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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL
FACULADADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA
A Torres de concreto:
da expansão turístico-urbana dos anos 70 à crise dos anos 90, um estudo sobre o processo de
urbanização em Torres/RS.
Carini Tassinari Graciano
Porto Alegre, janeiro de 2004
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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL
FACULADADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA
A Torres de concreto:
da expansão turístico-urbana dos anos 70 à crise dos anos 90, um estudo sobre o processo de
urbanização em Torres/RS.
Carini Tassinari Graciano
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em História/PUCRS, como requisito
parcial e último para a obtenção do grau de
Mestre em História, sob a orientação do
Professor Doutor Charles Monteiro.
Porto Alegre, janeiro de 2004.
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RESUMO
Este estudo teve como objetivo analisar do ponto de vista histórico, o processo de construção
do espaço urbano da cidade de Torres, entre as décadas de 1970 e 1990. Período em que ela
começou a sofrer sensíveis transformações tanto no seu cenário urbano, como nas suas
estruturas econômicas e sociais. O tema proposto a este estudo compreende interpretar as
múltiplas faces da relação entre as variáveis: turismo e urbanização, que em conjunto,
delinearam o perfil de desenvolvimento da cidade nestas últimas décadas. Porém, cabe ressaltar
que estas variáveis não puderam ser levadas em consideração isoladamente, pois, oportunizaram
a produção e expansão do espaço urbano de Torres.
Foram utilizados para este estudo, fontes bibliográficas, impressas, legislação, e depoimentos.
Foram utilizadas obras de sobre turismo e urbanismo no Rio Grande do Sul e no Brasil e
sobre a questão da habitação. Quanto à utilização da legislação, foram utilizadas Atas da
Câmara de Vereadores de Torres, Leis, Decretos/Lei, Projetos de Lei entre os anos de 1968 e
1996. Quanto à impressa, foram utilizados jornais locais e portifólios de empresas
construtoras, dados do IBGE, EMBRATUR, Prefeitura Municipal de Torres, Secretaria
Municipal de Planejamento.
Portanto, a partir da interpretação dessas fontes, esta pesquisa teve como objetivo, estudar
o processo de construção do espaço urbano da cidade, no intuito de apresentar a relevância
histórico-científica desse processo, para a história do Município de Torres.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES:
Capítulo 1:
1) Fotografia A Furninha Bar Chopp, 1973. Acervo banco de imagens ULBRA/Torres.........46
2) Fotografia Hotel A Furninha, década de 80. Acervo banco de imagens ULBRA/Torres.....47
Capítulo 2:
3) Fotografia Avenida José A Picoral, 1960. Acervo banco de imagens ULBRA/Torres........82
4) Fotografia parte leste da Praia da Guarita, 1973. Fotografia particular da autora.................92
5) Fotografia parte oeste da Praia da Guarita, 1973. Fotografia particular da autora...............93
6) Fotografia da área que compreende parte do bairro São Francisco, 1990. Fotografia
particular da autora....................................................................................................................97
7) Fotografias de edifícios construídos pela Construtora e Incorporadora Ivo Rizzo. Década de
80 e 90......................................................................................................................................101
8) Fotografia da área que compreende o Parque Estadual da Guarita, 1984. Fotografia
particular da autora..................................................................................................................125
9) Fotografia da área que compreende o Parque Estadual da Guarita, década de 90. Fotografia
particular da autora..................................................................................................................125
Capítulo 3:
10) Fotografia dos Chalés do Balneário Picoral, atual Praça Pinheiro Machado, 1915. Acervo
banco de imagens ULBRA/Torres...........................................................................................143
11) Fotografia da área da atual Praça Pinheira Machado, 1960. Acervo banco de imagens
LBRA/Torres...........................................................................................................................144
12) Cartão Postal da atual Praça Pinheiro Machado, década de 90. Prefeitura Municipal de
Torres.......................................................................................................................................144
LISTA DE SIGLAS:
*ACIT (Associação dos Corretores de Imóveis de Torres)
*AMBSF (Associação dos Moradores do Bairro São Francisco)
*ARENA (Aliança Renovadora Nacional)
*ASENART (Associação dos Engenheiros e Arquitetos de Torres)
*BNDR (Banco Nacional de Desenvolvimento Regional)
*BNH (Banco Nacional de Habitação)
*CCSF (Centro Comunitário São Francisco)
*CIT (Comissão Intersetorial de Turismo)
*CMSC (Clube de Mães Santa Cecília)
*CNTUR (Conselho Nacional de Turismo)
*COHAB (Cooperativa Habitacional)
*CONTUR (Conselho Nacional de Turismo)
*CORSAN (Companhia Riograndense de Saneamento)
*DIPLAN (Divisão de Planejamento da Secretaria de Obras do Estado)
*DAER (Departamento Autônomo de Estradas e Rodagens)
*EMBRATUR (Empresa Brasileira de Turismo)
*EPATUR (Empresa Porto-alegrense de Turismo)
*FBGE (Fundação Brasileira de Geografia e Estatística)
*FEPAM (Fundação Estadual de Proteção Ambiental)
*FIERGS (Federação das Indústrias do Estado do Rio Grande do Sul)
*FRACAB (Federação Riograndense de Associações de Bairros)
*IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística)
*INCRA (Instituto nacional de Colonização e Reforma Agrária)
*IPTU (Imposto Predial Territorial Urbano)
*MDB (Movimento Democrático Brasileiro)
*MOBRAL (Movimento Brasileiro de Alfabetização)
*PIS (Plano de Integração Social)
*PDS (Partido Democrático Social)
*PDT (Partido Democrático Trabalhista)
*PMDB (Partido do Movimento Democrático Brasileiro)
*PP (Partido Progressista)
*PND (Plano Nacional de Desenvolvimento)
*PNMT (Programa Nacional de Municipalização do Turismo)
*PSD (Partido Socialista Democrático)
*PT (Partido dos Trabalhadores)
*PTB (Partido Trabalhista Brasileiro)
*SAPT (Sociedade dos Amigos da Praia de Torres)
*SERFHAU (Serviço Federal de Habitação e Urbanismo)
*SET (Secretaria do Estado para o Turismo)
*SETUR (Secretaria Estadual de Turismo)
*TEDUT (Terminal Almirante Soares Dutra)
*VTD (Vôo de Turismo Doméstico)
LISTA DE TABELAS, MAPAS E QUADROS:
Capítulo 1:
Tabela 1. Entrada de turistas no RS, segundo procedência, 1970.............................................26
Tabela 2. Potencial, movimento e pessoal ocupado no Parque Hoteleiro do RS, 1970............27
Tabela 3. Forma de entrada de turistas argentinos e uruguaios no RS e SC, 1979....................28
Capítulo 2:
Mapa 1. Área urbana de Torres, bairros e ruas, 2003...............................................................96
Capítulo3:
Quadro 1.Alterações do Regime Urbanístico de Torres entre 1962 e 1987...........................154
Mapa 2. Mapa zoneamento. Plano Diretor de 1995................................................................161
Tabela 4. Média de percentual de pessoas ocupadas nas unidades locais de trabalho em Torres
de 1985 a 1995/ IBGE..............................................................................................................194
SUMÁRIO
Resumo........................................................................................................................................2
Abstract........................................................................................................................................3
Lista de ilustrações.......................................................................................................................4
Lista de siglas...............................................................................................................................5
Lista de tabelas, mapas e quadros................................................................................................6
CONSIDERAÇÕES INICIAIS...................................................................................................8
1. O advento da indústria do turismo: sustentáculo econômico da cidade.
1.1.Turismo e construção civil: vetores principais do crescimento urbano de
Torres.........................................................................................................................................18
1.2. A inserção do turista estrangeiro e seus reflexos na produção do espaço urbano da
cidade.........................................................................................................................................30
1.3. Adequação versus Modernização: as modificações estruturais de Torres diante da
nova realidade turística e urbana................................................................................................40
1.4. A sociedade local e a inserção do turista estrangeiro na cidade...................................55
2. A construção social do espaço urbano.
2.1. Os construtores da cidade: políticas locais, elites econômicas e posseiros..................68
2.2. Migrações internas e o crescimento das áreas periféricas da cidade............................90
2.3. A verticalização da zona central e a formação dos principais bairros periféricos de
Torres.......................................................................................................................................100
3. A crise dos anos 90: problemas e necessidades da cidade.
3.1. As primeiras Leis de regulamentação urbana, frente à nova realidade turístico-
urbana......................................................................................................................................138
3.2. A organização espacial: disputas e contradições na elaboração do Plano Diretor de
Torres.......................................................................................................................................148
3.3. A crise do turismo e da construção civil: considerações acerca do planejamento
turístico e urbano da cidade.....................................................................................................166
3.3.1.O caso do Riacho Doce: dilema sócio-econômico e ambiental.......................184
CONSIDERAÇÕES FINAIS...................................................................................................203
REFERENCIAS BIBLIOGRÀFICAS.....................................................................................209
FONTES..................................................................................................................................215
ANEXOS.................................................................................................................................216
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Este estudo tem como objetivo compreender o processo de expansão do espaço urbano da
cidade de Torres entre as décadas de 1970 e 1990. Período em que a cidade sofreu sensíveis
transformações tanto no seu cenário urbano quanto nas estruturas econômicas e sociais. Esta
pesquisa insere-se no campo da história social ao relacionar a construção do espaço urbano da
cidade com os problemas sociais gerados pela crise turística dos nos 1990 e a falta de
planejamento urbano deste espaço. Para Bresciani:
As concentrações de homens nas cidades revelam-se um paradoxo: por um
lado, possibilitam a divisão de trabalho, a maior produtividade industrial, por
outro, representam uma ameaça potencial e persistente à sociedade civilizada.
Também aqui, o individualismo liberal mostra-se incapaz de encontrar respostas
satisfatórias para os problemas sociais.
1
O objetivo deste estudo, no caso de Torres, é compreender as múltiplas faces da relação
entre turismo e urbanização,
2
que em conjunto, definiram o perfil do crescimento
populacional e econômico da cidade nestas últimas décadas. Porém, cabe ressaltar que estas
1
BRESCIANI, M.S permanências e rupturas no estudo das cidades. In. FERNANDES, Ana; GOMES, M. A.
(orgs). Cidade e História: modernização das cidades brasileiras nos séculos XIX e XX. Salvador: UFBA/
Mestrado em Arquitetura e Urbanismo, 1992.p.12.
2
Urbanização é um processo de construção de territórios que as cidades brasileiras passaram no terceiro terço do
século XX. Sendo assim, o nível da urbanização, o desenho urbano, as manifestações das carências da população
são realidades a ser analisadas à luz dos processos econômicos, políticos e socioculturais, assim, como das
propostas técnicas e a das modalidades de uso do território nos diversos momentos histórico. Ver em SANTOS,
Milton. A urbanização brasileira.São Pulo: HUCITEC, 1994.p.9-11.
variáveis não podem ser tratadas isoladamente, pois, agiram em conjunto na produção e
expansão do espaço urbano de Torres.
Portanto, este estudo busca compreender a expansão urbana da cidade de Torres, entre os anos
70 e 90, devido à atuação de distintos grupos sociais, entre eles, a elite política (administração
municipal, vereadores), a elite econômica (empresários da construção civil, veranistas) e
comunidade local.
3
Procura-se entender a cidade como produto da ação destes múltiplos
grupos. Apontando também para a responsabilidade da municipalidade, dos empresários das
indústrias do turismo e dos grupos de empreendedores da indústria da construção civil que
visavam o lucro imobiliário.
A escolha do tema justifica-se, em primeiro lugar pela experiência de vida da autora.
4
Do
ponto de vista historiográfico, esta pesquisa se justifica principalmente pela escassez de obras
sobre a história urbana de Torres. Uma história marcada por problemas, conflitos e disputas de
interesses que caracterizam a experiência urbana no presente, mas que foram engendradas no
passado.
A produção historiográfica sobre a cidade resume-se às obras de dois historiadores: Dante
de Laytano, com Torres, Resumo de sua história de terra e ma
5
e Ruy Ruben Ruschel, com
3
A palavra cidade possui múltiplas definições, assim, considerou-se cidade o espaço onde se agrupam e
estruturam relações sociais, econômicas, culturais e políticas. Apontando para a idéia de cidade indústria, onde
são indicadas questões relativas às privatizações de terras, de moradia, da segregação espacial, da intervenção
reguladora e da luta pelo espaço urbano. Ver em ROLNICK, Raquel. O que cidade. São Paulo: Brasiliense,
1995.p.71-74.
4
Cabe aqui apontar a relação da autora com o tema, ressaltando que muitos foram os anos vividos em Torres e
que mesmo afastada geograficamente, a idéia de voltar para casa, levando consigo algo de relevante para a
sociedade que a acolheu, sempre esteve presente. Onde esta foi morar em Torres com apenas quatro anos de
idade e cresceu e que aprendeu a observar a cidade. Quando da saída para Porto Alegre em 1991 e do
ingresso no curso de História de PUC em 1997, foi percebido o quanto a cidade possuía possibilidades referentes
à pesquisa histórica. Justificando assim este estudo, como também a realização da Monografia de conclusão do
curso de História no ano de 2001.
5
LAYTANO, Dante. Torres. Resumo de sua história de terra e mar. Torres: Edição da Prefeitura Municipal de
Torres. 1978.
Torres origens.
6
No entanto, apesar destas obras de referencia contemplarem situações e
conjunturas importantes para a compreensão da história de Torres, muitas outras faces da
história da cidade, ainda não foram trabalhadas. Também cabe indicar a dissertação de
Mestrado de Mário H. A. Melgoza,
7
um estudo que apesar de não possuir caráter histórico,
aponta para uma série de questões relevantes sobre a relação entre turismo e urbanização da
cidade. Este trabalho aponta para a importância da realização de novas pesquisas sobre o
município.
A relevância acadêmica da presente dissertação está também em fazer um estudo da
história social contrapondo à historiografia local tradicional citada. Uma historiografia
basicamente política, baseada em documentos oficiais, relatos de intendentes e militares, uma
história baseada em grandes acontecimentos e feitos dos grandes homens, ligada à tradição
historiográfica da história Metódica.
8
O questionamento desta historiografia começou no momento em que identificou-se que os
historiadores mencionados escreveram uma história de Torres que não contemplou uma série
de questões e grupos considerados fundamentais na construção da história da cidade. Como
por exemplo, a história dos pescadores, dos arrabaldes, dos escravos, dos imigrantes, das
sociabilidades, do cotidiano, do turismo, do urbanismo, do comércio, dos bairros, dos
costumes, etc.
6
RUSCHEL, Ruy R. Torres Origens. Porto Alegre: Edição Comemorativa aos 10 anos do jornal GAZETA.
Realização Projeto Raízes de Torres, 1998.
7
MELGOZA, Mário. H. Reflexos do impacto turístico no processo de urbanização: o estudo de caso de
Torres/RS. Porto Alegre: UFRGS (Dissertação de Mestrado). 2001.
8
REIS, José Carlos. A História Metódica dita “positivista”. Pós-História. São Paulo: [s.e]. 1995.p.41-55.
Nesse sentido, a historiografia local apresentava uma demanda por novas questões
9
de
estudos que abarcassem os períodos mais recentes, considerassem questões de pesquisa que
aproximassem a população local da história do seu Município. Isto porque, a história aos olhos
destes parecia acontecer apenas no tempo mítico das origens, buscando um legado histórico-
cultural que deveria ser repensado e questionado,
10
no intuito de produzir uma outra história
de Torres, comprometida com a compreensão do presente na qual somos agentes.
Para a realização deste estudo serão utilizadas obras sobre história de Torres, sobre
turismo, urbanismo e habitação no Rio Grande do Sul e no Brasil. As fontes principais
utilizadas foram as Atas da Câmara de Vereadores de Torres, as Leis, os Decretos/Lei, os
Projetos de Lei, os mapas e as estatísticas da cidade referente às décadas de 70, 80 e 90. Mas
também, os jornais locais e os portifólios de empresas construtoras e estatísticas do IBGE,
EMBRATUR, Prefeitura Municipal de Torres e Secretaria Municipal de Planejamento.
Quanto ao apoio teórico, será trabalhada a obra A espoliação urbana, de Lúcio
Kowarick.
11
Autor que aborda teoricamente o fenômeno da espoliação urbana nas cidades
brasileiras como um processo de expulsão para a periferia e de pauperização das camadas mais
carentes das populações. Um fenômeno que interferiu tanto na produção espacial das cidades
como nas dinâmicas sociais e culturais, pois, diante da intensificação da industrialização e
9
Produções que vão ao encontro de novos paradigmas historiográficos, mesmo que a posteriori estas sejam
refutadas. O que considera-se extremamente importante, uma vez que a história não possui apenas uma verdade
sobre um determinado tema ou assunto.
10
Este esclarecimento apesar de possuir um caráter crítico, não desconsidera o valor da história metódica,
responsável pela valorização dos documentos. Onde graças ao
legado deste paradigma estes passaram a ser
preservados, catalogados e arquivados e hoje podem ser utilizados como ponto de partida para a realização de
novas pesquisas históricas que visem uma produção historiográfica mais crítico-analítica destes documentos
.
11
KOWARICK, Lúcio. A espoliação urbana. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979.
devido o excedente de mão-de-obra, as cidades dilataram-se, promovendo a ocupação
irregular de áreas desurbanizadas.
O fenômeno da espoliação urbana gerou a expansão das áreas periféricas das cidades,
aumentando o problema habitacional. Para Kowarick, a espoliação urbana deve ser entendida
no âmbito do processo sócio-econômico, que determina a produção do espaço da cidade e
projeta sobre o solo urbano, gerando a segregação espacial aliada a social.
12
Portanto, pretende-se através da interpretação destes dados e com a utilização deste
suporte teórico, realizar um estudo sobre as dinâmicas sociais no processo de urbanização de
Torres. No entanto, cabe indicar alguns problemas enfrentados na realização deste estudo. O
primeiro problema encontrado é a reduzida produção bibliográfica sobre a historia da cidade.
O segundo foi a impossibilidade de coletar dados sobre a construção civil no Cartório de
Registro de Imóveis de Torres, pois, estes não estavam disponíveis à pesquisas.
13
O terceiro
problema foi a falta de organização das Atas da Câmara de Vereadores de Torres, retardando a
transcrição das Atas entre 1968 e 1996.
O quarto problema enfrentado foi a dificuldade de localizar mapas e plantas antigas da
cidade, documentos que ajudariam a visualização dos espaços urbanos trabalhados no texto.
14
E como último obstáculo, considerou-se a realização das entrevistas longas e comprometidas.
O método da história oral, apesar de ser uma fonte de pesquisa inesgotável, em muitos
momentos, devido à parcialidade dos depoimentos pode apresentar dificuldades acerca da
12
KOWARICK, Lúcio. Op.cit.p.80.
13
Uma situação que obrigou a busca destes dados através de outros meios, como por exemplo, os portifólios das
construtoras, a história oral e as Atas da Câmara.
14
Torres possui uma grande deficiência em mapas antigos da cidade, muitos deles foram postos fora, outros
sequer existiram.
utilização destes. Isto em função de que a maioria dos entrevistados, passarem uma visão
particular e comprometida das questões levantadas.
Nesse sentido, conforme Paul Thompson: “A história oral não é necessariamente um
instrumento de mudança [...]. Pode ser utilizada para alterar o enfoque da própria história e
revelar novos campos de investigação: pode derrubar barreiras que existiam [...]”.
15
Assim, a
utilização do método da história oral, permitirá compreender as percepções comprometidas
socialmente sobre a cidade de Torres nunca antes consideradas. Isso no sentido de
compreender a participação de membros dos mais variados grupos da sociedade local na
construção da história do município.
Cabe aqui, então apontar os sujeitos sociais escolhidos como depoentes sobre o processo
de construção desta história da cidade. Foram eles: Osmar Pinto, corretor de imóveis em
Torres com atuação de mais de 30 anos na cidade, representante da Associação dos Corretores
de Imóveis de Torres e que comercializava com exclusividade os imóveis da Construtora e
Incorporadora Ivo Rizzo. Que indicou no seu relato, o interesse em manter o modelo de
desenvolvimento da cidade calcada no turismo e por conseqüência na construção civil
(entrevista realizada em setembro de 2001); o arquiteto argentino Isidoro Singer, que projetou
edifícios por cerca de 30 anos com a Construtora e incorporadora Ivo Rizzo e indicou no seu
relato o interesse desta empresa em construir grandes edifícios na cidade. (entrevista realizada
em fevereiro de 2002); Santino Isaias da Rosa, ex-líder comunitário do bairro São Francisco,
que participou das reuniões com representantes da Prefeitura e das famílias proprietárias sobre
os litígios das áreas adjacentes da cidade (entrevista realizada em julho de 2002).
15
THOMPSON, Paul. A voz do passado: História Oral. Rio de Janeiro, 1992. (página de apresentação).
Márcio Biasi, arquiteto da Prefeitura Municipal de Torres, que apresentou no seu relato
considerações acerca da construção do espaço urbano da cidade e da constituição irregular da
malha urbana desta em função da ocupação desordenada (entrevista realizada em julho de
2002); Hélio Matos, presidente da Associação dos Corretores de Imóveis de Torres (ACIT),
representante das imobiliárias de Torres, que relatou a difícil situação que a cidade enfrentou a
partir dos anos 90 diante da crise turística e urbana (entrevista realizada em julho de 2002); e
Dani Pereira, presidente da União das Associações de Moradores de Bairros de Torres,
representante dos moradores dos bairros da cidade e líder comunitário que relatou a
dificuldades e conflitos ocorridos na formação dos bairros da cidade (entrevista realizada em
abril de 2003). Portanto, o depoimento destes sujeitos atravessará o estudo, onde serão
apresentados, analisados e comentados as percepções, os anseios e os protestos destes sobre a
construção do espaço urbano da cidade.
O primeiro capítulo tratará basicamente de questões colocadas pelo desenvolvimento
turístico de Torres, enfocando as adequações infraistruturais desta frente à nova demanda
turística e os reflexos da expansão do na identidade da comunidade local. Procura-se entender
como o aumento do turismo estrangeiro, neste período, provocou modificações nas estruturas
urbanas e nas relações sócio-econômicas na cidade. Segundo Cleusa Maria Andrade
Scroferneker:
Os países subdesenvolvidos passaram a investir neste “novo” produto de
consumo certo e irreversível, selecionando áreas, alocando recursos, definindo
políticas, visando torná-lo “extremamente” necessário, transformando-o numa
verdadeira indústria que manipula os lazeres dos indivíduos, além do próprio
espaço onde se processa.
16
Conforme a autora, o turismo entre os anos 70 e 80, provocou transformações visíveis no
seu cenário urbano de Torres. Certamente tanto o turismo quanto a urbanização são variáveis
de transformação da cidade. Porém, o que estaem questão é onde, como e por quem foram
implementadas essas alterações. Pois, segundo Léa Freitas, a cidade é o laboratório e o palco
das suas transformações:
A modernidade, enquanto projeto que se pretende ‘civilizador’, age como
um vetor, isto é, ela tem uma orientação e um sentido que se encaminham para
a realização última e final da Razão e do Progresso, de uma nova ordem, a da
produtividade, do desenvolvimento [...].
17
A cidade se experencia nas suas relações com o crescimento e com a nova Torres que
surgiu com a expansão do turismo, modificações que também serão identificadas na
comunidade local em relação à construção da identidade turística da cidade.
Dando seguimento a esta linha de compreensão, o segundo capítulo trabalhará com o os
construtores da cidade, procurando identificar a atuação dos distintos grupos sociais na
construção espacial da cidade. Entre eles será destacada a atuação da elite política (vereadores,
prefeitos, assessores, secretários, etc.), da elite econômica (empresários, membros da SAPT,
hoteleiros, comerciários, etc) e dos construtores clandestinos.
A atuação dos construtores clandestinos apontará para o fenômeno das migrações internas
ocorridas em Torres a partir dos anos 70. Atraídos pela expansão do turismo e da construção
16
SCROFERNEKER, Cleusa Maria. Breve retrospectiva histórica do turismo. VERITAS, Porto Alegre: v.29,
n.116.p.577, dez.1984.
17
PEREZ, Lea F. Notas reflexivas sobre a modernidade e a cidade. In NASCIMENTO, Mara R. e TORRESINI,
Elisabeth. Modernidade e Urbanização. Porto alegre: EDIPUCRS, 1998.p.14.
civil, grupos de localidades vizinhas começaram a se deslocar rumo a Torres no intuito de se
fixarem na cidade e obterem emprego. Concluindo a interpretação desta nova dinâmica
urbana, será trabalhada a formação de alguns bairros periféricos da cidade. Bairros que
formaram-se basicamente através da atuação de posseiros, migrantes internos que ocuparam
áreas desurbanizadas da cidade.
Um problema que acelerou o processo de crescimento de áreas urbanas irregulares, zonas
estas na sua maioria afastadas do centro da cidade, como os bairros: Predial, Getúlio Vargas,
Curtume, São Francisco e São Jorge. Nesse sentido, como muitas cidades do Brasil, farão
parte deste estudo sobre a produção do espaço urbano de Torres questões acerca do processo
de espoliação urbana trabalhado por Lúcio Kowarick
·:
[...] excluída do mercado imobiliário, organizado em moldes
essencialmente capitalistas, grande maioria da população brasileira lança mão
de expedientes variados para se prover de habitação, que vão desde a invasão
de terras e construção de barracos com reaproveitamento de materiais usados
até autoconstrução no loteamento irregular.
18
Sendo assim, este estudo, questiona se Torres se enquadra na problemática levantada por
Kowarick, indicando problemas de planejamento urbano e turístico da cidade. Questiona-se
até que ponto o turismo foi a mola propulsora do crescimento da cidade e se ele apresentou
soluções ou novos problemas urbanos para Torres entre os anos 70 e 90.
O terceiro capítulo do estudo abarcará questões referentes à crise da segunda metade dos
anos 90, na qual Torres passou por um processo de urbanização acelerado, onde se colocaram
18
KOWARICK, Lúcio. A espoliação urbana. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979 p.66.
múltiplos problemas relacionados ao modelo turístico adotado, voltado majoritariamente ao
turista estrangeiro e
19
onde, devido à drástica queda da demanda turística, ocorreu a
diminuição de arrecadação de capital e o desemprego na cidade.
Ainda nesse capítulo serão trabalhadas questões acerca da necessidade de planejamento
urbano para Torres. A primeira idéia de balizar urbanisticamente a cidade surgiu em meados
dos anos 60, com a elaboração do Regulamento para construções na área urbana, Lei 728/62
de dezembro de 1962. Porém, este regulamento apesar da sua importância inicial,
negligenciou muitas áreas da cidade, principalmente as periféricas.
A realização desta dissertação pretende contribuir para a produção de uma história que
abarque o maior número de grupos sociais envolvidos no processo de crescimento urbano de
Torres nos anos 70, 80 e 90. Uma história preocupada não só com o passado remoto, mas com
o passado recente, que apresente uma interpretação dos processos de transformação da cidade,
englobando as dinâmicas econômicas, sociais, políticas e urbanas. Uma história que reflita
sobre a importância dos diferentes grupos sociais na construção do espaço urbano da cidade,
para que daqui a diante uma nova história de Torres possa ser escrita.
19
Principalmente pela a ausência de argentinos devido a crise política e econômica da Argentina em meados dos
anos 90. Ver EMMERICH, Gustavo. E. Mennem: Recuento y balance de um deccenio. In CASANUEVA, Felipe
D.R. Argentina: pasado y presente em la constrcción de la sociedad y el Estado. Buenos Aires: Eudeba.
2001.p.280-283.
1. O advento da indústria do turismo: sustentáculo
econômico da cidade.
1.1.Turismo e construção civil: unidos rumo ao desenvolvimento de Torres.
Entre os anos de 1950 e 60, a cidade de Torres sofreu um sensível processo de
desenvolvimento urbano, ligado ao desenvolvimento do turismo. Nesta época, a cidade era
basicamente freqüentada por grupos de veranistas que pertenciam na sua maioria à alta
sociedade riograndense. Um grupo que paulatinamente acabou fixando em Torres as suas
casas de veraneio. Diante do grande fluxo de veranistas que se deslocou para Torres, a cidade
recebeu investimentos oriundos deste turismo de veraneio. Uma atividade que proporcionou
consecutivamente o advento de uma outra atividade de grande importância para a cidade: a
indústria da construção civil.
A procura por terrenos para a construção de casas de veraneio aumentou cerca de 100%
em Torres no final dos anos 60.
20
Porém, não casas de veraneio surgiam na cidade, os
primeiros edifícios com cerca de 5 pavimentos ou mais também surgiam neste período, alguns
deles são: o Edifício Alvorada (1962) com 8 pavimentos e o Mampituba (1963), com 5
pavimentos.
21
Devido a atividade turística voltada ao veraneio, o valor dos imóveis como
dos terrenos em toda a cidade, sofreram uma alta a partir de meados dos anos 70. Conforme
relato de Helio Matos:
20
Entrevista concedida à autora por Hélio Mattos, presidente da Associação dos Corretores de Imóveis de Torres,
realizada em julho de 2002.
21
Portifólio da Construtora e Incorporadora Ivo Rizzo, 2001. s/p.
[...] Muita gente queria comprar terreno para construir casa de veraneio e
também alguns edifícios naquela época [anos 60 e 70]. Foi quando as
imobiliárias mais antigas surgiram em Torres. [...] Com a procura por
terrenos, começaram a aumentar o preço, foram elevando cada vez mais. Mas
vendia bem, Torres era praia da elite né?
22
Nos ano 60, percebia-se na cidade a movimentação rumo a realização de construções
cada vez mais voltadas para o turismo de veraneio.
23
A construção de edifícios era uma
inovação para a época, em termos de construção civil. Porém, uma inovação que se
apresentaria posteriormente para a cidade, como um dos principais sustentáculos do seu
desenvolvimento sócio-econômico, no que se referia à indústria da construção civil. Mas como
todo processo de industrialização, o da construção civil também apresentou para Torres, uma
outra dinâmica. Onde segundo Kowarick:
[...] cresce rapidamente o número de trabalhadores, aumentando a pressão
sobre a oferta de habitações populares. Tais fenômenos ocorrem
paralelamente à valorização dos terrenos fabris [...].[...] ainda mais quando,
da aceleração do fluxo migratório, acumula-se um excedente de força de
trabalho na cidade.
24
Assim, devido ao turismo de veraneio, a cidade vivia um período de crescimento.
Entretanto, a medida que o turismo ia se tornando a atividade mais rentável para a cidade, a
construção civil passou a investir nesse setor. Pois, com a consecutiva exploração do valor dos
22
Entrevista concedida à autora por Hélio Matos, realizada em julho de 2002. [grifo nosso]
23
Entende-se por veranismo, a permanência de um determinado grupo, família ou indivíduo que possua a sua
casa de praia ou segunda moradia na localidade residindo nesta por cerca de dois meses (período de férias). O
veranismo distingui-se do turismo flutuante na medida em que o turista flutuante não possui uma relação
residencial e política com a cidade, ou seja, não possui imóveis nela, como não paga impostos.
24
KOWARICK, Lúcio. A espoliação urbana. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979.p.31.
terrenos da cidade, os problemas urbanos começaram a aparecer. Conforme Kowarick, a
tendência é que seja expulsa a população de baixa renda cada vez mais para as áreas
periféricas da cidade.
25
Nos anos 70, Torres já possuía cerca de 43.610 mil habitantes, um mero estimável
tratando de uma cidade litorânea. É claro que a questão da multiplicidade de Distritos fazia a
diferença em termos quantitativos. Torres possuía seis distritos: Três Forquilhas com 6.130
habitantes, Glória com 7.200 habitantes, Morro Azul com 7.360 habitantes, São Pedro de
Alcântara com 4.100 habitantes, Três Cachoeiras com 4.380 habitantes e Rua Nova com 5.540
habitantes, num total de 34.710 habitantes, o que representava cerca de 80% da população
total do Município. A sua percentagem populacional sobre o Estado era de 0,60% e sua
densidade por Km quadrado era de 39,22 habitantes, o que significa que a concentração
populacional de residentes no perímetro urbano era bastante baixa, cerca de 9 mil habitantes.
26
Com o percentual de 9 mil habitantes na zona urbana da cidade, Torres não sofria ainda no
início da década de 70 o problema do desemprego e do excedente de mão- de- obra, pois, uma
grande parcela da população da região ainda vivia no campo, trabalhando nas lavouras de
banana, milho, cana-de- açúcar, fumo, hortifrutigranjeiros.
O êxodo rural da região de Torres só começou a ser percebido no final dos anos 70. Com o
deslocamento de parte desse contingente de trabalhadores rurais para zona urbana. Um
25
KOWARICK, L. op.cit.p.39.
26
Anuários Estatísticos IBGE. Rio Grande do Sul, V 3. 1970. p.70- 71.
deslocamento proporcionado pela atração promovida pela indústria do turismo e da construção
civil. Indústrias que fomentaram o processo de migrações internas na região de Torres.
27
Na conjuntura dos anos 70, de acordo com as entrevistas realizadas e os dados da Câmara
de Vereadores de Torres, setor primário (agricultura e pecuária doméstica) possuía uma força
muito maior que o terciário (comércio em geral). Com o início da expansão turística da cidade,
o setor terciário cresceu minimizando o primário, prejudicando a rentabilidade das
propriedades rurais fazendo com que esse contingente humano aos poucos fosse abandonando
campo.Conforme relato de Santino Isaias da Rosa:
Foi na época do “milagre” mesmo [...] Todo mundo queria vir para
Torres, ninguém queria mais ficar no campo. Tem emprego na cidade, vamos
sair da roça! Isso é natural, acontece em todo lugar. Aqui foi por causa do
turismo e da construção civil em outros lugares por outros motivos.
28
Portanto, na década de 70, o turismo firmou-se como um dos sustentáculos econômicos de
Torres, atuando como uma alavanca de crescimento para a cidade. Nesse sentido, ao estudar o
desenvolvimento turístico desta, observou-se uma relação da indústria do turismo com a da
indústria da construção civil. Indústrias consideradas neste estudo, co-responsáveis pelo
processo de crescimento e desenvolvimento da cidade.
A indústria do turismo gerava o capital e a construção civil aplicava-o, dando vazão à
construção dos espaços urbanos da cidade, fossem eles regulares ou não. Sendo assim,
instalada a parceria entre turismo e construção civil, observou-se no caso de Torres, que os
27
SELAU, José Krás. Imigração Alemã em Torres Por Quê? Torres: Edição Jornal Gazeta, 1999.p.33.
28
Entrevista concedida à autora por Santino Isaias da Rosa, ex-líder comunitário do bairro São Francisco,
realizada em julho de 2002.
elementos que integravam esta associação (prestação de serviços, oferta de produtos, aplicação
de recursos, exaltação de atrativos, etc.), estavam agora dependentes uns dos outros.
Estava estabelecida, portanto, a linha norteadora do desenvolvimento da cidade. O turismo
tornava-se a mola propulsora do desenvolvimento urbano da cidade e a construção civil estava
cada vez mais ligada à manutenção da máquina turística. Representando, ambos, o signo do
crescimento e desenvolvimento da cidade.
29
O turismo como forma de acumulação de capital, estava estruturalmente integrada a todos
os setores econômicos desempenhados na cidade: primários, secundários e terciários. Setores
que incluíam as esferas atreladas ao urbanismo, onde apenas na fase final de consumo este se
constituía em um setor de serviços.
30
Assim, Torres entrou os anos 70 como uma cidade
genuinamente turística, sendo a partir desta conjuntura percebido as suas principais alterações
econômicas, sociais, políticas, urbanas, etc.
Com o intuito de regulamentar a participação do turismo no País no Estado e por
conseqüência nos Municípios (para que esse mecanismo de exploração e geração de renda não
fosse desenvolvido de forma desordenada), alguns órgãos reguladores foram criadas. Em 18
de novembro de 1966, o Decreto/Lei-55/66 criou dois órgãos que visavam regular, incentivar
e normatizar o turismo no Brasil. Foram criadas a EMBRATUR e o CNTUR, a primeira de
caráter executivo e o segundo normativo, ambos subordinados ao Ministério da Indústria e
Comércio e com sede no Rio de Janeiro.
31
29
Fosse esse posteriormente avaliado como positivo ou negativo.
30
FELLINI, Lourdes. Turismo Viabilidade e Alternativa. Porto Alegre, Escola Superior de Teologia São
Lourenço de Brindes, 1981.p.25.
31
FLORES, Hilda H. Turismo no Rio Grande do Sul: 50 anos de pioneirismo no Brasil. Porto Alegre:
EDIPUCRS, 1993.p.81.
Estes dois organismos foram criados no momento de emergência de uma nova ordem
político-econômica, onde o Estado assumiu o papel de planejar e regular a economia do Brasil,
como refere Cleusa Scroferneker:
Basicamente, o que vai caracterizar este momento é a necessidade de
reconstruir a economia, mediante controle e redução da inflação e um esforço
de modernização e racionalização da economia; posteriormente, o objetivo
passou a ser a expansão econômica acelerada que foi facilitada pelas medidas
realizadas anteriormente [especialmente no que se referia à participação do
capital estrangeiro, ou seja, através do turismo]. Para obtenção desta
expansão acelerada concluiu-se que o setor externo se constituía em um
elemento dinâmico fundamental ao desenvolvimento.
32
Conforme esta autora, nos anos 70, o Brasil inseriu-se efetivamente em um modo de
produção capitalista, e o turismo, diante da criação da EMBRATUR, estava estabelecendo
uma política nacional de desenvolvimento, voltada principalmente à captação dos turistas
estrangeiros. Cabendo ao turismo equilibrar as eventuais quedas dos fluxos turísticos
internacionais. Sendo assim, os veranistas a partir dessa preferência dos órgãos de fomento do
turismo estrangeiro, começaram paulatinamente a serem espoliados dos seus núcleos turísticos
habituais, como no caso de Torres.
Conforme relato de Hélio Matos, presidente da Associação dos Corretores de Imóveis de
Torres (ACIT), algumas famílias que tradicionalmente freqüentavam Torres e possuíam
suas segundas moradas, começaram (com pequenas resistências), a busca por outras
localidades para exercer o seu turismo de veraneio (Capão da Canoa, Tramandaí, Atlântida,
32
SCROFERNEKER, Cleusa Maria. Breve Retrospectiva histórica do Turismo. Veritas, Porto Alegre, v.29, n
116,p. 569-580, dez.1984.
Santa Catarina entre outras). Segundo Matos: “[...] Os veranistas começaram a ficar
incomodados com os turistas estrangeiros, mas nessa época ainda não era tanto. Foi mais nos
anos 80 que eles começaram mesmo a ir para outras praias.”
33
Esta situação se configurou como algo problemático para o turismo regional na década
de 80, quando os argentinos e uruguaios passaram a veranear em maior número no Rio Grande
do Sul. No caso específico de Torres, afastando consideravelmente o turista interno.
Nesse sentido, cabe aqui apontar para a questão central do presente estudo: realizar um
estudo sobre o processo de urbanização de Torres, problematizando as políticas de
planejamento turístico e urbano do município. Chamando a atenção para a atuação dos grupos
sociais nesse processo.
Considerando tal questão, este estudo tem como uma das premissas básicas procurar
compreender as questões relacionadas ao fato de Torres ter optado pelo modelo
34
voltado
única e exclusivamente ao turista estrangeiro. Bem como, compreender as intenções e
tendências cio-econômicas, políticas e administrativas que levaram a cidade a adotar tal
modelo. Avaliando posteriormente a sua eficácia, como os seus problemas.
No sentido de fornecer um respaldo institucional para o desenvolvimento sadio da
indústria do turismo no Rio Grande do Sul. Em relação à elaboração de órgãos de fomento ao
setor, após a criação da EMBRATUR em 1966, foram criadas em 23 de julho de 1972, sob a
Lei número 6.237 a SETUR (Secretaria de Turismo do Rio Grande do Sul) e sob a Lei número
33
Entrevista concedida à autora por Helio Matos, realizada em julho de 2002 e Márcio Biasi, arquiteto da
Prefeitura Municipal de Torres, realizada em julho de 2002.
34
Cabe apontar que este “modelo”, não estava registrado como uma cartilha ou plano a ser seguido, mas residia
em um conjunto de idéias e ações compartilhadas por toda a sociedade, rumo ao desenvolvimento do turismo
voltado ao turista estrangeiro. De certa forma este modelo residia em uma cartilha tácita, seguida por toda
comunidade local.
6.238 a CRTUR (Companhia Riograndense de Turismo). E no dia 28 de dezembro de 1972,
sob a Lei número 3.741 a EPATUR (Empresa Porto-alegrense de Turismo). Todas as
empresas públicas responsáveis por incentivar, desenvolver e apoiar as atividades turísticas da
capital e do Rio Grande do Sul. Estando assim estruturado o novo sistema oficial de turismo
do Estado.
35
Quanto a Torres, em 1975 foi apresentado junto à Câmara de Vereadores um Projeto de
Lei que pretendia criar a Comissão de Desenvolvimento Turístico do Município de Torres,
36
que tinha como intuito procurar desenvolver o turismo no verão e no inverno. A justificativa
para a criação desta Comissão era que os órgãos de turismo do município estavam trabalhando
isoladamente e por isso, não estavam apresentando resultados concretos quanto à utilização de
uma política de turismo integrada e eficaz.
37
O Brasil vivia nos anos 70, o período do chamado “milagre brasileiro”, com muitos
investimentos estrangeiros sendo apresentados, com baixa inflação e a classe média e
empresária eufóricos com as perspectivas otimistas em relação aos negócios e à economia.
Nesse cenário favorável, o turismo aparecia como uma atividade econômica de futuro, embora
as viagens ainda não fossem um hábito popular. O resultado de uma pesquisa realizada no
início da década de 70 entre os comerciários brasileiros mostrou que apenas 39% deles
viajavam nas rias, enquanto 51,1% permaneciam em casa e ainda, 7,21 faziam trabalhos
avulsos para complementar a renda.
38
35
FLORES, Hilda H. op.cit.p.89.
36
Ata da 5 Sessão Ordinária da Câmara de Vereadores de Torres, realizada em 12 de agosto de 1975.p.178.
37
O que de certa forma se observou em Torres tanto na década de 70 como nas duas cadas seguintes
(mesmo com a criação da referida Comissão). Provando a limitação do modelo.
38
REJOWSKI, Mirian (org). Turismo no percurso do tempo. São Paulo: Aleph, 2002.p.134.
Entre outras necessidades de incrementação do setor turístico, no intuito de atender às
pequenas e médias localidades, o Governo Estadual publicou o Decreto 76.590 de 11/11/1975,
que instituiu a Aviação Aérea Regional. A política governamental visava estimular os vôos
domésticos para as localidades do interior, com alguns subsídios para as companhias que se
interessassem em operar tais linhas. Em 1972, Departamento da Aeronáutica Civil (DAC)
criou o Vôo de Turismo Doméstico (VTD), uma taxa diferenciada (40% de desconto) para
grupos de turistas com até 40 pessoas.
39
A partir do aumento da entrada de turistas estrangeiros no Estado,os órgãos de fomento ao
turismo estrangeiro intensificaram suas estratégias rumo à lucratividade, atraindo
principalmente turistas argentinos e uruguaios para o Rio Grande do Sul, conforme a tabela:
Tabela 1 - Entrada de turistas no Rio Grande do Sul, segundo procedência em 1970.
Turistas Dezembro Janeiro Fevereiro Março Abril
Argentinos 2.232 3.750 2.468 1.557 1.889
Uruguaios 2.211 4.375 3.468 2.005 5.519
Fonte: Anuário Estatístico EMBRATUR. Rio de Janeiro, 1970, v. 3, p. 137.
Através desta relativa entrada de turistas procedentes da região do Prata no Estado no ano
de 1970. O setor hoteleiro também se beneficiou, precisando ampliar seus leitos, melhorar a
qualidade dos serviços e diversificar os meios de hospedagem.
39
Idem.
Torres nessa conjuntura procurou adequar-se às necessidades infraistruturais que o novo
fluxo de turistas exigia. Foram construídos novos hotéis que correspondiam à demanda
turística da cidade. Entre eles, o Dunas Hotel, localizado na Avenida Silva Jardim, esquina
XV de novembro em 1971; o Alfred Hotel, construído em parte da atual Praça Pinheiro
Machado em 1972; o Hotel Samambaia, localizado na Av Barão do Rio Branco em 1978;
Hotel Bauer em 1978; o Hotel Guarita a sua primeira parte em 1976; o Hotel Oceano em
1979 e o Hotel São Paulo em 1968.
40
Em relação a hospedagens, em 1970 o Rio Grande do
Sul dispunha, de 1.092 hotéis, enquanto Santa Catarina possuía 538. Outros dados
estatísticos também indicam o crescimento da indústria do turismo no período.
Tabela 2 - Potencial, Movimento e Pessoal ocupado no Parque Hoteleiro do RS e SC em
1970.
Estado Hotéis Aposentos Leitos Hóspedes Total
RS 1.029 23.180 41.855 2.257.314 15.560
SC 538 10.435 18.739 1.182.397 14.798
Fonte: Anuário Estatístico EMBRATUR. Rio de Janeiro, 1970, v. 3, p. 152.
Cabe ressaltar que, apesar da crescente demanda de turistas do Rio Grande do Sul (de
forma a considerá-lo na década de 70 como a indústria do futuro), percebeu-se também que
este ainda era um privilégio de grupos restritos da sociedade. Falar de turismo de massa ou
social em um País onde 74% dos trabalhadores recebiam até dois salários mínimos, era uma
utopia. A maior parte a renda era destinada a satisfazer necessidades básicas, como
40
Pesquisa de campo: Levantamento das datas de construção dos Hotéis em Torres.
alimentação, habitação e vestuário. Eram reduzidas substancialmente, as possibilidades de
gastos com recreação e especificamente em turismo.
41
Entretanto, o fluxo de turistas estrangeiros que deslocava-se para o Rio Grande do Sul,
representava o ingresso considerável de divisas. Em 1950 foram 2.1 bilhões, em 1960 foram
5,8 bilhões e em 1970 foram 17,1 bilhões. O turismo interno, como referido anteriormente,
ficou em segundo plano, com uma função complementar de equilibrar os déficits eventuais
dos fluxos internacionais.
42
Sendo assim, os dados de entrada de turistas estrangeiros (argentinos e uruguaios) no RS,
indicam, mesmo que prematuramente, para a problemática que girou em torno da falta de
planejamento turístico e urbano de Torres desde os anos 70. Apontando para a grave situação
constatada nos anos 90, onde o turista interno acabou deixando- a, pois revertia menos receita
e por isso não era incentivada a sua permanência na cidade. Conforme depoimento de Santino
Isaias da Rosa: “Ninguém se deu conta de manter o veranista aqui. Achavam que o turista
estrangeiro podia manter pra sempre o turismo na cidade. Acho que na verdade nem
perceberam que os veranistas antigos estavam indo embora”.
43
Conforme depoimento, possivelmente a comunidade local não percebeu que o veranista
estava saindo da cidade. Fenômeno percebido a posteriori, quando na falta do turista
estrangeiro, a ausência do veranista apontou para a dinamização da demanda turística.
Sendo assim, a partir dessa dinâmica, e devido à facilidade proporcionada pela conclusão
da Freeway em 1973, que assegurou um acesso mais rápido e seguro ao litoral, Torres
41
SCROFERNEKER, Cleusa Maria. op.cit.p. 571
42
Ibdem.p. 572.
43
Entrevista concedida à autora por Santino Isaias da Rosa, realizada em julho de 2002.
começava a desfrutar sazonalmente
44
do seu potencial turístico e econômico. A construção da
Free Way incentivou a entrada de turistas argentinos e uruguaios no Rio Grande do Sul,
indicando a preferência destes pelas praias do litoral gaúcho, conforme aponta a tabela 3:
Tabela 3 - Forma de entrada de turistas argentinos e uruguaios no RS em 1979
Forma de entrada de turistas Argentinos Uruguaios
Via aérea 5.310 2.174
Via marítima 4 0
Via terrestre 17.330 30.522
Fonte: Anuário Estatístico EMBRATUR. Rio de Janeiro, 1979, v. 8, p. 103.
A visível demanda de turistas estrangeiros em busca das praias do litoral norte gaúcho,
apresentou para Torres uma nova dinâmica turística, econômica e urbana. Conforme o
Histograma fornecido pela Secretária de Planejamento da Prefeitura Municipal de Torres, a
cidade teve no início e no final da década de 70, um sensível crescimento da construção civil
no Município. Em 1973, ano da inauguração da Freeway, é observado o crescimento do
número de construções unifamiliares (casas) e multifamiliares (edifícios residenciais), sendo
este o primeiro ápice de construções nos anos 70.
45
Quantitativamente, esse crescimento representou cerca de 884% na construção de
residências multifamiliares (edifícios residenciais) que chegou a 11.223 metros quadrados, o
44
Sazonalmente, no sentido de indicar que com a paulatina saída dos veranistas da cidade, que mantinham uma
certa freqüência também na baixa temporada. Torres começou a ser freqüentada apenas nos meses de alta
temporada de dezembro março.
45
Ver Histograma em anexo 1.
que demonstrou grande crescimento em comparação com os anos anteriores que era de 1.270
metros quadrados.
46
Observando o Histograma em anexo 1, identificou-se um pequeno declínio no número de
construções na segunda metade dos anos 70, ocasionadas pela crise nacional do petróleo. Essa
retração econômica refreou o crescimento urbano da cidade, embora tenha sido responsável
pelo interesse dos argentinos em veranear no litoral brasileiro, especialmente no sul do Brasil
(RS e SC).
No início dos anos 80, o fluxo de turistas argentinos e uruguaios que freqüentavam Torres,
provocou mudanças importantes na economia, na política, e na organização sócio-espacial
local. Modificações promovidas principalmente, pelo montante de capital estrangeiro
investido na cidade.
1.2. A inserção do capital estrangeiro e seus reflexos na produção
do espaço urbano da cidade.
Devido à inserção maciça de capital proveniente do turista estrangeiro, no início dos anos
80, Torres direcionou todas as suas atividades rumo à captação e aplicação destes recursos. A
46
MELGOZA, Mario H.Arteaga. Reflexos do impacto turístico no processo de urbanização: O estudo de caso
de Torres, RS. Porto Alegre: UFRGS (Dissertação de Mestrado).2001.p.149.
elite econômica da cidade, comerciantes, hoteleiros, corretores de imóveis, construtoras e etc,
estavam lucrando o dobro ou mais sobre os produtos e serviços oferecidos aos turistas
estrangeiros. Sendo assim, a cidade mascarava-se frente aos problemas da economia
nacional.
47
Torres arrecadava durante a permanência dos estrangeiros na cidade (sazonalmente na alta
temporada, de dezembro a março), grandes somas de capital, através da prestação de serviços
turísticos, de aluguéis de residências, hospedagens em hotéis, alimentação, vestuário,
artesanato, passeios, etc.
Considerando a sustentação da máquina turística e por conseqüência a geração de capitais
para a cidade, Torres vivia um período extremamente positivo no seu processo de
desenvolvimento turístico e crescimento urbano. A zona central da cidade
48
verticalizava-se,
por meio da construção de novas e modernas edificações, estabelecimentos comerciais e de
hospedagem. Segundo dados da Construtora e Incorporadora Ivo Rizzo, nos anos 80 a
empresa construiu cerca de 10 edifícios na cidade, todos com mais de 10 pavimentos.
49
A
cidade ia sendo construída de acordo com a nova demanda e os capitais que iam sendo
injetados nela conforme o grande fluxo de turistas.
Em contrapartida, ao mesmo tempo em que a zona central desenvolvia-se
urbanisticamente, respondendo a necessidade dos novos turistas que aumentavam a cada ano
na cidade, uma outra Torres formava-se nas áreas periféricas. Os bairros irregulares,
47
O Brasil no início dos anos 80 estava inserido em um período onde a inflação estava muito alta, cerca de
223,8% em 1984 e 235,5% em 1885. Ver em FAUSTO, Boris. História do Brasil. 11 ed. São Paulo: EDUSP,
2003.p. 520.
48
Correspondente à Zona 1 e 2 na Lei de 1962, que determinava a diferenciação entre as três principais zonas
urbanas da cidade, ainda em vigência até 1985. Ver anexo 2.
49
Dados da construção civil em Torres, concedidos pela Prefeitura Municipal de Torres e Portifólio da
Construtora e Incorporadora Ivo Rizzo, 2001. s/p.
paulatinamente estabelecidos desde meados dos anos 70 proliferavam-se vertiginosamente,
fazendo com que a cidade crescesse em duas frentes: verticalmente (nas zonas centrais) e
horizontalmente (nas zonas periféricas).
Um fenômeno que ocorreu sem as balizas legais necessárias, sem planos urbanísticos
eficazes, que dessem conta de fiscalizar e orientar o desenvolvimento tanto da área central,
quanto da periférica.
50
Retomando algumas relações entre o turismo de massa, a construção do espaço urbano e
seus efeitos para a cidade. Ainda nos anos 80, a permanência dos turistas estrangeiros além de
modificar as relações comerciais e sociais inseridas na dinâmica espacial da cidade, também
indicou (devido à inserção de capital), uma modificação drástica quanto à construção do
cenário urbano da cidade, estabelecendo novas relações sociais, turísticas e urbanas. Segundo
Santino Isaias da Rosa: “Se não fosse os hermanos a cidade não era como é. Eles trouxeram
divisas, a cidade cresceu, se expandiu. Trouxe muita coisa para Torres. A maioria do dinheiro
aplicado na cidade era deles.”
51
Sendo assim, conforme o capital estrangeiro era introduzido na cidade, estas receitas iam
sendo cada vez mais investidas nos equipamentos de sustentação turística, como hotéis,
restaurantes, casas comerciais, locais de entretenimento, edifícios, casas de veraneio e de
aluguel. A cidade se expandiu tanto vertical quanto horizontalmente, isto porque, exatamente
o contingente de trabalhadores da construção civil, foi o responsável pelo povoamento das
regiões periféricas de Torres, formando paulatinamente os bairros populares da cidade.
50
Mesmo com a Lei de 1962, em anexo 2, a zona central da cidade (Zonas 1 e 2), foi construída apenas sob a
orientação sobre a altura dos prédios e sobre o índice de aproveitamento do terreno, sem especificações técnicas
que orientasse as construções nestas zonas.
51
Entrevista concedida à autora por Santino Isaias da Rosa, realizada em julho de 2002.
Ao mesmo tempo em que a cidade se expandia turístico e urbanisticamente, agravavam-se
as questões de ordem social, política, e habitacional. Porém, estes problemas foram
observados e considerados de forma relevante, no início dos anos 90 quando Torres começou
a sofrer as conseqüências da maior crise que a cidade já vivenciou.
Nos anos 80, Torres desfrutava das vantagens econômicas apresentadas pelo turismo.
Promovendo o desenvolvimento da cidade m várias frentes. Segundo dados do Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 1980 Torres possuía uma população de
42.402 pessoas, cerca de 37, 54 habitantes por Km quadrado, num percentual de crescimento
anual de 4,42% ao ano.
52
Esse crescimento populacional, comparado com o início dos anos 70, que era de 43,610
mil habitantes com percentual de 39,22 habitantes por Km quadrado, num primeiro momento
podem parecer incoerentes, uma vez que está se afirmando que a cidade se desenvolveu.
Ocorreu que alguns Distritos pertencentes a Torres se emanciparam nos anos 80, diminuindo o
percentual rural, aumentando o urbano. Foram eles: os Distritos de Três Cachoeiras (1988) e
Arroio do Sal (1988).
Em 1980, Torres possuía 18.430 habitantes no perímetro urbano, contra 23.209
53
habitantes na zona rural. Comparados com os anos 70 aonde residiam no perímetro urbano
cerca de 9 mil habitantes, pode-se afirmar que a cidade em si cresceu cerca de 100%. O êxodo
rural observado nos anos 80 está relacionado às transformações no setor primário, onde foi
aberto cada vez mais espaço para o terciário, intimamente ligado à indústria do turismo e da
construção civil.
52
Dados do IBGE. Malha municipal digital do Brasil: situação de Torres. Rio de Janeiro: IBGE, 1980.
53
Idem.
Quanto às atividades ligadas aos órgãos de fomento ao turismo no Estado, estas estavam
fortemente inclinadas a atrair capitais estrangeiros que pudessem incrementar o setor, como
fez a EMBRATUR realizando workshops em Montevidéu, Buenos Aires, Santiago, Caracas e
Bogotá, buscando interessar os agentes de viagens que operavam no continente, pelas
possibilidades turísticas do Rio Grande do Sul. Segundo Hilda H. Flores, memoráveis foram
os encontros realizados no Hotel Sheraton de Buenos Aires, reunindo cerca de mil
participantes.
54
A vinda de turistas estrangeiros para o Estado resultou a partir dos anos 80, no maior
ingresso de argentinos e uruguaios que o Rio Grande do Sul teve, ocasionando nesta cada
o auge turístico e por conseqüência urbanístico de Torres. Cabe lembrar que, não se pode
abordar a presença do turismo em Torres sem levar em consideração a produção do seu espaço
urbano e vice-versa, afirmando que ambas variáveis foram as molas propulsoras do
desenvolvimento da cidade. Porém, conseqüentemente foram as responsáveis pelos problemas
gerados a partir das suas aplicações desordenadas e mal planejadas. Como se observará na
formação dos principais bairros e na confusa elaboração de leis de regulamentação urbana.
nos anos 70 a ideologia do turismo foi inteiramente assumida pelo Estado, que passou a
dividir com as organizações privadas (agências de viagens, rede hoteleira, transportes, grupos
imobiliários, etc.) o compromisso de comercializá-la, tornando o turismo um produto de
consumo como modalidade de lazer.
55
No início dos anos 1980, após as incansáveis investidas da EMBRATUR e CNTUR para
atrair turistas estrangeiros, principalmente da região do Prata, estes começaram a vir para o
54
FLORES, Hilda H. op.cit.p.105.
55
SCROFERNEKER, Cleusa.op.cit.p.578.
Estado de forma mais expressiva. Segundo os anuários estatísticos da EMBRATUR, em 1980
saíram da Argentina rumo ao Rio Grande do Sul cerca de 124.285 mil turistas e do Uruguai
cerca de 179.223 mil turistas (entre via marítima, aérea e terrestre).
56
Estes percentuais estatísticos indicam que os turistas estrangeiros estavam indo ao
encontro dos interesses e aspirações dos órgãos de fomento ao turismo no Brasil e no Estado,
tornando as praias do litoral norte gaúcho, as mais procuradas para a prática turística, nos
meses de sazonalidade turística (dezembro a março). Para Melgoza:
Nesse período, os argentinos faziam contratos com hotéis luxuosos e
casas finíssimas à beira mar, mas quando não conseguiam alugar, começarem
a comprara os imóveis que estavam sendo construídos e cada vez mais
valorizados em Torres.[...] Nesta época, muitos proprietários deixavam as
suas residências para alugá-las aos argentinos pela compensação do lucro
recebido, sendo muitas destas casas vendidas a esses veranistas, isto
incentivou o aumento dos empreendimentos imobiliários e o avanço da
construção civil, fazendo com que a expansão urbana, que vinha ocorrendo
em Torres paulatinamente ao longo do tempo, acabasse intensificando-se de
forma desordenada.
57
Conforme Melgoza, com a entrada massiva deste novo contingente de turistas estrangeiros
na cidade, Torres se movimentou rumo a sustentação e ampliação da indústria da construção
civil, no sentido de construir novos hotéis, edifícios e residências que viessem a responder a
demanda turística da cidade. Entretanto, mesmo realizando as adequações infraistruturais que
a cidade necessitava, Torres não se baseou em uma política de planejamento turístico. Uma
56
Anuários Estatísticos da EMBRATUR, Rio de Janeiro, V 9 .1980 .p.81.
57
MELGOZA, Mário. op.cit.p.157.
política que indicasse os caminhos a serem tomados caso a instalação de uma possível crise
econômica do seu país, como dos países visitantes.
58
Um forte indicativo da dependência turístico-econômica da cidade foi o declínio da
indústria da construção civil que a cidade sofreu acompanhando os anos de crise na Argentina.
Em 1982 a Argentina, sofreu o impacto de uma crise econômica,
59
tendo a sua moeda
desvalorizada, diminuiu a entrada de turistas argentinos no Estado e conseqüentemente em
Torres. Conforme aponta o Histograma em anexo 1, existe um declínio no gráfico exatamente
no ano de 1982, decréscimo que aponta para a diminuição das construções na cidade.
Frente à crise de 1982 na Argentina, o comércio e os hoteleiros de Torres, que desde final
dos anos 70 estavam habituados com a presença dos argentinos na cidade, perceberam que
enfrentariam um grave declínio econômico naquele ano. Preocupação detectada nas Atas da
Câmara de Vereadores de Torres. Segundo pronunciamento do vereador Lindomar (PDS):
[...] está iniciando mais uma temporada de veraneio e está deixando a
maioria dos comerciantes preocupados e também a indústria hoteleira, porque
muitos fizeram seus investimentos com recursos de bancos. Alega que a
maioria investiu em Torres porque acreditavam na Administração e na
Secretaria de Turismo do Estado, mas ninguém se importa com nada [...].
60
O pronunciamento do Vereador Lindomar Lumertz de Barros, apresentou indícios de que
Torres além de depender unicamente do capital estrangeiro para desenvolver as suas
potencialidades turísticas e comerciais. Também não se planejou para enfrentar uma crise
58
A problemática desta questão residiu, no fato de Torres depender única e exclusivamente de uma única fonte de
sustentação econômica, o capital do turista estrangeiro.
59
DABÉNE, Oliver. América Latina no século XX; tradução de Maria Izabel Mallman. Porto Alegre:
EDIPUCRS, 2003.p.253.
60
Ata da 30 Sessão Ordinária da Câmara de Vereadores de Torres, realizada 05/11/1982.p.107.
econômica nos países do Prata, como foi o caso da Argentina em 1982.
61
Onde os
comerciantes e hoteleiros esperando a mesma freqüência de turistas estrangeiros dos anos
anteriores, investiram quantias obtidas na maioria das vezes através de empréstimos bancários,
para realizar as melhorias nos seus estabelecimentos, como para construir novos, com isso
endividando-se.
A pequena crise que a Argentina sofreu em 1982, de certa forma, poderia ter alertado a
cidade frente à falta de planejamento turístico. No entanto, a partir de 1984 os argentinos (já
restabelecidos da sua crise econômica) começaram a voltar para Torres e a atividade turística
da cidade continuou sendo desenvolvida da mesma forma. Em 1985, entraram no Rio Grande
do Sul cerca de 154.249 mil argentinos, contra 21.459 uruguaios, indicando a preferência dos
argentinos pelas praias do litoral norte do Estado e de certa forma, a superação da crise
econômica que os assolou no início dos anos 80, mais precisamente entre março e junho de
1982.
62
Conforme Melgoza, a segunda metade da década de 80 para Torres, foi marcada por um
acentuado aumento das construções, sendo que em 1986, a construção de residências
multifamiliares (edifícios) atingiu o pico mais alto da década e superaram os 81,000 metros
quadrados.
63
O cruzamento dos dados da construção civil do período em Torres e do fluxo de entrada
dos turistas estrangeiros na cidade indica a dependência da construção civil do período aos
61
DABÈNE, Oliven.op.cit.p.253.
62
Idem.
63
MELGOZA, Mário Humberto.op.cit.149.
pacotes econômicos tanto da Argentina quanto do Brasil.
64
Apesar da frágil relação de
dependência que Torres estabeleceu com o turismo estrangeiro, tornando-se extremamente
condicionada ao capital trazido pelos turistas de fora do país, a cidade geria-se deste capital,
aplicando-os totalmente na perpetuação desta relação. Segundo Hélio Matos: “[...]
praticamente tudo girava em torno deles. O comércio, os hotéis, os restaurantes, tudo, eles que
mandavam na cidade”.
65
Conforme depoimento de Hélio Matos, presidente da Associação dos Corretores de
Imóveis de Torres, era sustentada na cidade, a idéia que todos os serviços, produtos e
equipamentos fossem eles turísticos ou urbanos deveriam se adequar e condizer com as
necessidades dos turistas estrangeiros, que não deveriam ser aborrecidos ou contrariados, na
sua passagem pela cidade, pois, eram os responsáveis pelo acúmulo de divisas do município.
Para Matos: [...] todo mundo tratava bem o estrangeiro, a preferência era sempre deles, nas
lojas, nos restaurantes, pros aluguéis, tudo eles tinham preferência [...].
66
Corroborando para esta interpretação, nas Atas da Câmara de Vereadores de Torres da
década de 80, observou-se a apreensão por parte de membros do Legislativo Municipal, acerca
de como estavam sendo tratados os turistas estrangeiros na cidade. O vereador M. Samham
(ARENA), pronunciou-se sobre a questão:
Sendo Torres uma cidade turística, cobrar estacionamento é um contra-
senso. O turista estrangeiro tem que ser bem tratado, para fazer uma boa
propaganda da cidade [...].[...] normalmente quem vai para praia o leva
64
Na cada de 70, diante da segunda crise do petróleo no Brasil, observou-se em Torres um declínio na
construção civil. Ver MELGOZA, op.cit.p. 149.
65
Entrevista concedida à autora por Hélio Matos, realizada em julho de 2002.
66
Ata da 2 Sessão Ordinária da Câmara de Vereadores de Torres, realizada em 20/01/1981.p.10.
dinheiro. Acho um absurdo, o turista tem que ser tratado com gentileza e
cordialidade.
67
A partir desta citação subtraída das Atas da Câmara, conforme pronunciamento do
membro da elite dirigente municipal, o turista tinha uma importância vital para a cidade, ou
seja, as ações e decisões acerca destes indivíduos deveriam ser tomadas sempre no sentido de
não desrespeitar os interesses do turista estrangeiro. Assim, Torres nos anos 80, apresentava
ares de uma cidade moderna, porém, totalmente voltada ao turista estrangeiro. Onde primava-
se pela sustentação e ampliação do turismo em larga escala, no que tangia a manutenção desta
relação, pois era ela a responsável pelo crescimento da cidade, independentemente de ser um
crescimento ordenado ou não.
Apesar da nítida participação do capital estrangeiro na cidade como mola propulsora do
desenvolvimento,
68
segundo análise e interpretação das Atas da Câmara de Vereadores de
Torres da década de 80, múltiplas foram as passagens que indicaram que a cidade não possuía
políticas de planejamento turístico. Nesse sentido, cabe aqui, em especial, citar o
pronunciamento do vereador Valdirio Zanellato (ARENA): “Em discussão o requerimento
sobre a instalação de um posto de informações turísticas, onde o vereador Zanelatto falou que
em Torres chegam vários estrangeiros, e não tem ponto de informação”.
69
Outro trecho desta
67
No sentido de estar se adequando às necessidades infraestruturais da indústria do turismo.Destruindo para
construir. Ver BERMAN.Marshal. Tudo o que é sólido desmancha no ar. São Paulo: Companhia das Letras,
1986.p.15.
68 Desenvolvimento aqui entendido como um processo de superação de problemas e conquistas de condições
propiciadoras de maior felicidade individual e coletiva, o desenvolvimento exige a consideração simultânea das
diversas dimensões constituintes das relações sociais (cultura, economia, política), e também, do espaço natural e
social. Ver RODRIGUES, Adyr.Turismo e Espaço. São Paulo: HUCITEC, 1997.p.19.
69
Ata da 7 Sessão Extraordinária da Câmara de Vereadores de Torres, realizada em 22/12/1980.p.17.
mesma Ata, indicava o descontentamento de outro vereador de Torres, Pedro dos Santos (sem
registro de partido), sobre a mesma questão:
[...] alega ter ouvido comentários que foi recebido verba para esta
construção. Diz que em qualquer cidade pequena existe posto de informações
e em Torres não tem pessoas credenciadas para informar. Diz ainda que
deveria ter na cidade uma escola para ensinar idiomas, ensinar trabalhar de
garçom, recepcionista e outras profissões ligadas ao Turismo.
70
No ano de 1982, de acordo as Atas da Câmara, percebeu-se que as discussões acerca da
criação do posto de informações turísticas na entrada da cidade ainda tramitavam no
Legislativo Municipal.Conforme trecho subtraído da Ata da Câmara, pronunciou-se o
vereador Lindomar (PDS):
No fim do ano foi solicitado a construção de um posto de informações na
entrada da cidade, mas quase no fim da temporada, depois de muito pedirem
foi construído uma casa que parecia com uma tenda e os guris que atendiam
pareciam um bando de ciganos. Comenta sobre Tramandaí e diz que seu
nome cresceu bastante devido o turismo no último ano.
71
O pronunciamento do membro da elite dirigente local destacou a falta de preocupação da
municipalidade em receber de forma adequada o seu turista, indo contra a idéia de que este
deveria ser sempre tratado com cordialidade e gentileza. Cabe ressaltar que, de acordo com o
modelo turístico adotado pela cidade desde início dos anos 80. Era função da comunidade
local tratar muito bem o turista estrangeiro, para que esse voltasse no ano seguinte e trouxesse
com ele outros turistas e muitas divisas para Torres.
70
Idem.
71
Ata da 8 Sessão Ordinária da Câmara de Vereadores de Torres, realizada em 22/03/1982.p.26.
Porém, as ações da municipalidade para garantir o bom recebimento desses turistas,
conforme as Ata da Câmara de Vereadores de Torres, deixava muito a desejar. Conforme estas
Atas, observou-se a indignação do vereador Lindomar ao apontar para mais uma mal sucedida
ação da Administração Municipal, na pessoa do Prefeito Darcy Brhem (PDS), no que se
referia ao tratamento dos turistas argentinos e sobre a visível ausência destes na cidade: “A
última temporada foi muito ruim para o comércio e quem prejudicou foi a Administração. O
Prefeito falou na imprensa que Torres estava lotada de argentinos e isto prejudicou a vinda
de turistas”.
72
Se tratando do Prefeito Municipal de uma cidade turística como Torres, segundo o
pronunciamento do vereador Lindomar, a afirmação do chefe do Executivo Municipal de
Torres foi no mínimo infeliz, pois, mesmo que a cidade estivesse cheia de argentinos como
Torres dependia exclusivamente deste contingente de turistas para arrecadar receita e por
conseqüência dar continuidade ao seu processo de desenvolvimento, estes turistas não
“poderiam” ser destratados.
Neste caso, o Prefeito Darcy Brhem indicou que além de não ter nenhum conhecimento
sobre marketing turístico, ainda indicou não possuir qualquer tipo de apreensão quanto à
fragilidade do modelo turístico da cidade, totalmente dependente do capital estrangeiro.
73
Por fim, cabe indicar que a conjuntura dos anos 80, apesar de apontar (mesmo que
timidamente), para o surgimento de alguns problemas gerados pela falta de planejamento
turístico e urbano da cidade, esta foi considerada como o período áureo do turismo e da
72
Idem.
73
Uma postura que aponta nitidamente para a falta de preparo das autoridades locais, em manter o fluxo de
turistas estrangeiros, uma vez que eram eles os agentes do frágil modelo adotado para o desenvolvimento do
turismo.
construção civil em Torres. Um período onde a cidade de uma forma geral, usufruiu do capital
gerado pelo turismo estrangeiro, oportunizando tanto a melhoria de vida da comunidade local,
como melhorias na sua infra-estrutura turística e urbana. Melhorias que cabem ser apontadas,
uma vez que foram observadas em termos de adequações e modernizações dos espaços
urbanos da cidade.
1. 3. Adequação versus Modernização:
as modificações sociais e infra-estruturais de Torres diante da sua nova realidade turística
e urbana.
Nos anos de 1970 e 80, como referido anteriormente, o Rio Grande do Sul despontou
para o turismo em larga escala. Dando-se início a um processo turístico-econômico sólido,
principalmente no que dizia respeito aos sensíveis investimentos de capital externo que
estavam sendo aplicados. Era a chamada indústria do turismo que surgia, apresentando aos
espaços utilizados suas vantagens e desvantagens.
Como toda indústria, o turismo gerou impactos acerca das dinâmicas espaciais da cidade,
ocasionando modificações de cunho urbano, social, econômico. Para Scroferneker, o turismo
era indiscutivelmente a forma mais elitizada de produção de lazer, constituindo-se em um
produto emergente dos moldes da sociedade capitalista, em função disso, atrelado às regras de
um jogo produtivo.
74
Nesse sentido, a produção de capital gerava também outras produções,
como a do espaço urbano da cidade. Para Sposito: “A produção social das formas espaciais, é
74
SCROFERNEKER, Cleusa Maria. op.cit.p.577.
ao mesmo tempo manifestação e condição do estágio de desenvolvimento das forças
produtivas sob o capitalismo”.
75
Sendo assim, Torres não negligenciou as forças produtivas geradas pelos novos
investimentos que estavam sendo apresentadas a ela, como também não deixou de aproveitar o
momento propício para a aceleração do processo de desenvolvimento urbano que aconteceu
naturalmente após o fortalecimento da indústria do turismo.
Para Torres, o processo de expansão do turismo foi o responsável (mesmo que de forma
gradual), por apresentar à cidade características urbanas mais modernas,
76
alterando
paulatinamente as estruturas urbanas da cidade e conseqüentemente o cotidiano da sociedade.
A industrialização da produção do turismo abarcou para Torres conhecimentos científicos,
tecnológicos, criou novos ambientes destruindo antigos, acelerando o próprio ritmo de vida.
Gerou novas formas de poder corporativo, proporcionou o crescimento demográfico entre
outros, que segundo Berman refere-se à modernização dos espaços.
77
Algumas modificações e adequações deram-se através das obras de reformulação urbana
que começaram a acontecer na cidade frente à nova demanda turística, pois, a produção
econômica e o comércio estavam crescendo aumentando o número de consumidores,
dinamizando como nunca todos os setores tanto do mercado das prestações de serviços, como
das relações sociais.
Considerar a entrada de uma cidade no que pode se entender por modernidade pode
indicar uma gama muito vasta de explicações. Para a cidade de Torres, entende-se como
75
SPOSITO, Maria Encarnação B.(org). Capitalismo e Urbanização.São Paulo: Contexto, 1989.p.64.
76
Segundo Marshal Berman, ser moderno é encontrar-se em um ambiente que promete aventura, poder, alegria,
crescimento, autotransformação e transformação de coisas ao redor mas, ao mesmo tempo ameaça destruir tudo
que temos, tudo o que sabemos, tudo o que somos. Ver BERMAN, Marshal. op.cit.p.15.
77
Ibdem.p.16.
modernidade, conforme a conjuntura histórica referente aos anos 70 e 80 adequações de infra-
estrutura urbana tais como: a inserção de novas tecnologias, de novas formas de organização
social, de crescimento demográfico, de crescimento urbano,
78
ou seja, indícios de que a
cidade poderia melhorar a sua qualidade de atuação frente à nova situação apresentada pelo
turismo, adequando-se ela.
A atuação da EMBRATUR, (fundada em 1966 com o intuito de fiscalizar e incentivar o
turismo no país), possuiu uma grande importância nesta conjuntura histórica no que tange
promover a sustentação do turismo em Torres. Foram definidas pela EMBRATUR, algumas
prioridades quanto ao turismo no Estado. A principal delas foi considerar o estímulo ao
turismo estrangeiro, através de estratégias de ação que incluía desde a implantação de
escritórios no exterior, campanhas promocionais nos principais veículos estrangeiros,
participação em eventos específicos, etc.
79
Ações que visavam atrair para o Rio Grande do Sul cada vez mais o turista argentino e
uruguaio principalmente. A inserção do Estado do Rio Grande do Sul na política nacional de
turismo proposta pela EMBRATUR esteve associada a um fator fundamental: a posição
geográfica do Estado junto às fronteiras dos países do Prata o que assegurava a facilidade de
penetração destes fluxos internacionais.
80
Porém, como todo setor gerador de lucro, o turismo possuía as suas particularidades, pois,
nessa atividade não se tinha a exportação do produto, sendo este consumido no local onde os
bens e serviços eram produzidos. Isto significava que, esta exportação sem deslocamento de
78
Idem.
79
SCROFERNEKER, Cleusa Maria .op.cit.p.576.
80
Idem.
produção possuía características que precisariam ser refletidas e analisadas por todas os grupos
atuantes d cidade. Conforme Sposito:
A cidade é particularmente, o lugar onde se reúnem as melhores
condições para o desenvolvimento do capitalismo. O seu caráter de
concentração, de densidade, viabiliza a realização com maior rapidez o ciclo
[...].A cidade reúne qualitativa e quantitativamente as condições necessárias
ao desenvolvimento do capitalismo, e por isso ocupa o papel de comando na
divisão social do trabalho.
81
Segundo esta autora, a cidade era o local onde se concentravam as forças de trabalho, onde
eram estabelecidas as relações entre a sociedade voltada para a acumulação de recursos
oriundos do turismo e os turistas, consumidores dos serviços oferecidos. Essa relação,
implicava para Torres uma dinâmica bastante peculiar, uma vez que a mesma não estava
preparada para tal demanda tendo com isso, que se adequar a esta nova realidade. Esta
afirmação é pertinente na medida que indica os interesses da comunidade local, que nutria
uma posição que defendia a idéia de que Torres vendia-se por si só, onde os aparelhos
turísticos não precisavam ser extremamente criativos ou atenciosamente elaborados. Como se
o simples fato da natureza ter sido generosa fizesse dessa uma cidade inabalável turisticamente
e por conseqüência perpetuamente lucrativa.
82
Um posicionamento que indicou que a cidade
não não estava preparada para o boom turístico, como também não se preocupou com
processo de expansão urbana subseqüente.
Portanto, a comunidade local também oportunizou a exploração turística (pois acumulava
divisas), porém, não participava das políticas de regulamentação sustentação desta indústria.
81
SPOSITO, Maria Encarnação. op.cit.p.64
82
Este pensamento perpetuou-se em Torres também nas décadas seguintes. Indicando o grau de consciência que
a sociedade local possuía em ralação ao turismo.
a elite econômica, visava apenas os lucros, independente dos reflexos urbanos, sociais,
ambientais, etc, que a desenfreada industria da construção civil pudesse abarcar. E quanto à
política local, esta apenas procurou mediar estas duas forças.
Constam nas Atas da Câmara de Vereadores de Torres, como nos dados fornecidos pela
Prefeitura Municipal de Torres, algumas passagens apontando que a partir de meados dos anos
70, surgiram na cidade algumas preocupações acerca das carências e precariedades de alguns
serviços oferecidos aos turistas e veranistas e por conseqüência à sociedade local. O vereador
Samuel Samhan, membro da bancada da Arena, posicionou-se verbalmente em dois momentos
distintos na intenção de apontar junto à Câmara de Vereadores de Torres algumas soluções
acerca das adequações que a cidade precisava sofrer em função da forte atividade turística:
O vereador Samhan se pronuncia dizendo que o comércio nesta cidade de
quinze de dezembro, a quinze de março deveria ter horário livre, pois os que
aqui chegam aos sábados e domingos não conseguem fazer compras porque
encontram o comércio fechado, que em Tramandaí, fecham só terça-feira e se
não fora o período de veraneio, os comerciantes locais não poderiam agüentar
os nove meses restantes.
83
Posteriormente, o mesmo vereador se pronunciou, na tentativa de chamar a atenção do
Legislativo Municipal para a questão do aparato turístico-urbano que Torres necessitava:
Em votação o requerimento do Vereador Samhan. O autor diz que esteve
na rodoviária examinando as condições doa ônibus da UNESUL, alega que os
mesmos não apresentam nenhum conforto e são muito antigos, diz que a
rodoviária é antiga, mas breve teremos uma bem moderna. Pede que seja
enviado Ofício ao Diretor do DAER, ao Secretário de Transportes e ao
83
Ata da 16 Sessão Ordinária da Câmara de Vereadores de Torres, realizada em 08 de dezembro de 1975. p.78.
gerente da UNESUL, afim de que sejam tomadas principalmente nesta época
que recebemos muitos turistas em nossa cidade.
84
Cabe esclarecer que, apesar da intenção do Vereador citado, em apresentar à
municipalidade medidas que tornassem a cidade mais atrativa e mais moderna, era notória a
atuação do senhor M. Samhan no comércio e na hotelaria local. Onde este era proprietário de
lojas de confecções (Casa São Paulo) e hotéis (Savoia e São Paulo), localizadas no centro da
cidade. Sendo assim, percebeu-se que as intenções particulares estiveram implícitos nas
decisões acerca das adequações que a cidade deveria sofrer, indicando um certo
comprometimento político no que dizia respeito às modificações do espaço urbano da cidade.
Adequar e modernizar a cidade de Torres frente à nova demanda que estava se
apresentando, não seria tarefa fácil nem para a municipalidade, agregando a atuação do
Executivo e Legislativo, nem para as elites ligadas à construção civil. Muitas eram as
melhorias a serem alcançadas para que Torres respondesse não aos turistas e veranistas,
mas também a nova condição habitacional que surgia, a partir da formação dos bairros
irregulares da cidade, por exemplo.
A adaptação que a cidade precisava sofrer urbana e turisticamente teria, portanto, que ser
atacada em duas frentes: a) sobre os equipamentos básicos de infra-estrutura como
saneamento, água, luz, calçamento, desapropriações, indenizações, assentamentos, etc; b)
sobre as questões mais direcionadas ao aprimoramento de alguns setores voltados aos turistas
e veranistas como a ampliação da central telefônica, a arborização e manutenção de ruas e
praças, limpeza de terrenos baldios, constantes promoções de eventos atrativos aos turistas,
84
Ata da 18 Sessão Ordinária da Câmara de Vereadores de Torres, realizada em 17 de dezembro de 1977. p. 65.
melhoramento dos serviços à beira-mar como o de salva-vidas, recuperação de espaços
turísticos como o Morro das Furnas, criação do abrigo para ônibus de excurssão, do calçadão à
beira-mar, entre outros.
85
Além dos ajustamentos que a cidade necessitava, observou-se também que o advento da
indústria do turismo apresentou para a cidade outras realidades ainda não vivenciadas. Como
indicado anteriormente, a produção de práticas modernizadoras (no caso de Torres ligadas à
inserção do turismo estrangeiro), abarcaram também a destruição de estruturas existentes.
86
Esse fenômeno dizia respeito à destruição de edificações existentes para dar lugar a outras
de caráter mais funcional e moderno, adequado ao novo ritmo imposto na cidade através do
advento do turismo. A relação destruição versus construção pode ser observada aqui, no caso
do A Furninha Bar Chopp” de 1973, onde foi construído, posteriormente, no mesmo local
(nas esquinas das ruas Julio de Castilhos e Joaquim Porto) o Hotel A Furninha.
1) Fotografia do A Furninha Bar Chopp, em 1973.
85
CHAIEB, José (org). Memórias da SAPT. Porto Alegre: [s.e], 1996. p.96.
86
BERMAN, Marshal, op.cit.p.16.
Fonte: Banco de Imagens ULBRA/Torres, 2003.
2) Fotografia do Hotel A Furninha, nos anos 80.
Fonte: Banco de Imagens ULBRA/Torres, 2003.
O crescimento do turismo permitiu a ampliação e reforma dos equipamentos urbanos,
visando à expansão turístico-urbana. O comércio local pôde através das divisas acumuladas, se
aprimorar e com isso atrair cada vez mais recursos não só para a sua manutenção, mas também
para a ampliação de novos investimentos, como a construção de novos hotéis, bares,
restaurantes, casas noturnas etc.
Partindo para a reflexão referente ao processo de substituição das estruturas, observou-se
em Torres nesta conjuntura, atividades e relações dialéticas acerca das práticas econômicas,
imobiliárias, comerciais e praianas, que estimulava um grupo, mas desestimulava outro.
Novamente retoma-se a questão do fenômeno de saída dos veranistas da cidade diante o fluxo
de turistas estrangeiros. Os chamados veranistas, que já freqüentavam sistematicamente a
cidade, que possuíam a sua casa de veraneio, que podiam estacionar o seu carro sem maiores
problemas nas ruas da cidade, que já tinham o seu lugar escolhido à beira-mar, agora se
deparavam com uma outra realidade.
O grupo de veranistas, composto na sua maioria por membros da elite riograndense das
cidades de Porto Alegre e Caxias do Sul, começava a disputar o espaço na cidade e na praia
com um outro grupo de turistas (o estrangeiro), que além de não falar a mesma língua,
estavam invadindo todos os espaços de sociabilidade, encarecendo os serviços prestados como
também os produtos em geral.
Os turistas estrangeiros além de não possuírem nenhuma preocupação com a gestão
política dos problemas urbanos, uma vez que eram apenas apreciadores e consumidores, por
isso não possuíam nenhum compromisso com a mesma,
87
também estavam em uma posição
econômica privilegiada em relação aos veranistas. Estes veranistas apesar de pertencentes às
camadas mais abastadas da sociedade riograndense, não mais expressavam para o comércio
local (agora atraídos pelos investimentos externos), quantias que os mantivesse em pé de
igualdade com os turistas estrangeiros. Isto aconteceu porque os turistas estrangeiros pagavam
tudo em dólar, alugando os melhores apartamentos e casas de veraneio, o que paulatinamente
foi modificando o cenário turístico de Torres, como também o perfil do turista e do turismo
local.
87
Isto porque, o grupo de veranistas que freqüentava Torres era na sua maioria formado por famílias que
muito tempo veraneavam na cidade e por isso, consideravam-na a sua segunda morada.
Oportunamente, um outro problema gerado pela atuação dos investimentos externos na
cidade, foi a considerável preferência que a população local desenvolveu pelos turistas
estrangeiros, que como referido anteriormente, pagavam os serviços e hospedagens em dólar,
sem falar na quantidade de produtos consumidos por estes. A desvalorização da moeda
brasileira,
88
era muito grande em relação aos dólares que os turistas estrangeiros levavam para
Torres. Segundo depoimento de membro da comunidade local era comum ver os turistas
adquirirem compulsivamente produtos, como: cadeiras de praia, guarda-sóis, bronzeadores,
artigos de artesanato etc. Segundo Santino: “Eles compravam de tudo e tudo em quantidade,
sempre Era bom para o comércio claro que sim”.
89
Esse processo de acúmulo de receita para o município esteve presente na vida da cidade
por muitos anos seguintes, incentivando a permanência da utilização deste modelo turístico, na
manutenção do comércio, da construção civil e de todo o aparato que girava em torno destas
atividades. Entretanto, o imediatismo e a carência deste modelo turístico, fizeram com que os
recursos não fossem devidamente aplicados, indicando o surgimento de problemas futuros.
A cidade de Torres ao perceber a grande movimentação econômica promovida pela
inserção de grandes quantias de capital estrangeiro na cidade, deveria ter planejado que
paralelamente ao acúmulo de capital, deveria aplicar tais recursos não só na manutenção
imediata desta estrutura, mas na reciclagem turística e urbana.
90
Ao compreender o processo de modernização urbana de Torres, em relação a outras
cidades, cabe salientar que Porto Alegre nos anos 40 já apresentava problemas urbanos
88
Na época, Cruzeiros.
89
Entrevista concedida à autora por Santino Isaias da Rosa, ex-líder comunitário do bairro São Francisco,
realizada em julho de 2002.
90
Refere-se propriamente a uma política de planejamento turístico e urbano. Que desenvolveria políticas de
planejamento urbano, políticas habitacionais, projetos voltados ao turismo sustentável, planos de preservação
ambiental, entre outros.
oriundo de seu crescimento acelerado. No caso de Torres, nos anos 90 é que a cidade
percebeu efetivamente os seus problemas.
91
Nos anos 70, diferentemente de Torres que despertava para a realização de um primeiro
conjunto de obras de adequação urbana, Porto Alegre se configurava como uma cidade
plenamente verticalizada.
92
Obviamente que neste estudo, a referencia à cidade de Porto
Alegre cabe na medida em que esta como capital do Estado possuía uma função exemplar
quanto às suas representações de modernidade urbana e mesmo que de forma elucidativa esta
indicava o caminho que outras cidades posteriormente poderiam querer desenvolver frente o
seu próprio crescimento.
Apesar de Porto Alegre e Torres estarem demograficamente muito distantes,
93
a Capital
exercia uma importância cabal frente às representatividades que determinados grupos atuantes
exerciam na cidade.
94
Assim, o reflexo das transformações urbanas da capital do Estado
poderiam ser focalizadas dentro das esferas administrativas de Torres, mesmo que de formas
91
Não foi considerada como parâmetro analógico, cidades litorâneas do Rio Grande do Sul, como Tramandaí e
Capão da Canoa, pois, estas não apresentaram nesta época um processo de expansão urbano tão rápido quanto ao
que ocorreu em Torres.
92
A
verticalização observada em Porto Alegre era causa e conseqüência da forte expectativa de um novo ciclo de
desenvolvimento econômico gerado a partir da II Guerra Mundial, somada ao êxodo rural e ao fascínio da vida
urbana, da esperança de uma vida melhor na metrópole. As obras realizadas por Thompson Flores (1969 a 1975),
foram para a cidade inovadoras e necessárias realizações urbanísticas, como a construção dos viadutos Açorianos
e Leopoldina, o túnel da Conceição, entre outras, que representavam para a cidade a manutenção de uma vida
urbana mais funcional. Cf.MONTEIRO, Charles. Porto Alegre e suas escritas_ História e memórias. o Paulo,
2001.p.406. Tese (Doutorado em História Social). Programa de Estudos Pós-Graduados em História. Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo.
93
Torres possuía em 1970 cerca de 30 mil habitantes, enquanto Porto Alegre possuía mais de 700 mil. Anuário
Estatístico IBGE. Rio Grande do Sul, V 3. 1970. p. 56.
94
Isto porque os membros das elites dirigentes, atuantes no processo de urbanização da cidade como o
Engenheiro Ivo Rizzo, por exemplo, residia em Porto Alegre e havia na década de 70, construído cerca de 21
prédios na capital, 4 sedes de empresas entre elas da Gerdau e cerca de 28 residências, demonstrando a sua
atuação tanto em Torres como na capital do Estrado. Portifólio da Construtora e Incorporadora Ivo Rizzo, 2001.
s/p.
distintas e de acordo com as suas particulares necessidades, no intuito de trazer para a cidade
exemplos de adequação e modificações do seu espaço urbano.
No sentido de apontar algumas adequações urbanas que a cidade sofreu, observou-se nas
Atas da Câmara de Vereadores de Torres algumas passagens que apontaram para a realização
de obras de reformulação, adequação e melhorias na cidade.
Paradoxalmente, não foram identificadas nas Atas da Câmara da década de 70, passagens
que fizessem alusão à grandes obras infra-estruturais na cidade, como a abertura de novas
avenidas e a construção de obras públicas de porte, mas sim a aprovação de projetos medianos
como a construção de passeios (calçadas), o calçamento de ruas importantes para alguns
bairros, a construção de equipamentos necessários à cidade como postos de gasolina, a
restauração e urbanização de locais destinados à manutenção do turismo, como a Lagoa do
Violão etc, todas aprovadas pela Câmara e sancionadas pelo Executivo Municipal:
[...] proposições de autoria do Vereador Renato Freitas [ARENA], onde
requer a reconstrução dos passeios na Av. Barão do Rio Branco; calçamento
da José Bonifácio até a Praia da Cal, ligando a Caxias do Sul. Aprovada por
unanimidade pelas duas bancadas da casa.
95
Este trecho indica que apesar da cidade apresentar um crescimento maior nas suas zonas
centrais, algumas medidas quanto às zonas periféricas estavam sendo tomadas, uma vez que
estas eram as áreas preferidas pelos construtores clandestinos, pois ligavam os bairros
Curtume e Porto Alegre. Quanto ao calçamento de algumas ruas o Legislativo Municipal
também se pronunciou a favor destas obras de restauração urbana: “Em discussão o
requerimento para a efetuação do calçamento na Rua Otávio Rocha e as demais naquela zona
95
Ata da 15 Sessão Extraordinária da Câmara de Vereadores de Torres, realizada em 14 de junho de 1969. p.
40.[grifo nosso]
do campo de futebol até a Praia da Cal O plano é para outubro após o calçamento do bairro
Getúlio Vargas”.
96
Essa passagem aponta para o fato de algumas ruas de bairros periféricos de Torres estavam
começando a ser calçadas, mesmo que estas estivessem em áreas irregulares da cidade, como
era o caso do bairro Getúlio Vargas.
Quanto a infra-estrutura de serviços, surgiram em Torres nesta época algumas discussões
pontuais acerca da liberação de construções de postos de gasolina na cidade, ou melhor, sobre
a distancia que um posto deveria ter do outro a fim de não comprometer a clientela, sendo
proposta a distância mínima de dois quilômetros.
O vereador Jacob alega que isso não é motivo para preocupação dos
vereadores. Pensa que quanto mais postos existirem mais beneficiam o povo
e que dentro da democracia, somos livres para comprar terrenos e instalar
postos aonde achar melhor.[...] em votação o projeto descrito, regulamenta a
distância para instalação de Postos de gasolina, foi aprovado.
97
Em termos de embelezamento urbano, a restauração urbanística da Lagoa do Violão foi
outro importante ponto destacado nas Atas da Câmara, frente ao momento turístico que a
cidade vivenciava. Conforme as Atas da Câmara de Vereadores de Torres: “O vereador
Faustino diz que as obras tornaram-se realidade, era um sonho antigo do povo, principalmente
a Lagoa do Violão que é cartão de visita da cidade, diz ainda ser favorável a tudo que venha
beneficiar o povo”.
98
Neste trecho, o político local indicou o seu posicionamento favorável frente às reformas de
revitalização na Lagoa do Violão, onde a restauração do local seria a manutenção de um
96
Idem.
97
Ata da 2 Sessão Ordinária da Câmara de Vereadores de Torres, realizada em 04 de abril de 1972. p. 27.
98
Ata da 6 Sessão Ordinária da Câmara de Vereadores de Torres, realizada em 19 de março de 1979.p.17.
espaço que atrairia a geração de divisas, uma vez dos seus atrativos naturais. Entretanto, outras
propostas quanto ao incremento das estruturas turístico-urbanas na cidade, não tiveram
sucesso, devido a posição contrária de alguns grupos. Como foi o caso da proposta de autoria
do Engenheiro Ary Pavão, para a construção de uma plataforma marítima com características
semelhantes às existentes em Atlântida e Tramandaí.
99
A referida plataforma teria a forma de um L, onde ficaria localizado, um restaurante
panorâmico, uma boite, dependências sanitárias, além de uma vasta pista para a prática da
pesca. Teria cerca de 200 metros de extensão e se situaria junto ao Morro das Furnas (Torre do
Meio).
Segundo Chaieb houve simpatia da Diretoria da SAPT quanto ao Projeto, porém houve
muita resistência por parte dos veranistas da Praia da Cal, principalmente do veranista Ítalo
João Balém, que criticava veementemente a criação da Plataforma alegando que ela macularia
a beleza natural daquela área.
100
O Legislativo Municipal também tomou partido das
discussões acerca da proposta de construção da Plataforma da Praia da Cal:
O vereador Renato Freitas [ARENA], com a palavra diz ter sido
procurado pelos representantes contrários à construção da Plataforma e que
esse o explicou porque ela não deveria ser construída. Havendo movimento
para que a mesma seja construída na Praia do Meio.
101
99
CHAIEB, José (org). op.cit.p.96.
100
Ibdem. p.97.
101
Ata da 2 Sessão Extraordinária da Câmara de Vereadores de Torres, realizada em 04 de novembro de 1970.
p.52 [grifo nosso]. Não constam nas Atas os argumentos negativos quanto à construção da Plataforma da Praia
da Cal. De acordo com conhecimentos empíricos sobre o assunto, sabe-se que a construção da Plataforma além
de ofuscar a paisagem natural da Praia da Cal, possivelmente acarretaria na destruição de boa parte das falésias
da encosta da Torre do Meio (o que seria um crime, mesmo que se tratando de uma obra de infraestrutura
turística).
O posicionamento negativo de grupos de veranistas sobre a realização de alguns projetos
como esse exemplo da Plataforma da Praia da Cal, indicou que não existia uma
homogeneidade quanto ao ideal de desenvolvimento turístico na cidade, como fora
ressaltado anteriormente. Mais uma vez pôde-se perceber a atuação da elite econômica ligada
a SAPT, no que tangia a defesa de Projetos de caráter meramente turístico.
A inserção da indústria do turismo em Torres atraía investimentos, mas também destruía
estruturas e relações sociais, promovendo dualidades nos grupos da cidade. De um lado estava
o descontentamento do grupo de veranistas e moradores defensores da Praia da Cal, e de outro
lado estava a elite econômica, ligada a SAPT, que queria a construção da referida plataforma.
O exemplo da construção da referida plataforma indicou a conturbada relação entre
turistas, veranistas e moradores de Torres. Onde cada grupo, de acordo com as suas intenções,
procurou delinear o sentido do desenvolvimento turístico da cidade. Disputas e contradições
que indicaram que a cidade não estava sendo desenvolvida a partir de uma política de
planejamento turístico e urbano.
Urbanisticamente, nesta conjuntura, Torres estava muito mais voltada para a construção de
hotéis, casa de aluguel, pra o asfaltamento de ruas, para a reforma de passeios e também para a
venda de lotes irregulares a posseiros. E estes aspectos apesar de possuírem a sua relevância
dentro do processo de urbanização, eram indicativos de que a cidade não estava sendo
construída de forma equiparada em todos os seus espaços urbanos.
Sendo realizadas, portanto, na maioria das vezes, obras de adequações que visavam
atender apenas as necessidades dos turistas nas zonas centrais, do que as necessidades da
comunidade local nas áreas adjacentes. Ações que estavam totalmente engendradas no modelo
turístico e por conseqüência urbana, voltada para o desenvolvimento do turismo estrangeiro.
Gerando uma dependência que causou posteriormente, grandes problemas para cidade, entre
eles o da identidade local, percebido apenas quando foi colocada em xeque, a eficácia do
modelo turístico adotado.
1.4. A sociedade local e a inserção do turista estrangeiro na cidade
No início da década de 80, o turismo estrangeiro se desenvolveu de forma maciça no Rio
Grande do Sul. Este turismo em larga escala trouxe para o Estado um número muito elevado
de turistas estrangeiros. No ano de 1980, passaram pelo Estado cerca de 303.518mil turistas
entre argentinos e uruguaios,
102
que além de desenvolverem a economia das localidades
receptoras, também alteraram o cotidiano das comunidades locais, como foi o caso da cidade
de Torres.
Buscando compreender alguns reflexos sociais e identitários que este novo fluxo turístico
ocasionou na comunidade torrense. Identificou-se quatro estágios básicos desse processo: 1)
assimilação, 2) euforia, 3) adaptação e 4) contradição.O primeiro estágio de assimilação,
deu-se basicamente em função do choque sócio-cultural e sócio-econômico, onde a
comunidade receptora presenciou uma verdadeira invasão dos seus espaços urbanos por um
grupo cultural, lingüística e economicamente distinto. Segundo Souza:
graus de complexidade deferentes, sobretudo em função do maior ou
menor choque ou contrastes produzidos pelo contato regular entre grupos
sociais socioeconômica e culturalmente distintos [..] a assimetria de renda e
as diferenças culturais podem ser negativas e traumáticas: um grupo de
102
Anuários Estatísticos da EMBRATUR, Rio de Janeiro, V.11. 1980. p.81.
pessoas buscando o prazer, oriundas de uma realidade que consideram
“superior” e dotadas de grande poder de compra pode gerar muitas distorções
entre uma população mais pobre, seja diretamente, seja indiretamente [por
exemplo, pressionando para cima o nível dos preços dos produtos ofertados
no mercado local e prejudicando os habitantes mais pobres].
103
Esta citação corrobora no sentido de indicar que a cidade de Torres, apesar de
economicamente estar se beneficiando com a indústria do turismo, inicialmente sofreu um
grande impacto em função da nova dinâmica econômica e social introduzida com o
crescimento do fluxo de turistas estrangeiros provenientes do Uruguai e Argentina.
Passado o estágio inicial, a comunidade local passou para o segundo estágio, de euforia,
mediante a inserção desta nova demanda turística e das grandes quantias de capital
arrecadadas nos mais variados segmentos (casas de aluguel, restaurantes, comércio em geral,
hotelaria, artesanato, etc.). Atividades que promoveram uma abundante arrecadação de
recursos para a comunidade receptora e ocasionaram de imediato, uma melhoria na vida desta.
O terceiro estágio foi o de adaptação, pois a sociedade torrense frente à nova dinâmica
turística, onde esta estava percebendo que não havia outro caminho a não ser adaptar-se a ela,
procurou desenvolver cada vez mais o potencial turístico da cidade, buscando responder às
necessidades e às exigências desse fluxo de turistas.
O quarto estágio foi o da contradição, onde a comunidade local em determinados
momentos parecia grata ao turista estrangeiro pela arrecadação de recursos, pela captação fácil
de lucros e em outros momentos, parecia descontente com a usurpação dos seus espaços, com
103
SOUZA, Marcelo J. L. Como pode o turismo contribuir para o desenvolvimento local? In. RODRIGUES,
Adyr Balastreri. Turismo e desenvolvimento local. São Paulo: HUCITEC, 1997.p.21. [grifo do autor]
a percepção de servilismo e a preferência do comércio ao capital estrangeiro, aspectos
totalmente inerentes ao processo.
Conforme os primeiros três estágios vivenciados pela comunidade local, estavam sendo
aplicadas a ela, apenas percepções positivas em relação aos benefícios econômicos. Porém,
assimilações, euforias e adaptações, conforme o quarto estágio, não interferiram apenas nas
instâncias relacionadas ao crescimento da economia da cidade e na melhoria de vida da
população. Interferiram também, diretamente na construção e afirmação da sociedade local,
observada a posteriori.
Para Rodrigues, na maioria das vezes se observa que nessas relações o turista se encontra
em posição privilegiada gozando de certo poder traduzido em superioridade, que pode
desenvolver ao longo do tempo sentimentos xenofóbicos da população local.
104
Segundo
relato de Santino Isaias da Rosa, em função da inserção maciça de turistas estrangeiros na
cidade, havia se tornado latente, por exemplo, a preferência do comércio local para com estes
turistas. Um forte indicativo de desvalorização tanto do veranista como do próprio morador:
[...] eles entravam no supermercado e enchiam dois ou três carrinhos,
mas aí tudo bem! O problema é que os caixas do supermercado davam
preferência para eles, passavam eles na nossa frente, nós que morávamos ali
há anos! Eu me sentia muito mal com aquilo!
105
Munidos de uma moeda hipervalorizada em relação à brasileira (pois usavam o dólar), os
turistas estrangeiros supervalorizavam a sua atuação de consumo na cidade, hiperflacionando
o preço dos produtos e adquirindo duas ou mais vezes o que geralmente era adquirido pelos
104
RODRIGUES, Adyr. op.cit.p.93.
105
Entrevista concedida à autora por Santino Isaias da Rosa, ex-líder comunitário do bairro São Francisco,
realizada em julho de 2002.
moradores e veranistas. O comércio local interessado em acumular grandes quantias de
capital, privilegiava o turista de fora do país. Essa dinâmica interferiu diretamente na
construção da identidade turística, que estava se formando totalmente voltada para o turista
estrangeiro, desvalorizando aspectos do turismo interno como também da sua própria
comunidade.
Cabe esclarecer que, a consolidação desta identidade social só aconteceu mediante a
perpetuação do turismo estrangeiro na cidade. O que não indicou que Torres não possuía
anteriormente uma identidade turística, mas que indicou que provavelmente não havia
explícito na comunidade local a percepção: Nós diante dos outros (considerando aqui como os
turistas estrangeiros).
Reside, portanto nesta percepção do impacto social do turismo na cidade a consolidação da
identidade turística para Torres. Questão que apontou para a busca de uma estabilidade
sócio-cultural da comunidade, pois a mudança e a diferença sempre representaram
ameaças, no caso aqui específico, ocasionado pela indústria do turismo.
106
Cabe, portanto indicar, o quão dialética foi a relação identitária da comunidade local
acerca do fluxo de turistas estrangeiros. Onde hora estes eram a salvação, hora eram os vilões.
É notório que o acúmulo de capital estrangeiro favoreceu a melhoria da vida da população
local como também, permitiu a realização de investimentos em vários segmentos internos e
externos, tanto para a manutenção do status quo da cidade, como para o incremento da
produção e expansão do seu espaço urbano. Entretanto, o turismo estrangeiro ocasionou
algumas modificações sócio-culturais dignas de nota.
106
MELGOZA, Mário. op.cit.p.60.
Torres sofreu inevitavelmente os reflexos da expansão do turismo estrangeiro, que surgia
com uma roupagem distinta: língua, moeda, valores culturais, sazonalidade.
107
A produção do
espaço turístico, sem dúvida foi um dos mais importantes pontos de formação desta identidade
turística para Torres. Como referido anteriormente, a sociedade local estava se adequando à
nova demanda turística e estas transformações, ao contrário do que se possa imaginar, não
aconteciam apenas no setor econômico, comercial e imobiliário, mas também no estilo de vida
da comunidade, alterando o cotidiano das pessoas e na produção do espaço urbano. Para
Rodrigues:
O estudo do processo espacial corresponde a uma categoria de análise
diacrônica, objetivando investigar a evolução da estrutura que se
metamorfoseia no seu todo ou em suas partes. Procura captar o dinamismo do
espaço que pode apresentar fases de estabilidade, de pequenas mudanças ao
se reestruturar ou, então, passar por completas transformações, produzindo
novos espaços.
108
A sociedade torrense passou pelas transformações requeridas pela indústria do turismo,
produzindo a cidade conforme a demanda ia se apresentado. Produzindo uma nova dinâmica
espacial na cidade. Segundo depoimento de Hélio Matos, presidente da Associação dos
Corretores de Imóveis de Torres, a comunidade local, a partir do início dos anos 80, voltou
totalmente as suas atividades para a manutenção dos equipamentos de sustentação turística,
principalmente no que dizia respeito às práticas imobiliárias:
Agente passava o inverno ajeitando a cidade, as casas, para que no verão
os argentinos ficassem satisfeitos com Torres e voltassem no outro ano.[...]
107
Para Rodrigues, o turismo pode ser considerado uma mercadoria: Trata-se da natureza, ou da produção social,
incorporada em outra mercadoria, mas como parte do mesmo consumo/produção do espaço.Ver em
RODRIGUES, Adyr. op.cit.p. 63.
108
Ibdem.p.50.
quem durante o verão trabalhava no comércio e nos hotéis, no inverno
trabalhava na construção civil e nas suas próprias casas [...]. Sempre foi
assim, era isso que impulsionava Torres.
109
Deste modo, a comunidade local através da prática de aluguel de suas casas, passava o
inverno melhorando as condições estruturais das suas residências. Estas melhorias consistiam,
por exemplo: na ampliação dos cômodos, no conserto de calçadas, muros, telhados,
encanamento, rede elétrica, fossas sépticas, etc, todas no intuito de garantir o aluguel no
veraneio. Para no inverno promover novas reformas e construir novos cômodos, dando
continuidade a este ciclo.
Essa dinâmica de atuação da comunidade local indicou a nítida relação desta com o
turismo, onde a vida dos moradores locais girava o ano todo em torno desta indústria. A elite
dirigente, no entanto, conforme as Atas da Câmara de Vereadores de Torres, passava o
inverno discutindo as melhorias que necessitavam serem feitas na cidade. Porém, essas
melhorias na maioria das vezes, não saíam do papel. Segundo as Atas da Câmara de
Vereadores de Torres, o vereador Jovino Alzemiro (PMDB) em seu pronunciamento, afirmou:
Só no meio da temporada foi feita a inauguração de obras que não
estavam prontas, e serviu para irritar o Governador [Amaral de Souza].
[...] certas ruas da cidade estão completamente alagadas com esgoto e a
Prefeitura não fez nada, a reclamação dos turistas é geral, algumas vezes
conversando com turistas tenho vergonha de dizer que sou Torrense.
110
109
Entrevista concedida à autora por Hélio Matos, presidente da Associação dos Corretores de Imóveis de Torres,
realizada em julho de 2002.
110
Ata da 40 Sessão Ordinária da Câmara de Vereadores de Torres, realizada em 12/12/ 1982. p. 104. [grifo
nosso]
A Câmara Municipal e a elite dirigente discutiam e alertavam para os problemas de infra-estrutura
urbana da cidade que afetavam diretamente o turismo, porém, as reivindicações tanto da
comunidade quanto do próprio Legislativo não indicavam a resolução imediata destes problemas.
Sendo que os mesmos problemas reaparecem ano a ano nas Atas da Câmara Municipal.
A falta de soluções para os problemas de infra-estrutura básica e a continuação do
problema do esgoto, é um exemplo da falta de planejamento e vontade política da
administração local. Torres por se dizer uma cidade turística, não podia apresentar nas suas
ruas o esgoto a céu aberto, um forte indício da falta de planejamento urbano e turístico. Todas
essas questões estavam implicadas na construção da identidade social da comunidade, onde a
responsabilidade frente ao turismo gerava inúmeras e contraditórias percepções.
111
Assim, o turismo deveria ser tratado com responsabilidade pelas competências locais, a
fim de mantê-lo em Torres e por conseqüência, manter os benefícios econômicos que a ele
estavam atrelados. Apesar dos múltiplos problemas infraestruturais que a cidade estava
enfrentado no início dos nos 80, algumas medidas (com a finalidade de desviar a atenção de
tais problemas), foram tomadas no intuito de aproximar os turistas estrangeiros da cidade.
Analisando os arquivos da Câmara de Vereadores de Torres, deparamo-nos com o Projeto de
Lei número 2.367/88, de 15/04/1988 que: “Declara a cidade de Punta Del Este, Departamento
de Maldonado, no Uruguay, como cidades irmãs do Município de Torres/RS”.
112
A apresentação do Projeto de Lei referido e posteriormente a sua aprovação indicaram o
desejo da municipalidade em aprofundar as relações entre Torres e o país vizinho. Apontando
111
Percebeu-se ao longo da pesquisa, que os discursos acerca da importância do turismo para a cidade,
apresentaram-se de forma contraditória. Algumas pessoas acreditavam que o turismo era o grande impulsionador
da cidade, outras criticavam a atividade turística apontando, por exemplo, para a questão do saneamento básico e
da poluição do rio Mampituba e no mar.
112
Projeto de Lei 2.367/88 da Câmara Municipal de Torres, aprovado em 15/04/1988. s/p.
para o interesse da administração local em estreitar essas relações e ampliar o modelo frágil
adotado pela indústria do turismo na cidade, majoritariamente voltado para o Prata.
Seguramente esta relação de irmandade defendida pelo Projeto de Lei, possuía como intenção
uma condição midiática, onde estabelecer oficialmente uma relação entre as partes certamente
atrairia ainda mais os turistas estrangeiros e faria que estes se sentissem mais à vontade na
cidade.
Porém cabe alertar que Torres era a cidade visitada e o impacto dessa dita irmandade nos meses de sazonalidade turística podia ser
positivo economicamente, porém, passado o veraneio, no momento em que os turistas estrangeiros voltavam aos seus países de origem,
esta relação desaparecia estabelecendo uma contraditória percepção sócio-espacial na cidade.
A instauração de uma Lei Municipal com o conteúdo referido, provavelmente deu-se
muito mais sob a justificativa de manutenção e sustentação de interesses políticos entre as
partes, do que calcada na preocupação de considerar “irmãs” as populações dos respectivos
locais. Entretanto, cabe aqui esclarecer que esse sentimento de exploração se chocava com o
sentimento de rentabilidade da atividade. Havia uma tensão entre estas percepções na
comunidade local, que hora sentia-se explorada, hora sentia-se satisfeita. A sensação de
servilismo versus satisfação, foi percebido nos discursos da comunidade local. Nesse sentido
inferiu Santino, em depoimento: “Ganhamos um bom dinheiro naqueles anos. Trocamos de
carro e ajeitamos a casa [...]. Com os dólares que ganhamos no verão pudemos melhorar a
nossa vida e isso é uma realidade”.
113
Havia, portanto, a percepção de lucro e de satisfação em relação ao turismo estrangeiro,
uma satisfação que estava calcada na facilidade com que o lucro era arrecadado. Mas esta
facilidade concomitantemente apresentava a outra percepção acerca da atividade. Conforme
Santino, no momento em que os moradores deslocavam-se de suas casas para a ocupação dos
113
Entrevista concedida à autora por Santino Isaias da Rosa, realizada em julho de 2002.
turistas (no caso dos aluguéis dos meses de sazonalidade turística), estas estavam
estabelecendo uma relação de desapego com as suas propriedades, ação que apesar indicar o
lucro certo, também consistia na aplicação da percepção: Nós diante dos outros. Segundo
relato do membro da comunidade local, Santino Isaias da Rosa: “Às vezes dava uma pena, a
gente arrumava tudo o ano todo e eles chegavam e pronto, já estragavam tudo [...] eles
pagavam bem é verdade, mas era a nossa casa com um monte de gente estranha”.
114
Conforme a citação, engendrado no desejo de captação de divisas oriundas das práticas
turísticas, a comunidade local desenvolveu frente ao turismo em larga escala, sensações que
permearam a produção e firmação da sua identidade social. Sensações que não eram apenas
positivas, pois, segundo a citação acima referida, havia indícios da presença de uma relação
dialética entre a comunidade local e os turistas, onde apesar dos benefícios financeiros, outras
questões giravam em torno desta prática.
A captação de lucros oriundos desta atividade justificava a ação, porém, as conseqüências
desta prática para a construção sócio-cultural da sociedade torrense nunca foram analisadas,
pelo menos não do ponto de vista histórico. Indicando que além de uma problemática bastante
interessante para a realização de futuros estudos, uma forte sustentação da relação de
dependência da comunidade local com essa indústria e o quanto esta dependência e esse
paralelo servilismo contribuíram para que em longo prazo (já nos anos 90), a cidade não
soubesse como enfrentar uma possível crise turística, desencadeando uma crise econômica e
por conseqüência uma crise social, urbana e ambiental.
Uma outra situação observada nas Atas da Câmara de Vereadores de Torres chamou a
atenção, uma vez da sua relevância acerca da construção turístico-identitária de Torres. No
114
Entrevista concedida à autora por Santino Isaias da Rosa, realizada em julho de 2002.
ano de 1983, o vereador José Antônio Brito da Luz (PMDB, foi Prefeito de Torres entre 1989-
1990), fez seu pronunciamento aos colegas de Legislativo sobre a implantação do Parque
Industrial de Torres:
Nós novamente contatamos com duas empresas grandes, a Paquetá e a
Picadilly, empresas calçadistas de Sapiranga e de Igrejinha. Nos solicitaram
inicialmente que o poder Executivo informasse o que poderia oferecer ás
Indústrias. E conversamos com o senhor Prefeito ele nos informou que seria
isenção por 10 anos, talvez Imposto Predial Territorial Urbano e licença de
alvará. [...]. Informou-nos o senhor Prefeito, que possivelmente fosse
desapropriada uma área em Campo Bonito ou arredores para a instalação
deste Distrito Industrial [...].
115
Conforme dados da referida Ata do Legislativo Municipal, a possível implantação de um
Distrito ou Parque Industrial em Torres, estava sendo cogitada na cidade, pois, estavam
correndo alguns tramites entre os poderes Legislativo, Executivo de Torres e as referidas
empresas calçadistas. Porém, este Distrito nunca saiu do papel, apesar da eleita uma Comissão
para cuidar dessas questões, este nunca foi criado de fato. Conjectura-se que, por ser Torres
uma cidade basicamente turística, provavelmente em função do receio sobre a poluição que
tais empresas poderiam causar no meio ambiente (afetando diretamente o turismo), estas
acabaram não sendo instaladas na cidade.
Corroborando para esta consideração, no intuito de apontar que a não instalação de um
outro tipo de indústria em Torres estava também implícita na construção identitária da cidade,
cabe citar um trecho subtraído das Atas da Câmara de Vereadores de Torres:
115
Ata da 32 Sessão Ordinária da Câmara de Vereadores de Torres, realizada em 20/12/1983.p.71.
O vereador Samhan diz que futuramente poderá se instalar na nossa
cidade uma industria que venha a poluir as águas. Estragando o nosso
turismo. [...] Diz o ser contra a instalação de indústrias que criamão-de-
obra para o Município, sendo que antes da instalação deverá ser fiscalizada
por uma comissão para averiguar as condições de poluição da mesma.
116
Portanto, cerca de dois anos antes da possível instalação de industrias calçadistas na cidade
já havia por parte da elite política, indicações de que o turismo poderia ser afetado,
caracterizando uma posição desfavorável à instalação de empresas poluidoras no
município. Colaborando com a consideração que indica que Torres se fechou para qualquer
outra possibilidade de desenvolvimento industrial, tamanho era o receio de que esta
pudesse atrapalhar a indústria do turismo, segundo relato de Osmar Pinto, corretor de
imóveis em Torres, a comunidade local também não viu com bons olhos a instalação destas
indústrias (ditas poluidoras), na cidade:
Eu acho que nós não precisamos de indústrias aqui, vai só poluir o nosso rio e
o nosso mar [...], agente viveu bem até hoje sem indústria aqui em Torres.
[...] vai gerar emprego tudo bem, sempre é bom, mas, o preço é muito alto.
117
O que a comunidade local como a elite dirigente não previu é que na ausência do turismo
como mecanismo de sustentação do município, uma outra indústria poderia agir como
mediadora e porque não mantenedora do desenvolvimento da cidade. E que a utilização de um
modelo turístico não planejado e não sustentável também estava poluindo a cidade. Portanto, a
116
Ata da 10 Sessão Ordinária da Câmara de Vereadores de Torres, realizada em 02/05/1981.p.22.
117
Entrevista concedida à autora por Osmar Pinto. Dono da Osmar Pinto Corretora de Imóveis, uma das mais
antigas da cidade, com cerca de 30 anos de atuação. Realizada em setembro de 2001.
justificativa da elite dirigente em não desejar a instalação de indústrias ditas poluidoras na
cidade, possuiu outras intenções.
118
No que tange relacionar a negativa (tanto da elite dirigente como da comunidade local),
frente novas possibilidades de desenvolvimento para a cidade, com a construção da identidade
turística, cabe assegurar que Torres se confirmou neste período como uma cidade
genuinamente turística, pois, apesar da preservação ecológica ainda não estar em alta, havia
indícios de que ela viveria inevitavelmente apenas da produção do turismo.
Corroborando com estas declarações, no sentido de por fim relacionar a construção da
identidade turística de Torres com a construção do espaço urbano da cidade (ambas diante da
inserção do turismo estrangeiro na cidade), deparou-se novamente com a atuação da elite
dirigente estipulando balizas norteadoras em ambos os processos.
No dia nove de setembro de 1985 foi apresentado junto à Câmara de Vereadores de
Torres, o Projeto de Lei 2.203/85, que proibia a construção de casas comerciais e edifícios no
bairro Centenário.
119
O bairro Centenário está localizado, exatamente onde caso fosse
aprovado a instalação de alguma indústria na cidade, esta poderia ser construída, ou seja,
consiste em uma região afastada da zona central da cidade, onde provavelmente teria sido
criado o Distrito ou Parque Industrial de Torres.
Coincidência ou não, segundo a aprovação deste Projeto de Lei, não poderiam mais ser
construídos estabelecimentos comerciais nem edifícios na região do referido bairro. Dessa
forma o desejo da elite dirigente de não estabelecer casas comerciais, quanto mais indústrias
118
Provavelmente relacionadas à concorrência da mão-de-obra. Isto porque, a indústria da construção civil
empregava pagando salários baixos e por curtos períodos de tempo. Não havia a responsabilidade em médio e
longo prazo com o trabalhador, e no momento em que fosse instalada na cidade uma indústria calçadistas, por
exemplo, as remunerações e vínculos empregatícios seriam outros, trazendo despesas para a elite econômica de
Torres.
119
Projeto de Lei 2.203/85 da Câmara de Municipal de Torres, aprovado em 09/09/1985. s/p.
poluidoras de grande porte na cidade, fortaleceram a consolidação e a manutenção da
identidade turística de Torres.
Por fim, cientes ou não das suas ações frente ao futuro da cidade, a elite dirigente no
intuito de “proteger” Torres da ação depredatória das indústrias poluidoras, preferiu
posicionar-se contra a flexibilização das atividades econômicas da cidade. O que não se
discutiu frente à negativa da instalação de um Parque Industrial em Torres foi a incoerência da
sua justificativa. Uma justificativa calcada no receio acerca da poluição da região. Logo, os
problemas de saneamento básico da cidade não poderiam existir nesse período, e não foi isso
que se observou ao longo da pesquisa.
Uma vez não aprovada a construção do Parque Industrial em Torres nos anos 80, devido o
receio da poluição que estes poderiam proporcionar às águas do rio Mampituba do mar, a
situação do esgoto cloacal da cidade deveria ter sido resolvida mais de 30 anos atrás.
Portanto, diante deste exemplo sobre a negativa da cidade frente à instalação de um pólo
industrial em Torres, observou-se que foi perpetuada a sua identidade de cidade
genuinamente turística. Um setor promissor, mas que devido à falta de planejamento, fez
com que a cidade pagasse um alto preço no momento em que este entrou em crise nos anos 90.
No entanto, como referido anteriormente, foram nos anos 80 e início dos anos 90 que a
cidade viveu o seu ápice de desenvolvimento turístico e por conseqüência urbano. Um período
onde a cidade arrecadou grandes fluxos de capitais, atraindo cada vez mais os investimentos,
principalmente da construção civil. Investimentos que proporcionaram a atuação de um grupo
aqui chamado construtores da cidade. Que abarcou não industriais da construção civil,
membros da elite econômica da cidade como também os construtores clandestinos ou
posseiros. Sujeitos de esferas sociais distintas que em conjunto de acordo com as suas
intenções e meio de atuação particulares, construíram a Torres atual.
2. A construção social do espaço urbano
2.1.Os construtores da cidade:
Políticas locais, elites econômicas e posseiros.
O processo de produção e formação do espaço urbano de Torres abarcou múltiplas esferas
da sociedade local. Esferas sociais distintas, porém, igualmente responsáveis pela construção
espacial da cidade. Cada uma destas esferas atuou de acordo com as suas intenções e com os
seus meios de atuação próprios, a fim de atingir os seus respectivos objetivos dentro da cidade.
Nesse sentido, cabe aqui, apresentar alguns aspectos sobre os construtores da cidade.
1
Os principais grupos construtores da cidade são as elites econômicas (empresários,
comerciantes, hoteleiros, agentes do setor imobiliário, administradores, funcionários do setor
público e privado); as elites dirigentes (esta era composta basicamente pelos políticos locais,
vereadores, prefeitos, assessores, etc.); e os posseiros ou construtores clandestinos
(basicamente formado por migrantes internos, pescadores e classe trabalhadora da cidade).
Ao estudarmos a construção espacial da cidade de Torres, portanto, foi identificada uma
relação direta dessas esferas sociais nesse processo,
2
que se mostrou problemática e
comprometida, principalmente no que dizia respeito às frágeis regras urbanísticas que existiam
na cidade nos anos 70 e 80.
3
1
Avaliar a participação dos grupos atuantes no processo construção do espaço urbano da cidade foi possível
no momento em que foram detectados os problemas oriundos destas ações. Sendo assim, num primeiro momento,
a utilização do ideal desenvolvimentista para as construções é quase que sempre utilizado no intuito de legitimar
a realização das obras. Ocorreu que posteriormente, estas obras começaram a apresentar problemas indicando a
fragilidade urbanística de tais construções, como também a necessidade de um modelo de regulamentação urbana
eficaz para a cidade, que abarcasse todas as áreas urbanas desta.
2
Apesar desta esfera se distinguir sócio e economicamente das demais e realizar as construções a partir da
necessidade de moradia, esta exerceu de forma contundente a sua atuação como grupo construtor na cidade.
3
Referencia ao Regulamento para construções na área urbana, Lei 728/62 de 1962, em anexo 2.
No que tange estabelecer uma compreensão acerca das decisões da construção espacial da
cidade. Segundo Serra, até mesmo dentro de uma empresa existem diferentes grupos de
interesse e a solução a ser tomada não será necessariamente a mais conveniente para algum
desses grupos.
4
Para esse autor, existem diferentes níveis de decisões que interferem
diretamente na dinâmica de construção do espaço urbano da cidade: a) o administrativo para
as decisões rotineiras; b) o nível político para as decisões que não podem ser tomadas
rotineiramente; c) o nível extralegal, que é das reivindicações e das atuações particulares e
intencionais que questionam o próprio sistema.
5
Na tentativa de aplicar tal modelo para estabelecer um melhor entendimento quanto ao
processo de decisões acerca do desenvolvimento urbano de Torres, podemos dizer que o
primeiro e o segundo níveis de decisão, ou seja, o administrativo e o político caminhavam
juntos; a) o administrativo foi delegado ao Prefeito, ou seja, Executivo Municipal, que
decidiria questões rotineiras do processo de urbanização da cidade, como problemas de
pequenas desapropriações, compra a venda de lotes e sobras de lotes, aumento do valor venal
de terrenos, permutas entre terrenos e bens da Prefeitura, regulamentação dos tributos urbanos
como IPTU, etc. A segunda esfera de decisão b) o político ficaria com a Câmara de
Vereadores, ou seja, o poder Legislativo que cuidaria de questões não muito rotineiras, como a
reformulação de Leis (como por exemplo a elaboração de um Plano Diretor, aprovação de
normas complementares à Leis existentes, questões referentes aos recuos e alturas das
edificações, etc.), aprovação de projetos que aumentassem os índices de aproveitamento do
4
SERRA, Geraldo. Urbanização e Centralismo Autoritário. São Paulo:EDUSP/Nobel, 1991.p.37.
5
Nível mais representativo para a construção do espaço urbano, no caso de Torres.Ver SERRA,Geraldo
op.cit.p.37.
solo da cidade, aprovação de projetos que permitissem a construção de prédios em áreas
problemáticas, a aprovação de melhorias dos equipamentos de sustentação urbana como rede
de água, esgoto e energia elétrica, abertura de estradas e ruas; c) e por fim, a esfera de nível
extralegal, que ignoraria ou não respeitaria as linhas de decisão anteriores do Executivo e do
Legislativo (do administrativo e do político) e seguiria os interesses de uma minoria, de um
grupo, constituído por empresários, comerciantes, imobiliárias, hoteleiros, que através do seu
poder de persuasão driblariam as anteriores instâncias de decisão a fariam valer as suas
prioridades.
Esta esfera extralegal abriu paralelamente espaço para os denominados posseiros ou
construtores clandestinos, que inseridos em uma outra realidade sócio-urbana, se valeram
desse modelo de atuação para se fixarem na cidade, caracterizando as suas construções como
ilegais, porém, de fundamental importância para a construção do espaço urbano da cidade.
Isto porque, estes construtores clandestinos foram em grande parte os responsáveis pela
mão-de-obra que necessitava a indústria da construção civil. Necessidade que legitimou a
permanência destes na cidade, mesmo que estivessem instalados de forma irregular. A esfera
extralegal agiu, portanto, tanto pela influência das elites econômicas (grupos ligados à
construção civil e alguns membros da SAPT), quanto pela atuação clandestina dos posseiros,
colocando em xeque a legitimidade e a eficácia do sistema político-administrativo local e dos
possíveis interesses que estavam em jogo. Para Shäfer:
Na prática, é na esfera do poder Municipal que a concorrência das
ligações entre o poder público, os agentes imobiliários e os moradores
assume maior clareza [...] a existência de vereadores diretamente ligados à
promoção e venda de lotes urbanos, como atividade anterior e paralela à
atividade política, exemplifica a situação.
6
A partir da segunda metade dos anos 70, Torre apresentou altos índices de construção
civil.
7
A cidade cresceu urbanisticamente, uma vez da constatação do aumento de construções
no período. Sendo assim, havia cada vez mais por parte da elite econômica como dos grupos
atuantes na política local, a necessidade de manter esses índices, pois havia sido percebido
por esses grupos como também pelos comerciantes e moradores o potencial turístico e
econômico que Torres oferecia.
Tanto a elite econômica quanto a política, percebeu o positivo crescimento dos espaços
urbanos da cidade e de como estes podiam vir de encontro aos seus interesses particulares,
oportunizando essas esferas sociais em alguns momentos, (principalmente em termos urbanos)
a agir de acordo com seus interesses privados, de acordo com o que lhes era conveniente.
8
Ao se analisar as Atas da Câmara de Vereadores, observou-se que os interesses
econômicos exerceram uma pressão constante sobre a esfera política. Sendo levados até as
Sessões do Legislativo Municipal, Projetos de Lei que pediam a revogação de artigos de Leis
imprescindíveis para a conservação da já precária, ordem urbana do município (por exemplo, à
questão da altura das construções à beira-mar). Entretanto, as mesmas Atas da Câmara em
outros trechos, indicaram paradoxalmente, que os vereadores em determinados momentos
6
SHÄFER, Neiva Otero. Urbanização de Fronteira: expansão de Santana de Livramento. Porto Alegre: Ed
UFRGS/Prefeitura Municipal de Santana do Livramento, 1993.p.74.
7
Ver Histograma em anexo 1
8
Esta afirmação se faz pertinente, uma vez da indicação nas da Câmara de Vereadores de Torres do
direcionamento particular que alguns projetos de Lei eram apresentados ao Legislativo, e de como a
municipalidade muitas vezes se apresentou de forma omissa e impotente frente às intenções de determinados
grupos, como por exemplo alguns membros da SAPT ligados à indústria da construção civil.
também primaram pela justiça e coerência das decisões, ou seja, não foram em todos os
momentos que se observou à apresentação e aprovação de Leis que iam contra o bem estar
público.
Ocorre que a Câmara de Vereadores de Torres possui forças políticas bridas, uma vez
que era formada por bancadas políticas adversárias principalmente referindo-se aos anos 70:
ARENA e MDB.
9
Deste modo, cabe ressaltar que a maioria dos vereadores de Torres na
época, não eram membros da elite econômica. Sendo assim, poderia-se supor que ao
representarem a população local, colocariam-se contra projetos contrários aos interesses da
maioria da sociedade torrense. São muitas as passagens observadas nas Atas da Câmara, onde
foram apresentadas emendas desejosas da revisão do valor venal do metro quadrado de área
corrigida dos terrenos e edifícios de todo o município, como também projetos que defendiam a
flexibilização da Lei de 728/62 de 1962, acerca do limite de altura das edificações para a Zona
1.
10
Entre as muitas Atas que indicaram o desejo de reformulação de leis em benefício de
interesses privados, uma delas parece pertinente no que tange corroborar com as considerações
acima referidas. No dia 31 de julho de 1972, deu entrada junto à Câmara de vereadores de
Torres, um Projeto de Lei solicitando que fosse revisada a Lei Municipal número 728, de
dezembro de 1962.
11
Onde era pedido que fosse liberado o limite de altura para a Zona 1,
9
Apesar de estarmos nos referindo a uma conjuntura política inserida em um regime ditatória de extrema direita,
Torres e outras cidades não consideradas pelo Governo Federal como Áreas de Interesse Nacional, continuaram
durante o período do regime militar elegendo os seus vereadores.
10
Conforme anexo 2, a Zona 1 era considerada conforme o Regulamento para construção na área urbana da
cidade, Lei 728/62 de 1962, a zona da primeira quadra da orla marítima. Uma zona onde era proibido construir
qualquer edificação com mais de sete metros de altura.
11
Lei 728/62 de 4 de dezembro de 1962 que criou o Regulamento para construções na área urbana da cidade. Em
anexo 2.
liberando a altura das construções na orla marítima. Em pronunciamento o vereador Jacó (sem
registro de partido), disse:
[...] seria despir um santo para vestir outro, que não liberam as
construções em todo o trecho é melhor deixar como está. Afinal, se é proibido
até hoje é porque muito tempo se percebeu o problema de construir ali
naquele trecho [orla da Praia Grande].
12
O pronunciamento do vereador Jacó apontou para a intenção de um determinado grupo em
liberar a orla marítima para a construção de grandes edifícios. Apesar de não aprovado o
projeto e mantido o limite de sete metros para construções à beira-mar, mantendo a
importância da antiga Lei de 62, ficou explícito neste pronunciamento, a responsabilidade das
competências locais acerca das decisões sobre a construção do espaço urbano da cidade.
Considerando, portanto, que é na órbita Municipal, tanto na Câmara de Vereadores quanto
na Prefeitura, que deveria se configurar a ação do Estado sobre a expansão do espaço
construído na cidade. Fosse pela definição de normas de usos e ocupação do solo, fosse pelos
investimentos diretos sobre a abertura de novas áreas, fosse pelo bom senso dos membros da
política local em não apresentarem projetos que pudessem ser aprovados e em médio prazo
comprometer ainda mais a formação dos espaços urbanos da cidade.
13
O que observou-se em várias passagens das Atas da Câmara de Vereadores de Torres foi
que o Executivo e o Legislativo, em vez de trabalharem na regulamentação do processo de
urbanização das cidade, muitas vezes deixando-se levar pelos interesses dos industriais da
12
Ata da7 Sessão Ordinária da Câmara de Vereadores de Torres, realizada em 31 de julho de 1972. p.42.[grifo
nosso]
13
SHÄFER, Neiva Otero. op.cit.p.75.
construção civil, com uma visão imediatista de urbanização. Nesse sentido, conforme as Atas
da Câmara de Vereadores de Torres, o vereador Antenor Cardoso da Silva (PTB) em
pronunciamento disse:
Não entendo porque não flexibilizam essa Lei. Não é para construir
prédios muito altos e sim para incrementar a construção civil. Tem muita
empresa querendo construir em Torres, mas querem construir perto da praia,
é mais bonito, vende mais. Não entendo essa resistência, em outras praias
pode-se construir porque aqui não.[...] Depois vem o desemprego e
começa a reclamação do povo.
14
O pronunciamento do vereador Antenor apontou claramente para a afirmação de que
alguns membros da política local estavam extremamente alinhados com os interesses dos
industriais da construção civil. Desconsiderando as conseqüências das suas intenções, onde o
mais importante era construir à beira-mar, independente das conseqüências, principalmente
sócio-ambientais que estas construções poderiam causar.
15
Entretanto, através da análise das Atas da Câmara pôde-se observar que apesar da
constante pressão da elite econômica em modificar as ínfimas regras de uso e ocupação de
solo, da complacência de alguns membros do Legislativo em barrar tais pressões, percebeu-se
que a elite política local, apesar de não apresentar uma linearidade quanto às suas decisões,
procurou manter um certo rigor, principalmente no que dizia respeito às construções à beira-
mar e à beira-rio.
14
Ata da 10 Sessão Ordinária da Câmara de Vereadores de Torres, realizada em 13/09/1972.p.54.
15
Relacionado ao fenômeno da espoliação urbana, pois no momento em que são destruídas casas para a
construção de grandes edifícios, empurra-se cada vez mais para longe do centro urbano a população mais carente
da cidade para locais sem infra-estrutura urbana.
Ainda na mesma Ata, observou-se outras pressões que o Legislativo sofreu por parte de
alguns de seus integrantes, no intuito de revogar artigos de Leis que dispunham das regras
urbanísticas para a cidade. Na mesma Ata do dia 31 de julho de 1972, observou-se a
apresentação de um outro Projeto de Lei que requeria uma nova votação a fim de liberar a
construção e altura de prédios na Rua Egídio Michaelsen com a Rua Cristóvão Colombo, ruas
localizadas à beira do rio Mampituba. Nesta sessão estavam presentes entre os vereadores,
também o Prefeito de Torres na época, os senhores Manoel João Machado (MDB), que havia
vetado anteriormente a liberação das construções de prédios com mais de 7 metros nas ruas
mencionadas. O vereador Antenor Cardoso da Silva (PTB) se pronunciou alegando o seguinte:
O veto é direito do Prefeito, mas a Câmara deve rejeitá-lo, uma vez que
a aprovação da Lei pela Câmara foi por unanimidade e, além disso, outras
construções estão sendo realizadas naquelas ruas em desacordo com a Lei
então, não problema em liberar novas construções. Não devemos entravar
os trabalhos em Torres por causa de uma meia dúzia de pessoas.
16
O pronunciamento feito pelo vereador Antenor evidenciou novamente os interesses
políticos em jogo no processo de construção do espaço urbano da cidade, pois considerou ser
mais importante a permanência das construções no local referido, independente da sua
legitimidade e nocividade para a produção espacial da cidade. Portanto, ao desejar que as
construções fossem liberadas, o político local desconhecia as conseqüências das suas
16
Ata da 10 Sessão Ordinária da Câmara de Vereadores de Torres, realizada em 31/07/1972.p.56.
reivindicações, possivelmente por estar interessado na realização daquelas construções,
possivelmente por representar os interesses de empreiteiras, imobiliárias e construtoras.
17
Ainda sobre a sessão de 31 de julho de 1972, outros vereadores se pronunciaram, uns
contra outros a favor da liberação das construções à beira do rio Mampituba. Mas por fim, o
veto do Prefeito foi aceito e ficou rejeitada o Projeto de Lei número 1.455 de 31de julho de
1972 que pretendia liberar a construção de prédios com mais de sete metros de altura nas ruas
Egidio Michaelsen e Cristóvão Colombo.
18
A problemática político-urbana aqui apontada, a partir dos trechos das referidas Atas do
Legislativo Municipal, referindo-se às constantes pressões de membros da elite política e
econômica local, com o intuito de permitir a construção de obras fora dos padrões
estabelecidos por lei, não se apresentou de forma isolada. A esfera extralegal, também
apresentou problemas referentes à questão dos construtores da cidade. Os posseiros
começavam a indicar que a sua permanência e proliferação na cidade careciam de uma
especial atenção das políticas locais. Nesse sentido, segundo Serra:
Muitas são as categorias de construtores da cidade, podem ser
construtores públicos e privados. Dentre os privados existem os clandestinos
que não aprovam a sua planta junto aos órgãos competentes e que possuem
uma parcela considerável dentro do quadro de construtores por serem estes
muitos.
19
17
Não foi observada a relação direta deste vereador com a indústria da construção civil no município, entretanto,
sabe-se que estas relações nem sempre se apresentavam publicamente. Muitas vezes essas relações eram veladas
no intuito de proteger os interesses privados.
18
Câmara de Vereadores de Torres, Projeto de Lei número 1.455 de 31 de julho de 1973.
19
SERRA, Geraldo.op.cit.p.37.
Assim, além de resistir às pressões da elite econômica no que tangia a aprovação de
projetos e a aceitação de suas idéias prejudiciais à construção do espaço urbano da cidade, o
Executivo e o Legislativo também tinham que dar conta dos construtores civis irregulares, ou
seja, os posseiros (autoconstrutores, empreiteiros, carpinteiros, pedreiros, etc.).
A problemática que girou em torno da atuação dos posseiros na cidade, apresentou-se de
forma concreta, principalmente na formação dos bairros periféricos da cidade. Onde as áreas
adjacentes de Torres, começaram desde os anos 70 a ser invadidas por estes. Muitas dessas
áreas acabaram sofrendo processos de litígio, por terem donos e com isso a situação dos
construtores clandestinos, ou posseiros que já era irregular, tornou-se problemática.
20
Em uma outra esfera de atuação, referente aos construtores da cidade e o papel da elite
econômica neste processo, cabe chamar a atenção para a inserção de uma importante
Construtora e Incorporadora do Rio Grande do Sul no cenário torrense. A entrada da
Construtora e Incorporadora Ivo A Rizzo em Torres, a partir da década de 60, representou a
implementação de um considerável leque de atividades ligadas à indústria da construção civil.
Pioneiramente, a Ivo A Rizzo construiu em 1961 o primeiro edifício com mais de 8
pavimentos em Torres, o edifício Alvorada localizado na rua José A. Picoral, com cerca de
3,100 metros quadrados.
21
Esta construtora procurou trazer para Torres linhas arquitetônicas e modelos de construção
que se inspiraram nos edifícios construídos em Punta Del Este,
22
o que indicou o tipo de
20
A descrição dos problemas relacionados à ocupação desordenada dos espaços urbanos da cidade, poderá ser
visualizado no capítulo 3 deste estudo.
21
Portifólio da Construtora e Incorporadora Ivo Rizzo, 2001. s/p.
22
Entrevista concedida à autora pelo arquiteto da Construtora e Incorporadora Ivo Rizzo, o argentino Isidoro
Singer, realizada em fevereiro de 2002.
turista visado. Pois estes ao se deslocarem para Torres (fossem eles estrangeiros ou não, pois
estamos falando da década de 60 e 70), tinham preferência adquirir ou alugar apartamentos
que tivessem vista para o mar. Estas inovadoras visões em termos de construções, trouxeram
num primeiro momento muitas discussões acerca das alturas dos prédios em Torres, tais como
foram observadas anteriormente nas Atas da Câmara de Vereadores.
A Ivo A Rizzo também agiu paralelamente, na construção de mansões de veraneio, pois, a
demanda turística ainda era compatível com a de veraneio. Uma realidade que começou a
se modificar quando os estrangeiros penetram na cidade de forma maciça a partir do final dos
anos 70. Foram construídas pela Construtora e Incorporadora Ivo A Rizzo, cerca de 68 casas
de veraneio entre 1953 e 1978,
23
o que apontou para a importante atuação desta empresa tanto
na chamada indústria da construção civil, quanto no processo construção do espaço urbano da
cidade.
24
A Ivo A Rizzo, por ser uma construtora que possuía um íntimo relacionamento com
membros da SAPT (pois Ivo Alexandre Rizzo, fundador da empresa, foi presidente da
Sociedade dos Amigos da Praia de Torres entre 1962 a 1968), procurou de acordo com seus
interesses, atuar junto à municipalidade no que se referiu a realização de alguns benefícios
para a sua empresa e também, de acordo com o discurso da SAPT, para a sociedade torrense.
Por ser a Construtora e Incorporadora Ivo A Rizzo uma empresa privada, esta obviamente
visou os lucros que a construção civil lhe proporcionou e por isso, incentivava o
desenvolvimento turístico da cidade, pois este legitimava a expansão da construção civil e
consecutivamente, a lucratividade do setor.
23
Portifólio da Construtora e Incorporadora Ivo Rizzo, 2001. s/p.
24
Mesmo que voltado apenas para um determinado grupo social.
Além da atuação privada da empresa, no intuito de incentivar a construção civil através do
incremento ao turismo, o senhor Ivo Alexander Rizzo junto com outros membros da elite
econômica local, foi convidado a participar de uma Sessão Extraordinária do Legislativo
Municipal de Torres, no intuito de aprovar uma Lei que daria sustentação ao projeto turístico
do município.
Estavam presentes na Sessão os senhores: Jaime Pozzi (dono do Hotel Anexo do Farol
Hotel, construído em meados doa anos 50), o senhor Antônio Almeida (ex-Prefeito de Torres,
um dos responsáveis pela construção polêmica do Hotel Alfred na continuação da atual Praça
Pinheiro Machado em 1972), o senhor Valdírio Zanellato (dono da mais importante fábrica de
esquadrias da cidade, fornecedora de todo aparato de marcenaria para a Construtora e
Incorporadora Ivo Rizzo
25
), entre outros.
Estes senhores, portanto, estiveram presentes na Câmara de Vereadores de Torres a fim de
presenciar a aprovação da Lei que criaria a chamada Comissão Permanente de
Desenvolvimento Turístico do Município de Torres. Esta Comissão visou assegurar o
incentivo aos órgãos turísticos do município como também realizar uma maior integração do
turismo na cidade tanto na alta como na baixa temporada. Segundo a Ata da Câmara de
Vereadores, alguns pronunciamentos acerca da aprovação da Comissão em pauta se deram da
seguinte forma:
25
De acordo as Atas da Câmara de Vereadores de Torres, pode-se perceber o quanto aos interesses privados se
agrupavam num mesmo ideal, isto porque, foi a Construtora e Incorporadora Ivo A Rizzo a responsável pela
construção da fábrica de Esquadrias Zanelato com cerca 142 metros quadrados em 1972. Dados do Portifólio da
Construtora Ivo Rizzo. s/p. Sendo assim, tanto o senhor Ivo A Rizzo, como o senhor Valdirio Zanelato, mediante
a parceira, possuíam reais interesses que o setor turístico fosse incentivado devido as suas respectivas atividades
ligadas à indústria da construção civil na cidade.
Em pauta a aprovação do Projeto de Lei 02/75 deste Legislativo e Lei
sancionada pelo Executivo sob o número 1.612 de dois de julho do corrente
ano. Para este fim foram convidados diversas pessoas representantes do
comércio, indústria, autoridades e ainda pessoas interessadas no
desenvolvimento do turismo em Torres.[...] Devemos desenvolver o turismo
nesse município tanto no verão como no inverno, porque órgãos de turismo
aqui existentes, trabalham isoladamente.
26
Portanto, a Construtora e Incorporadora Ivo A Rizzo além de monopolizar a indústria da
construção civil na cidade, também procurou desempenhar um papel representativo junto aos
poderes políticos do município. A passagem subtraída dos arquivos do Legislativo Municipal,
que apontou a participação do Sr. Ivo A Rizzo junto à Câmara de Vereadores de Torres,
corrobora no sentido de indicar que as elites econômicas atuantes no município exerciam forte
pressão sobre a elite política municipal.
Portanto, a atuação da indústria da construção civil em Torres, principalmente da
Construtora e Incorporadora Ivo Rizzo, era inerente ao movimento turístico. No final dos anos
60, Torres já recebia cerca de 50 mil pessoas
27
entre turistas e veranistas, e sendo esta
construtora a mais atuante e antiga da cidade, possuiu uma grande relevância sobre as decisões
e ações que indicaram o sentido do crescimento urbano da cidade.
Ainda em relação à atuação da elite econômica no ideal de desenvolvimento para a cidade,
cabe salientar a expressiva participação da SAPT. A Sociedade dos Amigos da Praia de Torres
como se intitulava a referida Sociedade, era um grupo formado por membros da elite
econômica riograndense e segundo o livro comemorativo aos seus 60 anos, esta procurou
26
Ata da 4 Sessão Extraordinária da Câmara de Vereadores de Torres, realizada em 22 de maio de 1975.p.34.
27
Censo Hoteleiro do IBGE. Rio de Janeiro 1968, V 3. p.102.
sempre que possível, demonstrar a sua “generosidade” com a cidade de Torres, tanto no que
dizia respeito às suas obras de infra-estrutura quanto pelas boas relações de seus sócios com
políticos regionais e nacionais.
28
Podemos citar como exemplo a atuação da SAPT, no projeto de modernização adotado na
cidade nos anos 70 para a fixação da Barra do Rio Mampituba. Esta obra esteve mediada pelo
Engenheiro Ivo A. Rizzo (presidente da Sociedade na época), através da sua amizade com
Ministro dos Transportes da época, Mário Anderazza. Conforme Chaieb, o discurso da SAPT
de trazer benfeitorias para a cidade, neste caso específico confirmou-se, mediante a atuação do
Engenheiro Ivo A Rizzo sobre a fixação da barra do rio Mampituba:
A SAPT era de certo modo co-rresponsável como um dos agentes
dinâmicos do crescimento da cidade. Apoiara idealisticamente iniciativas e
projetos de interesse da comunidade local. Compraz-nos afirmar:_ as
lideranças maiores e representativas da SAPT, em seus pronunciamentos,
propostas e iniciativas, visaram sistematicamente o interesse do bem coletivo
e do progresso de Torres. Isto tem sido o imperativo categórico que vem de
sua tradição.
29
Este trecho subtraído da obra comemorativa aos 60 anos da SAPT indica a relação dos seus
membros com membros da política nacional, apontando para a facilidade obtida pela SAPT
em realizar as obras que tanto desejava para a cidade. Paradoxalmente, não consta nesta
obra como também nas Atas da Câmara de Vereadores, a presença de Projetos que
refletissem diretamente a atuação desta Sociedade na vida da população torrense e nas suas
28
Colocação presente na obra comemorativa ao 60 anos da SAPT. Ver CHAIEB, Jo (org). Memórias da
SAPT. Porto Alegre: 1996.p.105.
29
Idem.
necessidades básicas, como saneamento básico, água, luz. Constando a participação desta
esfera social apenas nas ações de melhoria para a infra-estrutura de uma pequena zona
urbana da cidade (Zonas 1 e 2, conforme Lei 728/62 de 1962 e anexo 2 ), onde estavam
afixadas as belas casas de veraneio, os edifícios e é claro o edifício da SAPT, como indica a
fotografia abaixo. Onde observa-se o imponente prédio da SAPT e seus arredores, ocupado
pelas casas de veranistas.
3) Fotografia da Avenida José A Picoral em 1960. A avenida mais freqüentada da
cidade, onde ao fundo observa-se o Anexo do Farol Hotel e ao centro, o prédio da
SAPT.
Fonte: Banco de Imagens ULBRA/Torres. 2003.
A área visualizada na imagem aponta para a rua mais freqüentada da cidade, local onde a
alta sociedade riograndense que veraneava em Torres, agrupava-senos finais de tarde, nos
arredores do prédio da SAPT, onde não era permitida sequer a venda de sorvetes por
ambulantes.
30
Portanto, uma área de interesse social da referida Sociedade, onde ela exerceu
as suas funções administrativas, sociais, entre outras.
31
A SAPT, portanto, exerceu através de
alguns de seus membros, não pressões voltadas à construção civil na cidade. Esta também
agiu coercitivamente sobre a população local, instituindo regras e limites até para as mais
simples atividades.
No sentido de relacionar a atuação dos sujeitos da elite econômica e da elite política
municipal no processo de construção do espaço urbano da cidade, cabe indicar que alguns
30
Segundo Ata da 3 Sessão da mara de Vereadores de Torres, realizada em 09/12/1970.p.43. Onde o vereador
Renato (ARENA), se pronunciou demonstrando indignação acerca da determinação da SAPT em proibir a venda
de sorvetes por ambulantes na área da referida sociedade. Uma atitude no mínimo autoritária daquela que se dizia
benfeitora da comunidade torrense.
31
Uma área conforme a imagem, devidamente calçada, com recuos laterais, calçadas etc. A imagem da cidade
perfeita, da Torres dos veranistas.
membros da elite política eram sócios da SAPT e sendo assim, a atuação destes estava
bastante comprometida com os interesses desta Sociedade. Um exemplo desta dupla relação
foi a do Prefeito de Torres entre 1969 e 1973, o senhor Manoel João Machado (MDB), que foi
ecônomo da SAPT após o seu mandato.
Outro exemplo da relação íntima entre a política municipal e a referida Sociedade, era a
cobrança dos impostos dos veranistas. Os impostos referentes à água, à luz, à telefonia e ao
IPTU eram cobrados no prédio da SAPT até a década de 60.
32
Aspecto relevante para
comprovar a relação da municipalidade para com a elite econômica que freqüentava a cidade.
Diante da atuação da elite dirigente, uma vez que é uma esfera social engendrada na
categoria de construtores da cidade, um questionamento faz-se pertinente. Questionamento
mais uma vez calcado na falta de planejamento turístico e urbano da cidade. Conforme
apontado, a cidade estava iniciando o seu processo de desenvolvimento turístico e urbano,
entretanto, as competências locais, no caso aqui apontada como a elite econômica da cidade,
não indicou de forma clara, a sua preocupação com o desenvolvimento da cidade, atuando
apenas quando lhe convinha, como no caso da fixação da Barra do Mampituba. Obra que
valorizou àquela região da cidade e por conseqüência tornou-a mais atrativa em termos
imobiliários, atraindo a atuação da construção civil também para a parte norte da cidade.
Retomando a última esfera atuante dos construtores cidade, considerou-se a questão dos
construtores clandestinos ou posseiros. Grupo de extrema importância na construção da malha
urbana irregular da cidade, detentor de uma força fundamental no processo de construção do
espaço urbano da cidade. Para Serra, a atuação dos construtores clandestinos, assim como a
32
BARROSO, Vera Lucia (org.). Raízes de Torres. Porto Alegre: Edições EST, 1996.p.142.
dos chamados autoconstrutores, deu-se fundamentalmente na edificação de residências e
eventualmente de algum pequeno imóvel comercial.
33
Sendo assim, a atuação deste grupo em
Torres, ocorreu basicamente sobre as áreas periféricas e desocupadas da cidade. Áreas que não
apresentavam uma organização do tecido urbano, indicando posteriormente, o aparecimento
dos principais problemas urbanos das cidades. Fazendo referencia aos problemas urbanos,
segundo Manuel Castells:
Referimo-nos, tanto em ciências sociais como na linguagem comum, à
série de actos e situações da vida quotidiana cujo desenvolvimento e
características dependem estritamente da organização social em geral.
[...] são efectivamente as condições de alojamento da população, o acesso
aos equipamentos colectivos (escolas, hospitais, creches, jardins, áreas
desportivas, centros culturais, etc) dentro de uma gama de problemas, que se
observa como estes indivíduos estão ou não inseridos na sociedade.
34
Seguramente a questão habitacional refletiu diretamente no grau de inserção do indivíduo
na sociedade e como ele se nutriu dela. Em Torres, com o advento da industria da construção
civil, a cidade se deparou com uma outra realidade referente a sua composição urbana. Como
já foi referido anteriormente, as autoconstruções surgiram de forma efetiva na cidade nos anos
70. Os posseiros foram se instalando nas áreas periféricas de Torres devido à facilidade
promovida pelas famílias proprietárias e pela municipalidade mantendo tais áreas sem
fiscalização. No sentido de indicar a relação da ocupação irregular dos espaços urbanos da
cidade com o excedente de força de trabalho, para Kowarick:
33
SERRA, Geraldo.op.cit.p.38.
34
CASTELLS, Manuel. Lutas Urbanas e Poder Político, Paris: Maspero, 1973. Tradução de Maria Helena
Machado. Gráfica Firmeza, 1976. p.11.
[...] é o preço do progresso, que ao mesmo tempo justifica o crescimento
caótico [...]. E indica inicialmente a incapacidade do poder público de
programar formas mais racionais de ocupação do solo.[...]. [...] fundamenta
uma forma de expansão que, devido à fragilidade das organizações populares
[...] confere grande liberdade de ação aos grupos privados inteiramente
voltados para a obtenção do lucro.
35
Assim, a construção espacial irregular da cidade, estava nitidamente relacionada com a dos
grupos privados, no caso específico de Torres, voltados à indústria da construção civil.
Conforme relato de Santino Isaias da Rosa, ex-líder comunitário do bairro São Francisco, a
posse acontecia basicamente dessa forma: a) escolhia-se a área a ser invadida; b) demarcava-
se e cercava-se o terreno; c) dava-se início imediato à construção da casa. Inicialmente para
“garantir” o terreno, eram erguidas casas de madeira posteriormente, essas eram transformadas
em casas de alvenaria.
36
Porém, mesmo assim, não eram assegurados a estas áreas os serviços
básicos de saneamento como água, luz, acesso a ruas etc. Isto porque, estas constavam na
Prefeitura como áreas irregulares, portanto, nada era feito para a melhoria da vida daquelas
pessoas.
em meados dos anos 80, é que algumas dessas áreas, começaram a receber alguns
equipamentos urbanos devido à função de líderes comunitários, junto à municipalidade e ao
Estado, visando a regularização da posse dessas áreas.
35
KOWARICK, Lúcio. A espoliação urbana. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979.p.33.
36
Entrevista concedida à autora por Dani Pereira, presidente da União das Associações de Moradores de Bairros
de Torres e Santino Isaias da Rosa, ex-líder comunitário do bairro São Francisco, realizadas em abril de 2003 e
julho de 2002 respectivamente.
Conforme depoimento atuação de Santino e do arquiteto Márcio Biasi,
37
mediante as
reivindicações dos líderes comunitários junto à municipalidade, começou a ser observada a
atuação do poder Judiciário Estadual sobre esta questão. Onde este agiu de forma a não
permitir que a municipalidade implantasse os equipamentos urbanos para as famílias
posseiras. Isso porque as famílias proprietárias estavam movendo ações judiciais que visavam
a reintegração de posse das áreas. Nesse sentido, segundo Santino: “Só depois de criada as
Associações é que os moradores puderam reivindicar os seus direito, era a única forma de
fazer ouvir as necessidades da população dos bairros [...]”.
38
O que ocorreu em Torres, é que muitas das famílias proprietárias das áreas invadidas, não
estavam conseguindo frear as invasões e com isso entravam na justiça com pedidos de
reintegração de posse, para reaver as áreas. Ou seja, as famílias instaladas nos locais teriam
que ser removidas.
39
Dando-se início nesta conjuntura, a um outro importante momento
relativo ao processo de produção e expansão do espaço urbano da cidade de Torres. Sendo que
no fim dos anos 70, conforme as Atas da Câmara de Vereadores de Torres, a cidade enfrentou
sérios problemas quanto às reintegrações de posses requeridas pelas famílias proprietárias e a
remoção dos posseiros. Um impasse que permeou a história urbana de Torres por mais duas
décadas e sem fim anunciado.
Em 1978, deu entrada na Câmara de Vereadores de Torres, um pedido por parte do
Vereador Valdirio Zanelato (Arena) que requeria o seguinte:
37
Entrevista concedida à autora por Santino Isaias da Rosa, realizada em julho de 2002 e Márcio Biasi, arquiteto
da Prefeitura Municipal de Torres, realizada em julho de 2002.
38
Entrevista concedida à autora por Santino Isaias da Rosa, realizada em julho de 2002.
39
Instalou-se nesta conjuntura um impasse. Os posseiros teriam que ser levados para outros locais, mas para
onde?
As pessoas esperam uma atitude do Prefeito para que possam legalizar
seus terrenos, apesar das contestações das famílias proprietárias.
O Prefeito tem o apoio da sua bancada e o meu voto de confiança e o
senhor sabe que se o senhor Isaac vencer, terá que remover mais de 200
famílias do bairro Getúlio Vargas e Predial e estas não terão para onde ir.
40
O vereador Samhan (Arena) também se pronunciou dizendo: “Na gestão passada muito se
discutiu sobre a vinda desse cidadão de Santa Catarina que quer enriquecer as custas do povo
torrense, despejando famílias”.
41
Outro vereador José Matos (Arena), igualmente aos seus colegas do Legislativo deu o seu
parecer negativo quanto às desapropriações: “Há muitos anos assisti ao despejo do meu tio e não
esqueci e não gostaria que isso acontecesse com essas famílias
42
A reunião dessas passagens das Atas da Câmara de Vereadores de Torres levou a crer que
além da problemática a situação das famílias instaladas nas áreas sujeitas à desapropriação,
também era muito delicada a relação da municipalidade com esta questão. Isto porque, as
famílias proprietárias tinham adquirido as áreas através de leilões públicos promovidos pela
própria Prefeitura, ainda nos anos 50 e fora isso, o Legislativo Municipal se mostrou, pelo
menos nesse caso, contra as desapropriações, o que causou um impasse não só na esfera jurídica,
como na esfera política e administrativa municipal.
43
40
Ata da 3 Sessão Ordinária da Câmara de Vereadores de Torres, realizada em 24 de abril de 1978.p.71.
41
Idem.
42
Idem.
43
As desapropriações de terras das famílias proprietárias começaram a ocorrer de forma efetiva só em medos dos
anos 80. O que se constatou nos anos 70 é a questão destes dois únicos bairros, o Predial e o Getúlio Vargas pois,
estes passaram a pertencer a Urbanizadora Isaac que tinha como plano realizar um grande loteamento nas áreas
invadidas, por isso, os problemas quanto a estes dois bairros são mais antigos.
Cabe aqui também indicar a nula participação da elite econômica da cidade nas discussões
acerca dos problemas das áreas adjacentes de Torres. Conforme mapeamento das Atas da
Câmara de Vereadores de Torres dos anos 70 e 80, não foi identificada a participação da SAPT
(como Sociedade dos Amigos da Praia de Torres), nem de seus membros considerados mais
representativos como o Engenheiro Ivo A Rizzo, na busca de soluções para uma questão tão
importante, de ordem social para o município como a questão das desapropriações. Esta
consideração se faz pertinente, no sentido de indicar até que ponto ia os interesses dos membros
da elite econômica da cidade, que atuavam junto à elite política municipal apenas quando
estavam em pauta assuntos de seu interesse.
Contudo, nos anos 80, não cessaram os problemas das desapropriações de terras em Torres,
pelo contrário. Nessa conjuntura, a situação intensificou-se promovendo verdadeiras aberrações
na cidade, mas em contrapartida foi nesta década que a indústria da construção civil demonstrou
toda a sua força, fazendo com que a cidade chegasse ao seu auge nesse setor e sendo assim
também no seu processo de expansão urbana, conforme aponta o Histograma em anexo 1.
Por fim, devidamente apresentadas as três esferas principais de atuação dos construtores da
cidade, pôde-se perceber que exerceram um papel distinto importante na construção do espaço
urbano d Torres. Alguns membros da elite econômica, ligados a SAPT, procurando delegar suas
vontades frente à sociedade local, numa irreparável atuação repressora e autoritária junto ao
Legislativo Municipal; a política local indecisa quanto às suas decisões, procurando manter uma
certa coerência no que dizia respeito às construções da cidade, principalmente em relação às
alturas das edificações à beira -mar.
E paralela a estas duas forças, os posseiros que aproveitando o período de crescimento e
desenvolvimento do setor turístico em Torres, foram intensificando o processo de invasões e
com isso, acabaram paulatinamente colocando em xeque a política “liberal” de livre especulação
imobiliária, evidenciando a necessidade de planejamento urbano diante do prenúncio da crise
sócio-urbana que Torres vivenciaria nos anos 90.
Apesar da problemática urbana que estava sendo gerada na cidade, a partir das invasões das
suas áreas adjacentes, Torres iniciou os anos 80 com um potencial turístico expressivo. Sendo
assim, tanto a elite econômica quanto a política local voltavam-se cada vez mais, no sentido de
dar sustentação à indústria do turismo, deixando de lado os problemas das áreas adjacentes da
cidade.
O turismo havia tornado-se o mais importante ponto de discussão da elite dirigente, engajada
na lucratividade desta indústria e a sociedade local, diante desta nova realidade, preocupava-se
apenas em satisfazer as necessidades da nova demanda turística, ou seja, os turistas estrangeiros.
Mediante a plena atividade da indústria do turismo e da construção civil, começou a ocorrer na
cidade, um fenômeno digno de análise. Esse fenômeno denominado migração interna, abarcou
para a cidade, uma problemática que se agravou pela condição irregular de permanências deste
grupo na cidade. Isto porque, este foi paulatinamente se instalando em áreas adjacentes da
cidade, desurbanizadas, que a priori não possuíam donos, entretanto, como referido
anteriormente, estas pertenciam a algumas famílias desde a década de 50. Fazendo com que esse
contingente de pessoas, além de sofrerem com o processo de espoliação urbana, implícito no
fenômeno de migração, também sofrerem com processos de litígios, despejos e reintegrações de
posse.
2.2. Migrações internas e o desenvolvimento das áreas adjacentes da cidade.
Mediante a importância da atuação dos construtores clandestinos, ou posseiro, no processo
de construção do espaço urbano de Torres. Cabe aqui analisar e compreender como, de que
forma e de onde surgiram estas pessoas, ligadas ao fenômeno denominado, migração interna,
trabalhado por Paul Singer.
44
Obra que será o ponto de referencia desta explanação, no
sentido de indicar uma linha norteadora para a compreensão deste fenômeno.
Os chamados migrantes internos, foram os grandes responsáveis pela ocupação e
construção principalmente dos bairros periféricos da cidade. Nesse sentido, cabe abordar a
problemática que envolveu os locais aonde este grupo, basicamente formado por
autoconstrutores, se instalou. Para isso, serão apresentadas algumas considerações sobre uma
história urbana de Torres que pouco se conhece.
A partir da análise das entrevistas realizadas como também das Atas da Câmara de
Vereadores, pôde-se ter acesso a uma outra história de Torres. Uma história um tanto
inexplorada, porém, de fundamental importância no que tange a compreensão da história
urbana da cidade.
Sobre os considerados aqui: antigos donos da cidade cabe explicar como e por que,
algumas áreas totalmente desurbanizadas de Torres, a partir dos anos 50 passaram a pertencer
a determinadas famílias oriundas de Porto Alegre, Caxias do Sul e Santa Catarina. Nos anos
44
SINGER, Paul. Economia política da urbanização.São Paulo: Brasiliense, 1987. p. 56.
40, Torres viveu um processo de expansão urbana lento e pouco significativo. Não existia
ainda a idéia de turismo em grande escala e o núcleo urbano da cidade se resumia ao que hoje
compete a Zona 7 (segundo o Plano Diretor de 1995 em anexo 3. o Centro Tradicional (região
entre as ruas de Júlio de Castilhos e José Picoral, na época chamada de Rua de Baixo e Rua
de Cima respectivamente).
no final dos anos 40, estas áreas desurbanizadas pertenciam à Diocese de Caxias do Sul
que com o passar dos anos, não mantendo condições de zelar por estas terras, passou-as para o
Estado que igualmente sem condições de fiscalizá-las e cuidá-las, doou-as para o Município.
45
Na década de 50 a Prefeitura ainda de posse das áreas, começou através de leilões públicos
a se desfazer destas, passando-as para as mãos de algumas poucas famílias. Estas famílias,
oriundas de Porto Alegre, Caxias do Sul e Santa Catarina, passaram, portanto a ser as
proprietárias de vastas extensões de terra em Torres. Muitas delas como à Igreja, o Estado e o
Município, as condições de fiscalizar, construir ou cercar essas áreas (tamanha a dimensão dos
terrenos). O que leva a crer que muitas dessas famílias foram favorecidas pela Prefeitura da
época, na compra dos terrenos através de leilões públicos. Essas famílias pretendiam estocar
esses terrenos, visando a sua posterior venda.Ou seja, visando à especulação imobiliária.
46
Basicamente, fora a região do Centro Tradicional e Orla marítima, respectivamente Zona 7
e Zonas 1,2,4 do atual Plano Diretor, em anexo 3. a cidade de Torres passou a pertencer a
estas determinadas famílias: Capelli, Sperb, Bastians, Velhinho, Mallman, Martins e Isaac.
45
Desconhece-se os detalhes sobre as negociações destas áreas entre o Estado e o Município. Se ocorrerem por
troca de benefícios, por permuta com outras áreas ou favores políticos. Considerações apontadas nas entrevistas
de Santino Isaias, realizada em julho de 2002 e Dani Pereira, realizada em abril de 2003.
46
Após a negociação das respectivas áreas, as famílias proprietárias não imaginavam que a posteriori, arcariam
com as conseqüências do mau negócio, devido às invasões que aconteceram em massa no início dos anos 80.
Á família Bastians pertencia à região da rua São Pedro depois da rua Recife até a rua
Alfiero Zanardi (atual divisa com o Parque Estadual da Guarita), e ao sul fazia divisa com
parte da praia da Itapeva (hoje parte da área de revitalização urbana chamada Riacho Doce),
conforme indica a imagem:
4) Imagem da parte leste da Praia da Guarita em 1973.
Fonte: Fotografia particular da autora, 1973.
5) Imagem da parte oeste da Praia da Guarita, em 1973.
Fonte: Fotografia particular da autora, 1973.
Nas duas imagens, pode-se observar uma demarcação feita por uma cerca de arames. Esta
cerca indicava, conforme relato do senhor Santino Isaias da Rosa, ex-líder comunitário do
bairro São Francisco,
47
a divisa da área entre as áreas das famílias Bastian e Sperb. Aos
Sperb, pertencia a região que correspondia mais ao sul, parte do chamado Riacho Doce
48
e
aos Bastians pertencia à região norte, indicada na segunda imagem pela presença de algumas
casas.
Aos Martins pertencia a região da praia da Itapeva até a chamada “ponte da Itapeva”, local
onde hoje existe o loteamento da Itapeva. Ás famílias Velhinho e Mallman pertenciam à
região que corresponde hoje os bairros Getúlio Vargas e Predial, juntos ao rio Mampituba, que
posteriormente passou a pertencer a Isaac Urbanizadora Ltda. da família Isaac de Santa
Catarina.
49
Portanto, com posse destas extensas áreas da cidade, algumas famílias estocaram esses
terrenos na espera da valorização, mas deixaram as áreas sem nenhum tipo de fiscalização ou
utilidade. Com o passar da cada de 50, as invasões começaram a acontecer em todas essas
áreas. Pois nesta conjuntura, Torres já possuía 4 mil habitantes na área urbana e 34.880
habitantes em todo o município. Torres nos anos 50 possuía 917 edificações na zona urbana e
47
Entrevista concedida à autora por Santino Isaias da Rosa, realizada em julho de 2002.
48
Favela com cerca de 700 famílias que hoje divide o bairro São Francisco do Parque da Itapeva
49
Entrevista concedida à autora por Dani Pereira, realizada em abril de 2003.
201 na suburbana,
50
o que indica que as áreas adjacentes da cidade apesar de não possuírem
Leis de regulamentação de uso e ocupação do solo, possuía um considerável índice de
habitabilidade.
51
A partir destas considerações, percebeu-se a atuação da municipalidade nas decisões
promovidas ao longo da história urbana de Torres. Considerando que esta não só permitiu
como foi a mediadora da venda de grandes áreas da cidade para poucas famílias de fora da
cidade e do Estado. Questiona-se aqui, a procedência desta ação que não comprometeu a
produção e expansão regular do espaço urbano da cidade, como também acarretou inúmeros
problemas posteriores para Torres, problemas principalmente de ordem, social, habitacional e
ambiental.
A partir do final dos anos 70, portanto, mediante o deslocamento de grupos migrantes
para Torres, atraídos pela indústria do turismo e da construção civil, observou-se as
conseqüências da atuação municipal acerca da venda das áreas adjacentes da cidade a estas
poucas famílias.
O processo de migração interna não foi um fenômeno restrito à cidade de Torres, mas que
se observou em inúmeras cidades do Brasil nesse período. Porém, o que está aqui em questão
é a contribuição desse fluxo migratório no processo de produção e expansão do espaço urbano
de Torres. Segundo depoimentos colhidos ao longo da pesquisa,
52
este grupo era formado
50
Enciclopédia dos Municípios Brasileiros, Volume XXXIV/RJ. Ano 1950. p.350-354.
51
Não foram encontrados na Prefeitura de Torres dados referentes aos anos 50, que indicassem a quantidade de
famílias que habitavam todas as áreas periféricas de Torres. A justificativa dada à autora foi a de que não havia
delimitação de bairros nesta época.
52
Entrevistas concedidas à autora por Santino Isaias da Rosa em julho de 2002 e Dani Pereira em abril de 2003.
basicamente por homens jovens solteiros ou recém casados, provenientes de cidades e praias
vizinhas e dos distritos do interior do município.
Deslocamento que corroborou para o aumento do êxodo rural das regiões agrícolas
vizinhas, como também indicou a responsabilidade deste fenômeno para a construção da
malha urbana da cidade, que se estendeu de maneira irregular, principalmente nas regiões mais
antigas, mediante as invasões, por exemplo, nas áreas próximas ao rio Mampituba, que hoje
compreendem os bairros Predial e Getúlio Vargas.
53
Pode-se observar, no mapa de Torres, o quão descontínuo é o tecido urbano da cidade.
Comparando os bairros Predial, Getúlio Vargas e Curtume, com os bairros Igra Sul e Torres
Zona Nova, pode-se observar estes possuem a malha urbana bastante irregular, com ruas mal
traçadas, sem saída, terrenos de tamanhos desproporcionais, etc.
Na intenção de proporcionar a visualização de como estas construções irregulares eram
estabelecidas na cidade, na imagem a seguir, observa-se a construção de uma casa voltada para
o lado sul da cidade, à direita do Morro do Farol (áreas ainda não urbanizadas no final dos
anos 70 e não especificadas no Regulamento para construções na área urbana). Na ausência de
ruas e lotes demarcados, os “terrenos” eram delimitados apenas com cercas de arame e as
casas construídas de sobre os terrenos sem nenhum tipo de direcionamento geográfico.
54
6) Fotografia de uma área do bairro São Francisco, próxima a Rua São Pedro, em
1986.
53
São considerados inicialmente estes bairros, pois são os mais antigos da cidade. Entrevista concedida à autora
por Santino Isaias da Rosa, ex-líder comunitário do bairro São Francisco, realizada em julho de 2002.
54
A área visualizada na imagem aponta o final dos anos 70 em uma região de Torres, que pertencia à família
Bastian. Esta desistiu das desapropriações em meados dos anos 90, devido a grande ocupação da área. Hoje este
local está inserido no bairro São Francisco.
Fonte: Fotografia particular da autora.
Segundo Paul Singer, as migrações internas decorrem de uma motivação econômica e são
realizadas quase sempre por grupos e não de forma isolada, agregando um caráter social ao
movimento, mas embora um grupo social seja levado por determinadas causas a migrar, é
lógico que nem todos os membros o façam de imediato.
55
Na medida em que foi identificado um novo tipo de atividade rentável, que não requeria
alto grau de instrução, este grupo começou progressivamente a migrar para a cidade, atraídos
principalmente pela construção civil. Os migrantes internos não demoraram, portanto, a
instalar-se em Torres, local onde poderiam trabalhar e se estabelecer. Através dessa
movimentação social que ocorreu na cidade em função desta nova atividade econômica, as
empresas do ramo imobiliário começaram a observar que também na periferia existiam novos
nichos imobiliários geradores de lucro.
Cabe alertar que fora o sistema de posse, o comércio ilegal de lotes também era uma
prática na cidade nessa conjuntura. A venda de terrenos para migrantes, na maioria das vezes
55
SINGER, Paul. op.cit.p.51-52.
era realizada de forma ilícita pois, estes como referido anteriormente, localizavam-se em
áreas irregulares da cidade, áreas não loteadas e não registradas junto à Prefeitura. Portanto,
não poderiam ser vendidas pelas imobiliárias e nem por terceiros, indicando a presença de um
mercado imobiliário paralelo às áreas desocupadas sem o compromisso com o
desenvolvimento urbano da cidade.
Aconteceu que esse contingente humano, deslocado de localidades vizinhas, havia
abandonando as suas atividades anteriores, basicamente ligadas à agricultura e pecuária
doméstica e precisaram em médio e curto prazo se estabelecer residencialmente na cidade.
Isto porque, estes migrantes eram basicamente trabalhadores da construção civil,
56
sendo
assim, o processo de migração interna agiu duplamente na economia local e no processo de
produção e expansão do espaço urbano de Torres. Por um lado, eram eles os sujeitos
trabalhadores da construção civil, ou seja, detentores da mão-de-obra que necessitava tal
indústria. Por outro lado, eram eles também os novos moradores de Torres, responsáveis pela
ocupação das áreas periféricas da cidade, indicada pela Zona 3.
57
É importante ressaltar que o movimento migratório como a sua sustentação, foi
possível mediante arranjos institucionais que permitiram, de um lado acelerar a acumulação de
capital, ou seja, as construções e de outro encaminhar o excedente acumulável às empresas e
aos empresários. Tais como, empreendedoras, imobiliárias, construtoras, empreiteiras,
empresários do ramo hoteleiro, etc.
56
Conforme os Estatutos das Associações de Moradores de Bairro, mediante listagem dos moradores associados,
80% dos moradores homens eram trabalhadores da construção civil e 20% eram aposentados, pescadores etc.
Entre as mulheres, cerca de 30% eram comerciarias e 70% donas de casa.
57
Segundo a Lei 728/62, de 4 dezembro de 1962, a zona 3 era compreendida como todas as áreas restantes da
cidade, fora a faixa beira-mar (Zona 1) e a zona central (Zona 2) que constituía o núcleo comercial e urbano de
Torres. Portanto, é oportuno considerar ainda nos anos 70 as demais áreas como periféricas.
No caso de Torres, apesar de todo o processo de adequação urbana da cidade ter ocorrido
de forma lenta, para a elite política local, este era visto como totalmente positivo. Porém, cabe
alertar que esse crescimento acelerado da indústria do turismo e da construção civil colocou
novos desafios urbanos para a cidade a partir dos anos 80.
Em síntese, na conjuntura dos anos 80, a cidade começou a passar pelo processo de
periferização através do processo de invasões, vendas irregulares e desapropriações.
Configurando-se ambiguamente na cidade dois tipos de urbanização: a de elite: com a
verticalização das construções nas áreas centrais, como por exemplo, do Ed. Alvorada com 8
pavimentos (Rua Jo Picoral.) construído em 1961. E a urbanização de periferia, com a
inicial formação dos bairros irregulares: o Predial, o Getúlio Vargas, o Curtume e o São
Francisco e o São Jorge.
2.3. A verticalização da zona central e a formação paralela dos principais bairros
periféricos de Torres.
Nos anos 80, Torres atingiu o ápice do seu desenvolvimento urbano.
58
Porém, este
processo de urbanização produziu espaços urbanos distintos. Verticalmente surgiram na
cidade, cerca de 10 edifícios cada um com 10 pavimentos ou mais,
59
através da atuação de
construtoras, como a Construtora e Incorporadora Ivo Rizzo. Horizontalmente, 7 novos bairros
formaram-se na cidade. Um forte indicativo que ela estava crescendo paralelamente em duas
58
Em termos quantitativos, pode-se observar o Histograma em anexo 1.p.
59
Portifólio da Construtora e Incorporadora Ivo Rizzo, 2001. s/p.
frentes. Portanto, a construção do espaço urbano da cidade estava se desenvolvendo mediante
duas forças urbanas simultâneas, verticalização dos espaços centrais versus periferização das
áreas adjacentes.
As dez mais imponentes edificações com cerca de 10 pavimentos, construídas na cidade
nesta década, situavam-se basicamente na zona central (Zona 2 conforme descrição da Lei
728/62 de 1962/ Ver anexo 2.p ) Estas eram na sua totalidade, edificações de luxo que
apresentavam características arquitetônicas requintadas, indicando a permanência na cidade do
ideal de praia de elite, freqüentada por grupos com alto padrão econômico, como apontam as
imagens.
7) Ed. Saint Croix (1989), Ed. Morada da Praia (1987), Ed. Morada da Praça. (1983).
Fonte: Livro Comemorativo aos 50 anos da Construtora e Incorporadora Ivo Rizzo. Porto Alegre:
2000 p.110-111.
As edificações construídas pela Construtora e Incorporadora Ivo Rizzo em Torres, no
decorrer dos anos 80, possuíam alto padrão de construção, visando o consumo sofisticado das
elites. Padrões que condiziam com a demanda de turistas que usufruíam da praia nos meses de
sazonalidade turística e também dos veranistas que freqüentavam a cidade na baixa
temporada. Segundo o Arquiteto Isidoro Singer: “Não nos utilizávamos muito de modismos
arquitetônicos nas construções, gostávamos de um padrão que perdurasse mais tempo, não
arriscávamos nos modismos, preferíamos a qualidade e o requinte das construções”.
60
A construção desses edifícios foi a grande responsável pelos empregos e fixação
residencial da mão-de-obra necessária (os migrantes), à indústria da construção civil na
cidade. Assim, a realização dessas obras de porte, sustentavam paralelamente a produção das
áreas periféricas da cidade. A elaboração destas construções de alto vel proporcionou, outras
linhas de expansão do espaço urbano em Torres, pois, no momento que o grupo de
trabalhadores atrelados à construção civil, visualizou o leque de atividades e rentabilidades
trazidas pelo setor, este não titubeou em afirmar a sua permanência em Torres. Nesse sentido,
para Kowarick:
A distribuição espacial da população no quadro de crescimento [...]
reflete a condição social dos habitantes da cidade, espelhando ao nível do
espaço de segregação imperante no âmbito das relações econômicas
[...].Sobretudo nas últimas três e quatro décadas, surgem e se expandem os
60
Entrevista concedida à autora pelo arquiteto da Construtora e Incorporadora Ivo Rizzo, o argentino Isidoro
Singer, em fevereiro de 2002.
bairros periféricos [...] que alojam a população trabalhadora. È nestas áreas
que se concentra a pobreza da cidade e de seus habitantes.
61
A formação dos bairros periféricos das cidades está relacionada diretamente às atividades
econômicas da população de baixa renda. No caso de Torres, quanto maior era o número de
edificações que surgiam na cidade, maior era a quantidade de trabalhadores atraídos de
localidades vizinhas, pela indústria da construção civil, criando uma enorme demanda por
terrenos e habitações de baixo custo. Por isso, no caso específico de Torres, a ação dos grupos
ligados à indústria da construção civil na cidade foram os responsáveis pela expansão dos
espaços urbanos periféricos. Nestes espaços urbanos periféricos surgiram os seguintes bairros
de Torres: Igra, Stan, Predial, Getúlio Vargas, Curtume, São Francisco e São Jorge.
Estes bairros situam-se em áreas adjacentes da cidade e cada um possuí características
próprias relacionadas ao seu processo particular de formação e expansão. Os bairros Igra e
Stan, diferentemente dos demais, não se formaram integralmente através de processos de
invasões e posses. As áreas destinadas a estes bairros pertenciam à Prefeitura que loteou e
comercializou os lotes de acordo com as seus interesses e ou necessidades de assentar
moradores deslocados de outras áreas desapropriadas. Portanto, ao contrário dos outros bairros
que surgiram nesta mesma conjuntura, estes dois podem ser considerados bairros regulares.
Cabe dizer que apenas dois bairros da cidade eram regulares nos anos 80, sendo que os outros
cinco eram irregulares.
62
61
KOWARICK, L.op.cit.p.30.
62
O bairro São Jorge é parcialmente regular, pois, possui uma parte habitada por moradores que possuem
escritura dos respectivos terrenos. Principalmente aqueles que foram removidos do bairro São Francisco.
Entretanto 60% do bairro ainda está em situação irregular devido o assentamento de posseiros na área.
A diferenciação na formação dos bairros Igra e Stan em relação aos demais bairros, aponta
novamente para a falta de planejamento urbano da cidade. Os outros cinco bairros formaram-
se basicamente a partir da ação de invasores e construtores clandestinos, conhecidos como
posseiros. Nesses casos, a municipalidade não produziu uma política de planejamento para as
áreas adjacentes da cidade, que pudesse organizar e balizar a construção dos espaços invadidos
pelos construtores clandestinos ou posseiros.
Os chamados posseiros, na maioria das vezes, eram pessoas que estavam se deslocando
para Torres atraídos pela vasta oferta de empregos no setor do turismo e da construção civil.
Tal contingente humano precisava se instalar de forma rápida e barata na cidade. Gerando
assentamentos urbanos que a posteriori, apresentaram diversos problemas para Torres. O
principal problema referente ás desapropriações dessas áreas residia no fato destas posses
estarem localizadas em áreas de propriedade de particulares.
Paralelamente cabe esclarecer que, além da atuação dos posseiros que apoderavam-se de
um determinado pedaço de terra e lá construíam irregularmente as suas casas, havia também a
atuação dos loteadores clandestinos. Loteadores que vendiam os terrenos ou lotes por eles
mesmos demarcados também de forma irregular, por um valor venal muito inferior ao de
mercado em outras áreas da cidade. A problemática existente nesta prática ilegal residia na
questão referente às escrituras e seu poder de legitimação e propriedade. Conforme Shäffer, no
que diz respeito aos problemas relacionados com a comercialização de lotes irregulares:
Muitos destes loteamentos não passaram previamente por processos de
regularização, não cumpriram as exigências legais que de certa forma,
encareceriam a implantação do loteamento e o preço dos lotes, não havia,
portanto registro em cartório dessas áreas, impedindo ao comprador do lote a
escritura da propriedade, condenando estes a não poder oficializar seu imóvel
para garantir a posse do bem pelo qual estavam pagando.
63
Sendo assim, estes lotes por serem irregulares não possuíam registro junto ao Cartório de
Registro de Imóveis, impedindo o comprador reivindicar a escritura definitiva da área
adquirida. Portanto, os moradores desses lotes não podiam requerer junto ao Executivo e
Legislativo Municipal qualquer tipo de benfeitoria para a área, colocando não apenas um
grave problema para a municipalidade que via nessas áreas o crescimento desordenado da
periferia da cidade, mas, também, para os moradores que ficavam sem amparo legal para
qualquer tipo de reivindicação ou pedido de melhoria.
64
No sentido de proporcionar uma melhor compreensão referente à formação e expansão dos
bairros irregulares da cidade de Torres, decidiu-se observar o processo de formação dos
bairros mais importantes.
65
Procurou-se interpretar de acordo com os dados coletados, as
peculiaridades de cada um. Buscou-se compreender a forma, onde e como eles foram se
formando e se inserindo numa nova dinâmica sócio-espacial para a cidade.
66
Os bairros Predial e Getúlio Vargas foram os pioneiros nesta condição irregular já em
meados dos anos 70. Sendo assim, a legitimação de alguns dos terrenos destes bairros,
portanto a regularização parcial da área, só começou a ocorrer em meados dos anos 80.
63
SHÄFFER, Neiva O. Urbanização na Fronteira: expansão de Santana de Livramento/RS. Porto Alegre:
UFRGS, 1968.p.76.
64
Uma situação que começou a se modificar em Torres, a partir da formação das Associações de Moradores
de Bairros e meados dos anos 80.
65
Esta seleção de importância deve-se exclusivamente à quantidade e qualidade dos dados coletados sobre estes
bairros.
66
Cabe aqui alertar sobre a escassez de dados referentes à formação dos bairros de Torres, onde na
inacessibilidade ou inexistência destes, optou-se basicamente pela utilização da técnica da história oral e pelas
Atas da Câmara de Vereadores de Torres.
Mediante a organização das Associações dos Moradores,
67
que procurou intervir junto ao
Poder Judiciário Municipal e Estadual a favor dos moradores, a fim de solucionar
principalmente o problema das desapropriações.
68
O bairro Predial,
69
foi um dos primeiros bairros irregulares de Torres, e os problemas
referentes às posses e desapropriações ocorreram freqüentemente. A sua posição precursora
deu-se tanto pela sua localização quanto pela pioneira ação reivindicatória de alguns de seus
membros junto à Prefeitura e ao Estado visando a legalização dos terrenos nessa área. Nos
anos 70, o bairro Predial localizava-se basicamente às margens do rio Mampituba, cerca de 12
quadras do mar (oeste), em uma área não destinada a construções de casas de veraneio. Era
basicamente um bairro cujos de moradores eram trabalhadores da construção civil e
pescadores.
70
Como referido anteriormente, nos anos 50 através de leilões públicos promovidos pela
Prefeitura de Torres, algumas famílias tornaram-se proprietárias de extensas áreas da cidade.
No caso do bairro Predial, a sua área foi arrematada pelas famílias Malmann e Velhinho, que
posteriormente a venderam para Companhia Predial e Agrícola S/A.
Dos anos 50 até meados dos anos 70, devido ao não aproveitamento das áreas pelas
famílias proprietárias, as invasões intensificaram-se, principalmente nas áreas ribeirinhas
67
De acordo com os Estatutos das referidas Associações, a do bairro Predial foi fundada em 12 de Dezembro de
1984 e a do bairro Getúlio Vargas em 08/09/1983. Documentação adquirida no Cartório de Registro de Imóveis
de Torres, em setembro de 2003.
68
Conforme Artigo Primeiro do Estatuto da Associação dos Moradores do bairro Predial, esta Associação
possuía um caráter representativo, reivindicatório, educativo e beneficente.
69
Possui este nome devido a um processo de reintegração de posse que foi movida por parte da Companhia
Predial Agrícola S/A. nos anos 80. (dona de parte da área que hoje compete ao bairro)
70
Conforme entrevista concedida à autora por Dani Pereira, presidente da União das Associações de Moradores
de bairros de Torres, realizada em julho de 2003 e o Estatuto dos Moradores do Bairro Predial. Obtido no
Cartório de Registro de Imóveis de Torres em setembro de 2003.
envolvendo pescadores que retiravam do rio Mampituba e do mar a sua subsistência.
71
Cabe
neste momento, analisar uma colocação feita pelo Dani Pereira, presidente da União dos
Moradores de bairros de Torres, que justificava o processo contínuo de invasões e posses em
Torres: “[...] é difícil estancar as invasões, é difícil porque hoje tu sabes que o pai tem quatro
filhos, derrepente eles casam e não podem ficar amontoados, não tem como comprar a terra e
então invade, é natural isso [...]”.
72
A justificativa considerada natural pelo morador e líder comunitário do bairro Predial,
indicou o quanto às práticas de expansão e ocupação dos espaços urbanos estiveram,
intimamente ligados a questões de cunho sócio-econômico. Segundo Alencastro, no espaço
urbano se configuram de forma evidente, as desigualdades sociais. Quanto mais brutais forem
as disparidades entre as diferentes classes, tanto mais óbvio se torna para o olho do mais
desavisado cidadão a forma distinta pela qual as mesmas se apropriam do espaço urbano.
73
As invasões de terras para a população local, conforme relato do senhor Dani Pereira, possuíam
uma conotação puramente natural, no que dizia respeito à utilização de terras consideradas baldias
ou desocupadas. Sendo assim, estes grupos pertencentes às classes mais desfavorecidas da
sociedade, não titubearam em declararem suas as áreas desabitadas e/ou inexploradas da cidade.
Para Kowarick, esta questão: “[...] está na raiz do aumento da pobreza e na deterioração das
condições urbanas, fenômenos que puderam se efetuar de forma tão marcante na medida em que foi
forjado um rígido esquema de controle das iniciativas populares”.
74
Nesse sentido, no momento em que a população não tem a condição básica de habitação,
ela desenvolve um padrão de habitação que não é o ideal, essa situação irregular diminui ainda
mais a sua capacidade de tomar iniciativas reivindicatórias.
71
Entrevista concedida à autora por Dani Pereira, realizada em julho de 2003.
72
Idem.
73
ALENCASTRO, Lenora U. A produção e o consumo: a cidade como espaço de segregação. In CASTRO,
Antonio E. et al. Política urbana: a produção e o consumo da cidade. Porto Alegre: Mercado aberto,
1986.p.15.
74
KOWARICK, Lúcio. op.cit.p.52.
Nos anos 80, as ações de posseiros se intensificaram no bairro Predial, devido ao
crescimento urbano da cidade. Este bairro que possuía nos anos 70 cerca de 150 famílias,
passou nos anos 80 a ter mais de 300.
75
Segundo Dani Pereira: “Não tem como frear isso. O
bairro cresceu muito, dobrou de tamanho em 10 anos. Agora não tem como resolver de outra
forma tem que regularizar todo”.
76
Com a intensificação das invasões, com cerca de duas vezes mais famílias morando na área, a Cia
Predial e Agrícola S/A, prevendo que iria perder totalmente a área decidiu entrar na Justiça com
pedidos de reintegração de posse contra os moradores. Nesse sentido, o mesmo depoente relatou:
“Então nos anos 80, quando a Predial sentiu que ia ter que abrir mão de tudo. Que que tava
completamente ocupada a área. Começou a nossa luta aqui.”
77
A fala de Dani Pereira apontou para a luta que se travou nos anos 80 entre moradores e
proprietários. Uma luta social que atravessou décadas até possuir um desfecho nos anos 90.
A partir destas ações de reintegração de posse, o Poder Judiciário Estadual começou a
intervir no intuito de restituir a área às famílias proprietárias. Dando-se início a uma
importante e conflituosa etapa da história urbana de Torres.
Mesmo com os pedidos de reintegração de posse tramitando no Judiciário Estadual,
observou-se a atuação da Câmara Municipal de Torres nos assuntos ligados ao bairro Predial.
Observou-se nas Atas da Câmara de Vereadores de Torres, que os membros do Legislativo de
uma forma geral, não acreditavam na desapropriação e despejo dos moradores. A Câmara
posicionou-se ao lado dos moradores do bairro e contra as famílias proprietárias.
Os trechos a seguir indicam a representatividade do Legislativo Municipal na resolução
das disputas que envolviam os moradores do bairro Predial. O vereador Casemiro do MDB fez
75
Dado fornecido em entrevista concedida à autora por Dani Pereira, realizada em julho de 2003.
76
Entrevista concedida à autora por Dani Pereira, realizada em abril de 2003.
77
Idem.
pronunciamento requerendo providências acerca da estrutura urbana deste bairro: “[...] se
fosse feito o esgoto pluvial resolverá o problema [...] É necessário abrir as ruas para que os
moradores possam aterrar seus terrenos, em dia de chuva ninguém pode sair calçado de suas
casas”.
78
O vereador considerou a área merecedora de reparos e melhoramentos urbanos, parecendo
desconhecer o litígio que a envolvia, e ainda, indicou que deveriam ser abertas algumas
ruas para que respectivos moradores pudessem aterrar seus terrenos. Assim, havia pelo
menos de acordo com o trecho citado, um desejo político de que a área recebesse
melhorias, independente dos problemas jurídicos envolvidos. A abertura de ruas daria
maior mobilidade aos moradores locais, que poderiam aterrar, nivelar e ocupar
integralmente esses terrenos.
Ainda no ano de 1981, em outro trecho da mesma Ata, o vereador M.Sahman da ARENA,
chamou a atenção do Legislativo Municipal para o bairro Predial e afirmou
:
[...] sempre procurei defender os mais fracos e este é um problema sério.
Diversas pessoas estão para ser despejadas e com este projeto, estão abrindo
uma porta para quem tem vontade e condições de legalizar seus terrenos, mas
quem não tem condições e vontade, não é obrigado a sair. Talvez futuramente
a Prefeitura ou o Estado ajudarão estas pessoas que não tem condições de
adquirir os terrenos.
79
Neste trecho, manifestou-se a vontade do político em resolver o impasse acerca da área em
litígio. O projeto mencionado pelo vereador Sahman referiu-se à remoção de determinadas
famílias por meio da venda de terrenos. Segundo as Atas, a Prefeitura venderia de forma
78
Ata da 21 Sessão Ordinária da Câmara de Vereadores de Torres, realizada em 12/08/1981.p.49.
79
Idem.
facilitada e compensadora para os moradores, lotes em outros locais da cidade, passando a
escritura e o direito de propriedade. Assim, se resolveria o problema do bairro Predial e
dessas famílias que não correriam mais o risco de serem despejadas no momento que
fossem concluídas as ações de reintegração de posse.
Durante toda a década de 80, o processo de litígio sobre a área do bairro Predial teve
continuidade, apresentando como uma das medidas para a alteração do quadro, a formação
da Associação dos Moradores do Bairro Predial, fundada em 12 de dezembro de 1984.
80
A
partir da criação da referida Associação, os moradores tiveram o respaldo legal para lutar
na justiça contra as ações de reintegração de posse movida pelos proprietários da área. No
entanto, esta representatividade legal limitava-se ao quadro das reivindicações junto ao
Executivo, Legislativo Municipal e à FRACAB (Federação Riograndense de Associações
de Bairros). Limitações que apontavam para a responsabilidade, principalmente do
Legislativo em apresentar possíveis soluções para o caso.
nos anos 90, o bairro Predial enfrentou novas etapas rumo a sua legalização. Conforme
Atas da Câmara de Vereadores de Torres, os vereadores continuaram engajados na questão
do bairro. Nesse sentido, o vereador Deomar Goulart (PFL), fez o seu pronunciamento
sobre o problema deste bairro: “[...] gostaria que fosse formada uma Comissão de
Vereadores para auxiliar a Associação do bairro Predial, no sentido de regulamentação de
posse que a Predial Agrícola S/A está movendo contra os moradores”.
81
80
Estatuto de fundação da Associação dos Moradores do Bairro Predial. Obtido no Cartório de Registros de
Imóveis de Torres em setembro de 2003.
81
Ata da 6 Sessão Ordinária da Câmara de Vereadores de Torres, realizada em 08/04/1991.p.15.
A reivindicação do vereador Deomar apontou para a responsabilidade da Câmara na
mediação entre a Associação dos moradores do referido bairro e o Legislativo Municipal,
no intuito de dar o apoio político aos posseiros rumo à legalização da área. Após alguns
meses de atividade dessa Comissão, foi aprovada uma Lei Municipal que visou possibilitar
um acordo entre a Companhia Predial e Agrícola S/A e a Associação dos Moradores do
Bairro Predial.
82
A aprovação da referida Lei indicava o caminho que estava sendo
delineado para o bairro Predial. Isto porque, a referida Lei firmou um compromisso da
Cia.Predial e Agrícola S/A e da Prefeitura de fornecer equipamentos urbanos para os
moradores (maquinário de terraplanagem, etc.) em troca da isenção de pagamento dos
impostos pela empresa proprietária, pelo prazo de dois anos.
A Cia Predial e Agrícola S/A não podia arcar infinitamente com as despesas dos impostos
sobre esta, o que de certa forma, permitiu que essa entrasse em negociação com a Prefeitura
e com os moradores.A situação do bairro Predial apresentava alguma evolução. Em
1994, segundo registros da Câmara de Vereadores de Torres, foi apresentado Projeto e
aprovada a Lei que alterava as estruturas dos lotes do bairro Predial.
83
Estas alterações
referiram-se às dimensões dos lotes e a adequação da ocupação dessa área pelos posseiros.
Essa indicação se faz pertinente, pois o Executivo aprovou a Lei que alterava as estruturas
dos lotes, indo a favor da demarcação feita pelos posseiros, indicando que a área não seria
mais desapropriada. Mesmo porque, a Cia. Predial e Agrícola S/A .terminou perdendo
todos os prazos estabelecidos pela justiça para a apresentação da documentação que
comprovava a propriedade das terras, perdendo com isso, as ações de reintegração de posse,
82
Câmara de Vereadores de Torres. Lei Municipal, 2.518/91 de 30/10/91.
83
Câmara de Vereadores de Torres, Projeto de Lei 2.856/94 de 31/10/94 e Lei Municipal 2.817/94 de 03/11/94.
ficando a cargo da Prefeitura resolver de forma definitiva a situação dos moradores do
bairro.
Nesse sentido, a Prefeitura buscou negociar junto à FRACAB as formas de regularizar os
terrenos para os moradores. Portanto, em meados dos anos 90 o problema do bairro Predial
começou a ser resolvido. Segundo relato do senhor Dani Pereira, líder comunitário do
bairro Predial: “De pra [meados dos anos 90], sentamos pra negociar, agora este ano
já saiu a liberação das escrituras. Então esse bairro está resolvido.”
84
Por fim, na cada de 90 ocorreu o desfecho da história de lutas por espaços urbanos no
bairro Predial, entretanto, os problemas não estavam totalmente resolvidos. As
conseqüências da construção desordenada do bairro acarretaram inúmeros problemas
posteriores. Conforme as Atas da Câmara de Vereadores de Torres e imprensa local, o
bairro Predial apesar de não estar mais sendo alvo de litígios, enfrentava agora problemas
de estrutura urbana graves. Conforme pronunciamento do vereador Luis Carlos Barcelos
(PDT), o bairro Predial necessitava novamente de atenção: “O problema do esgoto pluvial
do bairro Predial está demais. Os moradores estão com muitas dificuldades de construir
suas casas, pois, as ruas estão mal demarcadas e não tem como mexer”.
85
A reclame do vereador Luis Barcelos, apontou para as conseqüências do mau planejamento
do bairro Predial. Um problema relacionado à questão central deste estudo: a ausência de
uma política de planejamento urbano para Torres. Corroborando com esta questão, o
jornal GAZETA, de Torres, publicou uma extensa matéria nos anos de 1996, sobre a
84
Entrevista concedida à autora por Dani Pereira, realizada em abril de 2003.[grifo nosso]
85
Ata da 8 Sessão Ordinária da Câmara de Vereadores de Torres, realizada em 11/03/1996.p.06.
situação dos bairros da cidade. Os dados sobre o bairro Predial não foram satisfatórios,
quanto a questão do esgoto cloacal e da emissão de escrituras aos moradores.
86
Esta matéria publicada na imprensa local teve como intuito, fazer um balanço da situação
dos bairros da cidade, apontando para os problemas que assolavam a vida dos moradores
dos bairros periféricos da cidade, como por exemplo, o Predial. Apontando as
conseqüências da inoperância da municipalidade frente aos problemas sócio-urbanos da
cidade.
Portanto, mesmo com o desfecho positivo sobre a propriedade da área aos posseiros, o
bairro Predial necessitava de uma atenção especial das autoridades locais no intuito de
procurar resolver questões de infra-estrutura tal como: rede de esgoto, calçamento, recuos
de ruas etc. Ações que determinariam a organização do espaço urbano já construído, no
sentido de melhorar as condições de vida da população de baixa renda.
O bairro Getúlio Vargas da mesma forma que o bairro Predial, foi um dos mais antigos
bairros periféricos de Torres e também não era destinado a construções de casas de
veraneio devido a sua localização distante do mar. O bairro Getúlio Vargas está localizado
entre o bairro Predial e o centro da cidade, cerca de 12 quadras do mar a oeste, e possuía os
codinomes: Ronda ou Vila Biasi
87
Tornou-se oficialmente Getúlio Vargas em meados dos
86
O Lado pobre de Torres.GAZETA, Torres. 10 a 17 de maio de 1996, p. 9. Em anexo 5.
87
Chamava-se assim, pois, segundo dados concedidos a autora mediante entrevista com Santino Isaias da Rosa,
a área foi incentivada a ser invadida pelo Prefeito de Torres na época (Guilherme Cléo Biasi), entre os anos de
1977 e 1981.
anos 80, quando foi fundada a Associação dos Moradores do Bairro Getúlio Vargas em
setembro de 1983.
88
Em relação às famílias proprietárias, nos anos 50, a área do bairro Getúlio Vargas foi
arrematada pelas famílias Velhinho e Malmann (da mesma forma que o bairro Predial, pois
eram áreas vizinhas). No final dos anos 70, a área foi vendida para a família Isaac, dona da
Urbanizadora Isaac Ltda, que pretendia utilizar a área para construir um grande loteamento de
luxo.
89
Porém, esta não conseguiu realizar as obras planejadas e a área foi sendo invadida por
posseiros e indevidamente loteada por loteadores clandestinos. Transformando-se
paulatinamente, em um bairro basicamente habitado por moradores de baixa renda, migrantes
internos e trabalhadores da construção civil.
Nos anos 80, a Urbanizadora Isaac Ltda. percebendo que poderia perder a área, devido às
maciças invasões, também entrou na Justiça com pedidos de reintegração. Porém,
diferentemente da Cia. Predial e Agrícola S/A, a Urbanizadora Isaac Ltda. não perdeu os
prazos estipulados pelo Judiciário para a apresentação da documentação que comprovava a
compra da área.
90
Sendo assim, segundo Dani Pereira, presidente da União dos Moradores de Bairros de
Torres, nesta conjuntura, a situação dos moradores do bairro Getúlio Vargas tornou-se
bastante delicada, pois, estes começaram a perder na justiça em todas as instâncias, o direito
de permanecer nos terrenos, muitos deles vendidos ilegalmente por loteadores clandestinos e
88
Conforme Estatuto da Associação dos Moradores do Bairro Getúlio Vargas. Obtido no Cartório de Registro de
Imóveis em setembro de 2003.
89
Dado fornecido em entrevista concedida à autora por Dani Pereira, líder comunitário do bairro Predial e
presidente da União dos Moradores de Bairros de Torres, realizada em abril de 2003.
90
Idem.
imobiliárias, que venderam lotes irregulares à pessoas que desconheciam a situação real da
área. Segundo Dani Pereira:
Quando nos demos por conta, as ações já estavam no Judiciário. E as
pessoas começaram a se desesperar. Muitas delas tinham pagado pelo terreno,
tinham comprado de outro posseiro, ou loteador. que a coisa começou a
ficar complicada.
91
Conforme relato deste depoente, a problemática que girou em torno da formação do bairro
Getúlio Vargas, esteve extremamente calcada na ação dos construtores clandestinos e a
posteriori, agravada pelas ações movidas pelos proprietários, a fim de desapropriar a referida
área. As Atas da Câmara de Vereadores de Torres apresentaram subsídios para compreender a
situação problemática naquela conjuntura do bairro Getúlio Vargas. Assim, o vereador Luiz
Carlos da Silva Barcelos (PDT), representante dos moradores do bairro Getúlio Vargas, fez
seu pronunciamento:
Nós estamos nos organizando para chegar a um acerto com os
loteadores, só que não podemos aceitar o que eles nos oferecem. Nós
queremos dialogar mais uma ou mais vezes com eles, até chegarmos a um
acordo comum, onde aquilo que for dito seja passado no papel, para que
depois seja cumprido. Se o representante do loteamento não quiser chegar até
nós no preço dos terrenos, nos restam duas alternativas, um novo acordo
ou a desapropriação da área pelo senhor Prefeito Municipal.
92
Observou-se que a problemática em torno do bairro Getúlio Vargas era bastante grave e
sem fim anunciado. O pronunciamento do representante dos moradores do bairro Getúlio
91
Entrevista concedida à autora por Dani Pereira, realizada em abril de 2003.
92
Ata da 1 Sessão Ordinária da Câmara de Vereadores de Torres, realizada em 16/01/1983.p.2.
Vargas, mesmo aqui apresentado sob a forma de um fragmento, apontou para o quão
conflituoso foi o processo de formação e expansão dos bairros periféricos da cidade de Torres.
Ao indicar que havia discordâncias entre as lideranças envolvidas no problema, o trecho
da Ata apontou para a quão complicada poderia ser o desfecho desta situação, onde
corajosamente o representante delegou responsabilidades ao Prefeito (Clovis Weber
Rodrigues, PDS), caso não fosse chegado a um acordo entre loteadores e moradores. Os
problemas que envolveram a discussão sobre a propriedade dos terrenos do bairro Getúlio
Vargas atravessaram as décadas de 80 e 90.
Em meados dos anos 90, os problemas acerca do bairro Getúlio Vargas ainda eram
latentes na cidade como percebeu-se nas Atas da Câmara de vereadores de Torres. Segundo
pronunciamento do vereador Jovino Alzemiro Vieira (PMDB): “Por muito tempo vem se
arrastando este problema nesta casa e sem solução. Está na hora de solucionar, os projetos
estão aí, então vamos estudar e votar”.
93
Os projetos referidos pelo vereador Jovino apontaram para a resolução dos problemas do
bairro G. Vargas. Entretanto, ao analisar as Atas da Câmara, observou-se que os mesmos
projetos eram apresentados e reapresentados meses depois, com pequenas alterações. No ano
de 1994, o vereador Cléo Biasi fez pronunciamento na Câmara Municipal sobre o problema do
referido bairro: “As negociações devem continuar [...], pois quase 80% dos posseiros não tem
condições de pagarem pelos terrenos”.
94
Esse pequeno trecho apontou para um dos principais problemas para a resolução do
impasse criado no bairro G.Vargas: o do valor dos terrenos. Onde Urbanizadora Isaac Ltda.
93
Ata da 2 Sessão Extraordinária da Câmara de Vereadores de Torres, realizada em 23/01/1992.p.03.
94
Ata da 16 Sessão Ordinária da Câmara de Vereadores de Torres, realizada em 20/06/1994.p.32.
havia estipulado um valor muito alto aos moradores que queriam ficar na área, e muitos
moradores não tinham condições de pagar pelos seus respectivos terrenos. Em função do alto
preço estipulado pela Urbanizadora Isaac Ltda., a municipalidade teve que buscar alternativas
para que os posseiros pudessem adquirir os terrenos. Segundo as Atas da Câmara de
Vereadores de Torres, o vereador Luis Carlos Barcelos (PDT) fez seu pronunciamento:
Venho aqui chamar a atenção para a reunião realizada entre moradores
do bairro Getúlio Vargas no dia 09/08, onde mais de 100 moradores
manifestaram intenção de comprara os lotes através do Programa Estadual de
Habitação, atreves de financiamento da Caixa Econômica Federal.
95
Conforme a afirmação do político local, as negociações acerca do bairro Getúlio Vargas,
continuavam em meados dos anos 90. Muito discutia-se mas nada de efetivo era realizado.
Tanto que as negociações com a Caixa Econômica Federal não tiveram seguimento, pois, a
área estava ainda em processo de litígio.
O desfecho deste bairro esbarrou também em disputas políticas e devido interesses e
disputas eleitorais, as possíveis resoluções não saíam do papel. Conforme as Atas da Câmara
de Vereadores de Torres, a vereadora Rosane de Freitas Oliveira (PMDB) fez seu
pronunciamento:
Os projetos sobre o bairro Getúlio Vargas entram nessa casa e nunca são
aprovados, porque tem fins eleitoreiros. Não vamos votar se eles não foram
realmente bons, o problema é que querem resolver o problema no início da
outra gestão e com isso atrasam tudo.
96
95
Ata da 18 Sessão ordinária da Câmara de vereadores de Torres, realizada em 14/08/1995.p.27.
96
Ata da 18 Sessão Ordinária da Câmara de Vereadores de Torres, realizada em 05/08/1996.p.72.
Na imprensa local também estavam sendo indicadas as disputas políticas que envolviam o
desfecho da situação do bairro Getúlio Vargas:
Na verdade, por trás da questão existe uma disputa política, pois a
compra da área envolve as 350 famílias de posseiros (cerca de 1.200 votos do
bairro G.Vargas). de um lado, o PPB querendo a solução imediata do
problema, agora antes das eleições e de outro, PMDB/ PDT/PFL querendo
mais prazo para estudar e aprovar a questão, o que significa sua aprovação
depois das eleições [...].
97
Como pode-se perceber, além de todas as dificuldades na resolução do problema sobre os
terrenos do bairro G. Vargas, a questão envolvia disputas políticas que dificultaram a
resolução deste problema sócio-urbana em Torres. Corroborando com essa percepção,
alguns vereadores mostraram-se incomodados com a demora da aprovação dos projetos
sobre o bairro. Em pronunciamento, o vereador Luis Carlos Barcelos (PDT) indicou o seu
descontentamento
:
Eu esperava que fosse hoje aprovado o projeto de Suplementação que
visa beneficiar 350 famílias do bairro Getúlio Vargas, que desde 1976 vem
tentando a legalização de seus terrenos. Estou muito desapontado, quanto
tempo mais isso vai se arrastar?
98
A situação dos moradores do bairro G. Vargas esbarrava, portanto, na falta de vontade
política dos vereadores que não estavam encarando com a devida seriedade o problema social
naquele bairro. No entanto, após muitos anos de litígio e disputas políticas, finalmente foi
97
Suspensas negociações dos terrenos do bairro Getúlio Vargas.GAZETA, Torres. 15 a 23 de agosto de 1996,
p.14.
98
Ata da 24 Sessão Ordinária da Câmara de Vereadores de Torres, realizada em 16/09/1996.p.95.
aprovado pelo Legislativo Municipal a Lei 56/96 que autorizou o Poder Executivo Municipal,
a solucionar de forma definitiva, o problema que envolveu cerca de 350 famílias do bairro
Getúlio Vargas, desde final dos anos 70.
99
A referida Lei, possibilitou e facilitou a negociação entre moradores e a Urbanizadora
Isaac Ltda. pelos terrenos. Afinal, esta havia ganhado na justiça o litígio sobre a área. No
entanto, muitas outras famílias não pagaram pelos seus terrenos. O que manteve ainda durante
algum tempo, uma constante apreensão sobre estes moradores. Segundo relato de Dani
Pereira, presidente da União dos Moradores dos Bairros de Torres:
É que tem gente que mora ali 60 anos. Tem algumas pessoas que já
negociaram a área, pagaram, mas outros o pagaram nada ainda e estes
correm o risco de serem despejados.
Enquanto não houver um acerto aqui entre as partes, isso não vai se
resolver nunca!
100
Conforme a colocação do Presidente da União dos Moradores de Bairros de Torres, a
situação do bairro Getúlio Vargas foi resolvida parcialmente. Isto porque, muitos moradores
não possuíam condições de pagar pelos terrenos. Tanto que a matéria do jornal GAZETA
apontou para a questão das escrituras dos terrenos como a maior reivindicação dos
moradores.
101
Uma reivindicação que atravessou 30 anos da história de Torres e que parece
não ter fim. Assim, diferentemente do bairro Predial, o Getúlio Vargas não obteve um
desfecho totalmente positivo, porque muitas famílias não puderam pagar pelos terrenos. Por
99
Ata da 17 Sessão Ordinária da Câmara de Vereadores de Torres, realizada em 05/10/1996.p.81.
100
Entrevista concedida à autora por Dani Pereira, realizada em abril de 2003.
101
O Lado pobre de Torres. GAZETA, Torres. 10 a 17 de maio de 1996, p.9. Em anexo 5.
fim, o problema foi solucionado parcialmente, indicando que este ainda merece atenção das
competências locais.
O bairro Curtume compreendia uma área que se localizava depois do bairro Porto Alegre
(a oeste) e da mesma forma que os anteriores, o tinha como destino a construções de casas
de veraneio (devido à distância do mar e a falta de infraestrutura), sendo uma área constituída
basicamente por moradores da cidade.
O peculiar sobre a formação do bairro Curtume, é que parte dele foi destinado a reassentar
alguns moradores que foram removidos das áreas limite com o Parque Estadual da Guarita nos
anos 60. Desde medos dos anos 50, já havia por parte de membros da elite dirigente local,
regional e empresários do setor turístico e hoteleiro, a intenção de criar um Parque Estadual de
Proteção Ambiental e Paisagística.
102
Segundo relato do senhor Santino Isaias da Rosa: “Eles
queriam fazer um enorme Parque ali, um exagero. Mas não conseguiram manter o
compromisso com as famílias donas da área [...]. Compraram a área, mas não puderam pagar.
[o Estado]”.
103
O Estado, portanto, teria comprado nos anos 60 das famílias proprietárias, uma extensa
área para a criação do Parque. Uma área que abarcava toda a extensão do que hoje é o bairro
São Francisco e parte leste do bairro Curtume. Segundo Chaieb, desde final dos anos 60 se
observavam na cidade tensões referentes às desapropriações da área para a criação do Parque
Estadual da Guarita.
104
Porém, este autor não aborda a problemática social que envolveu a
102
Entrevista concedida à autora por Santino Isaias da Rosa, realizada em julho de 2002.
103
Entrevista concedida à autora por Santino Isaias da Rosa, realizada em julho de 2002. [grifo nosso]
104
CHAIEB. José. (org) Memórias da SAPT. Porto Alegre: [s.e], 1996.p. 90.
criação do referido Parque, no que dizia respeito à remoção e assentamentos dos moradores no
bairro Curtume,
105
indicando apenas as tenções políticas sobre a questão.
A SAPT envolveu-se na luta para preservar as belezas de Torres,
conseguindo com o prestígio de integrantes do seu quadro social, que o
Governo do Estado levasse a bom termo uma reivindicação antiga: a
desapropriação da Guarita, para que essa não caísse na mão de especuladores
imobiliários.
106
No entanto, sabe-se que devido à demora para a criação do Parque, a área foi sendo
invadida ao longo dos 1960 e início dos 70. Tanto pelos citados posseiros, em busca dos
empregos gerados pela indústria da construção civil, quanto como por veranistas atraídos
pelos baixos preços dos terrenos dos loteadores clandestinos.
107
Nesse contexto foi que o bairro Curtume apresentou uma peculiaridade na sua formação
em relação aos outros bairros. Isto porque, alguns moradores da ala leste do bairro Curtume
(que fazia divisa com o bairro São Francisco), teriam que ser removidos para a ala oeste do
bairro (que não pertencia à delimitação do Parque).
Portanto, havia três situações problemáticas engendradas na questão da criação do Parque
da Guarita: 1) era a vontade do Estado em remover as famílias assentadas na área que hoje é o
bairro São Francisco e da área leste do bairro Curtume, todas para a ala oeste deste. Para que o
Parque fosse finalmente criado. 2) enquanto algumas famílias eram removidas, outras vinham
105
As considerações implícitas no Livro Comemorativo aos 60 anos da SAPT, indicam que esse não possuiu o
intuito de analisar os processos espoliativos que a conturbada criação do Parque da Guarita promoveu.
Abordando apenas a importância da criação do mesmo, visando a questão turística e ambiental, desconsiderando
o problema sócio-habitacional que os moradores locais tiveram que enfrentar.
106
CHAIEB, J.op.cit.p.90.
107
Um processo chamado de Especulação Branca.
se instalar nessa área. 3) O Estado não estava conseguindo honrar o compromisso financeiro
firmado com as famílias proprietárias.
Sendo assim, a dinâmica que envolveu os processos de reassentamento, desapropriações e
invasões, ocorreu de forma muito tensa e confusa no bairro Curtume. Ao mesmo tempo em
que a Prefeitura indicava (mesmo que de forma imediatista e precária), locais para reassentar
os moradores das áreas desapropriadas pelo Estado, novas invasões iam surgindo a cada dia,
removia-se cinco famílias na semana seguinte haviam outras cinco instaladas no mesmo local.
No final dos anos 60, o Estado do Rio Grande do Sul, não podendo honrar com o
compromisso feito às famílias donas da área que inicialmente iria abarcar o Parque, teve que
devolver a área a elas. No entanto, algumas famílias que moravam na ala leste do bairro
Curtume já haviam sido transferidas para a ala oeste.
Após muitos anos de negociação, desapropriações e assentamentos, o Estado
impossibilitado de manter o negócio, resolveu devolver a área que hoje compreende ao bairro
São Francisco às famílias proprietárias. Em 1971, o Estado foi re-delimitou a área, deixando-a
menor
108
para a criação do Parque Estadual da Guarita.
Portanto, o Estado agiu de forma precipitada removendo as famílias de moradores do
local, sem cumprir com o compromisso financeiro com os donos da área. Entende-se que as os
maiores prejudicados foram os moradores que tiveram de ser removidos para o bairro Curtume
sem necessidade, agravando a situação deste bairro que também não era regular.
No intuito de compreender a ação da municipalidade nesta questão, a partir das Atas da
Câmara de Torres, observou-se a movimentação do Legislativo Municipal no intuito de
procurar legalizar os terrenos dos moradores removidos em função da criação do Parque da
108
A área que compreende o atual Parque Estadual da Guarita
Guarita: “Oficio 143/78, com o Projeto de Lei 08/78, Autoriza o Poder Executivo
Municipal a escriturar aos moradores em terrenos da Prefeitura no bairro do Curtume, que
foram transferidos da área do Parque da Guarita”.
109
A partir da Atas do Legislativo Municipal, ficou evidente que a ala oeste do bairro
Curtume seria utilizada para o reassentamento de moradores removidos da área do Parque (ala
leste, mais próximo ao mar) e que a Prefeitura estaria escriturando os terrenos para aqueles
que aceitassem ser removidos.
A produção do espaço urbano do bairro Curtume, não deveu-se apenas a ação dos
posseiros, mas também da Prefeitura e do Estado ao assentar famílias que estavam sendo
removidas dos limites do Parque Estadual da Guarita. Mesmo com o assentamento de
moradores removidos de outras áreas pela própria Prefeitura para o bairro Curtume, percebeu-
se através das Atas da Câmara de Vereadores de Torres, que a situação deste não condizia com
o ideal de um bairro fiscalizado pela Prefeitura.
Em discussão o requerimento do vereador Faustino[ARENA] solicitando
a iluminação no bairro Curtume. O autor alega ter feito três requerimentos
pedindo a iluminação no Curtume, mas que não foi atendido, por isso mais
uma vez está solicitando, sendo que esta Comunidade está pedindo a
iluminação há bastante tempo.
110
Este trecho subtraído das Atas da Câmara refere-se à instalação de equipamentos de
sustentação urbana no bairro Curtume, indicando a falta de planejamento urbano do Executivo
Municipal.A administração municipal agiu de forma imediatista, importando-se apenas em
109
Ata da 2 Sessão Ordinária da Câmara de Vereadores de Torres, realizada em 20/03/1978 p. 62.
110
Ata da 3 Sessão Ordinária da Câmara de Vereadores de Torres, realizada em 26/03/1978.p18.[grifo nosso]
reassentar famílias na ala oeste do bairro, independente das condições de infra-estrutura
urbana do local.
Portanto no final dos anos 70, estabeleceu-se um impasse entre a municipalidade, o Estado
e as famílias proprietárias. As famílias Sperb, Capelli e Bastian, ao receberem as suas
respectivas áreas de volta, (as áreas que originalmente seria o Parque) o contavam que elas
fossem devolvidas invadidas. Estas famílias descontentes com o fracasso do negócio e com a
situação das suas respectivas áreas entraram na justiça pedindo reintegração de posse contra o
Estado que era o responsável pela criação do Parque. O Estado acabou perdendo os prazos
para recorrer das decisões judiciais, indicando que as famílias proprietárias, conforme as
ações, teriam que ser indenizadas pelas suas perdas.
111
Nos anos 90, a municipalidade procurou realizar ações no sentido da legalização e
planejamento da ocupação da área. Conforme registros da Câmara Municipal, a Prefeitura
comprou uma área de 2.557 metros quadrados da Urbanizadora Isaac Ltda e aprovou a Lei
2.696/93 criando o loteamento popular chamado Vila Nova. De acordo com o Artigo 3 da
referida Lei, esta teve como intuito assentar cerca de vinte famílias de baixa renda como
também criar uma horta comunitária.
112
Porém, segundo relato de Dani Pereira, presidente das
da União dos Moradores de Bairros de Torres, os moradores desta área até os dias de hoje não
possuem as escrituras dos seus terrenos: “A luta pelas escrituras continua até hoje, não
sabemos quando vai terminar. [...] a Prefeitura loteou, mas não regularizou toda a área”.
113
111
Queriam a desapropriação da área.
112
Lei Municipal 2.696/93 de 05/10/1993. Em anexo 4.p
113
Entrevista concedida à autora por Dani Pereira, realizada em abril de 2003.
Ao longo dos anos 90, os moradores do bairro Curtume esperaram receber as escrituras
que regularizariam a posse de seus terrenos, Entretanto, em matéria publicada no jornal
GAZETA, a maior reivindicação feita pela população do bairro Curtume referiu-se à
implantação das redes de esgoto.
114
Demonstrando mais uma vez que os processos de
desapropriação e reassentamento tinham cessado, mas que os bairros periféricos da cidade
mereciam mais atenção, no sentido de propiciar melhores condições de habitação aos
moradores de baixa renda.
A história da formação do bairro São Francisco foi marcada por práticas de invasões,
desapropriações e construções clandestinas, como os outros bairros estudados.
115
A região que
compreende hoje o bairro São Francisco está compreendida entre as ruas Alfiero Zanardi (a
leste) rua Leopoldino João da Rosa (a norte), rua 19 de junho (ao sul) junto à divisa da área de
revitalização urbana hoje chamada de Riacho Doce.
116
Uma região onde existiam dunas de areia até o final dos anos 60, quando começou a
ocupação da área através do sistema de posse. A atuação dos posseiros no bairro São
Francisco, gerada pelo déficit habitacional da cidade e pelo crescimento demográfico,
aconteceu em uma das áreas mais belas e próximas ao mar. Segundo Lúcia Lippi Oliveira,
devido estas características, essas áreas são consideradas, ambientalmente vulneráveis.
117
E são assim denominadas, conforme esta autora, por possuírem características físicas e
naturais que devem ser resguardadas da urbanização. Seja pelo impacto que provoca sobre a
114
O lado pobre de Torres. GAZETA, Torres.10 a 17 de maio de 1996.p.9.
115
Uma das particularidades acerca da constituição do bairro São Francisco, reside no fato da autora deste estudo
ter sido criada naquela comunidade, onde pôde visualizar alguns “crimes” realizados contra os moradores locais,
talvez por isso, a riqueza de detalhes acerca deste bairro em especial.
116
Ver mapa página 95.
117
XAVIER, Hélia N. Gestão Urbana das Cidades Brasileiras: Impasses e Alternativas. In: OLIVEIRA, Lúcia
Lippi. (org).Cidade: Histórias e Desafios.Rio de Janeiro: FGV, 2002.p.289.
estrutura frágil, seja pelos riscos que representa para a integridade de seus recursos naturais
No entanto, Torres não possuía nos anos 60, 70 e 80 uma política de planejamento urbano que
balizasse e diferenciasse as áreas periféricas da cidade,
118
fossem elas urbanizadas ou não. Ou
seja, não possuía uma política de uso e ocupação do solo que permitisse a proteção dessas
áreas. E a região do bairro São Francisco, foi uma das preferidas pelos posseiros, devido a sua
proximidade com o mar e com o centro da cidade.
Acontece que a área referida pertencia à família Bastian, que havia negociado-a com o
Estado em função da criação do Parque Estadual da Guarita, portanto, a questão do Parque,
também esteve engendrada também na formação do bairro São Francisco mesmo ainda no
final dos anos 60. A criação do Parque Estadual da Guarita seria a justificativa para a uma
posterior desapropriação da área. Porém, em função do não cumprimento dos acordos iniciais
entre os proprietários e o Estado, a área foi devolvida à família Bastian e o Parque então, re-
demarcado. Cerca de 70% da área foi devolvida pelo Estado aos Bastian e o Parque ficou
reduzido ao seu tamanho atual, como apontam as fotografias a seguir.
8)Limite do atual Parque Estadual da Guarita, em 1982.
118
O Plano Diretor de Torres, conforme analisado anteriormente, foi aprovado em 1995. Portanto, a partir
de meados dos anos 90 é que Torres possuiu um plano de desenvolvimento urbano que abordou de forma
técnicas as especificidades das áreas urbanas da cidade. Ver Plano Diretor em anexo 3.
Fonte: Fotografia particular da autora.
9) Limite do Parque Estadual da Guarita, com a rua Alfiero Zanardi, em 1990.
Fonte: Fotografia particular da autora.
A primeira fotografia de 1982 aponta para a demarcação atual da área do Parque
Estadual da Guarita, onde este havia sofrido recentemente o processo de reflorestamento
elaborado pelo ambientalista José Lutzenberger e pelo paisagista Burle Max.
119
No plano
119
O ambientalista Jo Lutzenberger foi contratado pelo Estado, após a demarcação final da área do Parque
Estadual da Guarita para realizar o plano de reflorestamento da área. Foram plantadas na região do Parque
inúmeras espécies de plantas, árvores, arbustos e flores resistentes à maresia e adaptáveis ao meio arenoso do
solo. Ver em LUTZENBERGER, José. Ecologia: do jardim ao poder. Porto Alegre: 1985.p.89-91. Entretanto,
segundo relato do senhor Santino Isaias da Rosa, realizado em julho de 2002, foi plantado no Parque um tipo de
central visualiza-se o Restaurante da Guarita e a demarcação do limite do Parque com o
cordão de pinheiros ainda pequenos. No segundo plano visualiza-se a vasta área de dunas de
areia com uma considerável ocupação de casas, região exata onde se construiu posteriormente
o primeiro Centro Comunitário São Francisco, na área que compreende hoje o bairro São
Francisco.
A segunda fotografia do ano de 90, apresenta uma outra ocupação da área. Da mesma
forma que a anterior, ela enfoca a região do atual Parque Estadual da Guarita, onde no
primeiro plano pode-se observar o desenvolvimento do projeto de reflorestamento da área. No
plano central encontra-se o Restaurante da Guarita e o limite do Parque atual, delimitado pelo
cordão de pinheiros desenvolvidos, e ao fundo visualiza-se além de dunas de areia parte do
bairro São Francisco e do Riacho Doce. Estes bairros estão localizados na área que
originalmente nos anos 60 seria originalmente o Parque Estadual da Guarita. Conforme
imagem, percebe-se que o bairro São Francisco, realmente estava inserido na área destinada ao
que seria inicialmente o Parque Estadual da Guarita.
A partir do momento em que foi feita a devolução da área para a família Bastian, começou
uma importante etapa do processo de legitimação e organização espacial do bairro São
Francisco. Pois, a família Bastian começou a mover ações de reintegração de posse. Segundo
Santino Isaias da Rosa, ex-líder comunitário do bairro São Francisco: “Lá por 84, 85 vieram
os Bastian, começou a negociação pela área. Foi muito difícil, pra nós. Precisávamos nos
vegetação que não era a original do local, como Pinos e a Pita. Fora as inúmeras cobras levadas pelo
ambientalista para o Parque no intuito de equilibrar o ecossistema da região.
reunir e nos organizar senão teríamos que sair da área. [...] foi o único jeito de reivindicar os
nossos direitos”.
120
Conforme Santino, da mesma forma que nos bairros Predial e Getúlio Vargas, os
moradores do bairro São Francisco, organizaram-se e fundaram em 1984, a Associação dos
Moradores do Bairro São Francisco, no intuito de reivindicar seus direitos junto a
Prefeitura.
121
Nesta conjuntura, os até então “pretensos” proprietários da área (a família
Bastian), conseguiu provar na justiça que ara realmente dona da área. Entrando imediatamente
com os pedidos de reintegração de posse contra os posseiros, junto ao judiciário Estadual.
O que a família Bastians não esperava é que haveria uma grande mobilização da
comunidade local no intuito de legitimar e garantir a permanência no local. Principalmente
através da atuação da Associação dos Moradores do Bairro São Francisco (AMBSF). Santino
Isaias da Rosa, membro fundador da Associação dos Moradores do Bairro São Francisco, em
depoimento relatou o objetivo da referida Associação
:
[...] a gente criou a Associação, fundou, registrou, tudo bonitinho. Em 84
vieram os Bastians para a desapropriação, dizendo que tinham feito acordo.
Se era deles, eles provaram que era deles, o Estado, a Justiça deu reintegração
de posse, eu não vou discutir nem brigar contra a justiça. Agora, quero
amparo para essa gente!
122
A fala do depoente indica as aspirações da AMBSF como grupo organizado dentro da
comunidade local, que tinha como objetivo resolver o problema e não incentivar o conflito.
120
Entrevista concedida à autora por Santino Isaias da Rosa, ex-líder comunitário do bairro São Francisco.
Realizada em julho de 2002.
121
Conforme Estatuto de fundação da Associação dos Moradores do Bairro São Francisco, fundado em 3 de
março de 1984. por Santino Isaias da Rosa. Documento obtido no Cartório de Registro de Imóveis de Torres em
setembro de 2003.
122
Entrevista concedida à autora por Santino Isaias da Rosa, realizada em julho de 2002.
A referida Associação conforme relato de Santino da Rosa, não tinha como objetivo
subverter a Lei nem desobedecer às decisões judiciais. Tinha como finalidade prestar apoio
às famílias de moradores do bairro, e lutar para que essas não fossem despejadas sem ter
para onde ir.
Entretanto, procurou pressionar as famílias proprietárias e a elite dirigente da cidade no
intuito de buscar alternativas para a situação da área que não fosse a remoção, uma vez que os
moradores estavam sujeitos a perderem suas casas e terrenos. A Associação dos Moradores do
Bairro São Francisco, nesse sentido, decidiu construir sobre a área em litígio, um centro
comunitário, o Centro Comunitário São Francisco.
Conforme o relato de Santino Isaias da Rosa, a construção deste C.C.S.F contou com a
partição em massa dos moradores da área, através de doações de materiais de construção,
dinheiro e também de mão-de-obra. Segundo Santino: “O pessoal ajudou como pôde, davam o
que tinham, em dinheiro, material e mão-de-obra [...] .Foi assim que fomos construindo o
Centro Comunitário, com ajuda de todo mundo.”
123
Como referido anteriormente, estes eram na sua maioria trabalhadores da construção
civil. De certa forma, essa ação coletiva liderada por membros da própria comunidade,
demonstrava a esperança e confiança da comunidade local em intervir de forma mais
organizada e eficaz junto aos poderes locais, na intenção de permanecerem na área e
posteriormente regularizarem seus terrenos. Segundo o mesmo depoente: “[...] era a esperança
123
Entrevista concedida à autora por Santino Isaias da Rosa, realizada em julho de 2002.
de todo mundo, a construção do Centro Comunitário deu força pra nós na luta pela área, fomos
mais ouvidos por isso [...].”
·124
O Centro Comunitário São Francisco, além de legitimar a atuação da comunidade frente
ao problema das desapropriações, serviu ao mesmo tempo, de sede para missas, reuniões,
bailes, festejos religiosos etc. Ações que tinham como intuito arrecadar fundos para a
comunidade e fortalecer as expectativas na batalha contra o medo de a desapropriação.
Outra medida adotada pelo Centro Comunitário São Francisco foi a criação do Clube de
Mães Santa Cecília.
125
Este Clube de Mães teve como sede o próprio Centro Comunitário
São Francisco e também possuiu a característica de legitimar a atuação e organização da
comunidade local. Isto porque, este era formado basicamente por senhoras moradoras do
bairro, que desenvolviam oficinas de trabalhos manuais, catequese para as crianças da
comunidade, chás beneficentes, etc. A intenção da fundação do Clube de Mães Santa Cecília,
era de ampliar as atividades sócio-culturais do Centro Comunitário São Francisco e
conseqüentemente uniu-se ao ideal de legitimar o bairro São Francisco.
Além disso, poderia desempenhar uma certa pressão emocional junto às famílias
proprietárias, fazendo com que essas repensassem ou até reconsiderassem as suas ações
judiciais de desapropriação e despejo na área. Conforme o relato de Santino Isaias da Rosa,
muitas foram às tentativas de negociação entre moradores, proprietários e Prefeitura:
“Negociamos e renegociamos muitas vezes. Perdi a conta de quantas reuniões com a
FRACAB, com os advogados dos Bastian, com a Prefeitura e Governo. Mas não teve jeito.”
126
124
Entrevista concedida à autora por Santino Isaias da Rosa, realizada em julho de 2002.
125
Segundo Santino Isaias da Rosa, fundado em 1984 pela senhora Floriza Terezinha Tassinari Graciano.
126
Entrevista concedida à autora por Santino Isaias da Rosa, ex-líder comunitário do Bairro São Francisco,
realizada em julho de 2002.
Como aponta o relato do senhor Santino, mesmo com todo o empenho para que fosse dado
um desfecho pacífico à situação, na medida que o tempo passou e que as ações de reintegração
de posse foram expedidas pela Justiça, algumas famílias infelizmente presenciaram a
demolição das suas casas, como a comunidade do bairro também presenciou a demolição do
Centro Comunitário São Francisco.
127
A Associação dos Moradores do Bairro São Francisco, apesar de todo o esforço para que
não ocorressem as demolições, não conseguiu fazer com que os proprietários desistissem da
área. No intuito de procurar solucionar a questão de forma racional e pacífica, a AMBSF
passou a reivindicar junto à municipalidade e à família Bastian, a permanência dos moradores
que haviam comprado. Então entre os anos de 1987, 88 e 89, através de inúmeras negociações
com os advogados da família Bastian, Adriano Cesta e Paulo Camargo, com a Prefeitura
Municipal de Torres e Associação dos Moradores do Bairro São Francisco, foi negociada uma
área para que fossem reassentados os moradores expulsos do bairro.
A área indicada pela Prefeitura localizava-se no chamado Faxinal
128
próximo à saída da
cidade. Cabendo indicar que esta não estava devidamente loteada, ou seja, não haviam ruas
abertas, terrenos demarcados, luz ou calçamento. Mas de certa forma, resolveria o problema
de quem não tinha para onde ir, devido à desapropriação do seu terreno. No decorrer dos anos
90, a AMBSF foi reivindicando a instalação dos equipamentos de sustentação urbana para a
área, surgindo assim o bairro São Jorge. Bairro considerado por rcio Biasi, arquiteto da
127
Por volta de 1988, presenciei infelizmente a demolição de algumas casas no bairro São Francisco (onde morei
até os 15 anos). Lembro-me de mulheres chorando, da Brigada Militar sendo acionada no intuito de retirar as
pessoas de dentro das casas para que fosse realizada a demolição. Em contrapartida, lembro-me também das
casas de madeira sendo carregadas por carros-de-boi que passavam em frente à minha casa. Casas de famílias que
aceitaram a remoção para o bairro São Jorge. Desfechos distintos para um problema sem fim anunciado. O
Centro Comunitário São Francisco foi demolido no início dos anos 90 e construído na rua Boa Vista.
128
Ver mapa da página.95.
Prefeitura Municipal de Torres um dos mais regulares da cidade em termos de malha urbana,
ou seja, com uma ocupação relativamente planejada. Para Biasi:
O bairro o Jorge apesar da característica que o fundou, é um dos que
possui a sua malha urbana mais contínua. No momento em que a área foi
vendida, ela foi demarcada, os lotes cercados, e as ruas abertas, tudo
geometricamente planejado.
129
Como apontou Biasi, a desapropriações realizadas no bairro São Francisco, pelo menos
foram responsáveis pela construção de um bairro considerado regular do ponto de vista da sua
malha urbana. Nessa conjuntura de negociações sobre o futuro dos moradores do bairro São
Francisco, ainda nos anos 80, surgiram algumas peculiaridades. Segundo relato de Santino
Isaias da Rosa foram identificados pela Associação, indícios de que não trabalhadores da
construção civil, do comércio local, pescadores e aposentados, haviam invadido a área:
No momento que nós realizamos o levantamento das famílias para o
reassentamento no São Jorge, percebemos que muitos dos posseiros não
moravam em Torres. Eram veranistas ou tinham casa na cidade. E eles
queriam também, como os moradores ganhar novos terrenos.
130
Para o ex-líder comunitário, este foi um grande problema enfrentado pela AMBSF. Pois,
os veranistas que haviam invadido ou comprado de outros posseiros terrenos na área do bairro
São Francisco estavam querendo ganhar terrenos no bairro São Jorge. Foi descoberta também
que alguns posseiros possuíam outras casas na cidade. Conforme relato de Santino, 80% dos
129
Entrevista concedida à autora por Márcio Biasi, arquiteto da Prefeitura Municipal de Torres, realizada em
julho de 2002.
130
Entrevista concedida a autora por Santino Isaias da Rosa, ex-líder comunitário do bairro São Francisco,
realizada em julho de 2002.
posseiros moravam no bairro São Francisco e outros 20% ou não moravam em Torres ou
possuíam imóvel na cidade.
131
Esta prática especulativa gerou um grave problema tanto para a Associação dos Moradores
do Bairro São Francisco quanto para a Prefeitura. Para a Prefeitura que não tinha como
controlar as invasões negava-se a conceder lotes para pessoas de fora da cidade (veranistas) e
para aquelas que possuíam outro imóvel em Torres. Para a Associação, porque esta não
tinha argumento moral para reivindicar terras para pessoas de fora da cidade e nem como
comprovar quem morava ou não na cidade.
Um importante agravante nesta já complicada situação ocorreu em função de alguns
proprietários de casas de veraneio situadas na área destinada à desapropriação, terem
comprado os seus terrenos de especuladores imobiliários. Pessoas que possivelmente sabiam
da situação incerta da área, mas, estavam mais interessados no lucro certo ou que não
acreditavam que a área seria realmente desapropriada. Segundo Santino Isaias da Rosa:
“Mesmo com as ações continuaram a vender terrenos, eu tentei alertar, mas não adiantou.
Muita gente comprou terrenos confiando. Não sabiam direito o que estava acontecendo [...].
Não foram alertadas entende?
132
A situação do bairro São Francisco foi sem dúvida a mais complicada e demorada de todos
os bairros que passaram por disputas e desapropriação de terras. Pois, foram múltiplos os
aspectos que permearam a sua história, calcada em muitas disputas políticas, econômicas,
sociais e judiciais. Esta situação, apesar de ter chegado ao seu ápice em meados dos anos 80,
131
Idem. Segundo Santino, cerca de 80 famílias moravam no local, mas não havia uma contabilização geral de
todas as famílias que estavam na área. Isto porque, muitos terrenos invadidos não pertenciam a moradores e sim á
veranistas. Esta situação agravou a tensão na área, devido à falta de consciência destes veranistas em permanecer
em uma área de litígio. Quem realmente necessitava, ou seja, os moradores, acabaram sendo reassentados no
bairro São Jorge, onde muitos permanecem até os dias de hoje.
132
Entrevista concedida à autora por Santino Isaias da Rosa, realizada em julho de 2002.
encontraria resolução no final dos anos 90. Foi quando a família Bastian percebeu que não
iria conseguir remover todas as famílias do local e fez um acordo com a Prefeitura, ficando
apenas com uma parte da área a ela pertencente e praticamente desistindo das demais.
133
Este recuo da pela família Bastian, entre os anos de 1988 e 1992, ocorreu principalmente
pela recusa de muitas famílias de moradores em sair dos respectivos terrenos, incentivando
outros a invadir e re-invadir a área.
134
Uma dinâmica de avanço e recuo que não favoreceu a
resolução total do problema. Nesse sentido, as Atas da Câmara de Vereadores de Torres dos
anos 90, tratam da disputa acerca da área do bairro São Francisco. Onde o vereador Evaldo de
Souza Cardoso (PDS), fez o seu pronunciamento sobre a viagem que fez a Porto Alegre, para
tratar com o Governo Estadual a questão do referido bairro:
O Governo foi categórico e disse que o Estado não vai desapropriar. O
advogado disse que era barato o valor da área, então o Governador disse que
o Prefeito desapropriasse que o Estado pagava. Mas nós sabemos que os
Bastian não querem vender a área e sim desapropriá-la.
135
Conforme as Atas da Câmara, o desfecho do processo de litígio sobre a posse da área
ainda estava indefinido no início dos anos 90. A municipalidade estava tentando negociar com
o governo Estadual, mas este não queria comprometeu-se com a desapropriação total da área.
Passando a responsabilidade desta ação para a municipalidade, num jogo de empurra-empurra
que não apresentava soluções para a questão. Enquanto as autoridades locais furtavam-se a
133
A família Bastian desistiu da área norte do bairro que estava extremamente ocupado, ficando com a área sul
que estava menos ocupada.Ver mapa p 95.
134
Segundo relato der Santino Isaias da Rosa, realizada em julho de 2002, cerca de apenas 50 famílias das 80 que
possuíam terrenos no local foram removidas, ou seja, 30 famílias permaneceram na área.
135
Ata da 12 Sessão Ordinária da Câmara de Vereadores de Torres, realizada em 11/06/1990.p.28.
tomar decisões para resolver o problema, muitas começaram a voltar pouco a pouco para o
bairro. Uma atitude que comprometeu o trabalho de remoção que havia sido feito a partir dos
anos 80.
A situação do bairro São Francisco no final dos anos 90, ainda não havia sido totalmente
resolvida. Algumas escrituras de usucapião começavam a ser emitidas aos moradores e a
família Bastian que parecia estar conformada com a área desapropriada. Entretanto, em 1996,
segundo a referida matéria publicada no jornal GAZETA, o bairro São Francisco, como o
Predial, Getúlio Vargas e Curtume, ainda necessitava de uma série de melhorias urbanas.
Cerca de 1.400 famílias ainda estavam vivendo sob a incerteza de possuir a escritura e com o
esgoto cloacal a céu aberto. Sendo estas, conforme a GAZETA, as maiores reivindicações dos
moradores deste bairro.
136
A formação do bairro o Francisco, desde os anos 60 sofreu as indefinições dos poderes,
onde nos anos 90 este conseguiu estabelecer uma certa estabilidade quanto a sua situação
irregular. Sendo o único que teve como desfecho, o reassentamento planejado de grande parte
da sua população. Uma situação que apesar de não ser a desejada pelos moradores da área
aponta para uma certa consciência das autoridades locais sobre o grave problema habitacional
da cidade.
O bairro São Jorge, como referido anteriormente, possui a história da sua formação
totalmente calcada na questão da desapropriação do bairro São Francisco. A Prefeitura
Municipal de Torres, no intuito de resolver o problema social que estava assolando o bairro
São Francisco em função do litígio da família Bastian, destinou uma área próxima à saída da
cidade para reassentar as famílias que tivessem os seus terrenos desapropriados pela justiça.
136
O lado pobre de Torres. GAZETA, Torres. De 10 a 17 de maio de 1996, p.9. Em anexo 5.
Segundo Dani Pereira, presidente da União das Associações de Moradores de Torres, o
bairro São Jorge formou-se em três partes. Onde uma era particular, destinada a pessoas que
queriam adquirir terrenos na região, uma parte invadida por posseiros que pertencia
originalmente à COHAB
137
e a outra que pertencia a Prefeitura.
138
A invasão de parte do bairro São Jorge deu-se mediante a falta de conclusão das obras de
infra-estrutura e das casas que a Prefeitura havia prometido para as famílias que teriam suas
casas demolidas no bairro São Francisco. Uma atuação que apontou mais uma vez para o
descaso da Prefeitura Municipal, pois, uma vez desapropriados os seus terrenos, as próprias
famílias tiveram que terminar a construção das casas. Casas que teriam que ser construídas
com a utilização da verba que já havia sido liberada pelo Governo Estadual. Nesse sentido,
segundo Dani Pereira: “[...] a verba existia, mas não foi totalmente aplicada no bairro. O
pessoal vendo a demora começou a invadir e terminar as casa. [...] precisavam se instalar”.
139
Mesmo sabendo que o bairro havia sido criado pela atuação da municipalidade, os
moradores do São Jorge perceberam que era necessária a organização dos moradores do
bairro. Uma organização que tivesse o intuito de buscar junto às autoridades locais, as
possíveis melhorias para a área. Foi então, em 24/03/1990, criada a Associação dos Moradores
do Bairro São Jorge.
140
Da mesma forma que as demais Associações de Bairros, esta foi
fundada em um momento em que a população necessitava de amparo legal, no que se referia a
sua situação de área de reassentamento. Desta forma, segundo Kowarick:
137
Segundo relato de Dani Pereira, realizado em abril de 2003, A atuação da COHAB na formação do bairro São
Jorge, foi muito misteriosa. Pois, foi começada a construção de algumas casas na área, mas estas não foram
concluídas, indicando um possível desvio de verbas.
138
Entrevista concedida à autora por Dani Pereira, realizada em abril de 2003.
139
Idem.
140
Estatuto de fundação da Associação dos Moradores do Bairro São Jorge. Obtido no Cartório de Registros de
Imóveis de Torres em setembro de 2003.
A condição do morador urbano, se não significa o acesso a determinados
bens, abre, pelo menos em princípio, o caminho para reivindicar sua
obtenção. Este parece ser o sentido dos movimentos populares organizados
em torno de moradores, que atreves de associações [...] procuram obter certas
melhorias consideradas indispensáveis.
141
Conforme este autor, a organização social dos moradores significou, de certa forma, a
legitimação do grupo. Possibilitando que este buscasse a melhoria da sua condição de vida e
habitação. No caso do bairro São Jorge, por este ter sido fundado com o objetivo de resolver o
problema emergencial do bairro São Francisco, as famílias assentadas não foram de imediato
contempladas com todos os equipamentos urbanos necessários. Conforme as Atas da Câmara
de Vereadores de Torres, em pronunciamento, o então vereador Dani dos Santos Pereira
(PDT), chamou a atenção para a situação das famílias assentadas no bairro São Jorge:
Estão sendo alojados no bairro São Jorge, famílias em edificações da
Prefeitura, que teriam que ter sido terminadas. Sem as mínimas condições de
infra-estrutura básica.[...] a verba foi liberada, mas as casas não foram
devidamente construídas.
142
Conforme pronunciamento do então vereador Dani Pereira, a situação das famílias do
bairro São Jorge no início dos anos 90, requeria das autoridades locais. Pois, estes no intuito
de resolverem um problema, acabaram gerando outro. A remoção das famílias do bairro São
Francisco resolvia em parte o problema daquela área, mas, em acabou criando um novo
problema sócio habitacional na cidade.
141
KOWARICK, Lúcio. op.cit.p.90.
142
Ata da 10 Sessão Ordinária da Câmara de Vereadores de Torres, realizada em 09/05/1990.p.22.
Mais uma vez a comunidade local sofreu com espoliações urbana, vendo-se obrigada a
deixar suas habitações para a ocupação de outras áreas da cidade. Áreas distantes do centro da
cidade, pouco valorizadas em termos imobiliários e muito deficientes em termos de infra-
estrutura. Kowarick diz que amontoam-se populações em áreas longínquas, afastadas dos
locais de trabalho, impondo-se distancias de deslocamento cada vez maiores, verdadeiros
acampamentos desprovidos de infra-estrutura
.
143
Portanto, observou-se o processo de espoliação urbana na desapropriação de parte da área
do bairro São Francisco e do assentamento no bairro São Jorge. Um processo de deslocamento
habitacional que apontou mais uma vez para a questão central deste estudo. A falta de
planejamento urbano e a especulação imobiliária eram os maiores problemas da cidade, pois,
mesmo sendo forçada a remover famílias de determinadas áreas urbanas da cidade, a
municipalidade não agiu de forma planejada sobre as áreas de assentamento.
Corroborando com esta afirmação, o jornal GAZETA, em matéria publicada sobre os
bairros periféricos da cidade, ao tratar da situação do bairro São Jorge, afirmava que este
estava com cerca de 40 % de sua área habitada por proprietários legais e 60% por posseiros, e
que a maior reivindicação dos moradores maior era em relação ao calçamento das ruas
principais.
144
Nesse sentido, conforme a imprensa local, a situação do bairro São Jorge em meados dos
anos 90, não era a ideal para os moradores. Apesar de muitos já possuírem as suas escrituras, a
maioria composta por posseiros, ou seja, pessoas que invadiram e assentara-se na área como
ocorreu com em outros bairros da cidade nos anos 70 e 80. Por fim, a cidade de Torres,
143
KOWARICK, Lúcio. op.cit.p.34.
144
O Lado Pobre de Torres. GAZETA, Torres. 10 a 17 de maio de 1996, p.10. Em anexo 5.
mesmo nos anos 90, continuava sofrendo com processos de invasões, com a falta de
planejamento urbano e com a inoperância da administração municipal frente ao problema
habitacional da cidade. Problemas que atravessaram a década de 90 e continuaram até os dias
de hoje.
3. A crise dos anos 90: problemas e necessidades da cidade.
3.1. As primeiras Leis de regulamentação urbana, frente a nova realidade turístico-
urbana.
A elaboração de um plano de regulamentação urbana, ou seja, um Plano Diretor tem como
base, planejar a cidade em um período entre 15 a 25 anos.
4
Consistindo em um o conjunto de
leis e regras flexíveis que regulamentam tamanhos, densidades, alturas, estruturas e
equipamentos urbanos a fim de promover um processo de urbanização coerente e não
prejudicial à cidade.Segundo Demétrio Ribeiro: “Um Plano Diretor era em suma, uma lei
destinada a fazer com que os investimentos fossem materializados com o tempo, o modelo
físico da cidade previamente fixado pelo planejador em nome da sociedade ”.
5
A elaboração de um Plano Diretor está diretamente atrelada ao planejamento urbano, pois,
a partir da imagem espacial da cidade futura (que se quer construir), envolve-se a iniciativa
privada por um lado e as obras públicas de outro, onde as ambas devem caminhar em direção
ao modelo urbano adotado.Para Castro, o planejamento urbanístico é uma disciplina recente
no Brasil, até porque o processo de urbanização visado.
6
Apesar de algumas cidades brasileiras possuírem Planos Diretores, em 1964 através
do Banco Nacional de Habitação (BNH) é que se criou a partir das demandas desse órgão
público, instrumentos de planejamento urbano para as cidades.
7
Antes da Constituição Federal
de 1988, não estavam claramente detalhadas as questões acerca do planejamento urbanístico
4
RIBEIRO, Demétrio. O Planejamento urbano do RS In: WEIMER, Güinter.(org) Urbanismo no Rio Grande
do Sul. Porto Alegre: UFRGS, 1992.p.135.
5
RIBEIRO, Demétrio.op.cit.p.138.
6
CASTRO.Antonio E.(org). A cidade e o Plano Diretor. In: Política Urbana. Porto Alegre: 1986.p.47.
7
Idem.
brasileiro, que atribuía plena responsabilidade aos Municípios e Estados, sobrecarregando a
função municipal diretamente ligada às construções dos espaços urbanos das cidades.
5
Esse “descuido” Federal, de certa forma, facilitava o não cumprimento rigoroso dos
conjuntos de regras municipais, como também proporcionava uma exagerada flexibilidade dos
Planos Diretores. Isto porque, mesmo os Municípios tendo autonomia para elaborar e aplicar o
Plano Diretor, faltava a fiscalização Federal, o que colocava em risco a eficácia desses Planos,
como aponta Castro: “Quem tiver os recursos terá na prática o poder de planejar e executar o
Plano.
6
O Plano Diretor é em última análise, é uma Lei Municipal onde o poder de aprovação é
exercido pela Câmara de Vereadores, com o veto ou sanção posterior do Chefe do Executivo
local. Entretanto, deve-se levar em consideração que os membros integrantes do Legislativo e
do Executivo Municipais são indivíduos que possuem interesses privados e sendo assim,
podem de acordo com as intenções de um determinado grupo votar contra ou a favor destas
Leis que regulamentam os usos e as ocupações do solo urbano. Para Demétrio Ribeiro: “Seria
remota hipocrisia afirmar que as Câmaras Municipais foram sempre imunes à ignorância, ao
servilismo e à corrupção”.
7
O planejamento urbano das cidades sofreu nas décadas de 60 e 70 forte impacto dos
projetos federais de planejamento. Em 1964, em conseqüência da criação do SNH (Sistema
Nacional de Habitação) e dos problemas surgidos das tentativas de realizar conjuntos
habitacionais independentes de qualquer planejamento das cidades em que se implantaram, foi
5
Ibdem.p.48.
6
Idem.
7
RIBEIRO, Demétrio.op.cit.p.138
criado o Serviço Federal de Habitação e Urbanismo (SERFHAU), ligado ao Ministério do
Interior. O SERFHAU tinha como finalidade compatibilizar os programas habitacionais com o
desenvolvimento das cidades.
No caso de Torres, a criação desses suportes estaduais e nacionais não teve maiores
conseqüências. Nas décadas de 60 e 70, a cidade apesar de estar atravessando um importante
processo de desenvolvimento urbano, não se produziram regras urbanísticas que regulassem e
norteassem os usos e ocupações do solo urbano.Uma falta de planejamento urbano que criou
posteriormente muitos problemas urbanos, habitacionais e ambientais, principalmente a partir
da década de 90.
O primeiro conjunto de regras que regulamentou os usos e ocupações do solo em Torres,
foi criado com a Lei número 728/62, de 4 de dezembro de 1962, e intitulou-se: Regulamento
para construções na área urbana.
8
Como o próprio nome indica, este conjunto de regras para
a área urbana, criava regras para as três zonas consideradas principais da cidade, porém, este
instrumento não era ainda um Plano Diretor. Este conjunto de regras, portanto, não dispunha
de cláusulas específicas que dessem conta da construção de outros espaços urbanos da cidade,
como, por exemplo, os bairros periféricos. Segundo Kowarick:
Como acumulação e especulação andam juntas, a localização da classe
trabalhadora passou a seguir os fluxos dos interesses imobiliários. No
contexto [..] do crescimento urbano, o poder público só se muniu tardiamente
de instrumentos legais para tentar dar um mínimo de ordenação ao uso do
solo.
9
8
Lei Municipal 728/62 de 4 de dezembro de 1962 que criou o Regulamento para construções na área urbana da
cidade. Em anexo 2.
9
KOWARICK, Lúcio. A espoliação urbana. Rio de Janeiro: Paz e Terra. 1979, p.31.
Além de tardia, a elaboração deste conjunto de regras era muito limitada, pois,
negligenciava as áreas periféricas da cidade. Conforme Kowarick, a prática de não contemplar
as áreas periféricas das cidades ocorreu em todo o Brasil, obviamente devido ao pouco valor
imobiliário destas áreas. Sendo assim, não havia interesse por parte dos poderes públicos de
Torres, de estabelecer regras urbanísticas precisas para todas as áreas da cidade.
A ação do Poder Público Municipal de Torres ao negligenciar determinadas áreas da
cidade e, por conseqüência, sua respectiva população, permitiu um processo de espoliação
urbana. Um processo irreversível que tomaria grandes proporções a partir dos anos 1980 e 90.
O Regulamento para construções na área urbana, indicou a necessidade de frear
rapidamente uma situação que estava colocando em xeque a atuação da municipalidade frente
ao processo de verticalização da zona central da cidade (Zona 2).Acertadamente, este primeiro
conjunto de regras foi elaborado no momento em que Torres estava passando por uma fase de
expansão do seu espaço urbano central.
Nos anos 60, a construção civil dava sinais de crescimento em Torres de forma
contundente. Assim, esta precisaria de espaços urbanos privilegiados paisagisticamente, para a
realização das suas obras.
10
Este conjunto de regras urbanas inicialmente possuiu um caráter
limitativo da livre atuação dos construtores da cidade.
Segundo relato de Santino Isaias da Rosa, ex-líder comunitário do bairro São Francisco,
era evidente a mobilização e revolta da comunidade local e de alguns veranistas, contra a
municipalidade. Apontando a responsabilidade da prefeitura pelos problemas espaciais da
10
A Construtora e Incorporadora Ivo Rizzo, construiu em Torres nos anos 60, três edifícios com cerca de 9
pavimentos cada, um índice razoável frente ao ainda turismo de veraneio, que tinha como preferência à
construção de casas.
cidade: “[...] ele [o Prefeito de Torres em 1962] vendeu parte daquela praça, todo mundo sabe,
mas ninguém fala. Vendeu pra construírem um prédio alto na beira do mar.”
11
A praça citada compreendia parte da atual Praça Pinheiro Machado (esquina da Av. Beira-
mar com a Av. José Picoral). Área que possuía um valor histórico-cultural para a sociedade
torrense, pois, foi nessa área que entre 1915 a 1941 funcionou o primeiro empreendimento
hoteleiro da cidade: o Hotel Picoral. Com o fechamento do empreendimento hoteleiro no
início da década de 40, a área foi doada à Prefeitura que “possuía como responsabilidade”
mantê-la como local de preservação histórica.
Entretanto, o Prefeito Antônio Almeida (1959 a 1963) vendeu parte desta área para um
grupo de empresários que tinham como intuito construir o primeiro edifício à beira-mar de
Torres. Apesar de efetivada a venda da área, parte da comunidade local e veranistas
12
uniu-se
no ideal exigir a elaboração de um conjunto de regras urbanísticas que impedisse construção
de edifícios à beira-mar.
Após a elaboração do regulamento para construções na área urbana em dezembro de 1962,
em 1972 deu-se a conclusão da edificação na referida área: o antigo Hotel Alfred (Dunnas
Praia desde 1984). Contrariando o desejo inicial (de se construir um arranha-céus à beira-
mar), o Hotel Alfred foi construído apenas com três pavimentos, ou seja, 7 metros de altura
estabelecidos para a Zona 1 no conjunto de regras para áreas urbanas da cidade de 1962.
11
Entrevista concedida à autora por Santino Isaias da Rosa, ex-líder comunitário do bairro São Francisco,
realizada em julho de 2002. [grifo nosso]
12
Basicamente atrelados a SAPT. Ver CHAIEB, José. (org). Memórias da SAPT. Porto Alegre: [s.e], 1996.p.
84.
Cabe aqui, portanto, indicar a importância da elaboração deste conjunto de regras, pois tal
delimitação de altura é levada em consideração até os dias de hoje, protegendo a orla marítima
dos grandes edifícios, delimitando a verticalização à beira-mar. As fotografias a seguir
apontam para o processo de transformação que a Praça Pinheiro Machado sofreu a partir da
venda da respectiva área e aprovação da construção do Hotel Alfred (hoje Dunnas Praia) à
beira-mar. Edificação que apesar possuir uma altura baixa, obstrui a visibilidade de uma das
mais belas áreas de Torres.
10) Atual Praça Pinheiro Machado em 1915.Visualiza-se os chalés do Quadrado Picoral:
Fonte: Banco de Imagens ULBRA/Torres, 2003.
11) À direita (triângulo) visualiza-se parte da atual Praça Pinheiro Machado na década
de 60:
Fonte: Banco de Imagens ULBRA/Torres, 2003.
12)Atual Praça Pinheiro Machado na década de 90.
Fonte: Cartão Postal de Torres, produzido pela Prefeitura Municipal de Torres, 1990.
A primeira imagem aponta o Quadrado Picoral no local onde se construiu o hotel Alfred
em 1972. Na segunda imagem, é perceptível em primeiro plano e à direita uma área em forma
de triângulo, exatamente o local vendido pela municipalidade onde na terceira imagem é
visualizado o Hotel Dunas Praia hoje. E a terceira mostra o Hotel Dunas Praia, na área
referida.
Considera-se que a elaboração deste primeiro Regulamento para construções na área
urbanas de 1962, foi o primeiro passo rumo à tentativa de organização espacial de Torres.
Entretanto, cabe dizer que apesar da sua relevância, este conjunto de regras não abarcava todas
as zonas urbanas da cidade. Este conjunto de regras regulamentava as construções nas
zonas urbanas centrais, negligenciando as demais.
Segundo Castro, a necessidade de um plano deve nascer não da urgência em consertar o
desastre urbano que em geral é uma cidade, mas da tomada de consciência de que esta é mais
do que um aglomerado populacional arbitrário.
13
A criação deste Regulamento teve como
intuito frear a ação dos especuladores e da indústria da construção civil que poderiam colocar
em xeque o valor paisagístico da beira mar de Torres. No entanto, este conjunto de regras
deveria ter sido ampliado no sentido de determinar regras para toda a extensão urbana da
cidade e não apenas as de valor imobiliário elevado.
Feitas as devidas considerações acerca das “possíveis” causas para a elaboração do
primeiro conjunto de regras urbanísticas de Torres, formulou-se então, em 04/12/1962, o
chamado Regulamento para Construções na Área Urbana (Lei 728/62), que apresentava as
devidas distinções entre as três principais zonas da cidade, permitindo limites diferenciados
para as construções. A Zona 1: Compreendia toda a extensão a beira-mar, com limites nas ruas
Júlio de Castilhos e Sete de Setembro, quanto à altura essa podia ter dois pavimentos e
para residências multifamiliares, essas medidas vinham de encontro ao ideal de manter a beira-
mar livre de edifícios que pudessem comprometer o panorama bucólico.
A Zona 2: Compreendia a antigo núcleo urbano da cidade, era a zona central de Torres,
onde se concentravam as principais casas comerciais e o importante Prédio da SAPT,
construído em 1953 e com cerca de 8 pavimentos. Essa zona foi presenteada com índices mais
expressivos quanto às construções, o índice de aproveitamento era de seis vezes a área do
terreno, sem limite de altura, com uma considerável taxa de ocupação de 75%.
14
Percebe-se que estes altos índices de aproveitamento e ocupação do solo estavam
intimamente ligados ao ideal imobiliário que apresentavam expressivas quantias na receita
municipal. Entretanto, estas facilidades para a construção civil e para o setor imobiliário
13
CASTRO, Antonio E. op.cit.p.50.
14
LANGE, Carlos (org). Plano Diretor de Torres. Torres: ASENART/CREA-RS, 1997.p.12.
geraram paralelamente graves problemas urbanos para a cidade. Entre eles a falta de equilíbrio
da malha urbana da cidade, ou seja, a área central (zona 2), passou a ser coberta por edifícios,
que estavam impedindo a circulação de ar, de luminosidade, comprometendo o transito, o
saneamento entre outros problemas.
A Zona 3: Compreendia todo o restante da área urbana da cidade, onde as ocupações eram
variadas e podia se construir até três vezes a área do terreno.Foi nessa terceira zona urbana
que se formaram os bairros irregulares da cidade, intensificando a produção descontínua da
sua malha urbana. São estes bairros distantes das zonas 1 e 2 que receberam o contingente de
migrantes empregados na construção civil na cidade.
Como o Conjunto de Regras para construções na área urbana não dispunha de cláusulas
especificando as regras para as áreas periféricas da cidade e a municipalidade não tinha
conhecimento que muitas dessas áreas possuíam donos, estas foram crescendo
vertiginosamente durante toda a década de 70 e 80.
Sendo assim, apesar da elaboração de um conjunto de regras urbanísticas, que inicialmente
tinha como intuito normatizar as construções na cidade, como dispor de limites para que a
mesma não corresse o risco de em uma década se transformar em uma segunda Camboriú,
outras situações acerca da produção do seu espaço urbano não foram abordadas nesse conjunto
de regras. Lacunas que promoveram as ocupações irregulares, a especulação imobiliária, a
abertura de ruas mal planejadas, a falta de saneamento entre outros problemas.
Portanto, a cidade de Torres nos anos 1970 e 80, apesar de estar passando por um processo
de crescimento turístico e urbano, a construção do seu espaço urbano não estava sendo
balizado conforme requeria e necessitava tal processo. O espaço urbano da cidade estava
sendo construído a partir da atuação de todos os tipos de construtores da cidade, norteada por
um conjunto de regras incompleto, que determinava normas urbanísticas apenas para as zonas
principais da cidade.
Circunstâncias que comprometeram urbanisticamente o tecido urbano de Torres.
Indicando no início dos anos 90, a necessidade de uma reformulação drástica acerca do seu
regime urbanístico. Como também a elaboração de políticas de planejamento urbano que
visassem promover a construção do espaço urbano de Torres de forma a frear a constante
produção e expansão irregular destes espaços.
3.2. A necessidade de organização espacial:
disputas e contradições na elaboração do Plano Diretor.
No sentido de compreender o processo de elaboração do Plano Diretor de Torres, devido a
sua importância técnica e prática para a produção e desenvolvimento do espaço urbano da
cidade, cabe apontar as contradições do seu processo de elaboração e aprovação. A Prefeitura
de Torres, no início dos anos 80, ainda baseava-se no Regulamento para construções na área
urbana, Lei n 728/62 de 04 /12/1962 que considerava apenas três zonas urbanas. Torres
estava sendo construída sob uma Lei ultrapassada que versava apenas sobre áreas urbanas
centrais.
A Legislação sobre o regime urbanístico de Torres, que se apresentava na Lei de
04/12/1962 vigorou até 1985 sem alterações ou revogação de artigos. Para Melgoza, este
conjunto de regras apesar de restrito, foi responsável pelo controle da ocupação urbana junto à
orla marítima, impedindo a proliferação de edificações muito altas a beira-mar.
15
Nesse ponto, como já referido anteriormente, a Lei de 1962 foi sem dúvida muito
importante, pois, protegeu a orla da especulação imobiliária desordenada.
16
Mas este
Regulamento, ainda era insuficiente para gerir o crescimento urbano de Torres. A cidade
estava em pleno processo de desenvolvimento urbano, tanto vertical quanto horizontal. No
final dos anos 80, começaram a surgir as discussões sobre a necessidade da criação do
primeiro Plano Diretor de Torres. Um processo longo e tumultuado que se prolongou até
metade dos anos 90.
Cabe aqui, identificar os sujeitos ativos no processo de construção do espaço urbano da
cidade, como também na elaboração das Leis acerca desta produção. Mais uma vez observa-se
a atuação da elite econômica da cidade, composta pelos dirigentes da Sociedade dos Amigos
da Praia de Torres (SAPT). Alguns dos sócios mais destacados colaboraram na elaboração de
um Plano Diretor que viesse a dar conta das especificidades urbanísticas da cidade,
participaram efetivamente do processo, principalmente no que tangia as questões técnicas
.
Em 18/03/1984, a SAPT nomeou uma Comissão Técnica, constituída pelos arquitetos:
Carlos Eduardo Dias Comas, Laís Guimarães de Pinho Salengue, Milton Flores da Cunha
Mattos e Telmo Borba Magadan, que encaminharam à municipalidade amplo relatório
15
MELGOZA, Mário. Reflexos do impacto turístico no processo de urbanização: O estudo de caso de
Torres/RS. Porto Alegre: UFRGS (Dissertação de Mestrado), 2001.p.151.
16
O que não aconteceu com outras praias como o balneário Camboriú em Santa Catarina, por exemplo.
analisando o quadro jurídico-urbano que vigorava na época em Torres.
17
Surpreendentemente
não foi encontrado nenhum registro sobre esta Comissão, nem sobre o seu relatório nas Atas
da Câmara de Vereadores de Torres.
A ausência de registro nas Atas da Câmara nos anos 80 sobre esta Comissão e seu relatório
técnico, indica o quão tumultuado e problemático foi o processo de elaboração do Plano
Diretor de Torres, permeado por disputas político-econômicas que só entravaram a sua
elaboração. Em 1985, sob a Lei 2.200/85 de 23/11/1985 foram aprovadas algumas alterações
na antiga Lei de 1962. Estas alterações estabeleciam Normas Complementares para
Edificações, possibilitando o aumento em todas as áreas dos índices de aproveitamento dos
terrenos. Porém, nenhuma cláusula destas normas complementares dispunha especificamente
sobre as áreas adjacentes da cidade, onde se formavam os bairros periféricos de Torres.
Somente em 1987 foram elaboradas e sancionadas significativas alterações sobre a Lei de
1962.
Mas as disputas políticas, discussões e desencontros sobre a aprovação do Plano Diretor já
apontavam que seriam estes os grandes empecilhos para o bom andamento do processo. Antes
mesmo das alterações de 1985 e 1987, muitas discussões ocorreram e a elite dirigente
manifestou-se sobre a necessidade de criação do Plano Diretor para Torres, como se observou
nas Atas da Câmara:
Em discussão o requerimento de todas as bancadas, solicitando que seja
encaminhado ofício ao Sr. Prefeito Municipal, reivindicando providências no
sentido que seja criado o PLANO DIRETOR, para a cidade de Torres. Com a
palavra o vereador Pedro José Lumertz: alguns anos atrás entrou nessa
casa com o título de Plano Diretor e no entanto era um histórico da cidade.
17
CHAIEB, José. op.cit.p.131.
Esta é uma matéria muito complexa para nós estudarmos e a muito mal
elaborada. Sabem os nobres vereadores que toda cidade tem um Plano
Diretor, o que é muito importante para a cidade. Talvez Torres tivesse um
Plano Diretor, não foi obedecido, porque foi uma cidade bem planejada.
Só que as ruas foram quase todas estreitadas, acho isto algo muito importante
e que já deveria ser criado, mas que daqui pra frente seja bem planejado.
E prossegue:
Que venham os técnicos para fazerem um serviço bem feito. Pois muitos
loteamentos aqui não tem nenhuma praça e os primeiros a tomares conta a
fazerem casas em cima, foram os próprios funcionários da Prefeitura [...].
18
Muitas são as interpretações e análises que podem ser realizadas a partir desse
pronunciamento na Ata da Câmara de Vereadores de Torres do ano de 1983. Em primeiro
lugar, o vereador Lumertz (PMDB) afirmou no seu pronunciamento, que a questão sobre o
Plano Diretor da cidade havia anteriormente sido levado ao Legislativo Municipal, mas
segundo ele, se tratava de um histórico da cidade e um documento elaborado tecnicamente que
abarcasse questões referentes ao planejamento urbano da cidade.
Em segundo lugar, o vereador Lumertz (PMDB) se contradisse no seu pronunciamento.
No momento em que afirmou que a cidade de Torres não possuía um Plano Diretor porque era
bem planejada e logo em seguida, o mesmo reclamou do estreitamento das ruas da cidade.
Vejamos. Se Torres era uma cidade bem planejada urbanisticamente nos anos 80, ela não
deveria sofrer com o estreitamento das ruas.
18
Ata da Sessão Ordinária do Legislativo Municipal de Torres, realizada em 12 de maio de 1983. p. 41.
O vereador Lumertz ainda chamou atenção para a questão dos loteamentos da cidade.
Indicando que esses não eram bem planejados urbanisticamente, pois, não tinham praças e os
próprios funcionários da Prefeitura eram responsáveis pela ocupação e construção irregular
dos lotes. A fala do vereador Lumertz confirmava a irregularidade sobre a venda de lotes nos
anos 80 na cidade. Uma prática que indicava a necessidade urgente de elaboração de um Plano
Diretor, que estabelecesse regras quanto ao uso e ocupação do solo urbano, porém sobre todas
as áreas ocupadas da cidade.
O pronunciamento do vereador Lumertz apontava para a pertinência de uma questão
fundamental deste estudo. Pois Torres estava passando por um processo de intensa
movimentação turística e urbana nos anos 80 e ainda não possuía uma política de
planejamento urbano eficaz. Um planejamento que regulamentasse e organizasse a produção e
expansão do espaço urbano da cidade.
Ainda na mesma Sessão Ordinária da Câmara de Vereadores de Torres, o vereador José
Valim Vargas (PDT), fez o seu pronunciamento sobre a criação do Plano Diretor:
Este plano deveria ter sido criado, pois agente muita coisa errada na
cidade, principalmente nas praias onde estou mais por perto. Existem nas
praias casas quase em cima das ruas, podendo mais tarde causar sérios
problemas. Torres também tem muita falta de áreas verdes [...].
19
Conforme pronunciamento do vereador José V. Vargas (PDT), apesar da existência do
Regulamento para construção na área urbana desde 1962, este não impediu, possivelmente
por falta de fiscalização da administração pública municipal, que algumas casas de veraneio
fossem construídas abarcando trechos das ruas. Esta prática ocorria provavelmente, por estas
19
Ata da 10 Sessão Extraordinária do Legislativo Municipal de Torres, realizada em 26 de junho de 1983. p. 30.
casas estarem sendo construídas de acordo com os interesses dos proprietários, sobrepondo a
Lei que já era limitada no seu contexto como nos seus meios de atuação.
O mesmo vereador no seu pronunciamento chamou a atenção para a ausência de áreas
verdes na cidade, indicando mais uma vez que Torres não possuía um plano de
desenvolvimento urbanístico. Cabe apontar que em algumas cidades como Porto Alegre, por
exemplo, onde foram aplicados planos de remodelação urbana, a arborização dos espaços foi
um ponto importante na aplicação de modelos urbanísticos que visavam o embelezamento
estético e a organização visual do espaço urbano.
20
Nesse sentido, Torres não estava em defasagem frente a capital do Estado, pois,
estamos considerando Porto Alegre dos anos 20 e Torres dos anos 80, como também
caminhava em passos lentos, rumo à elaboração e aprovação do Plano Diretor da cidade.
Apesar de Porto Alegre ter aprovado o seu primeiro Plano Diretor em 1959, desde os anos
20 havia uma preocupação por parte das elites dirigentes da Capital em elaborar planos de
reformulação urbana na cidade.
21
Em Torres não foi diferente. A elite dirigente parecia estar empenhada na criação do Plano
Diretor desde início dos anos 80, como indicaram os trechos das Atas da Câmara, mas, a
disputa com a elite econômica acabou atrasando a elaboração deste. Retomando a análise
das Atas da Câmara de Vereadores de Torres, o vereador Ivo dos Santos Rocha (PDS), fez
o seu pronunciamento igualmente sobre a questão do Plano Diretor de Torres:
20
Segundo Monteiro, em 1927 quando reimpresso o Plano de Melhoramento para a cidade de Porto Alegre (que
visava reorganizar o espaço da cidade), este apesar de ter sido basicamente um plano viário, preocupou-se com a
estética, prevendo a criação de espaços verdes e a higienização da cidade. Ver em MONTEIRO, Charles. Porto
Alegre: Urbanização e Modernidade. A construção social do espaço urbano. Porto Alegre: EDIPUCRS, 1995.
Coleção História 4. p. 72.
21
Idem.
A solicitação do Sr. Prefeito, creio que já deveria ter sido feita a 20 anos atrás
[...]. E lamentavelmente as obras que se realizaram em Torres, não obedecem
nenhum critério. Mas Torres já despertou que é uma cidade turística. Mas
quem entre em Torres não sabe que é uma cidade turística [...] Pois nas obras
já feitas ficaram pouco espaço para as avenidas [...].
22
O vereador afirmava no seu pronunciamento que as reivindicações sobre a criação do
Plano Diretor na cidade já deveriam ter sido levadas ao Executivo há muito tempo. O vereador
Ivo Rocha dizia ainda, que as construções na cidade não seguiam critérios urbanísticos
reguladores do espaço. Corroborando para a expansão descontínua e irregular da malha urbana
da cidade, como no exemplo apontado sobre o estreitamento das avenidas pela construção de
casas.
Sendo assim, percebe-se que tanto a elite dirigente quanto a elite econômica, afirmavam
que Torres necessitava elaborar um Plano Diretor. Porém, o consenso restringia-se a esta
questão, pois, quanto à elaboração do Plano Diretor, estas duas esferas da sociedade torrense,
de acordo com os seus interesses de grupo, procuraram elaborar o Plano que melhor os
servisse.
Enquanto as esferas atuantes da sociedade não se entendiam rumo à elaboração do Plano
Diretor, algumas alterações foram sendo realizadas na Lei de 1962. Em 1987, ocorreram
alterações significativas sobre o regime urbanístico da cidade, que além de revogar alguns
artigos da Lei 728/62, aplicava novos índices de aproveitamento do solo urbano de Torres,
conforme quadro:
22
Ata da Sessão Ordinária do Legislativo Municipal de Torres, realizada em 24 de julho de 1983. p. 49.
Quadro 1 - Alterações do Regime Urbanístico de Torres entre 1962 e 87.
Lei 728 de dezembro de 1962
Lei 2.265 de maio de 1987
Zona 1
Altura máxima de 7 metros,
taxa de ocupação de 66% da
área do terreno.
Idem.
Zona 2
Limite de altura livre para
construções, índice de
aproveitamento do terreno de
6 vezes a área total do
terreno, taxa de ocupação de
75%.
Limite de altura de 10
pavimentos, taxa de
aproveitamento do terreno de 3,5
vezes a área do terreno, taxa de
ocupação manteve 75%.
Zona 3
Altura livre, índice de
aproveitamento do terreno
até três vezes a área do
terreno, taxa de ocupação de
66%.
Altura livre, índice de
aproveitamento do terreno de a
três vezes a área do terreno e
taxa de ocupação de 60%.
Fonte: Croqui da Secretaria Municipal de Planejamento de Torres, fornecido pelo Arquiteto da
Prefeitura de Torres, Márcio Biasi em julho de 2002.
Conforme apontam os dados do quadro, pôde-se perceber comparativamente, que as
alterações urbanísticas decretadas na cidade através da Lei 2.265/87 de maio de 1987, davam
conta apenas das Zonas 1, 2 e 3 da cidade. Alterações que negligenciavam mais uma vez as
demais áreas da cidade, como os bairros: Predial, Getúlio Vargas, Curtume e São Francisco.
A Lei 2.265/87 continuava não abarcando as especificidades da outra Torres que
estava construída sem políticas urbanas de planejamento. A Lei de 1987, apenas diminuiu a
taxa de ocupação dos terrenos que era de 66% para 60%, na Zona 3, ou seja, alterações
limitadas perto de toda a legislação que necessitava essas áreas da cidade.
Torres carecia de um verdadeiro Plano Diretor que legislasse sobre todas as áreas da
cidade e que regulasse os usos e ocupações do solo não nas zonas centrais. Em fim, um
Plano Diretor para uma cidade em plena expansão turística, onde a regulamentação do seu
espaço urbano fosse tratado como prioridade pelas autoridades locais, independente dos
interesses de determinados grupos. Segundo Chaieb, as alterações de 1985 e 1987 sobre a Lei
de 1962:
Até aqui, só amadorismo e improvisações. Cada menção à alteração do
Plano Diretor redundava em centenas de novos projetos de edifícios
aprovados com o fato de burlar as medidas disciplinadoras previstas e que
não passavam de balões de ensaio.
23
Conforme este autor, observa-se o quão problemático foi o processo de elaboração do
Plano Diretor de Torres, no qual a elite política e a elite econômica degladiavam-se no intuito
de aprovar um Plano Diretor que atendesse os seus propósitos.
Em 1989, foram feitas algumas modificações na legislação sobre áreas centrais da
cidade. Foi aprovado na Câmara Municipal o Projeto de Lei 2.450/89 de 27/11/1989 e
posteriormente sancionado pelo Executivo como Lei 2.427/89, que apresentava modificações
23
CHAIEB, José. op.cit.p.132.
sobre o entorno da Igreja São Domingos.
24
Alterou-se nesta Lei os limites da Zona 1,
incluindo os quarteirões do entorno da Igreja São Domingos, criando o Conselho de
Preservação do Entorno, e estímulos fiscais para a preservação dos imóveis de interesse
cultural ali localizados. Apesar da relevância desta Lei, no que tange preservar o Patrimônio
Histórico Municipal, mais uma vez foram negligenciados os bairros periféricos da cidade.
Chegada a década de 1990, na gestão do Prefeito César Cafrune (PMDB), deu-se início as
tratativas para a elaboração do Plano Diretor de Torres. Apesar de ter sido nesta década, que se
deu o desfecho sobre a questão, foi também neste período que ocorreram os seus maiores
problemas. Tanto a elite econômica representada por membros da SAPT quanto a elite política
exerceram pressões políticas tendo em vista fazer valer os seus interesses.
A SAPT atuou novamente de forma técnica, procurando consultar equipes de
profissionais da área de planejamento urbano, sob a coordenação do arquiteto Leonardo
Carrucio e a colaboração dos arquitetos João Gallardo e Professor Amando Costa.
25
O
Engenheiro Armando Costa foi convidado a prestar esclarecimentos sobre a elaboração do
Plano Diretor na Câmara de Vereadores de Torres, uma vez que o suposto Projeto estaria
deixando de considerar as propriedades com menos de 200 metros quadrados. Conforme as
Atas da Câmara de Vereadores de Torres.
Com a palavra o Eng. Armando Rodrigues Costa, técnico responsável
pela elaboração do plano Diretor de Desenvolvimento Urbano de Torres, que
veio apresentar o relatório final do plano em caráter informal [...]. O Eng.
Relatou que foram 8 meses de trabalho de equipe técnica, baseado-se na
realidade do Município, baseando-se nos desejos da comunidade em
24
Ver anexo 6.
25
Idem.
organizar seu espaço urbano e programar seu desenvolvimento através de
algumas regras.
26
A partir do referido “trabalho de equipe”, o Projeto foi levado à Câmara de Vereadores de
Torres para aprovação no início de 1992, porém, segundo Chaieb imaturamente.
27
A Câmara
Municipal pronunciou-se então contra a aprovação do referido projeto de Plano Diretor.
Conforme Ata da Câmara de Vereadores de Torres:
O vereador José Leal da Paz (PMDB) disse em seu pronunciamento que
o Projeto está incompleto, uma vez que não traz dados de quantos terrenos
estão com problemas [de metragem]. Salientou que em virtude de estarem
discutindo o Plano Diretor, deva ser discutido este problema junto.
28
O vereador Dirlenis Teixeira da Silva (PDS), em seu pronunciamento frisou: “[...] no Japão
vivem melhor que nós com 50 metros quadrados, então porque que precisam de mais de 200 metros
[...].
29
O Projeto do Plano Diretor não foi aprovado pela Câmara, uma
vez que os vereadores entenderam que o tal Projeto realmente estava
incompleto e favorecia os proprietários de grandes terrenos com mais
de 200 metros quadrados, em detrimento dos pequenos proprietários.
Sendo assim, a aprovação do Plano Diretor de Torres esbarrava na
intenção de manipulação da elite econômica, inclinada a aprovar um
Plano que privilegiasse os proprietários de grandes terrenos na
cidade.
26
Ata da 27 Sessão Ordinária, da Câmara de Vereadores de Torres, realizada em 14/10/91.p.56.
27
CHAIEB, José. op.cit p. 132.
28
Ata da 17 Sessão Ordinária da Câmara de Vereadores de Torres, realizada em 29/06/92.p.32. [grifo nosso]
29
Ata da 25 Sessão Ordinária da Câmara de Vereadores de Torres, realizada em 29/08/92.p.48.
A Câmara Municipal apesar de querer que a aprovação do Plano Diretor ocorresse
procurou barrar o projeto comprometido com a elite econômica. Entretanto, esses
desencontros só atrasaram a criação do Plano Diretor de Torres. Conforme apontou o vereador
Evilázio Shardosim Jacob: faz 4 meses que este Projeto do Plano Diretor tramita em
diversas comissões e nada se resolve.”
30
Ainda nesta ocasião, o arquiteto João Gallardo procurou travar a discussão sobre o projeto
do Plano Diretor com a Associação dos Engenheiros e Arquitetos de Torres (ASENART), no
entanto, obteve um parecer desfavorável.
Posteriormente o mesmo arquiteto buscou outro parecer junto a Divisão de Planejamento
da Secretaria de Obras do Estado (DIPLAN), que também emitiu parecer desfavorável ao
projeto do Plano Diretor de Torres.
31
Com a proximidade das eleições municipais em fins de
1992, o referido Projeto foi engavetado esperando a boa vontade política da próxima gestão
municipal.
Em 1993, o então Presidente da Câmara de Vereadores de Torres, Guilherme Cléo Biasi
(PDS), decidiu aprovar a mesma Lei que criava o Plano Diretor para Torres. A Câmara
aprovou o Projeto de Lei número 2.710/93 de 26/11/1993, mas o Prefeito Clovis Weber
Rodrigues (PDS) vetou o Projeto. O veto foi derrubado posteriormente pela Câmara. O
Prefeito Clovis pediu então, um novo parecer a DIPLAN sobre o Projeto de Lei que instaurava
o Plano Diretor no Município e novamente a DIPLAN deu parecer desfavorável. Sendo assim,
o Prefeito não deu cumprimento àquela Lei 2.710/93 de 1993, alegando a sua
30
Ata da 17 Sessão Ordinária da Câmara de Vereadores de Torres, realizada em 17/08/92.p.39.
31
CHAIEB, José. op.cit.p.132.
inconstitucionalidade.
32
Novamente a aprovação do Plano Diretor de Torres esbarrava em
disputas políticas e econômicas e a cidade continuava sem o planejamento urbanístico que
tanto necessitava.
No ano de 1994, continuaram as discussões acerca da elaboração do Plano Diretor de
Torres. Conforme as Atas do Legislativo Municipal, membros da ASENART foram
convidados a dar esclarecimentos quanto ao projeto do Plano Diretor, entre elas a arquiteta
Vera Prates: “Venho a esta casa fazer um alerta aos vereadores, uma vez que o Projeto
menciona recuos e alturas, mas não prevê a preocupação com o turismo e meio ambiente. E
que é um Plano Diretor da construção civil.”
33
Neste pronunciamento, a arquiteta Vera Prates alertou para um grave problema na
elaboração do Plano Diretor de Torres, a questão da função turística da cidade. Não bastava
balizar a construção civil regulamentando a construção de edifícios. O Plano Diretor além de
questões sobre a construção civil, deveria tratar das questões turístico-ambientais.
Devido aos desencontros entre Poder Legislativo, Executivo, Associações técnicas e elite
econômica, os ânimos em torno da aprovação do Plano Diretor de Torres se acirraram na
segunda metade dos anos 90. De um lado os Poderes Legislativo e Executivo Municipal,
pressionados pela elite econômica ligada a SAPT, que objetivava aprovar um Projeto
incompleto e comprometido. De outro, as Associações técnicas (DIPLAN e ASENART),
elaboravam pareceres desfavoráveis no intuito de ganhar tempo para reformular o Projeto e
abarcar além de questões meramente relativas à construção civil, também questões referentes
32
Idem.
33
Ata da 6 Sessão Ordinária da Câmara de Vereadores de Torres, realizada em 01/09/94.p.46.
ao turismo e meio ambiente na cidade. Concomitante a estes desencontros, avolumavam-se os
problemas urbanos e crescia progressivamente a malha urbana irregular da cidade.
Em 1995, o Plano Diretor de Torres foi enfim sancionado pelo Executivo Municipal,
encerrando um dilema que atravessou décadas da história urbana de Torres. Após muitos
esclarecimentos sobre cada tópico do Projeto, os vereadores aprovaram finalmente o Plano
Diretor de Torres, sancionado no dia 12/07/1995 pelo Prefeito Municipal e publicado em
25/07/1995.
34
Sabe-se que planejar urbanisticamente uma cidade tem como obstáculo a relação entre os
interesses privados e públicos sobre a utilização dos espaços. Por isso, planejar esses espaços é
fundamental, pois se designa os limites e critérios destas ocupações, no sentido de construir
um espaço o mais regular possível.
De uma forma geral, a elaboração e aplicação de um plano Diretor visa controlar a
densidade populacional nas áreas, como também disciplinar o uso e ocupação do solo, no
sentido de planejar a cidade.
35
No caso de Torres, o Plano Diretor dividiu a cidade em partes a
fim de indicar as peculiaridades destas áreas mediante a ocupação urbana: no Distrito Sede,
em 19 Zonas e 4 Corredores e no Segundo Distrito em 4 Zonas e 1 Corredor.
36
Considerando que o Plano Diretor dispõe sobre os espaços urbanos das cidades, dividindo-
as em zonas, vamos considerá-las como o ponto de partida para compreender o processo de
planejamento urbano, principalmente das áreas especiais. Conforme pode ser visualizado no
mapa a seguir, estas áreas foram devidamente categorizadas no intuito de nortear os usos e
ocupações destes solos.
34
Ver Plano Diretor de Torres em anexo 3.
35
SANTOS, Milton. Espaço e Método. São Paulo: Nobel, 1992.p.5.
36
Ver Plano Diretor em anexo 3.
Áreas especiais à urbanização:
* Áreas de Interesse Público e Social (AIP)
* Áreas de Interesse paisagístico, Histórico-cultural e Turístico (APT)
*Áreas de Proteção Ambiental (APA)
*Áreas de Revitalização Urbana (ARU)
* Áreas de Urbanização Preferencial (AUP)
Estas áreas consideradas especiais eram as que mais inspiravam cuidados no processo de
planejamento urbano da cidade, pois, necessitavam de regras específicas para sua ocupação e
construção.
37
Entre as múltiplas regras urbanísticas do Plano Diretor de 1995, a que
determinou as Áreas de Revitalização Urbana merece destaque.
38
No Art.33 do Plano Diretor
de Torres, foram consideradas Áreas de Revitalização Urbana: 1) bairro Salinas; 2) parte do
bairro Getúlio Vargas; 3) bairro Curtume; 4) bairro São Jorge. E em 1997, após norma
complementar, o núcleo habitacional irregular chamado Riacho Doce também foi considerado
ARU. Conforme o Plano Diretor de 1995, as Áreas de revitalização Urbana, são exatamente
37
Ver em anexo 3.
38
Áreas de Revitalização Urbana são àquelas objetos de planos e programas específicos de reurbanização,
recuperação e regularização fundiária, tais como núcleos habitacionais deteriorados ou irregulares, áreas carentes
de infra-estrutura e equipamentos urbanos e outras áreas cujas características justifiquem a intervenção. Ver em
Anexo 3 Lei Municipal 2.902/95 de12/07/95, que sancionou e promulgou o Plano Diretor de Torres. Artigo 32.
aquelas, onde existiam os maiores problemas urbanos, ficando de fora apenas os bairros
Predial e São Francisco.
39
Os bairros Getúlio Vargas e Curtume foram enquadrados nesta categoria porque nos anos
90, haviam nessas áreas, muitos problemas ligados às desapropriações, reintegrações de posse
e emissão de escrituras. Assim, a municipalidade, poderia intervir caso necessário. O bairro
São Jorge tinha sido formado por moradores removidos do bairro São Francisco e era o mais
novo bairro da cidade. Portanto, ainda estava passando por um período de regularização dos
lotes dos moradores na Prefeitura. A municipalidade teria o respaldo necessário caso
necessitasse realizar uma intervenção, recuperação ou reurbanização do bairro, por ele estar
nessa categoria de Revitalização Urbana.
É importante assinalar que o Plano Diretor, conforme Castro: “[...] é um plano urbanístico
que visa ordenar o crescimento da cidade para seu futuro e para tanto prevê uma série de
transformações na realidade imediata, que permita atingir os objetivos pré-determinados”.
40
Sendo assim, após a elaboração e aprovação do seu Plano Diretor (1995), a cidade de
Torres “poderia” desenvolver a construção do seu espaço urbano de forma mais coerente, ou
seja, planejando a produção e expansão da sua malha urbana a médio e longo prazo,
diminuindo as discrepâncias urbano-sociais e produzindo espacialmente, uma cidade mais
organizada.
No entanto, cabe ressaltar que devido a demora, discussões e disputas políticas em torno
da elaboração do Plano Diretor de Torres, a cidade acumulou inúmeros problemas urbanos.
39
Provavelmente os bairros Predial e São Francisco não pertencem às Áreas de Revitalização Urbana que dispõe
o Plano Diretor de Torres, em função destes estarem na década de 90 vivendo um período de regularização da
área. Onde as escrituras dos terrenos já estavam sendo emitidas aos moradores, diferentemente do núcleo
habitacional Riacho Doce.
40
CASTRO, Antônio E. op.cit.p.49.
Segundo o arquiteto da Prefeitura Municipal de Torres Márcio Biasi: Torres desenvolveu
uma malha urbana irregular, problemática, principalmente nos novos bairros periféricos, muito
difícil de corrigir.”
41
A negligência administrativa e a falta de planejamento urbano foram responsáveis pela
produção descontínua da malha urbana da cidade. Enquanto as elites políticas e econômicas se
degladiavam sobre quem, como e quando seria aprovado o Plano Diretor, a cidade crescia sem
a fiscalização e balizamento urbanístico. Torres expandia-se livremente, sem uma Legislação
que ordenasse a sua produção do espaço urbano.
A municipalidade, além de por muitos anos privilegiar determinadas áreas centrais da
cidade, ignorou as suas adjacências. Pagando muito caro a partir dos anos 80, com
crescimento desordenado destas áreas. Para Kowarick:
A periferia como fórmula de reproduzir nas cidades a força de trabalho é
conseqüência direta do tipo de desenvolvimento econômico que se processou
na sociedade [...]. Possibilitou por um lado, altas taxas de exploração de
trabalho, e de outro, forjou formas espoliativas que se dão ao nível da própria
condição urbana de existência que foi submetida à classe trabalhadora.
42
Ao mesmo tempo em que a oferta de emprego em Torres refletia o desenvolvimento
econômico da cidade, conforme Kowarick, este era responsável pela produção das áreas
periféricas da cidade. No entanto, de se considerar natural esta dinâmica no processo de
crescimento das cidades brasileiras. O que está sendo discutido, é a falta de planejamento
urbanístico destas áreas, isso porque, no caso específico de Torres em cerca de duas décadas
41
Entrevista concedida à autora pelo arquiteto da Prefeitura Municipal de Torres, Márcio Biasi, realizada em
julho de 2002.
42
KOWARICK, Lúcio. op.cit.p.41.
estas estavam quase que totalmente ocupadas, trazendo para o município além de problemas
urbanos, problemas jurídicos, sociais, econômicos e ambientais.
Nesse sentido, conforme as Atas da Câmara de Vereadores de Torres, o vereador José Carlos de
Matos (PMDB), em pronunciamento afirmava: “[...] a cidade anos atrás foi modelo de sistema de
esgoto cloacal, porém, com o crescimento imobiliário e a falta de um Plano Diretor, chegou a altos
índices de poluição nos rios e no mar.”
43
A atuação da elite política, voltada mais à denuncia do que à solução do problema,
corroborou para que Torres, chegasse aos anos 90 mergulhada na maior “crise” social,
econômica, urbana e ambiental de sua história. A partir da segunda metade dos anos 90,
Torres começou a pagar um alto preço pelo seu “planejamento” urbanístico tardio. Sendo
assim, conseqüentemente, todos os outros setores vinculados ao processo de desenvolvimento
e sustentação da cidade também foram afetados.
A “crise” que Torres sofreu a partir da segunda metade dos anos 90, além de ter sido
causada por fatores externos, como a ausência dos turistas estrangeiros, também foi gerada
pela inércia da elite dirigente. Conforme análise e interpretação das Atas da Câmara de
Vereadores de Torres, alguns membros da política local estiveram muito mais inclinados a
criticar as ações do Executivo, do que propriamente apresentar soluções para os problemas
turísticos e urbanos da cidade. Segundo o pronunciamento do vereador Giovani da Silva
Pacheco (s/p):
[...] durante este mandato, tivemos uma missão muito difícil no
Legislativo, que foi a elaboração do Plano Diretor de Desenvolvimento de
Torres, que segundo o vereador, foi usado contra eles. Alguns dizendo que
43
Ata da 27 Sessão Ordinária da Câmara de Vereadores de Torres, realizada em 16/10/95.p.44.
tem que mudar o Plano Diretor, o que concorda o vereador, salientando que a
vida em sociedade é uma dinâmica que sempre necessita de mudanças. Mas
que estes não propõe estas mudanças e não sabem o que mudar.
44
Conforme pronunciamento do vereador Giovani, percebeu-se que mesmo após a
elaboração e aprovação do Plano Diretor de Torres em 1995, continuaram as críticas.
Indicando que a cidade de Torres teria que lidar com futuras alterações do seu planejamento
urbano ligado às disputas políticas e aos interesses econômicos privados. Um problema que
acompanhou não só a elaboração do plano Diretor de Torres, mas todo o processo de formação
e expansão do espaço urbano da cidade.
3.3. A “crise” do turismo e da construção civil:
considerações acerca do planejamento turístico e urbano da cidade.
Este subcapítulo tem como objetivo, analisar e compreender os problemas que
acompanhavam o desenvolvimento turístico e urbano de Torres principalmente na segunda
metade dos anos 90. Conjuntura na qual a sociedade torrense sofreu com os efeitos da falta de
planejamento turístico e urbano da cidade. Uma deficiência que acarretou inúmeros problemas
de ordem social, econômica, habitacional, ambiental e urbanos.
Considerando o turismo e a construção civil as duas variáveis fundamentais para o
desenvolvimento urbano de Torres, cabe aqui questionar: Por quê não foi identificada pelas
44
Ata da 27 Sessão Ordinária da Câmara de Vereadores de Torres, realizada em 14/10/96. p.106.
elites políticas e econômicas locais, a fragilidade do modelo turístico calcado exclusivamente
no turismo estrangeiro? Uma vez que o turismo representava, o principal sustentáculo da
indústria da construção civil e por conseqüência dos demais setores geradores de renda? As
possíveis respostas acerca deste questionamento apontam para a hipótese central deste estudo.
Onde mesmo dependendo majoritariamente da indústria do turismo e da construção civil, a
economia da cidade de Torres, ao longo dos anos 1960, 70 e 80 não elaborou nem tão pouco
aplicou, uma política de planejamento turístico e urbano que tivesse como objetivo nortear e
planejar a sustentação do processo de desenvolvimento da mesma.
Uma política que tivesse como intuito, elaborar e aplicar um modelo sustentável de
turismo como também, aplicar uma política de planejamento urbano eficaz, que pudesse
regulamentar, fiscalizar e balizar a construção do espaço urbano da cidade. Sendo assim, de
acordo com a questão lançada e com a hipótese levantada, a terceira parte deste estudo tem
como finalidade trabalhar as questões relacionadas à chamada “crise” da segunda metade dos
anos 90. Conjuntura onde eclodiram de forma múltipla os problemas da cidade, indicando um
período de reflexão e readaptação para a sociedade local. Onde esta teria que reformular, a
posteriori, a sua postura frente ao turismo e buscar novas alternativas de sustentação
econômica.
45
Cabe aqui apontar para a relevância de alguns aspectos para a compreensão da crise da
segunda metade dos anos 90 em Torres:
a) identificar o grau de responsabilidade da comunidade local no processo de “crise” da
cidade.
45
Refere-se aqui ao desenvolvimento de uma consciência turística e urbana, para qual muito contribuiu a
instalação em 1992, do curso de Turismo em Torres, pela Universidade Luterana do Brasil (ULBRA).
b) identificar a atuação da elite política e econômica frente à “crise”.
c) analisar o impacto desta “crise” nos setores sócio-econômico, habitacional e ambiental.
A compreensão destas questões tem como objetivo, procurar entender como ocorreu foi
gerada historicamente desde os anos 70 o processo de desenvolvimento urbano e turístico da
cidade. Cabendo compreender por quê na segunda metade dos anos 90 estas questões
eclodiram desencadeando uma “crise” na cidade. Apontadas tais questões, cabe inicialmente
avaliar a situação turística e urbana de Torres no início dos anos 90, para que se possa
compreender posteriormente a chamada “crise.”.
Na primeira metade dos anos 90, Torres manteve o movimento turístico apresentado nos
anos 80.
46
Segundo Hélio Matos, presidente da Associação dos Corretores de Imóveis de
Torres (ACIT): “Foi muito bom para nós o início da década de 90. Tinha emprego na cidade,
turista também e ninguém esperava que eles fossem ir embora derrepente”.
47
Conforme
Mattos, no início dos anos 90 a cidade recebia o mesmo fluxo de turistas dos anos 80,
indicando que mantinha as condições para a manutenção de um modelo que em breve
mostraria as suas deficiências.
Observa-se a permanência do fluxo turístico na primeira metade dos anos 90, segundo dados
estatísticos do Conselho Nacional de Turismo (CNTUR). De dezembro de 1992 a março de
1993, entraram no Rio Grande do Sul rumo ao litoral norte, cerca de 450.195 mil turistas
46
Independente das políticas nacionais de incentivo ao turismo, onde a EMBRATUR em 1991 passou de
empresa pública para uma autarquia especial, e em 1994 criou o Programa Nacional de Municipalização do
Turismo. Ver em Rejowski, Mirian (org). Turismo no percurso do tempo. São Paulo: Aleph, 2002.p.35-36.
47
Entrevista concedida à autora por Helio Matos, presidente da Associação dos Corretores de Imóveis de Torres,
realizada em julho de 2002.
estrangeiros, principalmente uruguaios e argentinos.
48
Uma quantia expressiva de turistas, o
que não indicava em curto prazo, uma possível crise do setor turístico.
Nesta conjuntura, cabe chamar a atenção para a conclusão da Estada do Mar que facilitou a
movimentação turística. Segundo Hilda Flores, foi uma obra responsável pelo volumoso
tráfego de turistas, incluindo milhares de automóveis do Uruguai e da Argentina.
49
Em meados dos anos 90, devido à maciça entrada de turistas estrangeiros no país, o
Governo Federal adotou algumas medidas no intuito de fomentar a indústria do turismo. Foi
lançado o Programa Nacional de Municipalização do Turismo (PNMT) em 1995,
50
que
possuía como objetivo, disseminar didaticamente os conceitos do desenvolvimento do turismo
sustentável.
Embora, não se possa negar o avanço da política nacional de turismo nos anos 90,
ocorreram muitas contradições e desencontros. Para Maria Paiva,
51
nos anos 90 o
desenvolvimento do turismo do país esbarrou em alguns obstáculos tais como: A
descontinuidade das diretrizes da política nacional de turismo em decorrência da nomeação de
novos dirigentes nos órgãos de turismo no âmbito nacional e estadual, alguns totalmente
despreparados e outros querendo satisfazer interesses particulares dos grupos que
representavam; A omissão de órgãos estaduais e municipais na realização de estudos que em
geral se chocavam com os interesses imediatistas dos dirigentes; A organização do uso do solo
urbano inerente à lógica capitalista, terminando por legitimar a conseqüente especulação
imobiliária.
48
FLORES, Hilda. Turismo no Rio Grande do Sul: 50 anos de pioneirismo no Brasil. Porto Alegre:
EDIPUCRS, 1993.p.115.
49
Ibdem.p.108
50
MELGOZA, Mário.op.cit.p.70.
51
PAIVA, Maria das Graças. Sociologia do Turismo. São Paulo: Papirus, 2000.p.82-83.
Apesar destes obstáculos estarem sendo considerados pela autora em nível nacional, eles
são válidos também para pensar sobre a situação de Torres, na medida em que os desencontros
acerca das decisões políticas sobre o turismo esbarraram em disputas políticas, econômicas e
na inoperância das autoridades locais.
52
Mesmo com os obstáculos que o turismo enfrentou, confirmava-se o fluxo turístico dos
países da região do Prata. No o ano de 1986, por exemplo, entraram no Estado cerca de
606.668 mil turistas argentinos e uruguaios,
53
indicando que os primeiros anos da década de
90 foram de intensa movimentação turística em Torres.
Logo, na primeira metade dos anos 90, a sociedade torrense mantinha as atividades
lucrativas devido ao turismo estrangeiro. As divisas continuavam sendo arrecadadas e os
empresários do setor imobiliário, hoteleiro, comerciário e da construção civil, continuavam
lucrando da mesma forma que no ápice dos anos 80.
54
Quanto à atuação da comunidade local, segundo relato de Santino Isaias da Rosa, ex-líder
comunitário do bairro São Francisco, esta continuou desenvolvendo as suas práticas
relacionadas à demanda de turistas estrangeiros no início dos anos 90.
55
Para Santino: “As
pessoas construíam uma casa, depois outra atrás, depois outra do lado, pra cima e iam
aumentando. Tudo pra alugar no verão [...] Isso tudo aconteceu na metade dos anos 90, depois
tu já não via tanto isto”.
56
52
Refere-se aqui, por exemplo, à falta de planejamento urbano para áreas de interesse paisagístico, à carência de
guias turísticos, de um pórtico de informações na entrada da cidade, dos desencontros sobre a elaboração e
aprovação do Plano Diretor, entre outras.
53
Ibdem.p.114.
54
Os dados do Histograma em anexo 1, apontam para o crescimento da indústria da construção civil em Torres
até 1992. Indicando que a cidade ainda vivia um período de intensa movimentação turística.
55
Refere-se aqui ao aluguel de casas basicamente para estes turistas estrangeiros e ao comércio informal.
56
Entrevista concedida à autora por Santino Isaias da Rosa, ex-líder comunitário do bairro São Francisco,
realizada em julho de 2002.
O depoente aponta para o fato da comunidade local desenvolver atividades voltadas para o
turismo estrangeiro. Onde a arrecadação do capital do turista estrangeiro sustentava
majoritariamente o modelo econômico adotado por Torres.
A taxa de desemprego nos meses de alta temporada turística (de dezembro a março) era
bastante baixa na cidade, os recursos arrecadados estavam sendo aplicados na construção de
restaurantes, hotéis e no comércio de uma forma geral.
57
Segundo relato de Hélio Matos,
presidente da Associação dos Corretores de Imóveis de Torres: “Tu não via ninguém
reclamando na cidade, de falta de empregos [...] Foi uma época boa para nós aqui na cidade,
tinha emprego, turista, tudo o que agente precisava.
58
De acordo com esses relatos, a sociedade torrense acreditava possuir tudo o que
necessitava, ou seja, turistas e empregos e por conseqüência disso o lucro fácil. O problema
deste posicionamento social foi que, habituados com a rentabilidade do setor turístico desde
meados dos anos 80, o setor de prestação de serviços e o comércio em geral foram elevando
gradativamente os preços dos produtos.
Conforme relato de Hélio Matos, havia o costume de lucrar de 100 a 200% sobre o
produto ou serviço oferecido ao turista estrangeiro. Para Hélio Matos: “Torres cresceu o olho
por causa dos hermanos, cobravam o olho da cara por tudo [...], mas eles pagavam e agente
ganhava [...] muita gente em Torres ganhou a vida assim”.
59
Entretanto, este posicionamento
tanto da comunidade local, quanto dos prestadores de serviços e do comércio implicou, a
posteriori em sérios problemas para a economia da cidade.
57
Anuário Estatístico da EMBRATUR. Rio de Janeiro. Volume 6, 1990.p.176. Dados referentes ao número de
estabelecimentos e de empregados do comércio atacadistas e varejistas do Município de Torres.
58
Entrevista concedida à autora por Hélio Matos, presidente da Associação de Corretores de Imóveis de Torres,
realizada em julho de 2002
59
Entrevista concedida à autora por Santino Isaias da Rosa, realizada em julho de 2002.
Em meados da década de 90, a entrada de turistas estrangeiros, principalmente de
argentinos, começou a diminuir drasticamente. A Argentina a partir de 1995 enfrentou uma
forte crise política que abalou a economia interna e prejudicou diretamente o fluxo do turismo
para o Brasil. Um período de recessão que freou a vinda de turistas estrangeiros oriundos da
região do Prata para o litoral norte do Rio Grande do Sul. Segundo Casanueva:
En 1995 se revirtió la tendencia de expanción económica iniciada en
1991. La recesión de 1995 fue atribuida por el gibierno al llamado “efecto
tequila”, o sea, a los coletazos internacionales de la crisis sufridas por México
en el mismo año [...]. Ello afectó particularmente a Argentina, que había
estimulado la entrada de volátiles inversiones en cartera durante los años
anteriores.
60
Conforme este autor, a Argentina estava sofrendo economicamente os reflexos de
problemas instaurados no México. Com sua economia abalada, a Argentina que teve de dirigir
a sua atenção à economia interna, no intuito de equilibrar sua situação financeira. Entretanto,
este equilíbrio não ocorreu em curto prazo, pelo contrário, após a reeleição de Carlos Menem
em 1995, a Argentina ainda sofreria outros problemas como o aumento do desemprego.
61
A
sociedade argentina e principalmente a classe média, estava passando por uma redução de
poder de compra, fato que atingiu o setor turístico de forma contundente.
Segundo Rejowski, por volta de 1996 o Brasil ocorreu um decréscimo na entrada de
turistas estrangeiros, principalmente dos países que compunham o Mercosul.
62
Torres que
dependia majoritariamente do turismo estrangeiro para manter as suas atividades viu-se
60
EMMERICH, Gustavo E. Mennem: Recuento y balance de un decenio. In: CASANUEVA, Felipe D.R.
Argentina: pasado y presente em la construcción de la sociedad y el Estado. Buenos Aires: Eudeba.2001.p.281.
61
EMMERICH, Gustavo E, In: CASANUEVA, Felipe. op.cit.p. 298.
62
REJOWSKI, Mirian (org). op.cit.p.36.
surpreendida pela crise da Argentina. Este foi um dos principais fatores desencadeadores da
“crise” da segunda metade dos anos 90.
A comunidade local desconhecendo a relevância da crise da Argentina, manteve o nível
dos preços dos serviços e dos produtos, esperando que os turistas argentinos e uruguaios
pudessem voltar a Torres a qualquer momento.
63
Ocorreu que, a classe média-baixa local que lucrava basicamente oferecendo serviços de
hospedagem. Em especial, o aluguel de casas de veraneio e o comércio em geral, eram os
setores onde este grupo trabalhava intensamente nos meses de alta temporada. Sendo assim,
dedicados à produção destas atividades, a comunidade local visava de forma imediatista,
apenas obter lucros fáceis e com isso, inconscientemente contribuiu para a manutenção de um
modelo turístico frágil, mal planejado e condenado a passar por crises cíclicas.
Esta esfera da sociedade, portanto, envolvida com as suas respectivas atividades
individuais, não assumiu a sua parcela de responsabilidades em cobrar da administração local
uma política de planejamento turístico. Corroborando com tal colocação, segundo as Atas da
Câmara de Vereadores de Torres, o vereador Ivo dos Santos Rocha (PDS) em seu
pronunciamento, pediu que fosse lida e transcrita na íntegra a coluna publicada pelo jornal
Gazeta, de autoria do senhor Ruy Rubem Ruschel.
A referida coluna intitulava-se Decepção”, e tinha como objetivo chamar a atenção da
sociedade torrense para a gravidade da falta de planejamento turístico da cidade. Para Ruschel:
Enquanto os torrenses não conseguirem fazer prevalecer o espírito
público e a mentalidade turística em seu povo e instituições, correm o risco
63
Um posicionamento lamentável da sociedade torrense que não considerou a real crise da Argentina, como
também, não agiu conscientemente no intuito de atrair novos grupos de turistas para a cidade.
de perder sua principal fonte de renda. É preciso nunca olvidar que em
matéria de turismo a concorrência das outras cidades tende sempre a crescer .
Não há dúvidas de que Torres foi privilegiada pela natureza, mas também
as praias de Santa Catarina possuem belos penhascos e gostosas enseadas e
preservam as suas águas, dunas e verdes, com seus empenhos locais exitosos
acabam tirando daqui o movimento, o de esvazia-la ainda mais nos
próximos anos já que não param de se promover.[...]
64
O artigo apontava para aspectos que corroboram com os problemas levantados nesse
capítulo. O autor levantava questões que apontaram para fatores relacionados à “crise”
turística e urbana que se instalou em Torres na segunda metade dos anos 90. Em primeiro
lugar, é indicada a responsabilidade da comunidade local no que Ruy Rubem Ruschel chamou
de espírito público, no processo de declínio da máquina turística da cidade.
Provavelmente, no que se referia à falta de atuação política reivindicatória desta e de seu
posicionamento imediatista quanto aos lucros exclusivos do turismo estrangeiro. Em segundo
lugar, chamou a atenção para a concorrência turística, no sentido de alertar que outras
localidades estavam procurando desenvolver suas potencialidades e pretendiam destronar a
considerada por ele, Rainha das Praias Gaúchas.
65
As problemáticas apontadas por Ruy Ruben Ruschel no jornal GAZETA, giravam em
torno da falta de planejamento e de consciência turística da sociedade torrense. Situações que
só foram apresentadas como problemas no momento em que o sonho do lucro fácil oriundo do
turismo estrangeiro desapareceu na segunda metade dos anos 90. A comunidade local e a elite
dirigente, mal acostumadas com a facilidade de arrecadação de capital estrangeiro, não
previram uma situação de crise. No mesmo momento em que os turistas estrangeiros
64
Ata 22 da Sessão Ordinária do Legislativo Municipal de Torres, realizada em 09/09/91.p.43-44.
65
Título enaltecedor criado pelo próprio Ruy Rubem Ruschel.
começaram a deixar a cidade, os comerciantes, prestadores de serviços, imobiliárias e
proprietários de casas de aluguel, mesmo não tendo mais para quem oferecer os serviços e
produtos, não baixaram os custos desses.
66
Nesse sentido, a instalação da chamada “criseda segunda metade dos anos 90, também
indicou a necessidade de readaptação da comunidade local frente à nova realidade. Ela teria
que conscientizar-se e adaptar-se a nova fase de recessão e com isso baixar os custos dos
serviços e produtos. Havia a necessidade de atrair outros nichos de turistas. Segundo relato do
ex-líder comunitário do bairro São Francisco, a comunidade local precisava se reciclar no
intuito de assimilar e, posteriormente, reverter a situação. Segundo Santino Isaias da Rosa:
“Primeiro tem que haver o ‘baque’ para que o comerciante se conta que não se tem mais o
argentino [...] agora ele tem que se adaptar denovo ao veranista e deixar de querer ganhar
200% no que ele vende”.
67
A sociedade de uma forma geral (comunidade e elite dirigente), teria que passar por uma
fase de readaptação, no sentido de reconquistar os turistas internos ou veranistas, tão
desvalorizados desde meados dos anos 80. Nesse sentido, o mesmo depoente afirmou:
Vamos agora ter que olhar para o nosso veranista [...]. Vamos ter que nos
adequar à nossa realidade. Crescem o olho, querem tirar o atrasado dos dez
meses que não venderam nada [inverno]. eles continuam não vendendo,
porque o veranista vê que é exploração.
68
Além de acostumada com o lucro fácil e vantajoso, a comunidade local dependia do lucro
do período sazonal para se sustentar nos demais meses do ano. Uma prática de acomodação ao
66
Alternativa que poderiam ter atraído outras demandas turísticas como o turista interno, por exemplo.
67
Entrevista concedida à autora por Santino Isaias da Rosa, realizada em julho de 2002.
68
Idem. [grifo nosso].
turismo de alta temporada. Situação que representou a necessidade de reformulação de
posturas.
Na primeira metade dos anos 90, a indústria da construção civil (acompanhando o seu co-
produtor turismo), estava vivenciando, um período de crescimento. As construções aconteciam
tanto nas zonas centrais, principalmente no que dizia respeito às residências multifamiliares
(edifícios), como nas demais zonas com as residências unifamiliares (casas).
Conforme aponta o Histograma em anexo 1 fornecido pela Secretária de Planejamento do
Município de Torres, a construção de residências multifamiliares (edifícios) e unifamiliáres
(casas), apresentaram um pico entre os anos de 1992 e 1994. Apresentando um primeiro
declínio a partir de 1994 e um grave decréscimo a partir de 1995.
Torres manteve o índice de expansão urbana, observado desde os anos 80 até metade dos
anos 90, tanto verticalmente (conforme e atuação da indústria da construção civil), quanto
horizontalmente (diante da atuação dos posseiros e loteadores).
Cabe aqui então, identificar a atuação de outras parcelas da sociedade torrense no processo
de instalação da “crise” dos anos 90. No início dos anos 90, a elite econômica, aqui
considerada como os membros da SAPT, os hoteleiros, os empresários da construção civil e os
grandes comerciantes, bem como, a elite dirigente municipal (membros do Executivo e
Legislativo) e a comunidade local, também estavam usufruindo da farta arrecadação de
capital.
A elite econômica e política local estavam satisfeitas com a abundância de lucros
arrecadados e pareciam fazer vistas grossas às problemáticas que começavam a ser apontadas
na cidade.
69
Um claro exemplo da constante inoperância administrativa, relacionada ao
momento de “crise” que a cidade começava a sofrer, observa-se nas Atas da Câmara de
Vereadores de Torres dos anos 80 e os dados da imprensa local nos anos 90.
A interpretação destes dados indicou a fragilidade do modelo de crescimento econômico e
urbano baseada no turismo sazonal. Nas Atas da Câmara de Vereadores de Torres, o vereador
Lindomar Lumertz de Barros (PDS) chamava a atenção para a necessidade de construção de
um pórtico de informações turísticas na entrada da cidade:
[...] no fim do ano foi solicitada a construção de um posto de informações
na entrada da cidade mas quase no fim da temporada, depois de muito
pedirem foi construído uma casa parecida com uma tenda e os guris que
atendiam parecia um bando de ciganos.
70
Conforme indicou o trecho do pronunciamento do vereador Lindomar, apesar de Torres
estar vivendo o ápice do seu desenvolvimento turístico nos anos 80, algumas obras de
infraestrutura básica relacionadas ao turismo não estavam sendo realizadas adequadamente.
Necessidades que comprometeria a médio prazo a sustentação da máquina turística da cidade,
indicando a falta de planejamento do setor.
Corroborando no sentido de apontar a falta de planejamento turístico como uma das causas
da instalação da “crise” na segunda metade dos anos 90, identificou-se nos arquivos da
imprensa local, particularmente no acervo do jornal GAZETA, uma nota indicando a
necessidade da construção do pórtico de informações turísticas na entrada da cidade.
69
Considera-se a questão do esgoto cloacal um dos primeiros problemas enfrentados pela cidade no início dos
anos 90. Um período onde a cidade ainda usufruía do capital do turista estrangeiro.
70
Ata da 8 Sessão Ordinária da Câmara de Vereadores de Torres, realizada em 22/03/1982.p.26.
Dez pórticos turísticos serão erguidos pelo governo do Estado nas áreas
de maior entrada de visitantes. Um deles será em Torres. [...] os dez portais
turísticos serão construídos no decorrer de 1997 nas seguintes localidades:
Jaguarão, Chuí, Aceguá, Santana do Livramento, Uruguaiana, São Borja, Irai,
Marcelino Ramos, Vacaria e Torres.
71
O exemplo escolhido, acerca da carência de planejamento turístico da cidade demorou
quinze anos para sua resolução.
72
Nesse sentido, cabe afirmar a inoperância das autoridades
locais quanto à simples construção de equipamentos de sustentação turística para a cidade.
Além da carência de planejamento turístico e urbano, no momento que se buscou identificar a
atuação da elite dirigente e econômica no processo de instalação da chamada “crise” da
cidade, foi observado que a indústria da construção civil também já apontava alguns
problemas a partir de 1995. Além do abalo que Torres sofreu com a diminuição de
arrecadação de capital oriunda da indústria do turismo, a cidade sofreu também com o impacto
da criação do Plano Diretor aprovado em 12/07/95. Um Plano de extrema importância para a
cidade, como explanado anteriormente, porém, co-responsável na redução do crescimento
do setor da construção civil naquela conjuntura.
73
Isto por que o Plano Diretor ao prever índices de aproveitamento, recuos laterais, e limites
de altura, também tratava do registro das construções, promovendo o afastamento de algumas
71
Governo vai construir 10 pórticos em deles em Torres. GAZETA, Torres, 08 novembro 1996,p.5.
72
Obra que nunca foi realizada. A cidade de Torres até hoje, ainda não possui um pórtico de informações
turísticas na entrada da cidade, diferentemente de outras praias do litoral norte, como Xangrilá, Capão da Canoa,
Tramandaí entre outras. O que indica que em termos de infraestrutura turística, conforme este caso específico, a
cidade continua sem uma política de planejamento turístico.
73
MELGOZA, Mário. op.cit.p.150.
empreiteiras e construtoras da cidade.
74
Segundo relato do arquiteto da Prefeitura Municipal
de Torres, Márcio Biasi:
Esse Plano Diretor que é o primeiro da cidade, veio a reduzir aquilo que
se podia construir em cada um dos terrenos [...]. Com o Plano Diretor se
reduziu a verticalização, se aumentou os recuos mínimos. Então fez com que
afugentasse um pouco as construções em Torres.
75
Com a diminuição da atividade turística, o desemprego em Torres começava a aumentar.
A partir da aprovação do Plano Diretor, a indústria da construção civil sofreu uma sensível
queda.
76
Conforme nota publicada no jornal GAZETA, o desemprego no setor da construção
civil em Torres, já preocupava em 1996.
Preocupa o nível de desemprego na construção civil em Torres. Segundo
o vereador Volnei Rodrigues (PDT), no seu escritório contábil são
homologadas 10 a 15 demissões semanais de trabalho. Existem 60 projetos
para novos edifícios aprovados em Torres, mas as construtoras e
incorporadoras não se animam a construir.[...].
77
Conforme nota publicada na GAZETA, a indústria da construção civil em 1996 já percebia
os reflexos da aprovação do Plano Diretor de Torres.
78
A cidade estava, portanto, iniciando a
segunda metade dos anos 90 com três graves problemas: 1) a diminuição da demanda turística
e do ingresso de capital; 2) a desaceleração da indústria da construção civil mediante a
74
Sabe-se que no setor da construção civil em Torres, muitas empreiteiras não possuíam licença para construir na
cidade, sendo assim, no momento em que o Plano Diretor foi aprovado, estes construtores “ilegais” tiveram que
recuar as suas atuações, diminuindo o movimento da construção civil no Município.
75
Entrevista concedida à autora por Márcio Biasi, arquiteto da Prefeitura Municipal de Torres, realizada em
julho de 2002.
76
Ver Histograma em anexo 1.
77
Desemprego na construção civil. GAZETA, Torres, 31/05/96, p.1.
78
Um plano que balizava a atuação irregular de construtoras e construtores. Ver Plano Diretor em anexo 3.
aprovação do Plano Diretor; 3) o aumento do desemprego na cidade ocasionado pela crise de
ambos setores.
Sendo assim, na segunda metade dos anos 90, instalou-se em Torres uma crise turística,
urbana e, por conseqüência, socioeconômica e habitacional. Segundo Kowarick:
[...] a dilapidação de trabalhadores e a depredação ecológica ou urbana
podem refletir-se no próprio processo de expansão do capital na medida em
que aplicarem na canalização de recursos que poderiam ser drenados para
investimentos produtivos [...]. Mas, por, ora os grupos empresariais não
parecem excessivamente preocupados com os custos decorrentes do modelo
de desenvolvimento [...].Concentram-se no lucro, desprezando a dilapidação
que realizam no âmbito da sociedade.
79
O excedente de mão-e-obra existente em Torres nos anos 90, provocou a redução dos
salários e o desemprego gerou, por conseqüência, problemas de habitação e de saneamento. Os
trabalhadores empurrados para o desemprego tiveram como única alternativa o deslocamento
para áreas onde os custos de moradia fossem menores ou quase nulos.
80
Nesse contexto de aumento do desemprego na indústria da construção civil na cidade, faz-
se necessário abordar a atuação peculiar da Construtora e Incorporadora Ivo A Rizzo. Onde
apesar da “crise” que se instalou na cidade na segunda metade dos anos 90, esta empresa
construiu em Torres em toda década de 90, sete edificações sendo que quatros foram após
1995.
81
Construções que mantinham a característica de verticalização de determinados espaços
79
KOWARICK, Lúcio. A espoliação urbana. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979.p.52.
80
Ibdem.p.88.
81
Portifólio da Construtora e Incorporadora Ivo Rizzo, s/p.Cabe aqui indicar que os dados referentes à outras
construtoras, segundo o Cartório de Registro de Imóveis de Torres, não estavam disponíveis para pesquisa.
Portanto, sendo a Construtora e Incorporadora Ivo Rizzo a empresa ligada à construção civil de maior expressão
em Torres e por ter sido a única que forneceu o seu Portifólio, as informações acerca desta foram as mais
trabalhadas neste estudo.
urbanos da cidade: Zonas 7, 9 e 10, de acordo com o Plano Diretor de Torres aprovado em
12/07/95.
82
Índices de construções que iam contra as tendências da crise turística e econômica
da cidade.
A continuidade do ritmo de produção da Construtora e Incorporadora Ivo Rizzo, justifica-
se pelo fato dela não depender exclusivamente do capital gerado em Torres para dar
sustentação aos seus empreendimentos. Pelo contrário, a Construtora e Incorporadora Ivo
Rizzo é uma empresa que atua no campo da construção civil no Estado desde o final dos anos
50.
83
Indicativo de que a empresa tinha uma política de planejamento, tanto de atuação espacial
como de captação de renda. Ou seja, esta empresa construía ao mesmo tempo em locais
diferentes, como Porto Alegre, Gramado e Torres. Uma diversificação espacial que promoveu
a manutenção e sustentação das suas atividades, independente das possíveis crises das
respectivas cidades.
Tanto que esta permaneceu em Torres mesmo no período em que a cidade passou por uma
crise turística, urbana, sócio- econômica e ambiental. Cabe aqui, apontar para a questão do
planejamento. A atuação desta parcela da elite econômica da cidade foi a de permanecer na
cidade apostando na construção civil, mesmo Torres passando por um a “crise” econômica da
aprovação do Plano Diretor.
84
82
Ver Plano Diretor em anexo 3.
83
Em 2001, a Construtora e Incorporadora Ivo Rizzo comemorou 50 anos de atuação no setor da construção civil
no Estado, sendo que 70% das suas construções foram realizadas em Torres.
84
Cabe indicar que a Construtora e Incorporadora Ivo Rizzo, além de não depender majoritariamente do capital
gerado pelo turismo estrangeiro para construir em Torres, também não se intimidou frente ao Plano Diretor. Isto
porque, segundo relatos dos senhores Helio Matos (realizada em julho de 2002) e do senhor Osmar Pinto
(realizada em setembro de 2001), a empresa tinha como objetivo construir grandes edifícios em Torres, desde que
estes obedecessem às regras urbanísticas que não prejudicassem a constituição urbana da cidade. Sendo assim, as
edificações desta empresa além de obedecer aos recuos e alturas estabelecidos pelo Pano Diretor, também
Após a conturbada elaboração e aprovação do Plano Diretor de Torres, a SAPT diminuiu
consideravelmente sua atuação nas discussões acerca dos problemas da cidade.
85
A SAPT,
nos aos 90, limitou-se a colaborar nas discussões acerca da elaboração do Plano Diretor. No
momento em que esse foi elaborado e aprovado, ela se voltou para as suas atividades sociais.
Postura que indicava que esta sociedade atuava apenas quando os assuntos tratados na Câmara
vinham ao encontro dos seus interesses de grupo.
Portanto, como pode-se perceber, que tanto a elite política municipal quanto a elite
econômica de Torres, apresentaram respostas pontuais aos problemas que envolviam a
chamada “crise” da segunda metade dos anos 90. Atuações limitadas tendo em vista a
importância dos problemas da cidade, que afetaram tanto os interesses privados de uma
minoria quanto os interesses públicos da maioria da sociedade local.
No entanto, esse modelo não demorou a demonstrar suas deficiências. Com isso, as elites
dirigentes começaram a ser responsabilizadas pela comunidade local, principalmente no que
dizia respeito às questões do desemprego, do saneamento e da habitação. Segundo relato do
senhor Dani Pereira, presidente da União das Associações dos Moradores dos Bairros de
Torres:
[...] eles deixaram a cidade chegar nesse caos total, ninguém faz nada e
não é de ninguém a culpa. Colocam a culpa nos Prefeitos que já passaram.
Assim, nós não vamos sair desse horror! Falta turista e se não tem turista
não tem emprego e se falta emprego a gente não tem nada.
86
possuíam impreterivelmente o registro necessário da Prefeitura e Cartório de Registro de Imóveis, legitimando a
sua atuação na cidade.
85
Não foi detectada nas Atas da Câmara de Vereadores de Torres, a participação da SAPT nos assuntos
referentes aos problemas gerais da cidade como, saneamento básico por exemplo.
86
Entrevista concedida à autora por Dani Pereira, presidente da União das Associações dos Moradores de Bairros
de Torres, realizada em julho de 2002.
A partir do momento em que a sociedade torrense percebeu que boa parte das causas da
“crise” estavam ligadas a falta de planejamento do setor turístico e urbano, esta passou a
desenvolver um censo crítico sobre a situação. Segundo Ruschmann:
As deficiências do turismo passaram inicialmente pela falta de
conscientização da população [...] o que é uma questão cultural. Se a
população não se sensibiliza por determinado tema, o político
automaticamente o descarta. A população em geral não a devida
importância ao turismo, e essa indiferença é fatal.
87
É claro que a comunidade local após a percepção dos problemas da cidade, atribuiu toda
responsabilidade às autoridades locais. Entretanto, como foi colocado anteriormente, a
sociedade civil também teve a sua parcela de responsabilidade na crise, tanto pelo seu
posicionamento imediatista em relação ao lucro fácil quanto pela falta de participação acerca
das decisões políticas da cidade.
Em fim, a sociedade torrense como um todo, tinha também responsabilidade pela crise da
segunda metade dos anos 90. A sociedade civil sofreria em conjunto com os problemas da
cidade. Isso porque, a elite econômica interessada em manter o fluxo de turistas estrangeiros
em Torres, devido a grande arrecadação de capital, deu sustentação ao modelo turístico que
privilegiava apenas o turismo estrangeiro. A responsabilidade desta parcela da sociedade
esteve, portanto, calcada no imediatismo, na busca da reprodução fácil e rápida do capital,
permitindo que a cidade dirigisse majoritariamente suas atividades para esse frágil modelo.
87
RUSCHMANN, Doris. Turismo e Planejamento Sustentável, a proteção do meio ambiente. o Paulo:
Papirus, 1997.p.12.
A elite política, igualmente interessada na arrecadação de lucros, não agiu de forma a
planejar o turismo na cidade. Deixando o setor se desenvolver subordinada a vontade da elite
econômica e dos fluxos de turistas estrangeiros.
E pelo interesse majoritário na arrecadação de capital. Uma atuação que custou um alto
preço a comunidade torrense. Para Kowarick:
[...] a ampliação e garantia dos direitos e deveres implícitos no exercício
da cidadania supõem, de imediato, a possibilidade não de usufruir dos
benefícios materiais e culturais do desenvolvimento, como também,
sobretudo, a de interferir nos destinos desse desenvolvimento.
87
Portanto conforme este autor, a comunidade torrense além de desfrutar dos benefícios que
o turismo estrangeiro havia lhe proporcionado, deveria ter atuado junto às competências locais
no intuito de acompanhar e interferir nos rumos do desenvolvimento da cidade.
Assim, com a crise dos anos 90 diante da falta de turistas estrangeiros e, portanto, com o
fracasso do modelo turístico adotado para a cidade. Os problemas sócio-econômicos e
habitacionais se intensificaram sobre as camadas menos favorecidas da população. Sendo
assim, cabe a seguir analisar a existência destes problemas, em especial, em uma das áreas
urbanas mais carentes da cidade, onde eclodiram todos os problemas da cidade.
87
KOWARICK, Lúcio. op.cit. p.27
3.3.1. O caso do Riacho Doce: dilema sócio-econômico e ambiental.
Inúmeros foram os problemas sociais, econômicos, urbanos, habitacionais e ambientais
que Torres enfrentou a partir da segunda metade dos anos 90. No sentido de abordar alguns
desses problemas, foi eleita uma situação que os apresentaram de forma integrada. Foram,
portanto identificadas para análise: 1) a questão do esgoto relacionado à falta de planejamento
urbano da cidade, diminuindo ainda mais a atividade da construção civil e promovendo o
surgimento do problema ambiental; 2) a questão do desemprego na cidade em função do
declínio da atividade turística e da construção civil 3) e principalmente a formação do
assentamento irregular chamado Riacho Doce.
Este último atrelado a um processo de espoliação urbana, que representou integralmente
todos os problemas sociais, econômicos, habitacionais e ambientais da cidade no período.
Sendo assim, a questão do Riacho Doce pareceu-nos uma espécie de conexão entre todos os
problemas da cidade, tendo sido eleito como o ponto principal de reflexão acerca das razões da
carência de políticas de planejamento turístico e urbano para Torres.
Políticas de planejamento turístico que propusesse em médio prazo, construir uma cidade
auto-sustentável economicamente, geradora de suas próprias divisas. Mas também, de
planejamento urbano que propusesse a produção regular da malha urbana da cidade, para que
futuramente essa não apresente tantas discrepâncias sociais como as detectadas no presente.
A opção aqui de indicar o caminho da sustentabilidade turística, aponta, portanto, para a
questão do turismo sustentável sob a ótica da produção do espaço social. Onde o potencial
de sustentabilidade atribuído à atividade turística, não poderia desconsiderar a atividade
econômica, que produziria e consumiria paisagens, territórios e espaços em diferentes
ambientes.
Assim, a sustentabilidade seria aplicável enquanto modelo turístico, se ocorresse
inicialmente a modificação de postura da comunidade local e do visitante com relação ao
ambiente frente a hegemonia do discurso capitalista.
88
No caso específico de Torres, o
planejamento de sustentabilidade turística deveria considerar a questão econômica relativa à
dependência da cidade, caso contrário, o modelo poderia não apresentar os resultados
esperados. Entretanto para alguns autores como Petrocchi, o turismo sustentável teria como
base outros pilares fora a preservação ambiental e o consumo do espaço.
Para Petrocchi, turismo sustentável é: promoção, preservação, formação profissional e
conscientização da população.
89
De acordo com os pilares de apoio ao turismo sustentável,
apresentados por este autor, a atividade turística da cidade tenderia a se desenvolver mediante
a um conjunto de fatores. A idéia de promover a cidade, preservar o meio ambiente,
conscientizar a população local, e utilizar profissionais da área, como formá-los também,
produzindo e consumindo os espaços turísticos, seriam ações que iriam de encontro ao ideal
de uma cidade turística sustentável. Programando e ordenando as ações, dando prioridade à
economia ao meio ambiente, permitindo com isso mapear dificuldades e obstáculos.
No caso de Torres, a partir da segunda metade dos anos 90, as deficiências haviam
demonstrado suas forças no processo de derrocada do turismo. A questão do saneamento
básico, a carência de alguns equipamentos turísticos, a existência de núcleos urbanos
88
Deveria se considerar o turismo sustentável como meio de geração de renda, entretanto, teria que ser
desenvolvido paralelamente uma consciência ambiental acerca dos espaços e paisagens consumidas. Ver em
CASTROGIOVANNI, Antonio C.(Org). Turismo Urbano. São Paulo: Contexto, 2000.p.47-48
89
PETROCCHI, Mário. Turismo Planejamento e Gestão. São Paulo: Futura, 1998.p.59.
irregulares próximos às áreas de proteção ambiental e a falta de consciência da população
local, foram as principais deficiências turísticas de Torres.
Antes de abordar propriamente a questão da formação do núcleo habitacional Riacho
Doce, cabe.indicar o problema do saneamento básico na cidade. Portanto, uma vez detectadas
as deficiências turísticas e urbanas da cidade, a questão do saneamento básico se apresentou
como uma das mais importantes. A partir da análise das Atas da Câmara de Vereadores de
Torres e de dados da imprensa local, observou-se que o Legislativo Municipal esteve
discutindo nos anos 90, os problemas do esgoto cloacal na cidade. Conforme o jornal
GAZETA:
No próximo dia 29 de março, Secretária Estadual da Saúde, CORSAN,
Prefeitura e Câmara Municipal de Torres, FEPAM e empresários [...]
reúnem-se no Centro de Cultura para analisar a questão da poluição das águas
do rio e do mar em Torres. A reunião ficou agendada no encontro de 21 de
fevereiro. Naquele encontro ficou acertado que a CORSAN faria o projeto de
ampliação da Estação de Tratamento [de esgoto], a FEPAM iria identificar os
pontos clandestinos de esgoto cloacal e a Prefeitura impedir a ligação de
novos esgotos na rede cloacal.
90
Nesse sentido, em Sessão Ordinária do Legislativo Municipal, o vereador José Fernando
Mury (PDT) fez o seu pronunciamento:
Se fosse permitido a continuidade do nível de construções em Torres,
frisou o vereador, [...] nossos veranistas e todos os torrenses estariam
banhando-se na Praia Grande com coliformes fecais e o rio Mampituba
estaria mais poluído. Disse ainda que é justa a preocupação do vereador José
90
Reunião sobre poluição dia 20. GAZETA, Torres, 22 de março de 1996, p.8.
Carlos, em realizar um seminário ambiental para informar a população sobre
os fatos ocorridos em nossa região.
91
O vereador apontou para o problema do saneamento básico em Torres, como uma das
causas da crise da cidade e uma grave conseqüência da falta de planejamento turístico-urbano
desta. Através das citações referidas, pode-se perceber a atuação da elite política nas
discussões acerca do problema, uma vez que o problema estava colocando em xeque a
sustentação do turismo na cidade que já enfrentava problemas.
Entretanto, observou-se posteriormente que a questão do esgoto da cidade além de não ter
sido resolvido, agravou-se em fins dos anos 90.
92
Sendo assim, a atuação da elite política em
relação aos problemas turístico-urbanos da cidade, possuiu uma característica muito mais
representativa do que decisiva, pois, conforme nota publicada em Zero Hora no ano de
2003, o problema da poluição do rio Mampituba e da Praia Grande atravessou os anos 90.
A Praia Grande, em Torres, foi liberada ontem, aliviando os comerciantes
e provocando dúvidas nos veranistas.
A praia era considerada inadequada ao banho [...] depois que duas
amostras entre cinco excederam o limite de coliformes fecais.
As pessoas cancelaram reservas em Torres com a repercussão nos jornais
e na TV.
93
Cabe neste momento, apontar para atuação da Fundação Estadual de Proteção Ambiental
(FEPAM), que atuou desde meados dos anos 90, no sentido de alertar a população, os
91
Ata da 27 Sessão Ordinária da Câmara de Vereadores de Torres, realizada em 14/10/96.p.106.
92
Isto porque no início dos anos 2000 é que a questão do saneamento básico em Torres apresentou o seu
desfecho em função da sentença Federal proferida contra o Município.
93
FEPAM cede e libera Praia Grande. ZERO HORA, Porto Alegre, Ano 36 N 13.663 de 17/01/2002, p.36.
veranistas e as competências cabíveis sobre o problema do saneamento básico da cidade. Para
Melgoza, conforme a FEPAM:
[...] as características paisagísticas e ambientais de todo o litoral norte do
Estado o foram sempre valorizadas, nem consideradas durante o processo
de ocupação, fazendo com que a urbanização inadequada venha trazendo
prejuízos à população e ao ambiente ao longo do tempo.
94
De acordo com este autor, a FEPAM apontou criticamente para a urbanização não
planejada do litoral norte do Estado. Considerando a responsabilidade da construção civil
desenfreada, ou seja, do processo de urbanização acelerado como o grande gerador das graves
conseqüências ambientais, que estavam prejudicando tanto a população, como ao meio
ambiente.
Um problema de extrema gravidade que atingiu diretamente a indústria do turismo e da
construção civil em Torres, setores que estavam extremamente abalados. Para o arquiteto da
Prefeitura Municipal de Torres, Márcio Biasi, mesmo com o compromisso da Prefeitura
Municipal de Torres, em proibir e fiscalizar para que nenhuma rede nova de esgoto cloacal
fosse ligada à já existente, essa medida não foi respeitada. Foi preciso uma intervenção
judicial proibindo qualquer tipo de construção na cidade que viesse a aumentar a demanda de
esgoto cloacal existente. permitindo a aprovação de projetos de construções, que
tivessem incluído um sistema de tratamento de esgoto próprio.
95
Segundo Márcio Biasi:
94
MELGOZA, Mário. Reflexos do impacto turístico no processo de urbanização: o estudo de caso de
Torres/RS. Porto Alegre: UFRGS (Dissertação de Mestrado). 2001.p.164.
95
Esta alternativa não foi acatada, uma vez que encareceria o custo das obras em até 40%.
[...] foi deferida por um Promotor Federal, uma sentença judicial que
proíbe toda e qualquer construção em Torres. Foi um processo que correu
muito desfavorável ao Município.
E agora o que está acontecendo é que o Município paga uma multa a
partir do fim do ano que vem, se não tiver uma estação de tratamento [de
esgoto].
96
Esta sentença Federal teve um caráter extremamente punitivo para a municipalidade, pois,
teve como intuito pressionar a elite dirigente Municipal, a resolver de forma definitiva o
problema do esgoto em Torres. Uma ação que tinha como intuito favorecer em médio prazo a
população local e os veranistas, no sentido de resolver a questão do esgoto na cidade.
Entretanto, num primeiro momento esta sentença refletiu negativamente, pois como já referido
anteriormente, afugentou a indústria da construção civil, gerando o aumento do desemprego na
cidade. Conforme nota publicada no jornal GAZETA, esta sentença logo que deferida,
repercutiu de forma desfavorável ao Município:
A Justiça Federal determinou que o município de Torres poderá emitir
novas licenças de construções no seu perímetro urbano se o construtor
apresenta projeto autônomo de coleta [...] A sentença foi proferida pelo Juiz
federal da 5 Vara, Candido Alfredo Silva Leal Junior, atendendo a uma ação
publica impetrada pelo Procurador da república do Rio Grande do Sul, Luiz
Alberto D´Azevedo Aurvalle.
E prossegue:
O município de Torres só poderá requerer a revogação da medida liminar
se apresentar detalhado plano de recuperação e ou ampliação do sistema de
tratamento de esgoto cloacal da cidade, devidamente aprovado pela FEPAM
ou outro órgão competente.
97
96
Entrevista realizada com o arquiteto Márcio Biasi em julho de 2002. [grifo nosso]
97
Justiça Federal obriga novas obras a terem tratamento de esgoto. GAZETA, 22 de março de 1996.p.8.
Inicialmente, esta ação agravou a difícil situação que vivia a cidade, pois, além da
ausência dos turistas estrangeiros e do desemprego na indústria da construção civil, com a
deliberação desta sentença Federal, Torres atingiu o ápice da sua “crise” turístico-urbana e por
conseqüência econômica, social, habitacional e ambiental. Entretanto, esta sentença tinha
como foco, a preservação ambiental da cidade, no intuito de preservar as águas do rio
Mampituba, da Lagoa do Violão e do mar, que estavam recebendo um índice de coliformes
fecais muito maior do que o permitido.
Conforme relato do senhor Márcio Biasi, arquiteto da Prefeitura Municipal de Torres, o
Sistema de Tratamento de Esgoto da cidade de Torres possuía como capacidade, tratar 42
litros de esgoto cloacal por segundo, um índice aceitável para o período do inverno, uma vez
que a população residente de Torres neste período era cerca de 30 mil habitantes. No entanto,
no período de sazonalidade turística, Torres passava a receber uma população flutuante de 300
mil habitantes. Então, o Sistema de Tratamento de Esgoto da cidade não comportava mais a
demanda de esgoto produzido.
98
De acordo com a estimativa apresentada por Márcio Biasi, realmente a cidade necessitava
urgentemente ampliar a sua rede de tratamento de esgoto. Sendo assim, a CORSAN e a
Prefeitura de Torres, depois de proferida a Sentença Federal, recebeu um prazo de um ano
para resolver a questão do esgoto na cidade.
99
Para Biasi: “Não tinha mais jeito. O sistema não
98
Entrevista concedida à autora por Márcio Biasi, Arquiteto da Prefeitura Municipal de Torres, realizada em
julho de 2003.
99
A CORSAN, como órgão responsável pela coleta e tratamento do esgoto em Torres, juntamente com a
Prefeitura Municipal, deu início em 2002 à obra de ampliação do Sistema de Tratamento de Esgoto da cidade.
Obra que segundo relato do senhor Márcio Biasi, estava estimada em 3 milhões de reais e que pretendia ser
executada em 8 meses (a partir de julho de 2002). Entretanto, em fins de 2003 está preste a ser concluída.
trata mais a demanda do verão. Foi prejudicial para Torres hoje, mas de certo modo foi
necessário”.
100
Analisando os motivos que obrigaram o judiciário Federal intervir nesta questão, cabe
apontar novamente a falta de uma política de planejamento turístico e urbano da cidade de
Torres. Se a inserção do turismo em larga escala em Torres, desde meados dos anos 70, tivesse
sido considerada como uma atividade que se pretendia manter como fonte de sustentação da
cidade, a questão do esgoto deveria ter sido apontada como uma prioridade pelas
competências locais, no intuito de não deixar esta questão interferir no desenvolvimento da
principal atividade geradora de renda da cidade.
Segundo relato do senhor Hélio Matos, Presidente da Associação dos Corretores de
Imóveis de Torres, o Sistema de Tratamento de Esgoto de Torres, criado na década de 60, era
um modelo para todo Estado, em função da sua capacidade de coleta e tratamento:
Nós tínhamos um modelo em tratamento de esgoto, era até um orgulho
para nós aqui da cidade, mas Torres cresceu muito dos anos 60 pra cá. O
esgoto aumentou como aumentou a população da cidade isso é obvio. O
nosso Sistema de Tratamento de Esgoto não comporta mais [...] tem que ser
ampliado mesmo [...].
101
Conforme o relato do senhor Hélio Matos, com o crescimento demográfico da cidade, o
aumento da demanda turística e com a frenética atuação da indústria da construção civil, o
Sistema de Tratamento de Esgoto de Torres, tornou-se obsoleto com o passar dos anos.
Nesse sentido, para Ruschmann, a década de 80 foi a fase dos excessos, caracterizada pela
predominância do concreto, pelo crescimento desordenado, pela arquitetura urbana pesada e
100
Entrevista concedida á autora por Márcio Biasi, realizada em julho de 2002.
101
Entrevista concedida à autora por Hélio Matos, realizada em julho de 2002.
pela falta de controle dos efluentes e esgoto, indicando o descuido e a desatenção para com a
proteção do meio ambiente.
102
Em Torres, a situação não foi diferente. O problema do esgoto
na cidade apesar de existir desde os anos 80, não foi enfrentado com a seriedade devida.
Permitindo eclodir em mais um grave problema para Torres, para a já problemática conjuntura
dos anos 90.
Conforme análise das Atas da Câmara de Vereadores de Torres da década de 80, poucas
foram as passagens onde estavam sendo discutidas questões acerca do problema do esgoto na
cidade. Apenas quando alguém sujava o seu carro com o esgoto que corria a céu aberto na
cidade.Conforme Ata da Câmara de Vereadores de Torres, o vereador Jovino (PMDB) em seu
pronunciamento disse:
Um veranista me contou que estava chegando em Torres, e quando
passou por uma rua perto da Rodoviária, sujou seu carro com esgoto que
passa nas ruas. Disse que cada um tem um pouco de responsabilidade que
devem pressionar quem, tem o dever de tomar uma atitude para não deixar
Torres se acabar.
103
O vereador Jovino levou à Câmara de Vereadores o problema do esgoto na cidade diante
da reclamação de um veranista, entretanto, este não apresentou nenhuma alternativa de
solução, além disso, indicou que algo precisava ser feito a fim de pressionar a administração
municipal a resolver a questão. Esta passagem aponta para a limitada vontade política da
Câmara Municipal de Torres em enfrentar os problemas urbanos da cidade. Cabe então fazer
um questionamento: Se o vereador Jovino, como membro do Legislativo Municipal não se
102
RUSCHMANN, Doris. op.cit.p.21.
103
Ata da 12 Sessão Ordinária da Câmara de Vereadores de Torres, realizada em 13/09/82.p.56.
autoconsiderou apto a tentar resolver o problema do esgoto da cidade, apresentando uma
alternativa que fosse, esta ação deveria ser idealizada e realizadas por quem?
A inoperância administrativa novamente aqui apresentou a sua veemência no que tange
apresentar os motivos que geraram os problemas da cidade. Torres, portanto nos anos 80,
caminhava rumo à “crise” dos anos 90, principalmente no que dependesse da atuação da elite
política municipal.
Deste modo, no início dos anos 90, mediante a intervenção da FEPAM, Torres começou a
sofrer as conseqüências da negligencia frente ao problema do esgoto, principalmente no que
dizia respeito à questão ambiental. Cabe ressaltar, que o turismo e o meio ambiente nunca
possuíram uma relação harmoniosa, principalmente no que reflete a intensa responsabilidade
do turismo acerca dos problemas ambientais. Sendo assim, conforme Melgoza, um dos
principais impactos gerados na cidade de Torres pelo o incremento sazonal da população
flutuante, esteve relacionada entre outras questões, à produção de resíduos, tanto produzido
pelo consumo excessivo de água, como pelo despejo de esgoto cloacal.
104
No sentido de relacionar a questão do esgoto da cidade com a questão ambiental, cabe
apontar para o turismo mal planejado da cidade, para a produção e expansão mal planejada do
espaço urbano da cidade, a falta de consciência turística da comunidade local, as ingerências
municipais. Atuações que desaguaram na maior crise que Torres já vivenciou.
Para Petrocchi, o consumo do produto turístico não deveria ser destrutivo, pelo contrario,
deveria preservar o meio ambiente. No entanto, o que se observou no caso de Torres é que, a
falta de planejamento turístico e urbano da cidade, proporcionou a dilapidação da atividade
104
MELGOZA, Mário. op.cit.p.81.
turística.
105
Isto porque a rentabilidade da atividade turística era apreciada de forma imediata
pela sociedade, ou seja, em curto prazo. Enquanto que as percepções acerca da proteção
ambiental foram avaliadas e consideradas a posteriori, no momento em que foram
detectados os primeiros problemas ambientais da cidade (como o caso da contaminação da foz
do Rio Mampituba).
Estas considerações, portanto, apontaram para a consolidação da “crise” da cidade.
Conjuntura delicada da história de Torres, que além de indicar a falta de planejamento
turístico e urbano, trouxe várias conseqüências para a mesma. Problemas que poderiam ter
sido perfeitamente evitados se a cidade tivesse sido contemplada com a aplicação de uma
política de planejamento tanto para a indústria do turismo, quanto para a da construção civil.
Na segunda metade dos anos 90, portanto, Torres era uma cidade mergulhada em
problemas. Economicamente sofria com a falta do turista estrangeiro, o comércio sentiu a
queda das vendas. Lojas, restaurantes, lanchonetes, pequenos estabelecimentos de
hospedagem, entre outros, estavam fechando devido a não sustentação turística e também por
parte do posicionamento da comunidade local em não baixar o custo dos produtos e serviços,
esperando a volta dos turistas argentinos. Segundo relato do senhor Santino Isaias da Rosa, ex-
líder comunitário do bairro São Francisco:
Enquanto o próprio comércio, a própria rede hoteleira e não é isso, o
povo também não mudar a mentalidade, não vai adiantar nada, nós não
vamos sair dessa que tu chamas de crise. [...] Todo mundo cobrava mais caro
por causa do hermano, temos que cair na nossa realidade.
106
105
PETROCCHI, Mário. op.cit.p.40-46.
106
Entrevista concedida à autora por Santino Isaias da Rosa, ex-líder comunitário do bairro São Francisco,
realizada em julho de 2002.
Frente a essa situação, o desemprego aumentava, pois, não os trabalhadores da
construção civil estavam sem trabalho, parte dos comerciários e trabalhadores da rede
hoteleira também haviam diminuído, gerando inadimplência, ócio e o aumento de todos os
seus problemas sociais habitações irregulares nos bairros da cidade. Torres deparou-se nesta
conjuntura, com o aumento dos seus problemas sociais. Onde a pobreza na cidade aumentou
consideravelmente na segunda metade dos anos 90.
Conforme dados do IBGE, houve um decréscimo da média de pessoas ocupadas nas
unidades locais de trabalho: no setor comercial, na fabricação de esquadrias, na rede hoteleira
e na indústria da construção civil. Cada um destes setores possuía empregado nas suas
respectivas atividades a média percentual de trabalhadores indicado na tabela.
Tabela 4 - Média de percentual de pessoas ocupadas nas unidades locais de trabalho em
Torres de 1985 a 1995
Período Percentual (%)
De 1985 a 1989 3,55
De 1990 a 1994 2.65
De 1995 em diante 1.89
Fonte: IBGE, Cadastro Central de Empresas 1998; malha municipal digital do Brasil: situação de
Torres. Rio de Janeiro: IBGE, 1996.
Estes percentuais apontam para a “crise” da cidade, onde problemas aumentavam. A
excessiva dependência econômica que Torres havia criado em função da presença dos turistas
estrangeiros, não desenvolvendo outras atividades produtivas, foi sem dúvida uma das causas
do desemprego na cidade e por conseqüência foco da geração dos problemas sociais.
107
A
população local, totalmente dependente da indústria do turismo e da construção civil, estava
sofrendo com o desemprego e por conseqüência com a queda do seu padrão econômico, que se
refletiu diretamente no setor habitacional.
108
A partir dos apontamentos acerca dos motivos geradores dos problemas que Torres
enfrentou na segunda metade dos anos 90, cabe analisar um exemplo concreto das
conseqüências sócio-habitacionais, econômicas e ambientais da falta de planejamento turístico
e urbano da cidade.
A instalação do assentamento irregular chamado Riacho Doce, foi sem dúvida um forte
indicativo da intensificação dos problemas da cidade nesta conjuntura. Este assentamento
irregular se instalou, segundo o plano Diretor de Torres, em uma Área de Revitalização
Urbana (ARU). Que conforme o mapa da página 161, faz divisa com a APA (designada para a
criação do Parque da Itapeva) e com a APT que compreende o Parque Estadual da Guarita,
áreas de proteção ambiental e paisagística. No decorrer dos anos 90, esta área localizada ao sul
do bairro São Francisco, atrás da Praia da Guarita
66
começou a ser invadida por posseiros,
entretanto, essas invasões possuíam particularidades que apontavam para uma importante
questão considerada Lúcio Kowarick como espoliação urbana. Para Kowarick:
[...] o processo de espoliação urbana, entendido enquanto uma forma de
extorquir as camadas populares do acesso aos serviços de consumo coletivo,
107
MELGOZA, Mário. op.cit.p.23.
108
Muitas famílias moradoras de Torres, em função da “crise” na cidade, não puderam honrar com seus
compromissos financeiros e tiveram que se deslocar para regiões onde poderiam construir uma pequena casa ou
barraco para morar, diminuindo os custos com a moradia. Na região eleita deste contingente humano espoliado
das zonas centrais de Torres, formou-se o chamado Riacho Doce. Segundo o Plano Diretor de Torres, uma favela
construída em uma área ambientalmente vulnerável, entretanto, considerada pelo Plano como Área de
Revitalização Urbana (ARU).
66
Ver mapa página 95.
assume seu pleno sentido: extorsão significa impedir ou tirar de alguém algo
a que, por alguma razão de caráter social tem direito.
109
Conforme este autor, no momento em que parte da população de Torres (principalmente
aquela que trabalhava no comércio, na construção civil, na fabricação de esquadrias, na rede
hoteleira etc.), foi afastada das suas atividades geradoras de renda, devido ao decréscimo da
indústria do turismo e da construção civil, esta acabou sendo expulsa do seu respectivo espaço
urbano. Deslocamento que tinha como objetivo, morar em um local que apesar de não fornecer
a infraestrutura básica para habitação, não representava custo ao morador.
Uma das causas, portanto, da formação do assentamento irregular chamado Riacho Doce,
esteve nitidamente calcado no processo de espoliação urbana observado na cidade, a partir de
meados dos anos 90. Indicando que a falta de planejamento turístico e urbano desta, no
momento de “crise” da cidade, afetou diretamente a população menos favorecida comunidade
local.
Procurando tecer uma relação sobre a atuação dos posseiros nos anos 70 e 80 com os
posseiros nos anos 90, percebeu-se que apesar do processo de espoliação urbana ter acontecido
em todas as décadas, nos anos 90 esta possuiu características peculiares.
Conforme apresentado no Capítulo 1 deste estudo, nos anos 70 e 80 devido ao fenômeno
de migrações internas, Torres recebeu um contingente de pessoas atraídas pela oferta de
emprego oferecida pela indústria do turismo e da construção civil.
Estas pessoas, assentaram-se basicamente nas áreas adjacentes da cidade, formando assim,
paulatinamente, os bairros periféricos de Torres (Predial, Getúlio Vargas, Curtume e São
109
KOWARICK, Lúcio. op.cit.p.73.
Francisco). Entretanto, em determinados momentos estas também foram deslocadas pela
especulação imobiliária, pelo litígio das áreas como também, pelo deslocamento natural dos
grupos. Apesar destes bairros periféricos terem sido ocupados por posseiros, havia por parte
desses (de acordo com as suas condições econômicas) o desejo de regularização da área como
também a instalação de equipamentos de sustentação urbana.
Contudo nos anos 90, a formação do assentamento irregular chamado Riacho Doce,
possuiu como característica básica o desemprego na cidade. Diferentemente das décadas
anteriores, o contingente humano espoliado para esta área, tinha como objetivo se instar em
um local onde não precisasse pagar pela moradia nem pelos equipamentos de sustentação,
como IPTU, água e esgoto. Entretanto apesar deste deslocamento ter relação com as décadas
anteriores, no que tangia a instalação na cidade de grupos de baixa renda, nos anos 90 a
diferença do processo justificou-se pelo fato deste contingente humano residir em Torres
anteriormente e não poder pagar pela área como pelos equipamentos urbanos.
Ocorreu que, no momento em a parcela mais carente dos bairros Predial, Getúlio Vargas,
Curtume e São Francisco, perceberam que não tinham mais como manter as suas respectivas
residências em função do desemprego, da falta de turistas na cidade (queda do alugúeis de
casas), da resolução de alguns litígios de terras, da venda de lotes irregulares e da especulação
imobiliária que aumentou o valor venal dos terrenos, estes foram obrigados a buscar
alternativas de moradia de baixo custo dentro da própria cidade.
Um exemplo claro deste processo de espoliação urbana em Torres, foi o caso do bairro São
Francisco. Segundo relato do senhor Santino Isaias da Rosas, ex-líder comunitário do referido
bairro, no início dos anos 80, este era considerado um bairro marginal, sem infra-estrutura
básica e ocupado por um contingente de baixa renda, entretanto, nos anos 90 a condição sócio-
econômica deste se modificou. Segundo Santino:
[...] Tu lembra como era no o Francisco? O que aconteceu ali? Onde
estão os maloqueiros do São Francisco? Sumiram por quê? Porque venderam
as terras, pegaram o dinheiro e foram invadir em outro lugar!
O vel do bairro melhorou muito nesses últimos anos, hoje quase tu não
vê marginal no São Francisco, foram todos para o Riacho Doce.
110
A explicação do ex-líder comunitário do bairro São Francisco, apesar de considerar
positiva a melhoria do nível social dos moradores do bairro SF em função da especulação
imobiliária, condenou a atuação dos posseiros profissionais, indicando uma prática irregular
porém, real. No entanto, o depoente não analisou a “crise” dos anos 90 na cidade, como forte
indicativo da proliferação do núcleo habitacional Riacho Doce. Justificando em parte, a
retirada espontânea de determinados grupos das suas áreas em busca de locais menos onerosos
para residir.
O motivo inferido pelo depoente Santino Isaias da Rosa para o deslocamento da população
carente para o assentamento irregular Riacho Doce, também foi indicado por Melgoza, onde a
especulação imobiliária, mediante a proliferação de casas de veraneio na cidade
preferencialmente nas Zonas 4, 17, 18, 19, áreas afastadas do mar a do centro da cidade,
incentivaram o recuo destes grupos para outras áreas.
111
Entretanto, este autor também não analisou a peculiaridade deste fenômeno inserido na
“crise” sócio-econômica e turístico-urbana dos anos 90 em Torres, onde a questão do
desemprego também favoreceu esta especulação. Deste modo, considera-se que a formação do
110
Entrevista concedida à autora por Santino Isaias da Rosa, realizada em julho de 2002.
111
MELGOZA, Mário. op.cit.p.161. Ver mapa do Plano Diretor. p.161.
Riacho Doce, deu-se muito mais pela falta de planejamento turístico-urbano da cidade atrelada
à “crise” econômica e social desta, do que pelo crescimento das áreas colocadas por Melgoza
ou ainda, pela venda irregular de lotes como atribuiu o ex-líder comunitário.
Não que estejam sendo desconsideradas tais justificativas, porém, cabe analisá-las
engendradas em uma dinâmica muito maior. Considerá-las isoladamente não apresenta
subsídios suficientes para justificar toda a gama de problemas apresentados a partir da
formação do assentamento irregular Riacho Doce. Ponderar apenas estas justificativas, seria
desenvolver uma visão um tanto simplista acerca de um problema que possui seu cerne
mais de 20 anos. Um problema atávico relacionado à administração política e a falta de
planejamento turístico e urbano da cidade.
Indicando a inoperância administrativa acerca do problema. Segundo relato do senhor
Santino Isaias da Rosa. A municipalidade, no intuito de preservar a área para negociá-la de
forma vantajosa financeiramente, a deixou durante muitos anos desprovida de fiscalização,
como também sem delegar a ela uma função sócio-ambiental que pudesse evitar as invasões.
Segundo Santino:
[...] o tinha ninguém ali, é verdade. Até hoje não fizeram nada naquela
área Mas é a área mais bonita de Torres e está cheia de casebres. Que além de
enfear a paisagem também es sujando o mar porque largam tudo ali.
[referencia ao esgoto cloacal]
112
Conforme inferiu o depoente, sendo a respectiva área desabitada e também um tanto
próxima ao centro da cidade, esta foi escolhida espontaneamente para a formação do
assentamento irregular. Pois, o processo de espoliação urbana, por ser um procedimento
112
Entrevista concedida à autora por Santino Isaias da Rosa, realizada em julho de 2002. [grifo nosso]
calcado na necessidade de sanar de forma emergencial o problema sócio-habitacional de um
determinado grupo, não possui como intuito a preferência de uma determinada área.
Porém em Torres, no caso específico do Riacho Doce, este acabou acontecendo
coincidentemente em uma das áreas mais bonitas da cidade, ocasionando uma série de
discussões acerca da permanência daquela população no local. Pois, a cidade olhava a favela
como uma realidade patológica, uma doença, uma praga, um quisto, uma calamidade
pública.
113
E para o Poder Público, o problema residia na permanência daquela calamidade
pública em um dos mais belos locais da cidade, desconsiderando toda a carência sócio-
econômica e habitacional daquela parcela da sociedade.
Além da questão da aceitabilidade do assentamento irregular, considerado marginal pela
sociedade, a formação do Riacho Doce, na Área de Revitalização Urbana (ARU- segundo o
Plano Diretor de Torres), indicou inicialmente que a população corria o risco de ser removida
do local, uma vez que esta tinha como preferência à urbanização regular.
Conforme relato do senhor Santino Isaias da Rosa, uma urbanização provavelmente
destinada à construção de condomínios de luxo, residências de veraneio etc.Para Santino: “[...]
eles queriam construir um condomínio de luxo ali, mas não saiu. Não conseguiram. [...] deu
muita confusão, depois veio o plano Diretor e pronto.”
114
Portanto, o antigo problema das
desapropriações poderia assolar novamente as áreas periféricas de Torres. Porém,
diferentemente dos outro bairros da cidade, a situação do Riacho Doce não apresentou
desfecho semelhante. Segundo relato do senhor Dani Pereira, Presidente da Associação dos
Moradores de Bairros de Torres:
113
PARISSE, L. apud KOWARICK, Lúcio. o.p.cit.p.93.
114
Entrevista concedida à autora por Santino Isaias da Rosa, ex-líder comunitário do bairro São Francisco,
realizada em julho de 2002.
O Prefeito nos garantiu que o pessoal vai ficar no local. O que vais
acontecer é investimentos para recuperar, para urbanizar o bairro, para que
não polua mais, porque sai mais caro remover do que fazer a infra-estrutura.
São cerca de 700 famílias, tu imagina remover tudo isso![...].
115
De acordo com a colocação feita pelo depoente, a situação do Riacho Doce apresentou um
desfecho diferente em comparação aos demais bairros da cidade dos anos 80. Porém, apesar da
remota possibilidade de remoção das famílias daquela área, o Riacho Doce no final dos anos
90 inspirava cuidados pois, a cada dia novas invasões eram realizadas, aumentando
consideravelmente a densidade demográfica do local. Segundo o mesmo depoente: “[...] não
tem como parar aquilo lá. É muita gente, todo dia tem casebre novo, tem até placa de
imobiliária lá pra vender lote, não tem mais jeito”.
116
O processo de ocupação do Riacho Doce, conforme apontou o senhor Dani Pereira,
estava inclusive sendo observada a atuação de imobiliárias interessadas em negociar lotes e
terrenos na área. Uma prática irregular que só colaborava com o caráter ilegal do assentamento
urbano. Uma prática que deveria ter sido proibida pela municipalidade, pois segundo o Plano
Diretor de 1995, a área estava dentro da categoria: Áreas Especiais, Área de Revitalização
Urbana (ARU). E conforme Artigo 22 ela necessitaria projetos e regime urbanístico especiais
para a sua ocupação.
117
Não podendo ser vendida aleatoriamente. No entanto, passados quase
dez anos do início da formação do Riacho Doce, pouco se fez quanto a melhoria de vida
115
Conforme entrevista concedida à autora por Dani Pereira, presidente de União das Associações dos Moradores
dos Bairros de Torres, realizada em julho de 2002. Pelo menos acredita-se que a experiência do processo de
desapropriação dos outros bairros da cidade como, Getúlio Vargas, Predial, Curtume e São Francisco, tenha
alertado a municipalidade frente ao problema do Riacho Doce. Ficando claro o quão oneroso seria remover
aquela população, decidindo mesmo contra interesses econômicos de determinados grupos ligados à construção
civil, manter os moradores no local. Considerando mais vantajoso para a municipalidade promover a melhoria
dos seus equipamentos de sustentação urbana do que reiniciar o processo de desapropriações na cidade.
116
Entrevista concedida à autora por Dani Pereira, realizada em julho de 2002.
117
Ver Plano Diretor em anexo 3.
daquela população. Segundo Dani Pereira, apenas a rede de luz elétrica foi instalada, sendo
que a rede de água é precária e de esgoto nula.
118
Para Lenora Alencastro, quando a população de uma vila resolve invadir e se instalar em
terreno público ou privado devoluto, de forma lenta ou abrupta, exigindo seu direto à terra
para morar, cria-se um impasse para o poder público que terá que correr o risco da
impopularidade e execração pública se tomar medidas sobre a situação.
119
Situação que aponta para a sustentação da inoperância da municipalidade frente aos
problemas sócio-urbanos da cidade, como para o foco central do estudo que aqui se apresenta.
Considerando que a cidade de Torres não possui como não possuiu uma política urbana
(apesar de ter um Plano Diretor a partir de 1995), que dispusesse de estratégias de
planejamento para todas as áreas urbanas da cidade, fossem elas regulares ou não.
Uma política pública que pudesse solucionar em médio prazo problemas como o
identificado no Riacho Doce, situação que se agravou com o decorrer dos anos, uma vez que a
cidade manteve alto o índice de desemprego e a atividade turística já provou que não é
sustentável. Nesse sentido, aguardar-se-á, o desfecho deste problema da cidade para uma
conjuntura futura. No desejo de que seja solucionado de forma coerente a situação da
população carente residente no assentamento irregular Riacho Doce.
Chamando a atenção das competências locais, no que tange apreciar com mais zelo a
comunidade carente do Município de Torres, uma vez que uma das funções sociais da
Administração Pública Municipal é proporcionar condições para melhoria de vida das
camadas menos favorecidas da sociedade. Entretanto cabe apontar que, com a proximidade
118
Entrevista concedida à autora por Dani Pereira, realizada em abril de 2003.
119
ALENCASTRO, Lenora. In: CASTRO, Antonio E. Política urbana: a produção e o consumo da cidade.
Porto Alegre: Mercado Aberto, 1986.p.21.
das eleições municipais (em outubro de 2004), provavelmente muitas promessas serão feitas
aquela comunidade, promessas que tendem a cair no esquecimento após janeiro de 2005.
Porém, deseja-se que não prevaleça os interesses eleitoreiros e que pela primeira vez,
medidas eficazes sejam tomadas a fim de proporcionar aos moradores do Riacho Doce,
soluções acerca da sua precária situação habitacional.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O estudo que aqui se apresentou, teve como intuito considerar como se desenvolveu o
processo de urbanização na cidade de Torres entre os anos 70 e 90. Período no qual a cidade
experenciou a expansão da indústria do turismo e da construção civil e, posteriormente,
acabou sofrendo com os problemas gerados pela falta de planejamento destes setores. O
turismo e a urbanização foram considerados neste estudo como as duas variáveis principais
para compreender o crescimento da cidade. Entretanto, após a interpretação de dados das
construtoras, da Câmara de Vereadores de Torres e das entrevistas coletadas ao longo dos dois
anos de pesquisa, observou-se que a cidade definitivamente não soube explorar estas variáveis
de forma organizada e planejada. Isto porque, conforme apontou o presente estudo, a cidade a
partir da segunda metade dos anos 90 sofreu com os problemas econômicos, sociais, urbanos e
ambientais gerados pela falta de planejamento.
Esta pesquisa, portanto, procurou realizar um estudo sobre o processo de urbanização em
Torres, onde foi questionado o modelo turístico voltado majoritariamente ao turismo
estrangeiro, como também, as limitações das regras urbanas que balizaram a construção do
espaço urbano da cidade. Identificadas tais deficiências, procurou-se considerar os efeitos
destas sobre a sociedade local, como, também, apontar a participação de diferentes grupos
sociais no processo.
A partir dos anos 70, o crescimento da indústria do turismo trouxe consigo a expansão da
indústria da construção civil, co-responsável no processo de desenvolvimento da cidade. No
entanto, não foram identificadas a partir da interpretação dos dados, ações que apontassem
para a realização do planejamento destas indústrias na cidade, a fim de promovê-las e ampliá-
las. Sendo apenas identificadas ações que privilegiaram os interesses econômicos de uma
minoria em detrimento da população local.
Quanto ao turismo local, percebeu-se através da interpretação dos dados utilizados, que o
modelo adotado por Torres para dar sustentação ao setor, além de frágil era instável. Isto
porque, diante da inserção maciça de turistas estrangeiros, provenientes da região do Prata, a
cidade direcionou todas as suas atividades para esse nicho e, com isso, implementou um
modelo que não apresentou a sustentabilidade esperada, principalmente nos anos 90.
Quanto à questão urbana, um exemplo pontual da falta de planejamento foi a elaboração
do primeiro Regulamento para construções na área urbana da cidade, Lei 728/62 de 4
dezembro de 1962. Uma Lei que favoreceu nitidamente as zonas centrais da cidade,
negligenciando as demais, apontando as limitações das regras urbanísticas. Oportunizando a
ocupação irregular das áreas adjacentes da cidade nos anos 70 e 80, uma vez que a Lei
existente, não contemplava estas áreas com regras de usos e ocupação de solo.
Cabe aqui chamar a atenção para a questão da necessidade que Torres, durante cerca de 30
anos, teve acerca da elaboração e aprovação de um Plano Diretor. Um Plano Diretor que só foi
aprovado depois de muitas disputas políticas, discussões e negociações em 12/07/1995. Trinta
e três anos depois do primeiro Regulamento para construções na área urbana (Lei 728/62 de 4
de dezembro de 1962). Uma demora que custou muito caro à sociedade do ponto de vista da
construção dos espaços urbanos da cidade, pois permitiu o surgimento irregular dos bairros
periféricos da cidade.
Nos anos 70 e 80, a proliferação de bairros irregulares em áreas desurbanizadas, como os
bairros Predial, Getúlio Vargas, Curtume, São Francisco e São Jorge intensificou-se.
Ocupações que representaram soluções imediatas para o caso das famílias migrantes que
deslocaram-se para Torres em busca de trabalho nas indústrias do turismo e da construção
civil, um contingente que além de representar a força de trabalho da cidade, foi expulso das
áreas centrais, dificultando tanto os seus deslocamentos quanto as suas próprias atividades
econômicas.
Posteriormente, nos anos 90, ocorreram ocupações realizadas pela própria população
local, como foi o caso do assentamento irregular Riacho Doce. Um dos mais problemáticos
processos de espoliação urbana ocorridos na cidade. Onde, devido a crise turística e urbana
que a cidade sofreu formou-se em uma área ambientalmente vulnerável da cidade. Um
fenômeno considerado por Kowarick como de espoliação urbana, devido à pauperização de
parte da população local, que foi obrigada a deslocar-se para áreas onde os custos dos terrenos
eram baixos, gerando o aumentando da crise habitacional e ambiental da cidade.
Portanto, conforme o presente estudo, Torres vivenciou duas fases principais de espoliação
urbana. A primeira fase nos anos 80, ligada aos processos de desapropriações e reintegrações
de posses. Nessa conjuntura, deslocou-se parte das populações que habitavam áreas não tão
distantes, como por exemplo, os moradores do bairro São Francisco, para uma área
extremamente distante e afastada do núcleo urbano, no bairro São Jorge.
A outra fase de espoliação urbana aconteceu nos anos 90, devido à instalação da crise da
indústria do turismo, quando formou-se o assentamento irregular chamado Riacho Doce, ao
lado de uma área de preservação ambiental. Fenômeno gerado pelo aumento do desemprego,
como pela falta de planejamento urbano da cidade. A instalação desse assentamento irregular
foi a culminância de todos os problemas urbanos abordados neste estudo. As deficiências
econômicas, sociais, habitacionais, infraistruturais e ambientais apresentaram-se
concomitantemente em um mesmo espaço.
Essas ocupações tornaram extremamente problemática a malha urbana da cidade. Um
problema que poderia ter sido evitado caso a municipalidade tivesse interessado-se pelo
planejamento urbano dessas áreas, ampliando ano a ano o Regulamento de 1962 ou
elaborando antes de 1995 o Plano Diretor.
Outro problema apontado neste estudo, acerca da falta de planejamento turístico e urbano
da cidade foi o do saneamento básico. Este também esteve diretamente ligado ao processo de
urbanização não planejado de Torres, passando tanto pela construção desenfreada de grandes
edifícios nas zonas centrais da cidade, quanto pelo surgimento de bairros periféricos e
assentamentos irregulares nas áreas adjacentes. Uma situação que não teria fim anunciado
caso não fosse a sentença proferida por um Promotor Federal no ano de 2001, que proibiu
acoplar à rede existente novas fontes de esgoto. Entretanto, essa medida punitiva não se
aplicou ao caso do Riacho Doce, indicando que a solução desta questão ambiental e social da
cidade deveria esperar a ação da municipalidade, responsável em promover a instalação de
equipamentos de infra-estrutura básica para aquela população.
No entanto, deve-se considerar que as medidas necessárias para solucionar a questão do
esgoto na maioria das áreas da cidade estavam sendo providenciadas. Após a conclusão da
ampliação do Sistema de Tratamento de Esgoto, que está sendo construído no bairro Salinas,
acredita-se que muitos problemas ligados ao esgoto cloacal que ainda assolam a cidade, irão
paulatinamente desaparecer.
Conjecturalmente, a construção civil em Torres tende a ser lentamente retomada, os
turistas e moradores tendem a não sofrer mais com a poluição do rio Mampituba e do mar. A
oferta de emprego tende a crescer e o padrão de vida da população local tende a melhorar.
Porém, mesmo depois de solucionada a questão do esgoto cloacal na cidade, se não for
considerada pela municipalidade a questão do planejamento turístico-urbano e ambiental, a
cidade correrá o risco sofrer novas crises.
Portanto, é importante que a elite dirigente com a comunidade local, tenham tomando
como experiência a crise econômica e urbana dos anos 90. E que com isso, estejam refletindo
e reconsiderando os caminhos sobre o futuro da cidade, procurando instruir-se, informar-se no
sentido de aplicar modelos turísticos e urbanos viáveis para Torres, que considerem as suas
peculiaridades locais. Afinal, O que se quer para Torres? Esta pergunta apesar de simples,
busca identificar quais as expectativas da sociedade local sobre o futuro da sua cidade. Um
futuro que depende das discussões, resoluções e ações do presente.
Foi portanto nesse sentido, que este estudo pretendeu além de interpretar questões
referentes ao desenvolvimento do turismo, interpretar questões acerca da produção e expansão
do espaço urbano de Torres, mapeando os agentes envolvidos nesses processos dos anos 70
aos 90. Estes agentes que de acordo com as seus interesses, promoveram a construção e a
ocupação espacial da cidade. A elite econômica procurando a liberação dos índices de altura e
recuos, a elite política discutindo ano após ano os mesmos projetos, procurando manter a
coerência principalmente em relação às alturas das edificações e aos posseiros que ocupam a
cada dia as áreas periféricas da cidade.
Nesse sentido é que este estudo apontou para a questão de planejar o turismo e a
construção do espaço urbano da cidade. Considerando que não refere-se apenas em planejar as
atividades comerciais, produtos, serviços, e construções, esse planejamento deve abarcar uma
série de segmentos, que além de repercutir espacialmente, terão repercussões econômicas,
sociais, culturais e ambientais. Apesar de reconhecer-se que encontrar o equilíbrio entre o
desenvolvimento turístico-urbano e a questão ambiental seja um grande desafio, considera-se
este equilíbrio seja a única forma de gerir uma cidade turística, que possui um expressivo
centro urbano e por conseqüência vive a sombra dos problemas ambientais. Procurando
respeitar as limitações das suas áreas ambientalmente vulneráveis, equipando e regularizando
devidamente os núcleos urbanos irregulares, tornando-os menos agressivos à natureza e
procurando balizar as alturas, os com recuos das construções que possam vir a prejudicar
ainda mais a malha urbana da cidade.
Nesse sentido, desenvolver um planejamento turístico e urbano para a cidade, que estipule
metas e balizas para a construção futura desta considerando as suas limitações, deficiências e
que trabalha rumo ao aprimoramento das suas atividades e estruturas. Em fim, políticas de
planejamento que sejam calcadas na realidade da cidade e da sua comunidade, que considere
todos os espaços urbanos e que não privilegie determinados grupos.
Dessa forma, esta pesquisa pretendeu realizar um estudo histórico sobre o processo de
urbanização da cidade de Torres, levando em consideração a variável turística e urbana, que
proporcionaram o desenvolvimento da cidade, mas que também apontou para os problemas da
falta de planejamento destes setores. Procurando produzir uma história urbana da cidade que
possui no seu âmago, muitas respostas acerca dos problemas que a cidade vive no seu
presente, mas que foram semeadas no passado.
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