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À Carmen, Paola,
João, Helena e
Pedro que estão
em minha vida e
com os quais
mais vivo e que-
ro viver.
À UNIOESTE – PRPPG, Campus de Marechal Cândido Rondon, CCHEL e CCH –
e seu Programa de Capacitação Docente, por possibilitar o afastamento para a realização
do Curso de Doutorado, cujo resultado segue nas próximas páginas.
Ao programa de capacitação CAPES/PICDT, pelo financiamento público dado pa-
ra esta pesquisa, o que sem dúvida viabilizou sua continuidade e conclusão.
Ao Programa de Pós-Graduação em História da Pontifícia Universidade Católica
do Rio Grande do Sul (PPHG/PUCRS), sua Coordenação, seu Corpo Docente e sua Secre-
taria Acadêmica, pela oportunidade de ingresso e formação profissional.
Aos Professores Dr. José Fernando Kieling (UFPel/PUCRS) e Prof. Dr. Dorivaldo
Walmor Poletto, por partilharem a jornada da Orientação, em cada um dos momentos, e
pela significativa contribuição à formação (o aprendizado na árdua tarefa de pesquisar e
interpretar). Aos demais professores integrantes da Banca de Exame da Tese: Dr. René
Ernaini Gertz (PUCRS), Dr. Pedro Cezar Dutra Fonseca (UFRGS) e Dr. Helder Volmar
Gordin da Silveira (PUCRS)
Ao Escritório da CEPAL de Brasília, especialmente a Maria Pulcheria Amara Gra-
ziani e a Zenaide Ferreira da Silva, pela gentileza e pela disponibilização da Biblioteca e
seus serviços na pesquisa e obtenção de fontes. Ao colega Tarcílio Ciotta pelo auxílio na
tarefa do levantamento e da reprodução de fontes, bem como ao colega Marquinhos.
Ao lio Escher, pela prestatividade na leitura e revisão do texto. À sempre Bea,
pelo auxílio final. Ao Mino, a Maria, ao Vini e a Vitória, pela hospitalidade.
Como este momento é impar, não poderia deixar de me referir às pessoas mais
próximas que vivenciaram esta experiência. Aos familiares: LUIZA e ABÍLIO (in memó-
ria), Glaci, Zeca, Juraci, Pedro e Lourdes; Dionísio, Miri, Juraci e Rosangela; Anderson,
Aninha, Nadiane, Augusto, Victória, Lucas e Elis. E, aos da família Ciotta (Tarcílio, Sueli,
Simone e Tales), Orlando (Ico, Junete, João Pedro e Bruno) e Koling.
Também gostaria de registrar a amizade e o companheirismo do Sonda, do Davi,
do Weirich, do Esbabo, do Selhorst, do Seibert e do Egidio, pois a jornada e a luta em de-
fesa e na construção da coisa pública têm outros espaços.
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“Compreenda, Milton Friedman!
Compreenda-o também, Friedri-
ch von Hayek! Um processo ge-
nuíno de democratização esta-
va sendo construído em nossa
América Latina, com grandes
dificuldades e freqüentes a-
trasos. Porém sua incompati-
bilidade com o regime de acu-
mulação e distribuição de
renda conduz para a crise do
sistema. E a crise leva à in-
terrupção do processo, à su-
pressão da liberdade políti-
ca. Condições propícias para
promover o jogo irrestrito
das leis do mercado. Tremendo
paradoxo de vocês. Exaltam a
liberdade política e os di-
reitos individuais. Porém,
não se dão conta de que nes-
tas terras periféricas a pré-
dica de vocês só pode fruti-
ficar suprimindo essa liber-
dade e violando esses direi-
tos? Tremendo paradoxo e tre-
menda responsabilidade histó-
rica. Porque, além de provo-
car e agravar as desigualda-
des sociais, as ideologias
que vocês defendem conspiram
flagrantemente contra o ini-
ludível empenho de se chegar
a novas formas de entendimen-
to e articulação entre o Nor-
te e o Sul. O mal que estão
fazendo com vosso dogma é i-
mensurável!”
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Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP)
(Biblioteca da UNIOESTE – Campus de Marechal Cândido Rondon – PR., Brasil)
Koling, Paulo José
K81a América Latina periférica: o desenvolvimento latino-
americano na concepção de Prebisch/CEPAL (1948/1981) / Paulo
José Koling – Porto Alegre, 2004.
437 p.
Orientador : Prof. Dr. José Fernando Kieling
Tese (Doutorado) – Pontifícia Universidade Católica do
Rio Grande do Sul, 2004.
1. América Latina – Sistema Centro-Periferia. 2. Prebis-
ch, Raúl, 1901-1986. 3. América Latina – Condições econômi-
cas. 4. América Latina – Condições sociais. 5. América La-
tina – Capitalismo. 6. América Latina – Dependência. 7.
América Latina – Historiografia. I. Pontificia Universidade
Catolica do Rio Grande do Sul. II. Título.
CDD 21. ed 980
907.2
330.98
330.122
CIP-NBR 12899
Ficha catalográfica elaborado por Marcia Elisa Sbaraini Leitzke CRB-9/539
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RESUMO ..............................................................................................................
xv
RESUMEN ...........................................................................................................
xvii
ABSTRACT ..........................................................................................................
xix
UMA PERIFERIA ... – Introdução ao Estudo da Concepção Periférica La-
tino-Americana ..........................................................
1
PRIMEIRA PARTE: A INTERPRETAÇÃO ................................
21
CAPÍTULO 1: SUPERAÇÃO DA CONDIÇÃO PERIFÉRICA: a Concep-
ção do Sistema Centro–Periferia (1948/1963)
......................
22
1.1 – As Relações no sistema centro–periferia e a dependência reflexa ...............
40
1.2 – Inserção da periferia latino-americana na expansão do progresso técnic
o
48
1.3 – Dois “tipos” de centro cíclico .......................................................................
53
1.4 – Dois “modelos” de desenvolvimento na periferia latino-americana ............
59
1.5 – As Estruturas das desigualdades no sistema: heterogeneidade e homoge-
neidade .........................................................................................................
62
1.6 – Movimento reflexo: a dependência da periferia ...........................................
67
CAPÍTULO 2: DETERIORAÇÃO DOS TERMOS DE INTERCÂMBIO E
ELASTICIDADE-RENDA: a Economia Política Periférica
73
2.1 – A Concepção liberal do comércio mundial: crítica às vantagens compara-
tivas ..............................................................................................................
77
2.2 – Relações de preços e mobilidade da força de trabalho .................................
81
2.3 – Elasticidade-renda: a dependência do progresso técnico ..............................
92
2.4 – Lucros e salários no ciclo: as pressões no sistema centro–periferia .............
98
CAPÍTULO 3: CARÁTER DA INDUSTRIALIZAÇÃO PERIFÉRICA:
Progresso Técnico e Insuficiência ...........................................
104
3.1 – O Círculo vicioso da insuficiência e capital externo ....................................
115
3.2 – A Interdependência entre indústria e agricultura ..........................................
123
3.3 – Substituir e importar exportando: capacidade e necessidades ......................
134
CAPÍTULO 4: PLANEJAMENTO DO DESENVOLVIMENTO: o Estado
e a Iniciativa Privada na Periferia .........................................
141
4.1 – Planejamento na periferia: um programa de desenvolvimento .....................
153
4.2 – O Papel do Estado e a insuficiência da iniciativa privada ............................
163
4.3 – Desocupação tecnológica e reabsorção na periferia .....................................
177
SEGUNDA PARTE: REVISÕES
...................................................
183
CAPÍTULO 5: INSUFICIÊNCIA DINÂMICA E REDISTRIBUIÇÃO:
Falhas na Industrialização e Redistribuição de Renda ......
184
5.1 – A Revisão da industrialização: as falhas ......................................................
200
5.2 – O Enfoque redistributivo: a necessidade do desenvolvimento social ...........
207
5.3 – Obstáculos na/da insuficiência dinâmica: o sistema centro–periferia inter-
no .................................................................................................................
228
CAPÍTULO 6: INTEGRAÇÃO LATINO-AMERICANA: a Regionalização
da Substituição de Importações ..............................................
242
6.1 A Aceleração de origem periférica: o papel da integração no desenvolvi-
mento latino-americano ...............................................................................
248
6.2 – A Organização interna da Cepal (Comitê de Comércio e Grupo de Traba-
lho) ...............................................................................................................
261
6.3 – Integração na/da periferia latino-americana .................................................
270
6.4 – Novamente os obstáculos: a integração no subdesenvolvimento .................
276
CAPÍTULO 7: DESENVOLVIMENTO DEPENDENTE: Revisão e Crítica
da Teoria da Dependência ........................................................
284
7.1 – Diferenças teóricas: as abordagens estruturalistas e a histórico-estrutural ...
288
7.2 – Um debate entre dependentistas ...................................................................
307
CAPÍTULO 8: CAPITALISMO PERIFÉRICO: A Especificidade Latino-
Americana no Sistema .............................................................
316
8.1 – Absorção espúria e excedente: a força de trabalho e a acumulação de capi-
tal .................................................................................................................
326
8.2 – A Luta distributiva e dependência no capitalismo periférico .......................
337
8.3 – Eqüidade social: a via periférica latino-americana .......................................
367
PELA PERIFERIA Possibilidades de Uma Crítica ... .................................
383
FONTES DE PESQUISA E REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ..............
398
1 – Bibliotecas e Acervos Pesquisados para o Levantamento de Fontes
...............
398
2 – Fontes do (e Sobre o) Pensamento Prebisch/CEPAL ......................................
399
2.1 – Textos de Raúl Prebisch .........................................................................
399
2.2 – Textos/Documentos da
CEPAL
(Comissão e seus Intelectuais) .............
402
2.3 – Publicações Comemorativas de Prebisch/CEPAL ..................................
405
2.4 – Publicações (Obras e Artigos) sínteses do pensamento Prebisch/
CEPAL ...................................................................................................
406
3 – Fontes (Obras, Artigos e Textos) sobre a Teoria da Dependência ..................
408
4 – Bibliografia Consultada ...................................................................................
411
ANEXO DE TABELAS .......................................................................................
426
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Página
TABELA 01: Composição das Reservas Monetárias de Dezessete Países
Latino-Americanos ..................................................................
57
TABELA 02: Reservas Internacionais da América Latina 1946-1949 (mi-
lhões de dólares) ......................................................................
57
TABELA – 03: Relação de Intercâmbio da América Latina ...............................
86
TABELA 04: Relação entre os Preços dos Produtos Primários e os dos Arti-
gos Finais da Indústria (Preços Médios de Importação e Ex-
portação Respectivamente, de Acordo com ss Dados de Board
of Trade) (Base – 1876/80 = 100) ..............................................
86
TABELA – 05: Inversões Líquidas de Capital na América Latina Provenientes
dos Estados Unidos (Em milhões de dólares) ............................
122
TABELA 06: Chile: Volume Físico e Índices de Preços de Exportação, Im-
portação e Termos de Intercâmbio – 1948 = 100 ......................
137
TABELA – 07: América Latina: Composição das Importações 1945-1952 (Mi-
lhões de dólares – 1950) ............................................................
138
TABELA – 08: Simulação do Crescimento da Renda América Latina – EUA
1953 ..........................................................................................
162
TABELA 09: Distribuição da Renda Pessoal Prevalecente em Países da A-
mérica Latina – 1962 .................................................................
216
TABELA 10: Diferenças Relativas na Distribuição de Renda Pessoal na
América Latina e Estados Unidos ..............................................
216
TABELA - 11: Evolução das Concessões da ALALC [Listas Nacionais] ..........
279
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Página
TABELA 1(A) (Anexo): América Latina: Intercâmbio com os EUA 1947-
1950 (Em milhões de dólares) .......................................................
427
TABELA 1(B) (Anexo): América Latina: Variação Absoluta e Real do In-
tercâmbio com os EUA – 1947-1950 (Em milhões de dólares) ..
427
TABELA 2 (Anexo): Relação entre o Ingresso Real dos EUA, as Importa-
ções dos EUA Provenientes da América Latina e a Capacidade
para Importação desta, em Função das suas Exportações e dos
Preços Relativos destas (Variações Anuais) ...............................
428
TABELA 3 (Anexo): Relação entre o Ingresso Real do Reino Unido, as Im-
portações Provenientes da América Latina e a Capacidade para
Importação desta, em Função das suas Exportações e dos Pre-
ços Relativos destas (Variações Anuais) .....................................
429
TABELA 4 (Anexo): Relação das Trocas e o Coeficiente das Importações
Totais dos EUA (1900 – 1949) ....................................................
430
TABELA 5 (Anexo): Relação das Trocas e o Coeficiente das Importações
Totais do Reino Unido - (1870-1949) .........................................
431
TABELA – 6(A) (Anexo): Créditos Concedidos ou Garantidos para a América
Latina pelo Banco de Exportação e Importação dos Estados U-
nidos (Milhões de dólares) ...........................................................
432
TABELA 6(B) (Anexo): América Latina: Empréstimos Autorizados pelo
BIRD (Milhões de dólares) ..........................................................
432
TABELA 7 (A) (Anexo): Distribuição Rural e Urbana da População dos
Países Latino-Americanos ...........................................................
433
TABELA – 7(B) (Anexo): América Latina: População Urbana e Rural e Popu-
lação Economicamente Ativa ......................................................
433
TABELA – 8 (Anexo): Estrutura da Terra no Chile: N
o
de Estabelecimento por
Tamanho em Ha. (Base das Informações: Censo Agrícola de
1935-36) .......................................................................................
434
TABELA 9(A) (Anexo): México, Número e Tamanho dos Estabelecimentos
Rurais ...........................................................................................
434
TABELA 9(B)
(Anexo): xico, Número e Tamanho dos Estabelecimentos
Rurais ...........................................................................................
434
TABELA 10 (Anexo): Distribuição Funcional da Renda Nacional em Al-
guns Países – 1959 .......................................................................
435
TABELA 11(A) (Anexo): Distribuição das Exportações por Grupos de Mer-
cados Limítrofes ou Vizinhos ......................................................
436
TABELA 11(B) (Anexo): Valor dos Produtos Manufaturados no Total das
Exportações de Quatro Países Latino-Americanos ......................
436
TABELA 12(A) (Anexo): Distribuição das Exportações Latino-Americanas
por Países (Em porcentagem do total) .........................................
437
TABELA 12(B) (Anexo): Distribuição das Importações Latino-Americanas
Segundo sua Procedência (Em porcentagem do total) ................
437
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

AID: Agência de Desenvolvimento Internacional
ALADI: Associação Latino-Americana de Integração (Tratado de Montevidéu, 1980)
ALALC: Associação Latino-Americana de Livre Comércio
ALALC: Área Latino-Americana de Livre-Comércio (Tratado de Montevidéu, 1960)
ALCA: Área de Livre Comércio das Américas
APP: Aliança para o Progresso
ASC: Alianza Social Continental (Aliança Social Continental)
ASIMET: Associação de Industriais Metalúrgicos do Chile
BID: Banco Interamericano de Desenvolvimento.
BIRD: Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento; Banco Mundial
BNDE: Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (Brasil)
BNDES: Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (Brasil)
CARICON: Comunidade e Mercado Comum do Caribe.
CC-CEPAL: Comitê de Comércio-CEPAL (CEPAL–Resolução n. 101(VI))
CEBRAP: Centro Brasileiro de Análises e Planejamento
CEE: Comunidade Econômica Européia
CESO: Centro de Estudos Sócio-Econômicos da Universidade do Chile
CEPAL: Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe
CIAP: Conselho Interamericano da Aliança Para o Progresso
CIES: Conselho Interamericano Econômico e Social (OEA)
CLACSO: Conselho Latino-Americano de Ciências Sociais
COMINTERN: Internacional Comunista
C&T: ciência e tecnologia
DIEESE: Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Sócio-Econômicos
ELAS-FLASCO: Escola Latino-Americana de Sociologia da Faculdade Latino-Americana
de Ciências Sociais
EUA: Estados Unidos
EXIMBANK: Banco Norte-Americano de Exportação e Importação
FED: Sistema de Reserva Federal (EUA) [correspondente ao Banco Central]
FIESP: Federação das Industriais do Estado de São Paulo (Brasil)
FMI: Fundo Monetário Internacional
GTBC: Grupo de Trabalho dos Bancos Centrais (Grupo dos 4, CEPAL e OEA)
GTMR: Grupo de Trabalho do Mercado Regional Latino-Americano (CEPAL, Resolução
n. 116 (VII))
IA: Iniciativa para as Américas (Política externa do Governo dos EUA, 1991).
IDH: Índice de Desenvolvimento Humano
IEA: Instituto de Estudos Avançados (USP)
ISEB: Instituto Superior de Estudos Brasileiros
M.I.T.: Instituto Tecnológico de Massachesetts (Estados Unidos)
.
23
MNR: Movimento Nacional Revolucionário (Bolívia, 1952)
OEA: Organização dos Estados Americanos
OLAS: Organização Latino-Americana de Solidariedade.
ONU: Organização das Nações Unidas.
OPEP: Organização dos Países Exportadores de Petróleo
PCF: Partido Comunista Francês (França)
PETROBRÁS: Empresa Brasileira de Petróleo
PIB: Produto Interno Bruto
PNB: Produto Nacional Bruto
RMALC: Red Mexicana de Acción Frente al Libe Comercio (Frente Mexicana de Ação
Frente ao Livre Comércio)
SUDENE: Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (Brasil)
TGIECA: Tratado Geral de Integração Econômica Centro-Americana
UNCTAD: Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (ONU)
UNESCO: Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (ONU)
URSS: União das Repúblicas Socialistas Soviéticas
USAID: Agência de Desenvolvimento Internacional dos Estados Unidos
USP: Universidade de São Paulo – SP/Brasil
.
24
A presente tese, América Latina Periférica, apresenta uma revisão da interpreta-
ção do desenvolvimento latino-americano produzida por Raúl Prebisch/
CEPAL
, durante o
período de 1948 a 1981. A pesquisa foi realizada a partir da leitura e do uso das fontes
primárias as principais obras, textos e documentos de autoria de Prebisch/
CEPAL
, o
que possibilitou um diálogo direto e esclarecedor dos pontos centrais do pensamento peri-
férico e sua proposta histórica de superação da condição periférica, evitando a reprodução
de simplificações de uma historiografia superficial, bem como a percepção dos limites que
esta concepção tinha sobre o desenvolvimento do capitalismo na América Latina e suas
relações com o sistema geral. A teoria do sistema centro–periferia ou do subdesenvolvi-
mento latino-americano manteve um núcleo duro desde o Manifesto dos Periféricos, de
1949, até o Capitalismo Periférico, de 1981 em sua crítica à teoria do livre-mercado
(clássica, neoclássica e neoliberal) e sua proposta de inserção econômica primário-
exportadora dos países da região no comércio internacional, utilizando as vantagens com-
parativas ao crescimento interno.
Esta crítica ao livre-mercado foi, justamente, a origem e o fio condutor da trajetó-
ria histórica e intelectual de Prebisch/
CEPAL
durante o período. Para comprovar a neces-
sidade da industrialização, como política econômica de desenvolvimento nacional e regio-
nal na integração, era preciso reinterpretar o capitalismo e sua expansão internacional, a
partir da realidade e da história econômica dos países latino-americanos. Através do con-
ceito de sistema centro–periferia, Prebisch produziu uma nova interpretação do desenvol-
vimento econômico latino-americano, contestando a teoria pretérita e seus economistas.
A partir dos referenciais da deterioração dos termos de intercâmbio, da elasticida-
de-renda e da dependência do progresso cnico, da economia política periférica, geradora
da insuficiência dinâmica e da vulnerabilidade externa, Prebisch construiu um esboço da
base estrutural do sistema centro–periferia, demarcando o papel, a função e a condição de
cada parte no sistema (a periferia e o centro) e a base das relações interpartes no movimen-
to reflexo. O autor foi, ainda, mais longe: tratou de comprovar que o sistema centro–
periferia foi produzido na América Latina durante o período de crescimento para fora,
sendo parte da expansão das economias dos países industrializados (centrais). Todavia, tal
modelo não garantia um futuro aos países periféricos, pois, historicamente, sua dependên-
cia externa era notável e seus custos sociais inaceitáveis. Nas primeiras décadas do séc.
XX, as duas grandes guerras contemporâneas, intercaladas pela grande depressão, no pós-
1929, foram suficientes para a defesa da necessidade histórica da industrialização periféri-
ca. O modelo substitutivo de importações (para dentro), gestado no período de 1930 e
1945, anterior à própria CEPAL, foi utilizado como exemplo histórico em favor do apro-
fundamento da industrialização no pós-guerra, porém, para isso, foi preciso vencer o deba-
te com os livre-cambistas, e planejar o desenvolvimento nas condições periféricas.
O aprofundamento da industrialização requereria, na periferia, a solução dos pro-
blemas e dos obstáculos que o subdesenvolvimento e o próprio sistema centro–periferia
(dependência estrutural) antepunham. Na experiência periférica, o campo de ação e os
interesses do Estado e da iniciativa privada (interna e estrangeira) requeriam uma atuação
específica, pois a via clássica do livre-mercado, espontâneo e individualista, havia produ-
zido a dependência periférica, com seu dualismo econômico e social. Para uma aceleração
da industrialização, caberia ao Estado periférico, intervir e direcionar o processo através
do planejamento do desenvolvimento, mediante a definição (programa) e a adoção de uma
.
25
política econômica substitutiva que compatibilizasse os investimentos e seus resultados
(poupança, produtividade e absorção da força de trabalho), em curto, médio e longo prazo
à economia e à sociedade nacional.
Nos anos 60, Prebisch/CEPAL realizaram a primeira revisão teórica e do processo
da industrialização substitutiva realizada no período de 1945 a 1960/63. Reconheceram os
limites teóricos da visão econômica da industrialização e do progresso técnico, e constata-
ram a permanência da insuficiência dinâmica, bem como o agravamento do dualismo peri-
férico, principalmente em sua manifestação social (aumento das desigualdades sociais, da
marginalização, do desemprego estrutural). Tratando-se da abordagem estruturalista, Pre-
bisch/
CEPAL
inovaram teoricamente com o enfoque redistributivo, ao incorporar no deba-
te a visão sociológica do desenvolvimento (econômico e social) e do sistema centro–
periferia, e ao propor medidas reformistas distributivas, bem como a integração regional
(aceleração de origem periférica).
Neste mesmo período foi elaborada uma interpretação do desenvolvimento de
corte histórico-estrutural: a teoria da dependência. A análise integrada da dependência
propunha uma superação teórica do estruturalismo econômico, porém incorporando suas
contribuições. A partir da teoria da dependência, a análise do processo de desenvolvimen-
to e as relações de dependência passaram a ter corpo histórico-social, ou seja, pela prática
social dos sujeitos históricos (classes, grupos, frações, corporações, Estado, Nação, etc.) e
seus interesses e projetos, construía-se e reconstruía-se uma hegemonia interna na socie-
dade periférica, porém articulada com os grupos dominantes externos.
Durante a década de 70, Raúl Prebisch produz uma nova revisão, incorporando a
crítica da teoria da dependência, mas, ao mesmo tempo, aprofundando o enfoque distribu-
tivo e o conceito inicial de sistema centro–periferia. Em sua crítica ao capitalismo perifé-
rico, o autor qualifica a crítica ao neoliberalismo, em voga, e elabora uma proposta de
síntese histórica entre socialismo e liberalismo: a eqüidade social. Para o autor, com esta
proposta, a superação do capitalismo periférico (excludente e conflitivo) seria possível
desde que houvesse uma transformação na parte periférica e no sistema geral.
Na análise do capitalismo periférico, Prebisch centraliza sua crítica ao novo libe-
ralismo, desvelando, com muita propriedade, sua face ideológica e cêntrica e sua inconsis-
tência para a América Latina.
.
26
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La presente tesis, América Latina Periférica, presenta una revisión de la interpre-
tación del desarrollo latinoamericano producido por Raúl Prebisch/CEPAL, durante el pe-
ríodo de 1948 a 1981. La pesquisa fue realizada a partir de la lectura y del uso de las fuen-
tes primarias - las principales obras, textos y documentos - de autoría de Prebisch/
CEPAL
,
lo que posibilitó un diálogo directo y aclarador de los puntos centrales del pensamiento
periférico y su propuesta histórica de superación de la condición periférica, evitando la
reproducción de simplificaciones de una historiografía somera, bien como la percepción
de los límites que esta concepción tenía sobre el desarrollo del capitalismo en América
Latina y sus relaciones con el sistema general. La teoría del sistema centro-periferia o del
subdesarrollo latinoamericano mantuvo un núcleo duro - desde el Manifiesto de los Perifé-
ricos, de 1949, hasta el Capitalismo Periférico, de 1981 - en su crítica a la teoría del libre
mercado (clásica, neoclásica y neoliberal) y su propuesta de inserción económica prima-
rio-exportadora de los países de la región en el comercio internacional, utilizando las ven-
tajas comparativas al crecimiento interno.
Esta crítica al libre mercado fue el origen y el hilo conductivo de la trayectoria
histórica e intelectual de Prebisch/
CEPAL
durante el período. Para comprobar la necesidad
de la industrialización, como política económica de desarrollo nacional y regional en la
integración, era preciso reinterpretar el capitalismo y su expansión internacional desde la
realidad y de la historia económica de los países latinoamericanos. A través del concepto
del sistema centro-periferia, Prebisch produjo una nueva interpretación del desarrollo eco-
nómico latinoamericano, contestando la teoría pretérita y sus economistas.
A partir de los referenciales del deterioro de los termos de intercambio, de la
elasticidad-ingreso y de la dependencia del progreso cnico, de la economía política peri-
férica, generadora de la insuficiencia dinámica y de la vulnerabilidad externa, Prebisch
construyó un esbozo de la base estructural del sistema centro-periferia, demarcando el
papel, la función y la condición de cada parte en el sistema (la periferia y el centro) y la
base de las relaciones ínter partes en el movimiento reflejo. El autor fue más lejos: trató de
comprobar que el sistema centro-periferia fue producido en América Latina durante el
período de crecimiento hacia fuera, siendo parte de la expansión de las economías de los
países industrializados (centrales). Todavía, tal modelo no aseguraba un porvenir a los
países periféricos, pues, históricamente, su dependencia externa era notable y sus costos
sociales eran inaceptables. En las primeras décadas del siglo XX, las dos grandes guerras
contemporáneas, intercaladas por la grande depresión, en el pos-1929, eran suficientes
para la defensa de la necesidad histórica de la industrialización periférica. El modelo subs-
titutivo de importaciones (hacia adentro), gestado en el período de 1930 y 1945, anterior a
la propia
CEPAL
, fue utilizado como ejemplo histórico a favor de la profundización de la
industrialización en la pos-guerra, sin embargo, para eso, fue necesario vencer el debate
con los librecambistas, y planear el desarrollo en las condiciones periféricas.
.
27
La profundización de la industrialización requeriría, en la periferia, la solución
de los problemas y de los obstáculos que el subdesarrollo y el propio sistema centro-
periferia (dependencia estructural) anteponían. En la experiencia periférica, el campo de
acción y los intereses del Estado y de la iniciativa privada (interna y extranjera) requerían
una actuación específica, pues la vía clásica del libre-mercado, espontáneo e individualis-
ta, había producido la dependencia periférica, con su dualismo económico y social. Para
una aceleración de la industrialización, cabría al Estado periférico, intervenir y dirigir el
proceso a través de la planificación del desarrollo, mediante la definición (programa) y
adopción de una política económica substitutiva que compatibilizara las inversiones y sus
resultados (ahorro, productividad y absorción de la fuerza de trabajo), en corto, mediano y
largo plazo a la economía y la sociedad nacional.
En los años 60, Prebisch/
CEPAL
realizaron la primera revisión teórica y del pro-
ceso de la industrialización substitutiva realizada en el período de 1945 a 1960/63. Reco-
nocieron los límites teóricos de la visión económica de la industrialización y del progreso
técnico, y constataron la permanencia de la insuficiencia dinámica, bien como el agrava-
miento del dualismo periférico, principalmente en su manifestación social (aumento de las
desigualdades, de la marginación, del desempleo estructural). Tratándose del abordaje
estructuralista, Prebisch/CEPAL innovaron teóricamente con el enfoque redistributivo, al
incorporar en el debate la visión sociológica del desarrollo (económico y social) y del sis-
tema centro-periferia, y al proponer medidas reformistas distributivas, bien como la inte-
gración regional (aceleración de origen periférico).
En este mismo período fue elaborada una interpretación del desarrollo de corte
histórico-estructural: la teoría de la dependencia. El análisis integrado de la dependencia
proponía una superación teórica del estructuralismo económico, sin embargo incorporando
sus contribuciones. Desde la teoría de la dependencia, el análisis del proceso de desarrollo
y las relaciones de la dependencia pasaron a tener cuerpo histórico-social, o sea, por la
práctica social de los sujetos históricos (clases, grupos, fracciones, corporaciones, Estado,
Nación, etc.) y sus intereses y proyectos, se construía y se reconstruía una hegemonía in-
terna en la sociedad periférica, no obstante articulada con los grupos dominantes externos.
Durante la década de 70, Raúl Prebisch produjo una nueva revisión, incorporan-
do la crítica de la teoría de la dependencia, pero, al mismo tiempo, profundizando el enfo-
que distributivo y el concepto inicial del sistema centro-periferia. En su crítica al capita-
lismo periférico, el autor califica la crítica al neoliberalismo, en boga, y elabora una pro-
puesta de síntesis histórica entre socialismo y liberalismo: la equidad social. Para el autor,
con la propuesta, superación del capitalismo periférico (excluyente y conflictivo) sería
posible desde que hubiese una trasformación en la parte periférica y en el sistema general.
En el análisis del capitalismo periférico, Prebisch centraliza su crítica al nuevo
liberalismo, desvelando, con mucha propiedad, su faz ideológica y céntrica y su inconsis-
tencia hacia América Latina y para los latinoamericanos.
.
28
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The present thesis, Peripheral Latin America, shows a review of the interpreta-
tion of the Latin-American development produced by Raul Prebisch/ECLAC, during the
period from 1948 to 1981. This research has been made from the reading and the primary
sources usage the main works, texts and documents from Prebish/ECLAC, who has
made possible a reported and clarifying dialogue of the central points of the peripheral
thought and its historical proposal of the peripheral condition overcoming, avoiding the
reproduction of the simplification of a superficial historiography, even so the perception of
the limits that this conception had about the capitalism development in Latin America and
its relationship to the general system. The theory of the downtown-periphery or of the
Latin America underdevelopment has kept a hard nucleus since the “Peripheral Mani-
fest”, in 1949, to “Peripheral Capitalism” in 1981into its critique to the free-market the-
ory (classical, neoclassical and neo-liberal) ones and its proposal of the primary-
exportation economical insertion of the countries in the international trade region, using
the comparative advantages to the internal increasing.
This critique to the free-market the origin and the wire of Prebisch/ECLAC his-
torical and intellectual trajectory during such period. To prove the industrialization neces-
sity, like economical policy of national and regional integration development, it has been
needed to reinterpret the capitalism and its international expansion from the reality and
from the economical history of the Latin-American countries. Trough the concept of the
downtown – periphery system, Prebisch produced a new reading interpretation of the
Latin-American economical development, refuting the deferred theory and its economists.
Decay from the references of the exchange terms, from the flexibility-income
and from the technical progress dependence, of the peripheral political economy, producer
of the dynamical insufficiency and external vulnerability Prebisch has built sketch of the
structural base of the downtown-periphery system, marking out the role the function and
the condition of each part of the system (downtown periphery) and the base of the inter-
parts on the reflexive movement. The author has, yet, farther: he proved that the system
downtown-periphery has been produced in Latin America during the period of the outsider
increasing, being a part of economies expansion of the industrialized countries (centers).
Otherwise, such pattern wouldn’t guarantee a kind of future to the peripheral countries,
because historically, its external dependence was considerable and its social costs would
be unacceptable. In the first decades of the XX century, two significant huge contempo-
rary wars, inserted by the big depression in post 1929. Were enough for the defense on the
peripheral industrialization historical necessity. The influx substitutive pattern accom-
plished in the period from 1930 to 1945, before the ECLAC itself it has been used as a
historical example in favor of the post-war industrialization deep, even so, it was been
necessary to win the debate among the marketers and plan the development in the periph-
eral conditions.
.
29
The industrialization deep have required in the periphery the solution of prob-
lems and obstacles that the underdevelopment and the downtown-periphery system itself
(a structural dependence) as they have set before. On the peripheral experience, the action
field and the state and the private iniciative (internal and external ones) have required a
specific performance, because the “classical way” of the free market, spontaneous and
individualist has produced a peripheral dependence, with its economical and social dual-
ism. For an acceleration onto industrialization, the peripheral state should interfere and
conduct the process through the development planning, in the presence of the definition
(program) and acceptance of a substitutive economical policy that could be compatible
with the investments and results (savings, productivity and work-force absorption) in
short, medium and long term to the national economy and society.
In the 60’s, Prebisch/ECLAC, accomplished the first theoretical review of the
substitutive industrialization process achieved in the period from 1945 to 1960/63. They
have recognized the theoretical limits of the industrialization economical view and of the
technical progress and they have found out the dynamic insufficiency permanence, as well
as the peripheral dualism worsen, mainly on its social manifestation (social inequality,
marginalization, structural unemployment). Being about a structuralism approach, Pre-
bisch/ECLAC have theoretically innovated with a redistributive emphasis, by incorporat-
ing the development sociological view (social and economical) and the downtown-
periphery system to the debate and by suggesting distributive reformist measures, as well
as the regional integration (acceleration of the peripheral origin).
In the same period, a new interpretation of the historical-structural shortening of
the development has been made: the dependence theory. The integrated analysis of the
dependence have suggested a theoretical overcoming pf the economical structuralism,
even so, it has incorporated its attributions. From the dependence theory, the analysis of
the development process and the dependence relationship stated having a historical-social
structure, or better, through the social practice of the historical citizen (classes, groups,
fragments, corporation, State, Nation, etc.) and its interests and projects, it used to be built
and rebuilt an internal hegemony in the peripheral society, although it has been articulated
with the external dominant groups.
During the 70 decade, Raúl Prebisch produced a new revision, joining the cri-
tique of the dependence theory, but in the same time, furthering the distributive emphasis
and the initial concept of the downtown-periphery system. On his critique to the peripheral
capitalism the, author qualifies the critique to the neo-liberalism in vogue and prepares a
historical synthesis proposal between the socialism and the liberalism: the social impartial-
ity. For the author, with this proposed, one the peripheral capitalism overcoming (refusal
and competitive) would be possible since a changing in the peripheral part and in the gen-
eral system could happen.
In the analysis of the “peripheral capitalism”, Prebisch centralizes his critique to
the “new liberalism”, disclosing with much knowledge, its ideological and centralized face
and its inconsistence for the Latin America and for the Latin American people.
.
30
UMA PERIFERIA ...
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“O nosso objetivo com a  é garantir
para as empresas norte-americanas, o con-
trole de um território que vai do Pólo Ártico
até a Antártida e livre acesso, sem nenhum
obstáculo ou dificuldade, de nossos produ-
tos, serviços, tecnologia e capital entre todo
o Hemisfério!
! "#!$
1

A tarefa de retomar, hoje, o estudo da concepção periférica, em uma pesquisa na
área de História, acaba sendo uma “pedreira” e tanto. Primeiramente, porque, no outro
sentido do caminho realizado por Pedro Fonseca (1999) – que partiu da Economia para a
História
2
–, a interpretação do desenvolvimento econômico latino-americano, produzida
por Prebisch/
CEPAL
, é considerada como um tema stricto sensu das ciências econômicas
1
In: Campanha Nacional Contra a Alca; Campanha Continental Contra a Alca; Jubileo Sur/Américas. Para
Entender a ALCA. São Paulo : Edições Loyola, 2002. (Cartinha) p. 23.
2
Na introdução da sua obra “Vargas: o Capitalismo em Construção 1906-1954” (Tese de Doutorado em
Economia), Pedro Fonseca se propôs a realizar a pesquisa utilizando, principalmente, os discursos de Getúlio
Vargas para analisar o projeto de construção do capitalismo, chamando a atenção para as implicações que
enfrentaria com o diálogo entre as duas disciplinas.
.
31
e dentre elas, da Economia, haja vista a própria formação acadêmica do autor, a análise e o
instrumental teórico da disciplina presente em seus estudos sobre o desenvolvimento (fon-
tes da pesquisa), o caráter disciplinar da produção intelectual do autor na formação de um
pensamento socioeconômico latino-americano e a própria função atribuída à Comissão na
América Latina. Em segundo lugar, tratando-se do debate entre os historiadores, conforme
João Fragoso e Manolo Florentino (1997), mesmo as abordagens e a produção histórico-
historiográfica na sub-área da História Econômica, encontra-se, hoje, numa situação “mar-
ginal” – para usar um termo periférico – no conjunto da área, e estigmatizada pelos exces-
sos e abusos anteriores (o uso abstrato e técnico do método quantitativo, o reducionismo
da leitura quantitativa e estatística, e a ausência de sujeitos históricos), e pelas novas abor-
dagens, métodos, objetos e fontes nos domínios da História. Em terceiro lugar, pelas exi-
gências que este estudo requer, haja vista a quantidade de fontes existente sobre o assunto
(de Raúl Prebisch, dos demais intelectuais da Comissão, dos críticos, etc.), sua diversidade
e complexidade, além das revisões teóricas, internas e externas, realizadas durante o perí-
odo indicado, de 1948 a 1981. E, em quarto lugar, acrescenta-se ao anterior, o fato de já se
ter escrito e se ter dito tanta coisa (pelos partidários e pelos críticos) sobre Raúl Prebisch, a
CEPAL
, o desenvolvimento e o subdesenvolvimento latino-americano, o sistema centro–
periferia, a industrialização substitutiva, o planejamento, a integração regional, a depen-
dência, as desigualdades sociais e o esgotamento do desenvolvimentismo que, praticamen-
te, não haveria novidade, vindo ela de um historiador.
Tendo presente estas questões, em seu sentido provocativo, convém, inicialmente,
situar a perspectiva e a abordagem deste estudo, ou seja: suas delimitações com relação ao
objeto e ao recorte temporal (a concepção periférica de Prebisch/
CEPAL
, no período de
1948 a 1981)
3
e a clareza da permanência de várias lacunas (indicadas em cada capítulo);
3
A indicação deste período levou em consideração o início, em 1948, pelo fato da Comissão Econômica
para a América Latina (
CEPAL
) ter sido criada pela Organização das Nações Unidas (ONU) naquele ano.
.
32
sua orientação para uma releitura da concepção periférica no contexto histórico atual bra-
sileiro, latino-americano e internacional na “era da globalização” e dos desajustes neolibe-
rais (cf. TAVARES e FIORI, 1999); a possibilidade de retirar desta concepção, noções
(conceitos/categorias) que preservam
4
a capacidade crítica e de aproximação histórica,
para interpretar as transformações que vêem ocorrendo na América Latina (SOARES,
2000)
5
nas últimas décadas; e, a partir da concepção periférica, recuperando os pontos
centrais da sua crítica ao liberalismo vindo dos centros e voltado aos centros, desmistificar
a sacralização do mercado no novo liberalismo, proposto por Hayek e os Friedman (PRE-
BISCH, 1982a), e do “pensamento único” (cf. BATISTA Jr., 2000b), que atribui a si
mesmo, pela força do mercado, a “última vitória”, com direito à festa pelo “fim da histó-
ria” (FUKUYAMA, 1992b).
Quanto às indicações acima, considera-se que, pela trajetória teórico-prática da
concepção periférica e reconhecendo seus avanços internos e limites nas mesmas dimen-
sões teórica e prática, a interpretação prebischiana sobre o desenvolvimento do capitalis-
1981 teve como critério a publicação da obra Capitalismo Periférico Crisis y Transformación”, na qual
Raúl Prebisch apresentou o resultado final da revisão da crítica ao capitalismo periférico. Os textos que
integram a obra “Contra el Monetarismo (conferências, artigo e entrevista) correspondem a atividades
realizadas nos anos de 1980 e 1981. Nas produções posteriores a 1981, incluídas na pesquisa, Raúl Prebisch
(1985, 1987b) manteve o enfoque da crítica ao capitalismo periférico e a proposta da transformação do sis-
tema, não prejudicando a delimitação de 1981 como marco teórico.
4
Tratando-se da expectativa do resultado da tese para a formação intelectual, o sentido dado à categori-
a/conceito preservar tem por referência a noção dialética de Aufhebung (elevar, eliminar, superar e abolir,
conservando e preservando). Como não espaço para este debate, fica como indicação inicial o estudo de
Cirne-Lima (1997) e os esclarecimentos de Michel Inwood (1997, p. 302).
A noção (conceito) de superação do subdesenvolvimento da condição periférica, presente na teoria do sis-
tema centro–periferia, acompanha a visão de desenvolvimento e permanece no interior dele, conforme pode
ser visto no conjunto da Tese. Assim, nem cabe considerá-la na perspectiva da dialética hegeliana e marxia-
na. (cf. INWOOD, 1997, CIRNE-LIMA, 1997, SCHAFF, 1983).
5
Laura T. R. Soares, remando contra a corrente, conforme esclareceu na Nota introdutória à 1
a
reimpressão
do livro (2001, p. 6), teve a preocupação em aprofundar a leitura ideológica do ajuste estrutural que estava
sendo implantado nos países latino-americanos, por influência e pressões dos organismos multilaterais de
financiamento (FMI e BIRD), “gestores e saneadores” das dívidas pública e privada, externa e interna, e dos
interesse locais, haja vista a destruição que a grande crise dos países capitalistas centrais estava provocando
na América Latina, ao exportar os custos com o neoliberalismo e seu “receituário”: Evidentemente, ao
buscarmos as reais motivações subjacentes à defesa desses princípios, encontramos interesses econômicos e
políticos bem definidos. Assim, por exemplo, a teoria clássica do livre comércio serve para formular um
esquema de divisão internacional do trabalho que vem respondendo a interesses dominantes tanto no centro
do sistema capitalista como na sua periferia” (SOARES, 2000, p. 15; 2001, p. 18).
.
33
mo na América Latina esteve imbricada com o processo histórico, contestando o modelo
pretérito e sua teoria, e criticando as formas (conservadora, excludente e autoritária) de
retomada de ambos, às custas da força de trabalho (rendas, inclusão/marginalidade social,
organização sindical e participação democrática). Raúl Prebisch não teve apenas a preocu-
pação de olhar a América Latina pela ótica periférica, mas, partindo dela, viu-a como par-
ticularidade, e construiu, conceitualmente, uma teoria capaz de dar conta da condição peri-
férica e articulá-la como parte no sistema centro–periferia, indicando as bases da depen-
dência e propondo caminhos e meios para superar o subdesenvolvimento: inicialmente,
pela industrialização dirigida pelo Estado através do planejamento; em seguida, pela cor-
reção das falhas, com redistribuição de renda e a integração periférica; e, por fim, com a
transformação do sistema numa nova categoria histórica, um capitalismo com eqüidade
social (uso social do excedente).
A visão de Uma Periferia, da América Latina, não teve o propósito de uniformi-
zar a região, nem de aplicar sobre ela a forma ortodoxa de uma teoria universal, como fa-
ziam e fazem os partidários, no caso, os economistas, da teoria clássica e os atuais neoli-
berais, que defendem a força do mercado e dos preços livres, e a “pujança” primário-
exportadora para o crescimento econômico interno e sua inserção internacional. Afinal, se
a periferia estivesse apenas num estado de atraso no tempo evolutivo do desenvolvimento
espontâneo (progresso técnico), ou se a heterogeneidade estrutural no/do sistema centro–
periferia fosse (re)equilibrada (na desigualdade) pelas vantagens comparativas, não seria
preciso produzir uma nova interpretação do desenvolvimento latino-americano, pois basta-
ria garantir liberdade no mercado e ficar de olho no relógio do progresso técnico
6
. Qual-
quer desigualdade (heterogeneidade e individualismo) na economia seria salutar ao co-
mércio livre e à concorrência. Assim, naturalizando o desenvolvimento do capitalismo, a
6
Thompson (1982) discutiu a marcação do tempo e a disciplina do trabalho no capitalismo industrial, abor-
dando, inclusive, o relógio e suas inovações tecnológicas para marcar o tempo do trabalho na produção.
.
34
periferia deixaria de existir enquanto problemática histórica, bem como a dependência
estrutural e o sistema centro–periferia, pois na liberdade ilhar, num céu cintilante de con-
correntes ricardianos, o mercado não imporia limites a ninguém. Cada estrela brilha por si
e a partir da “luz” que tem dentro de si. Para isso, somente o Leviatã (Estado) precisaria
ser controlado e “engaiolado”, pela regulação (papel e função no desenvolvimento), po-
rém esta limitação não deixaria de colocá-lo, pela força do Regime da Lei, a serviço de um
determinado projeto de desenvolvimento, de sociedade e de história.
Contrário a isso, àquela teoria, àqueles teóricos e àquela determinação natural e
espontânea do desenvolvimento, que orientou sua formação acadêmica e sua forma inicial
de ver o desenvolvimento, Raúl Prebisch teve que enfrentar o crivo da história – a crise de
29 e a Segunda Guerra Mundial – e seus desdobramentos na periferia latino-americana,
para refleti-la (ver e interpretar) diferentemente como Uma Periferia
7
. Portanto, o próprio
Prebisch, enquanto indivíduo histórico, viveu a periferia. E, por suas palavras
8
, sua trajetó-
ria intelectual acompanhou o contexto histórico, do qual, Prebisch não se afastava para
problematizar a dependência periférica com seus problemas, obstáculos e conflitos estrutu-
rais, que demarcavam sua especificidade no desenvolvimento capitalista. Também, ins-
trumentalizou sua investigação com uma metodologia comparativa, buscando, ao mesmo
tempo semelhanças (características comuns), aproximações e diversidades econômicas e
sociais no desenvolvimento dos países, da região e no sistema centro–periferia. Na reali-
dade, o próprio sistema centro–periferia era heterogêneo. O capitalismo se desenvolvia e
7
No artigo fundador da teoria do subdesenvolvimento, O desenvolvimento econômico da América Latina e
seus principais problemas”, de 1949, Raúl Prebisch chegou a fazer uso da ironia ao afirmar que, além dos
economistas latino-americanos copiarem literalmente a teoria dos centros, na ciência econômica, o debate
teórico costumava permanecer atrasado na história, referindo-se aos que, no pós-guerra, defendiam o retorno
à ordem do pré-29 e às desvantagens da industrialização na periferia.
8
Cf. os artigos Cinco etapas de mi pensamiento sobre el desarrollo” (PREBISCH, 1983 e 1987a) e “La
Periferia Latinoamericana en la Crisis Global del Capitalismo” (PREBISCH, 1985).
.
35
se expandia internacionalmente de forma desigual, sendo esta a base histórica do dualismo
estruturalista presente na teoria e interpretado nos processos reais do desenvolvimento
9
.
Ao sintetizar o pensamento cepalino em seus cinqüenta anos de história, Ricardo
Bielschowsky analisou o método estruturalista integrando as “idéias-força”, os enfoques
metodológicos e os contextos histórico-ideológicos. Nesta visão de conjunto, denominou-o
como um enfoque metodológico histórico-estruturalista: “Trata-se do enfoque histórico-
estruturalista, baseado na idéia da relação centro-periferia” (BIELSCHOWSKY, 2000a, p.
17). A afirmação de Bielschowsky tem procedência, justamente por articular a relação
entre a abordagem teórico-metodológica e o contexto histórico neste meio século de pen-
samento na Comissão. As revisões dos enfoques e da teoria reiteram esta avaliação, assim
como os avanços qualitativos realizados na teoria e na interpretação.
Entretanto, para evitar maiores confusões, tratando-se do todo prebischia-
no/cepalino, a interpretação fundante da teoria do sistema centro–periferia deve ser enten-
dida no âmbito do método estruturalista, elaborado a partir da teoria econômica, sendo esta
a origem (leitura) da base estrutural da teoria e da interpretação (cf. Primeira Parte: A In-
terpretação). Com o enfoque sociológico (ECHAVARRÍA, 1964), o redistributivo (CE-
PAL, 1963 e 1966; PREBISCH, 1964a; PINTO, 1965, 1969a, 1969b e 1973) e a teoria da
dependência (CARDOSO e FALETTO, 1970), incorporados nos anos 60/70 (cf. Segunda
Parte: Revisões), enquanto autocrítica e crítica, elementos da crítica da análise histórico-
estrutural (teoria da dependência) foram incorporados à teoria do sistema centro–periferia,
como atestaram Raúl Prebisch (1976, 1980 e 1981) e Celso Furtado (1976, 1995, 1998a,
1999). (cf. capítulos 1, 5 e 7).
A partir destas considerações cabe indicar outras duas orientações que motivaram
esta pesquisa, mais do/no chão da História. A primeira delas diz respeito à contextualiza-
9
Tratando-se da definição inicial do sistema centro–periferia, suas partes estruturais eram caracterizadas
pelas bases econômicas e sociais que o progresso técnico estruturava em seu desenvolvimento (PREBISCH,
1949, 1951 e 1973; CEPAL, 1951a), sendo o centro (homogêneo e diversificado) e a periferia (heterogênea
e especializada), conforme pode ser acompanhado no Capítulo 1. Assim, a heterogeneidade (do sistema e do
subdesenvolvimento) é o conceito mais aceito, cujos esclarecimentos mereceram a autoria de Aníbal Pinto.
Todavia, antes da polêmica apresentada por Francisco de Oliveira, em 1972, na crítica à razão dualista
(OLIVEIRA, 1987), o próprio José Medina Echavarría (1964), Celso Furtado (1966) e Felipe Herrera (1970)
haviam utilizado o conceito dualismo ao se referirem à periferia (cf. Capítulo 5). Guardadas as diferenças e
reconhecendo a influência que a crítica de Chico de Oliveira exerceu sobre a noção (conceito) de dualismo,
tratando-se do seu uso entre os periféricos, dualismo e heterogeneidadeo sinônimos.
.
36
ção histórica e o envolvimento social de Raúl Prebisch (e da Comissão), presente em sua
trajetória teórico-prática, para citar um outro termo seu nesta introdução à concepção peri-
férica. Respondendo a isto, em cada capítulo da tese ou em cada revisão teórica e princi-
palmente no conjunto dela, tratou-se de articular a teoria (projetos de desenvolvimento)
com a história (por vezes estruturalmente e noutras conjunturalmente), situando os enfren-
tamentos postos para os periféricos
10
. Nesta perspectiva, o conjunto da tese aborda a histo-
ricidade e a historiografia da concepção periférica elaborada por Prebisch/CEPAL no perí-
odo de 1948 a 1981. Efetivamente, a interpretação periférica produzida neste período (a
escola desenvolvimentista) teve e tem grande importância para o estudo da Historiografia
do Desenvolvimento Latino-Americano, seja pela participação na construção das Ciências
Humanas, Econômicas e Sociais na América Latina, seja na formação do(s) pensamento(s)
latino-americano(s)
11
(cf. MARINI, 2000a; SANTOS, 2000; CARDOSO, 1993a).
A AMÉRICA LATINA PERIFÉRICA – O desenvolvimento latino-americano na
concepção de Prebisch/CEPAL (1948-1981), apresenta-se como uma revisão da teoria
periférica e como uma avaliação do seu significado histórico na construção de um projeto
de superação da condição periférica no sistema (estruturado pela dependência e sua
hegemonia). Pode-se discordar da teoria e do projeto político de desenvolvimento, de
autoria de Prebisch e da CEPAL, mas se reconhece sua inconformidade com o quadro
estrutural da dependência e a consciência que tinham da negatividade econômica, política,
10
Grande parte desta tarefa foi incluída, como será percebido logo adiante, nas notas de rodapé. Este recurso
foi usado para evitar a quebra do texto e do assunto e, em outros casos, para incluir secundariamente infor-
mações e questões afetas ao assunto.
11
A perspectiva de qualificação teórico-metodológica também pode ser vista na avaliação que Celso Furtado
apresentou sobre o conceito de desenvolvimento: “O conceito de desenvolvimento tem contribuído mais do
que qualquer outro no sentido de promover uma maior aproximação entre as disciplinas da ciência social
separadas por um século de influência positivista. A óbvia ambigüidade desse conceito certamente não
deixa de estar relacionada a sua fecundidade. Tendo-se originado na área da ciência econômica, onde a
ênfase recai sobre seus aspectos quantitativos, sob a forma de crescimento, o conceito inevitavelmente ul-
trapassa tal contexto e penetra no domínio de outras disciplinas sociais, nos casos em que o crescimento
não pode ser visualizado como um processo homotético, ou não pode ser entendido na ausência de um sis-
tema de valores que o economista não tem condições de integrar em seu arcabouço conceptual. Essa ambi-
güidade gera toda uma série de problemas, o que levou os economistas a estabelecerem uma distinção entre
desenvolvimento e crescimento, conferindo ao primeiro destes conceitos, mesmo quando qualificado pelo
adjetivo econômico, uma amplitude que forçosamente o transforma em matéria interdisciplinar” (FURTA-
DO, 1988, p. 45).
.
37
dependência e a consciência que tinham da negatividade econômica, política, social e cul-
tural que o sistema centro–periferia colocava, internamente e externamente, aos países
latino-americanos e à maioria da sua população. Neste sentido, as revisões e críticas (in-
terna e externa) – apresentadas nos capítulos 5, 7 e 8 – produziram avanços teóricos e prá-
ticos qualitativos, se comparados aos momentos anteriores, com relação aos conceitos (no-
ções) de crescimento econômico, progresso técnico, desenvolvimento desigual, desenvol-
vimento econômico e social, regionalização substitutiva de importações por meio da inte-
gração econômica, desenvolvimento integral e global, campos de ação e papel do Estado e
da iniciativa privada e a transformação do sistema.
Além de retomar e revisar o tema e a contribuição historiográfica da teoria do sis-
tema centro–periferia, a reflexão apresentada nesta tese pretende ser um ato de revisitar
esta teoria, com o propósito de buscar nela uma contribuição à interpretação do contexto
histórico-ideológico atual, como indicado anteriormente. Revisitar incorpora o ato de re-
tomar e de revisar, implicando qualitativamente a reflexão, pois é tanto um ato de voltar,
de ver de novo, como de visitar (de entrar e permanecer por um determinado tempo no
referido espaço para conhecer e dialogar com os seus). Revisitar, hoje, a concepção perifé-
rica tem relevância, pois muitas das interrogações sobre o contexto atual encontram em
Raúl Prebisch elementos para sua interpretação – sem esquecer suas indefinições ou livrá-
lo da crítica (cf. PEDRÃO, 1988, p. 13). Portanto, ao revisitar, como no ato de visitar (sen-
tido figurado), leva-se, na mala, as interrogações atuais (do lugar de onde você vem) e a
partir delas se dialoga com as “velhas idéias”. Porém, metodologicamente, o diálogo exige
conhecimento de causa, ou seja, que se conheça por dentro o espaço visitado, numa dupla
relação. As interrogações atuais demarcam a posição no diálogo com o passado e contri-
buem na reconstrução teórica dele na contemporaneidade (a memória histórica, sua re-
construção e preservação). Ao mesmo tempo, ao ser revisitado, o passado mantém sua
ontologia histórica. Neste sentido, situando a Historicidade e a Historiografia na relação
.
38
sujeito-objeto-conhecimento (SCHAFF, 1983), estas interagem em seu conjunto, deixando
suas marcas na história e na memória (conhecimento). Ao revisitar se revifica as “velhas
idéias”, tornando-as “novas” pelo ato provocativo da interrogação e da resposta. Por outro
lado, o mesmo ato pode integrá-las nas “novas idéias”, através da contribuição que podem
dar à interpretação do contexto atual (cf. SCHAFF, 1964)
12
. Um debate próximo a este foi
realizado por Roberto Schwarz (1973), Fernando Henrique Cardoso (1993a) e relembrado
por Laura T. R. Soares (2001) a respeito das “idéias” (teoria) e o seu “lugar” (história). A
polêmica que Raúl Prebisch apresentou no Manifesto de 1948, contra a teoria pretérita
clássica e a prática a-crítica “copiadora” do que vinha dos centros (teorias e hábitos de
consumo e estilos de vida imitativos e de status quo) tinha esta problemática como pano
de fundo.
Qual seria, então, a contribuição prebischiana hoje? Para o início de uma resposta
são indicados três exemplos. Um exemplo: no início dos anos 90, Maria da Conceição
Tavares
13
e José L. Fiori (1996) e Laura T. R. Soares (2001), dentre os quais não há prin-
cipiante, retomaram as contribuições interpretativas de tradição periférica para elabora-
rem uma crítica ao desajuste global neoliberal, enquanto outros consideravam tudo do e
todo o desenvolvimentismo historicamente esgotado. Outro exemplo: entre 1976 e 1981,
Prebisch produziu sua crítica ao capitalismo periférico, na qual considerava o neolibera-
lismo uma exportação da crise cêntrica à periferia, isso em plena contemporaneidade his-
tórica, estava no “olho do furação” dos acontecimentos (crise estrutural da superpotência,
os EUA). Terceiro exemplo: ao tratar da internacional capitalista, René Dreifuss (1987a)
analisou a articulação do Golpe Militar ocorrido no Chile (Sede da CEPAL), em 11 de
12
Ao tratar deste assunto Adam Schaff estabeleceu uma interação entre as “velhas idéias”, que passam a ser
“velhas-novas idéias”, como as “novas idéias”, em novas-velhas idéias”. Afirma Schaff: "Uma idéia nas-
cida numa dada época e num dado meio, correspondendo a condições e a necessidades definidas do desen-
volvimento da ciência, reaparece numa outra época e num outro meio, correspondendo a condições e a
necessidades novas. (...) Mas é ao mesmo tempo uma idéia nova, porque novos são os conteúdos que a pre-
enchem, porque novo é o seu contexto intelectual e social" (SCHAFF, 1964, p. 15).
13
Atuou na
CEPAL
e é bem conhecida em seu meio pela contribuição intelectual.
.
39
setembro de 1973, incluindo nela o papel dos “meninos de Chicago” na mudança regres-
siva nas relações de poder (PREBISCH, 1980, 1981) para o restabelecimento da depen-
dência e da hegemonia, e, nos anos seguintes da Ditadura Pinochet, na adoção da primeira
experiência de desajuste neoliberal na América Latina (cf. ANDERSON, 1998). Raúl
Prebisch não tratou deste caso específico, por motivos político-ideológicos
14
e institucio-
nais, é claro, porém, problematizou o uso da força do Estado pelos grupos dominantes
contra a luta distributiva dos trabalhadores. Já os neoliberais, e dentre eles estava Milton
Friedman, de Chicago (PREBISCH, 1982, p. 82), não revelavam a despreocupação que
tinham com a democratização e a redistribuição de renda, quando o excedente e a socieda-
de de consumo estavam em jogo (cf. Capítulo 8).
Esta primeira consideração do/no chão da História, foi o fio condutor da pesquisa
e da orientação para o ato pedagógico de revisitar, para conhecer e apreender, a fundamen-
tação teórico-metodológica da concepção periférica
15
em sua crítica ao novo liberalismo
enquanto teoria e projeto de crescimento econômico e de inserção internacional das eco-
nomias dos países latino-americanos. Obviamente que a crítica periférica não rompe o
liberalismo (visão de mundo e do sistema capitalista), até porque Raúl Prebisch sempre
manteve os pés nele, mas, como a periferia era diferente dos centros, nela os principais
elementos da organização do capitalismo não poderiam repetir os papéis, as funções, nem
terem a mesma regulamentação que os países industrializados, centrais, tiveram ou têm.
Estado, iniciativa privada (nacional e estrangeira), força de trabalho e os principais estra-
tos sociais, no espaço urbano e no meio rural (superiores, intermediários, médios, baixos e
14
Fernando Pedrão (1988, p. 48 nota 6) informa que “as correntes partidárias que mais disputaram espa-
ço na Cepal foram a social-democracia em diversas tonalidades e a democracia cristã (...). Grupos ou cor-
rentes de inspiração marxista foram minoritários e debilitados com os sucessivos movimentos conservado-
res em governos latino-americanos a partir de 1964”.
15
Optou-se pela categoria/conceito concepção devido ao sentido que possui enquanto construção de uma
visão de mundo e de gerar (conceber) uma nova interpretação.
Laura T. R. Soares (2000, p. 34) e Juarez Guimarães (2004, p. 15) chamam a atenção para o fato do neo-
liberalismo não ser somente uma racionalidade econômica ou um ajuste do déficit fiscal nas contas e do
aparelho do Estado, mas um projeto global para a sociedade, ou seja, uma nova concepção.
.
40
marginalizados; proprietários das empresas capitalistas, ruralistas-rentistas, assalariados,
desempregados; etc.)
16
, teriam que agir na perspectiva periférica para poder superar o sub-
desenvolvimento e a dependência. Como o debate central da política econômica girava em
torno do Estado, da iniciativa privada e da força de trabalho, bem como do progresso téc-
nico, da produtividade, da poupança/acumulação de capital/excedente, da produção e do
consumo, aí estava o foco do debate entre os periféricos desenvolvimentistas (planejamen-
to do desenvolvimento) e os neoliberais (livre–mercado), presente no período de 1948 a
1981. Na realidade, o foco destas diferenças estava no papel e na função que o Estado de-
veria ter no desenvolvimento, o que denota que os interesses pelos rumos da industrializa-
ção passavam pelo controle do Estado (cf. Capítulo 4). A tríade do debate entre os liberais
clássicos, neoclássicos, neoliberais e os desenvolvimentistas, dos mais variados matizes
(BIELSCHWOSKY, 1996), era: Estado–iniciativa privada–economia
17
.
A segunda consideração do/no chão da História que orientou a pesquisa, a orga-
nização da tese e o corpo do texto, diz respeito ao ofício do historiador. Ao revisitar a teo-
ria do sistema centro–periferia, foi preciso vasculhar, localizar e debruçar-se sobre a do-
cumentação, ou seja, os principais textos, bem como mapeá-los na trajetória da construção
teórica e histórica do pensamento periférico, e, neste aspecto, o passado entrou novamente
com sua ontologia. Para conhecer por dentro a historiografia desenvolvimentista prebis-
chiana e cepalina foi preciso ler e reler as fontes primárias
18
, inclusive para evitar a “leitu-
16
Os conceitos de classificação e estratificação social foram mantidos conforme a indicação original. Uma
das lacunas da pesquisa é a de não apresentar um debate sobre a pertinência destes conceitos e seu caráter
sociológico, porém como esta tarefa exigiria um outro estudo, para o momento fica apenas a indicação. Por
outro lado, estes conceitos fazem parte da interpretação prebischiana.
17
Na retomada do debate sobre o pensamento cepalino ocorrido em 1988, Fernando Pedrão avaliou sua
importância, pois, num período em que a política econômica havia sido reduzida a ações de curto prazo e a
escola desenvolvimentista teria algo a dizer: O predomínio da preocupação com o curto prazo na política
econômica tem sido uma razão de peso para abandonar a perspectiva de planejamento a médio e longo
prazos, que foi privilegiada pela perspectiva de política econômica identificada com objetivos de desenvol-
vimento e de reconstrução econômica que marcaram o período de 1946 a 1960” (PEDRÃO, 1988, p. 13)
Por outro lado, manteve a crítica à Comissão pela ausência das classes sociais no debate sobre o desenvol-
vimento, pela falta de uma teoria do Estado, pois a Comissão via-o como Administração e Gestão Pública, e
pela idéia vaga de Nação. Estas questões denotam o perfil da Comissão, como Octávio Rodríguez (1981)
esclareceu: sua proposta era industrialista, subentendendo nisto os sujeitos do processo.
.
41
ra de segunda ou terceira mão”. Além disso, foram realizadas leituras de autores na área da
Economia, e da economia política, envolvidos no debate e na economia política periférica
(David Ricardo, Keynes, Rostow, Hayek e Milton e Rose Friedman, por exemplo), além
de artigos especializados na questão, como os de Pedro Fonseca (2000), Norberto Gonzá-
lez e Fernando Henrique Cardoso (1993b)
19
.
O resultado desta jornada de trabalho foi apresentado em cada Parte e/ou nos ca-
pítulos da Tese, em alguns casos exaustivamente. No Capítulo 1, as fontes documentais
apresentadas correspondem à Primeira Parte – A Interpretação –, isto porque os quatro
capítulos tratam dos temas centrais da teoria do sistema centro–periferia, em sua versão
original. Na Segunda Parte – Revisões –, como cada capítulo aborda um tema específico
(enfoque redistributivo, integração, teoria da dependência e capitalismo periférico), a apre-
sentação das fontes foi incluída em cada um deles. Certamente, metade da “pedreira” foi
quebrada nesta tarefa de reconstituir a trajetória da produção dos textos e na orientação da
leitura, levando em conta este movimento da teoria (interpretação inicial e revisões) e da
sua publicação (as mais variadas formas de divulgação e exposição ao público), no trans-
correr do período estudado (1948 – 1981).
A arrolação das fontes e dos autores tomaria muito espaço nesta introdução, que-
brando, inclusive os passos anteriores, entretanto, sugere-se uma consulta rápida na parte
das Fontes de Pesquisa e Referências Bibliográficas, especialmente nos itens 2 – Fontes
do (e sobre o) Pensamento Prebisch/CEPAL – e 3 – Fontes (Obras, Artigos e Textos) so-
bre a Teoria da Dependência – para uma visualização geral da documentação pesquisada.
18
Junto à parte das Fontes de Pesquisa e Referências Bibliográficas” foram indicados as Bibliotecas e A-
cervos pesquisados na tarefa de levantamento, localização e aquisição da documentação. A qualidade docu-
mental apresentada na Tese foi possível, graças à contribuição e à gentileza do Setor de Biblioteca do
Escritório da CEPAL de Brasília, aqui reconhecido. Como as obras e textos são muito específicos (área de
Economia), bem como a circulação das publicações, a localização e a reprodução de vários textos e “obras
raras” teve suas exigências.
19
Os artigos de Pedro Fonseca (2000), de Norberto González (2001) e de Fernando Henrique Cardoso
(1993b) tratam das origens teóricas do pensamento cepalino no interior da formação do pensamento econô-
mico sobre o desenvolvimento. Reginaldo Moraes (1995) trata deste assunto para o caso brasileiro.
.
42
Por outro lado, em cada Parte e nos Capítulos da Tese, as fontes foram problematizadas
em termos da autoria e sua relação com a história (contribuição teórica à concepção perifé-
rica) e a historiografia da teoria do sistema centro–periferia (mapeamento em sua trajetó-
ria). Além disso, em alguns casos, também foram incorporadas (em nota de rodapé e nas
Referências Bibliográficas), informações sobre a localização, as partes internas e as publi-
cações dos textos e obras. Aparentemente esta tarefa não tem importância para a qualidade
da abordagem, mas, no conjunto da tese, ela acaba servindo como um roteiro para o leitor
não especializado no tema. Nesta mesma direção, a própria tese é colocada como uma
síntese da abordagem da temática e pode subsidiar, com certo fôlego, o leitor não especia-
lizado. Já com relação ao circuito do debate entre especialistas, certamente, sua qualidade
vai ser colocada à prova
20
.
Na genealogia da concepção periférica (teoria inicial e revisões), Raúl Prebisch
foi e é, reconhecidamente, o expoente. Celso Furtado
21
, Aníbal Pinto, José Medina Echa-
varría, Osvaldo Sunkel, Adolfo Gurrieri, Pedro Paz, Marshall Wolfe, Felipe Herrera, Edu-
ardo Frey, Plácidos G. Reynoso, Enrique Iglesias, Maria da Conceição Tavares, Octavio
Rodríguez
22
, Fernando Henrique Cardoso, Enzo Faletto, José Serra, José Hodara, Ricardo
20
A inflação é um dos temas, seja como problema ou obstáculo, que a teoria cepalina aprofundou e, pelo
visto, demarcou o debate, como Raúl Prebisch (1981a, 1982a) cita, entre desenvolvimentistas e monetaristas.
O artigo O falso dilema entre desenvolvimento econômico e estabilidade monetária”, de Raúl Prebisch
(1961; 1964b) é considerado um ensaio inicial sobre o tema. Todavia, com este assunto, inflação, é muito
específico, convém indicar esta lacuna na tese.
21
Reconhece-se que a contribuição de Celso Furtado à teoria do subdesenvolvimento não foi aprofundada na
tese, fato justificado pela centralização em Raúl Prebisch e na Comissão. A trajetória teórico-prática de Cel-
so Furtado tem particularidade e diferença significativa, se comparada aos caminhos da Comissão nos anos
80 e 90, ou mesmo com Prebisch na última etapa de seu pensamento.
Em sua avaliação dos cinqüenta anos de pensamento na
CEPAL
”, Ricardo Bielschowsky (2000a) usou
de muita propriedade no título ao falar do pensamento “na” Comissão, chamando, com isto, à atenção para
as diferenças teóricas e as especialidades que havia e continuam existindo no interior da Instituição, que não
é o pequena assim. Além do mais, o nculo institucional que possuía e possui delimitou e delimita, em
muito, sua teoria e sua atuação, ao longo deste meio século.
22
Octavio Rodríguez elaborou um quadro síntese do pensamento cepalino identificando os principais temas,
enfoques e propostas que marcaram a trajetória. Este quadro pode ser encontrado nas seguintes referências
do autor: RODRÍGUEZ (1981, p. 16; 1986, p. 10; 1988, p. 54). Ricardo Bielschowsky apresentou um qua-
dro resumo da CEPAL (2000a, p.19; In: POLETTO, 2000b, p. 52) e do pensamento econômico brasileiro
(1996, p. 241-243). Guido Mantega (1992, p. 22) também indica uma genealogia para o caso brasileiro.
.
43
Cibotti e Oscar J. Bardeci estiveram e/ou estão na linha de frente. Recentemente, José A.
Ocampo, Renato Baumann e Ricardo Bielschowsky destacam-se dentre a nova geração
dos intelectuais cepalinos. No(s) debate(s) e na(s) crítica(s) também tiveram e têm impor-
tância Francisco de Oliveira, Ruy Mauro Marini, Theotônio dos Santos, André Gunder
Frank e Francisco Weffort.
A tese foi organizada, como foi adiantado, em duas partes, ambas contendo qua-
tro capítulos: Na Primeira Parte: A Interpretação optou-se pela sistematização da concep-
ção original da teoria do sistema centro–periferia, tendo por base as fontes seminais pro-
duzidas no período de 1948/49 a 1960/63
23
; – Na Segunda Parte: Revisões, como diz seu
título, foram apresentadas as discussões sobre as revisões (teórico-metodológica e prática)
da concepção periférica realizada no período seguinte, entre 1963 a 1981. Esta divisão
maior da tese, em duas partes, atendeu, formalmente, um requisito didático-pedagógico,
haja vista o volume do texto, porém, além disto, levou-se em consideração a importância
da formação inicial da teoria (Primeira Parte) e os processos de revisão e críticas, interna e
externa, que demarcaram a reflexão sobre os rumos do desenvolvimento na periferia, da
dependência e das possibilidades de superação da insuficiência dinâmica nos anos 60 e 70.
A Primeira Parte: A Interpretação, que reúne os temas básicos da teoria do sis-
tema centro–periferia, ou seja, o método estruturalista original prebischiano e cepalino, foi
organizada na perspectiva de construir o conjunto da visão periférica enquanto afirmação e
crítica da teoria das vantagens comparativas e sua divisão internacional do trabalho.
O Capítulo 1, Superação da Condição Periférica: a concepção do sistema cen-
tro–periferia (1948/1963), apresenta a interpretação daquilo que se pode chamar a origem
histórica do sistema centro–periferia, enquanto resultado da expansão da economia capita-
Diante da quantidade de publicações do quadro-síntese e a ampla divulgação do mesmo não a necessida-
de de repeti-lo neste momento.
23
Na realidade nos anos de 1961 a 1963 Raúl Prebisch e a Comissão produziam a revisão das três falhas
na industrialização (pós-1945/1955/60), porém, como a obra Hacia una Dinámica Del Desarrollo Latino-
americano”, de Raúl Prebisch (1964a), publicada em 1963, é indicada como ponto central, pois foi o texto
base à discussão durante o 10º Período de Sessões, além de outros (cf. Capítulo 5), manteve-se esta data.
.
44
lista central, por meio da propagação do progresso técnico, e a constatação de que este
fenômeno ocorreu de forma heterogênea, desigual, o que deu base estrutural ao próprio
sistema e à definição de cada parte, centro e periferia. A demonstração da existência de
dois “tipos” de centro cíclico e de dois “modelos” de desenvolvimento na periferia carac-
teriza situações diferenciadas que poderiam existir dentro do sistema centro–periferia,
entretanto, na parte periférica a mudança teria que ser substantiva, pois, tanto a alteração
do centro cíclico teria efeitos sobre ela, dependendo da importância do comércio
internacional para a economia interna do centro cíclico principal, como o sistema manteria
sua base fundante sobre a periferia. Portanto, para Prebisch era preciso caracterizar as
estruturas das desigualdades no sistema: heterogeneidade periférica e homogeneidade
cêntrica. A introdução do movimento reflexo surgiu de uma provocação reflexiva da
dependência no sistema centro–periferia, afinal, os simples papéis de primário-exportador
(periferia) e de exportador de progresso técnico e manufaturas (centros) são muito
superficiais para explicar as relações no sistema. Dele e nele, no movimento reflexo,
construiu-se a noção da condição das partes e o conteúdo das relações no sistema, ponto
central do capítulo. O Capítulo 2, Deterioração dos Termos de Intercâmbio e Elasticidade-Renda: a
economia política periférica tem como tema central a apresentação da crítica periférica à
teoria econômica das vantagens comparativas na qual Raúl Prebisch contesta as bases do
modelo anterior de crescimento primário-exportador e mostrar por que este modelo não
servia para os periféricos. A crítica foi construída através da explicação da dinâmica da
economia capitalista moderna (dependência do progresso técnico, deterioração dos termos
de intercâmbio, elasticidade-renda e os efeitos do movimento cíclico no sistema, que aca-
ba sendo exportado à periferia). Da crítica da economia política periférica à teoria da con-
cepção liberal do comércio mundial é importante destacar a inclusão do tema da mobilida-
de da força de trabalho, pois, nem é preciso entrar no mérito da validade ou não da deterio-
ração dos termos de intercâmbio, uma vez que, se é para ter livre-mercado, qualquer defe-
.
45
sa desta tese (plena liberdade econômica e individual) é falácia (clássica e neoliberal) se a
força de trabalho não tem livre mobilidade internacional. Na realidade, isto recoloca a
questão da relação capital-trabalho e o interesse que a máxima concorrência ocorra somen-
te entre os trabalhadores.
O Capítulo 3, Caráter da Industrialização Periférica: progresso técnico e insufi-
ciência, sintetiza a defesa que Raúl Prebisch fez ao “modelo” substitutivo de importações,
uma vez que era preciso substituir o modelo anterior. Para isto, ele interpretou as fases da
industrialização ocorridas na periferia e a positividade da experiência vivida no período de
1930 a 1945. Porém, para seu aprofundamento, seria preciso superar o círculo vicioso da
insuficiência na periferia (capital-produtividade-poupança interna/externa, e consumo). A
inclusão do item sobre a interdependência entre indústria e agricultura e do item substituir
e importar exportando mereceu destaque pela simplificação e/ou pela leitura incorreta e
que seguidamente aparece na literatura de segunda ou terceira mão. A interdependência
existe e entre elas se repete, até certo nível, a relação no sistema centro–periferia. Todavia,
não bastasse a clareza dos textos originais, deste 1963, Maria da Conceição Tavares
(1983) já havia retomado o significado da interdependência de ambos os setores na indus-
trialização substitutiva, além de resolver, por vez, outra simplificação na terminologia.
Caso fosse dada mais atenção aos textos originais e ao ensaio de 1963, nem tudo estaria
como está!
O Capítulo 4, Planejamento do Desenvolvimento: o Estado e a iniciativa privada
na periferia, trata da outra grande polêmica entre desenvolvimentistas periféricos, os de-
mais e os neoliberais livre-cambistas sobre o papel e a função do Estado no desenvolvi-
mento periférico. Diante da insuficiência dinâmica (capital, mercado e iniciativa privada),
para Prebisch/CEPAL, somente o Estado (Administração Pública), através do planejamen-
to e da formação/captação de poupança/capital, teria condição de acelerar o ritmo de cres-
cimento econômico na periferia para superar o subdesenvolvimento e a vulnerabilidade
.
46
externa, mediante o estabelecimento de uma política econômica industrializante. O Estado
industrializante deveria se voltar à insuficiência e aos desinteresses da iniciativa privada,
bem como agir em favor da absorção da força de trabalho, uma vez que, espontaneamente
e na mão da iniciativa privada, o progresso técnico agravaria a insuficiência. Neste capitu-
lo, a discussão da desocupação tecnológica foi destacada, pois, através dela, é possível
reler a relação Estado-iniciativa privada-força de trabalho (desemprego e reabsorção pro-
dutiva).
O Capítulo 5, Insuficiência Dinâmica e Redistribuição: falhas na industrialização
e redistribuição de renda, que inicia a Segunda Parte: Revisões, trata da primeira revisão
teórica do modelo de industrialização pensado por Prebisch/
CEPAL
(crítica interna). O
tema central do enfoque redistributivo, que contou com a abordagem sociológica, foi a
insuficiência na absorção da força de trabalho e a necessidade de passar para a industri-
alização dinâmica, mediante a correção de três falhas. Quanto às falhas do Estado (plane-
jamento), do mercado (economia de escala e mercado interno reduzidos) e no desenvolvi-
mento periférico (vulnerabilidade externa), na industrialização Prebisch e a CEPAL manti-
veram os referenciais da economia política original e a estrutura externa e interna do sis-
tema centro–periferia caracterizava os obstáculos a serem superados. Também é possível
identificar um aprendizado sobre a trajetória do período anterior: o dualismo periférico
persistia e acentuava a insuficiência dinâmica na absorção da força de trabalho, aumentan-
do as desigualdades sociais, pois ocorria uma modernização conservadora. O planejamen-
to da política econômica teria que ser orientado para o dinamismo da economia e da socie-
dade, ou seja, o desenvolvimento teria que ser econômico e social. Na normalidade da
periferia, o dualismo reproduzia-se crescentemente, sem (re)distribuição. O desemprego
estrutural, a marginalização e a urbanização redesenhavam a condição periférica. A estru-
tura social (distribuição da renda e da riqueza) passava a fazer parte da análise do desen-
volvimento e as desigualdades eram maiores nos países periféricos do que nos países cen-
.
47
trais. A tese estagnacionista e o pessimismo de Celso Furtado (1966) foram revistos, pois
sua obra trata, sim, da tese estagnacionista presente nos documentos da Comissão (1963 e
1966), porém aborda a presença imperialista norte-americana na América Latina. Em
1963, Maria da Conceição Tavares (1983) já indicava a necessidade da mudança do méto-
do para qualificar a aproximação com o processo histórico e para uma interpretação do
novo caráter do desenvolvimento e da internacionalização da economia latino-americana.
No Capítulo 6, Integração Latino-Americana: a regionalização da substituição
de importações, faz-se uma recuperação (teórica e documental) do debate sobre o tema da
integração latino-americana, bem como da organização interna da Comissão. Destaca-se a
perspectiva da integração como uma forma de aceleração de origem periférica, como al-
ternativa ao desenvolvimento dinâmico (economia de escala – progresso técnico), porém,
percebe-se a preocupação de não reproduzir no mercado regional, o sistema centro–
periferia, nos moldes das vantagens comparativas. Para tanto, era preciso estabelecer uma
política econômica integracionista, levando em conta as diferenças no desenvolvimento e
os princípios da reciprocidade e do tratamento preferencial, além de uma articulação entre
o desenvolvimento nacional e a regionalização da industrialização substitutiva. A partir da
integração planejada, em médio e longo prazo, a periferia latino-americana poderia se in-
serir internacionalmente exportando manufaturas. Além dos obstáculos da integração no
subdesenvolvimento, os governos autoritários latino-americanos dão nova direção ao de-
senvolvimentismo, mudando os rumos da integração.
O Capítulo 7, Desenvolvimento Dependente: revisão e crítica da teoria da de-
pendência, enfoca a crítica externa (que também foi interna) realizada pela teoria da
dependência (CARDOSO e FALETTO, 1970) ao método estruturalista cepalino, quanto à
determinação externa na teoria do sistema centro–periferia e quanto à centralidade econô-
mica na interpretação. A partir da análise histórico-estrutural (interdisciplinar/integrada)
os autores propuseram uma revisão do caráter da dependência, a dimensão condicionante e
.
48
histórica das estruturas no sistema centro–periferia, a construção da hegemonia da/na de-
pendência (alianças dos grupos dominantes internos e externos) e as disputas sociais pelo
desenvolvimento (interesses pelo controle do Estado, da política econômica nacional e sua
inserção internacional). Neste debate, Francisco Weffort (1980) problematizou a constru-
ção da idéia da Nação, enquanto projeto de classe, e a indeterminação do espaço nacional
ao capital. Dentre os debates realizados sobre a obra “Dependência e Desenvolvimento na
América Latina (DeD), um deles foi realizado entre dependentistas, que pode ser resu-
mido nas teses do “desenvolvimento dependente” e do “desenvolvimento do
subdesenvolvimento”.
Os autores da obra DeD destacam a interpretação que propuseram sobre as últi-
mas transformações que o desenvolvimento econômico produziu na estrutura da socieda-
de, na formação de classes, na composição orgânica do capital, na aliança hegemônica das
classes dominantes internas e externas (cêntricas) na nova fase da internacionalização do
mercado interno dos países periféricos no pós-1950. Este fenômeno rearticulou o desen-
volvimento capitalista e a dependência (ação política das classes e seus interesses no Esta-
do, na produção e na distribuição) no processo histórico. Todavia, Fernando Henrique
Cardoso (1971) esclareceu que a DeD apresentava um método, o histórico-estrutural, po-
rém, somente os estudos de caso e com as “análises concretas de situações de dependên-
cia” seria possível questionar o método e interpretar o estado histórico do desenvolvimen-
to e da dependência (o desenvolvimento dependente).
No Capítulo 8, Capitalismo Periférico: a especificidade latino-americana no sis-
tema, o estudo da crítica ao capitalismo periférico, de Raúl Prebisch, corresponde à última
etapa do seu pensamento e sua produção intelectual nos anos 70/81. Nesta revisão, Raúl
Prebisch manteve o conceito de sistema centro–periferia, porém, como afirma, aprofundou
seu conteúdo, pois avançou na mediatização da especificidade do capitalismo periférico
(excludente e conflitivo) ao tratar da luta distributiva e dos dois caminhos que levam à
.
49
crise estrutural do excedente (avanço irrestrito da luta sindical e política dos trabalhado-
res e a mudança regressiva nas relações de poder, sob a ação dos grupos dominantes peri-
féricos e cêntricos, através do Estado e o uso da força, para o restabelecimento do exce-
dente, do poder político e social e para o aprofundamento da sociedade de consumo).
Também incorpora elementos da teoria da dependência da DeD e faz a crítica à tese do
desenvolvimento do subdesenvolvimento (teoria da dependência crítica). Além disso, revi-
sa o enfoque redistributivo e as contribuições de Aníbal Pinto (eqüidade e o uso social do
excedente, num novo enfoque).
Na tese da crítica ao capitalismo periférico, Prebisch reinterpreta o sistema cen-
tro–periferia, levando em conta a crise do desenvolvimento nos países latino-americanos,
principalmente os mais desenvolvidos e a segunda grande crise cêntrica, cujo seu epicen-
tro foi o principal centro dinâmico, os Estados Unidos. Para ele, seu ponto central estava
na crise do petróleo e seus desdobramento nos
EUA
e sua possibilidade de exportação para
os países periféricos (juros internacionais, política do dólar, dívida externa, déficit fiscal,
etc.). Neste contexto, ressurgem, com grande força, as teses do livre-mercado, no novo
liberalismo (Friedman e Hayek), que propõem mais mercado e menos Estado. O cenário
do Chile, de 1970-73 e no pós-1973, bem como o Golpe Militar na Argentina, em 1976,
com seus novos projetos neoliberais retratam cenários da luta distributiva e o significado
do neoliberalismo para os países periféricos.
Num cenário de crise cêntrica e periférica e da retomada do modelo primário-
exportador (abertura econômica e política de desindustrialização), numa nova hegemonia
dependente e autoritária (controle do Estado e da força sindical e política dos trabalhado-
res), e fortalecedora da exclusão e dos conflitos no capitalismo periférico, Prebisch propõe
a transformação do sistema no capitalismo periférico e no sistema geral: a eqüidade social
(sua síntese entre socialismo e liberalismo). Teoricamente, nesta nova categoria histórica
o mercado teria os horizontes temporal e social e o Estado regularia o excedente, o dina-
.
50
mismo econômico e a eqüidade distributiva. Resumindo: Prebisch - o capitalismo social
em construção (a via periférica latino-americana).
Para o leitor, as páginas que seguem abrem a porta do revisitar, porém, a visita que
foi realizada, por sinal, longa e árdua, apresenta, doravante, o que foi conhecido! Entretan-
to, após a leitura do início, Uma Periferia..., convém passar rapidamente Pela Periferia, a
parte final do texto, pois, tal como uma ponte, ambas interligam as margens. No meio,
1948-1981, passa o rio caudaloso da concepção periférica estruturalista.
.
51
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americanos parecem encontrar-
se em condições de crescer
tanto ou mais que os centros
em seu conjunto, dada a etapa
de desenvolvimento em que a
maior parte deles se encon-
tra. A população cresce com
taxa muito mais alta, e sua
produtividade, por ser rela-
tivamente baixa, tem uma am-
pla margem de crescimento”
.
Raúl Prebisch (1973, p. 23-
24)
O presente capítulo tem por finalidade apresentar os elementos do núcleo central
da concepção do sistema centro–periferia, ou da teoria do subdesenvolvimento, elaborada
por Raúl Prebisch nos primeiros anos de existência da Comissão Econômica para América
Latina (
CEPAL
)
24
, e que deu corpo teórico e metodológico – um enfoque estruturalista que
24
Quando foi criada pela Organização das Nações Unidas (
ONU
), em 1948, a nomenclatura da Secretaria era
“Comissão Econômica para América Latina” (
CEPAL
). Posteriormente houve a inclusão do Caribe no con-
junto da região sob sua responsabilidade. Atualmente a definição completa é “Comissão Econômica para
América Latina e o Caribe”, permanecendo a mesma sigla
CEPAL
(
ECLAC
, em inglês).
105
apreendia as transformações históricas, segundo Bielschowsky (2000a, p. 17) a essa in-
terpretação dualista do sistema econômico capitalista mundial, cuja visão e problematiza-
ção tinha a particularidade de olhá-lo, o sistema econômico, a partir da realidade histórica
da região (passada e contemporânea), e caracterizar sua posição e condição, enquanto par-
te no e do sistema. Nesse sentido, o conceito de periferia remete tanto às estruturas subde-
senvolvidas da economia de um país, ou de um conjunto deles (existentes no tempo pre-
sente), mas também cujas origens históricas provinham do tempo passado portanto, ti-
nham caráter conservador da organização social. Da mesma forma, a vinculação e as rela-
ções dessas estruturas demarcavam as condições gerais, pois completavam o sistema em
sua outra parte, ou seja, com os países centrais na economia capitalista, mediante seus in-
tercâmbios no comércio mundial. A discussão da relação centro–periferia estava orientada
para o âmbito da economia mundial, porém, a visão sistêmica do dualismo não excluía a
configuração dualista interna nos países periféricos, condicionadas às condições das ativi-
dades econômicas, conforme sua atualidade produtiva. Portanto, a relação centro–periferia
também podia existir no interior da economia (indústria-agricultura) e da sociedade (urba-
no-rural) em uma nação periférica.
Esta polaridade do sistema econômico capitalista industrial – vista em sua configu-
ração internacional (global e regional), nacional e intranacional tinha como foco central
de análise o padrão de inovação, de difusão e de aplicação do progresso técnico nas diver-
sas atividades produtivas, na distribuição da população economicamente ativa e, segundo a
concepção cepalina, nas formas de distribuição de renda e acumulação de capital (poupan-
ça – excedente), ou seja, na repartição do seu benefício social (ganhos sociais).
Dada a consistência da elaboração teórica desse sistema, é perfeitamente possível
atribuir-lhe uma forma de abordagem conceitual particular no âmbito da economia política
(isso não significa que seu pensamento se constituiu numa teoria geral da economia políti-
106
ca), cujo objeto principal de estudo foi a periferia do sistema
25
. O próprio sistema da eco-
nomia geral dualista passou a ser visto (interpretado) através das estruturas do subdesen-
volvimento, sua parte dependente.
A referência a Prebisch/CEPAL resultou da própria relação estabelecida entre o e-
conomista argentino e a Comissão, em fins de fevereiro de 1949, quando ingressou na
instituição (FURTADO, 1985, p. 58). Ele não só foi e é considerado o principal responsá-
vel pela sistematização da teoria cepalina, como também lhe coube exercer a função de
Secretário-Executivo no período de consolidação da entidade, entre os anos de 1950 a
1963
26
, e da divulgação do seu programa. Assim, ao se fazer menção à autoria da concep-
ção da condição periférica, subdesenvolvida, da América Latina no/do capitalismo, a no-
minação de ambos torna-se imprescindível, bem como o exercício da pesquisa direta do
pensamento e a obrigatoriedade de se debruçar sobre seus textos fundadores (seminais).
Trata-se, sim, de um assunto deveras conhecido, sendo um “chão” muito batido ao longo
desses cinqüenta e tantos anos de existência da Comissão, da trajetória do(s) seu(s) pen-
samento(s) e de seus intelectuais, cuja indicação dos partidários e críticos, afora o quadro
pessoal da Instituição, mereceria outro estudo, tamanha a quantidade e a importância do
debate acerca da historiografia do pensamento socioeconômico latino-americano produzi-
do nela, ou a partir dela, ou ainda em contraposição(ões) a ela
27
.
25
Para uma leitura acerca do debate relacionado aos fundamentos e às origens da teoria cepalina, bem como
seu poder de análise (limites do conjunto dos conceitos de sua interpretação), confira FONSECA (2000);
SUNKEL e PAZ (1991); e, CARDOSO, F. H. (1993a).
26
Francisco A. Lloréns (1989, p. 16) também informa que Raúl Prebisch assumiu a Secretaria Executiva da
CEPAL no ano de 1950. Raúl Prebisch respondeu pela função no período de maio de 1950 a julho de 1963
(cf. http://www.eclac.cl/). Logo após assumir a Secretaria, Prebisch nomeia Celso Furtado como Diretor da
Divisão de Planejamento. Furtado havia ingressado na Comissão já em 1949 (FURTADO, 1985).
Bernardo Grinspun (1982, p. 5), indicou que Raúl Prebisch ingressou na Comissão ainda no ano de 1949,
porém esteve à frente da
CEPAL
, como Secretário –Executivo, no período de 1953-1963. Considerando as
demais informações, trata-se de um erro de informação deste último autor.
27
O trabalho de Octavio Rodríguez (1981) é considerado como uma das principais referências que trataram
da formação do pensamento da CEPAL. O trabalho de Aníbal Pinto (1969) é considerado o primeiro estudo
de aglutinação (antologia) dos estudos e textos mais importantes dos primeiros anos da Comissão.
107
Em outro sentido, o aprofundamento da leitura dos textos originais que apresentaram de
“primeira o” e na primeira versão a concepção do sistema centro–periferia adquire
importância pela contribuição que podem dar à compreensão do seu conjunto (consistência
interna da construção dotodo e sua visão da realidade), bem como da sua potencialida-
de interpretativa da condição histórica latino-americana atual (sua inserção na economia
internacional nos “tempos da globalização”), e seu referencial crítico diante de outras fun-
damentações ideológicas livre-cambistas, principalmente a neoliberal (do “pensamento
único”, do Consenso de Washington) que sustenta, por exemplo, a iniciativa governamen-
tal continental, atual, de se criar uma área de livre-comércio nas Américas
28
, idealizada
pelo governo da principal potência capitalista mundial os Estados Unidos –, e que pre-
tende incorporar, com exceção de Cuba, todos os demais países, desde o Norte (centro) até
o Sul Latino (periferia) do Continente.
A interpretação da condição periférica tinha como objetivo final justamente a superação
dessa situação estrutural. Para tanto, Prebisch deu consistência a uma visão que sustentas-
se o projeto de industrialização e apresentasse os meios e os caminhos a serem seguidos
para se atingir esse propósito (PREBISCH, 1987a, p. 15). Portanto, a teoria do subdesen-
volvimento, que indica os elementos da dependência estrutural da região no/do sistema
vigente (o desequilíbrio estrutural externo e a insuficiência estrutural interna), pretendia
romper com o círculo vicioso geral deste modelo de inserção naquela divisão internacional
do trabalho no comércio mundial.
Para Adolfo Gurrieri, este era o sentido que Prebisch deu ao conceito de desenvolvimento
em sua economia política: “O desenvolvimento da periferia deve orientar-se para a supe-
ração do sistema centro–periferia em todos os seus aspectos e o estabelecimento de uma
nova estrutura de relações econômicas internacionais...” (GURRIERI, 1982a, p. 27).
28
O projeto oficial da Área de Livre Comércio das Américas (
ALCA
) tem como laboratório o Acordo de
Livre Comércio da América do Norte (NAFTA), formado pelos EUA, Canadá e México, cujas bases se acen-
tam na máxima do livre-mercado.
108
Segundo Ricardo Bielschowsky, este fato (o objetivo de eliminar as estruturas externas e
internas da dependência periférica), era, e continua sendo, um dos elementos que permite
visualizar uma continuidade do “enfoque metodológico” ao longo da história de mais de
meio século do pensamento na Comissão, pois se, por um lado, o sistema centro–periferia
era (e é) estrutural, tinha sua forma (configuração); por outro, também era (e é) dinâmico,
tinha seu movimento (conteúdo). Esses dois aspectos não foram (nem são) negligenciados
do ponto de vista do objeto da investigação (a história real) e da concepção teórica (o mé-
todo e os contextos ideológicos que marcaram esses 50 anos), quando utilizados para in-
terpretar a realidade do subdesenvolvimento (BIELSCHOWSKY, 2000a, p. 17).
Entretanto, como a discussão proposta neste capítulo refere-se tão somente às principais
obras produzidas no período, nas quais o autor/
CEPAL
esboçou a concepção, cabe esclare-
cer que a noção de superação dos problemas, das falhas e dos obstáculos da industrializa-
ção latino-americana circunscrevia-se, fundamentalmente, à realidade periférica dentro do
sistema e suas relações (internas e externas/internacionais). Ou seja, à época e nesses tex-
tos, a dinamização do modelo substitutivo de importações foi pensada como instrumental
para romper o estado periférico do/no sistema centro–periferia. Portanto, a superação era
um assunto intrínseco à ruptura das estruturas daquele tipo de formação desigual no
capitalismo, não podendo ser confundida como uma proposta de superação do próprio
sistema capitalista
29
.
A opção pela leitura dos textos fundadores partiu de duas orientações do estudo com rela-
ção às fontes de pesquisa: – a primeira, é claro, referiu-se aos documentos/obras de autoria
de Prebisch/CEPAL considerados clássicos” na historiografia e que foram elaborados e
publicados no período e/ou reeditados na íntegra ou parcialmente; a segunda, por sua
vez, manteve a indicação da importância da autoria acrescida de especialistas próximos
29
Ele mesmo, Prebisch, ao revisar sua trajetória intelectual, expôs que somente na quinta etapa do seu pen-
samento passou a questionar a necessidade de transformar o sistema capitalista, propondo uma ntese entre
“socialismoe “capitalismo” (PREBISCH, 1987a, p. 30 ss). Este assunto será retomado mais adiante, no
Capítulo 8.
109
da Comissão e/ou do tema e demais obras produzidas e publicadas posteriormente ao
período de estudo, porém centradas no mesmo assunto.
Obviamente que estas delimitações trouxeram “problemas” à pesquisa, para usar um termo
fundador do pensamento prebischiano. O principal deles foi o acesso às fontes (localiza-
ção, aquisição e/ou reprodução), pois algumas obras e documentos (textos e artigos) foram
publicados pela
CEPAL
/Nações Unidas (
ONU
) naquele período e o tiveram (re)edições
posteriores
30
.
Por outro lado, este procedimento trouxe um ganho, pois qualificou o estudo ao priorizar o
manuseio das fontes originais e a leitura integral dos textos/documentos fundadores. Além
do mais, a preferência pelo uso de fontes de autoria de Prebisch/
CEPAL
seguiu a orienta-
ção mais elementar da própria pesquisa histórica e da formação do historiador e do seu
ofício, qual seja: o trabalho com fontes primárias como exercício na qualificação do pes-
quisador.
A partir dessa opção e dessa delimitação foi possível indicar e aglutinar, didaticamente, as
fontes utilizadas neste capítulo e na Primeira Parte da tese em quatro grupos, segundo
a relação que estabeleciam com o tema e seus autores, conforme apresentado a seguir:
No primeiro grupo foram incluídos os textos fundadores do pensamento Prebisch/
CEPAL
,
bem como demais estudos realizados no período de 1949-1963 que aprofundaram a inter-
pretação do processo de desenvolvimento econômico latino-americano, tendo por base sua
teoria. Mesmo sendo matéria conhecida na área, convém indicar as obras de Prebis-
ch/CEPAL que possuíam (e possuem) maior peso teórico, ou seja, as “clássicas” do pen-
30
Graças aos serviços e à gentileza do quadro de funcionários do Setor de Biblioteca do Escritório da
CE-
PAL
de Brasília e o sistema de intercâmbio com a Biblioteca da Sede da
CEPAL
, em Santiago do Chile,
várias obras e documentos foram adquiridos e reproduzidos, incluindo-se, dentre elas, algumas obras raras
como o “Estudio Económico de América Latina 1948”, que foi a primeira edição daquela série anual de
estudos da realidade econômica e social latino-americana. Outros documentos foram reproduzidos das edi-
ções originais (ou traduções) assinadas por Prebisch ou das publicações oficiais da CEPAL/ONU.
110
samento cepalino. As duas primeiras inauguraram a visão e as duas seguintes deram conti-
nuidade à interpretação, aprofundaram-na e sistematizaram sua operacionalização:
Primeira:
“O Desenvolvimento Econômico da América Latina e seus Principais Problemas”,
de 1949 (PREBISCH, 1949), conhecida como o “Manifesto dos Periféricos” (cf.
FURTADO, 1985, p. 53-63) ou Manifesto da
CEPAL
(cf. POLETTO, 2000)
31
.
Segunda:
“Estudio Económico de América Latina 1949” (CEPAL, 1951), especialmente a
Primeira Parte: “Interpretação do Processo de Desenvolvimento Econômico”
(PREBISCH, 1951)
32
, onde foi exposto com mais profundidade o esboço do
Manifesto
33
.
Terceira:
“Problemas Teóricos y Prácticos Del Crecimiento Económico”, de 1952 [1951,
vide nota seguinte] (PREBISCH, 1973), que aprofundou a estrutura da elasticida-
de-renda, tratou da cooperação internacional e introduziu o tema da técnica de pro-
gramação
34
.
Quarta:
“Introdução à Técnica de Programação”, de 1955 (GRUPO MISTO BNDE-
CEPAL; 1957; CEPAL, 1955), que discutiu o papel do Planejamento Estatal no
desenvolvimento econômico latino-americano e a necessidade da técnica de pro-
gramação (metodologia de elaboração do Programa)
35
.
31
Além da referência indicada, o “Manifestopode ser encontrado nas seguintes publicações: GURRIERI
(1982b, v. I,
p. 99-155);
CEPAL (1998, v. I, p. 63-129);
e, BIELSCHOWSKY (2000b, v. 1, p. 69-136). Obs.:
A última indicação é a tradução no português (Brasil) da penúltima referência, CEPAL (1998, v. I e II),
organizada por Ricardo Bielschowsky a pedido da Secretaria Executiva para marcar a passagem (comemora-
ção) dos 50 anos de criação da Comissão.
32
Todas as notas e citações desse texto (PREBISCH, 1951) também pertencem ao “Estudio Económico de
América Latina – 1949” (CEPAL, 1951), como indicado.
33
O texto corresponde à “Primera Parte: Crecimiento, Desequilibrio y Disparidades: Interpretación del Pro-
ceso de Desarrollo Económico” do Estudio de 1949 (CEPAL, 1951, p. 1-92).
Além das indicações do Estudio de 1949 e da sua Primeira Parte (Interpretação ...), traduzida e publi-
cada pela primeira vez no Brasil na “Revista Brasileira de Economia” (Ano 5, n. 1, março de 1951. p. 7-
117), também podem ser encontrados fragmentos desses textos nas seguintes publicações: PINTO (1969b,
p. 46-67); GURRIERI (1982b, v. I, p. 156-247); CEPAL (1998, v. I, p. 131-171); e, BIELSCHOWSKY
(2000b, v. 1, p. 137-178).
34
Partes dessa obra podem ser encontradas nas seguintes publicações: PINTO (1969b, p. 68-90); GURRIE-
RI (1982b, v. 1, p. 248-297); CEPAL (1998, v. I, p. 173-206); e, BIELSCHOWSKY (2000b, v. 1, p. 179-
215).
O texto foi escrito por Raúl Prebisch a pedido da
CEPAL
(Resolução sobre Desenvolvimento Econô-
mico e Política Anticíclica - E/C.12/194, aprovada no 3
o
Período de Sessões, ocorrido em Montevidéu, no
ano de 1950). O texto foi apresentado na data de 28/05/1951, durante o 4
o
Período de Sessões, ocorrido no
México. A primeira edição foi publicada em 11/09/1952, fato este que explica o uso desse ano na sua refe-
rência.
35
Partes da obra podem ser encontradas nas seguintes publicações: PINTO (1969b, p. 98-115); GURRIERI
(1982b, v. 1, p. 424-441); CEPAL (1998, v. I, p. 243-271); e, BIELSCHOWSKY (2000b, v. 1, p. 263-291).
111
No segundo grupo constam algumas publicações que fizeram parte da primeira e-
tapa do pensamento de Prebisch, antes de 1949 (PREBISCH, 1987a, p. 14; CEPAL, 1987),
além de outros estudos importantes de Prebisch/CEPAL realizados no período. Os traba-
lhos selecionados neste grupo fazem parte da relação dos textos mais conhecidos e rele-
vantes realizados naqueles anos. No que se refere ao conteúdo destas obras, elas também
marcaram a concepção cepalina pela continuidade dos estudos de interpretação das estru-
turas e conjunturas regional e internacional do sistema centro–periferia; pela formulação
de projetos e ações orientadas à superação dos estrangulamentos externos e internos do
modelo de substituição de importações; pela revisão dos limites e falhas da industrializa-
ção; e, pelos avanços teóricos.
Estes últimos, os avanços teóricos, recolocaram os conceitos de crescimento eco-
nômico (distribuição de renda) e do desenvolvimento social (redistribuição de renda) na
sociedade periférica, pois, inicialmente, o aumento da renda nacional era compreendido
como meio à elevação da taxa da renda média per capita. E esta, por sua vez, representava
um indicativo da evolução econômica do país (seu padrão capitalista) e da melhoria do
bem-estar das massas (os benefícios do progresso técnico).
Ao revisar sua abordagem e interpretação, a Comissão e alguns dos seus intelectu-
ais não deixam de apresentar uma autocrítica da industrialização inicialmente pensada,
mas também esboçam uma proposta de abordagem mais ampla. As obras incluídas nesse
grupo foram
36
:
“Keynes, uma Introdução”, de 1947 (PREBISCH, 1991).
“Estudio Económico de América Latina – 1948”
37
(CEPAL, 1949).
36
Partes de algumas dessas obras também podem ser encontradas nas coletâneas de textos indicadas nas
notas anteriores.
37
O “Estudio Económico” foi (e é) a publicação periódica anual mais importante da Comissão (documento
oficial e base às discussões nos Períodos de Sessões), cujo início coincide com o ano de sua criação, em
112
“Estudio Económico de América Latina – 1950” (CEPAL, 1951).
“Estudio Económico de América Latina – 1951-1952” (CEPAL, 1954a).
“A Cooperação Internacional na Política de Desenvolvimento Latino-
Americano”, de 1954 (CEPAL, 1954b).
“Dinâmica do Desenvolvimento Latino-Americano”, de 1963
38
(PREBIS-
CH, 1964a).
No terceiro grupo foi mantido o critério de autoria, entretanto, diferentemente dos
anteriores, foram selecionados alguns textos que Prebisch produziu após o período defini-
do nesse capítulo. Todavia, neles ele (re)apresentou e (re)avaliou as principais idéias dos
textos fundadores, bem como revisou sua própria trajetória e seu avanço intelectual. A-
crescenta-se a Prebisch, a revisão que Celso Furtado fez sobre os primeiros anos da/na
CEPAL e o quadro de estagnação do período final dessa fase não podem ficar sem indica-
ção, além, é claro, dos demais intelectuais que se destacaram na revisão teórica realizada
nos anos 60, principalmente José Medina Echavarría, Maria Conceição Tavares, Aníbal
Pinto, Fernando Henrique Cardoso e Enzo Faletto. Os artigos e obras selecionadas, não
apenas para o presente capítulo, mas para toda a Primeira Parte da tese, foram:
“Prefácio” da obra de Octavio Rodríguez, de 1981 (PREBISCH, 1981b).
“Cinco Etapas de mi Pensamiento Sobre el Desarrollo”, de 1982
39
(PRE-
BISCH, 1987a; ou, In: CEPAL, 1987).
1948. Entretanto, se tornou parte sistemática da sua agenda de pesquisas no ano seguinte, após delibera-
ção durante o Segundo Período de Sessões da
CEPAL
, em 1949, conforme Resolução E/CN.12/250, que
definiu a elaboração anual do Estudo Econômico, sob responsabilidade da Secretaria-Executiva (CEPAL,
1954a, p. iii).
38
Seu título original em espanhol é “Hacia una Dinámica Del Desarrollo Latinoamericano”, de 1963 [Por
uma Dinâmica do Desenvolvimento Latino-americano] (E/CN.12/680/Rev.1).
39
Segundo a
CEPAL
, o texto foi elaborado no ano de 1982: “... escreveu em 1982 para ser apresentado em
um seminário organizado pelo Banco Mundial sobre o pensamento dos ‘pioneiros do desenvolvimento’”
(CEPAL, 1987, p. 7). O artigo também pode ser encontrado em: PREBISCH, Raúl. "Cinco etapas de mi
pensamiento sobre el desarrollo" In: El Trimestre Económico. (abril-janeiro, 1983) n. 98, p. 1077-1096.
113
“Exposição do Dr. Raúl Prebisch no Vigésimo Primeiro Período de Sessões
da CEPAL, de 1986 (PREBISCH, 1987b; ou, In: CEPAL, 1987), sua última
exposição pública.
“Consideraciones Sociológicas sobre el Desarrollo Económico en América
Latina”, de 1963 (ECHAVARRÍA, 1964).
“Auge e Declínio do Processo de Substituição de Importações no Brasil, de
1963 (In: TAVARES, 1983).
“Aspectos Políticos Del Desarrollo Económico Latinoamericano”, de 1965
(PINTO, 1965).
“El Proceso de Industrialización en América Latina”, de 1965 (CEPAL,
1965).
“Subdesenvolvimento e Estagnação na América Latina”, de 1965 (FURTA-
DO, 1966).
“Dependência e Desenvolvimento na América Latina”, de 1966-67 (CAR-
DOSO e FALETTO, 1970).
“A Originalidade da cópia: a CEPAL e a Idéia de Desenvolvimento”, de
1977 (In: CARDOSO, 1993b).
“A Fantasia Organizada”, de Celso Furtado (1985).
Por fim, no quarto grupo foram incluídos alguns textos, artigos e obras de estudo
do pensamento de Prebisch/CEPAL reconhecidos pela contribuição que trouxeram à Co-
missão e ao próprio debate do subdesenvolvimento. Além disso, seus autores e/ou organi-
zadores foram, ou são, intelectuais vinculados à Comissão. Algumas dessas publicações
tinham caráter oficial da instituição, uma vez que foram pensadas para reconstituírem sua
trajetória histórica e intelectual, e lançadas em momentos comemorativos. Estas coletâneas
apresentaram uma seleção dos principais textos dos respectivos períodos inclusive extra-
polando a delimitação temporal em questão, além de artigo(s)-síntese(s) do pensamento
cepalino.
Outro aspecto levado em consideração nesse grupo foi a importância que determi-
nados estudos adquiriram enquanto nteses do pensamento cepalino, fato este não re-
114
conhecido pela própria
CEPAL
, mas também nos diversos espaços de debate da historio-
grafia do desenvolvimento.
Convém observar, porém, que esses reconhecimentos oficiais e historiográficos”
levados em conta neste estudo não resultaram da aplicação de “critérios positivistas de
cientificidade” ou da sua teoria do reflexo na relação cognitiva (cf. SCHAFF, 1983, p. 65-
98). Tratou-se, sim, de levar em consideração o conteúdo intelectual dos autores e a con-
sistência historiográfica das referidas sínteses (artigos e estudos).
Publicações comemorativas:
“América Latina: El Pensamiento de la CEPAL (PINTO, 1969b)
40
, obra
comemorativa dos 20 anos da Comissão (1949-1969), com artigo-síntese “La
evolución del pensamiento de la CEPAL de Anibal Pinto (1969a).
“La Obra de Prebisch en la CEPAL (GURRIERI, 1982b), obra de difu-
são das idéias de Prebisch, com artigo-síntese “La economía política de Raúl
Prebisch” de Adolfo Gurrieri (1982a).
“Cincuenta Años de Pensamiento en la CEPAL (CEPAL, 1998); ou,
“Cinqüenta Anos de Pensamento na CEPAL (BIELSCHOWSKY, 2000b),
obra comemorativa do cinqüentenário da Comissão (1948-1998), com artigo-
síntese “Cinqüenta anos de pensamento na CEPALuma resenha” de Ricar-
do Bielschowsky (2000a; CEPAL, 1998, p. 9-61).
“Revista de la
CEPAL
Número Extraordinario:
CEPAL
Cincuenta
Años”, (octubre/1998).
“50 Anos do Manifesto da CEPAL (POLETTO, 2000a), obra resultante
do Evento Comemorativo do cinqüentenário de publicação do “Manifesto dos
Periféricos”
41
.
40
Normalmente a autoria dessa obra era (é) atribuída à CEPAL, pois na apresentação da “Coleción Tiempo
Latinoamericano” e no “Prólogo” da edição de 1969, fez-se referência à organização comemorativa (PIN-
TO, 1969b, p. 3, 11-12). Além disso, a edição não identificou a organização e a introdução também não foi
assinada, o que facilita a atribuição da autoria para a Comissão. Entretanto, conforme informações de Adolfo
Gurrieri (1982a, p. 9 nota 1) e Ricardo Bielschowsky (In: POLETTO, 2000a, p. 57 nota 5), na realidade,
a organização da coletânea e o artigo da introdução foram trabalhos realizados por Aníbal Pinto (1969b).
Para efeito de referência bibliográfica, e esclarecimento ao leitor, também cabe informar que existe di-
ferença na apresentação do tulo da obra, o que pode dificultar sua localização e/ou identificação bibliográ-
fica. Em todos os casos, é oportuno citá-los: “América Latina: El Pensamiento de la CEPAL (PINTO,
1969b Capa; GURRIERI 1982a, p. 9 nota 1); ou simplesmente: “El Pensamiento da
CEPAL
(PINTO,
1969b – Contracapa; BIELSCHOWSKY, In: POLETTO, 2000a, p. 100).
41
“Seminário Internacional 50 anos do Manifesto da CEPAL.
/PPGH-Departamento de Economia PUCRS
(promotores)/ Porto Alegre, PUCRS, 4 a 6 de outubro de 1999.
115
Obras sínteses:
“Teoria do Subdesenvolvimento da CEPAL” (RODRÍGUEZ, 1981)
42
.
El Subdesarrollo Latinoamericano y la Teoría Del Desarrollo” (SUN-
KEL e PAZ, 1991).
A identificação didática desses quatro grupos o teve a pretensão de ser um “su-
pra-sumo” ou “a” demarcação exclusiva e definitiva, mas apenas um recorte à documenta-
ção/fontes, que preservou elementos de qualidade pelo seu vínculo com o objeto ou eram
(e são) parte do mesmo. Demais referências documentais e autores foram utilizados, con-
forme pode ser observado na seqüência do assunto. Outra(o)s aparecem incorporadas aos
temas e abordagens dos capítulos seguintes.
Um outro campo de origem das fontes, para a tese (capítulos da Primeira, mas
também para a Segunda Parte), também pôde ser identificado pela relação que possuíam
com o tema central. Trata-se das obras de autores clássicos da economia política que tive-
ram algum tipo de vínculo com a crítica apresentada pelo pensamento Prebisch/CEPAL:
sua proximidade teórica (concepção) ou contraposição ao intervencionismo estatal plane-
jado. Neste campo foi possível aglutinar autores clássicos como David Ricardo e sua obra
“Princípios de Economia Política e Tributação”, de 1817; John Maynard Keynes e seu
livro “A Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda; Inflação e Deflação”, de 1935;
Malthus (1982); Friedrich A. Hayek e sua obra O Caminho de Servidão”, de 1944; e, W.
W. Rostow (1966).
A série de debates ocorridos no Brasil nos anos de 1949 a 1952, promovidos pela
Fundação Getúlio Vargas (FGV) e a Faculdade Nacional de Ciências Econômicas, do Rio
42
Octavio Rodríguez publicou resumos e partes deste estudo, preliminarmente e após a primeira edição da
obra em questão. No início do livro, Agradecimento, comentou que: “Os capítulos I a V e VII deste trabalho
foram escritos entre princípio de 1970 e meados de 1974. (...) Completei os demais capítulos e a introdução
geral entre janeiro de 1970 a junho de 1979” (RODRÍGUEZ, 1981, p. 13).
Algumas destas publicações podem ser encontradas nas seguintes Referências Bibliográficas de Octavio
Rodriguez (1977b; 1986 e 1988). No presente estudo foi dada preferência à obra Teoria do Subdesenvolvi-
mento da CEPAL (RODRÍGUEZ, 1981).
116
de Janeiro, e publicados na “Revista Brasileira de Economia”, mereceram a atenção pelo
fato de terem sido parte da repercussão das idéias cepalinas no país, destacando-se as con-
ferências dos professores H. W. Singer (1950), Jacob Viner (1951) e Ragner Nurkse
(1951).
* * *
Do ponto da vista da economia política, ou da teoria econômica (das escolas”), a
tese do subdesenvolvimento caracterizou-se pela abordagem heterodoxa do sistema eco-
nômico, conforme Pedro Fonseca (2000, p. 23). Também foi produto do contexto histórico
e teórico vivido no período pós-1930 e pós-1945 (TOURAINE, 1999, p. 19-20). Para ser
mais preciso, sua concepção se inseriu na historicidade da primeira metade do séc. XX, em
meio às crises do sistema capitalista (Primeira Guerra Mundial; Grande Depressão dos
anos 30, que eclodiu em 1929; Segunda Guerra Mundial; e, o Pós-Guerra/1945) e dos
questionamentos do pensamento liberal “clássico e neoclássico”, que aentão mantinha a
hegemonia na fundamentação ideológica do modelo de divisão internacional do trabalho
entre os países industrializados (centros) e os de menor desenvolvimento econômico capi-
talista (periferia).
As experiências de recuperação econômica (crise de 30 e guerras) e da reconstru-
ção das regiões centrais atingidas pela Primeira e Segunda Guerra (Europa e Extremo Ori-
ente) foram "laboratórios” das novas teses econômicas e seus respectivos modelos de polí-
ticas públicas, que influenciaram a visão do desenvolvimentismo periférico (SUNKEL e
PAZ, 1991, p. 21). Ou melhor, a teoria do subdesenvolvimento também foi expressão e
parte integrante dessa contingência histórica. A nova abordagem heterodoxa centralizou
suas preocupações nas medidas anticíclicas e na necessidade de “corrigir o mercado”, a-
través do fortalecimento do Estado, atribuindo-lhe um papel de intervenção mais direta e
117
efetiva na economia capitalista. O New Deal nos
EUA
, o Estado keynesiano na Inglaterra e
a política de substituição de importações na América Latina representaram, cada qual,
formas particularidades dessa “nova ordem” capitalista internacional e nacional(is).
O “modelo dos Planos Qüinqüenais” adotado na União Soviética (
URSS
), no final
da cada de 20 (1928/29), com seus resultados econômicos positivos (industrialização e
modernização da economia russa “atrasada”, através da ação do Estado no planejamento
da aceleração do progresso técnico e da mobilização e/ou transferência dirigida da popula-
ção economicamente ativa nos setores primários e urbano-industriais), foi citado em vários
textos cepalinos como exemplo afirmativo do projeto de industrialização da América Lati-
na e da necessidade do planejamento estatal, porém sempre com o destaque de que aquele
caso dizia respeito à economia socialista” (estatização da economia e planejamento cen-
tralizado), sendo distinta da capitalista (com mercado, iniciativa privada e liberdades indi-
viduais)
43
.
A criação da Comissão teve como conteúdo e contexto histórico o cenário do pós-
guerra e o plano de reorganização da ordem capitalista internacional dos países diretamen-
te atingidos pelo conflito (Plano Marshall), sob forte orientação da
ONU
e do governo
norte-americano (DELGADO, 1992). Porém, segundo Osvaldo Sunkel e Pedro Paz
(1991), distintamente das demais comissões regionais e organismos criados para aquela
finalidade, a
CEPAL
resultou da pressão dos países latino-americanos sobre a
ONU
. Estes
levavam em consideração a instabilidade da região, destacando dois elementos: o estado
atrasado do desenvolvimento da economia regional, ou melhor, na região, e a pobreza que
43
Cf.: PREBISCH,1973; CEPAL, 1954b, GRUPO MISTO BNDE-CEPAL, 1957; e, PREBISCH, 1964a. O
modelo “socialista de economia” não faz parte desse estudo. Entretanto, uma leitura inicial sobre os “Planos
Qüinqüenais” pode ser vista em CARR (1981). Eric Hobsbawm (1995) apresenta uma boa abordagem do
debate sobre o “socialismo real” ou socialismo existente”, avançando no entendimento desse assunto sem
recorrência a abstrações ou defesa da lógica da teoria, num reducionismo (inversão) idealista (PRADO JÚ-
NIOR, Caio, 1971).
118
atingia grande parte da população latino-americana (SUNKEL e PAZ, 1991, p. 15 ss, 18
nota 1)
44
.
Para Prebisch, a teoria do subdesenvolvimento servia de instrumental metodológi-
co à avaliação e reconhecimento da condição desigual e economicamente inferior da Amé-
rica Latina diante do desenvolvimento capitalista central. A construção de um sistema teó-
rico pautado na identificação e caracterização das estruturas históricas que deram forma e
conteúdo ao desenvolvimento desigual e o reproduziam, acompanhado de um rigoroso
procedimento metodológico na investigação e interpretação da história do desenvolvimen-
to econômico latino-americano, dariam status de cientificidade e legitimidade ao projeto
de dinamização da industrialização dos países e da região periférica. Era preciso, pois,
comprovar que existiam estruturas e relações de dependência no âmbito da economia
mundial e entre os pólos do sistema, bem como apresentar uma via periférica para sua
solução, porém na perspectiva latino-americana.
Em seu pequeno ensaio biográfico sobre Raúl Prebisch, Francisco A. Lloréns re-
produz a impressão que Hernán Santa Cruz teve durante a apresentação pública do “Mani-
festo”, na Conferência da
CEPAL
, realizada em Havana/Cuba, no ano de 1949:
De (...) foi desenvolvendo uma tese que não havia sido ouvida no
Conselho com tanta força e clareza. Atacou frontalmente as idéias con-
trárias à industrialização da América Latina que afloravam nos econo-
mistas de algumas nações desenvolvidas, especialmente nos Estados U-
nidos. Esboçou, em seguida, sua teoria “centro–periferia” e destacou a
falácia que era aplicar aos países em desenvolvimento a tese de que “o
fruto do progresso técnico” do mundo industrializado tende a repartir-se
equilibradamente a toda a coletividade, porque o conceito de coletivida-
44
Na realidade, o debate sobre o caráter da política externa norte-americana e seu interesse na internaciona-
lização dos padrões de sua economia e do consumo, fomentado pelos organismos internacionais criados no
pós-1945 (a
ONU
, o Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento
BIRD
; o Fundo Monetário
Internacional
FMI
; o Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio –
GATT
; dentre outros) permanece latente.
No próprio “Manifesto de 1949” foi discutido a nova realidade do centro cíclico norte-americano e suas
implicações na relação com a periferia. Ruy Mauro Marini (1992, p.70) e Marco Ingrosso (1973) criticaram
a origem e a inserção da
CEPAL
no interior da teoria do desenvolvimento. Situaram o desenvolvimentismo
latino-americano no conjunto das medidas reformistas keynesianas pós-1945. Hayek (1977) consideraria
o desenvolvimentismo como a expansão da servidão para o Hemisfério Sul e definiria o intervencionismo
estatal desenvolvimentista como mais um caso de “socialismo de Estado”.
119
de não se estende à periferia da economia mundial (In: LLORÉNS, 1989,
p. 15-16).
Ao tratar do significado daquela novidade, o novo instrumental teórico, e rememo-
rando seus anos de trabalho na Comissão e a repercussão que teve no Brasil, Celso Furta-
do (1999, p. 71 ss) esclareceu que o “Manifesto dos Periféricos” produziu uma reviravolta
no meio acadêmico, nas estruturas da hegemonia do liberalismo tupiniquime em seus
meios de inserção intelectual (universidade, programas da disciplina de economia, entida-
de da categoria dos economistas e entidades da classe empresarial), no principal periódico
da categoria (“Revista Brasileira de Economia”) e no meio governamental (influências
nas políticas públicas e no modelo de desenvolvimento)
45
.
A teoria do subdesenvolvimento, ou “Escola desenvolvimentista da CEPAL, en-
trou nesse campo de disputa intelectual e política não somente na América Latina, mas
também, segundo Prebisch, no círculo internacional (entre os economistas nos países cen-
trais), pois, com a recuperação do movimento no comércio internacional, no período pós-
1945, também ocorreu uma forte retomada das teses do liberalismo econômico neoclássi-
co, por serem legitimadoras do modelo econômico agro-exportador e sua forma de inser-
ção internacional (MANTEGA, 1992, p. 26)
46
.
45
Sobre o assunto cf. também: Celso Furtado (1998a, p. 18-19; 1998c, p. 57-60). O “Manifesto dos Periféri-
cos” foi traduzido para o português pelo Furtado (1985, p. 63) e publicado na “Revista Brasileira de Eco-
nomia” em 1949 (Ano 3, n. 3, setembro de 1949. p. 47-111).
A repercussão do debate entre os economistas brasileiros foi significativa. O Prof. Eugênio Gudin, uma
das maiores expressões do liberalismo econômico na época, teve envolvimento pessoal e teórico na questão.
Por suas mãos e seu crivo passou o texto do Prebisch que Furtado apresentou para publicação na referida
revista. Uma rie de artigos e “conferências”, organizadas no país pela
FGV
e a Faculdade Nacional de
Ciências Econômicas/RJ, naqueles anos, e publicadas na “Revista Brasileira de Economia”, refletem parte
das discussões realizadas na época sobre o assunto. Somente entre 1949 e 1951 as publicações mais impor-
tantes foram: NAÇÕES UNIDAS (1949); PREBISCH (1949; 1951); SINGER (1950a; 1950b); FURDADO
(1950); NURKSE (1951); VINER (1951).
Nas Referencias Bibliográficas foram incluídos os títulos da série de conferências que cada autor apresen-
tou no Brasil. Graças à “Revista Brasileira de Economia”, hoje, é possível recuperar e avaliar o significado
desse debate.
Reginaldo Moraes propõe uma interpretação sobre os vínculos do pensamento de Celso Furtado com a
CEPAL
, com demais economistas (Singer, Nurkse) e com as “escolas” do pensamento econômico, fazendo
referência aos debates e artigos publicados naquele periódico de Economia, no Brasil (cf.: MORAES, 1995).
46
Um bom exemplo desta retomada da tese do livre-mercado (absoluto) foi a obra de Friedrich A. Hayek,
“O caminho da servidão”, publicada em 1944, e que é uma das referências mais importantes do neolibera-
120
A disputa não foi apenas entre teorias, ou melhor, entre concepções de projetos de
desenvolvimento (política econômica nacional), tampouco se restringiu em nível teórico-
abstrato (entre as idéias e os intelectuais). Tratou-se, isso sim, de enfretamentos de hege-
monias
47
, de correlações de forças e a perspectiva de sua concretude enquanto projeto de
Nação, com caráter de classes
48
: o modelo "para fora" (hacia afuera) de crescimento (oli-
gárquico e agro-exportador); e, o modelo "para dentro" (hacia adentro) de desenvolvimen-
to (burguesia industrial nacional, Setor Público desenvolvimentista e nacionalista, e volta-
do para o mercado interno)
49
.
A interpretação do subdesenvolvimento, proposta por Prebisch/CEPAL, partiu jus-
tamente desses dois projetos. Na realidade, o pensamento cepalino constiuiu-se num esbo-
ço teórico e prático em defesa do modelo substitutivo de importações adotado em vários
países da América Latina como resposta à crise externa gerada nos anos 30, com a grande
depressão, e o segundo conflito mundial (1939-45).
O próprio Prebisch (1973, p. 10) fez menção a esta experiência periférica positiva
que serviu de parâmetro concreto à abordagem e à avaliação dos seus limites, impasses
(estrangulamentos) e possibilidades.
lismo atual. No Brasil, esta obra foi editada pela primeira vez no ano de 1946, por iniciativa do Instituto
Liberal e da Editora Global. Sua segunda edição apareceu no ano de 1977, em meio à repercussão do “Prê-
mio Nobel de Economia” recebido por Friedrich A. Hayek, em 1974, e num período de fortalecimento da
ideologia neoliberal no Ocidente, na América Latina e no país (cf. HAYEK, 1977). Este assunto será tratado
no capítulo 8.
47
O sentido da categoria hegemonia utilizada no texto teve como referência os trabalhos de Norberto Bobbio
(1982; 1999) e ReA. Dreifuss (1987). Sem dúvida que, neste debate, Antonio Gramsci (1982) não pode
ser ignorado. Sua contribuição ao marxismo na problemática da construção da hegemonia na sociedade civil
e na sociedade política, sobre a formação e o corpo do bloco histórico, é reconhecida e foi tratada e polemi-
zada pelo próprio Bobbio, além de ter sido usado como referencial por René Dreifuss (1987a; 1987b).
48
Um dos melhores estudos realizados sobre a relação entre o debate no campo da economia política (inte-
lectuais e pensamentos) e a proposta de desenvolvimento para o caso brasileiro, no período de 1930 a 1964,
é a obra de Ricardo Bielschowsky (1996). Nessa mesma perspectiva estão os estudos realizados pelo Guido
Mantega (1992) e Plínio de Arruda Sampaio Júnior (1999), que tratam dessa discussão num período mais
recente da história brasileira neste campo.
49
Sobre este vínculo entre classes e setores sociais e projeto de desenvolvimento econômico, cf.: RODRÍ-
GUEZ, 1981, p. 22-23; BIELSCHOWSKY, 1996, p. 127 ss; PREBISCH, 1973, p. 2; e, MANTEIGA, 1996,
p. 26).
121
Numa visão comparativa, diacrônica e sincrônica, da história econômica latino-
americana foi possível diferenciar duas possibilidades de inserção e participação na eco-
nomia mundial
50
. Os pontos centrais da teoria demarcaram os espaços e as formas das es-
truturas externas e internas do sistema e situaram-nas na perspectiva da continuidade ou da
superação da condição periférica.
Os principais traços e temas que marcaram o enfoque inicial estruturalista, e trata-
dos na Primeira Parte do estudo, foram delimitados nos seguintes pontos: a construção
teórica do sistema centro–periferia e suas relações de dependência reflexa (exemplificado
em dois modelos econômicos periféricos e cêntricos); a concepção liberal do comércio
mundial e a crítica à tese das vantagens comparativas; a explicitação dos fatores geradores
da deterioração dos termos de intercâmbio e da dependência periférica à elasticidade-
renda; o caráter da industrialização das economias latino-americanas; o papel e a função
planejadora do Estado no desenvolvimento e sua relação com a iniciativa privada e o papel
da cooperação internacional.
Estes temas e as idéias-força” do pensamento cepalino foram apresentados de
forma sistemática e profunda em vários momentos
51
. Neste estudo, a sugestão das temáti-
cas não teve a pretensão de superar as sínteses historiográficas indicadas anteriormente,
tampouco de incorporar todos os elementos dos enfoques e das mensagens centrais. Entre-
tanto, alguns aspectos foram destacados pela sua importância na abordagem dessa pesqui-
sa, bem como pela clareza com que foram tratados nos textos originais e que hoje perma-
necem à margem do debate historiográfico, ignorados e esquecidos (desconsiderados).
Verifica-se, pois, que esta clareza permaneceu ausente em muitas versões de tercei-
ros ou mesmo, por não se ter acesso ou interesse em consultar os textos fundadores,
50
Ricardo Bielschowsky (2000a, p. 20-21) se referiu ao método nos seguintes termos: “na análise econômi-
ca cepalina o estruturalismo é essencialmente um enfoque orientado pela busca de relações diacrônicas,
históricas e comparativas, que presta-se mais ao método ‘indutivo’ do que a uma ‘heurística positiva’”.
51
Cf.: PINTO, 1969a; RODRÍGUEZ, 1981; GURRIERI, 1982a; PREBISCH, 1983; SUNKEL e PAZ, 1991;
CARDOSO, F.H., 1993a; e, BIELSCHOWSKY, 2000a. Com exceção de F. H. Cardoso, os demais foram
apresentados.
122
constatou-se algumas leituras superficiais e simplificadas da concepção (realizadas sem a
devida seriedade e sem consulta aos textos originais), que a trataram, a teoria do subde-
senvolvimento, como uma mera dualidade mecânica, naturalizada, dicotomizada e ausente
de conteúdo histórico, em especial no tratamento da relação entre o que éatrasoe o que
é moderno”. Pedro Fonseca (1999) e Guido Mantega (1992, p. 39) esclareceram que,
em parte, estas confusões decorreram da mera associação entre a teoria desenvolvimentista
e os discursos governamentais populistas, voltados essencialmente à produção da imagem
oficial do Estado/Governo.
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LL
L
O fato de a visão subdesenvolvimentista ter sido constituída a partir de uma duali-
dade na divisão internacional do trabalho é inquestionável, da mesma forma que esta foi
apresentada na sua configuração centro–periferia. Entretanto, o conteúdo dessa dualidade
e as características do sistema mereceram mais atenção pelo sentido que podem sugerir, ou
mesmo pela maior profundidade do conteúdo formador desse sistema.
Um outro entendimento perceptível diz respeito à inclusão dessa visão no interior
dos marcos capitalistas, ou seja, do pensamento liberal, enquanto visão de mundo e da
economia capitalista. Isso não significa dizer que a concepção cepalina não apresentou
críticas ao “capitalismo existente na periferia” e às teses clássicas e neoclássicas do libera-
lismo que defendiam o princípio das vantagens comparativas e da especialização produtiva
na economia mundial. Uma das críticas mais incisivas apresentadas no Manifesto refe-
ria-se à prática de os economistas latino-americanos realizarem, até então, “cópia teórica
do centro” (PREBISCH, 1949, p. 54; 48) nos seus estudos sobre a região e os países lo-
cais.
A “cópia” consistia em aplicar a teoria das vantagens comparativas no intercâmbio
internacional em defesa do modelo agro-exportador e na crítica à industrialização periféri-
123
ca antieconômica, em defesa do retorno ao laissez-faire como modelo de desenvolvimento
e referencial teórico-ideológico.
No ensaio de revisão da sua trajetória intelectual, Prebisch (PREBISCH, 1987a, p.
13) expôs que, em sua primeira etapa, apesar de ter sido um período de reflexão (1943-
1949), estava revisando suas posições teóricas. Sua formação acadêmica e profissional foi
marcada pela teoria neoclássica que predominava neste campo das ciências da economia,
porém as primeiras mudanças teriam ocorrido durante sua permanência no Banco Cen-
tral da República Argentina (1935-1943), ao sugerir medidas ortodoxas antiinflacionárias
e industrializantes (heterodoxas) para enfrentar o desequilíbrio externo da economia do
país verificado naqueles anos
52
. A permanência de referenciais neoclássicos também foi
indicada na primeira revisão do pensamento na
CEPAL
, que, inclusive, demarcou a passa-
gem para a terceira etapa na trajetória pessoal. Ao situar as mudanças na abordagem, Pre-
bisch considerou que, no período anterior (1949-1963), sua concepção de desenvolvimen-
to ainda tinha elementos da visão neoclássica do crescimento econômico
53
.
Parafraseando Keynes, poder-se-ia atribuir, à contribuição de Prebisch, o título de
teoria geral do capitalismo periférico”, cuja preocupação foi criar uma teoria (interpreta-
ção) a partir da realidade econômica latino-americana e sua inserção internacional, bem
52
Atribui-se à experiência prática que os anos de trabalho no Banco Central (do qual teve participação na
criação) e as imeras pesquisas realizadas sobre a economia do país, que a profissão lhe impunha, como
sendo fundamentais à construção teórica do sistema centro–periferia (cf.: SCHWAZER, 1993).
O problema dos produtos primários e dos mercados internacionais (comércio de carne e crise) fazia
parte do ofício de Prebisch (como economista recém-formado) desde 1922, quando foi contratado pela Soci-
edade Rural Argentina, entidade reconhecida pelo seu caráter elitista, agro-exportador (cf.: LLORÉNS,
1989, p. 13) e, em se tratando do período, com certeza, livre-cambista.
A bibliografia de Prebisch totaliza 466 produções entre os anos de 1920 a 1986. A1949, antes do
“Manifesto”, foram 56; de 1949 ao final de 1963, passada “Hacia una dinámica ...” (de n.
o
176), foram
outras 122. Após “Hacia una dinámica...”, foram mais 288.
As informações completas da bibliografia podem ser encontradas na obra
CEPAL
, 1987, p. 39-146; e
no site da Comissão: http://www.eclac.cl/biblioteca/secretarios/rprebisch.html (Acesso: Menu Secretaria
Ejecutiva > Página de los secretários ejecutivos de la
CEPAL
> Raul Prebisch).
53
O comentário sobre a auto-avaliação de Prebisch pode ser visto na seguinte parte do ensaio: “Tampouco
havia considerado com mais atenção, nos primeiros anos da CEPAL, o fato de que o crescimento não havia
beneficiado as grandes massas da população de baixa renda, enquanto que no outro extremo da estrutura
social floresciam as rendas elevadas. É possível que esta atitude fosse um vestígio de minha postura anteri-
or neoclássica, de onde se concebia que o crescimento econômico corrigiria, por si só, as grandes dispari-
dades de renda através da ação das forças do mercado” (PREBISCH, 1987a, p. 20).
124
como de suas mudanças ao longo do séc. XIX e XX. Para ele, a periferia teria que ser vista
pelos periféricos a partir da própria periferia, com base numa teoria periférica. A relação
no sistema centro–periferia, por sua vez, se não era determinada pela condição da parte
subdesenvolvida, teria que ser interpretada a partir dela.
Inicialmente o conceito centro–periferia foi elaborado sob o entendimento de que o
desenvolvimento ocorria com o crescimento econômico, em decorrência da introdução de
novas tecnologias (progresso técnico)
54
. Esta noção permaneceu como tese norteadora dos
textos de Prebisch/
CEPAL
durante os anos 50 até início dos anos 60, e demarcou o conte-
údo acentuadamente econômico do sistema e a centralidade da industrialização como via
para a superação da dependência no sistema e do subdesenvolvimento. A condição perifé-
rica ou cêntrica da economia de um país ou região era definida com base em dois fatores:
primeiro: o nível do seu progresso técnico; e, segundo: a distribuição dos seus frutos,
calculada pela renda média per capita (PREBISCH, 1949, p. 48; CEPAL, 1987, p. 14).
Um tratava da esfera produtiva na economia capitalista, ou seja, o estado das for-
mas de produzir as riquezas (produtos primários: matérias-primas e alimentos; os produtos
industrializados: bens de consumo, bens de consumo duráveis, bens intermediários e de
capital; os serviços; e a poupança), levando-se em conta, para tanto, o nível e o conjunto
dos fatores produtivos utilizados (progresso técnico, capital e trabalho) e seus resultados
(custos, produtividade e acumulação). O outro remetia às formas de repartição social des-
sas riquezas, ou seja, à distribuição dos benefícios do progresso técnico entre a população
do país e da região (distribuição da renda nacional e sua taxa de renda média per capita) e
54
Sobre a visão do desenvolvimento como simples crescimento econômico e seus indicadores econômicos
gerais (cf.: SUNKEL e PAZ, 1991, p. 29 ss). Para os autores, a referida noção de desenvolvimento se carac-
terizava pela concepção evolutiva e progressiva da economia, mas também pela intervenção do Estado. O
pensamento keynesiano teria vínculo com esta noção, bem como o enfoque estruturalista cepalino em sua
fase inicial (SUNKEL e PAZ, 1991, p. 31).
125
às práticas de uso e destinação das rendas (consumo e capitalização; consumo presente ou
consumo futuro)
55
. Em síntese, tratava-se das formas de produzir e de consumir.
A radiografia da dualidade, a manifestação da desigualdade do desenvolvimento
deste sistema” (PREBISCH, 1951, p. 9), circunscreveu-se à capacidade das forças econô-
micas no mercado nacional e internacional. As formas de produzir e de consumir retrata-
vam o nível delas no comércio mundial, espaço que representava o mercado capitalista
maior, internacional, ordenado pelo princípio da lei” da oferta (forma de produzir) e da
demanda (formar de consumir).
O sistema centro–periferia teve sua origem ao longo da formação e expansão in-
ternacional da economia capitalista (propagação do progresso cnico). Entretanto, suas
estruturas o podiam ser superadas dentro dessas mesmas condições e estruturas que as
haviam originado (causa primeira). A “mão invisível” do mercado e o modelo de evolução
da economia capitalista original (cêntrica), espontânea, lenta, natural e individual, como
ocorreu nos séc. XVIII e XIX (tese dos livre-cambistas), não podiam solucionar, por si só,
os problemas do desenvolvimento periférico, uma vez que foram justamente seus fatores
geradores. O subdesenvolvimento periférico o apenas resultou dessa história da econo-
mia capitalista ocidental, como era parte integrante da própria formação do sistema e a
parte mais implicada negativamente nas suas relações e nas suas estruturas.
O movimento cíclico da economia capitalista também o era visto somente como
a característica (mola) central da sua evolução, mas, essencialmente, a origem sistêmica do
dualismo no âmbito do comércio mundial, mediatizada na deterioração dos termos de in-
tercâmbio (relações de preços e fases do ciclo) e no princípio da elasticidade-renda. Am-
bos os elementos foram apresentados a partir da lógica do mercado, na perspectiva da lei
da oferta e da demanda (na crescente e na minguante do ciclo), assunto do Capítulo 2
56
. A
55
Sobre o conceito de consumo presente e consumo futuro, cf.: KEYNES, 1985; PREBISCH, 1991.
56
Para David Ricardo a “lei da oferta e da demanda”, a “mão invisível” de Adam Smith, presente em sua
obra “Riqueza das Nações”, era, concomitantemente, um princípio geral de auto-regulação da economia
126
necessidade de intervir no espaço econômico (jogo espontâneo das forças do mercado e no
mercado) e no ritmo do desenvolvimento econômico (com destaque à ação providente e
previdente do Estado) foram apresentadas como formas e meios de defesa contra a vulne-
rabilidade externa e interna da periferia, sendo, ao mesmo tempo, medidas anticíclicas e
elementos do projeto de sua superação (cf. Capítulo 3 e 4).
Os conceitos de atraso econômico, de atividades e economias pré-capitalistas, se-
micapitalista, de tradicional, de agrário exportador, de capitalismo rudimentar e de me-
nor desenvolvimento foram elaborados como tipos categóricos na denominação dos casos
e situações periféricas, aos países ou regiões. Os conceitos de moderno, de atividades e
economias capitalistas industrializadas e/ou desenvolvidas, de urbano-industrial moderno
e de desenvolvimento dinâmico foram elaborados como tipificações ntricas. Os indica-
dores econômicos, de identificação, norteavam-se pelos critérios de intensidade de capital
investido na produção (relação capital/homem: inversão de capital, progresso técnico e
produtividade) e sua expansão social (taxa de renda real per capita e a melhoria nas condi-
ções de vida das massas)
57
. Na abordagem inicial da Comissão, estas tipificações
representavam estados diferenciados e hierarquizados (mais moderno ou mais atrasado)
capitalista (na variação do preço das mercadorias) e uma regra transitória que se repetia a cada período su-
cessivo de equilíbrio, de desequilíbrio e de novo equilíbrio, formando um movimento cíclico. Essa sucessiva
repetição era o que lhe dava o caráter universal à economia capitalista (cf.: RICARDO, 1982, p. 81 ss).
Para o Lord John Maynard Keynes, em “A Teoria Geral do Emprego...” (1985), o movimento cíclico
também foi considerado como característica geral da economia capitalista, entretanto, para sua “correção”,
dar visibilidade à mão, o jogo espontâneo do mercado (“Lei de Say”) não era suficiente. Caberia ao Estado
intervir na economia no sentido de fomentar sua recuperação (solucionar o problema do excesso de demanda
e do desemprego para um novo movimento de acumulação de capital), fazendo uso, principalmente, de polí-
ticas públicas (emergenciais) com adoção de medidas de geração de empregos, e através da redução (tempo-
rária) dos salários. Também caberia ao Estado fomentar e financiar a recuperação empresarial capitalista, o
núcleo do sistema. Por outro lado, tornava-se necessário adotar uma política econômica anticíclica (geração
de poupança e investimentos produtivos) para evitar a repetição da crise ou minimizar, o máximo possível,
seus efeitos, o que garantiria a continuidade do sistema vigente.
A leitura da “Teoria Geral” influenciou o pensamento de Prebisch, tendo ele publicado vários artigos
e um livro introdutório sobre o assunto (PREBISCH, 1991). As noções keynesianas de capital (excedente),
poupança, investimentos, lucro, propensão ao consumo, multiplicador e o papel do Estado, entre outras,
apareceram com o mesmo sentido em Prebisch. Melhor dizendo, com as palavras de Pedro Fonseca: “são
pontos comuns entre cepalinos e keynesianos” (FONSECA, 2000, p. 23).
57
“A elevação do nível de vida das massas depende, em última instância, de uma elevada quantidade de
capital por homem empregado na indústria e na produção primária, assim como da capacidade para bem
manejar esse capital” (PREBISCH, 1949, p. 51).
127
sentavam estados diferenciados e hierarquizados (mais moderno ou mais atrasado) que a
economia de cada país poderia apresentar no conjunto da ordem capitalista internacional.
Entretanto, tratando-se do sistema centro–periferia, cabe destacar dois aspectos da
realidade na sua relação, aspectos que vão além da simples economia. O primeiro referia-
se ao fato de que a periferia e o centro não eram realidades isoladas ou faces de situações
circunstanciais, mas sim, partes historicamente estruturantes e estruturadas de um único
sistema (cf. RODRÍGUEZ, 1981, p. 20). Centro e periferia não eram meros “tipos econô-
micos” anacrônicos coexistentes: um encontro no momento presente entre o passado e o
futuro de um e de outro (periferia e centro ou vice-versa). A periferia não era vista como
uma realidade contemporânea do passado ntrico; e, os centros, por sua vez, não eram
vistos como uma imagem futura a ser copiada ipsis litteris pela periferia
58
. O conceito de
sistema centro–periferia era mais profundo do que um jogo de imagens invertidas ou refle-
tidas num espelho econômico moldurado pelo progresso técnico.
O segundo aspecto qualifica justamente a estrutura das relações que as partes es-
tabeleciam entre si e que davam elo (e ligação) ao conjunto do respectivo sistema. O pró-
prio sistema possuía uma estrutura de dependência, quer porque a periferia era parte origi-
nária da expansão das economias cêntricas, pois estava umbilicalmente ligada a elas e ti-
nha um papel e uma função a desempenhar no sistema da mesma forma o centro tinha
sua parte e seu papel na lógica da relação. A dependência possuía forma e conteúdo que
davam sentido à relação entre as partes desiguais. Caso não ocorresse alguma mudança
nas bases do sistema (formas de produzir e de consumir), sua continuidade (reprodução)
tendia a agravar cada vez mais as desigualdades entre as partes no desenvolvimento da
economia capitalista internacional. Nesse sentido, o ganho mais qualitativo (autonomia no
dinamismo econômico), que não seria obtido por aspectos meramente quantitativo (evitar
58
Este foi o entendimento apresentado por Ricardo Bielschowsky ao referir-se ao sistema centro–periferia e
à condição periférica: o “subdesenvolvimento periférico não é o retrato atual da história passada dos países
industrializados nos países menos desenvolvidos” (BIELSCHOWSKY, 2000a, p. 22).
128
a queda ou o ritmo do crescimento da economia), somente podia ser obtido, pela parte
periférica, através da superação dessa condição, atingindo suas estruturas de dependência.
As formas de compreender os meios e os instrumentos dessa superação tiveram
abordagens e interpretações variadas no período de 1949 a 1961/1963 e mesmo no perí-
odo seguinte –, retratando os próprios limites e as tentativas de revisões do pensamento
cepalino e prebischiano.
Nos textos fundadores, Prebisch propôs a superação do subdesenvolvimento a par-
tir da noção de crescimento econômico. Para tanto era preciso desenvolver as formas de
produzir, elevando a densidade dos fatores produtivos (mais capital, mais progresso cni-
co, novas tecnologias, mais produtividade da força de trabalho) e seus resultados (relação
capital/trabalho e rendas). A citação que segue, retirada do “Estudio de 1949”
59
, apresen-
ta, de forma clara, a opção mantida, até então, por aquela via:
O problema econômico fundamental da América Latina consiste em au-
mentar a renda real per capita, por meio de um incremento da produtivi-
dade, uma vez que a elevação do nível de vida das massas mediante uma
redistribuição de rendas tem alcance muito limitado (PREBISCH, 1951,
p. 16)
60
.
As economias dos países latino-americanos se defrontavam com vários problemas
de insuficiência quanto às formas e ao ritmo de produzir e de distribuir a riqueza e a renda.
É preciso ressalvar, porém, que, pelo enfoque industrializante que marcou a primeira in-
terpretação cepalina do desenvolvimento, durante a década de 1950, o tema da redistribui-
59
As indicações das publicações anuais da CEPAL do “Estudio Económico de América Latina”, utilizadas
na pesquisa, foram resumidas através do primeiro termo, “Estudio”, seguido do ano de referência.
60
Várias críticas feitas à Comissão problematizaram a noção de desenvolvimento que ela apresentou nos
primeiros textos, pois o compreendia meramente como crescimento econômico e entendia que o progresso
técnico trazia em si bem-estar, além de mensurá-lo através de indicadores gerais e abstratos. Outra crítica de
fundo teórico apontava para o fato da CEPAL não compreender o processo produtivo através das relações
sociais mediatizadas entre classes sociais. Por exemplo. A renda real média per capita é um indicativo abs-
trato, pois o montante geral da renda pode crescer, entretanto isso o representa concretamente melhoria
nas condições de vida, uma vez que a forma de distribuição da renda e o nível de vida não o resultados
naturais ou espontâneos do mercado. A distribuição da renda não se restringe, apenas, à fase final do proces-
so produtivo (circulação e consumo). Para uma leitura dessas críticas cf.: RODRÍGUEZ, 1981, p. 23;
HOBSBAWM, 1988, p. 32 – nota; PRADO Jr., 1989, p. 134; e, MELLO, 1988, p. 13-27).
129
ção de renda não fazia parte das medidas indicadas para a solução dos principais proble-
mas latino-americanos, conforme a passagem anterior do “Estudio de 1949”, seja pelo
fato de considerar esta medida insuficiente e inadequada para uma elevação da produtivi-
dade, mas também porque a estrutura da distribuição da renda era questionada apenas em
seus extremos: as massase as elites”. A grande massa era posta em questão pela ex-
trema pobreza da vida e a realidade das atividades produtivas mais simples (subsistência)
os estratos de rendas elevadas, pelo excesso no consumo da renda, não convertida em
poupança e investimentos, e pelos privilégios de sua origem.
Em si, para Prebisch, as grandes disparidades na distribuição da renda existentes na
América Latina não eram vistas de forma negativa. Do contrário, ele já havia tratado dessa
noção no Manifesto”, indicando que ela representava um potencial regional para o cres-
cimento econômico, cujo problema estava na permanência dos vícios de consumo e nas
formas do seu uso, originário do modelo econômico anterior: o status social, o privilégio
(originário da concentração da riqueza e da renda da terra, por exemplo) e a cópia dos
hábitos de consumo cêntricos.
As grandes disparidades na distribuição da renda podem ser e foram, histori-
camente, um fator favorável à acumulação do capital e ao progresso cnico.
(...) essas disparidades distributivas estimulam formas de consumo próprias de
países de alta produtividade. Perdem-se, assim, com freqüência, importantes
possibilidades de poupança e de emprego eficaz das reservas monetárias em
importações produtivas (PREBISCH, 1949, p. 73).
A aceitação das desigualdades remete à concepção ideológica do próprio sistema
capitalista. Uma crítica inicial à estrutura da distribuição da renda que existia na América
Latina passou a fazer parte da visão prebischiana, e da Comissão, somente nos anos se-
guintes, na terceira e quinta etapas de seu pensamento (cf. Capítulo 5 e 8).
Até este momento do capítulo,rios elementos constitutivos das estruturas do sis-
tema centro–periferia foram citados, porém sem o devido aprofundamento deles no con-
junto do método estruturalista. Essa discussão de alguns elementos estruturantes das
130
relações no sistema centro–periferia foi desdobrada nos itens da análise da teoria cepali-
na, conforme segue: inserção da periferia latino-americana na expansão do progresso téc-
nico; dois “tipos” de centro cíclico; dois “modelos” de desenvolvimento na periferia lati-
no-americana; as estruturas das desigualdades no sistema: heterogeneidade e homogenei-
dade; e, o movimento reflexo: a dependência periférica.
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LL
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Os principais textos teóricos, seminais, da concepção estruturalista Manifesto”,
o “Estudio de 1949” e os “Problemas Teóricos y Prácticos”apresentaram uma interpre-
tação da gênese do sistema centro–periferia, ou seja, era preciso evidenciar as origens
históricas da periferia e do centro e suas ligações sistêmicas.
Essa reconstituição incluiu uma abordagem retrospectiva da história da economia
capitalista ocidental. Para Raúl Prebisch, o ponto de partida dessa organização econômica
foi a revolução industrial inglesa (séc. XVIII), fenômeno que demarcou uma nova fase na
capacidade econômica de produzir a riqueza e de organizar o trabalho, mediante o uso da
maquinaria (progresso técnico)
61
. A noção de que a maquinaria (sua inovação, aplicação e
difusão) revolucionou a produção e a divisão do trabalho, que o progresso técnico final-
mente garantiu os instrumentos e meios para solucionar o problema malthusiano
62
, apro-
xima o pensamento desenvolvimentista com os grandes temas e as idéias do iluminismo
(racionalismo moderno)
63
, do liberalismo de exceção e do industrialismo saint-simoniano,
conforme expuseram Fonseca (2000, p. 36 ss) e Gurrieri (1982a, p. 15). Essas vertentes
teóricas da economia política também deram origem à associação entre o progresso cni-
co e a melhoria nas condições de vida das massas, ponto básico da/na discussão periférica.
A partir da revolução industrial, o progresso técnico passou a ser o elemento cen-
tral do processo produtivo e definidor estrutural da economia de um país, em seu espaço
61
Do estudo desse processo originaram-se as principais concepções da economia política contemporânea.
Além das obras dos economistas liberais clássicos. Adam Smith e David Ricardo, já indicadas, os estudos de
Friedrich Engels (1985) e Karl Marx (1988) são fundamentais pela concepção do sistema capitalista e sua
economia política.
62
Assimetria entre o crescimento da população, que ocorria de forma geométrica, e a capacidade de produ-
ção da terra, que ocorria de forma aritmética (MALTHUS, 1982, p. 57).
63
“Na cultura Ocidental, poucas idéias tiveram maior influência que a do progresso, que, quem sabe, al-
cançou sua expressão mais completa com os filósofos da Ilustração. (...) Prebisch participa desta idéia
geral, pois, a seu juízo, o desenvolvimento econômico é, como teoria científica e objetivo da sociedade, uma
manifestação da antiga aspiração humana de alcançar uma vida melhor” (GURRIERI, 1982a, p. 15)
132
interno (na concorrência entre capitalistas, na distribuição da renda e nas relações entre os
capitalistas e a força de trabalho) e externo (no comércio internacional). Sua essência esta-
va na capacidade de gerar transformações nas formas de produzir e de consumir, cuja ino-
vação constante passou a ser exigência sine qua non (individual e nacional) numa econo-
mia concorrencial (oferta/custos & procura/rendas), cf. no capítulo seguinte o item 2.3.
Desde sua origem até a primeira metade do séc. XX, o progresso técnico passou
por fases de intensidade
64
e de expansão internacional. Outros países se industrializaram e
se incorporaram na divisão internacional do trabalho, porém nem todos os Estados Nacio-
nais e as regiões do mundo atingiram essa realidade econômica. Em si, estas diferenças
deram origem aos campos internacionais do sistema centro–periferia (Estados Nacionais
com economia industrializada, interna e externamente; e, Estados Nacionais com predo-
minância da economia primária, interna e externamente). O caráter expansivo da economia
capitalista (sua internacionalização ancorada nos Estados Nacionais) reproduziu a estrutu-
ra do sistema no comércio mundial. Portanto, o conceito centro–periferia representou uma
interpretação do processo histórico capitalista, elaborado a partir da investigação dos fato-
res que deram forma, conteúdo e relação ao sistema centro–periferia.
O longo período de propagação internacional do progresso técnico, desde sua ori-
gem na Grã-Bretanha até as primeiras décadas do séc. XX, tema inicial do “Estudio de
1949”, foi sintetizado na seguinte passagem:
Irrompe o movimento na Grã-Bretanha, espalha-se para o continente eu-
ropeu, onde se manifesta com graus diversos de intensidade, e, alcançan-
do os Estados Unidos, registra um ímpeto excepcional. Finalmente, ma-
nifesta-se no Japão, ao empenhar-se esse país em assimilar, rapidamente,
os métodos de produção do Ocidente. Criaram-se, dessa maneira, os
grandes centros industriais ao redor dos quais a periferia do novo sistema
– extensa e heterogênea – pouco proveito tirava dos melhoramentos veri-
ficados na produtividade (PREBISCH, 1951, p. 7).
64
Primeira e segunda fase da revolução industrial. Para uma leitura desse assunto, distinta da interpretação
cepalina, cf. HOBSBAWM, 1986; HUBERMANN, 1986; IGLÉSIAS, 1986; LENIN, 1985; LUXEMBUR-
GO, 1986; e, THOMPSON, 1982.
133
Até o séc. XX, a história do desenvolvimento industrial contemporâneo apresentou
dois núcleos: os países industrializados, que eram o centro capitalista; e os países e regiões
vinculados aos centros que não haviam atingido a industrialização de suas economias. Es-
tes últimos faziam parte da periferia do sistema, entretanto não estavam fora da ordem
capitalista mundial, uma vez que sua condição periférica ligava-os aos centros.
Ao definir a periferia como parte exógena ao centro, mas circundante do centro, o
“Estudio de 1949” havia apresentado as características fundamentais do sistema, pois a
periferia do novo sistema foi definida como extensa (atingia a grande parte dos países) e
heterogênea (os países periféricos e regiões também apresentavam diferenças em si e não
somente com relação ao centro).
Na realidade, sendo a periferia heterogênea – do ponto de vista do progresso técni-
co e da economia (produtividade, comércio externo e benefícios) – e parte do sistema capi-
talista, esta característica não definia apenas aquela parte, mas também o sistema geral.
Portanto, a heterogeneidade era própria do capitalismo, sua condição histórica e fator do
seu desenvolvimento desigual, no qual o sistema centro–periferia nada mais era do que sua
concretude ocidental na perspectiva latino-americana. Nesse sentido, a interpretação pre-
bischiana atribuiu ao capitalismo um fundamento de diversidade de heterogeneidades com
graus diferenciados, que podiam ser constatados a partir das formas, dos meios e dos ins-
trumentos de crescimento econômico ao longo da sua história (da revolução industrial
inglesa até hoje).
A heterogeneidade mais relevante se localizava nas desigualdades existentes entre
as partes do sistema: centro e periferia eram heterogêneos entre si. Do ponto de vista do
progresso técnico e das suas implicações produtivas, a periferia era caracterizada pela he-
terogeneidade econômica; e, o centro, pelas condições do próprio sistema e das suas rela-
ções, era caracterizado pela homogeneidade na sua economia nacional (cf. item 1.4).
134
Tratando-se da história latino-americana, Prebisch/
CEPAL
também analisou sua
inserção neste ordenamento internacional: “os países da América Latina formam[vam]
parte de um sistema de relações econômicas internacionais que denominei o ‘sistema cen-
tro–periferia’” (PREBISCH, 1987a, p. 14). As origens periféricas regionais foram recons-
truídas a partir do séc. XIX, cujos aspectos remetiam à formação dos Estados Nacionais
latino-americanos e à inserção destes no comércio internacional.
A interpretação cepalina do desenvolvimento econômico latino-americano não par-
tiu da realidade colonial, pois tinha por objeto os Estados Nacionais e a técnica moderna.
Os processos de independência deram fim ao domínio colonial e seu controle metropolita-
no, que remetia ao modelo mercantilista de organização produtiva e comercial (monopólio
metropolitano), contra o qual o pensamento econômico liberal se havia contraposto. Os
novos países, independentes e soberanos, no entanto, passaram a inserir-se no sistema in-
ternacional a partir da realidade econômica, social e ideológica existente à época
65
.
Após a independência, a América Latina não experienciou a mesma formação na-
cional e econômica norte-americana, que se tornou o principal centro cíclico do sistema
em meados do séc. XX. Na América Latina, salvo especificidades de cada país, em termos
regionais, os projetos de economia nacional e da forma de inserção internacional, através
do comércio exterior, pautaram-se nas idéias livre-cambistas de crescimento econômico,
sob hegemonia da oligarquia
66
. O séc. XIX foi, pois, o período da experiência histórica
latino-americana de inserção periférica na divisão internacional do trabalho e da origem do
modelo agro-exportador de “crescimento para fora” (cf. item 1.3).
Diferentemente das economias centrais, a periferia latino-americana se inseriu no
sistema desempenhando uma outra função, pois ali a propagação do progresso técnico
65
Para uma interpretação da herança colonial (política, econômica e social) e sua continuidade no período
pós-independência, cf.: DONGHI, 1975, p. 11 ss; STEIN, 1983; MARIÁTEGUI, 1975, p. 3 ss.
66
Para uma leitura do neocolonialismo latino-americano e a formação dos Estados Nacionais liberais, cf.:
DONGHI, 1975, p. 124 ss.
135
ocorreu de forma parcial e voltada para fora, conforme foi abordado no “Estudio de
1949”: “A difusão do progresso técnico não está[va] vinculada à realidade da população e
do território, mas à inserção primária internacional” (PREBISCH, 1951, p. 9).
Entretanto, para Raúl Prebisch, esta inclusão da periferia regional na propagação
do progresso cnico, mesmo representando uma nova fase na propagação universal dos
novos métodos da técnica produtiva, ou melhor, no processo de desenvolvimento orgânico
da economia mundial” (PREBISCH, 1951, p. 8), não correspondia ao seu nível máximo,
tampouco, sua fase final ou definitiva, dada a heterogeneidade econômica e social: “já que
não incluía todo o extenso campo da periferia, com sua enorme capacidade para assimilar
o progresso técnico, o que lhe permitiria elevar o baixo padrão de vida das grandes massas
que constituem sua população” (PREBISCH, 1951, p. 8).
Esta participação latino-americana no sistema capitalista caracterizou sua própria
condição periférica e sua dependência externa. A premência econômica e social à supera-
ção dessa vulnerabilidade, bem como sua possibilidade de realização, somente seria possí-
vel se ocorresse um aprofundamento na difusão e na propagação interna do progresso téc-
nico, através da industrialização da economia nacional dos países latino-americanos.
Segundo Prebisch, este projeto teve visibilidade histórica a partir das implicações
que o novo período de sucessivas crises cêntricas trouxeram à América Latina. Estas crises
revelaram uma nova realidade, visto que sua profundidade e seus elementos até então nun-
ca haviam sido verificados, chegando a atingir o núcleo da estrutura do sistema centro–
periferia. Nas primeiras décadas do séc. XX, diferentemente da segunda metade do séc.
XIX, a internacionalização dos efeitos dessas crises (guerras e crise cíclica profunda da
economia e do mercado) originadas nos países centrais, atingiu as estruturas do modelo da
divisão internacional do trabalho existente, evidenciando a fragilidade da dependência
periférica. Numa passagem mais longa do “Estudio de 1949”, este cenário foi descrito
com mais detalhes:
136
Nos países de produção primária encontravam-se, antes da primeira
guerra, algumas indicações prenunciando essa nova fase. Todavia,
com a deflagração do primeiro conflito mundial e as dificuldades que
surgiram nas importações decorrentes desse mesmo conflito, foi que se
perceberam as possibilidades industriais desses países da periferia. Da
mesma forma, somente depois da grande depressão econômica ocorrida
nos anos 30 é que se começou a reconhecer a necessidade premente de
aproveitar essas possibilidades a fim de poder contrabalançar, por meio
do desenvolvimento do mercado interno, a indisfarçável insuficiência do
impulso proveniente do exterior, que até então vinha estimulando a eco-
nomia latino-americana. Esta tendência seria finalmente ratificada por
ocasião da segunda guerra mundial quando a indústria latino-americana,
apesar de todas as dificuldades e improvisações, apresentou-se como im-
portante fonte de emprego e de consumo para grande e crescente parte da
população (PREBISCH, 1951, p. 8, grifo nosso).
A industrialização tornou-se, pois, uma exigência dos fatos e o “único meio” de
superar esta dependência externa, como afirmou Prebisch (1949 p. 48).
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Para dar legitimidade à proposta de dinamização ao desenvolvimento econômico
latino-americano, era preciso substanciar, mediante a aplicação metódica da interpretação
periférica, alguns dos principais problemas existentes no modelo de inserção latino-
americana até aquela data. Os elementos fundamentais da teoria do subdesenvolvimento
foram focados em cada um deles. A discussão dos dois “tipos” de centro cíclico ocidental
que predominaram no processo da “expansão universal da técnica capitalista” até então, os
seus respectivos modelos e a participação na divisão internacional do trabalho, sua susten-
tação teórica e a dependência que cada um deles estabelecia à periferia foram, justamente,
os objetos de investigação do estruturalismo cepalino e seu grande teste teórico: interpretar
a história do desenvolvimento econômico periférico latino-americano a partir de uma vi-
são local do sistema.
Desde a revolução industrial até a segunda metade do séc. XX, os dois principais
centros cíclicos nacionais foram a Grã-Bretanha (Inglaterra) e os Estados Unidos, apesar
137
de que, como citado anteriormente, no sistema, o centro era formado por todos os países
que haviam atingido a diversidade e a homogeneidade econômica e social.
A importância que a principal economia cêntrica tinha se referia ao papel que de-
sempenhava no ritmo do crescimento econômico nacional e geral do sistema, e na difusão
do progresso cnico, além, é claro, da sua participação no comércio mundial, especial-
mente pela implicância que sua presença refletia na parte periférica do sistema.
A dinamização do crescimento econômico do centro cíclico e sua política econô-
mica nacional, juntamente com os demais países industrializados, influenciavam direta-
mente as relações externas dos países periféricos. A dependência estabelecida entre o co-
mércio exterior dos países de economia primária e seu crescimento interno era, justamen-
te, o “calcanhar de Aquiles” daquela parte do sistema ou, utilizando-se de outra compa-
ração figurada, sua constante sangria externa, o “fígado do Prometeu acorrentado” à de-
pendência, submetido diuturnamente às investidas das aves de rapina.
Por outro lado, o comportamento do centro dinâmico principal no processo cíclico
era o “nó górdio” da estabilidade e/ou vulnerabilidade externa e interna na periferia, nos
padrões liberais da divisão internacional do trabalho.
Além das obras teóricas, os “Estudios” radiografavam conjunturalmente o com-
portamento do desequilíbrio externo periférico, uma vez que este vinha a ser o maior pro-
blema estrutural colocado à economia daquela parte do sistema. Enquanto que no “Mani-
festo”, Prebisch (1949, p. 60 ss) detalhou as implicações que o centro cíclico norte-
americano trouxe à América Latina (coeficiente de importações, balança comercial e es-
cassez de dólares), e especificando suas formas de crescimento econômico e do ritmo mais
intensivo da inovação do seu progresso técnico (PREBISCH, 1949, p. 62), foi no “Estudio
de 1949” que as diferenças existentes entre os dois tipos de centro cíclico, a Inglaterra e os
Estados Unidos, foram apresentadas na sua forma mais sistêmica: a relação que tinham
com o comércio mundial e o comportamento da economia nacional no movimento cíclico.
138
Por possuir uma economia voltada ao mercado mundial, mais aberta às importa-
ções de produtos primários e às exportações de manufaturados, o modelo de crescimento
econômico central da Grã-Bretanha refletia as duas fases do ciclo numa mesma perspecti-
va: “a função das exportações na vida econômica desse país, e o elevado coeficiente de
suas importações, contribuíram para que ele demonstrasse uma viva sensibilidade aos im-
pulsos externos, devolvendo os mesmos ao resto do mundo num prazo relativamente cur-
to” (PREBISCH, 1951, p. 54).
Conforme foi tratado, a Inglaterra foi o país de origem da técnica moderna capi-
talista e seu primeiro centro cíclico. No Ocidente, permaneceu nesta condição até as pri-
meiras décadas do séc. XX. Também foi a partir dela, principalmente, e da expansão do
progresso técnico no continente europeu, que se constituiu a divisão internacional do tra-
balho oitocentista, sendo esta a expressão externa da política econômica inglesa do “lais-
sez-faire” (liberalismo econômico clássico).
Na realidade, esta foi a contingência histórica originária do próprio sistema centro–
periferia. Foi referencial histórico à teoria das vantagens comparativas no comércio mun-
dial (cf. o Capítulo 2, item 2.1), e primeiro vínculo central na inserção internacional dos
países latino-americanos.
Os Estados Unidos, por possuírem características econômicas particulares (popula-
ção, progresso técnico, território, mercado interno, capacidade produtiva primária e indus-
trial; e, por não terem sido atingidos belicamente na área americana nos últimos conflitos
mundiais, como a Europa e o Japão, ou o Leste Europeu e a União Soviética)
67
, diferencia-
ram-se da Inglaterra quanto ao nível do seu vínculo econômico externo, bem como ao seu
67
O problema da escassez de dólares no pós-1945, assunto tratado no Manifesto”, esteve diretamente liga-
do à concentração do ouro que a economia norte-americana havia alcançado no período das guerras. Os
dados apresentados sobre esta concentração foram: antes da Primeira Guerra Mundial os EUA detinham
26,5% do ouro do mundo; antes da Segunda Guerra Mundial haviam atingido 50,9%; ao final desta última,
36,5%; e, em 1948, ultrapassavam novamente os 50% (PREBISCH, 1949, p. 63).
Vários estudos relacionam o acentuado ritmo do crescimento econômico dos
EUA
com a participação que
tiveram nas duas guerras mundiais (pleno emprego, trabalho feminino, exportações, tecnologia bélica, capa-
cidade produtiva, etc.), assim como a consolidação da sua posição no cenário geopolítico mundial, enquanto
superpotência capitalista (econômica e militar) no pós-45 e durante a “guerra fria”.
139
comportamento nas fases cíclicas. Esta foi, basicamente, a diferença estrutural dos dois
“tipos” de centro cíclico, discutidas na obra de 1949.
O novo centro cíclico não possui, atualmente, a mesma capacidade de
expelir o ouro que atrai. Sendo esse centro menos sensível do que o ve-
lho centro britânico aos impulsos externos, e mais lento no devolvê-los
ao resto do mundo, por intermédio do incremento das suas importações,
resulta que o sistema monetário internacional funciona em condições
muito diversas das que vigoravam antes da Primeira Guerra Mundial
(PREBISCH, 1951, p. 58).
O coeficiente de importações do centro cíclico não refletia sua capacidade econô-
mica de importar, mas sim, a forma do seu vínculo com a economia mundial (política co-
mercial externa), pois suas exportações podiam ser um fator de concentração interna da
renda dos demais países, através dos saldos comerciais favoráveis que obtinha no inter-
câmbio (PREBISCH, 1949, p. 64). Como dispunha de grande capacidade de produção
interna para atender o mercado interno, tanto nas atividades primárias como industriais, a
economia norte-americana não possuía a mesma característica da pauta comercial inglesa
(exportações e importações).
As implicações que este fato podia trazer, como ocorreu no período pós-1945, no
comércio entre
EUA
e América Latina, foram discutidas no “Estudio de 1950”, em seu
tema visão sobre os novos problemas circunstancias na América Latina” (CEPAL, 1950,
p. 4 ss).
Os dados da balança comercial entre América Latina e os
EUA
para o período de
1947 a 1950 demonstraram claramente esta realidade, conforme pode ser verificado, com-
parando-se a balança comercial latino-americana no período de 1947 a 1950 com os saldos
das reservas internacionais de alguns países, isoladamente, e da região, no período de 1946
a 1949.
No intercâmbio com os EUA, a América Latina passou de um saldo negativo de
1.708 milhões de dólares, em 1947, para um saldo favorável de 239 milhões de dólares,
140
em 1950, conforme Tabela –1(A) (Anexo) e 1(B) (Anexo). Quanto ao saldo das reservas
internacionais, acumuladas principalmente no período da última guerra
68
, dos 4.320 mi-
lhões de dólares, em 1946, as reservas diminuíram para 3.112 milhões
69
.
Na análise apresentada pela Comissão no “Estudio de 1950”, para o período de
1946 a 1950, estes dois elementos da economia regional (balança comercial e reservas
monetárias) indicavam uma tendência ao desequilíbrio externo, pois, se as exportações
primárias haviam crescido após o final da guerra (com a retomada do comércio mundial),
da mesma forma as importações latino-americanas de manufaturados aumentaram. Diante
do problema da escassez de dólares, vários países restringiram suas importações dos EUA
no ano de 1947, fato que favoreceu a melhoria no saldo comercial latino-americano.
Da mesma forma a Comissão destacou que a diminuição das reservas internacio-
nais esteve relacionada à escassez de dólares, mas, em alguns países, essas reservas dimi-
nuíram acentuadamente em decorrência do pagamento da “dívida externa” e da nacionali-
68
Confira a tabela abaixo, referente às reservas monetárias.
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Fonte: Apud: CEPAL. Estudio Económico – 1948. p. 276
69
Confira tabela abaixo, sobre as reservas internacionais.
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& $ "      ( ) 
( * +       %%
, - $ "( ) 
./      
Fonte: Apud: CEPAL. Estudio Económico –1949, p. 522
Obs.: Tabela organizada pelo autor a partir dos dados do Quadro 7.
141
zação de “inversões estrangeiras”, como foram os casos da Argentina, Uruguai e Brasil
(CEPAL, 1951, p. 14-17)
70
.
No pós-guerra os centros apresentavam um quadro histórico distinto. Numa das re-
giões centrais, a Europa estava em reconstrução (Plano Marschall), inclusive a Inglaterra;
em outra, o novo centro cíclico, os EUA, com ouro e dólares, apresentava uma outra forma
de inserção cêntrica e de resposta aos impulsos externos e internos no intercâmbio.
Outro levantamento retrospectivo que já havia sido incluído no “Estudio de 1949”,
como elemento concreto das diferenças dos dois tipos de centro cíclico, tratou da relação
comercial, coeficiente de importações, índices de preços e capacidade de importação da
América Latina com os
EUA
, Tabela 2 (Anexo), e com o Reino Unido, Tabela 3 (Anexo),
no período de 1916 a 1949.
Em meio a tantos dados, o cabe repetir a exaustiva análise feita pela Comissão,
nem aplicar métodos quantitativos à história ou reduzi-la ao jogo dos números. Entretanto,
por considerá-los como informações históricas, a visão geral do comércio chama a atenção
pelo acompanhamento do comportamento dos fluxos de troca e dos preços com os proces-
sos de maior repercussão no sistema centro–periferia, especialmente a crise dos anos 30 e
a Segunda Guerra Mundial.
A retratação desses elementos das relações comerciais latino-americanas com os
centros cíclicos correspondia, nada mais nada menos, à apresentação criteriosa de aspectos
da vulnerabilidade externa de sua economia.
A discussão dos dois tipos de centro cíclico certamente não tinha o propósito de
sugerir uma das alternativas de inserção regional ao centro da parte central no sistema cen-
tro–periferia. Era mais um elemento à argumentação em defesa do projeto de industriali-
zação latino-americana. Na perspectiva periférica, os dois tipos dinâmicos centrais retrata-
70
O problema dos gastos com importações (bens de consumo de luxo, bens de capital, bens de consumo
duráveis) ou dos gastos sem planejamento adequado das reservas monetárias (nacionalizações sobre-
valorizadas, compra de armamento bélico usado na Segunda Guerra Mundial pelos países centrais) acentuou
a vulnerabilidade externa nos primeiros anos do pós-guerra (1946 a 1950).
142
vam a insustentabilidade do próprio sistema centro–periferia, pois ambos preservavam o
sistema, suas relações de dependência e não assinalavam possibilidades de superação.
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Problematizando a história econômica da periferia latino-americana, fazia-se ne-
cessário confrontar os dois “modelos” de inserção regional no sistema internacional. Nesse
sentido, ao longo do período iniciado em meados do séc. XIX até a metade do séc. XX
(pós-1945), foi possível, à CEPAL, caracterizar duas formas de vínculo e de dependência
no sistema: a passada, primário-exportadora, definida como fase de “crescimento para
fora (hacia afuera); e, a presente, voltada à industrialização da economia interna, defini-
da como “modelo de substituição de importações” ou desenvolvimento para dentro (ha-
cia adentro)”.
No texto de 1952, “Problemas Teóricos y Prácticos Del Crecimiento Económico”,
Raúl Prebisch aprofundou o assunto tratando das diferenças existentes entre os dois casos.
Contudo, para além de demarcar “modelos” ou enquadrar a realidade às teorias, ele estabe-
leceu um nexo entre a história econômica e sua realização enquanto projeto social. Trata-
va-se de demonstrar o quanto que a dependência da especialização primária não corres-
pondia ao desenvolvimento nacional e o fato de que não possuía elementos capazes de
superar a condição periferia; e, ao mesmo tempo, problematizar os limites que aquela for-
ma de crescer impunha à industrialização.
Numa leitura mais atenta, verifica-se que os “modelos teóricos” foram elaborados
para servir como instrumental comparativo. Para Ricardo Bielschoswky (2000a), o proce-
dimento comparativo na investigação histórica foi, e é, parte integrante do método cepali-
no. O título da obra de 1952, como em geral das demais, representou uma síntese, histórica
e teórica, da interpretação comparativa das condições estruturantes dos casos.
143
As diferenças entre o tipo de desenvolvimento presente e do passado são
bem manifestas quando se comparam as características do processo que
acontece agora com os fenômenos que ocorriam no século passado e
primeiros decênios do presente. Não há, por certo, uma linha divisória
clara e certa entre eles. As formas atuais de desenvolvimento se iniciam
muito tempo atrás em alguns países latino-americanos, levados pela
própria dinâmica de sua economia, enquanto que os outros começam em
tempos mais recentes. Porém, em todos eles foram contingências exter-
nas, como as guerras mundiais e a grande crise econômica, as que con-
tribuíram para despertar ou intensificar o processo e sedimentar progres-
sivamente as idéias de desenvolvimento (PREBISCH, 1973, p. 2, grifo
nosso).
No “Estudio de 1948”, que o contou com a contribuição de Prebisch, a
CEPAL
havia avaliado que o ritmo de desenvolvimento das economias latino-americanas manti-
nha estreita relação de dependência com os “estímulos externos” (comércio exterior e ca-
pital estrangeiro) (CEPAL, 1949, p. ix).
As características mais significativas que os dois “modelos” possuíam demarcavam
as formas do desenvolvimento na região. A diferenciação seguiu os critérios da concepção
de desenvolvimento: formas de produzir (difusão do progresso técnico) e de consumir
(benefícios às massas). Estes critérios remetem, por sua vez, ao debate sobre “atraso” e
“moderno”, por um lado; e à condição estrutural que cada “modelo” apresentava diante da
realidade periférica e à possibilidade de sua superação ou não, por outro.
Se a compreensão do “modelo no/do passado” somente foi possível com os “pés”
no “modelo presente”, a realidade latino-americana pós-30 e 45 vinha a ser a polêmica em
questão: relacionar os principais problemas do desenvolvimento latino-americano com as
dificuldades no aprofundamento da industrialização. A maior parte dos problemas e obs-
táculos internos existentes na região tinha sua origem no modelo pretérito: a especializa-
ção primária, a forma de crescer, a grande disparidade na estrutura da sociedade, a distri-
buição de renda e seu consumo, a grande vulnerabilidade externa e seus princípios teóri-
cos.
144
Enfim, era preciso contextualizar cada modelo” na estrutura do sistema centro–
periferia e apresentar os limites ou as vantagens de cada um.
Crescer “hacia afuera” ou acelerar o desenvolvimento “hacia adentro” represen-
tavam formas (papel) e funções (conteúdo) que a América Latina podia assumir no mundo
capitalista no período após-crise. A origem histórico-social da interpretação do subdesen-
volvimento e do desenvolvimento esteve diretamente envolvida com a defesa desse último
projeto. Pelas palavras de Celso Furtado (1985), o “Manifesto dos Periféricos” efetiva-
mente foi um manifesto, ou, segundo o próprio Raúl Prebisch: “Já não se apresenta[va] a
alternativa entre seguir crescendo vigorosamente desse modo ou crescer para dentro, me-
diante a industrialização. Esta passou a ser o modo principal de crescer” (PREBISCH,
1949, p. 53).
As grandes linhas dos dois modelos”, suas diferenças e suas implicações históri-
cas e econômicas no sistema centro–periferia foram resumidas na seguinte passagem do
“Problemas Teóricos y Prácticos”:
Enquanto o desenvolvimento passado tinha primordialmente em vista as
necessidades de produtos primários dos grandes centros industriais, o de
agora tem por propósito elevar o nível de consumo dos países em que
acontece. Em um caso a exportação é o instrumento para atingir o pro-
gressivo desenvolvimento da sua produção interna. Naquele, a técnica
produtiva moderna se limitava, em geral, a penetrar nas atividades vincu-
ladas direta ou indiretamente na exportação, enquanto que no processo
atual o progresso técnico trata de estender-se para todos os ramos da ati-
vidade para atingir esse aumento no nível de consumo mediante a adap-
tação das formas de produzir dos países mais desenvolvidos (PREBIS-
CH, 1973, p. 3, grifo nosso).
Em termos de política econômica, a aceleração do ritmo do desenvolvimento in-
dustrial latino-americano não representava apenas uma nova fase da propagação universal
da técnica capitalista, mas também uma possibilidade de superação da dependência perifé-
rica e do sistema na região. Sua viabilidade foi apresentada, dentro dos marcos estrutura-
145
listas, na forma de teoria, de procedimento (investigação e interpretação) e de ação para os
periféricos (planejamento do desenvolvimento).
A industrialização atingida até os anos 50 era utilizada para comprovar a validade
do modelo substitutivo de importações. Entretanto, os problemas externos e internos que o
sistema centro–periferia impunha ao aprofundamento requeriam mais industrialização, ou
seja, um impulso nas proporções suficiente e adequada para dispor dos meios e dos ins-
trumentos de dinamização (capital, produtividade, renda e poupança).
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K
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KK
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A caracterização das partes, centro e periferia, deram conteúdo e relação ao siste-
ma. O centro era (é) o que era (é) por suas características fundamentais de diversidade e
homogeneidade da economia nacional e seu desdobramento social. A periferia era (é) o
que era (é) pela especialidade e heterogeneidade da economia nacional e regional e seu
desdobramento social. O sistema, por sua vez, era (é) o que era (é) pelo papel que cada
parte possuía no espaço maior da economia capitalista: a divisão internacional do trabalho,
principalmente no Ocidente. Entretanto, as estruturas das partes e suas posições isoladas
não revelavam o conjunto do sistema (estrutura) e sua dinâmica histórica (desenvolvimen-
to econômico), pois, as desigualdades entre as partes estavam relacionadas entre si, bem
como formavam uma estrutura de dependência no sistema. Sua ligação podia ser apresen-
tada na justaposição das partes: centro–periferia, no sentido da hierarquia das partes no
sistema; e periferia–centro, no sentido da visão do sistema a partir da condição, da visão e
da superação do subdesenvolvimento. As formas de conjunções “centro e periferia”, “cen-
tro ou periferia”, e “centro x periferia”, no rigor da concepção, não correspondiam ao seu
146
sentido histórico-estrutural
71
. Nesse aspecto “centro–periferia” e “subdesenvolvimento”
eram vistos como sinônimos conceituais cognitivos (representação teórica e de lingua-
gem)
72
e representações da realidade (países periféricos), do ponto de vista da interpreta-
ção Prebisch/
CEPAL
.
Comparativamente as características das partes também foram relacionadas, po-
rém, em função da demarcação dos fatores determinantes da economia capitalista contem-
porânea, as diferenças existentes conferiam um papel específico para cada caso. Percebe-
se novamente, na formatação do sistema, a adoção dos dois critérios básicos do pensamen-
to periférico inicial, indicados no texto de 1949: as formas de produzir (grau das forças de
capitalização: capital, poupança, progresso cnico, produtividade) e de consumir (distri-
buição da renda e o nível de vida da população).
No segundo parágrafo do “Manifesto”, Prebisch definiu o papel que a periferia la-
tino-americana tinha naquele esquema tradicional da divisão internacional do trabalho,
desde o início da sua inserção, no séc. XIX: o papel específico de produzir alimentos e
matérias-primas para os grandes centros industriais” (PREBISCH, 1949, p. 47), e mais, “a
baixo custo, sendo estas mercadorias destinadas aos ditos grandes centros industriais”
(PREBISCH, 1951, p. 8).
A história latino-americana registrava que as características econômicas e sociais
predominantes na região o condiziam com a teoria do referido esquema livre-cambista,
pois os benefícios econômicos e sociais na propagação do progresso técnico não se tinham
efetivado na região: “As grandes vantagens do desenvolvimento da produtividade não
71
Para uma leitura acerca das distinções no sentido e na relação que as conjunções “e e “ou” estabelecem
entre os termos (categorias), cf. Norberto Bobbio (1991).
Outras formas de vínculo que podem expressar o sentido da interpretação da teoria centro–periferia no
sistema e nas relações gerais e particulares entre as partes e nas partes são: “centro do centro”; “periferia do
centro”; “centro da periferia”; “periferia da periferia”; “centro na periferia”; e, “periferia na periferia”.
Já o caso “periferia no centro” não representaria a dualidade na visão do centro, haja vista a homogenei-
dade e a diversidade da economia nacional.
72
O sentido e o conteúdo da linguagem, neste caso, teve como base a discussão apresentada por Adam S-
chaff, em sua obra “Linguagem e Conhecimento” (SCHAFF, 1964).
147
chegaram à periferia em medida comparável ao que lograram desfrutar as populações dos
grandes países” (PREBISCH, 1951, p. 48).
A capacidade de reter, ou não, parte ou a totalidade dos benefícios do progresso
técnico era a principal característica final que definia as desigualdades. Os mecanismos
dessa operação eram fundamentais à dinâmica da estrutura do sistema e meio de reprodu-
ção dos problemas do subdesenvolvimento: a deterioração dos termos de intercâmbio (re-
lações de preços) e a elasticidade-renda (mudanças que o progresso técnico provocava nas
formas de produzir e de consumir na economia capitalista) (cf. o Capítulo 2, a seguir).
Para Octavio Rodríguez estes elementos eram fundamentais à caracterização da
condição periférica: “A diferenciação da produtividade do trabalho, por um lado, e a de-
terioração dos termos de intercâmbio, por outro, são duas tendências de longo prazo pró-
prias do desenvolvimento periférico, que, conjuntamente, explicam uma terceira: a ten-
dência à diferenciação dos níveis de renda real média entre as economias mencionadas”
(RODRÍGUEZ, 1981, p. 20, grifo nosso).
Na periferia, a heterogeneidade da economia acompanhou a forma de propagação
interna do progresso técnico
73
. Até então, para Raúl Prebisch, a difusão tinha se restringi-
do apenas a determinados setores econômicos (primário: agricultura e mineração; e, servi-
ços: transportes, energia e comunicações) e atividades produtivas (exportação), ambos
estrategicamente voltadas para fora. A restrição também se circunscreveu aos núcleos lo-
cais articulados isoladamente com o capital externo e à economia cêntrica (comércio mun-
dial). A estrutura social refletia esta desigualdade na demografia (urbana e rural) e na dis-
tribuição da renda (setores de elevadas rendas e seu estilo cêntrico de consumo e poupan-
ça; e, as grandes massas pobres). Coexistiam na periferia situações econômicas e sociais,
73
Na periferia, a propagação do progresso técnico e a distribuição dos seus benefícios não reproduziram a
realidade cêntrica, do contrário, caracterizaram sua própria heterogeneidade: “a técnica moderna não se
estende a toda esta população e muda a composição de suas ocupações diminuindo progressivamente os
desníveis de produtividade e rendas, o caráter prevalecente de seu desenvolvimento será extensivo(PRE-
BISCH, 1973, p. 11).
148
isoladas, de atraso e modernidade, com predominância do primeiro caso, conforme passa-
gem do “Estudio de 1949”:
Restam, por conseguinte, na América Latina, vastos territórios de consi-
derável importância demográfica, onde as formas de exploração da terra
e, em conseqüência, o nível de vida das massas são essencialmente pré-
capitalistas (PREBISCH, 1951, p. 9).
As duas primeiras publicações dos “Estudio” retrataram inúmeros aspectos da he-
terogeneidade. O de “1948” apresentou-a numa visão econômica regional, latino-
americana, setorizada (manufaturas, construção civil, mineração, agricultura, demografia,
transportes, comércio exterior, balança de pagamentos e inflação); no de “1949”, a partir
da segunda parte, a apresentação dos setores seguiu a descrição econômica setorial por
país (Argentina, Brasil, Chile e México).
A característica da especialização econômica tinha seriíssima implicação teórica e
ideológica com o “modelo” e a forma de crescer e de distribuir a renda, pois legitimava a
divisão internacional do trabalho nos moldes do sistema centro–periferia. A defesa do mo-
delo de inserção internacional especializado e heterogêneo era feita com base na teoria
clássica do intercâmbio (vantagens comparativas). Segundo essa visão clássica, esta era a
melhor forma de a periferia participar dos benefícios do progresso técnico, não lhe caben-
do a industrialização, pois esta não traria ganhos econômicos e sociais por ser onerosa e
ineficiente do ponto de vista do livre comércio (PREBISCH, 1949, p. 47).
Contrariamente ao modelo” de inserção da teoria clássica, a Comissão identifica-
va na especialização e na heterogeneidade (papel da periferia) os fatores estruturais para o
permanente estado de vulnerabilidade e de dependência exterior do crescimento econômi-
co, incluindo todos os itens da insuficiência dinâmica: capitais (inversões e empréstimos),
progresso técnico, ocupação da força de trabalho, comércio exterior, movimento cíclico,
relações de preços, iniciativa privada, bens de consumo e bens industrializados.
149
Esta vulnerabilidade da América Latina provém[vinha] do fato dela ser,
em seu conjunto, produtora de bens primários – matérias-primas e produ-
tos alimentícios com fortes excedentes exportáveis, e importadora de
produtos manufaturados ou semimanufaturados, de artigos duráveis e de
bens de capital (CEPAL, 1949, p. 233).
Na outra parte do sistema, o centro, as características predominantes eram de di-
versidade e homogeneidade em todos os aspectos da economia e da sociedade nacional.
No centro, o desenvolvimento apresentava o estado mais avançado dos fatores: progresso
técnico (inovação e difusão), capital-poupança, produtividade, iniciativa privada, organi-
zação sindical (ganhos salariais), mercado interno, nível da concorrência e da distribuição
de renda (bem-estar da população).
O centro era o núcleo do sistema capitalista, tanto nos aspectos do crescimento e-
conômico, quanto na origem e propagação da crise depressiva. Os países centrais deti-
nham a capacidade dinâmica de ação e reação no sistema internacional. Ambas produziam
determinadas percussões na relação centro–periferia e, fundamentalmente, estabeleciam a
respectiva participação da periferia em cada uma delas.
Os países centrais possuíam também a capacidade de captar parte da produtividade
da própria periferia e a iniciativa de transferência da pressão recessiva nos períodos de
crise e retomada do crescimento (cf. Capítulo 2, item 2.4).
Da sua homogeneidade e diversidade econômica (técnica moderna e rendas salari-
ais) provinha e elemento dinamizador da constante inovação tecnológica (bens de capital,
novos produtos e tendências de consumo). Por fim, cabe indicar uma diferença de mercado
(oferta e demanda). No “Estudio de 1949” foi abordada uma das características essenciais
da economia capitalista: a concorrência em cada parte do sistema e a relação que ela esta-
belecia entre ambas no intercâmbio internacional. Enquanto que nos países centrais a
maior concorrência se dava entre os capitalistas e esta determinava a forma (substitutiva
de mão-de-obra) e o papel (redução dos custos e aumento de produtividade) da técnica
moderna, pois a força de trabalho era limitada e organizada; nos países periféricos, a con-
150
corrência mais acentuada ocorria entre os trabalhadores, pois, como havia um grande con-
tingente da população sem fonte de renda (ocupação nos setores primários e absorventes),
os salários eram baixos (até menores do que a própria produtividade) e a cnica moderna
acentuava ainda mais a gravidade do problema que já era estrutural e central na periferia: o
desemprego e o aumento da desocupação, ambos crônicos (PREBISCH, 1951, p. 89 ss).
A periferia sofria da tripla insuficiência da baixa poupança, da baixa produtividade
e da baixa renda. Juntas, formavam o círculo vicioso da insuficiência dinâmica na absor-
ção da força de trabalho. Na periferia, a especialização e a heterogeneidade limitavam es-
truturalmente seu crescimento na perspectiva expansiva. No centro, a diversidade e homo-
geneidade dinamizavam seu desenvolvimento no sentido intensivo (PREBISCH, 1973, p.
11).
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Uma vez demarcadas as diferenças das partes no sistema (as características estru-
turais da periferia e as do centro), bem como a natureza da relação estabelecida historica-
mente entre ambas no interior do sistema capitalista (formas de produzir e de consumir),
cabe destacar o sentido e a própria condição da relação de dependência estrutural.
Para além da crítica dos limites teóricos da economia política do subdesenvolvi-
mento que não superou a visão liberal do sistema capitalista, apesar de apresentar uma
crítica contundente ao laissez-faire (crescimento econômico espontâneo, lento, evolutivo e
individual) e interpretá-lo a partir da condição periférica; priorizou os elementos tecnoló-
gicos na produção e nas relações de preços (produtos primários e manufaturados) no inter-
câmbio internacional (esfera da circulação e consumo)
74
–, foi possível retirar dessa con-
74
A teoria do subdesenvolvimento abordou a produção e o consumo a partir da teoria dos preços (oferta e
demanda) na esfera do mercado (comércio). Em função disso submeteu a produção econômica aos impulsos
do mercado e compreendia o desenvolvimento a partir dos padrões da técnica moderna aplicada à produção.
151
cepção categorias teóricas consistentes e coerentes à interpretação do fenômeno do desen-
volvimento e da história latino-americana.
A forma da dependência que a periferia possuía no sistema era originária da sua
vulnerabilidade exterior, pois estava refém dos impulsos externos do comércio internacio-
nal que atingia sua economia interna. A dependência também tinha conteúdo estrutural no
sistema centro–periferia. Justamente este conteúdo era o “osso duro” do esqueleto (forma),
a base do sistema e o definidor da natureza das relações que ambas as partes tinham no
conjunto. A superação da condição periférica somente era possível se ocorresse uma mu-
dança estrutural nas bases dessas relações estruturantes, pois rompia a própria dependên-
cia.
O movimento reflexo que a periferia tinha no sistema definia sua condição de par-
te mais fraca (com menor força de pressão) e não simplesmente o lado mais atrasado do
sistema. No sistema centro–periferia, a estrutura das relações tinha apenas um sentido (hi-
erárquico do ponto de vista da sua dinâmica): do centro para a periferia. O inverso não se
realizava. A periferia, enquanto periferia, estava submetida a este movimento unilateral:
refletia em si, na periferia, os impulsos vindos do centro, independentemente de eles serem
de natureza cíclica depressiva ou de crescimento.
Na realidade, o movimento reflexo permeava a noção do subdesenvolvimento e
estava presente no conjunto dos textos fundadores da concepção, apesar de o aparecer
conceitualmente nesta forma. Entretanto, por estar subentendido na noção do sistema e
não ter sido discutido detalhadamente, em seus termos, nas principais obras teóricas, ou
naquelas comumente conhecidas, foi um aspecto que nem sempre chegou a ser tratado
com a devida importância, apesar de haver algumas passagens de síntese da questão em
certos textos.
O movimento cíclico e a elasticidade-renda foram interpretados nesse sentido. As periódicas crises econômi-
cas no capitalismo tinham caráter de mercado, ou seja, eram crises de mercado (oferta e demanda) e não
crises de realização do capital (teoria do valor).
152
Compreender o movimento reflexo e seu sentido unilateral evita, por exemplo,
duas simplificações freqüentemente atribuídas à teoria do subdesenvolvimento. Uma delas
atribui ao subdesenvolvimento um referencial etapista
75
, como se a periferia fosse sim-
plesmente um estado anacrônico de atrasado na técnica moderna; a outra entende-o apenas
como um conceito econômico-tecnológico, bastando, para sua correção, a atualização do
progresso técnico nos padrões da sua última inovação em sua economia interna.
Caso essas duas simplificações fossem expressão da idéia de subdesenvolvimen-
to, não havia um sistema centro–periferia, tampouco suas relações de dependência, pois,
com estas simplificações, a periferia não era vista como um produto histórico ou parte do
sistema. Nesse sentido, a partir dessas reduções teóricas, a superação da condição periféri-
ca podia ocorrer dentro da própria normalidade do sistema econômico internacional. Nesse
caso, a única possibilidade de mudança profunda no sistema seria a da inversão nos papéis
das partes. Em qualquer outra hipótese, na simplificação do sistema centro–periferia, uma
mudança significativa gerava contraditoriedade lógica, a não ser que o sistema tivesse ou-
tra estrutura histórica e teórica. Até poderia existir um sistema internacional, porém este
não seria o sistema centro–periferia. Mesmo insistindo na existência desse sistema, como
estaria despossuído do conteúdo da dependência reflexa, este não teria a mesma força in-
terpretativa.
Assim, simplificando o sistema, constrói-se outra coisa qualquer (com maior ou
menor consistência), menos uma visão prebischiana do subdesenvolvimento e da depen-
dência periférica.
O sentido unidirecional do movimento reflexo foi analisado na obra da
CEPAL
de
1954, tendo por referência as implicações que uma alteração mais substancial nas importa-
75
A noção etapista do desenvolvimento, da “escola neoclássica”, compreendia-o apenas como crescimento
econômico evolutivo, espontâneo, progressivo, linear e natural (cf.: SUNKEL e PAZ, 1991).
153
ções (comércio exterior e internacional) que cada parte, centro ou periferia, podia gerar no
sistema e nas estruturas internas da outra parte.
Se um centro industrial de tanto peso mundial como são os Estados Uni-
dos aumenta as suas compras de produtos primários em um país periféri-
co, as importações de artigos industriais aumentarão correlativamente em
tal país, embora com certa demora. O aumento de importações é, pois,
um fenômeno reflexo. Mas se o país periférico aumenta de forma autô-
noma suas importações do centro, este não aumentará perceptivelmente
as suas compras de produtos primários na periferia (CEPAL, 1954b, p.
74, grifo nosso).
Acumulando a discussão desenvolvida até o presente momento, pode-se perceber a
“idéia-força” presente naquela fase de formação do pensamento Prebisch/
CEPAL
e o en-
foque dado ao sistema centro–periferia nos anos 50
76
.
O movimento reflexo partia da noção da expansão universal do progresso técnico,
mas, dentro das características da dualidade do sistema, apontando a dependência estrutu-
ral do subdesenvolvimento. O movimento reflexo condensa a análise dos papéis dos países
centrais, do centro cíclico, do “modelo econômico periférico” e da elasticidade-renda (uma
das teses gerais da economia capitalista, cf. item 2.3 do capítulo seguinte) na dinâmica do
desenvolvimento econômico internacional.
No sistema, o centro (diversificado e homogêneo) possuía capacidade dinâmica e
autonomia econômica interna, instrumentalizada pelo domínio do progresso técnico (ino-
vação e difusão, formas de produzir e de consumir) e pela reação inicial aos ciclos econô-
micos (crescimento e crise). a periferia (especializada e heterogênea) mantinha uma
relação de dependência interna e externa. No movimento reflexo, a capacidade de ação e
reação que cada parte podia ter diante dos fenômenos originários da outra parte do siste-
ma, somente ao centro cabia o papel e a condição ativa; cabendo à periferia o papel e a
condição passiva.
76
O capítulo 3 retoma o estudo da trajetória do pensamento de Prebisch sobre o sistema centro–periferia.
154
A periferia tem um papel passivo ao passo que o centro tem um papel a-
tivo e dinâmico no comércio internacional. O centro com o seu próprio
ritmo de crescimento e sua procura de produtos primários influi sobre o
ritmo de crescimento dos países periféricos; mas a estes não é dado
influir positivamente no ritmo de crescimento do centro, ainda que de
forma negativa (CEPAL, 1954b, p. 74, grifo nosso).
No sistema centro–periferia, a dependência apresentava um único sentido e dire-
ção. Originário das estruturas particulares das partes e refletido nas relações que ambas
estabeleciam no sistema, o movimento reflexo, portanto, caracterizava a estrutura da de-
pendência maior no sistema: os países centrais possuíam capacidade de ação e reação
ativa e dinâmica interna e externamente; os países periféricos desempenhavam um papel
passivo e a capacidade de ação e reação em seu ritmo de desenvolvimento interno manti-
nha vínculos de dependência com a parte cêntrica.
Em se confirmando essas condições e as posições das partes no movimento refle-
xo, é possível afirmar que, no sistema centro–periferia, havia uma correlação de forças,
porém cada parte possuía uma capacidade própria. No sistema, a capacidade que as partes
tinham com relação ao poder de decisão do desenvolvimento esbarrava ou não na depen-
dência estrutural, conforme sua posição (centro ou periferia).
Nas inter-relações de cada parte no sistema centro–periferia, o seu centro estava na
posição e na condição de parte ativa e dinâmica do desenvolvimento; e a periferia estava
na posição e na condição passiva e dependente (CEPAL, 1973, p. 29). A dependência pe-
riférica, no movimento reflexo, somente podia ser superada se sua economia adquirisse
capacidade interna de desenvolvimento. Com isso, a periferia teria condições de eliminar
sua vulnerabilidade exterior (balança comercial, balança de pagamentos e capacidade de
importar).
O esboço desses problemas e a defesa da industrialização tinham, pois, a perspec-
tiva de sustentar o modelo de substituição de importações enquanto projeto político de
desenvolvimento. Como os escritos iniciais acentuaram demasiadamente a solução indus-
155
trializante, sem contar com os limites da noção de crescimento econômico (progresso téc-
nico), sua visão tecnicista não entrava no mérito e no conteúdo do poder político subjacen-
te àquela política econômica, pois o próprio Estado era visto como uma corporação que
estava acima da sociedade e de seus grupos internos e era visto como o único agente capaz
de representar o interesse nacional, ou de ser o porta-voz da vontade geral da Nação no
desenvolvimento voltado à superação do subdesenvolvimento.
156
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“Num sistema comercial perfeitamente livre, cada país
naturalmente
dedica seu capital e seu trabalho à atividade que lhe
seja mais
benéfica. Essa busca de vantagem individual está admi-
ravelmente
associada ao bem universal do conjunto dos países. Es-
timulando a
dedicação ao trabalho, recompensando a engenhosidade e
propiciando o uso mais eficaz das potencialidades pro-
porcionadas
pela natureza, distribui-se o trabalho de modo mais efi-
ciente e mais
econômico, enquanto, pelo aumento geral do volume de
produtos
difunde-se o benefício de modo geral e une-se a socieda-
de universal
de todas as nações do mundo civilizado por laços comuns
de
interesse e de intercâmbio. Este é o princípio que de-
termina que o
vinho seja produzido na França e em Portugal, que o
trigo seja
cultivado na América e na Polônia, e que as ferramentas
e outros
bens sejam manufaturados na Inglaterra”.
157
David Ricardo (1982, p. 104)
O núcleo da economia política do pensamento Prebisch/
CEPAL
, discutido nos tex-
tos fundadores, foi esboçado nas teses dos problemas estruturais da deterioração dos ter-
mos de intercâmbio e da elasticidade-renda, característicos da economia capitalista e pre-
sente no intercâmbio entre as partes do sistema centro–periferia. Na crítica feita ao laissez-
faire e à tese das vantagens comparativas da teoria econômica clássica (especialização
produtiva individual e o “comércio plenamente livre”), a própria história econômica latino-
americana foi utilizada como objeto de pesquisa para uma outra interpretação. no pri-
meiro parágrafo do “Manifesto”, Prebisch tratou logo de resolver as diferenças:
A realidade está destruindo na América Latina aquele velho esquema da
divisão internacional do trabalho que, após haver adquirido grande vigor
no século XIX, seguiu prevalecendo, doutrinariamente, até bem pouco
tempo (PREBISCH, 1949, p. 47).
Não somente a realidade periférica latino-americana esclarecia que aqueles prin-
cípios teóricos não tinham sustentação histórica, como a própria origem da periferia, com
as suas estruturas e as relações de dependência no sistema, contrapunha-se àquela interpre-
tação clássica, tornando inaceitável sua continuidade teórica (tese clássica) e histórica (a
existência periférica e o conjunto estrutural do sistema centro–periferia).
Dois princípios de ordem de funcionalidade e dinamicidade geral (“universal”) da
economia capitalista faziam parte da teoria da economia política periférica (do subdesen-
volvimento) e eram norteadores do sistema centro–periferia. Um deles se referia ao modo e
158
às características do crescimento da economia capitalista, nos aspectos da sua forma prin-
cipal, do seu instrumento dinâmico e do seu meio diacrônico, conforme segue:
Forma: movimento cíclico.
Instrumento: progresso técnico (inovação e difusão).
Meio: aumento da produtividade no mercado concorrencial.
Nos três textos mais relevantes “Manifesto”, “Estudio de 1949” e “Problemas
Teóricos y Prácticos”, este princípio foi discutido e interpretado levando-se em considera-
ção a condição periférica no sistema.
O ciclo é a forma de crescer da economia no regime em que vivemos; e,
embora se trate de um fenômeno geral que há de explicar-se com uma só
teoria de conjunto, manifesta-se de maneira diferente nos centros e na
periferia (PREBISCH, 1949, p. 84
77
; cf. 1951, p. 79).
A tese da deterioração dos termos de intercâmbio nas relações de preços entre
produtos primários e industriais no comércio mundial, na sua “versão contábil e cíclica”
(cf. RODRÍGUEZ, 1981), pontuou os motivos pelos quais este fenômeno era um dos ele-
mentos do estrangulamento periférico no sistema.
O segundo princípio geral da economia capitalista relacionou a distribuição da ren-
da com as formas de consumo (demanda) e estabeleceu seus vínculos com as característi-
cas da elasticidade-renda entre produtos primários (alimentos e matérias-primas) e produ-
tos industrializados (transformações tecnológicas e novos produtos). A citação que segue,
retirada do texto “Problemas Teóricos y Prácticos”, sintetiza o segundo princípio, que
também era um dos fatores da vulnerabilidade estrutural externa dos países periféricos.
77
Em outra passagem do “Manifesto”, a premissa do movimento cíclico foi apresentada incluindo o elemen-
to da produtividade (progresso técnico): “Movimento cíclico da economia e a forma em que se manifesta nos
centros e na periferia. Pois o cíclico é a forma característica de crescer da economia capitalista e o aumen-
to da produtividade um dos fatores primários do crescimento” (PREBISCH, 1949, p. 58).
159
À medida que a renda real per capita sobrepassa certos veis mínimos,
a demanda de produtos industriais tende a crescer mais que a de alimento
e de outros produtos primários. Não obstante, a situação dos países me-
nos desenvolvidos é muito diferente da dos centros, pois estes importam
daqueles produtos primários de muito menos elasticidade-renda de de-
manda que a dos artigos industriais que a periferia importa dos centros
(PREBISCH, 1973, p. 24).
A elasticidade na demanda de alimentos e manufaturados, capacidade produtiva da
terra e da maquinaria, foi assunto sico da teoria econômica “clássica”, sendo tratada por
Adam Smith, Malthus (1982) e David Ricardo
78
. Quanto ao caso dos alimentos e dos bens
transformados, Ricardo retomou uma afirmação simples e clara de Smith: “o desejo de
alimentos é limitado em todos os homens pela pequena capacidade de seu estômago, mas
o desejo de confortos e de ornamentos nas residências, roupas, carruagens e mobiliário
doméstico parece ilimitado, ou pelo menos, sem limites determinados” (SMITH, Apud:
RICARDO, 1982, p. 262).
Toda crítica feita ao livre-comércio no sistema centro–periferia, crítica sustentada
nas teses da deterioração dos termos de intercâmbio e da elasticidade-renda – elaboradas a
partir da visão cíclica da economia capitalista (a lei da oferta e da procura nas fases do
ciclo) e da tendência geral do consumo (renda-demanda) na sociedade capitalista, não
tinha, em si, o propósito de negar o sistema geral, mas, sim, fundamentar que aquele “es-
quema” não levava à superação da condição periférica. O desenvolvimento econômico na
América Latina o podia repetir sua longa trajetória e a forma como ocorreu nos países
centrais ocidentais. Não só o desenvolvimento capitalista tinha, como característica geral
àqueles princípios, mas possuía uma outra característica histórica: a de se propagar com
formas e ritmos desiguais (homogeneidade/diversidade e heterogeneidade/especialidade).
78
A relação entre o pensamento de Prebisch/
CEPAL
e a Escola Clássica, por exemplo, pode ser visualizada a
partir da “árvore genealógica da economia política” apresentada por Guido Mantega (1992, p. 22). Este
princípio, da relação entre aumento da renda e o aumento maior no consumo de manufaturados, também é
denominado como “Lei de Engels” (cf. VINER, 1951, p. 200).
160
Portanto, na América Latina, o desenvolvimento não podia repetir integralmente a
evolução cêntrica, por três aspectos: – Primeiro: seu desenvolvimento não foi o originador
do sistema, pois a economia capitalista e suas formas de produzir (progresso técnico) e de
consumir o foram criadas nesta parte Sul-Ocidental americana, tampouco, até naquele
momento, esta se havia tornado seu centro dinâmico; Segundo: a condição periférica foi
produto da própria expansão das economias centrais (do sistema capitalista e sua interna-
cionalização); e, Terceiro: o desenvolvimento latino-americano ocorria concomitante-
mente à existência do centro e vinculado a ele, em situação de dependência às suas estru-
turas.
Sendo parte do sistema e na condição subordinada em sua divisão internacional do
trabalho, haja vista o papel que ocupava, a superação da condição periférica somente seria
possível, levando-se em conta a solução dos obstáculos estruturais que o sistema lhe im-
punha. Nesse sentido, a estrutura centro–periferia exigia que, nos países latino-
americanos, a forma e o ritmo do desenvolvimento não podiam repetir a mesma evolução
cêntrica e as etapas do progresso técnico.
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David Ricardo, em sua obra “Princípios de Economia Política e Tributação”, de
1817, esboçou a tese das vantagens comparativas no intercâmbio mundial. Para ele, esta
era a forma mais eficiente e recompensatória de garantir os melhores benefícios para os
indivíduos e os países, na utilização do capital, do trabalho, da engenhosidade humana e
das potencialidades dadas pela natureza (cf. epígrafe no início do Capítulo). Na medida em
que cada pessoa (capitalista, trabalhador, etc.) buscasse individualmente na economia, e no
comércio, produzir os bens utilizando-se dos fatores a um custo vantajoso e eficaz (enge-
161
nhosidade), isto é, produzir mais (quantidade) e melhor (qualidade/preço) – graças às van-
tagens provenientes da natureza, os menores gastos na produção e tecnologias –, toda a
sociedade, o país e a “civilização”, por fim, acabavam se beneficiando, alcançando, assim,
“o bem universal”.
Através do intercâmbio interno e internacional, toda a população e todos os países
poderiam obter vantagens. Utilizando-se delas da melhor forma, era possível produzir,
vender e comprar todos os bens necessários. Assim, toda produção somente era vantajosa
e benéfica (aos indivíduos e à economia geral e do país) se apresentasse esta vantagem no
mercado. Por outro lado, todos os indivíduos e países poderiam tirar a mesma vantagem
no consumo, pois comprariam os bens que tivessem a mesma vantagem. Portanto, todo
investimento era vantajoso se pudesse contar com esta máxima vantagem também no
intercâmbio internacional. A mão invisívelregulava naturalmente e livremente (espon-
taneamente), pelas vantagens comparativas, o sistema comercial nacional e mundial
79
.
79
Segundo David Ricardo, na época havia uma exceção à regra, pois a mobilidade internacional do capital
era mais problemática. Enquanto que os mercados nacionais apresentavam estas vantagens na produção e na
mobilidade dos fatores produtivos (trabalho, capital e mercadorias), as incertezas e a insegurança dos lucros
pesavam contra esta busca de liberdade de iniciativa fora do país (governos; controles comerciais; legisla-
ções; língua e modo de vida no estrangeiro; ligações com o lugar de origem, etc). Porém, apesar dainsegu-
rança real ou imaginária”, Ricardo (1982, p. 105) defendia que a busca por maiores lucros teria que estar
acima desses problemas. Mesmo sendo um obstáculo, também seria um estimulo à engenhosidade e à livre
iniciativa dos capitalistas (burgueses).
Na “apresentação” da edição brasileira da obra de Ricardo, Paul Singer (In: 1982, p. XVIII ss) esclarece
que a tese das vantagens comparativas de Ricardo (sua obra) resultou do debate parlamentar e governamen-
tal ocorrido na Inglaterra sobre a lei dos cereais”. O próprio Ricardo tratou dessa historicidade, da tese, no
Capítulo XIX da obra: “Sobre as alterações súbitas nas correntes comerciais” (RICARDO, 1982, p. 183
ss), onde diferencia o princípio das vantagens comparativas (oferta e procura) entre alimentos e manufaturas.
Discutia-se, no parlamento inglês, a continuidade ou não da proibição à importação de trigo, após a derro-
ta napoleônica e o Congresso de Viena (1815). Com relação à matéria, as “bancadas” e a “máquina gover-
namental” (assessorias, da qual Ricardo fazia parte) se posicionavam de acordo com seu vínculo sociopolíti-
co com o setor agrícola, pois, com o final das “guerras napoleônicas” e a retomada das relações comerciais
com o Continente Europeu, voltou-se a discutir o controle alfandegário do trigo e as vantagens comerciais.
Como o custo da produção desse cereal na Inglaterra era maior do que no estrangeiro, a “lei dos cereais”
entrou na agenda legislativa. Esta situação explica a citação do trigo, além do vinho e das ferramentas, na
passagem do livro, citada na epígrafe, pois Ricardo era partidário do uso das vantagens comparativas no
comércio externo inglês. Na realidade, Ricardo defendeu a manutenção de tarifas alfandegárias protecionis-
tas ao trigo durante um período adequado, para evitar perdas de capital e prejuízos socioeconômicos nas
regiões produtoras, além de garantir um prazo de adequação da produção interna aos custos internacionais.
Além disso, a tese das vantagens comparativas também estava relacionada com a política comercial ex-
terna da Inglaterra. No Capítulo XXV, “Sobre o comércio colonial”, Ricardo retomou a crítica feita por
Adam Smith contra o monopólio do comércio colonial: “Em suas observações sobre o comércio colonial,
Adam Smith demonstrou da maneira mais satisfatória as vantagens do comércio livre, e a injustiça sofrida
162
Segundo Palloix (1981), Ricardo acentuou demasiadamente a participação dos fa-
tores terra (potencialidade natural da terra: fertilidade do solo, minérios e fontes de energi-
a) e trabalho na formação das vantagens comparativas (custos) no intercâmbio mundial,
em detrimento dos demais fatores
80
. Entretanto, o destaque à “engenhosidade”, à aplicação
lucrativa do capital, à busca constante por maiores lucros indicado como o melhor “espí-
rito empreendedor capitalista” –, a especialização manufatureira (ferramentas) inglesa e a
importância da maquinaria na divisão do trabalho e na produtividade, apresentados em
outras passagens do “Princípios de Economia Política”, reforçavam o papel desses fatores
na produção. Quanto à “maquinaria”, aliás, Ricardo revisou suas opiniões: inicialmente
entendia que a classe trabalhadora também era beneficiada pelo seu uso, pois, com a redu-
ção dos custos de produção e dos preços ao consumo, podiam “comprar mais mercadorias
com o mesmo salário em dinheiro” (RICARDO, 1982, p. 261). Após revisar o assunto,
passou a questionar suas duplas conseqüências para o capital e para o trabalho: “a mesma
causa que pode aumentar o rendimento quido do país, pode ao mesmo tempo tornar a
população excedente e deteriorar as condições de vida dos trabalhadores” (RICARDO, p.
262, grifo nosso).
Para a teoria “clássica”, o progresso técnico (maquinaria) reduzia os custos da
produção, principalmente pelo aumento da produtividade e o incremento da renda salarial.
Entretanto, a aplicação da tecnologia (e sua inovação) na substituição dos trabalhadores
pelas colônias ao serem impedidas pelas metrópoles de vender seus produtos pelo preço mais alto e de
comprar produtos manufaturados e alimentos pelo preço mais baixo” (RICARDO, 1982, p. 229).
Ricardo também era favorável à adoção de medidas protecionistas para o fomento das atividades industri-
ais, entendendo que favoreceriam seu fortalecimento e evitariam a concorrência no período inicial. Já os
períodos de guerra eram vistos como “estado de exceção” para o comércio exterior.
Durante o séc. XVIII, período de formação dos princípios econômicos liberais, o “espírito das vantagens
comparativas” e sua correspondente divisão internacional do trabalho, esteve presente, por exemplo, no
Tratado de Methuen, firmado entre Portugal e a Inglaterra, em 1703, que estabeleceu uma pauta no comércio
bilateral: Portugal passava a exportar vinho à Inglaterra, e esta, manufaturados a Portugal e suas colônias
(ambos com tarifas preferenciais).
80
Sobre o debate acerca da teoria do comércio internacional e a presença dos fatores terra e trabalho na tese
das vantagens comparativas de Ricardo, cf.: PALLOIX, 1981. Sobre a noção clássica da renda da terra, cf.:
LENZ, 1992.
163
(menores gastos com salários) e suas implicações no mercado de trabalho (diminuição do
preço da mercadoria trabalho) representavam uma grande vantagem comparativa aos capi-
talistas. Esta vantagem não era uma potencialidade “natural”, mas, sim, do livre-mercado
(oferta e procura).
Se esta era a teoria explicativa dos benefícios universais do intercâmbio livre na
divisão internacional do trabalho no sistema centro–periferia, cada parte tinha um papel a
desempenhar e ocupar, segundo as vantagens naturais, de mercado, humanas e tecnológi-
cas que possuía, garantindo sua competitividade e sua participação nos benefícios. À peri-
feria cabia produzir produtos primários (agrícolas e minerais) e vendê-los vantajosamente
no mercado internacional, sendo esta base produtiva a principal fonte financiadora do seu
crescimento econômico interno; aos centros cabia produzir e exportar bens industrializa-
dos e as novas tecnologias. Como ambas as partes apresentavam, assim, as melhores van-
tagens e estas acabavam sendo intercambiadas reciprocamente (quantidade e custo na ofer-
ta e na procura), pela teoria, todos obtinham ganhos econômicos.
Entretanto, a realidade periférica latino-americana não condizia com a teoria, não
porque a realidade era “incorreta” ou estava “fora do lugar”, mas, sim, porque a teoria não
mantinha correspondência com a realidade, com a história econômica da região e com sua
participação (benefícios) comercial no sistema. Sendo esta a realidade e não havendo ou-
tra, por condição ontogênica
81
, a interpretação “clássica ricardiana” do desenvolvimento
latino-americano não tinha validade histórica, segundo Prebisch.
Segundo esta premissa, o fruto do progresso técnico tende a repartir-se
igualmente em toda a coletividade seja pela baixa dos preços, seja pela
alta equivalente das remunerações. Por meio do intercâmbio internacio-
nal, os países de produção primária obtêm[inham] sua parte neste fruto.
Não necessitam[vam], portanto, de industrializar-se. Pelo contrário, sua
menor eficiência fá-los-ia perder irremediavelmente as vantagens clássi-
cas do intercâmbio (PREBISCH, 1949, p. 47; cf. 1951, p. 76, grifo nos-
so).
81
Sobre este tema, a ontogenia do Ser e do conhecimento na relação cognitiva, cf. SCHAFF, 1983.
164
Para Raúl Prebisch (1949, p. 47; 53), a teoria clássica” podia ter validade se
fosse aplicada à economia dos países centrais, pois, num comércio livre exclusivo aos cen-
tros, as vantagens comparativas tinham sentido, uma vez que o intercâmbio era realizado
entre iguais. Esta relação entre iguais, por outro lado, não era possível no comércio entre
centro–periferia, em função das desigualdades estruturais do/no desenvolvimento econô-
mico. Em todos os casos, se a teoria fosse expressão da realidade do sistema geral, aí, sim,
a tendência à deterioração dos termos de intercâmbio não tinha fundamentação. Não exis-
tindo esta estrutura, o próprio sistema centro–periferia não teria surgido.
No “Estudio de 1949”, os três aspectos centrais da tese das vantagens comparati-
vas no intercâmbio mereceram, respectivamente, três conclusões críticas, por parte da
Comissão (PREBISCH, 1951, p. 77-79):
O primeiro se referia à “reciprocidade na transferência dos benefícios”, con-
testado porque na realidade isso não ocorria.
O segundo tratava da “economicidade da indústria” e seu desenvolvimento no
livre comércio
82
, criticado, pois não se verificava a plena mobilidade de todos
os fatores, tampouco havia um único e livre-mercado internacional.
O terceiro dizia respeito à expansão do progresso técnico na economia (pro-
dutividade e redução dos custos/preços) e seus benefícios “universais”
83
, tam-
bém negado, pois circunscrevia-se apenas às economias dos países centrais.
82
Segundo argumento: “A teoria (...) demonstra, com absoluto rigor lógico, as vantagens econômicas da
espontânea divisão internacional do trabalho, na hipótese de absoluta mobilidade dos fatores produtivos”
(PREBISCH, 1951, p. 77-78).
83
Terceiro argumento: “Segundo a aludida teoria, o fato de se registrar um incremento na produtividade de
determinado grupo de atividades, pressupõe que a resultante baixa dos preços virá, em seguida, beneficiar
as demais atividades, criando nelas uma margem adicional de renda, suscetível de incrementar o consumo
ou a poupança. Mas, se não houver uma baixa nos preços dos grandes centros, à medida em que aumentar
a produtividade e crescer a renda, o incremento do consumo e da poupança ocorrerá apenas nos ditos cen-
tros” (PREBISCH, 1951, p. 78-79).
165
Os desdobramentos dessas críticas foram detalhados a partir da demonstração da
deterioração nas relações de preços no sistema centro–periferia e da inexistência da mobi-
lidade absoluta dos fatores produtivos, principalmente da força de trabalho, no intercâmbio
mundial.
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RR
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O princípio da deterioração nas relações de preços foi o instrumento operacional
da teoria do subdesenvolvimento para demonstrar a incompatibilidade entre a teoria “clás-
sica” e o funcionamento do sistema periférico, pois, nem o progresso cnico e sua inova-
ção foram propagados de forma ampla, em intensidade e homogeneidade, como seus bene-
fícios (ganhos de produtividade) permaneceram favoravelmente circunscritos à parte cên-
trica. Inserida neste sistema, a periferia não tinha possibilidade de se desenvolver confor-
me a necessidade de sua população.
Se a periferia era resultado da divisão internacional do trabalho (numa ordem eco-
nômica livre, individual, espontânea e lenta), esta forma de evolução capitalista central
não podia se repetir na periferia ou permanecer em vigência na ordem internacional; tam-
pouco seu código do “livre-mercado(laissez-faire), inclusive no âmbito do intercâmbio
mundial, não podia viabilizar os meios e a forma à superação da condição periférica.
Cabe observar, por outro lado, que a tese da deterioração das relações de troca e o
conjunto da economia política do subdesenvolvimento possuíam um limite teórico, locali-
zado em sua base: a visão de mundo e da economia capitalista. Para Pedro Fonseca, a teo-
ria cepalina não pode ser considerada como uma teoria geral da economia, uma vez que
não contém “uma teoria do valor, dos preços e da distribuição” (FONSECA, 2000, p. 44).
166
As concepções da deterioração dos termos de intercâmbio e da elasticidade-renda
foram sistematizadas no interior dos dois princípios gerais da economia política periférica,
indicados no início do item: ciclo (crescimento da produção) e renda (consumo).
As implicações que a expansão e a inovação do progresso técnico traziam às ativi-
dades produtivas (indústria e agricultura), às formas de distribuição da renda e do consu-
mo (interesses dos empresários, dos trabalhadores e da massa sobrante e desempregada),
às regras do livre-mercado, em meio ao movimento cíclico da economia capitalista, e seus
vínculos com o sistema centro–periferia, formavam a rede (teia) explicativa da deteriora-
ção dos termos de intercâmbio.
A versão contábil” (RODRÍGUEZ, 1981, p. 52-53) da deterioração, ou dos ga-
nhos do progresso técnico (produtividade, custos e rendas), também fazia parte da crítica à
tese das vantagens comparativas da especialização e do “bem universal do livre comér-
cio”, conforme se verifica na seguinte passagem no “Manifesto”:
se os preços houvessem baixado em harmonia com a maior produtivida-
de, tal baixa teria sido menor nos produtos primários que nos industriais;
de forma que a relação de preços entre ambos fosse melhorando persis-
tentemente, em favor dos países da periferia, conforme se acentuasse a
disparidade de produtividade (PREBISCH, 1949, p. 55)
84
.
A deterioração dos termos de intercâmbio era um dos obstáculos estruturais ao de-
senvolvimento econômico latino-americano. No sistema centro–periferia, a deterioração
também ocorria de forma diferenciada. Sua parte dinâmica era o ponto originário do fe-
nômeno e obtinha seus maiores ganhos. sua parte dependente sofria desse mal e perdia
parte dos frutos do seu próprio crescimento e da elevação da produtividade na economia
interna. A homogeneidade e diversidade da economia nacional dos países centrais e a he-
terogeneidade e especialização dos países periféricos, no sistema, adquiriam conteúdo
econômico e social nas relações de intercâmbio.
84
O texto citado também pode ser encontrado, praticamente com os mesmos termos, no “Estudio de 1949”
(PREBISCH, 1951, p. 64-65).
167
Todavia, o ponto de partida da deterioração estava na periferia e era movida e mo-
tivada pela heterogeneidade econômica e social latino-americana. Sua característica popu-
lacional (altas taxas de crescimento vegetativo e o predomínio da população rural) e a
permanência das estruturas do modelo de crescimento "para fora" (diferenças de produti-
vidade entre os nichos de exportação e as atividades pré-capitalistas; grandes disparidades
na distribuição de renda; baixa taxa da renda per capita; e, as formas de consumo dos es-
tratos elevados) faziam com que a elevação da produtividade (técnica moderna, relação
capital/homem) e seus frutos, num ambiente de livre-comércio internacional, jogassem
contra o próprio desenvolvimento na periferia, pois,
na produção primária, geralmente, tende a surgir um excedente de popu-
lação economicamente ativa, que exerce uma preso desfavorável sobre
os salários e os preços primários. Essa tendência provém, de uma parte,
do crescimento relativamente intenso da população nas regiões de pro-
dução primária, e, de outra parte, do progresso técnico, que exige menor
quantidade de mão-de-obra, para obter a mesma quantidade de produtos.
À indústria e às atividades que dependem direta ou indiretamente de seu
desenvolvimento, compete, na realidade, a função de absorver esse ex-
cedente (PREBISCH, 1951, p. 66, grifo nosso).
A deterioração veio a ser uma radiografia do que efetivamente representava o lais-
sez-faire na economia e no mercado interno da periferia e seus vínculos no intercâmbio
dentro do sistema centro–periferia. Tampouco o laissez-faire era compatível com o desen-
volvimento latino-americano, como não podia servir de regramento à sua inserção na eco-
nomia capitalista ocidental. Para Raúl Prebisch, na América Latina, o absoluto livre-
mercado na economia interna e o pleno livre-comércio no intercâmbio externo resultaram
no subdesenvolvimento da região e não havia alternativa dentro dessa divisão internacio-
nal do trabalho.
A lei da oferta e da procura, em sua máxima, numa realidade nacional e regional
econômica e socialmente heterogênea e especializada, acentuava suas desigualdades inter-
nas e internacionais (no sistema centro–periferia). No livre jogo individual e espontâneo
168
entre os fatores produtivos e os sujeitos sociais, neste espaço, o desenvolvimento manifes-
tava sua face periférica e invertia o potencial da relação entre progresso técnico (produti-
vidade) e condições de vida (rendas). Esta era a própria cara do laissez-faire latino-
americano: o capitalismo periférico na periferia. Ou melhor, o sistema tinha um único cor-
po, mas com duas faces: o subdesenvolvimento periférico e o desenvolvimento central.
O problema da deterioração podia ser constatado na forma pela qual os frutos do
progresso técnico eram distribuídos na sociedade periférica e no sistema centro–periferia.
Seu ponto de partida estava na produção: as respectivas diferenças (produtividade e ga-
nhos) que havia entre as atividades fundamentais (primária e industrial) e o preço dos pro-
dutos. A tendência à deterioração na relação dos preços dos produtos primários e dos in-
dustriais mantinha uma perspectiva histórica desfavorável à periferia, mesmo ocorrendo
variações cíclicas. No “Manifesto”, Prebisch fez três considerações a respeito da inconsis-
tência da teoria clássica do intercâmbio e sua real contingência sistêmica:
Primeira:
“Os preços não baixaram em conformidade com o progresso
técnico, pois, enquanto, por um lado, o custo tendia a baixar, em razão do
aumento da produtividade, subiam, por outra parte, as remunerações dos
empresários e dos fatores da produção. Quando a ascensão das remune-
rações foi mais intensa que a da produtividade, os preços subiram, em vez
de descer”
;
Segunda:
“Se o crescimento das remunerações, nos centros industriais e
na periferia, houvesse sido proporcional ao aumento das respectivas pro-
dutividades, a relação de preços entre os produtos primários e os produtos
finais da indústria não teria sido diferente da que existiria se os preços
houvessem baixado estritamente de acordo com a produtividade. E dada a
maior produtividade da indústria, a relação de preços ter-se-ia movido
em favor dos produtos primários
;
Terceira:
“Como, na realidade, a relação se moveu contra os produtos
primários, entre os anos setenta do século passado e os trinta do presente,
é óbvio que as remunerações dos empresários e fatores de produção cres-
ceram, nos centros, mais que o aumento da produtividade, e na periferia
menos que o respectivo aumento da mesma produtividade” (PREBISCH,
1949, p. 56, grifo nosso).
Na realidade, a tese da deterioração das relações de preços partia do indicativo po-
tencial de produtividade do progresso técnico e da maior dinamicidade da indústria sobre a
169
produção primária, ambas dimensionadas no sistema centro–periferia e na economia capi-
talista. A constatação de que esta deterioração mantinha uma tendência histórica ia de en-
contro à avaliação cepalina do caráter estrutural do fenômeno, motivo pelo qual a hetero-
geneidade e a especialização econômica primária-exportadora, nos padrões existentes e
predominantes no “modelo passado”, tinha que ser rompidas através da industrialização
(diversificação e homogeneização).
Mas, qual era o complicador da deterioração dos preços nas relações de troca?
Na ótica da economia política periférica, esta era uma das estruturas da vulnerabi-
lidade externa da periferia e da inviabilidade do modelo de crescimento “para fora”, pois
estava ancorado nas exportações primárias para obter capitais, efetuar os pagamentos ex-
ternos e importar (bens de consumo e tecnologia). A relação de preços desigual deteriora-
va o poder de compra da economia periférica
85
. Como os preços primários tendiam à redu-
85
No Estudio de 1948, a CEPAL já havia apresentado
um levantamento do movimento da relação de intercâm-
bio para o período de 1925 a 1948 (Tabela – 03), e-
videnciando a tendência negativa para a América La-
tina e a assimetria entre os preços das exportações
primárias e as importações de manufaturas dos países
centrais.
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Fonte: Apud: CEPAL. Estudio Económico – 1948. p. 247 (Quadro 89)
(a): Calculado com os preços dos produtos manufaturados exportados pelos
Estados Unidos e Reino Unido.
(b): 10 meses.
170
ção, para manter o mesmo poder de compra das exportações era preciso aumentar o volu-
me da produção de exportação, ou buscar financiamento e capital externo ao crescimento.
Entretanto, esses últimos aumentavam ainda mais suas contas externas a pagar (importa-
ções, dívida e juros).
A deterioração dos termos de intercâmbio fragilizava a periferia, pois esta depen-
dia do volume e dos preços de suas exportações, bem como das importações. A balança
comercial e seus saldos dependiam das oscilações nas relações de preços. Acrescia-se a
isto a tendência diacrônica na seqüência dos ciclos de crescimento e a depressão externa
que se propagavam até a periferia
86
, além das características da economia capitalista refe-
rentes à elasticidade-renda e ao dinamismo das atividades industriais sobre as primárias
(progresso técnico, produtividade, fases da cadeia produtiva e potencialidade de ocupação
da força de trabalho). Na relação indústria–agricultura (produção primária) repetia-se a
Nos anexos do Manifesto”, foi apresentado um conjunto de tabelas contendo dados dos principais pro-
blemas latino-americanos. Numa das tabelas, abaixo reproduzida, foram incluídos os dados da deterioração
das relações de preços entre o período de 1876/80 a 1946/47.
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Fonte: Apud: PREBISCH, R. “O desenvolvimento econômico da América Latina ..., p. 94
(a) Quantidade de artigos finais da indústria que se podem obter com
uma quantidade determinada de produtos primários
.
86
No “Estudio de 1949”, a Comissão apresentou várias tabelas incluindo o item Relação de Preços. Além da
Tabelas 2 (Anexo) e 3 (Anexo), confira também a Tabela-5 (Anexo), que traz informações sobre a Relação
de Trocas da América Latina com os
EUA
(1900-1949, ano base 1937); e, a Tabela-6 (Anexo), entre a Amé-
rica Latina e a Europa (1870-1949, ano base 1937). A partir dos índices, pode-se perceber a presença das
variações cíclicas (principalmente nos anos 30) e das guerras, além das diferenças entre os fluxos comerciais
de ambos.
171
tendência da dependência no/do movimento reflexo
87
. No “Estudio de 1949”, o tema foi
discutido enquanto elemento da deterioração nas suas relações internas e externas do sis-
tema e nos ciclos.
Quanto ao último elemento do dinamismo, o setor urbano-industrial era visto como
núcleo do desenvolvimento, tanto pelo fato de se concentrar nele a base da geração e pro-
pagação do progresso técnico e da produtividade, quanto pela grande capacidade que tinha
de absorver o excedente de mão-de-obra sobrante nas atividades primárias (modernização
tecnológica) e do crescimento vegetativo. Não ocorrendo isso, a absorção da população
economicamente ativa (PEA) nas atividades industriais e de serviços, a abundância da for-
ça de trabalho excedente ou desocupada agravava ainda mais o problema estrutural da
pobreza das grandes massas e pressionava novamente no rebaixamento dos salários, reto-
mando e reforçando negativamente o próprio círculo vicioso da deterioração.
Em sua obra de 1963, “Hacia una Dinámica...”, Prebisch situou a deterioração a
partir da heterogeneidade da economia periférica e da insuficiência estrutural que possuía
diante das exigências que um desenvolvimento dinâmico colocava. Permanecendo a insu-
ficiência, a deterioração nas atividades primárias (produtividade, salários, absorção e
transferência) repetir-se-ia continuamente no sistema centro–periferia.
A explicação da deterioração está na insuficiência dinâmica do desen-
volvimento, que não facilita a absorção da mão-de-obra não requerida
pelo lento crescimento da procura e pelo aumento da produtividade nas
atividades primárias. Esta insuficiência dinâmica impede que os salários
destas últimas subam paralelamente ao aumento de produtividade e, na
medida em que isso aconteça, a produção primária perde, totalmente ou
em parte, o fruto do seu progresso técnico (PREBISCH, 1964a, p. 99).
87
“A bem dizer, encontra-se na indústria um elemento dinâmico que não se observa, com a mesma intensi-
dade, na produção primária. Esta última, como, aliás, indica o seu nome, compreende as fases iniciais do
progresso produtivo, enquanto que a indústria abrange as fases subseqüentes. Devido justamente à posição
relativa de ambas estas atividades, o aumento da atividade industrial fomenta a atividade primária; esta,
entretanto, carece de força para estimular a atividade industrial” (PREBISCH, 1951, p. 68).
172
Um outro aspecto da deterioração, mencionado, foi explicado através da “versão
ciclo” (RODRÍGUEZ, 1981). Nesta versão, aprofundada no “Estudio de 1949”, a relação
dos preços entre os produtos primários e industriais foi discutida a partir da oferta e da
procura nas fases dos ciclos de crescimento da economia internacional.
É sabido que, durante o período cíclico, a relação de preços modifica-se
de maneira a favorecer os preços dos produtos primários durante a fase
ascendente; mas, em geral, durante a fase descendente, os produtos pri-
mários perdem mais do que haviam ganho anteriormente. Deve-se à re-
petição, através de uma série de ciclos, desta baixa na relação de preços
(que diminuem mais nas sucessivas depressões do que aumentam duran-
te as fases de prosperidade), a origem da tendência crônica à piora nas
relações de trocas... (PREBISCH, 1951, p. 79-80, grifo nosso).
Este era o conjunto da teia da deterioração dos termos de intercâmbio. A tendência
(crônica e diacrônica) era desfavorável à periferia, uma vez que, no ciclo, a melhora nos
preços dos produtos primários ocorria somente na fase crescente, porém, como o eleva-
va sua produtividade e os salários num nível igual ou superior ao centro, perdia mais na
fase depressiva da crise do que havia ganhado na fase crescente do ciclo. Sua capacidade
de importar e sua balança de pagamentos estavam submetidas e mesmo submissas ao mo-
vimento reflexo. Nessas condições, a periferia arcava com os custos da retomada do cres-
cimento nos países centrais e nela mesma.
Fora da tendência do ciclo e da elasticidade-renda somente restava a guerra como
um fenômeno externo que poderia repercutir nas relações dos preços, quando não atingisse
todo o sistema do comércio internacional. A CEPAL, porém, não apresentou uma teoria da
guerra. O problema da guerra não foi incluído, em si, como um problema periférico, entre-
tanto, a guerra (Primeira e Segunda Guerras Mundiais, Guerra da Coréia, Guerra do Viet-
nã) e a crise do ciclo (crise de 29 e sua grande depressão durante os anos 30), foram fato-
res externos fundamentais para a crise interna do “modelo para forae motivadores da
industrialização periférica, na visão da Comissão (cf. item 1.3, do Capítulo 1). Os dois
fenômenos, a guerra (que não é objeto da economia política, mas interfere na economia) e
173
o ciclo (crescimento e crise), estavam presentes na discussão cepalina desde o “Estudio de
1948” e o Manifesto”, sendo o último um problema de ordem estrutural da economia
capitalista que orientou a política periférica de industrialização, enquanto programa perifé-
rico anticíclico
88
.
A partir da tese da deterioração dos termos de intercâmbio, Prebisch/CEPAL ques-
tionou a teoria clássica, apresentando uma outra interpretação negadora da visão anterior.
Pela estrutura lógica da tese da deterioração nas relações de troca entre produtos
primários e industriais no sistema centro–periferia, sua crítica às vantagens comparativas
demonstrou consistência. Os indicadores históricos da variação e sua tendência negativa à
periferia também eram perceptíveis. Entretanto, mesmo contrapondo o laissez-faire e sis-
tematizando uma boa abordagem do movimento cíclico, a nova interpretação permaneceu
no interior da visão do sistema geral. Sua economia política abordou as relações de troca a
partir dos preços e da “lei da oferta e da procura”, ou seja, o progresso técnico, a produti-
vidade e os ganhos (lucros e salários) remetiam à uma compreensão da produção sem a
categoria “mais valor de trabalho”, e a avaliação das pressões sociais o rompia o espaço
do mercado, cindindo as relações concretas na produção das relações de mercado (oferta e
demanda), repetindo o pensamento de Keynes (1985; cf. PREBISCH, 1991), que também
submetia a produção à necessidade de demanda.
Por outro lado, na crítica ao “comércio plenamente livre”, do laissez-faire, a com-
provação de que nem todos os fatores produtivos eram ou estavam livres condizia com a
realidade, pois a mobilidade internacional da força de trabalho efetivamente o ocorria.
Neste aspecto, a crítica cepalina colocou a teoria clássica literalmente na “berlinda”.
88
Nos “Estudios de 1950 e 1951-1952”, a melhora nas relações de preços dos produtos latino-americanos e
do volume de comércio com os Estados Unidos, segundo a
CEPAL
, estava relacionada com a Guerra da
Coréia (1950-52/1954). No “Estudio de 1951-1952”, um capítulo específico sobre o assunto: “Efeitos do
rearmamento e das variações da demanda nos países industriais” (CEPAL, 1954a, p. 91-100).
Na obra “Hacia una Dinámica del Desarrollo Latinoamericano”, de 1963, Prebisch fez um breve
comentário sobre os gastos excessivos e impróprios na indústria bélica (PREBISCH, 1964a).
174
Quais eram, pois, as implicações no sistema centro–periferia caso houvesse a plena
mobilidade da força de trabalho? No “Estudio de 1949”, Prebisch havia projetado esta
possibilidade, conforme segue:
A plena mobilidade da população, em conseqüência, tornar-se-ia essen-
cial, ou melhor, o excesso da população economicamente ativa da perife-
ria teria que se dispor a emigrar, vencendo sua natural resistência. Ao
mesmo tempo, os centros industriais deveriam estar prontos a receber es-
sas grandes massas de imigrantes que, habituados a salários relativamen-
te baixos, teriam grandes vantagens na concorrência com a mão-de-obra
dos referidos centros (PREBISCH, 1951, p. 23).
Ora, sem a mobilidade internacional da população, ou seja, dos trabalhadores, não
havia como pensar um comércio plenamente livre. Somente com esta mobilidade, em tese,
se completava o conjunto das vantagens comparativas, ou seja, todos os fatores de produ-
ção estavam, então, numa mesma economia, num único mercado e num mesmo espaço de
intercâmbio. Ocorrendo isso, não havia contraditoriedade entre a teoria e a realidade da
tese ricardiana.
No caso de haver plena mobilidade internacional da força de trabalho e se as van-
tagens comparativas regessem a economia, ter-se-iam duas possibilidades: primeira: o
nivelamento geral dos salários por cima, mas para isso as classes trabalhadoras teriam que
estar organizadas
89
, pois todo o ganho delas representaria uma diminuição dos lucros (ca-
pital) dos empresários; segunda: o nivelamento por baixo, caso em que os empresários
obteriam vantagens utilizando-se de dois meios: a tecnologia substitutiva de o-de-obra
que estava sob seu controle e propriedade, e o grande número da população desempregada
e/ou desocupada
90
.
89
Neste caso, os trabalhadores não poderiam perseguir o interesse próprio, individual, contrário ao que Da-
vid Ricardo sugeriu aos capitalistas para investirem no exterior.
90
Este tema é um bom ponto da partida para a discussão dos projetos de criação de espaços comerciais e/ou
econômicos em andamento atualmente, como o
MERCOSUL
, o
NAFTA
e a
ALCA
.
Francisco de Oliveira tratou do nivelamento salarial, por baixo, segundo ele, ocorrido no Brasil na época
em que foi implantada a Lei do Salário Mínimo, durante o Governo de Getúlio Vargas (cf. OLIVEIRA,
1987).
175
No “Estudio de 1949” também foi projetada uma possibilidade para o caso de e-
xistir plena liberdade e se fosse absoluta a mobilidade da população economicamente ati-
va. Neste caso, “encontraríamos uma forte tendência ao nivelamento dos salários primá-
rios e industriais, tendo em conta as diferenças de aptidão” (PREBISCH, 1951, p. 66)
91
.
Seguindo o raciocínio de Prebisch, isso representava que, primeiramente, não havia
mais deterioração das relações de preços e/ou mesmo dos ganhos (produtividade e salários
assimétricos), pois a propagação do progresso cnico seria homogênea e diversificada no
conjunto da economia. Na seqüência, se as mudanças anteriores ocorressem, o sistema
centro–periferia deixaria de existir ou passaria a ter seus dias contados. Porém, esta hipó-
tese seria a melhor do ponto de vista social (nivelamento por cima). Uma hipótese do pon-
to de vista do capital (nivelamento por baixo) não teria este desdobramento.
Como a discussão da plena mobilidade internacional da população foi tratada no
“Estudio de 1949” para contestar a teoria clássica, uma vez que era abstrata e inconciliá-
vel “com a realidade econômica e social do mundo” (PREBISCH, 1949, p. 24), ou, pelo
menos com a realidade periférica, a retórica da lógica da teoria clássica foi confrontada
com a prática concreta do intercâmbio internacional no sistema centro–periferia.
Em vista da atual estrutura da economia internacional, os grandes países
limitam este processo à sua própria população. Suas indústrias e demais
atividades não se desenvolvem para absorver a população da periferia.
Nestas circunstâncias os países periféricos não têm outro recurso para
absorver o excedente de sua população economicamente ativa, se não
desenvolverem sua própria atividade industrial (PREBISCH, 1949, p.
67).
91
Esta projeção corresponderia a uma situação favorável de nivelamento por cima e a base dos salários seria
a do setor industrial; do contrário haveria o nivelamento por baixo e a base dos salários seria a do setor pri-
mário, o que colocaria em risco as características da economia cêntrica. De qualquer forma, havendo plena
mobilidade da força de trabalho, o sistema centro–periferia não seria mais o mesmo. Fatalmente caminharia
para um dos dois rumos (nivelamento por cima ou por baixo) e os parâmetros para o intercâmbio mundial
seriam distintos. Hipoteticamente também haveria o pleno livre-comércio internacional e os estados nacio-
nais deixariam de exercer qualquer tipo de interferência positiva ou negativa.
176
A tese da deterioração dos termos de intercâmbio não deixou de levantar uma pro-
blemática relevante: quais eram as possibilidades da transferência internacional da ci-
ência & tecnologia (progresso técnico e patentes) e das rendas (ganhos de produtividade
e royalty), por um lado, e quais eram os instrumentos de controle e exclusividade no do-
mínio da ciência & tecnologia e da regulamentação da força de trabalho, por outro?
Para aprofundar a discussão sobre a deterioração das relações de preços e de inter-
câmbio, e dar continuidade aos demais fatores/elementos integrantes da abordagem cepa-
lina, os itens seguintes especificam a elasticidade-renda (papel de progresso cnico) e as
pressões sociais existentes e suas implicações ao crescimento econômico no sistema cen-
tro–periferia.
;
;;
;
;
;;
;
9
99
9
9
99
9
N
NN
N
N
NN
N
Para Raúl Prebisch, a deterioração das relações de preços, das trocas, no intercâm-
bio e as características da elasticidade-renda na economia capitalista eram fundamentais à
dependência geral da periferia no sistema, manifesta em seu desequilíbrio externo. A de-
pendência reflexa implicava no poder de compra das exportações e seu desdobramento na
capacidade de importar. Esta, por sua vez, permanecia numa situação constante de dese-
quilíbrio na balança comercial e de pagamentos, ou seja, havia uma tendência crescente
por importações (pauta de consumo: bens de consumo imediato e durável; pauta da indus-
trialização: bens de capital e equipamentos) que esbarrava na capacidade de importar. Ao
mesmo tempo, as exportações dos países periféricos permaneciam em constante instabili-
dade em função dos preços (deterioração), do volume (aumento na produção interna), da
177
produtividade (progresso técnico e distribuição dos ganhos) e da demanda externa (impor-
tação de produtos primários dos países centrais)
92
.
As duas situações de dependência se condensavam no problema da vulnerabilidade
externa. A interpretação teórica do estrangulamento do desenvolvimento latino-americano
foi construída por Prebisch/CEPAL levando em conta a participação do progresso técnico
nas transformações de ordem produtiva e na formação da elasticidade-renda, e conside-
rando também a dinâmica das pressões por lucro e salário no sistema centro–periferia (i-
tem 2.4, a seguir). Os dois elementos estavam presentes no “Manifesto”, mas foram
aprofundados no “Estudio de 1949” (pressões e progresso técnico) e nos “Problemas Te-
óricos y Prácticos (progresso técnico).
O ponto de partida dessa reflexão foi colocado no “Estudio de 1949”, com a se-
guinte interrogação:
na hipótese dos países típicos de produção primária, tais como aqueles
do continente latino-americano, empregarem, nas atividades de exporta-
ção, quer o excedente de mão-de-obra criado pelo progresso técnico,
quer o incremento vegetativo de sua população, seria, a capacidade de
importação dos centros industriais, suficientemente grande, para permitir
a absorção de tão vultoso aumento das exportações latino-americanas?
(PREBISCH, 1951, p. 20-21).
Diferentemente da teoria clássica que defendia a continuidade da especialização
produtiva agro-exportadora como modelo de crescimento e compreendendo o desequilí-
brio externo como parte natural do movimento cíclico da economia capitalista, pois a cada
período de crise e readequação produtiva, com recessão, retomar-se-ia o crescimento –,
para Raúl Prebisch, o desequilíbrio externo era próprio da economia capitalista e das rela-
ções existente no sistema centro–periferia, pois, no “modelo para fora”, os países subde-
92
Para Prebisch/CEPAL, estes dois desequilíbrios eram elementos comuns dos países latino-americanos e
características (denominadores comuns) do subdesenvolvimento da região: o primeiro desses denominado-
res é a deficiência das exportações, com relação à sua capacidade para absorver tanto o incremento da
população como o excedente desta, decorrente do progresso técnico. Agora temos o segundo denominador
comum, isto é, a deficiência dessas exportações em relação à sua capacidade de suprir a procura emergen-
te do desenvolvimento econômico” (PREBISCH, 1951, p. 16, grifo nosso).
178
senvolvimento não tinham como romper o círculo vicioso do desequilíbrio externo, a não
ser se industrializando aceleradamente.
Entretanto, uma política de industrialização recolocava o mesmo problema do de-
sequilíbrio externo, porém nos termos onde se localizavam os elementos da insuficiência
interna. Na obra de 1952, Prebisch resumiu as duas proposições (problemas) teóricas que a
industrialização colocava aos países da região:
Segundo uma: a industrialização é a forma de crescimento imposta pelo
progresso técnico nos países latino-americanos, que formam parte da pe-
riferia da economia mundial. E, segundo outra, esse crescimento da eco-
nomia traz consigo certas tendências persistentes de desequilíbrio exteri-
or (PREBISCH, 1973, p. 21).
Não havendo possibilidades de crescer, dependendo exclusivamente das rendas
primárias, a adoção interna dos padrões gerais da economia e da dinâmica atual, a indús-
tria e o progresso técnico colocavam à periferia estes problemas, pois era necessário trans-
formar sua economia (adquirir os dois instrumentos da dinâmica: a indústria e a ciência &
tecnologia em seu último estado, em seu nível mais avançado) e atingir seu ritmo (desen-
volver ciência & tecnologia, ter o domínio do progresso cnico). Resumindo. Para supe-
rar a condição periférica, era preciso não somente ter e dispor (por aquisição) da tecnolo-
gia mais avançada para difundi-la ao conjunto da economia nacional, mas fundamental-
mente adquirir o domínio sobre sua inovação em sua última geração ou ao menos em seto-
res estratégicos. Alcançando-se esta dupla dinamicidade do progresso técnico, econômico
e científico, a condição periférica estaria finalmente superada (ou em vias de superação)
na região ou nos países periféricos que conseguissem realizá-la.
A dinâmica industrial e tecnológica e suas tendências eram, pois, complicadores à
periferia. Sendo o progresso técnico o fator dinâmico-transformador, suas implicações
norteavam o problema teórico (como interpretá-lo?) e prático (qual política econômica?).
Nos “Problemas Teóricos y Prácticos”, Prebisch indicou os dois tipos de transformações
179
que o progresso técnico e suas inovações geravam na economia: “nas formas de produzir e
na demanda, por um lado, e, por outro, no modo em que a população ativa se distribui
para satisfazer essa demanda dentro de cada país e no âmbito da economia mundial
(PREBISCH, 1973, p. 21, grifo nosso).
Estas transformações gerais na economia se manifestavam
distintamente no sistema centro–periferia, haja vista as
desigualdades econômicas das partes e suas implicações no
sistema. Porém, as transformações atingiam todos os ní-
veis, produtos e fatores no conjunto da economia capita-
lista. Uma delas era a composição na produção e na renda:
O progresso técnico veio reduzindo a proporção em que os produtos
primários intervêm no valor dos artigos finais. Dito de outro modo vai
diminuindo o conteúdo de produtos primários na renda real da popula-
ção, especialmente nos centros industriais (PREBISCH, 1973, p. 21)
93
.
No conjunto da teoria da economia política periférica, a tese da elasticidade-renda
foi a abordagem que mais se aproximou da esfera da produção, mas não enfocou a tese do
“valor” (de uso e/ou de troca). As transformações e suas implicações tecnológicas na esfe-
ra da produção foram situadas corretamente, porém, voltavam-se ao consumo: a relação
entre a elasticidade dos fatores e produtos (participação e composição) na produção e na
formação dos preços finais, e a elasticidade do consumo segundo a renda (poder aquisiti-
vo).
Para Prebisch, havia três “razões” que explicavam as
transformações que o progresso técnico gerava na elasti-
cidade-renda que repercutiam nas condições do desenvolvi-
mento periférico (na pauta, no volume e nos preços das
exportações e importações):
a) as transformações técnicas, em sua incessante criação de novos produ-
tos, elaboram de forma cada vez mais complexa ou refinada as maté-
rias-primas que requer o processo produtivo e diminui, assim, a
proporção delas no valor do produto final. Em relação ao valor total, a
proporção de matérias empregadas na fabricação de um avião é, as-
sim, menor que no caso de uma locomotiva e nesta do que em uma
carruagem.
93
Para Octavio Rodríguez (1981, p. 142), as transformações que o progresso técnico gerava na economia
capitalista faziam parte da versão industrializaçãoda tese cepalina sobre a deterioração dos termos de
intercâmbio (agregação de valor a cada fase ou vel de transformação do produto). Porém esclareceu, que
os argumentos dessa versão somente podem ser entendidos no conjunto dos textos.
180
b) os avanços técnicos permitem uma melhor utilização das matérias-
primas, co-produtos e subprodutos, de tal sorte que uma mesma quan-
tidade de produtos primários se traduz num valor proporcionalmente
maior que antes de artigos finais. (...)
c) as matérias-primas elaboradas por procedimentos sintéticos, como os
nitratos, as fibras artificiais e os plásticos, substituem os produtos na-
turais em campos cada vez mais importantes da atividade industrial
(PREBISCH, 1973, p. 21-22)
94
.
Estas transformações tecnológicas nas formas de inovação, de uso, de invenção e
de origem das matérias-primas e produtos acentuavam o desequilíbrio externo dos países
primário-exportadores, comprometendo ainda mais sua capacidade de desenvolvimento,
pois as necessidades de importações tendiam à verticalização e à diversificação da pauta e
do quantum de capital, num movimento crescente. Já suas exportações, além de se deterio-
rarem nas relações de preços, tendiam a diminuir nos mesmos itens.
O progresso cnico e sua constante inovação também transformavam as formas de
consumo em dois aspectos, indicados no texto “Problemas Teóricos y Prácticos”:
a) ao aumentar a renda, a demanda se diversifica e, enquanto aumenta re-
lativamente pouco a dos alimentos usuais, depois de ultrapassar certo
limite, cresce consideravelmente a dos diversos artigos em que se vão
traduzindo sucessivamente as inovações técnicas.
b) nesta mesma tendência à diversificação, cresce a demanda de serviços
pessoais, e, portanto, diminui à proporção em que os produtos primá-
rios entram na satisfação da demanda global da população (PREBIS-
CH, 1973, p. 22).
A relação entre renda-consumo apresentada por Prebisch
parte do mesmo princípio da teoria clássica (Adam Smith e
Ricardo, citado anteriormente), e descrevia um aspecto da
condição humana, tratando-se da necessidade de alimentos.
Todavia, a renda-consumo, tal com ocorria na economia in-
dustrial e no sistema centro–periferia, representava um
problema a mais a ser resolvido, haja vista o desequilí-
brio externo entre a capacidade de exportar e de impor-
tar, diante das respectivas necessidades.
94
Estas transformações partem da relação entre o avanço científico-tecnológico e as formas de uso e partici-
pação do progresso técnico e dos produtos primários na produção final. Não se buscam as razões” e rela-
ções da/na formação do valor, pois este tem o somente o sentido de custo (preço) final da produção ou dos
produtos em questão.
181
Neste viés, partindo da tese da elasticidade-renda na di-
nâmica do progresso técnico e das características consu-
mistas no mercado capitalista, foi construído um argumen-
to a mais na crítica ao “modelo anterior”. O consumo exa-
gerado dos estratos de rendas elevadas e suas formas de
vida cêntrica na periferia (padrão de consumo de economi-
as de alta produtividade) iam a favor do movimento refle-
xo e contra a superação da dependência.
A dependência do progresso técnico, caso não fosse supe-
rada na periferia, acentuava as assimetrias no sistema e
aprofundava a distância (brecha) entre os centros e a pe-
riferia latino-americana, pois, mesmo modernizando a pro-
dução primária e se especializando ao máximo possível
(PREBISCH, 1973, p. 23), o ritmo do seu crescimento eco-
nômico dependeria do exterior.
Além das implicações que as inovações tecnológicas gera-
vam nas formas de produzir e consumir, o desequilíbrio
externo podia ser agravado com um outro aspecto desses
fatores, não apenas teórico, mas prático, como expôs Raúl
Prebisch. Se, pelo movimento reflexo, as partes do siste-
ma se diferenciavam pela capacidade de ação e de reação,
“ativa ou passiva”, somente os centros tinham independên-
cia e autonomia, “capacidade endógena” (SUNKEL e PAZ,
1991, p. 37), para adotarem uma política protecionista
aos “setores internos” mais “sensíveis” à concorrência
internacional, como o primário, sem com isso, compromete-
rem seu ritmo de crescimento ou se sujeitarem às pressões
externas.
Desde o
“Manifesto”
, a proteção cêntrica foi considerada
como problema à periferia. Prebisch retomou este assunto
na discussão da elasticidade-renda/progresso técnico:
O aumento da produtividade nos centros industriais se manifesta também
em sua própria produção primária e, em muitos casos, lhes permite com-
petir favoravelmente nos mercados exteriores com a periferia, apesar dos
salários mais baixos que prevalecem nesta. E, em outros casos em que
isso não ocorre, recorre-se à proteção para manter ou estimular a produ-
ção primária dos centros defendendo o mercado interno da concorrência
da periferia (PREBISCH, 1949, p. 23).
A prática do protecionismo cêntrico, independentemente de ser ou não uma medida
estratégica de defesa do mercado interno, ou das atividades primárias dos centros, podia
ser utilizada para fortalecer a crítica à teoria clássica e ao “modelo para fora”, pois se
constatava que o livre-comércio mundial efetivamente não existia. Portanto, a tese das
vantagens comparativas tinha um caráter ideológico. E, mesmo ocorrendo com a especia-
182
lização primária na periferia, esta o suportava um crescimento em longo prazo, além de
correr um sério risco de produzir uma crise econômica interna, circunscrita à periferia.
;
;;
;
;
;;
;
9
99
9
9
99
9
4
44
4
4
44
4
R
RR
R
R
RR
R
K
KK
K
K
KK
K
Na interpretação cepalina, o ciclo foi visto como a forma característica do cresci-
mento da economia capitalista. Ao progresso técnico cabia o papel de ser o instrumento
dinâmico das transformações nas formas de produzir e consumir, e de distribuir a popula-
ção economicamente ativa. E a produtividade foi vista como o meio pelo qual a constante
inovação, os custos e os ganhos podiam ser distribuídos entre rendas e acumulação.
Conforme foi apontado anteriormente, durante as fases do ciclo (crescimento e de-
pressão) a variação dos preços dos produtos primários e dos industriais não mantinha o
mesmo comportamento devido às variações entre a oferta e a procura.
Segundo David Ricardo (1982), entre uma fase e outra, ocorria o desequilíbrio en-
tre a oferta e a procura dos produtos, o que forçava os capitalistas a investirem na redução
dos custos da produção para retomar o crescimento dos seus negócios e lucros. Para ele, o
desequilíbrio nos preços era temporário, uma vez que na nova crescente os preços tendiam
à homogeneização graças à difusão das inovações tecnológicas ou à deterioração do traba-
lho (redução dos salários e desemprego).
Na discussão feita por Prebisch/CEPAL sobre a tese da deterioração das relações
de preços (reveja o item 2.2), o movimento cíclico adquiriu destaque por ser a manifesta-
ção do desequilíbrio dos preços, em conformidade com a realidade da oferta e da procura
dos produtos primários e industriais. Todavia, como o fenômeno era visto a partir das rela-
ções comerciais, na ótica da respectiva lei (Lei de Say; Lei da Oferta e da Procura), sua
solução permanecia intrínseca ao seu ponto de origem.
183
Na relação centro–periferia, através do intercâmbio, a vulnerabilidade dos países
latino-americanos mantinha vínculos com o movimento diacrônico dos ciclos. O centro
era tanto o centro do sistema e do dinamismo econômico e tecnológico, portanto, do cres-
cimento, como o centro da crise. Do centro se propagava, lenta e assimetricamente, o pro-
gresso técnico, cuja forma já foi comentada anteriormente, e a crise, rapidamente e para o
conjunto do sistema.
No “Manifesto”, o problema da desigualdade no movimento cíclico dos preços e a
forma de propagação nas fases da crise foram analisados através das pressões exercidas
entre os “empresários” e os “operários”. A passagem mais clássica sobre o assunto, naque-
le texto, resumia o movimento nos seguintes termos:
Durante a crescente, uma parte dos benefícios se foi transformando em
aumento de salários, pela concorrência dos empresários uns com outros e
pela pressão sobre todos eles das organizações operárias. Quando, na
minguante, o benefício tem que comprimir-se, aquela parte que se trans-
formou em ditos aumentos perdeu, no centro, sua fluidez, em virtude da
conhecida resistência à baixa dos salários. A pressão de desloca então
para a periferia com maior força que a naturalmente exercível caso não
fossem rígidos os salários e os benefícios no centro, em virtude das limi-
tações da concorrência. Assim, tanto menos possam comprimir-se as re-
munerações, no centro, tanto mais terão que fazê-lo na periferia (PRE-
BISCH, 1949, p. 59, grifo nosso).
Entretanto, foi no “Estudio de 1949” que o assunto foi tratado com mais clareza e
profundidade, incluindo elementos ausentes no “Manifesto”. Celso Furtado definiu o pro-
cesso da transferência da crise à periferia como “socialização das perdas” aos setores mais
pobres (FURTADO, 1985, p. 68), sugerindo que estas sim (perdas/custos da crise) atingi-
am as grandes massas da periferia, diferentemente dos benefícios da “civilização” (bem-
estar do progresso técnico). A propagação da crise atingia efetivamente todo o sistema
capitalista, difundindo-se plenamente à periferia.
Ao tratar da origem da deterioração nas relações de preços, a tese cíclica do “Ma-
nifesto” foi mantida no “Estudio de 1949”: são conseqüência da forma como, durante as
184
depressões cíclicas, se transferem dos empresários para os demais grupos sociais os bene-
fícios do progresso técnico” (PREBISCH, 1951, p. 80, grifo nosso).
A relação entre os interesses individuais dos empresários (taxa de lucros), dos ope-
rários (salários), bem como os demais grupos sociais, na repartição” dos ganhos de pro-
dutividade permaneceram com o mesmo sentido nos dois textos. Todavia, no “Estudio de
1949”, o aumento da produtividade, na fase de crescimento, e sua relação com os preços,
os lucros e os salários, foi tratada de forma mais detalhada.
Da mesma maneira, os interesses pelos ganhos de produtividade (lucros e salários)
foram diferenciados na fase crescente. Nesse mesmo sentido, se a avaliação da relação
entre produtividade-preço na crescente os preços sobem mais do que a produtividade
(progresso cnico) realmente ocorresse, a teoria clássica das vantagens comparativas
estava sendo novamente negada no “Estudio de 1949”.
Não obstante o incremento da produtividade, os preços tendem a subir
durante a fase ascendente aumentando, assim, os lucros dos ditos empre-
sários. Se fossem estendidas, imediatamente, aos salários e outras remu-
nerações, as vantagens oriundas do incremento da produtividade, estes
tenderiam a acusar uma alta maior do que a dos preços. Isso, porém, não
costuma ocorrer durante as crescentes cíclicas, pois nessa fase é freqüen-
te os preços subirem mais do que os salários, de maneira que se conser-
vam nas mãos dos empresários os benefícios do progresso técnico. É na
baixa cíclica que esses benefícios são transferidos para os salários, que,
na realidade, acusam uma queda menos intensa do que a dos preços.
Desta maneira, estabelece-se uma relação mais favorável aos salários, ti-
rando-se cada vez mais proveito desta relação à medida em que uma no-
va fase de prosperidade vai absorvendo o desemprego característico da
depressão cíclica (PREBISCH, 1951, p. 80, grifo nosso).
No “Estudio de 1949” também foi explicitado, com maior profundidade, o proces-
so de origem e a propagação da crise: de uma situação de maior demanda do que oferta de
manufaturados nos países centrais passa-se para uma de desequilíbrio entre a oferta e a
procura de manufaturados nos centros; desta resulta a formação de estoques; a tendência
prossegue com a queda dos preços abaixo dos custos de produção dos bens para eliminar
os estoques; e, avança com as pressões para a redução dos custos nas diversas fases da
185
cadeia de produção (PREBISCH, 1951, p. 81). Uma vez se chegando a este ponto, retoma-
se o crescimento (nova fase de ascensão do ciclo).
Na contração cíclica, as pressões sobre os custos caminham em dois sentidos:
um, dos empresários finais para os empresários subseqüentes da cadeia produtiva no con-
junto do sistema; e, o outro, dos empresários sobre os trabalhadores. Porém, ambos se-
guiam uma mesma direção: do centro para a periferia.
As pressões entre os empresários retrocediam às fases produtivas:
A acumulação de estoques excedentes, como sabemos, reduz a procura
dirigida, pelos empresários vendedores dos produtos manufaturados, aos
empresários que os precedem no processo econômico, assim como con-
trai a procura destes em relação aos que lhes precedem; e, assim, suces-
sivamente, até alcançar os empresários da produção primária, na perife-
ria. Em cada uma destas fases, através das quais se transmite o impulso
da contração cíclica, ocorre uma diminuição de emprego e de benefícios
(PREBISCH, 1951, p. 82, grifo nosso).
As pressões dos empresários sobre os trabalhadores acom-
panhavam os limites da organização sindical em cada parte
do sistema e da proporcionalidade dos salários na produ-
ção final, nos centros, e das iniciais, na periferia:
Os salários pagos nos centros industriais constituem a maior parte do
custo de produção correspondente às etapas produtivas ali realizadas. Por
conseguinte, em vista da baixa dos salários ser relativamente pequena,
transfere-se inevitavelmente, para a periferia, a tarefa de reduzir o valor
de oferta (PREBISCH, 1951, p. 82-83, grifo nosso).
Na periferia, uma redução dos preços dos produtos primários importa,
forçosamente, numa diminuição dos benefícios, exercendo-se uma influ-
ência prejudicial sobre os salários, num ambiente em que as organiza-
ções de trabalhadores, quando existem, são muito menos eficientes do
que nos centros cíclicos (PREBISCH, 1951, p. 82).
Pela interpretação do movimento cíclico, no “Manifesto” e no “Estudio de 1949”,
além da importância que tinha na funcionalidade para o crescimento da economia, este
também era o meio pelo qual o sistema centro–periferia expressava sua organicidade. A
capacidade de ão e reação no movimento reflexo: a dependência estrutural periférica.
Na visão cepalina, este era o desequilíbrio no sistema e
o instrumento de exportação cêntrica dos custos da crise
186
cíclica e da transferência da produtividade periférica
(tecnológica e salarial) para o centro.
Nisto está a chave do fenômeno pelo qual os grandes centros industriais,
não apenas retêm para si o fruto da aplicação das inovações técnicas à
sua própria economia, mas, ainda, estão em posição favorável para cap-
tar uma parte do que surge no progresso técnico da periferia (PREBIS-
CH, 1949, p. 59, grifo nosso).
Os argumentos da teoria do subdesenvolvimento demonstravam os erros teóricos
do laissez-faire e da impossibilidade de superação da condição periférica dentro do pró-
prio sistema e de sua divisão internacional do trabalho (vantagens comparativas da especi-
alização tradicional). Quanto à sustentação teórica da deterioração dos termos de inter-
câmbio, das relações de preços, da elasticidade-renda e da exportação da crise e das for-
mas de captação da produtividade da periferia, caberia um outro estudo comparativo.
Na obra de 1952, em meio a tamanhos problemas estruturais que o sistema centro–
periferia colocava à América Latina, Raúl Prebisch (1973) levantou um paradoxo à condi-
ção periférica, mas em dois sentidos: de um lado, os aspectos favoráveis que a periferia
tinha diante de si; de outro lado, os aspectos desfavoráveis que o sistema vigente lhe
impunha.
Para seu desenvolvimento, a periferia podia contar com a
ciência & tecnologia existente na atualidade sem precisar
repetir suas fases, tampouco o longo tempo de sua evolu-
ção, nem depender do jogo individual e espontâneo que ca-
racterizaram a formação cêntrica. Outro aspecto favorável
era o conjunto de potencialidades que dispunha de ordem
de grandeza natural e humana, assim como o grande salto
no desenvolvimento econômico e social que podia atingir
rapidamente (tanto em termos da produção de riqueza, do
aumento da renda e da eliminação da pobreza), para supe-
rar a insuficiência dinâmica (absorção da força de traba-
lho). Por outro lado, a América Latina também se encon-
trava paradoxalmente diante da dependência sistêmica e do
tempo: a tendência intensiva das transformações da econo-
mia capitalista, para ser atingida e apropriada em seu
último nível de desenvolvimento, exigiria um esforço teó-
rico e prático cada vez maior, tal como uma bola de neve,
pois a dependência externa, no livre-comércio, e a espe-
cialidade e heterogeneidade interna, acentuariam, na di-
nâmica desse sistema, as assimetrias e as estruturas da
187
dependência. Este era o paradoxo: qualquer forma de cres-
cimento e qualquer ritmo de desenvolvimento não eram a-
ceitáveis ou suficientes, se o propósito fosse superar a
condição periférica!
188
K
KK
K
K
KK
K
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NN
N
N
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P
PP
P
P
PP
P
Progresso técnico e insuficiências
“Toda produção se destina, em
última análise, a satisfazer o
consumidor”.
John M. Keynes
(1985, p. 43)
“... a industria-
lização sempre se
dá visando, em
primeiro lugar,
atender às neces-
sidades da acumu-
lação, e não às do
consumo".
Francisco de Oliveira (1987,
p. 27)
Pode-se dizer que os dois itens trabalhados anteriormente trataram do corpo teóri-
co-econômico central do pensamento cepalino esboçado nos principais textos fundadores.
A dupla dependência reflexa e estrutural que o sistema centro–periferia impunha à Amé-
rica Latina limites e capacidade interna de ação e de reação no seu desenvolvimento e-
conômico e tecnológico, enquanto parte do/no sistema capitalista mundial – estabelecia os
parâmetros e as exigências para uma ação voltada à superação da condição periférica. Isto
é: uma vez construído o conjunto interpretativo do sistema (crítica à inserção internacional
primária) e delimitados os pontos-chave (os seus principais problemas) a serem atingidos
(vulnerabilidade externa e interna), foi apresentado o caminho a ser seguido: a continuida-
de e o aprofundamento da industrialização na economia dos países periféricos nos moldes
do “modelo” de substituição de importações.
Historicamente, o modelo de desenvolvimento para dentro” foi forjado na Amé-
rica Latina enquanto resposta interna à crise vivida na economia mundial
95
. A Comissão,
porém, apontou os limites da insuficiência interna e do estrangulamento externo, sugerin-
do novas medidas (formas e meios) para seu aprofundamento dinâmico. Ou seja: a indus-
trialização latino-americana realizava-se num contexto histórico onde existia o sistema
centro–periferia e este impunha complicadores estruturais que precisariam ser eliminados.
Para compreender melhor a defesa da validade da industrialização periférica
uma vez negadas as teses clássicas por demonstração da deterioração dos termos de inter-
câmbio e da elasticidade-renda torna-se relevante situar a crítica efetuada sobre os limi-
tes da industrialização produzida até então na região. O pensamento prebischiano/cepalino
opunha-se frontalmente à retomada do modelo de crescimento para fora (pretérito) no pós-
95
“A crise dos anos trinta não é considerada somente um fator conjuntural de impulso à indústria, mas
também um reflexo de profundas transformações estruturais que alteram significativamente a evolução e o
funcionamento do sistema econômico mundial” (RODRÍGUEZ, 1981, p. 68).
185
guerra, e esta era sua crítica maior
96
. Entretanto, também evidenciou criticamente a insufi-
ciência interna do modelo de substituição de importações, podendo esta ser considerada
como sua crítica menor e parte do projeto teórico-prático: a superação periférica.
A crítica da industrialização não era contraditória com o projeto de superação do
subdesenvolvimento, uma vez que os problemas indicados referiam-se à primeira fase, ou
etapa, da industrialização colocada em prática de forma mais intensiva no período pós-
crise de 29 até o final da Segunda Guerra e nos anos subseqüentes. Todavia, o tema cepa-
lino da industrialização não é tão simples assim, pelo menos quando se busca seu aprofun-
damento. Essa última observação, por outro lado, não pretende ser uma defesa daquele
pensamento, mas sim um reconhecimento de que as simplificações ou as leituras de “se-
gunda ou terceira mão” muitas vezes produzem mais estragos do que críticas profundas.
Para esclarecer melhor a questão, torna-se oportuno apontar três observações mais
gerais e contextualizadoras sobre a formação da própria visão desenvolvimentista e seu
estudo da industrialização: a primeira refere-se à visão inicial da Comissão; a segunda
volta-se à historicidade do processo real no período; e a terceira diferencia e caracteriza as
fases da industrialização latino-americana na visão estruturalista.
A primeira observação foi apresentada por Octavio Rodríguez, ao considerar
que a visão da industrialização passou por um processo inicial de construção e elaboração
teórica, afora suas revisões posteriores. Afirmou o autor que “só em meados da década de
1950 é que chegam [a CEPAL] a construir, senão uma ‘teoria da industrialização’, pelo
menos uma interpretação da industrialização periférica relativamente integrada” (RO-
DRÍGUEZ, 1981, p. 67).
96
Na passagem citada, a seguir, Aníbal Pinto sintetizou a proposta cepalina e enfatizou o debate teórico-
ideológico que ela enfrentava contra os livre-cambistas no contexto do pós-guerra, o que remete à noção de
que o pensamento desenvolvimentista representava uma das possibilidades em disputa: “... a reativação do
comércio exterior neste período, em vez de ser aproveitada para reforçar as transformações empreendidas,
em quase todos os países se traduziu em uma moderação do impulso, a cada vez que recuperavam posições
e influências as vozes do pensamento ortodoxo que anunciavam um regresso à normalidade’, isto é, ao
padrão de crescimento pretérito” (PINTO, 1965, p. 5-6).
186
Quanto à segunda, Aníbal Pinto chamou a atenção para a dimensão real do fenô-
meno industrializante ao apontar que, no lugar e no tempo histórico, a sua realização não
estava aprioristicamente determinada. À época, certamente, não faltavam conhecimentos
sobre o assunto nem conhecedores
97
. Neste mesmo sentido, seu resultado não foi produto
da aplicação de uma receita ou a solução mágica de uma idéia, nem mesmo de cegueira do
tipo avestruz, mas sim resultado das múltiplas mediações (práxis) dos e entre os sujeitos
sociais que tiveram que pensar, existencialmente, a crise e sua recomposição econômica,
social e política (relações de poder), interna e externamente à nação e ao sistema, como
observaram Cardoso e Faletto (1970, p. 73-74), assim como Aníbal Pinto:
No período chave da virada, isto é, entre a depressão e o final da guerra,
nem a “burguesia empresarial” ou industrial se vislumbram como agente
motor das mudanças nem tampouco o Estado, apesar da sua gravitação
decisiva, refletia em sua conduta à deliberação consciente de grupos ou
“elites” sociais ou partidárias que se valem de seu aparato para impor as
transformações (PINTO, 1965, p. 4)
98
.
A terceira observação requer que se leve em consideração o uso da metodologia
comparativa nos estudos realizados por Prebisch/
CEPAL
. A reconstrução da trajetória da
propagação do progresso técnico, desde sua origem até a fase periférica, as tipologias”
dos centros dinâmicos e os modelos” de inserção regional na ordem internacional, ou
97
Dentre os problemas existentes na América Latina, citados por Prebisch no “Manifesto”, estava a forma-
ção dos economistas locais e a predominância, até então, da “cópia teórica do centro” (PREBISCH, 1949,
p. 54), sua transposição literal aos problemas regionais ou mesmo à atribuição de que a teoria clássi-
ca/neoclássica teria validade universal.
98
Na seqüência do texto Aníbal Pinto detalha mais o assunto: “... quem quer que examine as políticas eco-
nômicas desse período e, sobretudo a dos anos 30 chegará, sem dúvida, à conclusão de que os instru-
mentos protecionistas que utilizaram não tinham por finalidade principal a industrialização, mas sim a defe-
sa da balança de pagamento. Por outro lado, a reativação do processo que teve lugar no primeiro qüinqüê-
nio dos anos 40 se deveu, como é obvio, mais à imposição e oportunidades resultantes da guerra do que às
resoluções explícitas das políticas econômicas, ainda que estas começam a se manifestar em vários países”
(PINTO, 1965, p. 5).
Como este assunto não faz parte deste estudo, porém não é ignorado, vale a indicação da leitura das obras
de Ricardo Bielschowsky (1996), de Pedro Fonseca (1999) e de Francisco Weffort (1980), para uma contex-
tualização política e ideológica do caso brasileiro. Além disso, as obras de Octavio Ianni (1989) e Maria
Lígia Prado (1986) são conhecidas e merecem indicação, no entanto, sem entrar no mérito das abordagens
apresentadas ou mesmo submetê-las à analise historiográfica. Octavio Rodríguez (1981) havia proposto a
inclusão ideológica do projeto desenvolvimentista enquanto parte do fenômeno populista latino-americano.
Francisco de Oliveira também levou em consideração a relação entre a base ideológica da teoria do subde-
senvolvimento e o populismo na América Latina (OLIVEIRA, 1987, p. 13).
187
seja, as origens e as bases estruturais do sistema centro–periferia nada mais eram do que
exemplos comparativos utilizados a favor da industrialização periférica.
Na interpretação da história econômica latino-americana, o desenvolvimento in-
dustrial também foi caracterizado dentro de cada modelo: “para fora” e “para dentro”. Para
ser mais exato, a discussão foi centrada na propagação do progresso cnico nos principais
setores econômicos: agricultura, mineração e indústria/serviços. A condição periférica da
economia dos países da região era identificada pela especialização-heterogeneidade (de-
senvolvimento desigual e dual), apresentando inclusive estas variações assimétricas em
cada um dos setores e entre eles.
No Estudio de 1948 e no de 1949, a Comissão esclareceu que existiam muitas di-
ferenças entre as economias dos países da América Latina, no grau de aprofundamento da
industrialização substitutiva e na participação dos setores na renda nacional (PREBISCH,
1951, p. 85 nota 1). A discussão dos casos da Argentina e do México serviu como e-
xemplo a duas formas desiguais no desenvolvimento da agricultura e na distribuição da
população (PREBISCH, 1951, p. 10 ss). Todavia, no conjunto, a região apresentava carac-
terísticas macroeconômicas de insuficiência periférica, sobretudo na agricultura daqueles
países
99
.
No Estudio de 1950, a Comissão tratou da heterogeneidade existente nos setores
produtivos que demarcava sua vinculação particular na inserção externa e/ou interna: “Se
na América Latina a indústria é uma atividade predominantemente orientada para o mer-
99
“Se o insuficientes as exportações para absorver o incremento demográfico, ainda mais o são para
absorver o excedente real ou virtual da população economicamente ativa, que se dedica à agricultura e a
outras ocupações congêneres. Constata-se a repetida incidência deste fato, quer seja no México, na Argen-
tina ou em outros países latino-americanos, ficando, assim, comprovado ser ele aspecto comum característi-
co do problema do desenvolvimento econômico nesta região” (PREBISCH, 1951, p. 12-13, grifo nosso).
188
cado interno e a agricultura se divide entre este e o exterior, a mineração se orienta de
forma muita definida para a exportação” (CEPAL, 1951b, p. 108)
100
.
Para Prebisch/
CEPAL
o desenvolvimento industrial latino-americano podia ser
dividido, didaticamente, em três períodos, cada qual com características específicas. O
primeiro deles teria iniciado nas últimas décadas do séc. XIX e ido aa Primeira Guerra
Mundial e fins da década de 20; o segundo pôde ser delimitado entre o período de 1929 e
o final da Segunda Guerra Mundial; e o terceiro correspondeu ao período do pós-guerra.
Como a própria
CEPAL
foi criada neste contexto, sua origem também demarca este perío-
do, se não no aspecto da economia (em seu sentido stricto sensu), ao menos no pensamen-
to econômico (teórico) e no agir prático (programa).
É certo que o setor urbano-industrial era considerado o carro-chefe do desenvol-
vimentismo e somente neste poder-se-ia obter o dinamismo do progresso técnico (inova-
ção) e da economia (difusão) de uma determinada nação ou região. O segundo período da
industrialização havia evidenciado positivamente este fato, sendo a atenção central do pro-
jeto cepalino para o período seguinte.
Se, durante o primeiro período, o progresso cnico e os investimentos estrangei-
ros haviam atingido localmente as atividades agro-exportadoras e a balança comercial de-
pendia de um número reduzido deles
101
fundamentalmente matérias-primas agrícolas
(alimentos) e minerais –, a estrutura industrial interna concentrava-se nos ramos de ali-
mentos e de tecidos e caracterizava-se pela mais variada heterogeneidade (porte das uni-
100
No Estudio de 1949, ao tratar da mineração no Chile, um dos países onde este setor apresentava maior
peso na renda nacional, a Comissão especificou a composição dos grupos mineradores: “Aparece desde
então uma distinção primordial na mineração chilena: a grande empresa mineradora, em mãos estrangei-
ras, e a dia e pequena empresa mineradora em mãos nacionais. (...) Neste mesmo ano, a produção da
pequena [empresa] mineradora constituía somente 4,4% do total, enquanto que a grande mineradora apor-
tava para esse total 95,6%” (CEPAL, 1951a, p. 395).
Com relação à participação da mineração na economia dos países mais característicos desse setor, além
da enorme presença das inversões de capital estrangeiro, seu peso nas exportações é relevante, conforme os
dados no Estudio de 1948, no ano de 1937: Venezuela 90 % (petróleo); Bolívia 86,6 % (estranho); Chile
79,5 % (54% cobre e 20% salitre); México 76,6 %; e Peru 57,5 % (CEPAL, 1949, p. 77).
101
Conforme foi discutido anteriormente, no modelo de desenvolvimento para fora o crescimento eco-
mico dependia dos saldos da balança comercial.
189
dades, tecnologia utilizada, ocupação de mão-de-obra, produtividade e distribuição eco-
nômico-geográfica)
102
. É importante destacar que este quadro geral foi mantido no período
seguinte e no pós-guerra ainda permanecia como um dos problemas
103
. No Estudio de
1948, a Comissão radiografou os principais setores industriais, enfatizando o predomínio
dos bens de consumo de massa e salariais na produção industrial.
Considerando-se em seu conjunto, as indústrias de alimentação, de bebi-
das, de tabaco e de tecidos compreendem entre 40 e 75 % do total da o-
cupação nas atividades fabris, para nove países latino-americanos, e estas
porcentagens são, sem dúvida, maiores no conjunto da região (CEPAL,
1949, p. 20).
Para Prebisch/CEPAL a Grande Depressão e a Segunda Guerra Mundial sacudi-
ram as bases econômicas do modelo de crescimento para fora, haja vista a sucessão de
crises gerais do sistema e suas repercussões no intercâmbio (exportações e importações)
entre periferia e países centrais
104
.
De 1929 a 1937, os países centrais se voltaram à recuperação cíclica
105
. De 1939
a 1945 eles, principalmente os europeus, voltaram suas preocupações aos negócios e as-
suntos da guerra em seus territórios. Alguns países latino-americanos aumentaram as ex-
portações de alimentos e matérias-primas e os saldos externos, como a Argentina, em de-
102
No Estudio de 1948, a Comissão apresenta os seguintes dados sobre a distribuição dos trabalhadores por
empresa na Argentina, no ano de 1941: havia 56 empresas com mais de 1000 trabalhadores, correspondendo
a 0,1% dos estabelecimentos; já as empresas que empregavam 100 ou mais trabalhadores representavam 2%
dos estabelecimentos (CEPAL, 1949, p. 25). No mesmo trabalho a Comissão destaca que, nos ramos de
alimentos e tecidos, havia maior presença do trabalho feminino (CEPAL, 1949, p. 39).
103
Na passagem do Estudio de 1948 esta condição estrutural foi referida: Grande parte do comércio exteri-
or da América Latina está baseado na exportação de produtos de origem agropecuária. Uma pauta desta
dependência tradicional se dá ao fato de que treze produtos agropecuários representavam, em 1937, 52,9%
do valor total das exportações, e dez anos mais tarde, em 1947, esta produção continuava sendo de 52,3%”
(CEPAL, 1949, p. 120).
104
Em seu artigo “Auge e Declínio do Processo de Substituição de Importações no Brasil”, Maria da Con-
ceição Tavares reafirmou o significado desse período e suas implicações: “A crise prolongada dos anos
trinta, no entanto, pode ser encarada como o ponto crítico da ruptura do funcionamento do modelo primá-
rio-exportador” (TAVARES, 1987, p. 32).
105
Para a
CEPAL
o ano de 1932 foi o mais crítico para a América Latina, do pós-1929, e o ano de 1937
(utilizado como referência nos estudos) era identificado como o ano de “início de nova queda nas relações
de intercâmbio no comércio exterior” (CEPAL, 1949, p. 220).
190
corrência das necessidades da guerra. o governo brasileiro, de Getúlio Vargas, barga-
nhou o financiamento da principal planta siderúrgica do país (Volta Redonda, em 1942)
106
.
No Ocidente, durante os primeiros anos do pós-guerra a reconstrução da economia euro-
péia era o foco principal do antigo centro regional capitalista e do novo centro dinâmico,
os EUA, haja vista o plano de reconstrução no imediato pós-guerra (Plano Marshall) e a
reengenharia do mapa geopolítico mundial com o início da “guerra fria”, ao final da déca-
da de 40
107
.
Obviamente que nesse período de quinze anos (1929-1944/45) o comércio inter-
nacional foi afetado (sem considerar os anos de 1915-1919 e aquela fase de recuperação),
tornando evidente a fragilidade da inserção periférica na economia capitalista mundial. No
Estudio de 1948, a Comissão já afirmava o caráter da industrialização: “Com a industriali-
zação se trata de suprir a deficiência dos fatores exteriores de crescimento” (CEPAL,
1949, p. ix): o comércio exterior e as inversões de capital estrangeiro. É a partir dessa situ-
ação de crise que se fomenta a nova fase da industrialização latino-americana voltada ao
desenvolvimento do mercado interno. É também a partir desse quadro periférico que a
Comissão projeta o modelo de industrialização, estabelece seu caráter e defende suas van-
106
“O aliado mais próximo dos Estados Unidos na América Latina e beneficiário de mais de 70% de to-
dos os recursos destinados pelo sistema de Lend-Lease [Empréstimo e Arrendamento] à região era o
(relativamente benevolente) ditador brasileiro Getúlio Vargas” (BETHELL e ROXBIRIUGH, 1996, p. 25).
No Estudio de 1949, este assunto mereceu destaque: “Depois de estudos prévios, realizados por especia-
listas brasileiros e confirmados por especialistas norte-americanos, decidiu-se instalar os grandes estabele-
cimentos siderúrgicos de Volta Redonda, com a cooperação financeira do Banco de Exportação e Importa-
ção dos Estados Unidos [EXIMBANK] e se entra, assim, na segunda etapa da siderurgia brasileira. Na
verdade, a importância da primeira é digna de assinalar-se: antes de iniciar-se o funcionamento de Volta
Redonda, a produção de ferro já havia chegado, em 1945, a umas 200 mil toneladas, dentro de um consumo
de 520 mil toneladas” (CEPAL, 1951a, p. 261).
No ano de 1949, a Siderúrgica de Volta Redonda inicia uma ampliação com a constru-
ção do segundo alto forno, que atingiria a capacidade produtiva para abastecer o mercado
interno no período (CEPAL, 1951a, p. 260; CEPAL, 1950, p. 99).
107
Para uma leitura do período de reconstrução da economia dos países centrais do pós-guerra (1945-
1947/48), o início da “guerra fria” (pós-1948) e suas relações com a América Latina, cf. BETHELL e ROX-
BOROUGH, 1996.
191
tagens (crescimento econômico, política econômica e maior autonomia) para diminuir sua
dependência.
Na Introdução da edição do Estudio de 1948, considerado por Trygve Lie (Secre-
tário Geral da ONU) como o primeiro exame completo da situação econômica da região”
(CEPAL, 1949, p. v - Prefácio), a Comissão
108
já descrevia as linhas gerais do novo perío-
do:
Este processo de industrialização que começa, assim, a tomar impulso
experimenta um estímulo quando a segunda guerra mundial priva a A-
mérica Latina da possibilidade de seguir satisfazendo com as importa-
ções uma parte importante das necessidades da população. Também é
certo que ele traz consigo a impossibilidade de renovar e aumentar os
equipamentos industriais; isto leva a empregar a fundo os equipamentos
existentes e a improvisar outros, tanto para substituir as importações de
artigos finais de consumo, como as de matérias essenciais para sua ela-
boração (CEPAL, 1949, p. ix).
O crescimento acentuado da produção industrial no período de 1937-1947, esti-
mado em 50% para a região (CEPAL, 1949, p. ix), distinguia este setor dos demais. Para o
caso do Brasil, considerado o exemplo mais significativo à adoção do modelo de substitui-
ção de importações, somente no ano de 1956 a indústria passou a ser o setor econômico de
maior participação na produção geral do país (produto nacional bruto – PNB), superando a
agricultura (cf. OLIVEIRA, 1987, p. 14). Em seu Estudio de 1951-1952, a CEPAL informa
que, em nível regional, no ano de 1946, a atividade industrial apresentou o maior índice
por setor produtivo: “Esta maior quantia da atividade industrial é um fato relativamente
novo: ocorre pela primeira vez na história do desenvolvimento latino-americano em 1946”
(CEPAL, 1954a, p. 21).
O início do terceiro período do desenvolvimento industrial coincide com a própria
criação da
CEPAL
(PINTO, 1965, p. 6) e a retomada da “normalidade” no comércio inter-
nacional nos anos de 1945-50. A Comissão produziu uma nova interpretação da industria-
108
Neste período a Secretaria Executiva da
CEPAL
era ocupada por Gustavo Martinez Cabañas.
192
lização levando em questão a trajetória dos períodos anteriores, como também propôs seu
aprofundamento para que a região atingisse os padrões da segunda revolução industrial e
dominasse seu dinamismo científico e tecnológico (bens de consumo duráveis, bens de
capital, bens intermediários), seu setor industrial estratégico (indústrias de base metal-
mecânica, química, laboratorial, energias, transporte, etc.) e sua economia de escala (pro-
dução e consumo, produtividade).
Pela avaliação geral de Prebisch/
CEPAL
, a região havia atingido níveis significa-
tivos de substituição de importações, porém permaneciam problemas de insuficiência para
dar o salto à segunda etapa da industrialização dinâmica. Este era o impasse central do
desenvolvimento nos anos 50. Para ser mais preciso, a
CEPAL
interpretava a última fase
de propagação “universal” do progresso tecnológico à periferia latino-americana, acentu-
ando os limites que o sistema impunha à possibilidade de avançar nas proporções para
atingir a autonomia industrial na economia nacional e/ou regional. Se a crise geral do sis-
tema veio a ser o pano de fundo da experiência de um “jacobinismo periférico” industria-
lizante após o interregno dessa fase prolongada e “atípica para os liberais”
109
e diante da
possibilidade do retorno à normalidade do sistema anterior e do fim do “estado de exceção
cêntrico” , a Comissão almejava sua permanência e continuidade, o que exigiria a solu-
ção dos problemas estruturais.
Antes de apresentá-los, os problemas estruturais, é oportuno refazer uma outra
observação de fundo teórico sobre o pensamento desenvolvimentista. Trata-se do próprio
limite da idéia que Prebisch/C
EPAL
tinha do fenômeno da industrialização na economia
capitalista contemporânea, discutido anteriormente: os instrumentos, as formas e os meios
109
Não se trata da crise de 29, pois, como era cíclica, apesar de nunca ter ocorrido com tamanha profundida-
de e duração, o período foi anormal pela junção com o segundo conflito mundial, igualmente profundo e
longo. Além do que, este conflito teve como motivação a concorrência entre países industrializados (imperi-
alistas) que projetavam internacionalmente sua influência econômica, militar e política (totalitarismos e
economias liberais “clássicas”).
193
de produzir, de crescer e de consumir (progresso técnico, indústria, ciclos, intercâmbio e
elasticidade-renda).
A industrialização era considerada como um desdobramento natural (evolutivo e
progressivo) do crescimento da economia e da renda, associados à lógica do próprio sis-
tema produtivo e de consumo capitalista (dependência do progresso técnico e os novos
produtos), assim como do padrão geral dos seus estímulos privados (o individualismo e a
concorrência). Além disso, havia um imperativo malthusiano na relação entre a população
(crescimento demográfico) e a produção que necessitava de solução positiva, diante de
tragédias de ordem natural (fenômenos climáticos e epidemias) ou política (guerra e auto-
ritarismo, e mesmo pobreza). A condição do subdesenvolvimento no sistema centro–
periferia impossibilitava a realização espontânea (laissez-faire) e favorável nesta relação,
cujo resultado seria identificado na melhora das condições de vida das massas (benefício
natural do progresso tecnológico). Assim, para Prebisch (1949), a industrialização era vis-
ta como o meio dinâmico para o aumento da produtividade e a melhoria do nível de vida
das massas, por meio da captação (retenção) dos frutos do progresso técnico na periferia.
Em seu artigo de 1972, Francisco de Oliveira esclarece, com muita propriedade, o
problema da/de origem teórica do dualismo cepalino (vide epígrafes do capítulo) em sua
visão ético-finalista: “que a primeira finalidade do sistema é a própria produção” (OLI-
VEIRA, 1987, p. 9, grifo nosso), e a reprodução de si (acumulação do capital) e não do
abastecimento (consumidor) no mercado
110
.
Noutra passagem da crítica, o autor acentua com mais detalhes o limite da visão
teórica do subdesenvolvimento periférico e sua noção de sistema:
Enquanto denunciavam as miseráveis condições de vida de grande parte
da população latino-americana, seus esquemas teóricos e analíticos pren-
diam-nos às discussões em torno da relação produto-capital, propensão
110
No sentido marxiano as crises não o originárias de desequilíbrios entre produção e demanda (oferta e
procura) no mercado, mas sim de realização do capital. Na sua revisão e crítica apresentada no ensaio de
1963, Maria C. Tavares (1983) já havia enfrentado a problemática epistemológica do desenvolvimentismo.
194
para poupar ou investir, eficiência marginal do capital, economias de es-
cala, tamanho do mercado, levando-os, sem se darem conta, a construir o
estranho mundo da dualidade e a desembocarem, a contragosto, na ideo-
logia do círculo vicioso da pobreza (OLIVEIRA, 1987, p. 10).
Ao discutir o significado histórico do “modelo de
substituição de importações”, Maria da Conceição Tavares
considerou-o, a partir da América Latina, como uma reação
à crise geral: “o ‘processo de substituição de importa-
ções’ pode ser entendido como um processo de desenvolvi-
mento ‘parcial e ‘fechado’ que, respondendo às restrições
do comércio exterior, procurou repetir aceleradamente, em
condições históricas distintas, a experiência de indus-
trialização dos países desenvolvidos” (TAVARES, 1983, p.
35).
De fato o “modelo de desenvolvimento para dentro”
representou uma experiência particular, histórica e regi-
onal do desenvolvimento econômico; da mesma forma é
consenso de que os anos 30 e 40 foram críticos a ponto de
“quebrarem” aquela forma de organizar a produção e o co-
mércio dos bens e fatores (circulação e abastecimento lo-
cal, regional e internacional)
111
, além, é claro, de atin-
gir a acumulação (realização) do capital. Por outro lado,
a interpretação do processo e sua natureza histórica, bem
como a sustentabilidade desse conhecimento, remete a uma
outra discussão. O próprio Francisco de Oliveira, ao mes-
mo tempo em que apresentou sua crítica, também destacou a
importância teórica da contribuição cepalina, o que não
contradiz sua primeira posição
112
.
Todavia, como o propósito principal do item é apre-
sentar uma síntese mais substantiva do pensamento funda-
dor, na seqüência do texto segue-se abordando os elemen-
tos mais importantes da avaliação dos limites (problemas)
que a economia latino-americana possuía para continuar
111
Durante a Segunda Guerra Mundial, a Argentina enfrentou sérios problemas na produção de energia e
teve que recorrer a fontes “renováveis não convencionais”. Para se ter uma idéia do seu significado, no Estu-
dio de 1949, a Comissão apresentou alguns dados, conforme segue: “... o Comitê Argentino de Energia
indica que em 1943 foram queimados 100.000 toneladas de milho, 1.700.000 toneladas de trigo e 1.500.000
toneladas de linho e linhaça, e que as usinas elétricas empregaram durante a Segunda Guerra Mundial ao
redor de 3 milhões de toneladas de cereais, 600.000 toneladas de linho e linhaça e 150.000 toneladas de
azeite de linhaça” (CEPAL, 1951a, p. 135).
As formas ortodoxas de “eliminação dos estoques” e o controle dos preços (internos e externos) dos pro-
dutos primários de exportação adotados nos anos 20 e 30 (pós-1929) o muito conhecidos. O caso do café
no Brasil (preços diferenciados, estoques governamentais, superprodução), confunde-se com a política du-
rante a República Velha, além de retratar a dependência do comércio exterior (CEPAL, 1951a, p. 103) No
Estudio de 1951-1952, a
CEPAL
cita que os problemas dos estoques governamentais do café, no Brasil,
foram solucionados somente no ano de 1949, em parte por decorrência da melhora na relação dos preços, o
que contribuiu para o crescimento econômico do setor agrícola na produção nacional (CEPAL, 1952, p. 61).
112
Afirmou o autor: “... não se trata, em absoluto, de negar o imenso aporte de conhecimentos bebido dire-
tamente ou inspirado no modelo Cepal’, mas exatamente de reconhecer nele o único interlocutor válido,
que ao longo dos últimos decênios contribuiu para o debate e a criação intelectual sobre a economia e a
sociedade brasileira e a latino-americana” (OLIVEIRA, 1987, p. 11).
195
sua industrializando no pós-guerra e diante da reconstru-
ção e/ou retomada da ordem internacional: o círculo vi-
cioso das insuficiências; a centralidade da industriali-
zação e sua interligação com a produção primária; e, o
novo problema do desequilíbrio externo que a substituição
gerava.
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O esforço da industrialização durante o período
central da implantação do modelo substitutivo de importa-
ções teve que se basear e se sustentar, majoritariamente
nas condições internas, ou seja, no uso da capacidade in-
dustrial instalada
113
, na poupança interna (pública e pri-
vada) e na força e no papel dos seus agentes (o Estado e
a iniciativa privada)
114
. Comparativamente com o período
anterior, os índices do crescimento econômico e da renda
per capita
apresentaram ganhos no período, apesar de per-
sistirem traços fortíssimos de heterogeneidade econômica
e social. O aprofundamento da industrialização, sua seto-
rização e sua propagação para o conjunto da economia a-
presentaram distintos graus de profundidade e abrangência
em cada país latino-americano, fato esse que retratava as
variações internas na insuficiência, sem, contudo, deixar
de caracterizar seu subdesenvolvimento regional.
No Manifesto, Prebisch identifica a origem da insuficiência pela falta de dina-
mismo na formação interna de capital: A margem de poupança depende, em última ins-
tância, do aumento da produtividade do trabalho” (PREBISCH, 1949, p. 72). Era preciso
fomentar a poupança interna e programar sua inversão: Poupar significa deixar de con-
sumir e, portanto, é incompatível com certas formas peculiares de consumo em grupos
com rendas relativamente altas” (PREBISCH, 1949, p. 73).
Segundo sua visão do crescimento econômico e da na-
tureza da economia capitalista, a tese prebischiana con-
firmava a existência de um círculo vicioso na/da insufi-
113
A escassez crescente de artigos manufaturados importados, resultante da guerra, teve um efeito estimu-
lante sobre a produção manufatureira nacional” (CEPAL, 1949, p. 56).
114
Para Prebisch, o novo modelo de desenvolvimento teria que manter o esforço interno, forçado pelo longo
período de crise externa (1929-1945), mas positivo do ponto de vista regional (PREBISCH, 1973, p. 10).
Com isso ele também defendia suas bases internas: “a maior parte da capitalização terá que sair da própria
poupança dos países em desenvolvimento para elevar o consumo de suas massas da população” (PRE-
BISCH, 1973, p. 3).
196
ciência interna na América Latina, centrado nos três ele-
mentos: a produtividade, o capital e a poupança interna.
Ao tratar especificamente desse problema latino-
americano no
Manifesto
, Raúl Prebisch sintetiza a tripla
insuficiência em uma passagem clássica do assunto:
“Com efeito, a produtividade é, nesses países, muito bai-
xa, porque falta capital; e falta capital por ser muito
estreita a margem da poupança, em razão dessa baixa pro-
dutividade” (PREBISCH, 1949, p. 72, grifo nosso). Na in-
trodução do Estudio de 1948, esta tríade havia sido co-
mentada com breve anterioridade ao Manifesto: “O obstácu-
lo mais sério para a formação de um índice alto de capi-
tal por homem na América Latina é a escassez da poupança
e as deficientes modalidades de sua inversão” (CEPAL,
1949, p. xii-xiii).
Para a solução do círculo vicioso da insuficiência na formação de capital era pre-
ciso dar início a um outro círculo, porém virtuoso, segundo a noção inicial que Prebis-
ch/CEPAL tinha sobre o desenvolvimento: o progresso técnico possibilitaria a elevação da
produtividade, esta aumentaria o montante do capital disponível ou acumulado (poupança)
e este, por sua vez, aumentaria os investimentos na produção. Obtido o círculo virtuoso,
seu avanço desencadearia um dinamismo crescente (cf. PREBISCH, 1949, p. 73-74).
Todavia, para se iniciar este dinamismo crescente teria que haver um ponto de
partida. Quais seriam as possibilidades para tal início? Segundo a visão cepalina seu início
estaria no aumento do montante de capital (formado a partir da poupança interna e/ou de
origem externa) invertido na produção industrial, e primária, o que elevaria a produtivida-
de: a relação capital por homem (capital–homem) (cf. PREBISCH, 1949, p. 80).
Cabe relembrar que a redistribuição da renda e da riqueza não era vista como so-
lução ao crescimento nem à aceleração inicial. A concentração de ambas era considerada,
no nível teórico, um potencial, mas, em se tratando das condições históricas e sociais e das
heranças estruturais do “modelo para fora”, isso representava um sério problema, pois a
forma de consumo improdutivo (suntuosidade imobiliária e status social) dos estratos mais
elevados da sociedade era parte integrante da insuficiência. Para Prebisch (1949, p. 52), os
197
gastos para manifestar as aparências de status social dos estratos mais elevados represen-
tavam um desperdício à produtividade (perda dessa capacidade de poupança).
A insuficiência na formação da poupança interna entre os grupos de maior renda e
riqueza, seus negócios improdutivos e supérfluos, as práticas de importação e do estilo de
vida cêntrico (bens de luxo), tratados no Manifesto, mesmo tendo nesse texto uma visão
econômica mais restrita, possibilita interpretá-los a partir de uma abordagem “sociológi-
ca”. Contrapondo o modelo pretérito pré-capitalista, tradicional e atrasado com o mo-
delo substitutivo, a partir da insuficiência, poder-se-ia dizer que às elites latino-americanas
faltava o “espírito capitalista” calvinista, no sentido weberiano, e individualista empre-
endedor, na tese schumpeteriana (cf. ECHAVARRÍA, 1963 e 1964; WEBER, 1987; CAR-
DOSO, 1993a) – e a dedicação à formação de capital/investimento (KEYNES, 1985).
Além disso, comungando com o ideário econômico keynesiano, o fiel da balança
para o aumento da poupança interna dependia de uma política governamental adequada e
da decisão individual (iniciativa privada) entre a certeza e a incerteza do consumo presente
ou futuro e sua liquidez (KEYNES, 1985; PREBISCH, 1991).
As fontes potenciais e/ou reais de formação do capital interno dependiam da pou-
pança individual (estratos sociais de renda elevada), dos saldos da balança comercial (ex-
portações menos importações) e das políticas governamentais, especialmente a tributária, a
cambial e a protecionista em defesa da industrialização inicial.
Afora isso, e para evitar maiores riscos à estabilidade econômica (na demanda e
na procura), à ordem do sistema, nem recorrer à poupança popular cujas rendas eram
baixíssimas – ou a poupança forçada dos setores de renda elevada, a periferia poderia fazer
uso da poupança externa (inversões diretas e empréstimos)
115
. Para Octavio Rodríguez, a
CEPAL via na poupança externa uma possibilidade de solução rápida e temporária, além
115
Para Prebisch, a adoção de medidas visando a uma poupança forçada poderia gerar a diminuição na de-
manda de manufaturas básicas, desencadeando uma crise econômica, pois atingiria o setor industrial uma
vez que o haveria consumo suficiente da produção, podendo resultar na redução do crescimento e agravar
a insuficiência na formação de capital (poupança interna).
198
de ser a mais adequada diante do quantum de capital necessário (poupança) para garantir o
esforço inicial (capacidade de importação do progresso técnico ou sua transferência direta
nos investimentos privados) e evitar contratempos interno
116
. Por fim, também seria uma
alternativa imediata diante do imperativo temporal da dependência reflexa e tecnológica
no sistema. Porém, o capital externo teria que desempenhar um papel e uma função distin-
tos do modelo anterior
117
.
Na seqüência da indicação da tríade no Manifesto, Prebisch havia proposto esta
solução rápida e temporária, sendo um dos meios iniciais para a quebra do círculo vicio-
so, mas orientado a partir da lógica do novo modelo voltado para o mercado interno:
Para romper este círculo vicioso, sem deprimir, exageradamente, o con-
sumo presente das massas, de modo geral muito baixo, requer-se o con-
curso transitório do capital estrangeiro. Se sua aplicação é eficaz, o au-
mento de produtividade, com o correr do tempo, permitirá desenvolver a
própria poupança e substituir por esta o capital estrangeiro, nas novas in-
versões exigidas pelas inovações técnicas e o crescimento da população
(PREBISCH, 1949, p. 72-73, grifo nosso)
118
.
Distintamente do modelo anterior, as inversões estrangeiras não deveriam mais
acentuar a especialização e a heterogeneidade, mas, sim, voltar-se ao mercado interno e
116
“Os documentos da CEPAL consideram que o financiamento externo é necessário para complementar o
esforço interno de poupança e para enfrentar as limitações impostas ao desenvolvimento pela capacidade
para importar. Um terceiro aspecto fundamental da posição cepalina consiste em sustentar que o recurso
ao capital estrangeiro deve ser necessariamente temporário ou transitório” (RODRÍGUEZ, 1981, p. 162).
117
No Estudio de 1949, a Comissão correlaciona o estado do progresso técnico e o nível de poupança (inves-
timentos), enquanto montante necessário à incorporação da cnica moderna: “o nível de poupança não é
alto ou baixo em si mesmo, e sim em relação à densidade de capital resultante do progresso técnico. Nesse
sentido o nível de poupança na América Latina é, geralmente, muito baixo, em relação às necessidades da
técnica moderna” (PREBISCH, 1951, p. 86).
A partir dessa correlação, a
CEPAL
sustentava o princípio do imperativo temporal enquanto estrutura de
dependência que o progresso técnico impunha à periferia: “Compreende-se, por conseguinte, que, quanto
mais tarde se introduzir a técnica moderna num país periférico, mais violento será o contraste entre a limi-
tada quantia de sua renda per capita e o vulto do capital necessário para poder aumentar essa renda rapi-
damente” (PREBISCH, 1951, p. 97).
A indicação do capital externo, de novo tipo, está inserida na política de cooperação ao desenvolvimento
difundido pelos organismos internacionais criados no pós-1944/45 e orientados pelos Estados Unidos. Na
realidade, a CEPAL reivindica um espaço maior à América Latina nesse conjunto, no entanto, de se con-
vir que não seguia piamente a “cartilha” norte-americana.
118
Na obra de 1954, a Comissão reapresentou a correlação entre insuficiência de poupança interna, a pressão
sobre o consumo dos grupos de alta renda e o recurso ao capital externo como solução intermédiaria: Seja
como for, o dilema é claro. Para acelerar o ritmo de crescimento seria necessário comprimir o consumo, ou
do contrário seria preciso recorrer a um complemento exterior de capitais” (CEPAL, 1954a, p. 7).
199
difundir o progresso técnico
119
. Todavia, este tipo de poupança traria um problema futuro
à balança comercial e isso acentuaria a importância à sua condição temporária, do contrá-
rio aumentaria a dívida externa e seus encargos (pagamento do principal e dos juros) e o
problema da inflação (PREBISCH, 1951, p. 26).
Com relação aos empréstimos exteriores, Prebisch/CEPAL apresentava uma pre-
ferência: os de origem governamental (instituições oficiais)
120
e o os do sistema finan-
ceiro privado, haja vista a possibilidade de cooperação oficial intergovernamental (CE-
PAL, 1954b) e as diferenças nas condições de pagamento da dívida pública (empréstimos
governamentais, taxas de juros e prazos)
121
.
Diante dos tempos da dependência atual no superávit fiscal primário e ajustes
estruturais neoliberais interno e da inserção econômica internacional aberta e desregula-
119
Nos Problemas Teóricos y Prácticos, esta proposta foi tratada: “Agora as inversões estrangeiras são
chamadas preferentemente para o desenvolvimento de atividades internas. Antes que para aumentar as
exportações, têm que reduzir as importações, ainda quando se está muito longe de desdenhar o primeiro”
(PREBISCH, 1973, p. 7).
120
Osvaldo Sunkel e Pedro Paz (1991), citados, situaram a criação dos organismos de reconstrução eco-
nômica (Conferência de Bretton Woods, realizada em 1944, para a qual o Maynard Keynes foi indicado
como membro da delegação inglesa) e as Secretarias especiais da
ONU
no pós-guerra. As principais institui-
ções financeiras oficiais criadas no pós-guerra eram o Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvi-
mento (
BIRD
ou Banco Mundial) e o Fundo Monetário Internacional (
FMI
). Mais tarde foi criado o Banco
Interamericano de Desenvolvimento (
BID
), voltado exclusivamente para a América Latina. O
EXIMBANK
(EUA) também atuava nesta área. Não cabe neste momento discutir o papel desses organismos, nem compa-
rá-los ao longo das décadas seguintes, aporque este assunto é bem conhecido para os latino-americanos.
Ao tratar da sua trajetória intelectual, o próprio Prebisch (1987) reconsiderou seus períodos de proximidade,
de distanciamento e de crítica às orientações do
FMI/BIRD
. Por outro lado, sem desconsiderar as bases
financistas originais do
BIRD
e do
FMI
, na nova ordem geopolítica imposta pelo governo norte-americano,
a influência do setor financeira privado nessas duas agências internacional aprofundou a ortodoxia moneta-
rista e financistas (especulação) e seus propósitos privados (regras de livre-mercado) ao longo das décadas
seguintes (cf. SOARES, julho/1993). A dívida externa e a inflação, por exemplo, passaram a ocupar cada
vez mais a atenção nos estudos da Comissão nos anos sessenta em diante.
A própria Comissão conhecia as origens dos recursos e o funcionamento dessas instituições financeiras.
Por exemplo, os recursos do
BIRD
provinham de bônus, sujeitos à especulação financeira, o Eximbank,
obtinha recursos do Tesouro do Governo dos
EUA
, mas dependiam de sua política interna e externa (CE-
PAL, 1954b, p. 25).
121
Nos Estudio de 1949 e de 1951-1952, a Comissão apresentou alguns dados sobre os empréstimos que o
BIRD e o EXIMBANK efetuaram ou disponibilizaram para os países latino-americanos. Para maiores infor-
mações confira as Tabelas 6(A) e 6(B), anexas.
A título de informação, cabe citar outros dados apresentados pela Comissão sobre a participação do capi-
tal externo em investimentos no setor elétrico: “De 1947 a 1952, o Banco Internacional de Reconstrução e
Desenvolvimento e o Banco de Exportação e Importação dos Estados Unidos destinaram, em conjunto, 330
milhões de dólares para o desenvolvimento elétrico latino-americano, tanto de empresas públicas como
privadas, ou seja, mais de 31,2% de seus empréstimos para a América Latina” (CEPAL, 1954a, p. 214).
200
mentada à nova ordem neoliberal é oportuno esclarecer que a
CEPAL
não aceitava todo
e qualquer tipo de empréstimo de origem externa, ou melhor, ela fazia sérias reservas a um
tipo de movimento financeiro internacional: “o movimento de capital de curto prazo”
(GRUPO MISTO BNDE-CEPAL, 1957, p. 33). Esta posição da Comissão era sustentada
pelo fato de esse “capital volátil” e exclusivamente especulativo ser, por um lado, incom-
patível com o planejamento e a programação do desenvolvimento em longo prazo e, por
outro, por acentuar a vulnerabilidade externa
122
. Além do mais, por não ter vínculo direto
com a produção de riqueza (crescimento econômico) e geração direta de renda, não con-
tribuiria para a superação de insuficiência de poupança/capital no mercado interno, e, fi-
nalmente, pressionaria as contas a pagar no curto prazo. Comparativamente, essa forma de
movimento do capital seria mais prejudicial do que as inversões em nichos de exportações
do modelo hacia afuera.
Cabe esclarecer que esta distinção e posição com relação ao capital de curto prazo
praticamente o são citadas, em parte, pela predominância das outras formas de partici-
pação do capital estrangeiro, ou pelo fato de ele o ter tanta expressão histórica naquele
período, ou por estar subsumido no bojo do financiamento externo (FMI, BIRD e BID;
dívida externa), independentemente da aceitação ou da crítica à presença do capital exter-
no, sem distinções das formas. Todavia, considerando a contemporaneidade do capital
financeiro, essa modalidade de participação do capital internacional na vulnerabilidade
externa, a indicação da referência cepalina merecem a atenção.
Do ponto de vista da lógica interna da concepção periférica, este (a busca de capi-
tal externo orientado à produção) seria um caminho para resolver o problema do círculo
122
Segue a passagem que trata desse assunto:
“O movimento de capital a curto prazo é um elemento
mais difícil de determinar, mas é também de importância menor para a programação. Ele pode mesmo
causar perturbações, ao provocar tendências ou variações temporárias nas transações internacionais, que
não correspondem à evolução normal da economia. Esse fator pode, na maioria dos casos, ser posto de
lado, admitindo-se que a aplicação de um programa traz consigo o estabelecimento de uma política desti-
nada a afastar as conseqüências indesejáveis do movimento de capital a curto prazo, ou, de modo geral, a
lidar com fatores externos instáveis” (GRUPO MISTO BNDE-CEPAL, 1957, p. 33).
201
vicioso da insuficiência interna, no qual a poupança externa (oficial e privada) desempe-
nharia o papel de acelerador na formação do capital necessário, viabilizando sua disponibi-
lidade líquida para investimentos ou mesmo para efetuar inversões externas privadas pro-
dutivas (transferência de unidades produtivas e importação de tecnologia moderna)
123
.
Outro elemento do círculo vicioso que Prebisch havia indicado no Manifesto tra-
tava da dimensão das economias da maior parte dos países latino-americanos, problema
este mais acentuado na América Central. na fase inicial da industrialização, os merca-
dos nacionais reduzidos eram vistos como problema à elevação da produtividade e, em
decorrência, da poupança e do capital. Este problema repetia-se na “dimensão ótima das
empresas industriais” (PREBISCH, 1949, p. 53), pois, ou não faziam uso da capacidade
tecnológica instalada ou eram favorecidos pela concessão de benefícios de monopólios ou
proteções exageradas nos mercados nacionais
124
.
123
Em outra obra da CEPAL, de 1954b, foram apresentados dados sobre as inversões norte-americanas na
América Latina. Apesar da preferência pelos financiamentos de origem oficial, verifica-se que as inversões
do capital privado eram significativamente maiores do que as de crédito oficial.
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Fonte: CEPAL. In: CEPAL. A cooperação internacional..., p. 16 (Quadro 1)
124
Prebisch/CEPAL não negavam a importância do protecionismo industrializante, tampouco os clássicos e
neoclássicos desconsideravam completamente o assunto, no entanto, havia casos em que os favores de “mo-
nopólio” eram obtidos por influência política e econômica junto ao governo. O seguinte trecho do Estudio de
1948 resume o assunto: “o tamanho reduzido dos mercados nacionais não permite, em muitos casos, o em-
prego de técnicas de produção em série. Os altos custos da produção fabril, abastecedora dos mercados
internos e protegida por altas taxas alfandegárias e outros meios, permitem o uso de maquinaria e procedi-
202
Assim, para obter o máximo possível dos benefícios do progresso técnico (meno-
res custos e rendas) seria preciso atingir as dimensões de escala exigidas pela industriali-
zação dinâmica, através de exportações regionais, ou da criação de mercados regionaliza-
dos, ou ainda através de acordos de intercâmbio recíproco a ser firmado entre países da
América Latina, mediante tratados bilaterais e/ou multilaterais de comércio que prescreve-
riam a condição da nação mais favorecida aos países-membros (vide o Capítulo 6).
N
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99
9
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99
9
;
;;
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U
UU
U
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UU
U
A noção do sistema centro–periferia pode ser enfocada tanto em nível internacio-
nal, quanto regional, nacional e internamente à economia de um país. No entanto, este
procedimento de análise requer, numa medida, a conservação do conteúdo das relações
estabelecidas entre as partes, e, noutra, a recolocação das estruturas segundo sua condição
e posição em cada nível. Portanto, que se ter o cuidado de não reproduzir o “esquema”
em qualquer circunstância, mas sim, dar o devido peso aos aspectos para cada parte das
partes do sistema, sem esquecer que a dependência reflexa se legitima no interior da eco-
nomia capitalista, vista na perspectiva da dependência do progresso técnico.
A situação mais problemática do subdesenvolvimento latino-americano estava na
insuficiência existente na relação entre população-produção, ou melhor, o apelo valorativo
da imprescindibilidade da industrialização era comprovado a partir da deficiência que ha-
via entre os índices do crescimento demográfico e da produção nacional e/ou regional e a
constante oscilação do último na periferia, com tendência negativa, dada sua vulnerabili-
dade externa. A fragilidade maior estava na dependência externa do crescimento, decor-
mentos antiquados. Do mesmo modo, a escassez de mão-de-obra especializada torna preferível, às vezes, o
emprego de maquinaria mais simples e menos produtiva” (CEPAL, 1949 p. 18).
Na nova versão do liberalismo econômico, em meio à crise do petróleo ocorrida na cada de 1970, Mil-
ton e Rose Friedman (1980) contestam toda e qualquer forma de protecionismo inicial a qualquer atividade
econômica.
203
rente da deterioração dos termos de intercâmbio e da elasticidade-renda. No Estudio de
1948, a Comissão retratou essa característica no período da última década: “1937-1947:
população cresceu 24% e a produção de alimentos 20%” (CEPAL, 1948, p. 98-99)
125
.
Diante dessas disparidades e da tendência malthusiana ao agravamento, caso
permanecesse a dependência externa ao desenvolvimento e aos saldos comerciais, a capa-
cidade multiplicadora do progresso técnico poderia garantir uma relação positiva entre o
crescimento populacional e o produtivo.
Ao rever a trajetória de seu pensamento no Prefácio da obra de Octavio Rodrí-
guez, Prebisch retomou o debate realizado entre os desenvolvimentistas e os liberais sobre
as medidas adequadas à superação do subdesenvolvimento. Enquanto que, para Jacob Vi-
ner (1950), o problema do crescimento demográfico tinha um papel importante na solução
do crescimento econômico, Prebisch contestava a proposição, considerando-a incoerente
do ponto de vista moral e contrária aos valores humanos na época. Para Prebisch a tese de
Viner sobre o problema econômico e populacional dos países menos desenvolvidos pode-
ria ser resumida na seguinte proposição: “aumentar a fertilidade da agricultura e diminuir a
fertilidade das mulheres!” (PREBISCH, 1981a, p. 8). Contrariamente a isso, Prebisch va-
lorizava a potencialidade do progresso técnico na industrialização.
Se, na relação centro–periferia, Raúl Prebisch estabeleceu um sentido e uma de-
pendência, ambos estruturantes e identificadores das partes e do sistema, na relação entre
indústria e agricultura na periferia isso também era perceptível, porém, com uma exceção:
a dependência não nascia dessa relação no interior da periferia, apesar de se verificar em
seu interior e entre os setores econômicos um desenvolvimento desigual. Acresce-se a isso
o fato de que uma melhoria na relação entre agricultura e indústria produziria um círculo
125
Numa outra passagem da introdução do Estudio de 1948 estas diferenças haviam sido apresentadas. Apesar de o
período ser distinto e, em função disso, os índices não coincidirem plenamente, não há contraditoriedade entre ambas: “a
população da América Latina cresceu aproximadamente 23%, enquanto que a produção de alimentos aumentou somen-
te 20%, em média entre os anos 1934-1938 e 1947” (CEPAL, 1949, p. x).
204
virtuoso à superação do ponto mais crônico do atraso e na tripla insuficiência, fato este
distinto da superação da condição periférica.
Eram justamente as características de heterogeneidade e da especialização da e-
conomia periférica que marcavam o atraso e comprovavam a inviabilidade do modelo de
desenvolvimento agro-exportador predominante até pouco tempo atrás na América Latina.
No texto Problemas Teóricos y Prácticos, Prebisch especificou a insuficiência e a potenci-
alidade da agricultura em cada modelo e seu vínculo no conjunto de uma dada economia:
As atividades de exportação dos países latino-americanos são insuficien-
tes para absorver o incremento da população ativa disponível em virtude
de seu crescimento vegetativo e do progresso técnico. A industrialização
cumpre, antes de tudo, este papel dinâmico de absorver diretamente a
população ativa sobrante e de estimular outras atividades, inclusive a a-
gricultura de consumo interno, que contribui para o mesmo objetivo.
Dessa forma, pelo progresso técnico e a industrialização vão crescendo a
renda global e melhorando a renda per capita (PREBISCH, 1973, p.
33)
126
.
A passagem citada esclarece os elementos da insuficiência geral herdada do mo-
delo anterior e os limites que os problemas estruturais colocavam ao desenvolvimento
periférico. Partindo do paradigma da técnica moderna e constatando que a heterogeneida-
de e o atraso técnico se concentravam na agricultura, seja nos aspectos populacionais e da
ocupação produtiva, a solução apresentada requereria a absorção da população economi-
camente ativa nos mesmos níveis do seu crescimento vegetativo e da sua transferência ou
liberação ocupacional decorrentes da introdução do progresso técnico nas atividades pri-
márias. Raúl Prebisch e a
CEPAL
denominavam-na de população ativa sobrante ou força
de trabalho liberada pelo progresso técnico.
126
No Estudio de 1949, o problema da insuficiência foi retomado: “Se são insuficientes as exportações para
absorver o incremento demográfico, ainda mais o o para absorver o excedente real ou virtual da popula-
ção economicamente ativa, que se dedica à agricultura e a outras ocupações congêneres. Constata-se a
repetida incidência deste fato, quer seja no México, na Argentina ou em outros países latino-americanos,
ficando, assim, comprovado ser ele aspecto comum característico do problema do desenvolvimento econô-
mico nesta região (PREBISCH, 1952, p. 13, grifo nosso).
205
Além do mais, para Prebisch este processo somente seria positivo se resultasse na
elevação das condições de vida das massas. O progresso técnico e a industrialização de-
sempenhariam o papel dinâmico nessa absorção e no incremento da produtividade, o que
resultaria no crescimento do PIB e da renda média per capita, conforme a visão cepalina
nesta fase.
No Estudio de 1948 e no Manifesto, Prebisch e a CEPAL estabeleceram uma in-
terdependência entre agricultura e industrialização, fato este que persistiu nos textos e do-
cumentos posteriores. Para ser mais exato, entre agricultura e indústria existia uma relação
conjunta de dependência e de interdependência, sem serem necessariamente excludentes.
A primeira, como já foi mencionado, devia ser compreendida, analogicamente, no interior
da dependência reflexa e na capacidade de ação e reação que um setor apresentava sobre o
outro, tal como no sistema centro–periferia, guardadas as diferenças. Nesse sentido, so-
mente a indústria tinha capacidade para aumentar significativamente a produção agrícola
através da difusão do progresso técnico (inovado, renovado e fabricado nesse setor). A
indústria era o nascedouro do progresso técnico de onde partia sua difusão e ampliação aos
demais setores das formas de produzir, consumir e distribuir a o-de-obra (novas tecno-
logias, novos produtos, novos padrões de consumo e substituição da força de trabalho).
a agricultura poderia aumentar significativamente sua produção, porém a demanda dos
produtos primários continuaria dependendo, fundamentalmente, das transformações do
setor industrial e da elasticidade-renda da população, e do crescimento da população.
A interdependência, por sua vez, correspondia à interpretação prebischiana do de-
senvolvimento integrado e global da economia, isto é, a substituição de importações atin-
giria seu nível dinâmico quando alcançasse a diversificação e a homogeneização da eco-
nomia e da sociedade, em oposição às situações de especialização e heterogeneidade do
período anterior (modelo para fora).
206
A interdependência entre agricultura e industrialização era vista sob as condições
periféricas da sociedade (população) e da economia (técnica moderna). O núcleo do atraso
latino-americano estava no meio rural e nele também se localizava o principal foco da
insuficiência: “Na América Latina, em geral, a grande maioria da população reside em
regiões rurais, que a agricultura é, sem dúvida, a fonte de subsistência mais importante”
(CEPAL, 1949, p. 179).
O novo modelo de desenvolvimento exigiria a concentração populacional e eco-
nômica no espaço urbano-industrial, fenômeno característico das revoluções industriais
ocorridas nos países centrais e modelo a ser seguido. No entanto, a modernização tecnoló-
gica teria que ser cadenciada segundo a capacidade e as condições periféricas (limites do
círculo vicioso) e orientada por uma visão acertada no incremento da produtividade. Tra-
tando do setor rural e sua heterogeneidade demográfica e econômica, a Comissão reco-
mendava os primeiros passos e pontos a serem focados para uma melhoria:
Três são os fatores que determinam a necessidade de incrementar o capi-
tal. Primeiro, o crescimento da população; segundo, a transferência de
população das ocupações de escassa produtividade, com capital relati-
vamente exíguo, para outras de maior produtividade, que requerem mai-
or capital por homem, e finalmente o aumento do capital por homem pa-
ra aumentar a produtividade (CEPAL, 1951a, p. 108)
127
.
Por ser um dos pontos fracos da periferia, ou melhor, a parte periférica da perife-
ria, o setor agrícola de subsistência
128
concentrava a população e os níveis mais baixos de
renda. Justamente nesse meio social e econômico as necessidades do progresso técnico, de
127
A Comissão também considerava que a produtividade poderia ser inicialmente melhorada sem maiores
investimentos diretos em tecnologia moderna com alta densidade de capital. A produtividade geral poderia
ser melhorada através da introdução de novas técnicas de cultivo no meio rural (sementes, uso do solo, orga-
nização do trabalho, assistência técnica, etc.), sem grandes esforços de poupança. No Manifesto, Prebisch
argumentava que na agricultura era possível aumentar a produtividade com volume menor de capital, sendo
um setor importante para a própria absorção da mão-de-obra rural nas atividades primárias (PREBISCH,
1949, p. 82). Na obra Cooperação Internacional..., a Comissão acrescentou ao problema agrário o aspecto
do “baixo nível educativo e social que predomina comumente nos setores camponeses dos países latino-
americanos” (CEPAL, 1954b, p. 144).
128
A mineração voltada para fora não apresentava esta insuficiência, ainda mais onde o capital estrangeiro
participava. Da mesma forma, as demais atividades primárias (alimentos e matérias-primas) predominantes
no modelo hacia afuera” apresentavam isoladamente altas taxas de produtividade.
207
capital, de inversões e de introdução de novas práticas produtivas comerciais (além da
subsistência) faziam-se sentir para garantir a elevação da produtividade e do bem-estar das
grandes massas rurais. Enfim, para a
CEPAL
era preciso expandir o progresso técnico com
seus benefícios até a parte mais longínqua do subdesenvolvimento.
No Estudio de 1948, a Comissão apresentou um quadro da distribuição demográ-
fica da população rural e urbana da maioria dos países latino-americanos
129
. Dos países
indicados, somente a Argentina (1947: 61,4% população urbana; 38,6% rural) e o Chile
(1940: 52,4% urbana; 47,6% rural) eram exceções, pois neles a população urbana ultrapas-
sava a rural. Todavia, isso o representava necessariamente ganhos de modernidade eco-
nômica e social, pois a insuficiência poderia ser agravada sem a devida absorção produtiva
da mão-de-obra “sobrante” e transferida do meio rural para os centros urbanos. No Estudio
de 1949, o caso argentino foi utilizado como sendo o exemplo mais positivo pelos índices
de produtividade nas atividades primárias e sua importância na produção nacional
130
. O
Brasil tinha, em 1940, 31,2% da população urbana e 68,8% rural. o xico possuía
35,1% e 64,9%, respectivamente. Os países com maior presença da população rural eram a
Guatemala, com 73,3% (dados de 1940) e a Bolívia com 73,1% (dados de 1900). Aliás, a
concentração demográfica nas grandes cidades, acentuada nas décadas de 50 e 60 e se-
guintes, agravaria o problema da insuficiência na absorção da mão-de-obra deslocada do
meio rural e a exclusão social (marginalidade e urbanização).
Pela Tabela –7(B), do Anexo, a visão mais ampla permite constatar o movimento
de concentração urbana na América Latina. Enquanto que no ano de 1936, a população
129
Confira os dados na Tabela – 7 (A) ANEXO e 7(B) ANEXO.
130
... a Argentina parece ter chegado em seu desenvolvimento econômico em uma etapa em que a necessi-
dade de acrescentar a quantidade de capital não é tão intensa como em outros países de menor desenvolvi-
mento econômico (CEPAL, 1951a, p. 108).
No Estudio de 1950, a
CEPAL
elogiou o modelo argentino de modernização da estrutura fundiária, consi-
derando-o como um exemplo de “reforma agrária” a ser seguindo. A Comissão priorizava a modernização
das atividades primárias em detrimento dos projetos de colonização e a expansão das fronteiras agrícolas,
pois esta aumentaria a necessidade de capitais.
208
agrícola representava 61,1% da
PEA
, esta diminui, nesses 24 anos (1934-1960), para
47,2%. Do total da população, em 20 anos, a população rural reduz sua participação dos
65,9%, em 1940, para 53,9%, em 1960. Para a população urbana, os índices são 34,1% e
46, 1%, caracterizando o processo de concentração populacional nos espaços urbanos.
Na primeira parte do Estudio de 1949, da interpretação do processo de desenvol-
vimento, Prebisch situou a dimensão do problema econômico e social que a população
rural representava no esforço inicial: “Basta observar a elevada percentagem da população
que, na América Latina, trabalha na lavoura, exceção feita de uns poucos países, para for-
mar uma idéia do vulto deste problema, bem como do incalculável esforço necessário à
sua solução” (PREBISCH, 1951a, p. 9-10).
A estrutura fundiária foi vista como problemática, porém, segundo a ótica da
produtividade na relação capital-homem e seu vínculo com a atividade produtiva e o porte
do estabelecimento rural: “A solução, entretanto, pode tropeçar com o grande obstáculo do
regime da propriedade de terra em muitos países” (PREBISCH, 1973, p. 49).
Tanto o latifúndio como o minifúndio eram considerados antieconômicos. Um, o
latifúndio, pela origem colonial e pelas práticas tradicionais, pré-capitalistas e de atraso, na
obtenção da renda oligárquica (privilégio e abundância de terra e exploração extensiva da
área), além da baixa produtividade da o-de-obra e na agricultura; e, o outro, o minifún-
dio, pela predominância de práticas de subsistência e pela alta concentração da população
em pouquíssima superfície agrícola.
Três idéias chaves condensaram o pensamento subdesenvolvimentista, sendo
também pontos de referências na interpretação do problema da terra, uma das característi-
cas da América Latina
131
: a dependência reflexa fundamentava as estruturas das relações
no sistema centro–periferia; a dependência tecnológica, relacionada à organização da eco-
131
Alain Rouquié (1991) também identificou na concentração da terra (propriedade e posse), principalmente
no latifúndio, uma das características históricas da sociedade latino-americana.
209
nomia capitalista, identificava a vulnerabilidade externa; e, a insuficiência no círculo vi-
cioso enfocava o problema da absorção da força de trabalho no modelo anterior (pelo atra-
so) e no novo (pelas implicações do progresso técnico na produção, na utilização da mão-
de-obra e seu deslocamento do meio rural para o urbano).
A solução do problema agrário era pensada na perspectiva do crescimento eco-
nômico, ou seja, através de ões voltadas à modernização produtiva e não às medidas
diretas redistributivas de terra que atingissem a base da estrutura fundiária (GURRIERI,
1982a)
132
. No Estudio de 1949 e de 1950, foram abordados alguns casos diferenciados de
desenvolvimento agrário, merecendo destaque o argentino, o mexicano e o chileno. A es-
trutura fundiária chilena reproduzia o contraste do latifúndio e do minifúndio antieconô-
micos, entretanto, a Comissão compreendia que o ponto de partida à solução teria que ser
visto pela ótica econômica e sua adequação entre produtividade e as formas de absorção
da mão-de-obra nos meios rural e urbano.
Isto requer, entretanto, que o resto da economia do país absorva o
sobrante da mão-de-obra em ocupações de produtividade satisfató-
ria. Qualquer que seja, pois, o critério com que se vejam as grandes
propriedades, do ponto de vista social, é evidente que o problema, do
ponto de vista econômico, não consiste em colocar neles mais gente
retiradas dos estabelecimentos de exígua superfície, mas em retirar
de uns e de outros o sobrante real ou virtual da população ativa (CE-
PAL, 1951a, p. 341, grifo nosso).
A estrutura fundiária mexicana foi descrita, pela CEPAL, para problemati-
zar a inadequação econômica e social do minifúndio antieconômico, porém, o exem-
plo paradigmático utilizado não partiu da reforma agrária realizada no país no ano
de 1937
133
, resultante da revolução mexicana iniciada em 1910, nem da pequena pro-
priedade privada ali estabelecida, mas sim dos ejidos, de propriedade comunal indí-
132
No Estudio de 1950, parte dos problemas da estrutura fundiária foi resumida na seguinte passagem: “O
latifúndio seguiu, em todos os países, objeto de preocupações, porém os esforços realizados para conseguir
unidades econômicas mais eficientes deram, aparentemente, resultados pouco tangíveis. As razões dela são
as mesmas que inibem na aplicação de planos compreensivos de reforma agrária. De todos os modos, o
latifúndio continua diminuindo em virtude de um processo lento e espontâneo de fragmentação da proprie-
dade por herança ou venda, mais algumas compras feitas com ajuda de instituições oficiais” (CEPAL,
1951b, p. 37-38).
133
“... depois do México, nenhuma outra república latino-americana voltou a enfrentar-se com os proble-
mas da propriedade da terra e das relações trabalhadores assalariados-padrões na agricultura” (CEPAL,
1951b, p. 35).
210
gena, localizados em áreas marginais, extremamente reduzidas (menos de 5 hectares)
e com alto índice demográfico
134
. Para a CEPAL, o caso ejidal ultrapassava os aspec-
tos da baixa produtividade. Além desse problema, aquela forma de minifúndio antie-
conômico também era inapropriada à modernização agrícola, pois provinha de prá-
ticas seculares, sustentadas em valores, hábitos e cultura do trabalho e visão da terra
distinta da sociedade e da economia capitalista
135
.
Os dados censitários da estrutura fundiária chilena e mexicana, conforme
indicado nas Tabelas 8, 9(A) e 9(B), do Anexo, retratam a característica regional da
concentração da propriedade da terra e da distribuição da população rural. No Chi-
le, segundo Censo de 1935-36, os estratos com menos de 20 hectares representavam
72,3% dos estabelecimentos agrícolas, porém somente 2,5% da área. Entre os dois
índices do estrato (72,3/2,5) havia uma diferença de quase 29 vezes. os estratos
com mais de 500 hectares representavam 2,7% e 81,2%, respectivamente. Entre estes
últimos índices a diferença ultrapassava 30 vezes. Mas, tratando-se da concentração
da propriedade e da posse da terra, a diferença mantém as proporções: comparati-
vamente à área dos grandes estabelecimentos, era 32,4 vezes maior do que os estratos
com menos de 20 hectares; com relação ao número de proprietários, os estabeleci-
mentos com menos de 20 hectares ultrapassavam em mais de 26 vezes o número de
proprietários de estabelecimentos com mais de 500 hectares.
Utilizando os dois estratos extremos, menos de 5 e mais de 1.000 hectares, as
diferenças aumentam significativamente. Os estabelecimentos menores eram, em
número, 32,73 vezes mais do que os maiores, enquanto que estes últimos tinham
125,17 vezes mais terras do que os menores.
No xico, segundo o Censo de 1940, as desigualdades eram expressivas. As
áreas com menos de 5 hectares representavam 76,2% dos estabelecimentos, porém
somente 1,2% da área total. Ao estrato com mais de 1.000 hectares correspondia a
apenas 0,8% dos estabelecimentos e 79,3% da superfície total. A diferença entre am-
bos atingia mais de 95 vezes (76,2/0,8) para os dados entre os estratos de área; e, mais
de 66 vezes (79,3/1,2) para a participação na área total. Já as diferenças entre os indi-
cadores em cada estrato eram 63,5 vezes mais (76,2/1,2) e 99,13 vezes (79,3/0,8), res-
pectivamente.
Para a CEPAL, o problema da estrutura fundiária era pensado na perspecti-
va do crescimento da economia e da população. A relação entre ambos, porém, indi-
cava as condições e/ou insuficiências à absorção produtiva da mão-de-obra. Para
compreender efetivamente o problema da insuficiência no/do rculo vicioso, deve-se
vinculá-lo ao problema da absorção produtiva da força de trabalho, seja no meio
rural e suas atividades primárias, como na sua transferência ao meio urbano e nas
134
A população indígena ejidal vinha a ser a principal fonte de mão-de-obra utilizada nas grandes haciendas
mexicanas (agrícolas ou mineradoras) de forma temporária e mal-remunerada, ocorrendo situações de semi-
escravidão. Se o ejido mexicano foi julgado como uma prática secular e antiquada ao desenvolvimento agrá-
rio, baseado na técnica moderna, certamente este problema ultrapassava aquele país. Afinal, grande parte da
população centro-americana e andina era indígena, afora a presença das populações afro-americanas que não
tinham origens nem descendências européias.
135
Na correlação entre a estrutura fundiária mexicana e seu estado de desenvolvimento agrícola os extremos
antieconômicos não possuem uma relação direta, nem eram indicados como focos à reforma agrária desen-
volvimentista: “O fato de que os estabelecimentos com menos de 5 ha. constituam 76,2% do número total e
apenas correspondem a 1,2% da supercífie censada, não significa que ainda exista grande quantidade de
terra agrícola, mediante a qual se poderia sair do minifúndio as custas do latifúndio, pois é um fato reco-
nhecido no xico que os grandes estabelecimentos não estão agora em terras cultiváveis, mas em superfí-
cies destinadas à explorações pecuárias (...), necessitam grandes extensões para funcionar economicamen-
te; em explorações florestais, nas que ocorrem o mesmo, ou simplesmente em campos improdutivos, por seu
caráter montanhoso, quebrado ou desértico” (CEPAL, 1951a, p. 452-453, grifo nosso).
211
atividades industriais e de serviços (absorção da mão-de-obra sobrante do progresso
técnico).
Nesse conjunto, somente o setor urbano-industrial poderia viabilizar um re-
equilíbrio das mudanças provocadas pelo progresso técnico na distribuição da popu-
lação e nas rendas. Portanto, a relação entre insuficiência e absorção forma a base da
interdependência entre a agricultura e a indústria (PREBISCH, 1951, p. 12-13).
Um outro aspecto da interdependência tratado no
Manifesto
era a compatibi-
lidade entre o desenvolvimento industrial e o agrário, em sua dupla direção: do in-
dustrial para o agrário; e, do agrário para o industrial (guardadas as diferenças no
núcleo do dinamismo).
A industrialização da América Latina não é incompatível com o desen-
volvimento eficaz da produção primária. Pelo contrário, uma das condi-
ções essenciais para que o desenvolvimento da indústria possa cumprir o
fim social de elevar o nível de vida, é dispor dos melhores equipamentos
de maquinaria e instrumentos, e aproveitar prontamente o progresso da
técnica em sua regular renovação (PREBISCH, 1949, p. 48-49)
136
.
Na obra de 1954, num período em que o planejamento fazia parte das discus-
sões, a CEPAL (1954b) enfatizou que entre os setores primários (agricultura de exportação
e para o mercado interno) e absorventes (indústria e serviços), deveria haver uma relação
de equilíbrio e complementaridade, pois uma política econômica teria que ser pensada em
nível nacional, ou seja, enquanto um programa nacional de desenvolvimento. Na passa-
gem daquele texto, conforme segue, esta correlação foi condensada, detalhando pratica-
mente todas as possibilidades:
Mas, ao mesmo tempo, existe a necessidade de que a política de desen-
volvimento mantenha um adequado equilíbrio entre os dois campos da
agricultura, por um lado, e da indústria e os serviços, por outro. É evi-
dente que uma estreita interdependência entre a agricultura e a indús-
tria e isso significa, não que as duas são complementares, senão que
um melhoramento agrícola em grande escala não será possível sem a
industrialização, já que não se encontraria procura efetiva para os au-
mentos da produção agrícola nem ocupação para os braços que aquele
melhoramento deixasse excedentes nas zonas rurais. Não obstante, a in-
dustrialização não pode ter êxito sem um aumento simultâneo na produ-
tividade agrícola que abra mercado adicional para os produtos indus-
triais e assegure aos trabalhadores industriais um abastecimento de ar-
tigos alimentícios a preços moderados. É um erro, pois, pensar que as
duas atividades se contrapõem porque ao desenvolvimento de cada uma
136
Este esclarecimento foi feito no Estudio de 1948 (CEPAL, 1949, p. x).
212
delas corresponde uma etapa diferente (CEPAL, 1954b, p. 143, grifo
nosso)
137
.
A partir dessa inter-relação é possível destacar os papéis dos dois setores princi-
pais nessa interdependência. À indústria caberia ser: o setor fornecedor da maquinaria
(dos equipamentos e dos insumos) destinada à modernização agrícola; o principal setor
absorvedor da mão-de-obra “sobrante” na agricultura (originária do crescimento vegetati-
vo e da introdução do progresso técnico); e, o setor consumidor da produção agrícola
utilizada como matéria-prima na produção industrial. À agricultura caberia ser: um mer-
cado consumidor dos produtos industriais, em expansão e intensificação; produtor de
alimentos a baixo custo (produtividade) destinado aos centros urbanos e industriais; – pro-
dutor de matérias-primas; e, – a principal fonte de origem da força de trabalho necessária à
expansão e ao dinamismo industrial.
N
NN
N
N
NN
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9
99
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N
NN
N
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NN
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LL
L
L
LL
L
A leitura dos textos fundadores do pensamento prebischiano e cepalino não deixa
dúvidas à dimensão exata, específica e clara do que representava substituir importações na
periferia latino-americana, bem como dos novos problemas que traziam ao equilíbrio eco-
nômico interno e externo dos países da região. Uma das primeiras considerações a se fazer
sobre a efetiva amplitude do modelo teórico daquela experiência histórica se refere à pro-
fundidade da industrialização substitutiva nos marcos nacionais, seus limites e problemas
estruturais. Nesse sentido, no texto Problemas Teóricos y Prácticos, Prebisch havia escla-
recido essa questão e o sentido final da substituição:
137
Esta passagem pode ser comparada e/ou contraposta com a discussão que Francisco de Oliveira (1987)
fez sobre a relação entre a produção de alimentos básicos a baixo custo, a regulação e o controle estatal var-
guista dos salários (o nivelamento por baixo do valor inicial do salário mínimo) e a garantia dos lucros aos
capitalistas. Segundo Oliveira, por meio disso o Estado varguista interveio na relação capital-trabalho em
favor dos capitalistas. O controle do custo da cesta básica e do salário era fundamental para o empresariado.
213
Não se trata, certamente, de conceitos de autarquia, de perseguir a redu-
ção sistemática das importações, mas, pelo contrário, de importar quanto
se pode em virtude das exportações e das inversões estrangeiras. So-
mente que as importações têm que se realizar de forma que estimulem o
desenvolvimento econômico e não o retardam (PREBISCH, 1973, p. 4-5,
grifo nosso).
No Estudio de 1948, a Comissão argumentou que o “modelo de desenvolvimento
voltado para o mercado interno”, acentuado no pós-30, havia modificado a pauta comerci-
al não somente em virtude da crise no intercâmbio externo e do “vácuo” na demanda in-
terna, mas também em função da própria industrialização, ou seja, das novas necessidades
de importação de tecnologias e de produtos básicos aos novos ramos da atividade (amplia-
ção e manutenção), bem como das pressões características da elasticidade-renda e da de-
pendência tecnológica. No Estudio de 1948, a CEPAL afirmava que a industrialização in-
terna ao mesmo tempo substituía e aumentava as importações, isso é, tendia a diminuir e
aumentar a vulnerabilidade externa, porém, em outros níveis e possibilidades de alcance.
A industrialização produz um duplo estímulo sobre as importações de ar-
tigos manufaturados. Em primeiro lugar e especialmente na América La-
tina, requer amplo volume de importações de bens de produção. Em se-
gundo lugar, as maiores rendas reais conduzem a uma demanda maior
de bens de consumo, parte dos quais, especialmente aqueles de índole
duradoura ou semidurável, se satisfazem mediante importações. Deste
modo, naqueles países que experimentam um rápido processo de indus-
trialização, a importação de artigos manufaturados tende a aumentar,
antes do que a diminuir (CEPAL, 1949, p. 54, grifo nosso).
Não restam dúvidas que foram produzidas transformações significativas na eco-
nomia interna latino-americana, tão expressivas a ponto de sustentarem uma nova deno-
minação e caracterização ao processo. Nesse sentido, uma análise comparativa da partici-
pação do comércio exterior na renda nacional ou da região vem em defesa dessa tese: “As
importações, que antes da grande crise representavam 28% da renda conjunta da América
Latina, constituíram, recentemente, uma proporção relativamente pequena (12%), repre-
sentando já no período de 1945-49 apenas cerca de 15%” (TAVARES, 1972, p. 36-37).
214
Porém, como no pós-1945 o cenário internacional encerra seu “estado de exce-
ção”, o período anterior passou a ser a âncora de apoio. Entretanto, no bojo das circuns-
tâncias imediatas, além das estruturas do passado, foram incluídos outros problemas atuais
e futuros, diante das exigências que o aprofundamento dinâmico do modelo impunha (o
que substituir e importar agora, amanhã e mais adiante). No pós-guerra ocorreu um au-
mento das importações (bens de consumo, instrumentos e equipamentos de reposição,
bens de capital) e dos pagamentos exteriores enquanto que as exportações continuavam
dependendo do movimento reflexo e das relações de preços (CEPAL, 1949, p. xi).
O conceito sistema centro–periferia foi uma síntese teórica disso e não uma ideo-
logia que defendia um nacionalismo exacerbado ou qualquer outra forma de xenofobia.
Tampouco foi um projeto de industrialização “estatal”, muito menos um projeto de liber-
tação nacional da dependência externa ou do sistema geral da organização da sociedade e
da economia capitalista. A deterioração dos termos de intercâmbio, a elasticidade-renda e
a dependência do progresso técnico afunilavam na vulnerabilidade externa vivida pela
periferia e eram problemas estruturais (diacrônico e sincrônico) do/no sistema centro–
periferia que se manifestavam com novo vigor no pós-guerra.
O aprofundamento da industrialização, ou melhor, do seu ritmo na segunda etapa,
estava, pois, num “fogo cruzado” entre a capacidade e as necessidades de substituir e de
exportar. No Estudio de 1949, Prebisch resumiu o novo problema global colocado à conti-
nuidade benéfica da substituição de importações: “Fundamentalmente, a capacidade de
importação depende da quantidade de produtos exportados por determinado país, e da re-
lação entre o preço desses produtos e o das importações” (PREBISCH, 1951, p. 25).
A política econômica de substituição de importações, enquanto corpo de um pro-
grama de desenvolvimento nacional, vem a ser a busca de um equilíbrio entre a capacida-
de (de capital externo e interno direcionado às inversões) e a necessidade de diminuir
progressivamente a vulnerabilidade no comércio exterior (de importar e de exportar) e
215
seus pagamentos. Como os interesses da iniciativa privada, também insuficiente, e o livre-
mercado não atingiam o âmago do problema, para Prebisch/
CEPAL
, o Estado, ou melhor,
o governo nacional seria o único agente político e econômico capaz de conduzir direta e
indiretamente este processo (assunto tratado no capítulo a seguir).
O círculo vicioso da insuficiência, tratado, retratava os limites internos. Além
do capital externo, o aumento na capacidade de exportação tinha um papel significativo,
pois viabilizaria mais capital às inversões e às importações
138
. No entanto, além das condi-
ções de competitividade internacional, essa capacidade dependia da relação de preços e da
elasticidade-renda cêntrica.
No pós-guerra, o volume das exportações e seu crescimento foram bem maiores
do que o quantum de capital obtido com o superávit comercial, em decorrência da deterio-
ração dos termos de intercâmbio e suas variações conjunturais. Mesmo assim, os saldos da
balança comercial serviam de fonte à poupança interna para o pagamento externo, princi-
palmente das importações de tecnologia. Inversamente das economias centrais, os países
periféricos agravavam o desequilíbrio externo com a industrialização interna.
Enquanto que a elasticidade-renda e a relação dos preços tendiam favoravelmente
ao centro, tendiam negativamente à periferia. Entrementes, essa relação não poderia conti-
nuar, até porque a especialização e heterogeneidade agro-exportadora haviam compro-
vado sua fragilidade externa e interna. A relação de preços entre exportações e importa-
ções do Chile foi analisada no Estudio de 1950, servindo de indicativo geral à América
Latina
139
. Entre os anos de 1945-1950, a relação entre o volume e o preço das exportações
138
Nos Problemas Teóricos y Prácticos, Prebisch ampliou a participação do setor exportador no aprofunda-
mento da industrialização e na elevação da produtividade, concomitantemente à participação na captação de
capital externo: “Inovações tecnológicas nas atividades de exportações são essenciais para reduzir o custo e
garantir a concorrência no mercado internacional, pois as exportações desempenham um papel fundamen-
tal no desenvolvimento econômico da periferia por ser uma das origens do capital e determina a capacidade
de importar” (PREBISCH, 1973, p. 46).
139
“As exportações da América Latina, cujo volume físico havia alcançado um máximo em 1948, diminuí-
ram em 1949 e no primeiro semestre de 1950; no segundo semestre, voltou à tendência até que o total do
ano foi 3,4% superior ao de 1949. Porém, esta recuperação ainda é modesta, se confrontada com os níveis
216
foi desfavorável para o país, distintamente do que foi às importações. No conjunto, os ter-
mos de intercâmbio oscilaram negativamente nos demais anos
140
.
Como permaneciam disparidades entre a maior necessidade de importar e a maior
capacidade de pagamento, cabia à política de substituições dois elementos fundamentais:
planejar os investimentos internos (exportáveis e para o mercado interno) e as importa-
ções. Assim, o modelo substitutivo tinha, dentro de si, a necessidade constante de planejar
a composição do comércio exterior (produtos e capitais) e os passos seguintes na industria-
lização, sabendo-se, de antemão, que um desequilíbrio poderia resultar numa crise interna.
A variação na composição das importações foi analisada no Estudio de 1951-
1952. Para o período de 1945-1952, as importações de bens de consumo e matérias-primas
diminuíram em seu conjunto em detrimento dos combustíveis e bens de capital. O primei-
ro deles diminuiu de 41,1% (1945) para 35,9% (1952). Para o segundo, a queda foi de
20,7% para 14,5%, respectivamente. Os combustíveis, do setor básico de energia, a parti-
cipação passou de 6,1% para 10,3%, e, nos bens de capital (tecnologias), a mudança foi de
32,1% para 39,3%. Se comparado aos anos de 1945 e 1951, o valor das importações au-
alcançados em 1947-48 e, sobretudo, se se tiver em conta o crescimento da população” (CEPAL, 1950b, p.
11-12).
140
A tabela a seguir, reproduzida do Estudio de 1950 traz os dados anuais do período.
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Fonte: Apud: CEPAL. Estudio económico – 1950, p. 140 (Quadro 71); 141 (Quadro 72)
(a) Estimado com dados de 11 meses; (b) Estimado com dados de 9 meses.
217
mentou 247%
141
. No Estudio de 1948, a Comissão informou que no período de 1945-1947
as importações de bens de consumo e bens de capital duplicaram (CEPAL, 1949, p. 58).
Em 1963, no artigo “Auge e Declínio do Processo de Substituição de Importa-
ções”, Maria da Conceição Tavares, então funcionária da CEPAL no Escritório do Rio de
Janeiro, havia recolocado a relação entre substituição e composição no devido lugar origi-
nal do pensamento cepalino, ou melhor, havia esclarecido as controvérsias e exageros so-
bre o dito “modelo”, conforme a visão prebischiana e cepalina original.
O termo “substituição de importaçõesé empregado muitas vezes numa
acepção simples e literal significando a diminuição ou desaparecimento
de certas importações que são substituídas pela produção interna.
(...)
Na realidade, o termo “substituição de importações”, adotado para de-
signar o novo processo de desenvolvimento dos países subdesenvolvi-
dos, é pouco feliz porque dá a impressão de que consiste em uma opera-
ção simples e limitada de retirar ou diminuir componentes da pauta de
importações para substituí-los por produtos nacionais. Uma extensão
deste critério simplista poderia levar a crer que o objetivo “natural” seria
eliminar todas as importações, isto é, alcançar a autarquia (TAVARES,
1972, p. 38-39)
142
.
141
A tendência à mudança na composição das importações no item bens de capital retrata o avanço na
substituição de importações e, como foi dito, recolocava novas necessidades de importação de novas tecno-
logias (expansão da substituição) e de novos produtos (renda).
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"  2" 2  2  "2 
Fonte: CEPAL. Estudio económico – 1951-1952, p. 20
142
O artigo da autora foi e é considerado como uma das referencias básicas acerca do debate sobre a teoria e
o “modelo desenvolvimentista” e, sem exageros, está entre os clássicos no assunto. Em 1963, a CEPAL pas-
sava pela revisão teórica da fase de industrialização e o estudo de Tavares estava incluso nessa reavaliação.
Infelizmente sua primeira edição brasileira ocorreu somente no ano de 1972, após insistência e iniciativa de
colegas e alunos da professora, sendo o primeiro ensaio da obra “Da Substituição de Importações ao Capita-
lismo Financeiro: ensaios sobre economia brasileira”. No ano de 1968, Tavares foi trabalhar na Sede da
CEPAL, em Santiago do Chile, pois teve “problemas” com os novos desenvolvimentistas no Brasil, do pós-
1964. Uma leitura mais atenda do ensaio, desde sua publicação inicial até os dias atuais, certamente evitaria
muitos “problemas de interpretação posteriores”.
218
Segundo Prebisch, a composição do comércio exterior teria que se guiar pelo pla-
nejamento do desenvolvimento interno, no qual estivesse presente a avaliação do seu me-
lhor retorno visando à superação da vulnerabilidade externa e da insuficiência interna. Em
Problemas Teóricos y Prácticos, escrito em 1951, a industrialização e as importações de-
viam ser definidas levando-se em conta quatro aspectos: a produção interna de produtos
antes importados; a importação de bens necessários à industrialização (substituir as pró-
prias importações); a redução do consumo de bens não imprescindíveis para fomentar a
capitalização; e, a adequação das importações às condições da capacidade de importar
(saldos, divisas e capitais) (PREBISCH, 1973, p. 5-6).
Na primeira metade dos anos 50, uma das preocupações teóricas e práticas da
CEPAL
, além de interpretar a história econômica latino-americana e do Ocidente, era a de
elaborar um programa de desenvolvimento compatível com as condições periféricas, po-
rém voltado à superação do sistema centro–periferia.
No Manifesto, Prebisch (1949, p. 85) também argumentou que a industrialização,
além de necessária do ponto de vista da lógica da economia capitalista (renda-consumo;
progresso técnico-produtividade-capital), viria a ser uma política periférica anticíclica, ou
seja, de proteção estrutural aos efeitos externos do sistema. Se em curto e dio prazo ela
não resolvia completamente a vulnerabilidade e os efeitos da transferência da crise, pode-
ria, conforme seus avanços, diminuir a dependência e os custos repassados à periferia.
Seus resultados em longo prazo, entretanto, teoricamente, sinalizavam para uma superação
de vulnerabilidade externa, porém, para isso, ter-ia-se que efetivar uma política de desen-
volvimento com caráter periférico (programa de desenvolvimento) que atingisse seriamen-
te os pontos nevrálgicos da insuficiência dinâmica.
219
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“... em países em que as cama-
das mais pobres da população
sabidamente mal alimentadas, é
inconcebível que um dos primei-
ros objetivos da política e
programação econômicas não seja
a elevação dos níveis de nutri-
ção”.
#(1955)
143
No presente capítulo, o objeto em discussão avança na sistematização da visão do
pensamento cepalino elaborado no período de 1949 a 1963, abordando outro ponto (ele-
mento) do núcleo central da teoria do subdesenvolvimento. Poder-se-ia dizer que as dis-
cussões em torno do planejamento periférico operacionalizaram uma metodologia ao de-
senvolvimento econômico latino-americano, objetivando a superação dos problemas e/ou
obstáculos estruturais que o sistema impunha à periferia. Além do conceito centro–
periferia, da economia política do sistema capitalista (deterioração dos termos de inter-
câmbio, elasticidade-renda e progresso técnico) e do caráter da industrialização periférica,
outros dois aspectos da concepção tiveram, e têm, relevância, por se referirem à projeção
143
In: GRUPO MISTO BNDE-CEPAL, 1957, p. 40-41.
Para facilitar a indicação e melhorar a apresentação visual do estudo, nas próximas
referências dessa obra, seja em notas de rodapé ou no corpo do texto, será utilizado apenas
o primeiro termo “GRUPO”, sem prejuízo da autoria, pois se trata da obra pesquisada e
utilizada como referência. Da mesma forma, é do conhecimento que o texto “Introdução à
Técnica de Programação” foi produzido, em 1953, pela CEPAL (1955) e incluído no rela-
tório da pesquisa desenvolvida pelo Grupo Misto
BNDE
(Governo do Brasil) e a Comissão
(GRUPO, 1957).
220
do modelo industrializante na esfera da política governamental: o papel e a função do
Estado e da iniciativa privada no desenvolvimento; e, o planejamento e a programação
da política substitutiva de importações.
A visão do Estado, ou melhor, do governo nacional e da iniciativa privada (individual
e capitalista empresarial) na nação periférica, obviamente, mantinha-se no campo da críti-
ca ao laissez-faire. Como a condição periférica da América Latina foi um desdobramento
na expansão da economia capitalista central, o subdesenvolvimento nada mais era do que
uma de suas partes, aliás, a mais fraca e dependente dentro do sistema centro–periferia,
conforme exposto. Essa interpretação da formação histórica dos estados nacionais sub-
desenvolvidos o se filiava à teoria do imperialismo, entretanto, compreendia o sistema
internacional como sendo um conjunto de relações estruturantes das desigualdades, possu-
indo tendências de formação e de reprodução de sua ordem internacional. Como foi co-
mentado anteriormente, justamente por ter sido produto da expansão desse sistema, Pre-
bisch entendia que o liberalismo, ou liberismo à italiana, no dizer de Bobbio (2000a, p.
39), não poderia solucionar os problemas que havia gerado a partir da sua natureza históri-
ca, quer seja na esfera econômica, como nas políticas públicas que pudessem envolver o
Estado e a iniciativa privada. Na periferia latino-americana, a insuficiência havia sido pro-
duto do liberalismo clássico e neoclássico em seu ordenamento internacional (divisão in-
ternacional do trabalho e do comércio no sistema centro–periferia), mas também da insufi-
ciência da própria iniciativa privada periférica
144
.
Mesmo sendo a interpretação cepalina restrita ao campo da teoria econômica liberal
145
da economia política para ser politicamente correto suas implicações e seus desdobra-
mentos nas ações e na adoção das medidas necessárias à superação da insuficiência acaba-
vam se materializando nos grupos sociais, nas instituições e nas corporações, seja em ter-
mos da sociedade civil, quanto da sociedade política
146
. O debate sobre o papel e a função
do Estado (Governo) e da iniciativa privada, nessa fase intelectual e no período mesmo
não sendo um tratado sobre a política ou a sociologia no/do subdesenvolvimento –, enfo-
cou este assunto limitando-o à participação dos principais “agentes” (Estado e iniciativa
privada investidora, interna e externa) na política do desenvolvimento.
O planejamento e a programação eram, em síntese, a instrumentalização e a operacio-
nalização teórica e prática do desenvolvimento esboçado numa política econômica nacio-
nal, elaborada após um profundo conhecimento das tendências mais ou menos estáveis
(favoráveis ou desfavoráveis) sobre o crescimento econômico, passado e atual, além da
sua projeção futura. Os dois elementos orientavam metodologicamente o estudo, a elabo-
ração do programa (procedimentos técnicos sob responsabilidade dos especialistas na téc-
nica de programação) e sua execução com base no plano de metas e de ação governamen-
tal (programa e projetos).
144
Para o momento, não será possível discutir o caráter associado e combinado dos seto-
res sociais dominantes latino-americanos, como a burguesia compradora e a oligarquia
agrária exportadora, tampouco a configuração do Estado liberal nessa aliança internacional
oitocentista. Todavia, os textos de Florestan Fernandes (1981) e de Cardoso e Faletto
(1970) são oportunos ao assunto.
145
Sobre esta avaliação já não persistem controvérsias. Octavio Rodríguez, inclusive, foi
bem claro quanto a isso: “o pensamento da CEPAL altera, mas não supera, os marcos da
economia convencional” (RODRÍGUEZ, 1981, p. 275).
146
Sobre a concepção da sociedade civil e da sociedade política e suas relações, tanto do
ponto de vista da disputa de hegemonia, quanto do Estado de Direito, sugerimos a leitura
de Antonio Gramsci (1982) e Norberto Bobbio (1999, 2000b e 2001).
221
A relação entre o Estado/Governo e a iniciativa privada nos assuntos de ordem eco-
nômica e das políticas públicas nacionais modernizadoras (aplicação do progresso técnico
na economia, notadamente no setor industrial substitutivo), demarcava as diferenças entre
o pensamento desenvolvimentista latino-americano e o liberalismo (cêntrico e periférico)
do modelo anterior. A crítica prebischiana à teoria das vantagens comparativas não encer-
rava o debate, nem o Manifesto. Aliás, uma das grandes lacunas existente na historiografia
sobre o desenvolvimentismo (origem, aporte teórico, trajetória e encerramento) está nesta
relação (Estado e iniciativa privada). Justamente num momento em que as teses neolibe-
rais, que defendem um papel e uma função mínima ao/do Estado
147
e a liberdade máxima
à iniciativa privada na economia e na política (nos espaços nacionais e internacionais),
foram retomadas e adquiriram um status hegemônico (pensamento único), na nova fase da
“globalização”, as teses periféricas infelizmente foram relegadas ao esquecimento nas pra-
teleiras em bibliotecas ou “museus” de relíquias ou curiosidades
148
.
A compreensão efetiva da relação entre o Estado e a iniciativa privada proposta pelo
pensamento cepalino permite esclarecer suas bases ideológicas, ou seja, o engajamento
político e social do projeto de industrialização dentro da economia capitalista, porém na
condição e nas circunstâncias periféricas, como bem afirmou Francisco de Oliveira. Obvi-
amente que o debate sobre o caráter ideológico do pensamento cepalino foi produzido e
praticamente esmiuçado o conteúdo da matéria. Há quem diga que Reginaldo Moraes
(1995) e Ruy Mauro Marini (1991; 1992) tenham exagerado na crítica do compromisso
que a Comissão possuía em favor da ordem capitalista e do reformismo. Todavia, o ponto
crucial a relação entre o Estado e a iniciativa privada na periferia o aparece direta-
mente no debate dos críticos e dos defensores, apesar de terem sido pontos específicos e
estarem explícitos nos textos fundadores. Em parte esta ausência pode ser compreendida a
147
Na realidade, o liberalismo defende que o Estado deve agir de duas formas: uma má-
xima no controle e garantia da ordem individualista, da propriedade privada, das liberda-
des individuais, do livre empreendimento e do lucro, todas orientadas em favor do capital
e em detrimento do trabalho; e, outra na mínima regulamentação da economia em favor da
iniciativa privada. Sobre a predominância da dupla forma de ação do Estado em favor do
capital e no controle do trabalho, cf. BELATO, 1992; NUÑEZ, 1992. Sobre a função mí-
nima do Estado cf. BOBBIO, 2000a, p. 7 ss.
Para Hayek, um expoente defensor ideológico do neoliberalismo e “crítico do laissez-
faire”, em matéria de planejamento e do Regime da Lei (Estado democrático de direito), o
papel e a função que o Estado deveria ocupar era o de garantir à iniciativa privada a certe-
za da estabilidade e dos lucros dos seus negócios e investimentos.
Sobre o papel e a função do Estado e do Regime da Lei, Hayek afirma: “A questão
sobre se o Estado deveria ou não deveria ‘agir’ ou ‘intervir’ estabelece uma alternativa
inteiramente falsa, e o termo laissez faire é uma definição das mais ambíguas e ilusórias
dos princípios em que se baseia uma política liberal. Está claro que todo Estado tem de
agir, e toda a ação do Estado implica em intervir nisto ou naquilo. Mas não é isso que
importa. A questão importante é se o indivíduo pode prever a ação do Estado e fazer uso
desse conhecimento como uma base para os seus planos particulares” (HAYEK, 1977, p.
77).
148
Fazendo referência a um comentário conhecido sobre o esquecimento, pode-se dizer
que a crítica prebischiana foi relegada a “crítica roedora” – destruidora de papéis e livros –
das baratas, das traças, dos ácaros e dos cupins nas estantes das bibliotecas.
Para Plínio de Arruda Sampaio Júnior (1999), os cepalinos atuais abandonaram certos
princípios fundamentais do pensamento fundador da Comissão, como o da existência de
“centros de decisões periféricos na periferia”.
222
partir da concepção geral do sistema, onde ambos (Estado e iniciativa privada) se fazem
presentes na noção de industrialização e no caráter e no corpo do Estado desenvolvimen-
tista; ou são tratados como coisa elementar, implícita e umbilical do sistema. Por outro
lado, a retomada da análise desses agentes a partir do manuseio dos textos fundadores con-
tribui à compreensão desse pensamento com seus matizes e, ao mesmo tempo, recupera a
abordagem presente na documentação primária.
Para além do exercício de aprendiz de feiticeiro”, a concepção dos papéis e das fun-
ções do Estado e da iniciativa privada ao desenvolvimento na periferia atinge o coração da
teoria e do modelo substitutivo: a política econômica de desenvolvimento e seus principais
sujeitos na periferia (Estado e iniciativa privada). Portanto, o pensamento cepalino partia
duma abordagem restrita da economia, mas dimensionava sua superação na política eco-
nômica, recorrendo a uma ação de Estado e dos governantes, sem, contudo, extravasar a
ordem da economia e das liberdades individuais, ou seja, o individualismo do liberalismo
econômico. Entretanto, o reformismo cepalino apresentou particularidades (originalidade)
por refletir o estado e a condição da periferia latino-americana.
Como a CEPAL defendia a industrialização induzida e conduzida pelo Estado, confe-
ria-lhe o papel e a função de agente prevedor e provedor, direto ou indireto, bem como o
papel de ator principal (formulador e investidor direto nos pontos e setores sicos e
estratégicos da economia) e locus orientador da iniciativa privada latino-americana, seja
cobrindo-lhe a insuficiência, ou subsidiando-lhe a infra-estrutura básica para garantir os
investimentos e seus retornos, ou produzindo conhecimento especializado e orientações de
mercado num plano econômico nacional.
Ao defender a necessidade do planejamento ao desenvolvimento, a Comissão entendia
que, na América Latina, os Estados nacionais deveriam intervir na economia como inves-
tidor direto e como orientador da iniciativa privada. Por mais que o keyseanismo e o New
Deal estivessem em voga, a intervenção do Estado periférico desenvolvimentista implica-
va um certo tensionamento com a política externa norte-americana no pós-guerra, inde-
pendentemente de ser área de influência ou foco de risco na “guerra fria”. Além do mais,
esta orientação implicava um enfrentamento interno com os liberais “tradicionais”.
Percebe-se, nos textos fundamentais, uma necessidade constante que a Comissão tinha
de apresentar uma dupla diferenciação. Por um lado, ela se diferenciava do liberismo (o
domínio da economia sobre a política/Estado) ou livre-cambismo; e, por outro, do socia-
lismo (o domínio da política estatal/Estado sobre a economia). Para o primeiro caso, a teo-
ria do subdesenvolvimento se havia apresentado como contestação. Para o segundo caso, o
planejamento da industrialização soviética era “modelar” (pela capacidade de aceleração e
de acumulação que o Estado poderia ter). Entretanto, o papel e a função do Estado perifé-
rico o ameaçavam ideologicamente” a iniciativa privada. O intervencionismo não re-
sultava de uma convicção doutrinária anticapitalista, mas, sim, da necessidade do refor-
mismo progressista. Verifica-se, pois, uma influência da social-democracia européia com
seu modelo de “Estado de Bem-Estar Social”.
Pedro Fonseca (2000) e Cristovam Buarque (1986) estabeleceram outra proximidade,
senão continuidade, entre o modelo cepalino e o projeto de desenvolvimento nacional a-
lemão de Friedrich List, bem anterior ao modelo soviético, ao New Deal e ao keynesia-
nismo
149
, como foi exposto anteriormente. Nesse sentido, pode-se dizer que o pensa-
149
Trata-se da tese de Georg Friedrich List (1789-1846), apresentada em sua obra “Siste-
ma Nacional de Economia Política” (1841), na qual propunha um programa de desenvol-
vimento dirigido pelo Estado alemão na unificação política, econômica e comercial do
país (Zollverein). Não deixa de ser relevante comparar a tese de List, enquanto modelo de
industrialização da Alemanha, com a segunda fase de difusão e propagação universal do
progresso técnico (CEPAL, 1951a). Para Cristovam Buarque, há que se reconhecer a con-
223
mento cepalino veio a ser uma releitura de List a partir da particularidade latino-americana
no sistema centro–periferia, isso em plena metade do séc. XX, numa outra fase de propa-
gação universal do progresso técnico. Ao mesmo tempo, Prebisch e a
CEPAL
discordavam
que o planejamento do Estado na América Latina poderia representar uma “segunda servi-
dão” (HAYEK, 1974), ou uma forma periférica de “socialismo atrasado” ou um outro tipo
de “socialismo no atraso”, a la Rússia.
Noutra medida tendo presente que, ao conhecimento da concretude histórica, o re-
ducionismo e o maniqueísmo não são boas companhias durante a década de 50, a
CE-
PAL construiu, sim, seu modelo de planejamento caminhando por meio da influência da
ONU
, das tensões da “guerra fria”, da Organização dos Estados Americanos (
OEA
), dos
novos organismos financeiros internacionais (
FMI
e
BIRD
)
150
e do contrapeso de gover-
nos latino-americanos defensores do modelo desenvolvimentista.
Se a Guerra da Coréia (1950-51) estava distante, o golpe de Estado ocorrido na Gua-
temala, em 1954, contra o governo de Jacobo Arbenz (1950-54), era mostra da interfe-
rência político-militar norte-americana na América Latina em defesa dos negócios da sua
iniciativa privada na região e do seu Império
151
. Antes mesmo do último caso, o desfecho
tribuição de List no planejamento do desenvolvimento: “... List tem-se mantido um nome
marginalmente citado e às vezes absolutamente ignorado nos livros de História do Pen-
samento Econômico. O fato é ainda mais grave na América Latina e outros países do Ter-
ceiro Mundo, cujas políticas econômicas (a partir da orientação da CEPAL, com todos os
erros e acertos da industrialização induzida) derivam diretamente, embora nem sempre
reconhecidamente, das formulações, dos trabalhos e do pensamento de Friedrich List”
(BUARQUE, 1986, p. viii).
A semelhança do pensamento de David Ricardo, a tese de List teve sua historicidade
ligada ao processo histórico de unificação e industrialização dos Estados alemães (1848-
1870). Entretanto, o contexto da discussão de List situa-se nas transformações ocorridas
no Continente europeu nos anos que se seguiram às guerras napoleônicas e o Congresso de
Viena (1815). Antecedendo Alex de Tocqueville, List viveu vários anos nos
EUA
que
marcaram sua experiência e sua teoria (BUARDUE, 1986,p. vii ss.). Nota-se uma grande
diferença entre Ricardo e List na discussão do protecionismo, do planejamento e do co-
mércio internacional, porém, cada qual possuía uma relação direta com o modelo de de-
senvolvimento e a inserção externa dos países de origem.
No Estudio de 1949, Prebisch/
CEPAL
argumentou que os processos de industrializa-
ção ocorridos após a revolução industrial inglesa diferenciavam-se do inicial, haja vista a
presença inglesa no comércio internacional. Esta proximidade com List, portanto, é carac-
terística desse fenômeno: “todos os países que se desenvolveram depois da Grã-Bretanha
foram obrigados a adotar várias medidas que tinham como finalidade o estímulo e a pro-
teção das indústrias que pretendiam desenvolver” (PREBISCH, 1951, p. 101).
150
Em si, a programação passou a ser exigência das agências internacionais de financi-
amento (
BIRD
e
FMI
).
151
No final de 1954 havia nada menos que onze ditaduras na América Latina (Guatema-
la, El Salvador, Honduras, Nicarágua, Panamá, Cuba, República Dominicana, Venezue-
la, Colômbia, Peru e Paraguai), ou treze, se incluirmos o Equador e a Argentina. Sem
dúvida havia mais ditaduras em 1954 do que em 1944. Note-se que nem todas eram mili-
tares, oriundas de golpes militares. Nem todas eram hostis aos trabalhadores, embora
nenhuma (exceto em Cuba, até certo ponto) deixasse de ser anticomunista" (BETHELL e
ROXBOROUGH, 1996, p. 39-41). Nesse período, a Fundação Rockfeller desempenhava
um papel estratégico na política externa (comercial, econômica e diplomática) norte-
americana para a América Latina.
224
boliviano, em 1952, com a revolução do Movimento Nacional Revolucionário (
MNR
) e a
luta pela terra das populações indígena e campesina faziam-se sentir no conjunto das pres-
sões e das tensões sociais (FALETTO, 1998, p. 4). Do ponto de vista imperialista, a rela-
ção entre Estado e iniciativa privada proposta pela CEPAL, mesmo defendendo a presença
da iniciativa privada estrangeira (financiamento e inversões), demarcava certas diferenças
por seu ponto de vista periférico, sendo isso motivo de desconfiança por parte dos interes-
ses privados e governamentais norte-americanos na América Latina
152
.
O documento “A Cooperação Internacional...”
153
, elaborado pela Junta Preparatória
ligada a CEPAL e apresentado na Reunião de Ministros da Fazenda da OEA, ocorrida no
Rio de Janeiro/Brasil, em 1954, refletiu o cenário do s-guerra e delimitava o caráter do
planejamento periférico, do tipo de intervenção do Estado na economia e do espaço da
iniciativa privada. Mesmo não sendo um dos textos teóricos e práticos principais do de-
senvolvimentismo e independentemente de ser produto da agenda de assessoria da Comis-
são para a OEA
154
, ou tratar de matéria intergovernamental e de relações externas e diplo-
152
Segundo o Prof. Dr. Dorivaldo W. Poletto, a relação entre a
CEPAL
e o Governo dos
EUA
durante o período de 1948 até o final dos anos 50 ainda merece um estudo mais apro-
fundado. Tem-se claro que, com a vitória da revolução cubana, em 1959, após um breve
cortejo e saudação ao primeiro governo cubano pela derrubada da “Ditadura de Batista”
(aliado histórico dos EUA), a política externa norte-americana para a América Latina mu-
dou completamente, inclusive o discurso (oficial) em favor da modernização econômica e
social da “Aliança para o Progresso” (1961). Este assunto será retomado mais adiante no
Capítulo 5 e 6.
153
O documento discutiu a participação da cooperação financeira internacional, diga-se,
norte-americana, e o papel das agências de financiamento (FMI, BIRD, Eximbank). Tam-
bém propôs a formação de um fundo internacional com fonte do tesouro do governo dos
EUA e recomendava a elaboração de programas de investimentos e de assistência técnica.
A Comissão havia indicado o montante inicial de U$ 100 milhões do orçamento norte-
americano proveniente dos negócios e impostos cobrados das multinacionais que investi-
am na América Latina: “Quanto a esses recursos, nas circunstâncias atuais seria muito
difícil outra solução que não fosse uma dotação dos Estados Unidos para um Fundo espe-
cial para operações dessa natureza. (...) Não obstante, há um recurso, que por sua natu-
reza especial, pode ser considerado mais adequado. Calcula-se que os Estados Unidos
percebem cerca de 100 milhões de dólares por ano do imposto que cobram sobre o ren-
dimento do capital invertido por suas firmas e empresas na América Latina. Trata-se,
pois, de renda proveniente de fonte latino-americana, e, sem entrar no aspecto jurídico da
questão (...) poder-se-ia aduzir a isso a conveniência de que essa renda ficasse na própria
América Latina, contribuindo para um ritmo mais intenso do seu crescimento. Na reali-
dade, o próprio Tesouro dos Estados Unidos mostrou-se disposto a aceitar a redução do
que percebe por meio daquele tributo, com o fim de estimular as inversões privadas de
capital norte-americano dos países latino-americanos” (CEPAL, 1954b, p. 41-42).
154
A proposta do documento foi aprovada na X Conferência Interamericana, realizada
em março de 1954. Os membros da Junta Preparatória responsável pela sistematização do
documento eram: Eng. Evaristo Araiza (Pres. do Conselho de Administração do Banco do
México, Diretor-Gerente da Companhia de Ferro e Aço de Monterrey, S.A.); Dr. Rodrigo
Facio (Reitor da Universidade de Costa Rica, ex-Diretor Adjunto do
FMI
-Washington);
Dr. Eduardo Frei Montalva (Senador, ex-Ministro de Obras Públicas da República do
Chile) e Presidente da Junta; Eng. Francisco Garcia Olano (Diretor do Centro de Pesqui-
225
mática americana, duas passagens da obra servem como “pérolas” para contextualizar os
múltiplos interesses.
A primeira delas cai como luva, agradando meio mundo, ao vincular a “coopera-
ção financeira” internacional com a modernização e a ordem econômica e política: “A
cooperação dos Estados Unidos é condição não do êxito desse esforço, mas também da
possibilidade de empreendê-lo nesta etapa histórica. (...) Somente essa cooperação pode
criar a possibilidade de uma América cuja unidade fundamental resida em sua adesão ao
sistema democrático e às suas formas de vida
155
(CEPAL, 1954b, p. 110, grifo nosso).
A segunda passagem o se refere a uma fala oficial ou recomendação da Comis-
são à
OEA
, mas reproduz, no documento destinado aos Ministros de Estado dos países
membros, um comentário do Informe de Milton S. Eisenhower sobre a importância que a
América Latina podia representar para os interesses econômicos norte-americanos.
Como mercado para nossos produtos de exportação, a América Latina tem tanta importân-
cia como toda a Europa, e é mais importante que Ásia, África e Oceania combinadas. Nossas ven-
das à América Latina compreendem todos os artigos de nossa produção nacional. Como lugar de
procedência de nossas importações, as repúblicas latino-americanas têm maior importância relati-
va, maior que a da Europa e de outros continentes.
(...) Por desgraça, o povo dos Estados Unidos em geral não parece compreender toda a significação
que para nós têm relações econômicas estáveis com a América Latina. Além disso, algumas de
nossas atuações induziram os dirigentes dessas nações ao ponto de vista errôneo de que volta-
mos nossas vistas para elas em épocas de crise (Apud: CEPAL, 1954b, p. 109).
Não fosse sua referência original situada na década de 50, certamente a atualidade do
argumento poderia ser reapresentado como defesa norte-americana da Área de Livre Co-
mércio das Américas (
ALCA
). Se havia uma “boa vizinhança política”, a esta se juntava
uma “boa vizinhança econômica”, em favor do desenvolvimento e da “boa ordem” política
(democracia representativa) e econômica (iniciativa privada) liberal.
A discussão sobre o caráter do planejamento na periferia recoloca o próprio papel que
a
CEPAL
possuía no projeto desenvolvimentista. Portanto, além da concepção que havia
produzido, sua inserção, enquanto instituição regional voltada ao estudo e soluções dos
problemas do desenvolvimento, incluíam-na no bojo da questão. Este era, pois, o envol-
vimento teórico e prático da Comissão: cabia-lhe o papel de núcleo pensante e logístico do
sas de Escola Superior de Economia de Buenos Aires, Argentina; ex-Membro do Comitê
de Expertos da ONU para estudar o comércio de produtos e desenvolvimento econômico);
Dr. Carlos Lleras Restrepo (ex-Ministro da Fazenda da Colômbia) e Relator da Junta; e,
Dr. Cleantho de Paiva Leite (Diretor do BNDE/Brasil, Vice-Presidente da Comissão Na-
cional de Assistência Técnica).
Na “Nota Preliminar” da obra de 1963 “Hacia una dinámica ...”, Prebisch (1964a, p.
9) comentou que a Conferência de Quitandinha, da
OEA
, ocorrida em novembro de 1954,
foi malograda. Nesta conferência, a
CEPAL
apresentou o texto elaborado pela Junta
Preparatória - “A Cooperação Internacional....
155
A referência à democracia liberal e ao liberalismo econômico era freqüente no pós-
guerra, haja vista a derrota do Eixo e seu modelo nazi-fascista (antiliberal e totalitário)
pelos Aliados Ocidentais, capitaneados pelos
EUA
, e a
URSS
(stalinista) demarcando a
vitória da “civilização liberal”. Bethell e Roxborough (1996), já citados, apresentaram
uma discussão inicial sobre a influência da vitória Aliada nos regimes políticos latino-
americanos.
226
planejamento. Além de teorizar sobre as bases conceituais da industrialização, ela desen-
volvia a capacitação na técnica de programação
156
. Este era seu próprio programa teórico
e prático (elaboração, capacitação e assessoria).
No Manifesto, Prebisch defendeu que, na América Latina periférica, o Estado deveria
agir racionalmente, pois diante da insuficiência ter-se-ia que planejar os investimentos: “O
capital é[era] escasso e seria bem lamentável deixar de aplicá-lo onde ele pode aumentar a
produtividade total, para invertê-lo onde vai diminuí-la” (PREBISCH, 1949, p. 82).
No Estudio de 1949 e de 1950, a Comissão havia qualificado a necessidade dum pro-
grama de desenvolvimento, porém, o texto que inicia uma discussão mais específica sobre
planejamento (programação e técnica de programação) foi o “Problemas Teóricos y Prác-
ticos Del Crecimiento Económico” (PREBISCH, 1973)
157
, de 1951. O capítulo IV dessa
obra, intitulado “Discussão preliminar sobre os elementos de um programa de desenvol-
vimento econômico” (PREBISCH, 1973, p. 53 ss), foi dedicado à apresentação de um es-
boço inicial do planejamento e da técnica de programação, e das finalidades de um pro-
grama de desenvolvimento na periferia.
Uma versão aprofundada e especializada da técnica de programação e do planejamen-
to resultou da discussão do informe apresentado pela Secretaria Executiva da CEPAL, inti-
tulado da “Estudo Preliminar da Técnica de Programação do Desenvolvimento Econômi-
co”, durante o Quinto Período de Sessões, realizado no Rio de Janeiro/Brasil, entre os dias
9 e 25 de abril de 1953. Desse debate foi produzido o texto “Introdução à Técnica de
Programação” (GRUPO, 1957
158
; CEPAL, 1955), sendo referência básica à capacitação
na técnica de programação.
156
A criação do Instituto Latino-Americano de Planificação Econômica e Social (ILPES),
em 1962, enquanto órgão da
CEPAL
, tinha como propósito essa dupla capacitação (teórica
e técnica).
157
Nesta obra, Prebisch/
CEPAL
chegou a apresentar três razões principais para atribuir ao
programa de desenvolvimento um caráter de “universalidade”: “a) É indispensável deter-
minar as necessidades totais de capital no período que abarque o programa inicial de
desenvolvimento e relacioná-las com o provável volume de recursos disponíveis, que são
necessariamente limitados”; “b) É indispensável prever as conseqüências das inversões
sobre os distintos aspectos da economia do país, a fim de determinar o grau de consistên-
cia do programa”; e, “c) As razões mencionadas seriam suficientes para justificar a uni-
versalidade do programa desde um ponto de vista nacional” (PREBISCH, 1973, p. 54-
55).
O texto “Problemas Teóricos y Prácticos (1951) foi apresentado durante o Quarto Pe-
ríodo de Sessões, realizado no México/DF, no período de 28/05 a 16/06/1951 (CEPAL,
1987, p. 54).
158
Conforme observado anteriormente, neste estudo foi utilizada a edição do texto publi-
cada na obra GRUPO MISTO BNDE-CEPAL (1957, p. 1-56). Finalmente, após a criação
do
ILPES
, este programa teórico e prático cepalino – da programação e de capacitação de
recursos humanos na técnica de programação – passou por um novo aprofundamento, po-
rém, em meio à revisão da tese industrializante do período 1948-1961/63.
227
Este estudo é o prosseguimento natural da análise dos problemas de de-
senvolvimento econômico da América Latina, tal como empreendido nas
publicações anteriores do secretariado. Era uma esquematização prelimi-
nar da metodologia da análise e projeção que se devia observar na for-
mulação de programas, levando em consideração tanto os fatores que
afetam o desenvolvimento econômico da região, como a necessidade de
se acelerar tal desenvolvimento (GRUPO, 1957, p. 1; cf. CEPAL, 1955,
p. 3, grifo nosso)
159
.
O planejamento e a programação da substituição eram instrumentos racionais (teóri-
cos) e operacionais (práticos) de superação do laissez-faire, da insuficiência da iniciativa
privada e da inviabilidade do desenvolvimento nacional nos marcos do livre interesse in-
dividual. Nesse sentido, o destaque dado ao Estado (seu papel e sua função ao desenvol-
vimento), a iniciativa privada e a concepção da política econômica geral à Nação nas con-
dições periféricas, hoje, em certa medida, possibilitam o aprofundamento crítico do desen-
volvimentismo, mas, por outra parte, vêm a ser um referencial nada desprezível à crítica
do neoliberalismo atual e à desmistificação da globalização, ou do argumento da inevitabi-
lidade da abertura das economias nacionais à concorrência internacional e do enfraqueci-
mento da ação do Estado nos rumos da política econômica (desregulamentação). Em ou-
tros marcos sociais e históricos, o debate produzido pela Comissão sobre a necessidade de
estabelecer um programa de desenvolvimento merece uma avaliação plausível, pois o
crescimento econômico ou a economia nacional jamais poderiam ser uma somatória de
iniciativas isoladas, regidas pela “mão invisível do mercado”.
Um programa de desenvolvimento não é um mero agregado de projetos
individuais para desenvolver tais ou quais indústrias ou ramos da ativi-
dade econômica. Cada um destes projetos, considerado de forma isolada,
pode ser tecnicamente correto. Porém, isso não significa, por si só, que
seu conjunto constitua um bom programa. Não basta a correlação técnica
nem tampouco que cada projeto seja custeável economicamente. É preci-
so que se assegure, ademais, de que estes projetos representam as solu-
ções mais convenientes do ponto de vista do desenvolvimento econômi-
co do país em questão. É preciso averiguar se não existem outras combi-
nações que consigam, com a mesma inversão um incremento maior na
produção total e, portanto, na renda real (PREBISCH, 1973, p. 16).
Para a CEPAL, uma política econômica, esboçada num programa de desenvolvimen-
to, além de exigir uma capacitação em recursos humanos (principalmente de técno-
burocratas e especialistas na técnica de programação), exigia uma avaliação que fosse
Na apresentação da publicação, a Comissão atribuiu-lhe a devida importância pela
“continuidade dos estudos sobre a técnica de programação do desenvolvimento econômi-
co e que emprestasse sua colaboração técnica aos governos que lhe solicitassem ajuda
para a preparação de planos de desenvolvimento”. (...)
“O presente trabalho é uma revisão do documento inicialmente submetido à apreciação
da Quinta Sessão da CEPAL. Em sua nova forma, o texto constitui uma introdução geral
aos estudos da técnica de programação, aplicada aos casos específicos dos países latino-
americanos (GRUPO, 1957, p. 1).
159
Nesta publicação da
CEPAL
(1955), o texto foi indicado como a parte I da “Analisis y
Proyecciones del Desarrollo Económico”. 92 p.
228
mais adiante do que o interesse exclusivamente privado e imediato dos indivíduos isolados
no mercado.
4
44
4
4
44
4
9
99
9
9
99
9
2
22
2
2
22
2
7
77
7
7
77
7
Coerente com sua crítica ao modelo de desenvolvimento para fora e à estrutura da
dependência que o sistema centro–periferia impunha aos países latino-americanos, assim
como do grau da insuficiência interna, Prebisch e a Comissão viam no corpo do Estado
nacional os meios e os instrumentos para desencadear um movimento de dinamização da
industrialização, projetada a partir dum programa periférico. A atribuição do papel e da
função interventora do Estado na aceleração do ritmo de crescimento (renda nacional, pro-
dutividade e renda per capita), devia-se à interpretação da insuficiência, mas também da
crítica às vantagens da livre iniciativa privada e seus interesses imediatos. Sob o controle
do Estado e da vontade política desenvolvimentista, um programa era, pois, um conjunto
coerente de duas formas de ação governamental sobre a economia.
Um programa é, pois, um ato de ordem, no qual se estabelece uma clara
e razoável relação entre os meios ou recursos de que se dispõem, as ne-
cessidades de desenvolvimento econômico e sua escala de preferências e
as distintas formas em que é preciso operar com estes meios para satisfa-
zê-las. É também um ato de previsão, posto que não somente se estabe-
lece essa relação no presente, mas que se examinam também os prová-
veis recursos, necessidades e formas de satisfação em um período de
tempo suficientemente longo como para conseguir a devida sucessão de
medidas e projetos que, por sua natureza, não podem realizar-se de for-
ma simultânea, porém que são necessários para eliminar certos obstácu-
los que se opõem ao desenvolvimento regular do país (PREBISCH,
1973, p. 17, grifo nosso).
O planejamento e a elaboração de um programa de desenvolvimento, sob a coorde-
nação e direção do Estado, vinham a ser parte da metodologia da industrialização projeta-
da a partir das vicissitudes da periferia. A via espontânea, individual e lenta estava descar-
tada. A vulnerabilidade externa da economia latino-americana não poderia persistir em sua
constante fragilização e as incertezas dos efeitos e da profundidade das próximas crises do
sistema e a transferência dos seus custos à periferia
160
. Portanto, a solução do desenvolvi-
mento passava pela elaboração inteligente duma proposta de política econômica que oti-
mizasse os meios e os instrumentos ao alcance da periferia, utilizando-se de critérios de
hierarquia e de prioridade, à ordem econômica e social nacional.
Os fatores da vulnerabilidade externa e da insuficiência interna eram, pois, os dois
pontos de partida à programação. Considerando a existência do sistema centro–periferia,
era preciso, além de romper a insuficiência inicial, ultrapassar o ritmo de crescimento cên-
trico e obter dinamismo econômico. O modelo de substituição de importações deveria se-
160
No Estudio de 1950, a necessidade do planejamento da substituição de importações foi
indicada como sendo um imperativo estrutural da vulnerabilidade externa: “Em boa parte
dos países latino-americanos (...) havia a necessidade premente de substituir certas im-
portações por produção nacional para conseguir o equilíbrio do balanço de pagamento”
(CEPAL, 1951b, p. 9).
229
guir uma metodologia que viabilizasse seu avanço acelerado, diminuindo sua vulnerabili-
dade sistêmica. Para dar início a esta tarefa do planejamento da substituição, havia dois
problemas preliminares a serem observados pelos especialistas:
Primeiro: em determinar em que medida os fatores disponíveis de uma
economia em crescimento se empregarão para aumentar as exportações
a fim de conseguir mais importações. (...) em que medida há de se au-
mentar a produção tanto agrícola como industrial para o consumo in-
terno.
Segundo: dadas as quantidades ótimas de importação e produção interna
cabe, perguntar-se o quê é que convém importar ou produzir internamen-
te para conseguir aquele máximo de renda real (PREBISCH, 1973, p. 27-
28, grifo nosso).
A formulação de um programa tinha uma metodologia (teórica e prática) e uma
técnica programática de elaboração a serem seguidas. Juntamente com seu instrumental de
conhecimento e de capacitação de pessoal, o esboço da técnica de programação possuía
um roteiro à elaboração de programa. Essas exigências de conhecimento preliminar e os
primeiros passos do/no planejamento também foram sistematizados pela CEPAL no texto
“Introdução à Técnica de Programação”.
Segundo este roteiro, inicialmente, era preciso “determinar as metas de desenvol-
vimento possíveis para uma dada economia” (GRUPO, 1957, p. 3) e, a partir desse passo,
era necessário estabelecer a taxa de crescimento da economia que o país em questão obti-
vera durante um determinado período, imediatamente anterior, e seu coeficiente de inves-
timento (GRUPO, 1957, p. 3-4). Somado a esses, exigia-se uma avaliação das tendências
estruturais e conjunturais externas e internas do sistema centro–periferia e da economia do
país. Na seqüência, projetar-se-iam as ações específicas e gerais em conformidade com as
metas, as prioridades e os recursos disponíveis ou a serem obtidos a curto, médio e lon-
go prazo para a continuidade do programa
161
.
161
Esses primeiros passos foram apresentados na Introdução à Técnica de Programação,
conforme segue: “É especialmente importante a determinação da taxa de crescimento em
período mais recente, bem como do esforço realizado pela economia a fim de atingi-la.
Por outro lado, há que estudar as prováveis tendências futuras e as possibilidades de va-
riarem ou persistirem os fatores internos e externos que atuaram nos últimos anos. O con-
junto destes elementos permitirá apreciar as potencialidades de crescimento da economia
230
O planejamento para o desenvolvimento e a técnica de programação condensa-
vam o conjunto teórico cepalino num programa. Metodologicamente eles incorporavam a
visão da dependência reflexa e estrutural do sistema centro–periferia numa proposta lógica
e consistente, dentro do seu ponto de vista, para a superação do subdesenvolvimento.
No texto da técnica de programação a CEPAL exemplificou os procedimentos
práticos para a formulação de um programa tendo por referência a América Latina. Utili-
zando por base o período pós-1935, estabeleceu-se que o coeficiente de investimentos ha-
via sido na ordem de 2,3% da renda em investimentos para a obtenção de 1% de aumento
da renda.
Para se obter um aumento de renda de 1%, será necessário destinar-se
2,3% da renda para investimentos de capital, além do montante a ser a-
plicado para compensar a perda ou depreciação do capital existente
(GRUPO, 1957 p. 4).
Uma vez definido o coeficiente de investimentos, poder-se-ia projetar as metas e
estipular o volume de investimento necessário para atingir o objetivo previsto, ou seja, o
resultado no crescimento econômico e no aumento da renda per capita. Considerando-se
este fato, poder-se-ia, em seguida, estabelecer a base para as projeções da renda (r) e dos
investimentos
(i)
na razão de
1/2,3
da renda (%); ou na expressão em fórmula
1r = 2,3i
,
isso para o aumento real da renda, tendo por base o período pós-1935 e sem entrar no -
rito das tendências cíclicas, da relação de preços e da depreciação do capital existente.
Na seqüência da elaboração do programa, estipular-se-ia o crescimento econômi-
co para mais ou para menos, conforme o quantum de capital (interno ou externo) a ser
investido num determinado período. Percebe-se, com isso, a correlação da técnica de pro-
gramação com o debate sobre o círculo vicioso da insuficiência e a necessidade do esforço
inicial. Nesse sentido, havia consistência na afirmação prebischiana e cepalina da acelera-
ção do ritmo de crescimento. Da mesma forma verifica-se esta lógica na defesa do uso
e indicar o esforço necessário para atingir taxas diversas de desenvolvimento” (GRUPO,
1957, p. 3-4).
231
temporário do capital estrangeiro, diante dos problemas e das impossibilidades, em curto
prazo, de aumentar significativamente a poupança interna mediante a redução do consumo
presente, sem gerar recessão para os estratos de renda mais baixa e crise no setor industrial
de bens de consumo de massa, ou conflito com os estratos de renda mais elevada.
É necessário aumentar o coeficiente de investimento, se se quiser alcan-
çar um ritmo de crescimento mais elevado. Isto resulta em um aumento
correspondente da poupança, que não pode ser atingido sem uma redu-
ção do consumo atual (GRUPO, 1957, p. 4).
A técnica de programação e os procedimentos de elaboração do programa, por-
tanto, não estavam cindidos da condição periférica. Novamente percebe-se a preocupação
que Raúl Prebisch tinha sobre a visão periférica dos periféricos, ou seja, era preciso co-
nhecer profundamente o sistema centro–periferia para voltar-se sobre si, a periferia, e pro-
por a superação desse estado.
Como o caminho clássico era impossível de ser repetido ou seguido, a primeira
fase da industrialização havia atingido um nível razoável, ao persistirem os problemas
internos e externos e diante das circunstâncias do pós-guerra
162
, cabia acelerar o ritmo do
crescimento, investindo nos setores de base da segunda revolução industrial, sob orienta-
ção do Estado, uma vez que a iniciativa privada local também sofria do estado de insufici-
162
As oscilações das tendências de crescimento no período de 1935-1953, reflexo da vul-
nerabilidade externa, comprovavam os problemas da variação cíclica do crescimento e
suas conseqüências no sistema centro–periferia. Para ser mais preciso, a década de 50
comprovava que a normalidade da divisão internacional do trabalho centro–periferia man-
tinha-se como pano de fundo estrutural, conforme os dados apresentados pela Comissão:
“Durante o período de 1935-51, a taxa média anual de aumento da renda bruta da Amé-
rica Latina foi de 5,1%. Considerando que a população aumentou de 2,2% por ano, a
expansão anual da renda per capita foi de 2,8%. O aumento da renda bruta foi mais acen-
tuado que o do produto, em resultado da melhora da relação de preços do intercâmbio
com o exterior desde 1946. As taxas médias anuais de crescimento do produto foram de
4,5% para o total e 2,3% por habitante” (GRUPO, 1957, p. 12).
Entre os anos 1952-1953 houve uma redução do crescimento econômico, diferente-
mente do período 1945-1951. No entanto, no ano de 1953 o quadro piorou: “Em 1953, a
renda bruta elevou-se apenas de 2,2%, mas a renda per capita mostrou um declínio de
0,4%; o produto aumentou de apenas 1,8% e o produto per capita decresceu de 0,8%.”
(GRUPO, 1957, p. 12).
232
ência. O Estado nacional era, pois, o único agente capaz de interferir no ritmo de cresci-
mento, enquanto instância com capacidade prevedora e provedora a curto, médio e longo
prazo.
Os passos fundamentais na formulação de um programa foram resumidos na se-
guinte passagem da “Introdução à Técnica de Programação”:
Em primeiro lugar, estabeceram-se as metas prováveis de crescimento da
economia e calculou-se a tendência futura da produção, assim como a
renda correspondente a cada uma das taxas de crescimento selecionadas.
Em segundo lugar foram fixados também objetivos relacionados com a
distribuição futura da renda entre o consumo e poupança e, portanto,
com respeito ao grau de esforço a ser desenvolvido pela comunidade no
sentido de conseguir uma maior capitalização. Calculou-se, em seguida,
o montante do investimento necessário para a efetivação de cada hipóte-
se, e, confrontando-se esse montante com a poupança interna, estimou-
se a contribuição requerida de capital estrangeiro. Da mesma forma,
postulou-se o crescimento da capacidade de importar, e, comparando es-
ta com a procura provável de importações, determinou-se o vulto das
substituições necessárias à execução do programa (GRUPO, 1957, p.
34, grifo nosso).
Na programação trabalhava-se fundamentalmente com os limites entre a capacidade e
a necessidade de importar e de exportar da periferia, além de se poder contar com a recor-
rência ao capital externo para o esforço inicial. Esta última possibilidade não encontrava
maiores objeções dadas as circunstâncias da reconstrução do pós-guerra, ao ideário do
“progressismo” (modernização econômica), e os interesses de inversões privadas interna-
cionais (principalmente das empresas multinacionais norte-americanas) em áreas periféri-
cas e a criação das agências financeiras multilaterais.
Ao planejamento cabia a função de definir o ritmo mais adequado ao crescimento,
segundo os recursos existentes (capital e investimentos), as metas propostas e os prazos
estabelecidos no programa integrado de desenvolvimento nacional e seus projetos setoriais
(GRUPO, 1957, p. 14).
A
CEPAL
chegou a atribuir um caráter de neutralidade à técnica de programação e
ao ofício do especialista, o que lhes daria credibilidade (ao técnico e ao programa)
163
: O
163
Este entendimento sobre a neutralidade da técnica se associa, ou melhor, faz parte da
noção e do debate acerca da neutralidade científica, haja vista que a técnica é uma instru-
mentalização prática da ciência – uma aplicação e mediatização do conhecimento no fazer
humano –, isso sem entrar no mérito das áreas de conhecimento nas ciências. Na própria
filosofia, que trata da epistemologia, o debate ideológico remete ao enraizamento histórico
e social do método, do conhecimento e do autor. Como esta discussão não faz parte desse
estudo e por considerar que a tese da neutralidade técnica e científica não se sustenta, no
momento se leva em consideração apenas o fato que a posição da Comissão é compreensí-
vel pela sua visão desenvolvimentista. No entanto, para uma leitura introdutória do debate
sobre a neutralidade da ciência, e da técnica, sugere-se as obras de Michael Löwy (1987;
1988) e de Adam Schaff (1983).
233
técnico de programação deve discutir as diversas possibilidades, com um máximo de obje-
tividade, a fim de facilitar as decisões das autoridades responsáveis” (GRUPO, 1957, p.
5)
164
. Por outro lado, explicitou que a adoção de uma política econômica, norteada pelo
programa, não podia ser neutra, pois sua origem decorria de uma decisão política e exigia
uma gestão pública e governamental adequada
165
.
O planejamento e a programação respondiam a um aspecto interrogativo do
paradoxo periférico: Como desencadear o processo de superação no estado e na condi-
ção de subdesenvolvimento estando dentro do sistema centro–periferia e diante do qua-
dro da insuficiência? Em outros termos e inspirando-se numa outra interrogação, a
pergunta central era: O quê e como fazer?
Conhecendo os problemas estruturais do sistema centro–periferia e tendo
como meta atingir a industrialização dinâmica, o único caminho a ser seguido seria o
do crescimento planejado, pois, a normalidade do sistema era negativa e aumentaria
cada vez mais as diferenças e as distâncias entre as partes. Por outro lado, o plane-
jamento estatizante, dos países de “economia centralizada”, servia apenas como e-
xemplo bem sucedido, mas não como paradigma aos desenvolvimentistas. Entretan-
to, qualquer crescimento não bastava. Havia, sim, que crescer mais do que a parte
dinâmica do sistema durante um determinado período de tempo, que não fosse me-
nor do que o exigido para obter o dinamismo interno.
Como, em tese, havia um imperativo temporal estabelecido pela velocidade
da renovação, inovação e difusão do progresso técnico que atingia as formas de
164
“O primeiro ato de neutralidade da técnica de programação consiste em discutir as possíveis taxas de
crescimento e decidir se se deve recorrer ou não ao capital estrangeiro e, em que medida, a fim de atingi-
las. (...) Essa neutralidade da técnica de programação não é apenas recomendável no definir funções; é
também desejável porque fortalece autoridade moral e o poder de persuasão dos que a elaboram. A pro-
gramação é um processo extremamente complicado, que exige a colaboração de importantes forças coleti-
vas. Para obter essa cooperação, é indispensável a apresentação imparcial das possíveis metas e das diver-
sas alternativas existentes para sua consecução” (GRUPO, 1957, p. 11).
165
“A existência de um programa pressupõe ter sido tomada uma decisão. Os estadistas
ou instituições competentes adotarão uma das alternativas propostas para pô-la em práti-
ca. Daí para a frente, as metas escolhidas tornam-se um objetivo da atividade pública e a
sua consecução exigirá uma política e uma organização administrativa adequadas”
(GRUPO, 1957, p. 56).
234
produzir e consumir na economia, no comércio internacional e na sociedade –, nele
estaria o ponto nevrálgico. O planejamento deveria atingir o ritmo do crescimento, a
ponto de maximizá-lo nas condições periféricas, sem, contudo, agravar a dependên-
cia, mas, sim, diminuir ao máximo possível sua vulnerabilidade externa e elevar a
produtividade e a renda per capita interna.
Como a insuficiência interna não favorecia o desencadeamento do processo,
o capital externo fora indicado como solução imediata na obtenção do quantum de
capital para os investimentos. Como não seria possível estimular a poupança volun-
tária imediatamente e nos níveis necessários, o recurso do capital estrangeiro era a
solução mais próxima e possível, dado o novo ciclo de expansão capitalista no pós-
guerra (cf. SANTOS, T. 1998).
Como foi comentado, do ponto de vista cepalino não havia restrições à
presença de capital externo (empréstimos e inversão), desde que fosse utilizado para
desenvolver o mercado interno. Temporariamente, estaria acelerando a formação de
capital, suprindo o esforço interno, evitando os riscos da vulnerabilidade externa e
equacionando os desequilíbrios entre a capacidade e a necessidade de exportar e de
importar. Enfim, nessa perspectiva estaria contribuindo no esforço durante o perío-
do de transição do programa: “O tempo necessário para elevar o coeficiente de pou-
pança ao nível exigido pela maior taxa de crescimento estabelecido como meta deno-
mina-se período de transição de um programa” (GRUPO, 1957, p. 4, grifo nosso).
O dinamismo seria obtido através da aceleração do ritmo de crescimento.
Portanto, através do planejamento, o Estado poderia acelerar a industrialização, por
meio de um programa de desenvolvimento. A industrialização alemã, japonesa e so-
viética havia comprovado esta possibilidade de alcançar o dinamismo dentro do
sistema internacional, além da norte-americana, considerando-se a trajetória da ex-
235
pansão internacional do progresso técnico desde a revolução industrial inglesa (reve-
ja o Capítulo 1, item 1.2).
Acelerar o ritmo do crescimento era fundamental para romper o limite tem-
poral estabelecido pela técnica moderna e as exigências de capital (investimentos)
para sua aquisição. Como a periferia não teria como repetir a evolução clássica da
revolução industrial, teria que se ver com os requisitos do padrão tecnológico existen-
te.
Nesse sentido, para a Comissão “a aceleração do crescimento significa apro-
ximar-se, com maior rapidez que a observada até aqui, do nível de renda dos países
mais desenvolvidos” (GRUPO, 1957, p. 14)
166
.
166
Raúl Prebisch e a
CEPAL
definem capital (excedente) como investimento presente, tal como Keynes e o
pensamento da economia política liberal. Portanto, o primeiro e principal fator da aceleração dizia respeito à
formação de capital. Dele se desdobrava tanto o círculo vicioso como o círculo virtuoso. Como o crescimen-
to exigia mais capital, sua aceleração somente seria possível com o mesmo quantum de capital destinado aos
investimentos. Assim, nas condições da tríplice insuficiência periférica, a aceleração da/na formação de
capital poderia ser realizada através da poupança interna espontânea e/ou forçada. Entretanto, o baixo nível
de renda per capita das massas, o círculo vicioso da insuficiência, os padrões de consumo dos estratos de
renda elevados e a inadequação da redistribuição direta da riqueza e da renda, inviabilizava este caminho.
Diante desse perfil, o financiamento externo (empréstimos e inversões) era apresentado
como o meio adequado e compensatório. Mas, essa poupança externa reforçava a depen-
dência, independentemente de ser projetado para um período transitório. Por outro lado,
como o objeto central da aceleração era o quantum de capital necessário a ser investido na
substituição e na importação (bens de capital e tecnologia), a princípio o raciocínio tinha
consistência interna: acelerar significava adquirir o quanto antes a técnica moderna e apli-
cá-la na produção interna, o que aumentaria o montante da renda nacional, a produtividade
e a renda média per capita. A aceleração circunscrevia-se ao ritmo de aquisição e aplica-
ção do progresso técnico, portanto, o processo de industrialização da economia nacional
ou regional não superava os limites da comercialização desses fatores, seja no mercado
financeiro, como nas transações comerciais de tecnologias.
Fernando Antonio Novais (1990) apresentou a tese de que o mundo colonial e sua estru-
tura comercial mercantilista, especialmente dos metais preciosos (ouro e prata) aceleraram
a acumulação primitiva européia, ou seja, a grande quantidade de ouro e prata (capital
acumulado) aceleraram a revolução industrial inglesa, adiantando (no tempo ?) sua reali-
zação histórica. Num comentário introdutório (KOLING, 1997, p. 40-nota 124), foi cha-
mada a atenção para a simplificação, a inversão racionalista e o anacronismo dessa leitura
da aceleração, que, além disso, associa acumulação primitiva com industrialização nacio-
nal. Leo Hubermann (1986) já descreveu que, durante o auge da exploração colonial dos
metais, a Espanha era o país onde havia o custo de vida mais alto (inflação), justamente
pelo fato de possuir muito ouro provindo das colônias americanas. Da mesma forma, não
foi na Península Ibérica que ocorreu a acumulação primitiva, tampouco a revolução indus-
trial. Nesse sentido, a interpretação da aceleração da revolução industrial de Novais apro-
236
Na “Introdução à Técnica de Programação”, a
CEPAL
exemplificou a tese da
necessidade da aceleração do ritmo de crescimento, tendo por base os indicadores da
renda per capita da América Latina e dos Estados Unidos, no ano de 1953: “Em 1953,
a renda média per capita na América Latina foi de 248 dólares (aos preços de 1950),
ou seja, pouco inferior a 1/8 da dos Estados Unidos (2.000 dólares)” (GRUPO, 1957,
p. 14).
A partir desses dados, a Comissão projetou duas situações de crescimento di-
ferenciado na América Latina para atingir 1/3 da renda per capita dos
EUA
167
: no
xima-se da tese liberal (na qual se incluem as interpretações keynesiana e cepalina) e não
da marxiana.
Enquanto que, para a primeira delas, o capital acumulado (poupado do consumo pre-
sente) era entendido como investimento voltado à poupança e ao consumo futuro (mais
capital), para a segunda a categoria capital correspondia a uma relação social de produção
e apropriação de riqueza-valor, acumulado por uma das partes (classes sociais) em detri-
mento da outra (MARX, 1988). Ao escrever sobre a acumulação primitiva, como se sabe,
Marx pretendia historicizar a gênese das relações sociais na sociedade capitalista ociden-
tal, desde os tempos modernos. O próprio Engels (1985) não cindiu a revolução industrial
(os avanços científicos e tecnológicos, a apropriação da tecnologia pelos capitalistas, a
divisão do trabalho na fábrica/indústria e entre os trabalhadores) das relações sociais entre
classes, ao descrever o cotidiano da classe trabalhadora nas indústrias (mulheres e crian-
ças) e nas cidades inglesas (do saneamento às condições de moradia, de saúde e da famí-
lia).
Já a aceleração do processo substitutivo de importações, em plena metade do séc. XX,
era perfeitamente possível, pois, além de dispor da última tecnologia e do conhecimento
(C&T), não se estaria gestando nada de novo nem revolucionário. A aceleração do ritmo
de crescimento na periferia dependeria da disponibilidade de capital para investimento. De
forma simplificada, poder-se-ia dizer que a “pedra filosofal” da industrialização (progresso
técnico) poderia ser comprada (ou copiada), desde que houvesse dinheiro (capital) ou cré-
dito suficiente para pagar seu preço de/no mercado.
Em função disso que Prebisch/
CEPAL
divergia dos liberais tradicionais, defendendo
que o processo de propagação universal do progresso técnico não havia atingido sua últi-
ma etapa ou seu ponto final. A industrialização periférica, portanto, inseria-se nessa evolu-
ção geral da economia capitalista. O sistema centro–periferia representava a formatação de
sua estrutura internacional, porém a periferia poderia superar a dependência, deixando de
desempenhar o papel e a função interna daquela divisão internacional do comércio. Os
desenvolvimentistas não estavam inventando a roda, tampouco simplificando o projeto de
superação da insuficiência periférica, pois o ritmo de inovação do progresso técnico exigi-
ria, cada vez mais, mais capital e investimento, figurativamente, a cada novo dia.
167
O exercício da projeção da aceleração do ritmo de crescimento na América Latina para atingir 1/3 da
renda per capita dos
EUA
(U$ 2.000,00), partindo dos dados de 1953, apresentaram as seguintes situações,
conforme a tabela.
237
primeiro caso, seriam necessários 42 anos para a América Latina atingir a meta dos
1/3 dos EUA, mantendo o coeficiente de investimento em 15,6%; e, no segundo caso,
seriam necessários 25 anos, aumentando o coeficiente de investimentos para 20,0%.
Havendo procedência na projeção, poder-se-ia estimar que uma equiparação
da renda per capita entre os países latino-americanos e os EUA ultrapassaria, em mui-
to, qualquer noção preliminar de planejamento a médio e longo prazo, isso, sem levar
em conta as variações das tendências de natureza econômica ou política interna e
internacional na América Latina ou no desenvolvimento interno da economia norte-
americana (centro cíclico e progresso técnico).
Cabe destacar que a
CEPAL
diferenciava a implantação de um programa de
desenvolvimento em duas fases características, distintas pelo grau de complexidade
das transformações correspondentes à introdução da tecnologia em determinados
setores e atividades econômicas e suas implicações na distribuição da população ativa
na economia.
A assimilação total de técnicas novas nas atividades primárias permiti
a transferência desse setor de quase todo o excedente de mão-de-obra, a-
tingindo-se conseqüentemente a fase inicial do desenvolvimento econô-
mico.
Durante a segunda etapa não grandes transferências no contingente
de mão-de-obra. Verifica-se uma certa homogeneidade tecnológica em
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Fonte: GRUPO MISTO BNDE-CEPAL. Introdução à técnica de programação...,
p. 14 (Tabela elaborada pelo autor a partir dos dados apresentados)
(a): Coeficiente de investimentos de 15,6%
(b): Coeficiente de investimentos de 20,0%.
Obs.: Se a taxa anual de crescimento fosse mantida estacionária em 2,0% nos EUA
(conforme hipótese do Relatório Paley, projetada para o anos de 1975) e a
da América Latina fosse 2,4%, o prazo passaria para 252 anos.
238
todas as atividades, compatível com o nível de progresso técnico alcan-
çado pelos diferentes ramos (GRUPO, 1957, p. 8, grifo nosso)
168
.
Percebe-se, novamente, a aplicação prática da concepção do sistema centro–periferia
nos passos da elaboração (planejamento) e de implantação do programa (política econômi-
ca) na periferia. Mantendo a noção dos benefícios do progresso técnico, Raúl Prebisch
afirmava que o “propósito fundamental do programa é[era] aumentar a renda real per capi-
ta a fim de elevar o nível de vida da população” (PREBISCH, 1973, p. 81).
A aceleração do ritmo do crescimento tornava-se possível através do planejamento dos
investimentos, seja em termos do seu quantum, da sua procedência, da sua destinação e da
sua contribuição à economia nacional na superação da dependência.
4
44
4
4
44
4
9
99
9
9
99
9
;
;;
;
;
;;
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K
KK
K
K
KK
K
Conforme citado anteriormente, na América Latina o desenvolvimento programa-
do seguia sua própria via, onde os campos de ação do Estado e da iniciativa privada capi-
talista eram demarcados pela insuficiência periférica. O aumento do peso e da participação
do Estado e sua dupla função prevedora e provedora, defendida pela Comissão, correla-
cionava-o com o peso e a participação da iniciativa privada no desenvolvimento dinâmico.
Durante o período em estudo, o pensamento periférico não teve a preocupação de discutir
uma teoria do Estado e/ou do governo, aporque não o compreendia como um problema,
mas, sim, como solução.
A condição periférica, mesmo considerada a parte dependente no sistema centro–
periferia, não significava, porém, inação (incapacidade de ação) ou “fraqueza orgânica”
168
A passagem da primeira fase para a segunda trazia consigo os problemas dos obstácu-
los da insuficiência, porém num nível mais elevado: “O fator limitativo consiste no capital
necessário para liberar a mão-de-obra das atividades de baixa produtividade, e, ao mesmo
tempo, para elevar a produtividade de outros setores através de um aumento da densidade
de capital (GRUPO, 1957, p. 8, grifo nosso).
Noutra passagem, ao final do texto, a relação entre as fases foi retomada com indicações mais precisas em
termos de atividade e núcleos estratégicos: “a primeira pode ser descrita como a fase de aceleração do
desenvolvimento. O consumo cresceria menos rapidamente que o investimento, indício de que a base da
economia estaria sendo ampliada. Nesta fase, deveriam ser eliminadas as deficiências fundamentais da
economia, e, ao mesmo tempo, a fim de tornar possível um forte ritmo de crescimento nas indústrias de bens
de consumo, na segunda fase. A característica principal da fase de aceleração seria o aumento mais acen-
tuado da capacidade produtiva nos serviços de transporte e energia e nas indústrias de bens de capital. (...)
A duração desta primeira fase não é arbitrária, mas seria influenciada pelo grau de intensificação que se
pretenda dar ao ritmo de crescimento da economia, na fase seguinte, e pelo aumento da capacidade de im-
portar bens de capital” (GRUPO, 1957, p. 55, grifo nosso).
239
pelo atraso econômico. Esta era sua contemporaneidade e a expressão de suas forças soci-
ais e políticas e sua articulação internacional. Portanto, para o pensamento periférico na
América Latina, não estava faltando Estado nem iniciativa privada, mas, sim, intensidade
na industrialização nacional e regional. No capítulo I, intitulado “A cooperação interna-
cional numa política de desenvolvimento baseada na iniciativa privada”, da obra “A Coo-
peração Internacional”, a
CEPAL
, após considerar a industrialização no s-1930 positi-
va, também destacou a participação da iniciativa privada, interna e externa, no processo.
A tese defendida nesse texto congrega o Estado e as duas iniciativas privadas na
“cooperação ao desenvolvimento”. Na relação entre a iniciativa privada interna e a exter-
na, ela reconhecia o peso maior das grandes empresas multinacionais, principalmente no
pós-guerra, mas propunha um aumento na parceria com a interna como forma de transfe-
rência de inversão e de tecnologia, para fortalecer o empresariado latino-americano. Da
mesma forma, referendava o favorecimento estatal à iniciativa privada local como forma
de superação da própria insuficiência existente na empresa nacional.
O empresário latino-americano é, portanto, uma realidade indiscutível e
as claras demonstrações que do seu impulso criador e suas aptidões
construtivas sugerem o que é possível esperar da sua ação futura, bastan-
do para isso que se lhe dêem os incentivos e as condições favoráveis que
ainda lhe não são suficientemente proporcionados (CEPAL, 1954b, p. 7,
grifo nosso).
Na realidade, justamente na relação entre o Estado e a iniciativa privada no capi-
talismo periférico estava implícita sua posição em defesa do sistema capitalista (geral) e
oposição ao sistema centro–periferia, resultante do livre-mercado oitocentista. A crítica
prebischiana consistia na negação da forma e da função das partes no sistema centro–
periferia e sua base teórico-ideológica. O papel do Estado no planejamento (previsão) e no
desenvolvimento (provisão) tinha uma dupla função não contraditória nem contrária à ini-
ciativa privada, pois, num certo sentido, sua ação ia de encontro à sua insuficiência; e,
240
noutro, pretendia evitar as crises do sistema (enquanto política periférica anticíclica) e
corrigir o atraso e os limites dos interesses individuais e imediatos nas formas de investi-
mento (especialização e heterogeneidade no livre-mercado do laissez-faire) e no consumo
presente de setores da sociedade.
Para entender a importância da definição dos campos de ação do Estado e da ini-
ciativa privada na periferia, o texto “Introdução à Técnica de Programação” foi iniciado
com o seguinte esclarecimento:
Nem sempre se faz uma perfeita distinção entre o conceito de um programa de
desenvolvimento e o de um rígido controle estatal da economia. Mister se faz
evitar qualquer confusão nestes conceitos. Um programa de desenvolvimento
econômico é a expressão de uma idéia básica: aumentar e orientar inteligen-
temente o investimento de capitais, de modo a dar maior impulso e regulari-
dade ao crescimento de um país. Não dúvida de que o Estado pode, assim,
estender consideravelmente seu campo de ação, e, em grande parte, chamar a
si o papel da iniciativa privada. Mas isto não é inerente a um programa de de-
senvolvimento. Na realidade, a intervenção estatal poderá ocorrer sem que o
desenvolvimento econômico esteja entre seus objetivos e sem que exista, o-
brigatoriamente, uma orientação definitiva de investimento; por outro lado,
pode-se executar um programa com um mínimo de intervenção estatal (GRU-
PO, 1957, p. 3, grifo nosso)
169
.
A preocupação com a confusão dos conceitos e o interesse pelo esclarecimento
sobre os campos de ação do Estado e da iniciativa privada no planejamento periférico sin-
tetizam a posição ideológica cepalina e a particularidade do caso latino-americano. Aqui
existia Estado e iniciativa privada, porém, no subdesenvolvimento, seus papéis e o campo
de ação seriam distintos daqueles que foram nos países centrais e do centro cíclico dinâ-
mico
170
.
169
Esta passagem localiza-se no primeiro parágrafo do capítulo 1 “Os principais problemas da técnica
preliminar de programação”, no item “programa de desenvolvimento e arregimentação da economia”, da
obra.
170
Na obra de 1954, a CEPAL destacava que, na América Latina, a iniciativa privada era
diferente da dos Estados Unidos, assim como o papel do Estado, no que dizia respeito à
sua participação no desenvolvimento econômico, através do planejamento e das inversões
diretas nos setores básicos e estratégicos. Segunda ela, aspectos dessa particularidade do
Estado e da iniciativa privada teriam origem histórica no modelo anterior de inserção in-
ternacional, não tendo o intervencionismo base ideológico-doutrinária antiimperialista,
nem estava colocada a “questão nacional”. “Na primeira etapa de desenvolvimento eco-
241
Ao chamar a atenção a este debate da definição do campo de ação, dos tipos de
intervenção do Estado e sua inter-relação com a iniciativa privada foi realizada uma
comparação de parte da citação anterior com a edição original do texto em espanhol “In-
trodución a la Técnica de Programación”, de 1953 (CEPAL, 1955), conforme segue:
Hay alguna confusión entre el concepto de un programa de desarrollo y
la regimentación rigurosa de la economía por el estado. Un programa
responde a una idea simple: acrecentar y ordenar juiciosamente las in-
versiones de capital con el fin de imprimir más fuerza y regularidad al
crecimiento de un país. Es cierto que el estado puede abarcar en esta
forma una esfera de acción muy dilatada y suplantar en gran medida a
la iniciativa privada (CEPAL, 1955, p. 7, grifo nosso).
A princípio, por se tratar de duas publicações oficiais da CEPAL, não haveria
qualquer questionamento quanto à qualidade da tradução do original, em espanhol, para o
português, pois se trata de duas nguas modernas de origem latina e de escrito recente,
sem contar que o texto em português foi incluído no estudo e no Relatório do Grupo Misto
BNDE-CEPAL
171
. No entanto, entre as duas definições permanece uma diferenciação no
nômico – aquela que precedeu a depressão mundial da década de 30, arraigado como
estava nos países latino-americanos o conceito de abstenção econômica do Estado, os
governos costumavam contrair vultosos empréstimos externos a fim de realizarem inver-
sões básicas de capital social. Na esteira dessas inversões, - e às vezes conjuntamente
com elas – sobrevinha a iniciativa privada e criou-se assim uma tradição latino-
americana em que têm raízes fundas as presentes formas de iniciativa estatal” (CEPAL,
1954b, p. 8).
A intervenção do Estado na economia não era novidade na América Latina. No Brasil,
durante a República Velha (1891-1930), a política governamental sobre a produção cafeei-
ra, resultante da força social e política da oligarquia rural, não poderia exemplificar melhor
o fato, além da escravidão durante o Império.
171
Na Apresentação (GRUPO, 1957) e na Nota Preliminar (CEPAL, 1955) do Relatório e do texto deste
acordo de parceria e assessoria entre a CEPAL e o BNDE foi citado: “A CEPAL recebeu com satisfação o
Estudo Preliminar e o acordo concluído entre a Secretaria Executiva e o Banco Nacional do
Desenvolvimento Econômico do Brasil com o fim de realizarem, conjuntamente, um estudo dos fatores vitais
à elaboração de um programa que obedeceria aos princípios metodológicos apresentados no documento
citado. A CEPAL fez também uma recomendação no sentido de que os governos-membros submetessem o
estudo em questão aos órgãos competentes de cada país, chamando ainda a atenção para a conveniência do
emprego da técnica de projeção. E, entre outras coisas, recomendou que a Secretaria Executiva continuasse
seus estudos sobre a técnica de programação do desenvolvimento econômico e que emprestasse sua
colaboração técnica aos governos que lhe solicitassem ajuda para a preparação de planos de
desenvolvimento” (GRUPO, 1957, p. 1; cf. CEPAL, 1955, p. 3).
É oportuno lembrar que, em 1953, Getúlio Vargas estava em seu segundo período de governo no Brasil,
época em que foi criado o
BNDE
. O Grupo Misto
CEPAL
-
BNDE
foi criado durante o Governo Vargas, no
242
sentido que pode ser dado aos “conceitos” sobre o campo de ação do Estado e sua entrada
no campo da iniciativa privada: na tradução em português o Estado pode (...) chamar a si
o papel da iniciativa privada; no original em espanhol o Estado puede (...) suplantar en
gran medida a la iniciativa privada. Ambos textos comungaram a tese de que o Estado
poderia ampliar ou estender, em grande medida, seu campo de ação.
Certamente que existem diferenças conceptivas entre o papel de “chamar a si” e
o de “suplantar”, ainda mais se o último for interpretado no sentido de tomar o seu lugar,
ou usurpar (passar a ter algo alheio). Mesmo o termo substituir deixaria dúvidas! Um
entendimento sobre os significados poderia ser buscado na filologia e na etimologia dos
conceitos (palavras) em cada língua. Todavia, sem ignorar que ideologicamente “chamar a
si” ou “tomar o seu lugar” têm implicações profundas ainda mais num estado de insufi-
ciência e de subdesenvolvimento suas implicações concretas num programa de desen-
volvimento seriam significativas. Em nome dessas diferenças ou dessa interpretação do
pensamento periférico poder-se-ia adotar metas e projetos mais profundos que recolocari-
am os espaços do Estado e da iniciativa privada. Hayek (1977) e os Friedmann (1980) que
o digam! Só faltaria considerá-lo uma variante do socialismo: o periférico!
O Estado periférico, ao chamar para si ou tomar o lugar da iniciativa privada, es-
taria estatizando o subdesenvolvimento rumo à industrialização planificada e reduzindo o
campo das liberdades individuais (econômicas e políticas)?
O desdobramento dessa questão remete a duas observações. A primeira (já incluí-
da na citação em português no seguimento da passagem comentada), diz respeito à distin-
ção entre planejamento e intervenção direta ou indireta do Estado na economia, tendo em
vista o desenvolvimento. Não existe uma relação direta e automática nessa relação, pois o
que diferenciava ambas era seu conteúdo e não a variação na sua forma. Afinal, todo Esta-
ano de 1953, e instalado no Rio de Janeiro/Brasil, sob a presidência de Celso Furtado. Seu Relatório serviu
como referência para a elaboração do Plano de Metas no Governo de Juscelino Kubitschek.
243
do regulamenta e mantém constitucionalmente uma determinada ordem pública e privada,
havendo uma interação entre ambas no Estado e no estado de direito (cf. ARENDT, 1997).
A segunda refere-se à proposta da
CEPAL
, portanto, ao conteúdo dado por ela à interven-
ção do Estado na economia e no campo de ação da iniciativa privada. É esta proposta que
responde à dúvida anterior entre o “chamar a si” ou “tomar o seu lugar”. Sabe-se que o
liberalismo pleno, máximo, subsiste apenas enquanto teoria. Porém, historicamente, nem
na economia nem na política, ou na política econômica, encontra concretude e não suporta
o crivo do enfrentamento com a concretude histórica
172
, a não ser que se refugia numa
dissimulação de “cientificidade” (positivismo).
Assim, resta entender o caráter histórico da intervenção do Estado e interrogar-se
acerca do porquê e em função de quê o Estado chama ou toma o lugar da iniciativa privada
na América Latina! O caso brasileiro foi esclarecedor. O governo Vargas tanto interveio a
partir do Estado com investimentos no setor básico e pesado de indústria, como criou o
BNDE
, no segundo governo, quanto regulamentou e “estatizou” as relações entre o capital
e o trabalho, com as leis trabalhistas e o regime sindical. Infelizmente não cabe nesse estu-
do problematizar essa construção “tripartite” nas mediações entre Estado-capital-trabalho,
nem a imagem oficial paternalista e maternalista do caso brasileiro. Sonia M. Mendonça
(1985) contribuiu para uma abordagem crítica do papel do Estado, chamando a atenção às
tensões e disputas existentes no interior do corpo do Estado desenvolvimentista e na soci-
edade que passava por um processo rápido de industrialização
173
.
172
Ao discutir a relação entre o Estado liberal e a iniciativa privada, no caso brasileiro, Celso Furtado cha-
mou a atenção para a inconsistência entre a postura ideológica liberal e o processo histórico: “A hipótese de
que a implantação de um Estado de tipo liberal poderia por si criar as condições para o surgimento de uma
vigorosa iniciativa privada, constitui uma simples postura ideológica, sem qualquer apoio na evidência
histórica” (FURTADO, 1966, p. 113).
173
As discussões mais recentes sobre o fenômeno populista recolocam as condições dos
sujeitos excluídos no enfrentamento com o Estado e demais grupos ou classes sociais. So-
bre o assunto, confira os trabalhos mais conhecidos de Francisco Weffort (1980), Octávio
Ianni (1989) e Maria L. Prado (1986). Os teóricos de Michelle Perrot (1988); e, Agnes
244
Portanto, para a
CEPAL
, no desenvolvimentismo o Estado teria que chamar para si
ou até tomar o lugar da iniciativa privada por motivo da insuficiência à industrialização
(na primeira e na segunda etapa), e não pelo fato de planejar o desenvolvimento e investir
diretamente na economia, por mero capricho ou princípio ideológico. Nesse sentido, o
Estado substituía a iniciativa privada em setores sicos da economia para retornar a ela
de forma direta, indireta, mista e subsidiária. Ao tomar o lugar da iniciativa privada, o Es-
tado estaria suprindo e construindo os setores básicos de suporte da industrialização, onde
a iniciativa privada, por ser insuficiente em capital, em tecnologia e em capacidade, não
tinha condições nem interesse em atuar. Fazia-o através do Estado. Para Sonia M. Men-
donça, o papel do Estado no período 1930-55 foi o de criar as bases para que a acumula-
ção capitalista industrial, ao nível das empresas, pudesse se reproduzir” (MENDONÇA,
1985, p. 28).
Uma vez esclarecido o pano de fundo do papel e da função do Estado na sua relação
com o campo de ação da iniciativa privada, entende-se que a dilatação do corpo do Estado
na economia não era conflitivo com a iniciativa privada. Esse era o entendimento da
CE-
PAL. Porém, não se pode ignorar que, mesmo suprindo a insuficiência (e transferindo ren-
das públicas para o setor industrial), no horizonte da superação da condição periférica,
persistiam diferenças entre o interesse empresarial e o do Estado.
Antes de tratar dessas diferenças, é oportuno comentar a avaliação que a Comissão
fazia dos instrumentos (meios) e das formas de intervenção que o Estado poderia desem-
penhar no planejamento e no desenvolvimento econômico. Cabendo-lhe por condição de
Sujeito-Soberano e regulador geral da nação, o Estado dispunha de competência para fazer
uso dos instrumentos da Administração Pública e Orçamentária para se capacitar financei-
ramente diante das metas e dos investimentos necessários previstos no programa. A defi-
nição e o controle da política fiscal e aduaneira, da política monetária e creditícia, da polí-
tica tributária e a realização de empréstimos internos e externos, além do orçamento geral
da União, eram os principais instrumentos e meios disponíveis para o Estado exercer seu
papel e sua função ativa no desenvolvimento, seja no planejamento, como nas inversões
diretas ou na orientação e fomento às inversões privadas (GRUPO, 1957, p. 3).
Dispondo desses instrumentos e meios, certamente, o Estado era, e é, o ator com
maior peso e capacidade nos países latino-americanos. No entanto, para a CEPAL, sua
ação poderia conduzir a duas formas de intervenção: “uma que se vale de tais instrumen-
tos, criando um ambiente propício à evolução da iniciativa privada e orientando-a com
vistas a atingir certas metas e objetivos; a outra, de caráter regulamentador, em que se
prescreve aquilo que a iniciativa privada pode ou não fazer” (GRUPO, 1957, p. 3, grifo
nosso)
174
.
Percebe-se, pois, que a concepção cepalina da intervenção e regulação do Estado
não nega o campo da iniciativa privada e das “benditas” liberdades individuais dos empre-
endedores “atrasados ou dinâmicos”, tampouco o nega como fonte de benesses à iniciativa
Heller (1970). E novas abordagens na obra organizada por José Sérgio Leite Lopes (1987),
na qual consta o texto de Maria Célia Paoli (1987); e a obra de Eder Sader (1988).
174
No trabalho de 1954, “A Cooperação Internacional”, a CEPAL teve a preocupação em
diferenciar os dois tipos de intervenção que o Estado poderia realizar na economia e no
campo da iniciativa privada: havia um “tipo de intervenção que trata de regular a conduta
individual dos empresários”; e, um “outro tipo de intervenção pela qual o Estado cria, ou
contribui para criar, certas condições ou fatores que, se chegam a influenciar indireta-
mente os empresários, não coagem sua liberdade de ação” (CEPAL, 1954b, p. 10).
245
privada. Portanto, o pairava nenhuma ameaça à ordem capitalista
175
. Do contrário, sis-
temicamente pelo desenvolvimentismo, o Estado modernizava sua estrutura urbano-
industrial e sua base no nível das relações capital-trabalho na empresa.
Porém, como o laboratório do pensamento era a própria história da formação da
periferia latino-americana, sua crítica atingia, sim, a iniciativa privada individual e o sis-
tema centro–periferia, pois entendia que aquela formação histórica do desenvolvimento
econômico não condizia com seu projeto modernizador (reformador, social-democrata)
latino-americano. A crítica à iniciativa privada atingia estruturalmente a insuficiência do
triplo círculo vicioso, mas, além disso, e com um conteúdo mais profundo, criticava a im-
possibilidade e a inadequação do campo de ação da iniciativa privada, pelo seu interesse,
como espaço e instrumento de superação da condição periférica.
A presença indireta e direta do Estado era necessária por duas questões: uma, por-
que a iniciativa privada se orientava (planejava seus investimentos) tendo em vista unica-
mente seu interesse privado e individual de acumulação de capital, minimizando o quan-
tum de capital a investir e maximizando seu retorno no menor prazo possível, sem medir
as conseqüências aos demais indivíduos, à população, à economia e à nação periférica; e,
outra, porque, a depender do livre-comércio, do mercado e da livre iniciativa, em qualquer
forma de aumento da produtividade resultante do interesse da iniciativa privada e em seu
campo de ação, a distribuição de renda e dos benefícios do progresso técnico seriam mi-
nimizados à sociedade e à nação, e acentuariam o problema da absorção da força de traba-
lho sobrante.
A primeira questão permite avançar sobre o pensamento periférico e indicar que
sua crítica à iniciativa privada individual, pela centralidade da imediatez e do individua-
lismo no mercado, pode ser utilizada para uma crítica da crítica, ou seja, a iniciativa priva-
da, independentemente de ser atrasada ou dinâmica, periférica ou ntrica, agrária ou in-
dustrial, insuficiente ou capitalizada, permanecia guiando-se pelos princípios da concor-
rência e da acumulação privada, pois esta era e é a raiz histórica do capitalismo.
A segunda questão foi desdobrada no debate que Prebisch e a CEPAL fizeram sobre
a desocupação tecnológica e o caráter da técnica moderna na economia capitalista concor-
rencial. Nos países centrais, a inovação e a difusão do progresso técnico era o fator essen-
cial diante do aumento constante da concorrência entre os capitalistas e da necessidade de
reduzir os custos de produção no item o-de-obra, pois era qualificada, organizada e
empregada (reveja o Capítulo 1, item 1.4). A inovação tecnológica era utilizada principal-
mente para substituir a força de trabalho diante da concorrência e no esforço de retomada
do crescimento durante a fase depressiva do ciclo. A cópia do modelo cêntrico na periferi-
a, sob o interesse da iniciativa privada, resultaria num agravamento da desocupação produ-
tiva da população ativa e na reprodução crescente do subdesenvolvimento.
No texto “Problemas Teóricos y Prácticos”, Prebisch demarcou os limites orgâni-
cos da iniciativa privada, indicado na primeira questão anterior:
aqui que distinguir entre o interesse do empresariado e o interesse
geral da economia. Ao empresário somente lhe concerne reduzir o má-
ximo possível seu custo de produção e aumentar seu benefício; para ele
pode ser uma consideração assessória ou de pouca importância à forma
em que, a fim de alcançar este objetivo, combinam-se o aumento da pro-
dução e a redução da mão-de-obra por unidade de capital. Se em sua ori-
175
Noutra passagem do trabalho de 1954, percebe-se, praticamente, um credo de reificação do modo de vida
liberal e individual e sua relação harmônica com o Estado: “É preciso conjugar-se nele a iniciativa privada
com uma firme política estatal, com um tipo de intervenção que se determine a promover o desenvolvimento,
criando condições que orientem e estimulem em um sentido e outro, a ação do empresário, sem regular de
forma alguma suas decisões individuais” (CEPAL, 1954b, p. 8).
246
gem ocorre desocupação tecnológica e os desocupados não podem ser
absorvidos por falta de capital, o empresário conseguiu, apesar de tudo,
aumentar seu benefício, ainda que para a economia do país o capital em-
pregado na redução de mão-de-obra e não no aumento da produção sig-
nifique mau emprego de capital, aparte das repercussões sociais do fe-
nômeno (PREBISCH, 1973, p. 43, grifo nosso).
No horizonte do desenvolvimentismo e ainda mais no da superação da condição
periférica, o campo de ação do Estado e da iniciativa privada não se encontravam na eco-
nomia, pela diferença de interesses que possuíam. Esse era o “X” da questão na crítica do
laissez-faire no comércio internacional e do modelo “para fora”, o somente do capita-
lismo concorrencial oitocentista (liberalismo clássico e neoclássico), mas também do sis-
tema centro–periferia ainda predominante na América Latina, em meados do séc. XX.
Certamente, Raúl Prebisch avaliava que a América Latina se encontrava diante de uma
encruzilhada histórica no período do pós-guerra: ou avançava na industrialização, seguin-
do o movimento interno do pós-crise de 1929; ou permanecia periférica, retomando seu
papel internacional agro-exportador e de crescimento interno dependente da economia
externa, do período anterior.
Programaticamente, o pensamento prebischiano contrapunha-se à permanência do
laissez-faire nas relações comerciais na parte periférica do sistema para o centro e vice-
versa. O subdesenvolvimento era tanto a face negativa da dualidade, como seu auto-
retrato. Imagem esta que os periféricos desenvolvimentistas não queriam conservar.
Para Raúl Prebisch, o papel e a função que o Estado deveria desempenhar na con-
dução do desenvolvimento, visando à superação periférica, legitimava-se, em última ins-
tância, pela capacidade que teria em representar e incorporar o interesse nacional, equa-
cionando os avanços econômicos (progresso técnico) com os sociais e direcionando, ao
máximo, os investimentos públicos e privados no caminho moderno. Portanto, nos setores
fundamentais desse programa, a iniciativa privada também teria que ser orientada e assis-
tida pelo Estado, através dos instrumentos e meios diretos e indiretos, independentemente
247
do Estado ser a voz e o assento dos industrializantes. Se havia a hegemonia deles no Esta-
do, as fronteiras entre ambos e a sociedade condicionavam as relações entre os campos na
política e na economia.
Prebisch e a CEPAL nunca titubearam na definição dos campos de ação da inicia-
tiva privada e do Estado. Em seus textos fundadores, a tese foi exposta de forma simples e
clara, o que não significa, porém, que tenha sido simplificadora. A incompatibilidade esta-
va na estrutura dos interesses e da capacidade em capital e investimentos. O desencontro
não estava na existência do campo privado e individual da iniciativa privada e do Estado
que intervinha ou ocupava espaço enquanto empresário, mas, sim, na dupla combinação
das condições e dos interesses que cada qual poderia apresentar no esforço e no salto à
segunda fase da industrialização (modernização). Antes de se aplicar uma teoria sobre o
caso e testar o pensamento e sua força interpretativa da história, que se entender que o
Estado nacional, seu aparelho estatal, eram construções e reconstruções históricas da soci-
edade.
A atuação do Estado/governo nacional resultava tanto da combinação das suas
condições e dos interesses que por sua vez provinham das disputas entre as forças inter-
nas e sociais –, quanto da relação dessa com as da iniciativa privada, ou vice-versa, pois
era de mão-dupla. Diante dessa combinação dinâmica de condições e interesses, torna-se
compreensível a presença do Estado em determinados setores da economia e/ou na indu-
ção da iniciativa privada, segundo as metas e os objetivos do programa
176
.
O protecionismo na política industrial e a intervenção direta do Estado na econo-
mia conjugavam os interesses e as insuficiências. Na citação que segue, retirada do Estu-
176
O fato de o campo de ação da empresa privada e o livre empreendimento ser real-
mente muito amplo não implica que o Estado deva se limitar à atitude tradicional do
‘laissez faire’. Muito ao contrário, pois um programa exige a aplicação firme de uma po-
lítica de desenvolvimento, o que, aliás, é possível sem que a iniciativa privada seja, por
isto, manietada. Ela pode, na realidade, ser estimulada para que se lance a determinadas
atividades, inclusive com o oferecimento de acesso aos recursos indispensáveis” (GRU-
PO, 1957, p. 3).
248
dio de 1950, ao estudar a atuação dos governos na industrialização, a Comissão expôs o
conjunto de interesses da iniciativa privada e do governo nacional, que praticamente esgo-
ta as possibilidades práticas de interação entre os interesses individualizados do empresa-
riado e coletivo, da nação, por meio do Estado (vulnerabilidade externa e abastecimento
do mercado interno).
Na realidade, a intervenção dos governos no desenvolvimento industrial
alterou o modelo que este havia seguido, se seu apoio houvesse sido ge-
ral e indistinto (por exemplo, se se houvesse protegido contra todas as
importações com o mesmo direito ad valorem ou se se houvesse outor-
gado as mesmas facilidades de crédito ou as mesmas isenções de impos-
tos a todas as indústrias, etc.). Os governos orientaram seu apoio à indús-
tria tendo presente diversos critérios, que, com freqüência, levavam a
mesma conclusão. Isto é, protegeram as indústrias em que a iniciativa
privada não podia ou queria estar presente por falta de capitais
,
bem
como por falta de capacidade técnica, ou de conhecimento do mercado,
bem como pela reduzida margem dos lucros esperados ou que se achava
conveniente obter; protegeram indústrias que mais divisas economiza-
vam para o país; protegeram indústrias que proporcionavam ocupação e
que produziam artigos cujo consumo popular era socialmente desejável
fomentar (CEPAL, 1951b, p. 100, grifo nosso).
Em termos de capacidade nas inversões, os limites podiam ser avaliados pela ca-
pitalização do Estado (poupança interna e/ou externa) e da iniciativa privada (inversões e
poupança) interna e externa. Nesse item, a princípio, toda forma de ão convergia para
um mesmo sentido quantitativo de modernizar a economia, apesar da insuficiência da ini-
ciativa privada e independentemente do ritmo do crescimento que o empresariado ou o
Estado poderiam dar. Quanto aos interesses nas inversões, o assunto era distinto, pois en-
quanto que a iniciativa privada tinha como campo de visão unicamente os lucros e a em-
presa, o Estado, mesmo orientando ou subsidiando certas empresas privadas, tinha como
campo de visão, horizonte, a diversificação e a homogeneização da economia e da renda
per capita, mediante um planejamento conseqüente em curto, médio e longo prazo.
Se, com isso, o Estado ampliava sua ação enquanto gestor das políticas públicas e
provedor do desenvolvimento, o fato decorria da insuficiência da capacidade e dos interes-
249
ses da iniciativa privada, dos limites da liberdade individual (laissez-faire) e do desinteres-
se privado. A iniciativa privada, por sua vez, poderia investir a partir dos incentivos públi-
cos e fazer uso das vantagens e dos insumos que o Estado, enquanto agente econômico,
disponibilizava no mercado, desde os investimentos em infra-estrutura básica (principal-
mente nos setores de energia e transporte)
177
, em financiamento público (linhas de crédito
e concessões), no fornecimento de produtos sicos e tecnológicos à indústria (principal-
mente os insumos metal-mecânico e a maquinaria/equipamento) e à população (alimentos
e bens de consumo salariais) e em serviços (saneamento, comunicação, educação, etc.).
Não se pode esquecer que, com o crescimento na prestação de serviços públicos e bens
sociais, o Estado e as empresas públicas ampliavam o acesso à grande massa e incorporava
garantias e ganhos sociais.
Na obra de 1954, dirigida a
OEA
, a Comissão acentuou o caráter pró-iniciativa
privada da intervenção do Estado na economia e sugeriu quatro princípios que deveriam
guiar a presença pública-estatal: 1) “Em regra geral, não se deveriam realizar senão quan-
do a iniciativa privada não queira ou não possa desenvolver a respectiva indústria”; 2)
quando esta seja realmente fundamental para o desenvolvimento econômico do país”; 3)
quando o destino dos fundos que requer não se faça com redução de certas inversões de
capital social cuja deficiência freia o normal desenvolvimento da inversão privada em
outros campos”; ou, 4) quando a excepcional importância de uma indústria represente
em mãos privadas um poder que o Estado crê conveniente reservar para a Nação (CE-
PAL, 1954b, p. 117, grifo nosso).
Resumidamente, para o pensamento cepalino não havia contradição de raiz entre
o intervencionismo do Estado e a liberdade individual privada na economia. À exceção
dos setores, atividades e conhecimento (C&T) estratégicos para o país, seja por motivos de
177
Energia e transporte eram considerados prioritários, pois, sem eles, tanto a indústria/empresário não teria
como produzir (energia), nem vender no mercado interno (rede de escoamento e abastecimento) e externo
(ferrovias, estradas e portos).
250
interesse público, defesa e Soberania da Nação e do corpo do Estado, que não era pouca
coisa em muitos países latino-americanos. Uma presença estatal direta e indutiva mais
significativa era necessária pela insuficiência da iniciativa privada, pelo desinteresse em-
presarial e pela incapacidade das empresas existentes. As fronteiras entre os campos de-
pendiam das necessidades e dos interesses de ambos: Estado e iniciativa privada. Todavia,
a industrialização estatal ia ao encontro à solução dos problemas gerais do subdesenvol-
vimento, ao acelerar o ritmo de crescimento, mas também subsidiando indiretamente as
inversões e favorecendo a acumulação de capital ao nível da empresa. o aspecto mais
significativo da tese periférica sobre os campos de ação do Estado e da iniciativa privada
na economia latino-americana foi o reconhecimento de que o interesse privado e empresa-
rial era insuficiente e se fosse regrado exclusivamente pelo mercado (espontâneo, egoísta
e concorrencial), seria contrário à superação da vulnerabilidade sistêmica. Esta tese foi
comprovada na crítica ao modelo de crescimento para fora e às vantagens comparativas.
4
44
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9
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N
N
NN
N
O problema da (re)absorção da mão-de-obra substituída pelas inovações tecnoló-
gicas, enfim, pelos avanços em produtividade (relação capital-homem: aumento da produ-
ção com a diminuição da extensividade do trabalho para nível de maior intensividade do
trabalho/capital), em todos os setores e atividades, mas principalmente na agricultura, ti-
nha grande importância na visão desenvolvimentista. Quanto a este entendimento o
controvérsia, nem faltam referências a ele em qualquer discussão sobre este pensamento.
Na realidade, a pedra angular para a superação periférica passava pela solução da absorção
e/ou reabsorção da população ativa sobrante nos setores e atividades econômicas que ino-
vavam a produção, afinal os benefícios do progresso técnico teriam que se realizar, ou, a
teoria iria para o “espaço sideral”. A primeira conseqüência do uso de novas tecnologias e
processos de trabalho mais modernos era justamente a redução do número de trabalhado-
251
res (distribuição da população ativa), sendo essa a primeira preocupação teórica da técnica
de programação, e prática de um programa. Tudo isso no bojo do círculo vicioso da insufi-
ciência!
Mas, a absorção e a reabsorção, sendo resultado de algo, por uma questão lógica e
elementar, não podiam ser vistas como um ponto de partida do problema da desocupação
da população ativa. Conforme foi citado mais atrás, o problema da desocupação tinha e
tem sua origem nas formas de uso da técnica moderna na economia capitalista sob o inte-
resse da iniciativa privada, ou seja, se a tecnologia era, e é, substituidora de mão-de-obra,
essa forma de uso e essa função que ocupava na cadeia produtiva provinha do caráter pri-
vado, individual e concorrencial da economia capitalista.
Para Prebisch/
CEPAL
, a desocupação tecnológica era vista como um outro pro-
blema que vinculava os interesses da iniciativa privada e do Estado no desenvolvimento
nacional. Freqüentemente não se o devido valor a esse assunto, apesar de ele ter sido
um tema tratado com toda clareza possível nos textos fundadores da teoria desenvolvimen-
tista. Portanto, para recolocar este debate no seu devido lugar, no pensamento prebischiano
e cepalino, primeiramente, cabe descrever seus aspectos, em seguida, inseri-lo no proble-
ma da superação periférica, e, finalmente, situá-lo em meio aos interesses na economia e
no desenvolvimento.
Se considerada numa perspectiva social do desenvolvimento, mesmo em se tra-
tando da visão na fase inicial da
CEPAL
, a desocupação tecnológica pode ser considerada
como o principal enfoque crítico da proposta de distribuição da renda na industrialização
sob o interesse nacional e do Estado, uma vez que seu princípio era orientado pelo plane-
jamento do desenvolvimento, não se circunscrevendo apenas aos interesses da iniciativa
privada na periferia. Por compreender que as características da parte periférica eram estru-
turais – tanto a especialidade quanto a heterogeneidade da economia e da mão-de-obra nos
quadros da insuficiência –, entendeia-se que necessitavam de uma orientação compatível
252
com as bases desses problemas. Do contrário, ao invés de corrigi-los ou de reduzir seu
peso, estar-se-ia acentuando-os mais ainda, ou seja, crescendo economicamente, porém
estruturalmente se subdesenvolvendo cada vez mais, mesmo estando mais avançado tecno-
logicamente em nível geral e estatístico (PIB e renda per capita). Como o progresso téc-
nico era considerado o principal propulsor da produtividade, sua utilização substitutiva de
mão-de-obra nos setores primários teria que estar articulada com os demais setores absor-
ventes urbano-industriais.
No texto “Problemas Teóricos y Prácticos”, apresentado durante o 4
o
Período de
Sessões, realizado em 1951, no México, e publicado em 1952, Raúl Prebisch já observava
que isso poderia ocorrer na agricultura: “Se se leva a mecanização mais além da capacida-
de de absorção das pessoas liberadas por ela, cria-se o problema de desocupação tecnoló-
gica” (PREBISCH, 1973, p. 47).
A desocupação tecnológica era fundamentalmente um problema periférico, latino-
americano, e não do sistema centro–periferia. Dada a dependência da estrutura do sistema,
a inovação e a difusão do progresso técnico eram elementos de origem ntrica, da sua
parte ativa e autônoma. A mera transposição à periferia, além de exigir um quantum de
capital, fortaleceria a insuficiência e aumentaria as disparidades na distribuição da renda e
da posse da riqueza. Portanto, aquilo que poderia potencializar a aceleração do ritmo de
crescimento com ganhos gerais à população e gerando mais capacidade privada de pou-
pança, agravaria as características periféricas: a especialização e a heterogeneidade eco-
nômica e social. Portanto, Prebisch sabia que as disparidades na distribuição da riqueza e
da renda eram uma potencialidade inicial (consumo e/ou poupança), porém, poderia ser
positiva ou negativa ao crescimento e, fundamentalmente, à superação da dependência.
A depender dos interesses na utilização do progresso técnico, a substituição da
mão-de-obra poderia recolocar a insuficiência num nível estrutural de maior dependência:
253
nos países menos desenvolvidos, em que falta capital suficiente para ab-
sorver com intensidade aquele potencial humano de produtividade infe-
rior, uma economia excessiva de mão-de-obra em novas inversões de ca-
pital ou nas renovações de equipamentos contribui para tornar mais agu-
do aquele problema estrutural (PREBISCH, 1973, p. 42).
A estrutura de dependência tecnológica no sistema centro–periferia também pode-
ria reproduzir e acentuar a insuficiência e a vulnerabilidade externa (capacidade e necessi-
dade de exportar e importar) e interna (desocupação da mão-de-obra) periférica. A cons-
tante importação de tecnologia e suas inovações, por parte da periferia, reproduziriam em
novos patamares a dualidade da dependência, o conteúdo dos papéis e da capacidade das
partes no movimento reflexo. Ao importar tecnologia do centro, a periferia transferia-lhe
parte da poupança interna (ganhos de produtividade). Com isso os empresários do centro
renovavam seu progresso técnico, geravam novas ocupações da mão-de-obra e, nos perío-
dos de crise cíclica, retomariam o crescimento. Mantendo a dependência tecnológica em
níveis cada vez mais altos, a periferia consumia sua limitada capacidade de pagamento
externo, geraria mais desocupação tecnológica e agravaria a insuficiência de absorção e
reabsorção
178
.
Segundo Prebisch, pelas características da economia capitalista e da dependência
tecnológica (formas de produzir, consumir e distribuir a população ativa), a função que a
técnica moderna tinha para os empresários individuais na empresa (substituir mão-de-
obra) e no mercado (lei da oferta e da procura) não poderia ser transposta à realidade peri-
178
No conjunto do sistema centro–periferia, as importações periféricas de tecnologia cêntrica geravam ocu-
pação de o-de-obra no centro e desocupação na periferia, pois na periferia seria usada para economizar
mão-de-obra, e no centro movimentaria a economia e as novas inovações. Essa visão da dependência tecno-
lógica insere-se no debate sobre os campos de ação e os interesses da iniciativa privada e do Estado.
Segundo Prebisch, “os países menos desenvolvidos, carentes de indústrias de bens de
capital, como não é de forma incipiente, se encontram, a este respeito, em situação muito
desfavorável do ponto de vista de seu desenvolvimento interno, já que os benefícios resul-
tantes daquelas reduções de custo, quando se empregam na aquisição de equipamentos de
capital, têm que se transferir para os grandes centros que os produzem e estimular a ocu-
pação nelas e não em sua própria economia” (PREBISCH, 1973, p. 43).
254
férica. O modelo da técnica moderna poderia gerar outro rculo vicioso na periferia: a
desocupação tecnológica estrutural.
A intervenção do Estado no planejamento era uma necessidade periférica, pois a-
través do planejamento e da programação seria possível romper a insuficiência, acelerar o
ritmo de crescimento e direcionar os investimentos estratégicos voltados para uma futura
substituição de importação tecnológica.
Na realidade, a desocupação tecnológica já seria um resultado da insuficiência de
absorção. Além do crescimento vegetativo da população ativa, a mecanização da produção
primária poderia aumentar o contingente da população desocupada ou desempregada, seja
no meio rural como no urbano.
Como a industrialização era o principal setor absorvente desse contingente, as
metas e os objetivos do planejamento da substituição de importação e da produção para o
abastecimento do mercado interno teriam que equilibrar os investimentos em tecnologia
com a absorção da mão-de-obra a cada passo do programa de desenvolvimento.
Esta necessidade era evidente para Prebisch. Se, primeiramente, o crescimento
econômico teria que ser suficiente para atender o crescimento demográfico da população
ativa, e isso já era um problema à periferia, a aceleração do crescimento urbano-industrial
era necessária para absorver a mão-de-obra sobrante dos setores primários resultante da
mecanização e da elasticidade-renda.
Prebisch também tinha clareza de que, se isso não ocorresse, a absorção da força
de trabalho substituída pela tecnologia moderna, as necessidades do quantum de capital
para reabsorver a força de trabalho teria que ser maior do que o inicial que resultou na
desocupação. Portanto, a desocupação tecnológica seria um estado de pleno desemprego
estrutural, originado, em grande parte da própria mecanização, e, para Octavio Rodríguez,
255
em se mantendo as características periféricas, com tendência ao agravamento
179
. Uma po-
lítica de geração de emprego, ou seja, de reabsorção dos desempregados, exigiria um es-
forço superior ao da superação inicial da insuficiência.
No “Problemas Teóricos y Prácticos, Prebisch praticamente antecipava os ele-
mentos do debate cepalino produzido na passagem dos anos 50 para os 60:
existe manifesta desproporção entre o benefício resultante da economia
de um trabalhador e o capital necessário para voltar a empregar este
trabalhador economizado. Requeririam-se alguns anos de acumulação
de benefícios para que a absorção pudera realizar-se (PREBISCH, 1973,
p. 44, grifo nosso).
A desocupação tecnológica, aparentemente simples e assunto corriqueiro na discus-
são sobre a economia e a sociedade capitalista, apresentava-se como um problema signifi-
cativo ao desenvolvimento periférico na tese prebischiana, pois, se não houvesse absorção
nem reabsorção produtiva da população ativa, independentemente do setor da economia,
do crescimento demográfico e da taxa de produtividade e de renda, socialmente estava
inviabilizada a possibilidade de superação da condição periférica.
Nesse paradoxo da desocupação tecnológica inseria-se, em grande medida, no de-
sencontro dos interesses da iniciativa privada (interna e externa) e do Estado na América
Latina, no qual se recolocava o imperativo temporal ao desenvolvimento: Neste, como
em outros aspectos da economia, o fator tempo é de importância primordial” (PREBISCH,
1973, p. 44).
Certamente Raúl Prebisch também sabia que, na falta de renda, o tempo também não
esperava. O fato é que a vida não espera!
179
“Na explicação da tendência ao desemprego, coloca-se, pois, em primeiro plano, a
heterogeneidade estrutural, ou melhor, a dificuldade da periferia em homogeneizar a sua
estrutura produtiva, devido ao peso dos setores de baixa produtividade na oferta de mão-
de-obra, à sua incidência negativa sobre a acumulação e à inadequação de uma tecnolo-
gia gerada na lenta e gradual evolução econômica dos centros” (RODRÍGUEZ, 1981, p.
94, grifo nosso).
256
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SKO
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257
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Em comparação com outros pa-
íses, poder-se-ia dizer que
nos países da América Latina
os pobres são mais pobres e
os ricos consideravelmente
mais ricos, em termos relati-
vos que a média de cada soci-
edade”.
#(1963, p. 105)
A passagem dos anos 50 para os anos 60 representou um período de revisão teóri-
ca e prática na Comissão e na trajetória intelectual de Raúl Prebisch. Enquanto que a insti-
tuição produzia sua primeira avaliação e revisão, Prebisch passava para a terceira etapa de
seu pensamento
180
. Entretanto, dados os vínculos umbilicais entre o economista argentino
e a Comissão, ambas as revisões dizem respeito ao mesmo processo que contou com a
180
“Esta foi, sobretudo, uma etapa de crítica em fins dos anos 50 e princípios dos 60;
crítica da política e das idéias econômicas, em resposta às mudanças que estavam ocor-
rendo no processo de desenvolvimento e a minha melhor compreensão de seus proble-
mas” (PREBISCH, 1987a, p. 19).
258
participação de outros intelectuais ligados à
CEPAL
. Neste sentido, o enfoque redistributi-
vo possui o conteúdo de uma crítica e revisão interna.
Como enfatizou Enrique Iglesias (CEPAL, 1973, p. xiii), esta revisão e autocrítica
coincidiram com a passagem dos 10 anos da
CEPAL
e se estende até outra passagem, dos
15 anos e seu seguimento, marcando a nova abordagem cepalina a partir da década de
1960. Em si, esta coincidência comemorativa não representou um fator gerador da refle-
xão, o que não significa que o estímulo ao registro da passagem não tenha contribuído ao
seu modo. Por outro lado, nessa concomitância de datas pôde-se verificar um encontro
substancial com o fechamento dos prazos da programação, em função das estimativas ini-
ciais para um período de transição entre a primeira e a segunda fase do programa de de-
senvolvimento. Nesse sentido, a revisão também serviu como avaliação da técnica de pro-
gramação, do planejamento e dos campos de interesses do Estado e da iniciativa privada.
Uma série de documentos marcou o novo enfoque elaborado nesse período. O da primeira
passagem, dos 10 anos, “Desarrollo Económico, Planeamiento y Cooperación Interna-
cional”, de 1961
181
, foi aprovado no Nono Período de Sessões da Comissão, realizado em
Santiago do Chile, na data de 4 a 15 de maio daquele ano. para a segunda passagem
(1963), não podem ser deixadas de fora as contribuições teóricas de Raúl Prebisch (1964a,
1964b), “Hacia una Dinámica Del Desarrollo Latinoamericano”, de 1963, e “O Falso
Dilema entre Desenvolvimento Econômico e Estabilidade Monetária”, de 1961; da CE-
PAL
(1963 v. 1 e 2, 1966), “El Desarrollo Económico de América Latina en la Postguer-
ra” e “El Desarrollo Social de América Latina en la Postguerra”, ambas de 1963; e, de
José Medina Echavarría (1964), “Consideraciones Sociológicas Sobre el Desarrollo Eco-
nómico en América Latina”, de 1963, pois todas elas foram apresentadas no Décimo Perí-
odo de Sessões, realizado em Mar Del Plata, Argentina, iniciado no dia 2 de maio de 1963.
181
É oportuno destacar uma passagem da Nota Editorial: “Desenvolvimento econômico, planejamento e
cooperação internacional” constitui, de certo modo, uma introdução adequada para conhecer as principais
linhas do pensamento da
CEPAL
ao terminar a primeira década de sua existência” (CEPAL, 1973, p. xii).
259
Outros intelectuais contribuíram com a revisão, tais como Maria Conceição Tava-
res (1983), Aníbal Pinto (1965, 1969a e 1973), Celso Furtado (1966), Osvaldo Sunkel
(1965), além de Fernando Henrique Cardoso e Enzo Faletto (1970), para citar alguns dos
mais influentes. Já com relação ao tema da integração e do comércio recíproco interlatino-
americano (cf. Capítulo 6), produzidos neste período, os trabalhos sobre “Los Problemas
Actuales del Comercio Interlatinoamericano”, de 1957, e “El Mercado Común Latinoa-
mericano”, de 1959, produzidos pela Comissão foram relevantes para a discussão do as-
sunto, pois formataram e fundamentaram a proposta da regionalização da industrialização,
como medida de correção das falhas no período anterior.
Distintamente dos textos fundadores do pensamento periférico, além de retoma-
rem os principais aspectos da crítica do sistema centro–periferia e da vulnerabilidade in-
terna e externa, a avaliação daquela realidade econômica latino-americana incluía a pró-
pria contribuição teórica e prática cepalina dada à industrialização. Assim, ao revisar os
obstáculos estruturais da insuficiência dinâmica, que ainda persistiam, também foram le-
vadas em consideração as falhas teóricas (visão e planejamento) e práticas (substituição e
programas), ou melhor, reconsideravam-se os resultados econômicos e sociais do modelo
substitutivo e a permanência e/ou acentuação dos principais problemas ao desenvolvimen-
to: a insuficiência (formação de capital, produtividade e tecnologia intensiva de capital), a
vulnerabilidade sistêmica (elasticidade-renda, deterioração dos preços no intercâmbio e
balança de pagamento) e a pobreza das massas (estrutura da distribuição de renda e do
consumo, desemprego e marginalidade).
Enquanto os textos fundadores interpretaram a formação pretérita da periferia, a
revisão enfocava os avanços e os limites econômicos e sociais da industrialização latino-
americana no pós-guerra (1945-1963). Se, no Manifesto de 1949, a periferia enfrentava um
conjunto de problemas estruturais, passados os 10 e 15 anos de substituição de importa-
ções numa fase de “normalização” da ordem internacional, havia, ou melhor, persistia um
260
conjunto de obstáculos estruturais negativos à dinamização (PINTO, 1965, p. 6). Se os
problemas tinham que ser resolvidos ou solucionados racionalmente, os obstáculos exigi-
am uma ação voltada à sua superação ou eliminação
182
. A partir da revisão interna, enten-
dia-se que era preciso desobstaculizar o crescimento econômico e ampliar a intervenção
do Estado nos rumos do crescimento econômico para que ocorressem os ganhos sociais.
Esta distinção, aparentemente simples dos conceitos, sintetiza, segundo Bielschowsky
(2000a, p. 17), a idéia-força cepalina nos anos 60: era preciso realizar “reformas para de-
sobstruir a industrialização”. (grifo nosso)
Neste mesmo período, e em meio à revisão teórico-prática (crítica interna), do en-
foque redistributivo e dos obstáculos da insuficiência dinâmica, o tema da integração regi-
onal adquire maior importância teórica e prática na
CEPAL
, haja vista as possibilidades
que o modelo substitutivo de importações, ampliado no espaço latino-americano, poderia
oferecer para a superação da crise estagnacionista e na revitalização da industrialização
regional e seus desdobramentos internos e externos. Se a integração adquire maior impor-
tância na década de 60, o debate sobre o tema vinha sendo realizado deste os primeiros
anos da Comissão, bem como tomava corpo teórico e operacional na agenda da instituição,
conforme tratado no capítulo seguinte.
A cada de 60 também foi marcante pelo surgimento de uma crítica que ultra-
passou os marcos da visão inicial do estruturalismo cepalino e mesmo os muros da Institu-
ição. A teoria da dependência, mesmo contando com a colaboração e autoria de intelectu-
ais ligados à Comissão, constituiu-se numa crítica externa do desenvolvimentismo, como
pode ser visto no Capítulo 7. A abordagem dependentista partia das contribuições da in-
182
Mesmo numa linguagem mais simples, enquanto efetivação histórica, aparentemente os
termos apresentam nuances de distinção, porém, seus conteúdos podem divergir significa-
tivamente. Se os problemas exigem solução (devem ser resolvidos), os obstáculos reque-
rem a eliminação (desobstrução e destruição dos entraves). No entanto, ambas as “fórmu-
las” podem dar cabo às tarefas, apesar de que há de se observar que os “obstáculos” apre-
sentam uma negatividade explícita que precisa, necessariamente, ser quebrada, enquanto
que os “problemas” exigem respostas, que, por vezes, basta uma adequação ou a correção.
261
terpretação inaugural cepalina, mas propôs sua superação teórico-metodológica através da
análise histórico-estrutural integrada.
Como os temas da integração e da teoria da dependência merecem maior aten-
ção, por ora basta indicar a inclusão de ambos no corpo deste capítulo e remeter o leitor
para os respectivos assuntos, conforme segue o estudo, onde constam a apresentação das
fontes pesquisadas e o desenvolvimento da própria problemática.
Tratando-se da crítica interna cepalina a revisão teórico-prática, do enfoque re-
distributivo e do duplo estrangulamento (interno e externo) –, elaborada a partir da verifi-
cação de que a América Latina vivia uma crise em seu crescimento econômico, apesar dos
quinze anos de política econômica industrializante. Do ponto de vista econômico periféri-
co, na década de 1950, a América Latina havia passado por dois períodos distintos de
crescimento interno que evidenciavam sua fragilidade externa e a insuficiência interna.
Desde o postguerra aos anos 1950-55, verificou-se um crescimento geral positivo do
PIB e da renda per capita, porém, entre os anos 1955-1960, os indicadores passaram a
diminuir:
Na primeira metade dos anos cinqüenta o volume físico das exportações
do conjunto da América Latina se manteve, em média, aos níveis dos
primeiros anos do pós-guerra, porém seu poder de compra aumentou em
21%, facilitando assim um incremento das importações de similar mag-
nitude.
Na segunda metade da década o volume das exportações da América La-
tina foi de 28% maior que o do período anterior, porém em conseqüência
da deterioração da relação externa de preços, seu poder de compra au-
mentou somente em 13%; quer dizer, o efeito negativo da relação de
preços do intercâmbio exterior anulou quase 60% do aumento do volume
das exportações (CEPAL, 1963, p. 2)
183
.
183
Como foi tratado, nos anos da Guerra da Correia houve uma variação positiva para os produtos primá-
rios na relação de preços no intercâmbio internacional. Segundo a CEPAL, o crescimento do PIB latino-
americano foi de 5,8% a.a., para o período de 1945-1950; 4,8% a.a., para 1950-1955; 4,0% a.a., para 1955-
1960; e para todo o período 1945-1960 foi de 4,7% a.a. (CEPAL, 1963, p. 1).
Enquanto havia uma diminuição da taxa média do crescimento do PIB, no período de
1955-1960, o crescimento populacional aumentava, reduzindo a taxa média da renda per
capita: “Depois do final da guerra, a população da América Latina aumentava a uma
taxa anual de 2,2%, porém nos anos recentes a diminuição da taxa de mortalidade, acele-
rou o ritmo de crescimento demográfico a 2,9%. Dentro desse total, é muito importante
262
Nessa nova fase teórica, a
CEPAL
avança e amplia sua visão sobre o crescimento
econômico (desenvolvimento). Se até então o atraso geral da economia e da sociedade
periférica provinha das assimetrias na difusão e na propagação universal do progresso téc-
nico, a modernização tecnológica era vista como o caminho natural” numa economia
capitalista ao crescimento da economia e à melhoria nas condições de vida das massas,
isto não tinha se concretizado. Portanto, essa expectativa teórica não tinha ocorrido. Toda-
via, apesar da particularidade do papel do Estado, da função metodológica do planejamen-
to e das diferenças entre os interesses da iniciativa privada e do Estado na periferia, a van-
tagem que as grandes disparidades na distribuição de renda poderiam trazer aos investi-
mentos e às massas (melhoria nas condições de vida) não ocorreu. Na realidade, aquilo
que era visto como potencialidade (concentração de renda e da riqueza e industrialização),
ao invés de ser um elemento positivo foi negativo na periferia: Com o desenvolvimento
econômico, essas disparidades aumentaram ao invés de diminuir” (CEPAL, 1973, p. 10).
No mesmo texto de 1961, a Comissão indicava que para solucionar esta questão,
o Estado periférico teria que intervir na estrutura da distribuição de renda, definindo uma
política econômica orientada para o crescimento e a redistribuição de renda: “na América
Latina, acumulação e redistribuição tendem a colocar-se ao mesmo tempo” (CEPAL,
1973, p. 10). O salto à dinamização teria que seguir uma via latino-americana própria,
distinta da ocorrida nos países centrais clássicos.
A insuficiência dinâmica da industrialização e o aumento das desigualdades na
distribuição de renda formavam a estrutura dos obstáculos ao/do desenvolvimento. Distin-
tamente da insuficiência do círculo vicioso (poupança, capital e produtividade), ainda em
assinalar que a população rural havia aumentado a 1,5% e a população urbana a 4,5%”
(CEPAL, 1963, p. 8).
Maria Conceição Tavares indicou a tendência à estagnação do último período, resultan-
te da deterioração na relação de preços no intercâmbio externo: “A partir de 1954, exclu-
são feita da Venezuela, o poder de compra das exportações dos demais pses manteve-se
estagnado e, inclusive, tendeu a decrescer nos últimos anos, como resultado da deteriora-
ção da relação de trocas” (TAVARES, 1983, p. 36, grifo nosso).
263
vigor, a nova fase da insuficiência dinâmica comprovava a dualidade do crescimento: as
desigualdades entre o crescimento econômico (progresso técnico) e os benefícios sociais
(absorção e reabsorção produtiva da força de trabalho substituída pela nova tecnologia).
Raúl Prebisch, em seu texto de 1963, explicou que a permanência do baixo cres-
cimento da renda per capita na América Latina, ocorrido nos últimos anos, confirmava os
novos aspectos do obstáculo da insuficiência: “A exígua taxa de cerca de um por cento
anual com que vem crescendo desde meados do decênio anterior a renda por habitante no
conjunto da América Latina é prova concludente da insuficiência dinâmica do desenvol-
vimento latino-americano” (PREBISCH, 1964a, p. 33, grifo nosso).
Além dos problemas herdados do modelo anterior, com o crescimento voltado pa-
ra fora, e da vulnerabilidade ao aprofundamento do modelo substitutivo de importações
(capacidade de exportar e necessidade de importar), a própria industrialização produziu
problemas de ordem social, ou melhor, agravou os existentes. Para Prebisch, persistindo
a tendência ou acentuando as desigualdades entre o crescimento econômico e as desigual-
dades sociais, potencializar-se-iam as tensões sociais: “há outro fator que talvez seja mais
poderoso como origem de tensões sociais. Uma proporção sensível do aumento de popula-
ção ativa não se absorve satisfatoriamente no processo produtivo: permanece à margem do
desenvolvimento econômico” (PREBISCH, 1964a, p. 33, grifo nosso).
Em sua exposição de abertura do Nono Período de Sessões, Prebisch havia apre-
sentado os novos aspectos do dilema periférico da industrialização: O lento crescimento
médio dos últimos anos e as tensões sociais cada vez mais fortes estão levando a reconhe-
cer a necessidade de revisar a política de desenvolvimento interno e de cooperação inter-
nacional” (CEPAL, 1973, p. xii, grifo nosso). Por metáfora, alegoria ou comparação po-
der-se-ia dizer que, para a CEPAL, a América Latina se encontrava diante de uma interro-
gativa histórica: entre “ser (desenvolvido), não ser ou ainda não ser (subdesenvolvido)?”;
entre reforma social periférica ou revolução?” (cf. LUXEMBURGO, 1986). Ou, ainda,
264
estaria diante de ameaças cruciais como a “Espada de Dâmogles” direita ou à esquerda)
e da “Esfinge do subdesenvolvimento” com seu enigma”: “decifra-me [reforma-me] ou
devoro-te [convulsiono-me]”; ou de um último esforço para uma lendária saída ideal” à
“Barão de Münchhausen” (LÖWY, 1987).
Tratava-se da necessidade de revisar a concepção do crescimento econômico
(progresso técnico) e sua relação com a distribuição de renda (benefícios sociais). Para
fazer jus ao pensamento periférico, no texto elaborado em 1953 (CEPAL, 1955; GRUPO,
1957), quando a
CEPAL
discutia a necessidade do planejamento para o desenvolvimento e
se preocupava com a desocupação tecnológica, tratava do problema da orientação na
distribuição de renda, ou seja, era preciso planejar e intervir nos investimentos do Estado e
da iniciativa privada no intuito de utilizá-los do ponto de vista do desenvolvimento nacio-
nal e social. Para Cardoso e Faletto, a redistribuição já estava presente no pensamento ce-
palino na fase anterior: “Mais tarde, por volta de 1955, considerou-se necessário um novo
elemento para garantir o desenvolvimento: a redistribuição da renda” (CARDOSO e FA-
LETTO, 1970, p. 9). Se a afirmação dos autores for incluída na preocupação cepalina com
a desocupação tecnológica da população ativa, “sobrante”, nos setores primários e sua
absorção nos setores secundário e terciário, ou mesmo sua reabsorção em outras atividades
no setor de origem, a colocação dos autores não contraria o destaque dado à redistribuição
nos anos 60.
Pode-se entender que, nisto, na desocupação estrutural da população ativa gerada
pelo progresso técnico, estava a raiz da insuficiência dinâmica, e, não ocorrendo a re-
absorção, recolocar-se-ia o subdesenvolvimento em outro nível, porém com maior depen-
dência estrutural. Ou, as tensões sociais poderiam resultar numa outra forma de solução
econômica e social, mais extremada à esquerda ou à direita, não desejada pela Comissão.
Percebe-se claramente, nos textos da revisão, que a redistribuição da renda e da
terra adquiriram maior importância como medidas necessárias para fortalecer o desenvol-
265
vimento econômico e garantir seus resultados sociais. Em outras palavras: a partir da revi-
são interna cepalina, o crescimento econômico somente seria desenvolvimento se e
somente se também fosse desenvolvimento social.
Necessita-se ao mesmo tempo a redistribuição e o desenvolvimento. E
não será possível atingi-lo sem que conjuntamente com o poder político
e sindical não se desenvolvesse o poder econômico das massas e com ele
sua clara responsabilidade no processo de acumulação de capital [pou-
pança popular] (CEPAL, 1973, p. 12-13, grifo nosso).
O enfoque na redistribuição de renda, por meio de medidas dirigidas à absorção
produtiva da força de trabalho no meio urbano ou da reforma agrária em latifúndios antie-
conômicos, pré-capitalistas e atrasados, no meio rural, era vista como instrumento de de-
sobstacularização da insuficiência dinâmica e forma de fortalecimento da coesão social
(Estado/Governo, iniciativa privada, sindicatos e massas), o que evitaria as polarizações,
as tensões e as pressões sociais originárias da pobreza (marginalização).
A consciência da necessidade histórica das reformas em certos elementos das estru-
turas internas da propriedade e posse da riqueza e da distribuição de renda remete a con-
textualização do próprio enfoque reformador e das influências externas às quais a CEPAL
estava sujeita e/ou era proponente (co-partícipe). Percebe-se que a CEPAL avançou na sua
interpretação social do desenvolvimento, entretanto, além da revisão das falhas na/da in-
dustrialização, os acontecimentos históricos tiveram um enorme peso nos rumos teóricos e
práticos das alianças entre os centros de decisões internos e externos, segundo Celso Fur-
tado (1966).
Enzo Faletto (1998), ao rever o período histórico latino-americano dos anos 60 e a
contextualização da origem da teoria da dependência, também situou o cenário político da
década de 1950 e as possibilidades de transformações que estavam em jogo.
O panorama político dos anos cinqüenta na América Latina foi bastante
agitado, em 1952 tinha lugar na Bolívia a revolução do MNR; no Brasil,
em 1954 ocorreu o suicídio de Vargas; Perón, na Argentina, era derroca-
do em 1955; na Colômbia, em 1956 era deposto Rojas Pinilla; Pérez Ji-
ménez na Venezuela caia em 1958; em 1959, Fidel Castro entrava em
Havana. Em quase todos os países da região se despertaram expectativas
de democratização, de mudanças econômicas e de ampliação dos proces-
266
sos de incorporação e de participação política e social (FALETTO, 1998,
p. 4)
184
.
Sem dúvida, a revolução cubana foi o acontecimento mais significativo enquanto
“exemplo” de ruptura e/ou superação do passado neocolonial, distinto do binômio conser-
vador–liberal, predominante no séc. XIX e no início do XX, e do desenvolvimentista (pós-
1930). Em seguida, o caso cubano também foi o “estopim” para tornar a América Latina
palco real da “guerra fria” (crise dos mísseis em 1962). Nesse sentido, a mudança da polí-
tica externa imperialista norte-americana para a região foi o fator que mais influenciou as
novas alianças locais com o imperialismo. Como se sabe, a “Aliança para o Progresso” e
as ditaduras militares vieram a ser as duas pontas de lança” dessa reação conservadora:
uma revestida de cooperação internacional em favor do progresso econômico e da necessi-
dade de antecipação das reformas às revoluções sociais e políticas; e, a outra, fechava, com
“mão de ferro”, as possibilidades de avanços sociais na esfera política e social
185
.
A
CEPAL
e os periféricos o ficaram de fora desse embate. Aliás, a princípio, es-
ses acontecimentos produziram uma dupla influência sobre eles: uma de aproximação e a
outra de diferenciação: a de aproximação pode ser resumida na participação da
CEPAL
na Aliança para o Progresso; e, a de diferenciação, pela assimilação das teses cepalinas
no discurso estadunidense da Aliança para o Progresso
186
.
Que a Comissão nunca foi um núcleo pensante de rupturas radicais, é fato certo.
Foi, sim, periférica–progressista com matiz acentuado em defesa do fortalecimento interno
dos centros de decisão política e de uma maior independência econômica dos países e da
região latino-americana (FURTADO, 1966; CARDOSO, F. H., 1975, p. 26) mesmo
aceitando a participação do capital estrangeiro ao desenvolvimento interno –, o que repre-
sentava algo a mais do que interessaria à política externa norte-americana, governamental
184
Sobre o assunto, cf. Aníbal Pinto (1965, p. 12-13).
185
Para uma leitura da interferência norte-americana na América Latina, cf. ReA. Dreifuss (1987). Sobre
o uso da “Aliança para o Progresso” como meio de negócio, favorecimento privado e clientelismo nos qua-
dros de governos latino-americanos, cf. Eduardo Galeano (1987).
186
Sobre o assunto confira a “Entrevista Inédita” dada por Raúl Prebisch a David Pollock, Daniel Kerner e
Joseph L. Love, publicada na Revista de la CEPAL, n. 75, diciembre/2001 (POLLOCK e outros, 2001, p.
18).
267
e privada (empresas multinacionais), nos anos de macarthismo, kennedyanismo e da geo-
política continental na “guerra fria” (cf. BETHEL e ROXBOROUGH, 1996). A Aliança
para o Progresso confirmou a presença dessas “arestas” no período anterior, conforme
afirmou o próprio Raúl Prebisch, na condição de Secretário Executivo da
CEPAL
, em sua
conferência na União Pan-Americana, realizada em Washington/D.C., no ano de 1962:
Em época não muito distante assim, essas idéias [cepalinas] despertavam
forte resistência, freqüentemente expressa em termos dogmáticos e rígi-
dos. No momento, são elas reconhecidas como bem fundamentadas e vá-
lidas e encontram-se, em grande parte, incluídas na Carta de Punta Del
Este (PREBISCH, 1962, p. 56, grifo nosso)
187
.
A concentração de fatos e posições, entre os anos de 1959 e 1963, que mudaram as
relações interamericanas, denota a efervescência de projetos e de possibilidades históricas
no período: o futuro não estava fechado, mas, sim, foi fechado em muitos países para o
período seguinte (cf. Capítulo 8). Os desdobramentos na revolução cubana
188
refletiram no
seu isolamento exterior, daquele país, promovido pelo governo dos
EUA
. Da mesma for-
ma, este adotou uma ofensiva contra-revolucionária em Cuba e atrelou os demais países
187
Na conferência, Raúl Prebisch tratou dos “Aspectos econômicos da Aliança para o
Progresso”, pontuando a análise a partir da avaliação que a Comissão tinha das falhas na
industrialização. O evento sobre a Aliança para o Progresso, realizado em 1962, foi pro-
movido pela Escola Superior de Estudos Internacionais da Universidade Johns Hopkins.
As cinco conferências foram publicadas na obra organizada por John C. Dreier (1962),
onde também se encontra a “Carta de Punta del Este” (em anexo), documento que estabe-
leceu a Aliança para o Progresso no âmbito da OEA (DREIER, 1962, p. 167-186)..
Sobre as desconfianças, Ricardo Bielschowsky disse que: “conforme relata Pollock
(1978), as idéias de Prebisch e da CEPAL eram vistas com muita desconfiança pelo De-
partamento de Estado do governo norte-americano, sobretudo no auge macarthista da
guerra fria” (BIELSCHOWSKY, 2000a, p. 25). Aníbal Pinto, ao se referir à técnica da
programação, acrescentou que “a APP transformou em ortodoxia o que até pouco tempo
atrás era minado com receio ou hostilidade pelos meios conservadores” (PINTO, 1965, p.
7).
188
“Em 1960, produziu-se a ruptura econômica com os Estados Unidos e o acordo eco-
nômico com a URSS; em 1961, Fidel Castro proclamava o caráter socialista da Revolu-
ção. No mesmo ano, em abril, o desembarque na Playa Girón, promovida pelo governo
dos Estados Unidos; em 1962, ruptura da OEA com Cuba e a “crise dos mísseis”; em
1965 o Che Guevara deixava o Ministério da Indústria; criava-se o Partido Comunista
Cubano. Em 1966 ocorria a Conferência Tricontinental de Havana e dava-se origem a
OLAS” (FALETTO, 1998, p. 5).
268
latino-americanos ao poder do império, por meio da Aliança para o Progresso e de gover-
nos títeres.
Segundo Francis O. Wilcox (1962, p. 15), a Aliança para o Progresso uniu repu-
blicanos e democratas estadunidenses, pois tinha sido pensada no governo Eisenhower,
mas iniciada pelo governo Kennedy. Pelas informações de John C. Dreier (1962, p. 19 ss),
na data de 11 de março de 1961, o Presidente Kennedy lançou a Aliança para o Progresso
em discurso oficial e no dia seguinte enviou-o como mensagem especial ao Congresso
Norte-Americano. Por fim, na data de 17 de agosto, do mesmo ano, a Aliança foi aprovada
no âmbito da
OEA
, durante a “Conferencia Interamericana Econômica e Social”, realizada
em Punta Del Este, Uruguai
189
. A “Carta de Punta Del Este tornou-se o documento ofi-
cial da nova política interamericana, o sendo assinada por Cuba, que discordava do con-
189
Tanto o discurso quanto à mensagem de lançamento da Aliança para o Progresso, bem
como outros pronunciamentos referentes ao assunto podem ser encontrados na obra de
John F. Kennedy (1962). O caráter anticomunista e anticubano da Aliança para o Progres-
so eram evidentes. O crescimento econômico e o progresso social passaram a ser indica-
dos como solução aos principais problemas da “pobreza” e da “ignorância” que favoreci-
am a propagação das idéias comunistas no hemisfério americano. No décimo ponto
apresentado na mensagem, esses elementos foram indicados: “Para alcançar essa meta, a
liberdade política deve acompanhar o progresso material. Nossa ‘Aliança-para-o-
Progresso’ é uma aliança de governos livres e deve perseguir o objetivo de suprimir a
tirania em um Hemisfério no qual não há lugar legítimo para ela” (KENNEDY, 1962, p.
54-55).
No Primeiro Discurso Presidencial, de 20/01/1961, John Kennedy se referiu à intenção
de realizar uma aliança para o progresso entre as nações do Sul (KENNEDY, 1962, p. 2).
Entretanto, na Mensagem sobre o Estado da União, de 29/01/1961, o Governo Kennedy
tratou de deixar claro a posição anticubana que acompanhava a Aliança para o Progresso:
“Nossa objeção a Cuba não diz respeito à luta do povo em prol de uma vida melhor. Nos-
sa objeção se refere à sua dominação por tiranias estrangeiras e nacionais. A reforma so-
cial e econômica de Cuba deveria ser encorajada. As questões de política econômica e
comercial podem ser sempre negociadas. Mas dominação comunista neste hemisfério o
pode ser jamais negociada” (KENNEDY, 1962, p. 15, grifo nosso).
Pelo ideário da Aliança para o Progresso, havia três “males” geradores da tirania: a po-
breza, a ignorância e o comunismo. Solucionando os dois primeiros, a pobreza através do
progresso e das reformas, a ignorância através da instrução (educação), evitar-se-ia o ter-
ceiro. Um comentário breve sobre as origens da Aliança para o Progresso pode ser encon-
trado em Eugenio Gudin (1961).
269
teúdo imperialista da proposta, mas também por exigência do governo dos
EUA
, que não
aceitava a revolução cubana, nem sua presença na
OEA
e na Aliança
190
.
Não se pode deixar de considerar, porém, que o resultado efetivo da Aliança para o
Progresso, seja em termos da cooperação financeira e tecnológica norte-americana quanto
da modernização das economias dos países latino-americanos (reforma agrária e reforma
social), foi pífio. Segundo Eduardo Galeano (1987), em certos casos, esses recursos foram
utilizados para beneficiar os próprios governantes. Além do mais, como destacou Raúl
Prebisch, houve resistência às medidas reformistas da Aliança, destacando-se integrantes
do setor comercial norte-americano vinculado com o comércio latino-americano e os lati-
fundiários locais, terratenientes (cf. POLLOCK e outros, 2001, p. 19).
Che Guevara, além de denunciar a “Aliança para o Progresso”
191
e comparar o uso
do caso cubano a uma “galinha dos ovos de ouro” por parte dos demais países latino-
americanos atrelados ao império, haja vista o chamarisco da cooperação financeira –, foi
incisivo ao criticar a visão superficial dos desenvolvimentistas e tecnocratas sobre a “filan-
tropia financeira”, pela dicotomia que faziam entre a política (“aliança” financeira e técni-
ca) e a economia (“progresso” como reforma no subdesenvolvimento)
192
. Nesta questão,
há que se dar toda a razão teórica e histórica a Che
193
.
190
Os países signatários foram: Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Costa Rica,
El Salvador, Equador, Estados Unidos, Guatemala, Haiti, Honduras, México, Nicarágua,
Panamá, Paraguai, Peru, República Dominicana, Uruguai e Venezuela.
Ernesto Che Guevara foi o delegado da Missão Cubana na Conferência da
OEA
, tendo
destoado profundamente do restante. Em trabalho anterior, este assunto já foi tratado
(KOLING, 1997a, p. 78 ss). O discurso que Che fez, enquanto delegado cubano, pode ser
encontrado na obra de Guevara (1978).
Em seu retorno a Cuba, Che passou pelo Brasil em visita de cortesia ao Governo Jânio
Quadros. Em Brasília foi homenageado, em nome do governo e do povo cubano, com a
“Grã Cruz da Ordem Nacional do Cruzeiro do Sul”. Em seu discurso, no ato, reconheceu a
posição do governo brasileiro na Conferência da
OEA
: "Foi sem dúvida o maior fator para
que Cuba fosse tratada na Conferência de Punta Del Este como país americano" (“Jâ-
nio...” In: Folha de São Paulo).
191
"Esta Aliança para o Progresso é uma tentativa de buscar solução dentro dos marcos
do imperialismo econômico" (GUEVARA, 1987, p. 40).
192
“Antes de mais nada, Che critica o entendimento reducionista dos tecnocratas que
apontam soluções (receitas) meramente econômicas ou financeiras para a superação do
subdesenvolvimento. Em seu discurso na plenária da Conferência, no dia 08 de agosto de
270
Obviamente que a
CEPAL
não saiu ilesa nessa história. Entretanto, cabe diferenciar
alguns aspectos e, talvez, minimamente separar “alhos de bugalhos”. No que se refere ao
discurso reformista da Aliança para o Progresso, para Osvaldo Sunkel e Pedro Paz houve
mais uma apropriação retórica das teses cepalinas do que “progresso com reforma” ou
“progresso como reforma”, ou ainda “reforma como progresso”
194
. Também se sabe que,
durante a Conferência da
OEA
, os delegados estadunidenses “surpreenderam os cepalinos”,
pois, naquele momento, dedilharam a “cartilha dos periféricos”, como que “roubando a
cena”, pois até então o império via-a com muitas reservas científicas e ideológicas, fato
este confirmado por Prebisch na exposição realizada em 1962, acima citada
195
.
Noutro aspecto, não há duvidas de que o corpo principal da teoria periférica era an-
terior à Aliança para o Progresso. A revisão da industrialização, a integração regional, a
indicação das reformas e o enfoque redistributivo foram produzidos no seio da Comissão,
1961, Che apontou, com muita perspicácia, que não era possível dissociar a ‘economia da
política’, que a ‘filantropia’ não era gratuita ou neutra, mas geopolítica e imperialista”
(KOLING, 1997a, p. 82-83).
193
Celso Furtado também situou a Aliança para o Progresso no interior da estratégia do
Departamento de Estado do governo norte-americano: “Posteriormente surgiu a doutrina,
formulada por técnicos do M.I.T. liderados por W. W. Rostow, segundo a qual os objeti-
vos da política exterior dos Estados Unidos poderiam ser melhor alcançados mediante
uma bem orientada ‘ajuda externa’ aos países subdesenvolvidos (FURTADO, 1966, p.
36, grifo nosso).
W. W. Rostow foi consultor especial do Governo Kennedy para os assuntos da “guerra
fria”, especialmente os relacionados contra a
URSS
. Seu livro “Etapas do Desenvolvimen-
to Econômico (um manifesto não-comunista)”, de 1959, foi considerado um “manual an-
ticomunista e resposta estadunidense aos problemas do subdesenvolvimento: a “nova boa
vizinhança”. Tanto o Instituto Tecnológico de Massachesetts (M.I.T.) foi um centro pen-
sante da “guerra fria”, como Rostow teve grande influência enquanto estrategista junto do
Departamento de Estado e na assessoria aos governos dos países latino-americanos pró-
EUA
.
194
“Esta corrente de idéia teve provavelmente sua culminação política em 1961, na Carta
de Punta Del Este e na concepção inicial – e nunca realizada – da Aliança para o
Progresso” (SUNKEL e PAZ, 1991, p. 35). Na entrevista dada a Pollock (2001, p. 18-19),
Raúl Prebisch esclareceu este assunto.
195
Fernando H. Cardoso também fez menção ao fato: “O momento de ápice desse reencontro inesperado (e
talvez não desejado) deu-se na conferência de Punta Del Este de 1961. Ardorosos tecnocratas cepalinos
surpreenderam-se em posições coincidentes com a diplomacia Kennediana. Até mesmo a reforma agrária e
a reforma fiscal bandeiras avermelhadas do desenvolvimentismo mais conseqüente foram agitadas pela
Aliança para o Progresso” (CARDOSO, 1993b, p. 17-18; cf. 60).
271
isto é, eram temas cepalinos anteriores, porém foram utilizados na Aliança. Entretanto,
para esclarecer melhor a concomitância do Nono Período de Sessões, que marcou institu-
cionalmente a revisão interna cepalina, e os primeiros passos da Aliança para o Progresso,
será preciso aprofundar as relações entre a
CEPAL
, a
ONU
, a
OEA
, os governos latino-
americanos e o governo dos
EUA
e sua política externa dirigida à América Latina. Todavi-
a, com a Aliança para o Progresso a
CEPAL
aproximou-se mais desse circuito, pois, jun-
tamente com a
OEA
e o
BID
, fazia parte institucional do programa, cabendo-lhe, conforme
“Capítulo V” da Carta, a assessoria em projetos, programas de desenvolvimento, assistên-
cia técnica e formação em recursos humanos (através do
ILPES
) aos governos interessa-
dos. Por outro lado, levando-se em conta outra passagem da exposição de Prebisch, em
1962, isso não representava completa submissão ou subordinação passiva. Afinal a
CEPAL
tinha uma posição com relação à cooperação e à poupança externa: A Aliança é uma fór-
mula dinâmica de cooperação entre países resolvidos a usar sua vontade e recursos para
controlar as forças do processo econômico e social, e não para dominar homens, ditando-
lhes, de dentro e de fora, o que devem fazer e pensar” (PREBISCH, 1962, p. 101)
196
.
Para Prebisch e a
CEPAL
(1973), as reformas com caráter redistributivo eram ne-
cessárias do ponto de vista econômico (para atingir e desobstruir os obstáculos internos),
social (para reabsorver a população ativa marginalizada) e político (para aliviar as tensões
sociais vindas das massas e almejar, sim, a continuidade do estado democrático, das liber-
dades políticas e individuais).
Por fim, foi nos anos seguintes que a
CEPAL
se deparou com outras situações his-
tóricas, pois, com as alianças desenvolvimentistas conservadoras e autoritárias (ditaduras
militares), vários intelectuais cepalinos foram exilados de seus países e contrariados em
suas expectativas sobre o desenvolvimento e a democracia. Num estudo comparativo des-
sas implicações, os casos do Brasil (1964) e do Chile (1973) mereceriam atenção especial,
pois envolveram intelectuais (Celso Furtado
197
, Maria da Conceição Tavares, Fernando
196
Fernando Pedrão (1988, p. 47) informou que Raúl Prebisch, ao se afastar da
CEPAL
, em 1963, passou
pela Aliança: “foi a uma experiência breve no Comitê dos Nove, da Aliança para o Progresso, e daí à
UNC-
TAD”.
197
Quando ocorreu o Golpe de Estado no Brasil, em 31/03/1964, Celso Furtado respondia pela Superinten-
dência da
SUDENE
. O Ato Institucional n
o
. 1, de 3/04/1964, cassou seus direitos políticos. Seu exílio iniciou
272
Henrique Cardoso e José Serra, para citar alguns), programas de desenvolvimento (Gover-
no da Democracia Cristã, de Eduardo Frei, e o Socialista da Unidade Popular, de Salvador
Allende; de Jânio e Jango no Brasil) e a própria
CEPAL
/Sede (centro de exilados), como
destacou Enzo Faletto (1998, p. 3).
Para Ricardo Bielchowsky, durante a década de 1960 a Comissão viu-se diante de
várias situações e problemas desde o viés estagnacionista – as reformas, ou não foram rea-
lizadas, ou ficaram aquém do esperado ou foram abortadas –, às novas contribuições teóri-
cas como a teoria da dependência de base desenvolvimentista, ao enfoque de outros fatores
da vulnerabilidade externa e interna (dívida externa e inflação)
198
, às interferências de or-
ganismos internacionais (
FMI
e
BIRD
)
199
e ao formato das alianças no novo ciclo de
“crescimento dependente e concentrador” (riquezas, rendas e poder político autoritário).
Durante toda a década a Cepal manteria diálogo com as posições políti-
cas moderadas, mesmo à direita do espectro político, bem como o mundo
da diplomacia internacional, em várias áreas: na mobilização da Aliança
por uma passagem rápida no Chile (CEPAL), pelos EUA (Universidade de Yale) e França (Universidade de
Paris), onde termina seu livro “Subdesenvolvimento e Estagnação na América Latina” em outubro de 1965.
Sobre o assunto, cf. FURTADO, 1966; 1998a; 1999; e o site: http://pageserver-nt.sudene.gov.br/biblioteca/
historico.html.
198
Uma das primeiras reflexões cepalinas sobre a inflação foi apresentada no artigo de
Prebisch, de 1961, “O Falso Dilema entre Desenvolvimento Econômico e Estabilidade
Monetária” (PREBISCH, 1964b). Sua primeira publicação foi feita no Boletim Econômi-
co da América Latina, v. VI, n.
o
1, março de 1961.
Mesmo sendo considerado um estudo introdutório sobre a inflação, a tese prebischiana
contesta a teoria ortodoxa da inflação, que a via como um problema estritamente monetá-
rio, para o qual se teria que adotar medidas recessivas à sociedade (renda) e à economia
(produção), via “castigo” (metáfora): “’Redenção do pecado pelo sacrifício’: combater a
inflação deduzindo o crescimento da renda (economia)” (PREBISCH, 1964b, p. 129).
Distintamente dessa visão, para Raúl Prebisch a inflação era vista como conseqüência
da insuficiência dinâmica da economia periférica: “Não se poderia explicar a inflação,
sem levar em conta os desajustes e as tensões econômicas e sociais que surgem no desen-
volvimento econômico dos nossos países. Tampouco se concebe uma política antiinflacio-
nária autônoma – como se a realidade fosse somente monetária -, senão como parte inte-
grante da política de desenvolvimento. (...) Há inflação porque a economia é estrutural-
mente vulnerável, porque há fatores regressivos de distribuição da renda, porque há insu-
ficiência de poupança para acelerar os investimentos, dada uma determinada estrutura
econômica e social (PREBISCH, 1964b, p. 129; 135, grifo nosso).
199
“Estava longe de simpatizar com as concepções e prescrições do FMI, porém, apesar
da minha experiência anterior como banqueiro central em épocas inflacionárias, não pu-
de recomendar políticas diferentes das que criticava” (PREBISCH, 1987, p. 21). Em
1963 Raúl Prebisch deixou a Secretaria Executiva da CEPAL para assumir a Conferência
das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (
UNCTAD
/
ONU
).
273
para o Progresso, no tema da integração regional e da ALALC, na criação
da UNCTAD e na multiplicação de assistência técnica em planejamento
indicativo a governos da região. A modernização das tecnoburocracias
latino-americanas beneficiou-se muito do trabalho da CEPAL e do IL-
PES nesse período (BIELCHOWSKY, 2000a, p. 38-39).
José Antonio Ocampo, ao revisitar as discussões de Prebisch/
CEPAL
, realizadas
no período final dos anos 50 e início dos 60 acerca das falhas da industrialização, destaca
que a revisão resultou numa proposta de “modelo misto” de crescimento econômico: “Por
esse motivo, desde o final dos anos 50, Prebisch e a
CEPAL
passaram a defender um ‘mo-
delo misto’ que combinava a substituição de importações com a promoção de novas expor-
tações, especialmente de origem industrial” (OCAMPO, 2001, p. 3). Além disso, Ocampo
acrescentou que nos textos anteriores havia uma preocupação com o equilíbrio entre a
necessidade e a capacidade de importar e de exportar.
Nos textos da revisão apareceram novos termos (conceitos) que definiam as estru-
turas da dependência sistêmica, além da expressão obstáculo ao desenvolvimento, cita-
do, também foram incluídas, com mais freqüência e com maior significado, expressões
como países em desenvolvimento e desenvolvimento econômico e social.
S
SS
S
S
SS
S
9
99
9
9
99
9
2
22
2
2
22
2
K
KK
K
K
KK
K
P
PP
P
P
PP
P
Do ponto de vista interno da teoria cepalina, passados mais de 10 anos de contri-
buição à interpretação econômica da industrialização, a América Latina não apresentava
um quadro geral substancialmente mais promissor à superação da dependência estrutural.
Como citado anteriormente, enquanto permanecia a insuficiência na (re)absorção da força
de trabalho e no caso do seu agravamento (desocupação e desemprego estrutural), o cres-
cimento econômico obtido em função da modernização tecnológica reproduzia as caracte-
rísticas da periferia e da dualidade no sistema. As falhas identificadas na industrialização
pretendiam corrigir seus resultados econômicos e sociais, recolocando o papel e a função
do Estado, do planejamento e da iniciativa privada no jogo de interesses na esfera da eco-
274
nomia. Portanto, o entendimento das três falhas principais na composição do “modelo para
dentro” resguardava a noção de que este seria o caminho social ao desenvolvimento na
periferia. Tratava-se de corrigir as falhas no/do modelo. Na obra “El Desarrollo Social”, a
Comissão reconhecia a dupla manifestação positiva e negativa do crescimento econômico:
uma de ordem de insuficiência interna para manter um ritmo acelerado; e, a outra pela
vulnerabilidade externa verificada nos últimos anos e a tendência à estagnação.
O desenvolvimento econômico da América Latina nas últimas décadas
tem sido uma realidade positiva e ao mesmo tempo insatisfatória. Positi-
va na medida em que não se pode afirmar que o impulso de crescimento
esteve completamente parado em nenhum momento. Porém, não menos
insatisfatório pela relativa magnitude de sua taxa, pelas variações de seu
ritmo, pelas desigualdades manifestas entre seus diversos países e pela
presença inquietante, nos últimos anos, de uma tendência ao estancamen-
to estagnação], notória pelo menos em alguns países (CEPAL, 1966,
p. 7).
No texto base submetido à discussão e aprovado durante o 9
o
Período de Sessões,
em 1961, intitulado “Desarrollo Económico, Planeamiento y Cooperación Internacional”,
foi apresentada a revisão da industrialização e indicadas as três grandes falhas. Para a
CE-
PAL
, a industrialização substitutiva não apresentava problemas com relação à quantidade
da produção industrial para o mercado interno
200
, mas sim à sua composição:
o processo de industrialização adoece de três falhas fundamentais que
debilitaram sua contribuição para o melhoramento do nível de vida, a
saber: a) toda a atividade industrializadora se dirige para o mercado in-
terno; b) a escolha das indústrias foi feita por razões circunstanciais,
mais do que por considerações de economicidade, e c) a industrialização
não corrigiu a vulnerabilidade exterior dos países latino-americanos
(CEPAL, 1973, p. 19, grifo nosso)
201
.
200
Segundo Prebisch, a participação das importações na produção geral latino-americana apresentava o
seguinte quadro entre os anos de 1930 e 1963: “Chegou-se, assim, a uma situação paradoxal. As importa-
ções constituem agora uma proporção relativamente pequena (12%) da renda bruta da América Latina,
enquanto que antes da grande depressão de 1930 constituíram 28% (PREBISCH, 1964a, p. 87).
201
Veja também Raúl Prebisch (1962, p. 63). Em sua última exposição pública, realizada no 21
o
Período de
Sessões da CEPAL, realizado no México, aos 24/04/1986, Prebisch relembrou a revisão das falhas na indus-
trialização: “A propósito quisera recordar que já em 1961, 25 anos atrás, a CEPAL, em seus escritos
apresentados para os governos, disse que a política de industrialização na América Latina tinha sido assi-
métrica, pois havia estimulado a substituição de importações; quer dizer, a produção industrial para o
mercado interno, e não havia dado estímulos equivalentes à exportação de manufaturas; e recomendou
combinar as duas medidas” (PREBISCH, 1987b, p. 35).
275
No texto de 1963, Prebisch situa a revisão da industrialização, e as falhas, diante
da necessidade da dinamização. Além da insuficiência dinâmica, os avanços realizados
durante a primeira fase da “substituição fácil” poderiam estar comprometidos, pois, se a
tendência à estagnação, verificada nos anos recentes, permanecesse, aumentava o quantum
do novo esforço. A fase seguinte da industrialização e do padrão tecnológico exigiria um
novo grau de formação de capital (poupança e consumo), de planejamento da capacidade
de importar e de exportar e de substituir (vulnerabilidade externa), da economia de escala
e mesmo da distribuição de renda (mercado interno consumidor e poupador).
Está-se agora entrando e avançando na substituição de bens intermediá-
rios ou bens duráveis de consumo ou capital que, além de serem de fa-
bricação complexa, requerem um mercado de dimensões muito superio-
res aos dos nacionais. Além disso, há certos bens intermediários em que
as possibilidades de substituição são precárias, ou simplesmente não e-
xistem, pela escassez ou ausência de recursos naturais (PREBISCH,
1964a, p. 87, grifo nosso).
Portanto, na visão periférica, as falhas não contrariavam a positividade da industri-
alização, mas atualizavam, nos anos 60, seus principais problemas, agora considerados
obstáculos. Se se quiser fazer a crítica à revisão das falhas ou “fraquezas” (doenças, no
texto original), bastaria utilizá-las para evidenciar que não se tratava de falhas na funcio-
nalidade” (doença no organismo), mas sim da própria realidade na formação histórica ca-
pitalista (sua feição salutar, em se mantendo os conceitos no sentido do texto original).
O processo de substituição de importações” não poderia parar ou estagnar, pois o
paradoxo temporal do sistema acentuaria a brecha entre a parte periférica e cêntrica do
sistema: “Não [dava] para retornar o padrão tecnológico compatível com a renda por
habitante da América Latina” (CEPAL, 1973, p. 1). A correção visava compatibilizar as
necessidades de transferência de tecnologia, da homogeneização produtiva na economia e
da formação de um mercado interno ampliado ou regional (integração).
Raúl Prebisch contextualizou algumas dessas falhas, pois não podiam ser vistas
simplesmente como erros primários. Bem observou ele que, entre a orientação da produção
276
industrial para o mercado interno e não ao externo, no período de 1929 a 1945, por exem-
plo, isto não dependia exclusivamente de uma política interna mais acertada
202
. Nesse sen-
tido, a visão das falhas também era uma re-visão a partir dos obstáculos à superação da
insuficiência dinâmica, do planejamento e do programa diante da realidade dos anos 60.
Até porque a industrialização tinha ocorrido ou avançado, porém sem os ganhos sociais.
Tampouco se obteve uma maior independência periférica do/no sistema internacional.
Feita esta observação, tornar-se-ão mais compreensíveis os fatores geradores das
falhas e as indicações das respectivas formas de superação delas, o que viabilizaria o in-
gresso numa nova etapa de aceleração. Afinal, tratava-se de uma revisão voltada à previ-
são e provisão periférica ao desenvolvimento, bem como o reconhecimento da complexi-
dade desse propósito na periferia. Superar o subdesenvolvimento não era tão fácil assim.
As falhas indicavam três pontos básicos que exigiam doravante correção no rumo e
na composição: o foco principal no mercado interno da substituição realizada aentão, a
falta de um planejamento substanciado de curto, dio e longo prazo e a permanência da
dependência externa (vulnerabilidade).
Quanto à primeira falha, a política substitutiva teria errado ao orientar a interven-
ção (proteção e subsídio) ao setor industrial voltado ao mercado interno. Não havia sido
subsidiada “a produção industrial para exportação, apenas a produção para o consumo
interno” (CEPAL, 1973, p. 19, grifo nosso). Para a CEPAL, a continuidade dessa política
industrial representava uma debilidade em eficácia e competitividade internacional da
produção industrial latino-americana, adequada à sua inserção no mercado externo.
Ao longo do processo, a industrialização para o mercado interno o tinha atingi-
do os níveis de produtividade internacional e era beneficiada pela proteção alfandegária e
pelo subsídio interno. Para Raúl Prebisch (1964a, p. 41), a produção industrial interna era
202
“Nos anos em que persistiram os efeitos da grande depressão, e no após-guerra para não mencionar o
próprio conflito mundial não se pode pensar que os grandes países industriais abrissem as suas portas à
exportação de manufaturas periféricas. Nem tampouco que os países latino-americanos estivessem dispos-
tos a lutar pelo mercado externo, uma vez que a fácil substituição de importações lhes oferecia um mercado
interno crescente e seguro, amparado por toda a espécie de defesas contra a importação. Não se apresenta-
va, pois, o problema da necessidade vital das exportações industriais” (PREBISCH, 1964a, p. 88-89).
No texto de 1961, a CEPAL considerou que o havia estímulos internacionais à exportação de produtos
industriais latino-americanos (CEPAL, 1973, p. 19).
277
mais cara do que a internacional e haveria vantagens na importação de certos produtos
industriais, com custo menor. Se a industrialização tivesse sido planejada também para o
mercado externo, as exportações industriais compensariam a importação industrial (com
produção substitutiva de custo mais elevado), sem agravar os pagamentos externos.
Foi desenvolvida, assim, a produção de numerosos artigos industriais de
custos muito superiores aos internacionais, quando se poderia adquiri-
los, com diferenças de custos muito menores, em troca de exportações de
outros artigos industriais que poderiam ser produzidos mais vantajosa-
mente (CEPAL, 1973, p. 19-20).
Percebe-se, nesse aspecto da crítica, a indicação da necessidade de mudança na
composição da pauta das exportações latino-americanas. Para superar o problema da dete-
rioração dos termos de intercâmbio dos produtos primários e o papel ocupado no sistema
centro–periferia, a industrialização interna teria que avançar na exportação de manufatura-
dos. O comércio interlatino-americano e com os demais países do Terceiro Mundo foi in-
dicado como uma etapa inicial a esse processo de dinamização.
A formação de um mercado comum latino-americano e de formas de integração
comercial e industrial, orientados pelo princípio de reciprocidade, seria outro passo signi-
ficativo, pois atingiria a economia de escala às indústrias dinâmicas, viabilizaria as expor-
tações industriais e potencializaria a regionalização do modelo substitutivo de importa-
ções, ou seja, a regionalização da industrialização substitutiva (cf. o Capítulo 6).
A segunda falha decorreu da falta de uma política previsora e provedora da substi-
tuição mais fundamentada, ou seja, o planejamento para o desenvolvimento não seguiu um
programa equilibrado e de longo prazo. Entretanto, para a Comissão, em parte esse pro-
blema decorria do fato de que no início da industrialização não havia maiores conhecimen-
tos (programa, técnica de programação e capacitação) sobre o assunto, ou mesmo uma
experiência local.
Nessa perspectiva, a orientação da substituição teria falhado pela visão conjuntural,
de curto prazo, da vulnerabilidade externa: “O processo de industrialização o foi cons-
tante nem regular. Foi-lhe dado forte impulso sob a pressão das circunstâncias, quer dizer,
278
quando havia dificuldades para importar pela escassez de divisas ou pelos conflitos exte-
riores” (CEPAL, 1973, p. 20, grifo nosso).
Teria faltado a adoção de critérios de economicidade no planejamento dos investi-
mentos em médio e longo prazo, pois o mais cil não é [era] sempre o mais econômico”
(CEPAL, 1973, p. 20). Na realidade, essa crítica não pode ser vista em sua superficialida-
de, pois, se essa falha teria ocorrido nesses termos, devia-se ao jogo de interesses existente
entre a iniciativa privada e o Estado no desenvolvimento periférico.
A terceira falha apresentada pela
CEPAL
atingia o problema estrutural do subde-
senvolvimento: “a solução do problema da vulnerabilidade exterior é [era] de caráter es-
sencialmente estrutural e não anticíclico. Porém requer o complemento de certas medidas
deste último caráter para sua maior efetividade” (CEPAL, 1973, p. 27). A revisão articula-
va as três falhas numa visão de conjunto das relações de dependência no sistema. Assim,
como a vulnerabilidade externa resumia esse estado, as duas falhas, anteriormente indica-
das, afunilavam na fragilidade do movimento internacional: “Da combinação das duas
primeiras falhas da industrialização surge a terceira: não fortaleceu estruturalmente a eco-
nomia latino-americana para resistir às flutuações e contingências exteriores(CEPAL,
1973, p. 21, grifo nosso).
Essa crítica retratava o grau de dificuldade do esforço local e a complexidade do
sistema (interno e externo) que a periferia teria que atingir para romper a dependência.
Qualquer visão idílica e filantrópica do sistema simplesmente se esvaeceria imediatamen-
te, seja no campo teórico como no prático.
Maria da Conceição Tavares, conforme citado em capítulo anterior, havia esclare-
cido, em 1963, que a substituição de importações recolocava, passo a passo e em grau
crescente, a necessidade de exportar, de importar e de substituir, decorrentes da elastici-
dade-renda e do crescimento populacional. Essa característica da permanência da vulne-
rabilidade externa havia sido tratada nos textos fundadores e, em 1961, o princípio foi a-
penas retomado e confirmado naquelas circunstâncias históricas:
A deformação das importações está levando aos países latino-americanos
a uma nova forma de vulnerabilidade externa que antes não conheciam.
Esta vulnerabilidade aparece quando diminuem as exportações e não
279
recursos suficientes para cobrir as importações que requer o nível de
crescimento econômico alcançado (CEPAL, 1973, p. 26, grifo nosso).
A tendência à estagnação do crescimento econômico, verificada nos últimos anos,
refletia-se na distribuição de renda. Era preciso reajustar as exportações para que, com
menor quantidade delas, possa manter-se e seguir elevando o vel de renda” (CEPAL,
1973, p. 26). A composição das exportações (novos produtos industriais e primários) e seu
valor agregado (quantum de capital) poderiam diminuir esses riscos (deterioração dos ter-
mos de intercâmbio e crises cíclicas). No entanto, o problema de fundo estava no grau de
exigência do desenvolvimento dinâmico:
A origem do mal reside em não seguir uma política previsora, que se an-
tecipe às exigências do desenvolvimento econômico em vez de limitar-se
a responder a elas improvisadamente. (...)
Na realidade, a substituição de importações e o incentivo das novas ex-
portações têm que constituir um processo contínuo e regular, enquanto
não se corrigem aquelas disparidades do comércio exterior... (CEPAL,
1973, p. 26, grifo nosso).
A tendência mais recente de estagnação econômica, com a respectiva diminuição
dos índices de crescimento e da renda per capita, se não colocava em “xeque mate” a in-
terpretação teórica e prática do desenvolvimento econômico, ao menos requeria uma séria
revisão. Por outro lado, a estagnação confirmava a tese periférica em seu apontamento
sobre as estruturas e as relações de dependência no sistema centro–periferia, esclarecendo
que a dependência reflexa não era tão simples assim de ser superada. Não bastaria apenas
garantir o crescimento das economias periféricas.
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A elaboração do enfoque redistributivo cepalino partiu, pois, da avaliação dos re-
sultados, limitados, que o processo de industrialização havia possibilitado à superação da
280
condição periférica, especialmente no pós-1945. Como os avanços ficaram muito aquém
do esperado por uns ou “sonhado” por outros, a nova tarefa teórica e prática que se colo-
cava correspondia à identificação dos estrangulamentos internos e externos.
No enfoque redistributivo foi dada mais ênfase aos problemas internos do que aos
externos, não que os últimos tivessem sido superados ou que deixassem de ter influência
interna (PINTO, 1965, p. 40), mas pelo fato de se centrar a atenção à realidade local. Na
análise do sistema centro–periferia, as relações e as posições das partes (ativa e passiva),
na dependência reflexa, foram mantidas e atualizadas, bem como as características da de-
pendência tecnológica (elasticidade-renda, deterioração na relação de preços, formas de
produzir, consumir e distribuir a população ativa), porém, como as transformações ocorri-
das na América Latina não modificaram qualitativamente sua estrutura econômica e social
(especialização e heterogeneidade), sua ordem interna passou a ter mais peso na análise
(teórica) e na ação (prática). O vigor das estruturas e das relações de dependência sistêmi-
ca também estava cravado no interior da periferia, mas estas estavam mais próximas.
Na abordagem redistributiva, a relação dualista entre o setor moderno (capitalista)
e o atrasado (tradicional agrícola e primário), do sistema centro–periferia, foi aprofundada
no interior da estrutura periférica latino-americana. Sua base interna reproduzia as relações
do sistema internacional, bem como as características assimétricas na propagação do pro-
gresso cnico e na distribuição dos seus benefícios (renda e capital). A desobstrução dos
obstáculos internos passou a ser vista como primeiro passo para acelerar a dinamização
interna (dos países e da região latino-americana), o que viabilizaria uma maior indepen-
dência da vulnerabilidade externa. Além de ser, grosso modo, assunto da casa.
Enquanto que, na abordagem fundadora, foi esboçada, teórica e praticamente, uma
interpretação crítica das estruturas do sistema internacional de livre comércio, desfavorá-
veis aos países periféricos, a redistributiva aprofundou essa interpretação inicial tratando
do período histórico no pós-guerra, pois, com a modernização produtiva, o dualismo o
foi somente mantido, mas agravou-se em determinados aspectos da ordem econômica e
social. As mudanças internas passaram a ser prioritárias, pois estariam ao alcance dos peri-
féricos, uma vez que dependiam fundamentalmente dos centros de decisões nacionais, ou
281
seja, era preciso enfrentar os problemas do dualismo no interior da periferia, tanto no cam-
po econômico, quanto no social e no político (planejamento e interesse público). O desen-
contro entre o crescimento econômico e o desenvolvimento social verificado no período de
1945-1960 e a própria agudização da disparidade na distribuição de renda e da propriedade
da riqueza, especialmente da terra, requeria uma revisão e a adoção de mudanças internas.
Se, em termos gerais, houve uma elevação da produtividade, seus resultados não se propa-
garam homogeneamente na economia, nem haviam beneficiado significativamente a popu-
lação ativa. Houve uma modernização produtiva, porém esta reproduziu o dualismo inter-
no e seus problemas. Além do mais, passados mais de 15 anos de orientação substitutiva, a
dependência reflexa permaneceu praticamente intocada em seu núcleo, e a vulnerabilidade
externa praticamente recuou ao ponto inicial, haja vista a recente tendência à estagnação.
A estrutura da distribuição de renda passou a ser vista pela
CEPAL
como um dos
obstáculos internos mais graves: Assim, pois, o modelo distributivo de renda é [era] um
dos obstáculos mais sérios ao desenvolvimento econômico; porém também é [era] fator de
tensões sociais, com suas exigências redistributivas cada vez mais insistentes” (CEPAL,
1973, p. 2, grifo nosso).
Para os periféricos ficou evidente que os benefícios sociais do progresso técnico
seriam resultado de uma intervenção no campo da política econômica, decorrentes das
pressões social e sindical das massas, assim como da previsão e da intervenção do Estado,
e o apenas do crescimento econômico quantitativo, lento, evolutivo e progressivo; nem
ainda da combinação espontânea dos interesses privados dos investidores e das massas na
esfera da economia (mercado).
A periferia latino-americana teria que conciliar crescimento econômico (progresso)
com vantagens sociais (reformas redistributivas) e estas últimas somente seriam possíveis
através de pressões sociais e políticas. Para tanto novamente não se poderia repetir, na
América Latina, a trajetória dos países centrais, seja pelo fato de aqui o crescimento eco-
nômico espontâneo e individual acentuara as disparidades, como pela necessidade de
adoção das reformas que atendessem às pressões sociais e mantivessem a ordem econômi-
ca (propriedade e iniciativa individual) e política (democracia representativa). No texto de
282
1963, Prebisch diferenciou esse processo ocorrido no centro (países europeus e os
EUA
) e
a dupla tarefa periférica (progresso e reformas): A acumulação do capital operou-se ali,
originalmente; depois surgiu a redistribuição gradual da renda. Em compensação, ambas as
necessidades se apresentam agora e m que se apresentar simultaneamente, sob a
crescente gravitação política e sindical das massas” (PREBISCH, 1964a, p. 14)
203
. Esse
novo elemento foi incluído na condição desigual das partes no sistema, sendo uma particu-
laridade e tarefa a mais para a periferia.
Os principais avanços teóricos e práticos da revisão corresponderam à interpreta-
ção sociológica do “dualismo”, ou melhor, à ampliação da visão do dualismo para além da
ótica meramente econômica, incluindo outras áreas do conhecimento no corpo teórico; e, a
afirmação da necessidade de mudanças na estrutura da (re)distribuição de renda e da pro-
priedade e posse da terra: “não haverá aceleração do desenvolvimento econômico sem
transformação da estrutura social” (PREBISCH, 1964a, p. 29). Anteriormente, esta era
vista por Prebisch/
CEPAL
como conseqüência, ou seja, um desdobramento “natural” das
transformações produtivas (progresso técnico e seus benefícios às massas) no crescimento
econômico. Agora, a própria estrutura social adquiriu status de obstáculo e a solução da
redistribuição de renda passou a ser incluída no planejamento, intencional e dirigido, do
Estado. Todavia, o próprio Estado e seu corpo tecnocrático, o aparelho burocrático da
Administração Pública, passaram a ser vistos, por Prebisch, como espaços de interesses
onde o moderno e o atrasado se vinculavam no jogo governamental: “O Estado não é uma
entidade abstrata e incorpórea. Aqueles que manejam seus recursos são movidos por inte-
resses e paixões e não apenas por objetivos coletivos” (PREBISCH, 1964a, p. 31).
203
Segundo Prebisch, a periferia novamente não poderia trilhar o mesmo caminho do
modelo central de propagação interna do progresso técnico (produtividade e renda) por
duas questões: - uma porque o “desenvolvimento econômico tem sido ali [centro] um
fenômeno essencialmente espontâneo, mas não o desenvolvimento social, que se deve em
grande parte a uma política consciente e deliberada” (PREBISCH, 1964a, p. 20); e, - a
outra porque na periferia latino-americana, nos anos sessenta, ambos os processos teriam
que passar pelo planejamento e controle: “os dois problemas têm que ser resolvidos
agora, mormente em face da sugestão insistente do método soviético de desenvolvimento
econômico” (PREBISCH, 1964a, p. 21).
283
José M. Echavarría, sociólogo espanhol que atuou junto à Comissão, teve grande
destaque na revisão da interpretação anterior do “dualismo”, apontando, em seu texto de
1963, “Consideraciones Sociológicas sobre el Desarrollo Económico en América Lati-
na”, a validade e os limites do conceito no pensamento cepalino inicial. Ao tratar do dua-
lismo interno, “moderno” e “tradicional”, sob a ótica da teoria econômica, o autor conside-
rou-o válido no campo da economia: “A idéia do dualismo é muito precisa no campo eco-
nômico, de onde possivelmente teve sua origem, inclusive seus termos” (ECHAVARRÍA,
1964, p. 22)
204
.
Porém, ao interpretá-lo como um drama sociológico da região”
205
, Echavarría
apresentou críticas à visão estanque e fechada (partes cindidas e isoladas) do dualismo
estrutural interno e do sistema centro–periferia no intercâmbio internacional.
Não se apresentaria assim a idéia do dualismo estrutural, sem ser inexata,
uma característica peculiar da América Latina. E isso ainda deixando de
lado duas coisas apontadas. Primeiro, que as distâncias entre o tradi-
cional e o moderno estão dadas na América Latina por seu próprio pro-
cesso interno de desenvolvimento e não pela brusca justaposição em um
povo primitivo de organizações econômicas de potências externas. E se-
gundo, que não importam tanto as diferenças e tensões entre os dois mo-
dos de vida diferentes, mas o fato de sua continuidade, isto é, sua pene-
tração recíproca, as reações das partes retardadas e os esforços expan-
sivos das partes avançadas (ECHAVARRÍA, 1964, p. 22-23, grifo nos-
so).
A inclusão da interpretação sociológica de José M. Echavarría pode ser considera-
da como a primeira contribuição, de tradição cepalina, para uma nova abordagem na pers-
pectiva da teoria da dependência, apresentada por Fernando Henrique Cardoso e Enzo Fa-
204
A consideração da validade e dos limites foi mantida na crítica interna do pensamento inaugural, pois, na
revisão realizada no início dos anos 60, reconheceu-se a contribuição da interpretação fundante. A noção da
dependência estrutural do/no sistema centro–periferia e os elementos econômicos do sistema capitalista
internacional não foram negados em suas bases. Foram incluídos, sim, novos conteúdos às relações e aos
interesses em questão.
205
“A estrutura da sociedade latino-americana estaria constituída, na realidade, pela
coexistência de duas sociedades distintas, coetâneas, porém não contemporâneas, a mo-
derna e a tradicional, a ‘progressista’ e a ‘arcaica’. A distinção entre essas duas zonas
humanas – compartimentos estanques na maioria das vezes, ou influenciando-se recipro-
camente em outras – explicaria, por si só, em drama sociológico da região” (ECHA-
VARRÍA, 1964, p. 21-22).
284
letto, em 1966/67. Com Echavarría, as relações de dependência no sistema dualista interno
passaram a ter um conteúdo social e não apenas econômico (ao nível do progresso cnico
e da tripla insuficiência interna de capital, de produtividade e de poupança). Como indica-
do na citação acima, o dualismo deixou de ser visto na perspectiva de uma justaposição
extrínseca de duas partes que se mantinham cindidas, para estabelecerem certa interdepen-
dência na esfera da economia e da organização social, na sociologia do desenvolvimento.
Para Echavarría (1964, p. 31), a fazenda era o exemplo mais expressivo da imbri-
cação entre o “atraso” (ex-latifúndio colonial) e o moderno” (empresa capitalista), en-
quanto “totalidade social latino-americana”. Nesse sentido, não haveria, necessariamente,
contraditoriedade ou negatividade entre a manutenção daquilo que era considerado atrasa-
do, nem daquilo que incorporava modernização produtiva
206
.
A noção de sistema e suas relações de dependência permaneciam válidas. Na obra
“El Desarrollo Social”, de 1963, a
CEPAL
reconsiderou sua própria visão voluntarista e
206
José M. Echavarría (1964, p. 32) exemplifica a transformação moderna e conservadora com dois casos
típicos: os frigoríficos de carne associados à pecuária, na Argentina; e, os engenhos de açúcar que foram
transformados em usinas de açúcar, no Brasil.
Essa conjugação e interpenetração (uma certa metamorfose) entre o moderno e o atrasado, vista enquanto
totalidade social, o teve por base a concepção da totalidade dialética (cf. CIRNE-LIMA, 1997). Aliás, em
vários textos do enfoque redistributivo, os autores, como Echavarría (1964) e Pinto (1965 e 1973), apresen-
tavam seu pensamento como uma crítica à teoria econômica marxista, particularmente no que dizia respeito
aos mecanismos e às formas de exploração econômica. Maria da Conceição Tavares (1963) foi, certamente,
a principal intérprete marxista nesse período vinculada à Comissão. Em suas obras mais recentes, Celso
Furtado (1998a, 1998c e 1999) comentou seu primeiro contato com a teoria marxista durante os anos de sua
formação acadêmica na França, por intermédio do professor de economia filiado ao Partido Comunista Fran-
cês (
PCF
), fato esse anterior ao seu ingresso na
CEPAL
.
Esse assunto exigiria um estudo historiográfico dos marxismos, principalmente da versão stalinista sobre
a organização do movimento operário e dos partidos comunistas atrelados a Moscou, no pós-guerra, bem
como da leitura que os marxistas faziam da teoria econômica (concepção mecânica de cunho positivista e
evolutivo dos “modos de produção”). De fato, esse assunto é bastante conhecido e para o momento não
como tratar da historiografia marxista ou dos marxismos, segundo Henri Lefebvre (1988), nem da interpre-
tação “oficial” sob o controle da III Internacional (stalinismo) ou da contraposição trotskista da IV e suas
implicações no movimento operário internacional. Assim, uma leitura inicial pode ser encontrada em: A-
BENDROTH (1997), ANDERSON (1989), CLAUDÍN (1986) e TROTSKY (1991). Com relação à recepção
(influência e interpretação) do marxismo na América Latina, cf.: BARSOTTI e PERICÁS (1998), FORNET-
BETANCOURT (1995) e LÖWY (1999). Como bem frizou Perry Anderson (1989), o estudo mais especia-
lizado sobre a questão continua sendo a coleção História do Marxismo (12 v.), organizada por Eric J. Hobs-
bawm (1983-1989).
Em seu artigo “A originalidade da cópia...”, Fernando H. Cardoso (1993b, p. 37 ss) sintetizou os pontos
das críticas dos “liberais ortodoxos”, dos “liberais heterodoxos” e dos “marxistas” sobre o pensamento cepa-
lino.
que se considerar também que a nova interpretação sociológica da dependência, produzida no início
de 1960, teve, na avaliação de Echavarría (1967), inspiração teórica em Max Weber e Karl Mannheim, tanto
no aspecto social quanto no político. Como esse estudo também não pretende abordar a recepção ou influên-
cia dessas concepções no pensamento cepalino, apesar de se reconhecer que o assunto mereceria atenção à
compreensão do novo enfoque, esta lacuna permanecerá aberta.
285
“salvadora” do progresso técnico: “Foi mostrada, por isso, ao examinar as formas mais ou
menos típicas que teve a insuficiência dinâmica durante o período 1945-1960, a importân-
cia relativamente escassa que assumiram as estruturas modernas de alta produtividade”
(CEPAL, 1966, p. 73, grifo nosso).
Com o avanço da interpretação sociológica cepalina na relação entre o moderno e o
atrasado, ou melhor, suas formas de combinação e/ou rearticulação (ganhos de superação
ou perdas pela reprodução da insuficiência), outras questões passaram a ser problematiza-
das, haja vista a manifestação dos novos fenômenos sociais e econômicos decorrentes da
modernização e da insuficiência dinâmica, tais como: a demografia (distribuição da popu-
lação no espaço urbano e rural, além do crescimento vegetativo), a urbanização e margina-
lização, o desemprego (desocupação e reabsorção), as desigualdades sociais (condições de
vida e distribuição de renda), a necessidade dos serviços públicos (educação, saúde) e em
infra-estrutura (transporte e abastecimento), dentre outros (CEPAL, 1966, p. 7 ss). Enfim,
doravante a
CEPAL
ampliava sua interpretação levando em consideração um conjunto de
indicadores econômicos e sociais, ou seja, aplicava um esboço inicial de um índice de de-
senvolvimento humano (
IDH
), sem, contudo, abandonar a idéia estrutural do sistema cen-
tro–periferia e suas relações de dependência no/do movimento reflexo.
Aníbal Pinto contribuiu muito para a discussão dos problemas da distribuição de
renda na América Latina no desenvolvimento. Segundo ele, o modelo substitutivo de im-
portações tinha avançado na difusão interna do progresso cnico, porém, também havia
reforçado as desigualdades distributivas, fato confirmado por duas situações e indicações:
A primeira, a de que a técnica avançada se dirigiu em maior grau para a
produção industrial, que em geral atende à procura dos grupos urbanos
de maior renda relativa. A segunda está em que, à medida que ocorria es-
se fenômeno, se criou elemento suscetível de perpetuar e até aprofundar
a repartição desigual das rendas (PINTO, 1973, p. 22, grifo nosso).
Essa avaliação aproximava-se mais da condição histórica da industrialização, pois
o que aparentemente seria uma contrariedade não passava da realidade desse tipo de orga-
nização social e econômica. O dualismo, as desigualdades sociais e econômicas, era pró-
286
prio desse sistema, bem como os conflitos de interesses privados e/ou sociais em seu inte-
rior.
O pensamento cepalino também avançou relativamente, em conteúdo, com relação
ao uso dos indicadores de referência do crescimento econômico e para a melhoria nas con-
dições de vida das massas. A utilização constante dos índices de renda média per capita e
da elevação da taxa de produtividade (relação capital-homem) como critério maior para
confirmar o crescimento econômico foi revista. Na abordagem econômica, presente na
obra “El Desarrollo Económico”, de 1963, a Comissão também ultrapassou as generaliza-
ções abstratas (cindidas de sua base real), apontando os limites no uso dos denominadores
comuns e/ou das médias gerais de produtividade (progresso técnico) e de renda.
A renda média por habitante constitui o indicador mais geral para medir
o nível do bem-estar econômico e social das comunidades. É certo que
não expressa mais que uma aproximação da realidade, pois como todos
os índices médios somente seria representativo na medida em que a ren-
da total estivera repartida eqüitativamente (CEPAL, 1963 v. 2, p. 97,
grifo nosso).
A partir de então a CEPAL passou a relacionar, de forma mais direta e com maior
grau de aproximação realista, a estrutura da distribuição de renda e as condições de vida
dos indivíduos, associando determinados níveis de renda de grupos sociais e sua participa-
ção no conjunto nacional da população e da economia
207
. Se inicialmente as grandes dispa-
ridades na distribuição de renda eram consideradas como um potencial (poupança e inves-
timento) ao crescimento, agora as grandes desigualdades sociais, ou melhor, as estruturas
da distribuição de renda e da riqueza, passaram a ser consideradas como agravante e ele-
mento de reprodução das desigualdades, e mesmo entraves ao desenvolvimento e à inte-
gração econômica e social.
É evidente que o processo de desenvolvimento econômico não é diferen-
te do modo como se reparte a renda, que a distribuição e a utilização
desta deverá ser de tal natureza que assegure a formação de poupança
207
O índice de renda média por habitante de cada um dos países latino-americanos está muito longe de
refletir as verdadeiras condições de vida que prevalecem na região. Com efeito, esta se caracteriza – igual-
mente como as outras áreas pouco desenvolvidas – por apresentar uma distribuição extremamente desigual,
com um setor muito amplo da população cujos níveis são ínfimos e desde logo muito inferiores aos que
assinalam as cifras médias, e um número reduzido de habitantes que desfruta uma renda consideravelmente
maior” (CEPAL, 1963 v. 2, p. 99-102).
287
para aumentar a capacidade produtiva. Uma distribuição extremamente
desigual, como a que prevalece em determinados países latino-
americanos, representa um sério estorvo para o mesmo processo de de-
senvolvimento. Há que acrescentar, além do mais, que este fato impede a
formação do clima de integração social, imprescindível para colocar em
marcha aquele processo de forma sustentada (CEPAL, 1963 v. 2, p. 102,
grifo nosso).
A ênfase na integração nacional (o modelo das economias cêntricas com diversifi-
cação e homogeneidade produtiva, social e territorial) incluía os obstáculos do dualismo
econômico (heterogeneidade e especialização) e das desigualdades regionais existentes no
interior dos países latino-americanos, isto é, suas “fronteiras internas” (CEPAL, 1966, p.
24). Por outro lado, a preocupação com a integração social demarcava sua defesa política
das liberdades econômicas e democráticas dentro da ordem capitalista. Portanto, as refor-
mas econômicas e sociais eram vistas como meios para fortalecer a iniciativa privada e a
mobilidade social, o que aliviaria e/ou redirecionaria as pressões sociais nos aspectos da
inclusão econômica e da participação política (FALETTO, 1998, p. 7-8), sem rupturas,
através das reformas, na mesma linha, retórica, da Aliança para o Progresso.
Na obra “El Desarrollo Económico de América Latina en la Postguerra”, a Co-
missão apresentou as bases da análise das características da estrutura da distribuição de
renda predominante na América Latina. Metodologicamente, o estudo foi orientado levan-
do em consideração três aspectos: “i) A distribuição funcional da renda; ii) A distribuição
pessoal ou familiar; e, iii) A distribuição por categorias sócio-econômicas” (CEPAL, 1963
v. 2, p. 158).
Sem inovar radicalmente em seu suporte teórico, mas adotando como instrumental
a diferenciação por faixas de renda (categorias) e pela participação (%) da população no
total, foi possível identificar os extremos da concentração de renda. Cabe lembrar que a
formação de indicadores de renda, seja por categorias ou por faixas do poder aquisitivo,
não inverte a concepção da formação histórico-social, nem questiona a origem das desi-
gualdades de classes e sua reificação ou transformação.
Na referida obra, a
CEPAL
apresentou duas tabelas retratando a distribuição da
renda na América Latina. Numa tabela expôs a realidade latino-americana em três catego-
288
rias de participação da população na distribuição da renda, tendo por base o ano de 1962,
como segue:
TABELA – 9:
DISTRIBUIÇÃO DA RENDA PESSOAL PREVALECENTE
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Enquanto que 5% da população possuía uma renda média de 2.400,00 dólares, os
50% com rendas mais baixas ficavam com apenas 120 dólares, o que representava uma
diferença de 20 vezes entre a menor e a maior renda média entre as categorias extremas.
Juntos, os 5% detinham, em termos quantitativos, mais do dobro da renda conjunta dos
50%.
Noutra tabela, a Comissão apresentou o quadro de distribuição de renda, por cate-
gorias, em três regiões econômicas, comparando as diferenças existentes entre a América
Latina, a Europa Ocidental e os EUA.
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Comparativamente, as desigualdades sociais eram mais profundas no interior da
sociedade periférica latino-americana do que em sua relação com as demais regiões e paí-
289
ses centrais (Europa Ocidental e
EUA
), ao nível das faixas de rendas. Aqui os ricos eram
mais ricos e os pobres mais pobres.
Partindo desse fato, compreende-se melhor a atenção dada ao dualismo interno
208
.
As desigualdades sociais na posse e propriedade de renda e da riqueza existentes nos paí-
ses periféricos eram maiores do que os níveis existentes nos países centrais. Segundo a
CEPAL, por exemplo, no Chile, em 1954, 3% da população com renda mais alta detinha
1/4 (25%) da renda pessoal total, enquanto que 55% da população de menor renda ficava
com menos de 16% da renda, uma diferença superior a 28 vezes. Em 1957, no México,
menos de 5% das famílias com rendas mais elevadas obtinham 36% da renda nacional, e
56% das famílias com poucos recursos percebiam 19% da renda total, diferença superior a
21 vezes. No ano de 1950, em El Salvador, 8% das famílias ficavam com mais de 50% da
208
Dessa comparação entre a estrutura da distribuição de renda latino-americana e demais
países industrializados centrais, a CEPAL expôs cinco elementos em sua análise sobre as
diferenças, conforme segue:
“ a) Nos países latino-americanos há uma maior concentração de renda em uma re-
duzida porcentagem da população, que é o setor social que capta para si as rendas mais
elevadas. De fato, enquanto na América Latina um terço [1/3] das rendas se concentra em
5% da população; nos países industrializados da Europa Ocidental e nos Estados Unidos
os setores sociais situados nas escalas mais altas, que representam a mesma proporção
da população total, corresponde uma proporção muito menor (22 e 20%, respectivamen-
te) da renda total.
b) Os setores sociais que se encontram nas escalas inferiores e que representam a me-
tade da população, na América Latina somente possuem 16% da renda total. Nos países
europeus e nos Estados Unidos, por outro lado, os setores de igual classificação, que co-
brem uma proporção similar da população, percebem uma cota decididamente superior
(22 e 23%, respectivamente) da renda total. (...)
c) O cotejamento dos níveis correspondentes aos grupos de rendas altas com a média
também coloca de manifesto diferenças substanciais. Assim, na América Latina o índice
correspondente é seis vezes e meia superior a média da sociedade em seu conjunto, en-
quanto na Europa Ocidental industrializada é de 4,4 e nos Estados Unidos 4 vezes acima
da média.
d) A comparação dos grupos de rendas mais baixas com a média da região dá um ín-
dice de 32% na América Latina, de 44% nos países europeus e de algo mais (46%) nos
Estados Unidos.
e) Esta característica da distribuição da renda pode ser apreciada de forma mais no-
tória observando a diferença entre as rendas médias dos dois extremos: na América Lati-
na, a média superior é 20 vezes mais alta que a inferior; enquanto que nos países econo-
micamente mais desenvolvidos da Europa a diferença é a metade daquela e nos Estados
Unidos é inclusive menor” (CEPAL, 1963 v. 2, p. 108-111).
290
renda total do país, e, do outro lado, 61% das famílias limitavam-se aos 1/5 da renda pes-
soal, diferença superior a 19 vezes; na Venezuela 1/8 dos que recebiam rendas detinham
50% da renda total, e outros 45% recebiam 1/10 da renda, sendo mais de 18 vezes a dife-
rença; e, no Equador, pouco mais de 1% contava com 17% da renda, enquanto que 78% da
população recebia menos de 55% da renda, somando mais de 24 vezes de diferença entre
ambos (CEPAL, 1963 v. 2, p. 102-104).
No âmbito regional também predominavam as desigualdades na estrutura da distri-
buição de renda: “nos países em vias de desenvolvimento, os 10% da população que pos-
suem o nível de bem-estar mais elevado captam 37,5 ou 45% da renda total, enquanto que
os 60% da população que dispõem das rendas mais baixas recebem menos da quarta parte
[1/4] ou inclusive 16% da renda nacional” (CEPAL, 1963 v. 2, p. 105). No ano de 1962,
em termos do PIB regional, a renda média por habitante era de 450 dólares, a renda
pessoal média baixava para 370 dólares (CEPAL, 1963 v. 2, p. 108).
A distribuição funcional da renda entre a remuneração do trabalho e outras rendas
nos países latino-americanos, diferenciava-se muito da realidade das economias centrais.
Segundo dados de 1959, apresentados pela CEPAL (1963, p. 112), enquanto que a remune-
ração do trabalho correspondia a 51% das rendas na Argentina, 48,3% no Brasil, 38,7% na
Colômbia e 52% no Equador; nos países centrais os salários participavam com 69,5% nos
EUA, 61,4% na França, 51% no Japão, 63,8% na Noruega e 73,2% no Reino Unido (cf.
Tabela 10 - Anexo).
Na mesma obra, a Comissão relacionou sete fatores de ordem econômica que
sustentavam a estrutura da distribuição de renda e da riqueza. Na primeira indicação (item
“a”) a concentração da propriedade e posse do capital e da terra foi considerada como um
forte fator gerador das desigualdades.
A desigualdade na distribuição da propriedade do
capital e dos recursos naturais é provavelmente o
fator mais importante. Uma grande proporção da
terra está concentrada em mãos de muito poucos
proprietários. As grandes empresas industriais
pertencentes a um número relativamente reduzido
291
de pessoas. A falta de impostos adequados para a
herança e de outras medidas de redistribuição da
propriedade (reforma agrária, etc.) fazem com que
a situação se mantenha com variações pouco signi-
ficativa através dos anos (CEPAL, 1963 v. 2, p.
166-167).
Os níveis elevados das desigualdades sociais existentes na América Latina estrutu-
ravam um círculo vicioso de concentração da renda e da riqueza. Nessa perspectiva, o pen-
samento periférico deu um passo adiante na interpretação da insuficiência dinâmica, pois o
subdesenvolvimento deixava de ser visto, em seu fundamento, apenas como um estado de
atraso econômico e tecnológico, da mesma forma as estruturas internas fundavam-se em
relações de dependência que ultrapassavam a simplicidade dos “estágios do progresso c-
nico”. Aníbal Pinto estabeleceu a relação entre a origem e a reprodução desse círculo vi-
cioso: “Uma das circunstâncias sicas que influem na distribuição da renda (e, portanto,
nas condições de oferta e procura, produtividade, aptidões e outros aspectos) é a maior ou
menor concentração da propriedade dos fatores capital e terra” (PINTO, 1973, p. 11). En-
tretanto, essa ampliação do/no horizonte econômico e social não jogava por terra os ele-
mentos centrais da abordagem teórica e prática inicial, mas, do contrário, os aprofundava
(noção de sistema, de dependência e de planejamento na periferia), e, ao seu modo, con-
firmava a força dos interesses individuais no mercado.
Tamanhas desigualdades na distribuição de renda refletiam o formato do mercado
interno, retratando o principal problema da insuficiência dinâmica: a própria marginaliza-
ção econômica e social decorrente da não (re)absorção da força de trabalho liberada das
atividades primárias e/ou desocupadas pelas inovações tecnológicas (cf. PREBISCH,
1964a, p. 33). Para haver um desenvolvimento econômico e social, ter-se-ia que minima-
mente ampliar o mercado interno, distribuindo renda e dando acesso aos meios e espaços
de ocupação produtiva da mão-de-obra.
Essa tese foi reforçada por Aníbal Pinto em seu estudo sobre a distribuição de
renda e desenvolvimento na América Latina, de 1967. Segundo ele, a insuficiência dinâ-
mica não seria superada sem uma ampliação do mercado interno dos países e da região
292
(integração regional). A América Latina necessitava do dinamismo da “economia de mas-
sas” (economia de escala), porém, mesmo os países maiores, que haviam avançado na
industrialização e possuíam uma população expressiva, continuavam sendo uma economia
“de massas”, sem massas (PINTO, 1973, p. 90)
209
, ou seja, a maioria da população não
dispunha de poder aquisitivo para garantir minimamente mais do que a sobrevivência fa-
miliar, muito menos de ingressarem no mercado consumidor de bens duráveis (tecnológi-
cos).
A redistribuição de renda (elevação do poder aquisitivo dos estratos de baixa ren-
da) poderia ampliar o mercado interno dos países latino-americanos para os bens de capital
e bens intermediários, pois, até então “o mercado de ‘massas’ para as indústrias dinâmicas
de consumo em geral se limita a uma reduzida fração da população” (PINTO, 1973, p. 91).
Esse era o “espírito” do enfoque redistributivo. Contudo, para não cometer um sé-
rio equívoco, há que se compreender como isso seria alcançado, ou seja, quais seriam as
medidas redistributivas e de que forma seriam adotadas? Respondendo essas interroga-
ções teóricas, o novo enfoque perde parte do “brilho prático”, afinal, no campo da concre-
tude e da realização de projetos, enfrenta-se a história como ela é (sobre esta noção cf.
BATISTA Jr., 2000a).
No enfoque redistributivo, o planejamento do programa para o desenvolvimento
incluía tanto a continuidade da industrialização substitutiva como a intervenção na estrutu-
ra da divisão de renda, pois, para Raúl Prebisch, nesse aspecto o desenvolvimento espon-
tâneo (livre-mercado) também não condizia com a realidade periférica: “O conceito, ainda
não extinto, de o desenvolvimento se operar espontaneamente, sem um esforço racional e
deliberado para consegui-lo, provou ser uma ilusão, tanto na América Latina quanto no
resto da periferia mundial” (PREBISCH, 1964a, p. 12). A solução proposta estaria na ado-
209
Para Aníbal Pinto a restrição do mercado interno também caracterizava os países maiores: “A circunstân-
cia que favorece o Brasil e o xico esem que esses 5% representam um mercado absoluto bem maior
que o dos demais países. Entretanto, em comparação com qualquer país desenvolvido, essa dimensão acaba
sendo insignificante” (PINTO, 1973, p. 91).
293
ção de uma política governamental redistributiva direcionada em dois sentidos: um, que
contemplasse as reivindicações sindicais dos trabalhadores e das massas, uma vez que
nesta área o laissez-faire mostrava ser incompatível: a política redistributiva se encarre-
garia de fazer chegar o aumento da renda assim obtido, às camadas inferiores do conjunto
social” (PREBISCH, 1964, p. 13); e, outro, que em parte desdobraria do anterior, modifi-
casse a marginalização da insuficiência na absorção da o-de-obra (o desemprego estru-
tural), ampliando a inclusão econômica e social, ou seja, o mercado interno real.
A política redistributiva era vista como uma necessidade para a superação da in-
suficiência dinâmica nos marcos internos da América Latina que, por sua vez, mexeria em
elementos da estrutura da divisão da renda e da estrutura social. Entretanto, essas mudan-
ças se circunscreviam no campo das reformas. Com exceção da realização de programas
oficiais de “reforma agrária” em latifúndios improdutivos (atrasados) ou em áreas sem fins
produtivos (de especulação ou de investimentos imobiliários que visavam fugir da tributa-
ção e garantir o patrimônio ou o status quo), os demais casos e propostas caracterizavam-
se como instrumentos indiretos de redistribuição (política salarial, absorção produtiva,
política de emprego, sistema tributário, destinação do orçamento público, educação, servi-
ços públicos, restrições ao consumo luxuoso, incentivo à poupança e aos investimentos,
política de difusão e assistência tecnológica, programa de integração nacional, planeja-
mento do espaço urbano e da distribuição espacial e ocupacional da população).
Na obra “Hacia una Dinámica del Desarrollo Latinoamericano”, o texto de Pre-
bisch de maior referência ao assunto, o autor havia esclarecido o conteúdo social e refor-
mista da política redistributiva e seu sentido progressista (modernização e dinamização
dos fatores produtivos com ganhos sociais), com gradualidade e sem ruptura do sistema.
Não se trata de retirar rendas da minoria superior para reparti-las pura e
simplesmente com as massas populares, pois, como a renda pessoal por
habitante no conjunto da América Latina chega apenas a 370 lares, os
efeitos dessa redistribuição seriam de pequena amplitude. Ao contrário,
se a compressão do consumo daqueles grupos privilegiados se traduzisse
294
em acréscimo contínuo do capital acumulado, o nível de vida daquelas
massas iria elevando-se com progressiva celeridade (PREBISCH, 1964a,
p. 14).
Se, por um lado, a idéia redistributiva preservava elementos da noção inicial do
crescimento econômico (não dividir diretamente a renda), por outro, após a revisão, tinha-
se consciência de que a estrutura da distribuição de renda era um problema social e eco-
nômico de primeira grandeza” (PINTO, 1973, p. 7). Tanto a insuficiência dinâmica, quan-
to as grandes desigualdades sociais, se mantidas, agravariam a estagnação econômica e as
pressões sociais, abrindo caminho às soluções autoritárias ou revolucionárias, bem conhe-
cidas em 1963.
Assim, a intervenção redistributiva era vista como solução sem ruptura da ordem
social, política e econômica. A periferia não poderia repetir integralmente a “via clássica”
dos países centrais, entretanto, deparava-se com o problema da formação do mercado in-
terno. Aqui não havia um ancién regime para ser derrubado ou transformado, porém, tam-
bém não havia um mercado interno “industrial clássico”.
Aníbal Pinto detalhou melhor o marco da concepção redistributiva cepalina. Ao re-
bater as críticas que viam na redistribuição a “pulverização da renda” ou a “distribuição da
miséria”
210
, inseriu-a na relação clássica da “divisão horizontal entre assalariados e propri-
etários”, no entanto enfatizou que “quando se fala de redistribuição da renda pensa-se mais
numa direção que numa meta” e que a idéia “não atenda tanto a uma transferência direta
de renda de uns grupos a outros como a uma transformação dos padrões existentes com
respeito ao uso e à propriedade dos recursos (PINTO, 1973, p. 8; cf. Capítulo 8).
Para a
CEPAL
os principais agentes sociais que poderiam desencadear uma política
redistributiva seriam: o próprio Estado/governo desenvolvimentista e o movimento sindi-
cal e das massas. Segundo Aníbal Pinto, os principais instrumentos e meios pelos quais o
Estado poderia interferir na redistribuição de rendas seriam através da adoção de: uma
210
Para tanto Aníbal Pinto fez uso da tese de Richard Tawney: “Há mais de 30 anos Ri-
chard Tawney liquidou essa espécie de argumento ao dizer que não se busca a igualdade
‘dividindo em fragmentos as grandes rendas, mas assegurando que uma proporção cres-
cente da riqueza que elas presentemente absorvem seja dedicada a propósitos de benefí-
cio coletivo’” (PINTO, 1973, p. 8).
295
política de elevação dos salários (para elevar o poder aquisitivo dos trabalhadores); a
promoção da organização sindical (como inclusão política dos trabalhadores e mesmo das
“classes dias urbanas”); uma política de preços favoráveis aos produtos primários
(para evitar a deterioração da relação de preços entre o setor industrial e o agrícola, garan-
tindo ganhos ao último); uma matriz tributária progressiva sobre os ganhos de capital;
investimentos diretos do Estado em empresas públicas ou atividades estratégicas de inte-
resse nacional (PINTO, 1973, p. 15-21; 105-106). Raúl Prebisch também incluiu uma polí-
tica industrial, tecnológica e agrícola absorvedora da força de trabalho, a eliminação do
obstáculo da terra (reforma agrária) e uma política de redistribuição geográfica da renda
voltada ao interior e aos pequenos e médios centros urbanos (PREBISCH, 1964a, p. 18-
22)
211
. Estes seriam os pontos centrais do programa de desenvolvimento nacional com
redistribuição de renda.
O programa de desenvolvimento redistributivo proposto pela
CEPAL
implicaria
nas relações entre capital e trabalho, porém, somente no sentido de recompor a participa-
ção de ambos na distribuição de renda/capital (salários e lucros), tendo por base a verifica-
ção histórica de que os extremos das desigualdades sociais existentes na América Latina
eram, por origem, elementos geradores da maior marginalização econômica e subdesen-
volvimento social, se deixados ao mero interesse da iniciativa privada. Além do mais, a
dinamização e a ampliação do mercado interno eram consideradas condições necessárias à
formação de uma economia capitalista moderna, nos seus aspectos de produtividade e de
bem-estar social (Estado de Bem-Estar Social).
Desde os escritos de 1949, Prebisch enfatizava que a força política dos trabalhado-
res era um dos condicionantes da repartição dos ganhos de produtividade, da própria dete-
rioração dos termos de intercâmbio e da transferência dos custos das crises, tanto na socia-
lização das perdas como na retomada do crescimento. Assim, para o autor, os interesses
dos trabalhadores e dos empresários (capitalistas) implicavam um certo nível de enfrenta-
211
“Porém, por que há de concentrar-se a população deslocada nestas grandes cidades?
Por que não permanece no limite do contorno rural, em populações pequenas e medianas,
ocupadas em indústrias e serviços que satisfaçam em parte as necessidades do mesmo
campo?” (PREBISCH, 1964a, p. 19).
296
mento, onde a capacidade de organização sindical e o uso da tecnologia substituidora de
mão-de-obra alinhavavam a estrutura da distribuição de renda, nas economias centrais, na
periferia e no sistema. Todavia, até 1963, em nenhum momento Raúl Prebisch chegou a
discutir o caráter do sindicalismo europeu, principalmente, em termos de movimento ope-
rário e da luta popular
212
. Certamente isso se devia à sua formação teórica profissional,
mas também pela sua postura ideológica de ver as relações de classes na perspectiva da
conciliação social e sem antagonismos. O conflito maior não era irreconciliável nem con-
traditório (CIRNE-LIMA, 1997), estaria tão somente nos interesses daqueles que se bene-
ficiavam com o subdesenvolvimento (os setores privilegiados pelas vantagens do modelo
para fora, das rendas da especialização produtiva primário-exportadora e da produção ex-
tensiva), contra os que pretendiam modernizar a base produtiva e o mercado interno (de-
senvolvimentistas periféricos) e as massas.
Nos anos da revisão redistributiva não faltaram interpretações mais profundas que,
mesmo realizadas por intelectuais envolvidos com a Comissão, apontavam para o proble-
ma da fundamentação teórica do pensamento cepalino. Uma dessas referências foi apre-
sentada pela Maria da Conceição Tavares, que, em seu ensaio “Auge e Declínio do Pro-
cesso de Substituição de Importações no Brasil”, de 1963, havia proposto uma mudança
teórica: O processo de acumulação teria de ser o núcleo central de uma análise teórica
deste tipo porque define e determina o movimento profundo do capitalismo e, em conse-
qüência, é o lugar privilegiado das contradições econômicas e sociais(TAVARES, 1983,
p. 22, grifo nosso).
Celso Furtado que havia deixado a
CEPAL
vários anos, mas mantinha seus
vínculos e idealizava a implantação do programa cepalino das reformas redistributivas e de
integração nacional, na
SUDENE
também contribuiu significativamente para a reflexão
da revisão. Algumas avaliações que apresentou sobre aquele novo momento histórico do
subdesenvolvimento e/ou do desenvolvimento (em meados da década de 1960), na obra
“Subdesenvolvimento e Estagnação na América Latina”, são consideradas avanços teóri-
cos e/ou representativas da interpretação daquele período. Reconhecido como a principal
212
Para uma leitura sobre a história do sindicalismo, além dos autores citados anteriormente (Abendroth,
Hobsbawm e Löwy), cf. SANTOS, A. (2001) e GOUNET (1999) para o período do pós-guerra.
297
referência para a interpretação da estagnação e criticado pelo seu pessimismo exagera-
do
213
, o texto, escrito no fervor da contra-reforma desenvolvimentista e da contra-
revolução, trazia duas questões extremamente relevantes à interpretação do subdesenvol-
vimento e da nova fase do imperialismo, ou melhor, da dependência e dos laços (relações)
que o capitalismo periférico latino-americano tinha com o centro cíclico norte-americano.
A tese da estagnação não foi inventada por Celso Furtado. fazia parte da discus-
são cepalina (CEPAL, 1973, 1963 e 1966). Porém, Furtado inseriu-a no contexto da “guer-
ra fria”. As próprias reformas desenvolvimentistas o enfoque redistributivo foram
“golpeadas”
214
numa nova aliança para o progresso, vigiada e controlada. Por outro lado, o
pessimismo exagerado da estagnação confirmava a tendência estrutural de o dualismo re-
produzir-se a si mesmo (desenvolvimento com subdesenvolvimento), se não fossem atin-
gidas as estruturas internas e externas do sistema periférico.
Nada autoriza a ver no desenvolvimento latino-americano uma fase de
transição para estruturas capitalistas do tipo que hoje conhecemos na Eu-
ropa Ocidental e na América do Norte, pois existe ampla evidência em-
pírica de que a industrialização substitutiva vem agravando o dualismo
do mercado de trabalho, ampliando-se o hiato entre o setor moderno e a
economia pré-capitalista, sem que se vislumbre qualquer perspectiva de
redução da importância desta última como fonte de ocupação (FURTA-
DO, 1966, p. 87, grifo nosso).
Na realidade, Celso Furtado foi mais realista ao indicar que não havia uma transi-
ção para o capitalismo moderno (desenvolvimento econômico e social) e que os interesses
da iniciativa privada não se limitavam aos seus grupos sociais internos, ou seja, à iniciativa
privada latino-americana ou nacional de cada país, mas também da iniciativa privada im-
213
A tese da estagnação de Celso Furtado foi criticada, entre outros, por Fernando Henri-
que Cardoso e Enzo Faletto (1970), Fernando Henrique Cardoso (1993, p. 63), Maria da
Conceição Tavares (1983) e Maria da Conceição Tavares e José Serra (1983).
214
“Sendo fato notório que os problemas de relevância da política interna dos países lati-
no-americanos interessam de forma direta às autoridades responsáveis pela segurança
dos Estados Unidos, as quais estão em condições de interferir decisivamente no
encaminhamento da solução de tais problemas, é perfeitamente natural que os latino-
americanos indaguem com crescente preocupação: a) o que se entende exatamente por
‘segurança’ dos Estados Unidos, e b) que grau de compatibilidade existe entre os
interesses dessa segurança e a revolução latino-americana?” (FURTADO, 1966, p. 22).
298
perialista estadunidense e da geopolítica externa desse país. Infelizmente essa clareza ex-
posta por Celso Furtado, na obra de 1966, sobre o envolvimento da “guerra fria” e os inte-
resses imperialistas no desenvolvimento e/ou subdesenvolvimento latino-americano,
permaneceu ofuscada. A partir de Furtado (1966, p. 44), o enfoque político (geopolítico: a
América Latina enquanto área de influência dos
EUA
; e, imperialista: as grandes empresas
multinacionais passaram a ter superpoder econômico e político nos países latino-
americanos), sobrepôs-se ao econômico e ao técnico (neutralidade da técnica de programa-
ção). O caso brasileiro não era exceção. O desenvolvimento econômico passava a ser, fun-
damentalmente, um projeto político, no qual a participação social (inclusão econômica e
política) teria um papel relevante na definição dos objetivos e das metas, caso a opção fos-
se superar a marginalização.
O desenvolvimento econômico, nas difíceis condições que enfrenta pre-
sentemente a América Latina, requer uma atitude cooperativa de grandes
massas de população e a participação ativa de importantes setores dessa
população. É por esta razão que as tarefas mais difíceis são de caráter
político e não técnico (FURTADO, 1966, p. 46).
Para Furtado, certamente o maior obstáculo externo ao desenvolvimento latino-
americano era o imperialismo (“guerra fria” e as empresas norte-americanas), com seus
aliados internos. Para ele, a superação do subdesenvolvimento exigiria um aprofundamen-
to do nacionalismo latino-americano na perspectiva da soberania nacional
215
, com fortale-
cimento dos centros de decisões internos, incluindo um matiz antiimperialista
216
. Para tan-
to seria necessário, sim, superar os obstáculos da estagnação, enquanto reflexo do próprio
subdesenvolvimento (insuficiência dinâmica): “a estagnação econômica engendra o enfra-
quecimento do marco político e a perda progressiva da capacidade de autodeterminação, o
215
“A substância ideológica do socialismo latino-americano será seguramente extraída
da consciência crítica formada na luta pela superação do subdesenvolvimento. Essa luta
tem lugar dentro de marcos políticos nacionais, os quais delimitam os centros de decisão
que comandam as atividades econômicas tanto em seus aspectos internos como externos
(FURTADO, 1966, p. 17).
216
“O ‘projeto’ do governo dos Estados Unidos de desenvolvimento da América Latina,
com base na ação das grandes empresas norte-americanas e no controle preventivo das
‘subversões’, não parece ter qualquer viabilidade, exceto como técnica de congelamento
do status quo social” (FURTADO, 1966, p. 47).
299
que por seu lado limita a capacidade para superar os obstáculos que se opõem ao desen-
volvimento” (FURTADO, 1966, p. 17).
Talvez isso possa explicar por que a tese da estagnação de Furtado tenha sido tra-
tada apenas enquanto aspecto negativo do crescimento econômico, limitando a interpreta-
ção desta obra de Celso Furtado. Além do mais, se a tese daguerra fria” (poder do impe-
rialismo) fosse mantida como ponto teórico central, qual seria o desdobramento prático e a
posição dos cepalinos com relação a Cuba e ao desenvolvimentismo autoritário?
Maria da Conceição Tavares tinha (e tem) razão ao afirmar que, no Brasil, nos anos
de 1963/64, encerrava-se um ciclo de expansão e iniciava-se um novo modelo de expansão
com maior reconcentração da renda, da distribuição e da utilização dos recursos, sob a
égide do capital financeiro (TAVARES, 1983, p. 16-17). Igualmente Cardoso e Faletto
(1970, p. 115) apontaram corretamente que o período demarcou um novo ciclo de depen-
dência, de dominação e de aliança política entre classes (interna e internacional), reconfi-
gurando o desenvolvimento interno e a inserção internacional brasileira. Mas, ambas as
considerações não desqualificaram nem negaram a avaliação de Celso Furtado sobre a
estagnação e a necessidade do aprofundamento do nacionalismo latino-americano como
caminho para o desenvolvimento e para a superação da dependência.
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Ao analisar a produção intelectual, o enfoque de Prebisch/CEPAL elaborado nos
anos 60, Ricardo Bielschowsky (2000a, p. 37) sintetizou-a, teórica e praticamente, pela
idéia central de “redistribuir para crescer”, enquanto proposta de reversão e correção em
determinados aspectos (falhas) do modelo de industrialização substitutiva adotado, pois
permaneciam os obstáculos estruturais que caracterizavam o subdesenvolvimento.
Metodologicamente, Raúl Prebisch manteve a concepção estrutural dos problemas
postos ao desenvolvimento periférico. Na obra de 1963, o autor iniciou o texto com a
reafirmação daquela visão inicial: “Os males que afligem a economia latino-americana não
correspondem a fatores circunstanciais ou transitórios” (PREBISCH, 1964a, p. 11). Assim,
300
tratava-se de interpretar o processo mais recente para apontar seus entraves estruturais. Na
seqüência do texto, Prebisch também recolocou sua convicção acerca das possibilidades
(do esforço teórico e prático) de superação da condição periférica para, enfim, realizar a
utopia do desenvolvimento: “a eliminação da pobreza e seus males inerentes, graças ao
enorme potencial da tecnologia contemporânea e à possibilidade de assimilá-la num lapso
de tempo muito mais curto do que aquele que se registrou na evolução capitalista dos paí-
ses mais adiantados” (PREBISCH, 1964a, p. 12, grifo nosso). Entretanto, persistiam os
obstáculos do desequilíbrio externo e da insuficiência dinâmica interna
217
. Mais ainda, os
avanços obtidos com o modelo substitutivo de importações, além das falhas e da recoloca-
ção constante da vulnerabilidade externa, haviam acentuado as assimetrias internas, prin-
cipalmente no que dizia respeito à desocupação tecnológica, à marginalização econômica e
social e a uma maior concentração da renda e da riqueza (crescimento das desigualdades
sociais).
O enfoque redistributivo, conforme afirmado anteriormente, revisou a estrutura in-
terna da periferia latino-americana a partir dos referenciais do sistema centro–periferia (a
deterioração na relação dos preços entre os produtos industriais e primários; e, a elastici-
dade-renda), porém a abordagem o se manteve no âmbito do dualismo na esfera da eco-
nomia (agricultura e indústria), pois, ao problematizar a estrutura da distribuição de renda,
questionou aquele estado da estrutura social, como foco central das desigualdades sociais
(renda e riqueza). Portanto, economia e sociedade se encontravam nas estruturas do dua-
lismo. Efetivamente, as formas de uso e a propriedade da riqueza, do capital e do progres-
so cnico (ciência & tecnologia) transformavam as formas de produzir (economia), de
consumir (poder aquisitivo) e de distribuir a população ativa no mercado interno (absorção
ou desemprego) e na sociedade (marginalização).
Se anteriormente Raúl Prebisch e a
CEPAL
interpretaram a evolução do capitalis-
mo e as formas desiguais de propagação do progresso cnico no sistema centro–periferia
internacional (papel e função das partes nos modelos de inserção e participação no comér-
217
Uma outra possibilidade, porém prejudicial à superação, seria diminuir o ritmo de cres-
cimento nos níveis da capacidade interna de poupança e investimento, o que representaria
a continuidade do sistema centro–periferia e o aprofundamento das assimetrias.
301
cio mundial), nesse momento, tratavam de interpretar as desigualdades no seio do modelo
substitutivo de importações. Assim, as desigualdades não eram características exclusivas
do sistema centro–periferia, desigual (heterogeneidade), mas sim do sistema geral de orga-
nização econômica e social capitalista. Nem o mercado não era perfeito, nem a iniciativa
privada, voltada sobre si mesma, era o motor do desenvolvimento social, tampouco o pro-
gresso técnico poderia ficar livremente ao seu dispor. O desenvolvimento social (bem-
estar) seria resultado da interferência do Estado e da inclusão das massas no mercado in-
terno (produtivo e consumidor). Mesmo no “estado de bem-estar social” não havia espaço
para todos, nem o capitalismo aceitava rédeas.
As reformas redistributivas eram necessárias para dar validez dinâmica à industria-
lização latino-americana, pois, até aquele momento, não tinha sido atingida pela insufici-
ência original do círculo vicioso. Nesse aspecto, Raúl Prebisch manteve a noção fundante
dos problemas estruturais: “A prova da validez dinâmica de um sistema está em sua capa-
cidade de imprimir celeridade ao ritmo de desenvolvimento e melhorar progressivamente
a distribuição da renda” (PREBISCH, 1964a, p. 13, grifo nosso).
Para atingir a plena validez de uma economia nacional dinâmica era preciso, mini-
mamente, realizar reformas que eliminassem um conjunto de obstáculos internos. Quanto
aos problemas do estrangulamento externo (vulnerabilidade), praticamente persistiam os
mesmos problemas estruturais apresentados nos textos fundadores.
A inovação que Prebisch e a
CEPAL
apresentaram no início dos anos 60 foi o des-
taque dado à necessidade de reformas internas com caráter redistributivo e de desobstrução
estrutural dos obstáculos internos, dando-se maior importância à estrutura da terra (posse,
propriedade e formas de uso, por meio de projetos de reforma agrária) e à estrutura social
(mobilidade social aos indivíduos dinâmicos). Ambas as estruturas representavam a conti-
nuidade de elementos negativos do modelo anterior de crescimento econômico voltado
para fora. Sendo estruturas do atraso e, portanto, entraves ao dinamismo, a mudança inter-
na era necessária, afora os fatores da vulnerabilidade externa.
Conforme Prebisch (1964a, p. 18), o meio rural concentrava a pobreza, os estratos
de rendas mais baixas e os níveis mais baixos de produtividade, reproduzindo internamen-
302
te os problemas da deterioração dos preços, da elasticidade-renda e da transferência de
rendas tal, em seu nível, como no sistema centro–periferia. Segundo Prebisch, esse es-
trangulamento da produção agrícola era resultado de três fatores básicos: “o regime de
posse da terra, que dificulta a assimilação da técnica”; – “a ação deficiente do Estado, para
adaptar e difundir essa técnica”; e, – “a precariedade de investimentos” (PREBISCH,
1964a, p. 18). Sobre eles o Estado deveria intervir, seja em termos redistributivos, como
em fomento e em planejamento.
Além disso, dele, do campo, provinha a maior parte da mão-de-obra desocupada ou
não absorvida, mas também nele estaria a solução mais rápida e adequada para evitar a
desocupação tecnológica (em conformidade com o nível da poupança interna disponível),
e, inclusive, reabsorver produtivamente a população ativa marginalizada nos grandes
centros urbanos ou no próprio meio rural.
A questão da terra (latifúndio improdutivo e minifúndio antieconômico x agricultu-
ra capitalista moderna) havia sido discutida nos primeiros anos da Comissão, conforme
apresentado anteriormente, entretanto, agora ela adquiriu um peso maior para a superação
da insuficiência interna
218
. Para Raúl Prebisch, persistindo a insuficiência dinâmica, os
problemas enfrentados na absorção da população camponesa deslocada para as cidades
tendiam a crescer como uma “bola de neve”. A marginalização e o desemprego refletiam a
insuficiência nas atividades absorventes (cadeia industrial e de serviços) no meio urbano:
“Longe de integrar-se à vida das cidades, de assimilarem formas melhores de vida, impro-
visam choupanas miseráveis e vegetam em toda a gama de serviços pessoais de renda ín-
fima, com lapsos de completo desemprego” (PREBISCH, 1964a, p. 34).
Além da crescente marginalização urbana originária da transferência da população
do meio rural, o campo necessitava de uma política agrícola e tecnológica e de preços para
que a agricultura pudesse “reter o fruto de seu progresso técnico, não apenas no que con-
cerne ao exterior como também ao jogo da economia interna” (PREBISCH, 1964a, p. 18).
218
Anos mais tarde, em meio a outra revisão e aprofundamento teórico, Prebisch avaliou
os limites da teses redistributiva, reconhecendo que havia dado peso demasiado ao obstá-
culo da terra: “À luz da interpretação teórica que elaborei anos depois, confesso que en-
tão caí nas explicações tradicionais referidas à concentração da terra, a proteção exces-
siva e a inflação” (PREBISCH, 1987a, p. 20).
303
Obtendo-se isso, seria possível evitar a deterioração de preços entre agricultura e indústria,
a reprodução do movimento reflexo no dualismo interno e a dependência tecnológica das
atividades primárias na economia interna, além de redistribuir diretamente a terra, enquan-
to fonte e meio de renda, à população rural mais pobre.
Na obra de 1961, da
CEPAL
, a reforma agrária havia sido proposta como medida
redistributiva para atender dois objetivos: “a) aliviar as tensões sociais com uma melhor
distribuição da propriedade e da renda, e b) aumentar a produtividade criando condições
favoráveis à tecnificação” (CEPAL, 1973, p. 38, grifo nosso).
Para Prebisch, a reforma agrária, promovida pelo Estado e acompanhada de uma
política de assistência técnica
219
, era fundamental por três motivos básicos:
A reforma é necessária impostergavelmente por três razões primordiais:
a) realizar uma mudança estrutural que permita aproveitar intensamente
o potencial de poupança e promova a mobilidade social, com importan-
tes conseqüências econômicas, sociais e políticas; b) satisfazer a procura
de uma população que cresce rapidamente e tem que melhorar sua dieta,
e c) elevar o vel de vida das massas rurais (PREBISCH, 1964a, p. 52,
grifo nosso).
A proposta de reforma agrária, enquanto medida direta, redistributiva da terra, não
tinha o propósito de transformar completamente a estrutura fundiária, nem eliminar a pro-
dução agro-exportadora, tampouco se contrapor à mecanização agrícola. Além disso, a
colonização de novas terras não era indicada, por Prebisch (1964a, p. 50), como sugestão
ao obstáculo da terra e à reabsorção da população economicamente ativa rural (originária
do crescimento demográfico e da desocupação tecnológica), haja vista os altos custos e a
insuficiência de capital para o volume dos investimentos necessários em infra-estrutura
(transporte, escoamento e serviços).
A redistribuição da terra de latifúndios mal explorados” (CEPAL, 1973, p. 41)
não requereria tamanho dispêndio de recursos e elevaria a produtividade e as rendas. As-
219
Na obra de 1961 a Comissão incluía na reforma agrária a ação do Estado no fomento
tecnológico e no financiamento agrícola: “Uma reforma agrária que não é acompanhada
de adequadas medidas de tecnificação não alcançará os efeitos que persegue, se não que
conduz ao fracasso. A tecnificação requer iniludivelmente a ação estatal tanto na tecnifi-
cação mesma como nos recursos financeiros para realizá-la” (CEPAL, 1973, p. 43).
304
sim, a atenção principal voltava-se aos latifúndios de baixíssima produtividade, cujas ren-
das elevadas provinham de atividades “atrasadas” (exploração extensiva), que garantia o
status quo a uma pequena parcela da população (privilégio social de origem colonial).
Nessa perspectiva, o parcelamento dos latifúndios pré-capitalistas” em pequenas áreas
transferia a posse da terra à parte das massas rurais, e ao mesmo tempo atingiria, em parte,
os setores oligárquicos tradicionais, ou seja, a base material e social do “atraso”. Enfim,
eliminar-se-ia o reduto do pré-capitalismo (cf. CEPAL, 1973, p. 36). Nesse aspecto, um
avanço na redistribuição da propriedade da terra envolveria um tensionamento social, com
implicações na correlação de forças e na composição das alianças políticas internas e ex-
ternas, distinguindo progressistas/reformistas e conservadores. Nesse aspecto, mesmo ten-
do claro seus limites na redistribuição direta da terra, esse tipo de reforma agrária atingiria
as relações de poder do modelo econômico anterior.
Pensada como uma medida progressista e reformista, a reforma agrária tinha a fun-
ção de reincorporar produtivamente e socialmente uma parcela (potencialmente significa-
tiva) da população rural, mas também desempenhava o papel de modernizar a estrutura
econômica (produção para subsistência e ao mercado interno) e social (renda e mobilida-
de) no meio rural. Nesse sentido, Raúl Prebisch via-a como condição imprescindível à
superação do atraso e à dinamização do desenvolvimento econômico e social e à estabili-
dade democrática, estando ao alcance dos periféricos e em conformidade com uma política
econômica em curto prazo. Em comparação com a trajetória dos países centrais, a reforma
agrária seria uma versão modesta de um acerto de contas com o passado “pré-capitalista”,
ainda vivo, do modelo “hacia afuera(regime pretérito) na América Latina, sendo uma
medida necessária ao desenvolvimento econômico e político.
Nossas sociedades primitivas não souberam fazer o que outras igualmen-
te novas ou mais novas fizeram para abrir caminho ao desenvolvi-
mento econômico e assegurar a democracia: destruir o privilégio da ter-
ra (PREBISCH, 1964a, p. 63, grifo nosso).
As desigualdades sociais existentes no campo, sustentadas a partir da concentra-
ção da propriedade da terra sem uso eficiente capitalista (formação de poupança e seu re-
305
investimento na produção), eram consideradas como o principal obstáculo à dinamização e
à mobilidade social. Isso o excluía a interdependência entre a agricultura e a indústria,
nem sua importância no aumento das exportações e do saldo em divisas na balança comer-
cial. Na realidade, com a reforma agrária, o mercado interno agrícola (produtor e consu-
midor) cresceria significativamente e contribuiria, a médio e longo prazo, na formação de
uma economia de escala, articulando o setor urbano-industrial com o agrícola (maior ho-
mogeneidade e diversidade econômica). Isso, sem contar que era o meio periférico mais
convincente, imediato e de maior amplitude à (re)absorção da força de trabalho e à gera-
ção de renda direta ou assalariada (maior homogeneidade social) no campo.
No texto de 1963, Prebisch manteve o debate sobre o tipo e a forma de utilização
da tecnologia cêntrica e substituidora da mão-de-obra na periferia. Os fins substitutivos de
mão-de-obra do progresso técnico em favor dos capitalistas (lucros e concorrência) acen-
tuariam a desocupação tecnológica e, numa situação de insuficiência dinâmica, agravaria
ainda mais os problemas da marginalização, do desemprego, da concentração populacional
nos centros urbanos maiores, da multiplicação do quantum de capital (poupança interna e
capital externo) necessário para investimento e das exigências ao planejamento e à inter-
venção do Estado na esfera econômica e nos interesses da iniciativa privada. Mantinha-se,
portanto, a necessidade de programar o desenvolvimento econômico e social na periferia:
“Assim, pois, o planejamento significa reconhecer que o livre jogo das forças econômicas
não resolve eficazmente os problemas do desenvolvimento” (CEPAL, 1973, p. 69).
O setor agrícola estaria mais vulnerável aos efeitos negativos da mecanização ori-
entada exclusivamente a partir dos interesses da iniciativa privada no meio rural. Na ver-
dade, Raúl Prebisch propunha um modelo misto de transformação no campo. Ao mesmo
tempo em que defendia um modelo progressista de reforma agrária como principal medida
redistributiva direta que atingia o latifúndio atrasado, também defendia a elevação da pro-
dutividade do setor, tanto na produção para exportação como para o mercado interno. Por
306
outro lado, insistia na adoção de uma política agrícola e tecnológica diferenciada para re-
duzir a desocupação, o êxodo rural e a pobreza no campo e nos centros urbanos.
Se efetuarmos investimentos de capital ao mecanizar as tarefas agrícolas
e eliminar a mão-de-obra, e se o pessoal assim deslocado não encontra
ocupação nas atividades absorventes, esses investimentos de capital teri-
am malogrado, isto é, teríamos desperdiçado o escasso capital da coleti-
vidade. (...)
Seria, então, necessário, dar preferência àquelas formas de tecnologia
que elevam a produtividade mediante o aumento das rendas da terra ao
invés de fazê-lo por investimentos que economizam mão-de-obra (PRE-
BISCH, 1964a, p. 51,52)
220
.
Teoricamente a proposta soa bem aos ouvidos e possui uma lógica interna, entre-
tanto, seu crivo deve ser submetido à consistência do processo histórico, onde os sujeitos
sociais interagem a partir da “lógica” dos seus interesses.
Com relação à estrutura social, a
CEPAL
(1973, p. 48) avaliava que a situação e-
xistente era incompatível com as necessidades do desenvolvimento, seja pela estrutura
predominante na distribuição de renda, como pelos entraves à mobilidade social, especi-
almente dos elementos dinâmicos. A crítica aos obstáculos da estrutura social tinha como
alvo a permanência do status quo do modelo econômico pretérito, em particular no tocante
às origens da renda dos setores mais ricos (concentração da propriedade das riquezas) e
suas formas de consumo.
220
Essa discussão retoma o problema da insuficiência periférica do círculo vicioso e a
necessidade de acelerar o ritmo de crescimento. Na obra de 1961, a Comissão destacava a
participação das atividades absorventes: “A acumulação de capital terá que se realizar em
um ritmo muito superior ao da força de trabalho para que as atividades absorventes pos-
sam cumprir plenamente sua função de dar ocupação produtiva a todo o incremento do
potencial humano que deixam as atividades expelentes (CEPAL, 1973, p. 46, grifo nos-
so).
Em 1963, Maria Conceição Tavares havia chamado atenção para os riscos de realizar a
reforma agrária sem a devida inclusão de um programa agrário voltado à realidade da a-
gricultura familiar: “A menos que o investimento governamental se oriente decididamente
no sentido de emprego de mão-de-obra e que no setor primário, onde se encontra grande
parcela de nossa população, se realize uma reforma agrária que conjugue abundantemen-
te o fator terra com o fator trabalho, aumentando a produtividade deste último através da
melhoria do uso da terra e não do emprego de técnicas de alta densidade de capital, não
antevemos possibilidades de melhorar decisivamente a situação” (TAVARES, 1983, p.
56-57).
307
Para Prebisch, essa estrutura social obstruía o progresso técnico, tendo em vista
três aspectos e/ou constatações fundamentais:
a) uma tal estrutura entorpece consideravelmente a mobilidade social, is-
to é, a origem e crescimento dos elementos dinâmicos da sociedade, dos
homens com iniciativa e energia, capazes de assumir riscos e responsabi-
lidades, tanto na técnica e na economia quanto nos outros aspectos da vi-
da coletiva;
b) a estrutura social se caracteriza em grande parte pelo privilégio na dis-
tribuição da riqueza e, assim, da renda; o privilégio debilita ou elimina
o incentivo à atividade econômica, em detrimento do emprego eficaz dos
homens, das terras e das máquinas;
c) esse privilégio distributivo não se traduz em forte ritmo de acumula-
ção de capital, a não ser em formas exageradas do consumo nas camadas
superiores da sociedade em contraste com a precária existência das mas-
sas populares (PREBISCH, 1964a, p. 12, grifo nosso).
A crítica apresentada na obra de 1963 recoloca a idéia dos textos fundadores refe-
rentes aos problemas de formação da poupança interna e sua aplicação ou destinação (con-
sumo presente ou investimento), porém com o acréscimo da contestação da estrutura de
distribuição e a concentração da riqueza e da renda. Noutra medida, os argumentos apre-
sentados contra aquela estrutura social demarcam também o envolvimento ideológico do
enfoque redistributivo. Ao elevar os valores da liberdade individual e da competência co-
mo bases para o progresso econômico e social, conforme o item “a” da citação anterior, o
enfoque defende a reforma do/no sistema. Raúl Prebisch sintetizou esse princípio na se-
guinte passagem: A livre iniciativa e competência são dois aspectos inseparáveis, porque
aquela sem esta debilita-se fatalmente no privilégio” (PREBISCH, 1964a, p. 63). Deste
modo, a mobilidade social era necessária tanto para acabar com o “privilégio” originário
do modelo anterior e reproduzido graças às grandes desigualdades sociais, quanto para
aliviar as tensões sociais, manter a coesão do tecido social e evitar rupturas fora da or-
dem
221
. Portanto, a mobilidade social era requisito para atingir a plena validez dinâmica do
221
Nota-se claramente a semelhança desse princípio com o texto da “Aliança para o Pro-
gresso” e o projeto reformista e progressista de Prebisch/
CEPAL
: Se lhes interessa o cur-
so futuro da democracia, é mister sugerir-lhes que nada poderá fortalecê-la mais na Amé-
308
sistema, como exposto no item “b” da citação anterior. Já o item “c” justificava a interven-
ção do Estado no ritmo de formação de capital, através da compressão mais efetiva do
consumo dos grupos de rendas elevadas. Através de uma política do desenvolvimento, o
Estado teria meios de orientar e incentivar os investimentos da iniciativa privada nacional
e estrangeira
222
.
Em síntese, a mobilidade social era vista como um fator básico para possibilitar a
ascensão social dos elementos dinâmicos no sentido schumpeteriano de empreendimento e
da iniciativa individual (cf. PEDRÃO, 1988). Assim, o esforço individual passaria a esti-
mular o dinamismo na esfera da economia (empreendimento, competência e concorrên-
cia), na formação do corpo tecno-burocrata da Administração Pública (Estado-Governo,
autarquias e empresas estatais) e dos serviços públicos e privados exigidos pela sociedade
urbano-industrial (formação de profissionais liberais nas áreas de assistência técnica, saú-
de, educação, serviços do setor terciário como o financeiro, transportes, planejamento em
infra-estrutura, desenvolvimento rural, gerenciamento e administração de empresas, etc.).
Enfim, a origem e a ascensão social dos setores médios” teria que ser estimulada econo-
rica Latina do que a mobilidade social, a origem e crescimento dos elementos dinâmicos
da sociedade, em virtude daquelas transformações” (PREBISCH, 1964a, p. 23, grifo nos-
so).
222
A discussão sobre o espaço de ação do Estado e da iniciativa privada e seus interesses
presentes nos textos fundadores já foi apresentada anteriormente. No texto de 1963, Pre-
bisch (1964a, p. 76-77) retoma o assunto e reafirma a necessidade de haver uma combina-
ção harmoniosa entre a ação do Estado e da iniciativa individual. Da mesma forma, rea-
firma a necessidade do planejamento para o desenvolvimento, apontando a insuficiência
do mercado como indicador plenamente confiável, principalmente na periferia, isso por
dois motivos: “a) o Estado tem de intervir, porque o mercado nem sempre dá indicações
que promovam o emprego mais econômico de recursos disponíveis, e b) também tem de o
fazer porque as indicações dadas pelas forças do mercado só concernem a uma parte das
decisões dos indivíduos, e não a todas, e especialmente a algumas que têm importância
considerável no desenvolvimento. A intervenção do Estado é essencial para guiar a ativi-
dade privada, para levá-la – sem compulsão alguma – ao cumprimento de certos objetivos
do desenvolvimento” (PREBISCH, 1964a, p. 78, grifo nosso).
Em defesa do planejamento do Estado, Prebisch expôs que nos setores de energia,
transportes, serviços públicos, produção agrícola e na substituição de importações o mer-
cado não tinha como apresentar indicadores de preço nem previsão de lucro: “Em nenhum
deles o mercado dá indicações válidas e, conseqüentemente, a iniciativa privada não pode
agir eficazmente sem a orientação do Estado” (PREBISCH, 1964a, p. 79).
309
micamente (rendas), socialmente (ascensão) e politicamente (sindicatos, partidos políticos
e governo). Sem os obstáculos do “privilégio”.
Tanto para a
CEPAL
(1973), quanto para Prebisch (1964a), as grandes desigual-
dades sociais entre os 5% mais ricos e os 50% mais pobres eram obstáculos à mobilidade
social. Em ambos os textos, o investimento público em educação (capacitação técnica e
profissional das massas)
223
foi indicado como meio para estimular a mobilidade social e,
indiretamente, como parte da política redistributiva
224
.
Os altos índices de analfabetismo existentes nos países latino-americanos retrata-
vam a acentuação da marginalização das grandes massas, principalmente no meio rural.
Em parte a escolarização remediaria esse aspecto do obstáculo à mobilidade social, ao
possibilitar maior “igualdade de oportunidades de capacitação técnica” (CEPAL, 1973, p.
49)
225
. Porém, é de conhecimento notório que os programas educacionais profissionalizan-
tes adotados no período voltavam-se, fundamentalmente, aos interesses das empresas e à
afirmação do desenvolvimentismo autoritário, como fôra o caso brasileiro
226
.
223
“A capacitação sistemática das massas populares em todos os planos da técnica pode-
ria abrir vastos horizontes à iniciativa individual ao fazer surgir e promover a mobilidade
social de elementos dinâmicos que agora se malogram em grande proporção” (CEPAL,
1973, p. 9).
224
“A primeira expressão tangível da política redistributiva da renda deveria começar por aqui, pelo inves-
timento social neste recurso humano, na origem e formação destas equipes de homens, nas oportunidades
efetivas de acesso a todos os planos de educação” (PREBISCH, 1964a, p. 60).
225
A obra “Educación, Recursos Humanos y Desarrollo en América Latina”, da CEPAL
(1968) foi dedicada ao tema da educação. Na citação que segue, a Comissão vincula a e-
ducação com os obstáculos do enfoque redistributivo: “A participação efetiva no esforço
de desenvolvimento e na distribuição de seus benefícios pressupõe uma educação sistemá-
tica dos estratos que hoje são marginais, para que possam formular exigências organiza-
das e realistas” (CEPAL, 1968, p. 6).
Em 1963, Jose Medina Echavarría destacou que de fato era possível estabelecer uma
convergência entre educação e desenvolvimento, porém também observou que a educação
não se reduzia àquela relação, mas, antes de tudo, “com o tipo de sociedade a que aspira
ou haverá de produzir esse desenvolvimento” (ECHAVARRÍA, 1964, p. 10).
226
Para o momento não cabe entrar no mérito da tese sobre a relação entre educação e mobilidade ou ascen-
são social, tampouco sobre a relação entre crescimento econômico e educação. A trajetória das reformas
educacionais adotadas no Brasil antes (projeto pedagógico de Paulo Freire) e após (Acordo
MEC/USAID
) o
310
Aníbal Pinto (1973, p. 11) foi mais crítico do que Prebisch e a
CEPAL
com rela-
ção ao papel que a educação teria na desobstrução da insuficiência dinâmica e na mobili-
dade social. Para ele, a estrutura da distribuição da riqueza e da renda era o núcleo central
das desigualdades sociais e mesmo condicionante, ponto de partida, das condições de ofer-
ta e procura, produtividade, aptidões e mesmo do acesso ao conhecimento e à formação
profissional das pessoas. Essa dependência tinha um peso maior nos países da região, onde
essas desigualdades entre os mais ricos e os mais pobres eram mais profundas.
Existe uma relação bastante estreita entre o nível de educação (...) e a re-
tribuição alcançada pelas pessoas. Mas em todos os países (e em geral,
com maior intensidade, segundo seja mais baixo o grau de desenvolvi-
mento) as possibilidades de obter educação e aprendizagem estão limita-
das ao nível da renda pessoal ou familiar (PINTO, 1973, p. 12).
Assim, por um lado, a educação fazia parte das desigualdades sociais, e, por ou-
tro, se planejada como um meio de superação da condição periférica, seu papel teria que
ultrapassar a perspectiva da capacitação técnica (recursos humanos, serviços e economia).
Por fim, no enfoque redistributivo, Prebisch e a
CEPAL
retomaram o obstáculo da
formação de capital. Além de serem mais incisivos no controle do consumo improdutivo
dos grupos sociais mais ricos, mantiveram a proposição da contribuição temporária do
capital estrangeiro. Entretanto, reconheciam que a desigualdade existente entre a iniciativa
privada nacional e a estrangeira constituía-se num problema para o desenvolvimento: “O
outro problema, que requer um esforço muito maior e persistente, é a inferioridade técnica
e econômica da iniciativa latino-americana perante a estrangeira” (PREBISCH, 1964a, p.
71).
Para evitar que a iniciativa privada estrangeira, principalmente as filiais das mul-
tinacionais do setor industrial de bens duráveis e de capital que haviam investido na pro-
Golpe Militar de 1964 e o debate produzido sobre o assunto são mais do que suficientes para esclarecer as
bases teóricas das relações entre educação, economia e justiça social, sem maniqueísmo ou superficialidade.
311
dução para o mercado interno nos países latino-americanos, durante os anos 50
227
, repetis-
se o enclave ou eliminasse a iniciativa privada nacional, Prebisch e a
CEPAL
defendiam a
associação entre ambas.
Para tanto, combinar-se-iam incentivos (isenções fiscais, mercado interno e lu-
cros)
228
às inversões locais de empresas estrangeiras com cooperação e transferência de
tecnologia, capacitação em recursos humanos e mesmo fortalecimento dos grupos priva-
dos locais.
Raúl Prebisch chegou a pensar a associação entre as empresas multinacionais e o
empresariado latino-americano como uma fase de transição, durante o qual se atingiriam
os níveis de formação de capital adequados ao ritmo do crescimento necessário, bem como
a formação de empresas nacionais com capacidade (capital, tecnologia e produtividade) de
concorrência no mercado internacional de manufaturas, seja nas demais regiões periféri-
cas, como nos países centrais, dos quais esperar-se-ia uma cooperação para o desenvolvi-
mento da periferia.
Entre Raúl Prebisch e Celso Furtado, o dúvida teórica e histórica ao se dar
razão ao último, mesmo levando em consideração as diferenças dos contextos conjunturais
entre 1963 e 1965, como ocorreu no Brasil.
Em seu artigo sobre a evolução do pensamento cepalino, que introduzia a primei-
ra antologia dos textos básicos, Aníbal Pinto soube sintetizar apropriadamente o enfoque
redistributivo através da combinação das idéias-força crescimento e eqüidade” (PINTO,
1969a, p. 44). Quanto ao crescimento não como negar que a economia, em termos ge-
rais (PIB e renda per capita), manteve um ritmo ascendente, contrariamente à tendência
227
“A partir de 1950, mais ou menos, os investimentos estrangeiros serão feitos também
no setor produtivo orientado para o mercado interno, o que imporá novas limitações e
dará novas possibilidades ao desenvolvimento” (CARDOSO e FALETTO, 1970, p. 90).
228
“Inquestionavelmente o incentivo do lucro é indispensável para atrair a iniciativa privada estrangeira.
Sem dúvida, isto tem que ser conseqüência do progresso cnico que ela traz, das novas formas de produ-
ção, organização e mercado que introduz no meio local” (PREBISCH, 1964a, p. 71).
312
estagnacionista do período anterior, mas, no que diz respeito à eqüidade social..., nem
mesmo a eqüidade de oportunidade foi alcançada!
Como a tese redistributiva desconsiderava a “divisão direta do bolo” (estrutura da
propriedade das riquezas e das rendas), por motivos de base ideológica, não como ima-
ginar um cenário econômico, social e político latino-americano e imperialista nessa pers-
pectiva. Todavia, a marginalização e a exclusão social mantiveram-se, e em crescimento,
como característica da sociedade periférica (subdesenvolvida ou em desenvolvimento,
como queiram). Por outro lado, a experiência cubana e as ditaduras militares retrataram
cenas da capacidade de ação e reação da mobilização popular-nacional e do imperialismo
estadunidense na América Latina.
Na revisão teórica e prática que Raúl Prebisch realizou durante os anos 70, na
“crítica ao capitalismo periférico”, este assunto, a eqüidade social e as possibilidades de
solução da crise estrutural da luta distributiva (eutanásia do excedente, avanço irrestrito do
poder sindical e político da força de trabalho, e o uso da força no restabelecimento do ex-
cedente e da sociedade privilegiada de consumo), à esquerda ou à direita, foram aprofun-
dadas, levando em consideração os rumos do desenvolvimento no processo histórico das
décadas anteriores, como pode ser visto no Capítulo 8.
313
K
KK
K
K
KK
K
M
MM
M
M
MM
M
P
PP
P
P
PP
P
R
RR
R
R
RR
R
“O estabelecimento de um
mercado comum tem a vantagem
de que – sem prejudicar as
possibilidades de especiali-
zação – permite chegar mais
longe no processo de substi-
tuição do que seria possível
no âmbito do mercado de cada
país”.
#

O tema
da integração regional e a proposta de criação de um espaço econômico-
comercial supranacional latino-americano acompanharam a trajetória intelectual cepalina e
fizeram parte das discussões sobre os limites (insuficiência, crise e estagnação) e as possi-
bilidades de avanço do processo de industrialização dinâmica das economias nos países da
região. Na verdade, tratando-se da idéia da integração latino-americana, a Comissão avan-
çou teórica e praticamente na questão durante este período (1948/49 aa década de 60).
Teoricamente, porque alguns aspectos do assunto haviam sido levantados nos textos
fundadores, como o comércio recíproco e as exportações de manufaturas entre os países
latino-americanos (CEPAL, 1957, p. 9), passando pela proposição da integração (princí-
pios básicos, propostas e etapas na formação do mercado comum), até a discussão do pro-
blema da aceleração da integração e seus obstáculos, em meados dos anos 60. Praticamen-
te, porque a Comissão criou espaços e instâncias internas de discussão e de sistematização
da questão, como o Comitê de Comércio (
CC-CEPAL
) e o Grupo de Trabalho do Mercado
Regional Latino-Americano (GTMR), além de coordenar e assessorar atividades intergo-
vernamentais sobre o assunto e acompanhar os trabalhos de elaboração dos tratados de
integração sub-regionais firmados pelos governos dos países da região.
314
No debate sobre a integração latino-americana (sub-regional, regional e continental)
recente, verifica-se, principalmente nos estudos de caráter introdutório, uma revisão dos
antecedentes históricos limitada às experiências institucionalizadas e à atuação governa-
mental e dos organismos oficiais (nacionais ou internacionais), com destaque para os casos
da Associação Latino-Americana de Livre Comércio (
ALALC
), estabelecida através do
Tratado de Montevidéu, em 18 de fevereiro de 1960, do Mercado Comum Centro-
Americano (
MCCA
), firmado pelo Tratado de Manágua, em 13 de outubro de 1960, e do
Pacto Andino, firmado pelo Acordo de Cartagena, aos 26 dias de maio de 1969 (cf., por
exemplo, GARCIA Jr., 1998; BRASIL, [s.d]), e com menos freqüência da Comunidade e
Mercado Comum do Caribe (CARICON)
229
. Da mesma forma, a o ser os trabalhos mais
especializados, os demais apenas fazem menção ou citam rapidamente que a CEPAL con-
tribuiu teórica e praticamente na questão, porém sem entrar no mérito do seu conteúdo.
Ao tratar da contribuição da
CEPAL
para o tema da integração, Aníbal Pinto (1969,
p. 35) destacou a importância da sua atuação teórica (concepção de integração) e da sua
participação na campanha a favor da integração. Não dúvidas de que a participação da
Comissão foi significativa para o debate, a definição dos acordos firmados e o tipo de in-
tegração definida sub-regionalmente, fatos estes que a própria atuação junto aos governos
latino-americanos e aos organismos internacionais (
ONU
,
OEA
e
BID
) e a agenda cepalina
comprovam. Entretanto, as divergências e as dificuldades não foram poucas, principal-
mente com relação à orientação livre-cambista do governo norte-americano (antes de 1960
e após a Aliança para o Progresso), das empresas multinacionais desse país que atuavam
na região, do Acordo Geral Sobre Tarifas e Comércio (
GATT
)
230
, do
FMI
e do
BIRD
(transações financeiras, movimento de capitais e pagamentos internacionais), assim como
as posições de governos (Grupo dos 4 do Cone Sul: Argentina, Brasil, Chile e Uruguai,
por exemplo) e de grupos internos dos países latino-americanos interessados no livre-
comércio. Todavia, isso não isentou totalmente a própria
CEPAL
de seguir uma orientação
de base comercialista
231
.
Considerando que o estudo das experiências sub-regionais e das polêmicas que exis-
tiram especialmente entre a CEPAL, os governos locais, a política norte-americana para a
América Latina e os organismos internacionais, além dos resultados alcançados, exigiria
um estudo mais detalhado e uma atenção maior, neste estudo a abordagem foi delimitada à
concepção cepalina sobre a integração enquanto regionalização do modelo substitutivo
229
Como estas experiências não foram aprofundadas neste estudo, segue a indicação dos seguintes tex-
tos/obras, arroladas nas Referências Bibliográficas, para uma leitura adequada aos interessados: ALALC
(1961), Alfredo da Motta Menezes (1990), José Carlos B. Aleixo (1970), Manoel Luzardo de Almeida
(1967), Cladys S. Benegas Cristaldo (1994), Sidney Dell (1965 e 1966), Gustavo Magariños (1967), Dori-
valdo W. Poletto (2000b), Celson J. da Silva (1990), Helder Gordin da Silveira (1992) e Miguel S. Wionc-
zek (1966a, 1966b e 1969).
O autor realizou um estudo inicial sobre a Área Latino-Americana de Livre Comércio (
ALALC)
e a Asso-
ciação Latino-Americana de Integração (
ALADI
) que pode ser encontrado em KOLING (1997a, p. 58-101).
Apesar de coincidir com o período inicial da discussão cepalina sobre a integração latino-americana e as
vantagens do comércio recíproco interlatino-americano, o Pacto
ABC
Vargas-Perón-Ibañez (envolvendo a
Argentina, o Brasil e o Chile) não foi incluído neste referencial (cf. ALMEIDA, P. 1998 e 2000).
230
A bibliografia indicada na nota anterior permite avaliar o grau de divergência que havia entre o projeto
cepalino e do governo norte-americano e do GATT. O Artigo XXIV do GATT estabelecia as condições e
exigências sobre os impactos que os acordos de integração poderiam gerar no movimento comercial interna-
cional (aumento ou desvio do comércio) (cf. DELL, 1966, p. 315-318). O desvio de comércio não era aceito,
pois atingiria o livre-comércio (teoria das vantagens comparativas). Para uma leitura sobre o papel do GATT
no estabelecimento de uma ordem liberal no comércio internacional no pós-guerra e sobre as rodadas comer-
ciais, cf. Bhawati (1989); Balassa (1964a, 1964b e 1966); Brum (1992) e Flávia de Mello (1992).
231
Sobre o assunto reveja as indicações da nota anterior, principalmente Sidney Dell, Miguel S. Wionczek,
Celson J. da Silva e Helder G. da Silveira.
315
de importações, visando ao aprofundamento da industrialização e à solução da vulnerabi-
lidade externa (CEPAL, 1959, p. 4). Nessa perspectiva, percebe-se que a Comissão apre-
sentou uma trajetória teórico-prática sobre a integração regional inspirada, obviamente, na
sua teoria do sistema centro–periferia. Pode-se dizer, inclusive, que, se a proposta da in-
dustrialização periférica latino-americana veio a ser uma crítica à tese das vantagens
comparativas, no comércio internacional, a proposta da integração regional pode ser vista
como um novo modelo de desenvolvimento supranacional (internacional), gestado na peri-
feria, convergente para uma homogeneização econômica, onde haveria uma divisão regio-
nal do trabalho e da industrialização substitutiva que não reproduzisse, em seu espaço, o
sistema centro–periferia, e cuja política econômica regional geraria os meios para a elimi-
nação da dependência (vulnerabilidade) externa do movimento reflexo e as condições para
aprofundar a industrialização com dinamismo próprio, ou seja, interno e regional (CEPAL,
1969a, p. 66-67).
A discussão sobre a integração tomou corpo institucional após o Sexto Período de
Sessões da Comissão, realizado no ano de 1955, que aprovou a criação do Comitê de Co-
mércio (CC–CEPAL), Resolução 101 (VI) da CEPAL
232
, mas, como é frisado pela literatu-
ra especializada, o tema havia sido tratado no Estudio de 1949. Todavia, praticamente
não comentário sobre a abordagem apresentada nessa edição do Estudio, nem das edi-
ções dos anos subseqüentes, lacuna esta que será tratada em seguida, afinal, a concepção
de integração parte dos mesmos aspectos estruturais do círculo vicioso, da dependência
tecnológica e da vulnerabilidade externa.
Outro elemento a ser observado é que nas obras e textos “Los Pagos y el Mercado
Regional en el Comercio Interlatinoamericano: Análisis y Recomendaciones”, de 1956,
“Los Problemas Actuales Del Comercio Interlatinoamericano”, de 1957, “El Mercado
Común Latinoamericano”, de 1959, “Desarrollo Económico, Planeamiento y Cooperaci-
ón Internacional”, de 1961, e “Hacia una Dinámica Del Desarrollo Latinoamericano”,
de 1963, a integração latino-americana foi contextualizada, teórica e praticamente,
enquanto solução da crise do desenvolvimento, diante da insuficiência dinâmica e das
falhas na industrialização. Por sua vez, na obra “Hacia la Integración Acelerada de Amé-
rica Latina”, de 1965, reproduziu-se, naquele momento, o debate sobre os obstáculos e as
falhas, porém da/na integração. nos textos “Nueva Política Comercial Para el
Desarrollo”, de 1964, “Hacia una Estrategia Global Del Desarrollo”, de 1968, Raúl
Prebisch, estando à frente da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e
Desenvolvimento (UNCTAD/ONU), recolocou e aprofundou a proposta de se criar uma
nova ordem no comércio internacional em favor do desenvolvimento econômico dos
países periféricos (de menor desenvolvimento econômico ou em desenvolvimento) e
retomou sua crítica ao tratamento diferenciado dado pelo GATT aos países centrais em
detrimento dos países periféricos, em matéria de política comercial (acesso aos mercados e
políticas protecionistas) interna e internacional. Na realidade, os países centrais detinham
maior influência naquele Organismo, utilizando-o em defesa dos interesses econômico-
comerciais nacionais. Ora, o que perpassou esta trajetória histórica e intelectual foi
justamente a problemática e a interpretação da condição periférica desenvolvida por
Prebisch/CEPAL, incorporando, nisto, os limites da visão estruturalista cepalina do
desenvolvimento. No “Prólogo” da obra de 1965, indicada no parágrafo anterior, Plácido García Rey-
noso considerou que, naquele momento, se vivia a terceira etapa do processo de integra-
ção econômica na América Latina, cujos momentos anteriores, primeira e segunda etapas,
foram situados entre 1948-1960 e 1960-1965:
232
O Sexto Período de Sessões foi realizado em Bogotá entre agosto e setembro de 1955. Para o evento foi
elaborado o texto Estudio Del Comercio Interlatinoamericano (E/CN.12/369 Rev. 1), que serviu de base às
discussões que levaram à aprovação da criação do Comitê de Comércio, pela Resolução 101(VI), de
15/09/1955. Infelizmente não foi possível obter cópia do texto base do evento para a realização deste estudo.
316
A primeira etapa, iniciada imediatamente depois da criação da
Comissão Econômica para América Latina, em fins de quarenta, culmi-
nou depois de uma década de trabalhos e de exploração e da prepara-
ção da opinião pública – na assinatura, em 1960, do Tratado de Montevi-
déu, que estabeleceu a Associação Latino-Americana de Livre Comércio,
e o Tratado de Manágua, que estabeleceu as bases definitivas para o
Mercado Comum Centro-Americano.
A segunda etapa, que cobre os últimos cinco anos, corresponde
ao período durante o qual, e dentro dos marcos criados pelos dois Trata-
dos, a grande maioria das repúblicas latino-americanas realizou esforços
consideráveis para encontrar o caminho correto e eficaz que desemboca-
definitivamente na cooperação econômica regional (REYNOSO,
1969, p. xi).
Em sua Carta enviada aos representantes dos principais organismos internacionais
vinculados aos países da América Latina
233
, datada aos 6 de janeiro de 1965, Eduardo Frei,
então Presidente do Chile, expusera sua avaliação sobre os caminhos que a integração po-
deria tomar, doravante, no desenvolvimento latino-americano:
Nosso processo de integração está diante de duas alternativas:
uma, a da sua progressiva aceleração e ampliação, e outra – que é preciso
evitar –, a de uma perda gradual de importância em sua condição de fator
decisivo para o desenvolvimento da região e de elemento unificador de
233
A Carta foi destinada para as seguintes autoridades: Felipe Herrera (Presidente do
BID
), Carlos Sanz de Santamaría (Presidente do Comitê Interlatino-Americano da Aliança
para o Progresso -
CIAP
), José Antonio Mayobre (Secretário-Executivo da
CEPAL
) e Ra-
úl Prebisch (Secretário-Geral da UNCTAD) (cf.: DELL, 1965, p. 245; CEPAL, 1954b, p.x).
Certamente que o tema da integração não era assunto desconhecido de Eduardo Frei,
muito menos o pensamento desenvolvimentista cepalino, afinal, ele havia sido presidente
da Junta Preparatória da
CEPAL
, encarregada de elaborar o documento, a pedido da
OE-
A/CIES
, que resultou na obra “A Cooperação Internacional na Política de Desenvolvi-
mento Latino-Americano”, onde se fez menção à importância da reciprocidade no comér-
cio interlatino-americano (cf. CEPAL, 1954b, p. 86-87).
317
critérios latino-americanos frente aos grandes problemas econômicos
mundiais (FREI, 1969, p. xi).
Nestas indicações de Plácido Reynoso e de Eduardo Frei observa-se que o tema
da integração acompanhou os passos da teoria do subdesenvolvimento sobre os problemas
e os obstáculos da industrialização periférica. Octavio Rodríguez também indicou esta
correlação afirmando que, “no pensamento da CEPAL, a integração regional é uma con-
clusão da política econômica coerentemente ligada ao conjunto de contribuições teóricas
que constituem a interpretação da industrialização periférica” (RODRÍGUEZ, 1981, p.
162, grifo nosso).
Integrada à interpretação da industrialização latino-americana, enquanto crítica do
modelo pretérito de crescimento e de inserção internacional e da sua base teórica (laissez-
faire), a integração regional também foi pensada como uma resposta periférica ao alcance
periférico, porém sua construção não era uma tarefa simples. Teoricamente convincente,
mas historicamente imbricada na mais ampla diversidade latino-americana (PREBISCH,
1951 e 1973; cf. ROUQUIÉ, 1991) e embebida num leque de interesses, seus avanços
também estiveram submetidos às vicissitudes teóricas e práticas da substituição de impor-
tações.
Ao problematizar a crise do modelo de crescimento econômico anterior, “para fo-
ra”, e apresentar a configuração do sistema centro–periferia e suas relações de dependên-
cia, Raúl Prebisch e a
CEPAL
contextualizaram e realçaram a importância da industriali-
zação ocorrida, principalmente, no período de 1930-1945. Da mesma forma, ao apresenta-
rem os problemas do círculo vicioso – a base desarrollista da insuficiência dinâmica –,
valorizaram a positividade da industrialização periférica e defenderam seu aprofundamen-
to, mas também indicaram os limites estruturais locais e do sistema geral. Portanto, este
318
foi o primeiro referencial histórico e econômico-comercial latino-americano utilizado em
favor da integração periférica, já presente no primeiro texto cepalino que tratou do desen-
volvimento econômico regional: o Estudio de 1948.
6.1 – A ACELERAÇÃO DE ORIGEM PERIFÉRICA: O PAPEL DA INTEGRA-
ÇÃO NO DESENVOLVIMENTO LATINO-AMERICANO
No Estudio de 1948, a Comissão abordou a positividade e os problemas que a in-
dustrialização e o comércio exterior apresentaram no período de 1930-1945, e ambos as-
pectos foram mantidos na discussão posterior sobre a integração regional. Durante o perí-
odo de exceção periférica a substituição de importações foi acompanhada de um novo
fluxo comercial exterior, haja vista a própria quebra da economia nos países centrais (crise
de 29) e a economia de guerra durante o segundo conflito mundial, principalmente na Eu-
ropa. Esta avaliação foi apresentada na seguinte passagem da obra:
O comércio interlatino-americano foi, guardando as devidas pro-
porções, o maior beneficiado com a nova distribuição das exportações
desse grupo continental. As razões que motivaram a mudança são óbvias.
A perda dos mercados da Europa seja ela cliente ou fornecedora, obrigou
aos países latino-americanos a buscar, por sua vez, novas saídas e novas
fontes de abastecimento em mercados mais acessíveis (CEPAL, 1949, p.
244).
Dessa mudança forçada e necessária, os países latino-americanos viram-se diante
da impossibilidade de importar determinados produtos (combustíveis, determinados bens
de consumo, bens intermediários e tecnologias) ou mesmo de contarem com inversões ou
empréstimos estrangeiros no molde anterior
234
. Além do aumento da produção substituti-
234
Aqui não vem ao caso tratar, por exemplo, das negociações realizadas entre o Governo Vargas e o Go-
verno Norte-Americano referente à construção da Companhia Nacional de Volta Redonda, em 1942, pois os
319
va, dessa “crise”, ou da “desordem internacional do laissez-faire”, geraram-se, na visão da
CEPAL
, outros três pontos positivos para a região: – o aumento do comércio interlatino-
americano, se comparados, principalmente, o ano de 1937 com 1946 ou 1937 com 1943, –
a importância e o peso que o comércio interlatino-americano poderia adquirir no desen-
volvimento regional, – as possibilidades que os produtos manufaturados poderiam ocupar
neste quadro
235
.
Da economia política cepalina provinha a base teórica dos problemas existentes,
conforme sua noção inicial do desenvolvimento: a incompatibilidade entre o padrão da
tecnologia moderna e o porte dos mercados nacionais latino-americanos numa economia
capitalista e seu comprometimento na realização dos fins sociais do progresso técnico de
elevar o nível de vida da população. Afora o círculo vicioso indicado no Manifesto, pode-
se considerar que, no Estudio de 1948, este princípio da economia política já havia sido
assuntos de guerra estiveram presentes (uso da base aérea em Natal pelos EUA). Mesmo assim, cabe men-
cionar que o assunto foi indicado no Estudio de 1948 (CEPAL, 1949, p. 12) e de 1949 (CEPAL, 1951a, p.
261).
235
Nos Anexos foram incluídas algumas tabelas sobre o comércio interlatino-americano e internacional dos
países latino-americano publicadas no Estudio de 1948. o elas: a Tabela 11(A) que apresenta a distribui-
ção das exportações por grupos limítrofes ou vizinhos; a Tabela 11(B) que trata do valor dos produtos manu-
faturados no total das exportações de quatro países latino-americanos; a Tabela 12(A) que indica a distribui-
ção das exportações latino-americanas por países; e a Tabela 12(B) que informa a distribuição das importa-
ções latino-americanas segundo sua procedência.
Não cabe aqui recolocar os dados nem fazer comparativos. Entretanto, novamente chamam a atenção às
assimetrias interlatino-americanas sempre frisadas pelo pensamento periférico e assunto constante no debate
sobre o sistema centro-periferia e a integração. O destaque apresentado na Tabela 11(B) para os quatro
países (Argentina, Brasil, Chile e México) pode ser mantido na avaliação das demais tabelas. Da mesma
forma, os dados dos países centro-americanos também caracterizavam aquela região. As diferenças entre os
países latino-americanos, principalmente a referente ao desenvolvimento econômico relativo (maior e me-
nor), bem como entre os setores econômicos internos e regionais (agricultura e indústria) foram levadas em
consideração pela
CEPAL
no debate sobre a integração.
A Comissão sempre reconheceu as desigualdades e assimetrias existentes na América Latina, mesmo
propondo uma caracterização comum à região. A título de exemplo, se se juntarem os 6 primeiros países
para os dados da distribuição das exportações latino-americanas (Tabela 12(A) Anexo), no ano de 1937 eles
participaram com 82,9%, em 1943 com 79,3%, em 1946 com 80,9% e em 1947 com 83,3%.
O Estudio de 1948 apresentou uma radiografia setorial da economia latino-americana, ressaltando a per-
manência do quadro estrutural da pauta das exportações, com predominância dos produtos tradicionais (pre-
domínio dos produtos primários). O texto também informa que os países de maior desenvolvimento econô-
mico (Argentina, Brasil e México) exportavam “manufaturados fáceis” para os demais países da região,
inclusive substituindo fornecedores cêntricos (cf. CEPAL, 1949, p. 239). Todavia, isso não nega a importân-
cia que o comércio interlatino-americano poderia ter, em termos de volume e de valor, no intercâmbio regio-
nal.
320
tratado: “o tamanho reduzido dos mercados nacionais não permite, em muitos casos, o
emprego de técnicas de produção em série” (CEPAL, 1949, p.18, grifo nosso).
Estes dois aspectos – tecnologia moderna e escala do mercado – orientaram a tra-
jetória da problemática da industrialização e da integração. Um indicando a importância de
a periferia voltar-se sobre si mesma (mercado interno) e para os seus vizinhos iguais. O
outro indicando o imperativo do progresso técnico e suas exigências produtivas (produti-
vidade, especialização e concorrência) e de consumo. Considerando os referenciais da
economia política cepalina sobre a determinação do progresso técnico na economia e para
a melhoria das condições de vida das massas, a adequação do tamanho do mercado aos
níveis de produtividade ótima do padrão tecnológico mais recente possibilitaria um incre-
mento na formação do capital, na renda e no consumo (diminuição dos preços dos produ-
tos à população, decorrente da redução dos custos da produção unitária associado à escala
do mercado). Estes seriam os “benefícios sociais” do progresso técnico na economia capi-
talista e a finalidade do crescimento econômico, porém sua realização na periferia exigiria
planejamento, incluindo nisso uma política para a integração econômica e uma política
integracionista (desenvolvimento regionalizado).
No Manifesto, Raúl Prebisch avançou na exposição dos pontos centrais ao rela-
cionar as exigências do progresso técnico para com a economia de escala e o papel do in-
tercâmbio interlatino-americano. Como a industrialização se manteve “para dentro” e “fe-
chada” em cada país, pois o espaço nacional era e é o marco do desenvolvimento (estado-
nação independente, soberano e regulador dos fatores produtivos e suas relações), a insufi-
ciência na escala das economias internas (produção e consumo, produtividade e poupança)
caracterizava, para mais ou para menos, conforme cada país, o tamanho desse problema: a
ociosidade tecnológica, o paralelismo, o fracionamento dos mercados, a industrialização
voltada para o mercado interno (compartimentos estanques) e o protecionismo interno
(tarifas comerciais elevadas). Assim, para Prebisch, as fronteiras nacionais e as barreiras
321
comerciais haviam limitado a racionalização da industrialização: “Nos países da América
Latina se está tratando, geralmente, de desenvolver de um lado da fronteira as mesmas
indústrias que do outro. Isto tende a diminuir a eficácia produtora e conspira contra a con-
secução do fim social que se busca” (PREBISCH, 1949, p. 53)
236
.
À época, Raúl Prebisch havia indicado como uma solução o estabelecimento de
“uma política clarividente de interdependência econômica” latino-americana, o que “pode-
ria remover com grande benefício recíproco” (PREBISCH, 1949, p. 53) e favorecer o co-
mércio multilateral regional e internacional.
Foi no Estudio de 1949 que Prebisch (1951) e a CEPAL (1951a) chegaram a pro-
por, senão uma resposta estável, pelo menos um caminho a ser seguido para uma solução
desse problema existente na América Latina (progresso técnico e economia de escala),
através da integração, cooperação e reciprocidade no comércio interlatino-americano
237
.
Os pontos de partida foram os problemas e os limites da industrialização e a de-
pendência estrutural que o sistema centro–periferia impunha à região na divisão interna-
cional do trabalho e do intercâmbio (deterioração dos preços, vulnerabilidade externa, ba-
236
Na mesma página do Manifesto, Prebisch considerou este problema da seguinte forma:
“A possibilidade de que se chegue a perder uma parte importante do fruto do progresso
técnico por causa do excessivo fracionamento dos mercados é, pois, outro dos limites do
desenvolvimento industrial de nossos países (CEPAL, 1949, p. 53, grifo nosso).
Para Prebisch/CEPAL, além do quadro geral negativo da insuficiência dinâmica, havia
um desperdício de capital nas inversões substitutivas, haja vista a ociosidade tecnológica,
ou seja, como a maioria dos países latino-americanos possuía um mercado interno reduzi-
do, o volume dos investimentos e a capacidade instalada não encontravam uso ótimo. Nes-
se sentido, a integração regional era vista como uma das soluções compatíveis, pois ampli-
aria o mercado consumidor e otimizaria o uso ótimo da tecnologia disponível.
237
O marco inaugural da discussão e da apresentação de uma proposta de integração regi-
onal cepalina foi recolocado no Informe da Primeira Reunião do Grupo de Trabalho do
Mercado Regional Latino-Americano, incluído na obra de 1959 da Comissão: “O conceito
de integração da economia latino-americana já aparece no Estudio Económico de Améri-
ca Latina 1949 da CEPAL e vai adquirindo consistência em seus trabalhos posteriores.
Neste sentido, cabe destacar que a primeira expressão de idéias definidas sobre estrutu-
ração do mercado regional se encontra no documento intitulado Los pagos y el mercado
regional interlatino-americano(CEPAL, 1959, p. 23, grifo no original).
322
lança de pagamentos, poupança, elasticidade-renda, movimento reflexo, dependência tec-
nológica e capacidade e necessidade de importar e de exportar).
Como o próprio Prebisch informou, no Estudio de 1949 foi aprofundada e deta-
lhada a interpretação do desenvolvimento econômico latino-americano e seus problemas
no contexto da propagação universal do progresso técnico que deu base à formação do
sistema centro–periferia, exposta inicialmente no Manifesto. Assim, neste Estudio também
foi apresentada uma perspectiva periférica direcionada para a formação de espaços eco-
nômico-comerciais latino-americanos. Uma vez desenhada a dependência e o desequilí-
brio existente no comércio entre os países centrais e os periféricos, a CEPAL visualizava
duas possibilidades: uma delas seria a adoção de reajustes periódicos do desequilíbrio
externo em favor dos países periféricos, mas para isso os países industrializados teriam
que abrir o de contrapartida em nome da cooperação internacional para o desenvolvi-
mento
238
; – a outra seria a adoção de formas de cooperação, de intercâmbio recíproco e de
integração regional para obtenção da economia de escala e do dinamismo industrial.
Como a primeira possibilidade dependia da vontade dos países centrais, a segun-
da estava mais próxima dos periféricos e havia indicativos de ganhos comuns para os paí-
ses latino-americanos, conforme a argumentação apresentada no Estudio de 1949:
Trocar alimentos e matérias-primas por produtos industriais, co-
mo nos tempos do crescimento para fora, não poderia representar uma
solução estável destes problemas, entre os países latino-americanos. Na
verdade, não nenhuma razão fundamental para que não se possa de-
senvolver um intercâmbio ativo de manufaturas que abra reciprocamen-
238
Para efetivar esta possibilidade, os países periféricos teriam que ter a capacidade suficiente para estabele-
cer um novo referencial para as relações econômicas internacionais e institucionalizá-lo no intercâmbio
comercial e financeiro mundial (produtos, serviços, capitais e fatores produtivos), junto aos países (regula-
mentação interna) e aos organismos internacionais.
Raúl Prebisch retomou e aprofundou esta questão no texto “Nueva Política Comercial para el Desarrol-
lo”, em 1964, na UNCTAD. Sobre o assunto veja também a obra da CEPAL El Mercado Común Latinoame-
ricano” (1959, 6 ss).
323
te a cada país o mercado do outro, para seus produtos especializados.
Tal é o caso dos produtos daquelas indústrias essencialmente dinâmicas,
isto é, aquelas que poderiam contar com o vasto mercado potencial dos
países latino-americanos (CEPAL, 1951a, p. 204, grifo nosso).
Esta possibilidade tinha sustentação teórica, pela crítica feita ao modelo anterior,
e prática, pela importância que o comércio externo inter-regional poderia ocupar. O exem-
plo do intercâmbio realizado entre o Chile e a Argentina, citado no Estudio de 1949, con-
firmava a validade histórica da reciprocidade e suas vantagens para o dinamismo (progres-
so técnico, economia de escala e especialização): o “Chile, que tem que importar alimen-
tos da Argentina, a qual, por sua vez, tem de adquirir grandes quantidades de carvão es-
trangeiro” (CEPAL, 1951a, p. 363).
O comércio interlatino-americano, seja de produtos primários, mas principalmen-
te a potencialidade dos produtos industrializados, poderia resolver, gradualmente, o pro-
blema do desequilíbrio externo que as economias periféricas apresentavam no intercâmbio
com os países centrais no sistema, haja vista a necessidade de substituir (mercado interno e
elasticidade-renda), de investir (poupança e inversões), de importar (bens e tecnologia) e
de exportar (saldos comerciais). Portanto, segundo a Comissão, esta alternativa geraria, ao
mesmo tempo, economia de escala e capacidade de compra internacional, revitalizando
os setores dinâmicos e a especialização industrial regional, atingindo, com isso, um aspec-
to do núcleo do círculo vicioso interno (produtividade, capital e poupança), do problema
da restrição das importações e do uso adequado do potencial do progresso técnico (escala
e preços). Cabe retomar, neste momento, a visão liberal compartilhada pelos cepalinos
acerca da posição de carro-chefe que os setores industriais dinâmicos ocupavam na eco-
nomia tanto na inovação quanto na propagação do progresso técnico para os demais seto-
res produtivos (diversificação e homogeneização) e seus benefícios sociais (elevação da
324
renda per capita), espelhada no modelo de desenvolvimento cêntrico do capitalismo mo-
derno europeu, norte-americano e japonês.
Por fim, concretizando-se a regionalização do intercâmbio de produtos industria-
lizados, e também agrícolas, os países latino-americanos poderiam manter um ritmo de
crescimento substituindo, importando e exportando, acima dos limites e das restrições que
o intercâmbio no sistema centro–periferia lhes impunha. No Estudio de 1949, a produção
de ferro e aço chilena foi utilizada como outro exemplo histórico para defender a viabili-
dade do caminho alternativo latino-americano, através da aceleração de origem periférica.
A produção de ferro e aço não interessa somente para o Chile, enquanto
indústria básica, mas se reveste com outros aspectos de grande interesse.
Trata-se de uma das poucas indústrias da América Latina cuja constitui-
ção leva em conta o mercado de outros países vizinhos. Para cumprir-se
o propósito de exportar para estes países os produtos da indústria side-
rúrgica chilena, realizou-se uma experiência de considerável significa-
ção, pois o Chile, como outros países que, não obstante sua limitada po-
pulação, possuem clara vocação industrial, tem limitações para ela pela
estreiteza do mercado. Ao exportar produtos industriais, e não apenas
meras matérias-primas, introduzir-se-ia para este país possibilidades de
desenvolvimento tanto ou mais reais que as procedentes de restringir as
importações (CEPAL, 1951a, p. 370, grifo nosso)
239
.
Através do comércio recíproco interlatino-americano abriam-se possibilidades para o
desenvolvimento que o sistema centro–periferia fechava. Nesse sentido, a dependência
periférica no sistema era cada vez mais perversa, pois, a industrialização substitutiva reco-
locava novas necessidades de importar, comprometendo mais ainda a capacidade de im-
portar. Na normalidade da dependência periférica, no movimento reflexo restava ampliar a
produção substitutiva, mas isso acentuava o dilema inicial, ou restringir as importações e,
com isso, diminuir o ritmo do crescimento no limite dos saldos comerciais (exportações
primárias) e das oscilações na relação de preços no intercâmbio dentro do sistema, mas
isso, por sua vez, aumentava a brecha entre o centro e a periferia, o atraso tecnológico e o
239
No documento produzido pelo Comitê de Comércio da CEPAL, intitulado “El Régimen
de Pagos e el Mercado Regional en el Comercio Interlatinoamericano”, publicado como
Segunda Parte da obra “Problemas Actuales Del Comercio Interlatinoamericano”, de
1956 (CEPAL, 1957), foi apresentado “Um caso de intercâmbio regional de manufaturas:
o acordo entre os industriais argentinos e chilenos”, convênio firmado em 19/7/1954,
entre a Associação de Industriais Metalúrgicos do Chile (ASIMET) e a Federação Argen-
tina da Indústria Metalúrgica (CEPAL, 1957, p. 61).
O acordo estabelecia uma complementação da indústria sidero-metalúrgica de ambos
países e indicava que produto metalúrgico cada país poderia exportar para outro. Além do
mais, o convênio e a lista dos produtos foi apresentada para discussão na União Econômi-
ca Argentino-Chilena (CEPAL, 1957, p. 61).
325
quantum de capital para a retomada da aceleração do ritmo de crescimento. Esta discussão
retorna ao tema do papel do Estado e do planejamento no desenvolvimento para superar a
insuficiência dinâmica periférica.
Pela lógica do sistema, o único caminho possível para a periferia seria acelerar seu
ritmo de crescimento acima dos índices cêntricos, para “estreitar progressivamente as dife-
renças de renda com os grandes centros industriais” (CEPAL, 1959, p. 4). Como, até en-
tão, o movimento de crescimento de origem cêntrica acabava nas crises cíclicas e na vul-
nerabilidade externa da periferia, tampouco os países centrais e os empresários capitalistas
estavam dispostos a praticar “filantropia” para uma aceleração do ritmo de crescimento
periférico, nem havia condição de se repetir, aqui, a evolução clássica, então a busca de
uma alternativa de aceleração periférica estaria localizada no próprio espaço interlatino-
americano.
Vista na perspectiva do movimento reflexo, no Estudio de 1949 a integração foi con-
cebida como uma alternativa para gerar capacidade de compra internacional a partir do
comércio preferencial interlatino-americano, o que aliviaria a situação passiva que as rela-
ções comerciais com o centro impunham aos países periféricos na normalidade estrutural
do sistema centro–periferia (PREBISCH, 1982b, p. 461).
Gerando capacidade de compra mediante a adoção de medidas favoráveis ao comér-
cio recíproco, os países latino-americanos não comprometeriam tanto assim seu ritmo de
crescimento, nem precisariam acentuar as restrições em função do desequilíbrio externo
dependente do centro, e mais, poderiam dinamizar e avançar na política substitutiva na
fronteira regional e qualificar sua inserção internacional importando (novas tecnologias) e
exportando produtos industrializados de seus ramos de maior especialização, seja no mer-
cado intra-regional ou para outras regiões periféricas e mesmo para os países centrais.
Esta argumentação passa desapercebida nos comentários sobre a presença do tema
da integração no Estudio de 1949. Entretanto, trata-se da melhor defesa de um programa
cepalino para uma regionalização da substituição de importações.
Se um país em desenvolvimento restringe a importação de artigos manu-
faturados dos grandes centros, é porque, não sendo possível pagá-las
com produtos primários, tampouco poderia fazê-lo com artigos industri-
ais. É pouco provável, com efeito, que um país latino-americano pode
exportar estes artigos para aqueles centros, por causa das grandes dife-
renças de produtividade. Por outro lado, concebe-se que este mesmo país
pode realizar exportações de artigos industriais para outros países latino-
americanos e receber, por sua vez, exportações industriais deles. Mas,
para isso, seria indispensável um regime de preferências, pois, em igual-
dade de condições, prevaleceria, fatalmente, o produto dos grandes cen-
tros (CEPAL, 1951a, p. 403-404, grifo nosso).
Como o alvo central do Manifesto e do Estudio de 1949 era a crítica da teoria e do
modelo pretérito e a defesa da industrialização periférica, para sustentar a nova interpreta-
ção e a importância da criação de um regime de preferências no comércio interlatino-
americano, também foram expostas suas vantagens para a continuidade e o aprofundamen-
to da industrialização regional, bem como sua compatibilidade com a criação de comércio
no intercâmbio internacional, isto é, o estabelecimento de formas de integração latino-
326
americana não desviaria o fluxo do comércio, nem colocaria em risco a ordem liberal e seu
novo regramento no pós-guerra (
GATT
), pois isso não passava pela cabeça de Raúl Prebis-
ch e dos cepalinos, nem era propósito político da Comissão. Haviam se contraposto, sim, à
retomada da divisão internacional do comércio, pautada na teoria das vantagens compara-
tivas, e à retração da industrialização periférica. Nesse sentido, suas divergências contra
um novo livre-cambismo, reificador do subdesenvolvimento, demarcava a posição perifé-
rica.
Mantendo-se a vulnerabilidade no sistema e o desequilíbrio externo, fatalmente os
países periféricos teriam que restringir seu ritmo de crescimento interno, pois a continui-
dade da produção substitutiva protelaria, ilusoriamente, o problema, tal como uma “bola
de neve” e levaria a economia para uma crise geral. Por outro lado, retornar ao modelo
pretérito de crescimento para fora (primário–exportador) significava perpetuar o sistema
centro–periferia e resignar-se a uma dependência estrutural crescente.
A alternativa apontada no Estudio de 1949 estava na aceleração de origem peri-
férica, que, mesmo sendo mais lenta, viabilizaria a manutenção do crescimento, com a
vantagem de construir uma proteção regionalizada através da soma dos mercados, do uso
da melhor especialização regional (primária e industrial) e da manutenção da capacidade
de compra externa de cada país. Estrategicamente, buscava-se uma solução intermediária
no comércio recíproco interlatino-americano para um avanço no dinamismo da moderni-
zação econômica. Em tese, somar-se-iam esforços onde cada país participaria com sua
melhor especialização produtiva, porém distintamente do laissez-faire, pois a regionaliza-
ção alavancaria a industrialização, com possibilidades de homogeneização e diversificação
econômica e tecnológica, e seria norteada pela reciprocidade planejada.
É claro que, ao proceder desta forma, um país estaria comprando
artigos mais caros que se os adquirisse nos centros. Mas como não pode
327
adquiri-los ali, não lhe resta senão esta alternativa: ou tratar de produzir
estes artigos a um custo elevado, ou importar do outro país latino-
americano que, por estar mais bem dotado para esta produção, consegue
custos menores, ainda que não tanto como os conseguidos nos países in-
dustrialmente desenvolvidos (CEPAL, 1951a, p. 404)
240
.
Nesta perspectiva, os países latino-americanos estariam menos fragilizados exter-
namente e poderiam manter um determinado volume de importação tecnológica dos países
industrializados, haja vista a capacidade de compra internacional (aumentariam suas im-
portações beneficiando as próprias economias centrais e seu dinamismo em termos de ino-
vações e propagação do progresso técnico). Por outro lado, o fluxo do comércio recíproco
interlatino-americano não comprometeria a estabilidade das economias centrais (autono-
mia, independência e capacidade de ação e reação cíclica), nem produziria neles
vulnerabilidade externa, o que favorecia sua defesa na América Latina e nos fóruns
internacionais. Para não deixar dúvidas, no Estudio de 1949 a Comissão argumentou que a
integração regional latino-americana aumentaria o volume do comércio internacional,
pois, aumentando a capacidade de compra periférica, os países locais importariam mais
novas tecnologias e novos produtos dos países centrais (cf. CEPAL, 1959, p. 6).
Permanecia, porém, a necessidade de adequar a adoção de medidas preferenciais no
comércio recíproco com os princípios do regramento do comércio internacional. Segundo
a CEPAL, nesta matéria haveria conformidade com a Carta de Comércio de Havana, de
1948: a Carta de Comércio de La Havana autoriza a aplicação de tarifas preferenciais,
para estimular o desenvolvimento econômico” (CEPAL, 1951a, p. 404)
241
.
240
Na seqüência do texto a Comissão correlacionou as vantagens do uso recíproco da especialização e a
necessidade de se adotarem medidas preferenciais interperiféricas (preferência e proteção alfandegária) no
comércio regional: “Em um caso semelhante, cada país poderia especializar-se em certos artigos industri-
ais, que disponibilizariam assim não só do próprio mercado nacional, mas também do mercado de outro ou
dos outros países, que se comprometeriam a admitir livremente ou com baixíssima taxa alfandegária deter-
minados produtos. Ampliar-se-iam, pois, os mercados recíprocos, com os menores custos conseguintes à
dimensão mais econômica das respectivas empresas produtoras" (CEPAL, 1951a, p. 404).
241
Segundo a
CEPAL
, a Carta de Havana prescrevia esta possibilidade preferencial: “Até
agora, segundo os princípios vigentes do comércio internacional, era permitido a um país
proteger sua indústria, ainda que isso lhe representasse um custo elevado; porém não lhe
328
É oportuno esclarecer que, no Estudio de 1949, a
CEPAL
propunha tão somente a
adoção de medidas preferenciais no comércio recíproco como forma inicial de integração,
o que a literatura sobre a teoria da integração econômica denomina de áreas de preferên-
cia comercial (cf. BALASSA, 1964b e 1966; KOLING, 1997b). Além disso, naquele
momento a Comissão considerava que a adoção de formas mais complexas de integração
não era recomendável para a América Latina: “Existe (...), de muito tempo atrás, a idéia da
união aduaneira, porém esta tem encontrado sempre obstáculos incontornáveis, por sua
própria generalidade, posto o que existe na economia de cada país” (CEPAL, 1951a, p.
405)
242
.
A Comissão manteve esta avaliação nos anos seguintes por julgar que a formação
de uma união aduaneira não seria recomendada para a obtenção inicial de ganhos de es-
pecialização (por meio da liberação do intercâmbio e a subseqüente ampliação do merca-
do): “Por sua generalidade e por seu caráter absoluto, o conceito de união aduaneira tem
sido às vezes um forte obstáculo à
consecução de vantagens recíprocas
era permitido entrar em acordo com outros países, para proteger conjunta e reciproca-
mente as respectivas indústrias, somar os respectivos mercados e diminuir os custos nas
indústrias protegidas” (CEPAL, 1951a, p. 404).
Nesta matéria havia divergência entre a posição da
CEPAL
e a do governo norte-
americano, pois, para este último, qualquer desvio de comércio não seria aceito, pois in-
fringiria o princípio do livre-comércio estabelecido pelo art. 24 do GATT. Na obra de
1959, a
CEPAL
incluiu, junto ao estudo sobre “La Zona de Libre Comercio”
(E/CN.12/C.I/ II/Add.I), o “Memorandum concerniente a la actitud de los Estados Unidos
respecto de los Acuerdos de Mercado Regional Latinoamericano”, expedido na Embaixa-
da dos
EUA
no Brasil, Rio de Janeiro, na data de 26/08/1958, no qual esta posição foi ofi-
cializada (In: CEPAL, 1959, p. 85).
Ao tratar do regramento internacional para o comércio, quando à frente da
UNCTAD
, em
seu texto “Nueva Política Comercial para el Desarrollo”, de 1964, Raúl Prebisch criticou
o princípio da Carta de Havana, por defender o conceito clássico do livre jogo, individual,
no mercado: “Por um lado, porque a Carta de Havana (...) parte do conceito clássico
segundo o qual o livre jogo das forças da economia internacional leva, por si só, à expan-
são ótima do intercâmbio e ao melhor aproveitamento dos recursos produtivos do mundo;
em conseqüência, estabelecem-se regras e princípios para assegurar este livre jogo. E,
por outro, porque a observação dessas regras e princípios nem sempre foi estrita; ainda
que seu texto pareça se respeitar, em certos casos, foi desrespeitado o espírito que os ha-
via ditado (PREBISCH, 1964a, p. 39-40).
242
O processo de unificação da Alemanha e da Itália, por exemplo, ocorrido na segunda metade do séc. XIX
contou com medidas de unificação de mercado (moedas, fronteiras e tarifas comerciais), como o Zolverein
adotado entre os estados germânicos. Sobre o assunto confira: Eric J. Hobsbawm (1982); Bela Balassa
(1966, p. 40) e Gustavo Magariños (1967, p. 11).
329
mais moderadas, porém praticáveis” (CEPAL, 1954b, p. 87). Como uma união aduaneira
exigiria um tratamento tarifário comum a terceiros e um certo vel de compatibilidade
macroeconômica, isso dificultaria o estabelecimento de um regime de preferências no
intercâmbio recíproco.
Ao tratar da integração no Estudio de 1950, a
CEPAL
(1951b, p. 95) repete os as-
pectos relacionados à falta de escala nos mercados internos e à população dos países regi-
onais, sendo eles dois elementos marcantes das assimetrias internas e entre os países lati-
no-americanos, porém inclui a deficiência em infra-estrutura, principalmente nos transpor-
tes, como outro agravante para esta situação. As implicações que suas redes de transporte
apresentavam para uma maior ou menor (des)integração interna da população e das regi-
ões e sub-regiões internas nas economias nacionais (produção, escoamento, abastecimento
e preços), bem como no intercâmbio entre os países limítrofes ou não, eram evidentes.
A exigência de um mercado amplo para as indústrias dinâmicas, de base (bens in-
termediários e bens de capital), dizia a Comissão, “tornou-se um argumento em prol de
certas formas de integração econômica da América Latina” (CEPAL, 1951b, p. 107)
243
.
No Estudio de 1951-1952, a discussão levantada sobre a integração teve como ob-
jeto de referência a realidade dos países da América Central. Ali, esta questão adquiria
maior importância e sua particularidade influenciou nos rumos da proposta. O istmo cen-
tro-americano também foi o palco dos primeiros encaminhamentos intergovernamentais
visando à integração (acordos bilaterais e multilaterais), iniciados em 1951 e, posterior-
mente, com o Mercado Comum Centro-Americano (
MCCA
), em 1960, obteve os melhores
resultados dentre as experiências latino-americanas daquele período (cf. SILVA, C., 1990,
p. 49-63). No referido Estudio foi citado o acordo de Tegucigalpa, de 1952, que esboçou
os traços gerais para uma futura integração centro-americana:
243
“As chamadas indústrias básicas, ou indústrias ‘chaves’, exigem, além da disponibili-
dade local de grande parte das matérias-primas, fortes capitais e uma demanda abundan-
te para que a produção seja economicamente convincente ao nível atual da técnica. São
poucos os países da América Latina em que a demanda seja suficiente para justificar a
instalação de tais indústrias básicas, por não falar da disponibilidade de capital e técni-
ca” (CEPAL, 1951b, p. 106).
330
Sob os auspícios das Nações Unidas e de seus governos, realizou-se uma
reunião dos ministros de Economia, em Tegucigalpa, em agosto de 1952,
na qual foram acordados os princípios básicos para a integração e indica-
ram as atividades industriais existentes e as novas em que poderiam ser
aplicados os princípios, uma vez estudada a viabilidade dos projetos
(CEPAL, 1954a, p. 202)
244
.
Ao desenvolver os trabalhos sobre a integração regional, a Comissão também a-
companhava a experiência da integração européia, no pós-guerra, citando-a, inclusive,
como modelo teórico-organizativo e fazendo uso dos seus resultados favoráveis na argu-
mentação em favor da causa latino-americana. No documento base, “Los Pagos y el Mer-
cado Regional en el Comercio Interlatinoamericano: Análisis y Recomendaciones” (CE-
PAL/Comitê de Comércio, 1956), elaborado para o Primeiro Período de Sessões do Comi-
de Comércio, realizado no período de 19 a 29 de novembro de 1956, em Santiago do
Chile, a formação do mercado comum europeu foi incorporada no texto na perspectiva
acima indicada:
Na América Latina se presta atenção crescente nos progressos que vão
obtendo a integração econômica em outras partes do mundo, como por
exemplo, na Europa Ocidental e entre esta e as possessões africanas dos
respectivos países... (CEPAL/Comitê de Comércio, 1956, p. 20)
245
.
244
Para o caso dos países centro-americanos, é importante destacar a presença de empresas norte-americanas
e, praticamente, o poder de monopólio que exerciam na economia primário-exportadora, além da influência
que tinham na política interna dos países e seus governos (Nicarágua, Guatemala, El Salvador, Costa Rica e
Honduras). O caso centro-americano também é tratado na obra da CEPAL (1959).
245
O texto “Los Pagos y el Mercado Regional en el Comercio Interlatinoamericano: Análisis y Recomenda-
ciones” foi incluido como terceira parte na obra da Comissão “Problemas Actuales Del Comercio Interlati-
noamericano”, (CEPAL, 1957, p. 101-112).
Para uma leitura inicial sobre os passos dados na formação da Comunidade Econômica Européia (
CEE
),
confira o artigo de León E. Bieber (1994). Mesmo sendo sucinto, o texto é rico, pois trata dos avanços na
forma de integração realizadas na Europa e traça um paralelo com o caso latino-americano.
A indicação da experiência de integração européia aparece com freqüência nos outros textos da CEPAL
(1957, p. 9, 18; 1959, p. 23, 83, 90) e de Raúl Prebisch (1964a, p. 16), utilizados neste estudo, porém, como
o seu conteúdo permanece o mesmo, evitou-se repetir as passagens nestas obras.
Raúl Prebisch e a Comissão o abordam a influência que a integração européia ocupou na geopolítica no
pós-guerra, seja em termos do tensionamento entre
EUA
/Inglaterra/Europa versus
URSS
nas áreas de influ-
ência na Europa Ocidental e do Leste, ou das disputas no campo social e político no interior de cada país
europeu, no Ocidente (movimento sindical e partidos de esquerda – socialistas e comunistas versus empre-
sariado capitalista e democracia-cristã, principalmente), durante a resistência civil e a retomada continental
pelos exércitos dos Aliados ou no imediato pós-guerra (reconstrução), independentemente da formação das
frentes nacionais e de governos de coalizão. Para uma leitura inicial do contexto europeu e da atuação dos
partidos comunistas cf. ABENDROTH, 1977; BETHELL e ROXBOROUGH, 1986; CLAUDÍN, 1985-
1986; MAGNOLI, 1988; VESENTINI, 1987; PLÁ, 1994; HIRST, 1988.
331
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6
A própria organização interna que a CEPAL criou para coordenar as atividades e
realizar os estudos sobre a integração, especialmente o
CC-CEPAL
e o
GTMR
, além do
Grupo de Trabalho dos Bancos Centrais (GTBC), vinculado à CEPAL – ao Grupo dos 4 e à
OEA
246
–, contribuem para uma avaliação do papel que a Comissão ocupou no processo,
enquanto núcleo pensante, e da sua capacidade de articulação e de fomento de políticas e
programas de integração e industrialização regional para os governos dos países latino-
americanos, como expôs Renato Baumann (2000)
247
.
No “Memorando Entregue pelos Governos Membros da Comunidade Econômica Européia para os Go-
vernos Latino-Americanos”, subscrito pelos 6 países signatários do Tratado de Roma e datado em
11/04/1958, associa-se a experiência da integração européia com o desenvolvimento econômico interno e o
aumento do comércio internacional, incluindo a expectativa de um maior intercâmbio com os países latino-
americanos, bem como à defesa do mundo livre (CEPAL, 1959, p. 90-91).
Na obra “Capitalismo Periférico – Crisis y Transformación”, Raúl Prebisch retoma a
relação entre o debate cepalino sobre a integração latino-americana e a experiência euro-
péia, entretanto, esclarece que a Comissão teria, inclusive, antecedência na questão: “Des-
de os primeiros escritos da CEPAL, em começo dos anos 50 e antes do Mercado Comum
Europeu, chamamos a atenção sobre a tendência ao esgotamento das substituições fáceis
e a necessidade de passar para uma produção tecnicamente mais complexa, e que exigia
mercados muito mais amplos que os compartimentos estanques dos diferentes países”
(PREBISCH, 1981a, p. 195). No momento não há condições de confrontar as informa-
ções, entretanto, alguns acordos comerciais realizados entre países europeus foram firma-
dos nos primeiros anos do pós-guerra (cf. BIEBER, 1994).
246
O Grupo de Trabalho dos Bancos Centrais (
GTBC
) tinha a incumbência de propor um sistema profissio-
nal e regional de compensação multilateral dos saldos bilaterais, mecanismo preparatório para um futuro
sistema multilateral de pagamentos. Durante a segunda reunião de
GTBC
, realizada no Rio de Janeiro, no
período de 24 de novembro a 3 de dezembro de 1958, foi aprovado o Protocolo para o Estabelecimento de
um Sistema Latino-Americano de Compensação Multilateral de Saldos Bilaterais, conforme a Resolução 4,
do grupo (cf. CEPAL, 1959, p. 82, 89). Na Reunião de Consultas sobre Política Comercial, promovida pela
Secretaria da CEPAL, em sua sede, no período de 6 a 17 de maio de 1959, os consultores dos países que
integravam o Grupo dos 4 reafirmaram o Protocolo do GTBC e formalizaram o sistema através de uma agên-
cia responsável, estabelecida, inicialmente, na Sede da Comissão.
Para uma leitura sobre a relação entre o projeto de integração sub-regional do Grupo dos 4 (ALALC) e a
proposta regional da CEPAL, e o jogo de interesse norte-americano nos projetos sub-regionais de integração
e da preferência pelo bilateralismo (
EUA
-país latino-americano;
EUA
-área sub-regional), confira o artigo de
Celson J. da Silva (1990) e a obra de Helder Gordin da Silveira (1992).
Também é oportuno relembrar que, após a Revolução Cubana, o governo norte-americano redefiniu sua
política externa (econômica, comercial e geopolítica) para a América Latina, oficializando-a através da Ali-
ança para o Progresso, conforme citado anteriormente. Além de apoiar as políticas reformistas na economia
(terra e modernização tecnológica) e na sociedade (mobilidade social e redução da pobreza), a Carta de
Punta Del Leste, de 17/08/1961, incluía um capítulo sobre a Integração Econômica da América Latina”,
onde não faltaram “elogios” às iniciativas da ALALC e do MCCA, à CEPAL e ao BID e às “boas intenções
da cooperação norte-americana (cf. DRIER, 1962, p. 178-180).
247
Para Renato Baumann, a CEPAL “jamais se aventou poder de supranacionalidade pa-
ra reger o processo. Para fazer face ao ceticismo dos governos, recomendava que se
constituísse um comitê de representantes governamentais para as negociações (BAU-
MANN, 2000, p. 117).
332
Coube ao Comitê de Comércio estudar e indicar soluções para os principais proble-
mas existentes “relativos à política comercial, pagamentos, transporte marítimo e inter-
câmbio de determinados produtos” (CEPAL, 1957, p. 3; cf. p. 54), no comércio interlati-
no-americano e sua compatibilização com a expansão do comércio externo da região.
Neste aspecto, do primeiro documento produzido pelo Comitê, intitulado “Los Pa-
gos y el Mercado Regional en el Comercio Interlatinoamericano: Análisis y Recomenda-
ciones”, de 1956, pôde-se destacar, pelo menos, dois pontos centrais, interligados: um
deles foi a constatação da predominância dos acordos bilaterais no comércio interlatino-
americano e a avaliação das suas implicações restritivas para a adoção de uma política
monetária, cambial, comercial e de pagamentos entre os países (convertibilidade das moe-
das nacionais e a transferência de saltos comerciais, por exemplo), bem como da incompa-
tibilidade do bilateralismo com um programa de integração, o outro foi à indicação da
formação de um mercado regional como medida para superar os limites do desenvolvi-
mento latino-americano, pois haveria uma interdependência entre a integração, a acelera-
ção da industrialização e a atenuação da vulnerabilidade externa da periferia (CEPAL,
1959, 4).
Quanto ao bilateralismo, o Comitê propôs que “seria necessário uma solução mista que
propiciasse a transição gradual do bilateralismo hermético, aagora vigente, a um multi-
lateralismo progressivo no comércio intra-regional” (CEPAL/Comitê de Comércio, 1956,
p. 4, grifo nosso)
248
. Já a integração, ou a adoção de medidas visando a formação de um
O Primeiro Período de Sessões do Comitê de Comércio foi realizado em Santiago do
Chile, no período de 19 a 29 de novembro de 1956 (cf. CEPAL, 1957, p. 4-7). Participa-
ram do evento representantes de todos os países membros da
CEPAL
: Argentina, Bolívia,
Brasil, Colômbia, Costa Rica, Cuba, Chile, Equador, El Salvador, Estados Unidos, Franca,
Guatemala, Haiti, Honduras, México, Nicarágua, Países Baixos, Panamá, Paraguai, Peru,
Reino Unido, República Dominicana, Uruguai e Venezuela. Também foram convidados,
em caráter consultivo, representantes de países membros da
ONU
e não-membros da Co-
missão: Canadá, Tchecoslováquia, Espanha, Itália, Polônia, Romênia, URSS e Yugoslávia,
além do Japão, que no período não era membro da
ONU
.
Na primeira sessão plenária foi eleita a Mesa dos trabalhos, composta pelos seguintes
nomes: Arturo Maschke (Chile) presidente, Enrique Goytisolo Bolognesi (Peru) primeiro
vice-presidente, Manuel San Miguel (Argentina) segundo vice-presidente e Daniel J. Bello
(México) relator.
Dentre a lista dos observadores especiais, cabe destacar a presença de dois representan-
tes da Federação das Industriais do Estado de São Paulo (
FIESP
), do Brasil: Silvio Brand
Correia (Diretor) e Og Francisco Leme (Assessor Econômico). Isto denota o peso da inici-
ativa privada empresarial junto à Comissão e o papel que desempenharia na integração
regional, seja ele de origem local (capital privado latino-americano) ou estrangeira (prin-
cipalmente o norte-americano).
Da relação anterior dos países membros, chama a atenção a presença de países que, co-
mumente, não teriam vínculos com a
CEPAL
, como os Estados Unidos, a França, os Paí-
ses Baixos e o Reino Unido. Em parte isso se explica pelo fato de possuírem, à época, ter-
ritórios ou protetorados na região. Entretanto, seria importante conhecer melhor este as-
pecto da Comissão (requisitos de ingresso dos países-membros).
248
Na seqüência do documento, o Comitê apresentou algumas medidas iniciais para esta
transição: “Este sistema acaso poderia evoluir no sentido de uma união de pagamento e
de uma área comercial mais complementar e livre. Seria uma iniciativa modesta e incipi-
ente, porém é indubitável que representaria um primeiro passo para alcançar, de modo
paulatino, a coordenação indispensável e progressiva entre as políticas monetária, cam-
333
mercado regional, favoreceria a superação dos problemas do paralelismo e da necessidade
de se atingirem os níveis da economia de escala almejada pela Comissão, conforme indi-
cado anteriormente, solucionando este binômio. O mercado comum serviria como uma
alavanca para este dinamismo de base regional:
A progressiva formação de um mercado comum na América Latina seria
a última maneira de superar, através da complementação, do melhora-
mento da produtividade e da conseguinte expansão do consumo, o atual
binômio de paralelismo e capacidade instalada ociosa (CEPAL/ Comitê
de Comércio, 1956, p. 17, grifo nosso). (cf. RODRÍGUEZ, 1981, p.
161).
No mesmo estudo do Comitê, ao considerar as implicações favoráveis e desfavoráveis
que o período anterior e posterior a 1945 trouxe para a industrialização e para o comércio
interlatino-americano, a Comissão indicou que haveria duas direções para a recuperação e
a expansão da produção industrial e do intercâmbio entre os países latino-americanos.
Ambos os caminhos contribuiriam para a obtenção de economia de escala e o aumento do
comércio de industrializados
249
, porém teriam que ser realizados concomitantemente: a
integração horizontal e geográfica do mercado continental, que poderia ser alcançada
através da criação do mercado comum, – a verticalização e ampliação do mercado interno
dos países latino-americanos, que poderia ser obtida por meio do crescimento econômico e
a conseqüente elevação da renda per capita por habitante.
O segundo caminho, o da verticalização, inseria-se na noção de desenvolvimento en-
quanto crescimento econômico e, à época, não dizia respeito ao enfoque de uma política
redistributiva de renda e de riqueza, como forma de ampliação do mercado interno, entre-
tanto, matizava que o tamanho do mercado interno dependia da capacidade de consumo da
população, seja no espaço interno de cada país como no do mercado regional (CE-
PAL/Comitê de Comércio, 1956, p. 34)
250
. o primeiro caminho, o da integração hori-
zontal, instigaria os países a realizarem um “esforço consciente e solidário para se concre-
bial e comercial desses países. Dela somente poderiam esperar vantagens em escala con-
tinental e mundial” (CEPAL, 1956, p. 10).
Segundo a CEPAL, em 1955 o comércio interlatino-americano somou 737 milhões de
dólares, sendo que U$$ 484 milhões (66%) foi realizado bilateralmente, U$$ 181 milhões
(25%) envolveu a comercialização de petróleo e apenas U$$ 72 milhões (9%) foi realizado
multilateralmente (CEPAL, 1959, p. 18).
249
Segundo Raúl Prebisch (1982b, p. 460), em meados dos anos 50 o comércio interlatino-americano cor-
respondia apenas a 10% do comércio exterior total dos países da região, sendo pequena a participação dos
produtos industrializado na pauta de exportações.
Em seu estudo “Contribución a la Política de Integración Econômica da América Lati-
na”, apresentado no XI Período de Sessões da
CEPAL
, realizado na cidade do México, em
maio de 1965, a Comissão informava que “90 por cento do comércio atual da América
Latina se faz para fora da região” (CEPAL, 1969a, p. 67). O referido texto veio a ser uma
resposta da Comissão à Carta de Eduardo Frei, citada anteriormente.
250
No estudo sobre La Influencia del Mercado Común em el Desarrollo Económico de América Latina”,
incluído na obra da CEPAL, de 1959, foram apresentados os seguintes dados a respeito da magnitude dia
do mercado interno (produto interno bruto) dos 20 países latino-americanos: 3 (Argentina, Brasil e México)
atingiam a cifra de US$ 10.300 milhões, 4 chegavam a US$ 3.050 milhões, outros 4 a US$ 900, e 9 a US$
305 milhões. Junto os 20 países somavam US$ 49.555 milhões (CEPAL, 1959, 55).
Sobre a problemática do uso abstrato, superficial e generalizante, da categoria população, o que também
serve para os conceitos mercado interno e economia nacional, cf. MARX/ENGELS (1984, p. 409 ss).
334
tizar no tempo”, na nova fase da “interdependência regional” (CEPAL/Comitê de Comér-
cio, 1956, p. 22, 23; cf. PREBISCH, 1982b, p. 460)
251
.
Durante o Primeiro Período de Sessões do Comitê de Comércio foi aprovada a pro-
posta de criação de um Grupo de Trabalho específico para tratar do mercado comum. Pela
Resolução n. 3(1), de 28/11/1956 (CEPAL/Comitê de Comércio, 1567, p. 16), o Comitê
propôs, à Comissão, tanto a discussão da criação do mercado regional, como o estabeleci-
mento desse grupo de trabalho, formado por especialistas, para elaborar uma proposta de
integração:
A Resolução 3(1) do Comitê de Comércio, em cujo cumprimento se
constituiu o Grupo de Trabalho, designou-lhe as seguintes funções: a)
definir as características do mercado regional tendo em conta os diferen-
tes graus de industrialização dos países da área; b) estudar suas possibili-
dades e projeções; c) elaborar recomendações sobre os princípios do a-
cordo e os procedimentos para sua implantação, dentro do mandato do
Comitê de Comércio contido na Resolução 101 (VI) (CEPAL, 1959, p.
32 – nota 1)
252
.
A proposta de formação de um mercado regional, sua estrutura e suas normas foram
apresentadas no documento “Recomendaciones acerca de la Estructura y Normas del
Mercado Común Latinoamericano”, incluído no Informe da Segunda Reunião do GTMR,
realizada na cidade do México, no período de 16 a 27 de fevereiro de 1959
253
.
251
“A economia universal parece estar evoluindo no sentido de organizar-se segundo os grandes espaços
econômicos integrados e não mais em termos de países isolados” (CEPAL, 1957, p. 109). [Trata-se do do-
cumento “Los Pagos y el Mercado Regional ....”]
252
A proposta do Comitê de Comércio de criação do Grupo de Trabalho do Mercado Re-
gional Latino-Americano foi aprovada pela CEPAL, durante o
Sétimo Período de Sessões
da Comissão, realizado no mês de maio de 1957, em La Paz, Peru, através da Resolução n.
116(VII) (CEPAL, 1959, 22).
Em sua primeira reunião fizeram parte do Grupo de Trabalho os seguintes nomes (per-
sonalidades): José Garrido Torres (Brasil), Rodrigo Gómez (México), Flavián Levine
(Chile), Eustaquio Méndez Delfino (Argentina), Juan Pardo Heeren (Peru), Galo Plaza
(Equador) presidente, Joaquín Vallejo (Colômbia) relator. A referida reunião foi realizada
na sede da
CEPAL
, no período de 3 a 11 de fevereiro de 1958, cuja Informe tratou das
“Bases para la Formación del Mercado Regional Latinoamericano”, cujo preâmbulo re-
sumiu a trajetória da questão da integração na Comissão (CEPAL, 1959, p. 22).
A necessidade da criação de um mercado comum latino-americano, discutida inicial-
mente pela
CEPAL
, também foi ratificada pela
OEA
(Resolução XL-OEA), durante a Con-
ferência Econômica, realizada em Buenos Aires, em agosto de 1957. Segunda a resolução,
a OEA declarava: “A conveniência de estabelecer gradual e progressivamente, em forma
multilateral e competitiva, um mercado regional latino-americano” (CEPAL, 1959, p.
31).
253
Na segunda reunião, o GTMR foi composto por: Carlos D’Ascoli (Venezuela), José
Garrido Torres (Brasil), Rodrigo Gómez (México), Flavián Levine (Chile), Carlos Lleras
Restrepo (Colômbia) relator, Eustaquio Méndez Delfino (Argentina), Raymond F. Mike-
sell (
EUA
), Juan Pardo Heeren (Peru), Galo Plaza (Equador) presidente (CEPAL, 1959, p.
31).
Novamente chama atenção a presença de representante dos Estados Unidos no próprio
GTMR
da
CEPAL
, o que, sem dúvida, deu espaço para a defesa de sua proposta de abertura
335
Como estas recomendações foram apreciadas no Segundo Período de Sessões do Comi-
de Comércio
254
, que foi realizado em conjunto com o Oitavo Período de Sessões da
CEPAL
, no Panamá, entre 11 a 19 de maio daquele ano, as propostas praticamente resumi-
ram os debates e os trabalhos produzidos no interior da instituição. Assim, torna-se opor-
tuno citar alguns pontos norteadores da proposta de acordo de integração regional ou sub-
regional, aprovada neste evento do
CC-CEPAL
:
I – Objetivos:
O Acordo constitutivo do mercado comum tem por objetivo contri-
buir na aceleração do desenvolvimento econômico equilibrado da
América Latina, para sua progressiva industrialização e a tecnifica-
ção de sua agricultura, e demais atividades primárias, com a finali-
dade de promover a elevação do nível de vida de seus povos, median-
te:
a) a criação de um regime preferencial para o intercâmbio de pro-
dutos entre seus países; e,
b) o crescimento do comércio exterior pela expansão das exportações
de produtos industriais e o fomento das exportações de produtos
agrícolas e de outros produtos primários, tanto dentro da Améri-
ca Latina como para o resto do mundo.
II – Forma jurídica:
Este Acordo tomará a forma jurídica de
zona de livre comércio
com
vistas a sua gradual transformação em uma união aduaneira, tudo
isso sem prejuízo de adaptar ditas formas às realidades da América
Latina (CEPAL, 1959, p. 33, grifo nosso)
255
.
do espaço econômico-comercial latino-americano para a iniciativa privada norte-
americana.
254
Participaram do Segundo Período de Sessões do Comitê, representantes dos seguintes
países membros da CEPAL: Argentina, Bolívia, Brasil, Colômbia, Costa Rica, Cuba, Chi-
le, Equador, El Salvador, Estados Unidos, Franca, Guatemala, Honduras, México, Nicará-
gua, Países Baixos, Panamá, Paraguai, Peru, Reino Unido, República Dominicana, Uru-
guai, e Venezuela. Com representação em caráter consultivo participaram do evento, re-
presentantes de países membros da ONU não-membros da Comissão: Bélgica, Canadá,
Tchecoslováquia, Espanha, Hungria, Itália, Japão, Polônia, República Árabe Unida e
URSS
. A República Federal da Alemanha enviou um observador.
A Mesa eleita foi composta por: José Garrido Torres (Brasil), presidente; Juan Pardo
Heeren (Peru), Primeiro Vice-Presidente; Pedro Chamorro (Paraguai), segundo Vice-
Presidente; e, Germánico Salgado (Equador), relator (cf. CEPAL, 1959, p. 95).
Em seu discurso inaugural do Segundo Período do Comitê, na data de 11/05/1959, Raúl
Prebisch destacou a atuação de José Garrido Torres na defesa da integração latino-
americana: “Foi ele [José G. Torres] quem, com outros economistas que lhe acompanha-
vam, teve, em momento oportuno, a idéia do mercado comum latino-americano. Foi ele
um dos homens que a soube explicar com brilho não somente em seu país, mas em outros
meios de importância para o futuro desta idéia” (PREBISCH, 1959a, p. 113).
255
Na obra El Mercado Común Latinoamericano”, da Comissão, foi incluído o texto base de um projeto de
Acordo de Zona de Livre-Comércio (CEPAL, 1959, p. 85-88).
336
Para a Comissão os projetos de integração, ou seja, os acordos constitutivos e
normatizadores das áreas sub-regionais (ou regional) economicamente integradas
eram matéria de exclusiva responsabilidade governamental, por ser o corpo repre-
sentativo do Estado-nação. Para um programa regional de substituição de importa-
ções, caberia aos governos dos países-membros desempenharem o papel de agente
planejador, haja vista a insuficiência dinâmica periférica. Porém, no Informe da Pri-
meira Reunião do GTMR, foi destacada a importância da atuação da iniciativa privada
latino-americana e estrangeira.
A formação do mercado regional requer o acordo dos governos. Po-
rém sua realização dependerá em grande parte da iniciativa priva-
da, de sua compreensão do problema e de sua atitude para aprovei-
tar as enormes vantagens que o mercado regional oferece para a in-
dustrialização, a tecnificação da agricultura e o desenvolvimento e-
conômico geral (CEPAL, 1959, p. 25)
256
.
Os obstáculos e os problemas da insuficiência dinâmica, da aceleração do
ritmo de crescimento, do grau de exigência da industrialização dinâmica e dos seus
padrões produtivos (economia de escala, especialização e concorrência), recolocavam,
para a
CEPAL
, a importância do capital externo durante o período de transição. Po-
rém, ter-se-ia que priorizar um sistema de parceria e de cooperação entre as empre-
sas locais e as estrangeiras, a fim de viabilizar, na transição, a transferência de tecno-
logia, o fortalecimento e a capacitação produtiva, empresarial e concorrencial da ini-
256
O papel (fortalecer a competitividade local e regional nos padrões do mercado interna-
cional) e as vantagens (economia de escala, redução dos custos e aumento dos lucros) que
a iniciativa privada empresarial latino-americana e estrangeira teriam com um mercado
comum foram indicadas no estudo “Los Pagos...”: “Espera-se que as perspectivas que se
abririam para as inversões de capital estrangeiro excederiam às magnitudes previstas até
o momento. Na verdade, a evolução do mercado regional dependeria muito desse capital,
que constituiria um fator de suplementação da capacidade de exportar, por uma parte, e
da capacidade para importar, por outra” (in: CEPAL, 1957, p. 110).
A defesa de um sistema econômico (industrialização capitalista) baseado na iniciativa
privada latino-americana e estrangeira (cooperação internacional) e os respectivos campos
de ação do Estado (planejamento) e da iniciativa privada na periferia latino-americana foi
tratada no capítulo sobre o planejamento.
337
ciativa privada latino-americana, seja no mercado interno de seus países, na área
sub-regional e regional integrada e no comércio internacional, como nos mercados de
outros países e regiões periféricas e no dos países centrais. Do contrário, a integração
favoreceria predominantemente as grandes empresas estrangeiras na economia local,
seja em seus negócios como na interferência política, haja vista o caráter de monopó-
lio que as multinacionais poderiam obter nos países e na área.
Na melhor das hipóteses, para Raúl Prebisch e os cepalinos, em médio e lon-
go prazo a regionalização do modelo substitutivo de importações possibilitaria à A-
mérica Latina superar a condição periférica, obtendo domínio científico-tecnológico
em determinados setores industriais dinâmicos e tradicionais. Para tanto, porém,
seria preciso atingir internamente homogeneidade e diversificação econômica e soci-
al. Novamente as duas faces do sistema centro–periferia estavam postas como obstá-
culos e problemas estruturais.
Desde 1956, conforme o estudo
“Los Pagos ...
, a formação do mercado regi-
onal havia sido pensada em duas etapas, cabendo para o primeiro período o caráter
transitório, tal como na programação do desenvolvimento
257
. Primeiramente adotar-
se-iam as regras de regimes preferenciais e de áreas de livre-comércio, mantendo-se
as tarifas nacionais para terceiros. Após, com o aprendizado, incluindo nele a forma-
257
Neste aspecto, o procedimento metodológico utilizado corresponderia à programação. Utilizando-se da
técnica de programação, seria elaborado um programa da integração, no qual constariam as prioridades (me-
tas e ações) para a implantação de uma política integracionista.
No texto “Los Pagos...” o assunto das duas etapas do programa de integração foi resu-
mido na seguinte passagem: “A tarefa seria planejada e empreendida em duas etapas. As
idéias a este respeito são bem concretas. Primeiramente, ter-se-ia que estudar quais in-
dústrias – em estado incipiente ou que ainda não foram estabelecidas – exigiriam que
para sua instalação ou desenvolvimento se contasse desde logo com o mercado regional,
dada a capitalização e o consumo requeridos para seu funcionamento; em segundo lugar,
quais outras, entre as já existentes na órbita nacional, dependem do mesmo mercado para
a redução de custos e para sua futura expansão. Entre aquelas estariam principalmente
as de bens de produção e algumas de bens de consumo durável; entre estas figurariam,
sobretudo, as indústrias de bens de consumo” (CEPAL, 1956, p. 30; cf. CEPAL, 1957, p.
111).
338
ção da opinião pública, e os ganhos dinâmicos gerais e da industrialização, avançar-
se-ia na perspectiva de uma união aduaneira e/ou de um mercado comum sub-
regional ou regional latino-americano.
Haveria uma primeira etapa de dez anos ao fim da qual o nível
médio de direitos alfandegários entre os países latino-americanos deverá
ser reduzido de forma substancial. E se deixaria para uma nova negocia-
ção para decidir sobre como prosseguir esta política numa segunda etapa
(CEPAL, 1959, p. 3).
Tanto o Tratado de Montevidéu (ALALC), como o de Manágua (MCCA) e o de
Cartagena (Pacto Andino) incorporaram as diretrizes deste “espírito cepalino” em
seus princípios, na sua organicidade (prazos e índices de desgravações tarifárias), na
previsão faseológica (segundo a teoria da integração econômica) e na forma jurídi-
ca
258
. Entretanto, não é correto considerá-los como produto exclusivo do modelo teó-
rico da Comissão, tampouco os resultados obtidos na implementação dos acordos
(negociações entre os países-membros). Até porque, se apenas isso fosse levado em
consideração, não faltariam motivos, superficiais, para apontar os erros e os equívo-
cos teóricos e práticos dessas experiências de integração sub-regionais
259
. Diante des-
se caso, tampouco valeria a pena retomar o estudo da concepção prebischiana e cepa-
lina sobre a integração econômica periférica latino-americana, que, de antemão, es-
taria relegada ao esquecimento, como quer o pensamento único. No caso, inspirado
258
Em estudo anterior foi abordada a formação da ALALC, incluindo a análise da influência do pensamento
cepalino no texto do Tratado de Montevidéu e suas vicissitudes nos anos 60 (cf. KOLING, 1997a, p. 58-
101). O Tratado de Montevidéu, que entrou em vigor em 1961, estabeleceu o prazo de 12 anos para a pri-
meira etapa da
ALALC
, com previsão de uma tarifa média de 15% (ALALC, 1961; PREBISCH, 1966, p.
162).
259
Estas questões podem ser buscadas nas obras e textos indicados no início do capítulo, especialmente:
Celson J. da Silva (1990), Sidney Dell (1965 e 1966), Gustavo Magariños (1967), Helder Gordin da Silveira
(1992) e Miguel S. Wionczek (1966a, 1966b e 1969).
339
em Celso Furtado (1985), porém em seu sentido avesso, poder-se-ia dizer que aquela
fantasia (a superação do subdesenvolvimento) não passou de um grande erro históri-
co, melhor dizendo, mais um erro dos subdesenvolvidos, uma tentativa frustrada e
esgotada pela história, um mal-entendido, inexplicável, que a “globalização” tratou
de corrigir, em tempo.
Se fosse este o procedimento a tomar, certamente se deixaria de obter um ex-
celente aprendizado, através do estudo de uma experiência teórica e prática de cons-
trução de uma proposta de integração sob a perspectiva periférica, que, apesar dos
limites, permite subsidiar o debate atual sobre as implicações que um livre-cambismo
pode trazer para a América Latina ou para a soberania nacional de países periféri-
cos, terceiro-mundistas ou da parte Sul do Globo.
Uma crítica à concepção prebischiana-cepalina sobre a integração periférica
latino-americana é perfeitamente possível, vindo ela, do ponto de vista ideológico, da
direita (dos defensores da volta ao papel agro-exportador das economias latino-
americanas ou dos neoliberais da globalização) ou da(s) esquerda(s) (das teorias da
dependência, confira o capítulo a seguir). No entanto, para o momento, o caminho
escolhido foi o de testar sua contribuição à problemática da integração colocada hoje,
em especial à ALCA. Neste aspecto, abre-se um espaço para considerar o significado
que o tema da integração econômica teve no conjunto da concepção prebischiana-
cepalina fundante ou clássica” (cf. RODRÍGUEZ, 1981; SCHWARZER, 1993), na
crítica do sistema centro–periferia e da dependência periférica.
M
M
9
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N
N
K
K
0
0
Numa visão periférica, no sentido exposto por Prebisch no Manifesto, a dis-
cussão da integração poderia iniciar com algumas interrogações: Como integrar ou
340
colocar num mesmo espaço econômico-comercial países tão desiguais como os per-
tencentes ao continente americano? Como tratar “igualmente” pelo livre-mercado
tantas desigualdades?
As duas preocupações centrais, regionalizar o modelo substitutivo de impor-
tações e não reproduzir as bases do sistema centro–periferia (do subdesenvolvimen-
to) no mercado regional latino-americano, colocadas por Raúl Prebisch e os cepalinos
à integração nos anos 60 servem de referência para uma resposta às interrogações
acima, mesmo tendo presente seus limites teóricos e o contexto latino-americano das
décadas de 50 e 60.
No documento de 1961, “Desarrollo Económico, Planeamiento y Cooperación
Internacional”, a Comissão apresentou sua primeira revisão teórica da interpretação
do processo de substituição de importações ocorrido nos últimos trinta anos, apontan-
do que houve três falhas na industrialização, quais sejam: ter-se voltado para o
mercado interno e “ignorado” as exportações de manufaturas, ter-se voltado às
necessidades circunstancias de substituição, sem se preocupar com a economicidade e
a especialização produtiva e tecnológica, nem ter seguido uma política substitutiva de
transição, e, em decorrência das duas anteriores, a industrialização não modificou
o quadro estrutural da vulnerabilidade externa (cf. CEPAL, 1973, p. 19 ss; reveja o
item 5.1).
Incorporando as discussões anteriores do tema, no texto de 1961, a integra-
ção e os acordos sub-regionais recém-firmados foram indicados como uma das for-
mas de solução para as falhas e um meio de enfrentamento dos obstáculos para a
nova fase da industrialização: “O mercado comum constitui uma solução parcial pa-
ra este problema. foi dado um passo inicial com a formação, em Montevidéu, da
Área Latino-Americana de Livre Comércio e com a União Aduaneira Centro-
Americana” (CEPAL, 1973, p. 24).
341
Bem ou mal, a partir da década de 60 já haviam sido dados os primeiros passos
rumo à importância do comércio interlatino-americano e à obtenção de economia de esca-
la, mas, mais do que isso, teórica e praticamente a integração periférica poderia represen-
tar um caminho alternativo, pois, com sinergia regional, seria possível obter melhores
condições para superar a dependência, desde que fosse adotado um planejamento regional
para a industrialização substitutiva (CEPAL, 1959, p. 14). Nesse sentido, a integração po-
tencializaria as condições (economia de escala, capacidade de ação dinâmica e poder de
pressão multilateral) e os recursos (capacidade produtiva industrial e agrícola, população,
além dos fatores básicos como matérias-primas e energia)
260
periféricos para a superação
da insuficiência dinâmica.
A produção intelectual desenvolvimentista, resultante da problemática da integra-
ção regional, também pode ser usada para colocar à prova e questionar se houve ou não
consistência teórica, prática e histórica entre a crítica periférica do modelo de crescimento
econômico primário-exportador e a proposta de formação de um mercado regional. Justa-
mente nesta relação é que se pode buscar a principal contribuição prebischiana e cepalina,
do período, para o debate atual sobre o livre-comércio entre as Américas (hoje mais desi-
guais do que na década de 50 e 60) e uma confirmação da unidade teórica e prática entre a
crítica do modelo pretérito e os princípios norteadores para uma integração periférica.
Na exposição que Raúl Prebisch fez durante a “segunda reunión del comité espe-
cial para estudiar la formación de nuevas medidas para la cooperación económica”, da
OEA
, realizada em Buenos Aires, na data de 28 de abril de 1959, deixou claro sua preocu-
pação em não reproduzir, dentro do mercado comum latino-americano, a divisão do sis-
tema centro–periferia: “Não caberia reproduzir no interior da América Latina aquele es-
260
“Os países da Associação Latino-Americana de Comércio Livre produzem praticamente todas as maté-
rias-primas sicas, desde os combustíveis até os metais, desde o algodão até a lã, desde os couros até o
minério de ferro” (PREBISCH, 1964a, p. 116).
342
quema pretérito da divisão internacional do trabalho entre países de produção primária e
países industriais” (PREBISCH, 1959c, p. 127).
Na data de 11 de maio, em outra exposição, agora durante a Segunda Reuni-
ão do GTMR, Prebisch defendeu a incompatibilidade entre a teoria das vantagens
comparativas e sua divisão internacional do trabalho e do comércio com os propósitos
cepalinos para a formação do mercado regional latino-americano. Tratava-se de evi-
tar, deliberadamente, a reprodução dos padrões do desenvolvimento desigual do sis-
tema centro–periferia no âmbito da integração, pois, do contrário, estar-se-ia fortale-
cendo o “mal de origem”:
É preocupação manifesta de todos os membros do Grupo de Tra-
balho considerar que a industrialização nos países de desenvolvimento
insipiente é tão ou mais importante que a industrialização dos países
grandes nesta etapa do desenvolvimento econômico, porque não poderia
produzir-se agora na América Latina o fenômeno tradicional da divisão
internacional do trabalho que nos foi ensinado em nossa juventude e que
atribuía a certos países o papel de produtores primários e a outros o papel
privilegiado de produtores industriais (PREBISCH, 1959a, p. 115).
Portanto, para Prebisch o processo de integração somente teria sentido se
potencializasse a superação regional dos estrangulamentos internos e externos (PRE-
BISCH, 1964a, p. 110) do desenvolvimento latino-americano, sejam eles originários
do período do crescimento para fora ou do para dentro. Junto a isso, o mercado sub-
regional ou regional adquiria o caráter de ser um novo modelo de divisão regional do
trabalho, e, por fim, um novo programa de industrialização e organização da econo-
mia capitalista, uma idéia do capitalismo moderno na periferia, com desenvolvimento
343
econômico e social eqüitativo. Um programa de integração teria sentido se somasse
esforços para dar conta dos obstáculos da insuficiência dinâmica geral, obtendo di-
namização na economia (nova fase na industrialização urbana e modernização agrí-
cola) e na sociedade (absorção produtiva da mão-de-obra e elevação da renda média
per capita).
Na agenda da Comissão estava colocado o debate sobre as diretrizes e os
princípios operacionais dessa política integracionista
261
. O tratamento diferenciado,
preferencial, para os países de menor desenvolvimento relativo, como nação mais fa-
vorecida
, e o princípio de
reciprocidade
foram concebidos para serem os
principais
instrumentos para uma redistribuição do desenvolvimento econômico (industrial e
primário)
262
entre os países-membros em uma área integrada.
Na obra “El Mercado Común Latinoamericano”, os dois princípios foram in-
dicados enquanto instrumentos para a aplicação do planejamento regional da indus-
trialização, ou seja, do programa regional de substituição de importações
263
. Diante
261
Esta tarefa foi atribuída, fundamentalmente, ao
CC-CEPAL
e ao
GTMR
. O Grupo de
Trabalho apresentou uma proposta de estrutura e de normatização para ser incorporado
nos acordos intergovernamentais (sub-regionais ou regional) de integração. As caracterís-
ticas fundamentais presentes num tratado que estabelecesse um mercado comum teriam
que indicar: “a) as etapas do mercado comum; b) a forma em que se realizam os com-
promissos entre os governos a fim de reduzir gradualmente o nível de proteção aduaneira
e eliminar as restrições não tarifárias; c) a constituição de um núcleo inicial de países, a
incorporação de outros novos e a igualdade de tratamento segundo a igualdade do grau
de desenvolvimento; d) o tratamento diferencial dos produtos segundo sua categoria; e) o
tratamento diferencial dos países segundo seu respectivo grau de desenvolvimento indus-
trial e atendendo as categorias de produtos; f) regras de especialização e complementa-
ção industrial, e g) a reciprocidade no comércio interlatino-americano” (CEPAL, 1959,
p. 10).
262
No documento de 1959, o assunto foi indicado pela Comissão: “o objetivo fundamental do mercado co-
mum, além de melhorar o intercâmbio tradicional de produtos primários, é assegurar a industrialização
racional dos países latino-americanos” (CEPAL, 1959, p. 16).
Tendo em vista o recorte da temática deste item, a análise ficou limitada a estes dois princípios.
263
Para Raúl Prebisch, o crescimento econômico latino-americano teria que ser revigorado, incluindo, nele, a
dinamização da iniciativa privada local. Por outro lado, no planejamento do mercado comum era preciso
levar em consideração três setores da economia, segundo a participação de cada um nas economias nacionais
e no conjunto do mercado regional: “a) a agricultura; b) as indústrias já existentes de crescimento vegetati-
vo; e c) as indústrias dinâmicas” (PREBISCH, 1964a, p. 114).
344
das diferenças entre os países latino-americanos, o principio de nação mais favorecida
garantiria para os países de menor desenvolvimento a concessão de vantagens e um
tratamento diferenciado nos acordos internos, dentre outros, para os critérios de
desgravação tarifária, o controle dos saldos comerciais, assistência técnica, financia-
mento externo e tratamento especial para os setores econômicos mais sensíveis
264
. Da
mesma forma, num espaço integrado, com uma distribuição regional da industriali-
zação, orientada pelo planejamento ou ficando a critério da iniciativa privada, a
princípio, os países menos desenvolvidos ou menores teriam melhores condições para
Na comunicação enviada aos presidentes dos países latino-americanos, “Proposiciones
para la creación del mercado común latinoamericano”, e em resposta à Carta do Presi-
dente Eduardo Frei, Raúl Prebisch, Felipe Herrera, Carlos Sanz de Santamaría e José An-
tônio Mayobre (1969b, p. 18) indicaram que a agricultura teria três objetivos a cumprir na
integração: “aumentar a produção para melhorar a dieta alimentícia da população e a-
bastecer de matérias-primas a indústria; diminuir a participação daquelas importações
no abastecimento do consumo; e, finalmente, alentar as exportações agrícolas para con-
tribuir para a eliminação do estrangulamento exterior”. Obs. Na seqüência esta referência
será abreviada: PREBISCH; H.; S; M.
As indústrias dinâmicas teriam um papel estratégico, pois a partir delas a América Latina poderia compe-
tir no mercado internacional e desempenhariam o papel irradiador da diversificação e homogeneização da
economia latino-americana, possibilitando uma abertura comercial gradual e competitiva da região.
Os acordos de complementação industrial, incluídos na
ALALC
, foram previstos para articular os setores
industriais dinâmicos, apesar de que, é bom citar, que nesta área predominavam as empresas multinacionais
(cf. DELL, 1965, 1966; WIONCZEK, 1966b).
Raúl Prebisch chegou a comentar o assunto juntamente com a questão da relação entre a iniciativa priva-
da latino-americana e a estrangeira de origem cêntrica no mercado regional: “Espalhou-se muito o temor de
que a iniciativa estrangeira por essa mesma superioridade, e pelo conhecimento dos diversos mercados
aproveite melhor as vastas oportunidades comerciais dos países associados, e adquira um papel dominante
nos acordos de complementação e, em geral, dentro da Zona” (PREBISCH, 1964a, p. 121; cf.
1966, p. 170).
264
Para o caso da ALALC, considerando o aspecto do desenvolvimento e do tamanho das economias, pelas
diferenças os países foram classificados em três grupos: - países de maior desenvolvimento: Argentina, Bra-
sil e o México; - países de desenvolvimento intermediário: Chile, Colômbia, Peru e Uruguai; - os países de
menor desenvolvimento: Equador e Paraguai [e Bolívia] (DELL, 1965, p. 122).
Tratando-se da América Latina, a situação dos países centro-americanos e do Caribe acentuariam propor-
cionalmente as assimetrias. Em 1965, a
CEPAL
fez um comparativo entre o tamanho do mercado regional
latino-americano, com alguns países ou sub-regiões. Com uma integração regional obter-se-ia o equivalente
a 25 vezes mais do que o mercado dos países centro-americanos, 22 vezes mais do que o chileno, 14 vezes
mais que o colombiano, 5 vezes o mexicano, 4 vezes o argentino e 2,5 vezes o brasileiro (CEPAL, 1969a, p.
65; 1969b, p. 184). Neste caso, o tamanho do mercado foi estipulado utilizando-se os indicadores da popula-
ção em 1965 a população total da América Latina era de 230 milhões de habitantes –, da renda média per
capita e do PIB.
A Comissão também comparou as assimetrias entre o tamanho do mercado interno francês (47 milhões de
habitantes), de um lado, e o argentino, brasileiro e mexicano, de outro. Juntas, as três maiores economias
latino-americanas correspondiam apenas a 65% do mercado interno francês. Segundo a CEPAL, estas dife-
renças seriam maiores se fosse utilizada a economia da Alemanha Ocidental (CEPAL, 1969b, p. 182-183).
345
receber investimentos, inclusive nos setores dinâmicos, pois a escala da economia a-
brangeria o conjunto dos demais países-membros.
Tinha-se clareza de que, com um laissez-faire, com a predominância do regime
bilateral anterior ou com a simples aplicação uniforme e geral do art. XXIV do GATT nas
relações internas e externas de uma área integrada periférica (área preferencial ou zona de
livre-comércio), não seria possível corrigir as assimetrias. Diante disso, para Raúl Prebisch
(1964a) era preciso prever um tratamento diferenciado, tendo em vista as diferenças exis-
tentes, para garantir resultados regionalizados da política integracionista. No estudo reali-
zado pelo
ILPES
, foi demarcada a diferença que a integração teria que apresentar enquan-
to programa de regionalização do processo de substituição de importações entre países
periféricos, em oposição ao que foi o laissez-faire: “O que é preciso evitar é de perpetua-
rem-se as desvantagens comparativas próprias do subdesenvolvimento” (ILPES, 1967, p.
18, grifo nosso).
Como exemplo para a aplicação desse princípio que permitisse um tratamento di-
ferenciado aos países pequenos e/ou economicamente menos desenvolvimentos, a CEPAL
utilizou o caso da aplicação da redução tarifária:
A redução ou eliminação de direitos alfandegários que um país mais
avançado acordará com um de desenvolvimento incipiente não se es-
tenderia a todos os outros países latino-americanos, mas somente aos
de desenvolvimento incipiente (CEPAL, 1959, p. 15).
O segundo princípio analisado nortearia o conjunto dos países integrados, inde-
pendentemente do grau de desenvolvimento econômico. Teoricamente o princípio de reci-
procidade teria maior profundidade para garantir que o processo de integração resultasse
num planejamento supranacional do desenvolvimento, orientado para a redução das desi-
gualdades (brecha) no desenvolvimento. Resumidamente, a idéia era que: “nenhum país
346
poderia pretender persistentemente mais vantagens que as que brinda[va] aos outros países
dentro de seu próprio mercado” (CEPAL, 1959, p. 19)
265
.
Com a reciprocidade e o tratamento diferenciado, da nação mais favorecida, Raúl
Prebisch e a Comissão indicavam que o desenvolvimento na integração não poderia ficar a
critério exclusivo do “simples jogo individual das forças econômicas”, e que ambos prin-
cípios poderiam induzir a industrialização e o desenvolvimento para uma “distribuição
eqüitativa das vantagens” (PREBISCH, 1964a, p. 116) dentro do mercado regional.
M
MM
M
M
MM
M
9
99
9
9
99
9
4
44
4
4
44
4
K
KK
K
K
KK
K
No período posterior à criação da
ALALC
e do
MCCA
, o debate cepalino sobre a
integração foi demarcado por duas questões, próprias da teoria do subdesenvolvimento: os
obstáculos ao mercado comum e a aceleração da integração. Na realidade, pode-se consi-
derar que esta discussão inaugurou a terceira etapa do processo de integração econômica
na América Latina, segundo Plácido G. Reynoso (1969, p. xi), ou, como afirmou Eduardo
Frei (1969), dizia respeito aos impasses e os rumos a seguir, indicados no início do capítu-
lo.
Estes questionamentos sobre os rumos da integração resultaram numa interpretação do
período inicial de integração da
ALALC
(1960-1963/65), inserida na revisão do enfoque
redistributivo. Os dois principais textos produzidos sobre o assunto foram “Hacia una
Dinámica Del Desarrollo Latinoamericano”, de Prebisch (1964a), apresentado durante o
10
o
Período de Sessões da CEPAL, ocorrido em Buenos Aires, no ano de 1963, e os do-
cumentos incluídos na obra “Hacia la Integración Acelerada de América Latina”, de Raúl
265
Com a vigência do Tratado de Montevidéu e estando em funcionamento a
ALALC
, a
produção prebischiana e cepalina sobre a integração problematizava a própria relação en-
tre a teoria e os resultados da
ALALC
. Na obra de 1963, ao tratar do princípio de recipro-
cidade, Raúl Prebisch tratou de demarcar os dois campos (teoria e história): “Nenhum país
associado poderia pretender derivar da Zona mais vantagens do que as que concede. Mas
o Tratado não estabeleceu que medidas se terão de adotar para corrigir um desequilíbrio
persistente de vantagens na sua aplicação” (PREBISCH, 1964a, p. 119).
Esta observação sobre a necessidade de complementação do Tratado de Montevidéu já
havia sido apresentada no documento base para o 9
o
. Período de Sessões da
CEPAL
, em
1961: “Desarrollo Económico, Planeamiento y Cooperación Internacional” (CEPAL,
1973, p. 25).
347
Prebisch, Felipe Herrera, Carlos Sanz de Santamaría e José Antônio Mayobre (1969a),
dentre os quais constam o texto base “Contribución a la Política de Integración Económi-
ca de América Latina”, da
CEPAL
(1969a), apresentado durante o 11
o
Período de Sessões
da CEPAL, realizado na cidade do México, em 1965, e o estudo elaborado pelos especia-
listas “Proposiciones para la Creación Del Mercado Común Latinoamericano” (PRE-
BISCH; H.; S.; M., 1969b), remetido aos presidentes dos países latino-americanos, em
resposta à carta do Eduardo Frei.
Na obra de 1963, Raúl Prebisch contextualizou os problemas estruturais externos e
internos, do sistema centro–periferia e da insuficiência dinâmica (reabsorção produtiva da
força de trabalho), diante da crise econômica, estagnação, do modelo substitutivo e das
falhas na industrialização. A integração regional foi indicada como uma das soluções para
a aceleração do ritmo da industrialização, do crescimento econômico e do desenvolvimen-
to com (re)distribuição de renda, conforme o enfoque redistributivo
266
.
A integração econômica havia sido pensada em consonância com os princípios teóri-
cos fundamentais da economia política cepalina e, obviamente, enfrentava os mesmos obs-
táculos do subdesenvolvimento (PREBISCH, 1964a, p. 110 ss; 1966, p. 160-174), assunto
retomado por Prebisch no texto de 1970 (PREBISCH, 1970).
Os autores do estudo “Proposiciones para la Creación Del Mercado Común Latino-
americano” também atribuíram à integração o papel reformador e modernizador da eco-
nomia e da sociedade latino-americana:
Assim concebida em seu mais amplo significado, a integração é somente
um aspecto de um extenso esforço para reformar e modernizar os modos
de produzir e da estrutura econômica e social dos países latino-
americanos (PREBISCH, H.; S.; M., 1969b, p. 18, grifo nosso).
Uma avaliação consistente dos resultados iniciais da integração regional e do caso
específico da
ALALC
, portanto, deve partir da condição do subdesenvolvimento. Já uma
avaliação restrita aos aspectos normativos do Tratado de Montevidéu, ou à verificação do
cumprimento ou não do cronograma previsto no texto do acordo, deixaria a desejar, pois a
legislação, em si, pode ser, por um lado, tão somente letra morta ou resultado formal (in-
termediário) dos impasses nas negociações intergovernamentais, ou seja, resultado históri-
co da práxis dos sujeitos participantes.
A vulnerabilidade externa dos países periféricos e a dependência do/no subdesen-
volvimento também não eram tão simples assim de serem superadas na integração, tal
como o processo substitutivo no seio dos países da região. Da mesma forma, considerando
o nível do avanço teórico-prático do enfoque redistributivo e as implicações que uma de-
266
Esta relação, integração-desenvolvimento, foi recolocada pela Comissão, em 1965: Demonstrou-se que
a integração regional é imprescindível para que os países latino-americanos possam acelerar seu
desenvolvimento econômico e social e sair da estagnação em que se encontram” (CEPAL, 1969a, p. 67).
348
terminada ampliação do campo de ação e o papel do Estado no desenvolvimento e na inte-
gração
267
poderia trazer às relações de poder, à aliança hegemônica e à iniciativa privada
capitalista (urbano-industrial e agrária) na esfera institucional e na sociedade, certamente
atingiria interesses localizados e provocaria reações distintas entre os grupos econômicos
oligárquicos e modernos, ou entre os desenvolvimentistas liberais ligados à iniciativa pri-
vada e ao capital estrangeiro e os desenvolvimentistas partidários do setor público nacio-
nalista (FURTADO, 1966; BIELSCHWOSKY, 1996).
Reforma, modernização produtiva e concorrência eficiente nem sempre agrada-
vam, da mesma forma, a gregos e troianos!
Vendo o processo histórico nesta perspectiva, aí, sim, cabe rediscutir o limite dos
resultados das negociações intergovernamentais na
ALALC
. Os obstáculos ao mercado
comum eram os mesmos da superação do subdesenvolvimento. Aliás, comparativamente
com a faseologia da industrialização substitutiva, o período de 1960/61 a 1963/65 pode ser
caracterizado como a fase fácil da integração na
ALALC
: “Esgotada a etapa das conces-
sões fáceis, tornou-se cada vez mais difícil incluir novos produtos nas listas” (PREBISCH;
H.; S.; M., 1969b, p. 23, grifo nosso).
As reduções tarifárias iniciais atingiam a pauta dos produtos tradicionais no co-
mércio externo e interno dos países (dos setores primários e da industrialização “fácil”), o
que, num primeiro momento, trouxe resultados positivos ao comércio interno na área. Já o
MCCA teria obtido melhores resultados comerciais no período de 1961/64 e avançado na
integração
268
.
267
“A integração não é um processo que se pode realizar ou deixar de se realizar. É de
fundamental importância para conseguir a aceleração do desenvolvimento econômico e
social na América Latina, tão seriamente comprometido por fatores internos e externos
que é iniludível atacar com toda decisão” (PREBISCH; H.; S.; M., 1969b, p. 39).
268
“Os cinco países centro-americanos que estão avançando com firmeza em um proces-
so de integração aumentaram seu comércio recíproco em um total de 150 por cento entre
349
Após o período inicial, o resultado das negociações anuais de desgravação das lis-
tas nacionais e das trienais da lista comum na
ALALC
não foi relevante e os impasses se-
guintes acabaram numa seqüência de protelações de datas e de resultados, levando a um
enfraquecimento da idéia-força da integração como medida modernizante econômica e
socialmente, como temia Eduardo Frei.
Porém, antes de se tirar qualquer conclusão precipitada, bem observaram os espe-
cialistas latino-americanos, em resposta às preocupações do presidente Eduardo Frei, tam-
bém pertinentes, ao afirmarem que o problema da estagnação da
ALALC
não estava na
metodologia adotada no Tratado de Montevidéu (as listas nacionais, apresentadas pelos
próprios países com tratamento flexível; e a lista comum, definida em conjunto e definiti-
va)
269
, nem que bastasse apenas uma alteração neste aspecto (produto por produto e um
processo gradual e automático) para corrigi-lo, pois seu peso seria relativo. Ter-se-ia que
1961 e 1964. E, ao mesmo tempo, suas importações de fora da área cresceram em 40 por
cento” (CEPAL, 1969a, p. 67).
269
Pelo resultado das quatro rodadas de negociação anual das concessões referentes às
Listas Nacionais, realizadas no âmbito do Tratado de Montevidéu, percebe-se que os go-
vernos dos países-membros estiveram sujeitos às pressões dos setores internos, ou melhor,
a posição dos governos refletia o quadro interno do país.
EVOLUÇÃO DAS CONCESSÕES DA ALALC
O
O
P
P



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1T !5 4#8 : !
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3 A 3 /      
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017 ! & CH + C" 
(b) Na terceira negociação o E-
quador retirou algumas concessões
deixando um número total de 1677
concessões.
017 G ! ) D ! D I 
350
pensar a integração como um programa regional e nacional. No estudo “Proposiciones
para la Creación ...”, os autores avaliaram que era preciso adotar uma metodologia de
desgravação mais eficaz ao aprofundamento da integração, porém, isso também recoloca-
va o impasse dos interesses e das pressões dos setores internos atingidos em cada país.
O centro do problema estava nas implicações que uma determinada política de in-
tegração poderia trazer para os interesses dos grupos privados internos e externos, seja no
espaço nacional como no do mercado integrado. Acrescenta-se, a isso, a margem de ação
dos próprios governos, o campo de “autonomia” do Estado, como expôs Octávio Rodrí-
guez (1981, p. 261-262), na indução da política integracionista, e em particular a comerci-
al (política tarifária e não-tarifária). Assim, o aprofundamento das concessões na desgra-
vação tarifária e não-tarifária de cada país refletia mais sua realidade interna e era a partir
dela que as negociações poderiam avançar ou não, fato este verificado na
ALALC
, confor-
me a menção feita no estudo “Proposiciones para la Creación ...”:
Além do mais, em cada negociação os governos se vêem submetidos às
pressões dos interesses criados para evitar que se incluam produtos que
podem estar expostos a concorrência do resto da área (PREBISCH; H.;
S.; M., 1969b, p. 23, grifo nosso).
Na discussão apresentada no documento de 1965, a
CEPAL
recolocou, em bom
estilo periférico, a necessidade de haver uma “combinação entre integração regional e pro-
gramas nacionais de desenvolvimento” (CEPAL, 1969b, p. 170; CEPAL, 1969a, p. 51).
Este caminho também foi indicado em outro estudo sobre a aceleração de integração, ao
ser ressaltada a importância das reformas redistributivas no âmbito de cada país latino-
americano:
A política de integração latino-americana, a ação regional e, em
geral, a cooperação internacional, não constituem alternativas para as re-
351
formas em nossa estrutura econômica e social. Essas reformas são inilu-
díveis. (PREBISCH; H.; S.; M., 1969b, p. 15).
Ao avaliar o período inicial da
ALALC
, Eduardo Frei (1969, p. 1), além de propor
uma mudança na metodologia do processo de desgravação, destacou o problema da baixa
institucionalidade. Para ele, a formação de órgãos supranacionais no âmbito dos acordos,
com caráter institucional, poderia “impulsionar a criação de um mercado comum latino-
americano” (FREI, 1969, p. 4). Além do mais, sugeria a criação de organismos institucio-
nais (um futuro parlamento e órgãos tripartites, por exemplo), abrindo o círculo oficial
para a participação de representantes da sociedade civil organizada (capital + trabalho), o
que contribuiria para formação da opinião pública (governo + sociedade) favorável à inte-
gração e à execução da política integracionista
270
. A observação feita por Eduardo Frei era
oportuna, pois coloca os limites da participação social, seja na perspectiva desenvolvimen-
tista (o papel da CEPAL na América Latina enquanto centro pensante e de formação técni-
ca e profissional intergovernamental) e populista (pacto social), como na constatação his-
tórica de que o tema da integração não mobilizou amplos setores da sociedade no período,
o que não poderia ter sido diferente. O tema e o processo estiveram restritos, principal-
mente, aos governos (poder executivo), aos organismos criados a partir dos acordos de
integração, aos organismos internacionais e regionais (como a
ONU
, a
OEA
, o
BID
, o
IL-
PES/CEPAL, o FMI, o BIRD, o EXIMBANK e o GATT), à iniciativa privada empresarial
(grandes grupos locais e multinacionais) e seus especialistas (representantes, intelectuais,
270
“Em matéria institucional quero igualmente apresentar-lhes esta sugestão: a de dar clara participação
para as forças do trabalho no movimento de integração, junto com as atividades empresariais, sejam estas
individuais ou cooperativas: a integração latino-americana requer, como condição essencial, amplas bases
populares, como todo o processo de transformações estruturais, e esta fracassaria se ficar fechado em cír-
culos oficiais financeiros ou técnicos, por mais qualificados que estes sejam” (FREI, 1969, p. 5).
Nesta questão, a necessidade da ampliação da participação popular para uma redefinição dos rumos no
desenvolvimento, Celso Furtado foi mais incisivo. Novamente a atenção dada à tese da estagnação no deba-
te historiográfico faz com que esta abordagem do autor sobre o assunto anterior permaneça marginalizada.
352
burocratas e profissionais liberais). Pelo visto, nos anos 50 e 60, o debate sobre a integra-
ção não extrapolou a oficialidade, tanto assim que na historiografia especializada este fato
não é mencionado
271
.
Outra consideração a ser feita sobre a presença do tema da integração na trajetória
cepalina, na passagem dos anos 50 e na década de 60, e seu papel dinamizador ao desen-
volvimento latino-americano, refere-se às transformações ocorridas na região em termos
do aprofundamento da industrialização, do seu novo caráter no espaço interno nas econo-
mias nacionais e da sua inserção na reorganização da economia capitalista internacional
(fenômeno bem observado por Cardoso e Faletto, correspondente ao período pós-guerra),
com a internacionalização dos mercados internos: “As transformações a que nos referimos
se manifestam mediante uma orientação na luta dos interesses internos e a redefinição da
vinculação centro–periferia” (CARDOSO e FALETTO, 1970, p. 115).
Estas transformações foram significativas para o próprio debate cepalino sobre a
integração, incluindo nele a vinculação do projeto à criação de economia de escala, o nú-
cleo dinâmico da nova fase de industrialização e a participação do capital estrangeiro. So-
bre estas vinculações, Aníbal Pinto manteve uma posição crítica, pois o que acompanhava
a “‘estrangeirização’ dos setores mais dinâmicos e estratégicos da nova estrutura fabril e
das atividades financeiras e comerciais complementares” (PINTO, 1969, p. 42), tinha a ver
com a perda da força dos centros de decisões nacionais ou regionais na integração, acentu-
ando a vulnerabilidade externa num novo reposicionamento das partes no sistema centro–
periferia:
São múltiplas as conseqüências deste fenômeno sobre a balança de pa-
gamentos, a dependência tecnológica, a subordinação a decisões e crité-
rios não necessariamente identificados com a economia nacional, etc.
(PINTO, 1969, p. 42).
Esta crítica à internacionalização da integração latino-americana foi abordada por
Eduardo Galeano (1987), ao seu modo e estilo literário, num período de vigilância das
consciências latino-americanizadas. Celso Furtado, um cepalino de primeira hora e gran-
deza, recém havia passado pelo seu batismo de sangue, já escrevia sua crítica aos riscos de
271
Para o caso brasileiro, as mobilizações populares sobre questões nacionais mais expressivas foram a cam-
panha do o petróleo é nosso” (na defesa do monopólio estatal para a Petrobrás, criada por Getúlio Vargas,
em 1954) e a das “reformas de base” (destacando-se a reforma agrária e a atuação das Ligas Camponesas),
durante o governo de Jango.
353
uma internacionalização do mercado interno na integração num cenário de subdesenvol-
vimento dependente, pelo visto, antes mesmo do texto clássico da teoria da dependência.
A integração econômica somente servirá aos objetivos do desen-
volvimento regional se resultar de uma formulação de política comum
entre governos autenticamente nacionais, e não da justaposição de inte-
resses de grandes empresas estrangeiras que atuam na região (FURTA-
DO, 1966, p. 47, grifo nosso).
Esta abordagem da integração supera a visão inicial da escola desenvolvimentista
e reinterpreta, metaforicamente, as falhas teóricas e práticas da/na integração. Porém, ao
finalizar a exposição de tema em questão, é preciso dar a mão à palmatória e tratar de uma
grande contribuição cepalina, ou relê-la a partir da problemática na atualidade, num exer-
cício de revisitá-la, mas abstraindo sua consistência e recolocá-la sem as “falhas”.
Se a tese central da visão periférica da integração adquirisse efetividade histórica,
poderia, inclusive, contrapor-se à internacionalização do mercado regional na década de
60 (período de transição), com ganhos de soberania e autodeterminação econômica e soci-
al, nacionais e regional.
Vista na perspectiva da superação do cerne da dependência reflexa, portanto, das
bases estruturais das relações no sistema centro–periferia, com sinergia, a integração daria
aos países periféricos melhores condições de construção articulada de um programa regio-
nal e nacional entre os países-membros, com a capacidade superior àquela que teriam se
mantivessem a iniciativa isolada em cada país, e poder de negociação internacional:
Os países latino-americanos terão que somar esforços e elaborar
uma política comum frente aos países industrializados, e a união econô-
354
mica lhes daria o poder de negociação de que hoje não dispõem ao atu-
ar isoladamente, assim como melhores condições econômicas para a
concorrência (CEPAL, 1969a, p. 68, grifo nosso).
Com uma posição multilateral comum, a capacidade de intervenção latino-
americana estaria fortalecida, dando condições para incluir temas do seu interesse nos es-
paços de negociação da ordem internacional
272
, sem contar a força mobilizadora que teri-
am para adotá-los internamente na América Latina, afinal, o subdesenvolvimento teria que
ser enfrentado dentro de casa. Do contrário, reproduzir-se-ia-o com o mero crescimento.
272
Nos documentos básicos para as Conferências da UNCTAD (Conferência Mundial do Comércio), realiza-
das em 1964 (“Nueva Política Comercial para el Desarrollo”) e 1968 (“Hacia una Estrategia Global Del
Desarrollo”), Prebisch (1964c; 1982a) indicou este caminho e criticou a dubiedade e o tratamento diferenci-
ado, explícito e prejudicial, dado para os países em desenvolvimento nos assuntos comerciais e financieros.
No documento “Avaliação de Quito”, produzido em 1973, a
CEPAL
recolocou a importância da integra-
ção regional como forma de cooperação entre os países em desenvolvimento, além de enfatizar a necessida-
de de se construir um desenvolvimento integral, reconhecendo que existiam diferenças “entre um fenômeno
de crescimento econômico e o fenômeno do desenvolvimento propriamente dito” (CEPAL, 2000, p. 653).
355
K
KK
K
K
KK
K
V
VV
V
V
VV
V
“Em tudo isso há uma clara conflu-
ência de responsabilidades na or-
dem interna e na ordem internacio-
nal. Não tem mais sentido uma con-
trovérsia ultrapassada dos aconte-
cimentos. A de atribuir a fatores
externos os males internos, ou a
de buscar a origem destes males
exclusivamente na conduta do pró-
356
prio país. Colocar o acento em
uns, excluindo os outros, signifi-
cará desviar-se infrutuosamente
das verdadeiras soluções”.
#%&'(1964c, p.135)
Durante a segunda metade da década de 1960 também foi sistematizada uma ou-
tra abordagem teórico-metodológica sobre o desenvolvimento capitalista na América Lati-
na, definida como teoria da dependência
273
, com participação de quadros da CEPAL ou
intelectuais próximos a ela. O texto de referência, de autoria de Fernando Henrique Cardo-
so e Enzo Faletto, escrito entre os anos de 1966 e 1967, foi “Dependência e Desenvolvi-
273
Em estudo realizado sobre a historiografia da teoria do desenvolvimento e da teoria da dependência, The-
otônio dos Santos (1998, p. 1-54; 2000, p. 9-68), no seu ensaio Da teoria da dependência à teoria do sis-
tema mundial”, além de identificar e diferenciar a teoria da modernização e o estruturalismo cepalino, apre-
sentou quatro correntes de dependentistas”: os reformistas, os o-marxistas, os marxistas e os neo-
marxistas. Entretanto, o próprio Theotônio dos Santos manteve a clareza de o reduzir o assunto a uma
simples rotulagem, sempre polêmica, como apresentou um quadro síntese de estudos historiográficos que
identificam os principais intelectuais da “teoria da dependência” segundo as concepções acima indicadas,
mantendo, porém, a indicação dos nomes em mais de uma corrente/escola: teoria da modernização; estrutu-
ralismo; e, dependentistas reformistas, o-marxistas, marxistas e neo-marxistas (SANTOS, 1998, p. 20;
2000, p. 29).
Além da produção de Theotônio dos Santos (2000 - vide bibliografia), os autores e as obras de maior re-
ferencia sobre a “dependência” são: Paul A. Baran (1977), com “A Economia Política do Desenvolvimento”,
de 1957; Paul M. Sweezy (1965 e 1973), com Teoria do Desenvolvimento Capitalista” (de 1942) e “En-
saios Sobre o Capitalismo e o Socialismo” (de 1962); Paul A. Baran e Paul M. Sweezy (1966), com Capi-
talismo Monopolista” (de 1966); Aníbal Quijano (1971), com seu ensaio Cultura y Dominación”; André
Gunder Frank (1970, 1971), com “Capitalismo y Subdesarrollo en América Latina” (de 1966), além de “El
Desarrollo Del Subdesarrollo” (de 1971; in 1976:25-38), “Sociologia do desenvolvimento e subdesenvolvi-
mento da sociologia” (in 1975:109-182), “Lumpen-Burguesia: Lumpen-Desenvolvimento” (1971); Ruy
Mauro Marini (1969, 1991 e 1992), com “Subdesarrollo y Revolución” (de 1969) e Dialéctica de la De-
pendência” (de 1973); e, Augustín Cueva (1983), com “O Desenvolvimento do Capitalismo na América
Latina” (de 1967/1977). Maurice Dobb (1987), com sua obra “A Evolução do Capitalismo” (de 1945) tam-
bém é indicado como referência ao debate sobre o desenvolvimento internacional do capitalismo. Afora isso,
as obras clássicas de Rosa Luxemburgo (1985), “A Acumulação do Capital”; de Lênin (1985), “O Desen-
volvimento do Capitalismo na Rússia” e O Imperialismo, Fase Superior do Capitalismo” são indicadas
como base teórica, além, é óbvio, Marx (1988) “O Capital” (com destaque aos cap.XXIV e XXV) e o pró-
prio “Manifesto do Partido Comunista”, de Marx e Engels (1998).
Francis Fukuyama, ao tratar da “sobrevida do marxismo” no Terceiro Mundo, nos tempos do pós “Queda
do Muro de Berlim”, explicou que a teoria da dependência, o marxismo terceiro-mundista, amparava-se na
pobreza. O autor também considerou Raúl Prebisch como o “pai” da teoria da dependência terceiro-
mundista: “Embora tenham surgido diferentes escolas da teoria da dependência na década de 1960, todas
tiveram origem na obra do economista argentino Raul Prebisch. Prebisch, (...) notou que as relações de
troca para a ‘periferia’ do mundo estavam declinando em relação ao ‘centro’. Ele argumentou que o cres-
cimento muito lento de regiões do Terceiro Mundo, como a América Latina, era o resultado da ordem eco-
nômica capitalista global, que mantinha essas regiões num estado de perpétuo desenvolvimento dependen-
te’. A riqueza do Norte estava, portanto diretamente ligada à pobreza do Sul” (FUKUYAMA, 1992a, p.
134).
357
mento na América Latina” (DeD)
274
. Os próprios autores reconheceram que a abordagem
integrada do desenvolvimento e suas contribuições pessoais resultaram, em certo nível, do
processo de revisão e autocrítica, vivenciado no âmbito da Comissão ou em seu “circuito”,
em curso desde o início dos anos 60. Além do mais, à época, ambos intelectuais integra-
vam o grupo de pesquisadores do ILPES/CEPAL (CARDOSO e FALETTO, 1970, p.
7)
275
. Noutro sentido, para Cardoso (1971, 1975 e 1993a) e Faletto (CARDOSO e FA-
LETTO, 1985), não havia (há) mais dúvida sobre o fato de que a teoria da dependência
não veio a ser uma nova teoria, uma teoria geral do sistema ou um conceito totalizante,
mas, sim, uma proposta de interpretação do desenvolvimento do capitalismo na América
Latina inspirada na análise dialética do modo de produção capitalista e na teoria do impe-
rialismo (CARDOSO, 1971 e 1975; cf. WEFFORT, 1980)
276
, o que o evitou, porém,
274
Considerando os limites desse estudo, a discussão sobre a teoria da dependência foi delimitada, princi-
palmente, à relação entre a produção de Fernando Henrique Cardoso e Enzo Faletto e o pensamento prebis-
chiano/cepalino, seja em termos da crítica ao estruturalismo desenvolvimentista, quanto à assimilação dessa
interpretação na produção intelectual de Raúl Prebisch realizada no período seguinte (quinta etapa do seu
pensamento) sobre o “capitalismo periférico” (cf. o Capítulo 8, na seqüência).
275
Ao tratar de sua posição crítica às “posições intelectuais inspiradas pelo ISEB”, em seu artigo “Notas
sobre o estado atual dos estudos sobre dependência”, Fernando H. Cardoso (1975:26) fez referência à con-
tribuição dos debates realizados no “círculo do seminário de Marx”, organizado pela Faculdade de Filosofia
e Ciências Humanas (FFCH) / Ciências Sociais e o grupo de Florestan Fernandes / da Universidade de o
Paulo (
USP
), no início dos anos 60 (MARTINS, J. S., 1997, p. 146-147). Até hoje o círculo do seminário de
Marx ou Seminário d’O Capital, da
USP
, é reconhecido pelo significado que teve, porém, para o momento,
não é possível apresentar nem avaliar a influência desse evento na formulação da teoria da dependência, em
F. H. Cardoso ou mesmo em outros intelectuais.
Ao referir-se a origem do debate sobre dependência, José de Souza Martins fez a seguinte consideração:
“Tenho a impressão de que a preocupação com a dependência, que tem vários focos de origem na América
Latina, teve um de seus focos mais importantes na Faculdade de Filosofia da USP, no grupo de Florestan
Fernandes” (MARTINS, J. S., 1997, p. 148). Nesse período, Fernando Henrique Cardoso também atuava na
USP, no curso de ciências sociais.
276
Essa discussão entre Francisco Weffort e Fernando Henrique Cardoso foi apresentada
no “2
o
. Seminário Latino-americano para el Desarrollo”, organizado pela FLASCO-
UNESCO
, realizado em Santiago, Chile, em novembro de 1970. Ambos os textos – do F.
Weffort (1971:1-24) “Notas sobre a teoria da dependência: teoria de classe ou ideologia
nacional”, e F. H. Cardoso (1971:25-45) “Teoria da Dependência ou análises concretas
de situações de dependência” –, podem ser encontrados em: Estudos (I), CEBRAP: Sobre
Teoria e Método em Sociologia (1971). Em seu artigo, F. Weffort analisou e fez críticas,
especialmente, à teoria da dependência DeD. A exposição de F. H. Cardoso, por sua vez,
foi uma crítica da crítica de Weffort.
Nesse mesmo Evento 2
o
. Seminário... Maria da Conceição Tavares e José Serra apre-
sentaram um trabalho crítico, intitulado “Além da estagnação: uma discussão sobre o esti-
358
que a teoria da dependência DeD de Cardoso e Faletto fosse questionada nesse campo ou
mesmo diferenciada da abordagem da “teoria marxista da dependência” e/ou da “teoria
da dependência do desenvolvimento do subdesenvolvimento” (cf. SANTOS, 1998 e 2000;
MARINI, 1991, 2000a e 2000b; e FRANK, 1971 e 1976).
Todavia, com relação ao pensamento cepalino, a aproximação da análise integra-
da de Cardoso e Faletto (1970) não pode ser confundida, simplesmente, como parte da
abordagem estruturalista desenvolvimentista, afinal, entre a abordagem inaugural (textos
fundadores) e a crítica do enfoque redistributivo e a teoria da dependência DeD houve
uma diferença epistemológica (teoria e metodologia) qualitativa. Por outro lado, mesmo
propondo a superação
277
do estruturalismo pelo método histórico-estrutural, Cardoso e
Faletto preservaram e reconheceram a contribuição da teoria e da interpretação do desen-
volvimento latino-americano original de Prebisch/
CEPAL
278
.
lo de desenvolvimento recente do Brasil”, ao enfoque estagnacionista de Celso Furtado
(“Desenvolvimento e Estagnação na América Latina: um enfoque estruturalista”). O artigo
da Tavares e Serra pode ser encontrado em: TAVARES (1983, p. 153-207) e SERRA
(1979, p. 210-251); já o texto de Celso Furtado encontra-se publicado em A. Bianchi
(org.). América Latina: Ensayos de Interpretación Económica. Santiago : Ed. Universita-
ria, 1969. O artigo de Francisco C. Weffort pode ser encontrado em sua obra O populismo
na política brasileira (1980 – Cap. VIII).
Os debates sobre as teorias da dependência mantiveram-se, em grande parte, no nível
acadêmico, em especial no campo das ciências sociais, até porque os principais intelectu-
ais tinham esse vínculo profissional.
277
Em seu artigo “Notas sobre o estado atual ...”, Fernando H. Cardoso tratou da relação entre a “teoria da
dependência” e a “teoria da CEPAL”, bem como o sentido do conceito superação que a teoria da dependên-
cia apresentava com relação ao estruturalismo cepalino: “A eles convém acrescentar que a superação (no
sentido rigoroso da expressão no discurso hegeliano-marxista, ou seja, o de negação sem anulação) do que
se convencionou chamar de teoria da CEPAL’ foi, no plano mais estritamente econômico, essencial para
possibilitar outras perspectivas de análise” (CARDOSO, F. H., 1975, p. 28).
278
Ruy M. Marini (2000a) e Theotônio dos Santos (2000), mesmo criticando os limites do
estruturalismo cepalino, reconheceram a contribuição da teoria da CEPAL na interpretação
do desenvolvimento econômico e da dependência latino-americana: “Nas décadas de
1940-50, desenvolve-se o pensamento da CEPAL, que vai dar um fundamento de análise
econômica e um embasamento empírico, assim como um apoio institucional, à busca de
bases autônomas de desenvolvimento. Estas se definiram por intermédio da afirmação da
industrialização como elemento aglutinador e articulador do desenvolvimento, progresso,
modernidade, civilização e democracia política” (SANTOS, 2000, p. 74).
359
Por fim, cabe mencionar que a contribuição de Cardoso e Faletto foi incorporada
à própria trajetória histórica e intelectual da Comissão, seja pela participação pessoal dos
autores nos espaços da instituição, na época e no período posterior, como pela inclusão do
texto “DeDentre as referências teóricas de maior relevância dessa escola, como demons-
tra, por exemplo, a coletânea dos “Cincuenta Años de Pensamiento en la CEPAL”, orga-
nizada por Bielschowsky (2000b; CEPAL, 1998)
279
, que contém parte da referida obra.
A contribuição e inovação da teoria da dependência DeD, surgida, portanto, no
espaço interno e também entre cepalinos
280
, consistia na revisão, na crítica e na superação
da interpretação estrutural de Prebisch/CEPAL (visão econômica), e dos limites, até então,
da abordagem cepalina que mantinha uma visão fragmentada entre a economia, a socieda-
de e a política, ou seja, as análises sociológicas anteriores não rompiam com o estrutura-
lismo, pois, metodologicamente, acrescentavam e justapunham os fatores econômicos com
os sociais, como se bastasse agregar ao desenvolvimento econômico o desenvolvimento
social
281
. Portanto, conforme exposição de Cardoso e Faletto no prefácio da obra “Depen-
dência e Desenvolvimento”, tratava-se de qualificar a abordagem:
279
Outro exemplo editorial, de 1979, é a obra “América Latina: ensaios de interpretação econômica”, orga-
nizada por José Serra (1979). Um levantamento das publicações na Revista de la CEPAL e nos principais
periódicos latino-americanos das áreas das ciências econômicas e das ciências sociais confirmariam este
fato.
Raúl Prebisch também incluiu a DeD no conjunto da produção intelectual cepalina: “Mais tarde, o con-
ceito centro–periferia se enriqueceu com as valiosas aportações de sociólogos, politicólogos e economistas
empenhados em destacar fenômenos internos, inerentes à periferia que fortaleciam as relações de depen-
dência. A respeito cabe recordar especialmente a obra de Fernando Henrique Cardoso e Enzo Faletto,
desenvolvida sob o signo da CEPAL (PREBISCH, 1989, p. 98).
280
Fernando Henrique Cardoso, sociólogo, de nacionalidade brasileira, como muitos outros conterrâneos e
latino-americanos, vivia no Chile no período de 1966/1967, em decorrência do Golpe Militar de 1964, ocor-
rido no Brasil. Enzo Faletto, historiador, por sua vez era chileno. A parceria entre ambos foi produto do
próprio encontro na
CEPAL
, que era, naquele período e mesmo antes, local de encontro, de trabalho e de
debate entre latino-americanos (cf. FALETTO, 1998, p. 3).
Nove anos depois do Brasil (golpe militar de 1964), no dia 11 de setembro de 1973, o Chile integrou-se
ao “clube” dos regimes militares latino-americanos, fato este que também atingiu a CEPAL e a permanência
de exilados latino-americanos naquele país, bem como de chilenos de esquerda (socialistas, comunistas,
cristãos da teologia da libertação) ou desenvolvimentistas-nacionalistas (cf. DREIFUSS, 1987; MIRES,
1988; SADER, E., 1992).
281
“Trata-se, por conseguinte, de buscar uma perspectiva que permita vincular concretamente os compo-
nentes econômicos e os sociais do desenvolvimento na análise da atuação dos grupos sociais e não só justa-
pô-los. Isso supõe que a análise ultrapasse a abordagem que se pode chamar de enfoque estrutural, reinte-
360
O trabalho visava estabelecer um diálogo com os economistas sobre o
desenvolvimento na América Latina, para salientar a natureza social e
política daquele processo. Por certo, ninguém discorda da tese. O pro-
blema consistia exatamente em mostrar de forma mais direta e específica
como se esta relação e que implicações derivam da forma de combi-
nação que se estabelece entre economia, sociedade e política em momen-
tos históricos e situações estruturais distintos (CARDOSO e FALETTO,
1970, p. 7, grifo dos autores; cf. 1985, p. 13)
282
.
V
VV
V
V
VV
V
9
99
9
9
99
9
2
22
2
2
22
2
K
KK
K
K
KK
K
Após essas considerações, cabe, primeiramente, situar melhor o debate teórico-
metodológico apresentado pela teoria da dependência DeD com relação a outras interpre-
tações (visões e/ou noções) existentes, tais como a produção “estrutural-funcionalista” e o
“estruturalismo cepalino”. Ao retomar a discussão sobre os objetivos da obra DeD, Fer-
nando Henrique Cardoso sintetiza as diferenças que a teoria da dependência, em sua análi-
se de situações concretas de dependência, propunha das visões anteriores:
Criticam-se as análises do desenvolvimento que abstraem os condicio-
namentos sociais e políticos do processo econômico e criticam-se as
concepções evolucionistas (das etapas) e funcionalistas (especialmente a
teoria da modernização) do desenvolvimento. A crítica se faz mostrando-
se que o desenvolvimento que ocorre é capitalista e que não pode desli-
gar-se do processo de expansão do sistema capitalista internacional e das
condições políticas em que este opera. Por outro lado, a crítica se orienta
para mostrar (...) que a análise “estrutural” dos processos de formação do
sistema capitalista tem sentido quando referida historicamente
(CARDOSO, F. H., 1971, p. 27, grifo dos autores; cf. CARDOSO e FA-
LETTO, 1970, p. 7).
Para tratar da crítica da DeD ao estruturalismo-funcionalista ou à análise tipológi-
ca, é preciso diferenciar a crítica apresentada ao enfoque estrutural cepalino da análise
grando-a em uma interpretação feita em termos de ‘processo histórico’” (CARDOSO e FALETTO, 1970,
p. 21-22).
282
Tendo presente estas diferenças e participações, epistemologicamente falando, a teoria da dependência
DeD superou o estruturalismo original prebischiano e cepalino, enquanto crítica externa, e incorporou, pre-
servou, sua contribuição original na análise histórico-estrutural, fato este reconhecido por Fernando Henri-
que Cardoso, Enzo Faletto, Raúl Prebisch e Celso Furtado (1976, 1985, 1995).
361
tipológica estrutural-funcionalista dualista (“tradicional-moderno”), etapista, evolucionista
e progressiva. Para os autores da DeD (1970, p. 22), nas análises tipológicas predominava
a visão da seqüência temporal linear do/no desenvolvimento capitalista:
Essas análises propõem a formulação de modelos ou tipos de formações
sociais. Sustenta-se que as sociedades latino-americanas pertenciam a
um tipo estrutural denominado geralmente “sociedade tradicional” e que
se está produzindo a passagem a outro tipo de sociedade chamada “mo-
derna” (CARDOSO e FALETTO, 1970, p. 16-17, grifo dos autores).
Considerando o período de publicação da Dependência e Desenvolvimento”,
1966/67, e a grande influência de W. W. Rostow, através da obra “Etapas do Desenvolvi-
mento Econômico, de 1959
283
, que representou uma vigorosa retomada da visão estrutu-
ral-funcionalista, com sua tese do “arranco” ou da “decolagem” e das cinco etapas evolu-
tivas do “modelo civilizatório” da economia capitalista ocidental
284
. Este autor, Rostow, é
um bom exemplo para esse caso: da crítica da DeD ao estruturalismo-funcionalista.
283
Theotônio dos Santos também se referiu ao autor e ao significado da referida obra na historiografia do
desenvolvimento (dualista): “Na década de 50, a teoria do desenvolvimento alcançou seu momento mais
radical e, ao mesmo tempo, mais divulgado através da obra de W. W. Rostow (1961). Ele definiu todas as
sociedades pré-capitalistas como tradicionais” (SANTOS, 1998, p. 13; cf. 2000).
Outros autores brasileiros que se contrapuseram à tese etapista do desenvolvimento econômico de Rostow
foram Caio Prado Júnior, de 1968 (História e Desenvolvimento: a contribuição da historiografia para a teoria
e prática. Brasiliense, 1989) e Celso Furtado, de 1967 (Teoria e Política do Desenvolvimento Econômico.
Ed. Nacional, 1967) e de 1969 (Formação Econômica da América Latina. 2. ed., Lia Editor, 1970). Nesse
período, a produção de Celso Furtado tem como objetivo rever o estrutural-desenvolvimentismo, a tese es-
tagnacionista cepalina, bem como fundamentar uma interpretação maislida sobre o desenvolvimento
latino-americano, mantendo, porém a noção de subdesenvolvimento. Caio Prado, em sua tese de livre-
docência, criticou o uso de índices quantitativos (renda per capita) como método de interpretação do desen-
volvimento, haja vista sua aplicação abstrata e generalizante, atingindo, nisso, também a visão cepalina.
284
Em seu “manifesto anticomunista”, Rostow, mesmo indicando certas ressalvas, apre-
sentou uma teoria geral do desenvolvimento da economia ocidental, estabelecendo uma
ordem evolutiva de cinco etapas: “É possível enquadrar todas as sociedades, em suas di-
mensões econômicas, dentro de uma das cinco seguintes categorias: a sociedade tradicio-
nal, as precondições para o arranco, o arranco, a marcha para a maturidade e a era do
consumo de massa” (ROSTOW, 1966, p. 14, grifo nosso).
Pode-se dizer que a tese de Rostow, além de orientar a política externa norte-americana
naqueles anos de “guerra fria”, serviu de referência para uma retomada do pensamento
positivista das elites latino-americanas, que via a realidade da América Latina como “bar-
bárie” e o modelo dos países centrais (europeus e os EUA) como a imagem modelar da
modernidade e da civilização.
Segundo Theotônio dos Santos, o “positivismo colocava como meta histórica da civili-
zação o desenvolvimento da indústria, da tecnologia e da ciência, cuja implantação seria
o resultado da ação de uma classe industrial” (SANTOS, 2000, p. 73). Sobre a influência
362
A tese de Rostow caracterizou-se como uma volta ao dualismo no limite do ma-
niqueísmo (sociedade tradicional pré-newtoniana x moderna madura: industrial, “científi-
ca”, voltada ao mercado e ao consumo individual e à máxima da civilização do automó-
vel), associando-o, porém, ao dualismo da “guerra fria”: capitalismo (EUA) x comunismo
(
URSS
). Além disso, seu conteúdo reducionista praticamente soterrava, ou melhor, revela-
va os limites e as “boas intenções” da Aliança para o Progresso, onde aparecia seu dedo
intelectual anticomunista.
Por outro lado, tal dualismo rostowiano ficava muito aquém da própria teoria de-
senvolvimentista (da industrialização) de Prebisch/CEPAL, dos anos 1949-1950. Prebisch
sempre deixou claro, em seus textos “clássicos”, que não somente a periferia era produto
da expansão das economias centrais, como essa mesma expansão (propagação universal
do progresso cnico) era geradora de uma ordem estrutural, internacional e desigual: o
sistema centro–periferia. Da mesma forma, a industrialização da/na periferia, apesar de
“copiar” o padrão cêntrico, era vista não apenas como caminho à modernização, mas, além
disso, como forma de superação da dependência estrutural do/no sistema centro–periferia.
A crítica ao etapismo e ao determinismo funcionalista das teses dualistas (tradi-
cional e moderno), foi resumida na seguinte passagem da DeD:
do positivismo e do liberalismo nas elites latino-americanas, e brasileira, confira os texto
de Ruy Mauro Marini (2000:255-267) “Origem e trajetória da sociologia latino-
americana” e de Roberto Schwarz (1973). Para uma leitura inicial sobre a concepção
positivista da história e da funcionalista, cf. Michael Löwy (1987 e 1988).
André G. Frank (1975, p. 120 ss) esclarece, sem deixar margem à dúvida, a importância
que Rostow teve em determinadas ações geopolíticas norte-americanas na “guerra fria”,
tal como nas investidas contra a Revolução Cubana, na participação norte-americana na
guerra contra o Vietnã (já nos anos 60) e no golpe militar no Brasil, em 1964.
André G. Frank, defendendo a tese do “desenvolvimento do subdesenvolvimento”, es-
tabelecia uma dependência sistêmica entre ambos, sem, contudo, aceitar a “tese dual”:
“Da minha parte, acredito que a tese inteira da ‘sociedade dual’ é falsa e que as diretri-
zes políticas a que conduz, se postas em prática, serviriam apenas para intensificar e per-
petuar as condições mesmas do subdesenvolvimento que elas supostamente se destinam a
remediar” (FRANK, 1976, p. 27).
363
Quase sempre esteve presente, como suposto metodológico, nos esforços
de interpretação inspirados nesta concepção, que as pautas dos sistemas
político, social e econômico dos países da Europa ocidental e dos Esta-
dos Unidos antecipam o futuro das sociedades subdesenvolvidas. O
“processo de desenvolvimento” consistiria em levar a cabo, e inclusive
reproduzir, as diversas etapas que caracterizaram as transformações soci-
ais daqueles países (CARDOSO e FALETTO, 1970, p. 19).
Quanto à sua relação com o estruturalismo cepalino (tese inaugural), a teoria da
dependência DeD manteve, como foi citado anteriormente, o reconhecimento dos “ga-
nhos líquidos”, como criticou o limite da abordagem econômica cepalina. Houve, portan-
to, um elogio aos avanços que a CEPAL trouxe aos estudos da realidade latino-americana,
reafirmado por Fernando H. Cardoso (1975 e 1993): “A preocupação analítica da CEPAL
e sua visão estruturalista são ganhos líquidos do pensamento social latino-americano e a
única crítica válida, também neste caso, é a autocrítica” (CARDOSO, F. H. 1975, p. 28).
Da mesma forma, Cardoso (1993a) e Faletto aceitaram as noções de “centro” e
“periferia” no âmbito das relações econômicas e comerciais capitalistas no mercado mun-
dial, sem, contudo, deixarem de apontar que a noção da estrutura desse sistema internacio-
nal limitava-se à economia, ou seja, à condição e à função das partes no sistema de produ-
ção e distribuição: “As noções de ‘centro’ e ‘periferia’, por seu lado, destacam as funções
que cabem às economias subdesenvolvidas no mercado mundial sem levar em conta os
fatores político-sociais implicados na situação de dependência” (CARDOSO e FALETTO,
1970, p. 27)
285
. Com relação à noção de subdesenvolvimento, a tese presente na DeD foi
de situá-lo, enquanto elemento estrutural, na esfera do sistema produtivo, do estado das
forças produtivas e dos interesses sobre o controle da produção (CARDOSO e FALETTO,
1970, p. 27).
285
Numa passagem anterior da citação indicada, Cardoso e Faletto apresentaram uma no-
ção do “sistema centro–periferia”, que, se revisto com o sentido prebischiano, referenda as
noções de subdesenvolvimento e desenvolvimento: “... entre as economias desenvolvidas
e as subdesenvolvidas não existe uma simples diferença de etapa ou de estágio do sistema
produtivo, mas também de função ou posição dentro de uma mesma estrutura econômica
internacional de produção e distribuição” (CARDOSO e FALETTO, 1970, p. 26).
364
Além disso, para o estruturalismo cepalino, as estruturas econômicas do movi-
mento reflexo na economia moderna (progresso técnico, deterioração dos termos de inter-
câmbio e elasticidade-renda) eram determinantes do conteúdo no sistema centro–periferia,
ou melhor, as estruturas eram obstáculos praticamente intransponíveis no interior do sis-
tema, dada a hierarquia, a unilateralidade do movimento e sua força de reprodução. Assim,
as estruturas não eram vistas como construções históricas, produto das relações sociais
(CARDOSO, 1975, p. 31).
Na visão estruturalista cepalina, metodologicamente, o determinismo externo era
parte da estrutura geral, e, portanto, condição sistêmica da periferia dependente. Se, por
um lado, havia uma visibilidade para uma superação da condição periférica (atingir o nível
e o domínio do ritmo de desenvolvimento científico, tecnológico e produtivo), por outro
lado, o modelo de desenvolvimento capitalista cêntrico, dava-lhe, no sistema, quase que
“superpoderes” de reprodução da dominação pela economia dentro da ordem anterior do
comércio internacional. Sobre isso, a crítica de Cardoso e Faletto vinha questionar, justa-
mente, a existência desse determinismo estrutural, lógico na dominação e na dependência:
É evidente que a explicação teórica das estruturas de dominação, no caso
dos países latino-americanos, implica estabelecer as conexões que se dão
entre os determinantes internos e externos, mas essas vinculações, em
qualquer hipótese, não devem ser entendidas em termos de uma relação
“causal-analítica”, nem muito menos em termos de uma determinação
mecânica e imediata do interno pelo externo (CARDOSO e FALETTO,
1970, p. 23).
Mais ainda, em DeD, Cardoso e Faletto problematizaram a construção teórica do
estruturalismo. Trataram de interrogar a base epistemológica dos conceitos de estrutura, de
dominação, de sistema e de dependência utilizados pelo enfoque estruturalista cepalino. O
primeiro momento da discussão era, justamente, teórico, para, após, com a instrumentali-
zação conceitual e uma nova problemática (WEFFORT, 1971, p. 3, 23-24), realizar a in-
vestigação histórica e sistematizar uma nova interpretação histórica do desenvolvimento
365
do capitalismo na América Latina e seu caráter dependente no sistema capitalista interna-
cional
286
.
Contudo, teoria, pesquisa e síntese, na perspectiva da análise dialética, teriam que
se voltar, ao mesmo tempo, à realidade histórica e à revisão teórica. Em seu artigo “Notas
sobre o estado...”, F. H. Cardoso expôs o entendimento que tinham, ele e Faletto, da dia-
lética marxista, enquanto procedimento teórico-metodológico: “Antes de mais nada uma
análise concreta é um produto da prática e da reflexão teórica simultaneamente” (CAR-
DOSO, F. H., 1975, p. 28)
287
. Esta era, pois, a preocupação dos autores que insistiam na
necessidade de confrontar a teoria da dependência DeD com as análises concretas de situ-
ações de dependência, pois ambos (teoria e história)
288
eram determinados e determinantes
do processo histórico, enquanto local da práxis dos sujeitos históricos (classes sociais). A
286
Em seu artigo “As relações entre as instituições sociais e as econômicas: um modelo
teórico para a América Latina”, de 1961, José Medina Echavarría inspirava-se no “tipo
ideal” de Max Weber para discutir a elaboração conceitual: “O tipo ideal assim construído
é apenas um instrumento heurístico para constatar se o real se aproxima ou se distancia
do que está articulado com maior precisão lógica no conceito. É essencial, contudo, que
sua elaboração se apóie nos dados empiricamente oferecidos pelos próprios fatos históri-
cos” (ECHAVARRÍA, 1967, p. 82).
Osvaldo Sunkel, em Desenvolvimento, subdesenvolvimento, dependência, marginalidade e desigualda-
des espaciais: por um enfoque totalizante”, de 1970, também discutiu a necessidade de uma “teoria da
estrutura, do funcionamento e transformação da sociedade (...) para a elaboração de um enfoque global”
(SUNKEL, 2000, p. 523). Contudo, não via a teoria marxista como referência.
287
“Essa ‘unidade dialética’ é que leva a recusar a distinção metafísica (isto é, que supõe
uma separação estática) entre fatores externos e efeitos internos, e por conseqüência leva
a recusar todo tipo de análise da dependência que se baseia nesta perspectiva” (CAR-
DOSO, F. H., 1971, p. 30).
288
“A síntese a que me refiro nas ‘análises concretas’ supõe a elaboração dos conceitos
(elaboração esta que [...] é teórico-prática) que permitem organizar a unidade do diverso.
Ao mesmo tempo esta ‘unidade’ não apaga as diferenças, não dissolve as particularida-
des na ‘abstração’ representada por idéias gerais” (CARDOSO, F. H., 1975, p. 29).
Nesse mesmo artigo, como no “Teoria da dependência ou análises...”, Fernando H.
Cardoso (1975, p. 28, 29; 1971, p. 30) fez menção ao uso da categoria “concreto” e ao
procedimento da análise dialética (a relação entre o geral e o particular; o concreto real e o
concreto pensado; e, do sentido da unidade do múltiplo) apresentada por Marx na “Intro-
dução à Crítica da Economia Política”. O texto indicado de Marx pode ser encontrado na
coletânea organizada por Florestan Fernandes: MARX, K. – ENGELS, F.: História (1986).
Para uma leitura mais profunda da relação gnosiológica marxiana, veja a obra de Adam
Schaff (1983), História e Verdade.
366
preocupação central dos autores da DeD era a de construir um referencial teórico (concei-
to/categoria) representativo do estado atual da dependência latino-americana no capitalis-
mo monopolista e imperialista.
Distintamente da concepção anterior, a análise global do desenvolvimento não
negava a existência de estruturas, de regularidades e a rigidez das estruturas sociais
289
, no
desenvolvimento capitalista, mas, sim, questionava a natureza invariável que o estrutura-
lismo lhe atribuía, particularmente às estruturas na esfera da produção econômica. Qualita-
tivamente distinto desse imperativo, pelo método histórico-estrutural, Cardoso e Faletto
(1985, p. 16) atribuíram-lhes, às estruturas, o papel de condicionantes e de condicionadas,
ou seja, as estruturas eram vistas como processo: tanto interferiam na luta social, como
também eram transformadas por essa mesma luta social (pressões e conflitos sociais, mo-
vimentos sociais e lutas de classes)
290
, afinal, os fazedores e fabricadores da história eram
os homens e não as estruturas (cf. ARENDT, 1997). Os interesses dos primeiros, sujeitos,
e suas relações sociais, sim, davam conteúdo de regularidade às estruturas, inclusive,
àquelas vinculadas à esfera da produção e do consumo.
Para Cardoso e Faletto as estruturas, inclusive as da dependência, tinham história
e historicidade, e a investigação de ambas requeria uma visão teórica e prática integrada:
289
Como em qualquer outra perspectiva que utilize a noção de estrutura, se assume que
as relações entre as classes, os grupos e as instituições obedecem a regularidades, possu-
em uma certa rigidez e são articuladas” (CARDOSO, F. H., 1975, p. 30).
No artigo de Cardoso e Faletto, “Repensando dependência e desenvolvimento na Amé-
rica Latina”, de 1978, os autores da DeD foram mais precisos ao relativizar a natureza
histórico-estrutural das estruturas sociais: “as estruturas sociais são o produto do compor-
tamento coletivo dos homens. Portanto, apesar de duradouras, as estruturas sociais podem
ser, e de fato são, continuamente transformadas por movimentos sociais. Logo, nossa a-
bordagem é tanto estrutural como histórica: ela enfatiza não só o condicionamento estru-
tural da vida social, mas também a transformação histórica das estruturas pelos conflitos,
movimentos sociais e lutas de classe (CARDOSO e FALETTO, 1985, p. 16, grifo nos-
so).
290
“Trata-se de conceber as estruturas como relações entre os homens que, se bem são determinadas, são
também (...) passíveis de mudança, à medida em que, na luta social (política, econômica, cultural), alterna-
tivas novas vão se abrindo à prática histórica. Neste sentido, o objetivo da análise não se reifica em atores,
mas se dinamiza em conjuntos de relações sociais (CARDOSO, F. H., 1975, p. 31, grifo do autor).
367
o todo histórico-estrutural, embora reconhecendo a existência de es-
truturas e o condicionamento do processo histórico por elas, nem preten-
de buscar (como no estruturalismo) as invariantes fundamentais que ló-
gico-ontologicamente conformam as aparentes variabilidades da história,
nem pretende caracterizar, como no empirismo historicista, apenas os
momentos, densos de conteúdos significativos e de decisões individuali-
zadas, que dão a impressão de definir, independentemente de outros
condicionantes, os rumos da história (CARDOSO, F. H., 1975, p. 31,
grifo nosso; cf. CARDOSO e FALETTO, 1985, p. 20).
Em última análise, a construção histórica era atributo das práticas sociais e, de-
corrente disso, o desenvolvimento capitalista na América Latina teria que ser analisado a
partir dos interesses dos grupos sociais internos, das alianças com os setores externos (im-
perialismo), das relações de poder (social e político) e da organização social (classes, fra-
ções, Estado e Nação). Na perspectiva da análise integrada, a “problemática sociológica do
desenvolvimento (...) implica (...) o estudo das estruturas de dominação e das formas de
estratificação social que condicionam os mecanismos e os tipos de controle e decisão do
sistema econômico em cada situação particular” (CARDOSO e FALETTO, 1970, p. 24)
de dependência.
Ao deslocar o foco da dominação nas estruturas econômicas, do enfoque anterior,
para as relações sociais de poder, Cardoso e Faletto (1985, p. 15) reafirmaram, no artigo
de revisão “Repensando dependência...”, de 1978, que a abordagem proposta tratava a
questão da economia como economia política. Tal como as estruturas do subdesenvolvi-
mento e do desenvolvimento, a dominação o era, em si, estrutural, mas político-social.
Portanto, histórica-estrutural, o que não significa desconsiderar que os interesses pelo con-
trole, posse e propriedade dos meios de produção e distribuição da riqueza e da renda não
possam estar colocados em primeiro lugar, haja vista que o poder social sustenta, hegemo-
nicamente, o poder político e a administração pública (Estado).
Em Dependência e Desenvolvimento os autores também não negaram a existência
de relações de dominação internas (Nação) e externas (supranacional) que envolviam a
368
produção e a distribuição no capitalismo, porém recolocaram seu conteúdo, sua origem e
sua sustentação, contrapondo a visão estruturalista. Propuseram uma outra concepção:
Como o objetivo desde ensaio é explicar os processos econômicos en-
quanto processos sociais, requer-se buscar um ponto de intersecção teó-
rico, onde o poder econômico se expresse como dominação social, isto é,
como política; pois é através do processo político que uma classe ou
grupo econômico tenta estabelecer um sistema de relações sociais que
lhe permita impor ao conjunto da sociedade um modo de produção pró-
prio, ou pelo menos tenta estabelecer alianças ou subordinar os demais
grupos ou classes com o fim de desenvolver uma forma econômica com-
patível com seus interesses e objetivos. Os modos de relação econômica,
por sua vez, delimitam os marcos em que se a ão política. (CAR-
DOSO e FALETTO, 1970, p. 23, grifo nosso).
Questionando o limite das noções de Nação e de classes sociais utilizadas por
Cardoso e Faletto na Dependência e Desenvolvimento, Francisco Weffort (1971) esclare-
ceu melhor a própria natureza histórico-social das relações de dominação (obtidas por
consentimento ou obediência), seja nos limites de cada Estado-Nação (autonomia e sobe-
rania) e na participação no sistema internacional (imperialismo), como nos assuntos da
economia e do mercado (nacional e comércio mundial) ou da ideologia (construção da
idéia de Nação).
A existência do Estado-Nação, com seus atributos políticos de autono-
mia e soberania, não é razão suficiente para pensarmos que se instaure
uma contradição Nação-mercado no país que integra o sistema econômi-
co internacional. Pelo contrário, em dadas condições sociais e políticas
internas (que só podem ser resolvidas por uma análise de classe), os gru-
pos que detêm a hegemonia, ou seja, que dão conteúdo à idéia de Nação,
podem usar a autonomia política para a integração econômica interna-
cional (WEFFORT, 1971, p. 13, grifo nosso).
Em resposta a Francisco Weffort, Fernando H. Cardoso argumentou que as rela-
ções de produção e as relações de classes “se articulam, ainda hoje, através do Estado e da
Nação” (CARDOSO, F. H., 1971, p. 36), além do que o Estado/Nação não era um marco
absoluto. Todavia ambos, Weffort e Cardoso, não se perdem em nuances, afinal, as noções
de hegemonia social e política ambas com caráter de classe, seja no âmbito do Esta-
369
do/Nação ou em alianças externas, pois representam interesses e projetos de desenvolvi-
mento nacional, de inserção internacional e da formatação da função e do papel do Estado
na esfera pública e na esfera da economia
291
–, por um lado, incluem as relações de domi-
nação e de dependência, e, por outro, revelam essas bases de sustentação da estrutura
econômica e política” (CARDOSO e FALETTO, 1970, p. 24). Denotam os vínculos no
plano interno e externo entre nações independentes e soberanas, porém em situações dife-
renciadas no conjunto do sistema. Afinal não existe dependência sem interligação de par-
tes num conjunto ou alguma forma de desigualdades entre as partes.
Enquanto conceito, a dependência caracterizaria a condição, negativa, de deter-
minada nação no processo de desenvolvimento capitalista. As transformações e mudanças
verificadas no desenvolvimento não representariam, necessariamente, uma superação da
dependência, pois podiam resultar em rearranjos de uma nova hegemonia na dependência
e do estabelecimento de novas alianças entre setores, grupos e classes sociais, internos e
externos, ou seja, novas situações históricas de dependência. Esta era, para Cardoso e Fa-
letto, a novidade da nova face do imperialismo no período pós-50.
Para Cardoso e Faletto, não haveria incompatibilidade entre a situação de depen-
dência de uma nação (seu desenvolvimento econômico interno e a participação de capital
estrangeiro e multinacional) com seu status de Estado Nacional. A trajetória dos países
latino-americanos durante o séc. XX e a inserção de suas economias no processo de ex-
pansão imperialista (dos monopólios e da fusão e internacionalização do capital industrial
291
Elmar Altvater (1999) esclareceu, com muita propriedade, que as (de)regulamentações dos espaços da
economia se diferenciam dos espaços da cidadania (política). Assim, sem cair em dualismo (fragmentação)
na análise da relação entre Estado Nacional/Nação e “globalização” da economia, contrapôs-se à tese do
enfraquecimento do Estado, pois, trata-se de recolocar a disputa hegemônica pela desregulamentação e/ou
regulamentação de ambos, da economia (abertura das economias nacionais) e da política (cidadania), o que
não corresponde, necessariamente, à existência de um novo paradigma. Para o autor, o fenômeno da globali-
zação do mercado, no atual modelo neoliberal, retrata que, na construção da hegemonia, a racionalidade da
desregulamentação econômica supera a racionalidade da regulamentação política” (ALTVATER, 1999, p.
122).
370
e financeiro) (cf. FERNANDES, 1981, p. 18 ss)
292
–, atingindo níveis de industrialização
interna, atestavam a dependência e sua rearticulação. Entretanto, mesmo havendo uma
aliança na e pela dependência, a hegemonia política e social retrataria, ao final, os interes-
ses do bloco (alianças) no poder político do Estado-nação. Na correlação de forças estari-
am incluídos os grupos nacionais e estrangeiros, pois a Nação não delimitava nem repre-
sentava uma fronteira, obstáculo ou barreira, aos interesses privados de classe (acumula-
ção de capital, taxa de lucro, propriedade dos meios de produção, etc)
293
. Tanto a regula-
ção/desregulação da economia, como a do Estado (seu papel no desenvolvimento), na na-
ção e suas relações externas, enfim, o projeto de nação, da orientação da economia interna
e sua inserção internacional e o desenvolvimento científico-tecnológico, manifestariam a
realidade histórica da dependência.
Partindo dessa noção de dependência, caberia realizar a investigação histórica de
casos concretos de países dependentes e suas relações com os países capitalistas hegemô-
292
Ao situar o debate sobre a teoria da dependência DeD no interior da teoria leninista do
imperialismo, Francisco Weffort sintetiza seus pontos centrais dessa última: “na teoria de
Lênin, o imperialismo não se define a partir de uma premissa política (a Nação), mas co-
mo uma fase particular do desenvolvimento capitalista, ou seja, a partir das relações de
produção, com o aparecimento dos monopólios e a fusão do capital bancário com o in-
dustrial. Ademais, consiste numa teoria construída com vistas a explicar duas questões
referentes aos países imperialistas: a inevitabilidade da guerra e a formação de uma aris-
tocracia operária” (WEFFORT, 1971, p. 23). A obra de referência de Lênin (1985) é “O
Imperialismo, Fase Superior do Capitalismo”.
Em seu comentário-resposta a Francisco Weffort, Fernando H. Cardoso esclareceu que
a DeD proposta por ele e Faletto foi construída no interior da teoria marxista do capitalis-
mo e da sua fase imperialista (apresentada por Lênin). Na verdade, para Cardoso e Faletto,
a DeD seria uma reinterpretação do imperialismo no período histórico posterior aos estu-
dos de Lênin: “a questão não é saber a que teoria do imperialismo se liga a idéia de de-
pendência, mas sim a de reelaborar a teoria do imperialismo, de modo a mostrar como se
dá a acumulação de capitais quando se industrializa a periferia do sistema capitalista
internacional” (CARDOSO, F. H., 1971, p. 37-38).
No artigo “Notas sobre o estado...”, Fernando H. Cardoso reconheceu a origem da no-
ção de dependência na obra de Lênin: “Lênin formulou, com simplicidade, o principal
sobre a dependência como uma forma de articulação entre duas partes de um mesmo mo-
do de produção e sobre a subordinação de um modo de produção a outro” (CARDOSO,
F. H., 1975, p. 23).
293
Nesse aspecto, tanto Cardoso e Faletto, como Weffort, não apresentaram discordância.
371
nicos, para reconstituir as estruturas da situação de dependência e sua força de dominação,
como também identificar o bloco da aliança hegemônica (grupos e classes sociais, setores
econômicos e movimentos sociais) e seus interesses. Na passagem de Dependência e De-
senvolvimento que segue, Cardoso e Faletto resumiram essa visão integrada de análise da
dependência:
Eis por que a finalidade da análise integrada do processo de desenvolvi-
mento nacional consiste em determinar as vinculações econômicas e po-
lítico-sociais que se dão no âmbito da nação. Essas articulações se dão
através da ação dos grupos sociais que, em seu comportamento real, li-
gam de fato a esfera econômica à política. Convém ressaltar que tal ação
refere-se sempre à nação e às suas vinculações de toda ordem com o sis-
tema político e econômico mundial. A dependência encontra assim não
“expressão” interna, mas também seu verdadeiro caráter como modo
determinado de relações estruturais: um tipo específico de relação entre
as classes e grupos que implica uma situação de domínio que mantém
estruturalmente a vinculação econômica com o exterior. Nesta perspecti-
va, a análise da dependência significa que não se deve considerá-la co-
mo uma “variável externa”, mas que é possível analisá-la a partir da con-
figuração do sistema de relações entre as diferentes classes sociais no
âmbito mesmo das nações dependentes (CARDOSO e FALETTO, 1970,
p. 31, grifo nosso)
294
.
Tanto para Prebisch/
CEPAL
, como para Cardoso e Faletto (DeD), havia um sis-
tema internacional. Da mesma forma ambos compreendiam que este sistema, a economia
capitalista, para Prebisch, ou modo de produção capitalista, para Cardoso e Faletto, tinha
sua origem no Ocidente, desde os tempos modernos. Mais ainda, este sistema capitalista
não somente apresentava uma forma de desenvolvimento, como se caracterizava por se
expandir além fronteira dos países industrializados, de se internacionalizar. Entretanto,
essa expansão não formava uma ordem econômica homogênea. Para Prebisch/CEPAL,
esta heterogeneidade sistêmica foi definida como sistema centro–periferia. Para Cardoso e
Faletto, o sistema era formado pelas relações internas e externas dos/nos países (centros)
294
Noutra passagem da Dependência e Desenvolvimento, Cardoso e Faletto acentuam a
base interna da dependência no sistema geral: “a relação interna entre as classes é que
torna possível e dá fisionomia própria à dependência” (CARDOSO e FALETTO, 1970,
p. 36).
372
hegemônicos e (com os) dos/nos países dependentes, ou melhor, nas inter-relações inter-
nas e externas na dependência. A grande diferença das duas visões estava na atribuição do
conteúdo da dependência. Enquanto que para o pensamento cepalino a dependência era
estrutural, com predominância do exterior (centro) e a base da dominação estava na eco-
nomia (progresso técnico e vulnerabilidade externa no movimento reflexo), para os de-
pendentistas da DeD, a dependência era resultado tanto da luta social interna, quanto da
articulação externa, portanto, a base de dominação estava na definição da política de de-
senvolvimento da nação e sua inserção na economia internacional. Em outras palavras, a
luta social girava em torno da definição, implantação e controle de um determinado tipo de
desenvolvimento econômico nacional, assim como de um projeto de nação (entre a inclu-
são ou a exclusão política e social), seja nos países dependentes como, nos países hege-
mônicos e em suas inter-relações
295
.
No texto “Repensando dependência...”, Cardoso e Faletto definiram melhor a
“situação de dependência” do desenvolvimento no aspecto econômico stricto sensu: Do
ponto de vista econômico, um sistema é dependente quando a acumulação e a expansão de
capital não podem encontrar seu componente dinâmico essencial no interior do sistema”
(CARDOSO e FALETTO, 1985, p. 26). O argumento colocado pelos autores de Depen-
dência e Desenvolvimento guarda semelhança com a indicação da vulnerabilidade externa
e a condição passiva da periferia (movimento reflexo) nas relações centro–periferia, o que
295
Em sua discussão acerca da sustentabilidade da DeD, Francisco Weffort argumentou
que, dentre os dependentistas, a noção de dependência apresentava duas variáveis: “É
assim que alguns deles trataram de elaborar dois conceitos diferentes: dependência ex-
terna, indicando as relações de Nação com os ‘países centrais’, e dependência estrutural,
noção mais complexa, que nomeia ao mesmo tempo as relações externas e seus efeitos
estruturais internos sobre as classes e as relações de produção” (WEFFORT, 1971:7).
Para Weffort, a DeD apresentava uma “tentativa mais ousada de uma combinação entre
as relações externas e as relações internas (WEFFORT, 1971, p. 11).
Em sua resposta a Francisco Weffort, Fernando H. Cardoso esclareceu que na DeD as
relações internas e externas da/na dependência eram vistas de forma concreta e integrada,
portanto, sem cisão das partes, pois era incorreto estabelecer uma “distinção metafísica
entre os condicionantes externos e os internos(CARDOSO, F. H., 1971, p. 30).
373
revela tanto a crítica da DeD ao estruturalismo cepalino, como também um grau de conti-
nuidade da tese da dependência estrutural (existiam estruturas econômicas gerais de domi-
nação) e sua superação (teórico-metodológica). Além disso, Cardoso e Faletto, a exemplo
de Prebisch, apontaram temas estruturais do desenvolvimento econômico que deveriam ser
levados em consideração nos estudos da dependência
296
, afinal, a partir deles seria possí-
vel localizar e identificar os interesses e as práticas dos sujeitos históricos nas lutas sociais.
A dependência unia interesses (econômicos, políticos, sociais e culturais) dos ali-
ados e sócios (na acumulação de capital) internos e externos (grupos estrangeiros presen-
tes nos países dependentes e seus vínculos com os países de origem)
297
. Assim, para Car-
doso e Faletto em cada situação de dependência havia uma determinada forma de
(re)composição e (re)integração nacional (idéia de Nação) e internacional no capitalismo,
conforme a argumentação apresentada na Dependência e Desenvolvimento:
ao considerar a “situação de dependência”, na análise do desenvolvimen-
to latino-americano, o que se pretende ressaltar é que o modo de integra-
ção das economias nacionais no mercado internacional supõe formas de-
finidas e distintas de inter-relação dos grupos sociais de cada país, entre
si e com os grupos externos (CARDOSO e FALETTO, 1970, p. 30, grifo
nosso)
298
.
296
Em Dependência e Desenvolvimento, Cardoso e Faletto indicaram certos temas macro-
econômicos, políticos e sociais à pesquisa, pelo vigor que possuíam para uma identifica-
ção do modelo de desenvolvimento existente em determinado período histórico: “os con-
dicionantes econômicos do mercado mundial, inclusive o equilíbrio internacional do po-
der; a estrutura do sistema produtivo nacional e seu tipo de vinculação com o mercado
externo; a configuração histórica-estrutural de tais sociedades, com suas formas de dis-
tribuição e manutenção do poder, e, sobretudo, os movimentos político-sociais que pres-
sionam para a mudança com suas respectivas orientações e objetivos” (CARDOSO e
FALETTO, 1970, p. 23-24).
297
A presença de grupos econômicos imperialistas nos países latino-americana (capital externo) tornava-os
núcleos de força interna, cujos interesses maiores voltavam-se ao modelo de regulação interna da economia
e sua abertura internacional. Portanto, para Celso Furtado (1966) e Florestan Fernandes (1981), o imperia-
lismo tinha força interna e externa visível e invisível. Em Dependência e Desenvolvimento, neste caso, o
externo também foi apresentado como parte no nacional: “Mas o externo, nessa perspectiva, expressa-se
também como um modo particular de relação entre grupos e classes sociais no âmbito das nações subde-
senvolvidas” (CARDOSO e FALETTO, 1970, p. 23).
298
Florestan Fernandes deixou claro que a dependência possuía caráter de classe: “Os
setores sociais que possuem o controle das sociedades latino-americanas são tão interes-
sados e responsáveis por essa situação quanto os grupos externos, que dela tiram provei-
374
Se a condição de dependência não atingia os centros hegemônicos do sistema ca-
pitalista, essa mesma hegemonia internacional imperialista também era sustentada por uma
hegemonia social e política interna a eles, ou seja, em nível nacional, nos países imperia-
listas, havia uma luta social envolvendo interesses internos e externos. O controle do Esta-
do/nação, a hegemonia interna, nos centros imperialista era fundamental, tanto para garan-
tir a dominação política e social em seus países, como para tornar os interesses imperialis-
tas parte da política externa nacional. Afinal, o imperialismo vinha a ser uma forma de
organização internacional da acumulação de capital. Esse tema não pode ser deixado de
lado nem desconsiderado, pois, a dependência tinha sua gênese histórica no desenvolvi-
mento e na expansão do modo de produção capitalista europeu-ocidental. Distintamente
dos Estados Unidos, a América Latina não havia passado por um processo de superação da
dependência, mas, sim, conforme Cardoso e Faletto (1970, p. 9), vivenciado “situações”
distintas e diferenciadas de dependência, o atingindo um vel de desenvolvimento eco-
nômico capitalista nacional auto-sustentado. Tampouco haviam realizado uma “revolução
burguesa nacional”, a exemplo dos centros capitalistas (MARIÁTEGUI, 1975; WEF-
FORT, 1971, p. 16), nem surgiu um movimento revolucionário urbano-industrial antioli-
gárquico conquistador do Estado à francesa. Sendo Estados nacionais, dotados de auto-
nomia e soberania, a hegemonia da e pela dependência capitalista caracterizava a história
dos países latino-americanos
299
, o que reafirma o princípio prebischiano de que não era
to. Dependência e subdesenvolvimento são um bom negócio para os dois lados (FER-
NANDES, 1981, p. 26, grifo nosso). Theotônio dos Santos, Ruy Mauro Marini, André
Gunder Frank acompanhavam essa perspectiva de explicitar os interesses de classe na de-
pendência.
299
Na verdade, esta discussão está presente na historiografia do desenvolvimento do capitalismo na América
Latina, envolvendo sua formação desde a conquista européia, o período colonial, o período emancipacionista
(séc. XIX) até os dias atuais (industrialização). Particularmente, dois temas centraram esse debate: o caráter
do(s) modo(s) de produção e o caráter da revolução burguesa nos países latino-americanos. As interpretações
cepalina e dependentista o parte dessa contribuição à historiografia. A indicação de autores que contribuí-
ram para nesse debate seria extensíssima, mesmo tratando de autores brasileiros (Gilberto Freire, Caio Prado
Júnior, Celso Furtado, Florestan Fernandes, Jacob Gorender, Ciro Flamarion Cardoso, Sérgio Buarque de
375
possível copiar modelos teórico-interpretativos cêntricos, nem repetir a trajetória do de-
senvolvimento clássico” para superar a condição periférica. Tanto para Prebisch, como
para Cardoso e Faletto, o subdesenvolvimento e a dependência periférica eram produto,
parte e fase da própria expansão capitalista, de sua internacionalização.
Para Cardoso e Faletto, a dependência era uma característica geral do desenvolvi-
mento econômico nos países do Terceiro Mundo, mas cada país teria uma trajetória parti-
cular. Numa hipótese de superação da dependência, essa transformação do sistema seria
possível se fossem atingidas as bases do bloco hegemônico interno e da aliança imperialis-
ta. Por outro lado, a dependência poderia ser mantida e reproduzida em novas etapas do
desenvolvimento, inclusive com a industrialização mais complexa da economia (bens de
capital e bens de consumo duráveis).
Nesse sentido, a própria dependência teria que ser compreendida numa perspectiva
histórica, enquanto movimento dinâmico, da/na luta social, pois não havia um imperativo
etapista a se cumprir, nem uma lógica imanente ou uma realização metafísica das idéias:
Poder-se-ia dizer que cada forma histórica de dependência produz um
arranjo determinado entre as classes, não estático, mas de caráter di-
nâmico. A passagem de um para outro modo de dependência, considera-
da sempre em uma perspectiva histórica, deve ter-se fundado em um sis-
tema de relações entre classes ou grupos gerados na situação anterior
(CARDOSO e FALETTO, 1970, p. 35, grifo nosso).
Na análise integrada da dependência era preciso levar em consideração as rela-
ções entre o processo econômico, as condições estruturais e a situação histórica (CAR-
DOSO e FALETTO, 1970, p. 139) e suas mudanças substanciais. No artigo “Notas sobre
o estado...”, Fernando H. Cardoso problematizou a periodização na DeD
300
, ou seja, a
Holanda, Octavio Ianni, Fernando Antônio Novaes, dentre outros), assim, afora os cepalinos e dependentis-
tas trabalhados, algumas referências foram incluídas na bibliografia: José Carlos Mariátegui (1975), Theo
Santiago (1988), Stanley e Bárbara Stein (1983), Halperin T. Donghi (1975), Paulo Barsotti e Luiz B. Peri-
cás (1998) e Alain Rouquié (1991). Recentemente foi iniciada a tradução para o português da coletânea
organizada por Leslie Bethell, História da América Latina (1997), 10 v., publicada pela Edusp/Imprensa
Oficial-SP/Fundação Alexandre Gusmão, que suprirá em boa medida a lacuna existente no país sobre a his-
tória da América Latina.
300
“A complexidade da periodização a partir da teoria da dependência deriva da própria
caracterização da situação de dependência, a qual supõe uma articulação entre a econo-
376
passagem qualitativa de uma situação de dependência para outra, pois sua definição teria
que resultar de uma verificação concreta de mudanças, por exemplo, na esfera econômica
(sistema produtivo), na formação social (classes sociais e frações de classe), na divisão
social do trabalho e no bloco da aliança
301
. Em síntese, no estudo de cada forma de depen-
dência era “preciso determinar interpretativamente a forma que essas relações assumem
em cada situação básica de dependência, mostrando como Estado, Classe e Produção se
relacionam” (CARDOSO e FALETTO, 1970, p. 140, grifo nosso).
Para Cardoso e Faletto, os países latino-americanos tinham passado por situações
de dependência dentro do modelo de desenvolvimento para fora (“expansão para fora”),
entretanto, a atenção maior da obra Dependência e Desenvolvimento estava nas transfor-
mações econômicas (industrialização) e políticas (alianças e ideologia idéia de Nação)
que geraram o desenvolvimento para o mercado interno, o “modelo substitutivo de impor-
tações”
302
. O período de transição teria ocorrido entre os anos 1900 e 1930; a industriali-
zação de substituição fácil teria ocorrido entre 1930 e 1950; e, a internacionalização do
mercado interno (período de diferenciação da base econômico-industrial) teria ocorrido
mia mundial e as economias locais, entre a dominação internacional e a dominação de
classe em cada país dependente” (CARDOSO, F. H., 1975, p. 32).
301
Em DeD” Cardoso e Faletto citaram o exemplo da recomposição da dependência através de um novo
“pactos das elites” ocorrido no s-guerra, representativo da modernização, mas também da preservação da
base do poder social e político, mesmo tendo sido estabelecida uma aliança política com os novos grupos
sociais (setores médios urbanos e assalariados), demarcando o populismo (CARDOSO e FALETTO, 1970,
p. 15).
Noutra passagem da Dependência e Desenvolvimento, os autores indicam algumas mudanças estruturais
na base produtiva que representariam novos veis de formação do sistema capitalista ou de dependência
imperialista: Desenvolvimento, neste contexto, significa o progresso das forças produtivas, principalmente
através da importação de tecnologia, acumulação de capital, penetração de empresas estrangeiras nas
economias locais, números crescentes de grupos assalariados e intensificação da divisão social do traba-
lho” (CARDOSO e FALETTO, 1985, p. 29-30).
302
Para Cardoso e Faletto, na industrialização latino-americana, as “relações entre as burguesias industriais
e o Estado aparecem de maneira típica nos diferentes países” sob três formas particulares: a) industrializa-
ção liberal” (presença forte da iniciativa privada empresarial, principalmente do setor agro-exportador); b)
industrialização “nacional-populista” (presença dos setores urbanos – burguesia e setores médios e populares
do Estado e do setor agro-exportador, em aliança, mas disputando a direção do processo); e, c) industriali-
zação orientada por um “Estado desenvolvimentista” (presença forte dos investimentos do Estado, em subs-
tituição da insuficiência da iniciativa privada) (CARDOSO e FALETTO, 1970, p. 96).
377
entre 1950 e 1960. Nesses três períodos, a dependência teria passado por diferentes alian-
ças
303
.
O foco central de Cardoso e Faletto, no debate sobre desenvolvimento, estava no
novo caráter que a dependência havia adquirido com a internacionalização do mercado
interno, resultante dos investimentos produtivos que o capital externo havia realizado nos
países latino-americanos na década de 1950
304
. Diferentemente do período de “substitui-
ção fácil”, de 1930-1950, onde o Estado e a iniciativa privada nacional eram as principais
fontes dos investimentos, e aliados conjuntos com demais setores médios urbanos e assala-
riados – que tencionaram por participação política e inclusão econômica (populismo) –, na
formação da nova situação, o capital externo local (re)compôs a aliança e a dependência.
Em “Notas sobre o estado...”, Fernando H. Cardoso reforçou a reconstrução da
hegemonia no novo período de dependência, ou seja, como classes e Estado, a produção e
a distribuição se articularam interna e externamente. Segundo o autor, na situação históri-
ca de internacionalização do mercado interno, consolida-se uma nova hegemonia e, inclu-
sive, põem-se a nu os interesses comuns dos grupos dominantes internos e externos, pois a
303
Em sua contribuição no seminário “Teoria da Dependência: 30 anos depois”, Paul Sin-
ger reconheceu a contribuição de Cardoso e Faletto por indicarem situações distintas de
dependência. Para Paul Singer, desde a independência até os anos de 1915/1945, vivia-se
numa situação de dependência consentida, com predominância do liberalismo clássico; o
período seguinte, que inclui a presença da
CEPAL
e dos estudos de Cardoso e Faletto, cor-
responderia à dependência tolerada (de 1915/45 até os anos 70/80), com presença hege-
mônica do pensamento keynesiano nos países adiantados e a teoria desenvolvimentista e
da dependência; e, o último período corresponderia à dependência desejada, identificada
pela hegemonia econômica e teórica do neoliberalismo (SINGER, P., 1998, p. 73-79). O
texto de Paul Singer “De dependência em dependência: consentida, tolerada e desejada”
pode ser encontrado no periódico Estudos Avançados /Revista do Instituto de Estudos A-
vançados da Universidade de São Paulo/ v. 12(33), 1998. p. 119-130
Florestan Fernandes diferenciou quatro fases e formas (padrões) de dominação externa na história latino-
americana: do antigo colonialismo, do neocolonialismo, do imperialismo restrito e do imperialismo total (ou
novo imperialismo) (FERNANDES, 1981, p. 13-26).
304
“Tais investimentos foram de dois tipos: os que aproveitaram um mercado já existente
e nesse sentido competiam com os setores industriais internos, e freqüentemente os
subordinavam a seus interesses como no caso evidente da relação entre as indústrias
nacionais de automóveis e a indústria de autopeças, e os que se asseguraram mais um
controle virtual de um mercado em expansão” (CARDOSO e FALETTO, 1970, p. 123).
378
nova forma da dependência “solidariza os interesses entre classes que no momento anteri-
or apareciam como adversas (a burguesia nacional e a burguesia imperialista e mesmo
setores das classes trabalhistas e os monopólios internacionais, por exemplo)” (CARDO-
SO, F. H., 1975, p. 29).
Da nova situação histórica de dependência, Cardoso e Faletto propuseram uma
revisão das teses do desenvolvimento, indicando, a partir do estado atual da dependência,
quatro conclusões básicas: a) “que existe a possibilidade de acelerar-se a industrialização
nas economias periféricas, redefinindo-se as bases de dependência” (CARDOSO, F. H.,
1975, p. 35); b) “que existe simultaneamente um processo de dependência e de desenvol-
vimento capitalista(CARDOSO, F. H., 1975, p. 36) na periferia latino-americana; c) a
partir dessas transformações, é possível falar em países periféricos industrializados e de-
pendentes, pois “esse tipo de desenvolvimento continua supondo heteronomia e desenvol-
vimento parcial” (CARDOSO e FALETTO, 1970, p. 127); e, d) teoricamente o conceito
“dependência” apreende com maior profundidade a totalidade desse fenômeno, em detri-
mento dos conceitos de subdesenvolvimento e de periferia econômica
305
.
Com a tese do desenvolvimento dependente, Cardoso e Faletto contrapunham-se
ao estruturalismo cepalino quer pelo pessimismo estagnacionista, bem como pela reprodu-
ção do subdesenvolvimento, em sua visão da acentuação da brecha no sistema centro–
periferia.
A crítica realizada pela DeD estendia-se também ao chamado “marxismo vulgar”
(marxismo ortodoxo, comumente conhecido pelo jargão “marxismo-leninismo” ou stali-
nismo), pois esse marxismo, ao reproduzir uma visão estrutural-positivista, repetia a tese
305
“O reconhecimento dessas diferenças levou-nos à crítica dos conceitos de subdesen-
volvimento e periferia econômica, e à valorização do conceito de dependência, como
instrumento teórico para acentuar tanto os aspectos econômicos do subdesenvolvimento
quanto os processos políticos de dominação de uns países por outros, de umas classes
sobre as outras, num contexto de dependência nacional” (CARDOSO e FALETTO, 1970,
p. 139).
379
da determinação do fator externo (imperialismo) na dominação interna, bem como da ne-
cessidade de se passar por etapas, gradualismo, no desenvolvimento capitalista nacional,
pois, primeiro era preciso derrotar o imperialismo e amadurecer o capitalismo nacional
(superar o pré-capitalismo ou o “feudalismo”) para, só então, se fazer uma revolução soci-
alista. Por ser um assunto por demais conhecido, cabe apenas frisar que este estruturalis-
mo-marxista, o stalinismo, foi hegemônico na III Internacional (após a ascensão” de Sta-
lin) e na Internacional Comunista (Cominter), com suas amplas alianças anti-nazifascistas,
atingindo o status de “verdade absoluta” no pós-guerra e na “guerra fria” e dogmatismo
interno nos partidos comunistas (de orientação soviética), com relação à política de aliança
em nível nacional (cf. CLAUDÍN, 1985-1986, 2 v.; ABENDROTH, 1977).
V
VV
V
V
VV
V
9
99
9
9
99
9
;
;;
;
;
;;
;
K
KK
K
K
KK
K
Se na crítica ao estruturalismo do “marxismo vulgar”, a DeD não encontrou gran-
des enfrentamentos, isso não se repetiu no debate realizado com outros autores dependen-
tistas mais críticos (cf. NOÉ, 2001), que defendiam o desenvolvimento do subdesenvolvi-
mento (tese de André G. Frank que seguia a discussão de Paul Baran e Paul Sweezy) e o
enfoque da superexploração do trabalho (Ruy M. Marini, partilhada por Theotônio dos
Santos). Como este debate foi muito extenso e intenso cujo aprofundamento requereria
um estudo à parte –, cabe, para o momento, fazer apenas duas observações: uma relacio-
nada aos protagonistas do debate; e, outra relacionada às teses da superexploração e da
exploração pela mais-valia relativa.
Quanto à primeira questão, chama a atenção o fato de o debate ter sido realizado,
em grande parte, entre alguns dependentistas brasileiros, estando eles no Brasil ou não
(exilados) e pertencendo ou não à mesma geração de intelectuais dependentistas. Partilha-
vam da tese DeD Fernando H. Cardoso, José Serra e Lídia Goldenstein, para citar alguns.
380
Entre os defensores da tese da superexploração estavam Ruy Mauro Marini e Theotônio
dos Santos
306
. Outra consideração a ser feita, mais específica e relacionada ao debate reali-
zado entre Serra e Cardoso
307
e Marini
308
, diz respeito à repercussão (e/ou restrição) dessa
306
Dentre as referências desse debate estão: “Dialética da Dependência”, de 1973 (MA-
RINI, 1991; 2000a); “O consumo da teoria da dependência nos Estados Unidos”, de 1976
(CARDOSO, F. H., 1993c, p. 125-149); “As desventuras da dialética da dependência”,
de 1978 (SERRA e CARDOSO, 1978); “As razões do neodesenvolvimentismo (resposta a
Fernando Henrique Cardoso e a José Serra)”, de 1978 (MARINI, 2000b); “As Idéias e
Seu Lugar” (CARDOSO, F. H., 1993a); “Os fundamentos teóricos do governo Fernando
Henrique Cardoso: nova etapa da polêmica sobre a teoria da dependência” (SANTOS,
T., 2000, p. 117-162); e, “Dependência e desenvolvimento”, de 1998 (GOLDENSTEIN,
1998).
Com exceção de Marini, os demais tiveram ou têm participação direta ou indireta nos
últimos governos do país, cujo caso mais expressivo foram os dois mandatos consecutivos
de Fernando H. Cardoso, na Presidência da República. Um outro longo debate poderia ser
realizado entre a DeD e o “esqueçam tudo que eu escrevi” (cf. CRUZ, 1998), ambos de
Fernando Henrique Cardoso. O texto de Sebastião C. Velasco e Cruz “Idéias do poder:
dependência e globalização em F. H. Cardoso”, pode ser encontrado no periódico Estu-
dos Avançados /Revista do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo/
v. 13(37), 1999. p. 225-247.
Além do ensaio de Sebastião Cruz (1998), apresentado no evento “Teoria da Depen-
dência: 30 Anos depois”, na USP, Paulo Nogueira Batista Júnior também participou do
seminário e tratou da relação entre o intelectual da Dependência e Desenvolvimento e o
presidente. Em sua exposição, intitulada “Dependência: da teoria à prática”, Batista Jr.
(2000a, p. 73-82), considerou que a obra Desenvolvido e Desenvolvimento não representou
uma nova teoria, nem havia proposto uma nova interpretação substantiva para o desenvol-
vimento latino-americano, independentemente da boa fluidez “conceitual marxista” apre-
sentada pelos autores. Baseando-se no depoimento de José de Souza Martins (1997, p.
148-151), Batista Jr. afirma que, ideologicamente, Cardoso teria incorporado, desde a De-
pendência e Desenvolvimento, uma visão conformista sobre o desenvolvimento e a sua
forma dependente de inserção na economia internacional. O texto de Batista Jr. também
pode ser encontrado no periódico do Instituto de Estudos Avançados (
IEA
), da
USP
, Es-
tudos Avançados. v. 13, n. 37, set/dez. 1999. José de Souza Martins também apresentou
uma avaliação da teoria da dependência do Fernando Henrique Cardoso e sua trajetória
política, que pode ser encontrada em: “Sociologia e militância: entrevista com José de
Souza Martins, publicada nos Estudos Avançados. v. 11. n. 31, set/dez. 1997. p. 137-187.
O próprio Fernando Henrique Cardoso fez uma avaliação relacionando sua trajetória inte-
lectual e política publicada no livro: CARDOSO, F. H. O Presidente segundo o sociólogo:
uma entrevista de Fernando Henrique Cardoso a Roberto Pompeu de Toledo. São Paulo :
Cia. das Letras, 1998.
O texto de Paulo Nogueira Batista Jr. “Dependência: da teoria à prática, pode ser en-
contrado no periódico Estudos Avançados /Revista do Instituto de Estudos Avançados da
Universidade de São Paulo/ v. 13(37), 1999. p. 215-224.
307
José Serra e Fernando H. Cardoso apresentaram uma crítica da obra de Marini (Dialética da Dependên-
cia) no artigo “As desventuras da dialética da dependência”, publicado na Revista Mexicana de Sociologia,
em 1978 (número extraordinário). Lídia Goldenstein considerou que, no artigo “Serra e Cardoso fazem uma
crítica arrasadora e definitiva às posições de Marini (GOLDENSTEIN, 1998, p. 114).
381
discussão ao público brasileiro, pois, enquanto que os dois artigos foram publicados no
mesmo número da Revista Mexicana de Sociologia, em 1978, no periódico do Centro Bra-
sileiro de Análise e Planejamento, “Estudos CEBRAP
309
, foi publicado apenas o artigo
de Serra e Cardoso, fato este muito bem lembrado por Theotônio dos Santos
310
e por Emir
Sader (2000, p. 9-nota 1). Numa primeira impressão se deduz que, efetivamente, havia
interesses em jogo!
Com relação ao debate propriamente dito entre a tese da superexploração (Marini
e Theotônio dos Santos), e da exploração pela mais-valia relativa, do desenvolvimento
dependente (Cardoso, Faletto e Serra), primeiramente cabe retomar algumas considerações
de Raúl Prebisch, e, em seguida, apontar o problema teórico-metodológico de inversão
racionalista (cf. PRADO Jr., 1971), no caso, de retorno a um dualismo estruturalista entre
a exploração da mais-valia absoluta (superexploração da força de trabalho), como sendo
característica do “atraso” e do “tradicional”, e a exploração da mais-valia relativa (produ-
tividade-tecnologia avançada), como sendo marca do moderno”. Sendo este um dos pon-
308
Ruy M. Marini respondeu à crítica da Desventuras”, com o artigo “As razões do neodesenvolvimentis-
mo...”, publicado no mesmo número da Revista Mexicana de Sociologia, em 1978. Ao retomar o debate dos
dependentistas, Theotônio dos Santos (2000, p. 125) reafirmou a posição inicial de Marini e julgou que sua
resposta à crítica foi contundente.
309
SERRA, José; CARDOSO, Fernando Henrique. “As desventuras da dialética da de-
pendência” In: Estudos CEBRAP. São Paulo, CEBRAP/Brasiliense, 1978 (n. 23). p. 34-80
310
“Em primeiro lugar, é necessário ressaltar que Fernando Henrique sempre apresentou
suas críticas com muita elegância e respeito, no interior de uma aventura intelectual co-
mum da qual participamos: a chamada ‘teoria da dependência’. Contudo, é desagradável
constatar que o Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), que ele fundou e
então dirigia, nunca publicou a resposta contundente de Ruy Mauro Marini às suas críti-
cas. Pelo contrário, fez-se um constrangedor silêncio sobre essa polêmica que a imprensa
brasileira vem mantendo até o presente” (SANTOS, 2000, p. 125).
No momento não há condições para avaliar se o artigo do Ruy M. Marini não foi publi-
cado por motivo de censura (Regime Militar) ou por questões internas no CEBRAP. Po-
rém, em 1978, tanto Ruy M. Marini e José Serra, quanto o Fernando H. Cardoso viviam
no exterior (por motivo de exílio forçado ou não), e os dois últimos trabalhavam como
professores visitantes no Institute for Advanced Study, Princenton/EUA (SERRA e
CARDOSO, 1978, p. 34).
382
tos de divergência, como frisou Theotônio dos Santos (2000, p. 123 ss) e Fernando H.
Cardoso (1975, p. 36), entretanto, havia convergência em outros.
Raúl Prebisch situou e acentuou que havia uma transferência dos ganhos de pro-
dutividade da periferia para os países centrais, cujo movimento variava no período cíclico,
entretanto, estruturalmente e em longo prazo, a economia periférica perdia os ganhos do
período crescente, como também “custeava” a recuperação do ciclo decrescente nos países
centrais. A discussão da deterioração dos termos de intercâmbio tinha o propósito de no
olhar prebischiano demonstrar como o centro exportava a crise e como, na periferia, o
problema estrutural da abundância de mão-de-obra desempregada, substituída pelo pro-
gresso técnico e sem organização sindical, era a mola mestra da exploração. Também era
na última ponta (parte dependente) do sistema centro–periferia que a corda estourava, com
a redução dos salários. Assim, na economia política de Prebisch, havia uma maior explo-
ração da mão-de-obra nos países periféricos e a adoção de tecnologia substitutiva de mão-
de-obra corroborava para agravar o problema que já era estrutural: a desocupação tecnoló-
gica, o desemprego e os salários baixos.
Numa primeira crítica ao desenvolvimento do subdesenvolvimento (incluindo
Frank e Marini), Fernando H. Cardoso expôs aquilo que considerava o ponto mais polêmi-
co das divergências entre as vertentes da teoria da dependência. Em Dependência e De-
senvolvimento, os autores haviam reinterpretado as relações de dependência e defendiam
que a situação histórica da nova dependência se diferenciava das anteriores, pois, com a
industrialização e a internacionalização do mercado interno, a nova forma de dependência
estava “baseada na exploração da mais-valia relativa e no aumento da produtividade”
(CARDOSO, F. H., 1975, p. 36). Distintamente de produzir uma estagnação na América
Latina, os novos investimentos estrangeiros nos setores produtivos de alta tecnologia (bens
de capital) e no setor financeiro haviam gerado um desenvolvimento da economia interna
e reestruturado a unidade produtiva (empresa) e a organização e divisão do trabalho. As-
383
sim, além de estabelecer uma nova aliança hegemônica, de controle e de decisão sobre o
Estado, a produção, o consumo e as classes sociais, para Fernando H. Cardoso, em Depen-
dência e Desenvolvimento, a industrialização da periferia recoloca[va] o problema da
realização da mais-valia e exige[ia] novos esforços teóricos e de pesquisa para equacioná-
lo contemporaneamente” (CARDOSO, F. H., 1975, p. 35). Portanto, a divergência corres-
pondia ao conteúdo das relações de dependência (formas de exploração do trabalho), tendo
como objeto a esfera econômica.
A razão da polêmica possível é óbvia. Ao afirmar isto, oponho-me à in-
terpretação da A. G. Frank sobre o “desenvolvimento do subdesenvolvi-
mento”. Ao mesmo tempo, a interpretação de Ruy Mauro Marini sobre a
natureza das relações de dependência como uma forma de reprodução da
exploração da mais-valia absoluta e da produção de matérias-primas ba-
ratas, requer alguma delimitação (CARDOSO, F. H., 1975, p. 36, grifo
nosso).
No artigo das “Desventuras”, Serra e Cardoso tecem sérias críticas à “Dialética
da Dependência”, por considerarem que Marini “confunde o tempo todo ‘deterioração dos
índices das relações de troca’ com ‘intercâmbio desigual’” (SERRA e CARDOSO,
1978:52). Posição confirmada por Lígia Goldenstein (1994, 1998).
Na crítica da crítica, Ruy M. Marini aprofunda a noção de superexploração do
trabalho, recolocando o debate em outras bases. Se este debate permanecesse simplesmen-
te no nível teórico entre mais-valia absoluta ou relativa –, o risco de um novo dualismo
estrutural era praticamente inevitável. Contudo, como Marini compreendia que qualquer
desenvolvimento capitalista acumulação de capital ou mesmo subdesenvolvimento
existe somente em função da apropriação da riqueza produzida pelos trabalhadores, em
“Dialética da Dependência”, o autor retoma o sentido existencial e orgânico do trabalho
(alienação em Marx), das classes trabalhadoras e das relações de classes no capitalismo
latino-americano:
384
A superexploração se define mais pela maior exploração da força sica
do trabalhador, em contraposição à exploração resultante do aumento de
sua produtividade e tende normalmente a expressar-se no fato de que a
força de trabalho se remunere por baixo de seu valor real.
Não é este, no entanto, o ponto central da discussão. O que se discute é
se as formas de exploração, que se distanciam da que engendra a mais-
valia relativa sobre a base de uma maior produtividade, devem ser exclu-
ídas da análise teórica do modo de produção capitalista (MARINI,
2000a, p. 160, grifo nosso).
Assim, sem cair na armadilha de um novo estruturalismo, mesmo havendo desen-
volvimento das forças produtivas (relação capital-homem) e a elevação da produtividade,
nem recorrer aos textos clássicos da economia política, por ora basta retomar Prebisch,
pois dizia ele que a participação dos trabalhadores na repartição dos ganhos de produti-
vidade dependia da organização e da força sindical, ou seja, da força política que tinham
no desenvolvimento. O enfoque do desenvolvimento do subdesenvolvimento, da categoria
superexploração do trabalho, afirma simplesmente que ambas as formas de apropriação
da mais-valia (absoluta e relativa) coexistiam na América Latina e, considerando a regula-
ção da relação capital-trabalho, acentuava-se a exploração dos trabalhadores em favor dos
capitalistas (nacionais, multinacionais e internacionais), fato este que Marini (2000b, p.
171 ss) evidenciou no caso brasileiro pós-1964. É esta a resposta à critica que Theotônio
dos Santos considerou contundente, haja vista seu mergulho nas relações de trabalho, ou
como problematiza José F. Kieling (1995), seu enraizamento na luta de classes, revelando,
no “chão” das relações trabalho-capital, a ação regulamentadora do Estado como forma-
instrumento de controle da produção e da acumulação de capital.
A natureza sócio-histórica do capitalismo
311
converge, sim, para o desenvolvi-
mento das forças produtivas, porém seus rumos e o caráter de sua propriedade eram e são
definidos no processo da luta social, por onde perpassam os interesses (econômicos, soci-
ais, políticos e culturais) de classe, grupos, frações. Theotônio dos Santos (2000) enfatizou
311
Do capital enquanto relação entre os homens; do modo de viver e de produzir a vida, a humanidade e o
seu lugar na sociedade e na natureza; da objetificação do trabalho/trabalhador e sujeitificação da mercadoria;
da mercadoria enquanto fetiche; e, das relações sociais de classes (cf. MARX, K. ENGELS, F., 1984 e
1998).
385
o objeto central da tese de Marini: a intensificação da exploração do trabalho (superexplo-
ração) como meio de sustentação do capitalismo e solução de suas crises de acumulação.
Em artigo posterior a este debate, no “Repensando dependência ...”, Cardoso e
Faletto (1985, p. 30) revisaram a noção de desenvolvimento no capitalismo
312
e sinaliza-
ram o socialismo como caminho para sua superação e da condição periférica. Porém, se-
gundo Theotônio dos Santos, esta revisão deve ser situada na “nova teoria da dependên-
cia”, particularmente em Fernando H. Cardoso.
Segundo Theotônio dos Santos, desde 1974 Fernando H. Cardoso vinha adotando
posições intelectuais e políticas mais moderadas: “ele aceitou a irreversibilidade do de-
senvolvimento dependente e a possibilidade de compatibilizá-lo com a democracia repre-
sentativa(SANTOS, 1998, p. 24, grifo nosso)
313
. Neste aspecto haveria em Fernando H.
Cardoso um novo pessimismo: os laços da/na dependência estabeleciam limites ao desen-
volvimento.
Numa leitura atenta dos textos mais recentes de Fernando H. Cardoso (1993a),
percebe-se, sim, uma reafirmação constante de que os países latino-americanos vêm se
desenvolvimento com dependência, ou melhor, com desenvolvimento dependente; que a
noção de desenvolvimento se aproxima mais da noção de crescimento econômico do que
da economia política; e suas análises sobre a política e o estado da dependência do período
mais recente, em particular do Brasil, as lutas sociais e a hegemonia não o tratadas no
312
“... com a noção de ‘desenvolvimento’ não entendemos a realização de uma sociedade
mais igualitária ou mais justa. Não são conseqüências que advenham do desenvolvimento
capitalista, especialmente nas economias periféricas” (CARDOSO e FALETTO, 1985, p.
29).
313
Ao tratar da importância da obra antológica da Ruy Mauro Marini, no texto da orelha do livro”, Emir
Sader distinguiu as duas vertentes da teoria da dependência e apontou na mesma direção de Theotônio dos
Santos: “Uma vertente expressada pela obra de Fernando Henrique Cardoso apontava para a interde-
pendência como a solução da crise de acumulação; a outra, de caráter marxista, principalmente através da
obra de Ruy Mauro Marini, indicava as limitações e deformações do capitalismo” (SADER, 2000, 1
a
ore-
lha, grifo nosso).
386
nível da análise proposta em DeD. Verifica-se, em Fernando Henrique Cardoso, uma a-
bordagem mais restrita do fenômeno do desenvolvimento em seu sentido continuado
314
.
Por fim, para concluir o tema da teoria da dependência, especialmente aquele da
obra Dependência e Desenvolvimento, é oportuno considerar a historicização das idéias
dependentistas apresentadas pelo Enzo Faletto (1998), na passagem dos “30 anos da
DeD”. Retomando a análise de Ricardo Bielschowsky (2000a) sobre a evolução do pen-
samento na
CEPAL
, trata-se de levar em conta que o contexto ideológico dos anos 60 inte-
gra a historiografia da dependência. Enfim, que a teoria da dependência e os dependentis-
tas têm história. Assim Faletto contextualizou a problemática histórica
315
, ou seja, os ru-
mos históricos e as perspectivas construídas pelo sujeitos sociais:
No momento histórico em que a problemática da dependência surge co-
mo tema de análise, a luta social não estava marcada pela oposição
“tradicional”-“moderno”: o que se discutia eram as “orientações do de-
senvolvimento” e, em torno destas, os distintos grupos sociais trataram
de constituir suas próprias opções. A maior parte dos escritos sobre a de-
pendência não escapava dessa intenção (FALETTO, 1998, p. 8-9).
Enraizada na luta social, a teoria da dependência e suas vertentes refletiam os en-
frentamentos sociais, e, porque não dizer claramente, integravam a disputa ideológica
316
.
314
Também se verifica, em DeD e na trajetória deste debate a predominância do campo teórico (acadêmico)
e uma lacuna ao da prática transformadora (quem são/serão os sujeitos socais e quais são/serão os enfrenta-
mentos), fato este reconhecido pelo próprio Fernando H. Cardoso (1993b, p. 19-20). Nesse sentido, percebe-
se uma diferença entre a DeD, de Cardoso e Faletto, e a problemática teórica e prática presente nos textos
fundadores de Prebisch/
CEPAL
(cf. PREBISCH, 1949 e 1973; CARDOSO, F. H. 1993b, p. 13-25).
315
“O propósito é outro, recuperar o momento histórico – tanto em termos de aconteci-
mentos, como de idéias – em que se situa a temática da dependência, e dessa forma con-
tribuir em parte, para situá-la numa perspectiva temporal que a liga com outros fatos e a
dimensiona em seu significado” (FALETTO, 1998, p. 2). O texto de Enzo Faletto “Los
años 60 y el tema de la dependencia” pode ser encontrado no periódico Estudos Avança-
dos /Revista do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo/ v. 12(33),
1998. p. 109-117
316
Francisco Weffort questionou a DeD quanto à sua sustentabilidade como teoria (ciência) e/ou ideologia.
Já Enzo Faletto situou apropriadamente o caráter da técnica do planejamento do desen-
volvimento e do corpo de Estado. Ambos eram partes integrantes da luta social, cuja for-
ma e ação não resguardavam neutralidade nem cientificidade: “O tema da gestão do de-
senvolvimento não é um problema de neutralidade e de pura solução/tecnocrática. Trata-
387
Nos anos 60, a América Latina vivia num tensionamento entre o reformismo (nacional-
desenvolvimentismo), o desenvolvimentismo autoritário (ditadura militar) e a revolução
social (movimentos populares, partidos e organizações clandestinas de esquerda).
Vários movimentos sociais existentes em diversos países latino-americanos con-
vergiam para uma radicalização na ação e na proposição. Cuba, Bolívia, Peru, Brasil, Chi-
le, dentre outros, foram palco de experiências mais radicais (revolução cubana, movimento
indigenista e do campesinato brasileiro, boliviano e peruano). Pelo visto, o exemplo de
maior avanço reformista estava no Chile 1964-70, e, entre os casos de hegemonia conser-
vadora, estava o Brasil – 1964. Para Enzo Faletto (1998, p. 7), vivia-se uma crise na alian-
ça modernizadora e desenvolvimentista, pois com o avanço da pauta popular, como a da
reforma agrária, modificou-se a aliança entre os representantes do setor rural (atrasado e
tradicional) e o industrializante (modernizador). A ameaça à propriedade da terra e do ca-
pital balizou uma nova aliança desenvolvimentista conservadora e dependente.
A DeD avançava qualitativamente com relação à teoria cepalina, inicial e redistri-
butivista, pois abriu um leque teórico que incluía a identificação da ação de vários sujeitos
sociais, com seus projetos de desenvolvimento e de nação. Enzo Faletto esclareceu que na
passagem dos anos 50 para os 60, não havia apenas um projeto de desenvolvimento nacio-
nal. As disputas por inclusão e participação tinham perspectivas sociais e históricas dife-
renciadas e demarcadas pela condição dos sujeitos e grupos.
O importante é que a proposta de modernização e nacionalismo implica-
va duas dimensões centrais: desenvolvimento econômico e participação.
Porém, os distintos grupos sociais comprometidos no processo coloca-
vam ênfases distintas em cada um deles (FALETTO, 1998, p. 7-8).
Nesse sentido, Enzo Faletto diferenciou, grosso modo, os projetos de moderniza-
ção, de nacionalismo e de Estado, conforme a perspectiva dos grupos sociais. Enquanto
se de opções de sociedade e da possibilidade de intervir nos processos de transformação
da vida social. E, para esta gestão, não são alheios os valores culturais e, inclusive, éti-
cos” (FALETTO, 1998, p. 9).
388
que, para os “setores populares” modernização, nacionalismo e Estado representavam
inclusão econômica e social e participação política, para os “setores médios” significava
abertura e mobilidade social, participação política e acesso à administração do Estado.
para os “setores altos”, modernização correspondia a aumento da produtividade econômi-
ca; nacionalismo era visto como independência e soberania da Nação em suas relações
externas; e, o Estado era pensado como instrumento de implantação do seu modelo de
política econômica à nação (FALETTO, 1998, p. 8).
É óbvio que a DeD ampliou o horizonte teórico-metodológico para a investigação
e para a explicação da concretude e da diversidade histórica. Entretanto, sua mediação
prática, ou melhor, sua contribuição para a práxis da superação da condição periférica e/ou
do desenvolvimento dependente merece uma análise mais profunda. Historicamente, cabe,
sim, uma análise da dependência nos “tempos da globalização” e dos (des)ajustes neolibe-
rais, voltado à desmistificação do credo da sua inevitabilidade e ao desvelamento do corpo
social da nova aliança e seus interesses (cf. TAVARES e FIORI, 1996; BATISTA Jr,
2000a).
389
K
KK
K
K
KK
K
5
55
5
5
55
5
“Uma teoria simplesmente econômica não nos
permite explicar as tendências excludentes e
conflitivas do capitalismo periférico, tendên-
cias que conduzem, mais cedo ou mais tarde, à
crise do sistema”.
( #)"*+,(1981a, p. 96)
Em sua última etapa intelectual, a quinta, Raúl Prebisch (1981a, p. 22 ss) siste-
matizou tanto uma revisão da sua trajetória (individual e cepalina), iniciada, para efeito
deste estudo, desde seu ingresso na Comissão, como sintetizou, com mais precisão, sua
concepção sobre o desenvolvimento do capitalismo, enquanto sistema geral, ou seja, o
sistema centro–periferia, e esboçou uma nova perspectiva para a superação da condição
periférica através da transformação do sistema na América Latina, visando a uma eqüidade
social. Para isso, retomou pontos da interpretação inicial, como revisou e incorporou ele-
mentos da crítica interna (enfoque redistributivo) e externa (teoria da dependência). Para
390
ser mais exato, em suas últimas reflexões, ele aprofundou sua interpretação do desenvol-
vimento do capitalismo periférico latino-americano no contexto dos anos 70. Porém, o
capitalismo periférico era visto, ao mesmo tempo, como parte e produto histórico do sis-
tema mundial (global) da sociedade de consumo (a organização socioeconômica, política e
ideológica do capitalismo), e, fundamentalmente, uma forma específica de construção do
capitalismo nestas terras, como ele mesmo enfatizou (PREBISCH, 1982a, p. 63), pois o
capitalismo daqui não era igual ao dos países mais desenvolvidos, tampouco poderia repe-
tir passo a passo a trajetória cêntrica. Como afirmou Prebisch, em sua obra de 1981:
O desenvolvimento periférico é parte integrante do sistema mundial do
capitalismo, porém se desenvolve em condições muito diferentes das dos
centros, de onde surge a especificidade do capitalismo periférico (PRE-
BISCH, 1981a, p. 37).
Tratando-se desta revisão, amadurecida durante os anos 70, sobre o capitalismo
periférico no sistema centro–periferia e sua transformação como solução definitiva dos
seus paradoxos internos (exclusão e conflito), marcados pela insuficiência dinâmica e pela
luta política e distributiva, a interpretação prebischiana se manteve como crítica do regime
pretérito e como proposta de reforma do sistema capitalista, isto é, o caminho latino-
americano não deveria trilhar nem os rumos da divisão internacional do trabalho baseada
nas vantagens comparativas, seja o do modelo anterior de crescimento para fora ou o do
novo liberalismo retomado por Hayek e os Friedman, na década de 70 –, nem reproduzir
literalmente o padrão cêntrico (do capitalismo desenvolvimento e do seu centro dinâmico
no pós-guerra), muito menos o do socialismo concreto (PREBISCH, 1985).
Diante das circunstâncias históricas e estruturais do capitalismo e da nova grande
crise cêntrica vivida nos anos 70 e da vulnerabilidade externa da periferia, Raúl Prebisch
elaborou seu projeto de superação do capitalismo periférico através da síntese entre
liberalismo e socialismo: um sistema baseado no uso social do excedente
317
, como
391
ralismo e socialismo: um sistema baseado no uso social do excedente
317
, como formação
histórica (política, econômica, social e ética) capaz de evitar as crises (a de origem ntri-
ca e a interna periférica) do/no capitalismo periférico.
Mesmo tendo presente que a síntese prebischiana é questionável do ponto de vista
teórico e ideológico, como bem observou Sérgio Lessa (2001)
318
, que se reconhecer
que, efetivamente, Prebisch apresentou uma proposta transformadora, com significativo
conteúdo progressista e reformador, porém, à luz periférica latino-americana, como era
sua marca, diferenciando-se da social-democracia européia de então, haja vista a realidade
periférica (PREBISCH, 1980, 14; 1981a, p. 16-17), e da assim chamada terceira via
319
do
governo de Tony Blair
320
(do Partido Trabalhista, Inglaterra) ou mesmo, do governo de
317
Na Nota de Agradecimento da obra Capitalismo Periférico crisis y transformación”, Raúl Prebisch fez
menção à contribuição teórica dada por Aníbal Pinto, partindo dele a expressão “uso social do excedente”
que Raúl Prebisch incorporou em sua revisão sobre o capitalismo periférico (PREBISCH, 1981a, p. 9). So-
bre a discussão que Aníbal Pinto fez sobre eqüidade, confirma o item 5.3 do Capítulo 5. No artigo ntese
“La Evolución del Pensamiento de la Cepal”, que apresenta a primeira antologia de textos da CEPAL, “El
Pensamiento de la CEPAL”, organizada pelo autor, Aníbal Pinto (1969) incluiu-a no debate sobre o enfoque
redistributivo realizado nos anos 60.
318
Para Sérgio Lessa (2001), não como pensar uma síntese entre capitalismo e socialismo, haja vista que
um capitalismo social vem a ser uma negação do socialismo e da possibilidade de ruptura. Na realidade este
debate já foi demarcado no texto da Rosa Luxemburgo (1986).
319
A leitura dos textos de Raúl Prebisch sobre o capitalismo periférico instiga o debate sobre as terceiras
vias. Entretanto, como o assunto requer aprofundamento e o tema não faz parte deste estudo, para o momen-
to fica apenas o indicativo.
Se se considerar, em um sentido amplo, a terceira via como algo diferente do “capitalismo concorrencial”
(anterior ao capitalismo monopolista) e do “socialismo” (posterior à Revolução Russa), tanto o nacional-
socialismo alemão (nazismo), como o fascismo italiano foram apresentados como terceira via e crítica ao
pleno liberalismo individual, seja em termos do livre-mercado, como na relação entre o Estado e o(s) indiví-
duo(s). Em sua obra “Origens do Totalitarismo”, Hannah Arendt (1989) apresentou um estudo aprofundado
e comparativo entre os movimentos totalitaristas (nazi-fascista e stalinista). Também analisou a perspectiva
do redirecionamento dado nos totalitarismos às relações Estado-indivíduo, Estado-partido, Partido-
indivíduo, Estado-Líder/Ditador, Inimigo Interno-Inimigo Externo e Nação-Expansionismo (imperialismo).
Outro exemplo de terceira via, em terras latino-americanas, foi o próprio peronismo argentino. Certamen-
te que Friedrich A. Hayek (1977) atribuir-lhe-ia, ao peronismo, um conteúdo socialista, o que, no entanto,
para Prebisch/
CEPAL
nada mais teria sido do que um caso do “modelo de substituição de importações”.
Pedro Fonseca (1999) deixou claro que o “varguismo” veio a ser uma construção do capitalismo no Brasil.
320
A principal referência recente à terceira via é o governo de Tony Blair e uma síntese do seu programa de
governo pode ser encontrada em Tony Blair (1998). Sabe-se que o principal teórico da “terceira via” do
Partido Trabalhista britânico foi Anthony Giddens e uma breve síntese da teoria do autor pode ser encontra-
da em seu artigo “A Terceira Via em cinco dimensões”, publicado na Folha de São Paulo (GIDDENS,
1999). Para uma leitura da terceira via da nova economia mista, pós-keynesiana, principalmente para os
casos britânico e norte-americano, confira o estudo de Fernando Jeannot (2000). Uma recepção latino-
americana da interpretação da nova configuração socioeconômica e política social-liberal pós-
desenvolvimentista pode ser encontrada em Luiz Carlos Bresser Pereira (1996). Sobre a crise do Estado
desenvolvimentista cf. BRASIL/PRESIDENTE (1995) e José Luis Fiori (1995).
392
Bill Clinton (do Partido Democrata, Estados Unidos), que apareceriam no período seguin-
te, no pós-Thatcher/Reagan, os dois baluartes cêntricos do neoliberalismo e da guerra.
Afora isso, a crítica de Prebisch (1982a) à retomada do neoclassicismo, por parte
de Milton e Rose Friedman (1980) e Friedrich A. Hayek (1977; In: PREBISCH, 1982a, p.
11-64) é importantíssima para o momento atual, pois, além de desnudar o caráter ideológi-
co do neoliberalismo e do seu engodo para a periferia latino-americana, também esclarece
o contexto histórico da retomada das teses do livre-mercado em meio à crise geral do sis-
tema iniciada em meados dos anos 70, que, em decorrência da iniciativa do centro dinâmi-
co, resultou na desestruturação dos marcos da nova ordem estabelecida no pós-guerra (a-
cordos de Bretton-Woods e o Welfare-State, Estado do Bem-Estar Social).
Para evitar qualquer mal-entendido, pode-se dizer que, se a síntese prebischiana
fosse levada às últimas conseqüências na periferia, certamente resultaria ou numa forte
reação conservadora do bloco hegemônico local e internacional, isto é, colocaria em xeque
a aliança imperialista na/da dependência e a segurança do excedente, como Prebisch
havia avaliado; ou numa expressiva mobilização social e popular que avançaria no campo
político, econômico e social latino-americano, atingindo as bases da exclusão e da margi-
nalização, tão marcantes na América Latina
321
, sendo este, justamente, o paradoxo central
do capitalismo periférico na luta distributiva. Da mesma forma, a crítica que Raúl Prebis-
ch apresentou ao neoliberalismo é suficiente para sanar qualquer “vírus”, “febre” ou “sa-
rampo tresnoitado” de livre-cambismo entre os periféricos afoitos pelo controle do exce-
dente ou encantados pelo “canto da sereia”, convidando-os a entrarem, com a maior facili-
dade, no Primeiro Mundo (PREBISCH, 1982a, p. 89).
321
Ao discutir a opção histórica que os setores dominantes latino-americanos, liberais-democratas, princi-
palmente os latifundiários e a burguesia local, fizeram em se aliar de forma subordinada, mas participacio-
nista, ao imperialismo, José Carlos Mariátegui (1975) apontou o limite da construção do nacionalismo na
América Latina, no séc. XIX e início do XX.
Este assunto foi retomado pelos dependentistas, como expôs Michael Löwy, ao debaterem o caráter e o
papel da burguesia nacional latino-americana num processo de transformação social. Neste sentido, os de-
pendentistas mais críticos criticavam tanto a tese do “feudalismo” e do dualismo”, como faziam a “crítica
do conceito de uma ‘burguesia nacional progressista’ e da perspectiva de um possível desenvolvimento
capitalista independente nos países latino-americanos” (LÖWY, 1999, p. 50).
393
No artigo “Crítica al Capitalismo Periférico”, de 1976, Prebisch fez referência à
influência da teoria neoclássica em sua formação (primeira etapa intelectual) e a inviabili-
dade de se ver a condição periférica a partir de seus referenciais teóricos. Afirmava ele
que os “neoclássicos não discutem o capitalismo periférico, nem o desenvolvimento peri-
férico. (...) Confesso que em meus tempos juvenis me deixei seduzir pelo rigor lógico e a
elegância matemática de suas teorias do equilíbrio econômico” (PREBISCH, 1976, p. 16).
Após seu retorno da
UNCTAD
para a
CEPAL
, no início dos anos 70, mais preci-
samente na direção do
ILPES
e na Revista de la
CEPAL
, Raúl Prebisch (1987a, p. 22 ss)
pôde, novamente, dedicar-se, com mais tempo, aos estudos teóricos, revisar a interpreta-
ção do desenvolvimento latino-americano e contextualizar a condição do capitalismo peri-
férico nos anos 70, em meio à crise do centro dinâmico principal e sua repercussão inter-
nacional, em particular, nos países latino-americanos. Ao expor que teve a oportunidade
de vivenciar duas grandes crises do capitalismo central e que ambas evidenciaram a vulne-
rabilidade externa da periferia, a primeira teve seu epicentro na crise de 29 e na Segunda
Guerra Mundial e a segunda com as crises do petróleo de 1973/75 e 1979, os gastos com a
Guerra do Vietnã e a política norte-americana do dólar (déficit fiscal interno e elevação
dos juros), Prebisch (1980, 1985) também demarcou o período histórico de uma experiên-
cia periférica de desenvolvimento, a da substituição de importações, concluindo que, para
além da correção das falhas da industrialização e do mercado, eram necessárias uma teoria
e uma prática transformadora do capitalismo periférico e do próprio sistema geral.
Como pano de fundo, as reflexões prebischianas sobre o estado da dependência
periférica agora visto como condição do capitalismo periférico partiam da problemáti-
ca da insuficiência dinâmica do desenvolvimento latino-americano para uma absorção
produtiva da força de trabalho. Da mesma forma, no entendimento de Prebisch, o conceito
do sistema centro–periferia permanecia válido historicamente, porém, redimensionado nas
relações internas e internacionais do período (capitalismo periférico capitalismo desen-
394
volvido, ambos com suas especificidades na sociedade do consumo). Os principais avan-
ços teóricos apresentados nos textos dos anos 70 dizem respeito aos temas da absorção
espúria, à natureza e o caráter do excedente, à condição excludente e conflitiva do capita-
lismo periférico, à luta distributiva e seus limites histórico-sociais, às relações de poder no
capitalismo periférico (dependência e hegemonia)
322
, à eqüidade social e à crítica ao novo
liberalismo. Antes, porém, de tratar destes pontos centrais, é oportuno indicar os principais
textos e/ou obras que demarcaram a quinta etapa intelectual de Raúl Prebisch, em sua crí-
tica ao capitalismo periférico, e contextualizar sua problemática nos anos 70.
No Prefácio da obra de Octávio Rodríguez (1981), “Teoria do Subdesenvolvi-
mento da CEPAL”, de autoria de Prebisch, ele contestou uma das críticas que Rodríguez
fez à sua trajetória intelectual, esclarecendo que a partir da obra “Transformación y De-
sarrollo”
323
, publicada em 1970, havia revisto sua concepção inicial, reconhecendo os
limites de uma interpretação estritamente econômica do desenvolvimento, e incorporado
elemento da crítica, em especial, a necessidade de uma visão interdisciplinar e das relações
de poder que sustentam (que estão por trás, segundo ele) a produção e a distribuição da
renda e da propriedade dos meios de produção, indicadas pela análise histórico-estrutural
da teoria da dependência.
322
Neste aspecto Raúl Prebisch incorporou, positivamente, elementos da teoria da dependência, o que con-
tribuiu para o aprofundamento de sua análise e crítica às relações de poder no capitalismo periférico.
323
Este trabalho de Raúl Prebisch foi o resultado do pedido do “Presidente da Colômbia, Dr. Carlos Lleras
Restrepo”, durante a Nona Assembléia dos Governadores do BID, abril de 1968, em Bogotá” (PREBISCH,
1970, p. vii). O estudo foi apresentado como Informe (texto base) na 11
a
Assembléia de Governadores do
BID, celebrada em Punta del Este, Uruguai, em abril de 1970 (PREBISCH, 1970, p. xix).
“Transformación y Desarrollo – la grand tarea de América Latina” foi resultado de uma pesquisa coleti-
va, coordenada por Raúl Prebisch, na época Diretor do ILPES, cujos resultados foram apresentados em duas
publicações: uma, o Informe com o mesmo título, assinada por Raúl Prebisch; a outra foi publicada somente
em 1972, num denso Segundo Volume, que inclui vários trabalhos dos principais integrantes da equipe,
intitulado Transformación y Desarrollo la gran tarea de América Latina volume II trabajos de apoio”
(cf. ECHAVARRÍA, 1972; CIBOTTI e BARDECI, 1972).
No “Prefácio” da obra sobre o
BID
, Dez Anos de Luta Pela América Latina a ação do Banco Intera-
mericano de Desenvolvimento” (CALVO, 1971), Prebisch também se referiu aos resultados da pesquisa
“Transformación y Desarrollo” e à permanência do quadro geral da insuficiência dinâmica periférica: O
fenômeno impressionante da população marginal das favelas latino-americanas é uma conseqüência
manifesta desta falta de absorção produtiva da mão-de-obra redundante” (PREBISCH, 1971, p. xi).
395
A obra de 1970, “Transformación y Desarrollo”, pode ser considerada como
ponto de partida de uma segunda revisão teórica e prática de Prebisch/
CEPAL
, na qual foi
dado destaque à relação entre a insuficiência dinâmica e o novo círculo vicioso da absor-
ção espúria. O enfoque redistributivo, da revisão dos anos 60
324
, foi acrescido da concep-
ção da necessidade da eqüidade social no desenvolvimento, cuja problemática resultará,
nos textos seguintes, na teoria da transformação. Os descaminhos da integração regional
latino-americana foram considerados negativos (PREBISCH, 1982a), diante das possibili-
dades que poderia representar para uma dinamização da industrialização. No conjunto
destas reflexões sobre a transformação e o desenvolvimento, também podem ser incluídos
os artigos de Ricardo Cibotti e Oscar Julián Bardeci (1972) “Un Enfoque Crítico de la
Planificación en América Latina” e de José Medina Echavarría (1972), “La Planeación de
las formas de Racionalidad”, considerando suas análises sobre os problemas do planeja-
mento
325
.
O esboço inicial do conjunto da análise de Raúl Prebisch sobre a especificidade
do capitalismo periférico latino-americano foi publicado, em forma de artigo, na Revista
de la CEPAL (n. 1), sob o título “Crítica al Capitalismo Periférico”, em 1976. O referido
324
Reveja o Capítulo 5 “Insuficiente Dinâmica e Redistribuição” e os textos de referência da CEPAL (1973,
1963, 1963 v. I e II, 1966) e de Raúl Prebisch (1964a).
325
Cibotti e Bardeci (1972) analisaram os limites da planificação em meio aos desencontros entre os técnicos
em planejamento, a burocracia do Estado moderno e a prática dos governantes (políticos). A discussão reto-
ma o problema da técnica da programação, a capacitação dos programadores, a elaboração do programa e a
adoção da política econômica.
A principal contribuição de José Medina Echavarría (1972) para o debate sobre a planificação foi apre-
sentar uma tipologia da planificação (burocrática, tecnocrática e democrática). As reflexões sociológicas de
Echavarría tiveram por base a contribuição dos tipos ideais de Max Weber (1986) e a relação entre democra-
cia e planejamento de Karl Mannheim (cf. ECHAVARRÍA, 1972, p. 305).
Em “O Caminho da Servidão”, Friedrich A. Hayek (1977) incluiu Mannheim entre os socialistas do
planejamento” que asfixiavam a liberdade individual e o capitalismo, mesmo que quisessem organizá-lo e
evitar suas crises.
Jorge Luis Cammarano González e JoFernando Kieling (1987) contextualizaram o paradigma do mé-
todo estruturalista, no qual se inclui Karl Mannheim, como visão de mundo do capitalismo organizado no
pós-guerra.
Ao tratar da abordagem da sociologia do conhecimento, Adam Schaff (1983, p. 99-199) apresentou uma
crítica à contribuição teórica de Karl Mannheim, apontando seu limite em termos do presentismo e do estru-
turalismo (objetividade do conhecimento). Neste último aspecto pode ser incluído o planejamento e os cen-
tros de planificação.
396
texto mereceu a publicação de quatro comentários de intelectuais da Comissão, todos pu-
blicados na edição da Revista de la CEPAL (n. 4), em 1977, sendo eles: Joseph Horada,
Eugenio Kossarev, Octávio Rodríguez e Marshall Wolfe
326
.
Da produção seguinte, destaca-se o artigo de Raúl Prebisch (1980) “Hacia una
Teoría de la Transformación”, publicado inicialmente na Revista de la CEPAL, em abril
de 1980, no qual o autor enfatizou a necessidade da transformação do sistema, do capita-
lismo periférico, e aprofundou alguns elementos da sua proposta de síntese. No artigo,
Prebisch indicou que o texto era polêmico e aguardava as mais variadas críticas sobre sua
análise da “apropriação e uso social do excedente” (1980, p. 2)
327
.
O livro “Capitalismo Periférico Crisis y Transformación”, publicado em 1981,
como o próprio Raúl Prebisch (1981a) afirma, foi o resultado mais acabado, e volumoso,
das reflexões sobre o capitalismo periférico e do conjunto da critica prebischiana à socie-
dade de consumo. No mesmo período, entre os anos de 1980 e 1981, o autor realizou vá-
rias conferências nas quais apresentou sua teoria da crítica ao capitalismo periférico e sua
crítica ao novo liberalismo. Os resultados de algumas destas atividades foram reunidos no
livro “Contra el Monetarismo”
328
, publicado em 1982. Esta última obra certamente é me-
nos conhecida do que a anterior Capitalismo Periférico –, porém, atualmente, o pode
326
Os vínculos institucionais dos autores na Comissão eram, respectivamente: Funcionário da Sub-Sede da
CEPAL
no México; Funcionário da Divisão do Comércio Internacional e Desenvolvimento da
CEPAL
e ex-
vice-presidente do Instituto da América Latina, da Academia de Ciências da
URSS
; Consultor da Divisão de
Desenvolvimento Econômico da
CEPAL
, e Diretor da Divisão de Desenvolvimento Social da
CEPAL
.
327
Na apresentação do artigo, Prebisch (1980, p. 1) retoma os passos da elaboração da sua interpretação do
capitalismo periférico, indicando a seqüência temporal e reflexiva dos textos-base que havia produzido, até
então, e mereciam a leitura dos interessados. Eram eles: “Crítica al capitalismo periférico” (Revista de la
CEPAL, n. 1), “Estructura socioeconómica y crisis del sistema” (Revista de la CEPAL, n. 6), e “Las teorías
neoclásicas del liberalismo económico” (Revista de la CEPAL, n. 7).
Por problemas de desinformação inicial e a dificuldade de acesso, infelizmente, não foi possível obter os
dois últimos artigos, ficando, para o momento, a lacuna neste estudo. Entretanto, as obras seguintes de Raúl
Prebisch (1981a, 1982a e 1985) certamente tratam dos temas destes dois artigos.
328
Na obra foram incluídas as seguintes conferências: 1) Diálogo acerca de Friedman y Hayek (desde el
punto de vista periférico); 2) La crisis del desarrollo Conferencia pronunciada en Buenos Aires, el 4 de
diciembre de 1980; 3) Crisis de las teorías económicas Conferencia pronunciada en Buenos Aires, el 5 de
diciembre de 1980; 4) Conferencia de prensa efectuada en Buenos Aires, el 16 de diciembre de 1981; 5)
Exposición del 17 de diciembre de 1981, en la Facultad de Ciencias Económicas de le Universidad de Bue-
nos Aires; e, 6) Disertación del 18 de diciembre de 1981 sobre su libro “Capitalismo Periférico”.
397
ser mantida no anonimato, pois apresenta uma crítica ao neoliberalismo do ponto de vista
periférico. Além do mais, o fato de realizar a crítica aos Friedman e a Hayek
329
, pratica-
mente no fervor da conjuntura e “remando contra a correnteza”, desde então já avisava que
o “caminho neoliberal” acentuaria a vulnerabilidade periférica no sistema internacional e
retomaria o padrão primário-exportador.
Além das referências citadas, também foram utilizados outros artigos e o últi-
mo livro de Prebisch, sendo elas o ensaio “Cinco etapas de mi pensamiento sobre el de-
sarrollo”, de 1982 (PREBISCH, 1987a), o artigo “La Periferia Latinoamericana en la
Crisis Global del Capitalismo”, publicado na Revista de la CEPAL, em 1985 (n. 26) e a
obra “A Crise do Desenvolvimento Argentino: da frustração ao crescimento vigoroso”, de
1986 (PREBISCH, 1987c)
330
. Nestes dois últimos materiais o autor manteve a concepção
da crítica ao capitalismo periférico e a crítica ao novo liberalismo (vantagens comparati-
vas) adotado, por exemplo, como política econômica na Argentina, após a derrubada do
Governo de Evita Perón, em 1976. Referindo-se ao Plano Econômico do Ministro Martí-
nez de Hoz, adotado pelo novo Governo Militar argentino (PEDRÃO, 1988), voltado à
abertura da economia nacional (exportações agropecuárias, desindustrialização interna e o
turismo salvacionista), Prebisch resumiu o quadro da vulnerabilidade externa de seu país:
“agora compreendia mais do que nunca este problema do significado da abertura, porque é
329
No Diálogo acerca de Friedman y Hayek , Prebisch (1982a, p. 11-64) fez a crítica à obra de Milton e
Rose Friedman “Liberdade de Escolher: o novo liberalismo econômico” [Free to Choose: a Personal State-
ment]. O “Prefácio” da obra foi datado aos 28 de setembro de 1979 (primeira edição nos EUA). A crítica a
Friedrich A. Hayek teve por base o artigo “El ideal democrático y la contención del poder”, publicado no
periódico Estúdios Públicos. N. 1, deciembre de 1981. (Santiago de Chile).
Para este estudo foi possível ter acesso à obra dos Friedman (1980), traduzida para o português (primeira
edição), porém, o mesmo não ocorreu com o texto de Hayek. No entanto, deste último foi possível ter acesso
a sua obra clássica O Caminho da Servidão, indicada. Na verdade, os exemplares das obras dos Friedman
e de Hayek foram adquiridas em Sebo, talvez por ter passado a “febre”, mas se estão em desuso” no
mercado editorial, o mesmo não aconteceu com suas bases ideológicas.
330
A obra foi prefaciada pelo Raúl Prebisch Filho e datada em 5 de maio de 1986. Trata-se do último traba-
lho de Raúl Prebisch, cuja revisão não chegou a ser concluída, pois veio a falecer em 29 de abril de 1986.
398
a abertura das veias do país e que o faz sangrar(PREBISCH, 1982a, p. 179, grifo nos-
so)
331
.
Na revisão da crítica ao capitalismo periférico, percebe-se que Prebisch manteve
um diálogo com o processo histórico latino-americano e internacional, o que razão a
Ricardo Bielschowsky (2000a), pois as contradições internas do desenvolvimento na peri-
feria (exclusão social, a luta política e distributiva, e dependência e hegemonia), presentes
conceitualmente na interpretação do capitalismo periférico, davam conta de vários desdo-
bramentos históricos ocorridos nas últimas duas décadas nos países latino-americanos.
Contrapondo-se à tese do novo liberalismo, dos Friedman (1980) e de Hayek
(PREBISCH, 1982a), sobre a força do mercado (liberdade dos preços e a lei da oferta e da
procura) e a máxima da iniciativa privada individual (de se estar livre para escolher, da
soberania do consumidor, das vantagens da livre concorrência, da solução recessiva até
um novo equilíbrio dos preços e da redução da ação do Estado ao Regime da Lei e sua
máxima desregulamentação), Prebisch (1980, p. 91; 1982a) relacionou a crise interna do
centro dinâmico, dos Estados Unidos, e sua exportação para a economia mundial (política
de juros e política monetária de cunhagem e exportação do dólar para cobrir, artificialmen-
te o déficit fiscal do Estado e da balança de pagamento norte-americana). A crise da dívida
externa dos países latino-americanos resultou, no dizer de Celso Furtado (1966), numa
brutal transferência de renda e na socialização das perdas à periferia, ou, ainda, como o
próprio Raúl Prebisch (1949, 1973) havia indicado, na exportação da crise à periferia e na
captação cêntrica de parte da produtividade periférica (pagamento de juros às custas das
331
Segundo Luiz Alberto Moniz Bandeira, os rumos da nova política econômica argentina (de abertura da
economia, privatização e a reorientação agroexportadora), também teve o caráter restabelecedor do poder
conservador nas relações entre capital-trabalho no setor industrial. Os dados regressivos do setor industrial,
apresentado pelo autor, confirmam, na prática, seu conteúdo neoliberal: “A junta militar, sob a orientação
de Martínez de Hoz, transferiu para o setor privado, entre 1976 e 1980, cerca de 120 empresas industriais e
comerciais (...). A contribuição da indústria para o PIB, da ordem de quase 30% em 1974, decaiu para
25%, em 1980, e 23%, em 1982, em conseqüência do declínio da produção de quase ou praticamente todos
os setores manufatureiros” (MONIZ BANDEIRA, 1987, p. 64).
399
exportações primárias, como foi o caso argentino e o brasileiro no Governo Geisel, com o
II Plano Nacional de Desenvolvimento)
332
.
Se a substituição de importações, de forma geral, foi uma resposta histórica e pe-
riférica latino-americana elitista segundo Tânia Bacelar (1996) –, bem ou mal, atingiu
um determinado vel de industrialização, os golpes militares foram desdobramentos dos
processos reais da luta política e distributiva, tensionadas entre as possibilidades de radica-
lização à esquerda (voltada para o campo popular, com inclusão econômica e política e
ampliação da democracia, como foram os casos da Unidade Popular no Chile, o movimen-
to revolucionário na Nicarágua e em El Salvador e a resistência armada às Ditaduras Mili-
tares, durante a década de 70)
333
, e à direita (voltada ao restabelecimento da acumulação,
ao aprofundamento da sociedade de consumo e ao controle do poder político nacional
com o uso da força e à imposição de governos autoritários, porta-vozes da aliança depen-
dente e conservadora, como foram os casos do Chile, em 1973, da Argentina, em 1976, e o
brasileiro, iniciado em 1964 e em seu “milagre econômico”, no pós-1973).
Comparativamente ao episódio ocorrido com Pablo Picasso, poder-se-ia dizer que
Prebisch pintou, sim, a tela teórica do capitalismo periférico, mas não foi o autor da paisa-
gem real, da “Gernica Periférica”. Mantendo-se o quadro estrutural do capitalismo perifé-
rico, prevaleceria a tendência à crise periférica, em favor da sociedade de consumo, ou
seja, do capitalismo excludente e conflitivo e centrado no controle do excedente.
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LL
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332
Sobre o caso brasileiro veja a análise histórica do desenvolvimento apresentada por César Benjamim e
Tânia Bacelar de Araújo (1996), na obra “Brasil Reinventar o Futuro”.
333
Na obra de 1970, “Transformación y Desarrollo”, Prebisch voltou a se referir à relação entre os agravan-
tes sociais e a possibilidade de ruptura: “o agravamento que está acorrendo nos males da economia latino-
americana oferece um ambiente favorável às ideologias que preconizam a mudança radical do sistema”
(PREBISCH, 1970, p. 18).
400
Na segunda revisão os conceitos absorção espúria e excedente dão sustentação à
interpretação da economia política no capitalismo periférico, atualizando o núcleo do cír-
culo vicioso da insuficiência dinâmica e da acumulação de capital. Sua discussão retoma o
problema do uso do capital na periferia, ou seja, da destinação da poupança entre o con-
sumo e a inversão, na perseguição do espírito capitalista. Enquanto que a primeira foi
vista como uma prática inadequada para a aceleração do ritmo de crescimento e uma hi-
pertrofia do Estado (papel do Estado e da iniciativa privada no desenvolvimento), o se-
gundo, excedente, deixou de ser visto meramente como um aspecto econômico na forma-
ção de capital (origem da poupança e do investimento), para avançar nas relações sociais
de poder na esfera da produção, da distribuição de renda e do Estado (regulação). Todavia,
a noção de excedente e a explicação do seu movimento (apropriação e captação primária
do excedente ao nível da empresa)
334
reafirmam os referenciais basilares da economia ca-
pitalista (a propriedade privada, a liberdade econômica e o mercado), porém, criticando
suas falhas (social e temporal) no capitalismo periférico e no sistema geral, sem, contudo,
partilhar das teses do livre-mercado.
Na interpretação do capitalismo periférico, Prebisch manteve a concepção do sis-
tema centro–periferia, considerando suas relações de dependência e a condição de cada
parte no sistema geral. Na obra de 1981, apresentou as especificidades das partes, afinal,
sua atenção se voltava ao desenvolvimento do capitalismo na periferia e suas particulari-
dades demarcavam a condição da sua forma de ser. Portanto, para Raúl Prebisch, o capita-
lismo periférico era visto como uma determinada formação da sociedade de consumo
(produção e distribuição), no sistema global.
334
Para Eugenio Kossarev, a interpretação do capitalismo periférico prebischiano incorporou o conceito de
modo de produção na teoria econômica do capitalismo periférico cepalino. Entretanto, reservou sua crítica à
ambigüidade (ecletismo) presente no ensaio “Crítica al Capitalismo Periférico”: “A terminologia emprega-
da neste capítulo [Capítulo III “La captación primaria del fruto del avance técnico”] obriga a precisar
alguns conceitos. Há razões que permitem afirmar a ‘captação’ é sinônimo de ‘apropriação’; que ‘exceden-
te’, como se continua na análise, é ‘mais-valia’; que ‘contração’ equivale a ‘crise de superprodução’. Entre
estes termos, o de ‘excedente’ exige algumas explicações, pois parece discutível, conforme sugere o contexto
do artigo e sua denominação” (KOSSAREV, 1977, p. 195).
401
Para Prebisch, no sistema, o desenvolvimento capitalista nos países centrais, e
principalmente no seu centro dinâmico, era “essencialmente centrípeto, absorvente e do-
minante” (PREBISCH, 1981a, p. 14). O capitalismo desenvolvido era centrípeto, pois ab-
sorvia parte da produtividade periférica e sua expansão voltava-se para si: “Expande-se
para aproveitar a periferia. Porém não para desenvolvê-la” (PREBISCH, 1981a, p. 14).
Por sua vez, a situação e a condição do capitalismo periférico era ser “subsidiário,
apendicular, subordinado aos interesses dos países avançados sob o signo de sua hegemo-
nia e do império das leis do mercado” (PREBISCH, 1981a, p. 26). As relações de depen-
dência e a condição de cada uma das partes no sistema mantinham o cerne da concepção
do sistema centro–periferia apresentada nos textos iniciais de Raúl Prebisch e da
CEPAL
.
A insuficiência dinâmica e o círculo vicioso (capital, produtividade e poupança)
na periferia permaneciam latentes, com a agravante de se ter passado pela revisão das fa-
lhas da/na industrialização, ter-se enfatizado a necessidade da redistribuição, ter-se indica-
do a integração regional como forma de acelerar, em bases periféricas, o ritmo de cresci-
mento e de ter transcorrido, novamente, mais uma década de desenvolvimento dentro das
condições periféricas, do subdesenvolvimento latino-americano.
Além disso, como observou Felipe Herrera, persistia o dualismo na economia pe-
riférica: “o dualismo que, lamentavelmente, em geral, ainda subsiste na América Latina,
entre uma área moderna da economia e uma área tradicional e atrasada, assim como as
implicações deste dualismo para o aproveitamento cabal dos potenciais da mão-de-obra
atualmente mal empregada ou desocupada” (HERRERA, 1970, p. ix, grifo nosso).
Da mesma forma, como indicou Raúl Prebisch, permanecia o quadro geral da de-
sigualdade social: “nos estratos inferiores se encontra ao redor de 60% da população lati-
no-americana. (...) [e] não consomem nem 20% do total dos bens manufaturados”
(PREBISCH, 1970, p. 7). Sem contar o problema que a alta taxa de crescimento
demográfico exigia de uma política econômica para que se compatibilizasse o ritmo de
402
exigia de uma política econômica para que se compatibilizasse o ritmo de crescimento e a
absorção da força de trabalho
335
.
Na obra de 1970, “Transformación y Desarrollo”, a análise da insuficiência dinâ-
mica adquiriu um elemento novo: a absorção espúria da força de trabalho. Para Raúl Pre-
bisch, o novo fenômeno tinha sua origem nas formas de absorção de determinado contin-
gente da força de trabalho sobrante (provenientes dos setores primários ou de baixa produ-
tividade, seja por motivo das inovações tecnológicas ou da migração campo–cidade). Do
ponto de vista do desenvolvimento, além da desocupação tecnológica, da marginalização e
do desemprego estrutural, a forma da absorção espúria acentuava o problema da reabsor-
ção da força de trabalho no crescimento econômico: “Trata-se de uma absorção espúria e
não genuína da força de trabalho, quando esta não fica francamente desocupada” (PRE-
BISCH, 1970, p. 3).
Na visão prebischiana e cepalina, considerando as condições de heterogeneidade e
de especialidade da economia e da sociedade periférica, no processo de desenvolvimento
caberiam aos setores urbano-industrial, principalmente à indústria, à construção civil e à
mineração, a função de absorver produtivamente a o-de-obra liberada ou substituída
pela técnica moderna nos setores primários, fato este que geraria dinamismo
336
, ou seja,
maior homogeneidade e diversificação econômica e social, isto é: desenvolvimento. No
“Prólogo” da obra sobre o BID, “Dez Anos de Luta Pela América Latina”, Raúl Prebisch
detalhou melhor o problema da absorção espúria na seguinte passagem:
a maior parte da força de trabalho que, nos dois
últimos decênios, saiu da agricultura latino-
americana não foi absorvida nas cidades, pela
indústria ou pelas demais atividades produtoras
de bens, mas sim pelos chamados serviços, isto
é, por um grupo heterogêneo de atividades em que
essa força de trabalho, quando não ficou ociosa,
335
Segundo Raúl Prebisch, “nas últimas décadas o crescimento da força total de trabalho na América Lati-
na foi de cerca de 38 milhões de pessoas, dos quais, 25% foram absorvidos pela agricultura, 18% pela
indústria e demais atividades produtoras de bens fora da agricultura, e os 57% restantes, pelos aludidos
serviços” (PREBISCH, 1971, p. xi).
336
“Se bem que a emigração da força de trabalho do campo para as cidades sempre foi um fenômeno do
desenvolvimento, qualquer que fosse o sistema econômico e social; e se sabe que à indústria, à construção e
à mineração corresponde um importante papel dinâmico na absorção produtiva da força de trabalho que
sai dos campos” (PREBISCH, 1970, p. 5).
403
foi absorvida de forma espúria. Veio aumentar
desnecessariamente os quadros da administração e
dos serviços públicos, do comércio, especialmen-
te do pequeno comércio, e proliferou numa série
de atividades de rendas bastante escassas, como
o comércio de camelô e os serviços pessoais não
qualificados (PREBISCH, 1971, p. xi).
No artigo “Crítica al Capitalismo Periférico”, de 1976, o fenômeno da absorção
espúria adquire seu conteúdo periférico, pois passa a ser explicado a partir das pressões
sociais existentes no capitalismo periférico. A absorção espúria continua sendo expressão
da insuficiência dinâmica, porém, para Prebisch, como os estratos intermediários adqui-
rem maior capacidade de pressão perante o Estado, haja vista sua organização sindical,
faziam disso um instrumento de ocupação e de ganhos em suas rendas, transformando os
recursos tributários do Estado em rendas pessoais, acentuando, com isto, o problema da
acumulação de capital e dos investimentos públicos do Estado, seja em serviços ou em sua
política econômica, ou acentuando os problemas do equilíbrio nas contas públicas, e cap-
tando parte da poupança da iniciativa privada através dos tributos. Assim, o Estado “toma
para si recursos do potencial de acumulação para absorver força de trabalho em forma es-
púria e não genuína, principalmente dos estratos intermediários” (PREBISCH, 1976, p.
12).
Em sua obra principal sobre o Capitalismo Periférico, de 1981, Prebisch incluiu,
no fenômeno da absorção espúria, as práticas e pressões políticas clientelistas existentes na
América Latina. Considerando o jogo de interesses pelo controle do Estado e o universo
social do clientelismo político nas relações entre governantes e eleitores, as práticas espú-
rias ampliariam seu campo de abrangência, para além dos setores intermediários e médios.
O empreguismo conviria aos interesses de quem está no Estado e pretende manter seu po-
der político, bem como para os desempregados
337
. Em ambos os lados os vínculos e os
favores pessoais se sobreporiam aos objetivos coletivos do desenvolvimento e da Nação.
337
A indicação do clientelismo como parte do fenômeno da absorção espúria não foi aprofundada. Pelo
menos no que dizia respeito às relações de poder que permeavam, da mesma forma, nesta questão, o Estado
foi tratado mais como aparelho administrativo, o governo, do que corporação ao vel da sociedade política:
“A pressão dos interesses eleitorais sempre foi um elemento que na América Latina prejudicou o bom fun-
cionamento do aparelho estatal” (PREBISCH, 1970, p. 20).
404
Nesta perspectiva, a absorção espúria produziria um novo círculo vicioso, pois, ao
destinar parte da capacidade de acumulação de capital em rendas, também limitaria o ritmo
de crescimento que, por sua vez, poderia absorver produtivamente mais força de trabalho
sobrante, como expôs Prebisch:
A insuficiente acumulação de capital, agravada pelo elevado ritmo de
crescimento da força de trabalho, restringe a capacidade absorvente do
sistema. E a parte daquela que não encontra emprego na órbita do mer-
cado (tanto nas empresas como nos serviços pessoais) pressiona politi-
camente para se empregarem no Estado, além das reais necessidades des-
te. Fenômeno que qualificamos de absorção espúria, tanto nos serviços
do Estado propriamente ditos, como nas empresas públicas (PREBISCH,
1981a, p. 84)
338
.
No artigo de 1976, a absorção espúria foi incluída como parte da luta distributiva,
porém, se permanecesse restrita aos setores intermediários
339
, agravaria a insuficiência
dinâmica interna, tornando o aparelho administrativo, direto e indireto, do Estado um “ele-
fante branco” (hipertrofiado e obeso?). Por outro lado, este fato poderia desencadear uma
ampliação da luta social, envolvendo os setores populares, em favor da democracia (parti-
cipação política e acesso ao Estado e aos serviços públicos, às rendas coletivas) e da distri-
buição da renda, favorecendo a redução das disparidades na estrutura social, em favor de
uma maior eqüidade social.
Em seu comentário sobre o artigo Crítica al Capitalismo Periférico”, Joseph Hodara sintetiza as ambi-
valências e contradições que Prebisch indicou da realidade periférica, porém também apontou fraquezas da
análise, principalmente pela falta de indicação dos atores: “Se, por exemplo, o poder tem importância deci-
siva: Por que não se colocam questionamentos precisos sobre a gênese, a natureza e a conduta do Estado
periférico? Como este e junto com ele o mercado, a tecnologia e a influência que irradia o centro indus-
trial – resolve os problemas da legitimidade e da funcionalidade?” (HODARA, 1977, p. 190).
338
No artigo de 1976, Raúl Prebisch havia se referido ao aspecto negativo do círculo vicioso gerado pela
absorção espúria: Chega-se nesta forma a um verdadeiro círculo vicioso, no qual a absorção subtrai re-
cursos para a acumulação, e a acumulação insuficiente contribui para a absorção espúria (PREBISCH,
1976, p. 26).
339
Nos textos de 1949 e 1952, Raúl Prebisch havia tratado da força sindical dos trabalhadores nos países
centrais e sua luta em defesa dos ganhos de produtividade nas fases do ciclo de crescimento, e a exportação
dos custos da crise para os trabalhadores periféricos. Ao tratar da absorção espúria, de certa forma, Prebisch
recoloca a relação entre a capacidade de organização e de pressão política de determinados setores e catego-
rias no capitalismo periférico e a defesa salarial e por emprego (absorção produtiva ou espúria). Neste senti-
do, os setores intermediários participariam da sociedade de consumo na periferia e teriam interesse em man-
ter este “privilégio” (PREBISCH, 1981a).
Milton e Rose Friedman (1980, p. 226-244), ao tratarem da organização sindical e os problemas que ela
traz para as leis do livre-mercado, chegam a tal simplificação que consideram que os sindicatos, principal-
mente dos servidores públicos, das indústrias de ponta e dos profissionais liberais, lutam para manter os
“privilégios”, os altos salários e a “reserva de mercado”, em prejuízo para os demais trabalhadores.
405
Para Prebisch, a absorção espúria era, fundamentalmente, um fenômeno do Esta-
do. Mesmo que tenha feito uma rápida menção da possibilidade disto ocorrer no setor pri-
vado, era uma característica genuína do Estado Periférico. Neste sentido, ele retoma a dis-
cussão sobre o campo de ação do Estado e da iniciativa privada no capitalismo periférico,
mas incluindo o próprio aparelho do Estado como um campo de interesse. Assim sendo, a
absorção espúria introduziria nele a insuficiência dinâmica à sua ação no planejamento e
na execução de um programa de desenvolvimento nacional, uma vez que seu corpo admi-
nistrativo privilegiaria o jogo de interesse particular e a troca de favores pessoais (cliente-
lismo), e a própria apropriação da administração pública. Neste universo, seria o Estado
um bom administrador? Teria que ser transformado? Planejaria o desenvolvimento? Seria
um bom empresário (empresas públicas)? Certamente que, para Raúl Prebisch, esta era
uma falha do Estado periférico, semelhante ao protecionismo” na substituição de impor-
tações ou às falhas do mercado, porém, a solução não estaria no “receituário” dos Fried-
man e de Hayek, do Estado mínimo e do máximo Mercado! A absorção espúria o era o
ponto central do capitalismo periférico.
A partir da análise do capitalismo o sistema global da sociedade de consumo, ou
o sistema centro–periferia –, iniciada com o artigo “Crítica al Capitalismo Periférico”,
Prebisch teve a preocupação de “articular uma teoria global do desenvolvimento” (PRE-
BISCH, 1981a, p. 26). Tratando-se da reflexão sobre a economia política no capitalismo
periférico, o conceito de excedente adquiriu este significado, pois, tanto na periferia, como
no centro, o que estava em jogo era o excedente (a forma da sua produção, distribuição e
apropriação). Entretanto, ao apresentar uma teoria sobre o excedente, contestava tanto a
teoria marxista (conceito de mais-valia como expressão das relações sociais de produção e
meio de apropriação e de acumulação do capital)
340
, como a teoria clássica (Adam Smith e
340
“Impressionado Marx pelas grandes desigualdades distributivas do capitalismo no centro dinâmico no
tempo em que escrevia, pela extrema pobreza das massas britânicas, construiu sua teoria da mais-valia. Os
proprietários dos meios de produção exploravam a força de trabalho ao pagar-lhe salários inferiores ao
valor dos bens que produziam. A mais-valia media as dimensões desta exploração (PREBISCH, 1981a, p.
20, grifo nosso).
No artigo “La Periferia Latinoamericana en la Crisis Global del Capitalismo”, Prebisch (1985, p. 82)
considerou que o excedente poderia ser comparado à mais-valia, pois, no processo produtivo, os trabalhado-
res recebiam apenas uma parte do produto social resultante do seu trabalho, sendo o excedente um meio de
exploração, de apropriação e acumulação de capital às custas da desigualdade social.
406
David Ricardo) do trabalho enquanto origem do valor, ou melhor, a teoria do valor. Neste
aspecto, em termos de economia política, na concepção do excedente e do capital, Raúl
Prebisch se aproximava dos economistas neoclássicos e da concepção keynesiana, em o-
posição à teoria do trabalho-valor.
Marx se inspirava na verdade na teoria ricardiana, segundo a qual o valor
dos bens estava dado pelo trabalho contido neles. Os economistas neo-
clássicos, nas grandes controvérsias que desatou esta tese, dedicaram-se
a demonstrar sua inconsistência lógica. Seu argumento decisivo era o se-
guinte. Dado que o trabalho não é homogêneo, é impossível medir o va-
lor relativo dos bens, de uns bens com relação a outros, pelas horas de
trabalho contido neles (PREBISCH, 1981a, p. 20-21)
341
.
Esclarecidas as diferenças, e como este o é o foco da discussão presente, mesmo
reconhecendo a necessidade do aprofundamento, haja vista a contraditoriedade entre as
concepções sobre trabalho, valor, capital e acumulação, é oportuno apresentar, então, o
que vem a ser excedente para Prebisch e como foi utilizado na interpretação da especifici-
dade do capitalismo periférico (exclusão e conflito) e no sistema geral. No item seguinte,
no da luta distributiva, o conceito prebischiano de excedente passará pelas relações de po-
der, adquirindo contextualização histórica, e no momento posterior, com a eqüidade soci-
al, será problematizado a partir da necessidade da transformação do sistema.
Nos textos cepalinos originais o conceito de excedente não aparecia na interpreta-
ção do desenvolvimento econômico latino-americano. Entretanto, a forma de propagação
do progresso técnico e da captação da produtividade no sistema centro–periferia, as rela-
ções de dependência periférica e sua vulnerabilidade externa no sistema, apontavam para o
assunto presente na discussão do capitalismo periférico e para o caráter da disputa social
(política e econômica) pelo excedente. Tratando-se da interpretação apresentada a partir de
341
Antes de Smith, Ricardo e Marx, John Locke, em sua obra “Segundo Tratado Sobre o Governo ensaio
relativo à verdadeira origem, extensão e objetivo do governo civil”, havia apresentado a tese do trabalho
como origem do valor e da propriedade: “... porquanto é, na realidade, o trabalho que provoca a diferença
de valor em tudo quanto existe. (...) pode verificar-se como o trabalho constitui a maior parte do valor de
tudo quanto gozamos no mundo” (LOCKE, 1978, p. 50, 51). Tratando da teoria do trabalho-valor, na eco-
nomia política, os três primeiros mantiveram o princípio de Locke.
407
1976, acabavam-se as ilusões sobre as vantagens da propagação do progresso cnico.
Produziam-se, sim, desilusões e frustrações no desenvolvimento
342
:
Os fatos não permitem seguir alentando essas ilusões. O desen-
volvimento tende a excluir uma parte importante da população.
Circunscreve-se, primordialmente ao âmbito dos estratos supe-
riores de renda, de onde se
imitam
, de mais a mais,
os hábitos
de consumo daqueles centros
(PREBISCH, 1976, p. grifo nosso).
O excedente estava localizado no processo produtivo e resultava das relações me-
diatizadas entre as partes implicadas na produção de bens, na participação e nos resultados
obtidos ao final de cada atividade (presente e futura) e sua destinação (inversões ou con-
sumo). Num primeiro momento o excedente foi identificado por Prebisch como a captação
do incremento da produtividade: “A captação dos frutos do incremento da produtividade,
ou de captação do fruto do avanço técnico ou de captação do excedente” (PREBISCH,
1976, p. 11). Entretanto, era preciso descrever este processo de captação do aumento da
produtividade entre as partes presentes no processo produtivo, e explicar como ocorria a
apropriação do excedente. Para tanto, foi indicado como se realizava a captação primária,
ao nível da empresa, numa economia capitalista, marcada pelo binômio produção-
consumo, conforme segue:
... as rendas pagas à força de trabalho que se
acrescenta a fim de obter mais bens futuros, so-
brepassa às rendas contidas, por assim dizer,
nos bens finais presentes.
Pois bem, para pagar estas rendas, acode-se, em
plena ortodoxia, à expansão monetária. E esta
expansão se transforma em demanda, a qual excede
à oferta daqueles bens finais.
Este excesso de demanda permite, a quem tem os
meios produtivos, captar primeiramente o incre-
mento da produtividade (PREBISCH, 1976, p. 11)
343
.
342
“Duas grandes esperanças de alguns decênios se viram frustradas no curso posterior do capitalismo
periférico. Acreditava-se que, deixado este à sua própria dinâmica, a penetração da cnica dos centros
industriais iria difundindo seus frutos em todos os estratos da sociedade, e que ele contribuiria para o avan-
ço e consolidação do processo democrático” (PREBISCH, 1976, p. 7).
343
Nos textos seguintes Raúl Prebisch apresentou o conceito de excedente, que não conviria repetir. Entre-
tanto, cabe citar uma passagem mais clara do livro Capitalismo Periférico: “Para obter uma quantia futura
de bens finais é indispensável iniciar antecipadamente seu processo produtivo pagando as rendas corres-
pondentes à força de trabalho. Pois bem, no curso crescente da produção estas rendas são superiores ao
408
Percebe-se que a origem do valor (bens, remunerações ou moeda) não está no tra-
balho, e que as rendas e o excedente resultam de uma expansão monetária, sempre acom-
panhada do aumento da demanda, em cada novo início ou encerramento da produção de
bens ou de pagamento inicial da força de trabalho. No sentido clássico da economia políti-
ca, poder-se-ia dizer que o valor aparece, repentinamente, no ato da circulação (comercia-
lização) dos fatores produtivos, dos bens e do dinheiro (seu volume estaria sim, submetido
à autoridade monetária que regula a expansão da moeda e os juros)
344
. Seguindo o raciocí-
nio de Prebisch, como as rendas presentes geravam capacidade de consumo dos bens fi-
nais presente, elas impulsionavam um novo ciclo de produção de bens futuros. A diferença
entre os gastos iniciais (rendas da força de trabalho)
345
, somados com os demais passos e
custos da produção e pagamentos (inclusive tributos e encargos) e a quantidade maior de
dinheiro obtido com a venda final vinha a ser o excedente captado pelo proprietário dos
meios de produção
346
, ao nível da empresa.
Entretanto, o excedente econômico, ou melhor, a quantidade do excedente apro-
priado pelo empresariado resulta das pressões que ambas as partes (força de trabalho e
proprietário) apresentavam no processo produtivo. Enquanto que o proprietário dos meios
que as empresas pagaram anteriormente nas diferentes etapas de produção dos bens finais que se oferecem
no mercado em um determinado período. Destas rendas superiores surge a maior demanda global que per-
mite absorver a oferta global de bens finais proveniente do aumento de ocupação e o aumento da produtivi-
dade. Sem estas rendas crescentes que surgem da produção em andamento, destinada a obter bens futuros,
a demanda seria insuficiente para absorver a oferta presente e o aumento da produtividade se traduziria em
um descenso dos preços e desapareceria o excedente (PREBISCH, 1981a, p. 108).
344
“A expansão monetária é inerente ao processo produtivo e este não se concebe sem ela. Graças a esta
expansão se financia o capital circulante representado pelos bens em elaboração nas fases sucessivas do
processo produtivo” (PREBISCH, 1976, p. 34).
Na obra de 1981, Prebisch trata novamente a questão: “para pagar as rendas que surgem no curso da
produção em andamento as empresas acodem à criação de dinheiro pelo sistema bancário. Esta criação é
inerente ao processo produtivo” (PREBISCH, 1981a, p. 103).
345
Neste caso a força de trabalho é paga no início do processo produtivo e o seu salário não provém do valor
criado pelo trabalho.
346
Nota-se que o conceito excedente tem um conteúdo de sobra e de excesso, próprio da teoria econômica
liberal (neoclássica, keynesiana), em oposição à teoria da mais-valia. Da mesma forma, percebe-se que o
incremento da produtividade (a massa geral de riqueza produzia a cada processo) é transferido, captado e/ou
repartido entre as partes. Torna-se ganhos de renda para a força de trabalho e acumulação de capital (exce-
dente) para os proprietários dos meios de produção.
409
de produção fazia desta condição e do poder subjacente na sociedade periférica sua força
para aumentar a apropriação do excedente e acumular mais capital, a força de trabalho
teria como instrumento sua organização sindical. Como na periferia havia o problema do
desemprego estrutural, não faltavam interessados em ocupação que aceitassem rendas in-
feriores (salários baixos), haja vista a “concorrência autêntica do mercado”, regressiva,
entre os trabalhadores. Em seu artigo “Hacia una Teoría de la Transformación”, ao tratar
da elevação da produtividade e sua distribuição, Raúl Prebisch inseriu-as na realidade da
periferia: “Grande parte deste fruto fica nos estratos superiores da estrutura na forma de
excedente, graças ao poder que deriva de sua concentração dos meios de produção”
(PREBISCH, 1980, p. 4).
O excedente, ou excedente econômico, tinha uma base estrutural (econômica e po-
lítica) que sustentava as relações de poder na luta pela distribuição da renda e pela acumu-
lação de capital. Na obra “Contra el Monetarismo”, este assunto foi aprofundado, a partir
das especificidades do capitalismo periférico, que era excludente e conflitivo:
O excedente econômico representa aquela parte de
sucessivos incrementos de produtividade que não
passa para a força de trabalho em virtude da he-
terogeneidade da estrutura social, e aquele fe-
nômeno da concorrência regressiva [entre os tra-
balhadores] (PREBISCH, 1982a, p. 25).
Como já havia analisado Celso Furtado (1966), no capitalismo periférico, neste
jogo, os proprietários dos meios de produção se beneficiavam, pois além da condição de
ser proprietário e das grandes desigualdades sociais, contavam com o acesso à tecnologia
moderna, o poder político e a influência sobre o Estado (participavam da hegemonia) e
410
contavam com a concorrência regressiva, pelas leis do mercado (oferta e procura), entre os
trabalhadores, situação esta recolocada por Prebisch no artigo de 1985
347
.
Neste cenário da especificidade do capitalismo periférico se desdobrava a luta
distributiva, os grupos sociais excluídos e marginalizados, enfim, os trabalhadores se de-
paravam com os interesses daqueles que queriam manter as grandes disparidades sociais, o
controle sobre o excedente econômico e o desenvolvimento da sociedade de consumo.
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“O capitalismo periférico está mais in-
clinado a sacrificar de uma ou de outra
forma o processo de democratização em
favor da defesa e promoção da socieda-
de de consumo”.
( #)"*+,
A interpretação que Prebisch elaborou sobre como, no capitalismo periférico, a
sociedade se organizava, em decorrência da sua estrutura econômica, social e política, para
produzir, distribuir e redistribuir a renda, para captar e apropriar o excedente, para acumu-
lar ou consumir a renda/capital, seja no âmbito dos países periféricos, como nas relações
do sistema centro–periferia (hegemonia e dependência, e transferência de parte da produ-
tividade para os países centrais, principalmente para o centro dinâmico), certamente, atin-
giu, na exposição do fenômeno histórico da luta distributiva, seu conteúdo mais significa-
tivo, pois, ao problematizar o caráter excludente e conflitivo que permeavam as relações de
poder entre os atores sociais na luta distributiva e sua manifestação em termos econômicos
347
“Chamamos de excedente econômico aquela parte do aumento de produtividade que, devido a esta con-
corrência regressiva, somente se transfere parcialmente ou não se transfere à força de trabalho e acaba
ficando nas mãos dos proprietários dos meios de produção” (PREBISCH, 1985, p. 69).
411
e democráticos
348
, avançou teórica e metodologicamente, considerando-se a abordagem
inicial do pensamento periférico (1948/1963), a crítica às teses do livre-mercado (o libera-
lismo individual e espontâneo não passava de uma retórica no capitalismo periférico e o
novo liberalismo representava um retorno ao crescimento pretérito e sua alta vulnerabili-
dade externa) e a incorporação de elementos da crítica da teoria da dependência
349
. Entre-
tanto, mesmo assim, na crítica ao capitalismo periférico e na transformação do sistema,
manteve-se, ele, no universo da herança da “civilização ocidental” (PREBISCH, 1980, p.
15), propondo uma nova ntese histórica: a democracia com eqüidade social e econômica
no capitalismo. Ou, no dizer do próprio Raúl Prebisch: “a eqüidade social e o avanço sus-
tentado do processo democrático” (PREBISCH, 1976, p. 53).
Para Raúl Prebisch, na normalidade do mercado, a luta distributiva no capitalis-
mo periférico e dependente, geraria, mais cedo ou mais tarde, sua própria crise estrutural
no campo político (democracia), econômico (acumulação de capital), social (desigualda-
348
Em seu comentário sobre o artigo “Crítica al Capitalismo Periférico”, Joseph Hodara (1977, p. 189),
considerou que Raúl Prebisch não identificava os atores sociais, ou seja, os sujeitos históricos. Entretanto,
mesmo percebendo que Prebisch o apresentou um estudo histórico específico (um estudo de caso) da luta
distributiva, ele apresentou uma teoria interpretativa do capitalismo periférico e do sistema. Neste aspecto,
pode-se compará-la com a teoria da dependência, apresentada por Cardoso e Faletto (1970) na obra Desen-
volvimento e Dependência”, e a indicação de que, com base na DeD, caberia realizar análises concretas de
situações de dependência” (CARDOSO, F. H., 1971).
Num estudo concreto da luta distributiva estes atores sociais terão que tomar corpo nas relações de poder
e se manifestar no jogo de interesses, pela redistribuição ou pelo restabelecimento do controle da acumula-
ção de capital (excedente) e da hegemonia interna e dependente. Neste caso, numa análise histórica, ao tratar
da exclusão e dos conflitos, certamente que estes sujeitos e a luta social terá que ser personificada, tal como
os golpes militares ocorridos na América Latina nos anos 60 e 70. A interpretação apresentada na teoria do
capitalismo periféricositua histórica e socialmente os golpes militares como reação conservadora e autori-
tária, restabelecedora da hegemonia e do controle do excedente (acumulação de capital) e do poder político
(Estado), em contraposição aos avanços da luta distributiva, no campo político, social e democrático.
Na introdução da obra “Quando Novos Personagens Entraram em Cena”, Eder Sader (1988) discutiu,
com muita pertinência, o significado das categorias “atores sociais” e “sujeitos sociais”, a sua implicação
em termos de concepção de história, práxis e capacidade de intervenção nos processos concretos. Entre ser
ator (ocupar um papel determinado no teatro histórico) e ser sujeito (fazer, ser feito e fazer-se) uma e-
norme diferença, como observou Sader. Certamente que a discussão deste assunto em Prebisch contribuiria,
entretanto, para o momento não há como aprofundá-lo.
349
O próprio Raúl Prebisch considerou que, na revisão da crítica ao capitalismo periférico, incorporou o
diálogo interdisciplinar na interpretação do desenvolvimento latino-americano: Em suma, estou tratando de
interpretar o desenvolvimento periférico como um complexo fenômeno de caráter dinâmico que abarca
elementos técnicos, econômicos, sociais, políticos e culturais. Tudo isso ultrapassa o âmbito da teoria eco-
nômica, com o que me exponho à indiferença dos economistas e à inconformidade dos sociólogos” (PRE-
BISCH, 1981b, p. 10).
412
des) e monetário (inflação social e déficit fiscal do Estado inflação tradicional)
350
. O
desenvolvimento periférico somente subsistiria se se mantivesse excludente e controlasse
seus conflitos em favor do excedente e da hegemonia conservadora (numa aliança dos
grupos dominantes internos e externos): “Chega a um momento, no desenvolvimento a-
vançado de um país periférico, em que surge uma contradição manifesta entre o caráter
conflitivo do sistema e a democratização: a democracia tende a devorar-se a si mesma
(PREBISCH, 1981b, p. 10-11, grifo nosso).
Na verdade, em plena luta social, a democracia tendia a ser devorada pela moder-
nização conservadora e dependente. Por isso, somente uma transformação do sistema, em
seu regime de distribuição e de acumulação, evitaria a crise estrutural periférica
351
. Em
outros termos. Para Prebisch, nas condições atuais do capitalismo periférico e da depen-
dência no sistema, sua democracia era (é) subalterna à acumulação de capital (excedente).
350
Segundo Prebisch, a inflação social resulta da luta distributiva, devido aos ganhos salariais obtidos pela
força de trabalho pagos por meio da expansão monetária, da relação entre o preço dos bens e o aumento da
demanda, conforme a captação primária da produtividade e do excedente na empresa ou na absorção espúria.
Por outro lado, a inflação tradicional teria sua origem no ficit fiscal do Estado, sendo esta a mais compli-
cada do ponto de vista da vulnerabilidade interna e suas implicações externas (política cambial, saldo da
balança comercial e balança de pagamentos). Cf. Raúl Prebisch (1981a, p. 138).
351
Se a luta democrática e distributiva fosse irrestrita, produziria uma eutanásia do excedente. Porém, mes-
mo se os países latino-americanos atingissem a homogeneidade econômica e social, pela luta política e dis-
tributiva, haveria a necessidade de se manter um determinado vel de acumulação de capital (excedente)
para garantir a continuidade do ritmo de crescimento adequado às novas exigências sociais, tecnológicas,
econômicas e de consumo, caso contrário produzir-se-ia uma crise estrutural do sistema, pois, com uma
distribuição irrestrita do excedente, para além do limite necessário para manter o ritmo de crescimento da
economia capitalista nos novos padrões produtivo-tecnológicos e de consumo, a acumulação do capital seria
insuficiente para dar continuidade ao desenvolvimento do sistema global (cf. PREBISCH, 1980, p. 63-64;
1981a, p. 217).
Percebe-se, portanto, na crise de acumulação do capital, a eutanásia do excedente, a defesa de que uma
distribuição direta e mais radical da renda e da riqueza pulverizaria o capital, comprometendo o ritmo do
crescimento, atualizando a tese inaugural. Da mesma forma, ao tratar do consumo do excedente no capita-
lismo periférico, Prebisch (1981a, p. 15) criticou as práticas imitativas do consumo cêntrico, que os setores
de altas rendas, a sociedade privilegiada de consumo na periferia realizavam, o que representava outra for-
ma de perda de capital e, conseqüentemente, com implicações na redução no ritmo do crescimento.
Ainda nesta direção, as desigualdades sociais e a insuficiência dinâmica para a absorção produtiva da for-
ça de trabalho reproduziriam o subdesenvolvimento, o estrangulamento e a vulnerabilidade externa da peri-
feria. Por fim, uma aceleração de origem externa (capital e financiamento) não era indicada como medida
transitória, pois, nos anos 70, isso estava fora de cogitação, por parte dos países centrais e dos organismos
financeiros internacionais, além, é claro, da vida externa pesar na vulnerabilidade externa. Este “sonho”
também havia acabado... e a periferia passou a exportar capitais, pagando encargos e juros. Ou declarando
moratória, como foi o caso do México, no ano de 1982. A dívida externa gerou outra crise e os elementos do
círculo vicioso da insuficiência dinâmica foram ampliados, se não agravados estruturalmente.
413
Por outro lado, um projeto de desenvolvimento econômico conservador, capitalis-
ta, não requer a companhia da democracia, até mesmo a formal ao contrário da tese do
fim da história de Francis Fukuyama (1992) –, assim como visa controlar a luta distributi-
va, ou seja, preservar as disparidades sociais e políticas. Portanto, os avanços e/ou os re-
trocessos no desenvolvimento (inclusão distributiva ou restabelecimento do excedente) e
na participação democrática dos setores de renda média e das massas (de baixa renda e
excluídos), dependem dos rumos da disputa política existente na sociedade periférica. Nes-
ta perspectiva, Raúl Prebisch passou a analisar o desenvolvimento latino-americano a par-
tir da luta pela ampliação da participação dos estratos dios e baixos no espaço político-
governamental (a luta democrática) e pela inclusão econômica (absorção da força de traba-
lho e redistribuição de renda, empregos e melhorias salariais), dando enfoque ao caráter
excludente e conflitivo do capitalismo periférico.
Não havia como fugir deste limite periférico presente na interpretação prebischia-
na: a tendência à crise estrutural no capitalismo periférico manifesta entre a luta distributi-
va e acumulação de capital (excedente). Entretanto, mantendo o propósito deste estudo,
cabe considerar a positividade da crítica ao capitalismo periférico. Afinal, o caráter exclu-
dente e conflitivo, que indicavam sua especificidade no sistema, potencializaram uma re-
visão teórica sobre a condição dos países latino-americanos na nova fase do desenvolvi-
mento, da internacionalização do mercado interno, conforme Cardoso e Faletto (1970), e
da internacionalização do consumo na periferia, segundo Raúl Prebisch (1981a, p. 190).
Assim, partindo desta interpretação periférica, é possível realizar, com razoável fôlego,
uma crítica ao desenvolvimento capitalista conservador (excludente e concentrador), ocor-
rido na América Latina nas últimas décadas
352
. Além do mais, esta abordagem da especifi-
352
Para Raúl Prebisch, o capitalismo periférico era excludente e conflitivo, porém estas noções de exclusão e
conflito não partiam do referencial histórico-dialético. Propunha, ele, uma transformação do sistema, não
uma revolução social. Prebisch não trabalha nesta perspectiva nem com categorias como classes sociais e
luta de classes, isto é certo, pois, sequer aparecem em seus textos. Também criticou o sentido marxista dado
à mais-valia para explicar a apropriação e a acumulação do capital no capitalismo. Mesmo tratando da luta
414
cidade do capitalismo periférico tem sustentabilidade histórica, principalmente se contra-
posta ao novo liberalismo. Hoje, a problemática do capitalismo periférico deve ser revista
e revisitada a partir dos rumos conservadores que vários países latino-americanos tiveram
em seu desenvolvimento interno, principalmente durante os anos 60, e a partir da segunda
grande crise geral do capitalismo ocorrida nos anos 70, seja em termos da vulnerabilidade
externa, como do restabelecimento da apropriação do excedente e do controle do poder
político nacional (Estado-governo do país), e da dependência ao centro dinâmico.
Como Marshall Wolfe esclareceu, o novo período de conservadorismo econômico
e político tinha conteúdo histórico-social e ideológico:
Nos últimos anos, na maioria dos países surgiram
grupos empresariais que se identificam de manei-
ra agressiva com o estilo predominante; estimam
que seus efeitos sobre os pobres são nada mais
que um problema policial e justificam sua ideo-
logia assinalando o funcionamento deficiente dos
regimes reformistas e populistas da América La-
distributiva, a atuação da força de trabalho na luta sindical e política, das relações de poder, da disputa pela
hegemonia e da centralidade pelo controle da acumulação de capital e do poder político (Estado), seu sentido
é distinto da concepção histórico-dialética.
Como foi citado anteriormente, em seu comentário sobre o artigo “Crítica al capitalismo periférico”,
Eugenio Kossarev (1977, p. 195) propôs uma correção dos conceitos prebischianos à teoria econômica mar-
xista, todavia, o se trata de trocar conceitos, mas sim, de concepção de história. No momento não é possí-
vel aprofundar o assunto, entretanto, o próprio Prebisch afirmou o partilhar da visão do marxismo ortodo-
xo e da economia centralizada do socialismo concreto. Também diferenciou o marxismo enquanto teoria
científica do marxismo enquanto ideologia política: que se fazer uma distinção entre o marxismo como
crítica científica do capitalismo e o marxismo como ideologia política de transformação” (PREBISCH,
1981a, p. 20).
No ensaio “Cinco etapas de mi pensamiento sobre el desarrollo” e na obra “Contra o Monetarismo”
Raúl Prebisch trata da luta distributiva enquanto disputa entre trabalhadores (força de trabalho) e empresá-
rios (empresa), donos dos meios de produção: “As empresas aumentam seus preços tratando de restabelecer
o excedente. Porém, isto não dura muito tempo porque os trabalhadores reagem incrementando de novo
suas remunerações quando possuem poder suficiente para fazê-lo” (PREBISCH, 1987a, p. 26). Veja: Raúl
Prebisch (1982a, p. 50.
Considerando, porém, que Prebisch interpreta a luta distributiva no capitalismo (sistema), compreende-se
que as mudanças sociais implicam também mudanças nas disputas políticas, econômicas e sociais, princi-
palmente entre os setores assalariados e os proprietários dos meios de produção, seja na esfera da economia
(produção e distribuição), como na da política (democracia e Estado-Governo), pela acumulação de capital e
pela inclusão social e político-democrática, o que permite aprofundar a interpretação da luta distributiva
prebischiana, partindo da abordagem da especificidade do capitalismo periférico (excludente e conflitivo), e
explicar o jogo de interesses presente que sustentam e hegemonizaram o projeto de desenvolvimento conser-
vador e autoritário. Além disso, fica claro, para Raúl Prebisch, que o capitalismo periférico se sustentava,
historicamente, na exclusão econômica, política e social dos trabalhadores. O restabelecimento da acumula-
ção de capital e a retomada da hegemonia se efetiva com o aprofundamento da sociedade de consumo, ao
preço de mais exclusão e dominação. Da mesma forma, a interpretação da crítica ao capitalismo periférico
serve de base para uma revisão da abordagem inicial do “modelo” de substituição de importações.
415
tina e de outros lugares
(WOLFE, 1977, p. 219,
grifo nosso).
Coerentemente com sua crítica à teoria clássica e ao novo liberalismo, Raúl Pre-
bisch esclareceu que a interpretação do capitalismo periférico não tinha o propósito de ser
uma teoria universal. Considerava necessário elaborar uma teoria global sobre o capitalis-
mo, porém, a especificidade latino-americana não teria este propósito, pois o próprio capi-
talismo não era uniforme. Mais ainda. Tratando-se do duplo aspecto da crise gerada pela
luta distributiva na América Latina e rebatendo críticas recebidas sobre sua crítica ao
capitalismo periférico, expôs que, mesmo entre os países latino-americanos, havia
diferença na relação entre a luta política (democracia) e econômica (distribuição de renda),
e indicou três situações, casos ou tipologias, que poderiam diferenciar a luta distributiva
nos países: – países em que ocorrem as mudanças democratizante e redistributiva, – países
em que o poder dos estratos superiores mantém a estrutura social e a baixa
democratização, e – países em que a democratização encontra fortes obstáculos, e é formal
(PREBISCH, 1981a, p. 22-23)
353
. Na realidade, com a luta distributiva, ele problematizou
os conflitos existentes nos países latino-americanos mais desenvolvidos.
Com o enfoque da especificidade excludente e conflitiva do capitalismo periféri-
co, Prebisch considerava que a estrutura social determinava os rumos do desenvolvimento
e este, por sua vez, também modificava a formação social periférica. Em sua produção
teórica, nos anos 70, analisou as mudanças que o desenvolvimento econômico produziu na
organização social e política, estabelecendo esta dupla influência entre a estrutura da soci-
edade e o desenvolvimento. A industrialização substitutiva modificou a estrutura social,
pois seu processo era dinâmico, e os novos grupos sociais (principalmente os estratos in-
353
No livro “Capitalismo Periférico” se referiu ao assunto, nos seguintes termos: “A tese sobre a inevitável
contradição entre o processo econômico e o processo político no capitalismo periférico, assim como outras
conclusões de meus artigos anteriores suscitaram objeções compreensíveis. Cabe aduzir, entretanto, que
minha interpretação concerne a certos países mais avançados da periferia, porém, em nenhuma forma,
poderia se estender aos outros” (PREBISCH, 1981a, p. 22).
416
termediários e médios, mas também os estratos de baixa renda e a massa) passavam a in-
tervir nos rumos do desenvolvimento, juntamente naqueles dois aspectos centrais que i-
dentificavam o subdesenvolvimento e sua insuficiência dinâmica (a exclusão e marginali-
zação social e a luta pela inclusão econômica, renda, e democrática). Os rumos da luta
distributiva passavam pela base da estrutura da sociedade periférica e esta era um condi-
cionante das relações de poder, seja em seu movimento estrutural (em longo e dio pra-
zo) do desenvolvimento econômico e das mutações na sociedade, como no movimento
conjuntural (em curto prazo) das disputas política e distributiva, na esfera da economia e
do Estado:
as relações de poder que emergem da estrutura da sociedade determinam,
em última instância, a distribuição de renda. E a forma desta distribuição
condiciona a penetração da técnica e o aumento conseguinte da produti-
vidade (PREBISCH, 1976, p. 19)
354
.
Pode-se dizer que, na critica ao capitalismo periférico, Raúl Prebisch centrou sua
análise nas transformações que a industrialização produziu na estrutura da sociedade e
avaliou seu dinamismo histórico, estabelecendo uma interdependência entre a base estrutu-
ral do sistema e as lutas sociais, que, por sua vez, retroalimentavam os rumos do desen-
volvimento. Portanto, sociedade e economia não estavam dissociadas, ou seja, a exclusão
e os conflitos faziam parte do sistema e das transformações e interagiam nelas segundo a
força política dos atores. Na realidade, o questionamento posto era: Quem determinava o
rumo do desenvolvimento e seu conteúdo econômico, social e político (?).
Entendia Prebisch que o centro dos interesses e do sistema estava no acesso ou
não ao excedente/capital/renda: “A dinâmica do sistema depende, pois, do crescimento do
excedente e este, por sua vez, baseia-se sobre a desigualdade social” (PREBISCH, 1985,
354
No artigo de 1980, Prebisch sintetizou a condição histórico-estrutural do capitalismo periférico, isto é, a
sua especificidade, mantendo os elementos centrais da concepção inicial dos principais problemas do subde-
senvolvimento no sistema centro–periferia, na seguinte passagem: “A especificidade que caracteriza a estru-
tura social periférica concerne, principalmente, à técnica e ao consumo, ao grau de desenvolvimento e à
democratização, à propriedade da terra, à formação do excedente, e ao crescimento demográfico” (PRE-
BISCH, 1980, p. 58).
417
p. 66). Entretanto, entendia que na “utopia do desenvolvimento” dever-se-ia, ou ao menos
poder-se-ia, gerar bem-estar social, e não, mais desigualdades. As regras do livre-mercado,
como defendiam os neoclássicos
355
, favoreceriam o desenvolvimento da sociedade de con-
sumo no sistema e, no capitalismo periférico, acentuaria as desigualdades sociais. Afinal,
para que o excedente fosse apropriado ou distribuído com mais eqüidade, primeiro, teria
que ser produzido e a estrutura social da produção condicionava, desde o início, seus
resultados (distribuição e acumulação).
Nesta lógica, para Prebisch, quanto mais mercado, maiores seriam as desigualda-
des sociais e políticas na periferia, pois a concentração do excedente fortalecia o poder
político dos proprietários e estes faziam uso desta condição e desta força para imporem
seus interesses (apropriar e restabelecer o excedente, garantir sua hegemonia/dominação e
a ordem da sociedade de consumo) nas disputas sociais. Espontaneamente nem o progres-
so técnico nem o livre-mercado distribuiriam eqüitativamente os frutos do desenvolvimen-
to, pois, que, entendia Prebisch, por trás do mercado havia as relações de poder e a estrutu-
ra social e estas interferiam na distribuição da renda
356
que, por sua vez, limitava o acesso
ao mercado consumidor e à economia (ocupação) àqueles que não tinham tanto poder as-
sim para intervir no processo. Como o espaço da intervenção estava no campo político, a
partir dele era possível mudar os rumos e a participação social no desenvolvimento e na
definição do papel do próprio Estado.
Na América Latina o capitalismo era periférico e dependente, pois foi produto da
propagação do progresso técnico cêntrico, tornando-se parte do sistema centro–periferia e
de uma divisão internacional do trabalho e de intercâmbio comercial favorável às econo-
mias industrializadas. Este processo teve a participação dos setores dominantes locais,
355
“As teorias neoclássicas ignoram a estrutura social e suas mudanças, assim como as relações de poder
que as acompanham e sua considerável significação na distribuição de renda” (PREBISCH, 1980, p. 57).
356
“Porém, por trás do mercado, assim como no desenvolvimento do Estado, estão as relações de poder que
configuram as grandes linhas da distribuição” (PREBISCH, 1981a, p. 91).
418
interessados nas vantagens que o crescimento econômico, especializado e heterogêneo,
lhes daria nesta forma de inserção da economia nacional na economia capitalista mundial.
Esta herança pretérita, ou seja, a sua estrutura social e seus condicionantes na dis-
tribuição da renda, permaneceram no período seguinte da industrialização substitutiva,
como problema e obstáculo para um desenvolvimento integral, como foi apresentado ante-
riormente (Primeira Parte: a Interpretação). Prebisch relembrou que, na revisão do enfoque
redistributivo, realizada nos anos 60, já avaliavam que a industrialização teria ocorrido
sem os ganhos sociais e sem atingir a estrutura social na distribuição da renda: “Assim,
chegamos ao final dos anos 50 e começo dos 60, comprovamos que apesar do tempo de
industrialização a distribuição de renda foi regressiva” (PREBISCH, 1982a, p. 172).
Quando Raúl Prebisch considerou a força da sociedade privilegiada de consumo,
ele recuperou a influência que os estratos superiores da sociedade (grupos sociais domi-
nantes) tinham na definição dos rumos do desenvolvimento, e de como se beneficiavam
com as grandes disparidades existentes na distribuição da renda e na concentração da pro-
priedade dos meios de produção nos países latino-americanos. Eram fundamentalmente
estes grupos sociais que imitavam os hábitos de consumo cêntricos, o que contribuía para
a perda da capacidade de investimentos (desperdício de poupança)
357
, propagando estas
práticas consumistas para o restante da sociedade periférica, principalmente nos estratos
intermediários e médios (que participavam da distribuição do excedente)
358
, mas também
aos setores sociais de menor renda e marginalizados.
357
“... uma parte importante do excedente se destina, pelos estratos superiores, à imitação do consumo dos
centros. Há um grande desperdício do potencial de acumulação de capital necessário pela sociedade privi-
legiada de consumo” (PREBISCH, 1981a, p. 15).
358
Todo o aumento da produtividade não fica com a força de trabalho. Os setores intermediários participam
da distribuição da renda, porém a grande massa da força de trabalho não conseguia obter o aumento da renda
resultante da maior produtividade, ficando esta nas mãos dos proprietários dos meios de produção (cf. PRE-
BISCH, 1981a, p. 91).
Para Prebisch, a sociedade de consumo era a própria organização geral do capitalismo. Porém, no capita-
lismo periférico, mesmo a imitação do capitalismo desenvolvido comprometeria o ritmo do crescimento, da
acumulação do excedente e da absorção da força de trabalho: “Se o progresso técnico aumenta a produção, é
para consumir mais. não está o problema, mas na tendência do consumo a crescer com mais rapidez do
que a acumulação (PREBISCH, 1985, p. 66-67, grifo nosso).
Parafraseando Pedrinho Guareschi e Roberto Ramos (1988), pode-se dizer que, no capitalismo periférico,
a máquina capitalista voltada ao aprofundamento da sociedade de consumo era mais eficiente para aprofun-
419
A alta concentração da propriedade dos meios de produção, na estrutura da socie-
dade tornara-se a espinha dorsal do regime de produção, distribuição e acumulação do
excedente, fazendo com que o capitalismo periférico fosse marcadamente excludente e
conflitivo, e imitativo, principalmente, nos estratos superiores (PREBISCH, 1981a, p. 14).
A sociedade privilegiada de consumo – formada pelos estratos superiores –, inte-
ressada no “privilégio imitativo” e no status quo, em uma sociedade tão desigual, era alia-
da da dependência, intolerante diante dos avanços da luta distributiva e sem escrúpulo na
defesa dos privilégios
359
, no capitalismo periférico e no sistema, pois isso lhe garantia o
poder econômico, o poder político e o poder de consumo imitativo.
Na interpretação do caráter excludente e conflitivo do capitalismo na América La-
tina, de Raúl Prebisch, política e economia se encontravam na luta distributiva
360
e este era
o cenário da luta social: “Dizíamos acima que os atores expressam as diversas formas de
poder e as mudanças que ocorrem em suas relações. Movem-se em dois cenários diferen-
tes, ainda que estreitamente vinculados: no do mercado e no do Estado” (PREBISCH,
1981a, p. 167)
361
.
dar o consumismo, do que no incentivo à elevação do ritmo de crescimento e à ampliação no mercado inter-
no consumidor. Desde a obra de 1961, Desarrollo Económico, Planeamiento y Cooperación Internacio-
nal”, a
CEPAL
considerava que os meios de comunicação de massa, ao invés de propagarem eficientemente
o consumismo, seriam estratégicos numa campanha em favor da elevação do ritmo de crescimento. As novas
técnicas de comunicação poderiam ser usadas “em favor da difusão do aumento da poupança, dos investi-
mentos e da redução do consumo improdutivo” (CEPAL, 1961, p. 3-4).
359
“... quando se emprega a força para restabelecer o funcionamento do sistema, sacrifica-se o consumo de
vastos estratos sociais para que os estratos superiores recuperem sua posição, e no caso a elevam, na soci-
edade privilegiada de consumo” (PREBISCH, 1981a, p. 17).
360
Expôs Prebisch, que no capitalismo periférico o liberalismo econômico e o liberalismo político “se tor-
nam contraditórios” (PREBISCH, p. 1980, p. 13).
361
Ao tratar da dinâmica da estrutura social e política no desenvolvimento e para comprovar os processos de
mudança ocorridos na América Latina com a industrialização substitutiva, também descreveu, a título com-
parativo, os traços gerais do poder político e os vínculos externos no modelo pretérito primário-exportador:
“Na fase de desenvolvimento para fora, caracterizada pela penetração da técnica produtiva dos centros na
produção primária e atividades conexas, o poder político era dominado pelos estratos superiores de renda,
estreitamente vinculados ao capital estrangeiro. Junto a estes estratos se desenvolviam as classes médias,
com poder político muito limitado. A maior parte da população ficava nos setores pré-capitalistas, excluída
do processo econômico, social e político e, por suposto, dos frutos do desenvolvimento (PREBISCH, 1976,
p. 51).
420
Segundo Prebisch, a luta distributiva e democrática tinha sua origem nas mudan-
ças que o desenvolvimento produzia na estrutura da sociedade periférica:
As mutações da estrutura social que ocorrem no curso do desenvolvi-
mento são acompanhadas de um crescente poder sindical e político da
força de trabalho. É um poder que cada vez mais se contrapõe ao poder
de apropriação do excedente dos proprietários dos meios de produção
(PREBISCH, 1982a, p. 29)
362
.
Revisitando Prebisch, pode-se dizer que a luta distributiva era uma manifestação
da disputa estrutural e conjuntural do desenvolvimento e se concretizava, social e histori-
camente, pelo poder sindical e político da força de trabalho, reivindicando, em oposição ao
poder econômico e político dos grupos sociais dominantes, maior participação na distribu-
ição da renda (o que mexeria com o excedente e o consumo privilegiado dos estratos supe-
riores), por isso Prebisch considerava o capitalismo periférico social e economicamente
conflitivo. Na luta política a disputa era feita tanto com os grupos sociais dominantes (por
melhores salários e emprego) e sua representação política no Estado, como com o Estado,
362
Ao indicar que a industrialização produziu mudanças na estrutura da sociedade, Raúl Prebisch exemplifi-
cou-a com os casos dos estratos intermediários e médios. Analisou também que a luta distributiva tinha sua
origem nestes novos grupos sociais, que reivindicavam inclusão política e melhores rendas (absorção espú-
ria). A expansão desta luta distributiva, quando atingisse os grupos assalariados, ampliava os conflitos no
capitalismo periférico, pois, com o poder sindical e político, a força de trabalho lutava por renda e participa-
ção democrática, em detrimento do volume do excedente acumulado pelos empresários e aumentando a
demanda social do Estado. Quanto mais aumentasse o poder sindical e político dos assalariados e dos po-
bres, sua ação irrestrita (no avanço da pauta: redistribuição e reforma na estrutura da divisão da renda e da
riqueza, representatividade política) e sua capacidade de pressão (na economia e no Estado), mais se acentu-
aria a tendência à eutanásia do excedente sendo este um dos caminhos para a crise estrutural do sistema
(acumulação de capital) -, e, obviamente, a reação da sociedade privilegiada de consumo para o restabeleci-
mento do excedente e da hegemonia social e política, utilizando meios e métodos anti-sociais e antidemocrá-
ticos – sendo este o outro caminho à crise de desenvolvimento periférico.
No artigo de 1976, Prebisch havia considerado esta relação entre o avanço da luta distributiva e a reação
conservadora dos grupos dominantes: “Porém, quando o processo de democratização se desenvolve de
forma irrestrita, os estratos superiores apelam, em última instância, ao emprego da força para superar a
crise distributiva” (PREBISCH, 1976, p. 16). Isto não deixa de ser provocativo, pois, os riscos de uma rea-
ção autoritária têm como contraponto o avanço irrestrito da luta distributiva (poder sindical e político da
força de trabalho), o que dá a entender que o parâmetro da restrição está na garantia da acumulação de capi-
tal, segundo a condição histórica do sistema e não da sociedade.
Quando a pressão redistributiva dos trabalhadores ameaça o nível realizável do excedente e da reprodução
do capital, as partes ameaçadas reagem sem restrições, pois está a restrição que o próprio sistema estabe-
lece (cf. PREBISCH, 1987a, p. 27).
421
visando à participação democrática e ampliação dos serviços públicos (consumo social:
saúde, educação, seguridade, habitação e bem-estar sociais) (PREBISCH, 1976, p. 42)
363
.
Na verdade, para Raúl Prebisch a luta distributiva manifestava as contradições do
desenvolvimento capitalista na América Latina. Como discordava das teses neoliberais
(liberalismo econômico e liberalismo político) e das socialistas (economia centralizada e
controle do Estado), tratou de tirar as diferenças com ambas. No campo do liberalismo
chegou a mostrar que, no capitalismo periférico, as grandes disparidades distributivas e a
exclusão social não favoreciam o desenvolvimento integral nem o dinamismo (ritmo ade-
quado do crescimento econômico). A realidade da exclusão na periferia não servia de apo-
logia às vantagens da livre iniciativa individual. Aqui, na periferia, o capitalismo era ex-
cludente ao extremo e demasiadamente desigual:
Sentido excludente, sobretudo dos estratos inferiores de rendas, que
permanecem à margem do desenvolvimento. A liberdade econômica é
ali liberdade de ser pobre. A liberdade política não é outra coisa que a
liberdade de decidir sem ter meios efetivos de discernimento (PREBIS-
CH, 1981a, p. 273, grifo nosso).
A exclusão, a marginalização e a renda (poder aquisitivo) dos estratos inferiores
esvaziavam o conteúdo daquilo que os desenvolvimentistas definiram como mercado in-
terno, e os neoliberais como força de equilíbrio do livre-mercado
364
. Portanto, uma mu-
363
“Disse reiteradamente que a dinâmica do sistema se baseia sobre o excedente, o qual é uma clara ex-
pressão da desigualdade social na distribuição do fruto do progresso técnico. No curso da democratização,
o poder sindical e político da força de trabalho trata de atenuar esta desigualdade e o excedente se torna
vulnerável, assim como pelo desenvolvimento do Estado” (PREBISCH, 1987a, p. 83).
Na obra “Capitalismo Periférico”, Raúl Prebisch descreveu melhor os campos de ação da luta distributi-
va dos trabalhadores por inclusão no mercado interno, nas demandas do Estado e a tendência à crise do ex-
cedente: “A força de trabalho desfavorecida pelas leis do mercado trata de ampliar seu consumo privado ou
social valendo-se de seu poder sindical ou político, tanto na órbita das empresas como na do Estado. E
acaba por vulnerabilizar a exigência dinâmica de aumentar incessantemente o excedente, exigência que
responde, por sua vez, à necessidade de acumular e ao consumo privilegiado” (PREBISCH, 1981a, p. 133).
No ensaio de 1982, “Cinco etapas de mi pensamiento sobre el desarrollo”, Raúl Prebisch voltou a consi-
derar que os conflitos distributivos, tal como se apresentavam no capitalismo periférico na luta distributiva,
geravam um círculo vicioso tendente à inflação.
364
Para Prebisch, a luta distributiva evidenciava que não havia possibilidade de se repetir, no capitalismo
periférico, o desenvolvimento cêntrico, nem que a força do mercado e dos preços resolvesse seus problemas
cruciais, conforme defendiam os neoliberais: Sustenta-se que estas forças [de mercado], em um regime de
422
dança na estrutura distributiva da renda, e, portanto, do excedente, não seria prejudicial ao
desenvolvimento integral, nem ao aumento do ritmo do crescimento para o período se-
guinte, considerando seu círculo virtuoso, nem às mudanças sociais. Entretanto, aos gru-
pos sociais dominantes, da sociedade privilegiada de consumo, e aos estratos superiores do
capitalismo periférico e seus aliados externos, isto significava mexer na acumulação do
capital/excedente, na transferência de renda e no consumo imitativo. No artigo de 1976,
Prebisch indicou que, em tese, haveria apenas dois caminhos a seguir. Como o processo
econômico poderia continuar avançando, do ponto de vida do sistema, em ambos os casos,
Prebisch se preocupou com o aspecto político do desenvolvimento, a luta democrática,
pois, somente por meio dela poder-se-ia transformar o regime de distribuição e acumula-
ção, em favor da inclusão econômica dos excluídos, os marginalizados e os grupos de bai-
xa renda, isto é, eqüidade econômica, e da participação democrática (eqüidade política). A
outra forma acentuaria a sociedade de consumo com mais exclusão e com o uso da força
do Estado (controle dos conflitos no capitalismo periférico).
Em plena lógica, somente se encontram duas for-
mas para corrigir esta disparidade: transformar
o processo econômico em favor do avanço democrá-
tico,
ou
sacrificar este último
para manter o
processo econômico, assegurando o progressivo
desenvolvimento da sociedade de consumo (PREBIS-
CH, 1976, p. 57).
Para Raúl Prebisch, as especificidades do capitalismo periférico não eram resul-
tado exclusivo da organização interna e das falhas do mercado e do Estado na periferia. A
estrutura da dependência periférica no sistema centro–periferia, suas relações e a condição
das partes no conjunto do sistema contribuíam para a continuidade da insuficiência dinâ-
mica periférica e do seu círculo vicioso. A característica centrípeta do capitalismo desen-
volvido – garantida pela condição ativa e hegemônica no sistema – interferia no desenvol-
concorrência irrestrita, tendem para um equilíbrio em que a destinação de recursos é a melhor possível”
(PREBISCH, 1976, p. 17).
423
vimento periférico, tanto na exclusão social (captando parte da produtividade periférica e
transferindo rendas para o centro ou exportando sua crise), como no tensionamento da luta
distributiva (na defesa do excedente e no aprofundamento da sociedade de consumo).
O capitalismo periférico é excludente e conflitivo: duas grandes fa-
lhas que se acentuam pelo caráter centrípeto do capitalismo desen-
volvido, a incongruência de suas relações com a periferia e as con-
seqüências de sua hegemonia (PREBISCH, 1981a, p. 3, grifo nos-
so).
Mesmo que tenha apresentado um quadro estrutural tão forte e situando-o num
cenário de longo prazo no desenvolvimento, Raúl Prebisch não fechou a história. Certa-
mente não deixou ilusões aos mais pobres, nem se poderiam colocar esperanças no neoli-
beralismo, e o socialismo concreto (estatizado econômica e politicamente, segundo Pre-
bisch) estava fora de cogitação. Mas, ao considerar que o capitalismo periférico era exclu-
dente e conflitivo, abriu uma janela para o fato de a luta distributiva, econômica e política
(democrática), ser a disputa conjuntural do desenvolvimento, o que incluía a sociedade
periférica e a articulação no sistema centro–periferia e a influência do seu centro dinâmico
principal
365
. A luta distributiva, portanto, não se limitava ao espaço nacional, pois, tal co-
mo o próprio capitalismo periférico, envolvia os interesses dos grupos sociais dominantes
no sistema centro–periferia e as relações de poder em ambas as partes. A luta distributiva
nos países latino-americanos adentrava nas relações de poder na/da dependência
366
.
Percebe-se, neste aspecto da interpretação da crítica ao capitalismo periférico, a
incorporação da concepção teórico-metodológica da teoria da dependência. Nisto, chama a
365
Tratando-se do período pós-guerra, isso significava que, no sistema centro–periferia, os EUA eram, o
somente o centro dinâmico, mas também a grande potência econômica, tecnológica e militar mundial.
Entretanto, a história não obedece ao poder, nem a um superpoder, mesmo que imperial. Possivelmente,
mal sabem os vietnamitas que o financiamento público do governo norte-americano da Guerra do Vietnã
teve uma significativa participação no déficit fiscal do país.
Segundo Raúl Prebisch, a política de expansão e exportação da moeda norte-americana também teve o
propósito de cobrir os gastos oficiais dos EUA com a Guerra do Vietnã, pois houve um “derrame de dólares
fora dos EUA para financiar os gastos da guerra, que internamente a sociedade norte-americana resistia
à guerra” (PREBISCH, 1981a, p. 231; 1982a, p. 74).
366
“Certamente que estas relações centro–periferia não são estáticas. Estão sujeitas às conseqüências da
evolução dos centros e às mudanças que ocorrem na estrutura da sociedade periférica” (PREBISCH, 1976,
p. 58).
424
atenção a perspectiva comum que a luta distributiva adquire na análise das transformações
e/ou mudanças históricas no desenvolvimento, para as quais, desenha-se uma formação
social da exclusão e dos conflitos na periferia latino-americana e sua integração na depen-
dência. Utilizando o argumento de Fernando Henrique Cardoso, poder-se-ia dizer que as
mudanças no capitalismo periférico correspondiam a situações concretas da luta distribu-
tiva que requeriam uma análise histórica do estado do desenvolvimento excludente e con-
flitivo na periferia e seus vínculos de dependência no sistema (cf. CARDOSO, F. H.,
1971).
No artigo de 1976, “Crítica al Capitalismo Periférico”, a estrutura da dependên-
cia e o sentido das relações de poder existentes no sistema centro–periferia (a hegemonia
no capitalismo) foram incluídos na interpretação da especificidade do capitalismo na Amé-
rica Latina (condição ativa e subalterna no sistema e em seu dinamismo).
A hegemonia capitalista, especialmente a do cen-
tro principal, expressa-se nas relações de po-
der. Relações de poder em que a
superioridade
técnica
e
econômica
dos centros se apóia em seu
poder político, e tem na periferia uma influên-
cia geralmente incontrastável (PREBISCH, 1976,
p. 58, grifo nosso).
Na obra de 1981, “Capitalismo Periférico – Crisis y Transformación”, de certa
forma, Prebisch surpreendeu pela aproximação histórica-estrutural que fez do sistema cen-
tro–periferia, ao identificar socialmente os grupos dominantes em cada parte do sistema,
bem como a unidade dos interesses que sustentava a aliança centro–periferia na dependên-
cia, assim como o núcleo estrutural do poder econômico e político mais forte.
Conjugam-se em todo ele relações de poder variadas. Sob a influência
desta superioridade técnica e econômica, grupos dominantes nos centros,
principalmente no centro principal, articulam-se com seus congêneres da
periferia. E assim, além de seu próprio poder naqueles países, que é mui-
to forte, por certo, estes grupos dividem em diversos graus o poder eco-
nômico e político dos grupos dominantes da periferia. O qual resulta ser
425
um fator primordial nas relações de dependência (PREBISCH, 1981a, p.
180-181, grifo nosso).
A interpretação do capitalismo periférico não apresentou grandes novidades com
relação à abordagem inicial prebischiana e cepalina sobre a origem e a estrutura do siste-
ma centro–periferia e sua hierarquia nas relações interpartes, pois, desde os primeiros tex-
tos, os condicionantes da economia capitalista moderna (progresso técnico, produtividade
e capital) definiam o sistema, dando, aos seus proprietários, capacidade de dinamismo, de
expansão e de intervenção, seja através do mercado, ou através do poder político e gover-
namental, estratégico e militar nacional, na defesa dos seus interesses (PREBISCH, 1976,
p. 58). Chegou a incorporar, com qualidade, novos elementos teóricos do capitalismo peri-
férico na análise do período histórico mais recente. Portanto, para Raúl Prebisch, a hege-
monia no sistema não dependia somente das desigualdades entre as partes, mas também do
conteúdo delas e do poder de dominação, nas relações de poder e de intervenção externa e
interna, que os grupos dominantes e os Estados nacionais
367
tinham em cada parte e no
sistema. Além disso, a hegemonia e a dependência se rearticulavam no processo histórico,
haja vista as mudanças no capitalismo (progresso técnico e as transformações na organiza-
ção da produção, do consumo e da ocupação da força de trabalho; sua propagação interna-
cional; seus resultados na relação capital-trabalho, na acumulação do capital, na relação de
preços, na luta distributiva; na estrutura da sociedade; no movimento cíclico da economia
capitalista; nas guerras, etc.), nos países centrais, na sociedade periférica e na ordem inter-
nacional
368
: “Trata-se, ao final das contas, do fenômeno histórico de hegemonia econômi-
ca, política e estratégica dos centros, sobretudo do centro dinâmico principal que se con-
367
Sobre a idéia de Estado-nação e o uso da política de desenvolvimento nacional como interesse de classe,
reveja a argumentação de Francisco Weffort (1971, p. 13), no capítulo anterior.
368
“Qualquer que seja a índole e a intensidade destas mudanças, os centros sempre procuram defender
aqueles interesses econômicos, políticos e estratégicos, às vezes com coincidência, outras vezes em oposição
aos interesses periféricos” (PREBISCH, 1976, p. 58).
426
verteu em superpotência” (PREBISCH, 1981a, p. 203, grifo nosso). (Reveja os itens do
Capítulo 1).
Na obra “Dependência e Desenvolvimento na América Latina”, Cardoso e Falet-
to (1970) propuseram uma interpretação histórico-estrutural do desenvolvimento, levando
em consideração as mudanças na relação de dependência em cada nova situação histórica
no desenvolvimento, articulando a sua formação socioeconômica, o papel e a função do
Estado e as alianças hegemônicas. No artigo de 1976, Prebisch referendou a tese da DeD,
porém, incluindo a seguinte observação: “Se para estes fenômenos de hegemonia, nas no-
vas formas que traz consigo a evolução capitalista, prefere-se lhe dar o nome de depen-
dência, não tenho objeção alguma a fazer” (PREBISCH, 1976, p. 71). Acrescentou mais.
Segundo ele, esta concepção de dependência já estava presente nos textos iniciais da Co-
missão e que a abordagem da teoria da dependência havia qualificado sua significação
histórico-estrutural.
No referido artigo sintetizou a questão ao afirmar categoricamente que: “Isto é
periferia e isto é dependência” (PREBISCH, 1976, p. 71, grifo nosso)
369
.
Dependência e hegemonia não eram coisas distantes ou abstratas à sociedade pe-
riférica. Também não eram exercidas do alto das estruturas do sistema e de longe, do exte-
rior (países desenvolvidos e do centro dinâmico), nem de forma mecânica e automática,
muito menos pela simples determinação da sua lógica teórico-estrutural, imanente à razão
científica ou abstrata. A hegemonia cêntrica e a dependência periférica eram partilhadas
entre os grupos sociais dominantes nos centros e na periferia, seja nos assuntos econômi-
cos, nos políticos e nos da ideologia
370
. No entanto, a hegemonia não era simplesmente
reflexo do sistema centro–periferia. Partia, sim, com muita força, da sua base estrutural e
369
“Trata-se de uma característica inerente à periferia, conceito este que se introduziu nos primeiros estu-
dos da CEPAL e que depois se enriqueceu com valiosas aportações de diversos economistas e sociólogos
sobre a significação da dependência” (PREBISCH, 1971, p. 71).
370
Para Prebisch, havia uma combinação entre as idéias (teoria) da forma de inserção internacional das eco-
nomias periféricas e as relações de poder na periferia (PREBISCH, 1976, p. 60).
427
de suas desigualdades – tal como a propriedade dos meios de produção na estrutura da
sociedade capitalista determinava, primeiramente, a estrutura da distribuição e da apropri-
ação do excedente/renda –, mas era algo a mais nas relações de poder, uma vez que isso
determinava o sentido e a correlação de forças no exercício do poder político-social e na
ação histórica sobre o desenvolvimento. Assim, ter hegemonia significava dispor de capa-
cidade de intervenção e de persuasão sobre a conduta alheia, externa e interna, semelhante
à capacidade de ação e reação cêntrica no desenvolvimento dinâmico da economia capita-
lista (movimento reflexo). Por outro lado, estar submetido à hegemonia significa deixar de
fazer e agir segundo o que se chama de vontade própria ou de interesse próprio ou nacio-
nal, no caso do sistema centro–periferia, conforme afirmou Raúl Prebisch: “A dependência
leva um país periférico a fazer o que de outro modo não faria, e a deixar de fazer o que de
outro modo faria. E a [sua] capacidade de negociação é limitada” (PREBISCH, 1980, p.
85, grifo nosso).
Resumindo, para Prebisch o poder hegemônico existia e era exercido numa rela-
ção baseada na desigualdade econômica (relacionada à estrutura da sociedade e da divisão
da riqueza e da renda na economia capitalista), social e de poder político (relações entre os
atores sociais e seus interesses), num espaço de inter-relações e/ou interdependência.
Assim, em “Hacia una Teoría de la Transformación”, Prebisch considerou que
agir em oposição aos interesses do poder hegemônico e dos grupos sociais dominantes
trazia consigo tensionamento e enfrentamento entre as partes envolvidas: “Tudo isto con-
figura as já conhecidas relações de dependência com diferente intensidade segundo a apti-
dão dos países para defender sua autonomia” (PREBISCH, 1980, p. 85, grifo nosso).
Na obra de 1981, Raúl Prebisch definiu melhor o que entendia pelo exercício da
hegemonia nas relações centro–periferia:
Os centros, especialmente a superpotência capi-
talista, empregam estas distintas formas de ação
428
e persuasão de tal maneira que os países perifé-
ricos, em diversos graus, encontram-se submeti-
dos a decisões tomadas naqueles centros ou se
vêem constrangidos a tomar decisões que de outro
modo não tomariam, ou a deixar de tomá-las, ain-
da que se trate de decisões que convêm aos seus
interesses. Tal é o fenômeno da dependência que
não se pode confundir com outros elementos nas
relações centro–periferia (PREBISCH, 1981a, p.
203)
371
.
No capitalismo periférico e na periferia, os grupos dominantes nos centros parti-
cipavam do poder econômico e político dos grupos dominantes nos países periféricos, bem
como estavam envolvidos, histórica e politicamente, nos assuntos da especificidade perifé-
rica. Segundo Prebisch, o caráter excludente do capitalismo periférico tinha relação com a
dependência e a hegemonia cêntrica e a interna. Neste sentido, recupera a trajetória do
desenvolvimento econômico latino-americano na perspectiva interpretativa dos textos i-
naugurais da escola desenvolvimentista cepalina:
Ademais, os centros contribuem para o sentido
excludente do capitalismo periférico, que deixa
fora do desenvolvimento as grandes massas de sua
população. Porque nas suas relações com a peri-
feria não souberam superar as contradições que
entravam o desenvolvimento (PREBISCH, 1976, p.
59).
A dependência e a hegemonia cêntrica também tinham raízes históricas na forma-
ção do sistema centro–periferia, da estrutura da sociedade periférica e a luta distributiva
371
No artigo “Hacia una teoría de la transformación”, Prebisch incluiu na questão algumas formas e ins-
trumentos diretos e indiretos de promoção e defesa dos interesses dos grupos dominantes e do centro hege-
mônico no sistema centro–periferia: “Esta hegemonia se manifesta em distintas formas e graus sobre os
países periféricos, no empenho dos centros por promover e defender seus interesses econômicos, políticos e
estratégicos. E no exercício direto dessa hegemonia os centros têm instrumentos poderosos: a cooperação
financeira, econômica e tecnológica, assim como a ajuda militar” (PREBISCH, 1980, p. 85).
Ao discutir a hegemonia, seu exercício no sistema centro–periferia e as formas de agir na defesa dos inte-
resses dominantes, na interpretação do capitalismo periférico, Raúl Prebisch indicou os extremos da reação
intervencionista do centro hegemônico,
EUA
, promovidas em países latino-americanos nas últimas décadas,
em defesa dos interesses geopolíticos, do controle e retomada do poder hegemônico e, certamente, também
da acumulação do capital (excedente) para o capital privado norte-americano investido nestes países.
No artigo de 1980, incluiu os golpes militares como exemplo notório da dependência periférica ao centro
dinâmico hegemônico: “Nunca aparece mais notoriamente a dependência que quando um país periférico
menospreza o interesse hegemônico dos centros, sobretudo do centro principal. Move-se, então, contra
aquele toda aquela constelação de interesses e sobrevêm, de uma ou de outra forma, medidas punitivas que
no passado – por certo nada longe – desembocaram em operações militares” (PREBISCH, 1980, p. 85).
429
atingia seus interesse, ou seja, seus negócios na periferia. Certamente que o caso das em-
presas transnacionais (multinacionais de origem e capital cêntrico) pode ser citado como o
exemplo mais emblemático a respeito da capacidade de ação e reação do poder hegemôni-
co quando seus negócios privados entram no jogo da luta distributiva (entenda-se, na
acumulação de capital na apropriação do excedente): “O capital estrangeiro, ao
compartir o poder econômico e político com os estratos superiores, participa plenamente
na luta distributiva(PREBISCH, 1976, p. 69, grifo nosso)
372
.
No artigo de 1980, “Hacia una Teoría de la Transformación”, Raúl Prebisch foi
mais longe na análise do papel, dos interesses e do campo de ação e de influência do capi-
tal estrangeiro privado na dependência e na hegemonia cêntrica e periférica.
No que concerne a seus próprios interesses, as transnacionais têm uma
dupla influência. A têm nos centros e na periferia sobre os meios massi-
vos de difusão social, sobre os movimentos políticos que sustentam o
sistema e sobre os governos. E nos centros têm, além do mais, toda uma
constelação de interesses que gravitam sobre a periferia e seus governos
(PREBISCH, 1980, p. 85, grifo nosso).
372
Hoje este assunto é matéria batida, no entanto, nos anos 70 o debate sobre a influência do capital estran-
geiro privado (seja nos setores produtivos, no financeiro e nos demais serviços) foi acalorado, principalmen-
te pela participação que tiveram nos golpes militares, na sustentação dos governos militares e na internacio-
nalização da economia latino-americana que acentuaram a dependência externa da região e as desigualdades
sociais internas.
No artigo de 1976, Raúl Prebisch foi muito preciso ao descrever o peso do capital privado estrangeiro (os
grandes grupos transnacionais) nos países periféricos. Para ele, o capital privado externo era uma cunha
muito forte que sustentava a dependência e a hegemonia ntrica: quando o capital privado estrangeiro se
insere na formação estrutural da periferia leva em si um poder externo considerável que sobrepassa e apóia
o poder interno que adquire pela sua inserção. Divide, assim, com os estratos superiores o poder econômico
e político que estes m por concentrar em suas mãos a maior parte dos meios de produção” (PREBISCH,
1976, p. 69).
Nos anos 70, alguns autores e obras marcaram o debate, e a historiografia, sobre a transnacionalização do
capitalismo e o papel do capital externo privado na América Latina, dentre eles, é oportuno citar: Eduardo
Galeano (1987, 25
a
edição), com a obra “As Veias Abertas da América Latina”; Hugo Assumann, Theotônio
dos Santos e Noam Chomsky (1978, 2
a
edição), com a obra A Trilateral: nova fase do capitalismo mundi-
al” [Petrópolis, Editora Vozes, 1982]; e, Kurt Rudolf Mirow (1979, 16
a
edição), com a obra “A Ditadura
dos Cartéis (anatomia de um subdesenvolvimento)” [Rio de Janeiro, Editora Civilização Brasileira, 1979] e
(1978, 3
a
edição), com a obra “Condenados ao Subdesenvolvimento” [Rio de Janeiro, Editora Civilização
Brasileira, 1978].
As obras de René Armand Dreifuss (1987a; 1987b), respectivamente, “1964: A Conquista do Estado” e a
“A Internacional Capitalista, marcaram a historiografia sobre este assunto. A título de informação, por
exemplo, a primeira obra citada, teve, até a edição, em 1987, a tiragem de 42.000 exemplares. Lembrando
Eduardo Galeano (1988), num país subdesenvolvido, onde cultura não faz parte da cesta básica – nem consta
na lista da razão mínima do custo de vida, utilizada pelo DIESSE (cf. 1990), nem estava incluída na relação
oficial da lei varguista que instituiu o salário –, uma obra tão densa e cara no mercado editorial, casos como
este não são tão freqüentes.
430
Cardoso e Faletto (1970) afirmaram que, no período pós-guerra, especialmente
nos anos 50 em diante, ocorreram mudanças na base orgânica da industrialização latino-
americana que foram acompanhadas de mudanças sociais e nas relações de dependência.
Com a internacionalização do mercado interno, o desenvolvimento industrial teria atingido
um novo padrão tecnológico e formado a estrutura dos setores de base e de capital. Na
obra “Capitalismo Periférico – Crisis y Transformación”, este fato foi avaliado com um
novo elemento, pois as transnacionais também haviam introduzido novos padrões de con-
sumo interno, aprofundando, portanto, a sociedade privilegiada de consumo.
As transnacionais seriam instrumentos poderosos que, graças à interna-
cionalização da produção, permitir-nos-iam participar daquele caudaloso
intercâmbio que mencionamos. Entretanto, os fatos não ocorreram desta
forma. As transnacionais promoveram, com grande intensidade, a inter-
nacionalização do consumo na periferia, antes que a internacionalização
da produção (PREBISCH, 1981a, p. 190).
Se o sistema centro–periferia era sustentado pelas alianças de interesses e domina-
ção econômica e política, certamente que as transnacionais poderiam ocupar, no sentido
figurado, a função dos anéis nesta corrente (o sistema era múltiplo e internacionalizado) e
de aliança nos pactos formais e informais, na diplomacia comercial, na geopolítica ou na
cooperação estratégica (tratamento diferenciado) entre os grupos dominantes e os Estados.
Ao tratar da dependência e da hegemonia na crítica ao capitalismo periférico e no
sistema centro–periferia, Raúl Prebisch não as interpretou com um conteúdo imperialista
(cf. LÊNIN, 1985; ARENDT, 1989), no entanto, o caráter excludente e conflitivo constitu-
íram a forma do desenvolvimento do capitalismo na América Latina, retratando, justamen-
te o estado histórico-social da exclusão e da luta distributiva. Ao interpretar o estado do
capitalismo periférico, nos anos 60 e 70, Raúl Prebisch desenhou a estrutura conjuntural da
luta distributiva e democrática, historicizando a correlação de forças existente entre o po-
der político e sindical dos trabalhadores e o poder político e econômico dos grupos sociais
dominantes. Tratou de analisar a conjuntura da luta distributiva e sua implicação nos ru-
mos do desenvolvimento econômico, ou seja, das diretrizes da política de desenvolvimento
no período, envolvendo o Estado-nacional, a organização da sociedade civil (empresarial,
431
financeira e sindical) e os principais grupos sociais dominantes na nova aliança da hege-
monia dependente
373
. Como este período foi marcado pelo restabelecimento do controle da
acumulação de capital e da recuperação da hegemonia debilitada, prevaleceu o projeto
nacional orientado pelo desenvolvimentismo liberal-conservador, com um Estado bonapar-
tista, autoritário, militarizado e atrelado aos interesses hegemônicos da superpotência, os
EUA
(do governo norte-americano, das empresas norte-americanas transnacionais e dos
organismos financeiros internacionais controlados pelo centro dinâmico principal).
Portanto, a ênfase dada por Prebisch, na luta distributiva, mesmo sem identificar
nominalmente os atores (cf. HODARA, 1977, p. 190), à tendência do capitalismo periféri-
co caminhar rumo a uma das duas formas de crise estrutural seja aquela de origem da
luta distributiva fortalecida pelo poder sindical e político da força de trabalho, com seu
avanço popular e/ou irrestrito
374
, como a de origem dos grupos sociais dominantes, da de-
pendência e na hegemonia cêntrica, interessados no aprofundamento da sociedade privile-
giada de consumo (excedente e Estado autoritário) –, balizava os principais pontos discor-
dantes que tinha para com ambos os caminhos no desenvolvimento periférico. O avanço
irrestrito da luta sindical e democrática tinha como referencial histórico o populismo lati-
no-americano, que colocavam em risco o ritmo de acumulação do excedente para atender
às necessidades mínimas para a superação da insuficiência dinâmica e absorver a força de
trabalho.
Nele, tanto a absorção espúria enfraquecia a acumulação de excedente ao empresa-
riado (pelo aumento tributário), comprometia o desenvolvimento (redução do ritmo de
crescimento), como desvirtuava” o papel do Estado na superação da condição periférica
373
Sobre o assunto cf. Ricardo Bielschowsky (1996), F. H. Cardoso e Enzo Faletto (1970), Francisco Wef-
fort (1972), Sônia R.
de
Mendonça (1985), René A.
Dreifuss (1987a e
1987b) e Caio N.
Toledo (1982, 1997).
Fernando Henrique Cardoso e Enzo Faletto (1970) avaliaram que o desenvolvimento latino-americano ti-
nha atingido uma etapa de internacionalização do mercado interno, graças, fundamentalmente, a ingresso das
grandes empresas estrangeiras do setor industrial-dinâmico de bens de consumo duráveis e de capital. Entre-
tanto, isto também trouxe consigo a internacionalização da economia e dos centros de decisão empresarial,
em muitos países latino-americanos. Este fato foi mencionado por Raúl Prebisch, em seu artigo de 1976:
“Ao se estender o âmbito das empresas transnacionais em um país periférico e abarcar pontos estratégicos
de sua economia, o país fica exposto a que a influência daquelas se traduza em decisões importantes toma-
das fora, seja pelos Estados, seja pelas matrizes, em freqüente contraposição com o interesse nacional”
(PREBISCH, 1976, p. 69).
374
“Se o poder crescente destes atores políticos e sindicais sobrepassa o limite crítico do sistema, este ter-
mina por se decompor e se desintegrar socialmente” (PREBISCH, 1981a, p. 171-172).
432
(planejamento do desenvolvimento e da aceleração do ritmo de crescimento)
375
. Quanto ao
socialismo concreto, desde o início da interpretação do desenvolvimento econômico lati-
no-americano, ele serviu de exemplo para a defesa do planejamento/planificação na perife-
ria, mas estava ideologicamente descartado pela morte que provocava no sistema (estatiza-
ção dos meios de produção, economia centralizada, pela ditadura do partido único e pela
ideologia do coletivismo contrária à propriedade privada e às liberdades individuais eco-
nômica, político-democrática e à mobilidade social), como considerava Prebisch (1976,
1987a)
376
. Porém, para Raúl Prebisch, do socialismo poder-se-iam pinçar os exemplos da
aceleração na acumulação de capital para elevar o ritmo do desenvolvimento (progresso
técnico e industrialização)
377
e o sentido social dado ao excedente pelo Estado.
Na verdade, Raúl Prebisch criticou três paradigmas históricos. Além do populis-
mo e do socialismo, como já foi dito, o terceiro era o novo liberalismo ou o neoclassicis-
mo, retomado nos anos 70. Para Prebisch, este seria autoritário na América Latina, pois,
mesmo tendo a vantagem de preservar e defender a liberdade econômica individual no
mercado (propriedade privada e a livre iniciativa), ao restabelecer a acumulação do exce-
dente e o domínio hegemônico no sistema, teria que submeter a luta distributiva às condi-
ções das vantagens comparativas na periferia de forma autoritária. Nisto estaria sua con-
tradição: para retomar a hegemonia, garantir o excedente e exaltar a sociedade privilegi-
ada de consumo teria que reverter a luta distributiva por meio do uso da força do Estado
(cf. PREBISCH, 1981a, p. 143).
375
“O populismo aumenta os gastos do Estado para aumentar espuriamente o emprego e as rendas de sua
clientela eleitoral. Porém, ao mesmo tempo, beneficia inflacionariamente aqueles que se apropriam do
excedente, provocando desta forma a alta dos preços” (PREBISCH, 1981a, p. 146).
376
Na obra “Capitalismo Periférico Crisis y Transformación”, Raúl Prebisch apresentou sua crítica ao
socialismo, nos seguintes pontos: “Abandona-se o conceito de ditadura do proletariado, ou como se queira
chamar, e se fortalece, em seu lugar, o conceito de pluralismo democrático. Porém, será possível o plura-
lismo se o poder econômico e político se concentra nas os dos poucos que dirigem o Estado em um siste-
ma de socialismo ortodoxo?” (PREBISCH, 1981a, p. 32).
377
Na obra “Transformación y Desarrollo”, Prebisch considerou o socialismo real ou socialismo concreto
(PREBISCH, 1985), como uma metodologia de planejamento do desenvolvimento: “O socialismo na reali-
dade foi mais um método de desenvolvimento do que de transformação de uma economia avançada” (PRE-
BISCH, 1970, p. 18).
433
Pela trajetória do processo histórico recente latino-americano, não há como não
dar razão a Prebisch, quando afirma que o novo liberalismo não poderia manter a integri-
dade nem a integralidade do liberalismo num capitalismo periférico. Na disputa pela defi-
nição dos rumos do desenvolvimento, os grupos sociais dominantes, os estratos superiores
da sociedade privilegiada do consumo, aliando-se aos grupos dominantes cêntricos na he-
gemonia do sistema, necessitariam restaurar o excedente (acumulação de capital) e revigo-
rar seu poder político assaltando o Estado, a la direita, e utilizando-o para derrotar eco-
nômica e politicamente a luta distributiva, ou seja, a força política e sindical da força de
trabalho, sem ter o pudor de, junto a isso, derrotar a luta democrática, fechando o Estado
para a representação política daquela parte da sociedade civil.
Isto requer o uso da força por parte do Estado para superar a força sindi-
cal e política das massas. Consideramos o paradoxo: Justifica-se o uso da
força por parte do Estado invocando o princípio de que o Estado não de-
ve intervir na economia? (PREBISCH, 1987a, p. 27)
378
.
Assim, no capitalismo periférico, a exclusão e o conflito tendem, mais cedo ou
mais tarde, nesta perspectiva, por atingir o limite da acumulação privada do excedente na
economia capitalista, porém, em seu sentido inverso, ou seja, quando os estratos superio-
res se vêm ameaçados na acumulação de capital, que é a base e o centro dinâmico do po-
der econômico e político, na dominação social e do controle do Estado, reagem para voltar
à ordem periférica excludente, conflitiva e concentradora (renda e riquezas), garantindo as
liberdades do mercado.
378
Na obra de 1981, Prebisch estava se referindo, principalmente à contradição que havia entre a teoria e a
prática dos neoliberais, pois pregavam a “sacralização” do mercado e apoiavam as ditaduras militares latino-
americanas, o que na realidade vinha a ser um meio-liberalismo, isso se é possível utilizar a expressão.
Na mesma obra Prebisch chegou a fazer uma breve consideração sobre o autoritarismo, diferenciando as
situações de seu uso conjuntural do estrutural: “Às vezes se pensa na necessidade de um autoritarismo con-
juntural durante o tempo que requer a consolidação do novo sistema. Eu não poderia recomendá-lo como
fórmula, se bem não cabe negar que pudera sobrevir em certas condições objetivas. Haveria que distingui-
lo, em todo caso, do autoritarismo estrutural(PREBISCH, 1981a, p. 317, grifo nosso).
Certamente que esta diferenciação levava em consideração a experiência inicial do modelo de substitui-
ção de importações, pós-1930, no qual, o caso brasileiro (Vargas) e o argentino (Perón) basearam-se em
governos autoritários. Entretanto, para Prebisch, na “utopia do desenvolvimento” o processo de desenvolvi-
mento econômico (progresso técnico) seria acompanhado com um processo de democratização do Estado.
434
O que interessa basicamente aos grupos sociais dominantes é restabele-
cer e aumentar o excedente. Este propósito se cumpre através do Estado
comprimindo as remunerações e deixando que os preços busquem seu
próprio nível de acordo com as leis do mercado. Se se procede com
grande firmeza em matéria de remunerações, a alta dos preços permite
restabelecer o excedente e ainda conseguir um crescimento (PREBISCH,
1981a, p. 144, grifo nosso)
379
.
Para Prebisch (1982a, p. 50), a “mudança regressiva na estrutura de poder” era
um fundamento às teses do novo liberalismo e do interesse dos “donos do mercado”. Dian-
te do desemprego estrutural e da insuficiência dinâmica periférica, num mercado regido
pelas vantagens comparativas individuais, como já foi dito, não somente a concorrência
seria autêntica e regressiva entre os trabalhadores, e isso seria vantajoso para os empresá-
rios, como os conflitos relacionados à distribuição/apropriação do excedente tendiam a ser
um agravante da exclusão e da marginalização social e política dos mais pobres. No mes-
mo livro, Raúl Prebisch foi mais claro ainda ao afirmar que o restabelecimento do exce-
dente econômico, na mudança regressiva, ocorre “com imenso sacrifício da eqüidade soci-
al” (PREBISCH, 1982a, p. 11). Portanto, as regras do novo liberalismo representariam,
para o capitalismo periférico, mais exclusão, mais desocupação da força de trabalho, mais
acumulação de excedente às custas de menores rendas para os trabalhadores. Esta “real”
concorrência num mercado livre, interessava aos estratos superiores, deste que fosse ex-
clusiva ao mercado de trabalho, pois lhes possibilitaria aumentar a apropriação do exce-
dente e enfraquecer a luta distributiva, duas grandes vantagens ao aprofundamento da so-
ciedade de consumo no capitalismo periférico.
No artigo “Hacia una Teoría de la Transformación”, o autor introduziu mais um
aspecto do sentido inverso da luta distributiva que a mudança regressiva da estrutura do
379
No artigo sobre as “Cinco etapas de mi pensamiento sobre el desarrollo”, Prebisch analisa o movimento
da luta distributiva com muita semelhança, se o com a mesma referência, à interpretação do movimento
cíclico no sistema centro–periferia sistematizado nos primeiros textos da Comissão, como pode ser visto na
seguinte passagem: “Em outros termos, isto implica a restauração do excedente em detrimento da força de
trabalho, a que não deve perder o que ganhou previamente, mas também suportar em suas costas o peso
de impostos que já não pode transferir mediante o reajuste de suas remunerações” (PREBISCH, 1987a, 26-
27).
435
poder, sob hegemonia dos grupos sociais conservadores e neoliberais, traria ao desenvol-
vimento latino-americano:
É óbvio que desta forma se trata de restabelecer a passividade da força
de trabalho e a redução da ação distributiva do Estado, desconhecendo
que isso não é uma arbitrariedade, mas a conseqüência da apropriação de
grande parte do fruto do progresso técnico pelos estratos superiores
(PREBISCH, 1985, p. 84).
Chama novamente a atenção o fato de se realizar outra comparação presente no jo-
go de poder que se estabelece no capitalismo periférico, a concepção do desenvolvimento
de Prebisch e das linhas gerais do novo liberalismo. Tanto a periferia ocupava uma posição
subalterna no sistema centro–periferia, como as relações de produção existentes no sistema
eram sustentadas pela estrutura desigual de cada parte, sendo, neste sentido, a parte passi-
va no movimento reflexo, transferidora de rendas para o centro, assimiladora do movi-
mento cíclico e receptora da crise cêntrica, como, pelo novo liberalismo, cabia aos traba-
lhadores, na mudança regressiva conservadora, arcar com o peso da crise de acumulação
de capital e seu restabelecimento. Para os neoliberais e em seu projeto de desenvolvimen-
to, o restabelecimento do excedente e da hegemonia ocorreria se se fosse restabelecido o
controle da luta distributiva e a passividade do movimento sindical, e reduzido o papel
ativo do Estado no planejamento do desenvolvimento e na ação distributiva.
Também não foi à toa que Raúl Prebisch esclareceu que a teoria do novo liberalis-
mo, dos Friedman e de Hayek, teve, à época, tanta receptividade na Argentina entre os
grupos sociais interessados na derrota do movimento sindical argentino, na abertura da
economia do país ao capital externo (Primeiro Mundo) e no livre-mercado interno e exter-
no (inserção internacional).
Mesmo assim, o jogo de interesses explica a ade-
são ferrenha de certos grupos sociais de nossos
países à doutrina do senhor Friedman, pois ela
repudia a ação agitadora dos movimentos sindi-
cais. Mais ainda, em nome da liberdade do merca-
do se abrem as portas das transnacionais, que
não são, mais precisamente, a expressão mais ge-
nuína da livre concorrência (PREBISCH, 1982a, p.
170).
436
Não se trata, pois, de uma discussão estritamente teórica ou das idéias, mas sim, de
práxis histórica, de disputa entre projetos de Nação. Sua compreensão requer um estudo da
historicidade do(s) projeto(s), isto é, da(s) teoria(s) enquanto concepção de mundo (de his-
tória, de desenvolvimento, de exclusão e de inclusão social), dos seus partidários (intelec-
tuais, porta-vozes, representantes sociais) e dos enfrentamentos históricos, enfim, dos su-
jeitos históricos.
Na revisão da crítica ao capitalismo periférico Prebisch fez uma breve referência à
abordagem que autores da teoria da dependência crítica haviam realizado sobre a relação
entre dependência e subdesenvolvimento. Trata-se do debate realizado entre os dependen-
tistas já referido no capítulo anterior. Apesar de não ter indicado os autores que contestava,
sabe-se que dentre eles estavam André G. Frank, Ruy M. Marini e Theotônio dos Santos,
por argumentarem que o subdesenvolvimento latino-americano era produto da expansão
do capitalismo europeu na região, iniciado mais de 500 anos, e não somente no período
pós-independentista, no século XIX.
Raúl Prebisch contestou a relação que fazia entre a dependência e o subdesenvol-
vimento: Apresentamos nossa concepção das relações de dependência para prevenir fre-
qüentes confusões. Atribui-se, assim, o chamado subdesenvolvimento à dependência. É
confundir dependência e subdesenvolvimento” (PREBISCH, 1981a, p. 206)
380
. Como Pre-
bisch considerava que a economia capitalista fôra formada a partir da “revolução industrial
inglesa”, e que, tratando-se da América Latina, o sistema centro–periferia se teria desen-
volvido no século XIX, a diferença entre a interpretação do desenvolvimento do subdesen-
volvimento e a contestação prebischiana, sustentada na propagação do progresso técnico,
não parte da mesma questão (pobreza dependência subdesenvolvimento) nem da mes-
ma periodização.
Os centros e suas relações de dependência não criam a pobreza, mas sim,
contribuem para mantê-la, devido à índole centrípeta do capitalismo. Po-
380
“Mais ainda, se chegou a sustentar que a dependência, como quer que se a interprete, é responsável pelo
subdesenvolvimento. Traduzido este em nossa linguagem significa que a pobreza das grandes massas exclu-
ídas do desenvolvimento teria sido gerada pela ação dos centros” (PREBISCH, 1980, p. 86, grifo nosso).
437
der-se-ia dizer que isto ocorre precisamente por não se cumprir o mito da
expansão planetária daquele (PREBISCH, 1980, p. 86)
381
.
Como pode ser visto, Prebisch problematizou o subdesenvolvimento a partir da
propagação desigual do progresso técnico do centro à periferia, bem como da distribuição
desigual dos ganhos de produtividade (sobre o assunto reveja o capítulo 1). Mantendo-se
com este referencial teórico do sistema centro–periferia, chegou a questionar a tese do de-
senvolvimento do subdesenvolvimento, levantando a hipótese da propagação internacional
do desenvolvimento, para pôr à prova a premissa da associação entre dependência e subde-
senvolvimento, entretanto, observou que efetivamente o sistema não era assim
382
. Portan-
to, do ponto de vista do desenvolvimento do subdesenvolvimento, o sistema capitalista não
estava voltado à eliminação da pobreza (sem que os pobres fossem eliminados), como a
formação histórica do capitalismo não teria iniciado com a revolução industrial, tampouco
a inserção da América Latina na economia ocidental teria iniciado no séc. XIX.
Um último elemento da revisão da crítica ao capitalismo periférico merece des-
taque. Quando Raúl Prebisch se referia ao sistema geral sociedade de consumo), enten-
dia-o em sua integralidade, totalidade histórica (produção, consumo e acumulação). As-
sim, também considerava, conceitualmente, a sociedade de consumo como definição desta
organização socioeconômica e, no capitalismo periférico latino-americano, ela não estava
restrita aos estratos superiores (sociedade privilegiada de consumo) e intermediários, mas
sim a toda sociedade.
Sendo este o quadro estrutural do capitalismo periférico, a crítica prebischiana do
caráter excludente e conflitivo mantinha-se na inconformidade com a divisão internacional
do trabalho pretérito e com a insuficiência dinâmica periférica no sistema centro–periferia.
381
A argumentação de Prebisch pode ser vista com mais clareza na seguinte passagem: É preciso distinguir
a existência da pobreza e sua persistência. Quando começa a introdução da técnica dos centros nas ativida-
des exportadoras da periferia, grande parte da população se encontrava na pobreza, e esta foi diminuindo
conforme a técnica penetra além daquelas atividades. Porém os frutos da técnica, em vez de capitalizar-se
plenamente, impulsionam a sociedade privilegiada de consumo e a sucção de rendas por parte dos centros,
de modo que aparece a tendência excludente do sistema...” (PREBISCH, 1980, p. 86, grifo nosso).
382
“... se a dinâmica do capitalismo fosse como se imagina [utopia do desenvolvimento] e as transnacionais
investissem e reinvestissem indefinidamente na periferia, acentuar-se-ia a capacidade absorvente do sistema
e se eliminaria progressivamente o subdesenvolvimento. Por onde se chegaria a esta conclusão paradóxica:
quando maior fosse a dependência, tanto maior seria a eficácia social do sistema. (...) Porém, o sistema não
funciona assim (PREBISCH, 1981a, p. 206).
438
Neste sentido, na análise histórica do estado da luta distributiva, Prebisch revitalizou a
interpretação do desenvolvimento, sendo mais contundente na crítica ao modelo histórico
e teórico neoliberal. A perspectiva da luta distributiva, no capitalismo periférico, eviden-
ciava a insustentabilidade do livre-mercado na América Latina, haja vista as seguintes
questões: – entre a (re)distribuição e a crise estrutural do sistema havia um grande espaço a
percorrer na periferia, a concorrência regressiva entre os trabalhadores enfraquecia seu
poder político na luta (re)distributiva, portanto, relegando a um futuro mais longínquo a
possibilidade de se atingir o limite da crise estrutural de origem distributiva, os estratos
dominantes não esperavam que a luta distributiva avançasse tanto assim, pois sequer dese-
javam perder parte do excedente, o restabelecimento do excedente e da hegemonia atra-
vés do uso da força do Estado indicava o predomínio do caráter histórico do desenvolvi-
mento conservador na periferia e a base histórico-social das relações de poder (dependên-
cia e hegemonia), os golpes militares eram dirigidos tanto para o restabelecimento do
excedente, a favor do aprofundamento da sociedade de consumo, ou seja, do sistema geral,
como para garantir a hegemonia do centro dinâmico principal na disputa estratégica e geo-
política e o domínio interno no capitalismo periférico, – com isso, o processo de democra-
tização (relações de poder na esfera da sociedade política, do Estado-governo nacional, e
da sociedade civil), dado o contexto histórico da luta distributiva e da estrutura da socieda-
de latino-americana (acentuadamente desigual), permanecia subordinado à construção neo-
liberal do desenvolvimento, e somente uma transformação do sistema resolveria o pro-
blema distributivo e excludente no capitalismo periférico.
Num primeiro momento pode-se concluir que a luta distributiva estaria centrali-
zada nas duas possibilidades de superação dos seus limites: a transformação do sistema ou
o restabelecimento do excedente. Entretanto, existe um outro aspecto, com relativo signi-
ficado social e histórico, relacionado ao período intermediário, entre o avanço do processo
distributivo e o limite do excedente no capitalismo periférico.
Quanto ao restabelecimento do excedente, a história recente havia apresentado o
limite da intolerância dos grupos sociais dominantes (locais e cêntricos). Com relação à
transformação do sistema, Prebisch foi tolerante, pois a concebia para um período mais
439
distante, porém mantinha seu conteúdo crítico à exclusão e à iniqüidade da estrutura dis-
tributiva na periferia e seu agravamento numa mudança regressiva das relações do poder.
Observou ele, na obra “Capitalismo Periférico – Crisis y Transformación”, que:
E ainda que fosse austera, a distribuição encontraria um limite crítico
que não poderia ser transposto sem transformar o sistema. É um limite
crítico à eqüidade distributiva, apesar de que ainda tem muito que
distribuir (PREBISCH, 1981a, p. 334-335, grifo nosso).
Ao afirmar que haveria muito a fazer para diminuir a exclusão e as desigualdades
sociais, antes do limite e antes da transformação do sistema, Prebisch retoma a discussão
do período de transição e o caráter do planejamento e da ação do Estado no desenvolvi-
mento periférico (cf. capítulo 4).
Este fato também chamava à atenção para o problema imediato da pobreza (exclu-
são e marginalização) e sua relação com a adoção de uma política econômica nacional de
desenvolvimento integral, retomando a tese inicial do pensamento periférico (cf. a epígrafe
inicial do capítulo 1). Também nisto, afirmava Prebisch, contrapondo-se a Friedman e Ha-
yek e suas teses neoliberais
383
, o mercado não teria respostas adequadas à realidade histó-
rica e social latino-americana, por o ter horizonte temporal e tampouco horizonte social
(PREBISCH, 1981a, p. 16-17). Sua imediaticidade, do mercado e da concorrência indivi-
dual, tinha como centro o interesse privado (PREBISCH, 1980, p. 11)
384
, não tendo, nele,
espaço para um projeto nacional, na perspectiva do desenvolvimento integral em longo
prazo. Ou, nas palavras de Prebisch (1981a, p. 16, 17), as leis do mercado “não têm racio-
nalidade do ponto de vista coletivo. [O mercado] É individualista”.
5
55
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K
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WW
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XX
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X
XX
X
383
“Certamente, o conselho destes senhores monetaristas é que, para obter os frutos desta teoria econômi-
ca, é preciso esperar dois, cinco e até dez anos. o vou mencionar o país, mas o senhor Von Hayek disse
para um chefe de um governo autoritário que tivesse paciência, porque os resultados demoram de oito ou
dez anos para aparecer(PREBISCH, 1982a, p. 121-122).
384
“O mercado não pode corrigir essas grandes falhas, não pode se sobrepor às estruturas que se encon-
tram por detrás e às relações de poder que dela surgem. E mercado carece de horizonte social. E carece,
também, de horizonte de tempo. O mercado o prevê além dos limites imediatos” (PREBISCH, 1981a, p.
336).
440
“O avanço do processo democrático
exige, na verdade, que se eleve in-
tensamente o ritmo de acumulação de
capital e que se modifique o regime
distributivo. Tudo isso a fim de
acelerar a absorção da força de
trabalho com crescente produtivida-
de, e melhorar cada vez mais a re-
lação de renda dos setores mais
baixos com os de cima, em toda a
estrutura da sociedade”.
Raúl Prebisch (1976, p. 57)
Considerando os limites estruturais existentes no capitalismo periférico para a so-
lução das contradições sociais, econômicas e do poder político na sociedade latino-
americana (a crise da luta distributiva e a crise do restabelecimento do excedente), e a
permanência e o aprofundamento da insuficiência dinâmica, Prebisch construiu uma pro-
posta teórica de superação deste paradoxo, uma síntese histórica do socialismo e do libera-
lismo, que resumiu (teoricamente) nos seguintes pontos: “Estou buscando uma síntese
entre socialismo e liberalismo ou, se quiser, uma versão do socialismo baseada na liberda-
de do indivíduo e em novas formas de convivência social” (PREBISCH, 1980, p. 13).
A síntese prebischiana fôra elaborada a partir da conclusão de que o sistema em si
– sistema centro–periferia e a condição do capitalismo periférico – não apresentava ne-
nhum caminho que respondesse à realidade histórica da periferia, sem trazer junto de si
algum aspecto negativo do ponto de vista social (exclusão, desigualdades e marginaliza-
ção), econômico (desemprego, eutanásia do excedente, concentração dos meios de produ-
ção e restabelecimento do excedente), político (avanço democrático, mudança regressiva
nas relações de poder e autoritarismos) e cultural (imitação e consumismo).
Aparentemente complexa, por se tratar de uma síntese para o sistema geral – mas
tendo seu início no capitalismo periférico latino-americano – e/ou ideologicamente com-
441
prometida com um capitalismo social, na realidade, a preocupação inicial de Prebisch era
viabilizar uma maior eqüidade social na estrutura da sociedade latino-americana, através
do uso social do excedente. Entretanto, para evitar uma avaliação antecipada, seja tecendo
altos elogios à terceira via periférica latino-americana ou uma crítica pela “ingenuidade”
e pelo “sonho” de um capitalismo social, convém, primeiramente, apresentar os pontos
centrais da eqüidade social como nova forma de organização social da produção, da dis-
tribuição de renda, da acumulação de capital e das formas de uso do excedente (empresa e
coletividade), sob a direção do Estado.
O ponto de partida e a intenção inicial de Raúl Prebisch eram muito simples. Não
aceitando as contradições e as tendências do sistema no capitalismo periférico e tendo
presente que a superação somente seria possível com a transformação do sistema, entendia
que o desenvolvimento teria que passar necessariamente pela diminuição das desigualda-
des sociais, o que serviria para o seu próprio dinamismo. Buscar uma eqüidade social sig-
nificava, portanto, “diminuir as diferenças entre os estratos de menor e maior renda”
(PREBISCH, 1976, p. 13)
385
. Assim, a eqüidade social, em Prebisch, não pode ser con-
fundida com igualdade social (à esquerda, revolução), nem com a desigualdade social es-
trutural (à direita, livre-mercado)
386
. Na tese do capitalismo periférico, o objetivo da eqüi-
dade social era, em curto prazo, garantir a diminuição da exclusão, a absorção produtiva
da força de trabalho e uma melhora gradativa na repartição dos resultados da elevação da
produtividade para toda a sociedade, mediante o uso social do excedente, regulamentado
385
“Que não funciona assim o capitalismo, tratou-se de demonstrá-lo em diferentes oportunidades. Promo-
ve a concentração do poder econômico e a iniqüidade distributiva. E a concentração do poder econômico
traz consigo a do poder político nos estratos favorecidos” (PREBISCH, 1980, p. 12).
386
Para uma leitura que trata da diferenciação entre esquerda e direita, cf. Norberto Bobbio (2001).
Segundo Friedrich Hayek (1944), a eqüidade social era uma forma de socialismo. Milton e Rose Fri-
edman (1980) consideravam eqüidade e igualdade como sinônimos, em contraposição ao livre-mercado e a
máxima do individualismo concorrencial. Quanto ao aspecto da acentuação das desigualdades para a reto-
mada do crescimento e se referindo ao caso da crise inflacionária, Milton e Rose Friedmann consideravam
isso como um efeito colateral do remédio: “Não conhecemos na história exemplo no qual a inflação tenha
sido eliminada sem um período intermediário de crescimento econômico lento e desemprego maior do que o
habitual. Essa experiência respaldo à nossa opinião de que não maneira de evitar os efeitos colate-
rais da cura da inflação” (FRIEDMAN, 1980, p. 271).
442
pelo Estado, e com a participação da empresa e da força de trabalho (PREBISCH, 1985, p.
86). Neste sentido, o próprio “modelo” social-democrata, do Estado do Bem-Estar Social,
nos países desenvolvidos, principalmente dos europeus, não poderia ser construído ime-
diatamente na América Latina, nem poderia repetir aqui a trajetória cêntrica, pois a estru-
tura da sociedade periférica, com suas grandes desigualdades, antepunha-se como obstácu-
lo inicial. Aqui, o Estado do Bem-Estar Social teria que passar pela especificidade da soci-
edade periférica, transformando-a (cf. PREBISCH, 1981a, p. 16-17). Como até então, pelo
campo de ação e seus interesses, a iniciativa privada não produziu mais eqüidade (o sonho
dos benefícios sociais do progresso técnico), mas, pelo contrário, mais desigualdades, tal
como na industrialização substitutiva, caberia ao Estado ser o sujeito histórico (o demiur-
go periférico), na efetivação da eqüidade social (do projeto e da execução, transformação),
por meio de uma ação deliberada (planejamento) e reguladora (estabelecer um novo regi-
me de distribuição, de acumulação de excedente e do ritmo de crescimento econômico).
O objetivo social é evidente. As disparidades distributivas de caráter es-
trutural são muito graves no capitalismo periférico e é preciso corrigi-
las mediante o uso social do excedente. Tal é o objetivo da eqüidade
(PREBISCH, 1980, p. 15, grifo nosso).
A opção pela eqüidade social certamente não era aleatória, mas ideológica
387
. Es-
ta proposta de uma terceira via para a superação do capitalismo periférico e, ao fim, do
próprio sistema, resultava da discordância que Raúl Prebisch tinha para com as duas outras
formas básicas de solução das especificidades no capitalismo periférico latino-americano
e no sistema (socialismo concreto e liberalismo autoritário).
No fundo existem somente duas formas em que o Estado pode exercer
sua ação reguladora: que tome em suas mãos a propriedade e gestão dos
meios produtivos, de onde surge o excedente; ou que use o excedente
com racionalidade coletiva sem concentrar a propriedade em suas mãos
(PREBISCH, 1981a, p. 47, grifo nosso).
387
Sobre o conteúdo ideológico do pensamento prebischiano e cepalino, cf. Octávio Rodríguez (1981).
443
Na obra “Capitalismo Periférico – Crisis y Transformación”, após considerar
que, afora o livre-mercado, no desenvolvimento havia duas formas de o Estado regular o
excedente, Raúl Prebisch expôs sua opção diante delas, tendo em vista sua proposta da
eqüidade social:
Inclino-me para a segunda devido a duas considerações primordiais. Por
um lado, porque as grandes falhas do sistema não são originárias da pro-
priedade privada em si mesma, mas da apropriação privada do excedente
e nas conseqüências nocivas da concentração dos meios produtivos. Por
outro, porque a primeira opção é incompatível com o conceito primordi-
al de democracia e de direitos humanos que lhe são inerentes, enquanto
que a segunda torna possível a plena compatibilidade deste conceito, na
teoria e na práxis, com o vigor do desenvolvimento e da eqüidade distri-
butiva (PREBISCH, 1981a, p. 47, grifo nosso).
Basicamente, o paradigma prebischiano analisava a condição, a natureza e as re-
lações entre o Estado (seu papel e sua função no desenvolvimento), o indivíduo (organiza-
ção social) e a economia (estrutura da propriedade dos meios de produção e do mercado),
diante das duas formas de desenvolvimento, até então conhecidas, na história contemporâ-
nea ocidental. Em outros termos, tratava-se das relações históricas entre a sociedade polí-
tica, a sociedade civil e a base econômica da produção da riqueza e da renda na esfera pri-
vada
388
. Por mais que Prebisch não tenha tratado o assunto nestes termos, no fundo, ou por
trás disso (como dizia ele), este era o centro nervoso da proposta da eqüidade social, en-
tendida como uma nova forma de organização histórica capitalista, baseada no uso social
do excedente. Prebisch pretendia preservar os fundamentos do liberalismo (propriedade
privada, mercado e as liberdades individuais – na economia e na política/democracia),
porém, metamorfoseando-o, ecleticamente ou heterodoxamente, com elementos do socia-
lismo (garantir uma racionalidade coletiva ao excedente através da regulação do Estado),
388
Certamente que um aprofundamento deste debate requer um diálogo entre as ciências humanas, sociais e
econômicas. Na perspectiva gramsciana, esta discussão trata da concepção e construção do bloco histórico.
Como o condições de realizar este debate neste momento, fica a indicação da necessidade do aprofun-
damento da interpretação prebischiana. Sobre a categoria bloco histórico, cf. Antonio Gramsci (1982), Nor-
berto Bobbio (1982 e 1999) e René A. Dreifuss (1987a). Sobre a esfera pública e a esfera privada, cf. Han-
nah Arendt (1997).
444
naquilo que o livre-mercado falhava, por não ter horizonte social e temporal, em sua or-
dem individualista na relação entre a economia e a concorrência (vantagens comparativas)
no mercado, e o papel do Estado (limitado ao Regime da Lei, regulando a garantia da li-
berdade de escolha do indivíduo e a ausência do próprio Estado). Tudo isso, para evitar
qualquer forma de crise estrutural que resultasse numa perda, para mais ou para menos, de
parte da herança da civilização ocidental.
A fim de responder às exigências de uma raciona-
lidade coletiva, de que o sistema carece atual-
mente, o Estado deverá determinar como deverá
ser repartido o excedente entre acumulação, con-
sumo e serviços do Estado (PREBISCH, 1981a, p.
311).
Evidentemente que Raúl Prebisch elaborou sua síntese a partir da interpretação do
sistema centro–periferia e do capitalismo periférico: “Esta síntese seria a resposta da peri-
feria para a especificidade de sua transformação” (PREBISCH, 1980, p. 69). Também op-
tou pela eqüidade social, pois o livre-mercado no passado (a teoria e o modelo da divisão
internacional do trabalho das vantagens comparativas) produziu o próprio subdesenvolvi-
mento periférico no sistema centro–periferia, o que contribuiu para a insuficiência dinâmi-
ca interna e para a vulnerabilidade externa, isso, mesmo com a substituição de importa-
ções, e no presente (neoliberalismo), propondo mais livre-mercado, a desregulamentação
da industrialização substitutiva e do Estado (prevedor e provedor), como forma de solução
da crise atual no sistema centro–periferia, não levavam em consideração a especificidade
do desenvolvimento na periferia e seus problemas (caráter excludente e conflitivo).
Neste sentido, a eqüidade social o fôra pensada como uma terceira via em con-
traposição ao socialismo, mas, sim, uma terceira via alternativa ao capitalismo periférico e
ao neoliberalismo, ou seja, ao capitalismo excludente e estruturalmente tendente à crise
regressiva contrária à luta distributiva
389
. Pelo que se pode perceber no conjunto da pro-
389
Na obra “Contra el Monetarismo”, Raúl Prebisch esclareceu que para haver uma eqüidade social era
preciso “uma mudança progressiva na estrutura do poder, em detrimento daqueles que se apropriam e
retêm uma parte considerável do excedente” (PREBISCH, 1982a, p. 50). Já para Friedman e Hayek, con-
forme Prebisch, a solução da crise estaria numa mudança regressiva na estrutura do poder, às custas da força
445
dução teórica, nos anos 70, Prebisch não considerava o socialismo uma ameaça ao capita-
lismo periférico, nem via nele uma forma de superação da crise e do sistema capitalista
390
.
Na ordem do dia estava posto o significado da mudança regressiva nas relações de poder,
pois, diante dos riscos do avanço na luta distributiva e a necessidade e os interesses dos
grupos sociais dominantes de garantir o liberalismo econômico (acumulação de capital),
asfixiava-se o liberalismo político para garantir, aos neoliberais conservadores cêntricos e
periféricos, hegemonia na dependência.
O emprego da força permite restabelecer o liberalismo econômico se-
gundo a opção neoclássica –, sacrificando inexoravelmente o liberalismo
político. E ambos liberalismos naufragam naquela outra opção em que se
transfere ao Estado a gestão da economia (PREBISCH, 1980, p. 13).
Isto mostra a centralidade da crítica prebischiana ao novo liberalismo, mantendo-
se na tradição desenvolvimentista em considerar as vantagens comparativas imitativas e
impróprias para o desenvolvimento latino-americano. Desde sua origem, a
CEPAL
, inclu-
indo nela Raúl Prebisch, centrou sua interpretação na crítica ao sistema centro–periferia e
ao livre-mercado. Se inicialmente a industrialização fôra vista como necessidade histórica
diante da crise cêntrica e como caminho para a superação da condição periférica, agora, na
década de 70, diante da segunda grande crise cêntrica e da retomada do neoclassicismo, no
centro dinâmico principal, e da sua propagação na América Latina, Prebisch reafirmava a
crítica antineoliberal, esclarecendo que o modismo atual não passava de um requentamen-
to das teses do livre-mercado, velha conhecida dos desarrollistas periféricos
391
.
de trabalho: “Friedman e Hayek não vêem isto. Não querem reconhecer que os princípios neoclássicos
somente podem ser aplicados sob um regime de força” (PREBISCH, 1982a, p. 52).
390
No conjunto dos textos sobre a crítica ao capitalismo periférico, Raúl Prebisch não tratou dos movimen-
tos revolucionários existentes na América Latina naquele peodo, seja o da experiência chilena do governo
da Unidade Popular, nem da revolução nicaragüense e dos demais países centro-americanos.
391
Ao se referir à obra de Milton e Rose Friedman, “A Liberdade de Escolher”, Prebisch afirmou que: “não
se trata de novas idéias, mas de uma divulgação inteligente do pensamento neoclássico elaborado na se-
gunda metade do século XIX”; e mais adiante dizia que: “agora estamos presenciando o retorno a um neo-
classicismo de segunda ou terceira mão, sem a profundidade doutrinária que tinha naquela época” (PRE-
BISCH, 1982a, p. 15-16; 169).
446
No artigo “Hacia una Teoría de la Transformación”, Prebisch resumiu a visão
do novo liberalismo sobre a força do mercado e da iniciativa individual: “O raciocínio
neoclássico, como é bem sabido, baseia-se no jogo regulador do interesse pessoal em um
regime de livre concorrência” (PREBISCH, 1980, p. 11)
392
. Na obra “Contra el Moneta-
rismo”, referindo-se a um dos autores da obra “Liberdade de Escolher”, fez o seguinte
comentário: “Milton Friedman, o de Chicago, que quer restaurar o paraíso perdido com o
jogo das leis do mercado” (PREBISCH, 1982a, p. 82)
393
.
Já no artigo de 1976, Raúl Prebisch foi crítico à adoção de medidas de livre-
mercado como solução dos problemas (exclusão, conflito e crise estrutural) no capitalismo
periférico:
Sustenta-se que estas forças [de mercado], em um
regime de concorrência irrestrita, tendem para
um equilíbrio em que a destinação de recursos é
a melhor possível. (...)
Não me cabem dúvidas de que a destinação é a me-
lhor possível desde o ponto de vista da socieda-
de de consumo (PREBISCH, 1976, p. 17)
394
.
A partir da história do desenvolvimento latino-americano e sua inserção na eco-
nomia internacional, Prebisch/CEPAL criticou a base teórica e a forma da divisão do traba-
392
Numa passagem da obra O Caminho da Servidão”, Friedrich A. Hayek resume o individualismo nos
seguintes termos: “São esses reconhecimentos do indivíduo como juiz supremo dos seus próprios objetivos e
a crença de que suas idéias deveriam governar-lhe tanto quanto possível a conduta, que formam a essência
da atitude individualista” (HAYEK, 1944, p. 56).
393
É oportuno citar a passagem clássica da “Liberdade de Escolher que trata da força do mercado e das
três funções dos preços numa economia de mercado: “Na organização da atividade econômica, os preços
desempenham, três funções: em primeiro lugar, transmitem informações; em segundo, proporcionam incen-
tivos para que se adotem os métodos de produção menos dispendiosos e, por isso, utilizem-se os recursos
disponíveis para as finalidades de mais alto valor; em terceiro, estabelecem quem obtém quanto do produto
– ou seja, a distribuição da renda” (FRIEDMAN, 1980, p. 28).
394
Na obra Capitalismo Periférico Crisis y Transformación”, Raúl Prebisch fez uma análise mais deta-
lhada sobre a incompatibilidade do livre-mercado, pregado pelos Friedman e Hayek, como solução dos con-
flitos internos no capitalismo periférico, quanto à relação entre a acumulação de excedente, a luta distributi-
va e o processo de democratização: “... o Dr. Milton Friedman e o Dr. Von Hayek. São grandes defensores
da liberdade política e de seus valores humanos inerentes. (...) Não reconhecem, na verdade, que o jogo das
leis do mercado que eles preconizam leva na periferia à concentração privada dos meios produtivos e a uma
inaceitável desigualdade social. E que o empenho de corrigi-la com o único meio que oferece o sistema, isto
é, o poder sindical e político, provocam conflitos que terminam com o emprego da força, e a supressão do
processo de democratização e seus grandes valores inerentes. Desta maneira se restabelece a dinâmica do
excedente sobre a qual se sustenta a sociedade privilegiada de consumo. Não outra forma de fazê-lo
dentro do sistema. Daí a contradição entre a democratização e o regime de acumulação e distribuição do
capitalismo periférico” (PREBISCH, 1981a, p. 18).
447
lho no sistema centro–periferia, uma vez que a periferia estaria estruturalmente condicio-
nada a permanecer subdesenvolvida e dependente. Portanto, discordava da tese neoliberal
que atribuía ao livre-mercado a função de ser “o supremo regulador do desenvolvimento”
(PREBISCH, 1976, p. 18). Também deixou claro que, na periferia latino-americana, tão
desigual, não haveria como pensar seriamente na “soberania do consumidor” (PREBISCH,
1981a, p.16), pois, uma vez cabendo, exclusivamente, a cada individuo a liberdade de es-
colher o quê produzir e o quê comprar, para ambos os casos, a liberdade dos excluídos e
dos despossuídos, a grande massa periférica, ficava apenas no argumento da teoria, uma
vez que sequer teriam poder aquisitivo para comprar ou produzir para o mercado
395
. O
subdesenvolvimento e o capitalismo periférico, com sua especificidade (exclusão e confli-
to) produziu, historicamente, esta condição do mercado nos países latino-americanos. As-
sim, pela livre força do mercado, a periferia não solucionaria o problema da insuficiência
dinâmica na absorção da força de trabalho, nem as contradições internas do capitalismo
periférico. Mais ainda, com a máxima do mercado não se aventaria qualquer possibilidade
de superação da dependência e da hegemonia no capitalismo periférico. Somente através
do Estado e da sua ação reguladora poder-se-iam superar os limites da iniciativa privada,
do mercado, da crise estrutural (luta distributiva) e da exclusão. Enfim, caberia-lhe deter-
minar o uso social do excedente para garantir um desenvolvimento com eqüidade social,
395
O argumento de Friedrich Hayek sobre a liberdade dos pobres numa economia de livre-mercado é, no
mínimo, instigante, para o usar outro termo como simplório: “Sem dúvida, as oportunidades acessíveis
aos pobres dentro do regime de concorrência são muito mais limitadas que as dos ricos. Mas nem por isso
deixa de ser verdade que em tal regime o pobre é muito mais livre do que uma pessoa que goze de muito
mais conforto material num tipo diferente de sociedade” (HAYEK, 1944, p. 98).
Para Hayek e Friedman, no mercado existiam somente escalas parciais (individuais) de valores, o indiví-
duo deveria ser o único soberano: “o conjunto de finalidades individuais deve ser soberano e não estar
sujeito aos ditames alheios” (HAYEK, 1944, p. 56). Entendiam também que qualquer forma de planejamen-
to deveria garantir a concorrência e a previsão do procedimento do Estado, dos demais concorrentes e do
mercado (sinais dos preços): “A questão importante é se o indivíduo pode prever a ão do Estado e fazer
uso desse conhecimento como uma base para os seus planos particulares” (HAYEK, 1977, p. 77).
Mantendo o princípio ricardiano (livre-mercado internacional) e repetindo a tese de Hayek, Milton e Rose
Friedman trataram da força determinante da liberdade do consumidor no mercado e alertaram para o perigo
de qualquer tipo de monopólio (da empresas, dos sindicatos e do Estado): “Se o consumidor é livre para
escolher, a empresa pode crescer apenas se produzir um item que o comprador prefira devido à sua quali-
dade ou preço. (...) “O grande perigo para o consumidor é o monopólio seja privado seja governamen-
tal. E sua proteção mais eficiente é a livre concorrência no país e o livre comércio em todo o mundo” (FRI-
EDMAN, p. 159; 223).
448
mudando a base da estrutura da sociedade que, até então, primeiramente, determinava a
correlação de forças na distribuição de renda (apropriação do excedente) e no controle do
Estado (seu papel e sua função no desenvolvimento). Neste sentido, a eqüidade social dis-
tribuiria o poder político. Em outras palavras, com uma maior eqüidade na distribuição de
renda, obter-se-ia, também, uma eqüidade na distribuição do poder político, ou seja, mais
estabilidade ao processo democrático, o que superaria a crise autoritária. Ao regular o uso
social do excedente, garantir-se-ia o ritmo de crescimento necessário às necessidades cole-
tivas, ou seja, um projeto nacional de desenvolvimento integral voltado à eqüidade. No
entanto, para isso, ter-se-ia que transformar o capitalismo periférico, superar os limites
(falhas) no mercado concreto da periferia: “No regime atual o mercado é fator primordial
de eficácia econômica, porém não de eficácia social. Esta última somente pode ser obtida
fora do mercado, isto é, regulando globalmente a apropriação e distribuição” (PREBISCH,
1981a, p. 293).
Na proposta de Prebisch, do
capitalismo eqüitativo
, na
economia e no Estado, para a síntese eclética, entre socia-
lismo e liberalismo, incluir-se-iam ou preservar-se-iam os
elementos essenciais para a nova forma de organização econô-
mica, política e social. No artigo de 1980, “Hacia una Teo-
ría de la Transformación”
, Raúl Prebisch esclareceu como fi-
caria a síntese da eqüidade social após a simbiose entre li-
beralismo e socialismo:
Socialismo, enquanto o Estado terá que cumprir uma responsabilidade
fundamental, ademais de outras: a responsabilidade de decidir democra-
ticamente como se irá empregar socialmente o excedente a fim de acu-
mular com muito mais intensidade e distribuir eqüitativamente os frutos
do progresso técnico.
E liberalismo, enquanto o cumprimento desta responsabilidade tem que
ser compatível com o exercício da liberdade econômica, tanto pelo que
significa em si mesma como por ser essencial à liberdade política e para
449
os direitos humanos que lhe são inerentes (PREBISCH, 1980, p. 14, gri-
fo nosso)
396
.
Ao avaliar que, no
capitalismo periférico
, a eqüidade
social somente seria possível com a transformação do siste-
ma, Prebisch tinha claro que, a exemplo dos conflitos na lu-
ta distributiva, pelo jogo de interesses, os estratos supe-
riores não abririam mão da acumulação do excedente, nem da
hegemonia dependente. Ainda mais se fosse levado em conside-
ração que, diferentemente da mudança regressiva nas relações
de poder do caminho autoritário para saída da crise na lu-
ta distributiva –, na eqüidade social o “sacrifício” atingi-
ria os negócios e o status quo da sociedade privilegiada do
consumo, especialmente com relação à prática do consumo im-
produtivo. Nesta perspectiva, Raúl Prebisch retomava o tema
do consumo imitativo praticado pelos estratos superiores,
presente nos textos fundantes que trataram dos principais
problemas do desenvolvimento econômico latino-americano. Na
obra de 1981, o uso social do excedente mexia com os inte-
resse dos de cima em favor eqüidade social: “Desta forma o
uso social do excedente permitirá, por sua vez, elevar o
ritmo de acumulação e o ritmo de consumo da força de traba-
396
Em outra passagem do artigo, Prebisch diferenciou as disparidades de origem estrutural (do capitalismo
periférico) da funcional (diferenças individuais), evidenciando que seu projeto não era igualitarista, mas,
eqüitativo: “Por isso, é imprescindível que o Estado regule o uso social do excedente, para aumentar o
ritmo de acumulação e corrigir progressivamente as disparidades distributivas de caráter estrutural, distin-
tas das disparidades funcionais” (PREBISCH, 1980, p. 47).
450
lho às custas do consumo privilegiado” (PREBISCH, 1981a, p.
293)
397
.
Prebisch não chegou a discutir como se daria o proces-
so de transformação do sistema, ou se haveria uma luta pela
transformação do sistema, levando em conta as práticas dos
atores sociais e o jogo de interesses. Neste caso, faltou,
em sua teoria da transformação, pelo menos uma discussão
próxima à interpretação que fez dos conflitos e das disputas
sociais no processo da luta distributiva e seus possíveis
cenários (o avanço do processo de democratização, a eutaná-
sia do excedente e o uso da força do Estado pelos estratos
superiores). Da mesma forma, se for levado em consideração o
caráter da dependência e da hegemonia no capitalismo perifé-
rico (a retomada da hegemonia na dependência e a garantia do
excedente), percebe-se uma lacuna mesmo que teórica a-
cerca dos enfrentamentos político-sociais pela disputa do
poder político no interior da sociedade periférica. Ainda,
neste aspecto, tampouco foi considerado o estado da força da
estrutura da sociedade (propriedade e concentração dos meios
de produção) e da dependência periférica e seu peso a favor
ou contra a transformação da eqüidade social. Grosso modo,
porém, com o debate sobre o caráter excludente e conflitivo
do capitalismo periférico e seus cenários, Prebisch, prati-
camente radiografou a ante-sala da transformação do sistema,
397
Na obra “Contra el Moneterismo”, Prebisch recolocou a questão do consumo imitativo dos estratos supe-
riores, no mesmo sentido do círculo vicioso da insuficiência dinâmica: “É preciso limitar o consumo privi-
legiado para elevar a acumulação e impulsionar a eficácia absorvente do sistema. Seria a melhor forma
para obter uma distribuição dinâmica da renda” (PREBISCH, 1981a, p. 48).
451
ou melhor, a interpretação do capitalismo periférico tinha
como propósito o convencimento social de que as duas formas
de solução da crise estrutural na luta distributiva não su-
perariam os conflitos e a iniqüidade das desigualdades na
periferia latino-americana. Os casos concretos do uso da
força e a nova crise cêntrica confirmariam que a transforma-
ção do sistema, visando à eqüidade social, seria a alterna-
tiva que o colocaria em risco o desenvolvimento integral,
bem como o risco autoritário e da eutanásia, nem acentuação
da insuficiência dinâmica, como expôs Prebisch, na obra
“Contra el Monetarismo”: “Creio que o sistema tem que ser
transformado, tendo objetivos claros que não podem ser sepa-
rados: vigor do desenvolvimento, eqüidade distributiva e
processo de democratização (PREBISCH, 1982a, p. 85, grifo
nosso)
398
.
Na verdade, para Prebisch somente o Estado poderia
conduzir a transformação do
capitalismo periférico
em favor
da eqüidade social, fato este que explica o porquê da ausên-
cia de outros atores sociais. Acrescenta-se, a isso, o fato
de que a transformação atingiria a estrutura da produção, da
distribuição e da acumulação do excedente, que, até então,
na periferia, pautava-se no jogo do mercado concreto perifé-
rico. A proposta de transformação não tinha o propósito de
romper com a economia capitalista, mas, sim, do mercado no
398
“Impõe-se a transformação do sistema, não somente para redistribuir, mas, sobretudo para acumular
com muito mais intensidade que agora; ou, em outros termos, para aproveitar a fundo o potencial de acu-
mulação de excedente e mudar a composição do capital que se acumula” (PREBISCH, 1981a, p. 210).
452
capitalismo periférico. Por fim, Prebisch não chegou a dei-
xar propriamente uma lacuna teórica, por não problematizar a
ação prática da transformação, pois o uso social do exceden-
te, na realidade, constituía-se numa proposta de reforma so-
cial no capitalismo (cf. LUXEMBURGO, 1986), de correção de
suas falhas (falta de horizonte social e temporal) na peri-
feria latino-americana e no sistema geral
399
. Obviamente que
a própria noção de eqüidade, no capitalismo periférico, ti-
nha este conteúdo histórico-social e ideológico. Certamente
que, com ela, o livre-mercado estaria fadado, no capitalis-
mo, ao passado
400
. A transformação passaria por dentro da e-
conomia capitalista. As contradições estruturais no
capita-
lismo periférico, decorrentes da exclusão e dos conflitos na
luta distributiva, tinham um conteúdo pedagógico orientado
ao convencimento social (os grupos sociais e o Estado) de
que a eqüidade social, numa nova regulamentação ao uso do
excedente, seria a solução mais duradoura e com resultados
coletivos.
As especificidades do capitalismo periférico, se mantidas, tenderiam para uma
acentuação dos conflitos distributivos e da exclusão, da mesma forma seu movimento re-
colocaria, periodicamente, o problema periférico. Para Prebisch, a transformação do sis-
tema vigente, o capitalismo periférico, era a forma de evitar o emprego da força como
399
Se a eqüidade social fosse ampliada internacionalmente e fosse efetivada como uma nova divisão inter-
nacional do trabalho, o sistema centro–periferia também seria transformado.
400
No artigo de 1980, Prebisch destacou o papel do Estado na transformação do sistema anterior: “Em con-
seqüência, o Estado tem que determinar em que forma o excedente deverá ser empregado para cumprir os
objetivos econômicos e sociais da transformação” (PREBISCH, 1980, p. 17).
453
solução da crise estrutural: “não há outra solução que a transformação do sistema” (PRE-
BISCH, 1981a, p. 46).
Somente com um sistema orientado, através do Estado, no uso social do exceden-
te solucionaria o círculo vicioso da mudança regressiva nas relações do poder no capita-
lismo periférico. Diante disso, afirmava Raúl Prebisch (1980, p. 11) que: “Não parece e-
xistir outra opção que combine este conceito de eqüidade social com o vigor do desenvol-
vimento, a participação popular e o avanço e consolidação do processo democrático”.
Com a eqüidade social, conforme Prebisch, era possível articular o ritmo de de-
senvolvimento, a eficiência do mercado (origem do excedente), a absorção da força de
trabalho, a participação democrática dos setores médios e baixos e uma distribuição de
renda mais equânime ao conjunto da população. A eqüidade social representaria, pois, um
novo pacto social, na periferia, pelo desenvolvimento integral, que, por sua vez, desdo-
brar-se-ia numa estabilidade institucional que retornaria, crescentemente, ao desenvolvi-
mento e à eqüidade social, através do planejamento do uso social do excedente. A propos-
ta compreenderia: “Eqüidade distributiva, vigor do desenvolvimento e novas formas insti-
tucionais de uma democracia genuinamente participativa” (PREBISCH, 1981a, p. 24)
401
.
No artigo de 1985, “La Periferia Latinoamericana en la Crisis Global del Capi-
talismo”, Raúl Prebisch aprofundou sua tese sobre a eqüidade social, considerando-a co-
mo uma nova categoria histórica perante o capitalismo periférico e sua trajetória anterior,
e o próprio sistema centro–periferia:
O sistema não tem formas espontâneas de resolver esta crise. Esta crise
tem que ser resolvida mediante a transformação racional do processo de
acumulação e distribuição de renda. Impõe-se, pois, entrar em uma nova
categoria histórica se o sistema preservar e aumentar sua capacidade de
401
Ao tratar da necessidade de a eqüidade social ter o apoio da maioria democrática, Raúl Prebisch fez men-
ção a Jürgen Habermas, porém o tratou da sua contribuição teórica sobre o assunto. Em “Capitalismo
Periférico Crisis y Transformación”, referiu-se à necessidade de ampliar a participação democrática para
manter a transformação do sistema e evitar a mudança regressiva nas relações de poder: “À luz de minhas
explicações anteriores para chegar a uma maioria democrática significa uma mudança importante na estru-
tura do poder político inerente às mutações da estrutura social. Porém, o regime de apropriação e redistri-
buição faz desviar seu caminho” (PREBISCH, 1981a, p. 289).
454
bem-estar humano, tanto nos centros como sobre todo o capitalismo pe-
riférico (PREBISCH, 1985, p. 83).
Ao dar o
status
de
nova categoria histórica
à proposta
da eqüidade social, Prebisch considera-a como uma nova forma
de organização no/do capitalismo. Neste aspecto, teoricamen-
te a transformação do sistema qualifica o sentido desta ca-
tegoria, dando-lhe o caráter de superação histórica da forma
de organização anterior. Teoricamente esta mudança é signi-
ficativa, haja vista sua implicação na construção de uma no-
va concepção de organização social e dos novos valores éti-
cos atribuídos ao desenvolvimento que lhe daria sustentação
institucional e social
402
. Por outro lado, considerando suas
implicações, a transformação teórica compromete-a, mesmo no
campo do debate teórico e na perspectiva prática, ou seja:
402
Afirmava ele que: “Não há eqüidade distributiva no desenvolvimento periférico e a transformação do
sistema tem que encontrá-la. Ou seja, que a transformação tem que responder a claros princípios éticos.
Ética distributiva e ética política. Princípios éticos que orientam a transformação e racionalidade para
realizá-la” (PREBISCH, 1981a, p. 13, grifo nosso).
Para Raúl Prebisch, o sistema centro–periferia continuava válido como conceito interpretativo da divisão
internacional do trabalho, assim como mantinha estruturada sua forma de dependência estrutural (movimen-
to reflexo), apesar de a periferia latino-americana ter avançado em termos de industrialização. Seu trabalho
junto à
UNCTAD
contribui para explicitar que os países centrais mantinham uma política comercial protecio-
nista e os exemplos mais claros disso foram as Rodada Kennedy e Tóquio do
GATT
. As exportações indus-
triais periféricas para os países europeus e os
EUA
eram controladas, para mais ou para menos no protecio-
nismo, em função das necessidades cêntricas e desde que o afetassem a produção interna destes países.
Além do mais, a pauta de exportação periférica destes produtos era caracterizada pela baixa intensidade
tecnológica, ou seja, predominavam as manufaturas semi-elaboradas (cf. PREBISCH, 1980; 1981a; e
1982a).
No conjunto da crítica ao capitalismo periférico, Raúl Prebisch relacionou o caráter concorrencial, con-
centrador e individualista do desenvolvimento científico-tecnológico e seus efeitos negativos e críticos à
coletividade e à humanidade. Um deles dizia respeito à poluição e à degradação do meio ambiente, em nome
da acumulação de capital, e o outro se referia ao tipo de energia utilizada e sua forma de combustão, o petró-
leo, que, além de ser uma fonte não-renovável, era e é altamente poluente, sem contar os interesses estratégi-
cos no domínio das regiões fornecedoras do petróleo cru.
Tratando-se da crítica à organização socioeconômica capitalista, em nível de empresa e os interesses pela
acumulação de capital, a teoria da eqüidade social de Raúl Prebisch pode ser considerada, hoje, como um
esboço da responsabilidade social (uso social do excedente) empresarial e do Estado no capitalismo social.
Como o assunto mereceria aprofundamento, que no momento não será possível realizar, fica a indicação,
sem entrar no mérito das implicações desta concepção na relação capital-trabalho. Como referência para esta
análise, cf. Ariovaldo dos Santos (2001) e Thomas Gounet (1999).
455
Como construí-la historicamente e quem serão seus artífices?
Quais serão seus enfrentamentos?
Nestas questões Prebisch não aprofundou a análise, tal como na luta distributiva e
na contestação da solução pelo livre-mercado. Entretanto, destas análises, e diante da ten-
dência do círculo vicioso e da crise estrutural regressiva, ele indicou a necessidade de a
eqüidade social ser consolidada enquanto consenso coletivo e resultado da maioria demo-
crática. Compreendendo-a como uma nova categoria histórica, Prebisch propunha que o
uso social do excedente passasse pelo crivo constitucional, que, na realidade, é o ato má-
ximo da independência e da soberania de um país: “A modificação teria que ser objeto de
reformas constitucionais” (PREBISCH, 1982a, p. 49).
Por esta regulamentação nacional do uso social do excedente, na esfera da eco-
nomia, Estado-governo, iniciativa privada empresarial e trabalhadores mediatizariam suas
ações e disputas sociais. Como o excedente se manteria na centralidade do desenvolvimen-
to, da acumulação de capital e do ritmo de crescimento, o Estado “teria que planificar o
uso social do excedente” (PREBISCH, 1981a, p. 313).
Como não haveria mais o livre-mercado, a estrutura de produção, da distribuição
de renda, da acumulação do excedente e do seu uso, logicamente, superaria as duas falhas
do modelo anterior: a temporal (longo prazo) e a social (absorção da força de trabalho e
eqüidade distributiva). Além do mais, em nível primário da produção, nas empresas, a
apropriação do excedente e sua destinação também estariam regulamentadas.
As empresas seriam executoras do uso social do
excedente. A decisão tem que resultar de um con-
senso coletivo, um consenso consagrado na Cons-
tituição que impeça que as empresas disponham
arbitrariamente do excedente (PREBISCH, 1982a,
p. 49)
403
.
403
No artigo de 1985, ao se referir à participação da força de trabalho no pacto social” pela eqüidade dis-
tributiva, Prebisch observou que esta também teria que participar com a acumulação reprodutiva da renda:
“Aquele consenso social que terá que vir mais cedo ou mais tarde e deverá iniciar sem demora com uma
política de rendas que em vez de encaminhar o sistema para a eqüidade, alente a participação (e também a
responsabilidade) da força de trabalho na acumulação reprodutiva” (PREBISCH, 1985, p. 86).
456
Obviamente que, se o excedente for orientado para a absorção produtiva da força
de trabalho e sua acumulação ao reinvestimento, ambos somariam, passo a passo, para o
círculo virtuoso da eqüidade social, como sonhava Raúl Prebisch.
Teoricamente, na transformação do sistema prebischiano estava descartada a hi-
pótese de haver uma reforma constitucional regressiva. No entanto, dado o caráter conser-
vador da solução à direita, historicamente as mudanças regressivas das relações de poder
também foram acompanhadas de reformas constitucionais, sagrando, no Estado de Direito,
a restauração da acumulação do excedente, o controle do poder político, o aumento das
desigualdades e a transferência dos encargos e dos cargos (farto e os efeitos colaterais do
remédio) necessários para a retomada do crescimento, após o novo equilíbrio.
Diferentemente de Hayek (1944) e os Friedman (1980), que defendiam um con-
senso constitucional que garantisse o livre-mercado e a vontade individual e privada, sem
a intervenção ou a intromissão do Estado, Raúl Prebisch (1982a, p. 49) propunha um con-
senso constitucional que garantisse o uso social do excedente, como forma de superação
do livre-mercado e da tendência ao uso da força contra os periféricos mais pobres.
457
9
99
9
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99
9
9
99
9
"O que é subdesenvolvimen-
to?
Um anão de cabe-
ça enorme e tó-
rax potente é
‘subdesenvolvi-
do’ na medida em
que suas pernas
fracas e seus
braços curtos
não combinam com
o resto de sua
anatomia".


Após ter percorrido todas estas páginas percebe-se que até o momento
não
foi colocada uma pergunta elementar: existe Periferia?
Sem precisar recorrer à historiografia, mas sim ao cotidiano, à história, certamen-
te que a primeira e mais marcante imagem que vem à mente é a periferia das cidades (me-
trópoles, grandes, médias e mesmo pequenas) latino-americanas. O primeiro qualificativo
458
a ser associado, ligado, a este fenômeno, certamente, é o de que a periferia é o lugar da
pobreza, seguindo-se como corolário que a pobreza é a condição da exclusão e da margi-
nalização econômica, social e política, ou melhor, a periferia é o espaço histórico-social,
em nossa sociedade urbano-industrial capitalista, da concentração da pobreza e o lugar
onde residem os mais pobres da sociedade, que não são poucos. A condição social daque-
les que estão em tal situação, também é demarcada pela maior dependência que têm para a
obtenção dos meios necessários à existência, haja vista a condição de suas posses (rique-
zas e renda) e o acesso às coisas materiais, sociais, políticas e culturais que, potencialmen-
te, a sociedade dispõe no conjunto de suas riquezas e conhecimentos (ciência e cultura).
Todavia, não são as coisas que impõem limites ou a dependência, mas sim, a sociedade na
forma como se organiza historicamente e estabelece as relações sociais entre os indiví-
duos, os grupos e as coletividades.
Portanto, na resposta nem se questiona a pergunta e o primeiro ato metodológico
da dúvida cartesiana é desnecessário, uma vez que ela, a periferia, existe e é bem conheci-
da, tem qualificativo e tem lugar, isto é, tem identidade(s) e espaço (a periferia existe e
também sua concepção)
404
. A periferia é o lugar e a condição que demarca o pertencimen-
to dos mais pobres na sociedade (ARENDT, 1997), e esta realidade reflete seus vínculos
com a coisa pública. A exclusão e a marginalização na/da periferia diz respeito à condição
existencial (sentem pela privação dos meios) e da cidadania dos mais pobres. Há, portanto,
uma dupla privação.
No entanto, a exclusão e a marginalização não estão separadas, nem se encontram
num estado de atraso com relação ao seu contrário: a concentração e a acumulação das
riquezas em mãos de poucos. Como a imagem da cidade é muito forte num país periférico,
a partir desta imagem, também se localiza e se identifica o que é o centro da cidade. Cen-
404
Quanto à interpretação do fenômeno sócio-histórico da periferia, do seu significado ou da sua correspon-
dência na sociedade, o debate permanece em aberto, pelo menos quando o assunto se refere à origem, à
permanência e à superação da condição periférica (exclusão econômica, social e política).
459
tro e Periferia formam a cidade ou as cidades dentro da cidade, demarcando suas diferen-
ças, suas relações e suas desigualdades na espacialidade urbana
405
. Centro e periferia de-
marcam o lugar e as identidades das partes mais extremas das desigualdades da/na organi-
zação da sociedade periférica, principalmente nos seus aspectos econômicos, sociais e
políticos, constituindo sua base estrutural orgânica. Sendo esta a realidade – as cidades
latino-americanas são o exemplo mais vivo das desigualdades e das contradições do de-
senvolvimento –, a problemática permanece viva. Conhecer esta estrutura sistêmica e sua
construção histórica é a primeira tarefa para pensar e construir a práxis para sua superação
prática. Esta foi a finalidade deste estudo: conhecer a concepção prebischiana/cepalina da
condição periférica e suas propostas de superação, levando em consideração as possibili-
dades que pode fornecer para a interpretação do contexto atual brasileiro, latino-
americano, continental e internacional, e para a crítica do capitalismo neoliberal em cons-
trução na América Latina.
Laura T. R. Soares adotou o conceito da heterogeneidade estrutural como “uma
síntese contemporânea da formação histórica das sociedades latino-americanas” (SOA-
RES, 2001, p. 25), nos termos que Aníbal Pinto (e os periféricos) havia interpretado o sis-
tema centro–periferia e a condição periférica da América Latina
406
, para analisar as impli-
405
Estudando o espaço urbano da metrópole de o Paulo, Ermínia Maricato (1996) justapôs o legal-ilegal,
centro-periferia, violência urbana e pobreza, solo urbano e especulação imobiliária capitalista, infra-estrutura
e serviços públicos, formalidade e informalidade do trabalho caracterizando o fenômeno da urbanização no
capitalismo periférico. Como foi comentado no Capítulo 5, a partir dos anos 60 a CEPAL incluiu os temas
da urbanização e da marginalização na insuficiência dinâmica (estrangulamento interno), bem como o dua-
lismo interno (obstáculos) do enfoque redistributivo. O espaço urbano passou a ser tratado a partir da meto-
dologia do planejamento aplicada à urbanização (política urbana). Nesta área houve uma contribuição teóri-
co-prática e de capacitação técnica da Comissão que é oportuno reconhecer, independentemente da crítica.
O conceito periferia ou o sistema centro–periferia não é originalidade nem exclusividade do pensamento
cepalino. Pedro Fonseca (1999 e 2000) esclareceu o assunto. Porém, sua interpretação contribuiu para
uma demarcação do que é a periferia no capitalismo.
406
A autora fundou esta categoria nos seguintes termos: “Trata-se de uma categoria conceitual ampla, que
engloba os traços dominantes das sociedades latino-americanas contemporâneas, aludindo à coexistência
de formas produtivas e relações sociais correspondentes a diferentes fases e modalidades do desenvolvimen-
to da região, mas interdependentes em sua dinâmica no interior de Estados politicamente unificados” (SO-
ARES, 2001, p. 25). Laura Soares acrescenta a contribuição de Marshall Wolfe à heterogeneidade estrutural
do dualismo, suas relações de dependência e domínio e seus nculos interdependentes. Na passagem dos
anos 60 para os 70 a revisão sociológica e interdisciplinar do dualismo supera a noção anterior. Um estudo
460
cações que as medidas estruturantes do neoliberalismo (projeto cêntrico) produziriam e
produziram na América Latina, agravando sua heterogeneidade social, econômica e políti-
ca
407
, numa nova rearticulação da aliança hegemônica e dependente no/do neoliberalismo.
Esta nova fase do desenvolvimento do capitalismo, ao que tudo indica, além de estar sen-
do construída na e com a dependência, recomporá a hegemonia figurando um crescimento
econômico (ajuste à hegemonia da “globalização”) para poucos e com mais exclusão e
marginalização (desajuste social) à maioria
408
.
César Benjamim (1996 e 1998) e Tânia Bacelar Araújo (1996), numa avaliação
retrospectiva do desenvolvimento econômico brasileiro, descrevem a riqueza e a pobreza
do Brasil, como de um país que se desenvolveu sustentado na fratura da sociedade
409
. In-
seridos em movimentos sociais e interpretando criticamente o desenvolvimentismo, a par-
tir das contribuições de pensadores brasileiros
410
, mas não só deles, estes autores contribu-
em teórica e praticamente para a reinvenção do Brasil e para a construção de uma opção
da produção coletiva cepalina (Prebisch, Echavarría, Pinto, Gurrieri, Wolfe) indicaria os avanços, bem como
as diferenças teóricas existentes entre seus intelectuais.
407
“A gravidade e o caráter dessas conseqüências na América Latina têm a ver também com a superposição
dessas medidas sobre uma herança estrutural extremamente heterogênea e desigual do ponto de vista social;
dependente e periférica do ponto de vista econômico; e instável e autoritária do ponto de vista político-
institucional (SOARES, 2000, p. 33-34, grifo nosso).
408
No caso do Brasil, a aliança do desajuste neoliberal contou com figuras públicas que marcaram o debate
dependentista. Segundo Juarez Guimarães, isto não contradizia a teoria da dependência DeD, pois o desen-
volvimento ocorreria com a dependência: “A tese da dependência, formulada por Fernando Henrique e
Enzo Faletto, elaborava, embora em tom crítico, a possibilidade de haver desenvolvimento econômico
sustentado do país como expressão ou combinação com dinâmicas de expansão do capitalismo internacio-
nal” (GUIMARÃES, J. 2004, p. 19).
409
Em seu artigo “Brasil: o modelo de desenvolvimento”, Tânia Bacelar Araújo resumiu os principais de-
terminantes do perfil brasileiro: a concentração da riqueza e a dificuldade de acesso aos meios de produção,
a orientação da produção, o papel do Estado (desenvolvimentista conservador) e a mentalidade cultural da
elite brasileira (ARAÚJO, 1996, p. 18-22).
Na avaliação de nia B. Araújo, a elite brasileira (classes dominantes) soube usar o Estado para solu-
cionar as questões centrais da vulnerabilidade externa e interna da economia brasileira em momentos de
crise internacional, a exemplo do pós-1930/45 em diante, e no do s-1973 (II Plano Nacional de Desenvol-
vimento, especialmente: pró-álcool, extração de petróleo com plataformas marítimas, Angra e informática)
e, com o Estado, obteve resultados compatíveis aos seus interesses internos e externos: “Teve um Estado que
construía estradas, montava sistemas de comunicação, estatizava empresas para modernizá-las e ofertar
insumos básicos, muitas vezes a preços mais baratos que os custos de produção (ARAÚJO, 1996, p. 19).
410
Dentre os estudiosos brasileiros que pensaram o Brasil cabe citar: Gilberto Freire, Caio Prado Júnior,
Sergio Buarque de Holanda, Celso Furtado, Florestan Fernandes, Inácio Rangel.
461
brasileira (BENJAMIM e outros, 1996) num longo amanhecer (cf. FURTADO, 1999),
contrapondo-se ao desmonte neoliberal (cf. LESBAUPIN, 1999; BIONDI, 2001)
411
.
Samuel Pinheiro Guimarães em sua recente obra “Quinhentos Anos de Periferi-
a”, na passagem do Quinto Centenário da “Conquista Portuguesa”, com um olhar dos
“Outros 500”, revisou as “estruturas hegemônicas de poder” (GUIMARÃES, S., 2000, p.
25)
412
e as estratégias atuais (econômica, científica-tecnológica/C&E/progresso técnico,
política, militar e ideológica) de dominação, dando destaque ao período do pós-guerra e ao
momento atual. Problematizando a condição dos grandes Estados periféricos no cenário
das disputas entre os principais centros hegemônicos (EUA, área do dólar; Europa, área do
euro; Japão, área do yen)
413
, o autor teve a preocupação de mostrar suas implicações para a
periferia. Referindo-se ao projeto da Área de Livre Comércio das Américas (ALCA) foi
categórico ao descrever os interesses hegemônicos e as estratégias dos Estados Unidos em
relação ao continente americano. Para o autor o projeto da
ALCA
pretende rearticular a
relação dos
EUA
com os grandes Estados periféricos da América do Sul, e no centro dos
interesses está o Brasil, e, em decorrência, os rumos do Mercosul (GUIMARÃES, S.,
411
A obra “A Opção Brasileira” apresenta um programa de transição” para uma superação do subdesen-
volvimento. Neste programa, percebe-se elementos da interpretação prebischiana, pelo menos da obra de
1952 “Problemas Teóricos y Prácticos del Crecimiento Económico” (PREBISCH, 1973), citada na epígrafe
do Capítulo 1, sobre a potencialidade e a facilidade que a periferia teria para dinamizar seu desenvolvimento,
com resultados em curto prazo e inclusão econômica, fato este que não se verifica nos países desenvolvidos.
Para a superação da estagnação e decorrente dinamização do desenvolvimento nacional, Celso Furtado
propunha a ampliação do mercado interno e o fortalecimento dos centros internos de decisões. Segundo ele,
e a opção brasileira o acompanha, os países subdesenvolvimentos teriam condições e autonomia interna
para a inclusão econômica e social, através de uma política econômica centrada nas questões da terra, ali-
mento, moradia, trabalho e educação, cf. sar Benjamim (1998), gerando um forte círculo virtuoso para o
desenvolvimento nacional. Coisas simples e que não precisam de fórmulas mágicas nem divagações teóricas,
mas nem tão fáceis de serem realizadas, pois mexem com as “estruturas hegemônicas de poder do dualis-
mo”.
A obra “A Opção Brasileira” também desmistifica a “macroeconomia do Plano Real”, a irreversibilida-
de da “globalização” e aponta caminho bem além do neoliberalismo. Já Paulo Nogueira Batista Júnior
(2000a) desmente a fábula financeira.
412
“O conceito de ‘estruturas hegemônicas’ é mais flexível e inclui vínculos de interesse e de direito, orga-
nizações internacionais, múltiplos atores públicos e privados, a possibilidade de incorporação de novos
participantes e a elaboração permanente de normas de conduta; mas, no âmago dessas estruturas, estão
sempre Estados nacionais (GUIMARÃES, S., 2000, p. 28).
413
“O cenário e a dinâmica internacional em que atuam os grandes Estados periféricos não são novos e
imparciais, mas se organizam em torno de estruturas hegemônicas de poder político e econômico. Essas
estruturas, resultado de um processo histórico, beneficiam os países que as integram e têm como principal
objetivo sua própria perpetuação” (GUIMARÃES, S., 2000, p. 25).
462
1999), pois a Argentina, o México e o Chile haviam adotado e aprofundo a inserção neoli-
beral.
As indicações sobre a metrópole periférica, o desajuste neoliberal na América
Latina, os rumos dos grandes Estados periféricos na ALCA e a riqueza e a pobreza de uma
nação têm em comum a problematização do contexto atual dos países latino-americanos
periféricos e suas interpretações levam em consideração a heterogeneidade estrutural, a
condição periférica, como referência para a análise do desenvolvimento do capitalismo
(sistema centro-periferia, dependência e hegemonia), seus impasses históricos e as impli-
cações do capitalismo neoliberal para a região.
A origem deste capitalismo neoliberal, como uma nova estrutura hegemônica de
poder, está situada nas transformações ocorridas a partir dos anos 70. O próprio Raúl
Prebisch interpretou a nova crise cêntrica em sua crítica ao capitalismo periférico e
desenhou as possibilidades deste cenário para a América Latina. Para ele, a periferia
passaria por um novo período de vulnerabilidade externa, com sérias implicações em seu
desenvolvimento interno (hegemonia e dependência)
414
. Também, teve a preocupação com
o novo liberalismo, uma vez que este representava a exportação da crise, pois seria um
meio de recuperação do crescimento (o excedente) no centro dinâmico principal, os
Estados Unidos, e uma reviravolta regressiva na industrialização periférica, distinta do
fenômeno ocorrido no período pós-1930/1945
415
. Outra análise que Prebisch fez sobre as
tendências de uma crise estrutural no capitalismo periférico, e merece atenção, diz
respeito à mudança regressiva das relações de poder com caráter conservador, o que
garantia o restabelecimento da acumulação de capital e o controle do Estado pelos grupos
dominantes. À época, o uso do Estado e dos seus meios de força, pelos hegemônicos
414
Neste aspecto, teve razão: “o capitalismo que se pretendia imitar se encontra em uma grande crise que,
pelo seu caráter estrutural, é muito mais complexa e difícil de superar que a grande depressão dos anos
trinta” (PREBISCH, 1980, p. 69-70, grifo nosso).
415
No artigo de 1976, “Crítica al Capitalismo Periférico”, Prebisch recolocou a experiência da industriali-
zação substitutiva como resposta periférica à crise cêntrica: “O desenvolvimento, como fenômeno integral
que com a industrialização se estende muito além da produção primária, somente foi possível quando a
periferia, em sucessivas crises dos centros, pôde se sobrepor ao jogo do mercado internacional, que reflete
as relações de poder entre aqueles e a periferia” (PREBISCH, 1976, p. 8).
463
Estado e dos seus meios de força, pelos hegemônicos internos (os proprietários da maior
parte dos meios de produção e do excedente) e os aliados externos, era realizado com vio-
lência e com o próprio fechamento do Estado, garantindo, pela força, a ordem do exceden-
te (na esfera da produção e em favor da empresa capitalista), da política econômica do
desenvolvimento interno (sociedade privilegiada de consumo) e da inserção internacional
em bases econômicas periférica (pauta de manufaturas com pouco valor agregado e os
primários).
Na crítica à solução conservadora, Raúl Prebisch incluiu a proposta neoliberal.
Neste debate com Hayek e os Friedman, os pontos básicos eram: o Estado, a iniciativa
privada e o mercado no desenvolvimento. As diferenças entre desenvolvimentistas e neo-
liberais retomavam o “espírito” do “Manifesto Periférico”, porém num contexto que con-
tava com trinta anos de desenvolvimento periférico
416
. Por outro lado, a crítica à crise es-
trutural originária da luta distributiva irrestrita (este era seu problema), também colocaria
em risco o modelo substitutivo por atingir o limite do excedente necessário à continuidade
do crescimento (acumulação de capital e rendas, progresso técnico e a inovação tecnológi-
ca, e a demanda da sociedade na absorção produtiva da força de trabalho e no consumo).
Para Prebisch somente com a transformação do sistema e o estabelecimento de um novo
padrão de desenvolvimento, baseado na eqüidade social, resolveria os conflitos inerentes
ao capitalismo periférico e ao sistema centro–periferia. Neste capitalismo social, equili-
brando o capital e o trabalho, através do Estado e de um novo regime constitucional estari-
am superadas as bases da crise estrutural no capitalismo periférico e, se vingado interna-
cionalmente, suprimiria o sistema centro–periferia. No corpo jurídico-institucional do no-
vo estado de direito nacional, estariam definidas as funções e o campo de ação do Estado,
416
Na abra “Contra el Monetarismo”, Prebisch fez esta retrospectiva histórica do debate contra os neolibe-
rais: “Assim, a teoria da divisão internacional do trabalho, cuja critica empreendeu a CEPAL desde seus
primeiros escritos trinta anos, respondia cabalmente aos interesses dos grandes centros e dos estratos
superiores da política latino-americana. Surpreende agora que se pretenda voltar a ela e retroceder no
desenvolvimento” (PREBISCH, 1982a, p. 16).
464
da iniciativa privada, da força de trabalho e do mercado, onde crescimento econômico
(produção, ritmo, acumulação de capital, progresso técnico) e eqüidade distributiva (ren-
das e consumo) estariam voltados à disciplina econômica e social do novo sistema.
A base deste equilíbrio estava no conceito de excedente, o mesmo do círculo vicio-
so da insuficiência. Na crítica ao capitalismo periférico, Prebisch foi ao nível da empresa
e da produção para explicar a origem do excedente, enquanto que na interpretação original,
o assunto foi abordado como resultado da produtividade (progresso técnico, poupança e
consumo) e o ciclo da economia capitalista no sistema centro–periferia (pressões e transfe-
rências). Na economia política periférica, o excedente era o conceito a partir do qual Raúl
Prebisch interpretava a relação capital-trabalho no sistema centro–periferia, seja nos ter-
mos da industrialização periférica (nacional e regional), da deterioração dos termos de
intercâmbio, da elasticidade-renda, da dependência do progresso técnico e da vulnerabili-
dade externa. A dependência no sistema centro–periferia configurava as desigualdades no
desenvolvimento da economia e da sociedade em cada parte e estabelecia seu dinamismo
no crescimento
417
. Uma crítica a este conceito de excedente, baseada no valor-trabalho
(mais-valia), implica numa visão da economia política capitalista e da relação capital-
trabalho completamente diferente (cf. FONSECA, 2000), bem como das relações sociais
que permeiam a produção, da acumulação da riqueza e da renda, da origem e a natureza
histórica do capital, dos sujeitos sociais, e da construção e reconstrução das formações
históricas
418
.
Mantendo-se a estrutura do excedente, logicamente que a superação da condição
periférica não teria como ultrapassar o novo conceito histórico de eqüidade social: redução
417
A crítica ao estruturalismo e da sua visão dualista foi realizada e o debate histórico-historiográfico é
vasto e variado. A crítica à razão dualista, de Francisco de Oliveira (1987) foi marcante e exigiria aprofun-
damento (em outro momento), principalmente no questionamento que fez sobre os sujeitos históricos na/da
industrialização e a natureza capitalista ou não das relações de trabalho fora dos espaços urbano-industrial e
agrícola tecnificado (dualismo entre as relações de produção capitalista, pré-capitalistas e/ou não-capitalista
existentes nas áreas rurais e urbanas, etc.). Inicialmente, na questão da terra, o problema do latifúndio im-
produtivo e rentista e do minifúndio antieconômica (os ejidos?) representavam o atraso. A pobreza estava
concentrada no campo e, na maioria dos países latino-americanos a população rural apresentava índices
maiores do que a urbana. Nos anos 60, a reforma agrária foi tratada como medida redistributiva (direta, mas
modesta), voltada à tecnificação, à absorção produtiva e ao alívio das tensões sociais. na crítica ao capita-
lismo periférico este tema não foi abordado.
418
Nesta perspectiva caminha a teoria da dependência crítica (cf. MARINI, 1991).
465
das grandes disparidades da estrutura da sociedade periférica (principalmente através da
distribuição de renda). Além do que, mesmo uma proposta efetiva de eqüidade social (re-
distribuição da riqueza e da renda através de medidas diretas), na periferia, atingiria as
bases da heterogeneidade estrutural (econômica, social e política) e da dominação. Na crí-
tica do capitalismo periférico Prebisch atribuiu à estrutura da sociedade a base do poder
político e da hegemonia no Estado nacional e na dependência periférica: a concentração da
propriedade dos meios de produção e do excedente garantia o poder econômico na capta-
ção primária do excedente na produção (relação capital-trabalho) e sua acumulação, sus-
tentando o poder que tinham no campo político (hegemonia no Estado nacional e na de-
pendência). A exclusão e os conflitos existentes no capitalismo periférico ameaçavam o
excedente a partir das desigualdades. Enquanto uns lutavam por distribuição, outros luta-
vam por concentração. Esta era a realidade da economia e da política no capitalismo peri-
férico, ou melhor: a economia política periférica nos países latino-americanos mais indus-
trializados.
No entanto, havia um agravante no capitalismo periférico: a tendência para o apro-
fundamento da concentração e da acumulação do excedente poderia ocorrer tanto como
reação contra a luta distributiva interna, como reação à uma crise de origem cêntrica, do
sistema centro–periferia, haja vista a vulnerabilidade externa. Neste último caso, a retoma-
da do crescimento e da acumulação do excedente, também ocorreria às custas do
aprofundamento das desigualdades sociais: com redução dos salários, maior desemprego,
cortes nos serviços públicos e nos direitos sociais, aumento da carga tributária, etc... Afora
o problema da vulnerabilidade nas contas externas dos países periféricos (balança
comercial, dívida externa, moeda nacional e câmbio) e nas contas públicas internas (déficit
fiscal do Estado).
Na realidade, não faltou conhecimento de causa e dos fatos, nem experiência pro-
fissional (Banco Central na Argentina, na
CEPAL
, na
UNCTAD
, dentre as principais)
419
,
419
A institucionalidade da
CEPAL
e sua atuação, os vínculos profissionais e os cargos internacionais são
aspectos a serem levados em consideração na trajetória pessoal e intelectual de Raúl Prebisch, com certeza,
mas também em sentido inverso. A nomeação de pessoas para estes cargos passa por critérios, vínculos e
“diplomacias”. Ao tratar dos organismos internacionais como instrumentos de construção das estratégias de
dominação dos centros hegemônicos, Samuel Pinheiro Guimarães (2000) também cita as retaliações a que
466
para Raúl Prebisch perceber a gravidade da segunda grande crise cêntrica. Neste mesmo
sentido também estava à crítica que fez ao velho novo liberalismo. A teoria do sistema
centro–periferia surgiu deste debate, e, a realização do segundo debate, nos anos 70, atua-
lizou a interpretação da dependência periférica. Ambas apresentaram-se e apresentam-se
como referenciais ideológicos de projetos de desenvolvimento no contexto da segunda
metade do séc. XX.
O estudo da concepção periférica e o seu destaque à interpretação prebischiana do
sistema centro–periferia, no período de 1948 a 1981, torna-se relevante, pois, tanto em seu
ponto inicial como em seu ponto final, Prebisch fez uma crítica ao neoliberalismo
420
, cen-
trando o debate no Estado, na iniciativa privada e no mercado, porém levando em conside-
ração as relações vigentes no sistema centro–periferia e na parte periférica.
Nos anos 80 e 90, o próprio “modelo desenvolvimentista” passou a ser questionado
e “substituído” pelo novo modelo neoliberal de crescimento econômico e da inserção in-
ternacional, em meio ao processo de recomposição e reestruturação produtiva da economia
capitalista mundial, da terceira revolução industrial (SANTOS, 1994). Conforme Fernando
Pedrão (1988), na realidade, em termos internacionais estava em questão o modelo key-
nesiano” do capitalismo organizado (planejado) e, regionalmente, o “modelo substitutivo
de importações”. Fazendo uso da periodização da teoria da dependência DeD, como fase
que caracteriza a dependência periférica no desenvolvimento, entre os anos 70 e 90, foi
construída uma nova situação de dependência com o desajuste neoliberal, modernizador e
conservador. Entretanto, este novo modelo neoliberal de crescimento econômico nacional,
com sua forma de inserção internacional o foi produto da propagação do progresso c-
nico, independentemente de se verificar uma transformação produtiva (CEPAL, 1990),
mas da repactuação da hegemonia na dependência, aspecto este que o próprio Raúl Prebis-
ch levou em consideração ao revisar o sistema centro–periferia em sua crítica ao capita-
lismo periférico. A análise sobre a formação desta nova fase da dependência demanda um
estão submetidos (organismo e funcionários) e mencionou o caso da
CEPAL
que sofreu “intervenções”,
motivadas pelos interesses externos estadunidenses (cf. PEDRÃO, 1988).
420
A crítica da Raúl Prebisch ao novo liberalismo apresentada no bojo dos acontecimentos e foi elaborada
praticamente uma década antes do Consenso de Washington (1989), da Iniciativa para as Américas (cf. FI-
ELD, 1991), do som das trombetas de Fukuyama (1992b), da ALCA (Miami-1994), do Plano Colômbia e do
Governo Hugo Chaves, na Venezuela (GUIMARÃES, S., 2000; PETRAS, 2002).
467
estudo específico, capaz de tratar cada caso do desajuste neoliberal conservador realizado
na América Latina, haja vista a articulação da hegemonia interna (correlação de forças na
esfera dos Estados nacionais, seus atores públicos e privados) e suas relações externas (cf.
TAVARES e FIORI, 1996; SOARES, 2000; e GUIMARÃES, S., 2000).
Nesta perspectiva, para um estudo histórico sobre o desajuste neoliberal na Améri-
ca Latina, os escritos de Raúl Prebisch e a concepção periférica do sistema centro–periferia
podem contribuir como “ganhos líquidos” (CARDOSO, 1971; 1975). Paulo Nogueira Ba-
tista (1994) foi claro ao descrever o “Consenso de Washington” como uma política exter-
na norte-americana para a América Latina, fundamentada numa visão neoliberal dos pro-
blemas latinos e seu “receituário” (remédios amargos com efeitos colaterais!). Resumindo
outros casos de historicidade, David Ricardo elaborou uma teoria para a política externa
inglesa, List à industrialização alemã, Keynes à reconstrução das economias européias,
Rostow à geopolítica do etapismo, Hayek e Friedman ao imperialismo neoliberal, Fuku-
yama ao “triunfo final”, e Prebisch à industrialização periférica latino-americana.
A contribuição que a concepção periférica pode dar para uma interpretação do de-
sajuste neoliberal conservador foi apresentada nos oito capítulos anteriores. Esta foi a
finalidade da re-visita. Considera-se que a crítica periférica tem fôlego (suficiência teórica
e prática, para usar um termo periférico), para esclarecer o desajuste social do neolibera-
lismo na periferia e no mundo, necessário à “globalização financeira do capital”.
Ao finalizar a tese, cabem dois breves comentários para orientar os próximos pas-
sos da pesquisa: um referente à continuidade e/ou descontinuidade antineoliberal da crítica
prebischiana ao capitalismo periférico na produção cepalina posterior, nos “tempos neoli-
berais”; e, o outro ao projeto neoliberal, na perspectiva do aprofundamento do desajuste
periférico.
No início dos anos 90, a Comissão apresentou uma avaliação das reformas institu-
cionais e os resultados da transformação produtiva realizadas durante a década de 80, ten-
do presente o significado das transformações ocorridas no primeiro momento da adoção.
Nela, a Comissão fez críticas à ortodoxia das reformas. Abordou os problemas da absorção
produtiva (emprego produtivo como medida necessária à eqüidade), da inserção interna-
468
cional baseada em vantagens competitivas (autêntica) e não comparativas (espúria), da
relação atual entre progresso técnico e qualificação da mão-de-obra nos novos setores pro-
dutivos. Sugeriu mais investimentos em educação, a integração aberta (regionalismo aber-
to) e considerou que a redemocratização como um avanço político
421
. Em fins dos anos 90,
José Antonio Ocampo (1998) sistematizou uma segunda versão (enfoque) da avaliação da
Comissão, apontando a necessidade de uma segunda onda de reforma das reformas
422
.
Numa avaliação preliminar da
CEPAL
atual, Gentil Corazza (2000) apontou algumas mu-
danças de rumo na interpretação da Comissão, levando em consideração seu perfil inicial
do Manifesto de 1949 e o enfoque da “transformação produtiva com eqüidade”, numa glo-
balização inevitável
423
. Plínio A. Sampaio Jr. (1999) foi incisivo ao afirmar que a mu-
dança cepalina foi significativa, estando ela no interior do pensamento neoliberal.
Comparando-se a trajetória da crítica prebischiana, de 1949 a 1981, com a “trans-
formação produtiva com eqüidade” as diferenças são relevantes. Obviamente que um
comparativo teórico não tem a complexidade da confrontação histórica, porém os projetos
e seus protagonistas têm historicidade. No novo enfoque os pontos iniciais do conceito de
sistema centro–periferia (o papel e os campos de ação do Estado, da iniciativa privada e do
mercado) foram abordados na perspectiva das reformas liberalizantes (crise fiscal do Esta-
do, reforma do Aparelho e ajuste fiscal) e da abertura econômica
424
.
421
As principais obras são: “Transformación Productiva con Equidad” (CEPAL, 1990), Equidad y Trans-
formación Productiva: un Enfoque Integrado” (CEPAL, 1992) e El Regionalismo Abierto en América
Latina y el Caribe la Integración Económica al Servicio de la Transformación Productiva con Equidad”
(CEPAL, 1994). O artigo “CEPAL: Velas e Novas Idéias”, de Rodríguez, Burgeño, Hounie e Pittaluga
(1995) tornou-se uma referência básica. Outro artigo de destaque foi o “Neoestruturalismo versus neolibera-
lismo en los anos noventa”, de Osvaldo Sunkel e Gustavo Zuleta (Revista de la CEPAL, n. 42, diciembre de
1990. p. 35-53). Infelizmente não foi possível retomar a leitura destas obras para a tese (cf. KOLING,
1997a).
422
Após as crises financeiras do México e dos Tigres Asiáticos os principais organismos multilaterais (FMI
e BIRD) trataram de esquecer seu recente receituário dando culpa aos pacientes, e não aos médicos, pela
aplicação do tratamento. Por força da história, a própria CEPAL teve que rever sua posição apresentada nesta
segunda versão, pois elogiava o modelo dos novos países industrializados da Ásia. O envolvimento institu-
cional da Comissão com os organismos multilaterais e com os governos latino-americanos, na adoção das
reformas, comprometeu-a significativamente. Entretanto, no interior da Comissão permaneciam as diferen-
ças teóricas.
423
Para uma leitura sobre o assunto cf. Helmut Schwarzer (1993) e Jacqueline Haffer (1996). Judite Sanson de Bem
(2001) realizou um estudo sobre o neo-estruturalismo, o novo pensamento liberal e o papel do Estado (crise fiscal) no
pensamento da CEPAL.
424
Nesta matéria a obra de Milton e Rose Friedman (1980) pode ser aplicada como um manual. Assim, o
que eles haviam proposto para um novo liberalismo nos Estados Unidos, foi seguido pelos organismos
multilaterais (FMI e BIRD) nas renegociações da divida externa, e pelo Consenso de Washington, enquanto
469
Em textos seguintes, a própria Comissão admite que houve mais transformação
produtiva do que eqüidade. Ao analisar o processo mais recente da modernização conser-
vadora, Maria da Conceição Tavares considerou válida a tendência da vulnerabilidade ex-
terna periférica apresentada por Raúl Prebisch no “Manifesto de 1949”. Acrescentou que a
crise financeira externa vivida pelos países latino-americanos, no pós-1979, não teve pre-
cedente (em comparação com o período de 1949/79) e suas implicações comprometeram o
desempenho econômico no período seguinte. A própria Comissão (1990, 1992) denomi-
nou os anos 80 como “a década perdida”. Tavares, por sua vez, considerou aquela década
como um período de “transformação produtiva sem eqüidade” (In: TAVARES e FIORI,
1996, p. 63).
Finalmente, o segundo comentário dos indicativos para o prosseguimento da pes-
quisa, diz respeito às possibilidades da crítica prebischiana (1948/1981) ser utilizada para
uma avaliação das implicações do projeto neoliberal e da
ALCA
no aprofundamento do
desajuste periférico
425
. Como este assunto foi tratado nos capítulos, basta retomar alguns.
A crítica prebischiana à teoria do livre-mercado deu origem ao conceito centro–
periferia, com sua heterogeneidade e dependência, para contestar a tese das vantagens
comparativas na divisão internacional do trabalho. O sistema centro–periferia era a própria
forma de organização internacional do livre-comércio. Além de afirmar que o livre-
comércio favoreceria os países centrais e reproduziria a dependência estrutural, por diver-
sas vezes Prebisch indicou que os centros estabeleciam sua política externa e interna (pro-
tecionismo) a partir dos seus interesses. Enquanto que externamente podem se interessar
pelo livre-comércio, internamente adotam medidas protecionistas.
Prebisch desenhou os papéis das partes no sistema a partir da exportação primária
(periferia) e de manufaturas (centros), tendo como critério o progresso técnico, porém esta
é uma descrição simples e formal do sistema centro–periferia. O conteúdo das relações e
da dependência tinha por base a capacidade interna de interferir no desenvolvimento da
outra parte (hegemonia), no movimento reflexo.
tilaterais (
FMI
e
BIRD
) nas renegociações da divida externa, e pelo Consenso de Washington, enquanto
política externa para a América Latina.
425
A
CEPAL
, o
BID
e a
OEA
prestam assessoria aos governos dos países membros da Cúpula de Miami, na
agenda da
ALCA
.
470
Em tempos neoliberais é oportuno retomar um ponto muito simples que Prebisch
incluiu no debate para desmontar a falácia da teoria do livre–comércio: questionou ele se
existia ou não a mobilidade internacional da força de trabalho, sem a qual o como
falar de pleno livre–mercado!
426
O caso do Acordo de Livre–Comércio da América do
Norte (
NAFTA
) e o controle das fronteiras dos Estados Unidos com o território do México
bastam para exemplificar outra falácia. Além disto, a
ALCA
, como um
NAFTA
-plus, tam-
bém vai pelos ares.
ALCA
leve, em dois tempos, escalonada muda seu caráter livre-
cambista?
Na pauta do acordo da
ALCA
este assunto não consta. Samuel Pinheiro Guimarães
(2000) abordou o assunto, esclarecendo que os governos dos países membros não reivindi-
cam a inclusão deste ponto na ordem do dia. Há, portanto, um tratamento diferenciado
entre o capital e o trabalho na Cúpula de Miami e no interior dos Estados nacionais. Não
bastasse isto, na estrutura organizacional o Foro (Cúpula) dos Empresários têm vínculos
com a oficialidade da Cúpula de Miami.
O artigo 1106, do
NAFTA
, sobre os “requisitos de desempenho”, estabelece as re-
gras para os investimentos e as transferências de lucros, sobrepondo os interesses do capi-
tal/empresas aos dos Estados nacionais (cf. RMALC, 2000; BARLOW, 2001). Do México
vem outros exemplos das maquilladoras, da degradação do meio ambiente, patenteamento
da biodiversidade e dos processos movidos por empresas estrangeiras contra governos
locais (municipalidades e províncias), requerendo indenizações pelas perdas nos ganhos
(lucros). Empresas norte-americanas também processaram o governo canadense exigindo
indenizações e desregulamentações sobre saúde pública e meio ambiente (cf. SALAZAR e
CARLSEN, 2001; ACJR, 2000).
Numa análise de conjunto da crítica sobre a crise estrutural do capitalismo perifé-
rico (luta distributiva e mudança regressiva), da vulnerabilidade periférica diante das gran-
des crises cêntricas e da retomada do novo liberalismo, nos anos 70, e da década perdida
(anos 80), pode-se ter um referencial para o estudo das estratégias das estruturas hegemô-
426
Ao tratar das implicações do golpe militar ocorrido na Argentina, em 1976, e da adoção de medidas de-
sindustrializantes, Raúl Prebisch citou a evasão de cérebro. Samuel Pinheiro Guimarães (2000) diferenciou
os interesses dos Estados hegemônicos ao discriminar a imigração da o-de-obra o-especializada e fo-
mentar a capacitação e a receptividade de cientistas dos países periféricos.
471
nicas de poder na implantação do projeto neoliberal em países latino-americanos. Como o
desajuste neoliberal teve um caráter regressivo nas relações de poder nele se incluem a
necessidade de restabelecer a acumulação do capital (aqui o conceito capital não tem o
significado de excedente da economia política liberal), da repactuação hegemônica nacio-
nal e internacional, do controle do Estado e o uso da força e do desmonte da força política
e sindical das classes trabalhadoras que Raúl Prebisch apresentou na crítica ao capitalismo
periférico. O caráter regressivo também pode ser avaliado a partir da desregulamentação
do Estado, da privatização do setor público, na formação de uma opinião pública favorável
às medidas liberalizantes, na construção da governabilidade e de um governo forte (demo-
crático ou não) e na sagração constitucional (reformas constitucionais) do novo sistema,
enquanto Estado de Direito. Portanto, uma leitura atenta dos textos da crítica ao capita-
lismo periférico e da crítica ao novo liberalismo (Hayek e os Friedman), permite avançar
na interpretação do neoliberalismo (nova fase do capitalismo) e acompanhar, passo a pas-
so, o desajuste social e o fetiche do livre–mercado: o poder soberano do mercado, a segu-
rança na sinalização dos preços (oferta e procura) e a soberania do consumidor
427
.
Como superar a condição periférica diante disto? Existe Uma periferia? Se existe o
caminho periférico é passar Pela Periferia das cidades e dos campos.
Internacionalmente: multilateralismo comercial, diplomático e integracionista.
No espaço nacional: Coisa Pública.
Em ambos: Uma periferia ... Pela periferia!
427
“Enquanto os ideólogos do livre mercado argumentam que o investimento estrangeiro e o livre comércio
são as únicas alternativas ao desenvolvimento econômico, nós poderíamos argumentar que outra abor-
dagem que assegura o crescimento de longo prazo e em larga escala as vantagens do desenvolvimento
capitalista –, ao mesmo tempo que minimiza os custos sociais, políticos e econômicos. Argumentamos em
dois níveis: primeiro, que o desenvolvimento centrado no setor público é muito superior ao centrado no
setor privado (nacional ou estrangeiro) e que a propriedade social dentro do setor público é superior à
propriedade estatal” (PETRAS, 1999, p. 55).
472
FONTES DE PESQUISA E
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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FONTES:
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Site: http://www.bce.unb.br/
BIBLIOTECA CENTRAL UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS (UNI-
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Site: http://www.unicamp.br/bc/
BIBLIOTECA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ (UFPR). Curiti-
ba/PR.
BIBLIOTECA DA COMISSÃO ECONÔMICA PARA AMÉRICA LATINA (CE-
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da Rede de Biblioteca da Comissão
Site: http://www.eclac.cl/
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BIBLIOTECA DO ESCRITÓRIO DA CEPAL EM BRASÍLIA. Brasília/D.F.
Site: http://www.eclac.cl/brasil/
BIBLIOTECA PARTICULAR DO PROF. DR. DORIVALDO WALMOR POLET-
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BIBLIOTECA PARTICULAR DA PROFª. DRª. EULÁLIA L. LOBO (UFF).
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BIBLIOTECA PÚBLICA DE CURITIBA. Curitiba/PR.
BIBLIOTECA SETORIAL DO INSTITUTO DE CIÊNCIAS ECONÔMICAS (U-
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BIBLIOTECA SETORIAL DO INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS – IFCH,
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CAMP).Campinas/SP.
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DE ESTADUAL DE CAMPINAS (UNICAMP). Campi-
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FUNDAÇÃO ALEXANDRE GUSMÃO (Governo do Brasil/Itamaraty – Ministério
das Relações Exteriores). Brasília/D.F.
474
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160
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2.4.2 – Obras (estudos) de síntese do pensamento da CEPAL:
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Fonte: Apud: CEPAL. Estudio económico – 1950, p. 24 (Quadro 6)
Obs.: Tabela organizada a partir das informações do Quadro 6.
(*) Colunas incluídas pelo autor.
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Fonte: Tabela organizada pelo autor a partir das informações do Quadro 6 (Apud: CEPAL. Es-
tudio económico – 1950, p. 24).
(a) Variação Absoluta: diferença entre o saldo (positivo e/ou negativo) de 1947 e 1950.
(b) Saldo Real: déficit e/ou superávit acumulado durante o período de 1947 a 1950.
Obs.: SALDOS COMERCIAIS COM OS EUA: Variação Absoluta do saldo da balança comercial
do país e/ou região é calculada a partir dos dados entre os anos limites de 1947 e de 1950, e indica a
capacidade de crescimento que cada economia apresentou, tanto em termos da redução do déficit
comercial, quanto do aumento do saldo positivo; ou mesmo da mudança de uma situação para outra
(de déficit para superávit; e vice-versa). No caso de um país passar de uma situação de saldo negati-
vo para positivo, o movimento geral incorpora o montante de ambos os lados.
Por exemplo. A Argentina partiu de um saldo negativo de 526 milhões de dólares, em 1947,
para um saldo favorável de 61, em 1950, o que representa que a variação absoluta da balança co-
mercial apresentou uma diferença no crescimento na ordem de 587 milhões de lares, apesar de
acumular um saldo real negativo de 698 milhões de dólares no período. A realidade do saldo real
acumulado indica a situação em termos de capacidade de importação de cada país e/ou região du-
rante o período, ou seja, a incorporação, positiva e/ou negativa, somados ano a ano.
503
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Fonte
: PREBISCH, Raúl. “Interpretação do processo de desenvolvimento econômico..., p. 31
(*) Coluna incluída pelo autor para destacar as
variações anuais entre os itens: exportações (A)
e importações (B)
504
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Fonte
: PREBISCH, Raúl. “Interpretação do processo de desenvolvimento econômico..., p. 36
505
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Fonte
: PREBISCH, Raúl. “Interpretação do processo de desenvolvimento econômico.., p. 40
(Quadro 5-A)
506
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IMPORTAÇÕES TOTAIS DO REINO UNIDO - (1870-1949)
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Fonte: PREBISCH, Raúl. “Interpretação do processo de desenvolvimento econômico..., p. 42 (Quadro
5-A)
507
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Créditos
Autorizados
Países
concessionários
1947 1948 1949
Utilizados até
Dez./1949
Amortizados a
Dez./1949
Argentina 93,7 93,7 93,7 0,6 0,1
Bolívia 20,7 21,0 37,0 20,9 2,2
Brasil 263,4 283,7 287,5 164,3 64,0
Colômbia 51,7 61,7 65,3 45,3 23,0
Costa Rica 8,7 8,7 8,7 7,3 0,7
Cuba 90,4 90,4 90,4 56,2 45,6
Chile 89,7 111,3 141,6 89,4 32,9
Equador 20,3 20,3 27,6 13,3 2,5
El Salvador 1,7 1,7 1,7 1,5 0,5
Haiti 13,4 17,4 17,4 10,7 5,7
Honduras 2,7 2,7 2,7 1,0 0,7
México 154,1 155,6 155,7 119,8 42,1
Nicarágua 5,2 5,2 5,2 4,7 3,1
Panamá 4,5 6,5 6,5 3,6 2,5
Paraguai 7,8 7,8 7,8 6,2 2,2
Peru 37,4 37,4 37,4 0,4 0,1
Rep. Dominicana 3,3 3,3 3,3 3,3 2,9
Uruguai 43,6 43,7 43,7 14,3 0,7
Venezuela 42,5 47,3 52,5 8,0 4,3
Fonte: Apud: CEPAL. Estudio econômico –1949, p. 551
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Fonte: Apud: CEPAL. Estudio económico – 1951-1952, p. 111 (Quadro 82)
(a) Total vigente deduzidos os empréstimos cancelados.
(b) O total não corresponde a soma dos anos devido aos cancelamentos.
508
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FAIXAS DE TAMANHO
QUANTIDADE % DO TOTAL
% DA ÁREA
Menos de 5 87.790 49,1 0,6
5 a 20 41.437 23,2 1,9
20 a 100 32.348 18,1 5,8
100 a 500 12.281 6,9 10,5
500 a 1.000 2.220 1,2 6,1
Mais de 1.000 2.806 1,5 75,1
TOTAL
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510
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PAÍS
REMUNERAÇÃO
DO TRABALHO
(a)
OUTRO TIPO
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(b)
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Fonte: CEPAL. Estudio Económico – 1948. p. 244 (Quadro 81)
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VALOR DOS PRODUTOS MANUFATURADOS NO TOTAL DAS
EXPORTAÇÕES DE QUATRO PAÍSES LATINO-AMERICANOS
ANO ARGENTINA BRASIL CHILE XICO
1937 1,0 0,5 1,4 -
1938 2,3 0,4 1,9 2,4
1943 19,4 19,7 6,5 28,9
1946 11,2 7,4 8,1 37,5
1947 3,9 7,7 7,4 24,3
Fonte: CEPAL. Estúdio Económico – 1948. p. 239 (Quadro 78)
512
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$$ 2 2 2 2
L  2 2 2 2
& 8  2 2 2  2
= !  2  2 2 2 
L  2  2  2 2 
7 !  2 2  2 2
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Fonte: CEPAL. Estudio Económico – 1948. p. 246 (Quadro 82)
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KK
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2;161L6
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? ==Y %10 9 ! 5 12"#T 10 3 !"!"#$&
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Fonte: CEPAL. Estudio Económico – 1948. p. 247 (Quadro 83)
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