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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA
FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
MESTRADO EM HISTÓRIA
A TARDE E A CONSTRUÇÃO DOS SENTIDOS
IDEOLOGIA E POLÍTICA (1928 – 1931)
MARIA DO SOCORRO SOARES FERREIRA
SALVADOR / BAHIA
JUNHO / 2002
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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA
FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
MESTRADO EM HISTÓRIA
A TARDE E A CONSTRUÇÃO DOS SENTIDOS
IDEOLOGIA E POLÍTICA (1928 – 1931)
Dissertação final de curso apresentada ao Mestrado
em História da Universidade Federal da Bahia como
requisito parcial à obtenção do grau de mestre em
História
MARIA DO SOCORRO SOARES FERREIRA
ORIENTADOR: Prof. Dr. ANTÔNIO FERNANDO GUERREIRO
SALVADOR – BAHIA
JUNHO / 2002
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Para João e Rafael, luzes no meu caminho.
Que eu, através do meu trabalho, possa
também iluminar suas vidas.
AGRADECIMENTOS
A Deus, a todos os santos e orixás, especialmente à guerreira Iansã. Muita gente sempre
participa dos trabalhos que fazemos de muitas e variadas maneiras: conversando sobre o tema,
ouvindo-nos conjeturar idéias, dizendo que confiam no nosso trabalho, lendo e discutindo,
corrigindo ou puxando-nos pelo braço quando antes de começar já achamos que está tudo
perdido. A todos que fizeram isso comigo, tenho muito a agradecer. Algumas porém fizeram
mais... Lucy e Adriana coletaram dados e transcreveram boa parte dos textos do jornal. O
Colegiado do Mestrado em História, tolerante com o meu problema de saúde, fez ressaltar a
solidariedade de Maria Hilda. Ao Prof. Antônio F. Guerreiro, agradeço pela leitura atenta. Ao
Departamento de Filosofia da UCSal e ao Colegiado de História do Departamento de
Educação do Campus II da Uneb, pela liberação e apoio, particularmente, agradeço aos
colegas Paulo Santos Silva, Marilécia Oliveira Santos, Ronalda Barreto que, em diferentes
momentos, me instigaram a escrever; leram e discutiram a primeira versão deste trabalho.
Luciano Magnavita ajudou-me a definir a estrutura do trabalho e, na fase final, foi uma
presença marcante colaborando de muitos modos. Nazaré, com sua incomum solidariedade,
me ajudou a minimizar os efeitos corrosivos da descrença em que estava mergulhada, além da
intensa assistência intelectual, suscitando questões que nortearam a fundamentação teórico-
metodológica. A Plutarco, pelo seu trabalho na classificação de parte dos textos e pelas
discussões inteligentes e animadoras que por vezes tivemos. Marina, sempre solícita e
prestativa no atendimento da biblioteca. E, aqui, um agradecimento especial àqueles que por
razões diversas participaram deste trabalho, especialmente aos que, entendendo as minhas
limitações por questões de saúde, me animaram, me incentivaram e me compreenderam.
Dentre estas pessoas destacam-se as amigas Maria Aparecida Sanches e Maria do Carmo.
Estas amigas foram fundamentais para a realização deste trabalho. Ao Dr. Jorge Andrade e
Dra. Lenísia, diretores do SMU, pela solicitude com que acompanharam o meu caso. Aos
oftalmologistas, Aidil Brito, Dr. Augusto Velasco Cruz, Dr. Nelson Boeira que através da
busca de respostas aos meus anseios de cura, em diferentes momentos, participaram deste
trabalho. Por fim, agradeço a Maria Perpétua por ter se dedicado à delicada tarefa de cuidar
dos meus filhos neste período de tantos distanciamentos.
Seja qual for o rótulo, porém a pretensão é a
mesma: entender o sentido da vida, não numa vã
tentativa de dar respostas últimas aos grandes
enigmas filosóficos, mas oferecendo um acesso a
respostas dadas por outros, tanto nas rotinas
diárias de suas vidas quanto na organização
formal de suas idéias, séculos atrás.
Robert Darnton. O beijo de Lamourette
SUMÁRIO
Pág.
INTRODUÇÃO .................................................................................................................... 9
Período ................................................................................................................................. 11
Fonte .................................................................................................................................... 12
Referências de Análise ......................................................................................................... 14
CAPÍTULO I - A ATUAÇÃO DO JORNAL A TARDE NA POLÍTICA PARTIDÁRIA . 20
I.1 O Fim da Primeira República na Bahia .......................................................................... 22
I.2 O Significado da Revolução de 1930 .............................................................................. 37
CAPÍTULO II – OS MATIZES IDEOLÓGICOS DO DISCURSO DO A TARDE .......... 54
II.1 Imprensa e Imaginário Político ..................................................................................... 55
II.2 A Reforma Moral da República ..................................................................................... 68
II.3 A Visão da Sociedade ..................................................................................................... 71
II.3.1 O domínio das elites .................................................................................................... 74
II.3.2 A participação da mulher na política: a questão do voto feminino ............................. 78
II.3.3 Os limites racistas da cidadania ................................................................................... 83
CAPÍTULO III - AS DIRETRIZES DA POLÍTICA ECONÔMICA ................................. 89
III.1 O Futuro do Brasil ........................................................................................................ 90
III.2 Os Pilares da Economia Baiana: A Agricultura e o Comércio ..................................... 96
III.3 A Diversificação da Produção como Condição para o Progresso ................................ 101
III.4 A Política Financeira ................................................................................................... 106
CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................. 116
BIBLIOGRÁFICAS .............................................................................................................. 120
RESUMO
Este trabalho buscou demonstrar que a ideologia liberal burguesa era, no período de transição
da Primeira para a Segunda República, o pressuposto básico do pensamento político do jornal
A Tarde. Através da noção de progresso, central no ideário burguês do jornal, justificava-se a
defesa dos empreendimentos capitalistas, e de padrões de civilidade que excluíam os
costumes e práticas populares. Desse modo, a atuação do jornal transcendia a política
partidária e inscrevia-se no âmbito das relações miúdas do cotidiano através das
representações sociais, que reafirmavam determinados valores e crenças, tais como a
hierarquização das raças e a resistência à emancipação política da mulher. Além disso,
evidencia-se o uso da imprensa como instrumento de manipulação de interesses particulares,
legitimando publicamente privilégios de determinados segmentos da elite baiana.
Palavras-chave: ideologia; política; política-partidária; discurso; crenças; valores.
ABSTRACT
This work tried to demonstrate that the liberal bourgeois ideology was, in the transition period
of the Primeira República for the Segunda República, the basic presupposition of the political
thought of the A Tarde newspaper. Through the notion of progress, central in the bourgeois
set of ideas of the newspaper, was justified both the defense of capitalist enterprises, and of
civility patterns that excluded the popular habits and practices. In this way, the performance
of the newspaper surpassed the political supporting and was enrolled in the extent of the small
daily relationships through the social representations, which reaffirmed certain values and
faiths, such as the hierarchization of the races and the resistance to the woman's political
emancipation. Besides, the use of the press is evidenced as instrument of manipulation of
private interests, legitimating openly certain privileges of segments of the baiana elite.
Key-words: ideology; politics; politics-supporting; speech; faiths; values.
9
INTRODUÇÃO
A idéia de fazer uma história do jornal A Tarde surgiu a partir de
discussões com colegas que, como eu, buscavam critérios que validassem a
escolha de um tema de pesquisa histórica. A participação na seleção para o
Mestrado motivava nossa discussão. Foi, assim, em especulações de neófitos que
defini o meu tema de pesquisa.
Apesar de ser o jornal de maior circulação na Bahia e servir de fonte para
muitos estudos, o jornal A Tarde não teve ainda sua história pesquisada.
Entretanto, não me interessei por escrever a história da instituição. Preferi
explorar o universo de idéias que circularam por suas páginas no limiar da década
de 30 do século XX, enfocando, sobretudo, os valores que se afirmavam e
reafirmavam cotidianamente. Enfim, me interessei em analisar o jornal como
agente social, não só enquanto divulgador de idéias e valores, mas também como
veículo de comunicação colaborador na construção de sentidos e,
conseqüentemente, de acontecimentos.
Estes eram os primeiros esboços para construir um objeto de estudo, e
sentia-me ainda confusa e insegura, sem saber como propriamente delimitar um
objeto para uma pesquisa exeqüível. Foi um passo determinante aprender que a
angústia não é uma negação da possibilidade de criar, ao contrário, ao se fazer
presente, participa também do processo criativo. Pude entender, não somente no
nível intelectual, mas, sobretudo no prático, que produzir conhecimento é
permitir-se ser parcial, abandonar qualquer pretensão à neutralidade absoluta,
deixar transparecer as escolhas subjetivas, um estilo próprio e, inevitavelmente,
permitir-se exercitar a criatividade, recriar, enfim, apresentar-se como sujeito.
Sem, contudo, abandonar o propósito de buscar a verdade dos fatos e de fazer
descrições mais neutras o quanto possível for. Esse dilema persegue aqueles que
se aventuram na atividade intelectual: o afã de expor as próprias idéias, está, a
todo instante, em penosa luta contra a busca obsessiva de recursos para construir
um conhecimento imparcial.
10
A primeira versão do meu projeto de pesquisa foi elaborada com o
objetivo de identificar e retratar os posicionamentos de A Tarde ante os
desdobramentos políticos do “movimento revolucionário de 1930”, sob a
liderança de Getúlio Vargas, até o ano de 1945, com o fim do Estado Novo.
1
No Mestrado, reconheci a amplitude do tema e a heterogeneidade do
período, constituído por conjunturas diferentes, sendo mais sensato optar por
apenas uma delas. Logo nos primeiros momentos, constatei que qualquer que
fosse a conjuntura escolhida, seria fundamental investigar qual o significado da
revolução de 30, para o jornal. Daí os marcos temporais desta pesquisa entre 1928
e 1931. O significado da revolução, construído pelo jornal A Tarde, decorria dos
acontecimentos políticos da Bahia pré-revolucionária. Particularmente da
campanha eleitoral para o governo do Estado, em 1928. Aliás, era durante as
campanhas eleitorais, que havia efetiva movimentação político-partidária. Por
outro lado, o ano de 1931 marca o início da mobilização contra a centralização do
poder pelo presidente Vargas. O objetivo deste trabalho consiste na análise dos
conteúdos político-ideológicos do jornal A Tarde na transição da Primeira para a
Segunda República.
Trata-se de um estudo inserido no campo da história das idéias políticas,
pela perspectiva da história política renovada, a qual compreende que a origem, a
formação e a difusão das idéias políticas se fazem através das diversas instâncias
sociais. As idéias, desse modo, deixam de ser produto da elaboração individual
dos grandes pensadores para serem criação coletiva dos diferentes sujeitos sociais,
caracterizando seus interesses políticos e matizes ideológicos.
2
1
A história política brasileira foi marcada a partir de 1930 por uma ruptura institucional, consagrada como
Revolução de 30. Todavia, esta designação não é consensual e este acontecimento histórico tem numerosos
significados, construídos a partir da perspectiva dos diferentes atores sociais que o debatem. Ver BORGES,
Vavy Pacheco. “Anos trinta e política: história e historiografia. In FREITAS, Marcos Cezar (org.).
Historiografia brasileira em perspectiva. São Paulo: Contexto, 1998.
2
FALCON, Francisco. História das idéias. In CARDOSO, Ciro Flamarion e VAINFAS, Ronaldo. Domínios da
História : ensaios de teoria e metodologia. Rio de Janeiro: Campus, 1997, p. 91-125. O autor expõe a trajetória
da história da idéias, discutindo a variação do conceito de idéia no âmbito da historiografia, bem como a
multiplicidade de disciplinas históricas que se ocupam das idéias, mesmo que estas não sejam, em alguns casos,
objeto exclusivo. Ver também do mesmo autor, na obra citada, cap. 3, p. 61-89. Trata da evolução da história
política, a qual passou, nos últimos tempos, por uma renovação, ampliando o campo de investigação.
11
Período
A análise dos discursos e declarações divulgados diariamente pelo jornal A
Tarde, nos anos de 1928 a 1931, permite reconstituir o ideário político que
norteou sua atuação no momento da transição da Primeira para a Segunda
República. O ano de 1928 marcaria a consolidação do poder de um novo padrão
de oligarquia na Bahia: a “oligarquia colegiada”, não fosse a abrupta suspensão
provocada pelo “movimento revolucionário de 1930”. A eleição para o governo
do estado naquele ano consolidaria a aliança feita em 1924 entre Góes Calmon,
lançado pelo governador J. J. Seabra, e os membros da Concentração Republicana
da Bahia (CRB), que faziam oposição ao governador. Para consubstanciar esta
aliança foi fundado, em 1927, o segundo Partido Republicano da Bahia (PRB),
que assumia a liderança política da Bahia com a vitória de Vital Soares em 1928
para o governo do estado.
O “movimento revolucionário de 1930” desarticulou as alianças das elites
regionais deslocando-as do poder. Os membros do PRB, partido que havia
conquistado o poder na última eleição para governador, assistiram impotentes ao
desbaratamento do seu projeto de dominação política. O “mal estar” causado por
esta circunstância começou a ser combatido no ano de 1931. A partir deste ano, o
grupo que fora destituído do poder passou a manifestar abertamente protestos ao
Governo Provisório, reivindicando uma nova Constituição para o país. O jornal A
Tarde foi, nesta conjuntura política, um canal de expressão das insatisfações deste
segmento das elites locais.
Para a reconstituição do quadro político-administrativo da Bahia na
Primeira República e nos primeiros anos da década de 1930, foram fundamentais
os estudos de Consuelo Novais Sampaio, a qual oferece uma amostra da dinâmica
da atividade político-partidária na Primeira República e demonstra que esta
atividade se orientava mais pela disputa de poderes pessoais do que por um
projeto político para a coletividade.
3
A organização da atividade político-
3
SAMPAIO, Consuelo Novais. Os partidos políticos da Bahia na Primeira República. Uma política de
acomodação. Salvador : Centro Editorial e Didático da UFBA, 1975.
12
partidária na Primeira República foi também estudada por Eul-Soo Pang. O autor
não se interessa propriamente pela constituição dos partidos, mas em classificar os
grupos políticos de acordo com a estrutura sócio-econômica de sua origem,
criando categorias explicativas inspiradas pelos estudos antropológicos.
4
Paulo
Santos Silva, através da análise da produção historiográfica dos anos de 1930,
estudou a articulação entre militância política e o exercício da intelectualidade. O
autor enfatiza a importância da imprensa na formação e atuação dos intelectuais-
políticos baianos.
5
Os momentos de ruptura de uma determinada ordem são propícios ao
estudo das estruturas sociais, políticas e/ou ideológicas, dado que estes momentos
de transição são marcados pela coexistência da ordem tradicional e da nova
ordem; aquela se manifestando através desta, como se estivesse a nos dizer que os
seres humanos não escapam da sua história passada, ainda que possam, apesar
disso, reinventá-la incessantemente.
Fonte
Este trabalho tem como fonte única o jornal A Tarde. A pesquisa
privilegiou a seleção dos editoriais que, na época em estudo, apareciam sob o
título Tópicos, apresentando a opinião do jornal sobre diversa gama de assuntos e
acontecimentos. Mas a parcialidade dos discursos jornalísticos se evidencia nas
matérias noticiosas, vez que a notícia não é o que aconteceu no passado, mas o
relato dos sujeitos sociais sobre o que aconteceu.
6
Portanto, as notícias foram
tomadas também como expressão da opinião do grupo político representado no
4
PANG, Eul-Soo. Coronelismo e oligarquias (1889 – 1930). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1979.
5
SILVA, Paulo Santos. Âncoras de tradição. Luta política, intelectuais e construção do discurso histórico na
Bahia (1930 – 1949). Salvador: EDUFBA, 2000.
6
DARNTON, Robert. O beijo de Lamourette. dia, cultura e revolução. São Paulo: Companhia das Letras,
1990. O autor discute, através de uma coletânea de artigos escritos em diferentes momentos, questões teóricas e
metodológicas sobre a história das idéias, acentuando que o papel da história consiste em descobrir a condição
humana tal como foi vivida pelos nossos antepassados. Analisa o funcionamento dos meios de comunicação,
ressaltando que o significado das idéias que divulgam é derivado das representações que os sujeitos sociais
envolvidos na produção dos conteúdos discursivos fazem de si mesmos e do seu papel na sociedade. Ver
particularmente o capítulo 5.
13
discurso do jornal A Tarde, assim como os artigos assinados, em geral por
intelectuais que tinham afinidades políticas com Ernesto Simões Filho, seu
proprietário.
7
Por ser importante fonte de expressão das elites, a imprensa é uma das
instâncias sociais que mais colaboram na execução dos seus projetos políticos.
Esse papel ganha forma com a divulgação de idéias e valores, que em geral criam
condições favoráveis à aceitação do domínio das elites. A escolha do jornal A
Tarde como fonte única segue a iniciativa de outros estudos. Em relação à ligação
entre jornalismo e política, Léia de Souza Oliveira relata como a imprensa mato-
grossense criou mecanismos para difundir a postura do regime varguista, suas
idéias políticas, seus objetivos e perspectivas.
8
O jornal A Tarde, longe de ser um veículo imparcial, comprometido
apenas com a pura informação, como propagava, desempenhou desde sua
fundação em 1912 o papel de porta-voz de um grupo político e deu sustentação
ideológica aos interesses políticos e econômicos imediatos desse grupo. Essa,
aliás, era a contrapartida de Simões Filho nas alianças e acordos políticos.
9
A
abordagem dos jornais como agentes sociais que atuam no processo político, feita
por Maria Helena Capelato e Maria Lígia Prado, foi de grande importância para a
estruturação desta pesquisa. As autoras elegeram o jornal O Estado de São Paulo
como fonte única de investigação e análise e enfatizaram o papel da imprensa
como instrumento de intervenção na vida política que, manipulando interesses
específicos, atua na modelagem da consciência social de significativos segmentos
sociais.
10
Nesta mesma perspectiva, mas ampliando o universo da pesquisa,
7
Ernesto Simões Filho se inseriu na política baiana através da militância na Gazeta do Povo a favor do
seabrismo. Em 1913, um ano após a fundação do seu próprio jornal, desvinculou-se do segmento seabrista
passando a exercer grande influência na formação política e intelectual de uma parcela significativa da elite
baiana. Sobre este último aspecto ver SILVA, Paulo Santos. Âncoras de tradição, p. 84.
8
OLIVEIRA, Léia de Souza. Tempo de esperança. A imagem do Estado Novo na imprensa mato-grossense.
Dissertação ( Mestrado em História) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 1995, (mimeo).
A autora analisa os editoriais, assinalando que reproduziam os discursos oficiais, através da difusão de notícias
que enaltecendo o governo e exaltando seus feitos transformavam o líder político em mito.
9
SANTOS, Mário Augusto da Silva. Associação Comercial da Bahia na Primeira República: Um grupo de
Pressão. Salvador: Secretaria da Indústria, Comércio e Turismo, 1985, p.p. 142-3
10
CAPELATO, Maria Helena; PRADO, Maria Lígia. O Bravo Matutino.. Imprensa e ideologia: o jornal O
Estado de São Paulo. São Paulo: Alfa-Omega, 1980. As autoras analisaram os editoriais do jornal O Estado de
São Paulo destacando a ação política deste periódico entre os anos de 1927 e 1937. Este estudo demonstra a
maleabilidade do jornal em conciliar os posicionamentos políticos com as exigências do liberalismo: O ESP
14
destaca-se também o estudo que Maria Helena Capelato desenvolveu sobre a
imprensa paulista nos anos de 1920 a 1945. A autora usa os jornais como fonte
única de pesquisa, porém analisa diferentes periódicos para desvendar os
fundamentos da ideologia liberal burguesa nos posicionamentos da imprensa
paulista.
11
Referências de Análise
Este estudo busca analisar como o principal jornal de Salvador interagiu na
sociedade baiana no período de transição da Primeira para a Segunda República.
12
Neste sentido, tento mostrar que o trajeto do discurso do jornal revela o ponto de
vista de um influente segmento social - formado por juristas, literatos, políticos,
jornalistas -, que enaltecia o desenvolvimento econômico, tecnológico, intelectual,
enfim cultural dos países europeus e norte-americanos, tomados como exemplos a
copiar. Procuro evidenciar que o projeto político para a Bahia, insinuado através
das reiteradas exortações ao progresso e desenvolvimento do estado, era, fundado
nos interesses específicos deste grupo social e tinha como objetivo principal
preservar os seus privilégios.
O intento de desenvolver um estudo de história política da Bahia que
tivesse por finalidade compreender as representações emanadas do jornal A Tarde
me impôs tomar decisões relativas ao referendo das minhas análises, a partir de
autores/as que, de algum modo, travam discussões acerca do fenômeno político e,
ajustava suas opiniões com os interesses dos cafeicultores paulistas defendo a hegemonia política e econômica
do Estado de São Paulo em relação às outras unidades da Federação.
11
CAPELATO, Maria Helena. Os arautos do liberalismo. Imprensa paulista (1920 – 1945). São Paulo:
Brasiliense, 1989.
12
O jornal A Tarde, fundado em 1912, ocupa desde então um papel central na história da Bahia. Pode-se
verificar sua importância sob vários aspectos, primeiro por introduzir inovações tecnológicas na imprensa
baiana que até sua fundação tinha feições artesanais. Para Consuelo Novais, no livro Partidos Políticos da Bahia
na Primeira República, o A Tarde remodelou a forma de diagramar os jornais, incorporando uma titulação
destacada, abundante noticiário ilustrado e a prática freqüente de entrevistas com a despersonalização do
jornalista em proveito do jornal, atraindo um público leitor mais amplo. Além disso, segundo Paulo Santos Silva,
A Tarde exerceu grande influência na formação intelectual e política de setores da elite baiana.
15
também, da ideologia, da cultura política e do discurso, pois é impossível para a
história política renovada isolar-se de outras ciências sociais e outras disciplinas.
13
A primeira pista a seguir era levar em consideração um conceito de
política como atividade ou práxis humana estreitamente ligada ao poder,
entendido como fenômeno social. A especificidade do poder político é exercer-se
concomitantemente ao poder econômico e ideológico. Portanto, é pertinente
valorizar a dinamicidade com que se constitui o todo social, ou seja, o
entrecruzamento dos diversos poderes formando redes complexas, e não
instâncias estanques, com funcionamento próprio e isolado.
14
Neste sentido, a noção de poder, desenvolvida e utilizada por Michel
Foucault, que entende o político como o elemento que tece as mais diversas
relações sociais em todos os níveis, se mostra bastante adequada. O seu mérito
está em romper com a perspectiva universal que elabora uma teoria geral.
Distanciando-se da busca das características gerais do poder, depara-se com suas
formas díspares, heterogêneas, em constante transformação. O poder é entendido
como uma prática social constituída historicamente.
15
Estas análises deslocaram a investigação sobre o poder da esfera do Estado
e identificaram o próprio saber como uma forma de poder. Além disso,
eliminaram a distinção entre ciência e ideologia, pois saber e poder se implicam
mutuamente. Portanto, o conceito foucaultiano de poder é um importante
instrumento de análise, porque parece superar uma visão maniqueísta das relações
sociais, onde o poder aparece ou como providência de todas as faltas ou como
mero mecanismo de dominação. Foucault enfatiza o aspecto positivo do poder,
quando constata que é através desta positividade que se ordena, se operacionaliza
e se produz a vida em sociedade. Entretanto, não deixa de assinalar o lado
negativo de dominação, implícita na noção de poder, pois nas diferentes práticas
13
RÉMOND, René. Uma história presente. In RÉMOND René ( org. ). Por uma história política. Rio de
Janeiro : UFRJ, 1996, p. 29. Segundo o autor a renovação da história política foi estimulada pelo contato com
outras ciências sociais e pelas trocas com outras disciplinas, sendo esta abertura às contribuições externas uma
necessidade imperativa para a história política, que dada a natureza interdisciplinar do seu objeto, é chamada de
ciência-encruzilhada.
14
BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, N.; PASQUINO, G. Dicionário de política. Brasília : Universidade de
Brasília, 1986.
15
FOUCAULT, Michel. Miicrofísica do poder. 13 ed., Rio de Janeiro : Graal, 1998.
16
sociais o poder se exerce através de procedimentos de exclusão: as interdições,
separações e os sistemas de verdade.
16
Esta concepção de política na medida em que permite entender o político
não apenas restrito às relações burocráticas e institucionais, mas tecendo as
relações cotidianas e os discursos que relatam os diversos acontecimentos,
mostrou-se útil desde o início da pesquisa, inclusive na orientação da coleta dos
dados. Para caracterizar o pensamento político expresso cotidianamente pelo
jornal e identificar seus posicionamentos ideológicos, a definição de política foi
fundamental. Partindo de uma oposição de classes dominantes e dominadas,
entendendo a política apenas como um jogo de relações simétricas de dominação,
perderia a oportunidade de acompanhar os caminhos sinuosos das relações de
dominação revelados pelas contradições dos discursos, ou ainda deixaria de
desvendar como estas relações se constituem, se exercitam, se reafirmam no
cotidiano através das repetições dos discursos e dos seus conteúdos ideológicos.
O conceito de ideologia utilizado segue a formulação de Karl Mannheim,
que propõe uma ampliação do conceito marxista. Este não perde sua validade,
mas sua limitação é evidenciada na medida em que o seu uso impõe uma oposição
entre uma realidade real e outra falseada. Mesmo admitindo que a vida em
sociedade propicia a existência de grupos antagônicos e que a imposição de uns
sobre os outros permite, em certos níveis, a inversão de valores, não é mais
possível pretender-se falar de uma perspectiva de neutralidade, da qual se
distingue verdade e mentira. Esta perspectiva está implícita na definição de
ideologia como inversão da realidade, constituindo-se as análises que dela se
utilizam como denúncias dos choques de interesses particulares. Importa que
sejam feitas, diga-se, desde que não se perca a perspectiva de analisar como se
constituem os efeitos de verdade no interior dos discursos produzidos
socialmente. Daí a opção por um conceito de ideologia como estrutura conceitual
dos modos de pensar, definidos conforme as diferentes situações de vida dos
sujeitos sociais implicados na sua visão de mundo.
17
16
FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso. São Paulo : Loyola, 1999.
17
MANNHEIM, Karl. Ideologia e Utopia. 4 ed., Rio de Janeiro : Zahar, 1982.
17
Através deste conceito o significado das idéias, das crenças, dos valores
que estão presentes no discurso jornalístico de A Tarde tornou-se mais abrangente
indicando, além dos interesses imediatos do grupo político ligado ao Partido
Republicano da Bahia (PRB), o modo de pensar próprio da elite política e letrada
da época. Ao resvalar, pelo seu discurso, uma concepção do índio como selvagem,
por exemplo, o jornal se insere no campo da cultura política não só porque
difunde idéias preconceituosas sobre a convivência com a diversidade social, e,
portanto, constrói e reforça os “procedimentos de exclusão” através da
significação dos sujeitos sociais, como o faz advogando para si o papel de educar
a população. Ressalte-se, porém, mais uma vez, que este conceito não invalida o
conceito marxista, antes o inclui. As análises dos conteúdos ideológicos do
discurso jornalístico apoiaram-se também na análise do discurso proposta por
Mikhail Bakhtin. Segundo este autor, o fenômeno da ideologia deve explicar-se
com base numa filosofia da linguagem. A ideologia é um reflexo das estruturas
sociais, um fragmento da realidade, sendo a palavra o fenômeno ideológico por
excelência, cujos significados desvelam as práticas sociais, remetendo a algo
situado fora de si mesmo.
18
Assim, implícito no discurso do jornal encontra-se a construção de sua
identidade, a qual revela um projeto pedagógico que evidentemente tem uma
função política: quer ensinar os baianos a exercerem sua cidadania, para isso
sugere comportamentos; quer ensiná-los a abandonar o “atraso” sócio-econômico
e cultural, para isso sugere medidas; quer ensinar os baianos a passear pela
“modernidade” e pelo “progresso”, e então oferece modelos. A leitura do jornal
estava carregada de sentidos, mas o seu discurso revestia-se de uma autoridade,
em saberes considerados legítimos. Diante disso é que se fez necessário optar por
uma abordagem que caracterizasse o discurso como uma forma de poder. Esta
abordagem, discursiva, tem sua origem, dentre outros, nas próprias reflexões de
Foucault, sobretudo conforme caracterizado em Arqueologia do Saber, e constitui
como útil instrumento de análise, negando o texto em si enquanto fonte exclusiva
dos sentidos, e remetendo para aspectos extra-linguísticos que determinam o dizer
- as condições de produção do texto – as relações de poder, o jogo entre o
18
BAKHTIN, Mikhail. Marxismo e filosofia da linguagem. 6 ed., São Paulo: Hucitec, 1992.
18
instituído e o instituinte, os outros discursos, a interdiscursividade, a situação
discursiva, etc.
19
Portanto, compreendendo a linguagem como espaço de tensões, conflitos,
jogo, busquei na análise do discurso a possibilidade de apreender a contradição
expressa nas entrelinhas do dizer e que tivesse uma abrangência tal que pudesse
abarcar toda a polissemia característica de conceitos amplos como política,
ideologia, cultura, de modo a não fechar, mas abrir teias de significação,
aproximando e afastando considerações aparentemente inconciliáveis e que
guardam similitudes possíveis, sem desconsiderar suas contradições intrínsecas. A
análise de discurso tem como objeto o texto e além da polissemia da linguagem
leva em conta a intertextualidade, isto é, a relação de um texto com outros
existentes, possíveis e imaginários.
20
Nesse movimento, as interpretações
passaram a fluir, mesmo que muitas das vezes atravessando obstruções que o
objeto escolhido traz em seu interior e que lhe são constitutivos.
O presente trabalho foi dividido em três capítulos. No primeiro fiz uma
reconstituição do quadro político-administrativo da Bahia no final da Primeira
República, buscando caracterizar as forças que dirigiam o estado baiano bem
como o processo político-partidário a que estavam afeitas, para evidenciar que o
jornal A Tarde participou neste processo refletindo os interesses imediatos e
conjunturais de Simões Filho e do seu grupo de político. Isto através da defesa de
valores que engrandeciam seus aliados, sempre buscando legitimidade numa razão
intrínseca aos fatos e numa suposta ética isenta de partidarismos, argumentação
que se prestava também à justificação das ofensas e depreciações que fazia dos
adversários políticos. Além disso, busquei acompanhar a significação que o
periódico fez do “movimento revolucionário de 1930”.
No segundo capítulo a análise recai sobre os sentidos que a prática
discursiva do jornal imprime às práticas e relações sociais mais amplas na Bahia
19
FOUCAULT, Michel. Arqueologia do saber. Campinas-SP: Papirus, 1990.
20
ORLANDI, Eni Pulcinelli. Discurso e leitura. 3 ed., São Paulo: Cortez; Campinas, SP : Editora da Unicamp,
1996, p. 11.
19
no final da década de 1920. Embora seja feita a partir de um pequeno fragmento
da história política do país, da Bahia e do periódico, ela torna-se intensa porque se
orienta pela perspectiva de que as identidades e representações que os sujeitos
sociais fazem de si mesmos, dos outros, de sua época e de tudo que os rodeia se
constituem e se reafirmam no cotidiano. Então, ao se acompanhar as práticas
discursivas cotidianas torna-se possível captar, através das repetições,
contradições, oposições, os sentidos que permanecem e se solidificam por longa
duração. Assim, com base nas repetições e contradições do discurso, busquei
identificar os valores e idéias que predominaram na constituição do pensamento
de A Tarde no período em estudo e na representação de alguns sujeitos sociais
como os índios, os negros, as mulheres e as elites.
No terceiro capítulo busquei retratar os projetos econômicos que o
segmento político-social representado no discurso do jornal A Tarde julgava
necessários e de possível viabilidade para superar o que reconhecia como um
estado de “atraso” do Brasil e da Bahia, em particular. As propostas e soluções
que o periódico apresentava, mais uma vez, decorriam dos interesses econômicos
de um grupo restrito que, orientado pelas experiências dos países capitalistas,
estabelecia parâmetros para o desenvolvimento econômico, cujos limites, porém,
eram das suas próprias experiências.
Espero, por fim, que o resultado deste trabalho possa contribuir para
renovar o interesse pelo estudo do fenômeno da ideologia tão intrincado e
intrinsecamente ligado aos dizeres e saberes professados cotidianamente pelos
diferentes atores sociais, os quais ao adquirirem legitimidade, investem-se de uma
autoridade perversa servindo-se como fundamento aos projetos de dominação de
uns grupos sociais sobre os
outros.
20
CAPÍTULO I
A ATUAÇÃO DO JORNAL A TARDE NA POLÍTICA PARTIDÁRIA
O material que foi estudado acerca da atuação de A Tarde indica que,
desde sua fundação, em 1912, o jornal teve grande influência na vida política da
Bahia, destacando-se por acolher intelectuais e políticos como colaboradores, os
quais participaram ativamente de debates políticos em diferentes conjunturas da
história do país e do estado, exercendo sistemática e abertamente a militância
partidária. No final da Primeira República, o domínio político do Partido
Republicano Democrata (PRD), liderado por J. J. Seabra, declinara e consolidava-
se o poder das facções que lhe fizeram oposição. Eram duas as principais facções:
uma liderada pelos Calmon e a outra pelos Mangabeira. Embora não fossem
inteiramente coesas, aliaram-se e, num negociado equilíbrio, assumiram a direção
da política do estado em 1924. Em 1927, reafirmaram a aliança fundando o
Partido Republicano da Bahia (PRB), que viria a atender às necessidades
eleitorais de então. Nesta época, era em defesa dos interesses políticos e
econômicos dos membros do PRB que se exercia a militância política de A Tarde.
Os partidos políticos da Primeira República se configuravam como
agrupamentos em torno de determinadas personalidades; estas, definiam melhor
suas diretrizes do que os inconsistentes programas, que nem sempre existiam. Em
geral, eram organizados às vésperas das eleições, traduzindo as alianças políticas
motivadas pela disputa do poder. Com a dissolução do Partido Republicano
Democrata (PRD), em 1924, eclipsava-se a liderança de J. J. Seabra, à frente da
política baiana desde 1912. Sua influência se fizera notar desde os primeiros anos
do século XX, período em que arregimentava, sob seu carisma, muitos dos
aspirantes ao exercício da política partidária, a exemplo de Otávio Mangabeira e
Ernesto Simões Filho, que iniciaram suas carreiras políticas militando em favor
daquele oligarca, identificados pela origem burguesa e urbana.
21
Mas as circunstâncias mudaram e, de correligionários, passaram a
adversários políticos. Simões Filho desligou-se de Seabra em 1913, quando este
expulsou o ex-governador Luís Vianna do Partido Republicano Conservador
(PRC); Otávio Mangabeira se desligaria do velho oligarca em 1919, aliando-se
aos oposicionistas.
O declínio da liderança de J. J. Seabra ocorreu simultaneamente à ascensão
de uma nova liderança que reunia as mais destacadas facções políticas de então: a
calmonista, ligada aos Calmon; a mangabeirista, ligada aos Mangabeira e alguns
remanescentes do falido Partido Republicano Democrata (PRD), os chamados ex-
seabristas. A aceitação e inclusão destes últimos no novo Partido Republicano da
Bahia (PRB) seria motivo de discórdia entre calmonistas e mangabeiristas,
facções que de fato detiveram o poder do estado, a partir de 1924.
Esta nova coalizão, que incluía os Calmon e os Mangabeira, além dos
deserdados do Partido Republicano Democrata (PRD), constituiria um precário
equilíbrio de poder, que supunha repetidas negociações, tal como aconteceu com a
definição do candidato que substituiria Vital Soares no governo do estado em
1930.
Então, se tornou evidente um choque de interesses particulares, em que os
membros da facção dominante divergiam aspirando ao mesmo cargo. Assim,
pretendiam ser os escolhidos para representar a chapa do Partido Republicano da
Bahia (PRB): Otávio Mangabeira, Simões Filho, Miguel Calmon, Pedro Lago.
Todos desejavam a experiência de liderar a política do estado, desejo de poder
que, disputado entre iguais, conduziu à negociação de interesses, cujo resultado
consistiu na indicação da candidatura única de Pedro Lago, representando um
acordo de interesses dos dirigentes políticos da Bahia, evitando-se uma fissura
maior no interior do partido.
Objetivando a manutenção do domínio desta coligação, os líderes do
partido retrocederam em suas aspirações, superando, momentaneamente, o
conflito de interesses individuais em favor de um equilíbrio de forças no interior
do partido. Desse modo, esta “oligarquia colegiada” criava condições para
manter-se no poder, o qual todavia, não lhe pertenceria por muito tempo, pois a
22
chamada “Revolução de 1930”, num golpe violento, substituiu os políticos locais
por interventores diretamente nomeados pelo executivo federal. Colocando-se em
defesa dos interesses imediatos do grupo político que representava, diretamente
afetado pelo “movimento revolucionário de 1930”, A Tarde atuou no sentido de
construir uma representação negativa deste acontecimento.
I.1 O Fim da Primeira República na Bahia
Nos seis últimos anos da Primeira República, o poder político na Bahia era
liderado por um grupo que, se não era perfeitamente homogêneo pela diversidade
da origem sócio-econômica dos seus membros, se unificava através de uma
relação de troca e de tolerância para com os interesses econômicos distintos, mas
complementares, dos seus representantes. A ascensão de Francisco Marques de
Góes Calmon ao governo do estado, em 1924, deu início a uma nova forma de
organização partidária, a qual passou a contar com a liderança de duas facções
igualmente fortes, divergentes em alguns aspectos, mas aliadas na direção da
política baiana, que a partir deste mandato ficou dividida entre os Calmon e os
Mangabeira, constituindo-se uma liderança que Eul-Sool Pang chama de
“oligarquia colegiada”.
1
Góes Calmon, não tinha experiência política direta; era, entretanto,
membro de uma família tradicional, cuja influência política remontava ao período
monárquico. Não era, portanto, totalmente indiferente à política; tinha, ao
contrário, grande proximidade com ela, através da convivência com os irmãos
políticos Miguel Calmon du Pin e Almeida e Antônio Calmon que atuaram no
decorrer da República Velha. Os Calmon eram descendentes de senhores-de-
engenho de Santo Amaro e São Francisco do Conde, e o governo de Góes
Calmon, banqueiro e homem de negócios, representava um largo espectro de
1
PANG, Eul-Soo. Op. cit. p. 37 – 45. O autor faz uma categorização das oligarquias que se constituíram através
da história política do Brasil, distinguindo 4 tipos: familiocrática, tribal, colegiada e personalista. Segundo ele, a
“oligarquia colegiada” foi estruturada pelo clã agrário dos Calmon e pela família burguesa de políticos, os
Mangabeira.
23
interesses econômicos que iam do açúcar aos bancos.
2
Foi lançado na política pelo
governador José Joaquim Seabra, que exerceu uma expressiva liderança na Bahia
durante a República Velha, mas ao findar o segundo mandato como governador
do estado (1920-1924), buscava estratégias que permitissem a renovação do seu
poder, ameaçado pela crescente força da oposição ao seu domínio político.
3
Ao indicar Góes Calmon para sucedê-lo no governo da Bahia, Seabra
esperava reverter a oposição em apoio, pois aglutinaria em torno de si as facções
locais e poderia engendrar uma grande aliança, garantindo sua permanência na
política. Além de neutralizar a oposição local, Seabra esperava atrair a simpatia e
apoio do presidente da República, que mobilizaria forças em defesa do irmão do
seu Ministro da Agricultura, o baiano Miguel Calmon. Este, por sua vez, apesar de
ter assumido a liderança da oposição a Seabra, com a morte de Rui Barbosa, em
março de 1923, não negaria apoio à candidatura do próprio irmão. Assim,
indiretamente, Seabra poderia restabelecer sua liderança política, fortemente
abalada pelas bem sucedidas articulações da oposição.
A oposição ao seabrismo vinha se desenvolvendo desde o primeiro
mandato de Seabra, mas se tornara mais intensa a partir dos anos de 1920.
4
Uma
nova geração de políticos, doutores e bacharéis, alguns dos quais haviam se
iniciado na vida pública através da filiação a Seabra, se uniu em torno de Rui
Barbosa, formando uma agremiação oposicionista, a Concentração Republicana
da Bahia - CRB - em 1923, para compor os quadros no Legislativo Estadual,
2
PANG, Eul-Soo. Op. cit. p. 178
3
J. J. Seabra foi uma das principais figuras políticas da Bahia na Primeira República. Advogado diplomado pela
Faculdade de Direito de Recife, depois de formado reingressaria nela na qualidade de professor. Foi deputado
constituinte em 1891; deputado federal no governo de Prudente de Morais (1894 – 1897); Ministro da Justiça no
governo de Rodrigues Alves, (1902 – 1906); Ministro da Viação e Obras Públicas no governo de Hermes da
Fonseca (1910 –1914), interrompeu este mandato para assumir em 1912, o governo da Bahia; de 1916 a 1920,
exerceu o mandato de senador federal; de 1920 a 1924, foi novamente governador da Bahia; em 1934, foi eleito
deputado para a Câmara Federal. Ver SILVA, Paulo Santos. Âncoras de tradição, p. 25-26.
4
A política baiana no decorrer da Primeira República se caracterizava por um acentuado personalismo, a
formação dos partidos políticos decorria de agrupamentos em torno de personagens de prestígio social, cuja
referência via de regra, substituía a sigla do partido que representava. Daí que a identidade partidária era dada
pela referência ao líder do partido ou da facção dentro do partido, podendo-se portanto, falar de seabrismo ou
seabristas para designar, respectivamente, a liderança e os seguidores do PRD, chefiado por J. J. Seabra;
calmonismo ou calmonista para designar a liderança e seguidores dos Calmon e mangabeirismo e magabeiristas
para designar a liderança e seguidores dos Mangabeira, facções que compunham o PRB, etc.. Sobre o assunto
ver PINHEIRO, Israel de Oliveira. A política na Bahia : atraso e personalismos. In Ideação. Revista do Núcleo
Interdisciplinar de Estudos e Pesquisas em Filosofia da Universidade Estadual de Feira de Santana, v. 1, n. 4,
Feira de Santana : UEFS, NEF, 1997-V, p. 49 – 75.
24
sendo o reconhecimento da Câmara oposicionista o primeiro passo na conquista
do poder pela oposição.
Ressalte-se, porém, que oposição, no contexto da Primeira República, não
implicava divergências ideológicas significativas, antes se reduzia a disputas
circunstanciais pelo poder que, em geral, extrapolavam qualquer princípio de
coerência. Segundo Consuelo N. Sampaio, a política de acomodação fez do
contraditório uma constante em todo o processo político-partidário da Bahia. Em
defesa de interesses individuais, os “mais inesperados e incoerentes arranjos
políticos” eram feitos, revelando que a “ética política tem os seus próprios padrões
de mensuração”.
5
Nestes termos, entenda-se oposição como atitude circunstancial, sujeita a
reversão conforme as conveniências do momento, como ocorreu no contexto
histórico do pós-1930, quando as elites locais se rearticularam organizando o
autonomismo baiano para fazer frente ao centralismo federal. A reivindicação do
retorno da “Bahia à posse de si mesma”, reuniu, numa mesma coligação, J. J.
Seabra e as facções do Partido Republicano da Bahia (PRB), que eram antigos
adversários.
6
A oposição, portanto, era constituída pelos políticos que não estavam no
poder, na “situação”, e batalhavam por estar, sendo uma usual estratégia de
confronto entre adversários políticos o debate de idéias e opiniões através da
imprensa. O jornal A Tarde, a partir de 1913, época em que seu proprietário
Ernesto Simões Filho se desligou do Partido Republicano Conservador (PRC),
liderado por J. J. Seabra, do qual era 1
o
. Secretário da Comissão Executiva, passou
a veicular sistematicamente críticas severas ao velho oligarca baiano.
7
5
SAMPAIO, Consuelo N. Op. cit. p. 77
6
Sobre a organização do movimento autonomista baiano, sua composição e atuação no processo de
redemocratização do país em 1945, ver SILVA, Paulo Santos. Âncoras de tradição, especialmente capítulos II e
III. Ver também do mesmo autor, A volta do jogo democrático. Bahia, 1945. Salvador : Assembléia
Legislativa, 1992, p. 86 – 92.
7
O Partido Republicano Conservador (PRC) foi fundado sob a chefia de Pinheiro Machado, que com um partido
pretensamente nacional esperava ter o controle das políticas estaduais. O partido reunia os chefes políticos
estaduais que apoiaram a campanha presidencial de Hermes da Fonseca (1910 – 1914), sua instalação na Bahia,
sobrepôs-se ao Partido Democrata (PD), fundado por J. J. Seabra em março de 1910.: a Comissão Executiva do
PRC na Bahia era a mesma do PD. Simões Filho, membro do Conselho Geral do PD, se incompatibilizou com a
25
Ernesto Simões Filho não tinha vínculos tradicionais com a política
baiana, mas a prosperidade econômica do pai garantiu sua formação intelectual e
importante legado econômico, que multiplicaria, constituindo sólida fortuna. Seu
pai, Ernesto Simões da Silva Freitas, descendente de portugueses radicados no
sertão, emigrou para o Recôncavo aos quatorze anos, fixando-se na então próspera
Vila de Nossa Senhora do Rosário do Porto da Cachoeira, sob proteção de um tio
comerciante com quem veio trabalhar. Especializou-se no ofício do tio e tornou-se
próspero comerciante, condição que lhe conferiu prestígio e projeção social;
ingressou na Guarda Nacional, com patente de Coronel, atuou no Partido Liberal e
fundou a primeira Loja Maçônica no interior da Província. Já bem estruturado
comerciante em Cachoeira, foi convidado por um parente de sua esposa a
gerenciar em Salvador a Drogaria e Farmácia Galdino.Transferiu-se então com a
família para a capital baiana para atender a este promissor convite, o que lhe
valeria a herança de boa parte do patrimônio do tio-protetor da esposa,
proprietário da farmácia que, ao morrer sem herdeiros diretos, legaria grande parte
de sua fortuna à família de Ernesto Simões da Silva Freitas. Este patrimônio
familiar teria constituído o capital inicial do bem sucedido empreendimento
econômico de Ernesto Simões Filho: o jornal A Tarde.
8
Ernesto Simões Filho tinha apenas 26 anos, quando fundou o A Tarde. Aos
22 já era diplomado em Direito, pela faculdade de Direito da Bahia. Ainda no
curso de sua formação acadêmica, se vinculou a J. J. Seabra, ingressando
juntamente com Otávio Mangabeira na redação do Gazeta do Povo, em que
atuaria como defensor e adepto do seabrismo. Nesta época, o ingresso no
jornalismo consistia em estratégia para se adquirir projeção social, iniciar-se na
carreira política e ter acesso a empregos públicos.
9
Simões Filho gozaria de todas
estas prerrogativas advindas da militância no jornalismo político, além de ter
assentado alicerces mais firmes à sua ambição juvenil de ter seu próprio jornal.
atitude de Seabra de excluir Luiz Vianna do partido e se desligou do grupo seabrista, assumindo paulatinamente
a postura de oposição. Ver SAMPAIO, Consuelo N. Op. cit. p. 78 - 82.
8
Ver MORAES, Walfrido. Simões Filho. O jornalista de combate e o tribuno das multidões. Salvador : W.
Moraes, 1997. Este trabalho biográfico tem um estilo apologético e aborda por uma perspectiva romântica o
empreendimento jornalístico de Simões Filho, que a despeito de poder ser fruto de uma paixão é sem dúvida, um
empreendimento ambicioso política e economicamente.
9
SILVA, Paulo Santos. Âncoras de tradição, p. 83 – 86.
26
Ainda no Ginásio da Bahia, onde fez o curso de Humanidades, Simões
Filho ensaiou os primeiros passos em direção ao jornalismo, lançando, em 1900,
O Carrasco, um pequeno jornal estudantil, que não passaria da 2
ª
edição. A
segunda experiência, mais ousada, mas também efêmera, foi em 1904, com a
edição da revista O Papão, de sua propriedade tendo como modelo O Malho,
revista satírica carioca que circulava à época, cujo programa era “fazer rir”.
Porém, não levaria avante este projeto e a partir da 7
ª
edição a revista já não lhe
pertencia. Experiência mais consistente e fecunda teria mesmo no jornalismo
político, através da militância a favor de J.J. Seabra no jornal Gazeta do Povo, do
qual chegou a ser diretor e proprietário.
10
Entretanto, os vínculos de Simões Filho com o seabrismo não se limitaram
ao exercício do jornalismo, pois além de militar no Gazeta do Povo ele exerceu
cargos públicos e projetou-se como político de prestígio sob os auspícios de J.J.
Seabra. Na campanha presidencial de 1909, Seabra organizou a Junta Baiana Pró-
Hermes-Wenceslau, centro político que marcaria sua incompatibilidade com as
demais facções do primeiro Partido Republicano da Bahia (PRB), do qual fazia
parte até então. Com esta iniciativa lançava as bases para a fundação de um novo
partido, o seu Partido Democrata (PD), fundado em 15 de março de 1910.
11
Simões Filho participou desta campanha presidencial integrando a referida Junta
sendo posteriormente, membro do Conselho Geral do Partido Democrata (PD),
juntamente com Otávio Mangabeira e Antônio Moniz.
10
Esta experiência de militância no seabrismo lhe valeria a inserção na política e os primeiros cargos públicos:
em 1908, foi eleito deputado estadual; foi proprietário e diretor do Gazeta do Povo e, em 1911, foi nomeado por
Seabra, então Ministro da Viação, administrador dos Correios da Bahia, cargo que exerceu até 1915, período em
que já era hostil e censor do seabrismo. Ver MORAES, Walfrido. Op. cit. Ver também CALMON, Pedro. A
vida de Simões Filho. Salvador: Empresa Gráfica da Bahia, 1986.
11
J. J. Seabra pertenceu ao primeiro Partido Republicano da Bahia (PRB), fundado em 1901 por Severino Vieira.
Foi a primeira agremiação política da Bahia a ter relativa coesão. Porém, a partir de 1907, começaria sua
progressiva desagregação devido à cisão entre os dois principais chefes, Severino Vieira e José Marcelino, então
governador do estado. Na campanha para a sucessão estadual, sua influência seria suplantada pelo partido
seabrista. Seabra, ao incompatibilizar-se com estes dois chefes do PRB, lançava o germe da sua autonomia
política, organizando a Junta Baiana Pró-Hermes-Wenceslau, independentemente do PRB. Daí, se originaria o
Partido Democrata (PD), fundado em março de 1910, sob a chefia de Seabra com os mesmos integrantes da
Junta entre os quais Otávio Mangabeira, Antônio Moniz, Simões Filho e Luiz Vianna, único político da velha
geração a compor com Seabra. O Partido Democrata (PD) se fundiu com o Partido Republicano Conservador
(PRC), partido nacional, chefiado por Pinheiro Machado, do qual Seabra terminou sendo expulso, em 1913,
quando rebatizou seu segmento político de Partido Republicano Democrata (PRD).
27
Mas, as relações dessa política de “acomodação” que caracterizava este
período não eram perenes, ao contrário, vários conchavos eram feitos e desfeitos
em virtude da ausência de homogeneidade de interesses – os grupos ou
indivíduos faziam e desfaziam alianças conforme suas conveniências. Como um
sujeito histórico dessa conjuntura política, Simões Filho ao desligar-se de J.J.
Seabra passaria a usar seu jornal para dirigir toda a sorte de críticas ao seu antigo
mentor político. Criticava-se desde a ética, em geral caracterizada como
“politicagem vergonhosa”, ao desempenho administrativo, considerado
desastroso.
12
Ainda se podia ouvir ecos desta crítica em 1928, através de uma avaliação
dos “contrastes” entre o governo de Góes Calmon e o período de governo
seabrista, que A Tarde avaliava negativamente, considerando que este último teria
tornado a Bahia “um estado sem crédito”, pois
quatriênios sucessivos de administrações desastradas
haviam lhe granjeado o justo renome de devedora
impenitente, afeita a pedinchar todos os dias a capitalistas
e agiotas e se recusar ao pagamento das obrigações
vencidas.
(...) Era o diabo aquela época. Houve gente
que morreu de fome. Pura verdade! Mestres escolas e
magistrados encanecidos na profissão andavam
excogitando meios e modos para sustentar a família.
13
A oposição a Seabra, tendo Simões Filho como um dos seus protagonistas,
desde 1913, se fortaleceu, na campanha para a sucessão estadual em 1923,
chegando a ensejar a organização de uma agremiação a Concentração
Republicana da Bahia (CRB), fundada em 10 de janeiro de 1923, sob a
presidência de Pedro Lago, no salão nobre do jornal A Tarde.
14
12
Sobre o rompimento de Simões Filho com J. J. Seabra e sua aproximação de Rui Barbosa, ver CALMON,
Pedro. Op. cit. p. 73-77
13
A Tarde, 28 jan. 1928, p. 1.
14
Pedro Francisco do Lago, político ligado a Severino Vieira, teve atuação constante em todo o desenrolar da
Primeira República. Foi deputado federal, senador federal e chegou a ser eleito e reconhecido governador, em
1930 mas não exerceria o mandato. Outros políticos de destaque, além dos já citados, Simões Filho e Pedro
Lago, que compunham esta agremiação, eram os irmãos Otávio e João Mangabeira, Miguel Calmon, Aurelino
Leal e Rui Barbosa, mentor da oposição. Simões Filho sempre teve presença atuante; não só participou da
organização deste partido, como estava à frente na constituição da Junta Apuradora, que deu a primeira vitória à
oposição, elegendo 42 deputados e 7 senadores para a legislatura estadual de 1923 que, pelos vínculos com o
28
Este vespertino, no período em estudo, quase diariamente fazia referência
a Seabra como um “antigo político” que não se conformava com o fato de ter
perdido o poder. Os laços de solidariedade que uniram seu proprietário ao velho
oligarca se desfizeram já há algum tempo e resgatar a memória desse vínculo
poderia diminuir-lhe o prestígio. Assim, caberia nessa circunstância enfatizar o
isolamento em que se encontrava Seabra caracterizando-o como fruto da ação
“cívica” dos adversários, dentre os quais, vale lembrar, incluía-se Simões Filho.
Dizia-se de forma indireta que Seabra já não tinha um canal expressão que
desse guarita a suas idéias e propósitos - o que indicava sua falta de prestígio
político -, por isso apegava-se a qualquer oportunidade de se fazer ouvir e quando
encontrava um jornal que lhe demonstrava “complacência”, soltava o “verbo
contra os adversários – culpados do negro crime de o terem apeado, para todo o
sempre, das posições oficiais no estado”. Segundo A Tarde, Seabra, usualmente,
dizia inverdades sem proveito algum:
dessa vez ainda, o tema foi injúrias, injúrias aos quatro
ventos. Quando não, ataques diretos à verdade dos fatos e
frases de armar efeito. Espremendo-se todo o palavrório,
nada há que se aproveite.
15
Aliás, para A Tarde, esta prática de usar artifícios de retórica para enganar
o povo não era uma distinção particular de Seabra. Seus seguidores também, ao
falarem à imprensa sobre os acontecimentos políticos, o que expunham ao
público era “sua coragem de pregar histórias da carochinha”, como classificou
uma entrevista dada à imprensa carioca, pelo fiel seguidor de Seabra, Antônio
Moniz Sodré. Este, mesmo sendo “incontestavelmente” uma “inteligência
sólida”, saía a escrever “pilhérias” para satisfazer a “amigos extremados e
sonhadores”, agindo assim como se o “povo desta terra não tivesse memória e
não soubesse apreciar os fatos da maneira por que realmente acontecem”.
16
Portanto, a manifestação pública dos seabristas não passava de tentativa
para “embaçar” a opinião pública dos baianos, sendo as críticas de Moniz Sodré à
presidente da República, tiveram seus mandatos reconhecidos. Ver SAMPAIO, Consuelo N. Op. cit. p.128 –
135.
15
A Tarde, 04 jun. 1929, Tópicos, p. 2.
29
política que depôs Seabra do poder avaliadas como expressão de despeito,
lamúrias”, por não estar entre os eleitos para a Assembléia Legislativa por dois
períodos consecutivos.
17
A vitória nas eleições do Legislativo estadual, era, sem dúvida, fator
decisivo na correlação das forças políticas em disputa. As vantagens da
Concentração Republicana da Bahia (CRB), nas negociações para a sucessão
estadual de 1924, foram possíveis graças à composição do Legislativo estadual
por uma bancada de deputados oposicionistas reconhecidos pela intervenção do
executivo federal.
18
Moniz Sodré, na citada entrevista, relembrava esta
circunstância histórica declarando que Artur Bernardes (1922 – 1926) reconhecia,
então, que o maior erro de sua administração havia sido a intervenção na Bahia. A
Tarde ironizava as declarações de Moniz Sodré, adversário político do grupo que
representava, dizendo serem elas fruto de “auras estranhas”, que lhe permitiam
uma “sobrenatual e aguda visão”, levando-o a “profetizar e a revelar coisas não
menos estranhas que ninguém previa, nem sabia”. Lançava ao descrédito a
oratória do adversário e retrucava com a seguinte exclamação provocativa:
o sr. Artur Bernardes considerando deslise palmar de seu
patriótico governo o ter mantido no estado a forma
republicana federativa, perturbada pela ação criminosa do
sr. J. J. Seabra e da meia dúzia que a este quis
acompanhar na traição a compromissos de honra,
assumidos de público e raso!
Com este recurso de linguagem, indiretamente, A Tarde sugeria que
Moniz Sodré delirava e mentia, tratava-se, declarava agora, expressamente, de
manifestações psicóticas, que deveriam ser curadas por médicos, antes que se
tornassem fenômenos de curiosidade geral.
19
As ironias, os comentários ardilosos
davam a tônica das polêmicas travadas pela imprensa da época.
Através dos jornais os diferentes grupos das elites dirigentes se
16
A Tarde, 21 fev. 1929, Tópicos, p. 2.
17
A Tarde, 22 fev. 1929, Tópicos, p. 2.
18
Sobre as relações entre a oposição baiana a Seabra e o presidente Artur Bernardes, ver SAMPAIO, Consuelo
N. Op. cit. p. 130 – 135.
19
A Tarde, 22. fev. 1929, Tópicos, p. 2.
30
digladiavam, trocando insultos e ofensas tuas. A ética política, pelo que se
pode depreender da prática discursiva, era delimitada por valores patrimonialistas
e pelo personalismo, as práticas políticas se definiam pela conduta pessoal do
dirigente político e pelo seu caráter e moralidade, que eram expostos segundo a
concepção de adversários.
20
Admitia-se a publicidade de apreciações grosseiras e de ofensivas
abertamente dirigidas às pessoas dos adversários políticos que, em geral, eram
submetidos a julgamentos morais mais do que cobrados por critérios de atuação e
de gestão dos bens públicos e coletivos ou, dito de outro modo, o indivíduo se
sobrepunha ao político, plasmando, neste, a sua marca. Neste sentido, fazer
oposição era achincalhar publicamente o adversário político, em certos casos, de
modo tão contundente e sistemático, que causa certo espanto o fato de poderem,
depois do entrechoque, se suportarem e até se aliarem num mesmo grupo, o que
acontecia com frequüência no contexto da Primeira República. O jornal A Tarde,
em linguagem desabrida, não poupava Seabra e os seabristas, chamados de
mentirosos, interesseiros, incompetentes, ladrões, etc.
O reconhecimento do Legislativo oposicionista, em 1923, marcaria o
início do fim da bem sucedida dominação política de Seabra. Diante desta
circunstância, sua continuidade no jogo político dependeria de uma hábil
ofensiva. Seabra encontrou a melhor solução propondo o nome de Góes Calmon
como candidato à sucessão; assim, “colocara seus adversários frente a um
impasse: repelir o nome de Góes Calmon seria, tanto por parte do Presidente,
como dos concentristas, senão uma afronta, pelo menos uma desconsideração a
Miguel Calmon (então Ministro da Agricultura); aceitá-lo seria reanimar o
seabrismo que queriam destruído.”
21
Embora este plano fosse bem arquitetado,
não logrou o resultado esperado. De fato, Artur Bernardes deu pronto apoio a
Góes Calmon, e, ainda que tardiamente, a oposição aderiu à sua candidatura. Mas
Seabra não contornou o isolamento a que vinha sendo submetido e declinou seu
20
Pela perspectiva da análise do discurso, a fala está indissociavelmente ligada às condições de comunicação,
que por sua vez, estão sempre ligadas às estruturas sociais. Ver BAKHTIN, Mikhail. Op. cit. p. 14. Portanto, as
práticas discursivas devem ser desvendadas para se chegar às práticas sociais. Ver também COSTA, Eleonora Z.
Sobre o acontecimento discursivo. In SWAIN, Tânia Navarro (org.). História no plural. Brasília: Universidade
de Brasília, 1994, p. 189 – 207.
21
SAMPAIO, Consuelo N. Op. cit. p. 134.
31
apoio a Góes Calmon apresentando, às vésperas das eleições, novo candidato ao
governo do estado.
22
Esta tentativa desesperada surtiu efeito contrário: as
deserções do PRD, partido que comandava então, se multiplicaram e deste
embate a oposição saiu ainda mais fortalecida.
A oposição terminou por conduzir a campanha pela candidatura Góes
Calmon, e mesmo não sendo ligado à Concentração Republicano da Bahia (CRB),
pela militância política, seu nome era plenamente aceitável, pois além de
banqueiro e advogado, pertencia a uma família tradicional baiana, portanto,
representava bem os interesses da elite econômico-financeira do estado. Ao findar
a gestão Góes Calmon, esta elite que o apoiara encontrava-se contemplada, o que
transparece pela avaliação positiva que, reiteradas vezes, A Tarde fez do seu
governo, considerado de restauração da Bahia, de soerguimento econômico e
moral da “decadência” a que fora submetida pelos governos anteriores,
particularmente os sempre enfatizados doze anos precedentes do domínio
seabrista.
23
Segundo A Tarde, ao assumir o governo em 1924, Góes Calmon se
deparara com uma Bahia humilhada, decadente, “afeita a processo políticos
desgraçados”, condição a que havia sido arrastada pelos doze anos de um regime
de politicagem vergonhosa”. Diante desse “quadro desolador de decadência e
misérias”, a tarefa administrativa do seu mandato seria pesadíssima”, fazendo-se
necessário um “pulso seguro, capaz de a desempenhar sem receios, nem
transigências”, evitando-se uma recaída nos mesmos erros, nas mesmas praxes
condenáveis que tanto nos tinham aviltado”. Na visão do jornal, ao findar o
quatriênio de “trabalho consagrado com entusiasmo ao ressurgimento da Bahia”,
a tarefa administrativa fora encarada de frente, levando a cabo um programa de
reabilitação moral, econômica e financeira do estado”:
quatro anos de labor ininterruptos bastaram a que
enveredássemos firmes por melhores caminhos e logo
22
O candidato apresentado pelo PRD foi o deputado federal Arlindo Leoni, em 29 de dezembro de1923.
23
O primeiro governo de Seabra, 1912 - 1916; o governo de Antônio Moniz, 1916 – 1920; quem governou de
fato foi Seabra; e o segundo governo de direito e terceiro de fato de Seabra, 1920 – 1924.
32
colhêssemos frutos magníficos. Relegados ao
esquecimento os hábitos malsãos que ainda provocam
saudades em certa gente despeitada, porque se viu
tolhida de continuar a meter nas algibeiras grossas
maquias das rendas do Tesouro.
24
O governo de Góes Calmon havia feito, entretanto, mais uma vez, evidente
que o jogo do poder entre as elites é regulado por uma sinuosa administração de
interesses particulares que supõe sempre a existência de conflitos. Após a vitória,
na composição dos quadros administrativos do governo, a facção oposicionista
que deu sustentação à campanha se subdividiu em duas, uma ligada aos Calmon, a
facção calmonista e outra ligada a Otávio Mangabeira, a facção mangabeirista. A
distribuição de cargos feita por Góes Calmon contemplava os ex-seabristas que o
ajudaram a eleger-se. Esta medida aliada à desconfiança de que os Calmon
deteriam a hegemonia na liderança política desencadeou o conflito no interior da
oposição. Este conflito chegou ao extremo na negociação para a sucessão estadual
de 1930.
Vital Soares, que substituíra Góes Calmon, interrompera seu mandato com
apenas dois anos de administração, abrindo um espaço de disputa do cargo para o
qual fora eleito. Deixava o governo do estado, sob o comando do senador
Frederico Costa, presidente do Senado estadual, para candidatar-se à vice-
presidência da República. Apesar de ter iniciado sua vida pública como fervoroso
ruísta, em 1908, quando foi eleito Conselheiro Municipal, só ganhou projeção
política após a ascensão de Góes Calmon ao governo do Estado, em 1924. O
jornal A Tarde, pela referência altamente elogiosa com que freqüentemente o
apresentava ao público, desempenhou um papel ativo nesta projeção,
impulsionada pela campanha para a sucessão estadual de 1928.
Para A Tarde, Góes Calmon, ao indicá-lo como sucessor do seu governo,
fizera a escolha certa, não pela amizade que os unia desde a juventude ou por
“negociatas onerosas”, mas sim para dar à Bahia a “continuidade da obra de
regeneração moral e material do Estado”. Representava o governo de Góes
Calmon como progressista, e, a constante indicação de que após seu mandato a
24
A Tarde, 28 mar. 1928, p.2
33
Bahia passou a “marchar nos trilhos” ou “marchar no eixos”, evocava a idéia de
uma ordem plenamente justa derivada do uso da razão. Aliás, esta idéia deu
sustentação a outros argumentos, como será abordado no próximo capítulo.
Esta representação evocava também a imagem da grande locomotiva que
seguiria veloz a rota do progresso, a precisão da técnica, originada de um saber de
cunho mecânico, noções que norteavam o ideário liberal da imprensa da época.
25
Vital Soares encontraria, assim, “o terreno desbravado”, pois iria pisar emtrilho
de chão resistente”, de modo que sua administração seria de “grandes surtos
materiais” quando a “continuidade de critérios reabilitadores e progressistas
haveria de “manter-se íntegra”.
26
Depois de constituído o seu governo, A Tarde assegurava que Vital Soares
não se “desviou da boa rota. Segue-a firme, alargando-a indiferente à atoarda do
despeito” e apontava que seu objetivo era “resolver os grandes problemas ligados
ao progresso desta terra”.
27
Explicava que a sua “profícua administração” devia-
se às suas “reconhecidas qualidades”, ressaltando com freqüência o “espírito
liberal”, a “honestidade”, a “inteligência”, a “cultura”, a “serenidade”, o “trabalho
metódico”. Graças a estas qualidades, havia construído um “ambiente honesto e
laborioso” na Bahia, oferecendo a “prova de sua capacidade como homem de
estado”.
28
Acentuava que, de todas as qualidades, esta última era a mais
importante, e justificava:
não só talento e a cultura possui o sr. Vital Soares. O
talento não basta para fazer o político. É necessário que
haja um homem por trás do Estado. (...) E ele o é. A sua
honestidade posta a prova em vinte e tantos anos de vida
pública, a sua independência de opiniões o seu caráter
sem jaça, a sua tolerância extrema, tudo o que se deve
exigir de um homem que pretende ser o meneur de um
povo, se encontra no sr. Vital Soares.
29
25
CAPELATO, Maria Helena. Os arautos do liberalismo, p. 140.
26
GALLO, Wenceslau, O contraste confortador. A Tarde, 28 jan. 1928, p.1.
27
A Tarde, 28 mar. 1929, p. 1
28
A Tarde, 03 dez. 1928, Tópicos, p. 2.
29
CARDOSO, Benedicto. O homem. A Tarde, 03 fev. 1928, p. 2.
34
Além da sistemática exaltação que A Tarde fazia deste governo, a atuação
de Simões Filho foi decisiva na negociação, junto ao presidente da República, do
nome de Vital Soares como vice da chapa Júlio Prestes. O sucesso desta
negociação foi uma garantia de estreitamento dos laços de reciprocidade entre o
deputado e o governador, que procuraria dar suporte à candidatura de Simões
Filho, então líder da bancada federal do Partido Republicano da Bahia (PRB), na
eleição do seu sucessor.
A divisão interna do partido, contudo, gerou um delicado embaraço para
Vital Soares: teria que optar entre Simões Filho, cujo nome havia indicado como
seu substituto, mas que fora rejeitado pelos calmonistas, e Miguel Calmon,
lançado candidato pelos calmonistas, intimamente ligado a Góes Calmon, a quem
devia lealdade. Embora coubesse a Vital Soares a incumbência de escolher o
candidato oficial do partido, estava comprometido por laços de reciprocidade com
ambas as facções, preferindo deixar que, por si, elas contornassem o impasse. A
solução que encontraram foi a renúncia de Simões Filho e Miguel Calmon, que
pretendiam apresentar-se como candidatos ao governo do estado, e a apresentação
da candidatura de Pedro Lago.
30
Como se pode notar a partir do exemplo acima, esta disposição ao acordo
ou à “acomodação” não era sinônimo de convergência absoluta de interesses entre
as facções políticas dirigentes; antes indicava que as elites políticas e econômicas
sempre colocaram, acima das divergências internas, que poderiam solapar seu
domínio, o compromisso de manter entre si o poder político do estado. Sabiam
que a depender das circunstâncias, o acirramento destas divergências poderia
enfraquecê-las, ameaçando o poder já conquistado, por isso a todo tempo se
impunham a necessidade de negociar interesses e estabelecer acordos.
Esta “fórmula” garantia a perpetuação do poder das oligarquias, afastando
da ação política a participação popular e a exclusão da pauta dessas negociações
de interesses das camadas menos favorecidas, mas não eliminava o conflito de
interesses imediatos e circunstanciais no interior dos diferentes grupos
30
Ver SAMPAIO, Consuelo Novais. Op. cit.
35
dirigentes.
31
Assim, Sem adversário, Pedro Lago foi eleito governador da Bahia,
em 7 de setembro de 1930. Enquanto aguardava o “reconhecimento” da
Assembléia Legislativa, o “movimento revolucionário” se expandia e ele jamais
chegou a tomar posse do governo do estado.
A proximidade das eleições seja para cargos estaduais ou federais, era o
que ensejava a movimentação político-partidária na Bahia e no Brasil durante a
República Velha. Sobretudo visando ao sucesso na disputa dos cargos eletivos e
administrativos, os políticos se articulavam em torno de nomes e se faziam
vinculados a partidos criados nestas ocasiões. A campanha para a sucessão
presidencial de 1929 foi particularmente interessante para a Bahia, pois a chapa
oficial contava com o baiano Vital Soares, que concorreria ao cargo de vice-
presidente da República.
A “política dos governadores”, posta em prática a partir do governo de
Campos Sales (1898 – 1902), regulava as relações entre os estados e a União,
garantindo a autonomia dos estados em troca do seu apoio ao presidente da
República, que dependia desta sustentação para manter-se no poder. Embora este
princípio valesse para todas as unidades da federação, o processo político nacional
encontrava-se sob a hegemonia dos estados mais fortes: São Paulo e Minas
Gerais.
32
Portanto, a oportunidade favorecia a Bahia que, se não podia oferecer
presidentes ao Brasil, gozava o prestígio nada desprezível de oferecer-lhe um
vice-presidente.
A reciprocidade nesse jogo de interesses trazia uma regra básica: se o
governo federal dependia do apoio dos estados para dar sustentação ao seu
mandato, a interferência federal era garantia de vitória nas disputas locais. Neste
sentido, o governo de Artur Bernardes (1922 – 1926) fora um fator determinante
para frear o domínio seabrista na Bahia. Em 1923, o presidente garantiu o
funcionamento do Legislativo oposicionista baiano, através de advertência do
Ministro da Justiça ao governador J. J. Seabra, para que não impedisse o ingresso
31
A reconstrução das relações e conflitos entre as elites é fundamental para a elucidação da história política do
Brasil. Ver GOMES, Angela de Castro (org). Regionalismo e centralização política.. Partidos e Constituinte
nos anos 30. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980.
32
SOUZA, Maria do Carmo Campello de. “O processo político-partidário na Primeira República”. In MOTA,
Carlos Guilherme. Brasil em perspectiva, 16 ed., Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1987, p. 185-189.
36
dos deputados oposicionistas no prédio da Câmara, coagindo o governador a
aceitar como legítima a oposição ao seu governo. Além disso, neste mesmo ano,
reconheceu Pedro Lago senador, contrariando mais uma vez os interesses de
Seabra; e, por fim, selando o colapso da liderança seabrista, garantiu a posse de
Góes Calmon como governador em 1924. Desse modo, a candidatura de Vital
Soares para a vice-presidência abria perspectivas promissoras para os segmentos
da elite baiana que o apoiavam, os quais, diante do apoio declarado do presidente
Washington Luiz, tinham, antecipadamente, certeza da vitória.
33
Ao fim da Primeira República na Bahia, consubstanciava-se o predomínio
do Partido Republicano da Bahia (PRB), fundado em janeiro de 1927, que
congregava as três facções políticas mais importantes da época: calmonistas,
mangabiristas e ex-seabristas
34
. A vitória deste partido nas eleições estaduais e
federais, tendo à frente políticos como Otávio Mangabeira, Miguel Calmon,
Simões Filho, Pedro Lago, Vital Soares, significava o expurgo, na política local,
da influência de J.J. Seabra, que havia estabelecido, na Bahia, “um domínio
oligárquico como até então (1912) ela não conhecera”.
35
Mas o “movimento revolucionário de 1930” barraria esta ascensão,
deslocando o Partido Republicano da Bahia (PRB) do poder. Devido a este
movimento, seus principais líderes seriam exilados. O sentido que se daria à
chamada “Revolução de 1930” decorria das experiências vividas pelos diferentes
segmentos. A Tarde, que nesta circunstância era porta-voz dos que foram
destituídos do poder, buscou mostrar como a nova organização política era
ilegítima e abusiva.
33
SAMPAIO, Consuelo N. Op. cit. p.130 – 141.
34
A direção do partido cabia à sua Comissão Executiva, composta pelos senadores Miguel Calmon du Pin e
Almeida e Pedro Francisco Rodrigues do Lago; pelo Ministro das Relações Exteriores, Otávio Mangabeira;
pelos deputados federais Antônio Pereira da Silva Moacir, Ernesto Simões Filho e Francisco Rocha; pelo
presidente do Senado Estadual, coronel Frederico Augusto Rodrigues da Costa; pelo presidente da Câmara
Estadual e, por fim, pelo governador do estado, Vital Soares.
35
Ver SAMPAIO, Consuelo N. Op. cit. p. 76.
37
I.2 O Significado da “Revolução de 1930”
O “movimento revolucionário de 1930” uniu, sob a bandeira da Aliança
Liberal, forças políticas distintas: o tenentismo, as oligarquias agrárias não
cafeeiras, setores urbanos e classes médias. Contudo, tomado o poder e instalado o
Governo Provisório, esta composição de forças começou a diluir-se, dando lugar a
um processo de disputa pela direção política do país, quer em nível federal, quer
em nível estadual.
36
O período pós-revolucionário, pois, caracteriza-se pelo confronto político
no campo das elites. Enquanto os tenentes cumprem um importante papel na
realização do projeto de centralização política, os setores oligárquicos defendem o
federalismo. Assim, se, por um lado, o tenentismo realiza uma verdadeira ofensiva
política, por outro, as oligarquias, afastadas do poder, reagem e se rearticulam,
preparando o terreno para a organização do movimento constitucionalista que
culmina com a revolta paulista de 32.
O confronto entre as elites tornou-se mais agudo evidenciando a
instabilidade política que caracteriza os primeiros anos da década de 30 que, no
dizer de Capelato, “são marcados pelas indefinições políticas e ideológicas”.
37
A
grande instabilidade política deste período abre espaço para a explicitação das
divergências de opiniões e escolhas políticas de indivíduos ou de grupos,
registradas em variadas fontes, sendo particularmente freqüente sua veiculação
pela imprensa.
A pluralidade de propostas explicitadas neste momento indica diversas
possibilidades de reorientação política para o Brasil e, ainda que, na maioria das
vezes, estas propostas não integrem projetos articulados, elas expressam a
dinâmica de um contexto onde diferentes segmentos das elites não só disputam a
condução do poder político, como pensam uma “nova” representação do poder e
36
Ver GOMES, Angela de Castro (org.). Regionalismo e Centralização Política,. p. 23 a 39.
37
CAPELATO, Maria Helena. Estado Novo: novas histórias. In FREITAS, Marcos Cezar de (org.).
Historiografia brasileira em perspectiva. São Paulo: Contexto, 1998, p. 188.
38
propõem, segundo interesses específicos, a “melhor” solução político-
administrativa para o país.
Este debate, que envolve posicionamentos políticos distintos, se estrutura,
como observa Vavy Pacheco Borges, em torno de alguns conceitos, tais como
oligarquia, burguesia, Primeira República, Segunda República, Movimento de
Outubro, Revolução de Outubro, Revolução de 30, Revolução Constitucionalista,
Contra-Revolução, sendo especialmente relevante em todas discussões o conceito
de revolução.
Segundo esta autora, “em todas as falas, seja no debate mais amplo que
agitava o meio político nacional, seja nas disputas políticas menores do dia-a-dia,
o conceito de ‘revolução’ colocava-se claramente como central para todas as
vozes envolvidas; isso se percebe nos variados registros (na imprensa, em anais,
como em ensaios, memórias e até na literatura)”.
38
Sendo elemento central nas
discussões políticas dos anos 30, o conceito de “revolução” não designa, porém,
um acontecimento definido consensualmente. Ao contrário, o seu significado
variou de acordo com os interesses políticos dos interlocutores, revelando o
conflito entre as elites bem como suas estratégias de articulação num contexto de
ruptura político-institucional.
Ainda segundo Vavy Pacheco, pode-se depreender dois conteúdos básicos
do termo nestas interpretações. Por um lado, definia-se a revolução como um
movimento eminentemente político, apesar de ter precisado da atuação militar
para estabelecer-se. Este movimento terminou ou deveria terminar com a
substituição dos homens no poder. A revolução deveria restabelecer a ordem no
país, pela imediata reconstitucionalização.
No contexto baiano, o jornal A Tarde refletia, através de sua opinião sobre
a revolução, esta interpretação. Na avaliação de seus articulistas, como ilustra um
artigo de Wenceslau Gallo, publicado em janeiro de 31, a revolução prometera
com muita eloqüência salvar o país, mas limitara-se a substituir “por aparelhos
novos” as “peças” da “máquina federativa”, favorecendo com “sinecuras” seus
38
BORGES, Vavy P. Anos trinta e política: história e historiografia. In FREITAS, Marcos Cezar de ( org.). Op.
cit. p. 161.
39
correligionários. feito o “concerto”, reclamava o autor, “logo volte o regime legal,
que a todos garante, a todos premiando e punindo”.
39
Por outro lado, a revolução era compreendida como um movimento mais
amplo de transformações sociais, que se propunha a modificar a estrutura político-
social do país e, como tal, era um processo que deveria continuar além de outubro,
para consolidar-se. Neste sentido, a revolução propiciaria uma mudança da
mentalidade política do país, e a convocação imediata de uma Constituinte
poderia desvirtuar este propósito. Defendiam esta concepção os tenentes e
adesistas revolucionários para os quais fazia-se necessária a vigência temporária
do regime de exceção.
40
Também no âmbito da historiografia, as interpretações sobre o período que
se inicia com a “Revolução de 30” são muito divergentes. Pode-se destacar pelo
menos quatro tendências explicativas das mudanças de natureza político-
econômico-social ocorridas ao longo do governo Vargas.
41
A primeira tendência decorre da interpretação feita por Francisco Weffort
e Boris Fausto, que explicam a “Revolução de 30” como um movimento que
resultou da união de diferentes grupos sociais, dos quais nenhum “pôde oferecer
ao estado as bases de sua legitimidade”. Daí instalar-se nos anos posteriores a
1930 o “estado de compromisso”, representando o acordo entre as várias “frações
da burguesia”, do qual as classes médias são favorecidas, mas se mantêm em
posição subordinada, enquanto as classes operárias ficam à margem.
Segundo Boris Fausto, “o estado de compromisso, expressão do reajuste
nas relações internas das classes dominantes corresponde, por outro lado, a uma
nova forma de Estado, que se caracteriza pela maior centralização, o
intervencionismo ampliado e não restrito apenas à área do café, o estabelecimento
de uma certa racionalização no uso de algumas fontes fundamentais de riqueza
39
A Tarde, 09 jan. 31, p. 3
40
BORGES, Vavy P. Op. cit. p. 161.
41
MARTINS, Silvia Zanirato. Os artífices do ócio. Mendigos e vadios em São Paulo ( 1933 - 1942 ). Londrina:
UEL, 1997.
40
pelo capitalismo internacional”.
42
Afirma ainda o autor que as conexões entre a
“Revolução de 30” e os processos de industrialização se estabelecem ao longo do
período pós-revolucionário, sendo a forma que o Estado assume condição básica
para a expansão da indústria nacional.
43
Uma segunda tendência interpretativa é representada pelos trabalhos de
Edgar de Decca e Carlos Vesentini, que fazem uma avaliação da historiografia
sobre a “revolução de 30”, produzida até a década de 70, caracterizando-a como
uma construção ideológica que suprimiu da história deste acontecimento a luta de
classes e a atuação da classe operária. Edgar de Decca, em seu livro 1930 - O
silêncio dos vencidos, submete a uma “desmontagem” esta “construção
ideológica”, buscando evidenciar que a luta de classes é a dinâmica própria pela
qual se podem explicar os acontecimentos históricos.
O autor aponta o movimento operário do final dos anos 20 como o
verdadeiro marco das transformações que se convencionou atribuir à “revolução
de 30” que, aliás, existe apenas como um discurso que anula a memória do
operariado e sua proposta de revolução social. Este discurso elevou à condição de
“memória histórica” a “memória do vencedor”, generalizando o passado para toda
a sociedade brasileira.
44
Em terceiro lugar destaca-se a interpretação representada por autores como
Alcir Lenharo e Eliana Dutra. Para estes autores, o período que se inicia com a
“revolução de 30” se caracteriza pela realização de um projeto de estado
totalitário, cuja atuação perpassa o tecido social. Esta tendência enfatiza o poder
coercitivo do estado ante uma sociedade massificada e imóvel.
A quarta tendência se contrapõe a esta última, pois, embora reconheça que
o período é marcado pelo acentuado autoritarismo político, não identifica a
existência de um governo totalitário no Brasil. Argumenta-se que o conceito de
“massas”, fundamental na definição do totalitarismo, supõe a existência de
indivíduos “completamente desprovidos de laços” e incapazes de integrarem-se
42
FAUSTO, Boris. A ““Revolução de 1930””. Historiografia e História. São Paulo: Brasiliense, 1981, p. 104 -
111.
43
FAUSTO, Boris, Op. cit. p. 111.
44
DECCA, Edgar de. 1930 O silêncio dos vencidos. São Paulo: Brasiliense, 1981.
41
em qualquer nível da organização social, o que não se aplica aos brasileiros da
época. A despeito do exacerbado autoritarismo do período, as resistências miúdas,
descontínuas, ambíguas, estiveram sempre presentes no decorrer do regime
varguista.
45
Outro aspecto que caracteriza a historiografia mais recente é o rompimento
com a visão tradicional que caracteriza o período como um bloco único,
conhecido como a “era Vargas”. A distinção das conjunturas do período de 15
anos de governo Vargas abre novas possibilidades de interpretação. É partindo
desta perspectiva que as pesquisas sobre o período vêm sendo elaboradas
46
. Seja
ressaltando a necessidade de se abordar o “exercício da diferença no âmbito
social”
47
, seja adotando uma concepção da “história como um campo de
possibilidades’
48
, a recente historiografia estabelece a não homogeneidade do
longo período de 15 anos de governo centrado na figura de Vargas, apresentado-o
como constituído por diferentes conjunturas marcadas por rupturas e
continuidades.
As numerosas possibilidades de abordagem que se abrem para os
historiadores apontam a diversidade existente, não somente no universo das
classes populares mas também entre as elites. Assim, os primeiros anos da década
de 30 adquirem nova importância e interesse para os historiadores, por serem anos
de acentuada instabilidade política, evidenciada pela presença de conflitos e
divergências entre as elites das diferentes regiões. Sendo bem mais do que o
prenúncio do Estado Novo, os anos 30 contextualizam o importante debate pela
constitucionalização do país.
49
Antes, porém, de se iniciar este debate, as elites dos diferentes estados da
federação defrontaram-se com a questão da constituição do poder.
50
A
mobilização das elites neste momento de redefinição política fez-se segundo a
45
MARTINS, Silvia Zanirato. Op. cit. p.41.
46
CAPELATO, Maria Helena. Estado Novo: novas histórias . In FREITAS, Marcos Cezar de (org.). Op. cit. p.
187.
47
MARTINS, Silvia Zanirato. Op. cit. p. 41.
48
BORGES, Vavy P. Anos trinta: história e historiografia. In FREITAS, Marcos Cezar de (org.). Op. cit. p. 170.
49
GOMES, Ângela de Castro Gomes (org.). Regionalismo e Centralismo Político, p. 26.
50
SAMPAIO, Consuelo Novais. Poder e Representação. O Legislativo da Bahia na Segunda República 1930-
1937. Salvador: Assembléia Legislativa, 1992.
42
dinâmica própria de cada contexto regional. Em São Paulo, por exemplo,
evidenciou-se a polarização de forças e a radicalização do confronto entre o
movimento tenentista e a velha oligarquia do estado.
51
Por outro lado, nos estados
do Nordeste, as elites criaram o Bloco do Norte, numa composição com os
tenentes, objetivando obter maior espaço político em nível do governo federal.
52
Segundo Dulce Chaves Pandolfi, o Norte, como eram designadas as
regiões Norte e Nordeste na época, tornou-se um reduto tenentista que fortaleceu
o Governo Provisório, sendo esta a única região do país onde houve mobilizações
populares em apoio a Vargas e de protesto ao movimento constitucionalista.
53
Esta manifestação de apoio a Vargas mostrava que o seu objetivo, ao criar
a Delegacia do Norte, havia sido alcançado com grande sucesso: os estados
nortistas, em sua maioria, alinharam-se com os propósitos revolucionários.
54
Na
campanha pela constitucionalização, por exemplo, muitos se opuseram à
convocação de uma Assembléia Constituinte, defendendo a ditadura como “um
estágio necessário pelo qual deveria passar a sociedade brasileira”, para
efetivarem-se as reformas alardeadas pela Aliança Liberal.
55
Todavia, esta política, por assim dizer, revolucionária, não logrou integrar
todas as facções das elites nortistas nem foi assimilada de imediato em todos os
estados. Na Bahia, por exemplo, a recomposição do poder no período pós-30 não
foi tarefa fácil. Foi, dos estados nortistas, o único que esboçou uma tentativa de
reagir ao avanço das forças aliancistas, através da mobilização dos “batalhões
patrióticos”, forças coronelistas que desarticularam os movimentos tenentistas
anteriores. Foi também um dos poucos estados nortistas onde a Delegacia do
Norte teve grande “dificuldade de conciliar a interventoria com as forças sociais
51
GOMES, Ângela de Castro Gomes (org.) Regionalismo e Centralização Político, p. 27.
52
PANDOLFI, Dulce Chaves. A trajetória do Norte: uma tentativa de ascenso político. In GOMES, Angela de C.
(org.). Regionalismo e Centralização Política, p. 340 a 425.
53
Idem, ibidem.
54
A Delegacia do Norte, instrumento político criado por Vargas com o objetivo de alinhar os estados nortistas `a
revolução, é diferente do já referido Bloco do Norte, composição articulada pelas próprias elites nortistas com o
objetivo de defender os interesses da região frente ao poder central.
55
PANDOLFI, Dulce Chaves. O p. cit
43
locais”.
56
Efetivamente, a instabilidade e alta rotatividade dos interventores na
Bahia foi uma constante no imediato pós-30.
57
Segundo Consuelo Novais Sampaio, a “revolução não encontrou guarida
em terras baianas”, devido ao conservadorismo das suas elites dirigentes.
58
De
fato, o movimento revolucionário provocou um deslocamento da “oligarquia
colegiada” dos postos de comando que vinham ocupando desde o mandato de
Góes Calmon (1924 – 1928). As elites ligadas ao PRB buscavam consolidarem-se
e perpetuarem-se no poder, ainda que, como vimos a respeito da sucessão
governamental de 1930, a disputa de cargos estabelecesse, invariavelmente, no
interior dos grupos dirigentes, o conflito que, em geral, se dissolvia através de
acordos que contemplassem os diferentes interesses litigantes
59
. Assim,
“atropelando” a dinâmica própria das elites locais no poder, a Revolução não
poderia encontrar adeptos entre elas.
Desde o início da campanha presidencial, o jornal A Tarde, representando
a facção que na Bahia articulou a chapa Júlio Prestes - Vital Soares, já julgava
inútil a candidatura da Aliança Liberal, considerada idealista, uma obra de ficção
fadada à morte, que se tornaria passado depois das eleições, enquanto estimava
como improvável a cogitação de uma reação dos líderes da Aliança Liberal ante
sua futura derrota, tida como certa:
a vinda do sr. Getúlio Vargas ao Rio de Janeiro apressou
a agonia, em que a Aliança Liberal estava a debater-se, e
lhe marcou as horas de vida. Aliás, nos meios melhor
informados, se julga que a Aliança Liberal tem apenas
dois meses mais de existência, platônica, literária,
tribunícia e, para gáudio de uma imprensa faminta,
financeira também. No dia 2 de março de 1930 a referida
aventura política passará ao rol das coisas passadas, aos
cabides d’algibebe da história dos partidos de nosso país,
56
Idem, ibidem,. p. 352.
57
Idem, ibidem, p. 350.
58
SAMPAIO, Consuelo Novais. Os partidos políticos da Bahia na Primeira República.
59
A expressão “política de acomodação” foi proposta por Consuelo Novais Sampaio para caracterizar a prática
política das elites baianas. Como esclarece a autora, longe de indicar uma atitude de quietismo, o termo
acomodação indica a atitude itinerante das diferentes facções políticas as quais compõem-se, decompõem-se e
recompõem-se segundo as necessidades circunstanciais.
44
onde a reação é um capote usado e o liberalismo atual,
uma capa rota – a capa espanhola dos gascões do
parlamento.
60
Apesar da fraca repercussão em terras baianas, a campanha da Aliança
Liberal não foi de todo nula na Bahia. Contou com a receptividade do então
desprestigiado J.J. Seabra. Embora residindo no Rio de Janeiro, Seabra liderava, à
distância, um reduzido número de adeptos a favor da Aliança Liberal. Seguindo a
velha lógica da prática política de toda a Primeira República, a adesão de Seabra
deveu-se mais à vontade de retornar a dianteira nos rumos da política baiana do
que a qualquer outra convicção ideológica.
61
Assim, ainda que a partir de uma
“vacilante” adesão, a campanha da Aliança Liberal repercutiu no contexto baiano.
A Tarde, como se quisesse dizer que havia outras razões que justificassem
as adesões políticas, além dos interesses e ambições pessoais, acusava os
adversários da chapa oficial de se valerem destes artifícios para justificar suas
escolhas partidárias:
o sr. Getúlio Vargas, dando com admiração e franqueza,
a prova da inutilidade de sua candidatura, trouxe o
argumento irrespondível de que a Aliança Liberal não se
originou na aspiração de introduzir novos métodos de
governo e solucionar problemas esquecidos, mas foi,
apenas, uma tempestade barulhenta, surgida em modesto
copo d’água, onde se juntaram em reação efêmera, os
ingredientes vulgares dos descontentamentos pessoais e
das ambições insatisfeitas.
62
Além disso, a adesão à Aliança Liberal por parte das diferentes facções era
classificada, pelo vespertino baiano, como demonstração de insignificância
política:
querem, assim, os seabristas, ou liberalistas, ou
getulistas, ou bernardistas, ou com que nome adapte no
tablado a oposição. Desnecessária grande argueia para se
60
A Tarde, 09 jan. 1930, p. 1.
61
Ver SILVA, Paulo Santos. Âncoras de tradição. p.26-32
62
A Tarde, 06 jan. 1930, p. 3,
45
compreender o desígnio oculto de sua estrambótica
teoria. Ela, a dissidência, que fez do insulto e da calúnia,
arma habitual, sabe como ninguém, a derrota em que irá
cair. Sente, desde agora, arrepios de medo, vendo diante
dos olhos as urnas, donde há de surgir, mais uma vez, o
atestado de seu desvalor.
63
Apesar de desqualificar os correligionários de Getúlio Vargas,
considerados “intolerantes”, “desesperados”, A Tarde, numa atitude um tanto
ambígua, apresentava o candidato da Aliança Liberal com traços que o
distinguiam em relação aos seus adeptos:
o tom moderado que o sr. Getúlio Vargas procurou
imprimir aos discursos que proferiu, durante a sua
excursão ao Rio e a São Paulo, enraiveceu certas
figuras de proa da Aliança Liberal. Queriam elas que o
orador candidato esbravejasse e agredisse aos
adversários, talqualmente vem fazendo vários dos seus
adeptos. Mergulhados numa exaltação insensata, que
lhes pinta o desespero da alma, condenam, sem
apelação, aos correligionários que se mostrarem
tolerantes e superiores na propaganda das idéias
.
64
Embora os rumores sobre um golpe político engendrado a partir do Rio
Grande Sul, já se fizessem ouvir, A Tarde, posicionando-se através de perguntas,
se negava a admitir esta possibilidade:
ora, como haverá quem acredite na possibilidade de
surgir no Rio Grande do Sul um movimento armado
contra as instituições? Existirá alguém, de boa fé e
sensato, capaz de crer que, depois das palavras do
honrado antecessor do sr. Getúlio Vargas, à imprensa,
declarando que o seu Estado não sairá dos limites da
ordem, devendo entender-se como produto de
exaltações lamentáveis as ameaças em contrário, depois
destas palavras, vá o situacionismo gaúcho rebelar-se
63
A Tarde, 03 fev. 1930, Tópicos, p.2.
64
A Tarde, 08 jan. 1930, Tópicos, p.2.
46
de arma nas mãos, porque a nação recuse apoio
eleitoral à Aliança?
65
Mas não bastava desacreditar a possibilidade do golpe, se fazia também
necessário definir o campo de batalha. A proximidade das eleições presidenciais
suscitava as polêmicas na imprensa que apresentava justificativas pelas opções
que fazia. A Tarde, intransigente defensora da “ordem”, estabelecida, no seu
entender, através de critérios racionais, caracterizava as forças em litígio.
Apresentava o perfil das duas principais agremiações partidárias e buscando
respaldo nos princípios da ideologia liberal burguesa, apontava qual delas estava
do lado da ordem advinda do uso da razão, que patrocinaria o equilíbrio social:
de um lado o liberalismo de nova escola, ameaçador,
rubro e sanguinário, que é a mais viva negação da
liberdade como todas as idéias exclusivistas. Do outro, as
forças conservadoras, o Brasil avesso às agitações e à
desordem, que não se deixa dominar pelos instintos e
pelos sentimentos e que procura o equilíbrio das forças
sociais e políticas, fazendo uso do raciocínio e da razão
para manter coeso, unido, pacífico e construtor um país
fatigado de lutas violentas.
66
A campanha para a sucessão presidencial seguiu a tônica de desqualificar
o adversário. Embora fosse defensora do liberalismo, A Tarde acentuava a
existência de diferentes vertentes desta ideologia política. O liberalismo que a
Aliança Liberal queria instituir no Brasil era, no seu entender, fruto de um
programa anarquista” que visava atingir a segurança das instituições
republicanas. Segundo o prognóstico que fazia do desenrolar da campanha, a
Aliança Liberal queria “converter o Brasil” num “cenário de cabilda africana, em
que as tribos se suprimem ferozmente” e conclamava a todos para protestar em
nome da civilização.
67
Segundo A Tarde, o liberalismo da Aliança Liberal se caracterizava por ser
“apostolante”, que prometia regenerar os costumes republicanos, mas se destacava
65
A Tarde, 10 jan. 1930, Tópicos,p. 2.
66
A Tarde, 06 fev. 1930, p1.
67
A Tarde, 08 fev. 1930, p. 1.
47
na campanha pelo uso da violência, para garantir as ambições pessoais dos seus
chefes:
aumentam dia a dia os crimes do liberalismo que o sr.
Antonio Carlos e Getúlio Vargas pregam como a última
panacéia capaz de regenerar os nossos costumes
republicanos. Em Minas, no Rio Grande do Sul, no Rio
Grande do Norte, na Paraíba, no Espírito Santo, caem,
debaixo de balas ou de punhais, homens, mulheres e
crianças, imolados aos pendores sanguinários dos
propagandistas das conveniências pessoais daqueles dois
ilustres chefes de Estado
.
68
Após as eleições, esperava-se como certa a vitória da chapa oficial, mas
especulava-se acerca da reação que os integrantes da Aliança Liberal teriam ante
o resultado. Ao mesmo tempo já se acenava para a articulação de um grande
acordo entabulado “pelos altos círculos da política nacional”. Assim, o jornal
dava testemunho da vigente “política de acomodação”:
prosseguem com grande atividade os trabalhos secretos
nos círculos ligados aos governos de Minas e Rio Grande
do Sul, no sentido de resolverem a situação criada pelo
resultado até agora conhecido do pleito presidencial do
qual se infere a indiscutível vitória dos srs. Júlio Prestes e
Vital Soares... Tudo indica que está se fazendo um
grande movimento nos altos círculos da política nacional
para se conseguir uma conciliação geral.
69
Esta “conciliação geral” via-se, todavia, ameaçada por uma “revolução
anunciada”, que partiria de Minas, quando houvesse a substituição de
governadores, mas A Tarde, “confiando” no caráter de estadista de Antônio
Carlos, que deixava o governo, ponderava:
a intentona estava marcada para a noite de 6 de setembro
– diz-se por aí. A última esperança dos agitadores era
uma atitude resoluta do sr. Antonio Carlos no momento
68
A Tarde, 18 fev. 1930, Tópicos, p. 2.
69
A Tarde, 14 mar. 1930, p.1.
48
de deixar o governo... Só quem não conhecer o estadista
mineiro o julgará capaz de um ato de desespero
semelhante a um ato de loucura... O sr. Antonio Carlos,
na ocasião definida, quando todos os olhares dos seus
ardorosos correligionários o devoravam numa ansiedade,
encolheu os ombros, sorriu palidamente, adiantou-se,
disse palavras comuns e passou o governo ao sr. Olegário
Maciel. Assim se dissolveu a revolução anunciada. Os
atores, silenciosamente, acolheram-se à proteção dos
bastidores. E diz-se à boca pequena, que quem quiser
assistir à outra espere mais quatro anos. O sr. Antonio
Carlos é que não faz nenhuma
.
70
Mesmo com a proximidade do movimento revolucionário, o
comportamento do jornal não se modificou. Continuava adotando a postura de
“tranqüilizar” a população baiana. No dia 1
º
de outubro, “esclarecia” que a cidade
andava “cheia de boatos”, os quais diziam estar acontecendo “anormalidades em
Minas e no Rio Grande do Sul”, mas garantia que no Rio Grande o telégrafo havia
funcionado até a última hora dA Tarde anterior e não registrara novidades.
71
Enquanto o Presidente Washington Luís tentava conter o avanço do
movimento revolucionário, financiando a organização dos exércitos de homens
recrutados pelos coronéis baianos, os chamados “batalhões patrióticos”, A Tarde
divulgava notícias que negavam este avanço. Na maioria dos estados do norte as
forças legalistas já haviam sucumbido às forças revolucionárias. A Bahia e o
Maranhão eram os únicos estados da região a resistir ao domínio dos
revolucionários.
72
Defensora da “ordem” e da “legalidade”, A Tarde garantia:
não se modificou até agora a situação da capital da
República que se mantém em calma. A ordem não sofreu
aqui a mais leve alteração. Prossegue com certa
regularidade as operações das forças legais, praticando-
se, com segurança e decisão o desenvolvimento do plano
70
A Tarde, 24 set. 1930, p.1.
71
A Tarde, 01 out. 1930, p. 1.
72
Sobre o avanço do movimento revolucionário na Bahia, ver PANG, Eul-Soo. Op. cit. pp. 201 e segs.
49
estabelecido. Na frente de Minas é geral o avanço das
tropas da união.
73
A Tarde recomendava à população para manter-se clama e tranqüila, pois
afirmava que as notícias que se espalhavam sobre o sucesso do movimento
revolucionário eram inverossímeis. Ainda que o Exército estivesse se rendendo
ante as forças revolucionárias em todo o país, A Tarde fantasiava, dizendo o
contrário:
a cidade está cheia de boatos! Boatos! Boatos! Fulano
chega ao ouvido de sicrano e conta isso, aquilo e
aquiloutro. Coisas horríveis!... Enfim, uma tecetura de
mentiras. Cada qual menos verossímil, mas a que almas
ingênuas dão credito. A população deve precaver-se
contra os veiculadores de patranhas nascidas sempre da
fantasia. Deve pôr de quarentena toda sorte de
informações de que pessoas estranhas aos
acontecimentos sustentam ser sabedoras. Mesmo porque,
nada há de intranqüilizador. Nada! Antes pelo
contrário!
74
Três dias antes da deposição de Washington Luís, A Tarde ainda não se
rendera aos fatos e reafirmava o desejo da elite baiana de que a “ordem” se
mantivesse inalterada. Continuava a recomendar calma e até anunciava um recuo
dos “rebeldes”:
reina perfeita ordem na capital da República, sendo a
situação de absoluta calma. Nada ocorreu digno de nota
nos diferentes setores, onde se desenvolvem operações
militares. Declina, sensivelmente, a atividade dos
rebeldes ao norte como ao sul, sendo de menor
importância as iniciativas tomadas por eles nestas últimas
48 horas.
75
Porém, os fatos se desenrolaram a contragosto das elites baianas, sem que
elas conseguissem evitar. Fora do poder as elites baianas passaram por estes
73
A Tarde, 15 out. 1930, p.1.
74
A Tarde, 18 out. 1930, p..3.
75
A Tarde, 21 out. 1930, p..1.
50
momentos de instabilidade política, contestando a forte centralização do poder que
Getúlio Vargas vinha impondo. A Tarde desempenhou, nessa conjuntura política,
o papel de porta-voz do grupo político liderado por Otávio Mangabeira, do qual
seu proprietário era contumaz colaborador, dando sustentação ideológica aos seus
interesses políticos.
E uma vez que a revolução havia desarticulado o arranjo político
conduzido em parte pela ação de Simões Filho, cabia ao jornal deslegitimá-la. Ora
porque o número dos revolucionários não era representativo, número que, aliás,
dizia A Tarde, nunca fora sequer declarado,
76
ora porque a Revolução não passara
de uma “simples revolta”, pois constatava A Tarde:
a Revolta, a Revolução tirou de uns e deu a outros.
Compete-lhe, agora despachar-se e convocar a
Constituinte. Venha a nova Carta Magna! Venham as
novas diretrizes! As novas conquistas do liberalismo
batalhador.
..
77
O conservadorismo que caracterizava o pensamento dessa facção política
baiana se recrudescia ante a perda do poder e vinha à tona como argumento para
reforçar a ilegitimidade do movimento revolucionário, que embora fosse também
conservador em vários aspectos, tornou-se alvo de críticas. Luiz Vianna Filho,
num artigo intitulado As duas Repúblicas, afirmava que a Segunda República
nascera “raquítica”. Fazia uma melancólica referência à Primeira República,
considerada uma “escola de estadistas”, a qual durante sua vigência foi reunindo
em volta dos seus ideais varões ilustres que ao subirem ao poder sabiam o que
queriam e aparafusaram, com rara habilidade, a nova máquina republicana”.
Além disso, o autor asseverava:
mal da Revolução é não ter preparado homens. Não quer
isto dizer que não tenha ao seu lado alguns homens
ilustres e acatados, mas são tão poucos que não chegam a
meia dúzia
.
78
76
CAMPOS, Humberto. Quantos Sois? A Tarde, 10 set. 1932, p.3.
77
A Tarde, 06 fev. 1931, p. 3.
78
VIANNA FILHO, Luiz. As duas Repúblicas. A Tarde, 10 jan. 1931, p. 3.
51
Ação do grupo político ligado ao Partido Republicano da Bahia (PRB) fora
limitada pela ruptura no poder representado pelo movimento de 1930. Tanto pela
instituição de interventorias, alheias à política local como pela condição de exílio
a que submeteu alguns dos seus líderes. A Tarde, porém, continuaria a exercer um
papel ativo na campanha contra o movimento liderado por Getúlio Vargas e,
consolidado o novo arranjo político, passou a reclamar pela constitucionalização
imediata do país. Avaliava os seis meses do Governo Provisório, dizia que
enquanto o tempo passava o “sr. Getulio toma águas e descansa em Petrópolis”.
Além disso, nestes seis meses, enquanto “sr. Getúlio sobe o câmbio desce”, mas
já era tempo de pensar no futuro, constatava A Tarde:
enfim, é o tempo que se vai fazendo sentir e o Brasil
começa a reagir para se integrar nas diretrizes que
nortearão o dia de amanhã. Que poderíamos querer de
mais significativo, de mais expressivo do que esse
Congresso dos Libertadores, que a nação cobriu de
aplausos com a sua moção aos democratas e com os seus
votos a favor da constitucionalização imediata do país
?
79
Assim, através de matizadas linhas, A Tarde ia tecendo seu conceito da
“Revolução de 1930”. Esta não passava de uma “revolta” que substituiu os
homens no poder. Era “raquítica”, de frágil estrutura política, sem ideais e sem
verdadeiros estadistas. Era “desnorteada”, sem diretrizes, o que gerava
inseguranças e incertezas à “nação”. Era também “inconstitucional”, mas já que se
tornara um fato consumado, cabia à sua liderança tomar medidas imediatas para
estabelecer a Assembléia Constituinte.
Portanto, nesta conjuntura, a campanha por uma nova Constituição para o
país seria uma constante no discurso de A Tarde. Além das críticas ao governo
constituído, o jornal incrementava sua campanha com comentários esperançosos
ante a promessa de Getúlio Vargas de atender a esta solicitação feita também
pelas elites deslocadas do poder em outros estados:
felizmente já se notam, nos próprios arraiais
revolucionários, as primeiras tentativas, animadoras
79
A Tarde, 25 abril 1931, p.1.
52
aliás, de se integrar o mais breve possível, o país ao
destino de um regime constitucional
.
80
As elites baianas esboçavam, assim, os primeiros passos da oposição
sistemática que fariam ao governo de Getúlio Vargas. Em 1932 foi criada a Liga
de Ação Social e Política (LASP), que deu origem à Concentração Autonomista
da Bahia, agremiações que reuniam as facções locais em oposição ao Presidente.
81
No âmbito local, o movimento autonomista da Bahia contaria com a ativa
colaboração do jornal A Tarde, que desde 1931 já reivindicava uma nova
Constituição para o país e que seria, ao longo do período subseqüente, um
importante canal de expressão dos “autonomistas” baianos.
A imprensa opera neste contexto de disputa política como poderosa arma
que não dispara balas, mas crenças e valores. Ou seja, propaga idéias, ressalta
aspectos de determinados acontecimentos em detrimento de outros que poderiam
dar margem a interpretações indesejáveis, e, até divulga notícias de fatos
inverossímeis com o objetivo de minar as forças dos adversários políticos.
Colabora, portanto, na definição do campo de forças.
A Tarde investiu na exploração do “movimento revolucionário de 1930”
caracterizando-o como ilegítimo. Deixava evidente a sua posição na luta política e
buscava construir o respaldo do leitor induzindo-o ao descrédito em relação ao
Governo Provisório, que desde o início fora tido como ditatorial.
Mas, se as conjunturas políticas desfavoráveis provocam reações
apaixonadas da imprensa evidenciando sua atuação na política partidária, esta
atuação não se faz menos visível no cotidiano, quando se revelam os modos de
pensar de determinados segmentos sociais. A imprensa, de modo geral, atua em
favor dos grupos dirigentes e, mesmo borrifando seus discursos com os ventos da
sempre renovada “modernidade”, reproduz idéias, crenças e valores que nem
sempre se renovam, e perdurando por muito tempo se inscrevem na longa
duração. No próximo capítulo será abordada a representação que o jornal A Tarde
80
A Tarde, 19 mar. 1931, p.1.
81
Ver SILVA, Paulo Santos, Âncoras de tradição, p. 35.
53
fazia do funcionamento da sociedade mais ampla e de diferentes sujeitos sociais,
através da análise de algumas idéias e crenças cotidianamente reiteradas.
54
CAPÍTULO II
OS MATIZES IDEOLÓGICOS DO DISCURSO DO A TARDE
Os matizes ideológicos dos discursos do jornal A Tarde, no período em
estudo, são norteados por princípios da teoria política do liberalismo e do
Iluminismo europeus, cujas raízes remontam à filosofia empirista, da qual se
originou uma teoria do conhecimento fundada na lógica indutiva, que valorizava a
observação empírica e a aplicação prática da ciência. Remontam também ao
pensamento político que, desde o século XVIII, postulava teorias sobre a
constituição da sociedade civil, as quais delimitavam as esferas do público e do
privado, defendiam o direito à propriedade privada e estabeleciam que a razão
deveria orientar a conduta humana e o estado, promover a liberdade, a igualdade,
a justiça, a segurança, o gozo da propriedade e outros objetivos individuais.
A Tarde idealizava uma sociedade organizada segundo estes princípios. E
se propunha a exercer o papel pedagógico de indicar os padrões e limites da
conduta adequada aos baianos. As práticas e hábitos dos baianos deveriam seguir
os padrões “civilizados” e ser regulados por leis e pela “razão”. Caberia aos
governos regular, pelas leis, as práticas e hábitos moralmente certos, insistindo-se
em associar a política à moral e à razão. Assim, as instituições republicanas
deveriam ser moralizadas pois, apesar de serem boas, haviam se corrompido.
Tendo como referência os princípios do liberalismo, acreditava que a
democracia estava intimamente ligada à virtude e ao espírito cívico que, aliados
ao governo republicano, o motivariam, fortaleceriam e o manteriam. Ainda sob
essa influência, difundia-se a noção de que a democracia encontra seus alicerces
na “soberania popular”, a vontade do povo é soberana e é medida através da
“vontade da maioria dos cidadãos ativos”.
Defendia-se o princípio da igualdade civil. Porém, os meios para se atingir
o preconizado “bem-estar social” supunham a desigualdade social e a dominação
55
das camadas populares por uma elite letrada, considerada o único segmento social
capaz de encontrar a solução para os graves problemas do país. Assim, as idéias
liberais não impediam a manifestação do acentuado conservadorismo das elites
dirigentes. Ao contrário, esta ambigüidade é um dos traços do liberalismo
brasileiro.
II.1 Imprensa e Imaginário Político
Os meios de comunicação exercem na sociedade o papel de legitimação de
interesses e de estruturas sociais específicas, convertendo-se em instrumentos de
direção política, através da inculcação de valores e crenças, que preparam um
imaginário coletivo receptivo a este direcionamento. Dentre as funções sociais dos
meios de comunicação destaca-se a atribuição de status a pessoas, organizações e
movimentos sociais, conferindo-lhes prestígio. Esta função básica encontra-se no
âmbito da ação legitimadora de políticas, pessoas e grupos, relacionando-se ao uso
efetivo da propaganda com objetivos sociais.
1
A ação dos meios de comunicação na sociedade brasileira tornou-se mais
eficaz a partir de 1930. Nessa época, era o rádio, introduzido no Brasil em 1923, o
meio de comunicação que gozava de maior sucesso e receptividade entre a
população.
2
Diante do aparelho, ainda estranho, os ouvintes permaneciam por
longo tempo disponíveis à sua programação, embevecidos com este “milagre dos
milagres da tecnologia”.
3
Do recôndito do lar ou das praças públicas, onde eram
instalados alto-falantes, milhares de pessoas se ligavam através das ondas do
rádio, arrebatadas pela “voz aliciante” que, numa paradoxal intimidade, tocava
1
GOULART, Silvana. Sob a verdade oficial. Ideologia, propaganda e censura no Estado Novo. São Paulo:
Marco Zero, 1990.
2
A primeira emissora brasileira, a Rádio Sociedade do Rio de Janeiro, foi instalada naquela capital em 20 de
abril de 1923.
3
SEVCENKO, Nicolau. “A cidade irradiante: técnica, ritmos e ritos do Rio”. In NOVAIS, Fernando A.
(coord. geral da col.); SEVCENKO. Nicolau (org. v) História da vida privada no Brasil. V. 3. São Paulo:
Companhia das Letras, 1998, p. 584-596.
56
suas almas sem tirá-las do anonimato; descarnada, entrava em suas casas com os
corpos dos seus sonhos.
4
No final da década de 1920 as “estações” de rádio apresentavam uma
programação que incluía jogos de futebol, audiência garantida pelo público
masculino; radioteatro: enxertos de peças, romances e novelas, que nos anos 40 se
tornariam a maior atração desta programação; humorismo; programas de
auditórios lotados, conduzidos por cantores, intérpretes, humoristas, atores,
apresentadores e orquestras, muitos dos quais fizeram aí suas carreiras artísticas,
como a “fulgurante” Carmen Miranda.
5
O fascínio que a “caixa falante” exercia sobre as pessoas foi logo utilizado
com fins comerciais, e várias empresas passaram a reservar verbas publicitárias
exclusivas para o novo veículo que embalava a imaginação e os instintos de
milhares de pessoas. As agências publicitárias, que já comercializavam o espaço
nos jornais, passaram a comercializar o tempo no rádio, explorando variados
recursos para ampliar a audiência, o que acirrou a concorrência e acelerou o
desenvolvimento de técnicas de administração, programação, edição, locução,
propaganda, distribuição e controle de mercado.
6
Contudo, o desenvolvimento do rádio no Brasil foi defasado em relação
aos países industrializados e, durante os anos de 1920, a radiodifusão apresentava
muitos problemas técnicos de transmissão, difusão, qualidade de sinal e
programação, sendo portanto, seu reflexo na cultura brasileira bem mais
significativo a partir da década seguinte. Foi também a partir da década de 1930
que o “potencial aliciador” do rádio, descoberto pela publicidade, seria utilizado
para fins políticos, quando Getúlio Vargas passou a veicular sua voz pela Rádio
Nacional
7
, conclamando à audiência os “trabalhadores do Brasil!”.
8
4
Idem, ibidem.
5
BAHIA, Juarez. Jornal, história e técnica. História da imprensa brasileira. 4 ed., São Paulo: Ática, 1990, p.
199.
6
SEVCENKO, Nicolau. Op. cit., p. 513-619.
7
A Rádio Nacional entrou no ar em 12 de setembro de 1936; seria, a partir daí, um fenômeno da radiofonia no
país. Teve o domínio da audiência nos anos 40 e 50 e abriu o caminho para o radiojornalismo.
8
SEVCENKO, Nicolau. Op. cit.
57
O impacto dos meios de comunicação na sociedade se tornou decisivo,
modificando profundamente os hábitos e valores vigentes então. A introdução do
rádio no Brasil foi um dos fatores determinantes nesta transformação, como
vimos. Durante as primeiras décadas do século XX, uma nova visão de mundo se
esboçava para as elites brasileiras, que ficaram inteiramente seduzidas pela
plasticidade com que o mundo começava a se apresentar. Esta nova forma de
representar o mundo trazia implícita a ilusão de que os benefícios advindos desta
plasticidade alcançaria a todos indistintamente, pois no bojo da sua sustentação
ideológica estava a noção de progresso como um processo universal, inexorável e
irreversível, além da noção de igualdade formal entre as pessoas.
9
Logo, porém, se tornaria evidente a diferenciação dessa gênese do
capitalismo brasileiro: as elites políticas e econômicas passaram a usar os recursos
tecnológicos, que seriam propulsores do progresso geral, como meio de controlar
o poder que, por princípio, deveria pertencer a todos os cidadãos; não deixariam
contudo, a partir daí, de defender o bem estar coletivo, a democracia, o progresso,
a ordem que o propiciaria. Assim, essencialmente conservadoras, as elites
brasileiras passaram a adotar a ideologia liberal burguesa, que incluía idéias
universalizantes de progresso; de racionalização dos espaços, cuja projeção em
geral era ambientada em cenários urbanos; da delimitação da ação pelo tempo,
que estabeleceria a medida exata do funcionamento da sociedade.
10
Mas, a generalização da visão de mundo burguesa, instantaneamente
incorporada pelos habitantes das grandes cidades como Rio de Janeiro e São
9
A modernidade, ao ser engendrada pelo desenvolvimento de recursos tecnológicos, evidenciou para habitantes
do mundo de cultura ocidental uma significação básica: o plástico servia de metáfora não só como matéria
constitutiva do novo mundo, com a proliferação de objetos oferecidos ao consumo tendo-o como matéria-prima,
como também tornar-se-ía um símbolo da versatilidade de formas com que o mundo poderia se apresentar. Ver
sobre o processo de assimilação da “cultura plástica” como processo de descoberta do poder da imagem de
evocar realidades virtuais, através, por exemplo, da troca de cartões-postais. SCHAPOCHNIK, Nelson.
“Cartões-postais, álbuns de família e ícones da intimidade”. In NOVAIS, Fernando A. (coord.-geral da col.) e
SEVECENKO, Nicolau. História da vida privada no Brasil,v..3. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.
10
O conceito de ideologia aqui utilizado segue a formulação feita pelo sociólogo Karl Mannheim, no livro
Ideologia e Utopia. O autor considera fundamental a distinção entre um conceito particular de ideologia, que
designa os processos de distorção da realidade, podendo variar as distorções numa escala que vai das mentiras
conscientes aos disfarces semiconscientes e dissimulados. Esta concepção coincide com a formulação feita por
Karl Marx da ideologia como “falsa consciência” que, pertencendo ao domínio da ilusão, mascara a realidade; e
um conceito de ideologia total, que na sua formulação inclui a concepção particular, designando o modo total de
pensar de uma época ou de um grupo histórico-social concreto, as características e a composição da estrutura
58
Paulo, não poderia contemplar indiferentemente a totalidade dos brasileiros, pois
as diferentes regiões e cidades, e nestas, as diferentes camadas da população,
absorveram de forma desigual os padrões de comportamento burgueses, de
modernidade e de consumo.
11
Na cidade do Salvador, por exemplo, a assimilação
de hábitos cosmopolitas foi mais tardia do que nos grandes centros urbanos do
sudeste brasileiro. Os costumes dos seus habitantes, nas primeiras décadas do
século 20, conformavam uma “acanhada urbanidade”, se comparados com os
padrões vigentes naquelas duas grandes cidades, nesta época.
12
Entretanto, os ideais de modernização, que vinham, gradativamente, se
intensificando, remontam a meados do século XIX, quando começaram a ser
introduzidas novas práticas e hábitos para “civilizar os costumes”.
13
Assim,
embora com grande defasagem em relação às cidades do Sudeste do Brasil,
Salvador já apresentava, nas três primeiras décadas do século XX, uma
configuração urbana que se fazia notar, se com ela se comparasse outras cidades
localizadas no interior do Estado da Bahia.
Todavia, o ideal de reorganização do espaço urbano ganhou uma maior
expressividade na Bahia, particularmente em Salvador, a partir do projeto de
reforma urbana idealizado no primeiro governo de J. J. Seabra, (1912-1916) e, em
parte, executado pelas “picaretas progressistas”, postas em ação nesse período.
14
O objetivo desta reforma era substituir a feição colonial da cidade de Salvador por
total da “mente” desta época ou deste grupo. Ver MANNHEIM, Karl. Ideologia e Utopia. 4 ed., Rio de Janeiro:
Zahar, 1982.
11
MALUF, Marina; MOTT, Maria Lúcia. “Recônditos do mundo feminino”. In NOVAIS, Fernando A. (coord.
col.); SEVECENKO, Nicolau. História da vida privada no Brasil, v. 3. São Paulo: Companhia das Letras,
1998, p. 367-421
12
FERREIRA, Alberto Heráclito. Salvador das mulheres. Condição feminina e cotidiano popular na Belle
Époque imperfeita. Dissertação (Mestrado em História) – Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas,
Universidade Federal da Bahia, Salvador, 1994, p. 70.
13
REIS, João José. A morte é uma festa: ritos fúnebres e revolta popular no Brasil do século XIX. São Paulo:
Companhia das Letras, 1991. O autor estuda as atitudes da população de Salvador perante a morte, no século
XIX, analisando o confronto entre a defesa dos hábitos tradicionais e o projeto de remodelação destes hábitos,
que deveriam ser substituídos por novos hábitos mais higiênicos, como etapa de execução de um projeto de
civilização dos costumes.
14
Ver LEITE, Rinaldo César N. E a Bahia civiliza-se... Ideais de civilização e cenas de anti-civilidade em um
contexto de modernização urbana, Salvador, 1912-1916. Dissertação (Mestrado em História) – Faculdade de
Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal da Bahia, 1996. O autor analisa o projeto de remodelação
da cidade de Salvador, incrementado a partir de 1912, como um projeto que atendia aos interesses de segmentos
elitistas, inconformados com as condições insalubres da cidade em que viviam, representados pelo então
governador J. J. Seabra.
59
outra, esboçada a partir do ideal republicano de cidade.
15
Neste sentido, as ruas
foram alargadas, o cais do porto foi remodelado, vias públicas se tornaram mais
espaçosas, as calçadas ganharam mais espaço para a circulação de pessoas, enfim,
Salvador foi sendo, a partir da segunda década do século XX, remodelada,
adquirindo aos poucos os contornos de cidade grande.
O projeto de modernização da cidade do Salvador se reafirmava
cotidianamente pela imprensa, que divulgava os novos padrões de comportamento
e os novos padrões estéticos como símbolos de um progresso que a Bahia não
tinha ainda alcançado, mas que poderia e deveria perseguir. A nova configuração
urbana pressupunha também a desfiguração do velho complexo arquitetônico da
cidade, que passou a representar atraso e indisposição ao progresso. Embora esta
reforma urbana tivesse se iniciado na gestão de J. J. Seabra, em 1912, ainda não
havia logrado êxito no final da década de 20 do século passado.
O jornal A Tarde, que atestou sistematicamente o ideal de modernização,
em 1928, por exemplo, protestava a favor da demolição da Sé, considerando
urgente a derrubada do “velho templo”, pois aí estaria a “chave” para a realização
de um “complexo programa de aformoseamento e higiene” da capital da Bahia.
Para A Tarde não havia mais o que se discutir; bastava de “conferências e trocas
de idéias”, era a hora de realizar tal programa e, portanto, as picaretas deveriam
entrar a trabalhar e levar abaixo os “venerandos muros onde a rotina e o bolor
passadista se acastelaram.
16
O progresso, que inexoravelmente chegaria, eliminando a feição
envelhecida da cidade, na perspectiva do vespertino baiano poderia ser
representado pela adoção e respeito aos novos padrões estéticos. “Mais cedo ou
mais tarde”, as pedras seculares da velha fortaleza” seriam “separadas pelas
picaretas do progresso”. E, então, o aspecto deste “sombrio lugar” se
transformaria, pois passaria a abrigar o sol que “os antigos já consideravam fonte
15
FERREIRA, Alberto Heráclito. Op. cit. p. 66.
16
A Tarde, 18 ago. 1928, Tópicos, p. 2.
60
de vida”; nesse espaço renovado, projetava A Tarde a construção de “belos
canteiros”, nos quais vicejariam “lindas rosas em alfombras de grama.
17
Vale ressaltar, aqui, uma nuance do signo verbal, observada nos
fragmentos selecionados acima, a qual consiste no conflito existente no interior de
um mesmo contexto lingüístico, revelando, ao mesmo tempo, os conflitos nas
relações sociais dos sujeitos históricos. Neste caso específico, a ambigüidade se
verifica no âmbito da significação das palavras, que remete a um comportamento
social ambíguo. Por exemplo, acima a palavra “velha” foi inserida num contexto
de significação que lhe imprime o sentido de ultrapassada, de atrasada, sendo
apresentada neste contexto como algo negativo em contraposição à positividade
representada aí pelo termo “progresso”. Poucas linhas adiante, no mesmo artigo
foi empregado um sinônimo de velho, a palavra “antigos”, sendo remetida para
um contexto de significação que lhe confere um sentido positivo, pois “antigos” aí
significa autoridade legítima e sabedoria.
Assim vão se construindo os sentidos, com ambigüidades aparentemente
irrelevantes, mas que denunciam as contradições do pensamento em si mesmo, e
deste com a prática de quem o enuncia, que não raramente, o discurso parece
escamotear.
18
O jornal A Tarde, através da ambigüidade discursiva, expressava
um projeto de modernidade para a Bahia que se realizaria inclusive, pela
incorporação de um padrão estético tipicamente urbano, com o qual se almejava
renovar a feição de Salvador. Ao mesmo tempo, revelava, de modo sutil, implícito
no seu discurso, um perfil político conservador, pois buscava respaldar suas
afirmações numa suposta autoridade dos antigos. Esta conciliação de contrários
que era um dos recursos recorrentes da lógica discursiva do A Tarde fazia parte do
modo próprio de pensar das elites baianas, pois como afirma Alberto H. Ferreira,
o conservadorismo das elites baianas não as impediu de assimilar princípios e
signos da modernidade.
19
17
A Tarde, 23 ago. 1928, Tópicos, p.2.
18
Este é um princípio básico da análise do discurso proposta por Mikhail Bakhtin. Segundo sua formulação cada
signo ideológico mais do que um reflexo, uma sombra da realidade, é um fragmento material dessa realidade. A
palavra é o fenômeno ideológico por excelência, pois qualquer realidade que comporte estará inevitavelmente
submetida à sua função de signo. Ver BAKHTIN, Mikhail. Op. cit. p. 36.
19
Ver FERREIRA, Alberto H. Op. cit.
61
A ideologia liberal burguesa expressa nos conteúdos do pensamento
veiculado pelo jornal A Tarde, mais que um recurso de inversão ou mascaramento
da realidade, no sentido de criar ilusões, revela a assimilação de uma nova visão
de mundo
20
, segundo a qual a constituição da sociedade civil deve seguir uma
“ordem completamente justa”
21
, advinda do uso público da razão. A publicidade
da razão coincide com uma ordem cosmopolita, que define o homem como o
homem do mundo, sendo sua autonomia e maioridade civis decorrentes da
capacidade de usar a sua própria razão sem a direção de outrem.
22
A assimilação deste cosmopolitismo burguês se traduziu em grande
medida pela defesa de um padrão estético, cujo paradigma era a idéia da “ordem
plenamente justa”, implicando uma noção de que o belo se traduz por uma ordem
superior, a qual procede do uso adequado da razão.
O jornal A Tarde reproduzia o ideal de organização cosmopolita indicando
a substituição de hábitos fundados na “desrazão”, cujo padrão estético evidenciava
uma estruturação urbana já superada, sugeria, assim, sua correção ou regulação
pelos critérios das leis em vigor. Por exemplo, “o hábito de ter flores em
prateleiras de pau, por fora das janelas, sobre as ruas”, o qual vinha “dos tempos
coloniais”, quando o “perigo para os transeuntes era menor”, porque as
prateleiras não estavam ainda apodrecidas, requeria, então, que mudara o “caso de
figura”, uma ação da Fiscalização Municipal, vez que havia uma “postura, bem
clara, e parece que não revogada, proibindo aquele uso”. Assim, concluía A
Tarde: a queda dos vasos ou a mera possibilidade de caírem exigia o cumprimento
20
Esta reflexão se baseia no postulado de Karl Mannheim de que as análises que utilizam o conceito de ideologia
no sentido de “ideologia total” buscam reconstruir “ o modo de ver total de um grupo social”, através da
reconstrução dos pressupostos teóricos que sistematicamente aparecem subjacentes aos juízos isolados dos
indivíduos, enquanto as análises que se valem do conceito particular de ideologia buscam revelar aspectos
psicológicos coletivos fazendo o conteúdo do pensamento derivar basicamente dos interesses dos sujeitos
particulares. Ver MANNHEIM, Karl. Op. cit. p. 83-5.
21
Sobre a fundamentação filosófica da noção de esfera pública burguesa, ver HABERMAS, Jürgen. Esfera
pública burguesa: idéia e ideologia. In HABERMAS, Jürgen. Mudança estrutural da esfera pública. Rio de
Janeiro: Tempo Brasileiro, 1984, p. 110 – 168.
22
A constituição da sociedade civil, preocupação central na teoria política do liberalismo, encontra sua
formulação clássica na doutrina kantiana do Direito, que estabelece como postulados as noções de que a
constituição civil de todo e qualquer estado deve ser republicana, e a relação dos estados entre si, no âmbito de
uma federação cosmopolita, deve ser pacifista.
62
ou a revogação da postura em questão, pois seria “muito melhor não ter a lei, do
que tê-la esquecida pelos próprios, a quem cumpre fazê-la respeitada”.
23
A esta Bahia recalcitrante aos hábitos, já sedimentados no mundo chamado
civilizado, fazia-se mister aplicar os rigores da lei. As noções do direito foram
assim tomadas como analogia para a organização da vida urbana e como critério
de racionalização das relações públicas.
24
Os editoriais do jornal A Tarde estavam
repletos de cenas do dia-a-dia urbano; comentavam freqüentemente
acontecimentos banais e insistiam em aspectos como uniformização no
calçamento das ruas, arborização da cidade, cuidados com os jardins,
acondicionamento do lixo, higiene dos jardins e matadouros. Recomendavam que
estes e outros serviços semelhantes deveriam ter seu funcionamento
regulamentado e fiscalizado pelo poder municipal que, por sua vez, deveria fazer
cumprir determinações previstas nas posturas municipais, se não fosse este o caso,
o seu discurso se faria árbitro, determinando qual seria a devida intervenção. De
um modo ou de outro, o certo era que, na sua visão, as “irregularidades” da vida
cotidiana deveriam ser uniformizadas em leis, tendo como padrão de referência os
hábitos do mundo civilizado.
Além de indicar como deveriam ser gerenciados esses signos da
urbanidade, o jornal A Tarde preocupava-se também com a modelação ou
remodelação dos costumes. Neste sentido, seus editoriais, ao relatarem as mais
triviais cenas do cotidiano, reivindicavam, insistentemente, pela formalização de
regras de conduta, para orientar os comportamentos e os gestos da população
soteropolitana.
25
Dos numerosos exemplos coletados, no período estudado, os
quais recorrentemente evidenciam esta tendência reguladora, destaca-se um dos
textos da secção Tópicos, do ano de 1929. Este texto é também representativo da
23
A Tarde, 21 set. 1929, Tópicos, p. 2.
24
MATTA, Alfredo Eurico R. “Concepções e ferramentas para a ascensão da burguesia na Bahia”. In
Contraponto, Ano I, n. 01, nov., Salvador: UCSal, 1998, p. 95-113. O autor analisa o processo de
“aburguesamento” da sociedade baiana. Aponta a organização do direito e o desenvolvimento do pensamento
científico como ferramentas de ascensão da burguesia baiana, processo que se verifica entre o final do século
XVIII e o início do XX.
25
O jornal A Tarde se delegava um papel civilizador dos costumes da população baiana, sugerindo
constantemente os comportamentos considerados adequados a uma conduta civilizada. Sobre a idéia de que há
um progressivo refinamento dos comportamentos humanos, que gerado a partir das relações dos diferentes
grupos sociais entre si, viabiliza uma evolução coletiva da sensibilidade ver ELIAS, Norbert. O Processo
Civilizador. V. 1, Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1994.
63
estrutura dos editoriais de então que, além de abordarem uma gama diversa de
situações, enfocavam-nas de modo aleatório, reafirmando porém um padrão ideal
sobre o qual se deveria organizar a realidade social.
O comentário começava com a constatação de que na Bahia não se tinha o
hábito, “muito civilizado e muito proveitoso de mandar as crianças passear e
correr nos jardins públicos” comum na Europa, segundo o articulista.
26
Este
hábito estava sendo introduzido acidentalmente por uma transgressão das
empregadas domésticas, que aproveitavam diariamente a “ocasião para distrações
e confabulações”, formando grupos que “precisariam ser desmanchados pela
polícia”.
27
E indagava sobre quais razões dificultavam a solidificação deste
hábito; se seria por falta de confiança nas “criadas” que acompanhavam as
crianças, “a quem o desassossego não permite que saibam cumprir o seu dever” ;
ou seria “porque a higiene dos nossos jardins públicos, em vez de atrair,
afastam”; ou se pelo “perigo das bicicletas e dos automóveis correndo dentro dos
jardins”. Para cada uma das hipóteses que formulava, recomendava uma
regulamentação, uma postura municipal, fiscalização e até mesmo a ação
policial.
28
Ao tornaram-se os arautos da ideologia liberal, os meios de comunicação
evidenciavam as contradições em que se enredaram a partir dos anos de 1920
quando, adotando o ideário liberal e uma estrutura empresarial,defendiam uma
neutralidade política, um compromisso com a notícia desinteressada e a
informação como um direito público. Não obstante, continuariam, como no
período anterior, a representar interesses particulares, embora de maneira menos
explícita camuflados através de uma perspectiva universalizante do discurso que
objetivava formar opinião dos seus leitores.
29
26
Cabe ressaltar que os processos civilizadores envolvem além da normatização e controle das condutas o
refinamento dos hábitos e da sensibilidade humana. Ver ELIAS, Norbert. Op. cit.
27
Sobre o tema trabalho doméstico ver SANCHES, Mª Aparecida P. Fogões, pratos e panelas: poderes, práticas
e relações de trabalho doméstico. Salvador 1900 – 1950. Dissertação (Mestrado em História) – Faculdade de
Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 1998, (mimeo.). A autora discute a
relação entre empregadas domésticas e patroas a partir do encontro de valores e condutas próprios às elites
letradas e as camadas populares.
28
A Tarde, 28 fev. 1929, Tópicos, p. 2.
29
CAPELATO, Maria Helena. Os arautos do liberalismo. A autora estuda os fundamentos do liberalismo
analisando as idéias veiculadas pela imprensa paulista entre os anos de 1920 a 1945. Destacando o papel da
64
Nos anos de 1930, os meios de comunicação e particularmente a imprensa
receberiam tratamento especial do Governo Provisório. Em 1931, Getúlio Vargas
afirmou, no discurso pronunciado na Associação Brasileira de Imprensa, a função
do jornal de acompanhar as vicissitudes da nação sem desesperança e vibrar de
patriótico entusiasmo nas ocasiões de triunfo. Ressaltou, ainda, o papel da
imprensa na luta contra a injustiça, condenando a imprensa mercenária, paga para
agredir ou elogiar, por fim, pediu colaboração na obra de reconstrução iniciada
com a “Revolução de 1930”, através de fiscalização e auxílio para negar boatos e
críticas.
30
Ainda que a influência dos meios de comunicação nos processos sociais,
especialmente da imprensa escrita, numa sociedade em que predomina o
analfabetismo, possa provocar efeitos vagos ou inconsistentes, ou até produzir
respostas em direção contrária às desejadas pelo comunicador, já que o ato
comunicativo não passa de um elemento a mais num processo de interação social
mais amplo
31
, é fato incontestável que existem propósitos deliberados e
intencionais no ato comunicativo os quais atendem a interesses específicos dentro
de determinadas conjunturas políticas, evidenciando uma inter-relação entre
história da comunicação social e dos meios de comunicação e história política de
um país.
A imprensa baiana passou por significativa reestruturação a partir da
segunda década da Primeira República, quando assumiu os moldes da produção
industrial, superando a feição artesanal que até então a caracterizava. Esta
estrutura empresarial confere aos proprietários dos jornais uma maior preocupação
com a modernização dos equipamentos, valorização da notícia, rapidez da
informação e melhoria do produto gráfico, para permitir agilidade e maior
facilidade de leitura.
32
imprensa como formadora e manipuladora da opinião pública, caracteriza o discurso jornalístico como
contraditório e autoritário.
30
GOULART, Silvana. Op. cit. p. 49
31
GOULART, Silvana. Op. cit. p. 49
32
Ver SANTOS, José Weliton Aragão dos. Formação da Grande Imprensa na Bahia. Dissertação (Mestrado em
Ciências Sociais) – Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 1985.
65
Esta nova mentalidade empresarial, por assim dizer, que sacudiu a
imprensa da Bahia na época, transformando as condições materiais da sua
produção, não representou uma reestruturação ideológica do seu produto. O
discurso jornalístico dos maiores jornais baianos, mesmo buscando adaptar-se às
novas tendências que preconizavam a defesa à coletividade e a neutralidade na
informação pública, não se desvencilhou por completo dos vínculos partidários,
que historicamente garantiram a longevidade dos órgãos de imprensa.
Neste novo contexto, a publicidade ganhava proeminência na manutenção
das empresas jornalísticas, que precisavam fomentar a receptividade para a
mercantilização da notícia e do espaço jornalístico. As novas circunstâncias,
portanto, impuseram à imprensa baiana a exigência de ampliar o universo de
leitores, levando-a a declarar-se, mais amiúde, como defensora dos interesses
coletivos, sem expressamente revelar sua ligação aos partidos políticos. Não
sendo, entretanto, exclusivamente partidárias, como foram no Império, as
empresas jornalísticas estiveram no decorrer de toda a Primeira República
estreitamente ligadas aos interesses das classes dirigentes, contando as diferentes
facções políticas com órgãos de imprensa para defender os seus interesses
imediatos.
Neste sentido, as modificações no comportamento da imprensa baiana se
referem à forma mais “sofisticada” com que passou a expressar seu pensamento
político, incorporando ao seu discurso elementos da ideologia liberal burguesa,
pois neutralidade partidária é um requisito que, de fato, nunca adotou. Com
exceção de algumas iniciativas que se alinhavam com os interesses de segmentos
populares, como a imprensa operária, os órgãos da imprensa baiana
representaram, ao longo de sua história, as classes sociais política e
economicamente dominantes, ainda que sem homogeneizá-las. Segundo José
Weliton Aragão dos Santos, “representar as classes conservadoras foi um
privilégio que os jornais disputaram entre si”, ficando claro que “cada um
representava segmentos e nunca a totalidade dos interesses da classe
dominante”.
33
33
SANTOS., José Weliton de Aragão dos. Op. cit. p. 72
66
Dos vários periódicos que funcionavam na cidade de Salvador, no final da
Primeira República, destacam-se os quatro maiores, dois dos quais eram
sobreviventes do período imperial: o Diário da Bahia que, fundado em 1856,
circulou até meados do século XX, e o Diário de Notícias, fundado em 1875 e
fechado em 1979. Os outros dois eram O Imparcial, fundado em 1918, e o jornal
A Tarde, fundado em 1912.
Os jornais acima referidos tiveram desde sua fundação vínculos com
segmentos da elite política baiana, representando seus interesses específicos.
Embora todos fossem, nos anos finais da Primeira República, críticos do governo
de J. J. Seabra, a intensidade da crítica dependia dos interesses circunstanciais dos
grupos que representavam. Enquanto o Diário de Notícias, ligado a Altamirando
Requião, que se declarava liberal mas sem partidarismos, fazia críticas moderadas,
admitindo que apoiaria o seabrismo a depender do “acerto” de suas medidas, o
Diário da Bahia, dirigido por Pedro Lago, político ligado ao Partido Republicano,
dirigia aos seabristas críticas ofensivas e mordazes, como o fazia também, muito
freqüentemente, o jornal A Tarde, cujo proprietário, desde 1913, era ferino
opositor de J. J. Seabra.
Sem dúvida, a ação dos meios de comunicação tornou-se mais eficiente,
bem sucedida e generalizada à medida que o desenvolvimento científico e
tecnológico lhes proporcionava maior sofisticação e aperfeiçoamento técnico,
consolidando a indústria cultural que, por sua vez, ampliou sua inserção social e
tornou-se cada vez mais complexa e intensa. Segundo Juarez Bahia, no Brasil, os
princípios desta indústria foram lançados pelas “proposições vanguardistas” do
movimento modernista de 1922, recebendo maior incremento em 1930, quando
“todo o aparato da nascente indústria cultural brasileira” se engaja nas
transformações advindas da Revolução.
34
Por outro lado, a expansão da propaganda com objetivos políticos se
intensificou e ganhou mais eficácia a partir de 1930, sob a influência das
experiências do nazismo e do fascismo europeu. Maria Helena Capelato afirma
que a propaganda política adquiriu enorme importância nas décadas de 1930-40,
34
BAHIA, Juarez. Op. cit. p. 204
67
devido ao considerável avanço tecnológico, em âmbito mundial, dos meios de
comunicação, sendo a partir daí entendida como fenômeno da sociedade e da
cultura de massas. A propaganda nazista, que inspirou este fenômeno, teve
enorme impacto não só na Europa, mas também na América, onde os regimes
varguista e peronista procuraram seguir este modelo.
35
Embora a propaganda política tenha adquirido um caráter mais
acentuadamente autoritário nestes regimes políticos, quando foi intensificada e
massificada, não se deve, todavia, concluir daí, que ela só tenha tido eficácia em
regimes políticos expressamente autoritários, os quais desenvolveram refinados
aparatos de elaboração e divulgação do seu projeto político-ideológico, bem como
mecanismos de controle rigoroso da informação e da comunicação social. Ao
contrário, sabemos que a sociedade contemporânea é marcada pela influência da
mídia. Os meios de comunicação têm se mostrado poderosos e eficientes veículos
de propagação e inculcação de idéias e valores que, por assim dizer, penetram na
vida das pessoas, conformando a constituição dos seus pensamentos e opiniões,
mesmo em contextos de maior abertura e em regimes políticos ditos democráticos.
A comunicação social, portanto, desencadeia o fortalecimento –
consistência – de ideologias, crenças, valores que, por sua vez, constituem o
imaginário político de uma população. Assim se insere a imprensa na história;
além de tecer diversas versões sobre os acontecimentos imediatos, projeta
expectativas de ações futuras, atribuindo, julgando, sempre valorativamente, as
diferentes possibilidades. Ora legitimando o passado, ora querendo apenas
assinalar a ruptura completa com ele, numa perspectiva hierarquizante em que o
futuro se impõe com supremacia em relação ao passado e ao próprio presente,
numa atitude diplomática de conciliação, ainda que grosseira, entre estas
diferentes temporalidades.
35
CAPELATO, Maria Helena. Multidões em cena. Propaganda política e censura no Estado Novo. Campinas:
Papirus, 1998, p. 35
68
II.2 A Reforma Moral da República
O jornal A Tarde é uma das principais instituições sociais da Bahia, que se
apropriaram e veicularam a ideologia liberal, tendo-a como norteadora da prática
social cotidiana, como estrutura e modelo de funcionamento das relações sociais.
Esta é, com efeito, a ideologia política que mais forte ecoa entre os dirigentes
políticos e os grupos intelectualizados que, na última década da Primeira
República, projetavam restaurar as instituições republicanas na Bahia, pois muitas
delas estavam “viciadas” em “velhos e carcomidos” processos de “retaliações e
injúrias”.
36
As insatisfações com o regime republicano denunciavam, sobretudo, o
desgaste moral, porque havia passado a maior expressão de sua legitimidade, o
processo eleitoral. Porém, não só as fraudes eleitorais evidenciavam a
desmoralização do regime, mas várias outras deformações administrativas
afastaram-no da conformidade original. Os articulistas do jornal A Tarde, seja em
editoriais, seja em notícias de primeira página ou em artigos assinados,
expressavam o anseio de que se efetivassem ajustes na esfera administrativa da
República.
Na visão deste jornal, a República precisava ser moralizada, mas não seria
necessário nenhuma reforma radical, pois as instituições que vigoravam, então,
eram consideradas boas. As leis que regulavam a vida civil da nação não
precisavam senão de uma “execução perfeita e constante”. Esta moralização da
República dependia da existência de “homens de boa vontade, honestos e
íntegros”, que inspirassem “confiança ao povo e à nação, com demonstrações
públicas do exemplo”. Mais do que isto, porém, ressaltava o articulista, precisava-
se de “disciplina social e de um pouco mais de patriotismo”, que seriam
adquiridos através de uma educação política.
37
36
A Tarde, 03 mar. 1928, p. 1
37
CASTRO, Sertório. Uma síntese do momento. A Tarde, 04 ago. 1928, p.1.
69
A Bahia, segundo A Tarde, já havia começado a tarefa de moralização das
instituições republicanas desde o “governo operoso” de Góes Calmon (1924 a
1928), responsável pelo seu “ressurgimento” e “reintegração” no “concerto da
Federação”, depois de “doze anos de um regime de politicagem vergonhosa” do
período de hegemonia seabrista. Góes Calmon, usando a “inteligência aliada à
cultura e notório senso prático”, teria feito “cumprir o programa, que urgia de
reabilitação moral, econômica e financeira do Estado”.
38
Este compromisso com
um “programa de moralidade administrativa”, assumido por Góes Calmon, teria
continuidade, segundo A Tarde, no governo do seu sucessor Vital Soares.
39
Representante do Partido Republicano da Bahia e candidato único ao
governo do Estado, Vital Soares foi eleito com mais de noventa mil votos. Este
número, segundo A Tarde, evidenciou de “maneira eloqüentíssima” o desprezo da
Bahia aos “descontentes” com o modo como a sucessão de Góes Calmon foi
resolvida”. A vitória de Vital Soares, nas eleições de 29 de dezembro de 1927
foi, num primeiro momento, considerada, pelo jornal, como uma grande vitória do
eleitorado baiano, pois poucos estados conseguiram “vitórias iguais à que o
eleitorado baiano registrou”. Raros os que decidiram os próprios embaraços do
momento com a “superioridade de vistas e o alheamento de interesses pessoais,
38
A Tarde, 28 mar. 28, p. 1. A partir do governo de Góes Calmon surgiu uma mentalidade empresarial no setor
político e administrativo, advinda da sua experiência anterior como administrador financeiro; além disso,
contribuiu com a expansão do bacharelismo, ampliando a participação dos bacharéis nos quadros
administrativos. Era advogado e, tendo se especializado em Direito Comercial, ocupou o cargo de Fiscal do
Governo Federal junto ao Banco da Bahia, em 1897; foi Diretor-Fiscal do Banco da Lavoura do Estado da
Bahia; presidente do Conselho Administrativo da Caixa Econômica e Monte Socorro Federal da Bahia, em 1911,
e tornou-se diretor do Banco Econômico da Bahia, em 1922. A única experiência política foi como Governador
da Bahia, sendo representante da burguesia comercial-financeira do estado, seu governo voltou-se para os
interesses do comércio de exportação, beneficiando, mais diretamente, o setor de exportação do cacau. Com a
subida de Góes Calmon ao poder, chegava ao fim o período de 12 anos de domínio seabrista, o que era
comemorado por A Tarde e seu proprietário.
39
A Tarde, 25 fev. 28,p.1. Vital Soares era também advogado, foi companheiro de Góes Calmon no Banco
Econômico e no escritório de advocacia. Começou sua carreira política como fervoroso partidário de Rui
Barbosa, sendo eleito Conselheiro Municipal em 1908, ocupando este cargo até 1911; em 1915, foi eleito
deputado federal, mas não foi reconhecido; em 1919, integrou a chapa das oposições coligadas, sendo derrotado.
Esta inexpressiva fase da sua carreira política seria revertida com a ascensão de Góes Calmon ao governo do
estado, alcançando, a partir daí, projeção política. Em 1925, tornou-se senador estadual e líder da maioria; em
1926, renunciou a este mandato para assumir uma vaga na Câmara Federal; em 1927, renunciaria também à
Câmara para candidatar-se ao governo do estado. Eleito, assumiu o Executivo Estadual até 1930, quando, mais
uma vez, renunciaria para candidatar-se à vice presidência da República, compondo a chapa Júlio Prestes.
Embora vencendo as eleições, não chegaria a exercer o cargo em decorrência do “movimento revolucionário de
1930”.
70
como o nosso decidiu”.
40
Pouco tempo depois, o jornal exaltava esta vitória como sendo do Partido
Republicano da Bahia, o qual teria, na sua visão, um papel fundamental na
preconizada “reabilitação moral” da Bahia.
41
Na sua concepção, com o resultado
desta eleição, sancionara-se uma significativa vitória do Partido Republicano da
Bahia, que se vinha mostrando “com intuitos patrióticos de restituir à Bahia a sua
antiga grandeza moral, de que a apearam os erros e crimes da dominação
política, deposta há quatro anos passados”.
42
Assim, além de ressaltar, constantemente, as qualidades “cívicas” de Vital
Soares, as quais transformavam-se em critérios de confiabilidade na “sua
capacidade de administrador, na sua visão percuciente de político moderado e
justo”, o jornal buscou também respaldar seus argumentos mencionando como
histórico o desempenho do Partido Republicano da Bahia ( PRB ), que teria tido
todo um passado uniforme de serviços relevantes à causa da democracia.”
43
Apesar da defesa que fazia da democracia, o vespertino baiano, às vezes,
limitava-a à esfera das relações partidárias, como ilustra um artigo de Hermes
Lima. Avaliando a campanha para renovação da Câmara de Deputados paulista, o
autor criticava as aspirações e ação do Partido Democrático paulista pela sua
ingenuidade messiânica de atribuir-se o papel de salvar a Pátria”, mas rendia-
lhe homenagem porque era um partido que estava prestando e poderia ainda
prestar “excelentes serviços”. Sendo ligado ao Partido Republicano, Hermes Lima
entendia que sua ponderação expressava a “necessidade de elevar-se o nível da
nossa educação política, através da prática cada vez mais perfeita da
democracia”. Assim, reconhecendo uma certa “graduação” na prática
democrática, atribuía o seu aperfeiçoamento ao relacionamento “educado” entre
40
A Tarde, 24 jan. 1928, Tópicos p. 2.
41
O Partido Republicano da Bahia foi fundado pela segunda vez em 1927, agrupando as três principais facções
existentes então: os calmonistas, mangabeiristas e ex-seabristas. O primeiro PRB surgiu em 15 de abril de 1901,
como um instrumento de coesão da burguesia agrocomercial em crise, agrupou políticos como J. J. Seabra ainda
se iniciando na carreira, José Marcelino de Souza, o ex-governador Joaquim Manoel Rodrigues Lima,. Era
comandado pelo então governador Severino Vieira. A respeito do processo político- partidário da Bahia na
Primeira República, Ver SAMPAIO, Consuelo Novais. Os partidos políticos da Bahia na Primeira República.
42
A Tarde, 29 mar. 1928, p.1.
43
A Tarde, 29 mar. 1928, p. 1 e A Tarde, 21dez. 1928, Cousas da Política, p.2.
71
facções políticas adversárias.
44
Tema freqüente nas páginas de A Tarde, a democracia estava intimamente
associada à idéia de progresso. A noção de progresso, largamente utilizada pelo
periódico baiano, seguia a formulação positivista de que sem ordem não há
progresso. Neste sentido A Tarde investia sistematicamente num projeto de
modernização que equiparasse a Bahia a São Paulo, e o Brasil aos Estados
Unidos, que se realizaria a partir de uma intensa ação educativa.
II.3 A Visão da Sociedade
A aspiração de uma sociedade progressista e ordeira passava por uma
definição dos papéis que deveriam desempenhar os diferentes sujeitos socias. A
busca dos caminhos que nos levariam à civilidade exigia, porém, um diagnóstico
dos problemas brasileiros que deveriam ser debelados. Num artigo intitulado Vida
política, José Maria Bello asseverava que “fundamentalmente”, o problema
nacional era “um problema econômico e educativo”. Para solucionar este
problema, dever-se-iam desenvolver “as riquezas materiais do país”, o que se
faria através da intensificação da produção, alargamento do comércio,
multiplicação dos meios de transporte.
Mas, se por um lado, tais medidas elevariam o “nível material da vida” ,
por outro, se deveria abrir escolas primárias e profissionais, dignificando e
estendendo o ensino secundário técnico e universitário, pois a partir daí, surgiria
por si mesma, como fruto da flor, uma opinião pública alerta, esclarecida e
consciente, que tanto contraria os governos prepotentes como as oposições
facciosas ou revolucionárias”. O autor terminou o artigo reafirmando umvelho
conceito de indiscutível verdade”, o qual estabelecia que “só nos países ricos e
prósperos” poderiam “viver as democracias progressistas e ordeiras”. Deste
modo, elevava a democracia a um ideal longínquo, dada a situação de pobreza do
44
LIMA, Hermes. Democracia paulista. A Tarde, 06 mar. 1928, p.1.
72
país; além disso, previa que a “valorização econômica do Brasil” seria obra
difícil e lenta”, que iria exigir “o esforço contínuo de sucessivas gerações”. A
solução, segundo o autor, requereria medidas imediatas, as quais se encontravam
em “outros aspectos do problema político”, sobretudo na ação educativa.
45
Portanto, a reforma, preconizada pelo pensamento liberal de A Tarde, se
realizaria através de uma educação, por assim dizer, política, que em grande
medida, a imprensa liberal se reservava o papel de exercer. Percebendo uma
interligação entre política, economia e cultura, A Tarde ponderava que “as
dissenções e lutas da verdadeira política” cresceriam “em função do
adiantamento econômico”, o qual, por sua vez, iria aparecer refletido na “cultura
cívica da coletividade.”
46
Tendo uma constante preocupação com esta educação coletiva, que se
traduziria como aquisição de hábitos urbanos, o vespertino baiano se encarregava
de veicular esta pedagogia cívica: reclamando do barulho causado pelas “sirenes”
dos automóveis, que não só perturbava durante o dia como à noite
47
, sugerindo às
autoridades públicas que construíssem ou reformassem asilos para atender
mendigos que protagonizavam, pela cidade, cenas de anti-civilidade
48
, criticando
a falta de conservação dos jardins e monumentos da cidade
49
ou a parada de
automóveis nas ruas de grande movimento, que prejudicava o trânsito, causando
transtorno à cidade
50
; instruindo à população como combater moléstias
contagiosas.
51
Enfim, assumindo o papel de prestar serviços públicos, advindo das
transformações estruturais impostas pelo desenvolvimento do capitalismo.
Produtor da modernidade, que atingiu as diversas esferas sociais, A Tarde se
reservava, ainda, um papel pedagógico, pois afinal não bastava transformar a
Bahia só remodelando-a fisicamente, era mister preocupar-se também com a
educação do povo da cidade”.
52
45
BELLO, José Maria. A vida política. A Tarde, 04 dez. 1928, p. 1.
46
A Tarde, 31 jul. 1928, p. 1.
47
A Tarde, 11 ago. 1928, Tópicos, p. 2.
48
A Tarde, 13 nov. 1928, Tópicos, p.2.
49
A Tarde, 29 fev. 1928, Tópicos, p. 2.
50
A Tarde, 31 jul. 1928, Tópicos, p.2.
51
A Tarde, 28 set. 1928, Tópicos, p,2.
52
A Tarde, 14 abril 1928, Tópicos, p.2.
73
A imprensa, uma das instituições da sociedade moderna de amplo alcance
social, impôs-se como difusora e, ao mesmo tempo, como formadora da opinião
pública. A idéia de opinião pública é básica no ideário liberal, e a despeito de ser
cercada por uma certa imprecisão, aparece neste contexto ideológico como
opinião do povo sustentada pela tradição e pelo bom senso.
53
Expressão de um
consenso entre os indivíduos, a vontade coletiva deveria fornecer a base da
organização social, preservando nesta as condições naturais da humanidade. A
opinião pública na formulação do liberalismo político precisava, todavia, de
orientação. O jornal A Tarde, no contexto baiano, diligentemente se auto-
proclamava como representante e guia dos “supremos interesses coletivos”.
54
Na visão deste jornal, a imprensa em geral era umespelho modesto e
popular, mas igualmente fiel” das dúvidas que o povo formulava; pelas colunas
dos jornais respiraria um “público veementemente e inocentemente curioso”. O
povo”, definido como uma “criança”, costumava perguntar muito as coisas e
gostava de ser “convencido”. Não tinha discernimento, mas a notícia o lisonjeava.
Por isso, o governo “verdadeiramente popular” seria aquele que lançasse mão da
imprensa como umporta-voz” e falasse “continuamente ao povo”.
55
A noção de “povo” aparecia nos discursos de forma vaga e imprecisa. Nas
representações do jornal A Tarde, o “povo carece de amparo”.
56
Mas era também
encantado pelo bem falar, deixando-se facilmente iludir-se por uma boa oratória.
O povo, segundo A Tarde, “dá tudo por um bom discurso e continua a morrer por
quem fala bem”.
57
A simbiose entre a coletividade e a imprensa, fazendo uma derivar da
outra, num jogo supostamente desinteressado, seria continuamente reiterada pelo
vespertino baiano, que trazia quase sempre definições da imprensa como os
olhos atentos da nação” e como tal, naturalmente, se lhe atribuía o papel de
esclarecedora mais legítima” da opinião pública, a qual, por sua vez, indicaria o
53
Para a noção de opinião pública como elemento constitutivo da teoria liberal, ver HABERMAS, Jürgen. Op.
cit. cap. VII. Para a questão da opinião pública como problema da reação do leitor, ver DARTON, Robert. Os
best-sellers proibidos na França pré-revolucionária. São Paulo: Companhia das Letras, 1998, capítulo 10.
54
A Tarde, 15 out. 1932, p. 3.
55
A Tarde, 27 abril 1931, p..1.
56
A Tarde, 25 fev. 1929, Tópicos, p. 2.
74
rumo melhor a seguir pelo bem da pátria”.
58
A representação que A Tarde fazia
da sua interação com o público supunha, portanto, uma identidade entre as idéias
que difundia e os anseios populares, justificando, assim, a metáfora do espelho
modesto, mas fiel, dos anseios do povo, citada anteriormente.
Todavia, a indistinção entre os interesses das empresas jornalísticas e do público em
geral não se mantinha na prática, como evidencia o discurso do jornal que, não raro, utilizava
recursos discursivos de indução da opinião pública, como revelam as seguintes expressões: “meu
intuito com essas linhas é chamar a atenção da opinião pública baiana
59
para um determinado
fato ou sujeito; “toda a gente” se recordaria
60
e então mencionava um fato passado que lhe havia
causado desagrado; ou quando julgava que a orientação seguida por alguém ou por um
determinado fato contribuía para recomendá-lo às “simpatias da opinião pública”.
61
Em
circunstâncias como estas, portanto, o público era conclamado a compartilhar sua própria opinião
com a do jornal, que a queria uníssona com as aspirações e preferências políticas e ideológicas
dos seus articuladores.
II.3.1 O domínio das elites
A definição que A Tarde utilizou de classes sociais, no período analisado,
parecia obedecer a critérios relativamente aleatórios. Certo que descreveu a
sociedade da época como dividida em classes econômica e culturalmente
diferentes e até reconheceu nestas diferenças sociais “lutas de classes”, que no
estado atual do mundo ameaça a velha sociedade burguesa
62
. A classificação
dos grupos sociais se fazia, em geral, pelo engajamento profissional; deste modo,
A Tarde falava em “classes laboriosas”, “classes operárias”, “classes comerciais”,
“classes conservadoras”, “classes dos jornalistas”, “classes intelectuais”, “classes
patronais”, etc.
Mas as diferenças existentes entre os grupos, no ideário político de A
Tarde, não justificariam tensões sociais. Elas, ao contrário, confirmariam o
57
A Tarde, 11 fev. 1929, Tópicos, p. 2.
58
A Tarde, 15 nov. 1932, p. 3.
59
A Tarde, 21 ago. 1928, p.1.
60
A Tarde, 06 fev. 1928, p. 1.
61
A Tarde, 10. nov. 1928, p.1.
62
BELLO, José Maria. Parlamentarismo e presidencialismo. A Tarde, 12. 11. 1928, p. 1.
75
arranjo harmônico que regia toda a sociedade, desde que às “classes
conservadoras” fosse atribuída a condução da vida pública e que as outras se
mantivessem nos postos que sua condição de classe profissional permitia.
Resguardar para si as prerrogativas do poder foi um traço que caracterizou a
mentalidade conservadora dos grupos políticos dominantes na Bahia no final da
Primeira República, que se distinguiam dos outros segmentos sociais, dentre
outros aspectos, pela acentuada consciência de classe. Segundo Consuelo Novais
Sampaio, a consciência de classe era “profundamente marcante” para as elites
políticas e econômicas que, embora em número reduzido, encontravam-se unidas
pela afinidade de interesses, enquanto esta consciência de classe era “inexistente”
para os outros segmentos sociais.
63
A direção da política deveria, na visão do jornal A Tarde, justificadamente,
estar a cargo dessas classes que ocupavam o topo da hieraquia social, dada a sua
condição econômica e intelectual, que exerceria uma “influência dominadora”
sobre as “camadas populares”. Às elites brasileiras cabia conduzir os processos
políticos do país, atentando-se para a necessidade de modificar o “estado d’alma
coletivo”, que refletia os “defeitos da nossa educação política e o momento da
nossa evolução histórica”. A falta de “espírito cívico, de calor e vibração
patrióticos tão característicos dos brasileiros” não seriam transformados pelos
motivos militares e revoluções, pois:
a transformação da nossa vida política é obra difícil e
lenta, que exige o concurso simultâneo de toda a elite
brasileira, melhor esclarecida e mais consciente dos seus
direitos e deveres
.
64
Às “classes conservadoras” portanto, deveriam idealizar, promover e
sustentar os rumos da política, enquanto as “camadas populares” precisavam de
orientação, papel destinado à imprensa, que assim estaria contribuindo para o
bem-estar social. As noções difusas de “povo” e de “opinião pública”
encontravam ressonância também aí nesta categoria social.
63
SAMPAIO, Consuelo N. Op. cit. p. 156
64
BELLO, José Maria. O Cogresso. A Tarde, 17 jan. 1929, p. 1.
76
A composição ideológica entre liberalismo e conservadorismo explicitada
através do discurso jornalístico, embora pareça paradoxal, é, todavia, uma
especificidade do liberalismo brasileiro.
A assimilação do liberalismo europeu
pelas elites letradas e políticas não só da Bahia, mas também do Brasil, foi
marcada por uma profunda ambigüidade: o conservadorismo arraigado das elites
brasileiras se fundiria com os princípios liberais da ideologia burguesa.
65
O jornal
A Tarde se constituiu num paradigma representativo deste fenômeno: defendia os
princípios liberais, como o direito à cidadania e à democracia, mas os interesses
políticos e econômicos dos seus articulistas tornavam seu discurso intolerante para
com qualquer suspeita de ameaça à ordem constituída.
Acreditando que a solução de muitos problemas brasileiros viria da
valorização da intelectualidade nacional, o jornal A Tarde, no final da Primeira
República, defendia que a política teria que ser pensada e desenvolvida por uma
elite intelectual. Em agosto de 1928, a proximidade da campanha eleitoral para a
Presidência da República colocou a necessidade de se pensarem nomes e, então,
surgia uma oportunidade para se perceber não só os vínculos políticos partidários,
mas o jornal como agente da projeção dos candidatos, na medida em que traçava o
perfil de governante adequado para dirigir “os destinos nacionais”.
Por outro lado, evidencia-se também o jornal como espaço em que os
intelectuais e os políticos de carreira se utilizavam para reafirmar a coesão da sua
pequena comunidade.
66
Assim, Hermes Lima aproveitava a ocasião para assinalar
que o momento era próspero emvultos exactos de homens de governo”. Segundo
sua estimativa, eles não teriam existido até um passado recente. “Ultimamente”,
entretanto, era-lhe “possível contar, nos diversos governos estaduais do Brasil
esta presença. Destacando a Bahia no seu artigo, apontava as figuras de Góes
Calmon e Vital Soares como representantes de uma elite que teria em Júlio Prestes
um líder natural. Segundo sua visão, governando a mais poderosa e rica das
unidades da Federação, o sr. Julio Prestes se impunha dentre essa “elite de
politicos novos”, “cultos e capazes”, como o “líder natural” de todos eles.
65
CAPELATO, Maria Helena e PRADO, Maria Lígia Prado. O Bravo Matutino, p.130.
77
Chamando a atenção da opinião pública baiana para a “grande figura de
administrador” que, à época, presidia os destinos de São Paulo, o autor concluía
que as qualidades observadas tornavam-no potencialmente candidato à
presidência do Brasil, pois Julio Prestes era realmente “uma figura de
commando”. E projetava para o futuro a extensão do seu governo para o Brasil,
que sob o seu comando haveria de “marchar resolutamente para a conquista de
sua força e de sua grandeza”.
67
A imprensa baiana, portanto, era espaço privilegiado de atuação política
dos letrados, egressos das instituições acadêmicas, literatos, professores, médicos,
engenheiros, advogados e jornalistas que, em geral, usavam a imprensa como
meio para inserção na vida política. Analisando a importância da imprensa na
formação dos intelectuais, Paulo Santos Silva conclui que o jornalismo
compensava pela projeção social que se poderia conferir àqueles que o exerciam,
pois além de conquistar possíveis gratificações psicológicas, poder-se-ia abrir
portas para ingressar na política e nos empregos públicos.
68
Assim, toda a imprensa caracterizava-se essencialmente pela militância
política, independentemente de apoiar ou opor-se ao governo constituído. Nesse
espaço, as projeções se faziam numerosas, inclusive sobre a “arte de dirigir os
homens”, considerada “difícil e cautelosa”, pois a responsabilidade do mando, às
vezes, os impedia de dizer o que sentiam
69
.
Dentre as qualidades do bom governante eram ressaltados “os valores
intelectuais”. Entendia-se, então, que “só os homens de inteligência e idéias
podem debater ou realizar coisas interessantes”. Lamentava-se, entretanto, que
no Brasil, a inteligência e a cultura não tivessem o apreço e a função que lhes
cabia, apesar de haver no país uma elite capaz, e concluía-se:
é a esta elite que caberia a missão de elevar o nível de
nossa vida pública, pelo estudo e debate na imprensa, nos
66
A elite intelectual baiana mantinha a prática de escrever biografias uns dos outros como estratégia de manter a
unidade e coesão do grupo. Ver SILVA, Paulo Santos. Âncoras de tradição, p. 103.
67
LIMA, Hermes. Um líder de homens de governo. A Tarde, 21 ago.1928, p.1.
68
SILVA, Paulo Santos. Âncoras de Tradição, p. 83.
69
A Tarde, 08 out. 1928, p.1.
78
partidos, nas universidades, nos clubes e associações de
classe, dos problemas nacionais.
70
Os critérios que definiam a competência política tornavam evidentes os
limites elitistas do pensamento político dos articulistas do jornal, pois possuir
“cultura” era uma prerrogativa das elites, salvo raras exceções.
71
Por outro lado,
reafirmava-se a política como prática personalista que depende da marca própria
do indivíduo, o que determinava não somente a incompetência, como a
competência política, como se estivesse a dizer que o Estado se constitui pela ação
de um único homem. Além disso, o perfil de político aí esboçado definia como
próprio do político um desejo de liderança, um bom político é aquele que quer ser
guia de um povo.
II.3.2 A participação da mulher na política: a questão do voto feminino
As discussões sobre a participação política das mulheres, através da
legitimação do voto feminino, passaram por momentos diferentes, evoluindo da
total aversão à aceitação. Inicialmente, o jornal, consoante com os ideais
machistas das elites, ironizava ante esta possibilidade, reafirmando
freqüentemente uma imagem da mulher como um “bibelô” que, antes de tudo,
existe para atrair os olhares masculinos. Sendo em geral reconhecida pela sua
beleza e recato, a mulher ocupava, no início do século XX, um lugar “secundário”
na sociedade, limitando seu papel a ser boa dona de casa e boa mãe.
O avanço do capitalismo e as transformações daí advindas ameaçaram a
estabilidade desta imagem da mulher, construída a partir do referencial das
mulheres bem nascidas, e que os meios de comunicação, a escola em seus
diferentes níveis, a família, os valores hegemônicos da sociedade em geral, faziam
universalizar-se interferindo no processo de percepção da realidade que se definia
pela homogeneidade e pelo não reconhecimento das diferenças existentes na
70
BELLO. José Maria. A vida política. A Tarde, 04 dez. 1928, p.1.
79
realidade. Esta imagem referia-se às mulheres das classes dominantes, sem
encontrar guarida entre as mulheres pobres que, no seu cotidiano de luta pela
sobrevivência, não podiam encarnar o puro papel da maternidade, uma vez que
precisaram aprender e desenvolver estratégias que conciliassem sua condição de
mãe e trabalhadora.
72
Entretanto, a imagem de doce e maternal, representando uma mulher
universal, foi difundida pela imprensa, particularmente pelo jornal A Tarde que,
na primeira metade do século XX, através da coluna “Feminismo” ou de
editoriais, difundia um feminismo moderado visando evitar insuflar-se com “os
ímpetos modernizadores do capitalismo” e com “as novas ideologias de cunho
libertário”. Nos primeiros anos década de 1920, a coluna Feminismo trazia quase
sempre notícias de batizado, casamento, enterro ou mensagens de cunho
moralizante. Enquanto destacava-se a beleza e meiguice das recatadas
senhorinhas, comentava-se com estranheza a possibilidade de inserção das
mulheres no mercado de trabalho.
73
Sobre a inserção da mulher na vida pública, A Tarde mostrava-se
cauteloso, seus articulistas declaravam não estar entre seus “maiores entusiastas”,
preferiam a “opinião moderada” e esperavam que “a causa das mulheres
obedecesse à “evolução natural”: não podiam deixar de reconhecer, porém, que
elas estavam dando provas de uma “admirável tenacidade”.
74
A falta de
receptividade à questão do voto seria mais um exemplo da ambigüidade intrínseca
ao liberalismo brasileiro, e baiano particularmente, que repudiava idéias liberais
que mexessem no fundo de valores bem sedimentados. Mais que isso, vale
ressaltar que o liberalismo como teoria de dominação social é, ao mesmo tempo,
democrático e autoritário.
75
Insistindo numa postura ambígua, por vezes desdenhosa, A Tarde fez larga
referência à discussão em torno do voto feminino, reconhecendo que algumas
71
Sobre formação e composição social do homens de letras na Bahia, ver SANTOS, Paulo Silva. Âncoras de
tradicão, capítulos IV e V.
72
Ver FERREIRA FILHO, Alberto Heráclito. Op. cit.
73
Idem, ibidem.
74
A Tarde, 02 fev. 1928, Tópicos, p. 2.
75
CAPELATO, Maria Helena. Os arautos do liberalismo, p.23.
80
mãos inteligentes e liberais” haviam-na tomado para exame, mas reafirmava
cauteloso que não queria comprometer-se. Julgava ainda cedo para opiniões, mas
previa que num futuro próximo o “eleitorado de saia” estaria “fazendo furor em
todo país”. Gracejava, em seguida, completando, que o eleitorado “de calças” que
sempre lhe quis o teria “bem pertinho”.
76
Este jogo de palavras utilizado no
discurso jornalístico demonstra o que Mikhail Bakhtin chama de “ubiqüidade
social” da palavra que “penetra literalmente em todas as relações entre
indivíduos”, registrando as fases transitórias mais íntimas ou efêmeras das
mudanças sociais.
77
A Tarde, dizendo que não ia dizer o que pensava sobre a
questão do voto feminino, já dizia.
Em janeiro de 1929, A Tarde publicou um artigo enviado por um
articulista inglês, o qual expressava bem os limites autoritários do liberalismo,
discorrendo sobre o papel da mulher na sociedade liberal. Sob o título de Os
perigos do feminismo na Inglaterra, o articulista ponderava que a “civilização
clamava pelo “direito de igualdade” porém, se a mulher, por amor dessa
igualdade, iniciasse uma “revolução” contra “leis imutáveis da natureza”, o
progresso civil” transformar-se-ia em “corrupção e decadência”. Dizia ainda
que as feministas inglesas combatiam uma desigualdade que, se fosse eliminada,
destruiria “completamente a sociedade”, a “maternidade”.
A partir daí o problema da igualdade civil da mulher seria abordado sob a
perspectiva da ameaça de desagregação de uma das instituições mais sólidas da
sociedade burguesa, a família. O articulista inglês reconhecia que a organização
desta instituição impôs à mulher “sacrifícios dos quais o homem não tem a menor
noção”; que a mulher tinha a seu cargo todos “os ônus da função procriativa”, da
qual o homem só desfrutava o prazer, e que a mulher estava muito mais
incumbida que o homem do dever de “criar a sua prole”. Este reconhecimento,
porém, não significava, dizia ele, que o homem devesse tornar-se colaborador e
cúmplice da companheira que escolheu – consciente ou inconscientemente – para
efetuar a “função de propagador da espécie.” Por fim, concluía o articulista que o
76
A Tarde, 11 out. 1928, Tópicos, p. .2.
77
BAKHTIN, Mikhail. Op. cit. p. 41.
81
casamento de “sacramento” transformar-se-ia emmeretrício”, e a sociedade,
antes de “purgar-se pelo sacrifício sublime das mães”, acorrentar-se-ia à
“bacanal do prazer”.
78
Nesta perspectiva fora assinalado um argumento bastante contundente,
contrário à extensão da igualdade civil às mulheres: a dissolução de um
“sacramento”, a família, representada aí pelo casamento. Não fora, é bem verdade,
produzido pelos articulistas de A Tarde, mas não se pode duvidar da sua
conivência com esta argumentação; se não por que veicularia o artigo?
Certamente, porque julgaram instrutivos e esclarecedores os argumentos
apresentados. Inicialmente, o jornal preferia declarar-se sem posição definida,
dizia ainda estar “maturando” a questão da participação política da mulher. A sua
indefinição neste particular evitava o seu comprometimento público, porém A
Tarde foi aos poucos deixando mais explícita sua opinião, que esse jogo de
palavras parecia querer ocultar.
Em 10 de maio de 1930, um dos seus articulistas comentava um artigo
sobre o voto feminino publicado na Revista do Direito Público. Começava o
comentário com uma nota maliciosa sobre a sexualidade da assinante do artigo,
Mirths Campos, dizendo não saber como tratá-la, “se por sr. ou sra”. Segundo o
articulista do jornal A Tarde, o artigo era apenas “mais um dos tais” que
defendiam “fogosa e calorosamente” o voto feminino, através de uma “discussão
meramente “teórica”. Para ele era preciso conjecturar sobre condições concretas
pois, “mesmo admitindo a hipótese” da Constituição permitir que as mulheres
votassem, ter-se-ia de fazer as seguintes perguntas: o Brasil estaria “em
condições” de adotar o voto feminino? Estariam as mulheres brasileiras “aptas” a
bem desempenhar essa “missão cívica”?
O autor que se propusera a colocar o problema do voto feminino em bases
bem concretas, ponderava que havia motivos de sobra para encerrar o assunto, não
seria “nem mesmo necessário” usar como argumentação “as diferenças
fisiológicas da mulher”, que tanto trabalho já davam aos médicos. Pela sua ótica,
bastava que se olhasse para os homens pois, antes de se cuidar do “sexo fraco”,
78
STREET, Peter. Os perigos do feminismo na Inglaterra. A Tarde, 08 jan. 1929, p.4.
82
era preciso cuidar do “forte”. E concluía, dizendo com certo cinismo, que não
queria que se zangassem com ele, por isso, opinava que às mulheres fosse dado
em parte” o direito de votar, mas “apenas nos concursos de beleza!
79
Este posicionamento, expressamente contrário ao voto feminino, iria se
reafirmar à medida que o tempo passava, assim como a perspectiva
acentuadamente machista com que o tema era abordado. Em abril de 1931,ante a
possibilidade de que o voto feminino e, também, o voto secreto fossem
instituídos, A Tarde lastimava-a como um absurdo “clamoroso”. E explicava, que
de fato, a “entrada teatral das mulheres na vida pública” não deveria “atemorizar
os homens”, pois elas não cresceriam com isso; ao contrário, se elas diminuiriam,
tornar-se-iam banais, ao igualarem-se aos “pobres mortais”. A abordagem do
jornal reduzia a questão do voto feminino à querela entre os sexos, sugerindo que
a solução do “problema futuro” deveria se inspirar numa anedota, que dizia serem
as rainhas mais poderosas que os reis, porque enquanto estes eram dirigidos pelas
mulheres, as rainhas o eram pelos homens. Assim os homens poderiam tomá-la
como exemplo não só porque tinha “graça” como porque era verdadeira.
80
Na visão do jornal A Tarde, o feminismo transfigurava a beleza feminina e
era um resultado da frustração por não ter-se casado. As feministas eram um
subgrupo das “horríveis espécies femininas” originadas da “classe insana,
descontente, vingativa e audaz das solteironas”.
81
Mas estes atributos poderiam
ser revertidos através de uma “leve esfoladura na feminista”, a partir do que
apareceria “inconfundível a eterna mulher”, a “flor mais cobiçada do planeta” ou,
ainda, “o mais necessário” dos males masculinos.
82
Entrementes, como empresa capitalista que era, A Tarde não poderia
neglicenciar com um público potencial representado pelas mulheres e, então,
abriu um espaço no jornal dedicado à causa feminista, apresentando pela ótica das
feministas baianas a discussão sobre a questão da emancipação política da mulher.
Foram entrevistadas mulheres baianas de destaque: médicas, professoras,
79
A Tarde, 10 maio 1930 p.3.
80
A Tarde, 07 abril 193l, p.1.
81
A Tarde, 11 abril 1931, p. 3.
82
A Tarde, 09 maio 1931, p. 3.
83
socialites, advogadas. Ao final da publicação de uma série de entrevistas com as
feministas baianas, A Tarde esclarecia que o objetivo da nova seção forafazer
conhecido de muitos” o ideal feminista, exposto nas “mais interessantes e
brilhantes” respostas dadas pelas “adeptas da causa”, nomes dos “mais
respeitáveis e representativos da nossa sociedade”. Enfatizava o jornal que as
feministas haviam deixado claro o exato significado do feminismo “afastando por
completo” a idéia que muitos tinham de que fosse uma “‘masculinização’ da
mulher”.
83
II.3.3 Os limites racistas da cidadania
Além e associada à dimensão classista da sociedade, anteriormente
referida, destacava-se no discurso de A Tarde uma visão das relações inter-raciais
que menosprezava a participação social de índios e negros. Os índios eram
representados como “selvagens”, com a nítida significação de atraso e barbárie,
sendo a eles negado qualquer reconhecimento dos seus direitos de cidadãos.
Quanto aos negros, a sua condição de inferioridade foi freqüentemente acentuada
pelo jornal, sendo representados como pretensiosos em relação a posições sociais
que sua condição racial não permitiria alcançar.
O preconceito racial tinha lugar de forma explícita ou subliminar em
artigos que não tratavam especificamente de questões raciais como, por exemplo,
quando reclamavam da limpeza pública, de vandalismo na cidade ou relatavam
um crime passional ocorrido no Rio de Janeiro. Este último tema foi objeto de um
longo artigo, cuja análise é representativa da significação mais usual das relações
entre negros e brancos.
O artigo publicado em fevereiro de 1930 tratava de um envolvimento
amoroso entre Annibal Pereira da Rosa e Alzira Lopes de Carvalho, cujo
desfecho foi trágico. Ele, “de cor preta”, fora o autor de uma cena “revoltante”;
83
A Tarde, 22 abril 1931, Tribuna Feminista, p. 3.
84
tinha 26 anos e uma atividade profissional duvidosa, já que às vezes dizia que
trabalhava “em um café”, outras que era trabalhador “de café”, mas no cais do
porto. Ela, que “tombou naquela cena rápida”, era “de cor branca e muito
jovem”, “uma menina”, poder-se-ia dizer, pois ainda não completara quinze anos.
Segundo o artigo, fora “a questão da cor” o motivo principal da recusa que
encolerizou” Annibal, que chegou ao ponto de armar-se para “arrancar à vida
uma menina, “boa filha”, “obediente e dedicada”. Via-a todos os dias e, pouco
depois, já se “cumprimentavam com sorrisos”. Ele, porém, não quisera “reparar
na diferença da cor”, que poderia “certamente servir de obstáculos” às suas
futuras pretensões quando fosse falar em casamento com aquela menina ou com
seus pais, que “certamente” não dariam o assentimento “para realização de um
casamento”, pois além de a filha ser “criança e doze anos mais moça”, o
pretendente era “um homem de cor”.
Annibal, indiferente à sua condição racial, “entendeu cortejá-la” e, a
considerar os comentários que o articulista recolheu do caso, Alzira
correspondia, em parte, às intenções com que o rapaz a distinguia”. Segundo os
comentários reproduzidos, os dois chegaram a namorar; dizia-se então que
Alzirinha” estava “dando corda” ao Annibal. E arrematavam-se os comentários
sobre o namoro com julgamentos e lamentações, pois considerava-se o fato uma
pena”; ela era “tão engraçadinha” e ele, “coitado”, “tão sem graça”, e parecia,
ainda, ser “um homem violento” . O fato é que este namoro fora “coroado” com
sangue” e então se lamentava a ignorância dos pais da moça.
84
Este longo relato pouco esclarece sobre as circunstâncias objetivas do
crime, mas é bastante significativo para uma análise da ideologia. Annibal, sendo
um “homem de cor”, é um personagem emblemático da visão que as elites
letradas, políticas e econômicas tinham dos negros e de sua relação com os
brancos. “De cor preta”, apresentava reações como a cólera ou a atitude de
“armar-se o braço”; parecia um “homem violento”, em contraposição às reações e
características de Alzira ,“moça branca” que era “boa filha”, “obediente e
84
A Tarde, 14 de fev. 1930, p. 4.
85
dedicada”. Além disso, o texto fazia outra contraposição entre brancos e negros,
comparando os dois personagens. Assim, enquanto “Alzirinha” era “tão
engraçadinha”, Annibal era um “coitado”, “tão sem graça”. Este jogo de
contraposições definia o cárater dos personagens e, não por acaso, as qualidades
negativas foram associadas ao personagem negro desta história.
Este recurso foi recorrentemente usado pelo discurso de A Tarde, na época
em estudo. E, ainda que sejam ressalvadas as recomendações de não se
homogeneizar as categorizações do ser negro nos jornais, pode-se, entretanto,
observar uma pespectiva estigmatizante em relação ao negro na imprensa da
Bahia: em geral representado como inferior e incivilizado. Em contraposição, o
branco era representado como superior e portador dos padrões de civilidade
europeus.
85
Além de associar a condição racial dos sujeitos sociais à conformação do
seu caráter, o discurso jornalístico associava à noção de raça padrões estéticos e
de civilidade. A venda de “guloseimas africanas” nas esquinas e lugares
movimentados, juntamente com “cães soltos”, “lixo nas calçadas e nas
sarjetas”, formava um quadro que dava uma feição “arcaica”, “colonial”,
decadente” aos hábitos de certos segmentos sociais que, “refratários ao
progresso”, rememoravam com saudade, “babosos” e “cheios de unção” estes
hábitos “d’antanho”, que já não eram mais suportados emparte alguma”, onde a
higiene lograsse “foros de cidadania”.
86
O exercício da cidadania, pré-requisito do cosmopolita projetado pela
ideologia liberal burguesa, encontrava-se limitado em terras baianas na percepção
do vespertino, pelos hábitos anti-higiênicos dos habitantes de Salvador, cidade
que havia se “afamado” pelo “desasseio das ruas”. Embora isso já estivesse “um
bocado melhor”, ainda se juntava ao nome da Bahia a “deprimente lembrança da
imundície”. Isso, dizia o jornal, não era “culpa” somente do “poder público”, mas
devido aos hábitos praticados por alguns sujeitos, e ilustrava com um caso
ocorrido em plena Avenida Sete, o qual era protagonizado por “um negralhão
85
BACELAR, Jeferson. A hierarquia das raças: negros e brancos em Salvador. Rio de Janeiro: Pallas, 2001, p.
48.
86
A Tarde, 09 abril 1928, Tópicos, p. 2.
86
transeunte”, que ia comendo uma manga e jogando as cascas na rua.
Considerando-o passível de reprimenda, A Tarde apelava para a vigilância do
guarda civil, que deveria tê-lo obrigado a apanhar os detritos.
87
Assim, a despeito
da igualdade formal dos cidadãos ser um pressuposto fundamental do ideário
liberal que propagava, A Tarde encontrava razões para afirmar a inferioridade dos
negros.
Embora a tônica do seu discurso circulasse em torno da garantia dos
direitos civis, da democracia, do exercício da cidadania, referidos como signos do
progresso e da modernidade, em situações que envolviam a possibilidade de
"favorecimento" de atores sociais que foram marginalizados culturalmente, como
os índios, por exemplo, a intolerância ficava evidente, reforçando valores e
crenças que supostamente justificavam a marginalização a que foram submetidos.
Comentando sobre algumas medidas do Governo Federal, o jornal se opunha à
sua resolução de ter incluído na previsão orçamentária uma destinação de verbas
para atender necessidades de indígenas, o que julgava desnecessário e indevido.
Com um discurso inflamado, declarava que se ainda havia índios na Bahia
eles deveriam gozar as doçuras que Maomé prometeu aos crentes no seu paraíso,
porque “dinheiro federal nunca lhes faltou”. Num tom de indignação, censurava o
governo por ter determinado cortes em outros serviços de utilidade, em favor dos
índios. E concluía que “esses pobres silvícolas” tinham o “dom de comover os
governos da república.”
88
Além do aspecto político que desfavorecia e excluía estes grupos de
baianos, ficava evidente a atribuição de um valor social, colaborando com a
construção da contraposição entre civilização e barbárie, sendo, este último, o
"estágio" em que se encontravam os índios baianos de então. A Tarde refletia em
seus posicionamentos as teorias raciais adotadas pelos intelectuais do final do
século XIX e início do século XX. Estas teorias inferiam a condição cultural dos
diferentes grupos étnicos da noção de raça, a qual determinava não só os traços
87
A Tarde, 12 jan. 1929, Tópicos, p.2.
88
A Tarde, 11 fev. 1928, p.1.
87
físicos, como também a condição social e a conduta moral dos indivíduos.
89
O trecho abaixo foi retirado de uma matéria que tratava da construção da
estrada que ligaria as cidades de Conquista e Itabuna, elogiando a iniciativa do
governo do Estado, que permitiria o “estreitamento” das relações comerciais entre
os “dois florescentes núcleos de trabalho”. A apreciação que o jornal fez acerca
dos índios, que não eram o objeto da matéria em questão, denunciava a concepção
que os representantes das elites letradas de Salvador tinham destes atores sociais :
“... Existe um caminho para alimárias e
cargas ligando Conquista a Itabuna, o qual,
apesar de acidentado e cheio de perigo, é
bastante transitado. De quando em quando os
índios atacam os comboios que por ele passam
e ferem muares e almocreves. É pura verdade:
há selvagens, selvagens de arco e flecha
naquela abandonada e ainda virgem região da
Bahia!...”
90
O racismo era, portanto, expresso e reafirmado em diversas cenas do
cotidiano. De diferentes formas o jornal deixava transparecer sua crença na
hierarquização das raças humanas. Idealizava um futuro em que os elementos
considerados inferiores iriam desaparecer, chegando ao extremo de defender a
eugenização das raças. Acreditava que desta prática adviriam conseqüências de
grande valor para o progresso nacional.
91
No entanto, contraditoriamente, afirmava-se a igualdade entre as pessoas,
os direitos dos cidadãos, etc. Assim, se evidenciam as ambigüidades específicas
do discurso do jornal A Tarde, mas torna-se também evidente que a reprodução de
imagens e textos, forjados a partir das contradições da linguagem, ganha uma
89
Sobre a assimilação e adaptação das teorias raciais européias pelos intelectuais brasileiros, ver SCHWARCZ,
Lilia Moritz. O espetáculo das raças: cientistas, instituições e questão racial no Brasil – 1870 – 1930. São
Paulo: Companhia das Letras, 1993.
90
A Tarde, 09 mar. 1928;,Tópicos, p.2.
91
A Tarde, 09 mar. 1929, p. 1.
88
dimensão mais ampla e, ultrapassando a simples lógica de classes, é agenciada
pelos diferentes grupos tornando-se verdades que conformam os modos de pensar
de uma determinada época. Não raro, os modos de pensar ultrapassam épocas
diferentes e manipulam temporalidades distintas: as ideologias se inscrevem na
longa duração, mas colaboram na constituição das conjunturas e interesses
imediatistas.
No próximo capítulo serão abordadas as construções discursivas sobre os
problemas econômicos e como se sugeriam resolvê-los. A idealização do Brasil
como futura potência mundial ou a indicação dos pressupostos da economia
capitalista como base do progresso foram crenças fartamente repetidas. A partir
dessas crenças mobilizaram-se poderes cuja repercussão social era limitada: os
poderes legitimavam os interesses imediatos de poucos grupos. Buscavam-se
soluções dos problemas brasileiros, mas, em geral, as respostas consistiam em
propostas de empreendimentos que trariam maior lucro e prosperidade aos
produtores agrícolas e comerciantes.
89
CAPÍTULO III
AS DIRETRIZES DA POLÍTICA ECONÔMICA
A atenção do jornal A Tarde, no período de 1928 a 1932, inclinava-se
principalmente para as questões políticas, mas os problemas e interesses
econômicos também se constituíram objeto de análises e freqüentes discussões
desenvolvidas em suas páginas. Externava insatisfeito a convicção de que o Brasil
se encontrava numa situação de inferioridade material em relação a alguns países
considerados desenvolvidos. Explicava que, em certa medida, esta condição
devia-se à pouca idade do país, e empenhou-se em identificar os problemas que
impediam-no de marchar nos trilhos do progresso, buscando razões no atraso
material e sugerindo medidas que eliminassem os entraves ao progresso.
Os problemas econômicos brasileiros eram muitos e de difícil resolução,
constatava A Tarde, mas para elevar o país à condição de riqueza, que o
transformasse em grande nação mundial, fazia-se necessário um exame atento da
origem dos problemas e da situação conjuntural, bem como projetar algumas
possibilidades futuras. Para isso, A Tarde fazia constantemente comparações entre
as condições sócio-econômicas vigentes no Brasil e aquelas experimentadas pelas
grandes potências mundiais, especialmente Estados Unidos e Inglaterra.
O objeto central nas preocupações de A Tarde, porém, consistia em
encontrar soluções para os problemas da economia baiana, seja discutindo a
orientação da política econômica tanto em nível federal como estadual, seja
avaliando medidas do governo federal relativas à aplicação de impostos ou à falta
de incentivo para as culturas agrícolas regionais ou, ainda, reafirmando uma
vocação agrícola da Bahia e do Brasil, que deveria ser valorizada e explorada por
investidores mais agressivos.
90
São Paulo, por ser considerado como o estado mais rico e próspero do
Brasil, era tomado como paradigma; a Bahia devia imitar-lhe os passos para
tornar-se também rica e próspera, condição que lhe permitiria integrar-se aos
centros de decisões, exercendo a mesma influência que os grandes estados
exerciam no estabelecimento de diretrizes da política econômica, possibilitando,
conseqüentemente, o atendimento aos interesses econômicos das classes
consideradas produtivas.
III.1 O Futuro do Brasil
As contradições manifestas no pensamento liberal veiculado pela imprensa
brasileira são derivadas em grande medida dos interesses econômicos imediatos
das elites.
1
Em relação ao pensamento das elites baianas representadas pelo jornal
A Tarde, no período estudado, as contradições se tornavam mais evidentes quando
se buscava soluções para os problemas econômicos do Brasil. Então se
entrechocavam a orientação da modernização da produção, através da utilização
dos recursos tecnológicos mais avançados, e a defesa da velha forma de
exploração econômica, ou seja, a agricultura.
Num artigo intitulado Trabalho - O Brasil futuro, seu autor discutia as
particularidades do trabalho no campo, considerando aspectos históricos como a
formação racial e a formação econômica do país, fatores que apareciam inter-
relacionados. O autor dizia que as razões da insatisfatória exploração da terra no
Brasil encontravam-se, primeiramente, no povoamento e, por outro lado, no
estigma da escravidão” que este trabalho carregava.
2
Os povos ibéricos, estando entre os que povoaram o Brasil, teriam deixado
como herança o apego às “explorações comerciais”, atividade que preferiam,
1
Ver sobre as contradições do pensamento liberal veiculado pela imprensa CAPELATO, Maria Helena. Os
arautos do liberalismo. Imprensa paulista 1920 – 1945. São Paulo: Ed. Brasiliense, 1989. Ver também
CAPELATO, Maria Helena e PRADO, Maria Lígia. O bravo matutino. Imprensa e ideologia: o jornal O Estado
de São Paulo. São Paulo: Ed. Alfa-Õmega, 1980.
2
COSTA, José Antônio da. Trabalho. O Brasil futuro. .A Tarde, 08 jun. 1929, p.1.
91
afastando-se da exploração da terra que “só retribui a quem a lavre e semeie, após
infindos cuidados e pesados labores”. Por outro lado, o povo brasileiro se
dedicava a contragosto aos “árduos afazeres da vida do campo”, porque
acreditava que este trabalho não compensava, dada uma “mentalidade
predominante” que o associava à escravidão.
Segundo o autor, esta mentalidade tendia a desaparecer, pois com o fim da
escravidão fora “introduzida aqui forte corrente de imigrantes, de povos livres e
sem preconceitos contra o trabalho”, de modo que este estava se reabilitando e se
constituindo em “nobre atividade a que sem desdouro qualquer pessoa” podia
dedicar-se. Afinal, “‘o trabalho é sem dúvida função nobilitante e elemento certo
de conseguir bem estar”, citava esta máxima exemplar que ouvira de um
negociante falido que teria se restabelecido através do trabalho em uma fazenda.
Seguia o artigo perguntando qual a atividade que os brasileiros deveriam
preferir para o “maior progresso” da pátria e respondia sem maiores explicações
que, pondo de lado as “atividades múltiplas e necessárias à assegurar a ordem
social”, havia a indústria e o comércio. A partir daí desenvolveu uma pequena
digressão sobre a organização do trabalho, dizendo ser a divisão do trabalho
fecundo princípio propulsor do progresso mundial”. E de sua inobservância se
chegaria a uma “luta de interesses perturbadores da harmonia econômica da
sociedade nacional”.
Entretanto, segundo a ótica do autor, o Brasil gozava um certo privilégio
nesta situação, porque não entrara nesta “porfia das atividades perturbadoras”,
ou seja, não tinha o afã que acometia, então, outros povos de querer produzir
todas as utilidades necessárias à sua manutenção”. Além disso, constatava que
tudo” que aqui se produzia tinha “grande procura nos mercados externos” mas,
assegurava que para aumentar a produção o brasileiro precisava procurar “as
atividades do campo”, as quais já não tinham “aquele aspecto temeroso do
isolamento, da falta de relações sociais”.
Chegaria ao campo todo o arsenal tecnológico da modernidade sem,
entretanto, tirar-lhe a beleza e tranqüilidade. “O telefone, o rádio-telefone, o
automóvel e breve o aeroplano estarão ali para levar ao habitante do campo, o
92
que lhe faltava, o conforto da vida social”. Na previsão do autor todo o “vasto
hinterland” brasileiro haveria de se transformar abrigando grande população em
cidades ricas, dotadas de todos os elementos de progresso”, apesar de situadas
no sertão, rico e belo, mas depreciado até então.
Finalmente o autor completava seu artigo evocando o exemplo dos norte-
americanos, “povo de índole enérgica e combativa” que, através da “abençoada
religião do trabalho”, afugentou para sempre as contendas internas, tirando do
árduo trabalho no campo a riqueza e prosperidade. E ponderando que o índice
populacional do Brasil em 1929 era equivalente ao dos Estados Unidos em 1868,
quando houve a guerra civil americana, concluía que não havia razões para
descontentamento entre os brasileiros, mas alertava: “apenas a marcha do nosso
progresso deve ser acelerada, para bater uníssono com o compasso, que rege
atualmente o mundo”.
3
Alguns aspectos ideológicos cruciais e bem generalizados no pensamento
econômico das elites baianas são bem ilustrados por este artigo que é
extremamente representativo de idéias gerais cultivadas pela elite da época. Por
um lado, elegia-se o trabalho agrícola como prioridade, e falava-se
especificamente deste tipo de trabalho, ou falava-se de uma perspectiva geral da
qual “o trabalho” emergia como fator de enobrecimento do homem, sendo
menosprezadas as condições concretas em que se exerciam as diferentes
modalidades de trabalho; como e em que medida as diferentes categorias de
trabalhadores se tornariam nobres não foi indicado no texto.
Veja-se, porém, que a totalidade das formas de trabalho e dos homens que
trabalhavam fulguravam no texto, através do intertexto que aponta para um amplo
campo de significação pela remissão à universalidade configurada pela utilização
da expressão “o trabalho”. Veja-se ainda que o autor associava o trabalho agrícola
à exploração escravista, apesar de sugerir que esta associação devia-se à valoração
negativa deste trabalho, feita pelos trabalhadores brasileiros, a qual decorria, no
entanto, de uma mentalidade em extinção. Por outro lado, justificava segregações
raciais, na medida em que identificava o imigrante branco e europeu como
3
COSTA, José Antônio da. Trabalho. O Brasil futuro. .A Tarde, 08 jun. 1929, p. 1.
93
responsável pela valorização do trabalho devido à sua “desprendida” dedicação,
enquanto que o brasileiro, por preconceito, depreciava o trabalho agrícola,
considerando-o demasiadamente árduo e associando-o a escravidão.
O artigo ainda fazia referência a argumentos recorrentes na oratória dos
homens da elite, como por exemplo, a concepção evolucionista da história,
evidenciada através da projeção para o futuro da riqueza e prosperidade da nação
brasileira; a comparação com os países considerados ricos e prósperos,
principalmente os Estados Unidos, cujas diretrizes políticas e econômicas
deveriam ser imitadas, e a valorização da organização urbana. Mesmo neste caso,
em que se apresentava a vida no campo como uma alternativa de viabilizar um
futuro de riqueza material, vislumbrava-se a edificação de grandes cidades, as
quais, por sua vez, se traduziam como símbolos de progresso.
Projetando soluções para o futuro ou registrando algumas conquistas já
realizadas, constatava-se, invariavelmente, que o Brasil precisava superar o atraso
e encaminhar-se para o progresso. O avanço nesta direção já se observava em
certas regiões do país, particularmente em São Paulo, reiteradas vezes louvado
pelo jornal A Tarde, que via nesta atitude “uma obra de verdadeiro patriotismo”,
dado o “assombroso progresso” deste “grande estado”. Neste sentido, o jornal
clamava pela abolição das “divisórias geográficas” em favor de um sentimento de
“brasilidade” que suprimisse os regionalismos “mesquinhos”, pois explicava:
tudo para nós é o mesmo Brasil opulento e generoso, de
incomparáveis possibilidades econômicas, inexauríveis
reservas, fadado amanhã à culminância mundial. Tudo
que seja, fazer a propaganda do seu avanço, esteja ele
ocorrendo onde ocorrer, é dever de qualquer brasileiro,
seja do norte, de referência ao sul, seja do sul com
relação ao norte.
4
Apesar de São Paulo despontar como um paradigma, constantemente
reafirmado, do progresso que se almejava alcançar, a supressão das fronteiras
4
A Tarde, 20 jun. 1929 Tópicos, p. 2.
94
regionais era sugerida num momento oportuno para as elites baianas que
apoiavam a chapa oficial à presidência da República, nas eleições de 1930, a qual
era composta por um paulista, Júlio Prestes, e um baiano, Vital Soares. Assim,
Guilherme Marback, num artigo intitulado Liberalismo e café, acusava a Aliança
Liberal liderada pelo gaúcho Getúlio Vargas e o paraibano João Pessoa de se
aproveitar do momento delicado por que passava a economia brasileira para
dirigir ataques aos seus adversários políticos.
O autor explicava que a delicadeza deste momento decorria da crise de
desvalorização do preço do café no mercado internacional, abalado com a crise no
mercado de títulos de Nova York; não derivava portanto, de interesses regionais.
Por isso, assegurava que a utilização desta crise para atingir Washington Luís e
Júlio Prestes tornava-a maior e era, acima de tudo, umatentado contra toda a
nação”, vez que o café era o principal produto da economia brasileira. A
resolução do problema dependia da “união dos brasileiros”, não dependia apenas
do Rio, de São Paulo ou de Minas, mas de “todo o país”.
5
Porém, após a revolução de 1930, as medidas de proteção ao comércio do
café adotadas pelo Governo Provisório
6
causariam certo incômodo às elites
baianas, A Tarde o refletia em suas páginas. Continuava a reconhecer a
importância do café para a economia nacional e a proclamar a isenção de
preconceitos regionalistas” em favor de “objetivos patrióticos” mas, desta vez,
o sentimento de “brasilidade” era evocado para favorecer a comercialização dos
produtos nordestinos, pois o cacau e o açúcar eram “fontes também de riqueza
nacional”, por isso “não seria mau” que Getúlio Vargas e o ministro da Fazenda
olhassem para o estado deplorável” em que se encontravam estes produtos no
comércio.
Neste sentido, o que incomodava não era o fato de se remediar a crise
paulista, originada da considerável baixa do preço do “nosso principal produto de
exportação” pois, afinal, não havia dúvidas de que o café merecia o “maior
amparo”. O seu valor era incontestável, valia muito, dizia A Tarde a seu respeito:
5
MARBACK, Guilherme. Liberalismo e café. A Tarde, 04 nov. 1929, p. 1.
6
O Governo Provisório adquiriu todo o estoque de café, para revender no período de dez anos. Esta operação
exigiu um investimento de um milhão de contos e foi financiado por crédito estrangeiro.
95
Vale muito. Vale ouro, pelas suas próprias qualidades de
conservação, como pelo grão e abundância com que o
produzimos. E tanto assim é que muito embora seja São
Paulo o seu maior plantador, a nação sempre concorreu e
vai novamente concorrer para lhe dar esteio e evitar que
se arruinem quantos o exploram.
7
Assim, era justificável a proteção dada pelo Governo Provisório aos
produtores de café paulistas, todavia o jornal lembrava que os produtores baianos
careciam de cuidados, pois o cacau e o açúcar também constituíam “elementos de
prosperidade nacional” e não podiam “ser esquecidos ou deixados entregues à
sorte das especulações”. Deste modo, fazia-se necessária a mobilização dos
produtores baianos, e então A Tarde conclamava:
os diretamente interessados na obtenção de garantias para
os dois indicados produtos, que desde já se movimentem.
Peçam, requeiram, discutam, provem. Hão de, com
certeza, obter trato semelhante ao que conseguiram os
fazendeiros e negociantes paulistas.
8
São Paulo e os paulistas reapareciam como paradigmas. A Bahia e os
baianos deveriam seguir seus exemplos, aprender seus passos, numa atitude que
em certa medida era de inferioridade e de submissão. Era como se as elites
baianas se resignassem ante a sua incapacidade de competir com a força paulista,
então ansiavam que baianos não medissem esforços para copiar-lhe os métodos.
Mas a despeito da reverência do jornal A Tarde aos mais diferentes aspectos da
vida política e econômica de São Paulo quase sempre valorizados, fazendo em
alguns momentos os interesses deste estado coincidir com os interesses do país,
esta perspectiva nacionalista encontrava seus limites nos interesses
acentuadamente regionais dos produtores agrícolas e comerciantes baianos. E
quando estes estavam em jogo A Tarde se aguerria de loquazes argumentos para
defender-lhes.
7
A Tarde, 08 jan. 1931, Notas Diversas, p. 3.
8
A Tarde, 08 jan. 1931, Notas Diversas, p. 3.
96
III .2 Os Pilares da Economia Baiana: A Agricultura e o Comércio
A economia baiana precisava se fortalecer para que o estado pudesse se
equiparar aos grandes centros, e A Tarde cuidava atenciosamente dos interesses
econômicos das elites, ora defendendo a intervenção do estado para garantir o
sucesso nos dois empreendimentos econômicos mais importantes da Bahia: o
comércio e a agricultura, ora instigando os produtores baianos a adotar práticas
mais modernas e avançadas de produção. O cacau, principal produto baiano de
exportação, era pauta certa nas preocupações do vespertino baiano que, bem
atento às oscilações do mercado, preocupava-se também com a garantia de
subsídios oferecidos pelo estado aos produtores da “preciosa amêndoa”.
Quando, em 1928, o mercado desfavorecia o comércio do cacau, A Tarde
responsabilizava os “intermediários gananciosos” de promover a baixa do
produto e destacava a “ação prudente e segura” do governador Vital Soares e os
esforços combinados” de Miguel Calmon e Simões Filho, então,
respectivamente, senador e deputado federal, líder da bancada baiana, que
impuseram “decisivo obstáculo” a este movimento desfavorável, buscando
subvenções do Banco do Brasil para os produtores de cacau. A expectativa pela
resposta era animadora:
a esta hora, o Banco do Brasil, pelas suas filiais desta
cidade e da de Ilhéus, oferece ao agricultor da preciosa
amêndoa o crédito de que ele necessita, além de se não
deixar arrastar no vórtice com que os baixistas pretendem
auferir lucros demasiados...
9
O liberalismo que os grupos dominantes da Bahia defendiam não era,
portanto, incompatível com a defesa da intervenção do estado na economia. Ao
contrário, durante a Primeira República, o comportamento dos liberais baianos se
caracterizava pela coexistência do anseio de liberdade de ação ante o Estado e da
9
A Tarde, 19 set. 1928, p.1.
97
reivindicação de proteção estatal, dependendo dos interesses em jogo.
10
Expressando este comportamento, A Tarde, auspiciosa, comemorava o “ato
governamental” que reverteu o quadro negativo que havia abalado o comércio do
cacau:
são muito alvissareiras as condições atuais do mercado
do cacau. Após o pânico manifestado no fim da semana
passada, operou-se uma feliz reação, graças à boa nova
que o governo do Estado iria intervir contra a
especulação.
11
As medidas “radicais” autorizadas por decreto pelo governador Vital
Soares, que estabeleciam um “convênio de caráter financeiro” entre o estado e
“várias firmas da praça ‘dedicadas ao comércio de cacau’” com o fim de
defender este produto na safra de 1928, foram incansavelmente mencionadas.
Destacava-se o mérito do governador, que merecia aplausos por ter estado “atento
aos problemas ligados ao desenvolvimento do estado”, e ter encarado desde cedo
a crise, que não decorria da “lei da oferta e da procura”, mas antes fora “tramada
na sombra” pela:
especulação desenfreada que elementos maus, useiros em
processos condenados pela ética comercial,
desenvolveram em torno do cacau baiano. (...)
Conspirava-se contra a Bahia, pretendiam reduzir-lhe as
forças econômicas, levá-la à parede defraudando-lhe as
rendas, empobrecendo-lhe a lavoura, aniquilando-lhe boa
parte do comércio.
12
A Tarde esperava que a intervenção do governo cercasse a crise para
“constringi-la e asfixiá-la”. Embora justificasse que o interesse e solicitude de
Vital Soares em resolver a “questão da baixa do cacau” devia-se a uma
preocupação com um abstrato desenvolvimento do estado, A Tarde deixava,
todavia, evidente que a resolução deste problema atenderia aos interesses
específicos dosmandatários do ‘Sindicato dos Agricultores de Cacau’ e da
10
SANTOS, Mário Augusto. Associação Comercial da Bahia. Um grupo de pressão. Salvador : Secretaria da
Indústria, Comércio e Turismo, 1985, pp. 58- 60
11
A Tarde, 10 out. 1928, p.1.
98
‘Associação Comercial”, que então “trabalhando em conjunto” dirigiram-se ao
governador do estado, o qual lhes garantiu apoio, declarando-lhes que os
“dedicados representantes” da Bahia na Capital Federal, o senador Miguel
Calmon e o deputado Simões Filho, estavam já defendendo estes interesses junto
ao presidente da República.
13
Se por um lado, o deputado Simões Filho atuava na esfera federal
defendendo os interesses dos cacauicultores, seu jornal exercia o papel de
legitimar a ação política que os favorecia ou de reclamar e reivindicar pelo seu
beneficiamento quando a política econômica seguia rumos incertos nesta direção.
Em 1931, por exemplo, avaliando “ ‘os planos de salvação’, adotados em relação
aos diferentes produtos de exportação”, constatava que a orientação da política
econômica do Governo Provisório era incompreensível, dado que tinha “faces
múltiplas e esquisitas”, pois não havia uma “linha rígida de conduta” além de que
as “sentenças” variavam “com as cabeças”.
Assim, enquanto as medidas de defesa do café consistiam no pagamento de
uma taxa de 10 schillings sobre a saca exportada, a defesa do açúcar (Campos e
Pernambuco) far-se-ia através do financiamento promovido pelo Banco do Brasil
de 25 mil contos, favorecendo a safra e a movimentação de créditos de
particulares. A cultura do arroz ( Rio Grande do Sul ) teve uma “ singela”
intervenção do Estado, pois foram emprestados aos produtores 3 mil contos.
Quanto ao “cacau da Bahia”, teve como “fórmula financeira de apoio” o
indicativo de criação de um instituto, que articularia meios que permitiriam à
louvara superar as dificuldades. Considerando que de todos estes planos o do
cacau era o mais “inteligente e suave”, A Tarde exortava pela sua imediata
concretização:
Mas... Quando aparecerá o Instituto do cacau? Quando se
tornará uma realidade pública o plano do secretário?
12
A Tarde, 11 out. 1928, Tópicos, p.2.
13
A Tarde, 30 ago.1928, p.1.
99
A expectativa é grande em torno do cacau. É preciso que
a cura venha antes do doente morrer. Depois... não
interessa!
14
Apesar do intenso investimento na defesa do cacau, A Tarde ocupava-se
também com outras culturas agrícolas que incrementavam a economia baiana, a
ponto de um fazendeiro da época, chamado Hermes Lordello, através de uma
carta ao jornal, classificá-lo como um “órgão devotado aos interesses agrícolas”.
O autor da carta era um produtor de fumo de Castro Alves e reconhecia que o
vespertino baiano não tinha esquecido “o estado de abandono” em que se
encontrava a lavoura do fumo na Bahia.
15
Com efeito, A Tarde não se descuidava dos problemas relativos à lavoura
do fumo e, em diferentes ocasiões, criticou a tributação sobre este produto. Em
1928, publicava uma matéria intitulada As amargas queixas do fumo, em que
considerava “desproporcionado” o aumento de tarifas que “atingiu feio e forte
os produtores deste artigo. Anunciava que “todos os negociantes do interior
paralisaram os seus embarques” e em comum acordo fizeram esta greve, “como
medida de defesa”. A reação dos negociantes, na visão do jornal, não se constituía
numa “demonstração de força”, apenas se tratava “do instinto de conservação
agindo em primeiro impulso, conseqüente à ameaça”, pois afinal reiterava que
grandes eram “as aflições do fumo baiano”. E assim como os cacauicultores
haviam feito, os produtores de fumo acionaram o deputado Simões Filho fazendo-
lhe uma “elucidativa exposição”, através de “cálculos rigorosos” que provavam
que o aumento variava entre 31 a 54% de acréscimo, umverdadeiro absurdo”,
não tendo presidido à sua organização o “verdadeiro critério ou espírito de
eqüidade”.
16
Em 1931, novamente A Tarde reclamaria dos impostos sobre o fumo
estabelecidos por lei da Receita Federal. Alegava, então, que a nova lei ao mesmo
tempo que beneficiou o queijo de Minas e o vinho do Rio Grande do Sul,
aumentou “grandemente” o imposto que incidia sobre o fumo e ponderava que o
14
A Tarde,08 maio 1931, p. 1 . O Instituto de Cacau da Bahia foi criado em 12 de junho de 1931.
15
A Tarde, 03 jun. 1929.
16
A Tarde, 30 jul. 1928, p. 1.
100
produto baian.o, “já altamente taxado”, não deveria sofrer uma majoração de
25%. Explicava que a decisão dos fabricantes de cigarros de paralisar as fábricas
devia-se à impossibilidade de arcarem com este aumento.
Apesar de mencionar que milhares de operários ficariam privados de um
momento para o outro do produto do “seu labor”, a preocupação do jornal
concentrava-se em justificar a atitude dos fabricantes, por isso recorreu a um
informante “entendido no assunto”, o qual esclareceu que havia uma lei que
proibia o repasse deste aumento para o consumidor, impedindo, portanto, o
aumento imediato do preço deste produto no mercado. Além disso, a elevação do
imposto sobre a renda incidiria sobre a produção, por estas razões, concluía o
informante, os fabricantes resolveram suspender o trabalho e fechar as fábricas até
que o governo deliberasse sobre o caso.
17
O comércio e a agricultura se constituíam nos pilares da economia do
estado para o grupo político representado pelo discurso do jornal A Tarde.
Incansavelmente, repetia que essas duas atividades deveriam ser exploradas em
todas as suas possibilidades, particularmente insistia no futuro promissor da
fruticultura. Alertava que o comércio de exportação das frutas não devia ser
desprezado:
antes é para ser desenvolvido, porque não nos
esqueçamos, nem nos enganemos: a terra não nos deu
ainda o que tem de dar e não devemos ir tentar fortuna
em outras atividades, sem primeiro aproveitar as
possibilidades de riqueza que ela nos oferece.
18
A industrialização servia-lhe apenas como uma referência de organização
da produção agrícola que deveria tornar-se mais aceitável no mercado externo, por
isso A Tarde instigava os produtores baianos a investirem na mecanização e
diversificação da agricultura como um seguro atalho na escalada para a
prosperidade, entendendo que no desenvolvimento da técnica estava a chave para
superar o atraso material do estado.
17
A Tarde, 09 jul. 1931, P. 3.
18
A Tarde, 06 abril 1929, Tópicos, p. 2.
101
III.3 A Diversificação da Produção como Condição para o Progresso
O desenvolvimento econômico, centrado na agricultura, seria um fator
determinante para a conquista do progresso. Este era o alvo a ser atingindo,
configurando o futuro crescimento do Brasil, quando seria alçado a uma posição
de destaque, equiparando-se às grandes nações. Porém, para o país ser erigido a
um patamar de grandeza, seria ainda necessário muito lutar, por isso o jornal
considerava inadmissível que num “mundo moderno” e numséculo mecânico”,
os produtores baianos não percebessem a fecundidade da exploração de outras
atividades econômicas como a indústria pesqueira e as vantagens da
diversificação da agricultura.
A Tarde lamentava que a pesca não fosse então explorada na Bahia como
uma atividade rentável, sendo ainda sua prática baseada na utilização de “métodos
primitivos” como o anzol e o munzuá. Sugeria aos baianos que seguissem o
exemplo de São Paulo, que já havia substituído os métodos antigos por outros
mais avançados, investindo numa indústria pesqueira.
19
No seu prognóstico, a situação baiana teria um preço alto e, como
conseqüência, todos iriam “pagar caro por este atraso, por este abandono”.
Alertava que a “falta de proteção oficial” para esta atividade a tornava em parte
impraticável para investidores nacionais ao tempo que facilitava sua exploração
aos capitalistas norte-americanos. Este fato, pouco desejável segundo o jornal,
levantava uma “questão delicada” que envolvia “problemas de defesa nacional”,
por isso reclamava uma resolução governamental, além do que, na sua visão, já
era tempo da pesca ser oficializada”, o congresso deveria votar maiores verbas
para custear escolas, prêmios ou estímulos estabelecidos pelas empresas nacionais
interessadas na exploração do que era “muito brasileiro” e que, “prodigalizado
pela natureza”, não poderia ser alienado.
20
19
A Tarde, 21 set. 1928, Tópicos, p. 2.
20
A Tarde, 06 nov. 1929, Tópicos, p. 2.
102
O desenvolvimento de uma indústria pesqueira era apenas uma alternativa
viável de diversificação da economia, já efetiva em São Paulo, razão pela qual
este estado era novamente elogiado e indicado como exemplo. Assim, A Tarde
lembrava aos produtores baianos que, embora continuasse a produzir o café, a
economia paulista abria novas perspectivas investindo em outras culturas, como
algodão, canaviais, fumo, arroz, feijão, milho e, recentemente, trigo. Restava à
economia baiana tomar a mesma direção. Em seguida, questionava sobre os
resultados da campanha pela intensificação do plantio do trigo, esperando
despertar o interesse pelo seu cultivo na Bahia, cujo solo lhe era favorável.
21
Devido a tais condições, reputava inaceitável a não exploração deste produto em
terras brasileiras, classificando como “vergonhoso” o fato de o Brasil importar o
trigo estrangeiro.
22
O jornal considerava a máxima “rumo aos campos” uma das divisas do
Brasil de então, que tinha capacidade de produzir “tudo, tudo que a terra
dadivosa” pudesse oferecer. Observava que, entretanto, importavam-se inúmeros
produtos e deixava-se de buscar o mercado estrangeiro para muitos outros, como
por exemplo a fruticultura, a qual “felizmente” já estava sendo com êxito iniciada.
Dentre os produtos importados citava o trigo e indagava por que importá-lo se o
Brasil podia produzi-lo muito bem. Continuando com a indagação, perguntava:
por que não ensaiar também a Bahia essa lavoura, a que suas terras fertilmente
se prestam?” e respondia com uma aclamação geral:
Rumo aos campos... Esta é que é a primeira obrigação do
Brasil, do qual já se disse, e com justiça, que está fadado
a ser ‘o celeiro do mundo’. A terra, porém, por muito
feraz que seja, não dispensa o trato humano.
23
Na visão do jornal, portanto, a Bahia tinha todas as condições de encampar
a diversificação na agricultura, e poderia, se tivesse força de vontade, se
especializar na cultura de frutas para exportação. Em 1929, foi publicado um
artigo sobre este tema, considerado “assunto palpitante, interessando vivamente à
economia nacional”, em que se avaliavam as dimensões a que havia chegado a
21
A Tarde, 31 out. 1929, Tópicos, p. 2.
22
A Tarde, 29 maio 1929, Tópicos, p.2.
103
exploração desta atividade em diferentes estados, sendo que as “magníficas frutas
do nosso país” já haviam penetrado vitoriosamente nos mercados estrangeiros,
impondo-se pelas suas proclamadas qualidades”. Fazendo-se uma estimativa do
capital advindo desta produção para os estados brasileiros que mais concorreram
com esta atividade, concluía-se que a Bahia ocupava, lamentavelmente, uma
posição insignificante quando se comparava o fluxo do seu comércio com o de
São Paulo e Rio de Janeiro, cujos resultados eram bem mais expressivos.
24
Por
isso o autor julgava oportuno alertar aos agricultores:
devemos confessar com sinceridade e civismo, a fim de
que possamos estimular, ou melhor, acordar os nossos
fruticultores, que, sobre o assunto a Bahia tem
desempenhado um papel de simples campo de
experiência e demonstração.
25
Seguia o autor dizendo que eram poucas as plantações na capital e no
interior do estado, apesar da “ótima qualidade” das frutas, por outro lado os
fruticultores baianos limitavam-se a fornecer enxertos a outros que, sabendo
aproveitar esta riqueza, chegaram a resultados mais compensadores, como já
havia feito há muitos anos a Califórnia e como procediam então diversos estados
brasileiros, conforme suas estimativas estatísticas comprovavam. A despeito
disso, a Bahia continuava com antigas plantações que, além de mal cuidadas, não
satisfaziam sequer ao consumo interno. Por fim, atestava que esta “verdade” não
poderia ser contestada apesar do grande potencial que o estado tinha para tornar-
se “o maior produtor de frutas do Brasil”.
26
A exportação de frutas ofereceria, segundo A Tarde, uma “fonte
inesgotável de riqueza para o Brasil”, que as tinha “saborosíssimas e de alto
poder nutriente”, destacando-se a banana e a laranja, muito apreciadas no
estrangeiro. O estado de São Paulo, que tratava do cultivo de ambas as frutas com
23
A Tarde, 06 jul. 1929, Tópicos, p. 2.
24
O autor fez uma estimativa que o crescimento na exportação de frutas quase triplicou no período de um ano:
em 1927 resultou um saldo de 9.387:541$, elevado em 1928 para 27.133:976$. Dentre os estados que mais
concorreram para este crescimento, indicava São Paulo com um saldo de 17.340:530$; Rio de Janeiro com
9.098:292$; Paraná com 297:749$; Pernambuco com 149:690$; Santa Catarina com 103:749$; Rio Grande do
Sul com 59:054$ e a Bahia com 4:895$.
25
BARBOSA, Mário. A exportação de frutas no Brasil. A Tarde, 04 jun. 1929, p. 1.
26
Idem
104
o maior interesse, revelava uma “clarividência” que muito lhe honrava o “espírito
prático”. A laranja era cultivada ali em grande escala e num desenvolvimento
sempre” crescente, por isso o jornal ratificava aos seus leitores:
não é novidade para o nosso público, cujas atenções
temos chamado, daqui desta seção e várias vezes,
lamentando que a Bahia, onde há, em todo o mundo, a
melhor e mais afamada laranja, não tenha ainda
empreendido resolutamente seu comércio. Quanto a
cultura da banana ocorre a mesma indiferença por uma
riqueza certa.
27
Os exemplos de São Paulo e do Rio de Janeiro comprovavam que a
produção da laranja estava fadada a ser uma grande fonte de renda para o Brasil,
esperava auspiciosamente A Tarde. Portanto, esta riqueza não poderia deixar de
ser explorada pela Bahia, lhe sendo imputada a necessidade de investir nesta
produção
28
. O vespertino baiano justificava que continuaria a insistir, como já
vinha fazendo na:
necessidade da Bahia rasgar à sua prosperidade
econômica mais esta fonte, de cultivar e exportar suas
frutas. Superior a todas do mundo, a laranja da Bahia
está como riqueza esquecida.
29
Contudo, a exploração da laranja deveria seguir critérios científicos,
honestos e racionais, tornando-se o seu plantio e saída uma verdadeira indústria,
velando-se para que não fossem exportadas misturas. O controle rigoroso da
produção deveria ter como parâmetro as mais novas instruções baixadas pelo
Ministério da Agricultura, referentes à uniformidade, acondicionamento e
fiscalização das laranjas sujeitas à exportação.
30
Vale ressaltar que na ótica do jornal o desenvolvimento econômico do país
deveria basear-se no setor agrário, sendo a produção agrícola apontada como
principal fonte de sua riqueza. A Tarde declarava esta idéia repetidas vezes:
27
A Tarde, 22 jun. 1929, Tópicos, p. 2.
28
A Tarde, 29 jan. 1929, Tópicos, p. 2.
29
A Tarde, 30 maio 1929, Tópicos, p.2.
30
Idem
105
...não nos esqueçamos de que na lavoura está a maior, a
mais pronta, a mais segura riqueza do Brasil, não se
compreendendo que um país como o nosso, com este
solo, com este clima, esta uberdade não tire da terra o que
a terra pode dar e que será tudo que ele queria.
31
Esta perspectiva agrarista consubstanciava um projeto econômico para o
Brasil, e para a Bahia em particular, expresso no discurso do jornal: o brasileiro
não deveria viver “imobilizado pela vaidade de afortunados bens” com que a
natureza “grandiosa, opulenta e inexaurível” dotou o país. Estas “dádivas do céu,
realmente singulares”, ao invés de fazê-lo dormir contente deveriam ser
aproveitadas como ensinavam os que acompanhavam o progresso. Assim
comentava A Tarde:
enchemos a boca em ser o Brasil um dos países mais
ricos do mundo, e tanto basta. Ora, dentro do Brasil está
a Bahia com, felizmente, todas as qualidades e defeitos
da gente patrícia. E, assim não faz mal, antes será
profícuo, que lhe vamos desdobrando aos olhos
progressos, empreendimentos, iniciativas, conquistas em
que outros se agitam e triunfam.
32
O jornal continuava este comentário trazendo à tona uma comparação entre
a produtividade baiana e a paulista. Ponderava que no tempo em que a Bahia
produzia a cana de açúcar, “base da riqueza pública e individual e da verdadeira
fidalguia”, São Paulo só produzia o café. Em seguida, demonstrava através de
cálculos que a produção do açúcar neste estado, em 1929, era de um milhão e
quatrocentos mil sacos, 8.200.000 litros de álcool e 51.000.000 de aguardente.
São Paulo, portanto, havia abandonado a tendência à monocultura, buscando
alternativas para contornar a crise que abalava então o café na diversificação da
produção agrícola. Assim, concluía A Tarde que a Bahia devia aprender a lição
dada pelos números acima, pois:
31
A Tarde, 30 maio 1929, Tópicos, p. 2.
32
A Tarde, 06 jun. 1929, Tópicos, p. 2.
106
quer isto dizer, em mais uma prova que São Paulo não
parou, e está procurando tirar da terra o mais possível na
criação de agriculturas renumeradoras. Imitemo-lo.
33
A propalada riqueza natural do Brasil, não era suficiente para integrá-lo no
vórtice do progresso mundial, agitado pelo desenvolvimento econômico das
nações; era preciso incrementá-la com diferentes empreendimentos econômicos
experimentados com sucesso por outros. Todavia, com isso, se evidenciavam os
limites da proposta econômica apresentada pelo periódico baiano: a diversificação
da economia que propunha era de fato a diversificação da agricultura já
empreendida com sucesso por São Paulo. A industrialização, outro
empreendimento em que então os paulistas já se aventuravam como alternativa,
era somente perifericamente mencionada pelo jornal, quando era apresentada
como modelo de racionalização da produção agrícola.
III.4 A Política Financeira
A política financeira brasileira se constituía objeto de contundentes
considerações por parte do jornal A Tarde. Acompanhava as deliberações do
governo federal, analisando-as e julgando-lhes os critérios, então posicionava-se
acerca das situações daí advindas, caso fossem consideradas favoráveis. O jornal
elogiava as medidas, como o fez em relação às reformas encampadas por
Washington Luís, mas se fosse o caso contrário, não poupava críticas à imperícia
dos governantes e, às vezes de forma jocosa, lhe apresentava sugestões e
alternativas, como fez com a política pós-revolucionária de Getúlio Vargas.
A regulação da taxa de câmbio, propiciando o equilíbrio da balança
comercial, era umas das reivindicações mais corriqueiras da burguesia baiana;
desejava-se, então, que as exportações dessem saldos sobre as importações ou, por
outro lado, que se equiparasse o valor da moeda estrangeira – o dólar - para a
exportação, estabelecido institucionalmente, com o valor da mesma moeda para a
33
A Tarde, 06 jun. 1929, Tópicos, p.2.
107
importação, regulado pelas flutuações do valor interno da moeda, possibilitando
maior taxa de lucro.
34
A política econômica encampada pelo presidente Washington Luís, que
consistiu na estabilização da moeda nacional e tinha como objetivo final a
conversibilidade de todo o papel-moeda em circulação, foi elogiada pelo jornal A
Tarde, sendo considerada a solução para as dificuldades financeiras que o país
enfrentava desde 1898, quando foi elevada a taxa cambial decorrente do Funding
Loan. A criação da Caixa de Estabilização, copiava o modelo francês e se baseava
na estabilidade do câmbio estabelecendo o chamado câmbio civil para evitar o
perigo das oscilações. A incipiente indústria e a lavoura foram favorecidas com
esta reforma. Com a crise de 1929, os países estrangeiros retiraram os
empréstimos-ouro e a Caixa faliu.
35
A partir desta reforma, o papel-moeda passou a ter um valor
correspondente às reservas de ouro detidas no país, sendo pois a moeda nacional
conversível neste metal ou em moeda estrangeira forte. Estas medidas
demonstravam que apesar do esquema de defesa do café ter passado a ser
regional, ficando o estado de São Paulo responsável por arcar com os
compromissos da valorização, o governo federal mantinha aceso interesse pelo
setor cafeeiro, que continuava sustentando o sistema econômico do país. De modo
que a reforma empreendida por Washington Luís veio sobretudo assegurar aos
cafeicultores paulistas que a taxa cambial não se elevaria, ainda que os preços
internacionais do produto pudessem subir.
36
Embora a dívida externa do Brasil tivesse se elevado em conseqüência do
empréstimo para a estabilização da moeda, esta política foi defendida pelo jornal
34
Ver GUIMARÃES, Antonio Sérgio Alfredo. A formação e a crise da hegemonia burguesa na Bahia – 1930 a
1964. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais) – Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade
Federal da Bahia, Salvador, 1982, pp. 70 –9. O autor considera que o eixo do projeto liberal da burguesia baiana
era exatamente a política cambial.
35
Ver CARONE, Edgar. A Primeira República 1889 – 1930. Texto e Contexto. 3 ed., São Paulo: DIFEL, 1969, p. 216-8.
36
FAUSTO, Boris. Expansão do café e política cafeeira. In FAUSTO, Boris ( dir. ).
H
istória Geral da Civilização Brasilei
Brasil Republicano, T.III, v. 1. 4 ed., São Paulo : DIFEL, 1985, p. 241-6. Segundo o autor Washington Luís enfrentou a cris
e
medidas que concorreram para agravá-la, porque, partindo do pressuposto que ocorria uma simples recessão do mercad
o
reconhecer as dimensões internacionais da crise, acreditava que seria possível sustentar a renda do setor cafeeiro e o mecanis
m
caixa de Estabilização, ampliando as exportações e adotando uma política deflacionária.
108
em detrimento de uma política que a valorizasse.
37
A valorização da moeda era
considerada impossível, uma “inútil tentativa”, pois explicava-se que esta
promoveria a concorrência da indústria estrangeira, que afastaria dos mercados
consumidores os produtos nacionais, acarretando a “completa ruína” da indústria
nacional desenvolvida sob o regime de câmbio baixo. O presidente Washington
Luís deveria ser felicitado pela “clarividência” com que contemplava os “altos
destinos de nossa pátria”; a mesma orientação financeira deveria ser mantida
pelos seus sucessores, pois a expectativa era que:
a incineração dos futuros saldos orçamentários
contribuirá certamente para o ágio dos nossos cruzeiros e
então os possuidores de apólices terão ocasião de ver
melhorada a cotação das mesmas.
38
Para evitar a emigração da moeda e conservá-la no país precisava-se de
boas práticas de administração, asseverava o jornal. Neste sentido, considerava-se
a necessidade de ser continuada a “obra” iniciada por Washington Luís, que
preparou o solo e dispôs o material para a grande construção” que, todavia, não
poderia estar concluída num curto prazo de 4 anos. Júlio Prestes, candidato a
sucedê-lo na presidência da República, era apontado como o nome ideal para
desempenhar esta tarefa. Bernardes Sobrinho, deputado federal pelo Espírito
Santo, escreveu um artigo para A Tarde, avaliando a plataforma de governo de
Júlio Prestes, em que destacava o fato deste candidato se propor a dar
continuidade à política econômica de Washington Luís e considerava que esta
atitude se constituía no “mais nobre e elevado compromisso que poderia assumir
com a nação".
Nesta apreciação, a ação de Júlio Prestes, como futuro presidente do país,
consubstanciaria uma nova feição para o capitalismo brasileiro, vez que teria
como objetivo o desenvolvimento do crédito e a ativação de capitais inativos,
fazendo o Brasil superar crenças atávicas em relação ao desenvolvimento de sua
economia, um passo que o aproximaria da perspectiva das maiores potências
mundiais:
37
A Tarde, 03 abril 1928, p.1. O jornal fazia uma estimativa de que o aumento da dívida externa teria sido igual ou superior
terço da já existente, calculada pelo câmbio de então em 5.336.105: 962$000.
109
precisamos, realmente, sair da viela em que nos deixaram
os nossos antepassados, imobilizados pela crença de que
abundância de capitais só pode resultar da ação lenta da
economia e da acumulação. Desse pensamento já se
afastaram, há muito os ingleses e americanos, que falam,
evidentemente em nome dos maiores países capitalistas.
39
A vitória do movimento revolucionário mudaria os rumos da política
nacional deslocando as oligarquias regionais do poder, alterando sua dinâmica. A
expectativa dos políticos do Partido Republicano da Bahia ( PRB ), que fora
rearticulado em 1927 para dar sustentação partidária às facções que então
dividiam entre si o poder na Bahia, foi irremediavelmente frustrada pela
substituição das lideranças políticas. A partir de 1930, a dimensão estritamente
política teria maior preeminência no discurso dos políticos do PRB, representados
na imprensa pelo jornal A Tarde: daí advinham as resoluções que regulariam os
demais setores da sociedade, inclusive a economia do país. Assim, associada à
discussão dos problemas econômicos vinha a denúncia, a crítica ao governo
“discricionário do sr. Getúlio Vargas” bem como a exortação pela legalização
deste governo através de uma nova Constituição. A reclamação pela instalação da
Assembléia Constituinte, foi a saída que as elites regionais depostas do poder
vislumbraram para reintegrá-lo e fazer frente à tendência centralista do novo
presidente.
O jornal A Tarde fazia diagnósticos pessimistas da nova conjuntura política
e econômica do país, avaliando que as causas deste estado de coisas estava no
movimento revolucionário de 1930. Ponderava que a “situação econômica” estava
se tornando cada vez mais séria”, e explicava que quando ocorreu o “movimento
político de outubro”, o qual, ressaltava, teve “inteiro apoio” do exército nacional,
atravessávamos já uma fase de dificuldades financeiras, com reflexos
desastrosos no comércio, na lavoura e na indústria”. Mas desde que se
configurou a “vitória dos elementos mineiros e gaúchos a esta data, vamos
caminhando sensivelmente para a bancarrota”. O câmbio, “escorregando” para a
38
A Tarde, 29 fev. 1928, p.1.
39
A Tarde, 04 jan. 1929, p.1.
110
casa dos 3”, indicava que continuava a “depressão dos nossos mercados e a
insatisfação dos nossos compromissos pecuniários”.
Em seguida, denunciava que o Governo Provisório não dera a conhecer
nenhuma medida que atenuasse a “apavorante crise”, porém alegava que, em
contraste, o que se via era que quase todos os dias os ministérios forneciam “à
publicidade decretos e instrumentos visando perseguir e humilhar os vencidos”.
Fazia acusações aos novos dirigentes da República de terem “como exclusiva
preocupação” criar obstáculos à “segurança individual, à garantia dos bens dos
adversários”. Por outro lado, ficava evidente que as reclamações traduziam os
conflitos entre as oligarquias locais e o governo central, instaurados com a nova
organização política, em 1930; apesar de se falar em nome de interesses coletivos,
eram os interesses das elites destituídas do poder que estavam em jogo:
os problemas de alcance econômico, de benefícios
coletivos cedem o passo ao lucro diabólico da justiça de
exceção, sumaríssima, armada em pelourinho contra a
honra e boa fama dos que foram afastados das posições
pela simples e inesperada circunstância de haverem
perdido o amparo das forças de terra e mar.
40
Segundo A Tarde, já era tempo de “mudar de rota”. Pois não importava o
que fizessem “os senhores do dia”, a verdade não seria tapada por esta “atmosfera
inquisitorial” e os homens “de bem”, cuja “atuação no cenário político obedecia
a normas que o dever aconselha”, jamais seriam “confundidos com os
‘PROFITEURS’ do partidarismo, nem tão pouco com os criminosos comuns”,
portanto, evocando o dever e a legalidade, emitia signos representando o poder
revolucionário como ilegítimo e antiprogressista, que fundado numa
aparelhagem pseudo-judiciária” produziria apenas, lamentavelmente, o “triste
aspecto de decadência progressiva que oferecemos nesta hora aos olhos atentos
do mundo civilizado”.
41
A crise econômica sofrida pelo país no final da década de 20 do século XX
tornara-se mais grave no ano de 1930 tendo, neste período, a economia brasileira,
40
A Tarde, 11 mar. 1931, Notas Diversas, p. 3.
41
Idem
111
fundada basicamente na exportação de matérias-primas, passado por uma grande
depressão. Esta crise não era um fenômeno exclusivamente brasileiro; devia-se
aos abalos no capitalismo mundial, motivados pelo crack da bolsa de Nova York
em 1929. Por isso, não poderia ter sido causada unicamente pela campanha
presidencial e a propaganda revolucionária.
A Tarde reconheceu a dimensão internacional da crise, mas julgava que os
males econômicos”, no Brasil, foram “agravados pela discórdia” na sua política
interna, que tornou impossível aos poderes públicos “intervir de qualquer modo
em favor das classes conservadoras”. Em meados de1931, a situação econômica
se recuperava do “pânico internacional” e tendia para um equilíbrio definitivo;
esta era a expectativa do vespertino baiano. Cabia, então, ao governo promover “a
volta do país ao regime constitucional” que faria a “sua estabilidade”. O “retorno
da República à tutela constitucional” representaria uma “aspiração das classes
que produzem”. Afirmava, ainda, que o “comércio exterior” seria o “primeiro
beneficiado por essa conquista de espírito liberal”, disso não restava dúvidas, e
sugeria que bastava “ver a ansiedade do estrangeiro pela normalização da nossa
vida administrativa”.
42
A inserção das elites baianas no contexto do capitalismo internacional se
faria através de laços de dependência em relação ao capital estrangeiro, condição
da qual estavam bem conscientes e que não gerava nenhum incômodo; ao
contrário, viam nesta alternativa uma saída para superar o atraso econômico do
país. A Tarde partilhava desta idéia e defendia que a entrada do capital estrangeiro
era indispensável ao desenvolvimento econômico, portanto, era necessário atraí-lo
e fixá-lo no país, ainda que para isso se lançasse mão de “todos os ardis, de todos
estratagemas”. Afirmava categoricamente:
é um erro supor que o Brasil pode dispensar o capital
estrangeiro. Todos os povos para desenvolverem suas
riquezas souberam atrair esse colaborador precioso,
insubstituível sem indagar origens ou nacionalidades. A
experiência provou que o ouro, modernamente, antes de
ser agente de imperialismos, pesadelo nas nações fracas e
42
A Tarde, 04 maio 1931, p. 1.
112
desgovernadas, é sempre o impulsionador do trabalho e
do progresso, o caminho certo para o bem estar
individual e coletivo.
43
Assim, o capital estrangeiro seria imprescindível ao “desenvolvimento dos
recursos naturais deste vasto e riquíssimo país”, e independente de sua origem
seria acolhido com o maior agrado”, fosse o dólar ou a libra, bem como “outras
divisas de curso universal, se beneficiarão entre nós das leis de ampla
hospitalidade que regem a nossa política econômica”. Considerando a moeda
estrangeira bem-vinda, o jornal A Tarde julgava incompreensível a recusa do
dólar pela vizinha Argentina, por cujo mercado acontecia uma disputa entre as
moedas inglesa e norte-americana. A Tarde espantava-se que o seu “assombroso
progresso” fosse devido à libra. Embora financistas norte-americanos estivessem
expandindo sua exploração no mercado sul-americano, o dólar não tinha espaço
na praça argentina, ao contrário, no Brasil, o “dinheiro do Tio Sam foi recebido
com boa cara e ainda muito mais esperamos da bolsa farta de cordões frouxos”.
A receptividade brasileira à moeda norte-americana era reiterada, como
desdobramento da reflexão de que os capitalistas ingleses e argentinos tentavam
evitar o monopólio norte-americano. A Tarde concluía cheia de “legítimo
orgulho”:
o Brasil não oferece a menor restrição a quem deseje
colaborar no progresso das suas riquezas jacentes.
Capitais e braços, sem distinção de proveniência ou de
qualidade, são recebidos neste grande e hospitaleiro país
como preciosos auxiliares.
44
Outra forma de “colaboração” estrangeira para o crescimento do país,
considerada por A Tarde tão importante quanto o ouro, era o braço do imigrante.
Esta outra espécie de “capital” daria uma “colaboração inestimável” ao
desenvolvimento nacional, acelerando-o. Justificava-se a defesa da imigração com
o argumento de que o Brasil era ainda um país de população rarefeita, e com todo
o exagero, que não raro a tentativa de persuasão exige, A Tarde declarava que este
era o “maior problema” do país, por isso deveria ser tomado com interesse pelos
43
A Tarde, 20 mar. 1931, p. 3.
113
estadistas e homens de governo”, através do investimento na imigração e
colonização de estrangeiros. Exemplificava esta necessidade alegando que na
Bahia havia muitas “regiões fertilíssimas, de clima europeu”, apropriadas tanto à
lavoura de cacau quanto à “mais requintada policultura vegetal” que no entanto,
estavam “completamente entregues aos cuidados da natureza”, sembraços
suficientes par o seu “amanho”.
45
A insistente defesa da imigração, além de indicar a preocupação das elites
baianas com o problema da mão-de-obra, advindo da abolição da escravidão no
país, é também ilustrativa de um ideal de embranquecimento da população,
questões aliás, que estão inter-relacionadas. No período em estudo, o jornal A
Tarde apontava a imigração como solução para a falta de “braços”, que na sua
opinião estava “emperrando” o progresso da Bahia. Embora reconhecesse que o
trabalhador nacional tinha “qualidades incomparáveis”, dentre as quais avultava o
milagre da resistência” e que era “dever maior” promover a sua “colonização
racional”, dava maior ênfase à imigração estrangeira e como viabilizá-la do que à
inserção ou qualificação da mão-de-obra nacional.
46
Com efeito, a entrada de
estrangeiros era tema mais freqüente em notícias e editoriais.
O jornal colocava-se favorável à imigração sob a justificativa de que o
braço estrangeiro” era “indispensável ao progresso”, transformando, da “noite
para o dia, regiões incultas e hostis em campos verdejantes”, improvisando
arsenais de indústrias onde há pouco vegetavam fábricas empíricas, pincelando
o panorama com as cores vivas do trabalho”. A sistemática valorização da mão-
de-obra estrangeira não era apenas uma especulação discursiva, garantia A Tarde,
evidenciando pressupostos positivistas do seu discurso: passaria do “domínio das
palavras para o dos fatos evidentes” e demonstrava a “veracidade” do que dizia
mencionando como exemplo o “espantoso” desenvolvimento de São Paulo e todo
o Sul do Brasil.
47
44
A Tarde, 11 jun. 1929, Tópicos, p. 2.
45
A Tarde, 25 jul. 1928, p. 1. Os governos de Góes Calmon e Vital Soares eram elogiados, por levarem a cabo
uma política de incentivo à imigração, construindo a Hospedaria de Imigrantes.
46
A Tarde, 29 mar. 1929, Tópicos, p. 2.
47
A Tarde, 02 mar. 1929, p. 1 e A Tarde, 08 fev. 1929, Tópicos, p. 2.
114
Portanto, o grande contingente de trabalhadores brasileiros não era
considerado apto para ocupar-se no empreendimento econômico de modernizar o
país. Precisava-se de importar mão-de-obra qualificada, daí o incentivo à
imigração. Mas, além do poder de transformar o atraso em progresso, como que
ao “toque de varinha mágica”, exemplificado com o desenvolvimento econômico
de São Paulo, os estrangeiros operariam outra magia no Brasil: transformariam
também sua composição étnica, o que seria um “benefício” mais “duradouro”.
O caráter racista deste discurso se torna mais contundente com as
recomendações de que a imigração deveria obedecer a critérios de seleção de
raças e nacionalidades, preferindo-se aquelas que tivessem já comprovado sua
“capacidade civilizadora” a exemplo dos europeus. Embora se mostrasse que o
problema da mão-de-obra se resolveria com a importação de gente, mandando
vir de outros lugares, como um qualquer outro objeto de que se careça”, fazia-se
ressalvas de que “nem toda gente” serviria, pois além da “prosperidade
econômica do momento” devia-se, principalmente, basear a escolha na
preocupação com a
formação étnica do Brasil grandioso que todos sonhamos,
e que há de ser visto um dia, mais cedo ou mais tarde,
porém, infalivelmente, entre as maiores potências
mundiais, de verdade e de direito.
48
Esta recomendada aceitação da dependência ao capital estrangeiro seja ele
financeiro ou humano, demonstra a perspectiva evolucionista em que eram
expostos e tratados os problemas econômicos e sociais do país. Ao mesmo tempo
revela um mapeamento do mundo considerando as desigualdades econômicas dos
diferentes países, as quais eram definidoras do “estágio” em que estavam na
escalada do “progresso”, e mesmo reconhecendo as dificuldades do Brasil e da
Bahia, particularmente, o que “espanta” aos articulistas do jornal A Tarde é
“progresso e desenvolvimento” já alcançado por outros países e estados
constantemente referendados no seu discurso. É curioso que não se espantassem
com o contrário: a grande pobreza a que estavam sujeitos a maioria dos países
latino-americanos, inclusive o Brasil. Isto deve-se ao fato de que os muitos
115
números da pobreza não se prestam para sua estatística do progresso. Expressa,
por outro lado, os fundamentos da concepção de mundo burguesa que
representava, em que o conceito de propriedade é fundamental e designa um
direito natural, mas não inato, sendo sua origem derivada do trabalho. Assim,
explicavam-se as desigualdades sociais que feriam um outro postulado teórico do
liberalismo, a igualdade natural, os mais ricos apenas usufruíam os frutos do seu
trabalho.
48
A Tarde, 27 mar. 1929, Tópicos, p. 2.
116
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A análise da atuação do jornal A Tarde procurou identificar os
pressupostos básicos do pensamento político das elites baianas na transição da
Primeira para a Segunda República. Para tanto, buscou-se delinear a ideologia que
caracterizava o projeto político-partidário de reforma das instituições republicanas
e as representações que as elites dirigentes faziam dos diferentes sujeitos sociais.
A ideologia liberal burguesa era a base do pensamento articulado e
expresso pelo jornal A Tarde no período estudado. A noção de igualdade natural
entre os homens e a representação do homem como ser livre e racional, embora
fossem difundidos como princípios universais, não encontravam substancialidade
nos relatos dos acontecimentos. Os homens, que protagonizaram os
acontecimentos relatados, eram e não eram, ao mesmo tempo, iguais, livres e
racionais. O que se depreende comparando-se a apreciação feita pelo jornal do
comportamento dos homens comuns com aquela feita a respeito dos homens das
elites políticas e intelectuais.
Apontar as contradições implícitas no ideário do jornal A Tarde permitiu
não apenas evidenciar as ambigüidades específicas do discurso deste periódico
baiano, mas também compreender que a linguagem cria representações que
classificam os sujeitos sociais operando com contradições que lhe são intrínsecas.
Embora não se possa perceber neste discurso uma categoria única que
homogeneizasse homens e mulheres negros, por exemplo, pode-se entretanto,
constatar que recorrentemente, se referia aos afro-descendentes com desprezo
pelos seus costumes. Além disso, considerava que as diferenças raciais
justificavam diferenças sociais reafirmando valores racistas, quando preconizava
que a diferença de cor entre as pessoas era um justo impedimento para a sua união
matrimonial. Deste modo, pode-se depreender que na visão do jornal, os
elementos da cultura afro-brasileira deveriam ser banidos da constituição de uma
identidade cosmopolita fundada no argumento do progresso e da racionalização
do mundo.
117
Enquanto, se identificava neste discurso os costumes populares ou até
mesmo qualquer idéia que lhe parecesse absurda, como “tribal”, representando a
desordem e anarquia dos costumes, se exaltava como cultos e elegantes os homens
que tinham a possibilidade de visitar a Europa, como se gozar deste privilégio
fosse uma mera questão de escolha pessoal. Enalteciam-se as belezas e grandes
feitos do Velho Mundo e sobretudo, sua racionalidade organizadora e seus
costumes civilizados.
Foi possível assinalar que a linguagem tem a propriedade de produzir os
sentidos através da explicitação de crenças e valores que ao serem constantemente
reafirmados pelas construções discursivas tornam-se elementos constitutivos da
representação que diferentes segmentos sociais fazem de si mesmos, dos outros e
da realidade que os circunda. Neste sentido, a crença que as raças eram
classificáveis hierarquicamente encontrava, por exemplo, ressonância no discurso
que atribuía aos índios a classificação de selvagens. E seguindo a dialética da
linguagem, ao classificar os índios como selvagens estava-se reatualizando a
crença de que as diferentes etnias poderiam ser classificadas em categorias
hierarquicamente dispostas.
Esta propriedade da linguagem se evidencia também no tratamento dado à
questão da extensão do direito de votar às mulheres. Ao discutir esta questão o
jornal exprimia o não reconhecimento deste direito. Nas suas primeiras
abordagens deste assunto A Tarde mostrou uma atitude cautelosa, declarando que
a questão era inusitada e que não tinha uma posição clara sobre ela. Mas enquanto
fazia estas ponderações negava já a legitimidade de estender-se a cidadania à
mulher, representando-a como sexo frágil, sem autonomia em relação ao homem.
Ressaltava-se que o papel de mãe ficaria comprometido com a igualdade civil que
adviria da legitimação do voto feminino e negava-se à mulher a capacidade de
discernimento em questões político-partidárias, considerando-se que a sua
especificidade consistia em participar de concursos de beleza.
Por outro lado, esta discussão do direito ao voto feminino evidenciava o
acentuado conservadorismo que caracterizava o discurso do jornal A Tarde. Mas,
como foi demonstrado, ser liberal e conservador ao mesmo tempo, é um traço
específico do liberalismo brasileiro, do qual o vespertino baiano é apenas um
exemplo. Era também conservador na medida em que apregoava o culto às elites,
118
construindo justificativas para a predominância do seu domínio em relação aos
outros segmentos da sociedade. A manutenção da “ordem” e da “legalidade” era
uma preocupação básica do pensamento expresso pelo jornal.
O jornal A Tarde defendia a preservação das instituições republicanas, mas
promulgava a necessidade de moralizar o seu funcionamento. Esta tarefa, no seu
entender, dependia das qualidades individuais dos governantes, das quais
destacava a “inteligência” e a “cultura”, que neste contexto se traduzia por
formação acadêmica e intimidade com os padrões de “civilidade” idealizados
pelas elites.
A descentralização do poder era alçada a princípio fundamental da política
brasileira. O que garantia a participação dos setores dominantes da Bahia no
“concerto da Federação”. A apologia da autonomia dos estados, exprimia também
o sentimento regionalista das elites letradas e políticas.
O ideário liberal, difundido pelo jornal, fundamentava-se na idéia de
progresso. Idealizava-se então, fórmulas e medidas para fomentar o progresso e
erradicar o atraso econômico do estado e do país. O ideal de elevar o Brasil à
“culminância mundial” revela o caráter utópico dos anseios dos liberais baianos.
Na sua expectativa, o Brasil tinha um potencial natural para transformar-se numa
grande potência mundial: era uma questão de tempo. Por outro lado, revela que a
maior preocupação da elite pensante da Bahia era integrar-se à performance dos
países capitalistas, projetando para o futuro a resolução dos graves problemas
econômicos e sociais que atingiam especialmente os segmentos populares.
A idealização do progresso supunha ainda a “civilidade” dos costumes.
Neste sentido, A Tarde privilegiava o papel da imprensa como modeladora e
formadora da opinião pública. Através das numerosas cenas, registradas no
cotidiano da cidade de Salvador, constatava o elevado grau de “incivilidade” da
sua população, que alheia aos costumes europeus, seguia adotando hábitos e
práticas, fundados numa mentalidade, dita, “atrasada”, “colonial”. Assim a
imprensa teria uma função pedagógica. Cabia-lhe dar aulas de “civismo”, ensinar
à população baiana como comportar-se num ambiente “urbano” e “moderno”.
As práticas desta população, recalcitrante aos hábitos cosmopolitas, eram
intensamente denunciadas e A Tarde, utilizando como referência as idéias liberais,
119
indicava que as práticas populares deveriam ser normatizadas, reguladas por leis
e, sobretudo, deveriam ser submetidas a uma vigilante fiscalização municipal.
A atuação do vespertino na política partidária era bastante contundente.
Como foi demonstrado, A Tarde fazia campanha sistemática para os políticos
ligados as facções que seu proprietário integrava. Daí, o sentido que atribuía aos
acontecimentos estar eivado de partidarismo, tanto o enaltecimento dos
correligionários como a depreciação dos adversários políticos seguia esta lógica.
A representação depreciativa do domínio seabrista ou o sentido da revolução de
1930 foram forjados a partir dos interesses momentâneos do grupo político do
qual A Tarde era porta-voz. O domínio seabrista foi considerado decadente e
exercido através de “politicagem vergonhosa”.
Já o movimento revolucionário de 1930, que destituiu do comando político
o PRB, foi desqualificado, inicialmente, como fruto de um “liberalismo
anárquico”. Depois de consolidado alegava-se várias razões que o desaprovavam:
havia sido produzido por um número insignificante de homens; os homens que o
fizeram não eram verdadeiros estadistas; desvirtuara o espírito republicano
tornando o governo ditatorial e muitas outras razões foram dadas para comprovar
a ilegitimidade da recém-instaurada Segunda República. A notícia desinteressada
que A Tarde defendia não se verificava na prática; ao contrário, em todas as
dimensões analisadas foi identificada sua parcialidade.
A parcialidade, o comprometimento partidário da imprensa é, entretanto,
apenas um dos elementos da enorme complexidade que envolve a comunicação
social e o fenômeno da ideologia. Além disso, a ideologia funciona como
princípio norteador dos modos de pensar. As representações se confundem com a
realidade, e a constituem através da reprodução de valores e crenças.
O estudo da imprensa se presta, também, a demonstrar como pensam os
homens de um determinado segmento social numa determinada época. A análise
dos discursos produzidos atestou que textos, imagens, valores se reproduzem de
modo a constituir verdade duradoura ou que são providenciais para determinadas
conjunturas políticas.
120
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