carta de Rossato, escrita em 27 de dezembro de 1885, de onde podemos partir à
análise da organização estrutural da mesma.
Caríssimos pais
São Sebastião, 27 de dezembro de 1883.
Parti de casa com lágrimas nos olhos por deixar minha mãe, meus
irmãos e minhas irmãs que tanto me queriam. Chorava por deixá-los, e não
por vir para a América.
Juntamente com Raquel, parti de Gênova, com grande alegria, no
dia 22 de novembro. Por dois dias ela esteve muito bem. Depois o mar
começou a agitar-se e ela teve vômitos. Se pelo menos tivesse sido só ela;
mas todos, mulheres e homens, sentiam-se mal, e de 1590 passageiros,
talvez apenas uns 60 não tivessem vômitos. Um fazia coro ao outro,
provocando o mesmo riso. Alguém dizia: “Adeus, que morro! Adeus, que
morro!” e pouco depois passava a tempestade e todos estavam bem.
Em dez dias chegamos a São Vicente e lá permanecemos por um
dia para carregar carvão. Trabalhei também, juntamente com Gio Maria e
cada um ganhou seis francos. Depois, em 11 dias chegamos ao Rio e lá nos
conduziram à casa de imigração, numa ilha chamada do Gelo. Ficamos
naquele local por 3 dias, com pouca comida: café pela manhã e uma
pequena merenda às 4 horas. Uma dieta desta um doutor não a prescreve
nem mesmo a um doente. Se se quisesse comprar um pedaço de pão com
um marengo (moeda de ouro), não se o encontrava. Esta foi a fome que
sofri durante a viagem, enquanto a Raquel tinha tudo o que queria: vinho
branco, vinho tinto, sopa, carne assada e rum. Os senhores davam de tudo
para ela. Temia que ela sofresse muito no mar, porque se trata de uma
viagem difícil, mas ela se acha gorda e corada, atraente e alegre, e
encontra-se muito bem.
Do Rio de Janeiro partimos em direção a Santa Catarina.
Rumamos depois para Rio Grande onde ficamos um dia, seguindo depois
para Pelotas, e enfim, para Porto Alegre. Detivemo-nos por um dia na casa
de imigração, seguindo então com um vaporzinho e chegando a São
Sebastião, por um rio que é 1/3 maior que o Agno. Aqui encontram-se
laranjas a 10 réis e por vezes custam apenas o trabalho de colhê-las.
No dia 28 partimos para a colônia, às custas do governo. Aliás,
desde o Rio de Janeiro, recebíamos tudo do governo. Antes de partir para a
América, parecia que partiríamos para o desespero, e encontramos,
entretanto, cidades como na Itália. Aqui agora estamos no verão. Comem-
se melancias, uvas, figos, laranjas. E vocês, entrementes, estão com neve.
Talvez que a diferença de fusos seja mais ou menos de 6 horas: quando aí
é meio-dia, temos aqui 6 da manhã. Mas o calor não é muito e a gente
encontra-se bem. Aqui troveja e chove. Agora preciso 3 dias para ir ver a
colônia, e depois escreverei. Resumindo posso dizer que tive uma boa
viagem e estou bem.
Eu e a Rachel vos saudamos a todos de coração: pai, mãe,
irmãos, irmãs, minha cunhada Maria e meu tio Pedro. Raquel saúda a
Beppa e a espera aqui. Saúdem a todos aqueles que pedem por mim e, se
for possível, mendem rezar uma missa a Nossa Senhora das Graças, pois
que a Raquel e eu tivemos muita sorte na travessia.
Adeus, adeus. Sou
o filho
Paulo Rossato