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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA
FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA
BEM-AVENTURANÇA EM SANTA BRÍGIDA
UMA COMUNIDADE SOB A ORIENTAÇÃO DE PEDRO BATISTA
OLEGARIO MIGUEZ GONZALEZ
Dissertação apresentada ao
Mestrado de História da
Faculdade de Filosofia e Ciências
Humanas da UFBA, como
requisito parcial para obtenção do
grau de Mestre.
ORIENTADORA: LINA MARIA BRANDÃO DE ARAS
SALVADOR – BA
2004
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FICHA CATALOGRÁFICA
M636 Miguez Gonzalez, Olegário.
"Bem-aventurança em Santa Brígida". Uma comunidade sob a orientação
de Pedro Batista/Olegário Miguez Gonzalez. - Salvador, 2004. p.:132 il.
Dissertação (Mestrado em História) - Universidade Federal da Bahia,
2004.
1. Política - Bahia. 2. Política e Religião - Bahia. 3.
Messianismo - Bahia. 4. Santa Brígida (Ba) - História. I. Título.
II. Universidade Federal da Bahia.
CDD - 32 0.98142
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Dedico este trabalho a:
Vera, minha esposa;
Rafael, Letícia e Daniel, meus filhos; e,
Olegário e Marlene, meus pais.
4
Não sejas sábio a teus próprios olhos;
teme ao Senhor e aparta-te do mal.
Provérbios 3:7
5
AGRADECIMENTOS
Este trabalho é resultado de pesquisas iniciadas em 1994, ainda
estudante do curso de Bacharelado em História, da Universidade Católica
do Salvador. Em cumprimento às exigências do curso, elaborei um
relatório de pesquisa que foi apresentado no ano de 1996, cuja orientação
esteve a cargo do competente Prof. Afonso Bandeira Florence.
A continuação daquele trabalho, agora apresentado, esteve sob a
não menos competente orientação da Profª. Drª. Lina Maria Brandão de
Aras, a quem coube, com muita dedicação e interesse, criticar o texto e
apresentar idéias que muito contribuíram para a sua conclusão.
Aliado às importantes orientações acadêmicas recebidas, não
poderia deixar de destacar a receptividade da população de Santa Brígida
ao trabalho de pesquisa oral que contou com a participação de cinqüenta e
seis entrevistados. O entusiasmo em colaborar com a construção da história
daquele – Pedro Batista, que deu um novo sentido à vida daquele gente, me
estimulou no prosseguimento deste trabalho. A quantos viveram e
rememoram com satisfação aquela rica experiência, dedico, com muito
carinho, o fruto resultante desses anos de pesquisa.
6
SUMÁRIO
P.
RESUMO 7
INTRODUÇÃO 8
CAPÍTULO I 16
A FORMAÇÃO DE SANTA BRÍGIDA 16
1.1 A violência em Santa Brígida 21
1.2 Comando Político 25
1.3 Caracterização dos movimentos messiânicos 30
CAPÍTULO II 39
PEDRO BATISTA 39
2.1 A peregrinação do beato 42
2.2 Pedro Batista em Santa Brígida 45
2.3 A peregrinação dos romeiros 53
2.4 O substituto de Padre Cícero 57
2.5 As curas 61
2.6 Solidariedade da comunidade 65
CAPÍTULO III 71
OS ROMEIROS EM SANTA BRÍGIDA 71
3.1 Administrando recursos e interesses políticos 76
3.2 Pedro Batista e a Igreja 88
3.3 A morte do beato 94
3.4 Romeiros sem beato 98
3.5 Os substitutos de Pedro Batista 100
3.6 A política e o beato 103
CONSIDERAÇÕES FINAIS 111
FONTES 115
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 118
7
RESUMO
O presente trabalho busca identificar as relações estabelecidas entre o
movimento messiânico de Pedro Batista e a sociedade na região de
Santa Brígida e fora dela que viabilizaram a manutenção do poder das
lideranças políticas locais. Nesta pesquisa utilizamos depoimentos de
romeiros, padres, políticos, antigos moradores locais e outras pessoas
que se relacionaram direta ou indiretamente com o movimento.
Utilizamos, ainda, documentos do Museu de Pedro Batista em Santa
Brígida, jornais, estatísticas eleitorais fornecidas pelo Tribunal
Regional Eleitoral da Bahia e documentos cartoriais. Analisamos o
movimento desde o período da peregrinação do beato, iniciada por
volta de 1942, até anos depois de sua morte, ocorrida em 1967.
Abordamos aspectos relacionados às atividades administrativas,
políticas e religiosas comandadas por Pedro Batista, além da sua
influência nos resultados eleitorais do município até vinte anos após a
sua morte.
8
INTRODUÇÃO
O estudo sobre o movimento de Pedro Batista revela um acontecimento histórico
para o desenvolvimento e a emancipação do município de Santa Brígida, além de
demonstrar mais uma forma de exploração da influência carismática de indivíduos para
obtenção de sucesso político, econômico e social.
Muitos movimentos messiânicos surgiram de norte a sul do Brasil. Alguns
tiveram repercussão nacional como o que resultou na guerra de Canudos, mas, na
maioria dos casos, a repercussão foi apenas em âmbito regional. Dentre esses, encontra-
se o movimento de Pedro Batista, que se estabeleceu no povoado de Santa Brígida,
localizado no nordeste da Bahia, a 450 km de Salvador.
O termo messiânico foi utilizado para classificar o movimento liderado por
Pedro Batista e está dentro da acepção histórico-sociológica, segundo a qual o projeto
promete a felicidade terrestre introduzida pela missão divina de um personagem,
tomando corpo sob a forma de movimento coletivo.
O traço característico é a existência de um chefe carismático, sagrado e inspirado
para reunir e organizar o grupo de adeptos. A confirmação do carisma e do caráter
sagrado de sua missão é dada pela população que o reverencia e se aglutina ao seu
redor, cumprindo as suas ordens.
O movimento em estudo não estimulou nenhuma utopia milenarista, pois não
houve um apelo para preparação ante um iminente fim do mundo. Todos os movimentos
considerados milenaristas, conforme define Ivone Gallo,
“tem como objetivo principal a destruição total deste mundo, o que ocorrerá,
inclusive, de maneira súbita para implantação do milênio igualitário, uma
forma de convivência sem precedentes na história.”
1
Para elaboração deste trabalho, usamos fontes secundárias sobre outros
movimentos messiânicos; pesquisas oficiais referentes a censos econômicos e
demográficos da região de Jeremoabo, posteriores a década de 1940, elaborados pelo
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE); mapas eleitorais com os
resultados das eleições de 1962 a 1992 em Santa Brígida, fornecidos pelo Tribunal
Regional Eleitoral da Bahia; documentos cartoriais comprovando compra e venda de
1
Gallo, 1999, p. 180.
9
propriedades envolvendo o nome de Pedro Batista, conseguidos junto a Comarca de
Jeremoabo; reportagens em jornais de grande circulação e depoimentos orais de
políticos, romeiros e pessoas contemporâneas ao movimento que tiveram alguma
relação com o beato.
Este trabalho privilegiou o grupo de indivíduos que esteve envolvido na
comunidade de Santa Brígida por entender que eles são construtores dos diversos
processos ocorridos e das relações sociais e culturais neles imbricados. Tal caminho é
respaldado pela História Social, ao mesmo tempo em que se constitui em um desafio,
pois ao dar visibilidade às experiências históricas dos excluídos das fontes oficiais,
obriga o pesquisador a buscar outras fontes. Neste trabalho a voz dos excluídos
2
saiu da
fonte oral e, por isso, amplamente trabalhada nesta dissertação.
Os poucos trabalhos realizados sobre o tema abriu espaço para a utilização de
fontes orais como ponto de partida no processo de investigação histórica. Os
depoimentos foram tomados sem qualquer questionário preestabelecido ou conversa
prévia, com o objetivo de tornar a entrevista o mais natural possível, permitindo que o
entrevistado discorresse livremente sobre suas lembranças do movimento.
A intervenção do pesquisador no momento de realização da entrevista se dava
quando assuntos pertinentes a este trabalho eram mencionados. Como resultado, os
depoimentos utilizados revelam a naturalidade e o envolvimento dos entrevistados,
facilitando aos leitores a imaginação dos acontecimentos narrados. Como disse Antonio
Torres Montenegro,
“relatos de memórias orais apontam, ainda, para o exercício de reviver
experiências/acontecimentos/fatos, possibilitando ao ouvinte transportar-se
para o cenário/contexto reinventado.”
3
Encarada inicialmente como fonte complementar do material escrito, a produção
historiográfica baseada em fontes orais chegou a ser considerada como uma história
alternativa àquela produzida no meio acadêmico ou baseada em fontes escritas.
Atualmente, entretanto, o uso de fontes orais é freqüente no meio universitário em
várias ciências humanas, de forma que se afirmou como um método muito valioso no
processo de investigação.
Por se tratar de acontecimento histórico recente, ainda tivemos acesso a um
grande número de entrevistados contemporâneos ao episódio que puderam narrar com
2
SHARPE, 1992.
3
Montenegro, 1995.
10
detalhes suas lembranças de um tempo nostálgico. Os resgates dessas lembranças
individuais contribuíram de maneira fundamental para a reconstrução da história do
movimento de Pedro Batista.
Com este trabalho busca-se um estudo deste movimento que foi de grande
importância para a vida de muitas pessoas. Traçar a história do movimento de Pedro
Batista requereu um contato direto e prolongado com a comunidade de Santa Brígida. A
minha longa permanência na cidade garantiu a conquista da confiança dos entrevistados,
permitindo que eles expressassem com muita naturalidade os seus sentimentos acerca da
experiência vivida.
Foi a reconstituição da história através dos depoimentos que permitiu a
compreensão das relações sociais existentes no movimento messiânico ocorrido em
Santa Brígida. Conforme concluiu Joan del Alcàzar i Garrido,
“o uso das fontes orais permite não apenas incorporar indivíduos ou
coletividade até agora marginalizados ou pouco representados nos documentos
arquivísticos, mas também facilita o estudo de atos e situações que a
racionalidade de um momento histórico concreto impede que apareçam nos
documentos escritos. Assim, portanto, as fontes orais possibilitam incorporar
não apenas indivíduos à construção do discurso do historiador, mas nos permite
conhecer e compreender situações insuficientemente estudadas até agora.”
4
As fontes orais encontradas constituíram-se na principal fonte documental da
presente pesquisa histórica. Convém esclarecer, no entanto, que as revelações obtidas
através das fontes orais foram, sempre que necessário e possível, confrontadas com
documentos escritos.
Dentre os entrevistados destacamos o Monsenhor Francisco José de Oliveira,
responsável pela Paróquia de Jeremoabo desde o ano de 1959. Substituindo o padre
português José Magalhães de Souza, ele buscou melhorar o relacionamento da paróquia
com o líder Pedro Batista, estremecida com os atritos provocados pelo padre português.
Apesar de não concordar com a ação messiânica do beato, aceitou a sua ajuda na
construção de uma igreja em Santa Brígida. Reconhecia a importância do movimento
para o desenvolvimento econômico da região, mas sempre o criticou por tentar, ao seu
ver, enganar a população passando-se por um enviado de Deus.
Zenor Pereira veio à Santa Brígida na década de 1950 como funcionário do
Instituto Nacional de Imigração e Colonização, responsável pela organização
administrativa do núcleo colonial agrícola implementado na Fazenda Gameleira. Fez
4
Garrido, 1993, p. 36.
11
grande amizade com Pedro Batista e acabou tornando-se o maior expoente político do
município. Foi indicado pelo beato a candidato a vereador pelo município de Jeremoabo
em 1958 e a prefeito do município de Santa Brígida em 1962, sendo, tranqüilamente,
eleito nas duas oportunidades. Com isto, ficou como referência política aos romeiros,
exercendo influência decisiva nas eleições municipais até vinte anos após a morte do
beato.
Lindoaldo Alves de Oliveira, descendente da família que herdara as terras onde
se localiza o município de Santa Brígida, foi eleito prefeito em 1966 com o aval de
Pedro Batista. Sua eloqüência e viva memória proporcionaram entrevistas ricas em
detalhes (1994 e 2003). Como prefeito foi protagonista de acontecimentos pitorescos
que lembram cenas do prefeito da novela “O Bem Amado”, escrita por Dias Gomes,
como a matança de porcos que ele próprio promoveu em decorrência do
descumprimento de um ato por ele publicado que impedia a criação de animais soltos
pelas ruas da cidade.
João Batista de França representa a parcela da população que migrou para Santa
Brígida em função das oportunidades de negócios decorrentes da aglomeração de
pessoas em torno de Pedro Batista. Ele encontrou no próspero povoado condições
comerciais bem superiores a que dispunha em Ibimirim/PE, onde possuía um mercado.
O sucesso financeiro de seu negócio o levou a se estabelecer em definitivo no
município.
O romeiro Apolinário Neto recebeu de Pedro Batista um lote na Fazenda
Gameleira, vendida pelo Coronel João Sá, a preço considerado irrisório, para assentar a
população que chegava de diversas localidades. Ficou também responsável pelo
recolhimento das prestações devidas por cada loteiro, correspondente ao tamanho de sua
propriedade na fazenda.
Apolinário foi um dos poucos romeiros que continuavam com seu lote em 2003,
já decorridos mais de trinta anos da emancipação do núcleo colonial criado no local pelo
Governo Federal e hoje completamente desfigurado em relação à infra-estrutura
existente àquela época.
Antonio Carlos Costa de Carvalho Sá, neto do Coronel João Sá, conservou em
sua memória muitas histórias contadas em família acerca da vida do seu avô. Contato
com Lampião, carreira política e atividades econômicas foram relembradas por Antonio
Carlos daquele que, para ele, foi um vencedor, mesmo sem ter desfrutado da instrução
escolar que seus irmãos tivera.
12
A ameaçadora presença nos arredores de Santa Brígida do pistoleiro conhecido
por Pedro Grande foi relembrada pela romeira Maria José Marques da Silva como um
sentimento continuamente angustiante para os moradores locais. Episódios envolvendo
este indivíduo mereceram destaque na entrevista de Maria José, ratificando a fama de
local violento que Santa Brígida carregava.
No ambiente místico marcado pela passagem de Pedro Batista, entrevistamos
José Bezerra Delgado, também voltado com atividades que o caracterizam como
homem religioso, conhecedor de mistérios e coisas ocultas. Baseado em sua capacidade
espiritual informou acerca da relação de Pedro Batista com Padre Cícero. Convidado
pelo beato de Santa Brígida para vir ajudá-lo nas rezas, José Bezerra tornou-se
respeitado no município e supriu, em parte, a ausência do líder messiânico.
A peregrinação de Pedro Batista antes de se instalar em Santa Brígida pôde ser
reconstituída pelos depoimentos de romeiros como Geraldo Domingos Neto. A
popularidade do beato aumentava e repercutia no sertão dos Estados de Pernambuco,
Alagoas e Sergipe. Tê-lo em sua casa era sinal de favor divino, ocasião de alegria e de
manifestação do poder de Deus.
Histórias de prisões, curas e conselhos foram relatadas em tom de vitória por
aqueles que testemunharam e cooperaram com o êxito do beato. Os benefícios
proporcionados por Pedro Batista durante sua peregrinação transformaram-se em
convite para migrações definitivas à Santa Brígida.
Outro ponto importante da história de Pedro Batista e também reconstituído
através de depoimentos foi a sua chegada e as reações adversas iniciais. Antonio
Calunga, nascido em Santa Brígida, contou a reação contrária à permanência do beato
manifestada pelo militar encarregado pela segurança daquela região no final da Era
Vargas. A contemporização feita por Coronel João Sá permitiu a sua permanência no
município e confirmou o domínio político exercido pelos coronéis no sertão da Bahia.
Do contato com Valdete Souza da Silva, baiana, evidenciou-se a existência de
ressentimentos entre os chamados baianos e romeiros. A chegada dos romeiros em
Santa Brígida foi sentida como uma invasão por aqueles que não usufruíram vantagens
com o aumento populacional decorrente da migração. Costumes diferentes e divisão dos
recursos naturais existentes contribuíram para que o clima de separação pudesse ainda
ser sentido após trinta anos da morte de Pedro Batista.
As péssimas condições de acesso ao povoado de Santa Brígida não foram
obstáculos que diminuíssem a vontade de estar junto àquele em quem se acreditava ser
13
um enviado de Deus. Luiza Maria de Jesus foi uma das pessoas que caminharam por
dias para chegar perto de Pedro Batista. A caminhada revelava a fé de estar se
alcançando um lugar abençoado, onde a vida pudesse ser regenerada pelo cumprimento
dos conselhos do padrinho.
O movimento de Pedro Batista reavivou em Santa Brígida manifestações
religiosas muito comuns no Nordeste do Brasil. Dentre elas tomou destaque a dança de
São Gonçalo, que ganha contornos variados em cada Estado. José Manoel, herdeiro da
organização das apresentações do grupo de dança no município, revela como foi a sua
introdução dentro do movimento e a utilidade para a unidade do grupo de romeiros.
5
A chegada dos romeiros de Pedro Batista proporcionou o desenvolvimento
agropecuário na região de Santa Brígida. A unidade do povo possibilitou a formação de
grandes mutirões capazes de transformar matas extensas em área cultivável. Júlio
Manuel Cardoso, um dos integrantes destes mutirões, conhecidos como “batalhões”,
não esqueceu o poder que aquela atividade representara, nem escondeu a satisfação que
sentia por participar daqueles empreendimentos.
A união do povo de Pedro Batista podia ser sentida também quando se
aproximavam períodos eleitorais. Antonio Ribeiro dos Anjos trabalhava como um dos
cabos eleitorais das intenções de voto do beato. Um trabalho que não carecia de muita
argumentação, pois para o povo de Pedro Batista bastava a indicação do candidato
preferido pelo padrinho para que o assunto se desse por resolvido.
Rosália França, romeira e prefeita de Santa Brígida de 1989 a 1992, lembra com
tristeza a agonia vivida por Pedro Batista em decorrência da doença que o levou à
morte. Enquanto o povo procurava justificativas para o fato de seu padrinho estar
doente, o fim de sua vida ia gradativamente se aproximando, selando o período em que
Santa Brígida foi a morada de um homem que conduziu centenas de famílias a viverem
de forma solidária e religiosa.
O destino da herança deixada pelo beato foi motivo de controvérsias entre os
moradores de Santa Brígida. A Fazenda Batoque fora vendida antes e após a morte de
Pedro Batista, devido a problemas no recebimento do dinheiro, portanto, duas vezes.
Moradores como Antonio Manuel de Araújo nunca conseguiram entender como ficou a
divisão da herança e outros aventaram a possibilidade da ocorrência de algum
aproveitamento ilícito.
5
Ver: Queiróz, 1998.
14
Com a morte de Pedro Batista surgiram pessoas interessadas em dar
continuidade ao movimento, ocupando o lugar deixado pelo beato. O romeiro Brasilino
Antonio da Silva foi testemunha do episódio em que um tal de João Gustavo foi morto
quando, reunido em casa de amigo dentro da cidade, preparava-se para entrar na casa de
Pedro Batista e ocupar a vaga de líder messiânico. A maioria dos romeiros, entretanto,
não aprovou nenhum dos candidatos que pleiteavam a posição. Apesar da ausência
física, os romeiros continuavam acreditando que o seu padrinho ainda os protegia e não
ousaram substituí-lo.
Uma filmagem com duração de sessenta minutos realizada em Santa Brígida
pelo cineasta Sérgio Muniz, poucos meses antes da morte de Pedro Batista, permitiu
ouvir palavras proferidas pelo beato, bem como ter uma idéia do cotidiano dos
moradores da cidade.
6
Muitas fotografias foram encontradas e revelaram o grande fluxo de pessoas que
chegavam em Santa Brígida durante períodos festivos. As fotografias são documentos
que precisam de interpretação acerca de seu sentido histórico. A sua utilização neste
trabalho esteve acompanhada dessa contextualização, permitindo ao leitor uma
visualização do cenário e dos protagonistas desta história.
Assim, no primeiro capítulo - “A Formação do Povoado de Santa Brígida” –
buscou-se descrever o processo de formação do povoado, fazendo um breve histórico
acerca do povoamento no sertão do norte do Brasil. Histórias de violência em Santa
Brígida também estão inseridas neste capítulo, confirmando um traço característico do
sertão da primeira metade do século XX, onde fatores estruturais e conjunturais
propiciaram o surgimento de bando de cangaceiros.
7
Ainda neste capítulo, traçou-se o caminho pelo qual se definiu o domínio do
poder político-econômico nos sertões do Brasil e, em particular, no município de
Jeremoabo, que englobava o povoado de Santa Brígida. Por fim, o capítulo apresenta a
caracterização dos movimentos messiânicos ocorridos no Brasil, numa tentativa de
discutir os principais componentes que favorecem a formação de tais movimentos.
O segundo capítulo – “Pedro Batista” – analisa as condições em que o beato
promoveu o seu movimento. As peregrinações pelo Nordeste do Brasil revelam tratar-se
de homem carismático, conforme reconhecimento das pessoas por quem orou e
6
Filme produzido por Sérgio Muniz durante a semana santa de 1967 e o mês de julho do mesmo ano,
com apoio do Centro de Estudos Rurais e Urbanos e do Instituto de Estudos Brasileiros, ambos da
Universidade de São Paulo.
7
Queiróz, 1982.
15
aconselhou, sofrendo prisões e humilhações, próprios de quem estava disposto a se
dedicar em missão pelo próximo.
Neste capítulo são abordados, ainda, o processo de acomodação dos romeiros em
Santa Brígida e os motivos que levaram a uma evidente distinção entre os novos e os
antigos moradores. Outro aspecto analisado foi o apoio do Coronel João Sá, principal
líder político da região de Jeremoabo, para a permanência do beato em Santa Brígida.
Este apoio significou um aumento da população, considerada dependente do líder
político, o que representava um fortalecimento de sua base eleitoral e uma maior
disponibilidade de mão-de-obra para trabalhos agropecuários.
No terceiro capítulo – “Romeiros em Santa Brígida” – procura-se evidenciar o
cotidiano dos romeiros sob o comando de Pedro Batista; a capacidade do beato em
administrar a produção e o comércio e sua repercussão no movimento; a formação do
núcleo colonial na Fazenda Gameleira; o relacionamento do beato com os
representantes da Igreja; a morte de Pedro Batista e as conseqüências para os romeiros;
as tentativas de substituição do líder messiânico; e, por fim, os rumos da política em
Santa Brígida.
16
CAPÍTULO I
A FORMAÇÃO DE SANTA BRÍGIDA
Para a colonização do Brasil, Portugal transplantou as estruturas então vigentes
em sua sociedade, utilizando em sua colônia a mão-de-obra escrava na produção
agrícola. A classe dominante detinha a propriedade das terras, engenhos e escravos; a
Metrópole
8
resolvera entregar imensas faixas de terras a homens de confiança do Rei
como forma de garantir a subordinação de todos os elementos da produção.
9
Garcia D’Ávila foi o fundador da família responsável pela maior área de terra
desbravada no sertão do norte do Brasil. Ele transferiu-se em 1549 e, juntamente com
Tomé de Souza, participou da fundação da Capital da Capitania da Bahia de Todos os
Santos. Por volta de 1670, as terras pertencentes a esta família se estendiam da Bahia
até o Piauí, já sob o comando de Francisco Dias, bisneto de Garcia D’Ávila, tendo como
sede o Castelo da Torre, onde hoje se situa a Praia do Forte, distante cinqüenta
quilômetros de Salvador.
As sesmarias
10
doadas na região norte do Brasil variavam de vinte a cinqüenta
léguas
11
, ou mais, como no caso da família D’Ávila, bem superiores às doadas no sul,
com cerca de três léguas. Elas eram doadas a pessoas que compunham a classe
dominante por possuírem recursos para a realização dos investimentos necessários nas
novas terras. De acordo com Wilson Lins,
“as grandes sesmarias, que tomaram a si o desbravamento dos vastos espaços
mal povoados a serem incorporados à Coroa portuguesa, introduziram, no
ermo sem rei nem lei, as práticas do mandonismo, que, havendo convivido com
as Capitanias Hereditárias e com o Governo geral, seria encontrado pela
Revolução da Independência irremediavelmente sedimentado nos usos e
costumes do interior.”
12
8
Nome que se dava a Portugal em relação à sua colônia.
9
GUIMARÃES, 1968.
10
Terras doadas pela corte portuguesa aos nobres e ricos, para realização de atividades agropecuárias e o
povoamento das terras, variando de tamanho de acordo com as posses do donatário.
11
Antiga medida de extensão equivalente a 6.600 metros.
12
LINS, 1988, p. 7.
17
Apesar das doações das sesmarias estarem condicionadas a que os beneficiários
as cultivassem com seus próprios recursos, o que se verificou foi que os senhores das
terras arrendavam boa parte delas em troca de parte do produto agrário obtido pelo
trabalho dos arrendadores. Esta prática decorrera da impossibilidade do proprietário
controlar a produção em fazendas de grandes proporções.
A falta de controle da produção em terras de grandes proporções impedira
também uma maior utilização de mão-de-obra escrava. Assim, as grandes fazendas, ao
longo do tempo, admitiram o trabalho livre, mas submetido ao mando dos proprietários,
sem, todavia, utilizar-se do trabalho escravo, como aconteceu amplamente no Brasil
meridional.
A colonização implicara, ainda, em desterrar e aprisionar os indígenas a fim de
possibilitar a agricultura e a construção de engenhos.
13
Antes de aprisionar alguns
indígenas, era preciso matar uma porção bem maior. Várias populações nativas foram
dizimadas e, de acordo com Alberto Passos,
“tão espantosa se tornara a mortandade dos silvícolas que, ante a ameaça de
com isso se esgotarem as reservas nativas de braços, mais e mais protestos se
levantavam, no próprio Reino, contra os atos de selvageria dos brancos.”
14
O processo de povoamento no sertão do norte do Brasil se intensificou na
segunda metade do século XVII, em conseqüência da formação das fazendas de gado e
dos aldeamentos de índios promovidos pelos religiosos jesuítas preocupados em
catequizá-los e aculturá-los dentro da nova sociedade.
15
A Metrópole incentivou a pecuária no interior do país como forma de ocupação
territorial, deixando as áreas litorâneas para a produção de açúcar. A demanda por gado
se consolidara diante da necessidade dos engenhos de açúcar por animais para
acionarem as moendas, para servirem de alimento e para a exportação do couro, que
também era utilizado como embalagem para os rolos de fumo a serem exportados.
As aldeias criadas pelos religiosos jesuítas transformaram-se em refúgio para os
índios ante as perseguições que objetivavam sua escravidão; estas aldeias tornaram-se
eficientes locais de refúgio, contrariando os interesses dos fazendeiros ávidos por mão-
de-obra escrava, sem, entretanto, impedir a dominação exercida pelos religiosos.
13
PARAÍSO, 1998.
14
GUIMARÃES, 1968, p. 15.
15
ABREU, 1960.
18
Em 1759, o Marquês de Pombal, primeiro ministro do Rei D. José I (1750-
1774), expulsou os jesuítas do Brasil e limitou o número de membros das outras ordens
religiosas. Quatro anos antes, Pombal já houvera editado uma lei impedindo a
escravidão indígena e reconhecendo o seu direito à propriedade das terras, ainda que
essas fizessem parte de sesmarias doadas a colonos. Essas e outras medidas faziam parte
de um plano que visava estimular a produção econômica do Brasil. Com a
transformação das aldeias em vilas e, posteriormente, em cidades, acreditava-se estar
estimulando o comércio e a agricultura.
Assim, os núcleos de população foram conseqüências das atividades da pecuária
e dos aldeamentos indígenas. Os núcleos de população eram divididos em vilas e
freguesias. Nas povoações elevadas à categoria de vila era levantado um pelourinho,
símbolo da autonomia municipal. De acordo com Victor Nunes,
“somente nas localidades que tivessem pelo menos a categoria de vila,
concedida por ato régio, podiam-se instalar as câmaras municipais, cuja
estrutura foi transplantada de Portugal. A câmara propriamente dita
compunha-se de dois juizes, três vereadores, um procurador, um tesoureiro e
um escrivão, investidos por eleição, além de outros funcionários eleitos pela
própria câmara.”
16
Os juizes ordinários podiam ser substituídos por “juizes de fora”, que eram
nomeados pelo Rei como forma de evitar a ocorrência de parcialidades. Era, entretanto,
inegável o controle do poder pelos senhores rurais. As câmaras, cujos membros eram
eleitos segundo a vontade deles, exerciam funções próprias dos poderes judiciário,
executivo e legislativo. Contrariavam, muitas vezes, os próprios textos legais da Coroa,
sendo um retrato de uma estrutura que refletia o poder de quem detinha a posse das
terras.
A freguesia de São João Batista de Jeremoabo, criada em 1718, tinha sido aldeia
dos índios Kiriris e capela da freguesia de Nossa Senhora de Nazaré de Itapicuru
(1679). Em 1754, conforme relato do vigário Januário José de Souza Pereira,
17
a
freguesia de São João Batista de Jeremoabo, cujas terras pertenciam ao Castelo da
Torre, possuía três povoações: o sítio de Jeremoabo com 252 pessoas, sendo cinco deles
brancos e os outros tantos divididos entre pardos, mestiços, índios e negros; e as demais
povoações, que eram de aldeias indígenas.
16
LEAL, 1976, p. 60.
17
PALACIN, 1987, p 16.
19
O restante do território era composto por 152 fazendas, dentre as quais situava-
se o atual território do município de Santa Brígida. No total, ainda segundo o relato do
vigário, existiam 1.365 pessoas, sendo apenas oitenta delas brancas. Dessas fazendas,
apenas doze não pertenciam ao Castelo da Torre. As áreas restantes ainda estavam sob o
domínio da família D’Ávila e seus moradores trabalhavam como foreiros.
18
Por volta de 1816, o território do atual município de Santa Brígida era conhecido
como Fazenda Itapicuru de Cima, uma sesmaria herdada por Joaquim José do Bonfim
do português Antônio Manuel de Souza. O português havia casado com a filha de
Joaquim, chamada Brígida, mas, durante uma viagem a Portugal, com seu esposo,
Brígida falecera. Com a morte, Antônio Manuel de Souza decidiu não voltar para o
Brasil e entregou, para o sogro, suas terras na Bahia.
19
Joaquim José do Bonfim e seus descendentes não se opuseram à chegada de
moradores às suas terras. De forma dispersa, a área foi sendo tomada por famílias que,
pela ocupação de terras improdutivas, obtiveram a sua posse. Esta tendência de
formação de pequenas propriedades, em contraste com a existência dos grandes
latifúndios que caracterizaram o norte do Brasil, somente seria possível, contida até a
regulamentação da Lei n° 601, de 1850, conhecida como Lei de Terras, que proibiu a
aquisição de terras senão por meio de compra. Tal lei, na prática, tornara difícil o acesso
à posse de terras para as pessoas que não dispunham de recursos devido aos preços
mínimos fixados para a realização das operações.
20
A partir de 1888, com a abolição da escravidão, nova fluência de trabalhadores
se verificara na região, pois muitos dos libertos buscaram áreas menos povoadas onde
pudessem viver da agricultura de subsistência.
21
Santa Brígida começou a tomar forma
de povoado a partir de 1912, quando ocorreu maior migração de vaqueiros oriundos de
Estados vizinhos em busca de novas terras para realizarem atividades agropecuárias.
A consolidação do povoado foi incrementada na segunda década do século XX,
quando a guerra declarada pelo governo contra Lampião levou as populações rurais a se
aglomerarem para se defenderem de ataques dos cangaceiros e da própria polícia.
22
A
história ora apresenta Lampião como bandido, ora como defensor dos oprimidos e
inimigo dos coronéis. Ao que parece, a preocupação maior da população estava nas
18
Possuíam o domínio útil da terra e pagavam uma quantia anual ao senhorio direto.
19
Lindoaldo Alves de Oliveira. Entrevista concedida em 30 de maio de 1994. Santa Brígida/BA.
20
Sobre a aplicação da Lei de Terras na Bahia ver: OLIVEIRA, 2000.
21
ANDRADE, 1996.
22
FUKUI, 1978.
20
conseqüências de um iminente confronto do bando de cangaceiros com a polícia. Santa
Brígida era uma região famosa na imprensa pelas passagens de Lampião e onde se
verificavam freqüentes assassinatos entre seus moradores. Lá, inclusive, morava Maria
Bonita, que veio a ser mulher de Lampião, mortos em 1938.
Apesar de possuírem grandes propriedades de terra, as famílias dos descendentes
de Joaquim José do Bonfim poderiam ser classificadas como pequenos produtores, pois
a ausência de meios materiais e humanos para aproveitá-las impedia a produção
agropecuária em grande escala. Esta situação resultou numa estrutura social rural onde
“todos os indivíduos ou todas as famílias tinham mais ou menos a mesma posição
social, sejam quais fossem as suas posses e qualidades; não havia a formação de
camadas distintas, que é própria da sociedade estratificada.”
23
Formaram uma camada rural denominada por Maria Isaura Pereira de Queiroz
de sitiantes tradicionais, por se tratarem de
“indivíduos que viviam na forma mais elementar de economia agrícola, seja
como proprietário, posseiro ou agregado, e em estreitos laços de sociabilidade
em determinados grupos graças a relações de parentesco ou de compadrio
firmados em festas religiosas.”
24
Assim, por volta de 1940, Santa Brígida era apenas um pequeno povoado do
município de Jeremoabo, situado no nordeste do Estado da Bahia a 400 km de Salvador
e em zona limítrofe com o Estado de Sergipe. Composto por algumas dezenas de casas
de barro cobertas de palha, a agricultura mal dava para a subsistência; a base da
atividade pecuária era a criação de caprinos.
O poder político, como em todo o nordeste da época, estava nas mãos dos
grandes latifundiários, representados nesta região por João Gonçalves de Sá, o Coronel
João Sá. Conforme define Maria de Lourdes Janotti,
“os coronéis podem ser vistos como representantes da oligarquia agrícola-
mercantil que controla o poder público e orienta suas decisões no sentido de
afastar as demais classes do poder e de manter seus privilégios.”
25
Utilizando a tipologia construída por Eul-Soo Pang para classificar as
oligarquias existentes no Brasil, a denominada de familiocrática define bem a que o
Coronel João Sá controlava. Caracterizava-se pela influência decisiva dentro de um
município de um chefe de uma única família, composta de familiares, amigos, afilhados
23
QUEIRÓZ, 1970, p. 118.
24
QUEIRÓZ, 1973.
25
JANOTTI, 1987, p. 9.
21
e dependentes sócio-econômicos. Ter o domínio político era condição para a oligarquia
manter e expandir seus interesses sociais e econômicos. Conforme Eul-Soo Pang,
o poder de extrair votos por parte da oligarquia familiocrática baseava-se, por
sua vez, em sua habilidade em conquistar a lealdade social e política de seus
dependentes.”
26
Para manter o domínio político, João Sá agia conforme as circunstâncias. Na
época em que o bando de Lampião estava em atividade no nordeste, o coronel não
tardou em fazer aliança com o cangaceiro com objetivo de garantir a sua soberania no
território.
Apesar de explorar a imagem de que era tão temido que até Lampião não ousava
entrar em suas terras, foi comprovado que João Sá acobertava o bando e freqüentava os
seus acampamentos.
27
A melhor forma de enfrentar o grupo de Lampião, segundo sua
política, era fazendo aliança com ele, tendo utilizado dessa estratégia em muitos
momentos de sua vida pública.
Segundo Antônio Carlos Costa de Carvalho Sá
28
, neto do Coronel João Sá, o
primeiro encontro de seu avô com Lampião ocorrera em 1928, próximo a Jeremoabo.
João Sá iniciava viagem para Salvador quando, à noite, encontrou com o cangaceiro e
seu bando na estrada. O encontro fora amistoso e selara a amizade entre ambos. João Sá
passara, a partir de então, a ajudar financeiramente o bando de Lampião sempre que
solicitado e, em contrapartida, Lampião nunca entrava na cidade de Jeremoabo.
Integrante deste cenário, o pequeno povoado de Santa Brígida estava para
receber a visita de quem viria a se tornar a figura mais importante da sua história. Um
homem que provocou o êxodo de centenas de pessoas de Estados vizinhos e fomentou o
desenvolvimento social, político e econômico da região: tratava-se de Pedro Batista da
Silva.
1.1 A VIOLÊNCIA EM SANTA BRÍGIDA
Santa Brígida tinha a fama de lugar de muita violência. Afinal, era terra natal de
Maria Bonita e rota de passagem do bando de Lampião. O próprio Coronel João Sá
26
PANG, 1979, p 40.
27
QUEIRÓZ, 1982.
28
Antônio Carlos Costa de Carvalho Sá. Entrevista concedida em 21 de maio de 2003. Rio de Janeiro/RJ.
22
acolhera em uma de suas fazendas um homem chamado Ângelo Roque, mais tarde
conhecido pela história como um dos integrantes do bando de Lampião, vulgarmente
chamado de Labareda. Ângelo havia matado um homem que estuprara sua irmã.
Alfredo Vieira Lima, então juiz de direito da comarca de Jeremoabo, sabendo que ele
estava em uma das fazendas do coronel, pediu para que ele fosse retirado de lá. A
justiça não tinha autonomia para operar nas terras dos coronéis. Ao invés de exigir a
prisão do acusado, o juiz apenas pedia que o retirasse de sua comarca. João Sá o atendeu
e mandou Ângelo Roque para a fazenda de um outro coronel localizado em Sergipe.
Antônio Carlos de Carvalho Sá conta assim o diálogo de seu avô com Ângelo Roque:
“- O juiz pediu que tirasse você da fazenda, mas eu não vou fazer isso puro e
simplesmente da fazenda. Eu vou tirar você de lá e mandar pra um amigo meu
lá em Sergipe, que é dono de uma usina. Fez uma carta de recomendação e deu
quinhentos mil réis ao Ângelo Roque.”
29
Buscando garantir a sua própria segurança, era comum ao grande coronel ajudar
criminosos numa época em que a segurança pública era precária. Com o livramento
dado a Ângelo Roque, João Sá evitou perder, algum tempo depois, cinqüenta contos de
réis quando um dos seus vaqueiros fora interceptado pelo bando de Lampião, mas
liberado graças à intervenção de Labareda.
Os acordos com cangaceiros reforçavam o poder político do coronel. O perigo
das viagens poderia ser resolvido se o viajante tivesse um salvo conduto do coronel.
Apesar da confiança que muitos tinham no salvo conduto, fruto da importância política
do coronel, os familiares de João Sá preferiam a companhia da polícia, como lembra o
próprio Antônio Carlos de Carvalho Sá:
“Eu mesmo viajava na caatinga garantido pela polícia. Quando eu ia para
Jeremoabo ia num carro, um caminhão da polícia na frente e outro atrás. Eu
não ia atrás de salvo conduto.”
30
O relacionamento de João Sá com Lampião, entretanto, fez crescer a fama de
que o coronel era coiteiro
31
do grande cangaceiro do nordeste. Em 1932, sob a acusação
de que o coronel estava impedindo a captura de Lampião, o comandante da polícia da
Bahia proibiu João Sá de sair de sua casa em Jeremoabo. Após negociação com o então
Governador da Bahia, Juraci Magalhães, João Sá conseguiu autorização para se
29
Antônio Carlos Costa de Carvalho Sá. Entrevista concedida em 21 de maio de 2003. Rio de Janeiro/RJ.
30
Idem.
31
Indivíduo que dá asilo ou protege ladrões ou assassinos.
23
transferir para o Rio de Janeiro, onde viveu por dois anos até conseguir negociar o seu
retorno.
32
Santa Brígida foi palco de outras histórias violentas protagonizadas por um
homem conhecido como Pedro Grande. Sua história de crimes teve início no povoado
do Minuim, onde morava, localizado a 20 km da sede. Pedro Grande fora acusado de
destruir um cercado feito numa cacimba. A acusação tinha conotação política, pois
Pedro Grande estava sendo hostilizado por grupos que não contavam com o seu apoio
nas eleições. Levado para a delegacia de Santa Brígida foi agredido e proibido de portar
arma enquanto viesse à cidade.
Em agosto de 1951, durante um dia de feira em Santa Brígida, Pedro Grande foi
cercado por vários homens e, segundo Lindoaldo Alves de Oliveira, prefeito em Santa
Brígida de 1966 a 1972, baleado 18 vezes:
“Eles foram atirando, atirando até que Pedro caiu. Eu sei que Pedro ficou com
18 ferimentos de tiro. 18 tiros no corpo, mas nenhum pegou em parte que tinha
para matar. O braço quebrou, o braço esbagaçou. Acabaram achando que
morria. Mandaram chamar aqui os parentes; os parentes foram, aí não deu
tempo para matar Pedro. Mandaram um carro aqui, o carro não coube ele, aí
voltaram e trouxeram outro maior. Eu sei que quando ele recebeu os primeiros
socorros, os tiros foram no domingo, ele veio receber na terça os primeiros
socorros.”
33
Depois de uma semana internado no hospital de Paulo Afonso e já fora de
perigo, os interessados na morte de Pedro Grande já preparavam uma estratégia para
matá-lo. Avisado, Pedro Grande fugiu do hospital com a ajuda de um parente. Após a
recuperação, deu início à vingança contra os seus agressores, matando a todos os que
não conseguiram fugir para Sergipe. Envolvido neste clima de assassinatos, ele logo
passou a realizar crimes como pistoleiro, transformando-se num verdadeiro mito da
região.
Seguindo os passos do pai, os filhos de Pedro Grande também deixavam os
moradores de Santa Brígida apavorados. A romeira Maria José Marques da Silva
lembrou de um episódio com eles:
“Os filhos de Pedro Grande eram de um jeito que, se eles botassem os olhos em
uma moça, essa podia se esconder em qualquer lugar que eles iam buscar. Tô
dizendo isso porque eu tenho uma prima, ela ainda é viva em Delmiro, ela veio
em uma festa, quando ele botou os olhos nela na frente da igreja, essa menina
perdeu a festa. Nesse tempo era muita gente na festa, ela saiu e fez uma cabriola
32
Antônio Carlos Costa de Carvalho Sá. Entrevista concedida em 21 de maio de 2003. Rio de Janeiro/RJ.
33
Lindoaldo Alves de Oliveira. Entrevista concedida em 24 de julho de 2002. Santa Brígida/BA.
24
muito grande e perdeu o resto da festa porque ela ficou escondida dentro de um
quarto sem poder mais sair.”
34
Comportamentos agressivos e imprevisíveis era algo comum na comunidade de
Santa Brígida. Lindoaldo Alves de Oliveira, prefeito em Santa Brígida de 1967 a 1970,
para fazer cumprir uma portaria publicada que proibia a criação de porcos soltos na
cidade, saiu às ruas armado e dizimou todos os porcos que apareciam em sua frente,
conforme confessou o próprio mandatário:
“Eu achei que não devia deixar as crianças misturadas com os porcos, porque
isso aqui era uma fazenda de porcos. Baixei portaria legalmente pedindo para
tirar, para cada um criar os porcos presos. 30 dias não cumpriram. Prorroguei
mais 30, isso foi até os 120 dias, aí eu tomei conhecimento que era o delegado
de polícia, que era meu adversário, que chamou o pessoal e disse: - Tire não, eu
quero ver o que ele vai fazer, a polícia aqui sou eu. Aí, quando eu tomei
conhecimento, não podia deixar minha autoridade fraquejar. Aí eu fui sem
polícia nenhuma, peguei um rifle de 15 tiros, enchi a mochila com 200
cartuchos e saí na rua matando os porcos. Sentei o rifle pra cima. Amanheci na
rua sentado.”
35
A romeira Maria José Marques da Silva lembrou, revoltada, deste episódio
protagonizado pelo prefeito:
“Quando ele entrou, ele era carrasco, ele fazia justiça com as próprias mãos.
Nesse tempo o pessoal criava muitos bichinhos soltos na rua, sabe? Ele
mandava o pessoal matar os bichos na rua. Como o pessoal não queria matar
os bichos na rua, ele mesmo matava de rifle.”
36
Durante o período em que Lindoaldo Alves de Oliveira fora prefeito, Pedro
Grande e seu grupo foram expulsos da região, encontrando abrigo na fazenda de um
grande fazendeiro em Alagoas, prática comum dos coronéis.
O filme produzido por Sérgio Muniz
37
sobre Santa Brígida, em 1967, ainda dava
mostras da violência que caracterizava o local. Pessoas circulavam tranqüilamente nas
ruas da cidade portando revólveres na cintura, lembrando os filmes de bang-bang
americano. Os poucos dias de filmagem foram suficientes para registrar cenas em que
uma pessoa é carregada ferida e, talvez, já morta.
34
Maria José Marques Silva. Entrevista concedida em 24 de julho de 2002. Santa Brígida/BA.
35
Lindoaldo Alves de Oliveira. Entrevista concedida em 24 de julho de 2002. Santa Brígida/BA.
36
Maria José Marques Silva. Entrevista concedida em 24 de julho de 2002. Santa Brígida/BA.
37
Filmado durante a semana santa de 1967 e o mês de julho do mesmo ano, com apoio do Centro de
Estudos Rurais e Urbanos e do Instituto de Estudos Brasileiros, ambos da Universidade de São Paulo.
25
1.2 COMANDO POLÍTICO
A dificuldade de governar o vasto território do Brasil desde os primórdios da
colonização contribuiu para o fortalecimento da influência do proprietário de terra na
administração da região. Enquanto no século XVI o incentivo visava garantir o
povoamento, a geração de novas riquezas e a conquista do território; no século XIX e
início do XX estava em jogo, principalmente, a manutenção do poder político.
O latifúndio e a escravidão propiciaram o surgimento de senhores rurais que
tinham domínio sobre grande extensão de terra e sobre a população. Este domínio era
calculadamente mantido e permitia a durabilidade do poder nas mãos de uma família,
como relata Maria Isaura:
“a família tinha, pois, no centro, o casal branco e seus filhos legítimos, e uma
periferia mal delineada de escravos, agregados, afilhados, na qual se incluíam
as concubinas do chefe e seus filhos ilegítimos. O casamento era questão de
grande importância; os pais escolhiam cuidadosamente as alianças; ou para
reforçar os laços de parentesco e resguardar a propriedade de mãos estranhas
ou para aumentar poder e prestígio, indo se unir a outras famílias de particular
fortuna.”
38
A criação da Guarda Nacional, em 1831, fortaleceu o domínio do líder político
local. Criada para auxiliar os corpos armados na manutenção da ordem pública,
distribuía os postos de coronel (os mais altos da Guarda) àqueles que detinham o poder
político. Os senhores rurais passaram a ser chefes militares e tinham o poder de mandar
quem quisesse para servir ao Exército, sendo esse último importante instrumento de
ameaça àqueles que eram contrários à sua política.
39
Em 1832, de acordo com o Código do Processo Criminal, os juizes de paz, cuja
nomeação decorria de eleição em cada município, tiveram a incumbência de reprimir a
criminalidade.
40
Como somente eram eleitas as pessoas indicadas pelo líder político
local, essa medida veio reforçar a sua autoridade e inibir o surgimento de oposição
política forte ao seu comando.
O domínio da política local significava influência na escolha dos representantes
políticos da província e da Corte, durante o Império e, posteriormente, na escolha dos
representantes políticos dos Estados e do Governo Republicano. Assim, os interesses
38
QUEIRÓZ, 1969, p. 17.
39
CASTRO, 1979.
40
QUEIRÓZ, 1969.
26
dos proprietários rurais eram facilmente legalizados pelos políticos por eles escolhidos.
Era somente preciso manter o seu eleitorado fiel, continuando uma política
assistencialista e de controle à população, que garantisse o atendimento das
necessidades básicas de existência.
Feito isto, não existia motivo para o trabalhador rural não atender um pedido de
voto do seu patrão. Não havia qualquer complexidade de raciocínio que dificultasse a
decisão. Atender um pedido de voto era dar ao coronel uma das coisas que ele pretendia
em troca da oferta de trabalho. Era uma forma de demonstrar a sua gratidão pela
confiança do patrão e aumentar a esperança em ser mais bem recompensado por ele. O
emprego e a proteção eram oferecidos em contrapartida pelo trabalho e pela fidelidade
eleitoral. Formava-se, então, o famoso “curral” eleitoral.
A Constituição Republicana de 1891 ampliara os quadros eleitorais então
vigentes. Nela foi extinta a obrigação do cidadão possuir determinada renda mínima
para ser considerado eleitor, dando às classes populares o direito de voto. Com isso,
cresceu a influência local dos grandes proprietários de terra, pois a população ligada às
terras dos fazendeiros não podia negar um pedido daqueles que garantiam o seu sustento
com a oferta de trabalho. Para Maria Isaura,
“a extensão do direito de voto às classes populares não tivera, pois, outro efeito
senão aumentar o número de eleitores rurais às ordens de determinado mandão
político; como podiam os agregados discordar dele se nem tinham a cultura
necessária para formar opinião própria, nem podiam se manifestar em oposição
aos fazendeiros sem perder o único amparo que possuíam?”
41
Quanto mais pessoas estavam subordinadas ao fazendeiro, ou seja, quanto mais
terras ele tinha, maior a sua importância política. O coronel se transformara em um
grande cabo eleitoral, capaz de manobrar a intenção de voto de seus agregados de
acordo com a sua.
42
A sua importância no processo eletivo era reconhecida pelos
governantes e deputados que buscavam agradá-los, formando alianças necessárias para
a manutenção do poder político. “A superposição do regime representativo, diz Victor
Nunes Leal,
em base ampla, a essa inadequada estrutura econômica e social, havendo
incorporado à cidadania ativa um volumoso contingente de eleitores
incapacitados para o consciente desempenho de sua missão política, vinculou os
detentores do poder público, em larga medida, aos condutores daquele rebanho
eleitoral. Eis aí a debilidade particular do poder constituído, que o levou a
41
QUEIRÓZ, 1969, p. 85.
42
Sobre a importância das lideranças locais ver: SAMPAIO, 2000.
27
compor-se com o remanescente poder privado dos donos de terras no peculiar
compromisso do coronelismo.”
43
Com a República, o município saiu ainda mais fortalecido. A eleição para o
governo dos Estados tornou o líder político local um necessário aliado para os
candidatos. Para sedimentar a sua autoridade, os coronéis geralmente buscavam dar
apoio ao governo. Este apoio facilitava o atendimento de seus pleitos e de seus eleitores.
O apoio dado aos candidatos era, também, estimulado pela distribuição de novos títulos
de coronel. De acordo com Eul-Soo Pang,
“um relatório oficial sobre a Guarda Nacional, em 1916, mostrou que a
proliferação do título de coronel alcançara proporções ridículas. Os políticos
que aspiravam a cargos estaduais e federais precisavam do apoio eleitoral dos
chefes políticos locais, e a concessão de títulos da Guarda nacional era
freqüentemente um meio positivo de obter apoio.”
44
A nova organização social e política do Estado permitiu a continuidade da
interferência do poder privado sobre o poder público. Conforme Isnara Pereira Ivo,
“fosse apropriando-se das instâncias da justiça, fosse por meio do controle do
legislativo e executivo locais, o poder local sempre recebeu respaldo das
autoridades políticas em nível regional e em nível federal, uma vez que aos
mandões locais estava subordinada social e politicamente a população local.”
45
Os governos federal e estadual também não tinham preferências quanto ao líder
político da região. Estavam sempre dispostos a apoiar aquele que fosse vitorioso, quer
numa disputa eleitoral quer numa disputa armada. Tal postura deixava evidente que a
maior autoridade no sertão era a do coronel. A mudança do regime de governo comenta
Maria de Lourdes,
manteve o Brasil como um país essencialmente agrário, a centralização
existente no regime monárquico continuou sob nova roupagem, agora
estadualista, dirigida pela burguesia rural e financeira.”
46
Na primeira metade do século XX, o poder político-econômico nos sertões do
Brasil ainda era exercido pelo coronel.
47
Tratava-se de uma época caracterizada pela
violência, pelo clientelismo e pelas fraudes eleitorais. Os coronéis foram os herdeiros
43
LEAL, 1993, p. 253.
44
PANG, 1979, p 30.
45
IVO, 2003.
46
JANOTTI, 1987, p. 33.
47
Título originado com a criação da Guarda Nacional em 1831, decorrente da influência das oligarquias
rurais sobre o governo imperial em busca do fortalecimento político dos municípios e que permitiu aos
patenteados desfrutarem de prerrogativas militares.
28
dos grandes latifúndios em que se dividira o Brasil desde o início de sua colonização
por Portugal e, conseqüentemente, detinham os meios de produção. “Ainda que de
forma residual, escreveu Alberto Passos, no latifundismo brasileiro atual são fortes
ainda os vínculos do tipo feudal (a que estivera submetido o Brasil colonial), tais como
as relações de domínio sobre as coisas e sobre as pessoas.”
48
A conquista do poder local significava dispor de vagas de trabalho no serviço
público e em obras promovidas pelo poder público. Empregos representavam benefícios
para serem repartidos entre seus protegidos, reforçando a relação de compromisso entre
ambos. Os coronéis acabavam por se transformar na salvação para muitas vidas e
cobravam, por isso, a fidelidade deles.
A Revolução de 1930 deu início à Era Vargas, com o conseqüente fim do
período político chamado de República Velha. O Governo Provisório dissolveu o
Congresso Nacional, as Assembléias Legislativas e as Câmaras Municipais. Buscando
dar mais eficiência à administração municipal, delegou aos interventores estaduais a
nomeação dos prefeitos em cada município e criou o Departamento das
Municipalidades, órgão estadual que tinha como atribuições dar assistência técnica aos
municípios, coordenar suas atividades em função de planos estaduais, fiscalizar a
elaboração e execução de seus orçamentos e opinar previamente sobre um grande
número de medidas administrativas. Estas medidas diminuíram a autonomia dos
municípios e, conseqüentemente, o poder dos chefes políticos locais. As administrações
municipais passaram, então, a ter supervisão e controle dos Estados.
Apesar da Constituição de 1934 prever que a eleição dos prefeitos fosse
realizada diretamente ou pelo voto dos vereadores, a autonomia municipal somente viria
a ser restabelecida com o fim do Estado Novo, quando retornou a eleição para prefeito e
vereadores e a conseqüente independência administrativa.
Entretanto, o coronelismo declinou gradativamente graças a uma série de
mudanças políticas e sociais pelo qual passava o Brasil. A introdução do voto secreto, a
industrialização, a urbanização, a proliferação de partidos políticos que, incentivado
pelo retorno à democracia liberal após a Era Vargas, dividira os coronéis em facções e o
desenvolvimento das estruturas de poder dos governos estaduais e federais contribuíram
para diminuir a dependência ao chefe da oligarquia familiocrática. De acordo com Eul-
Soo Pang,
48
GUIMARÃES, 1968, p. 37.
29
“quando o Brasil, no governo Vargas, começou a se desenvolver aos poucos,
todos os laços e lealdades tradicionais começaram a se enfraquecer. A rápida
expansão da rede de estradas, para citar um exemplo de mudanças no Nordeste
do Brasil, acabou com o isolamento geográfico do sertão, permitindo o fluxo de
pessoas e mercadorias entre o litoral e o interior, e entre o norte e o sul.”
49
Pedro Batista chegou em Santa Brígida no período político em que ainda
vigorava o chamado Estado Novo. O maior expoente político e econômico da região de
Jeremoabo era o Coronel João Gonçalves de Sá; herança deixada pelo seu sogro, o
Coronel Antônio Lourenço de Carvalho.
João Sá nasceu em 1882 no município de Jeremoabo, mas não teve o privilégio
de outros dois irmãos que puderam concluir curso superior. Dificuldades econômicas
impediram seu pai de também enviá-lo para estudar em Salvador. Mesmo assim, obteve
sucesso na vida política. Participou da décima terceira legislatura da Assembléia Geral
Legislativa do Estado da Bahia de 1915 a 1916.
Em 1947, elegeu-se deputado estadual constituinte pelo Partido Social
Democrático, chegando a se tornar o 1° vice-presidente da Mesa Diretora de 1947 a
1948. Após a sua morte, em 1958, foi homenageado pela Assembléia Legislativa, dando
seu nome ao distrito de Iguaba, ocasião em que fora desmembrado do município de
Jeremoabo e elevado à condição de município. Teve dois filhos: João Gonçalves de
Carvalho Sá e Luiza Eulina de Carvalho Sá.
50
João Gonçalves de Carvalho Sá deu continuidade ao comando político da
família. Formou-se em Direito pela Faculdade de Direito da Bahia, em 1929. Em 1937,
foi nomeado promotor de justiça do Estado da Bahia e, posteriormente, subprocurador
da Fazenda Estadual. Foi, também, procurador da Prefeitura de Salvador e redator-chefe
do Jornal Diário da Bahia. Em 1945, candidatou-se a deputado federal, também pelo
Partido Social Democrático, ficando na suplência, mas assumindo o mandato de 1948 a
1950, durante a legislatura que promulgou a Carta Constitucional.
Em 1951, elegeu-se deputado estadual, novamente pelo PSD, em lugar de seu
pai que não voltara mais a disputar cargos eletivos. Reelegeu-se deputado estadual em
1955, tendo, durante sua atividade parlamentar, sido membro da Comissão de
Constituição e Justiça (1951-1954), da Comissão de Viação e Obras Públicas (1952-
1954, 1956) e da Comissão de Finanças, Orçamento e Contas (1957-1958). Em 1964,
49
PANG, 1979, p. 233.
50
Biblioteca da Assembléia Legislativa do Estado da Bahia.
30
foi nomeado prefeito de Jeremoabo, exercendo o cargo até 1966. Voltou a ser prefeito
de Jeremoabo em 1976, desta vez por meio de eleição, permanecendo no mandato até
1982.
51
A influência do coronelismo na vida política da região de Jeremoabo persistiu
por mais tempo que em outras regiões do Estado devido à sua localização geográfica. O
difícil acesso a seus distritos prolongou a dependência de seus moradores aos favores de
seu líder oligárquico. A dificuldade dos coronéis em manter o domínio político face às
mudanças sociais ocorridas no Brasil a partir de 1930 foi, em Jeremoabo, amenizada,
também, pelo aparecimento de Pedro Batista e seus romeiros.
O apoio político do Coronel João Sá ao movimento messiânico em Santa
Brígida, livrando os seus integrantes da ameaça de expulsão, garantiu a lealdade política
do beato e a formação de uma comunidade distante do processo de independência
política e econômica que se verificava no litoral e no interior.
1.3 CARACTERIZAÇÃO DOS MOVIMENTOS MESSIÂNICOS
De acordo com Maria Isaura Pereira de Queiróz, os movimentos messiânicos
estiveram sempre ligados a crises de estrutura e organizações sociais. Segundo os
critérios utilizados pela autora, a sociedade brasileira se dividia em três seções sócio-
culturalmente distintas: a primitiva, a rústica e a urbanizada. A primitiva, formada pelos
grupos indígenas, tinha sua estrutura regida por um sistema de parentesco; os grupos
rústicos eram aglomerados de famílias e os agrupamentos urbanizados tinham uma
estrutura regida internamente pelo sistema econômico.
O termo rústico é também utilizado para classificar determinados movimentos
messiânicos ocorridos no Brasil e refere-se ao universo das culturas tradicionais do
homem do campo, as quais resultaram do ajustamento do colonizador português ao
Novo Mundo, seja por transferência e modificação dos traços da cultura original, seja
em virtude do contato com o aborígine. Conforme observou Maria Isaura,
“o governo brasileiro se formou dentro da parte urbanizada da sociedade e
estendeu sua soberania jurídica sobre os outros agrupamentos, inclusive o
indígena, integrando-o ao conjunto brasileiro. A soberania social do governo
brasileiro impôs a aculturação das diferentes tribos indígenas. Com a
descoberta do Brasil, os grupos primitivos se viram em relações com o grupo
51
Idem.
31
português, que desde o início dos contatos procurou a integração de ambos
numa só sociedade global. A princípio, por um sistema de alianças em que
implicitamente os indígenas eram considerados no mesmo nível social que os
recém-chegados; mais tarde, foi inaugurada uma situação colonial que reduziu
os aborígines à camada mais baixa da escala social.”
52
No início da colonização, os portugueses preocuparam-se em estabelecer a paz
com os nativos. Era mais conveniente persuadi-los a ter que obrigá-los a realizar as
tarefas que julgavam necessárias para tornar a colônia um investimento rentável. As
relações comerciais consistiam na troca de bugigangas pelo trabalho indígena de captura
de mercadorias, bem como em outras atividades que lhes interessavam, como o corte, a
preparação e o transporte do pau-brasil.
A relação entre portugueses e aborígines tornou-se hostil a partir do momento
em que o colonizador resolveu ocupar as terras da colônia e utilizar a sua mão-de-obra
para explorar as riquezas que delas se podiam extrair através da agricultura. Conforme
Alberto Passos Guimarães,
“a missão confiada aos colonizadores era a de submeter o aborígine,
apropriar-se de suas terras e bens, impor-lhe suas concepções e transformá-lo
num agente dócil de seus objetivos de domínio.”
53
Ainda de acordo com as conclusões de Maria Isaura, os papéis desempenhados
pelos movimentos messiânicos em relação à sociedade global estavam subordinados a
crises estruturais e organizatórias. As crises poderiam ser de formação da sociedade
global; da configuração interna da sociedade global; e mistas.
As crises de formação das sociedades globais decorrem do delineamento de suas
configurações internas, face às tentativas de agregação de sociedades heterogêneas
numa só. Estrutura e organização interna se transformavam (tribo primitiva e sociedade
ocidental colonizadora), levando uma sociedade a tornar uma classe inferior à outra.
Neste caso, o movimento messiânico agiu de forma segregadora e subversiva, pois
visou levar o grupo da camada inferior para a superior.
Neste caso, os movimentos primitivos surgiram como esperança pela liberdade,
pelo fortalecimento dos valores sociais e pela restauração dos padrões de
comportamento nativo, ameaçados pelos contatos com os colonizadores que colocavam
em risco a integridade da estrutura e da organização.
52
QUEIROZ, 1977, p. 332.
53
GUIMARÃES, 1968, p. 11.
32
As crises de configuração interna de sociedades globais foram de duas espécies
diferentes. Em uma, a sociedade configurada segundo as relações de parentesco passou
para sociedade configurada segundo as relações econômicas. Os movimentos
messiânicos foram reações contra esta nova disposição assumida, pretendendo
transformar a estrutura recém-criada e promovendo nova reviravolta das camadas
sociais. Trata-se de crise estrutural e o movimento era qualificado de subversivo.
O movimento messiânico dos Muker, ocorrido em 1872 no Rio Grande do Sul, é
citado por Maria Isaura como exemplo de reação contra a mudança na configuração
interna da sociedade, que deixou de se basear nas relações de parentesco e passou para
as econômicas. A região foi tomada por colonos alemães que receberam de duzentos a
trezentos hectares de terra e fundaram povoados, dos quais o mais próspero foi o que
veio a originar a cidade de São Leopoldo. Sem contar com qualquer apoio estrutural do
governo brasileiro, os colonos viveram em economia de subsistência.
54
As exigências do mercado fizeram surgir dentre os colonos aqueles que se
dedicaram a atividades comerciais, suprindo a comunidade com objetos necessários no
cotidiano e adquirindo os excedentes da produção dos agricultores. “Conseqüentemente,
completa Maria Isaura,
os comerciantes, sobrepujavam os simples agricultores. Com o desenvolvimento
da administração pública, cada vez mais necessária dado o aumento da colônia,
os funcionários de categoria foram escolhidos entre os que eram
economicamente mais hábeis. Assim, os comerciantes foram nomeados prefeito,
delegado, subdelegado, exerciam funções de controle e de mando que os
caracterizavam como camada realmente dominante.”
55
O movimento dos Muker teria sido uma reação contra o processo de mudança
social na colônia, pois pretendeu Jacobina, líder do movimento, criar uma comunidade
livre da opressão dos ricos, rompendo antigas ligações familiares e baseando-se em
nova ordem de relações sociais sob a ameaçadora expectativa de um iminente fim do
mundo.
A outra espécie de crise na configuração interna da sociedade global diz respeito
ao nível organizacional. A sociedade sofria uma desorganização que a levava à perda de
valores e de padrões que não eram substituídos por outros. Não estava em causa a
posição hierárquica de grupos ou de camadas sociais, e sim a falta de correspondência
entre os padrões de comportamento e os comportamentos efetivos.
54
AMADO, 1978.
55
QUEIROZ, 1977, p. 310.
33
Nestes casos, os movimentos messiânicos foram qualificados como
conservadores, pois buscaram readaptar os comportamentos efetivos às normas e
padrões antigos. Enquadram-se neste grupo os movimentos messiânicos comandados
por Padre Cícero, Antônio Conselheiro e Pedro Batista. Para Maria Isaura,
“o intuito deles era a reorganização e reordenação das relações sociais. O
messias com sua autoridade impõe regras que devem ser rigorosamente
cumpridas e que em geral vão banir os desvios dos padrões, que anteriormente
se verificava.”
56
A perda de valores e de padrões comportamentais pode ser atribuída ao longo
período de afastamento dos padres nos sertões, acostumando os seus habitantes a
viverem sem eles e a desenvolverem um código próprio de crenças e costumes.
Analisando as conseqüências da falta de assistência da Igreja no sertão, Cândido
da Costa e Silva afirma:
“entregue a si mesmo pela imposição das circunstâncias, ele (o cristão)
encontra margem para desenvolver um processo seletivo e reinterpretativo das
expressões da fé, em particular do culto entre nós, como na história milenar do
cristianismo, foi o momento privilegiado dessa metamorfose. Nesse filtro, as
crenças e os ritos sofrem evidentemente alterações, revestem-se de novos
conteúdos, através de procedimentos menos disciplinados, tomando como
referencial a ortodoxia dos clérigos.
57
A partir da metade do século XIX, a Igreja Católica tentou implementar no
Brasil uma reforma na estrutura eclesiástica e na atuação de seus representantes. Com
esta reforma, afirmou Duglas Teixeira,
“a Igreja busca uma aproximação maior com relação ao povo, especialmente
com os elementos das classes subalternas; a reorganização das jurisdições
eclesiásticas e o reavivamento espiritual entre leigos, mas, particularmente,
entre clérigos.”
58
Buscando se afirmar como poder espiritual face à crise decorrente da perda do
poder temporal na Europa e também no Brasil, onde o Imperador era quem aprovava ou
não as ordens vindas do Vaticano e quem nomeava e remunerava os bispos, a Igreja
criava dioceses para garantir um padrão na propagação da fé católica.
Nesse contexto, surgem missionários no Brasil que ganharam fama de profetas e
curadores, como Monge José Maria, António Conselheiro, Padre Cícero e Pedro Batista.
56
QUEIROZ, 1977, p. 319.
57
SILVA, 1982, p. 23.
58
MONTEIRO, 1977, p. 44.
34
Estes representaram reações da população contra a tentativa da Igreja em por fim à
autonomia que caracterizava as igrejas e formações religiosas locais. Estes líderes
reconheciam, entretanto, a autoridade da Igreja e não assumiram papéis que
substituiriam aqueles que eram de competência dos representantes eclesiásticos. De
acordo com Maria Isaura,
“estes messias foram enviados para fazerem com que os homens retomassem os
bons costumes, e não para que mudassem os pobres de posição social. Os
grandes proprietários de terras que aderiram ao Padre Cícero e ao Monge José
Maria conservaram na comunidade messiânica a mesma posição social anterior
de chefia.”
59
No setor urbano da sociedade brasileira, cuja estrutura, como vimos, é regida
internamente pelo sistema econômico, surgem movimentos messiânicos que, no
entender de Lísias Negrão,
“são decorrentes da influência de concepções espíritas, uma vez que estas
gradativamente se afirmavam como o sucedâneo urbano do catolicismo
rústico.”
60
Dentre os movimentos messiânicos urbanos, se destacam o dos “Borboletas
Azuis”, ocorrido em Campina Grande/PB, e o da “Fraternidade Eclética Espiritualista
Universal”, iniciado na cidade do Rio de Janeiro e, posteriormente, transferido para o
município de Luziânia/GO, distante 55 km do centro de Brasília.
A Fraternidade Eclética Espiritualista Universal foi fundada pelo ex-oficial da
Força Aérea Brasileira, Comandante Oceano de Sá, conhecido na instituição como
Venerável Mestre Yokaanam, em 27 de março de 1946, com finalidade filantrópica,
eclético-religiosa de assistência social, moral e espiritual.
Após dez anos de funcionamento na cidade do Rio de Janeiro, onde seu líder
fora acusado seguidamente de práticas de curandeirismo, charlatanismo e
comportamento imoral, a sede matriz da entidade é transferida para o planalto goiano,
região considerada sagrada por constar nas profecias de D. Bosco
61
como o local de
salvação da humanidade aos fins dos tempos.
59
QUEIRÓZ, 1977, p. 324.
60
NEGRÃO, 1984, p. 18.
61
Segundo a seita, trata-se de um sacerdote católico que, escrevendo suas memórias em 30 de agosto de
1833, afirmou que sonhou “viajar de trem e eis senão quando vê diante de seus olhos o mapa de imensa
região. Concomitantemente, uma voz o adverte de serem ali as terras do interior do Brasil, de onde um
dia, se despertaria novo surto espiritual, como base e momento de uma civilização nova, saída das terras
sobre as quais acenderá Deus a constelação de sua cruz, o cruzeiro do sul.”
35
O objetivo básico da Fraternidade, definido em sua constituição, é o da
unificação e concórdia universal de todas as religiões e escolas em litígio sectário sob
invocação do nome do mesmo Deus e a implantação da religião universal sob a bandeira
única e comum do mesmo Deus e do mesmo Cristo. A doutrina eclética da Fraternidade
é apresentada como a única alternativa possível para o impasse do conflito religioso que
dividia o cristianismo em várias denominações.
O movimento dos Borboletas Azuis fora comandado por um ex-comerciante
atacadista de algodão chamado Roldão Mangueira. Durante um incêndio que destruiu
um de seus estabelecimentos, sentiu vontade de se suicidar, mas teve a visão de um
padre que se aproximou e lhe disse: “Olhe, vamos ter paciência que Deus te ajuda.”
62
Em 1961, fundou um centro espírita com um dinheiro que obteve em empréstimo junto
ao Banco do Comércio, graças a outra visão em que Padre Cícero aparece indicando a
referida instituição bancária. Em 1970, esta instituição ganhou a denominação de Casa
de Caridade Jesus no Horto, com doutrina católica. Em 1978, a diretoria da instituição
distribui 10.000 folhetos na cidade, anunciando que, no dia 13 de maio de 1980, se
iniciaria um dilúvio que duraria 120 dias. O aviso, segundo eles, teria sido dado por
Jesus Cristo. Como o dilúvio não aconteceu, o movimento sucumbiu.
Na organização de um movimento messiânico presume-se a existência de um
líder carismático que tenha contato com o sobrenatural. No meio rústico ou primitivo, a
união de um grupo em torno de um ideal ou de um líder implicava necessariamente no
planejamento de atividades que garantissem o suprimento de alimentos e utensílios
essenciais à sobrevivência.
Os movimentos primitivos buscaram terras “prometidas” onde seus integrantes
pudessem viver longe da ameaça crescente dos invasores. Já os movimentos rústicos
buscaram ocupar espaços territoriais dentro do meio rural onde seus integrantes
mantivessem relações sociais menos usurpadoras. Eles romperam a estagnação da
capacidade produtiva existente no sertão, seja em decorrência da falta de recursos para
investimento na agropecuária ou da falta de unidade da mão-de-obra para realização de
trabalhos coletivos em prol da própria comunidade.
“Os movimentos messiânicos rústicos ao mesmo tempo levam o
desenvolvimento econômico às comunidades, e buscam reestruturar e
reorganizar a vida social em processo de anomia; pelo próprio fato de
operarem esta reorganização, podem fornecer base para o progresso.
63
62
NEGRÃO, 1984, p. 325.
63
QUEIROZ, 1977, p. 347.
36
Os movimentos urbanos, entretanto, não tiveram obrigatoriamente a necessidade
de planejamento global, pois tanto as entidades quanto seus integrantes estavam
adaptados e estabilizados dentro do sistema econômico. As crises estruturais ou
organizatórias parecem não ter sido suficientes para motivar a mobilização de
populações em torno de líderes messiânicos. Ocorrendo no setor primitivo, rústico ou
urbano da sociedade brasileira, os movimentos messiânicos tiveram como principal
componente atrativo a solução para os problemas da doença e da morte.
Alberto Quintana entende que a morte e a doença são acontecimentos que
demonstram a fragilidade do ser humano e, portanto, necessitam de explicação e
justificação. Por um lado parecem coisas irremediáveis; por outro se tornam lugares de
rituais em que se procura controlá-las. Estes rituais pertencem à ordem do sobrenatural
ou sagrado, onde se manifesta uma realidade que não é explicada pelas leis naturais.
Para ele,
“estes rituais tem por função recriar os código por meio dos quais um
determinado grupo se relaciona com o mundo circundante. Se constituem numa
fala, uma mensagem que tenta impor a onipotência imaginária ali onde o real
se faz presença ameaçadora.”
64
A cura e a salvação foram, pois, as razões fundamentais para adesão aos
movimentos messiânicos, permitindo a seus adeptos lutarem pela vitória contra o
irremediável destino do homem, não obstante a adesão também ocorrer simplesmente
em função da expectativa de uma melhoria de vida material ou de um retorno às normas
e padrões de condutas antigos.
As dificuldades circunstancialmente existentes despertavam no homem a
necessidade de refúgio na fé como forma também de resolver os problemas estruturais e
organizacionais da sociedade. Sem o aparecimento de líderes messiânicos que
demonstrassem autoridade espiritual para controlar os efeitos da doença e da morte, não
haveria movimentos que resultassem em mudança estrutural ou organizacional da
sociedade, tendo seus habitantes que conviver com as condições de vida que lhes eram
impostas ou buscarem outra forma de promoverem mudança social.
O apoio popular aos líderes surgidos é explicado por Ivone Gallo como
decorrente de
64
QUINTANA, 1999, p. 33.
37
“uma necessidade humana constante de cristalizar em uma pessoa as
expectativas de mudança, com relação à situação vivida, configura-se quase
como uma regra, anterior mesmo à difusão do cristianismo como doutrina.”
65
A preocupação do nordestino em torno da sua salvação e a distância que os
separava dos missionários da Igreja favorecia o surgimento de movimentos messiânicos
rústicos e podia ser medida pela importância que a morte representava para suas vidas.
Josué de Castro constatou que
“no Nordeste, as marcas mais fundas da presença do homem parecem não ser
as marcas de sua vida, mas as marcas de sua morte. A morte é uma tal
constante, um fator social de tamanha importância na vida da região, que em
certas cidades do interior, parece que o que mais prospera são os cemitérios.”
66
Para Lísias Negrão, “a perda coletiva das condições de reprodução de modos
tradicionais de vida abriram espaços para os movimentos messiânicos rústicos”.
67
Os
movimentos efetivamente implicaram em anulação ou transformação das ocorrências
em curso nas sociedades globais que levaram a tais perdas, mas consistiram,
principalmente, em manifestação popular para dar sentido à condição existencial
humana.
O fato de os movimentos messiânicos rústicos ou urbanos não implicarem em
reviravolta das camadas sociais, continuando seus integrantes a ocuparem a mesma
posição social anterior à adesão, confirma que o objetivo principal era mesmo o de
prover os meios necessários para os adeptos alcançarem a cura e a salvação e não o de
reagir contra processos internos de anomia.
68
A obediência a normas e padrões determinados pelo líder messiânico deve ser
atribuída ao reconhecimento pelos adeptos do caráter sagrado do movimento. Sem a
demonstração pelo líder de sua capacidade sobrenatural não haveria esforços pessoais
para desempenhar comportamentos condizentes com a nova proposta de vida ditada por
ele. Não bastaria que as condições sociais estivessem desfavoráveis para que surgisse
um movimento messiânico libertador das opressões.
O aparecimento de líderes carismáticos trazendo soluções para os problemas da
doença e da morte parece ser o fator principal para arregimentação de adeptos, tanto no
65
GALLO, 1999, p. 69.
66
CASTRO, 1967. p. 40.
67
NEGRÃO, 1984, p. 421.
68
Estado em que a sociedade tem os seus padrões normativos de conduta e crença enfraquecidos ou
desaparecidos
38
setor rural como no urbano, independentemente da condição sócio-econômica de cada
um.
39
CAPÍTULO II
PEDRO BATISTA
“De onde veio não se sabe,
ninguém pode compreender.
O povo lhe perguntava,
ele não ia dizer.
Esses eram os deveres seus,
pois os segredos de Deus
não é pra ninguém saber.”
69
Segundo a socióloga Maria Isaura Pereira de Queiroz, que esteve em Santa
Brígida realizando pesquisas em 1955, Pedro Batista teria nascido em Alagoas e seu pai
seria membro da família Rocha Wanderley.
Devido a conflitos com outros grupos de famílias rivais na busca pelo domínio
político local, seu pai teve de fugir para Pernambuco, onde fora criado. No dizer da
socióloga, estes conflitos eram
“fenômenos tão freqüentes que se poderia considerar como traço peculiar à
sociedade rústica o estado interno de luta, o estado social de contínua
desestruturação e reestruturação.”
70
Pedro Batista serviu ao Exército aos dezessete anos, sendo deslocado,
posteriormente, para Foz do Iguaçu e Ponta Grossa. Após desligar-se do Exército,
trabalhou como marinheiro e estivador nos portos do Rio de Janeiro, Santos e
Paranaguá, onde se fixou e viveu como pescador.
71
O mestre espiritual José Bezerra Delgado, conforme o próprio se intitulara, mais
conhecido como “mestre Zezé”, convidado por Pedro Batista para ajudá-lo nas rezas em
Santa Brígida, contou versão acerca da origem do beato muito próxima a revelada pela
socióloga:
“A mãe dele era índia, era da mesma aldeia de Murici, da aldeia que eu sou. A
mãe dele era da aldeia de Murici, viu? Era índia, não tinha sobrenome. Agora,
69
Versos produzidos pelo romeiro João Oliveira. Santa Brígida/BA.
70
QUEIROZ, 1977, p. 315.
71
QUEIROZ, 1977, p. 294.
40
o pai dele era das famílias de Santana de Ipanema, Rocha e Vanderlei, era tudo
de família branca. Agora a mãe dele era índia da mesma aldeia que eu sou.”
72
Ainda segundo o mestre Zezé, a mãe de Pedro Batista morrera no parto e ele
fora criado pelas irmãs de seu pai em Recife. Foi soldado e, posteriormente, pescador,
época em que recebera a missão de Deus:
“Quando foi para nascer, o médico tirou a ferro, ela já morta. Então quem o
criou foram as tias, as irmãs do pai dele no Recife. Foi soldado aí no Estado de
Alagoas. Ele me disse que era pescador, tinha todo atavio de pesca. Recebeu a
ordem dentro do mar, aí venderam baratinho, deram ao povo os atavios de
pesca e seguiu de pé.”
73
Uma visão o fez regressar ao nordeste onde peregrinou pelos Estados de
Pernambuco, Alagoas, Sergipe e Bahia, até se fixar no povoado de Santa Brígida com a
permissão do Coronel João Sá que acompanhou pessoalmente e por intermédio de seus
correligionários a chegada dos romeiros até ter certeza de que o movimento não
ameaçava a ordem estabelecida nem a sua autoridade na região.
Pedro Batista não sabia ler nem escrever. As operações comerciais e financeiras
que realizou foram por intermédio de pessoas de sua confiança.
74
Esta deficiência,
entretanto, não o impediu de demonstrar sua capacidade de administrador; condição
básica para que pudesse ter sucesso em sua jornada de conselheiro carismático e de líder
político da região.
O único documento encontrado até agora que revela dados pessoais de Pedro
Batista foi uma proposta de empréstimo agrícola junto ao Banco do Nordeste do Brasil
S/A, datada de 15 de dezembro de 1955. Sem contradizer as versões anteriores, os
dados ali existentes devem ter sido revelados pelo próprio proponente e indicam que o
beato nascera em 1888 no município de Porto Calvo, Estado de Alagoas:
75
72
José Bezerra Delgado. Entrevista concedida em 22 de julho de 2002. Santa Brígida/BA.
73
Bezerra Delgado. Entrevista concedida em 22 de julho de 2002. Santa Brígida/BA.
74
Ver no Capítulo III.
75
Arquivo do Museu de Pedro Batista. Santa Brígida/BA.
41
Pedro Batista não comentava com os romeiros sobre a sua vida. De onde veio,
quem eram seus pais ou se tinha irmãos, tais informações pouco interessava aos seus
adeptos. Era como se ele tivesse descido diretamente do céu para juntar o seu povo.
Morreu com setenta e nove anos, vítima de uma infecção urinária que o obrigou a viver
nos últimos meses de sua vida sobre uma cadeira de rodas.
42
2.1 A PEREGRINAÇÃO DO BEATO
“Passou preso, encerrado;
sem lhe dar água e nem pão.
Para ele desistir
de sua grande missão.
Mas ele não se entregava
quanto mais lhe castigava
maior sua satisfação.”
76
Por volta de 1942, após ter crido receber uma missão divina, Pedro Batista
iniciou uma peregrinação por cerca de três anos pelos Estados de Pernambuco, Alagoas,
Sergipe e Bahia. Em suas andanças, ficou famoso pela sabedoria em dar conselhos, por
efetuar curas e libertar pessoas de maus espíritos.
O sucesso de suas intervenções terapêuticas e a propagação de ensinamentos
religiosos pouco ouvidos no sertão permitiu um aumento constante de sua popularidade.
Acolher Pedro Batista em sua residência era um acontecimento importante na vida do
sertanejo, um ato de fé e um sinal do amor de Deus.
Estava surgindo um novo messias para trazer esperança de alívio às dificuldades
próprias da vida no sertão. Era o novo porta-voz de Deus para dar conselhos e ministrar
curas, por quem o povo do sertão parecia estar sempre esperando. Júlio Manoel
Cardoso, romeiro, explica como era a peregrinação:
“Nós ouvíamos falar nesse beato que vinha em missão. Um conhecido trazia ele
em nossa casa e depois nós levávamos ele para casa de outro conhecido e assim
ia.”
77
Pedro Batista teve passagens duradouras pelos municípios de Água Branca,
Delmiro Gouveia e Mata Grande, no Estado de Alagoas e, em Águas Belas e Itaíba, no
Estado de Pernambuco. Em suas peregrinações, ganhava a simpatia e a reverência das
pessoas. Não havia nenhum grupo que o acompanhava, o que facilitava a sua recepção
pelos moradores. Era muito mais fácil para o morador local acolher dois ou três em sua
casa do que uma multidão.
76
Versos produzidos pelo romeiro João Oliveira. Santa Brígida/BA.
77
Júlio Manoel Cardoso. Entrevista concedida em 20 de abril de 1996. Santa Brígida/BA.
43
A romaria tem um caráter de publicização da crença, através da escolha de um
ponto de referência a ser atingido. No percurso da peregrinação, os crentes vão ao
encontro de sua devoção. No caso de Pedro Batista, ele ganhou fama de curador e
conselheiro, motivando pequenas romarias de moradores circunvizinhos às localidades
onde encontrava abrigo por algum período.
A peregrinação de Pedro Batista por estas cidades não ocorrera pacificamente.
As autoridades públicas também estavam na expectativa da possível chegada do beato.
Havia a preocupação de que a crescente popularidade o transformasse em líder de mais
um movimento messiânico, geralmente considerado como fanatismo religioso, contrário
à ordem estabelecida e cujas experiências anteriores culminaram em tragédias como as
ocorridas em Canudos
78
e Pau de Colher
79
. Por isso, a sua permanência nas cidades por
onde peregrinara era muito questionada, impedindo que ele se estabelecesse em algum
lugar. Odálio Ribeiro José, comentando acerca da tensão vivida pelo beato, lembra:
“Ele passava assim uns quinze dias, um mês. Aí o governo mandava ele levantar
para outro lugar.”
80
Pedro Batista foi expulso seguidamente e, muitas vezes, ainda sofria algum tipo
de castigo das autoridades locais, como lembra o próprio Odálio:
“Ele curava o pessoal e não cobrava. Curava muito doido, doido mesmo,
curava e ficava bom. E o governo não fazia o milagre que ele fazia . Aí ele
mandava ele embora e às vezes botava de castigo em cima de caroço de milho,
pra judiar com ele.”
81
A preocupação das autoridades locais de que a aglomeração causada pela
presença de Pedro Batista viesse a provocar algum tipo de tumulto levaram-nas a optar
pela prisão do beato como forma de dispersar as pessoas.
Certa vez, Pedro Batista chegou a ficar preso por nove meses no município de
Águas Belas, Estado de Pernambuco. Esta prisão foi assim testemunhada pelo romeiro
Geraldo Domingos Neto:
78
Como o tema Canudos e sua bibliografia é bastante ampla, ver o acervo do Núcleo do
Sertão/CEB/UFBA.
79
BRITO, 1999.
80
Odálio Ribeiro José. Entrevista concedida em 24 de julho de 2002. Santa Brígida/BA.
81
Idem.
44
“Ele entrou em Pernambuco curando água e curando gente. Lá em Itaíba, Dr.
Dálio, que era o médico de lá, chamou Pedro Batista e botou numa casa onde
ficou curando gente. O dono da farmácia perguntou quem mandou ele ficar lá:
‘Por que esse homem tá me acabando. Ele cura e nunca mais eu vendi um
remédio na minha farmácia’. Aí ele falou com o padre e prenderam em Águas
Belas.”
82
As preocupações com os prejuízos financeiros que Pedro Batista poderia causar
pareciam maiores do que a própria questão de tratar-se ou não de charlatanismo. Os
interesses do comércio precisavam se aliar com os da Igreja no sentido de impedir a
continuação das atividades do beato. Prendendo-o acabariam as peregrinações e a
possibilidade de aumento de popularidade, pensaram os seus desafetos.
Tais prisões, entretanto, não provocaram um esfriamento na reverência do povo.
Intensas romarias foram formadas em direção à cadeia a fim de levar apoio e receber a
bênção do santo homem. As romarias revelaram a Pedro Batista que a sua popularidade
já havia alcançado níveis elevados e o convenceram de que a dificuldade na
continuidade de suas peregrinações o obrigaria a encontrar um lugar onde pudesse se
estabelecer pacificamente.
O dom para curador e conselheiro já estava devidamente comprovado pelo
reconhecimento das pessoas. Conforme afirma Alberto Quintana,
“o dom não pode se sustentar unicamente no reconhecimento do benzedor; é
necessário que a comunidade onde ele vive também veja nele alguém especial. É
necessário que esta história encontre um interlocutor que reconheça o sinal que
marca seu protagonista como alguém especial, aquele escolhido para realizar a
intermediação com o sagrado.”
83
Pedro Batista era mais uma repetição de um fenômeno social freqüente no sertão
do Brasil: o messianismo. Sua aparência física lembrava a do líder de canudos Antonio
Conselheiro: alto, magro, cabelos e barba longos e grisalhos. Apesar disso, Pedro
Batista tinha a preocupação de evitar qualquer semelhança, pois, ao contrário do líder de
Canudos, ele se preocupava em demonstrar que a sua missão não ousava questionar a
ordem política e econômica existente. Júlio Manoel Cardoso lembra:
82
Geraldo Domingos Neto. Entrevista concedida em 10 de março de 1995. Santa Brígida/BA.
83
QUINTANA, 1999, p. 82.
45
“Muitos deixaram seus sítios e vieram mais por amor e palavra de boa
esperança. Compararam ele a Antonio Conselheiro de Canudos, mas Pedro
Batista dizia que a história dele era dar conselho do Pai eterno.”
84
O trabalho e a resignação em Deus eram os fundamentos da sua missão. Em suas
peregrinações, Pedro Batista demonstrou ser um homem diferente. Suas orações
curavam e suas palavras abençoavam. A sua passagem pelos lugares atraía muitas
pessoas da redondeza. Ele apregoava o cumprimento de uma série de regras
comportamentais e ensinava que a felicidade humana era alcançada através do exercício
da oração e do trabalho.
Foi acolhido numa fazenda do município de Glória, Estado da Bahia, distante 50
km do povoado de Santa Brígida, para onde se mudou dias depois, encontrando o
sossego que necessitava para desempenhar a sua missão divina.
2.2 PEDRO BATISTA EM SANTA BRÍGIDA
“Encontrando poucas casas
que tinha na povoação.
Velhas e feitas de taipas
na chegada do verão.
Dedicou-se a agricultor
e a todo mundo que chegou
ele deu essa lição.”
85
Santa Brígida era distrito do município de Jeremoabo, que ainda abrangia os
distritos de Iguaba, hoje município de Coronel João Sá, e Voturuna, hoje município de
Pedro Alexandre. Os novos municípios foram criados numa conjuntura
emancipacionista e receberam nomes das lideranças locais.
Lugarejo de difícil acesso, era composto por apenas algumas dezenas de casas.
A capela existente era freqüentemente utilizada como abrigo por bodes e carneiros,
servindo para os fins a que foi construído apenas nas esporádicas visitas de um padre.
84
Júlio Manoel Cardoso. Entrevista concedida em 20 de abril de 1996. Santa Brígida/BA.
85
Versos produzidos pelo romeiro João Oliveira. Santa Brígida/BA.
46
A população praticava agricultura de subsistência e, como distrito de Jeremoabo,
estava subordinado à liderança política do Coronel João Sá. A dificuldade de acesso
(apenas um caminho feito para passagem de animal ligava o povoado à BR no trecho
entre Jeremoabo e Paulo Afonso) comprometia ainda mais o desenvolvimento do lugar.
Santa Brígida era um povoado sem perspectiva de mudança em curto prazo.
Ao chegar a Santa Brígida, em 1945, Pedro Batista tinha cerca de cinqüenta e
sete anos. Quanto ao povoado, contava apenas com aproximadamente quarenta casas,
construídas em torno de uma pequena praça. Longe de tentar ameaçar a ordem,
provocando invasões de terra, ele organizou a estada das pessoas que chegavam à sua
procura, com a devida concordância dos moradores e autoridades locais.
O primeiro grande desafio de Pedro Batista foi, pois, manter a ordem social ante
a chegada indiscriminada de pessoas. A fé na atividade missionária de Pedro Batista
resultou num êxodo de romeiros em direção à Santa Brígida, confiantes na esperança de
uma nova vida sob a liderança espiritual de um homem bom, enviado do céu para trazer
a palavra de paz e amor do criador. Apesar de permanecerem fazendo parte de uma
mesma sociedade, tinham, ainda, a proteção do padrinho Pedro Batista.
O tratamento de padrinho, conforme definição de Maria Isaura,
“significa, justamente, este papel de superioridade e de proteção que lhe
reconhecem, mostrando ao mesmo tempo a submissão, a gratidão, o respeito
dos que o rodeiam. Significa também uma relação mais íntima de que
simplesmente a que existe entre chefe e subordinado, mais afetuosa: é um
parentesco espiritual, mais importante do que o de sangue, porque sagrado.”
86
A confiança dos romeiros em Pedro Batista era total. Ao chegar a Santa Brígida,
eles passavam a agir conforme a orientação do seu líder. O assentamento era acertado
com os proprietários locais que davam ou vendiam alguma área para construção de
casas e formação de roças. A maioria dos romeiros era de agricultores, como Geraldo
Domingos Neto, que relembra a sua chegada:
“Quando a gente chegava, ele dizia: eu não tenho terra, peça terra aos baianos
e se ajeitem aqui.”
87
86
QUEIRÓZ, 1977, 298.
87
Geraldo Domingos Neto. Entrevista concedida em 10 de março de 1995. Santa Brígida/BA.
47
A chegada abundante de agricultores permitiu o desbravamento da mata e a
criação de muitas áreas cultiváveis em Santa Brígida. Vislumbrando a possibilidade de
extrair produção agropecuária em suas terras, os proprietários locais aceitaram a
formação de uma comunidade sob o comando religioso de Pedro Batista, com hábitos
diferentes da comunidade dos baianos, colaborando através da oferta de trabalho e do
arrendamento de suas terras.
O Brasil passava por um período de instabilidade política. A sociedade
protestava contra a falta de liberdade e de democracia no país. Pressionado, Getúlio
Vargas marcara eleições presidenciais para dezembro daquele ano, pondo fim ao
chamado Estado Novo.
A desconfiança de que o movimento trouxesse algum tipo de revolta resultou
numa perseguição a Pedro Batista comandada pelo capitão Felipe Borja de Castro,
encarregado da segurança pública da região de Jeremoabo durante o período da ditadura
de Vargas. Antonio Calunga, antigo morador da cidade, lembra da chegada dos
romeiros e da reação do capitão:
“Às vezes chegava de uma vez cento e tantas pessoas, todos de Alagoas. Então o
capitão Felipe questionou que este homem não dava certo aqui em Santa
Brígida. Pedro foi intimado para Jeremoabo não sei quantas vezes.”
88
A perseguição somente parou com a interferência política do Coronel João Sá,
transferindo o capitão para outra região. Essa atitude demonstrava quem era o
verdadeiro mandão daquela região, prerrogativa dada pelo governo estadual em
compromisso com o chefe político local que, conforme escreveu Victor Nunes,
“dá carta-branca ao chefe local governista em todos os assuntos relativos ao
município, inclusive na nomeação de funcionários públicos estaduais do
lugar.”
89
Lindoaldo Alves de Oliveira, prefeito em Santa Brígida de 1967 a 1970, conta
assim o desfecho do caso:
88
Antonio Calunga. Entrevista concedida em 15 de fevereiro de 1995. Santa Brígida/BA.
89
LEAL, 1993, p. 50.
48
“A ditadura depôs Getúlio e vinha eleições livres, como aconteceu. Então “seu”
Pedro foi interpelado na época pela segurança da região, capitão Felipe Borja
de Castro, com medo dele criar aqui um motim como aconteceu em Canudos.
Mas João Sá, muito vivo, vendo que “seu” Pedro trazia muita gente e formava-
se eleitor sob o comando dele, ficou protelando para “seu” Pedro ficar. Foi
quando caiu a ditadura e terminou “seu” Felipe sendo transferido de
Jeremoabo e “seu” Pedro ficando.”
90
Lindoaldo Alves de Oliveira considerou a visão política do Coronel João Sá fator fundamental
para o sucesso do movimento.
Em compensação, João Sá exigiu que Pedro Batista cortasse os cabelos e a barba
para retirar a aparência que lembrava os líderes de outros movimentos messiânicos
tratados pelos governos constituídos como movimentos subversivos. A mudança na
aparência livrava-o de um estereótipo que a coletividade já associava a líderes
messiânicos subversivos e tranqüilizava as autoridades locais.
A pouca quantidade de mão-de-obra disponível e o baixo valor das terras no
sertão do nordeste do Brasil eram problemas enfrentados pelos fazendeiros. Venda de
90
Lindoaldo Alves de Oliveira. Entrevista concedida em 30 de maio de 1994. Santa Brígida/BA.
49
terras para formação de loteamentos e fundação de vilas ou doações para construções de
igrejas eram práticas comuns aos coronéis. Conclui Maria Isaura que
“os fazendeiros não procuravam, com este loteamento e fundação de vilas, uma
compensação monetária propriamente dita, porque em geral o preço de venda
não era alto; o que pretendiam era, por meio da criação da vila, da qual seriam
fundadores e benfeitores e cuja administração e habitantes girariam à sua volta,
obter facilidades de mão-de-obra, assim como a valorização de sua própria
fazenda, que, com o progresso da vila, em breve estaria às portas de centro
populoso e dobraria de preço.”
91
João Sá viu em Pedro Batista um excelente aliado para aumentar a sua força
política, mas também viu que, com ele, Santa Brígida ia se desenvolver e proporcionou
os meios materiais necessários para o progresso do movimento, cedendo e vendendo
terras para as atividades agropecuárias comandadas pelo beato.
Observa-se aí uma nítida relação de dependência entre os trabalhadores rurais,
compostos basicamente pelos romeiros de Pedro Batista e os proprietários locais.
Tratava-se de uma relação garantida, de um lado, pela vontade dos romeiros em ver a
permanência de seu padrinho em Santa Brígida livre de qualquer ameaça; e, de outro,
pela vontade dos proprietários locais em ver as suas terras produzindo e valorizadas.
Apesar desta convivência produtiva, o povoado apresentava nítida divisão na
população. Apesar de semelhantes fisicamente, as famílias dos seguidores de Pedro
Batista apresentavam comportamento distinto do das famílias dos demais moradores
que não eram seguidores do beato, denominados pelos romeiros de “baianos”.
A diferença estava no cumprimento de regras comportamentais pelos romeiros
de Pedro Batista que implicava na recuperação dos padrões antigos de moralidade que
não eram mais observados no lado dos baianos, como não beber, não fumar, não mentir,
não brigar, não dançar em bailes e não se prostituir.
A preocupação em obedecer a seu padrinho implicou em dotar a comunidade
dos romeiros de uma série de costumes que diferenciava seus integrantes dos demais
moradores que não faziam parte do grupo. A evidente diferença comportamental levou à
formação de um sentimento de separação entre os antigos moradores da região e os
recém-chegados. A baiana Valdete Souza da Silva, trinta e cinco anos após a morte do
beato, ainda expressava esse clima ao comentar sobre o movimento:
91
QUEIRÓZ, 1969.
50
“Nunca tive nada contra os romeiros. Falar a verdade, eles para lá e eu para
cá. Eles nunca gostaram dos baianos, só deles com eles.”
92
A construção da igreja também serviu para dividir a cidade em duas partes: a dos
romeiros e a dos baianos, criando um clima de separação entre os moradores baianos e
os romeiros. A igreja dos romeiros era maior que a dos baianos, reflexo de uma
comunidade que estava mais interessada nas coisas de religião.
A constatação feita por Maria Isaura, em estudo realizado no local em 1956,
revelou um fato que caracterizava bem o clima de separação existente:
“nestes dez anos de permanência dos alagoanos
93
em Santa Brígida, houve só
um intercasamento.”
94
Pedro Batista garantia a segurança e a ordem apenas no território até a igreja,
como lembra Raimunda Alves dos Santos:
“O que acontecesse da igreja dele pra cá ele resolvia; agora, pra lá o que
acontecesse não era com ele não.”
95
Os limites da proteção de Pedro Batista ficavam evidentes para os romeiros
quando eram vítimas de algum tipo de violência. Durante uma festa de São Pedro, no
lado dos baianos, por exemplo, um romeiro foi assassinado, conforme relatou Maria
José Marques da Silva, romeira do beato:
“Teve um rapaz de Água Branca que era tocador, aí ele teimou e foi dançar.
Quando ele chegou lá mataram ele dentro da sala de tango. Meu padrinho tinha
avisado: quem for romeiro meu não atravesse para lá que eu não me
responsabilizo, aí ele foi para a festa. Chegaram e mataram ele dentro da sala
de tango.”
96
O crescimento da área urbana separou a comunidade dos romeiros da dos
baianos. Além da distância física, a imposição de regras e costumes rígidos por parte de
Pedro Batista aos seus seguidores afastava a possibilidade de vínculos de amizade com
92
Valdete Souza da Silva. Entrevista concedida em 22 de julho de 2002. Santa Brígida/BA.
93
Maria Isaura denominava os romeiros de alagoanos porque a maioria deles eram provenientes do
Estado de Alagoas.
94
QUEIRÓZ, 1998, pág 22.
95
Raimunda Alves dos Santos. Entrevista concedida em 24 de julho de 2002. Santa Brígida/BA.
96
Maria José Marques Silva. Entrevista concedida em 24 de julho de 2002. Santa Brígida/BA.
51
aqueles que não concordavam com as idéias do beato. Este conjunto de fatores inibia a
presença dos baianos no lado que crescia em função da chegada dos novos habitantes.
Quando um romeiro resolvia participar de atividades no lado dos baianos, abria
oportunidade para manifestações de rejeição.
Pedro Batista trouxe pessoas para ocuparem diferentes posições dentro da
própria comunidade. Pequenos proprietários de terras, professores, enfermeiros e
comerciantes fizeram parte do grupo dos romeiros de Pedro Batista juntamente com os
agricultores.
A comunidade de Pedro Batista era composta de pessoas de variados níveis
sociais, mas todos possuíam a mesma condição de romeiro. Em Santa Brígida
formavam um grupo unido em torno da esperança de uma vida melhor junto a Pedro
Batista, o que os motivava a ter a responsabilidade de observar os conselhos de seu
líder.
Pedro Batista pensou na organização administrativa das atividades que viria a
comandar em seus mínimos detalhes. Convidou algumas pessoas com quem fizera
amizade durante as peregrinações para assumirem posições de destaque na nova
sociedade que se formava. Os convites às pessoas levavam em consideração as
habilidades que possuíam. Para uma atividade comercial, alguém que era comerciante.
Antonio Ribeiro dos Anjos lembra que seu pai fora convidado pelo beato para ser
comerciante:
“Ele chamou ele para ajudar a desenvolver a cidade, botar um comércio que
aqui não tinha e meu pai chegou aqui, botou uma casa de negócio com meu
irmão.”
97
A migração de comerciantes não ficou restrita a convites de Pedro Batista. O
aumento do número de consumidores naturalmente atraiu outras pessoas. João Batista
de França, comerciante em Ibimirim, Estado de Pernambuco, mudou-se para Santa
Brígida diante das boas perspectivas oferecidas no lugar:
“Mudei não foi tanto por Pedro Batista, foi mais por precisão do meu comércio
em Ibimirim, Pernambuco. Procurei um lugar melhor para trabalhar e de fato
aqui eu encontrei melhora.”
98
97
Antonio Ribeiro Anjos. Entrevista concedida em 20 de julho de 2002. Santa Brígida/BA.
98
João Batista de França. Entrevista concedida em 10 de março de 1996. Santa Brígida/BA.
52
Pedro Batista não limitou suas ações a Santa Brígida. Realizou viagens
importantes, próprias de alguém que estava integrado à sociedade global. Procurou
agências bancárias para tomar empréstimos que permitissem investimentos nas
atividades agropecuárias
99
e até fez visitas a velhos amigos, como a que fez ao Coronel
João Sá em Aracaju quando este estava doente. Estes deslocamentos davam visibilidade
a Pedro Batista ao tempo em que evidencia as suas relações fora do eixo de Santa
Brígida.
No campo espiritual, Pedro Batista contava com o apoio de Maria das Dores, a
madrinha Dodô, e de Zé Vigário. Ambos ajudavam dando conselhos ou rezando e
tinham autoridade reconhecida pelos demais romeiros.
Madrinha Dodô, ainda criança, saíra de Água Branca, Estado de Alagoas, para
morar em Juazeiro do Norte, tornando-se romeira de Padre Cícero. Após a morte dele,
madrinha Dodô encontrou em Pedro Batista um substituto à altura e resolveu morar em
Santa Brígida junto ao seu mais novo padrinho. Sua nova morada, entretanto, não
impediu que continuasse a fazer romarias a Juazeiro do Norte periodicamente.
O reconhecimento da autoridade espiritual de Pedro Batista não impediu que
Madrinha Dodô continuasse mantendo uma relação espiritual com Padre Cícero. Ir para
Juazeiro do Norte representava a continuação de uma manifestação de fé em Deus e
gratidão àquele que ajudou milhares de nordestinos com suas prédicas e orações.
99
Ver Capítulo III.
53
2.3 A PEREGRINAÇÃO DOS ROMEIROS
“De Pernambuco a Alagoas,
em todos lugares andou.
Em partes também de Sergipe,
em muitos cantos curou.
Gente de muitas cidades,
vendo seus grandes milagres,
em multidão lhe acompanhou.”
100
A fama conquistada por Pedro Batista em várias cidades do nordeste do Brasil
foi suficiente para provocar intensas romarias à Santa Brígida. O primeiro grande
desafio de Pedro Batista foi manter a ordem social ante a chegada indiscriminada de
pessoas; uns vinham para morar, outros para visitar, mas todos esperavam receber curas
e ouvir as profecias.
Os romeiros de Pedro Batista também faziam romarias até Juazeiro do Norte.
Eram penitências comuns no sertão do nordeste brasileiro. A atividade religiosa e
política desempenhada por Padre Cícero repercutiram na vida de milhares de pessoas.
Milagres foram-lhe atribuídos, confirmando o caráter divino de sua missão. Visitar
Juazeiro do Norte implicava em buscar alguma bênção ou pagar alguma promessa.
Tornara-se mais uma tradição popular de manifestação de fé.
Pedro Batista nunca participava destas romarias, cuja maioria dos participantes
eram mulheres e durava até doze dias de viagem, como lembra Raimunda Alves dos
Santos:
“Nós passávamos dez, doze dias viajando a pé. Quando chegava, o povo da
gente tomava café, aí dava um... ficava parado né? Depois continuava, chegava
a hora do almoço até a hora da dormida. E quando voltava era a mesma coisa;
agora às vezes tinha um carro que levava comida, leva assim, as cestas, as
coisas que a gente levava.”
101
A importância de Pedro Batista crescia. Pessoas que nunca o haviam visto antes
acorriam ao povoado para testemunhar a sua existência, ainda que a distância implicasse
em uma viagem desconfortável.
100
Versos produzidos pelo romeiro João Oliveira. Santa Brígida/BA.
101
Raimunda Alves dos Santos. Entrevista concedida em 24 de julho de 2002. Santa Brígida/BA.
54
Por volta de 1945, não era fácil chegar a Santa Brígida. Não haviam estradas,
mas caminhos para animais. O jumento era o principal meio de transporte, contudo a
maioria dos viajantes vinha mesmo a pé. Luiza Maria de Jesus lembra as dificuldades
enfrentadas no caminho de Água Branca, Estado de Alagoas, para Santa Brígida, cerca
de setenta quilômetros:
“A gente vinha a pé. Fui muitas vezes para lá. A gente saía de lá madrugazinha
e chegava aqui de noite, com candeeiro na cabeça. Nesse tempo podia mulher
andar sozinha pelo mundo todo, não se ouvia nada.”
102
Quem tinha propriedade vendia tudo e fazia nova vida em Santa Brígida. Quem
não tinha propriedade vinha com seus pertences e arrendava algum terreno para
trabalhar. Quem estava doente vinha buscar a cura. Quem não estava doente vinha
buscar a companhia de um homem de Deus. Muitas pessoas doentes vinham visitar
Pedro Batista e ficavam impressionadas com o resultado de suas orações.
De volta para suas cidades, muitas destas pessoas ficavam incomodadas com a
distância que os separavam e decidiam retornar definitivamente para Santa Brígida.
Tratava-se de um lugar diferente, onde as pessoas se predispunham a viver de maneira
solidária e seguindo regras de conduta moral pouco observadas em outras localidades.
As pessoas saíam dos lugares mais distantes, mesmo sem tê-lo visto algum dia.
A notícia de sua morada em Santa Brígida se espalhou rapidamente e muitas pessoas
foram ao seu encontro. A romeira Eredita Oliveira dos Santos era uma das que foram
atraídas pela boa fama do beato. Veio da cidade de Delmiro Gouveia, no Estado de
Alagoas, junto com o marido que estava doente e acabou morando em Santa Brígida:
“Eu morava na caatinga, era perto de Delmiro. Eu só sei que boas notícias dele nós
tinha, que ele chamava todo mundo para o bem, rezava, ensinava remédio, dando
conselho para todo mundo, aí eu posso dizer.”
103
A constante chegada de pessoas de diversas cidades do nordeste despertava a
curiosidade dos que ainda não o conheciam. A periodicidade de viagens de alguns
romeiros estimulou a formação de grandes romarias a Santa Brígida. As romarias
102
Luiza Maria de Jesus. Entrevista concedida em 20 de julho de 2002. Santa Brígida/BA.
103
Eredita Oliveira dos Santos. Entrevista concedida em 20 de julho de 2002. Santa Brígida/BA.
55
poderiam ocorrer a qualquer dia, mas a 29 de junho, dia de São Pedro, ocorria a maior
concentração de gente e se realizava uma grande festa entre os romeiros.
Em dias de festa chegavam muitos carros com romeiros de cidades vizinhas.
Romarias eram peregrinações realizadas por pessoas crentes, motivadas pela
esperança em receber alguma benção daquele em quem acreditavam ter poderes para
tal. Apesar de muitos decidirem transferir-se definitivamente para o local, tido como
santificado, continuavam sendo identificados como romeiros.
Ao concentrar em Santa Brígida indivíduos das mais diferentes matrizes
culturais e religiosas, procedentes de vários pontos do Brasil, desenvolveram-se
processos de criação e recriação de comportamento e atitudes, tanto religiosas como
morais.
A escolha do santo para devoção está vinculado à sua hagiografia como também
à sua representação no mundo terreno. Aqueles escolhidos estão relacionados à
operação de milagres e à sua força em possibilitar o acesso às graças divinas
104
. No caso
da festa de São Pedro, registra-se um significado adicional: representava uma festa
comemorativa do próprio Pedro Batista. A presença de um beato de nome Pedro
104
Ver: BLOCH, 1993.
56
reverenciado pela comunidade transformava-o no patrono do local. José Bezerra Lima,
lembrando das festas no tempo de seu padrinho, disse:
“Houve tempo que não tinha menos de sessenta carros de romeiros do Ceará,
Sergipe, Pernambuco, Alagoas, Bahia e Paraíba. Era festa de reza. Tinha
foguete, zabumba, e dança de São Gonçalo.”
105
Muitos baianos, porém, sentiram-se invadidos e manifestavam repúdio à
chegada dos novos moradores. A animosidade partia daqueles que não tiravam proveito
da presença dos romeiros e tinham que dividir os parcos recursos naturais existentes. A
preocupação dos romeiros em observar os conselhos do seu padrinho, que abominava,
dentre outras coisas, o jogo, a bebida alcoólica e o fumo, confrontava com os costumes
dos baianos.
Em menos de um ano da chegada de Pedro Batista, os baianos já eram minoria
no local e o comum passou a ser os costumes apregoados pelo beato no cotidiano da
cidade. A inferioridade numérica dos baianos estimulou ainda mais a rejeição por parte
de muitos dos antigos moradores. Sentimento refletido em diversos desentendimentos e
manifestações que agravavam o clima de rejeição.
A única fonte de água passara a ser repartida com os romeiros, gerando
discussões e ofensas, como lembrou a romeira Maria Anunciada Santos:
“Quando nós íamos buscar água lá na fonte eles diziam: - Esses filhos da peste
vem lá da casa da peste pegar água na nossa fonte. Vão para a casa da peste,
seus filhos da peste!”
106
Durante todo o período em que Pedro Batista esteve em Santa Brígida, de 1945 a
1967, sempre chegavam romeiros de mudança para a cidade. A mudança não
representou nenhuma mudança climática para as pessoas. A seca era a mesma que
castigava a maioria das cidades do sertão do nordeste do Brasil. Talvez, por isso, muitos
desistiram de morar em Santa Brígida e voltaram para suas antigas cidades.
A expectativa de que a vida fosse de fartura graças à presença de Pedro Batista
logo se desfez com os freqüentes períodos de estiagem. Pedro Batista, por sua vez,
105
José Bezerra Lima. Entrevista concedida em 13 de dezembro de 1995. Santa Brígida/BA.
106
Maria Anunciada Santos. Entrevista concedida em 24 de julho de 2002. Santa Brígida/BA.
57
sempre alertou aos que chegavam, com a intenção de morar, para as dificuldades que
iriam enfrentar.
José Ricardo dos Santos, que viera de Água Branca, Estado de Alagoas, trazendo
sua esposa para ser curada de acessos de loucura e decidido a morar em Santa Brígida,
lembrou assim das palavras de Pedro Batista:
“Aqui é um lugar de sofrimento, a gente sofre. Se você trouxer um saco de
dinheiro, traga um saco de paciência.”
107
Os poderes que atribuíam ou esperavam encontrar em Pedro Batista eram bem
superiores aos que ele mesmo acreditava ter. Somente permaneceram juntos ao beato
aqueles que entenderam que o cumprimento da sua missão dependeria do esforço de
cada um. Uma conjunção de esforços físicos e espirituais na luta pela sobrevivência e
pela salvação.
2.4 O SUBSTITUTO DE PADRE CÍCERO
“Meu padrinho para os romeiros
sempre foi um bom pastor.
Como nosso Padrinho Cícero,
ele sempre imitou.
Até na sua doença
tinha tanta paciência
no meio do pecador.”
108
Tal como Padre Cícero, Pedro Batista foi criticado pela hierarquia da Igreja
Católica, mas adorado pelo romeiros. Muitos dos romeiros de Pedro Batista também
eram romeiros de Padre Cícero e estavam necessitados de alguém que ministrasse
palavras que dessem sentido à vida e bênçãos que trouxessem paz e saúde.
A ausência de Padre Cícero motivou as romarias a Pedro Batista. Rosália França
conta como fora a vinda de sua mãe a Santa Brígida:
107
José Ricardo dos Santos. Entrevista concedida em 23 de julho de 2002. Santa Brígida/BA.
108
Versos produzidos pelo romeiro João Oliveira. Santa Brígida/BA.
58
“Minha mãe era romeira de Padre Cícero. Com sua morte ela foi caminhando e
procurando um adepto que merecesse a sua fé e, em 1963, nós viemos atrás de
Pedro Batista.”
109
Dona Bilú, romeira que escrevia cartas a pedido de Pedro Batista, também via
correlação entre eles:
“Em Alagoas eu trabalhava na roça e já era viúva. Deixei meus terrenos com
parentes e vim atrás dele porque era uma pessoa boa e temente a Deus. Igual a
ele só meu padrinho Padre Cícero.”
110
Já o romeiro João Alves Barbosa considerava os dois movimentos idênticos:
“Esse grupo de romaria daqui era o mesmo grupo de romaria de Juazeiro do
meu padrinho Cícero. A mesma romaria, rezando no povo, curando o povo,
fazendo benefício e fazendo caridade. Não queria romeiro desonrador, nem
romeiro desacreditador, nem romeiro matar ninguém.”
111
Havia, inclusive, entre os romeiros aqueles que acreditavam que Padre Cícero
teria incorporado em Pedro Batista. Apolinário Neto, comentando a semelhança entre
eles, lembra:
“Pedro Batista tinha um modo muito aproximado a Deus e queria que o povo
andasse igual. Ele ocupava o lugar de Padre Cícero e muitos pensavam que era
o próprio.”
112
O romeiro Manoel Pedro, ironizando acerca da semelhança entre os dois
pregadores, disse:
“A diferença que eu achava era só o nome e o tamanho porque o meu padrinho
Cícero era mais baixo, mas a palavra que meu padrinho Cícero dava e os
conselhos eu achei quase a mesma história, no meu pensar né, é quase a mesma
história.”
113
O mestre Zezé conta que Padre Cícero recebera a ordem de Jesus Cristo para
deixar Juazeiro do Norte e habitar numa terra para viver da lavoura plantando milho,
109
Rosália Rodrigues França. Entrevista concedida em 10 de Janeiro de 1996. Santa Brígida/BA.
110
D. Bilú. Entrevista concedida em 15 de Janeiro de 1996. Santa Brígida/BA.
111
João Alves Barbosa. Entrevista concedida em 20 de julho de 2002. Santa Brígida/BA.
112
Apolinário Neto. Entrevista concedida em 20 de janeiro de 1996. Santa Brígida/BA.
113
Manoel Pedro. Entrevista concedida em 24 de julho de 2002. Santa Brígida/BA.
59
feijão, mandioca e algodão. Esta terra era Santa Brígida. Segundo José Bezerra, Pedro
Batista recebeu o espírito do Padre Cícero em seu corpo:
“Ele o recebeu no corpo dele. Quem falava na boca dele era meu padrinho
Cícero de Juazeiro e não era outro não. Quem falava na boca de meu padrinho
Pedro Batista era meu padrinho Cícero, o espírito do meu padrinho Cícero. Era
o mesmo deus, era o mesmo Manoel Messias”
114
As semelhanças entre Padre Cícero e Pedro Batista eram muitas. Ambos
afirmavam terem tido uma revelação de Deus que impulsionara as suas vidas para o
trabalho de pastorear um rebanho de fiéis. Ambos construíram uma cidade e após se
tornarem influentes, foram cortejados pelos políticos. Tiveram propriedades rurais e
utilizaram os romeiros em suas propriedades e nas de alguns coronéis. Os donativos e a
renda das propriedades eram revertidos integralmente em benefício da comunidade.
114
José Bezerra Delgado. Entrevista concedida em 22 de julho de 2002. Santa Brígida/BA.
60
Pedro Batista preencheu um vazio deixado por Padre Cícero que também é adorado em Santa
Brígida.
No assentamento dos romeiros, ambos os orientavam a arrendarem terras junto
aos coronéis do lugar, garantindo lucro para estes e trabalho para aqueles. O rosário
usado pelos romeiros de Padre Cícero era comum a todos os romeiros de Pedro Batista.
Enfim, Santa Brígida e Juazeiro foram cidades de culto e residência de um homem
considerado como santo pelo seu povo.
61
2.5 AS CURAS
“Ensinou as penitências,
ensinou a trabalhar.
- Rezem de noite e de dia
por todo lugar que andar.
Nossos dias estão findados
e o nosso Deus amado
não tarda vem nos julgar.”
115
Desde os tempos das peregrinações, Pedro Batista demonstrava ter poderes
extraordinários. Suas orações curavam e suas palavras abençoavam. Habilidades
confirmadas pelo referendo de centenas de famílias que reconheciam a capacidade do
beato.
O romeiro Geraldo Domingos Neto, lembrando do tempo em que Pedro Batista
peregrinava em Pernambuco, disse:
“Eu vi Pedro Batista passando e curando gente. Ele curava água com reza e
dava para os doentes. Eu vi verdade nele. Esse homem fazia benefício, rezava
na pessoa e ficava bom. O cabra chegava meio desmantelado e ele dava um
conselho, se o cabra seguisse se dava bem.”
116
As curas realizadas por Pedro Batista chamavam a atenção dos moradores nos
locais por onde ele peregrinara. Como disse Alberto Quintana em relação à qualidade de
bondade inerente àqueles que praticam atividades de benzedeiros,
“a bondade funciona como um pólo do sagrado que, por si só, mantém afastado
o seu pólo oposto: a maldade. Assim, essa aura de bondade se transforma num
dos seus elementos terapêuticos, pois é também sua bondade que afasta as
forças do mal.”
117
Uma terapêutica básica utilizada por Pedro Batista consistia em encher garrafas
de água e orar sobre elas para servir de remédio para todo tipo de mal. A água “curada”,
como era conhecida, poderia ser ingerida ou colocada sobre qualquer parte do corpo
115
Versos produzidos pelo romeiro João Oliveira. Santa Brígida/BA.
116
Geraldo Domingos Neto. Entrevista concedida em 10 de março de 1995. Santa Brígida/BA.
117
QUINTANA, 1999, p 176-177.
62
com aparente enfermidade. Era um produto desejado pelos romeiros e que nunca faltava
em suas casas.
Antonio Manuel de Araújo foi uma das pessoas beneficiadas pelas rezas e pela
água “curada” de Pedro Batista:
“Às vezes quando eu saía pros matos, minha mãe pedia que eu voltasse logo.
Mas às vezes eu caía pelos matos, só vinha para casa quando melhorava.
Ficava prostrado lá no mato me acabando. Só depois que eu cheguei em Santa
Brígida, graças a Deus, foi onde eu arranjei minha saúde. Deu-me muito
remédio e passou umas curas para mim. Curava, benzia a água e eu tomava
muito da água benta por ele e fiquei bom graças a Deus.”
118
Pedro Batista não cobrava pelas orações ou prescrições que fazia, apesar de
aceitar os presentes que lhe eram oferecidos. A sua crescente fama aumentava o número
de pessoas que procuravam-no esperançosas da cura de suas enfermidades. Raimunda
Alves dos Santos foi uma das pessoas que precisavam de cura, nunca tinha visto Pedro
Batista, mas, curiosa com a história da presença de um beato em Santa Brígida, veio
visitá-lo. Informou ela:
“Eu vim a passeio, cheguei aqui me agradei da religião por causa da
companhia da madrinha Dodô. Eu tinha uns 20 anos. Tinha assim, um problema
assim... Que nem eu fiquei meio desorientada da cabeça, num sabe?”
119
Devido aos problemas “da cabeça”, como dizia Raimunda, Pedro Batista a
recebeu em sua casa e cuidou dela junto com a madrinha Dodô. Apesar de ter vindo
sozinha, seus pais vieram visitá-la algumas vezes, na esperança de encontrá-la curada,
mas Pedro Batista não consentia que a levassem. Um diálogo de seus pais com Pedro
Batista foi assim lembrado por Raimunda:
“-Meu padrinho a menina já tá.boa? Eu quero levar ela, ela já tá boa?’ Ele
disse: ‘Não, leve pela sua conta, pela minha não que ela não tá boa’.”
120
Raimunda continua vivendo na casa de Pedro Batista. Essa passou a ser a sua
única residência. Local onde ela conseguiu encontrar um equilíbrio contra os problemas
118
Antonio Manuel de Araújo. Entrevista concedida em 23 de julho de 2002. Santa Brígida/BA.
119
Raimunda Alves dos Santos. Entrevista concedida em 24 de julho de 2002. Santa Brígida/BA.
120
Raimunda Alves dos Santos. Entrevista concedida em 24 de julho de 2002. Santa Brígida/BA.
63
que a afetava. Mesmo sem a presença física do beato, Raimunda acredita estar sendo
abençoada pelo padrinho.
Com a falta de assistência médica no interior do nordeste brasileiro, os
benzedores e beatos eram opções para a população. Pedro Batista também utilizava
métodos não espirituais para resolver problemas “da cabeça”. Havia um “tronco de
botar doido” ao qual ele amarrava pessoas que chegavam apresentando sinais de
excessivo descontrole e violência. Raimunda Alves dos Santos relembra dos episódios:
“Chegava, às vezes, doido assim, de pular muro. Tirava as vestes, aí tinha um
tronco, que só era mandar botar o pé; colocava o cadeado, quando pensava que
não, eles ficavam bons e iam embora.”
121
A sabedoria e o poder oculto de Pedro Batista transmitiam segurança aos que
acorriam a ele. Esse poder oculto foi testemunhado por figuras importantes da sociedade
local. Zenor Pereira Teixeira, prefeito em Santa Brígida por três mandatos e funcionário
do INCRA no núcleo colonial do Km 40, relatou assim um acontecimento que
presenciou:
“Nós vínhamos no carro, no jipão, e eu presenciei uma mulher completamente
louca se aproximar do carro onde estava seu Pedro e ele colocou a mão na
cabeça da mulher e em poucos minutos ela voltou à normalidade.”
122
João Gonçalves Carvalho Sá, filho do Coronel João Sá e liderança política da
região de Jeremoabo após a morte do pai, comentou sobre a personalidade marcante de
Pedro Batista:
“Era um homem fora de certas coisas, levava uma vida retraída, falava pouco,
quase não ria e parecia ser dominado por uma força oculta. E conseguia
dominar aquela gente toda que vivia em torno dele.”
123
Geraldo Portela, filho de José Alves Portela, administrador do núcleo colonial,
também trabalhou vários anos na região como funcionário do INCRA e relembra de
Pedro Batista:
121
Raimunda Alves dos Santos. Entrevista concedida em 24 de julho de 2002. Santa Brígida/BA.
122
Zenor Pereira Teixeira. Entrevista concedida em 13 de setembro de 1995. Santa Brígida/BA.
123
João Gonçalves Carvalho Sá. Entrevista concedida em 14 de outubro de 1995. Salvador/BA.
64
“A imagem de Pedro Batista era assustadora. Pela figura dele: barba grande e
chapéu. Era uma figura muito distante, parecia sobrenatural e na conversa era
muito tranqüilo.”
124
Rosália Rodrigues França, prefeita em Santa Brígida de 1989 a 1992, relembra
assim de um episódio com Pedro Batista:
“Tinha um pessoal aqui de Inajá e sentaram e ficaram conversando com ele.
Pedro Batista ficava olhando para as pessoas e especialmente para uma. Ele
olhava para a pessoa, mas desviava o olhar quando a pessoa se voltava para
ele. O povo se despedindo e ele calado. De repente ele se dirigiu para esta
pessoa que ele tanto olhava e disse: se afaste da sombra desta criatura satanás.
Quando ele disse assim, a mulher tomou um pulo e transformou tudo,
assustando as pessoas. Pedro Batista pôs a mão sobre a cabeça da mulher e
disse um bocado de coisa.”
125
Pedro Batista demonstrava ter autoridade espiritual e impressionava aos
romeiros com as suas palavras e atitudes. A romeira Neuza Maria testemunhou a ação
de Pedro Batista ante a chegada de um homem que aparentava estar doido:
“Eu assisti aí ele fazer curas. Eu vi chegar gente amarrada. E ele dizer: tira!
Solte as cordas que eu não tenho medo de satanás.”
126
As histórias de pessoas que chegavam amarradas e eram soltas na frente de
Pedro Batista para serem libertas de “forças ocultas” foram contadas por diversos
romeiros. Faz parte da memória coletiva acerca do movimento por ter sido internalizada
pelos romeiros como a confirmação do caráter divino da missão de seu padrinho.
Pedro Batista não fazia o trabalho de cura sozinho. Ele também vislumbrava o
poder de cura em outras pessoas e as nomeava para fazer o trabalho na comunidade:
ficavam então elas conhecidas como rezadores de Pedro Batista. Por estarem
autorizados pelo beato, tinham o seu papel de rezadores reconhecido também pela
comunidade dos romeiros. Com isso, ele descentralizava as atividades inerentes a sua
função e tinha mais tempo para cumprir os papéis de administrador e político.
124
Geraldo Portela. Entrevista concedida em 11 de fevereiro de 1996. Salvador/BA.
125
Rosália França Rodrigues. Entrevista concedida em 10 de janeiro de 1996. Santa Brígida/BA.
126
Neuza Maria. Entrevista concedida em 22 de julho de 2002. Santa Brígida/BA.
65
A falta de sentido da morte e da doença encontrava explicação na intervenção
terapêutica ministrada por Pedro Batista e seus ajudantes credenciados. A cura e a
salvação constituíram-se nos principais fatores que justificavam a migração dos
romeiros para Santa Brígida.
O apelo do messias a estes fatores de agregação variou em função das
circunstâncias que envolveram cada situação. Pedro Batista manteve neste aspecto a
mesma moderação que o caracterizou no desempenho das atividades políticas e
administrativas. Não promoveu expectativas em seu grupo de qualquer iminente fim de
mundo e associou a salvação dos adeptos ao cumprimento da vontade de Deus, cuja
instrução coube-lhe repassar.
A aceitação do movimento pela comunidade e autoridades civis locais garantiu
um clima favorável a sua continuação, sendo desnecessário um apelo mais contundente
para preparação ao iminente final de mundo como forma de agregação e fidelidade de
seus adeptos.
2.6. SOLIDARIEDADE DA COMUNIDADE
“Recomendava ao romeiro:
seja bem respeitador.
Seja honrado e bom,
honesto e trabalhador.
Façam boas romarias
que eu quero entregar um dia
nas mãos de Nosso Senhor.”
127
Como a comunidade dos romeiros de Pedro Batista era formada por famílias
vindas de diversas cidades do nordeste, sem maiores ligações de parentesco, os laços de
compadrio formados constituíram-se em importante fator de unidade do grupo. Lia
Fukui
128
classificou os principais tipos de compadrios existentes em Santa Brígida em
sacramentados, que obedeciam aos cânones da Igreja Católica, e folclóricos, celebrados
durante a realização de festas religiosas.
127
Versos produzidos pelo romeiro João Oliveira. Santa Brígida/BA.
128
FUKUI, 1978.
66
Os compadrios sacramentados referiam-se aos conhecidos compadrios de
batismo, de crisma ou de confirmação. O compadrio de batismo estabelecia uma relação
de parentesco espiritual entre o casal escolhido pelos pais da criança para serem
padrinhos e toda a sua família. O compadrio de crisma ou confirmação é definido pelo
próprio jovem que escolhe a pessoa que considerará como padrinho. Ambas as
cerimônias eram celebradas por padres.
Já os compadrios folclóricos eram denominados de compadrio de fogueira e
compadrio de Sexta-Feira da Paixão. Em todos os tipos de compadrio, a relação
formada implicava uma ligação respeitosa, onde todos estavam conscientes da
obrigação de prestar auxílio mútuo.
Os compadrios de Sexta-Feira da Paixão eram formados na data comemorativa
por meio da troca de um ramo de flor ou de um presente. Até hoje, em toda Sexta-Feira
da Paixão, os laços de compadrio são confirmados em Santa Brígida, quando as pessoas
vão na casa uns dos outros em busca de um prato de comida conhecido como “jejum”.
Os compadrios de fogueira são selados durante a realização dos festejos juninos.
Estes festejos cumpriam importante papel no fortalecimento dos laços de solidariedade
do grupo. Era época propícia para confirmação de novos vínculos de amizade e respeito
que foram se consolidando ao longo do ano.
Nos compadrios de fogueira, os interessados davam as mãos e juntos pulavam
uma fogueira cantando os seguintes versos, quando era, então, estabelecida a relação de
consideração e respeito:
“São João dormiu
São Pedro acordou
Vamos ser compadres
Que São João mandou”
ou, ainda,
“Juro por São João e por São Pedro
Por todos os santos da corte do céu
Sirva Deus por testemunha como você é meu afilhado
e a senhora minha madrinha.”
129
129
FUKUI, 1978, p 351 e 352.
67
Os participantes dos compadrios de fogueira são considerados como integrantes
de uma mesma família, sendo proibida uma ligação posterior de casamento.
Várias associações de assistência mútua foram criadas, separando os romeiros
para a realização de trabalhos em auxílio à comunidade. As principais associações
criadas eram denominadas de Irmandade de São Vicente, Beatinas e Irmandade da Boa
Morte.
A Irmandade de São Vicente era formada pelos romeiros mais abastados e tinha
como objetivo arrecadar dinheiro para financiar as atividades de ajuda humana
comandada por D. Dodô.
As Beatinas era um grupo de viúvas e solteiras comandadas por D. Dodô que
possuíam independência econômica. Davam assistência humanitária aos doentes, loucos
e velhos alojados em casas mantidas pela Irmandade de São Vicente, oriundos, muitas
vezes de localidades vizinhas. Trabalho de grande importância social visto que os
hospitais mais próximos localizavam-se em Paulo Afonso e Jeremoabo, cerca de
cinqüenta quilômetros de Santa Brígida.
A Irmandade da Boa Morte também era comandada por D. Dodô e cuidava dos
defuntos e das rezas que os acompanhavam desde o velório até o enterro. As atividades
que caracterizavam os rituais praticados pela irmandade eram disponibilizadas, também,
para os baianos, demonstrando a preocupação do grupo em prestar assistência cristã a
toda a comunidade de Santa Brígida.
O empenho de D. Dodô em atender os mais necessitados extrapolava os limites
de Santa Brígida, quando as condições financeiras permitiam. Muito ligada às romarias
para Juazeiro do Norte, D. Dodô se preocupava também em ajudar grupos de
necessitados daquela localidade, que ela conhecia bem de perto.
O jornal “Tribuna de Juazeiro”, ante a chegada de um grande carregamento de
alimentos doados pelos romeiros de Santa Brígida, registrou assim o fato:
“Fato excepcional e digno de nossos elogios aconteceu a semana passada aqui.
Um caminhão cheio de alimentos (sacos de arroz, feijão, açúcar, sal, leite, e
mais de 100 quilos de carne de gado) chegou ao Abrigo dos Velhos mantidos
pelo SAM. O carro veio da Bahia, mais precisamente de Santa Brígida; foi
mandado pela generosa Senhora Maria das Dores dos Santos, romeira de
Padre Cícero. É que a referida senhora, quando aqui esteve por ocasião da
festa da Padroeira, visitando o abrigo do SAM, condoeu-se dos seus hóspedes e
prometeu mandar o mais breve possível um carregamento de alimentos num
68
caminhão. Isto ela disse ao jornalista Walter Barbosa, presidente da Sociedade
de Amparo aos Mendigos (SAM). Dona das Dores é senhora idosa, sexagenária,
humilde, católica e de coração generosíssimo. Sendo bastante conhecida e
admirada no sertão de Santa Brígida, não teve dificuldades em conseguir junto
aos romeiros do “Padim Ciço”, ali residentes, toda espécie de mantimento
indispensáveis ao sustento diário daqueles pobres velhos que moram no abrigo
de Juazeiro.”
130
A integração da comunidade dos romeiros e a prosperidade econômica do
movimento propiciaram a formação de grupos folclóricos que expressavam traços da
cultura religiosa dos nordestinos. Vários movimentos foram criados, mas a dança de São
Gonçalo era a expressão mais marcante e admirada pelos romeiros. Baseada em versão
contada por D. Dodô, Maria Isaura escreveu que
“São Gonçalo fora encarregado de salvar as mulheres perdidas. Para tal, fazia-
as dançar de dia, tanto e tanto que quando a noite chegava estavam cansadas
demais para exercer seu mister.”
131
São Gonçalo nasceu em 1187 na Freguesia do Divino Salvador de Tagilde, na
margem direita do rio Vizeta na Península Ibérica. Sendo músico e cantor, utilizou a
música e a dança como forma de atrair a atenção das pessoas para executar a sua missão
de evangelizador. No folclore português, São Gonçalo é apresentado como santo
“casamenteiro das velhas”, isto é, mulheres acima de 30 anos. Morreu em 10 de janeiro
de 1259 e foi beatificado em 16 de setembro de 1561.
132
Registrado pela primeira vez no Brasil no século XVIII, teve sua apresentação
proibida no interior da igreja, mas liberada para fora. A dança consta de jornadas, série
de versos cantados sem interrupção. Os versos são quadras decoradas e alguns
improvisos, mas sempre relacionados com o culto.
Santo muito reverenciado no nordeste do Brasil
133
, São Gonçalo manteve seu
espaço na comunidade de Pedro Batista. A dança de São Gonçalo obteve em Santa
Brígida forma de execução diferente das executadas em outras regiões do país, mas
130
Tribuna de Juazeiro. Juazeiro/CE, 23 de outubro de 1966.
131
QUEIRÓZ, 1998, pág 29
132
MOREIRA, 1987.
133
FERNANDES, 1982.
69
considerada pelos romeiros como a verdadeira e regenerada maneira de dançar
134
. Foi
trazida para a comunidade por um baiano chamado Elísio Barbosa, após receber a
permissão de Pedro Batista para ensinar a dança aos romeiros. De acordo com Maria
Isaura, na comunidade dos romeiros,
“a dança é executada por doze mulheres, as dançadeiras, divididas em duas
colunas de seis, e por quatro homens, os tocadores, com seus instrumentos, que
são: uma rabeca de quatro cordas, uma viola de cinco cordas, um pandeiro e
um adufo. A dança se compõe de sete figuras chamadas “voltas” ou “partes”,
intercaladas de uma figura que sempre se repete como um estribilho,
denominada “coluna”. A reunião de sete voltas e das colunas de que estão
entremeadas formam uma “roda”; nove ou doze rodas formam uma “jornada”;
dez jornadas formam um folguedo.”
135
José Manoel da Silva, conhecido como “Zé do O” e herdeiro do grupo de dança
criado por mestre Elísio, continua atendendo muitos pedidos para realizar a dança:
“Os pedidos do trabalho aqui são espirituais. Faz o pessoal que faz aquelas
promessas e aí diz: eu quero São Gonçalo em minha casa hoje! E a gente reúne
e vai fazer a dança de São Gonçalo.”
136
A dança de São Gonçalo constituiu-se em importante manifestação cultural e
símbolo da unidade e harmonia da comunidade dos romeiros, sendo constantemente
requisitado por aqueles que faziam promessas ou buscavam encontrar um casamento. O
próprio Pedro Batista sempre solicitava a apresentação de grupos de dança de São
Gonçalo quando havia a presença de visitantes importantes ou a comemoração de datas
festivas.
Todas essas atividades foram necessárias para reforçar os laços de amizade entre
os integrantes do movimento. O povo reunido em torno de Pedro Batista tinha que se
134
Este é um dos hinos a São Gonçalo, cantado na Paróquia de São Gonçalo, na cidade do Salvador/Ba.
Hino de São Gonçalo/Neste mundo eriçado de espinhos/Que nos cortam a alma de dores/Derramais lá no
Céu os carinhos/Que transmudam espinhos em flores/Dai-lhe fé, vida, amor, sangue novo/Dai-lhe
bênçãos de Nosso Senhor/São Gonçalo guiai nosso povo/Para um mundo de paz e amor/ Ref; São
Gonçalo, São Gonçalo/São Gonçalo guia este povo/São Gonçalo, São Gonçalo/De quem sois lá no céu
protetor/2 – Se a dor nos ferir, meigo santo/Se surgir a cruel tentação/Ah, correi a enxugar-nos o
manto/Vinde, vinde valer-nos então/Ensinai-nos a senda, o caminho/Que vos fez um dos santos
maiores/Vem amar em qualquer pobrezinho/A imagem de Nosso Senhor/3 – São Gonçalo, guia lá na
Glória/Protetor nesse formoso céu/Ah, não percas da tua memória/Este humilde rebanho que é teu/Fostes,
mestre, no ensino e no lar/E modelo na fé e no amor/Alcancai-nos ó bom Padroeiro/Iguais graças de
Nosso Senhor.
135
QUEIRÓZ, 1998, p 43.
136
José Manuel da Silva. Entrevista concedida em 24 de julho de 2002. Santa Brígida/BA.
70
tratar como irmãos, valorizando a prática de atos de solidariedade. O caráter divino do
movimento, apregoado pelos romeiros, implicava numa demonstração de que a
comunidade efetivamente andava em novidade de vida.
71
CAPÍTULO III
OS ROMEIROS EM SANTA BRÍGIDA
“Ele pregava o conselho
e adotou a penitência.
Pedindo a todas donzelas
que guardem a conveniência.
Jesus vem se apresentar.
Grande alegria terá
quem tiver sua inocência.”
137
A presença de Pedro Batista não transformou Santa Brígida num oásis do sertão.
Longos períodos de estiagem traziam grandes dificuldades de sobrevivência e muitos
seguidores desistiram de viver na companhia do beato ante a dificuldade de extrair
produção agropecuária naquele lugar. O pai de Odálio Ribeiro José foi um dos que
desistiram de viver em Santa Brígida, conforme lembra o filho:
“quando ele chegou aqui foi um grande fazendeiro...Ele pegou três anos de
seca, aí nós fomos embora para o Maranhão.”
138
O próprio Pedro Batista, como já dito, fazia questão de alertar as pessoas que
vinham com a intenção de morar na cidade para as dificuldades que iriam enfrentar.
Maria Anunciada dos Santos lembra do aviso que recebera quando decidira morar com
sua família em Santa Brígida:
“Você tá lá em seu lugar bom, quer vir pra aqui? Você tem coragem de sofrer
aqui?”
139
As dificuldades naturais do local eram compensadas com a presença de Pedro
Batista. A possibilidade de vê-lo todos os dias, de pegar na mão e tomar a bênção, de
beijá-lo e de cumprir as suas ordens, como um bom servo, trazia um novo sentido às
vidas dos romeiros que eles não tinham em suas antigas moradas.
A dificuldade em manter párocos que ministrasse uma palavra de fé ou uma
orientação para o trabalho era motivo de desalento entre os fiéis nas diversas localidades
137
Versos produzidos pelo romeiro João Oliveira. Santa Brígida/BA.
138
Odálio Ribeiro José. Entrevista concedida em 24 de julho de 2002. Santa Brígida/BA.
139
Maria Anunciada dos Santos. Entrevista concedida em 24 de julho de 2002. Santa Brígida/BA.
72
do sertão nordestino. Em conseqüência, observava-se uma gradativa perda dos valores
morais que deveriam caracterizar uma sociedade cristã.
A determinação de padrões de comportamento a serem seguidos pelos romeiros
tornava o lugar mais atraente para aqueles que queriam viver tranqüilos. Os romeiros
não dançavam sensualmente, não jogavam, não brigavam, não fumavam, não bebiam e
não roubavam. Mesmo a dança de São Gonçalo era realizada apenas na sua parte
sagrada, sendo banida o lado profano.
Viver em uma sociedade em que havia respeito entre os seus moradores era
considerado, por muitos romeiros, como um verdadeiro milagre. Para muitos, dentre as
curas que Pedro Batista ministrara em Santa Brígida, a principal era a da regeneração
dos padrões morais da comunidade.
Conviver num grupo comandado por alguém que tinha uma missão divina a
cumprir era uma oportunidade de estar em um lugar abençoado e com a esperança de
paz e prosperidade. A autoridade de Pedro Batista, reconhecida pelos romeiros, permitiu
que ele impusesse as regras que deviam ser cumpridas pelos que optaram por segui-lo.
Assim, o roubo, a mentira, o homicídio e a prostituição deviam estar abolidos da
comunidade. O resultado disto foi que pessoas que outrora viviam com práticas
moralmente condenadas passaram a refletir comportamentos totalmente distintos e
condizentes com a nova proposta de vida por que optavam. Qualquer deslize era
prontamente apontado pelos integrantes do movimento. Havia, pois, um eficiente
aparelho repressor ao descumprimento das normas.
O compromisso de cada romeiro com as regras estabelecidas, fortaleceu o elo
entre todos, criando um clima de irmandade no grupo. As regras comportamentais
sugeridas por Pedro Batista consistiam em dogmas a serem observados pelos integrantes
de sua comunidade. Não havia possibilidade de questionamento de seus ensinamentos
ou práticas terapêuticas. Os romeiros compreendiam que o seu líder era alguém especial
por ter influência sobre as forças sagradas.
O respeito pelo padrinho Pedro Batista impelia os romeiros a buscarem um
comportamento que os tornasse irrepreensíveis, até mesmo para confrontá-los com a
pequena e “imoral” comunidade dos baianos que já moravam no local antes da chegada
do beato, dados a festas e confusões. Entretanto, no “paraíso” da comunidade dos
romeiros, também existiram conflitos.
Certa vez, dois romeiros discutiram por causa de limites de terras e terminaram
em agressões a golpes de cacete. A intervenção de Apolinário Neto, responsável pelo
73
assentamento dos romeiros na Fazenda Gameleira e, posteriormente, contratado pelo
governo federal como capataz rural na colônia agrícola que viria a ser construída nessa
fazenda, diante da investida de um dos romeiros com uma peixeira, impediu a
ocorrência de conseqüências piores, conforme relatou:
“Quando eu vi ele saltando na peixeira, eu saltei e segurei ele. - De faca não,
brigar de faca não. Se você tivesse com um cacetinho eu ia deixar você bater
mais um pouco, mas não tem.”
140
Estas ocorrências foram raramente registradas dentro da comunidade dos
romeiros e dificilmente constavam em boletins policiais, pois a delegacia era composta
apenas pelo subdelegado. A perda maior para um romeiro não seria por uma punição
que viesse por intermédio da Justiça, mas uma que implicasse na saída da comunidade.
Não existia, segundo os seguidores de Pedro Batista, outra comunidade como aquela,
onde as pessoas se sentiam protegidas por Deus graças à presença do seu enviado.
Todos as noites ocorriam penitências na igreja dos romeiros ou na Serra do
Galeão. As penitências consistiam em rezar o rosário em pé ou de joelhos. Quando a
penitência subia a serra, havia também cruzes para carregar. Cada um levava um pouco.
Homens e mulheres participavam rezando terços e carregando cruzes para as
penitências na serra, conhecida como Monte Santo das Oliveiras.
Pedro Batista construíra inclusive capelas que formaram as catorze estações de
parada para rezas. Conforme compreensão de Cândido da Costa e Silva, fixar cruzeiros
era a materialização da mística missionária. Para ele,
“nas teologias da redenção que predominaram na pregação e catequese,
durante séculos, a Cruz não representa o evento histórico da morte de Jesus,
mas é o símbolo do caráter doloroso de qualquer reconciliação com Deus.”
141
A Igreja difundira a idéia de que era preciso realizar penitências para se alcançar
a salvação. Exemplos de santos da Igreja que fizeram penitências durante suas vidas
eram freqüentemente lembrados como estímulo à continuação dessas práticas pelos
cristãos.
As construções, entretanto, provocaram problemas no relacionamento dos
romeiros com os baianos. As romarias pela serra estavam espantando os bodes que
costumeiramente circulavam naquele lugar. Muitas estações foram destruídas na
tentativa de acabar com as penitências. Todavia, Pedro Batista tinha a cobertura dos
140
Apolinário Neto. Entrevista concedida em 23 de julho de 2002. Santa Brígida/BA.
141
SILVA, 1982, p. 41.
74
principais coronéis do lugar. João Alves Barbosa acompanhara Pedro Batista no pedido
de ajuda ao Coronel João Maria e resumiu assim o desfecho do caso:
“Meu padrinho foi a João Maria e disse: ‘João Maria, eu tenho essas terras aí
e tenho estações aí e os baianos bagunçaram. Quebraram as cruzinhas de ferro.
Deram fim.’ Ele disse: ‘Seu Pedro pode botar suas estações, pode fazer seu
Monte Santo das Oliveiras que eu quero ver o bom que vai bagunçar’. Foi o
mesmo que pegar uma pedra e por em cima, ele reformou as estações e aí
ninguém buliu mais.”
142
A chegada dos romeiros foi importante para o desenvolvimento de atividades
agropecuárias nas terras dos baianos. Pequenas faixas de terra improdutivas foram
arrendadas para os romeiros, cuja maioria eram agricultores acostumados à dificuldade
de extrair produção em regiões áridas. Uns arrendavam para receber parte da produção,
outros arrendavam por um valor fixo.
143
Os romeiros de Pedro Batista tornaram Santa Brígida um lugar com boa
produção agropecuária. Os agricultores recém-chegados assumiram papel de
importância na estruturação da nova sociedade de Santa Brígida. Não havia outra forma
de extrair riqueza na região senão pelo trabalho na terra. A maioria era de agricultores e
continuaram com suas atividades após a mudança para Santa Brígida. Havia muitas
terras, poucos donos e poucos trabalhadores.
A chegada dos agricultores representou a formação de uma base necessária para
o desenvolvimento de atividades agropecuárias e, conseqüentemente, da própria região.
Graças à relação de dependência econômica entre os proprietários locais e os
agricultores, romeiros de Pedro Batista, foi permitida a formação de uma comunidade
religiosa separada da população dos baianos.
As atividades agrárias eram desempenhadas independentemente do sexo,
conforme constatou Lia Fukui:
“homem e mulher desempenham atividades complementares que podem ser
evidenciadas pela mútua responsabilidade nas atividades de roça. Marido e
mulher desempenham as mais diversas tarefas em relação ao cultivo de plantas,
sem haver distinção de trabalho entre os sexos. Trabalham juntos, lado a lado,
fazendo as mesmas coisas, em estreita colaboração. É comum a mulher assumir
toda responsabilidade da lavoura na ausência do marido; quando necessário,
contrata e paga assalariados, determina os mais diversos trabalhos a serem
feitos na propriedade. Não há, pois, preponderância nítida do homem sobre a
142
João Alves Barbosa. Entrevista concedida em 20 de julho de 2002. Santa Brígida/BA.
143
Devido à ocorrência de grandes períodos de estiagem, era mais comum que o pagamento dos
arrendamentos estivessem vinculados à produção.
75
mulher no trabalho: ambos desenvolvem tarefas complementares, formando o
casal o núcleo de base da célula doméstica.”
144
Apesar de homem e mulher realizarem os mesmos tipos de tarefas na lavoura,
havia a distinção quanto à produtividade de cada um. Por terem produtividade maior, os
homens recebiam o dobro do valor que as mulheres recebiam. O caderno de despesas da
Fazenda Santo Amaro demonstra esta diferenciação:
145
144
FUKUI, 1978, p. 364.
145
Museu de Pedro Batista. Santa Brígida/BA.
76
Também não havia igualdade entre homens e mulheres quando o assunto era
migrar para outras localidades em busca de trabalho. Geralmente os homens se
aventuravam mais do que as mulheres, deixando a cidade com um número de mulheres
sempre maior do que do de homens. Esta peculiaridade confirmava o papel
ideologicamente dominante do homem em relação à responsabilidade pelo sustento da
família.
Toda decisão importante na vida do romeiro era levada ao conhecimento do
padrinho. Fosse uma viagem, um negócio, uma disputa ou um casamento, tudo dependia
do consentimento do beato. Manoel Martins de Souza lembra das consultas que fizera a
seu padrinho:
“Olhe, se eu quisesse fazer uma viagem, eu pedia permissão a ele. Se eu podia
viajar ele dizia: pode viajar. Se eu quisesse fazer um negócio, eu pedia
permissão a ele se eu podia fazer aquele negócio.”
146
Além de Pedro Batista, os romeiros contavam com o apoio espiritual de
madrinha Dodô. Era como se fosse uma mãe de toda aquela gente. Quando havia
qualquer problema na casa de um romeiro, ela intervinha pessoalmente. Era ela quem
decidia o caminho a tomar. Se houvesse algum doente precisando de cuidados especiais,
ela levava para sua casa. Madrinha Dodô era uma beata que merecia a confiança dos
romeiros. Organizou várias associações de assistência mútua para prestar auxílio à
comunidade.
Além disso, trabalhava nas fazendas de Pedro Batista e pegava na enxada junto
com outros homens e mulheres. Era companheira. Graças a sua presença, mesmo depois
da morte de Pedro Batista, continuaram chegando pessoas de mudança para Santa
Brígida.
3.1 ADMINISTRANDO RECURSOS E INTERESSES POLÍTICOS
“Uma grande propriedade
fez doação ao Federal
com todas declarações do estatuto geral.
Pra dividir com a pobreza
será a maior grandeza
para todo o pessoal.”
147
146
Manoel Martins Souza. Entrevista concedida em 21 de julho de 2002. Santa Brígida/BA.
147
Versos produzidos pelo romeiro João Oliveira. Santa Brígida/BA.
77
Não havia grande produção agrícola em Santa Brígida antes da chegada de
Pedro Batista. Aliás, o sistema latifundiário brasileiro passava por uma crise que o
tornava cada vez mais decadente. Conforme Alberto Passos,
“implantado, originariamente, para prover o mercado externo e para servir aos
interesses da colonização portuguesa; remodelado, posteriormente, para
atender aos interesses e às exigências de outras potências colonizadoras, como
fonte supridora dependente dos mercados mundiais, o sistema latifundiário
brasileiro começou a perder sua principal base de sustentação e sua própria
razão de ser histórica a partir do momento em que passou a decair sua
importância no conjunto de nosso comércio de exportação.”
148
A perda de produtividade e de importância dos latifúndios eram ainda maiores
em decorrência da falta de mão-de-obra, de estradas e de capital para investimentos na
produção, indispensáveis para a concorrência com a nova propriedade rural capitalista
que se consolidava no país e para que se suportassem as especulações dos compradores
por preços mais baixos.
Para agravar o drama local, as brigas e lutas incessantes entre os moradores
dividiam o povoado e impediam o trabalho coletivo. A presença de um povo unido sob
o comando de um líder religioso, que teve capacidade de administrar os recursos
existentes, contudo, mudou o quadro da produção agrícola em menos de dez anos,
conforme notícia divulgada no jornal “O Estado da Bahia”:
“Antes da chegada de Pedro Batista contava aquele arraial cerca de oitenta
casas; hoje, graças ao velho Pedro Batista e aos seus romeiros, Santa Brígida
conta com mais de trezentas casas. A área cultivada em toda a zona de Santa
Brígida, que não excedia a duas mil tarefas, hoje conta nunca menos de doze
mil. Para se ter uma idéia do progresso agrícola de Santa Brígida, depois da
chegada do velho Pedro Batista, basta que se diga que a produção de farinha de
mandioca, feijão e milho é superior ao consumo de todo o município de
Jeremoabo.”
149
A mudança no quadro da produção agrícola da região revelava a sua
dependência excessiva da mão-de-obra, reflexo da indisponibilidade de equipamentos e
técnicas agrícolas modernas. Também revelava, porém, a influência positiva da pequena
propriedade em relação ao aumento da produtividade. Os arrendamentos e as aquisições
de terras feitas pelos romeiros que chegavam, além da contratação deles como
148
GUIMARÃES, 1968, p. 165.
149
O Estado da Bahia. Salvador/BA, 12 de julho de 1954.
78
empregados nas fazendas, aumentaram consideravelmente a área de cultivo em Santa
Brígida.
A chegada de muitos romeiros sob o comando de Pedro Batista transformaram-
no em importante cabo eleitoral local. Com o apoio do Coronel João Sá, principal líder
político da região, Pedro Batista conseguiu arrendar e adquirir terras. Ele sabia da sua
importância para a realização dos interesses políticos e econômicos do coronel e
explorou a tutela do seu patrono político para conseguir o básico para a produção de
alimentos: a terra.
Perseguido pelo poder público nas diversas cidades nordestinas por onde passou,
Pedro Batista precisava encontrar apoio de uma autoridade local que dispusesse da
posse de terra e que visse nele alguém que possibilitaria o fortalecimento de seu poder
político e econômico.
Pedro Batista arrendou terras e contratou agricultores para trabalharem nelas. Os
arrendamentos eram feitos por tarefa e a contratação de trabalhadores era feita em
função da atividade específica a desempenhar. No trabalho de desmatamento, uns eram
contratados para tirar madeira e outros para arrancarem os tocos. Em conseqüência,
havia os grupos contratados para limpar a roça e para construção de cercas; enquanto
outros, posteriormente, eram responsáveis pela plantação ou pela colheita de algum
produto.
Os romeiros confiavam no sucesso das atividades comandadas por Pedro Batista.
Era ele quem aconselhava os tipos de culturas que os romeiros deveriam plantar e os
que trabalhavam em suas propriedades recebiam pagamento como trabalhadores
comuns. Como a mão-de-obra era abundante, em tempos de chuva fora possível o
planejamento de uma grande produção visando o estabelecimento de uma relação
comercial com outras localidades. A comunidade dos romeiros possuía organização e
liderança para programar as tarefas e cultivar produtos em larga escala.
Apesar das dificuldades existentes (falta de recursos, equipamentos, etc), o
aumento da produção transformou Pedro Batista em um dos principais comerciantes da
região. Ante a perspectiva de obter grandes safras, construiu armazéns e vasos para
estocagem da produção, além de comprar um caminhão para comercializar os produtos
fora de Santa Brígida.
Antonio Ribeiro dos Anjos, cujo pai fora convidado por Pedro Batista para abrir
um comércio em Santa Brígida, ficou como responsável pelo armazém, comprando a
produção de milho, feijão e algodão dos romeiros. O armazém funcionava como o caixa
79
dos negócios comandados por Pedro Batista. Por lá, eram pagas as despesas com
materiais e trabalhadores relacionados com as fazendas e as construções de
responsabilidade do beato. Além da compra e venda da produção local, por lá também
se processava a distribuição das sementes utilizadas na produção agrícola.
O aumento da produção agropecuária e, conseqüentemente, o grande volume de
negócios gerados obrigou Pedro Batista a obter, na Coletoria Estadual de Jeremoabo, a
inscrição cadastral n° 9. O seu registro na Fazenda Estadual garantia agilidade nas
operações comerciais, pois ele passou a ter talonário de Nota de Venda próprio, para
preenchimento nas operações de saídas que realizava, conforme documento emitido em
1955 na venda de 1.500 quilos de algodão:
150
150
Arquivo do Museu de Pedro Batista. Santa Brígida/BA.
80
As principais fazendas de Pedro Batista eram denominadas de Minuim, Santa
Brígida, Ribeira do Batoque, também conhecida como Santo Amaro, Oliveira e
Gameleira. Perfeitamente integrado à sociedade, Pedro Batista pagava os impostos
incidentes sobre as suas propriedades urbanas e rurais e sobre as operações comerciais
realizadas.
De acordo com os recibos de pagamento do imposto territorial rural das referidas
fazendas, a Fazenda Gameleira era a mais valiosa. Enquanto o valor venal da demais
81
fazendas não passava de três mil cruzeiros, a Fazenda Gameleira estava avaliada em
trinta mil cruzeiros, conforme documento fiscal referente ao exercício de 1954:
151
Para que as terras de Pedro Batista pudessem produzir, era preciso dinheiro para
adquirir equipamentos e sementes e para custear a mão-de-obra necessária para limpar a
terra, plantar e colher. Pedro Batista recorreu muitas vezes a empréstimos bancários
para financiamento de suas atividades agrícolas. Estes empréstimos se mostravam
bastante interessantes, pois garantia trabalho para o seu povo e, em caso efetivo de
safra, uma rentabilidade que garantiria outros investimentos na comunidade.
Para estimular o desenvolvimento econômico da região nordeste do país, o
governo federal criou o Banco do Nordeste do Brasil - BNB. O BNB sempre teve como
objetivo permitir aos agentes produtivos, acesso a uma capacitação técnica e financeira
que viabilizasse a continuidade dos negócios. Pedro Batista esteve atento, também, para
as alternativas do mercado financeiro e utilizou recursos do banco em projetos
agropecuários por ele elaborados.
151
Arquivo do Museu de Pedro Batista. Santa Brígida/BA.
82
Geralmente os contratos eram celebrados em penhor agrícola, impedindo a perda
da propriedade em caso de não consumação da safra, como o celebrado na agência do
Banco do Nordeste do Brasil S/A, no município de Cícero Dantas/BA:
152
152
Arquivo do Museu de Pedro Batista. Santa Brígida/BA.
83
Como não sabia ler nem escrever, Pedro Batista nomeou José Vicente como seu
procurador para assinar contratos, notas promissórias e recibos. Era dele também a
responsabilidade de administrar a Fazenda Santo Amaro das Salinas ou Ribeira do
Batoque.
Além de comandar atividades agropecuárias, Pedro Batista projetou e construiu
a nova Santa Brígida. A localização de sua casa serviu de referência para a construção
de muitas outras casas. Financiou ele próprio a construção de estabelecimentos
necessários à estruturação do local, como um hotel para abrigar a freqüente chegada de
84
visitantes, uma garagem para guardar objetos e veículos, uma igreja, um armazém, uma
casa para abrigar os penitentes, uma pensão e uma cacimba.
As despesas geradas com as construções eram minuciosamente detalhadas e
registradas em cadernos pelos responsáveis por cada obra. Os registros eram realizados
semanalmente e refletiam os gastos decorrentes da produção de cada trabalhador e dos
materiais empregados, conforme folha de pagamento da construção do hotel realizada
em 1955:
153
A maior fazenda de Pedro Batista era a Gameleira. Media aproximadamente
5.000 hectares e estava localizada no Km 40 da atual rodovia que liga Paulo Afonso a
Jeremoabo e distante 12 km do centro urbano de Santa Brígida. A Fazenda Gameleira
fora cedida por João Sá a Pedro Batista para os romeiros trabalharem, numa
demonstração de que estava disposto a ser o patrono de toda aquela gente, potenciais
eleitores e trabalhadores rurais.
A posterior venda da fazenda por um valor irrisório reforçava o sentimento de
paternalismo que os coronéis, com satisfação, cultivavam. Apolinário Neto ficara
153
Arquivo do Museu de Pedro Batista. Santa Brígida/BA.
85
responsável em assentar os romeiros na fazenda e cobrar o valor equivalente à terra
ocupada para efeito de pagamento do valor cobrado pelo coronel. Ele lembra com
detalhes como era feito o negócio:
“Na fazenda Gameleira, quem tomava conta era eu. O pessoal que ia chegando,
eu ia, botava lá, media as tarefas, uns queriam 20, outros 30, outros 10, outros
queriam 5, outros 3, outros queriam 4. Eu ia medindo e botava no devido lugar;
eu ia tomando minhas notas daquilo ali e no fim da colheita eu ia receber renda
deles; para aquelas rendas eu tinha um talãozinho; eu destacava aquele talão,
eu escrevia o valor da renda, o total, o meu nome, o nome do rendeiro e dava
um comprovante a ele que ele tinha pagado e ficava com o talão para minha
prestação.”
154
Apesar de pago, a venda da fazenda não fora registrada em cartório. Na época, a
palavra do coronel era o bastante para se considerar o negócio fechado. Não cabia
qualquer desconfiança quanto ao não cumprimento de um acordo assumido. Todavia, as
desconfianças de fato existiram e podem ter motivado Pedro Batista a recorrer ao
Governo Federal a fim de ceder a fazenda para criação de um núcleo colonial dentro de
um programa governamental existente, de responsabilidade do Instituto Nacional de
Imigração e Colonização (INIC), órgão que correspondia ao atual Instituto Nacional de
Colonização e Reforma Agrária - INCRA. Este programa de reforma agrária estava
inserido num conjunto de reformas de base em discussão no Governo Federal como
forma de conter a grave crise política e econômica que o Brasil atravessava.
155
Antonio
Calunga, baiano e delegado, descrevia assim o sentimento existente:
“O terreno do Km 40 João Sá vendeu para Pedro Batista, mas houve uma
desconfiança, pois João Sá não passou o documento para ele; aí Pedro Batista
foi para o federal e veio aqui e repartiu a terra para o povo.”
156
Pedro Batista buscou ajuda junto ao governo federal para criação de um núcleo
colonial que permitiria acesso a técnicas e equipamentos agrícolas e a um
assessoramento no planejamento da produção. De acordo com os arquivos do Cartório
da Comarca de Jeremoabo, em 15 de maio de 1945, fora lavrado no cartório de paz da
Vila de Iguaba a promessa de compra e venda da referida fazenda, que somente foi
registrada no cartório de Jeremoabo, ganhando valor jurídico, em 28 de janeiro de 1953,
quando as negociações de Pedro Batista com o governo federal para doação e formação
de uma colônia agrícola já estavam em andamento.
154
Apolinário Neto. Entrevista concedida em 23 de julho de 2002. Santa Brígida/BA.
155
ANTUNIASSI, 1996.
156
Antonio Calunga. Entrevista concedida em 15 de fevereiro de 1996. Santa Brígida/BA.
86
O terreno foi dividido em 160 lotes e distribuídos entre os romeiros de Pedro
Batista. Segundo Apolinário Neto, outros motivos podem ter levado Pedro Batista a
entregar o terreno ao governo federal:
“Pedro Batista disse: ‘Eu tive uma idéia! Eu sei que não vou demorar muito;
vou fazer uma viagem e para deixar esses pernambucanos com esses alagoanos
juntos não vai dar certo; então eu tenho que fazer o quê? Eu tenho que dar esse
terreno para o governo federal, para ele vir e mandar lotear esses terrenos;
deixar cada pessoa dentro de seu lote, no seu terreno marcado pelo governo; aí
eu faço minha viagem satisfeito, porque deixo cada um no seu devido
lugar1’.”
157
Além do pagamento feito ao Coronel João Sá, decorrente da arrecadação
realizada por Apolinário Neto, os romeiros tiveram que pagar ao governo federal dez
prestações anuais por conta das benfeitorias, da administração da colônia e da
legalização dos lotes.
Em 1967, o núcleo colonial possuía infra-estrutura adequada para atender à
demanda de seus moradores. O Governo Federal destinou para o núcleo naquele ano
duzentos e oitenta milhões de cruzeiros antigos, enquanto a despesa da prefeitura
municipal foi de trinta e cinco mil. A diferença de recursos aplicados implicava que, no
núcleo colonial, os moradores gozavam de melhores condições de vida.
A casa do administrador e dos principais funcionários do INIC localizava-se na
sede do núcleo, juntamente com uma casa de hóspede; uma capela; dois galpões para
funcionamento da escola maternal e primária, mas que também serviam como salão de
festas e para reuniões do clube agrícola e do clube de mães; um ambulatório; armazém;
alojamento para trabalhadores; oficina e garagem.
O núcleo era formado de 474 lotes urbanos medindo de 600 a 800 m2 e de 160
lotes rurais medindo de 25 a 30 hectares. O núcleo possuía, ainda, na área urbana, luz
elétrica obtida por meio de gerador; água corrente de poço artesiano; fossas sépticas;
campo de aviação e campo de futebol. A administração do núcleo possuía, também, seis
tratores de prensa, dois tratores de esteira, cinco caminhões, um jipe, duas caminhonetes
e uma Kombi.
158
Água, luz, máquinas e diversão tornavam aquele lugar um oásis no
deserto. Recursos que não estavam disponíveis para a população da cidade.
A existência de mão-de-obra abundante e barata também possibilitou o
desenvolvimento da agricultura nas fazendas dos baianos. A ascensão de Pedro Batista
157
Apolinário Neto. Entrevista concedida em 20 de janeiro de 1996. Santa Brígida/BA.
158
FUKUI, 1978, p. 314.
87
sobre os romeiros permitiu a arregimentação das pessoas para trabalharem
coletivamente nas fazendas do Coronel João Sá e de outros fazendeiros locais. Tais
frentes de trabalho eram conhecidas como batalhões, conforme lembra Antonio Ribeiro
dos Anjos:
“Ele fazia aquele batalhão de gente, fazia reunião para ajudar uns aos outros
na roça, fazia aquele batalhão de gente para ajudar ao Coronel João Sá nas
roças dele e do Coronel João Maria.”
159
Os integrantes dos batalhões não recebiam salário pelo trabalho que realizavam.
Era como se eles estivessem cumprindo uma missão designada pelo enviado de Deus
para pastoreá-los. Júlio Manoel Cardoso, romeiro que participou dos batalhões,
acrescenta:
“Formavam-se batalhões para trabalhar nas fazendas de Pedro Batista e
também na de João Sá e João Maria. Nós trabalhávamos lá e recebíamos só a
bóia. Era uma irmandade. Ia só ajudar.”
160
O batalhão era a moeda de troca que Pedro Batista tinha para conquistar o apoio
dos grandes fazendeiros e políticos locais, como os coronéis João Maria e João Sá. Os
romeiros sabiam disso e colaboravam com muita boa vontade. João Alves Barbosa,
romeiro de Pedro Batista, explicava a razão de não haver pagamentos aos participantes
dos batalhões formados para trabalhos em fazendas de coronéis locais:
“Somos um grupo de romaria, nós precisamos de uma cobertura do governo,
né? Quer dizer, de um coronel, de uma parte ou de outra, nós precisamos de
uma palavra a favor numa revolta que venha contra esse povo. Quer dizer que
nós temos a cobertura desses homens, a história dele era essa, que se nós
precisássemos de Coronel João Maria era João Maria, se precisasse de João Sá
era João Sá.”
161
Preocupado em arranjar trabalho para os romeiros que não paravam de chegar,
Pedro Batista criava tarefas para ocupar o tempo das pessoas. Assim, em Santa Brígida,
estava garantido trabalho para agricultor, carpinteiro, pedreiro, ferreiro, tecedeira de
rede, etc.
Com o passar do tempo, Santa Brígida ficou conhecida como um importante
pólo de produção da região. Com a melhoria das estradas, principalmente devido à
construção da Usina Hidrelétrica de Paulo Afonso, inaugurada em 1955, muitos
159
Antonio Ribeiro. Entrevista concedida em 23 de julho de 2002. Santa Brígida/BA.
160
Júlio Manuel Cardoso. Entrevista concedida em 20 de abril de 1996. Santa Brígida/BA.
161
João Alves Barbosa. Entrevista concedida em 20 de julho de 2002. Santa Brígida/BA.
88
comerciantes vieram a Santa Brígida com seus próprios caminhões comprar a produção
agrícola.
Com a emancipação de Santa Brígida em 1962, estava garantida a eleição dos
candidatos designados por Pedro Batista e o apoio direto do poder público municipal. O
comerciante Pedro Batista já não era tão importante para a negociação da produção e
assistência material do seu povo, podendo, então, dedicar-se mais às atividades
religiosas. Essas tarefas mais mundanas passaram a ser exercidas por pessoas de
confiança do beato.
3.2 PEDRO BATISTA E A IGREJA
“Tratando deste conselho,
curando água também.
Curando doente e possessos
de todo mal que hoje tem.
Em menos de um segundo
expulsava espírito imundo
falando do mal e do bem.”
162
Os movimentos messiânicos eram encarados com desconfiança pelos membros
da Igreja Católica. Esta via com preocupação os movimentos messiânicos que tinham
como objetivo dar paz espiritual e esperança ao povo. Diante de tais circunstâncias, a
paróquia de Jeremoabo, representada até 1958 pelo padre português José Magalhães de
Souza, encarava o movimento de Pedro Batista como ameaça à sua autoridade, pois não
havia cabimento um homem idoso que não fazia parte dos quadros da Igreja dar
conselhos e pregar o evangelho, ocupando o espaço que, por direito, entendiam os
padres, era deles.
Diversas vezes os padres solicitaram reforço policial para acompanhá-los às
missas realizadas em Santa Brígida, tentando demonstrar o medo de serem agredidos
pelos romeiros de Pedro Batista. Não havia clima hostil, porém, diante da postura do
velho que buscava saciar a fome espiritual e material dos romeiros, a Igreja sentiu-se
roubada das tarefas que lhe eram competentes e, em função disto, externava sua
insatisfação e seu poder.
162
Versos produzidos pelo romeiro João Oliveira. Santa Brígida/BA.
89
O Monsenhor Francisco José de Oliveira, que substituiu o Padre Magalhães na
paróquia de Jeremoabo, em 1959, relembra as precauções tomadas pelo pároco para
celebrar a missa:
“Não chegou a ter lutas e agressões. Monsenhor Magalhães, por uma
precaução, levava até a polícia para poder entrar na igreja e celebrar
sossegado.”
163
De início, Pedro Batista não permitia que os romeiros se casassem na Igreja
Católica. A briga dele, entretanto, não era contra a Igreja e sim contra as atitudes
tomadas pelos padres que afastavam as pessoas de uma postura mais condizente para os
cristãos.
A cobrança de taxa para a realização de cerimônias era considerada pelo beato
como extorsão e as relações amorosas dos padres com mulheres da comunidade eram
sinais que comprovavam a necessidade do surgimento de um enviado divino para o
restabelecimento dos padrões comportamentais.
Pedro Batista não gostava de uma prática da Igreja àquela época que venerava ao
“Cristo Rei” e a “Nossa Senhora de Fátima”. Era como se estivesse criando um outro
deus, reflexo da vida pecaminosa dos representantes da Igreja. Antonio Ribeiro dos
Anjos lembra dos comentários de Pedro Batista:
“Deixaram de dar valor ao nosso senhor Jesus Cristo para dar valor a Cristo
Rei e a Fátima, aí meu padrinho dizia que Cristo Rei e Fátima eram pessoas
sem importância, faziam parte de satanás.”
164
Antonio Nunes Barreto lembra uma confusão decorrente de uma missa celebrada
pelo padre português José Magalhães em Santa Brígida em que foi dado “Viva ao Cristo
Rei”:
“Um dia nós estávamos numa missão. Numa missão do Pe. José Magalhães,
nessa igreja que chama de Sta Brígida, que eles estão trabalhando nela aí. Era
uma casinha de oração junto aí. Ele estava celebrando uma missa e deu viva ao
Cristo Rei. Meu padrinho estava com o povo dele assim, nós desse lado de cá,
de frente, de lado pra igreja. E ele celebrou a missa e deu viva a esse Cristo Rei.
Quando ele deu viva ao Cristo Rei, meu padrinho respondeu de cá: viva Nosso
Senhor Jesus Cristo! Muita gente disse viva Cristo Rei. Ele disse: viva Nosso
Senhor Jesus Cristo! O nosso superior é esse.”
165
163
Francisco José de Oliveira. Entrevista concedida em 14 de agosto de 1995. Jeremoabo/BA.
164
Antonio Ribeiro. Entrevista concedida em 20 de julho de 2002. Santa Brígida/BA.
165
Antonio Nunes Barreto. Entrevista concedida em 22 de julho de 2002. Santa Brígida/BA.
90
Os padres iam de ano em ano a Santa Brígida. Os casais não podiam esperar pela
disponibilidade dos representantes da Igreja. A narrativa feita em 1956 por Maria Isaura
acerca da representação da Igreja Católica no povoado demonstra a pouca assistência
que a Igreja dava aos seus fiéis:
“Uma capelinha muito modesta se ergue um pouco recuada da praça, mas
também não há padre. Santa Brígida está submetida à paróquia de Jeremoabo;
o padre ali residente não visita o distrito senão quando é chamado pelos
habitantes, que tem de pagar pelas cerimônias de culto e pela viagem, razão
pela qual raras vezes se apela para ele, e tanto baianos quanto alagoanos
consideram exorbitante o montante exigido para que o padre venha oficiar em
Santa Brígida.”
166
Ademais, Pedro Batista insistia em alertar ao seu povo que o importante era se
casar no civil, pois o casamento no religioso não dava garantia dos direitos da mulher.
Preocupado com a condição de inferioridade da mulher, Pedro Batista exigia que os
romeiros se casassem no civil, o que garantiria os direitos da mulher numa separação
por qualquer motivo. A proteção à mulher simbolizava esta inferioridade e era reflexo
da herança cultural ocidental. O Monsenhor Francisco comentou sobre as
intransigências de Pedro Batista:
“Ele discordava plenamente da doutrina da Igreja. Ele simplesmente
concordava com a missa e as orações. Agora, não permitia que os adeptos dele
se casassem na igreja e se batizassem. Então o monsenhor Magalhães não
aceitava isso e criou uma certa animosidade entre ambos.”
167
Desde o Concílio Vaticano I (1869 – 1870) que a Igreja Católica buscava a
recuperação do seu papel nas sociedades. O catolicismo ultramontano criticava as
práticas liberais e voltava-se para uma Igreja de “inspiração romana, clerical e
sacramental”
168
, de caráter conservador.
Assim, a propagação do casamento civil, aprovado pelo Decreto n° 181, de 24
de janeiro de 1890, como uma orientação do líder Pedro Batista, contrariava os
princípios da Igreja e, conseqüentemente, reduzia o seu prestígio dentro da comunidade
de Santa Brígida.
Apesar de a Igreja demonstrar a sua reprovação às atitudes de Pedro Batista, os
romeiros não deixariam de seguir as orientações do seu líder carismático, que vivia as
dificuldades do cotidiano lado a lado, dividindo as tristezas causadas pela pobreza da
166
QUEIRÓZ, 1998, p.17-18.
167
Francisco José de Oliveira. Entrevista concedida em 14 de agosto de 1995. Jeremoabo/BA.
168
AZZI, 1976, p. 96.
91
região e preocupado em suprir as necessidades físicas e espirituais da comunidade, para
atender aos representantes da Igreja que, por tão pouco aparecer no povoado, tiveram a
sua capela transformada em curral de bodes, como já explicitado.
As raras visitas de sacerdotes a zonas rurais eram explicadas por vários fatores:
existiam poucos representantes eclesiásticos, as paróquias do interior cobriam grandes
áreas de terra e os vigários optavam por residir nas localidades mais populosas.
Considerando ainda que era comum que um vigário estivesse encarregado de mais de
uma paróquia, a sua visita a localidades como Santa Brígida era realmente incomum.
Como não queria romper com o sistema social, político e econômico, Pedro
Batista também não ousou questionar a autoridade da Igreja Católica. Embora tenha
impedido seus romeiros de se confessarem, se casarem e se batizarem na Igreja, sendo
considerado como intolerante pelos padres de Jeremoabo e dando a impressão de que
estava organizando um movimento de cunho religioso com autonomia em relação à
Igreja Católica, posteriormente admitiu ser católico e até construiu uma nova igreja para
a celebração das missas pelos padres. O romeiro José Rodrigues dos Santos lembra o
diálogo de Pedro Batista com o Padre José Magalhães acerca desta construção:
“Meu padrinho falou para ele: ‘sr. Zé, vamos fazer uma igrejinha. Vamos fazer
uma igreja maior seu Zé. Tinha muita gente, vamos fazer uma igreja maior. O
lugar estava maior e ali estava pequeno.’ Aí ele disse: ‘é seu Pedro vamos,
como é que nós fazemos?’ Aí meu padrinho disse: ‘olhe, eu entro com o
material e o senhor com a mão de obra.’ Aí o padre disse: ‘ah não seu Pedro,
não dá, o duro não é o material, o duro é a mão de obra.’ Aí ele disse: ‘o
pessoal achou graça que ele disse assim, mas quem vai ganhar dinheiro é o
senhor, não sou eu não’.”
169
169
José Rodrigues dos Santos. Entrevista concedida em 22 de julho de 2002. Santa Brígida/BA.
92
Igreja construída por Pedro Batista para celebração de missas.
Ao tomar conhecimento das atividades de Pedro Batista, Monsenhor Francisco
procurou aproximar-se do desafeto da Igreja e, mesmo sem apoiá-lo e abençoá-lo,
tentou dialogar e melhorar o relacionamento. Para os representantes da Igreja, não havia
nenhuma missão divina: o que Pedro Batista desejava era ser uma liderança, ter o
controle de uma população e sentir-se realizado. Monsenhor Francisco, comentando
sobre as razões do movimento, disse:
“Se ele se intitula de líder, todos os meios, até os meios que não são muito
legais para ter o poderio, para exercer autoridade sobre os seus liderados, ele
usava. Para que todos tivessem nele o salvador da pátria. Não só no espírito
ideológico como no espírito social e econômico, das necessidades do dia-a-dia
de cada um. Então tudo dependia dele, até uma briga era ele quem resolvia. Era
uma espécie de suprema corte. O que ele decidisse estava decidido e estava
acabado.”
170
170
Francisco José de Oliveira. Entrevista concedida em 14 de agosto de 1995. Jeremoabo/BA.
93
Para Monsenhor Francisco, Pedro Batista era uma espécie de suprema corte.
Em geral, os movimentos messiânicos levantavam críticos à atuação da Igreja ou
de seus representantes. Eles surgiram como alternativa capaz de recolocar os homens
numa condição de submissão a Deus. A redefinição dos chamados verdadeiros costumes
cristãos e das práticas religiosas, aliadas a crença no caráter divino da missão de seus
líderes, deram causa a acusações de tratarem-se de fanatismos religiosos.
Os conflitos entre Igreja e movimentos messiânicos foram reflexos da disputa
pela preferência do adepto. A permissão dada a Igreja para exercer seus ritos na
comunidade dos romeiros em Santa Brígida apaziguou a relação naturalmente
conflituosa, contribuindo para a continuação do movimento de Pedro Batista.
94
3.3 A MORTE DO BEATO
“Passou quatro anos de cama
sofrendo paralisia.
Gemendo de dia a noite
com a maior agonia
. Passava o transe da morte
ou por seu gosto ou por sorte
no meio da romaria.”
171
Quatro anos antes de sua morte, Pedro Batista já dava sinais da doença que iria
levá-lo da presença dos romeiros: uma infecção urinária provavelmente decorrente de
problemas na próstata. Vários médicos foram chamados e muitos medicamentos foram
receitados. A má aplicação de uma injeção para combater a infecção urinária acabou por
prejudicar mais a sua locomoção.
No último ano de vida, ele precisava de alguém para carregá-lo. Já não
conseguia ficar de pé, nem comer sozinho. Rosália França lembra da agonia vivida pelo
beato:
“A romaria tinha um negócio muito fechado. Achavam que ele era poderoso e
que, por ter poder, a doença não tinha direito de encravá-lo, de levá-lo à morte.
Então achavam que tudo que acontecia com ele era porque ele não queria
afastar a doença de perto dele. Ele tinha uma infecção urinária. Tinha que fazer
uma cirurgia de próstata. Ele tinha uma vida muito sedentária por ficar muito
tempo sentado para receber os romeiros.”
172
171
Versos produzidos pelo romeiro João Oliveira. Santa Brígida/BA.
172
Rosália Rodrigues França. Entrevista concedida em 10 de janeiro de 1996. Santa Brígida/BA.
95
Pedro Batista, já doente, cercado pelos romeiros em abril de 1967.
Santificado pelos romeiros e desmascarado pela Igreja, até a história do enterro é
contada em diferentes versões. O romeiro Zezito Apóstolo contou assim os
acontecimentos do velório:
“No dia 11 de novembro de 1967 terminou a sua missão material e voltou para
o seio de Deus. E na sua morte foi um dia de horror. O seu falecimento foi num
dia de sábado às quatro horas da tarde. Foi um dia de grande aflição, toda a
cidade ficou coberta de tristeza. O seu velório durou da tarde daquele sábado
até as últimas horas da segunda-feira, dia 13 de novembro. Até a segunda-feira
o seu corpo foi visto sem mau cheiro, parecia estar dormindo. Foi admirável, o
corpo de meu padrinho, sem ser embalsamado, estava em perfeito estado.”
173
Já o Monsenhor Francisco contou uma outra história sobre o enterro:
“Eles não queriam sepultá-lo. Dizem até, brincando, que os urubus já estavam
em cima da casa tamanho o mau cheiro, mas eles não queriam sepultá-lo,
aqueles fanáticos. Mas coincidiu um problema, uma denúncia, uma coisa assim.
Contra um certo problema político lá em Santa Brígida. Fez com que saísse um
oficial do exército em Paulo Afonso e viesse apurar o negócio em Santa Brígida
com vários militares. Então, quando entraram em Santa Brígida, correu lá a
notícia que o exército tinha chegado para levar Pedro Batista e enterrá-lo de
qualquer maneira. Então, foram obrigados. Jogaram o velho na cova e
enterraram.”
174
173
Zezito Apóstolo. Entrevista concedida em 10 de fevereiro de 1995. Santa Brígida/BA.
174
Francisco José de Oliveira. Entrevista concedida em 14 de agosto de 1995. Jeremoabo/BA.
96
Uma terceira versão do caso foi contada com menos extremismo por Zenor
Pereira:
“Não fecharam a sepultura e realmente não estava cheirando. Não abriram o
caixão e, apesar de estar fechado, ninguém sentiu mau cheiro. Algumas pessoas
sentiram perfume, mas eu acredito que fosse das flores.”
175
Segundo o romeiro Zezito, o corpo de Pedro Batista não sofreu alteração após três dias de
morto.
Provavelmente, o velório demorara mais tempo para permitir que as pessoas
viessem dos lugares mais distantes dar o último adeus a Pedro Batista. Os extremos da
história do enterro, entretanto, demonstraram as posições antagônicas dos romeiros,
ávidos em beatificar o seu santo, e da Igreja, preocupada em desmistificar a figura de
Pedro Batista.
Após a morte de Pedro Batista, foram vendidos os bens que ainda pertenciam ao
beato. Os principais eram as fazendas Batoque e Oliveira, um caminhão e dezenas de
cabeça de gado. O romeiro Antonio Manuel de Araújo nunca soube a quem coube o
recurso oriundo destas vendas, conforme revelou:
“Venderam tudo. Batoque, fazenda Oliveira, foi tudo vendido por aí, e o
dinheiro eu não sei, não sei o que foi feito não. Não está do meu alcance isso aí,
175
Zenor Pereira Teixeira Entrevista concedida em 13 de setembro de 1995. Santa Brígida/BA.
97
o dinheiro né. Não sei, não sei se foi repartido com alguém, não sei como foi
não.”
176
A Fazenda Batoque começou a ser negociada antes da morte do líder como
forma de custear as despesas médicas e remédios usados para combater a doença dele.
O primeiro interessado em ficar com a Fazenda Batoque foi Augustinho Ribeiro dos
Anjos, comerciante convidado por Pedro Batista para abrir negócio em Santa Brígida. O
negócio fora fechado com Pedro Batista, mas rejeitado pelos principais colaboradores
do beato. D. Dodô conseguira vender o imóvel por um valor cinco vezes maior para o
prefeito de Água Branca, Roberto Torres, antigo amigo de Pedro Batista.
A venda fora realizada com uma entrada e mais quatro promissórias que não
haviam sido pagas até a morte de Pedro Batista. Ante a recusa do comprador em saldar
os débitos, por falta de herdeiros para recebê-los, surgiu um testamento apresentando
três herdeiras: D. Dodô, uma romeira conhecida como Mãe Ana e Maria dos Santos,
criada desde menina por Pedro Batista. Com o surgimento do testamento, Roberto
Torres resolveu vender a fazenda para Antonio Ventura, deixando para este a
responsabilidade de pagar as promissórias assinadas.
Durante os últimos meses de vida e após a morte de Pedro Batista, a disputa
pelos bens gerou alguns desentendimentos entre os romeiros. Doações em dinheiro
feitas por Pedro Batista eram tomadas de volta pelos principais integrantes do grupo sob
a alegação de que o líder já não sabia o que estava fazendo.
Com a venda da Fazenda Ribeira do Batoque para Roberto Torres, José Vicente,
administrador da fazenda desde o tempo de Pedro Batista, continuou trabalhando com o
novo dono. Segundo Francisco José dos Santos, filho de José Vicente, ele recebera uma
faixa de terra em troca de seus serviços. Após a venda desta fazenda para Antonio
Ventura, porém, outros romeiros reclamaram de José Vicente esta faixa de terra como
sendo de Pedro Batista, exigindo a devolução. Francisco José dos Santos lembrou assim
desta questão:
“Os romeiros todos se metiam no meio, né? Esses romeiros doidos. Aí tinham
uns que queriam para eles, mas nós conseguimos ficar.”
177
Entretanto, segundo Antonio Ventura, o pagamento de três promissórias foi feito
em dinheiro e a quarta através da doação de um terreno que ficara com José Vicente, a
176
Antonio Manuel de Araújo. Entrevista concedida em 23 de julho de 2002. Santa Brígida/BA.
177
Francisco José dos Santos. Entrevista concedida em 24 de julho de 2002. Santa Brígida/BA.
98
título de indenização pelos anos trabalhados na Fazenda Batoque, a pedido dos romeiros
que administraram a partilha dos bens de Pedro Batista, conforme relatou:
“Paguei uma parte em dinheiro e outra parte em terra, foi assim que eu fiz o
negócio. Passei a terra para o nome de Zé Vicente porque eles mandaram eu
passar para o nome de Zé Vicente.”
178
A tentativa de retomar a fazenda doada a José Vicente revelava mais um
desentendimento na partilha da herança, gerando ressentimentos e desavenças. No
inventário dos bens deixados por Pedro Batista, restaram ainda três casas dentro da
cidade, o armazém e a Fazenda Oliveira, que media aproximadamente duzentas tarefas.
Bens que ficaram com as herdeiras Ana Maria da Conceição, Maria dos Santos e Maria
das Dores dos Santos, a D. Dodô, mulheres que tinham um convívio direto com o beato.
3.4 ROMEIROS SEM BEATO
“Pois ele sempre dizia:
Santa Brígida já é cidade.
Eu vou a minha viagem,
Deus manda em minha vontade.
Eu não vim para ficar;
vamos um dia nos encontrar
no reino da eternidade.”
179
Pedro Batista contava com a ajuda de Maria das Dores, a madrinha Dodô.
Graças ao respeito que o povo tinha por ela, Santa Brígida não experimentou um êxodo
imediato de romeiros após a morte do líder do movimento. Com a morte de Pedro
Batista, madrinha Dodô ocupou o lugar de abençoadora e curadora na comunidade.
A morte de Pedro Batista não significou o fim do movimento. É como se ele
ainda estivesse lá. A sua casa e as suas coisas estão lá para serem vistas. Maria
Anunciada dos Santos não se esquece de iniciar o dia pedindo a benção aos santos:
“Todo dia me levanto: bênção, meu padrinho! Me abençoe, meu padrinho!
Bênção, madrinha Dodô, bênção, padrinho vigário, bênção, nosso Senhor, Pai
eterno e Espírito Santo nos abençoe.”
180
Entretanto, a morte de Pedro Batista representou para os romeiros o início de
uma nova fase em que as decisões pessoais importantes teriam que ser tomadas sem o
178
Antonio Ventra. Entrevista concedida em 24 de julho de 2002. Santa Brígida/BA.
179
Versos produzidos pelo romeiro João Oliveira. Santa Brígida/BA.
180
Maria Anunciada dos Santos. Entrevista concedida em 24 de julho de 2002. Santa Brígida/BA.
99
conselho do beato. A falta de um comando central dificultou a continuidade de trabalhos
coletivos e a realização de operações conjuntas que facilitassem a compra e venda de
mercadorias para os romeiros.
A partida de Pedro Batista significou uma indesejada independência econômica
dos romeiros, cada um passando a se virar com os meios de que dispunha. Santa Brígida
começou a tomar, gradativamente, aspectos comuns a outras pequenas cidades do semi-
árido. Todavia esse desamparo não foi tão drástico para os moradores do núcleo
colonial. Em 1969, enquanto a Prefeitura do Município de Santa Brígida possuía, além
do prefeito e nove vereadores, doze funcionários públicos e um juiz de paz, para atender
uma população de cerca de oito mil pessoas, as 160 famílias do núcleo colonial
contavam com o apoio de trinta e um funcionários federais e uma infra-estrutura bem
superior à disponível aos moradores da sede.
181
Como alento para os romeiros, ficou a convivência com outros romeiros
remanescentes, ligados por laços de compadrio, o que não impediu o sentimento de
tristeza causado pela ausência do beato e posteriormente agravado com a morte de D.
Dodô, ocorrida no dia 28 de agosto de 1998. Antonio Manuel de Araújo expressou este
sentimento:
“Eu sinto a falta dele. A falta dele e de Dona Dodô. Eu sinto até demais.
Também foi uma história que a gente não esquece hora nenhuma, por causa do
prazer que a gente tinha com eles e eles tinham com a gente.”
182
O respeito e a consideração dos romeiros aos benefícios que Pedro Batista e D.
Dodô lhes proporcionaram são manifestados em caminhadas anuais realizadas pelos
arredores da cidade todo dia 11 de novembro, dia da morte do beato, reforçando, ainda
hoje, o clima de reverência e certeza de que ali é o lugar deles. É o sinal remanescente
da existência de um povo que ainda segue os conselhos de seu líder.
181
FUKUI, 1978, p. 337.
182
Antonio Manuel de Araújo. Entrevista concedida em 23 de julho de 2002. Santa Brígida/BA.
100
3.5 OS SUBSTITUTOS DE PEDRO BATISTA
“Chora, chora brasileiro
com lágrimas sentimentais.
Chora mulher, chora homem,
menino, moça e rapaz.
Clama, lamenta esta vista
que outro Pedro Batista
seus olhos não verão mais.”
183
Desde 11 de novembro de 1967, a cadeira de Pedro Batista ficou vazia. Antes de
morrer, Pedro Batista alertara seu povo para o fato de que muitos tentariam substituí-lo.
O primeiro a tentar ocupar o seu lugar, cumprindo a profecia do beato, foi um homem
chamado João Gustavo. Segundo o romeiro José Ricardo dos Santos, o próprio Pedro
Batista alertara para seus romeiros não o procurarem:
“Vocês não vão atrás desse homem que o negócio dele não é certo, é
atrapalhado, perturbação.”
184
João Gustavo conseguiu ganhar a confiança de muitos outros romeiros. Morava
num local chamado Mulungú, próximo à colônia agrícola, onde realizava reuniões
espirituais. Na noite de 21 de dezembro de 1967, pouco mais de um mês após a morte
de Pedro Batista, João Gustavo e seu grupo estavam reunidos em uma casa localizada
na serra próxima à cidade, realizando outra de suas reuniões.
Os rumores de que ele estaria interessado em ocupar o lugar deixado por Pedro
Batista incomodou romeiros e lideranças locais. Sargento Mário, delegado da cidade, a
pedido dos romeiros mais influentes no grupo, encontrou resistência na sua tentativa de
acabar aquela reunião, ocorrendo uma troca de tiros que resultou na morte do líder e de
outro integrante do grupo.
Brasilino Antonio da Silva, romeiro de Pedro Batista e contrário às reuniões
comandadas por João Gustavo, lembrou assim do episódio fatal:
“João Gustavo veio com a turma dele para tomar de conta da cadeira. A
cadeira dele quem podia ficar era ele, não é outro camarada. Ele chegou
querendo tomar de conta da cadeira, aí se deu uma revolução. Eles quiseram
agir com a polícia e aí, falar a verdade, nesse dia mesmo ele morreu. Meu
183
Versos produzidos pelo romeiro João Oliveira. Santa Brígida/BA.
184
José Ricardo dos Santos. Entrevista concedida em 23 de julho de 2002. Santa Brígida/BA.
101
padrinho Pedro Batista era contra isso aí, porque ele sabia que aquele mistério
não era certo.”
185
O então prefeito, Lindoaldo Alves de Oliveira, contou com detalhes o encontro
dos policiais com o grupo e o desfecho do caso:
“Era noite. Não tinha energia. Só tinha um soldado aqui, levou o escrivão de
polícia. Oscar era o soldado, o escrivão de polícia era Elias. Tinha o Joaquim
Zequinha que era muito amigo do delegado e acompanhou ele também, mas eles
jamais pensavam que iam ser recebidos da maneira que foi. O delegado bateu
na porta. Quando abriram a porta, eles lá cantando o xangô deles, o batente da
porta era um pouco alto, assim uns 40 cm do solo, tinha que subi os 40 cm para
entrar pegar o nível da casa aí o delegado cumprimentou ele: - Boa noite! Boa
noite! Moço eu queria falar com o dono da casa. Ele disse: - sou eu. - Qual é o
seu nome? - João Gustavo. Aí disse: - então nós vamos dar um pulinho na
delegacia para você me dizer que se trata essa festa aqui, depois você volta
para dar prosseguimento. Aí ele disse: - Não, eu não tenho nenhuma satisfação
para lhe dar, vou bater minha porta, você se retire. Ele disse: - Não, então você
não está me conhecendo? Ele disse: - Tô, você não é o delegado de polícia? Aí o
delegado disse: - Não, eu vim para resolver, não posso voltar em branco não e
aqui nós desmanchamos o batuque seja de que jeito for. Aí João Gustavo pegou
no sargento pela beca dele para puxar para dentro de casa e os outros
aproveitaram e meteram o cacete nele. Pegou assim uns 15 pontos para 20 na
cabeça, ele desmaiou um pouco ali e lá na cozinha bateram também em Oscar.
Bateram no Elias. Elias ficou com os lábios inchados. Eles entraram para
debaixo da mesa. Eles não podiam bater, só ficaram cutucando. Aí o delegado
foi caindo e o Zequinha que tava fora o segurou. João Gustavo disse: - Bote o
homem para dentro para acabar o serviço, mas a porta era estreita e o
delegado era um pouco forte. Zequinha ainda tinha que subir 40 cm, ficava
pesando uns 200 kg ou mais. Até que puxou para lá, puxou para cá o delegado
se acordou, sacou do revólver e conseguiu se desligar deles. Então todos que
chegavam na porta ele atirava, atirava bem sem medo. Atirou em João Gustavo,
deu 2 tiros, ele caiu para o lado de fora. O pai de Eugênio, que era o substituto,
meteu a cara e ele atirou. Ficou montado em cima do outro, morto também.”
186
O romeiro José Benício Rodrigues da Silva, ligado ao grupo de João Gustavo,
negou que ele tivesse intenção de tomar o lugar de Pedro Batista:
“O pessoal não queria que ele desse conselho ao povo. Quando ele pegou a dar
conselho ao povo, ficaram com raiva dele; até que aconteceu que foram atingir
ele dentro da casa dele. Mas nunca aconteceu essa história não senhor, de
ninguém querer tomar o que era do meu padrinho. Mas antes eu acho que dentro
185
Brasilino Antonio da Silva. Entrevista concedida em 24 de julho de 2002. Santa Brígida/BA.
186
Lindoaldo Alves de Oliveira Entrevista concedida em 24 de julho de 2002. Santa Brígida/BA.
102
de Santa Brígida é mais fácil ter quem até hoje queira tomar o que era do meu
padrinho Pedro Batista do que o pessoal que acompanhava João Gustavo.”
187
Outro que tentou substituir Pedro Batista chamava-se Manoel. Era beato em
Itaíba, Estado de Pernambuco, e veio algumas vezes a Santa Brígida a convite de um
romeiro chamado João da Cajuína. A idéia de ocupar o lugar deixado por Pedro Batista
agradara a Manoel, que marcara a data de sua chegada definitiva.
Antonio Ribeiro dos Anjos, então delegado nomeado pelo prefeito Raimundo
Santana Gomes, consultou a madrinha Dodô e Zé Vigário, principais lideranças dos
romeiros, que rejeitaram a possibilidade daquele beato sentar na cadeira em substituição
a Pedro Batista. Apesar do aviso enviado por Antonio Ribeiro para que o beato Manoel
não viesse para Santa Brígida, ele chegou e conseguiu juntar muita gente numa casa
dentro da cidade. O delegado interveio e conseguiu acabar o movimento, conforme
relatou:
“Fui para a delegacia e mandei uma ordem. Estava assim de gente lá, mandei
uma ordem que o representante dele comparecesse na delegacia, aí chegou lá
valente, aí eu disse: vou dar duas horas para que vocês tirem o velho daqui,
olhe! Duas horas. Também não foi duas horas não, com uma hora e meia
tiraram o velho.”
188
Próximo a Santa Brígida, num local conhecido como Quixadão, também surgiu
outro rezador chamado João Batista. Muitos romeiros se interessaram pela reza deste
homem e reuniam-se aos domingos para visitá-lo, levando presentes. Luiza Maria de
Jesus lembra da passagem dos romeiros ao encontro de João Batista:
“Ele era sozinho e pegou a rezar. Pegou a rezar no povo. Eu não fui lá não.
Quando era de tarde passava aqui aquele comboio de gente com peru e com
galinha para dar a esse homem. Era metido a rezador.”
189
Como ele não tinha propósito de substituir o beato de Santa Brígida, pôde
continuar suas atividades sem maiores transtornos com a comunidade dos romeiros. A
pouca popularidade dele não representava uma ameaça ao trono de Pedro Batista.
187
José Benício Rodrigues da Silva. Entrevista concedida em 22 de julho de 2002. Santa Brígida/BA.
188
Antonio Ribeiro. Entrevista concedida em 23 de julho de 2002. Santa Brígida/BA.
189
Luiza Maria de Jesus. Entrevista concedida em 20 de julho de 2002. Santa Brígida/BA.
103
Uma comunidade de romeiros sem líder era um terreno fértil para surgimento de
novos beatos. Os candidatos conseguiram atrair um pequeno séqüito dentre os romeiros,
mas não puderam dar continuidade ao seu trabalho porque não pertenciam à
comunidade.
Pelas atividades que desempenhava, Madrinha Dodô ficou reconhecida como a
pessoa habilitada a dar seguimento às atividades religiosas comandadas por Pedro
Batista. O trabalho de madrinha Dodô impedira que o movimento messiânico ocorrido
em Santa Brígida pudesse ter mais de um líder, ficando preservada a memória daquele
que conduziu um movimento que transformou a vida de centenas de famílias e que não
poderia ser substituído por ninguém.
3.6 A POLÍTICA E O BEATO
“Na época da eleição
todos romeiros votavam.
Os homens tomaram gosto,
muitas ruínas acabou-se.
Com o seu grande poder
deu a todos conhecer
que para isto aproximou-se.”
190
Para os políticos da região, a chegada de Pedro Batista não causou maiores
preocupações. Desde o início, o Coronel João Sá manteve-se informado do movimento
causado pelo fluxo de romeiros que acorriam a Santa Brígida atrás do conselheiro e
esteve atento aos rumos tomados por esta aglomeração.
Pedro Batista passou a ser mais uma ligação entre o eleitorado e os candidatos a
deputado ou governador. Ele fez a ligação entre o seu povo e o Coronel João Sá,
principal ligação do sertão da região de Jeremoabo com a capital. Assim, o apoio a
Pedro Batista contribuiu para a confirmação de João Sá no comando do processo
político da Região de Jeremoabo. João Gonçalves de Carvalho Sá lembra assim da
impressão deixada por Pedro Batista e da visão de seu avô:
“Mas o meu avô viu nele, um sujeito em primeiro lugar trabalhador. Sujeito
vivendo do seu trabalho não tem tempo para pensar em outras maquinações.
Trabalhador é trabalhador. É homem de coragem e tinha uma série de virtudes.
190
Versos produzidos pelo romeiro João Oliveira. Santa Brígida/BA.
104
Na verdade, ele (João Sá) tinha terra em demasia. Podia oferecer como
ofereceu a Pedro Batista. A primeira vez de graça. Segunda vez já foi vendendo,
mas por um preço absolutamente irrisório. Queria era toda aquela gente ali
trabalhando e conseguiu transformar Jeremoabo num celeiro de cereais da
Bahia.”
191
Pedro Batista era o orientador político do seu povo, que representava a maioria
esmagadora da população. A reverência que o povo tinha por ele desobrigava-o de
grandes esforços para convencê-los a votar naqueles que indicava. Recrutava seus cabos
eleitorais dentre os romeiros e os orientava a divulgarem a sua intenção de voto.
O cabo eleitoral era o indivíduo que por delegação de sua liderança política
ficava responsável pela conquista do eleitorado, como também pelo acompanhamento
dos votantes no dia da eleição, buscando assegurar a fidelidade do voto. No caso de
Santa Brígida, o cabo eleitoral não trazia consigo o referencial da violência física, como
era mais comum, porque ele, como representante do líder espiritual, utiliza-se da fé
como instrumento de pressão. Antonio Ribeiro dos Anjos era um desses cabos
eleitorais:
“Aonde ele mandava votar, todo romeiro, todo romeiro seguia o caminho dele
certo, e eram muitos romeiros, trabalhei muito fazendo eleitores.”
192
Com o sucesso do movimento e a garantia de que Pedro Batista não tencionava
questionar o sistema social, político e econômico, novos indivíduos com perfis
diferentes dos romeiros passaram também a fazer romarias em direção a Santa Brígida:
os políticos. Todos eles viam em Pedro Batista um aglutinador de eleitores, cabendo,
porém, apenas ao Coronel João Sá a preferência na indicação dos candidatos.
As pessoas que chegavam de outros Estados e fincavam residência em Santa
Brígida eram logo compelidas a tirarem o título de eleitor. Um batalhão de eleitores se
formou em torno de Pedro Batista a serviço das intenções do Coronel João Sá, que
manteve com facilidade sua hegemonia política na região.
Lindoaldo Alves de Oliveira, comentando sobre a liderança política demonstrada
por Pedro Batista nas eleições, disse:
191
João Gonçalves de Carvalho Sá. Entrevista concedida em 21 de maio de 2003. Rio de Janeiro/RJ.
192
Antonio Ribeiro dos Anjos. Entrevista concedida em 20 de julho de 2002. Santa Brígida/BA.
105
“Durante as eleições já de 50, 54 e 58, as urnas de Santa Brígida chamavam-se
as bombas atômicas. Apuravam de Jeremoabo, a sede; de Pedro Alexandre, que
na época chamava Voturuna; e Iguaba, que agora chama Coronel João Sá; e
deixavam Santa Brígida por último. Teve uma época aqui, quando da eleição de
1950, que só teve dois votos contra o Coronel João Sá. Então, quando Santa
Brígida se emancipou, aí sim, o comando de seu Pedro se tornou mais forte.
Quando era Pedro Alexandre, Coronel João Sá e Jeremoabo, aqui decidia a
parada, quanto mais só sendo aqui mesmo.”
193
Com o fim da ditadura da Era Vargas, as eleições voltaram a ser o instrumento
de acesso ao poder. O Coronel João Sá não precisou efetuar em Santa Brígida os gastos
comuns aos chefes políticos locais durante o período eleitoral. De acordo com Victor
Nunes,
“são, pois, os fazendeiros e chefes locais quem custeiam as despesas do
alistamento e da eleição. Sem dinheiro e sem interesse direto, o roceiro não
faria o menor sacrifício nesse sentido. Documentos, transporte, alojamento,
refeições, dias de trabalho perdidos, e até roupa, calçado, chapéu para o dia da
eleição, tudo é pago pelos mentores políticos empenhados na sua qualificação e
comparecimento.”
194
Os romeiros de Pedro Batista eram exceção à regra. Por fazerem parte de uma
comunidade que contava com a proteção do líder político da região, tinham interesse
direto com a eleição. Sabiam do acordo tácito de fidelidade política assumido pelo seu
padrinho com o Coronel João Sá. Assim, não precisaram de nenhuma ajuda adicional
para cumprirem com a sua obrigação de eleitor.
Na contagem dos votos das eleições de Jeremoabo, as urnas de Santa Brígida
sempre eram as últimas a serem abertas e acabavam decidindo, favoravelmente, a João
Sá. O poder político de João Sá era tão grande que, segundo Antonio Carlos Costa de
Carvalho Sá, neto do Coronel João Sá, o único lugar na Bahia em que Getúlio Vargas
não ganhou para presidente da república nas eleições de 1950 foi em Jeremoabo, pois o
candidato do PSD, partido do coronel, era Cristiano Machado.
Trata-se esse um fato aparentemente estranho dentro da cultura política do
coronelismo que utilizava a bandeira partidária sem preocupações ideológicas, mas
visando, primeiramente, atender a seus interesses políticos e econômicos, apoiando, nas
193
Lindoaldo Alves de Oliveira. Entrevista concedida em 30 de maio de 1994. Santa Brígida/BA.
194
LEAL, 1993, p. 35.
106
eleições, geralmente àqueles que detinham o poder ou apresentavam-se como prováveis
vitoriosos.
O governo anterior de Getúlio Vargas (1930-1945) representara uma retração do
poder político local devido à ditadura do Estado Novo, em contraste com o
fortalecimento experimentado durante o subseqüente governo de Eurico Gaspar Dutra,
que marcou o retorno à democracia. Entretanto, nas eleições para presidente, em 1955, o
Coronel João Sá unira-se às forças getulistas e, em carta destinada a Pedro Batista, pedia
o apoio do beato:
“Preciso comunicar-lhe que o nosso candidato a Presidência da República é o
Dr. Joselino e Jango a Vice-Presidência, elementos estes que eram ligados ao
falecido Dr. Getúlio Vargas; convém você ir se entendendo com o seu
pessoal.”
195
O aumento populacional causado pelas romarias permitiu ao Coronel João Sá a
formação de um “curral” eleitoral fundamental para a realização de seus interesses
políticos, pois elevou a sua força política, possibilitando maior poder junto ao governo
estadual e federal. Lindoaldo Alves de Oliveira resumiu assim o interesse do Coronel
João Sá em Pedro Batista:
“Era visando a política, e deu certo. Porque seu Pedro chegou e começou a
chegar muita gente. E todo mundo foi tirando título de eleitor. E estes eleitores
estavam sob o comando de João Sá.”
196
Como muitos romeiros eram analfabetos, as vitórias nas urnas deram algum
trabalho. Naquele momento eram recrutados aqueles romeiros que dominavam as letras
para treinar os semi-alfabetizados a preencherem a cédula eleitoral. A romeira Luiza
Maria de Jesus lembra da dificuldade que teve em aprender a votar:
“A gente espiava. ‘Olhe, é quatro letras. Olhe essa aqui.’ Mostrava a foto, mas
a gente é tudo maluco mesmo, não sabia ler. Votava aí devagarzinho. Foi
teimando mulher velha. Aí chegava com aquele negocinho, olhe, você coisa aqui
e aqui, a derradeira é que voga. Aí fomos aprendendo.”
197
195
Arquivo do Museu de Pedro Batista. Santa Brígida/BA.
196
Lindoaldo Alves de Oliveira. Entrevista concedida em 30 de maio de 1994. Santa Brígida/BA.
197
Luiza Maria de Jesus. Entrevista concedida em 20 de julho de 2002. Santa Brígida/BA.
107
A situação de quase unanimidade em torno da vontade de Pedro Batista e,
conseqüentemente, da vontade de João Sá, impediu o aparecimento de uma
característica comum em períodos eleitorais no sertão do Brasil. Não eram necessárias
ameaças aos eleitores nem fraudes na votação. Não havia oposição política à vontade de
Pedro Batista.
O consentimento dado pelo Coronel João Sá para a permanência de Pedro
Batista em Santa Brígida abriu espaço para a formação de uma estrutura de poder
paralela à existente. O poder político do Coronel João Sá na região de Santa Brígida foi
diminuindo à medida que o movimento ganhava proporção. O domínio do controle
político por Pedro Batista na região tornou-se evidente após a morte do coronel e com a
emancipação de Santa Brígida
O principal nome político formado pelo movimento foi o de Zenor Pereira.
Eleito vereador pela primeira vez em 1958, para a Câmara Municipal de Jeremoabo,
como representante do distrito de Santa Brígida, Zenor foi também o primeiro prefeito
eleito na recém-emancipada cidade de Santa Brígida, em 1962. Carvalho Sá, filho do
Coronel João Sá, então morto, comentou como foi a escolha do nome de Zenor:
“Eu fui acomodar nossos correligionários, pois todos queriam ser candidatos.
Uns quatro ou cinco queriam ser. Eu deixei acertado que o candidato seria o
Zenor Pereira e na outra seria o Lindoaldo Alves. E assim foi feito.”
198
O próprio Zenor, relembrando a escolha de seu nome, disse:
“Um grupo político aí escolheu o meu nome e levou a Pedro Batista antes de
levar à convenção. Nesta época, 90% dos eleitores eram romeiros. Ele aprovou
e eu fui eleito.”
199
Apesar de o Coronel João Sá ter morrido em 1958, Pedro Batista tinha por
Carvalho Sá, herdeiro do seu patrono, consideração e respeito pelas indicações políticas
sugeridas. Conforme sugeriu Carvalho Sá, assim aconteceu. Zenor foi eleito em 1962
pelo Partido Social Democrático (PSD), e Lindoaldo, em 1966, pela Aliança
Renovadora Nacional (ARENA), já durante o regime militar. Entretanto, a interferência
198
João Gonçalves Carvalho Sá. Entrevista concedida em 14 de outubro de 1995. Santa Brígida/BA.
199
Zenor Pereira Teixeira. Entrevista concedida em 13 de setembro de 1995. Santa Brígida/BA.
108
política de Carvalho Sá já não foi fator determinante nas eleições seguintes, devido ao
seu afastamento da região.
Talvez a sugestão de Carvalho Sá tenha sido mera coincidência com a vontade
de Pedro Batista. Poucos meses antes de morrer, Pedro Batista revelara a sua convicção
de ser o todo-poderoso em Santa Brígida e da submissão a que todos os que tinham
algum interesse no município estavam sujeitos, quando afirmou:
“Todos têm que vir aqui (apresenta a mão que deve ser beijada em sinal de
reverência): é rico, é pobre, é padre...”
200
Com a morte de Pedro Batista em novembro de 1967, Zenor comandou a
política no município tendo resultados expressivos nas urnas. Em 1970, obteve 616
votos dos 913 existentes. Elegeu seu sucessor, Raimundo Santana Gomes, em 1972, e
voltou à prefeitura em 1976, conquistando 822 votos dos 1.169 eleitores,
201
sempre
sendo candidato pela ARENA. José Franco Vieira, que foi eleito prefeito em 1982,
apoiado também por Zenor, assim explicou o sucesso:
“Depois que Pedro Batista morreu, achamos por bem dar apoio a Zenor porque
toda vida ele foi um cara trabalhador. E ele trouxe muito benefício para o
município. Então permanecemos dando apoio a ele.”
202
Zenor, explicou como conseguiu uma vitoriosa carreira política:
“Em 1958 eu ingressei na política por intermédio do Sr. Pedro Batista, fui eleito
vereador na câmara de Jeremoabo e tive a felicidade de cooperar com a
emancipação de Santa Brígida, sendo eu o vereador que encaminhou a votação
lá na câmara. Aí, em 1962, foi criado o município de Santa Brígida e eu fui
eleito primeiro prefeito; elegi meu sucessor em 1966; retornei candidato único
em 1970, elegi novamente meu sucessor em 1972; voltei outra vez candidato
único em 1976 e em 1982 elegi meu candidato José Franco. A minha amizade
com Pedro Batista fez com que eu me candidatasse a vereador e ganhei todas as
eleições fazendo a política de Pedro Batista: trabalhando, porque seu Pedro era
um homem de trabalho.”
203
200
Filme produzido por Sérgio Muniz durante a semana santa de 1967 e o mês de julho do mesmo ano,
com apoio do Centro de Estudos Rurais e Urbanos e do Instituto de Estudos Brasileiros, ambos da
Universidade de São Paulo
201
Tribunal Regional Eleitoral da Bahia.
202
José Franco Vieira. Entrevista concedida em 13 de janeiro de 1996. Santa Brígida/BA.
203
Zenor Pereira Teixeira. Entrevista concedida em 13 de janeiro de 1996. Santa Brígida/BA.
109
Zenor Pereira ganhou popularidade como funcionário do INCRA e amigo de Pedro Batista.
Convém lembrar que o Brasil vivia sob a ditadura militar iniciada em 1964, e
não havia disputas entre partidos opostos ideologicamente. A falta de oposição
contribuiu para o sucesso político de Zenor Pereira nas eleições durante esse período.
Somente em 1988 foi que o Partido do Movimento Democrático Brasileiro
(PMDB) veio representado por Rosália França na disputa da prefeitura, justamente
contra Zenor Pereira pelo Partido da Frente Liberal (PFL). Essa foi a única derrota de
Zenor em eleições municipais, que foi assim explicada:
“Eu perdi a eleição porque vieram mais de mil eleitores de outros Estados votar
aqui.”
204
Rosália França, eleita com 1.937 votos contra 1.701 de Zenor Pereira, assim
explicou a mudança na política:
“Zenor teve uns dois ou três mandatos usando o nome de Pedro Batista. Mas
depois de minha entrada a coisa mudou. Ele tinha um sistema mais ditador e eu
trouxe mais a democracia.”
205
204
Zenor Pereira Teixeira. Entrevista concedida em 13 de janeiro de 1996. Santa Brígida/BA.
205
Rosália Rodrigues França. Entrevista concedida em 10 de janeiro de 1996. Santa Brígida/BA.
110
Apesar das justificativas, Zenor foi convidado por Rosália a fazer parte da chapa
de sua preferência, nas eleições de 1992, como vice-prefeito. Aceitou e foi, novamente,
eleito.
Pedro Batista representava a unidade política de Santa Brígida. O desejo dele era
o desejo do povo de Santa Brígida. A escolha do nome de Zenor para representar
politicamente o município desde 1958, com o referendo de Pedro Batista e aliado a sua
atuação direta junto à população como funcionário do INCRA na colônia do Km 40, lhe
possibilitou gozar de uma popularidade sentida nos resultados eleitorais até 30 anos
após a morte do pregador, razão pela qual uma aliança política com ele não ter sido
recusada por qualquer político do município.
111
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao contrário de alguns movimentos messiânicos registrados no Brasil, o
movimento de Pedro Batista foi desprovido de questionamentos sobre a organização
social, política e econômica vigente no Brasil. O papel desempenhado por Pedro Batista
o identificava com o de chefe político da região, legitimando, através de seu
movimento, a estrutura social vigente.
O seu movimento foi uma representação desta estrutura social, integrando a
população à realidade existente. Permitiu, entretanto, que a população se adaptasse mais
facilmente às dificuldades locais, criando regras de comportamento, intermediando
atividades econômicas e formando grupos de assistência social e de penitências.
O movimento de Pedro Batista teve como ênfase a reconciliação do homem com
Deus através do cumprimento de regras comportamentais e da disposição para o
trabalho e para as orações. A volta aos padrões antigos de comportamento representou a
recusa aos padrões vigentes no mundo sem, contudo, implicar um afastamento absoluto
da comunidade com a coletividade em geral.
O movimento de Pedro Batista não objetivou livrar o homem da opressão
causada pelo próprio homem. Não foi um protesto contra a exploração do trabalho pelos
ricos, nem contra a vida de miséria dos pobres. A mudança para Santa Brígida não
implicou em mudanças nas relações de trabalho, mas a manutenção daquelas já
existentes na região.
O coronel continuou sendo coronel. As dificuldades climáticas persistiram. O
movimento não fora marcado como forma de protesto pela situação em que viviam, mas
de esperança de vitória contra as forças que impediam a saúde, o trabalho e a salvação.
O movimento ajudou as pessoas a enfrentarem as dificuldades do cotidiano
coletivamente, alimentadas pelo regozijo de estarem fazendo a vontade de Deus.
Enquadrando como um movimento conservador, pois se preocupou com a preservação
dos padrões comportamentais preconizados pelo cristianismo.
A expectativa dos romeiros era que a presença do homem de Deus garantiria a
vitória do bem sobre o mal. A revolução ocorria estritamente no campo espiritual,
112
condição para herdarem o reino dos céus. Não havia uma ação contra as injustiças deste
mundo, mas contra a ação de satanás em suas vidas.
A opção de Pedro Batista por um movimento conservador pode ter sido
resultado do conhecimento das experiências sangrentas em que culminaram outros
movimentos messiânicos anteriores a ele, considerados pelas autoridades públicas e
religiosas como subversivos.
No grupo dos romeiros, Pedro Batista era quem tinha mais consciência da
realidade social, política e econômica do país. Característica essa que lhe permitiu o
comando das atividades produtivas e comerciais, além da obtenção de um acordo
político que garantiu a continuidade do movimento. Apesar de suas qualidades naturais,
a principal condição de sucesso fora a de que ele era reconhecido como santo pelos
romeiros. As notícias acerca da realização de curas deram aos romeiros a certeza de que
a missão de Pedro Batista era sobrenatural. Esta confiança permitiu a liderança do beato
e a obediência dos romeiros, relação que facilitou ainda a realização de obras e
atividades agropecuárias.
O movimento de Pedro Batista foi, em alguns aspectos, semelhante ao
movimento de Antonio Conselheiro, em Canudos. A sua missão era voltada para a
satisfação das necessidades básicas do indivíduo. Seu carisma foi essencial para
conseguir a atração dos romeiros e a formação de uma comunidade. Houve, porém, uma
diferença fundamental que garantiu a durabilidade do movimento: Pedro Batista pediu
permissão para morar e fez aliança política com os, então, líderes, a fim de garantir a
sua segurança e a de seus seguidores.
Os integrantes do movimento formavam efetivamente parte de uma grande
família. A prova disto fora a disposição dos romeiros na participação em atividades
coletivas em fazendas de baianos com o objetivo de cumprir o acordo de cooperação
entre Pedro Batista e as autoridades locais.
A fidelidade de ambas as partes garantia a harmonia necessária para a estada do
povo de Pedro Batista e dos objetivos políticos do principal líder político da região, o
Coronel João Sá, implicando trocas mútuas de favores. Os braços dispostos do povo de
Pedro Batista eram freqüentemente utilizados por João Sá e principais fazendeiros em
suas terras e, nas eleições, os votos eram para os indicados pelo coronel. Em
contrapartida, os líderes políticos proporcionaram a cobertura política e os meios
113
materiais necessários para o progresso do movimento, cedendo ou vendendo terras para
realização de atividades agropecuárias.
O acordo tácito entre Pedro Batista e o Coronel João Sá fora plenamente
cumprido: mão-de-obra abundante e votos garantidos de um lado; terras e liberdade
garantidas de outro. Tratava-se de acordo bastante conhecido entre as partes, pois
refletia a própria relação existente no campo entre trabalhador rural e proprietário de
terra.
O movimento messiânico de Pedro Batista transformou, portanto, o seu líder no
representante legal da comunidade junto aos proprietários de terra para negociar o
equilíbrio de interesses que envolviam esta relação.
A solidariedade entre os integrantes da comunidade de Pedro Batista
possibilitava uma constante preocupação no atendimento das necessidades básicas de
cada um. O objetivo solidário apresentado pelo movimento se concretizava por meio de
entidades formais criadas para a realização de atividades de assistência alimentar e
religiosa.
O desenvolvimento econômico da região e, conseqüentemente, dos romeiros
decorrera de uma conscientização coletiva da necessidade de colaboração com as ordens
do líder. Isto implicou uma participação efetiva no trabalho, fruto do entendimento dos
romeiros de que eles eram os agentes da transformação.
A formação de um núcleo colonial agrícola na fazenda Gameleira, sob a
responsabilidade do Governo Federal, apesar da propaganda, não caracterizou um
exemplo de reforma agrária. Os beneficiados não foram trabalhadores rurais sem terra,
mas romeiros de Pedro Batista que já eram, de fato, proprietários daquelas terras, pois
haviam pago ao Coronel João Sá o valor por ele requerido, aceitando, ainda, pagar um
novo valor ao Governo Federal a título das benfeitorias realizadas, da regularização da
área e pela administração do núcleo.
Como o movimento e a liderança de Pedro Batista foram reconhecidos pela
sociedade local, permanecendo o grupo dos romeiros vivendo dentro de uma mesma
realidade social, econômica e política dos baianos, registrou-se uma tendência, sempre
crescente, de envolvimento dos grupos inicialmente distintos, formando uma única
sociedade.
O sucesso de popularidade percebido durante a peregrinação de Pedro Batista
acenava para a possibilidade de ocorrer um movimento messiânico em algum lugar
114
específico. A escolha da cidade santa recaiu sobre Santa Brígida. A prosperidade
econômica, a solidariedade e o exercício da fé foram o saldo positivo do movimento.
Pedro Batista assumira um papel perante os seus seguidores semelhante ao dos
coronéis com seus empregados: concedeu trabalho para os agricultores; exigiu que os
romeiros votassem nos candidatos por ele indicados; garantiu a permanência deles na
região; deu suporte material às necessidades básicas. Entretanto, foi muito mais que um
coronel. Ele representou um elo do seu povo com Deus, na medida em que motivou nas
pessoas um comportamento tido como digno da cristandade.
O movimento de Pedro Batista teve como objetivo principal proporcionar cura e
salvação para os seus adeptos, além de revigorar os valores morais tradicionais através
da sua regulamentação, da fraternidade e da solidariedade, reforçados pelo sentimento
de irmandade decorrente da instituição de trabalhos e lazeres coletivos e da prática da fé
na chegada de dias melhores graças à presença de um homem em que se acreditava ter
sido enviado por Deus.
115
FONTES
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Ana Alves de França, 21/07/2002, 74 anos, comerciante.
Antonio Calunga, 15/02/1996., 86 anos, agricultor.
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Antonio Nunes Barreto, 22/07/2002, 85 anos, agricultor.
Antonio Ribeiro, 23/07/2002.; 78 anos, comerciante.
Antonio Ribeiro dos Anjos, 20/07/2002. 73 anos, comerciante.
Antonio Ventura, 24/07/2002, 68 anos, agricultor.
Apolinário Neto, 20/01/1996 e 23/07/2002, 86 anos, agricultor.
Brasilino Antonio da Silva, 24/07/2002, 62 anos, agricultor.
Brígida da Silva, 22/07/2002, 76 anos, dona de casa.
Eredita Oliveira dos Santos, 20/07/2002, 68 anos, dona de casa.
Francisco José de Oliveira, 14/08/1995, 82 anos, Padre.
Francisco José dos Santos, 24/07/2002, 54 anos, agricultor.
Geraldo Domingos Neto, 10/03/95, 68 anos, agricultor.
Geraldo Portela, 11/02/1996, 54 anos, funcionário público.
Hildete Silva, 22/07/2002, 72 anos, dona casa.
Jandira Alves, 21/07/2002, 73 anos, dona casa.
João Alves Barbosa, 20/07/2002, 77 anos, agricultor.
João Calunga, 14/03/1995. 98 anos, funcionário público.
João Gonçalves Carvalho Sá, 14/10/1995, 88 anos, comerciante.
José Benício Rodrigues da Silva, 22/07/2002, 73 anos, agricultor.
José Bezerra Delgado, 22/07/2002, 85 anos, rezador.
José Bezerra Lima 13/12/1995, 75 anos, agricultor.
José Euclides, 23/07/2002, 73 anos, agricultor.
José Franco Vieira, 13/01/1996, 53 anos, ex-prefeito de Santa Brígida.
José Manoel da Silva, 24/07/2002, 56 anos, agricultor.
José Pedro Lima, 22/07/2002, 75 anos, agricultor.
José Ricardo dos Santos, 23/07/2002, 70 anos, agricultor.
José Rodrigues dos Santos, 12/12/1995 e 22/07/2002, 82 anos, agricultor.
Júlio Manoel Cardoso, 20/04/96, 74 anos, agricultor.
Lindoaldo Alves de Oliveira, 30/05/1994 e 24/07/2002. 72 anos, ex-prefeito de Santa
Brígida.
Luiza Maria de Jesus, 20/07/2002. 95 anos, agricultora.
Manoel Martins, 21/07/2002, 66 anos, agricultor.
Manoel Pedro, 24/07/2002, 68 anos, agricultor.
Manuel Xanxão, 21/07/2002, 64 anos, agricultor.
Maria Anunciada Santos, 24/07/2002, 60 anos, agricultora.
Maria de Adão, 21/07/2002, 72 anos, agricultora.
Maria Cavalcante, 21/07/2002, 82 anos, agricultora.
Maria Djalma, 22/07/2002, 43 anos, dona de casa.
Maria José, 24/07/2002, 82 anos, dona de casa.
Maria José Bispo, 20/07/2002, 73 anos, agricultora.
Maria José Marques da Silva, 24/07/2002, 51 anos, professora.
Neuza Maria, 22/07/2002, 77 anos, dona de casa.
Odete Silva, 22/07/2002, 57 anos, dona de casa.
Odálio Ribeiro José, 24/07/2002, 73 anos, comerciante.
Pedro Ana, 21/07/2002, 86 anos, agricultora.
116
Raimunda Alves dos Santos, 24/07/2002, 68 anos, dona de casa.
Raimundo Lucas, 24/07/2002, 72 anos, agricultor.
Rosália Rodrigues França, 10/01/1996, 56 anos, ex-prefeita de Santa Brígida.
Tereza Maria, 24/07/2002, 72 anos, dona de casa.
Valdemar Barbosa, 21/07/2002, 73 anos, dona de casa.
Valdete Souza da Silva, 22/07/2002, 71 anos, dona de casa.
Zenor Pereira Teixeira, 13/10/1995, 70 anos, ex-prefeito de Santa Brígida.
Zezito Apóstolo, 24/07/2002, 68 anos, funcionário público.
II. FONTES IMPRESSAS
2.1. MUSEU DE PEDRO BATISTA, SANTA BRÍGIDA/BA.
- Proposta de empréstimo agrícola junto ao Banco do Nordeste do Brasil S/A, em
15 de dezembro de 1955.
- Documentos fiscais da firma de Pedro Batista, autorizados pela Coletoria
Estadual de Jeremoabo.
- Documentos fiscais referentes ao pagamento do Imposto Territorial Rural à
prepostos da Coletoria estadual de Jeremoabo.
- Contrato de empréstimos bancários junto ao BNB para financiamento de suas
atividades agrícolas.
- Livro com registro de custos das obras coordenadas por Pedro Batista.
- Catas escritas por Coronel João Sá destinadas a Pedro Batista.
2.2. TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL DA BAHIA
- Resultados eleitorais das eleições municipais em Santa Brígida de 1962 a 1992.
2.3. PERIÓDICOS:
- Jornal “O ESTADO DA BAHIA” – Salvador/BA, 12 de julho de 1954.
- Jornal “TRIBUNA DE JUAZEIRO” – Juazeiro do Norte/CE, 23 de outubro de
1966.
2.4. INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA - IBGE
- Censo econômico e demográfico do nordeste da Bahia relativo ao período de
1940 a 1990.
2.5. BIBLIOTECA DA ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DA BAHIA.
Biografia do Coronel João Sá e de João Gonçalves Carvalho Sá.
III. FONTES LITERÁRIAS
3.1. POESIAS DE JOÃO DE OLIVEIRA – SANTA BRÍGIDA/BA.
“Vida e morte do meu padrinho.”
IV. FONTES MANUSCRITAS
4.1. CARTÓRIO DA COMARCA DE JEREMOABO.
- Promessa de compra e venda da Fazenda Gameleira.
V. FONTES ICONOGRÁFICAS
FILME “O POVO DO VELHO PEDRO” DE SÉRGIO MUNIZ.
(PATROCINADO PELO CENTRO DE ESTUDOS RURAIS E URBANOS E
117
PELO INSTITUTO DE ESTUDOS BRASILEIROS, AMBOS DA
UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO)
118
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Janeiro: Briguiet, 1960.
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Brasileira. 1968.
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Sociologia de Maria Isaura Pereira de Queiroz. Fapesp: 1996.
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