60
Ullmann (2002), ao cotejar o sentido da vida para Platão e para Plotino,
27
destaca o
objetivo comum: assemelhar-se a Deus. Para Platão, assemelhar-se a Deus significa
assemelhar-se à Inteligência Suprema, que, em todos os sentidos, dá unidade à
multiplicidade. Tal semelhança é atingível pela ascese, mortificação e purificação,
concretizáveis em uma vida ideal, baseada na sabedoria e na virtude, o que implica regular
e submeter os prazeres da vida à razão, sob pena de o homem não distinguir-se dos
animais, ser escravo de si mesmo.
Para Plotino, assemelhar-se a Deus é fugir deste mundo, uma vez que “o homem
existe como movimento para o Uno, do qual provém” (ULLMANN, 2002, p.182). Esta
fuga, contudo, não é sinônimo de solipsismo ou misantropia. Movido por sua natural, mas
nem sempre atuante, tendência ao Uno, ao Bem, o homem pode, tanto no plano político, ao
legislar à imagem do Bem, como no nível individual, através de vida exemplar em
sabedoria e virtude, desenvolver sua disposição voltada à assemelhação com Deus
(ULLMANN, 2002, p.186). Para tanto, Plotino instava seus discípulos a desenvolverem
virtudes voltando-se para dentro de si, olhando a si próprios (ULLMANN, 2002, p. 169)
Para Plotino, o retorno ao Uno é conquistável pelo esforço pessoal, pois o Uno está
presente em tudo e todas as coisas estão presentes nele, sendo, portanto, dispensável o que
os cristãos denominam graça ou dom gratuito de Deus. Esta dispensa possibilita ao homem
reto e de tudo desprendido, já nesta vida, unir-se misticamente a Deus (ULLMANN, 2002,
p. 165). O homem de conduta reta e desprendido do material é homem virtuoso, em
liberdade interior, resguardado de inclinações, desejos e paixões que visam à satisfação
corporal. O mal é subjugado, assim, pela aretê, uma prática permanente de exercício da
presença de Deus, cujo objetivo é a união com o divino (ULLMANN, 2002, p.143). Nas
palavras de Plotino, constantes nas Enéadas (apud ULLMANN, 2002, p. 150), “as virtudes
cívicas instauram realmente uma ordem em nós e nos fazem melhores, porquanto impõem
limites aos nossos desejos e a todas as paixões e nos livram dos erros [...]”. “Dessarte, os
homens que têm as virtudes cívicas tornam-se semelhantes a Deus”. “É um deus somente
quem se aproxima do Uno, ao passo que quem se distancia dele é um homem comum ou
um bruto”. Tais homens “assemelham-se a crianças, que, afastadas, desde cedo, de seus
pais e educadas, por muito tempo, longe deles, não mais reconhecem a si nem os seus pais”
– assumida tal postura, é possível afirmar que “o maior pecado é olvidar-se de Deus”
(ULLMANN, 2002, p. 150). Nas mesmas Enéadas, Plotino dá-nos outra lição, ao comparar
27
Observe-se que esse discurso perpassa mais de meio milênio, já que Platão morreu em 374 a.C. e Plotino