação e instrumentos de
geração de dados; e 4) procurar representar os diferentes e, às vezes,
conflitantes pontos de vista presentes numa situação social.
Como foi visto, os estudos de caso não são sinônimos de técnicas
particulares; são metodologicamente ecléticos com um mero de
diferentes permutações e possibilidades de escolha (MC DONOUGH &
MC DONOUGH, 1997, p. 207), de modo que as técnicas e métodos a
serem utilizados vão depender do tipo de pesquisa que estará sendo
realizada.
Convém, por fim, ressaltar que a preocupação do pesquisador com a
validade dos resultados faz com que haja um cuidado em retratar o contexto
estudado com riqueza de dados descritivos e de instrumentos, permitindo a
triangulação das informações obtidas. Assim, generalizações acerca dos
resultados para outros contextos podem ser feitas se considerarmos seu
aspecto idiossincrático. Contudo, esse tipo de estudo não tem a
generalização como objetivo principal.
Discuto, a seguir, algumas características da pesquisa introspectiva,
uma vertente da pesquisa de cunho interpretativista, que achei mais
adequada aos objetivos de minha investigação.
5.3 A pesquisa introspectiva
A introspecção nos informação sobre
experiência. Proporciona dados inacessíveis
de outra maneira. Podem, além disso, trazer à
luz fatos que de outro modo não seriam
notados, ou estimular-nos a fazer novas
perguntas” (RADFORD & BURTON, 1974,
p. 395 Apud CAVALCANTI, 1989, p. 142).
A pesquisa introspectiva era utilizada na corrente da psicologia
estrutural de Wundt, em 1870, e na corrente psicológica funcional de James.
As técnicas de introspecção, portanto, são tão antigas quanto a psicologia
geral (CAVALCANTI, 1989). Contudo, com o advento do behaviorismo, a
introspecção foi descartada, tornando-se indesejável nas pesquisas: o
argumento dos behavioristas contra a introspecção era que somente a
própria pessoa tem acesso a sua vida mental e que muita introspecção
levaria ao caos” (CAVALCANTI, 1989, p. 137). Contrariamente a essa
visão, alguns autores (CAVALCANTI, 1989; 1990; FAERCH & KASPER,
1987 e MOITA LOPES, 1996) apontam que a pesquisa introspectiva
possibilita que se tenha acesso aos processos que envolvem os pensamentos
dos indiduos durante a realização de uma tarefa que requeira o uso da
linguagem, como a leitura de um texto, por exemplo.
Essa vertente da pesquisa interpretativista é utilizada neste trabalho
por dar conta das questões que proponho investigar, uma vez que, com o
intuito de compreender como João constrói significados durante o processo
de leitura, pedi a ele que verbalizasse o que vinha a sua mente no momento
da leitura e em nossas conversas. Como a verbalização das idéias dele é
uma forma de pensar alto o que caracteriza o protocolo verbal (ver seção
5.3.1), justifica-se o uso desse tipo de pesquisa nesta investigação.
De acordo com Cavalcanti & Zanotto (1994, p. 149), a geração dos
dados nesse tipo de pesquisa deve ser feita de forma espontânea e sem o
estabelecimento de regras gidas, a fim de que isso o venha a interferir
negativamente na pesquisa: “a introspecção deve ser vista como um
encontro social, não como um encontro de laboratório”. Essa afirmação vai
ao encontro do objetivo desta pesquisa, já que essa ocorre durante encontros
que são compreendidos como eventos sociais de leitura (ver seção 2.2).
Cavalcanti (1989, p. 138) aponta que as técnicas introspectivas são
classificadas, segundo Radford & Burton (1974), em três grupos: 1)
auto-observão, em que o analista-observador relata seus próprios
pensamentos; 2) auto-relato ou autopercepção, em que o indivíduo relata o
que passou pela sua mente após a atividade realizada; e 3) o pensar alto, em
que o indivíduo pensa em voz alta enquanto realiza uma tarefa. Ainda
segundo a autora, com base nessa classificação, no processo de auto-relato
há, pelo menos, dois participantes, o sujeito a ser investigado e o
pesquisador ao passo que na auto-observão um único participante atua
como sujeito e pesquisador. Ou seja, na auto-observação o analista observa
e analisa seu próprio comportamento; na auto-percepção, o sujeito relata
observações de seu próprio comportamento para o analista” (Ibidem). A
autora assinala, ainda, que os próprios Radford & Burton apontaram que, na
prática, as fronteiras desses grupos podemo ser muito bem definidas.
Como nesta pesquisa há dois participantes envolvidos (João e eu),
não utilizarei a técnica da auto-observão. Desse modo, busco trabalhar
com uma classificação mais simplificada da pesquisa introspectiva, que a
subdivide em: a) introspecção propriamente dita; e b) retrospecção
(TAVARES, 1993). A introspecção propriamente dita ocorre quando um
indiduo verbaliza seus pensamentos ao mesmo tempo em que realiza uma
tarefa no caso desta pesquisa, a leitura de textos midiáticos. a
retrospecção ocorre quando o indiduo relata o que passou pela sua mente
após ter finalizado a tarefa que lhe foi proposta (Ibidem, pp. 53-54).
É importante ressaltar que Tavares (1993) também aponta que os
trabalhos sobre leitura no Brasil utilizam a combinação de dois métodos da
pesquisa introspectiva: o pensar alto (protocolos verbais) e a entrevista
retrospectiva (Ibidem, p. 54). Assim, nesta pesquisa, também utilizo a
combinação dessas duas técnicas, já que João faz rias interrupções e fala
sobre os textos durante o processo de leitura, e, após tê-los lido,
conversamos sobre esses textos com o intuito de elicitar alguns
questionamentos.
Faerch & Kasper (1987, pp. 10-20) estabelecem uma série de
critérios de classificação que levam em consideração os procedimentos de
geração de dados nas pesquisas introspectivas em L2. Uma vez que esta
investigação não é uma pesquisa em L2, selecionei apenas dois dos critérios
listados pelos autores, a saber: 1) processo contínuo versus aspecto
específico; e 2) procedimentos de elicitação. O primeiro critério está
relacionado à maneira pela qual as informações relatadas – os dados gerados
podem ser descritas. Essa descrição pode ser feita por meio de: a) uma
introspecção connua”, i.e., uma forma contínua e simultânea de pensar
alto ou de conversar alto: “os informantes são instruídos a verbalizar o que
eles estão pensando enquanto realizam a tarefa” (FAERCH & KASPER,
1987, p. 14); ou b) aspectos específicos”, i.e., questionamentos diretos
durante ou após a atividade” (Ibidem). Nesta pesquisa, elucido as
informações do participante por meio de aspectos específicos, que eu e
João conversamos de forma aleatória durante a realização da tarefa e depois
dela.
O segundo critério que utilizo nesta investigação diz respeito aos
procedimentos de elicitação dos dados. De acordo com os autores (Ibidem,
pp. 16-18), esses procedimentos também podem ser sub-categorizados. Para
esta pesquisa, utilizo: a) o grau de estruturação; e b) a interão entre o
informante e o pesquisador. No que se refere ao grau de estruturação, posso
dizer que esta pesquisa é pouco estruturada pois, embora eu faça perguntas
ao informante durante os protocolos verbais, não nenhuma restrição
acerca do que esse informante possa verbalizar. Existe, também, a
possibilidade de o informante retomar um assunto discutido ou mesmo
consultar novamente o texto que originou o evento de leitura. No que tange
à interação dos participantes da pesquisa, os autores assinalam que esse
processo tem um impacto considerável nos dados” (Ibidem, p. 18). Isso
significa dizer que tanto o caráter assitrico estabelecido entre pesquisador
e informante como o meu grau de intimidade com João podem influenciar o
discurso que ele verbaliza (ver seção 3.1).
Cabe ressaltar que, como exemplo de um outro critério, Faerch &
Kasper (op. cit.) apontam que os informantes, na pesquisa introspectiva,
podem ser expostos, ou o, a um treinamento acerca de como realizar esse
tipo de pesquisa. Para os meus encontros com João, não realizei nenhuma
atividade prévia à geração dos dados uma vez que, na realização de um
outro trabalho em que João também foi meu informante, pude perceber que,
mesmo sem eu estar utilizando as técnicas da introspecção, ele costumava
verbalizar o que se passava em sua mente durante o processo de leitura de
um texto. Então, decidi pedir que ele apenas lesse os textos que seriam
selecionados em nossos encontros e fosse relatando o que ele estava
pensando, i.e., suas opiniões, comentários, críticas e observações acerca do
conteúdo desses textos, ou mesmo acerca de outros pensamentos que
estivessem perpassando sua mente enquanto conversávamos sobre a revista.
5.3.1 O “pensar alto” – a técnica do protocolo verbal
Na seção anterior, apontei que havia pedido a João que verbalizasse
tudo o que viesse a sua mente durante o processo de leitura em nossos
encontros. Esse pensar alto” do informante elicitado a partir de relatos
verbais possibilitou a minha investigação de como ele (re-)constrói sua
identidade masculina. Tais relatos verbais foram gravados em áudio (ver
seção 5.5) e, posteriormente, foram transcritos na íntegra, o que gerou
documentos chamados protocolos verbais (FAERCH & KASPER, 1987;
CAVALCANTI, 1989; TAVARES, 1993).
Como apontei anteriormente, a técnica de protocolo verbal foi
utilizada durante todo o processo de reflexão de João sobre os textos lidos
em nossos encontros com o intuito de tornar visível o evento de leitura e de
elucidar suas opiniões acerca das identidades de masculinidade foco desta
pesquisa. Desse modo, ao pensar alto durante a leitura (protocolo verbal),
João interage com os textos e comigo que ele me relata seus
pensamentos e opiniões, o que nos leva a co-construir e negociar
significados em conversas sobre textos (ver seção 2.3). Tais conversas
objetivam, em última análise, observar como João (re-)constrói sua
identidade masculina.
Tendo relatado a metodologia e as técnicas que utilizo para nortear
esta pesquisa, passo a descrever, na seção seguinte, o contexto em que os
dados foram gerados.
5.4 Contexto de pesquisa
5.4.1 Onde a pesquisa foi realizada
O contexto no qual ocorreram os eventos de leitura foi a casa de João,
que mora em um bairro da Zona Oeste da cidade do Rio de Janeiro. A razão
por eu ter escolhido realizar os encontros em sua casa se deu pelo fato de eu
querer promover um encontro social no qual João pudesse se sentir
confortável, agindo de maneira espontânea e descontraída nos eventos de
leitura. A casa possui dois quartos, uma sala de estar e uma de jantar, uma
cozinha, um banheiro, uma varanda com garagem na frente e um pequeno
quintal nos fundos. João mora nessa casa com seus pais e seu irmão
adolescente, com quem ele divide o quarto. Todos os cômodos são
confortavelmente mobiliados. Na sala de estar, existe um computador que é
compartilhado por todos os membros da família. Nossos encontros sempre
se davam na sala de jantar, onde nos sentávamos em lados opostos da mesa,
no intuito de ficarmos um de frente para o outro, e um gravador era
colocado no centro da mesa para melhor captar nossas conversas. Nesses
encontros, João lia alguns textos e, em seguida, ele e eu conversávamos
sobre esses artigos (ver anexos I, II, III, IV, V, VI e VII), que tinham
relão com a temática das masculinidades, e que foram publicados na
revista VIP. Alguns desses artigos foram pré-selecionados por mim, alguns
por João e outros foram escolhidos no momento em que nos reunimos (ver
seção 5.5).
Antes de iniciar nossos encontros, conversei com ele, contando-lhe
que eu estava realizando uma pesquisa para meu curso de mestrado e que,
devido ao fato de ser um homem muito vaidoso e sempre preocupado com a
aparência, com o corpo e com as dicas de moda, ele se encaixava bem no
perfil do sujeito que eu procurava investigar. Disse-lhe, também, que isso
envolvia a gravação das conversas que eu teria com ele, bem como de
algumas entrevistas que pretendia realizar. Como ele é leitor da revista VIP,
aceitou prontamente participar de minha pesquisa assim que soube que eu
também pretendia utilizar como instrumento textos dessa revista
relacionados à temática das masculinidades.
5.4.2 Os participantes
João é do sexo masculino, branco, 23 anos, solteiro, e mora com os
pais e o irmão adolescente em um bairro da Zona Oeste da cidade do Rio de
Janeiro, como mencionei. Ele é militar (soldado da Marinha), concluiu
o Ensino Médio e, atualmente, estuda em um curso preparatório para
concursos blicos. João também faz musculão três vezes por semana em
uma academia próxima a sua casa, de modo que ele se encaixa no chamado
perfil saradão”. Ele é leitor da VIP há alguns anos e se diz identificar muito
com as informações veiculadas por essa revista. É importante ressaltar
também que João usa dois brincos (um em cada orelha) e procura sempre se
vestir de acordo com o que ele acredita estar na moda. Apesar disso, seu
discurso diário parece indicar a defesa do modelo hegemônico de
masculinidade, que iria de encontro a esse novo padrão mais preocupado
com a beleza, a sde, o vestuário, ou seja, com a aparência de um modo
geral (ver seção 4.4). Decidi, então, que seria interessante investigar como
ele (re-)constrói sua(s) identidade(s) masculina(s) em práticas de letramento
com textos midiáticos selecionados por mim ou por ele, a partir da minha
influência como uma pessoa próxima a ele, e que é simultaneamente o
pesquisador.
Sou branco, 30 anos, solteiro, professor, e resido atualmente com
meus pais em um bairro no subúrbio da cidade do Rio de Janeiro. Meu grau
de intimidade com esse participante é muito grande, que somos amigos há
muitos anos e nos tratamos como irmãos. Essa relação é muito importante,
pois proporciona a (re-) construção de alguns tipos de masculinidades em
detrimento de outros, isto é, ele (re-)constrói uma masculinidade para mim
que é conveniente me revelar, levando em conta quem sou e que papel
ocupo como pesquisador. Em um outro contexto interacional provavelmente
ele (re-) construiria uma identidade masculina diferente. A esse respeito,
Hall (2000, p. 13) aponta que a participação dos sujeitos em práticas
interacionais é restringida pela concepção de quem são, de como percebem
seus interlocutores e de como eles pensam que seus interlocutores os
percebem”, ou seja, os processos de construção de significado e,
conseqüentemente, de (re-) construção das identidades sociais são ligados
a momentos e lugares específicos, o que caracteriza a situacionalidade do
discurso (ver cap. 3).
5.5 Instrumentos de pesquisa
Todo o processo de geração de dados via conversas sobre texto está
gravado em fitas de áudio. Foram realizados cinco encontros de
aproximadamente uma hora e meia de duração cada um, o que gerou um
total de cerca de sete horas e meia de gravação. Utilizei apenas um gravador
que ficava sobre a mesa onde costumávamos nos sentar. Durante esses
eventos, fiz algumas notas de campo com o propósito de tentar recuperar
alguns aspectos não-verbais, os quaiso são captados apenas com as
gravões em áudio (ERICKSON, 1985). Após os eventos, também fiz
notas de campo referentes às conversas que tínhamos antes e/ou depois das
gravões em áudio, no intuito de tentar recuperar informações relevantes à
pesquisa. Além desses instrumentos, utilizei também textos da revista VIP
cuja temática estivesse relacionada às questões das masculinidades.
A escolha por textos da VIP como instrumento de pesquisa se deu
devido ao fato de que essa revista é a que melhor se encaixa no processo de
crião da imagética do novo homem (ver seção 4.4), baseando-se
inclusive em revistas que, no exterior, realizam esse movimento de forma
muito mais acentuada (MIRA, 1997, p. 155). Procurei observar a leitura que
João fazia desses textos inclusive, fazendo alguns questionamentos
durante esse processo – e promover conversas sobre eles, de modo que João
pudesse expor seu ponto de vista a fim de que eu investigasse o processo de
negocião de significados e, conseqüentemente, a (re-) construção de suas
masculinidades. Não tive nenhuma intenção em elaborar qualquer roteiro de
perguntas de interpretação para que ele pudesse responder, de modo que as
mesmas surgissem a partir de nossas discussões, assumindo, assim, um
caráter mais natural. Em uma perspectiva vygotskyana, esses textos foram
utilizados como instrumentos para mediar os discursos de identidade de
gênero (masculinidades) entre os participantes (VYGOTSKY, 1998).
Foram utilizados sete artigos publicados na revista VIP: um para o
primeiro encontro, três para o segundo encontro, um para o terceiro
encontro, um para o quarto, e um para o quinto encontro (ver quadro a
seguir).
ENCONTRO ARTIGO
1
o
Encontro (07/01/06)
30 coisas que você não deve fazer depois dos 30
anos (Anexo I)
2
o
Encontro (15/01/06)
O álibi perfeito (Anexo II)
Bruna Surfistinha só para os leitores (Anexo III)
Caio Júlio César (Anexo IV)
3
o
Encontro (27/01/06)
Facinhas do Orkut (Anexo V)
4
o
Encontro (12/02/06)
O creminho tá liberado (Anexo VI)
5
o
Encontro (16/02/06)
Choque heterodoxo (Anexo VII)
No dia em que combinei com João o início de nossos encontros, eu
lhe havia solicitado que, dentre as edições da revista que possuía, ele
selecionasse alguns textos que estivessem relacionados à temática das
identidades de masculinidade. Quando nos encontramos em sua casa para o
primeiro evento de leitura, João havia me dito que o tinha tido tempo de
selecionar nenhum artigo para aquele nosso encontro. Como eu havia levado
comigo a edição nova da revista (janeiro de 2006), a qual ele ainda o
havia comprado, sugeri que ele lesse o artigo do anexo I, 30 coisas que
você não deve fazer depois dos 30 anos”. O tulo desse texto chamou a
minha atenção devido ao fato de eu estar me aproximando dos 30 anos de
idade, o que despertou a minha curiosidade em conhecer o conteúdo da
matéria. Devo destacar que, antes de começar a gravar esse primeiro evento,
João revelou não saber qual o tipo de contribuição ele poderia oferecer a
minha pesquisa, uma vez que ele afirma o fato de não ter tanto
conhecimento quanto eu; que se sente como um aprendiz, de modo que eu
teria alguma informão para dar a ele. O mais interessante é que não foi a
primeira vez que ele fez esse tipo de comentário. No dia em que o convidei
para participar da pesquisa, ele disse que não saberia como me ajudar,
que eu estava fazendo mestrado e ele ainda não tinha feito nem mesmo a
faculdade” (segmento extraído de minhas notas de campo, em 07/01/06).
No segundo encontro, eu não havia p-selecionado nenhum texto da
revista. Contudo, João me informou que tinha conseguido dar uma olhada
em algumas revistas em casa e que havia selecionado o artigo “Bruna
Surfistinha para os leitores” (ver anexo III). Perguntei a ele o motivo de
ter escolhido esse texto, e ele respondeu que tinha assistido a um programa
de entrevistas em uma emissora de televisão em que a entrevistada era a
mesma mulher que estava no artigo em questão. Como na entrevista ela
havia dito que escreveu um livro narrando sua vida de garota de programa,
João achou interessante ler esse artigo. No entanto, ao folhear a revista para
procurar o artigo, João parou na matéria do anexo II. Ele me perguntou se eu
havia lido esse texto e, ao responder que eu o tinha lido, ele começou a
lê-lo e a relatar seus pensamentos acerca de suas opiniões a respeito da
matéria. Em seguida, após encontrar o artigo sobre Bruna Surfistinha (ver
anexo III), que ele mesmo havia selecionado, começou a lê-lo. Esse texto
não é muito longo, de modo que nossa conversa sobre ele se deu de forma
rápida. Assim, ao terminarmos, João virou a página e viu um artigo sobre o
imperador romano Júlio César (ver anexo IV). No momento em que viu a
figura de César, João fez a seguinte afirmação: Ih, tu sabia que esse cara
era careca e era o maior boiola’?” Afirmei que não sabia e pedi que ele
lesse o texto, já que tínhamos ainda algum tempo para conversarmos.
Meu terceiro encontro com João foi mais curto do que os outros, pois,
quando cheguei em sua casa, ele estava separando algumas roupas para
colocar em uma mala, que iria viajar naquele mesmo dia com alguns
amigos. Após ter se interessado por alguns artigos, João sugeriu o artigo
Facinhas do Orkut” (ver anexo V). Segundo ele havia afirmado, o melhor
assunto para conversarmos sobre os desejos e prazeres masculinos,
certamente, são aqueles que envolvem mulheres” (segmento extraído de
minhas notas de campo, em 27/01/06). E como o título sugeria que haveria
mulheres fáceis no Orkut, ele optou por ler esse texto para, em seguida,
conversarmos sobre ele. É importante ressaltar que, nesse encontro, percebi
que João parecia estar bastante familiarizado com a técnica do protocolo
verbal, uma vez que estivesse relatando, durante a leitura, seus pensamentos
e opiniões de maneira espontânea.
O quarto evento de letramento foi marcado por termos conversas
informais durante rios minutos. Somente depois de muito tempo, pedi a
ele que escolhêssemos um texto para discutirmos. Selecionei, então, um
artigo que aborda a visão feminina acerca dos bitos do metrossexual (ver
anexo VI). João pareceu se interessar bastante pelo artigo devido ao fato de
ele ter identificado no texto alguns hábitos e características que também
possui.
Para o quinto e último encontro, selecionei o artigo Choque
heterodoxo” (ver anexo VII). Esse artigo relata o que acontece quando um
grupo de homens maces ouve as dicas de um grupo de gays a respeito de
moda, cabelo e corpo. Como o texto exemplifica bem o conceito de
masculinidades, no plural, achei que seria interessante observar como João
constrói significado acerca dessas identidades conflitantes, de acordo com o
senso comum. Ao ler o tulo do artigo e observar as figuras, percebi que
João pareceu demonstrar um certo desconforto em ler esse artigo. Contudo,
após iniciar a leitura, pareceu se sentir mais à vontade e começou a relatar
seus pensamentos acerca do que estava lendo. Notei, nesse evento, que, ao
pensar alto, João parecia tecer comentários que indicavam achar engraçado
gays estarem dando dicas para heterossexuais. Uma outra observação
importante que pude perceber é que ele não falou tanto quanto nos outros
encontros durante a leitura do artigo.
Após ter feito as considerações necessárias acerca da metodologia
que serviu para nortear esta pesquisa e de ter descrito o contexto e os
instrumentos que foram utilizados na investigação, apresento, no capítulo
seguinte, a análise dos dados.
6 ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS
O objetivo deste capítulo é apresentar a minha interpretação dos
dados gerados nesta pesquisa a fim de responder às questões as quais me
propus investigar:
1) como João (re-)constrói sua(s) masculinidade(s) frente aos
significados veiculados pela revista VIP; e
2) sua interação com esses significados promove a construção de
um novo padrão de masculinidade para si?
Todo o processo de análise é realizado por meio da associão de
minhas interpretações à fundamentação teórica desta investigação. Para
tanto, utilizo os protocolos verbais (ver seção 5.3.1) gerados em meus
encontros com João o sujeito da pesquisa. Durante os eventos de leitura
em meus encontros com João, busquei considerar não somente os protocolos
verbais, mas também minha interação com ele nas conversas sobre textos
(ver seção 2.3), uma vez que intento, em última análise, fazer com que ele
converse comigo acerca do conteúdo que ele leu e dos significados que ele
constrói, a fim de que possa investigar a (re-) construção de sua identidade
masculina. Utilizo, também, como instrumentos de pesquisa, textos da
revista VIP (ver anexos I, II, III, IV, V, VI e VII) e gravações em áudio dos
eventos de leitura, além de minhas anotões de campo (ver seção 5.5).
É importante ressaltar que, como os dados foram gerados em eventos
de leitura, as seqüências analisadas devem ser entendidas teoricamente
como eventos ideológicos de letramento (ver capítulo 2). Esse modelo,
como apontei, entende os eventos de letramento como processos
relacionados às práticas cio-culturais e históricas dos indiduos
(STREET, 1995; SOARES, 2000; entre outros cap. 2). Assim, acredito
que, a exemplo de qualquer texto, os textos utilizados na geração dos
protocolos verbais desta pesquisa podem levar a interpretações variadas,
pois depende de quem é o leitor, dos discursos em que circula e quais são as
estruturas de poder da sociedade em que vive.
As seqüências analisadas abaixo foram escolhidas porque respondem
às questões que busco investigar neste estudo. Cabe, também, assinalar que,
para que eu pudesse investigar a (re-)construção da identidade masculina de
João nos eventos de letramento, analisei os dados com base nos
posicionamentos discursivos (DAVIES & HARRÉ, 1990; VAN
LANGENHOVE & HARRÉ, 1999 seção 3.2), o que orienta esta
dissertação.
6.1 A construção discursiva de masculinidades
Conforme discutido na seção 5.5, utilizei sete artigos da revista
VIP para a realização dos eventos de leitura em meus encontros com João.
Para o primeiro encontro, realizado em 07/01/06, que João não havia
pré-selecionado nenhum texto para nossa conversa, sugeri que ele lesse o
artigo do anexo I. Esse artigo elenca 30 itens acerca do que o homem não
deve fazer após os 30 anos de idade, segundo o ponto de vista da colunista
Virna Wulkan que assina a matéria e, de certo modo, segundo o que é
tradicionalmente esperado pela sociedade, no senso comum.
Durante a geração do protocolo verbal referente à seqüência 1, João
estava iniciando a leitura do artigo que eu havia sugerido. Selecionei esse
recorte da interação devido ao fato de ele, já nesse primeiro momento,
apontar que a sociedade cria um padrão de masculinidade a ser seguido
pelos homens.
6.1.1 Seqüência 1 – 1
o
encontro – 07/01/06
“A sociedade já tá acostumada com um padrão
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Pesquisador (P): Então, vamos lá./ A matéria é sobre as 30 coisas que
um homem não deve fazer depois dos 30 anos de idade.
João: Vamos.// A primeira/ Morar na casa dos pais”.// Depois dos
trinta.// Sei lá/ acho que é porque existe aquele tabu de que/ quando
você começa a chegar aos vinte e pouco /.../ o que que acontece/ o
que seja um crime.// Nada a ver/ / tu morar com teus pais depois dos
trinta.// Mas é que/ a sociedade já:: acostumada com um padrão/
né/ que é o quê/ o cara quando chega aos vinte, vinte e pouco/ começa
mais ou menos a decidir a vida dele/ né?
P: Ahã.
João: ele conhece alguém e tal e, até mesmo antes dos trinta, às
vezes se casa.// Esse é um padrão que a sociedade/ que geralmente a
gente encontra na sociedade, ?// Não que isso seja um crime./ Aquilo
que eu falei.
P: Entendi.
Nessa primeira seqüência, ao ler o item 1 da lista das coisas que os
homens não devem fazer depois dos trinta anos de idade, João tenta relatar
seus pensamentos. Notadamente, pode-se observar que o discurso dele é
todo baseado no senso comum. Assim, em um momento de introspecção, ao
tecer seus argumentos acerca de sua opinião sobre o homem com mais de 30
anos de idade e que vive com os pais de acordo com opiniões legitimadas
pela sociedade em que vivemos (linhas 07, 08, 09, 12 e 13), ele se posiciona
moralmente (ver seção 3.2). Ele reconhece a importância que o contexto
social possui nas atitudes dos homens. Segundo ele, o que a sociedade
espera de um homem de vinte e poucos anos é uma atitude de decisão
acerca de sua independência, no sentido de casar e viver fora da casa dos
pais, o que é um padrão estabelecido pela sociedade.
No entanto, apesar de estar consciente desse padrão de
comportamento do homem padronizado pela sociedade (linhas 06 e 07),
João toma um auto-posicionamento deliberado para construir sua opinião em
relão ao fato de o homem morar com os pais depois dos trinta anos,
baseando-se no pressuposto de que essa atitude o representa nenhum tipo
de crime (linha 05 e 06). Essa afirmão, que é repetida na linha 13,
expressa sua opinião favorável ao assunto. É importante ressaltar que, em
um outro momento, João havia me revelado que ele espassando por uma
ótima fase da sua vida e que não pretende casar-se logo: eu não penso em
me casar nem tão cedo. É muito bom viver na minha casa com meus pais.
Quando minha mãe sai e eu preciso arrumar ou pegar alguma coisa para
levar para o trabalho, eu fico perdido” (extraídos de minhas notas de campo,
em 07/01/06).
Ao assinalar que o nenhum problema em morar com os pais
depois dos trinta anos de idade (linhas 06 e 07), ele parece construir sua
identidade masculina contrariamente à visão legitimada pela sociedade sobre
como um homem com mais de trinta anos deveria agir.
É importante ressaltar, também, que, nesse primeiro momento de
minha interação com João, o tomo nenhum tipo de posicionamento em
relão ao que está sendo dito. Desse modo, acredito que haja um
silenciamento de minha parte sobre as opiniões dele devido ao fato de esse
ter sido nosso primeiro encontro, i.e., o primeiro evento de letramento que
realizei com ele. Assim, posso ter tido medo de expressar algum tipo de
argumento que viesse a interromper seu relato e, conseqüentemente, inibi-lo
de alguma forma.
A seqüência 1 explicita que, apesar de se posicionar moralmente
(linhas 07 a 09, 12 e 13) em alguns momentos, i.e., afirmar que é a
sociedade que dita os padrões que os homens devem seguir, João se em
uma situação confortável morando na casa de seus pais, o que faz com que
ele expresse seu desejo de não se casar nem tão cedo”. Ou seja, ele se
posiciona como um homem que reconhece a existência de regras impostas
pela sociedade, mas que, ao mesmo tempo, não se vê obrigado a segui-las.
A seqüência a seguir originou-se no momento em que João lia o item
8 do artigo do anexo I o qual abordava a questão de homens que deixam a
cueca aparecer. João lembra que existe uma comunidade no orkut (ver nota
28) sobre esse assunto e começa a falar de moda e estilo.
6.1.2 Seqüência 2 – 1
o
encontro – 07/01/06
“Cueca aparecendo é estilo
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João: Usar calças que deixem a sua cueca aparecer”. ((risos)) É:: eu
até uso às vezes.// Tem uma comunidade no orkut que:: que fala sobre
isso/ né./ Que fala que cueca aparecendo é estilo.
P: Ah, é?
João: Mas existe/ também/ um pouco disso também, cara./ Assim/
dependendo da roupa que for/ do estilo que for/ eu acho até maneiro.// A
foto que puseram na comunidade no orkut é até interessante/ é legal.//
Aparece um cara com um corpo legal e tal/ com a sunga aparecendo
assim e tal/ e tal.// Sunga branca geralmente com/ com o cós/ assim/ de
elástico/ aquele elástico [aparecendo
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P: [Mas por que tu acha/ assim/
isso é estilo?// Porque é o momento/ porque agrada as mulheres/ Por
quê?
João: Porque é:: eu acho que/ porque tem toda aquela coisa da
sensualidade, ?/ Daquela coisa de ver/ que não é normal, né?//
Quando as mulheres olham, parece que elas ficam mais instiga/ isso faz
é::/ A rapaziada toda gosta de se sentir cobiçado pela mulherada.
((risos))
P: Entendi.
João: A roupa /.../ Geralmente o quê/ é:: uma roupa mais/ mais esporte./
De repente uma calça um pouco mais larga, de tênis e tal/ uma
camiseta./ Ou então sem camisa/ num lugar onde você esteja sem
camisa, né?// De repente, rola.// A gente observa muito isso no meio
dessa rapaziada skatista/ que tem a ver com essa coisa/ assim/ de street,
né?/ É:: bem estilo de skatista mesmo.
P: Mas, por exemplo, isso é moda agora, né?/ Há um tempo atrás isso
não era bem visto, né?
João: Não./ É.
P: Isso tem a ver com o momento/ né?
João: É./ Tudo é moda.// E moda passa, né?
Na seqüência 2, após ler o item 8 do artigo, João se auto-posiciona
deliberadamente em relação a mim, mostrando traços de suas identidades
sociais (linhas 16 a 18). Como o artigo aborda coisas que os homens não
devem fazer depois dos 30 anos de idade, ele procura assinalar para mim
(auto-posicionamento deliberado) que não vê nenhum problema em um
homem usar uma calça que deixe a cueca aparecer, porque ele mesmo usa às
vezes (linhas 16 e 17). Ele ainda cita a existência de uma comunidade no
orkut sobre esse assunto para dar respaldo a seu auto-posicionamento
deliberado, pois de acordo com essa comunidade, usar calça com a cueca
aparecendo é estilo (linha 18). Em seguida, João coma a fazer uma
concessão acerca das circunstâncias em que ele considera ser maneiro”
deixar a cueca aparecendo (linhas 20 e 21). Segundo ele, essa característica
pode ser considerada estilo dependendo da combinação de roupa que o
homem esteja utilizando. Para dar respaldo a esse ponto de vista, ele
menciona uma foto da comunidade do orkut que ele citou, em que há um
homem com um corpo legal” (posicionamento deliberado do outro) (linhas
22 a 24). É interessante observar, também, que não é uma característica
pica da masculinidade hegemônica um homem elogiar o corpo de outro
homem. Pode-se afirmar, portanto, que, aqui, o posicionamento deliberado
de João parece favorecer a construção de traços contrários à masculinidade
hegemônica. Afinal, segundo o senso comum, um homem não deve falar
sobre moda e estilo, muito menos deve elogiar o corpo de outro homem.
A partir do posicionamento de João, tomo um posicionamento de
primeira ordem (linhas 26 a 28). Após ele ter afirmado que às vezes usa
calça com a cueca aparecendo e de ter achado interessante a foto de um
homem com a cueca aparecendo na comunidade do orkut, questiono-o
acerca do motivo pelo qual ele acha que cueca aparecendo é estilo. Ele,
então, volta a se auto-posicionar deliberadamente (linhas 26 e 27),
apontando que usa a cueca aparecendo porque envolve a questão da
sensualidade. Logo em seguida, ele toma um posicionamento deliberado do
outro (linhas 31 e 32) no intuito de posicionar outras pessoas no discurso
como interessadas nesse hábito de usar calça com a cueca aparecendo.
Assim, ele afirma que as mulheres se sentem atraídas por esse tipo de hábito
(linhas 31 e 32) e que os homens gostam de se sentir cobiçados pelas
mulheres (linha 32). E ele faz isso como uma justificativa para seu pprio
hábito, i.e., ele às vezes usa calça com a cueca aparecendo para se sentir
pertencente ao grupo dos homens: João afirma que a “galera” com quem
ele costuma sair tem o bito de usar calça com cueca aparecendo, e ele faz
o mesmo às vezes” (notas de campo do dia 07/01/06). Nas linhas 35 a 40,
João volta a falar de moda, apontando que existem combinações de roupa
específicas para deixar a cueca aparecendo. Ele demonstra, então, dominar
um assunto que faz parte do universo feminino.
É interessante notar, aqui, a dinâmica e a contradição das
masculinidades reveladas por meio dos posicionamentos de João. Assim, em
determinados momentos ele afirma que o fato de os homens deixarem a
cueca aparecer atrai a atenção e o desejo das mulheres (característica da
masculinidade hegemônica) e, em outros momentos, ele fala e elogia o
corpo de um outro homem (o que o é típico da masculinidade
hegemônica). A esse respeito, Connell (2000, p. 13) aponta que existem
desejos e condutas contraditórios em formas particulares de masculinidade
(ver seção 4.3).
No fim da seqüência, tomo um posicionamento de primeira ordem
(linhas 41-42 e 44), apontando que o fato de João considerar que usar cueca
aparecendo é estilo nada mais é do que um ditame da moda. Nesse
momento, logo após a esse meu posicionamento moral, tomo um
auto-posicionamento deliberado, no intuito de mostrar a João que
compreendo que determinados construtos legitimados pela sociedade podem
não mais o ser em um outro contexto espaço-temporal. Por fim, João
posiciona-se reflexivamente (posicionamento de segunda ordem),
corroborando minha visão de que aquilo que é considerado moda hoje, pode
não mais o ser amanhã (linhas 43 e 45).
Nesta seqüência, fica claro que os posicionamentos de João
propiciam a (re-) construção de sua masculinidade a todo momento, pois
esses posicionamentos são múltiplos e momentâneos. João por vezes parece
posicionar-se de acordo com características da masculinidade hegemônica
(linhas 31 e 32), ao afirmar que os homens gostam de ser cobiçados pelas
mulheres, ao passo que, em outros momentos, seu discurso aponta para um
novo padrão de masculinidade, i.e., um homem que não vê problemas em
elogiar o corpo de outro homem (linhas 23 e 24), um homem que sabe falar
de moda e de estilo (linhas 20-21, 24-25 e 35 a 40). Desse modo, pode-se
dizer que fica claro, também, que as masculinidades são fragmentadas,
contraditórias e fluidas características inerentes a todos os nossos traços
identitários (ver cap. 4).
Uma última observação acerca dessa seqüência é o fato de que João
toma, como referencial, uma afirmão de um site de relacionamento (nesse
caso, a comunidade do orkut) para construir uma verdade com a qual ele se
identifica: a afirmão de que cueca aparecendo é estilo (linhas 17 e 18).
Observa-se a grande influência do discurso da mídia na construção de
nossas crenças e valores, ou seja, de nossos traços identitários. Nesse
sentido, Thompson (2004, p. 184) assinala que o processo de formação do
self se torna mais e mais dependente do acesso às informões mediadas de
comunicação – tanto impressas quanto eletronicamente veiculadas” (ver cap.
4).
Durante a geração da conversa referente à seqüência abaixo, João e
eu conversávamos sobre a questão de o homem poder ou não tingir o cabelo
tema abordado no item 11 do artigo da VIP (ver anexo I) quando ele
afirma que tingiu e ainda tinge seu cabelo.
6.1.3 Seqüência 3 – 1
o
encontro – 07/01/06
“O homem começou a se preocupar mais com a vaidade”
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João: Onze.// Tingir o cabelo de outra cor que não seja a que ele
teve um dia.”// Dificilmente você isso/ né. // Geralmente/ tipo/ a
pessoa começando a ficar com o cabelo grisalho/ pinta da cor que/ o
cabelo já é/ né?
P: O que/ que voacha disso/ de o homem pintar cabelo?
João: Eu [acho/ queo tem nada a ver/ eu//
P: [Você acha normal isso?
João: eu já pintei// pinto.
P: Ah, é.// Você pinta também/ e o vê nenhum problema nisso?
João: É/ eu!// eu!
P: Tá/ tranqüilo.
João: Eu o vejo nenhum problema nisso/ não.// É aquilo que tu falou/
né// o lance do/ do homem metrossexual/ né// que o homem começou a
se preocupar mais com a vaidade/ com a beleza// que o homem faz
sobrancelha agora// faz várias coisas que antigamente era tido como/
como boio/ boiolagem.
P: É.
João: Hoje em dia já caiu por/ acho que já/ isso começou a cair por
terra.
P: Ahn.
João: Não tá mais tão assim//
P: Entendi. // Mas você por exem/ você pinta/ assim/ por quê? // Por que
você tem cabelo branco ou por que você gosta de mudar a tonalidade?
João: Não/ porque// porque às vezes// meu cabelo é meio crespo/ o é
liso// não sei se pra tu perceber?// Às vezes eu passo um produto nele
pra dar uma relaxada/ pra dar uma alisada no cabelo//
P: Certo.
João: E esse produto/ ele tem uma química que clareia o cabelo// o
cabelo começa a ficar num tom mais avermelhado// e eu o gosto desse
tom avermelhado/ eu vou e tinjo de preto// preto ou castanho claro/
que é a cor do meu cabelo mesmo.
P: Ahan./ Sei.
João: Mas assim/ mais porque/ porque acontece isso.// Mas pintar por
pintar/ eu não pinto/ não. ((risos))
P: Entendi.
A conversa acima é iniciada com João lendo um item do artigo. Após
essa leitura, ele aponta, em um momento de introspecção, que é muito difícil
ver um homem tingir o cabelo com uma cor diferente daquela que ele já teve
um dia (posicionamento deliberado do outro) (linhas 47 a 49). Em seguida,
por três vezes (linhas 50, 52 e 54), tomo um posicionamento de primeira
ordem, tentando localizar João na conversa, i.e., busco saber sua opinião
acerca do fato de o homem tingir o cabelo. Localizo-me no discurso com
base no argumento dele a respeito desse assunto. Após esse meu
posicionamento, João responde que o vê nada demais em um homem
tingir seu cabelo (linha 51). Ele acrescenta que ele mesmo pintou, e ainda
pinta, o cabelo (linha 53), o que me leva a afirmar que, nesse momento, ele
toma um auto-posicionamento deliberado, pois mostra para mim traços da
sua masculinidade, isto é, ele me revela que é um homem que o es
imbuído de idéias e conceitos hegemônicos.
Nessa conversa sobre o artigo durante a qual ocorreu a seqüência
acima, percebi que as experiências de João e seu conhecimento de mundo
influenciam a construção de sua identidade masculina. Ele reconhece a
importância que o contexto social possui nas atitudes do homem
(posicionamento moral), e afirma que, atualmente, o homem pode fazer
várias coisas que antes eram compreendidas como atitudes de “boiolas”,
tomando um posicionamento deliberado do outro (linhas 57 a 61). Ou seja,
existe um olhar da sociedade que vai “ditar” as regras concernentes às
atitudes que são, ou o, permitidas para um homem. O fato de ele
considerar uma atitude que, antes, era vista como boiolagem(linhas 57 a
61), um ato natural para o homem contemporâneo parece servir de base para
que ele construa sua masculinidade em um determinado momento como a
identidade de um homem em transformação (auto-posicionamento
deliberado), a exemplo do “novo homem(ver seção 4.4).
Novamente, com base em seu argumento, tomo um posicionamento
de primeira ordem indagando o motivo pelo qual João pinta o cabelo (linhas
67 a 69). Após esse meu posicionamento, ele parece levantar uma série de
argumentos que justificam sua atitude de tingir o cabelo (linhas 70 a 72 e 74
a 77). Além disso, no final da seqüência, ele novamente se auto-posiciona
deliberadamente ao afirmar que, caso não tivesse um motivo justo, não
pintaria seu cabelo (linhas 79 e 80). Nesse momento, João parece tentar
mostrar que ele o abandona completamente as idéias hegemônicas acerca
da masculinidade, o que vem corroborar a visão de Badinter (1993, p. 187)
de que os homens jovens de hoje não se reconhecem nem na virilidade
caricatural do passado, nem no repúdio à masculinidade. Eles são
herdeiros de uma primeira geração de mutantes” (ver seção 4.4). É assim
que a escolha lexical de João é permeada por itens do universo feminino:
dar uma relaxada” e dar uma alisada no cabelo (linha 72); clareia o
cabelo” (linha 74); “tom mais avermelhado” (linha 75 e 76); “tinjo de preto”
(linha 76).
Com base nos dois tipos de posicionamento que João toma nessa
seqüência, nota-se que a identidade masculina é fluida. Ao mesmo tempo em
que ele aponta que é natural para um homem tingir o cabelo da mesma cor
(linhas 51 e 57) e que ele próprio também pinta o cabelo (linha 53), o que
revela ideais nada hegemônicos, ele também aponta uma série de
concessões para justificar o fato de ele pintar o cabelo, indicando
compartilhar de discursos mais hegemônicos.
A próxima seqüência foi extraída de um momento da interação em
que João lia o item 24 do artigo do anexo I. Após ler o item 24, que assinala
que o homem com mais de 30 anos o deve possuir um cachorro que pese
menos de 20 quilos, João narra um fato a respeito de seu primo, que possui
um cachorro da raça pinche.
6.1.4 Seqüência 4 – 1
o
encontro – 07/01/06
“Eu vou te deserdar”
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João: Pô/ ridículo um cara/ um homem grande com um/ um pinche/ pô.//
Pode ir, cara.// Nada a ver.// Eu já/ pô/ falei pra ele/ aí/ eu vou te
DESERDAR/ hein. ((risos))
P: ((risos))
João: Pô/ tu/ um cara desse tamanho/ malha/ passeando com um
cachorro desses!
P: Às vezes o cara faz de sacanagem, rapaz.
João: Eu o sei.// Às vezes ele vai com os dois/ assim/ olha. ((risos))
P: Ah!/ Ele tem DOIS?
João: Mas ele é mulecote/ ele tem 18 anos// 19 anos.
P:, não tem problema?
João: Pega mal do mesmo jeito.
P: Lá na rua onde moro, tem um cara que tem dois pitbull.
João: Ah, pitbull/ tudo bem./ Mas é perigoso, né?
O primeiro ponto importante da seqüência acima é apresentado logo
no início. João posiciona deliberadamente seu primo (linhas 82-85 e 86-87)
no intuito de mostrar que ele (o primo) não esse comportando conforme o
padrão de masculinidade hegemônica. Essa característica fica clara na fala
de João para o primo, dizendo, enfaticamente, que iria deserdá-lo pelo fato
de ele possuir um cachorro da raça pinche (linha 84).
Em resposta a esse posicionamento de João, também posiciono
deliberadamente seu primo (linha 88), localizando-me na conversa de modo
a tentar defender ou justificar a atitude dele, como se ele estivesse
passeando com um pinche apenas para chamar a atenção das pessoas. Ao
tomar esse posicionamento, posso dizer que, simultaneamente,
auto-posiciono-me deliberadamente, pois tenho o intuito de mostrar a João
que o vejo problema em um homem possuir um pinche, de modo a
deixá-lo mais à vontade na expressão de suas opiniões, mesmo que elas não
estejam de acordo com o senso comum. No entanto, João não parece aceitar
esse meu posicionamento e volta a tomar um posicionamento deliberado do
outro (linha 89), afirmando que não tem essa certeza a respeito de seu primo
e acrescenta que ele tem dois cachorros dessa raça, o que parece indicar que
ele ratifica a atitude do primo como contrária às características da
masculinidade hegemônica. Nesse momento, tomo um auto-posicionamento
deliberado (linha 90), localizando-me na conversa de modo a demonstrar
meu espanto em saber que o primo de João tinha dois cachorros da raça
pinche.
Aqui, minha visão e a de João acerca de um homem possuir um
cachorro de uma raça pequena parecem se alternar momentaneamente.
Minha atitude de espanto revela traços hegemônicos da minha
masculinidade, pois realmente acho estranho um homem que faz musculação
e que se diz mulherengo, como é o caso do primo de João, possuir dois
cachorros da raça pinche. João também toma um posicionamento deliberado
do outro (linha 91), só que dessa vez ele é quem tenta justificar a atitude do
primo de possuir dois cachorros, ao dizer que ele é um mulecote”, ou seja,
tem apenas 18 ou 19 anos de idade. Tomo, então, um posicionamento de
primeira ordem (linha 92), indagando João acerca de ele achar que não
problema no fato de ele ter apenas 18 ou 19 anos. João parece perceber que
estou questionando-o pelo fato de ele apresentar argumentos contraditórios a
respeito do que é ou não é atitude de homem, de modo que, imediatamente
após minha indagão ele se posiciona reflexivamente (posicionamento de
segunda ordem) e diz que há problema do mesmo jeito (linha 93).
Por fim, volto a tomar um posicionamento deliberado do outro (linha
94), dizendo que meu vizinho possui dois cachorros da raça pitbull. Desse
modo, localizo-o no discurso como um integrante da masculinidade
hegemônica, pois já que possuir um pinche não está de acordo com os
padrões desse traço identitário hegemônico, penso que possuir um pitbull,
que é um cachorro grande e considerado feroz, possa estar de acordo com
esses padrões. Ao tomar esse posicionamento intencional da linha 94,
pretendo verificar se João ratifica ou não seu ponto de vista inicial de que
homem que é homem não pode possuir um cachorro pequeno, conforme
aponta um dos itens do artigo da VIP (ver anexo I). Ele, então, toma um
auto-posicionamento deliberado (linha 95), afirmando que não há problema
em um homem ter um pitbull. Contudo, ele faz uma ressalva, apontando para
a questão do perigo de se possuir um cachorro dessa raça.
Essa quarta seqüência, que é caracterizada por uma conversa sobre
textos (ver seção 2.3) em que eu e João discutíamos o item 24 do artigo em
questão, revela o processo de negociação em que s co-constramos os
significados concernentes à masculinidade, i.e., o que é e o que não é
permitido para um homem fazer. Assim, esse processo corrobora a
afirmão de que a masculinidade é construída ativamente (CONNELL,
2000), de modo que ela passa a existir na interação com base em estratégias
e recursos disponibilizados em um dado contexto (visão
sócio-construcionista do gênero – ver seção 4.2).
Na seqüência abaixo, João havia acabado de ler o artigo do anexo I,
quando pedi a ele que me dissesse se dentre os 30 itens do artigo ele
consideraria algum ou alguns que o se adequasse a atitudes de homem.
Nesse momento, ele ressalta o fato de que seria dicil classificar alguma
atitude como sendo ou o atitude de homem. Pergunto, então, como ele
definiria o que é ser homem hoje em dia. João afirma que ser homem é agir
conforme o padrão que a sociedade mais ou menos impõe. A discussão
ampliou-se e comecei a questioná-lo acerca de como a sociedade cria esse
tipo de padronização.
6.1.5 Seqüência 5 – 1
o
encontro – 07/01/06
“Homem que é homem gosta de mulher”
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João: O modelo que a sociedade impõe é que/ pô/ tal/ votem que//
ser aquele cara/ que é o garanhão/ tal/ em cima das mulheres/ né.//
Tem que gostar de futebol/ não pode gostar de boneca/ essas paradas/
assim.
P: Mas parece que esses conceitos mudam/ .// Por exemplo/ você
usa brinco e tal/ um tempo atrás/ isso era uma atitude impensada
para um homem.// Entendeu?
João: Concordo.
P: Então.// Ou então o homem usar creme/ tingir cabelo/ essas paradas
todas/ era considerado::/ entendeu?
João: Sei.
P: Então o conceito do que é ser homem parece mudar ao longo do
tempo.// Você concorda com isso?
João: Com certeza.
P: Mas deve ter alguma coisa/ assim/ que permanece fixa/ que é::// O
que você consideraria/ assim?
João: Vou me apegar mais ou menos ao padrão de homem que eu/ que
a/ que eu acho que a revista aqui enquadra. // É um cara que é jovem/ e
tal.// Um cara que/ na adolescência/ descobre sexo/ drogas/ às vezes
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sim/ às vezes não.// Ele entra na faixa dos vinte/ e começa meio que
definir a vida dele/ né/ profissionalmente/ e tal.// Aí/ mais ou menos
nessa faixa etária de vinte e poucos anos/ ele/ de repente/ conhece/ uma
mulher e/ fica durante um tempo/ namorando/ e tal/ aquela coisa toda//
Mais ou menos com/ trinta/ trinta e três/ até os trinta e cinco/ assim/
mais ou menos/ o cara se casa.// Aí/ vem outra coisa/ família/ né.// O
cara passa a ter falia.// Surgem outras obrigações/ deveres/ né/ como
pai/ como/ tudo o mais/ como pai de família//
P: Certo.
João: E::/ Eu acho que é mais ou menos isso.// Esse é o padrão/ que a
gente vê muito por aí.
P: É.// Mas/ assim/ por exemplo/ uma coisa que caracteriza mesmo o
homem//
João: Ah/ é gostar de mulher.// Homem que é homem/ gosta de
mulher.// Por exemplo/ o cara que é garanhão/ que vai e pega todo
mundo e::/ então/ mulher/ tem muito a ver com isso.
P: EXATAMENTE.// [O cara//
João: [Eu acho que:: impõe mais ou menos isso/ vo
tem que ser assim.// Se tu o for/ tu é::/ tu é bichinha/ tu é::/ diferente
do restante/ que é a grande maioria.// Então/ quando tu sair/ tu tem que
pegar todo mundo// É aquilo/ né/ o homem que sai/ pega todo mundo/ é
garanhão/ é o cara/ tal.// a mulher/ se fizer a mesma coisa/ é galinha/
é puta/ né.
P: Ahan.
João: Então/ isso é o quê?// É o que a sociedade te impõe/ cara.
Porque/ é aquilo/ / cara.// A grande briga da gente/ enquanto homem/
enquanto ser humano/ né/ é uma briga incessante pra ser aceito.// Como
assim/ ser aceito// Pra você ser aceito em determinado grupo/ você tem
que se enquadrar naquelas características daquele grupo/ senão vo
não é aceito.// Pra você continuar sendo/ é/ bonito/ continuar pegando
todo mundo/ e tal/ vo tem que/ vo não pode ser careca/ porque
senão as mulheres não o te querer.// Então vo tem que/ correr/
buscar/ esse lance da vaidade/ .// Você tem que/ tentar se manter
bem vestido/ porque um cara bem vestido/ as mulheres olham mais/
tem que ter um carro maneiro/ porque as mulheres gostam do cara que
tem carro/ entendeu.// E tudo isso:: influencia pra voser aceito/ na
sociedade/ mesmo/ né.
P: Com certeza.
Essa seqüência é caracterizada pelo processo de retrospecção (ver
seção 5.3), pois peço a João que me diga, após a leitura do artigo, o que ele
achou desse texto no intuito de esclarecer alguns de seus pontos de vista e,
de modo mais específico, escutar sua opinião acerca do que significa ser
homem. Como o segmento acima foi extraído a partir de meu
questionamento a João acerca de como a sociedade padroniza traços da
masculinidade, o tipo de posicionamento que predomina na seqüência é o
posicionamento moral. Os homens são posicionados tanto no meu discurso
como no discurso de João, de modo que o posicionamento deliberado do
outro também ocorra significativamente.
Logo no início da seqüência, João se posiciona moralmente,
apontando as características impostas pela sociedade acerca do
comportamento do homem (linhas 96 a 99), das quais destaca,
principalmente, o interesse no sexo oposto, nos esportes (futebol) e no
repúdio a qualquer característica associada à feminilidade. Ao ouvir João
relatar, nas linhas 98-99, que o homem não pode gostar de boneca nem
dessas paradas assim que compreendo como qualquer atitude
relacionada à feminilidade –, atentei para o fato de que ele usa um brinco em
cada orelha, característica essa contrária ao padrão hegemônico imposto
pela sociedade. Tendo em vista essa aparente contradição, tomo um
posicionamento de primeira ordem, apontando para João que o fato de ele
usar brincos parece indicar que os conceitos que definem um padrão
hegemônico de masculinidade mudam ao longo do tempo (linhas 100 a 102).
Ele, então, posiciona-se reflexivamente (posicionamento de segunda ordem),
concordando com meu ponto de vista (linha 103).
Em seguida, continuo a me localizar e a localizar João como homens
que vivem em uma sociedade cujos conceitos acerca da masculinidade e,
conseqüentemente, acerca de outros traços identitários – não são fixos.
Tomo, novamente, um posicionamento de primeira ordem, perguntando a
João se ele concorda com esse ponto de vista (linha 108). Nota-se, aqui, que
ao afirmar que o conceito de masculinidade é mutável, tamm me
auto-posiciono deliberadamente, pois mostro a João que me afilio a essa
visão. Novamente, ele se posiciona reflexivamente (posicionamento de
segunda ordem) e concorda com meu questionamento (linha 109).
É interessante observar que, nesta seqüência, há uma maior
intervenção da minha parte, que por três vezes posiciono-me em relação
ao que está sendo dito (linhas 100-102, 104-105 e 107-108), questionando
João acerca de sua opinião sobre a mutabilidade das características da
masculinidade.
Em um outro momento, tento localizar João discursivamente
(posicionamento de primeira ordem), perguntando-lhe se ele concorda que
exista alguma característica imutável acerca da identidade masculina (linhas
110 e 111). Em resposta à minha indagão, e como leitor da VIP, ele expõe
o que pensa com base no padrão de masculinidade que, segundo ele, a
revista enquadra (posicionamento moral) (linhas 112 e 113). Assim, ao se
posicionar moralmente, ele enumera as características que a revista aponta
como atitudes masculinas (linhas 113 a 123). Nesse sentido, o que é
esperado da sociedade, segundo ele, é que o homem, durante a sua
adolescência, viva intensamente, aproveitando cada experiência, chegue ao
vinte e poucos anos com uma definição de que ele quer para sua vida e, ao
chegar à fase adulta, no máximo com trinta e cinco anos, busque formar uma
família, casando-se e tendo filhos.
Como a resposta de João não esclareceu minha pergunta acerca do
que ele considerava imutável na identidade masculina, volto a tomar um
posicionamento de primeira ordem (linhas 127-128), questionando-o a
respeito de uma característica mais específica que caracterizasse o homem.
Nesse momento, ele toma um posicionamento moral (linhas 129 a 131),
porque constrói claramente a identidade masculina de acordo com as
opiniões legitimadas pela sociedade, que aponta que uma das características
centrais da masculinidade hegemônica é o interesse pelo sexo oposto. Com
base nessa afirmação e na de que o homem não pode gostar de boneca
(linha 98), pode-se observar que João se constrói com base na concepção de
masculinidade normativa e hegemônica (ver seção 4.3).
Após essa afirmão de João, tomo um auto-posicionamento
deliberado, concordando com ele (linha 132). A ênfase em minha fala revela
que esse era o ponto ao qual eu queria que João chegasse, de modo que me
construo também com base na concepção de masculinidade hegemônica
imposta pela sociedade. João me interrompe (linha 133) e posiciona o
homem em relão à sua sexualidade (posicionamento forçado do outro)
(linhas 133 a 138). Se um homem não for garanhão”, não pegar todo
mundo”, não João, mas toda a sociedade salvo as exceções, é claro
considera-o homossexual e pode discriminá-lo por sua opção sexual,
chamando-o de bichinha” (linha 134). Como salienta Garcia (1998, p. 43),
arriscar-se sexualmente e conquistar um maior mero de parceiras faz
parte do discurso da masculinidade”.
É interessante observar, também, que João reconhece que a sociedade
que considera o homem que sai com várias mulheres um garanhão” é a
mesma sociedade que não vê positivamente uma mulher que tenha uma
atitude semelhante em relão aos homens (linhas 137-138). Pode-se dizer,
então, que ele também toma um posicionamento moral ao apontar que existe
um presgio normalmente atribuído pela sociedade a esse tipo de
comportamento dos homens, no qual o homem é visto como garanhão”
(linhas 130 e 137). Por outro lado, a mulher que tem esse mesmo tipo de
comportamento é estigmatizada, aparecendo no discurso do senso comum
como galinha” ou puta” (linha 138).
Dando continuidade a seu ponto de vista, em sua fala final (linhas 140
a 152), João exerce diversos tipos de posicionamento. Primeiramente, ele
toma um posicionamento moral (linha 140) no intuito de ratificar sua visão
de que é a sociedade que impõe padrões de comportamento acerca da
identidade de nero. Em seguida, ele toma um auto-posicionamento
forçado e, ao mesmo tempo, um posicionamento forçado do outro (linhas
141 a 145), pois localiza a mim e a si próprio como homens que têm de lutar
incessantemente para serem aceitos no grupo, i.e., serem reconhecidos como
homens, com base nos padrões de senso comum. Por fim, nas linhas 145 a
152, ele posiciona forçadamente os homens, localizando-os discursivamente
como seres que devem agir segundo as normas impostas pela sociedade a
fim de serem reconhecidos como integrantes do grupo de homens. Assim,
têm de continuar pegando todo mundo” (linha 146) e tomar atitudes que
tenham como objetivo chamar a atenção do sexo oposto, como podemos
observar em você não pode ser careca/ porque senão as mulheres não vão
te querer” (linhas 146-147), “um cara bem vestido/ as mulheres olham mais”
(linhas 149-150), e as mulheres gostam do cara que tem carro” (linhas
150-151).
No que tange a construção da masculinidade, pode-se afirmar
novamente que, tendo em vista os posicionamentos tomados por João nesta
seqüência, ele constrói sua masculinidade com base nos regimes de verdade
(ver nota 1) que circulam no discurso do senso comum, ao associar
masculinidade à heterossexualidade. Desse modo, diferentemente das
seqüências anteriores, João parece privilegiar apenas as características
hegemônicas desse traço identitário.
As seqüências 6, 7 e 8 a seguir foram extraídas de meu segundo
encontro com João. Cabe relembrar que, nesse encontro, João e eu
conversamos sobre três artigos: um pequeno texto sobre um tipo de aliança
para solteiros (ver anexo II), uma entrevista com a ex-garota de programa,
Bruna Surfistinha (ver anexo III) e um texto sobre o imperador romano Júlio
César (ver anexo IV).
A seqüência abaixo foi extraída no momento em que João folheava a
revista e se deparou com um pequeno artigo (ver anexo II), que trazia uma
informação a respeito de uma novidade vinda da Suécia: um anel para
solteiros. Como havia lido esse artigo anteriormente em sua casa, João
começa a me apresentar o assunto abordado no artigo e diz que homem com
aliança no dedo chama mais a atenção das mulheres, pois, segundo ele,
mulher gosta é de competição.
6.1.6 Seqüência 6 – 2
o
encontro – 15/01/06
“O cara tem compromisso... então o cara é bom”
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João: Então elas/ tipo/ o que dizem/ né/ / que/ mulher gosta de
homem casado/ que tem aliança/ aliança chama atenção/ e tal.
P: Isso.
João: Justamente por isso.// O cara que sozinho/ ele sozinho por
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algum motivo/ porque ninguém quer// ele::/ de alguma forma// por mais
que ele seja bonito/ e tal/ mas/ pô/ sozinho/ ninguém quer/ pá/ elas
vão logo em cima daqueles que::/ e aqui fala sobre isso/ sobre::/ cadê
((olhada rapidamente o texto, buscando uma informão e lê)) Agora,
convenhamos, por mais que a moda pegue no Brasil, todos sabemos
que o que mais atrai uma gatinha solteira é mesmo a aliança dourada.
Na cabeça delas, se voestá solteiro é porque nenhuma outra mulher
te quer.”
P: Verdade.
João: ((continua lendo)) “Já se está noivo/casado, fica muito mais
atraente pois sabe – e quer – assumir compromisso.”
P: Verdade.// Porque/ por mais que isso não seja claro/ o fato da
pessoa ver uma aliança/ o subconsciente já fala/ pô/ o cara tem
compromisso/ então o cara é bom/ ele //
João: [tem alguma coisa que atrai/ né.
P: Isso.
João: E::/ pô/ tu usar uma aliança dessa aqui é::/ tipo assim/ / estou
DESESPERADO/ na pista/ entendeu? ((risos)) Ou/ ou algo desse
tipo.
P: É verdade.
João: Ela é bonita/ até.// Legal.// Cara, deixa eu te falar uma coisa/
mulher/ hoje em dia/ não tá querendo homem bonito de rosto/ bonito de
corpo/ claro/ se puder ter, é bom/ mas ela que::r/ mulher quer mesmo é
status/ é::/ entendeu/ um cara que tem uma posição maneira/ e tal.//
Isso é o que atrai/ mesmo.
No início da seqüência 6, João posiciona deliberadamente as
mulheres (linhas 154-155), afirmando que elas gostam de homens que usam
aliança no dedo, i.e., gostam de homens noivos ou casados. É importante
ressaltar que ele faz esse comentário com base em concepções naturalizadas
do senso comum, ou pelo menos da comunidade masculina, de modo que
posso afirmar que ele também se posiciona moralmente. Esse
posicionamento de João é ratificado por mim (linha 156), pois tomo um
posicionamento de primeira ordem, localizando-me favoravelmente em
relão à sua afirmação.
Em seguida, João mais uma vez posiciona-se moralmente (linhas 157
a 160), apontando que, segundo o senso comum, o homem que essozinho
não atrai a atenção das mulheres, i.e., se ele está sozinho é porque ningm
o quer, o que faz com que as mulheres direcionem seu interesse para
homens que têm compromisso. Ele ratifica seu ponto de vista, buscando
respaldo para sua afirmão na própria matéria da revista (linhas 162 a 165).
É interessante observar, aqui, que o próprio artigo da revista aponta como
um fato de conhecimento geral a atração de mulheres solteiras por homens
de aliança: todos sabemos que o que mais atrai uma gatinha solteira é
mesmo a aliança dourada” (linhas 162 a 164). Desse modo, se o homem está
solteiro significa que nenhuma mulher tem interesse nele, ao passo que o
fato de ele ser noivo ou casado atrai muito mais a atenção das mulheres,
pois significa que esse homem quer assumir um compromisso
(linhas164-165 e 167-168).
Ao observar a atitude de João, que busca respaldo para seu
posicionamento no artigo da revista, compreendo que a leitura é um
processo social em que significados estão sendo negociados e contestados e,
nesse processo, as identidades de gênero estão sendo reconstruídas (ver
seção 2.2). Como o texto que João utiliza para ratificar seu pensamento foi
viabilizado por um canal da mídia (a revista VIP), ressalto a centralidade do
discurso midiático na (re-)construção da masculinidade de João (ver seção
4.1).
Nas linhas 169 a 171, tomo um auto-posicionamento deliberado no
intuito de mostrar a João que concordo com seu pensamento e,
conseqüentemente, com o ponto de vista do artigo em questão. Tomo esse
posicionamento intencionalmente pelo fato de estar habituado com o
discurso de que as mulheres preferem homens que têm compromisso, e
também pelo fato de tentar fazer com que João fale mais acerca desse
assunto. Desse modo, João continua a falar. Contudo, dessa vez, ele
posiciona os homens forçadamente (linhas 174 a 176) a fim de assinalar que
eles jamais deveriam usar uma aliança de solteiro, pois correriam o risco de
serem tomados como homens desesperados para sair com uma mulher. Em
um outro momento, ele posiciona deliberadamente as mulheres (linhas 178 a
182) como interesseiras, como se estivessem sempre à procura de homens
que tragam status social para elas.
Ao dizer que as mulheres tomam essa atitude hoje em dia, i.e.,
buscam encontrar homens que têm uma posição maneira”, João se baseia
em aspectos do senso comum (posicionamento moral), que legitima as
representações já naturalizadas sobre ser homem e ser mulher em nossa
sociedade. Assim, ele também parece indicar que, por um lado, somente os
homens podem alcançar status social por meio de sua atuação profissional e
que, por outro lado, as mulheres somente conseguiriam algum tipo de status
caso elas se relacionassem com esses homens. Como argumenta Crawford
(1995, p. 14), essa atitude funciona como uma forma de exclusão, que
posiciona as mulheres como um grupo culturalmente silencioso”. Ou ainda,
conforme Connell (1995, p. 77) enfatiza, a masculinidade hegemônica surge
como a configuração da prática de gênero que sustenta e apóia uma
sociedade patriarcal a qual garante uma posição dominadora para os homens
e que, conseqüentemente, subordina as mulheres.
A próxima seqüência é um segmento de minha conversa com João a
respeito do texto do anexo III. Esse texto é sobre um livro em que a
ex-garota de programa Bruna Surfistinha conta suas experiências sexuais.
João diz que assistiu a uma entrevista de Bruna Surfistinha em um programa
de televisão, o que o estimulou a ler essa matéria. A conversa sobre esse
texto abrangeu, por bastante tempo, a questão dos vários clientes” que
Bruna teve e do valor financeiro que ela recebeu por esses programas, até
que se chegou ao ponto de focalizar o fato de valer ou não a pena pagar para
se ter uma relação sexual.
6.1.7 Seqüência 7 – 2
o
encontro – 15/01/06
“Num rola nada, sentimento nenhum”
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João: Pô/ cara/ tem uns caras que são louco/ né/ cara.// Eu/ eu penso
da seguinte forma/ tipo /.../ imagina você pagando mil reais pra uma
mulher dessas/ e depois que tu termina/ cara::ca/ paguei mil reais/
acabou.// Saiu mil reais/ acabou.
P: É verdade.
João: Eu tenho até um colega meu que fala assim/ ele fala que/ às
vezes a gente conversando das mulheres que ele pega/ ele falou outro
dia comigo assim: “pô/ caraca/ aí/ outro dia eu tava pegando uma
mulher/ aí/ pô/ depois que eu terminei/ deu vontade de bater nela”
((risos)) / eu falei: por quê, cara?”// , ele falou: sei lá/ mané/
num rola nada/ sentimento nenhum((risos)) Mas acontece isso muito
mesmo/ com o homem/ cara.
P: É.
João: Porra/ tem mulher que tu pega às vezes/ porra/ que/ quando não
rola sentimento/ né/ que é aquela coisa de pele/ e tal/ tu vai, vai, vai
e::/ pô/ passou aquele momento/ tu pára/ e::/ assim/ caraca/ tu não sente
vontade de abraçar/ de dormir agarradinho/
((João atende o celular))
João: Então/ é::/ aí::/ pô/ eu fico pensando assim/ imagina tu
pagando?
P: Verdade.
João: Perdeu uma nota.
Como na seqüência anterior, a discussão aqui é também iniciada com
João posicionando os homens deliberadamente (linhas 183 a 186). Nesse
momento, ele localiza os homens discursivamente como loucos” pelo fato
de terem que pagar dinheiro para uma mulher que faz programa. Ele ratifica
seu ponto de vista, tomando um posicionamento de primeira ordem (linhas
188 a 192), em que narra a história de um colega que passou pela
experiência de ter tido relões sexuais com uma mulher por quem ele o
tinha nenhum tipo de afeto.
Em seguida, ele se auto-posiciona deliberadamente (linhas 193-194),
apontando que esse fato narrado acontece muito mesmo” com os homens.
Aqui, mais uma vez, ele (re-)constrói sua masculinidade de acordo com os
padrões normativos e hegemônicos (ver seção 4.3). Nota-se, ainda, que a
mulher, mais uma vez, é posicionada deliberadamente como submissa ao
homem, o que pode ser confirmado na fala do amigo de João – “tava
pegando uma mulher” (linhas 190-191), “deu vontade de bater nela(linha
191). O auto-posicionamento de João parece, ainda, naturalizar esse
comportamento dos homens (“mas acontece isso muito mesmo com o
homem linhas 193-194) e apontar para uma forma de defesa e de
auto-afirmão como homem, i.e., todas as atitudes desempenhadas
hegemonicamente pelos homens são compreendidas e sancionadas pela
comunidade dos homens.
Além disso, ao afirmar que essa atitude é comum entre os homens,
João exclui as mulheres desse tipo de comportamento. Crawford (1995, p.
14) destaca que nesse processo de construção e associão de determinados
comportamentos e atitudes para homens e mulheres, o comportamento e
atitude dos homens são avaliados mais positivamente em relação ao das
mulheres, mesmo quando eles agem de maneira idêntica. Assim, a avalião
que é dada aos seus comportamentos é diferente.
A partir da linha 196, João volta a tomar um auto-posicionamento
deliberado, apontando o quanto é difícil pegar uma mulher pela qual o
homem não tem nenhum sentimento. Apesar de utilizar o pronome “tu”
como sujeito de seus argumentos, João está, na verdade, revelando-me suas
experiências como integrante da masculinidade hegemônica (linhas 196 a
199). Ele acrescenta que esse sentimento negativo em relão às mulheres
deve piorar quando se está pagando para se relacionar com uma delas
(linhas 201-202 e 204).
Por fim, devo apontar que, em relão a meu discurso, procurei tentar
não interferir muito no discurso de João nessa seqüência a fim de não
interromper seu relato, de modo que apenas me localizei no discurso
confirmando seus posicionamentos (linhas 187, 195 e 203).
Na próxima seqüência, também extraída de meu segundo encontro
com João, discuamos as informações pertinentes ao artigo sobre o
imperador romano Caio Júlio César. Ao ver a foto de Júlio César (ver anexo
IV), João me pergunta se eu havia lido esse artigo. Ao responder que eu
não tinha lido, ele me diz que o artigo aponta que César era careca e
boiola”. Nesse momento, peço a ele que leia o artigo para discutirmos. No
fragmento abaixo, discutíamos sobre a questão da prática homossexual ser
comum na Grécia e Roma antigas.
6.1.8 Seqüência 8 – 2
o
encontro – 15/01/06
“Na época dele... era comum”
205
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João: Na época dele, cara/ né/ César/ aquela coisa roma::na/ sei lá/ era
comum, né?/ Parece que se tornou uma época comum/ / de ter essa
coisa de homem com homem/ aquelas festas que tinha.// Você viu
Alexandre, o Grande?
P: Vi.
João: Ele era uma bichona também.
P: Não./ Na Grécia Antiga/ é::/ qual é mesmo o nome daquele herói
grego da Ilíada?// Que até teve o filme// o:: Tróia.
João: Ah!/ O Tróia.// Eu vi.
P: Aquiles.
João: Aquiles.// Aquiles era bichona também? ((risos))
P: O Pátroclo.// No filme/ era um que fingiu que era ele e que o Heitor
matou.
João: Era primo dele.
P: Não era nada, cara.
João: Não!
P: Eu li o livro.// Ele era é:: um tipo de// Na Grécia Antiga, era
normal esses tipos de prática/ de/ é:: um homem mais velho que
iniciava um homem mais novo.
João: É mesmo, cara?
P: É.// Eles acreditavam que nada melhor do que um homem ter um
período de experiência com outro homem pra ele saber o que é ser
homem.
João: Cara::ca!
P: E hoje/ ainda existem determinados povos que utilizam práticas
semelhantes a essa.// É um tipo de ritual que eles chamam de rito de
passagem.
João: Fala RIO, cara! ((risos))
No icio dessa seqüência, pareceu-me novamente que João
reconhece a importância que o contexto social possui nas atitudes dos
homens. Ele se posiciona moralmente, apontando que na época de César a
prática homossexual essa coisa de homem com homem(linhas 206-207)
era considerada natural. Essa afirmação faz parte do conhecimento
intertextual (ver seção 2.3) que João trouxe para nossa conversa. Seu
conhecimento levou-o, então, a posicionar deliberadamente o homem que
viveu na época de César (linhas 205 a 208). Contudo, após me perguntar se
eu havia assistido ao filme Alexandre, o Grande, ele posiciona forçadamente
esse personagem histórico como uma bichona” (linha 210). João ignora o
contexto em que a prática homossexual era considerada natural e localiza
Alexandre com base nas regras que caracterizam a masculinidade
hegemônica no contexto social em que vivemos, de modo que se pode dizer
que aqui ele constrói sua própria masculinidade com base nessa concepção
de masculinidade hegemônica.
Após sua afirmação, tomo um posicionamento de primeira ordem
(linhas 211-212), tentando desconstruir o pensamento de João acerca da
masculinidade de Alexandre. Para isso, trago um outro intertexto para nossa
conversa, buscando ilustrar a prática homossexual na Grécia antiga por meio
da história de um outro personagem, Aquiles, que foi exibida há pouco
tempo nas telas do cinema, no filme Tróia. No momento em que cito o nome
do personagem do filme, João me pergunta se Aquiles era bichona”
também (linha 215), posicionando-o forçadamente.
A conversa prossegue, e continuo tomando um posicionamento de
primeira ordem, utilizando a história de Aquiles e tentando trazer exemplos
do relacionamento entre homens na Grécia antiga, na tentativa de mostrar a
João que essa prática naturalizada naquele período histórico revela-nos que
o conceito de masculinidade o pode ser tomado como um construto fixo.
Aponto para o fato de que o ato de um homem mais velho iniciar um mais
novo era uma prática comum naquela época (linhas 221 a 223) e que, na
atualidade, ainda faz parte de algumas culturas, nos chamados ritos de
passagem (linhas 229 a 231).
Novamente nessa seqüência, a exemplo da seqüência 5, uma
significativa intervenção da minha parte (linhas 209, 211-212, 214, 216-217,
219, 221-223, 225-227, 229-231). Apesar de relativamente curtas, essas
intervenções apontam aqui o desejo de localizar-me na conversa e dar
minhas opiniões acerca do tema que eu e João discutíamos e na tentativa de
mostrar a ele um aspecto mais dinâmico das masculinidades. uma
indicação de que reconheço uma natureza mais múltipla e fragmentada desse
tro identitário (ver cap. 4), característica contrária ao ideal de
masculinidade hegemônica que é imposto pelo senso comum com o qual
João opera aqui.
No final da seqüência, é interessante observar que João toma um
auto-posicionamento forçado (linha 232), revelando-me que não compartilha
dessa visão múltipla e contraditória da masculinidade. A ênfase em sua
exclamação, parece indicar que ele se posiciona discursivamente como um
homem de atitudes hegemônicas.
Na seqüência seguinte, em nosso terceiro encontro, João lia o artigo
do anexo V. Esse artigo é sobre a utilização do orkut (ver nota 28) como
local para se conhecer mulheres. Segundo o artigo, além de ser fácil para um
homem encontrar, no orkut, mulheres disponíveis para compromisso ou para
um relacionamento rápido, existe a vantagem de o ser necessário gastar
dinheiro para isso. No momento da seqüência abaixo, falávamos sobre o fato
de algumas pessoas considerarem que o homem que anda com muitas
mulheres é boiola”. João, então, narra uma história que aconteceu no
quartel onde ele trabalha.
6.1.9 Seqüência 9 – 3
o
encontro – 27/01/06
“Escova elétrica! Coisa de bichinha!”
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João: ((lendo)) vou avisando: ter uma mina no seu grupo de
amigos PEGA MAL!// Por que será?
P: Acho que é porque/ na sociedade/ existe algo assim/ pô/ o cara que
tem muitas amigas/ entendeu/ é
João: Gay.
P: Isso.
((João sai para atender o telefone))
P: Tem isso.
João: E/ assim/ querendo ou o/ já vi casos/ também/ de/ aquele
viadinho que anda cheio de menininha em volta.// Aqui no bairro tem
muito disso.// É/ pode ser por isso mesmo.
P: Cara/ eu fico olhando pra algumas coisas que a gente lê aqui na
revista e fico pensando/ o que é ser homem hoje perdeu muito a
referência.// Acho que muito esquisito/ porque por um lado o cara
pode usar é/ é/ produtos de beleza/ o cara pode usar brinco/ pode usar/
pode pintar a unha/ sei lá o quê./ Não tem [nenhum problema//
João: [Pode fazer as
sobrancelhas.
P: É.// Por outro lado, se o cara/ o cara anda com umas garotinhas/
anda com muitas garotas/ aí pega mal?
João: ((continua a ler o artigo)) Comunidades. Não tem nada a ver
com aquele bando de hippies que fica plantando repolho orgânico. São
grupos de pessoas que têm afinidade por um mesmo assunto: ioga,
Maceió, carros, vibradores...”// Opa! ((risos)) Tem um colega meu lá
do trabalho que ele tem uma escova elétrica.// Aí/ a escova dele é/
assim/ do outro lado ela é bem grossa.// a gente fica zoando ele/
dizendo que do outro lado é um vibrador. ((risos)) Mas / engana
bonito/ cara. ((risos)) Sinistro.
P: Pô/ cara/ não sei.// O cara sabe que nesse contexto militar os caras
sacaneiam pra caramba.// Então por que o cara vem com isso?
João: No quartel, ?/ Geral zoou, entendeu?// Mas em princípio o
usaram nem a parte do vibrador// Pô/ escova elétrica! Coisa de
bichinha!// Entendeu?
P: Sei.
João:/ depois é que o povo começou a zoar/ a aprofundar.
A seqüência é iniciada com João lendo um trecho do artigo em
questão (linhas 233-234). Logo em seguida, ele questiona o fato de pegar
mal” ter apenas uma mulher no grupo de amigos no orkut (linha 234). Tomo,
então, um posicionamento moral (linhas 235-236), respondendo que existe
um discurso contrário a essa afirmação na sociedade que aponta que ter
muitas amigas não pega bempara o homem. João, em seguida, posiciona
deliberadamente esse tipo de homem como gay (linha 237). Ele, então,
relata que viu casos semelhantes a esse no bairro onde reside (linhas 241
a 243). Logo depois, tomo um auto-posicionamento deliberado (linhas 244 a
246) revelando a João que, às vezes, o compreendo o ponto de vista dos
artigos da revista VIP. Digo a ele que o conceito do que é ser homem perdeu
um referencial ao longo do tempo de modo que entendo que determinadas
atitudes que, antes, eram impensadas para os homens são naturalizadas
atualmente ao passo que outras ainda o são. Assim, nas linhas 246-248 e
250-251, aponto que os significados veiculados pela revista ditam regras de
como o homem deve ou não deve se comportar na sociedade, ou seja, o que
é ou o que o é considerado atitude de homem (posicionamento forçado do
outro).
João continua a leitura do artigo e, ao ler a palavra vibradores”, ele
lembra de uma história que aconteceu no quartel onde trabalha. Ao contar a
história de seu colega, João se auto-posiciona deliberadamente (linhas 257 a
259), localizando-se como um representante da masculinidade hegemônica,
pois ele e os colegas (tamm representantes da masculinidade hegemônica)
ficam zoando o rapaz que tem uma escova que parece um vibrador. Tomo,
então, um posicionamento moral (linhas 260-261), porque me localizo na
conversa com base no senso comum, que aponta que existe muita
discriminação de masculinidades subalternas em contextos militares. Ou
seja, se o rapaz o age conforme os padrões da masculinidade hegemônica
nesses contextos, ele é “zoado” pelo outros colegas.
Logo em seguida, João toma um posicionamento de primeira ordem,
pois concorda que no quartel todos zoam esse tipo de atitude (linha 262).
Por fim, ele posiciona forçadamente seu colega (linhas 263-264), dizendo
que escova elétrica é coisa de bichinha”. Desse modo, homem não pode
possuir uma escova de dentes elétrica dentro de um contexto militar, sob
pena de ser chamado de gay.
Sobre essa seqüência, gostaria de destacar ainda que ela confirma a
afirmão de que o conceito de gênero é construído no discurso, ou seja, é
um construto social e não biológico como a maioria das pessoas acredita
(ver seção 4.2). Por meio dos discursos aos quais João é exposto no seu
ambiente de trabalho, ele co-construiu, nesse segmento, um conceito de
gênero masculino, baseando-se em afirmações do senso comum e
estereotipadas sobre o homem. Ele é levado a acreditar , pelo menos no
contexto militar em que atua, que o homem deve agir de determinadas
formas em detrimento de outras se quiser inserir-se no grupo dos homens
de verdade”, grupo esse que considera os homens homossexuais indivíduos
naturalmente passíveis de serem inferiorizados, como pode-se observar nas
expressões a gente fica zoando ele” (linha 257), geral zoou” (linha 262) e
coisa de bichinha” (linhas 263-264).
A seqüência seguinte é um segmento de minha conversa com João
sobre a entrevista de Bruna Surfistinha (ver anexo III). João lia o quarto
mandamento da lista dos dez mandamentos de Bruna, que estão no artigo
em questão. Nesse momento, João expressa seu ponto de vista em relação a
esse mandamento e começa a narrar para mim uma de suas experiências
sexuais.
6.1.10 Seqüência 10 – 2
o
encontro – 15/01/06
“Eu sou desse pensamento
267
268
269
270
271
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João: ((lendo o texto)) “Quatro./ Variar os ambientes. Sexo só na cama
não dá, né?”// É/ pra fugir/ né/ daquele coisa de ficar naquela coisa
de/ naquela coisa de marido e mulher.// Onde rolar/ rolou/ cara.// Eu
sou/ sou desse pensamento.// Assim/ É/ não pensando/ assim/ num
quarto que tem uma cama.// Às vezes, tu tá assim numa balada e porra/
tu num cantinho/ pá/ e tal/ e rola e/ no lugar que tu menos imagina/
na escada que leva pra casa da tua/ tua namorada.
P: Isso parece que [estimula
João: [instiga.
P: É./ instiga mais.
João: É/ tem a coisa do proibido.// Se alguém me pegar, vai/ né/ aquela
coisa.// Sempre que eu saio com meus colegas/ pra onde a gente for /.../
tem até uma menina do grupo que eu sempre saio com ela/ eu saio com
ela direto/ a gente acaba se enrolando lá na night/ .// Teve uma
vez/ a gente tava voltando de carro junto com um colega e a namorada/
rolou no carro mesmo.// Meu colega ajeitando o espelho/ ele fala
Caraca!/ Não sei o quê!((risos)) Ele rindo pra caraca.// Aí/ a mina do
cara disse Ai, meu Deus! Eu acho melhor a gente parar!((risos)) E
eu e a mina/ a gente nem aí.// Parecia que não tinha mais ninguém no
carro.// Nesse mesmo dia a gente chegou no/ na casa do colega aqui na
outra rua/ paramos lá/ a gente tava em dois carros/ a galera.// Aí/
desceu a galera toda/ o dia meio que amanhecendo/ eu tava bem
encostado com ela/ assim/ no carro dele/ virado pra lá/ eu tal/
beijando/ e pá/ o pessoal atrás falando besteira/ jogando conversa fora/
aí/ pô/ comou a rolar aquela coisa/ e tal.// Ela tava de calça/ eu
peguei a calça dela e arriei/ até aqui assim ((João se levanta e aponta
para sua coxa)) E a minha também tava lá embaixo/ assim// /
começou a rolar aquela coisa/ e tal/ quando eu vi/ ela tava
295
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301
inclinando/ assim ((novamente João se levanta e me mostra a posição
em que estava o corpo da menina)) eu cheguei pra ela/ “Calma aí/
olha o pessoal aqui.// Quando eu fui ver/ o pessoal já tava todo/ assim/
do lado/ zoando/ rindo/ caraca!// Quer dizer/ rapaz/ eu fiquei/ assim/
depois olhando pra isso// Até hoje geral me zoa por causa disso.
P: Caraca/ você é louco. ((risos))
Nessa seqüência, há o predomínio de apenas um tipo de
posicionamento: o de primeira ordem. Logo no icio, João toma um
posicionamento de primeira ordem (linhas 268 a 273), revelando-me traços
de sua masculinidade. Ele me fala sobre seu ponto de vista no que tange os
locais apropriados para uma relação sexual, corroborando a afirmação do
mandamento de Bruna Surfistinha, que aponta que se deve variar os
ambientes”. Tomo, então, intencionalmente um auto-posicionamento
forçado (linha 274) em resposta ao posicionamento anterior de João. Ao
dizer que a varião dos ambientes estimula a relação sexual, procuro
mostrar-lhe que coaduno do seu ponto de vista e, simultaneamente, estou me
localizando como um integrante do grupo de homens.
Em seguida, João começa a narrar para mim uma experiência que ele
teve com uma garota em uma de suas saídas com os amigos. Ele, então,
volta a tomar um posicionamento de primeira ordem (linhas 278 a 300),
revelando-me, por meio de sua narrativa, que ele constrói sua masculinidade
de acordo com as características da masculinidade hegemônica, dentre as
quais a visão de que o homem de verdade é garanhão”, tem muitas
experiências sexuais com mulheres, i.e., mostra a todo instante o interesse
pelo sexo oposto.
É importante ressaltar também que o fato de João ter me contado uma
de suas experiências sexuais consiste em uma característica pica da
masculinidade hegemônica, em que as conversas sobre o desempenho sexual
configura-se em um comportamento de auto-afirmão, que é exigido dos
homens (ver seção 4.3). Desse modo, posso afirmar que, devido à minha
presença como homem, João constrói sua masculinidade dessa forma. Ele
está aqui envolvido em uma performance de masculinidade hegemônica para
mim. Para se sentir pertencente ao grupo de homens, João se alia àquele que
lhe é igual nesse caso, ele se alia a mim (ver seção 4.3), pois o homem
não deve medir esforços para se adequar aos padrões do que é ser homem
(NOLASCO, 1993). Certamente, se essa pesquisa fosse realizada por uma
mulher, o posicionamento discursivo de João provavelmente seria outro.
As quatro seqüências seguintes foram extraídas de meu quarto
encontro com João. Nesse encontro, ele leu o artigo intitulado O creminho
tá liberado” (ver anexo VI), que aborda o comportamento dos metrossexuais
sob o ponto de vista das mulheres. O artigo é uma entrevista com cinco
estudantes universitárias do curso de Psicologia em que elas apresentam
suas opiniões acerca desse novo tipo de homem.
Na seqüência abaixo, João escomando a leitura do artigo quando
o interrompo, aproveitando uma afirmão que ele tinha acabado de ler para
perguntar-lhe sua opinião acerca do que ele consideraria um metrossexual
exagerado.
6.1.11 Seqüência 11 – 4
o
encontro – 12/02/06
“Aliso meu cabelo às vezes”
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305
João: ((lendo)) Metrossexual é, por definição, o homem hétero e
vaidoso que mora numa grande cidade. Há, entretanto, quem o julgue
meio gay. Vocês concordam?”// Sueli - Para mim, o metrossexual, se
exagerado, é um gay enrustido”.
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P: Como assim exagerado?
João: Um metrossexual exagerado// Vamos imaginar assim/ um
metrossexual normal é:: no limite/
P: Como você definiria?
João: É:: de repente um cara que::// vou tirar por mim porque eu sou
um cara meio vaidoso pra caramba.
P: Ótimo.
João: Eu/ eu tenho a sobrancelha junta aqui ((aponta para seu rosto e
me mostra sua sobrancelha))
P: Sei.
João: É meio esquisito./ É:: eu tiro com pinça.// É:: eu/ pô/ aliso meu
cabelo às vezes./ Meu cabelo é crespo/ demais.// E:: deixa eu ver mais
o quê.// Com relão à pele,o tem nada de::/ mais [esses//
P: [Você o aplica
nenhum produto na pe-le, não?
João: Não./ Nunca cheguei a esse extremo, o.// Talvez, isso seja
uma coisa/ seja exagerado demais./ O cara que de noite, antes de
dormir, passa creme e tal.// Eu tinha um primo que tinha o cabelo/
assim/ legal/ e era de meia hora a quarenta minutos na frente do
espelho pra pentear o cabelo, mané./ E nunca chegava ao que ele
queria/ e mexendo, entendeu?/ A vaidade chega a ser uma coisa chata,
entendeu?
P: ahan.
João: Quando a gente saía, era um sacricio.// Então, eu acho que é
assim quando ela ((a entrevistada do artigo)) diz exagerado/ coma a
ficar meio esquisito.
Na seqüência acima, tomo apenas um tipo de posicionamento: o
posicionamento de primeira ordem (linhas 306, 309 e 319-320). Faço isso
no intuito de tentar localizar João discursivamente, i.e., saber seu ponto de
vista em relão ao que essendo negociado. Ele, por sua vez, para definir
o que seria um metrossexual exagerado, posiciona-o deliberadamente como
o oposto de um metrossexual normal que, nesse caso, seria aquele que age
dentro de um limite (linhas 307-308). Para tentar explicar sua opinião a
respeito desse assunto, João se auto-posiciona deliberadamente (linhas
310-311), de modo que, para ilustrar o que essendo dito, ele se reconhece
como um homem muito vaidoso, ou seja, um metrossexual. Assim, com base
em seus próprios costumes, ele começa a me mostrar até onde um homem
pode agir sem ser confundido como um homossexual.
Em seguida, sempre se auto-posicionando deliberadamente, ele
aponta vários bitos que fazem parte do seu cotidiano. Em primeiro lugar,
ele afirma que faz as sobrancelhas com uma pinça, devido ao fato de ter as
sobrancelhas juntas, característica essa que ele acha esquisita (linhas 313 e
316). Logo depois, ele diz que alisa o cabelo pelo fato de esse ser crespo
demais (linhas 316-317). Por fim, ele relata que não faz nada em relão à
pele (linha 318). Pergunto-lhe, então, se ele utiliza algum produto na pele
(posicionamento de primeira ordem) (linhas 319-320). Ele, mais uma vez, se
auto-posiciona deliberadamente, afirmando que acha isso um exagero, pois
nunca chegou a esse extremo (linhas 321-322).
É interessante notar que João parece não possuir um critério
específico que determina os bitos que são permitidos, ou não, para os
homens. De acordo com o senso comum, no que tange os aspectos da
masculinidade hegemônica, um homem o poderia fazer as sobrancelhas
nem alisar o cabelo. João novamente constrói sua masculinidade com base
em um padrão que o corrobora as características do modelo hegemônico.
Ao relatar o bito de fazer a sobrancelha e de alisar o cabelo, i.e., ao se
construir como um homem muito vaidoso um metrossexual, ele parece
estar buscando respaldo nessa identidade para justificar suas atitudes, de
modo a não colocar em vida sua masculinidade. Mas logo traça um ponto
de onde não se pode passar: o “creme” é permitido (linha 323).
Nas linhas 323 a 326, João posiciona deliberadamente um primo seu
no intuito de localizá-lo discursivamente como um homem que ultrapassa os
limites do que é considerado normal para um homem vaidoso. Nesse
momento, ele mais uma vez se auto-posiciona deliberadamente (linha 326),
apontando que a vaidade chega a ser incômoda às vezes.
A seqüência seguinte continuidade à anterior, de modo que, aqui,
pergunto a João sua opinião a respeito dos cuidados com o corpo.
Discutíamos acerca dos homens que colocam próteses de silicone e, em
seguida, começamos a falar sobre homens que depilam o corpo, conforme
mostrado abaixo.
6.1.12 Seqüência 12 – 4
o
encontro – 12/02/06
“Mas eu corto com a tesoura, entendeu?”
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P: É:: em relão a::/ tipo depilar o corpo e tal.
João: Tem gente que malha e que depila porque aparece mais a
definição do corpo./ E isso é verdade./ EU, por exemplo/ eu no ano
novo agora/ eu não depilei/ mas eu passei a máquina.// Então, ficou
bem baixinho/ agora tá crescen/ já tá bem grande agora ((aponta para
o peito)) Tá vendo?
P: É verdade.// Foi a primeira vez que você fez?
João: Não./ Eu tinha feito outras vezes/ passado máquina outras
vezes.// Outras vezes, cortado com tesoura porque eu não gosto
daquela coisa muito grande/ fica muito esquisito.// Mas eu corto com
TESOURA, entendeu?
P: Entendi.
Nessa seqüência, João continua apontando seus bitos para me
explicar o que é e o que o é permitido para um homem fazer
(auto-posicionamento deliberado). Ao indagá-lo acerca de sua opinião sobre
homens que depilam o corpo (linha 332), ele posiciona deliberadamente
alguns homens, apontando que eles depilam o corpo a fim de exibir a
definição dos músculos (linhas 333-334). Em seguida, ele se auto-posiciona
deliberadamente (linhas 334 a 337), dizendo que aparou os pêlos do peito
no icio do ano. É importante ressaltar que ele deixa claro que não depilou
o peito, mas que passou a máquina (linha 335). Ou seja, João parece
novamente apontar para o fato de que não pertence a esse grupo de homens
que depilam o corpo, os quais teriam sua heterossexualidade questionada,
segundo o senso comum. Assim, ele se constrói para mim como um homem
que conhece os limites que definem o que é ser um homem de verdade. É
como se ele quisesse me dizer: eu sou macho de verdade; eu não me
depilo, apenas aparo os pêlos com máquina”. Mas uma vez, então, percebo
que minha presença como homem influencia o modo como João
(re-)constrói sua masculinidade.
Logo depois, João aponta para seu peito e diz que os pêlos estão
crescendo. Eu tomo um posicionamento de primeira ordem (linha 338),
localizando-me de modo a corroborar sua atitude, pois tento transmitir
naturalidade de modo a não fornecer nenhum tipo de constrangimento a
João. Então, pergunto-lhe se aquela tinha sido a primeira vez que ele tinha
aparado os pêlos. Ele novamente se auto-posiciona e afirma que não tinha
sido a primeira vez (linhas 339-340). No entanto, ele volta a esclarecer que
não se depilou, mas que utilizou máquina ou tesoura. Isso revela que, mais
uma vez, João tenta afastar de si qualquer característica que questione sua
heterossexualidade, o que pode ser identificado na ênfase com que ele
proferiu a palavra “tesoura” (linha 342). Ou seja, para um homem, é
permitido aparar os pêlos com máquina ou com tesoura.
As seqüências 11 e 12 revelam que, quando o assunto não envolve
questões acerca da sexualidade, João parece construir sua masculinidade
contrariamente ao padrão hegemônico tradicional. Segundo Nolasco (1993),
ele estaria passando por uma crise identitária, em que aspectos
tradicionalmente pertinentes ao universo feminino estariam vindo à tona (ver
seção 4.4).
No fragmento abaixo, em que João prosseguia com a leitura do artigo
a respeito dos metrossexuais (ver anexo VI), questiono-o acerca do que
caracteriza a identidade gay. Após seu relato, ele narra um outro episódio
em que viu um homem com a unha pintada de uma maneira diferente.
6.1.13 Seqüência 13 – 4
o
encontro – 12/02/06
“Só se for gay mesmo
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João: Vamos voltar aqui ((referindo-se ao artigo)) Onde eu parei?/
Cadê?// Ah, aqui./ ((lendo)) Para mim, o metrossexual, se exagerado,
é um gay enrustido”.// Tem cara que é vaidoso ao extremo, né?/ E nem
por isso o cara:: vai ser gay também, né?/ Não tem/
P: O que seria ser gay?
João: O que seria ser gay?/ Queimar a tarraqueta. ((risos)) queimar a
rosquinha. ((risos))
P: ((risos)) Incrível [que/
João: :: isso./ Eu acho que o que caracteriza é isso/ o
cara que tem atração sexual por outro homem.
P: Entendi.
João: O que o significa que um cara que fa tudo isso/ o lance da
vaidade/ seja gay. ((Continua lendo)) Outro dia, topei com um tio
desses no salão de beleza. Ele pintava as unhas, quer dizer pintou
apenas a do dedinho”./ POR FAVOR!/ PRA ACREDITAR?/ A do
dedinho, cara/ mindinho.// Outro dia eu vi um maluco de francesinha,
cara./ Tu acredita?/ Sabe o que que é francesinha, né Anderson?
P: Francesinha?
João: a pontinha de branquinho./ , eu fiquei olhando assim/ o/
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não acredito no que estou vendo./ Não estou vendo isso./ Mas ele tinha
um certo a::r/ meio suspeito/ então tá justificado/ mais ou menos.
((risos))// ((continua a ler)) No fundo, não admitimos que ele ((o
homem)) use as armas das mulheres. Tememos que se transforme em
uma espécie de concorrente”./ Se transformar em concorrente é porque
é bichona. ((risos)) / vai concorrer por/ por homem?/ se for gay
mesmo.
P: É.
No icio dessa seqüência, João toma um posicionamento deliberado,
dizendo que nem todo homem vaidoso é gay (linhas 346-347). Ele faz essa
afirmão com base em seu próprio comportamento, que expressa seu
grande grau de vaidade, como pudemos observar nas duas seqüências
anteriores. Tento localizá-lo discursivamente, tomando um posicionamento
de primeira ordem (linha 348), em que o questiono acerca do que
caracterizaria um gay. Ele, então, posiciona forçadamente os gays (linhas
349-350) como indiduos que “queimam a tarraqueta” ouqueimam a
rosquinha”, o que significa que ele considera gay um homem que é passivo
em uma relão sexual com outro homem. Nota-se, aqui, que, mais uma vez,
a sexualidade parece servir de parâmetro para João definir o que é ser
homem. Assim, seria a heterossexualidade que definiria a masculinidade.
Essa afirmão é corroborada nas linhas 352-353. Novamente, ele afirma
que a vaidade em um homem não é um critério para pôr em vida sua
masculinidade, i.e., sua heterossexualidade.
Ao prosseguir com a leitura e se deparar com o relato da entrevistada,
que dizia que encontrou com um homem que pintou apenas a unha do
dedinho (linhas 356 a 358), João toma um auto-posicionamento deliberado,
mostrando achar um absurdo tal atitude, o que pode ser percebido na ênfase
que ele às expressões por favor” e pra acreditar” (linha 358). Ele
começa a narrar uma história, contando que já viu um homem com a unha
pintada à francesinha (linha 359). Nesse momento, ao me indagar sobre meu
conhecimento acerca do termo “francesinha” e perceber que eu não
conhecia seu significado, João rapidamente toma um posicionamento de
primeira ordem e me explica que francesinha” é um tipo de pintura em que
apenas a ponta da unha é pintada de branco (linha 362). Mais uma vez, é
interessante observar que, na escolha lexical (e formas diminutivas)
francesinha” (linhas 359 e 360) e pontinha” e branquinho” (linha 362)
João revela dominar um assunto que faz parte do universo feminino, atitude
essa que se opõe ao modelo hegemônico de masculinidade.
No final da seqüência, após ler o relato de uma das entrevistadas
acerca do fato de as mulheres temerem que os homens se tornem uma
espécie de concorrentes, João posiciona deliberadamente esses homens
como gays (linhas 367 a 369). Ou seja, mais uma vez a heterossexualidade é
colocada como uma característica fundamental na configuração da
masculinidade (ver seção 4.4).
A última seqüência a ser apresentada ocorreu durante a leitura de um
Box no artigo em questão, que apresentava um ranking com os 11
metrossexuais mais gostosões” (ver anexo VI). Ao ler os nomes que estão
presentes na lista, João vai tecendo alguns comentários acerca de cada um
deles.
6.1.14 Seqüência 14 – 4
o
encontro – 12/02/06
“Mas ele é pinta”
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João: O ranking dos gostosões”.// Primeiro lugar é Gianecchini.//
Deixa eu ver/ o terceiro é o David Beckham.
P: Ele é considerado o símbolo dos metrossexuais.
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João: Mas ele é pinta/ o maluco/ também, entendeu?// Ele anda/ não
sei se ele faz unha e tal/ se faz esses bagulhos todos/ mas ele é:: pô/ ele
é pinta./ Ele se veste bem/ se veste tipo:: modelo./ Eu vi algumas
aparições dele na televisão/ ele coloca o cabelo pro alto/ é todo louco./
Estilo modelo mesmo.// Vamos voltar.// Não acho esse cara isso tudo.
P: Marcelo Antony?
João: É./ Os três primeiros são pintas./ Marcelo Antony é:: acho que é
mais um mito que/ assim/ construiu com o tempo, né./ faz papel de
galã/ acabou colando./ Mas não acho isso tudo também não.// Lenny
Kravitz é uma BICHONA pra mim.// viu ele/ como ele se veste,
cara?// Ele é EXAGERADO, cara.
P: Ele e aquele:: Robbie Willians.
João: Isso./ Chega a ser uma parada/ assim/ demais/ na roupa/ tem um
clipe dele que eu tenho que ele com um cinto que parece uma
calça baixinha/ e o cintão grossão./ Eu fiquei olhando e:: caraca./ Ele se
veste muito loucamente.// Dado Dolabella é pinta.// Roberto Justus/
toda mulher tem tara nesse cara./ Coroão, grisalho/ Não acho ele bonito
mas é mais pela fama dele/ ele tem maior fama de que já pegou todas
as bonitonas/ a Galisteu, a:: Eliana.// João Paulo Diniz/ nada de
engraçado nele./ Tu acha?
P: Também acho que não.
João: É porque eles pegaram uma relão dos metrossexuais, mas não
pegaram os mais bonitos.// Alex Alves/ jogador de futebol./ Normal/ é
um cara:: até o muito atraente.// Supla.// Falcão/ tá de sacanagem.
P: Outro dia eu vi uma entrevista dele/ o cara usa creme/ ele tem maior
cuidado com o corpo.
João: É mesmo, cara?// Ele é vaidoso pra ficar feio desse jeito?/ É
melhor não ser.// Mais esse cara aqui é pinta.
P: David Beckham.
João: Eu acho até que ele tinha que ficar em primeiro lugar./ Ele é
pinta.
Nessa minha última conversa com João, logo após ler o nome que
estava no início da lista, ele pula para o terceiro colocado, o jogador David
Beckham (linhas 371-372). Digo a João que esse jogador é considerado o
símbolo dos metrossexuais (linha 373) e João, logo em seguida, posiciona-o
deliberadamente como um homem que tem estilo de modelo: veste-se bem,
tem boa aparência e usa o cabelo pro alto” (linhas 374 a 378). É
interessante notar que, nesse momento, ele afirma, por duas vezes, que
Beckham é pinta” (linhas 374 e 376). Segundo o senso comum, como foi
apontado na seqüência 2, um homem não deve apreciar a beleza de outro
homem. Nessa seqüência, João havia elogiado o corpo de um homem cuja
foto estava no orkut (ver nota 28). Aqui, então, ele novamente constrói sua
masculinidade com base em características contrárias ao padrão hegemônico
ao elogiar a beleza de outro homem.
João mantém o posicionamento deliberado do outro e tece
comentários acerca da beleza dos homens que estão na lista ao longo de
todo o processo de leitura. No entanto, destaco esse posicionamento nas
linhas 382 a 384. Aqui, ele posiciona deliberadamente o cantor Lenny
Kravitz como uma bichona”. Nota-se que, dessa vez, ele não toma esse
posicionamento com base na sexualidade do cantor, mas segundo sua
maneira de se vestir. Ele aponta que Kravitz é exagerado no modo de se
vestir (linhas 383-384). Concordo com sua afirmação, acrescentando o nome
de um outro cantor (posicionamento deliberado do outro) (linha 385). Ele
continua a justificar seu posicionamento em relação ao cantor Lenny
Kravitz. João diz que possui uma fita com um clipe do cantor, afirmando
que ele se veste muito loucamente” (linhas 388-389). Novamente, a
maneira como o cantor se veste configura-se como um critério que faz com
que João o considere gay.
Um outro trecho a ser destacado encontra-se nas linhas 395-396.
Aqui, João se auto-posiciona deliberadamente, afirmando que, nessa lista de
metrossexuais, não foram incluídos aqueles que são mais bonitos. Mais uma
vez, o elogio à beleza masculina é trazido à tona por João. E isso é repetido
no restante da seqüência, em que ele posiciona deliberadamente o jogador
de futebol Alex Alves como um cara não muito atraente” (linhas 396-397)
e quando ele reafirma sua opinião acerca da beleza do jogador David
Beckham, apontando que ele deveria estar em primeiro lugar na lista (linha
403).
Cabe, por fim, ressaltar que as escolhas lexicais que João utiliza para
falar dos homens que estão na lista parecem permear o universo feminino:
ele é pinta” (linhas 374, 376 e 403), referindo-se ao jogador David
Beckham; não acho esse cara tudo isso” (linha 378) e mas não acho isso
tudo também não” (linha 382), referindo-se ao ator Marcelo Antony; os
três primeiros são pintas” (linha 380); Dado Dolabella é pinta” (linha 389)
e não acho ele bonito” (linhas 390-391); nada de engraçado nele(linhas
392-393), referindo-se ao empresário Roberto Justus; e é um cara até não
muito atraente” (linhas 396-397), referindo-se ao jogador de futebol Alex
Alves.
Assim, nesta última seqüência, devido à forma como se localiza na
conversa, posso afirmar que João (re-)constrói sua masculinidade
baseando-se em traços não hegemônicos. Ele utiliza um repertório de
expressões atribuído ao universo feminino no senso comum. Ao ressaltar a
beleza de outros homens, com base nas escolhas lexicais que utilizou, ele
vai de encontro às idéias impostas pelos regimes de verdade (ver nota 1) de
nossa sociedade acerca da configuração da masculinidade hegemônica
tradicional.
6.2 Respondendo às questões de pesquisa
A partir da análise das seqüências apresentadas na seção anterior,
procuro a seguir destacar os pontos mais relevantes do processo de
interpretação no intuito de responder as perguntas que norteiam esta
investigação, a saber:
1. como João (re-)constrói sua(s) masculinidade(s) frente aos
significados veiculados pela revista VIP; e
2. sua interação com esses significados promove a construção de um
novo pado de masculinidade para si?
Ao tentar investigar o posicionamento de João em relão aos
significados veiculados pela VIP e em relação aos significados que
co-construímos em nossos encontros, e também como ele (re-)constrói sua
masculinidade frente a esses significados, propus-me na verdade a
compreender se ele se (re-)constrói com base nas características da
masculinidade hegemônica (ver seção 4.3) ou com base em novas
concepções acerca do que é ser homem (ver seção 4.4).
Desse modo, procurando responder à primeira questão de pesquisa,
nas várias seqüências analisadas, pude perceber que João se posicionou de
várias formas para se construir como homem nos eventos de letramento nos
quais estivemos envolvidos (ver seção 2.3). Como parti do princípio de que
a análise dos posicionamentos discursivos propicia acesso aos processos de
construção de nossas identidades sociais (ver seção 3.2), entendo que os
múltiplos e variados posicionamentos de João possibilitaram a (re-)
construção de sua masculinidade, de modo que ficou evidente que não
houve a construção de uma identidade homogênea e unificada, i.e., João o
se construiu como homem da mesma forma em todos os posicionamentos de
nossas interações. Ao contrário, demonstrou idéias oscilantes acerca do que
é ser homem. E essa oscilação, que considero muitas vezes antagônicas,
ocorreu freqüentemente, inclusive em um mesmo evento de leitura ou em
uma mesma seqüência (ver seqüência 2). Isso parece revelar que João
conhece as idéias ou pressupostos que caracterizam a masculinidade
hegemônica e tamm os traços das masculinidades chamadas subalternas
(ver seção 4.3), que não são legitimadas pelos regimes de verdade
tradicionais (ver nota 1) acerca do que significa ser homem.
Seus posicionamentos, por vezes, contraditórios, evidenciam também
que João não aceita por completo as imposições discriminatórias da
masculinidade hegemônica (ver seqüências 1, 2, 3, 11, 12 e 14, por
exemplo), mas que tambémo se afasta totalmente das idéias patriarcais de
nossa sociedade (ver seqüências 4, 5, 6, 7, 9, 10 e 13, por exemplo). É
importante ressaltar que é provável que esses posicionamentos de João e,
conseqüentemente, a forma como sua masculinidade foi (re-)construída
somente se deram dessa maneira devido a minha presença como homem na
interação. Caso a pesquisa fosse conduzida por uma mulher, seus
posicionamentos seriam possivelmente outros. Ou seja, minha presença
como pesquisador e interlocutor homem influenciou o modo como ele (re-)
construiu sua masculinidade, i.e., quando ele constrói uma identidade
masculina mais de acordo com os padrões hegemônicos, ele o faz com base
em minha presença como pesquisador homem, talvez por também me ver
como um integrante desse grupo hegemônico. quando ele constrói sua
masculinidade segundo as novas concepções acerca do que é ser homem,
i.e., com base no padrão do novo homem”, ele parece o fazer influenciado
pela minha presença como o amigo pesquisador, que tem leituras sobre a
fluidez da masculinidade, o que era do conhecimento dele. Por isso, talvez
seja possível afirmar que João é um herdeiro da primeira geração de
mutantes(BADINTER, 1993, p. 187), já que tenta buscar equilíbrio entre a
solidez e a sensibilidade (ver seção 4.4). Essa idéia encaminha a resposta
para a minha segunda questão de pesquisa.
Com base na análise de todas as práticas de letramento estudados
(inclusive aquelas que não foram focalizadas neste trabalho), pude detectar
uma oscilação no modo como o participante construiu e reconstruiu sua
masculinidade, conforme já apontei. Contudo, os momentos durante os quais
ele construiu sua masculinidade na direção da chamada masculinidade
hegemônica destacam-se de forma mais acentuada, o que parece indicar um
predomínio desse padrão de masculinidade. O que ocorre é que dentre as
seqüências analisadas além daquelas incluídas aqui, um maior mero de
segmentos que evidenciam essa característica (ver seqüências 4, 5, 6, 7 e 8,
por exemplo).
Em todos os posicionamentos em que ele constrói sua masculinidade
com base nas concepções mais normativas, a característica que sobressai em
relão a esse traço identitário é o interesse no sexo oposto esse fato fica
nitidamente claro nas seqüências 5 e 10. Como havia apontado
anteriormente, um dos aspectos mais centrais da visão essencialista da
masculinidade é a associão dessa com a heterossexualidade (ver seção
4.3). João não apresenta dificuldades em corroborar as características típicas
da masculinidade prestigiada pelo senso comum. Devo ressaltar que essa
característica pode ser apenas uma performance sempre exagerada de João
para mim, de modo que isso não quer dizer que ele seja sempre assim.
Por outro lado, pude perceber que João revela posicionamentos
divergentes e, por vezes, contradirios acerca do significado do que é ser
homem. Na análise dos posicionamentos, evidências de que ao mesmo
tempo em que constrói uma defesa do domínio dos homens, também
apresenta pensamentos menos preconceituosos em relação às atitudes que
devem, ou não, ser tomadas pelos homens, aproximando-se das concepções
das masculinidades reinventadas (ALMEIDA, 2001). Entretanto, além de
aparecer com menos freqüência (seqüências 1, 3, 11 e 12, por exemplo), a
(re-)construção da masculinidade de João com base nos pressupostos do
novo homem (BADINTER, 1993) se apenas nos aspectos que não
tangem à sexualidade. Esses aspectos corroboram o novo padrão de
masculinidade difundido na contemporaneidade por meio do discurso da
mídia, o metrossexual (ver seção 4.4), que é caracterizado por sua
heterossexualidade, mas que possui atitudes que antes eram consideradas
tipicamente femininas, como a preocupação com a aparência e o corpo e
aspectos da moda, por exemplo.
Por fim, cabe ressaltar que, com base em minha interpretação dos
dados, a construção de uma identidade masculina heterossexual e
hegemônica é um objetivo claro para João. Ser ou, ao menos, parecer
heterossexual, como diz João, possibilita o homem a se enquadrar naquelas
características daquele grupo” (seqüência 5, linhas 144-145), “influencia pra
você ser aceito na sociedade” (linhas 151-152).
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste estudo, propus-me a investigar o processo de (re-)construção
da masculinidade de um determinado homem em práticas de letramento
midiático, i.e., procurei observar como seus posicionamentos de
masculinidade são (re-) construídos durante a leitura de textos da mídia em
eventos de letramento não-escolar (ver cap. 2) nos quais interagi com ele.
Para realizar tal investigação, fiz um estudo de caso (ver seção 5.2),
uma vez que tentei explorar um contexto específico em profundidade, e
busquei seguir um paradigma interpretativista (ver seção 5.1), que se pauta
na compreensão de que os seres humanos estão constantemente (re-)
construindo suas identidades, as identidades dos outros e o mundo social por
meio de práticas discursivas. Tomei como base, ainda, a visão
sócio-construcionista do discurso (MOITA LOPES, 1998, 2002, 2003 ver
cap. 3) e das identidades sociais (HALL, 2000; MOITA LOPES, 2002;
entre outros ver cap. 4). A masculinidade é entendida, então, como
dinâmica, fragmentada e contradiria (MOITA LOPES, 2002).
As práticas de letramento (ver cap. 2) também são, aqui,
compreendidas dentro de uma perspectiva social, como um conjunto de
práticas nas quais os participantes estabelecem e negociam relações e
identidades sociais (STREET, 1984, 1995; SIGNORINI, 1994; KLEIMAN,
1995; SOARES, 2000; entre outros). Desse modo, com base nessa visão de
letramento, situei a leitura como uma prática social na qual os participantes
discursivos (re-) constroem e negociam significados (BLOOME, 1983,
1993; MAYBIN & MOSS, 1993; GREEN et al., 1994; entre outros ver
seção 2.2).
Para interpretar meus dados, utilizei a noção de posicionamento
(DAVIES & HARRÉ, 1990; VAN LANGENHOVE & HAR, 1999)
como construto teórico-metodológico por compreender que é por meio de
nossos posicionamentos discursivos que constitmos o mundo e nossas
identidades sociais. Desse modo, busquei interpretar os meus
posicionamentos e os posicionamentos de João, considerando que, por meio
deles, ele estava (re-)construindo sua masculinidade em relação a mim e aos
textos que foram lidos.
Portanto, conduzi a análise dos protocolos verbais (ver seção 5.3.1) e
das conversas sobre textos (ver seção 2.4), baseando-me nos diferentes tipos
de posicionamentos tomados nessas práticas. Esse construto de
posicionamento discursivo possibilitou-me investigar como práticas sociais
de leitura (ver seção 2.2) possibilitam a (re-)construção da masculinidade.
Em minha primeira questão de pesquisa, procurei observar como João
se (re) construía como homem frente aos significados veiculados pelos
textos midiáticos (os artigos da revista VIP). A interpretão dos dados
mostrou, por meio de seus diferentes posicionamentos, que ele o constrói
sua masculinidade da mesma forma em todos os momentos (ver seção 6.2).
Pude observar, também, que a minha influência durante as leituras acarretou
modificações em relão à maneira como João (re-) construiu sua
identidade.
Em minha segunda questão de pesquisa, busquei investigar se a
interação de João com esses significados e com os significados que eu
construía favorecia a construção de um novo padrão de masculinidade. As
conversas acerca dos textos que abordavam questões relacionadas à
temática da masculinidade possibilitaram que João me revelasse traços de
sua masculinidade que, na maior parte do tempo, não estava de acordo com
os padrões hegemônicos do que é ser homem. A pesquisa mostra, assim, que
não existe apenas uma forma de ser homem, de modo que ele se constrói
como um novo homem” em vários momentos.
No entanto, o modelo hegemônico de masculinidade encontra um
espaço bastante acentuado nesse processo de construção de significado, de
modo que João parece tomar esse modelo como uma característica padrão
dos homens. Contudo, pude observar que ele se construía com base nesse
modelo hegemônico principalmente para demonstrar que o que caracteriza
um homem de verdade” é o interesse pelo sexo oposto.
Desse modo, a análise dos dados indicou que, nas práticas de
letramento investigadas, somente há a construção e reprodução de discursos
hegemônicos no que tange à heterossexualidade. Assumir comportamentos
que, antes, eram tidos como unicamente femininos tingir o cabelo, pintar
as unhas, usar brincos, fazer as sobrancelhas, elogiar o corpo masculino,
entre outros, claramente identificados nos posicionamentos de João – parece
não mais ser motivo para o questionamento da heterossexualidade de um
homem. Tais posicionamentos parecem ser influenciados pelo discurso da
mídia na construção desse novo estereótipo de homem o chamado
metrossexual (ver seções 4.1 e 4.4), como identificado na própria revista
VIP que lemos.
A realização desta pesquisa indica que o existe uma receita pronta
para se construir um homem na sociedade. Contudo, ainda há um forte
discurso de senso comum que está na contra-mão da natureza múltipla,
fluida e contraditória das masculinidades. Não existe apenas uma forma de
ser homem.
Cabe, porém, ressaltar que, apesar de estarmos longe de viver em
uma sociedade justa no que se refere às relões de gênero, encontramos
discursos sobre novas configurações acerca das masculinidades e, da mesma
forma, das feminilidades na vida contemporânea. Volto a salientar a
importância do discurso midiático nesse processo. A concepção do novo
homem (Badinter, 1993), por exemplo, tem tido um destaque positivo na
mídia mundial, o que pode influenciar o modo como os indiduos concebem
os gêneros.
No que tange à construção das identidades sociais em interações com
textos midiáticos, este trabalho mostra que o discurso da mídia oferece
possibilidades múltiplas de acesso à vida social (ver seção 3.3), i.e.,
disponibiliza visões de mundo, conhecimentos, crenças e valores diferentes
que podem, diretamente, colaborar na compreensão da diferença alteritária.
Em outras palavras, ao interagir com os significados veiculados pela mídia,
cada indiduo tem acesso a diferentes formas de ser e de viver. Há uma
maior possibilidade de entender a diferença, por exemplo, de outros modos
de ser homem e de ser mulher.
Tendo em vista a importância da mídia na constituição de quem
somos e na compreensão de como vivemos, entendo que é essencial o
investimento em estudos sobre a construção identitária em práticas de
letramento midiático. Desse modo, fazendo remissão à epígrafe que introduz
esta dissertação, compreendo o estudo de práticas midticas como
propiciador de uma compreensão do mundo e de s mesmos, a fim de nos
libertarmos dos hábitos e preconceitos do passado” (GIDDENS, 2002, p.
14), com o objetivo de pensar sociabilidades alternativas. Esta dissertação é
uma contribuição em tal direção.
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