Download PDF
ads:
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL
FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA
CERAMISTAS PRÉ-COLONIAIS DO LITORAL NORTE
Gustavo Peretti Wagner
Dissertação apresentada como
requisito parcial para obtenção
do título de Mestre em História.
Orientador: Prof. Dr. Klaus Hilbert
Porto Alegre, julho de 2.004
ads:
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
Em memória de
Bianca Demore
ads:
Agradecimentos
Agradeço primeiramente à Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul
pela possibilidade de utilizar suas dependências na feitura deste trabalho.
Agradeço sinceramente ao CNPq pelo financiamento de meus estudos através da
bolsa de iniciação científica, pela qual ingressei no estudo da Arqueologia. Deste fato
resulta o presente trabalho de Dissertação igualmente financiado por tal instituição.
Ao professor Dr. Klaus Hilbert devo especial gratidão pela orientação, pela
paciência e dedicação a esta pesquisa, bem como aos momentos alegres e descontraídos
vividos no dia-a-dia do CEPA.
Minha sincera gratidão ao arqueólogo And Luiz Jacobus pela ajuda prestada e
pelas informações referentes à localização dos sítios arqueológicos prospectados por Eurico
Miller, cujo acervo encontra-se no MARSUL. Agradeço também pelas informações acerca
dos vestígios faunísticos de alguns dos sítios pesquisados.
Dedico igualmente minha sincera gratidão às críticas e contribuições feitas pela Dr.
Adriana Schmidt Dias no decorrer destes dois anos.
Agradeço a Ana Carle pela análise dos vestígios malacológicos encontrados em
alguns dos sítios trabalhados aqui.
Agradeço a Gislene Monticelli pela colaboração e indicações bibliográficas, bem
como pelos momentos de descontração no CEPA. Agradeço igualmente pelo convite a
fazer parte da equipe de campo que escavou os sítios impactados pelas obras de duplicação
da BR-101.
Agradeço a Márcia Lara da Costa por conceder a “custódia” de boa parte da
biblioteca do CEPA durante o período de redação deste trabalho. Minha gratidão aos
amigos, Júnior Domiks, Sirlei Hoeltz, Cláudio Carle, Ana Carle, Mirian Carle (são muitos
Carles), Júlio Steglich, Magda Nunes, Cláudia Uessler, Lizete Oliveira, Desirée Cunha,
Etiene Rousselet, Renata Raubert, Angela Cappelletti, Cristiano Culau e Rafael Scavone.
Agradeço à minha namorada, Caroline Ximendes de Melo, pelo amor e pela
paciência com o monopólio daquele que parecia ser o único assunto existente: esta
dissertação.
Agradeço aos estagiários Vanessa Lamb e Emanuel Pergher pela ajuda prestada.
Agradeço ao professor Me. Harry Bellomo por ter primeiro me incentivado a seguir
o caminho da pesquisa. Agradeço também aos inúmeros momentos de alegria junto aos
colegas de pesquisa cemiterial Mateus Dalmáz (ao menos mais alguém acredita no Inter),
Fábio Steyer, Fábio Dullius, Daniel Leite, Thiago Nicolau de Araújo, bem como ao
membro honorário: Geraldo Hoffmann.
Agradeço aos meus pais, Marina Helena Peretti Wagner e Ivan Duarte Wagner pelo
apoio e dedicação durante estes anos todos.
Agradeço finalmente aos demais familiares e amigos pelo apoio e incentivo nos
momentos difíceis e desanimadores.
SUMÁRIO
Introdução...............................................................................................................................8
Parte I – O Cenário
Capítulo I
O Paleoambiente da Planície Costeira..................................................................................12
Parte II – Os Atores
Capítulo II
Horticultores do Planalto (tradição Taquara)........................................................................34
Capítulo III
Horticultores Guaranis (tradição Tupiguarani).....................................................................52
Parte III – Os Atores no Cenário
Capítulo IV
Modelos de Ocupação Pré-colonial no Litoral......................................................................73
Capítulo V
O Uso do Espaço pelos Horticultores do Planalto................................................................98
Capítulo VI
O Uso do Espaço pelos Horticultores Guaranis..................................................................119
Capítulo VII
Espaço, Espacial, Assentamento, Padrão, Sistema...
Conceitos para a Relação do Homem com o Ambiente......................................................145
Parte IV – Horticultores Pré-coloniais do Litoral Norte do Rio Grande do Sul
Capítulo VIII
Horticultores Pré-coloniais no Litoral Norte.......................................................................179
Capítulo IX
Dos Contatos Entre os Grupos Ceramistas Pré-coloniais do Litoral Norte........................255
Considerações Finais...........................................................................................................290
Bibliografia Consultada......................................................................................................308
Anexos................................................................................................................................321
Introdução
A Planície Costeira do Rio Grande do Sul têm sido alvo de diversas pesquisas
arqueológicas durante os dois últimos séculos. em fins do século XIX iniciaram as
primeiras incursões na região. Destacam-se as pesquisas de Carlos von Koseritz em 1.884,
Theodor Bischoff em 1.887; Herman von Ihering 1.895; Rudolf Gliesch, em 1.925, entre
outros. Tais pesquisas foram realizadas no litoral central e norte, priorizando as regiões de
Torres, Osório, Tramandaí e Cidreira.
Na década de 1.930, o arqueólogo argentino Antônio Serrano tratou de examinar
parte destas coleções que pertenciam a Balduino de Freitas e Juan Kern e também à
instituições de Porto Alegre, São Leopoldo, Pelotas, Rio Grande, São Paulo e Santa
Catarina. Publicou suas conclusões entre 1.937 e 1.940. Seguindo o trabalho arqueológico,
Ruschel (1.966) e Frediani (.1952) estiveram em vinte tios do litoral norte em meados da
década de 1.940. Ruschel prosseguiu seus trabalhos na região até os anos 1.960.
Em 1.964 começou o levantamento arqueológico patrocinado pelo Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional, através da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de São
Leopoldo e o Instituto Anchietano de Pesquisas. No ano seguinte o PRONAPA iniciou suas
atividades no Estado.
As pesquisas neste período são marcadas por uma uniformidade metodológica. Os
arqueólogos que trabalham no Rio Grande do Sul utilizam a mesma nomenclatura e
possuem, basicamente, os mesmos objetivos.
Estes pesquisadores trabalharam em diferentes tipos de sítios arqueológicos e
tinham como objetivo primordial o estabelecimento de fases, com posicionamentos
cronológicos e espaciais, a partir de um contexto cultural. Não eram empreendidas
escavações em áreas amplas, pois a preocupação consistia na localização das culturas no
tempo e no espaço.
O Programa Nacional de Pesquisas Arqueológicas publicou periodicamente o
resumo das pesquisas desenvolvidas nas diversas regiões do Brasil. O Estado do Rio
Grande do Sul contava com um considerável número de profissionais, em comparação com
outros estados da federação, o que resulta em uma ampla cobertura das regiões e bom
número de dados já sistematizados.
No que tange ao litoral setentrional do nosso estado, Eurico Miller, pesquisador do
Museu Arqueológico do Rio Grande do Sul (MARSUL), identificou ainda no final da
década de 1.960 diversos sítios arqueológicos, especialmente nas áreas de Torres e Itapeva
e nas imediações de Osório e Tramandaí, tendo escavado também o primeiro abrigo sob-
rocha do Litoral Norte, o Cerrito Dalpiaz (RS-LN-01).
na década de 1.970 e 1.980, Arno Kern realizou pesquisas arqueológicas nos
sítios de Itapeva e Xangri-lá (1.984 e 1.985). Nesta época, os trabalhos eram coordenados
por Arno Kern, Fernando La Salvia e Guilherme Naue (1.983), membros do Centro de
Estudos e Pesquisas Arqueológicas - CEPA, da PUCRS.
Klaus Hilbert, durante o desenvolvimento do projeto de “Estudos Arqueológicos no
Litoral Norte do RS”, no ano de 1.996, realizou escavações em sítios na praia de Itapeva e
proximidades, onde localizou e cadastrou outros vinte e um sítios arqueológicos.
Seguem-se a estes os trabalhos de salvamento arqueológicos em obras de
engenharia, com destaque para o salvamento dos tios impactados pela duplicação o BR-
101 e pavimentação da RS-486, mas estas pesquisas serão exaustivamente exploradas no
decorrer desta dissertação.
O presente trabalho se insere em uma tentativa de sistematizar os dados referentes a
alguns sítios localizados na Planície Costeira. Nosso enfoque tem como temas centrais os
sistemas de assentamento dos grupos Ceramistas Pré-coloniais do Litoral Norte do Rio
Grande do Sul e os fenômenos de contatos e interações culturais que ocorreram entre estes
grupos, e com os colonizadores europeus.
Nossa base documental são as pesquisas realizadas na área por arqueólogos desde as
décadas de 1.950 e 1.960, bem como os resultados dos trabalhos de Arqueologia em obras
de engenharia, como por exemplo, a duplicação da BR-101 e pavimentação da RS-486.
Optamos por apenas estes dados, em detrimento às informações de naturalistas e viajantes
que percorreram a área desde fins do século XIX, em função das atenções metodológicas
terem sido introduzidas apenas ao final da década de 1.950, subsidiando-nos com dados de
diferentes ocupações para um mesmo sítio, suas dimensões, datação relativa e algumas
informações estratigráficas.
Nesta perspectiva, nosso trabalho foi dividido em quatro partes, tendo em vista a
organização dos conhecimentos bem como facilitar nossa compreensão.
A primeira parte está intitulada “O Cenário”. Nela, procuramos apresentar um
quadro geral das condições ambientais holocênicas e as transformações que moldaram as
paisagens em que os diferentes grupos humanos se adaptaram. Em apenas um capítulo
sintetizamos as características climáticas que determinaram os avanços e retrocessos da
linha de costa, os quais são responsáveis pela sedimentação da Planície Costeira. Tais
eventos são de fundamental importância para o entendimento dos processos de expansão
das diversas coberturas vegetais que constituíram o paleoambiente do Litoral Norte.
A segunda parte foi denominada “Os Atores”, a qual é composta por dois capítulos
onde introduzimos os personagens que fazem parte da história que estamos contando. Para
tanto, elaboramos sínteses sobre os Horticultores do Planalto (a tradição Taquara), e os
Horticultores Guaranis (a tradição Tupiguarani), onde mostramos as adaptações culturais e
os modos de vida que cada um dos grupos desenvolveu ao longo de sua história.
A terceira parte desta dissertação procurou inserir as populações humanas no “pano
de fundo” paleoambiental, recebendo o título “Os Atores no Cenário”. Os quatro capítulos
desenvolvidos em tal momento procuram compreender a atuação dos grupos no meio
natural.
Inicialmente levantamos a documentação bibliográfica acerca dos modelos
hipotéticos explicativos que se dedicam ao litoral setentrional do Rio Grande do Sul e áreas
contíguas, buscando subsídios para o entendimento das relações estabelecidas pelas
diferentes comunidades com os nichos que ocuparam. Acreditamos não ser possível
compreender o processo de povoamento desta região isoladamente, procurando então,
compreendê-la de forma mais ampla.
O segundo capítulo desta terceira parte procura trazer ao leitor as diferentes formas
que os Horticultores do Planalto utilizaram os espaços que os cercaram, como se
relacionaram com o meio ambiente do alto do Planalto Meridional, de suas encostas
escapadas e, finalmente, quais sistemas de uso dos espaços utilizaram no Litoral Norte.
O capítulo seguinte refere-se aos Horticultores Guaranis e suas relações com os
ambientes circundantes. Como grupos adaptados à vida em densas matas tropicais e
ribeirinhas, ocuparam os refúgios da Mata Atlântica, os quais estão localizados no sopé da
Serra Geral. Procuramos realizar uma rápida revisão bibliográfica acerca das adaptações
destas populações no litoral do território brasileiro, incorporando alguns dados acerca dos
países sulinos vizinhos.
O quarto capítulo desta terceira parte procurou definir os conceitos teóricos que
utilizamos para compreender a ocupação dos Ceramistas Pré-coloniais do Litoral Norte.
A quarta e última parte deste trabalho intitula-se “Ceramistas Pré-coloniais no
Litoral Norte”, e divide-se em dois capítulos. O primeiro deles apresenta os dado existentes
sobre alguns sítios arqueológicos dos grupos horticultores guaranis e do planalto
localizados no litoral setentrional. Procuramos sintetizar as informações oriundas das
pesquisas do Programa Nacional de Pesquisas Arqueológicas, de alguns trabalhos
independentes, bem como dos trabalhos de Arqueologia em obras de engenharia.
O último capítulo de nossa dissertação enfoca os contatos que se deram entre os
grupos horticultores que habitaram o litoral setentrional. Em um primeiro momento,
buscamos compreender os processos de dispersão das populações na referida área e os
encontros e/ou confrontos decorrentes de tais movimentações. Em seguida, passamos a
interpretar os dados referentes à chegada das frentes de colonização portuguesas, e as
mudanças, sejam através dos contatos ou mesmo pela pressão territorial imposta, causadas
por estas nos sistemas de assentamento indígenas.
Capítulo I
O Paleoambiente da Planície Costeira
A compreensão das condições ambientais é um fator relevante para o entendimento
das estratégias adaptativas das populações pré-coloniais do Rio Grande do Sul. Entendemos
aqui, como ambiente, a conjunção das características geomorfológicas, botânicas,
climáticas e faunísticas, as quais estruturaram os diferentes cenários em que atuaram as
populações que antecederam os colonizadores europeus.
Neste capítulo pretendemos esboçar uma seqüência de oscilações dos níveis
marinhos no Litoral Norte do Rio Grande do Sul e suas influências para a formação das
paisagens litorâneas, bem como as mudanças paleoambientais ocorridas nesta área. Para
tanto, começaremos descrevendo as três grandes flutuações pleistocênicas, visto que são
formadoras de boa parte das paisagens atuais do Estado. Em seguida, nos deteremos em
esboçar a seqüência das oscilações marinhas e climáticas do Holoceno, tendo em vista as
especificidades geológicas e geomorfológicas sul-rio-grandenses.
O estudo das paleolinhas costeiras é bastante complexo. até bem pouco tempo,
as variações eustáticas que formavam linhas costeiras eram consideradas uniformes, ou
seja, as linhas de costa eram iguais em todo o mundo, sendo possível estabelecer linhas
padronizadas para o planeta. Tal esquema era proposto por Fairbridge
1
(1.961), porém, com
o avanço das pesquisas, as variações eustáticas padronizadas mostraram-se irreais. Sendo
assim, torna-se possível apenas estabelecer linhas de costa locais, em regiões específicas,
pois os níveis marinhos estão associados às peculiaridades geomorfológicas de cada região.
1
FAIRBRIDGE, R.W. Eustatic changes in sea level. London: Pergamom Press, 1.961.
Além disso, as flutuações do nível relativo do mar resultam das variações reais do nível
marinho (eustasia) e das modificações do nível dos continentes (tectonismo e isostasia). Os
níveis continentais são controlados pelos movimentos tectônicos que afetam
constantemente a crosta terrestre, pelos movimentos isostáticos ligados à formação ou
desaparecimento das calotas glaciais e à erosão dos continentes, e por último, pelas
deformações no geóide continental, dado pelas forças internas que atuam sob a crosta
terrestre. Os níveis oceânicos, por sua vez, são controlados pelas modificações no volume
das bacias oceânicas em conseqüência da tectônica de placas, pelas variações do volume
das águas marinhas em função das glaciações e deglaciações e, finalmente, pelas
deformações da superfície dos oceanos
2
.
Patrick Delaney em “Fisiografia e Geologia de Superfície da Planície Costeira do
Rio Grande do Sul”, publicada no ano de 1.965, expunha a complexidade da história do
Pleistoceno
3
da Planície Costeira. Atribuía tal fato às diversas formações geológicas que
constituem a região, bem como ao mosaico de vegetações e climas variados nela
existentes
4
. Com o avanço das pesquisas nesta área, hoje dispomos de uma quantidade
maior de informações sobre a evolução da costa sul-rio-grandense, o que nos leva a ratificar
as palavras do autor.
Variações das paleotemperaturas determinadas através da oscilação do conteúdo
isotópico de oxigênio em carapaças de foraminíferos obtidas em testemunhos de
2
SUGUIO, Kenitiro et all. Flutuações do nível relativo do mar durante o Quaternário Superior ao longo do
litoral brasileiro e suas implicações na sedimentação costeira. In: Revista Brasileira de Geociências. São
Paulo: [s.e.], 1.985. V. XV. p. 273 – 274.
3
Período que segue ao Plioceno e marca o início do Quaternário. Durou aproximadamente cerca de 1 milhão
de anos, tendo sido neste período em que surgiram grande parte das espécies atuais. GUERRA, Antônio T.
Dicionário geológico e geomorfológico. 4 ed. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Geografia, 1.972. p. 337.
4
DELANEY, Patrick J. V. Fisiografia e geologia de superfície da planície costeira do Rio Grande do Sul.
Porto Alegre: Gráfica da Universidade do Rio Grande do Sul, 1.965. (Publicação especial n.º 6).
sedimentos colhidos no fundo do oceano, mostram que nos últimos 750.000 anos estes
ciclos têm se repetido a intervalos, mais ou menos regulares, de 100.000 anos. Em cada um
deles, as temperaturas baixaram gradativa e lentamente formando um período glacial, para
depois subirem rapidamente até o máximo interglacial. Estas variações são decorrentes de
mudanças na quantidade de insolação nas faixas de latitudes elevadas do hemisfério norte,
controladas por ciclos astronômicos considerados como verdadeiros “marcapassos” das
glaciações, pois produzem oscilações térmicas, resultando em fusão ou derretimento das
calotas de gelo, e consequentemente, subidas ou descidas das águas marinhas. Estes ciclos,
também conhecidos como Ciclos de Milankovitch, relacionam-se com mudanças orbitais e
axiais do planeta, ou seja, a excentricidade da órbita (periodicidade de 96.000 anos),
inclinação axial (periodicidade 21.000anos)
5
.
O clima pleistocênico era visto pelos primeiros estudiosos como um período em que
as temperaturas médias seriam próximas às atuais, em torno de 15
º
C, que teriam sido quatro
vezes modificadas em função dos períodos glaciais. Com o avanço das pesquisas
paleoclimáticas, hoje os estudiosos atribuem ao Pleistoceno um período muito seco e frio,
com temperaturas variando em torno dos 5
º
C, com grandes baixas nos ciclos glaciais.
As paisagens litorâneas do Rio Grande do Sul passaram por diversas modificações
ao longo de sua história geológica. Por diversas vezes, o litoral foi invadido pelas águas
marinhas e descoberto em seguida, trilhando um longo caminho até sua formação atual.
Durante o Quaternário
6
quatro importantes ciclos de regressões e transgressões são
conhecidos, e sabemos que são decorrentes das influências dos períodos glaciais.
5
TOMAZZELI, Luiz J. & VILLWOCK, Jorge A. Notas técnicas. Centro de Estudos de Geologia Costeira e
Oceânica. Porto Alegre, dezembro de 1.995. N.º 8. p. 7.
6
Compreende o período da história da Terra decorrido desde fins do Terciário até os dias atuais. Encontra-se
dividido em duas partes, o Pleistoceno e o Holoceno.
O avanço das geleiras causou a diminuição das temperaturas do ar e do mar.
Ocasionou nas regiões tropicais e subtropicais uma redução das precipitações nos terrenos
pouco elevados, como é o caso da Planície Costeira do Rio Grande do Sul. Dessa forma, os
climas que eram úmidos foram se tornando áridos ou semi-áridos.
As fases semi-áridas com formação de pedimentos
7
correspondem a períodos de
níveis marinhos baixos. Sendo assim, as fases semi-áridas relacionam-se com os eventos
glaciais do Pleistoceno. Nestes períodos as florestas ficaram reduzidas a refúgios isolados
onde as condições climáticas permitiam sua sobrevivência. Já em fases mais quentes e
úmidas, as florestas atingiram seus máximos expansivos. Bigarella afirma que “...os
sedimentos de idade glacial pleistocênica contêm predominantemente pólen de vegetação
de campo, sugerindo para o Brasil uma paisagem constituída de ‘savanas’(cerrados) ou
pampas, ao em vez de florestas subtropicais.(...)”
8
No Litoral Norte do Rio Grande do Sul, os vales encaixados dos rios que sulcam o
planalto e deságuam na Planície Costeira, provavelmente consistiriam em refúgios para as
matas tropicais atlânticas, abrigadas pelas escarpas basálticas.
Durante as glaciações houve profundas mudanças na distribuição das massas de ar e
nos sistemas dos ventos. Os índices de temperatura global foram também afetados pela
presença das geleiras e da transferência de calor através das correntes marinhas e dos
ventos. Além disso, as células de alta pressão , tanto do Atlântico Sul como do Pacífico Sul,
deslocaram-se para o norte. Nestas condições, o continente sul-americano era varrido por
7
“Segundo a definição original, o termo pedimento é puramente descritivo (Gilbrt, 1882; McGree, 1897),
referindo-se a toda superfície de erosão suavemente inclinada situada no sopé de escarpas ou de vertentes
mais íngremes.(...)” BIGARELLA, J.J., Andrade-Lima, D. & Rihes, P. Considerações a respeito das
mudanças paleoambientais na distribuição de algumas espécies vegetais e animais no sul do Brasil. Anais da
Academia Brasileira de Ciências, 1.975. p. 417.
8
BIGARELLA, LIMA & RIHES. Op. cit., p. 453.
ventos secos que originavam condições de semi-aridez ou até mesmo de aridez sobre a
maior parte do território.
“A redução da radiação solar durante as fases
glaciais e o conseqüente abaixamento da
temperatura oceânica (acompanhado do
deslocamento para o norte do anticiclone do
Atlântico Sul) reduziu a evaporação no cinturão dos
ventos alísios. Este fato restringiu a precipitação
sobre o Brasil conduzindo a mudanças climáticas
sistemáticas nos padrões da vegetação. As áreas
anteriormente cobertas por florestas , passaram a
vegetação aberta expondo o solo a ação direta das
chuvas.(...)”
9
Nos períodos interglaciais a evaporação aumenta, e com ela a umidade do ar, o que
ocorre em função dos oceanos serem mais quentes. Com o aumento da insolação, e portanto
da evaporação, torna-se mais intenso o regime de chuvas. As latitudes com insolação
tropical e subtropical apresentam um regime pluvial de chuvas pesadas no verão e um
inverno seco.
Cada um dos eventos transgressivos-regressivos glaciais origem a um sistema
deposicional do tipo Laguna-Barreira, os quais descreveremos a seguir. Para esta tarefa,
usaremos o esquema evolutivo da Planície Costeira do Rio Grande do Sul proposto por
Tomazelli e Villwock
10
.
9
BIGARELLA, LIMA & RIHES. Op. cit., p. 456.
10
Tomazelli et al. (1.987), Villwock (1.972, 1.984), Tomazelli & Villwock (1.995).
O sistema deposicional do tipo Laguna-Barreira, proposto por aqueles autores,
implica na existência contemporânea e interligada de três subsistemas deposicionais
geneticamente relacionados. O primeiro é o subsistema lagunar, o segundo é o subsistema
de barreira
e o último é o subsistema de canal de ligação ou “inlet”. Em síntese, este
esquema procura explicar a evolução da Planície Costeira a partir do desenvolvimento de
vários sistemas deposicionais do tipo Laguna-Barreira, sob a influência das flutuações do
nível do mar transcorridas durante o Quaternário. No entanto, apenas os dois primeiros
subsistemas corroboram com os objetivos do nosso trabalho, assim sendo, nos deteremos
em utilizá-los, em detrimento do terceiro subsistema. No anexo 1 está um perfil
esquemático da formação das cristas de praia formadas em cada um dos sistemas Laguna-
Barreira mencionados acima.
O primeiro ciclo transgressivo-regressivo quaternário do qual temos registro (Günz
ou Nebraskan), deu origem ao sistema deposicional Laguna-Barreira I, e tem idade de
aproximadamente 400.000 anos (ou 400 ka). O anexo 2 apresenta um mapa de localização
dos sistemas deposicionais que descreveremos a seguir.
O Sistema Lagunar I (Terraço Lagunar I), ocupou as terras baixas situadas entre a
Barreira I e os terrenos mais antigos formados principalmente pelas rochas sedimentares
paleozóicas e mesozóicas da Bacia do Paraná e pelos terrenos pré-cambrianos da região de
Porto Alegre, Viamão e Guaíba. A região abrange boa parte das bacias do Rio Gravataí e
Estas barreiras resultam das oscilações do nível do mar e dos movimentos das ondas. Em superfícies
inclinadas, a costa erodida e o material sedimentar é levado pelas ondas e depositado nas partes mais
profundas, diminuindo assim constantemente a declividade e reduzindo a erosão do terreno praiano. Com uma
progressiva redução da declividade, as ondas arrebentam cada vez mais longe da praia, depositando naquele
momento mais material na zona de arrebentação do que nas proximidades das praias, possibilitando assim a
formação de uma barreira.
do complexo fluvial do Guaíba. Esta antiga linha de costa é provavelmente correlacionável
ao estágio isotópico de oxigênio 11, aproximadamente 400 ka
11
.
A região ocupada pelo Sistema Lagunar I sofreu a influência dos demais eventos
transgressivos e regressivos ocorridos durante o Quaternário. Cada vez que o litoral gaúcho
foi afogado pelas águas oceânicas, os sedimentos ali existentes foram retrabalhados. Assim,
o pacote sedimentar do Sistema Lagunar I reflete diferentes eventos envolvendo depósitos
aluviais, lagunares, lacustres e paludais de diversas idades.
Sedimentos remanescentes deste período estão melhor preservados na região
noroeste da Planície Costeira. Nesta região, a Barreira I (conhecida por Barreira das
Lombas), apresenta-se com uma extensão de aproximadamente 250 km, com largura média
entre 5 e 10 km e com altitudes que ultrapassam 100 m. Seu desenvolvimento se deu
principalmente devido aos processos eólicos que gradativamente acumularam sedimentos
oriundos do alto do embasamento
12
. De acordo com Tomazelli et. all., (...)Em termos
morfológicos é uma região topograficamente saliente em relação aos demais terrenos da
Planície Costeira, sendo formada por colinas baixas, suaves, com vertentes
convexas.(...)”
13
11
TOMAZELLI, L. J. & VILLWOCK, J. A. Cenozóico no Rio Grande do Sul: geologia da planície costeira.
In: HOLZ, M. & DE ROS, L. F. Geologia do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: CIGO/UFRGS, 2.000. p.
394.
12
De acordo com POPP, JoH. Geologia geral. Rio de Janeiro: LTC, 1.998. p. 313. “Na sua conceituação
mais simples, o embasamento cristalino compreende todas as rochas afetadas por dobramentos e
metamorfismo antes da sedimentação das Formações Trombetas, na Bacia Amazônica, Serra Grande, na
Bacia do Maranhão, e furnas, na Bacia do Paraná. Portanto, abrange rochas cuja idade se estende desde o
fim do Ordoviciano (450 milhões de anos) até aqueles até aqueles com mais de três bilhões de anos. No
Brasil, as rochas correspondentes afloram em três grandes porções: ao norte, constituindo o Escudo das
Guianas, no centro formando o Escudo Brasileiro, e ao sul, constituindo o Escudo Uruguaio ou Rio-
Grandense.(...)”
13
TOMAZELLI, Luiz J. et. all. Aspectos da geomorfologia costeira da região de Osório-Tramandaí, Rio
Grande do Sul. Porto Alegre: [s.e.], [s.d.]. p. 144.
A passagem da Barreira I para o Terraço Lagunar II é claramente perceptível na
paisagem costeira sul-rio-grandense. A vertente que marca esta passagem pode ser
considerada como uma paleo-falésia elaborada pela segunda transgressão pleistocênica. Ela
possui uma declividade que se suavisa junto à base transformando-se em um plano
levemente inclinado em direção ao Terraço Lagunar II. Esta rampa suave se desenvolveu
graças à acumulação dos sedimentos arenosos da Barreira I, retrabalhados pela água,
formando assim, um verdadeiro cinturão de leques aluviais coalescentes
.
Tais formas terraceadas baixas foram predominantemente sítios de deposição
lagunar, paludal e fluvial. Várias lagoas ocupam a superfície atual destes terraços, como por
exemplo a Lagoa dos Barros. A origem do Terraço Lagunar II está diretamente ligada ao
desenvolvimento da Barraira II, que se deu em resposta a um segundo ciclo transgressivo-
regressivo
14
.
O sistema deposicional Laguna-Barreira II originou-se, como já dissemos acima, em
decorrência de um segundo evento transgressivo-regressivo pleistocênico (Mindel ou
Kansas). Seu pico transgressivo corresponde, provavelmente, à idade de 325.000 anos
A.P., estágio isotópico de oxigênio 9
15
. Segundo Tomazelli e Villwock:
“As fácies praiais e eólicas da Barreira II
ficaram preservadas, ao norte, como um grande
pontal arenoso desenvolvido ao leste da Lagoa dos
Barros e, ao sul, como um antigo sistema de ilhas-
Leques de retrabalhamento aluvial.
14
TOMAZELLI et. all. Op. cit., p. 145.
15
TOMAZELLI & VILLWOCK, 2.000. Op. cit., p. 394.
barreira, responsável pelo primeiro isolamento da
Lagoa Mirim.(...)”
16
Uma terceira seqüência transgressiva-regressiva pleistocênica (Riss ou Illinoian),
marca a formação do sistema deposicional Laguna-Barreira III, o qual se encontra muito
bem preservado no presente. Tal sistema foi, no passado, de fundamental importância na
formação geológica da Província Costeira do Rio Grande do Sul, pois ocasionou a
implantação final do sistema lagunar Patos-Mirim. De acordo com Tomazelli e Villwock:
“As características gerais dos sedimentos da
Barreira III... permitem correlacioná-los aos
depósitos arenosos marinhos descritos em outras
partes do litoral brasileiro e relacionados com a
chamada ‘Penúltima Transgressão’ ou
‘Transgressão Cananéia’... Baseados em datações
radiométricas da série do Urânio realizadas em
amostras de corais, Martin et al. (1.982) atribuíram
a esses depósitos uma idade de cerca de 120
ka(...).”
17
As Barreiras II e III encontram-se separadas pelo Terraço Lagunar III, e têm sua
origem diretamente ligada ao desenvolvimento desta última barreira. A maior parte deste
terraço foi ocupada por lagoas precursoras do atual sistema Patos-Mirim. Em sua margem
oeste, semelhantemente com o que aconteceu com o Terraço Lagunar II, anteriormente
16
TOMAZELLI & VILLWOCK, 1.995. Op. cit., p. 26.
17
Ibidem, p. 28.
descrito, a transgressão rápida das águas lagunares foi responsável pela elaboração de um
terraço de abrasão situado entre 8 e 15 metros de altitude em relação ao nível atual do mar.
Os depósitos sedimentares ligados à Barreira III se estendem ao longo de toda a
Planície Costeira. Na parte norte, os depósitos sedimentares se encontram no sopé da Serra
Geral. Tal fato indica que no pico transgressivo a linha de costa atingia diretamente a
escarpa da Serra Geral, o que possibilitou a formação de cavernas de erosão marinha, como
as existentes nas proximidades da Lagoa de Itapeva, ao Sul de Torres, e à Lagoa de
Sombrio em Santa Catarina, esculpidas no arenito da Formação Botucatú.
A superfície desta barreira é caracteristicamente terraceada (aplainada), sem
apresentar expressivas mudanças no relevo. Ao norte da Planície Costeira, a Barreira III
perde a sua continuidade, reduzindo-se a pequenas porções de terra diferenciando-se do
Terraço Lagunar IV pela sua maior altitude. Isso se deve à influência do Planalto nos
processos fluviais e eólicos.
O lado leste da Barreira III é facilmente identificável na paisagem costeira.
Apresenta-se na forma de uma escarpa quase contínua com alturas entre 4 e 5 m, situado
sobre os terrenos baixos do Terraço Lagunar IV. Esta escarpa, é na realidade, uma paleo-
falésia esculpida no máximo da última transgressão marinha, marcando claramente o limite
espacial entre o Pleistoceno e o Holoceno
18
.
É sobre estas elevações que se encontram a maioria dos sítios arqueológicos
localizados no Litoral Norte. Como veremos no decorrer deste trabalho, a populações pré-
coloniais aproveitaram suas altitudes que dominam a paisagem para estabelece suas aldeias
e recriar seus modos de vida.
18
TOMAZELLI et. all. Op. cit. p. 146.
A última regressão pleistocênica atingiu seu ponto máximo durante a glaciação final
(Würm ou Wisconsin). Neste período, cerca de 17.000 anos A.P., as ondas do mar batiam
aproximadamente a 100 metros abaixo da linha atual. Uma extensa planície aluvial
ornamentava a costa sul-rio-grandense
19
. Paulatinamente as geleiras foram se desfazendo, e
as águas oceânicas, afogando aos poucos a enorme planície gaúcha. Sobre as causas
originárias das oscilações marinhas holocênicas, Kenitiro Suguio afirma que:
“De fato, em regiões da costa brasileira,
onde as oscilações holocênicas de níveis relativos do
mar parecem ser principalmente glácio-eustáticas,
as suas implicações paleoclimáticas parecem ser
mais diretas e óbvias. Portanto, níveis relativos do
mar em transgressão (subida) ou regressão (descida)
seriam reflexos de aquecimento ou resfriamento
globais, respectivamente.”
20
Aziz Ab’Sáber constata que entre 18.000 e 12.000 anos atrás a expansão costeira do
clima seco pleistocênico deve ter se relacionado com um forte avanço no sentido sul-norte
da corrente fria sul-atlântica, ao longo da América do Sul oriental, até níveis de latitude
atualmente situadas em posições tropicais
21
.
As correntes frias atingiram diretamente a costa sul do Brasil e uma parte
considerável da região sudeste. Neste período, apenas os contrafortes da Serra Geral no Rio
19
VILLWOCK, Jorge Alberto. Contribuição a Geologia do Holoceno da Província Costeira do Rio
Grande do Sul – Brasil.1.972. (Dissertação de Mestrado). p. 102.
20
SUGUIO, Kenitiro. Provável influência da “idade hipsitérmica” e da “neoglaciação” na costa brasileira. In:
Boletim de resumos do VIII congresso da ABEQUA, mudanças globais e o Quaternário, Imbé, outubro,
2.001. p. 258.
21
AB’SÁBER, Aziz N. Espaços ocupados pela expansão dos climas secos na América do Sul, por
ocasião dos períodos glaciais quaternários. Universidade de São Paulo, 1.977. p. 5.
Grande do Sul formavam uma barreira suficientemente alta para conter o avanço das
massas de ar. Os ventos entravam pela Planície Costeira gaúcha e se chocavam com os
paredões rochosos da Serra Geral. O obstáculo obrigava os ventos a subirem, resfriarem e
condensarem, provocando então precipitação de chuvas no litoral
22
.
Na transição do Pleistoceno para o Holoceno, o ambiente sofria mudanças, sendo
elas de origem climática ou em função das oscilações marinhas, que ora invadiam a costa
recobrindo grandes áreas, ora recuando e ampliando o campo de areias e a distância do mar.
As mudanças de índices de pluviosidade e as oscilações térmicas refletem-se nas paisagens
litorâneas, uma vez que os ecossistemas são extremamente frágeis e facilmente alterados.
No início do Holoceno, a cobertura vegetal predominante em todo o território
gaúcho ainda deveria ser adaptada a campos abertos ou pampas, pois o clima ainda era
seco. No entanto, como vimos acima, as correntes frias retraem-se trazendo umidade e a
vegetação mais densa pode se expandir. Sobre a Planície Costeira, a partir de 8.000 A.P.,
Arno Kern afirma que,
“(...) A vertente oriental do planalto, voltada
para o mar, pode ter sido igualmente recolonizada
paulatinamente pela floresta tropical atlântica, que
se reinstalou em todas as escarpas e desceu em
direção à Planície Costeira, mais estreita então
devido à subida dos níveis marinhos.(...)”
23
22
AB’SÁBER. Op.cit. p. 12-13.
23
KERN, 1.997. Op. cit., p. 172.
Entre 10.000 e 8.000 A.P., a corrente fria das Falklands provavelmente recuou e foi
substituída por uma corrente de águas mais quentes (corrente do Brasil), que trazia consigo
maior umidade e consequentemente, mais chuvas para o território gaúcho. De acordo com
Ab’Sáber, “(...) A retração das correntes frias, para sua posição atual... teria sido
acompanhada de uma umidificação extensiva, com adensamento das matas de araucárias,
expansão dos prados... e tropicalização dos planaltos interiores.(...)”
24
No período que se estende de 8.000 a 6.000 A.P., as temperaturas foram pouco a
pouco se elevando. Sobre este período, Clapperton diz que,
“(...)Os registros paleoecológicos indicam
que o aquecimento climático do Holoceno
denominado intervalo althitermal ocorrido durante
os dois milênios 8.000 6.000 A.P. Condições
ambientais parecem ter sido mais quentes e secas do
que no presente na maioria dos lugares.(...)”
25
Resultados de estudos efetuados na região de Taquaruçu, no Estado do Mato Grosso
do Sul, corroboram as informações do pesquisador acima referido, afirmando que a área
esteve submetida a um clima mais seco que o atual durante o Holoceno Médio. “Esse
período seco do final do Holoceno Médio é também identificado não apenas na região,
mas em outras localidades do SE e centro do Brasil, e NE da Argentina.(...)”
26
24
AB’SÁBER. Op. cit., p. 14.
25
“(...) The paleoecological record implies that the warmest Holocene climate the so-called althitermal
interval ocurred during the two millenia 8.000 6.000 B.P. Environmental conditions appear to have been
warmer and drier than the present in most places.(...) CLAPPERTON, C. Quaternary geology and
geomorfology of South America. Amsterdm, London, New York, Tokyo: Elsevier, 1.993. p. 279.
26
COSTA, A. C., PAROLIN, M., STEVAUX, J. C. Clima seco e formação de dunas licas durante o
Holoceno Médio de Taquaruçu, MS Brasil. In: Boletim de resumos do VIII congresso da ABEQUA,
Mudanças globais e o Quaternário, Imbé, outubro, 2.001. p. 362.
Esse período conturbado parece ter chegado ao fim entre 7.000 e 6.000 A.P.,
quando as temperaturas baixas influenciadas ainda pelo Pleistoceno deram lugar ao clima
quente e úmido holocênico. Segundo J.J. Bigarella, “(...) No Holoceno ocorreram curtas
flutuações climáticas devido a variações da temperatura média regional que influíram no
regime de chuvas e na variação florítica.”
27
Outros autores constatam o resfriamento das
temperaturas no período referido por Bigarella. Para Clapperton, “The second half of the
Holocene has seen a return to cooler and wetter conditions overall, corresponding quite
closely to the so-called Neoglacial interval known worldwide.(...)”
28
No entanto, aproximadamente 6 ka (ou 6.000 A.P.), os climatólogos afirmam ter
entrado em cena um período conhecido por “Optimum Climaticum”, que pode ter durado
até 4.000 A.P. Para este período, Lorscheitter constata o avanço da Mata Atlântica ao norte
da Planície Costeira.
“Dados palinológicos com datações
radiométricas em seqüências sedimentares das
porções mais externas da Planície Costeira,
incluindo corpos lacustres e matas paludosas atuais,
permitiram detectar elementos florísticos da Mata
Atlântica presentes na região cerca de 7.000
6.000 A.P., quando espectros polínicos começam a
evidenciar os primeiros sinais de ingressão marinha
ultrapassando os atuais limites da linha de
costa...”
29
27
BIGARELLA, LIMA & RIHES. Op. Cit., p. 426.
28
CLAPPERTON. Op. cit., p. 729.
29
LORSCHEITTER, Maria Luisa. Estudo palinológico comparativo entre as idades das matas paludosas
atuais da Planície Costeira e da Depressão Central do Rio Grande do Sul, Brasil. In: Boletim de resumos do
VIII congresso da ABEQUA, Mudanças globais e o Quaternário, Imbé, outubro, 2.001. p. 380.
Neste momento, as matas tropicais atlânticas deveriam estar espalhadas por toda a
encosta da serra, constituindo excelentes áreas de exploração de caça e coleta para os
grupos humanos pré-cerâmicos. Possivelmente os abrigos rochosos formados durante as
transgressões anteriores estariam sendo ocupados pelos caçadores-coletores.
Outros dados apontam um máximo transgressivo entre 6.000 e 5.000 anos A.P.,
alterando direta ou indiretamente a composição vegetal das lagoas costeiras impedindo a
expansão da vegetação sobre os pântanos. Apesar da melhoria climática em torno de 5.000
A.P., com aumento da temperatura e umidade, a influência marinha passa a ser um fator
limitante ao desenvolvimento das matas
30
.
O evento transgressivo-regressivo descrito acima é responsável pela instalação do
sistema deposicional Laguna-Barreira IV, desta vez de idade holocênica, que em seu pico
transgressivo, 5 ka, atingiu o nível de 5 metros acima do atual.
31
O anexo 3 mostra um
perfil esquemático do sistema Laguna/Barreira IV, que nos permite visualisar as feições
geomorfológicas características do mesmo. Corroborando as afirmações acima, Arno Kern
diz que,
“As Torres rochosas que ainda hoje nos
encantam os olhos, trazem nas paredes de suas
falésias as marcas de uma imensa subida dos níveis
do mar, que denominamos de transgressão marinha,
ocorrida entre 6.000 e 4.000 anos atrás, no período
denominado de Ótimo Clímático. As águas do mar
subiram até cinco metros acima do nível atual.
30
LORSCHEITER. Op. Cit., p. 381.
31
TOMAZELLI & VILLWOCK, 1.995. Op. cit., p.30.
Deixaram as evidências de seus embates e destes
avanços das transgressões marinhas, nas rochas
voltadas para o oceano.(...)”
32
O Terraço Lagunar IV se apresenta como uma faixa de terras baixas limitada do
lado oeste pela Barreira III, e no lado leste pela Barreira IV. Suas cotas de altitude
apresentam-se em geral abaixo de 5 metros. Este terraço contém uma variedade grande de
feições geomorfológicas, e isso se deve em grande parte à ação dos ventos.
“(...) O vento dominante, proveniente do
quadrante NE, tem desempenhado um papel
fundamental na morfogênese destas feições. Sua
ação ficou claramente registrada, por exemplo, no
processo de segmentação dos corpos
lacustres/lagunares promovido pelo crescimento de
pontais e esporões orientados na direção NW-SE, ou
seja, perpendicularmente ao vento dominante.”
33
A barreira formada subsequentemente (Barreira IV) apresenta uma largura de 2 a 8
quilômetros e se estende separando o Terraço Lagunar IV do Oceano Atlântico. A
continuidade da barreira atual só é interrompida na desembocadura da Lagoa de Tramandaí.
Abrange como principais feições geomorfológicas, a praia oceânica atual, o campo eólico
e, na parte norte, uma região de cordões de dunas litorâneos que marcam posições de
antigas linhas de praia, resultantes das pequenas oscilações marinhas holocênicas
32
KERN, Arno. Origens pré-históricas do povoamento de Torres. In: Anais da VIII reunião científica da
Sociedade de Arqueologia Brasileira. Porto Alegre: EDIPUCRS, 1.996. Volume I. p. 125.
33
TOMAZELLI et. all. Op. cit., p. 146.
posteriores à transgressão de 5.1 ka. As dunas que pertencem ao campo eólico foram de
fundamental importância para a formação da Barreira IV (ou atual), pois este campo é
constituído por dunas livres, ativas e altamente migratórias que se dispõem, em sua maioria
transversalmente à direção do vento dominante NE.
Após um período de relativa estabilidade, tem início uma fase de regressão marinha.
Os depósitos sedimentares da extensa antepraia foram lentamente retrabalhados
pela linha
de praia em regressão, iniciando-se assim a deposição da seqüência regressiva que constitui
o topo da Formação Chuí
34
.
Somente a partir do retrocesso das águas oceânicas é que as florestas passaram a
ocupar a região. As espécies vegetais da Mata Atlântica costeira, como a figueira,
conseguiram migrar graças a um clima mais úmido e à formação das restingas arenosas,
anteriormente inexistentes no Litoral Norte do Rio Grande do Sul. Os cordões arenosos
interligaram as terras baixas da região da depressão central do Estado com as da região
sudeste do Brasil, possibilitando a rota migratória da costa atlântica brasileira em direção ao
sul. As condições climáticas favoráveis contribuíram significativamente para a expansão
destas espécies vegetais da borda da Amazônia, as quais chegaram ao território sul-rio-
O mecanismo de retrabalhamento dos sedimentos se caracteriza pelo processo abrasivo do embate das
ondas, pela ação das correntes de retorno e pela força das marés que movimenta o material existente, atrita
clasto contra clasto, transporta e com isso retrabalha todo o sedimento de uma linha de costa. O sedimento vai
ficando cada vez mais fino e limpo, e o resultado visível deste processo é o longo cordão litorâneo, formado
por areias finas e brancas, que caracteriza o litoral sul-rio-grandense.
34
A Formação Chuí foi definida por Delaney (1.965), tem sua secção tipo nas proximidades do Arroio Chuí,
por isso tem esse nome. Caracteriza-se por areias quartzosas, amarelo-avermelhadas, semi-consolidadas,
ocorrem em afloramentos esparsos perto de Rio Grande, Chuí, Mostardas, Cidreira e Lagoa dos Barros. Estes
sedimentos mapeados regionalmente são considerados como a formação mais jovem do Pleistoceno da
Planície Costeira. Apresenta espessura máxima de 50 metros porém, a espessura média possui cerca de 25
metros. Uma camada interessante da Formação Chuí é o conglomerado Mampituba que ocorre cerca de 100 à
200 metros ao sul do Rio Mampituba. O conglomerado é marinho, com espessura de aproximadamente 3
metros, e é composto de seixos e matacões basálticos, constituindo uma possível fonte de matéria prima para
as indústrias líticas locais. Foram selecionados e medidos 200; possuem três tamanhos principais:menores(13a
23 cm.), médios (27 a 40 cm.) e maiores (46 a 52 cm.). Em geral, estão orientados nas direções norte-nordeste
e noroeste, o que indica que a principal direção das ondas durante a deposição é igual à atual.
grandense através das bacias dos rios Paraguai, Paraná e Uruguai, inflectindo em direção à
Planície Costeira via Rio Jacuí. Esse trajeto de migração dos vegetais é conhecido como
Rota Migratória do Brasil Central
35
.
“As matas com ocorrência de figueiras
como dominantes fisionômicas tiveram sua origem
provavelmente a partir da Mata Atlântica.
Migrando através da faixa arenosa de restinga da
região de Torres, essas formações avançaram para
o estado durante o domínio de condições climáticas
favoráveis ao seu estabelecimento pelo aumento da
temperatura e umidade do ar.(...)”
36
Para Arno Kern, foi no Holoceno final, ao término do Ótimo Climático, que
diversos grupos de caçadores-coletores se instalaram na Planície Costeira sul-rio-
grandense, adaptando-se à pesca e à coleta, provavelmente migrando do norte, onde esta
adaptação durava dois milênios. As transformações ambientais são significativas, pois a
regressão marinha em andamento liberou aos poucos a planície. Pouco a pouco se formou
uma restinga e as águas da Lagoa de Itapeva se isolaram do oceano por um cordão de
dunas
37
.
As análises palinológicas mostram uma fase de lenta dessalinização dos terrenos
após o recuo do mar há cerca de 4.000 anos antes do presente, que aos poucos vai
possibilitando a reocupação dos pântanos, que fornecem as condições básicas para a
35
MENEGAT, Rualdo et. all. Atlas ambiental de Porto Alegre. Porto Alegre: UFRGS,/PMPA/INPE, 1.998.
p. 48.
36
MENEGAT et. all. Op. cit., p. 51.
37
KERN, Arno. (Org.). Pescadores-coletores pré-históricos do litoral norte. In: Arqueologia pré-histórica
do litoral norte do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1.997. p.171.
expansão das matas paludosas. Novos dados palinológicos relacionados com datações
radiométricas apontam o caráter geologicamente muito jovem das matas paludosas atuais
da Planície Costeira mais externa, com início de desenvolvimento após 4.000 A.P., e
quanto mais próximas à praia, mais jovem é a mata
38
.
Para Arno Kern, ocorreu entre 3.000 e 2.000 A.P. um recrudescimento das baixas
temperaturas, o que provocou uma descida nos níveis marinhos até 2 metros abaixo do
nível atual
39
.
No Rio Grande do Sul, os sedimentos da Formação Touro Passo, no sudoeste do
Estado, indicam um período de seca entre 4.500 e 2.500 A.P., pois nos sítios que se
encontram na “boca da serra” do Rio Jacuí possuem camadas arenosas sobrepostas a uma
camada argilosa que indica uma fase quente e úmida anterior, mostrando o resfriamento do
clima por volta de 2.000 A.P.
40
.
Em estudo dirigido aos avanços e retrocessos das matas sub-tropicais de Araucárias,
Hermann Behling constata algumas evidências acerca das condições climáticas no
Holoceno recente. De acordo com este autor,
“(...)Modern wet climatic conditions with no
or only short dry periods were not established until
the late Holocene period when Araucaria forests
replaced large areas of glassland vegetation after
after about 3000 14C BP and especially after
1500/1000 14C yr BP.”
41
38
LORSCHEITER. Op. Cit., p. 381.
39
KERN, 1997. Op. cit., p. 172.
40
Ibidem, p. 181.
41
BEHLING, Hermann. Vegetational ans climate dynamics in southern Brazil during late quaternary times.
In: Boletim de resumos do VIII congresso da ABEQUA, Mudanças globais e o Quaternário, Imbé,
outubro, 2.001. p. 348.
Entre 2.000 e 1.000 A.P. Villwock e Tomazelli afirmam ter ocorrido uma pequena
regressão das águas oceânicas, tendo atingido um pico entre 1 e 2 metros abaixo do nível
atual
42
. Um dado importante é adicionado a este pelas pesquisas realizadas com associações
de Foraminíferos na costa brasileira. D’Agostino & Mahiques afirmam que a linha de costa
já se encontrava na posição atual a partir de 1.300 A.P.
43
.
Hoje em dia, a formação de praias arenosas na margem lagunar, a posição estável do
nível do mar e o fornecimento constante de areia da praia para o campo de dunas, leva os
geólogos a crer que o nível do mar encontra-se numa fase de estabilidade. A julgar pela
seqüência dos eventos acima descritos, esta estabilidade pode estar prestes a ser quebrada
para dar lugar a mais uma etapa regressiva. Para muitos autores a fase regressiva é uma
realidade nas praias sul-rio-grandenses, e está acontecendo em um ritmo acelerado.
Segundo Vieira e Rangel,
“Na atual fase de regressão marinha, a linha
de praia vem se deslocando continuamente,
interiorizando antigas zonas de plataforma
continental. O recuo da linha de praia (ponto médio
compreendido entre a alta e a baixa maré)
corresponde na atualidade à contínua deposição de
42
VILLWOCK & TOMAZELLI. Holocene costal evolution in Rio Grande do Sul, Brazil. In: RABASSA, J.
& SALEMME, M. Quaternary of south America and antartic peninsula. Ushuaia: Universudad Nacional
de la Patagonia, 1.998. p. 293 – 294.
43
D’AGOSTINO, L. & MAHIQUES, M. Resultados preliminares da avaliação das oscilações climáticas do
quaternário superior na margem continental sudeste do Brasil com base no estudo das associações de
foraminíferos. In: Boletim de resumos do VIII congresso da ABEQUA, Mudanças globais e o
Quaternário, Imbé, outubro, 2.001. p. 360.
novos sedimentos, num ritmo que pode ser
considerado alto.”
44
Villwock e Tomazelli afirmam que, na atualidade, a Planície Costeira do Rio
Grande do Sul passa por um período transgressivo. A erosão severa que atinge a maior
parte do litoral gaúcho foi descrita pela primeira vez por Tomazelli & Villwock (1.989) e
Tomazeli (1.990), e registrada em vários trabalhos posteriores. Diversas causas têm sido
atribuídas para explicar o processo erosivo, como elevação atual do nível relativo do mar, o
efeito das marés meteorológicas associadas a eventos de tempestades; concentração de
energia de ondas devido à refração em feições morfológicas submersas e finalmente, à
concentração de energia de ondas controladas por feições morfológicas de grande escala
associadas à topografia pleistocênica precedente à última transgressão. As causas apontadas
não são excludentes, e é possível que o fenômeno erosivo resulte da sobreposição de
algumas destas
45
.
Referindo-se ao Farol da Conceição e à casa do faroleiro, Tomazelli alertou que “A
se manter esta tendência recessiva é de se esperar que, em poucos anos, tanto o Farol
como a casa, serão destruídas pela ação das ondas...”
46
. Esta previsão foi confirmada três
anos depois, com a queda do farol durante um evento de tempestade no ano de 1.993, e com
a queda da casa do faroleiro em 1.999. A mesma previsão pode ser feita em relação ao farol
recentemente construído
47
.
44
VIEIRA, Eurípides Falcão e RANGEL, Susana Regina Salum. Planície costeira do Rio Grande do Sul.
Porto Alegre: Sagra, 1.988. p. 38.
45
TOMAZELLI & VILLWOCK, 2.000. Op. cit., p. 396.
46
TOMAZELLI, 1.990. Op. cit., 234.
47
TOMAZELLI & VILLWOCK, 2.000. Op. cit., p. 395.
Como o leitor pôde perceber, as paisagens litorâneas sul-riograndenses foram
marcadas por diversos processos e transformações naturais. Cada período temporal foi
marcado por um tipo de ambiente específico, que hora limitava, hora favorecia o avanço
das populações humanas no Litoral Norte. Nos capítulos seguintes procuraremos entrelaçar
as informações dispostas aqui com as características adaptativas de cada população pré-
colonial que habitou nossa área de estudo.
Capítulo II
Horticultores do Planalto (Tradição Taquara)
O presente capítulo tem por objetivo apresentar, de forma geral, os conhecimentos
reunidos sobre os habitantes do planalto, decorrentes das pesquisas realizadas até o
momento. As manifestações culturais destas populações são caracterizadas pelas estruturas
arquitetônicas conhecidas como casas subterrâneas (denominadas pela população leiga
como “Buracos de Bugre”), pelas relações destas com o meio que as circundam, bem como
pelos vestígios materiais da vida destes grupos. São comumente encontrados no interior das
moradias, ou mesmo ao redor destas, fragmentos de instrumentos cerâmicos e líticos.
Para que possamos compreender o modo de vida dos Horticultores do Planalto,
necessitamos discorrer sobre todas estas questões, bem como nos valer das interpretações
dos arqueólogos acerca da estrutura social destes grupos pré-coloniais. Passaremos então a
apresentar os aspectos gerais do que se conhece até o momento a respeito dos Horticultores
do Planalto e seu modo de vida.
Na América do Sul, as informações existentes sobre a ocorrência de casas
subterrâneas, dizem respeito às áreas andinas e sub-andinas, como os casos encontrados no
Peru, Argentina, Paraguai, Terra do Fogo e Planalto sul Brasileiro
48
.
No Peru foram registradas estruturas subterrâneas em vários sítios. Na tradição
litorânea do Pacífico, as construções subterrâneas aparecem em um período pré-cerâmico,
de agricultores incipientes e pescadores, que durou de 2.500 a 1.800 a.C. Localizadas nas
áreas do Vale do Chicama (sítio Huaca Prieta), Praia Culebras (Complexo Culebras), Vale
48
REIS, Maria J. A problemática arqueológica das estruturas subterrâneas no planalto catarinense. São
Paulo, Departamento de Ciências Sociais, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da
Universidade de São Paulo. 1.980. (Dissertação de Mestrado). p. 17.
do Virú (Huaca Prieta de Guañape) e no Vale do Nepeña (Los Chicos), estas estruturas são
domiciliares e de ocupação permanente, com 1 até 5 compartimentos. São de forma circular
ou retangular, com paredes de pedra e adobe e cobertura de madeira, aparecendo agrupadas
ou em conjuntos, com não mais do que cinco unidades
49
.
Mais ao sul, na região dos Andes Meridionais, nordeste argentino, foram registradas
estruturas semi-subterrâneas associadas à cultura Ciénaga. Tais habitações tinham formas
ovais possuindo entre quatro e cinco metros de eixo. O padrão de subsistência mantido pelo
grupo constava de uma agricultura de irrigação e pastoreio de lhamas
50
.
No território brasileiro são conhecidas algumas informações deixadas pelos
primeiros cronistas que por aqui passaram. Gabriel Soares de Souza refere-se aos Guayaná
“...como vivendo em covas pelo campo, debaixo do chão.”
51
. Gabriel de Souza localiza
estes grupos como estando espalhados desde a Bahia até o Rio Grande do Sul. Entretanto, a
área de ocorrência arqueológica destas populações conhecida até o momento, estende-se do
sul do Estado de Minas Gerais até o planalto meridional gaúcho, ocupando regiões que
oscilam entre seiscentos e novecentos metros de altitude
52
.
Mas do ponto de vista arqueológico, estas estruturas passaram a ser conhecidas a
partir da década de 1.960, por efeito do Programa Nacional de Pesquisas Arqueológicas.
No Estado do Rio Grande do Sul os primeiros sítios descobertos estavam no litoral,
mais precisamente no município de Osório. Mas quem primeiro atentou ao estudo das casas
subterrâneas do planalto foi Alan J. Bryan, ainda no ano de 1.960
53
.
49
REIS, 1.980. Op. cit., p. 18.
50
Idem.
51
SOUZA, Gabrial S. Tratado descritivo do Brasil em 1587. São Paulo: Nacional, 1971. p.111.
52
REIS, 1.980. Op. cit., p. 33.
53
SCHMITZ, Pedro I. & BECKER, Ítala B. Os primitivos engenheiros do planalto e suas estruturas
subterrâneas: a tradição taquara. In: KERN, Arno (org.) Arqueologia pré-histórica do Rio Grande do Sul.
Porto Alegre: Mercado Aberto, 1.997. p. 252.
Os primeiros fragmentos de cerâmica da tradição Taquara (atribuída aos grupos
Horticultores do Planalto), foram localizados por Pedro Schmitz na cidade supracitada,
durante pesquisas realizadas no ano de 1.958. O autor os encontrou enquanto escavava dois
sítios guaranis localizados entre as dunas arenosas. Esta ocorrência foi assim descrita:
“A cerâmica apresenta, desde logo, dois
tipos distintos: um manifestamente guarani, o outro
nos aparece aqui pela primeira vez, sem jamais o
termos visto estampado ou recolhido a algum dos
museus que conhecemos... Suspeitamos, pois, com
razão, alguma influência sambaquiana e, de fato,
ao examinarmos cuidadosamente aquelas jazidas
encontramo-lo, quase com exclusividade, embora
em pequeno número. Também nos paradeiros o
‘tipo sambaquiano’, como o chamaremos
provisòriamente e sem pretensão de classificação
científica, aparece em fragmentos isolados e
raríssimos ao lado do grande acúmulo de material
tìpicamente guarani.”
54
Em verdade, a tradição Taquara ainda não havia sido definida, tornando-se
impossível ao pesquisador obter uma idéia clara daquela cerâmica com que se deparou, a
qual configurava-se como inédita.
No ano de 1.966 Eurico Miller, enquanto estudava os sambaquis do município
litorâneo de Torres referiu-se a fragmentos cerâmicos de tradição não Tupiguarani
55
.
54
SCHMITZ, Pedro I. Paradeiros guaranis em Osório (Rio grande do Sul). Porto Alegre, Instituto
anchietano de pesquisas, PESQUISAS, ano 1.958, N. 2. (Separata). p. 115.
55
MILLER, Eurico T. Sítios arqueológicos de Torres. São Leopoldo, Instituto Anchietano de Pesquisas,
1.966. (Datilografado). p. 51.
A primeira vez que apareceu o termo tradição Taquara na bibliografia como forma
de caracterizar o complexo cerâmico dos grupos Horticultores do Planalto foi no ano de
1.971, nas publicações dos resultados do quarto ano de pesquisas desenvolvidas pelo
PRONAPA
56
. O pesquisador responsável pela pesquisa foi Eurico Theófilo Miller.
O termo tradição Taquara identifica um conjunto determinado da cultura material
encontrado em sítios arqueológicos. A identificação desta tradição é feita principalmente
pela peculiaridade dos artefatos cerâmicos. As vasilhas são pequenas, compostas por potes
e tigelas possuindo decoração impressa variada. São distinguíveis negativos de cestaria,
depressões regulares produzidos por pontas de vários formatos, marcas de unhas e incisões
lineares
57
.
A estrutura habitacional básica parece ter sido uma construção mais ou menos
afundada no chão compacto, ou mesmo na rocha em decomposição. Os tios podem reunir
numerosas dessas casas, que dificilmente seriam todas contemporâneas. Uma casa escavada
no chão, com uma cobertura de troncos e terra ofereceria uma proteção eficiente ao clima
frio do planalto
58
.
“(...)O que distingue do ponto de vista da
cultura material, a partir de um certo momento, as
populações estabelecidas no planalto, dos grupos que
as antecederam, é um conjunto amplo e diversificado
56
MILLER, Eurico T. Pesquisas arqueológicas efetuadas no planalto meridional, Rio Grande do Sul In:
Programa nacional de pesquisas arqueológicas resultados preliminares do quarto ano 1968-1969.
Belém, Museu Paraense Emílio Goeldi, publicações avulsas n. 6, 1.971. p. 44.
57
SCHMITZ & BECKER. Op. cit., p. 252.
58
SCHMITZ, Pedro I. As tradições ceramistas do planalto sul-brasileiro. In: Documentos 02, arqueologia do
Rio Grande do Sul, Brasil, Instituto Anchietano de Pesquisas, São Leopoldo, 1.988. p. 118.
de inovações e modificações culturais neolitizantes e
modernizadoras.(...)”
59
Arno Kern destaca como novas práticas a domesticação de algumas plantas e a
conseqüente ampliação do sistema de exploração sazonal dos recursos do ambiente,
inovações na construção de habitações como casas subterrâneas, além de um modo de vida
em aldeias. Também são referidas a nova tecnologia do polimento da pedra
e a invenção
de novos tipos de implementos, bem como as cnicas de confecção cerâmicas e as formas
decorativas aplicadas às mesmas
60
.
“(...)O milho... aparece em contextos de
coletores do planalto, em áreas de cerrado. Se isso
corresponde à realidade, é possível que devamos
imaginar esses primeiros agricultores do planalto
como coletores bem estabelecidos com alguma
caça, onde lentamente se vão introduzindo algumas
plantas, como acontece em outras áreas de
cultivo.(...)”
61
59
KERN, Arno A. Antecedentes indígenas. Porto Alegre: Editora da Universidade, 1.994. p. 85.
Tal técnica deve ser considerada nova em relação aos antigos habitantes do Planalto Meridional. Estes
caçadores-coletores das florestas de araucárias (ou tradição Humaitá) não possuíam a técnica do polimento.
Entretanto, tal manejo do material lítico já era disseminado entre os caçadores do pampa (tradição Umbu).
60
KERN, 1.994. Op. cit., p. 85.
61
SCHMITZ, Pedro I. Temas de arqueologia brasileira (5): os cultivadores do planalto e do litoral. In:
Anuário de divulgação científica, Goiânia, Instituto Goiano de Pré-história e Antropologia da Universidade
Católica de Goiás, n. 9, anos 1.978/79/80. p. 34.
Provas concretas da domesticação do milho pelos grupos do planalto foram
encontradas e apresentadas por Pedro Schmitz. “Restos de milho e de cabaças foram
encontrados em um dos abrigos da fase Guatambú(...)”.
62
Acreditamos que o milho teria sido introduzido pelos grupos de Horticultores
Guaranis através de trocas comerciais em função dos contatos estabelecidos entre os
grupos. O tema do contato será tratado com mais detalhes no Capítulo IX.
Os grupos ceramistas pré-coloniais do planalto construíram diversas estruturas em
terra. Algumas eram utilizadas como moradias permanentes, outras como sítios de
exploração em zonas distantes das aldeias principais. ainda a ocorrência de galerias
subterrâneas, barricadas de proteção em redor das aldeias, abrigos funerários, montículos
mortuários ou aterros. Vejamos a partir de agora as diferentes estruturas associadas aos
grupos habitantes do planalto.
As aldeias com casas subterrâneas são encontradas regularmente nos terraços altos e
frios, os quais possuem uma vegetação adaptada às baixas temperatura do inverno. Tal
ambiente é caracterizado por campos e matas mistas com pinheiros. Embora existam casas
isoladas, geralmente elas estão agrupadas em pequeno número, podendo excepcionalmente
chegar a mais de uma dezena
63
. O limite das casas subterrâneas acompanha, de fato, as
grandes linhas limítrofes da floresta subtropical com pinheirais
64
.
“(...)Alguns conjuntos podem possuir
dezenas de casas, mas de um modo geral este fato é
raro. Uma imensa casa se destaca pelas suas
dimensões, chegando ter uma dezena de metros de
62
SCHMITZ & BECKER. op. cit., p. 271.
63
Ibidem, p. 267.
64
SCHMITZ, 1.988. Op. cit., p. 118.
largura e uns seis de profundidade, situada muitas
vezes no centro da aldeia, ou isolada a algumas
centenas de metros de alguns conjuntos de casas. A
inexistência de solos de habitação ricos em
artefatos, estratigraficamente dispostos no seu
interior, parece indicar que essas casas possuíam
uma função ritual ou eram um lugar de
reuniões(...)”
65
.
A literatura etnográfica brasileira contém inúmeras referências a construções
destinadas à prática de rituais, reuniões do conselho, alojamento de hóspedes ou segregação
de categorias (separa homens das suas famílias ou solteiros dos casados). Estas estruturas
são geralmente denominadas ‘casas-dos-homens’ e estão presentes entre muitos dos grupos
indígenas brasileiros, mesmo aqueles que praticam o nomadismo sazonal
66
.
“...as referências informam que tais
estruturas ocupam, geralmente, uma posição de
destaque com relação às moradias localizando-se
ou no centro do aglomerado de casas ou na sua
periferia.(...) No caso de moradias destinadas a
famílias nucleares, embora esta relação não seja
objetivamente expressa, a construção cerimonial é
freqüentemente referida como ‘a de maiores
dimensões’.”
67
65
KERN, 1.994. Op. cit., p. 88-92.
66
JAMES, A. G. Village arrangement ando social organization among some amazon tribes. New York:
Columbia University, 1.945. Apud: REIS. O. cit., p.216.
67
REIS, 1.980. Op. cit., p. 216.
Entretanto, segundo Maria José Reis, dos seis sítios catarinenses onde estas grandes
estruturas aparecem, apenas em um caso pode ter havido a possibilidade de ter
desempenhado função cerimonial
68
.
Não constitui nossa proposta tentar discutir este tipo de problema. Para que se possa
ter informações mais conclusivas seria necessário, talvez, escavar tais estruturas
privilegiando métodos de decapagem em grandes superfícies. Nosso interesse aqui é apenas
expor ao leitor os diferentes pontos de vista existentes no que tange esta importante
problemática arqueológica.
As habitações costumam ocupar encostas dos morros, raramente o topo, ou
elevações topográficas que se destaquem na paisagem, tendo sempre a algumas dezenas de
metros algum córrego pequeno não navegável. Esta posição topográfica permite que se
tenha uma boa visão e uma situação defensiva favorável, evitando a ação das fortes
enxurradas que afetam as partes baixas onde as águas da chuva se acumulam. A ausência de
rios navegáveis dificultava o acesso de eventuais invasores canoeiros como os grupos
guaranis
69
.
Análises de solo realizadas em sítios arqueológicos do planalto catarinense
revelaram quantidades elevadas de fósforo nas camadas de ocupação. Tal ocorrência pode
significar a decomposição de grandes quantidades de material orgânico. Maria José Reis
sugere que seja originário da decomposição da estrutura do telhado e dos restos
alimentares, inferindo então, que seja mais um indicativo do uso domiciliar dos sítios
70
.
68
REIS, 1.980. Op. cit., p. 220.
69
PROUS, André. Arqueologia brasileira. Brasília: UNB, 1.992. p. 312.
70
REIS, 1.980. Op. cit., p. 212-213.
“As casas certamente eram moradias,
existindo dentro delas fogões compostos de
pequenas pedras... Dentro deles, misturados com
carvão e o pinhão calcinado, encontram-se cacos
de panelas de barro e às vezes restos de
instrumentos.(...)”
71
As casas subterrâneas têm sido interpretadas como uma adaptação ao frio do
planalto. Por esta razão são encontradas nas terras altas desde o Rio grande do sul até
Minas Gerais. Sendo coberta por um telhado de palhas ou folhas secas e possuindo um fogo
aceso no seu interior, ela manteria o calor nas noites frias do outono e do inverno.
Fernando La Salvia escavou uma casa com 12 metros de diâmetro e cinco de
profundidade que continha um agrupamento de pedras em círculo que escoraria um poste
central. Outras estruturas semelhantes foram encontradas no exterior, com espaçamentos
regulares de três metros entre si. Em um dos lados, algumas pedras saíam da parede
formando os degraus de uma escada que daria aceso ao interior da casa. Tudo sugere que
haveria um teto cônico sustentado por um grande poste central e postes radiais, que não
chegariam até o chão , mas repousavam sobre estacas verticais, deixando assim, espaço
para a iluminação e eliminação de fumaça
72
.
Em Santa Cruz do Sul, Pedro Mentz Ribeiro encontrou em dois sítios banquetas
localizadas ao longo das paredes de forma que não completassem o perímetro da casa.
Possuíam uma altura de 50 cm e uma largura de 40 cm, e teriam sido utilizadas como
acento. Em uma das casas formavam uma rampa inclinada que poderia facilitar o acesso
73
.
71
SCHMITZ & BECKER. Op. cit., p. 268.
72
PROUS. Op. cit., p. 314-315.
73
Ibidem, p. 315.
Algumas casas receberam uma forração interna com objetivo de diminuir a umidade
das paredes. Foi o caso de uma estrutura escavada por La Sálvia com cinco metros de
diâmetro aparente, cujas paredes escavadas no arenito em decomposição, foram revestidas
por lages de basalto colunar e fixadas com barro
74
.
No Rio Grande do Sul uma nítida divisão entre pequenas e grandes estruturas,
sendo que no oeste do Estado parece haver três categorias definidas. As casas grandes
possuem mais de nove metros de diâmetro, enquanto que as médias possuem entre seis e
oito metros e as pequenas, de dois a cinco
75
.
“(...)Registrou-se, ainda, a utilização de
estruturas subterrâneas, em vários casos, como
poços de armazenamento ou silos, situados
próximos às estruturas destinadas a fins
residenciais.”
76
Ocorre ainda um outro tipo de casa subterrânea. Constituem-se de duas depressões,
as quais encontram-se imediatamente uma ao lado da outra, separadas unicamente por uma
parede.
Maria José Reis distingue duas modalidades de casas geminadas. A primeira diria
respeito às estruturas geminadas tangentes, e a segunda, às intersecionadas.
Com relação às estruturas geminadas tangentes, a autora constata que as ocorrências
são predominantes em sítios nos quais as distâncias entre uma e outra são reduzidas. Tal
fato coloca em dúvida a interpretação destas como casas geminadas. “(...)Parece
74
PROUS. Op. ct., p. 316.
75
Ibidem, p. 314.
76
REIS, 1.980. Op. cit., p. 210-211.
procedente propor que o diminuto espaço (não mais que 0,50 m) entre uma estrutura e
outra é resultante da erosão de suas bordas originais.(...)”
77
Quanto à função destas casas, é possível que tenham servido como residências
compartimentadas, destinadas ao abrigo de famílias extensas
78
, compostas de duas ou três
famílias nucleares
79
.
“Outra possibilidade que pode ser aventada
é a da construção temporalmente distinta das
estruturas geminadas. Há, todavia, duas objeções a
esta hipótese. Em primeiro lugar, é conveniente
lembrar que a nova ou novas estruturas
apresentariam pouca segurança de construção, pela
fragilidade da parede comum com as demais. Em
segundo lugar a provável disponibilidade de espaço
habitável tornaria menos plausível... a construção
de novas residências tão próximas de outras
construídas em épocas anteriores.”
80
Reis sugere ainda, com base em conhecimentos etnográficos, a utilização destas
estruturas, além de residenciais, como compartimentos destinados ao armazenamento de
alimentos ou outras atividades especializadas.
77
REIS, 1.980. Op. cit., p. 224.
78
A família extensa, que se compõe de mais de uma unidade nuclear e estende-se por mais de duas gerações,
como por exemplo, a família de três gerações, a qual inclui pais,,filhos casados e solteiros, genros e netos.
CHINOY, Ely. Sociedade uma introdução à sociologia. São Paulo: Cultrix, 1.993. p. 207.
79
A família nuclear ou elementar consiste basicamente em pai, mãe e filhos. Estes últimos podem ser
rebentos biológicos do casal ou membros adotivos da família. A distinção entre paternidade biológica e social,
importantíssima na sociedade norte-americana, tem pouca ou nenhuma significação em muitas outras. Idem.
80
REIS, 1.980. Op. cit., p. 225.
Entretanto, é destacada a necessidade de um maior número de informações partindo
de trabalhos empíricos junto aos sítios para que se possa afirmar com maior segurança a
funcionalidade destas estruturas. As interpretações com relação ao uso destas estruturas
serão retomadas no Capítulo V, quando discutiremos as estratégias de utilização do espaço
por parte dos grupos Horticultores do Planalto.
Na medida em que as pesquisas de campo foram se estendendo, multiplicaram-se as
aldeias de taperas compostas por pequenas choças de palha, localizadas em terrenos mais
baixos e quentes. O diâmetro destas era de poucos metros, e a forma provavelmente circular
ou elíptica. O número de habitações encontradas geralmente é pequeno, mas a grande
quantidade de material sugere que não se tratam de meros acampamentos estacionais, mas
de aldeias com certa permanência. Estas aldeias estão na mata da encosta ou na
proximidade de mata de galeria ao longo dos rios ou lagoas, permitindo assim o
abastecimento regular de água
81
. Nestes sítios superficiais a céu-aberto costumam faltar as
grandes maõs-de-pilão, tão comuns entre os artefatos líticos das casas subterrâneas
82
.
Além destas ocorrências a céu-aberto, há ainda os sítios instalados na Planície
Costeira do Rio Grande do Sul. Tanto neste Estado, quanto em Santa Catarina, estão
associados à vegetação de restinga, entre as dunas. No litoral central e setentrional de Santa
Catarina e na costa paranaense, encontram-se nos limites das vegetações litorâneas com a
Mata Atlântica. Constituem-se de ocupações sazonais que visam aproveitar os meses
quentes do ano para coletar moluscos. O substrato é composto pelas carapaças destes
animais, bem como por fragmentos cerâmicos, lascas e instrumentos líticos.
81
SCHMITZ & BECKER. Op. cit., p. 270.
82
SCHMITZ, 1.988. Op. cit., p. 119.
“Entre os artefatos líticos uma grande
quantidade de lâminas de machados polidas, semi-
polidas ou lascadas, bem como percutores e apoios
de percussão. Muito típicos são os artefatos
fusiformes, geralmente identificados como tembetás,
praticamente idênticos aos dos sambaquis pré-
cerâmicos.”
83
Schmitz destaca ainda a presença de material ósseo como pontas de projétil de
formas variadas, produzidas em ossos de aves, mamíferos e peixes
84
.
Os abrigos sob rocha localizados nas encostas do planalto foram utilizados por estes
grupos pré-históricos para fins exclusivamente rituais. Nas proximidades da cidade de Bom
Jesus, os abrigos funerários estão geralmente próximos das cachoeiras. Os esqueletos
acompanhados de pequenas fogueiras contendo pinhão, trançados e conchas, sementes de
milho e porongo, estavam depositados sob montículos de terra, xaxim, folhas de taquara e
capim
85
.
“Ao que parece, os abrigos eram fechados
por ‘taquara sovada e tramada’, formando
verdadeiras câmaras mortuárias. Outros abrigos
sepulcrais onde não se encontrou cerâmica, podem
tanto ser anteriores como pertencerem à mesma
cultura Taquara.”
86
83
SCHMITZ, 1.988. Op. cit., p.119.
84
Idem.
85
PROUS. Op. cit., p. 320.
86
Idem.
No município de Caxias do Sul, mais exatamente na localidade de Santa Lúcia do
Piauí, Pedro Schmitz encontrou um sítio com trinta e seis casas subterrâneas e cerca de
quarenta túmulos caracterizados como montículos de terra ou pedras. Tanto nas casas como
nos montículos encontra-se cerâmica dos Horticultores do Planalto e material lítico lascado
e polido
87
.
No interior de alguns montículos escavados por Schmitz foram encontrados vários
alvéolos de formatos circulares ou oblongos, com paredes mais resistentes. Alguns
apresentam posição vertical com diâmetros de quarenta a sessenta centímetros
88
.
“Pensando na interpretação do fenômeno,
podemos dizer que certamente se trata de uma
estrutura superficial. As datas conseguidas são
coerentes com as outras do sítio. Embora não
tenhamos encontrado restos de esqueleto(s)
podemos pensar que se trata de sepultura(s)... que
se encontram espalhados no meio das casas. As
diferentes camadas poderiam ser resultantes da
renovação da sepultura, o que é comum entre os
grupos Kaingáng que em tempos históricos, e até
hoje, vivem na área...”.
89
Relacionadas às aldeias de casas subterrâneas ocorrem ainda galerias escavadas no
arenito. Poucas destas foram encontradas no Rio Grande do Sul. apenas alguns nichos
87
SCHMITZ, Pedro I. Algumas datas de carbono 14 de casas subterrâneas do planalto do Rio grande do Sul.
In: Anais do terceiro simpósio de arqueologia da área do Prata. Pesquisas, Antropologia n. 20, Estudos
leopoldenses, n. 13, Instituto anchietano de pesquisas, Universidade do Vale do Rio dos Sinos, 1.969. p. 164.
88
SCHMITZ, 1.988. Op. cit., p. 42.
89
Ibidem, p. 43-44.
escavados nas paredes laterais de algumas casas, possuindo até três metros de
profundidade, nenhum desembocando no exterior das casas
90
.
Entretanto, André Prous destaca a existência daquelas nos estados de Santa
Catarina e Paraná.
“Parece haver, portanto, dois tipos de
galerias: a primeira, ‘particular’, permite a
evacuação rápida de uma ‘casa’ (a não ser que seja
utilizada como entrada habitual, dispensando o uso
de escadas); as outras galerias, coletivas, serviriam
de refúgio para uma comunidade inteira. Em todas
são visíveis as marcas de picões dentados,
ocorrendo ocasionalmente petróglifos.”
91
Maria José Reis enumera diversas motivações para a construção das galerias
subterrâneas. Poderiam ter função defensiva, de comunicação entre casas subterrâneas, de
abrigo contra o rigor do inverno ou de facilitar acesso ao interior da casa
92
.
Estas galerias subterrâneas não foram registradas somente no Brasil. Em territórios
da atual República do Paraguai foram evidenciadas e descritas.
“No território paraguaio foram registrados
2 sítios com estruturas subterrâneas... No primeiro
foram localizadas 10 estruturas subterrâneas...
Uma destas estruturas circulares apresenta uma
galeria de aproximadamente 25m de comprimento.
90
PROUS. Op. cit., p. 318.
91
PROUS. Op. cit., p. 319.
92
REIS, 1.980. Op. cit., p. 215.
A área ocupada pelas estruturas subterrâneas é
contornada por um muro de terra e rochas em
decomposição, de forma retangular, medindo 70 a
80m de largura, 1m de comprimento e 0,80 de
altura.”
93
Os tipos de assentamentos, bem como as estruturas de terra e pedras relacionadas
aos Horticultores do Planalto são, como o leitor pôde observar, bastante variadas. As
populações ocupam ambientes diferentes de acordo com as estações do ano e com as novas
possibilidades de caça e coleta que com elas chegam. As moradias são adaptadas aos
períodos de duração das estadias em cada ambiente. O problema das estratégias e uso dos
espaços serão, como já dissemos acima, discutidos mais adiante.
Entretanto como alertam Schmitz & Becker, a grande quantidade de aldeias tanto no
planalto como na encosta e no litoral ainda não prova a grande densidade demográfica.
Tantos os materiais usados nas choupanas de palha com nos telhados das casas subterrâneas
estariam sujeitos à rápida deterioração, inviabilizando a moradia obrigando estes grupos a
construírem novas moradias ou mesmo novas aldeias
94
.
Mas antes de encerrarmos este capítulo, será necessário abordar, ainda que de forma
breve, uma questão bastante discutida na arqueologia dos grupos Horticultores do Planalto.
Muito já foi escrito sobre as três populações ceramistas que ocuparam as terras
altas do sul do Brasil. Os artefatos cerâmicos costumam ser atribuídos a três diferentes
tradições regionais.
93
Ibidem, p. 20.
94
SCHMITZ & BECKER. Op. cit., p. 270.
“(...) A mais meridional, coincidindo com o
Rio Grande do Sul e a porção meridional de Santa
Catarina foi batizada tradição Taquara. A do
planalto do Paraná, litoral do Paraná e parte
setentrional e central do litoral de Santa Catarina
foi denominada Itararé. O sul do Paraná e o
planalto catarinense contíguo abrigaria a tradição
Casa de Pedra.”
95
Apesar de comumente serem utilizados diferentes nomes para as tradições referidas,
nem todos os pesquisadores estão de acordo em que as diferenças na técnica de produção,
na forma e na decoração dos vasilhames sejam suficientes para que haja tal distinção em
três tradições separadas.
Pedro Schmitz ressalta que é bastante claro que o conjunto forma uma tradição
tecnológica e cultural, que ocupa diferentes ambientes contíguos: as terras altas e frias
cobertas pelas matas de pinheirais onde são encontradas as casas subterrâneas; a encosta do
planalto, os vales dos rios onde os sítios são restos de aldeias superficiais a céu-aberto
(taperas) ou mesmo os abrigos rochosos; e finalmente o litoral atlântico, coberto em parte
pela Mata Atlântica onde os sítios se apresentam como acúmulos de ossos de peixes e
conchas. Esses diferentes domínios fitogeográficos formam um território comum com uma
soma de recursos muito grande. Aparentemente as chamadas tradições costumavam
dominar simultaneamente os três ambientes
96
.
Mas o autor chega a ser mais conclusivo e atribui as três tradições a uma mesma
base cultural. De acordo com Schmitz,
95
SCHMITZ, 1988. Op. cit., p. 75.
96
Idem.
“Pelas diferenças regionais observadas
pode-se inferir que lidamos com populações que
têm um tecnológico e cultural comum, mas que se
dividem em territórios sobre os quais mantém
domínio por séculos.(...)
97
André Prous em “Arqueologia Brasileira” considera que a quase totalidade dos
achados em dois conjuntos que seus criadores chamaram tradição Taquara (E. Miller) e
tradição Itararé (I. Chmyz). Prous propõe denominá-las como Taquara-Itararé sendo,
Taquara a mais meridional e Itararé a mais setentrional
98
.
Como o leitor pôde perceber, são diversas as manifestações culturais destas
populações, sejam elas caracterizadas pelas estruturas subterrâneas, pelas relações destas
com o meio que as circundam, bem como pelos vestígios materiais da vida destes grupos.
Os grupos ceramistas pré-coloniais do planalto construíram diversas estruturas em terra.
Algumas eram utilizadas como moradias permanentes, outras como sítios de exploração em
zonas distantes das aldeias principais. As galerias subterrâneas, barricadas de proteção em
redor das aldeias, abrigos funerários, montículos mortuários ou aterros destacam-se entre as
adaptações das comunidades aos diversos ambientes explorados. Algumas destas questões
serão tratadas nos capítulos que seguem, principalmente no que tange ao uso dos espaços
por estes grupos, bem como suas relações com os Horticultores Guaranis.
97
SCHMITZ, 1.988. Op. cit., p. 121.
98
PROUS. Op. cit., p. 310.
Capítulo III
Horticultores Guaranis ( Tradição Tupiguarani )
Este capítulo tem por objetivo apresentar, ainda que de forma breve, a história da
ocupação dos grupos Horticultores Guaranis no Estado do Rio Grande do Sul. As pesquisas
arqueológicas referentes a estes grupos têm se dedicado a compreender seu modo de vida,
alimentação, seus utensílios e sua organização social. Partindo dos vestígios da cultura
material, os pesquisadores chegaram a muitas conclusões e hipóteses explicativas. Em que
pese algumas estejam ainda em período de teste ou mesmo à espera de pesquisas de campo
mais específicas, muitos dados e conhecimentos foram arrolados. Os resultados destas
pesquisas serão apresentados de agora em diante.
A área ocupada pela porção indígena da família lingüística Tupi-Guarani, de acordo
com as informações etno-históricas, era imensa. Ocupava praticamente todo o leste da
América do Sul, desde o norte do Amazonas até o Rio da Prata; da costa atlântica até a
região do Chaco
99
.
Entretanto, somente parte desta área coincide o da distribuição da cerâmica dos
Horticultores Guaranis. Mesmo assim, os vestígios destes se estenderam desde as
vizinhanças da desembocadura do Rio da Prata e suas ilhas até Estado do Maranhão, sendo
seu limite oeste determinado pela presença desta tradição no sul de Goiás
100
.
No que se refere ao Rio Grande do Sul, diversos arqueólogos têm se preocupado em
compreender a complexidade dos fenômenos culturais ligados a estas populações. Buscam
99
MÉTRAUX, Alfred. A religião dos tupinambás e suas relações com as demais tribos tupi-guaranis. 2
ed. São Paulo: Editora Nacional e Edusp, 1.979. (Brasiliana, volume 257). p. XXXIII.
100
SCATAMACCHIA, Maria C. Tentetiva de caracterização da tradição tupiguarani.. São Paulo,
Departamento de ciências sociais da faculdade de filosofia, letras e ciências humanas da universidade de São
Paulo, 1.981. (Dissertação de Mestrado). p. 43.
para tanto, subsídios em diversas áreas do conhecimento, complementando suas análises e
inferências. Os dados resultantes das pesquisas arqueológicas têm sido acrescidos das
informações etnohistóricas
101
e etnográficas
102
. Tal complementaridade tem oportunizado
uma melhor compreensão destas culturas.
Além das informações oportunizadas pelos primeiros cronistas, existem aquelas
fornecidas pelos missionários jesuítas responsáveis pela fundação das reduções.
Entretanto, até meados da década de 1.950 o Rio grande do Sul era inexplorado sob
o ponto de vista arqueológico
. Os trabalhos anteriores a esta data são esporádicos e
possuem interesse colecionista, com a exceção das viagens dos naturalistas que aqui
estiveram ao final do século XVIII e início do XIX.
José Proenza Brochado e Pedro Ignácio Schmitz fizeram uma síntese da seqüência
cultural do Estado, partindo das fases estabelecidas e das datações obtidas nas diferentes
regiões. Foi estabelecida a área de expansão dos grupos Horticultores Guaranis, e as
mudanças ocorridas dentro do seu padrão de estabelecimento
103
.
“As primeiras aldeias da Tradição
Tupiguarani no Rio Grande do Sul estão ao longo
da grande inflexão do Rio Uruguai, no nordeste do
estado. Estima-se que as mais antigas remontam ao
101
O termo etnohistória foi introduzido pelos antropólogos de campo que tentavam reconstruir o passado das
sociedades. Em sua origem, a etnohistória é a história das sociedades sem escrita, cujo passado apenas foi
conservado pela tradição oral. Assim sendo, é a história das sociedades estudadas por etnólogos e feita por
eles a partir das pesquisas em campo. BONTE, Pierre. Dicionario de etnología e antropología. Madrid:
Akal, 1.996. p. 348.
102
A etnografia consiste na observação e análise de grupos humanos considerados em suas particularidades
observadas em campo. LÉVI-STRAUSS, Claude. Antropología estructural. Barcelona: Paidos, 1.987. p. 50.
Nos referimos aqui à inexistência de pesquisas cientificamente orientadas por profissionais com formação
em Arqueologia.
103
BROCHADO, José P. & SCHMITZ, Pedro I. Datos para una secuencia cultural del estado de Rio Grande
do Sul (Brasil). In: Estudos Leopoldenses, São Leopoldo, Universidade do Vale do Rio dos Sinos, Ano
XVII, V. 18, n. 64, 1.982. p. 131-160.
tempo do nascimento de Cristo ou um pouco depois.
São poucas, espalhadas e afastadas do rio,
abrigando uma população ainda muito reduzida.”
104
Com base em seqüências estratigráficas, e em datações referentes a outras tradições,
os arqueólogos evidenciaram que a ocupação dos Horticultores Guaranis foi o mais recente
dos complexos cerâmicos presentes no Estado. “...as datações mais antigas até o momento
são os séculos V e VI, nos estados de São Paulo e Paraná... existem alguns sítios no
nordeste do Rio Grande do Sul (fase Irapuã), com datação mais recente no século
VIII.(...)”
105
A cerâmica é o elemento diagnóstico para a identificação da tradição Tupiguarani.
Esta pode ser lisa, com decoração plástica ou pintada. A decoração plástica se apresenta
corrugada, ungulada ou escovada. A pintura policrômicaa, com linhas vermelhas e/ou
pretas sobre branco, mais raramente linhas negras ou brancas sobre vermelho, ou ainda com
faixas vermelhas.
Mas o leitor deve atentar para o fato de que o termo Tupiguarani é uma criação feita
por arqueólogos, não estando necessariamente ligado à família lingüística Tupi-Guarani,
pertencente ao tronco Tupi. O termo Tupi-Guarani refere-se à língua falada por diverss
grupos indígenas durante o período pré-colonial. o termo Tupiguarani refere-se
exclusivamente à tradição arqueológica, à qual denominamos aqui como Horticultores
Guaranis.
De acordo a definição de José Proenza Brochado publicada no ano de 1.969,
104
SCHMITZ, Pedro Ignácio. Migrantes da Amazônia; a tradição tupiguarani. In: KERN, Arno. (org.)
Arqueologia pré-histórica do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1.997. p. 303.
105
“...los fechados más antíguos hastá el momento son los siglos V y VI, en los estados de São Paulo y
Paraná... existen algunos sitios en el Nordeste de Rio Grande do Sul (fase Irapuã), con el fechado más
temprano en el siglo VIII.(...)” BROCHADO & SCHMITZ. Op. cit., p. 154.
“Os sítios são superficiais, implicando em
curta permanência da aldeia, e sepultamento
secundário em urnas foi praticado no próprio sítio-
habitação ou em sua proximidade. Artefatos líticos,
de ocorrência quase universal, compreendem
lascas, talhadoeres, abrasadores e grandes bifaces
polidos. O tembetá é o ornamento característico e
são comuns os cachimbos. As técnicas diagnósticas
de decoração da cerâmica compreendem a pintura
sôbre o engôbo branco, o corrugado, o escovado e
o ungulado. Engôbo vermelho, acanalado, borda
entalhada, incisão, ponteado e rerrungulado são
também outras técnicas de ampla dispersão...
uma grande variedade de de formas de vasos,
comportando desde tigelas arredondadas até
grandes urnas funerárias de ombros angulares. As
tigelas são por vezes quadradas ou elípticas que
pròpriamente circulares.”
106
Esta posição topográfica no declive cria condições para que a erosão possa se
desenvolver logo que a cobertura vegetal nativa é retirada pelos trabalhos agrícolas.
Portanto, as ocorrências tornam-se superficiais e a coloração escura do solo tende a
desaparecer.
Nos sítios maiores, são freqüentemente encontradas várias manchas deixadas pelas
habitações, nas quais estão misturados os fragmentos cerâmicos com esta terra escura. Elas
106
BROCHADO, José P. Arqueologia brasileira em 1968, um relatório preliminar sôbre o programa
nacional de pesquisas arqueológicas. Belém, Museu Paraense Emílio Goeldi, publicações avulsas n. 12,
1.969. p. 18-20.
geralmente têm disposições geométricas, mas o fato de existirem mais de uma manchas não
quer dizer que sejam contemporâneas. André Prous afirma que possivelmente apenas os
locais mais favoráveis ao modo de vida destes grupos tenham sido reocupados.
“...os mais numerosos sítios registrados,
particularmente no Rio Grande do Sul, apresentam
apenas uma ou duas ‘manchas pretas’ ou
concentrações de cacos. Quando existem mais
‘manchas’, podem se apresentar sem ordem... ou
formando figuras geométricas semicirculares (as
mais freqüentes), elípticas ou até retangulares... As
maiores dessas aldeias têm entre sete e dez casas no
Paranapanema (SP), e até 15 em Goiás (Bom
Sucesso) e no Piauí (Queimada Nova)... Mas são
ocorrências raras, verificadas somente em alguns
sítios do Rio Grande do Sul, no limite entre São Paulo
e Paraná... Considerando os mais de 170 sítios de
oito fases do PRONAPA, observamos que três fases
têm exclusivamente sítios com duas manchas, duas
fases têm entre uma e quatro, enquanto uma única
fase apresenta conjuntos de até oito fundos de
habitação.”
107
Entretanto, a ocupação Tupiguarani nunca afetou totalmente uma região, mesmo
onde ela foi mais densa, como no Paranapanema ou no litoral carioca. Os Horticultores
107
PROUS, André. Arqueologia brasileira. Brasília: Unb, 1.992. p.378-379.
Guaranis sempre se limitaram às porções de território onde se verificavam condições
ecológicas características
108
.
Algumas aldeias eram instaladas nas várzeas dos rios maiores não tendo problemas
com abastecimento de água. Geralmente estavam sobre o dique marginal do rio, que as
enchentes dificilmente alcançariam. As corredeiras, junto às quais outras se localizavam,
têm abundantes moluscos, são bons pesqueiros e acumulam seixo de material variado,
necessários para a confecção de instrumentos. Nas barrancas dos rios é possível retirar
argila adequada para a fabricação dos artefatos cerâmicos. Vantagens semelhantes podiam
ser conseguidas na beira das grandes lagoas litorâneas. As aldeias das encostas eram
geralmente fixadas na beira de um córrego, o qual tinha o mesmo fim
109
.
“Portanto, a ocupação corresponde à rede
hidrográfica principal, como se fosse uma teia de
aranha entre os fios da qual subsistiriam ilhotas
abandonadas aos tradicionais habitantes da região
que sobreviveram nos relevos, que os Tupiguaranis
canoeiros não cobiçavam...”
110
O ambiente florestal e das margens fluviais proporcionava a estes grupos condições
de realizar em abundância a caça e a coleta. A inexistência de animais domesticados em
toda a América atlântica levou os grupos de horticultores a manterem padrões de
subsistência baseados na caça em larga escala, como forma de suprir as suas necessidades
de proteínas. Peixes e moluscos podiam sempre complementar a caça, pois eram
108
PROUS. Op. cit., p.373.
109
SCHMITZ, 1.997. Op. cit., p. 373.
110
PROUS. Op. cit., p. 373.
abundantes nas águas dos rios, das lagoas, e mesmo do mar. Importante também para
completar a dieta alimentar foi a coleta de vegetais, principalmente as raízes, os frutos e as
folhas comestíveis, assim como do mel silvestre
111
.
“A economia se baseava nos cultivos do
milho, aipim, abóbora, batata-doce, amendoim,
feijão, cará, fumo, algodão e outras plantas
tropicais, sob os cuidados das mulheres; e na caça
e pesca, sob a responsabilidade dos homens. A
coleta podia brindá-los com fungos, raízes, folhas e
uma quantidade apreciável de moluscos fluviais. A
mata oferecia materiais para a construção,
cestaria, tecelagem, plumaria, armas móveis e
canoas. O barro era muito importante para
confecção de numerosos vasilhames, e pedras eram
necessárias para a preparação de instrumentos e
armas.”
112
O cultivo era feito com uma tecnologia primitiva dividida em diferentes etapas.
Inicialmente promoviam o corte do mato e em seguida a queimada (coivara). O cultivo,
nesta roça, era feito sem remover os troncos nem arar a terra. A colheita durava enquanto o
“inço” não cobrisse os cultivos, caso contrário, abandonavam o terreno inçado para cortar
novo trecho de mato. O ciclo fechava-se em aproximadamente três anos
113
.
O jesuíta Pe. Jerônimo Rodrigues excursionou pelo litoral sul-brasileiro e atingiu a
região norte da costa gaúcha. Permaneceu algum tempo entre os índios carijós em uma
111
KERN, Arno Alvarez. Antecedentes indígenas. Porto Alegre: Editora da Universidade, 1.994. p. 110.
112
SCHMITZ, 1.997. Op. cit., p. 298-299.
113
Ibidem, p. 308.
aldeia que ficava em algum local às margens do Rio Mampituba, limite norte com o atual
Estado de Santa Catarina, bem como de nossa área de estudo. De acordo com as descrições
de Rodrigues,
“(...)E como as árvores são pequenas e pau
mole, facilmente fazem sua roça, a qual, acabante
de a queimarem, logo prantam, sem fazerem
coibara nem fazerem covas pera a mandiiba; mas
com o cabo da cunha, com que derribaram a roça,
fazem um buraquinho no chão e alí metem o pau da
mandiiba; e muitas vezes sem lhe fazerem buraco. E
pera uma índia meter um pau na terrasete e oito
e mais pancadas com ele na terra; e, assim
machucado e ferido, o mete.”
114
Arno Kern nos algumas informações adicionais a respeito do sistema de cultivo
dos Horticultores Guaranis, estabelecendo relações com a mobilidade dos mesmos.
“Em meio às florestas, em clareiras abertas
pelos homens, as mulheres plantavam pequenas
roças, nos férteis solos ricos em húmus. A
horticultura que praticavam possuía grande
variedade de espécies cultivadas. Plantavam o
milho, a mandioca, o feijão, a abóbora e a batata,
principalmente, alimentos ricos em
carboidratos.(...) Quando as contínuas atividades
de caça, coleta, pesca e plantio começavam a fazer
114
RODRIGUES, Jerônimo. A missão dos carijós 1.605-1.607. In: LEITE, Serafim. Novas cartas
jesuíticas (de Nóbrega a Vieira). São Paulo: Brasiliana 194, 1.940. p. 230.
rarear os recursos, buscava-se um novo local para
a instalação da aldeia.(...)”
115
Pedro Schmitz nos ensina que uma parte da colheita era perecível e teria de ser
consumida imediatamente, mas o milho, os feijões, a mandioca, poderiam ser
transformados em farinha ou beiju
, possibilitando seu armazenamento. Na realidade, a
produção era tão pequena que chegava a ser insuficiente para alimentar o grupo por todas
as estações
116
.
Para que possamos compreender a freqüente movimentação dos grupos guaranis nos
diferentes ambientes, torna-se necessário apresentar aqui as questões míticas e econômicas
que envolvem os deslocamentos destes, bem como a conseqüente rota de migrações que se
forma. Faremos neste momento uma pausa no que se refere ao estudo da cultura material
para tematizarmos tais problemáticas. Mais adiante discutiremos as formas e estruturas que
envolvem as aldeias, bem como as estratégias de exploração dos espaços que as circundam,
retomando o enfoque inicial deste capítulo.
Os parágrafos que seguem foram extraídos do trabalho de tese doutoral de José
Proenza Brochado, finalizado no ano de 1.984
117
. Deste momento em diante,
parafrasearemos o trabalho deste pesquisador no intuito de apresentar ao leitor a história da
origem e expansão dos grupos Horticultores Guaranis.
Ainda no início da era cristã dois ramos de uma cultura tipicamente amazônica
invadiram o leste da América do Sul, seguindo um sistema de progressão em forma de
115
KERN, 1.994. Op. cit., p. 111.
Bolo feito com massa de tapioca ou mandioca, o qual era muito apreciado por algumas tribos etnografadas.
116
SCHMITZ, 1.997. Op. cit., p. 308.
117
BROCHADO, Jo P. Um modelo ecológico de difusão da cerâmica e da agricultura no leste da
América do Sul. Illinois-Champaign, Universidade de Illinois, 1.984. (Tese de Doutorado com resumo em
português ao final). 574 p.
pinças. Pelo ano cem a cultura ou subcultura Guarani
118
se encontrava bem estabelecida
no sul do Brasil, e ao redor do ano quinhentos, a cultura ou subcultura Tupinambá, a qual
Brochado considera uma versão atenuada da cultura Marajoara, chegou ao nordeste do
Brasil. A expansão para leste da cultura Guarani no sul do Brasil foi lenta e se desenvolveu
em vagas sucessivas, cobrindo áreas cada vez maiores. A expansão da cultura Tupinambá,
por sua vez, foi rápida e linear, movendo-se ao longo da estreita faixa costeira. Cerca de
quinhentos anos antes da chegada dos europeus as duas mandíbulas das frentes de expansão
Guarani e Tupinambá se encontraram em algum lugar ao sul do Rio Tietê, em São Paulo
119
.
A respeito dos dois complexos cerâmicos referidos acima, o autor afirma que,
“...o que impropriamente se descreve como
“Tradição Tupiguarani”... são na realidade duas
extensões distintas da Tradição Policroma
Amazônica no leste da América do Sul e portanto
deve ser dividida em duas subtradições que
representam as cerâmicas produzidas por dois
grupos Tupi distintos os Guarani e os Tupinambá
os quais tiveram histórias totalmente separadas
durante os últimos dois mil anos...”
120
Mas o leitor deve estar de perguntando: de onde teriam saído estas duas tradições?
Brochado chama a atenção sobre a probabilidade de que inicialmente houvesse uma grande
estabilidade populacional na área, sugerida pela continuidade das tradições líticas durante
longos períodos de tempo. A estabilidade dessas tradições líticas desde o seu aparecimento
118
Estamos utilizando os termos Guarani e Tupinambá com letra maiúscula pois expressam, neste momento,
nomes de culturas indígenas.
119
BROCHADO, 1.984. Op. cit., p. 564.
120
Ibidem, p. 565-566.
até o tempo do contato histórico, sugere que alguns dos grupos indígenas evoluíram
localmente desde os últimos quinze mil anos
121
.
“...usarei o termo Línguas do Antigo Brasil
Oriental para descrever aqueles grupos de línguas
cujas relações umas com as outras e com as do
grupo não foram demonstradas. Estas línguas
incluem o Puri-Coroado, Botocudo, Chiquito,
Borôro, Nambicuara, Carajá e Huarpe. Usarei o
termo Macro-Gê para os grupos de línguas faladas
pelos Caingangue, Cariri e propriamente ditos,
porque as relações entre elas é demonstrável...”
122
De acordo com José O. Catafesto de Souza, em termos lingüísticos, os grupos
guaranis pertencem à família Tupi-Guarani, a qual é somente um ramo secundário do
tronco mais geral denominado por Tupi, Tupian ou Macro-Tupi. Segundo estudos
realizados pela Glotocronologia
123
, as origens mais recuadas do tronco Tupi, a Proto-
Língua Tupi, devem ser fixadas na borda meridional da Amazônia por volta de cinco mil
anos atrás. Souza acrescenta que a região dos rios Madeira-Guaporé tem sido considerada
com cautela como provável centro de dispersão dos falantes do Proto-Tupi
124
.
José Brochado acrescenta que os grupos guaranis e os tupinambás são culturalmente
amazônicos. Desta forma, o leste da América do Sul constitui-se de uma extensão cultural
da Amazônia. A partir disto, nos ensina que a maior parte da região, a qual é composta
121
BROCHADO, 1.984. Op. cit., p. 566-567.
122
Ibidem, p. 567.
123
Estudo das origens, dispersão e periodização das línguas.
124
SOUZA, José Otávio Catafesto de. Uma introdução ao sistema técnico-econômico guarani. Porto
Alegre, UFRGS, 1.987. (Dissertação de Mestrado). p.131.
pelos planaltos cobertos de cerrados e caatingas (ao norte), por campos de florestas mistas e
latifoliadas e coníferas (ao sul); estava ocupada por populações falantes das línguas do
Antigo Brasil Oriental ou Macro-Gê; enquanto as regiões periféricas estavam ocupadas por
populações falando outras línguas não relacionadas àquelas. Sendo assim, as planícies
costeiras e as várzeas dos sistemas fluviais dos rios Paraná, Paraguai e Uruguai estavam
ocupadas por falantes Tupi, enquanto as terras baixas do pampa e do Chaco estavam
ocupadas por falantes Guaianá
125
.
O pesquisador considera que todas as cerâmicas existentes nas terras baixas da
América do Sul deveriam convergir para um complexo cerâmico extremamente simples
situado na Amazônia Central
126
.
As mais recentes e mais elaboradas cerâmicas do leste da América do Sul são as das
subtradições Guarani e Tupinambá. Estas duas divergiram de uma única tradição, a
Policroma Amazônica, que pode ser datada em torno de 1.500 a.C., na região da
desembocadura do Madeira, na Amazônia Central. O mecanismo de difusão teria sido a
colonização começando no nordeste antes de quinhentos anos depois de Cristo, no caso dos
grupos tupinambás, e em torno do ano cem de nossa Era, para o caso dos grupos
Horticultores Guaranis
127
.
Os padrões característicos da colonização de ambos os grupos podem ser explicados
pelo fato que o sistema amazônico de agricultura intensiva que trouxeram com eles,
poderia ser duplicado nas férteis várzeas encontradas ao longo dos maiores rios do interior
e, em menor escala, no curso inferior dos rios costeiros. A maior parte dos solos das terras
mais elevadas do leste e nordeste são muito pobres para sustentar este tipo de agricultura.
125
BROCHADO, 1.984. Op. cit., p. 568.
126
Ibidem, p. 569-570.
127
Ibidem, p. 572.
Enquanto que no sul, ainda que existam solos apropriados no planalto, o clima de altitude é
muito frio para o cultivo da mandioca em larga escala. No entanto, o solo rico das várzeas
constituía um nicho ecológico altamente desejável, e sua posse deve ter sido ferozmente
contestada pelos habitantes da região. Para Brochado, as regiões costeiras, como é o caso
da nossa área de estudo, devem ter passado por situações análogas
128
. Os interesses eram
além das áreas de plantio, as oportunidades de pesca nas lagoas e a abundante caça
existente nas matas ciliares e nos limites da Mata Atlântica.
Referindo-se às movimentações do grupos no Estado do Rio Grande do Sul, Pedro
Schmitz afirma que,
“Na medida em que a subtradição
Corrugada se consolida, uma grande expansão
colonizadora, em decorrência de considerável
aumento demográfico. Entre os sécs. IX e X
começamos a perceber núcleos em todos os vales
cobertos de matas e ao longo das lagoas do
litoral.”
129
Todas estas sucessivas difusões de cerâmicas e populações repetiram o mesmo
padrão de avanço em forma de pinça, partindo da Amazônia Central. O autor acrescenta
que um dos braços se movia sempre rio abaixo, saindo da desembocadura do sistema
amazônico e descendo para o sul ao longo da costa atlântica, enquanto o outro braço se
movia primeiro rio acima, pelo Madeira e o Guaporé, passando para o Paraguai, descendo
até o Paraná, e finalmente subindo ao longo da costa em direção ao norte. O pesquisador
128
BROCHADO, 1.984. Op.cit., p. 572-573.
129
SCHMITZ, 1.997. Op. cit., p. 303.
acrescenta ainda que, em todos os casos,os dois braços se encontram no sul do Brasil, em
algum lugar entre o Jacuí e o Rio Grande, e uma fronteira se formou, rumando do interior
para a costa
130
.
“Se me for permitido usar aqui uma
metáfora, o planalto brasileiro, rodeado pelo
movimento de pinças da expansão colonizadora dos
Guarani e Tupinambá, ficou como que apresado
entre as mandíbulas do cósmico jacaré
amazônico...”
131
Feitas as devidas considerações a respeito da dispersão e da origem dos grupos
Horticultores Guaranis voltaremos, como dissemos anteriormente, aos aspectos materiais
da vida e das aldeias dos grupos referidos.
Arno Kern afirma que as aldeias compunham-se de ocas ovais (ocas, ou ogas) onde
habitavam diversas famílias nucleares pertencentes à mesma família extensa clânica.
Próximo às cabanas se encontrava a zona de enterramentos, onde em grandes urnas
funerárias de cerâmica, denominadas de “igaçabas”, os mortos eram colocados e amarrados
em posição fetal
132
.
Igor Chmyz, enquanto escavava o sítio da Paineira, encontrou possíveis divisões
internas às casas. O pesquisador verificou a existência de duas linhas paralelas de buracos
de postes de trinta centímetros de diâmetro e cinco metros de distância entre si. Uma das
linhas era formada por conjuntos de dois postes, cada um distante de dois e meio a três
metros do conjunto seguinte. Combinando com os alinhamentos paralelos, de forma mais
130
BROCHADO, 1.984. Op.cit., p. 573.
131
Idem.
132
KERN, 1.994. Op. cit., p. 110.
ou menos elíptica, havia grande quantidade de pequenos buracos de estaca com até dez
centímetros de diâmetro. Entre as duas linhas, foram encontradas duas fogueiras, sendo que
outras apareciam na periferia da habitação. O pesquisador acredita ser possível ter
encontrado os postes que serviriam para sustentar o telhado e pendurar as redes, sendo que
os espaços de três metros marcariam as distâncias entre duas famílias nucleares vizinhas
133
.
A estrutura arquitetônica das casas era construída com troncos e palha, em uma
clareira no interior da mata. Vestígios do material construtivo foram encontrados em sítios
da fase Ibirajé. Segundo Maria Cristina Scatamacchia,(...)É interessante mencionar o fato
do encontro de fragmentos de argila queimada com impressão de fibras, taipa, sugerindo o
uso de uma habitação do tipo barreado.”
134
Eram consideradas aldeias pequenas as que tivessem duzentos a trezentos
habitantes. Schmitz afirma que uma aldeia considerada grande provavelmente não
excederia mil indivíduos. Estes povoados seriam constituídos por três, quatro ou seis casas.
O autor afirma que distariam entre duas e quatro léguas uns dos outros, estando os maiores
ao longo dos cursos d’água e os menores nas encostas mais afastadas ou nas “serras”. As
aldeias estavam ligadas por caminhos largos que iam do interior ao litoral
135
.
As aldeias dos Horticultores Guaranis localizadas no litoral sul-riograndense
estendem-se desde a desembocadura da Lagoa dos Patos até o extremo norte do Estado, no
Município de Torres. Nestes Locais os sítios geralmente estão relacionados aos ambientes
das lagoas costeiras, explorando os recursos da pesca e da caça nos limites orientais da
Mata Atlântica, ou mesmo nas matas de Restinga.
133
PROUS. Op. cit., p.382.
134
SCATAMACCHIA. Op. cit., p. 87.
135
SCHMITZ, 1.997. Op. cit., p. 296-297.
“...80% das jazidas se concentram na bacia
do Paraná e do Uruguai, entre os rios
Paranapanema e Jacuí, ou seja, dentro de 1 500
000 km²; outra concentração pode ser notada na
estreita faixa litorânea, que vai do Rio de Janeiro
até o Maranhão, ao norte. Estas duas
concentrações correspondem, etnograficamente, a
primeira ao território Guarani, a segunda ao
território Tupi.”
136
Em que pese o autor supracitado considere tais espaços como áreas de concentração,
os sítios litorâneos dos Horticultores Guaranis são encontrados abundantemente na costa de
Santa Catarina e nas porções norte e central Planície Costeira do Rio Grande do Sul. No
Litoral Norte, nossa área de estudo, foram encontrados, em função das obras de duplicação
da rodovia BR 101 e pavimentação da RS 486, bem como por trabalhos de pesquisa
realizados por Eurico Miller durante a década de 1960, ou mesmo por Pedro Schmitz, na
segunda metade da cada de 1950, inúmeros sítios localizados entre as dunas ou no topo
de terraços pleistocênicos. Tais sítios serão tratados com mais detalhamento no Capítulo
VII.
Além dos caminhos que ligavam uma aldeia à outra, conforme ressaltado
anteriormente, havia ainda, caminhos maiores, os quais interligavam grandes distâncias.
Em que pese os grupos Horticultores Guaranis tenham se locomovido
preferencialmente pela malha hidrográfica com o uso de canoas, outras vias de transporte
foram aproveitadas. É o caso dos caminhos que intersecionavam os rios no sentido leste-
oeste e colocavam em contato as terras do litoral com as do interior, até o Paraguai. Estas
136
PROUS. Op. cit., 374.
estradas eram reservadas a expedições militares ou “diplomáticas” entre as diferentes
tribos
137
.
“Indícios arqueológicos das relações
constantes entre o litoral e o Paraguai (e até a
Bolívia) foram notificadas por Bischoff (objetos
de cobre encontrados no Rio Grande do Sul) e
sobretudo por Krone, que encontrou em Cananéia
um machado de cobre cuja análise feita em
laboratórios austríacos demonstrou a origem
andina da matéria-prima. Mais recentemente, os
arqueólogos encontraram vestígios de uma
ramificação do mais famoso desses caminhos, o
Peabiru dos cronistas, que ia justamente de
Cananéia até o local onde fora fundada a cidade de
Assunção. A via principal subia o vale do rio
Ribeira até a nascente, cruzando depois o Paraná,
onde atravessava as águas do Tibagi e do Ivaí,
descendo depois o vale do rio Piquiri até o Paraná,
saindo do então território brasileiro...”
138
Relatos de Knivet também informam da existência de caminhos utilizados pelos
grupos indígenas Puri, Lopos, Tomiminós e Guainá, para cruzar as encostas escarpadas da
Serra do Mar
139
.
137
PROUS. Op. cit., p. 374.
138
Idem.
139
OLIVEIRA, Maria C. T. O lugar dos aventureiros: identidade, dinâmica de ocupação, e sistema de
trocas no litoral do Rio de Janeiro 3.500 anos antes do presente. V.I. Porto Alegre, Faculdade de
Filosofia e Ciências Humanas, Programa de Pós-graduação em História da Pontifícia Universidade Católica
do Rio Grande do Sul, 2.003. p. 149.
Alfredo Rohr, durante as pesquisas realizadas no município catarinense de
Itapiranga, encontrou vestígios do que provavelmente seria o Peabiru. O pesquisador
encontrou uma espingarda e 360 contas de colar de pedre azul, branca e verde associadas a
um anzol de aço, uma lâmina de navalha e um fragmento de vidro. Tais achados foram
associados aos bandeirantes em suas rotas de viagem
140
.
“Por aquêle mesmo lugar passa uma
estrada antiqüíssima de quatro metros de largura.
Os primeiros colonos encontraram esta estrada,
nìtidamente delineada, mas invadida pela mata,
com árvores de até 50 cm de diâmetro. Deram-lhe o
nome de ‘Estrada dos Bugres’. Afirmam que a dita
estrada se estende além dos limites do
Brasil.(...)”
141
O tema do contato entre os grupos pré-históricos será tratado com mais
detalhamento no Capítulo VIII, no qual especificaremos os contatos existentes entre os
Horticultores do Planalto situados na porção norte da Planície Costeira do Rio Grande do
Sul e os grupos Horticultores Guaranis.
Se as aldeias mais antigas eram grandes e compostas por várias casas localizando-
se nas proximidades aos grandes rios, como vimos anteriormente, às vésperas da chegada
dos colonizadores europeus estas se encontravam em condições bem adversas. Nas palavras
de Brochado e Schmitz,
140
ROHR, 1.966. Op. cit., p. 24-25.
141
Ibidem, p. 25.
“Entre os séculos XIV e XVII, os
Tupiguarani... começaram a abandonar os rios
maiores,subindo seus afluentes que descem do
planalto e do Escudo Cristalino. Os sítios se
localizam longe da água, predominantemente sobre
elevações e em algumas áreas todavia são muito
numerosos, mas as aldeias são muito menores,
compostas por pequeno número de casas elípticas,
que medem o máximo 20 m de largura por 10 de
comprimento, ou cirulares, que medem em sua
maioria apenas 5 m de diâmetro.(...) As vasilhas
são menores ( exceto no Alto Uruguai e em seu
formador, o Pelotas) e seus fragmentos menos
numerosos. Nos cemitérios os enterramentos em
urnas são secundários e não primários. A
quantidade de material lítico diminui,
principalmente no que se refere a lascas compridas
e pontiagudas...”
142
.
A partir do século XVI começa a conquista ibérica do Novo Mundo.
Paulatinamente, portugueses e espanhóis iniciam a instalação de cleos de povoamento
nas terras descobertas.
142
“Entre los siglos XIV y XVII, los Tupiguaraní... comienzan a alejarse de los ríos más grndes, subiendo sus
afluentes que bajan del planalto o del Escudo Cristalino. Los sitios se ubican lejos del agua,
predominantemente sobre elevaciones y en algunas áres todavía son muy numerosos; pero las adeas son
mucho menores, compuestas de pequeño número de habitaciones elípticas, que midem al máximo 20 m de
largo por 10 de ancho; o circulares, que midem en su mayoría solamente 5 m de diámetro.(...) Las vasijas son
menores (excepto en el Alto Uruguay y en su formador, el Pelotas) y sus fragmentos menos numerosos. En
los cementerios los enterramientos en urnas son secundarios y ya no primarios. La cantidad de material lítico
disminuye, principalmente en lo que a las lascas filosas y puntiagudas...” BROCHADO & SCHMITZ. Op.
cit., p. 155.
No começo apenas os espanhóis fundaram cidades e instalaram missões na área do
Rio da Prata. Excursionaram pelo litoral sul-riograndense que consideravam seu pelo
Tratado de Tordesilhas, chegarando a se instalar na ilha de Santa Catarina. Os portugueses
também exploraram nosso litoral. Missionários jasuítas portugueses desceram pela Planície
Costeira, desde Rio de Janeiro e São Vicente, fundando diversas aldeias, inclusive uma na
foz do Rio Mampituba
143
.
“Quando chegaram os missionários jesuítas
no princípio do século XVII, encontram os
Tupiguarani nesta situação de decadência. As
reduções que então se fundaram e que reuniam a
maior parte dos portadores da cerâmica
Tupiguarani, não duraram muito, sendo
abandonadas antes do avanço dos Paulistas
Bandeirantes. Em 1.634 os Tupiguarani que não
haviam se retirado para a República Argentina,
acompanhando os missionários jesuítas, foram
levados para São Paulo pelos Bandeirantes.”
144
Os interesses mercantilistas disseminaram a produção açucareira por todo o litoral
brasileiro. Tal sistema produtivo era baseado na mão-de-obra escrava, tanto indígena
quanto negra. Caravelas de escravocratas paulistas desceram pelo litoral, provocando o
143
KERN, Arno A. As origens pré-históricas do povoamento de Torres. In: Anais do VIII Reunião científica
da Sociedade de Arqueologia Brasileira, V. 2, Porto Alegre, EDIPUCRS, 1.995. p. 133.
144
“Cuando llegan los misioneros Jesuítas, en el principio del siglo XVII, encuentram a los Tupiguaraen
esta situación de decadencia. Las reduciones que entonces se fundaron y que reunían la mayor parte de los
portadores de la alfarería Tupiguaraní, no duraron mucho, siendo abandonadas ante el avance de los
Paulistas Bandeirantes. En 1634 los Tupiguarani que no se habían retirado para la República Argentina,
acompañando a los misioneros Jesuítas, fueron llevados para São Paulo por los Bandeirantes.”
BROCHADO & SCHMITZ. Op. cit., p. 155-156.
etnocídio de inúmeros grupos indígenas. Muitos destes haviam sido cristianizados e
viviam em aldeias fundadas pelos jesuítas em Laguna, Imbituba, Araranguá, no Mampituba
e em Tramandaí
145
.
Jerônimo Rodrigues relata o fato de os carijós venderem-se a si mesmos, ou seja,
venderem os próprios parentes aos bandeirantes escravagistas de São Paulo. Nas palavras
deste jesuíta, “(...)E se os brancos dizem ser os Carijós bons é porque se lhes vendem. E
até os mesmos carijós estão dizendo: - porque lhes vendemos nossos parentes dizem que
somos bons.(...)”
146
.
Os contatos que se deram entre as populações indígenas e os colonizadores
europeus serão tratados mais adiante no Capítulo IX. Mas antes disso, trataremos das
formas de assentamento e estratégias de utilização dos espaços que circundam os sítios
arqueológicos. O cenário foi apresentado na Parte I de nosso trabalho, os atores, na Parte II.
A partir de agora tentaremos situar os atores no cenário, formulando um quadro geral da
ocupação humana dos Ceramistas Pré-coloniais do Litoral Norte do Rio Grande do Sul.
145
KERN, 1.995. Op. cit., p. 134-135.
146
RODRIGUES. Op. cit., p. 242.
Capítulo IV
Modelos de Ocupação Pré-colonial no Litoral
Nesta terceira parte do trabalho perseguiremos os modelos de utilização do espaço
empregados pelos grupos Ceramistas Pré-coloniais do Litoral Norte. Como já dissemos na
introdução, apresentaremos inicialmente os modelos de ocupação evidenciados pelos
arqueólogos, em seguida, passaremos a montar o quadro da ocupação dos grupos
Horticultores do Planalto e dos Horticultores Guaranis em nossa área de estudo. Partindo
dos dados apresentados, estruturaremos os conceitos teóricos adotados nesta dissertação
como forma de compreender a ocupação humana na porção norte da Planície Costeira sul-
riograndense.
O presente capítulo se destina então, a apresentar um quadro geral dos modelos de
ocupação pré-colonial do litoral do Rio Grande do Sul. Nossa área de estudo limita-se ao
Litoral Norte deste Estado, no entanto, não acreditamos ser possível compreender o
processo de povoamento desta sub-região isoladamente.
Apresentaremos a seqüência histórica da ocupação do litoral seguindo a ordem
cronológica que o conhecimento arqueológico nos possibilita. Introduziremos inicialmente
os sítios dos grupos caçadores-coletores para em seguida apresentar a ocupação dos grupos
sambaquieiros, passando, finalmente, à dispersão dos diferentes grupos ceramistas que na
região habitaram.
Em um estudo que originou sua tese de doutorado, Adriana Schmidt Dias
caracterizou a ocupação dos caçadores coletores da tradição Umbu na região nordeste do
Rio Grande do Sul. A autora afirma que o sistema de assentamento destes
Caçadores.pescadores das Zonas de Paisagens Abertas
147
poderia ser caracterizado por três
princípios gerais
148
.
Em primeiro lugar, destaca a idéia de que a manutenção de um sistema de
assentamento caçador-coletor
149
adaptado a áreas florestais é mediado pela alta mobilidade,
demandando, portanto, um território amplo. Este território, por sua vez, comportaria duas
dimensões distintas: uma regional, associada ao grupo de afiliação, e uma local, associada
às áreas de forragem dos bandos que compõe o grupo de afiliação, cujas fronteiras são
marcadas pela alta fluidez
150
.
Uma segunda característica, diz a autora, estaria associada às estratégias de
mobilidade que correspondem ao marco estrutural deste tipo de organização social. A alta
mobilidade agiria de forma a potencializar a capacidade produtiva do ambiente e manter os
vínculos sociais e o fluxo de informação entre os distintos bandos locais que fazem parte de
um grupo de afiliação e que compartilham o mesmo território regional
151
.
Finalmente, a pesquisadora argumenta que os sítios arqueológicos derivados de um
sistema de assentamento caracterizado pela alta mobilidade seriam o produto de intervalos
breves de ocupação, gerando vestígios materiais pouco densos e altamente dispersos na
paisagem. Estes sítios possuiriam baixa variabilidade funcional e alta probabilidade de
apresentar depósitos primários , podendo variar entre dois tipos unidades habitacionais e
locações relacionadas a atividades específicas
152
.
147
Seguimos aqui a denominação adotada por Arno Kern. KERN, 1994. Op. cit p. 63.
148
DIAS, Adriana S. Sistemas de assentamento e estilo tecnológico: uma proposta interpretativa para a
ocupação pré-colonial do alto vale do rio dos sinos, Rio Grande do Sul. São Paulo, Museu de Arqueologia
e Etnologia da Universidade de São Paulo, 2003. (Tese de Doutorado). p. 103.
149
A autora utiliza a denominação sem ífem (caçador coletor). DIAS, 2003. Op. cit., p. 103.
150
Idem.
151
Idem.
152
Idem.
Seguindo este modelo, Dias sugere que a área do Alto Vale do Rio dos Sinos, com
216 quilômetros quadrados, representaria um território de forragem de um bando local,
correspondendo a uma porção mínima de um território regional mais amplo, associado a
um grupo de afiliação. A pesquisadora sugere que a borda nordeste do planalto sul-rio-
grandense, correspondendo aos vales dos rios Taquari, Caí, Sinos e Maquiné, bem como a
planície litorânea adjacente, corresponderia a um território regional de um grupo de
afiliação, comportando vários territórios de forragem de bandos locais,cujos membros
poderiam mover-se sem restrição em função de objetivos de ordem social e econômica
153
.
Os recursos costeiros provavelmente exerceram um fator de atração para as
populações caçadoras coletoras que ocuparam o alto vale do Rio dos Sinos. Evidências de
uma exploração ocasional recuada no tempo podem ser observadas pela presença de dentes
de tubarão e conchas marinhas associadas às coleções dos tios RS-S-358: Toca Grande e
RS-S-327: Sangão. Possivelmente, estas excursões à costa foram freqüentes ao longo da
ocupação dos sítios estudados, afirma Dias, apresentando-se mais aberta e próxima ao alto
vale do Rio dos Sinos até pelo menos 5.000 A.P. A autora ressalta que a exploração sazonal
dos recursos costeiros teria se tornado mais efetiva para as populações caçadoras
coletoras da região nordeste do Rio Grande do Sul a partir da estabilização da linha de
costa, quando ambientes tornaram-se mais produtivos em função da formação dos sistemas
de lagoas e banhados do Litoral Norte que passam a concentrar recursos de caça e pesca na
primavera e no verão
154
. Este tema foi tratado por nós no Capítulo I deste trabalho,
sugerimos então, ao leitor interessado que retorne às ginas iniciais para maiores
esclarecimentos.
153
DIAS, 2003. Op. cit., p. 103-104.
154
Ibidem, p. 106-107.
Dias utiliza o conceito de estilo tecnológico para inferir acerca do sistema de
assentamento dos grupos na área estudada. Nas palavras da autora,
“Nosso interesse nesta categoria conceitual
reside nas possibilidades que oferece ao ser
incorporada ao estudo da variabilidade das
indústrias líticas do sul do Brasil. Partindo do
conceito de estilo tecnológico, podemos
compreender a variabilidade dos conjuntos líticos
como resultado de escolhas tecnológicas,
culturalmente determinadas, representadas na
seleção das matérias primas, nas técnicas e
seqüências de produção e nos resultados materiais
destas escolhas. Os estilos tecnológicos são,
portanto, o produto de uma tradição cultural,
servindo como indicadores de identidades
sociais.”
155
A pesquisadora diz ainda que é da comparação entre estilos tecnológicos de
indústrias líticas dos sítios de uma mesma região que se torna possível antever a
possibilidade de distinção entre identidades sociais ou culturais no registro arqueológico.
Contudo, alerta a pesquisadora, tal percepção nunca pode estar dissociada de uma análise
contextual, na medida em que o estilo tecnológico só adquire sentido quando compreendido
como parte de um sistema cultural
156
.
155
DIAS, 2.003. Op. cit., p. 277.
156
Idem.
Quanto aos tipos de sítios relacionados a um sistema de assentamento caçador
coletor para a área nordeste do Estado, a pesquisadora observou, a partir da literatura
arqueológica, a presença de oitenta e nove sítios associados à tradição Umbu, cujas
datações permitem sugerir uma ocupação constante deste território regional ao longo de
pelo menos 9.000 anos. Do conjunto de sítios identificados, trinta e cinco ocorrem em
abrigos sob rocha, associados a morros testemunho areníticos, que correspondem a
formações geológicas comuns na paisagem da porção leste da Depressão Central gaúcha. O
sistema de assentamento de caçadores coletores neste território regional também
comportaria sítios a céu-aberto, de igual funcionalidade, porém estes apresentariam um
padrão de distribuição mais disperso na paisagem, sendo sua preservação mais rara
157
.
Os sítios em abrigos sob rocha identificados para o alto vale do Rio dos Sinos
estariam relacionados a tal sistema regional, tendo sido ocupados de forma continuada ao
longo de 8.000 anos. Partindo do modelo de mobilidade adotado, a autora diz que os
abrigos teriam sido ocupados como bases residenciais por breves períodos de tempo pelos
bandos locais que percorreriam a área ao longo de seu ciclo anual de mobilidade. Observou
igualmente, que houve uma preferência na escolha de determinados tios para o
estabelecimento das bases residenciais, pois de cinqüenta abrigos sob rocha identificados na
área, somente quatorze foram ocupados por caçadores coletores. Destes, apenas oito
apresentam uma densidade de material mais significativa, o que indicaria a utilização
freqüente, estando a maior concentração de sítios com estas características, mais próximos
à várzea do Rio dos Sinos
158
.
157
DIAS, 2.003. Op. cit., p. 107.
158
Ibidem, p. 108.
Adriana Dias sugere que o sistema de assentamento do alto vale do Rio dos Sinos
comportaria uma quantidade significativa de tios a céu-aberto que corresponderiam a
unidades habitacionais, porém a alta mobilidade e a curta duração das ocupações produziria
um conjunto de vestígios materiais pouco densos.
O modelo de assentamento adotado por Dias prevê, além das unidades
habitacionais, a presença de sítios associados a atividades específicas. Sugerimos que estes
sítios de atividades específicas para um sistema de assentamento associado à tradição
Umbu poderiam ser de dois tipos. Um primeiro estaria relacionado a locais de extração de
matéria prima, geralmente associados afloramentos rochosos de boa qualidade ou
determinados pontos da paisagem, ao longo de cursos de água de maior fluxo, que
concentrariam seixos ou placas derivados de arraste fluvial. Um segundo tipo de sítio de
atividade específica estaria relacionado ao sistema simbólico do grupo, estando
caracterizado pela presença de petroglifos em blocos isolados na paisagem ou associados a
abrigos sob rocha
159
.
Marco Aurélio de Masi, em seu trabalho de tese doutoral, realizou pesquisas
arqueológicas na Ilha de Santa catarina, estabelecendo um modelo de ocupação para o
litoral daquele Estado. O pesquisador utilizou dois métodos principais de análise: primeiro
a análise de padrão de assentamento baseada em produtividade marinha primária e
segundo, medidas de sazonalidade que usam análise de isótopos estáveis. Foram escavados
três sítios arqueológicos localizados nas margens da Lagoa Conceição. De dois sítios
ocupados durante o mesmo período de tempo (1.597 A.P. à 1.067 A.P.), um foi
interpretado como base residencial e o outro como um sítio acampamento. O primeiro esta
localizado na área de maior produtividade marinha e o segundo está localizado na área de
159
DIAS, 2.003. Op. cit., p. 109-110.
baixa produtividade marinha da lagoa. O terceiro sítio, foi ocupado de 5.020 A.P. à 910
A.P., e está localizado também em uma área de alta produtividade, tendo sido caracterizado
como uma base residencial. A análise de isótopos estáveis de 13/12C e 15/14N do colágeno
dos ossos humanos e animais suporta a hipótese de baixa mobilidade, mostrando que as
populações litorâneas viveram suas vidas inteiras na costa, se alimentando principalmente
de recursos marinhos, predominantemente o peixe, e não moluscos, mesmo depois de
adquirir tecnologia cerâmica. Este contexto muda com a chegada de grupos horticultores
Amazônicos, como o Tupi-Guarani por 910 A.P. A análise do colágeno também indica que,
de 1.735 A.P. até 1.210 A.P., caçadores-coletores das terras altas possuíam uma dieta
baseada em recursos terrestres, com cultivo de milho a partir de 1.182 A.P., e sem uso de
recursos litorâneos
160
.
É possível que a baixa mobilidade dos caçadores-coletores pré-históricos de
recursos aquáticos na costa Brasileira meridional seja causada pela abundância de recursos
marinhos. A produtividade marinha é alta durante a estação de inverno quando a corrente
marinha subantártica das Malvinas sobe em direção ao norte. A estação de verão também é
uma estação altamente produtiva após as chuvas de verão, principalmente em regiões
estuarinas
161
.
O autor afirma que, testando o modelo de padrão de assentamento de Binford, foi
possível demonstrar que ambos os sítios SC-PRV-01 e SC-PRV-02 funcionaram como
bases residenciais e que SC-CL-01 como um acampamento, considerando a redundância
das ocupações nos sítios, a organização interna da estratigrafia, a diversidade dos artefatos
160
MASI, Marco A. Mobilidade de caçadores-coletores pré-históricos da costa Sulbrasileira. Ilha de Santa
Catarina, um estudo de caso. In: Arqueologia do Brasil meridional e IX congresso da sociedade de
arqueologia brasileira. Porto Alegre, PUCRS, 2.001, (CD-ROM). p. 1
161
MASI. Op. cit., p. 4.
e as estruturas de estocagem. A produtividade marinha primária mostra que os sítios
residenciais (múltiplas atividades), estavam localizados na área mais produtiva da lagoa e o
sítio acampamento (atividade específica) localizado na área menos produtiva
162
.
“A análise dos isótopos estáveis da coleção
de referência de águas e conchas mostra que a
região é adequada para análise sazonal usando
este método. O carbonato de cálcio (CaCO3) da
conchas precipita em equilíbrio com as condições
físico-químicas da água, e varia com a
temperatura. A característica principal da região
são as chuvas sazonais, que apagam o sinal da
temperatura e abaixam as proporções de 18/16O,
registrando este evento nos valores isotópicos, bem
como na cor das conchas. Os mais baixos valores
dos isótopos estáveis de oxigênio, bem como a cor
cinza das conchas ocorre na estação chuvosa do
verão...”
163
.
As medidas de sazonalidade usando os isótopos estáveis de oxigênio mostram que
as populações pré-históricas estavam coletando moluscos durante as estações "secas" e
"úmidas" nas bases residenciais, e esporadicamente no acampamento. A análise da cor das
conchas apóia estas conclusões. A análise de colágeno de 13/12C e 15/14N mostra que a
população do litoral passou a vida inteira na costa, utilizando somente recursos marinhos,
essencialmente peixe, provavelmente até mesmo depois que eles terem adquirido
tecnologia cerâmica dos grupos Gês. A população das terras altas exibem o mesmo padrão
162
Ibidem, p. 5.
163
MASI. Op. cit., p. 5.
de mobilidade, sem movimentos regulares entre as terras altas e a costa durante o período
que vai de 1.735 A.P. até 1.182 A.P.
164
.
A disponibilidade de recursos marinhos foi medida nesta pesquisa usando a
produtividade marinha primária, baseada em medidas de NO4, NO3, CO3, PO4, SiO2 e
carbono inorgânico dissolvido (DIC). O uso de recursos foi medido indiretamente usando
isótopos estáveis de carbono e nitrogênio do colágeno dos ossos humanos e de animais. A
análise indicou uma dieta essencialmente marinha com peixe como a fonte de alimento
principal. Embora a análise quantitativa dos restos alimentares não tenha sido executada, é
possível dizer que moluscos eram a predominante fonte de alimentos em todos os três
sítios. Esta conclusão contradiz a análise dos isótopos estáveis que indicou os peixes como
recurso principal, ao invés de molusco. Moluscos provavelmente foram consumidos em
uma quantia muito pequena, se consumidos, sem afetar os valores isotópicos indicativos de
peixes. A preservação dos ossos de peixes é muito pobre quando comparada com a
preservação das conchas de moluscos, produzindo uma reconstrução de dieta enganosa
baseada somente nos restos arqueológicos
165
.
Em vez de caçadores-coletores pré-históricos com alta mobilidade na costa
Brasileira meridional, pescadores-coletores e eventualmente caçadores com baixa
mobilidade viviam naquela área de 4.070 A.P. até 1.067 A.P. tempo ao qual, segundo De
Masi, já possuíam cerâmica mas nenhum cultivo
166
.
Os sítios estudados na referida pesquisa mostram que a Lagoa Conceição estava
ocupada desde 5.020 A.P. até 910 A.P. por populações pré-históricas. Durante este período
de tempo a laguna mudou sua configuração geomorfológica, principalmente devido as
164
Ibidem, p. 11.
165
MASI. Op. cit., p. 11.
166
Ibidem, p. 10.
mudanças do nível do mar, evoluindo de uma baía protegida ou oceano fechado para uma
lagoa com três canais conectando ao oceano
167
.
Marco De Mais afirma finalmente que os dados de cronologia mostram que SC-
PRV-01 é o sítio mais antigo na área datado em 5.020 A.P. Os outros dois sítios são
contemporâneos de 1.597 A.P. para 1.169 A.P. apoiando a hipótese de sincronismo do
modelo de padrão de assentamento discutida anteriormente.
Passaremos agora a apresentar as interpretações sobre o processo de ocupação dos
sítios sambaquieiros no litoral do Rio Grande do Sul. Para tanto, nos será necessário um
conhecimento geral a respeito do tema, em função da constante discussão que este suscita.
A origem dos Sambaquis é um tema muito discutido sobre o qual muito foi
escrito. Alguns autores acreditam que estes sítios pertençam a uma única unidade
sociocultural que expandiu-se por toda a costa brasileira. Outros pesquisadores imaginam
que seriam fruto de adaptações culturais ao ambiente litorâneo, oriundas dos grupos de
caçadores do interior do continente. Estas interpretações deram margem a diversos
modelos hipotéticos de ocupação deste compartimento geomorfológico, os quais
apresentaremos a seguir.
O hiato causado pela ausência de evidências do processo adaptativo de populações
interioranas ao litoral tem sido respondido pela justificativa de que essas populações
estariam ajustadas a algo semelhante à exploração litorânea, pois o molusco terrestre fazia
parte da dieta alimentar de antigos grupos de caçadores-coletores do interior.
Ao mesmo tempo, parece claro que a ocupação da costa através de grupos
interioranos deveria apresentar vestígios desse processo adaptativo, e que sua ausência
167
Ibidem, p. 11-12.
pode indicar que havia grupos acomodados ao litoral, com os quais seriam estabelecidas
relações de contato.
A hipótese de que estes vestígios estariam hoje submersos não é convincente, pois
grupos interioranos em processo de adaptação litorânea não teriam dificuldade de recuar
seus assentamentos, acompanhando a subida das águas
168
.
No litoral do Rio Grande do Sul, Arno Kern constata que se encontram tanto
vestígios de sambaquis, como acampamentos ocasionais de grupos caçadores-coletores da
encosta da Serra Geral. Prospecções realizadas em 1.970 puderam evidenciar o contraste
entre a riqueza dos elementos culturais dos primeiros e a pobreza dos vestígios
arqueológicos dos segundos. Conforme este autor,
“É no Holoceno final, ao término do Ótimo
Climático, que possivelmente os primeiros
caçadores-coletores estejam se instalando na
planície costeira sul-rio-grandense, adaptando-se à
pesca e à coleta, provavelmente migrando do norte,
onde esta adaptação já dura dois milênios.(...)”
169
Acrescenta ainda que os grupos construtores destes sambaquis apresentam
elementos culturais que parecem indicar uma cultura específica com variações regionais.
O litoral gaúcho é marcado pela quase inexistência de praias mansas, lagunas e
manguezais, o que ocorre da partir a região de Laguna em direção ao sul, parece não ter
168
TENÓRIO. Op. cit., p. 51.
169
KERN, Arno. (Org.) Pescadores-coletores pré-históricos do litoral norte. In: Arqueologia pré-histórica
do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1.997. p. 171.
apresentado grandes atrativos para a sua ocupação, o que fez com que os relativamente
poucos sítios registrados no litoral do Estado ficassem concentrados na região de Torres.
Aceitando-se as datações obtidas pela arqueologia no decorrer das pesquisas em
sambaquis, tudo indica que o Estado de São Paulo teria sido ocupado inicialmente há cerca
de 7.800 anos antes do presente e dele teriam saído grupos em direção ao sul do Estado do
Rio de Janeiro. Esses grupos teriam chegado apenas à parte central do Estado. Quase 1.000
anos mais tarde, há 6.800 anos, outra leva populacional teria saído de São Paulo indo para o
sul, mas teria limitado-se ao litoral sul do Paraná
170
.
Outros 1.000 anos se passaram e novas levas voltaram a ocupar o litoral do Rio de
Janeiro, desta vez indo até o norte do Estado. No entanto, não existem sítios datados que
comprovem o percurso e apenas duas datações informam as ocupações. 5520 +/- 120 para
o sambaqui do Forte e 5150 ± 110 para o sítio Geribá II
171
. Mas devemos considerar que a
inexistência de dados pode se dever à falta de pesquisas ou à destruição dos sítios pela
exploração imobiliária, fato esse que se repete ao longo do litoral norte do Rio Grande do
Sul.
Por volta de 5.000 AP, ocorre um aumento no número de sítios em São Paulo, mas
parece que isso não se estende ao litoral do Rio de Janeiro e do Paraná. Nestas regiões a
expansão das ocupações teria ocorrido entre 4.600 e 4.400 anos A.P., quando surgiriam
novos sítios em Santa Catarina, intensificando o processo no período de 4.400 a 4.200 anos
atrás. Entre 4.000 3.800 A.P. parece ter havido outro aumento populacional em São Paulo,
170
TENÓRIO. Op. cit., p. 173.
171
TENÓRIO. Op. cit., p. 174.
o que teria novamente provocado a ampliação da ocupação tanto para o norte como para o
sul, surgindo novos sítios no Espírito Santo, Rio de Janeiro, Paraná e Santa Catarina
172
.
Até 2.800 anos atrás todo o litoral entre Santa Catarina e Rio de Janeiro esteve
densamente ocupado. No entanto, após esse momento, houve uma drástica diminuição na
implantação de novos sítios. Embora muitos deles ainda continuassem em atividade, pode
ser constatada uma diminuição de novas ocupações por volta de 2.800 a 2.000. Em Santa
Catarina e no Paraná, ocorre um hiato de novas ocupações, entre 2.800 e 2.000 e de 2.800 e
1.600, consecutivamente. Em São Paulo e no Rio de Janeiro, há um grande declínio
populacional.
Walter Neves distingue três etapas de ocupação pré-colonial da região em questão.
Uma primeira, representada predominantemente pelos sambaquis, domina todo o período
pré-cerâmico. A segunda constitui-se pelos acampamentos conchíferos cerâmicos, cuja
cerâmica sugere o envolvimento de três tradições distintas na exploração de recursos
marinhos: Itararé, Guarani e Taquara. A terceira e última etapa de ocupação do litoral seria
representada pelos sítios rasos com cerâmica guarani.
173
No que diz respeito a presença dos sambaquis no litoral brasileiro, este pesquisador
afirma, baseando-se na bibliografia especializada, que existem unidades sub-regionais, com
características específicas. Argumenta que uma característica marcante e definidora são as
formas dos objetos zoomorfos.
“Quanto à origem do zoólito, Schobinger a
coloca nos andes... Serrano, no noroeste argentino,
172
Idem.
173
NEVES, Walter. Paleogenética dos grupos pré-históricos do litoral sul do Brasil (Paraná e Santa Catarina).
Pesquisas, São Leopoldo, Série Antropologia, v. 43 1.988. p.48-49.
norte do Chile, Peru, Equador, Panamá e Antilhas...
Ladislau Neto vai até o Mississípi(...) Serrano atribui
aos do Paraná e Santa Catarina uma antiguidade
maior do que os zoólitos do Rio Grande do Sul e
Uruguai, desenvolvendo, assim, uma teoria
migratória na direção norte-sul...”.
174
Apesar da precariedades das informações disponíveis, alguns autores parecem
concordar com o fato de haver uma unidade cultural entre os sambaquis da região do litoral
sul de Santa Catarina, que acabaram sendo englobados na denominada fase Congonhas.
“As datações radiocarbônicas mostram uma ocupação mais ou menos recente para a
região: entre 1.454 AC e 320 DC.(...)”
175
Parece haver concordância no fato de que a ocupação do litoral pelos construtores
de sambaquis se deu de forma independente dos eventos que, contemporaneamente,
ocorriam no interior. Com exceção da presença de zoólitos em alguns sítios no interior do
Rio Grande do Sul, objetos “alienígenasà cultura litorânea não têm sido encontrados nos
sambaquis, sugerindo que não ocorreram relações significativas com os grupos do
planalto
176
.
Embora de forma menos expressiva, culturas pré-cerâmicas distintas da dos
construtores de sambaquis parecem ter ocorrido contemporaneamente no litoral sul do
Brasil. O sítio Armação do Sul poderia ser um exemplo disso.
174
RIBEIRO p. 137-138.
175
NEVES Op. cit., p. 47-48.
176
NEVES. Op. cit., p. 50
“Por volta do ano 800 de nossa era, o litoral
do Paraná e Santa Catarina, após quatro milênios
de grande estabilidade cultural e adaptativa,
presenciaria a primeira grande transformação ao
nível de sua ocupação pré-histórica.”
177
Essa transformação se manifesta claramente pelo aparecimento de cerâmica nos
níveis superiores de alguns sambaquis ou mesmo em sítios planos, completamente
cerâmicos. A estratigrafia, em ambos os casos, evidencia um padrão de subsistência
predominantemente ligado à pesca e secundariamente à coleta de moluscos.
“Tendo em vista a reduzida espessura de
suas camadas de restos orgânicos, quando
comparadas com as dos sambaquis, alguns autores
acreditam que a exploração dos recursos marinhos
por esses grupos era complementar à horticultura,
sugerida pela presença da cerâmica.(...)”
178
As pesquisas paleogenéticas elaboradas por Neves, Unger e Scaramuzza
demonstraram que, ao contrário, pelo monos no litoral norte de Santa Catarina, a
horticultura não fez parte da dieta destes grupos.
O aparecimento desse novo estilo de vida no litoral, concomitante ao término da
construção de sambaquis em Santa Catarina e no Paraná, pode ser explicado duas formas.
1 que os sítios cerâmicos associados à pesca são na verdade, produto dos mesmos
construtores de sambaquis que tiveram de adotar um novo padrão de subsistência,
177
Idem.
178
Ibidem p. 51.
provavelmente em virtude de mudanças ecológicas. A cerâmica teria sido simplesmente
incorporada à cultura sambaquiana através de contato com outros grupos ceramistas do
planalto.
2 Admitindo-se que a chegada na costa reflete uma difusão dêmica no sentido
interior litoral, os construtores de sambaquis podem ter abandonado a área em virtude da
pressão territorial, terem sido eliminados por contatos belicosos, ou ainda absorvidos pela
estrutura social, certamente mais complexa, dos recém-chegados. Uma fusão dos três
fenômenos pode também ter ocorrido.
Pedro Ignácio Schmitz tem desenvolvido pesquisas no litoral sul e central do Rio
Grande do Sul desde meados da década de 1.970. As pesquisas nestas regiões
caracterizaram-se, entre outras coisas, por escavações e prospecções em áreas de dispersão
dos cerritos. Estes sítios caracterizam ocupações dos caçadores dos campos do sul. Estas
elevações artificiais no terreno são geralmente atribuídas à Tradição Vieira, ocorrendo
sobreposição desta sobre antigas habitações estacionais dos caçadores-coletores das zonas
do pampa, também conhecidos como Tradição Umbu.
Os utensílios cerâmicos começam a surgir nesta região apenas no início da era
cristã, caracterizando os grupos de caçadores-pescadores ceramista nômades das zonas
pampeanas ou Tradição Vieira. Os sítios arqueológicos são geralmente encontrados nos
terraços lagunares regressivos. Estes espaços são caracterizados por Schmitz da seguinte
forma.
“A margem da lagoa é composta de terrenos
baixos, escalonados em dois suaves degraus, que
representam terraços recentes, holocênicos, sendo A
o mais baixo e com isso mais novo, e B o mais alto e
mais antigo; depois segue um degrau ainda bastante
mais alto, que é um terraço pleistocênico... Os tios
arqueológicos estudados em sua quase totalidade
encontram-se nos terraços holocênicos; os mais
recentes estão sobre o degrau mais alto.”
179
No que diz respeito à circulação dos grupos de caçadores ceramistas dos campos do
Sul, Pedro Schmitz argumenta ser necessário caracterizar os períodos de ocupação anual
dos diferentes ambientes.
Para este autor, a presença dos peixes, crustáceos e coquinhos são provas de que os
assentamentos são ativos durante a primavera e começo do verão, e abandonados durante os
períodos do outono e do inverno.
“(...)Para o meio do verão não temos por
enquanto provas conclusivas, mas sugestões muito
fortes: este período apresenta recursos
abundantíssimos em crustáceos, aves, ovos e
variedades de frutas. Dificilmente um outro local
dentro da região apresentaria a mesma riqueza, na
mesma época.”
180
Partindo destes dados, podemos inferir que os sítios estariam ocupados durante a
primavera e começo do verão, sendo abandonados durante o outono e o inverno.
Se estes caçadores ceramistas precisavam utilizar os recursos de diversos nichos
espalhados em uma área maior, que área total abrangeria este território de abastecimento?
O autor afirma que somente a cerâmica se presta, ao menos neste estágio das pesquisas,
179
SCHMITZ, Pedro Inácio. Os aterros dos campos do sul: a tradição vieira. In: KERN, Arno. (Org.)
Arqueologia pré-histórica do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1997. p. 226-227.
180
SCHMITZ. Op. cit., p.233.
para delimitar a possível área de circulação dos grupos. Constata que a cerâmica da tradição
Vieira ocupa uma superfície que abrange o ambiente das grandes lagoas e os campos
limpos e sujos de Tapes até o sul do departamento de Rocha, do Atlântico até o alto Rio
Negro (Uruguai), o Ibicuí e o Jacuí, somando um diâmetro de aproximadamente 300 Km
181
.
Uma das zonas mais ricas em determinada época do ano é a parte sul da Laguna dos
Patos, onde se concentrariam grupos familiares para a pesca, a caça e a coleta de plantas
nativas. Mas também evidenciam-se outras áreas de concentrações populacionais, como em
Santa Vitória do Palmar e Camaquã. Estes acampamentos estariam relacionados à caça, e
estavam situados nas partes elevadas de terrenos alagadiços. Os mesmos pescadores se
deslocariam para estas áreas em determinadas estações do ano? Ou haveria populações
diferentes explorando seus recursos? Estas são algumas questões que Schmitz não
responde, abrindo-as para pesquisas futuras.
Tanto nos aterros como nos topos das colinas, a camada arqueológica apresenta-se
com pouca profundidade. Tal fato poderia ser interpretado como ocupação recente na área.
As profundidades variadas poderiam ser interpretadas como ocupações sucessivas, porém
em períodos cronológicos diferentes, ou mesmo a escolha de outros locais para ocupação
durante os deslocamentos necessários para o abastecimento anual. Verifica-se através da
forma de deposição do material arqueológico, tanto em superfície quanto em cortes
estratigráficos, que se trata de ocupações diferenciadas, não apenas de um nível temporal
para outro, mas possivelmente dentro de um mesmo nível.
A autora argumenta que as camadas de pátina que recobrem algumas peças ticas,
bem como nas cicatrizes de lascamento poderiam indicar o reaproveitamento de algumas
181
Ibidem, p. 234.
peças, e por tanto a reocupação da área. Acrescenta ainda que as finas lentes de ocupação
indicariam breves permanências
182
.
Os restos de alimentação poderiam sem dúvida corroborar estas interpretações,
entretanto, as evidências arqueológicas ligadas à obtenção ou à transformação dos
alimentos restringem-se aos artefatos.
A partir destes dados Sílvia Copé pôde inferir que os tios arqueológicos
encontrados na área são de atividades múltiplas, especificamente domésticas, com função
de acampamentos estacionais destinados à caça e coleta de vegetais. Nas palavras da
autora,
Os aspectos morfológicos como o tamanho
pequeno associado às formas circulares e elípticas, a
natureza da deposição, a profundidade e a espessura
da camada arqueológica indicam sítios de
acampamento, os quais poderíamos definir como
áreas ocupadas por curtos espaços de tempo, que
poderiam ser reocupadas em períodos diferentes.”
183
No que diz respeito aos caracteres morfológicos dos sítios, Lewis Binford
estabelece uma relação entre a forma da habitação e o grau de sazonalidade do grupo que a
construiu. “A disposição formal e funcional no espaço das construções de um assentamento
não é reflexo apenas de providências para abrigo, proteção ou estocagem, mas também de
organização social, política e religiosa da vida comunitária.
184
. Nas palavras de Binford,
182
COPÉ, Sílvia. A ocupação pré-colonial do sul e sudeste do Rio Grande do Sul. In: KERN, Arno. (Org.)
Arqueologia pré-histórica do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1997. p. 205.
183
COPÉ. Op. cit., p. 206.
184
REIS, José Alberione dos. Arqueologia dos buracos de bugre: uma pré-história do planalto
meridional. Caxias do Sul: EDUCS, 2002. p. 127.
“Notamos uma forte conexão entre padrão de
mobilidade e plano de casa. Povos completamente
nômades tendem a construir casas com plano
circular ou semicircular assim como povo semi-
nômade, enquanto que povos semi-sedentários e
completamente sedentários favorecem planos
retangulares, embora planos semicirculares
continuem como forma secundária.”
185
Um aspecto considerado por Silvia Copé diz respeito à implantação dos sítios ou ao
conjunto deles no relevo da região.
A autora informa-nos que os conjuntos de sítios arqueológicos estão nas
proximidades das fontes de captação de água, como nascentes ou sangas, dentro da planície
aluvionar do Rio Jaguarão, na compartimentação geomorfológica da planura alta. A
ocupação é de dois tipos. Segundo Copé,
“...os aterros situados nas partes mais baixas
e alagadiças, e a ocupação das colinas naturais nas
áreas secas. Ambas as ocupações estão na planura
alta, que não sofre as inundações periódicas
ocasionadas pelas chuvas do período hibernal. A
localização é aparentemente estratégica, uma vez
que a área oferece recursos faunísticos e florísticos
disponíveis nos banhados e na mata de galeria às
margens dos rios, sem o incômodo das
inundações.”
186
185
BINFORD, Lewis. Mobility, housing and environment: a comparative study. Journal of anthropological
research, 46 (2), p. 119-154, 1990. Apud REIS, 2002. Op. cit., p. 104.
186
COPÉ. Op. cit., p. 210.
A implantação dos sítios parece estar estritamente relacionada ao recurso d’água,
pois eles estão sempre próximos a confluências. No entanto, estes sítios se encontram junto
a fontes de água de proporções reduzidas, que no verão ficam completamente secas. Tal
fato parece indicar estacionalidade na exploração de recursos naturais.
Sílvia Copé estabelece então, que os grupos de caçadores-pescadores ceramistas da
Tradição Vieira estariam, no outono e inverno, ocupando as áreas mais elevadas, junto às
nascentes dos rios, acima do nível das inundações hibernais, e que nas áreas sujeitas às
cheias; construiriam aterros (cerritos)
187
.
No levantamento das pesquisas arqueológicas realizadas nas proximidades da Lagoa
Mirim e Laguna dos Patos, bem como à costa atlântica, os grupos pré-históricos estiveram
durante a primavera e o verão. A sazonalidade foi verificada através dos restos de
alimentos que incluíam espécies existentes nos períodos quentes do ano. Os recursos
disponíveis no outono e no inverno não foram encontrados nos sítios.
Adriana Schmidt Dias estabeleceu, ainda no trabalho referido anteriormente, os
modelos de sistema de assentamento dos Horticultores do Planalto e dos Horticultores
Guaranis no vale do Rio dos Sinos. Apresentarem inicialmente o modelo definido pela
autora para os grupos do planalto, passando, em seguida, ao sistema de assentamento
compreendido pelos grupos guaranis, uma vez que configura-se cronologicamente mais
recente.
Os sítios arqueológicos associados aos Horticultores do Planalto
188
na área do alto
Rio dos Sinos representam parte de um sistema de assentamento mais amplo que se estende
para o norte, abrangendo as terras mais altas do planalto, e para o leste, explorando os
187
Idem.
188
A autora utiliza o termo tradição Taquara ao invés de Horticultores do Planalto. DIAS, 2.003. Op. cit., p.
290.
recursos das lagoas litorâneas. Este modelo de domínio vertical prevê a exploração
diferencial destes rês pacotes ambientais de forma sazonal a fim de garantir a subsistência
do grupo ao longo do ciclo anual. O sistema de cultivo nas áreas de encosta, seria
suplementado por estratégias de estocagem de alimento, obtidos através da caça e coleta
nas áreas florestais manejadas do planalto e da pesca e coleta de moluscos no litoral
189
.
A estabilidade econômica proporcionada por esta estratégias, por sua vez, tem como
conseqüência uma alta mobilidade habitacional que gera uma variabilidade de tipos de
sítios adaptados às características ambientais das distintas áreas. Desta forma, as estruturas
subterrâneas do planalto seriam utilizadas, predominantemente, no final do outono e no
inverno, durante a coleta e processamento do pinhão e os sítios a céu aberto da encosta
seriam ocupados durante a primavera e o verão, em função dos ciclos dos cultivos. Os
concheiros litorâneos seriam decorrentes de ocupações rápidas, associadas a estratégias
extrativas voltadas a processamento de alimentos para estocagem e consumo em outros
locais do assentamento
190
.
Partindo deste modelo, a autora afirma que a mobilidade das populações Jê pré-
coloniais eram representadas por migrações estacionais pluri-familiares, abrangendo os
diferentes ambientes que compõem o sistema de assentamento do grupo, havendo uma
tendência a re-ocupação dos mesmos assentamentos a cada estação. Indicadores deste
padrão podem estar representados nas seqüências de datações para as estruturas
subterrâneas do planalto que, por vezes, abrangem centenas de anos, bem como na alta
densidade de materiais registrados nos sítios a céu-aberto. Outro indício seria representado
pela quantidade de sepultamentos associados a determinados tipos de sítios como os
189
Idem.
190
DIAS, 2.003. Op. cit., p. 290.
abrigos sob rocha, para o Rio Grande do Sul, ou os concheiros, para o litoral de Santa
Catarina
191
.
A autora conclui que os três sítios arqueológicos associados aos grupos
Horticultores do Planalto em sua área de estudo representariam uma única aldeia,
sucessivamente reocupada nas épocas de cultivo. As concentrações de artefatos líticos
representariam áreas de atividades específicas localizadas nas proximidades da aldeia,
relacionadas a afloramentos de matérias primas para a indústria lítica. Os artefatos
produzidos poderiam ser utilizados nas atividades domésticas, bem como nas atividades
desenvolvidas próximas ao assentamento principal, como abertura de clareiras na mata e o
preparo da terra para o cultivo
192
.
A estabilidade da ocupação representada pelo sistema de assentamento dos
Horticultores do Planalto entraria em colapso com a chegada dos Horticultores Guaranis.
Dias acrescenta que, embora os assentamentos destes grupos ocupem, preferencialmente,
áreas de menores altitudes, nas proximidades dos cursos dos rios de maior porte, sua noção
defensiva de território acaba por limitar a circulação das populações Jê pelos diferentes
ambientes explorados. A presença dos sítios dos Horticultores Guaranis no litoral central e
norte do Rio Grande do Sul impediria, limitaria ou regularia o acesso para os grupos
planaltinos aos recursos litorâneos, levando ao progressivo abandono destas estratégias de
subsistência. O mesmo processo teria se dado em relação às áreas de cultivo na encosta, as
quais teriam sido abandonadas pelas pressões expansivas dos tekohá. A autora afirma ainda
que, embora haja evidências arqueológicas de contato entre estes dois grupos, as formas
bélicas de conquista e manutenção dos territórios de domínio desenvolvidas pelos
191
Ibidem, p. 291.
192
Idem.
Horticultores Guaranis, sugerem que conflitos e disputas com os caçadores coletores e os
Horticultores do Planalto pelas áreas de cultivo da encosta e extração de recursos litorâneos
marcariam a tônica do tipo de relação predominante na região nordeste do Estado
193
.
Partindo do modelo etnoarqueológico existente, Dias compreende os sítios dos
Horticultores Guaranis no alto vale do Rio dos Sinos como representando o deslocamento
das sedes das aldeias (amundá) na área de domínio de pelo menos dois tekohá. O primeiro,
afirma a pesquisadora, está representado pela concentração de sítios acompanhando os
cursos do Rio dos Sinos, arroios Caraá, Grande, Pinheiros e Bom Retiro. Um segundo
tekohá localizaria-se no vale do Arroio Rolantinho, em altitudes mais elevadas dos que o
anterior
194
.
O primeiro tekohá estaria representado pela maioria dos sítios identificados,
distribuídos em vários agrupamentos, nas proximidades das confluências do arroio Sertão
com os rios dos Sinos, do Arroio Caraá com o Rio dos Sinos e do Arroio Grande com os
arroios Pinheiros e Bom Retiro. Estes conjuntos de sítios representariam, de acordo com o
modelo etnoarqueológico, o deslocamento da sede da aldeia principal (amundá) pela área
de domínio do tekohá, partindo de um núcleo original e deslocando-se a uma distância
média de dois quilômetros entre os deslocamentos. Seguindo o curso do Rio dos Sinos, e
arroios Caraá e Grande, as aldeias, afirma Dias, instalaram-se preferencialmente nas meias
encostas, com altitude em torno de 100 metros, nas proximidades de zonas de confluência
de corpos d’água e de fontes de matéria prima lítica e argilosa
195
.
O tekohá do Arroio Rolantinho situa-se sete quilômetros a noroeste do núcleo
principal de sítios dos Horticultores Guaranis do alto Rio dos Sinos, em um ambiente com
193
DIAS, 2003. Op. cit., p. 292.
194
Ibidem, 293.
195
DIAS, 2003. Op. cit., p. 293.
topografias elevadas e relevo acidentado, relacionado com o ambiente da encosta do
planalto. A ausência de datações para o sítio impossibilitou a pesquisadora de determinar se
este corresponde a uma área de domínio contemporânea subordinada ao tekohá do alto Rio
dos Sinos, ou se deriva de um padrão de implantação posterior, decorrente da pressão da
frente colonial a partir do início do século XVIII, implantada junto aos recursos dos rios e
arroios ocupados tradicionalmente. No caso da segunda hipótese, os sítios da localidade de
Campestre poderiam uma aldeia periférica a este tekohá do norte, instalada naquele local
para controlar o movimento dos portugueses junto ao vale do Rio dos Sinos, cuja
contemporaneidade foi atestada por datações obtidas pela pesquisadora
196
.
Os modelos acima apresentados nos permitem constituir uma base documental que
subsidiará, em parte, as inferências que efetuaremos acerca dos sistemas de assentamento
dos grupos Ceramistas Pré-coloniais do Litoral Norte do Rio Grande do Sul. Em que pese
tenhamos nos detido inclusive em outros grupos que habitaram o litoral dos estados
sulistas, acreditamos ser possível compreender as populações em foco em nosso estudo a
partir das informações gerais sobre o uso dos espaços litorâneos. Passaremos, a seguir, a os
aproximar dos modelos de uso dos espaços dos grupos Horticultores do Planalto, para
então, no Capítulo VI, nos determos no sistema de assentamento dos grupos
Horticultores Guaranis na Planície Costeira sul-rio-grandense.
196
Ibidem, 295.
Capítulo V
O Uso do Espaço pelos Horticultores do Planalto
O uso dos espaços por parte dos grupos horticultores do planalto é um tema bastante
discutido pela comunidade científica arqueológica. Entretanto, são escassas as escavações
de grandes áreas, tão necessárias para informações mais conclusivas. Como veremos a
seguir, existe mais de uma hipótese que tenta explicar ou compreender a diversidade das
estruturas subterrâneas e suas utilizações no passado. Existem ainda, como o leitor pôde
perceber no Capítulo II, os casos de registros arqueológicos de cerâmica destes grupos em
sítios a céu-aberto e abrigos rochosos. Os abrigos a céu-aberto constituem-se de possíveis
taperas com ocupações breves e acampamentos litorâneos, ambos os casos serão tratados
mais adiante. A diversidade das estruturas habitacionais ou ritualísticas, relacionadas a
estes grupos, gera inúmeras discussões e hipóteses explicativas, as quais tentam
compreender estes fenômenos.
Para que possamos caracterizar as ocupações nos diferentes ambientes, bem como a
relação daquelas com o meio, torna-se necessário, neste momento, que apresentemos
algumas reflexões que envolvem o estudo dos grupos Horticultores do Planalto e a relação
com o ambiente que os circunda.
Uma das discussões mais comuns na bibliografia especializada corresponde à
contemporaneidade ou não contemporaneidade das casas subterrâneas, e do uso permanente
do assentamento.
Maria José Reis introduz uma questão importante que acaba interligando ambos
problemas.
“...o fato de ter levantado a possibilidade da
ocorrência de silos ou poços de armazenamento,
embora admitidas com reservas, merece algumas
considerações. Sua presença, evidentemente,
poderia auxiliar na tentativa de esboço do padrão
de subsistência do grupo. Ao que se depreende de
numerosos exemplos etnográficos, sua utilização
está ligada diretamente à estocagem de produtos
agrícolas.(...)”
197
Assim sendo, a presença de tais estruturas pressupõe um padrão de subsistência
dependente de práticas agrícolas que permitam a produção de alimentos destinados a um
consumo não imediato. Implicaria então um padrão de assentamento permanente.
198
Entretanto, é possível afirmar, com base no material tico e cerâmico conhecido,
não ser provável a ocorrência de tais práticas. A autora alerta para o fato de que a presença
de silos é uma possibilidade que poderá ser totalmente rejeitada com um melhor
conhecimento das estruturas subterrâneas pequenas e especialmente das estruturas
subterrâneas geminadas.
“As próprias estruturas subterrâneas,
entretanto, conforme Schmitz (1970:4) podem
constituir indicador de um padrão de assentamento
permanente. Esta suposição baseia-se na reflexão a
respeito da quantidade de trabalho investido em
termos da tecnologia disponível que elas
representam, especialmente aquelas de maiores
197
REIS, 1.980. Op. cit., p. 237.
198
Idem.
dimensões. É difícil admitir, a menos que se prove
em contrário, a utilização apenas temporária. De
qualquer modo é plausível supor que devam ter
constituído o assentamento principal do grupo,
abandonado apenas para incursões periódicas e
talvez esporádicas a outras áreas.(...)”
199
A pesquisadora afirma ainda que admitir, porém, a possibilidade de deslocamentos
sazonais desta população para outras áreas implicaria a existência de outros sítios-
habitação, cuja ocupação pudesse ser atribuída ao grupo responsável, também, pelas
estruturas subterrâneas. Com relação ao Planalto Meridional em Santa Catarina,
informações que dão conta da presença de outros 2 tipos de sítios, mas nenhum permite
conclusões muito seguras. O primeiro é representado pelos chamados “sítios a céu aberto”.
Estes contém cerâmica idêntica àquela coletada nos sítios de estruturas subterrâneas.
Entretanto, foram registrados, apenas 3 destes sítios na Região de Campos de Lages e 11 na
região do oeste. Porém, o pequeno número destes frente a enorme quantidade de estruturas
subterrâneas registradas não recomenda que se estabeleçam relações desta natureza entre as
duas diferentes modalidades de sítios
200
.
A autora diz que para falar em deslocamentos sazonais deveria haver outros sítios-
habitação além das casas subterrâneas que se pudesse associar à tradição Taquara. Diz que
em Santa Catarina eles não existem. No entanto, os sítios referidos por Reis foram
encontrados no Rio Grande do Sul, o que nos permite falar em deslocamentos sazonais.
Os sítios de habitação a céu-aberto, referidos pela autora como numericamente
insuficientes, para que se possa supor a mobilidade dos grupos horticultores do planalto,
199
REIS, 1.980. Op. cit., p. 238.
200
Ibidem, p. 239.
não são representados apenas por quatorze unidades no Rio Grande do Sul, como é o caso
do planalto catarinense.
Eurico Miller constatou quarenta e um sítios de habitação a céu-aberto na fase
Guatambu (Miller: 1.971). Tais sítios localizam-se principalmente nas várzeas dos rios
Pelotas e Antas, distando das fontes de água mais próximas entre cinco e cem metros. As
áreas dos sítios variam entre 200 e 5.000 metros quadrados, sendo que as camadas
arqueológicas atingem entre quinze e trinta centímetros. Entretanto, o autor destaca não ter
sido possível detectar estruturas de casas em superfície
201
.
Além destes, mais três sítios a céu aberto foram encontrados por este autor e
enquadrados na fase Xaxim (Piazza: 1969). “(...)São de pequenas dimensões 10 X 20 m a
20 X 30 m. O refugo atinge a 10 cm de profundidade. Pela coloração distingue-se
fracamente a área do sítio em relação ao terreno.”
202
No tocante à fase Taquaruçu, foram localizados quatro sítios que “...assentam-se em
terrenos sôbre a serra, outrora cobertos pela mata, às margens de arroios e coxilhas
lindantes.(...) Suas dimensões são regulares, tingindo 5.000 m².(...)”
203
Desta forma, como pudemos verificar, não o insignificantes os sítios superficiais
a céu-aberto provavelmente resultantes de taperas para moradias periódicas como afirma
Maria José Reis. Há que se ressaltar que a autora refere-se às pesquisas efetuadas no Estado
de Santa Catarina. Os sítios citados por nós dizem respeito ao Rio Grande do Sul. De
qualquer forma, o que nos interessa neste momento é sugerir, partindo do argumento da
201
MILLER, Eurico T. Pesquisas arqueológicas efetuadas no planalto meridional, Rio Grande do Sul.
Programa nacional de pesquisas arqueológicas. Resultados preliminares do quarto ano, 1.968/1.969.
Publicações avulsas do museu Emílio Goeldi, Belém, 15,1.971. p. 44.
202
Ibidem, p. 49.
203
MILLER, Eurico T. Pesquisas arqueológicas efetuadas no noroeste do Rio Grande do Sul (alto Uruguai).
Programa nacional de pesquisas arqueológicas. Resultados preliminares do segundo ano, 1.966/1.967.
Publicações avulsas do museu Emílio Goeldi, Belém, 10, 1.969. p. 37.
autora que relaciona poucos destes sítios a baixa mobilidade, que as populações parecem
ser menos sedentárias do que o afirmado.
Devemos considerar ainda que talvez estes grupos Horticultores do Planalto não
sejam culturalmente tão uniformes. Talvez nem todas as parcialidades destes grupos
responderiam às dificuldades impostas pelo ambiente exatamente da mesma forma. Nada
impede que em algumas regiões apenas alguns grupos utilizassem as taperas em detrimento
de outros. Isso explicaria as diferenças nas quantidades. A relação destes com o ambiente
parece ser bem mais complexa do que o considerado acima. Não consideramos as culturas
não são estanques e definitivas, privadas de capacidade criativa. Entretanto, tais afirmações
não passam de meras hipóteses, sendo necessário um estudo mais aprofundado para que
sejam comprovadas ou não.
André Prous nos lembra que estes tios a céu-aberto encontram-se escalonados nas
encostas do planalto. Considera que estes assentamentos tenham sido elaborados por grupos
que exploravam sazonalmente diferentes ambientes. Tal interpretação corrobora nossa idéia
de pequenas porções da população terem explorado as diferentes paisagens do planalto de
formas peculiares. Nas palavras do autor:
“(...) É possível que esses assentamentos
abertos tenham sido feitos por grupos que
exploravam sazonalmente os recursos da encosta,
comerciando eventualmente produtos do litoral com
os habitantes dos acampamentos marítimos.(...)”
204
204
PROUS. Op. cit., p. 320-321.
Neste momento uma outra questão surge a respeito dos grupos horticultores do
planalto. Prous introduz a possibilidade de acampamentos permanentes junto ao litoral
atlântico (serão tratados mais adiante), e as conseqüentes trocas comerciais entre as
parcialidades. Arno Kern parece concordar ao menos em parte com aquele pesquisador, na
medida em que não se posiciona acerca da mobilidade destes grupos pré-históricos em
direção ao litoral. Nas palavras de Kern,
“Pelas evidências obtidas, eles deveriam ali
se encontrar [nas casas subterrâneas] no verão,
pois o milho estava amadurecendo, podendo ser
colhido ainda verde para a alimentação.
Entretanto, algumas espigas serão deixadas no pé,
até o final de março e abril. Elas serviriam à
armazenagem dos grãos para o inverno, e com eles
se poderá fazer farinha. Porém, deverão também
servir para o replantio, o qual deveria ser realizado
em abril ou maio, antes a chegada do inverno. Isto
os levaria a instalar-se nas terras mais propícias,
principalmente nas rzeas dos rios. Ali, os
recursos da caça, coleta e pesca são abundantes.
Com a chegada do inverno, a partir de fins de maio,
implantavam-se as condições ambientais mais frias,
podendo excepcionalmente nevar.(...) Essa estação
do ano seria passada em suas casas subterrâneas,
ao abrigo das intempéries, onde poderiam também
utilizar os recursos alimentares armazenados. A
coleta do pinhão e a caça dos animais, atraídos
igualmente por este tipo de alimentação, ocorria no
outono. Na primavera, os grupos familiares
deveriam partir em busca dos vários nichos
ecológicos do planalto, que lhes forneceriam uma
alimentação de recursos variados, instalando-se
para isso em acampamentos provisórios.”
205
O leitor mais atento deve, seguramente, ter percebido que o autor não se refere ao
uso dos recursos da Planície Costeira em momento algum do ano. Estariam em busca de
locais variados na primavera, possivelmente construindo as taperas (sítios a céu-aberto)
acima referidas, e permaneceriam nas casas subterrâneas durante o verão.
Maria José Reis em momento algum do seu trabalho relata uma ocupação sazonal
em zonas litorâneas. Tal omissão parece corroborar as idéias dos autores supracitados.
Entretanto, esta não é a única hipótese plausível. Pedro Schmitz propõe um outro modelo
de exploração do ambiente.
Para Schmitz o sistema econômico destes grupos do planalto os obrigava a
constantes deslocamentos em busca de áreas onde as fontes de provisões fossem adequadas
às suas necessidades. Esta estratégia de subsistência os colocava em uma condição de semi-
nomadismo.
“(...)Mas isto era possível com o domínio
vertical de ao menos três ambientes: as terras altas
com campos e pinheirais, as encostas florestadas e
várzeas dos rios com bons terrenos de cultivo junto
com possibilidades de pesca, e finalmente o litoral
205
KERN, 1.994. Op. cit., p. 88.
atlântico com suas grandes lagoas cheias de
moluscos e peixes.(...)”
206
O trecho citado acima deixa bem clara a existência de hipóteses antagônicas para as
ocupações litorâneas encontradas no norte do Rio Grande do Sul.
Seria atitude tradicional de um historiador considerar as duas alternativas e se
posicionar de uma forma eqüidistante entre ambas. Entretanto, não é a postura que
adotaremos aqui. Acreditamos que no Litoral Norte do Rio Grande do Sul evidências
materiais que comprovam a sazonalidade dos grupos horticultores do planalto.
Posicionamo-nos ao lado de Schmitz ao considerar os acúmulos de restos de moluscos e
cerâmica planaltina como sítios ocupados durante as estações quentes do ano para a coleta
de tal recurso alimentar. Levy Figuti faz algumas considerações que corroboram a
possibilidade de sítios de ocupação sazonal no litoral, segundo este autor,
“...a variação temporal dos recursos
exploráveis será o mais importante, pois uma
região pode ser rica em recursos somente durante
alguns períodos; isto poderá determinar a
necessidade de deslocamentos sazonais. Pode
ocorrer também, uma alternância de recursos
explorados durante o ano todo...”
207
uma informação extraída de relatos de um jesuíta que excursionou pelos litorais
de São Paulo e São Vicente que corrobora nossa hipótese. Frei Gaspar da Madre Deus
206
SCHMITZ & BECKER. Op. cit., p. 273.
207
FIGUTI, Levy. O homem pré-histórico, o molusco e o sambaqui: considerações sobre a subsistência dos
povos sambaquieiros. In: Revista do Museu de Arqueologia e Etnologia. São Paulo: USP, 1.993. Volume
3. p. 67-80. p. 69.
percorreu esta área em meados do século XVIII. O trecho selecionado diz respeito ao uso
dos sambaquis
por parte dos grupos ceramistas do planalto, e define o período do ano em
que estes ali se encontravam. Nas palavras do autor,
“Este território e toda a Costa circunvizinha,
assim para o Norte, como para o Sul, pertencia a
várias aldeias situadas no campo sobre as Serras: As
Ilhas de S.Vicente e Santo Amaro, e também a terra
firma adjacente, e suas praias defendiam os índios,
pela única conveniência de n’ellas pescarem e
mariscarem. Eis aqui a razão porque Martim
Affonso não viu aldeia alguma. Depois que passou a
enseada dos Maramomis. Índios particulares em
todo o tempo, e povos inteiros em certos meses,
vinham mariscar na costa: escolhiam entre os
Mangaes algum, lugar enxuto, aonde se
arranchavam, e d’alli saiam como enxames de
abelhas a extrair do lodo os testaceos marítimos. É
indisível a imensidade de ostras, berbigões, amejoas,
sururús varias castas, e outros mariscos; mas a.
pesca principal era de ostras e berbigões, ou porque
gostassem mais d elles, ou porque se encontrassem
em maior copia, colhessem com fascilidade. De tudo
isto havia, e ainda muita abundância nos
mangaes da Capitania de S. Paulo. Com os tais
mariscos se sustentavam enquanto durava a
pescaria, o resto secavam, e assim beneficiado
Para sermos mais precisos, o autor se refere aos sambaquis. Dizemos isto pois as palavras deste jesuíta
fazem referência ao tamanho das “ostreiras”. Parece-nos bem claro que Madre Deus não tem a noção de se
tratarem de sítios Sambaquis sendo reutilizados pelos habitantes do planalto.
conduziam para suas aldeias, onde lhes servia
alimento por algum tempo. As conchas lançavam
aparte do lugar onde estavam congregados, e com
elas formaram montões tão grandes, que parecem
outeiros a quem agora os vê soterrados.(...)”
208
O relato de Madre Deus é elucidativo a respeito da ocupação sazonal dos sítios
litorâneos. Tais índios desciam do planalto em direção à costa nas épocas mais quentes do
ano para a coleta de moluscos. O resultado da “mariscagem” era levado para as aldeias
depois de desidratado, para servir de fonte de alimentação protéica nos meses mais frios do
ano. Frei Gaspar refere-se ainda a fragmentos de cerâmica e artefatos líticos, bem como aos
enterramentos nestes sítios da seguinte forma:
“(...)D’estas conchas dos mariscos que comerão
os índios, se tem feito toda a cal dos edifícios desta
Capitania. Desde o tempo da fundação até agora, e tarde
se acabarão as Ostreiras de Santos, S. Vicente,
Conceição, Iguapé, Cananéa etc. Na maior parte d’ellas
ainda se conservam inteiras as conchas, e n’algumas
acham-se machados, (o dos índios eram de seixo muito
rijo) pedaços de panelas quebradas, ossos de defuntos;
pois que se algum índio morria ao tempo da pescaria;
servia de cemitério a Ostreira, na qual depositavam o
cadáver, e depois cobriam de conchas.
209
208
AZEVEDO, Gaspar da Madre de Deus Teixeira de. Memórias para a historia da capitania de S.
Vicente hoje chamada de São Paulo e noticias dos annos em que se descobrio o Brazil. São Paulo:
WEISZFLOG Irmãos, 1.920. p. 120 – 121.
209
Ibidem, p. 121 – 122.
Entretanto, uma questão poderia surgir por parte do leitor. O que nos faz pensar que
esta cerâmica é a mesma que possuímos aqui no extremo sul do Brasil, a qual foi definida
pelo PRONAPA como tradição Taquara?
Em verdade, como vimos no Capítulo II, não podemos relacionar diretamente a
cerâmica encontrada em São Paulo com a que encontramos em nossa área de estudo. As
discussões sobre as diferenças e similaridades entre os grupos humanos responsáveis pelos
complexos cerâmicos Taquara, Itararé e Casa de Pedra foram discutidos no capítulo
referido. Sugerimos ao leitor interessado que interrompa a leitura neste momento e retorne
ao Capítulo II para os esclarecimentos que lhe sejam de interesse.
Acreditamos, partindo do relato de Madre Deus, que os grupos indígenas vistos no
século XVIII fossem os responsáveis pela cerâmica Itararé encontrada no planalto e em
sítios litorâneos. Evidenciando um tipo de ocupação com características próximas das
existentes nos sítios do litoral sul-riograndense.
“Por outro lado, pelo que se percebe dos
sítios litorâneos da Tradição Itararé (Paraná, norte
e centro de Santa Catarina), os numerosos
sepultamentos que ocorrem em alguns
assentamentos e a farta disponibilidade de recursos
alimentares, centrados nos produtos do mar e da
caça, estariam indicando aldeias estáveis e
duradouras.”
210
210
SILVA, Sérgio B. O sítio arqueológico da praia da Tapera, um assentamento Itararé e Tupiguarani.
Porto Alegre, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Programa de Pós-graduação em Antropologia Social
da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 1988
.
(Dissertação de Mestrado). p. 37.
Além disso, o número cada vez maior de tais sítios no litoral central de Santa
Catarina pode indicar um denso e consistente povoamento destas regiões próximas ao
Atlântico
211
.
Entretanto, devemos atentar ao fato de que as informações introduzidas por Sérgio
Batista da Silva dizem respeito ao Estado de Santa Catarina. Tais sítios, indicando maior
estabilidade das populações horticultoras do planalto na faixa litorânea não existem, ou ao
menos ainda não foram encontrados, no território sul-riograndense. Acreditamos que as
aldeias fixas e adaptadas a um sistema de subsistência anual são eventos exclusivos da
região catarinense. O que ocorreria no Litoral Norte do Rio Grande do Sul seriam
ocupações sazonais como as descritas por Madre Deus.
Passaremos agora a identificar as ocorrências conhecidas de cerâmica oriunda dos
grupos planaltinos em estudo pelo litoral brasileiro. Pretendemos com isso caracterizar
estas ocupações.
Muito comuns no litoral gaúcho são os sítios chamados de acampamentos,
sambaquis rasos ou paraderos. Estes sítios litorâneos de coletores e pescadores apresentam
uma estrutura distinta dos sambaquis. São caracterizados por um acúmulo de conchas com
pequenas proporção e altura. De acordo com André Prous,
“Reservamos o termo ‘acampamentos
litorâneos’ aos sítios... arqueológicos dentro dos
quais os vestígios culturais estão contidos dentro de
uma matriz sedimentar composta, na maior parte de
elementos minerais, e dentro da qual as conchas de
211
SILVA. Op. cit., p. 37.
moluscos, embora presentes, constituem uma parte
mínima do volume do sítio.”
212
Estes acampamentos ou paraderos comuns nas praias gaúchas apresentam muitas
vezes material cerâmico atribuído à Tradição Taquara. Os fragmentos cerâmicos
encontram-se na superfície dos tios, em meio às conchas. Estes sítios constituiriam uma
das partes da estratégia de subsistência anual dos grupos planaltinos. No entanto, é
importante salientar que os acampamentos têm ocorrências isoladas com relação a outros
sítios, não consistindo em sítios satélites de sambaquis, então reocupados por estes grupos
ceramistas. Estes são muito menores e parecem estar ligados a ocupações temporárias, ou
mesmo sazonal.
“Nos levantamentos feitos pela arqueóloga
Jussara Louzada Ferrari (com. Pes.) aparecem, no
domínio das lagoas, numerosos sítios com
abundantes restos de moluscos de um período pré-
cerâmico, passando a cerâmico de tradição
Taquara.”
213
Entretanto, Schmitz afirma ter encontrado os sítios no espaço compreendido entre as
lagoas e o mar, em meio ao campo de dunas móveis. Afirma ainda que alguns destes sítios
são pequenos acúmulos de conchas e ossos de peixes, comumente designados como
sambaquis, como é o caso do sítio encontrado no Balneário de Santa Terezinha. Mas a
212
PROUS. Op. cit., p. 272.
213
SCHMITZ, 1.988. Op. cit., p. 49.
maior parte não apresenta mais do que fragmentos dispersos de cerâmica e alguns restos
líticos
214
.
O sítio acima referido foi re-localizado por nós, e será tratado mais adiante no
Capítulo VII, juntamente com os demais sítios encontrados no Litoral Norte do rio Grande
do Sul.
No município sul-catarinense de Jaguaruna, no Estado de Santa Catarina, Alfredo
Rohr identificou a curiosa ocorrência de casas subterrâneas junto ao litoral atlântico. Nas
palavras do autor,
“Na localidade de Morro da Cruz, à beira
de um córrego, localizam-se três casas
subterrâneas. Constam de crateras de dois a quatro
metros de profundidade, abertas no solo, às quais o
povo chama ‘buracos de bugre’. Sítios cerâmicos
semelhantes ocorrem, com freqüência na região
serrana de S. Catarina e do Rio Grande do Sul.”
215
A cerâmica das asas subterrâneas aparece em outros sítios catarinenses. Igor
Chmyz afirma ocorrerem nos sítios da Base Aérea e no sítio da Tapera, em Florianópolis.
Ressalta ainda o fato de nenhum dos serem exatamente sambaquis
216
.
Mas quem se debruçou no estudo do sítio da Tapera foi primeiramente Rohr, ainda
na década de 1.960, e já em fins dos anos 80, Sérgio Batista da Silva.
214
SCHMITZ, 1.988. Op. cit., p. 49.
215
ROHR, João A. Os sítios arqueológicos do município sul-catarinense de Jaguaruna. Pesquisas,
Antropologia, n. 22. São Leopoldo, Instituto Anchietano de Pesquisas, 1.969. p. 9.
216
CHMYZ, Igor. Considerações a respeito de duas novas tradições ceramistas arqueológicas no estado do
Paraná. In: Pesquisas, antropologia n. 18, Estudos Leopoldenses, n. 9, Anais do Segundo Simpósio de
Arqueologia da Área do Prata. São Leopoldo: Universidade do Vale do Rio dos Sinos, Instituto Anchietano
de Pesquisas, 1.968. p. 117.
O último autor identificou duas ocupações dos Horticultores do Planalto separadas
temporalmente. Foram obtidas duas datações por C 14: 810 ± 180 e 920 ± 180 d.C.
217
.
Estas ocupações aparentemente foram estáveis, especialmente a segunda, tendo
permanecido no local por um longo período.
“Esta aldeia durou muito tempo, talvez mais
de um século, como indica o grande número de
pessoas nela falecidas. Os mortos não eram mais
sepultados dentro das casas. Eram enterrados em
espaços delimitados, geralmente retangulares,
aparentemente cercados, à maneira de cemitérios
domiciliares.”
218
No litoral norte de Santa Catarina ocorrem fragmentos de cerâmica sobre os
sambaquis já abandonados existentes na região. Guilherme Tiburtius reuniu inúmeras peças
oriundas destes sambaquis localizados no chamado litoral de São Francisco (no norte do
referido Estado), hoje reunida no museu do sambaqui, em Joinville. A coleção foi estudada
por Anamaria Beck que publicou os dados sobre a cerâmica no ano de 1.968
219
.
“A cerâmica que descreveremos... é
proveniente de três sambaquis: Itacoara (SC.LJ.57),
Enseada I (SC.LJ.71) e Prefeitura e Araquari
(SC.LJ.77), ocorrendo ainda nos sambaquis do
Forte Marechal Luz (SC.LJ.76) e Rio Pinheiros 8.
217
SILVA. Op. cit., p. 198.
218
Idem.
219
BECK, Anamaria. A cerâmica dos sambaquis do litoral norte de Santa Catarina. In: Pesquisas,
antropologia n. 18, Estudos Leopoldenses, n. 9, Anais do Segundo Simpósio de Arqueologia da Área do
Prata. São Leopoldo: Universidade do Vale do Rio dos Sinos, Instituto Anchietano de Pesquisas, 1968. p. 89.
Dois dêsses sambaquis estão localizados sôbre
encostas rochosas (Enseada I e Forte Marechal
Luz) e dois estão localizados sôbre terraços
arenosos, à margem de rios (Itacoara e Rio
Pinheiros 8).”
220
Durante as análises a autora percebeu que as amostras são idênticas em todos os
sambaquis. Procedeu englobando os resultados como se fosse uma única amostra, no
sentido de ter uma visão do conjunto.
Beck baseou-se no antiplástico, nas formas dos recipientes e no tratamento de
superfície. Estabeleceu dois tipos: uma cerâmica escura, predominantemente preta que foi
denominada Enseada Escura; e uma cerâmica vermelha, cuja coloração vai do laranja ao
marrom avermelhado, a qual foi denominada Enseada Vermelha. Ambas possuem o
tratamento de superfície alisado (a autora denomina simples) como característico Ressalta
ainda a existência de fuligem e restos de carvão na superfície externa das vasilhas, o que
indica seu uso diretamente na fogueira
221
.
Os vasos (panelas), quanto às formas, estão divididos em dois tipos. O primeiro
possui um estrangulamento acentuado, formando um gargalo, cujas dimensões variam entre
nove e vinte centímetros de altura. O segundo possui o estrangulamento do gargalo menos
acentuado, e varia entre seis e dez centímetros de altura. As tigelas. Por sua vez, possuem
três tipos diferentes no que tange às formas encontradas pela pesquisadora. O primeiro é
representado por uma forma de paredes retas e fundo arredondado. As dimensões do
diâmetro da boca são aproximadamente dez centímetros, possuindo altura de nove
220
BECK. Op. cit., p. 89-90.
221
Ibidem, p. 92-93.
centímetros. As bordas são ligeiramente expandidas, lábios apontados e base arredondada.
A segunda forma de tigelas é relativamente menos profunda que a anterior. Suas dimensões
oscilam entre dezesseis e vinte e seis centímetros de diâmetro de boca e possuem entre oito
e dezesseis centímetros de altura. O terceiro tipo de tigelas ocorre com menos freqüência.
São recipientes de pequenas dimensões, de paredes ligeiramente convexas, lábios redondos
e bases arredondadas. Suas dimensões variam entre quatro e quinze centímetros de
diâmetro da boca e três nove centímetros de altura
222
.
Apesar de descrever a cerâmica encontrada nos cinco sambaquis, estabelecer seus
tipos levando em consideração as formas, os tratamentos de superfície e os antiplásticos,
autora não chega a filiá-la a nenhuma tradição. Diz apenas que “...a cerâmica dos
sambaquis do litoral de Joinville não pode ser classificada entre as cerâmicas guarani
descritas no litoral de Florianópolis...”
223
.
Entretanto, Anamaria Beck deixa claro o fato de não serem de autoria os grupos
sambaquieiros.
“A cerâmica constitui, naqueles sambaquis,
provàvelmente, um elemento cultural intrusivo...
grupos humanos... teriam ocupado êstes tios,
desenvolvendo então uma cultura material
semelhante à dos sambaquis, baseada numa
economia de pesca e coleta de moluscos.(...)”
224
222
BECK. Op. cit., p. 96-97.
223
Ibidem, p. 98.
224
Ibidem, p. 97.
Mas Igor Chmyz ao relacionar alguns locais onde a cerâmica do complexo Itararé
foi encontrada no litoral de Santa Catarina afirma que,
“No litoral catarinense, até o momento,
conhece-se apenas um sambaqui com a cerâmica do
tipo Itararé. Trata-se do sambaqui do forte
Marechal Luz, na ilha de São Francisco...”
225
A única datação radiocarbônica obtida para o horizonte cerâmico do Forte Marechal
Luz foi 1.070 ± 100 D.C.
226
.
No ano de 1.971 Beck estabeleceu uma nova fase arqueológica a partir de dois sítios
cerâmicos. A fase Rio Lessa corresponderia a sambaquis de pequenas dimensões, que são
na realidade sítios cerâmicos dos grupos de tradição Itararé. A aldeia Itararé da praia da
Tapera estaria incluída nesta fase. Na indústria lítica estariam presentes lâminas de
machados retangulares, artefatos fusiformes e plaquetas. Entre o material lascado estariam
lâminas de machados e muitas lascas. A indústria óssea seria abundante, composta de
pontas e dentes perfurados. A cerâmica seria caracterizada por recipientes pequenos,
utilitários, simples, sem decoração. A autora denominou-a de tipo Rio Lessa Preto Polido.
Para Beck a pesca seria mais importante que a coleta, pois os ossos de peixe estariam mais
representados do que as valvas de moluscos no substrato arqueológico
227
.
No que tange ao Estado do Paraná, este mesmo pesquisador identificou a presença
da cerâmica Itararé, atribuída aos grupos Horticultores do Planalto.
225
CHMYZ. Op. cit., p. 117.
226
NEVES, Walter. Paleogenética dos grupos pré-históricos do litoral sul do Brasil (Paraná e Santa Catarina).
Pesquisas, Antropologia n. 43, São Laopoldo, Instituto Anchietano de Pesquisas, 1.988. (Tese de Doutorado).
p. 43.
227
SILVA. Op. cit., p. 39-40.
Na faixa litorânea paranaense, esta cerâmica foi encontrada nas camadas
superficiais de certos sambaquis, principalmente nas baías de Antonina e Paranaguá. Os
grupos teriam ocupado as referidas elevações devido à situação favorável em relação ao
meio ambiente pantanoso
228
.
Na porção setentrional do litoral do Estado do Paraná não foram encontradas, de
acordo com Neves, evidências dos Horticultores do Planalto. A estratigrafia aponta para um
intenso uso dos recursos marinhos. Um destes sítios está, mais uma vez, sobreposto a um
sambaqui, sendo o outro situado em uma pequena elevação de cerca de setenta
centímetros
229
.
No entanto, a porção meridional da costa paranaense não apresenta, segundo Neves,
sítios arqueológicos relacionados aos grupos em questão
230
.
Em pesquisa realizada no ano de 1.993 no vale do Rio Ribeira de Iguape, no Estado
de São Paulo, Erika Robrahan-González e Paulo de Blasis encontraram diversos sítios
arqueológicos. A região constitui uma extensa zona de transição ecológica, integrando as
regiões planálticas e litorâneas
231
.
Os autores identificaram três fases de ocupação da região, sendo a primeira
caracterizada pelos grupos sambaquieiros, seguida pelos grupos portadores da tradição
Umbu e finalmente, a ocupação dos grupos Horticultores do Planalto. “(...)As datações
disponíveis são de 920, 595 e 270 BP...
232
Dos onze sítios identificados, sete se localizam sobre os terraços junto às barrancas
do rio, sendo os quatro restantes, encontrados no topo de suaves elevações que os autores
228
SILVA. Op. cit., p. 39-40.
229
NEVES. Op. cit, p. 41.
230
Ibidem, p. 41-42.
231
BLASIS, Paulo de & GONZÁLEZ, Erika R. Investigações arqueológicas no médio/baixo vale do Ribeira
de Iguape. In: Revista do Museu de Arqueologia e Etnologia, n. 8, São Paulo, MAE, 1998. p. 58.
232
Idem.
denominam elevações de fundo de vale”, as quais são aproveitadas pelos agricultores
locais
233
.
“...a ocupação do Ribeira por grupos
ceramistas teria derivado de uma situação de
conflitos e pressões ocorridas no planalto, quando
por volta do ano 1.000 BP grupos portadores de
cerâmicas regionais teriam sido empurrados por
agricultores Tupiguarani para o litoral, para o sul
do país ou para as áreas periféricas, onde se inclui
o Ribeira de Iguape...”
234
No litoral, a ocupação de todos os sambaquis e de sítios a céu-aberto remete a um
contexto notadamente diverso ao presenciado no planalto, no qual a pesca e a coleta
marinha adquirem um papel de fundamental importância
235
.
A cerâmica tem características que remetem aos grupos que aqui denominamos
Horticultores do Planalto
. São vasilhames de pouca espessura, com paredes de 0.3 a 0.5
centímetros de espessura, com tratamentos de superfícies internas e externas alisados
podendo ocorrer a brunidura. Possuem bases convexas, côncavas ou levemente aplainadas.
As formas reconstituídas apresentam contornos simples em forma semi-esférica, esférica,
cilíndrica e oval
236
.
233
BLASIS & GONZALEZ. Op. cit., p. 61.
234
Ibidem, p. 58.
235
GONZÁLEZ, Erika, R. Diversidade cultural entre os grupos ceramistas do sul-sudeste brasileiro: o caso do
vale do rio Ribeira de Iguape. In: TENÓRIO, Maria C. (org.) Pré-história da terra brasilis. Rio de Janeiro:
Editora da UFRJ, 1.999(a). p. 294.
É importante ressaltar aqui que os autores não tratam tais grupos com a mesma denominação adotada neste
trabalho. Dizem ser grupos portadores da tradição Itararé, denominando-os ocasionalmente por “ceramistas
regionais”.
236
BLASIS & GONZÁLEZ. Op. Cit., p. 64.
Os sítios arqueológicos dos Horticultores do Planalto encontrados no litoral sul-
brasileiro mostram uma adaptação específica. O material fitofaunístico sugere uma
alimentação direcionada para os recursos aquáticos, o que não acontece nos sítios do
planalto. Devemos, entretanto, atentar para a possibilidade de encontrar a cerâmica destes
grupos em outras áreas. A maioria das pesquisas realizadas privilegiaram a temática dos
sambaquis, nos quais a cerâmica encontra-se sobreposta. Se áreas diversas forem
pesquisadas, novos tios e novos padrões de estabelecimento e abastecimento poderão
surgir.
Capítulo VI
O Uso do Espaço pelos Horticultores Guaranis
No presente capítulo pretendemos abordar as estratégias de utilização do espaço
pelos grupos Horticultores Guaranis. Sabemos, no estágio atual das pesquisas, que tais
grupos são basicamente adaptados à vida em aldeias localizadas na mata. Entretanto, são
característicos no Litoral Norte do Rio Grande do Sul sítios rasos e de pequenas
proporções. Para que possamos inferir sobre este tipo de ocupação, torna-se necessário
estudar as estratégias adotadas por estes grupos na exploração dos recursos naturais. Isto
nos permitirá compreender melhor estas ocupações litorâneas. Para tanto, buscaremos na
bibliografia arqueológica as ocorrências dos sítios dos grupos em questão no litoral do resto
do Brasil. Faremos isto com o intuito de observar se existe uma forma de uso do espaço
específico nas faixas litorâneas, e se tal característica se repete na porção norte Planície
Costeira do Rio Grande do Sul.
A organização social dos grupos guaranis e a sua distribuição no espaço geográfico
podem ser melhor compreendidas se considerarmos além das informações arqueológicas,
os dados fornecidos pelas pesquisas etno-históricas e etnográficas. As informações
arqueológicas são oriundas da dimensão e espessura do refugo dos sítios arqueológicos, e a
relação destes sítios com os ambientes que os circundam. A complementação destes
diferentes pontos de vista faz-se necessária atualmente, no intuito de redefinir diretrizes e
ampliar as perspectivas para as reconstituições arqueológicas da cultura destes grupos.
A maior parte dos relatos dos séculos XVI e XVII, referem-se a grupos que
habitavam a costa fluminense e baiana, sendo escassas ou até mesmo inexistentes no que
tange a outros Estados. Este fato resulta na dificuldade por parte dos pesquisadores em
estabelecer analogias diretas entre os relatos e os grupos a que se referiam.
Entretanto, “não encontramos em parte alguma da América do Norte ou Europa,
exemplos de culturas ceramistas com grau semelhante de homogeneidade distribuídos por
áreas de grandeza equivalente.”
237
. Esta perspectiva nos permite estabelecer algumas
analogias indiretas relacionando as fontes arqueológicas às fontes etno-históricas.
Os dados fornecidos pelos relatos dos cronistas sobre os grupos guaranis brasileiros
em geral referem-se à costa, sendo escassas as informações a respeito do interior. Estes
locais serão melhor observados só após a chegada dos jesuítas que lá se estabeleceram.
Existem concordâncias nas informações do século XVI quanto à descrição das
aldeias. O número de casas varia de quatro a oito e sua forma é descrita como sendo
comprida, de formato retangular. O plano da aldeia tem um formato quadrangular, onde em
alguns casos ocorre uma paliçada como medida de proteção. O padrão mais comum
evidenciado pelas ilustrações parece ter sido o de quatro casas retangulares em torno de
uma praça quadrada
238
.
Arqueologicamente o que tem sido evidenciado são manchas de terra mais escura
provenientes dos resíduos orgânicos que constituíam a habitação. Essas manchas possuem
um tamanho menor que o das casas descritas pelos cronistas e têm a forma circular ou
elíptica. Nos tios onde pode ser observada a distribuição das manchas, estas não
apresentaram um padrão muito rígido, mas que se aproxima de um plano com a forma
recém referida.
237
MEGGERS, Betty. Considerações gerais. In: Programa nacional de pesquisas arqueológicas resultados
preliminares do primeiro ano 1965-1966. Belém, Museu Paraense Emílio Goeldi, publicações avulsas n. 6,
1.967. p. 154.
238
SCATAMACCHIA, Maria C. Tentetiva de caracterização da tradição tupiguarani. São Paulo,
Departamento de ciências sociais da faculdade de filosofia, letras e ciências humanas da universidade de São
Paulo, 1981. (Dissertação de Mestrado). p. 161.
Os sítios mais antigos estão localizados próximos à floresta tropical úmida, longe
dos rios principais, com aldeias pequenas e com cerâmica não muito abundante. Em um
momento seguinte encontram-se nas várzeas dos rios Uruguai e Jacuí, bem como no litoral,
ocupando as margens das lagoas. Em direção ao sul, os sítios guaranis aparecem até onde
os grupos encontraram ambiente propício para desenvolvimento de seu sistema de cultivo.
Os sítios deste período se localizam diretamente nas margens dos grandes rios, são bastante
extensos e estão bem próximos uns dos outros. A quantidade de material é abundante e
ocorrem os sepultamentos em urnas
239
.
Em período mais recente, entre os séculos XIV e XVII, os grupos horticultores
guaranis parecem ter deixado os rios maiores e subido seus afluentes, construindo aldeias
menores. Os enterramentos são feitos em urnas menores e são secundários. As aldeias
encontram-se estabelecidas em regiões de difícil acesso, longe dos rios principais. Os
vestígios materiais encontrados são escassos, tanto no que se refere a fragmentos cerâmicos
como ao material lítico. É nesta situação que estariam os grupos guaranis quando chegaram
os missionários jesuítas, no princípio do século XVI
240
.
A maior densidade de sítios até agora foi observada na região do Alto Uruguai,
Paraná, Paranapanema e afluentes. Estão localizados em pequenas elevações, nunca
atingindo grandes altitudes. Nenhuma manifestação desta tradição foi localizada na parte
superior das escarpas do planalto. Urnas funerárias foram encontradas nos próprios sítios
ou em alguns casos o sítio parecia constituído unicamente por algumas urnas
fragmentadas
241
.
239
SCATAMACCHIA. Op. cit., p. 62.
240
Idem.
241
Ibidem, p. 59-60.
No que diz respeito à área litorânea, os sítios guaranis aparecem nas zonas arenosas
entre as dunas, ou ocupando áreas mais elevadas como dunas mais compactadas formadas
pelas transgressões marinhas pleistocênicas. Localizam-se nas proximidades dos rios e
córregos que sulcam a planície arenosa, ou mesmo nas proximidades das lagoas costeiras.
Mas estes tipos de sítios arqueológicos ligados aos grupos guaranis não aparecem
apenas no Rio Grande do Sul. Em realidade, foram localizados desde as costas das
repúblicas da Argentina e Uruguai, até os estados do Rio de Janeiro e Espírito Santo.
Passaremos agora a apresentar os registros existentes sobre estes grupos ao longo do
litoral brasileiro. Pretendemos com isso, como dissemos anteriormente, compreender as
especificidades das ocupações litorâneas.
Em “Lineas Fundamentales de la Arqueologia del Litoral”, Antônio Serrano refere-
se à ocupação guarani abrangendo amplo território argentino.
“O material exumado em Arroio Malo (Rio
Luján e Canal Arias) deve ser considerado como
repertório típico da cultura dos guarani do delta
dos séculos antes do descobrimento. Estes mesmos
guarani deixaram seus vestígios ao longo dos rios
Paraná e Uruguai e vários tios do território
missioneiro.”
242
No que tange ao período de ocupação em que os grupos referidos dominaram
aquelas regiões o autor afirma que: “Dentro do amplo desenvolvimento da cultura guarani
242
“El material exhumado en Arroyo Malo (Rio Luján y Canal Arias) debe considerarse como repertorio
típico de la cultura de los guaraní del delta dos siglos antes del descubrimiento. Estos mismos guaraní dejaran
sus vestigios a lo largo de los ríos Paraná y Uruguay y varios sitios del territorio misionero.” SERRANO,
Antonio. Lineas fundamentales de la arqueologia del litoral. Córdoba: Universidad Nacional de Córdoba,
Instituto de Antropologia, 1972. p. 67.
este corresponde a uma fácie dela e também a uma fase de tempo, a correspondente entre
1300 e 1500.”
243
Em escavações realizadas por Eduardo Mario Cigliano na Ilha de Martín García, no
Uruguai, foram encontrados vestígios referentes a ocupações guaranis. O sítio arqueológico
foi denominado El Arbolito “(...)Trata-se de uma lixeira de onde se obtiveram grande
quantidade de fragmentos de cerâmica associados com restos de carvão.(...)”
244
. Segundo
o autor O sítio contém um complexo arqueológico único...”
245
, o qual o autor afirma ser
“...o que os investigadores têm estabelecido como cultura guarani.”
246
.
“A datação radiocarbônica obtida concorda
com a cronologia relativa que se outorgava à
cultura guarani no litoral bonaerense; que para
a ocupação deste sítio a datação é de GrN-
5146:405 mais ou menos 35 anos (1545 anos
d.C.).”
247
Referindo-se ainda à ocupação guarani no litoral do Uruguai, Pedro Ribeiro afirma
que:
243
“Dentro del amplio desarrollo de la cultura guaraesto corresponde a una facie de ella y también a una
fase de tiempo, la correspondiente entre 1300 y 1500.”SERRANO. Op. Cit., 67.
244
“(...)Se trata de un basural donde se obtuvieron gran cantidad de fragmentos de alfarería asociados con
restos de carbón.(...)”CIGLIANO, Eduardo M. Investigaciones arqueológicas en el rio Uruguay medio y
costa n.e. de la provincia de Buenos Aires. In: Pesquisas, antropologia n. 18, Estudos Leopoldenses, n. 9,
Anais do Segundo Simpósio de Arqueologia da Área do Prata. São Leopoldo: Universidade do Vale do Rio
dos Sinos, Instituto Anchietano de Pesquisas, 1968. p. 7.
245
“El sitio contiene un complejo arqueológico único...” Idem.
246
“...lo que los investigadores han establecido como cultura guaraní.” Idem.
247
“La fecha radiocarbónica obtenida concuerda con la cronoloía relativa que se otorgaba a la cultura
guarani para el litoral bonaerense; ya que para la ocupación de este sitio el fechado es GrN-5146:405 más o
menos 35 años (1545 años d.C.).” Ibidem. p. 7-8.
“Mais para o leste, Departamento de
Trenita y Tres, também foi registrada a ocorrência
do Tupiguarani, aqui não como última ocupação,
suedendo os ocupantes dos ‘cerritos’ e antecedendo
os portadores de pontas-de-projétil de pedra
lascada.”
248
O autor relata ainda a ocorrência de sítios arqueológicos nas margens da Lagoa
Mirim com cerâmica corrugada, simples (alisada) e ungulada. Nas palavras do autor,
“Na Costa Atlântica do Uruguai, Cabo
Polonio e Balizas, num sítio de superfície (Punta
del Diablo), temos cerâmica simples, corrugada,
escovada e pintada Tupiguarani. A procedência
poderia ser a Lagoa Mirim.”
249
No litoral do Rio Grande do Sul ocorrem sítios entre dunas, os quais são
encontrados desde a área próxima aos cerritos, no litoral sul, até a divisa com Santa
Catarina, no extremo norte.
“O grupo portador de tradição Tupiguarani
ocupou todos os terrenos altos ao sul do Jacuí,
sendo o município de Rio Grande um dos seus
limites mais meridionais. Este grupo e aquele
responsável pela construção dos cerritos ocuparam
248
RIBEIRO, Pedro A. O tupiguarani no vale do rio pardo e a redução jesuítica de jesus maria. Porto
Alegre, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, 1981. (Dissertação de Mestrado). p. 103.
249
BOSCH, Ademar et. all.. Informe de la zona costera atlántica de Cabo Polonio y Balizas intento de
reconstrución arqueológica (primera parte). In: A. del Congresso Nacional de Arqueologia. Fray Bentos:
Museo Municipal de História Natural de Rio Negro, V.2, p. 171-214. Apud. RIBEIRO. Op. cit., p. 103.
a mesma região, embora explorando nichos
ecológicos diferentes, formando duas linhas de
ocupação ao longo da Lagoa dos Patos.”
250
A maior parte dos sítios entre dunas acha-se bastante erodida, com pequena
quantidade de material e com profundidade reduzida, o que sugere possíveis sítios
acampamentos ou de curta permanência.
Segundo alguns pesquisadores, a presença de cerâmica Tupiguarani nas camadas
superiores dos cerritos não deve ser encarada como ocupação deste grupo.
“(...)Os construtores dos cerritos estiveram
em contato com estes tupiguarani seus
contemporâneos e vizinhos, recebendo elementos de
sua cultura, o que explicaria a associação dos
mesmos materiais na superfície e camadas
superficiais dos cerritos; a outra hipótese que nos
parece menos plausível, é que os tupiguarani
tenham ocupado os cerritos abandonados.(...)”
251
O litoral central sul-riograndense tem sido alvo de importantes pesquisas
arqueológicas. A equipe do Instituto Anchietano de Pesquisas, através do Projeto Quintão,
prospectou e escavou diversos sítios arqueológicos. A maior parte dos sítios estão
localizados sobre terrenos levemente elevados, formados pelos terraços lacustres, ao longo
da borda ocidental das lagoas, associados às matas de restinga que cobrem estas áreas. Tais
sítios, sem exceção, possuem um único componente cerâmico e tem, como elemento
250
NAUE, Gulherme et. all. Novas perspectivas sobre a arqueologia de Rio Grande. In: O homem antigo na
América. São Paulo, Instituto de Pré-história da Universidade de São Paulo, 1971. p. 109.
251
Ibidem, p. 110.
estratigráfico característico, lentes de conchas de Mesodesma mactroides (marisco branco).
A maioria está associada a ocupações de populações portadoras da tradição Tupiguarani
252
.
Rogge destaca que alguns sítios apresentam ocupações mais densas, os quais
encontram-se estrategicamente localizados nas proximidades do canal que liga a Lagoa da
Porteira à do Porteirinho. Apresentam cerâmica dos grupos Horticultores do Planalto e dos
Horticultores Guaranis. Com exceção de apenas um sítio, onde parece haver duas
ocupações culturalmente diferenciadas, com os grupos Horticultores Guaranis sobrepostos
aos Horticultores do Planalto, as relações entre as populações não estão claras
253
. O
material arqueológico aparece associado, mas ainda não há hipóteses explicativas.
Mas a maioria dos sítios estão associados aos grupos Horticultores Guaranis. Estes
indicam assentamentos que parecem ter sido bem menos intensos e mais episódicos e
pontuais, deixando como resultado lentes de conchas muito pouco espessas ou então muito
restritas. Nenhuma estrutura de buracos de esteios ou fogueiras foi encontrada
254
.
A porção norte do litoral do Rio Grande do Sul será tratada no Capítulo VII, visto
que é nossa área de interesse, sobre a qual discorreremos com mais detalhes. O objetivo
neste momento é não interromper a narrativa com a longa descrição dos dados referentes
aos sítios arqueológicos.
No litoral sul do Estado de Santa Catarina, no município de Jaguaruna, são
numerosos os sítios denominados por Alfredo Rohr de “Paradeiros Guarani”. Os sítios
rasos com cerâmica apresentam em forma de manchas escuras com cem metros quadrados,
252
ROGGE, Jairo et. all. Assentamentos pré-coloniais no litoral central do Rio Grande do Sul: projeto
Quintão. In: Arqueologia do Brasil meridional e IX congresso da sociedade de arqueologia brasileira.
Porto Alegre, PUCRS, 2.001, (CD-ROM). p. 2.
253
Idem.
254
Ibidem, p. 3.
ou várias manchas que variavam de quatrocentos a dez mil metros quadrados. Em alguns
sítios foram encontradas urnas funerárias com restos de enterramento.
A cerâmica guarani ocorre inclusive nas camadas superiores de alguns sambaquis.
Tal fenômeno é recorrente nos estados do Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul, não
constituindo uma peculiaridade regional. Referindo-se a um sambaqui não nominado nas
proximidades do mar, em Jaguaruna, o autor diz que “(...)Na superfície do mesmo, acha-se
espalhada abundante cerâmica, que vulgarmente, se atribui aos guaranis(...).”
255
A fase Guaiúba foi caracterizada próxima àquela área. Os sítios localizam-se à
beira mar, sobre restingas ou sobre dunas, com áreas variáveis entre 3.000 e 10.000 metros
quadrados. Foram caracterizados como sítios habitação, ocorrendo alguns vestígios de
urnas funerárias
256
.
No ano de 1.961 foram realizadas novas pesquisas de campo no município de
Jaguaruna. Durante os trabalhos de prospecção foram localizados sítios guaranis entre
dunas em meio à planície arenosa. Rohr destaca a presença de material malacológico entre
os vestígios destas antigas ocupações humanas. Entretanto, apenas dois dos sítios parecem
possuir estratigrafia preservada, sendo, nos demais casos, imprudente associar os diferentes
vestígios encontrados a uma mesma ocupação. Nas palavras do autor,
“(...) Apenas um sítio, localizado nas dunas
e outro situado num pasto, às margens do Rio
Urussanga, apresentam as características de tios,
pràticamente intatos, com espêssa camada de
255
ROHR, João A. Levantamento de sítios arqueológicos em Jaguaruna. In: Pesquisas, antropologia n. 18,
Estudos Leopoldenses, n. 9, Anais do Segundo Simpósio de Arqueologia da Área do Prata. São Leopoldo:
Universidade do Vale do Rio dos Sinos, Instituto Anchietano de Pesquisas, 1.968. p. 50.
256
EBLE, Alroino & PIAZZA, Walter. Considerações preliminares sobre a arqueologia do sul-catarinense.
Apud: SCATAMACCHIA. Op. cit., p. 73.
humus prêto, de mistura com conchas fluviais e
numerosos cacos de cerâmica.”
257
Ao descrever um enterramento infantil encontrado em outra localidade, o autor
relata a presença de uma urna funerária tampada com outra vasilha, mas com a
peculiaridade de ter sido colocada com a abertura voltada para cima. “(...) O esqueleto
tinha associado pequeno machado lítico, caprichosamente polido, um tembetá de cristal de
rocha e um pingente de conchas...”
258
. Tal fato indica o aproveitamento das carapaças dos
moluscos na produção de utensílios.
Desde o final da década de 1.950 a ilha de Santa Catarina tem sido foco de estudos
arqueológicos. São distintas as diversas fases de ocupação do território catarinense,
ocorrendo grande quantidade de sambaquis. Estes grandes acúmulos de conchas jamais
foram atribuídos aos guaranis, podendo apenas ter havido uma re-ocupação tardia.
Referindo-se a um sambaqui localizado ao sul da ilha, João Alfredo Rohr diz que:
“(...)Em tôda esta jazida, não foi possível
constatar resto algum de cerâmica, ao passo que a
menos de um quilômetro da jazida, o subsolo está
literalmente minado de cerâmica de origem
guarani. Êste fato indica que se trata de uma
cultura diferente, anterior à cultura tupi-
guaraní.(...)”
259
257
ROHR, João A. Os sítios arqueológicos do município sul-catarinense de Jaguaruna. Pesquisas,
Antropologia, n. 22. São Leopoldo, Instituto Anchietano de Pesquisas, 1.969. p. 7.
258
Idem.
259
ROHR, João A. Pesquisas paleo-etnográficas na ilha de Santa Catarina, II - ano de 1.959. Pesquisas,
antropologia, n. 12. São Leopoldo, Iinstituto Anchietano de Pesquisas, 1.960.p. 11.
Durante as pesquisas arqueológicas realizadas no ano seguinte, na ilha de Santa
Catarina, João Alfredo Rohr localizou diversos sambaquis. O pesquisador relata a presença
ocasional de cerâmica guarani sobreposta às ocupações de alguns sambaquis, bem como a
presença de pequenos sítios guaranis.
“O terceiro sambaqui... do Canto da Lagoa
é um pequeno lençol de ostras berbigões, situado
do lado sul da lagoa, distando dela um quilômetro.
Ocupa a superfície insignificante de uns cinqüenta
metros quadrados, tendo de espessura de conchas,
apenas, dez a quinze centímetros. Talvez não passe
de restos de um antigo acampamento guarani, visto
que na sua superfície se encontra espalhada,
abundante cerâmica dêste povo, mais recente.”
260
O autor se refere, como dissemos anteriormente, a reocupação de alguns sambaquis
pelas populações guaranis. Ao descrever a estratigrafia do Sambaqui do Canto da Lagoa,
Rohr comenta que a primeira camada de ocupação compunha-se por um substrato de areia
de dez a quinze centímetros de espessura.
“(...) Nesta camada encontrava-se, além de
todos os resíduos da cultura atual, abundante
carvão de madeira e raros fragmentos de cerâmica
guarani. A louça guarani, porém, nada tinha a ver
com a jazida propriamente dita; porque aparece,
260
ROHR, João A. Pesquisas paleo-etnográficas na ilha de Santa Catarina, e notícias prévias bre alguns
sambaquis da ilha de São Francisco do Sul, nº III - ano de 1.960. Pesquisas, antropologia, n. 12. São
Leopoldo, Iinstituto Anchietano de Pesquisas, 1.961.p. 9.
com maior ou menor freqüência, em tôda a zona
praieira do Rio Tavares; desde o Canto da Lagoa,
até o povoado do Campeche, uns cinco quilômetros
para o sul.”
261
O sítio da Tapera se localiza vinte quilômetros ao sul de Florianópolis, na Baía do
Sul, na Praia da Tapera. “Delimitado, de um lado, pelas águas mansas da Baía do Sul, o
sítio encosta do outro lado na desembocadura de pequeno curso de água doce, chamado
pelos moradores ‘Rio da Era’.”
262
Constitui-se por um sítio com diversos enterramentos em meio às carapaças de
conchas depositadas no solo. No entanto, não constitui um sambaqui, pois aparecem
diversas pontos de concentração de material arqueológico sem estar relacionados aos
acúmulos malacológicos.
Durante os trabalhos de escavação naquele sítio Alfredo Rohr encontrou, em meio a
uma camada espessa de conchas, fragmentos de cerâmica guarani. Esta camada de
ocupação indígena foi assim descrita:
“Cultura indígena. Esta, por seu turno,
pobremente representada por cerâmica lisa,
pintada, corrugada, ungulada, escovada, incisa
etc., raros machados líticos, batedores, raspadores,
amoladores e alisadores de diabásio; pontas de
flechas ósseas, objetos de adôrno feitos de osso, de
261
ROHR, 1.961. Op. cit., p. 10.
262
ROHR, João A. Pesquisas arqueológicas em Santa Catarina, I. exploração sistemática do sítio da praia da
Tapra, II. Os sítios arqueológicos do município de Itapiranga. Pesquisas, antropologia, n. 15 São Leopoldo,
Instituto Anchietano de Pesquisas, 1.966. p. 5.
dentes ou de pedra; dentes de cação, duplamente
perfurados etc.”
263
Convém ainda ressaltar que este sítio possui três períodos de ocupação. Os dois
primeiros são relativos aos grupos Horticultores do Planalto, os quais foram tratados no
capítulo anterior. A ocupação guarani corresponde a época mais recente do sítio, tendo sido
datada em 1.400 ± 70 A.D.
264
.
Em pesquisa realizada nas proximidades da Lagoa da Conceição, na Ilha de
Florianópolis, Chmyz menciona a coleta de 462 fragmentos de cerâmica dos Horticultores
Guaranis sobre dunas móveis. Nas palavras do pesquisador,
“O sítio distava 120 ms da praia de Pântano
do Sul. O material arqueológico aparecia quando a
área era açoitada pelos ventos. Essa movimentação
havia destruído a estratigrafia do sítio, erodindo as
faces da cerâmica.”
265
ainda a ocorrência de cerâmica sobreposta ao sambaqui da ilha do Forte
Marechal Luz
266
. Mas infelizmente não são fornecidas mais informações a respeito desta
cerâmica no trabalho citado. O leitor mais atento certamente recorda-se de ter visto este
sambaqui associado à cerâmica dos Horticultores do Planalto. Em verdade, como vimos no
Capítulo V, sim a ocorrência daquela cerâmica neste sítio, mas Alfredo Rohr comenta o
fato de haver também alguns fragmentos de cerâmica guarani.
263
ROHR, 1.966. Op. cit., p. 7.
264
SILVA. Op. cit., p. 52.
265
CHMYZ, Igor. A ocupação dos estados do Paraná e Santa Catarina por povos ceramistas. Estudos
Brasileiros, n. 1, Curitiba 1.976. p. 7-43. Apud: SCATAMACCHIA. Op. cit., p. 98.
266
ROHR, 1.961. Op. cit., p. 17.
A presença de indígenas no litoral catarinense foi também mencionada por cronistas
do século XVI. Gabriel Soares de Souza e Fernão Cardim designaram estes habitantes da
costa de carijós, pertencentes à família lingüística Tupi-Guarani, cujos limites se estendiam
da Lagoa dos Patos até Cananéia
267
.
“pela consulta feita ao Conselho
Ultramarino (de Portugal) em 1.658, verifica-se que
na costa catarinense não mais havia índios”
268
No litoral do Paraná existem poucas informações sobre a presença de cerâmica dos
grupos Horticultores Guaranis. Os principais dados sobre o povoamento da costa são
provenientes dos cronistas do século XVI, que denominavam por Carijós os habitantes da
região.
Grande parte das informações é oriunda dos trabalhos de cadastramento de tios
realizados por Bigarella no ano de 1.951. Nesta ocasião foram localizados alguns sítios
rasos com cerâmica guarani, encontrada também nas camadas superiores de alguns
sambaquis. Estes vestígios foram localizados na borda norte da Baía de Guaratuba e
constitui única indicação arqueológica da presença desta tradição na costa paranaense
269
.
Na publicação dos resultados do primeiro ano do Programa Nacional de Pesquisas
Arqueológicas José Wilson Rauth informa-nos sobre as escavações realizadas no sambaqui
do Pôrto Maurício, no litoral paranaense. Não foi evidenciada a presença de ocupação de
267
SCATAMACCHIA. Op. cit., p. 70.
268
EBLE & PIAZZA. Op. cit., p. 70.
269
SCATAMACHIA. Op. Cit., p. 80.
grupos ceramistas em sobreposição ao sambaqui. Entretanto, “Apenas um caco de
cerâmica foi coletado na camada humosa.”
270
.
Walter Neves nos alguns dados a respeito da ocupação ceramista no sul do
Paraná. “O período cerâmico parece estar ali representado pela tradição Tupiguarani,
associada a camadas de topo de sambaquis...”
271
.
No Estado do Rio de Janeiro foram observados três tipos de sítios arqueológicos
relacionados aos grupos guaranis. São constituídos por aldeias, aldeamentos ou
acampamentos. A aldeia seria uma povoação formada exclusivamente de índios e
estruturada segundo seus padrões de organização social. Aldeamento seria aquele povoado
por índios sob a orientação e missionários ou de autoridade leiga.
Alguns sítios que haviam sido genericamente designados como sambaquis foram
revistos e caracterizados como “acampamentos tupi para coletas de moluscos”
272
. Esta foi a
primeira tentativa de identificar estes sítios com o modo de vida dos tupis. Diversos relatos
dos primeiros cronistas falam da utilização de moluscos na alimentação dos grupos
referidos.
Algumas sociedades possuem acampamentos que funcionam como “apêndices” de
suas aldeias. A ocupação destes acampamentos era, ao que tudo indica, temporária, sendo
que em determinadas épocas do ano parte da aldeia se deslocava para o acampamento.
270
RAUTH, José W. Nota prévia sôbre a escavação do sambaqui do Pôrto Maurício. In: Programa nacional
de pesquisas arqueológicas resultados preliminares do primeiro ano 1.965-1.966. Belém, Museu Paraense
Emílio Goeldi, publicações avulsas n. 6, 1.967. p. 52.
271
NEVES. Op. cit., p.42.
272
BELTRÃO, Maria C. & KNEIP, Lina M. Arqueologia dos estados do Rio de Janeiro e Guanabara: linhas
de pesquisa. In: Pesquisas, antropologia n. 20, Estudos Leopoldenses, n. 13, Terceiro Simpósio de
Arqueologia da Área do Prata. São Leopoldo: Universidade do Vale do Rio dos Sinos, Instituto Anchietano
de Pesquisas, 1.969 (a). p. 99.
Parece provável, pelas informações etnográficas, que a aldeia fosse dividida em grupos que
alternadamente se transferissem para os acampamentos.
273
“Se considerarmos as características
patrilineares e patrilocais do grupo tupinambá,
podemos imaginar que os grupos de pessoas que
deixavam as aldeias para se fixarem
provisoriamente nos acampamentos seriam
constituídos, em última análise, dos membros de um
clã ou linhagem, que possuiriam, isolados ou
conjugados com outros, os seus acampamentos
próprios e provavelmente uma localização
específica dentro da própria aldeia.”
274
Estes acampamentos tupis estão localizados junto ao mar ou aos rios, em pequenas
elevações que não atingem um metro de altura. Possuem a forma circular de
aproximadamente quarenta metros de diâmetro e um refugo de no máximo cinqüenta
centímetros. Foram ocupados sazonalmente e abandonados quando se deu o quase
esgotamento das fontes de subsistência. Isto pode ser inferido através da análise da
distribuição dos moluscos por tamanho, nos níveis arqueológicos.
Tais sítios foram localizados na planície de Guaratiba, e juntamente com os sítios
de habitação permanentes constituem a fase Jequié. Estão em terrenos altos cercados de
mangue, e as aldeias estão localizadas em elevações, livres de erosão. As aldeias são
273
SCATAMACCHIA. Op. cit., p. 116-117
274
BETLRÃO, Maria C. Pré-história do Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Forense
Universitária/SEEC-RJ, 1.978. p. 141.
circulares alcançando quase quinhentos metros de diâmetro e apresentam pequenas fossas
culinárias espalhadas pela aldeia e preenchidas com moluscos
275
.
Em “Arqueologia dos Estados do Rio de Janeiro e Guanabara: linhas de pesquisa”,
Maria Beltrão e Lina Kneip referem-se aos acampamentos de grandes dimensões da
seguinte forma:
“São, portanto, circulares, situados à beira
de riachos e não longe dos rios, e, quando
localizados junto ao mar, às vezes se encontram em
pequenas elevações e em terrenos areno-argilosos.
Eram habitados a maior pare do ano. Suas cabanas
coletivas eram retangulares e dispostas em redor de
uma praça quadrangular onde se desenvolva a vida
social e religiosa.”
276
Provavelmente os grupos tupis antigos, assim como os atuais, acampavam junto às
plantações. Os acampamentos junto às plantações tornavam-se necessários sobretudo
quando estas estavam longe das aldeias
277
.
As plantações deveriam ter sido feitas, primeiramente, junto às aldeias. Na medida
em que os recursos minerais do solo iam se exaurindo, as plantações seriam deslocadas
para até seis quilômetros de distância dos centros residenciais. Os acampamentos junto às
plantações e os acampamentos construídos na época de caça foram algumas vezes descritos
pelos cronistas
278
.
275
SCATAMACCHIA. Op. cit., p. 117.
276
BELTRÃO & KNEIP, 1.969 (a). Op. cit., p. 99.
277
Idem.
278
Idem.
Francisco da Silva Noelli referiu-se a estes locais como “estruturas anexas”, as
quais define como: “Seriam os locais multi-funcionais, cobertos ou não, utilizados para
processar alimentos, cozinhar, depositar gêneros, instalar o tipiti, produzir objetos
diversos, lazer, etc.”
279
Arqueologicamente poderiam ser reconhecidos como oficinas para lascamento de
artefatos líticos, locais de cocção de vasilhas cerâmicas, ocasionalmente contendo
estruturas de combustão ou mesmo lugares para ralar mandioca. Estes últimos seriam
identificados através da deposição das lascas aplicadas aos raladores. Infelizmente não
possuímos tais dados, o que decorre da falta de trabalhos de escavações mais detalhados.
Noelli destaca que não foram encontradas informações explícitas em todos os
relatos dos cronistas. Etnograficamente registros de os Cainguá cozinharem em abrigos
longe dos locais de habitação
280
.
“Alguns nomes para as estruturas anexas
poderiam ser: teyupá... ‘rancheria, dormida,
rancho’; tapî... ‘choça’; nôngatú ucahá, herecó
ucá haguê... ‘depósito’. Na roça também poderiam
ser instaladas estruturas anexas, denominadas de
caába, amundá... ‘roça de chácara’, onde se
poderia dormir, depositar, processar e produzir
diversas coisas. Isto significa que uma
possibilidade de se encontrar as roças
arqueológicas, através da relação ente a estrutura
279
NOELLI, Francisco S. Sem tekoha não tekó: em busca de um modeloetnoarqueológico da aldeia e
da subsistência guarani e sua aplicação a uma área de domínio no delta do rio Jacuí RS. Porto Alegre,
Faculdade de Filisofia e Ciências Humanas, Programa de Pós-graduação em História da Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul, 1993. (Dissertação de Mestrado). p. 100.
280
Idem.
anexa e os vestígios dispersos pelos possíveis locais
da roça: machados líticos, vestígios macro e
microscópicos dos cultivares, etc.”
281
Os locais habitados pelos grupos guarani no Estado da Guanabara foram
selecionados e ocupados tendo em vista as necessidades imediatas de subsistência dos
mesmos. Maria Beltrão e Lina Kneip promoveram campanhas de escavações nestes locais,
conseguindo estabelecer um sistema de uso do espaço. Nas aldeias, onde estes grupos
passavam a maior parte do ano, afirmam as autoras, dedicavam-se basicamente à
agricultura, que era complementada pelas atividades de caça e pesca, fato que se comprova
pela reduzida quantidade de ossos de animais e conchas encontrados nos sítios. Nos
acampamentos, permaneciam por temporadas , alimentando-se basicamente de moluscos,
ainda que tenham sido encontrados alguns ossos de peixes
282
.
Na Ilha do Governador, ainda no Estado do Rio de Janeiro, foram evidenciadas
grandes aldeias de formas circulares atingindo até 600 metros de diâmetro. Estão situadas
geralmente na orla marítima, junto aos riachos e próximos aos grandes rios. A evidência da
utilização de moluscos é reduzida, o que pode representar o começo de um período em que
a agricultura tem um papel importante na alimentação. Estão presentes as grandes fogueiras
e os enterramentos em urnas. A datação relativa para este período é em torno de 700 a
1.000 D.C.
283
.
281
NOELLI. Op. cit., p. 100-101.
282
BELTRÂO, Maria C. & KNEIP, Lina M. Escavações estratigráficas no estado da Guanabara. In:
Pesquisas, antropologia n. 20, Estudos Leopoldenses, n. 13, Terceiro Simpósio de Arqueologia da Área do
Prata. São Leopoldo: Universidade do Vale do Rio dos Sinos, Instituto Anchietano de Pesquisas, 1.969(b). p.
104.
283
BETLRÃO, Maria C. Pré-história do Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Forense
Universitária/SEEC-RJ, 1.978. p. 109-111.
Na Ilha do Governador foram igualmente encontradas carapaças de moluscos nos
sítios escavados.
“(...) Comparada aos acampamentos de
Guaratiba, o volume da fauna malacológica nos
aldeamentos da ilha do Governador é pouco
significativa. Em quantidade reduzida anotamos
exemplares das espécies Ostrea sp., Phachoides
pectinaturas Gmelin, Anomalocardia brasiliana
Gmelin. As ‘fossas culinárias’ eram formadas por
carapaças de moluscos, associados a ossos de
peixe, cerâmica, carvão e material tico.
Raríssimos ossos de aves, mamíferos e, em maior
quantidade que êstes, ossos de peixe.(...)”
284
Ficou estabelecida então, a fase Governador, com uma cronologia relativa entre
1.300 e 1.500 d.C., e corresponde aos primeiros contatos com os colonizadorres europeus.
Os sítios estão localizados em pequenas elevações e atingem quinhentos metros de
diâmetro
285
.
Nas proximidades de Cabo Frio, Odemar Dias estabeleceu a fase Itaipu, a qual é
caracterizada por sítios sobre dunas. Tal fase o se refere a ocupações guaranis, mas o
pesquisador relata a ocorrência e cerâmica guarani nas camadas superficiais dos sítios.
“A cerâmica parece-nos intrusiva. É
extremamente esparsa e restrita a dois sítios. No da
Boa Vista encontramos alguns exemplares de
284
BELTRÃO & KNEIP, 1.969(b). Op. cit., p. 105.
285
SCATAMACCHIA. Op. cit., p. 118.
tradição tupi-guarani e no da Passagem das Dunas
alguns neo-brasileiros.”
286
As fases Ipuca e Itabapoana pertencem igualmente á tradição Tupiguarani
(Horticultores guaranis), e localizam-se respectivamente nas proximidades de São João da
Barra e às margens do Rio Itabapoana. “Um sítio da fase Ipuca... localiza-se... em terreno
arenoso, numa ilha da foz do rio Paraíba. Também sôbre êste tipo de terreno encontramos
um sítio da fase Itabapoana...”
287
.
Os sítios da fase Itabapoana caracterizam-se por localizarem-se em dois ambientes
distintos. O primeiro deles constitui a planície arenosa que nos interessa nesta pesquisa. O
outro se caracteriza por elevações das margens dos rios mais para o interior. O autor afirma
que a cota de altitude em relação ao nível do mar atinge até cinqüenta metros
288
.
Abordaremos este tema sob alguns aspectos no Capítulo VIII. A relação entre estes dois
ambientes é um tema de fundamental importância para pesquisas futuras.
As informações sistematizadas por Odemar Dias identificam os sítios como
acampamentos de curta ocupação relacionados elevações de pouca altitude. Referindo-se a
um dos sítios pesquisados o autor afirma que “O último está localizado em uma elevação
arenosa, com cerca de 10 m de altura, totalmente revirada por plantações, próxima ao
litoral em Barra do Itabapoana.”
289
286
DIAS, Odemar. A fase Itaipu, sítios sobre dunas no estado do Rio de Janeiro. In: Pesquisas, antropologia
n. 20, Estudos Leopoldenses, n. 13, Terceiro Simpósio de Arqueologia da Área do Prata. São Leopoldo:
Universidade do Vale do Rio dos Sinos, Instituto Anchietano de Pesquisas, 1.969(a). p. 7.
287
DIAS, Odemar F. Considerações iniciais sôbre o terceiro ano de pesquisas no estado do Rio de Janeiro. In:
Programa nacional de pesquisas arqueológicas 3 resultados preliminares do terceiro ano 1967-1968.
Belém, Museu Paraense Emílio Goeldi, publicações avulsas n. 13, 1.969(b). p. 145.
288
DIAS, 1.969(b). Op. cit., p. 147.
289
Idem.
As formas dos vasilhames encontrados foram tigelas de paredes arredondadas, os
vasos (yapepós), pratos, tampas e assadeiras. Os tratamentos de superfície externa são o
escovado, o ungulado, corrugado complicado, corrugado espatulado, o acanalado, o
ponteado, o entalhado, polido estriado, corrugado simples e o digitado. A decoração
pintada mais encontrada é o pintado de vermelho (engôbo), engôbo branco e traços
vermelhos e/ou pretos sobre branco
290
.
A fase Ipuca foi determinada pelo mesmo autor, e caracteriza-se como pertencente
à tradição Tupiguarani. “A fase Ipuca é representada por quatro sítios cerâmicos.
Localizam-se, exceto um, em terrenos arenosos, baixos.”
291
A exceção referida acima
possui aproximadamente sete mil metros quadrados. Os demais sítios são pequenos,
possuindo cerca de cem metros quadrados e todos superficiais, caracterizando curta
ocupação.
A decoração é regular o ocorre em menos de trinta por cento do total. Os mais
comuns são o polido-estriado, o ungulado, o corrugado complicado e corrugado ungulado,
ocorrendo ainda o inciso, o ponteado, digitado e imbricado. A decoração pintada aparece
em menos de um por cento dos casos, existindo o pintado de branco e pintura vermelha sem
engôbo. Dentre as formas predominam as tigelas de paredes curvas, os vasos de paredes
inclinadas para o interior e algumas formas de paredes retas
292
.
O material lítico encontrado nos sítios da fase Ipuca tem como matérias primas
básicas o diabásio e o granito. Caracteriza-se por uma indústria sobre seixos, embora o
quartzo esteja presente.
290
DIAS, 1.969(b). Op. cit., p. 147.
291
Ibidem. p. 149.
292
Ibidem. p. 150.
“Destacamos entre as peças, um pequeno
machado de diabásio polido, com gume bifacial e
talão com pequenas lascas... Também ocorreram
fragmentos de machados... Percutores de granito e
diabásio... Quebra-côcos igualmente utilizados
como percutores laterais, alisadores ou moedores
de gnaisse... e hematitas ocre e vermelhas...”
293
A presença de grupos guaranis no atual Estado do Espírito Santo é conhecida
principalmente pelos dados divulgados pelo Programa Nacional de Pesquisas
Arqueológicas.
Partindo das análises do material proveniente de 23 sítios arqueológicos foi
estabelecida a fase Cricaré, a qual foi encontrada em toda a faixa litorânea. No litoral norte
sua presença foi constatada nos vales dos rios São Mateus e Itaúnas, no vale do Rio Doce e
seus principais afluentes, e no litoral sul, no vale do Rio Itapemirim. Seus sítios estão
situados próximos aos rios, em pequenas elevações. Aqueles que foram delimitados
apresentam uma área entre 200 por 500 metros a 100 por 200 metros, apresentando forma
oval
294
. “Esta fase de subtradição Pintada foi encontrada em... sítios, todos localizados em
estirões de 100 a 1500m das margens dos rios.(...)
295
Quanto às formas das vasilhas, o autor afirma serem ...tigelas, pratos, grelhas,
urnas carenadas e peças de bôca irregular.”
296
293
DIAS, 1.969(b). Op. cit., p. 151.
294
SCATAMACCHIA. Op. cit., p. 127.
295
PEROTA, Celso. Dados parciais sôbre a arqueologia norte espírito-santense. In: Programa nacional de
pesquisas arqueológicas 4 resultados preliminares do quarto ano 1.968-1.969. Belém, Museu Paraense
Emílio Goeldi, publicações avulsas n. 15, 1.971. p. 153.
296
Ibidem, p. 154.
Na publicação dos resultados do quinto ano do PRONAPA o autor se refere ao
material lítico desta fase. Perota afirma que:
“Pequena quantidade de material lítico foi
coletado. São comuns aguçadores de diversos tipos
de rocha e lascas de quartzo de diversas formas,
muitas sem qualquer sinais de utilização. Em dois
sítios foram encontrados grupos de pedras,
geralmente 3, que tinham 2/3 enterrados no solo e o
restante aflorando, as quais possivelmente foram
utilizadas para suporte de grandes recipientes
cerâmicos... Algumas delas foram escavadas não se
notando sinais de fogo nas proximidades, nem as
pedras foram alteradas pela ação do fogo.”
297
Os sítios da fase Tucum somam apenas duas unidades e estão situados na baía de
Vitória. Estão localizados próximos de mangues, mas em terrenos arenosos com área de
500 X 200 metros e 300 X 300 metros, com uma espessura de refugo de 35 a 45
centímetros
298
.
Na publicação dos resultados preliminares do quinto ano do PRONAPA, Celso
Perota acrescenta as formas encontradas nos sítios.
“Foram estabelecidas 17 formas de
recipientes onde predominam tigelas e bacias com
bordas arredondadas e inclinadas para fora, peças
297
PEROTA, Celso. Resultados preliminares sobre a arqueologia da região central do estado do Espírito
Santo. In: Programa nacional de pesquisas arqueológicas 5 resultados preliminares do quinto ano 1.969-
1.970. Belém, Museu Paraense Emílio Goeldi, publicações avulsas n. 26, 1.974. p. 132.
298
PEROTA, 1.971. Op. cit., p. 154.
retangulares e elípticas. As bases são sempre
arredondadas ou cônicas. Alguns fragmentos de
urnas funerárias foram recolhidos.”
299
Os tratamentos de superfície externos encontrados durante as análises foram o
simples (alisado), pintado de vermelho, traço vermelho sobre engôbo branco, traços
vermelho e preto sobre engôbo branco, corrugado complicado, escovado, ungulado,
pinçado, entalhado e ponteado.
300
O material tico é pouco representativo nesta fase. Foram coletados alguns
batedores de seixo, machados polidos e uma variedade de lascas de quartzo
301
.
Estas duas fases estão basicamente diferenciadas pelo tipo de habitat,
profundidade de refugos e pelos tipos decorativos. As datações para estas são para a fase
Cricaré, SI 828, 895 ± 80 A.D., no litoral sul, e SI 832, 1390 ± 70 A.D., para a baía de
Vitória
302
.
Os sítios arqueológicos relacionados aos Horticultores Guaranis que foram
encontrados no litoral brasileiro correspondem, na maioria das vezes, a sítios pequenos
com pouca quantidade de material cerâmico e lítico. Ocupam elevações não muito
acentuadas no terreno possuindo pouca extensão. Ocorrem ainda alguns poucos casos de
sítios grandes, mas nenhum ocupando as áreas entre as dunas. As aldeias maiores estariam
localizadas mais para o interior, ocupando elevações de até cinqüenta metros. Ocorrem
ainda os sítios de ocupação sazonal com vestígios de exploração dos recursos marinhos,
como carapaças de moluscos e ossos de peixes, em que pese estes últimos sejam mais raros.
299
PEROTA, 1.974. Op. cit., p. 131.
300
Idem.
301
Idem.
302
SCATAMACCHIA. Op. cit., p. 127-128.
As poucas datações existentes parecem indicar uma ocupação relativamente recente no
litoral, não ultrapassando o século IX no Estado do Espírito Santo. Tal datação aproxima-se
de uma das datas obtidas por Eurico Miller para o Litoral Norte do Rio Grande do Sul, mas
este é um tema que trataremos nos capítulos seguintes.
Capítulo VII
Espaço, Espacial, Assentamento, Padrão, Sistema...
Conceitos para a Relação do Homem com o Ambiente
Conceitos como o de espaço, embora amplamente utilizados por diferentes
disciplinas que compõe as ciências sociais, nem sempre possuem significados muito
precisos. Por ser tão freqüentemente utilizado, seu significado desgastou-se, passando a ser
considerado apenas por seu conteúdo semântico, praticamente sem conotação científica.
Espaço não faz, ou ao menos não deveria fazer, parte daquelas palavras classificadas como
“senso comum”. Este é um conceito que possui mais de cem anos de história, tendo sido,
inclusive, foco central de uma ciência. A Geografia tem na discussão do espaço, a
discussão de seu próprio objeto. Acreditamos ser necessário apresentar aqui a história do
conceito de espaço, contada pelo enfoque geográfico, para em seguida apresentar as formas
arqueológicas de trabalhar tal conceito.
A Geografia científica, tal como é conhecida hoje, teve suas origens na segunda
metade do culo XVIII, mas desenvolveu-se de forma mais consistente apenas no século
seguinte, a partir dos trabalhos de Kant, Humboldt, Ritter e Ratzel
303
. As primeiras
correntes teóricas da Geografia caracterizam-se por sua estreita relação com os ideais
científicos positivistas. É o caso da denominada Geografia Tradicional, na qual a descrição,
enumeração e classificação dos fatos referentes ao espaço são encarados como a tarefa
básica do trabalho científico.
303
MOREIRA, Ruy. O que é geografia.o Paulo: Brasiliense, 1981. Coleção Primeiros Passos, 48. p. 14.
Nesta perspectiva o homem iria aparecer como um elemento a mais da paisagem,
como mais um fenômeno da superfície da Terra. A Geografia procurava ser uma ciência
natural dos fenômenos humanos, na qual o homem teria importância por ser um agente de
modelagem do relevo, por sua ação como força de erosão. Dessa forma, a unidade do
pensamento geográfico Tradicional seria proveniente dos fundamentos positivistas
manifestados pela adoção de uma postura profundamente empirista e naturalista
304
.
O ponta inicial nas tentativas de sistematização dos conhecimentos geográficos deve-se
aos trabalhos de Humboldt e Ritter
305
.
Em termos de método, Humboldt propõe o “empirismo raciocinado”, isto é, a
intuição a partir da observação. O geógrafo deveria contemplar a paisagem de uma forma
quase estética. A paisagem causaria no observador uma “impressão”, a qual, combinada
com a observação sistemática dos seus elementos componentes, aliada ao raciocínio lógico
levaria à explicação: à causalidade das conexões contidas na paisagem observada.
Os trabalhos de Ritter concentram-se nos aspectos metodológicos, uma vez que a
formação deste autor é radicalmente distinta da de Humboldt. Enquanto aquele era geólogo
e botânico, este possui formação em Filosofia e História. Ritter define o conceito de
“sistema natural” como uma área delimitada e dotada de individualidade. A Geografia
deveria estudar estes arranjos individuais, comparando-os. Cada arranjo abarcaria um
conjunto de elementos, representando uma totalidade, onde o homem seria o principal
304
MORAES, Antônio C. Geografia pequena história crítica. !7 ed. São Paulo: Hucitec, 1999. p. 24.
305
“Alexander Von Humboldt (1769-1859) e Karl Ritter (1779-1859), contemporâneos, vivem ainda o clima
histórico da unificação alemã e do desenvolvimento capitalista tardia da Alemanha. Mas sob a
instauração dos paços decisivos da unificação, dados com o acordo de união aduaneira (zollverein) de 1834,
firmado pelos ‘Estados Alemães’.” MOREIRA. Op. cit., p. 25.
elemento. Assim, a Geografia de Ritter seria um estudo dos lugares, em busca das
individualidades respectivas
306
.
“...a diferença de ênfase entre Humboldt e
Ritter quanto à escala de referência para
Humboldt a totalidade e para Ritter a região será
traduzida pelos franceses como separação entre
geografia geral (Humboldt) e geografia regional
(Ritter). A região ficará consagrada como objeto da
geografia...”
307
Um revigoramento no processo de sistematização da Geografia iria ocorrer com
as formulações de Friedrich Ratzel (1.844-1904). Este autor, alemão e prussiano, publica
suas obras nas últimas décadas do século XIX.
O principal livro de Ratzel foi publicado no ano de 1.882, sob o título
“Antropogeografia Fundamentos da Aplicação da Geografia à História”. Este trabalho
inaugura uma nova corrente do pensamento científico geográfico, a Geografia Humana.
Nele, Ratzel definiu o objeto geográfico como o estudo da influência que as condições
naturais exercem sobre a humanidade. Estas influências atuariam, primeiro na filosofia e na
psicologia dos indivíduos, e através destes, na sociedade. Em segundo lugar, a natureza
influenciaria a própria constituição social, pela riqueza que propicia, através dos recursos
do meio em que está localizada a sociedade
308
.
306
MORAES. Op. cit., p. 48-49.
307
MOREIRA. Op. cit., p. 38.
308
MORAES. Op. cit., p. 55.
Para Ratzel, o território representa as condições de trabalho e existência de uma
sociedade. A perda de território seria a maior prova de decadência de uma sociedade. Por
outro lado, o progresso implicaria a necessidade de aumentar o território, logo, de
conquistar novas áreas. Ratzel elabora então, o conceito de “espaço vital”, o qual seria
expresso pela relação entre a população e os recursos disponíveis em uma determinada
área, estabelecendo um equilíbrio
309
.
“Da teoria evolucionista de Darwin
fascinará Ratzel sobretudo a ‘teoria da seleção
natural das espécies’, segundo a qual, na busca da
sobrevivência, as espécies travam luta intensa que
sempre acaba com a sobrevivência do mais forte. A
luta é basicamente pelo espaço.(...)”
310
Em termos de método, Ratzel manteve a visão naturalista, reduzindo o homem a um
animal, ao não diferenciar suas qualidades específicas. Propunha então, um método análogo
ao das ciências naturais e concebia a causalidade dos fenômenos humanos e naturais como
idênticos
311
.
Os discípulos de Ratzel radicalizaram suas colocações, constituindo o que se
denomina “Escola Determinista” ou doutrina do “Determinismo Geográfico”. Os adeptos
dessa corrente partiram da definição ratzeliana do objeto da reflexão geográfica,
309
MORAES. Op. cit., p. 56.
310
MOREIRA. Op. cit., p. 34.
311
MORAES. Op. cit., p. 57.
simplificando-a. Orientaram seus estudos por máximas, como “as condições naturais
determinam a História”, ou “o homem é produto do meio”
312
.
Uma outra perspectiva que se originou a partir das formulações de Ratzel, foi a
chamada escola “Ambientalista” Esta, mais recente, não pode ser considerada uma filiação
direta da Antropogeografia. Entretanto, tem neste autor a formulação de suas bases. Esta
corrente propõe o estudo do homem em relação aos elementos do meio em que ele se
insere. O conjunto dos elementos naturais é abordado como o ambiente vivenciado pelo
homem. O ambientalismo representa um determinismo atenuado, sem visão fatalista e
absoluta. A natureza não é vista mais como determinação, mas como suporte da vida
humana. A concepção naturalista é mantida sem a causalidade mecanicista. O
ambientalismo se desenvolveu modernamente, apoiado na Ecologia
313
.
Uma outra grande escola do pensamento geográfico, derivada das escolas de Ratzel,
caracteriza-se por ser eminentemente francesa, possuindo como principal formulador Paul
Vidal de La Blache.
A Geografia de Ratzel legitimava a ação imperialista do Estado Bismarckiano.
Naquele momento histórico
314
era necessário que a França a combatesse. O pensamento
geográfico francês nasceu então, com esta tarefa, caracterizando-se como uma
contraposição a Ratzel. La Blache publicou seus primeiros trabalhos ainda no final do
século XIX e início do XX, fundando a escola francesa de Geografia e conseguindo
deslocar o centro gravitacional desta ciência da Alemanha para a França.
312
MORAES. Op. cit., p. 57-58.
313
Ibidem, p. 59-60.
314
“A ‘escola francesa’, portanto, nasce do clima produzido pela derrota da França perante a Alemanha
prussiana na guerra de 1870. Surge, a um só tempo, para servir à burguesia francesa em seu afã de
recuperação pelas perdas territoriais com a guerra e sua compensação com maior expansão colonial.(...)”
MOREIRA. Op. cit., p. 34.
Uma das críticas mais importantes foi expressa na máxima: “a Geografia é uma
ciência dos lugares, não dos homens”. Desta forma, o centro de interesse das análises seria
o resultado das ações humanas na paisagem, e não esta em si mesma. Esta concepção
contrapõe a visão fatalista e mecanicista da relação entre os homens e a natureza. Assim,
atingiu diretamente a idéia da determinação da história pelas condições naturais. Vidal vai
propor uma postura relativista, argumentando que tudo o que se refere ao homem “é
mediado pela contingência”
315
. “Vidal de La Blache procurou demonstrar que o uso comum
de certo espaço é o fundamento de tudo...”
316
O autor definiu o objeto da Geografia como a relação homem-natureza circunscrita
à perspectiva da paisagem. Colocou o homem como um ser ativo que sofre a influência do
meio, porém atuando sobre o mesmo. Argumenta que as necessidades humanas são
condicionadas pela natureza, e que o homem busca as soluções nos materiais e nas
condições oferecidas pelo meio. Neste processo de trocas mútuas o homem transforma a
matéria e cria novas formas. Para La Blache, é neste momento que começa a “obra
geográfica do homem”. Nesta perspectiva, a natureza passou a ser vista como possibilidade
para a ação humana, batizando esta corrente de pensamento como “Possibilismo”
.
“...teoria que, apoiada em dados da história
e da etnografia, demonstrará que uma
reciprocidade de influências entre o homem e o
meio, no interior da qual a vontade humana... dota o
315
MORAES. Op. cit., p. 67.
316
SODRÉ, Nelson W. Introdução à geografia, geografia e ideologia. 6 ed. Petrópolis: Vozes, 1987. p. 82.
Tal rótulo foi atribuído por Lucien Febvre.
homem de ampla possibilidade de dominar seu
meio.(...)”
317
A teoria de Vidal de La Blache concebe o homem como hóspede antigo de vários
pontos da superfície terrestre, que em cada lugar se adaptou ao meio que o envolvia,
criando através do relacionamento constante e cumulativo com a natureza, um acervo de
técnicas, hábitos, usos e costumes, que lhe permitiriam utilizar os recursos naturais
disponíveis. A este conjunto de técnicas e costumes, construído e passado socialmente, o
autor denominou gênero de vida”, o qual exprimiria a relação entre a população e os
recursos, gerando uma situação de equilíbrio construída historicamente pelas sociedades. A
diversidade dos meios explicaria a diversidade dos gêneros de vida
318
.
Argumenta ainda que o gênero de vida tenderia a reprodução simples. Entretanto,
alguns fatores poderiam interferir no sistema e impor uma mudança no gênero de vida.
Relaciona a possibilidade da exaustão dos recursos existentes com a necessidade das
migrações. Uma saída para estas populações seria buscar um aprimoramento tecnológico,
no caso da existência de barreiras naturais que impedissem a migração.
Em termos de método, a proposta de La Blache não rompeu com as formulações de
Ratzel, foi antes um prosseguimento destas. Este autor era mais relativista, negando as
idéias de causalidade e determinação de Ratzel. Desta forma, o fundamento positivista
aproxima as concepções dos dois autores, e vinculado a este, a aceitação de uma
metodologia de pesquisa oriunda das ciências naturais.
317
MOREIRA. Op. cit., p. 38.
318
MORAES. Op. cit., p. 68-69.
Vidal de La Blache planejou ainda uma obra coletiva, intitulada “Geografia
Universal”, que foi executada por seus discípulos, aproximando-os. Cada um escreveu
sobre uma determinada porção do planeta. Neste trabalho foi explicitado o conceito de
região. Esta era a denominação dada a uma unidade e análise geográfica, que exprimia
forma como os homens organizavam seu espaço. Assim, a região não seria apenas um
instrumento teórico de pesquisa, mas também um dado da própria realidade. As regiões
existiriam de fato, e caberia ao geógrafo delimitá-las, descrevê-las e explicá-las. A região
seria uma escala de análise, uma análise espacial, dotada de uma individualidade, em
relação a suas áreas limítrofes
319
.
A noção de região originou-se na Geologia. Foi trazida para a Geografia por L.
Gallois, que escreveu uma importante obra “Regiões Naturais e Nomes de Lugares”.
Gallois ainda compreendia a região em seu sentido geológico, ou seja, como uma parcela
da superfície terrestre dotada de uma unidade natural, com a sua individualidade
estabelecida através de elementos da natureza. Com Vidal, o conceito de região foi
humanizado. Cada vez mais buscava-se sua individualidade nos dados humanos, na
História
320
.
Neste contexto o homem era considerado como parte de uma cadeia de ralações
com o meio em que o cerca, constituindo-se ao mesmo tempo como agente passivo e ativo
nas transformações do ambiente
321
. “(...)Uma região, portanto, é uma área homogênea, em
termos dos critérios específicos escolhidos para delimitá-la das outras regiões.”
322
319
MORAES. Op. cit., p. 75.
320
Ibidem, p. 75-76.
321
SODRÉ. Op. cit., p. 81.
322
Ibidem, p. 82.
Max Sorre publicou suas primeiras obras na década de 1.940, através das quais
manteve os fundamentos da proposta de La Blache. Apresentou a idéia de que a Geografia
deve estudar as formas pelas quais os homens organizam seu meio, entendendo o espaço
como “a morada do homem”. O conceito central desenvolvido por Sorre foi o de Habitat:
uma porção do planeta vivenciada por uma comunidade que a organiza. O habitat é assim
uma construção humana, uma humanização do meio, que expressa as múltiplas relações
entre o homem e o ambiente que o envolve
323
. “(...)O importante, no campo das relações
entre a natureza e o homem, está em considerar a este não como indivíduo mas em
sociedade...”
324
.
A Geografia de Sorre pode ser entendida como um estudo da Ecologia do Homem,
ou seja, da relação dos agrupamentos com o meio em que estão inseridos, processo no qual
o homem transforma esse meio. Assim, as condições do meio geográfico são fruto da ação
dos homens, não seriam as mesmas daquele meio natural original. A análise geográfica
deveria abarcar este processo de humanização do meio, as condições reinantes e as
relações, com elas, que os habitantes mantêm. Desta forma, é possível caracterizar o estudo
de Max Sorre como uma Ecologia Humana.
M. Le Lannou por sua vez, concebeu a Geografia como eminentemente regional,
definindo-lhe o objeto como “o homem habitante”. Assim, entendeu a questão das formas
de ocupação e exploração do solo, como a fundamental, e o estudo dos sistemas de trabalho
e das instalações humanas, como importante.
A outra grande corrente do pensamento geográfico denomina-se Geografia
Racionalista vinculou-se aos nomes de A. Hettner e R. Hartshorne. O fato de se denominar
323
MORAES. Op. cit., p. 79-80.
324
SODRÉ. Op. cit., p. 84.
racionalista, advém de sua menor carga empirista, em relação às anteriores. Esta
perspectiva privilegia o raciocínio dedutivo. Tal fato se deve a diferenciada fundamentação
filosófica dos autores. A Geografia de Ratzel e a de Vidal tiveram sua raiz filosófica no
positivismo de Augusto Comte, a qual foi passada acriticamente para seus seguidores. A
Geografia de Hettner e Hartshorne fundamentava-se no neokantismo de Rickert e
Windelband
325
.
Hettner vai propor a Geografia como a ciência que estuda “a diferenciação de
áreas”, isto é, que visa explicar por quê e em que diferem as porções da superfície terrestre.
Para o autor, o caráter singular das diferentes parcelas do espaço adviria da particular forma
de inter-relação dos fenômenos aí existentes. A Geografia seria então o estudo dessas
formas de inter-relação dos elementos, no espaço terrestre.
Os conceitos básicos, formulados por Hartshorne foram os de “área” e de
“integração”, ambos referidos ao método. A área seria uma parcela da superfície terrestre,
diferenciada pelo observador, que a delimita por seu caráter, ou seja, a distingue das
demais. Essa delimitação é um procedimento de escolha do observador, que seleciona as
fenômenos enfocados, dependendo dos dados selecionados, a delimitação será diferente,
uma vez que a abrangência destes varia desigualmente. Sendo assim, na verdade, a área é
construída idealmente pelo pesquisador, a partir da observação dos dados escolhidos. Desta
forma, a área seria um instrumento de análise, ao contrário da região ou território, que eram
vistas como realidades objetivas exteriores ao observador. A área seria construída no
processo de investigação. Para Hartshorne, uma área possuiria múltiplos processos
integrados, sendo uma fonte inesgotável de inter-relações. O conjunto de todas as inter-
325
MORAES. Op. cit., p. 84.
relações possíveis daria a realidade total da área, porém sua apreensão seria impossível,
tornando-se anticientífico a busca pela exaustão
326
.
A esta forma de estudo Hartshorne denominou Geografia Idiográfica. Seria uma
análise singular e unitária, o que levaria a um conhecimento bastante profundo de
determinado local.
Entretanto, Hartshorne também propôs uma segunda forma de estudo, por ele
denominada Geografia Nomotética. Esta deveria ser generalizadora, apesar de parcial. No
estudo nomotético, o pesquisador pararia na primeira integração e reproduzi-la-ia em outros
lugares. As comparações das integrações obtidas permitiriam chegar a um “padrão de
variação” daqueles fenômenos tratados. Assim, as integrações parciais seriam comparáveis,
por tratarem dos mesmos pontos, abrindo a possibilidade de um conhecimento genérico.
Desta forma, Hartshorne articulou a Geografia Geral e a Regional, diferenciando-as pelo
nível de profundidade de suas colocações. Quanto maior a simplicidade de fenômenos e
relações tratados, maior a possibilidade de generalização. Quanto mais profunda a análise
efetuada, maior conhecimento da singularidade local
327
.
Na segunda metade do século XX uma nova corrente teórica surge, e com ela, novas
formas de abordar o espaço.
A Geografia Pragmática vai se substantivar por algumas propostas diferenciadas.
Uma primeira via de sua objetivação é a Geografia Quantitativa, defendida por G,
Dematteis. Para os autores filiados a esta corrente, o temário geográfico poderia ser
explicado totalmente com o uso de métodos matemáticos. Todas as questões poderiam ser
abarcadas matematicamente, tais como as variações locais da paisagem, a ação da natureza
326
MORAES. Op. cit., p. 88.
327
Ibidem, p. 89-90.
sobre os homens, etc. Outra via de objetivação da Geografia Pragmática vem da teoria dos
sistemas, recebendo a denominação de Geografia Sistêmica ou Modelística. Esta foi
defendida por Brian Berri, o qual propõe o uso de modelos de representação e explicação.
Em verdade, articula-se com a proposta anterior. Considera os modelos como
representações das estruturas fundamentais da organização do espaço. Estes modelos atuam
na pesquisa como hipóteses lógicas dadas a priori, podendo ser constituídos por dados
constantes ou variáveis.
Uma última vertente do pensamento geográfico agrupa um conjunto de propostas
que se pode denominar Geografia Crítica. Esta denominação advém de sua postura crítica
radical, frente à Geografia existente (Tradicional ou Pragmática), a qual acarretará a ruptura
com o pensamento anterior.
Os adeptos desta corrente desmistificam a pretensa objetividade científica,
mostrando como o discurso geográfico escamoteou as contradições sociais. Atingem assim,
seu caráter ideológico, que via a organização do espaço como harmônica. Via também a
relação do homem com a natureza numa ótica que acobertava as relações entre os homens.
O autor que formulou a crítica mais radical da Geografia Tradicional foi, sem
dúvida, Yves Lacoste em seu livro “A Geografia Isto Serve, Antes de Tudo, para Fazer a
Guerra”. Lacoste argumenta que o saber geográfico manifesta-se em dois planos: a
Geografia dos Estados-Maiores e a Geografia dos Professores. Para ele, a primeira sempre
existiu ligada a prática do poder, ou seja, todo conquistador (Alexandre, César ou
Napoleão) sempre possuiu um projeto com relação ao espaço. Argumenta ainda que os
detentores do poder (seja o Estado ou a grande empresa) sempre possuem uma visão
integrada do espaço. Por outro lado, o cidadão comum possui uma visão fragmentada do
espaço, pois só concebe os lugares abarcados por sua vivência cotidiana. Ressalta que duas
pessoas podem conviver em uma mesma cidade, concebendo-a de formas diferentes em
função de seus interesses e sua área de ação. Por outro lado, o Estado tem uma visão
integrada deste espaço, pois age sobre todas as áreas, utilizando esta noção como arma para
dominação. Diz explicitamente: é necessário saber pensar o espaço, para saber nele se
organizar, para saber nele combater.”
328
A Geografia Crítica tem suas raízes na ala mais progressista da Geografia Regional
francesa. Jean Dresch foi um dos autores que dedicou-se a construção de um discurso
político-crítico. Esta ala foi progressivamente assumindo as discussões acerca do papel dos
processos econômicos e sociais e o direcionamento na organização do espaço.
Uma das manifestações claras dessa renovação crítica pode ser considerada a
proposta da Geografia Ativa, a qual marcou toda uma geração. Esta proposta veicula um
ideal humanista, conseguindo expressão política, em função de sua potencialidade de
constatação e divulgação da manifestação espacial de problemas sociais. Daí a idéia
desenvolvida por alguns autores do espaço como base da vida social, e sua organização
como reflexo da vida econômica.
Um outro autor bastante conceituado é Pierre George. Este autor iria tentar uma
conciliação da metodologia de análise regional com o Materialismo Histórico. As tônicas
de seus trabalhos foram as relações de produção, as relações de trabalho, a ação do grande
capital, as forças produtivas, etc.
A Geografia Crítica também enfocou os estudos temáticos, notadamente aqueles
dedicados ao conhecimento das cidades. O contato com teorias de outras áreas do
328
LACOSTE, Yves. A geografia: isto serve antes de tudo para fazer a guerra. Campinas: Papirus, 1.989.
p. 189.
conhecimento possibilitou a aproximação com os trabalhos do sociólogo M. Castels
intitulado “A Questão Urbana”, bem como dos trabalhos do filósofo H. Lefebvre, “A
Produção do Espaço” e “Espaço e Política”. A Geografia foi ainda influenciada pelas
discussões entre espaço e poder oriundas de “Microfísica do Poder” de Michael
Foulcault
329
.
Em termos de uma concepção mais global da Geografia, devemos lembrar aqui os
trabalhos de Milton Santos, principalmente “Por uma Geografia Nova”. Nesta obra o autor
argumenta ser necessário discutir o espaço social, e entender a produção do espaço como
objeto. O espaço é concebido como um campo de forças cuja energia é a dinâmica social,
um produto da ação humana. Afirma ainda que o espaço é também um fator, pois é uma
acumulação de trabalho, uma incorporação de capital na superfície terrestre, que cria
formas duráveis, as quais denomina “rugosidades”. Estas criam imposições sobre a ação
presente da sociedade, constituindo uma “inércia dinâmica”, conceito que incorpora o
tempo na paisagem. Por esta razão, o espaço é também uma instância, no sentido de ser
uma estrutura fixa e, como tal, uma determinação que atua no movimento da totalidade
social. As formas espaciais são resultados de processos passados, mas são também
condições para processos futuros
330
.
Milton Santos argumenta que toda atividade produtiva dos homens implica numa
ação sobre a superfície terrestre, diz que produzir é produzir espaços. Afirma ainda que a
organização do espaço é determinada pela tecnologia, pela cultura e pela organização social
da sociedade.
329
MORAES. Op. cit., p. 120.
330
Ibidem, p. 122-123.
Vejamos a partir de agora alguns aspectos mais pontuais da teoria de um dos
maiores pensadores da Geografia. Nos deteremos nas concepções relativas à espacialidade,
visto que este é o tema de nosso interesse. Milton Santos define a paisagem como:
“Tudo aquilo que nós vemos, o que nossa
visão alcança, é a paisagem. Esta pode ser definida
como o domínio do visível, aquilo que a vista
abarca. Não é formada apenas de volumes, mas
também de cores, movimentos, odores, sons etc.”
331
O leitor mais atento pôde perceber o caráter meramente descritivo deste conceito
em Milton Santos. Em que pese o autor o tenha exposto com certa poética, este não
ultrapassa as concepções positivistas das escolas de Humboldt, Ritter e Ratzel.
Santos, referindo-se ao pensamento de A. Silva, diz que as categorias fundamentais
do conhecimento geográfico são espaço, lugar, área, região, território, habitat, paisagem e
população, as quais definem o objeto da Geografia. Milton acrescenta ainda que a categoria
que engloba todas as demais é o espaço
332
. Vejamos então as formas como este autor se
refere a este conceito, considerado central em sua obra.
“(...)Não é o espaço, portanto, como nas
definições clássicas da geografia, o resultado de
uma interação entre o homem e a natureza bruta,
nem sequer um amálgama formado pela sociedade
de hoje e o meio ambiente.”
333
331
SANTOS, Milton. Metamorfoses do espaço habitado. São Paulo: Hucitec, 1.994. p. 61.
332
Ibidem, p. 70-71.
333
Ibidem, p. 26.
O autor considera, neste momento, que a categoria espaço estaria além das
concepções anteriormente postuladas. Este deve ser pensado como produto da atividade
social e de suas relações de produção.
“O espaço deve ser considerado como um
conjunto indissociável de que participam, de um
lado, certo arranjo de objetos geográficos, objetos
naturais e objetos sociais, e, de outro, a vida que os
preenche e os anima, ou seja, a sociedade em
movimento.(...)”
334
Em um outro aspecto do conceito,
“O espaço reproduz a totalidade social na
medida em que essas transformações são
determinadas por necessidades sociais, econômicas
e políticas. Assim, o espaço reproduz-se, ele mesmo,
no interior da totalidade, quando evolui em função
do modo de produção e de seus momentos
sucessivos.(...)”
335
É possível perceber no trecho supracitado a estreita relação entre o pensamento de
Milton Santos com o Materialismo Histórico. Este conceito é pensado em nível da
superestrutura, buscando subsídios inclusive em elementos de uma economia
334
SANTOS, 1.994. Op cit., p. 26.
335
SANTOS, Milton. Espaço e sociedade. Petrópolis: Vozes, 1.979. p. 18.
globalizada. “Compreender uma região passa pelo entendimento do funcionamento da
economia ao nível mundial e seu rebatimento no território de uma País, com a
intermediação do Estado...”
336
.
“(...)Qualquer parte do Globo ganha nova
conotação, tornando-se cada vez mais aberta, mais
vulnerável às influências exógenas. As crescentes
relações com áreas cada vez mais distantes,
suprimem as veleidades de autonomia. Não há, pois,
como considerar uma região como autônoma.”
337
Em que pese Milton Santos seja um dos grandes teóricos do pensamento geográfico,
acreditamos não serem válidas suas concepções espaciais neste trabalho. Devemos
considerar que tais conceitos foram criados tendo em mente a explicação de fenômenos
históricos específicos. O autor preconizou em sua obra os fenômenos urbanos do terceiro
mundo, utilizando o Materialismo Histórico como subsídio teórico. Os conceitos foram
criados para explicar realidades contemporâneas, de um período pós-industrial, pós-1.945,
ainda no contexto da Guerra Fria e de um mundo que globalizava-se cada vez mais. Não
acreditamos ser possível transportar conceitos carregados destes significados para a história
pré-colonial indígena, uma vez que tais realidades diferenciam-se.
Veremos então, quais conceitos teóricos os arqueólogos utilizam para explicar tais
realidades passadas. Vejamos em que medida é possível estabelecer uma discussão
complementar entre as diferentes áreas do conhecimento enfocadas.
336
SANTOS, 1.994. Op. cit., p. 46.
337
Idem.
As informações obtidas a partir dos dados arqueológicos e etno-históricos indicam
que os Ceramistas Pré-coloniais do Litoral Norte possuíam uma organização espacial
diversificada dentro dos respectivos territórios de domínio. Portanto, nem todo o sítio
corresponderia ao espaço da aldeia ou do acampamento central, podendo estar relacionado
à acampamentos para atividades específicas. Desta forma, acreditamos que para
compreender a espacialidade e o Sistema de Assentamento destes grupos torna-se
necessário relacionar estes diferentes locais.
Tendo sido apresentado até o momento, nesta terceira parte do trabalho, os
diferentes modelos de ocupação do litoral, os padrões de assentamento dos grupos
Horticultores do Planalto e dos Horticultores Guaranis, passaremos agora a esboçar nosso
conceito de Sistema de Assentamento. Como dissemos no Capítulo IV, partiríamos dos
dados empíricos para em seguida apresentar um conceito teórico.
Na Europa, a Arqueologia foi inicialmente muito ligada às interfaces com a
distribuição espacial e as ligações com a Geografia foram muito estreitas. Em particular, as
escolas Austro-Germânicas da Antropogeografia do final do século XIX, desenvolveram
mapas e enumeraram atributos ordenadamente na tentativa de distinguir e explicar culturas
complexas, bem como estender tais abordagens no sentido de mapear e correlacionar
modelos de assentamentos com os diversos ambientes. Na virada do século as análises
comparativas dos diversos quadros então formados se tornaram referência na Arqueologia
européia
338
.
Explorando uma determinação meramente artefatual da Arqueologia, Gustaf
Kossina vai nomear seu trabalho de “Arqueologia dos Assentamentos”. Segundo Bruce
338
CLARKE, David. Spatial archaeology. New York: Academic Press, 1.977. p. 2.
Trigger, este termo não significaria um estudo arquitetônico dos assentamentos, mas sim a
determinação de áreas em que poderiam ter vivido diferentes grupos humanos
339
. Esta
iniciativa de identificar a dispersão dos grupos através da dispersão dos artefatos ficou
conhecida como a delimitação de áreas culturais.
Tal perspectiva introduz a idéia de não mais procurar apenas artefatos ou túmulos
megalíticos, mas sim áreas de ocupação na paisagem. Para José Alberione dos Reis,
“(...)Começa a aparecer na arqueologia um interesse que envolve pesquisa em termos
conceituais de paisagem e região.”
340
.
Os mesmos movimentos foram influenciar as “escolas” (tendências) de Arqueologia
britânicas (Anglo-saxônicas), nas quais foram ao encontro de tradições existentes de
relacionar os modelos de assentamento com as paisagens e a Geografia. Estas diversas
idéias foram combinadas e desenvolvidas por Crawford e Fleure, possuindo, este último,
formação em Geografia
341
.
Dentro da corrente inglesa sobressai a figura de Grahame Clark, arqueólogo de
orientação funcionalista que estimulou desenvolvimentos fundamentais na Arqueologia
inglesa. Desde a publicação de “Arqueologia e Sociedade” sustentou que o trabalho e a
pesquisa arqueológica deveriam buscar compreender como viviam os seres humanos no
passado
342
.
A abordagem norte-americana para a Arqueologia Espacial foi também influenciada
pela Antropogeografia de Ratzel, mas, desta vez, enfatizando a organização social e os
modelos de assentamento ao invés de artefatos e os aspectos restritos às distribuições
339
TRIGGER. Op. cit., p. 159.
340
REIS, JoA. Arqueologia dos buracos de bugre: uma pré-história do planalto meridional. Caxias do
Sul: EDUCS, 2.002. p. 80.
341
CLARKE. Op. cit., p. 2-3.
342
REIS, 2.002. Op. cit., p. 81.
geográficas dos sítios
343
. Em 1.881 Morgam publicou seus primeiros trabalhos, nos quais se
propõe a estudar vestígios habitacionais de grupos indígenas norte-americanos
argumentando que estas evidências refletem a organização social dos grupos que os
ocuparam. Nove anos mais tarde, 1.890, Mindeleff investiga o sudoeste americano.
Fazendo uso da analogia etnográfica, interpreta o aumento e crescimento dos assentamentos
a partir dos vestígios arqueológicos
344
.
No ano de 1.930, Julian Steward publicou importantes estudos acerca da
organização social de grupos indígenas norte-americanos, utilizando dados da pré-história
regional com o intuito de inferir sobre processos gerais de desenvolvimento
345
.
O referido autor foi um dos primeiros etnólogos norte-americanos que adaptou um
enfoque materialista explícito sobre o comportamento humano. Foi também, quem
reivindicou o papel desempenhado pelos fatores ecológicos na formação dos sistemas
sócio-culturais pré-históricos
346
.
Em contraste com as correntes evolucionistas que afirmavam que todas as
sociedades passaram por estágios similares de desenvolvimento cultural, Steward assumiu a
premissa de que certas culturas desenvolveram certas respostas adaptativas em certas
condições. Seu esforço foi desenvolver um método de reconstituir as diferentes formas que
as populações responderam às transformações em seus ambientes. Steward chamou o
estudo das mudanças ambientais e culturais de Ecologia Cultural
347
.
343
CLARKE. Op. cit., p. 3-4.
344
REIS, 2.002. Op. cit., p. 81.
345
Idem.
346
TRIGGER, Bruce. Historia del pensamiento arqueológico. Barcelona: Crítica, 1.992. p. 262.
347
FAGAN, Brian. In the beggining an introduction to archaeology. 3 Ed. Boston – Toronto: Little, Brown
and Company, 1.978. p. 43-44.
Para estudar diferentes culturas o autor propunha isolar e definir certas
características peculiares em cada cultura, um conjunto de traços característicos seria
denominado centro cultural (cultural core)
348
.
Ao contrário de Steward, Gordon Willey acreditava que os modelos de
assentamento refletiam o ambiente natural, o nível de tecnologia que possuíam as
populações e as variadas instituições de controle e interação social que cada cultura
mantinha. Não negou que os fatores ecológicos desempenhassem um papel importante na
formação dos padrões de assentamento, embora tenha observado que existem outros fatores
de natureza cultural e social que também estavam refletidos no registro arqueológico. Para
este autor, a grande vantagem dos modelos de assentamento sobre os artefatos era que,
enquanto os artefatos se achavam em contextos para os quais haviam sido dispostos, os
padrões de assentamento proporcionavam uma evidência direta das atividades humanas
349
.
Para Trigger, uma das principais conquistas do enfoque do pesquisador
anteriormente referido, foi que dentro do contexto da arqueologia dos assentamentos, os
sítios individuais deixaram de ser estudados em si mesmos ou considerados como
representativos de uma cultura ou de uma dada região. Ao contrário, passaram a ser vistos
como redes, nas quais cada sítio desempenhava um papel diferente e complementar
350
.
A proliferação da análise espacial em Arqueologia na América do Norte culminou
então, com a publicação dos estudos de “Prehistoric Settlement Patterns in the New World”
no ano de 1.956 por Willey. Esta perspectiva influenciou grande parte dos arqueólogos do
continente americano. Ao mesmo tempo, pesquisas relacionando modelos espaciais e
348
FAGAN. Op. cit., p. 44.
349
Ibidem, p. 264-266.
350
TRIGGER. Op. cit., p. 266-267.
organização social começaram a se desenvolver, introduzindo uma nova abordagem
analítica e variabilidade espacial nos dados arqueológicos. Entretanto, David Clarke
ressalta que na maioria destes estudos, os aspectos sociológicos, econômicos ou ecológicos
continuaram a preponderar
351
.
A ênfase dos trabalhos em arqueologia da paisagem ocorre mais no conjunto de
sítios arqueológicos e sua relação com a paisagem do que no estudo isolado de um sítio. O
presente trabalho se insere nesta perspectiva, procurando compreender as relações dos
Ceramistas Pré-coloniais do Litoral Norte do Rio Grande do Sul com o ambiente que os
cerca. Surge, neste momento, um outro ramo da Arqueologia Espacial, muito próximo da
abordagem da Arqueologia da Paisagem, a tendência ambiental. Marisa Afonso diz que esta
pode ser entendida como “...interessada tanto na reconstrução dos ambientes passados
quanto na elucidação do papel e significado das comunidades humanas dentro
deles.(...)”
352
José Luís Lanata chega a dizer que algumas formas de concepção da arqueologia da
paisagem “...não apresenta diferenças substanciais com a dos padrões de
assentamento.”
353
Neste momento, torna-se necessário definir o que os arqueólogos entendem por
assentamento. Para Chang, um assentamento pode ser definido como,
“Um assentamento arqueológico é o local
físico, ou agrupamento de locais, onde os membros
351
CLARKE. Op. cit., p. 3-4.
352
AFONSO, Marisa C. Teoria e método em arqueologia da paisagem. In: Arqueologia do Brasil
meridional e IX congresso da sociedade de arqueologia brasileira. Porto Alegre, PUCRS, 2.001, (CD-
ROM). p. 3.
353
“...no presenta diferencias substanciales con el de los patrones de asentamiento.” LANATA, José L. Los
componentes del paisaje arqueológico. In: Revista de Arqueologia Americana, n. 13, 1.997. p. 153.
de uma comunidade viveram, asseguraram sua
subsistência, e perseguiram suas funções sociais em
um determinado período de tempo.(...)”
354
o conceito de Padrão de Assentamento pode ser entendido como a distribuição
dos registros arqueológicos em determinada área geográfica, refletindo as relações das
comunidades do passado com o meio ambiente e as relações entre elas próprias no seu
contexto ambiental. Estratégias de subsistência, estruturas políticas e sociais e densidade da
população foram alguns dos fatores que influenciaram a distribuição do povoamento,
desenhando os padrões de assentamento
355
.
Nos anos finais da década de 1.960 começam a ser introduzido na Arqueologia
alguns enfoques oriundos das ciências exatas como a informática e cibernética. A principal
noção absorvida foi o conceito de sistema.
Para Brian Fagan a ingestão deste novo elemento pretendia criar uma atmosfera de
maior cientificidade na Arqueologia, sendo influenciada também por dois filósofos da
ciência: Thomas Kuhn e Carl Hempel. A teoria dos sistemas foi incorporada como uma
forma sobrepujar as simples explicações evolucionistas unilineares. Os arqueólogos
passaram a considerar as delicadas e complexas relações entre as sociedades humanas e as
constantes transformações ambientais. Uma abordagem sistêmica considera a cultura
humana como complexos sistemas de elementos que interagem entre si e com os sistemas
ecológicos, dos quais fazem parte
356
.
354
“An archaeological settlemente is the physical locale or cluster of locales where the members of a
community lived, ensured their subsistence, an persued their social functions in a delineable time period.(...)”
CHANG, K. C. Settlement archaeology. Palo Alto: National Press Books, 1.968. p. 3.
355
MORAIS, José L. Tópicos de arqueologia da paisagem. Revista do Museu de Arqueologia e Etnologia,
São Paulo, n. 10, 2.000. p. 10-11.
356
FAGAN. Op. cit., p. 77.
De acordo com Colin Renfrew & Paul Bahn, tal conceito deve ser entendido como
um conjunto de outros sistemas, os quais são chamados de subsistemas. Cada subsistema
reflete o sistema a que pertence e, ao mesmo tempo, o complementa, constituindo o
fenômeno da retroalimentação
357
.
Kent Flannery utilizou o conceito de sistema para caracterizar o início da agricultura
na Mesoamérica, onde procurou aplicar uma análise ecosistêmica. O entendimento do
pesquisador acerca do conceito de sistema pode ser explicitada como,
“(...)O homem das terras meridionais do
México será enfocado como um complexo sistema
particular composto de muitos subsistemas que se
influenciam mutuamente ao longo de um período de
sete mil anos...”
358
No início da década de 1.980 um outro pesquisador utilizou os enfoques sistêmicos,
ainda com o intuito de compreender as relações do homem com o espaço que os circunda.
Karl Butzer publica “Archaeolgy as Human Ecology: method and theory for a contextual
approach” no ano de 1.980. Para este autor, conceitos como biosfera são entendidos de
acordo com as interações entre todos os sistemas orgânicos e inorgânicos existentes na
Terra, os quais podem possuir infinitos subsistemas. Os biomas, conseqüentemente, são
descritos como aquelas regiões nas quais distintas plantas ou grupos de animais vivem em
357
RENFREW & BAHN. Op. cit., p. 441-442.
358
“Man of the Southern Highlands of Mexico will be viewed as a single complex sistem, composed of many
subsistems which mutually influenced each other over a period of over seven millenia...” FLANNERY, Kent.
Archaeological systems theory and early mesoamerica. In: JENNINGS, Jesse & HOEBEL, Adamson.
Readings in Anthropology. 3 Ed. New York: McGraw-Hill Book Company, 1975. p. 386.
harmonia recíproca e com o meio
359
. Dessa forma, o autor entende que as populações
humanas devem ser entendidas enquanto sistemas integrados aos biomas.
As pesquisas quanto à relação homem-espaço nas décadas de 1.960 e 1.970 são
marcadas por uma revisão crítica na Arqueologia americana com relação aos limites do
conceito de Padrão de Assentamento, sendo substituído pela noção de Sistema de
Assentamento. De acordo com esta, os estudos de padrões de assentamento observariam as
relações entre um grupo e o ambiente. o conceito de sistema de assentamento permitiria
compreender a relação funcional entre um grupo de sítios, associado ao Padrão de
Assentamento de uma mesma cultura
360
.
Neste sentido, a noção de Sistema de Assentamento fica circunscrita ao conceito de
Padrão de Assentamento, sendo compreendido de forma mais ampla.
O conceito de Sistema de Assentamento pressupõe que os sítios de distribuem
intencionalmente no espaço em função dos contextos ambientais e sociais, não podendo ser
compreendidos isoladamente
361
.
Devemos atentar para o fato de que os vocábulos e expressões Padrão Assentamento
e análise espacial não correspondem aos mesmos conceitos. Ambos são instrumentos
teóricos para análises arqueológicas, entretanto, possuem propósitos distintos.
Análise espacial em arqueologia recorreu a muitos conceitos da Geografia e
Ecologia, os quais permitem acessar os significados da distribuição dos sítios ou dos
359
BUTZER, Karl. Archaeolgy as Human Ecology: method and theory for a contextual approach.
Cambridge: Cambridge University Press, 1.982. p. 14-16.
360
DIAS, Adriana S. Sistemas de assentamento e estilo tecnológico: uma proposta interpretativa para a
ocupação pré-colonial do alto vale do rio dos sinos, Rio Grande do Sul. São Paulo, Museu de Arqueologia
e Etnologia da Universidade de São Paulo, 2.003. (Tese de Doutorado). p. 31.
361
DIAS, 2.003. Op. cit., p. 31-32.
artefatos em uma dada região
362
. David Clarke, por exemplo, define a análise espacial em
Arqueologia como,
“...a recuperação de informação através das
relações espaciais e do estudo das conseqüências
espaciais dos padrões de atividade do homem do
passado dentro e entre traços e estruturas e suas
articulações dentro dos sítios, sistemas de sítios e
seus ambientes: o estudo do fluxo e da integração
das atividades dentro e entre as estruturas, sítios e
recursos das escalas micro, semi-micro e macro.
Arqueologia espacial trata, portanto,com atividades
humanas de qualquer escala, traços e artefatos
deixados por elas, a infra-estrutura física que a
acomodou, os ambientes e a interação entre todos
estes aspectos. Arqueologia espacial trata de um
conjunto de elementos e relações.”
363
O autor afirma ainda que os elementos envolvidos são materiais brutos, artefatos,
traços, estruturas, sítios, rotas, áreas de recursos, bem como a população responsável pela
ordenação de tais registros. Os sítios selecionados para a pesquisa espacial não devem ser
362
FAGAN. Op. cit., p. 444.
363
“...the retrieval of information from archaeological spatial relationships and the study of the spatial
concequences of former hominid activity patterns within and between features and structures and their
articulation within sites, site systems and their environments: the study of the flow and integration of
activities within and between structures, sites and resource spaces from the micro to the semi-micro and
macro scales of aggregation... Spatial archaeology deals, therefore, with human activities at every scale, the
traces and artefacts left by them, the physical infrastructure which accommodated them, the environments
that they impinged upon and the interaction between all these aspects. Spatial archaeology deals with a set of
elements and relationships.” CLARKE. Op. cit., p. 9.
limitados aos assentamentos, sítios cemitérios, abrigos rochosos etc. “...arqueologia
espacial, portanto, engloba, mas não é sinônimo de arqueologia de assentamentos.(...)”
364
Clarke definiu então, três níveis de análise espacial: macro, semi-micro e micro.
Acrescente ainda que cada nível oportunizaria um tipo diferente de informação. O nível
macro é entendido pelo autor como regional, sendo que os fatores econômicos estariam
mais evidenciados do que os sociais e culturais. O nível semi-micro corresponderia ao
espaço intra-sítio, no qual fatores sociais e culturais estariam mais evidenciados ou
equiparados aos econômicos. Finalmente, o nível micro corresponderia às estruturas dentro
dos sítios arqueológicos, por exemplo como casas, sepultamentos ou mesmo áreas de
atividades específicas. Neste caso, os fatores particulares, individuais e culturais se
sobreporiam aos demais
365
.
Utilizaremos neste trabalho a categoria Nível Macro estabelecida por Clarke, pois
pretendemos compreender as relações entre os sítios arqueológicos dos grupos Ceramistas
Pré-coloniais do Litoral Norte englobando toda a região. Em que pese consideremos de
fundamental importância uma análise de âmbito contextual
366
, não a poderemos abordar
aqui, visto que não possuímos resultados de escavações em grandes áreas que viabilizem
tais interpretações. Tais relações ficam registradas aqui como propostas para pesquisas
futuras.
Carbonell e colaboradores elaboraram um modelo de análise regional baseado em
uma idéia de organização social e atividade produtiva associada. Desta forma elaboraram o
364
“...spatial archaeology, therefore, englobs but is not synonymous with settlement archaeology.(...)”
CLARKE. Op. cit., p.9.
365
Ibidem, p. 11-15.
366
A perspectiva contextual propõe que cada vestígio arqueológico é plenamente compreendido a partir da
sua inter-relação com os demais que compõe o conjunto, denominado por Schiffer como contexto
arqueológico. Este só pode ser generalizado partir do contexto sistêmico, que consiste em um sistema cultural
ou comportamental em que os elementos materiais participam e se inserem.
conceito de Centro de Intervanção C.I., compreendendo o espaço em que um grupo
ocuparia para então reproduzir sua organização social. O que caracterizaria um C.I seria os
elementos que refletiriam as atividades básicas das estratégias de exploração do ambiente.
Estas características observáveis diferenciaria este C.I. dos demais. Os C.I. teriam
associados os Centros de Intervenção Complementares C.I.C., locais em que se
executariam atividades monofuncionais (diferente do C.I. que possuiria atividades
plurifuncionais). Exemplos de C.I.C. seriam áreas de caça, locais para obtenção de
matérias-primas, locais especializados na produção tecnológica, e destacam que estes sítios
se caracterizariam por uma ausência de ordenação entre seus elementos constituintes
367
.
Existem ainda os modelos ecológicos elaborados por Ian Hodder e Clive Orton
368
,
cuja análise se baseia em uma definição operativa do território de exploração ou captação
de recursos, de um determinado sítio, tendo como ambição última a construção de teorias
gerais do comportamento humano no passado, com uma característica essencialmente
técnico-econômica. Os autores propõem neste modelo que o assentamento ficaria no centro
e várias áreas de captação de recursos distribuídas radialmente no seu entorno, concebendo-
se assim uma idéia de economia radial.
Os sítios dos Horticultores do Planalto que se encontram no litoral não se encaixam
neste tipo de modelo interpretativo, pois se caracterizam pela grande distância existente dos
acampamentos principais, os quais se encontram no alto do planalto. Ocorre ainda, que são
367
CARBONELL, E. et all. Conceptos básicos en el análisis espacial. Apud. ASSIS, Valéria S. Da
espacialidade tupinambá. Porto Alegre, Faculdade de Filisofia e Ciências Humanas, Programa de Pós-
graduação em História da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, 1996. (Dissertação de
Mestrado). p. 16.
368
HODDER, Ian & ORTON, Clive. Análisis espacial en arqueología. Barcelona: Crítica, 1.990. 295 p.
explorados intensivamente em determinadas épocas do ano, para em seguida serem
abandonados até a próxima primavera.
Ao analisarmos a distribuição dos sítios dos Horticultores Guaranis, vemos que as
possíveis áreas de captação de recursos estão distribuídas radialmente formando um
território de domínio circular para as aldeias. O assentamento principal do tekohá ficaria a
uma distância de no máximo um dia de caminhada dos acampamentos para fins específicos
(roças, pesca, etc.). Nas palavras de Francisco Noelli, O raio médio de ação de 50km a
partir do sítio do Arroio do Conde foi aqui estabelecido a partir das atividades de
subsistência e coleta de matérias primas...”
369
.
Valéria Assis alerta para o fato de este modelo pressupor uma equivalência entre as
áreas ocupadas pelos acampamentos centrais e os demais. Como os modelos radiais acima
citados possuem uma base hipotética muito acentuada, apoiada em conceitos e proposições
da biologia e ecologia, o mesmo deve ser pensado como uma interpretação aproximada da
espacialidade pré-histórica. Caso contrário, afirma autora, o pesquisador arrisca-se a sérios
equívocos de interpretação, por vezes demasiadamente biologizantes ou economicistas
370
.
Martínez & Zapatero chegam dizer que esta análise reduz o homem pré-histórico a ...um
estômago bípede que ingere qualquer coisa comestível em um raio de uma hora de seu
assentamento”
371
.
Acreditamos que considerar as adaptações humanas equivalentes às peregrinações
da fauna em busca de alimentos é uma perspectiva bastante limitante. O homo sapiens do
passado adaptou-se de forma igualmente inteligente às condições ecológicas de seu mundo.
369
NOELLI. Op. cit., p. 112.
370
ASSIS. Op. cit., p. 16.
371
“un ‘estómago bípedo’ que ingiere cualquier cosa comestible en el radio de una hora de su
asentamiento”MARTÍNEZ & ZAPATERO. Apud ASSIS. Op. cit., p. 16-17.
Certamente não foram eles, e não somos nós, meros estômagos ambulantes. A enorme
quantidade de invenções tecnológicas, míticas ou religiosas denotadas pelos arqueólogos
mostra um homem altamente especializado e manipulador do meio em que vive. Mas
devemos considerar que a busca por alimento tenha sido o alvo principal de tais adaptações.
Lewis Binford realizou pesquisas de análise espacial junto a populações caçadoras-
coletoras atuais que são transpostas para a interpretação do passado. Procurou não apenas
abordar o uso do espaço no interior dos sítios, mas também entender o sítio como um
elemento no espaço que faz parte de uma unidade maior, a qual agrega vários outros sítios.
Nas palavras do autor,
“(...)Minha teoria, ao contrário, gira em
torno da idéia de que cada assentamento, o uso do
espaço e tecnologia desenvolvidos pelo homem
musteriense são uma resposta específica a umas
circunstâncias concretas. Em outras palavras,
vislumbrava um sistema cultural no qual tiveram
lugar diferentes atividades em espaços distintos.
Ademais, acreditava que a tecnologia empregada na
elaboração de utensílios era suficientemente flexível
para poder enfrentar as variações locais das
demandas...”
372
372
“(...)Mi teoria, en cambio, gira en torno a la idea de que en cada yacimiento, el uso del espacio y
tecnología desarrollados por el hombre musteriense son una respuesta específica a unas circunstancias
concretas. En otras palabras, vislunbraba un sistema cultural en el que tuvieron lugar diferentes actividades en
espacios distintos. Además, creía que la tecnología empleada en la elaboración de utensílios era lo
suficientemente flexible como para poder enfrentarse a variaciones locales en la demanda...” BINFORD,
Lewis. En busca del pasado. Barcelona: Crítica, 1.988. p. 117.
O leitor mais atento deve estar se perguntando: em que medida é possível comparar
os grupos etnografados por Binford com os Horticultores do Planalto e os Horticultores
Guaranis? Temos consciência de que os grupos estudados por nós não são caçadores-
coletores, nem possuem uma proximidade cultural com os Nunamiut estudados por
Binford. Acreditamos que apenas algumas inferências e conceitualizações deste autor
podem ser utilizadas aqui.
Binford apresenta em “En Busca del Passado” os conceitos de Atividade e Área de
Atividade, os quais acreditamos ser úteis neste trabalho. “(...)Uma atividade é uma série de
tarefas integradas que se executam geralmente em uma seqüência temporal e de maneira
ininterrupta. É sabido que tarefas idênticas podem formar atividades distintas...”
373
Um segundo conceito que acreditamos ser válido para nós é o de Área de Atividade.
Este encontra-se imbricado com o conceito anteriormente exposto, o qual é entendido como
“...lugares ou superfícies onde ocorreram
atividades tecnológicas, sociais e rituais. É fácil
imaginar atividades que requerem o emprego de
diversos conjuntos de ferramentas e, o inverso,
diferentes atividades que reúnem um ou mais
conjuntos de ferramentas idênticas.(...)”
374
373
“(...)Una actividad es una serie de tareas integradas que se ejecutan generalmente en una secuencia
temporal y de manera ininterrumpida. Es sabido que tareas idénticas pueden formar actividades distintas...”
BINFORD. Op. cit., p. 158.
374
“...lugares o superficies donde tienen lugar actividades tecnológicas, sociales o rituales. Es fácil
imaginar actividades que requieren el empleo de diversos equipos de herramientas y, a la inversa, diferentes
actividades que reúnen uno o más equipos de herramientas idénticos.(...)” Ibidem, p. 159.
O Sistema de Assentamento envolve a relação do grupo com o meio que o circunda,
bem como a relação entre os sítios arqueológicos envolvidos. A localização do sítio, as
fontes de exploração de recursos, os vestígios da cultura material, bem como a diversidade
e a relação entre os sítios envolvidos, estão circunscritas na relação dos diferentes grupos
com o meio. Acreditamos que os quatro elementos enumerados acima estão imbricados.
Acreditamos que a escolha do local para o estabelecimento das aldeias ou mesmo
para os sítios de atividades específicas é intencional. Nesta perspectiva, as localizações dos
sítios dentro do ambiente, e em relação com as fontes de exploração de recursos, são
fundamentais para a compreensão do Sistema de Assentamento de um grupo humano.
Fontes de exploração de recursos são entendidas por nós como aquelas áreas em que
as populações pré-coloniais puderam extrair sua subsistência. Tal subsistência não é
entendida apenas como aquelas áreas que proveram os grupos de alimentação: caça, coleta,
pesca ou plantio. A subsistência engloba também as áreas de captação de matérias primas
para o desenvolvimento das tecnologias líticas e cerâmicas, uma vez que estes instrumentos
estão relacionados às atividades de caça, coleta, pesca, plantio, cocção dos alimentos,
ingestão dos mesmos, bem como seu armazenamento. Os vestígios da cultura material estão
então, diretamente relacionados à exploração dos ambientes que circundam os sítios
arqueológicos.
A diversidade dos sítios é entendida aqui como relativa às diferentes fontes de
exploração de recursos utilizadas pelos grupos Ceramistas Pré-coloniais no Litoral Norte. A
relação entre os diferentes sítios está ligada às diferentes localizações das fontes de
recursos, as quais exigem atividades específicas.
Os quatro elementos descritos acima estão imbricados, relacionando-se entre si e
complementando-se. Acreditamos ser necessário compreender o Sistema de Assentamento
dos sítios arqueológicos como o conjunto inter-relacionado dos elementos referidos:
localização do sítio, as fontes de exploração de recursos, os vestígios da cultura material,
bem como a diversidade e a relação entre os sítios envolvidos.
Entretanto, temos consciência que esta perspectiva possui respaldo em
interpretações postuladas anteriormente. Brian Fagan considera que os estudos dos
padrões de assentamento e das culturas arqueológicas devem ser abordados conjuntamente,
sendo que a noção de espaço não pode ser apartada das diversos fatores que determinam o
padrão de assentamento
375
. É neste momento que acreditamos ser mais eficaz o conceito de
Sistema de Assentamento, visto que este aborda as relações sítio-sítio.
A noção da interação dos quatro aspectos referidos acima aproxima-se da
compreensão de espaço geográfico defendida por Vidal de La Blache e Max Sorre, as quais
referimos nas páginas iniciais de deste capítulo. Se do ponto de vista da Geografia, a nossa
percepção do espaço tange a estes autores, no ponto de vista da Arqueologia aproximamo-
nos da Ecologia Cultural de Julian Steward, a qual entendia o espaço como o lugar onde se
dava a interação do homem com o meio, e como as culturas se transformavam em função
dos ambientes ocupados. Acreditamos que as concepções da interação das populações
Ceramistas Pré-coloniais do Litoral Norte do Rio Grande do Sul devam, inclusive, ser
compreendidas como integrantes dos biomas a que pertenceram. Os sistemas das
comunidades animais e vegetais certamente foram alvo dos caçadores do passado, tenham
sido eles guaranis, caçadores-coletores do pampa, sambaquieiros, das matas das encostas da
serra ou mesmo dos grupos do alto do Planalto Meridional. O conhecimento dos sistemas
de deslocamento e subsistência das comunidades naturais, certamente foram determinantes
375
FAGAN. Op. cit., p. 86.
para a eficácia da exploração dos variados ambientes, pelos diversos grupos de caçadores
pré-coloniais.
Capítulo VIII
Ceramistas Pré-coloniais no Litoral Norte
O presente capítulo tem por objetivo esboçar o sistema de ocupação dos grupos
Ceramistas Pré-coloniais no Litoral Norte do Rio Grande do Sul. Serão apresentados de
forma esquemática os dados referentes a alguns sítios arqueológicos localizados na Planície
Costeira. Os sítios dos grupos Horticultores do Planalto e dos Horticultores Guaranis estão
situados em áreas diferenciadas, explorando nichos ecológicos distintos. Serão
apresentados inicialmente os dados referentes às pesquisas efetuadas por arqueólogos na
região em questão, para em seguida, apresentar os dados oriundos das pesquisas de
Arqueologia em obras de engenharia
376
.
Eurico Theófilo Miller, em meados da década de 1.960, efetuou levantamento de
sítios arqueológicos na Planície Costeira. Localizou diversos sítios junto às lagoas
litorâneas, encontrando ocupações de caçadores-coletores e dos Ceramistas Pré-coloniais.
As pesquisas se concentraram no sopé do contraforte da Serra Geral e nas desembocaduras
dos rios que descem da mesma. Os sítios dos grupos planaltinos estão caracterizados
principalmente nas áreas mais elevadas, bem como na encosta escarpada. Já os sítios dos
Horticultores Guaranis estão localizados nos vales dos rios que sulcam os paredões
rochosos e se estendem até a faixa arenosa.
376
Designação adotada por Gislene Monticelli em detrimento ao já disseminado termo Arqueologia de
contrato. MONTICELLI, Gislene. Alguns problemas e perspectivas na pesquisa em arqueologia em obras de
engenharia. In: Revista do CEPA, Santa Cruz do Sul, v. 26, n. 35/36, jan/dez, 2.002. p. 106.
Os resultados daquelas pesquisas encontram-se publicados nos Resultados
Preliminares do Primeiro Ano do Programa Nacional de Pesquisas Arqueológicas
377
. O
autor identificou três fases atribuídas a grupos ceramistas, sendo duas de tradição
Tupiguarani (Horticultores Guaranis) e uma de tradição Taquara (Horticultores do
Planalto).
A fase Taquara refere-se aos sítios dos grupos Horticultores do Planalto encontrados
por Miller. Quanto a estes, caracterizam-se como sítios localizados tanto no alto do
planalto, como na encosta do mesmo, junto aos rios dos Sinos e Maquiné. Alguns sítios
foram encontrados na planície litorânea. “(...)No planalto esta fase é encontrada tanto em
sítios de campo aberto como em suas casas subterrâneas...”
378
.
“Sôbre a encosta da serra, encontramos
sítios desta fase nos patamares escalonados. Junto
aos rios, êstes tios ocupam o tôpo de pequenas
elevações e se constituem nos maiores sítios desta
fase, atingindo até 4000 m2.”
379
A cerâmica encontrada nos sítios e analisada em laboratório divide-se em decorada
e não decorada. A decorada é plástica, obtida por meio de ponteado, ponteado-arrastado,
inciso, ungulado horizontal e vertical, ungulado secante em linha, ungulado tangente em
linha, pinçado, denteado e acordelado. Os recipientes não decorados são menos numerosos
e alisados regularmente. Em alguns cacos, percebe-se um brunido em faixas horizontais. A
377
MILLER, Eurico T. Pesquisas arqueológicas efetuadas no nordeste do Rio Grande do Sul In: Programa
nacional de pesquisas arqueológicas resultados preliminares do primeiro ano 1.965-1.966. Belém,
Museu Paraense Emílio Goeldi, publicações avulsas n. 6, 1.967. p. 15-38.
378
MILLER, 1.967. Op. cit., p. 19.
379
Ibidem. p. 20.
forma dos recipientes decorados plasticamente é simples, variando entre a cônica e
cilíndrica, sendo todas de fundo arredondado. As dimensões máximas são sempre verticais,
não ultrapassando 35 centímetros. A forma globular foi encontrada em casas
subterrâneas e em sítios próximos à orla marinha. A forma dos recipientes não decorados é
distinta dos decorados, isto é, assumem a forma cilíndrica alongada, forma de tigela com
base plana e arredondada
380
.
Os sítios dos Horticultores Guaranis são caracterizados por duas fases distintas:
Maquiné e Paranhana.
Os sítios da fase Maquiné localizam-se no topo das coxilhas e morros, sendo raro
encontrá-los nos patamares da encosta da serra, acima de 600 metros de altitude. Na zona
litorânea são encontrados entre os lagos e no alto dos terrenos arenosos
381
.
“Os sítios são de habitação em campo
aberto e de dimensões regulares, atingindo, não
raro, a 5000 m2. O refugo atinge normalmente a 30
cm de espessura. Nos tios próximos à orla
marítima é comum o refugo atingir até 50 cm,
devido ao acúmulo de areia durante a época de
ocupação. Em alguns, o refugo está coberto por
uma camada estéril de 15 a 20 cm de espessura,
com refugo de apenas 10 cm. Isto ocorre em sítios
da área lagunar litorânea. As manchas de terra
escura contam-se de duas a oito por sítio, sendo de
forma circular ou elíptica e com dimensões que vão
de 4 a 20 cm. Dentro dessas manchas
380
MILLER, 1.967. Op. cit., p. 20.
381
Ibidem, p. 21.
freqüentemente são encontradas lentes de carvão
próximas entre si. Presumem-se que estas manchas
sejam o antigo chão das casas, porém não
encontramos sinais de estacas.”
382
O autor indica ainda que os mortos eram enterrados nos sítios-habitações, em urnas
pequenas ou grandes, podendo ser pintadas ou decoradas plasticamente. No sítio RS-LN-35
(Miller) foi escavada uma urna funerária corrugada.
Os artefatos cerâmicos consistem em recipientes decorados e não decorados. Os
primeiros abrangem a maioria, desdobrando-se em pintada e plástica, predominando a
última. O método de manufatura é o roletado. A decoração pintada aparece com linhas
pretas e vermelhas sobre branco, cobrindo a região do ombro até a parte interna do lábio. A
pintura interna cobre a superfície totalmente. Existem alguns casos de pintura intera e
externa concomitantes. Alguns apresentam um engôbo vermelho em uma ou em ambas as
faces, sendo de pequenas dimensões e de tipo tigela. A decoração plástica abrange o
corrugado, corrugado ungulado, ungulado e o escovado. Miller afirma ainda que estas
técnicas são empregadas em vasos de todas as formas e tamanhos
383
.
Os Artefatos líticos consistem em machados polidos, mãos-de-pilão, alisadores em
arenito, percutores, quebra-côcos, afiadores em canaleta de arenito e raras pontas de projétil
em pedra lascada
384
.
Os sítios da fase Paranhana localizam-se nas terras baixas e arenosas e no topo das
colinas que cercam o vale do rio dos Sinos. Evitam terrenos altos e aparecem geralmente
382
Idem.
383
MILLER, 1.967. Op. cit., p. 21-22.
384
Ibidem. p. 22.
em terrenos úmidos, cercados por banhados e próximos a arroios. As manchas de terra
escura se distribuem em círculo
385
. Os artefatos cerâmicos,
“(...)Compõe-se de recipientes decorados e
não decorados. Os primeiros abrangem a maioria,
desdobrando-se em pintada e plástica,
predominando a última.(...) A decoração pintada,
percentualmente inferior à fase Maquiné, é do tipo
policromo, com linhas vermelhas sôbre engôbo
branco, cobrindo a região do ombro até a parte
interna do lábio... Alguns apresentam engôbo
vermelho. A decoração plástica abrange os mesmos
tipos da fase Maquiné, porém são menos e de
menores proporções. Surge em percentagem elevada
a cerâmica simplesmente escovada e escovado-
corrugado... As formas são semelhantes, porém,
menores que as da fase Maquiné.”
386
No ano de 1.958 Pedro Ignácio Schmitz realizou pesquisas arqueológicas em dois
sítios do Litoral Norte do Rio Grande do Sul. O autor os denomina “paradeiros guaranis” e
apresenta os resultados das análises das coleções referentes.
Os dois assentamentos situam-se em meio a um sistema de dunas móveis ligadas a
uma cadeia de lagoas. No primeiro “paradeiro”, a superfície exposta pela ação eólica atinge
50 metros de comprimento por 30 metros de largura, ocupando uma área de 1.500 metros
385
Idem.
386
MILLER, 1.967. Op. cit., p. 22-23.
quadrados. A camada arqueológica exposta apresenta-se “coberta de fragmentos de
cerâmica, de mistura com material lítico, restos de conchas e indícios de carvão.(...)”
387
.
O segundo sítio situava-se em um capão de mato invadido pelas dunas. A superfície
exposta sob as dunas é de 50 metros de comprimento por 5 metros de largura, atingindo
250 metros quadrados, o que não constitui a área total do sítio. O autor refere-se à
existência de um pequeno núcleo conchífero muito semelhante ao dos sambaquis, mas com
material cerâmico.
“O material de ambos os sítios é idêntico,
razão por que o tomaremos em seu conjunto...
grande quantidade de cerâmica de vários tipos,
algumas dezenas de pontas de flechas, dois
machados polidos, regular número de machados
lascados prontos ou em preparo, simples lascas
aproveitadas como machados ou facas, uma bola de
charrua, extraordinária quantidade de pedras de
fiar, alisadores de cerâmica, afiadores, percussores,
um tembetá de quartzo cristalino, três contas
grandes de barro cozido, dois cachimbos do mesmo
material, três contas de vidro de origem européia,
uma lamela de obre perfurada para ornato, cleos
residuais de pedra, lascas de todos os tipos...”
388
O autor refere-se pela primeira vez ao material cerâmico dos grupos Horticultores
do Planalto, sem saber, ao certo, o que representava, devido ao ineditismo do achado. Foi
387
SCHMITZ, 1.958. Op. cit., p. 114.
388
SCHMITZ, 1.958. Op. cit., p. 115.
descoberto, nesta coleção, um fragmento de cerâmica com uma asa simples. Entretanto, não
há informações que definam se o fragmento é pré-colonial ou mais recente.
Schmitz nos alguns indicativos de como o material cerâmico planaltino teria
surgido nestes “paradeiros guaranis”. “(...)Como observamos, aparece ocasionalmente
nos paradeiros guaranis, podendo ter sido trazido por comércio, por contaminação ou
aculturação...”
389
.
Em que pese não seja possível deduzir a localização exata dos sítios, Maria
Scatamacchia localiza estas ocupações nas proximidades das lagoas dos Quadros e
Itapeva
390
.
Os sítios arqueológicos referidos por Schmitz parecem dizer respeito a re-ocupações
da área, visto que existem pontas de flechas e bolas de boleadeira, relacionadas aos
Caçadores-pescadores das Zonas de Paisagens Abertas
391
, fragmentos de cerâmica
associadas ao concheiro, relacionadas aos Horticultores do Planalto e finalmente a
ocupação dos Horticultores Guaranis.
Em texto publicado no ano de 1.967 sob o título de “Arqueologia no Rio Grande do
Sul”
392
, Pedro Schmitz correlaciona o material cerâmico das coleções provenientes do
Litoral Norte.
O autor afirma ser possível distinguir algumas diferenças entre os recipientes
provenientes dos municípios de Osório e Torres. As diferenças são basicamente
circunscritas ao âmbito da pasta e antiplástico. Não nos deteremos nestes aspectos pois
389
Ibidem, p. 118.
390
SCATAMACCHIA. Op. cit., p. 70-71.
391
Denominação atribuída por Arno Kern. KERN, 1.994. Op. cit., p. 63.
392
SCHMITZ, Pedro I. Arqueologia no Rio Grande do Sul. Pesquisas, antropologia n. 16, São Leopoldo,
Instituto Anchietano de Pesquisas, 1.967. 58 p.
julgamos estarem muito mais relacionados aos pontos de captação de matérias primas para
a confecção destes artefatos, do que relacionados a um fator de opção cultural.
Entretanto, pelo tratamento de superfície externa dos recipientes, nos 781 cacos
analisados, foram registrados 151 fragmentos de tratamento simples, 239 fragmentos
ungulados, 219 beliscados e 172 impressos
393
.
O tratamento simples (alisado) apresenta algumas variantes. Uma borda diferente no
planalto e uma parede mais fletida no litoral de Torres. A cerâmica ungulada se caracteriza
pelas ungulações em linhas paralelas à borda, formadas com a impressão da borda da unha
em sentido horizontal; estas linhas costumam ser fechadas junto da borda às vezes também
junto da base por uma faixa do tipo beliscado. A cerâmica beliscada se caracteriza por
impressões, que geralmente cobrem toda a parede externa, normalmente em forma de
barras horizontais, e formada de uma pequena saliência ladeada por dois aprofundamentos
produzidos pela junção do polegar e do indicados em forma de um beliscão, mais ou menos
forte. O tratamento impresso é o menos uniforme. A impressão mais comum é a de pontas
de diversos formatos, sendo menos freqüente as impressões circulares ou semi-lunares
394
.
Os sítios arqueológicos que serão apresentados a seguir foram localizados durante
os trabalhos de salvamento arqueológico realizados em função da duplicação Rodovia BR-
101
395
. Os resultados foram publicados no relatório final das atividades
396
, e serão
utilizados a partir de agora. A seqüência de apresentação dos sítios respeitará o traçado da
393
SHMITZ, 1.967. Op. cit., p. 8.
394
SHMITZ, 1.967. Op. cit., p. 8.
395
A equipe executora dos trabalhos foi coordenada por Gislene Monticelli, tendo como demais integrantes
Klaus Hilbert, Júnior Domiks, Gustavo Wagner, Ângela Cappelletti.
396
MONTICELLI, Gislene. et. all. Pesquisa Arqueológica em áreas afetadas pelas obras de duplicação da
rodovia BR 101: municípios de Torres a Osório, Rio Grande do Sul. Vol I, II e III. Porto Alegre, MCT,
2.003. (Relatório Final das atividades). 742 p.
Rodovia, começando pelo quilômetro zero, em Torres, e seguindo em direção ao sul,
terminando em Osório.
O primeiro sítio a ser apresentado foi denominado Família Machado, recebendo o
número de catálogo BAM06
397
. A equipe realizou, neste tio, coletas superficiais
assistemáticas e estabeleceu linhas de tradagens. Foram escavadas diversas quadrículas,
correspondendo à maior área escavada no referido projeto, na qual foi evidenciada a
camada de ocupação parcialmente preservada. Um mapa contendo a localização deste sítio
pode ser encontrado no anexo 4. A localização obtida via GPS aponta E 0618750 N
6755749.
Este sítio possui 40 metros de comprimento por 30 metros de largura. A área total é
de 1.200 metros quadrados, sendo considerado um sítio de dimensões médias.
Para classificar os sítios quanto às suas dimensões utilizamos as determinações de
José Proenza Brochado. Segundo este pesquisador, os sítios pequenos possuem menos de
1.000 metros quadrados, os médios ficam entre 1.000 e 5.000 metros quadrados, os grandes
possuem entre 5.000 e 20.000 metros quadrados e, finalmente, os que possuem de 20.000
até 50.000 metros quadrados podem ser considerados sítios muito grandes
398
.
No que tange ao material tico do BAM06, foram encontradas, 58 peças sendo, 33
blocos (naturais), 9 termóforos, 5 detritos, 3 seixos, 6 lascas e 2 placas.
A matéria prima identificada neste sítio é bastante variada se levarmos em
consideração o pequeno número de peças existentes. O quadro abaixo apresenta a
distribuição das diferentes matérias primas do sítio.
397
A numeração de catálogo adotada pela equipe está de acordo com a proposta de Fernando La Salvia.
398
BROCHADO, José P. Desarrollo de la tradición cerámica tupiguarani (a.d. 500 – 1.800). In: Anais do
Primeiro Simpósio de Estudos Missioneiros, Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras Dom Bosco, 1.985.
p. 112.
Família Machado BAM06
Matéria Prima Quantidade
Basalto 22
Arenito Silicificado 0
Arenito 7
Calcedônia 4
Quartzo 0
Hematita 0
Granito 16
Diorito 8
Ágata 1
Total 58
O razoável número de termóforos encontrados possivelmente indica atividades de
cocção.
Os artefatos encontrados são dois polidores manuais que se caracterizam como
blocos de basalto e arenito com marcas de raspagem, o que os relaciona ao ato de friccionar
suas superfícies a outras. Não sabemos exatamente qual a finalidade dada ao instrumento,
ou o que este teria polido, sabemos apenas que foram utilizados para polir ou desgastar
algum outro objeto.
“O polimento é, geralmente, efetuado sôbre
uma pedra, pousada no solo. Às vezes é o próprio
solo rochoso natural que é utilizado. Depressões
resultantes do polimento se formam, pouco a
pouco, na superfície. O contínuo esfregar das faces
dos objetos polidos forma depressões de
polimentos, largas e pouco profundas.(...) As
rochas que serviram para polir as faces são sempre
chamados mós ou polidores... Entretanto é
preferível usar o nome polidor e deixar o termo
para os utensílios que serviram para preparar o
alimento.(...)”
399
Embora não possamos afirmar a exata utilidade destes fragmentos rochosos,
podemos inferir sua serventia através de algumas referências dadas por Mabilde, o qual viu
fragmentos de arenito sendo aplicados à construção de arcos. Nas palavras do autor,
“Cortavam o cerne do ipê do comprimento
necessário e, com pedaços de grés vermelho, de
grãos assaz grossos, desbastavam-no, esfregando
com força o pau ao correr das fibras da madeira,
até ficar bem arredondado – e afinado do meio
para ambas as extremidades. Depois desta
operação, alisavam mais aquelas partes, assim
desbastadas, com outro pedaço de grés com grão
mais fino, esfregando-os a desaparecerem as
maiores desigualdades. Acabavam o aplanamento
com uma lasca de sílex ou calcedônia...”
400
O material cerâmico coletado no sítio Família Machado totaliza,
“...246 fragmentos de cerâmica indígena, na
sua maioria relacionada à Tradição Cerâmica
atribuída aos índios Guarani. Entretanto, um
399
LAMING-EMPERAIRE, A. Guia para o Estudo da Indústrias Líticas da América do Sul. Manuais de
Arqueologia. Curitiba: Centro de Ensino e Pesquisas Arqueológicas, Universidade Federal do Paraná, nº 2,
1.967. p. 30.
400
MABILDE, Pierre A. Apontamentos sobre os Indígenas selvagens da Nação dos Coroados dos Matos
na Província do Rio Grande do Sul. São Paulo: Instituto Nacional do Livro, 1983. p. 138.
fragmento apresenta características que remetem à
Tradição cerâmica Taquara...”.
401
Na análise dos fragmentos cerâmicos deste tio foi reconstituída apenas uma
vasilha, sendo caracterizada como uma tigela funda. Uma outra peça possibilitou
identificação da mesma forma. A reconstituição gráfica da forma do vasilhame pode ser
vista no anexo 5. Esta classe de vasilhas, cambuccaguâbá, esta relacionada ao serviço de
bebidas alcoólicas, as quais são fermentadas, obtidas através da mastigação do milho ou da
mandioca. Sobre a produção destas bebidas (cauim), Alfred Métraux diz que:
“Essa bebida extraía-se de diferentes plantas,
sendo as mais apreciadas a mandioca doce ou
amarga, o milho e o caju. Sua preparação era
confiada às mulheres.(...) O labor consistia,
sobretudo, em mascar frutas e impregná-las de
saliva. Como as propriedades inebriantes do cauim
dependiam desta operação, esta revestia-se, aos
olhos dos tupinambás, de significação
mística.(...)”
402
401
CAPPELLETTI, Angela M. Análise tecno-tipológica da cerâmica indígena arqueológica. In:
MONTICELLI, Gislene. Pesquisa arqueológica em áreas afetadas pelas obras de duplicação da rodovia
Br-101 municípios de Torres á Osório, Rio Grande do Sul, Vol. III, Relatório final das análises de
laboratório: material cerâmico pré-histórico e histórico. Porto Alegre, março de 2.003. p. 56-57.
402
MÉTRAUX, Alfred. A religião dos tupinambás e suas relações com as demais tribos tupi-guaranis. 2
ed. São Paulo: Editora Nacional e Edusp, 1.979. (Brasiliana, volume 257). p. 172.
O autor nos ensina ainda, que estes vinhos, conforme a denominação dos brancos
europeus, tinham sua fermentação ligada à maior acidez da saliva feminina
403
, o que
justifica a não participação dos homens no processo.
No ano de 1.605 o jesuíta Jerônimo Rodrigues excursionou entre os índios do litoral
sul do Brasil, chegando a uma aldeia que atribui ao domínio dos carijós, a qual se
localizava nas proximidades da foz do Rio Mampituba, no atual município de Torres. Dois
sítios arqueológicos dos Horticultores Guaranis encontram-se nesta área: LII07 Darci
Leal, o qual possui evidências do contato com europeus, e BAM06 Família Machado.
Jerônimo Rodrigues relata a existência de roças de milho e mandioca nas proximidades das
cabanas. O conhecimento destes índios acerca dos “vinhos” está expressa nas palavras do
jesuíta. “(...)E cada um tem sua tripeça, em que está assentado, e sua cúia, e um índio anda
com uma cuiaba cheia de vinho...”
404
.
Emilio Moran considera que as práticas ligadas à fermentação dos alimentos
possuem, inclusive, alto valor nutricional. Segundo o autor,
“A preparação, o armazenamento e o
consumo de alimentos muitas vezes revelam práticas
notáveis que aumentam seu valor nutricional.
Diversos alimentos fermentados possuem alto valor
antiescorbútico (isto é, grande quantidade de
vitamina B) e mineral.(...)”
405
403
Ibidem, p. 174.
404
RODRIGUES. Op. cit., p. 239.
405
MORAN, Emilio F. Adaptabilidade humana. São Paulo: Edusp, 1994. p. 128.
Não conhecemos nenhum relato que nos informe do conhecimento nutricional da
ingestão de alimentos fermentados pelas populações pré-coloniais. Em verdade, as notícias
relativas às “beberagens” apontam para o aproveitamento das propriedades embriagantes da
fermentação do cauim, o que não impede que estes grupos conhecessem empiricamente as
respostas de seus corpos à ingestão de vitaminas e minerais.
Os tratamentos de superfície externa, identificados durante as análises tecno-
tipológicas totalizam 100 alisados, 44 corrugados complicados, 22 corrugados ungulados, 7
ungulados e 43 peças cujo tratamento externo não pôde ser identificado. Apareceram
também dois fragmentos de corrugado simples, dois com incisos paralelos verticais, um
fragmento de corrugado simples ungulado, um ponteado e um inciso horizontal paralelo à
borda.
As decorações pintadas constituem-se em 1 fragmento pintado de branco, 1 pintado
de vermelho e 3 fragmentos com traços vermelhos sobre pintura branca.
O tratamento interno das vasilhas é predominantemente o alisado, somando 213
peças. Foram encontrados também alguns fragmentos pintados de branco e pintado de
vermelho, ambos somando 3, e ainda 4 com traços vermelhos sobre pintura branca. Apenas
um apresentou a conjugação das tintas branca e vermelha.
É interessante salientar aqui que foi encontrado apenas um fragmento de cerâmica
dos grupos Horticultores do Planalto, o que sugere o contato entre os grupos. O tema do
contato entre os grupos Ceramistas Pré-coloniais do Litoral Norte será discutido no capítulo
seguinte.
O segundo sítio arqueológico cujo material foi analisado pela referida equipe
recebeu o nome do proprietário das terras nas quais ele se encontra. O sítio Elmar
Fernandes tem o número LII05 e não apresenta material lítico. Sua localização através do
uso de GPS aponta E 0612846 N 6748626.
As dimensões deste sítio arqueológico chegam a 150 metros de comprimento por 50
metros de largura, atingindo uma área total de 7.500 metros quadrados. Em que pese seja
um sítio considerado grande, não foi coletado grande quantidade de material arqueológico.
Tal fato se deve à destruição do local pelo crescimento imobiliário da cidade de Dom Pedro
de Alcântara. Um mapa com a localização deste sitio pode ser visto no anexo 4.
O material cerâmico soma 61 fragmentos, sendo que os tratamentos de superfície
externa somam 28 alisados, 9 ungulados, 4 corrugados complicados, 3 corrugados
ungulados, 4 escovados, 3 incisos paralelos à borda e 7 não foram identificados pela equipe
de análise.
os tratamentos de superfície interna somam 43 alisados, 3 pintados de vermelho,
dois pintados de branco, 2 fragmentos com traços vermelhos sobre pintura branca e 11 não
identificados.
O próximo sítio arqueológico, recebeu a denominação Darci Leal, e o número
LII07. Este localiza-se sobre um cordão de dunas
406
na porção leste da Lagoa de Itapeva (E
0614451 N 6745569). Apresenta-se voltado para o corpo lagunar possuindo significativa
quantidade de cerâmica pré-colonial. No entanto, o material lítico não acompanha este
padrão. Foi encontrada apenas uma lasca unipolar em basalto, porém, isoladamente, não
nos informa sobre a indústria lítica local.
Foram coletadas 19 peças ao todo, sendo 7 termóforos, 6 blocos naturais, 2 seixos, 1
lasca, 1 placa, 1 lâmina de machado e 1 lasca fragmentada. A lâmina de machado foi
406
Este cordão de dunas foi descrito no Capítulo I. Para mais informações ou esclarecimentos sugerimos ao
leitor retornar às páginas iniciais.
elaborada sobre uma placa de basalto colunar, tendo marcas de picoteamento
407
em ambos
os lados de uma mesma extremidade. Sua matéria prima é o basalto, e possui sulcos
produzidos pela mesma técnica, os quais estariam, possivelmente, relacionados ao seu
encabamento. O anexo 6 contém uma fotografia na qual este artefato pode ser visualizado.
A quantidade de termóforos é expressiva, uma vez que das 19 peças encontradas, 7
são relativas ao tipo referido. A matéria prima preferida pelos antigos ocupantes da área em
questão pode ser identificada no quadro abaixo.
Darci Leal LII07
Quantidade
Basalto 15
Arenito Silicificado 0
Arenito 4
Calcedônia 0
Quartzo 0
Hematita 0
Granito 0
Diorito 0
Ágata 0
Total 19
A cerâmica pré-colonial encontrada neste tio totaliza 139 fragmentos, sendo que
128 são atribuídas aos Horticultores Guaranis e 10 aos Horticultores do Planalto. ainda
o caso de uma vasilha guarani com alças, que será apresentada e discutida no capítulo
seguinte, bem como a ocorrência conjugada da cerâmica dos Ceramistas Pré-coloniais do
Litoral Norte.
A cerâmica dos Horticultores Guaranis encontra-se expressa no quadro abaixo.
407
“O picoteamento ou martelamento de uma pedra é a operação que consiste em martelar-se a sua
superfície até conseguir a forma desejada...”. LAMING-EMPERAIRE, A. Guia para o Estudo da
Indústrias Líticas da América do Sul. Manuais de Arqueologia. Curitiba: Centro de Ensino e Pesquisas
Arqueológicas, Universidade Federal do Paraná, nº 2, 1967. p. 121.
Darci Leal - LII07
Cerâmica dos Horticultores Guaranis
Tratamento Externo Tratamento Interno
Ungulado 33
Alisado 101
Alisado 30
Pintado de Branco 6
Corrugado Ungulado 25
Traço Vermelho sobre Branco 4
Não Identificado 15
Pintado de Vermelho 3
Traço Vermelho sobre Branco 6
Pintado de Branco 2
Traço Preto sobre Branco 1
Os fragmentos cerâmicos referentes aos grupos Horticultores do Planalto perfazem
3 ungulados, 3 alisados e 4 cujo tratamento de superfície externa não puderam ser
identificados.
O leitor mais atento certamente está questionando-se a respeito da ausência dos
resultados das análises dos tratamentos de superfícies internas da cerâmica das populações
planaltinas. Não nos detivemos em enumerar tais tratamentos de superfície pois são
invariavelmente alisados, tornando-se, em nossa opinião, desnecessária a quantificação.
As formas identificadas foram de dois cambuchís caguâbá. Um deles foi encontrado
inteiro, e pode ser visto no anexo 7. Possui a superfície externa pintada com traços
vermelhos sobre branco, sedo alisado internamente. O segundo cambuchí caguâbá, foi
fotografado, e pode ser visto no anexo 8. Apresenta traços vermelhos sobre branco na
superfície externa e alisamento interno.
José Brochado e Fernando La Salvia nos informam em “Cerâmica Guarani”
408
que
“...o termo cambuchi, geralmente traduzido como jarro, é relacionado com o serviço de
bebidas fermentadas, alcoólicas.(...)”
409
. Não devemos, entretanto, imaginar que este sítio
tivesse uma função específica ritualística. O fato de possuirmos informações apenas sobre
408
BROCHADO, José P. & LA SALVIA, Fernando. Cerâmica Guarani. Porto Alegre: Posenato Arte & Cultura, 1989.
175 p.
409
BROCHADO & LA SALVIA. Op. cit., p. 122.
estas formas não quer dizer, necessariamente, que não houvesse cerâmica destinada à
cocção dos alimentos, e com isso descartar a hipótese da existência de habitações. Devemos
atentar para a existência de 88 fragmentos de corrugados, ungulados e alisados; tratamentos
provavelmente relacionados ao processamento dos alimentos.
Mas o fato de aqueles cambuchís possuírem os tratamentos de superfícies externos
pintados pode indicar seu uso em rituais religiosos, em que pese não estejamos dizendo
com isso que este seja um sítio exclusivamente ritualístico.
“(...)Somos partidários que a pintura e seus
motivos estão vinculados a uma posição religiosa
onde o mágico e o simpático devem ser uma
realidade de origem clãnística...”
410
.
O LII07 Darci Leal possui 150 metros de comprimento por 50 metros de largura,
atingindo uma área total de 7.500 metros quadrados. Este sítio pode ser considerado de
grande proporção. Este fato pode indicar certa permanência no local, corroborando a
hipótese da existência de habitações, embora não tenham sido encontradas tais evidências
arqueológicas.
Neste tio foram encontradas ainda, “...três espécimes de Olivanciallaria sp.
parecem ter sido trabalhadas de maneira a aproveitar a forma helicoidal das lamelas e
poderiam ter servido como pingentes ou anzóis...”
411
. Esta evidência introduz a idéia da
410
Ibidem, p. 29.
411
DOMIKS, Júnior M. Material fito-faunístico. In: MONTICELLI, Gislene. et. all. Pesquisa Arqueológica
em áreas afetadas pelas obras de duplicação da rodovia BR 101: municípios de Torres a Osório, Rio
Grande do Sul. Vol. II. Porto Alegre, MCT, 2.003. (Relatório Final das atividades). p. 88.
utilização dos recursos marinhos como complementação do aproveitamento dos recursos
lagunares por parte dos Horticultores Guaranis no Litoral Norte. Segundo Emilio Moran,
“...economias que combinem a utilização de
recursos marinhos/ribeirinhos com a horticultura
representam respostas para o problema de assegurar
uma dieta balanceada em proteínas, gorduras e
carboidratos.”
412
Um outro sítio a ser apresentado denomina-se, por sua vez, Irmãos Broda, e recebe
o número LII04. Este sítio encontra-se sobre um terraço lagunar pleistocênico que constitui
uma superfície elevada em meio à planície que margeia a Lagoa de Itapeva (E 603767 N
6740270). Foi escavado controladamente por níveis artificiais. Acrescentando o material
escavado ao material recolhido na coleta superficial, somam-se 23 peças líticas e 505
fragmentos cerâmicos.
As dimensões deste sítio atingem 30 metros de comprimento e 20 metros de largura,
chegando a ocupar uma área de 600 metros quadrados. Este sítio deve ser considerado de
tamanho pequeno, podendo corresponder a um acampamento temporário.
As formas básicas encontradas foram 13 blocos naturais, 9 lascas, 2 termóforos, 1
lasca fragmentada e 1 fragmento de lasca. Os termóforos encontrados estavam em meio a
manchas escurecidas no solo, indicando a presença de carvão e, provavelmente uma zona
de combustão.
Irmãos Broda LII04
Matéria Prima Quantidade
412
MORAN. Op. cit., p. 128.
Basalto 11
Arenito Silicificado 0
Arenito 4
Calcedônia 8
Quartzo 0
Hematita 0
Granito 0
Diorito 0
Ágata 0
Total 23
A tabela acima mostra os resultados da quantificação da matéria prima utilizada
pelos antigos ocupantes do sítio em estudo. Percebemos que, mais uma vez, a preferência é
o basalto, seguido da calcedônia e do arenito.
A significativa quantidade de lascas indica o conhecimento das técnicas de preparo
dos artefatos líticos. Foram encontradas 7 lascas bipolares
413
, corroborando a hipótese da
existência de uma área culinária. Em duas lascas bipolares foram identificados pequenos
retoques
414
obtidos por lascamento sob pressão. O objetivo destes era de aguçar o gume das
lascas transformando-as em instrumentos mais eficazes. As lascas unipolares constituem-se
em dois exemplares de lascas corticais
415
e 1 lasca de biface. As lascas corticais indicam
413
De acordo com Adriana Dias, o lascamento bipolar proporciona o rompimento de pequenos núcleos de
matéria-prima a partir de percussão com apoio. O termo bipolaridade dá-se em função dos dois pólos de força
em ação no processo de produção de lascas. O golpe no plano de percussão direta produz uma contra-força
no ponto de apoio (plano de percussão indireto), gerando dois pólos de força em oposição linear cuja ação
acarreta a ruptura do núcleo. DIAS, Adriana S. Repensando a tradição umbu a partir de um estudo de
caso. Porto Alegre, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Pontifícia Universidade Católica do Rio
Grande do Sul 1995. (Dissertação de Mestrado). p. 108.
414
O retoque de uma lasca constitui a última fase de sua fabricação. O retoque consiste em dar, por meio de
pequenos lascamentos sucessivos obtidos por pressão ou por percussão, a forma desejada à lasca bruta, cujo
contôrno, determinado pela debitagem, pode não corresponder exatamente, às intenções do artesão. Por
outro lado, os retoques consolidam os gumes tornando-os mais espêssos. Durante sua utilização o utensílio
pode ser igualmente retocado à medida em que é gasto pelo uso...”. LAMING-EMPERAIRE. Op. cit., p. 57.
415
Segundo Leroi-Gourhan, “A massa primitiva libera na primeira percussão uma lasca inicial cujo anverso
está revestido de córtex e cujo plano de percussão é nulo ou natural.”GOURHAN, André L. Pré-história. In:
Nova Clio história e seus problemas, São Paulo, Edusp, Biblioteca Pioneira de Ciências Sociais, 1981. p.
224.
que a fonte de matérias primas estava próxima, visto que o desbaste inicial dos núcleos foi
feito no próprio sítio.
Com relação ao material cerâmico, foram encontrados 505 fragmentos de cerâmica
indígena pré-colonial. Os grupos Horticultores Guaranis foram responsáveis pela confecção
de 489 destes fragmentos, restando 16 atribuídos aos Horticultores do Planalto. Estes se
encontram muito erodidos, não sendo possível inferências a respeito das decorações
aplicadas às suas superfícies.
Os tratamentos externos identificados pela equipe de análise foram 157 corrugados,
94 alisados, 44 corrugados ungulados, 27 ungulados, 26 incisos, 10 pintados de branco e
114 não puderam ser identificados, a exemplo do que ocorreu com a cerâmica dos
Horticultores do Planalto.
Os tratamentos internos foram 367 alisados, 28 pintados de branco, 8 pintados de
vermelho, 5 cinco pintados com traços vermelhos sobre branco e 78 não identificados.
As peças que permitiram a reconstituição gráfica das formas das vasilhas referem-se
a um mesmo cambuchí caguâbá, o qual possui a forma de ñaetá (caçarola). Esta
reconstituição pode ser vista no anexo 9.
Brochado, Monticelli e Neumann nos informam que o cambuchí caguâbá seria uma
classe de vasilhas destinadas à ingestão de quidos, possuindo a forma de tigelas. “...são
usualmente lisas, corrugadas ou unguladas; menos freqüentemente pintadas internamente;
as formas mais complexas são pintadas externamente.”
416
416
BROCHADO, J.; MONTICELLI, G. & NEUMANN, E. Analogia etnográfica na reconstrução gráfica das
vasilhas guarani arqueológicas. In: Veritas, Porto Alegre, v. 35, n. 140, dez de 1990. p.734.
Foram encontrados também, alguns elementos fitofaunísticos durante as escavações
deste sítio arqueológico. Júnior Domiks relata que algumas conchas da família Volutidae,
mais especificamente a Adelomenon brasiliana (de origem marinha), parecem ter sofrido
modificações antrópicas. Estas conchas podem ter sido aproveitadas como espátulas,
pingentes ou mesmo anzóis, tal como ocorrido no LII07 – Darci Leal.
Quanto aos elementos vegetais, Domiks nos informa a respeito da coleta de
sementes carbonizadas. Tais evidências foram encontradas em considerável profundidade
durante as escavações. “(...)Sementes e fibras da palmácea Arecastrum romanzoffianum,
popularmente conhecida como jerivá, jeribá ou coquinho, se apresentam em profusão em
todos os níveis.(...)”
417
. Devido ao fato de não terem sofrido fraturas, afirma o pesquisador,
as sementes parecem não ter sido destinadas ao aproveitamento das amêndoas
418
.
Pierre Alphonse Mabilde nos relata a utilização da madeira dos jerivás para a
obtenção de fogo pelos índios coroados
419
. Entretanto, o leitor deve ter em vista que os
coroados não são aparentados dos grupos de Horticultores Guaranis. Em verdade, são
grupos de fala Jê, e não Tupi-Guarani. Mas este fato não impede que as comunidades que
ocuparam o sítio em questão não tivessem tomado conhecimento desta técnica.
Evidentemente, tais idéias não passam de suposições, pois não temos comprovações do uso
desta madeira na obtenção de fogo entre os grupos guaranis do Litoral Norte. Mabilde nos
informa ainda que este vegetal costumava ser utilizado na confecção das casas dos
coroados. “Os seus alojamentos são formados de ranchos com vários tamanhos e
configurações. Todos são cobertos com as folhas do gerivaseiro...”
420
417
DOMIKS. Op. cit., p. 89.
418
Idem.
419
MABILDE. Op. cit., p. 122.
Com relação às sementes carbonizadas mas não fraturadas referidas por Domiks,
encontramos também em Mabilde relatos que podem ser indicativos de seus usos. Nas
palavras do autor,
“Geralmente, com antecedência, derrubam
alguns gerivaseiros (Arecastrum-cocos-
Romanzoffianum) dos quais extraem um licor para
beber. Para isso, depois de cortadas as folhas ou
palmas, deitam o gerivaseiro sobre duas cepas de
pau ou sobre pedras: uma, no lado da ponta, que
deve ficar mais alta; e outra, no lado do pé, que deve
ficar mais baixo, conservando-se, assim, em uma
posição inclinada. Feito isso, arranjam um fogo por
baixo do gerivaseiro, na extremidade que está mais
alta, isto é, a ponta ou cabeça. Depois,
gradualmente, vão estendendo o fogo para o lado
inferior, até chegar ao seu extremo ou pé. O calor do
fogo faz sair um líquido que se desprende pelo lado
inferior e que os índios recolhem nas espatas em que
se desenvolvem os cachos de frutos do mesmo
gerivaseiro. Este líquido é o licor favorito dos
coroados.
421
Talvez tal técnica tenha sido utilizada para a elaboração do mencionado licor, mas
devemos atentar para o fato de que os grupos guaranis possuíam suas bebidas, o que não
impede que tenham aprendido este recurso com os grupos Horticultores do Planalto. Para
420
Ibidem, p. 39.
421
MABILDE. Op. cit., p. 118.
tanto, precisaríamos pressupor uma troca cultural ou miscigenação ocorrida entre os
grupos. Este tema será tratado com mais detalhes no capítulo seguinte.
Pedro Ignácio Schmitz nos ensina que a ocorrência dos frutos deste vegetal podem
nos indicar também a época do ano em que os sítios arqueológicos encontram-se em
atividade. “(...)Os coquinhos do jerivá são do começo do verão. De modo que, pela
presença dos... coquinhos, temos provas de que o assentamento é ocupado na primavera e
começo de verão...”
422
.
O LII03 - Mário Mengue, a exemplo do sítio anterior, se localiza sobre um terraço
lagunar pleistocênico, cuja elevação se destaca na paisagem (E 602390 N 6740108). Sua
área total é de 1.000 metros quadrados, possuindo 50 metros de comprimento por 20 de
diâmetro, sendo considerado um sítio pequeno.
Neste sítio foram encontradas 27 peças líticas que são: 10 blocos naturais, 5 placas,
4 termóforos, 6 lascas, 1 seixo e 1 artefato bruto.
A existência de termóforos, como dissemos anteriormente, pode indicar a
existência de uma zona de combustão. No entanto, não foi possível localizá-la no contexto
do sítio.
O único artefato encontrado neste sítio foi uma peça com depressão semi-esférica
no centro de uma das faces. Este tipo de objeto é bastante comum em sítios arqueológicos,
aparecendo repetidas vezes por todo o Rio Grande do Sul. Sua funcionalidade não está bem
definida, permanecendo uma incógnita. Estas peças são encontradas na bibliografia
comumente denominadas como quebra-coquinhos. O nome foi dado pois imagina-se,
partindo de sua forma, que a função conferida aos mesmos seria de rachar as cascas dos
422
SCHMITZ, Pedro I. Sítios de pesca lacustre em Rio Grande RS, Brasil. São Leopoldo, Instituto
Anchietano de Pesquisas, UNISINOS, 1976. p. 215.
coquinhos e outras sementes encontradas na natureza. Katya Vietta afirma que
considerando o fato de que quebrar nozes, coquinhos ou sementes de palmeira não consiste
em nenhuma tarefa complicada e para a qual não seria necessário produzir, em pedra ou
osso, depressões e posteriormente poli-las, estas peças estariam ligadas a outras funções
423
.
Santos considera a possibilidade de tais depressões estarem relacionadas à ação rotativa de
uma haste colocada no sentido vertical
424
. Já, Vera Thaddeu diz que tais cicatrizes polidas
seriam resultado da fricção com outros objetos para obtenção de fogo. Ou ainda, teriam
sido causadas pelo uso como suporte para bastonetes utilizados na fabricação de linhas de
pesca
425
. No entanto, podemos apenas afirmar que, tecno-tipologicamente, estes
instrumentos são caracterizadas como peças com uma ou mais depressões semi-esféricas
polidas, fabricadas em blocos e seixos de basalto, tendo, em alguns casos, marcas de
picoteamento impressas quando percutidas com outra massa rochosa.
As lascas encontradas constituem-se em 2 lascas bipolares e 3 unipolares. No
entanto, estas não são representativas a ponto de nos oferecer informações acerca da
indústria lítica deste sítio. Podemos inferir somente que estas técnicas de lascamento eram
conhecidas pelos habitantes pré-coloniais do local.
A tabela abaixo evidencia a distribuição das quantidades das diferentes matérias
primas e a preferência do grupo Horticultor Guarani que se estabeleceu no sítio.
Mário Mengue LII03
Matéria Prima Quantidade
423
VIETTA Katya. Sítio Arqueológico de Itapeva (Município de Torres, RS): Análise dos resultados da
Segunda campanha de escavação (1982). Porto Alegre, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do
Sul, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, 1.988. (Monografia). p. 37.
424
SANTOS, Maria C. Análise do Material Lítico do Sítio de Itapeva. 1ª Campanha de Escavações de
1.982. Porto Alegre, Pontifícia Universidade do Rio Grande do Sul, Faculdade de Filosofia e Ciências
Humanas, 1.985. (Monografia). p. 50.
425
THADDEU, V. L. T. Inferências sobre o início do povoamento no litoral norte do Rio Grande do Sul:
Um estudo do Sitio da Itapeva (RS-201). Porto Alegre, Programa de Pós-graduação em História, Pontifícia
Universidade do Rio Grande do Sul, 1.995. (Dissertação de mestrado). p. 106.
Basalto 19
Arenito Silicificado 0
Arenito 5
Calcedônia 1
Quartzo 1
Hematita 1
Granito 0
Diorito 0
Ágata 0
Total 27
No que diz respeito ao material cerâmico encontrado no LII03, foram coletados 338
fragmentos relacionados aos Horticultores Guaranis. As análises dos tratamentos de
superfície externa identificaram 82 fragmentos ungulados, 143 não identificados, 50
alisados, 16 corrugados, 14 incisos paralelos verticais, 11 pintados de branco, 8 corrugados
ungulados, 3 pintados de vermelho e 6 com traços vermelhos sobre branco.
O tratamento de superfície interno mais popular foi o alisado, somando 233
fragmentos. Os fragmentos que não puderam ser identificados somam 82 peças, seguidos
de 9 pintados de branco, 9 pintados de vermelho e 1 com traços vermelhos sobre pintura
branca.
Igualmente instalado na superfície de um terraço lagunar pleistocênico está o tio
arqueológico denominado Cemitério, o qual recebeu o número LII02 (E 601610 N
6739630). Suas dimensões atingem 30 metros de comprimento por 20 metros de largura,
ocupando uma área de 600 metros quadrados. Pode ser considerado um sítio pequeno, não
sugerindo a ocupação por número elevado de famílias, ou por um largo espaço de tempo.
No que tange ao material lítico, este tio possui apenas duas peças. São duas lascas
de basalto unipolares que não nos permitem maiores interpretações. Estas lascas
caracterizam-se como sendo uma de preparação e uma lasca de biface
426
. Ambas foram
encontradas em superfície e fora do contexto do sítio arqueológico, fato que se deve ao
impacto do plantio de abacaxi na área.
O material cerâmico soma 175 fragmentos, estando todos associados aos
Horticultores Guaranis. Destas, 102 foram alisadas externamente, 33 foram ungulados, 9
não puderam ser identificados, 7 foram corrugadas, 10 receberam incisões paralelas
verticais, 5 são corrugadas unguladas, 4 foram escovadas, 2 possuem traços vermelhos
sobre branco e 1 pintado de branco. O tratamento interno aplicado às vasilhas caracteriza-se
como 157 alisados, 8 pintados de branco, 4 não identificados, 3 receberam traços vermelhos
sobre pintura branca e 1 foi pintado de vermelho.
O sítio LII01 recebe o nome da localidade na qual se encontra: Chimarrão, o qual
foi significativamente afetado pela construção da Rodovia BR-101. Encontra-se bem
próximo à lagoa de Itapeva, instalado sobre uma paleoduna já consolidada do antigo
deserto do Botucatú. Seu posicionamento via satélite aponta E 599090 N 6736438.
Neste sítio foram identificadas 9 peças líticas, sendo 3 termóforos, 2 blocos, 2
lascas, 1 artefato bifacial e 1 placa. As lascas são unipolares, sendo uma laminar e uma
cortical. A peça mais significativa do sítio é um artefato bifacial.
Este artefato foi produzido em basalto, possuindo lascamentos nas duas fácies de
uma mesma extremidade. Possui forma retangular, tendo sido reduzido (confeccionado)
sobre um seixo, constituindo-se em grande parte de córtex. O anexo 10 apresenta uma
imagem deste artefato.
426
“Lascas derivadas derivadas da produção de artefatos bifaciais. São de pequena espessura e seu perfil
longitudinal, geralmente, apresenta uma leve curvatura. Apresentam o plano de percussão estreito e
formando um lábio. A lasca bifacial é o produto de uma retirada posterior à de preparação, sendo mais
própria à finalização e ao acabamento, podendo ser, inclusive, o produto dos lasacamentos de retoque.”
HOELTZ. Op. cit., p. 65.
A matéria prima mais utilizada neste sítio é o basalto somando 8 das nove peças
coletadas. A peça restante é uma hematita, geralmente utilizada como corante por diversos
grupos pré-coloniais brasileiros.
O material cerâmico encontrado neste sítio se resume a apenas 5 fragmentos
atribuídos aos Horticultores Guaranis. O tratamento externo varia entre 2 alisados, 1
corrugado, 1 ungulado e um não identificado. Já o tratamento aplicado às superfícies
internas das vasilhas é o alisado em todos os casos.
A exemplo do que aconteceu anteriormente, o sítio Walter Medeiros recebeu o
nome de seu proprietário. Sua numeração junto ao cadastro nacional de sítios arqueológicos
é LQQ01, e suas coordenadas são E 581126 N 6709427.
Este possui 50 metros de comprimento por 50 metros de largura, atingindo uma área
total de 2.500 metros quadrados. Seguindo a orientação teórica referida anteriormente,
podemos considerá-lo um sítio de tamanho médio.
A tabela abaixo apresenta, de um modo esquemático, as quantificações das formas
básicas resultantes da análise do material lítico.
Walter Medeiros LQQ01
Forma Básica Quantidade
Lasca 85
Núcleo 3
Detrito 76
Artefato Bruto 13
Biface 2
Lasca Fragmentada 9
Fragmento de Lasca 40
Termóforo 15
Bloco 41
Placa 42
Seixo 16
Geodo 0
Os 3 núcleos analisados são bipolares confeccionados através da extração de lascas
a partir de geodos de calcedônia. Este tipo de lascamento encontra-se geralmente associado
a zonas de preparação de alimentos. Desta forma, as lascas e os cleos existentes são,
provavelmente, diagnósticos de tais atividades cotidianas. Já os termóforos indicam uma
possível área de combustão, talvez ligada à preparação de alimentos.
Os artefatos brutos encontrados totalizam 13 unidades. Estes são 5 afiadores em
canaleta, 2 percutores, 2 quebra coquinhos ou peças com depressão semi-esférica, 1 polidor
manual, 1 percutor multifuncional, 1 bola de boleadeira e 1 bigorna. O anexo 11 mostra
duas bolas de boleadeira, das quais a de maiores dimensões pertence à coleção lítica deste
sítio.
Este é o sítio no qual as lascas aparecem com maior freqüência. As lascas bipolares
aparecem quase em que em sua totalidade, produzidas em calcedônia, podendo existir
também em ágata ou quartzo, em que pese sejam mais raras.
As lascas unipolares apresentam-se distribuídas em tipos diversos. O gráfico abaixo
reflete suas quantidades.
A tabela abaixo revela as matérias primas utilizadas pelos ocupantes pré-coloniais
desta área, bem como suas preferências.
Tipos de Lascas Unipolares - LQQ01
9
5
7
1
8
2
Corical
PreparaçãoBiface
Borda
Retoque
Siret
Walter Medeiros LQQ01
Matéria Prima Quantidade
Basalto 93
Arenito Silicificado 1
Arenito 43
Calcedônia 170
Quartzo 6
Hematita 0
Granito 1
Diorito 2
Ágata 0
Total 316
O material cerâmico coletado no LQQ01 consiste em 1675 fragmentos relativos aos
Horticultores Guaranis e uma vasilha confeccionada pelos grupos planaltinos.
Os tratamentos de superfície externa são caracterizados por 309 corrugados, 751
não identificados, 235 alisados, 58 corrugados ungulados, 47 incisos paralelos verticais, 42
pinçados, 15 ungulados, 15 incisos paralelos verticais alisados, 9 pintados de branco, 5 com
traço vermelho sobre pintura branca e 1 pintado de vermelho.
Os tratamentos de superfície interna são 565 não identificados, 1071 alisados, 25
com pintura branca, 5 com pintura vermelha e 2 com traço vermelho sobre pintura branca.
Dois dos fragmentos de borda permitiram a reconstituição gráfica das vasilhas.
Trata-se de dois yapepós, os quais podem ser vistas nos anexos 12 e 13. Brochado e La
Salvia nos informam que (...)O termo yapepó traduzido como olla (panela), é, muitas
vezes, relacionado com seu uso sobre o fogo, e verbos como ferver, borbulhar, etc....”
427
.
Estas panelas utilizadas para a cocção dos alimentos geralmente possuem
corrugações em suas superfícies, podendo ocorrer também as decorações alisadas,
427
BROCHADO & LA SALVIA. Op. cit., p. 122.
unguladas, corrugadas unguladas e escovadas
428
. Acreditamos ser possível então, relacionar
a ocorrência destes tratamentos de superfície externa com áreas de atividades culinárias.
Os fragmentos de cerâmica dos grupos Horticultores do Planalto são oriundos de
uma vasilha de pequenas dimensões. Constam 25 fragmentos ponteados externamente e
alisados internamente.
Esta ocorrência nos remete ao tema dos possíveis contatos que teriam se dado entre
os Ceramistas Pré-coloniais do Litoral Norte, o qual será tratado no Capítulo IX.
O sítio Lauro Rodrigues LAA01 encontra-se bastante afetado pelo processo de
urbanização local. Neste, foram coletadas 58 peças líticas e 105 fragmentos de cerâmica
indígena. Possui 30 metros de comprimento por 15 metros de largura, chegando a 450
metros quadrados. É um tio pequeno situado sobre uma elevação do terreno caracterizada
pela formação de pedimento
429
devido à proximidade da escarpa da Serra Geral. Encontra-
se voltado para área de captação de recursos lagunares, oriundos da Lagoa da Pinguela. Um
mapa contendo a localização deste sítio pode ser visto no anexo 4, e suas coordenadas são
E 5722793 N 6697569.
As análises do material lítico resultaram em 22 blocos, 17 placas, 7 termóforos, 4
seixos, 2 artefatos, 2 geodos, 2 lascas, 1 detrito e uma lasca fragmentada.
A tabela abaixo apresenta as quantidades das matérias primas encontradas no sítio
em estudo. Nela, é possível identificar a ampla preferência pelo basalto, em detrimento das
demais.
428
BROCHADO, MONTICELLI & NEUMANN. Op. cit., p. 732.
429
“Segundo a definição original, o termo pedimento é puramente descritivo... referindo-se a toda superfície
de erosão suavemente inclinada situada no sopé de escarpas ou de vertentes mais íngremes.(...)”
BIGARELLA. Op. cit, p. 417.
Lauro Rodrigues LAA01
Matéria Prima Quantidade
Basalto 53
Arenito Silicificado 0
Arenito 3
Calcedônia 1
Quartzo 1
Hematita 0
Granito 1
Diorito 0
Ágata 0
Total 59
O primeiro dos artefatos brutos coletados no sítio constitui-se de um polidor manual
elaborado a partir de uma placa de basalto colunar. Tais placas são amplamente encontradas
na base das encostas escarpadas da Serra Geral. O sítio Lauro Rodrigues se localiza às
margens da rodovia, em um trecho onde se aproxima dos paredões da serra. O objeto
apresenta ranhuras de raspagem, o que nos leva a crer que tenha sido friccionado contra
outra peça.
O outro artefato analisado caracteriza-se como um afiador em canaleta, elaborado
em arenito. Estes afiadores são comumente encontrados em sítios litorâneos, ou em sítios
voltados para captação de recursos aquáticos. Estes afiadores estão geralmente ligados à
confecção de anzóis ou outros artefatos ósseos e malacológicos. Constitui-se basicamente
em uma peça que possua um sulco produzido pelo movimento constante de fricção do osso
ou concha na superfície do artefato. A matéria prima geralmente escolhida é o arenito, visto
que esta rocha possui superfície abrasiva. Ocorre em alguns casos, como veremos mais
adiante, a utilização de fragmentos cerâmicos como afiadores.
Pedro Ribeiro faz algumas considerações acerca dos artefatos referidos no parágrafo
acima, e relaciona sua existência nos sítios com a intensificação da caça. Nas palavras do
autor,
“(...)Para alimentar o grupo... teriam que
recorrer à caça em mais larga escala. Lembramos
que a tradição Tupiguarani não utilizava pontas de
projétil de pedra lascada e sim osso ou madeira,
polidas, justamente no afiador-em-canaleta.(...)”
430
As duas lascas quantificadas na análise do material lítico são unipolares em basalto
sendo, uma de preparação e uma lasca com fratura “siret”.
Dos 105 fragmentos cerâmicos mencionados acima, 102 estão relacionados aos
Horticultores Guaranis e apenas 3 remetem aos grupos Horticultores do Planalto.
Os tratamentos de superfície externa da cerâmica Guarani estão representados por
40 alisados, 21 não identificados, 16 corrugados ungulados, 8 corrugados, 7 ungulados, 4
incisos paralelos verticais, 1 traço vermelho sobre branco e 1 escovado. Um fragmento
apresenta a combinação dos tratamentos alisado e escovado e 1 apresenta alisamento e
ungulação.
Os tratamentos de superfície interna estão representados por 91 alisados e 10 peças
que não puderam ser identificadas.
A forma de uma das vasilhas foi reconstituída graficamente, podendo ser vista no
anexo 14. Trata-se de um ñaetá, ou seja, uma caçarola para cozinhar, tendo sido alisada em
430
RIBEIRO, Pedro M. O tupiguarani no vale do rio pardo e a redução jesuítica de Jesus Maria. Porto Alegre,
Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, 1981. (Dissertação de Mestrado). In: Revista do CEPA, Santa
Cruz do Sul, n. 10., Julho, 1981. p. 125.
ambas as superfícies. Como o leitor pôde ver anteriormente, o tratamento de superfície
alisado está geralmente relacionado com atividades culinárias.
O sítio arqueológico Areal Moro – LLe02 localiza-se no Município de Osório,
próximo a Lagoa do Peixoto (E 574239 N 6693966). Possui uma área total de 900 metros
quadrados, atingindo 30 metros de largura e os mesmos trinta metros de comprimento.
Encontra-se parcialmente destruído por estar localizado em uma jazida de extração de areia.
Sua localização evidencia a escolha de uma duna pleistocênica relacionada à formação da
referida lagoa
431
. Este local caracteriza-se como uma elevação em meio à planície de
inundação do corpo lagunar, a qual mantêm-se a salvo durante os períodos de cheia. Ocorre
ainda, que tal situação coloca o grupo dos Horticultores Guaranis instalados em boas
condições de visualização da paisagem adjacente ao sítio.
O material lítico deste sítio é caracterizado por 16 blocos naturais, 9 seixos, 6 lascas,
4 detritos, 3 artefatos, 3 placas e 2 núcleos.
A tabela abaixo apresenta as quantificações das matérias primas encontradas no
sítio.
Areal Moro – Lle02
Matéria Prima Quantidade
Basalto 33
Arenito Silicificado 1
Arenito 5
Calcedônia 2
Quartzo 3
Hematita 0
Granito 2
Diorito 0
Ágata 0
Total 46
431
Para maiores informações a respeito desta formação geomorfológica, sugerimos ao leitor que retorne à
primeira parte deste trabalho, no qual poderá obter os esclarecimentos desejados.
Como o leitor pôde ver acima, a preferência para a confecção da indústria lítica no
LLe02 é o basalto, sendo expressiva a existência de uma peça em arenito silicificado
432
,
visto que esta matéria prima não é oriunda desta região.
Os artefatos coletados neste sítio arqueológico são duas peças utilizadas como
alisadores e um percutor reutilizado como afiador. A equipe recebeu do Sr. Raul Moro
como doação, um artefato lítico bastante encontrado nos sítios litorâneos por nós
trabalhados, uma bigorna. Este instrumento serve como apoio para extração de lascas
bipolares.
As lascas analisadas são somente unipolares, sendo representadas por 2 corticais, 3
de preparação e 1 lasca com fratura “siret”. No entanto, estas lascas não são expressivas da
indústria lítica local.
Uma destas lascas merece atenção especial. Foi reduzida de um bloco de basalto
avermelhado, possuindo uma pequena quantidade de córtex. Apresenta, em sua superfície
dorsal, uma série de lascamentos e, em sua extremidade distal, recebeu um conjunto regular
de pequenos retoques, formando um instrumento de corte. Nesta mesma extremidade
parece haver algumas marcas de uso.
O material cerâmico encontrado neste sítio caracteriza-se por 236 fragmentos,
sendo 16 referentes aos Horticultores do Planalto e 195 aos Horticultores Guaranis.
Dos 16 fragmentos dos grupos do planalto foram evidenciados 10 alisamentos na
superfície externa e 6 não puderam ser identificados. As superfícies internas, como
dissemos anteriormente, são invariavelmente alisadas.
432
O arenito silicificado é uma rocha metamórfica formada a partir do aquecimento e da pressão causada pelo
derrame basáltico sobre o arenito pré-existente.
A cerâmica dos Horticultores Guaranis está caracterizada por 53 ungulados, 26
alisados, 65 não identificados, 15 incisos verticais paralelos, 9 escovados, 3 corrugados
ungulados, 2 possuem traços vermelhos sobre pintura branca, 1 pintura de branco, 1 traço
vermelho sobre alisado e 1 combina a pintura vermelha com traços vermelhos sobre pintura
branca.
Os tratamentos aplicados à superfície interna são 154 alisados, 3 com traços
vermelhos sobre pintura branca, 1 pintado de branco e 33 não puderam ser identificados.
As formas reconstituídas dizem respeito a um cambuchí com tratamento de
superfície externa com incisos paralelos verticais e alisamento interno, um nãembé ou
tigela rasa com alisamento em ambas as superfícies e, finalmente, outro cambuchí com
tratamento externo ungulado e alisado internamente. As reconstituições gráficas podem ser
vistas nos anexos 15, 16 e 17, respectivamente.
Os ñambé é considerado um prato destinado à ingestão de alimentos, e seu
tratamento de superfície externa pode variar entre o corrugado, o ungulado o liso e o
pintado
433
.
Brochado, Monticelli & Neumann nos ensinam ainda, que as vasilhas da classe
dos cambuchís possuem, em geral, os tratamentos de superfície externa corrugada,
ungulada, escovada ou alisada. Os autores incluem ainda nesta categoria, as vasilhas com
formas de yapepó que possuem pinturas, visto que estas não poderiam ter sido utilizadas
sobre o fogo
434
, característica intrínseca ao yapepó.
433
BROCHADO, MONTICELLI & NEUMANN. Op. cit., p. 374.
434
Ibidem, p. 377.
O Sítio do Biólogo recebeu o número LII14. O material lítico encontrado neste
sítio totaliza 19 peças sendo, 5 lascas, 4 blocos, 4 placas, 2 artefatos, 2 termóforos, 1 seixo
e 1 lasca fragmentada.
A tabela abaixo mostra as quantidades e a diversidade da matéria prima encontrada
no sítio. Mais uma vez a preferência é o basalto, seguido pela calcedônia e pelo arenito.
Biólogo LII14
Matéria Prima Quantidade
Basalto 10
Arenito Silicificado 0
Arenito 4
Calcedônia 5
Quartzo 0
Hematita 0
Granito 0
Diorito 0
Ágata 0
Total 19
As lascas encontradas são em sua maioria bipolares, somando 3 peças. As lascas
unipolares de preparação somam 2 peças. A presença destas denota o domínio das duas
técnicas de preparação de instrumentos lascados.
Os artefatos coletados são um afiador em canaleta, e um polidor manual. O afiador
foi elaborado a partir de um bloco de arenito, sendo o polidor, a partir de uma placa de
basalto.
Os artefatos cerâmicos analisados totalizam 213 fragmentos relacionados aos grupos
Horticultores Guaranis. Devido ao desgaste 79 não tiveram seu tratamento de superfície
externa identificada. Setenta e duas peças foram alisadas, 30 são corrugados, 9 pintados de
branco, 4 possuem traço vermelho sobre branco, 3 possuem traço vermelho sobre alisado, 2
foram pintados de vermelho, 3 receberam ungulações, 2 são incisos paralelos verticais e 7
são corrugados ungulados.
Os tratamentos de superfície interna são 144 alisados, 47 não identificados, 2 traços
vermelhos sobre branco e 1 pintado de branco.
Um segundo trabalho de Arqueologia em obras de engenharia realizado no Litoral
Norte do Rio Grande do Sul está relacionado às obras de pavimentação da Rodovia RS-486
– Rota do Sol. Esta rodovia se estende do município de Tainhas até o balneário litorâneo de
Curumim. Constitui um caminho de ligação entre o litoral e a serra, atingindo São
Francisco de Paula. As pesquisas arqueológicas foram inicialmente realizadas por
Francisco Noelli no ano de 1.994
435
. As obras foram retomadas no ano de 1.997, e com
elas, as pesquisas arqueológicas, através da arqueóloga Vera Thaddeu
436
.
Os resultados das pesquisas realizadas em 1.997 apontaram para a inexistência de
sítios arqueológicos na área afetada pela duplicação da Rodovia Rs-486 – Rota do Sol. Nas
palavras de Vera Thaddeu, “Não foram constatados vestígios arqueológicos do período
pré-colonial, colonial ou pós-colonial até o presente.”
437
O trecho da RS-486 que compreende a planície litorânea foi vistoriado por Gislene
Monticelli e equipe. Nesta ocasião foram encontrados cinco sítios arqueológicos
localizados na porção sudoeste da Lagoa de Itapeva, entre o município de Terra de Areia e
o balneário de Curumim
438
. Um mapa contendo as localizações de todos estes sítios pode
ser visualizado no anexo 4.
435
NOELLI, Francisco S. Relatório final da vistoria arqueológica do trecho rodoviário Tainhas-Terrade
Areia da “Rota do Sol”. Porto Alegre, 1.994.
436
THADDEU, Vera L. Terceiro relatório do projeto: “resgate de evidências arqueológicas no trecho
rodoviário Tainhas-Terra de Areia da Rota do Sol”. Porto Alegre, 1.998.
437
THADDEU. p. 3 ítem 3.
O sítio LII09 - Manoel João possui 70 metros de comprimento por 60 metros de
largura, ocupando uma área de 4.200 metros quadrados. Este é um sítio que pode ser
considerado médio, indicando certa permanência dos Horticultores Guaranis no local. Sua
localização por GPS aponta E 592756 N 6728786.
Foi coletado apenas um fragmento rochoso, o que contrasta com os 109 fragmentos
cerâmicos encontrados no sítio. A cerâmica do sítio arqueológico Manoel João é
invariavelmente atribuída aos grupos Horticultores Guaranis.
Os tratamentos de superfície externa identificados nas análises foram 49 alisados,
45 corrugados ungulados, 10 ungulados, 4 receberam traços vermelhos sobre pintura branca
e apenas 1 recebeu pintura branca externa.
Os tratamentos de superfície interna identificados foram 4 fragmentos com traços
vermelhos sobre pintura branca e 105 receberam alisamentos.
O sítio do LII10 - Lima possui 50 metros de comprimento pelos mesmo s 50 metros
de largura, sendo caracterizado por um sítio de tamanho médio em função dos seus 2.500
metros quadrados de área total. Suas coordenadas são E 592392 N 6727968.
Neste sítio não foram coletados fragmentos rochosos. O material cerâmico analisado
soma 17 peças, sendo exclusivamente referentes aos Horticultores Guaranis.
Os tratamentos de superfície externa encontrados são 5 alisados, 10 corrugados
ungulados e em 2 fragmentos foram identificados traços vermelhos sobre pintura branca.
As decorações internas dos recipientes somam 13 alisados, 1 pintado de branco e 3
traços vermelhos sobre branco.
438
HILBERT, Klaus et. all. Vistoria Arqueológica Prévia na Rodovia RS 486 (km 0 a 11, 880m da BR 101
à Estrada do Mar; município de Terra de Areia/RS). Porto Alegre, agosto de 2.000. 80 p.
O sítio LII11 - Onildo Aguiar possui apenas 875 metros quadrados de área total,
atingindo 35 metros de comprimento por 25 de largura. Este é umtio considerado
pequeno, caracterizando-se como um dos menores sítios dos Horticultores Guaranis no
Litoral Norte. Sua localização via GPS aponta E 593274 N 6727399.
Acreditamos que estes sítios de pequenas proporções estejam relacionados a
possíveis roças que poderiam estar distantes dos centros residenciais. Provavelmente os
grupos tupis antigos, assim como os atuais, acampavam junto às plantações. Os
acampamentos junto às plantações tornavam-se necessários sobretudo quando estas
estavam longe das aldeias
439
. Mabilde nos relata que os coroados apreciavam muito alguns
cultivos, mas não os plantavam, apenas os obtinham através do roubo. Nas palavras do
autor,
“Os coroados nada plantam, não obstante
gostarem muito de milho verde, batata doce,
abóbora e amendoim, mandubim ou mandobim que
comem assado no borralho. Não é raro ver-se
aqueles selvagens percorrerem muitas léguas de
caminho até encontrarem alguma roça daquelas
plantas, de algum morador de beira do mato, para
ali fartar-se e roubar grande porção. Levam
consigo para o alojamento e, assim, poupam o
consumo de pinhão.(...)”
440
439
BELTRÃO & KNEIP, 1969 (a). Op. cit., p. 99.
440
MABILDE. Op. cit., p. 127.
Possivelmente, algumas roças deveriam ser vigiadas nas épocas de colheita, no
intuito de impedir os saques. O material arqueológico encontrado nestes sítios pode estar
relacionado aos períodos curtos de habitação nos locais, nos quais os instrumentos de uso
cotidiano seriam necessários, sendo transportados ou mesmo reproduzidos nestes sítios. No
momento em que alguns cultivos estivessem amadurecendo, diversos animais seriam
atraídos por esta nova oportunidade de alimentação, a qual se encontra concentrada. As
épocas de colheita seriam marcadas também pelas possibilidades de caça junto às
plantações.
“...a caça praticada nas cercanias dos sítios
ou quintais cultivados talvez tenha parcialmente
eliminado a sazonalidade e os problemas de
programação de horário, aumentando a biomassa de
certos animais que vivem nas margens das florestas
(por exemplo tatus, roedores e pequenos cervos que
procuram as plantações em busca de alimento e são
capturados quando o fazem) e servindo como um
substituto para a domesticação animal.(...)”
441
As plantações deveriam ter sido feitas, primeiramente, junto às aldeias. Na medida
em que os recursos minerais do solo se exauriam, as plantações seriam deslocadas para até
seis quilômetros de distância dos centros residenciais. Eduardo Galvão, por exemplo, diz
que os grupos Tenetehara deslocavam-se, por vezes, duas horas de caminhada até chegar
nas roças
442
. Se tivermos presente a consideração de Noelli que a área de domínio de alguns
441
MORAN. Op. cit., p. 318.
442
GALVÃO, Eduardo. Diários de campo entre os tenetehara, Kaioá e índios do Xingú. Rio de Janeiro:
Editora UFRJ, 1996. p. 72.
tekohás poderia chegar a 50 quilômetros radiais
443
, as distâncias relatadas por Galvão
parecem encurta-se. Estes acampamentos junto às plantações e os acampamentos
construídos na época de caça foram algumas vezes descritos pelos cronistas
444
, o que
corrobora nossa interpretação.
Os Horticultores Guaranis, segundo o registro de Montoya, distinguiam dois tipos
de solos: b, denominação utilizada para os argilosos, e bcuítnd, para os arenosos. Os
primeiros podem ser encontrados nos leitos do interior dos rios que descem o planalto, e os
segundos encontram-se ao longo de toda a Planície Costeira.
“Os solos formados por sedimentos
derivados de rochas silicosas eram genericamente
chamados de bcuítnd... ‘areias’. Sendo que a
areia era chamada de bcuit... e quando não
estivesse misturada com outros elementos, bcuit
yêpé... ‘areia pura’. Estes tipos de solo são
encontrados na Planície Costeira...”
445
O tio LII12 - Lomba da Folia encontra-se instalado sobre uma elevação de
formação pleistocênica, a exemplo do que ocorre com os sítios LII03 - Mário Mengue,
LII04 - Irmãos Broda, LII02 Cemitério, LLe02 Areal Moro e LII07 - Darci Leal. São
elevações que se destacam na paisagem da Planície Costeira, possibilitando o domínio de
boa área de visualização. Estes locais elevados tem a vantagem, ainda, de consistirem em
443
NOELLI, 1.993. Op. cit., p. 112.
444
BELTRÃO & KNEIP, 1969 (a). Op. cit., p. 99.
445
NOELLI, 1.993. Op. cit., p. 120-121.
refúgios secos e seguros nas épocas de cheias que ocorrem com as estações quentes e
chuvosas de verão e ápice do inverno. Sua localização via GPS aponta E 593994 N 672072.
O sítio arqueológico Lomba da Folia possui 50 metro de comprimento por 50
metros de largura, ocupando uma área de 2.500 metros quadrados, sendo considerado um
sítio médio.
Foram coletados neste sítio 11 fragmentos de cerâmica dos Horticultores Guaranis,
sendo todas unguladas externamente e alisadas em suas superfícies internas. Foi
evidenciada uma quantidade significativa de conchas, mas a equipe de pesquisadores alerta
para o fato de estarem relacionadas a uma ocupação histórica denotada por material vítreo
acompanhado por fragmentos de louça.
O sítio LII13 - Areal chega a ocupar 10.000 metros quadrados de área total,
possuindo 100 por 100 metros de comprimento e largura. É um sítio de tamanho grande e
pode ser, em função de suas dimensões, considerado uma aldeia. Infelizmente, ainda não
foram efetuadas escavações nesta área, o que impossibilita a comprovação desta hipótese
através dos vestígios da cultura material e, em especial, das evidências das habitações pré-
coloniais dos Horticultores Guaranis que ocuparam este local. Sua localização através de
GPS aponta E 594497 N 6727148.
Foram coletadas apenas cinco peças líticas e 104 fragmentos cerâmicos, sendo todos
atribuídos aos Horticultores Guaranis.
Os tratamentos de superfície externa evidenciados foram 79 alisados, 3 corrugados e
26 ungulados. O tratamento interno foi invariavelmente o alisado.
O sítio da Lagoa corresponde a um sítio que teria sido encontrado por Jussara
Ferrari. Recebeu este nome em função de localizar-se sobre uma duna à beira da Lagoa da
Itapeva . O sítio corresponde a um acampamento com significativa concentração de
carapaças de moluscos. O leitor certamente recorda de termos nos referido a esta
característica dos sítios litorâneos dos Horticultores do Planalto nos capítulos II e V.
Em que pese existam muitas carapaças de moluscos compondo o substrato do Sítio
da Lagoa, a localização topográfica e sua proximidade da Lagoa da Itapeva parecem
relacionar-se com o sistema de assentamento dos Horticultores Guaranis. Duas hipóteses
poderiam explicar tal fato: ou os Horticultores do Planalto estariam ocupando estas áreas
até a chegada dos Horticultores Guaranis quando, através de encontros belicosos, as teriam
perdido; ou os grupos planaltinos teriam incorporado um modo de vida no qual a
horticultura teria maior relevância, justificando assim, a escolha do local. Ambas
possibilidades remetem ao tema do contato entre os Ceramistas Pré-coloniais do Litoral
Norte, problemática que será tratada no capítulo seguinte.
Neste tio foram coletados apenas dois fragmentos de cerâmica. Ambos são
relativos às populações acima mencionadas. Seus tratamentos de superfície externos são
estocado, em um dos fragmentos, e impressão de corda com borda beliscada, no outro
fragmento.
Os sítios que serão apresentados a partir de agora são referentes às pesquisas de
Eurico Theófilo Miller no Litoral Norte, nos anos finais da cada de 1.960. As
informações apresentadas pelo pesquisador na publicação dos resultados do primeiro ano
do PRONAPA são referentes a alguns destes sítios, os quais deram origem às fases
referidas no início do presente capítulo. Nos disponibilizamos a “re-analisar” o material
arqueológico de alguns destes sítios tendo em vista a existência de informações, como por
exemplo, de datações radiocarbônicas não divulgadas pelo pesquisador supracitado.
Os sítios em questão foram denominados por Miller como “RS-LN” seguidos de
numeração corrida (01, 02, 03...), conforme os sítios iam sendo encontrados. Ocorre que
Klaus Hilbert realizou trabalhos de prospecção nas proximidades do município de Torres,
localizando diversos sítios arqueológicos, os quais trataremos mais adiante. A numeração
utilizada por Hilbert foi a mesma utilizada por Miller. Assim sendo, ocorrem sítios
diferentes com nomes iguais em nossa área de estudo. Utilizaremos, com o intuito de evitar
confusões, o último nome do pesquisador responsável pela descoberta ao lado de cada “RS-
LN”, objetivando de facilitar nosso entendimento.
O sítio arqueológico RS-LN-16 (Miller) situa-se sobre uma duna à beira de uma
pequena lagoa
446
. Apresenta uma largura de 60 metros por 870 metros de comprimento,
atingindo uma área total de 52.200 metros quadrados. Este sítio pode ser considerado de
tamanho muito grande, indicando uma ocupação estável, caracterizando um amundá
447
. O
pesquisador destaca a presença de algumas carapaças de moluscos em um dos focos de
concentração de material arqueológico. Durante os trabalhos de escavação Eurico Miller
localizou material orgânico que possibilitou a obtenção de duas datações: 535 ± 200 SI -
410 e 556 ± 200 SI - 411.
O material lítico encontrado neste sítio totaliza 80 peças. Os artefatos somam 3
fragmentos de arenito, 4 quebra-coquinhos (um destes pode ser visto no anexo 18), 11
termóforos, 3 seixos, 5 blocos, 3 placas, 2 percutores, 4 bigornas, 1 concreção de ferro,
ocorrendo ainda 3 peças lascadas muito erodidas, das quais não conseguimos retirar
maiores informações. Uma das lascas possui retoques regulares em uma das faces, e pode
ser vista no anexo 18.
O gráfico abaixo quantifica as lascas encontradas no sítio RS-LN-16 (Miller).
446
Um mapa contendo a localização deste sítio arqueológico pode ser visualizado no anexo 4.
447
De acordo com Noelli, um tekohá era formado por teii agrupadas ou isoladas, o que se daria em função das
condições locais e políticas. O teii corresponde à parcialidade ou família extensa, sendo designada de teii oga
a casa onde vivia a linhagem e amundá o local da aldeia ou sede do tekohá. NOELLI. Op. cit., p. 249.
Lascas
5
5
12
22
Lasca retocada
Lasca Bipolar
Lasca Cortical
Lasca de
Preparação
A existência das lascas bipolares em calcedônia, quartzo e ágata podem indicar uma
área de processamento de alimentos
448
, uma vez que os gumes formados pelos lascamentos
nestas matérias primas apresentam bom fio.
O material cerâmico dos Horticultores Guaranis totaliza 2.295 fragmentos, sendo 8
fragmentos atribuídos aos grupos Horticultores do Planalto.
Os tratamentos de superfície identificados foram 404 alisados, 537 corrugados, 307
corrugados ungulados, 226 ungulados, 42 não identificados, 25 receberam um banho
avermelhado internamente, 2 fragmentos apresentam o tratamento roletado e 2 são
corrugados possuindo ungulações na borda. Os tratamentos pintados constituem-se em 146
pintados de branco, 162 receberam traços vermelhos sobre pintura branca, 6 receberam
traços pretos sobre pintura branca, 2 possuem uma faixa avermelhada, sendo que em um
deles a faixa é paralela à borda, 12 possuem as combinações das pinturas vermelha e branca
e 1 fragmento apresenta um banho avermelhado internamente e ungulações externas.
448
“(...)As marcas de utilização presentes nas lascas bipolares relacionam-se às atividades de cortar ou
raspar. As evidências de mocro-lascamentos podem ser perpendiculares à borda ativa, denotando utilização
em evidências de raspar... ou paralelos a mesma, demonstrando sua utilização em atividades de cortar...
superfícies com tenacidade maior que a sua matéria-prima.(...)”DIAS, 1.994. Op. cit., p. 121.
Ocorre ainda um fragmento de cerâmica corrugada que possui um orifício circular
de cerca de um centímetro de diâmetro. Talvez tivesse sido feito com o intuito de suspender
a vasilha, mas não há informações que possibilitem tal afirmação.
Entre o material cerâmico aparecem também 16 fragmentos com tratamento de
superfície externa escovada. A literatura arqueológica costuma relacionar tal acabamento
ao período de contato com o elemento europeu
449
. Os fragmentos são oriundos de dois
focos diferentes de concentração de material, sendo, porém, ambos coletados
superficialmente. Eurico Miller realizou um corte estratigráfico no sítio, mas o material
recolhido não possui tal incidência. Apenas uma escavação controlada abrangendo uma
área mais ampla poderia confirmar se tal tratamento de superfície ocorre em fragmentos in
situ em profundidade. Esta questão fica em aberto como sugestão para tomar parte de
pesquisas futuras.
Ocorre ainda, o caso de um fragmento com ambas as superfícies alisadas, possuindo
espessura de 18 milímetros, que foi aproveitado como afiador em canaleta. Uma das
laterais deste instrumento possui ranhuras de raspagem, talvez aproveitando a superfície
extremamente abrasiva formada pelos grãos de areia utilizados no antiplástico com o intuito
de polir ou desgastar algum outro objeto.
Os 8 fragmentos de cerâmica atribuídos aos Horticultores do planalto possuem
tratamento externo ungulado, e não possibilitaram a reconstrução gráfica.
André Luiz Jacobus nos informou da existência de dois fragmentos ósseos
identificados por ele neste sítio, sendo um pertencente a uma baleia e um dente de porco do
mato.
449
BROCHADO, 1.969. Op. cit., p. 22-24.
Entre o material pré-colonial aparecem quatro fragmentos de cerâmicas referentes à
ocupação histórica da área. Além destes, ocorrem dois fragmentos que não puderam ter sua
origem seguramente identificada. Estas duas peças possuem a superfície externa ponteada,
sendo cruzada diagonalmente por três linhas paralelas. Em uma das peças vestígios de
pintura vermelha no interior das linhas. As superfícies internas são alisadas em ambos os
fragmentos. Uma foto que ilustra estes dois fragmentos pode ser vista no anexo 19.
Gostaríamos de registrar aqui que Sérgio Leite re-visitou este sítio no ano de 1.993 e
denominou-o RS-LN-01Capão da Areia. O trabalho de campo contou com a participação
de muitos alunos do curso de história da Faculdade de Ciências e Letras de Osório
(FACOS)
450
.
Nas proximidades da praia de Santa Terezinha dois sítios que denotam a
ocupação dos grupos Horticultores do Planalto. O RS-LN-17 (Miller) e RS-LN-18 (Miller)
caracterizam-se como concheiros de origem antrópica com a ocorrência de cerâmica das
populações referidas. Não nos foi possível localizar as coleções destes sítios no Museu
Arqueológico do Rio Grande do Sul. Entretanto, como dissemos anteriormente, o RS-LN-
18 (Miller) foi re-localizado por Jussara Ferrari no ano de 1.984
451
, quando recebeu a
denominação de Santa Terezinha. Este sítio foi ainda re-visitado por nós no ano de 2.001,
quando coletamos alguns fragmentos que estavam na superfície do sitio.
O material cerâmico totaliza 4 fragmentos estocados, 3 ungulados, 2 com
impressões de corda e 4 não puderam ser identificados em função do desgaste sofrido pela
ação do vento.
450
LEITE, Sérgio. Sítio RS-LN-01 Capão da Areia, Osório, RS. In: Estudos ibero-americanos, Porto
Alegre, PUCRS, v. XXI, n. 2, dezembro, 1.995. p. 33-62.
451
FERRARI, Jussara. Sítios arqueológicos costeiros, litoral norte do RS, Brasil. Nota Prévia,
datilografado, 1.984. p. 86-89.
Ocorrem ainda, 7 fragmentos de cerâmica dos Horticultores Guaranis, os quais
somam 5 corrugados ungulados externos e alisados internos, e 2 possuem pintura externa
branca com alisamento interno.
O RS-LN-17 (Miller) e RS-LN-18 (Miller), juntamente com os sítios Imbé-02, RS-
LN-03 (Hilbert), RS-LN-04 (Hilbert) e RS-LN-22 (Hilbert), os quais serão apresentados
mais adiante, nos dão margem para a interpretação do Sistema de Assentamento dos
Horticultores do Planalto na planície litorânea. Conforme afirmamos no Capítulo VII,
devemos entender tal sistema como constituinte do Padrão de Assentamento destes grupos.
Este conceito deve ser admitido de forma mais ampla englobando os sistemas de
assentamento das casas subterrâneas, dos sítios acampamentos das encostas da Serra Geral
e, finalmente, o de nossa área de estudo.
É claramente perceptível que o interesse destes horticultores no Litoral Norte é a
complementação protéica de sua alimentação através da exploração sazonal dos recursos
malacológicos. Tais recursos são tão recompensadores em termos alimentícios que foram
aproveitados ainda em tempos históricos. Como dissemos no Capítulo V, o relato do Frei
Gaspar da Madre Deus é elucidativo a respeito da ocupação sazonal dos sítios litorâneos.
Tais grupos indígenas desciam do planalto em direção à costa nas épocas mais quentes do
ano para a coleta de moluscos. O resultado da “mariscagem” era levado para as aldeias
depois de desidratado, para servir de fonte de alimentação protéica nos meses mais frios do
ano.
Discorrendo sobre as origens do balneário de Arroio Teixeira Guido Muri registra
tal aproveitamento alimentar. Depois do café matinal ia-se à praia pescar e arrancar
maçambique para o almoço, que era geralmente abundante em peixes e daqueles mariscos,
estes também comidos em forma de paçoca.”
452
.
As localizações dos sítios parecem corroborar estas hipóteses (ver anexo 20). Os
antigos acampamentos encontram-se nas zonas limítrofes entre a vegetação rasteira das
zonas de restinga e o campo de dunas ativas. Tal posicionamento os colocava em
eqüidistância entre as áreas de captação de recursos marinhos e dos banhados. O sítio RS-
LN-18 (Miller) possui em sua coleção algumas amostras malacológicas que nos indicam o
uso destes ambientes. Foram encontradas amostras dos gastrópodes Olivancillaria Urceus:
localizadas em ambientes de água salgada, nas areias até 30 metros de profundidade; e
Olivancilla Contortuplicata: adaptada à água salgada, encontrada nas marés baixas.
ainda a ocorrência de um bivalve Tivela Ventricosa: espécie adaptada a ambientes de água
salgada, encontrada durante a maré baixa ou em bancos de areia.
A ocupação de dunas já fixadas, ou em processo de fixação, localizadas nos limites
com a vegetação de restinga, proporcionava certo resguardo do forte embate vento
dominante nordeste, que até hoje assola o litoral sul-rio-grandense. Estas dunas
provavelmente correspondem às reminiscências de um dos eventos trangressivos-
regressivos mais recentes, dos quais os geólogos não possuem muitas informações.
Estes acampamentos estariam então, protegidos atrás deste cordão de dunas,
preservando as pequenas habitações construídas com a vegetação local. Pierre Mabilde
relata a utilização dos gerivazeiros para a construção das casas dos coroados. Nas palavras
do autor,
452
MURI, Guido. Remembranças de Conceição do Arroio. Vol. II. Osório: Editora do Jornal Momento,
1989. p. 75.
“Os seus alojamentos são formados de
ranchos com vários tamanhos e configurações.
Todos são cobertos com as folhas do gerivaseiro
(Arecastrum (cocos) Romanzoffianum) ou com fetos
arborescentes (Alsophyla arborescens).”
453
A utilização destas palmáceas na confecção das estruturas, bem como das
coberturas das casas são tão eficazes, que foram aproveitadas pelas primeiras levas de
imigrantes alemães que chegaram a Torres, ainda no ano de 1.826
454
.
Consideramos relevante para o nosso estudo mencionar que RS-LN-19 (Miller), o
qual pode ser visto no anexo 4, possui ocupação dos Horticultores do Planalto. Este sítio é
mais conhecido como sambaqui de Xangri-lá. Infelizmente, a exemplo do que ocorreu com
os sítios anteriores, não nos foi possível encontrar as respectivas coleções no Museu
Arqueológico do Rio Grande do Sul. Entretanto, Arno Kern realizou escavações neste sítio
no ano de 1.984. Entre o material coletado, encontram-se apenas três fragmentos cerâmicos,
sendo dois dos Horticultores Guaranis e um dos grupos do planalto
455
. Pedro Ribeiro
realizou pesquisas sobre a ocorrência de um zoólito do sítio no ano de 1.982. O pesquisador
igualmente identificou as duas ocupações ceramistas. “Nós, que temos visitado quase todos
os anos o sambaqui de Xangri-lá, constatamos duas tradições ceramistas, a Taquara e a
Tupiguarani.(...)”
456
. O que nos leva a crer que este sítio caracteriza-se como uma ocupação
dos Horticultores do Planalto, sobreposta a um sambaqui, são as informações existentes nas
453
MABILDE. Op. cit., p. 39.
454
OLIVEIRA, Lizete D. et all. Duplicação da rodovia br-101 SC/RS: trecho Torres-Osório. Estudo do
patrimônio histórico e cultural na área de influência do empreendimento. PUCRS – MCT, 2.003. p. 66-
74.
455
KERN, Arno A. Sondagens no sítio arqueológico de Xangrilá: uma experiência didática em arqueologia de
salvamento. In: Revista do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Porto Alegre, v.13, 1.985. p. 92-93.
456
RIBEIRO, Pedro M. Breve notícia sobre a ocorrência de zoólito no sambaqui de Xangri-lá, RS, Brasil. In:
Revista do CEPA, Santa Cruz do Sul, N. 11, abril, 1.982. p. 38.
fichas de registro do MARSUL, onde o sambaqui de Xangri-lá está caracterizado desta
maneira.
O sítio RS-LN-20 (Miller) possui uma área de 40 metros de comprimento por 25
metros de largura, atingindo uma área total de 1.000 metros quadrados. Pode ser
considerado um sítio de tamanho pequeno, podendo ser localizado no anexo 4.
Neste sítio foram encontrados apenas três fragmentos de cerâmica dos Horticultores
Guaranis, sendo alisadas externamente e internamente. O único artefato lítico encontrado
caracteriza-se como um pequeno seixo de basalto muito bem polido.
Miller relata que durante as escavações deparou-se com muitas carapaças de
moluscos. O sítio está relacionado a um ambiente de banhados com relativa proximidade do
litoral Atlântico. Tais recursos protéicos poderiam ser igualmente conseguidos em rápidas
incursões ao mar. É interessante relatar aqui que esta área foi re-visitada por Klaus Hilbert e
Arno Kern no ano de 1.995
457
. Estes pesquisadores nada encontraram nesta área, tendo
caracterizado este concheiro como natural, sem ação antrópica.
Estas áreas de captação de recursos malacológicos estão ligadas ao Sistema de
Assentamento dos Horticultores do Planalto junto à planície litorânea, não sendo
característica dos grupos guaranis. Tal fato indica uma colisão de interesses pelas áreas de
banhadais mais próximas ao mar, o que pode indicar disputas bélicas pela posse deste
território. Este tema será tratado no capítulo seguinte.
O sítio RS-LN-21 (Miller) está localizado nas adjacências do sítio anterior,
possuindo 40 metros de comprimento por 20 metros de largura. Seus 800 metros quadrados
caracterizam-no como um dos menores sítios encontrados no litoral, no qual foi encontrado
457
GIOVANNINI, Carlos A. Geologia do município de Xangri-lá, RS. Porto Alegre: CPRM, 1.995. (Série
Cartas Temáticas – Porto Alegre, v. 18). 33 p.
apenas um percutor multi-funcional, ou seja, um percutor que foi igualmente utilizado
como bigorna para lascamentos bipolares. Este concheiro foi também re-visitado por
Hilbert e Kern, tendo sido caracterizado como natural.
O sítio RS-LN-22 (Miller) está nas proximidades dos dois sítios anteriores, e possui
100 metros de comprimento por 40 metros de largura, tingindo uma área total de 4.000
metros quadrados. Entretanto, foi possível perceber, nas fichas de catálogo e registro do
Museu Arqueológico do Rio Grande do Sul, que Miller teria considerado uma área
associada a um concheiro como área do sítio. A área deste sítio, seria, conseqüentemente,
muito menor do que determinada por Eurico Miller. Parece-nos então, que o sítio
caracteriza-se como uma rápida ocupação sobreposta a um concheiro, o qual Hilbert e Kern
consideraram estéril
458
.
O que torna-se interessante para nós, é o fato de estar relacionado a uma área de
captação de recursos malacológicos, indicando, mais uma vez, possíveis disputas
territoriais com os Horticultores do Planalto.
Foram encontrados neste sítio apenas oito fragmentos de cerâmica, as quais podem
ser atribuídas aos Horticultores Guaranis. O tratamento de superfície externo é o escovado
em todos os casos, sendo aliados internamente. Como dissemos anteriormente, o tratamento
escovado indica o contato com o elemento europeu.
O material tico analisado apresenta apenas duas lascas de preparação
459
em
basalto, um fragmento de arenito e um geodo de quartzo fraturado.
458
A forte ação eólica proporciona o transporte aéreo de sedimentos depositados na antepraia durante as
marés baixas, subsidiando o campo ativo de dunas móveis. Estes sedimentos são responsáveis pela
colmatação das lagoas costeiras e pelo soterramento de muitos sítios arqueológicos, o que dificulta a re-
localização de muitas destas “jazidas”.
O sítio RS-LN-23 (Miller) caracteriza-se por um concheiro no qual foi encontrado
apenas um quebra-coquinho. Não possuímos informações sobre a existência de cerâmica
neste sítio, em que pese Miller considere-o relativo aos Horticultores do Planalto. Suas
dimensões atingem 45 metros de comprimento por 20 metros de largura, ocupando uma
área total de 900 metros quadrados. Klaus Hilbert e Arno Kern consideraram este sítio
como uma acumulação natural de moluscos.
Um outro sítio localizado nas imediações dos sítios anteriores foi denominado RS-
LN-24 (Miller), ocupando uma área de 800 metros quadrados. Este sítio possui 11
fragmentos de cerâmica dos grupos Horticultores Guaranis. O único tratamento interno
identificado é o que combina traços vermelhos sobre pintura branca. As superfícies
externas são invariavelmente alisadas. Apenas uma peça lítica foi recolhida por Eurico
Miller, a qual caracteriza-se por um alisador elaborado obre um bloco de arenito. Esta peça
possui depressões provocadas pela abrasão em ambas as faces. Novamente ocorre um sítio
guarani instalado em áreas favoráveis ao sistema econômico dos grupos do planalto.
O último dos sítios localizados nas imediações dos anteriores recebeu a
denominação de RS-LN-25 (Miller), e não possui material arqueológico em sua coleção.
Desta vez coincidem as atribuições de Kern e Hilbert com Eurico Miller.
O sítio RS-LN-26 (Miller) é um sítio de médias proporções localizado à beira do
sangradouro da Lagoa dos Quadros. Em que pese esteja tão próximo à água, o sítio não fica
prejudicado durante as chuvas do inverno e os episódios de maior pluviosidade do verão.
Constitui-se de uma concentração de conchas, característica marcante das ocupações dos
Horticultores do Planalto no Litoral Norte. Sua área total é de 1.440 metros quadrados,
459
De acordo com Sirlei Hoeltz, são lascas retiradas após o primeiro lascamento de uma massa de matéria-
prima. Apresentam no seu dorso marcas dos lascamentos precedentes ou até restos de córtex. Apresentam um
plano de percussão bem pronunciado, largo, indiferente ao tamanho da lasca. HOELTZ. Op. cit., p. 64.
atingindo 48 metros de comprimento por 30 metros de largura. Um mapa com a localização
deste sítio pode ser visto no anexo 4.
O material arqueológico existente em sua coleção conta com apenas 4 fragmentos
de cerâmica, todos atribuídos aos Horticultores do Planalto. Os tratamentos de superfície
externa somam 3 beliscados e apenas 1 alisado.
O material lítico segue este padrão de baixa quantidade. Apresentamos a seguir uma
tabela com as formas básicas encontradas neste sítio arqueológico.
RS-LN-26 (Miller)
Forma Básica Quantidades
Artefato Bruto 7
Bloco 6
Placa 5
Termóforo 13
Total 31
A matéria prima utilizada neste sítio é primordialmente o basalto, aparecendo
apenas um caso de arenito.
Os artefatos brutos encontrados neste sítio podem ser visualizados no gráfico que
segue.
Artefatos Brutos
3
2
1
1
Apoio
Quebra-
coquinho
Polidor
Percutor/Alisad
or
O leitor mais atento certamente percebeu que a área descrita para esta ocupação
aproxima-se muito das áreas selecionadas pelos grupos Horticultores Guaranis para a
instalação de suas moradias. Teriam ocupado a mesma área em épocas diferentes do ano?
Teriam coexistido as duas ocupações? Ou teriam entrado em disputas pela obtenção e
manutenção destes espaços? Estes temas serão tratados no capítulo seguinte.
O RS-LN-27 (Miller) configura-se como um casqueiro sem cerâmica, o qual não
nos interessa neste trabalho. Possui duas concentrações de 10 metros por 10 metros
distantes aproximadamente 20 metros um do outro, possuindo apenas fragmentos rochosos.
Um mapa com a localização deste sítio pode ser visto no anexo 4.
O RS-LN-28 (Miller) caracteriza-se igualmente como um sambaqui pré-cerâmico, o
qual não nos traz informações adicionais ao nosso estudo. Possui 140 metros de
comprimento por 20 metros de largura, atingindo 2.800 metros quadrados de área total.
Situa-se nas proximidades de uma grande zona de banhados, podendo ser visto no anexo 4.
O RS-LN-29 (Miller) possui muitos fragmentos de cerâmica atribuída aos
Horticultores Guaranis, os quais não foram analisados por nós. O sítio encontra-se bastante
atingido pela construção de uma estrada que dá aceso a uma fazenda. Ocupa uma área total
de 35 metros de comprimento por 25 metros de largura, chegando a 875 metros quadrados.
A localização deste sítio pode ser vista no anexo 4. O anexo 21 mostra algumas imagens
deste sítio arqueológico.
O RS-LN-30 (Miller) se localiza-se sobre uma pequena elevação que circunda a
Lagoa da Pinguela, distando cerca de quatrocentos metros da mesma. Possui 75 metros de
comprimento por 50 de largura, atingindo 3.750 metros quadrados. Sua proporção média,
associada ao relato do pesquisador, que revela poucos fragmentos, nos faz pensar em uma
ocupação breve, mas apenas uma escavação poderia comprovar esta hipótese. Os anexos 22
e 23 ilustram os trabalhos de campo no RS-LN-30 (Miller).
O RS-LN-31 (Miller) situa-se a setenta metros a noroeste da Lagoa do Peixoto,
sobre uma elevação de areia fixada pela vegetação. O anexo 24 contém algumas imagens
deste sítio arqueológico.
Possui aproximadamente 85 metros de comprimento por 50 de largura, atingindo
uma área total de 4.250 metros quadrados. Este pode ser considerado de proporções médias,
tendo em vista o critério exposto anteriormente. Eurico Miller relata a ocorrência de
algumas carapaças de moluscos associados aos fragmentos de cerâmica dos Horticultores
Guaranis.
O sítio arqueológico RS-LN-32 (Miller) está localizado às margens da Lagoa do
Ramalhete, e possui 125 metros de comprimento por 90 metros de largura, atingindo uma
área total de 11.250 metros quadrados, podendo ser caracterizado como um grande amundá.
Entre o material tombado existente na coleção do MARSUL um machado polido de
grandes proporções oriundo deste sítio. Uma foto desta peça pode ser vista no anexo 19,
sendo que a localização do sítio pode ser vista no anexo 4. Já o anexo 25, caracteriza-se por
uma imagem da escavação deste mesmo sítio.
O sítio RS-LN-33 (Miller) encontra-se entre a Lagoa Negra e a Lagoa das Malvas.
Possui uma área de 70 metros de comprimento pelos mesmos 70 metros de largura,
atingindo 4.900 metros quadrados de área total. Pode igualmente ser caracterizado como
uma aldeia sede (amundá), estrutura central de um tekohá. Este sítio possui uma pequena
ñaembé coletada inteira. Uma foto desta vasilha pode ser vista no anexo 26.
O sítio RS-LN-34 localiza-se às margens da Lagoa das Malvas, em um pontal que
se projeta no interior do corpo lacustre. Possui 37 metros de comprimento por 28 metros de
largura, atingindo uma área total de 1.036 metros quadrados (o anexo 25 possui uma
imagem do mesmo). Constitui-se como um sítio pequeno, provavelmente relacionado a
uma área de atividade de um amundá próximo. Possui duas bolas de boleadeira em sua
coleção, o que indica um episódio de contato com os caçadores da região do pampa, tema
que será tratado mais adiante. Estas peças podem ser vistas no anexo 27, e a localização
deste sítio no anexo 4.
O sítio RS-LN-35 (Miller) possui uma área total de 3.150 metros quadrados,
atingindo 70 metros de comprimento por 45 metros de largura. Este tio ocupado pelos
Horticultores Guaranis pode ser considerado um sítio de tamanho médio. Localiza-se no
topo de uma elevação arenosa nas proximidades da Lagoa do Ramalhete, a qual pode ser
detectada no anexo 4. Durante os trabalhos de campo, Eurico Miller realizou pequenas
escavações que possibilitaram a obtenção de duas datações: 896 ± 100 (1.054 A.D.) SI
412 e 1.102 ± 110 (848 A.D.) SI 413
460
. Esta constitui a datação mais antiga obtida para
sítios dos grupos Horticultores Guaranis no Litoral Norte. Os anexos 28 e 29 revelam
algumas imagens do RS-LN-35 (Miller).
O material lítico coletado no sítio é relativamente expressivo, sendo constituído por
apenas 48 fragmentos rochosos. A maioria das peças possuem modificações ocasionadas
pela ação humana, constituindo-se por 11 placas naturais
461
de basalto, 25 fragmentos
rochosos com fraturas e/ou coloração térmica, apenas uma lasca de origem rmica, 2
arenitos sem alterações antrópicas e 2 fragmentos de calcedônia igualmente sem
modificações
462
. Os artefatos encontrados são 3 afiadores em canaleta (uma destas peças
460
Estas informações foram extraídas das fichas de catálogo existentes nos arquivos do Museu Arqueológico
do Rio grande do Sul.
461
Placas naturais são aquelas placas de basalto colunar facilmente encontradas nos leitos dos rios mais
interioranos e nas bases das escarpas da Serra Geral. São denominadas desta forma por não possuírem
evidências de atividades antrópicas.
462
Devemos considerar, entretanto, que esta matéria prima não é naturalmente encontrada na faixa arenosa da
Planície Costeira. Desta forma, qualquer fragmento de calcedônia deve ter sido importado para o sítio
arqueológico. Tal fato ocorre igualmente com o basalto.
pode ser vista no anexo 27) e 4 alisadores (polidores), todos em arenito. O gráfico abaixo
evidencia a matéria prima preferida pelos Horticultores Guaranis que habitaram este sítio.
Matérias Primas
2
9
37
Cacedônia
Arenito
Basalto
No que diz respeito ao material cerâmico do RS-LN-35 (Miller), foi coletado um
total de 1.074 fragmentos, todos relativos aos grupos Horticultores Guaranis.
Os tratamentos de superfície externa encontrados neste sítio foram 145 alisados, 43
não identificados, 29 corrugados, 616 corrugados ungulados, 43 ungulados, 39 foram
recobertos com um banho avermelhado, 85 receberam pintura branca, 70 receberam traços
vermelhos sobre pintura branca, e 4 receberam traços pretos sobre pintura vermelha.
Algumas vasilhas cerâmicas foram encontradas inteiras, e uma pode ser
reconstruída a partir de seus fragmentos. Fotografias destes artefatos podem ser vistas nos
anexos 30 e 31.
Este tio possui ainda, vestígios de um enterramento. A urna funerária foi
encontrada praticamente inteira. É interessante ressaltar aqui que a vasilha utilizada possuía
tratamento de superfície externa corrugado.
O enterramento foi evidenciado em função da existência de um osso do aparelho
auditivo que, segundo Eurico Miller, pertencia a uma criança
463
. O fato de existir tal
evidência, aliada às grandes proporções e a expressiva densidade de material de alguns
463
Estas informações foram retiradas das fichas de catálogo dos arquivos do Museu Arqueológico do Rio
Grande do Sul.
sítios corrobora a hipótese de o Litoral Norte não configurar apenas uma área de passagem,
um grande corredor arenoso espremido entre a serra e o mar, mas sim como um local onde
os grupos ceramistas pré-coloniais se estabeleceram e desenvolveram seu modo de vida.
O sítio RS-LN-36 (Miller) encontra-se nas proximidades do sítio anterior, podendo
ser localizado no anexo 4. Mostra-se igualmente relacionado à Lagoa do Ramalhete,
atingindo 100 metros de comprimento por 65 metros de largura. Sua área total é de 6.500
metros quadrados, e pode ser considerado um sítio de tamanho grande. Miller nos informa
da existência de grande quantidade de cerâmica dos Horticultores Guaranis, em que pese
não tenhamos analisado estes fragmentos. O anexo 32 mostra 3 machados polidos em
basalto e uma mão de pilão elaborada a partir de uma placa de basalto colunar.
O sítio RS-LN-48 (Miller) encontra-se igualmente às margens da Lagoa do
Ramalhete, possuindo 3.500 metros quadrados de área total. Não nos foi possível extrair
maiores informações a respeito deste sítio, tão pouco localizar o material arqueológico
referente. Sabemos apenas que está relacionado à ocupação dos Horticultores Guaranis na
região.
No ano de 2.002 visitamos uma fazenda de criação de gado que se localiza nas
proximidades de uma região de turfeiras associada ao sistema deposicional da Lagoa da
Caieira, o qual era aproveitado para o plantio de arroz. A Fazenda do Casqueiro nos
chamou a atenção em função da denominação peculiar que recebeu. Imaginávamos ser
possível a existência de um sambaqui que tivesse lhe emprestado o nome. Nossa hipótese
foi confirmada ao descobrirmos que tal sítio teria ido descoberto durante a abertura de uma
vala de drenagem para as plantações. O proprietário nos mostrou dois machados polidos
que haviam sido encontrados no local, e nos informou que uma urna funerária com restos
humanos teria sido destruída pelo maquinário que abria o canal. Entretanto, não nos foi
possível visualizar o material cerâmico, mas os machados pareciam ser associados aos
Horticultores Guaranis.
Durante o ano de 1.993 Klaus Hilbert realizou trabalhos de prospecção arqueológica
no município de Imbé, quando foram encontrados alguns pequenos sambaquis e um
acampamento dos Horticultores do Planalto. nos referimos a este sítio anteriormente,
quando apresentamos os dados sobre os sítios RS-LN-17 (Miller) e RS-LN-18 (Miller). A
exemplo do que ocorre com os sítios referidos, o Imbé-02 localizado por Hilbert encontra-
se a cerca de 2.500 metros da linha atual de costa. Situado sobre as elevações de um dos
cordões de dunas que marcam as recentes transgressões holocênicas, o Imbé-02 parece
estar relacionado ao ambiente do denominado Banhado Grande e à captação de recursos
marinhos, o que corrobora o Sistema de Assentamento dos Horticultores do Planalto
esboçado anteriormente.
O material cerâmico encontrado neste sítio caracteriza-se por 3 fragmentos com
impressões de corda em suas superfícies externas, 2 alisados e 1 com impressão de cestaria.
Foram coletadas ainda, algumas evidências do contato entre os grupos Ceramistas Pré-
coloniais do Litoral Norte, as quais são atestadas por 4 fragmentos ungulados e 6
corrugados ungulados.
No ano de 1.998 André Luis Soares realizou um trabalho de vistoria arqueológica e
estabeleceu medidas de preservação de um sítio arqueológico localizado no Litoral Norte
do Estado. Tal tarefa foi requisitada por um veranista local que julgou em perigo a
preservação do mesmo, em função do crescimento imobiliário do Balneário Atlântico. A
atitude do veranista Silvio Reneu Oleinik é digna de nota. A localização do sítio
arqueológico em questão pode ser vista no anexo 4. As informações expostas a seguir
foram extraídas do relatório técnico redigido pelo pesquisador supracitado.
O tio possui dimensões de 24 metros de comprimento por 12 metros de largura,
possuindo uma forma elipsóide no sentido lesle-oeste. Situa-se sobre um cordão de dunas
fixas, rodeado, em parte, pela movimentação do campo de dunas ativas. O pesquisador
informa que o sítio caracteriza-se por um casqueiro, e comenta a existência de material
lítico e cerâmico. Infelizmente, não foi possível identificar a filiação cultural do fragmento
cerâmico em função do desgaste de sua superfície.
Em função da localização do sítio, de suas reduzidas proporções e da existência de
material cerâmico, imaginamos tratar-se de um acampamento dos Horticultores do Planalto.
Entretanto, apenas uma nova visita ao sítio poderia solucionar tal dúvida.
Nas proximidades do sítio anteriormente referido um acampamento dos
Horticultores do Planalto, o qual foi localizado por Cláudio Carle, que nos informou de sua
existência. A localização deste sítio pode ser visualizada no anexo 4.
O sítio arqueológico em questão encontra-se sobre dunas fixadas pela vegetação
rasteira, distando cerca de 1.000 metros da linha de costa atual (ver anexo 33). Possui 15
metros de comprimento por 12 metros de largura, atingindo uma área de 180 metros
quadrados. Seu posicionamento está estrategicamente associado a um pequeno corpo
lacustre, denominado na região de Lagoa Negra. Tal área é hoje uma pequena área de
preservação ambiental: Parque Tupancy. Esta ocupação corrobora o Sistema de
Assentamento dos grupos do planalto em nossa área de estudos.
O material visto por nós na superfície do tio resume-se a alguns blocos de basalto
e poucas lascas, situados em meio ao substrato formado por significativa concentração de
material malacológico. A existência de material cerâmico das populações das casas
subterrâneas nos foi informada pelo pesquisador anteriormente referido.
O sítio arqueológico RS-LN-02 (Hilbert) foi localizado no ano de 1.996 por Klaus
Hilbert, nas imediações da Praia de Itapeva. O anexo 4 mostra o posicionamento deste sítio.
A cerâmica encontrada apresenta dois fragmentos relativos aos Horticultores do Planalto e
apenas um fragmento dos Horticultores Guaranis.
A cerâmica dos grupos das casas subterrâneas se caracteriza por duas peças com
impressão de corda em suas superfícies externas e alisamento interno. a única evidência
Guarani consiste em um “caco” com tratamentos externo corrugado ungulado e alisamento
interno. Existem ainda 19 fragmentos de louça, 1 bloco de basalto com coloração térmica e
4 lascas de calcedônia.
Não possuímos dados acerca das dimensões deste sítio, nem de sua constituição
estratigráfica, não sendo possível caracterizá-lo de acordo com nossas perspectivas.
O sítio RS-LN-03 (Hilbert) localiza-se em uma área que corresponde ao balneário
Praia de Itapeva. Dista cerca de 800 metros da linha atual de costa. O sítio é cortado por um
estreito córrego que vai em direção ao mar, drenando uma zona de banhado que se situa a
oeste.
O RS-LN-03 (Hilbert) caracteriza uma ocupação dos Horticultores do Planalto,
situando-se nas proximidades das zonas de captação de recursos malacológicos. Este sítio
não possui seu substrato dominado por carapaças de moluscos, entretanto uma
concentração destas foi encontrada em uma das extremidades do sítio.
A cerâmica dos grupos Horticultores do Planalto encontrada totaliza 97 fragmentos
com ungulações, 105 estocados, 31 possuem impressões de corda, 16 alisados, 4
cerrungulados, 1 beliscado e 16 não identificados.
ainda a ocorrência de alguns fragmentos de cerâmica atribuída aos Horticultores
Guaranis, as quais somam 20 alisados e 1 fragmento ungulado. Todos os fragmentos
descritos acima possuem suas superfícies internas alisadas.
Foram coletados neste sítio, 3 pequenos fragmentos das columelas de 3 indivíduos
da espécie Olivancillaria vesica vesica. Este molusco pode ser capturado em areias de
pouca profundidade, sempre em ambiente marinho. Tal fato reforça a hipótese de os
Horticultores Guaranis terem entrado em “litígiopelos nichos de domínio dos grupos do
planalto.
O RS-LN-04 (Hilbert) encontra-se igualmente localizado nas imediações da praia de
Itapeva, e seu posicionamento cartográfico pode ser visto no anexo 4. A cerâmica pré-
colonial coletada pode ser atribuída aos grupos Horticultores Guaranis. Somam 11
ungulados externos, 4 corrugados ungulados, 3 corrugados, 1 alisado e 7 não identificados.
A tabela abaixo apresenta o total de matérias primas líticas evidenciadas durante os
trabalhos de prospecção.
RS-LN-04 (Hilbert)
Matéria Prima Quantidade
Basalto 7
Calcedônea 2
Ágata 2
Arenito 1
Total 12
A localização deste sítio, em meio às dunas próximas da linha atual da costa, indica
a utilização de uma área de captação de recursos malacológicos, tradicionalmente dominada
pelos Horticultores do Planalto. A não existência de cerâmica planaltina poderia indicar a
dominação da área e a expulsão de seus tradicionais ocupantes. Entretanto, devemos ter em
mente a exigüidade de material coletado, o que impossibilita a confirmação desta
interpretação. Seria de fundamental importância um trabalho de re-visitação e coleta
superficial sistemática, para que se possa obter maiores informações.
O RS-LN-06 (Hilbert) localiza-se a cerca de 800 metros da atual linha de praia.
Possui 22 fragmentos de cerâmica sendo que 18 pertencem aos Horticultores Guaranis e 4
remetem ao período histórico.
Os tratamentos de superfície analisados foram 12 alisados , 4 corrugados e 2
possuem traços vermelhos sobre pintura branca na superfície externa.
O sítio arqueológico RS-LN-07 (Hilbert) situa-se ao norte da pedra de Itapeva,
distando aproximadamente 1.000 metros da linha de costa atual, o qual pode ser visto no
anexo 4.
O material lítico resume-se a 2 termóforos de basalto, 4 seixos de basalto, 2 blocos
naturais de basalto e 1 lasca da mesma matéria prima. A captação destes recursos
inorgânicos estaria disponível nos cursos médios e superiores dos rios Cardoso e
Mampituba, ou mesmo nas falésias de Torres e Itapeva. Como vimos no capítulo inicial, há
ainda a ocorrência do conglomerado Mampituba, o qual representaria igualmente uma boa
fonte de matérias primas para a indústria lítica local.
Foram coletados 7 fragmentos de cerâmica corrugada, 34 ungulados, 124
fragmentos alisados, 1 inciso vertical e 1 fragmento com pintura branca externa. Em todos
os casos alisamento interno e, invariavelmente são atribuídos aos Horticultores
Guaranis.
Entretanto, a ocorrência de cerâmica dos Horticultores do Planalto, tendo sido
encontrado 1 fragmento com impressão de cestaria, 3 ungulados, 2 beliscados e 25 alisados.
Este sítio indica a coexistência dos grupos Ceramistas Pré-coloniais do Litoral
Norte. Mas devemos ter presente o fato de esta coleção ser oriunda de coletas superficiais
assistemáticas, requerendo dados estratigráficos que confirmem esta hipótese. ainda a
possibilidade de tal ocorrência se dever a re-ocupação da área, em tempos distintos. Neste
caso, os dois complexos cerâmicos conjugados não seriam ocasionados a partir de trocas
comerciais, mas sim da própria erosão do substrato do sítio, a qual seria responsável pela
deposição do material.
O sítio arqueológico RS-LN-08 (Hilbert) encontra-se ao norte da pedra de Itapeva,
distando cerca de 700 metros da atual linha de costa. Possui material de ambos os grupos
Ceramistas Pré-coloniais do Litoral Norte em significativa quantidade, o que nos leva a crer
que seja um caso de re-ocupação. Entretanto, não possuímos dados estratigráficos a respeito
do sítio, o que impossibilita a confirmação de tal interpretação.
O material cerâmico dos Horticultores Guaranis somam 110 alisados externamente,
3 corrugados, 5 escovados, 1 com pintura branca externa, 28 corrugados ungulados, 9 não
identificados, 2 incisos, 1 com pintura branca e vermelha, 3 receberam traços vermelhos
sobre pintura branca e 19 ungulados. Todas estas peças foram alisadas internamente.
Apenas 1 fragmento foi pintado de branco internamente e alisado externamente.
O material cerâmico dos Horticultores do Planalto soma 6 beliscados, 14 com
impressões de cestaria, 3 ungulados, 2 com impressões de corda, 8 não identificados, 13
alisados e 4 estocados.
Junto ao material deste sítio foi encontrado um fragmento de lâmina de machado, a
qual acreditamos ser relativa aos Horticultores Guaranis. Muitos fragmentos de cerâmicas
históricas também fazem parte da coleção do sítio.
O sítio RS-LN-09 (Hilbert) localiza-se a cerca de 1.200 metros ao norte da pedra de
Itapeva, distando 500 metros do Oceano Atlântico. Neste foram encontrados apenas 17
fragmentos de cerâmica dos Horticultores Guaranis. Não foi possível determinar os
tratamentos de superfície aplicados aos fragmentos, visto que as ações do vento e da areia
erodiram significativamente as superfícies dos mesmos. O material lítico encontrado
totaliza 6 peças sendo, 5 seixos de basalto e um bloco da mesma matéria prima.
O RS-LN-10 (Hilbert) foi igualmente localizado durante os trabalhos de prospecção
das áreas adjacentes ao sambaqui de Itapeva. Este sítio encontra-se a cerca de 1.200 metros
da linha de costa atual e pode ser posicionado no anexo 4.
Foram coletados fragmentos cerâmicos de ambos os grupos Ceramistas Pré-
coloniais do Litoral Norte.
No que tange ao material guarani, foram identificados 21 fragmentos com
corrugações em suas superfícies externas, 26 ungulados, 39 alisados, 6 com pintura branca
e 5 com traços vermelhos sobre pintura branca. Os tratamentos internos foram 4 com
pintura branca, e apenas 1 com traços vermelhos sobre pintura branca.
Quanto ao material cerâmico dos Horticultores do Planalto, foram identificados 5
alisados externos e 1 com impressão de cestaria. Ambos são alisados internamente.
O sítio RS-LN-19 (Hilbert) encontra-se a cerca de 2.000 metros a oeste da Praia da
Guarita, no município de Torres, sendo que sua localização pode ser vista no anexo 4.
Este sítio possui apenas 14 fragmentos cerâmicos em sua coleção, todos relacionados aos
Horticultores Guaranis. Os tratamentos de superfície externa resultantes das análises
somam 8 corrugados ungulados, 1 alisado, 1 ungulado e 3 não identificados. Todos estes
fragmentos receberam alisamento em suas superfícies internas. Há ainda a ocorrência de 1
peça com pintura branca interna e alisamento externo.
O RS-LN-21 (Hilbert) apresenta apenas 16 fragmentos de cerâmica dos
Horticultores Guaranis. Destas peças, nenhuma possibilitou a identificação dos tratamentos
de superfície empregados em suas faces. Tal fato se deve, igualmente ao ocorrido no RS-
LN-19 (Hilbert), à ação erosiva do vento e da areia.
O último sítio encontrado por Klaus Hilbert nas proximidades de Torres recebeu o
número de RS-LN-22 e encontra-se no balneário Praia do Castelinho. Dista cerca de 750
metros da linha de costa atual e possui carapaças de moluscos em seu substrato. Não
caracteriza-se como uma das ocupações que tradicionalmente refere-se aos grupos do
planalto, ou seja, a exploração malacológica não parece ter sido a principal atividade
econômica.
Os sítios dos Horticultores do Planalto localizados por Klaus Hilbert, associados aos
sítios Parque Tupancy e Balneário Atlântico, corroboram nossa interpretação acerca do
Sistema de Assentamento destas populações. O anexo 34 mostra um mapa geomorfológico
com as localizações destas “jazidas”. Note, leitor, que as áreas escolhidas por estas
comunidades indígenas estão relacionadas aos limites do campo de dunas ativas com as
fixadas ou em processo de fixação.
A cerâmica coletada neste sítio diz respeito aos grupos Horticultores do Planalto,
somando 5 beliscados, 2 ungulados, 3 não identificados, 2 possuem os tratamentos externos
ungulados e impressão de corda conjugados e 1 apresenta impressão de corda no corpo com
beliscado na borda.
Apenas um fragmento dos Horticultores Guaranis ocorre na coleção deste tio, e
caracteriza-se por possuir traços vermelhos sobre pintura branca interna e alisamento
externo. A exemplo do que comentamos acerca do RS-LN-04 (Hilbert) e do RS-LN-10
(Hilbert), este sítio parece mais uma vez indicar o contato entre os grupos.
Os sítios arqueológicos RS-LN-01 (Hilbert), RS-LN-11(Hilbert), RS-LN-15
(Hilbert), RS-LN-16 (Hilbert), RS-LN-17 (Hilbert) e RS-LN-20 (Hilbert) apresentam
apenas material lítico, não tendo sido atribuídos a nenhum dos grupos Ceramistas Pré-
coloniais do Litoral Norte. Um estudo comparativo futuro poderia preencher esta lacuna.
As localizações dos sítios arqueológicos dos Horticultores Guaranis no Litoral
Norte do Rio Grande do Sul indicam a procura de locais elevados em meio à paisagem.
Foram escolhidas, quando possível, as elevações das dunas pleistocênicas fixadas.
Quando falamos em dunas fixadas, queremos nos referir àquelas dunas que não estão
mais à mercê das movimentações e re-alocações oriundas da energia eólica, estão fora do
campo de dunas ativas. Estes remanescentes do sistema laguna-barreira III encontram-se às
margens das lagoas costeiras, possuindo algumas vezes uma de suas faces erodidas pelo
último avanço oceânico, 5.100 anos atrás. Caracterizam-se como refúgios secos durante
as épocas de cheias e em episódios de maior pluviosidade, interligando os ambientes
lagunares, de mata e de restingas.
Acreditamos que a escolha destes locais está relacionada ao aproveitamento dos
recursos lacustres conjugados ao aproveitamento das zonas baixas para plantio. Estas zonas
correspondem geralmente a leitos de antigas lagoas costeiras, isoladas pelos recuos das
linhas de costa pretéritas, seguidas de forte processo de colmatação
464
, os quais
ocasionaram seu desaparecimento. Os leitos destes extintos corpos aquosos são ricos em
material orgânico decomposto e/ou em decomposição, constituindo excelentes locais para a
prática da horticultura, tão característica do modo de vida dos Horticultores Guaranis. A
relativa proximidade do mar, possibilita a complementação da alimentação em possíveis
épocas de escassez, ou mesmo a diversificação da dieta. A distribuição dos sítios destas
populações no Litoral Norte insere-os ainda, nos limites da Mata Atlântica que ocorre junto
464
Estes processos geomorfológicos foram explorados no Capítulo I deste trabalho. Sugerimos ao leitor mais
interessado que retorne às páginas iniciais para maiores esclarecimentos.
às escarpas do planalto. Nestes ambientes os caçadores disponibilizariam inclusive de
animais de grande e médio porte.
O sítio RS-LN-16 (Miller) apresenta um dente de porco do mato, o que indica sua
caça e utilização como recurso alimentar. Apresenta também um osso de baleia, o qual
poderia ter sido encontrado à beira-mar durante alguma incursão ao Atlântico. Possuímos
informações de que o sítio RS-LN-35 (Miller) evidencia a coleta de moluscos, embora não
saibamos se são marinhos ou lacustres. Os sítios LII04 – Irmãos Broda e LII07 – Darci Leal
apresentam fragmentos de conchas marinhas em suas coleções. O mesmo ocorre com o
sítio RS-LN-36 (Miller) que possui um exemplar de Adelomenon brasiliana (ver anexo 33).
Ossos de animais de grande porte não foram encontrados nos sítios arqueológicos, talvez
em função da acidez do solo, a qual acelera os processos de corrosão e decomposição das
matérias orgânicas. Aliado a este fato a descrição que Jerônimo Rodrigues faz com
relação à caça destes animais. “(...)Os dias passados indo à caça pelo campo, mataram
duas antas; e logo lá, cada um por onde pode corta...”
465
. Como o leitor pôde perceber, a
maioria os ossos deveria ficar em locais fora das áreas dos sítios, configurando-se como
locais para atividades específicas no sentido proposto por Binford, conforme explicitado no
Capítulo VII.
Jerônimo Rodrigues nos outros indícios de animais que teriam sido caçados.
Referindo-se às vestimentas utilizadas pelos índios diz que “(...)É gente comumente de
maior estatura que os de lá; andam cobertos de pelejos de coiros de veado os de ratos de
água, tamanhos como pacas...”
466
. Os veados poderiam ser caçados nos limites da Mata
Atlântica ou nos campos entre o mar e as lagoas. Os ratos são ainda hoje encontrados nos
465
RODRIGUES. Op. cit., p. 231.
466
Ibidem, p. 229-230.
banhados e nas lagoas. Há ainda o registro de caça a algumas aves
467
, bem como o
aproveitamento de seus ovos na alimentação
468
.
No que diz respeito ao material lítico encontrado nestes sítios, nota-se que a
preferência para a base das indústrias líticas é o basalto. Tal fato provavelmente está
relacionado à proximidade dos sítios da formação basáltica Serra Geral. São evidenciados
entre as coleções dos sítios seixos arredondados, os quais podem ser captados nos leitos dos
rios que sulcam as escarpas da Serra Geral em direção às lagoas costeiras. Foram
detectadas ainda, placas de basalto colunar, as quais poderiam ter sido coletadas junto às
encostas ou nas margens dos rios. Os blocos poderiam ter sido captados no litoral, ou
trazidos do alto da serra, durante as incursões dos Horticultores do Planalto.
Outra matéria prima bastante encontrada foi a calcedônia. Esta rocha ígnea aparece,
quase em sua totalidade, relacionada à técnica de lascamento bipolar, em que pese existam
lascas bipolares de quartzo e ágata em alguns sítios. Os geodos de calcedônia podem ser
apanhados nos leitos dos rios, após o seu desprendimento das rochas basálticas.
também, a curiosa ocorrência de dois exemplares de arenito silicificado. Um
exemplar encontra-se junto ao material tico do sítio LQQ01 - Walter Medeiros, sendo o
outro, associado ao LLe02 - Areal Moro, ambos sítios de ocupação dos Horticultores
Guaranis. Esta matéria prima poderia ter sido obtida através de trocas comerciais com os
Horticultores do Planalto, ou mesmo ter sido trazida de áreas de exploração de algum
tekohá relacionado ao Guará localizado na fralda da Serra Geral, onde esta formação
rochosa pode ser aproveitada. Jerônimo Rodrigues menciona a comunicação entre as
diferentes aldeias de um Guará. Nas palavras deste jesuíta,
467
RODRIGUES. Op. cit., p. 231.
468
Ibidem, p. 240.
“(...)Estes daqui dos Patos, são muito
poucos, e parece não durarão muito, conforme a
pressa que os brancos lhe dão.(...) Estes são
parentes verdadeiros dos do campo, aonde
morreram nossos Irmãos, e parece virem
antigoamnte para o mar, onde se comunicavam uns
com os outros; mas, de poucos anos pera cá, se
perdeu esta comunicação, não se sabe o
porquê...”
469
Devemos considerar, neste momento, as possíveis relações existentes entre as
aldeias localizadas na planície arenosa e as aldeias localizadas nos vales dos rios que
descem do planalto em direção ao litoral. informações sobre a existência de sítios dos
Horticultores Guaranis no vale do Rio Maquiné, mas não conhecemos suas localizações
nem o material de sua coleção. Os vales escavados pelos rios Sanga Funda, Três Forquilhas
e Mampituba caracterizam-se como áreas de grande potencialidade para a ocupação
guarani, bem como o aproveitamento de suas encostas mais elevadas para as aldeias dos
Horticultores do Planalto. Acreditamos que pesquisas futuras devam ser destinadas a estes
vales, no sentido de caracterizar as ocupações dos grupos ceramistas ou mesmo dos
caçadores-coletores que os precederam.
Para Francisco Noelli, os assentamentos com maior poder político ocupavam as
várzeas e outros ambientes mais favoráveis ao sistema econômico dos Horticultores
469
RODRIGUES. Op. cit., p. 229.
Guaranis, enquanto as aldeias mais fracas instalavam-se nos vales mais encaixados, em
zonas com baixa produtividade dos solos e menores possibilidades de caça e coleta
470
.
Nesta perspectiva, os vales dos rios Três Forquilhas e Sanga Funda poderiam ter
sido habitados por aldeias menores, enquanto que os rios Maquiné e Mampituba poderiam
oferecer várzeas mais amplas e mais férteis, as quais seriam ocupadas por aldeias
intermediárias. As matas densas da fralda da Serra Geral teriam também se desenvolvido
com mais vigor nestas áreas, atraindo maior número de animais e, com isso, o interesse dos
caçadores guaranis. É possível, então, que alguns dos sítios localizados na Planície
Costeira, nas proximidades das desembocaduras destes rios, estejam relacionados a áreas de
atividades dos tekohás do interior dos vales. A circulação dos grupos seria facilmente
conseguida com a ajuda de canoas, aproveitando as calmas águas dos cursos inferiores dos
rios para atingir as lagoas. Noelli afirma ser notória a preferência destes grupos pelos
deslocamentos embarcados
471
, ao invés dos longos trajetos a pé. Entretanto, podemos
imaginar que as áreas de maior interesse sejam as férteis várzeas das lagoas e canais que
formam o rosário lacustre do Litoral Norte, onde as grandes aldeias teriam se estabelecido e
se desenvolvido.
O advento da chegada dos colonizadores europeus certamente caracterizou-se como
um elemento de desestruturação deste estável Sistema de Assentamento e uso do espaço.
As pressões escravagistas e as doenças trazidas pelos “brancos” provavelmente teriam
empurrado os Horticultores Guaranis em direção ao planalto. Neste momento, os vales dos
rios, anteriormente ocupados pelas aldeias menores, agora seriam o único reduto seguro do
Litoral Norte, tornando-se alvo de disputas entre as pequenas e grandes aldeias em fuga. A
470
NOELLI. Op. cit., p 81.
471
NOELLI, 1.993. p. 122.
planície litorânea continuaria uma excelente área para pesca e coleta, mas somente poderia
ser aproveitada em incursões rápidas, através do uso de canoas. Os pequenos grupos
guaranis desceriam a foz dos rios Maquiné, Sanga Funda, Três Forquilhas e Mampituba em
rápidos deslocamentos em embarcações, estabelecendo-se em elevações nas margens das
grandes lagoas. As elevações caracterizariam ao mesmo tempo a continuidade de seu
sistema econômico anterior e um ponto de vigia das embarcações e tropas terrestres
ibéricas que poderiam se aproximar.
Mas o leitor certamente está se perguntando: qual é o indício material que
comprovaria esta hipótese? As análises da cerâmica encontrada nos sítios, bem como os
resultados das análises já publicados, nos mostram que a cerâmica escovada, as contas de
colar, os artefatos de metal e as vasilhas com alças aparecem geralmente em sítios de
pequeno e médio portes, localizados sobre elevações muito próximas das margens das
lagoas, as quais se ligam com as desembocaduras dos rios dando acesso ao interior dos
vales. Este é o caso dos sítios LII07 Darci Leal, BAM06 - Família Machado, LII02
Cemitério, o sítio localizado por Schmitz às margens da Lagoa dos Quadros, o RS-LN-22
(Miller), entre outros. Neste momento, os Horticultores do Planalto já haviam sido privados
de suas incursões ao litoral, em função da ocupação guarani. Este tema será tratado no
capítulo seguinte. No entanto, o que nos permite tal inferência é a falta de evidências do
contato entre estes horticultores e o elemento europeu, o que é atestado pela inexistência de
artefatos de além mar nos sítios arqueológicos dos grupos planaltinos.
Aliada a esta inferência, o relato da ocorrência de grupos indígenas ocupando os
abrigos rochosos localizados nas escarpas do vale do Rio Maquiné. Esta informação advém
das histórias contadas pelos primeiros imigrantes italianos que se instalaram na área.
“(...)Por fim, a longa descida da Serra do
Umbu. São cinco quilômetros, da serra abaixo,
serpenteando os precipícios. Na entrada de uma
gruta, índios fumavam, fazendo balaios de cipó.
Continuavam sentados, fazendo qualquer gesto
hostil, quando a caravana passou. Eles eram os
verdadeiros donos daquelas matas, daquelas serras.
As cavernas eram lugares sagrados. Nelas, seus
mortos descansavam. Passar, os viajantes podiam.
Parar e fazer morada, jamais.”
472
Provavelmente, os sítios localizados entre as lagoas Malvas, Ramalhete e Quadros
façam parte de uma mesma ocupação dos Horticultores Guaranis. Os sítios maiores como
RS-LN-32, RS-LN-33 e RS-LN-36 talvez sejam explicados pela re-alocação dos centros
residenciais (amundás) de um mesmo tekohá. Os sítios RS-LN-26 (Miller), RS-LN-29
(Miller), RS-LN-34 (Miller), RS-LN-35 (Miller), RS-LN-48 (Miller) e LQQ01 Walter
Medeiros, em função de suas proporções reduzidas, sejam áreas destinadas aos
acampamentos para incursões rápidas ou mesmo roças. Uma outra possibilidade é a de
pertencerem a residências de famílias nucleares, a qual damos maior crédito. É possível
ainda que estes sítios médios e pequenos estejam associados apenas a ocupações pós-
contato, uma vez que “...após os contatos com os europeus... as aldeias tenham se
dispersado em casas isoladas sendo que... a própria casa era considerada uma
aldeia.(...)”
473
.
472
MANSAN, Ivo. Imigração italiana: história e estórias de uma família. Brasília: Editora SER, 1999.
p.11.
473
SOARES, André L. Proposta para a delimitação dos cacicados guarani. In: Revista do CEPA, Santa Cruz
do Sul, V. 20, n. 24, 1996. p. 40.
A distância máxima entre os sítios do tekohá da Lagoa do Ramalhete é de
aproximadamente oito quilômetros. De acordo com a proposição de Francisco Noelli, para
que possamos inferir a área de domínio dos tekohás, necessitamos delimitar as distâncias
das possíveis áreas de captação de recursos inorgânicos
474
. Tendo por base que as indústrias
líticas de nossa área de estudo limitam-se ao uso de basaltos, dioritos, arenitos e geodos de
quartzo ou calcedônia, podemos inferir que as distâncias entre os sítios e suas fontes de
matérias primas são, basicamente, as distâncias entre estes e a encosta da Serra Geral.
Como vimos no Capítulo I, tais rochas são facilmente encontradas nos vales dos rios que
descem do planalto ou mesmo na base das escarpas. No caso do teko da Lagoa do
Ramalhete, a distância máxima a ser percorrida seria de 14 quilômetros no sentido de
atingir os cursos alto e médio do Rio Maquiné, onde é possível prover o assentamento de
materiais rochosos para as atividades de produção de artefatos ou mesmo de argila para a
produção das vasilhas e pigmentos para a pintura da cerâmica. Um mapa geomorfológico
da área, contendo as localizações dos sítios pode ser visto no anexo 35. Estas reduzidas
distâncias nos fazem acreditar que a área de domínio proposta por Noelli, a qual atinge 50
quilômetros radiais, seja demasiadamente grande para a Planície Costeira, tendo em vista as
distâncias das áreas exigidas para a subsistência do modo de vida destes grupos.
A concentração de sítios arqueológicos no entorno das lagoas Tramandaí,
Armazém, Biguá, Emboaba e Custódias provavelmente seja explicada pelo mesmo sistema
de uso e compreensão do espaço pelos Horticultores Guaranis. Alguns dos sítios
denominados por Eurico Miller como “RS-LC” seriam fruto das re-alocações deste tekohá,
474
NOELLI, Francisco. Distâncias entre as áreas de captação de recursos líticos e o sítio arqueológico do
arroio do conde, Rio Grande do Sul. In: Revista do CEPA, Santa Cruz do Sul, V. 21, n. 26, 1997. p. 126.
ou mesmo sítios anexos dentro da área de domínio. Infelizmente não nos foi possível reunir
mais dados sobre os sítios do litoral central, devido à exigüidade do tempo.
Os sítios arqueológicos localizados durante os trabalhos de vistoria ns áreas de
impacto ocasionadas pela pavimentação da rodovia RS-486 podem ser interpretada como
um outro tekohá. Os sítios estão localizados entre as lagoas de Itapeva e Quadros, dois dos
maiores corpos lacustres do Litoral Norte. A área é bastante favorável ao desenvolvimento
da horticultura, com possibilidade de apoio na coleta de moluscos junto aos banhados e ao
mar, bem como à complementação da alimentação através da caça nos limites da Mata
Atlântica que se encontra junto às escarpas e ao vale do Rio Três Forquilhas.
O sítio do Areal poderia ser considerado como centro residencial, pois possui
10.000 metros quadrados. Um outro sítio de consideráveis proporções seria o sítio Manoel
João. Os sítios do Lima, Onildo Aguiar, Lomba da Folia e LQQ02 Família Nunes seriam
sítios de tamanhos médios e pequenos, podendo ser caracterizados como “satélites” dos
maiores. Mas sua contemporaneidade apenas poderia ser atestada por datações
radiocarbônicas, as quais não possuímos. O anexo 36 contém um mapa com as feições
geomorfológicas da referida região.
As matérias primas para a produção dos artefatos líticos e cerâmicos poderiam ser
obtidas no vale do Rio Três Forquilhas, que dista menos de 10 quilômetros de distância
máxima do sítio mais afastado.
Entretanto, em função do teor das pesquisas arqueológicas efetuadas na área, não
possuímos dados além dos tamanhos dos sítios e suas distâncias para as áreas de recursos
mais próximas. Torna-se necessário maior número de evidências materiais para que
possamos inferir sobre o material lítico e cerâmico dos sítios, bem como sua estratigrafia.
As interpretações que arriscamos aqui necessitam de trabalhos de escavações sistemáticas
que oportunizem a confirmação, ou não, das idéias expostas.
Uma última concentração de sítios guaranis encontradas em nossa área de estudo
seria formada pelos sítios RS-LN-16 (Miller), RS-LN-30 (Miller), RS-LN-31 (Miller) e
LLe02 – Areal Moro. Há ainda a informação de ter sido retirada uma urna funerária do sítio
Fazenda do Casqueiro, o que caracterizaria uma ocupação dos Horticultores Guaranis ainda
neste último tekohá. A distância máxima entre os sítios é de nove quilômetros, e as fontes
de captação de recursos líticos e minerais dos rios Caraá e Maquiné distam 12 e 28
quilômetros, respectivamente. O anexo 37 possui um mapa geomorfológico desta área, no
qual podem ser identificados alguns sítios.
Não podemos afirmar que cada concentração de sítios mencionada acima não
represente uma re-alocação dos amundás, caracterizando assim, um único tekohá. As
datações existentes indicariam uma ocupação permanente na área desde 848 A.D. até o
convívio com os europeus.
Entretanto, o material arqueológico analisado e as informações reunidas por nós,
parecem indicar um gradual aumento populacional desde a chegada a Planície Costeira até
a expulsão dos Horticultores do Planalto. Isto nos faz pensar que o posterior aumento
demográfico daria origem a novos tekohás e limitaria a circulação dos grupos planaltinos.
Em função disto, acreditamos tratar-se de centros habitacionais diferentes, mas pertencentes
a um mesmo Guará
475
, que teria sido contatado pelos colonizadores ibéricos
476
.
475
Para André Soares, haveria dois Guarás na Planície Costeira. O primeiro diria respeito aos Arachanes,
localizados nas margens da Lagoa dos Patos, e o segundo estaria ao longo do litoral atlântico, sob o domínio
dos Carijós, cujo limite sul estaria nas proximidades do Rio Tramandaí. SOARES, André L. Guarani:
organização social e arqueologia. Porto Alegre: EDIPUCRS, 1997. p. 200-201.
476
Um Guará é composto por unidades sócio-econômicas aliadas, denominadas tekohá, onde vão coexistir as
multi-linhagens, ordenada por laços de parentesco e reciprocidade. Sua área era bem definida, delimitada por
arroios ou rios, e utilizada de forma comunal e exclusiva pelo grupo local. NOELLI. Op. cit., p. 250.
Admitindo-se a hipótese da existência do Guará dos carijós no Litoral Norte,
podemos imaginar que as relações entre os tekohás estabelecidos na região fossem de paz e
estabilidade, calcadas nas relações de parentesco e reciprocidade. Mas o leitor mais atento
certamente deve estar se questionando. Quais dados existem para que se possa pressupor
que tal unidade regional percebida, em épocas pós-contato, tenha sua origem no período
pré-colonial enfocado por nós?
Se nos ativermos às datações obtidas por Eurico Miller para o RS-LN-16 (Miller),
as quais postulam 535 ± 200 SI - 410 e 556 ± 200 SI – 411 para a ocupação guarani na área,
conjugadas às evidências de contatos entre Horticultores Guaranis e Portugueses
encontradas em diversos sítios arqueológicos, e correlacionarmos a informação registrada
por Jerônimo Rodrigues em 1.605, que relata a vinda dos carijós para o litoral em tempos
passados, poderemos pressupor a permanência desta parcialidade indígena no Litoral Norte
desde o período pré-colonial. Gostaríamos de ressaltar aqui, que a datação obtida para o
RS-LN-35 (Miller) caracteriza a ocupação guarani na área desde 848 A.D.
Mas as relações entre os tekohás, e principalmente, entre os diferentes grupos
Ceramistas Pré-coloniais do Litoral Norte do Rio Grande do Sul, serão tratados no capítulo
seguinte, quando tentaremos explicar como ocorreram os processos de litígio e convivência
destas populações. Vejamos então, que tipos de contatos se deram entre as populações em
nossa área de estudos.
Capítulo IX
Dos Contatos Entre os Grupos Ceramistas Pré-coloniais do Litoral Norte
O capítulo final deste trabalho pretende compreender os processos de interação
cultural ocorridos no Litoral Norte. Tais fenômenos podem ter ocorrido por diversos
caminhos, sejam através de trocas comerciais
477
, as quais são acompanhadas por trocas de
informações e idéias; seja pela adoção de indivíduos de grupos alheios, trazidos ao convívio
das populações, ou mesmo por inovações técnicas oriundas do contato entre as sociedades.
Os contatos intergrupais se deram tanto entre os Ceramistas Pré-coloniais do Litoral Norte,
quanto entre as comunidades indígenas e os colonizadores ibéricos.
Quando falamos em contato cultural, é necessário deixar claro que culturas não
entram em contato, mas sim pessoas identificadas com determinados sistemas sócio-
culturais. Uma parte significativa daquilo que chamamos de cultura é, sem dúvida, como
veremos a seguir, produto da interação entre indivíduos ou grupos. Já os termos contato e
interação cultural são entendidos por nós como sinônimos dos momentos em que as
sociedades interagiram.
Em um artigo escrito em 1.961, A. Lesser criticava duramente a noção corrente de
"isolamento cultural", afirmando que nenhuma sociedade, em nenhum tempo ou lugar,
ficou totalmente em situação de isolamento. Se casos assim ocorressem de fato, tais
477
Entendemos a palavra comércio neste trabalho como uma aproximação semântica ao termo escambo.
estruturas não deveriam ser consideradas como "sociedades", pois o que caracteriza a vida
social e a existência de uma sociedade é a interação entre indivíduos e grupos
478
.
Bruce Trigger chega a dizer que uma das grandes conquistas das abordagens
teóricas atuais é o abandono da idéia de que as sociedades e as culturas se estruturam como
unidades fechadas em si mesmas. Afirma ainda que ...as populações humanas constroem
suas culturas em interação umas com as outras e não em isolamento.(...)”
479
Antes de tratarmos diretamente dos contatos ocorridos entre os grupos Ceramistas
Pré-coloniais do Litoral Norte, bem como das oportunidades de trocas que representaram as
incursões dos conquistadores europeus em nossa área de estudo, apresentaremos uma breve
reconstituição a respeito de como este fenômeno foi tratado pelas diversas tendências
teóricas da Arqueologia. Em seguida introduziremos algumas categorias encontradas na
bibliografia que acreditamos ser úteis para pensar os processos de interação cultural
ocorridos no passado. Não temos a pretensão de esgotar o tema nestas breves palavras.
Objetivamos apenas apresentar ao leitor uma idéia geral de como estes fenômenos foram
tratados e quais recursos teóricos foram criados para sua compreensão, sendo que apenas
alguns dos recursos apresentados serão utilizados neste trabalho.
No início do século XX, a “Escola” (tendência) Difusionista foi a primeira a
analisar e incorporar o fenômeno da interação cultural. Esta tendência mostrava-se
frontalmente contrária à noção de universalidade defendida pela “Escola Evolucionista” do
478
ROGGE, Jairo. Fenômenos de fronteira: um estudo das situações de contato entre os portadores das
tradições cerâmicas pré-históricas no Rio Grande do Sul. Universidade do Vale do Rio dos Sinos, Centro
de Ciências Humanas, Programa de Pós-Graduação em História, 2.004. (Tese de Doutorado). p. 22.
479
“...las poblaciones humanas construyen sus culturas en interacción unas con otras y no en el
aislamiento.” TRIGGER. Op. cit., p. 308.
século XIX, bem como pela relação direta que pretendia estabelecer entre desenvolvimento
biológico e o estágio cultural evolutivo de cada população
480
.
A Escola Difusionista defendia a individualidade de cada cultura, que seria
composta por uma configuração específica de traços e padrões, como resultado de fatores
históricos próprios. O principal processo histórico que levaria ao desenvolvimento cultural
seria o empréstimo intersociedades, que ocorreria através do fenômeno da difusão. A partir
daí, seria possível explicar semelhanças e diferenças entre diversas culturas
481
.
Surge então, uma diferença básica na percepção da interação social. Por um lado os
evolucionistas ignoravam a história individual das culturas e consideravam que a interação
social não teria força suficiente para interferir nos processos de mudanças, basicamente
fixadas na evolução biológica das espécies. os difusionistas se mostravam contrários à
idéia de regularidades culturais universais, e defendiam que a interação social seria a
principal alavanca dos processos de mudança cultural. Alertavam ainda para o fato de que a
interação constituiria um fenômeno particular e relacionado à história de sociedades
individuais, sendo, assim, imprevisível e assistemática. A difusão, anteriormente utilizada
para explicar diferenças na velocidade da mudança cultural, tornou-se a causa de tal
diversidade
482
.
Difusão é um processo na dinâmica cultural em que os elementos ou complexos
culturais se difundem entre duas sociedades. As culturas tendem a se estender a outras
regiões na forma de “empréstimo” mais ou menos consistente. A difusão de um elemento
da cultura pode realizar-se por imitação ou por estímulo, dependendo das condições sociais,
480
GONZALEZ, Erika R. O estudo da interação cultural em arqueologia. In: Revista do Museu de
Arqueologia e Etnologia, São Paulo, Suplemento 3, 1.999(b). p. 31.
481
GONZALEZ, 1.999(b). Op. cit., p. 31.
482
Idem.
favoráveis ou não, à difusão. O tipo mais significativo de difusão é o das reações pacíficas
entre as populações, numa troca contínua de pensamentos e invenções. Nem tudo, porém, é
aceito imediatamente, pode haver rejeições em relação a certos traços culturais. Quase
sempre ocorre uma modificação no traço de uma cultura tomado como empréstimo pela
outra, havendo re-interpretação posterior pela sociedade que o adotou. Um traço vindo de
outra cultura através do empréstimo pode sofrer reformulações quanto à forma, à aplicação,
ao significado ou à função
483
.
Os primeiros investigadores, dizem Renfrew & Bahn, estavam muito inclinados a
aceitar as semelhanças entre culturas diferentes como uma prova de contato, de fluxo ou
difusão de idéias entre ambas. Em parte, como reação a esta tendência, se tem insistido na
origem independente dos objetos e fenômenos culturais e se tem subestimado em excesso o
significado das interações entre povos vizinhos
484
.
Em defesa do difusionismo, Ratzel
485
afirma que “...os etnólogos não deveriam cair
no erro de pensar que inclusive as mais simples invenções poderiam ocorrer em diferentes
lugares mais de uma vez.”
486
. Para o autor, os conceitos de difusão e invenção poderiam ser
descritos como processos “caprichosos”, por ser difícil precisar se um grupo particular
poderia ter copiado de seus vizinhos alguma invenção útil ou não. Procurou demonstrar que
inventos como o cachimbo ou o arco e suas flechas existentes em qualquer lugar do mundo
deveriam ter uma origem única, e com isso, tentou mostrar também que a difusão criava
483
MARCONI, Marina. & PRESSOTO, Zélia Maria. Antropologia: uma introdução. São Paulo: Atlas,
2001. p. 65.
484
RENFREW & BAHN. Op. cit., p. 321.
485
O leitor mais atento certamente se recorda e termos nos referido a este autor em capítulos anteriores,
quando discutíamos os diferentes conceitos de espaço nas ciências geográficas.
486
“...los etnólogos no debían caer en el error de pensar que incluso las más simples invenciones podrían
haber tenido lugar más de una vez” TRIGGER. Op. cit., p. 147.
blocos de culturas similares e adjacentes
487
. Ratzel salientava que, entre outras coisas, as
fronteiras naturais, representadas pela topografia e pela localização, davam definição,
distinção e coerência a unidades políticas...”
488
.
O pesquisador responsável pela difusão destas idéias nos Estados Unidos foi Franz
Boas. Este autor se opôs à tendência evolucionista e afirmou que cada cultura era uma
entidade única que teria que ser entendida em seus próprios termos. Trigger afirma que tal
princípio implicava em aceitar duas idéias: o relativismo cultural, o qual negava a
existência de qualquer modelo universal que pudesse ser usado para comparar o grau de
desenvolvimento ou valia de culturas diversas; e o conceito de particularismo histórico, que
considerava cada cultura como o produto de uma seqüência única de desenvolvimento no
qual a intervenção, através da difusão desempenhava um papel preponderante no
desencadeamento das mudanças
489
.
“...dentro do marco difusionista que havia
começado a surgir a partir de 1880, a capacidade
humana para a invenção foi considerada tão
limitada e quijotesca que as descobertas básicas,
como a cerâmica ou a metalurgia do bronze,
pareciam não ser possíveis de ser inventados mais
de uma vez e portanto se recorria ao difusionismo
como explicação de sua expansão por todo o
mundo.(...)”
490
487
Idem.
488
MORAN. Op. cit., p. 51.
489
MORAN. Op. cit., p. 51.
490
“...dentro del marco difusionista que había empezado a surgir a partir de 1880, la capacidad humana
para la innovación fue considerada tan limitada y quijotesca que los descubrimientos sicos, como la
cerámica o la metalurgia del bronce, parecían no haber podido ser inventados más que una vez y por tanto se
Quase todas as mudanças culturais no registro arqueológico foram atribuídas à
difusão de idéias de um grupo a outro, ou a migrações que haviam propiciado a substituição
de um povo e sua cultura por outro.
Durante a década de 1.930, antropólogos e arqueólogos voltaram a analisar alguns
aspectos referentes à interação cultural, procurando identificar os diferentes mecanismos de
contato e compreender os processos de adoção de traços culturais, procurando avaliar seus
efeitos sobre processos locais de mudança cultural. A partir deste momento, a difusão
passou a não ser mais considerada como um processo automático, mas sim como um
fenômeno que operaria dentro de um contexto cultural e ambiental específico, definindo
como as inovações se expandiriam e afetariam as sociedades receptoras
491
.
Na década seguinte, 1.940, duas novas tendências se desenvolveram. A primeira
delas foi a denominada “Escola Determinista”, a qual tem suas bases nos trabalhos de
Leslie White e Betty Meggers. A segunda, foi caracterizada como Ecologia Cultural,
defendida por Julian Steward. Nestas duas tendências, a difusão passou a ser um fenômeno
de pouco prestígio
492
.
A tendência Determinista defendia a idéia de que o objetivo básico das diferentes
culturas seria a sua própria manutenção, sendo que a estruturação das sociedades estaria
relacionada a uma exploração otimizada dos ambientes. As mudanças tecnológicas
passariam a determinar o desenvolvimento das culturas. Dentro deste esquema, o contato
recurría al difusionismo como explicación de su expansión por todo el mundo.(...)” TRIGGER. Op. cit., p.
149.
491
GONZALEZ, 1.999(b). Op. Cit., p. 31.
492
Idem.
cultural poderia aumentar a velocidade de complexificação de uma sociedade, mas não teria
força suficiente para ser responsável pelas mudanças
493
.
Emílio Moran afirma que ainda nos anos finais do século XIX, a tendência geral de
se organizar quantidades cada vez maiores de dados arqueológicos e etnológicos resulta em
uma tentativa de elucidar os processos que alteram as culturas. Um mecanismo heurístico
muito simples foi rapidamente descoberto: várias culturas com artefatos e costumes
semelhantes poderiam ser agrupadas por localização geográfica.(...)”
494
. A relação das
populações com seus hábitats gerava então, traços culturais específicos.
Dessa maneira, a Ecologia Cultural defendida por Julian Steward se interessava em
compreender a mudança cultural acrescentando uma perspectiva antropológica à questão de
como as sociedades vivas funcionam. Indicou que as sociedades não interagiam somente
entre si, mas, principalmente, com o meio ambiente. O autor denominou como Ecologia
Cultural a maneira como a adaptação ao meio ambiente poderia levar a mudanças
culturais
495
.
Julian Steward dividiu os traços culturais entre centrais e secundários. Os centrais
estariam circunscritos aos padrões comportamentais relacionados à adaptação humana ao
ambiente físico. Já os secundários, estariam relacionados a todos os demais aspectos do
comportamento, dentre os quais podemos incluir a difusão, e que contribuiriam para a
diversidade cultural.
“...tecnologia, tamanho do assentamento ou
densidade populacional seriam funcionalmente
493
Idem.
494
MORAN. Op. cit., p. 51.
495
GONZALEZ, 1999(b). Op. Cit., p. 32.
inter-relacionados, tanto entre si, como com o meio
ambiente. os elementos estilísticos... motivos
decorativos da cerâmica... seriam livres de
interferências ambientais, correspondendo a traços
culturais secundários.”
496
Como podemos ver, esta tendência não considerava os contatos e interações como
elemento chave para a compreensão dos processos de mudança cultural.
A década de 1.960 presenciou o surgimento de uma grande insatisfação frente às
perspectivas funcionalistas, levando ao surgimento da “New Archaeology”, a qual recebeu
posteriormente a denominação de Arqueologia Processual.
Lewis Binford acreditava que o objetivo da Arqueologia deveria ser uma
aproximação ao que tradicionalmente se atribuía a Antropologia, ou seja, explicar a ampla
gama de similaridades e diferenças do comportamento cultural. Argumentava também que
os dados arqueológicos eram particularmente úteis para estudar as mudanças ocorridas
durante os grandes intervalos de tempo que compreendem a história das diferentes
culturas
497
.
Nesta perspectiva, as sociedades eram vistas como unidades que tenderiam a se
constituir como sistemas homeostáticos, sendo que as mudanças culturais seriam apenas
impulsionadas por fatores externos
498
.
A estratégia utilizada pelos processualistas para estudar as sociedades consistia em
isolar cada um dos sistemas constituintes e estudá-los de forma independente. Entretanto, a
496
Idem.
497
TRIGGER. Op. Cit., p. 277.
498
Idem.
finalidade última era a reconstituição de todos os sistemas culturais envolventes e sua
articulação seria o reflexo do modo de vida da sociedade
499
.
Os primeiros trabalhos que enfocaram o contato entre diferentes populações
procuravam distinguir entre objetos locais e objetos importados, através de análises
mineralógicas e químicas dos artefatos e relacionar os artefatos importados às suas fontes
de origem
500
.
Alguns pesquisadores procuravam desenvolver questões referentes à intensidade e
volume destas trocas inter-regionais.
“(...)Diferentes alternativas de estudo foram
exploradas. Em primeiro lugar, a análise da
distribuição dos bens de troca no espaço permitiria
definir a extensão da rede, bem como a intensidade
do contato. através do estudo da produção de
bens... permitiria identificar a organização da
produção, possibilitando discutir aspectos de
hierarquia sócio-política entre o membros da
sociedade.”
501
Uma alternativa adotada para a compreensão dos sistemas de trocas foi
incorporação da idéia de sistema mundial do historiador Immanuel Wallerstein. Para
Renfrew & Bahn este autor,
499
RENFRW & BAHN. Op. cit., p. 431.
500
RENFRW & BAHN. Op. cit., p. 323.
501
GONZÁLEZ, 1999(b). Op. Cit., p. 32.
“...utilizou o termo sistema mundial para
designar uma comunidade econômica articulada por
redes comerciais que se estendem muito além das
fronteiras das unidades políticas individuais... e que
se interligam constituindo uma unidade de
funcionamento maior.(...)”
502
Um exemplo que Wallerstein utiliza para esclarecer o funcionamento deste sistema
é a relação que surgiu entre as Índias Ocidentais e a Europa do século XVI, quando a
economia das primeiras possuía vínculos indissociáveis das economias das metrópoles
européias, das quais eram colônias. Mas torna-se necessário esclarecer aqui que o termo
escolhido pelo autor, “Sistema Mundial” não pretende referir-se, por estranho que pareça,
ao mundo inteiro. Ele imaginou um conjunto de diversos sistemas mundiais, no qual cada
um poderia se desenvolver independentemente dos demais.
Em que pese Wallerstein tenha elaborado este conceito para responder a questões
projetadas sobre a Europa Moderna
503
, alguns arqueólogos e historiadores aplicaram a
terminologia a períodos anteriores. De modo que, da mesma forma que o referido autor
utiliza as categorias de “núcleo” e “periferia” dos sistemas mundiais modernos, tais
pesquisadores tentaram aplicar estes conceitos a épocas mais antigas.
Devemos observar que este conceito não foi criado para responder a problemáticas
formuladas em Pré-História, e existe o perigo da definição dar lugar a interpretações
equivocadas. Propor que determinadas áreas estavam unidas em um sistema econômico
502
“...utilizó el término sistema mundial para designar una comunidad económica articulada por redes
comerciales que se extienden mucho más allá de las fronteras de las unidades políticas individuales... y que
se elaboran entre sí constituyendo una unidad de funcionamiento mayor.(...)” RENFREW & BAHN. Op. cit.,
p. 323.
503
Utilizamos o termo Europa Moderna com a acepção referente às divisões tradicionais da História: Pré-
História, Antiga, Medieval, Moderna e Contemporânea.
mundial não significa nada isoladamente e pode, facilmente, levar o pesquisador a atribuir
importâncias demasiadas aos dados que dispõe.
Durante meados da década de 1.970 muitos arqueólogos e pesquisadores, sobretudo
na Grã-Bretanha, passaram reavaliar ou mesmo criticar os métodos e teorias utilizadas pela
tendência processualista.
A tendência pós-processual buscou maior ênfase nos aspectos fenomenológicos e
interpretativos, dando prioridade ao mundo simbólico dos grupos, relegando para um
segundo plano os aspectos ambientais e sistemas de subsistência. A reação se deu através
de uma diversificação das abordagens ainda no início da década de 1.970. As novas
propostas de estudos partiram inicialmente de estudos arquitetônicos e literários e,
posteriormente, da filosofia da ciência
504
. Para Tânia Andrade Lima,
“Gerado a partir de reflexões críticas sobre
o processualismo e alimentado nas tendências
modernas da teoria social, marcou suas posições
em contraste nítido com as linhas mestras da
abordagem processual.(...)”
505
Bruce Trigger acrescenta que muitos dos arqueólogos pensadores desta corrente
foram influenciados pelo estruturalismo de Claude Lévi-Strauss e pelos avanços
lingüísticos de Noam Chomsky
506
.
504
GONZALEZ, 1999(b). Op. Cit., p. 33.
505
ANDRADE-LIMA, Tânia. A arqueologia histórica na encruzilhada: processualismo + ou X pós-
processualismo? In: Anais da VIII reunião científica da Sociedade de Arqueologia Brasileira. Porto
Alegre: EDIPUCRS, 1.996. Vol. I. .p. 227.
506
TRIGGER. Op. cit., p. 323-324.
Ian Hodder acreditava que os vínculos mais estreitos da Arqueologia eram com a
História e reivindicava que o indivíduo fosse reconhecido como atuante nos processos
históricos. Hodder também insistia no que denominou de “papel ativo da cultura material”
ressaltando que os artefatos e o mundo material construído pelas sociedades não são
unicamente o reflexo da realidade social personificada no registro material. Pelo contrário,
o autor afirmava que a cultura material e os objetos reais apenas possuem sentido quando
contextualizados no universo mental e simbólico das sociedades que os criaram
507
.
Um dos grandes elementos diferenciais desta tendência é reconhecer indivíduo
como agente dos processos de mudança. Desta forma, defende-se que a cultura material é
constituída de significado, resultado de ações deliberadas de membros da sociedade, cujos
pensamentos e ações não podem mais ser desprezados. Esta tendência propõe discutir a
mudança na sociedade como um todo, analisando as relações sociais e os conflitos internos
existentes, de maneira a recuperar o panorama social, econômico, político e ideológico,
onde o fenômeno de mudança cultural se deu
508
.
Após este breve histórico acerca do desenvolvimento da interação cultural de acordo
com as diferentes perspectivas teóricas da Arqueologia, passemos agora a tratar da
utilização de algumas categorias que acreditamos ser úteis para pensar os fenômenos de
contato ocorridos no Litoral Norte.
Conforme salientam Colin Renfrew e Paul Bahn, intercâmbio pode ser considerado
um conceito chave na Arqueologia. Quando este se refere a bens materiais, significa quase
o mesmo que comércio. No entanto, intercâmbio pode ter um significado mais geral, sendo
utilizado pelos sociólogos para descrever todos os contatos interpessoais, de forma que o
507
RENFREW & BAHN. Op. cit., p. 446.
508
GONZALEZ, 1999(b). Op. Cit., p. 33.
comportamento social pode ser considerado como um intercâmbio de bens tanto imateriais
como materiais
509
.“...há distintos tipos de bens: produtos que se compram e se
vendem... e há bens especiais e valiosos que são apropriados para regalo.”
510
Neste tipo de abordagem ou estudo fica muito difícil identificar evidências que
comprovem os fluxos de informações que ocorrem conjuntamente às trocas. Quando
trabalhamos com Arqueologia Histórica, e possuímos registros escritos que corroboram
nossas interpretações, tais inferências tornam-se possíveis, ou ao menos mais
fundamentadas. A dificuldade reside em encontrar um método adequado para comprovar
tais trocas entre populações pré-coloniais.
“...é conveniente distinguir entre intercâmbio
interno, que tem lugar dentro da sociedade concreta
que estamos estudando, e o comércio ou intercâmbio
externo, no qual os bens são negociados a distâncias
muito maiores, passando de uma unidade social a
outra.(...)”
511
Um dos avanços mais fundamentais da teoria antropológica foi o estudo de Marcel
Mauss sobre a natureza do intercâmbio de presentes (regalos). Ele observou que em uma
série de sociedades, especialmente naquelas desprovidas de economia monetária, as
estruturas das relações sociais eram reforçadas por uma série de doações recíprocas. Este
era um gesto e um vínculo que impunha obrigações a ambas as partes, especialmente, ao
509
RENFREW & BAHN. Op. cit., p. 321.
510
“...hay distintos tipos de biene: hay productos que se compran y se venden a diario y hay bienes especiales
y valiosos que son apropiados para regalo.” RENFREW & BAHN. Op. cit., p. 322-323.
511
“...es conveniente distinguir entre intercambio interno, que tiene lugar dentro de la sociedad concreta que
estamos estudiando, y el comercio o intercambio externo, en el que los bienes se negocian a distancias mucho
mayores, pasando de una unidad social a otra. (...)” RENFREW & BAHN. Op. cit., p. 322.
beneficiário, visto que a aceitação do presente implicava a obrigação de corresponder com
outro favor de valor equivalente.
Descrevendo as relações dadas entre os grupos guaranis e os espanhóis durante os
séculos XVI e XVII, John Monteiro constata uma estratégia indígena para obter produtos
necessários por meio do estabelecimento do parentesco. Nas palavras do autor,
“Se, para os espanhóis, as alianças
esboçavam o caminho da dominação, os Guarani
encaravam-na de outra maneira. Dentro da lógica
das relações pré-coloniais, os espanhóis seriam
aliados úteis no combate a inimigos tradicionais.
Por outro lado, a formação de alianças e de
relações de parentesco trazia, em forma de
presentes ou por meio de escambo, os cobiçados
artigos estrangeiros, tais como as armas de fogo,
produtos de ferro, espelhos e bugigangas.(...)”
512
Nos intercâmbios de presentes, os favores de grande prestígio, que são o centro das
atenções em qualquer intercâmbio cerimonial, são de um tipo especial. São objetos de valor
e devem ser distintos das mercadorias comuns, como alimentos, vasilhas e outros
utensílios, que bem poderiam ter sido comercializados concomitantemente por meio de um
sistema mais simples de troca.
Renfrew e Bahn apresentam então dois conceitos que consideram importantes. O
primeiro é o que o antropólogo norte-americano George Dalton denominou “primitivos
512
MONTEIRO, John. Os guarani e a história do Brasil meridional: séc. XVI XVII. In: CUNHA, M. C. da
(Org.) História dos índios no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1992. p. 483
objetos de valor”, o qual engloba mbolos de riqueza e prestígio, geralmente feitos de
materiais especialmente apreciados, utilizados nos intercâmbios cerimoniais. Entretanto,
advertem ser necessário considerar que,
“...adquirir e conceder objetos de valor e os
artigos de consumo corrente são trocados em
separado. Os objetos de valor se permutam nas
transações de prestígio... e as mercadorias comuns
são trocadas por outras equivalentes, com muito
menos cerimônia, mediante trocas de mútuo
benefício.”
513
O segundo conceito importante é o de “esfera de intercâmbio”. Este, por sua vez,
engloba os objetos de valor e os artigos de consumo corrente são trocados em separado. Os
objetos de valor são trocados nas transações de prestígio, e as mercadorias comuns são
permutadas por outras equivalentes, com muito menos cerimônia, mediante trocas de
benefício mútuo
514
.
Acreditamos que as trocas existentes entre os grupos Ceramistas Pré-coloniais do
Litoral Norte tenham se dado no âmbito da “esfera de intercâmbio”, visto que as evidências
materiais existentes nos sítios arqueológicos referem-se a instrumentos de uso cotidiano.
George Dalton assinalou que os intercâmbios cerimoniais nas sociedades sem
estado eram de dois tipos. O primeiro consiste nos intercâmbios cerimoniais para
513
“...el adquirir y otorgar objetos de valor y los artículos de consumo corriente se intercambian por
separado. Los objetos de valor se canjean en las transacciones de prestigio... y las mercancías comunes se
permutan por otras equivalentes, con mucho menos cerimonia, mediante trueques de mutuo beneficio.”
DALTON, George. Apud. RENFREW & BAHN. Op. cit., p. 327.
514
RENFREW & BAHN. Op. cit., p. 325.
estabelecer e reforçar alianças. O segundo é formado por intercâmbios competitivos
utilizados para resolver rivalidades, no qual a tática adotada era de ofuscar o adversário
com a riqueza dos presentes e com a índole ostentadora do consumo público.
515
Renfrew & Bahn enumeram alguns tipos de intercâmbio que podem ocorrer em
situações de contato. O “acesso direto” se refere àquela situação na qual o próprio usuário
tem acesso ao local de origem do produto. O “intercâmbio em cadeia” se refere às
transações de natureza recíproca. O “comércio por intermediário” remete às atividades
daqueles comerciantes que atuam independentemente e objetivam apenas o lucro,
geralmente exercendo a troca como em um mercado, mas ao invés de possuir um local fixo,
viajam levando os produtos ao consumidor. O “comércio mediante emissário” se refere à
aquela situação na qual o comerciante representa a uma organização central com base em
um local de origem.
516
No entanto, não se pode esperar que este tipo de transação deixe indícios nítidos e
inequívocos no registro arqueológico, o que dificulta a aplicação direta dos conceitos acima
tratados. Acreditamos, entretanto, que o “acesso direto” tenha sido a tônica do sistema de
assentamento e expansão dos tekohás do Litoral Norte do Rio grande do Sul, estratégia que
colidia com as necessidades de complementação protéica dos grupos Horticultores do
Planalto e sua subsistência baseada no domínio vertical de três ambientes de exploração
517
.
Como veremos mais adiante, alguns grupos carijós contatados por padres da
Companhia de Jesus complementavam o seu sistema econômico através do escambo.
Contas de colar vítreas eram entregues em troca de determinados artefatos que não
515
Idem.
516
RENFREW & BAHN. Op. cit., p. 337.
517
Tal estratégia foi explanada no capítulo anterior. Sugerimos aos leitores interessados que retornem àquelas
páginas para maiores informações.
produziam. O “intercâmbio em cadeia” parece ter sido uma das alternativas encontradas por
tais grupos no intuito de garantir sua subsistência.
Quando falamos em trocas imateriais entre dois grupos, estamos necessariamente
falando na aceitação ou adoção por parte de um grupo, de elementos alheios à sua cultura.
Estes fenômenos são retratados na bibliografia na forma dos conceitos Aculturação e
Transculturação. Torna-se necessário, a partir de então, esclarecermos o que estes
significam.
O uso do termo aculturação é fruto de uma percepção antropológica corrente, no
Brasil, principalmente a partir da década de 1.950, e hoje bastante discutida e inclusive
posta em dúvida. Muitas vezes este conceito é empregado com excessiva liberdade, sem o
devido entendimento do seu significado, o que não raro ocorre em trabalhos acadêmicos
que buscam em ciências afins conceitos úteis.
Herskovits coloca que em 1.880 a palavra aculturação foi empregada por J.W.
Powell para significar os empréstimos culturais. O Merrian-Webster’s Collegiate
Dictionary (1.996) confirma o ano de 1.880 como data mais remota em que o referido
termo foi publicamente empregado em inglês. Segundo Laraia, o conceito de aculturação é
utilizado desde o início do século XX pela Antropologia alemã, e a partir de 1.928 pelos
antropólogos anglo-saxões. Conforme o autor, é a partir daí que este conceito atinge o meio
acadêmico brasileiro, mas somente passa a ser amplamente utilizado após Eduardo Galvão
apresentar, na I Reunião Brasileira de Antropologia, seu Estudo de Aculturação dos Grupos
Indígenas Brasileiros, no ano de 1.953
518
.
518
RAHMEIER, Clarissa. A cerâmica como índice do complexo cultural missioneiro e suas
possibilidades ressignificadoras do presente ibero-americano. Porto Alegre, PUCRS, 2002. (Dissertação
de Mestrado). p. 102.
Segundo Herskovits, o problema de definir a palavra aculturação e de delimitar o
campo de ação do trabalho ao qual se pode aplicá-la surgiu por volta de 1.935, quando o
Conselho e Investigações da Ciência Social a definiu da seguinte forma: A aculturação
compreende aqueles fenômenos surgidos onde grupos de indivíduos que têm culturas
diferentes entram em contato contínuo de primeira mão, com subsequentes mudanças nos
padrões da cultura original de um grupo ou de ambos.
Esse conceito sofreu alterações por parte de R. Linton e do próprio Herskovits,
autores que, juntamente com R. Redfield, haviam-no formulado em primeiro plano. Em
1.948 Herskovits publica Man and his Works. The Science of Cultural Anthropology,
traduzido para o português em 1.963, onde define o termo aculturação como sendo “o
estudo da transmissão cultural em marcha”.
Para Laplatine, o processo de aculturação é caracterizado pela adoção ou imposição
das normas de uma cultura por outra, pelo desenvolvimento conflituoso que leva à
violência negadora das particularidades econômicas, sociais e culturais de um povo.
519
Marconi e Presotto explicam que “a aculturação interétnica ocorre quando grupos
étnicos e culturalmente diferentes entram em contato direto e permanente, ficando ambos
os grupos sujeitos a mudanças em seus padrões culturais”
520
. Para as autoras, é desses
contatos que “resulta um intercâmbio de elementos culturais. Com o passar do tempo,
essas culturas fundem-se para formar uma sociedade e uma cultura nova”
521
. É neste
ponto, da formação de uma sociedade e de culturas novas, que se pode remeter um outro
conceito, o de transculturação.
519
LAPLATINE, François. Aprender Antropologia. São Paulo: Brasiliense, 1.999. p. 122.
520
MARCONI, Marina. & PRESSOTO, Zélia Maria. Antropologia: uma introdução. São Paulo: Atlas,
2.001. p. 233.
521
MARCONI & PRESSOTO. Op. cit., p. 65.
Segundo Herskovits, a palavra transculturação surgiu em 1.940. Na concepção de
seu formulador, o cientista cubano F. Ortiz, transculturação expressa as diferentes fases do
processo de transição de uma a outra cultura, que seria o que implica realmente a palavra
inglesa “acculturation”, e que esse processo compreenderia também necessariamente a
perda ou o arrancar pela raíz uma cultura prévia a deculturação. Para Ortiz, o processo de
transculturação traz consigo a idéia de conseqüente criação de novos fenômenos culturais, a
que o cientista denomina neoculturação
522
.
Talvez buscando uma simplificação para o entendimento do conceito de
transculturação, e com isso produzindo uma definição um tanto vaga, Marconi e Pressoto o
descrevem como “a troca de elementos culturais entre sociedades diferentes”. Conforme as
referidas autoras, a transculturação se caracteriza como uma das faces da aculturação.
Nesse sentido, mesmo não referindo-se ao conceito de transculturação, mas tratando do
fenômeno aculturativo, Mello salienta que “há casos em que, uma fusão de elementos de
duas ou mais culturas, surge uma cultura nova que reelabora todos os seus elementos
constitutivos. É o caso das culturas americanas.”
523
Mas, conforme adverte Jairo Rogge
524
, devemos te em mente que a noção de
aculturação, como um processo unidirecional parece estar, definitivamente, sepultada,
embora muitas vezes o termo continue sendo usado, mas agora sob uma outra perspectiva,
indicando processos mais complexos.
Tendo em mente a breve reconstituição feita até aqui acerca das diferentes
abordagens teóricas da Arqueologia e as diferentes categorias criadas como alternativas
522
RAHMEIER. Op. cit., p. 103.
523
MELLO, Luiz Gonzaga. Antropologia cultural: iniciação, teoria e temas. Petrópolois: Vozes, 1.995. p.
108.
524
ROGGE, 2.004. Op. cit., p. 30.
para o entendimento dos fenômenos de interação cultural ocasionados pelos contatos entre
as sociedades, convidamos o leitor a adentrar na fase final deste trabalho. Vejamos a partir
deste momento quais evidências dos contatos entre os grupos que habitaram o litoral
nordeste do Rio Grande do Sul. Tendo a Planície Costeira como palco, grupos de
Horticultores do Planalto conviveram e disputaram espaços com Hosticultores Guaranis
migrantes da Amazônia. Finalmente, atuaram neste cenário, grupos de conquistadores
ibéricos que exerceram papeis fundamentais nos processos de mudanças culturais e
estruturação da sociedade colonial luso-brasileira.
Acreditamos então, que os processos de interação cultural no Litoral Norte são
caracterizados por dois momentos claramente delimitados. Inicialmente os Grupos
Horticultores do Planalto dominariam esta região coexistindo, talvez, com grupos de
caçadores-coletores das zonas de paisagens abertas. Mantinham um sistema de exploração
sazonal em três ambientes distintos, utilizados conforme os eventos climáticos anuais. Esta
estabilidade teria sido ameaçada pela chegada dos grupos Horticultores Guaranis que
teriam adentrado na planície litorânea através dos afluentes do Rio Jacuí contornando o
Planalto Meridional
525
. O segundo momento que marca a história dos contatos em nossa
área de estudo é a chegada das caravelas portuguesas e os processos de pressão e
dominação cultural que representam estas populações européias. De agora em diante
procuraremos detalhar estes processos através das evidências na cultura material existente
nos sítios arqueológicos do litoral setentrional.
525
Este tema foi tratado no Capítulo III, para mais informações; sugerimos ao leitor que retorne àquelas
páginas.
“No primeiro tempo da colonização, as
aldeias estavam, de preferência, longe dos rios, no
limite da mata com o campo, ou em locais onde a
mata e o campo estavam entremeados. A população
no tempo deveria ser pequena, e as aldeias muito
distantes umas das outras. As terras provavelmente
não eram as melhores, mas adequadas, e o lugar
abundava em caça, era de fácil locomoção e estava
afastado dos caçadores e coletores da margem do
rio.”
526
Partindo desta idéia, acreditamos que as primeiras aldeias dos Horticultores
Guaranis estabelecidas no Litoral Norte, não representavam suficiente ameaça ao sistema
de exploração de sazonal dos grupos Horticultores do Planalto. A baixa densidade
populacional das tribos guaranis não os colocaria em condições de hostilizar, ou mesmo
enfrentar os ocupantes tradicionais da Planície Costeira. As zonas de exploração de
recursos malacológicos marinhos e lagunares estariam dentro dos territórios de domínio dos
grupos do planalto.
Neste momento, acreditamos que os habitantes destas aldeias incipientes teriam
inúmeras oportunidades para o estabelecimento de trocas comerciais a fim de prover suas
famílias dos bens necessários para a manutenção de seu modo de vida.
Surge então, a possibilidade de trocas culturais, as quais são intrínsecas aos
episódios de contatos. José Reis nos lembra que o contato dos Horticultores do Planalto
com os grupos guaranis pode ter dado margem a complementações ou mesmo mudanças
nos padrões de subsistência. Nas palavras do autor,
526
SCHMITZ, 1.997(b). Op. cit., p. 304.
“O contato com o Tupi-Guarani pode não
ter sido sempre pacífico. Deu-se através de dois
caminhos: grupos do planalto integraram-se a um
novo circuito econômico, numa simbiose que levava
a novas formas em relação ao abastecimento
tradicional e/ou produtos do cultivo Tupi-Guarani
sobem o Planalto em troca de bens.”
527
Estas situações de confrontos possuem respaldo na descoberta de Alfredo Rohr no
sítio da Praia da Tapera, onde “Pelo menos três indivíduos, seguramente, foram atingidos
por flechas mortais.”
528
Entretanto, um grande número de evidências do contato acima mencionado pode ser
levantado em meio ao corpo bibliográfico produzido pelos arqueólogos.
Arno Kern introduz a idéia de um processo de neolitização enriquecido através de
contatos entre os grupos ceramistas sul-rio-grandenses
529
. Este mesmo autor chega a utilizar
o termo “guaranização” para enfocar mudanças culturais e adaptativas sofridas por outros
grupos contatados com o modo de vida dos Horticultores Guaranis
530
. Walter Neves chega
a afirmar que o conhecimento da produção de utensílios cerâmicos poderia ter estado ao
alcance das populações do litoral de Santa Catarina através da chegada dos grupos
horticultores amazônicos
531
, afirmação esta que não caberia para o Rio Grande do Sul, visto
que há datações de sítios cerâmicos na borda leste do planalto apontando para o século II de
527
REIS, 2.002. Op. cit., p. 67.
528
ROHR, 1.966. Op. cit., p. 14.
529
KERN, 1.994. Op. cit., p. 84-98.
530
Ibidem, p. 87.
531
NEVES. Op. cit., p. 57.
nossa Era
532
, sendo que os grupos guaranis teriam chegado ao litoral norte gaúcho apenas
no século IX
533
.
Do ponto de vista cultural e adaptativo, Arno Kern se refere a uma estratégia de
subsistência, por parte dos grupos ceramistas do planalto, baseada no plantio do milho
534
,
espécie vegetal que teria sido trazida das florestas tropicais pelos de Horticultores Guaranis.
Provas concretas da domesticação do milho pelos grupos acima referidos foram
apresentadas por Pedro Schmitz. “Restos de milho e de cabaças foram encontrados em um
dos abrigos da fase Guatambú(...)”
535
.
Uma outra evidência dos contatos entre os grupos pré-históricos sul-rio-grandenses
na região em estudo, mas agora do ponto de vista comercial, é a ocorrência de conchas
marinhas em sítios dos Horticultores Guaranis no vale do Rio Pardo. Pedro Mentz Ribeiro
constata na fase Botucaraí “...conchas marinhas univalves trabalhadas (polidas) no sentido
longitudinal, deixando à vista o eixo central. Teriam sido usadas como contas de
colar...”
536
. Outro indício deste contato é o zoolito encontrado por este mesmo autor no
sítio RS-RP-171, localizado no vale do Rio Pardo
537
, que situa-se a cerca de 280km distante
do litoral. Em que pese trate-se de uma referência ao período pré-cerâmico, a ocorrência
deste material, característico dos grupos sambaquieiros, reforça a hipótese da existência de
um comércio entre os grupos ocupantes da Planície Costeira e os grupos do interior.
532
SCHMITZ & BECKER. Op. cit.., p. 257.
533
BROCHADO, José Proenza. O Guarani: o conquistador vencido. In: RAMIREZ, Hugo (Org.). O índio no
Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Governo do Estado do Rio Grande do Sul, Comissão Executiva de
Homenagem ao Índio, 1.975. p. 75.
534
KERN op. cit., p. 87-88.
535
SCHMITZ & BECKER. Op. cit., p. 271.
536
RIBEIRO, Pedro Augusto Mentz. Arqueologia do vale do Rio Pardo, Rio Grande do Sul, Brasil. Porto
Alegre: PUCRS, 1991. (Tese de doutorado) p. 301.
537
Ibidem, p. 197.
Muitos dos sítios encontrados no Litoral Norte possuem ocorrências conjugadas de
material cerâmico dos grupos Horticultores do Planalto e Horticultores Guaranis. Os sítios
arqueológicos são: RS-LN-16 (Miller), RS-LN-18 (Miller), RS-LN-26 (Miller), LQQ01
Walter Medeiros, LII07 Darci Leal, LII04 - Irmão Broda, LAA01 Lauro Rodrigues,
LLe02 Areal Moro, RS-LN-07 (Hilbert), RS-LN-08 (Hilbert), RS-LN-22 (Hilbert) e os
dois sítios encontrados por Schmitz em 1.958.
Jerônimo Rodrigues dá-nos uma prova da existência de trocas comerciais entre os
grupos carijós do Litoral Norte e outros grupos localizados mais ao sul.
“(...)É a mais pobre gente que cuido no
mundo, falo dêste daquí, porque ele não tem cousa
alguma, scilicet, não tem algodão, nem peles, nem
tipóias, nem fio, nem arcos, nem frechas, tudo isto
lhes trazem os Arachãs...
538
Rodrigues localiza estes outros grupos mais ao sul, a partir do Rio Tramandaí, o que
nos dá um indício da extensão desta área de domínio dos grupos carijós do Litoral Norte.
“A terra em não é má. Pode ter em
comprimento, desde Santa Catarina até
Taramiandiba, que está além de Boipitiba, aonde os
brancos tambem vão resgatar, 40 ou 50 léguas, ao
longo do mar, e ao longo de umas serras, que estão
do mar, meia légua, uma légua, até duas, em
538
RODRIGUES. Op. cit., p. 230.
algumas partes; e dalí por diante começam os
Arachãs...”
539
Entretanto, devemos atentar para o fato da existência de diversas parcialidades
indígenas em uma mesma área. O jesuíta supracitado nos informa a respeito das
animosidades existentes entre os carijós e os tapuias. Nas palavras do autor,
“(...)E como os tapuias não estarão mais de
9 ou 10 léguas destes, todo o ano e toda a vida
ainda aos saltos a eles, porque todos os meses vão a
eles. Mas não há muitos dias que os tapuias os
tomaram em uma cilada e mataram uma bôa soma
deles.(...)”
540
Percebemos, neste momento, a existência de diversas relações entre os diferentes
grupos relatados. Ao mesmo tempo em que há a possibilidade de convívio e trocas com
algumas populações, há guerras e hostilidades para com outras.
Devemos considerar ainda a possibilidade da existência de inimizades entre
diferentes parcialidades de um mesmo grupo. Mabilde nos informa, por exemplo, que havia
inimizades entre os próprios grupos coroados. Segundo o autor,
“Ainda que todos os coroados tragam o
mesmo distintivo da cabeça tonsurada e o cabelo
cortado da mesma maneira, pertencendo, assim, à
mesma nação, muitos não são amigos e pode-se
539
RODRIGUES. Op. cit., p. 229.
540
RODRIGUES. Op. cit., p. 236.
dizer, sem correr risco de errar ou exagerar, que
entre as tribos, na sua grande maioria, existem
sempre rivalidades, mais ou menos
fundamentadas.(...)”
541
O leitor mais atento certamente percebeu que os dois grupos pré-coloniais
enfocados por nós neste trabalho ocupavam áreas distintas, em função das poucas
similaridades de seus sistemas econômicos. Os Horticultores Guaranis estavam
perfeitamente adaptados à vida em florestas nas proximidades das lagoas costeiras, nas
quais disponibilizariam de caça, pesca, coleta de frutos silvestres e ainda sua característica
atividade produtiva, o plantio junto aos solos férteis das várzeas. Os Horticultores do
Planalto possuíam um domínio vertical em três ambientes distintos: planalto, suas encostas
e a planície litorânea. Seus interesses nas “terras baixas” advinham da possibilidade de
complementação protéica de sua dieta, oriunda do aproveitamento dos moluscos para a
alimentação e estocagem
542
. Estes recursos estão relacionados às zonas de banhados,
situadas entre a linha de lagoas e o mar, bem como às praias, onde são facilmente
encontrados quando do recuo das ondas.
Neste momento as interpretações da Antropologia corroboram em grande parte
as afirmações feitas aqui. Fredrik Barth diz que quando dois ou mais grupos entram em
contato, suas adaptações podem se dar da seguinte forma:
“(...)Eles podem ocupar nichos claramente
distintos no meio ambiente natural e entrar numa
541
MABILDE. Op. cit., p. 45.
542
O possível processo de desidratação e estocagem deste recurso foi explanado por nós no Capítulo V. Em
caso de necessidade, sugerimos ao leitor que retorne àquelas páginas para maiores esclarecimentos.
competição mínima por recursos. Neste caso, sua
interdependência será limitada, apesar da
coabitação na área, e a articulação tenderá a se
estabelecer pelo comércio, e talvez em um setor
cerimonial-ritual.”
543
Os nichos de exploração dos Ceramistas Pré-coloniais do Litoral Norte são
diferenciados, caracterizando duas linhas de ocupação humana na região: os Horticultores
Guaranis, localizados entre a encosta da Serra Geral e o rosário de lagoas, e os
Horticultores do Planalto, entre estas e o Oceano Atlântico. Entretanto, como vimos no
Capítulo VI, a coleta de moluscos foi um recurso amplamente utilizado pelos migrantes
amazônicos em diversos pontos do litoral brasileiro. Acreditamos que a ambição por estes
recursos tenha levado estes grupos a situações de conflito.
Aliado a isto, Adriana Dias considera que a territorialidade guarani tenha por si só,
levado os grupo a tais confrontos. A pesquisadora acrescenta que a noção defensiva dos
grupos teria sido norteadora destes processos
544
.
Apenas com o aumento do contingente populacional referido por Schmitz é que se
tornaria possível aos grupos recém chegados disputar as áreas mais favoráveis ao modo de
vida Guarani
545
. Nas palavras do autor,
“Mas logo, na primeira grande expansão,
correspondente ao clímax da cultura, as aldeias se
transferiram para as várzeas, de terras mais férteis
543
BARTH, Fredrik. Grupos étnicos e suas fronteiras. In: POUTIGNAT, p. & STREIFF-FENART, J. Teorias
da etnicidade. São Paulo: Unesp., 1.998. p. 201.
544
DIAS, 2.003. Op. cit., p. 292.
545
Utilizamos aqui o termo Guarani com letra maiúscula pois queremos nos referir à cultura Guarani.
e mais profundas, onde havia bastante caça, pesca e
moluscos comestíveis, podendo a locomoção ser
feita por água. A população era suficiente para
com os índios caçadores e coletores, que podiam
ser enxotados, destruídos ou incorporados. As
aldeias, com isso, se tornariam maiores e mais
duradouras.”
546
Neste momento concordamos com Adriana Dias quando afirma que, a presença dos
sítios dos Horticultores Guaranis no litoral central e norte do Rio Grande do Sul impediria,
limitaria ou regularia o acesso dos grupos planaltinos aos recursos litorâneos, levando ao
progressivo abandono destas estratégias de subsistência em função das pressões expansivas
dos tekohá
547
.
Os sítios RS-LN-16 (Miller), RS-LN-20 (Miller), RS-LN-22 (Miller), RS-LN-26
(Miller), LII07 Darci Leal e LII04 Irmãos Broda apresentam carapaças de moluscos no
substrato do sítio. Se levarmos em consideração as datações radiocarbônicas existentes para
o RS-LN-16 (Miller), 535 ± 200 SI - 410 e 556 ± 200 SI 411, podemos imaginar que a
possibilidade de coleta destes recursos se daria apenas após a expulsão dos tradicionais
ocupantes da área, os Horticultores do Planalto. Corrobora nossa interpretação a existência
de cerâmica com o tratamento de superfície externa escovada no sítio RS-LN-22 (Miller),
fato que indicaria uma ocupação em contato com o elemento europeu. O sítio LII07
Darci Leal possui uma vasilha que possui a forma de um pequeno yapepó escovado em sua
base e ungulado na parte superior, tratamento este que lembra as ungulações feitas pelos
Horticultores do Planalto. Esta vasilha possui ainda duas alças, o que atesta, juntamente
546
SCHMITZ, 1.997(b). Op. cit., p. 305.
547
DIAS, 2.003. Op. cit., p. 292.
com o tratamento escovado, o contato com o europeu. Este artefato pode ser vista no anexo
38.
A localização do sítio RS-LN-04 (Hilbert), em meio às dunas próximas da linha
atual da costa, indica a utilização de uma área de captação de recursos malacológicos,
tradicionalmente dominada pelos Horticultores do Planalto. A inexistência de cerâmica
planaltina poderia indicar a dominação da área e a expulsão de seus tradicionais ocupantes.
Entretanto, devem ter em mente a exiguidade de material coletado, o que impossibilita a
confirmação desta interpretação. Seria de fundamental importância um trabalho de
revisitação e coleta superficial sistemática, para que se possa obter maiores informações.
Em que pese concordemos com a hipótese da existência de guerras entre as
populações ceramistas do Litoral Norte, devemos ter presente que inclusive estes eventos
bélicos proporcionam a possibilidade de trocas culturais ou mesmo gênicas. Pierre Mabilde,
quando se refere aos tratamentos dados pelos coroados aos prisioneiros de guerra menciona
a incorporação de alguns indivíduos.
“Não dão nunca quartel a prisioneiros ou
inimigos vencidos que sempre são mortos com
golpes de varapau, concedendo a vida às mulheres
e às crianças que, pela sua idade, estejam em
condições de acompanhá-los em sua
marcha.(...)”
548
548
MABILDE. Op. cit., p. 86.
O engenheiro belga acrescenta que as crianças menores de seis anos, inclusive as
recém nascidas, eram mortas instantaneamente, como o intuito de que o choro destas não
delatasse os acampamentos
549
.
“Estas mesmas crueldades praticam com a
gente civilizada que... conseguem assaltar de
improviso. As mulheres moças, brancas ou de cor,
que conseguem aprisionar nas suas correrias, são
trazidas para o mato, despidas de suas roupas que
são repartidas, aos pedaços, entre as mulheres da
tribo, às quais são entregues as prisioneiras. Desde
aquele momento vão servir de escravas, fazendo
todo o serviço de carregar frutas, água e lenha para
o acampamento...”
550
.
Como o leitor pôde perceber, nem todos os indivíduos inimigos eram eliminados
sumariamente, alguns eram incorporados aos grupos coroados. Esta informação poderia
sugerir uma explicação para a ocorrência, no passado, de cerâmica dos Horticultores do
Planalto em sítios guaranis, e assim reciprocamente. As mulheres aprisionadas apenas
poderiam produzir os vasilhames com a tecnologia que conheciam, ao menos até que
lhes fosse imposta uma nova. Entretanto, não acreditamos que esta explicação elimine a
possibilidade de trocas culturais entre os grupos, as quais adviriam da aquisição de novos
modos de vida e informações a partir da convivência. Neste momento, gostaríamos de
lembrar ao leitor as palavras de Fredrik Barth:
549
MABILDE. Op. cit., p. 86.
550
Ibidem, p. 88.
“As fronteiras dos grupos de párias são
mantidas com muita força pela população
hospedeira que os exclui e que os força a usar
signos diacríticos para deixar clara a sua
identidade...”
551
Os fenômenos de convívio entre diferentes etnias obrigam os grupos minoritários a
destacar seu sentimento de não pertença ao grupo hegemônico. As ceramistas capturadas
por qualquer um dos grupos enfocados aqui poderiam utilizar a linguagem da cerâmica para
atestar sua pertença alheia ao contexto em que estariam vivendo. Mas devemos ter em
mente a possibilidade de tais indivíduos serem absorvidos culturalmente, passando a fazer
parte do grupo que os aprisionou.
Corroborando nossa hipótese, a descrição da adoção de um escravo negro,
foragido nas matas de Vacaria, o qual estaria capitaneando grupos coroados através
daquelas matas
552
.
Acreditamos que a inexistência de evidências materiais do contato indígena-
europeu nos sítios dos Horticultores do Planalto poderia indicar a impossibilidade destes
grupos de explorar os recursos litorâneos, provavelmente em função da supremacia bélica e
populacional guarani, que os teria privado de suas áreas tradicionais de domínio.
Se em um primeiro momento a ocupação dos migrantes amazônicos coexistia com
os grupos Horticultores do Planalto durante os meses quentes do ano, agora não mais havia
competição por recursos ou áreas de caça e coleta. Os Horticultores Guaranis estariam
551
BARTH. Op. cit., p. 217.
552
Ibidem, p. 42.
estabilizados no Litoral Norte do Rio Grande do Sul desenvolvendo plenamente seu modo
de vida.
Mas um novo processo colonizador estaria por começar. A chegada dos
colonizadores ibéricos teria mudado as relações de domínio dos conquistadores guaranis,
relegando-os à condição de subjugados. Os territórios de domínio adquiridos com o passar
dos anos, teriam se re-modelado com o advento da chegada dos europeus. O modo de vida,
o sistema de assentamento, uso do espaço e sistema econômico teria sido igualmente
desestruturado.
Alguns sítios arqueológicos encontrados no Litoral Norte são testemunhos destes
contatos, os quais oportunizariam a aquisição de bens desejados, ou mesmo miscigenações
e trocas culturais. Como mencionamos anteriormente, a existência de uma vasilha indígena
com alças (sítio LII07 – Darci Leal), seria a prova desta fusão de elementos.
O sítio LII02 – Cemitério possui uma conta de colar em sua coleção, a qual sugere o
contato com os portugueses. Estes objetos eram conseguidos em troca de indivíduos que
seriam incorporados na sociedade luso-brasileira como mão-de-obra escrava e ainda alguns
utensílios. “(...)E estes tais em pago de lhes trazerem de tão longe (que muitas vezes com a
fome e cansaço morrem) o fio, redes, tipóias, e pelejos, vendem os Tubarões aos
brancos.(...)”
553
. Segundo John Monteiro, “(...)Desde meados do século XVI, os primeiros
povoadores da capitania de São Vicente... freqüentavam o litoral ao sul da capitania,
travando um intenso intercâmbio com os grupos Guarani da região, sobretudo na chamada
laguna dos Patos.(...)”
554
553
RODRIGUES. Op. cit., p. 240.
554
MONTEIRO, J. M. Os guarani e a história do Brasil meridional. In: CUNHA, M. C. História dos índios
no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras/FAPESP, 1.992. p. 490.
Estas contas poderiam ser ostentadas como sinônimo de status dentro dos grupos ou
mesmo utilizadas para obter alguns bens desejados de outras parcialidades. Jerônimo
Rodrigues mais uma vez nos traz algumas informações.
“Estimam muitos os moumas, que levam
pera Angola, e outras que são como canudinhos que
deita o mas fóra. E vão-nos buscar daquí a mais de
70 léguas. E com estas contas hão quanto querem
dos Arachãs.”
555
Estes contatos entre as populações de Horticultores Guaranis e os colonizadores
lusitanos perduraram até cerca de meados do século XVII, conforme afirmamos no
Capítulo VI. Em função das atividades escravagistas ou mesmo por doenças trazidas do
continente europeu estes habitantes do novo mundo foram sendo dizimados. O triste fim
das populações indígenas de nossa área de estudo foi expresso nas palavras de Brochado
quando diz que ...os Guarani conquistados, é tão deprimente que nem vale a pena nos
estendermos a respeito.(...)”
556
. Os orgulhosos guerreiros que devoravam os vencidos
acabaram subjugados pela supremacia bélica dos portugueses. A missionarização
degenerou a base religiosa da cultura Guarani. A sua utilização como contingente militar
nas guerras entre portugueses e espanhóis diminuiu a população. Sua utilização como mão-
de-obra escrava no sistema produtivo colonial desagregou os grupos e privou-os do
domínio de suas respectivas terras. Desta maneira os Horticultores Guaranis foram
555
RODRIGUES. Op. cit., p. 240.
556
BROCHADO, 1.975. Op. cit., p. 80.
aniquilados física e culturalmente, sendo geneticamente absorvidos pela miscigenação que
deu origem à sociedade luso-brasileira
557
.
As únicas evidências materiais destes processos históricos responsáveis pela
formação de uma significativa parcela da população brasileira encontram-se depositadas no
solo, nos sítios arqueológicos. Muito pouco sabemos a respeito dos sistemas de trocas
comerciais e, tão pouco, a respeito das adaptações e mudanças nos sistemas de vida que
cada um dos grupos Ceramistas Pré-coloniais do Litoral Norte se viu obrigado a efetuar
após os fenômenos de contato.
Tais questões permanecem em aberto, esperando por respostas e hipóteses
explicativas que apenas se tornarão possíveis na medida em que os arqueólogos
direcionarem seus esforços no intuito de solucioná-las. Escavações em grandes áreas
necessitam acontecer para que os vestígios da cultura material sejam abordados em uma
perspectiva contextual, a qual permitiria uma compreensão mais ampla dos modos de vida
das antigas comunidades. Entretanto, sítios arqueológicos que possibilitem tais escavações
são cada vez mais raros no litoral, seja em função da crescente exploração econômica
imobiliária, pela utilização da região para o setor agropecuário, ou mesmo pela constante
erosão eólica que abate os sítios. Diante de tais perspectivas, resta-nos arregaçar as mangas
e reunir esforços de diferentes instituições e “atacar” a área com nossos diversificados
métodos de trabalho de campo, a fim de apropriarmo-nos destes conhecimentos enquanto
ainda há tempo.
557
BROCHADO, 1.975. Op. cit., p. 80.
Considerações Finais
Sintetizar o que temos dito até aqui não é tarefa fácil. Muitos dos dados
apresentados foram coletados em épocas diferentes por pesquisadores distintos, permeando
nossa base documental de um caráter heterogênico. Entretanto, acreditamos que os dados
existentes nos permitem algumas interpretações acerca dos sistemas de assentamentos dos
Ceramistas Pré-coloniais do Litoral Norte. Acreditamos também, que a dinâmica das
populações estabelecidas neste trabalho, e os encontros e confrontos que ocorreram em
função dos deslocamentos das comunidades puderam ser trazidos à discussão. Para tal fim,
partimos da síntese dos dados existentes, para dispormos de uma base documental para as
interpretações. Nesta perspectiva devemos ter presente que este trabalho é um esforço de
síntese inicial, sendo necessária a continuidade da pesquisa para que se possa corroborar,
ou não, ao resultados apresentados a seguir.
No que tange aos tios arqueológicos dos Horticultores do Planalto, dispomos de
informações obtidas por coletas superficiais em poucos sítios. No entanto, foi possível
estabelecer, ainda que de forma inicial, seu sistema de assentamento e suas interações com
os grupos guaranis.
Os sítios arqueológicos RS-LN-17 (Miller) e RS-LN-18 (Miller), Imbé-02, RS-LN-
03 (Hilbert), RS-LN-04 (Hilbert), RS-LN-22 (Hilbert), Balneário Atlântico e Parque
Tupancy nos proporcionaram a compreensão do Sistema de Assentamento dos
Horticultores do Planalto na planície litorânea.
Acreditamos ser claramente perceptível que o interesse destes horticultores no
Litoral Norte é a complementação protéica de sua alimentação através da exploração
sazonal dos recursos malacológicos. Tais recursos são tão recompensadores em termos
alimentícios que foram aproveitados ainda em tempos históricos. O relato do Frei Gaspar
da Madre Deus é elucidativo a respeito da ocupação sazonal dos sítios litorâneos. Tais
grupos indígenas desciam do planalto em direção à costa nas épocas mais quentes do ano
para a coleta de moluscos. O resultado da “mariscagem” era levado para as aldeias depois
de desidratado, para servir de fonte de alimentação protéica nos meses mais frios do ano.
Para nós as localizações dos sítios corroboram estas hipóteses. Os acampamentos
encontram-se nas zonas limítrofes entre a vegetação rasteira das zonas de restinga e o
campo de dunas ativas. Tal posicionamento os colocava em eqüidistância entre as áreas de
captação de recursos marinhos e dos banhados. Os sítios RS-LN-03 (Hilbert) e RS-LN-18
(Miller), por exemplo, possuem em sua coleção algumas amostras de gastrópodes e
bivalves adaptados a águas salgadas.
As ocupações em dunas já fixadas, situadas nos limites com a vegetação de restinga,
proporcionava certo resguardo do forte embate vento dominante nordeste, que ainda hoje
assola o litoral sul-rio-grandense. Estas dunas provavelmente correspondem às
reminiscências de um dos eventos trangressivos-regressivos mais recentes. Estes
acampamentos estariam então, protegidos atrás deste cordão de dunas, preservando as
pequenas habitações construídas com a vegetação local.
As localizações dos sítios arqueológicos dos Horticultores Guaranis no Litoral
Norte do Rio Grande do Sul indicam a procura de locais elevados em meio à paisagem.
Foram escolhidas, quando possível, as elevações das dunas pleistocênicas fixadas.
Quando falamos em dunas fixadas, queremos nos referir àquelas dunas que não estão
mais à mercê das movimentações e re-alocações oriundas da energia eólica, estão fora do
campo de dunas ativas. Estes remanescentes do sistema laguna-barreira III encontram-se às
margens das lagoas costeiras, possuindo algumas vezes uma de suas faces erodidas pelo
último avanço oceânico, 5.100 anos atrás. Caracterizam-se como refúgios secos durante
as épocas de cheias e em episódios de maior pluviosidade, interligando os ambientes
lagunares, de mata e de restingas.
Acreditamos que a escolha destes locais está relacionada ao aproveitamento dos
recursos lacustres conjugados ao aproveitamento das zonas baixas para plantio. Estas zonas
correspondem geralmente a leitos de antigas lagoas costeiras, isoladas pelos recuos das
linhas de costa pretéritas, seguidas de forte processo de colmatação, os quais ocasionaram
seu desaparecimento. Os leitos destes extintos corpos aquosos são ricos em material
orgânico decomposto e/ou em decomposição, constituindo excelentes locais para a prática
da horticultura, tão característica dos Horticultores Guaranis. A relativa proximidade do
mar, possibilitaria a complementação da alimentação em épocas de maior escassez. A
distribuição dos sítios destas populações no Litoral Norte insere-os ainda, nos limites da
Mata Atlântica que ocorre junto às escarpas do planalto. Nestes ambientes os caçadores
disponibilizariam inclusive de animais de grande e médio portes.
O sítio RS-LN-16 (Miller) apresenta um dente de porco do mato, o que indica sua
caça e utilização como recurso alimentar. Apresenta também um osso de baleia, o qual
poderia ter sido encontrado à beira-mar durante alguma incursão ao Atlântico. Possuímos
informações de que o sítio RS-LN-35 (Miller) evidencia a coleta de moluscos, embora não
saibamos se são marinhos ou lacustres. Os sítios LII04 Irmãos Broda, LII07 Darci Leal
e RS-LN-27 (Miller) apresentam fragmentos de conchas marinhas em suas coleções. Ossos
de animais de grande porte não foram encontrados nos sítios arqueológicos, talvez em
função da acidez do solo, a qual acelera os processos de corrosão e decomposição das
matérias orgânicas. Acrescentamos ainda a possibilidade de muitos animais terem sido
destrinchados nos locais de caça ao invés de trazidos aos sítios. Através de relatos etno-
históricos podemos inferir que animais como ratões-do-banhado, antas e veados foram
igualmente caçados nos limites da Mata Atlântica ou nos campos entre o mar e as lagoas.
ainda o registro de caça a algumas aves, bem como o aproveitamento de seus ovos na
alimentação.
No que diz respeito ao material lítico encontrado nestes sítios, nota-se que a
preferência para a base das indústrias líticas é o basalto. Tal fato provavelmente está
relacionado à proximidade dos sítios da formação basáltica Serra Geral. São encontrados
entre as coleções dos sítios seixos arredondados, os quais podem ser captados nos leitos dos
rios que sulcam as escarpas da Serra Geral em direção às lagoas costeiras. Foram
encontrados ainda, placas de basalto colunar, as quais poderiam ter sido coletadas junto às
encostas ou nas margens dos rios. Os blocos podem ser coletados no litoral ou trazidos
do alto da serra, durante as incursões dos Horticultores do Planalto.
Outra matéria prima bastante encontrada foi a calcedônia Esta rocha ígnea aparece,
quase em sua totalidade, relacionada à técnica de lascamento bipolar, em que pese existam
lascas bipolares de quartzo e ágata em alguns sítios. Os geodos de calcedônia podem ser
coletados nos leitos dos rios após o seu desprendimento das rochas basálticas.
também, a curiosa ocorrência de dois exemplares de arenito silicificado. Um
exemplar encontra-se junto ao material do lítico sítio LQQ01 - Walter Medeiros, sendo o
outro, associado ao LLe02 - Areal Moro, ambos sítios de ocupação dos Horticultores
Guaranis. Esta matéria prima poderia ter sido obtida através de trocas comerciais com os
Horticultores do Planalto, ou mesmo ter sido trazida de áreas de exploração de algum
tekohá relacionado ao Guará localizado na fralda da Serra Geral, onde esta formação
rochosa pode ser encontrada.
Devemos considerar as possíveis relações existentes entre as aldeias localizadas na
planície arenosa e as aldeias localizadas nos vales dos rios que descem do planalto em
direção ao litoral. Há informações sobre a existência de sítios dos Horticultores Guaranis no
vale do Rio Maquiné, mas não conhecemos sua localização nem o material de sua coleção.
Os vales escavados pelos rios Sanga Funda, Três Forquilhas e Mampituba caracterizam-se
como áreas de grande potencialidade para a ocupação guarani, bem como o aproveitamento
de suas encostas mais elevadas para as aldeias dos Horticultores do Planalto. Acreditamos
que pesquisas futuras devam ser destinadas a estes vales, no sentido de caracterizar as
ocupações dos grupos ceramistas ou mesmo dos caçadores-coletores que os precederam.
Acreditamos que os assentamentos mais poderosos ocupavam as várzeas e outros
ambientes mais favoráveis ao sistema econômico dos Horticultores Guaranis, enquanto as
aldeias mais fracas instalavam-se nos vales mais encaixados, em zonas com baixa
produtividade dos solos e menores possibilidades de caça e coleta.
Nesta perspectiva, os vales dos rios Três Forquilhas e Sanga Funda poderiam ter
sido habitados por aldeias menores, enquanto que os rios Maquiné e Mampituba poderiam
oferecer várzeas mais amplas e mais férteis, as quais seriam ocupadas por aldeias
intermediárias. As matas densas da fralda da Serra Geral teriam também se desenvolvido
com mais intensidade nestas áreas, atraindo maior número de animais e, com isso, o
interesse dos caçadores guaranis. É possível, então, que alguns dos sítios localizados na
Planície Costeira, nas proximidades das desembocaduras destes rios, estejam relacionados a
áreas de atividades dos tekohás do interior dos vales. A circulação dos grupos seria
facilmente conseguida com a ajuda de canoas, aproveitando as calmas águas dos cursos
inferiores dos rios para atingir as lagoas. Estes grupos pré-coloniais preferiam os
deslocamentos embarcados, ao invés dos longos trajetos a pé. Entretanto, devemos ter em
mente que as áreas de maior interesse sejam as férteis várzeas das lagoas e canais que
formam o rosário lacustre do Litoral Norte.
O advento da chegada dos colonizadores europeus certamente caracterizou-se como
um elemento de desestruturação deste estável sistema de assentamento e uso do espaço. As
pressões escravagistas e as doenças trazidas pelos “brancos” provavelmente teriam
empurrado os Horticultores Guaranis em direção ao planalto. Neste momento, os vales dos
rios, anteriormente ocupados pelas aldeias menores, agora seriam o único reduto seguro do
Litoral Norte, tornando-se alvo de disputas entre as pequenas e grandes aldeias em fuga. A
planície litorânea continuaria uma excelente área para pesca e coleta, mas somente poderia
ser aproveitada em incursões rápidas, através do uso de canoas. Os pequenos grupos
guaranis desceriam a foz dos rios Maquiné, Sanga Funda, Três Forquilhas e Mampituba em
rápidos deslocamentos em embarcações, estabelecendo-se em elevações nas margens das
grandes lagoas. As elevações caracterizariam ao mesmo tempo a continuidade de seu
sistema econômico anterior e um ponto de vigia das embarcações e tropas terrestres
ibéricas que poderiam se aproximar.
As análises da cerâmica encontrada nos sítios, bem como os resultados das análises
publicados, nos mostram que a cerâmica escovada, as contas de colar, os artefatos de
metal e as vasilhas com alças aparecem geralmente em sítios de pequeno e médio portes,
localizados sobre elevações muito próximas das margens das lagoas, as quais se ligam com
as desembocaduras dos rios dando acesso ao interior dos vales. Este é o caso dos sítios
LII07 Darci Leal, BAM06 - Família Machado, LII02 Cemitério, o sítio localizado por
Schmitz às margens da Lagoa dos Quadros, o RS-LN-22 (Miller), entre outros. Neste
momento, os Horticultores do Planalto haviam sido privados de suas incursões ao litoral,
em função da ocupação guarani. No entanto, o que nos permite tal inferência é a falta de
evidências do contato entre estes horticultores e o elemento europeu, o que é atestado pela
inexistência de artefatos de além mar nos sítios arqueológicos dos grupos do planalto.
Aliada a esta inferência, o relato da ocorrência de grupos indígenas ocupando os abrigos
rochosos localizados nas escarpas do vale do Rio Maquiné.
Provavelmente, os sítios localizados entre as lagoas Malvas, Ramalhete e Quadros
façam parte de uma mesma ocupação dos Horticultores Guaranis. Os sítios maiores como
RS-LN-32, RS-LN-33 e RS-LN-36 talvez sejam explicados pela re-alocação dos centros
residenciais (amundás) de um mesmo tekohá. Os sítios RS-LN-26 (Miller), RS-LN-29
(Miller), RS-LN-34 (Miller), RS-LN-35 (Miller), RS-LN-48 (Miller) e LQQ01 Walter
Medeiros, em função de suas proporções reduzidas, sejam áreas destinadas aos
acampamentos para incursões rápidas ou mesmo roças. Uma outra possibilidade é a de
pertencerem a residências de famílias nucleares. É possível ainda que estes sítios médios e
pequenos estejam associados apenas a ocupações pós-contato, pois as famílias poderiam ter
se dispersado em pequenos grupos, e as próprias casas seriam consideradas aldeias.
A distância máxima entre os sítios do tekohá da Lagoa do Ramalhete é de
aproximadamente oito quilômetros. Acreditamos que para ser possível inferir a área de
domínio dos tekohás, necessitamos delimitar as distâncias das possíveis áreas de captação
de recursos inorgânicos. Tendo por base que as indústrias ticas de nossa área de estudo
limitam-se ao uso de basaltos, dioritos, arenitos e geodos de quartzo ou calcedônia,
podemos inferir que as distâncias entre os sítios e suas fontes de matérias primas são,
basicamente, as distâncias entre estes e a encosta da Serra Geral. Tais rochas são facilmente
encontradas nos vales dos rios que descem do planalto ou mesmo na base das escarpas. No
caso do tekohá da Lagoa do Ramalhete, a distância máxima a ser percorrida seria de 14
quilômetros no sentido de atingir os cursos alto e médio do Rio Maquiné, onde é possível
prover o assentamento de materiais rochosos para as atividades de produção de artefatos ou
mesmo de argila para a produção das vasilhas e pigmentos para a pintura da cerâmica.
Estas reduzidas distâncias nos fazem acreditar que a área de domínio proposta por
Noelli, a qual atinge 50 quilômetros radiais, seja demasiadamente grande para a Planície
Costeira, tendo em vista as distâncias das áreas exigidas para a subsistência do modo de
vida destes grupos.
A concentração de sítios arqueológicos no entorno das lagoas Tramandaí,
Armazém, Biguá, Emboaba e Custódias provavelmente seja explicada pelo mesmo sistema
de uso e compreensão do espaço pelos Horticultores Guaranis. Alguns dos sítios
denominados por Eurico Miller como “RS-LC” seriam fruto das re-alocações deste tekohá,
ou mesmo sítios anexos dentro da área de domínio. Infelizmente não nos foi possível reunir
mais dados sobre os sítios do litoral central, devido à exigüidade do tempo.
A concentração de sítios arqueológicos localizados entre as lagoas de Itapeva e
Quadros, dois dos maiores corpos lacustres do Litoral Norte, poderiam ser considerados um
outro tekohá. A área é bastante favorável ao desenvolvimento da horticultura, com
possibilidade de apoio na coleta de moluscos junto aos banhados e ao mar, bem como à
complementação da alimentação através da caça nos limites da Mata Atlântica que se
encontra junto às escarpas e ao vale do Rio Três Forquilhas.
O sítio do Areal se caracteriza como centro residencial, pois possui 10.000 metros
quadrados. Um outro sítio de consideráveis proporções seria o sítio Manoel João. Os sítios
do Lima, Onildo Aguiar, Família Nunes e Lomba da Folia seriam sítios de tamanhos
médios e pequenos. Mas sua contemporaneidade apenas poderá ser atestada por datações
radiocarbônicas, as quais não possuímos.
As matérias primas para a produção dos artefatos líticos e cerâmicos poderiam ser
obtidas no vale do Rio Três Forquilhas, que dista menos de 10 quilômetros de distância
máxima do sítio mais afastado.
Entretanto, em função do teor das pesquisas arqueológicas efetuadas na área, não
possuímos dados além dos tamanhos dos sítios e suas distâncias para as áreas de recursos
mais próximas. Torna-se necessário maior número de evidências materiais para que
possamos inferir sobre o material lítico e cerâmico dos sítios, bem como sua estratigrafia.
As interpretações que arriscamos aqui necessitam de trabalhos de escavações sistemáticas
que oportunizem a confirmação, ou não, das idéias expostas.
Uma última concentração de sítios guaranis encontradas em nossa área de estudo
seria formada pelos sítios RS-LN-16 (Miller), RS-LN-30 (Miller), RS-LN-31 (Miller) e
LLe02 – Areal Moro. Há ainda a informação de ter sido retirada uma urna funerária do sítio
Fazenda do Casqueiro, o que caracterizaria uma ocupação dos Horticultores Guaranis ainda
neste último tekohá. A distância máxima entre os sítios é de nove quilômetros, e as fontes
de captação de recursos líticos e minerais dos rios Caraá e Maquiné distam 12 e 28
quilômetros, respectivamente.
Não podemos afirmar que cada concentração de sítios mencionada acima não
represente uma re-alocação dos amundás, caracterizando assim, um único tekohá. As
datações existentes indicam uma ocupação permanente na área desde 848 A.D. até o
convívio com os europeus.
Entretanto, o material arqueológico analisado e as informações reunidas por nós,
parecem indicar um gradual aumento populacional desde a chegada a Planície Costeira até
a expulsão dos Horticultores do Planalto. Isto nos faz pensar que o posterior aumento
demográfico daria origem a novos tekohás e limitaria a circulação dos grupos planaltinos.
Em função disto, acreditamos tratar-se de centros habitacionais diferentes, mas pertencentes
a um mesmo Guará, que teria sido contatado pelos colonizadores ibéricos e referido pelo
jesuíta Jerônimo Rodrigues. Admitindo-se a hipótese da existência do Guará dos carijós no
Litoral Norte, podemos imaginar que as relações entre os tekohás estabelecidos na região
fossem de paz e estabilidade, calcadas nas relações de parentesco e reciprocidade.
Mas as relações entre as populações Ceramistas Pré-coloniais do Litoral Norte
nem sempre foram pacíficas. Acreditamos que os processos de interação cultural no Litoral
Norte são caracterizados por dois momentos claramente delimitados. Inicialmente os
Grupos Horticultores do Planalto dominariam esta região coexistindo, talvez, com grupos
de caçadores-coletores das zonas de paisagens abertas. Mantinham um sistema de
exploração sazonal em três ambientes distintos, utilizados conforme os eventos climáticos
anuais. Esta estabilidade teria sido ameaçada pela chegada dos grupos Horticultores
Guaranis que teriam adentrado na planície litorânea através dos afluentes do Rio Jacuí
contornando o Planalto Meridional. O segundo momento que marcou a história dos
contatos em nossa área de estudo foi a chegada das caravelas portuguesas e os processos de
pressão e dominação cultural que representam estas populações européias.
O primeiro momento dos momentos referidos acima é marcado pela chegada dos
primeiros grupos guaranis ao litoral setentrional. Para nós as primeiras aldeias dos
Horticultores Guaranis estabelecidas no Litoral Norte, não representavam suficiente ameaça
ao sistema de exploração de sazonal dos grupos Horticultores do Planalto. A baixa
densidade populacional das tribos guaranis não os colocaria em condições de hostilizar, ou
mesmo enfrentar os ocupantes tradicionais da Planície Costeira. As zonas de exploração de
recursos malacológicos marinhos e lagunares estariam dentro dos territórios de domínio dos
grupos do planalto.
Neste momento, acreditamos que os habitantes destas aldeias incipientes teriam
inúmeras oportunidades para o estabelecimento de trocas comerciais a fim de prover suas
famílias dos bens necessários para a manutenção de seu modo de vida.
Surge então, a possibilidade de trocas culturais, as quais são intrínsecas aos
episódios de contatos. Um grande número de evidências do contato acima mencionado
pode ser levantado em meio ao corpo bibliográfico produzido pelos arqueólogos.
Muitos dos sítios encontrados no Litoral Norte possuem ocorrências conjugadas de
material cerâmico dos grupos Horticultores do Planalto e Horticultores Guaranis. Os sítios
arqueológicos são: RS-LN-16 (Miller), RS-LN-18 (Miller), RS-LN-26 (Miller), LQQ01
Walter Medeiros, LII07 Darci Leal, LII04 - Irmão Broda, LAA01 Lauro Rodrigues,
LLe02 Areal Moro, RS-LN-07 (Hilbert), RS-LN-08 (Hilbert), RS-LN-22 (Hilbert) e os
dois sítios encontrados por Schmitz em 1.958. Para nós, o que explica tal ocorrência é a
existência de trocas comerciais entre os grupos. Talvez, os vestígios conchíferos existentes
em sítios guaranis no vale do Rio Pardo sejam provas da circulação destas mercadorias. Um
outro indicativo é a existência de trocas de contas de colar por pontas de flechas, redes e
peles entre os carijós e os arachãs do litoral central.
Mas se por um lado trocas pacíficas entre carijós e arachãs, por outro, entre
carijós e tapuias registros de guerras, ou seja, ao mesmo tempo em que a
possibilidade de convívio e trocas com algumas populações, guerras e hostilidades para
com outras. Ocorre ainda a possibilidade de hostilidades dentro de um mesmo grupo,
opondo algumas de suas parcialidades.
No que tange às relações territoriais entre os Ceramistas Pré-coloniais do Litoral
Norte, devemos ter em mente que ambos ocupavam áreas distintas, em função das poucas
similaridades de seus sistemas econômicos. Os Horticultores Guaranis estavam
perfeitamente adaptados à vida em florestas nas proximidades das lagoas costeiras, nas
quais disponibilizariam de caça, pesca, coleta de frutos silvestres e ainda sua característica
atividade produtiva, o plantio junto aos solos férteis das várzeas. Os Horticultores do
Planalto possuíam um domínio vertical em três ambientes distintos: planalto, suas encostas
e a planície litorânea. Seus interesses nas “terras baixas” advinham da possibilidade de
complementação protéica de sua dieta, oriunda do aproveitamento dos moluscos para a
alimentação e estocagem. Estes recursos estão relacionados às zonas de banhados, situadas
entre a linha de lagoas e o mar, bem como às praias, onde são facilmente encontrados
quando do recuo das ondas.
Percebemos então, que os nichos de exploração dos grupos referidos são
diferenciados, caracterizando duas linhas de ocupação humana na região: os Horticultores
Guaranis, localizados entre a encosta da Serra Geral e o rosário de lagoas, e os
Horticultores do Planalto, entre estas e o Oceano Atlântico. Entretanto, como vimos no
Capítulo VI, a coleta de moluscos foi um recurso amplamente utilizado pelos migrantes
amazônicos em diversos pontos do litoral brasileiro. Acreditamos que a ambição por estes
recursos tenha levado estes grupos a situações de conflito.
Mas as populações de Horticultores Guaranis apenas puderam fazer frente aos
tradicionais habitantes da área quando do aumento de seu contingente. Assim sendo, a
presença dos sítios dos grupos amazônicos no litoral central e norte do Rio Grande do Sul
impediria, limitaria ou regularia o acesso dos grupos planaltinos aos recursos litorâneos,
levando ao progressivo abandono destas estratégias de subsistência em função das pressões
expansivas dos tekohás.
Os sítios RS-LN-16 (Miller), RS-LN-20 (Miller), RS-LN-22 (Miller), RS-LN-26
(Miller), LII07 Darci Leal e LII04 Irmãos Broda apresentam carapaças de moluscos no
substrato do sítio. Se levarmos em consideração as datações radiocarbônicas existentes para
o RS-LN-16 (Miller), 535 ± 200 SI - 410 e 556 ± 200 SI 411, podemos imaginar que a
possibilidade de coleta destes recursos se daria apenas após a expulsão dos tradicionais
ocupantes da área, os Horticultores do Planalto. Corrobora nossa interpretação a existência
de cerâmica com o tratamento de superfície externa escovada no sítio RS-LN-22 (Miller),
fato que indicaria uma ocupação em contato com o elemento europeu. O sítio LII07
Darci Leal possui uma vasilha que possui a forma de um pequeno yapepó escovado em sua
base e ungulado na parte superior, tratamento este que lembra as ungulações feitas pelos
Horticultores do Planalto. Esta vasilha possui ainda duas alças, o que atesta, juntamente
com o tratamento escovado, o contato com o europeu.
A localização do sítio RS-LN-04 (Hilbert), em meio às dunas próximas da linha
atual da costa, indica a utilização de uma área de captação de recursos malacológicos,
tradicionalmente dominada pelos Horticultores do Planalto. A inexistência de cerâmica
planaltina poderia indicar a dominação da área e a expulsão de seus tradicionais ocupantes.
Entretanto, devemos ter em mente a exiguidade de material coletado, o que impossibilita a
confirmação desta interpretação. Seria de fundamental importância um trabalho de
revisitação e coleta superficial sistemática, para que se possa obter maiores informações.
Em que pese concordemos com a hipótese da existência de guerras entre as
populações ceramistas do Litoral Norte, devemos ter presente que inclusive estes eventos
bélicos proporcionam a possibilidade de trocas culturais ou mesmo gênicas. Sabemos que
muitos grupos coroados que habitavam o Planalto Meridional costumavam capturar as
mulheres e mantê-las como escravas dentro das aldeias, o que possibilitaria tais trocas.
Como o leitor pôde perceber, nem todos os indivíduos inimigos eram eliminados
sumariamente, alguns eram incorporados aos grupos coroados. Esta informação poderia
sugerir uma explicação para a ocorrência, no passado, de cerâmica dos Horticultores do
Planalto em sítios guaranis, e assim reciprocamente. As mulheres aprisionadas apenas
poderiam produzir os vasilhames com a tecnologia que conheciam, ao menos até que
lhes fosse imposta uma nova. Entretanto, não acreditamos que esta explicação elimine a
possibilidade de trocas culturais entre os grupos, as quais adviriam da aquisição de novos
modos de vida e informações a partir da convivência.
Os fenômenos de convívio entre diferentes etnias obrigam os grupos minoritários a
destacar seu sentimento de não pertença ao grupo hegemônico. As ceramistas capturadas
por qualquer um dos grupos enfocados aqui poderiam utilizar a linguagem da cerâmica para
atestar sua pertença alheia ao contexto em que estariam vivendo. Mas devemos ter em
mente a possibilidade de tais indivíduos serem absorvidos culturalmente, passando a fazer
parte do grupo que os aprisionou.
Corroborando nossa hipótese, a descrição da adoção de um escravo negro,
foragido nas matas de Vacaria, o qual estaria capitaneando grupos coroados através
daquelas matas.
Acreditamos que a inexistência de evidências materiais do contato indígena-
europeu nos sítios dos Horticultores do Planalto poderia indicar a impossibilidade destes
grupos de explorar os recursos litorâneos, provavelmente em função da supremacia bélica e
populacional guarani, que teria privado aqueles de suas áreas tradicionais de domínio.
Se em um primeiro momento a ocupação dos migrantes amazônicos coexistia com
os grupos Horticultores do Planalto durante os meses quentes do ano, agora não mais havia
competição por recursos ou áreas de caça e coleta. Os Horticultores Guaranis estariam
estabilizados no Litoral Norte do Rio Grande do Sul desenvolvendo plenamente seu modo
de vida.
Mas um novo processo colonizador estaria por começar. A chegada dos
colonizadores ibéricos teria mudado as relações de domínio dos conquistadores guaranis,
relegando-os à condição de subjugados. Os territórios de domínio adquiridos com o passar
dos anos, teriam se re-modelado com o advento da chegada dos europeus. O modo de vida,
o sistema de assentamento, uso do espaço e sistema econômico teria sido igualmente
desestruturado.
Alguns sítios arqueológicos encontrados no Litoral Norte são testemunhos destes
contatos, os quais oportunizariam a aquisição de bens desejados, ou mesmo miscigenações
e trocas culturais. Como mencionamos anteriormente, a existência de uma vasilha indígena
com alças (sítio LII07 – Darci Leal), seria a prova desta fusão de elementos.
O sítio LII02 – Cemitério possui uma conta de colar em sua coleção, a qual sugere
o contato com os portugueses. Estes objetos eram conseguidos em troca de indivíduos que
seriam incorporados na sociedade luso-brasileira como mão-de-obra escrava e ainda alguns
utensílios. Estas contas poderiam ser ostentadas como sinônimo de status dentro dos
grupos, ou mesmo utilizadas para obter alguns bens desejados de outras parcialidades
indígenas.
Estes contatos entre as populações de Horticultores Guaranis e os colonizadores
lusitanos perduraram até cerca de meados do século XVII, conforme afirmamos no
Capítulo VI. Em função das atividades escravagistas ou mesmo por doenças trazidas do
continente europeu estes habitantes do novo mundo foram sendo dizimados. Os orgulhosos
guerreiros que devoravam os vencidos acabaram subjugados pela supremacia bélica dos
portugueses.
A missionarização degenerou a base religiosa da cultura Guarani. A sua utilização
como contingente militar nas guerras entre portugueses e espanhóis diminuiu a população.
Sua utilização como mão-de-obra escrava no sistema produtivo colonial desagregou os
grupos e privou-os do domínio de suas respectivas terras. Desta maneira os Horticultores
Guaranis foram aniquilados física e culturalmente, sendo geneticamente absorvidos pela
miscigenação que deu origem à sociedade luso-brasileira.
As únicas evidências materiais destes processos históricos responsáveis pela
formação de uma significativa parcela da população brasileira encontram-se depositadas no
solo, nos sítios arqueológicos. Muito pouco sabemos a respeito dos sistemas de trocas
comerciais e, tão pouco, a respeito das adaptações e mudanças nos sistemas de vida que
cada um dos grupos Ceramistas Pré-coloniais do Litoral Norte se viu obrigado a efetuar
após os fenômenos de contato.
Tais questões permanecem em aberto, esperando por respostas e hipóteses
explicativas que apenas se tornarão possíveis na medida em que os arqueólogos
direcionarem seus esforços no intuito de solucioná-las. Escavações em grandes áreas
necessitam acontecer para que os vestígios da cultura material sejam abordados em uma
perspectiva contextual, a qual permitiria uma compreensão mais ampla dos modos de vida
das antigas comunidades.
Não foi nosso propósito aqui abarcar as situações, e as respectivas evidências
materiais, ocorridas entre os Ceramistas Pré-coloniais do Litoral Norte e os distintos grupos
de caçadores-coletores que outrora se estabeleceram na Planície Costeira. A existência de
bolas de boleadeira em tios dos Horticultores Guaranis talvez sejam reminiscências desta
interação. Os sítios LQQ02 Walter Medeiros e RS-LN-34 (Miller) possuem tais artefatos
em suas coleções. Embora não existam datações para os sítios destes caçadores de
paisagens abertas localizados na planície arenosa, podemos sugerir seus contatos a partir
das evidências que dispomos. Acreditamos entretanto, que pesquisas aprofundadas que
privilegiem este tema devam ser efetuadas para que possamos compreender estas
ocupações.
Devemos ter presente ainda, a possível existência de grupos caçadores-coletores
vivendo no interior dos vales Três Forquilhas, Maquiné, Cardoso, Sanga Funda e
Mampituba. Quais seriam as relações entre estes grupos e os Horticultores do Planalto que
aproveitaram os vales para atingir o litoral sazonalmente? O que teria ocorrido com estes
caçadores-coletores quando do avanço dos tekohás? Será que ainda viviam neste local, ou
já os teriam abandonado? Estas questões ficam em aberto, à espera de pesquisas futuras que
os privilegiem.
Um estudo mais detalhado do material conchífero e ósseo de cada sítio dos
Horticultores do Planalto pode indicar mais precisamente o momento de cada ocupação. Se
tivermos em mente que tais sítios são fixados nas proximidades de pontos ideais para a
coleta de moluscos, um estudo sobre o índice de salinidade de antigos ambientes estuarinos
ou lagunares pode indicar as espécies de conchas que estariam a disposição das populações
pré-históricas. Comparando o resultado desta análise com as espécies encontradas na
estratigrafia dos sítios, poderíamos definir o período de ocupação de um sítio arqueológico
através do índice de salinidade necessário para a proliferação de certas espécies de
moluscos, relacionando-os com os eventos transgressivos e/ou regressivos da linha do mar.
Um outro problema que pode ser citado é a dificuldade de estabelecer a
contemporaneidade dos assentamentos envolvidos nos intercâmbios. Muitos objetos ou
bens de consumo perecíveis não permaneceram no registro arqueológico, restringindo as
interpretações. Além disso, a escassez de fontes documentais escritas sobre os contatos e os
intercâmbios entre os grupos pré-coloniais dificulta as interpretações, deixando muitas
lacunas acerca dos sistemas de trocas.
Muitas das informações apresentadas são oriundas de pesquisas anteriores, as
quais possuíam propósitos específicos, motivos pelos quais foram aplicados métodos
determinados que possibilitaram responder, ao menos em parte, as ansiedades dos
arqueólogos do Programa Nacional de Pesquisas Arqueológicas. Tal fato nos priva da
disponibilidade de dados mais amplos sobre cada sítio, os quais nos permitiriam a
compreensão sincrônica do material arqueológico. A escassez de datações para os sítios dos
Horticultores Guaranis e a inexistência destas para os Horticultores do Planalto limitam
nossas inferências. O modelo de ocupação e os sistemas de assentamentos que
apresentamos devem ser entendidos como propostas interpretativas, como hipóteses
explicativas, devem ser testados. Somente com pesquisas mais pontuais é que poderemos
ter alguma segurança acerca da existência dos tekohás, suas localizações e suas relações
com os acampamentos dos ceramistas planaltinos.
Em 1.640 a região do litoral norte do atual estado do Rio Grande do Sul estava
inteiramente despovoada. Não mais eram vistas as populações que outrora percorriam o
litoral e as encostas da serra em busca de caça. Terminavam drasticamente os últimos
resquícios da pré-história desta região.
Nos dias atuais, a única forma de aproximarmo-nos das estruturas sociais de
populações indígenas pretéritas é através dos trabalhos arqueológicos. Entretanto, os
arqueólogos têm assistido ao acelerado processo de destruição dos vestígios materiais
destas culturas em função da exploração imobiliária. Muitas questões continuam á espera
de respostas, e muitos sítios ainda precisam ser escavados. Resta-nos, aos profissionais da
Arqueologia, empenharmo-nos para que o nosso objeto de estudo resista ao crescimento
das cidades litorâneas.
Bibliografia Consultada
AB’SÁBER, Aziz N. Espaços ocupados pela expansão dos climas secos na América do
Sul, por ocasião dos períodos glaciais quaternários. Universidade de São Paulo, 1.977.
p. 1-19.
AFONSO, Marisa C. Teoria e método em arqueologia da paisagem. In: Arqueologia do
Brasil meridional e IX congresso da sociedade de arqueologia brasileira. Porto Alegre,
PUCRS, 2.001, (CD-ROM). 5 p.
ANDRADE-LIMA, Tânia. A arqueologia histórica na encruzilhada: processualismo + ou X
pós-processualismo? In: Anais da VIII reunião científica da Sociedade de Arqueologia
Brasileira. Porto Alegre: EDIPUCRS, 1.996. Vol. I. .p. 227-230.
ASSIS, Valéria S. Da espacialidade tupinambá. Porto Alegre, Faculdade de Filisofia e
Ciências Humanas, Programa de Pós-graduação em História da Pontifícia Universidade
Católica do Rio Grande do Sul, 1.996. (Dissertação de Mestrado). 132 p.
BECK, Anamaria. A cerâmica dos sambaquis do litoral norte de Santa Catarina. In:
Pesquisas, antropologia n. 18, Estudos Leopoldenses, n. 9, Anais do Segundo Simpósio
de Arqueologia da Área do Prata. São Leopoldo: Universidade do Vale do Rio dos Sinos,
Instituto Anchietano de Pesquisas, 1968. p. 89-100.
BEHLING, Hermann. Vegetational ans climate dynamics in southern Brazil during late
quaternary times. In: Boletim de resumos do VIII congresso da ABEQUA, Mudanças
globais e o Quaternário, Imbé, outubro, 2.001. p. 348-349.
BELTRÃO, Maria C. & KNEIP, Lina M. Arqueologia dos estados do Rio de Janeiro e
Guanabara: linhas de pesquisa. In: Pesquisas, antropologia n. 20, Estudos Leopoldenses,
n. 13, Terceiro Simpósio de Arqueologia da Área do Prata. São Leopoldo, Instituto
Anchietano de Pesquisas, 1.969 (a). p. 93-100.
___________. Escavações estratigráficas no estado da Guanabara. . In: Pesquisas,
antropologia n. 20, Estudos Leopoldenses, n. 13, Terceiro Simpósio de Arqueologia da
Área do Prata. São Leopoldo, Instituto Anchietano de Pesquisas, 1.969(b). p. 101-112.
BETLRÃO, Maria C. Pré-história do Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Forense
Universitária/SEEC-RJ, 1.978. 276 p.
BIGARELLA, J.J., ANDRADE-LIMA, D. & RIHES, P. Considerações a respeito das
mudanças paleoambientais na distribuição de algumas espécies vegetais e animais no sul do
Brasil. Anais da Academia Brasileira de Ciências, 1.975. p. 411-462.
BINFORD, Lewis. En busca del pasado. Barcelona: Crítica, 1.988. 283 p.
BINFORD, Lewis. Mobility, housing and environment: a comparative study. In: Journal
of anthropological research, 46 (2), 1.990. p. 119-154.
BISCHOFF, Theodor. Ueber die sambaquys in der proviz Rio Grande do Sul (Brasilien).
In: Z. Ethn., Berlim, Bd. XIX, V., 1.887. p. 176-198.
BISCHOFF, Theodor. Sobre os sambaquis no estado do Rio Grande do Sul. In: Revista do
Museu do Arquivo Público do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, dezembro, 1.928. p. 11-
42.
BLASIS, Paulo D. A ocupação pré-colonial do vale do ribeira de iguape, SP: os sítios
líticos do dio curso. São Paulo, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas,
Universidade de São Paulo, Curso de Pós-graduação em Antropologia Social. (Dissertação
de Mestrado). 205 p.
BLASIS, Paulo de & GONZÁLEZ, Erika R. Investigações arqueológicas no médio/baixo
vale do Ribeira de Iguape. In: Revista do Museu de Arqueologia e Etnologia, n. 8, São
Paulo, MAE, 1.998. 57-70 p.
BONTE, Pierre. Dicionario de etnología e antropología. Madrid: Akal, 1.996. 758 p.
BOSCH, Ademar et. all.. Informe de la zona costera atlántica de Cabo Polonio y Balizas
intento de reconstrución arqueológica (primera parte). In: Anais del Congresso
Nacional de Arqueologia. Fray Bentos: Museo Municipal de História Natural de Rio
Negro, V.2, p. 171-214.
BRÉZILLON, M. N. La Dénomination des Objets de Pierre Taillée: Matériaux pou un
Vocabulaire es Préhistoriens de Langue Française. Paris: Gallia Préhistoire, 1.977. 423
p.
BROCHADO, José P. Arqueologia brasileira em 1.968, um relatório preliminar sôbre
o programa nacional de pesquisas arqueológicas. Belém, Museu Paraense Emílio
Goeldi, publicações avulsas n. 12, 1.969. 33 p.
____________. O Guarani: o conquistador vencido. In: RAMIREZ, Hugo (Org.). O índio
no Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Governo do Estado do Rio Grande do Sul, Comissão
Executiva de Homenagem ao Índio, 1.975. p. 71-81.
BROCHADO, José P. & SCHMITZ, Pedro I. Datos para una secuencia cultural del estado
de Rio Grande do Sul (Brasil). In: Estudos Leopoldenses, São Leopoldo, Universidade do
Vale do Rio dos Sinos, Ano XVII, V. 18, n. 64, 1.982. p. 131-160.
BROCHADO, José P. Um modelo ecológico de difusão da cerâmica e da agricultura no
leste da América do Sul. Illinois-Champaign, Universidade de Illinois, 1.984. (Tese de
Doutorado com resumo em português ao final). 574 p.
____________. Desarrollo de la tradición cerámica tupiguarani (a.d. 500 – 1.800). In:
Anais do Primeiro Simpósio de Estudos Missioneiros, Faculdade de Filosofia, Ciências e
Letras Dom Bosco, 1.985. p. 76-148.
BROCHADO, J.; MONTICELLI, G. & NEUMANN, E. Analogia etnográfica na
reconstrução gráfica das vasilhas guarani arqueológicas. In: Veritas, Porto Alegre, v. 35, n.
140, dez de 1.990. p. 727-743.
BUTZER, Karl. Archaeolgy as Human Ecology: method and theory for a contextual
approach. Cambridge: Cambridge University Press, 1.982. 368 p.
CARLE, Miriam. Investigação arqueológica em Rio Grande: uma proposta da ocupção
guarani pré-histórica no Rio Grande do Sul. Porto Alegre, Faculdade de Filisofia e
Ciências Humanas, Programa de Pós-graduação em História da Pontifícia Universidade
Católica do Rio Grande do Sul, 1.996. (Dissertação de Mestrado). 95 p.
CIGLIANO, Eduardo M. Investigaciones arqueológicas en el rio Uruguay medio y costa
n.e. de la provincia de Buenos Aires. In: Pesquisas, antropologia n. 18, Estudos
Leopoldenses, n. 9, Anais do Segundo Simpósio de Arqueologia da Área do Prata. São
Leopoldo, Instituto Anchietano de Pesquisas, 1.968. p. 5-9.
CHANG, K. C. Settlement archaeology. Palo Alto: National Press Books, 1.968. p. 1-9.
CHINOY, Ely. Sociedade uma introdução à sociologia. São Paulo: Cultrix, 1.993. 692 p.
CLARKE, David. Spatial archaeology. New York: Academic Press, 1.977. p. 1-32.
CLAPPERTON, C. Quaternary geology and geomorfology of South America.
Amsterdam, London, New York, Tokyo: Elsevier, 1.993. 779 p.
COPÉ, Sílvia. A ocupação pré-colonial do sul e sudeste do Rio Grande do Sul. In: KERN,
Arno. (Org.) Arqueologia pré-histórica do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Mercado
Aberto, 1.997. p. 191-220.
COSTA, A. C., PAROLIN, M., STEVAUX, J. C. Clima seco e formação de dunas eólicas
durante o Holoceno Médio de Taquaruçu, MS Brasil. In: Boletim de resumos do VIII
congresso da ABEQUA, Mudanças globais e o Quaternário, Imbé, outubro, 2.001. p.
362-363.
D’AGOSTINO, L. & MAHIQUES, M. Resultados preliminares da avaliação das oscilações
climáticas do quaternário superior na margem continental sudeste do Brasil com base no
estudo das associações de foraminíferos. In: Boletim de resumos do VIII congresso da
ABEQUA, Mudanças globais e o Quaternário, Imbé, outubro, 2.001. p. 359-360.
DELANEY, Patrick J. V. Fisiografia e geologia de superfície da planície costeira do Rio
Grande do Sul. Porto Alegre: Gráfica da Universidade do Rio Grande do Sul, 1.965.
(Publicação especial n.º 6).
DIAS, Adriana S. Repensando a tradição umbu a partir de um estudo de caso. Porto
Alegre, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Pontifícia Universidade Católica do
Rio Grande do Sul 1.995. (Dissertação de Mestrado). 170 p.
________. Sistemas de assentamento e estilo tecnológico: uma proposta interpretativa
para a ocupação pré-colonial do alto vale do rio dos sinos, Rio Grande do Sul. São
Paulo, Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo, 2.003. (Tese de
Doutorado). 327 p.
DIAS, Odemar. A fase Itaipu, sítios sobre dunas no estado do Rio de Janeiro. In:
Pesquisas, antropologia n. 20, Estudos Leopoldenses, n. 13, Terceiro Simpósio de
Arqueologia da Área do Prata. São Leopoldo, Instituto Anchietano de Pesquisas, 1.969a. p.
5-12.
______. Considerações iniciais sôbre o terceiro ano de pesquisas no estado do Rio de
Janeiro. In: Programa nacional de pesquisas arqueológicas 3 resultados preliminares
do terceiro ano 1.967-1.968. Belém, Museu Paraense Emílio Goeldi, publicações avulsas
n. 13, 1.969b. p. 143-160.
DOMIKS, Júnior M. Material fito-faunístico. In: MONTICELLI, Gislene. et. all. Pesquisa
Arqueológica em áreas afetadas pelas obras de duplicação da rodovia BR 101:
municípios de Torres a Osório, Rio Grande do Sul. Vol. II. Porto Alegre, MCT, 2.003.
(Relatório Final das atividades). p. 85-98.
EBLE, Alroino & PIAZZA, Walter. Considerações preliminares sobre a arqueologia do sul-
catarinense. Apud: SCATAMACCHIA, Maria C. Tentetiva de caracterização da
tradição tupiguarani.. São Paulo, Departamento de ciências sociais da faculdade de
filosofia, letras e ciências humanas da universidade de São Paulo, 1.981. (Dissertação de
Mestrado). 300 p.
FAGAN, Brian. In the beggining an introduction to archaeology. 3 Ed. Boston
Toronto: Little, Brown and Company, 1978. 562 p.
FAUSTO, Carlos. Fragmentos de história e cultura tupinambá: da etnologia como
instrumento crítico de conhecimento etno-histórico. In: CUNHA, Manuela Carneiro da.
História dos índios no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras/FAPESP, 1.992. p. 381-
397.
FERRARI, Jussara. Sítios arqueológicos costeiros, litoral norte do RS, Brasil. Nota
Prévia, datilografado, 1.984. p. 86-89.
FIGUTI, Levy. O homem pré-histórico, o molusco e o sambaqui: considerações sobre a
subsistência dos povos sambaquieiros. In: Revista do Museu de Arqueologia e
Etnologia. São Paulo: [s.e.], 1993. Volume 3 p 67-80.
FREDIANI, Ascânio. Os sambaquis e o litoral de Torres. In: Revista do Museu Julio de
Castilhos e Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, ano 1, n. 2, 1.952. p.
243-249.
GALVÃO, Eduardo. Diários de campo entre os tenetehara, Kaioá e índios do Xingú.
Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1.996. 395 p.
GIOVANNINI, Carlos A. Geologia do município de Xangri-lá, RS. Porto Alegre:
CPRM, 1.995. (Série Cartas Temáticas – Porto Alegre, v. 18). 33 p.
GLIESCH, Rudolf. Sobre a origem dos sambaquis. In: Egatea, Porto Alegre, v. 17, n. 1-3,
1.925. p. 199-208.
GONZÁLEZ, Erika, R. Diversidade cultural entre os grupos ceramistas do sul-sudeste
brasileiro: o caso do vale do rio Ribeira de Iguape. In: TENÓRIO, Maria C. (org.) Pré-
história da terra brasilis. Rio de Janeiro: Editora da UFRJ, 1.999(a). p. 293- 306.
___________. O estudo da interação cultural em arqueologia. In: Revista do Museu de
Arqueologia e Etnologia, São Paulo, Suplemento 3, 1.999(b). p. 31-34.
GOURHAN, André L. Pré-história. In: Nova Clio história e seus problemas, São Paulo,
Edusp, Biblioteca Pioneira de Ciências Sociais, 1.981. 331 p.
GUERRA, Antônio T. Dicionário geológico e geomorfológico. 4 ed. Rio de Janeiro:
Instituto Brasileiro de Geografia, 1.972. 439 p.
HEREDIA, Beatriz M. Região regiões visões e classificações do espaço social. In:
ESTERCI, N., FRY, P. & GOLDENBERG, M. Fazendo antropologia no Brasil. Rio de
Janeiro: DP7A, 2.001. p. 167-188.
HILBERT, Klaus. Caçadores-coletores pré-históricos no Sul do Brasil: um projeto para
uma redefinição das tradições líticas Umbu e Humaitá, IN: FLORES, M. (org.) Negros e
Índios: história e literatura. Porto Alegre: EDIPUCRS, 1.994 (coleção História, 2) p. 9-
24.
HILBERT, Klaus et. all. Vistoria Arqueológica Prévia na Rodovia RS 486 (km 0 a 11,
880m da BR 101 à Estrada do Mar; município de Terra de Areia/RS). Porto Alegre,
agosto de 2.000. 80 p.
HODDER, Ian & ORTON, Clive. Análisis espacial en arqueología. Barcelona: Crítica,
1.990. 295 p.
HOELTZ, Sirlei. As tradições umbu e humaitá: releitura das indústrias líticas das
fases rio pardinho e pinhal através e uma proposta alternativa de investigação. Porto
Alegre, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Pontifícia Universidade Católica do
Rio Grande do Sul 1.995. (Dissertação de Mestrado). 187 p.
IHERING, Hermann. Índios do Rio Grande do Sul (1.891). In: Anuário do Estado do Rio
Grande do Sul. Porto Alegre: Azambuja, 1.895. p. 114-118.
JAMES, A. G. Village arrangement and social organization among some amazon tribes.
New York: Columbia University, 1.945. Apud: REIS, Maria J. A problemática
arqueológica das estruturas subterrâneas no planalto catarinense. São Paulo,
Departamento de Ciências Sociais, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da
Universidade de São Paulo. 1.980. (Dissertação de Mestrado). 262 p.
KERN, Arno A. Sondagens no sítio arqueológico de Xangrilá: uma experiência didática em
arqueologia de salvamento. In: Revista do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas,
Porto Alegre, v.13, 1.985. p. 84-110.
___________. Antecedentes indígenas. Porto Alegre: Editora da Universidade, 1.994. 139
p.
___________. Origens pré-históricas do povoamento de Torres. In: Anais da VIII reunião
científica da Sociedade de Arqueologia Brasileira. Porto Alegre: EDIPUCRS, 1.996.
Vol. II. p. 121-140.
___________ (Org.) Pescadores-coletores pré-históricos do litoral norte. In: Arqueologia
pré-histórica do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1.997. p. 167-190.
KOSERITZ, Carlos V. Bosquejos ethnológicos. Porto Alegre: Typographia de Gundlach e
Companhia, 1.884. 83 p.
LAMING-EMPERAIRE, A. Guia para o Estudo da Indústrias Líticas da América do
Sul. Manuais de Arqueologia. Curitiba: Centro de Ensino e Pesquisas Arqueológicas,
Universidade Federal do Paraná, nº 2, 1.967. 155 p.
LACOSTE, Yves. A geografia: isto serve antes de tudo para fazer a guerra. Campinas:
Papirus, 1.989. 263 p.
LANATA, José L. Los componentes del paisaje arqueológico. In: Revista de Arqueologia
Americana, n. 13, 1.997. p. 151-165.
LEITE, Sérgio. Sítio RS-LN-01 Capão da Areia, Osório, RS. In: Estudos ibero-
americanos, Porto Alegre, PUCRS, v. XXI, n. 2, dezembro, 1.995. p. 33-62.
LÉVI-STRAUSS, Claude. Antropología estructural. Barcelona: Paidos, 1.987. 428 p.
LORSCHEITTER, Maria Luisa. Estudo palinológico comparativo entre as idades das matas
paludosas atuais da Planície Costeira e da Depressão Central do Rio Grande do Sul, Brasil.
In: Boletim de resumos do VIII congresso da ABEQUA, Mudanças globais e o
Quaternário, Imbé, outubro, 2.001. p. 380-381.
MABILDE, Pierre A. Apontamentos sobre os Indígenas selvagens da Nação dos
Coroados dos Matos na Província do Rio Grande do Sul. São Paulo: Instituto Nacional
do Livro, 1.983. 232 p.
MANSAN, Ivo. Imigração italiana: história e estórias de uma família. Brasília: Editora
SER, 1.999. 66 p.
MASI, Marco A. Mobilidade de caçadores-coletores pré-históricos da costa Sulbrasileira.
Ilha de Santa Catarina, um estudo de caso. In: Arqueologia do Brasil meridional e IX
congresso da sociedade de arqueologia brasileira. Porto Alegre, PUCRS, 2.001, (CD-
ROM). 19 p.
MEGGERS, Betty. Considerações gerais. In: Programa nacional de pesquisas
arqueológicas resultados preliminares do primeiro ano 1.965-1.966. Belém, Museu
Paraense Emílio Goeldi, publicações avulsas n. 6, 1.967. p. 153-157.
MENEGAT, Rualdo et. all. Atlas ambiental de Porto Alegre. Porto Alegre:
UFRGS,/PMPA/INPE, 1.998. 228 p.
MÉTRAUX, Alfred. A religião dos tupinambás e suas relações com as demais tribos
tupi-guaranis. 2 ed. São Paulo: Editora Nacional e Edusp, 1.979. (Brasiliana, volume 257).
225 p.
MILLER, Eurico T. tios arqueológicos de Torres. São Leopoldo, Instituto Anchietano
de Pesquisas, 1.966. (Datilografado). 61 p.
MILLER, Eurico T. Pesquisas arqueológicas efetuadas no nordeste do Rio Grande do Sul
In: Programa nacional de pesquisas arqueológicas resultados preliminares do
primeiro ano 1.965-1.966. Belém, Museu Paraense Emílio Goeldi, publicações avulsas n.
6, 1.967. p. 15-38.
MILLER, Eurico T. Pesquisas arqueológicas efetuadas no noroeste do Rio Grande do Sul
(alto Uruguai). In: Programa nacional de pesquisas arqueológicas resultados
preliminares do segundo ano, 1.966/1.967. Publicações avulsas do museu Emílio Goeldi,
Belém, 10, 1.969. p. 33-54.
________. Pesquisas arqueológicas efetuadas no planalto meridional, Rio Grande do Sul
In: Programa nacional de pesquisas arqueológicas resultados preliminares do quarto
ano 1.968-1.969. Belém, Museu Paraense Emílio Goeldi, publicações avulsas n. 6, 1.971.
p. 44.
MONTEIRO, John. M. Os guarani e a história do Brasil meridional. In: CUNHA, M. C.
História dos índios no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras/FAPESP, 1.992. p. 475-
500.
MONTICELLI, Gislene. Alguns problemas e perspectivas na pesquisa em arqueologia em
obras de engenharia. In: Revista do CEPA, Santa Cruz do Sul, v. 26, n. 35/36, jan/dez,
2.002. p. 106-121.
MONTICELLI, Gislene. et. all. Pesquisa Arqueológica em áreas afetadas pelas obras de
duplicação da rodovia BR 101: municípios de Torres a Osório, Rio Grande do Sul.
Vol I, II e III. Porto Alegre, MCT, 2.003. (Relatório Final das atividades). 742 p.
MORAES, Antônio C. Geografia pequena história crítica. 7 ed. São Paulo: Hucitec,
1.999. 138 p.
MORAIS, José L. Tópicos de arqueologia da paisagem. Revista do Museu de
Arqueologia e Etnologia, São Paulo, n. 10, 2.000.
MORAN, Emilio F. Adaptabilidade humana. São Paulo: Edusp, 1.994. 445 p.
MOREIRA, Ruy. O que é geografia. São Paulo: Brasiliense, 1.981. Coleção Primeiros
Passos, n. 48. 113 p.
MURI, Guido. Remembranças de Conceição do Arroio. Vol. II. Osório: Editora do
Jornal Momento, 1989. 94 p.
NAUE, Gulherme et. all. Novas perspectivas sobre a arqueologia de Rio Grande. In: O
homem antigo na América. São Paulo, Instituto de Pré-história da Universidade de São
Paulo, 1.971. p. 91-121.
NEVES, Walter. Paleogenética dos grupos pré-históricos do litoral sul do Brasil (Paraná e
Santa Catarina). Pesquisas, Antropologia n. 43, São Laopoldo, Instituto Anchietano de
Pesquisas, 1.988. (Tese de Doutorado). 174 p.
NOELLI, Francisco S. Sem tekoha não tekó: em busca de um
modeloetnoarqueológico da aldeia e da subsistência guarani e sua aplicação a uma
área de domínio no delta do rio Jacuí RS. Porto Alegre, Faculdade de Filisofia e
Ciências Humanas, Programa de Pós-graduação em História da Pontifícia Universidade
Católica do Rio Grande do Sul, 1.993. (Dissertação de Mestrado). 490 p.
__________. Relatório final da vistoria arqueológica do trecho rodoviário Tainhas-
Terrade Areia da “Rota do Sol”. Porto Alegre, 1.994. 38 p.
_________. Distâncias entre as áreas de captação de recursos líticos e o sítio arqueológico
do arroio do conde, Rio Grande do Sul. In: Revista do CEPA, Santa Cruz do Sul, V. 21, n.
26, 1.997. p. 113-131.
OLIVEIRA, Lizete D. et all. Duplicação da rodovia br-101 SC/RS: trecho Torres-
Osório. Estudo do patrimônio histórico e cultural na área de influência do
empreendimento. PUCRS – MCT, 2.003. 133 p.
OLIVEIRA, Maria C. T. O lugar dos aventureiros: identidade, dinâmica de ocupação, e
sistema de trocas no litoral do Rio de Janeiro há 3.500 anos antes do presente.
Volumes I e II. Porto Alegre, Faculdade de Filisofia e Ciências Humanas, Programa de
Pós-graduação em História da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul,
2.003. (Tese de Doutorado). 535 p.
PEROTA, Celso. Dados parciais sôbre a arqueologia norte espírito-santense. In: Programa
nacional de pesquisas arqueológicas 4 resultados preliminares do quarto ano 1.968-
1.969. Belém, Museu Paraense Emílio Goeldi, publicações avulsas n. 15, 1.971. p. 149-
162.
_________. Resultados preliminares sobre a arqueologia da região central do estado do
Espírito Santo. In: Programa nacional de pesquisas arqueológicas 5 resultados
preliminares do quinto ano 1969-1970. Belém, Museu Paraense Emílio Goeldi,
publicações avulsas n. 26, 1.974. p 127-140.
POPP, José H. Geologia geral. Rio de Janeiro: LTC, 1.998. 376 p.
PROUS, André. Arqueologia brasileira. Brasília: UNB, 1.992. 605 p.
RAUTH, José W. Nota prévia sôbre a escavação do sambaqui do Pôrto Maurício. In:
Programa nacional de pesquisas arqueológicas resultados preliminares do primeiro
ano 1.965-1.966. Belém, Museu Paraense Emílio Goeldi, publicações avulsas n. 6, 1.967.
REIS, Maria J. A problemática arqueológica das estruturas subterrâneas no planalto
catarinense. São Paulo, Departamento de Ciências Sociais, Faculdade de Filosofia, Letras
e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. 1.980. (Dissertação de Mestrado) . 262
p.
REIS, José A. Arqueologia dos buracos de bugre: uma pré-história do planalto
meridional. Caxias do Sul: EDUCS, 2.002. 228 p.
RIBEIRO, Pedro M. Breve notícia sobre a ocorrência de zoólito no sambaqui de Xangri-lá,
RS, Brasil. In: Revista do CEPA, Santa Cruz do Sul, N. 11, abril, 1.982. p. 35-43.
RIBEIRO, Pedro M. O tupiguarani no vale do rio pardo e a redução jesuítica de Jesus
Maria. Porto Alegre, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, 1.981. (Dissertação de
Mestrado). In: Revista do CEPA, Santa Cruz do Sul, n. 10., Julho, 1.981. 172 p.
RIBEIRO, Pedro M. Arqueologia do vale do Rio Pardo, Rio Grande do Sul, Brasil.
Porto Alegre, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Departamento de História da
Pontifícia Universidade Católica do rio Grande do Sul, 1.991. (Tese de doutorado) 654 p.
RODRIGUES, Jerônimo. A missão dos carijós 1605-1607. In: LEITE, Serafim. Novas
cartas jesuíticas (de Nóbrega a Vieira). São Paulo: Brasiliana 194, 1.940. p. 196-246.
ROGGE, Jairo et. all. Assentamentos pré-coloniais no litoral central do Rio Grande do Sul:
projeto Quintão. In: Arqueologia do Brasil meridional e IX congresso da sociedade de
arqueologia brasileira. Porto Alegre, PUCRS, 2.001, (CD-ROM). 6 p.
_______. Fenômenos de fronteira: um estudo das situações de contato entre os
portadores das tradições cerâmicas pré-históricas no Rio Grande do Sul. Universidade
do Vale do Rio dos Sinos, Centro de Ciências Humanas, Programa de Pós-Graduação em
História, 2.004. (Tese de Doutorado). 241 p.
ROHR, João A. Pesquisas paleo-etnográficas na ilha de Santa Catarina, nº II - ano de 1.959.
Pesquisas, antropologia, n. 12. São Leopoldo, Iinstituto Anchietano de Pesquisas, 1.960. 22
p.
_______. Pesquisas paleo-etnográficas na ilha de Santa Catarina, e notícias prévias sôbre
alguns sambaquis da ilha de São Francisco do Sul, nº III - ano de 1.960. Pesquisas,
antropologia, n. 12. São Leopoldo, Iinstituto Anchietano de Pesquisas, 1.961. 18 p.
_______. Pesquisas arqueológicas em Santa Catarina, I. exploração sistemática do sítio da
praia da Tapera, II. Os sítios arqueológicos do município de Itapiranga. Pesquisas,
antropologia, n. 15 São Leopoldo, Instituto Anchietano de Pesquisas, 1.966. 59 p.
_______. Levantamento de sítios arqueológicos em Jaguaruna. In: Pesquisas, antropologia
n. 18, Estudos Leopoldenses, n. 9, Anais do Segundo Simpósio de Arqueologia da Área do
Prata. São Leopoldo, Instituto Anchietano de Pesquisas, 1.968. p. 49-51.
_______. Os sítios arqueológicos do município sul-catarinense de Jaguaruna. Pesquisas,
Antropologia, n. 22. São Leopoldo, Instituto Anchietano de Pesquisas, 1.969. 37 p.
SANTOS, Maria C. Análise do Material Lítico do Sítio de Itapeva. Campanha de
Escavações de 1.982. Porto Alegre, Pontifícia Universidade do Rio Grande do Sul,
Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, 1.985. (Monografia). 102 p.
SANTOS, Milton. Espaço e sociedade. Petrópolis: Vozes, 1.979. 152 p.
________. Metamorfoses do espaço habitado. São Paulo: Hucitec, 1.994. 124 p.
SCATAMACCHIA, Maria C. Tentativa de caracterização da tradição tupiguarani.. São
Paulo, Departamento de ciências sociais da faculdade de filosofia, letras e ciências humanas
da universidade de São Paulo, 1.981. (Dissertação de Mestrado). 300 p.
SCHMITZ, Pedro I. Paradeiros guaranis em Osório (Rio grande do Sul). Pesquisas, n. 2,
São Leopoldo, Instituto Anchietano de Pesquisas, 1.958. (Separata). p. 113-143.
__________. Algumas datas de carbono 14 de casas subterrâneas do planalto do Rio grande
do Sul. In: Anais do terceiro simpósio de arqueologia da área do Prata. Pesquisas,
Antropologia n. 20, Estudos leopoldenses, n. 13, Instituto anchietano de pesquisas,
Universidade do Vale do Rio dos Sinos, 1.969. p. 163-168.
___________. Sítios de pesca lacustre em Rio Grande RS, Brasil. São Leopoldo,
Instituto Anchietano de Pesquisas, UNISINOS, 1.976. 231 p.
___________. Temas de arqueologia brasileira (5): os cultivadores do planalto e do litoral.
In: Anuário de divulgação científica, Goiânia, Instituto Goiano de Pré-história e
Antropologia da Universidade Católica de Goiás, n. 9, anos 1.978/79/80. 77 p.
___________. As tradições ceramistas do planalto sul-brasileiro. In: Documentos 02,
arqueologia do Rio Grande do Sul, Brasil, Instituto Anchietano de Pesquisas, São
Leopoldo, 1.988. p. 75-132.
___________. Os aterros dos campos do sul: a tradição vieira. In: KERN, Arno. (Org.)
Arqueologia pré-histórica do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Mercado Aberto,
1.997(a). p. 221-250.
___________. Migrantes da Amazônia; a tradição tupiguarani. In: KERN, Arno. (org.)
Arqueologia pré-histórica do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Mercado Aberto,
1.997(b). 295-330.
SCHMITZ, Pedro I. & BECKER, Ítala B. Os primitivos engenheiros do planalto e suas
estruturas subterrâneas: a tradição taquara. In: KERN, Arno (org.) Arqueologia pré-
histórica do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1.997.
SEMENOV, S. A. Tecnologia Prehistorica: Estudio de las Herramientas y Objetos
Antiguos a Través de las Huellas de Uso. Madrid: Akal Ed., 1.981. 376 p.
SERRANO, Antonio. Arqueologia brasileira subsídios para a arqueologia do Brasil
meridional. In: Revista do Arquivo do Departamento de Cultura, São Paulo, ano 3, n.
36, 1.937. p. 3-42.
_________.Los sambaquis y otros ensayos de arqueologia brasileña I - Los sambaquis
II Cultura lítica del sur brasileño. In: Anais do Terceiro Congresso Sul-rio-grandense
de História e Geografia, Porto Alegre, v. 2, 1.940. p. 327-442.
_________. Lineas fundamentales de la arqueologia del litoral. Córdoba: Universidad
Nacional de Córdoba, Instituto de Antropologia, 1.972. 79 p.
SILVA, Sérgio B. O sítio arqueológico da praia da Tapera, um assentamento Itarae
Tupiguarani. Porto Alegre, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Programa de Pós-
graduação em Antropologia Social da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 1.988.
(Dissertação de Mestrado). 246 p.
SOARES, André L. Proposta para a delimitação dos cacicados guarani. In: Revista do
CEPA, Santa Cruz do Sul, V. 20, n. 24, 1.996. p. 37-64.
SOARES, André L. Guarani: organização social e arqueologia. Porto Alegre:
EDIPUCRS, 1.997. 256 p.
SODRÉ, Nelson W. Introdução à geografia, geografia e ideologia. 6 ed. Petrópolis:
Vozes, 1.987. 135 p.
SOUZA, Gabrial S. Tratado descritivo do Brasil em 1.587. São Paulo: Nacional, 1.971.
SOUZA, José O. Uma introdução ao sistema técnico-econômico guarani. Porto Alegre:
UFRGS, 1.987. (Dissertação de Mestrado) 546 p.
SUGUIO, Kenitiro et all. Flutuações do nível relativo do mar durante o Quaternário
Superior ao longo do litoral brasileiro e suas implicações na sedimentação costeira. In:
Revista Brasileira de Geociências. São Paulo, ano V, n. XV, [.s.e.], 1.985.
SUGUIO, Kenitiro. Provável influência da “idade hipsitérmica” e da “neoglaciação” na
costa brasileira. In: Boletim de resumos do VIII congresso da ABEQUA, mudanças
globais e o Quaternário, Imbé, outubro, 2.001. p. 357-358.
TENÓRIO, Maria C. (org.) Pré-história da terra brasilis. Rio de Janeiro: Editora da
UFRJ, 1.999. 376 p.
THADDEU, V. L. Inferências sobre o início do povoamento no litoral norte do Rio
Grande do Sul: Um estudo do Sitio da Itapeva (RS-201). Porto Alegre, Programa de
Pós-graduação em História, Pontifícia Universidade do Rio Grande do Sul, 1.995.
(Dissertação de mestrado). 160 p.
__________. Terceiro relatório do projeto: “resgate de evidências arqueológicas no
trecho rodoviário Tainhas-Terra de Areia da Rota do Sol”. Porto Alegre, 1.998.
TIXIER, J.; INIZAN, M.-L. & ROCHE, H. Préhistoire de la Pierre Taillée I:
Terminologie et Technologie. Paris: Cercle de Recherches et d’Études Préhistoriques,
1.990. 120 p.
TOMAZELLI, Luiz J. et. all. Aspectos da geomorfologia costeira da região de Osório-
Tramandaí, Rio Grande do Sul. In: primeiro congresso da ABEQUA, Porto Alegre,
1.987. p. 141-153.
TOMAZZELI, Luiz J. & VILLWOCK, Jorge A. Notas técnicas. Centro de Estudos de
Geologia Costeira e Oceânica. Porto Alegre, dezembro de 1.995. N.º 8. 45 p.
TOMAZELLI, Luiz J. & VILLWOCK, Jorge A. Cenozóico no Rio Grande do Sul:
geologia da planície costeira. In: HOLZ, M. & DE ROS, L. F. Geologia do Rio Grande
do Sul. Porto Alegre: CIGO/UFRGS, 2.000. 394 p.
TRIGGER, Bruce. Historia del pensamiento arqueológico. Barcelona: Crítica, 1.992. 475
p.
VIEIRA, Eurípides F. & RANGEL, Susana R. Planície costeira do Rio Grande do Sul.
Porto Alegre: Sagra, 1.988.
VIETTA Katya. Sítio Arqueológico de Itapeva (Município de Torres, RS): Análise dos
resultados da Segunda campanha de escavação (1982). Porto Alegre, Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas,
1.988. (Monografia). 103 p.
VILLWOCK, Jorge A. Contribuição a Geologia do Holoceno da Província Costeira do
Rio Grande do Sul – Brasil.1.972. (Dissertação de Mestrado). 133 p.
VILLWOCK, Jorge A. São Francisco de Paula e o planalto das araucárias: um ponto de
vista geológico. In: RICHTER, Martha. Conservação da biodiversidade e
desenvolvimento sustentável de São Francisco de Paula. Porto Alegre: EDIPUCRS,
1.998. 106 p.
VILLWOCK, Jorge A. & TOMAZELLI, Luiz J. Holocene costal evolution in Rio Grande
do Sul, Brazil. In: RABASSA, J. & SALEMME, M. Quaternary of south America and
antartic peninsula. Ushuaia: Universudad Nacional de la Patagonia, 1.998. p. 283-296.
VILLWOCK, Jorge A. O planalto a serra e a planície costeira: um passeio geológico pelo
litoral norte de Rio Grande do Sul. In: BARROSO, V. & ELY, N. Raízes de Terra de
Areia. Porto Alegre: EST, 1.999. p. 400-419.
ANEXO 1
ANEXO 2
ANEXO 3
ANEXO 4
Lista de Sítios Arqueológicos
01 - BAM06 - Família Machado
02 - LII05 - Elmar Fernandez
03 - LII07 - Darci Leal
04 - LII04 - Irmão Broda
05 - LII03 - Mário Mengue
06 - LII02 – Cemitério
07 - LII01 - Chimarrão
08 - LQQ01 – Walter Medeiros
09 - LQQ02 – Família Nunes
10 - LAA02 – Lauro Rodrigues
11 - LLe02 – Areal Moro
12 - LII14 – Sítio do Biólogo
13 - LII09 – Manoel João
14 - LII10 – Lima
15 - LII11 – Onildo Aguiar
16 - LII12 – Lomba da Folia
17 - LII13 – Areal
18 - Sítio da Lagoa
19 - RS-LN-16 (Miller)
20 - RS-LN-17 (Miller)
21 - RS-LN-18 (Miller)
22 - RS-LN-19 (Miller)
23 - RS-LN-20 (Miller)
24 - RS-LN-21 (Miller)
25 - RS-LN-22 (Miller)
26 - RS-LN-23 (Miller)
27 - RS-LN-24 (Miller)
28 - RS-LN-25 (Miller)
29 - RS-LN-26 (Miller)
30 - RS-LN-27 (Miller)
31 - RS-LN-28 (Miller)
32 - RS-LN-29 (Miller)
33 - RS-LN-30 (Miller)
34 - RS-LN-31 (Miller)
35 - RS-LN-32 (Miller)
36 - RS-LN-33 (Miller)
37 - RS-LN-34 (Miller)
38 - RS-LN-35 (Miller)
39 - RS-LN-36 (Miller)
40 - RS-LN-48 (Miller)
41 - RS-LC-41 (Miller)
42 - RS-LC-42 (Miller)
43 - RS-LC-43 (Miller)
44 - RS-LC-59 (Miller)
45 - Fazenda do Casqueiro
46 - Imbé-02
47 - Sítio Parque Tupancy
48 - Sítio Balneário Atlântico
49 - RS-LN-02 (Hilbert)
50 - RS-LN-03 (Hilbert)
51 - RS-LN-04 (Hilbert)
52 - RS-LN-06 (Hilbert)
53 - RS-LN-07 (Hilbert)
54 - RS-LN-08 (Hilbert)
55 - RS-LN-09 (Hilbert)
56 - RS-LN-10 (Hilbert)
57 - RS-LN-19 (Hilbert)
58 - RS-LN-21 (Hilbert)
59 - RS-LN-22 (Hilbert)
ANEXO 5
ANEXO 6
ANEXO 7
ANEXO 8
ANEXO 9
ANEXO 10
ANEXO 11
ANEXO 12
ANEXO 13
ANEXO 14
ANEXO 15
ANEXO 16
ANEXO 17
ANEXO 18
ANEXO 19
ANEXO 20
ANEXO 21
ANEXO 22
ANEXO 23
ANEXO 24
ANEXO 25
ANEXO 26
ANEXO 27
ANEXO 28
ANEXO 29
ANEXO 30
ANEXO 31
ANEXO 32
ANEXO 33
ANEXO 34
ANEXO 35
ANEXO 36
ANEXO 37
ANEXO 38
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo