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RICARDO HENRIQUE B. BEHRENS
A capital colonial e a presença holandesa de 1624-1625
UFBA- 2004
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RICARDO HENRIQUE B. BEHRENS
A capital colonial e a presença holandesa de
1624-1625
Dissertação de Mestrado apresentada ao
Programa de Pós-Graduação em História, da
Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas
da Universidade Federal da Bahia, sob a
orientação da Profª Drª Maria Hilda Baqueiro
Paraíso, para a obtenção do grau de Mestre
em História Social.
Salvador – Ba.
2004
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Aos meus pais, José Carlos Muniz Behrens e
Milena Maria Borges Behrens.
SUMÁRIO
AGRADECIMENTOS ............................................................................................. 5
INTRODUÇÃO ........................................................................................................ 8
CAPÍTULO I
SALVADOR, UMA “ALDEIA ABERTA”......................................................... 18
Salvador, uma “cidade fortaleza”?........................................................................... 19
Administração e conflitos........................................................................................ 40
CAPÍTULO II
DA RESISTÊNCIA AO CONTRA-ATAQUE: UMA
OCUPAÇÃO SITIADA ......................................................................................
56
Salvador, a “Terra Batávica”................................................................................. 57
No Refúgio ........................................................................................................... 73
Enfrentamentos entre Colonos locais e Holandeses ......................................... ... 84
CAPÍTULO III
DA RETOMADA À REORGANIZAÇÃO ......................................................... 97
A retomada da Bahia ............................................................................................... 97
Administrando o Caos .............................................................................................. 121
CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................. 137
FONTES E BIBLIOGRAFIA................................................................................. 140
5
AGRADECIMENTOS
Eis uma tarefa exigente. Desde que comecei a pensar sobre a presença holandesa na
Bahia que venho aumentando meus débitos com familiares, amigos, colegas e professores.
Quando esta dissertação era apenas um projeto, a cada novo incentivo ou sugestão que
recebia, pensava comigo, ou mesmo brincava com os amigos: “você terá um parágrafo de
agradecimento na minha dissertação”. Iludi a todos, pois o espaço formal destinado aos
agradecimentos não permite muitos parágrafos dedicados a apenas uma pessoa, embora
muitos merecessem mais do que isso.
Receio que não conseguirei sequer contemplar nesse espaço todos aqueles que me
auxiliaram nessa caminhada acadêmica. Isso se torna tanto mais verdade quando penso nas
pessoas que se sensibilizaram e colaboraram da maneira que puderam para reduzir o
impacto da insanidade que cometi ao produzir dois filhos – que não foram escolha como
afirmaram por aí, mas abriram nova e extraordinária perspectiva à minha vida - e constituir
uma família concomitantemente à realização do curso de mestrado.
Com o peito apertado por só ter espaço para mencionar alguns dos nomes que eu
lembro nesse momento, iniciarei por Marina Barral, companheira de iniciação científica
que ouviu pacientemente muitas especulações sobre os holandeses na Bahia. Também
desse período inicial, e maior incentivador para a realização dessa dissertação, o meu
muito obrigado ao Dr. Ubiratan Castro de Araújo. Orientador do Pibic e também no
primeiro ano da Pós-Graduação, Bira não me deixou desanimar quando as fontes para o
estudo do período pareciam impossíveis e, em inesquecíveis conversas pelas ruas de
Salvador, me possibilitou um aprendizado que extrapolou os “muros” da academia.
Sempre sugerindo e apontando possibilidades, como fez no exame de qualificação, não
mais na condição de orientador, mas de examinador, as dicas de Bira foram fundamentais
para pensar o tema desde a montagem do projeto até a redação da dissertação.
Ainda na montagem do projeto e preparação para a seleção do mestrado, foram
prazerosas as reuniões de estudo das sextas à tarde no apartamento da Avenida Sete com os
amigos Ângela Maria e Jackson Ferreira, este último, colega de graduação e pós-
graduação, grande amigo, e agora, com muita honra, compadre. Também nesse período
foram fundamentais as conversas com Paulo César, que leu e criticou o projeto de
mestrado, e que na etapa final da redação dessa dissertação se mostrou bastante solícito.
Não posso esquecer de Daniela Hristov, que ouviu inúmeras vezes as histórias dos
holandeses na Bahia e apoiou imensamente minha opção pelo mestrado.
6
Os professores Dr. Candido Costa e Silva e Dr. João José Reis também
incentivaram desde a graduação e cederam material que eu não conseguiria obter por
outros meios. A esses dois mestres sou muito grato. Também agradeço ao professor Stuart
Schwartz, que me enviou textos de sua autoria. Da mesma maneira agradeço à professora
Drª. Maria José Rapassi, que acreditou no meu trabalho e contribuiu positivamente no
exame de qualificação.
Dizer muito obrigado à professora Drª. Maria Hilda Baqueiro Paraíso é pouco
diante do papel por ela desempenhado na minha trajetória de mestrando. Sempre solícita na
coordenação do programa de pós-graduação, aceitou me orientar quando o professor
Ubiratan Castro se licenciou, portanto já no meio do curso, e num momento em que minha
vida pessoal passava por uma série de transformações. Hilda conduziu a orientação com
muita atenção e sensibilidade, sem deixar de lado as cobranças que sua função exigia. Na
fase de conclusão, disponibilizou os finais de semana para reuniões e facilitou minha vida
recebendo meus textos por e-mail. Serei sempre grato por tudo.
Nesses anos de trabalho, agradeço as pessoas que me receberam nas instituições de
pesquisa de Salvador: às funcionárias do setor de obras raras da Biblioteca Central do
Estado; a Fernando do Instituto Histórico e Geográfico da Bahia; a Marlene e da Lua do
Arquivo Público do Estado da Bahia; a Marina da biblioteca do mestrado, pessoa
extraordinária que facilita muito a vida dos estudantes e me atura desde a graduação, a
Neusa, do arquivo da Santa Casa da Misericórdia e aos funcionários do Cedic,
especialmente a Graça, pela sua competência, atenção e paciência, e a dona Lúcia pelo
carinho e pelo café delicioso.
Também devo agradecer à direção, coordenação e colegas do colégio Helyos, em
Feira de Santana, que certamente se cansaram de ouvir minhas lamúrias diante do prazo de
entrega da dissertação que se encurtava. Agradeço especialmente a Gabriela Passos, pela
flexibilidade e pela torcida. Não poderia deixar de agradecer aqui aos alunos das 7ª séries
do referido colégio que me obrigaram, por meio de abaixo assinado, a acompanhá-los em
passeio pelo Litoral Norte da Bahia em plena fase de conclusão da dissertação. Confesso
que foi uma oportunidade derradeira para pensar sobre a Torre de Garcia d’Ávila durante a
presença holandesa de 1624. Agradeço especialmente a Andréa Vilas Boas, Camila Mello
e Marília Moraes, mentoras do abaixo assinado.
A minha família agradeço pela vigilante torcida e pela ajuda fundamental,
especialmente dos meus pais, José Carlos Behrens e Milena Behrens, no trato com os
gêmeos. Sem vocês, esse trabalho seria muito mais difícil.
7
Também pelo cuidado dispensado aos meus filhos, agradeço a Tati. A competência
com que conduz os meninos permitiu que eu me dedicasse à dissertação com a consciência
menos pesada.
Agradeço também aos colegas de graduação que torceram por mim. Em especial a
Dairanice, Ângela, Paulo, Israel, Fred e Fábio Galvão. Aos colegas de turma do mestrado,
meu profundo agradecimento. Dificilmente encontraremos outra turma igual. Devido à
singularidade, agradeço a todos: Adriana (minha comadre), Neidinha, Teresinha, Jairo,
Patrícia (obrigado pelo material disponibilizado na reta final!), Bel, Jorginho, Denílson,
Andréia, Joceneide, Jack, Serginho (valeu pelos telefonemas na hora difícil!!), Lara (valeu
pelo incentivo e apoio moral em momentos críticos!) e Zeneide.
Propositalmente citei por último o nome de Zeneide Rios. Colega de mestrado,
cúmplice da insanidade referida no começo desses agradecimentos e companheira de todas
as horas. Mesmo que eu utilizasse todo esse espaço para agradecê-la, ainda assim não
conseguiria fazer jus ao empenho dela em me ajudar a concluir essa dissertação. Zê, sem
você eu não conseguiria!!
Finalmente, agradeço a Vítor e a Fernanda por existirem e terem rabiscado a minha
trajetória com cores vibrantes, e a Breno, que sempre queria ouvir histórias de piratas.
Agora o papai pode brincar...
8
INTRODUÇÃO
Já entraram, os inimigos já entraram!
Os homens que vinham do mar, adentrando pela Baía de Todos os Santos, traziam
consigo um misto de expectativas e perplexidades. Para quem vinha de uma longa viagem
de cinco meses pelo Atlântico, enfrentando todo tipo de susceptibilidade, chegar ao destino
deveria causar alívio, ainda mais quando o ponto de chegada possuía uma paisagem
deslumbrante como a da Baía de Todos os Santos. Entretanto, os tripulantes daqueles
navios holandeses que chegaram a Salvador naquele maio de 1624 não estavam muito
interessados na beleza do lugar. Possuíam uma missão a cumprir num terreno
desconhecido pela maioria, sendo provável que suas mentes estivessem habitadas pelas
dúvidas e ansiedades comuns a quem está prestes a encontrar o desconhecido e entrar em
combate.
Boa parte dos tripulantes daqueles navios que estavam diante da Capital da
América Portuguesa eram aventureiros e mercenários do Velho Mundo. Apenas quinze
dias antes, quando passavam pela costa pernambucana, souberam seu verdadeiro itinerário:
atacar o “Reino do Brasil”, mais precisamente, sua capital. Naquele momento receberam
ordens para que preparassem suas armas e se provessem de munição. O alvo se
aproximava.
Uma das principais motivações do ataque holandês ao Brasil era deslocar os
conflitos entre a Holanda e a Espanha para o cenário ultramarino. Como Portugal e suas
colônias estavam atrelados ao soberano espanhol em função da União Ibérica
1
, os inimigos
de Espanha, também se tornaram inimigos de Portugal. E foi justamente pela América
Portuguesa que os holandeses resolveram dar início à sua estratégia ofensiva.
Com esse intento a armada holandesa partiu do porto de Texel em dezembro de
1623, chegando a Salvador a 8 de maio de 1624. Na madrugada do dia seguinte, ao serem
percebidos pelos habitantes da cidade, foram recebidos por disparos “vindos de todos os
montes”. Por volta das seis horas da manhã levantaram âncora e, com ventos favoráveis,
1
Desde 1580, como resultado da crise dinástica em decorrência da morte do rei D. Sebastião, Portugal tinha
sido anexado pela coroa espanhola, dando início a uma Monarquia dualista, na qual se reconhecia a
existência de duas coroas nas mãos de um mesmo soberano, regime que durou até 1640 e que a historiografia
designa por União Ibérica. Cf. Serrão, Joaquim Veríssimo. O tempo dos filipes em Portugal e no Brasil
(1580-1668). Lisboa: Colibri, 1994.
9
penetraram pela baía sob disparos oriundos do Forte de Santo Antonio. Em resposta, a
frota holandesa revidou violentamente.
Apesar de a maioria dos tripulantes só ficar sabendo do destino da armada poucos
dias antes de o atingirem, os comandantes já possuíam um plano bem definido para
efetivar a tomada da cidade desde que zarparam. Assim, ordenou-se que parte das
embarcações se posicionasse na praia em frente da cidade, de maneira que os habitantes
voltassem sua atenção para aquela área, enquanto outra parte das tropas desembarcava na
Vila Velha, atual porto da Barra. Assim o fizeram. Desembarcando primeiro uma tropa de
“vanguarda”, organizada em linha de batalha combatendo os portugueses que guardavam o
lugar, enquanto a retaguarda desembarcava com maior tranqüilidade. Com esta investida,
os holandeses “enxotaram” os portugueses e hastearam suas bandeiras.
Em seguida, avançaram por um desfiladeiro até a porta de São Bento. Como já era
noite, decidiram que esperariam amanhecer para entrar na cidade, pernoitando no Mosteiro
de São Bento, onde encontraram vinho e “deliciosos confeitos”.
Na manhã do dia seguinte apareceu alguém acenando uma bandeira branca,
anunciando a entrega da cidade. Temendo uma emboscada, entraram em posição de
combate. Para surpresa dos invasores, a maior parte dos habitantes havia abandonado a
cidade. Encontraram apenas alguns negros, muito ouro e prata nas casas e igrejas
abandonadas e o Governador que, juntamente com alguns jesuítas, frades, oficiais e
soldados, foram todos aprisionados e enviados para a Holanda. Desse momento em diante,
até a retomada luso-espanhola em abril de 1625, Salvador foi chamada pelos holandeses de
“terra batávica”.
2
Para os habitantes de Salvador, a visão da armada que adentrava a baía causou
pânico e correria. Apesar de terem sido avisados pelo rei da possibilidade de um ataque
holandês, a defesa da cidade não contava com nenhuma estratégia especial. Mesmo
sabendo da presença de uma nau holandesa na região de Boipeba desde o dia 13 de abril de
1624
3
, o governador Diogo de Mendonça Furtado, a despeito dos seus esforços, não
2
Tudo o que foi narrado até aqui está baseado em dois documentos holandeses: Albemburgk, Johann Gregor.
Relação da conquista e perda da cidade de Salvador pelos holandeses em 1624-1625. Salvador: (s.n.), 1961.;
Relatório dos Delegados dos Diretores da Companhia das Índias Ocidentais, entregue à Assembléia dos Altos
e Poderosos Senhores Estados Gerais à 31 de agosto de 1624. In. Documentos Holandeses, 1º Vol. Serviço
de Documentação. Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Saúde, 1945.
3
Referimo-nos à nau Holandia que trazia a bordo Van Dort, o general da esquadra que vinha atacar a Bahia.
Tendo se afastado do restante da armada na ilha de São Vicente (arquipélago de Cabo Verde), Van Dort teria
chegado à Bahia com quase um mês de antecedência e se pôs a aguardar seus companheiros em Boipeba.
Quando, afinal, decidiu seguir para Salvador, a cidade já era “terra batávica” há três dias. Cf. Aldemburgk.
Op. Cit. pp. 165 e 174.
10
conseguiu organizar uma defesa satisfatória da cidade. Imediatamente após o
conhecimento dos riscos representados pela referida embarcação, o governador ordenou a
vinda de pessoas do Recôncavo para auxiliar na guarda da capital colonial. Entretanto,
após aguardarem alguns dias de prontidão sem que nada acontecesse, essas pessoas
começaram a questionar a necessidade de suas presenças ali e, mesmo sem autorização de
Mendonça Furtado, muitas delas retornaram para suas casas. Nessa desobediência, a
população contou com o apoio do bispo que considerava aquilo tudo exagero do
governador.
O ataque da nau Holandia nunca aconteceu, entretanto a tensão se instalou
novamente quando, da cidade, a população avistou as vinte e quatro embarcações
holandesas a 8 de maio. O anunciado ataque estava prestes a se efetivar e o governador já
não dispunha de grande parte do contingente que havia solicitado do Recôncavo no mês
anterior. Restou-lhe apenas reunir as forças que pode, ameaçar de punição aqueles que
fugissem ou retirassem seus bens da cidade e permanecer fiel às suas convicções de
defender as possessões da monarquia Ibérica até o fim. Nesse momento, o bispo D. Marcos
parece ter percebido o engano que cometera e passou a “exortar” a população que se
empenhasse em defender a cidade e a “pelejarem até a morte por sua fé e rei”. Os padres
das diversas ordens que existiam em Salvador saíram pelas ruas a encomendar as almas
dos corpos que partiam para as batalhas.
Contam os relatos portugueses que o confronto teve início quando os da cidade
receberam com disparos um batel com bandeira de paz enviado pelos holandeses, antes
mesmo de ouvirem a embaixada. Em resposta, os holandeses descarregaram seus canhões
no costado da cidade, nos fortes e nos navios que estavam no porto. E assim transcorreram
as batalhas durante todo aquele dia 9 de maio de 1624.
Enquanto essas batalhas aconteciam defronte da cidade, os holandeses enviaram
três naus para a ponta de Santo Antonio, onde desembarcaram muita gente. Quando os
homens que guardavam o lugar viram aquilo, não esperaram que chegassem mais perto,
abandonando seus postos, correram de volta para a cidade. O jesuíta Jerônimo Peixoto
tentou impedir tal fuga dizendo que eles podiam se embrenhar nos matos e combaterem os
inimigos sem que eles soubessem de onde vinham os tiros. Mas o terror já havia tomado a
todos, contagiando, inclusive, os que estavam na cidade.
11
Nesse mesmo dia 9, os holandeses tomaram o forte da Laje
4
que ficava em frente da
cidade. Sem conseguir conter o avanço holandês, e provavelmente dando por perdida a
guerra, os soldados portugueses incendiaram os navios que estavam no porto antes de
também se retirarem para a cidade.
5
É muito provável que o retorno dessas duas frentes de defesa para a cidadela
tenham espalhado um desanimo muito grande entre os que combatiam e certo pânico na
população em geral. Não fosse assim, como explicar a fuga destrambelhada narrada por
Vieira?
Era já nesse tempo alta noite quando, de improviso, se ouviu por toda a cidade (sem se
saber donde teve princípio) uma voz: já entraram os inimigos, já entraram, os
inimigos já entraram; e, como no meio deste sobressalto viessem outros dizendo que
já vinham por tal e tal porta, e acaso pela mesma se recolhesse neste tempo uma
bandeira nossa com mechas caladas, como o medo é mui crédulo, verificou-se esta
temeridade; e assim, pelejando a noite pela parte contrária, ninguém se conhecia,
fugiam uns dos outros, e quantos cada um via tantos holandeses se lhe representavam.
6
Certamente temos que abstrair a carga de exagero inerente a Vieira. Entretanto, uma fuga
não premeditada deve ter lá sua dramaticidade e, seja como for, o fato é que a cidade se
esvaziou rapidamente, num evidente sinal de pavor por parte de seus habitantes que
deixaram o que possuíam para trás. Também o bispo D. Marcos Teixeira tratou de se
retirar da cidade. Sua fuga teve uma curta reflexão por parte dos religiosos acerca do efeito
que poderia ter perante a população, pois alguns eram partidários da idéia de que a fuga do
bispo seria o tiro de misericórdia na medíocre defesa da cidade.
7
Aliás, esse debate tem
forças até os dias atuais, como demonstrarei adiante.
Enquanto os habitantes de Salvador sofriam com tanto pavor e pânico, os
holandeses aguardavam, não menos apreensivos, o amanhecer do dia seguinte para
enfrentar a batalha final. Entretanto essa jamais aconteceu, pois, no momento em que os
4
Inexistente nos dias de hoje e muito confundido com o atual São Marcelo, que ainda não havia sido
construído na época da Invasão holandesa.
5
Convém ressaltar que nesse período, a cidade de Salvador já havia ultrapassado o traçado original e que,
além da cidadela construída por Tomé de Souza, prosperavam a região da Vila Velha, ou Vila do Pereira
(atual Porto da Barra), edificada pelo donatário Pereira Coutinho, e a região de Itapagipe (atual subúrbio
ferroviário), onde existiam alguns engenhos de açúcar. Ainda que os holandeses tivessem conhecimento
dessas extensões da cidade, como atesta um relatório anônimo holandês, os invasores concentraram-se na
cidadela erguida no tempo da administração de Tomé de Souza.
6
Vieira, Antônio [Padre]. Ao Geral da Companhia de Jesus. In. Escritos históricos e políticos / Pe. Antônio
Viera; estabelecimento dos textos, organização e prefácio Alcir Pécora. pp. 145-214. – São Paulo: Martins
Fontes, 1995. p. 157-8.
7
Carta do padre Manuel Fernandes, 25 de junho de 1624. in. Leite, Serafim. História da Companhia de Jesus
no Brasil. vol. V. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1945.
12
holandeses bebiam vinho e saboreavam deliciosos confeitos no Mosteiro de São Bento,
Salvador esvaziava-se. Para descrever essa fuga, não encontrei maneira melhor do que
transcrever as palavras de Antonio Vieira:
Mas, quem poderá explicar os trabalhos e lástimas desta noite! Não se ouviam por
entre os matos senão ais sentidos e gemidos lastimosos das mulheres que iam fugindo;
as crianças choravam pelas mães, elas pelos maridos, e todos e todos, segundo a
fortuna de cada um, lamentavam sua sorte miserável. Acrescentava-se a este outro
trabalho não menor, que, como forçadamente, para passarem avante, iam demandar
um rio a que chamam Rio Vermelho, aqui se viam no aperto em que se viram os filhos
de Israel no outro Mar Vermelho, quando fugiam do Faraó: porque o medo lhes
representava os holandeses já nas costas, o rio lhes impedia a passagem, a noite
dificultava tudo, e o susto chegava a todos. Pelo que, vendo-se em tanto aperto e
perplexidade, sem tomar conselho, tudo era romper em ais e gemidos, com que feriam
o céu e os corações dos que os ouviam.
8
A primeira leitura do trecho causa estranhamento, comparar a fuga dos habitantes de
Salvador à bíblica fuga do povo hebreu dos cativeiros egípcios é um exagero e tanto.
Porém, tentando abstrair o máximo possível a exacerbação da dramática pena de Vieira,
aquela deve ter sido realmente uma fuga sofrível. Pois, com certeza, não foi fácil para a
população abandonar suas casas e igrejas, com perda que iam desde simples objetos
pessoais a peças de ouro e prata. Certamente a idéia de que os colonos trocaram suas casas
pelos matos, sem saber onde se alojariam deve ser relativizada. Afinal, os aldeamentos,
fazendas e engenhos localizados na região serviram como abrigo. Contudo, não deve ter
sido uma fuga muito fácil, antes, uma correria desesperada, repleta de dramas individuais.
Na cidade, de acordo com as fontes, ficaram, além dos que resolveram aderir aos
invasores, o governador Furtado e algumas pessoas ligadas a ele. Mesmo sendo
aconselhado a fugir também, decidiu que ficaria até o fim. E assim o fez. Quando tudo
parecia sem reversão, o Governador pensou num último ato de desespero - o suicídio -, do
qual foi demovido pelo ouvidor geral, Pero Casqueiro.
9
Rendido, Mendonça Furtado foi
aprisionado pelos holandeses e posteriormente enviado para as Províncias Unidas
juntamente com outras doze pessoas, entre auxiliares e jesuítas que chegavam do Rio de
Janeiro.
Em menos de vinte e quatro horas, a capital colonial estava em mãos holandesas. De
um lado, o desastre e a vergonha, do outro, a euforia da vitória e os lucros do butim. Aos
colonos restava se organizar nos arredores da cidade e impedir que o inimigo fosse além do
8
Vieira. Op. Cit. p. 159.
9
Salvador, Vicente do [frei]. História do Brasil: 1500-1627. Belo Horizonte: Ed. Itatiaia; São Paulo: EDUSP,
1982. p. 364.
13
limite da cidade. Para os holandeses, a tarefa de efetivar a conquista, pois o domínio militar
da urbis não garantia acesso à produção açucareira, um dos principais objetivos
holandeses.
A Literatura sobre o tema
Pouco se escreveu sobre a presença holandesa na Bahia. Em termos de produção
historiográfica, podemos dividir os trabalhos que abordaram o tema da seguinte forma: 1-
trabalhos de História Geral do Brasil, nos quais os acontecimentos de 1624 e 1625
aparecem como uma introdução à ocupação holandesa do Nordeste pós 1630, reduzindo a
história dos holandeses na Bahia apenas aos aspectos militares do episódio; 2- obras que
trataram da presença holandesa no Brasil como um todo. Nesses estudos, também é
comum que os acontecimentos de 1624-25 fiquem circunscritos a um capítulo introdutório,
porém, a passagem dos holandeses na Bahia é tratada de forma mais detalhada, fazendo
associações com os objetivos da Companhia das Índias Ocidentais; 3- obras específicas
sobre a invasão da Bahia, são elas: Os hollandezes na Bahia, de Francisco Menezes,
publicada em 1922. Trata-se de um trabalho de grande fôlego, que busca explicar os
motivos da invasão holandesa desde a morte do rei D. Sebastião com o advento da União
Ibérica; Holandeses na Bahia, 1624-1625 de Alberto Silva, publicado em 1925. Silva
escreveu sobre o assunto nas comemorações do tri-centenário da expulsão dos holandeses e
se preocupou apenas em narrar os episódios militares e, A defesa de Salvador na 1ª
Invasão Holandesa, de Algedy de Souza, publicado em 1957. Este autor se concentrou em
entender como Salvador caiu em poder dos holandeses em menos de vinte e quatro horas;
4- artigos publicados em revistas especializadas, dentre os quais destacamos: Um
problema: a traição dos cristãos-novos em 1624 de Eduardo D’Oliveira França, trata-se de
um bom trabalho que aborda a possível ligação entre cristãos novos e holandeses; The
Voyage of the vassals – Royal power, noble obligations, and Merchant capital before the
Portuguese Restauration of independence, 1624-1640 de Stuart Schwartz, trata-se de uma
abordagem da restauração da Bahia com ênfase na sociedade ibérica, no qual o autor
aproveita o episódio de 1624-25 para analisar as relações de poder entre sociedade e
Estado na União Ibérica e, também do mesmo historiador americano, When Brazil Was
Jewish: new sources on the Fall of Bahia, 1624, in the context of Portugal’s political in the
Seventeenth century, texto sobre o envolvimento dos cristãos novos na queda de Salvador,
14
no qual o autor privilegia, mais uma vez, as disputas políticas existentes entre Estado e
sociedade em Portugal durante a União Ibérica.
Além dos trabalhos acima citados, há uma série de conferências publicadas na
Revista do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia de número 66, no ano de 1940. Trata-
se de uma publicação em comemoração à derrota de Maurício de Nassau na Bahia em
1638. Além das conferências, foram publicadas as sugestões feitas pelos membros do
Instituto para comemorar a data, dentre as quais destaca-se a idéia de confecção de uma
série de placas comemorativas, a exemplo da que existe ainda nos dias atuais na entrada do
mosteiro de São Bento. De maneira geral, essas conferências e providências
comemorativas atendiam as exigências de uma época em que a história se fazia pela
mitificação de personagens. Todavia, cabe salientar a importância do IGHBa para um
maior conhecimento do tema através das sucessivas publicações que fez de documentos
referentes ao período. Vários relatos Seiscentistas foram publicados nas revistas do
Instituto. Esses relatos constituem material fundamental para a compreensão do que se
passou na capital colonial naqueles anos de 1624-25. Nesse sentido, se algum esforço foi
feito na Bahia para que se pudesse ter conhecimento da história da presença holandesa em
Salvador e no seu entorno, o mérito é do Instituto.
As fontes
Sobre a documentação utilizada na realização deste trabalho, boa parte se constitui
de relatos produzidos no seiscentos. Documentos um tanto quanto escorregadios, repletos
de exageros, deslumbramentos e omissões, não obstante essas características, as mais de
duas dezenas de relatos foram indispensáveis para estudar a presença holandesa na Bahia.
São memórias, relatórios e crônicas, escritos, de maneira geral, por militares e religiosos
portugueses, espanhóis ou holandeses. Se por um lado são textos extremamente
tendenciosos que devem ser analisados cuidadosamente, por outro lado, quando convergem
em torno de alguma questão possibilitam ao leitor maior confiança quanto à veracidade de
suas informações.
Optei por chamar esses textos de relatos pelo simples fato de que, independente da
autoria (português, espanhol ou holandês), do caráter da escrita (erudito ou não) ou da sua
função (informar autoridades ou narrar acontecimentos pitorescos do ultramar para a
população em geral), tiveram sempre a função de relatar os sucessos e infortúnios do
episódio.
15
Pela riqueza de suas informações, estes relatos compõem a documentação que
sustenta este trabalho. E apesar das limitações e dificuldades que esse tipo de
documentação impõe a um trabalho dessa natureza, foi através deles que pude analisar a
invasão holandesa da Bahia no ano de 1624.
Além dos relatos, utilizei regimentos de governadores, cartas administrativas, livros
de ordens religiosas, documentação da Câmara Municipal de Salvador, dentre outros. Foi o
manuseio desses documentos que permitiram muitas vezes a comparação com as
informações contidas nos relatos. Ora completando-as, ora negando-as.
A estrutura da dissertação
Nesse trabalho, procurei abordar a presença holandesa na Bahia enfatizando sua
relação com o processo histórico da cidade de Salvador, nesse sentido, só me referi às
questões relacionadas aos conflitos internacionais envolvendo as metrópoles ibéricas
quando elas foram estritamente necessárias para o entendimento da história local.
Contribuíram para essa opção a escassez do tempo e a limitação de fontes e bibliografia,
bem como um profundo interesse em aprofundar os aspectos ligados à história local.
A dissertação divide-se em três capítulos. No primeiro, intitulado Salvador, uma
“Aldeia Aberta”, as reflexões giram em torno da capital colonial no século XVII. A partir
de considerações acerca do processo de sua formação ainda no século XVI, busco entender
o que era essa capital, atentando para o papel desempenhado pelos colonos. A ênfase desse
capítulo está na formação do sistema defensivo da cidade, no qual procurei demonstrar
suas debilidades, apontando o alto grau de improvisação resultante da flexibilização que
permeava a administração colonial. Busquei apontar como esse procedimento
comprometeu a defesa do território português no momento da invasão holandesa. Assim,
ao examinar as ofensivas estrangeiras ao longo dos séculos XVI e início do XVII
demonstro a inadequação do discurso de Salvador enquanto cidade fortaleza. Todas as
considerações acerca do sistema de defesa da colônia visam entender os motivos que
permitiram a rápida invasão dos holandeses. Para isso, contraponho toda uma discussão
centrada na perspectiva de apontar um culpado para tais acontecimentos, seja o bispo D.
Marcos Teixeira ou os cristãos novos, a uma leitura do sistema defensivo de Salvador cujas
fragilidades, agravadas por conflitos administrativos, explicam a queda da cidade diante
dos invasores.
16
No segundo capítulo, Da Resistência ao Contra-ataque: uma ocupação sitiada,
abordei os meses de ocupação holandesa enfatizando a atuação dos colonos que
imprimiram uma constante vigília aos holandeses, assegurando a não progressão dos
invasores pelo território, confinando-os ao interior dos muros da cidadela. Procurei
demonstrar também que a idéia de que os colonos se opuseram aos holandeses
unanimemente não procede, haja vista que a documentação indica uma série de situações
que apontam para algum tipo de cooperação entre alguns colonos e invasores. Nesse
capítulo abordei também a participação indígena e de negros nos combates. Os índios,
especialmente os aldeados, foram peças fundamentais para o sucesso da resistência,
combatendo os holandeses com eficiência. Quanto aos negros, a documentação apontou
para eventual colaboração com os holandeses, tanto por parte dos fugiram dos seus donos,
quanto daqueles que eram apreendidos nos navios que chegavam de Angola. Certamente,
essa colaboração resultou de uma tentativa de estabelecerem alianças como os invasores na
esperança de encontrarem um destino melhor. Através da análise da documentação
referente ao período da ocupação, procurei demonstrar o quanto a ação dos colonos durante
a resistência foi fundamental para a rendição dos holandeses. Sem as emboscadas
engendradas pelos colonos, a tarefa da armada luso-espanhola teria sido muito mais
complexa.
No terceiro capítulo, intitulado Da retomada à reorganização, busquei demonstrar
o quanto os preparativos da jornada restauradora mexeram com os brios dos espanhóis e
dos portugueses, bem como favoreceram o acirramento das disputas existentes entre os
luso-espanhóis em decorrência da União Ibérica. Por outro lado, este capítulo enfatiza
também os principais confrontos entre os ibéricos e os holandeses na Bahia até a rendição
dos invasores e, por fim, enfoca a situação dos habitantes da capital colonial após a
expulsão dos holandeses, destacando a reorganização da administração local que, além das
dificuldades decorrentes dos combates ao inimigo, foram obrigados a conviver com um
expressivo número de soldados deixados pelo comandante da armada restauradora. Ao
apontar essa questão, ative-me a delicada situação a que foram submetidos esses colonos,
pois, a presença de um contingente tão grande, ao mesmo tempo em que indicava sérias
transformações na maneira de pensar e administrar o sistema defensivo da colônia, foi
também responsável pela imposição de infindáveis impostos com a finalidade de
sustentação dessas tropas. Para a população de Salvador restou o ônus dessa tarefa e o
temor de que essa grande quantidade de soldados se revoltasse mediante a falta de recursos
para seu sustento. Coube também nesse capítulo uma análise da participação da Câmara de
17
Vereadores no processo de reorganização da cidade, buscando sempre defender os
interesses dos colonos que arcaram com o ônus da reestruturação da capital colonial.
Antes de finalizar essa introdução, devo alertar o leitor de que a opção de me referir
aos invasores utilizando a terminologia “holandeses” resulta do constante uso do termo na
documentação Seiscentista. Nesse sentido, mesmo sabendo que a invasão da Bahia foi
articulada pela Companhia das Índias Ocidentais, que atuava de acordo com ordens
emanadas das Províncias Unidas, decidi, seguindo também uma tradição da historiografia
brasileira, utilizar o termo holandês para denominar os invasores.
18
CAPÍTULO I
SALVADOR, UMA “ALDEIA ABERTA”
A rapidez com que se desdobraram as lutas entre holandeses e colonos portugueses
em maio de 1624, quando do ataque da Companhia das Índias Ocidentais a Salvador, vem
provocando, desde os relatos Seiscentistas uma discussão acerca das causas do fracasso
defensivo da capital colonial e do êxito dos invasores. Praticamente todos os textos que
abordam o assunto buscam entender como Salvador, cidade fortaleza, caíra tão facilmente
em poder dos holandeses. De maneira geral, as explicações apontam para a controversa
figura do Bispo D. Marcos Teixeira, cujos desentendimentos com os representantes do
poder régio o teriam levado a divergir das ordens do Governador Geral quando este tentava
organizar a defesa da cidade diante do iminente perigo representado por uma misteriosa
nau ancorada em Morro de São Paulo. O Governador Mendonça Furtado, mesmo na
dúvida das intenções da referida nau buscou se precaver. Para o Bispo, as preocupações do
governador eram exageradas.
No que pese a obstrução do bispo, creio ser esse aspecto insuficiente para explicar a
desastrosa defesa da cidade. Mesmo considerando a importância do Bispo numa sociedade
extremamente ligada aos valores católicos, é preciso lembrar que o sistema defensivo da
cidade possuía fragilidades que agravadas por conflitos administrativos, explicam a queda
da cidade diante dos invasores. Para entender os motivos que permitiram a rápida invasão
dos holandeses torna-se necessário relativizar alguns preceitos como o de Salvador cidade
fortaleza, ou mesmo redimensionar o sentido da cidade capital colonial, lembrando que
este centro urbano administrativo estava ainda em formação e as funções administrativas
não eram especificadas com rigor. Nesse sentido faz-se necessário, ainda, uma análise
dessas questões levando em consideração o advento da União Ibérica e o conhecimento
prévio que os holandeses possuíam do território.
Assim, num primeiro momento busco entender o que era a capital colonial no
século XVII considerando o processo de sua formação ainda no século XVI, levando em
conta o papel desempenhado pelos colonos responsabilizados por quase tudo que dizia
respeito ao funcionamento da cidade. Para isso, procuro apontar o alto grau de
improvisação que permeava decisões importantes para a execução das ordens reais,
principalmente aquelas que diziam respeito diretamente ao sistema defensivo da colônia.
Ao examinar as ofensivas estrangeiras ao longo dos séculos XVI e início do XVII
19
demonstro que o discurso de Salvador enquanto cidade fortaleza não procede. As
limitações impostas pela falta de recursos e pela vasta extensão territorial apontaram as
brechas do sistema defensivo da cidade, o que significa que as carências administrativas
eram também sinônimos de carência de estratégias.
Num segundo momento, abordo os conflitos administrativos ressaltando o caos de
um sistema que não era ainda muito bem estruturado, cujas rivalidades entre as autoridades
agravavam ainda mais a já comprometida defesa da colônia. Demonstro também a
existência de uma literatura que se divide em culpar o bispo pela queda da cidade diante do
inimigo holandês, enquanto outra parte, preocupada em preservar a imagem do bispo, se
empenhou em negar a sua responsabilidade nesse episódio. No campo das discussões em
torno da busca do culpado pelo fracasso defensivo, trago uma rápida discussão sobre os
cristãos novos, que nos relatos espanhóis ganharam status de traidores ao serem acusados
de colaborarem com os holandeses quando da ocupação da cidade. No entanto, procuro
demonstrar que independente da atitude do bispo, foi a debilidade defensiva da cidade que
permitiu o êxito holandês.
Salvador, uma “cidade fortaleza”?
“Eu el-rei ffaço saber a vos Tomé de Souza ffidalguo de minha casa que vendo eu
quanto serviço de Deus e meu he conservar e nobrecer as capitanias e povoações da
terra do Brasil e dar ordem e maneira com que milhor e mais seguramente se posão ir
povoando pêra eixalçamento da nossa santa fee e proveito de meus reinos e senhorios
e dos natuarais deles ordenei ora de mandar nas ditas terras ffazer hua ffortaleza e
povoação grande e forte em um luguar conveniente pêra dahy se dar favor e ajuda as
outras povoações e se menistrar justiça e prover nas cousas que comprirem a meu
serviço e aos negócios de mynha fazemda...”
10
Conservar as capitanias da terra do Brasil através de uma fortaleza povoada, a partir
da qual, emanaria ajuda e justiça a outras capitanias. Com esse propósito o rei D. João III
mandou redigir, em 1548, o Regimento de Tomé de Souza, documento que regulamentou a
criação do Governo Geral. De acordo com este regulamento, a colônia teria um corpo
administrativo ligado diretamente ao monarca português, cujo expoente máximo era o
Governador Geral. A partir desse momento a colônia passaria a ter um centro de poder
constituído por funcionários reais nomeados com atribuições específicas. Desse centro
irradiariam as decisões da Coroa para toda a colônia. A determinação de construir uma
cidade que centralizasse a administração da colônia – o que obviamente não aconteceu de
10 Regimento de Tomé de Souza, in. Ruy, Affonso. História Política e Administrativa da Cidade de
Salvador.Salvador: Tipografia Beneditina, 1949. p. 81 a 101. (grifo meu).
20
imediato – estava ligada ao fracasso da tentativa de colonizar o Brasil por meio de um
sistema privado denominado capitanias hereditárias.
11
Assim, os continuados ataques de
corsários, especialmente franceses, a difícil tarefa de subjugar os nativos do Novo Mundo
– cujos ataques eram em grande número e bastante devastadores -, a necessidade de lucro e
a diminuição no trato asiático foram determinantes para a decisão do monarca português.
El’rei recomendou que a fortaleza povoada fosse construída na Baía de Todos os
Santos, destacando os atributos que credenciavam o local para abrigar a capital da América
portuguesa: “[boa] desposição do porto e rios que nella entrão como pela bondade
abastança e saúde da terra e por outros respeitos”.
12
Foi com a disposição de cumprir as
ordens reais que desembarcou na Bahia, em março de 1549, na condição de primeiro
Governador Geral do Brasil, Tomé de Souza, homem experiente nos assuntos coloniais,
tendo servido na África e Ásia. Sob sua responsabilidade, a execução das obras de
construção da cidade de Salvador, e em sua companhia os homens que o ajudariam a pôr
em prática as diretrizes para o estabelecimento do centro administrativo colonial.
O primeiro escalão do Governo Geral contava com um Ouvidor-geral e um
Provedor da Fazenda Real. A esses funcionários seguiam outros, hierarquicamente de
menor importância, a exemplo de escrivães e meirinhos. Juntamente com esses cargos, foi
criado também o Conselho de Vereança ou Senado da Câmara, cuja primeira referência
oficial, segundo Affonso Ruy, data de 15 de agosto de 1551
13
. Este conselho era composto
por “três vereadores e dois juízes Ordinários, eleitos anualmente pelos ‘homens bons’, ou
seja: os que possuíam bens. [...], o conselho completava-se com quatro funcionários
nomeados pelo capitão e governador: dois almotacés
14
, um escrivão e um procurador da
11
De acordo com esse sistema, a coroa doava lotes de terra a pessoas próximas ao trono, a indivíduos
reconhecidos por feitos militares, entre outros. O donatário (indivíduo que recebia as terras), possuia direito
sobre a venda do pau-brasil, a vintena da pescaria e a redízima das rendas da coroa, a ele era vetado a venda
da terra. À Coroa cabia os lucros maiores: dizimo de todos os produtos pagos em espécie, monopólio das
drogas e pedras preciosas, etc. Diversos autores entendem que as capitanias fracassaram diante da falta de
investimentos estatais. Mais informações sobre o sistema de capitanias, ver, entre outros: Prado, J. F. de
Almeida. O regime das capitanias. In. Holanda, Sérgio Buarque de. História Geral da Civilização Brasileira.
Tomo I, A Época Colonial. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1997. p .96-107; Ruy. Op. Cit. 1949, Cap. I;
Alencastro, Luiz Felipe de. O Trato dos Viventes. Formação do Brasil no Atlântico Sul. São Paulo:
Companhia das Letras, 2000, Cap. I.
12
Regimento de Tomé de Souza. in. Ruy. Op. cit. 1949. p. 81.
13
Ruy, Affonso. História da Câmara Municipal da cidade do Salvador. Salvador: Câmara Municipal de
Salvador, 1996. (p.24)
14
Cargo existente desde 1532, cujas funções eram, dentre outras coisas: fiscalizar o abastecimento de víveres
para a localidade, processar as penas pecuniárias impostas pela Câmara aos moradores, fiscalizar as obras,
zelar pela limpeza da cidade, etc. Cf. Salgado, Graça (org.). Fiscais e Meirinhos: a administração do Brasil
colonial. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional / Nova Fronteira, 1985. p. 134-5.
21
cidade”.
15
Outras duas instituições importantes estabelecidas após a criação do Governo
Geral foram a Santa Casa de Misericórdia da Bahia e o Bispado do Brasil, em 1550 e 1551,
respectivamente.
De acordo com o regimento, o Governador Geral deveria, além de fundar uma
cidade fortaleza capaz de se defender da continua presença de estrangeiros na costa do
Brasil e garantir a segurança dos colonos ante as constantes revoltas indígenas, doar
sesmarias a quem pudesse nelas investir construindo engenhos fortificados nas margens
dos rios integrados à baía, ordenar a construção de embarcações que fossem utilizadas em
serviços gerais e na defesa, livrar a terra dos índios inimigos, estabelecer feiras semanais
para que os cristãos pudessem realizar trocas com os índios sem que fosse necessário ir até
suas aldeias, explorar o sertão, etc.
16
Em linhas gerais, observamos que a Coroa estava
preocupada, principalmente, em defender, explorar, ampliar e garantir a posse do território,
de preferência com retornos lucrativos, embora não faltasse ao documento as naturais
demonstrações de interesse pela propagação do catolicismo.
No que pese os anseios da Coroa em sua jornada de expansão, o Regimento de
1548 não garantia por si só o cumprimento dos desejos reais, bem como não representava
um modelo rígido da expansão portuguesa no ultramar. Pelo contrário, suas determinações
demonstram uma flexibilização que levava em conta as necessidades locais, ou mesmo as
carências da fazenda metropolitana. Assim, em diversos trechos do Regimento de Tomé de
Souza, como, aliás, em outros regimentos de governadores do Brasil, a necessidade de
adequação à realidade acabou conferindo um caráter de improvisação na administração
colonial. Observemos um trecho do regimento de 1548 acerca da construção da cidade
fortaleza:
“e no sitio que vos milhor parecer (...) faça hua ffortaleza de gramdura e feição que a
requerer o luguar em que a ffizerdes conformando vos com as traças e amostras que
levais praticando com os oficiais que pêra isso la mando e com quaesquer outras
pessoas que o bem entendão (...) e pêra se poder começar a dita ffortaleza vão nos
navios desta armada allguas acheguas e não achando na terra aparelho para se a dita
ffortaleza ffazer de pedra e cal faz se aa de pedra e barro ou taipais ou madeira como
milhor poder ser...”
17
Aos prepostos reais cabia cumprir uma tarefa nada fácil, atender as ordens da Coroa
de acordo com os planos pré-estabelecidos, ao mesmo tempo em que teriam de lidar com
15
Tavares, Luís Henrique Dias. O Primeiro Século do Brasil. Da expansão da Europa ocidental aos governos
gerais das terras do Brasil. Salvador: EDUFBA, 1999.p. 138.
16
Regimento de Tomé de Souza. In. Ruy, Op.Cit. 1949.
17
Idem. p. 85 (Grifo meu).
22
os limites que a realidade impunha. Assim, os recursos materiais para a construção da
fortaleza deveriam ser improvisados, e até mesmo os recursos humanos eram passíveis de
um arranjo de última hora. Em verdade, o trecho acima, como praticamente todo o
regimento, apresenta uma contradição: embora a Coroa desejasse povoar e defender o
Novo Mundo, não enviou recursos suficientes para tal empreitada. A criação de um
governo geral representava a intervenção direta no processo de colonização, mas não
assegurava, na integra, a execução dos planos metropolitanos. Dessa forma, restava ao rei
orientar que se buscasse resolver os problemas de acordo com a necessidade do dia.
Em última instância, isso resultava em prejuízo para a colônia, pois a própria
construção da cidade, abrigo do centro administrativo, teria sua defesa comprometida em
função das improvisações indispensáveis para o cumprimento das ordens reais. E, ao que
parece, Tomé de Souza soube lidar com as discrepâncias entre o pretendido e o possível ao
poupar da forca dois franceses presos em 1551, acusados de contrabando de pau-brasil,
alegando que estes serviriam como trabalhadores sem custos para a Coroa.
18
Este exemplo,
aliás, remete a uma outra situação, agora de ordem financeira, que também sugere o caráter
de improviso dos primeiros tempos da colônia, quando, em função da falta de “dinheiro de
contado” para a realização do pagamento dos soldos e serviços, era comum fazê-lo por
meio de mercadorias. Era o chamado resgate, contra o qual se manifestou o mestre de
obras Luís Dias que, segundo Edson Carneiro, lamentou a desorganização do serviço de
abastecimento e a falta de consideração com os homens que haviam percorrido grande
distância para servir a el’rei, argumentando que havia sido enganado com “tais
pagamentos” e que as mercadorias que chegavam de Portugal eram ferros velhos que se
vendiam na feira de Lisboa.
19
Um outro indicativo dessas “deficiências” coloniais pode ser encontrado no relato
de Frei Vicente do Salvador, que afirma ter ouvido de homens do tempo de Tomé de Souza
que o próprio governador “era o primeiro que lançava mão do pilão pêra os taipais e
ajudava a levar a seus ombros os caibros e madeiras pêra as casas, mostrando-se a todos
companheiro e afável”. Essa informação, entretanto, é passível de equívocos, pois é
provável que Frei Vicente tenha tido a intenção de homenagear a memória do primeiro
Governador Geral, prática comum nesse tipo de relato. Não podemos esquecer que é
consenso entre os historiadores que a elite colonial era avessa ao trabalho manual.
18
Carta de Tomé de Souza ao Rei em 1551. Apud. Carneiro, Edson. A cidade do Salvador, 1549. Uma
Reconstituição Histórica. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, (?). p. 47.
19
Carneiro, Edson. A cidade do Salvador, 1549. Uma Reconstituição Histórica. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, (?). pp. 45 e 46.
23
Entretanto, casos semelhantes de empenho pessoal aparecem na biografia de outros
governadores (o Governador Mendonça Furtado diante do ataque holandês de 1624 é um
exemplo). E no caso de Tomé de Souza, teria o detentor do mais alto cargo da
administração colonial deixado de lado as reservas quanto ao trabalho braçal e arregaçado
as mangas? Em caso positivo, tal atitude se justificaria certamente em função das pressões
advindas da Metrópole e, em última instância, de um provável desejo de “dar o exemplo”
estimulando as pessoas nas tarefas de construção da cidade, considerando que as condições
de trabalho e pagamento não eram as mais favoráveis como vimos acima. Portanto,
tomando por verdadeiras as palavras do frei, poderíamos considerar mais um indicativo
dos providentes arranjos de última hora da colônia.
20
Até mesmo no que parecia ser o mais urgente, a defesa da colônia, é possível
verificar a adoção de medidas que estavam longe de um bom resultado, ainda que as
intenções fossem as melhores possíveis e estivessem baseadas no limitação de gente e
recursos estatais:
“ey por bem e mando que os capitães das capitanias da dita terra e senhorios dos
engenhos e moradores da terra tenham a artilharia e armas (...)
E todo morador das ditas terras do Brasill que nella tever casas terras ou aguas ou
navios terá ao menos beesta espingardas espada lamça ou chuça e este capitolo fareis
noteficar e apregoar em cada hua das ditas capitanias com decraração que os que não
teverem a dita artelharia pólvora e armas se provejão delas da noteficação a hum
ano.
21
Embora tenha deixado claro no início do Regimento o desejo em defender o litoral, el’rei
não determinou a formação de exército regular capaz de fazer frente aos nativos
insubmissos e corsários ameaçadores. Sua Majestade, provavelmente agindo de acordo
com os limites que a realidade imprimia, deu lugar a uma plasticidade singular, fazendo de
cada morador um soldado em potencial para guardar suas possessões. Pior ainda, segundo
Edson Carneiro, mesmo os soldados regulares (bombardeiros, artilheiros, etc) eram
completamente inexperientes. Essa realidade era agravada pela inferioridade das
embarcações utilizadas para guardar o litoral em detrimento dos navios piratas, e acabou
20
Salvador, Vicente do (Frei). História do Brasil, 1500-1627. Belo Horizonte: Itatiaia / São Paulo: EDUSP,
1982. p. 144. A informação de Frei Vicente é contestada por Edson Carneiro que descarta a possibilidade de
uma participação do governador nos trabalhos de construção da cidade argumentando a falta de condições
físicas devido a idade do mesmo. Entretanto, desconhecendo a verdadeira idade de Tomé de Souza quando
ocupava o cargo de governador geral, resta especular sua energia e disposição para o trabalho em função da
sua nomeação para o cargo, ou seja, se estivesse tão velho como supôs Carneiro, não teria tido condições de
enfrentar uma viagem pelo Atlântico e chegando aqui encontrado fôlego para percorrer outras capitanias.
Ademais, é preciso relativizar as palavras de frei Vicente, ponderando que os esforços do governador talvez
não tenham passado de uma atitude para animar seus subordinados. cf. Carneiro, op. cit. p. 37.
21
Regimento... in. Ruy. Op. cit. 1949. pp. 92-93.
24
por gerar situações, no mínimo desastrosas, como o episódio em que o capitão-mor Pero de
Góes não pôde combater os franceses traficantes de pau-brasil em função da fragilidade de
seus recursos bélicos e humanos quando comparados com o do inimigo. Em 1554, Pero de
Góes advertia em tom de desespero que se persistissem essas condições, os franceses
continuariam tendo livre acesso ao litoral da colônia.
22
Não obstante o caráter de improviso que permeou as ações do primeiro Governador
Geral, os primeiros passos da colonização por meio desse sistema foram implantados com
relativo sucesso. Mesmo com as limitações impostas pela realidade da empreitada colonial,
Tomé de Souza cumpriu as ordens reais da maneira que lhe foi possível, inclusive
lançando as bases para o desenvolvimento econômico, garantindo a doação de sesmarias
para quem pudesse nelas implantar engenhos, impulsionando a economia colonial. Assim,
parece que a instituição do governo geral e a fundação da capital colonial alcançaram o
objetivo desejado pela metrópole, que para Ubiratan Castro de Araújo era o de implantar
uma sociedade e economia que fossem capazes de se integrar ao comércio ultramarino
português, bem como permitir a expansão para o interior da colônia. Nesse sentido, após a
fundação da cidade, partiram os colonizadores para a conquista do seu entorno, o
Recôncavo.
23
A conquista de novas áreas para as finalidades acima exigiu dos primeiros
governadores uma tarefa difícil: vencer a barreira imposta pelos índios que então
habitavam a região. Para tanto, os chamados índios “hostis” foram escravizados e os
“dóceis” aldeados. Já na década de 1560 o número de índios no entorno de Salvador havia
diminuído consideravelmente, permitindo um primeiro surto do desenvolvimento da
economia açucareira nas terras próximas da cidade. Convém ressaltar que a liberação
dessas terras foi resultado das guerras contra os indígenas (especialmente aquelas
comandadas por Mem de Sá, a exemplo da guerra do Curupeba, a guerra do Jaguaripe e do
Paraguaçu, entre outras), reforçadas pelas epidemias, grandes aliadas dos colonizadores na
conquista dos povos nativos.
24
Assim, entre os anos de 1562-63, cerca de cem mil índios
foram dizimados pela epidemia de varíola.
25
Foi nesse período que se desenvolveram as
paróquias de Paripe, Pirajá, Cotegipe e Matoim. Como resultado da política mais agressiva
22
Carneiro. Op. cit. p. 52.
23
Araújo, Ubiratan Castro de. A baía de Todos os Santos: um sistema geo-histórico resistente. In. Bahia
Análise & Dados. Salvador: SEI. Vol. 9. n. 4. p. 10-23. Março, 2000.
24
Araújo. Idem. p. 12
25
Cronologia da História do Brasil Colonial (1500-1831). Obra coletiva coordenada pelo prof. István Jancsó.
São Paulo: Departamento de História – FFLCH / USP, 1994. p.55
25
implementada por Mem de Sá, a maior parte do recôncavo estava apta a receber os
engenhos de açúcar já na década de 1570.
26
Transposta essa etapa de conquista do território, passaram os colonizadores a
implantar seus engenhos e toda a estrutura necessária para seu funcionamento: mão-de-
obra escrava indígena e africana, animais de tração e de corte, combustível vegetal,
embarcações, etc. Numa associação de fatores internos e externos (a comercialização da
produção açucareira sempre esteve atrelada ao mercado internacional, variando de acordo
com os processos políticos e econômicos do Atlântico), a economia açucareira deslanchou
a partir de 1570, tendo um crescimento acelerado até o ano de 1620
27
.
Interagindo com esse processo, Salvador transformou-se num centro urbano para
onde afluíam as ordens reais, embarcações em busca de riquezas e reparação de sua
estrutura, carregamentos de escravos africanos, mercadorias, etc. Através das águas da baía
de Todos os Santos realizava-se a comunicação com os engenhos que enviavam sua
produção por meio de embarcações construídas na própria Salvador.
Graças a importância da capital colonial como centro de decisões políticas, porto de
escoamento da produção açucareira e acolhedora do poder religioso, os membros da
aristocracia açucareira de regiões vizinhas mantinham casas na cidade com o objetivo de
controlar seus negócios e ostentar suas riquezas de acordo com o costume da época.
28
Contribuiu para o desenvolvimento da cidade, a presença do movimentado porto, que, nas
palavras de Amaral Lapa, era “uma espécie de pulmão por onde respira(va) a colônia”
29
. O
porto de Salvador destacou-se desde a segunda metade do século XVI, sobressaindo-se
entre aqueles instalados pela Coroa ao longo das costas africana, americana e asiática.
30
Sua boa localização tornava muitas vezes obrigatórias as escalas de embarcações que
vinham da Ásia, África e América Espanhola, que procuravam repor mantimentos e ao
mesmo tempo, abasteciam a cidade. Dessa maneira, os armazéns da cidade de Salvador
26
Schwartz, Stuart. Segredos internos: engenhos e escravos na sociedade colonial, 1550-1835. São Paulo:
Cia. das Letras, 1988. p. 89
27
Schwartz. Op. Cit. 1988. p. 146.
28
Schwartz, Stuart. Burocracia e sociedade no Brasil colonial. São Paulo: Ed. Perspectiva, 1979. p. 49.
29
Lapa, José Roberto do Amaral. A Bahia e a Carreira da Índia. São Paulo: Ed. Hucitec, Unicamp, 2000. p.2
30
Idem. Ibidem. Segundo este autor, contribuíram para este sucesso, dentre outros, os seguintes fatores: a
cidade era o centro administrativo da colônia, possuía um bom ancoradouro, localizava-se no meio do litoral
brasileiro, estava mais próxima do Reino que os portos do Sul, facilitava o contato com a África (estimulando
o tráfico de escravos), apresentava recursos em matérias primas, etc.
26
estariam sempre bem providos de “especiarias, sedas, prata em barras, ouro, pau-brasil e
açúcar”.
31
Todo esse desenvolvimento aguçou ainda mais a atenção e cobiça dos corsários que
além do pau-brasil, desejavam agora o açúcar e uma série de artigos que poderiam ser
facilmente encontrados nos armazéns e navios ancorados no porto. Enquanto isso, a
colônia, mesmo com um centro administrativo e uma “cidade fortaleza”, continuava com
dificuldades em combater os ataques em virtude da perpetuação de problemas cujas raízes
estavam fincadas no caráter de improviso da colonização portuguesa, bem como na
extensão do território.
32
Como bem notou Schwartz, a baía de Todos os Santos possui um
acesso pelo Atlântico muito aberto e vasto, o que dificultava uma defesa adequada da
cidade e seu porto. De acordo com esse historiador: “apesar de permanente fortificação de
Salvador e da instalação de postos de defesa e artilharia em pontos estratégicos, a Bahia
sempre esteve sujeita a ataques”.
33
Na tentativa de equacionar tais deficiências, foi
montada uma cadeia de fortificações ao longo da orla marítima, entretanto o objetivo não
foi atingido, dentre outras coisas, pelo fraco poder de fogo das fortificações e pelas brechas
de alguns locais que permitiam a passagem de embarcações inimigas.
34
A partir de 1580, os ataques estrangeiros aumentaram bastante em decorrência da
União Ibérica. Se já eram freqüentes os confrontos com embarcações francesas ao longo do
litoral da colônia, a união das duas Coroas trouxe para Portugal e suas possessões os
inimigos da Espanha, como a própria França, a Inglaterra e a Holanda. Assim, ataques que
antes se concentravam nas áreas de domínio espanhol, se estenderam aos domínios
portugueses na América, ou seja, ataques planejados pelos inimigos da Espanha para
regiões da América Espanhola, não deixávam de tentar obter lucros durante a passagem
pelo Brasil, ampliando o número de ataques à América Portuguesa. Nesse sentido, diversas
pilhagens no litoral brasileiro resultaram do fracasso dos ataques em áreas espanholas, ou
31
Berger, Paulo; Winz, Antônio Pimentel e Guedes, Max Justo. Incursões de corsários e piratas na costa do
Brasil. In. História Naval Brasileira. 1º vol., Tomo II. Rio de Janeiro: Ministério da Marinha. Serviço de
Documentação Geral da Marinha, 1975. (pp. 475-521)
32
Sérgio Buarque de Holanda vê na colonização portuguesa um certo “desleixo”. Para ele, as ações dos
portugueses no Brasil, mesmo em seus melhores momentos, teriam um caráter muito mais de feitorização do
que de colonização. Não convinha a realização de grandes obras sem a garantia imediata de benefícios,
portanto, dispensava-se tudo o que acarretasse maiores despesas ou resultasse em prejuízo para a Metrópole.
In. Holanda, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil, 26 ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. p. 107. No
entanto, cabe ressaltar que esse “desleixo” a que se referiu Sérgio Buarque equivale a uma certa flexibilidade
da Coroa portuguesa em decorrência das condições precárias da colônia e à pobreza e falta de recursos
metropolitanos suficientes para a manutenção do vasto território ultramarino. Até porque, foi com essa
flexibilidade que a Coroa Portuguesa conseguiu relativo sucesso em seu empreendimento colonizador.
33
Schwartz. Op. Cit. 1988. p. 78.
34
Oliveira, Mário Mendonça de. Da Torre de São Tiago de Água de Meninos ao reduto de Santo Alberto. In.
Revista da Bahia, nº 30. Salvador: Empresa Gráfica da Bahia, 1999.
27
mesmo das dificuldades em atingi-las pela falta de condições climáticas.
35
Como exemplo,
podemos citar a investida à Bahia em 1587 promovida por Robert Withrington e
Christopher Lister. Inicialmente esses ingleses partiram de Dartmouth, Inglaterra, em 29 de
agosto de 1586, com o objetivo de alcançar o Estreito de Magalhães, para dali apresar
embarcações espanholas no Oceano Pacífico. Em 15 de janeiro de 1587, quando os
ingleses já haviam ultrapassado a região do Prata, ventos pouco favoráveis obstruíram o
avanço das embarcações, Withrington decidiu buscar, “ao menos momentaneamente, um
porto ao norte, onde pudessem abastecer-se e aguardar a primavera”.
36
O retorno foi longo,
pois o local escolhido para a espera foi a cidade de Salvador. Essa espera não foi nada
pacífica, muito pelo contrário, os ingleses promoveram um ataque ao porto da capital
colonial, provocando muitos prejuízos e pavor entre os habitantes.
Ventos à parte, tudo nos leva a crer que os referidos navegantes sabiam muito bem
o que encontrariam nesse retorno exagerado ao norte e possuíam claramente os objetivos
de saquear o movimentado porto de Salvador e o rico Recôncavo Baiano. Relatos de que
os habitantes, tomados pelo medo, abandonaram a cidade da mesma maneira que
aconteceu durante o ataque holandês de 1624, merecem particular atenção na medida em
que demonstram que a cidade fortaleza não foi capaz de transmitir segurança aos seus
moradores diante de três naus inglesas. Ou seja, a insegurança que amedrontou os
habitantes em 1624 já se fazia presente no século anterior.
De acordo com a carta de Amador Rebelo, procurador do Brasil em Lisboa, ao
Provinçal da Companhia de Jesus, a cidade ficou tão deserta que poucos homens poderiam
tomá-la. Até mesmo o bispo D. Antônio, que então governava a colônia, juntamente com o
Provedor e o Ouvidor, na ausência de Governador nomeado pela Coroa, se preparou para
fugir, porém, foi detido pelo comerciante Francisco de Araújo, que, segundo Afonso Ruy,
não esmoreceu diante da realidade, organizando uma resistência até a chegada do Provedor
Cristóvão de Barros, que retornou do Recôncavo com reforços provenientes dos engenhos
e aldeamentos, ou seja, “escravos dos engenhos e índios das aldeias” compunham uma
força defensiva improvisada.
37
35
Os ataques de navios estrangeiros ao Brasil no período anterior à União Ibérica podem ser caracterizados
como ataques piratas, já os ataques posteriores a 1580, podem ser entendidos como corso. Enquanto o
primeiro se caracteriza por uma iniciativa com fim lucrativo, sem autorização de qualquer governo, o
segundo pode ser caracterizado como uma atividade de guerra, na qual um particular recebe autorização de
seu governo para atacar inimigos de sua pátria. Sobre a questão, consultar Berger, Paulo; Winz, Antônio
Pimentel e Guedes, Max Justo.op. cit. pp.477 – 78.
36
Idem. Ibdem. pp. 493-94.
37
Cf. Ruy, 1949. pp. 70-1. A carta de Amador Rebelo se encontra citada na mesma obra, à página 70.
28
Relata frei Vicente que, assim que os corsários adentraram à baía, aprisionaram os
navios que estavam no porto, com destaque para uma Urca de Duarte Osquer, mercador
flamengo que residia em Salvador com marinheiros também flamengos, “que
voluntariamente lha entregaram e se passaram aos ingleses”. Por não conseguirem entrar
na cidade, os ingleses resolveram “barlaventear” pela baía, que era muito larga, mandando
a zavra (pequena embarcação) e as lanchas fazerem a pilhagem. Buscando dar combate aos
intrusos, Cristovão de Barros ordenou que se montasse
“uma armada de cinco barcas, das que levam cana e lenha aos engenhos (...)
[mandando] meter em cada uma dois berços e soldados arcabuzeiros com seus
capitães (...), e por capitania uma galé, em que ia por capitão-mor Sebastião de faria,
pêra que , onde quer que desembarcassem os ingleses, dessem sobre eles.”
38
Após dois meses de batalhas, os ingleses deixaram a baía e os habitantes retornaram para a
cidade e receberam punição do governador, “como corretivo ao covarde proceder de
desampararem a capital da Colônia”.
39
Infelizmente não sabemos os detalhes destas
punições, porém, fica evidente o quão necessário era a participação da população na defesa
do território colonial, como dissemos anteriormente.
Este episódio requer algumas reflexões. Primeiro, a idéia de que a cidade estava
deserta precisa ser relativizada. Para entender tal questão me parece necessário abstrair a
dimensão das informações e do espaço em disputa naquele momento. O quão deserta
estaria a cidade? Será que os relatos não queriam impressionar a Metrópole visando o
envio de recursos que pudessem garantir efetivamente a defesa da colônia, que realmente
era precária? Parece inegável que houve abandono da cidade já que há referencias a
punições para os que se refugiaram durante o ataque inimigo.
Mas é preciso lembrar que a dimensão da cidade naquele período era bastante
reduzida. Portanto, esse esvaziamento poderia ser revertido tão logo passasse o perigo, pois
a facilidade de retornar, mediante notícias de que a resistência havia logrado êxito, era a
mesma com que fugiam. Assim, é possível que muitos dos que fugiram, tenham retornado
para colaborar com o reforço vindo do recôncavo. Se este raciocínio estiver correto,
podemos concluir que a cidade pode até ter se tornado deserta e que por alguns dias teria
sido fácil para os ingleses invadi-la, porém, este esvaziamento não deve ter durado muito
tempo, o que nos leva a crer que as punições tenham tido um caráter exemplar, para que
em outras circunstâncias semelhantes a decisão de fugir não se repetisse. Caso contrário,
38
Salvador. Op. cit. pp. 252-3.
39
Ruy. Op. cit. 1949. p. 71.
29
no momento da punição, quem deveria ser punido, toda a população da cidade? De
qualquer maneira, o que fica claro é que a capital colonial, fosse por poucos dias ou
durante todo o episódio, não estava preparada para se defender de ataques como esse, o
que demonstra a ausência de uma estratégia de defesa.
Uma segunda questão a ser ponderada diz respeito à forma como foi encaminhada a
defesa da cidade contra os ingleses. O trecho citado anteriormente, retirado do relato de
frei Vicente, refere-se a uma armada composta por cinco barcas utilizadas no transporte da
cana-de-açúcar e uma galé como capitania. É óbvio que se trata de um exagero do cronista
na medida em que essas embarcações não podem ser equiparadas as que costumavam
compor as armadas.
40
Não obstante, a capacidade de manobra que essas barcas pudessem
ter, ou qualquer outra vantagem em relação às embarcações inimigas, com certeza não
possuíam os mesmos elementos e dimensões, muito menos o poder de fogo de uma nau
acostumada às travessias de oceanos e à prática do corso. Dessa maneira, o que
observamos na defesa de Salvador em 1587 foi uma medida criativa e desesperada de
quem carecia de recursos para defender a cidade. Mais uma vez, fica patente os arranjos de
última hora a que estava sujeita a administração colonial. Provavelmente o êxito dessa
pseudo armada deva-se ao fato de que não era intenção dos ingleses invadirem a cidade.
Mesmo não acreditando que as naus inglesas tenham chegado à Baía de Todos os Santos
unicamente em função de fatores climáticos, parece verossímil que de fato seus objetivos
eram causar prejuízos a embarcações espanholas e obter lucros com a pilhagem de portos e
navios. Nesse sentido, a chegada das naus à Salvador não deve ter sido precedida de um
plano de invasão, mas sim de intenções de pirataria e corso, o que fizeram a contento. O
desconhecimento do esvaziamento da cidade, ainda que por poucos dias como acreditamos
ter sido, acrescido da resistência organizada de ultima hora e, portanto improvisada, deve
ter dado aos ingleses a impressão de que a cidade estava bem guarnecida, quando na
verdade a realidade era outra.
Nesse mesmo ano (1587), Gabriel Soares de Souza também demonstrava
preocupação com a insegurança da capital colonial, solicitando ao rei que acudisse “ao
desamparo em que esta cidade está, mandando-a cercar de muros e fortificar, como
convém ao seu serviço e segurança dos moradores dela; porque está arriscada a ser
40
De maneira geral, especialmente no período em questão, uma armada levava tempo considerável para ser
preparada, e caracterizava-se por um conjunto de navios, esquadra e frota sob comando único.
30
saqueada...”.
41
Soares de Souza temia um ataque de corsários e convidava o rei a assumir
seu papel de guardar suas possessões. Informava também que os ingleses conheciam a
fragilidade da terra por já terem nela estado.
Apesar de se preocupar com os ingleses, talvez influenciado pelos últimos
acontecimentos, Gabriel Soares esqueceu de mencionar os holandeses, também
conhecedores da região e responsáveis por diversos saques a navios que navegavam no
litoral próximo a Salvador. Além do mais, foram os holandeses quem deram vida aos seus
temores atacando a cidade em 1599, 1604 e finalmente dominando-a por onze meses entre
os anos de 1624-25. Isso para não falar do saque de 1627, da investida comandada por
Nassau em 1638, da invasão de Itaparica em 1642 e do ataque à mesma ilha em 1652.
Essa presença estrangeira nos remete ao terceiro e revelador aspecto do ataque
empreendido por Robert Withrington e Christopher Lister, exemplificado aqui na figura do
comerciante flamengo Duarte Osquer, residente na capital colonial, proprietário de uma
Urca tripulada por marinheiros flamengos. A atitude de Duarte Osquer durante o ataque
inglês não ficou muito clara na pena do frei Vicente, pois o relato do franciscano confunde
o leitor quanto à entrega voluntária da Urca de propriedade do flamengo, ficando a dúvida
se teria sido entregue pelo comerciante ou pelos marinheiros.
42
Seja como for, a presença
de Duarte Osquer como morador da capital da América portuguesa confirma aquilo que
Sérgio Buarque chamou de caráter relativamente liberal dos portugueses, ou seja, a
permissão da “livre entrada de estrangeiros que se dispusessem a vir trabalhar”. De acordo
com esse historiador, era permitido ao estrangeiro percorrer o litoral brasileiro na
qualidade de morador, “desde que se obrigassem a pagar 10% do valor de suas
mercadorias, como imposto de importação, e desde que não traficassem com os indígenas.
Essa situação prevaleceu ao menos durante os primeiros tempos da colônia”.
43
Convém ressaltar que a presença de estrangeiros pode ser notada em larga escala
desde o momento da construção da cidade. Da leitura dos Mandados e Provisões emitidos
por Tomé de Souza, constatamos a atuação de diversos profissionais, inclusive os
chamados homens de armas, oriundos de diversas localidades da Europa, em especial da
41
Souza, Gabriel Soares de. Tratado descritivo do Brasil em 1587. 4º ed. São Paulo: Companhia Editora
Nacional e Edusp, 1971. p. 140-41
42
Pedro Puntoni traz informações importantes sobre Duarte Osquer, dentre elas, a confirmação de que
Osquer não colaborou com os ingleses. Na verdade, sucedeu-lhe a perca da Urca durante o ataque de 1587.
Cf. Puntoni, Pedro. A Mísera Sorte. A escravidão africana no Brasil holandês e as guerras do tráfico no
Atlântico Sul, 1621 – 1648. São Paulo: Hucitec, 1999. p. 31.
43
Holanda. Op. cit. 1995. p. 108.
31
Espanha e de Flandres.
44
No entanto, essa “tendência liberal”, como afirmou Sérgio
Buarque de Holanda, que permitiu a presença de homens como Osquer na colônia foi
revista pela administração dos Felipes no Brasil. Assim, após ter ordenado o
aprisionamento de grande número de navios holandeses que estavam no porto de Lisboa
em 1585, Felipe II da Espanha (I de Portugal) determinou em alvará de 1591, a proibição
de navios estrangeiros em portos do Reino ou das Conquistas sem prévia autorização real.
A compreensão dessas mudanças empreendidas na administração dos Felipes passa
por um entendimento das relações políticas européias no período. Além das divergências
com a França e a Inglaterra devem ser consideradas em especial as disputas entre a
Espanha e suas antigas possessões, agora independentes, as Províncias Unidas dos Países
Baixos. Os países do norte europeu estavam agrupados em dezessete províncias sob a
tutela da Espanha, esta última, a partir do reinado de Felipe II decidiu adotar medidas
centralistas e deter o avanço da religião reformada através da Inquisição. Porém, as
Províncias do norte estavam sob forte influência do calvinismo e rebelaram-se contra o rei
católico, declarando-se independentes da Espanha em 1585 e, desde então, passaram a ser
conhecidas como Províncias Unidas dos Países Baixos. A partir daí, a Espanha impôs uma
série de embargos aos comerciantes dessas Províncias. Embargos esses que trouxeram
Portugal e suas colônias a reboque, haja vista que era o tempo da União Ibérica.
45
Como observou Joaquim Serrão, para que os interesses metropolitanos na colônia
não fossem prejudicados, era fundamental que, além dos combates aos corsários, também
se adotassem medidas que limitassem a atuação de mercadores estrangeiros que vinham
negociar diretamente nos portos da colônia.
46
Nesse sentido, não deve ter sido coincidência
que também em 1591, juntamente com o alvará mencionado acima, chegasse ao Brasil a
Primeira Visitação do Santo Ofício. Segundo Ronaldo Vainfas, na introdução das
Confissões da Bahia, no mesmo ano em que chegava ao Brasil o visitador do Santo Ofício,
também chegava a Açores, Madeira e posteriormente a Angola, outro visitador, o que
indica que a preocupação da Coroa espanhola ia muito além das questões religiosas,
44
Mandados e Provisões do século XVI. In. Documentos Históricos. Vol. XXXVII. Rio de Janeiro:
Ministério da Saúde e Educação / Biblioteca Nacional, 1937.
45
Puntoni. Op.cit. p. 33. A ordem de 1585 era uma resposta direta à proclamação de independência das
Províncias Unidas. Sobre a formação desta última e suas disputas com a Espanha, ver Anexo 1.
46
Serrão, Joaquim Veríssimo. Do Brasil Filipino ao Brasil de 1640. São Paulo: Companhia Editora Nacional,
1968. p. 73.
32
buscando também limitar e vigiar a presença de estrangeiros em suas possessões
ultramarinas.
47
Apesar dessas medidas filipinas parecerem mais rígidas que as tomadas antes da
União Ibérica, notamos que, no que diz respeito ao planejamento, a Coroa continuava a
deixar brechas em muitas decisões fundamentais para a defesa, embora as determinações
no papel parecessem perfeitas. O Regimento de Francisco Giraldes traz uma decisão real
que exemplifica bem essa situação. O documento informa que o Governador Teles Barreto,
falecido em 1587 e a quem Giraldes vinha em substituição, havia construído uma galé
nova que ainda não estava em ação, e ordenou que o novo governador (Giraldes), assim
que chegasse ao Brasil, procurasse saber se a referida embarcação possuía serventia para
defesa da costa. Em caso positivo, deveria o enviado real ordenar a construção de uma
galeota para navegar em sua companhia. Quanto ao abastecimento dessas embarcações, o
rei foi claro em afirmar que deveria ser feito “com menos despesa de minha Fazenda”.
Assim, o rei ordenou:
“aos donos de engenhos d’açúcar das Capitanias das ditas partes, acudam com
mantimentos necessários para soldados marinheiros e chusmas que houverem de andar
nestas embarcações, repartindo-os entre eles com igualdade, possibilidade, e fazenda
que cada um tiver; (...) significando-lhes que o que principalmente me moveu a
mandar armar êstes navios, foi, para com isso, se segurarem suas fazendas, e as poder
navegar livremente, e os ditos mantimentos repartir por êles nas Câmaras das ditas
Capitanias, onde haverá livros da dita Repartição, em que os Oficiais das Câmaras
assinarão para se, a todo tempo, saber a quantidade de mantimentos que cada um há-
de-dar e tiver dado, e a ordem que se há-de-ter na recadação deles”.
48
Lamentavelmente não temos conhecimento do cumprimento dessas ordens para saber
como os senhores de engenho receberam tal determinação, desconhecemos mesmo se
chegaram a tomar conhecimento do referido Regimento, pois Francisco Giraldes nunca
desembarcou no Brasil, tendo sofrido diversos reveses durante a viagem, retornou ao Tejo
em 1589.
49
De qualquer maneira, o documento é significativo para o entendimento das
decisões do monarca espanhol. Assim, observamos que a preocupação em defender suas
possessões esbarrava na carência de recursos, ainda mais quando lembramos as dimensões
do império espanhol com o advento da União Ibérica. Nesse caso, os custos da defesa
47
Vainfas, Ronaldo (org.). Confissões da Bahia: santo ofício da inquisição de Lisboa. São Paulo: Companhia
das Letras, 1997. Introdução, pp. 5-33.
48
Regimento de Francisco Giraldes. In. Mendonça, Marcos Carneiro. Raízes da Formação Administrativa do
Brasil. Tomo I. Rio de Janeiro: IHGB / Conselho Federal de Cultura, 1972. pp. 262-263. (Grifo meu)
49
Serrão. Op. cit. 1968 p.39
33
deveriam ser divididos com os senhores de engenho, que deveriam contribuir com
igualdade e possibilidade de acordo com os recursos de cada um.
Ora, como dividir igualmente o que é por natureza diferente? As ordens reais são
contraditórias e demonstram mais uma vez a ausência de estratégias de defesa à altura da
quantidade de corsários e piratas que rondavam o litoral da colônia. Do mesmo modo que
havia se dirigido D. João III a Tomé de Souza em 1548, fazia Felipe II a Francisco
Giraldes em 1591: resolva os problemas de defesa do território, solucione os conflitos com
os índios, aumente os rendimentos da minha fazenda, etc., tudo de acordo com o que ia
determinado nos regimentos e, quando não fosse possível seguir tais orientações, o
Governador deveria agir de acordo com o que permitisse a realidade, contanto que não
exigisse maiores investimentos por parte da Coroa.
É óbvio que não se trata de pensar que as determinações reais devessem ter um
caráter rígido a ponto de engessar as atribuições do Governador e do corpo administrativo.
Como ponderou António Manuel Hespanha, “os governadores ultramarinos estavam
isolados da fonte do poder por viagens que chegavam a levar anos, tendo necessidade de
resolver sem ter de esperar a demorada resposta às suas demoradas perguntas”.
50
Nesse
sentido, era natural que a Coroa atribuísse poderes aos governadores para resolverem
questões que não poderiam ser previstas, porém, defender o território e a navegação não
era tarefa desconhecida para a metrópole, antes, uma ação imperativa para o rendimento da
própria empresa colonial.
Evidência clara de que os embargos filipinos não produziram o efeito desejado,
certamente por manterem uma estratégia defensiva deficiente, seja em terra ou no mar, e
pela continua ausência de recursos, os ataques de corsários e piratas continuaram a
molestar os habitantes da colônia, bem como os mercadores em alto mar. Em 1590 saiu de
Plymouth o corsário inglês Thomas Cavendish para saquear as capitanias do sul do Brasil;
em 1594 foi a vez do também inglês James Lancaster saquear o Nordeste e,
posteriormente, se unindo a Jean Venner, atacarem Pernambuco; em 1595 uma armada
francesa composta de treze navios tentou saquear a Vila de Ilhéus; também em 1595 os
franceses Poedemil e Gouribaut de La Tramblade vieram ao Brasil para traficar pau-brasil,
quando os navegantes liderados por Poidemil aportaram nas proximidades de Sergipe
foram abordados pelos portugueses acompanhados de índios e enviados para Salvador,
50
Hespanha, António Manuel. A constituição do Império português. Revisão de alguns enviesamentos
correntes (pp.165-188). In. O Antigo Regime nos Trópicos. A Dinâmica Imperial Portuguesa (Séculos XVI –
XVIII). João Fragoso, Maria Fernanda Bicalho e Maria de Fátima Gouvêa (organizadores). Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2001. p. 175.
34
onde, após dezoito dias foram enforcados; na Paraíba, o Forte Cabedelo foi atacado em
1597 por navios franceses, que não conseguindo êxito na ação se retiraram para Honduras,
com uma rápida passagem pelo Rio Grande do Norte. Vários outros corsários e piratas
tentaram, e muitas vezes conseguiram, saquear portos, vilas e embarcações. Por hora, nos
concentremos nos ataques holandeses à Bahia.
51
Na véspera do Natal de 1599 o porto de Salvador foi mais uma vez atacado por
estrangeiros, dessa vez eram os holandeses comandados por Hartman e Boers que, a bordo
de sete naus, provocavam mais tumultos e pânico nos moradores da cidade ao atacarem os
navios ancorados no porto, queimando e destruindo aqueles que lhes ofereciam resistência.
A defesa desse ataque foi comandada por Álvaro de Carvalho, substituto do governador D.
Francisco de Souza, que havia partido para São Vicente em busca das minas de ouro.
Conforme frei Vicente, Carvalho tratou de colocar pessoas “por suas estâncias na praia e
na cidade” para a defenderem caso os holandeses quisessem desembarcar. No entanto, os
estrangeiros preferiram negociar solicitando como refém alguém equivalente ao seu
general. Foi lhes mandado então, Estevão de Brito, enquanto o general holandês descia
para negociar com Álvaro de Carvalho durante quatro dias no colégio dos padres da
Companhia. Ao final dos quatro dias, o holandês ouviu do governador que a única
alternativa que lhe restava era deixar Salvador, mas, ao que consta, o general não recebeu
muito bem a notícia e enfurecido ordenou um ataque ao recôncavo. Acatando as ordens de
“roubar e assolar quanto pudessem”, os holandeses atacaram o engenho de Bernardo
Pimentel de Almeida, não encontrando resistência nesse engenho, queimaram casas e
igreja, roubando-lhe inclusive o sino do campanário. Seguindo o raciocínio cristão do frei,
é possível deduzir que tal atitude foi punida quando o sino soou denunciando a presença
dos estrangeiros e deu condições aos trezentos homens comandados por André Fernandes
Morgalho de castigá-los.
52
O segundo momento desse episódio demonstra que os holandeses não se deixaram
intimidar, pois, após o combate, embarcaram e reforçaram seus quadros com mais munição
e pessoal seguindo então para as ilhas da baía de Todos os Santos, indo primeiro à Ilha dos
Frades a fim de se abastecerem de água, tendo desistido por acharem a água salobra, e
retiraram-se para a de Itaparica. A desistência dos holandeses neutralizou os esforços no
sentido de defender a ilha, feitos de última hora por André Fernandes e Álvaro Rodrigues
51
Para mais informações sobre os ataques de piratas e corsários ver, entre outros: Serrão. Op. Cit, 1968. p.
79.; Berguer; Winz e Guedes. Op. cit. e Holanda, Sérgio Buarque de. Franceses, ingleses e holandeses no
Brasil quinhentista. in. Holanda. Op. cit. 1997. pp. 147-175.
52
Todas as informações desse ataque foram baseadas na obra de Salvador. op. cit. p. 275-76
35
da Cachoeira, este último, auxiliado por índios. Em Itaparica atearam fogo ao engenho de
Duarte Osquier, o mesmo mercador flamengo que perdeu sua urca quando do ataque dos
ingleses Withrington e Lister. Antes que empreendessem outras ações, chegaram em
Itaparica, para combatê-los, os mesmos André Fernandes e Álvaro Rodrigues. Que “os
acometeram com tanto ânimo que mataram cinqüenta e fizeram embarcar os mais e
recolherem-se à sua armada, que também logo se fez à vela e despejou o porto”. Antes de
se retirarem do porto que ocuparam durante cinqüenta e cinco dias, os holandeses atacaram
a nau de Francisco de Araújo, que vinha do Rio de Janeiro, roubando cinco ou oito mil
quintais de pau-brasil.
53
Talvez esse ataque à Bahia tenha sido o primeiro saldo dos embargos espanhóis
para a América portuguesa. Antes de 1599, não encontramos nenhum relato de agressões
holandesas à colônia. As notícias da presença de flamengos na Bahia, como em outras
partes da colônia, dão conta de que suas ações, de maneira geral, estavam ligadas à prática
do comércio e financiamentos. Já os relatos acerca dos holandeses, portanto de
representantes das Províncias Unidas independentes da Espanha após 1585, só começam a
aparecer com mais constância a partir do Século XVII. Certamente foi em função disso que
Sérgio Buarque de Holanda afirmou que a investida de Hartman e Boers não mais
pertencia ao Século XVI, mas sim, ao XVII.
54
Ainda em relação ao ataque de 1599, notamos, a partir do relato de frei Vicente,
que os holandeses não possuíam a pretensão de desembarcar, antes, de auferir lucros.
Tanto que após espoliarem as naus que estavam no porto, designaram embarcações
menores para atacar os engenhos do Recôncavo, onde chegaram a incendiar um deles.
Pergunta-se: e as tais fortalezas que deveriam ser construídas pelos senhores de engenho,
como determinava o Regimento de Tomé de Souza? Se existiam, poucos efeitos tiveram,
entretanto, creio, que foi mais uma determinação não cumprida, como haveria de ser a
maioria das determinações que colocasse o ônus da defesa nas mãos dos senhores de
engenho que, como escreveu Stuart Schwartz, viviam às voltas com as dificuldades
53
Idem, p. 276-77.
54
Holanda, Sérgio Buarque de. Franceses, ingleses e holandeses no Brasil quinhentista. in. Holanda. Op. cit.
1997. p. 168. Os flamengos eram naturais da Antuérpia e participaram intensamente no comércio marítimo
no século XVI, ao passo que os holandeses, cujo desempenho nesse tipo de comércio floresceu ao longo do
Século XVII, eram naturais da Província de Amsterdã, a mais importante das sete Províncias Unidas dos
Países Baixos. Sobre a diferenciação entre os dois termos, ver Melo, Evaldo Cabral de. Uma questão de
nuança. São Paulo: Folha de São Paulo, 23 de Janeiro de 2000.
36
financeiras advindas da necessidade de altos investimentos para fazerem funcionar seus
engenhos.
55
A expedição de 1599 era apenas o prenuncio do que viria acontecer durante o
Século XVII. Já em 1603, o rei enviou uma carta ao Governador Diogo Botelho avisando
dos perigos de um ataque holandês ao Brasil:
“soube que nas ilhas de Holanda e Zelândia se ficavam acabando de aprestar e pôr em
ordem até trinta navios, com muita gente e munições, para fazer alguma empresa, e
que partiram com brevidade; e porque, por certas conjecturas, se suspeita que se faz
esta armada com desenho de ir accommeter este Estado do Brasil, pela Bahia ou Rio
de Janeiro, me pareceu fazer-vo-lo logo saber (...) Pelo que vos encommendo desde
logo vos apercebais e estejais apparelhado de tudo o que parecer que convem, para que
por qualquer parte que o imigo accommetter esse estado, ache toda a prevenção, com a
resistência e defensão necessária: e nesta occasião confio que vos hajais de maneira e
deis de vós tão boa conta como de vossa pessoa espero, e conforme é minha confiança
que de vós tenho. (...)vos mando cem quintaes de polvora para se repartirem pelas
ditas capitanias e estarem dela melhor provida”.
56
As informações reais estavam corretas. Em julho de 1604 chegaram à Bahia sete
naus comandadas por Paulus Van Carden. Dessa vez, parece que a capital estava melhor
aparelhada para se defender do ataque, provavelmente graças ao prévio aviso da Coroa,
pois os corsários não obtiveram muito sucesso, seja no porto ou no Recôncavo. Nem
mesmo as embarcações que se dirigiam para o Porto de Salvador caíram nas mãos dos
piratas, pois foram avisadas da presença do inimigo através de jangadas enviadas pelo
Governador e de tiros de alerta disparados da cidade, ou talvez, de sinais enviados pela
linha de defesa instalada no litoral norte da cidade.
Sabemos, graças a informações contidas na certidão dos serviços de Digo Botelho,
e de documento redigido por oficiais da Câmara em 20 de dezembro de 1607, que o
referido governador esteve vigilante na defesa da cidade, ordenando o guarnecimento da
praia para impedir o desembarque dos inimigos. E para que ninguém descumprisse suas
ordens, avisou que quem propusesse o abandono da praia seria punido com a própria vida e
acusado de traição. De acordo com a versão dos oficiais da Câmara, o próprio Botelho não
subiu à cidade durante os quarenta dias em que os holandeses permaneceram na baía.
57
No
que pese a credibilidade das informações contidas num relatório a ser enviado ao rei -
sendo, portanto, necessário dar os devidos descontos já que os dados apresentados eram
passíveis de alterações pautadas nas relações institucionais da época, ou seja, se as relações
55
Ver Schwartz. Op. Cit. 1988. Capítulo 8.
56
Carta Régia de 3 de Dezembro de 1603. Apud. Varnhagen. Francisco Adolfo de. História Geral do Brasil.
Tomo 2. Notas as Secção XXIV. São Paulo: Melhoramentos, 1962. p.95.
57
Certidão dos Serviços de Diogo Botelho. Apud. Idem. Ibidem.
37
entre o governador e a Câmara fossem amigáveis, as informações enviadas provavelmente
seriam favoráveis ao governador, em caso contrário, apenas seus aspectos negativos seriam
ressaltados - ainda assim, tudo leva a crer que Botelho se empenhou em cumprir a rigor as
determinações reais, procurando não decepcionar sua Majestade.
Não só nesse episódio de 1604, mas durante toda sua administração, Diogo Botelho
se mostrou empenhado em melhorar o sistema defensivo da colônia, tentando atender às
determinações da metrópole que, ao que parece, adentrou o século XVII mais preocupada
com os ataques de corsários e piratas. A própria carta do rei informando a Botelho dos
riscos e ordenando a precaução é um indício de que a corte estava mais atenta com a
segurança da colônia. No mesmo ano em que enviou a carta ao seu representante maior na
colônia, também ordenou que o arquiteto Francisco de Frias viesse para o Brasil a fim de
“tratar” das fortalezas da colônia. As ações do rei demonstram que a Coroa sabia que suas
possessões ultramarinas corriam riscos, entretanto, parece que desconhecia o tamanho
destes riscos.
Em 1605 Botelho solicitou, por intermédio de Diogo Moreno, que estava de viagem
para a Europa, o envio, o mais rápido possível, de armas, munições e recursos para
fortificar Salvador e Pernambuco, no que o rei se mostrou solícito em atender todos os
pedidos. Entretanto, o vice-rei de Portugal, na época o bispo D. Pedro de Castilho,
recomendou que, antes de atender ao pedido do governador, fosse enviado para a colônia
um perito em fortificação para avaliar a urgência do pedido. E se realmente houvesse
necessidade da obra, os encargos não deveriam recair sobre a Coroa. O vice-rei
recomendou ao monarca que escrevesse para as Câmaras do Brasil ordenando que as
despesas com as fortificações fossem pagas com a imposição do vinho. De acordo com
Serrão, é pouco provável que o tal perito em fortificações tenha vindo para o Brasil, mas o
rei acatou a sugestão de D. Castilho e recomendou que as despesas recaíssem na imposição
(do vinho), e que as outras capitanias também pagassem o mesmo tributo até o final da
obras.
58
O mesmo Diogo Moreno, sargento-mor do Estado do Brasil, que levou os pedidos
do governador Botelho em 1605, escreveu, em 1612, um relato importante que abordou as
condições da defesa da colônia. Intitulado Livro que dá Razão do Estado do Brasil, o
relatório do sargento traz informações relevantes sobre o sistema defensivo de Salvador.
58
Cf. Serrão. Op. cit. 1968. pp. 101 a 103. O autor cita e transcreve trechos de cartas trocadas entre o vice-rei
português e o monarca espanhol acerca do assunto. Sobre a imposição do vinho, trata-se de uma sobretaxa
cobrada na comercialização do vinho.
38
Fazendo menção à solicitação que enviara ao rei em 1605 reclamando a necessidade de
fortificação, Moreno afirma que tanto a cidade quanto o Recôncavo, “a qualquer rebate
vivem em tormento e decomposição, havendo com suas armas e à sua custa de acudir a
cidade”.
59
Mais adiante o autor volta a insistir na debilidade defensiva de Salvador:
Por muitas vezes se tem advertido à Sua Majestade que os Fortes de Santo Antonio,
de Itapagipe e da Água de Meninos não são de nenhum efeito, assim porque não
defendem nada, como pelo grande risco com que se sustentam por sua fraqueza e má
traça,e é de crer que, por defender qualquer deles, que estão a uma légua da cidade,
aventura-se, dividindo a gente, a perder a mesma cidade pelo que se adelgaçam as
forças, e quando, pela conservar, não se dividindo, deixarem de socorrer os ditos
fortes, e não se socorrendo, perder-se algum deles, ou todos, perde-se a honra e a
artilharia...
60
O documento põe em cheque a eficácia da fortificação de três importantes áreas da cidade
cujos fortes possuíam problemas que remontavam ás suas construções, já que, segundo
Moreno, estes foram mal planejados. Nesse caso, utilizar os referidos fortes para defender
a cidade de eventuais ataques era por em risco a vida de quem neles estivessem, e mais
ainda, articular qualquer reação a um possível ataque significava lidar com uma grande
dúvida: até que ponto era viável dividir as forças humanas da defesa colocando parte delas
para defender os fortes, já que essa divisão poderia implicar na perda da cidade? E mais,
não procedendo com a divisão também se corria o risco de perder os fortes, logo, as perdas
iam além do campo bélico, perdia-se também a honra e vidas humanas.
Chamo ainda a atenção para o fato de que o mesmo forte de Santo Antonio aqui
criticado, foi recomendado, dez anos depois, pelo rei para servir de base às operações de
defesa da cidade, conforme carta régia de 3 de agosto de 1622.
61
Dessa maneira, a carência
de recursos obrigava a utilização de mecanismos ultrapassados para a defesa da cidade.
Autoridade no assunto, Moreno segue seu relatório num tom enfático: “... a fortificação da
cidadela está tão atrasada e a cidade é uma aldeia aberta, exposta a todos os perigos
enquanto aquela parte se não fortificar”. Vai além, narrando as investidas que a capital da
América Portuguesa sofrera em 1604, sentencia: “se livrou mais por boa fortuna que por
razão de guerra”.
62
59
Moreno, Diogo de Campos. Livro que dá Razão do estado do Brasil – 1612. Recife: Arquivo Público
Estadual, 1955. p. 141. (Grifo meu)
60
Idem. Ibidem. p. 143. (Grifo meu)
61
Carta Régia de 3 de agosto de 1622. apud. Costa, Luiz Monteiro. Na Bahia Colonial. Apontamentos para a
história militar da cidade de Salvador. Salvador: Livraria Progresso Editora, 1958.
62
Moreno. Op. cit. p. 150. (Grifo meu)
39
Em 1614, Baltasar de Aragão, na ausência do Governador-Geral, Gaspar de Souza,
foi nomeado capitão-mor da guerra da Bahia e recebeu a incumbência de defender a cidade
de um ataque de franceses, e assim o fez. Recebendo notícias de que as embarcações
inimigas estavam nas proximidades de Morro de São Paulo, Baltazar de Aragão saiu ao
encontro dos inimigos. Quando tudo parecia resolvido a favor dos portugueses, um
acidente esdrúxulo acometeu a nau em que se encontrava o capitão-mor da guerra da
Bahia, que morreu com mais duzentos homens.
63
Um aspecto desse episódio a ser
destacado é que, ao ser avisado do risco de um ataque francês, o capitão-mor deu início aos
trabalhos de defesa da cidade. Segundo Frei Vicente, Baltasar de Aragão
logo começou a perceber e fortificar assim a cidade como a praia, cercando-as de suas
cercas de pau-a-pique, com tanta diligência que a todo instante trabalhava com seus
escravos e criados sem ocupar a outros, [...], com quem fez de pedra e cal o muro e
portal da banda do Carmo, que até então era de terra de pilão, reformou e fortificou as
portas, o que tudo pagou da sua bolsa, e até os paus para a cerca da praia mandou vir
quase todos nas barcas dos seus engenhos.
64
Fica evidente, mais uma vez, mesmo com o provável aumento nas preocupações da Coroa
com a defesa da colônia, a continuidade da fragilidade do sistema defensivo de Salvador,
onde, às vésperas de um suposto ataque, corria-se contra o tempo para preparar uma defesa
que deveria está em pleno funcionamento em uma “cidade fortaleza” que era a capital da
colônia e abrigava um porto bastante movimentado.
Como podemos notar, os trechos citados são contundentes ao se referirem às
fortificações de Salvador. A cidade fortaleza não saiu das páginas do Regimento de Tomé
de Souza. Com o desenvolvimento da colônia e conseqüente crescimento da capital, seus
limites ampliaram-se no decorrer do tempo e sua defesa tornava-se cada vez mais precária.
Entretanto, a precariedade do sistema defensivo não era, ao que parece, resultado apenas
do descaso das autoridades, mas também, da escassez de recursos para arcar com os altos
custos da defesa. Ao menos é o que podemos concluir ao observar na tabela abaixo que em
1611 a maior parte das despesas da Fazenda Real eram destinadas à “gente de guerra”, ou
seja, com a defesa. De qualquer maneira, mesmo não sendo má vontade da administração
real, a debilidade do sistema defensivo era clara, e é nesse aspecto que reside uma das
fortes razões para o insucesso diante do holandês invasor em 1624.
63
Após vitoriosos combates, Baltasar de Aragão resolveu não afundar a nau capitania francesa, optando por
sua capturara. Triste escolha, “não sei com que vento, (...), quando ia já para a ferrar, pendeu tanto a sua nau
que tomou água pelas portinholas da artilharia, calando-se pelas escotilhas que iam abertas, foi entrando tanta
que incontinenti se foi ao fundo com seu dono”.Cf. Salvador. Op. Cit. p. 346-7.
64
Idem. Ibidem. p.346.
40
DESPEZAS DA FAZENDA REAL NA CAPITANIA DA BAHIA EM 1611
Instituição Despesa
Gente de Guerra
6:870$000
Igreja 5:443$640
Relação e Governador 4:954$000
Fazenda 1:059$600
Entretenidas 270$000
Tenças 143$000
Total 18:740$240
Fonte: Moreno, 1612.
Administração e conflitos
A despeito de questões relacionadas ao sistema defensivo de Salvador, alguns
autores buscaram explicar a rápida queda da cidade em mãos inimigas através dos conflitos
existentes entre as instituições coloniais.
65
Assim, uma querela entre o bispo e o
governador em atividade no ano de 1624 teria enfraquecido a defesa da cidade. Nesse caso,
vejamos alguns aspectos da administração colonial nas vésperas da invasão holandesa.
A administração real estabelecida na colônia estava baseada no tripé fazenda,
guerra e justiça. No início do século XVII, a cidade de Salvador abrigava, além das
instituições estabelecidas com a criação do governo geral no século anterior, o Tribunal da
Relação, órgão que teria sido criado, entre outras coisas, em função dos constantes
conflitos de interesses entre funcionários seculares e eclesiásticos. Porém, Schwartz
acredita que a verdadeira
razão dada para a criação da Relação do Brasil foi o fato de que a América Portuguesa
estava crescendo em tamanho e importância. A colônia estava germinando e se
tornando cada vez mais importante, tanto estrategicamente, como base de defesa
militar, quanto economicamente, como fonte de açúcar.
66
Pensando estas instituições que se instalaram no Brasil colônia numa perspectiva de
Império, ou seja, como semelhantes às instaladas em outras partes do domínio português
65
Sobre os autores que sugerem essa interpretação ver, entre outros: Azevedo, Thales de. Povoamento da
Cidade de Salvador. Salvador: Editora Itapuã: 1969. e Calmon, Pedro. História do Brasil. Vol.2. Rio de
Janeiro: José Olimpo, 1959.
66
Schwartz. Op. Cit. 1979. p. 49.
41
no mundo, Boxer afirmou que “investigações recentes acerca da estrutura social da Câmara
e da Misericórdia da Bahia mostram que os poderosos locais provinham ainda
esmagadoramente das famílias dos senhores de engenho do Recôncavo...”.
67
E sobre a
importância das instituições supracitadas, escreveu:
A Câmara e a Misericórdia podem ser descritas, apenas com um ligeiro exagero, como
os pilares gêmeos da sociedade colonial portuguesa desde o Maranhão até Macau.
Garantiam uma continuidade que governadores, bispos e magistrados passageiros não
podiam assegurar. Os seus membros proviam de estratos sociais idênticos ou
comparáveis e constituíam, até certo ponto, elites coloniais.
68
De acordo com o trecho citado, o autor caracteriza as câmaras como sendo
representante das reivindicações locais, prezando pela continuidade das ações práticas,
mais ligadas à vida cotidiana dos habitantes da colônia. Já no caso de governadores, bispos
e magistrados, enviados reais que transitavam em partes diferentes do império ocupando
cargos, as principais preocupações estavam relacionadas ao acumulo de experiência e
obtenção de cartas de recomendações com o intuito de alargar as mercês a serem recebidas
pelos serviços prestados, isso sem falar nas vaidades individuais. Notamos, a partir das
afirmações de Boxer, a existência de dois poderes, um local, representado pela câmara, e
outro metropolitano, representado por governadores, magistrados e bispos. Mas apesar
dessa distinção, esses poderes atuavam conforme a situação. Ora em acordo, ora sob forte
tensão. E os representantes metropolitanos também entravam em desavença entre si,
especialmente governadores e magistrados versus bispos. Também os membros da câmara
se desentendiam constantemente com os bispos.
Certamente, as divergências envolvendo os poderes seculares e religiosos na
colônia passavam pela própria concepção de como deveria ser dirigida a colonização. Se
por um lado havia a necessidade de dominar o território e incluir as populações nativas na
nova sociedade que emergia, por outro lado havia a demanda de mão de obra para fazer
funcionar a economia açucareira. Dessa forma, temos dois projetos distintos de
colonização que envolviam a população ameríndia, a saber: 1) de longo prazo, sob a
responsabilidade do Estado e da Igreja, cujo objetivo era transformar o índio em súdito; 2)
de curto prazo, resultado das necessidades dos colonos, que consistia na escravização do
índio para atender às exigências da produção açucareira.
67
Boxer. O Império Colonial Português. Lisboa: Edições 70, 1969. p. 313. (grifo meu)
68
Idem.Ibidem. p. 305.
42
À coroa cabia administrar o descompasso entre os interessados nestes dois projetos
opostos, ambos fundamentais para o desenvolvimento da colônia. Nesse sentido, a
metrópole investiu nas desavenças entre seus agentes com o intuito de centralizar as
decisões, mantendo, de certa maneira, a submissão da colônia enquanto passava o tempo
administrativo, aquele da burocracia, dos papéis que circulavam várias instancias e
atravessavam o Atlântico.
No entendimento de Maria Fernanda Bicalho, a historiografia tradicional vê nos
conflitos de autoridade e jurisdição que ocorriam entre os administradores da colônia como
ponto um negativo das relações entre poder central e poderes locais. Entretanto a autora
considera que a “justaposição de funções e competência [foi], até certo ponto, uma política
deliberada da Coroa, que chegou a incentivar um certo enfrentamento entre seus agentes
justamente pelo motivo de se acharem isolados pela grande distancia que os separava do
reino”.
69
A mesma opinião é compartilhada por Schwartz, para quem o modelo da
administração colonial favorecia o controle mutuo das instituições, o que gerava contínuas
consultas à Coroa, que aproveitava o tempo burocrático para manter o controle da colônia.
Assim, era de interesse da própria metrópole que os administradores coloniais tivessem
seus poderes limitados, obrigando-os à freqüente consulta da Coroa.
70
A partir desses pólos opostos, podemos visualizar a complexidade da administração
portuguesa. Ressaltamos que os colonos eram representados por senhores de engenho e
comerciantes, e não raras vezes estes eram os próprios membros da administração. Nesse
caso, os vereadores que, em tese, faziam parte da administração real, eram também os
principais interessados nos assuntos locais. Um bom exemplo para ilustrar a atuação dos
vereadores e dos conflitos que envolviam os projetos supracitados é a promulgação da lei
de 30 de Junho de 1609, segundo a qual declarava-se a liberdade dos índios. De acordo
com o Padre Provincial Henrique Gomes, que escreveu ao Rei em 5 de julho de 1610
dando conta do que se passara na Bahia após a publicação da referida lei, o povo e Câmara
reagiram muito mal, voltando seus protestos contra os jesuítas, defensores da liberdade
indígena. Segundo Gomes, foi o maior motim que ele vira desde que chegou ao Brasil.
Com a palavra, o Padre:
... deram princípio os juizes e vereadores com uns repique a som de guerra, com que a
28 de junho à tarde convocaram o povo à Câmara, onde sendo todos juntos, tratando-
69
Bicalho, Maria Fernanda Baptista. Centro e periferia. Pacto e negociação política na administração do
Brasil colônia. In. Leituras: Ver. Biblioteca Nacional de Lisboa, S.3, nº 6, Abril – Out. 2000. (p.21)
70
Schwartz. Op. Cit. 1979. p. 171.
43
se a matéria, houve vários pareceres e entre eles alguns que nos embarcassem a todos
para Portugal, por inimigos do bem comum e da república [...]. Em resolução, depois
de vários debates, se assentou que todos juntos em um corpo fossem reclamar a Lei de
Sua Majestade diante do Governador Geral e do Chançare-mor, o que efetuaram,
entrando dentro de suas casas só a câmara, e ficando de fora o povo todo, bradando a
grandes vozes que não queriam nem aceitavam tal lei, excitando-os Gaspar Gonçalves,
procurador do conselho, que sob capa de zelo da república foi a mor causa deste
motim e alevantamento, persuadindo ao povo, com grandes vozes, que lhes queríamos
tirar todo seu remédio e a sustentação [...] o povo se assanhou de modo que largavam
pesadas palavras contra os da Companhia, dizendo uns que nos embarcassem, outros
que nos entaipassem o Colégio; e foi tal o motim do povo, que o Procurador dos
índios correu o risco de ser morto, só por dizer nesta ocasião que se informassem da
verdade e achariam que os Padres não tinham culpa alguma.
71
Do trecho citado fica patente a iniciativa da Câmara em protestar contra a nova lei
que mexia com os interesses dos colonos, dentre eles, os poderosos senhores de engenho.
Demonstra também a capacidade de mobilização da Câmara Municipal, que envolveu a
população num “motim” contra uma respeitada ordem religiosa. E, mais ainda, os protestos
deveriam atravessar o Atlântico, sendo dirigidos ao próprio rei e, num só documento,
mesmo que para isso fosse necessária o uso de coação. E assim o fez o vereador Jorge
Lopes da Costa, que foi pedir aos jesuítas, por parte da câmara uma certidão na qual
declarasse que a nova lei era um desserviço a Deus e à Coroa e que prejudicaria todo o
Estado. Além disso, deu a entender,
com palavras claras, que, se a não desse, determinava a Câmara convocar os
moradores todos deste Recôncavo, para que de mão comua nos embarcarem ou
fazerem outro semelhante agravo. Confesso fiquei sobressaltado, e comecei a imaginar
onde estava: se em cidade livre de Sua Majestade, ou em alguma de inimigos, pois
com tal força me queriam obrigar a fazer o que em nenhum modo podia, salva
consciência; mas reprimindo o sentimento, lhe respondi com palavras brandas, afim de
os aplacar, que em tudo o que eu pudesse os serviria; não lhe dei contudo a certidão,
que pediam, senão outra, em forma que nos pareceu a todos lícita...
72
Em sua versão do ocorrido, o religioso ataca os vereadores, magistrados e o
governador ao se perguntar em que lugar estava: cidade livre de Sua Majestade, ou em
alguma de inimigos? Também busca justificar no medo que teria sentido, o motivo pelo
qual concedeu a certidão, não a que queria a Câmara, mas de qualquer maneira, uma
certidão a favor dos colonos, os quais reivindicavam três coisas: que a nova Lei não lhes
retirassem “os índios legítima e verdadeiramente cativos conforme as leis e provisões dos
71
Carta do Padre Provincial Henrique Gomes. 5 de julho de 1610. In. LEITE, Serafim. História da
Companhia de Jesus no Brasil. Vol. V. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1945. (p. 5-8)
72
Idem. Ibidem.
44
reis passados”, que não tomasse os índios “livres” que em suas casas e fazendas
mantinham, e esclarecer que a nova Lei abraçava os interesses dos jesuítas que queriam
“chupar os índios de suas casas” para os aldeamentos.
Gomes ainda diz na carta que tentou convencer a Câmara de que não era
responsável pela nova Lei, “acrescentando que nós não éramos partes nem o queríamos ser
aos embargos que pretendiam por à nova Lei de Sua Majestade, que veio dirigida à
Relação desta cidade, e nela foi registrada, sem nós a apresentarmos nem sabermos parte
dela”.
73
Aqui o nosso informante tenta eximir os jesuítas de qualquer culpa pela nova Lei,
ao passo que busca colocar o recém chegado Tribunal da Relação na berlinda. Segundo
Schwartz, não ficou clara a participação da Relação na promulgação da Lei que provocou
toda esta confusão, muito menos o quanto a população vinculou a nova determinação à
chegada do Tribunal. Para Schwartz, “é impossível determinar se a Relação ficou
desacreditada pela promulgação da Lei”.
74
O Padre Gomes finaliza a carta demonstrando temor de novos motins “em caso que
a dita Lei venha confirmada de Sua Majestade, e os de seu Conselho não estranharem ao
Governador deste Estado a dissimulação com que nele se houve, e não castigar os que nele
foram culpados e particularmente o procurador do conselho...”.
75
Em sua conclusão, o
jesuíta não dispensa novas críticas ao Governador, desta vez atacando-o diretamente, pela
dissimulação com que agiu, bem como cobra do rei uma punição ao procurador do
conselho.
Para além das discordâncias com relação aos índios, os representantes dos poderes
religioso e civil conflitavam por motivos anteriores à descoberta da América - a instituição
do padroado. Assim, desde a Idade Média, em Portugal, a Igreja se submetia aos desígnios
do Estado, mas essa submissão se deu de maneira relutante, impregnada de desconfianças,
agravada pelo fato de que cabia ao Estado a arrecadação dos dízimos da Igreja.
76
No Brasil, a cobrança do dízimo ficava a cargo da Fazenda Real, o que resultava
em uma série de conflitos, haja vista que colocava os religiosos na dependência dos
funcionários reais que podiam manter os cofres fechados como bem entendessem. Um dos
expedientes utilizados pelos funcionários e mesmo por desembargadores foi o de garantir
primeiro seus salários, depois os da Igreja. Foi assim que o bispo Constantino Barradas
73
Idem. Ibidem.
74
Schwartz. Op. Cit. 1979. p. 111.
75
Carta do Padre Provincial Henrique Gomes. Op. Cit.
76
Faoro. Raymundo. Os donos do poder. Formação do patronato brasileiro. Vol. 1. 9º edição. São Paulo:
Globo, 1991. p.197.
45
(1600-1618) excomungou, em 1608, o provedor mor da Fazenda Pedro Cascais porque não
pagou “certos atrasados da folha eclesiástica do modo que ele bispo entendia”.
77
Embalados na insatisfação da dependência financeira do Estado e pelas
divergências no modo de conduzir as questões indígenas, qualquer motivo era passível de
confusão entre religiosos e funcionários reais. Assim, numa sociedade em que o status era
algo desejado por todos, a posição ocupada pelas autoridades em procissões e solenidades
passou a ser alvo de constantes conflitos.
A 12 de Julho de 1609 o governador Diogo de Menezes escreveu ao rei relatando o
comportamento do mesmo bispo Barradas numa procissão do corpo de cristo que teria
acontecido em Olinda. Segundo o governador, Barradas o “injuriou” na frente de todo o
povo, e fazendo isto atingia ao rei, pois que ele, Diogo de Menezes, era o representante de
Sua Majestade. De acordo com a carta, o bispo não obedecia aos lugares que as
autoridades deveriam ocupar na procissão. Rezava o costume que à frente das procissões
iria a bandeira da câmara, depois, juntos, o bispo e o governador, seguidos pelos oficiais da
câmara. Naquele ano, o bispo iniciara a cerimônia antes do horário combinado, sem a
presença do governador, dificultando o acesso deste ao lugar que deveria ocupar. Para
agravar ainda mais a situação, devido a chuva que caiu naquele dia, a procissão foi
realizada no interior da igreja. Nesse ambiente circunscrito, bispo e governador passaram
das provocações para um embate verbal. Ali, defronte de todo o povo, os representantes
maiores da Igreja e do Estado ofereceram ao público uma mostra de como se
relacionavam. Com a palavra, Diogo de Menezes:
E era o que fazia (o bispo) deante de todo o povo, a que me respondeo mil desvarios a
que eu não respondi mais; que eu era D. Diogo de Menezes, estava neste Estado,
governado-o como Vossa Magestade mandava, e que nelle ninguém teria melhor logar
do que eu, pois representava a pessoa de Vossa Magestade, ao que elle respondeo,
entre outras coisas, que eu era menos do que elle e seo governo melhor do que todos,
ao que me calei, porque me pareceo assy conveniente ao logar e ao serviço de Deus e
de Vossa Magestade.
78
A atitude do bispo desmoralizava o governador numa clara disputa de prestígio
perante os súditos Del Rei. Em 1610, novamente Diogo de Menezes escrevia ao rei. Agora,
num tom menos cordial do que o utilizado na correspondência anterior, reclamava que
77
Varnhagen, Francisco Adolfo de. História Geral do Brasil antes da sua separação e independência de
Portugal. Tomo 2. São Paulo: Ed. Melhoramentos, 1962. p. 110.
78
Carta do Governador Diogo de Menezes ao Rei. Olinda, 12 de julho de 1609. Apud. Amaral, Braz do.
Governadores e Bispos. Lutas entre os poderes temporal e espiritual nos séculos XVI e XVII. In. Anais do
APEB. Vol. 27. pp. 185-247. Salvador: Imprensa Oficial, 1941. p. 198-9.
46
nenhuma provisão do rei era obedecida no Brasil e das constantes excomunhões praticadas
pelos bispos contra os membros da Relação, governadores e a quem mais se opusessem.
Aparentemente irritado com as intervenções do bispo, Menezes desabafou:
He negocio este de muita importância para o serviço de Vossa Magestade, a que
convém acudir-se com toda a brevidade possível porque se os clérigos, em suas causas
particulares, com a capa de arrecadar o seo, hão de excomungar o Governador e os
oficiais da Fazenda de Vossa Magestade, não será compatível o serviço de Vossa
Magestade, nem haverá oficial que o possa servir e será grande desfraudo para sua
Fazenda...
79
Certamente Diogo de Menezes estava preocupado com os excessos do bispo, mas, não
estava menos preocupado com o seu bolso, pois se o bispo o excomungasse, a exemplo do
que já fizera com desembargadores da Relação, ficaria a arrecadação nas mãos dos
religiosos, o que sem dúvida seria um transtorno para administração colonial que esteve
sempre às voltas com a carência de recursos. Como vimos anteriormente, a própria defesa
da colônia ficava a mercê de improvisos em função, muitas vezes, da ausência de receitas.
A tônica não foi outra quando, em 1622, chegou na Bahia o quinto Bispo do Brasil,
D. Marcos Teixeira. Sua trajetória na Bahia confunde-se com a própria história da invasão
e ocupação holandesa. Seu nome é uma incógnita para os historiadores em diversos
sentidos. Não temos sequer certeza de sua biografia, sempre confundida com a do visitador
da inquisição que esteve na colônia em 1618
80
. Da sua atuação nos combates com os
holandeses temos informações discrepantes que ora o colocam na condição de herói, ora na
de vilão. Tendo se oposto aos trabalhos preventivos de fortificação da cidade realizados
pelo governador, foi um dos principais organizadores da resistência aos holandeses. Até
mesmo sua morte é motivo de dúvidas. Para uns foi envenenado por um cristão novo, para
outros, morreu adoentado, vítima da velhice. Vejamos como o franciscano Frei Vicente do
Salvador narrou o primeiro desentendimento desse controverso personagem com o
governador Diogo de Mendonça Furtado, já no momento da sua chegada em Salvador, a 8
de dezembro de 1622:
desconcordaram estas cabeças, não querendo o governador achar-se no ato do
recebimento e entrada do bispo, senão se houvesse de ir debaixo do pálio praticando
com ele, no que o bispo não quis consentir, dizendo que havia de ir revestido da capa
de asperges, mitra e báculo, lançando bênçãos ao povo, como manda o cerimonial
79
Carta de Diogo de Menezes ao Rei. Bahia, 20 de janeiro de 1610. Apud. Idem. (pp.200-4)
80
Sobre esta questão ver França, Eduardo D’Oliveira e Siqueira, Sônia. A segunda visitação do Brasil. In.
Anais do Museu Paulista. Tomo XVII. São Paulo, 1963.
47
romano, e não era decente ir praticando. Por isto não foi o governador, mas mandou o
chanceler e os desembargadores...
81
Talvez Mendonça Furtado, sabendo das confusões passadas entre religiosos e
administradores, das disputas pelo poder existentes na colônia, tivesse tentado demarcar
seu espaço, passando uma imagem de sintonia entre ele e o novo bispo ao decidir que só
iria à sua recepção se desfilassem lado a lado. O governador sabia do poder que possuíam
os bispos pelo simples fato deles serem os representantes do papa na colônia, portanto a
maior autoridade religiosa no Novo Mundo. Também era de seu conhecimento que as
desavenças passadas entre bispos e governadores se deram por questões financeiras e que,
na sua gestão, a tendência era o acirramento dessas desavenças, haja vista que Mendonça
Furtado tomou posse em 1621 e trazia consigo a difícil tarefa de proteger a América
Portuguesa de ataques holandeses, tidos como certos depois que expirou a trégua de doze
anos entre a Espanha e as Províncias Unidas.
82
Nesse sentido, suponho que o governador
estivesse disposto ao tudo ou nada. Ou teria o bispo do seu lado apoiando-o em suas
tarefas, ou o deixaria de lado, relacionando-se com ele apenas no que obrigava as funções
do seu cargo.
Caso minha suposição esteja correta, Mendonça Furtado deve ter se arrependido da
estratégia que utilizara, pois D. Marcos tornou-se um opositor implacável. Segundo
Salvador, além das antigas querelas sobre que lugar ocupar na igreja, governador e bispo se
desentendiam por causa das obras de defesa da cidade, pois ao ser convidado pelo primeiro
a benzer a primeira pedra que se lançou na construção de um novo forte, o segundo
respondeu que “se lá fosse seria antes amaldiçoá-la, pois fazendo-se o dito forte cessaria a
obra da sé, que se fazia do dinheiro da imposição”
83
. O que, segundo Frei Vicente, não era
tão verdadeiro, pois teria o bispo recebido uma quantia do governador para tocar a
construção da Sé. E mesmo que não tivesse recebido quantia alguma para a Sé, o bispo
agia mais uma vez desconsiderando ordens reais, pois o governador estava cumprindo o
que determinava a Carta Régia de 3 de agosto de 1622:
quanto às fortificações, vista a relação que acerca delas fez o capitão e engenhero-mor
Francisco de Frias da Mesquita, e o que vos pareceu hei por bem que a da Bahia
preceda todas a outras e por ser impossível, tendo tantos surgidouros bocas de rios
81
Salvador, op. Cit. p.359-60.
82
Essa trégua vigorou entre os anos de 1609 e 1621, caracterizando-se como um período em que os
holandeses intensificaram seus interesses pelos gêneros da América Portuguesa. Com fim dessa trégua, era
tido como coisa certa que os holandeses atacariam possessões espanholas no ultramar, incluindo aí as
colônias portuguesas. Cf. Puntoni. Op. Cit. p. 47.
83
Salvador. Op. Cit. p. 359.
48
assegurar tudo, se reduza a fortificação aos dois fortes de Santo Antônio e São Felipe,
melhorando-os conforme a traça que enviastes, fazendo de novo sobre a lajem, que
está defronte da cidade, o Forte Novo e mole (?) para abrigo dos navios; e que a
cidade se fortifique por entre ambas as bandas do mar e terra, tudo na forma que trata
e na relação do engenheiro-mor se aponta, e se escusam os mais fortes que não são de
efeito.
84
Além do governador, a Câmara e a o Tribunal da Relação tiveram problemas com
D. Marcos Teixeira. De acordo com frei Vicente, os desembargadores
contenderam sobre o espiritual e jurisdição que tem pera a correção dos vícios e neste
tempo mais que em nenhum outro, porque lhe tiraram de um navio dois homens
casados, que mandou fazer vida com suas mulheres a Portugal por estarem cá
abarregados com outras havia muito tempo, e isto sem os homens agravarem, antes
requerendo que os deixasse ir, pois já estavam embarcados, pelo que o bispo
excomungou o procurador da coroa, que foi o autor disso e houve sobre o caso muitos
debates. Enfim estas eram as guerras civis que havia entre as cabeças...
85
Já a Câmara de Salvador teve problemas semelhantes àqueles descritos nas cartas de Diogo
de Menezes, ou seja, disputaram sobre onde ir a bandeira municipal nas procissões. Em
função desta questão, D. Marcos pediu parecer da Relação que decidiu em favor da
Câmara. Não satisfeito, o bispo apelou para a Mesa da Consciência, que para seu
desespero, também apoiou a Câmara.
86
Essas intrigas da elite administrativa não eram, como demonstrei anteriormente,
nenhuma novidade na colônia. Porém, em função do momento delicado em que
aconteceram, as rusgas entre D. Marcos e Mendonça Furtado tomaram proporções maiores
do que as costumeiras queixas ao rei: aprofundaram as deficiências do sistema de defesa de
Salvador em 1624. Essa afirmação não deve ser encarada como um julgamento de valor.
Não se trata de concordar que a responsabilidade da queda de Salvador em mãos
holandesas reside nas futricas do bispo e do governador. A intenção é apenas destacar que
essas confusões contribuíram de alguma maneira para o insucesso da defesa da cidade.
Senão vejamos:
Avisou Sua Majestade (que havia zarpado uma grande armada da Holanda) ao
governador Diogo de Mendonça para que se apercebesse na Bahia, e avisasse os
capitães das outras capitanias fizessem o mesmo, porque se dizia virem para o Brasil.
(...)
84
Carta Régia de 3 de agosto de 1622. apud. COSTA, Luiz Monteiro. Na Bahia Colonial. Apontamentos para
a história militar da cidade de Salvador. Salvador: Livraria Progresso Editora, 1958. (Grifo meu) Convém
observar mais uma vez o caráter de improvisação da defesa da cidade, nesse caso, muito em função das
dificuldades provenientes do espaço geográfico.
85
Salvador. Op. Cit. p. 360.
86
Schwartz. Op. Cit. 1979. p.161-2.
49
...se apercebeu o governador nesta Bahia, mandando vir toda a gente do
recôncavo.
87
O governador, atento às recomendações reais, ordenou o envio de reforços do
Recôncavo quando soube da presença da nau Holandia na localidade de Boipeba,
mencionada anteriormente. Entretanto, após alguns dias de guarda sem que a cidade fosse
atacada, muitos retornaram para suas casas à revelia do que ordenara o governador. Essa
insubordinação encontrou apoio do bispo, que
havia julgado ser maior o damno que resultava aos habitantes, que o proveito da
defesa, reputando menor o perigo, e que assim o tinha pregado, sem querer reunir-se
ao conselho do governador por algumas razões, que tinha por justificadas, dando com
isso occazião não pequena à perturbação, e desacoroçoamento que depois houve.
88
Por essa atitude, Boxer considerou que faltava bom senso ao bispo.
89
De fato, fica
difícil caracterizar a postura do religioso de outra maneira. Como explicar que em tempos
tão inseguros, quando todos preparavam a colônia para se defender de uma ofensiva
holandesa anunciada, D. Marcos recomendasse que as pessoas abandonassem os postos de
defesa?
Não foram outros os motivos, senão a soma dessa insubordinação com a fuga da
cidade quando os holandeses efetivaram o ataque em maio de 1624, que permitiram a
alguns autores colocar o bispo na berlinda, responsabilizando-o pelo fracasso da defesa. Ao
menos é assim que considera Pedro Calmon em sua História do Brasil, para quem o bispo
era, em parte, responsável pela desgraça.
90
Ou ainda Algedy de Sousa que, analisando a
defesa de Salvador por ocasião da invasão holandesa considera que a cidade estava com
suas fortificações em condições normais de emprego, concluindo que “os atritos entre o
governador e o bispo, (...), iriam ser uma das causas principais do fracasso da defesa. A
deserção do bispo do campo de luta foi outro fator importantíssimo para acelerar a
derrocada de Salvador...”.
91
Certamente as atitudes de D. Marcos trouxeram danos, mas o bispo não era
responsável pelos assuntos bélicos, suas funções eram outras – embora sempre as
extrapolasse como vimos aqui. Ainda assim, se aceitarmos colocar a culpa sob os ombros
87
Salvador. Op. Cit. p. 361.
88
Vargas, Thomas Tamayo de. A Restauração da cidade do Salvador, Bahia de Todos os Santos, na
província do Brasil, pelas armas de Felipe IV, Rei católico da Espanha e Índias. Orig. 1628. in. Revista do
IGHBa, pp. 17-312, n.º 56, 1930. p. 61.
89
Boxer. Op. Cit. 1973. p. 62
90
Calmon. Op. cit. p. 520.
91
Souza, Algedy de. A defesa de Salvador na primeira invasão holandesa. Bahia: (?), 1957. p. 36.
50
do bispo, não estaria descaracterizada a debilidade do sistema defensivo como uma das
principais causas do “vexame” sofrido pela capital colonial diante dos invasores, pelo
contrário, coloca a descoberto todas as falhas desse sistema quando aceita a idéia de que a
intervenção do bispo era capaz de desarticular todo o esforço do governador, encarregado
real para organizar a defesa da cidade.
Por outro lado, os relatos portugueses Seiscentistas, em sua maioria produzidos
por padres, buscam defender o bispo, tratando-o como herói por ter comandado a
resistência aos holandeses após a fuga da cidade, além de enaltecerem a participação fiel
dos índios aldeados pelos jesuítas, numa clara propaganda de que os aldeamentos eram
eficientes e úteis para a colonização. Nesses relatos, a culpa recai sobre a “covardia” dos
soldados que fugiram em desespero.
Embora não seja nossa intenção montar um tribunal para julgar os culpados pelo
fracasso defensivo de Salvador, nota-se que já no Seiscentos, os cronistas se apressaram
em defender pontos de vista opostos. Assim, se os jesuítas defendiam o bispo e exaltavam
o retorno bem sucedido de seus trabalhos de catequização junto aos índios, os cronistas
espanhóis, trataram de negar qualquer desleixo da administração dos filipes em relação à
defesa da principal colônia portuguesa, exatamente o que pretendiam os portugueses
contrários à União Ibérica para abalar a estrutura do domínio espanhol. Dessa maneira, os
espanhóis procuraram encontrar, no calor dos acontecimentos, um culpado capaz de
desviar a atenção dos críticos. Para tal função, ninguém melhor que os cristãos novos.
Filho da conversão forçada ao catolicismo, o cristão novo não era nem judeu nem
católico, ao mesmo tempo em que era considerado judeu pelos católicos e católicos pelos
judeus. Sob esse dilema esses indivíduos eram obrigados ainda a conviver com a
Inquisição. Perseguidos por esta instituição católica que muitas vezes lhes tiravam a
privacidade, os bens, a vida... Os cristãos novos buscaram migrar para áreas onde o poder
inquisitorial não atuasse, ou só existisse na teoria. Nesse sentido, migraram para os países
do norte europeu e para o Novo Mundo.
92
Daquele judeu convertido, convertido no final do século XV para o cristão novo do
século XVII, que vivia na Bahia no momento da invasão holandesa, existe uma grande
distância. Esse último havia criado raízes no Novo Mundo, constituído famílias,
miscigenado-se com os nativos, conseguido cargos na administração, enfim, conseguira se
encaixarar na sociedade colonial, sabendo inclusive driblar a perseguição que sofria,
92
Novinsky, Anita. Cristãos Novos na Bahia: a Inquisição. São Paulo: Ed. Perspectiva, 1992.
51
sempre suspeito de tudo, principalmente em momentos difíceis como o da invasão
holandesa.
93
Apesar das perseguições e discriminações existentes contra os cristãos novos,
incluindo aí a política preconceituosa do próprio Estado português, eles foram um
elemento importante na sociedade baiana, e fundamentais para a economia colonial.
Conectados ao comércio açucareiro, foram proprietários de engenhos, lavradores,
mercadores e, em alguns casos, como mencionei acima, ocuparam cargos públicos. Essa
ligação com o trato açucareiro os colocava em contato direto com os compradores
europeus, portanto com os holandeses. Sem dúvida, o conhecimento público do contato
entre holandeses e cristãos novos contribuiu para a acusação de traição feita pelos
espanhóis.
Para compreender melhor que tipo de relação poderia existir entre cristãos novos e
holandeses - o que realmente interessa para o propósito desse trabalho, ao invés de julgar a
postura desse grupo como se ele fosse homogêneo, - passo a examinar a visitação da
Inquisição ao Brasil.
94
Já vimos que a primeira Visitação do Santo Ofício, ocorrida no ano
de 1591, coincidiu com o decreto do rei que proibiu o comércio com os holandeses nos
portos portugueses e espanhóis. Já em 1618, por ocasião da Segunda Visitação, nova
ordem real determinava a expulsão dos estrangeiros do Brasil. Insisto que pode ser
coincidência, porém, me parece mais verossímil que se tratasse de um trabalho
sincronizado que visava restringir a presença de comerciantes holandeses no Brasil. Dessa
forma, podemos situar as visitações do Santo Ofício a Colônia na confluência dos
interesses deste último com os interesses da Coroa.
Nas confissões, período da visitação em que se concedia a graça aos que
confessassem seus pecados, encontramos notícias das relações entre cristãos novos e
holandeses. É o caso de João d’Araujo, cristão novo holandês que morava na casa do
também cristão novo e mercador Diogo Lopez Franco. Aparecendo diante do inquisidor
em 16 de setembro de 1618, João d’Araujo declarou que havia escondido sua
nacionalidade, declarando-se inglês, por temer que o expulsassem do país caso
descobrissem que era holandês. Durante sua confissão deixou claro que conhecia a ordem
real que expulsava os estrangeiros do país e que havia sido educado na religião calvinista e
93
Idem. Ibidem. p. 9.
94
È preciso considerar que os cristãos novos formavam um grupo heterogêneo, apresentando nacionalidade e
interesse distintos.
52
não aprendera o catolicismo por falta de quem o ensinasse.
95
O curioso dessa confissão é o
fato de que mentindo que era inglês conseguiu se manter no Brasil. A lei de 1618
determinava a expulsão dos estrangeiros, mas parece que estrangeiro naquele contexto era
sinônimo de holandês.
Outra confissão interessante e que dá conta das idas e vindas dos cristãos novos
pelo norte europeu é a de Luiz Alvarez, solteiro e natural do Porto. Quando perguntado
pelo inquisidor se teve algum contato com lugar ou gente suspeita da fé, respondeu que
andara por Flandres durante quatro anos e aprendera a língua flamenga.
96
Esta
interpenetração entre a Bahia e os Países Baixos significava a presença de holandeses na
Bahia e de gente da Bahia nas cidades do norte europeu. Foi o caso do flamengo João Pore
Montafaux que se encontrava na Bahia por ocasião da visitação de 1618
97
, ou como o
cristão novo Manuel Homem de Carvalho, que declarou ter ido a Flandres e ter encontrado
por lá outros cristãos novos que haviam morado na Bahia e passaram a residir naquela
cidade
98
.
Apesar de ter evidenciado uma conexão freqüente com flamengos e holandeses, o
resultado das confissões e das denunciações de 1618 não foram alarmantes. Não
encontramos nenhuma evidência de que algo estivesse sendo tramado em conjunto, ao
contrário, as informações nos levam a concluir que a presença de flamengos e holandeses
na Bahia foi uma constante e que, portanto, deveriam conhecer muito bem os caminhos da
cidade e seu sistema defensivo. O que tornaria desnecessário o auxílio dos cristãos novos.
Nesse caso, é mais profícuo avaliar quais os reflexos da constância de holandeses na
colônia, procurando entender, por exemplo, qual o conhecimento que possuíam dos
aspectos geográficos e militares da América portuguesa.
O caso mais significativo de holandeses que tenham estado na Bahia foi o de
Dierick Ruiters. Natural da Província da Zelândia, Ruiters foi preso em Ilha Grande, no
litoral do Rio de Janeiro, quando traficava pau-brasil. De acordo com as informações
fornecidas pelo então Governador Geral, Gaspar de Souza, o zelandês havia sido preso e
enviado para a Bahia juntamente com outros dez holandeses.
99
O mais representativo da
biografia de Dierick Ruiters reside no fato de que, depois de conseguir se libertar dos
95
Segunda visitação do Santo Ofício às partes do Brasil, livro das confissões e ratificações da Bahia: 1618-
1620. In. Anais do Museu Paulista. Tomo XVII, São Paulo, 1973. p. 433-5.
96
Idem. p. 352-4.
97
Idem. p. 489.
98
Idem. p. 507-11.
99
Informações de Gaspar de Souza. Anexo a uma Consulta do Conselho da Fazenda de 1618. Arquivo
Histórico Ultramarino, caixa 2 / doc. 161 – Projeto Resgate / Coleção Luzia da Fonseca.
53
portugueses - não se sabe exatamente como, pois o próprio zelandês fez questão de manter
o segredo atribuindo sua fuga a Deus –, escreveu um relato importantíssimo denominado
“A Tocha da Navegação” e esteve de volta ao Brasil, mais particularmente à Bahia, na
condição de guia, durante o ataque de 1624.
Em sua obra estão descritas as rotas e passagens de Holanda para o Brasil, as Índias
Ocidentais, a Guiné, Angola, etc. Embora seja mais uma obra de caráter técnico,
encontramos no seu relato informações valiosas sobre o Brasil, certamente colhidas quando
de sua prisão, assim narrada pelo próprio Ruiters:
“fui capturado pela astúcia dos portugueses, salvando-me milagrosamente e pela
graça de Deus, depois de trinta meses. Tendo tido que andar por terra com os
portugueses (capturado), 3 e 400 (?) milhas, às vezes metido em ferros, às vezes
amarrado por cordas, como também, conduzido em navios e barcos, ao longo da
costa...”
100
Segundo suas palavras, trata-se de um relato “escrito à maneira singela mas
objetiva do marujo, o qual será prático e útil a todos os navegantes que queiram ir às costas
do Brasil”.
101
Modéstia à parte, Ruiters produziu um verdadeiro manual sobre a navegação
no litoral da colônia, bem como ofereceu informações estratégicas acerca das condições
militares das principais cidades da América Portuguesa. Segundo Souza Leão, autor da
introdução da edição da Tocha da Navegação publicada na revista do Instituto Histórico e
Geográfico Brasileiro, Ruiters deve ter ficado em Salvador durante todo o ano de 1618 e
teve condições de observar a baía de Todos os Santos e a situação da defesa local.
Suas observações transcendiam às questões de ordem militares. Não passou
desapercebido ao olhar atento do prisioneiro, os navios que chegavam no porto de Salvador
provenientes do Rio da Prata, obviamente pensava nos lucros que poderiam ser auferidos
com a tomada daquele porto. Outro aspecto destacado no relato são os caminhos que
davam acesso à cidade localizada no “alto de uma montanha” que seriam quatro: “dois que
vão direto ao centro e dois que entram pelos extremos”. A quantidade de moradores e casas
de Salvador também foram observados com detalhes, tanto que Ruiters fez questão de
dizer que ele mesmo comprovou, nas suas contas: 1200 casas, 1600 homens, entre velhos e
adultos, 3000 contando-se mulheres e crianças.
102
100
Ruiters, Dierick. A Tocha da Navegação. In Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, vol.
269 – Outubro / dezembro de 1965. Rio de Janeiro: Departamento de Imprensa Nacional, 1966. p. 23. (Grifo
meu)
101
Idem. Ibidem. p. 20.
102
Idem. Ibidem. pp. 52 e 53.
54
Os cristãos novos não ficaram de fora das observações de Ruiters que ponderou que
prefeririam ver duas bandeiras de Orange, a uma do inquisidor. Provavelmente sua
consideração estava influenciada pela presença da Segunda Visitação, a qual o zelandês
conheceu de perto naquele ano de 1618 e tirou suas conclusões a respeito dos sentimentos
de quem era por ela oprimido:
“Eu mesmo vi no ano de sua instalação, a Inquisição meter na cadeia, sob um só teto,
a trinta comerciantes portugueses. É certamente o que pode acontecer a todos os
portugueses do Brasil, a ponto de que se nós neerlandeses pudéssemos tomar armas
contra o Rei de Espanha e liberá-los do jugo da Inquisição católica, não duvido que
todos os habitantes deste país (sobretudo os judeus) nada veriam com melhores olhos
do que se livrarem do Rei e arriscariam corpo e alma por aquêles que os liberassem de
jugo tão pesado”.
103
Embora raciocinasse dessa maneira, Ruiters observava tudo pelo contexto em que estava
vivendo e ponderou contraditoriamente que mesmo interessados em fugir da opressão
inquisitorial, não seria recomendável confiar nos cristãos novos, pois “para preservar um
ambiente de fidelidade ao Rei, são capazes de nos traírem”.
104
Certamente influenciado
pela observação direta do clima tenso provocado pelas delações comuns em tempo de
visitação do Santo Ofício, Ruiters entendeu que os holandeses poderiam até contar com a
simpatia dos judeus conversos, porém, não deveriam confiar em nenhum tipo de apoio
direto.
Apesar do receio de Ruters, creio que na ausência de um visitador os laços de
fidelidade, se é que algum dia eles existiram efetivamente, entre cristãos novos e o
monarca fossem bem mais frouxos do que anotou o prisioneiro holandês. E tudo indica que
ele mesmo acreditasse nisso, pois esperava apoio dos portugueses, cristão novo ou não, em
caso de tomar o poder da colônia das mãos dos espanhóis. Mais do que isso entendia que
os holandeses poderiam ser os salvadores das pobres e oprimidas vítimas da Inquisição.
O que Ruiters não considerou foi que mesmo fugindo da opressão católica,
dificilmente os cristãos novos teriam se unido com o fim de se oporem ao catolicismo.
Como anotou Salvador, os mesmos estavam
unidos entre si, via de regra, por laços étnicos, cada um seguia os ditames da sua
consciência ou o que mais convinha. Havia entre eles o agnóstico, o protestante, o
católico, o apóstata e outros (...). A sinagoga não absorve[ia] a todos e ninguém
há[via] que lhes domine[asse] o pensamento. Até nos negócios existe[iam]
disparidade. O dinheiro os incompatibiliza[va], como aos demais homens. Se uns
103
Idem. Ibidem. p. 80.
104
Idem ibidem.
55
lutam[vam] pelos Felipes, outros os detestam[vam]. Uns são[eram] pelos holandeses,
outros se batem[iam] pelos portugueses...
105
Enfim, parece que o que existe por trás dessa fama de traidores que pesa sobre os cristãos
novos é fruto da necessidade de um bode expiatório que eximisse de culpa a administração
espanhola. Mais relevante do que uma possível colaboração dos cristãos novos com os
invasores é o evidente conhecimento prévio que os holandeses possuíam da região. Se
observarmos com atenção a estratégia dos holandeses ao atacarem Salvador, posicionando
uma parte das embarcações em frente da cidade desviando a atenção dos habitantes,
enquanto parte das tropas desembarcavam pela Vila Velha, guiados por Dierick Ruiters,
notamos o quão útil foi a estadia desse para o sucesso das operações militares holandesas,
cuja estratégia parecia estar respaldada no relato do zelandês acerca dos caminhos que
levavam à cidade.
Diante do que foi exposto, notamos que dois argumentos são apontados como
decisivos para o êxito do ataque holandês: a intervenção do bispo e a suposta traição dos
cristãos novos. Por outro lado, tentei demonstrar o quão frágeis são essas explicações,
entendendo que a questão central está localizada na debilidade do sistema defensivo da
capital colonial, complementada, obviamente, pelos resultados desastrosos provenientes
dos conflitos administrativos que acabavam por tornar a colônia um verdadeiro caos.
Assim, as rivalidades entre as autoridades constituídas contribuíram imensamente para
uma ausência de estratégia defensiva, o que por si só, era tarefa nada fácil em função da
carência de recursos. Fortificações obsoletas e homens despreparados, acrescidas das
tensões internacionais das guerras espanho-holandesas e dos conflitos entre autoridades
desacreditaram de tal maneira a “cidade fortaleza”, apavorando a população de Salvador
que, acostumada a se defender dos ataques de piratas e corsários, foi tomada pelo pânico
diante da eminência de ataque de uma frota composta por vinte quatro embarcações
holandesas em 1624.
105
Salvador, José Gonçalves. Os cristãos-novos: Povoamento e conquistas do solo brasileiro, 1530-1680. São
Paulo: Pioneira, 1976. p. 336.
56
CAPÍTULO II
DA RESISTÊNCIA AO CONTRA-ATAQUE: UMA OCUPAÇÃO SITIADA
Ao contrário da defesa desarticulada que os holandeses encontraram ao invadir a
cidade de Salvador, a resistência dos habitantes que haviam abandonado a urbis pôs freios
aos objetivos dos invasores: garantir o controle da zona produtora de açúcar. Aqueles que
fugiram conseguiram se articular, formando uma espécie de cordão de isolamento, no qual
os holandeses ficaram envoltos, sitiados dentro dos limites da cidade. A Baía de Todos os
Santos, que propiciava acesso às suas ilhas e ao Recôncavo, não teve todo o seu potencial
explorado pelos invasores, pois, segundo os relatos Seiscentistas, os colonos não teriam
dado folga aos holandeses em parte alguma, combatendo-os por mar e terra.
No que pese a insistência dos referidos relatos em apontar para uma resistência
ostensiva engendrada pelos refugiados, podemos perceber nessas narrativas, que essa
resistência não foi tão unânime quanto querem fazer parecer seus autores. Em diversas
passagens, o tom homogêneo dos relatos é permeado por informações um tanto quanto
contraditórias, que nos permitem considerar que, em alguns momentos, os holandeses
conseguiram burlar a atenção dos líderes da resistência e obtiveram a adesão/colaboração
de alguns colonos portugueses.
O período que vai desde a tomada da cidade a 10 de maio de 1624 até a chegada da
armada luso-espanhola em 27 de março de 1625 foi marcado por conflitos entre os
holandeses e os colonos resistentes. Enquanto os primeiros procuravam um meio de
transpor as muralhas da cidade, os últimos vigiavam os arredores da urbis, impedindo a
progressão do inimigo pelo território. Estes meses de resistência, além de garantir a não
expansão da ocupação holandesa, foi, aos poucos, diante dos sucessos obtidos nos campos
de batalha, transformando o que era inicialmente uma resistência precariamente organizada
num contra-ataque aparentemente articulado.
No desenrolar dos acontecimentos os colonos se mostraram hábeis em
combater por meio das emboscadas, conseguindo barrar as investidas do inimigo, que
mesmo contando com a colaboração de alguns moradores – de acordo com a
documentação, portugueses e negros conhecedores da terra - não lograram êxito em suas
tentativas extramuros. Ao perceberem que suas táticas estavam surtindo efeitos, o comando
da resistência intensificou suas atividades sitiando completamente os holandeses, dando
início ao contra-ataque. As tropas refugiadas passaram a agredir e provocar o inimigo mais
de perto, se aproximando das portas da cidade, investindo em arriscadas ações na Baía de
57
Todos os Santos para subtrair embarcações e munições dos inimigos e até mesmo
desafiando-os para um combate franco em campo aberto. Para entender o sucesso
alcançado pela resistência dos colonos, faz-se necessário o conhecimento dos
enfrentamentos que ocorreram nos arredores da capital ocupada. As vitórias conquistadas
nesses encontros foram o principal motor dos refugiados, pois, foi a partir deles que se
iniciou o processo de enfraquecimento dos holandeses e que culminou com a sua derrota
diante da armada luso-espanhola, que os encontrou desorganizados e reprimidos.
Para uma melhor compreensão dessas ações, buscarei remontar os dois cenários
desse episódio: a cidade ocupada, e o acampamento dos refugiados. Procurarei demonstrar
também de que maneira holandeses e colonos resistentes se articularam, respectivamente,
para alcançarem seus principais objetivos: ganhar terreno e barrar o avanço do invasor.
Salvador, a “Terra Batávica”
Os soldados holandeses ao invadirem a cidade do Salvador encontraram grande
variedade de riquezas como pedras preciosas, ouro, prata, açúcar, fumo, vinho de Espanha
e de Portugal, vinho da Canária, frutas, bebidas, etc.
106
Tal variedade é compreensível se
lembrarmos que Salvador, como vimos no capítulo anterior, além de ser o centro das
decisões políticas e econômicas da Colônia, era também um importante ponto de
escoamento da produção açucareira, possuindo um dos mais movimentados portos do
Atlântico, cuja importância já era notada desde a segunda metade do século XVI. Assim,
não era incomum que nos armazéns de Salvador fossem encontrados além dos produtos
acima, outros como pau-brasil, especiarias, seda, etc.
Ora, vimos também, que os objetivos dos estrangeiros que por diversas vezes
tentaram invadir Salvador, estavam relacionados ao saque, uma vez que possuíam
conhecimento da abundancia desses produtos no porto e na cidade. Com os holandeses não
foi diferente, a primeira ação dos invasores ao adentrarem a cidade de Salvador foi saqueá-
la. De acordo com a documentação, houve uma desordem total das tropas invasoras, que se
lançaram com avidez às casas, prédios públicos, mosteiros e igrejas abandonadas pela
população. De acordo com Aldemburgk, os soldados ficaram maravilhados com a
quantidade de riquezas encontradas na terra. Em meio a tal farra, os soldados invasores
106
Aldemburgk. Op. Cit. p. 174.
58
denominaram a cidade de Salvador de Terra Batávica e passaram à jogatina "dividindo-se
o ouro e a prata em chapéus".
107
A maior parte do ouro e prata citados por Aldemburgk foram encontrados pelos
holandeses logo após a tomada das igrejas e conventos da capital colonial, onde foi
encontrada também grande quantidade de tecidos. Segundo um relato anônimo, mas com
caráter oficial, publicado por Edgar Falcão como apêndice ao relato de Aldemburgk, os
bens das igrejas, especialmente do Colégio dos Jesuítas, conferiram altos lucros aos
invasores, “de sorte que muito capitão, em uma hora, arrecadou 5 a 6.000 florins”.
108
O encontro desses produtos abandonados pela população já havia sido previsto no
relatório que Jan Andries Moerbeeck apresentou ao príncipe de Orange em 1623:
Os soldados e marinheiros obterão, também, muita presa, tanto em moeda corrente,
como em jóias, pratarias, vestidos preciosos, linho e outras coisas, uma vez que
estando estas duas cidades tão perto do mar e sendo de tão fácil acesso, não terão os
seus habitantes tempo para transportá-las, ocultá-las ou mandá-las para outros
lugares.
109
A indicação desses produtos como uma vantagem para os soldados e marinheiros que
participassem do ataque à cidade de Salvador demonstra o conhecimento que os invasores
possuíam da riqueza que circulava na Colônia. No relatório acima verificamos também
que, ao planejar o ataque às principais cidades da colônia Portuguesa, os holandeses
apostavam no sucesso. Esse otimismo vinha da ciência que possuíam das fragilidades
defensivas e da facilidade de acesso a esses lugares.
Cabe ressaltar que apesar da sugestão do saque contida no trecho acima, a atitude
dos soldados holandeses que saquearam a cidade após a invasão não foi bem vista pelos
oficiais que comandaram o ataque. Ao menos é o que podemos concluir da leitura dos
Anais da Companhia das Índias Ocidentais. Segundo seu autor, e também diretor da WIC
(West-Indische Compagnie), Joan de Laet, assim que o almirante da armada teve notícia das
desordens praticadas pelos soldados,
...ordenou aos comissários e seus ajudantes que se passassem à cidade sem detença,
arrecadassem e registrassem os bens, que nela andavam malbaratados. Chegado à
cidade, contemplaram eles com um enormesíssimo estrago, causado de pura malícia
107
Aldemburgk. Op. Cit. p. 174.
108
Relato oficial da conquista da cidade do Salvador, enviado para a Holanda. In. Aldemburgk. Op. Cit.
p.239.
109
Moerbeeck, Jan Andries. Motivos porque a Companhia das Índias Ocidentais deve tentar tirar ao Rei da
Espanha a terra do Brasil. Documentos Históricos. Instituto do Açúcar e do Álcool, 1942. p. 33. As duas
cidades a que o documento se refere são Salvador e Olinda, então candidatas á investida da Companhia das
Índias Ocidentais.
59
da soldadesca, pois estavam as fazendas espalhadas por toda parte, calcada aos pés,
como se fossem lixo; arrecadaram muita lã, seda, linho e outras mercadorias, e as
depositaram no colégio dos jesuítas.
110
É clara a preocupação dos oficiais holandeses em garantir que as riquezas encontradas na
cidade fossem arrecadadas em favor da WIC e não para o deleite particular dos soldados.
Também, o coronel das tropas holandesas, Van Dort, não compartilhava das mesmas idéias
de Moerbeek, pois, ao assumir o seu cargo de governador da conquista, reprimiu os saques
e condenou as atitudes da soldadesca chamando-os à disciplina militar. Ademais, não
interessava aos oficiais holandeses o saque das residências, pois era intenção dos invasores
garantir os bens daqueles que quisessem retornar à cidade e reassumir suas atividades.
Entretanto, como vimos no documento acima, houve um descontrole no primeiro
momento.
Outro aspecto importante da referida citação diz respeito ainda à variedade de
produtos encontrados em Salvador. No trecho mencionado, Laet especifica lã, linho e seda,
além de outras mercadorias. No relato oficial da conquista da cidade, obtém-se
informações sobre o ouro e prata. Mas e os outros produtos, onde foram encontrados? Não
encontrei nenhum relatório ou lista que indicasse detalhadamente os locais de onde foram
retirados pelos holandeses quando da invasão de Salvador. Na busca de dados mais
concretos que permitissem uma visão mais próxima dos lucros obtidos pelos holandeses
com a invasão, pareceu-me salutar montar um quadro a partir das informações contidas no
relato de Laet, que indicou três locais em que foram apreendidos alguns produtos. Embora
apareçam de forma dispersa e muitas vezes desconexas, essas informações nos propiciam
uma idéia aproximada de que tipos de produtos e os prováveis locais em que circulavam
naquela Bahia do começo do século XVII. Observemos o quadro abaixo:
110
Laet, Joan. História ou Anais dos Feitos da Companhia das Índias Ocidentais. Edição Multimídia. São
Paulo: Beca Produções Culturais, 2001. p. 70
60
PRODUTOS ENCONTRADOS PELOS HOLANDESES AO INVADIREM A CIDADE
Nos armazéns da praia
Nos navios ancorados no
porto
Na ilha de Itaparica
1500 caixas de
açúcar;
Tabaco.
Mais de 1400 caixas de
açúcar;
Melaço;
Couro;
Mais ou menos 400
pipas de vinho;
Farinha;
Bolacha;
Sal.
140 pipas de óleo
de baleia.
FONTE: Laet.
Insisto que este não é um quadro fidedigno e completo, antes um exercício que
serve de auxílio para melhor compreender a passagem dos holandeses pela Bahia,
especialmente no que diz respeito aos possíveis lucros advindos com os bens abandonados
pela população refugiada. Listei apenas os produtos e mercadorias cujo local onde foram
encontradas foi indicado nas anotações de Laet, dessa maneira, ficaram de fora aqueles
produtos que não consegui identificar a localização. Assim, observamos no armazém da
cidade mil e quinhentas caixas de açúcar e quantidade não especificada de tabaco. Ambos
eram produtos destinados à exportação e certamente aguardavam a hora do embarque. Os
produtos encontrados nos navios ancorados no porto parecem fazer parte de duas
categorias distintas: os de exportação (açúcar, melaço e couro) e os que se destinavam à
alimentação da tripulação (vinho, farinha, sal e bolachas), portanto, é crível que se
tratassem de embarcações que aguardavam o momento certo para zarpar, esperando por
bons ventos, ou ainda, pela complementação de sua matalotagem, que deveria ser
acrescida, no século XVII, além do citado no quadro, de carnes salgadas, peixes e azeite
doce.
111
Outro produto indicado pelo diretor da WIC foi o óleo de baleia, produto bastante
utilizado para a iluminação. Embora o documento não tenha precisado em que localidade
de Itaparica o referido óleo foi encontrado, sabe-se que era comum que os pescadores
seguissem com as baleias capturadas para o Porto da Cruz (provavelmente em Ponta da
Cruz, atual Caixa-Prego) onde era extraído o azeite e espostejada a carne que servia de
111
Sobre o mantimento das embarcações ver Lapa. Op. Cit. p. 179.
61
alimento.
112
De acordo com Frei Vicente do Salvador, cada baleia rendia em média vinte
pipas de azeite, portanto a quantidade encontrada pelos holandeses era resultado de mais
ou menos sete baleias. Sabendo que a pesca desse animal acontecia no mês de junho e que
se capturava entre trinta e quarenta baleias, podemos supor que as 140 pipas apreendidas
pelos invasores eram resultado da pescaria do ano anterior e deveriam fazer parte do
estoque reservado para abastecer a região até a próxima época de pesca.
Tomando como referência os dados contidos no quadro acima e no relato oficial da
conquista, notamos que do ponto de vista da lucratividade o ato da invasão em si foi
positivo, pois, além de encontrar navios aparentemente preparados para zarpar, ou seja,
embarcações que dispensavam todo os trabalhosos preparativos e despesas que antecediam
uma viagem de travessia do Atlântico, encontraram também certa quantidade de açúcar e
tabaco, além de outros produtos valiosos que tiveram como destino as Províncias do Norte,
como atesta o relato de Aldemburgk: “... partiram para a Holanda (...) quatro navios
mercantes, carregados de veludos, sedas, açúcar, fumo, vinhos generosos, ouro e prata”
113
.
Quanto ao óleo de baleia, embora não representasse lucro comercial, é provável que tenha
sido utilizado para iluminar a cidade durante os meses de ocupação, pois em função do
cerco promovido pela resistência dos colonos, os invasores tiveram dificuldades com
relação ao abastecimento em geral.
Além dos produtos apreendidos no porto e na cidade, os holandeses se preocuparam
em garantir que os navios que aportavam em Salvador com freqüência ignorassem que a
cidade não mais pertencia aos portugueses. Para tanto, arriaram as bandeiras holandesas
dos mastros dos seus navios e em lugar delas hastearam bandeiras espanholas. Segundo
Vicente do Salvador, esta estratégia rendeu aos holandeses a apreensão de cerca de vinte
navios com suas cargas.
114
Infelizmente o franciscano não listou estas embarcações, nem
fez alusão aos seus nomes, - como, aliás, nenhum outro relato o fez - de maneira que,
comparando as referencias contidas nos relatos de Laet, Salvador e Aldemburgk só foi
possível listar a carga de onze navios, como se pode observar na tabela abaixo.
112
Ver. Salvador. Op. Cit. p. 290-292.
113
Aldemburgk. Op. Cit. p. 177.
114
Salvador. Op.cit. p. 374.
62
NAVIOS APREENDIDOS DURANTE A OCUPAÇÃO
115
DATA DA
APREENSÃO
ORIGEM DO NAVIO
CARGA APREENDIDA
22 de Maio Lisboa. Azeita, farinha, bolacha e outras mercadorias.
27 de Maio Rio de Janeiro e Espírito Santo. Mais de sete mil piastras e quarenta caixas de
açúcar.
Junho
Lisboa. Farinha de trigo, veludos, sedas, azeitonas,
vinho espanhol, português e das canárias e
azeites em barris.
4 de Julho
Angola. Duzentos e vinte negros.
11 de Julho
Desconhecida. Vinho.
20 de Julho
Espanha. Vinho.
21 de Julho
Canárias. Vinho.
Agosto
Portugal (2 navios) Vinho, azeite e farinha.
Outubro Rio da Prata. Pedras preciosas, folhas de ouro e prata, etc.
À exceção do navio proveniente de Lisboa que chegou em junho e dos dois últimos
navios listados, as informações sobre os demais seguem fielmente as anotações de Laet.
Optei seguir esta fonte por ser a mais detalhada, fornecendo inclusive as datas das
apreensões, porém, existem algumas divergências dos relatos entre si e dos mesmos com
um relatório enviado pelos delegados da WIC, as quais passarei a analisar agora.
A primeira delas diz respeito aos navios apreendidos em vinte e sete de Maio. De
acordo com um relatório enviado aos diretores da WIC, vieram dois navios do Rio de
Janeiro “carregados de açúcar, nos quais se achavam 9 jesuítas, (...), 2 franciscanos e 4
beneditinos, que haviam percorrido o Brasil em coleta de esmolas” e uma outra
embarcação pequena proveniente do Espírito Santo, carregada de açúcar.
116
Como se pode
perceber na tabela acima, Laet apontou um navio do Rio de Janeiro e outro do Espírito
Santo que teriam chegado juntos e cuja carga e tripulantes eram as mesmas dos três navios
apontados no relatório citado. Já frei Vicente do Salvador, um dos franciscanos presos, se
refere a apenas um navio dos padres da Companhia de Jesus carregado com “caixões de
açúcar, marmeladas, dinheiro e outras coisas”.
117
115
Cf. Laet. Op. Cit., Aldemburgk.Op. cit. e Salvador. Op. cit.
116
Relatório dos delegados dos diretores da Companhia das Índias Ocidentais, entregue à Assembléia dos
Altos e Poderosos Senhores Estados Gerais à 31 de Agosto de 1624. in. Documentos Holandeses, 1º Vol.
Ministério da Educação e Saúde – Serviço de Documentação. Rio de Janeiro, 1945. p. 7-12.
117
Salvador. Op. cit. p. 374.
63
Difícil precisar o motivo do desencontro das informações, entretanto, levando em
consideração que o teor das cargas listadas nos três documentos não apresentam grandes
discrepâncias, creio que Frei Vicente simplesmente desconhecia que no mesmo dia em que
chegara à Baía de Todos os Santos, outra(s) embarcação(ões) também a haviam adentrado,
o que é perfeitamente compreensível se imaginarmos a tensão que certamente tomou conta
dos tripulantes ansiosos por conhecer seus destinos. Quanto as divergências entre o relato
de Laet e o relatório dos delegados da WIC, notamos que os dados apontados pelo primeiro
omite uma embarcação em relação ao relatório dos últimos. Num primeiro momento
somos tentados a entender tal diferença como um possível desvio, entretanto, essa hipótese
teria mais lógica se a subtração tivesse ocorrido no sentido inverso, ou seja, se os
delegados tivessem omitido a embarcação ao prestarem conta aos seus superiores. Porém, a
omissão foi feita por um dos diretores da WIC, considerando que toda a diretoria recebia
os dados enviados pelos delegados juntamente com a carga apreendida nas embarcações,
não é improvável que um dos seus diretores tenha tentado tirar mais vantagens que os
outros, no entanto, a falta de outros documentos que possibilitem uma análise mais
cuidadosa do caso, não nos permita ir além do campo das especulações.
Uma outra disparidade encontrada, desta vez entre os dois documentos holandeses
supracitados, se refere à quantidade de negros existentes no navio vindo de Angola.
Enquanto Laet afirma que continha duzentos e vinte negros, o relatório enviado aos
diretores da WIC contabiliza duzentos e cinqüenta. O que talvez justifique este
desencontro entre as duas fontes holandesas seja o fato de que Laet, enquanto diretor da
Companhia, teve acesso a este relatório, e também a outros que não conhecemos. Nesse
sentido, o mesmo pode comparar diversas informações sobre a ocupação da Bahia e anotar
o que lhe pareceu mais convincente. Ou ainda podemos considerar a probabilidade de uma
“prestação de contas” cujos dados foram alterados para encobrir um possível desvio –
contra os cofres da WIC - dos trinta negros, o que explicaria a diferença nos relatórios, mas
é pura especulação, até mesmo porque não encontrei nenhuma notícia de vendas de
escravos capturados na Bahia, no máximo, como veremos adiante, trocas ou tentativas de
trocas.
As duas embarcações que foram aprisionadas em agosto estão citadas no relato de
Aldemburgk, sendo interessante observar que o mesmo destacou, além da carga, a
existência de duas mulheres degredadas da Espanha e de uma criança.
118
Infelizmente não
118
Aldemburgk. Op. Cit p. 179.
64
foi possível descobrir o destino da criança e das duas moças. As poucas referências à
presença feminina encontradas nos relatos Seiscentistas dizem respeito às filhas do vice-rei
do Chile
119
, a uma “donzela portuguesa” que teria casado com um “assistente dos
mercadores” (mais um indício de que a resistência aos holandeses não foi total) e às
“mancebas” do coronel Arnt Schouten. Diante da carência de informações sobre a presença
feminina, resta-nos especular a sorte das duas espanholas capturadas naquele Agosto de
1624: teriam sido libertadas e se dirigiram para os acampamentos dos refugiados ou algum
engenho do Recôncavo? Se amancebaram com algum soldado ou oficial holandês? Seriam
as mancebas citadas por Aldemburgk? Casaram-se?
Voltando aos navios apreendidos pelos holandeses, é importante não perder de vista
que esses apresamentos, juntamente com as riquezas encontradas na cidade quando da
invasão, representaram lucros vultosos e sugeriram o possível retorno do empreendimento
da WIC. Um exemplo disso foi a captura da frota que transportava o vice-rei do Chile para
a Espanha e levava uma preciosa carga como presentes para o monarca espanhol. Os
diretores da Companhia certamente receberam com muita satisfação a notícia do
carregamento apreendido não só pela quantidade de ouro e prata que reforçaria os cofres da
WIC, mas também porque atingia diretamente o rei espanhol, cumprindo assim um dos
objetivos do ataque à colônia portuguesa: expandir a guerra espanho-holandesa para o
ultramar. Vale a pena ler na íntegra como Aldemburgk narrou o apresamento da frota do
Rio da Prata, atentando para descrição detalhada de suas riquezas:
Nesse navio viajava um vice-rei, que, durante sete anos, governara os vice-reinos do
Chile e do Peru, do Rio da Prata ao Estreito de Magalhães, e pretendia regressar à
Espanha. Contudo, avariada a nau (...) arribara ali a S. Salvador, que supunha ainda
em poder dos espanhóis, a fim de prover-se de víveres e ser reparada a embarcação,
proporcionando-nos assim magnífica prêsa, visto como o dito navio estava carregado
de pedras preciosas, grandes folhas de ouro e prata, uma cadeia de ouro, na qual
constava haverem trabalhado diversos ourives durante cinco anos, toda a casta de
baixelas de boa prata clara, entre a qual um caldeirão contendo tantas tigelinhas
quantos são os dias do ano, tudo destinado para presente ao rei da Espanha. .
120
Os navios apresados eram providentes, pois cargas também continham alimentos,
objeto de interesse dos holandeses, pois a não efetivação plena da conquista dificultava seu
119
Presas no mês de outubro, juntamente com a frota do Prata, e que aparentemente gozaram de certa regalia
conforme podemos notar no relato de Aldemburgk: “O mencionado vice-rei pediu para ser tratado conforme
convinha ao seu cargo; por isso, nosso coronel foi ao seu encontro, com uma escolta de mosqueteiros, e fêz
transportar a ele, à esposa, a dois genros, dois filhos e duas filhas (...), em palanquins e rêdes, através da
cidade, à casa de sua própria residência, onde lhes deu amplos aposentos, adornados de tapeçarias de ouro e
com leitos e poltronas, hospedando-os condignamente...” Cf. Aldemburgk. Op. Cit. p. 192.
120
Idem. p. 192.
65
acesso às zonas agrícolas, tornando a obtenção de gêneros alimentícios uma atividade
extremamente perigosa. Dessa maneira, segundo Aldemburgk, os víveres disponíveis
“eram tão escassos que o exercito teria padecido grandes fomes e outras provações, se os
navios chegados nesse ínterim, (...), não o houvesse parcialmente socorrido”.
121
Por isso,
apreender as embarcações também era uma forma de atenuar essa questão, uma vez que
havia a possibilidade de que os navios que adentravam o porto estivessem carregados com
diversos produtos, inclusive alimentos destinados à sobrevivência da tripulação e/ou à
comercialização. Porém, é necessário atentar para um certo exagero por parte de
Aldemburgk, pois, as motivações para o apresamento das embarcações estavam baseadas,
prioritariamente, na garantia do lucro originado por mercadorias de grande valor.
A ocupação da cidade com certeza desarticulou a comercialização de alimentos de
maneira geral, pois Salvador era o mercado privilegiado. Quem possuía roças nos arredores
da cidade, cujos produtos eram destinados a abastecê-la, deveria agora se preocupar em
abastecer os habitantes refugiados. Para os invasores, a situação era ainda mais
complicada, haja vista que o Bispo D. Marcos, agora governador, havia proibido com pena
de morte qualquer aproximação com os holandeses
122
. Entretanto, a resolução dos
problemas holandeses com a alimentação das tropas passava pela colaboração daqueles
que aderiram aos invasores e, portanto colaboravam no dia-a-dia. Vejamos o que nos
informa Aldemburgk sobre essa possibilidade:
(...) tiveram ordem de se reunir, na praça do mercado velho, todos os negros da cidade
inteira, assim moços como velhos, homens e mulheres; devido não só à escassez de
víveres como ainda haver dêles negros em demasia na cidade, foram escolhidos
cinqüenta dos mesmos e embarcados num navio, guarnecido de cento e cinqüenta
homens, o qual devia dirigir-se à terra de Camamu, a fim de trocar os ditos negros
com os portugueses, por bois, galinhas, porcos e frutas ; mas, não aceitaram a troca os
portugueses, pelo que descemos com fôrça à terra trouxemos bois para bordo (...)
123
Esse relato não só aponta alternativas usadas pelos holandeses para abastecerem as tropas,
como demonstra também a utilização dos negros como elementos de troca visando obter
alimentos. Mesmo os portugueses não aceitando a troca, os invasores não desistiram dos
seus objetivos, utilizando-se da força. Se no caso acima, os holandeses pretenderam trocar
os negros por alimentos em geral, na maioria das vezes em que os invasores tiveram que
sair em busca de alimentos nos arredores da cidade, os negros, conhecedores da região,
121
Idem. Ibidem.
122
Vieira. Op. Cit. p. 165.
123
Aldemburgk. Op. Cit. p.193.
66
foram colocados na linha de frente dessa perigosa e arriscada tarefa, haja vista que era um
dos momentos em que os membros da resistência aproveitavam para atacar o inimigo. È o
que nos sugere Aldenburgk:
Certo dia, saiu uma partida dos nossos negros, armados de arcos, flechas, espadas e
escudos circulares de madeira invulneráveis às balas de pistola, a fim de apanhar
raízes de mandioca, batatas, bananas, laranjas, ananases, limões e outras frutas; mas,
logo foram surpreendidos pelo inimigo que fez diversos prisioneiros e matou a
quantos não lograram fugir.
124
Vários de nossos negros saíram em busca de raízes de farinha; mas, foram dispersados
pelo inimigo, que aprisionou a um deles, decepou-lhe ambas as mãos e o reenviou à
cidade (...)
125
Não resta dúvida que a ocupação restrita aos limites citadinos dificultava os
propósitos da WIC, e Van Dort parecia compreender bem que a cidade de Salvador e seu
Recôncavo era um complexo integrado, no qual um não valia sem o outro. Nesse sentido,
só com a ajuda dos habitantes poderiam os holandeses lograr êxito nas suas necessidades
mais imediatas como o abastecimento das tropas invasoras e, principalmente, em sua
empreitada maior: controlar a produção açucareira. Desse modo, obedecendo as ordens da
metrópole, Van Dorth
mandou lançar proclamações, anunciando que todos os paisanos ou burgueses e
moradores da cidade que se exilaram, e andavam fugitivos, uma vez que estivessem
obediência de Suas Altas Potências os Senhores Estados Gerais das Províncias Unidas,
e prestasse costumado juramento e fidelidade, assim a eles como à Companhia das
Índias Ocidentais, poderiam voltar a seu salvo à cidade e entrar na posse de suas casas
e terras, gozando das mesmas imunidades e isenções que tinham sob o governo de El-
Rei de Espanha, e, em nome daqueles Altos Senhores e de Sua Alteza o Sereníssimo
Príncipe de Orange, bem como no da Companhia, lhes prometia defende-los e guarda-
los contra toda a violência da parte do inimigo.
126
Nota-se que o convite era amplo e conclamava os “paisanos, burgueses e
moradores”. Mas, de acordo com os cronistas da época, apenas negros e cristãos novos
aceitaram o convite, o que é, evidentemente, uma imprecisão. É possível perceber o
esforço empreendido por esses autores no intuito de criar uma imagem de fidelidade para
os colonos locais, principalmente os portugueses. Tal acusação atendia aos anseios dos
padres da Companhia de Jesus, que puderam se vangloriar com a não adesão indígena, um
mérito do seu trabalho de catequização, bem como dos cronistas espanhóis, ávidos por
124
Idem. p. 189.
125
Idem p. 191.
126
Laet. Op. Cit. p. 73
67
acusar os cristãos novos de terem colaborado com os holandeses, fato que caracteriza
muito bem a severidade da Contra Reforma na Espanha.
Não obstante a firmeza com que os cronistas apontaram para os negros e cristãos
novos como únicos a aderirem aos holandeses, notamos, através de uma leitura mais
cuidadosa dos escritos dos próprios cronistas, que tal afirmação é uma falácia. Um dos
exemplos mais claros da contradição das fontes é o texto do padre Antonio Vieira.
Segundo este jesuíta, assim que o bispo Dom Marcos Teixeira assumiu o comando da
resistência, o mesmo tratou de tomar providências para impedir a adesão aos holandeses,
pois, “alguns portugueses se metiam e se faziam amigos com eles [os holandeses], para
recuperar o que já perderam ou para não perderem o que ainda possuíam”.
127
Assim, o
bispo “mandou logo sob pena de vida que ninguém trate com o inimigo, antes se ajunte
toda a gente e preparem armas contra ele”.
128
Como se pode observar nos dois fragmentos
citados, havia portugueses aderindo aos holandeses.
Ao que tudo indica, não seriam poucos os que se passaram para o lado dos
holandeses, tanto que o bispo adotou como punição a pena capital. É importante destacar
que Vieira não se refere a cristãos novos, mas a portugueses de maneira geral, indo de
encontro à idéia de que apenas negros e cristãos novos se interessaram pelas ofertas dos
holandeses. Por outro lado, fica visível a intenção dos relatos Seiscentistas em isentar os
portugueses nascidos em Portugal atribuindo aos nascidos na colônia, o papel de
“traidores”. Segundo Robert Southey, outra medida adotada pelo bispo foi “proibir a
cultura do açúcar e do tabaco, em que os holandeses começaram a traficar, ainda antes de
finda a primeira semana”.
129
É mais uma evidência de que as adesões não se reduziram a
negros e cristãos-novos. Nesse sentido, afirmar que houve apenas deserções de negros,
como fez Menezes
130
, é um equívoco promovido pelas próprias fontes que não hesitaram
em afirmar os valores morais dos portugueses perante sua religião e rei.
Além dos indícios das adesões dos colonos aos holandeses, imediatamente após a
conquista, como vimos anteriormente, outros trechos dos relatos sugerem a existência de
trocas e tentativas de trocas entre os mesmos. A realização de negócios no engenho de
Simão Nunes de Matos, defronte da ilha de Maré, é um exemplo. Apesar do empenho do
cronista, no caso Frei Vicente, em garantir que tais negociações aconteceram na ausência
do proprietário, tratando-se de uma negociata entre o feitor e os invasores, é crível que as
127
Vieira. Op. Cit. p.164-5
128
Idem. p.165.
129
Southey, Robert. História do Brasil. Vol. I. Belo Horizonte / São Paulo, 1981. p. 318.
130
Menezes, Francisco Henrique da Conceição. Os Hollandezes na Bahia. Salvador, 1922.
68
relações entre invasores e invadidos acontecessem à revelia das ordens do Bispo.
131
As
notícias das tentativas de trocas são abundantes e dão uma mostra do conhecimento que
holandeses e portugueses possuíam entre si.
Um dos episódios mais reveladores das relações entre holandeses e colonos locais
foi a tentativa de troca realizada em Boipeba. Segundo frei Vicente do Salvador, os
holandeses se dirigiram para aquela região e lá procuraram o senhor de engenho Antônio
de Couros, que seria amigo do capitão holandês Francisco, do tempo em que este esteve
preso na Bahia.
132
Por intermédio de um português que os holandeses levavam consigo
para facilitar as conversações, Couros subiu a bordo da embarcação holandesa e, após
cerimoniosa conversa, não aceitou fazer negócio, dizendo que com os holandeses não
queria paz, antes a guerra.
133
Diante das intenções dos cronistas em isentar os portugueses
de uma possível traição, é questionável a atitude de Couros. Será que houve realmente
recusa em negociar com os holandeses? Ou trata-se mais uma vez de uma narrativa
comprometida? Mas, havendo ou não a concretização da transação, fica clara a existência
de canais de ligação entre as partes conflitantes. Os holandeses sabiam exatamente onde
deveriam tentar realizar negócios, e isto, certamente não acontecia apenas pelo fato de já
possuírem um bom conhecimento da região como afirmei no capítulo anterior, mas
também por receberem ajuda de portugueses como o do caso aqui mencionado. A quantos
engenhos os holandeses não devem ter batido à porta por indicação deste mesmo
português?
Talvez a grande pergunta sobre estas trocas e tentativas de trocas seja o porque elas
não aconteceram com maior freqüência, ou se aconteceram, porque as fontes não revelam.
Não são questões que possam ser respondidas objetivamente, mas acredito que uma análise
comparada do que aconteceu na Bahia na década de 1620 e o que se sucedeu em
Pernambuco a partir de 1630, possa ajudar. Ao observar o ocorrido em Pernambuco,
notamos que houve um longo período – oito anos – de resistência aos holandeses. Nesse
espaço de tempo, os habitantes daquela capitania esperaram incansavelmente uma armada
de socorro, espelhada na que restaurou a Bahia em 1625. Esta armada jamais chegou e a
resistência foi minguando e, talvez com uma dose de exagero, foi minada com a chegada
131
Sobre as transações no referido engenho, ver Salvador. Op. Cit. p. 3 71.
132
Provavelmente, frei Vicente estava se referindo a Dirck Pieters Colver ou a Dirck de Ruiter, que estiveram
presos na Bahia em 1618 e tornaram a Salvador com a esquadra de invasão.
133
Idem. p. 372.
69
de Maurício de Nassau e sua política apaziguadora.
134
É obvio que isso não significa que
não tenham existido negociações entre os invasores e os resistentes, mas certamente,
enquanto perdurava a expectativa do socorro metropolitano, poucos se arriscavam em
negociar abertamente.
Na Bahia, como veremos adiante, desde o início da ocupação muitos possuiam a
certeza que a Coroa socorreria os colonos em apuros. Dessa maneira, seria suicídio aderir
abertamente aos holandeses quando a expectativa era a chegada de uma armada de
socorro.
135
Nesse caso, provavelmente prevalecia um jogo dúbio no qual os colonos, ora
combatiam os inimigos interessados em posteriormente solicitarem favores ao rei, ora,
quando encontravam brechas, comercializavam clandestinamente com os invasores.
Assim, acredito que o verdadeiro motivo dos poucos registros de negociações entre
holandeses e habitantes da Bahia deve-se em parte ao possível caráter clandestino dessas
ações.
Além das tentativas de negociação, os invasores dispensaram grande parte do
tempo se precavendo dos possíveis contra-ataques dos refugiados. Logo, evitar a fome e se
defender dos ataques da resistência foram tarefas que exigiram muita atenção por parte dos
invasores. Trataram de “trabalhar nas fortificações, construindo trincheiras, baluartes,
hornaveques, meias-luas e revelins”.
136
Aliás, sobre a debilidade defensiva da cidade, a
qual já me referi no capítulo anterior, os holandeses consideravam Salvador, já no mês de
junho - portanto um mês após a conquista da cidade - “ainda completamente aberta e não
fortificada”.
137
Sobre os trabalhos de fortificação levados a cabo pelos holandeses, Vieira
nos fornece informações bem detalhadas, vejamos:
enquanto presos e encerrados na cidade [os holandeses], não estavam ociosos, porque,
entendendo que havíamos de ser socorridos por uma armada de Portugal, todo o seu cuidado era
fortificar-se quanto mais podiam contra ela. Para reforçar os muros da cidade e das suas portas,
que estavam fracos, levantaram uns montes de terra, tão altos que mais pareciam criados com
poder da natureza que levantados à força de braços, e a mesma terra que tiravam abriam uma
cova, tão profunda quanto era a altura dos baluartes. Fizeram sobressair por cima umas pontas
de paus, tão agudas e unidas sobre si, que dificultavam notavelmente a subida se alguém a
intentasse. Pelas quebradas dos três montes, que dissemos cingiam a cidade, represaram as
correntes de algumas fontes, e fizeram um tanque, tão largo e alto que bastou para impedir a
passagem a qualquer força ordinária. Levantaram o forte da praia que estava imperfeito. Por
134
Sobre a expectativa de uma armada de restauração no período da resistência pernambucana, ver. Mello,
Evaldo Cabral de. Olinda Restaurada. Guerra e açúcar no Nordeste. Rio de Janeiro: Topbooks, 1998.
Especialmente o capítulo I: A empresa da terra e a vitória do mar.
135
Como veremos adiante, certamente boa parte dos colonos estava confiante no socorro da Metrópole graças
ao envio de gente, munições e governador tão logo a notícia da tomada de Salvador chegou à Coroa.
136
Aldemburgk. Op. Cit. p. 175.
137
Idem. p. 176.
70
toda a cidade em roda assentaram artilharia nos portos e postos mais importantes. E, porque lhes
não faltasse coisa alguma, com que pudessem impedir-nos a entrada na cidade, semearam ao
redor dela, e dentro, nas bocas das ruas, uns estrepes de ferro, feitos por tal arte que, de qualquer
parte que caíam, assentavam três pontas no chão ficando outra para cima, e estes em tal
distância uns dos outros que, caminhando, ainda em boa paz, não bastava qualquer tento para
assentar o pé em salvo, e, errando o passo, ficava um homem preso e enredado sem remédio.
138
Exageros à parte, o relato de Vieira aponta as falhas do sistema de defesa da cidade do
Salvador. É possível que todo o cuidado dispensado pelos holandeses para fortificar a
cidade esteja relacionado ao conhecimento que os mesmos demonstraram anteriormente
quando planejaram o ataque. Ora, se cada falha foi observada como ponto facilitador da
invasão, é natural que ocupando a cidade e sabendo que a reação estava sendo preparada,
os holandeses buscassem sanar as deficiências defensivas. Contudo, isso não anula o
exagero do cronista cuja intenção era não só engrandecer a resistência, mas também
justificar o fracasso da defesa. Aldemburgk também reforçou a necessidade de
investimentos na defesa da cidade afirmando que durante todo tempo, “cuidamos de nos
entrincheirar, sem cessar abrindo fossos, erguendo parapeitos e baluartes, que
freqüentemente eram danificados e desmoronados pelos aguaceiros e chuvas
torrenciais”.
139
Essas informações ajudam a compreender o trabalho intenso e permanente
para a melhoria das fortificações. Ao que tudo indica as medidas tomadas eram apenas
paliativas, sendo necessário refazê-las com freqüência. Não sabemos se faltavam
investimentos, mão-de-obra, conhecimento do ecossistema ou materiais mais adequados, já
que o cerco à cidade dificultava aquisições de artigos desse tipo. O fato é que da forma
como está colocado nos documentos temos um indicativo de que o sistema defensivo dos
holandeses era tão frágil e problemático quanto o dos portugueses.
A preocupação em garantir a defesa da cidade estava tão evidente que a avaliação
feita pelos diretores da WIC em relação à administração da conquista estava muitas vezes
ligada ao compromisso do administrador com as fortificações. Desse modo, Van Dorth era
considerado um governador impecável, que observou cuidadosamente a disposição da
cidade, ordenando as fortificações necessárias.
140
Vejamos como Laet analisou os
governadores holandeses em seus Anais:
Diremos em substancia que, depois da morte do governador, o Sr. Van Dorth, os negócios
correram ali mui descuidada e irreligiosamente. O novo coronel Albert Schouten não teve muito
em respeito prover a cidade das fortificações, que requeria, e tendo morrido também, ainda
menos olhou por elas seu irmão Willem Schouten, que se entregou a todos os desregramentos, e
138
Vieira. Op. Cit. p.180-1.
139
Aldemburgk. Op. Cit.p. 193.
140
Laet. Op. Cit. p. 73.
71
não só não promovia as obras necessárias, como até recusava aos soldados, que queriam
trabalhar, as remunerações que lhes eram devidas.
141
Fica difícil não ceder à tentação oferecida pelos cronistas de, didaticamente, dividir o
período da ocupação holandesa em antes e depois de Van Dorth. Com sua administração, a
tentativa de aproximação com os habitantes da cidade, os cuidados com a defesa, a
disciplina de sua tropa, etc. Após sua morte numa emboscada preparada pelos refugiados, o
desanimo das tropas, desmoralizadas com a perda de seu general, o caos com a
administração dos irmãos Schouten, a insubordinação militar, etc. Entretanto não acredito
que esta divisão simplista seja uma boa opção, pois, se Albert e Willem não foram bons
administradores, conquistaram fama de beberrões, chegando ao ponto de o primeiro ter
morrido de tanto beber; também é verdade que assumiram o comando de um exercito
sitiado e com seu efetivo diminuído graças ao envio de navios para a Europa e África. Por
isso, estou de acordo com Boxer quando este afirma que os desregramentos dos irmãos
Schouten não chegaram a prejudicar a capacidade de resistência e a fortificação da
cidade.
142
Não fosse assim, não teriam sustentado a ocupação por dez meses já que Van
Dorth morrera um mês após a ocupação.
Não resta dúvida que a morte do governador holandês pesou muito para os
invasores, mas daí a fazer uma divisão em antes e depois de Van Dorth, creditando aos
governadores que o substituíram a culpa pelo fracasso da ocupação, é desvalorizar outros
acontecimentos que marcaram esta história. Um deles, de imensurável importância, foi o
desmantelamento da tropa invasora logo após a conquista. Essa atitude não deve ser
tomada como ato suicida ou irresponsável da parte dos holandeses, mas, como o
cumprimento de planos pré-estabelecidos. Ao que tudo indica, havia diretrizes que previa a
conquista de outras áreas tão logo se efetivasse a ocupação da cidade do Salvador. Logo,
dos vinte e seis navios que compunham a armada invasora, doze já haviam zarpado até o
mês de agosto de 1624. No mês de julho oito navios retornaram para a Holanda levando os
lucros obtidos quando da invasão da cidade e em agosto, quatro navios se dirigiram para
Angola, com o intuito de se apropriar daquela praça, de acordo com Luiz Felipe de
Alencastro “na estratégia holandesa, os portos comerciais do Atlântico Português se
141
Idem. p. 76.
142
Boxer, Charles. Os holandeses no Brasil, 1624-1654. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1961. p.
35.
72
apresentavam como alvos conjugados. Tal era o plano de batalha da campanha de 1624-25,
levando à tomada da Bahia e ao bloqueio naval de Benguela e Luanda”.
143
Apesar de a expedição de Angola ser composta de apenas quatro dos doze navios
que deixaram Salvador, foi certamente a que provocou maior baixa nas tropas holandesas.
Segundo Aldemburgk, de cada dez homens do exército, um foi destinado à Angola.
144
Para
Boxer, esse erro dos holandeses era originado de uma suposição correta: “deveriam chamar
a si as rédeas do principal comércio negreiro na África ocidental”. No entendimento desse
autor, os diretores da WIC compreenderam que o Brasil não seria rentável sem o trabalho
escravo nas lavouras de cana.
145
Sem dúvida a conquista de Angola fora uma ação
orquestrada pela WIC. Garantir a posse da zona produtora de açúcar e da zona fornecedora
da mão-de-obra que fazia funcionar a lavoura canavieira estava nos planos da Companhia,
tanto que em 1642, durante a ocupação de Pernambuco, os holandeses fizeram nova
investida sobre Angola, dessa vez com sucesso.
146
A decisão de atacar Angola sem que a conquista da Bahia estivesse efetivada,
pautava-se na certeza de que a invasão lograria êxito. Mesmo tendo notícias de que a
Espanha preparava uma armada para expulsá-los, os holandeses não se intimidaram. Essa
atitude estava relacionada a confiança na chegada de uma poderosa armada que a Holanda
também preparava para assegurar a conquista de Salvador. O excesso de confiança
concorreu para que os holandeses mantivessem os planos das novas conquistas e isso
prejudicou muito a posição dos holandeses, que se fecharam ainda mais nos limites da
cidade, possibilitando maior movimentação dos refugiados que, como veremos, recebiam
reforços, ora de Pernambuco ora de Portugal. Ou seja, enquanto os invasores diminuíam o
seu efetivo militar e aguardavam a vinda da armada que não chegou a tempo em função
das desfavoráveis condições climáticas, os colonos locais ganhavam terreno e ajuda
externa.
De maneira geral, a permanência dos holandeses na capital da América portuguesa,
ou Terra Batávica como a chamaram, foi marcada pelas preocupações com a defesa do
espaço conquistado. O que era para ser uma ocupação duradoura, que garantisse o acesso
aos engenhos de açúcar, restringiu-se a área intramuros de Salvador. Apesar de ser o
açúcar o motor das ações da WIC no Brasil, não temos notícia de que nenhum engenho
143
Alencastro, Luiz Felipe de. O Trato dos Viventes. Formação do Brasil no Atlântico Sul. São Paulo: Cia.
Das Letras, 2000. p. 209.
144
Aldemburgk. Op. Cit. 1961. p. 179.
145
Boxer. Op. Cit. p. 35.
146
Sobre a participação dos holandeses no tráfico de escravos ver Puntonni. Op. Cit. 1999.
73
tenha caído em suas mãos. A maior parte dos eventos que marcaram a passagem dos
invasores pela Bahia aconteceram na cidade de Salvador e arredores, as investidas pelo
Recôncavo foram pontuais e, na sua maioria, frustradas. Enfim, a cidade era o limite, os
arredores a vigília, o Recôncavo a esperança e a Baía, quando foi cercada pela armada
luso-espanhola, a rendição.
No Refúgio
Enquanto os holandeses se ocupavam [com] sacrilégios cobriam os matos e praias os
desterrados, que só dos portugueses seriam dez ou doze mil almas, servindo de casa a uns as
árvores agrestes, e a outros o céu, sem mais algum abrigo da calma, chuvas e sereno da noite;
todos a pé, muitos descalços e despidos, morrendo a fome e sede aqueles que, pouco havia,
deixaram casas tão ricas e abastadas de tudo, que mais pareciam servir ao regalo que a
necessidade.
147
Mais uma vez Vieira não economizou nos exageros. O exercício de imaginação
empreendido pelo padre ao narrar cerca de dez ou doze mil portugueses, (fora os demais
habitantes) fugindo desordenadamente, deixando para trás verdadeiras fortunas,
enfrentando total desconforto, se aproxima muito mais da fuga dos hebreus do Egito, do
que dos acontecimentos de maio de 1624. Além do mais, as contradições dão o tom da
narrativa. Observem que o padre faz referencia a pessoas descalças, despidas, morrendo de
fome e de sede, aliás, coisa impensável numa região tão bem servida de água. Mas, ao
mesmo tempo os coloca numa posição abastada, conforme o cronista, estas pessoas teriam
deixado “casas tão ricas e abastadas” sugerindo que eram pessoas acostumadas com a
fartura. Logo, como poderiam está em estado tão deplorável, em tão pouco tempo? E mais,
não parece real a informação de que o mato lhes serviu de abrigo. Certamente, os
aldeamentos indígenas e os engenhos localizados no Recôncavo é que cumpriram essa
função. É óbvio que o pânico sempre se faz presente numa situação como essa, porém,
atribuir um caráter tão desesperado a fuga dos colonos é também uma forma de valorizar
as atitudes dos que resistiram aos holandeses, colocando-os na posição de heróis ao mesmo
tempo em que justifica a rápida queda da cidade nas mãos dos invasores.
Viera nos transmite a idéia de que a fuga foi completamente desarticulada e com
um único destino, a Aldeia do Espírito Santo, situada na atual Vila de Abrantes, que de
acordo com o jesuíta Vieira, distava
147
Vieira. Op. Cit. p.161.
74
...seis ou sete léguas da cidade, (...). Quanto aqui fosse o aperto e incomodidade bem
se deixa ver, pois moravam setenta em casas feitas e repartidas para quatro. A esta
aldeia se recolheu naqueles primeiros dias a maior parte da gente, à qual acudiu a
caridade dos nossos com o que podia, não faltando a ninguém carne, nem farinha, que
é o pão da terra, e neste tempo era o maior regalo.
148
O relato acima deixa claro mais uma vez que os dados referentes a essa fuga precisam ser
relativizados, pois não me parece real setenta pessoas dividirem uma casa planejada para
abrigar quatro pessoas, mesmo com todas as implicações que o momento requeria.
Acredito que os refugiados tomaram vários destinos como engenhos e fazendas no
Recôncavo, porém, os relatos luso-espanhóis deram maior ênfase à aldeia acima referida,
consagrando-a como a grande acolhedora dos refugiados graças à sua utilização como local
de articulação da liderança da resistência.
149
Foi na Aldeia do Espírito Santo que se reuniram os oficiais da Câmara Municipal,
desembargadores e religiosos para resolverem sobre a sucessão do governador Mendonça
Furtado, que havia sido feito prisioneiro pelos holandeses. Por determinação real, em caso
de morte ou ausência deste, o sucessor natural seria o governador de Pernambuco Matias
de Albuquerque. Como a distancia de ida e volta ultrapassava os duzentos quilômetros e
era urgente que se organizasse uma resistência que impedisse o avanço do inimigo pelo
território, as partes concordaram que o cargo deveria ser ocupado por Antão de Mesquita,
chanceler do Tribunal da Relação.
Apesar da concordância inicial em torno do magistrado, seu governo foi
curtíssimo
150
. Ao que tudo leva a crer, o bispo D. Marcos Teixeira não ficou satisfeito com
a escolha, querendo ele mesmo assumir o comando da resistência aos holandeses. Nesse
momento parece ter se instalado mais um capítulo dos conflitos administrativos tão
comuns ao período colonial. O resultado foi a queda do chanceler e a ascensão do bispo
como governador . A documentação é confusa a respeito do que realmente se passou. Frei
Vicente do Salvador minimizou a questão, na sua História do Brasil, o bispo assumiu o
148
Idem. P. 161-2.
149
Certamente outros aldeamentos serviram de abrigo para aqueles que se refugiaram, sobre a localização
desses aldeamentos ver Paraíso, Maria Hilda Baqueiro. Os esquecidos de Salvador: índios e negros na
cidade-fortaleza e a conquista das terras das aldeias no seu entorno. In. Revista do Instituto Geográfico e
Histórico da Bahia. V.98 (Jan./Dez.). Salvador: IGHB, 2003. pp. 129-158.
150
A documentação não especifica a duração do governo de Antão de Mesquita. De maneira geral as
informações são de que duraram poucos dias. Também, generalizada é a notícia de sua posse. Os relatos se
resumem em afirmar que foi logo nos primeiros dias do refúgio. Considero razoável pensar que a decisão de
empossá-lo tenha demorado no máximo cinco dias, tempo em que as pessoas foram chegando e se
acomodando na aldeia do Espírito Santo.Isso seria, no mais tardar, dia 14 de maio. Da transição do poder de
suas mãos para as mãos do bispo, nenhuma data precisa é citada, sabemos apenas, por informação contida no
relato do espanhol Tamoyo de Vargas, que ainda no s de maio o bispo já era o novo governador. Dessa
maneira, supomos que o Governo do magistrado durou em torno de dez a quinze dias.
75
governo de imediato, só ficamos sabendo que houve algum desentendimento, ainda assim
tratado como coisa menor, quando o franciscano noticiou o envio do novo capitão-mor por
parte de Matias de Albuquerque. O padre Antonio Vieira menciona a escolha do chanceler
e explica a sua sucessão em função de motivos de saúde do mesmo. Já Tamoyo de Vargas
credita a queda de Mesquita ao “peso da idade e achaques do mesmo”.
151
Na ótica de Varnhagen, houve um verdadeiro golpe contra Antão de Mesquita. Para
o autor, o bispo dera provas de sua ambição no episódio das disputas com o governador
Furtado, de modo que restariam poucas dúvidas acerca de suas ações no refúgio. Assim,
Varnhagen afirma que uma espécie de complô foi armado pelo bispo, o qual foi apoiado
pelos oficiais da Câmara e por Antonio Cardoso de Barros e Lourenço Cavalcante de
Albuquerque, ambos nomeados pela Câmara, Coronéis de toda a milícia da terra.
152
Para Schwartz, o argumento de que Antão de Mesquita estava velho não procede.
Segundo este historiador, se isso fosse verdade, Mesquita não teria sido o único escolhido
para permanecer no Brasil como Magistrado Real após a abolição do Tribunal da Relação.
Além do mais, prossegue Schwartz, “as honras e recompensas que recebeu e as expressas
satisfações da Coroa com seu desempenho tendem a refutar as afirmações do bispo”.
Enfim, o autor entende que o controle da situação foi arrancado das mãos de Antão de
Mesquita pelo bispo e seus seguidores.
153
As observações de Schwartz e de Varnhagen são fundamentais na elucidação dessa
história. Porém, uma questão não me parece bem resolvida: porque os oficiais da Câmara,
que nomearam o chanceler, voltaram tão rapidamente atrás de suas decisões? Talvez a
resposta para a questão possa ser encontrada nos conflitos existentes entre as instituições
coloniais. Como já observamos anteriormente, Câmara, Tribunal da Relação e Bispado
possuíam discordâncias entre si. No refúgio, seus membros foram obrigados a conviver
num mesmo espaço improvisado e forçados a tomarem decisões em conjunto. A primeira,
e mais importante, escolher um substituto para Mendonça Furtado. Por força da hierarquia,
Antão de Mesquita seria o mais indicado, mas não o mais desejado. Nesse sentido, ao
perceberem a disposição do bispo em assumir o controle da situação, os oficiais da Câmara
não vacilaram em rever a decisão tomada dias antes.
151
Vargas, Thomas Tamayo de. A Restauração da cidade do Salvador, Bahia de Todos os Santos, na
província do Brasil. Bahia: Typografica de Epifânio Pedrosa, 1947. p. 72
152
Varnhagen. Francisco Adolfo. História das lutas com os Hollandezes no Brasil desde 1624 a 1654.
Salvador. Progresso, 1955. p. 79-80.
153
Schwartz, Burocracia e Sociedade. p. 174.
76
A situação emergencial impediria qualquer tipo de recurso à Coroa por parte do
chanceler deposto, ademais, caso obtivessem sucesso no combate aos inimigos, “os
golpistas” teriam seus esforços reconhecidos e recompensados pelo rei. Por seu turno, o
bispo se retrataria com a Coroa pelo desserviço que prestara na organização da defesa da
cidade. Mas isso é apenas uma hipótese.
Das providências tomadas pelo bispo, a primeira e de maior ressonância, se deu no
dia treze de junho, dia de Santo Antônio, com um contra-ataque à cidade ocupada. É
emblemático que D. Marcos Teixeira tenha escolhido o dia de santo Antônio para investir
contra a Terra Batávica. Santo de maior devoção popular no Brasil, Santo Antônio
também era considerado um santo guerreiro, de maneira que no Brasil colônia, muitas
foram as patentes concedidas a ele. Para o antropólogo Luiz Mott, a incorporação de Santo
Antônio ao serviço militar atendia aos interesses tanto da Coroa Portuguesa em sua luta
contra os estrangeiros hereges, quanto aos colonos na recuperação de seus escravos
fugidos. Na defesa de Salvador, o santo possuía papel fundamental, guardar a entrada da
barra da Baia de Todos os Santos, com um forte que levava, e ainda leva, o seu nome -
diga-se de passagem que, contrariando as expectativas, o forte Santo Antônio não
conseguiu conter a invasão dos holandeses.
154
Mas parece que essa falha não pesou na
decisão do bispo em atacar os holandeses no dia do santo guerreiro, pelo contrário, a
escolha deve ter sido uma estratégia do prelado para encorajar sua tropa, que lutando ao
lado do santo, estaria mais fortalecida.
A missão foi um fiasco, pois, antes de acometerem a cidade, resolveram atacar uns
portugueses que estavam abrigados no mosteiro do Carmo e que seriam “espias” dos
holandeses. Para tal intento, mandou Francisco Dias de Ávila com índios flecheiros e
alguns arcabuzeiros para que prendessem os ditos portugueses. Aqui, os dois principais
cronistas luso-brasileiros, frei Vicente e Vieira, divergem.Vejamos como o franciscano
narrou o episódio:
...em chegando ao dito mosteiro e não lhes querendo os de dentro abrir, entraram por força,
dando [os índios] um urro de vozes tão grande que, ouvido pelos holandeses, tiveram tempo de
se aperceber...
155
Agora observemos a narração do padre Vieira:
154
Para mais informações sobre santo Antônio, Cf. MOTT, Luiz. Santo Antonio, o divino capitão-do-mato.
In. Liberdade por um fio. São Paulo, 1996.
155
Salvador. Op.cit. p. 366
77
Estes [os portugueses], antes que amanhecesse, foram presos, mas antes que o fossem, vendo-se
acometidos, deram com um sino rebate aos holandeses, cujos espias eram. Vendo pois os
nossos, que fizeram esta boa presa (e não passavam de cinqüenta, e deles a maior parte índios)
que eram sentidos, arremetem sem conselho à cidade, e soldado de cavalo houve que daquela
feita se adiantou até pregar a lança na porta da cidade, ferindo e atropelando os guardas dela;
mas, sobrevindo os inimigos e disparando algumas roqueiras, se retiraram.
156
De um lado, temos a denúncia de frei Vicente acerca do comportamento desastrado dos
índios, do outro a omissão completa de tal comportamento por parte da pena de Vieira. Na
narrativa do jesuíta, o objetivo de prender os portugueses foi alcançado. Mais ainda,
cumprido com tanto sucesso que encorajou os refugiados a tentarem entrar na cidade. E
uma das maiores motivações para tal encorajamento residiu no fato de que a força que
prendeu os portugueses era composta por menos de cinqüenta homens, sendo a maior parte
de índios. Ou seja, enquanto o franciscano criticou a atitude dos índios, o jesuíta a elogiava
considerando um incentivo para os demais. Por hora, cabe lembrar o interesse de Vieira em
exaltar o valor do índio catequizado, pois as tropas indígenas saíram dos aldeamentos
jesuíticos. Nesse sentido, é provável que a crítica ao comportamento dos índios implícita
no relato do franciscano resida numa certa discordância provocada pelos resultados do
trabalho dos jesuítas.
Segundo Vieira, o fracasso da precipitação sobre a cidade ensinou que ante a
inferioridade das forças de resistência, melhor seria cercá-la, impedindo a saída do inimigo
por meio das emboscadas.
157
Para melhor funcionamento desta tática, o bispo ordenou uma
maior aproximação da cidade, montando uma espécie de quartel general a uma légua da
urbis, no atual bairro do Rio Vermelho. É Vieira mais uma vez quem melhor descreveu o
local:
Faz juntar aqui a gente de guerra, os clérigos religiosos e oficiais de justiça que pode. Aqui se
recolhem todos em choupanas ou barracas feitas de palma, e do mesmo feitio era a igreja. Aqui
se administram o sacramento e a justiça. Aqui se curam os enfermos. Aqui se guarda e distribui
todos os mantimentos dos soldados. Daqui finalmente saem para os assaltos, tornando a
demandar o mesmo lugar. Fortifica-se este porto com cava, trincheiras e plataformas nos passos
de mais importância, nas quais assentaram algumas peças de uma nau, que escapou das mãos
dos inimigos.
158
156
Vieira. Op. Cit. p. 165-6.
157
Idem. p. 166.
158
Idem. Ibidem. De acordo com Maria Hilda Baqueiro Paraíso, o local descrito por Vieira funcionou como
aldeamento jesuítico no Século XVI, tendo sido desativado nesse mesmo século, permaneceu como
propriedade jesuítica que utilizaram o local para retiros, férias dos estudantes e repouso dos padres. Segundo
a autora os inacianos só abandonaram o local no Século XVIII, quando foram expulsos da Bahia. Cf. Paraíso.
Op. Cit.
78
Nesse “arraial”, como denominava as fontes, a vida corria movimentada. Um
intenso comércio se instalou no local, onde se negociava carne, peixe, frutas, farinha e tudo
que havia no Recôncavo. Também se trazia vinho e azeite de Pernambuco, que vinham de
barco até a torre de Tatuapara e dali por terra até o arraial. No que diz respeito à segurança
acrescente-se às anotações de Vieira que o arraial ficava em cima de um monte, cujo
acesso se dava apenas por três partes, as quais foram entregues à guarda de três capitães, a
saber:
a que estava para a banda da cidade entregou ao coronel Melchior Brandão com a gente do
Paraguaçu, a outra, que estava pêra Tatuípe, ao capitão Pero Coelho, e a terceira, por onde se
servia para o sertão, ao capitão Diogo Muniz Teles, e o corpo da guarda se fazia junto à tenda
ou casa palhaça do capitão-mor pelos soldados do presídio e outros, que seriam todos duzentos.
159
Os cuidados do bispo na preparação da resistência são dignos de comentário.
Depois da equivocada oposição que fez ao governador Mendonça Furtado, tudo indica que
D. Marcos quis se redimir de seus erros, pois as fontes são unânimes em apontar sua
atuação enérgica no cerco aos invasores. Até mesmo os relatos holandeses apontaram sua
dedicação. Comentando a recusa dos colonos locais em aderir aos holandeses, Laet afirma
que não o fizeram por medo do bispo, que se conservava “nas vizinhanças da cidade, e
fazia-se de forte, procurando disfarçar sua vergonhosa fuga, cuja culpa lançava ao
governador prisioneiro”.
160
O bispo não se fazia de forte, ele era forte, tanto que sua estratégia funcionou muito
bem e os holandeses se restringiram aos limites citadinos. Quando não era assim e se
arriscavam no além-muros, foram repelidos pelas companhias de emboscadas criadas pelo
Bispo e Capitão-mor. De acordo com Vieira, existiam vinte e sete capitães de emboscada,
cujos efetivos iam de vinte e cinco até quarenta soldados. Todos esses capitães eram
subordinados a dois coronéis.
161
Não encontrei nenhum outro documento que tenha feito
referência a tantas companhias. Tentando listá-las, os relatos Seiscentitas apontam pouco
mais de dez. Sendo que a informação mais precisa, contida na obra de Frei Vicente,
destaca seis companhias com atuação intensiva e mais quatro ou cinco que aparecem
esporadicamente nas páginas de sua História do Brasil. Vejamos as mais importantes:
159
Salvador. Op. Cit. p. 368.
160
Laet. Op. Cit.p. 73.
161
Frei Vicente do Salvador afirma que esses coronéis seriam Melchior Brandão e Lourenço Cavalcante de
Albuquerque. Entretanto, como já foi mencionado, Varnhagen afirmou que os coronéis eram este último e
Antonio Cardoso de Barros, informação idêntica à fornecida pela maioria das fontes e que será seguida neste
texto.
79
1. A companhia dos capitães Vasco Carneiro e Gabriel da Costa, comandando
uma trincheira com duas peças de bronze, localizada em “Tapegipe”,
defronte da fortaleza de São Felipe. Contavam com uma “companhia do
presídio de quarenta soldados”;
2. A companhia dos capitães Manuel Gonçalves, Luiz Pereira de Aguiar e
Jorge de Aguiar, comandando outra trincheira, não muito longe da
primeira, com cinco falcões e duas roqueiras;
3. A companhia do capitão Jordão de Salazar, que mantinha sob seu comando
uma trincheira “junto ao mar e porto”;
4. A companhia dos capitães Francisco de Castro e Agostinho de Paredes,
entrincheirados na ermida de São Pedro para vigia com sessenta homens;
5. A companhia dos capitães Francisco Padilha e Luís de Siqueira, de vigia
“pêra o Rio Vermelho”, com quarenta homens na roça de Gaspar de
Almeida,
6. Por fim, a companhia do capitão Lourenço de Brito, “como capitão dos
aventureiros, acudia a todas as partes”.
162
Além dessas, Salvador cita Francisco Dias de Ávila, senhor da torre de Tatuapara, que
comandava uma guarnição de índios flecheiros e alguns arcabuzeiros, Afonso Rodrigues
da Cachoeira, que acudia em diversas partes com seus índios flecheiros, Pero de Campo,
Diogo Mendes Barradas e outros mais. É certo que no relato do franciscano ficaram de fora
uma série de companhias e personalidades importantes da Bahia que atuaram contra os
holandeses, como Antônio de Brito Correa, pai de Antonio Guedes de Brito, instituidor do
Morgado da casa da Ponte. Segundo documento publicado nos Anais do Arquivo Público
da Bahia, Brito Correa teria sido,
governador das companhias que resistiram contra os holandeses em 1624 nos
combates do Forte Novo de S. Felipe, em 9 de Maio; em 13 de Setembro do mesmo
ano nas proximidades de S. Bento; em 18 de Outubro do mesmo ano na Fonte Nova,
onde comandava um terço de negros; em 30 de Dezembro enfrentou os flamengos que
foram saquear o engenho de açúcar de Itaparica...
163
É importante ressaltar que as companhias de emboscadas ou assaltos como querem
algumas fontes, eram flexíveis quanto aos seus postos, podendo se deslocar rapidamente e
se ajudarem conforme a situação e à necessidade. Não obstante essa característica, convém
chamar atenção para o fato de que as batalhas convergiam para as portas do Carmo e de
São Bento, locais de acesso mais fácil para a resistência, visto que o dique construído pelos
holandeses, bem como a escarpa, dificultava a aproximação por outras partes. Os
responsáveis por estes dois extremos da cidade eram, respectivamente, os capitães Manuel
162
Todas as informações, Cf. Salvador. Op. cit. p.369.
163
Casa da Ponte. Restos do seu Patrimônio em 1819. In. Anais do APEB. Vol. 11. Salvador: Imprensa
Oficial, 1923. (pp.115-152)
80
Gonçalves, o mesmo que estava entrincheirado nas proximidades de “Tapagipe”, e
Francisco Padilha, aquele que vigiava o caminho do Rio Vermelho. Como veremos no
próximo tópico, foi nestes locais que as batalhas transcorreram com maior vigor.
Ainda sobre as companhias, não podemos deixar de destacar aquelas que atuavam
pelo Recôncavo e que estavam prontas para colaborar com a resistência a qualquer
necessidade, “em tal ordem que, em qualquer parte que desembarcavam [os inimigos], já
os nossos eram com eles, e por boas vindas os recebiam com uma salva de arcabuzes e
flecharia, com que lhes impediam o passo ou lhes tiravam a vida”.
164
O desfecho dessa história demonstra que o bispo e seus dois homens fortes
comandaram com competência a resistência. Os refugiados causaram grandes transtornos
para os invasores, cujas tropas ficaram desorganizadas com a morte de seu general e
também com a do seu sucessor. Sair da cidade era uma operação de alto risco para os
holandeses. Aos poucos, os refugiados sitiaram os invasores. Quando chegou à Bahia o
novo capitão-mor, Francisco Nunes Marinho, indicado por Matias de Albuquerque, a
resistência já havia desestabilizado os ocupantes e seus passos eram acompanhados de
perto.Sobre a situação da Bahia quando da transferência do cargo de capitão-mor, vejamos
as palavras nada parciais do padre Antônio Vieira: “Entregou-lhe [o cargo a Francisco
Nunes Marinho] logo em chegando o senhor Bispo, largando-o com tanta vontade no
tempo já mais próspero, com quanta o aceitara no mais adverso e trabalhoso”.
165
Antes de passarmos a administração de Nunes Marinho, vejamos o que aconteceu
com o bispo. Tendo assumido o controle da resistência no mês de maio, o religioso se
manteve como capitão-mor até a chegada do enviado do governador-geral, isto em início
de setembro, portanto, sua administração durou pouco menos de quatro meses. Nesse
período, o bispo se destacou por sua atuação enérgica e firme, a qual conseguiu, de
maneira geral, manter a população distante dos invasores. No período posterior ao seu
mandato, o bispo teve pouco tempo de vida, vindo a falecer a 8 de outubro.
O falecimento do bispo acabou gerando uma situação inusitada nessa história. Em
função do seu comportamento desastrado no período da administração de Mendonça
Furtado, certamente D. Marcos seria chamado a prestar esclarecimentos ao rei por sua
obstrução às ordens do governador. Entretanto, sua morte, somada à sua boa atuação no
comando da resistência, reverteu completamente essa situação, fazendo com que o prelado
entrasse para a história como herói da luta contra os holandeses. Todos os relatos e
164
Vieira. Op. Cit. p.168.
165
Idem. p. 171.
81
crônicas a que tive acesso não pestanejaram em elogiar o bispo como capitão-mor. Como
exemplo desses elogios, observemos um trecho de Tamoyo de Vargas:
Era amado de todos como pai e venerado como santo, (...) seu zelo na defeza da
religião, sua caridade com o povo, e o exemplo que dava em todos os exercícios da
virtude, o qualificavão em todas as occasiões (...) dando o céo testemunhos de quanto
lhe erão aceitas suas acções, com os favores que por sua intercessão fazia àquelle
acampamento, por quanto faltando algumas vezes pela noite pólvora ou mantimentos,
pela manhã tudo nelle se achava com tanta abundância, que os soldados attribuião à
dilligencia sobre humana semelhantes provisões, chamando guerra milagrosa a essa a
que assitião, e reverenciando cada vez mais o seu prelado como causa de tantas
maravilhas...
166
O cronista espanhol não poupou elogios ao bispo, imprimindo-lhe um caráter mágico a ao
coloca-lo como causa das maravilhas que aconteciam no acampamento, atribuindo até
mesmo poderes sobre-humanos a D. Marcos. Afirmar que da noite para o dia, como uma
mágica, o bispo abastecia as tropas em pólvora e mantimentos não passa da tentativa de
construção da imagem de um homem virtuoso com poderes milagrosos, um verdadeiro
santo.
Mas nada do que Vargas escreveu, supera a emocionada e exacerbada pena de
Antônio Vieira na descrição da atuação do bispo. Para o jesuíta, foi graças ao bispo, depois
de Deus, que se conseguiu conservar as fazendas do rei. Acudia a tudo e a todos, animava a
uns, chorava com outros, passava mensagens de amor a todos. Após deixar o comando da
Resistência, enquanto os soldados combatiam com as armas, o bispo rezava missa,
negociando “o favor do céu” para conquistar a vitória contra os hereges. A sua morte fora
um castigo de Deus para os que ficaram, ao passo que era um prêmio para o próprio Deus,
que, a partir daquele momento, iria gozar de tão boa companhia. A morte do “bom pastor”
, como disse Vieira, teria sido lastimada por todos, tanto que houve quem afirmasse que a
perda do prelado foi castigo maior do que a perda da cidade, no que Vieira concordou,
afirmando que a cidade seria restaurada, já o falecimento do bispo não teria remédio.
Segundo Vieira, os índios foram os que mais sentiram, os que mais choraram a morte de D.
Marcos, “porque de todos eles era pai, defensor e protetor”.
167
É claro que os sentimentos
dos índios ganharam as cores e os tons que a pena de Vieira quis dar. Tal comoção
imaginada pelo padre se justifica diante da intenção de salientar o êxito da empreitada
catequizadora. No sucesso dos aldeamentos residia a educação dos índios e
166
Vargas. Op. Cit. p. 75.
167
Vieira. Op. Cit. p. 172-3.
82
conseqüentemente o respeito e, por que não dizer, a veneração para com a maior
autoridade religiosa da colônia. Sentimentos que Vieira desejava ver se tornarem reais.
Enfim, o bispo parecia intocável. Sua morte parece ter apagado definitivamente o
resultado amargo das suas desavenças com o governador. Após seu sepultamento, D.
Marcos Teixeira consagrou-se herói da resistência contra os holandeses. Houve até quem
reivindicasse, no aniversário dos trezentos e cinqüenta anos de sua posse, o seu lugar no
pedestal da história que lhe pertenceria por justiça e por direito. Até com nome de rua em
bairro nobre da capital baiana o controverso bispo foi agraciado. Entretanto, as aspirações
dos que pretendiam imortalizar o religioso, não foram adiante. Hoje, certamente as pessoas
que passam pela rua D. Marcos Teixeira, no atual bairro da Barra, desconhecem o passado
do ilustre personagem que deu nome àquela rua.
168
Antão de Mesquita, o único que poderia, perante a Coroa, refutar a posição de D.
Marcos, não o fez. Muito provavelmente, as recompensas que recebeu do rei,
permanecendo como único magistrado da Coroa no Brasil foram suficientes para o
chanceler, cuja principal característica que sobressai na documentação é sua discrição. A
constatação de sua moderação pode ser observada em carta que escrevera a Matias de
Albuquerque em 12 de setembro de 1624, dando a notícia da chegada de Nunes Marinho.
Nela Mesquita demonstrou seu ressentimento com o bispo, “alegando muito o que mereceu
ao serviço de S. M. na paciência com que dissimulou os agravos que recebia do bispo”.
169
Quando este sentimento de comoção se instalou entre os refugiados, Francisco
Nunes Marinho já era o comandante da resistência. O novo capitão-mor já havia assumido
igual cargo na Paraíba e possuía experiência na Índia e em outras partes do Império
português. Para sua nova empreitada, lhes deram dois caravelões com trinta soldados,
pólvora, munições e outras coisas de que se necessitava na Bahia. Sua chegada foi
retardada por uma tormenta que o obrigou a entrar no rio Sergipe para reparos nos navios.
Enquanto os concertos eram feitos, Marinho resolveu seguir para Salvador por terra,
levando consigo alguns soldados.
170
Francisco Nunes Marinho comandou as tropas de resistência entre setembro e
dezembro de 1624. Sua administração não destoou da do bispo no que diz respeito ao vigor
com que combateu os holandeses. Contam os relatos Seiscentistas que, mesmo doente e
168
Sobre os debates que ocorreram por ocasião do aniversário dos 350 anos da posse do bispo, ver.Freguesia
da Conceição da Praia, 1623-1973. Dom Marcos Teixeira fundador. Coleção Conceição da Praia, vol. III.
Salvador, 1973.
169
Varnhagen. Op. Cit. 1955. p. 80. nota 3
170
Salvador. Op. Cit.p. 378.
83
fraco, Marinho jamais desanimou, pelo contrário, por pior que estivesse, manteve sempre
os soldados pensando que estava bem de saúde. E até com as deficiências dos recursos para
a guerra, o novo capitão-mor foi criativo. Segundo Frei Vicente do Salvador, Marinho
costumava mostrar “botijas cheias de areia, fazendo entender aos soldados que eram de
pólvora”.
171
De maneira geral, Nunes Marinho manteve a mesma estratégia utilizada no tempo
de D. Marcos Teixeira. Entretanto, acrescentou algumas medidas que ajudaram a sufocar
cada vez mais os ocupantes, dentre elas destacamos o posicionamento de dois barcos de
vigília, um em Itapuã e outro em Morro de São Paulo, para que avisassem às embarcações
portuguesas que se aproximavam, da tomada do porto pelos holandeses. Outra medida
importante consistiu em abreviar o caminho do acampamento no Rio Vermelho para a
cidade, facilitando desta forma os ataques ao inimigo.
172
A resistência que já havia demonstrado eficiência no tempo de D. Marcos,
fortalecera-se mais ainda com a chegada de Nunes Marinho e da ajuda externa, pois a
notícia da ocupação da Bahia foi recebida com preocupação pelo monarca espanhol Felipe
IV, que sem demora, determinou que se preparasse uma armada para retomar a cidade
ocupada. Enquanto a armada era aprestada, o rei ordenou que Lisboa mandasse de
imediato todo o socorro possível, não só à Bahia, mas a outras partes do Brasil. Em
obediência a ordem real, foram enviadas, a 8 de agosto de 1624, duas caravelas para
Pernambuco, tendo por capitães Francisco Gomes de Melo e Pero Cadena e que deveriam
seguir as ordens de Matias de Albuquerque. A 19 de agosto do mesmo ano era a vez de
Salvador Correia de Sá e Benevides com destino ao Rio de Janeiro, no navio Nossa
Senhora da Penha de França.
173
Para a Bahia foi enviado D. Francisco de Moura, sujeito com larga experiência em
assuntos coloniais, pois já havia sido governador do Cabo Verde, cavaleiro com muitos
serviços na Índia, além de ter militado em Flandres.
174
As três caravelas que vieram para a
colônia trouxeram “cento e cinqüenta homens de guerra, trezentos arcabuzes aparelhados,
171
Idem. p. 379.
172
Infelizmente não conseguimos descobrir que tipo de intervenção foi feita para encurtar o caminho até a
cidade ocupada. Sobre as medidas de Francisco Nunes Marinho, ver: Vargas. Op. Cit. p. 76; e Salvador. Op.
Cit.p. 379-380.
173
As duas primeiras caravelas traziam: “cento e vinte homens de guerra, cinqüenta quintais de chumbo em
pão, mil e trezentos arcabuzes de Biscaia aparelhados, quatorze quintais de chumbo em pelouros, duzentas
lanças e piques de campo, quatro arrobas de morrão”. Já o navio Nossa Senhora da Penha, trazia “oitenta
homens armados com seus arcabuzes de Biscaia, quatorze quintais de pólvora, oito de chumbo e dois de
morrão”. Cf. Salvador. Op. Cit. p. 381
174
Vargas. Op. Cit. p. 77; Varnhagen. Op. Cit. p. 83.
84
cinqüenta quintais de pólvora, dez de morrão, vinte e nove de chumbo em pão, cento e
cinqüenta formas de fazer pelouros”.
175
Em Pernambuco, juntaram-se a Francisco de
Moura, o capitão-mor do Pará, e o filho do governador do Maranhão, respectivamente,
Manuel de Souza de Sá e Feliciano Coelho de Carvalho. A esses dois, Matias de
Albuquerque entregou seis caravelões abastecidos com os mantimentos trazidos pelas
caravelas.
De Pernambuco, Moura seguiu para a Casa da Torre e de lá para o Rio Vermelho,
onde foi recebido com salva da artilharia em 3 de dezembro de 1624. O mandato de D.
Francisco de Moura, que durou desta data até a chegada da armada luso-espanhola no
princípio de abril, caracterizou-se pela continuidade dos trabalhos realizados pelos capitães
que o antecederam, principalmente pelas fortificações que realizou no Recôncavo para
defesa dos engenhos e a formação de uma pequena esquadra, composta de dez barcas para
garantir a segurança dos mantimentos que eram levados do Recôncavo para o “quartel” da
resistência .
176
Com os socorros enviados de Portugal, vinha a certeza de que na Europa, a
Metrópole estava atenta ao que se passava na colônia. As notícias acerca da grande armada
que estava sendo preparada para socorrer os habitantes da Bahia enchiam as tropas de
esperança, o que muito ajudou nos sucessos quase que diários de suas investidas contra os
holandeses. Além das boas notícias, os refugiados contavam com o reforço concreto de
homens e mantimentos e se organizavam cada vez mais. A cada troca de comando, a tática
prevalecia a mesma, havendo apenas o incremento das ações visando um melhor
desempenho das companhias de emboscadas.Os resultados dessa organização eram
percebidos a cada vitória dos refugiados sobre os invasores, que passaram seus últimos
dias na Bahia, completamente oprimidos dentro dos limites da cidade.
Enfrentamentos entre Colonos locais e Holandeses
Para uma melhor compreensão do sucesso alcançado pela resistência, faz-se
necessário o conhecimento dos enfrentamentos que ocorreram nos arredores da capital
ocupada. As vitórias conquistadas nesses encontros foram o principal motor dos
refugiados, pois, foi a partir deles que se iniciou o processo de enfraquecimento dos
175
Salvador. Op. Cit. p. 382.
176
Idem. p. 383.
85
holandeses e que culminou com a sua derrota diante da armada luso-espanhola, que os
encontrou desorganizados e reprimidos.
Num primeiro momento, os ataques feitos aos holandeses sitiados na cidade e que
ultrapassavam os muros para reconhecerem o território ou para buscarem riquezas e
certamente alimentos nas proximidades da cidade, eram, de maneira geral, levados a cabo
por índios, que agindo independentes de qualquer ordem, buscavam, segundo os cronistas,
vingar as mortes dos seus parentes que caíram lutando contra os holandeses no momento
da invasão. Assim, seguindo uma lógica própria, os índios foram os primeiros a imprimir o
pavor aos invasores.
177
São exemplos das investidas dos índios nos primeiros dias da ocupação as
situações registradas pelo padre Antônio Vieira. Uma ao quarto dia após a tomada da
cidade, quando “doze ou treze índios parentes de alguns que na bateria do forte foram
mortos, [se dirigiram à cidade ocupada] deliberados a tomar vingança de suas mortes na
vida dos holandeses”.
178
Em outra ocasião, menos de doze índios, motivados pelo mesmo
sentimento de vingança, surpreenderam alguns holandeses que encontraram numa casa de
palha nas proximidades da Vila Velha (atual Porto da Barra), na referida casa, os últimos
procuraram se abrigar. Para azar dos invasores, ao dispararem contra os índios, sucedeu
que a palha da casa pegou fogo. O resultado trágico foi que aqueles que fugiram do fogo
foram atingidos pelas flechas e os que temiam as flechas, foram queimados pelo fogo. O
desespero foi grande e, ao que tudo indica, deve ter causado tamanho susto aos holandeses
que os fizeram abandonar a fortaleza de Santo Antônio. Sem dúvida, uma vitória e tanto
para os habitantes da Bahia que, antes mesmo de se articularem, puderam gozar uma
derrota dos invasores.
179
Mas não só os índios assustaram os holandeses nos primeiros dias de ocupação,
segundo Aldemburgk, após a tentativa frustrada de cooptar os moradores, o coronel Van
Dorth resolveu cuidar dos “portugueses que diariamente alarmavam nosso acampamento
com escaramuças”. Nesse sentido, o coronel holandês ordenou que se trabalhasse na
fortificação do território conquistado, construindo trincheiras, baluartes, etc.
180
Certamente,
os portugueses a que se refere a fonte holandesa, era uma generalização para descrever o
177
Esse comportamento destoa das conhecidas formas de atuação indígena, nesse caso é provável que se
tratasse de índios desalojados de seus aldeamentos localizados na área intramuros que reagiram a tomada de
suas terras. Adiante voltarei a essa questão para fazer um paralelo entre a leitura dos cronistas em relação às
atitudes dos índios, e o que suas atitudes representavam em sua própria cultura.
178
Vieira. Op. Cit. p. 163.
179
Idem. Ibidem.
180
Aldemburgk. Op. Cit. p. 174-5.
86
outro, no caso o inimigo. Pois, não temos notícia de portugueses atuando sozinhos durante
a ocupação, mas sim em companhia dos índios, como no ataque que fizeram na região de
São Bento, quando alguns portugueses acompanhados de índios flecheiros, cativaram dois
holandeses e mataram sete ou oito, dentre os quais, um capitão.
181
Geralmente, estes ataques aconteciam quando os holandeses resolviam sair dos
limites citadinos, o que era considerado um grande atrevimento pelos cronistas portugueses
e espanhóis. Tudo leva a crer que os arredores da cidade se tornaram um espaço
movimentadíssimo após a ocupação da cidadela, desde os primeiros dias até a expulsão dos
holandeses. Era justamente nesse espaço que aconteciam os encontros entre inimigos, ao
acaso, ou de caso pensado, individualmente, ou no coletivo, muitos episódios da invasão
holandesa se passaram nas vizinhanças da capital.
Esses acontecimentos em torno da cidade tiveram momentos diferentes. Primeiro os
episódios casuais, os embates fortuitos, a ausência de estratégias e de pontos demarcados.
Depois, com a articulação dos refugiados, os arredores da cidade se transformaram num
verdadeiro campo de batalha em que luso-brasileiros tomaram suas posições, construíram
suas trincheiras, forjaram seus esconderijos, enfim, demarcaram o território.
No primeiro momento, além dos ataques fortuitos acima mencionados, ocorreram
alguns episódios envolvendo os escravos negros que parecem ter se aproveitado da
situação para buscar um destino melhor, ou mesmo para se vingarem dos maus tratos de
seus senhores. Não é raro encontrar na documentação referência a escravos que passavam
de um lado para outro do campo de batalha com a finalidade de encontrar melhores
condições de vida. É o caso do escravo Bastião, que entrou na cidade, mas não ficou por
que lhe proibiram o uso do facão que carregava na cintura, ameaçando-o de enforcamento
caso não entregasse a arma. O escravo resolveu fugir da cidade com outros dois ou três
negros, porém, encontrou com seis holandeses na saída da cidade. Temendo a forca,
Bastião sacou de seu facão e “escondeu em o peito de um” e correu em disparada pelo
caminho que ia para o Rio Vermelho. Perseguido pelos holandeses, Bastião, como bom
conhecedor da região, os conduziu até um atoleiro onde matou quatro e prendeu um.
182
Num outro momento, Bastião aparece combatendo os holandeses junto aos colonos.
Não teve a mesma sorte de Bastião um escravo que era propriedade de um
serralheiro, que encontrando seu senhor numa roça nos arredores da cidade, o esbofeteou,
“dizendo que já não era seu senhor, senão escravo” e cortou a cabeça de seu dono, no que
181
Vieira. Op. Cit. p. 162.
182
Salvador. Op. Cit. p. 365.
87
foi ajudado por outros negros e quatro holandeses. Talvez como prova de sua lealdade aos
invasores, o escravo levou a cabeça de presente para o general holandês, o qual deu-lhe
duas patacas de recompensa e depois mandou que o enforcassem, dizendo “que quem
fizera aquilo ao seu senhor também o faria a ele, se pudesse”.
183
Esses dois casos se encaixam perfeitamente no que a historiografia da escravidão
chama de resistência escrava. Segundo João Reis e Flávio Gomes, onde houve escravidão
também houve resistência. De maneiras variadas, os escravos buscaram resistir à opressão
do cativeiro, fosse ela comandada por portugueses ou holandeses.
184
No caso particular da
invasão holandesa, com toda a desorganização provocada pelos combates, creio que foi um
momento propício para a resistência escrava, especialmente para aqueles que viviam na
cidade, que parecem ter tido alguma margem de liberdade para optar entre fugir da cidade
ou aderir aos holandeses, coisa que, segundo a documentação, muitos acabaram fazendo.
Se na fuga da cidade alguns tomaram outro rumo, seguindo para algum quilombo que
porventura existisse, ou fundando algum novo, ou até mesmo se valendo dos vários
aldeamentos indígenas da região, não sabemos. Os do Recôncavo também devem ter se
aproveitado, em menor escala, da confusão para fugir ou negociar uma melhor condição de
existência, principalmente nas ocasiões em que os invasores investiram contra a região.
Entretanto, em função da ausência de fontes que contemple este assunto, ficamos limitados
a fazer conjeturas, sendo, o mais prudente, afirmar que os escravos negros tenderam, de
maneira geral, à adesão ao invasor, provavelmente acreditando que teriam melhor destino.
Das poucas referências feitas aos escravos negros, consta a sua demasia na Terra
Batávica, onde formaram inclusive uma companhia, cujas principais funções era vigiar os
colonos, guiar os invasores e conduzir os soldados feridos ou mortos. Como veremos
adiante, os negros tiveram participação fundamental na passagem dos holandeses pela
Bahia. Quase sempre do lado dos holandeses, os negros aparecem nos relatos Seiscentistas
183
Idem. Ibidem.
184
Reis, João José e Gomes, Flávio dos Santos. Uma História da Liberdade. In Liberdade por um fio.
História dos quilombos no Brasil. (pp. 9-23). São Paulo: Companhia das Letras, 1996.
88
como guias ou responsáveis pelas tarefas mais pesadas, como roçar terrenos, carregar
mantimentos, etc. Em meio aos combates e à guerra de nervos existente entre as partes,
foram os escravos quem mais sofreram, pois, nenhum dos dois lados exitaram em aplicar-
lhes duros castigos: açoite, enforcamento, mutilação dos seus corpos, entre outros.
Provavelmente, ainda no mês de maio, a resistência já havia iniciado sua
articulação, ocupando os arredores da cidade, imprimindo, dessa maneira, uma ferrenha
vigília aos invasores. Como já foi mencionado no tópico anterior, a primeira ação de
impacto dos refugiados aconteceu a 13 de junho, dia de Santo Antônio. Referi-me a este
episódio citando trechos dos relatos de Vieira e frei Vicente. Comparando-os com os
relatos dos holandeses, as informações se encaixam. Entretanto, de acordo com Laet e
Aldemburgk, o ataque dos colonos se deu num momento em que o governador Van Dorth
estava ausente da cidade, comandando pessoalmente uma companhia de trezentos soldados
visando conquistar Morro de São Paulo. O ataque da resistência, justamente quando o
inimigo estava desfalcado de seu coronel e trezentos soldados, teria sido mera
coincidência? Para os holandeses não. Laet afirmou em seus Anais que o inimigo “parece
ter tido notícia da expedição do governador”, fato que o teria encorajado a se aproximar
das “muralhas da cidade com um grande número de soldados, negros e índios”.
185
O
mesmo entendimento da situação teve Aldemburgk, para quem, “quando os portugueses e
índios selvagens deram pela partida [do coronel] conduzindo a tropa, acometeram a cidade
de São Salvador e nossas guarnições”.
186
Neste caso específico, as suspeitas holandesas parecem não possuir fundamentos,
pois uma boa observação do movimento no porto seria suficiente para perceber que grande
quantidade de homens deixou a cidade. Já outros momentos da presença holandesa na
Bahia confirmaram a máxima de Sun Tzu, general-filósofo chinês do século IV a.C., para
quem “não há lugar onde a espionagem não tenha sido aplicada”.
187
Vejamos o que Vieira
relatou sobre o assunto em sua Carta Anua:
Ajudavam muito, para os nossos saberem as saídas dos inimigos, três portugueses que
o senhor Bispo trazia na cidade, um deles bem exercitado na língua holandesa, os
quais, com passaporte que tinham do holandês, entravam e saíam livremente; mas,
sendo-lhes achada uma carta, em que sua senhoria mandava perdão aos rebeldes que
se quisessem sair, depois de mortos na cidade os penduraram a S. Bento em uma
picota por cadeias de ferro, e em cima a sentença escrita em pergaminho, a qual dizia:
“Que condenava à morte, a Manuel Gonçalo de Almeida e Francisco de Figueiredo,
185
Laet. Op. Cit. p. 74.
186
Aldemburgk. Op. Cit. p. 175.
187
Tzu, Sun. A Arte da Guerra. Coleção a obra prima de cada autor. São Paulo: Martin Claret, 2002. p. 110.
89
por serem tredos ao Conde Maurício, e com seu passaporte entrarem e saírem da
cidade a tratar negócios dos portugueses”.
188
A primeira parte do trecho citado deixa bem claro que os colonos conheciam os passos dos
holandeses, o que só vem a confirmar as afirmações de Laet e Aldemburgk. Em seguida, o
jesuíta nos informa os nomes de dois espiões que foram descobertos quando levavam uma
carta de perdão aos que quisessem sair da Terra Batávica. Condenados á morte, seus
corpos foram expostos em São Bento, ou seja, num lugar onde os refugiados pudessem ver
o que aconteceria aos traidores. Outro aspecto importante da informação de Vieira diz
respeito aos passaportes concedidos pelos holandeses para os habitantes que quisessem
entrar na cidade ocupada. Esse mecanismo utilizado pelos invasores possivelmente não só
com o intuito de conquistar novas adesões, mas também como estratégia de comercializar,
parece ter sido uma moeda de dois lados, pois permitia a espionagem inimiga, como fica
patente no trecho citado. Ainda sobre este caso, vejamos como Laet e Aldemburgk
narraram o acontecido, respectivamente:
Na entrada de agosto, tornou à cidade o dito Almeida, blasonado que tinha plenos
poderes para fazer com os nossos um pacto sobre a liberdade do comércio interno
entre os nossos e os portugueses, o que não passava de pura manha; pois, às ocultas,
trazia o perdão dos portugueses que residiam entre os nossos, e também dos negros,
que estavam na cidade, e secretamente lhes indicava de que modo nos haviam de
abandonar. Porém esta traição foi oportunamente descoberta, e presos Almeida e seus
cúmplices.
189
...vieram a cidade dois embaixadores dos portugueses e um preto, a tratar com o nosso
coronel; admitimos a audiência (...), sucedeu cair a um deles o chapéu que, apanhado
pela ordenança do fiscal e por ela apalpado, pareceu conter algo de suspeito (...).
Narrou o fiscal o ocorrido ao coronel e, examinando o chapéu do embaixador e
separando o forro de seda, foram neles encontradas diversas cartas dirigidas aos
nossos negros; à vista disso, os dois emissários e seu escudeiro foram presos e
torturados.
190
Certamente, o Almeida a quem Laet se referiu era o mesmo Manuel Gonçalo de Almeida
citado por Vieira. Nas palavras do diretor da WIC, podemos observar o interesse dos
holandeses em negociar com os habitantes. Por esse motivo lhes eram concedidos os tais
passaportes. Antes da prisão em agosto, Almeida já havia estado na Terra Batávica,
provavelmente colhendo e passando informações sem que fosse percebido pelos invasores.
Embora não cite os nomes dos espiões apanhados, não resta dúvidas de que Aldemburgk
estava se referindo às mesmas pessoas. O curioso dos dois relatos é que nenhum deles
188
Vieira. Op. Cit. p. 169-70.
189
Laet. Op. Cit. p. 76.
190
Aldemburgk. Op. Cit. p. 188.
90
admitiu a condenação à morte dos colonos. Omissão um tanto quanto estranha, pois seria
bastante natural que os traidores pagassem com a perda da vida e fossem execrados
publicamente.
A brecha deixada pelos holandeses ao concederem os passaportes parecia ser bem
utilizada pelos refugiados. Ao menos é o que podemos deduzir das informações contidas
nas fontes. Vejamos o caso de Lourenço de Brito que, com licença dos holandeses, foi
visitar Mendonça Furtado que estava prisioneiro. Em conversa realizada na nau em que o
governador estava preso, acertaram que naquela noite iriam duas jangadas, com dois índios
remeiros, para resgatá-lo do cativeiro. Embora o resultado não tenha sido satisfatório, pois
mais uma vez os índios deram um “urro” semelhante ao que fizeram no Carmo, alertando a
guarda holandesa, o episódio é revelador do quanto os passaportes eram aproveitados pelo
comando da resistência.
191
Mesmo quando os passaportes pareciam beneficiar os holandeses, pois também
poderia haver colonos ou escravos decididos a colaborar, de maneira geral, não funcionou
a favor dos invasores. Foi o caso de um negro que afirmou aos holandeses que haveria um
grande ataque à cidade, o que fez com que se preparassem para a defesa e o aguardaram
impacientemente sem que nada acontecesse, “a não ser haver o inimigo acometido de
noite, com seus índios selvagens, as nossas sentinelas perdidas (?), sem resultado algum”.
Ao que tudo leva crer, a informação do escravo não passou de um artifício da resistência
para confundir os invasores ou armação do próprio escravo com o intuito de ser aceito e
valorizado pelos holandeses.
192
Diante da impossibilidade de retomar a cidade, os refugiados passaram a investir
com maior vigor nas emboscadas. Com as companhias dispostas da maneira como descrevi
anteriormente, os refugiados conquistavam sucessivas vitórias com o passar do tempo.
Como seria cansativo descrever aqui todas as batalhas que aconteceram durante a ocupação
holandesa, e também por não ser esse o objetivo deste capítulo, farei referência apenas a
alguns combates de maior relevância para que possamos perceber como a estratégia da
resistência conseguiu sitiar os holandeses dentro dos muros da cidade.
De todas as vitórias dos refugiados, talvez a de maior relevância tenha sido a de 17
de julho de 1624, quando o coronel holandês, Van Dorth, foi morto numa emboscada.
Vejamos como este episódio foi narrado. Primeiro com Aldemburgk:
191
Cf. Salvador. Op. Cit. p. 365.
192
Aldemburgk. Op. Cit. p. 189.
91
O Sr. General (...) [foi] surpreendido pelos índios selvagens, portugueses e pretos, e
ferido, bem como seu cavalo, de muitas flechas ervadas. O mesmo sucedeu ao tambor,
em cujo corpo se fincou uma flecha, tendo então a ordenança trazido a notícia à nossa
gente (...). Avançamos rapidamente (...), e achamos primeiro o cavalo do Sr. general,
caído e eriçado de flechas, e logo adiante, o corpo e a cabeça do nosso chefe, que
arrancamos aos desumanos e satânicos selvagens, já ambas aquelas partes mutiladas,
com falta dos narizes, orelhas, mãos e outras porções mais que , ou os portugueses
conduziram em grande triunfo ao seu acampamento, ou os selvagens devoraram...
193
Observe que apesar de afirmar que o general foi surpreendido por índios, negros e
portugueses, o restante do relato só se refere a ações dos índios. Vamos ao relato de Laet:
... depois do meio dia, saiu da cidade o governador com alguns dos cinquenta homens,
assim de pé como de cavalo, para visitar pessoalmente e observar mais de perto os
caminhos e sítios vizinhos, pelo fundamento que fazia de não encontrar então inimigos
por esses lugares. Mas, como cavalgasse um pouco à parte dos seus, ainda não se
havia afastado das muralhas mais de um tiro de colubrinas e já os indígenas, que
estavam escondidos nos bosques e nos matos, surgiam inopinadamente, e com flechas
e armas de arremesso assim mal feriam o valente cabo, que caiu do cavalo, e logo eles
lhe cortaram a cabeça e ofenderam o corpo horrorosamente. Chegada a cidade a nova
deste inesperado e triste caso, saíram os negros, que estavam ao nosso serviço, e não
somente tomaram o cadáver àqueles bárbaros, como impediram que acabasse
miseravelmente às mãos deles os que acompanhavam o coronel.
Aqui, sequer aparecem portugueses ou negros, a morte de Van Dorth teria sido obra apenas
dos índios que utilizavam apenas flechas e armas de arremesso. Vejamos agora o que
relatou frei Vicente:
...o coronel (...) saiu a cavalo a ver a fortaleza de São Felipe, que dista uma légua da
cidade, e à tornada se adiantou dos holandeses e negros que trazia em sua guarda,
levando só em sua companhia um trombeta em outro cavalo, onde lhes saiu Francisco
de Padilha com Francisco Ribeiro, (..), cada um com sua escopeta e, acertando melhor
os tiros do que acertou o coronel (...), lhes mataram os cavalos, e depois de os verem
derribados e com os pés ainda nos estribos debaixo dos cavalos, matou o Padilha ao
coronel e o Ribeiro ao trombeta. E logo chegaram os índios selvagens de Afonso
Rodrigues da Cachoeira (...), cortando-lhes os pés e mãos e cabeças...
194
De acordo com relato do franciscano, os personagens principais da cena deixam de ser os
índios, que chegaram após a morte do general, sendo esta provocada por ferimento a bala e
não a flechadas como afirmaram Laet e Aldemburgk. Também contradizendo os dois
primeiros trechos citados, os protagonistas passam a ser o capitão Francisco Padilha e seu
primo. Agora observemos a narrativa do padre Vieira:
193
Idem. p. 178.
194
Salvador. Op. Cit. p. 367-8.
92
... vindo do porto de São Felipe, vizinho a Nossa Senhora do Montesserate, o seu
coronel ou governador, homem intrépido e afamado em uma e outra guerra, naval e
campal, assim em Flandres como nas armadas, acompanhados de cem soldados de
guarda, rebentaram os nossos de uma emboscada contra eles, e um remeteu com o
governador, que vinha a cavalo, e o derrubou. Tanto que este caiu, caiu com ele o
ânimo aos pés dos soldados que o acompanhavam...
195
Vieira não indica quem tirou a vida do governador, prefere comentar o desastre que foi
para os holandeses a perda do seu general. Entretanto, a expressão “rebentaram os nossos”,
pode estar sugerindo índios, haja vista que não é raro o jesuíta se referir aos nativos
aldeados chamando-os de “nossos índios”. Em caso desta hipótese ser acertada, o relato de
Vieira reiteraria o que foi dito pelos holandeses. Por fim, vejamos o que Tamoyo de
Vargas escreveu a respeito:
... em uma avançada que fez o coronel Van-Dort ao lugar que chamão Agua dos
meninos, adiantando-se para reconhecer os portuguezes, cahio do cavallo que havião
ferido e espantado as frechas de alguns negros encobertos pelos matos do sitio, e
chegando o capitão Francisco Padilha, cabo das estancias do Rio Vermelho em frente
da cidade, matou-o ardidamente corpo a corpo, e a um seu trombeta, levando ao bispo
a cabeça do mesmo coronel em testemunho de seu valor...
196
Neste caso, os índios, aqui designados de negros, deram o combate inicial, ficando o
ataque ao governador holandês a cargo do capitão Francisco Padilha, que entrou no corpo a
corpo com Van Dorth.
São cinco relatos variando em torno do mesmo tema. A questão mais controversa é
saber que participação os indígenas tiveram nesta importante derrota dos holandeses.
Meros coadjuvantes ou protagonistas? Em dois relatos, produzidos pelos invasores, os
índios foram os responsáveis pela queda do coronel. Em outros dois, um do franciscano
nascido na Bahia e outro do cronista oficial da armada restauradora, o grande feito teria
sido obra de um dos capitães de emboscadas. No relato do padre Vieira, a menos que
admitamos a hipótese acima levantada, a informação foi omitida. Que conclusões podemos
tirar dessas controvérsias? Considerando verdadeiros os relatos holandeses, pudemos supor
que houve uma tentativa, por parte dos cronistas ibero-brasileiros, de valorizar os oficiais
da resistência, atribuindo a eles os louros de uma vitória significativa, não admitindo os
índios como verdadeiros executores da ação. Por outro lado, ainda que menos provável, é
possível especular que os cronistas holandeses não quisessem expor aos seus leitores que
195
Vieira. Op. Cit. p. 167.
196
Vargas. Op. Cit. p. 73.
93
um coronel, experimentado em várias guerras na Europa, tenha caído numa emboscada
preparada por um capitão patenteado de improviso.
Outro aspecto dos trechos citados que merece destaque é a descrição dos indígenas.
Além de seres selvagens e desumanos satânicos, os índios seriam soldados cruéis que
mutilavam e devoravam suas presas. Aliás, esta leitura perpassa todos os episódios em que
houve a participação indígena. Em um dos enfrentamentos ocorridos nos arredores da
cidade, grande número de holandeses foram mortos. Retornando no dia seguinte para
resgatar os corpos e dá-lhes um enterro decente, constatou-se que faltavam alguns corpos,
os quais teriam “sido devorados pelos índios selvagens, jacarés e cães”.
197
Ou seja, os
índios estavam para os holandeses - e muitas vezes para os portugueses também - na
mesma categoria que animais. Nesse sentido, é comum encontrarmos interpretações de
certas atitudes indígenas como coisa comum às suas culturas. O que não era. A mutilação
do corpo e mesmo a antropofagia só fazia sentido enquanto um ritual. Desconhece-se
índios cortando pedaços dos corpos dos inimigos e devorando-os ainda no campo de
batalha.
Mesmo quando se tratava de vingança, como afirmou o padre Vieira ao narrar as
primeiras reações indígenas aos holandeses, os índios que habitavam a atual região
metropolitana de Salvador, os Tupinambás, não se interessavam apenas em matar seus
desafetos, era preciso matá-los e comê-los para que a vingança estivesse completa. Mas
sempre em forma de ritual. Como afirmou Carlos Fausto, o maior objetivo das expedições
guerreiras era fazer cativos para serem executados e comidos em praça pública. Havia uma
necessidade de se socializar a vingança. Para que esse tipo de atitude fizesse sentido na
cultura Tupinambá, era necessário que todos se vingassem. Jamais seria da maneira
narrada pelos cronistas citados.
198
O que pode muito bem ter acontecido nas batalhas ocorridas durante a ocupação
holandesa, é que as partes do corpo do inimigo fossem valorizadas pelos comandantes da
resistência como prova das vitórias em combates, e/ou estratégia para animar os soldados,
que vendo a desgraça do inimigo, se fortaleceriam. Dessa maneira, a participação indígena,
que foi fundamental para o avanço dos colonos sobre os holandeses, deve ser analisada
cuidadosamente para que a visão dos colonizadores não atropele o significado da cultura
nativa.
197
Aldemburgk. Op. Cit. p. 186.
198
Sobre a cultura Tupinambá, ver. FAUSTO, Carlos. Fragmentos de História da cultura Tupinambá, Da
etnologia como instrumento crítico de conhecimento etno-histórico. In. História dos índios no Brasil.
Manuela Carneiro da Cunha (organizadora). São Paulo: FAPESP / Companhia das Letras, 1992. pp. 381-396.
94
Em parte, o exagero com que as ações indígenas foram narradas deve-se ao pavor
que elas imprimiam aos holandeses e ao êxito que conquistavam em favor dos refugiados.
Nas palavras de Vieira:
os índios flecheiros das nossas aldeias; antes eram a principal parte do nosso exército,
e que mais horror metia aos inimigos, porque, quando estes saíam e andavam pelos
caminhos mais armados e ordenados em suas companhias, (...), viam subitamente
sobre si uma nuvem chovendo flechas, que os trespassavam (...) não se atreviam a
resistir, porque, enquanto eles preparavam um tiro de arcabuz ou mosquete, já tinham
no corpo despedidas do arco duas flechas, sem outro remédio senão o que davam aos
pés, virando as costas; mas nem este lhes valia, porque, se eles corriam as flechas
voavam e, descendo como aves de rapina, faziam boa presa; e ainda que não matavam
algumas vezes de todo, todavia, como muitas eram ervadas, ia o veneno lavrando por
dentro até certo termo, em que lhes dava o último da vida.
199
O fato é que, com ajuda dos índios, os capitães das emboscadas obtinham valiosas
vitórias sobre os holandeses. A cada combate, novo sucesso. Os refugiados se sentiam tão
confiantes de si que, em certa ocasião, enfrentado os invasores nas proximidades de São
Bento, cativaram alguns negros que habitavam a Terra Batávica. Um desses negros teve
um destino infeliz. Arrancaram-lhe as mãos e dependuraram em seu pescoço uma
mensagem para os holandeses, na qual desafiavam os inimigos para um confronto aberto,
sem emboscadas. Os holandeses aceitaram e se dirigiram para São Pedro com cerca de
quatrocentos soldados armados. Os colonos se assustaram com o tamanho da força dos
oponentes, e após rápida reflexão, decidiram que
lhes era menos sofrível perder a vida, que por em risco a honra. Com esta
determinação investiram á porfia ao inimigo, e com uma força tão impetuosa que a
não puderam sofrer os holandeses, nem se atreveram a sustentar o campo, e logo
viraram as costas; para que se entenda e veja bem que o tomarem uma vez a cidade foi
mais fraqueza nossa, causada de pecados, que esforço seu, pois os que então uma vez,
sem pelejar, lhes fugiram, agora tantas vezes os faziam fugir pelejando.
200
Embora as informações acima pareçam mais uma vez dotadas do já conhecido exagero de
Vieira, caso tenha ocorrido nesses termos, podemos dizer que com a iniciativa partindo dos
refugiados, o episódio demonstrou que a resistência já não se satisfazia em barrar a
progressão do inimigo pelo território, passando da defesa por meio de emboscadas para um
confronto em campo aberto, ou seja, a resistência contra-atacava. A reboque, a fonte reitera
a idéia de que a cidade estava com sua defesa desarticulada quando da investida holandesa.
199
Vieira. Op. Cit. p. 179-80
200
Idem. p.174-5.
95
Não só nos arredores da cidade as batalhas foram favoráveis aos refugiados.
Diversas vezes os holandeses foram rechaçados no Recôncavo e na ilha de Itaparica. Nesta
última, os invasores costumavam ir para se abastecer de azeite de baleia. Numa dessas idas
para carregar azeite, resolveram seguir até o engenho de Gaspar de Azevedo, que distava
uma légua da praia, lá chegando solicitaram ao proprietário que moesse cana que eles lhe
dariam os negros e o mais que fosse necessário. Os holandeses só não contavam com a
chegada de Afonso Rodrigues da Cachoeira, que, juntamente com seu “gentio”, matou oito
a flechadas e arcabuzadas e ainda tomou-lhes uma lancha.
201
É importante notar que a mobilidade das companhias de emboscada contou muito
para o êxito da resistência. Capitães como Afonso Rodrigues da Cachoeira, Francisco
Padilha, Manuel Gonçalves, entre outros, pareciam está presentes em todas as partes.
Apesar de possuírem seus postos fixos, eles se deslocavam conforme a necessidade.
Chegando mesmo a sair dos arredores da cidade e se dirigindo pra o Recôncavo ou para a
ilha de Itaparica.
Além dos socorros recebidos de Portugal e da competência do comando da
resistência, contribuíram para o fortalecimento dos colonos, a carestia na cidade ocupada e
a irresponsabilidade do coronel holandês Albert Schouten. Pois, quando em princípios de
1625 escasseavam os alimentos na Terra Batávica, a tal ponto que os soldados passaram a
comer cães, gatos e até lagartos, provocando, em decorrência da falta de gatos, uma praga
de ratos tão desagradável que não era possível dormir sem que as ratazanas mordessem as
pessoas, o coronel, em companhia de outros oficiais, festejava o carnaval a bordo dos
navios de guerra. Segundo Aldemburgk,
Esses folguedos e banquetes [duraram] por mais de oito dias a fio, em alguns dos
quais dispararam, dos navios e da bateria junto à ribeira, salvas de bala de grossa
artilharia, de 50, 80, 100 e 120 tiros, em parte dirigidos para o alto da montanha da
cidade, o que produziu considerável inquietação nos alojamentos.
202
Ao que tudo indica, o comandante das tropas invasoras procurava manter um costume
comum nas Províncias Unidas, o gosto pelas festas, em que se consumiam quantidades
exorbitantes de comida e bebida. Segundo Paul Zumthor, o banquete e a bebedeira
constituíam manifestações fundamentais do vínculo social. Dessa maneira, qualquer
201
Cf. Salvador. Op. Cit. p. 372.
202
Aldemburgk. Op. Cit. p. 199-200.
96
pretexto valia para que um banquete fosse oferecido. Mesmo com os protestos da Igreja e
do Estado, respectivamente contra o apego às coisas terrenas e ao desperdício, a tradição se
manteve por todo século XVII.
203
O momento escolhido pelo capitão para festejar e manter tradições foi infeliz.
Enquanto desperdiçava munição com festas, estava a caminho da Bahia a armada conjunta
das Coroas portuguesa e espanhola. A chegada dessa armada, quando os holandeses se
encontravam completamente encurralados na cidade enfrentando várias limitações, como
vimos, trouxe alento aos refugiados e pânico aos sitiados, que, como veremos no capítulo
seguinte, não sustentariam suas posições por muito tempo.
203
Zumthor, Paul. A Holanda no tempo de Hambrandt. São Paulo: Companhia das Letras / Círculo do Livro,
1989. p. 213.
97
CAPÍTULO III
DA RETOMADA À REORGANIZAÇÃO
A retomada da Bahia
Conforme afirmei no capítulo anterior, a ocupação da Bahia representava apenas
parte dos planos holandeses. Já em 1623, numa proposta apresentada ao Príncipe de
Orange por Jan Andries Moeerbeck ficava claro que os planos da WIC eram bastante
ambiciosos e, no caso do Brasil, visavam todo o território da América portuguesa.
Moerbeeck recomendou ao príncipe a ocupação e fortificação da Bahia e Pernambuco,
considerados os principais pontos econômico-militares da colônia portuguesa e que, se
bem guarnecidos, acrescidos de algumas fortificações em locais estratégicos ao longo do
litoral, seriam suficientes para manter a posse de toda a colônia. Nesse sentido, fica
evidente que a Bahia era apenas o começo.
204
As ações holandesas após a invasão da Bahia também apontaram para o tamanho da
operação que os mesmos intentavam realizar para controlar a produção açucareira e abalar
o poderio ibérico. A decisão de enviar forças para ocupar Angola, quando a posse efetiva
da Bahia não era uma realidade, é uma evidência cabal de que as Províncias Unidas, por
meio da WIC, haviam projetado uma ofensiva em pontos diferentes do globo pertencentes
à Espanha. E a certeza do sucesso era tão grande que sequer perceberam que a realização
da primeira etapa, a ocupação da Bahia, não era tarefa tão fácil quanto o ato da invasão.
De acordo com o historiador inglês Charles Boxer, os holandeses acreditavam que a
manutenção da Bahia seria tarefa fácil, pois pensavam que a reação espanhola, em se
tratando de uma possessão portuguesa, não teria a mesma intensidade que uma resposta a
ataques em territórios do próprio império espanhol. Ou seja, o ataque a uma colônia
portuguesa seria tratado como assunto de somenos pela administração filipina.
Provavelmente, pesou para essa opinião a pouca atenção dada pela Espanha à perda de
Ormuz, possessão portuguesa tomada pelos anglo-persas em 1622 e que teve como reação
espanhola meros protestos endereçados ao rei inglês Jaime I.
205
Entretanto, o mesmo
historiador demonstra que essa idéia não era unanimidade nas Províncias Unidas,
lembrando que Willem Usselincx, idealizador da WIC, era contrário à invasão da Bahia,
204
Moerbeeck. Op. Cit. p. 30.
205
Boxer. Op. Cit. 1973. p. 59.
98
argumentando que não seria presa tão fácil e que o poder das tropas holandesas seria
insuficiente para garantir a posse da capital portuguesa na América.
206
O tempo mostrou que Usselincx era uma voz consciente nas Províncias Unidas,
pois a notícia da queda da Bahia provocou alarde na Península Ibérica, resultando numa
corrida para preparar a reação ao ataque holandês. Portanto, ao que tudo indica - motivados
por relatos de viajantes como Ruiters, que indicava apenas as deficiências da América
portuguesa
207
, ou embalados por conselhos equivocados como os de Moerbeeck, que
esperava apoio dos portugueses em função da insatisfação desses com a União Ibérica – os
holandeses minimizaram a reação da Espanha e Portugal diante da iminência de perder a
rica região que fortalecia as finanças desses dois reinos, bem como não calcularam – ou
“pagaram para ver” - a importância que Felipe IV daria ao assunto em face às disputas que
envolviam a Espanha e as Províncias Unidas desde 1585, quando essas últimas
declararam-se independentes da primeira. Em função dessas disputas, a retomada da Bahia
ganhou cores patrióticas e tomou dimensão mundial. Passemos então a repercussão da
notícia da perda de Salvador na Península Ibérica.
Portugal tomara conhecimento da queda da Bahia em 26 de julho de 1624 por meio
de carta enviada de Pernambuco pelo então governador-geral em exercício, Matias de
Albuquerque. Segundo o padre Bartolomeu Guerreiro, nesse mesmo dia a notícia seguiu
para o monarca espanhol, que considerou
“por si, e por seus conselhos de estado, e guerra os dannos públicos, e secretos, as
perdas dos Senhorios, e vassalagens, e direitos de sua Real fazenda, nam só na Coroa
de Portugal, mas muyto mais na de Castella; e a quebra da reputação de suas armas,
poder, e grandeza, se os inimigos sustentassem com firmeza a praça que ganharão”.
208
A perda da reputação, preocupação imediata para uma nação envolvida em diversos
conflitos internacionais como era o caso da Espanha
209
, também apareceu quando o
conselho de estado português se apressou em expor ao monarca espanhol a necessidade de
uma rápida providência no sentido de expulsar os holandeses da Bahia. De acordo com o
cronista oficial da coroa espanhola, Tamoyo de Vargas, o conselho teria alertado Felipe de
que,
206
Idem. Ibidem.
207
Cf. Ruiters. Op. Cit.
208
Guerreiro. Op. Cit. p. 23. (grifo meu)
209
Sobre a Espanha ver: Durant, Will. História da Civilização – 7ª Parte, Tomo Segundo (Começa a Idade da
Razão). São Paulo: Companhia Editora Nacional, ?. Especialmente o capítulo X, Grandeza e decadência da
Espanha, 1556-1665.
99
“uma vez que estabelecido o inimigo naquellas partes, não só rezultaria quebra ao
comercio de ambas as Índias, senão ao de todas as mais conquistas dessas coroas, com
prejuízo considerável de toda monarchia, e perda de sua reputação, em cuja
conservação tanta conta se deve ter, por consistir nella a parte mais nervoza de suas
forças”.
210
É notável que os portugueses apelaram para questões de ordem patrióticas da Espanha,
pois sabiam que abalar a reputação daquele império significava para os espanhóis a quebra
de uma imagem forte e poderosa construída à custa das conquistas e dominação de outros
territórios, inclusive, o próprio Império Português. Certamente, o conselho sabia que a
maneira de tocar o monarca espanhol era mostrar os riscos que tal ocupação trazia para a
Espanha, enfatizando o quão desonroso seria o êxito dos holandeses para a reputação
espanhola, ou seja, a idéia de que expulsar os holandeses da Bahia equivaleria a uma
demonstração de força da Espanha transitou com bastante ênfase entre os bastidores da
organização da armada restauradora.
A argumentação do cronista oficial da Coroa espanhola acerca dos motivos pelos
quais o monarca espanhol deveria revidar o ataque holandês, também passou pela
discussão dos valores da pátria espanhola:
“Quando o estado do Brazil, assim pelo que rende a estas coroas, e enriquece seus
reinos, como por ser o posto mais apropriado para a execução dos desígnios do
inimigo, não devesse ser com tanta providência reparado, devia-o sem dúvida para
refrear o orgulho da liberdade da gente, que arrogante com a de sua consciência,
presume-se senhora de quem devia reconhecer por superior...”
211
Fica patente que Tamoyo de Vargas enxergou na invasão da Bahia um ato de desafio dos
“rebeldes” holandeses. No entendimento do cronista, a retomada da Bahia teria valor na
medida em que serviria para desacelerar a ambição das Províncias Unidas. Nesse sentido a
restauração da Bahia se tornava uma alegoria patriótica capaz de demonstrar ao mundo e
aos holandeses, em especial, a superioridade espanhola. Entretanto, mesmo afirmando que
esses motivos deveriam ser o suficiente para uma resposta espanhola, Vargas não se furtou
de lembrar a importância financeira e o significado estratégico-militar da região perdida.
Esse último, que não podemos dissociar do sentido patriótico do episódio (pois incorria em
visível perigo para o Império Espanhol), possuia força razoável na Espanha. Se para os
210
Guerreiro. Bartolomeu (Pe.). Jornada dos Vassalos da Coroa de Portugal. Rio de Janeiro: Biblioteca
Nacional, 1966. p. 80. (grifo meu)
211
Idem. p. 79.
100
portugueses seria um prejuízo sem tamanho perder a Bahia em função da importância
comercial, para o monarca espanhol se delineava um quadro ameaçador para o seu
império, pois, as intenções holandesas residiam na instituição de uma base militar plantada
no mais importante porto do Atlântico sul. Afinal, os ataques à América espanhola seriam
bem mais fáceis a partir de Salvador. Além disso, a Bahia de Todos os Santos serviria
como porto de saída para os navios holandeses dando-lhes vantagens na disputa do
comércio com as Índias.
212
Ao contrário da indiferença que os holandeses esperavam que houvesse por parte da
Espanha, as primeiras manifestações oficiais da Coroa espanhola frustraram os planos da
WIC, pois a maioria dos relatos dá conta de que Felipe IV ordenou que Portugal enviasse
para o Brasil, o mais rápido possível, ajuda aos colonos que resistiam na Bahia. A
administração filipina não se fez de rogada e tomou providências para efetivar a ordem de
formação de uma armada de socorro. Enquanto seguia uma ajuda provisória para a Bahia,
as duas Coroas preparavam uma armada com poderio eficiente para retomar a capital
colonial.
213
Da leitura do relato de Vargas, notamos que Felipe IV procurou encaminhar
suas ações de duas maneiras: uma por meio do apelo religioso e outra através da força
militar. No primeiro caso, escreveu aos bispos e padres mais importantes do reino para que
“se tenha particular cuidado de encommendar affectuosa e instantaneamente a Deos
nosso Senhor o bom successo (...) de todas a minhas rezoluções, que na paz e na
guerra se dirigem ao maior serviço e gloria de sua divina magestade, e ao bem
publico de toda a igraja catholica desta monarchia...”.
214
O monarca espanhol não perdeu a oportunidade de ratificar a ligação do poder monárquico
com o poder divino, permeando, dessa maneira, os preparativos da restauração da Bahia de
um significado religioso que possuia como objetivo claro colocar os católicos ibéricos
contra os protestantes heréticos do norte europeu.
215
Com essa medida, Felipe não só
reforçava o discurso contra-reformista que colocava as Províncias Unidas na condição de
“províncias rebeldes” por ter se insurgido contra o rei católico, mas também buscava
garantir recursos para preparar a força restauradora. A idéia de colocar os padres
realizando missas e procissões, orando pelo sucesso das armas ibéricas não visava apenas
ajuda espiritual. Cada novena, sermão, etc., deveria findar-se “com a oração e colecta que
212
Boxer. Op. Cit. 1973. p. 70.
213
Dentre outros ver: Vargas. Op. Cit.; Guzman, Juan de Valencia. Compendio Historial de la jornada Del
Brasil. S/L. Pool Editoral Ltda, s/d., Guerreiro. Op.cit.
214
Vargas. Op. Cit. p. 81.
215
Sobre a importância da religião católica no Estado espanhol ver Durant. Op. Cit. p. 73.
101
em semelhantes occasiões se costuma”.
216
Infelizmente não sabemos o efeito que tal
pedido surtiu na Espanha, porém, no caso português, a Igreja respondeu aos apelos do
monarca colocando em prática a sua vontade. Segundo o relato do padre Bartolomeu
Guerreiro foram feitas as seguintes doações para ao apresto da Armada de Portugal: dois
mil cruzados provenientes de doações da Igreja ofertadas por D. Miguel de Castro,
arcebispo de Lisboa, quatro mil cruzados doados em serviços não especificados pelo Bispo
eleito de Coimbra Dom João Manoel, dois mil cruzados doados pelo Bispo da Guarda
Dom Francisco de Castro, mil e quinhentos cruzados do Bispo do Porto Dom Rodrigo da
Cunha e mil cruzados doados pelo Bispo do Algarve Dom João Coutinho. Na contribuição
que a cidade de Lisboa deu a Armada, o cronista indica que dos cem mil cruzados doados
houve também a participação da Igreja.
217
No que diz respeito a arregimentação da força militar, o rei ordenou
“que com a maior brevidade se posessem a ponto alguns navios bem artilhados, (...)
com proporcionado numero de gente de guerra, e quanto mais parecesse forçoso para
ganhar tempo, elegendo-se para o governo (...) pessoas dignas de que tanto importava,
e que disposto tudo se aguardasse o primeiro aviso do estado em que se achava o
inimigo, para que, se conviesse augmentar as forças da armada, não tivesse isto
delonga”.
218
A mobilização para a formação da armada foi intensa e milhares de voluntários se
apresentaram. Os cronistas da armada foram unânimes em afirmar que membros da fina
flor da nobreza ibérica, especialmente a portuguesa, se dispuseram a servir sem nenhuma
remuneração. De acordo com Boxer, “latifundiários opulentos e municipalidades fizeram
generosos donativos para custear a expedição, não se deixando ficar atrás o alto clero e os
mosteiros ricos”.
219
Nomes como Rodrigo D. Manoel de Moura Corte Real, Dom Luis de
Sousa, Dom Pedro Coutinho, Dom Affonso Furtado de Mendonça entre outros
compunham a lista de duques, condes, marqueses e ex-governadores que fizeram doações
em dinheiro, armas, munições, navios, soldados, etc. Essa intensa participação de fidalgos
e nobres portugueses explica porque a Campanha para restaurar a Bahia ficou conhecida
como a jornada dos vassalos. O padre Bartolomeu estimou o total em dinheiro, serviços,
alimentos, fretes de navio, armas e munições doados pela Igreja, por comerciantes e
particulares em cerca de duzentos e trinta e quatro mil cruzados excetuando o valor gasto
216
Vargas. Op. Cit. p. 81. (Grifo meu)
217
Guerreiro. Op.cit. p. 35-37.
218
Vargas. Op. Cit. p. 82.
219
Boxer. Op. Cit. 1973. p. 70-71.
102
pela Fazenda de sua majestade.
220
Da parte espanhola convém ressaltar que inúmeros
militares com larga experiência de guerra, posicionados em pontos estratégicos, como
Flandres e Gibraltar, foram convocados para liderar as tropas da armada restauradora.
Decisão que demonstra a importância que Felipe IV dera ao assunto, bem como indica o
empenho do monarca espanhol em mostrar ao mundo que não aceitaria pacificamente tão
ousado desafio.
Cumprindo as determinações do rei, as preparações da armada tomaram fôlego com
a escolha dos melhores navios das armadas portuguesa e espanhola, de pessoas com
experiência no mar, como D. Fadrique de Toledo escolhido para comandá-la, D. João
Fajardo de Guevara como almirante general da expedição e outros com competência e
experiência para assumirem tamanha empreitada. Além disso, foram recrutados os demais
“homens de mar e de guerra” que deveriam compor o restante da Armada. Outra
determinação real era a recuperação do território perdido o mais rápido possível em função
da necessidade de manter a fama da força espanhola, caso contrário, ficaria visível ao
mundo a debilidade defensiva das colônias ultramarinas. E no caso da Bahia, em particular,
daria sentido às vozes portuguesas que criticavam a União Ibérica, pois seria mais uma
demonstração de que a Espanha dava pouca atenção às possessões portuguesas, haja vista a
já mencionada perda de Ormuz. Nesse sentido, a pressa recomendada na organização da
Armada foi embalada pelo desejo de demonstrar aos inimigos e/ou críticos que a Coroa
estava atenta e vigilante, é o que sugere a pena de Tamoyo de Vargas:
“Apresuravam os votos de todos o breve despacho da armada, por julgar-se cada dia
com novos fundamentos que em sua brevidade consistia a segurança da restauração
desta praça, por isso que não obstante ser esta monarchia tão rica de terras marítimas,
parece impossível a inteira conservação de todas, a não ser mediante a reputação, ou
tendo cada uma dellas em si o que necessitar para sua defesa, consistindo esse crédito
em que saibão seus inimigos – que a qualquer parte que forem, não poderão ahi
manter-se, por terem forçosamente de ser desalojados donde estiverem, pelas armas de
seu rei (...)”.
221
A pressa também era motivada por notícias de que a Holanda preparava reforços
para as tropas que ocupavam a Bahia. Quando Portugal e Espanha preparavam suas
armadas, chegaram notícias de que os holandeses já haviam mandado trinta galeões com
quatro mil mosqueteiros para se fortalecerem. Essas notícias, somada ao temor de que a
Inglaterra pudesse ajudar a Holanda, compeliram os países ibéricos a apressarem ainda
mais os preparativos para que a Armada chegasse a Salvador antes do reforço holandês,
220
Guerreiro. Op.cit. p. 37. (grifo meu)
221
Vargas. Op. Cit. p. 85.
103
pois da diligencia desses preparos dependeria: “ou a total ruína, ou a conservação daquella
coroa, atendendo-se a que se acaso se desse lugar ao inimigo para fortificar-se de novo,
sendo socorrido da Holanda e da Inglaterra, como podia temer-se, era o damno
irreparável”.
222
Embora tenha sido prefixado o dia quatro de Setembro de 1624 para a saída das
armadas, nenhuma das duas haviam se lançado ao mar antes de Novembro. Ao que tudo
leva a crer, dificuldades relativas à formação dessa força naval, que dependia da chegada
de embarcações que estavam dispersas pelos quatro continentes, somadas a condições
climáticas não muito favoráveis atrasaram constantemente a saída da armada. Os meses de
outubro, novembro e dezembro foram consumidos pelos trabalhos que visavam concluir o
apresto e reunir as esquadras das Armadas de Portugal e Espanha com o intuito de se
encontrarem e seguirem juntas para a Bahia.
Também nesse período seguiam as especulações em torno dos reforços enviados
pelos holandeses à Bahia. Só em janeiro portugueses e espanhóis ficaram sabendo que a
Holanda ainda não havia mandado sua Armada para Salvador e que os inimigos se
encontravam fragilizados pela ação da resistência, entendendo assim, que as notícias
veiculadas anteriormente não passaram de estratégia do inimigo para intimidar a Coroa
espanhola. Essa notícia causou grande alívio, pois não obstante a pressa da Coroa para a
preparação da armada, pensavam estar em desvantagem no quesito tempo, achando que os
holandeses já haviam se lançado ao mar. Mais ainda, além de ficarem sabendo que os
holandeses não conseguiram enviar reforço para a Bahia, os luso-espanhóis tiveram ciência
também de que as forças dos inimigos estavam diminuídas graças aos “damnos ordinarios
que recebia da gente da terra”.
223
No conhecimento da debilidade das forças holandesas na
Bahia residia mais um motivo para a pressa ibérica: aproveitar a fragilidade do inimigo
para vencê-lo rapidamente.
Convém ressaltar que apesar da determinação de Felipe IV em retomar a Bahia,
parece que em Portugal, especialmente os setores insatisfeitos com a perca da autonomia
desde 1580, entenderam que a restauração da Bahia era uma boa ocasião para demonstrar a
Espanha, ao mundo e aos próprios portugueses que o sentimento patriótico ainda corria nas
veias dos lusitanos de boa cepa.
Da leitura dos cronistas ibéricos, nota-se que havia alguma picuinha durante a
formação das armadas. Nada explícito, mas nas entrelinhas observamos que existia uma
222
Idem. p. 86.
223
Vargas. Op. Cit. p. 99.
104
certa competição entre as duas Coroas, havia o desejo de uma se sobrepor a outra no que
diz respeito aos esforços para compor a armada. Essa competição estava pautada, por um
lado, no interesse espanhol em demonstrar a preocupação da administração filipina com
Portugal e suas possessões e, por outro lado, no desejo português de reanimar o brio
patriótico anterior a 1580. Dessa maneira, é significativo que o padre Bartolomeu
Guerreiro, tenha lamentado em sua relação da restauração da Bahia que parecia “faltar
aquelle valor antigo com que em melhores tempos não largavam os portugueses as forças
que hua vez se ganharão”.
224
Ao que parece, este tempo saudosamente exaltado pelo
religioso insinuava que as glórias lusitanas se esvaiam com a continuidade da União
Ibérica.
A grande participação do clero, acima mencionada, é uma boa demonstração do
quanto a restauração da Bahia mexeu com os interesses de setores de Portugal insatisfeitos
com a União Ibérica. Pois, de acordo com a historiadora Jacqueline Hermann, a oposição
dos religiosos portugueses à união das duas Coroas, uniu jesuítas e dominicanos, as duas
maiores ordens religiosas presentes em Portugal. Segundo Hermann, os ataques
estrangeiros que se intensificaram no Brasil após os embargos filipinos (referidos no
primeiro capítulo deste trabalho) acirraram os ânimos dos pregadores, que viram na
Espanha as causas das desgraças do seu reino. E mesmo depois da retomada da Bahia, que
inegavelmente teve as forças espanholas como um dos protagonistas, os pregadores
deixaram de reforçar o valor dos portugueses e, em agosto de 1625, o dominicano Simão
Correia insistia que o reino de Portugal era de Cristo e fora por ele escolhido para levar sua
mensagem a outros povos.
225
Dessa maneira, não era possível imaginar que um reino
escolhido por Cristo para propagar sua mensagem pelo mundo continuasse dominado por
outro reino que, do ponto de vista religioso, era inferior. Com essas informações fica fácil
entender o empenho dos referidos religiosos em garantir grandes somas para a formação da
armada de Portugal.
Ao que tudo indica, os espanhóis perceberam o esforço luso em demonstrar
eficiência na formação de sua armada e procuraram minimizá-lo, às vezes sem nenhum
pudor. Vejamos o relato de Valencia Y Guzman:
“Em la ciudad de Lisboa por parte de los ministros de la corona de Portugal y por la
del general de la armada portuguesa Dom Manuel de Menezes se hicieron otras
224
Guerreiro. Op. Cit. p. 23.
225
Hermann, Jacqueline. No reino do Desejado. A construção do sebastianismo em Portugal (séculos XVI e
XVII). São Paulo: Companhia das Letras, 1998. pp. 221-223.
105
muchas prebenciones y aprestos (...) aparejandose para la jornada em consideracion
de ser el Brasil conquista de aquel Reino todos lo cavalleros títulos y fidalgos del
asucosta y com muchos criados que llebaban com placas de soldados que sirbieram
muy bien en la ocasion (...) de lo qual se dio Su Magestad por muy serbido, los condes
de bimioso, y de taroca, y el conde de San Juan de la pesquera, com sus dos hijos se
asentaron luego, y tras ellos toda la nobleza que si por sus nombres se hubiera de
decir era menester mayor memória que la mia y mas paciência de la que yo tengo,
basta decir fueron todos que quedo Portugal desierto...”
226
Embora não esteja explícito, notamos que o cronista espanhol procurou desprezar o
empenho de Portugal na preparação da armada, insinuando inclusive que os portugueses
não faziam mais que sua obrigação visto que o objeto de disputa era resultado de suas
conquistas. Demonstrando clara má vontade em relatar os trabalhos que se faziam em
Portugal, o cronista desabafa que não teria paciência para listar todos os nobres que
participavam da armada portuguesa, preferindo, de maneira ardilosa, afirmar que Portugal
ficou deserto em função do guarnecimento da armada. Uma óbvia tentativa de diminuir o
reino português. Entretanto, ao que parece Portugal contava com gente de sobra, de
maneira que, segundo Joaquim Serrão, foi ordenado que se dispensassem os criminosos
fugidos da Justiça em função do espantoso número de voluntários que havia se
apresentado.
227
Na verdade, os governadores do reino estavam preocupados com a
quantidade de pessoas que desejavam participar da jornada da Bahia, tanto que em 12 de
Novembro de 1624 consultaram o Conselho da Fazenda para saber da quantidade de
pessoas que estavam assentadas na armada da Bahia, ordenando que se parecesse àquele
órgão que havia bastante gente, que não assentasse mais ninguém.
228
Até mesmo no que diz respeito à partida das armadas, portugueses e espanhóis
parecem ter disputado a primazia, senão vejamos o que escreveu Tamoyo de Vargas ao se
referir à antecipação da largada da armada portuguesa:
“Havia já dias que a armada de Castela aguardava tempo favorável para fazer-se de
vela, quando soube a 28 que em o dia 22 [de novembro] tinha desaferrado de Lisboa a
de Portugal, com direcção às ilhas de Cabo-verde, por ser-lhe impossível também por
falta de tempo, encorporarse-lhe mais perto, de sorte que as dilações apenas
dependentes do mesmo tempo, que todos os dias esperançava a saída, erão mais
penosas, até que a 14 de Janeiro aproveitou-se o seu melhoramento para darem à
vela”.
229
226
Guzman. Op. Cit. pp. 121 e 123. (Grifo meu)
227
Serrão. Op. Cit. 1968. p. 194.
228
Consulta do Conselho da Fazenda satisfazendo a um decreto dos governadores sobre a gente que está
assentada na armada que vai à Bahia. Lisboa, 12 de Novembro de 1624. Arquivo Histórico Ultramarino,
caixa 3 / doc. 343 – Projeto Resgate / Coleção Luzia da Fonseca.
229
Vargas. Op, cit. pp. 99 – 100.
106
O cronista espanhol tentou justificar a primazia da armada lusitana pelos fatores
climáticos, no entanto, temos que, considerar que apesar de todo o esforço de Portugal, a
força naval espanhola era muito mais poderosa, pois contava com as esquadras do Estreito
de Gilbratar, Biscaia, Quatro Vilas e Nápoles, o que certamente contribuiu para seu atraso,
pois levou mais tempo a ser concluída.
230
Seja como for, a antecipação portuguesa parece
está relacionada a uma “questão de prestígio” como afirmou Boxer
231
, pois sinalizava o
empenho do reino menor. Em todo caso, creio que temos que considerar também que pela
decisão da administração filipina, a armada conjunta possuía uma hierarquia, segundo a
qual, acima de todos, no comando, estava D. Fadrique de Toledo, na falta deste assumiria o
comando outro espanhol, D. Juan Fajardo. Só na ausência dos dois primeiros o general
português assumiria o comando das operações. Desse modo, antecipar-se à armada
hispanica teria sido a maneira que D. Manuel de Menezes encontrou para mostrar aos
espanhóis a competência lusa.
Independente das razões que motivaram a pressa de Portugal, o fato é que a
Armada portuguesa teve que esperar cerca de cinqüenta e dois dias pelos espanhóis
enfrentando durante esse tempo de espera as vicissitudes do mar, perdendo um dos galeões
que naufragou causando prejuízos materiais e comprometimento dos recursos humanos,
pois vários homens morreram em decorrência das febres. Finalmente em doze de fevereiro
de 1625 a Armada da Espanha chegou a Cabo Verde e puderam seguir viagem rumo a
Bahia, mas não sem as já mencionadas querelas entre portugueses e espanhóis. Esses
últimos, sabemos por meio de seu cronista oficial, continuaram a menosprezar a força lusa,
afirmando que navegaram rumo à Bahia numa velocidade menor que aquela que poderiam
imprimir, pois a armada portuguesa enfrentava dificuldade em seguí-los.
232
Não obstante a queixa dos espanhóis, em vinte e nove de março de 1625, véspera
do domingo de páscoa, a força naval Luso-espanhola chegou à Bahia. Teria sido a maior
armada que atravessara o Atlântico até então. Sua força estava disposta da seguinte
maneira:
230
Nenhum dos relatos a que tive acesso especifica o nome de cada uma das quatro vilas, sabemos apenas se
tratar de vilas castelhanas. Ver Vargas. Op. Cit. p. 100.
231
Boxer. Op. Cit. 1973. p. 75.
232
Vargas. Op. Cit. p. 125.
107
Número
de navios
Gente de
Guerra e
mar
Peças de
artilharia
Peloteria
(unid.)
Pólvora
(quintais)
Chumbo
(quintais)
Corda
(quintais)
Armada do
Mar Oceano
11
2.516
269
14.173
1.474
312
279
Armada do
Estreito de
Gibraltar
05
1.490
158
9.970
860
124
136
Esquadra de
Biscaya
04
1.181
106
7.400
680
143
100
Esquadra das
Quatro Villas
06
1.845
154
10.000
820
172
194
Esquadra de
Nápoles
04
1.183
114
10.800
775
206
338
Armada de
Portugal
22
4.348
384
24.820
1.136
352
310
Total 52 12.563 1.185 77.163 5.745 1.309 1357
Fonte: Guzman.
Os holandeses que ocupavam Salvador, ao avistarem as cinqüenta e duas
embarcações, tiveram dúvidas a respeito da origem das embarcações: seria espanhola ou
holandesa? Aldemburgk relata que nem com o auxílio de óculos de alcance conseguiram
esclarecer a dúvida. Só posteriormente, com o retorno do navio holandês que fazia a vigília
da entrada da Baía de Todos os Santos ao porto, os invasores tiveram a confirmação de que
se tratava da armada de socorro luso-espanhola. Somente à tarde, com o cair do sol, os
holandeses visualizaram com nitidez a força que chegava da Europa. Nas palavras de
Aldemburgk, “surgiu, a todo o pano, a armada espanhola por trás do Forte de Santo
Antônio, onde havia desembarcado gente, distribuiu-se em forma de meia-lua através da
Baía de Todos os Santos e lançou ferros de tal modo que da nossa parte nem um cão
poderia escapar”.
233
A chegada da armada restauradora estragou a Páscoa dos holandeses que tiveram de
abandonar os preparativos da festa para trabalharem noite e dia no intuito de se defenderem
dos ataques que se avizinhavam. No mar, os navios foram colocados o mais próximo
possível da ribeira. Em terra, foram levantados parapeitos, paliçadas, trincheiras, etc.,
numa clara demonstração de que a urbis, mesmo com os trabalhos de fortificação
promovidos pelos holandeses durante a ocupação, – descritos no capítulo anterior - não
233
Aldemburgk. Op. Cit. p. 201-202.
108
estava apta a resistir contra tamanha força. Ademais, é preciso lembrar que as forças
holandesas estavam desorganizadas, seja pela ação dos colonos que resistiam e impunham
baixas ao exército invasor, seja pelo próprio erro de cálculo dos holandeses que enviaram
navios e tropas para a África, ou mesmo pela relativa incompetência do comando holandês.
Nesse sentido, podemos imaginar o pavor que a armada luso-espanhola causou aos
holandeses.
Pavor de um lado, festa do outro. Segundo Vieira, após tantas orações, penitências,
ladainhas e procissões rogando a Deus misericórdia, os céus atenderam os pedidos dos
colonos portugueses, trazendo, “no dia da redenção do mundo”, a redenção dos habitantes
da Bahia.
234
O jesuíta não poderia deixar de registrar a chegada da armada sem relacioná-la
com as questões religiosas, tão ao seu estilo. Além do mais, aproveitava para dizer aos seus
superiores que os padres não desanimaram em momento algum, pelo contrário, diante de
tantas vicissitudes, colaboraram da maneira que podiam, incentivando as pessoas com
orações.
Frei Vicente do Salvador, que ainda continuava prisioneiro dos holandeses, narrou
que quando da chegada dos luso-espanhóis, os invasores aproximaram suas embarcações o
máximo que puderam das fortalezas e afundaram três dos navios mercantes que
aprisionaram durante o tempo que ocuparam a cidade. A intenção era que essas
embarcações freassem o avanço dos navios pertencentes à armada ibérica. Relato que
corrobora a versão de Aldemburgk. Aliás, não só sobre os aspectos acima descritos os
relatos convergem, também no que diz respeito às primeiras ações da armada e reações dos
holandeses, os cronistas seiscentistas concordam. Segundo esses cronistas, a história da
presença holandesa na Bahia, após a chegada da armada luso-espanhola, seguiu mais ou
menos o seguinte itinerário: desembarque das forças ibéricas para reconhecimento do
território e montagem de postos estratégicos para atacar os invasores, ataque surpresa dos
holandeses às tropas luso-espanholas que se encontravam repousando em São Bento,
deserção de alguns ingleses e franceses que estavam entre os holandeses, o levante dos
soldados holandeses contra o comandante das tropas e, finalmente, a rendição dos
invasores a 30 de abril de 1625.
Segundo Antônio Vieira, os luso-espanhóis desembarcaram sem problemas, pois
afora a cidade, os portugueses “tinham tudo por seu”.
235
As palavras do jesuíta vêm a
confirmar o que aventei no capítulo anterior acerca do período da resistência: tiveram uma
234
Vieira. Op. Cit. p. 181-182.
235
Idem. Ibidem.
109
atuação extremamente positiva, sem a qual os trabalhos da jornada restauradora teriam sido
muito maiores, senão impossíveis, pois pouco depois de restaurada a capital colonial, a
frota de socorro holandesa chegou à Bahia, porém já era tarde demais, só lhes restou, bater
em retirada.
Desembarcados em segurança, as primeiras ações ibéricas foram avaliar as condições
de defesa e ataque dos inimigos e escolher os locais onde estalariam suas tropas para dar
combate aos holandeses. Após o reconhecimento do território, foram definidos cinco locais
de onde deveriam partir os ataques:
O quartel do Carmo comandado por D. Fadrique de Toledo. Nesse local ficou parte
dos soldados da companhia comandada pelo português Antonio Moniz Barreto e
da companhia composta por soldados castelhanos comandada por D. João de
Orelhana;
Ainda com pessoas das duas companhias citadas acima se formou uma segunda
bateria no Sítio das Palmeiras que, ao que tudo indica ficava em frente aos muros
da cidade, mais precisamente defronte ao dique construído pelos holandeses.
O terceiro posto de combate, cuja localização não ficou muito clara, (ao que indica
frei Vicente, estava um pouco adiantado ao de D. Fadrique, muito próxima da
cidade, “fronteiriça ao colégio dos padres da Companhia”) esteve a cargo de D.
Francisco de Moura, até então governador da Bahia, que comandava mil e
quatrocentos portugueses e quatrocentos índios aos quais somaram-se duzentos
soldados levados de Pernambuco por Jerônimo Cavalcanti de Albuquerque.
O quarto ponto foi estabelecido no São Bento onde se alojaram três companhias,
uma de portugueses comandada pelo Almirante da Armada lusitana, D. Francisco
de Almeida, uma companhia de castelhanos comandada pelo mestre de campo D.
Pedro Osório e uma terceira, composta por soldados italianos comandados pelo
mestre de campo Carlo Caracciolo, o marquês de Torerecusa.
O quinto e último ponto considerado bastante ofensivo por causar grandes danos
ao inimigo, era pela parte da marinha, no qual D. Manuel de Menezes General da
Armada de Portugal, armou três plataformas e bombardearam seis embarcações
que estavam sob o domínio holandês. A atuação desse general também foi
fundamental por facilitar o transporte de artilharia, munições e alimentos aos
“quartéis”.
236
236
Conforme o relato de Guerreiro. Op.cit. p. 71 e Salvador. Op. Cit. pp. 397-399.
110
Sobre o posto comandado por D. Francisco de Moura, chama atenção a descrição
que dele fez o franciscano Salvador, considerando-o como uma bateria muito arriscada,
“donde os holandeses batiam com seis peças, e de parte a parte se fazia muito dano”.
237
O
que teria concorrido para essa bateria ficar a cargo dos que já se encontravam na Bahia?
Teria pesado a experiência do período de resistência, ou simplesmente, por uma questão
hierárquica foram colocados na vanguarda do pelotão de D. Fadrique, tendo sido
utilizados ao mesmo tempo como escudo e abre-alas das tropas do comandante maior?
Qualquer afirmação será mera suposição visto que os relatos não dão maiores informações
sobre esta guarnição.
Voltando aos preparativos, as tropas que ficaram responsáveis pelo posto de São
Bento foram surpreendidas pelos holandeses que, aproveitando um descuido dos soldados
entrincheirados, saíram da cidade e atacaram os espanhóis que se encontravam no local. O
saldo desse ataque para os luso-espanhóis foi grande quantidade de mortos e feridos. Do
lado dos holandeses as informações são escassas e desencontradas, mas certamente o
resultado foi bem mais positivo do que aquele obtido pelos restauradores. Em verdade, o
episódio parece ter sido uma emboscada preparada pelos holandeses – teriam aprendido
com os colonos? – para os soldados da armada. Segundo Vieira os soldados da armada
que se dirigiram para São Bento fizeram pouco caso dos holandeses por perceberem que
estavam em muito maior número. Entretanto, narra o jesuíta:
“não advertindo que o inimigo quanto mais desprezado mais ousado, (...) começaram a
se alojar nas casas de S. Bento, desarmados e como quem estava em sua casa,
descansando do trabalho que tiveram em andar uma légua até aquele posto.
Vendo os da cidade o inimigo, botaram uma manga de duzentos ou trezentos
arcabuzeiros, que de repente os acometeram, estando descuidados de tal ousadia; saiu
logo cada um com as armas que a pressa lhe ofereceu, e investiram os mais com
piques. Os inimigos disparando os arcabuzes, se iam retirando para a porta da cidade,
e os nossos, e os nossos seguindo-os; mas, tanto que os descobriu a artilharia da porta,
recolhendo-se em salvo os holandeses, deram fogo a umas peças que, espalhando um
chuveiro de balas, pregos e ferro miúdo, fizeram grande estrago em muitos soldados e
alguns soldados castelhanos de muita importância e valor na guerra.”
238
A documentação diverge quanto ao número de espanhóis mortos em decorrência da
batalha. Aldemburgk fala em alguns centos, Frei Vicente do Salvador contou mais de
237
Salvador. Op. Cit. p. 399.
238
Vieira. Op. Cit. p.182-183.
111
oitenta, uma relação anônima apontou quarenta.
239
Seja como for, a verdade é que essa
investida dos holandeses, primeira e última depois da chegada da armada, consternou os
luso-espanhóis que lamentaram a morte de muitos nobres. Não obstante Vieira ter
atribuído o desastre ao descuido dos soldados que menosprezaram seus rivais,
provavelmente os homens que para ali se dirigiram estavam exaustos depois da travessia
do Atlântico e do transporte de material para guarnecer aquele posto. Nesse sentido, os
espanhóis tomaram a mesma decisão que os holandeses quando da invasão da cidade,
pararam para descansar no mosteiro de São Bento, próximo à entrada da cidadela, para na
seqüência atacá-la. Porém, os holandeses não repetiram o gesto dos colonos portugueses,
ao contrário, se precipitaram sobre a guarnição dispersa.
Após esse episódio, os holandeses se confinaram na cidade e passaram a se
defender dos intensos ataques luso-espanhóis que obrigavam os invasores a trabalharem
incessantemente para reparar os estragos que a artilharia restauradora promovia. Segundo
frei Vicente, os holandeses passavam a noite tapando com sacos de terra os buracos feitos
no muro pelos ibéricos. Aldemburgk, por sua vez, registrou que os ataques obrigavam os
holandeses a repararem as trincheiras parapeitos e baterias sem pausas, chegando um
momento em que “mercadores, caixeiros e assistentes passaram a costurar sacos, que
cinqüenta homens para isso escalados, enchiam de terra, a fim de com eles taparem as
brechas”.
240
Por mais de vinte dias os holandeses enfrentaram os ataques da Armada e, em meio
a esses acontecimentos, os luso-espanhóis tiveram notícias de que junto aos inimigos
havia ingleses e alemães que desejavam desertar alegando que os holandeses os trouxeram
enganados para a Bahia. Os espanhóis também receberam informações de um francês que
os ingleses e franceses que estavam do lado dos holandeses estavam prestes a se
rebelarem, pois os holandeses se fortificavam, enquanto eles, se expunham ao perigo. Em
relação a esses franceses, só nos momentos finais, já rendidos, os holandeses tomaram
conhecimento de que muitos deles haviam se passado para o lado oposto e continuaram
entre eles com o objetivo de levarem notícias ao acampamento adversário. Portanto, os
espanhóis estavam mais informados do que acontecia na urbis do que poderiam supor os
invasores. Há notícias também de que um alemão se passou para o lado dos espanhóis e
teria informado que os holandeses haviam enforcado um francês e um português por
239
Restauração da Cidade do Salvador. Relação anônima para Sua Magestade. Introdução e notas de Luiz
Monteiro da Costa. Anais do Arquivo Público da Bahia (vol. 34). Salvador: Imprensa Oficial, 1957. p. 102-
103.
240
Salvador. Op. Cit. p. 396.
112
suspeitarem que desejavam se passar para o outro lado.
241
Vejamos o que narrou
Aldemburgk sobre esses episódios:
“Durante esse aperto, um inglês, (...) tomado pelo desespêro, bandeou-se para o lado
dos espanhóis; o mesmo praticou, (...) um francês; dois camaradas deles, um francês e
um português, foram, ao anoitecer, conduzidos à casa-forte do capitão, e, como por
bem nada quisessem confessar, postos a tratos declararam que pretendiam deitar fogo
à pólvora, junto da guarda do pé da estacada, e bem assim entregar aos espanhóis a
guarda da ribeira junto à trincheira de madeira. Por isso, foram ambos, de noite,
castigados com a forca”.
242
É evidente que essas pessoas se apavoraram com a chegada da Armada e, ao se verem
diariamente alvejadas pelo fogo da artilharia luso-espanhola, já debilitados pelas ações
anteriores da resistência, buscaram salvar a própria pele, apelando para a clemência dos
portugueses e espanhóis ao usar o argumento de que foram enganados pelos holandeses.
A divisão e o desespero do lado holandês não se fazia notar apenas entre ingleses,
franceses e portugueses. Os ataques da Armada alteravam também os ânimos dos próprios
invasores que ficaram atônitos com uma ordem inusitada do coronel Arnt Schouten:
“[proibiu] sob pena corporal, que os nossos continuassem a escaramuçar, e que os
candestabres(?) de nenhum modo disparassem suas peças contra os espanhóis, e
também que ocupássemos novas obras avançadas; para escarmento dos que
pretendessem infringir essa proibição, resolveu estatuir um exemplo”.
243
Ao que parece, o coronel reconheceu a derrota e tomou uma decisão sensata diante do
poderio luso-espanhol. Entretanto, se essa suposição for correta, o coronel esqueceu de
comunicar a decisão aos soldados, que não interpretaram dessa forma, pois, enxergaram
no coronel um traidor que deveria ser deposto e castigado, como o fizeram, utilizando-se
inclusive de violência física, derrubando-o a golpes de mosquetes. A reação dos soldados
também se estendeu àqueles que eles entendiam como cúmplices do coronel – os membros
do Conselho Secreto – prendendo-os e saqueando suas mancebas em cuja casa o coronel
havia colocado uma sentinela. Com isso, os soldados conseguiram a nomeação de um
outro coronel e a continuidade da defesa holandesa aos ataques da Armada.
244
Entretanto,
enfraquecidos que estavam, os holandeses não conseguiram sustentar por muito tempo a
cidade. Menor poder militar, deserções, insubordinação das tropas, enfim, tudo conspirava
241
Restauração da Cidade do Salvador (anônima). Op. Cit. p. 105 e 214.
242
Aldemburgk, Op. Cit. p. 206-207.
243
Idem p. 208
244
Aldemburgk, p. 208.
113
contra os holandeses que aquela altura oravam pela chegada do socorro holandês. Como
esse só chegaria tarde demais, restou aos holandeses a rendição.
A rendição dos holandeses apresenta uma relevante discordância entre o relato de
Aldemburgk e os demais relatos Seiscentistas. Vale à pena conferir. Conforme o relato de
Aldemburgk, havia por parte dos holandeses a decisão de lutarem até o último momento
quando se retirariam para um paiol com centenas de tonéis de pólvora e, se vencidos,
lançariam “em nome de Deus, fogo á pólvora e voaríamos todos pelos ares”.
245
Segundo
esse cronista os holandeses desejavam que os espanhóis tomassem de assalto a cidade,
pois estavam certos de que ao se verem obrigados a lutar casa a casa, os espanhóis
estariam em desvantagem. Ainda de acordo com o relato de Aldemburgk, as propostas de
rendição que os espanhóis fizeram ao inimigo teriam frustrado as expectativas dos
holandeses de darem cabo dos hispânicos durante um possível assalto a cidade.
Acompanhemos a narrativa:
“[o exército espanhol marchou] para um e outro lado, de sorte que nutrimos grande
esperança de irem os sitiantes nos dar terrível assalto; continuamos, por isso, a atirar-
lhes com a artilharia e mosquetaria.
Entretanto, saiu toda a gente das baterias e trincheiras em volta da cidade, saudou-nos
amavelmente e fez, com chapéus e toalhas, sinais de querer parlamentar, vindo à
cidade o tambor do regimento espanhol, ao encontro do qual enviamos nosso tambor-
mor (...) Logo se nos apresentaram para parlamentar um mestre-de-campo (...) e um
tenente-coronel dos espanhóis, os quais trouxemos vendados à cidade.”
246
A descrição chega a ser cômica. Nem com muita boa vontade podemos imaginar
portugueses e espanhóis (principalmente esses últimos), que atravessaram o Atlântico para
demonstrar sua força ao mundo, acenando amavelmente para os holandeses. Nem mesmo o
diretor da WIC Laet acreditou nas versões que os holandeses deram da rendição da Bahia.
De maneira geral, o relato de Laet concorda com o que escreveram portugueses e
espanhóis. A saber, que os holandeses enviaram um emissário aos espanhóis portando uma
carta do coronel Kiff:
“nós, o coronel e mais oficiais do conselho desta cidade de São Salvador, havendo
sabido que vossa excelência requerera um dos nossos tambores para propor
negociação, mandamos o portador desta para o fim de saber quais são as intenções de
V. Exc., e fiamos de V. Exc. Que, segundos os usos da guerra, nô-lo restituirá”.
247
245
Idem. p. 210.
246
Idem. Ibidem.
247
Carta do coronel Ernste Kiff a D. Fadrique Toledo em 28 de abrol de 1625. Apud. Laet. Op. Cit. p. 127.
114
Ninguém das tropas luso-espanhola havia requerido holandês algum. À exceção de
Aldemburgk, todos os outros cronistas entenderam que tal atitude não passou de um teatro
dos invasores a fim de se renderem honrosamente. E, ao que tudo leva a crer, os
comandantes da armada restauradora também perceberam que se tratava de uma estratégia
do inimigo e responderam da seguinte forma: “... daquele exercito nenhúma chamada
havia-se feito, porem que se os sitiados, segundo os uzos em taes caos (casos ?), tinhão
que diser-lhe, como não fosse contra o serviço de S. Magestade, ouvil-os-ia com
cortezia”.
248
A resposta de D. Fadrique, demonstrando intenção de negociar, era o sinal que os
holandeses esperavam para acordar com o referido general a rendição holandesa. Entre os
dias 28 e 30 de abril, aconteceram várias reuniões por parte dos dois lados, cada um
apresentando suas intenções por meio de cartas. Após os primeiros contatos, que
transcorreram da maneira acima descrita, os holandeses entregaram a D. Fadrique, ainda
no dia 28 de abril, uma segunda carta avisando da decisão de se rederem, bem como as
condições em que desejavam fazê-lo, a saber, dentre outros: deixar a cidade em três
semanas, tempo suficiente para preparar os navios que os transportariam de volta às
Província Unidas, levar consigo toda a artilharia e munição, recolhimento das naus da
armada luso-espanhola para detrás do forte São Felipe, afim de que suas embarcações
tivessem passagem livre, concessão para que levassem os bens conquistados ou saqueados
durante a ocupação da cidade.
249
De maneira geral, os holandeses intencionavam se retirar
de cabeça erguida e garantir algum lucro para as tropas, uma espécie de alento pelos onze
meses de ocupação frustrada. Se não era possível assegurar lucros à WIC, ao menos
individualmente aquela empreitada deveria trazer algum benefício.
No dia seguinte, 29 de abril, D. Fadrique respondeu que era impossível atender os
referidos pedidos e tratou de deixar claro que sua posição era muito superior, descrevendo
toda sua força que estava em terra e que havia ainda muita gente nos navios, pronta para
desembarcar. Nesse caso, o general espanhol sugeriu ao general holandês que aproveitasse
a benevolência católica de deixá-lo retornar à Europa com vida.
250
Das exigências de D.
Fadrique, os holandeses relutaram em aceitar sair da cidade desarmados, o que estendeu as
negociações por mais um dia quando, a 30 de abril, chegaram as partes a um acordo que,
248
Vargas. Op. Cit. p. 168.
249
Idem. p.170.
250
Idem. p. 172 e Laet. Op. Cit. p. 128.
115
entre outros pontos, estabelecia: a entrega da cidade no mesmo estado em que se achava na
data da assinatura do acordo com tudo que nela estivesse, a revista a soldados e quem mais
saísse da cidade; garantia, por parte de D. Fadrique que nenhum soldado do exército luso-
espanhol afrontaria os holandeses; concessão de embarcações para que os invasores
retornassem à sua terra; depois de embarcados, os soldados receberiam armas necessárias
para retornarem à Europa. Antes do embarque, só os capitães poderiam usar espadas.
251
Toda a negociação da rendição dos holandeses foi bastante tensa, o que exigiu
muita sagacidade dos comandantes. A relutância holandesa em entregar as armas provocou
reações entre os luso-espanhóis que, sentindo-se mais fortes, devem ter pressionado o alto
comando para prosseguir com as batalhas a fim de imprimir uma vitória histórica aos
holandeses. Entretanto, a estratégia de resolver a disputa por meio da negociação se
mostrou bastante sensata e evitou a perda de muitas outras vidas. Nesse sentido, é possível
que espanhóis e portugueses tenham feito essa opção em virtude dos riscos que um assalto
a cidade ofereceria. Além do mais é preciso considerar que os luso-espanhóis possuíam
informantes no interior das muralhas e que certamente conheciam o poder do arsenal que
os holandeses dispunham naquele momento.
252
Acordada a rendição, os espanhóis foram os primeiros a entrar na cidade e,
conforme denunciam diversas fontes, os soldados responsáveis pela retomada de Salvador
não vacilaram em saquear o que restava nos escombros. De acordo com Frei Vicente do
Salvador, os espanhóis repartiram “os despojos das mercadorias e fazendas, que os
holandeses haviam tomado aos mercadores, pelos soldados da armada. (...) o que haviam
deixado os inimigos lhes levaram os amigos que vieram para os socorrer e remediar”.
253
O
padre Bartolomeu Guerreiro aproveitou o incidente para valorizar o caráter dos
portugueses afirmando que “a milícia Portugueza, se não deu por achada de outros
interesses, mais q(eu) do mesmo serviço de sua Magestade, honra e reputação da Coroa de
Portugal”.
254
Já o cronista oficial da armada espanhola, Tamoyo de Vargas, preferiu
enfatizar, como obrigava a sua função oficial, as providências tomadas pelo comando das
tropas no sentido de acabar com as desordens. Segundo Vargas,
251
Vargas. Op. Cit. p. 176-177 e Laet. Op. cit. p. 130.
252
Segundo Frei Vicente, os holandeses entregaram quando da rendição, entre outras coisas, os seguintes
armamentos: 216 peças de artilharia, 35 pedreiros, 500 quintais de pólvora, balas, bombas, granadas e outros
artifícios de fogo em abundância, 1.568 mosquetes, 133 escopetas, etc. Cf. Salvador. Op. Cit. p. 404.
253
Idem. p. 411.
254
Guereiro. Op. Cit. p. 111.
116
“crescia progressivamente o desconcerto, e serião mais funestos os seus resultados se
o governador Sanfeliche, depois de haver guarnecido a casa do governador, e o
collegio da companhia, onde o inimigo havia guardado o que tinha de mais preciozo,
não fosse immediatamente ao quartel do Carmo communicar o ocorrido ao general,
pois que entrando a noite nada ficaria seguro na cidade (...)”.
255
O general teria ordenado, sob ameaça de pena de morte, que os soldados retornassem aos
seus postos e autorizou os oficiais a enforcar quem estivesse fora de suas companhias.
256
Isso é o que diz um relato oficial, na prática não sabemos até que ponto a ordem do
comandante foi seguida, se é que ela realmente existiu, afinal, por determinação do próprio
Fadrique Toledo, as tropas espanholas foram as primeiras a adentrar na cidade recuperada.
Porque essa primazia? Mais uma provocação com a armada portuguesa ou havia outros
interesses, como sugeriu o padre Bartolomeu Guerreiro? Talvez os dois.
Por seu turno, os holandeses aguardaram os preparativos das embarcações que os
conduziriam a Europa, assistindo todas as comemorações que se fizeram pela retomada da
Bahia, sendo também testemunhas da reação dos jesuítas que
“fizeram vir da almiranta para terra uma barca inteiramente carregada de quadros
sacros e mandaram açoitar e fustigar pelos frades os púlpitos dos quais tinham
pregado o sacerdote neerlandês, bem como desenterrar os cadáveres de todos os
nossos para levá-los para fora das portas, deixando apenas de profanar o corpo do Sr.
VAN DORT, sobre cujo túmulo pendiam o seu escudo, espada e esporas, debaixo de
um manto de veludo carmesim; e assim restabeleceram o culto de sua religião em S.
Salvador, na Bahia de Todos os Santos”.
257
Tomando por verdadeiras as palavras desse holandês, temos aí a demonstração do aspecto
religioso da campanha de restauração da Bahia, ou seja, a mobilização em torno da
expulsão dos hereges e a restituição da hegemonia da fé católica. Esse aspecto foi
lembrado, como não poderia deixar de sê-lo, pelo padre Gaspar Dascenção, da Ordem dos
Pregadores, no sermão que fez na primeira missa após a rendição dos holandeses, rezada a
cinco de maio de 1625. O religioso refrescou a memória dos fiéis, ali representados por
generais e capitães da armada luso-espanhola, ressaltando que estavam ali comemorando a
vitória da fé católica sobre os hereges. Para isso, retomou os motivos que haviam levado a
população ibérica a atravessar o oceano para reaver a Bahia, colocando como aspecto
central da motivação o valor da religião católica:
255
Vargas. Op. Cit. 178-179.
256
Idem. Ibidem.
257
Aldemburgk. Op. Cit. p. 213.
117
“como erão hereges os tiranos, o que principalmente se sentio forão os agrauos de
Deos, & de sua Igreja santa: & como filhos fieis seus, logo se offereceraõ todos à
impresa de vir castigar estes agrauos, co guerra de fogo, & sangue, com tanta vontade
de offerecer a vida aos perigos da morte, pella honra de seu Deos, & seruiço de seu
Rey, como os obrigaua a pureza da fé em que viuião, & a fidelidade de coração, &
animos que devião a vassalos de tão catholico Rey; partirão todos aos perigos da
guerra, como se fossem ao mais seguro da vida.”
258
Para além das questões religiosas, característica marcante do século XVII, e das
argumentações de ordem patriótica, é possível notar através da documentação que
interesses pessoais também compuseram o rol de motivações daqueles que se dispuseram a
vir para a Capital Colonial expulsar os holandeses. Após a restauração da Bahia, muitos
voluntários que foram citados pelos cronistas como verdadeiros heróis que contribuíram
para a formação da armada com investimentos do próprio bolso, aparecem na
documentação dos arquivos espanhóis e portugueses pedindo mercês ao rei pelo serviço
prestado à Coroa. Assim, nomes como o do general da armada portuguesa, D. Manuel de
Menezes, Dom Affonso de Noronha (membro do Conselho de Estado), Dom Rodrigo
Lobo, Ruy Barreto de Moura, entre outros, solicitaram ao rei algum tipo de favor por ter
colaborado na retomada da Bahia.
259
Solicitações de benefícios reais foram uma constante na administração ibérica. De
acordo com Schwartz, era bastante comum se recompensar com um cargo na burocracia
estatal pessoas que prestavam algum serviço à Coroa
260
. O caso do padre João Roda
Monteiro, que requisitava para si os benefícios que Francisco Pereira Vargas teria direito
por ter prestado serviços nas Armadas do Reino, é um indicativo da freqüência desses
recursos e demonstra a possibilidade de extensão dos benefícios reais a parentes distantes
de quem realmente teria prestado serviços à Coroa. Os referidos benefícios pertenciam por
herança a Antonia Monteiro Corte Real, viúva de Francisco. Entretanto, Antonia renunciou
aos benefícios a que possuía de direito e o padre Roda Monteiro, seu sobrinho, solicitou-os
para si.
261
Em 1624, segundo Roda Moneteiro, Francisco Vargas embarcou numa armada
enviada pela Coroa portuguesa para ajudar nos combates aos holandeses que haviam
258
Sermam que pregou o padre frey Gaspar Dascenção da Ordem dos Pregadores na Sé da Bahia de todos os
Santos na cidade do Saluador. Na primeira Missa que se disse, quando se derão as primeiras graças publicas,
entrada a Cidade pela vitoria alcançada dos Olandeses a 5 de Mayo de 1625. Impresso em Lisboa, 22 de
Outubro de 1625.
259
Sobre as informações acerca da formação da armada ver Guerreiro. Op. Cit. e Serrão. Op. Cit.1968. pp.
199-202.
260
Schwartz. Op. Cit. 1979. p. 57.
261
Requerimento do Padre João Roda Monteiro. Arquivo Histórico Ultramarino / Coleção Luisa da Fonseca /
Projeto Resgate, doc. 345. Ls. 3-4, fl. 1.
118
ocupado a Bahia. Desembarcou na Torre de Garcia d’Avila, e marchou doze léguas, na
condição de Capitão de Infantaria e da gente de guerra, até o Arraial (Salvador) onde se
travavam as lutas com o inimigo. Lá chegando, permaneceu com sua companhia até a
restauração da Cidade, tendo participado em todas as emboscadas e encontros que houve
com as tropas rivais. Ajudou na construção de trincheiras e fortificações e serviu na mais
perigosa das frentes das batalhas, o quartel do Carmo.
A estratégia utilizada pelo padre Roda Monteiro para conseguir os benefícios de
Francisco foi listar, uma por uma, as armadas em que o último embarcou, argumentando
que o defunto não recebeu em vida pelos serviços prestados, deixando a esposa “sem
nenhum remedio por gasttar tudo o que tinha em serviço del mag(esta)de”.
262
Roda
Monteiro descreveu com mais acuidade o empenho de Francisco na jornada da Bahia –
certamente pela sua importância -, afirmando inclusive que seu tio teria vindo para a Bahia
na primeira armada de socorro enviada por Portugal, informação que vai de encontro com
o relato do padre Bartolomeu Guerreiro, no qual o nome de Francisco Pereira Vargas só
aparece na segunda armada enviada pela Coroa
263
. Como Roda Monteiro fez questão ainda
de citar que Francisco permaneceu na Bahia até sua restauração, é provável que o religioso
estivesse valorizando a participação do tio na reconquista da Bahia para assim aumentar as
possibilidades de receber o que requeria, o que, para seu alívio, aconteceu.
Se a solicitação de mercê à Coroa por pequenos serviços era procedimento usual, a
Jornada dos Vassalos propiciou um ambiente muito frutífero para pedidos de benefícios.
Dentre as várias petições e requerimentos, gostaria de salientar o pedido do almirante Dom
Francisco de Almeida
264
, que, diferente do padre Monteiro, solicitou benefícios antes
mesmo de embarcar para a Bahia. Dom Francisco de Almeida se encontrava em Madri, no
ano de 1624, tentando provar que foi suspenso da Armada da Coroa de Portugal
injustamente, e pleiteava receber os atrasados dos dois anos durante os quais ficara
afastado do cargo de almirante. Foi quando teve início a formação da Jornada da Bahia e
Dom Francisco de Almeida deixou de lado a cobrança de seus atrasados para embarcar na
Jornada. Porém, argumentando ter muitas despesas, solicitou ao Rei que pagasse um ano
do seu soldo adiantado, lembrando que o mesmo já havia sido feito para Dom Manuel de
Menezes, o general da Armada portuguesa.
262
Idem. Ls. 64-5, fl. 3.
263
Guerreiro. Op. cit. p.33.
264
Requerimento do Almirante Dom Francisco Almeida. . Arquivo Histórico Ultramarino / Coleção Luisa da
Fonseca / Projeto Resgate, doc. 329.
119
Talvez D. Francisco tivesse perdido as esperanças de receber seus atrasados e,
sabendo do precedente de D. Manuel Menezes, tratou de pedir um adiantamento e seguir
para a Bahia. A decisão foi acertada, pois Almeida acabou conseguindo o adiantamento do
soldo. E mais ainda, consta do relato de Bartolomeu Guerreiro, que Francisco de Almeida
veio para a Bahia como Almirante e mestre de campo, ou seja, conseguiu também reaver
seu cargo.
265
Segundo Joaquim Serrão, depois de restaurada a Bahia, Dom Francisco de
Almeida obteve “sucessão” de duas comendas que já detinha.
266
Pedidos de mercê à parte, a retomada de Salvador por parte dos luso-espanhóis foi
motivo de grandes comemorações tanto na Bahia de Todos os Santos como nos países
ibéricos e teve significado especial para os espanhóis que conseguiram derrotar os
holandeses na América. Agora que já conhecemos os pormenores dessa jornada, vejamos
um trecho de uma peça que narra sucintamente o episódio da presença holandesa na Bahia,
com ênfase na vitória ibérica. Trata-se de uma cena do 3º ato da peça intitulada La Perdida
Y Restauraciòn de La Bahia de Todos Los Santos, de autoria de Juan Antonio Correa,
português de biografia um tanto quanto duvidosa.
“FAMA: Solte-me, Espanha!
ESPANHA: Não solto, até que me digas, Fama, para onde vais.
FAMA: Se me obrigas pela força, não direi.
ESPANHA: E queres passar por mim, tão alegre e tão ligeira, sem me dizer, boa amiga,
qual a causa disso tudo?
FAMA: Fica atenta.
Já sabes, Espanha ilustre, como Maurício, da Holanda, despachou contra o
Brasil, em segredo, forte armada.
O vento foi favorável e tomou nas suas asas aquelas tôrres portáteis feitas
aladas esquadras. Um dia, - quem pensaria? – pois nunca são as desgraças que
sucedem aos mortais previstas ou esperadas, - aportaram à Bahia, onde os de
cá tomam armas pondo toda diligência em evitar-lhes a entrada.
À frente, o Governador mais o filho se destacam; Como, porém, do inimigo
as fôrças se avantajavam, seu valor não aproveita e, depois de mil façanhas,
presos os dois num navio o General os despacha a dar a nova a Maurício entre
a gente que lhe manda.
Em seguida, também eu, batendo as velozes asas, levei a nova ao teu Rei
Felipe Quarto de Espanha. E aquele que as quatro partes do mundo governa e
guarda sente a ofensa feita a Deus, prepara gente à vingança.
265
Guerreiro. Op. Cit. p. 40.
266
Serrão. Op. Cit. 1968. p. 201.
120
Apronta a armada que sabes...
E a quem deste tua Armada? Ao castelhano valor, que é digno de eterna fama:
Dom Fadrique de Toledo, general de tua esquadra. Dom João Fajardo,
almirante, vem nessa força galharda, em que o Marquês de Coprani Mestre de
Campo assinalas.
O Reino de Portugal não se descuida, - que as causas de seu Rei são causas
suas, - e assim junta forte armada. A Dom Manuel de Menezes, por seu valor,
é confiada e a tão valente soldado o rei bem pôde confiá-la. Almirante é Dom
Francisco de Almeida, de cuja espada, pelo Antártico e pelo Ártico, conhece o
mundo as façanhas. A Antônio Muniz Barreto Mestre de Campo destacam,
que é pessoa em que concorrem discreção, prudência e armas. Aqui já sabes,
também, que por soldados embarcam os mais ilustres e nobres, bravo amor,
coragem brava: Dom Alonso de Noronha com sua idade avançada se assenta
como soldado, ouvindo ao rei a chamada. Teles, Manriques, Gusmões,
Toledos, Osórios, Vargas, os Pimentéis e os Mendonças, (...) condes,
marqueses, senhores, como tu sabes, Espanha.
Assim, todos embarcados, as velas aladas, largam e, entre montanhas de
espuma, do mar do Norte ao Sul passam. Chegam por fim à Bahia, depois de
longa jornada, com façanhas valorosas que gravei nas minhas asas, para tê-las
pelo mundo, entre as nações publicadas.
Por isso não me detenho e te digo: Adeus, Espanha. Ao teu rei, eles serviram:
Vou cantar suas façanhas.”
267
Encontrada na Biblioteca Nacional de Madrid, existem mais dúvidas do que
certezas acerca da referida peça. De acordo com J. Carlos Lisboa, se desconhece se foi
encenada alguma vez. De seu autor, sabe-se pouco: era português e talvez tenha
participado da jornada restauradora. E sobre o ano de sua composição, Lisboa apenas
afirma que foi escrita antes de 1670, sem dizer o porque desta data limite. Entretanto, se
considerarmos as palavras do próprio tradutor acerca do efeito positivo das peças de teatro
para divulgar os fatos nacionais na Espanha, é provável que a peça pertença aos anos
imediatamente posterior à retomada de Salvador, se não do mesmo ano.
268
Independente do ano em que foi escrita, a peça reforça as intenções de alardear a
vitória da Espanha e a satisfação pelo êxito da Jornada dos Vassalos com a retomada da
Bahia. No entanto, insisto em ressaltar que o grande sucesso atribuído as suas ações na
reconquista da cidade de Salvador deve levar em consideração que a resistência dos
colonos antes da chegada da Armada enfraqueceu os holandeses facilitando aos espanhóis
267
Trecho da peça La Perdida e Restauración de La Bahía de Todos Los Dantos de Juan Antonio Correa. In.
Uma peça desconhecida sobre os holandeses na Bahia. (introdução e tradução de J. Carlos Lisboa). Rio de
Janeiro: Ministério da Educação e Cultura / Instituto Nacional do Livro, 1961. pp. 130-133.
268
Sobre os resultados das peças na divulgação dos acontecimentos, Lisboa afirmou: “A peça em si valia
mais que essas Relações [os relatos dos cronistas] todas, pois possuia a virtude de caminhar direto para o
povo, o seu público, pondo à vista dele, (mesmo dos analfabetos, que não leriam tais Relações e que eram
legião) em pé, em ação, as figuras de proa da façanha, animando no palco os capitães ilustres cujos nomes
corriam de boca em boca”. In. Op. Cit. Introdução, p. XVI.
121
e portugueses o êxito nos combates. Todas as emboscadas que acabaram sitiando os
holandeses na cidade serviram para fragilizar os invasores, portanto, por vários meses a
resistência barrou o avanço do inimigo. Enquanto Portugal e Espanha preparavam suas
armadas, colonos portugueses, índios e negros tiveram papel fundamental na
desarticulação da investida holandesa e prepararam o terreno para as ações finais da
Armada que deram cabo do inimigo. E mesmo depois da chegada dos luso-espanhóis, os
colonos continuaram firmes no propósito de expulsar os holandeses. Segundo Antônio
Vieira, os padres enviaram os índios dos aldeamentos e também os escravos dos padres
(que a essa altura eram poucos em função da grande quantidade dos que aderiram aos
invasores em busca de liberdade), para ajudarem a gente da armada no desembarque da
artilharia e para participarem ao cerco da cidade.
269
Resta saber como teria ficado a cidade do Salvador que durante onze meses foi
submetida ao domínio holandês. Passemos as ações dos espanhóis no momento pós-
restauração e à análise do processo de reorganização da cidade após a expulsão dos
holandeses.
Administrando o Caos
A retomada da cidade não significava, obviamente, o retorno à normalidade. Muitas
medidas precisavam ser tomadas para que a capital colonial voltasse a ser o centro da
América Portuguesa. Na ausência de um governador-geral, a administração da cidade
permaneceu sob a égide da administração militar até agosto de 1625.
270
Nesse tempo, sob o
comando de D. Fadrique de Toledo, a administração buscou resolver questões imediatas,
como decidir o destinos dos escravos encontrados em posse dos holandeses, e também
procurou encaminhar questões de maior alcance, como a guarnição e fortificação da capital
após a partida da armada.
De acordo com os relatos Seiscentistas, foram encontrados cerca de seiscentos
negros entre os holandeses, alguns que fugiram de seus donos esperando, como afirmei
acima, encontrar melhores condições de vida, bem como muitos que foram aprisionados
ainda nos navios que chegavam de Angola e foram apreendidos pelos holandeses. A
administração espanhola julgou que deveria castigar aqueles que se envolveram com os
269
Vieira. Op. Cit. p. 187-188.
270
Ruy, Affonso. História da Câmara Municipal da Cidade de Salvador. Slavador: Câmara Municipal de
Salvador, 1996. p. 117.
122
inimigos por vontade própria, condenando à morte seis deles que serviam como cabos e
capitão na companhia de negros referida no capítulo anterior, os demais foram restituídos
aos seus donos, estabelecendo-se um prazo para que as pessoas reclamassem por seus
escravos, extrapolado o prazo, os cativos seriam vendidos em praça pública juntamente
com aqueles apresados nas embarcações apreendidas durante a ocupação.
271
Chama atenção que a pena de morte resumiu-se a aproximadamente um por cento
dos escravos encontrados, o que indica que essas punições tiveram caráter muito mais
exemplar do que qualquer outra coisa. O mesmo acontecendo com quatro ou cinco
portugueses acusados de traição, especialmente por serem cristãos novos. Ou seja, esses
castigos objetivaram demonstrar para a sociedade o que poderia acontecer a quem traísse o
rei. Nesse caso, também notamos o número reduzido de cristãos novos punidos com a pena
capital, pois os relatos falam que cerca de 250 aderiram aos holandeses. Especialmente no
que diz respeito aos cristãos novos, acredito que a condenação esteve muito mais
relacionada à busca de um bode expiatório por parte dos espanhóis do que a uma punição
oriunda de julgamento criterioso.
Por um relatório produzido em 1632 pelo Vigário da Sé de Salvador, Manuel
Temudo, concluiu-se que os cristãos novos condenados à morte por Fadrique Toledo eram
pobres e miseráveis, os mais abastados foram protegidos pelo desembargador Antão de
Mesquita. Pergunta-se: por que um desembargador com prestígio na corte arriscaria sua
reputação defendendo cristãos novos acusados de conspirarem contra o próprio rei? Talvez
por interesses financeiros, mas nesse caso restaria entender porque o general espanhol,
sedento por um culpado, puniu apenas cinco num universo maior que duas centenas
(número também questionável, pois certamente existiam nessas contas portugueses que
não eram cristãos novos)? Parece-me que a resposta está na falta de provas contundentes
contra os cristãos novos enquanto um grupo homogêneo, até porque não eram. Nesse
sentido, as punições de Toledo teriam sido contra uma minoria desapadrinhada que
efetivamente aderiu aos holandeses, mas que não pode ser acusada de ter confabulado com
eles para facilitar a invasão da cidade, pois não representava de forma alguma o universo
dos cristãos novos da capital colonial, mas que garantia à Espanha retirar de si o peso da
responsabilidade pela queda de Salvador.
272
271
Ver: Salvador. Op. Cit. p. 404 e 411, Vargas. Op. Cit. p. 181 e 192 e Guerreiro. Op. Cit. p. 112.
272
Inquérito realizado sob as ordens do Vigário da Sé do Salvador, Manuel Temudo, para averiguar quais os
portugueses que durante a invasão holandesa da Bahia permaneceram com os inimigos. Apud. Novinsky. Op.
Cit. p. 74.
123
No que diz respeito à defesa de Salvador, Fadrique de Toledo e sua equipe se
preocuparam em deixar a cidade segura o suficiente para se defender de qualquer ataque
que por ventura viesse a acontecer. Para tanto, ordenou o reparo dos fortes e da muralha da
cidade e equipou-a com artilharia e munição. Percorreu todo o recôncavo e pontos de
desembarque pessoalmente a fim de recomendar o aumento da segurança das fortificações
ali existentes, para tanto, fez com que os próprios soldados da armada, unidos às pessoas
da região dessem início aos trabalhos.
273
Para guarnecer a capital, Dom Fadrique se reuniu com os homens mais experientes
de seu exército para decidir o número de soldados que deixaria na cidade. A princípio
aventaram a necessidade de dois mil homens retirados dos contingentes da armada.
Entretanto, o general ponderou que dois mil soldados seria mais desserviço do que alívio
para a terra, pois que a situação da capital era caótica em função dos meses de ocupação e
das lutas pela restauração da cidade. Nesse sentido, em 22 de Junho de 1625, D. Fadrique
de Toledo registrou provisão estabelecendo que:
“Porquanto está resoluto, que convem para segurança, e defensa desta Cidade do
Salvador, que possuía o Hollandez rebelde, de quem a recuperei ficarem nelle de
presídio mil Soldados Portuguezes repartidos em dez companhias, a que se nomearam
Capitães (...); mando ao Provedor-mor da Fazenda de Sua Magestade desta Cidade,
que ora serve o dito Officio, e adiante o servir, e aos mais Officiaes da Fazenda Real
seus superiores, ou Inferiores, a quem a execução desta minha Ordem Possa pertencer,
que façam lista das ditas dez Companhias, e do Sargento-mor Pedro Corrêa da Gama
Governador dellas, sentando-lhes seus soldados pela forma, que se usa nos mais
presídios da Coroa de Portugal, e se lhes paguem seus soldos assim, e da maneira, que
se costuma fazer nas mais partes deste Estado...”.
274
A decisão de deixar mil soldados da armada portuguesa parece ter levado em conta o fato
da colônia ser possessão portuguesa, bem como, segundo Vargas, para evitar rivalidades
entre lusos e espanhóis.
275
Podemos considerar ainda um possível interesse espanhol em
preservar suas tropas para combaterem em outras partes.
Atentando para as dificuldades que a capital enfrentava naquele momento,
ponderou-se que mil homens seriam mais convenientes à realidade. De fato, a
desorganização administrativa e fazendária da cidade era imensa, de maneira que já seria
difícil reorganizar a urbis levando em consideração apenas sua população. Portanto, não é
273
Ver Vargas. Op. Cit. p. 191-192.
274
Registro de Provisão que passou Dom Fradique de Toledo Osorio sobre o presídio, que nesta Cidade
deixou. 22 de Junho de 1625. in. Livro Segundo [das] Provisões. Arquivo público do Estado da Bahia. Seção
Colonial e Provincial – 255.
275
Vargas. Op. Cit.. 191.
124
difícil imaginar os apertos que passou a população com o acréscimo de um corpo militar
considerável como o que deixou D. Fadrique. Ainda mais quando sabemos que a produção
açucareira do Recôncavo, lastro da economia da capital, estava proibida desde que D.
Marcos assumira o comando da resistência. Para Frei Vicente, o que restou na cidade após
o saque dos holandeses e dos restauradores espanhóis foi consumido pelos mil soldados
que Toledo deixara.
276
Ainda sobre o corpo militar deixado por D. Fadrique, Vargas informa que muitos
dos capitães nomeados para comandar as companhias que permaneceram em Salvador
eram membros da armada luso-espanhola que se destacaram nas lutas pela restauração da
Bahia e alguns homens da terra que demonstraram valor e prestaram bons serviços ao rei.
Segundo o cronista oficial, o objetivo de entregar o comando de algumas companhias a
pessoas da terra era “para que com o premio destes se animassem os mais a imital-os no
que se podesse offerecer”.
277
Conforme Vicente do Salvador, os capitães escolhidos entre a
gente da terra foram Francisco de Padilha, Manuel Gonçalves, Antonio de Moraes e Pero
Mendes, todos capitães das emboscadas ou assaltos no tempo da resistência.
278
Infelizmente encontrei apenas três registros de patentes de capitães de companhias, todos
de pessoas que serviam na armada restauradora, homens com larga experiência em
Flandres, África e outras partes do mundo.
279
Registro de companhia entregue a morador
da colônia, só encontrei um, concedido em 12 de março de 1626 a Felipe de Moura de
Albuquerque - que saíra de Pernambuco para acudir a Bahia quando da ocupação
holandesa - em substituição a Simão Leite d’Amaral.
280
Montadas essas companhias, era necessário um comandante responsável por todas
elas. A escolha do nome para ocupar esse cargo deveria levar em consideração dois
requisitos básicos para essa finalidade: prática e experiência militar. Assim, em 19 de
276
Salvador. Op. Cit. p. 411.
277
Vargas. Op. Cit. p. 191.
278
Salvador. Op. Cit. p. 411.
279
Sobre os registros de patentes dos capitães das referidas companhias ver Livro Segundo [das] Provisões.
Arquivo público do Estado da Bahia. Seção Colonial e Provincial – 255. Nele encontramos o registro de
patentes de três capitães de companhias: Francisco Guedes Pinto, com dezenove anos de serviços prestados
a sua Majestade, cinco nas armadas de Portugal, três em África e onze em Flandres de Soldado, sargento e
Alferes, e naquele momento servia na Companhia de Dom Francisco d’Almeida almirante da Armada de
Portugal; Manuel Lopes, que estando servindo a Coroa há vinte e seis anos, primeiro na Armada do Mar
Oceano, e depois nos Estados de Flandres, assumindo as funções de soldado e sargento, naquele ano de 1625
encontrava-se servindo de Alferes na Companhia do Capitão Ruy Barreto de Moura na jornada do Brasil;
Fernão Leite do Amaral, que prestava serviços à Sua Majestade há oito anos, quatro nas Armadas de
Portugal e os demais na Armada do Estreito de Gibraltar, servia naquele momento como ajudante do
sargento-mor do Terço do Mestre de Campo Dom João de Orelhana na jornada do Brasil.
280
Documentos Históricos. 1625-1631. Patentes, Provisões e Alvarás. Vol. XV. Biblioteca Nacional. Rio de
Janeiro, 1930. p. 15 e 16.
125
junho de 1625, Fadrique de Toledo fez a opção pelo Sargento-mor Pedro Correa da Gama
para assumir a função de Governador da Gente da Guerra com um soldo mensal de
sessenta e cinco escudos. Pedro Corrêa contava a seu favor trinta e seis anos de serviço a
sua majestade, dentre os quais destacavam-se vinte e quatro anos servindo em Flandres na
respectiva condição de soldado, alferes e capitão, cuja atuação havia-lhe rendido bastante
experiência e progressão na carreira militar. Sua boa atuação como Sargento-mor do Terço
da Armada de Portugal na recuperação da cidade de Salvador, certamente contribuiu para
sua indicação como comandante das companhias que guardariam a cidade do Salvador.
281
No comando geral, foi nomeado capitão-mor e governador da terra, Dom Francisco de
Moura.
Dom Fadrique preocupou-se também com a preparação das embarcações que
levariam as tropas restauradoras de volta a Europa. Segundo Tamoyo de Vargas, esses
trabalhos foram difíceis em função da carência de recursos, tanto em espécie quanto em
produtos e materiais para o provimento do necessário. Vargas lamentou que as dificuldades
desfaziam todo o empenho do general, descrito da seguinte forma:
“[enviou] a Pernambuco o commissario Thomaz Aguirre em busca de farinha de trigo,
azeite, e biscoito, e á Boipeba, e outras partes por farinha de mandioca, fasendo um
deposito de gado para carne fresca e salgada, sem esquecer-se de tudo quanto a
industria poderia lançar mão para este fim, bem que sempre com novos embaraços,
pois não tendo a terra nem recebendo de fora mais do que pode consumir, erão
sempre escassas as provisões. Achava-se já velha, avariada e sem substância a farinha
de trigo, que existia remettida de Portugal; faltavão padeiros e fornos para o fabrico, e
sendo por isso mais proveitosa a de mandioca, chegou-se a reunir desoito mil
novecentos e trinta e quatro alqueires deste gênero, afora outros com os quaes todos, e
encurtadas as rações prevenio-se tudo quanto respeitava á provisão...”
282
Não obstante as lamurias de Vargas quanto às dificuldades do general para aprestar a
armada, a população da capital colonial certamente não sofreu menos em função dos
preparativos da viagem de volta dos luso-espanhóis. Em tempo de tantas dificuldades,
inclusive alimentar, como salienta o trecho destacado da citação, não deve ter sido nada
fácil para a população ver alimentos que abasteceriam a cidade serem destinados para o
provimento das embarcações. Era o ônus da restauração da cidade pesando sobre a
população em geral, que certamente se viu oprimida diante da obrigação de partilhar o
pouco que existia com o abastecimento da armada que levaria de volta os restauradores.
281
Livro Segundo (das) Provisões. APEB. Seção Colonial e Provincial -255.
282
Vargas. Op. Cit. pp. 192-193. (grifo meu).
126
Seja como for, a partida da armada, programada para 25 de julho foi retardada por motivos
climáticos e só zarpou a 2 de agosto.
As ações de Dom Fadrique apenas principiaram as providências que a cidade
necessitava para recuperar sua posição de cabeça do Brasil. Nas palavras de Affonso Ruy,
Salvador após a expulsão dos holandeses era uma cidade “onde tudo era escombros,
desolação e miséria”.
283
Na verdade, os administradores da capital possuíam uma árdua
tarefa pela frente: reorganizar a capitania da Bahia, administrando o caos em que estavam
imersos, abrigando um corpo de mil soldados “plantados” de uma só vez na cidade
desestruturada e com a missão de fortificar Salvador, resgatando o prestígio de centro da
colônia. Nesse contexto, a Câmara Municipal teve atuação fundamental na medida que
suas ações interagiam com os problemas diários enfrentados pela população. Dessa
maneira, as Atas da Câmara, contendo as vereanças daqueles dias conturbados, tornaram-
se fontes indispensáveis para entendermos a reorganização da capital da América
Portuguesa.
Os vereadores decidiram sobre várias questões: cobrança de impostos, fuga de
escravos, tabelamento de preços, valores dos fretes dos navios, etc. Logo a 9 de agosto de
1625, os membros da Câmara reuniram-se para estabelecer os valores que os proprietários
de escravos deveriam pagar aos capitães que resgatassem escravos fugidos. Os valores
variavam de acordo com o local onde o escravo fosse encontrado, quanto mais distante,
maior o preço.
284
Essa determinação é um indicativo de que os escravos não foram
completamente controlados pelos restauradores e, aproveitando-se da confusão do
momento, continuavam a perambular em busca de sorte melhor.
Pela vereação de 27 de agosto de 1625, somos informados que as posturas
285
da
Câmara haviam se perdido com a ocupação dos holandeses, bem como da necessidade de
reproduzir uma cópia que se encontrava em poder do escrivão da Almotaçaria João
Mendes Pacheco.
286
Nessa sessão os vereadores decidiram reeditar as posturas que
precediam a ocupação dos holandeses. A ata dessa sessão evidencia uma informação muito
divulgada acerca da presença holandesa na Bahia: os invasores destruíram os documentos
públicos e de instituições religiosas de Salvador. Entretanto, trata-se de uma questão muito
283
Ruy. Op. Cit. 1996. p. 117.
284
Vereação de nove de Agosto iby ao sabbado. In. Documentos Históricos do Arquivo Municipal. Atas da
Câmara (1625-1641). 1º Volume. Salvador: Publicações da diretoria do Arquivo e divulgação da Prefeitura
de Salvador, 1949. p. 4.
285
Conjunto de leis que versavam sobre os mais variados aspectos da municipalidade. Nas posturas de 1625,
observa-se maior ênfase na regulamentação do comércio e limpeza pública.
286
Vereação de quarta feira vinte e sette dias do mez de Agosto do anno de mil seis cento vinte e cinco. In.
Documentos Históricos do Arquivo Municipal (daqui em diante DHAM). Op. Cit. p. 5.
127
delicada na medida em que observamos que a ausência desses documentos abriu
discussões acerca da posse de terras na capital colonial. Teriam sido mesmo os invasores
que destruíram os referidos documentos ou foram colonos interessados em tirar vantagem
da confusão? Faltam provas que permitam responder a tal questão, porém, é verdade que a
ausência de tais documentos geraram situações um tanto quanto estranhas, como a dos
irmãos da Santa Casa da Misericórdia, que se reuniram para saber ao certo quem pertencia
à irmandade, pois os documentos haviam sido queimado pelos holandeses. Não sabemos o
resultado dessa reunião, mas independente de qual tenha sido, é curioso que numa
instituição religiosa de uma Salvador ainda em formação, portanto com uma população não
tão grande, os irmãos tivessem tal tipo de dúvida.
287
As querelas judiciais decorrentes do sumiço dos documentos duraram muito tempo.
Em 1630, por exemplo, os beneditinos procuravam assegurar seus direitos de favorecidos
pelo testamento de Manoel Nunes Paiva, entretanto, o documento “se perdera (...) com a
entrada dos holandeses”.
288
Já a família do tenente Salvador Vieira, que servia no forte de
Santo Antônio e se refugiou no sertão por ocasião da invasão holandesa, continuava sem
solução para seus problemas no ano de 1654. A família reclamava a posse de sesmarias no
atual bairro da Barra, mas não faltou quem afirmasse que Salvador Vieira nunca possuiu
sesmaria alguma.
289
Diante da ausência de provas restam dúvidas: quantos reivindicaram
terras que nunca possuíram?
Em meio a tais debates, a Câmara prosseguia suas atividades, sendo que a questão
que passou a ter maior relevância dizia respeito ao sustento das despesas da cidade, sempre
superior à receita. Nesse aspecto observamos que a Coroa deixara o ônus da reorganização
para os colonos que precisavam se desdobrar para pagar os impostos ao rei, assumir
prejuízos de ordem particular, ao mesmo tempo em que reordenavam a cidade e ainda
precisavam arcar com as despesas das tropas que permaneceram na Bahia.
Essa última questão representava uma das principais, senão a principal,
conseqüência da ocupação holandesa de 1624-25. Conforme destaquei no primeiro
capítulo deste trabalho, a defesa da colônia sempre estivara sujeita à criatividade e
improvisação dos colonos, a Coroa só ordenava e recomendava que se executasse suas
determinações da maneira que fosse possível. No período pós-ocupação, embora a Coroa
continue sem maiores investimentos na área defensiva, percebe-se uma mudança nesse
287
Ver Livro primeiro de termos de Irmão. [s.d.], fl. 1. Arquivo da Santa Casa de Misericórdia da Bahia.
288
Livro velho do Tombo do Mosteiro de São Bento da cidade de Salvador. Bahia, 1945. p. 105.
289
Idem. pp. 244-246.
128
aspecto, pois, um corpo militar profissional fora deixado na colônia e deveria ter um soldo
mensal a ser pago com a arrecadação de impostos. Essa nova obrigação movimentou as
sessões do Conselho municipal, cujos vereadores se viram às voltas para auferir recursos
capazes de pagar os ordenados dos soldados da referida companhia, ao mesmo tempo em
que tentavam reorganizar a cidade por meio de medidas administrativas.
A fim de enfrentar esses efeitos desastrosos do pós-restauração, a Câmara tomou
uma série de medidas visando o aumento de receita. Desse modo, encontramos em
Dezembro de 1625 um registro de provisão emitido pelo governador interino, Dom
Francisco de Moura, atendendo a um requerimento dos oficiais da Câmara e de outras
autoridades coloniais em que se ordenava:
“que se tomasse o dinheiro, que houvesse dos direitos dos escravos de Angola (...)para
sustento do Presídio por não haver outra cousa, de que se possa fazer, e se evitarem as
desordens, que do contrário se podem seguir, e se acudir a tão grande necessidade, e
de serviço de Sua Magestade pelas razões apontadas no dito assento. Hei por serviço
de Sua Magestade, e por esta ordeno, e mando em virtude do dito assento a Ventura de
Frias Salazar Provedor-mor da Fazenda de Sua Magestade deste dito Estado, que logo,
e com effeito, e sem dilação alguma faça tomar todo o dinheiro (...)poder dos direitos
dos ditos escravos, e carregar em receita ao Thesoureiro Geral das rendas de Sua
Magestade para se despender no sustento do dito Presídio somente o que cumprirá, e
faça cumprir sem dúvida alguma, dando as Ordens necessárias para o dito dinheiro se
tomar com a clareza, e distincção necessária de maneira, que sempre conste o que se
lhe tomou, e se carregou para se dar conta a Sua Magestade”.
290
Essa provisão foi a primeira referência oficial que encontramos acerca das dificuldades
decorrentes das despesas com as tropas de defesa deixadas por Dom Fadrique de Toledo,
referidas no documento como presídio. Ela evidencia as preocupações que a administração
colonial passou a ter no momento pós-restauração em função da defesa da cidade. A
novidade agora era que a Coroa não deixava a cargo da colônia a montagem de tropas, isso
já estava feito. O que os colonos precisavam naquele contexto era sustentar a força
defensiva composta não mais pelos cerca de cento e sessenta homens do período anterior à
invasão holandesa, mas, por mil soldados.
Em 1626, não sabemos em que mês, os oficiais da Câmara, imersos nas
dificuldades financeiras, se dirigiram diretamente ao rei pedindo,
“Vossa Magestade faça mercê aos moradores daquela cidade [Salvador] e seu distrito
que não paguem direito de seus produtos nestes primeiros dous annos, visto perderem
290
Registro de provisão, que passou o Capitão-mor Dom Francisco de Moura para se tomar o dinheiro dos
direitos dos escravos de Angola. 23 de Dezembro de 1625. In. Livro Segundo (das) Provisões. APEB. Seção
Colonial e Provincial -255.
129
a meia safra de assucares do anno de 623 e toda a de 624 e muita parte da de 1625, e
visto terem a metade da casaria daquela cidade derribada e os que em pé ficarão os
soldados espanhóes não deixaram porta nem fechadura e houve saque geral dado pelos
ditos espanhóes e ficarão todos os moradores da cidade desbaratados de todos os seus
bens e havendo mister muita fazenda para reedificar suas casas e moveis de seu uso”.
291
Por se tratar de uma representação encaminhada diretamente ao monarca, talvez signifique
que os vereadores já haviam tentado obter a mercê desejada por outros canais e não
conseguiram o resultado esperado. Apesar da demonstração de preocupação com os
moradores, é pouco provável que a Câmara estivesse apreensiva com detalhes como o
mobiliário da população. Os vereadores estavam empenhados era em garantir a suspensão
do pagamento de impostos que cabiam à Coroa para aqueles que possuíam algum tipo de
comércio, e assim priorizar o pagamento dos tributos municipais, buscando dessa forma
reter na colônia todo o capital resultante do comércio e assim encaminhar o possível no
sentido de administrar o caos resultante da ocupação holandesa. Entretanto, para pleitear
tais questões, os vereadores colocavam em primeiro plano as dificuldades que a população
enfrentava.
A situação era tão delicada que, segundo Affonso Ruy, diante da falta de navios, da
redução de açúcar para exportação nos armazéns e conseqüentemente da crise que atingia o
comércio colonial, a Câmara não mais esperou pelas demoradas resoluções reais e decretou
moratória aos comerciantes que estavam em atraso com o fisco metropolitano.
292
Mas isso
não resolvia os problemas da Câmara que continuava com dificuldades para sustentar os
soldados do presídio, como demonstra a vereação de 21 de Fevereiro de 1626 em que os
vereadores enviaram um requerimento ao governador Dom Francisco de Moura com o
seguinte conteúdo:
“os officiaes da Câmara desta Cidade do Salvador, que este anno de mil, seiscentos
vinte e seis servimos como protetores do opremido, e amolestado povo com os novos
tributos, que pagam para o prezidio desta terra, (...)fazemos saber a Vossa Senhoria
(...) a cuja ordem está o dito prezidio, seja justo e conveniente, que Vossa Senhoria
informe a Sua Magestade da impossibilidade desta terra, cauzada dos grandes roubos
que nella fizerão os Inimigos, e rebeldes hollandezes, por honde se não pode sustentar
guarnição alguma com os tributos injustamente postos, com os quaes se perdera
necessário comercio desta Bahia (...); se vai continuando com a cobrança das novas
impozissoens, somentes consentidas por este anno, que se acabará no fim de julho, que
vem, e passado o dito tempo o não havemos de consentir, nem o povo o quer por
291
Representação dos oficiais da Câmara da cidade de Salvador, datada de 1626. In. Catálogo de
Documentos. Notas e comentários para a história da agricultura na Bahia, (Açúcar). Anais do APEB.
Salvador: Imprensa Oficial, 1927. pp. 1-39.
292
Ruy. Op. Cit. 1949. p. 153.
130
nenhuma via, visto miserável estado em que esta terra está, por onde também desta
nossa rezolussão avizamos a Sua Magestade, para que como Católico Rey, e Senhor
ponha nella os olhos da Sua Real Clemência e quando o dito Senhor seja servido, que
o prezidio assista lhes mande dar provimento à custa da sua fazenda, para que nós não
achemos depois com mil homens, sem sustento para elles e assim esperamos, que
Vossa Senhoria faça neste particular todas as advertências, que lhe convem ao serviço
de Deos, e o de Sua Magestade assim o requeremos, e protestamos a Vossa Senhoria
com toda a efficacia de direito, e estamos rezollutos, que passado o ditto anno a
lenvantarmos as dittas impozissões, então nas conssentirmos mais, antes desde agora
as havemos por alevantadas, e assim o requeremos, e protestamos a Vossa Senhoria
(...)”.
293
Não se trata apenas de um pedido, mas, de uma resolução, ou melhor, de uma
ameaça por parte dos vereadores, pois, se mostraram decididos a suspender os impostos
caso a cobrança não fosse interrompida após o prazo determinado para sua vigência. Nota-
se que não foi aventada a possibilidade do não pagamento das taxas na vigência
determinada, só no caso do prazo ser estendido. Dom Francisco de Moura, ao tomar
conhecimento do requerimento respondeu que nada podia fazer a não ser avisar ao rei da
decisão dos vereadores, coisa que alegou já ter feito, mas que faria novamente.
294
Como provável resposta, sua Majestade decidiu abolir o Tribunal da Relação da
Bahia a 31 de março de 1626 com o objetivo de canalizar as verbas destes para a esfera
militar. Segundo Stuart Schwartz, existia um debate antigo nos países ibéricos a respeito
do avanço da burocracia. Conforme esse historiador, na metrópole e nas colônias
portuguesas acumulavam-se queixas de abusos dos magistrados e, na medida em que
ataques estrangeiros se proliferavam provocando inúmeras derrotas aos exércitos lusos na
Ásia e América, levantaram-se várias vozes contra atividades intelectuais sob a alegação
de que nada produziam. Sob a mira dessas vozes, os magistrados. Com a realidade nada
alentadora da Bahia pós-restauração, aumentou o coro que criticava a existência do
Tribunal da Relação no Brasil, pois a carência de recursos exigia medidas urgentes. E nada
mais apropriado a tempos tão difíceis do que cortar gastos com salários e despesas extras
que não eram essenciais para a defesa do território. Desse modo, a extinção da Relação
teria sido a parcela de contribuição da Coroa para amenizar a carência de recursos da
colônia.
295
Entretanto, a migração das verbas da justiça para os militares parece não ter sido
suficiente, pois prosseguia a impaciência com a falta de recursos para a manutenção dos
293
Traslado do mando do termo de vereança de vinte e um de fevereiro de 1626. In. DHAM. Op. Cit. pp. 24-
25.
294
Idem. Ibidem.
295
Cf. Schwartz. Op. Cit. 1979. Cap. 10 ( A supressão da Relação).
131
soldados e com a conseqüente necessidade de continuar a cobrança de impostos para essa
finalidade. Desse modo, a Câmara, a 14 de agosto de 1626, por meio do Procurador do
Conselho, Pedro Ferreira de Maya, solicitou aos oficiais daquela instituição que
mandassem “chamar a gente do povo, para com elles tratarem o como se havia de alevantar
o tributo, e o modo porque se havia de sostentar os soldados, enquanto não vinha o
Governador Geral”.
296
A denominação genérica de “gente do povo” não nos permite indicar com precisão
qual o público que os vereadores pretendiam alcançar, certamente os comerciantes e
produtores que arcavam com as imposições sobre produtos como vinho, açúcar, algodão e
fumo.
297
O certo é que em 22 de agosto daquele mesmo ano o chamado da Câmara foi
atendido por mais de cem pessoas que compareceram para discutir a situação dos impostos
que vinham sendo cobrados para o sustento das tropas. Impostos esses, cujo prazo
determinado para a arrecadação já havia vencido um mês antes daquela discussão, mas que
continuaram sendo cobrados por todo o mês de agosto.
Quanto à ausência do governador mencionado na citação, tratava-se de Diogo Luiz
de Oliveira, nomeado Governador Geral por Carta Régia desde 26 de fevereiro de 1625
para substituir Dom Francisco de Moura que ocupara o cargo interinamente. Porém, o
novo Governador só chegou a Salvador em meados de janeiro de 1627, tomando posse no
dia 27 daquele mesmo mês.
298
A demora de Oliveira em chegar a Bahia certamente
complicou ainda mais as difíceis condições dos colonos, pois a cobrança dos impostos
eram estendidas para além dos prazos previstos, sob a alegação de que se esperava a
chegada do novo governador para tomar outras providências em substituição a arrecadação
dos impostos que circulavam. Dessa forma, as expectativas em torno da chegada do novo
representante da Coroa embalavam as esperanças de melhoria das condições de vida da
população. Entretanto, à medida que essa chegada não se efetivava, desfaziam-se tais
expectativas e os colonos se viam diante de situações que precisavam de resoluções
urgentes. Esse foi o caso da mencionada reunião do dia 22 de agosto de 1626 cujo objetivo
era decidir o que fazer com o imposto já vencido e que continuava sendo cobrado. E já que
296
Vereação aos quatorze de Agosto de mil, seis centos e vinte e seis. In. DHAM. Op. Cit. p.. 47.
297
De acordo com a vereação de 21 de fevereiro de 1626, era cobrado até quatro vinténs por caixa de açúcar,
um cruzado por rolo de fumo e quatro vinténs por uma arroba de algodão. In. DHAM. Op. Cit. p. 26. Não
obstante termos encontrado referências a apenas esses produtos, creio que a cobrança das imposições para
sustentar o presídio se estendesse a diversos produtos que circulavam na capital baiana. No que se refere à
expressão gente do povo, Boxer afirmou que se tratava de chefes de família abastados e respeitados e, em
alguns casos representantes de corporações como ourives, armeiros, tanoeiros, pedreiros, etc. Cf. Boxer. Op.
Cit. 1969. p.306.
298
Serrão. Op. Cit. 1968. p. 202-04.
132
o governador não chegava para tomar as devidas providências e o silencio do rei se fazia
sentir, a Câmara juntamente com os que foram chamados a decidirem sobre o caso
concluíram que o imposto deveria ser suspenso, conforme haviam ameaçado em fevereiro
de 1626.
Apesar da determinação de suspender a cobrança das imposições, os presentes
temiam a reação da tropa em caso de falta de pagamento. Nesse sentido, buscaram outra
alternativa que não interrompesse o pagamento dos soldos da soldadesca. Decidiram então
que toda a capitania deveria contribuir com o valor referente a dois meses de arrecadação
do dito imposto, ou seja, o equivalente a seiscentos mil reis, com a finalidade de sustentar
os soldados durante os meses de setembro e outubro. Essa contribuição seria dada na forma
de empréstimo a ser pago pelo Governador Geral que aquela altura já se encontrava em
Pernambuco.
299
Em 7 de dezembro daquele mesmo ano, a Câmara voltava a se reunir tendo como
pauta a continuidade da arrecadação dos impostos em benefício do presídio, visto que a
decisão tomada em agosto não fora cumprida. Coube, mais uma vez, ao Procurador do
Conselho requerer a suspensão do imposto, alegando que o Governador Geral já se
encontrava na Colônia, bem como, os prejuízos decorrentes da cobrança dos impostos, haja
vista que navios (principalmente aqueles carregados com vinhos) que se dirigiam a
Salvador, ao tomarem conhecimento da cobrança dos referidos impostos, mudavam o rumo
das suas naus indo na direção de outras capitanias. Dessa vez a Câmara se esquivou de
tomar qualquer decisão e propôs que se continuasse arrecadando o imposto até a chegada
do Governador. Entretanto, a reação dos que estavam presentes obrigou a Câmara a mudar
de posição, pois, “sendo lido ao povo, que prezente estava se erguerão todos a grandes
vozes, dizendo; que não consentião em tal declaração, nem que o tributo se cobrasse mais
de hoje em diante (...)”.
300
Naquele momento, a população de Salvador demonstrava
claramente que a situação a que vinha sendo submetida havia extrapolado todos os limites,
a pressão exercida fez com que a Câmara enfim decidisse pela supressão do imposto.
Suspensos os impostos, a população não estava totalmente livre da responsabilidade
com os soldados. Em outubro de 1627, portanto já com a presença do Governador Geral
em Salvador, a Câmara voltou a se reunir para decidir a construção de um quartel que
deveria abrigar os referidos soldados, visto que já havia três anos que os mesmos estavam
299
Assento, que se fez sobre o alavantamento dos tributos com o povo chamado. (22/08/1626). In. DHAM. p.
48-50.
300
Vereação de 7 de Dezembro de 1626. In. DHAM. p. 57-60 e Ruy. Op. Cit. 1949. p. 153-154.
133
na cidade e ainda ocupavam as casas que lhes foram dadas no bairro de Nossa Senhora da
Ajuda. Ora, foram casas de moradores, que desde a invasão haviam sido obrigados a
abandoná-las e não tiveram como retornar no momento pós-restauração. Esses moradores
cobravam providencias das autoridades, alegando que suas casas haviam sido tomadas e
durante todo o tempo em que os soldados ocuparam os imóveis não lhes foram pagos
nenhum aluguel.
301
Como se não bastasse, foi colocado, durante a reunião mencionada, que
a população não poderia se omitir diante dessa situação. Todos deveriam ajudar a encontrar
uma solução para a questão, pois, seria muito mais opressor se tivessem que tomar novas
casas em outros locais para abrigar os soldados. Diante disso, foi acordado sem
unanimidade que deveriam construir um quartel “onde paresser, que menos opressão fará
dos muros adentro com satisfassão dos donos dos chaons; e que para o dito efeito herão
contentes de contribuírem voluntariamente, cada hum, com aquilo que poder, e quizer;
(...)”.
302
Essa ajuda voluntária, no entanto, não era tão espontânea assim, em 04 de
dezembro de 1627, a população foi chamada novamente a colaborar com a construção do
quartel. A preocupação para que as obras tivessem inicio e não fossem interrompidas
estava presente nas decisões do Conselho. Os vereadores previam que os gastos com as
obras que fossem sendo realizadas e os pagamentos dos trabalhadores seriam pagos de
acordo com o que fosse cobrado. Ou seja, tudo o que os moradores prometeram, seria
cobrado pelo procurador da cidade Antonio Mendes, nomeado especialmente para essa
“missão” conforme ata de 02 de novembro de 1627.
303
E no caso do que foi prometido não
ser suficiente para pagar as despesas com o quartel, ficava decretado pelo Governador que
se usasse o rendimento do imposto do vinho.
Em novembro do ano de 1628 o governador recorreu ao mencionado imposto, não
para empregá-lo nas obras do quartel, mas, para pagar os soldos atrasados dos soldados.
Para isso, proibiu toda e qualquer venda de vinhos que não fossem provenientes do estoque
destinados a arrecadação da receita para aquela finalidade:
“(...)foi dito que o Senhor Governador Diogo Luiz de Oliveira o mandara chamar ( ao
Juiz Antonio Castanheira) ontem a sua casa e ao Procurador do Conselho Domingos
Fonseca Pinto e lhes dissera como elle não tinha dinheiro com que secorressem aos
301
Auto que mandarão fazer os officiaes da Câmara em presença do senhor Governador Geral... (8/11/1629).
In. DHAM. p. 137-9.
302
Acto da junta que se fez sobre se haver de fazer o quartel. (30/10/1627). In. DHAM. p. 776-7.
303
Assento que se fez sobre a pessoa, que há de cobrar o dinheiro das pessoas, que prometerão para o quartel
(2/11/1627). In. DHAM. pp. 78-79.
134
Soldados que havia dias estavão por pagar nem quem lho emprestasse nem outro
remédio mais que valerçe de huma pipas de vinho que aos Contratador da impozissão
havião vindo da Ilha da madeira e que para se fazer dellas dinheiro com abrevidade
pedia hera necessário fazerse estanque nos mais vinhos para estes poderem ter vazão e
porque o cazo hera precizo nem havia outro remédio mandarão se fizesse o dito
estanque e se publicasse para que se não vendesse outro vinho senão este para socorrer
a dita necessidade e isto para emquanto durarem se as pipas de vinho”.
304
Chama a atenção nesse episódio o fato de que, segundo Afonso Ruy, o Governador Diogo
Luiz de Oliveira ao encontrar na Bahia todo o clima de insatisfação popular decorrente dos
encargos para provimento dos soldados, teria concedido auxílio direto do Tesouro para
pagamento dos soldados. A atitude do Governador estaria relacionada ao desejo de
amenizar a dura situação da capital da colônia. No entanto, as boas intenções do
governador não foram suficientes para sensibilizar a chancelaria, que, imune aos
dissabores da colônia se manteve em silencio demonstrando reprovação diante das ordens
do governador. Restando a Diogo Luiz manter a arrecadação e aos colonos a continuidade
das obrigações.
305
Em 08 de novembro de 1629 com o objetivo de decidirem sobre o local de
construção do quartel para abrigar os soldados, os vereadores, mais uma vez, anunciaram
medidas que deixavam a população em situação muito desconfortável. Foi o caso de
Manoel Mendes Moreira, um dos presentes na reunião que a Câmara realizou. Diante da
decisão de desapropriar terrenos que lhes pareciam convenientes para a construção do
quartel e melhor defesa da cidade, só restou a esse morador, dono de um dos referidos
terrenos, manifestar seu protesto diante de tamanha arbitrariedade quando o Conselho
resolveu que “as pessoas a quem pertencessem os ditos chãos requeressem avalia delles, se
parecesse a Sua Magestade para lhes mandar pagar”.
306
Certamente o descontentamento
diante de situações como essa não atingia só os proprietários dos locais onde foram
edificadas as casas destinadas aos soldados, todo o preço pago pela construção do quartel
ficou sob a responsabilidade da população que, com certeza, não tivera o mesmo
sentimento que teve o pedreiro Pedro Gonçalves de Mattos ao se declarar satisfeito com o
recebimento de trezentos e oitenta e sete mil, novecentos e vinte reis pelo pagamento dos
seus serviços na construção do referido quartel.
307
304
Auto sobre o estanque de vinho. (0411/628). DHAM. p. 111-12.
305
Ver Ruy. Op. Cit. 1949. p. 156-58.
306
Auto que mandarão fazer os officiais da Câmara... (08/11/169). DHAM. p. 137-9.
307
Quitação que deo Pedro Gonçalves de Mattos... (01/12/1629). DHAM p. 139-40.
135
Em meio às providências que iam sendo tomadas pelas autoridades, dois meses
após a posse de Diogo Luis de Oliveira, a capital colonial foi surpreendida, em março de
1627, pelas embarcações holandesas sob o comando do conhecido e temido Pieter Heyn.
Os inimigos de Espanha novamente aprisionavam navios no Porto de Salvador e
subtrairam-lhes as cargas de tabaco, couro, algodão e açúcar. Heyn permaneceu na Baía de
Todos os Santos cerca de vinte e quatro dias, numa clara demonstração de que os perigos
da guerra com os holandeses ainda rondavam a América portuguesa.
308
Diante dessa nova
ameaça, a Câmara tratou de convocar a população para a tomada de providencias
necessárias àquelas circunstâncias:
“(...)e despacharão algumas petições, e acordarão, que todo o Paderio fizesse pão de
oito onças, e ao vinho da Canária se venda conforme a bondade delle, e que se passe
mandado para os moradores, que tem rede, e saveiros, que pesquem, e fassão salgas; e
que visto a necessidade, que há enquanto os Inimigos ocupam esta Cidade de pessoa,
que faça dilligencia sôbre os mantimentos, que vem a ella, e que há de prezente;
assentarão que o Vereador, o LicenciadoJeronymo de Burgos provesse sobre isso com
poderes de Almotacé (...) ”
309
Dessa vez, a cidade encontrava-se guarnecida e com a população aparentemente decidida a
evitar qualquer tentativa de desembarque dos holandeses que acabaram ficando restritos ao
porto, o que por si só, como afirmei acima, garantiu lucros aos invasores e prejuízos ao
comércio da capital.
A despeito das intenções de Pieter Heyn, se objetivava ou não invadir novamente
Salvador, o episódio demonstrava a importância da guarnição da cidade. Todos os
inconvenientes acima mencionados em função da presença das tropas deixadas por Dom
Fadrique mostravam-se necessários. Em verdade, observava-se, por meio do ataque de
1627, que as providências com a defesa não poderiam esmorecer. Era preciso garantir a
segurança do porto, pois com a paulatina retomada das atividades comerciais e
conseqüentemente da movimentação da zona portuária da cidade, a Baía de Todos os
Santos não poderia continuar exposta a ataques de corsários e piratas. Especialmente
porque o Atlântico continuava sendo freqüentado pelas embarcações holandesas.
A cidade de Salvador e seu recôncavo ainda não havia se refeito completamente das
atribulações decorrentes da ocupação de 1624 e os holandeses retornaram à colônia em
308
Sobre esse episódio consultar, dentre outros, Varnhagem. Op. Cit. 1955; Serrão. Op. Cit. 1968 e Salvador.
Op. Cit. 1982.
309
Vereação de 06/03/1627.DHAM. p.69.
136
1630, desta vez ocupando Pernambuco. As conseqüências dessa nova investida foram
enormes para a Bahia e, embora não façam parte dos objetivos dessa dissertação, cabe
ressaltar que a capital colonial, que passou a segunda metade da década de 1620 tentando
se adequar aos transtornos causados pela presença holandesa em seu território, viu-se
obrigada a ajudar a capitania de Pernambuco. Para os colonos da capitania da Bahia foi
especialmente pesado resolver os problemas relacionados à moradia e pagamento de
salários ao enorme contingente de soldados que permaneceu na cidade após a restauração
e, a partir de 1630, além dessas obrigações continuarem a pesar no bolso da população de
Salvador, a administração da capital se viu compelida a dar abrigo aos comerciantes que
fugiram de Pernambuco e a receber cada vez mais soldados que chegavam da metrópole
para socorrer os colonos que resistiam na capitania ocupada.
Junte-se a tudo isso, os riscos que os colonos de Salvador corriam de uma nova
invasão, como a tentativa frustrada comandada por Maurício de Nassau em 1638. A defesa
diante desse ataque evidenciou que, apesar das dificuldades, o sistema defensivo da capital
havia melhorado consideravelmente. Ademais, a capitania da Bahia já demonstrava
sinaisde recuperação econômica e, mais do que nunca, a cidade de Salvador desempenhou
sua função de Capital da América Portuguesa em oposição a Recife, capital da América
Holandesa.
137
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Quando me propus a estudar a presença holandesa na Bahia, a idéia inicial era
produzir um texto que contemplasse o impacto da invasão de 1624 na vida dos colonos,
tanto durante a ocupação quanto após a expulsão dos holandeses. Queria escrever sobre as
relações estabelecidas pelos habitantes entre si, na condição de refugiados, bem como que
tipo de relação teria existido entre os habitantes da capital colonial e os invasores
holandeses. Interessava-me saber também como os escravos haviam se comportado
durante o período de ocupação. Entretanto, os contatos com as fontes foram apontando
novas perspectivas, ou mesmo demonstrando a impossibilidade de abordar determinadas
questões.
Fui percebendo que me ater apenas à ocupação e suas conseqüências seria um
equívoco, pois o episódio da presença holandesa na Bahia apresentava possibilidades bem
mais amplas que permitiam pensar não só as relações sociais, mas também a cidade de
Salvador enquanto capital da América Portuguesa.
Ao analisar a rapidez com que a cidade foi tomada pelos holandeses, a idéia de que
Salvador era uma cidade fortaleza começou a me inquietar
310
. Como podia uma “cidade
fortaleza” ser tão facilmente invadida e ocupada? Na busca por essa resposta, pude
constatar o quanto a invasão de 1624 era útil para fazer uma análise da formação da cidade
de Salvador tomando como base a sua estrutura administrativa, atentando especialmente
para as questões relacionadas à defesa. Não a defesa enquanto construções militares, mas
enquanto determinações reais que visavam assegurar a possessão territorial portuguesa.
Ao concluir minhas pesquisas, creio que a noção de Salvador enquanto fortaleza
resultou da leitura do Regimento de Tomé de Souza, onde está claro que o rei determinava
ao Governador Geral que construísse uma cidade forte. Entretanto, existe uma grande
distância entre o que está escrito no Regimento de 1548 e o que foi posto em prática ao
longo da história da cidade de Salvador, pois, nem sempre ordem dada significa ordem
cumprida. Ademais, temos que considerar aí a pobreza do Estado português e a dimensão
de suas possessões no mundo para compreender que apesar das determinações reais
indicarem o tipo de ação atribuída aos seus funcionários, a carência de recursos obrigava o
Estado português a flexibilizar suas ordens, aceitando, dessa maneira, o expediente da
improvisação na administração de suas colônias ultramarinas.
310
Vale ressaltar que ainda hoje essa idéia é corrente em escolas, nos pontos turísticos da cidade e em boa
parte da literatura sobre a formação da cidade do Salvador.
138
Diante dessa realidade, a administração colonial não conseguiu fazer de Salvador
uma cidade forte. Pelo contrário, desde o século XVI encontramos documentos que
demonstram o quanto a capital era insegura e o quanto as fortificações que existiam eram
impotentes diante dos ataques de piratas e corsários. Assim, procurei demonstrar que o
fracasso da defesa de Salvador diante dos holandeses esteve relacionada a debilidade
defensiva da colônia, resultante da carência de recursos da Coroa Portuguesa.
Não obstante considerar que a carência de recursos e a conseqüente improvisação
da administração colonial tenha sido fundamental para a desarticulação da defesa de
Salvador em 1624, busquei evidenciar ao longo do texto que os colonos souberam se
reorganizar no refúgio e imprimiram uma eficiente vigília que garantiu a não efetivação da
ocupação holandesa, pois os invasores ficaram restritos à cidadela. Essa ação fundamental
dos colonos foi pouco ressaltada nos relatos seiscentistas e nas obras que se refeririam ao
assunto em geral. Isso porque a armada luso-espanhola, com status de maior armada que
atravessara o Atlântico até então, ofuscou a atuação da resistência.
Em todo caso, quando observamos os passos seguintes dos holandeses no Brasil - a
ocupação de Pernambuco - verificamos que uma preocupação constante dos invasores foi
não ficar restrito ao litoral, sem acesso para o interior, semelhante ao que ocorrera na
Bahia. Tudo leva a crer que a ocupação da Bahia servira de aprendizado para os holandeses
uma vez que, ocupada a cidade de Olinda, os invasores resolveram incendiá-la a fim de
que não sofressem reveses semelhantes aos que enfrentaram em Salvador. Nesse sentido,
concentraram-se em Recife, considerada por eles mais apropriada para a defesa.
Um outro aspecto relevante percebido na trajetória dessa pesquisa diz respeito à
participação dos indígenas nas lutas contra os holandeses durante a invasão e,
principalmente no período da ocupação. Foi na fase da resistência que os índios se
destacaram nos combates e impuseram certo temor aos holandeses. Acredito que os
invasores ficaram tão impressionados com o desempenho dos índios durante os onze meses
que permaneceram na Bahia que, ao retornarem à América Portuguesa em 1630 para
invadir a capitania de Pernambuco, procuraram, como afirmou o historiador José Antonio
Gonçalves de Melo Neto, no seu livro Tempo dos Flamengos, manter a amizade dos índios
a todo custo. Esse é mais um indício de que a invasão da Bahia se constituiu em um
aprendizado para os holandeses.
Já para os habitantes de Salvador, os episódios de 1624-25, representaram, além das
perdas materiais inerentes à guerra, um árduo sacrifício para reorganizar a capital e sua
vida cotidiana. Vimos que os colonos possuíam consciência da debilidade defensiva e
139
cobravam constantemente ações da Coroa para solucionar esse problema. Entretanto,
quando a metrópole, por meio de D. Fadrique de Toledo, deixou um efetivo de mais de mil
homens para guarnecer a Bahia, atribuiu a responsabilidade da manutenção dessas tropas
aos colonos. Ou seja, a metrópole finalmente resolvera montar uma tropa regular de
tamanho considerável para defender a capital colonial, mas deixava o ônus dessa tarefa
para os bolsos dos colonos, o que não os agradou.
Mesmo não atendendo as expectativas dos colonos, que esperavam que a Coroa
assumisse os custos da defesa, é notório que os habitantes, principalmente os comerciantes
e produtores, ainda que sob protestos, se submeteram a todas as taxações destinadas ao
sustento dos soldados. Estava explicita nessa atitude o temor de que por falta de
pagamento e alimentação, essas tropas se revoltassem causando transtornos para a cidade.
Observamos que com a invasão holandesa de 1624 a Coroa percebeu a urgência de
melhorar o sistema defensivo da colônia. E essa foi sem dúvida a principal conseqüência
da presença holandesa na Bahia. Após 1625, a população da capital colonial permaneceu
em constante discussão acerca dos recursos destinados para sustentar a defesa da cidade. E
por mais que houvesse reclamações e protestos, as taxações eram renovadas ano após ano,
prosseguindo inclusive para além de 1630 em função do ataque a Pernambuco, quando
Salvador desempenhou mais que nunca sua função de capital colonial, recebendo e
organizando tropas para enviar em socorro dos colonos que resistiam na capitania ocupada.
Salvador serviu como ponto de apoio, recebendo soldados vindos do reino e comerciantes
fugidos de Pernambuco. Era a capital assumindo seu papel de “cabeça do Brasil”.
140
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