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FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS
DEPARTAMENTO DE LETRAS E ARTES
CURSO DE MESTRADO EM HISTÓRIA DA LITERATURA
A Evolução (1892-1893): uma amostra dos fatores constituintes do sistema literário
espírita
José Roberto de Lima Dias
Prof. Dr. Francisco das Neves Alves
Orientador
Rio Grande, julho de 2006
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Milhares de livros grátis para download.
À minha família-
pelo apoio e compreensão.
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Agradeço a todos os professores do
Curso de Mestrado em História da Literatura
que me incentivaram a prosseguir neste caminho.
Ao Professor Doutor Francisco das Neves Alves,
pela sua compreensão e orientação precisa neste trabalho.
Ao Professor Doutor Carlos Alexandre Baumgarten, pelo seu auxílio.
Agradeço também à Sociedade Espírita Kardecista,
que possibilitou a elaboração desta dissertação, fornecendo a coleção
completa dos jornais A Evolução.
E, especialmente, a minha esposa Jaqueline Rosa Cunha pelo fundamental
apoio em todos os momentos.
A todos os professores, colegas e amigos que, de uma forma ou outra,
colaboraram para o êxito da pesquisa, meu muito obrigado.
Desejo também que você plante uma semente,
Por mais minúscula que seja,
E acompanhe o seu crescimento,
Para que você saiba de quantas
Muitas vidas é feita uma árvore.
Desejo, Victor Marie Hugo
SUMÁRIO
Resumo..................................................................................................................................5
Introdução ............................................................................................................................ 8
1. Cultura Espírita: a construção de um sistema literário através da imprensa....................16
1.1.
O polissistema literário como caminho para a compreensão da vida literária espírita..........16
1.2 O Espiritismo em sua origem.........................................................................................21
1.3. Um panorama da imprensa em suas raízes e uma incursão à imprensa espírita...........24
1.3.1.O contexto da imprensa laica e espírita no Brasil do século XIX.........................28
1.3.2. Rio Grande do Sul: imprensa secular e espírita, nascimento e transformações...43
1.3.3.
Rio Grande: a imprensa local e as folhas espíritas no século XIX, breve histórico XIX
...56
2. A Evolução como exemplo da presença do sistema literário espírita...............................63
2.1.
Uma viagem pela manifestação da espiritualidade nas obras de escritores estrangeiros
.....63
2.2. Ecos de espiritualidade nas obras de escritores e poetas brasileiros.............................93
3. Considerações finais.......................................................................................................124
4. Bibliografia ....................................................................................................................129
5. Curriculum Vitae ...........................................................................................................135
RESUMO
A dissertação A Evolução (1892-1893): uma amostra dos fatores
constituintes do sistema literário espírita está vinculada à pesquisa que desenvolvemos
desde 2003. Constitui-se em um trabalho de recuperação das produções literárias e de
nomes de colaboradores que auxiliaram, por meio da imprensa espírita da região, no
desenvolvimento filosófico-doutrinário espírita da cidade de Rio Grande. O resultado desse
material de pesquisa originou o trabalho monográfico de conclusão do Curso de
Especialização em História do Rio Grande do Sul, intitulado A Evolução: instrumento
cultural da imprensa espírita no final do século XIX em Rio Grande.
Esta dissertação utiliza o material do projeto de pesquisa mencionado; no
entanto, o foco “imprensa espírita” é substituído para “sistema literário espírita”, visando a
abarcar o conjunto de atividades literárias espíritas desenvolvidas no Brasil, principalmente
no extremo sul, após sua chegada da França. O presente trabalho é o resultado do resgate
de textos literários de autores que a crítica literária considera como os mais expressivos
que publicavam no jornal A Evolução, o qual circulou em Rio Grande durante os anos de
1892 e 1893, bem como de autores estrangeiros e brasileiros que marcaram a formação da
literatura no fim do século XIX. Sendo elaborado a partir da análise da construção do
sistema literário espírita e tendo por suporte teórico as idéias defendidas pelo estudioso
israelense Itamar Even-Zohar, este trabalho busca apresentar um material inédito, ao
mesmo tempo em que ajuda a preservar a memória cultural da sociedade.
RÉSUMÉ
Le mémoire de maîtrise A Evolução (1892-1893): uma amostra dos fatores
constituintes do sistema literário espírita est lié à la recherche que nous développons
depuis 2003. Il constitue un travail de récupération des productions littéraires et des noms
de collaborateurs qui ont aidé à travers la presse spirite dans le dévellopement
philosophique-doctrinaire spirite de la ville de Rio Grande. Le résultat de ce matériel de
recherche est à l’origine de la monographie de fermeture du Cours de Spécialisation en
Histoire du Rio Grande do Sul, intitulée A Evolução: instrumento cultural da imprensa
espírita no final do século XIX em Rio Grande.
Ce mémoire utilise le matériel du projet de recherche mentionné; toutefois, le
centre d’attention « presse spirite » est remplacé par « système littéraire spirite » dans le
but de comprendre l’ensemble d’activités littéraires spirites dévellopées au Brésil,
principalement à l’extrême sud, après son arrivée de France. Ce travail-ci est le résultat de
la récupération de textes littéraires d’auteurs, considérés par la critique littéraire les plus
expressifs et qui publiaient dans le journal A Evolução qui a circulé à Rio Grande
pendants les années 1892 et 1893, bien que d’auteurs étrangers et brésiliens qui ont marqué
la formation de la littérature à la fin du XIX siècle. Même à partir de la construction du
système littéraire spirite, ayant par support théorique les idées défendues par l’intellectuel
israélien Itamar Even-Zohar, ce travail atteind l’objectif de présenter un matériel inédit au
même temps qu’il aide a préserver la mémoire culturelle de la société.
1. CULTURA ESPÍRITA: a construção de um sistema literário através da imprensa
1.1. O Polissistema literário como caminho para a compreensão da vida literária espírita
Para entender as relações e atividades que contribuíram no processo
de
formação do sistema literário espírita, fez-se necessário incursionarmos pelo esquema
proposto por Itamar Even-Zohar na sua teoria do polissistema literário.
Na busca de instrumentos teóricos que pudessem melhor explicar as inter-
relações entre a literatura traduzida e a literatura hebraica, Even-Zohar nega a possibilidade
de trilhar os estreitos labirintos dos revisionistas em relação aos questionamentos do
cânone ou ao comportamento imobilista dos preservacionistas, e tampouco, segundo seus
argumentos, a literatura deve ser analisada como um conjunto de obras-primas, nem
mesmo estar desvinculada do contexto social.
Entretanto, como resposta frente à necessidade emergencial de novas práticas
que melhor pudessem captar as relações que se estabelecem entre as diversas atividades
tomadas como literárias, constituiu um novo domínio de investigação através da anexação
de territórios a partir dos formalistas russos. A legitimação científica ocorre a partir da
teoria proposta por Jakobson; nela Even-Zohar amplia e apresenta um leque de fatores que
estão envolvidos na constituição e funcionamento do sistema literário, identificando seis
fatores implicados no polissistema literário: instituição (contexto), repertório (código),
produtor (emissor), consumidor (receptor), mercado (canal), e produto (mensagem). Neste
esquema, a diferença mais significativa, segundo Even-Zohar, é a introdução do conceito
"instituição" no lugar de "contexto", de Jakobson. Isso demonstra haver acordo entre as
classes de relações (fatores), que lhes permite entrecruzarem-se, já que nenhum fator
funciona isoladamente porque " [...] está pensado principalmente para representar los
macro-factores implicados em el funcionamento del sistema literário."
1
A literatura, como conjunto de sistemas interligados em um polissistema,
transcende o enfoque sincrônico por demais reducionista, para ocupar-se de uma
concepção de sistema mais dinâmica e heterogênea, aspirando diante dessa perspectiva, à
universalidade de um diagnóstico concebido precisamente para dar conta das questões
para além das que envolvem o cânone, considerando, assim, a heterogeneidade dos
elementos que compõem as manifestações culturais. Nesse sentido, o conceito de
polissistema autoriza a isenção dos esquemas literários construídos pela imposição de
modelos fechados através de juízos de valor selecionados segundo as regras de gosto que
determinam quais obras eram importantes no passado em relação ao que é relevante no
presente.
Even-Zohar, ao apontar os fatores que estruturam o sistema literário, afirma
que o produtor não é apenas o responsável pelos textos, mas, na medida em que se
apresenta vinculado à comunidade, reivindica e participa ativamente da sociedade
produzindo textos de acordo com a necessidade da mesma. É também responsável pela
produção de imagens, expressões e modelos de ações, podendo manifestar-se não apenas
de forma individualizada, mas como um grupo atuando dentro do sistema literário. Em
relação a esse aspecto, não como ignorar a presença de intelectuais, a partir da segunda
metade do século XIX, na França, atuando na construção da manifestação literária espírita.
Da mesma forma, o consumidor que não se restringe pura e simplesmente ao leitor
(indivíduo), ou aos grupos (público), consome textos literários direta ou indiretamente.
No que concerne à instituição, como espaço sociocultural da literatura,
segundo Even-Zohar, é ela que regula as normas que prevalecem na atividade literária. No
entanto, não é a instituição um lugar ou uma entidade, mas um conjunto de fatores que
compreende "[...] casas editoras, publicaciones periódicas, clubs, grupos de escritores,
cuerpos de gobierno (como oficinas ministeriales y academias), instituciones educativas
(escuelas de cualquier nivel, incluyendo las universidades), los medios de comunicación de
masas en todas sus facetas, y más."
2
A instituição, na condição de definidora da produção e
consumo das atividades literárias, apresenta-se também como espaço de lutas pelo domínio
e exercício do poder. o mercado, como conjunto de fatores relacionados à compra,
1
EVEN-ZOHAR, Itamar. Polysistem studies. poetics today. V. 11, n. 1, Spring 1990, p.32.
2
Idem, p.38.
venda e promoção do consumo literário envolve não as instituições diretamente
responsáveis pelo produto literário, compreendendo livrarias, editoras, clubes do livro e
bibliotecas, mas ainda todas as instituições sociais definidoras das práticas simbólicas
implicadas como, por exemplo, a escola cujos membros - professores e alunos - assumem o
papel de agentes de mercado. Ainda para Even-Zohar, o salão literário pode ser tanto
instituição como mercado, uma vez que os agentes específicos desempenham um papel
em sua pertinência operatória visando ao desenvolvimento da literatura como atividade
sociocultural.
Mário Osório lembra que durante o século XIX, na maioria das cidades
brasileiras mais adiantadas, o salão atingiu uma importância extremamente significativa.
Nos salões dos sobrados, ocorriam os saraus com suas pavanas, valsas e minuetos
3
. Os
salões, assim como as sociedades que mais tarde foram fundadas, eram o cenário para se
exercitarem a rima e retórica.
Segundo Tynianov, o salão mundano representa a série social vizinha dos
fenômenos lingüísticos, ou seja, como “fato da vida social, o salão tornou-se então um fato
literário. Assim, atribuímos formas sociais à função literária”.
4
Dessa maneira, vê-se o
quanto a vida literária estava engajada na vida social. Essa idéia também está presente no
conceito de vida literária, definido por João Barrento:
[...] "vida literária” significa duas coisas distintas; por um lado, a história
das instituições ligadas à produção e recepção literárias (papel e situação
social do escritor, sistema editorial e de distribuição, imprensa,
academias e sociedades literárias, agrupamentos de literários, hábitos do
público leitor na época, história dos leitores, etc.); por outro lado, a vida
da literatura (formação de cânones e tradições, a série literária como
momento duma evolução intraliterária, etc.)
5
O repertório, por sua vez, define o complexo de regras e materiais que
articula, dentro do sistema, a produção e consumo dos produtos literários. Por outro lado,
pré-conhecimento de preceitos e concordância formam, em conjunto, o ponto chave do
repertório, determinando as condições de existência do produto. Ainda é no espaço do
3
MAGALHÃES, Mario Osório. História e tradições da cidade de Pelotas. Caxias do Sul: Gráfica da
Universidade de Caxias do Sul, 1981. p. 37.
4
TYNIANOV, J. Da evolução literária. In: EIKHENBAUM, B. Teoria da literatura. Formalistas russos.
Porto Alegre: Globo, 1973. p. 115.
5 BARRENTO, João.
História literária – problemas e perspectivas. 2. ed. Lisboa: Apaginastantas, 1986. p. 116.
repertório que diferentes sistemas literários são analisados visando à compreensão dessas
relações. A teoria do polissistema nos leva a repensar em que condições e particularidades
uma literatura pode interferir em outra, transferindo certas propriedades de um polissistema
para outro. Quanto a esse aspecto, a literatura espírita, que chega ao Brasil a partir da
segunda metade do século XIX como literatura traduzida da francesa, em um primeiro
momento torna-se objeto indispensável de estudo para que possa ser definido o processo
pelo qual se deu a afirmação da literatura espírita no Brasil, constituindo-se em um sistema
literário específico, pela tomada de empréstimo de temas e procedimentos que passaram a
impregnar os textos dos escritores brasileiros.
Na teoria do polissistema, um sexto fator es envolvido na constituição e
funcionamento de um sistema literário: o produto, que além da obra, compreende o
conjunto de signos e textos que o efetuados no espaço do sistema. Enfim, todas as
atividades, quer sejam expressões, imagens, comportamentos e, a mesmo, modelos de
realidade que operacionalizam no âmbito do sistema são produtos da literatura. Diante da
perspectiva da teoria do polissistema é que nos aventuramos nesta tarefa embaraçosa de
investigar as relações que determinaram a produção literária espírita, que é impossível
não reconhecer a importância sociocultural da Doutrina Espírita devido à quantidade de
obras, autores, textos e uma vasta rede de jornais que ela foi construindo ao longo do
tempo. Conforme Even-Zohar, isso nos permite afirmar, em outras palavras, que uma vez
tendo início um sistema, a proliferação se ativa
6
, o que talvez explique o circuito de
criação, produção, circulação e consumo de uma literatura que atinge um amplo público, o
qual reconhece a sua importância a partir de um sistema de referências configurando um
mundo literário próprio, com seus autores, editores e leitores.
Esta dissertação, ao adotar por base teórica as idéias de Itamar Even-Zohar no
que concerne à maneira de estabelecer caminhos que levaram à formação da literatura
espírita, invariavelmente faz um percurso histórico-social e, de certa forma, acaba por
construir uma história literária visando a conhecer a formação do sistema literário espírita,
a partir da vida literária da sociedade do século XIX. Sendo assim, conforme Barrento, se
os critérios que fundamentam uma história literária se orientam pela evolução literária e
pelo processo social, não é possível, ao mesmo tempo, prendermo-nos a uma unidade de
base autoral, como se o sujeito criador determinasse de forma autonôma o processo da
6
EVEN-ZOHAR, Itamar. Op. cit. nota n. 1, p. 26.
evolução literária
7
. Nesse caso, a análise da formação do sistema literário espírita a partir
da segunda metade do século XIX, não visa a um estudo sociológico da literatura em fatos
políticos, sociais e ideológicos, mas sim a intervenção de um conjunto de fatores históricos
e literários. Assim, é avaliar o envolvimento de escritores com a temática espírita e, dessa
forma, perceber quais autores nacionais e/ou estrangeiros tiveram maior influência sobre o
sistema literário espírita que se formava.
Analisando o envolvimento de literatos brasileiros no contexto social da época,
pela absorção da temática espírita, presente na historiografia, também foi possível verificar
as implicações desses fatos na produção artística e literária, como, por exemplo, as
preferências formais adotadas por escritores a fim de promover uma reflexão a respeito do
contexto social. Nesse sentido João Barrento afirma que, partindo dos fatos essenciais da
vida literária ou da atividade cultural, a história literária pode dar relevo à literatura
didática e moralizante
8
. Comenta, ainda que também é possível dar ênfase ao surgimento
dos meios técnicos de comunicação de massa, desde que, na sua divulgação e recepção,
manifestem-se deslocamentos do processo de comunicação social definidores do lugar
ocupado pela literatura e pelos seus vários gêneros na totalidade do espectro de formas e
expressão cultural
9
. A esse respeito tem-se o surgimento do primeiro jornal espírita em Rio
Grande: A Evolução, órgão de divulgação do ideário espírita, que circulou entre
1892\1893.
A análise da vida literária espírita está pautada na inter-relação da evolução
literária e do desenvolvimento social, uma vez que, conforme Itamar Even-Zohar,
La cultura se considera como un conjunto de bienes valiosos, cuya
posesión significa riqueza y prestigio. El poseedor de tal conjunto puede
usarlo por lo tanto para mostrar sus riquezas. Este es un procedimiento
(una práctica) que puede ser adoptado tanto por un individuo como por
un colectivo organizado de individuos, específicamente una entidad
social.
10
Por meio do aspecto verbal, jornalismo e literatura, bem como jornalistas e
escritores, uniram suas funções durante a última metade do século XIX, a fim de
7
BARRENTO,
João.
Op. cit nota n. 5, p. 116.
8
Idem, p. 115.
9
Idem, ibidem.
10
EVEN-ZOHAR, Itamar. La literatura como bienes y como harramientas. In.: VILLANUEVA, Darío.
MONEGAL, Antonio & BOU, Eric (Coords.) Sin Fornteras: Ensayos de literatura comparada en homenaje a
Claudio Guillén. Madrid: Castalia, 1999. p. 27.
desenvolver cultural e intelectualmente a sociedade que se formava. Estudando a produção
literária espírita e a sua circulação, foi possível realizar estudos sistemáticos visando à
compreensão do processo de constituição de seus valores, paradigmas e práticas sociais.
Dessa forma, foram percebidos então, quais elementos estão envolvidos na constituição
desse sistema literário, pois é sabido que, assim como afirma Even-Zohar, um sistema é
constituído por uma “estructura abierta que consiste em varias redes-de-relaciones”
11
.
Assim, é alcançada a teoria do polissistema proposta e definida pelo mesmo teórico: a
interseção do sistema literário espírita pela superposição no sistema literário brasileiro.
1.2. O Espiritismo em sua origem
O espiritismo surgiu na segunda metade do século XIX, na França, através dos
fenômenos das chamadas “mesas girantes” e outros objetos que se movimentavam. A
partir daí, se criou um clima de curiosidade, enchendo os salões da aristocracia européia
que se divertiam com aquelas aparentes frivolidades. Essas novidades foram pouco
duradouras, despertando a atenção de muitos pesquisadores ligados a vários segmentos
científicos; entre eles, aquele que é considerado o codificador da doutrina, professor
Hipolyte Leon Denizard Rivail, conhecido pelo pseudônimo de Allan Kardec.
Atribuía-se o fenômeno ao poder magnético das pessoas, que criava as
condições para a mesa deslocar-se no ar, subindo, descendo, indo de um lado para o outro
da sala. Mesas, cestos, mesinhas e outros objetos divertiam os grupos em suas reuniões de
entretenimento, chamando a atenção dos estudiosos do magnetismo, que procuravam a lei
da física para explicar inteiramente o acontecido.
Assim, as mesas passaram a responder a perguntas formuladas pelos assistentes
que elaboraram um sistema alfabético de pancadas (tiptologia), as quais, em pleno ar,
davam pancadas no chão com uma de suas pernas. Passado o tempo em que as famosas
mesinhas foram transformadas em passatempo das altas rodas: “[...] agora o pensamento
11
EVEN-ZOHAR,
Itamar.
Op. cit. nota n. 1,
p. 12.
francês se apossava do segredo das mesas girantes” e decifrava a mensagem secreta”.
Dessa forma, a força das evidências adquiria foros de ciência e, por ocasião do advento do
Livro dos Espíritos, “[...] o susto de 1857 provocou reações em todo o mundo. Mas Allan
Kardec assumira a direção do movimento espírita.”
12
O espírito científico de Rivail permitiu a construção do edifício doutrinário do
espiritismo, que se sustenta em Deus, na imortalidade da alma, na pluralidade das
existências, na comunicabilidade dos espíritos e na evolução. Fruto de uma Revelação, a
incipiente doutrina filosófica/científica também atraiu a atenção de cientistas como o
astrônomo Camile Flammarion, o inglês William Crookes e o metafísico francês Charles
Richet, que juntos agitaram, sobre o mundo em pânico, a prova dos seus fantasmas. Nesse
contexto, ou seja, na revelação espírita, céu e terra se unem e buscam a concordância da
verdade e do bem; os espíritos se revelam como humanidade espiritual, havendo uma
interpretação desses à humanidade terrena, através dos fenômenos das “mesas girantes”,
das pranchetas, pelas mãos e pelas bocas dos médiuns. O sagrado e o profano se reúnem
em uma tensão que, superada, leva à plenitude do encontro. Os espíritos se auto-revelam e
revelam a Deus e ao Cosmo, bem como desvelam o fundamento do sentido humano e
divino, relativamente à aventura do ser no mundo e da auto-realização, através das
encarnações, tendo como força indutora e atratora o Cristo e o Espírito de Verdade.
Em decorrência da enorme capacidade de síntese do professor Rivail, um grupo
de pesquisadores, seus conhecidos, entregaram-lhe uma coleção de cinqüenta cadernos
onde tinham reunido, cinco anos, comunicações diversas para que ele as arranjasse. Ele
recebeu o material, anotou-o, eliminou as repetições, ordenou-o e, mediante novas
respostas especialmente preparadas, supriu as lacunas encontradas. Neles entreviu antes de
tudo o princípio de novas leis naturais: aquelas que regem as relações do mundo visível e
do mundo invisível; reconheceu na ação deste último umas das forças da natureza, e seu
conhecimento devia lançar luz sobre uma multidão de problemas reputados insolúveis, e
compreendeu o alcance disso do ponto de vista científico, social e religioso.
A princípio o professor Rivail não tinha em mente senão a própria instrução.
Depois, quando viu que tudo aquilo formava um conjunto e tomava as proporções de uma
doutrina, teve o pensamento de publicar o resultado de seu trabalho para instrução coletiva.
12
BERNI, Duílio Lerna. Brasil mais além. 4. ed. Brasília: FEB, 1990. p. 217.
Essas questões, sucessivamente desenvolvidas e completadas, serviram de substrato para o
Livro dos Espíritos.
O grande marco na história do espiritismo foi a data de 18 de abril de 1857, dia
de lançamento de sua primeira obra doutrinária, síntese do conhecimento humano. As
demais obras foram surgindo na simplicidade de alguns lares ou nas reuniões singelas da
Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas, sempre sob a supervisão do codificador. Assim
tivemos: O livro dos diuns, 1861; O evangelho segundo o espiritismo, 1864; O céu e o
inferno, 1865; A gênese, concluído em 1867.
Durante os primeiros anos em que os assuntos foram os fenômenos espíritas,
essas manifestações foram mais um objeto de curiosidade que um assunto de meditações
sérias. O Livro dos Espíritos fez olhar esses fatos excepcionais sob um outro aspecto, então
deixaram-se as “mesas girantes”, que só tinham sido um prelúdio, e a concentração ocorreu
em um corpo de doutrina que abarcava todas as questões que interessavam à humanidade.
A partir desse momento, a doutrina fixou a atenção dos homens sérios e tomou um rápido
desenvolvimento. Em poucos anos, idéias como as provas materiais da existência da alma
e da vida futura encontraram numerosos partidários em todos os níveis da sociedade e em
todos os países. Dentro desses princípios, o espiritismo demonstra as relações que reatam a
grande família humana de todas as épocas, dando como base as mesmas leis da natureza e
não mais uma teoria aos grandes princípios de fraternidade, igualdade, liberdade e
solidariedade universal. Ele toca diretamente a religião uma vez que a pluralidade das
existências sendo a comprovação do progresso da alma, destrói radicalmente o dogma do
inferno e das penas eternas, o que é incompatível com o progresso. Com esse dogma
antiquado caem os numerosos abusos dos quais ele foi à fonte.
A Doutrina Espírita, tal qual ressaltam as obras de Allan Kardec, encerra em si
os elementos de uma transformação geral nas idéias, o que leva forçosamente à da
sociedade. Nesse ponto de vista, ela merece a atenção de todos os homens de progresso.
Como sua influência, nesse período, se estendia por todos os países civilizados, acabou
por dar à personalidade de seu fundador uma importância considerável.
A trajetória do conhecimento espírita deu-se em todo o mundo a partir de
então, e chegou ao Brasil fazendo-se notícia, tornou-se matéria difundida nas páginas dos
jornais daqui e, principalmente, da Europa. Na imprensa, ocorre um aumento maior dos
assuntos polêmicos e de discussões, o havendo como resistir ao impacto de notícias a
então tidas como sobrenaturais. Com tanto impacto, como resistir aos fenômenos
mediúnicos? Aos mistérios da morte e da sobrevivência do ser no outro lado da vida?
Essas questões e outras tantas que empolgavam a curiosidade pública eram estampadas nos
órgãos de imprensa .
Preocupado com essas questões, que acendem o entusiasmo das pessoas, e com
o objetivo de provar aos que negam ou duvidam, que a alma existe e sobrevive ao corpo
experimentando após a morte as conseqüências do bem ou do mal praticados durante a
vida corporal, Allan Kardec montou uma estrutura própria em favor da divulgação e do
conhecimento espírita, iniciando a comunicação social espírita na França, com a Revista
espírita, em 1858.
1.3. Um panorama da imprensa em suas raízes e uma incursão à imprensa espírita
O surgimento da imprensa, a despeito de povos asiáticos terem
conhecimento da arte da impressão, se difundiu no Ocidente a partir do século XV, com
a invenção da tipografia por Johanes Gonsfleish Gutemberg (1400-1468). No entanto, seu
desenvolvimento alcançou um significado muito grande para a humanidade graças aos
constantes aperfeiçoamentos pelos quais passou, estando sua evolução histórica
intimamente relacionada à própria evolução das sociedades.
Para compreendermos esse processo histórico da imprensa, é necessário que
avaliemos os caminhos que ela percorreu e sua extraordinária adequação às necessidades
de uma sociedade em constantes transformações; por isso, Francisco das Neves Alves
afirma:
A evolução histórica da imprensa esteve ligada à constante busca por
informação inerente a grande parte das sociedades, de modo que a
curiosidade pública, a narração dos acontecimentos e as necessidades
burocrático-administrativas dos Estados, entre outros, consistiram em
elementos motores para a criação de sistemas de coleta e propagação de
informações.
13
Outros fatores contribuíram e determinaram o avanço da imprensa de um modo
geral. Entre alguns referenciais que elencaram este processo, consta o desenvolvimento
tanto da ciência quanto da religião, resultado produzido mais pela exploração de novas
oportunidades oferecidas pelos materiais impressos, fossem livros, mapas ou roteiros, que
alteravam de modo particular as formas de pensamento.
Ao perceberem a importância da imprensa como um instrumento possível de
dominação dos povos, logo os poderes temporais, juntamente com a Igreja, determinaram
mecanismos de vigilância para cercear a disseminação de idéias. Conforme afirma Eduardo
Monteiro:
Data de 1486 o primeiro decreto à censura de livros impressos, um
mandamento de Bertoldo, arcebispo da Mongúcia, principalmente
dirigido contra as traduções para o alemão de textos gregos e latinos. [...]
e acrescentava o édito a proibição de publicar-se qualquer livro traduzido
sem o consentimento de quatro doutores adredemente designados.
14
Mesmo assim, a imprensa propiciou um importante meio de divulgação dos
Evangelhos entre um público leitor que crescia rapidamente. Mas o clero também tratou de
criar barreiras que impedissem a circulação de impressos, conforme afirma Monteiro:
Assim, Alexandre XV impôs aos tipógrafos a necessidade de
imprimirem livros com a licença de bispos ou inquisidores locais. Leão
X, em 1515, acrescentou à pena de excomunhão o confisco de
equipamentos e outras sanções. Adriano VI e Clemente VII, estes na sua
bula In Coena Dimini alargaram as medidas. [...] Ainda o Vaticano
também publicou seu Índice Expurgatório em 1559, no qual inclui, além
da proibição de livros, um rol de sessenta tipografias interditadas [...].
15
O fato é que a evolução desse poderoso instrumento de difusão de novas idéias
caracterizou-se, num primeiro momento, por “[...] folhas de vida efêmera e edições
irregulares [...]”
16
, como aponta Monteiro. Ainda segundo o mesmo autor, é de “[...] 1702
o primeiro periódico europeu, o Daily Courant, e de 1704 a 1711, Daniel Defoe, Swifit,
Steele e Addilson criavam a imprensa literária e política.
17
Para Francisco das Neves Alves, o surgimento dos valores liberais contribuiu
sobremaneira para que a imprensa pudesse desempenhar um papel significativo junto a
uma sociedade emergente. O autor afirma que:
13
ALVES, Francisco das Neves. O discurso político-partidário sul-rio-grandense sob o prisma da imprensa
rio-grandina (1868-1895). Rio Grande: FURG, 2002. p.13.
14
MONTEIRO, Eduardo Carvalho. 100 anos de comunicação espírita em São Paulo (1881-1981). o
Paulo: Madras, 2003. p. 12.
15
Idem, p. 12.
16
Idem, p. 13.
17
Idem, ibidem.
[...] foi ao final do século XVIII e durante a centúria seguinte que o
jornalismo veio a desenvolver-se e atingir sua fundamental importância
na formação da opinião blica, acompanhando as ondas revolucionárias
que demarcaram a história européia e mundial desse período.
18
Configurando uma prática social situada dentro do processo de significação da
imprensa, gradativamente vai se estabelecendo no âmbito da Doutrina Espírita, na medida
em que ocorre o arejamento das idéias nos planos científico, filosófico e religioso, novos
espaços para que as idéias veiculem em publicações periódicas regulares.
Nesse contexto, a 8 de maio de 1852, nos Estados Unidos, surgem as primeiras
manifestações da imprensa espírita mundial, quando saiu do prelo a primeira folha espírita
de que se tem conhecimento, The Spiritual Telegraph, [...] subvencionada por Charles
Partridge (comerciante) e dirigida pelo Reverendo Dr. S. B. Brittan.”
19
Embora este jornal
se enquadre nos parâmetros a que se possa referenciar como de cunho espiritualista, não
está no rol daqueles que se situam exclusivamente espiritistas, o que acontece com o
advento da Doutrina dos Espíritos, a partir de 1857.
O surgimento da imprensa espírita está relacionado às exigências desse
movimento, que começava então a se configurar e que necessitava de mecanismos eficazes
a fim de veicular suas propostas filosófico-científicas de modo que pudesse, de alguma
forma, criar a unidade entre os profitentes da nova doutrina. Tal necessidade é
demonstrada pelo seu codificador Allan Kardec, ao publicar em de janeiro de 1858, em
Paris, a La Revue Spirite jornal de estudos psicológicos, considerado pelos espíritas o
marco referencial do periodismo espírita. Trazia em sua contracapa um dístico onde Allan
Kardec afirmava: “Todo efeito tem uma causa. Todo efeito, inteligente tem uma causa
inteligente. O poder da causa inteligente está na razão da grandeza do efeito.”
20
.
Como órgão de propaganda e difusão dos ensinos sistematizados nas obras de
Allan Kardec, a imprensa espírita logo difundiu-se por toda a Europa e América,
contribuindo para que surgisse publicações entre as quais se destacam: “[...] Constancia (4-
11-1877) e La Fraternidad (15-9-1881), de Buenos Aires; Light (1881), semanário espírita
18
ALVES, Francisco das Neves. Op. cit. nota n. 13, p.13.
19
IMPRENSA. Reformador. Rio de Janeiro: FEB, n. 1.798, p. 3-5, jan. 1979.
20
KARDEC, Allan. Revista Espírita jornal de estudos psicológicos. Tradução de Salvador Gentile. o
Paulo: Instituto de Difusão Espírita, 1993.
de alta classe, da Inglaterra; The two worlds (18-11-1887), da Inglaterra; Spiritualisme
Moderne (1894), da Bélgica e La Tribune Psychique (1898), da França [...]”
21
.
Tais publicações, desse momento em diante, somaram-se às centenas os
jornais espíritas que se multiplicaram em todo o mundo, com existência variadíssima.
Alguns tiveram vida efêmera, outros, mais bem estruturados, resistiram aos primeiros
sopros hostis da adversidade, alcançando meio culo de existência. Mas houve alguns
raros que ultrapassaram o primeiro centenário.
Embora, desde seus primórdios, a imprensa tenha se posicionado como uma
força política, expressando projetos e reivindicações, tanto das elites como dos grupos
minoritários, ela também desempenhou importante papel junto às sociedades na divulgação
de usos e costumes. Ainda, nessa relação contínua da evolução da imprensa e sua função
frente à sociedade, fica claro que a imprensa laica se diferenciou da imprensa espírita,
que esta imprimiu um caráter específico, como veículo de propagação doutrinária e de
promoção da unificação dos espíritas. De modo geral, como prática social, a imprensa
constituiu importante meio de expressar idéias, produzindo determinadas imagens da
sociedade, que resultaram em destacados produtos culturais.
Consolidando aos poucos um significativo papel nas sociedades modernas,
afirma Maria Helena Capelato que a imprensa tem contribuído para o desenvolvido na
formação da história social dos povos, permitindo que culturalmente novos hábitos e
tendências possam se fazer presentes no “[...] movimento vivo das idéias e personagens
que circulam pelas ginas dos jornais.”
22
. Nessas circunstâncias, as ondas revolucionárias
de valores liberais também alcançaram a “[...] América Latina, onde tiveram importante
participação nos processos de emancipação nacional, primeiramente no de colonização
espanhola, onde as tipografias se faziam presentes um maior tempo, e, mais tarde, na
América Portuguesa.
23
.
1.3.1. O contexto da imprensa laica e espírita no Brasil do século XIX
Em relação a outros países da Europa, Portugal não acompanhou o mesmo
progresso. Esse reflexo será dominante para o estabelecimento da arte tipográfica, que
21
IMPRENSA. Op. cit. nota n.19. p. 3-5.
22
CAPELATO, Maria Helena Rolim. A imprensa na História do Brasil. 3. ed. São Paulo: Contexto,
EDUSP, 1994. p. 21.
23
ALVES, Francisco das Neves. Op. cit. nota n.13. p.14.
ocorre em 1487. Esse mesmo atraso, mais tarde também seria transferido para o Brasil, em
decorrência da política colonialista portuguesa, disposta apenas a explorar as riquezas da
Colônia, distante de uma motivação que levasse a promover a cultura, ou criar qualquer
empreendimento comercial que a desenvolvesse. Por isso, medidas que impediam qualquer
projeto desenvolvimentista eram tomadas, como essa, por exemplo:
[...] o tipógrafo português Antonio Izidro da Fonseca que, de 1747 a
1750, tentou instalar uma tipografia no Rio de Janeiro e, após produzir
alguns impressos, teve por ordem régia seus bens seqüestrados e
queimados, além de ser deportado para Lisboa.
24
Em decorrência da política colonialista portuguesa que impedia o surgimento
de uma tipografia, enquanto nas colônias espanholas essa arte estava estabelecida, como
no México (1533), Peru (1577) e Bolívia (1612), e inclusive participando dos processos de
emancipação nacional, o Brasil mais tarde vai receber as primeiras manifestações da
imprensa com Hipólito José da Costa Pereira Furtado de Mendonça (1774-1823) que,
preocupado com as questões brasileiras e comprometido com as idéias de liberdade, a
partir de Londres onde se encontrava sua tipografia, fazia chegar até o Brasil seu jornal o
Correio Brasiliense. Mas é com a vinda da Família Real em 1808, que surge a Imprensa
Régia, e em decorrência inúmeros outros jornais surgem na Capital do reino, bem como
oficinas provinciais na Bahia, Pernambuco, Maranhão, São Paulo e Pará, além de duas em
Vila Rica e seis no Rio de Janeiro, com autorização régia.
Embora Hipólito da Costa revelasse sensibilidade para os problemas sociais e a
constante luta pela reforma dos costumes políticos segundo seu biógrafo, Mecenas
Dourado, é preciso que se considere em seu jornal Correio Brasiliense, a manifestação
“[...] do tipo noticioso – como ângulo externo de ver o Brasil, perspectiva externa: todos os
nossos grandes problemas foram por ele tratados muito mais segundo as condições
internacionais do que nacionais.”
25
. É importante observar que Hipólito estava atento aos
problemas do Brasil, manifestando constantes críticas à Coroa, o que desencadeou a
censura, impedindo a circulação de jornais no país.
Portanto, é no espaço da folha impressa que surgem os debates políticos que
caracterizam a origem da imprensa brasileira, diretamente ligada, em um primeiro
24
MONTEIRO, Eduardo Carvalho. Op. cit. nota n.14. p. 13.
25
SODRÉ, Nelson Werneck. História da imprensa no Brasil. 2. ed. Rio de Janeiro: Edições do Graal, 1977.
p. 24.
momento, às conjunturas políticas por que passou o Brasil. Principalmente, quando a “[...]
luta pela independência colocou em campos opostos a imprensa oficial, ou oficiosa, e a de
oposição. Esta última caracterizou-se pela linguagem enérgica e violenta.”
26
. Essa fase
convulsionada em que se processa a independência é marcada pela
[...] agitação política caracterizada do processo de emancipação política
brasileira que teve a imprensa como significativo veículo de difusão dos
divergentes ideais de então [...] caracterizando a tensão política e
assinalando tendências.
27
A atuação da imprensa nesse momento de separação entre Brasil e Portugal foi
de fundamental importância, destacando-se o Revérbero Constitucional Fluminense, que,
além de lutar pela independência se posicionou contrário à volta de D. Pedro a Portugal.
Também em 1821, surge o Malagueta que saiu em defesa das causas brasileiras. Outro
periódico que desempenhou importante papel foi o Correio do Rio de Janeiro, que
defendeu a convocação da Constituinte e a liberdade de imprensa. Aliás, a luta doutrinária
de preparação à independência, travada muitas vezes através da imprensa, refletia a
confusão política daquele momento, situando em campos opostos muitos dos periódicos
que se posicionaram pró ou contra tal processo.
A partir de 1823, a intensa repressão política vai caracterizar esse período pela
suspensão da liberdade de imprensa. Muitos jornalistas foram perseguidos e espancados,
criando um clima insuportável para a imprensa, que assinala o desaparecimento de um
grande número de periódicos, que refletiam as lutas políticas e nelas influenciavam. No
entanto, após esse ambiente de agitação, gradativamente a liberdade reaparece e começam
a proliferar os periódicos, destacando-se os pasquins de linguagem virulenta e de combate,
que vão caracterizar o Período Regencial.
Foi essa fase da Regência, caracterizada por intensa luta política, um dos
grandes momentos da imprensa brasileira, a qual desempenhou importante papel nos
acontecimentos políticos. Desde o Sete de Abril, com a abdicação de D. Pedro I, a
proliferação dos periódicos se deu de forma vertiginosa, principalmente com os pasquins
onde as paixões políticas são retratadas, uma vez que os mesmos estavam comprometidos
com a luta partidária, atingindo os limites da exaltação. No desenrolar dos acontecimentos,
26
CAPELATO, Maria Helena. Op. cit. nota n.22.p. 38.
27
ALVES, Francisco das Neves. A imprensa gaúcha: história, historiografia e política. Rio Grande: FURG.
2000. p. 16.
durante todo o período Regencial, “[...] a imprensa continuou no seu papel, refletindo as
contradições sociais e políticas e influindo no andamento dos acontecimentos.”
28
. Com a
consolidação do Segundo Império, a pacificação interna leva o jornalismo político ao
declínio. Os pasquins praticamente desaparecem; um ou outro ainda permanece que a
luta contra as oligarquias não tinha mais sentido. Nessa fase de conciliação, em que as
lutas partidárias vão diluindo-se, o Império mais estruturado encaminha-se para um quadro
renovador em todos os setores da sociedade, em decorrência da conversão dos lucros
advindos da base econômica do Império: a cafeicultura. Assim, a imprensa literária se
sobressai neste período, bem como a imprensa acadêmica.
Novos tempos surgiriam para a imprensa, com a virada política que leva à
ruptura da conciliação a partir de 1869, com o acirramento da luta política em [...] maio
de 1869, aparecia, na Corte, A Reforma; [...] que defendia [...] a reforma eleitoral, reforma
judiciária, abolição de recrutamento militar e da Guarda Nacional, abolição da
escravatura.”
29
. Nesse contexto, o clima político refletia-se em profundas críticas ao
regime, encaminhando-se para o surgimento de uma ala radical que foi determinante na
formação do Partido Republicano Brasileiro e do seu jornal A República (1870).
Entretanto, o jornal A Reforma, fundado pelos liberais, é o periódico que mais contribuiu
para as grandes transformações da imprensa.
Com o avanço da idéia republicana, multiplicaram-se os jornais republicanos e
abolicionistas. Ambas campanhas, em estreita conexão, inflamaram a sociedade, dando
amplitude às inquietações civis arregimentando forças para o derradeiro momento da
Proclamação da República. Entre as forças que canalizaram as energias, está a ação
revolucionária da imprensa, que soube reviver a propaganda da idéia republicana através
de suas páginas.
Ao ser proclamada a República, os discursos expressos nos jornais
demonstravam o euforismo com que fora recebida a nova forma de governo, conforme
afirma Capelato: “os jornais daquela época criaram a imagem harmoniosa, unitária e
festiva da República. Todos enfatizaram o contentamento popular.”
30
. No entanto, os
conflitos desencadeados mais tarde demonstram a complexidade do processo “a imprensa,
28
SODRÉ, Nelson Werneck. Op. cit. nota n.25. p.148.
29
Idem, p. 232.
30
CAPELATO, Maria Helena. Op. cit. nota n.22. p. 44
que tivera um papel significativo na mudança do regime, traduzia os descontentamentos.
Na maior parte dos jornais, os elogios e esperanças de outrora cederam lugar a críticas.”
31
.
As lutas políticas e as contradições dos vários grupos que compunham aquele
cenário político se aprofundariam em função das reformas que deveriam ser
implementadas, quadro que imediatamente a imprensa refletiu. Os acontecimentos
ecoariam por todo o país, jornais seriam fechados nos estados. No Rio Grande do Sul isso
aconteceria com A Atualidade; [...] no Rio, a Gazeta de Notícias teve a circulação suspensa
alguns dias.”
32
. Nessas circunstâncias, a imprensa vai gradativamente se aprimorando,
promovendo transformações e desenvolvendo técnicas, que levarão a mudanças estruturais,
configurando um modelo empresarial que aos poucos vai se definindo.
Na esteira desses problemas de ordem política, em que a rotina dos
acontecimentos determinava o momento complicado da república, fornecendo matéria-
prima para a imprensa, outros elementos iriam juntar-se para promover a especialização da
mesma. Entre eles, destacam-se a imprensa e a literatura, cujos espaços se entrecruzavam
devido à não-definição de estilos e campo de atuação. Com a organização dos movimentos
sociais, em que os respectivos segmentos se agrupavam, o movimento operário marca
presença tendo como reflexo a circulação de folhas que reivindicavam interesses da classe,
nascendo, portanto a imprensa operária.
As sucessivas transformações da imprensa acentuam o processo de organização
da sociedade e a forma pela qual cada grupo expressa seus valores e seus ideais. Nesse
sentido, o espiritismo vai encontrar espaço para veicular suas mensagens na crescente
imprensa especializada que, através do pioneirismo do professor Luís Olímpio Teles de
Menezes, lançava, em julho de 1869, em Salvador, O Eco D’além-Túmulo com a
finalidade de “[...] melhor se defender dos ataques do poder eclesiástico hegemônico da
época. [...] Além de defender o espiritismo, o jornal era baluarte em prol da abolição da
escravatura no Brasil.”
33
. O surgimento da Doutrina Espírita no Brasil ocorre durante o
Segundo Império, em 1865, com a institucionalização da primeira sociedade denominada
Grupo Familiar do Espiritismo, também fundada por Teles de Menezes. Esse evento
ocorre quando o quadro político do império começava a entrar em ebulição, período de
gestação que preparava o momento oportuno para o advento da República. Estava lançada
31
Idem, p. 46.
32
SODRÉ, Nelson Werneck. Op. cit. nota n. 25. p. 300-301.
33
DIBO, Dulcídio. Brasil 500 anos: História espiritual. São Paulo: Panorama, 2000. p. 148.
a semente de uma Doutrina com base científico-filosófica e de caráter ético-moral que, no
entanto, encontraria solo fértil para difundir-se somente a partir da mudança da forma de
governo.
A República iria oferecer as condições favoráveis a sua expansão, através da
Constituição de 1891, que garantia, em seu artigo 72, parágrafo 3º, que: “[...] todos os
indivíduos e confissões religiosas podem exercer pública e livremente o seu culto,
associando-se para esse fim e adquirindo bens, observadas as disposições do direito
comum.”
34
. Determinava também: [...] é livre a manifestação do pensamento de imprensa
ou pela tribuna, sem dependência da censura, respondendo cada um pelos abusos que
cometer nos casos e pela forma que a lei determinar. Não é permitido o anonimato.”
35
Dessa forma, começa a se solidificar a presença do Kardecismo”
36
no Brasil,
ambiente ainda hostil devido ao patrulhamento criado pela Igreja Católica, por isso os
espíritas consideram o período de 1869 a 1910, como o mais importante para a afirmação
da doutrina.
É preciso considerar que, se por um lado a doutrina apresentava propostas
arrojadas que abalavam as estruturas dos cânones da Igreja, por outro,
[...] sob o ponto de vista sociológico, o surgimento do Espiritismo
oferecia, ainda, a um povo dominado e de mente patrulhada, a
oportunidade de refletir e preencher as expectativas de um pensamento
racional sobre o destino humano, permitindo-se investigações de ordem
comprobatória a respeito do próprio fenômeno mediúnico
37
.
Outro aspecto relevante, que talvez possa explicar a rapidez com que ocorreu a
intelectualização do movimento espírita, é a difusão do princípio kardequiano expressa no
Evangelho segundo o espiritismo. Esse livro é uma das cinco obras que compõem a
Codificação Espírita, e, no capítulo XIX explica que “[...] raciocinada é a aquela que
pode encarar a razão face a face em todas as épocas da Humanidade.”
38
. Logo, foi
compreendida por adeptos da nova religião revelada pelos espíritos, que se encarregaram
da sua divulgação através dos jornais e livros, possibilitando que, de 1869 até hoje, mais de
34
BALEEIRO, Aliomar. Constituições brasileiras: 1891. Brasília: Senado Federal e Ministério da Ciência e
Tecnologia, Centro de Estudos Estratégicos, 1999.
35
Idem, 1999.
36
Nome utilizado tendo como referência seu codificador Allan Kardec.
37
MONTEIRO, Eduardo Carvalho. Op. cit. nota n.14. p. 28.
38
KARDEC, Allan. O evangelho segundo o espiritismo. Tradução de Salvador Gentile. 134. ed. São Paulo:
Instituto de Difusão Espírita, 1978. p. 247.
seiscentos jornais surgissem no Brasil, alguns de vida efêmera, outros centenários, que
ainda continuam a ser divulgados.
O progresso da imprensa espírita está relacionado ao esforço dos pioneiros em
terras brasileiras, que trabalharam para superar as adversidades que obstaculizavam a
marcha das idéias espíritas. Os articulistas das primeiras horas do movimento espírita,
deixaram inscritos seus pensamentos nas ginas dos periódicos, como reflexo vivo de um
momento social, por isso “[...] pensar essa imprensa como portadora de um projeto
específico, apresentado como universal.”, significa “[...] desmontar esses discursos para
perceber que projetos estavam sendo generalizados”, portanto, compete ao “[...]
pesquisador ter o constante empenho em [...] recuperar ao máximo sujeitos e propostas.”
39
.
É significativa a formação intelectual desses pioneiros da imprensa espírita,
bem como a participação dos membros nos movimentos sociais da época. Luís Olímpio
Teles de Menezes (1825-1893) colaborou como principal redator em A Época Literária
(1849) da Bahia, nas duas fases desse periódico; seus artigos demonstravam a
compreensão de que “[...] jornalismo, mesmo o literário, deve ser a promoção do bem
comum, em lutas constantes a prol dos ideais mais altos.”
40
. Menezes atuou também no
Diário da Bahia (1856-1956), liberal, e no Jornal da Bahia (1853-1878), conservador.
Estendeu sua colaboração ao O Interêsse Público (1860-1870). Segundo informa a revista
Reformador, de junho de 1969, Teles de Menezes exerceu a função de tesoureiro do
Instituto Histórico da Bahia, quando em 1857 foi proposto como membro, trabalhando ao
lado do Presidente da Província da Bahia, Dr. Álvaro Tibério de Moncorvo e Lima, que
também seria convertido ao espiritismo. Além de ser o fundador da imprensa espírita,
Teles de Menezes também lançara os alicerces da primeira sociedade espírita no Brasil, em
17 de setembro de 1865, fundando o Grupo Familiar do Espiritismo.
Destaca-se também, nos primórdios da imprensa espírita, Adolfo Bezerra de
Menezes Cavalcanti (1831-1900), médico, empossado membro titular da Academia
Imperial de Medicina em 1857, que é considerado pelos espíritas “o médico dos pobres” e
“o Kardec brasileiro”. Bezerra de Menezes também atuou na política por vinte anos; seu
dinamismo o levou a trabalhar ao lado de Dias da Cruz, Teófilo Otoni, Ouro Preto e Prado
Pimentel no periódico A Reforma, que surgiu na Corte em maio de 1869. Exerceu a “[...]
39
VIEIRA, Maria do Pilar de Araújo; PEIXOTO, Maria do Rosário da Cunha; KHOURY, Yara Maria Aun.
A pesquisa em história. 2. ed. São Paulo: Ática, 1991. p. 53-54-56.
40
A IMPRENSA espírita no Brasil. Reformador. Rio de Janeiro, n. 6, p. 5-28, jun. 1969.
vereança na Câmara Municipal do Rio de Janeiro, [...] sendo conduzido facilmente a várias
reeleições. [...] chegou a ocupar a presidência da Câmara, [...] e eleito deputado por várias
legislaturas[...]”
41
. Tinha posições liberais que o levaram a defender a abolição da
escravatura contra os poderes socioeconômico e religioso da época. Convertido ao
espiritismo em 1886, usou a imprensa para defender seu novo postulado. Sob o
pseudônimo de Max, escreveu artigos de estudos filosóficos que causaram muitas adesões
ao espiritismo, no jornal O País, de Quintino Bocaiúva, que era simpático ao espiritismo.
Dentro desse período preparatório da imprensa espírita, considerado pelos
historiadores de doutrina como sendo de 1869 a 1910, surgiu outro nome reverenciado
pelos seguidores dessa filosofia, o de Augusto Elias da Silva que “[...] lançava, a 21 de
janeiro de 1883, o Reformador, a vibrante voz que se propunha renovar os costumes.”
42
.
Mais tarde, Elias e alguns outros companheiros reunidos em sua casa na Rua da Carioca
120, lançaram as bases da Federação Espírita Brasileira, no dia 2 de janeiro de 1884,
incorporando o periódico Reformador.
Reforçando o grupo de pioneiros da imprensa espírita, destacou-se em São
Paulo, Antonio Gonçalves da Silva (1838-1909), conhecido como Batuíra, que, em 1890
fundou o jornal Verdade e Luz. A respeito desse jornal Monteiro comenta:
Sua tiragem, iniciada com 2000 exemplares, atingiu em 1897 a
excepcional quantidade de 15000 exemplares. [...] Enfrentando pesadas
críticas de grupos católicos, Batuíra utilizava-se das páginas do Verdade e
Luz para defender-se e relatar casos espíritas e curas obtidas por seu
intermédio.
43
O resultado da venda do jornal era destinado, na sua totalidade, à assistência
social. Ainda em São Paulo, aparece Anália Emília Franco, considerada a Grande Dama
da Educação. Seu trabalho era todo voltado para a educação das camadas miseráveis da
sociedade. Em 1903, funda o mensário A Nova Revelação e, em 1908, o Periódico
Natalício de Jesus, de fundo doutrinário espírita. Assim como Batuíra, Anália tinha sua
própria tipografia.
Portanto, os espíritas mantinham acesos seus ideais filosófico-científicos com
uma eficiente propaganda através da imprensa que, ao lado de perseverante disciplina,
41
BERNI,Duílio Lerna. Op. cit. nota n.12. p. 234.
42
Idem, p. 260.
43
MONTEIRO, Eduardo Carvalho. Op. cit. nota n.14. p. 23.
ancorada em princípios ético-morais, permeou todo o Brasil com seus periódicos cujo
objetivo, além de difundir os ensinamentos dos espíritos - que, na afirmação de seus
seguidores foi trazida a lume como Revelação dos mesmos -, também promoviam
discussões situadas no campo fenomenológico, que é a base científica do espiritismo
experimental.
Não obstante estar demonstrada a importância desses periódicos e o papel
que eles têm exercido no cenário brasileiro para a formação cultural desse segmento,
afirmam seus continuadores:
Como órgão de propaganda e difusão dos ensinamentos sistematizados
nas obras de Allan Kardec e subsidiárias, a nossa imprensa espírita, toda
ela fundamentada na moral evangélica, estuda e debate os temas mais
importantes da Filosofia, da Ciência e da Religião, pouco a pouco
transformando a mentalidade de um sem número de criaturas humanas,
numa inegável contribuição ao desenvolvimento da cultura e ao
fortalecimento da moral espírita.
44
A esse pioneirismo de centenas de outros jornais no Brasil alguns de vida
efêmera, outros que ainda persistem, tendo superado as hostilidades do clero nesse
primeiro momento seguiram-se nessa fase, situada como de afirmação, que vai de 1869 a
1910, os seguintes periódicos
45
:
1. O Eco D’além-túmulo Monitor do Epiritismo no Brasil. Fundado na
cidade de Salvador em julho de 1869, por Luís Olimpio Teles de Menezes. Primeiro
periódico em língua portuguesa surgido no Brasil. Bimestral, depois mensal.
2. Revista Espírita Conforme Reformador de junho de 1969, essa revista
surgiu como publicação mensal de Estudos Psicológicos no Rio de Janeiro, em 1875, e foi
redigida pelo Dr. Antônio da Silva Neto.
3. O Espírita Apresentam-se duas datas de fundação para esse jornal: 1875
(conforme Reformador de junho de 1969) e 1874 que, segundo Clóvis Ramos, surgiu em
Natal, Rio Grande do Norte, por Manoel Gomes
46
.
4. Revista da Sociedade Acadêmica Deus, Cristo e Caridade apareceu no
Rio de Janeiro, em 1881, fundada pelos seguintes diretores da sociedade: Dr. Antônio
Pinheiro Guedes, Carlos Joaquim de Lima e Cirne, Dr. Francisco Siqueira Dias, José
44
A IMPRENSA espírita no Brasil. Op. cit. nota n. 40. p. 5-28.
45
PERIÓDICOS Espíritas de 1869-1900. Reformador, Rio de Janeiro, n.7, p.23-24, jul. 1969.
46
RAMOS, Clóvis. A imprensa espírita no Brasil: 1869-1978. Juiz de Fora: Instituto Maria, 1979. p. 5.
Antônio Val de Vez e Salustiano José Monteiro de Barros. Foi gerente dessa revista o
professor Afonso Angelo Torteroli. A revista circulava mensalmente, e seu último número
saiu em julho de 1882.
5. A Cruz semanário espírita fundado na cidade do Recife, em 6 de julho de
1881, pelo Dr. Júlio César Leal.
6. União e Crença jornal mensal de propriedade do Grupo Espírita
Fraternidade Areense. Distribuição gratuita. Editores: Cel. Joaquim Silvério Monteiro
Leite e Afonso de Távora. O primeiro número saiu a lume em 24 de março de 1881, na
cidade de Areias.
7. O Espiritismo Órgão espírita dedicado ao estudo da verdade, fundado no
Rio de Janeiro, em 22 de outubro de 1881. Bissemanal.
8. O Renovador Órgão espírita fundado no Rio de Janeiro, em 28 de agosto
de 1882, pelo Major Salustiano José Monteiro de Barros e pelo professor Afonso Angelo
Torteroli. Formato grande, de quatro páginas.
9. Reformador fundado no Rio de Janeiro, em 21 de janeiro de 1883, por
Augusto Elias da Silva. Ao entrar no segundo ano, passou a ser órgão da Federação
Espírita Brasileira. De todos os periódicos é o único que sobreviveu, continua sendo
editado com tiragem mensal.
10. Vianense periódico espírita publicado na cidade de Viana (Maranhão).
Existia em 1883.
11. Século XX Órgão espírita da Sociedade Espírita Concórdia, de Campos
(Estado do Rio). Publicação quinzenal, de distribuição gratuita, surgido aos 13 dias de abril
de 1885.
12. A Luz Órgão do Clube Espírita Redenção, de o Luiz do Maranhão,
fundado em 21 de julho de 1886.
13. Espiritualismo Experimental - Órgão consagrado a todos os ramos de
conhecimentos e especialmente à Ciência Espírita. Jornal mensal, fundado na cidade de
São Paulo, em setembro de 1886, por Francisco dos Santos Cruz Júnior.
14. A Nova Era - Hebdomadário espírita fundado no Rio de Janeiro, em de
janeiro de 1890, por Antônio Francisco Pereira e Nelson de Faria.
15. A Luz –Órgão do Centro Espírita de Curitiba, fundado em 15 de janeiro de
1890, por Alfredo Caetano Munhoz e Manuel Cunha. Publicação quinzenal.
16. O Regenerador fundado em Belém (Pará), no ano de 1890. Periódico
mensal, dedicado à propaganda espírita.
17. Verdade e Luz Órgão do espiritualismo científico, fundado na Capital do
Estado de São Paulo, em 20 de maio de 1890, por Antônio Gonçalves Batuíra. Publicação
quinzenal, impressa pela Tipografia Espírita, criada pelo próprio Batuíra. Depois do ano
XVI, passou a ser órgão da Instituição Cristã Beneficente Verdade e Luz, também fundada
por Batuíra. A partir de 1918, passou a ser mensal.
A respeito de Batuíra, afirma Eduardo Monteiro:
Espírita convicto, impressionou a sociedade da época por sua obra
caritativa e desapego aos bens materiais. Seu pioneiro jornal, [...] com
tiragens de até 15 mil exemplares, foi verdadeiro defensor do espiritismo
contra os ataques do clero.
47
18. O Regenerador Órgão do Grupo Caridade nas Trevas (Centro Espírita S.
Francisco de Assis), do Rio de Janeiro, fundado em 1890, com circulação mensal.
19. Revista Espírita periódico mensal de estudos psicológicos e de moral,
fundado em Curitiba, em fins de 1890.
20. A Evolução Órgão quinzenal do Centro Espírita Rio-Grandense, fundado
nas cidade do Rio Grande (RS), em fevereiro de 1892, por Domingos Toscano Barbosa.
21. O Farol Órgão do Centro Espírita de Paranaguá (Paraná), lançado em 27
de junho de 1893. Tinha distribuição gratuita.
22. A Voz Espírita Órgão quinzenal do Centro Espírita de Porto Alegre,
fundado em 1894.
23. A Verdade Órgão do Centro da União Espírita e da Sociedade Espírita
Cristo e Caridade, de Cuiabá, fundado em maio de 1894, pelo Capitão Pedro Antunes de
Souza Ponce.
24. Perdão, Amor e Caridade –Órgão do Grupo Espírita Esperança e Fé, de
Franca (SP), lançado em 1894. A princípio, foi publicado anualmente, mas a partir de 1
º
de
setembro de 1896, passou a ser mensal.
25. A Espírita Órgão do Centro da União Espírita e do Centro Consolo
dos Aflitos, de Paranaguá, surgiu em 15-09-1894. Publicação mensal gratuita era dirigido
por João Moraes Pereira Gomes.
47
MONTEIRO, Eduardo Carvalho. Op. cit. nota n.14. p. 56.
26. A Religião Espírita –Órgão do Centro Espírita Rio-Grandense, da cidade de
Rio Grande (RS), lançado em 1895 por Miguel Vieira de Novaes. Era mensal e de
distribuição gratuita.
27. Eco da Verdade Porto Alegre (RS). Órgão do Centro Espírita Porto
Alegre. Fundado em 1895, por C. Barone Martins Viana.
28. O Espírita fundado em 25-12-1895, em Recife, por Enídio João Paulo
Ribeiro.
29. Revista Espírita surgiu em Salvador, Bahia, em 15-08-1895, como órgão
do Centro Espírita Amor e Caridade. Fundado por Dr. Silvino Moura, com circulação
quinzenal.
30. A União fundado em 1896 por João Nunes dos Santos, em Penedo-
Alagoas. Periódico quinzenal, que, além de tratar de espiritismo, dedicava-se às questões
sociais.
31. A Voz da Verdade Fundado por João Moraes Pereira Gomes, em
Paranaguá, como órgão do Grupo Familiar São Mateus, em 21-09-1896.
32. Arrebol Fundado em 14-05-1897, Uberaba (MG), pelo Grupo Espírita
Deus, Cristo e Caridade. Quinzenal.
33. Religião Espírita Rio de Janeiro. Fundado em 25-12-1897, como órgão
do espiritismo religioso. Tinha como redator Leopoldo da Rocha Barros. Era mensal.
34. Revista Espírita do Brasil – Fundado em 07-08-1897, como órgão do
Centro da União Espírita de Propaganda no Brasil, no Rio de Janeiro.
35. A Caridade Órgão do Grupo Espírita Antônio de Pádua de Ouro Preto
(MG), fundado em 1
º
-4-1888. Saía quinzenalmente.
36. Revista Espírita – Porto Alegre, órgão da Sociedade Espírita Allan Kardec,
fundada em 4-9-1898 por Joaquim Xavier de Carneiro.
37. O GuiaÓrgão destinado à propaganda e defesa do espiritismo em Recife.
Fundada e 15-7-1899. Mensal.
38. Revista da Sociedade Psíquica de o Paulo Fundada em 1
º
de junho de
1899, em São Paulo. Órgão trimestral de estudos herméticos (publicava estudos sobre
espiritismo, magnetismo, esoterismo, psiquismo e teosofia), “[...] era um grupo
independente de estudos esotéricos, não estava filiada a Centro ou Escola
alguma, porém acatava e considerava as opiniões, crenças e credos de todos que
se dedicavam aos estudos psíquicos”.
48
39. A Ciência Órgão de propaganda do Grupo Espírita São Vicente de Paulo
de Maceió, Alagoas. Fundado em 25-03-1900.
40. A Defesa Taubaté (SP). Órgão Espírita para a defesa da Doutrina,
fundado em 15-01-1900.
41. A Doutrina Curitiba. Órgão da Federação Espírita do Paraná. Fundado
em 02-03-1900, por Alfredo Munhoz. (Segundo Reformador, que apresentou os periódicos
espíritas de 1869 a 1900 foi fundado em primeiro de abril de 1900 e era dirigido por
Domingos D. Veloso Jr.
42. O Espírita Alagoano Órgão do Grupo Espírita São Vicente de Paulo, de
Maceió, Alagoas. Fundado por Antônio Pombo em 1900.
43. A Paz Fundado em meados de 1900, sob a direção de Manoel Maria da
Boa Morte, em Salvador. Órgão do Grupo Servos do Senhor. (Vem citado em Periódicos
Espíritas de 1869 a 1900, em Reformador).
44. A Regeneração Órgão Espiritista” da Sociedade Espírita Allan Kardec,
de Rio Grande (RS). Citado em a Pequena Imprensa Rio-grandina no século XIX,
pelo historiador Francisco das Neves Alves, como circulado entre 1900 e 1902.
45. A Voz D`Além-Túmulo Registrado por Reformador de julho de 1969,
como o surgido “logo depois de 1900”, em Ouro Preto, Minas Gerais.
46. A Fraternização Fundado em 1902, por Ernesto Mattoso, no Rio de
Janeiro.
47 O Alvião Fundado em 10-02-1904, em Taubaté-SP. Publicação quinzenal
redigida por Ernesto Penteado. Revista científico-filosófica do espiritismo.
48. Jornal Espírita Órgão do Centro Espírita União, Humildade e Caridade.
Fundado em 11-7-1904 em Juiz de Fora, Minas Gerais.
49. O Clarim – Surgiu em Matão (SP), em 15-08-1905 por Caibar Schutel, com
a finalidade de divulgação da Doutrina junto aos simples e para defendê-la dos ataques do
clero. Criou também, junto com Luis Carlos Borges, a Revista Internacional do
48
Idem, p. 44.
Espiritismo, em 1925. Foi ainda fundador do Centro Espírita Amantes da Pobreza (1907).
O Clarim tem:
[...] quase 100 anos de existência, [...] apenas uma vez deixou de
circular. A tiragem normal era de 10.000 exemplares semanais, mas em
épocas de dificuldade algumas edições especiais chegaram a ser tirados
até 47.000 exemplares, [...] era enviado para diversas cidades do Brasil
e do Exterior.
49
50. Sophia Belém do Pará. Órgão de propaganda do Centro Espírita
Paraense. “O sexto número saiu em fevereiro de 1905.”
50
51. A União Espírita – Fundado em 18-08-1905 no Rio de Janeiro, era dirigido
por Domingos Machado.
52. Aurora Pontal, Minas Gerais. Diretor José Cornélio Bueno. Em A
Imprensa Espírita no Brasil, 1869-1978, Clóvis Ramos, cita Verdade e Paz, que afirma ter
circulado em 1906 os n.ºs 27 e 28 deste jornal.
53. Aurora EspíritaÓrgão do Centro Espírita Regeneração, de Recife. Surgiu
em 1906, com 16 páginas.
54. A Cruz Órgão do grupo Espírita Fé, Esperança e Caridade. Fundado pelo
médico Dr. Ribeiro Gonçalves em 1906. Era produzido em oficina própria.
55. Espaço Fundado em fevereiro de 1906, como jornal de propaganda
doutrinária, em Curitiba.
56. Eternidade – Porto Alegre. Periódico publicado pelo Grupo Espírita Irmãos
da Fé, em 1906.
57. O Guia Manaus. Circulava em 1906, dirigido por “observadores e
estudiosos do espiritismo”.
51
58. Humildade Órgão de propaganda do Espiritismo. Circulava em 1906 no
Rio de Janeiro.
59. O Mundo Oculto – Órgão da Sociedade de Estudos Psíquicos Mundo
Oculto, de Campinas (SP). Reformador, de julho de 1969, cita que em 1906 saía o n.º 18.
Eduardo Monteiro, em seu livro “100 anos de Comunicação Espírita de São Paulo”,
apresenta um fac-símile deste jornal, que embora reduzidíssimo, lê-se como o n.º 7 de 13-
03-1903.
49
Idem, p. 52.
50
RAMOS, Clóvis. Op. cit. nota n.46. p. 153.
60. Nova Revelação Órgão do Centro Espírita. São Paulo, capital. Publicado
sob a gerência de Francisco Antonio Bastos, esposo de Anália Franco (A Grande Dama da
Educação). O primeiro número saiu em 3 de outubro de 1903.
61. A Revelação Órgão da União Espírita Paraense. Fundada em 20 de maio
de 1906, e apresentava-se como Revista da propaganda da verdade espírita de Belém do
Pará, tinha 24 páginas. Em 1871, passa a ser jornal.
62. Verdade e Fundado em 1906, em Cametá (Pará). Órgão do Grêmio
Espírita Beneficente Romualdo Coelho. Revista com 16 páginas.
63. Verdade e Paz Fundado em 15 de janeiro de 1906, em São Luis
(Maranhão). Órgão da Federação Espírita Maranhense. Distribuição gratuita.
64. O Espirita Mineiro Fundado em 1907, como revista quinzenal de Belo
Horizonte. Órgão doutrinário e noticioso da União Espírita Mineira. Esteve 23 anos fora de
circulação, tendo ressurgido em 1935.
65. Tribuna Espírita Órgão do Centro Espírita Humildade e Fé, dirigido por
Inácio Bittencourt, no Rio de Janeiro. Publicação quinzenal de estudo e propaganda, que
circulava em 1909.
66. O Combate Fundado em 1910, por Viana de Carvalho na cidade de
Fortaleza, Ceará. Jornal de contestação ao clero católico.
67. O Lázaro Fundado em 10 de julho de 1910, por Viana de Carvalho, em
Fortaleza (Ceará). Órgão de divulgação dos ideais renovadores do Centro Espírita
Cearense. Era exclusivamente doutrinário.
Como vimos, a primeira grande revolução do espiritismo foi na imprensa,
permitindo a primeira inserção cultural da nova doutrina na cultura brasileira.
Transplantada para nos moldes franceses, teve essa imprensa papel preponderante em
seu campo específico de lutas, principalmente contra o clero, que não tolerava sua
presença. Isso significa dizer que, pelas páginas desses jornais onde se travava a batalha
contra o sectarismo da Igreja Católica, também sustentavam o pensamento vivo e fiel do
espiritismo na sua origem. Portanto, o desenvolvimento dessa doutrina filosófica/científica
no Brasil deve-se à imprensa, que promoveu sua difusão pelo engajamento dos primeiros
espíritas, que eram intelectuais.
51
Idem, p. 77.
1.3.2. Rio Grande do Sul: imprensa secular e espírita, nascimento e transformações
O processo de desenvolvimento da imprensa no Rio Grande do Sul reflete o
que ocorreu no Brasil, em decorrência dos momentos de alternância do termômetro
político do século XIX. Está, portanto, relacionada a esse período conturbado da política
nacional a gênese da imprensa gaúcha.
O campo favorável à germinação de idéias políticas e sociais é determinante
para que se configurem no contexto da “Província de São Pedro do Rio Grande do Sul”
conflitos, cujo cenário leva à inferência de que “[...] a gênese da imprensa está ligada ao
processo político que desembocaria na Revolução Farroupilha”.
52
Os discursos expressos
nos jornais dessa época demonstram que
[...] a imprensa acompanhou a forte bipolarização política que marcou o
cenário provincial/estadual ao longo de sua história, marcado por disputas
partidárias praticamente constantes, as quais, muitas vezes, vencidas as
instâncias do jornalismo e da tribuna, redundaram em confrontos de
natureza bélica.
53
A cultura impressa em suas origens indica que a primeira manifestação se deu através de
almanaques, quando “[...] em 1808, aparecera, no Rio Grande do Sul, o Almanaque da Vila
de Porto Alegre, redigido por Manuel Antônio de Magalhães, com observações sobre o
estado da Província”
54
.
Também, contituiu-se em um importante referencial para esta fase o “[...]
surgimento de nosso primeiro jornal: O Diário de Porto Alegre, em 1827,” que tinha o
aval do Presidente da Província, Salvador José Maciel. Na esteira desse jornal, e em
virtude da complexidade das lutas políticas “[...] estava aberto o caminho para o
surgimento de novos periódicos [...]”.
55
Mas é com as rebeliões características do Período Regencial que a imprensa
começa a alastrar-se. Nesse quadro, os conflitos desencadeados revelam as turbulências
desta fase, atingindo o Rio Grande do Sul, como conseqüências da luta entre
Conservadores e Liberais, reflexo do que ocorria na Corte; somando-se a isso, a crise
econômica, crise das exportações e o centralismo opressivo, motivaram a deflagração da
52
RÜDIGER, Francisco Ricardo. Tendências do jornalismo. 3.ed. Porto Alegre: UFRGS, 2003. p. 18.
53
ALVES, Francisco das Neves. Op. cit. nota n.27. p. 14.
54
SODRÉ, Nelson Wernek. Op. cit. nota n. 25. p. 277.
Revolução Farroupilha. Nesse contexto, a imprensa se caracteriza pela publicação de
periódicos que serviam a interesses “[...] tanto Farroupilhas quanto legalistas [...]” que
“[...] organizaram uma série de periódicos através dos quais defendiam suas idéias e
atacavam-se mutuamente. [...] Esta motivação político-partidária foi fundamental para o
desenvolvimento da imprensa desta época de modo que foram produzidos jornais de
razoável feitura gráfica para os padrões de então [...]”
56
.
Embora fosse o processo político em curso o responsável pelo
desenvolvimento da imprensa, outros fatores também colaboraram, como a necessidade
de informações que situassem as condições de mercado, câmbio e legislação para que o
comércio pudesse se organizar - é o que nos informa Francisco Rüdiger. A importância
que teve o ambiente político daquele período é facilmente verificável, segundo ainda o
referido autor, quando em “[...] 8 anos, desde o surgimento da imprensa, foram lançados
32 jornais. Entre eles, [...] O Constitucional Rio-Grandense, Sentinela da Liberdade, O
Noticiador, O Recompilador Liberal e O Mercantil do Rio Grande.” Portanto, ao
situarmos a imprensa no movimento armado de 1835, “[...] não constitui exagero
afirmar que a imprensa foi o bastidor intelectual da Revolução Farroupilha.”
57
Foi nesse ambiente que se desenvolveu uma das características mais marcantes
deste período em que essa imprensa passou por [...] amplas dificuldades de natureza
financeira, humana e tecnológica enfrentadas pelos responsáveis pelas folhas”
58
.
Embora essa imprensa tivesse atuação marcante, para Rüdiger, “[...] essas folhas não
chegaram a constituir o fundamento de um jornalismo. [...] Os periódicos eram
simples meios de difusão ideológica [...],” como se pode observar pela “[...] relativa
estagnação da atividade periodística após a guerra civil de 1835.”
59
As condições favoráveis para o aparecimento da imprensa político-partidária
serviram, também, para que fosse impulsionado o desenvolvimento das tipografias face ao
significativo amparo das “forças políticas”. Enquanto isso, essa imprensa era impulsionada
pelos “[...] donos de tipografias, artesãos urbanos que reúnem em si as funções de
proprietários e diretores de jornais.” Situando-se nesse aspecto, “[...] esses homens, como
seu próprio tempo, [...] restringiam sua atividade à direção dos periódicos, confundiam as
práticas editoriais com prestação de serviços gráficos e assim reduziam o periodismo à
55
RÜDIGER, Francisco Ricardo. Op. cit. nota n.52. p. 18-20.
56
ALVES, Francisco das Neves. Op. cit. nota n.27. p. 19.
57
RÜDIGER, Francisco Ricardo. Op. cit. nota n.52. p. 21.
58
ALVES, Francisco das Neves. Op. cit. nota n.27. p. 33-134.
transmissão de conteúdos [...]”, enfim, esses “[...] jornais serviam basicamente para a
veiculação de literatura política.”
60
Ao fim da Revolução Farroupilha e conseqüente pacificação da Província, “[...]
as atividades jornalísticas [...] no Rio Grande do Sul [...] passam por um período de
arrefecimento dos debates políticos”.
61
Isso porque esse momento representa a “[...] fase
intercalar, em que, vagarosamente, surgem alterações específicas e técnicas, preparando a
imprensa dos fins do século, quando os problemas políticos voltam ao primeiro plano.
62
No entanto, as peculiaridades desse período estariam relacionadas a questões pessoais em
que a “[...] agitação viria a pronunciar-se através de uma série de folhas de pequeno
formato, circulação extremamente irregular, duração efêmera e que se utilizavam, na
maioria das vezes, de um palavreado chulo e virulento, eram os pasquins.”
63
Com o aparecimento dos pasquins, as personagens que se destacaram naquela
fase eram afetadas pelo radicalismo, pois [...] os pasquineiros tornaram-se célebres pelos
ataques morais e pelos abusos de linguagem, que criavam desavenças na comunidade e
levantavam a raiva das autoridades.”
64
A despeito de produzirem discussões acirradas que
se tornavam polêmicas, estas eram marcadas pela linguagem virulenta”, que logo
desapareciam por desfazer-se a fonte que alimentava esses pasquins, conforme Francisco
Alves.
Posteriormente, o quadro político e econômico começa a sofrer alterações,
indicando que o “[...] contexto mais amplo que possibilita esse processo encontra-se no
ciclo de desenvolvimento agrícola e comercial que transformou a estrutura econômica a
partir de 1860. [...] O ciclo favoreceu naturalmente o desenvolvimento da imprensa.”
65
De
forma que, “[...] desenvolveram-se no Rio Grande do Sul outras atividades jornalísticas,
com a publicação de folhas noticiosas e literárias. Estes jornais [...] serviam à difusão
cultural, além de proporcionarem entretenimento ao público leitor.”
66
Em decorrência das
alterações que vão se processando no contexto sociocultural, movidas pelas alterações
econômicas, este quadro favorece não somente a proliferação de periódicos literários,
59
RÜDIGER, Francisco Ricardo. Op. cit. nota n.52. p. 23.
60
Idem, p. 24 e 28.
61
ALVES, Francisco das Neves. Op. cit. nota n.27. p. 20.
62
SODRÉ, Nelson Wernek. Op. cit. nota n. 25. p. 206.
63
ALVES, Francisco das Neves. Op. cit. nota n. 27. p. 21.
64
RÜDIGER, Francisco Ricardo. Op. cit. nota n.52. p. 31.
65
Idem, p. 37.
66
ALVES, Francisco das Neves. Op. cit. nota n. 27. p. 23.
como promovem transformações tecnológicas nas tipografias, resultando em uma melhor
qualidade gráfica.
A literatura no Rio Grande do Sul ganha espaço pelas páginas dos periódicos,
“[...] prática esta que se constituiria no mais importante elemento de divulgação literária
que conheceria o século XIX.As raízes dessa atividade cultural situam-se no surgimento
do periódico O Guaíba em 1856, na cidade de Porto Alegre. Mais tarde, este periódico
seria sucedido pela Arcádia, que aparece em 1867, na cidade de Rio Grande. Destaca-se
também, segundo Carlos Baumgarten, o Partenon Literário, que veio a lume em 1868, na
cidade de Porto Alegre. Esta sociedade teve como importante expressão a Revista
Mensal.
67
A partir da década de 70 do século XIX, começam a se processar alterações no
quadro político do país. A imprensa passa a refletir este momento com o [...]
renascimento do debate político-partidário [...]. Os embates partidários passaram cada vez
mais a ser traduzidos através das páginas dos jornais, onde, às vezes de modo doutrinário,
e, em outras, através de confrontos mais incisivos, enfrentavam-se liberais e
conservadores,”
68
caracterizando-se esta fase pelo domínio de folhas partidárias. Esse
período assinala a transição Monarquia/República. Em decorrência desse processo seria
feita a seguinte constatação: [...] No Rio Grande do Sul, o surgimento do jornalismo
político-partidário foi promovido por A Reforma, órgão do Partido Liberal. Fundado em
1869, apresentou-se ao público como folha doutrinária [...]”.
69
Também ganhava espaço nos periódicos dessa época a causa abolicionista que,
embora usasse de folhas estritamente vinculadas ao movimento, como A Voz do Escravo,
de Pelotas, os jornais noticiosos passaram a incorporar a campanha pela emancipação; a
exemplo disso tem-se: O Século, Jornal do Comércio, A Gazeta de Alegrete, O Mercantil,
etc.
As intensas mudanças que passaram a ocorrer nesse período de fermentação
política refletiram-se em todo o contexto social, demarcando as mudanças que deveriam
ocorrer na passagem do século, tendo a imprensa ativa participação em todos os campos
socioculturais daquele momento.
67
BAUMGARTEN, Carlos Alexandre. Literatura e crítica na imprensa do Rio Grande do Sul (1868-1880).
Porto Alegre: Escola Superior de Teologia São Lourenço de Brindes, 1982, p. 19.
68
ALVES, Francisco das Neves. Op. cit. nota n. 27. p. 26.
69
RÜDIGER, Francisco Ricardo. Op. cit. nota n.52. p. 41.
Assim, as circunstâncias políticas criavam as condições favoráveis para o
aparecimento de inúmeros periódicos de caráter ideológico, os quais denunciavam sua
posição política e apontavam a que grupo político-partidário pertenciam, já que essa
imprensa era sustentada por esses grupos, por isso muitas folhas tinham vida efêmera,
principalmente após os períodos eleitorais; por outro lado, esses “[...] jornais constituíam
um posto de combate e uma arma de crítica política que podia ser substituída pela crítica
das armas [...].”
70
Dessa forma, a violência era muitas vezes, a característica que assinalava esses
momentos de crise, principalmente quando os conflitos políticos levavam a restringir a
liberdade da imprensa. Essa prática esteve presente em muitos momentos da História Rio-
Grandense, mas foi na República Velha que se intensificou a repressão à imprensa, como
resposta do grupo político hegemônico que mantinha o controle do aparelho do Estado.
Assim foi no período que assinalou a Revolução Federalista de 1893. Essa repressão
castilhista aos jornais ficou marcada quando o “[...] Partido Republicano, [...] não poupou
medidas para limitar seu campo de ação, recorrendo sistematicamente a diversas formas de
censura da apreensão e queima de edições até a proibição da transmissão e publicação de
notícias.”
71
Nessa época, havia uma inquietação generalizada indicando o prenúncio de
momentos de agitação, em que as lutas políticas haveriam de ser conduzidas aos extremos,
pontilhadas por questões político-partidárias, o que daria combustível à imprensa,
determinando um papel importantíssimo para a mesma no cenário político do Rio Grande
do Sul. No entanto, assinalava também um campo favorável para que as folhas noticiosas e
literárias pudessem compor o quadro desse contexto social, indicando, dessa forma, a
crescente demanda de um mercado consumidor preocupado em construir um espaço
cultural.
Assim, ao influxo dos acontecimentos, a imprensa vai conjugando esforços
para atender a essa sociedade que se complexificava. Tal necessidade por informações é
manifestada já a partir dos acontecimentos com o conflito que envolve Brasil e Paraguai.
Nesse sentido, as perspectivas para ampliar a cultura impressa favorecem “[...] a difusão,
cultural, além de proporcionarem entretenimento ao público leitor,”
72
resultando dessa
forma, ao aproximar-se o final do século XIX em um [...] avanço quantitativo-qualitativo
70
Idem, p. 52.
71
Idem, p. 49.
[...]” da imprensa, além de “[...] uma ampla diversificação, passando o jornalismo por uma
etapa de especialização, surgindo periódicos que visavam a atender, mais especificamente,
a determinados grupos ou segmentos da sociedade.”
73
Nesse ritmo, progressivamente a imprensa do Rio Grande do Sul expandia-se
de modo que “[...] Entre 1890 e 1920, o jornalismo literário-noticioso teve, pois, seu
apogeu. Nessa época, de fato, multiplicam-se em todo o Estado os jornais comprometidos
com esse modelo jornalístico.” Evidencia-se, assim, a preocupação temática, de modo a
definir uma identidade regional; com efeito, a contribuição dessa imprensa, não pela
propagação das artes, procurou posicionar-se “[...] na difusão de notícias e na discussão de
assuntos de atualidade sem compromisso doutrinário.”
74
Enfim, essa diversificação da imprensa dos fins do século XIX, permite, que os
periódicos espíritas possam se fazer representar junto à sociedade do Rio Grande do Sul.
Nesse contexto, nascem os primeiros jornais comprometidos com a Doutrina Espírita,
visando a influir na sociedade gaúcha, alicerçados nos princípios ético-morais, conforme a
proposta original dos espíritos quando da codificação de seus postulados.
Acompanhando o surto espiritualista que começa a contagiar a sociedade
brasileira, chamando a atenção de intelectuais, homens de mentalidade aberta e dispostos a
rever conceitos, aceitar verdades novas que os fatos viessem a revelar, também levou o Rio
Grande do Sul a viver esse momento de efervescência cultural, despertando a curiosidade
dos homens do final do século XIX.
Naturalmente, esses pioneiros do movimento espírita enfrentaram os
preconceitos da sociedade e suas instituições estabelecidas, principalmente o clero, que não
aceitava dividir seus rebanhos, que dispunham do controle dos bens espirituais e, como
representantes da Divindade, consideravam-se aptos a mercantilizá-los no campo do
sagrado; logo, o espiritismo representava uma ameaça, daí os ataques aos militantes dessa
doutrina. Por outro lado, as estratégias utilizadas pelos espíritas visando o à
unificação do movimento, mas também a propagação e a defesa dos ataques do clero,
consistiam, a exemplo do que ocorria no Brasil, na utilização da imprensa.
Assim, a tomada de posição através dos periódicos significava não uma
estratégia de legitimação da Doutrina Espírita, mas também a interpretação e a interação no
72
ALVES, Francisco das Neves. Op. cit. nota n. 27. p. 23.
73
Idem, p. 26.
74
RÜDIGER, Francisco Ricardo. Op. cit. nota n.52. p. 60 e 63.
contexto social daquela época, inclusive manifestando o pensamento, até mesmo pessoal,
daquele conturbado momento político que vivia a sociedade rio-grandense.
Determinante foi a persistência dos pioneiros para romper com o ranço dos que
obstaculizavam o espaço que o espiritismo deveria ocupar. Entendiam que o papel
destinado a este segmento filosófico-científico, era preencher o vazio que a Igreja deixava
por estar desacreditada e em conseqüência de a mesma não oferecer respostas aos enigmas
da vida e aos conflitos humanos. Logo, a pretensão de respeitabilidade da Codificação se
fundamentava na lógica e racionalidade dos seus escritos, a partir de um sistema de
referências próprio, com ênfase pedagógica, capaz de enfrentar criticamente o desafio
lançado e explicar, através do princípio da reencarnação, o qual lhes dá garantia de
cientificidade, toda a problemática existencial do ser humano. Para isso, seguiam uma
orientação pedagógica em que a expressão máxima é a experiência de leitura e de escrita,
sintetizada no livro espírita e na imprensa.
Percebemos que a estruturação da imprensa espírita no Rio Grande do Sul
decorre num primeiro momento, do surgimento de grupos de estudos familiares, que
gradativamente passam a se institucionalizar dando origem aos “Centros Espíritas”, com a
finalidade de realizar estudo sério e metódico das chamadas obras básicas” que formam o
pentateuco kardequiano. Os primeiros periódicos que surgiram configuram um padrão
narrativo segundo o qual o discurso espírita emergia de princípios ético-morais, conforme
paradigma estabelecido por Allan Kardec na introdução do primeiro mero da Revista
Espírita” (Janeiro de 1858): “Nossa Revista será, assim, uma Tribuna, na qual, entretanto, a
discussão jamais deverá afastar-se das normas das mais estritas conveniências. Em uma
palavra, discutiremos, mas não disputaremos.”
75
Seguindo a orientação de Kardec, conforme sua afirmação na referida “Revista
Espírita”, de que a publicação deste primeiro periódico visava a preencher uma lacuna, e a
“utilidade de um órgão especial é manter o público a par desta nova ciência bem como
preveni-los dos exageros da credulidade”
76
, os espíritas rio-grandenses trataram logo de
criar seus jornais, para veicular as idéias da “Codificação”. Além disso, a referida
orientação incluía como objetivo do periódico, registrar todos os fatos que ocorressem nas
chamadas reuniões mediúnicas. Esta prática, característica da cosmologia espírita, lugar
ao intercâmbio com o mundo metafísico, resultando em um circuito reconstrutivo da
75
KARDEC, Allan. Op. cit. nota n. 20. p.3.
76
Idem, p.2.
codificação escrita, interagindo, assim, com as “obras básicas”, no sentido de
complementação, sendo, em conseqüência, produzida uma literatura bastante variada.
A primeira manifestação oficial da imprensa espírita ocorreu na cidade do Rio
Grande com a fundação do jornal A Evolução. Trazia o dístico: se as palavras preparam o
caminho, as obras o completam” e “O mais bello de todos os templos é um coração
puro.”
77
Ainda, o n.º 1 de fevereiro abria com uma nota da redação, intitulada Á imprensa:
Que Deus vos ilumine.
Á imprensa em geral nossas saudações, e aos collegas espíritas em vez de
cumprimental-os com o chapéo, cumprimentamol-os, levantando bem
alto a Espada com a nossa direita e brandindo o Latigo com a nossa
esquerda, para significar-lhes que estamos promptos a cumprir com o
nosso dever segundo a medida de nossas forças e o interesse da doutrina
que é o da humanidade.
78
Dessa forma, o jornal se posicionava como ferrenho defensor dos princípios
doutrinários, permanecendo, portanto, vigilante quanto aos objetivos do espiritismo, para
que se cumprisse a finalidade à qual está destinado, ou seja, a de regenerar a humanidade.
Esse patrulhamento, para que se efetivassem os interesses da doutrina, era uma
característica do ambiente hostil daquele momento, reflexo da conjuntura política e
principalmente em relação aos outros credos. A necessidade também de combater o
materialismo fica clara quando Domingos Toscano Barbosa, fundador do jornal, em um
artigo de sua autoria, assim se expressou:
Apresento-me na imprensa para defender uma idéia, e jamais arredarei
um passo do firme terreno em que piso; debato-me por uma causa
justa, portanto nada receio.
[...] Como quereis, pois, que abandone o espiritismo pelo materialismo?
Combater a doutrina que nega a existência d’Aquele que nos colocou no
mundo, é o fim a que me proponho como discípulo – do bom senso
outr’ora incarnado – o grande Allan Kardec.
79
Com a expansão do espiritismo no Estado, através da fundação de vários
centros espíritas, estes diligenciavam e impulsionavam o surgimento de jornais que
mantinham uma eficiente propaganda, contribuindo, dessa forma, para a solidificação do
movimento e disseminação da cultura espírita. Destacam-se, até o final do século XIX, os
77
As transcrições do jornal A Evolução foram feitas obedecendo a grafia original da época.
78
À IMPRENSA. A Evolução, Rio Grande, 1
o
. fev. 1892, n.1, p.1.
79
Idem, p. 2
seguintes jornais: A Voz Spirita, segundo jornal surgido no Estado, fundado em 1894, pelo
Centro Espírita Porto Alegre, pertencia este órgão ao Grupo Virgem Maria de Porto
Alegre, a publicação era quinzenal. A Religião Espírita, que surgiu em 1895, editado por
Miguel Vieira de Novaes em Rio Grande; pertencia à Sociedade Spirita Rio-Grandense,
era mensal e de distribuição gratuita.
80
Em 1895 aparece o Eco da Verdade, fundado por G. Barone Martins Viana, do
C. E. Porto Alegre, da cidade do mesmo nome. Este jornal é do mesmo centro ao qual
pertencia A Voz Espírita. A justificativa para a manifestação de duplicidade jornalística
nessa época, em uma mesma instituição, pode ter sido o fato de os grupos de estudos
formados nas instituições espíritas serem limitados a um certo mero de participantes;
cada grupo era identificado por um nome e, portanto, cada um lançava seus periódicos. O
quinto jornal deste período é a Revista Espírita, fundada em 4 de setembro de 1898, por
Joaquim Xavier Carneiro, da Sociedade Espírita Allan Kardec de Porto Alegre.
81
Marcando uma nova fase para a imprensa espírita, surge por volta de 1900 A
Regeneração, fundada pela Sociedade Espírita Allan Kardec de Rio Grande. Este jornal
está registrado por Clóvis Ramos em A Imprensa Espírita no Brasil 1869-1978 e Ney da
Silva Pinheiro, na revista Reencarnação n.º419, de 1999
82
, como surgido em 1890, sendo
portanto, o primeiro jornal no Estado. Mas, segundo dados apresentados por Pinheiro a
S.E. Allan Kardec foi fundada em 1898; logo, não poderia ter surgido oito anos antes da
instituição que lança este órgão. Em A pequena imprensa rio-grandina no século XIX, de
Francisco das Neves Alves, este jornal aparece como circulando entre 1900 e 1902, tendo
sido encontrado na Biblioteca Rio-Grandense dois exemplares; um, de 1
o
de abril de 1901
e outro, de 1
o
de maio de 1902.
83
Nos dois primeiros decênios do século XX, o movimento espírita e sua
imprensa não fizeram grandes progressos. Esse período de retração deveu-se aos reflexos
decorrentes da 1
a
Grande Guerra Mundial, [...] tratava-se de uma época da descrença em
valores e de grande sofrimento para sociedade, [...] de finanças abaladas e preocupações
80
PINHEIRO, Ney da Silva. Síntese do processo histórico do espiritismo no Rio Grande do Sul. A
Reencarnação, Porto Alegre, n.419, p. 26-39, 2
o
. sem. 1999.
81
RAMOS, Clóvis. Op. cit. nota n.46. p. 58 e 136.
82
MONTEIRO, Eduardo Carvalho. Op. cit. nota n.14. p. 31.
83
ALVES, Francisco das Neves. A pequena imprensa rio-grandina no século XIX. Rio Grande: Ed. da
FURG, 1999, p. 334.
mais materiais e de sobrevivência [...]”
84
. A revista Reencarnação da FERGS (nº 419,
1999), assinala para este período a fundação de apenas nove instituições espíritas.
Destacou-se nesse período o periódico Eternidade, que era publicado pelo
Grupo Espírita Irmãos da , de Porto Alegre. Outro periódico que marcou presença
fechando o decênio foi também chamado de Eternidade, pertencia às Sociedades Espíritas
Dias da Cruz e Allan Kardec; foi fundado em 1909 pelo professor Angel Aguarod Torrero,
espanhol radicado no Brasil, que mais tarde atuou intensamente para a fundação da
Federação Espírita do Rio Grande do Sul, o que ocorreu a 17 de fevereiro de 1921, tendo
sido seu presidente em 1926. Angel Aguarod destacou-se também com a publicação da
obra Grandes e Pequenos Problemas. A literatura espírita é outro aspecto que caracteriza a
sua inserção cultural no Brasil, principalmente a partir da década de 50, com as chamadas
obras psicográficas, constituindo, juntamente com a imprensa, o sistema literário espírita.
As dificuldades enfrentadas pelos pioneiros da imprensa no Rio Grande do Sul
enquadra-se na mesma proporção do que ocorria no Brasil Império e nos primeiros tempos
da República. O clima de perseguição religiosa era sustentado pela Igreja Católica, que até
o final do século XIX era a representante da religião oficial do Brasil,
“[...] embora tolerasse a presença do protestantismo, da maçonaria e do
sincretismo africano, condenou o espiritismo [...]”
85
. Essa posição
violenta da Igreja levou os espíritas a se envolverem em muitas polêmicas
com padres e beatos para sustentar o ideal espírita através da imprensa.
Mesmo após o advento da República, e com a nova Constituição de 1891,
que desatrelou o Estado de uma religião oficial, persistiram “[...] a
condenação católica [...] situação essa que perdurou, com maior ou menor
intensidade, até o final do governo getulista, quando finalmente o
Espiritismo deixou de ser perseguido.”
86
A despeito das perseguições, e de muitas vezes serem abaladas pelo
sincretismo em relação aos princípios Kardequianos, como forma de camuflar e proteger a
doutrina e seus seguidores, que naquela época declarar-se espírita em público provocava
certo escândalo e alvoroço. Desse modo, os espíritas mais comprometidos com a
intelectualização da doutrina não se descuravam da propaganda eficiente pela imprensa.
Assim, em setembro de 1919 surge em Porto Alegre, o Jornal Espírita,
fundado pelo Dr. Vital Lanza. Definia-se como órgão doutrinário, tendo circulado por
84
MONTEIRO, Eduardo Carvalho. Op. cit. nota n.14. p. 31.
85
DE MARIO, Marcus Alberto. Espiritismo & cultura: elementos de história, teologia e antropologia. Rio
de Janeiro: Mauad, 2002, p. 40 e 72.
todo Brasil até 1942 quando desapareceu. Era editado quinzenalmente. “Na sua longa
existência, esse jornal tornou-se valioso acervo doutrinário. Deixou de sair devido às
dificuldades de papel e material de impressão na Segunda Guerra Mundial.”
87
Em março de 1920, novamente circulou outro jornal chamado Eternidade,
fundado pelo mesmo Angel Aguarod Torrero, de Porto Alegre, pertencendo ao agora
Instituto Espírita Dias da Cruz. Provavelmente, tivesse sido uma reedição do Eternidade
de 1909, já que esse jornal deixou de circular em 1916.
A imprensa espírita no Rio Grande do Sul tem seu grande período de vitalidade
nos anos vinte. Nesta época surgem onze jornais, que refletem o crescimento da
propagação do espiritismo; esse fenômeno de expansão pode estar relacionado ao pós-
guerra, conforme afirmação de Eduardo Monteiro: “Quando o vendaval vai embora, resta o
reconstruir da casa destelhada, e nessa renovação de valores o espiritismo ofereceu-se
como o bálsamo para as feridas a se cicatrizar [...]”.
88
Peculiaridade marcante nesse momento também é a agitação do movimento
espírita na tentativa de unificação de suas práticas e instituições. A necessidade de criar um
núcleo central levou os espiritualistas gaúchos a criarem, em 1921, a Federação Espírita do
Rio Grande do Sul, fenômeno este que também ocorre em outros Estados. Outro fator “[...]
marcante do anseio unificador [...]”, é a “[...] instalação do Conselho Federativo Nacional
da Federação Espírita Brasileira, em 1926 [...]”.
89
A este quadro de acontecimentos que assinalam os anos vinte, contribuindo
para a expansão da imprensa espírita, está a popularização da literatura espírita com as
traduções dos originais franceses, que antes estavam restritos aos intelectuais que
formavam a base do movimento espírita. Dessa forma, o povo inculto e ignorante supera as
“[...] dificuldades de estudo e o não-acesso a todas as obras de Kardec e demais escritores
espíritas franceses [...]”
90
,
conquistando definitivamente sua inserção na cultura espírita.
Portanto, caracterizando este período nasceram no Rio Grande do Sul os
seguintes jornais:
1. Paladino - fundado em março de 1920, da S.E. Nova Aurora, da Vila de
São Pedro;
86
Idem, ibidem.
87
RAMOS, Clóvis. Op. cit. nota n.46. p. 84.
88
MONTEIRO, Eduardo Carvalho. Op. cit. nota n.14. p. 31.
89
BERNI, Duílio Lerna. Op. cit. nota n.12. p. 267.
90
DE MARIO, Marcus Alberto. Op. cit. nota n. 85. p. 70.
2. Despertar - fundado em abril de 1921, em Santa Maria;
3. Precursor - fundado em 1921, em Júlio de Castilhos;
4. O Farol - fundado em outubro de 1921, em Pelotas;
5. Caridade - fundado em maio de 1922, em Vacaria;
6. Boletim da FERGS - fundado em 1923, por Angel Aguarod Torreno, em
Porto Alegre;
7. O Evangelho - circulava em 1924 sob a direção de Ildefonso Gomes, da
S.E. Allan Kardec, de Porto Alegre;
8. Eco da Verdade - fundado em 1924, em Bagé;
9. A Luz - fundado em 1924, da União Espírita Gabrielense, de São Gabriel;
10. Semeador - fundado em outubro de 1925, por Mário Matos Santos, de
Porto Alegre;
11. Tribuna Espírita - fundado em agosto de 1926, em Bagé.
91
Embora o movimento espírita gaúcho tenha se posicionado pelo fortalecimento
da imprensa, a partir da década de 30 ocorre um refluxo na propaganda espírita em relação
a novos jornais que se acentuou gradativamente. Mas podemos notar, nesse contexto, a
entrada em cena de outro instrumento que possibilita a popularização do espiritismo: a
prática mediúnica pela qual se amplia a cultura espírita levando à formação de uma extensa
rede literária.
1.3.3. Rio Grande: a imprensa local e as folhas espíritas no século XIX, breve histórico
A gênese da imprensa em Rio Grande constitui reflexo da nova composição do
quadro político do Império a partir de 1827. Com o surgimento de novos elementos neste
cenário, criam-se as condições favoráveis para o desenvolvimento e expansão da imprensa
para outras Províncias.
Nesse contexto, evidencia-se uma estreita relação da imprensa com a atividade
política, principalmente nos conflitos armados que caracterizaram aquele período. Assim, a
Revolução Farroupilha assinalou um momento histórico da Província sul-rio-grandense em
91
PINHEIRO, Ney da Silva. Op. cit. nota n. 80. p. 26-39.
que os fatores desencadeadores do conflito ajustam-se às peculiaridades do território
sulino.
Com o agravamento das lutas políticas em decorrência da revolta, surgiu o
espaço que iria proporcionar a construção da imprensa no século XIX, no Rio Grande do
Sul. Nesse sentido, afirma Francisco das Neves Alves:
Rio Grande desempenhou papel primordial no contexto regional e, nesse
quadro, a imprensa rio-grandina foi uma das mais destacadas do Rio
Grande do Sul, tanto pela quantidade, quanto pela qualidade de seus
periódicos. Assim, além de ter sido uma das primeiras localidades
gaúchas a possuir jornais, o Rio Grande teve algumas das mais perenes
folhas em termos provinciais/estaduais, as quais chegaram a circular por
mais de seis décadas.
92
Os periódicos que surgiram no período da Revolução Farroupilha
representaram uma extensão das batalhas travadas nos campos, utilizando-se as páginas
dos periódicos de uma arma: o discurso. O ideário farroupilha foi o combustível que
alimentou essa imprensa, expressa na disputa político-partidária. A esse respeito, Francisco
das Neves Alves comenta:
Manifestou-se, assim, através dos periódicos, o confronto entre rebeldes e
legalistas, numa verdadeira batalha de palavras, através de jornais como
O Noticiador (1832-6), folha afinada com o ideário farroupilha e as
publicações legalistas O Mercantil do Rio Grande (1835-40), O Liberal
Rio-Grandense (1835-6) e O Commercio (1841- fase rio-grandina).
Certas folhas ainda intentaram pautar sua linha editorial [...] na
moderação e na conciliação, como o Observador (1833-4), [...]
apresentou uma proposta de neutralidade; [...] e O Conciliador (1840-1),
[...] propunha a conciliação [...]
93
Portanto, nessas folhas evidenciaram-se as características não só de ordem
genérica, mas também aquelas específicas do movimento, que, por sua vez,
instrumentalizaram a imprensa com subsídios favoráveis à sua expansão. É nesse ambiente
que se organizaram “[...] desde um jornal identificado com os farroupilhas até folhas
vinculadas aos legalistas [...]”
94
, e, mais tarde, aqueles que se posicionavam pela
pacificação.
Ainda que a imprensa passasse por um momento de declínio durante a guerra,
ela refletia os avanços conquistados através das tipografias, que eram montadas segundo os
92
ALVES, Francisco das Neves. Op. cit. nota n. 83., p. 54
93
ALVES, Francisco das Neves. Op. cit. nota n. 13. p. 134.
interesses dos grupos políticos e partidários. Nesse sentido, Rüdiger afirma: apenas como
exemplo, podemos citar o caso do Diário do Rio Grande, que possuiu um dos primeiros
prelos de ferro da região, fabricado na própria cidade [...]”
95
.
A retomada da imprensa ocorre após a pacificação do movimento da Província,
com mudanças significativas no comportamento das atividades jornalísticas que, até então,
seriam marcadas pelo debate político-patidário. Desencadeia-se, então, uma nova ordem de
acontecimentos com características específicas, motivadas pelo ardor das paixões políticas,
como reflexo de um ambiente ainda agitado, sendo repassadas para o interior dos pasquins,
cuja tônica eram os ataques pessoais através da linguagem violenta.
Multiplicaram-se os pasquins, constituindo-se em uma prática crítica opinativa,
com a invasão da vida particular de seus adversários. Marcaram presença nessa época em
Rio Grande, “[...] publicações como A Revista Imparcial (1846), O Corisco (1847), O
Echo (1848), O Corijó (1853-4), O Independente (1862), O Liberal (1863), O Chronista
(1863-4), Aurora do Sul (1864) e o Guarda Nacional (1866). O predomínio dos pasquins
revelam as circunstâncias políticas e caracterizam “[...] um dos setores da imprensa rio-
grandina com uma índole combativa, agressiva e contestatória.”
96
.
Também surgiram novas concepções na prática jornalística a partir da segunda
metade do século XIX, com ênfase para as folhas literárias e noticiosas. A proliferação
desses periódicos compõe uma exigência cultural característica dessa fase, constituindo
dessa forma a imprensa literária, fenômeno que ocorre não só na Corte, mas se que difunde
também pelas províncias. A cidade do Rio Grande responde à emergência da nova
perspectiva porque os homens dessa imprensa “[...] souberam explorar as potencialidades
abertas pelo ciclo de desenvolvimento econômico-social em curso [...]”, proporcionando o
surgimento de um “[...] jornalismo literário independente [...]”
97
.
Nesse sentido, começou a circular, entre 1867 e 1869, o periódico literário
Arcádia, tendo como objetivo “[...] a divulgação de textos literários, especialmente de
autores rio-grandenses; ensaios de história e artigos de crítica literária; levantamentos
biográficos de vultos da história pátria e do Rio Grande do Sul [...]”
98
. Como expressão
literária, esse periódico encontrou receptividade na comunidade rio-grandina, contribuindo
94
ALVES, Francisco das Neves. Op. cit. nota n. 83. p. 63.
95
RÜDIGER, Francisco Ricardo. Op. cit. nota n.52. p. 25.
96
ALVES, Francisco das Neves. Op. cit. nota n. 13. p. 137.
97
RÜDIGER, Francisco Ricardo. Op. cit. nota n.52. p. 59.
para a formação intelectual da mesma. Em 1868, aparece também o Inúbia, periódico
literário que pretendeu ocupar um espaço cultural, mas que não conseguiu sobreviver por
muito tempo.
Entre as alterações que marcaram a nova forma de jornalismo, caracterizando a
suspensão da pasquinagem, encontra-se [...] a imprensa noticiosa rio-grandina [...]” que
“[...] visava primordialmente à prestação de informações à comunidade [...]. Eram jornais
que, na maioria, pautavam suas publicações na transcrição de notícias de outros periódicos
[...]”
99
.
As mudanças que passam a configurar o cenário político do país, na fase
compreendida como transição da Monarquia para a República, principalmente após a
Guerra do Paraguai, levam a acirrar-se os debates políticos, e o palco dessas discussões vai
se dar na imprensa. As transformações da conjuntura política são esboçadas pela
necessidade de reformas que começam a ser levantadas principalmente a partir do
Manifesto Republicano de 1870. Em decorrência da inquietação generalizada, que
demonstra o aprofundamento da crise nesse período, as idéias republicanas ganham espaço
na imprensa.
Em conseqüência dos acontecimentos, multiplicam-se órgãos de imprensa de
caráter opinativo próprio das folhas político-partidárias, as quais vão exercer um papel
fundamental na futura composição política do Rio Grande do Sul, dentro das
peculiaridades específicas do quadro político rio-grandense.
Como no Rio Grande do Sul a constituição das forças políticas é marcada pela
bipolarização partidária, ao aproximar-se a Proclamação da República, esse quadro estará
praticamente definido pela composição dessas forças, delimitando os ideais defendidos
pelos respectivos grupos; nesse contexto, muitas vezes, devido às paixões doutrinárias, o
clima de exaltação leva a conseqüências trágicas a exemplo da Revolução Federalista de
1893-95.
Assim, no Rio Grande do Sul, a luta pela República é resultado do clima
político do país e que se processa dentro de contingências específicas, as quais apresentam
as seguintes características:
98
TORRES, Luiz Henrique. A imprensa literária no século XIX e o lugar da Arcádia. In.: ALVES, Francisco
das Neves, TORRES, Luiz Henrique (Orgs.) Imprensa e História. Porto Alegre: Associação dos Pós-
Graduandos em História da PUC, 1997, p. 49.
99
ALVES, Francisco das Neves. Op. cit. nota n. 83. p. 133.
o movimento republicano foi tardio e promovido por jovens sem vínculos
políticos anteriores e sem ligação com o Partido Liberal, além de não
estarem vinculados às oligarquias tradicionais, as quais, inclusive,
tiveram de combater; utilização de uma doutrina positivista como base
ideológica, [...] onde houve o predomínio dos princípios liberais; práticas
exclusivistas por parte da liderança do PRR, o que levou à formação de
uma oposição numerosa e com certa articulação.
100
No clima desses acontecimentos a imprensa rio-grandina progressivamente
reflete as turbulências dos acontecimentos rio-grandenses, manifestando-se através de
combates calorosos, expressos nas páginas dos periódicos tanto da situação como da
oposição. Francisco Alves tece o seguinte comentário a esse respeito:
Nesta fase, [...] circularam diversas folhas de natureza político-partidária,
como O Paiz (1869-70) – periódico liberal, [...] e outros que expressavam
os confrontos entre os diversos grupos em embate à época da formação
republicana, durante a Revolução e nos períodos pré e pós-
revolucionário, como a folha positivista Democracia (1891-6) e Cidade
do Rio Grande (1896-7),os jornais monarquistas Combate (1892) e A
Actualidade (1892-3), e as publicações ligadas às dissidências
republicanas Tribuna Federal (1893 fase rio-grandina) e Tribuna do
Povo (1897-8).
101
Movimentando-se nesse espaço do jornalismo rio-grandino, outros gêneros
manifestaram-se, como é o caso da imprensa caricata constituindo-se em uma publicação
que alcançou grande receptividade pela população. Este sucesso foi representado pelo
interesse também do público analfabeto, que conseguia, através da imprensa, decodificar a
crítica em relação à sociedade, exercendo, assim, um papel específico no contexto social,
cuja linguagem expressa no desenho definia o caráter opinativo deste tipo de imprensa.
Segundo Francisco Alves, destacaram-se no período compreendido entre 1874 e 1893,
representando “o momento áureo da caricatura”, os seguintes periódicos: O Amolador, O
Diabrete, Maruí, Comedia Social, Bisturi e O Rio Grande Illustrado.
Ainda contribuíram para o conjunto da pequena imprensa rio-grandina alguns
periódicos que tiveram sua origem na fase anterior e encontraram perspectiva de
permanência que o impulsionou para o pós-República, entre outros que surgiram.
Desenvolveram-se dentro desse contexto, segundo as características específicas, pasquins,
jornais noticiosos e literários. Em relação aos pasquins, o ressurgimento de alguns é
característico dos momentos de exaltação política, por isso m vida efêmera e são
100
Idem, p.160.
101
ALVES, Francisco das Neves. Op. cit. nota n. 13. p. 141.
102
Idem, p.142-3.
destinados ao ataque pessoal; sua linguagem não tem limites. Com essa tendência
surgiram: “Diógenes (1880-5), O Asmodeo (1881), A Ferula (1897), O Estado (1897-8), O
Fanal (1900), O Farofia (1902), O Bilontra (1902) e O Escapello (1904).”
102
Em outro plano, temos a circulação de jornais literários que não chegaram a
marcar expressão. O pouco prestígio dessas folhas assinala o ambiente cultural que, de
certa forma, mostrava-se embotado, evidenciando a apatia dos rculos mais esclarecidos
que se encontravam após o conflito armado de 1893. Algumas dessas folhas que
conseguiam alcançar o público, tentaram fixar-se no campo estritamente literário; entre
essas estão: A Grinalda (1870-1), Violeta (1878-9), Correio Literário (1900), O Recreio
(1901) e A Lanterna (1893-4).
Já a imprensa noticiosa se apresentava como instrumento informativo e se
proclamava distante das questões situadas no campo político-doutrinário. Concretamente,
essas folhas eram premidas pelas forças políticas da época além de enfrentarem
dificuldades de sobrevivência devido às parcas fontes de financiamento. Lutavam,
também, contra a concorrência e o limitado mercado consumidor que obrigava, de certa
forma, a um posicionamento diante do processo político daquele momento. Conforme
Rüdiger,
O espaço do jornalismo noticioso sempre foi reduzido, [...] a escola das
folhas noticiosas era constantemente tentada pelo compromisso
partidário, quando não gravitava de fato, em maior ou menor grau, em
torno das forças políticas em ação, principalmente o Estado.
103
Os sinais de declínio da imprensa rio-grandina se faziam acentuar,
demarcando esse período de decadência, principalmente após a Revolução de 1893, que
ocasionou severas restrições à liberdade de imprensa. Caracterizando os tempos
convulsionados, muitos outros periódicos transitaram pela chamada imprensa
especializada. Em A pequena imprensa rio-grandina no século XIX, Francisco das Neves
Alves cita A Alvorada como um jornal militar; a folha abolicionista, A Luz; O Trabalho
Nacional (1889), como periódico agrícola e industrial. Também se fizeram presentes a
imprensa dos trabalhadores, através de A Razão (1895-6), O Echo Operário 91896-9), A
Lucta (1901) e O Proletário (1904-1906). Significativa presença também tiveram os
jornais religiosos, configurando uma linha específica desse setor, entre quais se destacam
os jornais espíritas.
Em Rio Grande, o espiritismo teria chegado, segundo a tradição oral
104
, por
volta de 1868, com dois marinheiros espanhóis que primeiramente se estabeleceram em
São José do Norte; eram eles “médiuns” e promoviam fenômenos de efeitos físicos. As
pessoas que os procuravam obtinham resultados satisfatórios para seus problemas, quer de
saúde quer de orientação para os desequilíbrios psíquicos. Ao chamar a atenção e atrair
grande número de pessoas, curiosos ou desorientados que procuravam amparo foram
perseguidos pelo clero e então se transferiram para Rio Grande e mais tarde para a cidade
de Pelotas.
Entretanto, o espiritismo institucionalizado ocorre com a fundação da
Sociedade Spírita Rio-Grandense, conforme registro em ata do dia 29-05-1887. Ainda no
final do século XIX, surge a Sociedade Espírita Allan Kardec, fundada em 1898; e a
Sociedade Espírita Bezerra de Menezes, fundada em 26-02-1901. Em 12-03-1903,
promove-se a fusão das três casas, originando-se a atual Sociedade Espírita Kardecista,
localizada na rua General Neto nº 398.
Quanto à imprensa espírita em Rio Grande, ela é conseqüência natural da
expansão do espiritismo pelo interior do Brasil que, desde o final século XIX, vem
influenciando a sociedade local com o surgimento da primeira instituição espírita do
Estado nesta cidade. Em decorrência desse processo, surge o periódico A Evolução, que
conta com a colaboração de alguns intelectuais da área literária, divulgando, através de
seus escritos, o que pensavam e de que forma compreendiam sua própria religiosidade,
evidenciando um horizonte de referência aos conceitos espíritas. Demonstraram, assim,
que estavam sintonizados com os demais literatos do país e da Europa, principalmente da
França, de onde recebiam as influências da nova Doutrina.
Nesse sentido, a visão de um mundo espiritual é trabalhada por importantes
escritores e poetas europeus e brasileiros, exercendo grande influência em seus leitores. Na
medida em que cada autor é recepcionado, introduz um corte central nesse processo, ou
seja a polarização em torno do seu próprio nome, que iinfluenciar seus seguidores, e a
notoriedade emprestada à construção de um campo literário espírita. Por isso, o fato de
termos, até agora, percorrido os caminhos abertos pelo espiritismo e sua conseqüente
organização de uma sólida imprensa, interessa-nos para identificarmos as relações que
103
RÜDIGER, Francisco Ricardo. Op. cit. nota n.52. p. 67.
104
Confirmada por muitos militantes antigos do movimento espírita em Rio Grande, entre eles, Domingos
Caruso, que por mais de 50 anos esteve à frente do movimento.
resultaram na constituição da rede literária espírita, conforme se visto no próximo
capítulo.
2. A Evolução como exemplo da presença do sistema literário espírita
2.1. Uma viagem pela manifestação da espiritualidade nas obras de escritores
estrangeiros
Absorvidos pelo ideal espírita, os pioneiros da Doutrina Espírita em Rio
Grande buscaram na imprensa uma forma eficiente de divulgação e propaganda dos
postulados por eles defendidos. Nesse sentido, lançam, em de fevereiro de 1892, a
primeira edição do jornal A Evolução, fundado por Domingos Toscano Barbosa. O
periódico pertencia à Sociedade Espírita Rio-Grandense, circulava quinzenalmente e tinha
escritório próprio na rua 16 de julho 15. Até a edição 6, sua dimensão era de 0,39 cm
x 0,29 cm e seu formato era em 4 páginas de 3 colunas. Apresentou-se como collaboração
livre ao custo de 1$000, por assinatura de três meses, com “pagamento adeantado”. Tinha
como lema: “Se as palavras preparam o caminho, as obras o completam.” e “O mais bello
de todos os templos é um coração puro.”
Destacando a função do jornal como instrumento dos princípios que
professava Domingos Toscano Barbosa, proprietário do mesmo, na edição de de maio
de 1892, lança uma nota informando que a partir daquele número o periódico mudaria de
dimensão assumindo, então, o formato 0,45 cm x 0,325 cm, com 4 páginas de 4 colunas,
em conseqüência do aumento do conteúdo a ser veiculado. Deduz-se que o lançamento da
folha foi resultado de orientação espiritual, através das reuniões mediúnicas, conforme
afirma a redação:
A Evolução [...] apparece em formato maior devido á affluencia de
materia, e afim de bem corresponder a [protecção] que lhe foi
prodigalisada, [...] attingiu um limite que eu nunca esperei. [...] Quando,
cumprindo Ordem Superior e a conselhos de meus amigos do espaço
encetei a publicação d’esta modesta revista.
105
Na seção “Expediente”, que apareceu a partir da segunda edição, foram
noticiadas correspondências e periódicos recebidos pela direção do jornal, da imprensa
local e estadual. Nessa edição apareceu na coluna mencionada uma nota de agradecimento
105
E. P. e G. A. Evolução. A Evolução. Rio Grande, 1º de maio de 1892, n. 7, p. 2.
evidenciando que a folha estava tendo receptividade pelo público e pela imprensa. Diz a
nota “Por dever”:
Agradavel foi a emoção que sentimos ao vêr o acolhimento a nós
dispensado por toda a imprensa d’esta cidade, villa fronteira e Pelotas.
Correspondendo ás animadoras phrases com que ella saudou o
apparecimento da modesta Evolução [...]
Ao publico, satisfeitos pela acceitação dispensada á nossa pequena folha,
manifestamos o nosso reconhecimento, [...].
106
Na seção A Evolução, o redator, sob o pseudônimo “Latigo e Espada”,
apresentou o jornal anunciando de forma implícita qual sua linha de ação, além de
demonstrar preocupação com os aspectos científicos de que a Doutrina Espírita é
portadora, dizendo:
[...] não será o orgulho nem a vaidade que nos guiarão na lucta que a
Evolução vae encetar com as preocupações sociaes e com a falsa
sciencia; [...] E, se chegarmos algumas vezes a ferir susceptibilidades,
não será nossa a culpa, mas sim d’aquelles que vivem de preoccupações
de falsas sciencias e, que, por conseguinte, estão apégados a fórmas e á
conveniencias egoistas, pessoaes, de seitas, ou scientificas.
107
Mais adiante, afirma a preocupação com as questões sociais, deixando clara a
posição do periódico em relação ao ambiente confuso daquele momento, expressando que
o jornal iniciaria uma tarefa difícil:
Pretendemos enfim, collocar a Luz sobre o alqueire, para que todos a
vejam e comprehendam, contribuindo assim para a solução de infinitos
problemas sociaes que se acham não só em estado embryonario, mas
baseados sobre um falsissimo pedestal feito de ignorancia. [...].
108
No artigo “É a mamãe quem falla”, que apareceu na primeira edição, o
articulista, utilizando-se do pseudônimo O Menino”, faz crítica contundente e combativa
contra a corrupção moral e a hipocrisia na política, fatos que estavam diretamente
relacionados ao momento convulsionado da República. Além disso, evidencia o
preconceito e a repressão por parte de alguns segmentos da sociedade em relação às idéias
que o jornal representava. Assim se reporta o articulista:
106
POR DEVER. A Evolução. Rio Grande, 15 de fevereiro de 1892, n. 2, Expediente, p. 3.
107
LATIGO E ESPADA. A Evolução. A Evolução. Rio Grande, 1º de fevereiro de 1892, n. 1, p. 1.
108
Idem, Ibidem.
A mamãe diz-me que a Hypocrisia é a rainha do mundo; mas, mamãe,
onde mora esta senhora? Debaixo da pelle do focinho da gente
respondeu-me a mamãe. [...]
Diz-se que a boa mãe alimenta com o succo do seu sangue os proprios
filhos; e a mãe patria alimenta-se do suor e do sangue de seus filhos.
Diz-se que um bom pae trabalha para seus filhos; e os pais da patria
fazem trabalhar os filhos para si. [...]
Diz-se que Bertoldo nunca achou uma arvore que lhe servisse para se
enforcar; e aos politicos, todas as arvores servem para enforcar o pobre
contribuinte.
Diz-se que o espiritismo é uma loucura; e não ha louco mais digno de
compaixão que o maniaco politico. [...]
Diz-se por ultimo, e em voz muito baixinha: que vae sahir a Evolução,
folha espírita; e que os sabios felizes, os directores sacerdotaes do
abstracto, opinião da generalidade se preparam para anathematisar e
lançar a excomunhão maior á pobre recem-nascida sem consideração ao
sexo nem á idade; outros dizem que vai se preparar uma camisa de força;
outros uma chupeta, e por fim outros comprarão binoculos, telescopios e
espetos para receber a destemida e briosa Evolução.
109
Nas diversas seções do jornal, os conteúdos jornalísticos eram bem elaborados,
demonstrando erudição por parte dos colaboradores do órgão. As seções de literatura
desenvolviam uma linha de raciocínio que se amparava não nas questões metafísicas,
como nas leis da natureza ou a respeito da vida e da morte. Menciona o texto “Uma pallida
violeta”, assinado por L. E.: “Entra-se e sahe-se constantemente das portas do infinito, para
entrar e sahir de novo no tempo e no espaço: aquelle é o mundo dos espiritos, este é o
mundo material, a escola do espirito; aquelle é o mundo da tregua, do repouso.”
110
Destacam-se, também, transcrições de pontos doutrinários retirados do Livro
dos espíritos e do Evangelho segundo o espiritismo, que eram apresentados em partes e
prometiam continuar a cada edição. Divulgavam, ainda, fatos ocorridos com pessoas que
haviam vivido experiências transcendentais, premonitórias, telepáticas ou avisos
espirituais; geralmente, essas matérias eram retiradas de outros periódicos.
Os temas de ordem filosófica foram os mais explorados, com finalidade
exclusivamente doutrinária, visando à reforma moral da sociedade. Essa tendência
evangelizadora pôde ser percebida pelos artigos: “A Caridade”; “Honra”; “Amor, paz e
felicidade”; “Parabola do Trigo e do Joio”; “Desigualdade das riquezas”; “Orgulho e
humildade” e “Deveres dos homens ou preceitos de moral”.
109
O MENINO. É a mamãe quem fala. A Evolução. Rio Grande, 1º de fevereiro de 1892, n. 1, p. 3.
6
Idem, Ibidem,
Os comentários de ordem filosófica tinham como objetivo, além de ser um
referencial doutrinador e de preceitos morais, refutar as idéias materialistas. Além disso,
levava os leitores do jornal à reflexão sobre o destino do homem e seu progresso realizado,
bem como a transferência da cultura entre civilizações que desapareceram. Essa idéia está
expressa no artigo “Aos materialistas”:
O que vêdes no seculo actual, porventura parece-se com aquelle de que
tendes longiqua noticia?
Não vêdes que os espiritos que actualmente dirigem as cousas do mundo,
são mais perfeitos, são almas mais adeantadas do que os que existiam ao
despontar da aurora da luz - e que a materia não tem progresso? [...]
Aos que negam a pluralidade de vidas
Lançai os olhos sobre a historia de todos os povos, principiando pelas
épocas menos afastadas da formação do mundo: os phenicios, os hebreus,
os persas, etc. [...]
D’onde veiu, pois o progresso que actualmente vêmos?
Si eram espiritos novos, e os de hoje o são tambem, não há razão para que
os de hoje sejam mais adeantados do que os de então.
111
Um aspecto que fica evidenciado, através das páginas de A Evolução, é o
interesse em promover a cultura espírita por meio de obras literárias, como poesias e
pensamentos de lavra dos articulistas e dos espíritos, que contêm essa temática sempre na
linha científica ou filosófica. Com a mesma intenção de propagar a arte literária,
anunciavam o recebimento de materiais de escritores e poetas rio-grandinos, que também
eram divulgados.
Influenciados pelos conceitos espíritas, muitos autores do século XIX
exploravam amplamente a temática conferindo às suas obras, pela perspectiva das novas
roupagens, verdadeira revolução estética no campo da literatura, satisfazendo inclusive as
exigências do espírito científico. Allan Kardec, ao definir o espiritismo como ciência,
correspondendo à necessidade de uma fé no espírito e à curiosidade pelas revelações do
além-túmulo, vem colaborar para que ocorra o predomínio do fantástico na literatura,
principalmente na francesa. Focalizando o jornal A Evolução, encontramos através da
prosa, poesia, artigos, contos e ensaios, revelações da comunicação supra-racional entre a
consciência e o mundo invisível em autores como: Victor Hugo, Emílio Castelar, Camille
Flamarion, Guerra Junqueira, Gonçalves Dias, Bittencurt Sampaio, Castro Alves, Fagundes
Varella, Damasceno Vieira, Félix da Cunha, entre outros.
111
AGOSTINHO. Aos materialistas. A Evolução. Rio Grande, 31 de março de 1892, n. 5, p. 2.
Refletindo o ambiente sociocultural do século XIX, Paris - o principal centro
mundial irradiador da cultura, rende-se ao advento das idéias espíritas assinalando as
fronteiras de uma nova era revolucionária no campo das crenças. Assim, na fuga para fora
de si mesmos, escritores europeus, especialmente franceses, sentiram-se atraídos pelas
novas alvoradas. Tal atitude assinala as buscas espirituais em direção ao domínio do
mistério, do imaginário, dos sonhos, e ao predomínio de um forte desejo do além, que
acabou tomando conta de algumas obras. Influenciados pela crença espírita, cada autor à
sua época e à sua maneira, empenhou-se na perseguição de valores espirituais, conforme se
depreende nas reproduções contidas no jornal A Evolução.
Sem sombra de dúvidas, Victor Hugo é um dos autores mais representativos do
movimento romântico francês, pela extensão de sua obra poética, que o guindou à posição
de chefe da escola romântica e patriarca da literatura francesa do século XIX. Mas, embora
tenha escrito romances de caráter histórico e social e se imortalizado através de seus
dramas, o mais marcante foi a atitude profundamente religiosa. Como poeta espiritual, não
deixou de ser um escritor engajado nas questões sociais. Victor Hugo encontra no
espiritismo, em seus diálogos com o l’au-de-là, o conforto para a dor da perda da filha e a
energia moral para suportar o peso do exílio político com dignidade.
O exílio nas ilhas de Jersey e Guernesey levaram o autor de Os miseráveis a
iniciar-se nas experiências do fenômeno das “mesas girantes”, tão em voga nos salões
franceses, através da madame de Girardin, que abriu seu salão à sociedade parisiense,
tornado famoso no círculo literário, sendo frenqüentado por Hugo, Musset, Gautier, Balzac
e muitos outros. Em seu salão, ela propagou o hábito de consultar os espíritos utilizando-se
das “mesas dançantes ou falantes” o que, a princípio, foi recebido com desconfiança,
embora em todas as partes a atenção a esses fenômenos estivesse na ordem do dia.
Pensava-se, portanto, que poderia ser uma armadilha da polícia francesa para distrair o
público da grande preocupação política da época. No entanto, a solução para os fenômenos
foi encontrada pelo estudioso e pesquisador do magnetismo, professor Hippolyte Léon
Denizard Rivail, que publica a 18 de abril de 1857 O Livro dos Espíritos, marco histórico
do surgimento do espiritismo. Assim, possibilita, através da Codificação, a orientação
necessária na utilização segura da mediunidade para a transcomunicação entre os dois
lados da vida.
A explosão das “mesas girantes” e falantes, bem como outros fenômenos
mediúnicos, ocorre na segunda metade do século XIX. Essas manifestações inicialmente
sem explicações, vivenciadas por grande número de pessoas, primeiramente nos Estados
Unidos, logo invadem os salões de divertimento de toda Europa. No princípio, esses
fenômenos foram apenas objeto de curiosidade, sendo percebidos como simples
divertimento e distração, para uns; para outros, não passavam de trapaças. O fato é que
milhares de pessoas tomaram contato, direta ou indiretamente, quer pela imprensa quer
pelos comentários que circulavam como assunto da moda. No entanto, muitas
personalidades notáveis, estudiosos e homens de ciência passaram a empreender esforços
para o estudo dos fenômenos, chegando às mais diversas conclusões; da vulgaridade, às
pesquisas científicas.
Entretanto, O Livro dos Espíritos fez com que o fenômeno fosse visto sob um
outro aspecto. Então, abandonada a fase de curiosidade das “mesas girantes”, que fora
apenas um prelúdio, houve a concentração em um corpo de doutrina abarcando todas as
questões que diziam respeito aos interesses da humanidade. A partir desse momento, a
doutrina despertou a atenção dos homens sérios tomando um rápido desenvolvimento. Em
pouco tempo, essas idéias encontraram sustentação entre muitos simpatizantes em todos os
níveis da sociedade e em todos países.
Importante destacar as afirmações de Pierre Bourdieu com relação aos salões:
"[...] não são apenas locais onde os escritores e os artistas podem reunir-se por afinidades e
encontrar os poderosos [...]"
112
ou, "locais de articulações onde se operam trocas entre os
campos envolvidos." Esses salões, os quais eram palco de festas daquela sociedade, deram
lugar também a um divertimento frívolo e circense em que as mesas dançavam e
respondiam conforme o interesse das pessoas. Em decorrência desses acontecimentos, a
imprensa do mundo todo noticiava os fenômenos, inclusive chegando até ao Brasil, sendo
a imprensa do Rio de Janeiro a primeira a veicular essas ocorrências que aconteciam na
Europa e no Brasil. O jornalista João Marcos Weguelin, em seu livro Memória espírita.
Papéis velhos e histórias de luz. “A história do espiritismo no Rio de Janeiro do século
XIX”, transcreve uma matéria do Jornal do Comércio de 30 de junho de1853, que retrata o
impacto desses fenômenos no ambiente dos salões:
Quem fez esta revolução nos nossos hábitos, quem deu esta nova fase aos
salões, quem aumentou este jogo de prendas (sem abraços, mas com
aperto de dedo e da pontinha do pé), quem desterrou o piano, a conversa
112
BOURDIEU, Pierre. As regras da arte. Gênese e estrutura do campo literário. Tradução de Maria Lucia
Machado. São Paulo: Compainha das Letras, 1996. p. 67.
e a cantoria para substituí-los por uma adoração de chapéu, da mesa e do
livro? Ora! Quem havia de ser? A imprensa.
113
Hugo foi uma dessas inteligências que penetrou no mais além, não apenas para
ver uma nova imagem da realidade objetiva, mas para descobrir a essência da vida imortal
do espírito. Em Jersey, junto ao tripé mediúnico, o mesmo que foi usado pelas sacerdotisas
de Apolo para dar oráculos em Delfos, enquanto o mar batia furiosamente à costa,
concebeu suas grandes visões poéticas e sobrenaturais. Polemizou em verso com entidades
invisíveis, com o que comprovou a existência do mundo dos espíritos. Por dois anos, Hugo
e seus companheiros degredados são visitados pelos espíritos de Dante, Molière, Joana
d’Arc, Rousseau, Sócrates, Ésquilo, Galileu e Shakespeare, entre outros através de suas
mensagens. Os diálogos mantidos com essas entidades vão exercer um impacto
significativo no homem e no escritor. A influência desses contatos reflete-se em toda sua
obra seja na prosa seja na poesia ou, ainda, nos pensamentos filosóficos, bem como nas
suas atitudes perante a vida. Hugo tinha consciência de que uma verdadeira religião
surgiria das revelações tiptológicas das mesas, por isso a crença na existência e na presença
tangível dos espíritos acompanhou-o até a morte. Para Emmanuel Godo, as obras de Hugo
nos revelam que
a escrita e a espiritualidade eram consubstanciais. Hugo não é um crente
que escreve. É um escritor que crê, isto é, um homem cuja experiência
interior e cuja referência a Deus passam pela mediação obrigatória da
escrita. É ilusório querer separar o credo hugoano de sua expressão
literária. A obra de Hugo forma um todo indissociável.
114
O romantismo de Hugo foi como uma conseqüência desses mistérios
espirituais que sempre o rodearam. O poeta sabia que os mortos não são devorados pelo
abismo e que as distâncias metafísicas não podem alijá-los dos homens. Por isso, dizia,
segundo Humberto Mariotti: ‘Peçamos justiça à morte, mas não sejamos ingratos com ela.
A morte não é, como se diz, uma queda nem uma emboscada.’
115
Aceitava a idéia de um
mundo invisível comunicando-se com o visível; via no invisível um templo pleno de
presenças espirituais dispostas a manter contato com o mundo dos homens. Afirmava que:
113
WEGUELIN, João Marcos. Memória espírita. Papéis velhos e histórias de luz. A história do espiritismo
no Rio de Janeiro do século XIX. Rio de Janeiro: Léon Denis, 2005. p. 63
114
GODO, Emmanuel. Victor Hugo et Dieu. Paris: Éditions du Cerf, 2001. p. 9-10.
115
MARIOTTI, Humberto. Victor Hugo espírita. Tradução de Wilson Garcia. 2. ed. Capivari: Eldorado,
1996. p. 30.
‘Os mortos são os invisíveis e não os ausentes.’
116
Ao proclamar que os mortos voltam,
manifesta profunda sabedoria espiritual como que inspirada pelas grandes mentes do
mundo invisível. Exemplo disso está em As Contemplações, Raios e Sombras e A Lenda
dos Séculos obras que revelam conceitos profundamente impressionantes.
A visão cósmica que possuía sobre o homem e a fé no plano divino do universo
era a base de seu lirismo, convicção que ele encontrou a partir do momento em que foi
levado a sondar experimentalmente os grandes problemas do destino humano e a decifrar
os segredos do além-túmulo e da harmonia cósmica por meio das “mesas falantes” de
Jersey. Dos poetas românticos, nenhum como ele compreendeu com tanta realidade o
processo espiritual do homem e da história, chegando até Deus através de abismos e de
distâncias. Victor Hugo sustentava com poética e religiosa a palingenesia espiritual de
tudo o que existe. Fez-se espírita inspirado nas visões espirituais que o espiritismo lhe
sugeria no seio dessas reuniões sobrenaturais. O autor de As contemplações acreditava nas
vidas sucessivas da alma através da concepção Kardecista resumida no lema: “Nascer,
morrer, renascer e progredir sempre, esta é a lei.”
117
Coincidia, nesse aspecto, com grandes
poetas e escritores como Goethe, Walt Whitman, Lamartine, Emerson, José Mazzini e
Emílio Castelar, que se inspiravam moral e socialmente nas idéias palingenésicas.
Sua cosmovisão filosófica e religiosa respondia ao que lhe transmitiram os
espíritos desencarnados durante seu exílio na ilha de Jersey. Os diálogos travados com o
mundo invisível estão registrados em dois volumes de Le livre des tables, arquivados na
Biblioteca Nacional de Paris.
118
Nesses registros, encontramos afirmações como: O
espiritismo é o acontecimento mais notável do culo XIX.”
119
ou, ainda, posições que
confirmam suas certezas reencarnacionistas, ao expressar:
Quem pode dizer-nos que eu não volte a encontrar-me nos séculos
futuros? Shakespeare escreveu: ‘A vida é um conto de fada que se lê pela
segunda vez.’ Poderia ter dito pela milésima vez. Porque não século
pelo qual eu não veja passar minha sombra.
116
Idem, Ibidem.
117
Epitáfio inscrito no dólmen druida que foi erguido no Cimitière du Père-Lachaise, em Paris, junto ao
túmulo de Allan Kardec em sua homenagem.
118
Em comemoração aos duzentos anos de nascimento de Victor Hugo, Alain Decaux, da Academia
Francesa, lançou pela editora Perrin Les plus beaux manuscrits de Victor Hugo, em 2001, em que constam
reproduções manuscritas das sessões das mesas girantes” feitas por Victor Hugo em Jersey. Conforme
SCHNEIDER, Maria do Carmo Marino. As multifárias manifestações da espiritualidade na Literatura. In: Em
torno de Rivail. Bragança Paulista: Lachâtre, 2004. p. 313.
119
MARIOTTI, Humberto. Op. cit. nota n. 11, p. 66.
Vós não acreditais nas personalidades moventes, quer dizer, nas
reencarnações, com o pretexto de que não recordais nada de vossas
existências passadas, mas como as lembranças dos séculos desvanecidos
poderiam estar impressas em vós quando não vos recordais nada das mil
e uma cenas de vossa vida presente? Desde 1802 hei de ter tido em mim
dez Victor Hugo! Creis vós que me lembro de todas as ações e de todos
os seus pensamentos?
Quando houver atravessado o túmulo para voltar a encontrar outra luz,
todos esses Victor Hugo me serão um pouco estranhos, mas esta será
sempre a mesma alma!
Sinto em mim toda uma vida nova, toda uma vida futura; sou como a
selva que muitas vezes foi derrubada; os jovens rebentos o cada vez
mais fortes e vivazes. Eu subo, subo, subo até o infinito. Tudo é radiante
à minha frente, a terra me sua seiva generosa, mas o céu me ilumina
com o reflexo dos mundos entrevistos.
Dizeis vós que a alma é a expressão das forças corporais: por que então
minha alma é mais luminosa quando as forças corporais irão já me
abandonar? O inverno está sobre minha cabeça, a primavera está em
minha alma; aspiro aqui nesta hora às lilases e às rosas como se tivesse
vinte anos. À medida em que me aproximo da velhice, melhor escuto ao
meu redor as imortais sinfonias dos mundos que me chamam. É um conto
de fadas, mas é uma história.
Faz meio século que escrevo em prosa e verso; história, filosofia, drama,
novela, legendas, sátira, ode, canção; de tudo tenho tratado, mas sinto que
não disse mais que a milionésima parte do que sinto em mim. Quando
estiver no túmulo, direi: terminei minha jornada’ e não ‘terminei minha
vida.’ Minha jornada recomeça no outro dia. O túmulo não é um
labirinto sem saída mas uma avenida, que se fecha no crepúsculo e volta
a abrir na aurora.
Se eu não perco um minuto é porque amo este mundo como a uma pátria,
porque a verdade me atormenta, como atormentou Voltaire, esse deus
humano. Minha obra não é mais do que um começo; meu monumento
apenas saiu da terra; quisera eu vê-lo subir ainda sempre. A sede de
infinito prova o infinito.
Eu não sou nada. Jaz aqui Victor Hugo, um abismo, um eco que passa,
uma nuvem que foi, uma onda que morre na praia. Eu não sou nada, mas
deixa-me continuar minha obra começada; deixa-me subir de século em
século em todas as rochas, todos os perigos, todos os amores, todas as
paixões, todas as angústias. Quem vos disse que um dia, depois de
milhares de ascensões, não haveria eu, como todos os homens de boa
vontade, conquistado um posto de ministro no supremo conselho desse
adorável tirano que se chama Deus.
120
A profunda religiosidade lírica do poeta francês era uma aspiração permanente
para Deus, consubstanciada na crença inquebrantável da imortalidade de um ser infinito e
espiritual que nasce, morre e renasce para protagonizar todas as páginas do processo
histórico da humanidade. Victor Hugo proclama a eternidade da alma frente à morte após
120
Idem, p. 59-61.
contato mediúnico com os espíritos pelo processo tiptológico
121
cuja base filosófico-
religiosa e científica se encontra impressa nas páginas do pentateuco kardequiano.
122
São
obras que sustentam todo o edifício doutrinário do espiritismo, apresentando os seguintes
conceitos: Deus, a imortalidade da alma, a reencarnação, a comunicabilidade dos espíritos
e a evolução.
Victor Hugo acreditava em sua espritualidade pessoal. Encontrou em seu
próprio ser e nos conceitos espíritas as bases de todo um esquema metafísico e religioso do
universo. A existência para o poeta era uma senda que conduz ao conhecimento dos
grandes enigmas da vida, por isso sua espiritualidade era invencível e triunfante. Através
de sua poesia, captou que o humano é um processo determinado pela reencarnação,
exemplo disso é o poema "À Villequier", de Les Contemplations, citado por Maria do
Carmo, que revela a profunda sabedoria espiritual do poeta:
Eu digo que o túmulo que sobre os mortos se fecha
Abre o firmamento
E que aquilo que aqui embaixo acreditamos ser o fim
É o começo.
123
Os conceitos espíritas encontram em Hugo o propulsor da imortalidade da alma
e da palingenesia espiritual, por isso é preciso considerar que, através de suas obras,
expressa postura, sedução e admiração, destacando-se como um dos fundadores que
exerceu influência e possibilitou criar uma rede de relações no contexto histórico da
segunda metade do século XIX. Isso significa dizer, conforme Michel Foucault, que
autores como Hugo se encaixam perfeitamente no conceito de iniciadores de práticas
discursivas que produzem não a sua própria obra, mas a possibilidade e as regras de
formação de outros textos. É uma nova relação que se estabelece entre a escrita literária e o
mundo, através dos conceitos espíritas determinantes para uma tomada de posição no
campo literário, conforme termos de Bourdieu, os quais são percebidos como manifestos e
121
Comunicação dos espíritos por meio de pancadas. Segundo O Livro dos Espíritos, as primeiras
manifestações inteligentes ocorreram por meio de mesas se levantando e batendo, com um pé, um mero
determinado de pancadas e respondendo desse modo, por sim e por não, segundo a convenção, a uma
questão posta. Obtiveram-se depois respostas mais desenvolvidas por meio das letras do alfabeto: o objeto
móvel, batendo um mero de pancadas correspondente ao mero de ordem de cada letra, chegava assim a
formular palavras e frases que respondiam às questões propostas. p. 15.
122
O Livro dos espíritos, O livro dos médiuns, O evangelho segundo o espiritismo, O céu e o inferno e A
gênese.
19
SCHNEIDER, Maria do Carmo Marino. Op. cit. nota n. 14, p. 55.
posicionamentos em relação a outras obras e gêneros literários. Nesse sentido, a produção
literária de Hugo, fundamentada em sua experiência religiosa, manifesta-se como uma
espécie de foco de expressão, influenciando seus discípulos e criando uma possibilidade
indefinida de discursos.
Neste momento, nos aventuramos a afirmar que Hugo, pela importância e
grandiosidade de sua vasta produção literária, no que tange às questões metafísicas,
distinguiu-se como destacado propagador dos ideais espíritas, contribuindo para a
construção de um sistema literário espírita. Para entendermos a legitimação desse sistema
literário, é preciso ter em mente a noção de autor, para tanto invocamos Foucault:
[...] o nome de autor serve para caracterizar um certo modo de ser do
discurso: para um discurso, ter um nome de autor, o facto de se poder
dizer 'isto foi escrito por fulano' ou 'tal indivíduo é o autor', indica que
esse discurso não é um discurso quotidiano, indiferente, um discurso
flutuante e passageiro, imediatamente consumível, mas que se trata de um
discurso que deve ser recebido de certa maneira e que deve, numa
determinada cultura, receber um certo estatuto.[...] Ele manifesta a
instauração de um certo conjunto de discursos e refere-se ao estatuto
desses discursos no interior de uma sociedade e de uma cultura. [...] A
função autor é, assim, característica do modo de existência, de circulação
e de funcionamento de alguns discursos no interior de uma sociedade.
124
Portanto, o valor desses discursos como manifestações culturais reafirma a
importância do papel hugoano na evolução do sistema literário espírita. Obviamente, o
prestígio alcançado por Hugo o se deve apenas pela posição segura como produtor de
textos, que não esteve confinado a um papel na rede literária, mas porque soube atuar
de forma engajada, através de seus discursos no contexto social, tornando-se também uma
figura política de referência. Sem dúvida, ao romper as fronteiras do sobrenatural, dentro
do sistema literário espírita, pode ser considerado, como muitos outros escritores por ele
influenciados, como parte do conjunto de bens valiosos de uma cultura, concepção esta
muito bem enfocada por Zohar, ao afirmar:
[...] la cultura se considera como um conjunto de bienes valiosos, cuya
posesión siginifica riqueza y prestigio. El poseedor de tal conjunto puede
usarlo por lo tanto para mostrar sus riquezas. Este es um procedimiento
(una práctica) que puede ser adoptado tanto por um individuo como por
124
FOUCAULT, Michel. O que é um autor. Tradução de Antonio Fernando Cascais e Edmundo Cordeiro.
Lisboa: Veja, 1992. p. 45-46.
um colectivo organizado de individuos, específicamente uma entidad
social.
Los bienes puedem ser materiales o semióticos. [...] Importa poco, desde
el punto de vista de sus funciones respectivas, si los bienes son el
lapislázuli, um palacio, el agua corriente, um automóvil, um ordenador,
um conjunto de textos o um grupo de productores de los mismos ( poetas,
escritores ), uma colección de piezas musicales, uma colección de
pinturas, esculturas, um teatro, y así sucesivamente.
125
A significativa presença dos textos de Hugo, os quais manifestam a filosofia
moral do poeta, passa a enriquecer a imprensa espírita que começa a proliferar nessa época
em várias partes do mundo, principalmente a partir do surgimento do primeiro órgão de
divulgação dos postulados espíritas, fundado também por Allan Kardec em 1858.
Marcada por essa influência, a imprensa espírita encontra respaldo em seus
escritos para divulgar os princípios da Doutrina Espírita. Nesse sentido, o jornal A
Evolução, plenamente identificado com essa orientação, reproduzia alguns pensamentos de
Hugo que se mantém ao longo das publicações como, por exemplo: "Quem aos pobres
empresta à Deus,"
126
que aparece ora dentro de alguma nota da seção "Redação", ora nas
seções "Expediente", ora nas "Máximas e pensamentos". Destacam-se também, no âmbito
das páginas do periódico, algumas quadras como a que permeia a nota da redação com o
título "Existe um Deus e não se morre":
Morrer?! Só morre o frio cadaver,
Que não sente;
A alma evola.....até chegar aos pés
Do Omnipotente.
127
As conexões que se estabelecem entre os interesses do jornal, visando sempre à
divulgação dos princípios doutrinários, e o pensamento hugoano manifestado pela sua
religiosidade, conferem credibilidade às propostas de A Evolução. Respaldadas nessa
significação central de Hugo, destacamos o poema de duas quadras, inserido no artigo A
Infeliz:
Oh! Não insulteis, jamais
A mulher, que... cahiu!
Quem sabe á que infortunio
A pobre alma sucumbiu!
125
EVEN-ZOHAR, Itamar. La literatura como bienes y como herramientas. In: VILLANUEVA, Darío,
MONEGAL, Antonio, BOU, Enric. Sin Fronteras. Ensayos de literatura comparada em homenaje a Claudio
Guillén. Madrid: Castalia, 1999. p. 27- 28.
126
HUGO, Victor. A Felicidade. A Evolução. Rio Grande, 15 mai. 1892, n. 8, p.1.
127
HUGO, Victor. Existe um Deus e não se morre A Evolução. Rio Grande, 1 jun. 1892, n. 9, p. 1.
Quem sabe por quantos dias,
Já pela fome abalada,
Na lucta cahiu vencida
A virtude... extenuada!
128
Um dos poemas que se encaixam perfeitamente dentro dos postulados espíritas,
foi impresso na edição de 1
o
de fevereiro de 1893 e retrata exatamente aquele Hugo
humanista que transborda as dimensões do formal para penetrar no filosófico e religioso,
em direção ao encontro com Deus, mediante uma reivindicação moral e existencial do
homem:
O Homem?!
O homem, essa infermidade, essa sombra, esse atomo, esse grão de areia,
essa gotta de agua, essa lagrima cahida dos olhos do destino; o homem
que na pertubação e na duvida, sabendo pouco do dia de hontem e nada
do dia de amanhã, vendo no caminho o necessario para pousar os pés, o
resto todo em trevas; tremulo se olha para diante; triste se olha para traz;
o homem em volto nessas obscuraridades- o tempo, o espaço, o ser e
nelle perdido, tendo em si um abysmo- a sua alma, e fóra de si- o céu; o
homem que em certas horas se curva com uma especie de horror sagrado
as todas as forças da natureza, ao ruido do mar, ao agitar das arvores á
sombra das montanhas, ao irradiar das estrellas; o homem que não póde
levantar a cabeça de dia sem que a luz o cegue, de noite sem que o
perturbe o infinito; o homem que nada conhece, nada vê, nada entende,
que póde ser levado amanhã, hoje, agora mesmo- pela onda que passa,
pelo vento que sopra, pela pedra que cae, pela hora que sôa; o homem
esse ser timido, incerto, miseravel salto do acaso, ludibrio do minuto que
passa; é este mesmo homem, humilde verme da terra, que quer destruir as
obras de Deus e impugnar a religião que elle regou com o seu sangue;
que elle sellou com a sua morte e a qual promette a sua existencia!?
Miseria das miserias!!
129
A obra literária de Hugo, focada no espiritual, acentuou de tal maneira sua
criação literária que poetas e escritores europeus, principalmente espanhóis, ajustaram-se
às suas geniais pegadas. Instituída essa tradição, todos de alguma forma voltaram-se para a
contemplação de suas próprias aventuras espirituais. Segundo Mariotti, Auguste
Vacquerie, em seu livro As migalhas da história, ao confirmar que Victor Hugo era
espírita, informa que igualmente outros literatos do século XIX acreditavam na
128
HUGO, Victor. A Infeliz A Evolução. Rio Grande, 1º jul. 1892, n. 11, p. 3.
25
HUGO, Victor. O Homem?! A Evolução. Rio Grande, 1 fev. 1893, n. 25, p. 1.
26
MARIOTTI, Humberto. Op. cit. nota n. 11, p. 92.
imortalidade da alma e em sua evolução, como José Mazzini e o poeta espírita espanhol
Salvador Sellés
130
, autor do livro Rumo ao infinito que deu origem a uma poesia realmente
existencial.
Auguste Vacquerie (1819-1895), poeta e dramaturgo, destaca-se nesse contexto
histórico em que surgiam as primeiras manifestações dos espíritos através dos fenômenos
das mesas “girantes e dançantes”. Amigo de Victor Hugo, ambos encontravam-se exilados
em Jersey. O referido poeta lavrou a ata da primeira sessão mediúnica em que estavam
"presentes Madame de Girardin, Madame Victor Hugo, Victor Hugo, Carlos Hugo,
Francisco Victor Hugo, general Le Fló, Mme. de Trevenueu, Auguste Vacquerie."
Contando como foi levado ao espiritismo e fazendo referência às suas crenças sobre esse
assunto, na obra acima mencionada assim se
expressa
Sra. de Girardan me enviou de Paris duas mesas: uma pequena da qual
um era um lápis que devia escrever e desenhar; ela foi experimentada
uma ou duas vezes, desenhou mediocremente e escreveu mal; a outra era
maior; era uma mesa com mostrador de alfabeto, do qual uma agulha
indicava as letras; ela foi rejeitada igualmente após uma tentativa que não
tinha sido bem-sucedida, eu me ative definitivamente ao procedimento
primitivo, o qual, simplificado pelo hábito e algumas abreviações
convencionadas, teve logo toda a rapidez desejável. Eu conversava
fluentemente com a mesa; o barulho do mar se misturava com esses
diálogos, cujo mistério se aumentava com o inverno, com a noite, com a
tempestade, com o isolamento. Não eram mais palavras o que a mesa
respondia, mas frases e páginas. [...] Estou mesmo feliz em ter a lhe dizer
que, quanto à existência do que se chama espíritos, o duvido; nunca
tive esta vaidade de raça que decreta que a escala dos seres se detém no
homem [...]; A existência deles admitida, sua intervenção não é mais
senão um detalhe, por que eles não poderiam se comunicar com o homem
por um meio qualquer e por que esse meio não seria uma mesa?
131
Encontramos referências, também, à adesão de muitos escritores do século XIX
ao espiritismo, na obra Depois da morte, de Léon Denis (1846-1927), escrita em 1897, na
qual ele afirma:
É, porém, no mundo das letras e das artes que encontraremos numerosos
partidários ou defensores dos fenômenos espíritas e das doutrinas que
27
MALGRAS, J. Os pioneiros do espiritismo. Tradução de Sebastião Paz. São Paulo: DPL, 2002. p. 57-58.
28
DENIS, Léon. Depois da morte.Tradução de João Lourenço de Souza. 25. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2005.
p. 169.
lhes são correlativas. Entre outros escritores que se pronunciaram neste
sentido, citaremos: Egène Nus, o autor das obras: Grands Mystères e
Choses de l'Autre Monde; Vacquerie, que a respeito deste ponto, expôs
suas opiniões nas Miettes de l' historoire; Victor Hugo, Maurice
Lachâtre, Théophile Gauthier, Victorien Sardou, C. Fauvety, Ch. Lomon,
Eugène Bonnemère, etc.
132
J. Malgras em sua obra, Os pioneiros do espiritismo na França, escrita em
1906, reuniu 91 personalidades francesas entre pensadores, escritores e cientistas que
atuaram de forma ativa no processo de surgimento e consolidação da Doutrina Espírita ou
que apenas se inspiraram em seus conceitos para produzir escritos pessoais. Na referida
obra, Malgras refere que Eugéne Bonnemère (1813-1893), historiador e escritor, havia
produzido algumas obras importantes, entre elas, peças de teatro, colaborando, também,
ativamente em diversos jornais. Conta Bonnemère:
Durante muito tempo ri, como todo mundo, do magnetismo e do
Espiritismo. Mas - eu o confesso humildemente pelo que me toca -, o que
eu tomava pelo riso de Voltaire não era se não o riso do idiota, muito
mais comum que o primeiro. Circunstâncias particulares me puseram em
situação de estudar de perto uma sonâmbula natural, uma extática, que
espontaneamente, caía em transe, como dizem os americanos, e
desfrutava então faculdades extraordinárias. Ela escrevia
inconscientemente, e em cinco ou seis manhãs teria um romance tal como
aqueles que, como amostras, eu publiquei em seu nome, por sua ordem
:
O Romance do Futuro, Louis Hubrt, os Deslocados...
133
Como vemos, essa influência da temática espírita na literatura francesa e
mundial provoca uma grande explosão na curiosidade pelo mistério. A procura de um
Absoluto espiritual torna-se objeto da poesia, manifestando-se através de verso e prosa. Tal
busca leva, também, o poeta e pensador Miguel de Unamuno a reivindicar a imortalidade
da alma; essa crença inquebrantável responde à necessidade profunda de sua sensibilidade.
Nas esferas literárias, foram muitos os homens de letras que se agitaram em prol do sentido
transcendental que possui o destino humano que, enfim, cantaram a reencarnação.
Mesmo antes do surgimento da Doutrina Espírita em 1857, temas ligados ao
sobrenatural encantavam homens como Charles Nodier, sendo ele o primeiro teórico do
fantástico na prosa romântica na França, conforme aponta Schneider:
29
MALGRAS, J. Op. cit. nota n. 27, p. 51.
É um dos primeiros escritores a refletir sobre os novos gêneros, inclusive
o fantástico, tratando-os como novas modalidades para a expressão da
sensibilidade de uma época: 'Eu estava na minha juventude, a
pressentir o surgimento de uma nova literatura', afirma ele no segundo
prefácio de Smarra.
134
Outro romântico que despertou inquietação quanto ao destino do homem, foi
Théophile Gautier (1811-1872), poeta, romancista e crítico literário, que entre outros
trabalhos notáveis, alguns situados no campo do fantástico francês, escreveu Spirite,
traduzido para o português com o título de Ignorado Amor
135
, pela editora O Clarin, cuja
trama é inspirada pela Doutrina Espírita. No contexto da obra é gerada toda uma
discursividade centrada justamente nas crenças a respeito da vida pós-morte, da
reencarnação e da interexistência. Gautier agiu como o intérprete da teoria do espiritismo,
numa espécie de romance espírita, sendo seu precursor nesse gênero. Em seu imaginário
espírita supõe dois seres que se amaram: um nunca pôde confessá-lo em vida; uma vez
morto, seu espírito, por reencarnações sucessivas, manifestou sentimentos que teve de calar
durante sua vida terrena.
Outro poeta e literato, representativo da segunda metade do século XIX, é
Eugène Nus (1816-1894), escritor reconhecido, que foi um dos primeiros propagadores do
espiritismo. Partidário convicto da existência dos espíritos ousou aderir ao sistema de
significados propostos pela incipiente doutrina que começava a surgir. Nus conta, "[...] em
suas Coisas do outro mundo, que ele e vários de seus amigos, que ele nomeia, entregaram-
se no ano de 1853 aos encantos da tiptologia."
136
Também se destaca, nesse período, Alexandre Dumas (1803-1870), que
exprime sua filosofia no que tange às reflexões metafísicas sobre a condição humana. Em
Mémoires, expõe fatos de visões de parentes mortos, o que nos leva a crer que concebia a
teoria das reencarnações. Dumas afirmava: "Não sei o que faço de bom, seja no mundo,
seja nos outros mundos em que vivi antes de vir a este aqui, mas Deus tem para comigo
favores especiais."
137
Em Madame de Chamblay, explora o princípio da dupla vista
138
,
134
SCHNEIDER, Maria do Carmo Marino. Op. cit. nota n. 14, p.58.
135
GAUTIER, Théophile. Ignorado Amor. São Paulo: O Clarin, 1972.
136
MALGRAS, J. Op. cit. nota n. 27, p. 55.
33
Idem, p. 87
34
Os fenômenos de dupla vista são explicados em O Livro dos Espíritos nas questões 447 a 454 e referem-se
à faculdade que algumas pessoas possuem de, ver com os olhos da alma, é uma espécie de visão.
podendo ser lido como expressões da dimensão de vida do converso que progressivamente
vai sendo ressemantizada à luz da crença nos conceitos espíritas.
Gérard de Nerval (1808-1855), como precursor do simbolismo, destaca-se por
buscar nos sonhos uma forma de penetrar nos mistérios da existência. Tentava captar a
essência da vida pelo desejo ardente de mergulhar no mundo dos espíritos, situação que o
arrastou à loucura e ao suicídio. Em sua obra prima, Aurelia, manifesta todas as sensações
aflitivas a respeito da frustada história de seu amor. Os temas preferidos que permeiam a
obra nervaliana - sonhos, recordações e lembranças de existências passadas-, partilham
espaços cuja idealização é a busca de um paraíso perdido, exemplo disso é o poema
Fantasie, que está centrado na focalização de uma vida anterior:
Vitrais pintados com vibrantes cores,
Cem grandes parques, rio num recanto
Beijando seus pés, que corre entre flores.
E uma mulher em sua janela
Loira, olhos negros, com antigo vestido...
De outra existência talvez seja ela
A mulher que recordo já ter conhecido!
Há uma atmosfera que eu diria
E um castelo, com pedras no canto,
Ser de Rossini, Mozart e Weber,
Antiga, lânguida e de melancolia,
Que só a mim segredos quer dizer.
E cada vez que a escuto em enlevo
A velha alma então rejuvenesce:
É Luis XIII...- e ostentar-se vejo
Um prado verde que amarelece.
139
Não poderíamos deixar de falar da prosa literária de Honoré de Balzac (1799-
1850). Mesmo sabendo que ele não teve contato direto com a Doutrina Espírita, sem
dúvida alguma, deixou-se contagiar por aquele contexto histórico francês em que
mergulhou o avidamente na busca do desconhecido. Fazendo uso da sensibilidade
mística, soube, pela inspiração, captar a profundidade existencial do homem diante do
mistério. Devido a esse motivo, Arnold Hauser o identifica como "[...] um dos profetas
35
SCHNEIDER, Maria do Carmo Marino. Op. cit. nota n. 14, p.62.
36
HAUSER, Arnold. História social da literatura e da arte. São Paulo: Mestre Jou, 1982. p. 937.
literários em que a visão do futuro era mais forte do que a observação do presente."
140
Entre suas obras que estão impregnadas de ocultismo e espiritualismo estão: Louis
Lambert, Seraphitus Seraphita, Ursule Mirouet, Les Proscrits, La Recherche de l'Absolu e
Peau de Chagrin.
George Sand (1804-1876) viveu os agitados dias da Codificação Kardequiana,
não lhe passando despercebida a efervescência das novas idéias no campo do
espiritualismo. Aderiu ao espiritismo principalmente após receber de seu amigo Allan
Kardec um exemplar de O livro dos espíritos. Em suas obras, tratou sempre com seriedade
a temática espírita, exemplos disso o as obras: Consuelo, composta por 3 volumes, e La
contêsse de Rudolstad, organizada em 2 volumes. Nessas obras, todo o enredo é
desenvolvido em torno da lei da reencarnação. Em Spiridion, os espíritos se comunicam e,
entre os personagens, muitos são os dotados de vidência, clariaudiência e inspiração. Em
Histoire de ma vie, o enredo é marcado pela dramaticidade tocante de sua busca
desesperada do amor. Nessa obra, ela expõe o seu ponto de vista a respeito da vida,
afirmando:
Se não devemos aspirar à beatitude dos Espíritos puros do país das
quimeras, se devemos entrever sempre além desta vida um trabalho, um
dever, provas e uma organização limitada nessas faculdades em face do
infinito, pelo menos nos é permitido pela razão e nos é comandado pelo
coração contar com uma seqüência de existências progressivas em função
de nossos bons desejos... Podemos olhar esta terra como um lugar de
passagem e contar com um despertar mais doce no berço que nos espera
algures. De mundos em mundos, podemos, livrando-nos da animalidade
que combate aqui na terra nossa espiritualidade, tornar-nos limpos ao
vestir um corpo mais puro, mais apropriado às necessidades da alma,
menos combatido e menos travado pelas enfermidades da vida humana,
tais como nós as experimentamos aqui embaixo.
141
Reforçando o grupo de escritores que mergulharam em sua busca espiritual
influenciados pelo ideário espírita, e absorvendo essa temática que passa a refletir-se em
suas produções literárias, encontramos Victorien Sardou (1831-1908) teatrólogo, membro
da Academia Francesa desde 1877; amigo íntimo de Allan Kardec, foi um dos primeiros a
se declarar espírita numa época em que era difícil fazer semelhante confissão. Um dos
adeptos mais ardorosos do espiritismo, escreveu uma peça chamada Spiritisme, encenada
37
MALGRAS, J. Op. cit. nota n. 27, p. 90.
38
SCHNEIDER, Maria do Carmo Marino. Op. cit. nota n. 14, p. 75.
no teatro Renascença, em maio de 1897.
142
Sardou foi um médium de efeitos
inteligentes
143
, realizando gravuras sobre couro sob a influência de um espírito
denominado Bernad Palissy. Inspirado por esse espírito, o teatrólogo francês obteve uma
suposta descrição detalhada do planeta Júpiter publicada na Revue spirite
144
em 1858, além
de outras comunicações.
A propósito dos conceitos espíritas do homem e da arte, embora a crítica
literária tema analisar mais profundamente essas questões, não são poucos os poetas e
escritores que, direta ou indiretamente, têm se relacionado com a mediunidade. Nesse
sentido, a literatura espírita mediúnica apresenta duas modalidades essenciais: uma,
baseada na criação literária inspirada; outra, puramente mediúnica. É impossível negar a
presença da literatura mediúnica e dessa nova realidade espiritual que, cada vez mais,
envolve um número muito grande de escritores. Vemos que, de alguma forma, essa
tendência temática vem ampliar o campo das letras. Para Mariotti, Victor Hugo é desses
exemplos que acentuou de tal maneira sua criação literária, de maneira que poderá ser
compreendida à luz da filosofia espírita. Afirma ainda Mariotti que
a poesia e a mediunidade estão intimamente ligadas. O verdadeiro poeta é
sempre um médium em seus momentos de inspiração poética. Fazer, pois,
do poeta um simples obreiro da pena seria desconhecer o que é a beleza
como expressão do homem espiritualizado. O poeta, como repentista, está
sujeito a transes especiais pelos quais se pode alcançar as mais belas
manifestações poéticas. O poeta não é um escritor cerebral; ao contrário,
o poeta está sempre exposto ao transe poético, o que não ocorre quando
as letras são cultivadas como um simples ofício.
145
O intercâmbio com os espíritos no processo da escrita, via mediúnica ou
inspirada, tem uma significação central para a compreensão da literatura espírita. Esse fato
ocorre porque, na medida em que cada livro é lançado, estabelece uma ampla rede de
39
Segundo Allan Kardec, em O livro dos médiuns, nas questões 66 e 187, ao referir-se aos médiuns diz:
"Para que uma manifestação seja inteligente, não é necessário que seja eloqüente, espirituosa ou sábia, basta
que seja um ato livre e voluntário, que exprima uma intenção ou responda a um pensamento. Médiuns de
efeitos intelectuais são os mais especialmente apropriados para receber e transmitir comunicações
inteligentes."
40
KARDEC, Allan.
Revue Spirite.
Tradução de Salvador Gentile. 2
.
ed
.
São Paulo: IDE, 2002. p. 222-223.
145
MARIOTTI, Humberto. Op. cit. nota n. 11, p. 77-78.
42
Idem, p. 33.
43
Idem, ibidem.
relações e testemunhos na direção da construção de um sistema literário, cuja chancela é
dada pela credibilidade desses literatos. Por isso, refletir sobre o processo da escrita como
algo que alcança significado no âmbito do campo mediúnico, a partir dos referenciais
propostos pelas expressões da esfera espiritual, é de fundamental importância para
compreender as declarações de um grande número de poetas que têm confessado o caráter
mediúnico de suas inspirações. Dentre tais confissões, encontramos Alfred de Musset que
diz: "On ne travaille pas: on écoute; c'est comme um iconnu qui parle á l'oreille."
146
E,
também, Alphonse de Lamartine (1790-1869) que escreveu A queda de um anjo e Jocelyn,
cujo enredo se inspira na reencarnação para traçar a história espiritual de dois seres que se
buscam através dos tempos, disse: "Ce n'est pas moi pense, ce son mês idées qui pensent
pour moi."
147
Ainda dignas de nota, são as obras mediúnicas de autores que afirmaram
publicamente o caráter psicográfico de seus trabalhos, como o escritor espanhol Daniel
Suárez Artazu autor de Marietta y Estrela e Páginas de dos existencias, assim como
Gutiérrez Nájera e Amado Nervo. Este último, em seu poema Mediunidade, declara:
Si mis rimas fuesen bellas
enorgullecerme de ellas
no está bien,
pues nunca mías han sido
em realidad: al oído
me las dicta...! no sei quien!
Yo no soy más que el acento
del arpa que hiere el viento
veloz,
no soy más que el eco débil
de uma voz...
Quizás a través de mi
van despertando entrebsí
dos almas llenas de amor,
em um misterioso estilo,
y yo no soy más que el hilo conductor.
148
Na esteira desses escritores que impregnaram suas obras com os conceitos
espíritas, aparece Camille Flammarion (1842-1925), astrônomo, que foi diretor do
Observatório de Juvisy. Tornando-se espírita convicto, foi amigo pessoal de Allan Kardec,
tendo sido o orador designado para proferir as últimas palavras à beira do túmulo do
44
Idem, ibidem
codificador do espiritismo a quem denominou "o bom senso encarnado". O mesmo fez
adesão a essa Doutrina, através das séries Habitants de l'autre monde, publicadas em 1862
e 1863, que são "[...]coletâneas de comunicações ditadas por pancadas e pela escrita
mediúnica no salão Mont Thabor e no salão da Madelaine, com a srta. Huet como médium,
e publicadas na Ledoyen".
149
Suas obras, de uma forma geral, giram em torno do postulado
espírita da pluralidade dos mundos habitados e possuem os seguintes títulos: Os mundos
imaginários e os Mundos reais, As maravilhas celestes, Deus na natureza, Contemplações
científicas, Estudos e leitura sobre astronomia, Atmosfera, Astronomia popular, Descrição
geral do céu, O mundo antes da criação do homem, Os cometas, As casas mal-
assombradas, Narrações do infinito, Sonhos estelares, Urânia, Estela, O desconhecido, A
morte e seus mistérios, Problemas psíquicos, O fim do mundo entre outras. O astrônomo
foi chamado pelo historiador Jules Michelet, de o "poeta dos Céus". Flammarion deixa
expressas suas convicções a respeito da comunicabilidade dos espíritos no seguinte
prefácio:
Amigo leitor, se não acredita nas manifestações dos espíritos, este
modesto opúsculo, escrito com simplicidade e boa para o que é de
minha redação, e cujas comunicações foram ditadas pelos próprios
Espíritos, aos médiuns nomeados, é destinado a lhe provar que a morte
não existe mais e os seres queridos os quais você amou sobre a terra e se
despojaram de seu invólucro corporal podem ainda conversar com
você...Como você, por muito tempo ponderei antes de estudar esta
Doutrina e, tendo-a estudado, não acreditei senão após ter visto, tocado e
ouvido; mas estou tão feliz em saber e crer que minha maior felicidade é
convidá-lo a dividir minha doce crença...
150
Camile Flammarion marca sua presença no jornal A Evolução, com treze
artigos distribuídos em sucessivas edições com o título de "Telepathia", onde descreve
casos de fenômenos de aparição de pessoas logo após o decesso indicando, dessa forma,
que o estavam mais no mundo físico. Também relata situações de pessoas que eram
avisadas por sonhos e vidências a respeito de alguma ocorrência ou situação de perigo que
estariam por enfrentar em suas vidas. Todas essas formas de comunicação eram objeto de
investigação pela ciência. Outro artigo que se destaca traz o título de "No Infinito", sendo a
matéria em questão tratada de forma continuada ao longo das edições. Vejamos o que
expressa o referido autor:
149
MALGRAS, J. Op. cit. nota n. 27, p. 149.
150
Idem, p.150.
[...] Sim, a vida universal e eterna reina sobre as nossas cabeças e d'ella
somos parte integrante. Sim, hoje já apreciamos em seu justo valor vossa
importância, ó mysteriosas estrellas da noute! pois que sentimos rodarem
em torno de nós infinitos mundos, vastos e pesados, povoados como o
nosso. Planetas ou estrellas, são todos mundos, systemas, universos; e do
fundo do nosso abysmo, entrevemos suas nações longinquas, suas cidades
desconhecidas, seus povos extra-terrestres. Ás vezes, ao contemplal-as,
sentimos estremecer nossas almas pensativas, quando recordamos, que
realmente todos esses lampadarios celestes nos mostram outras tantas
humanidades irmãs da nossa, entre cuja multidão tem a nossa Terra
menos importancia que uma aldeiola entre as grandes cidades e villas,
que povôam os nossos continentes.
[...] Eis a vida natural e não sobrenatural, a vida universal esparsida em
todas espheras. Um sol brilha em toda a parte; em toda a parte a flor
exhala seu grato perfume, as aves cantam e a natureza ostenta suas
riquezas, suas graças e seus esplendores. Os espectros da morte fugiram
de nosso céo, como foge a negra phalena ao despontar o dia. Eis a luz, a
belleza, a verdade! Eu vos saudo vastas planuras das terras celestes!
Saudo-vos, montanhas sublimes e solitarios valles! E vós, profundas e
gratas harmonias da noute estrellada, salve!...
[...] Hoje já comprehendemos a existencia do universo, sahimos das
trevas da ignorancia, ouvimos os acordes da harmonia immensa; e com
uma convicção inquebrantavel, fundada em demonstrações positivas,
acclamamos do fundo de nossa consciencia esta verdade immorredoura: -
A vida se desenvolve no fim do espaço e no tempo, é universal e eterna,
enche o infinito com seus accordes, e reinará por todos os seculos da
incalculavel eternidade
151
.
Destaca-se ainda, com seu traço inconfundível impresso nas obras que
escreveu, o poeta Guerra Junqueiro (1850-1923). Seus versos, o m relação direta com
os conceitos espíritas. No entanto, além de poeta, deixou-se absorver pelos estudos
científico-filosóficos que coincidiam com os problemas mais transcendentes da vida que
pretendia expor na Unidade do Ser, e "[...] para isso coligiu apontamentos que encheram
4.000 folhas de papel almaço [...]"
152
, mas que o chegou a vir a lume. Junqueiro
investigou a transcendentalidade, em busca da fórmula que resolvesse a grande equação da
vida espiritual. Mas,
por um estranho, misterioso, inexplicável eclipse espiritual, Guerra
Junqueiro não admitia o espiritismo, e considerava as experiências
célebres de William Crookes
153
frutos de ilusão, por inverossímeis.
151
FLAMMARION, Camile. No infinito. A Evolução. Rio Grande, 15 mai. 1892, n. 8, p. 4.
152
CASTRO, Almerindo Martins de. Guerra Junqueiro, poeta-filósofo. In: JUNQUEIRO, Guerra. Funerais
da Santa Sé. Psicografado por América Delgado. Brasília: FEB, 1996. 5. ed. p. 241.
153
William Crookes, da Sociedade Real, a Academia das Ciências da Inglaterra. Publicou em Recherches sur
les Phénomènes du Spiritualisme o resultado de suas experiências com fenômenos espíritas, à respeito dos
mesmos disse: "Não digo que isso é possível, digo que isso é".
Curiosa incoerência de concepção, decerto, porque Guerra Junqueiro tem
versos e conceitos, idéias e afirmativas, que são lidimamente espíritas,
externadas em linguagem que o próprio Allan Kardec teria empregado.
154
Nas obras de Guerra Junqueiro, observamos a eloqüente retórica de cunho
espiritualista que realça a originalidade e seu extraordinário sentido da fina irreverência
aplicada aos fatos, principalmente, quando se trata de uma poesia anticlerical. Junqueiro é
um poeta que expressa com profundidade filosófica seu brado de reprovação contra o abuso
das coisas sagradas, cantou o respeito pela verdade dignificando a fé. No alicerce da
realização poética de Guerra Junqueiro, entrecruzam-se princípios de ordem moral-
filosófica defendidos pela Doutrina Espírita. Mesmo que não tivesse tomado contato com
essa doutrina, na confluência dos pontos de vista estava sendo espírita. Provavelmente, em
decorrência dessa aproximação, é que está presente nas páginas de A Evolução com o
poema em prosa Minha Mãi:
Minha Mãi, minha Mãi!... Ai! Que saudade immensa?!... Do tempo em
que ajoelhava, orando, ao de ti! cahia- mansa- a noute e as
andorinh’aos pares cruzavam-se, voando em torno de seus lares,
suspensos do beiral da casa, onde eu nasci!... Era a hora em que já, sobre
o feno das eiras, dormia- quieto e manso- o impavido lebréo; vinham-nos
da montanha- as canções das ceifeiras e a Lua, branca, além- por entre as
Oliveiras, como a alma de um- justohia em triumpho ao Céo!... E mãos
postas, ao do Altar do teu regaço, eu balbuciava a minha- infantil
Oração, pedindo ao Deus, que está no azul do firmamento, que mandasse
um allivio- á cada soffrimento, que mandasse- uma estrella á cada
escuridão!... por todos eu orava e por todos pedia,- pelos mortos no
horror da terra, negra e fria; por todas as paixões e por todas as magoas;
pelos miseros, que, entre os vivos, das procellas vão em noute sem lua e
n’um barco sem vellas- errantes- atravez do turbilhão das aguas!....... O
meu coração puro, immaculado e sancto, hia ao throno de Deus
pedir, como inda vai, para toda a nudez um panno de seu manto, para
toda a miseria o orvalho de seu pranto, e para todo o crime o seu
perdão de – Pai!
155
Emilio Castelar (1832-1899) é outro escritor que expressou literariamente seus
pensamentos filosóficos, tangenciando os aspectos sociomorais do ser humano. Professava
um exaltado amor à liberdade junto com profundo misticismo, resultado da estreita
educação religiosa que havia recebido da e. Profundo defensor dos ideais democráticos,
afirmava a respeito de tal questão:
154
CASTRO, Almerindo Martins de. Op. cit. nota n. 48, p.243
155
GUERRA JUNQUEIRO. Minha mãi. A Evolução. Rio Grande, 1º ago. 1892, n. 13, p.3.
Queréis saber lo que es la democracia? [...] Voy a defender las ideas
democráticas si deseáis rlas. Estas ideas no pertenecen ni a los partidos
ni a los hombres; pertenecen a la humanidad. Basadas en la razón, son
como la verdad, absoluta, y como las leyes de Dios, universales.
156
Efetivamente, podemos dizer que o sentir filosófico de Castelar está
consubstanciado intrinsecamente à sua religiosidade, daí o fato de se inclinar reverente a
Deus e de ser solidário com o valor histórico e social da filosofia espírita. Entre as muitas
obras produzidas, destaca-se a novela La Hermana de la Caridad, trabalho literário que
responde à sua cosmovisão filosófica, baseada em conceitos cuja valorização se encontra
na obra O Livro dos Espíritos, de Allan Kardec. Emilio Castelar transita pelo jornal A
Evolução com os seguintes artigos:
A natureza e a liberdade
Às sciencias modernas e suas invenções nos demonstram a divina
unidade do universo, e nos fazem communicar com seres distinctos e
assaz separados de nós na immensidão do espaço.
[...] Que o meu corpo tenha sahido do protoplasma, disseminado, como
gelatinoso fermento da vida primeira, no seio das aguas, ao estenderem-
se por ellas as prehistoricas raizes do organismo, que elle se mantenha de
por assim lhe impôr o codigo incontrastavel da gravidade; que seu
coração esteja encadeiado á attração universal, como as luas a seus
planetas, e as terras aos seus sóes; que associe e aglomere seus atomos
por affinidades chimicas, semelhantes ás que as observamos dentro das
retortas entre as particulas prestes a se crystalisarem e a tomarem certas
fórmas geometricas; que a minha materia seja identica a uma com a que
compõe Sirio; nada disso affeta a immortalidade e á espiritualidade do
meu ser intimo, pois nenhum ceu, com todos os seus mundos, é tão
formoso, insondavel e divino, como o nosso espirito, com as suas
luminosas e innumeraveis ideias.
Nada melhor que a esxistencia e a unidade do universo demonstra a
existencia e a unidade de Deus.
[...] No meu observatorio tranquilo, nas praias vasconças, onde as
emanações oxigenadas dos montes e dos bosques se misturam com as
emanações salinas do mar, dando-me umas o fogo necessario á conbustão
de minha vida e outras o todo indispensavel á albumina dos meus tecidos,
eu deixo a inconsciencia de meu sêr cumprir exatactamente, e ás cégas,
todas essas operações da nutrição ou da respiração universal, e peço á
consciencia do meu sêr que me dê noticias do espirito e Deus.
157
A vida e a morte
No limite onde começa o sentimento, inicia-se a dôr, que é a companheira
eterna da vida; avisa-nos das nossas faltas e auxilia-nos em nossos
156
LLORCA, C. Emilio Castelar, precursor de la democracia cristiana. Madrid: Castalia, 1966. p. 84.
157
CASTELAR, Emilio. A natureza e a liberdade. A Evolução. Rio Grande, 1º fev. 1892, n. 1, p. 2-3.
grandes trabalhos, porque não podemos alcançar a verdade sem esforço,
nem chegar ao bem sem combate, nem desejar a perfeição sem essa sêde
insaciavel, signal da origem celeste e infinita de sua alma.
Triste de nós no dia em que se acabe o desassocego do nosso sêr; sem ser
isso se acabaria o mais sublime da vida.
E o que digo da dôr, digo da morte.
[...] A morte porém não mata, [...] é um renascimento á outra vida; parece
uma decomposição, por que nunca brota a haste sem se decompôr a
semente, nem o fructo sem seccar a flôr, nem uma nova fôrma sem se
apagarem as fôrmas antigas, no crescimento e progresso de todos os
sêres.
Se não houvesse a morte, nào haveria renovação; a natureza seria um lago
immovel e miasmatico, a humanidade uma velha impotente e preocupada.
O sepulcro é um berço.
[...] um renascimento, porque a vida é infinita.
158
Como vimos, gestada na França, a Doutrina Espírita, através de seus
princípios, impregnou o pensamento desses escritores que ansiavam por algo no campo da
a fim de lhes comprovar a transcendência humana. Nesse sentido, a cultura espírita vai
gradativamente se construindo pela participação efetiva por meio das letras desses literatos.
Exemplo do alcance que teve a filosofia espírita, como fonte inspiradora, é que o gênio
romântico cresceu com a visão espírita do mundo, contribuindo, assim, para a crescente
formação de uma vasta rede literária.
Allan Kardec exerceu a mais penetrante influência naquele momento de
efervescência sociocultural da França, pela importância no desenvolvimento dos estudos
psíquicos. Por isso, vale a pena salientar que entre os inúmeros amigos e estudiosos de
Kardec que se agregaram em torno do ideal espírita, encontram-se também, o filósofo H.
Bergson, o psicólogo e filósofo William James, o biólogo Alfred Russel Wallace, o físico
Oliver Lodge, o escritor Arthur Conan Doyle
159
, entre outros.
Ressaltamos ainda que Kardec publica, em 1
o
de janeiro de 1858, o primeiro
número da Revista Espírita, que serviu como poderosa auxiliar para os trabalhos ulteriores
e para a divulgação da Doutrina Espírita na Europa e na América. Segundo Henri Sausse,
biógrafo de Kardec, “[...] em menos de um ano, a Revista Espírita estava espalhada por
158
CASTELAR, Emilio. A vida e a morte. A Evolução. Rio Grande, 15 jul. 1892, n. 12. p. 3.
159
Arthur Conan Doyle (1859-1930), escritor escocês, criador do célebre detetive Sherlok Holmes, ficou
conhecido entre os espíritas como o “São Paulo” do espiritismo. Publicou, versando sobre o espiritismo, as
seguintes obras: The new revelation, The vital mesage, Wanderings of a spiritualist, The coming of the faires,
Our american adventure, Our second american adventure, Memories and adventures, Spiritualistes’read,
Pheneas Speaks, Our africa winter, The edge of the unknow.
todos os continentes do Globo. [...] De tal maneira aumentou o número de assinantes, que
Kardec, a pedido destes, reimprimiu duas vezes as coleções de 1858, 1859 e 1860”.
160
Outro fato de considerável relevância, que nos testemunho realmente
significativo da configuração do sistema literário espírita, é o lançamento de um catálogo
com indicações de obras para a formação de uma biblioteca espírita, o qual todo o adepto
da Doutrina deveria ter. Essa obra foi o último trabalho original de Allan Kardec,
publicado em março de 1869, poucos dias antes da sua morte. No catálogo foram arrolados
cerca de duzentos livros, desses alguns apenas tiveram pontos de contato com a Doutrina
Espírita, sendo então, consideradas obras precursoras. Segundo a análise crítica feita em
cada obra por Kardec, cerca de noventa e quatro são obras escritas sob o ponto de vista
exclusivamente espírita, outras vinte e duas o literaturas produzidas com a finalidade de
fazer oposição ao espiritismo. Ao incluir no catálogo as obras contra a Doutrina, Kardec
demonstra que proibir um livro é sinal de que ele é temido. Esse pensamento fica claro na
nota de abertura do último capítulo do catálogo em que constam as obras de oposição:
Proibir um livro é sinal de que se o teme. O Espiritismo, longe de temer a
divulgação dos escritos publicados contra si e proibir-lhes a leitura a seus
adeptos, chama a atenção destes e do público para tais obras, a fim de que
possam julgar por comparação.
161
Ainda nessa linha de raciocínio, Kardec reproduz um diálogo que teve com um
opositor da Doutrina em sua obra O que é o espiritismo: “Confesso-lhe que devo publicar
um livro, [...] e como esse livro deve produzir efeito, dando um golpe no espiritismo, eu
deixaria de publicá-lo, caso ficasse convencido da realidade da vossa doutrina.” Kardec
responde ao seu interlocutor: “[...] não tenho interesse algum em impedir a sua publicação:
ao contrário, desejo-lhe grande circulação, porque assim ele nos servirá de prospecto e
anúncio. A nossa atenção é sempre chamada sobre aquilo que vemos atacado.”
162
Ao analisarmos a proliferação de obras que giram em torno de uma raiz comum, ou
seja, o espiritismo-, na Europa e especialmente na França, verificamos o posicionamento
respeitável do estamento literário, escritores e poetas, que significativamente colaboraram
na divulgação da Doutrina Espírita. Esse testemunho nos dá uma visão, ainda que de forma
reducionista, da projeção alcançada na construção desse sistema literário pela adesão à
160
SAUSSE, Henri. Biographie d’Allan Kardec. 4
.
ed. Paris: Jean Meyer, 1927. p. 34.
57
KARDEC, Allan. Catálogo racional: obras para se fundar uma biblioteca espírita. Tradução de Julia
Vidili. São Paulo: Madras, 2004. p. 84.
58
KARDEC, Allan. O que é o espiritismo. 36
.
ed. Rio de Janeiro: FEB, 1944. p. 54.
nova doutrina por parte dos literatos. Configura-se, já nesse momento, todo um movimento
literário em torno do ideal filosófico que se apresenta com publicações bastante variadas,
incluindo romances mediúnicos, textos doutrinários, mensagens psicografadas,
dissertações e material de divulgação, além de obras de caráter filosófico, científico e
evangélico, bem como uma extensa rede de jornais. Nesse mundo literário próprio
inscrevem-se autores, editores, leitores, críticos, articulistas, distribuidores, livrarias
espíritas e postos de vendas de livros nas instituições espíritas que começam a se proliferar
em todo o globo.
Na medida em que a Doutrina Espírita incursionava entre as classes mais
intelectualizadas, a imprensa espírita começava a ter papel relevante, vindo a lume um
aluvião de jornais. Por volta de 1890, publicavam-se no mundo 96 jornais e revistas de
divulgação da Doutrina Espírita, sendo 19 no Brasil. A comunicação social espírita como
patamar avançado de sua imprensa abriu os caminhos para divulgar as idéias doutrinárias,
além de se instrumentalizar como veículo de propaganda literária, abastecendo seus
leitores de informações. O interesse por obras de conteúdo literário, através da imprensa
espírita, reflete também a perfeita sintonia com o mundo intelectual que cercava os adeptos
da nova doutrina, fomentando, ainda, a prática da leitura como uma atividade cultural
central.
Das práticas desse segmento filosófico-religioso, destaca-se um aspecto de
fundamental importância no período focado, que irá incidir na formação de uma vasta
estrutura literária: é o surgimento da primeira livraria espírita na França, organizada pelo
codificador da Doutrina. Sendo programada a inauguração para 1
o
de abril de 1869, o que
não ocorreu devido ao falecimento de Allan Kardec. A idéia de criar um centro
promocional do livro espírita vai ser concretizada pelos seus seguidores. Como vimos,
passada a fase dos fenômenos das mesas “girantes e falantes”, os praticantes do espiritismo
compreenderam a seriedade da nova religião revelada e passaram a trabalhar na divulgação
da mesma, através de livros e jornais, numa permanente continuidade de produção
intelectual.
Fundamentando a idéia de sistema literário espírita, a partir da segunda metade do
século XIX, é impossível ignorar que essa configuração, embora tenhamos apresentado até
aqui apenas uma visão panorâmica do processo de formação dessa literatura, evidencia a
marcha dos conceitos espíritas a espraiar-se nas obras de importantes literatos. Os
princípios espíritas são acordes ouvidos e sentidos no íntimo do ser, em cada
romântico,
segundo Roberto Sanchez, “[...] com um sentido estético-religioso de ressonância e afinidades
amorosas”.
163
Esse espaço de construção e confirmação de uma identidade cultural expressa através das
letras no espiritismo, fica mais claro a partir da leitura como polissistema literário, conforme
proposta de Itamar Even-Zohar. Tal conceito preenche as condições necessárias para explicar as
articulações que se promovem entre conjuntos de sistemas interligados, que, no caso em estudo,
percebe-se uma rede de relações que vai sendo costurada entre as diversas atividades que
determinam os produtos do sistema. Vejamos, por exemplo, nomes consagrados do estamento
literário francês, reverenciados pela crítica literária dentro de um determinado cânone, exercerem
papel significativo na revelação, codificação e divulgação da Doutrina Espírita. Os mesmos
demonstram os diferentes caminhos tomados para expressarem sua religiosidade, que é inerente ao
existir humano, independentemente do condicionamento promovido pela crítica literária ao negar a
esses intelectuais o direito de construírem sua própria individualidade no que se refere à
religiosidade.
A postura desses intelectuais revela um precioso testemunho a projetar os seus
comportamentos diante do espiritismo. Tal constatação vai ao encontro da nossa pesquisa,
no momento em que nos orientamos pelo polissistema literário para dizer que a atividade
religiosa não pode ser desvinculada da produção literária de tais escritores. Sendo assim, a
inclusão ou não de uma atividade dentro de um sistema literário não depende de uma
essência, mas sim das relações que podemos estabelecer no conjunto das obras produzidas
por um autor a partir de todos elementos que agregam sua formação cultural.
Tudo isso são fortes subsídios para interpretar e compreender o desdobramento
desse processo em direção ao emergente sistema literário, considerando o esquema
proposto por Even-Zohar, no que se refere aos seis fatores constituintes do funcionamento
do referido sistema. Nesse sentido, temos os produtores representados pelos poetas e
escritores mencionados, que aparecem em plano central, construindo imagens,
expressões e modelos de ação no âmbito da Doutrina Espírita. O salão é ponto de
convergência seja na nese do espiritismo, seja como espaço social onde as aspirações
literárias se concretizam. Nesse caso, o salão é também a instituição “[...] mediadora entre
la producción y el consumo de arte [...],”
164
cujo conteúdo da obra de arte passa antes de
fazer eco. Ainda dentro do fator instituição, destaca-se a constituição da imprensa, de uma
163
SANCHEZ, Roberto. História do sagrado: uma leitura simbólica do espiritismo. In: A Reencarnação.
Porto Alegre: FERGS, n.419, p. 42.
164
HAUSER, Arnold. Instituciones de la mediación. In: _______. Sociología del arte. v. 4. Barcelona:
Labor, 1977. p.622.
livraria especializada, de editoras, da Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas e parte dos
próprios produtores, como agregado de fatores envolvidos que possibilitará o aparecimento
de sentido e manutenção da literatura espírita como atividade sociocultural.
No interesse de divulgar a nova doutrina, um intenso mercado começa a florescer
compreendendo os jornais, que reservam espaços para a publicidade de obras espíritas,
livrarias e editoras responsáveis pela compra e venda de mercadorias. Nesse caso,
conforme Even-Zohar, assumem o papel tanto de instituições como de mercado.
Enquadram-se também, na mesma orientação, os salões literários que “[...] pueden
naturalmente entrecruzarse en el mismo espacio[...]”
165
. Incluem-se nesse mercado, as
sociedades de estudos e pesquisas espíritas, com suas respectivas bibliotecas. Tais núcleos
exercem, ainda, o papel de formação doutrinária e pedagógica.
Desde o momento da Codificação Espírita, fica clara a preocupação em preservar a
pureza doutrinária. Com esse fim, vai sendo construída entre os profitentes a consciência
quanto à responsabilidade de cada espírita perante a unidade doutrinária. Assim, os
espíritas procuram explicar a todos, crédulos e incrédulos, cultos e incultos, os conceitos e
os verdadeiros objetivos do espiritismo. Os textos espíritas, a partir de então, constroem
sua autoridade seguindo um acordo tácito. Esse estatuto singular relaciona-se ao conceito
empregado por Even-Zohar como repertório literário, significando o conjunto de regras e
materiais que regulam a confecção como o uso de qualquer produto. A construção da
verossimilhança espírita marca um procedimento de acordo com o qual “Cuanto mayor sea
la comunidad que confecciona y usa ciertos productos, tanto mayor debe ser el acuerdo
sobre semejante repertorio”.
166
Além disso, esse ciclo de discursividade estabelecido entre
produtor e consumidor, que necessita obrigatoriamente de pré-conhecimento e acordo, é
iniciado pelo próprio Allan Kardec ao construir um léxico específico para a nova Doutrina:
Para as coisas novas necessitam-se de palavras novas, assim o quer a
clareza da linguagem para evitar a confusão inseparável do sentido
múltiplo dos mesmos vocábulos. As palavras espiritual, espiritualista,
espiritualismo têm uma acepção bem definida: dar-lhes uma nova para
as aplicar à doutrina dos Espíritos seria multiplicar as causas já
numerosas de anfibologia. Com efeito, o espiritualismo é o oposto do
materialismo; quem crê haver em si outra coisa que a matéria, é
espiritualista. Mas não se segue daí que crê na existência dos espíritos ou
em suas comunicações com o mundo visível. Em lugar das palavras
espiritual, espiritualismo, empregamos para designar esta última
crença
as de espírita e de Espiritismo, das quais a forma lembra a
165
EVEN-ZOHAR, Itamar. El sistema literario. Poetics Today. v. 11, n. 1, Spring 1990, p.40.
166
Idem, p. 40.
origem e o sentido radical, e que, por isso mesmo têm a vantagem de ser
perfeitamente inteligíveis, reservando à palavra espiritualismo a sua
acepção própria. Diremos pois, que a Doutrina Espírita ou o Espiritismo
tem por princípios as relações do mundo material com os Espíritos ou
seres do mundo invisível. Os adeptos do Espiritismo serão os espíritas
ou, se o quiserem, os espiritistas.
167
Finalmente, como produto literário espírita, além das obras propriamente ditas,
uma vasta profusão de textos, compreendendo mensagens psicografadas, textos de
divulgação, dissertações, máximas e citações, distribuídos em forma de panfletos, bem
como parábolas e artigos que foram produzidos em diferentes momentos e passaram a
circular em forma de boletins e revistas. Forma-se, nesse circuito da escrita espírita, uma
rede intertextual, e aqui abrimos um parêntese para explicar que existe no espiritismo dois
tipos de textos: os textos de Kardec e os textos dos espíritos. Na medida em que a leitura
envolve interpretação, e esta envolve apropriação encadeando um discurso novo no
discurso dos fatos, surgem outros textos que são, por sua vez, produtos literários da
cosmologia espírita. Este mundo literário em formação ganha mais impulso quando o
espiritismo, chegando ao Brasil, ainda na segunda metade do século XIX, provoca
receptividade e/ou reações adversas numa extensa galeria de escritores. Dessa forma, como
consumidores diretos, conforme Even-Zohar, muitos desses intelectuais participam de
alguma forma no sistema literário espírita, como veremos a seguir.
2.2. Ecos de espiritualidade nas obras de escritores e poetas brasileiros
Os primeiros espíritas brasileiros foram escritores e poetas que se deixaram
contagiar pela nova Doutrina importada da França. Essa receptividade por uma parcela
mais intelectualizada da sociedade brasileira é decorrente do apreço pela cultura francesa,
que as primeiras obras espíritas aqui chegadas eram trazidas em sua língua original.
Pouco a pouco, as idéias espíritas vão se popularizando, levando à tradução e à publicação
das obras de Kardec conseqüentemente, surgem revistas, periódicos, folhetos e opúsculos
tratando de temas espíritas.
Dessa forma, a cultura espírita faz sua inserção através da literatura, influenciando
pela sua temática as obras de literatos brasileiros. A partir de então, um outro aspecto
importante será determinante na propagação dos ideais espíritas: são os grupos familiares
de estudos que se transformarão mais tarde nos centros espíritas, verdadeiros núcleos de
167
KARDEC, Allan. O livro dos espíritos. Tradução de Salvador Gentile. 143
.
ed. Araras: IDE, 2003. p. 7.
potencialidade a alavancar os postulados espíritas. O êxito que terá a Doutrina Espírita,
desse momento em diante, será devido ao posicionamento desses grupos de intelectuais
que atuarão em três áreas distintas, conforme nos informa Marcus De Mario: “o estudo
doutrinário; a prática mediúnica e o trabalho literário, traduzindo as obras e publicando
jornais e livretos.”
168
O fenômeno das “mesas girantes” também impressionou letrados e iletrados no
Brasil e, pouco tempo depois, o país recebia os primeiros livros da Codificação em francês.
Ao difundir-se pelo território brasileiro, as primeiras atividades espíritas passam a ser
desenvolvidas de forma institucionalizada na Bahia em 1865. Dessa forma, passada a fase
da curiosidade, os espíritas brasileiros entenderam a lógica e racionalidade da Doutrina, e
logo se imbuíram da seriedade da nova religião de conseqüências morais e buscaram a sua
divulgação criando a imprensa espírita.
Alguns escritores e poetas brasileiros, entre 1860 e 1910, recepcionaram em
suas produções a temática espírita. O desenvolvimento pelo gosto literário marcado pelas
idéias espíritas vão influenciar significativamente esses movimentos literários e as obras
que os representam, basta ressaltar que pouco a pouco o espiritismo popularizava-se. O que
favoreceu a expansão do espiritismo foi o fato de a nova doutrina ajustar-se à perfeição aos
anseios românticos. A filosofia de Kardec falava a mesma linguagem dos românticos,
aplacando sua fome de infinito. Ao mesmo tempo, parecia conciliar aqueles dois
postulados básicos da inquietação romântica: o encontro com Deus e a imersão da alma
num mar luminoso de paz, sem perder sua identidade. Identificando esses pontos iniciais, é
preciso que se façam algumas considerações à luz das teorias da estética da recepção para
que possamos situar, nesse contexto histórico, os literatos franceses como agentes
dinâmicos potencialmente consumidores dos textos kardequianos, tendo dentro de um
circuito de comunicação, influenciado escritores brasileiros na decodificação desses textos.
Para Wolfgang Iser, o processo de leitura em sua recepção é uma relação que
se estabelece entre o texto e o leitor, mas sempre comandada pelo primeiro
169
. O texto
fornece os elementos que vão interagir com o leitor, levando a possíveis interpretações, e é
exatamente essa perspectiva que vai absorver a produção literária européia, principalmente
a francesa, a partir de um referencial comum: as cinco obras básicas do ideário espírita.
168
DE MARIO, Marcus Alberto. Espiritismo & cultura: elementos de história, teologia e antropologia. Rio
de Janeiro: Mauad, 2002, p. 69.
169
ISER, Wolfgang. A interação do texto com o leitor. In: LIMA, Luiz Costa. A literatura e o leitor. Textos
de estética da recepção. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979. p. 83.
Ao influxo de um crescente espiritualismo que já se fazia notar em toda a
Europa, e que era recepcionado por uma mentalidade mais sensível, arrastando a todos
rumo ao maravilhoso, as idéias espíritas seriam logo adotadas, vejam-se as obras de
Balzac, que estão impregnadas de ocultismo.
Sylvia Damazio cita o historiador inglês Eric I. Hobsbawn, para quem o surto
espiritualista, a partir de 1850, em vários de seus matizes, atendeu às ansiedades de setores
médios da sociedade industrial
170
. Carentes de uma nova religião ou filosofia que ocupasse
o vazio deixado pelas igrejas tradicionais, aderiram de forma entusiástica ao novo
espiritualismo. E também, mais especialmente, ao novo saber que tivesse bases científicas,
que produzisse moralidade, que enquadrasse os indivíduos na sociedade e fosse base de um
Estado que atendesse às necessidades básicas dos cidadãos: um Estado benfeitor. A
evolução do ideário espírita, em nível de conceitos capazes de sustentar as idéias básicas
do espiritismo, vai encontrar no Brasil as condições favoráveis de afirmação e crescimento,
principalmente se considerarmos que quando aqui chegou foi absorvida por uma elite que
intelectualizou rapidamente a doutrina. A partir de então, abriu caminhos para a difusão da
mesma, cujo impacto tem merecido bastante destaque, já que representou uma contribuição
para a inserção cultural dessa filosofia na cultura local.
Foram os franceses, residentes no Brasil e sintonizados com as novidades da
sua terra, que logo se interessaram pelas primeiras experiências espíritas levadas a efeito
por Kardec. Casimir Lieutaud, poeta, contista e diretor de um dos mais conceituados
estabelecimentos de ensino da Corte, o Colégio Francês, foi quem publicou o primeiro
livro de divulgação espírita impresso no Brasil: Os tempos são chegados. Já o professor
Alexandre Canu foi quem traduziu a primeira obra espírita de Kardec para o português, O
espiritismo na sua expressão mais simples; ambas as obras foram publicadas em 1860.
Outra obra importante de Kardec, vertida para o português em 1875, foi O
Livro dos Espíritos. Segundo João Weguelin, foi “o primeiro a ser anunciado pela
imprensa carioca, traduzido por Fortunio, [...] conforme constava na grande matéria no
Jornal do Commercio de 14 de janeiro de 1875, escrita pelo editor B. L. Garnier.”
171
Ainda, segundo o autor, Fortunio era o pseudônimo do Dr. Joaquim Carlos Travassos.
170
DAMAZIO, Sylvia. Da elite ao povo: advento e expansão do espiritismo no Rio de Janeiro. Rio de
Janeiro: Bertrand/Brasil, 1994, p. 42.
171
WEGUELIN, João Marcos. Op. cit. nota n. 9, p. 98.
Também, em 1875 aparecem traduzidas para o português O Livro dos Médiuns e O Céu e o
Inferno. As demais obras de Allan Kardec foram publicadas em português até 1892.
Em Os intelectuais e o espiritismo, de Ubiratan Machado, o autor nos informa
que o espiritismo, através dos fenômenos da morte, surgia abraçado às modernas
tendências liberais, especialmente o socialismo, encontrando receptividade entre muitos
românticos brasileiros. Como os franceses do Brasil conheciam as teorias liberais,
receberam com entusiasmo o espiritismo e as idéias socialistas que eram expressas através
do jornal Courrier du Brésil. Foi nesse jornal, conforme Ubiratan Machado, que eles
publicaram o poema “Souvenir d’Exil”, de Charles Ribeyrolles, em 2 de dezembro de
1860, e que Machado de Assis, amigo de Ribeyrolles, traduz, sendo registrada a façanha
“[...] através da assinatura de treze testemunhas, todos franceses.”
172
O poema foi
reproduzido com a mesma disposição gráfica montada pelo jornal Courrier du Brésil,
conforme este fragmento que aqui mostramos:
......................................................... .........................................................
Nous baptisons nos fils en toi, Batizamo-lo em ti, ó liberdade
/ liberté sainte! / santa,
Descends, âme des forts, sur ce Alma dos bravos desce; - eis um
/ berceau d’un jour; / berço infantil;
Mets au coeur tes fiertés, au front O teu signo de luz, tua altivez
/ ta chaste empreinte; / lhe implanta,
Et les vieux s’em iront te bénissant Os velhos bendirão a tua mão
/ d’amour. /viril!
Como leitor, Machado de Assis recepciona, através da tradução desse poema,
as idéias espíritas que permeiam a produção literária de tais franceses, que, por sua vez,
recepcionaram no contato com o pentateuco kardequiano. Com essa atitude, os leitores
manifestam uma recepção ativa que para Hans Robert Jauss será determinante no que
tange à implicação estética, tendo em vista a continuidade de leitura que permitirá ver
como elas se atualizam no decorrer do tempo
173
.
Outro que se deixou contagiar pela temática espírita foi Manuel de Araújo
Porto Alegre ao escrever Os voluntários da Pátria. Sua originalidade está em decorrência
do drama a ser solucionado devido à mediunidade de D. Alexandrina, que percebia os
acontecimentos a distância e a aura das pessoas. Diz D. Alexandrina, ao ver Marçal
adormecido após processo de magnetização: O fluido de Marçal é uma auréola / De
68
MACHADO, Ubiratan Paulo. Os intelectuais e o espiritismo: de Castro Alves a Machado de Assis.
Niterói: Lachâtre, 1996. p.66.
suave esplendor. Parece um anjo!”. Mais adiante, ao olhar para o público presente, ela
consegue identificar a aura de cada pessoa: “Que fluidos variegados! que naturas! / O
desta é cor de terra; o deste é fumo!”
174
De acordo com Ubiratan Machado, “[...] Os voluntários são meras
transposições teatrais de situações semelhantes do romance Ursule Mirouet de Balzac.”
175
A conversão ao espiritismo proporcionará a força geradora de temáticas que vão
impregnar toda a obra de Porto Alegre, inclusive no Colombo, através do visionarismo
delirante de Pamórfio”.
176
Outro ponto chave que nos permite identificar a estreita relação que mantinha
Porto Alegre com o ideário espírita, são as cartas deste para Joaquim Manuel de Macedo e
Gonçalves Dias. Ubiratan Machado encontrou-as nos Anais da Biblioteca Nacional e no
Arquivo Nacional e cita-as em Os Intelectuais e o espiritismo. As mesmas nos permitem
inferir que os outros dois poetas também mantiveram contato com a doutrina de Kardec, e
que este, inclusive, enviou a Porto Alegre um número da Revue Spirite, conforme segue
nessas citações:
Em carta enviada de Paris, com a data de 31 de janeiro de 1863, e que faz
parte da correspondência passiva de Gonçalves Dias, Borja escrevia ao
poeta maranhense: “Na segunda-feira da semana passada remeti ao Porto
Alegre os livros que encomendou-me; não sei se já chegaram, bem como
um número da revista, que o Allan Kardec informou-me ter enviado no
princípio deste mês.
177
Diz esta outra: “em carta dirigida a Gonçalves Dias, datada de Dresde, 31 de
julho de 1864, escreve Porto Alegre: ‘Aqui temos agora uma prodigiosa sonâmbula e
brasileira! [...] eu creio bastante no magnetismo [...]”
178
. A expressão sonâmbula está
relacionada ao magnetismo correspondente à médium do espiritismo. As manifestações
sonambúlicas e o magnetismo, de Franz Anton Mesmer médium austríaco, eram
pesquisadas na segunda metade do século XIX, como fenômenos científicos. Portanto, tais
conceitos, ao permearem a obra de Porto Alegre, juntamente com denominações
vinculadas ao catolicismo, remetem-nos a uma interpretação que revela uma certa reserva
173
JAUSS, Hans Robert. História literária como provocação à teoria literária. São Paulo: Ática: 1994. p 56.
174
MACHADO, Ubiratan Paulo. Op. cit. nota n. 68, p. 83.
175
Idem, p. 77.
176
Idem, p. 78.
177
Idem, p. 83.
178
Idem, p. 84.
por parte de Porto Alegre em declarar publicamente sua crença. Daí percebemos o
sincretismo revelado em seus textos, o que confirma as idéias de Jauss, as quais propõem
que se verifiquem as mudanças ocorrentes na obra logo após sua primeira publicação
179
,
ou, como reconhece Iser, que o leitor interage com a obra tornando-se também produtor e
não consumidor de significados, por isso ele revisa o texto, aprofunda e transforma os
significados, garantindo para o texto uma perspectiva dinâmica
180
.
Quanto a Gonçalves Dias, se não figura diretamente ocupando-se da temática
espírita, pelo menos suas obras não apontam essa relação; o curioso é que, de alguma
forma, manifestava um certo fascínio pelo espiritismo. Talvez em função da enfermidade
por que passava o poeta, a esperança da cura era buscada através da nova doutrina,
conforme se depreende das cartas acima mencionadas.
No entanto, o periódico A Evolução publica alguns artigos do vate
maraenhense que nos permitem inferir acerca da confluência de pontos de vista entre o
mesmo e as propostas da filosofia espírita. Dá um cunho espírita a seus versos, onde
expressa questões que falam do espírito imortal, da afetividade após a morte, das
transformações que se operam no espírito e na natureza, da justiça Divina diante do
sofrimento e da morte. São temas profundamente trabalhados no âmbito da Doutrina
Espírita. Diante dessas circunstâncias, a presença de Gonçalves Dias torna-se importante
no referido jornal, na medida em que são reproduzidos seus pensamentos em algumas
edições, vejamos os que seguem:
URGE O TEMPO
Urge o tempo, e os annos vão correndo, mudança eterna os sêres afadiga!
O tronco, o arbusto, a folha, a flôr, o espinho, quem vive, o que vegeta,
vai tomando aspectos novos, nova fôrma, enquanto gyra no espaço e se
equilibra aterra.
Tudo se muda, tudo se transforma; o espirito porém, como centelha, que
vai lavrando solapada e oculta, até que emfim se torna incendio e chamas,
quando rompe os andrajos morredouros, mais claro brilha e aos céos
comsigo arrasta quanto sentiu, quanto soffreu na terra.
Tudo se muda aqui! mente o affecto, que se gera e se nutre em almas
grandes, não acaba, nem muda; vai crescendo, co’o tempo avulta, mais
augmenta em forças, e a propia morte o purifica e alinda. Semelha estatua
erguida entre ruinas, firme na base, intacta, inda mais bella, depois que o
tempo a rodeou de estragos.
181
179
JAUSS, Hans Robert. Op. cit. nota n. 69, p. 124.
180
ISER, Wolfgang. Op. cit. nota n. 65, p. 105-106.
77
DIAS, Gonçalves. Urge o Tempo. A Evolução. Rio Grande, 15 dezembro de 1892, n.22, p. 3.
O HOMEM FORTE
O modesto varão constante e justo pensa e medita nas lições dos sabios e
nos caminhos da justiça eterna gradúa firme os passos.
O brilho de sua alma não mareia a luz do sol, nem do carvão se tisna;
morre pelo dever, austero e crente, confessando a virtude.
Póde a calumnia denegrir seus feitos, negar-lhe a inveja o merito subido;
póde em seu damno conspirar-se o mundo e renegal-o a patria!
Tão modesto no paço de Lucullo, como encerrado no tonel do Grego,
nem o transtorna a aragem da ventura, nem a desgraça o abate!
A tyrannos preceitos não se humilha, ante o ferro do algoz não curva a
fronte, não faz calar da consciencia o grito, não nega os seus principios.
Antes, seguro e firme e confiado no tempo, vingador das injustiças, co’os
pés no cadafalso e a vista erguida, se mostra impertubavel.
Soffre martyr e expira! A patria entorno do seu sepulchro o chora, onde a
virtude, affeita ao luto e á dor, de novo carpe do justo a flebil morte!
182
o poema “Espera” refere-se à necessidade de resignação frente às amarguras
da vida. O sofrimento para Gonçalves Dias faz parte da trajetória humana; segundo ele,
aceitar os percalços da vida através do sofrimento é estar de acordo com as regras de Deus,
que tudo sabe e tudo vê, portanto dirige nossos passos. Essa proposição é um dos
princípios do espiritismo, sendo um forte indício de leituras dos textos espíritas feitas pelo
poeta. Assim se expressa o mesmo:
Quem no mundo que afflições não passe, que dôres não supporte?
Mais ou menos d’angustias cabe a todos, a todos cabe a morte.
A vidad é um fio negro d’amarguras e de longo soffrer, semelha a noute;
mas fagueiros sonhos póde de noute haver.
Porque então maldiremos este mundo e a vida que vivemos, se nos
tornamos do Senhor mais dignos, quanto mais dôr soffremos?
Quantos cabellos temos, Elle o sabe; Elle póde contar as folhas que há no
bosque, os grãos d’areia, que sustentam o mar.
Como pois não será elle comnosco no dia da afflição? Como não de
computar as dôres do nosso coração?
Como há de vêr-nos sem piedade, o rosto coberto d’amargura; Elle,
Senhor e Pai, conforto e guia da humana creatura?
Se o vento sopra, se se move a terra, se iroso o mar fluctua; se o sol rutila,
se as estrellas brilham, se gyra a branca lua;
Deus o quis, Deus que mede a intensidade da dôr e da alegria; que cada
sêr comporta- n’um momento d’arroubo ou d’agonia!
Embora pois a nossa vida corra alheia da ventura, além da terra há céos, e
Deus protege a toda creatura!
Viajor perdido na floresta á noute, assim vago na vida; mas sinto a voz
que me dirige os passos e a luz que me convida!
183
182
DIAS, Gonçalves. O Homem Forte. A Evolução. Rio Grande, 15 dezembro de 1892, n.22, p. 3.
183
DIAS, Gonçalves. Espera! A Evolução. Rio Grande, 1º janeiro de 1893, n.23, p. 2.
Mais adiante, o poeta volta-se para Deus, deixando suas impressões a respeito
da transcendência Divina, realçando sua grandeza, seu poder. Fala das tribulações da vida e
da imortalidade da alma, acena com convicção que a mesma desfruta de outro viver após a
morte física. Refletindo sobre a Onipotência Divina, declara:
DEUS
A voz de Jehovah infindos mundos se formaram do nada; rasgou-se o
horror das trevas, fez-se o dia e a noute foi creada.
Luzio no espaço a lua! Sobre a terra rouqueja o mar raivoso, e as espheras
nos céos ergueram hynos ao Deus prodigioso.
----------------------------------------------------------------------------------------
Oh! Como é grande o Senhor Deus, que os mundos equilibra nos ares;
que vai do abysmo aos céos, que susta as iras do pelago fremente; a cujo
sopro a machina estrellada vacilla nos seus eixos; a cujo aceno os
cherubins se movem humildes, respeitosos; cujo poder, que é sem igual,
excede a hyporbole arrojada! Oh! Como é grande o Senhor Deus dos
mundos, o Senhor dos prodigios!?
----------------------------------------------------------------------------------------
O Deus que manda ao infeliz que espere na sua providencia; que o justo
durma descansado e forte na sua consciencia!
Que o assassino de contínuo véle, que trema de morrer; emquanto nos
Céos, o que foi morto, desfructa outro viver!
Oh! Como é grande o Senhor Deus, que rege a machina estrellada; que ao
triste dá prazer; descanso e vida á mente atribulada!
184
Entre os que incursionaram pelas temáticas espíritas estão escritores de menor
expressão, como Júlio César Leal, poeta, romancista e jornalista que não ficou imune às
idéias da nova doutrina. Coube a ele publicar a primeira profissão de fé poética em 1869, O
espiritismo: meditação poética sobre o mundo invisível acompanhado de uma evocação.
Nesse seu poema, em versos brancos, utilizando-se de elementos muito em voga, cria uma
ambientação ultra-romântica cujo sentido se pelo uso dos termos espíritas, reencarnação
e transmigração da alma para outros planetas. Destacamos da obra Grandes espíritas do
Brasil a seguinte estrofe:
Ao deixar a matéria, sem demora
Entra de novo na mansão etérea;
Conhece-se habitando em substância
No lugar donde outrora se partira
Para o corpo animar, que então deixara.
Com vistas incorpóreas lá descobre
80
DIAS, Gonçalves. Deus. A Evolução. Rio Grande, 1º fevereiro de 1893, n.25, p. 1.
Outras almas errantes, que nos globos.
Diversos, em que esteve, conhecera:
Volve-lhe à mente a sorte do pretérito,
Conhece que a existência é sacrifício,
Que às almas impõe Deus, que não são puras.
185
Nessa época, outro poeta que começa a manifestar interesse pelo espiritismo é
Antônio de Castro Alves. Ao viajar para Salvador a fim de assistir à estréia de seu drama
Gonzaga, escreve a um amigo: “Tive um triunfo como não consta que alguém tivesse na
Bahia.”
186
. Na década de 60, a Bahia era o grande centro de difusão da nova doutrina. Em
Salvador, uma cidade com cerca de 130 mil habitantes, o grande assunto era o espiritismo,
sobretudo nos meios intelectuais.
O poeta revolucionário de O século vibrava com todas as idéias novas,
políticas, filosóficas e científicas; em conseqüência, a nova doutrina de Kardec havia se
tornado uma razão para inspirar-lhe algum interesse. Em Grandes vultos da humanidade,
de Sylvio Brito, está citado um artigo do jornal O Globo, do Rio de Janeiro, 19 de agosto
de 1961 e do Diário de São Paulo, de 10 de setembro do mesmo ano, de Eugênio Gomes,
que diz: Encontra-se, [...] em dois de seus manuscritos, a indicação positiva de que essa
corrente de espiritualismo o atraiu de qualquer modo. Um, revelado por Afrânio Peixoto na
sua introdução a Os escravos”, planejava escrever um poema histórico-dramático, apoiado
na Doutrina do Espiritismo, cujo principal texto é o seguinte:
É noite! No alto de uma montanha Stênio e o bardo escutam as vozes
ignotas da Natureza. O espírito profundo de Stênio serve de intérprete às
lamentações da terra (África-Vozes). Uma tristeza profunda lhe tem
eivado a ânsia de viver. Ema –o Espírito que Deus havia criado noiva do
seu acaba de morrer, isto é, atingir a perfeição. Teoria do Espiritismo.
Diferentes vidas, destas duas almas, através de séculos. Agar! O ilota! O
Gaulês etc. são as diversas encarnações!
187
A outra indicação, segundo Eugênio Gomes, é uma carta dirigida a Augusto de
Castro Alves Guimarães, que
81
WANTUIL, Zêus. Grandes espíritas do Brasil. Rio de Janeiro: Federação Espírita Brasileira, 1969. p. 457-
458.
82
ALVES, Castro. Poesias completas. Rio de Janeiro: José Aguilar, 1960. p. 746.
83
SOARES, Sylvio Brito. Grandes vultos da humanidade e o espiritismo. Rio de Janeiro: FEB, 1961. p. 126.
84
Idem, ibidem, p. 130.
[...] revela por alto a concepção final de Os escravos e, de maneira
reticenciosa, promete dar-lhe explicações, sobre o enigma de minhas
crenças [...] O único poema [...] que a impressão de ser aquele que o
poeta idealizava encerrar Os escravos é o Vidente, às escâncaras hugoano
pelo tipo de misticismo social que encerra.
188
O mesmo ensaísta assinala que o refrão “num santo êxtase” não passa de
mimetismo literário de ce que dit la bouche d’ombre, de Victor Hugo.
Assim como tantos poetas de sua geração impregnados de hugoanismo, Castro
Alves também se deixa envolver pela ventura metapsíquica do criador de Jean Valjean. O
espiritismo era um dos elementos integrantes do complexo religiosismo de Victor Hugo.
Testemunho disso é o poema autobiográfico A Olympo, traduzido por Castro Alves:
................................................................................
Não me consoles, não, e não te aflijas muito...
Eu’stou calmo, impassível.
Eu não olho jamais para o mundo deste mundo,
Mas para o mundo invisível
189
.
O sentimento de fraternidade é uma marca profunda em Castro Alves. Por
isso, identificava-se com Deus, palavra que estava sempre presente em suas poesias, razão
para inspirar-lhe os poemas O século, A cruz da estrada, Adeus meu canto ou o poema
Vozes d’Africa, em que o escravo faz um apelo fervoroso a Deus. Ainda em O livro e a
América, o poeta começa falando do Novo Mundo para logo afirmar na estrofe seguinte
que a missão de Colombo foi recebida diretamente de Deus. Outra referência a Deus está
em O vidente e Loucura divina.
Um tema também presente na poesia de Castro Alves é a prece, que para ele
representa a ligação entre Deus e os homens. Exemplo disso está em A órfã na sepultura,
poema no qual o eu-lírico é a mãe morta que faz uma prece em favor da filha, órfã e
escrava. Essa é uma prova de que o poeta acreditava na sobrevivência da alma após a
morte. Enfim, predominava em seu estado íntimo da alma a espiritualidade que
exteriorizava em forma de versos. Era provavelmente essa característica que o faz ser
citado no jornal A Evolução, através de seu pensamento “Lançai a esmola e colhereis a
Prece!”
190
, a partir da edição de 15 de setembro de 1892. Entretanto, isso não significa uma
85
ALVES, Castro. Op. cit. nota n. 82, p. 278.
190
ALVES, Castro. Máximas e pensamentos. A Evolução. Rio Grande, 15 de setembro de 1892, n.16, p. 3.
adesão pública ao espiritismo. Altamirando Carneiro, ao questionar por que Castro Alves
não deu a conhecer suas idéias filosófico-religiosas, diz que a resposta pode estar, segundo
Sylvio Brito, no poema Meu Segredo:
----------------------------------------------
Eu sei como este mundo ri de escárnio,
Deste aéreo sonhar da fantasia.
Eu sei... P’ra cada crença de noss’alma,
Ele tem uma frase de ironia...
Ah! deixai-me guardar o meu segredo!
Deste riso cruel eu tenho medo...
191
-----------------------------------------------
Considerando esses elementos que identificam a conexão com a temática
espírita refletida na obra de Castro Alves, podemos inferir, a partir dos pressupostos
teóricos da estética da recepção no que tange à relação texto/leitor, que esta implica um
habitus letrado e cultivado, cuja pretensão de respeitabilidade está simbolizada pela relação
com o conhecimento adquirido através da leitura. Isso significa dizer que essa orientação
religiosa também sublinha as experiências da leitura e de escrita como um componente
fundamental de sua identidade.
É importante lembrar que tudo que marcasse a vida cultural na França, logo era
adotado por nossa sociedade ávida por novidades. Na França de Kardec, ler o Livro dos
Espíritos, obra básica da doutrina, “[...] marcava uma tomada de posição política:
simbolizava o acesso ao conhecimento, assim como uma oposição ao conservadorismo da
Igreja Católica e dos setores burgueses da sociedade, sinalizando uma identidade laica e
republicana.”
192
no Brasil, segundo Marion Aubrée e François Laplantine, a prática da
leitura ganha uma conotação bem diversa: “Elle est um signe d’ascension sociale. Savoir
lire et pouvoir étudier, st la marque de l’appertenance aux classes moyennes et
supérieures.”
193
Assim, pouco a pouco, o espiritismo vai se popularizando em terras brasileiras
sob o patrocínio dos intelectuais, principalmente, daqueles ligados à experiência da escrita.
Em conseqüência, de forma gradativa, fazia sua inserção na cultura local, em especial se
considerarmos que, quando chegou ao Brasil, associou-se às idéias liberais como o
87
CARNEIRO, Altamirando Dantas de Assis. Castro Alves e o espiritismo. São Paulo: Feesp, 1993, p. 84.
192
LEWGOY, Bernardo. A antropologia pós-moderna e a produção literária espírita. Horizontes
antropológicos. Porto Alegre: UFRGS, n. 9, p. 96, jun. 1998.
193
LAPLANTINE, François & AUBRÉE, Marion. La Table, livre et les esprits: naissance, évolution et
atualité du mouvement social spirite entre France et Brésil. Paris: J. C. Lattes, 1990. p. 196.
abolicionismo e os princípios republicanos. Daí a justificativa de temas que compõem o
edifício doutrinário de espiritismo, como Deus, a imortalidade da alma, a pluralidade das
existências, a comunicabilidade dos espíritos e a evolução fazerem parte da manifestação
literária das nossas primeiras letras.
A tendência mística do povo brasileiro, em virtude da cultura diversificada, à
medida que se contagiada pelas categorias do discurso espírita, através da literatura,
promove um certo sincretismo dentro do próprio espiritismo, embora a doutrina tenha se
mantido íntegra no que concerne aos seus princípios. Isso nos leva a reafirmar as idéias de
Jauss, que considera a literatura um sistema composto de produção, recepção e
comunicação e que, portanto, a obra literária se atualiza pelo diálogo com o leitor, podendo
mudar com o tempo, a partir dessa recepção.
Continuando na identificação dos escritores em cujas obras a cosmologia
espírita teve ressonância, apontamos Otaviano Hudson, autor do poema “Espiritismo,” que,
segundo Weguelin, “[...] foi publicado no jornal A República, em 14 de fevereiro de 1871.
[...] É quase que, seguramente, o primeiro poema sobre o espiritismo publicado na
imprensa brasileira, [...]”
194
Vejamos o poema Espiritismo:
Silêncio! Cantam os anjos
Nos degraus do trono santo?
Enquanto as almas errantes
Derramam dolente o pranto!
Não tenho a luz que iluminou a mente
Ardente e lúcida de teu irmão poeta
Sei, que morrendo se esvaiu com ele
Nas glórias pátrias a famosa meta.
Embalde tentas me chamar a campo
Donde me acho a repousar dormente
Alma ilustrada, associada a outras
Comigo o fado lamentou e sente.
Foi do Eterno receber no seio
O santo preço do sofrer na terra,
Arca de dotes de harmonias caras,
Sua alma pura no Empíreo encerra.
Dos astros que luzem
Com tanto esplendor,
Eu sou soberano,
90
WEGUELIN, João Marcos. Op. cit. nota n. 9, p. 91.
Sou astro de amor
Nas almas
Mais calmas
Impera Constante,
Meu ser cintilante!
E qual sensitiva
Que furta-se a mão
Medrosa e esquiva,
Assim do vivente
Meu rosto amoroso,
Se vela fulgente!
E do desgraçado
Que vive isolado
Traído de amor
Eu sou protetor,
Sou anjo e fanal,
Protejo-o do mal.
E se agra sorte
Prepara-lhe a morte,
No meu seio ardente
Sua alma dolente
Repousa amorosa
Da vida afanosa!
195
Nesse período, enquadra-se o poeta Bittencourt Sampaio, que se tornaria um
dos maiores divulgadores do espiritismo no Brasil, fundando, em 1876, a Sociedade de
Estudos Espíritas Deus, Cristo e Caridade. Outro intelectual que passou por uma fase de
inclinação para o espiritismo, mas logo demonstrou certa desilusão, foi José de Alencar,
que em Guerra dos mascates, segundo volume editado em 1873, diz que sua época era o
“[...] século de espiritistas em que se tiram fotografias às almas do outro mundo.”
196
Como
vemos, o espiritismo já era atraente motivo para a prosa de ficção, e Machado de Assis não
perdeu a oportunidade.
O conto “Uma visita de Alcibíades”, escrito por Machado de Assis, ainda que
seja uma sátira mordaz, é a primeira obra em prosa de ficção da literatura brasileira em que
surge um personagem espírita. Nessa narrativa, o desembargador Álvarez afirma que sua
conversão ao espiritismo é decorrente da descrença em todas as religiões, assim confessa:
“Convencido de que todos os sistemas são pura niilidade, adotei o mais jovial de todos”.
Contador de histórias, Álvarez relata a estranha visita que recebera de Alcibíades e assume,
convictamente, a personalidade do personagem que interpreta: “Posso dizer que vivo,
91
WEGUELIN, João Marcos. Op. cit. nota n. 9, p. 92-94.
196
WANTUIL, Zêus. Op. cit. nota n. 81, p. 252.
como, durmo, passeio, converso, bebo café e espero morrer na fé de Allan Kardec.”
197
Fatos como esses, narrados com abundância de detalhes, tanto serviram como defesa à
nova doutrina na prosa de ficção como se transformavam em sarcasmo e ironia à doutrina
de Kardec, o que, de alguma forma, contribuiu para uma rápida expansão do espiritismo.
Essas farpas levantadas por ambas as partes nesse libelo, através das letras,
somadas às provocações de católicos e espíritas por meio da imprensa, levavam também o
clero a acusar o espiritismo de heresia e, talvez, fosse exatamente o que atrairia com tanta
força alguns escritores para o novo assunto. Conforme Ubiratan Machado, o tema
reencarnação exerceria grande atração, “[...] se transformando em motivo poético,
versejado, principalmente, por poetas parnasianos [...],”
198
não significando adesão a essa
crença. No entanto, Olavo Bilac é um dos que aderiu à filosofia kardequiana. Em diversos
sonetos, ele tratou dessa temática, embora, como o realista Machado de Assis, repudiasse
tudo o que evocasse o espiritismo.
Em Memórias póstumas de Brás Cubas, cujo enredo se fundamenta na
temática espírita, começava a ser assinalada a crescente preocupação de Machado de
Assis em relação às profundas incursões que o espiritismo fazia no Brasil.
A impregnação das idéias espíritas na obra machadiana foi significativa.
Quincas Borba acentuava as preocupações de Machado com relação ao espiritismo, pois é
possível perceber que a trama é de origem espírita uma vez que está vinculada aos
problemas da degenerescência mental. No romance, a crença em múltiplas vidas está
situada em um nível inconsciente de loucura. A idéia da reencarnação está no delírio
paranóico de Rubião, embora acreditasse ser apenas Luis Napoleão, que era espírita,
discípulo de Kardec e freqüentador assíduo de sessões. Da mesma forma, o mestre Quincas
Borba afirmava, com toda a autoridade, ser a encarnação de Santo Agostinho
199
. Sem
aludir ao espiritismo, está uma sátira ferina de Machado de Assis a um dos princípios da
doutrina kardequiana.
Se até então, o polemista Machado se posicionava de forma violenta, através
das letras em sua campanha anti-espírita, rejeitando os princípios espíritas, uma nova fase
evidencia as transformações que começavam a se operar no estado íntimo do escritor.
Essas modificações ficam claras nos personagens de Esaú e Jacó, na medida em que
197
MACHADO DE ASSIS, Joaquim Maria. Contos esparsos. Rio de Janeiro: Ed. Ouro, 1966. p. 305.
94
MACHADO, Ubiratan Paulo. Op. cit. nota n. 68, p. 169
95
MACHADO DE ASSIS, Joaquim Maria. Quincas Borba. Rio de Janeiro: W. M Jackson, 1944. p. 27
Plácido e Santos se professam espíritas. Este romance é publicado em 1904, mesmo ano da
morte de sua esposa. Provavelmente, esteja aí uma certa esperança do reencontro com sua
amada. A certeza da sobrevivência da alma fica clara quando ele escreve a Joaquim
Nabuco, logo após a morte de sua esposa, conforme nos informa Ubiratan Machado:
“Tudo me lembra a minha meiga Carolina. Como estou à beira do eterno aposento, não
gastarei muito tempo em recordá-la. Irei vê-la, ela me esperará.”
200
João Weguelin transcreve uma crônica de Machado de Assis veiculada pelo
jornal carioca A semana, de 23 de setembro de 1894, em que o escritor conta que acredita e
pratica a doutrina. Assim se refere Machado:
Os depoimentos desta semana complicaram de tal maneira o caso da
bigamia Lousada, que é impossível destrinçá-lo, sem o auxílio de uma
grande doutrina. Essa doutrina, eu, que algumas vezes me ri dela, venho
proclamá-la bem alto, como a última e verdadeira.
[...] Vinde, porém, ao Espiritismo, e vereis tudo como água. Eu não cria
no Espiritismo até junho último, quando li na União Espírita que, há anos,
um distinto jurisconsulto nosso, antigo deputado por Mato grosso,
consentiu em assistir a uma experiência. Foi evocado o espírito da sogra
do deputado e respondeu o Marquês de Abaeté: ‘Meu amigo, o
Espiritismo é uma verdade. [...] A circunstância, porém , da assinatura é
que me clareou a alma, não porque o marquês era homem verdadeiro,
mas ainda porque o espírito assinara, não o seu nome de batismo, mas o
título nobiliário. [...] Quanto a mim, não creio no Espiritismo, mas
desenvolvo a doutrina.
201
Outros que se utilizaram de suas produções literárias, cujos mecanismos
textuais, estrategicamente, tinham por objetivo zombar dos que se filiavam ao espiritismo,
foram: Artur Guimarães, que, em Cambiantes, segundo Ubiratan Machado, “[...] figuram
contos em que, com um razoável conhecimento doutrinário, o escritor satiriza asperamente
os espíritas.”
202
; Adolfo Caminha, em Tentação
203
, via no espiritismo uma prática
monomaníaca; e também Coelho Neto, no entremez O raio X, satiriza o espiritismo. A
temática espírita era uma constante na vida do escritor. Essa afirmativa se comprova no
romance O paraíso, que inicia com ironia para mais tarde se transformar em crente
influenciado, pelos amigos Alcindo Guanabara, Alberto de Oliveira e Luíz Murat, todos
freqüentadores assíduos do centro União Caridade. Convertido, Coelho Neto deixa seu
200
MACHADO, Ubiratan Paulo. Op. cit. nota n. 68, p. 216.
201
WEGUELIN, João Marcos. Op. cit. nota n. 9, p. 210-211.
202
MACHADO, Ubiratan Paulo. Op. cit. nota n. 68, p. 197.
203
CAMINHA, Adolfo. Tentação. Rio de Janeiro: José Olympio, 1979. p. 95.
testemunho, através da literatura. Em Esfinge, romance publicado em 1908, percebemos o
neófito fascinado pelo Oriente e o leitor de Balzac.
Ainda transitaram pelo universo espírita, tendo suas obras impregnadas pela
temática: Artur Lobo, com Um escândalo, romance naturalista; e Augusto dos Anjos, que
era médium e psicografava Gonçalves Dias em sessões promovidas na casa de sua mãe
204
.
O livro psicografado por essa época já ganhava profundas dimensões, configurando um
mundo literário próprio, desfrutando de importante lugar no interior dos centros espíritas,
com seus adeptos escritores, médiuns, ensaístas, jornalistas, editores e leitores. Rizzini
destaca, a esse respeito, que Artur Azevedo, escreveu em 1907, um folhetim que pode ser
considerado a primeira crítica de reconhecimento da literatura psicográfica como
fenômeno psíquico
205
.
Assim, ao invocarmos alguns pressupostos teóricos da estética da recepção,
visando a determinar em que medida a recepção por parte dos leitores/escritores das obras
kardequianas influenciaram em suas escritas, percebemos que o ideário espírita, ao ser
importado da França, não só causou, de forma direta, profundo fascínio sobre poetas e
escritores, como recebeu em grande parte os reflexos do complexo religiosismo de Victor
Hugo. Isso significa dizer que essas idéias se mantiveram vivas literariamente, na medida
em que foram recepcionadas, abrindo espaço para novas aspirações, a partir de um
horizonte de expectativas, contribuindo, com isso, não para a atualização dos textos
como definindo e sustentando as idéias básicas do espiritismo em nível de conceitos.
Ainda, como exemplo da recepção em escritores brasileiros, que através da
imprensa contribuíram para a propagação e expansão do espiritismo, encontramos no
jornal A Evolução outros expoentes da arte literária, alguns de menor brilho, mas que
ajudaram a imprimir um resultado cada vez mais explícito no processo de construção de
sentido para o espiritismo em nosso país.
Ao mapearmos os homens das letras que transitaram nesse espaço da imprensa
especializada como, por exemplo, o periódico A Evolução, identificamos em contrapartida
que alguns desses escritores não chegaram a ter um contato direto com a Doutrina Espírita.
No entanto, em menor ou maior grau percebemos um traço de união que os aproxima da
visão de mundo e de posturas ético-morais, então apregoadas pelo espiritismo. Podemos
dizer que é isso o que ocorre com as ximas de Mariano José Pereira da Fonseca (1773-
204
VIDAL, Ademar. O outro eu de Augusto dos Anjos. Rio de Janeiro: José Olympio, 1967. p. 70.
205
RIZZINI, Jorge. Escritores e fantasmas. São Paulo: Difusora Cultural, 1969. p. 217.
1848), o Marquês de Maricá, inscritas nas páginas do jornal e veiculadas ao longo das
edições. Nelas encontramos ensinamentos que incitam os leitores a observarem, que:
Grande e sublime é a idéa da omnipotencia de Deus!
O infeliz soterrado em uma masmorra não verte uma lagrima que não seja
vista, não exhala um suspiro que não seja ouvido por quem tudo sabe e
tudo póde, o Creador e Protector indefectivel da humanidade!
*************
Pouco vê quem não avista a Justiça e Providencia Divina em todo o jogo,
movimento e evoluções da especie humana.
206
*************
Fazei o bem, não olheis á quem; não ha beneficio perdido.
207
************
Quem dá ao necessitado, de Deus receberá centuplicado.
*************
Sêde liberal com os pobres e Deus será prodigo comvosco!
208
Os espíritas brasileiros têm no Marquês de Maricá um precursor da doutrina
que professam. Segundo os mesmos, esse destaque é decorrente da publicação do livro
Máximas, Pensamentos e Reflexões, que o Marquês editou em 1844, no qual se encontram
os primeiros ensinamentos de fundo espírita divulgados no Brasil. Além de escritor, era
poeta, doutor em Filosofia e Matemática pela Universidade de Coimbra. Distribuiu suas
obras gratuitamente, em várias e sucessivas tiragens. Nelas, segundo Weguelin, o Marquês
de Maricá, “[...] nove anos antes de Allan Kardec publicar O Livro dos Espíritos, havia
escrito sobre o perispírito, a reencarnação, a emancipação da alma, o progresso dos
espíritos, o céu e as moradas do Pai, entre muitos outros assuntos de conteúdo espírita.”
209
Na esteira de nomes consagrados, surge outro o menos importante, Adolfo
Bezerra de Menezes, dico que fizera carreira política, romancista, biógrafo dos
Viscondes de Caravelas e Uruguai, defensor da abolição da escravatura de forma gradual,
sendo famosa sua tese publicada em 1869, A escravidão no Brasil e medidas que convém
tomar para extingui-la sem danos para a nação. Tornou-se espírita proclamando sua
adesão através de conferência pública para mais de duas mil pessoas, conforme o Diário de
Noticias e O País do Rio de Janeiro; iniciava-se a mitificação daquele que seria
considerado o Allan Kardec brasileiro.”
210
206
MARICÁ. Máximas. A Evolução. Rio Grande, 1º de outubro de 1892, n.17, p. 4.
207
MARICÁ. Máximas. A Evolução. Rio Grande, 1º de março de 1893, n. 27, p. 3.
104
MARICÁ. Máximas. A Evolução. Rio Grande, 15 de setembro de 1892, n. 18, p. 3.
105
WEGUELIN, João Marcos. Op. cit. nota n. 9, p.43.
106
MACHADO, Ubiratan Paulo. Op. cit. nota n. 68, p. 176.
Em 1887, utilizando-se do pseudônimo Max, publicou nas colunas de O país,
dirigido por Quintino de Bocaiúva, que posteriormente tornou-se espírita, uma longa série
de artigos doutrinários que mais tarde foram condensados no volume póstumo Espiritismo.
Bezerra de Menezes escreveu as seguintes obras: A casa assombrada, A loucura sob novo
prisma, A Doutrina Espírita como filosofia teogônica, Casamento e mortalha, Pérola
negra, Lázaro - o leproso, História de um sonho, Evangelho do futuro e outros. O referido
escritor integrou as seções do periódico A Evolução com o poema Deus, que tem por mote
duas quadras de Racine e versos de J. J. Rosseau:
Deus! Murmura a brisa nos silvados,
A tarde ao cahir murmura Deus!
O mar tambem murmura ao som da vaga,
Murmura a pomba nos arrulos seus!
O sol, que se debruça sobre o espaço,
Traz á terra encantada os risos seus,
E os astros, que no céo, soluçam nenias,
Tèm um canto de amor, seu canto é Deus!
Murmura Deus a quéda das cascatas,
O vento erguendo o mar murmura Deus!
E na vasta amplidão por noutes lindas,
Murmura Deus a luz dourando os céos.
211
....................................................................
Outro poeta que teve notável participação nas páginas do jornal foi Fagundes
Varella (1841-1875), homem de reconhecível e formação altamente culta e religiosa.
Sua obra é marcada pela combinação de um cristianismo primitivo e puro ao lirismo da
terra. Impulsionado por essa sensibilidade e absorvido de valores cristãos, fixa com
fidelidade os primeiros passos dos personagens do cristianismo primitivo. No entanto,
compreendemos que o fato de se fazer presente em um órgão de divulgação espírita não
significa adesão a essa crença. Porém, tudo induz crer que Varella tenha encontrado
receptividade por meio da Folha Espírita, em decorrência de seu interesse pelo drama
social vivenciado pelos protagonistas do cristianismo. Diante de tais circunstâncias, nada
impediria que essa afinidade de princípios gerasse entre o jornal e o poeta um vínculo, num
ajuste perfeito aos interesses do espiritismo, o qual assume o papel de revelador do
cristianismo primitivo. Na medida em que se propõe fazer uma releitura deste, o
espiritismo resgata o sentido original deturpado devido à falência do discurso dogmático
do cristianismo histórico.
A propósito, Varella aprofunda-se na temática com uma atitude significativa
realçando, com notável vigor, a história do Nazareno em sucessivos artigos que passam
posteriormente por “Jesus” - um poema em prosa dividido em oito partes e encerrando
com o conto poético Calvário”, pleno de musicalidade devido às figuras de linguagem
utilizadas. A predileção pelos seus poemas, por parte do periódico, era uma forma de
realçar suas propostas e fisgar a sensibilidade de seus leitores. Os poemas de Varella
constroem o seguinte cenário:
Jesus Prégando
- Afortunados sois, pobres de espirito,
Pois o reino dos céus é vossa herança;
Afortunados sois, brandos e mansos’,
Atravessais a estradada da existencia,
Porque tereis das magoas lenitivo;
Afortunados vós que tendes fome
E sêde de justiça, sereis fartos;
--------------------------------------------------
Voltando-se depois a seus discipulos:
- Vós sois o sol da terra e a luz dos povos,
Como um pharol suspenso nas alturas
Aclare vossa luz a humanidade;
Vejan os homens vossas santas obras
E glorifiquem vosso Padre excelso!...
--------------------------------------------------
Depois d’estes sanctissimos conceitos
Cala-se o Salvador, abre caminho
Por entre a multidão que amiga o cerca,
E, seguido dos seus, desce do monte;
O sol do meio-dia abraza os campos.
212
Ave, Maria!
Era ao sol posto, no modesto asylo,
Prostrada, humilde, o pensamento entregue
Ao Deus de seus maiores, meditiva
A mais pura, a mais bella entre as mulheres;
------------------------------------------------------
Era a eleita de Deus, dos céos princeza,
Dos homens esperança,- era Maria,
Filha de Ana e de Joaquim, esposa
Do operario José. A nodoa infausta
107
MENEZES, Adolpho B. de. Deus. A Evolução. Rio Grande, 15 de junho de 1892, n. 10, p. 3.
212
VARELLA, Fagundes. Jesus Prégando. A Evolução. Rio Grande, 1º de novembro de 1892, n. 19, p. 3.
Do vicio original não maculava
A esplendida candura do seu rosto,
Norma sublime, divinal modelo
Da perfeição dos anjos.
------------------------------------------------------
- Eis a mulher que soergueu os homens
Do fundo abysmo onde os lançára o erro!
Eis a predestinada, a quem o Eterno
Enviára seu lucido ministro
Anuunciando a incarnação do Verbo.
213
Reforçando o grupo de pioneiros que ajudaram a construir um sistema literário
espírita, encontramos Ewerton Quadros, que deixou inscrito seu pensamento nas páginas
de A Evolução. Embora o seja um nome tão conhecido no meio literário, é uma figura
exponencial que ajudou a marcar o progresso e expansão das idéias espíritas no Brasil na
segunda metade do século XIX. Bacharel em Ciências Físicas e Matemáticas, general do
Exército e escritor militar, converteu-se ao espiritismo em 1872 e foi um dos fundadores,
além de presidente, da Federação Espírita Brasileira em 1884. Entre suas obras estão, Os
astros e Catecismo espírita. Ubiratan Machado, sobre Ewerton Quadros, afirma:
“[...] Quadros foi o responsável pela primeira tentativa, escrita no Brasil,
de interpretar a trajetória histórica do homem pelo prisma das concepções
espíritas, com a História dos povos da antiguidade sob o ponto de vista
espírita até a vinda do Messias, de conformidade com as descobertas
modernas, coordenadas para uso da mocidade brasileira e portuguesa”.
214
Com o título de “Catechismo Espirita”, o jornal anuncia que estará publicando uma
série de artigos de Ewerton Quadros, trabalho este dedicado às meninas, às futuras mães e
educadoras. Distribuído em dezenove capítulos, o autor fala de Deus; de alma, espírito e
perispírito; das vidas sucessivas; de comunicações dos espíritos; dos médiuns, entre outros
temas. Inicia o primeiro capítulo com o poema de sua autoria, intitulado “Dedicatória”,
composto por três quadras:
Deixai, pequeninas bellas,
que um vosso irmão mais velho
vos mostre, em phrases singelas,
as flôres do Evangelho.
Para vós d’esse jardim,
perenne e sempre viçoso,
seja colhido por mim
um ramalhete mimoso.
213
VARELLA, Fagundes. Ave, Maria! A Evolução. Rio Grande, 15 de novembro de 1892, n. 20, p.3.
214
MACHADO, Ubiratan Paulo. Op. cit. nota n. 68, p.166.
Se a offerta é simples e pobre,
é boa a minha intenção.
Aceitai. É bom e nobre
o que dicta o coração.
215
Todos os demais capítulos encerram com um pensamento ou um poema como, por
exemplo, o artigo que fala dos espíritos inferiores:
Busca curar, ó homem,
as fundas chagas d’alma,
do triste a quem consomem
penas que não tem calma;
procura consolal-os,
estende-lhes as mãos;
tu deves lamentall-os;
são todos teus irmãos;
216
Damasceno Vieira (1850-1910) também, de alguma forma, desempenha um papel
importante junto à imprensa espírita ao se fazer presente no jornal A Evolução, deixando
registrado, através de suas atividades literárias, elementos que relacionam experiências no
campo da à sua escrita pessoal e social. Tais impressões testemunham seu pensamento a
respeito da solidariedade. Inspirado neste ideal cristão, homenageia o padre Joaquim
Cacique de Barros com um poema, em forma de cruz, cujo tema “A Caridade” reflete
também o pensamento do ideal espírita. Esse tema, juntamente com a humildade, é de
capital importância dentro do espiritismo, pois resume toda a moral de Jesus. Por ser um
assunto relevante, ocupa um capítulo à parte na obra O evangelho segundo o espiritismo,
sendo mostrado como único caminho para a construção da paz e para a transformação
moral do homem. O “Fora da caridade não salvação” é tido como uma xima pelos
espíritas, bandeira que do ponto de vista social é praticado com muito empenho uma vez
que espelha o verdadeiro espírita e o verdadeiro cristão. Diante de tais circunstâncias,
Damasceno ganha destaque no periódico, como podemos observar:
Morada
Sagrada,
Solemne,
Inspirada
215
QUADROS, Francisco Raimundo Ewerton. Catechismo Espírita. Deus. A Evolução. Rio Grande, 15 de
maio de 1892, n. 8, p. 4.
112
QUADROS, Francisco Raimundo Ewerton. Catechismo Espírita. Os espíritos inferiores. A Evolução. Rio
Grande, 15 de outubro de 1892, n. 18, p. 4.
Na crença
Mais sancta,
Além se levanta com arduos labores,
Vencendo os rigores qual vasta epopéa!
Reunem-se obreiros e a branca argamassa
As pedras enlaça, formando uma idéa!
Progride incessante, servindo de exemplo,
A bella officina, que asyla e que é tempo!
O triste
Mendigo,
Que a magua
Consome,
Que esmola
Um abrigo,
Ralado
De fome,
De crenças
Já mortas,
Gemendo,
Batendo
Nas portas;
Aquelles que sentem
Torturas da sorte,
Pensando na morte,
Que á valla os conduz;
Tu, Padre, os levantas
Dos antros da fome,
Soccorres, em nome
Do martyr da cruz!
Luctar, pedir em prol dos desvalidos,
Levar sempre confortos á indigencia,
Minorar a afflicção dos opprimidos;
Eis os moveis que animam-te a existencia!
Tu tens a sacra uncção das grandes almas fortes,
Que vencem pelo ardor nas inclitas acções,
E fazes se expandir, em célicos transportes,
No povo a - A CARIDADE – a flôr dos corações!
Amparas a orphandade, exposta a vis errores,
Resgatas o mendigo ao lôdo mundanal!
Mil bençãos da pobreza, a te cobrir de flôres,
Resóam para ti n’um hymno triumpfal!
217
Os textos de Félix Xavier da Cunha (1833-1865) também aparecem inscritos no
jornal espírita. Podemos dizer que foi outro importante bardo do Rio Grande do Sul, não
escapando à influência religiosa de seu tempo. Animado por sincero desejo de colaborar no
conhecimento da verdade das leis de Deus, pôde sondar os mistérios da alma. Portador de
um ideal, de uma crença, de um evangelho de verdades para seus irmãos, sentiu-se
envolvido pela própria religiosidade. Por ter sido bafejado em suas produções poéticas a
217
VIEIRA, João Damasceno. A Caridade. A Evolução. Rio grande, 1º de dezembro de 1892, n. 21, p. 3.
buscar um ideal superior que o aproximasse do
Criador, aparece no periódico A Evolução
como mote do poema “Deus”, composto por Dutra Melo, no qual lemos:
Quando o Universo é- um Templo e o firmamento- um Altar, quem não
comprehende,que ha um Deus para esse templo e uma imagem para esse
altar, que tem por diadema a aboboda da noute, engastada de estrellas:
por tunica o azul assetinado do ether; por incenso os vapores
transparentes, que se elevam, ao alvorecer, do topo florido das
montanhas; por tapete o plaino ondeado e phosphorecente do oceano; e
por orgão sagrado - os querulos das aves, o sussurro das correntes, as
harmonias da briza na sombra dos arvoredos e todos esses echos soturnos
das harpas da Creação?! Sim! Pela imaginação acreditamos em – Deus!
218
Rendendo-se às propostas filosóficas do espiritismo e estimulados pela idéia de
divulgação da mesma através do jornal, um grupo de estudiosos e idealistas, até então
desconhecidos do mundo literário, encontrou em A Evolução o espaço para publicar seus
pensamentos, sonetos, poemas e glosas. O clima de sedução que a nova doutrina exercia
sobre esses incógnitos poetas e o apelo de certos temas espíritas transformam-se em
motivos poéticos, principalmente aqueles de fundo ético-moral. Conceitos que falam da
caridade, do perdão, da humildade e de Deus, despertam tanto interesse que tocam com
muita força a alma desses intelectuais, alimentando o desejo de falar do sagrado. A
exemplo disso, citaremos Julio Soeiro (poema), Dutra e Mello (poema) e Dr. Laurindo
Rabello (poema). Outros apenas assinavam através de pseudônimos: M. A., T. A. G.
(poema), P. de A. (conto) e J. G. Teixeira (glosa).
219
Seus respectivos poemas são:
A’Meu Filho!
Há dôres tão fataes que o corpo não suporta
que cede ao menor impeto; e um sopro qualquer, seu,
transforma-nos o sêr em atomos de vida,
e róe-nos o figado, qual aguia a Prometheu!
----------------------------------------------------------------
Oh Deus! Se tu és forte e tens poder immenso,
Se cedes ao clamor do filho que te adora,
Transforma este meu sêr n’um atomo de terra,
E sê emfim clemente ao martyr que te implora.
220
218
CUNHA, Félix Xavier da. Deus. A Evolução. Rio Grande, 1º de agosto de 1892, n. 13, p. 2.
219
Embora tenhamos diligenciado esforços, não foi possível, por ora, resgatarmos dados biográficos e
identificarmos quem sejam esses escritores, tanto os que assinavam através de pseudônimo como os que
assumiam publicamente seus nomes civis. Tampouco levantarmos maiores detalhes dos mesmos, trabalho
esse a ser posteriormente resgatado.
220
SOEIRO, Julio. A meu filho. A Evolução. Rio Grande, 15 de fevereiro de 1892, n. 2, p. 3.
Deus
O céo, a terra, o mar, tudo nos prova,
Que um Deus, é Creador de taes grandezas!
As ingentes, sem par, altas bellezas;
Tudo, tudo, que vemos, Deus comprova!
Os montes d’arvoredos povoados,
As aves sonorosas – gorgeando,
As fêras pelas mattas – divagando,
Os lindos, os mimosos, fereis prados!
221
----------------------------------------------------
A Conta e o Tempo
Deus pede estricta conta do meu tempo! É forçoso do tempo dar a conta!
Mas como dar sem tempo tanta conta.........eu, que gastei sem conta tanto
tempo?!
Para ter a minha conta, feita á tempo, dado me foi bem tempo e não fiz
conta! Não quis, sobrando tempo fazer conta?! Quero hoje fazer conta e
falta o tempo!!
Oh! Vós que tendes tempo, sem ter conta! Não gasteis esse tempo em
passatempo! Cuidai, emquanto é tempo; fazei conta!
Mas, ah! Se os que contam com seu tempo, fizessem d’esse tempo
alguma conta, não choravam sem conta o não ter tempo!
222
Litteratura
Nem tudo são flores e risos. O viajante que percorre as estradas em busca
de melhores ares, de apraziveis bosques, de bellas paragens, tambem
encontra os seus revezes.
Nem tudo são flores e risos.
Quando a mimoza flôr ao desaborchar embalsama o ar com seu finissimo
aroma, se dormes, encerrando-a para gozares, ella transforma-se em
cruel veneno que a tua vida rouba.
Nem tudo são flores e risos.
Se vires do céo as bellas côres, do sol os brilhantes raios, dos prados as
mimozas flores, relfecte oh! Homem que tudo foi feito pelo teu Salvador
e Pai.
223
----------------------------------------------------------------------------------------
A Felicidade
Completa satisfação,
A suprema felicidade!
Não a tem a humanidade,
Senão depois que da vida,
Deixando a penosa lida,
Vai gozar da Eternidade!
224
221
MELLO, Dutra. Deus. A Evolução. Rio Grande, 1º de agosto de 1892, n. 2, p. 13.
222
RABELLO, Laurindo. A conta e o tempo. A Evolução. Rio Grande, 1º de setembro de 1892, n. 2, p. 15.
223
M. A. Litteratura. A Evolução. Rio grande, 1º de fevereiro de 1892, n. 1, p. 1.
MOTTE
Cessi de temer a morte!
A morte não é um... mal,
O fraco, o triste... mortal,
É quem pensa de tal sorte!
GLOZA
Se na vida é vosso Norte,
Praticar....... a Caridade,
Tendo por guia....... a bondade,
CESSAI DE TEMER A MORTE!
Só teme d’alma o transporte
Para a vida....... espiritual,
Quem na vida....... corporal
Foi máo..... egoista..... tyranno;
Mas para quem foi – humano
A MORTE NÃO É UM MAL.
Que a morte é marco fatal
De eterna....... separação,
Nutre tão grave..... ilusão,
O FRACO, O TRISTE..... MORTAL!
Suppõe ser puro ideal,
O viver depois da.... morte;
Da vida esse duro..... córte
Ser insondavel..... abysmo!
Quem não crê no Espiritismo,
É QUEM PENSA DE TAL SORTE!
225
Outro colaborador do jornal, que obteve destaque, foi C. S, que aparece em todas as
edições, durante os dois anos de circulação do periódico. Por meio de alguns indícios,
acreditamos que C.S. seja o pseudônimo de Miguel Vieira de Novaes
226
, que se tornou
mais tarde um dos presidentes da Sociedade Espírita Rio-Grandense, hoje Sociedade
Espírita Kardecista. C. S. publicou poemas, contos e uma espécie de folhetim, cujos
personagens a cada artigo vão apresentando seus pontos de vista em relação às suas
crenças. Ao finalizar a narrativa, com o título de “Como e porque me tornei Spirita”, o
personagem narrador, que professa o espiritismo, revela que adotou a crença espírita a
partir de 1887, ficando claro que a história é a do próprio autor, Vieira de Novaes.
224
T. A. G. A Felicidade. A Evolução. Rio Grande, 15 de maio de 1892, n. 8, p.1.
225
TEIXEIRA, J. G. Glosa. A Evolução. Rio Grande, 15 de agosto de 1892, n. 14, p.3.
226
Registro que esta referência foi extraída após análise efetuada nas atas publicadas no periódico ora
trabalhado, as quais eram assinadas da seguinte forma: Eu, secretario, fiz, transcrevi e assino. C.S. ou
Miguel Vieira de Novaes”.
É importante reter as idéias implícitas na mensagem, após longo discurso
construído pela folha. Nele o enredo se desenrola a partir de uma experiência pessoal do
articulista, que adota um padrão narrativo no qual os argumentos transitam iniciando pela
codificação escrita, no âmbito das diversas tendências filosóficas, e terminam por serem
fixados no universo social da época, através de exemplos da vida cotidiana dos envolvidos
na trama, “o Spírita, o Positivista, o Protestante, o Catholico e o Eclectico”. Desse modo, o
circuito reconstrutivo desses sistemas de representações nos permite inferir que no decorrer
do diálogo o espiritismo configura o modelo filosófico mais aceitável, e em condições de
ser a vanguarda das transformações sociais, segundo o protagonista.
Além disso, o discurso é marcado constantemente pela presença de conceitos
referentes a cada doutrina como: morte, reencarnação, pluralidade das existências,
caridade, racionalismo, etc.
Na discussão, que se processa entre os personagens, fica explícito que o modelo
textual está vincado pelo ideal realista do personagem que representa o espiritismo.
Portanto, a ação de intencionalidade do jornal é preparar o terreno para uma futura
postulação de reflexão do texto, indicando, ainda que de forma velada, com quem está a
verdade. Nessa perspectiva, os personagens coabitam o mesmo texto de forma cordial,
pacífica e tolerante, embora fique bem demarcada a linha de ação de cada personagem em
relação a suas posturas filosóficas. Essa característica de conciliação é, na verdade, uma
referência da codificação Kardequiana, reveladora da presença desses valores morais ao ser
animado cada personagem, mesmo que em situações doutrinárias díspares.
Como registro indispensável da forma de atuação desses pioneiros da imprensa
espírita em Rio Grande, no ideal de organização do espiritismo, não poderíamos deixar de
destacar a experiência própria daquele momento de cultivo da arte literária, como práticas
socioculturais. Vemos, portanto, a importância de poemas como os de Vieira de Novaes,
que a seguir transcrevemos:
O Impio e o Crente
Se o impio o gozo almeja,
O crente a Fé só deseja;
O que um julga... casual
O outro tem – Providencial;
O que aquelle contraria,
Á este mais alumia.
227
227
C. S. O impio e o crente. A Evolução. Rio Grande, 1º de junho de 1892, n. 9, p.3.
Os 3 R. R. R.
------------------------------------
Incute no lar – virtude,
Plantando n’elle – 3 R. R. R.-
Religião, regra e respeito;
Conhecerás d’entro em pouco,
Que bem acertado andaste,
Tendo o engano desfeito.
Religião, regra e respeito,
Sendo bem observadas,
Trazem a tranquillidade;
Pois sem ellas a virtude
É chimera, é phantasia
E adeus!... Felicidade?
228
------------------------------------
Em decorrência do percurso da pesquisa que até aqui fizemos, observamos com
que profundidade a Doutrina de Kardec contagiava os intelectuais. Nesse sentido,
compreendemos que o surgimento e construção desse campo literário específico demanda
naturalmente da interação que escritores e poetas tiveram com os conceitos espíritas. Como
resultado desse processo, levantamos alguns pontos básicos, conforme propostas de Even-
Zohar, os quais são responsáveis por evidenciar a configuração do sistema literário espírita,
bem como revelar a dimensão do mesmo. Por isso, dentre um conjunto de fatores
envolvidos na manutenção do sistema, está presente o fator instituição que aponta para um
quadro cultural em que se destaca, ainda no final do século XIX, na existência de 115
jornais e revistas espíritas em todo o mundo. Essa trajetória surpreendente aponta ainda
para a existência, a 1899, de 38 jornais no Brasil, lembrando que entre 1900 e 1910
foram criados mais 69 jornais. Segundo João do Rio, havia somente no Rio de Janeiro, no
final do século XIX, uns cem mil espíritas.
229
Tal afirmativa nos mostra que havia, então,
um grande número de leitores que certamente se interessava pelo tema e colaborava para a
manutenção dos jornais e revistas especializados.
Ainda com relação ao fator instituição, destaca-se a criação dos centros espíritas,
espaço de encontro dos adeptos da Doutrina para as suas práticas. Esse exemplo de
instituição alcança hoje no Brasil mais de dez mil centros espíritas, ponto de convergência
228
C. S. Os 3 R. R. R. A Evolução. Rio Grande, 1º de junho de 1892, n. 9, p.3.
125
RIO, João do. As religiões no Rio. Rio de Janeiro: Simões, 1951, p. 190.
de milhões de pessoas que acorrem para a busca de conforto e conhecimento da
Doutrina Espírita. Todos esses núcleos possuem grupos de estudos, com suas respectivas
bibliotecas, cujo estatuto singular o as práticas de leitura e escrita que “[...] sempre
desfrutaram de um importante lugar no interior dos centros espíritas. Paralelamente, todo
um mundo ‘literário’ se formou à volta das publicações espíritas, com seus ‘espíritos
escritores’, diuns, ensaístas, jornalistas, editores e leitores, [...]”
230
, compondo um
cenário de importante circulação e leitura do livro.
É curioso ver um escritor do início do século XX, lúcido, culto e bem informado
em relação ao espiritismo, como Coelho Netto, descrever na obra Turbilhão, com
assombrada precisão de detalhes, o ambiente espírita do Rio de Janeiro de então. O
realismo com que retrata uma sessão em um centro espírita é indício de que tenha,
provavelmente, assistido a um desses trabalhos. Embora, nesse momento, não tivesse ainda
se tornado espírita, descreve com fidelidade as atividades desenvolvidas no interior desses
núcleos. Narra a palestra cujo tema era a piedade, a prece feita antes do processo de
fluidificação (magnetização) da água, o trabalho mediúnico, bem como a invocação dos
espíritos. Seu olhar observador apresenta o ambiente de respeito e silêncio que existia, nos
mínimos detalhes. Comenta inclusive a respeito dos objetos que lá existiam:
A sala não tinha outro ornamento senão as estrellas de ouro no papel azul
que a forrava, dando-lhe aspecto celestial. Ao meio do teto havia um
embrechado de madeira como um immenso ralo, braços de gaz pendiam
de ponto em ponto. Duas portas ao fundo a da esquerda fechada, a da
direita aberta sobre escuro corredor. Estantes carregadas de livros
ladeavam a grande mesa pousada sobre um estrado. Acima duma das
estantes inclinava-se um quadro preto com a imagem de Christo
agonisante e, justamente por traz da mesa, na parede constellada,
brilhava, em caixilho d’ouro, a legenda: Fora da caridade não
salvação.
231
É importante observar que Coelho Netto percebe no centro espírita uma estante de
livros, isso nos permite avaliar a trajetória surpreendente feita pelo espiritismo, partindo da
França em direção ao Brasil, viajando em páginas literárias especializadas ou não de
intelectuais de renome. Em torno dessa filosofia, passou a gravitar um grande número de
escritores e poetas permitindo que um sólido movimento cultural se formasse. Nesse ponto,
inicia-se o desenvolvimento de uma rede de leitores, podemos admitir que os primeiros
consumidores, conforme Even-Zohar, sirvam de matriz a múltiplos desdobramentos num
230
LEWGOY, Bernardo. Op. cit. nota n. 88, p. 108-109.
interminável diálogo dos textos uns com os outros no interior de um espaço de referência
comum.
Ainda buscando Coelho Netto como ponto de apoio, destacamos A Conquista, obra
na qual o autor faz referência direta à constituição do sistema literário carioca nas
primeiras décadas do século XX. Em um diálogo presente no texto, o escritor discorre
sobre o número de leitores naquele período:
- Dizem que a população do Brazil é de treze milhões...
- Mais ou menos.
- Pois bem: doze milhões e oitocentos mil não sabem ler. Dos duzentos
mil restantes, cento e cincoenta lêem apenas jornaes, cincoenta lêem
livros franceses, trinta lêem traduções, quinze mil lêem a cartilha e
livros espíritas, dois mil estudam Augusto Comte e mil procuram livros
brasileiros.
232
Esses dados são importantes, na medida em que vão determinar, depois de algum
tempo, que tenhamos antes de 1900 mais de 80 livros circulando no Brasil somente em
português, entre os essencialmente espíritas e os que utilizaram seus conceitos. Nesse
sentido, a questão substancial é apontar que o fator produto, concretizado nessas obras
como elemento primordial do sistema literário espírita, completa-se através daquele que é
o projeto mais significativo, o espiritismo. Idealizado a partir de Allan Kardec, tem
fomentado, de forma progressiva, um número espantoso de produtores a se agregarem em
torno do mesmo. Exemplo disso é Chico Xavier, principal escritor mediúnico no Brasil,
que sozinho é responsável pela publicação de 419 obras, com mais de 20 milhões de
exemplares vendidos.
As obras espíritas ocupam hoje um espaço considerável no mercado livreiro
nacional, atingindo a casa de 66 milhões de exemplares vendidos, levando-se em conta,
apenas as obras de Allan Kardec, Chico Xavier, Divaldo Franco, Vera Lúcia Marinzeck de
Carvalho e Zíbia Gaspareto. Entre os mais vendidos estão O evangelho segundo o
espiritismo, de Allan Kardec, que ultrapassou 11 milhões; e o clássico Nosso lar, de André
Luiz, psicografado por Chico Xavier, com 1,5 milhão de exemplares. Atualmente, mais de
mil obras espíritas são lançadas por ano no Brasil.
231
COELHO NETTO, Henrique Maximiano. Turbilhão. 3. ed. Porto: Chardron, 1925. p. 158-159.
232
COELHO NETTO, Henrique Maximiano. A Conquista. Porto: Chardron, 1921. p. 301.
Entre outras peculiaridades do sistema literário espírita que lhe garantem vitalidade,
está o fator mercado, o qual conforme proposta de Even-Zohar, diz respeito a todos os
fatores relacionados quer com a venda e compra de produtos, quer com a promoção do
consumo literário em geral. Dessa forma, as editoras espíritas, desde os primórdios do
espiritismo na França aos nossos dias no Brasil, teve uma atenção especial, já que exercem
um papel essencial na divulgação dos princípios e valores do espiritismo. Portanto, a
produção e circulação do livro, a partir desse mercado, organiza-se num processo que se
moderniza de forma acentuada e deixa seu reflexo no qual o resultado é a ampliação de
livrarias dentro e fora dos centros espíritas. Hoje toda instituição espírita possui um posto
de venda de livros, além de o mercado livreiro em geral do país também trabalhar com
obras espíritas. Somente editoras espíritas são mais de 150, alcançando cada vez mais um
amplo público que, através da escrita e da leitura, permitem a construção social da
identidade espírita no Brasil.
Por outro lado, é importante observar uma questão substancial, que compõe o
quadro de fatores determinantes do conjunto da teoria do polissistema, para o êxito do
processo de consolidação do sistema literário espírita; estamos falando do fator repertório,
conforme já comentado em algumas páginas atrás. No esquema de Even-Zohar funciona
como um horizonte de inserção seja do produtor seja do consumidor, a partir dos referentes
que normatizam tanto a produção quanto o consumo dos produtos literários e, por via de
conseqüência, exigem a priori que se obedeça ao critério de pré-conhecimento das regras
e concordância geral de seu uso para que possa haver uma circulação mínima dos produtos,
bem como a existência dos mesmos.
Dessa forma, a propaganda espírita tem revelado uma intensa preocupação por
parte dos setores responsáveis pela divulgação no sentido de preservação da pureza
doutrinária.uma orientação naturalmente construída no interior do discurso espírita que
sublinha o estatuto da autoridade em sua produção literária no que converge ao autor do
texto, tanto em relação ao encarnado como do médium/autor espiritual, no caso das obras
psicografadas. Essas normas internalizadas no movimento espírita são legitimadas pela
recepção dos textos entre seus milhões de leitores, os quais funcionam como instrumento
regulador da credibilidade da obra.
Do Livro dos espíritos, obra pioneira de Allan Kardec lançada em 1857, ao
espiritismo dos nossos dias, a literatura espírita fez uma surpreendente trajetória
conectando-se a uma rede de relações fortalecida pela presença de importantes escritores e
poetas. Esses intelectuais contribuíram para o surgimento de um interessante sistema
literário cujas suas mais variadas atividades compreendem o polissistema cultural.
Considerações Finais
Partindo de algumas questões norteadoras iniciais, foi possível que
acompanhássemos a trajetória, bem como estabelecêssemos e caracterizássemos as
diversas fases do desenvolvimento do espiritismo na França até sua introdução no Brasil
por grupos de intelectuais vinculados à arte literária com acesso à leitura francesa. A
recepção de autores estrangeiros, conseqüentemente, tornou possível a rápida proliferação
dessa doutrina através da construção de uma bem montada rede de jornais e da difusão do
livro, levando à formação de um sistema literário.
Verificamos primeiramente que numa fase compreendida como precursora do
espiritismo, muitos autores do século XIX, principalmente os de estilo romântico, foram
influenciados na crença do sobrenatural. Embora grande parcela daquela sociedade
estivesse deslumbrada pelo consumo e entretenimento proporcionados pelos encantos da
belle époque, uma agitada geração de escritores, sufocada pelos valores culturais da vida
burguesa, rompe com o esvaziamento daquele modelo, aproximando-se da experiência
espiritual.
Assim, muitos dos escritores que focalizaram o fantástico - o sobrenatural -,
foram, na verdade, os relatores da literatura de um mundo espiritual, que corresponderia
mais tarde à noção de espiritualidade, desvendada pelo espiritismo codificado por Allan
Kardec. Debruçaram-se, a partir de então, como parceiros na construção de um campo
literário específico, concretizando gradativamente o sonho de buscas espirituais.
O pioneirismo na divulgação dessa nova temática ficou a cargo de Victor Hugo
que, ao buscar sua própria ventura espiritual, acabou por exercer decisiva influência sobre
escritores franceses e, mais tarde, também atingindo os brasileiros. A recepção dessas
idéias firmou-se, principalmente, após a publicação das obras do professor Allan Kardec,
as quais anunciam a possibilidade de contato com o mundo espiritual e desvendam os
mistérios da morte.
As brincadeiras das “mesas girantes” ou dançantes presentes nos salões sociais
de Paris, alguns deles freqüentados por Hugo, demonstraram a existência de uma força
exterior que se revelava espontaneamente. Era o espírito - a alma do homem -, que se
encontrava agora na dimensão espiritual. Os fatos mostravam que a vida continua depois
da morte; e, a partir deles, descortinava-se uma doutrina científica e filosófica de
conseqüências morais: o espiritismo ou Doutrina Espírita. Assim, constatamos que a
contribuição de Hugo foi significativa, pois incitou outros expoentes da literatura ao gosto
pelas revelações do além-túmulo, colaborando para destacar e difundir a temática do
espiritismo.
A consolidação do espiritismo enquanto campo doutrinário não estava somente
na sua força conceitual uma vez que também exercia força atratora sobre os intelectuais e
escritores, os quais rendiam tributo à nova filosofia em forma de produção literária.
Entendiam a Doutrina Espírita como possuidora de uma função social que induzia à
valorização de princípios ético-morais e à religiosidade, respondendo aos anseios da
tendência literária romântica. Por isso, a preocupação com o oculto e o ausente é
característica desse movimento que via nisso a ressurreição do religioso, uma concepção
da história com o drama do homem e seu destino e, em última instância, como uma
revelação de Deus no ser finito do mundo. Dessa forma, reafirmamos que Victor Hugo foi
um grande propulsor do romantismo espiritualista da França.
Ao longo desta dissertação, procuramos demonstrar essa eclosão literária e o
ambiente social da época fundamentados nas teorias do sistema literário e do polissistema,
pensadas por Itamar Even-Zohar. Reafirmamos, assim, que o avanço da cultura espírita
permitiu, principalmente no Brasil, a construção de uma sólida estrutura de divulgação
doutrinária. Primeiramente, esse fato se deu pela imprensa, firmando-se no contexto
histórico em que a mesma,
de um modo geral, progredia e realizava suas sucessivas
transformações, conforme mostramos no primeiro capítulo. Posteriormente, na medida em
que o espiritismo lograva avançar fazendo sua inserção na cultura local, foi gerando-se
uma colossal força literária atingindo, no seu conjunto, uma rede de relações que foi
viabilizando, de forma continuada, uma produção intelectual.
Ao tratarem dos problemas da transcendência humana, os intelectuais foram
absorvendo os conceitos espíritas e impregnando suas obras com essa temática, quer
através da conversão, aderindo de forma entusiástica ao novo espiritualismo, quer pela
crítica ferrenha contra o espiritismo. Nessa concretude factual, foi surgindo um ambiente
cultural cuja psicosfera proporcionaria inspiração literária para contos, poemas, mensagens
e máximas, levando a uma rápida expansão de obras dos mais variados gêneros, como
romances mediúnicos; mensagens psicografadas; dissertações; e obras filosóficas,
científicas e evangélicas.
Neste estudo, verificamos a íntima ligação dos princípios espíritas - Deus, a
imortalidade da alma, a pluralidade das existências, a comunicabilidade dos espíritos e a
evolução -, como pensamentos inspiradores das obras dos primeiros esritas brasileiros,
dando entrada em um novo mundo religioso onde os espíritos o as alavancas invisíveis
de tudo o que se manifesta de forma visível. Expressão de forças espirituais,
principalmente a crença na imortalidade da alma e na reencarnação, ecoava como
verdadeiro hino aos escritores e leitores ligados ao romantismo. Frente a tudo isso,
registraram seus pensamentos em prosa e verso, história e filosofia, drama, novela,
legendas, sátira, ode, canção. Em qualquer gênero literário, tratavam da valorização
filosófica e religiosa que se encontra na obra O Livro dos Espíritos, de Allan Kardec.
Essas idéias provocaram verdadeira revolução, tendo sido veiculadas por
libretos e jornais, como A Evolução, que constituía um dos instrumentos, entre tantos -
conforme demonstramos nesta dissertação -, capazes de indicar o surgimento do sistema
literário espírita. Há também as cartas, como as de Manuel de Araújo Porto Alegre,
Joaquim Manuel de Macedo e Gonçalves Dias, que representam igualmente indícios do
quanto a ciência espírita
infundia na alma dos mesmos uma doce consolação, e nos
servirem de garantia da aceitação e da valorização desse novo tema. Da ideologia espiritual
e poética dos românticos se desprendia a mesma teologia existencial da codificação
kardequiana. Dessa identificação e interação com os conceitos espíritas, observa-se o
fortalecimento da própria Doutrina Espírita, principalmente, porque desse processo resulta
uma constante produção literária que lhes garante legitimação.
No entanto, foi possível também levantarmos alguns dados em nossa pesquisa,
apontando para existência de autores que, mostrando-se contrários, publicaram obras em
que surge uma visão mais crítica ao espiritismo. Exemplo disso era Machado de Assis, cuja
aversão assume um tom surpreendentemente áspero. Com ironia, apontava o
comportamento doentio daqueles que se vinculavam à Doutrina Espírita. Entretanto,
intelectuais que agiam como Machado, na verdade, através das críticas estavam
favorecendo a expansão da nova doutrina, pois despertavam a curiosidade. A ressonância
dessa postura vai justamente produzir imagens e comportamentos passíveis de serem
considerados produtos dentro da rede de relações que governam o sistema, tornando-se
significativo para a construção do polissistema.
Constatamos a importância da imprensa espírita, no que tange à sua rede de
jornais, particularmente A Evolução responsável pela divulgação de escritores que nutriam
seus leitores com textos que em última instância refletiam a ideologia seguida. O conteúdo
literário expresso no periódico demonstra que o exercício da literatura era também uma
prática pública, uma vez que o conteúdo dos textos esteve sempre relacionado ao contexto
social. As razões para esse fenômeno decorrem do fato de o espiritismo brasileiro ser, à
imagem do espiritismo francês, e de Victor Hugo - considerado um escritor engajado nas
questões políticas e sociais - ter obtido grande recepção entre os literatos brasileiros. As
conseqüências mais imediatas dessas questões implicam um processo de formação
doutrinária que passa pela valorização do livro e da escrita. Em suma, pela teoria do
polissistema foi possível estabelecermos as relações entre as diversas atividades que
determinaram os produtos do sistema literário espírita.
Ao ser demonstrado que o mundo dos espíritos é a base real do mundo dos
homens, alguns poetas encontraram a força de suas poesias no esquema metafísico e
religioso do espiritismo, o que foi determinante para um romantismo filosófico e religioso
original. Assim, a criação literária foi acentuada de tal maneira que, em todo o mundo, a
filosofia espírita produziu obras de grande valor estético e literário, especialmente na
poesia e filosofia. Essas concepções literárias, presentes nas obras de poetas, contistas e
prosadores, são de grande relevância no período estudado, sobretudo aquelas de origem
francesa que se apresentam, conforme foi possível perceber neste trabalho, como um dos
sistemas do polissistema onde circulam.
Compreendemos que uma série de fatores está envolvida na constituição de
uma estrutura literária. Contudo, o que parece realçar no caso da espírita, após termos
identificado os fatores que constituíram e permitiram o funcionamento desse sistema
literário, é que a literatura espírita, e principalmente a mediúnica, é uma realidade que vem
ampliar o campo das letras. Sem dúvida, a crítica terá de evoluir para o reconhecimento da
religiosidade presente nas obras de muitos escritores, e entender que o gênio poético e
literário estará sempre exposto à totalidade de seu ser. Portanto, é preciso considerar o
homem como um ser integral. Logo, os textos produzidos serão em grande parte a
expressão também do homem espiritualizado, sendo impossível promover a ruptura entre a
escrita literária pessoal e social e a porque, em última instância, tudo faz parte do
polissistema cultural.
Incluindo o sistema literário espírita como parte de um polissistema cultural,
ficam mais claras as relações entre a Literatura e outras manifestações culturais,
principalmente, se considerarmos que um sistema literário interage com outros sistemas
formando o polissistema. Isso porque ocorre a construção de uma enorme rede literária a
partir de um referencial comum: a cosmologia espírita, a qual termina contagiando em seus
diferentes níveis por processo de impregnação com sua Literatura. Assim, podemos
confirmar o pensamento expresso por meio das teorias apresentadas por Even-Zohar, de
que aquelas atividades consideradas essencialmente literárias desaparecem frente a outras
que seriam mais ou menos literárias, pois a inclusão ou não de uma atividade dentro do
sistema não depende de uma essência, mas sim das relações que podem ser estabelecidas
pelo investigador. Essas relações são importantes no sistema literário espírita porque o
engajamento de escritores e poetas, através de suas publicações com a filosofia espírita,
caracteriza um circuito reconstrutivo dentro do sistema, que compreende criação,
produção, circulação e consumo de uma literatura a fim de atingir um amplo público.
A partir do resgate de ferramentas teóricas apresentadas por Itamar Even-Zohar,
procuramos esboçar sua aplicação para investigar o lugar da literatura espírita na
constituição de um sistema literário. Sem ter pretendido fazer uma análise exaustiva,
acreditamos ter demonstrado a pertinência de enfocar esta produção literária seguindo as
noções dos fatores produtor, consumidor, instituição, mercado, repertório e produto.
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