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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ
CENTRO DE HUMANIDADES.
DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA.
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA
Círculos Operários no Ceará: “Instruindo, educando,
orientando, moralizando”.
(1915-1963)
Jovelina Silva Santos.
Fortaleza
Novembro de 2004.
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1
UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ
CENTRO DE HUMANIDADES.
DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA.
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA
Círculos Operários no Ceará: “Instruindo, educando,
orientando, moralizando”.
(1915-1963)
Jovelina Silva Santos.
Dissertação apresentada como exigência parcial
para a obtenção do grau de mestre em História
à Comissão Julgadora da Universidade Federal
do Ceará, sob a orientação da Profª. Drª.
Adelaide Maria Gonçalves Pereira.
Fortaleza
Novembro de 2004.
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ
CENTRO DE HUMANIDADES.
DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA.
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA
Círculos Operários no Ceará: “Instruindo, educando,
orientando, moralizando”.
(1915-1963)
Jovelina Silva Santos
Esta Dissertação foi julgada e aprovada, em sua forma
final, pelo orientador e banca examinadora composta
pelos seguintes membros:
_________________________________________________
_________________________________________________
_________________________________________________
Fortaleza
Novembro de 2004.
3
FICHA CATALOGRÁFICA
S 233c Santos, Jovelina Silva
Círculos Operários no Ceará: “instruindo,
educando,
orientando, moralizando” (1915 1963) / Jovelina
Silva
Santos. – Fortaleza, 2004. 267 p.
Dissertação Mestrado em História Social.
Universidade Federal do Ceará.
Orientadora: Profª. Drª.Adelaide Maria Gonçalves
Pereira.
1. Círculos Operários – Ceará – 1915 – 1963
2. Igreja e sociedade Ceará I. Gonçalves,
Adelaide
II. Universidade Federal do Ceará. Mestrado em
História Social. III. Título
4
A todos e todas que, posicionando-se ante as lutas
e os projetos sociais em confronto, enfrentam as
dores do tempo presente, desafiando a indiferença
e o comodismo.
Agradecimentos
5
O trabalho que resultou neste estudo recebeu generosas contribuições.
Ao longo de sua elaboração, contraí dívidas de gratidão com muitas pessoas,
que prodigamente ofereceram-me sugestões, subsídios, ajuda e apoio. Neste
momento em especial, perfilam na memória os gestos solidários, a acolhida
animadora. E então percebe-se que jamais estamos a sós, embora em alguns
momentos, em decorrência das adversidades, duvidemos.
Agradeço à minha orientadora, Profª. Drª. Adelaide Gonçalves, por ser
a pessoa extraordinária que para mim revelou-se. Refiro-me não apenas à
orientação profissional, mas especialmente por manter a coerência entre teoria
e prática.
Aos professores da Pós-Graduação pelas necessárias sugestões e
reflexões. Aos colegas mestrandos, aos préstimos atenciosos de Regina Jucá,
Secretária da s-Graduação. Ao Prof. Dr. Eurípedes Funes, pela contribuição
relevante na etapa final desse percurso.
A João Mafaldo e Lúcia Helena, pela generosidade, ao acompanharem
de perto este trabalho, demonstrando extremada solicitude e, especial, por
terem se transformado em “mecenas” dos peregrinos.
Aos companheiros, por compreenderem a ausência em momentos
importantes da caminhada. À colegas de trabalho do Ginásio Diocesano Padre
Anchieta, pela solidariedade e apoio.
Reconhecidamente, agradeço a minha família, pelo estímulo constante
e pela colaboração valiosa. Em particular, manifesto minha gratidão a Jônatas
e João Carlos e Ronaldo Jr. por terem sido tão indulgentes e pelo carinhoso
incentivo. A Rogaciano e Aurélia, que cuidaram com dedicação abnegada das
fotografias e revisão, respectivamente.
Manifesto meus agradecimentos ao apoio institucional da Funcap, pela
concessão da bolsa de pesquisa.
6
Resumo
O estudo aborda os Círculos Operários no Ceará, no período que compreende
a fundação do Círculo de Operários e Trabalhadores Cristãos de Fortaleza em
1915 e o I Congresso Regional Norte e Nordeste dos Círculos Operários no
ano de 1963. Na primeira parte, analiso a organização circulista enquanto
projeto político-teológico e como instrumento da Igreja Católica para sua
inserção no mundo do trabalho. Faz ainda um breve diálogo com a
historiografia circulista, observando os enfoques dessa produção e os matizes
da experiência circulista em diferentes espaços. Na segunda parte analiso a
organização circulista no Ceará, buscando entender os vínculos estabelecidos
com os sindicatos e outras organizações. Na terceira parte, o enfoque é para o
projeto pedagógico dos círculos operários compreendido na dimensão de um
trabalho voltado para a instrução e doutrinação dos trabalhadores cearenses
em seus espaços diversos. A quarta parte, debruça-se sobre a imprensa
circulista cearense como instrumento informativo e formativo, observando a
função doutrinária desta imprensa.
Palavras-chave: círculos operários – catolicismo social – imprensa circulista
Abstract
The study accosts the Circle of Workmen in Ceará in the period that
comprehends the foundation of the Circle of Christian Workman and Labourers
of Fortaleza in 1915 and he First Regional Congress North and Northeast of the
Workmen’s Circle in the year of 1963. The 1
st
part analyses the circle’s
organization as a theological-politic project and as an instrument of the Catholic
Church for her insertion in the world of work. It still makes a brief dialogue with
the historiography of the circles in different spaces. The second part analyses
the circle’s organization in Ceará, seeking to understand the estabilized relation
with the sindicates and other organization. In the third part the focus is for
education project of the workmen’s Circle comprehended in the dimension of a
job turned toward the instruction and doctrination of the cearense workers in
their diverse spaces. The fourth part visualizes over the cearense circles press
like an informative and formative instrument, observing doctrinary function of
this press.
Key –words: circle of Workmen – social Catholicism – circles press
7
SUMÁRIO
Lista de Siglas e Abreviaturas .......................................................................08
Lista de Figuras ..............................................................................................10
Introdução........................................................................................................11
Primeira Parte – A Questão Social e a posição da Sé Católica .................17
1 – O Projeto político-teológico dos Círculos Operários.............................19
2 – Reorganização da Igreja no Brasil...........................................................27
3 – O Circulismo no Brasil: um diálogo historiográfico ..............................38
Segunda Parte – O circulismo no Ceará .......................................................59
1 – Circulismo cearense: progênie e credenciamento de um projeto........67
2 – Atuação circulista no meio rural: rumo à sindicalização ......................87
3 – Circulismo e Sindicalismo no Ceará ......................................................99
Terceira Parte – O Projeto Pedagógico dos Círculos Operários .............124
1 – A Formação Circulista: “instruindo, educando, orientando,
moralizando ..................................................................................................137
2 – Festas, campanhas e celebrações ........................................................151
3 – As reuniões e os passeios circulistas: unir e confraternizar..............156
4 – As Páscoas coletivas .............................................................................160
5 – Ritos de consagração ao circulismo.....................................................165
6 – O Primeiro de maio circulista.................................................................170
Quarta Parte – A Imprensa circulista como centro aglutinador................188
1 – Missão do circulismo : unir e congraçar ..............................................200
2 – O combate ao “inimigo vermelho” .......................................................206
Considerações finais ....................................................................................231
Fontes
Arquivos.........................................................................................................240
Jornais ...........................................................................................................241
Documentos ..................................................................................................242
Bibliografia ....................................................................................................245
Anexos ..........................................................................................................251
8
Lista de siglas e abreviaturas
AC – Ação Católica
ACB – Ação Católica Brasileira
ADCE – Associação dos Dirigentes Cristãos de Empresas
AP – Ação Popular
BNB – Banco do Nordeste do Brasil
CE – Ceará
CNBB – Conferência Nacional dos Bispos do Brasil
CNCO – Confederação Nacional dos Círculos Operários
CNOC – Confederação Nacional dos Operários Católicos.
CNTI – Confederação Nacional dos Trabalhadores na Indústria
COI- Circulo Operário de Ijuí
DNOCS – Departamento Nacional de Obras Contra as Secas
DRT – Delegacia Regional do Trabalho
ELIRUR – Escola de Lideres Rurais
ELO – Escola de Líderes Operários
FALTAC – Federação dos Lavradores e Trabalhadores Agrícolas do Ceará
FCOC – Federação dos Círculos Operários do Ceará
FNT – Frente Nacional do Trabalho
HAC – Homens da Ação Católica
JAFC – Juventude Agrária Feminina Catolica
JEC – Juventude Estudantil Católica
JECF – Juventude Estudantil Católica Feminina
JFC – Juventude Feminina Catolica
JIC – Juventude Independente Catolica
JICF – Juventude Independente Católica Feminina
JMC – Juventude Masculina Católica
JOC – Juventude Operária Católica
JOCF – Juventude Operaria Católica Feminina
JUC – Juventude Universitária Católica
JUCF – Juventude Universitária Católica Feminina
LAGF – Liga Agrária Católica Feminina
LCT – Legião Cearense do Trabalho
LEC – Liga Eleitoral Católica
LFAC – Liga Feminina da Ação Católica
LICF – Liga Independente Católica Feminina
LOCF – Liga Operaria Católica Feminina
LUC – Liga Universitaria Católica
LUCF – Liga Universitaria Católica Feminina
MEB – Movimento de Educação de Base
MOS – Movimento de Orientação Sindical
MSD – Movimento Sindical Democrático
MTIC – Ministério do Trabalho Indústria e Comércio
PCB – Partido Comunista Brasileiro
PSD – Partido Social Democrático
PTB – Partido Trabalhista Brasileiro
RDETRAL – Resistência Democrática de Trabalhadores Livres
RVC – Rede de Viação Cearense
SAPS – Serviço de Alimentação da Previdência Social
9
SESI – Serviço Social da Industria
SUDENE – Superintendência Desenvolvimento do Nordeste
TU – Trabalhador Unido
UDN – União Democrática Nacional
UMC – União da Mocidade Católica
10
Lista de Figuras
Figura 1 – Padre Guilherme Waessen............................................................63A
Figura 2 – Padre Leopoldo Brentano..............................................................63A
Figura 3 – Diretoria da Federação dos Círculos Operários do Ceará.............63A
Figura 4 – Charge satirizando Kruschev.........................................................63A
Figura 5 – Primeira página do jornal A Fortaleza..........................................173A
Figura 6 – Concentração operária circulista – Primeiro de Maio de 1959.....227A
Figura 7 – Concentração circulista saudando a “Mater et Magistra”.............227A
Figura 8 – Desfile circulista em Fortaleza.....................................................227A
11
Introdução
Este estudo aborda as organizações circulistas no Ceará, no período
compreendido entre 1915 e 1963. O marco inicial – 1915 justifica-se pelo fato
de ter sido fundado neste ano o primeiro círculo operário cearense, o Círculo
de Operários e Trabalhadores Católicos, no município de Fortaleza. o
segundo recorte – 1963 – demarca uma inflexão na trajetória dos círculos
operários cearenses, processo que culminou com o I Encontro Regional Norte
e Nordeste, ocorrido em Fortaleza no segundo semestre de 1963.
O conclave define oficialmente as estratégias do movimento circulista
no campo social. Devido à ação do Partido Comunista, investindo na
organização sindical, as diretrizes traçadas por ocasião do encontro, reafirmam
a premente necessidade de fundar sindicatos orientados pelos circulistas,
sejam nos centros urbanos ou nas áreas rurais.
A pesquisa tenciona, sobretudo, alargar a visão sobre a história
operária cearense, na medida em que visibiliza a experiência circulista,
praticamente ignorada pela História Social do Trabalho neste Estado.
Apreende que o circulismo foi uma proposta da Igreja Católica num
momento em que esta busca ofensivamente incorporar vários segmentos
sociais na constituição da neocristandade, caracterizando-o essencialmente
como um projeto político e teológico.
1
Contudo, considero importante assinalar
que as ações circulistas ganharam contornos próprios, desafiando, em alguns
aspectos, os planos traçados pela hierarquia católica.
A concepção da Igreja Católica, como aparelho ideológico do Estado,
empobrece a compreensão da natureza complexa e multifacetada de sua obra.
Em contrapartida, observar os círculos operários apenas como instrumentos
passivos dos propósitos da Ação Católica, pode nos dizer pouco sobre suas
trajetórias, mudanças e permanências.
1
A definição de projeto teológico-político para conceituar a ação da Igreja Católica, foi
inaugurada por Roberto Romano em seu trabalho, Brasil: Igreja contra Estado (uma crítica
ao populismo católico). São Paulo: Kairós, 1979. Posteriormente Jessie Jane (2002) também
a adota. Esse conceito será igualmente assumido nesta pesquisa sobre o circulismo cearense,
por compreender que os projetos desenvolvidos pela Igreja Católica tinham fins no campo do
transcendente, e que ao serem circunscritos exclusivamente à esfera política, se obscurece
elementos importantes que dão significado a sua essência.
12
O circulismo em sua fase expansionista, na década de 1930, atuava
com maior vigor no eixo sul/sudeste, onde a presença do operário fabril era
bastante significativa, concorrendo para que as estratégias montadas, visando
o disciplinamento dos trabalhadores, focalizassem mais intensamente essas
regiões.
Não obstante, atenta às especificidades da experiência circulista no
Ceará, ressalto que não qualquer intenção de ajustar a experiência local
àquelas que se desenvolveram nestes centros, tomando-os como referência.
Também não se trata de dissociá-la dos processos globais em que estava
inserida, pois, certamente, ela perderia muito de seus significados. Neste
aspecto, atentamos para as reflexões de Sílvia Petersen, quando observa que:
Tal perspectiva foi particularmente empobrecedora da
história local; os trabalhos regionais ficaram muito
condicionados por modelos externos. Encontramos
trabalhos que pretendiam escrever a história dos
trabalhadores em nível regional, mas após breves
considerações teóricas limitavam-se praticamente a
descobrir no estudo local os equivalentes” à história dos
trabalhadores em São Paulo.
.......................................
Por outro lado, em vários aspectos, parece não ser possível
conceber a história operária como uma “história regional”,
pois há processos e acontecimentos que, circunscritos à
dimensão regional, não conseguem receber significados
pelos pesquisadores.
2
Foi seguindo alguns dos muitos caminhos trilhados pelos circulistas
cearenses, sem necessariamente condicioná-los às experiências externas, mas
também não perdendo de vista sua articulação em âmbito nacional, que
procurei indicar algumas de suas nuanças e de como suas ações estavam
conectadas em um projeto mais global.
Pesquisar a organização circulista cearense significa abrir caminhos na
busca de descobrir outra forma de associativismo entre os trabalhadores que
permaneceu silenciosa ou à sombra da Ação Católica neste Estado. E essa
lacuna na historiografia operária cearense é, sob alguns aspectos,
desconfortante, tendo em vista que o Ceará, além de pioneiro na criação dos
13
Círculos Operários, registrando em meados da década de 1950 o maior
número de entidades circulistas, agregou em suas fileiras dezenas de milhares
de trabalhadores, o que significativamente aponta para a existência de um
movimento de largas proporções.
No levantamento e análise da produção que versa sobre temáticas
afins, encontro apenas esparsas referências aos Círculos Operários. Abre-se
um parêntese para a pesquisa de Agenor Júnior
3
que, ao estudar a ação da
Igreja Católica junto aos trabalhadores urbanos de Sobral Ceará, focaliza em
um dos capítulos, a organização circulista naquele Município.
A ausência de pesquisas tratando dessa temática na historiografia
cearense, e ainda, o interesse em observar as abordagens sobre o circulismo,
impeliram-me ao estudo e análise de algumas das pesquisas sobre o tema,
localizadas em outras regiões. A contribuição destas pesquisas para a
compreensão do movimento é vultosa. Contudo, apresento apreciações sobre
vieses que acompanham essa historiografia, entendendo que alguns destes
comprometem severamente sua história.
Quem eram e como se organizaram os circulistas no Ceará? De que
maneira a Igreja Católica interviu em sua organização? Que propósitos
orientavam suas práticas? Que mudanças ocorreram em sua trajetória
histórica, quando a hierarquia católica decidiu unificar as organizações
circulistas em todo o país, estatuindo uma rígida hierarquia? Como se deu a
disputa com os socialistas, libertários e comunistas pela organização dos
trabalhadores? Que nuanças apresentou o circulismo cearense e que
interconexões estabeleceu com o movimento em âmbito nacional? Como
projeto político e teológico que propostas implementaram?
Buscando respostas para estas indagações, empreendi este trabalho
de pesquisa, acompanhando as nuanças do movimento que congregou em seu
período áureo, um grande contingente de trabalhadores cearenses, nas áreas
rurais e urbanas. Os matizes do circulismo cearense manifestam-se o
2
PETERSEN, Silvia Regina Ferraz. Cruzando Fronteiras: as pesquisas regionais e a história
operária brasileira. In: ARAÚJO, Ângela M.C. (org.) Trabalho, cultura e cidadania: um
balanço da história social brasileira. São Paulo: Scritta, 1997. pp. 85-103.
3
JÚNIOR, Agenor Soares e Silva. A cidade disciplinada”: a Igreja Católica e os
trabalhadores urbanos em Sobral – Ceará (1920-1925). Recife, 2002. Dissertação de
mestrado em História. Universidade Federal de Pernambuco.
14
apenas em relação à organização em outras regiões do país, mas, também,
entre as próprias unidades circulistas neste Estado. Para confirmar a assertiva,
apresento de início um exemplo que atesta uma das especificidades do
circulismo cearense. A Confederação Nacional dos Círculos Operários havia
determinado em relação à estruturação hierárquica dos círculos, que em cada
município ou capital seria organizado apenas uma unidade circulista composta
de zonas e núcleos, se necessário. Os Círculos se filiariam à Federação, no
Estado, e esta por sua vez à Confederação. Essa orientação não é acatada
pelo circulismo cearense, um vez que, em Fortaleza, foram registrados nos
primeiros anos de 1950, dezoito Círculos Operários, fugindo ao enquadramento
proposto pela CNOC. Não encontrei indicações que em outra capital ou
município verificou-se tal fato.
4
Sobre a pesquisa documental, asseguro que não foi sem surpresa que
encontrei farto e variado material. Cabe informar que trata-se principalmente,
de fontes oficiais do circulismo: documentos eclesiásticos(cartas episcopais e
outros), documentos das próprias organizações circulistas, tais como:
estatutos, cartilha, hinos, panfletos, atas, boletins, relatórios e fotografias.
Ressalto que dentre eles o jornal do circulismo cearense - A Fortaleza -
apresenta-se como um forte suporte documental para a pesquisa. Para os anos
posteriores a 1950, foi basicamente através d’A Fortaleza que pude
acompanhar a trajetória dos Círculos Operários, o trabalho de doutrinação dos
trabalhadores, a divulgação das práticas circulistas e os desdobramentos
dessas atividades. Consultei também outro órgão de imprensa, de orientação
católica que, fundamentalmente, visava enaltecer a ação circulista.
5
Encontro ainda em um jornal operário de orientação anarquista, os
embates entre circulistas e socialistas libertários, onde pude observar outra
visão sobre os Círculos Operários.
6
Quatro partes compõem essa dissertação. Em a questão social e a
posição da Católica, trabalho com três questões, a saber: procuro,
inicialmente, apresentar de maneira panorâmica algumas questões acerca das
4
A Fortaleza, ano I, nº 20, 27/01/51.
5
Trata-se do jornal O Nordeste, fundado em 1922, sob os auspícios da Arquidiocese de
Fortaleza.
15
mudanças ocorridas nos projetos da Católica, em relação ao
ultramontanismo e as novas diretrizes sobre a questão social, as ressonâncias
que se fizeram sentir na Igreja Católica brasileira como desdobramentos das
diretrizes romanizadoras e de cunho doutrinário; os Círculos Operários
enquanto projeto político-teológico e por último, busco empreender um diálogo
com a produção historiográfica sobre os Círculos Operários.
A segunda parte enfoca a organização dos Círculos Operários no
Ceará, abordando o processo de estruturação, sua trajetória histórica, e as
especificidades do circulismo cearense. Ainda neste capítulo, discuto a atuação
circulista no meio rural e a proposta de fomentar a sindicalização dos
trabalhadores, elaborando um programa de formação para as lideranças
sindicais.
A terceira parte procura analisar o projeto político-pedagógico dos
Círculos Operários assentado nos valores cristãos propugnados nas encíclicas
papais. Assinalo como relevante neste projeto, não apenas o programa de
educação formal oferecido pelas escolas circulistas, mas um conjunto de
atividades voltadas para a instrução e formação dos trabalhadores situadas em
diferentes momentos da vivência circulista.
A última parte focaliza a imprensa circulista cearense em sua função
arregimentadora e de orientação doutrinária. O jornal A Fortaleza, órgão da
Federação dos Círculos Operários no Ceará, foi nesta perspectiva, o
documento que forneceu suporte para a análise dos projetos do movimento no
Ceará. Outro aspecto que se insere de forma contundente na discussão
apresentada neste capítulo é o ferrenho combate ao comunismo, sustentado
pelas organizações circulistas.
É necessário levantar preliminarmente algumas questões sobre o
jornal A Fortaleza, uma vez que esta fonte foi largamente pesquisada na
realização desse estudo. Trata-se de um documento oficial do circulismo
cearense, que embora apresente-se como um jornal a serviço da classe
operária, expressava inequivocamente os interesses do laicato católico e o
projeto de recristianização da sociedade proposto pela Igreja. Outro aspecto
6
VOZ DO GRÁPHICO (Órgão da Associação Gráfica do Ceará). Edição fac-similar. In:
GONÇALVES, Adelaide e SILVA, Jorge E. (orgs.). A IMPRENSA LIBERTÁRIA NO CEARÁ
(1908-1922).o Paulo: Editora Imaginário, 2000.
16
não menos relevante é o caráter doutrinário desta folha. Pouco ocupada em
denunciar a situação dos trabalhadores e bastante diligente em promover a sua
disciplina, A Fortaleza, pugnou pela conciliação entre as classes, amortecendo
os conflitos que vinham à tona cotidianamente.
Foi o órgão que implacavelmente combateu o comunismo,
apresentando-o como principal adversário dos trabalhadores cristãos. Nessa
perspectiva sua face conservadora é visível em todas as páginas do
semanário. Sua ação doutrinária revela o conteúdo de um projeto político-
teológico formulado pela Igreja Católica, como instrumento de controle e
disciplina com o fim de organizar os trabalhadores nos moldes traçados pelas
encíclicas sociais.
As fontes primárias consultadas, mostraram não somente a
complexidade do movimento circulista no Ceará como indicaram a existência
de um rico e potencial material que pode ser investigado em novas pesquisas
sobre o circulismo e outras temáticas vinculadas ao fazer da classe
trabalhadora cearense.
Esse universo multifacetado da classe operária pode ser visto por
ângulos diversos a partir do variado material que se dispõe. Leituras várias e
novas interpretações da experiência dos trabalhadores cearenses, sejam eles
circulistas ou sindicalistas, anarquistas, ou comunistas, são possibilidades que
se apresentam como contribuição relevante à História Social do Trabalho no
Ceará.
De maneira geral, esse estudo busca apresentar uma forma de
associativismo entre os trabalhadores e operários cearenses, cujas raízes se
encontram na década de 1910. Foi indubitavelmente um projeto formulado pelo
clero cearense no intuito de agregar os trabalhadores sob a bandeira do
cristianismo, e neste se desvela não apenas o projeto católico, mas as disputas
no meio operário por grupos de diferentes orientações ideológicas.
17
Primeira Parte – A Questão Social e a posição da Sé Católica.
Nesta primeira parte, apresento a posição assumida pela Igreja
Católica frente aos problemas oriundos das novas relações no mundo trabalho.
O circulismo é aqui entendido como uma das propostas de intervenção da
Igreja Católica neste campo, concebendo a questão social como uma
enfermidade que desordenava as relações de trabalho e punha em perigo a
ordem social. Era necessário a construção de um projeto que pudesse refrear
os ímpetos de uma massa que achava-se despossuída, estatuindo
mecanismos para sua disciplina e meios adequados ao seu controle. A
proposta circulista alimentava-se nos valores cristãos de harmonia e justiça
social acentuados na encíclica Rerum Novarum, cujas matrizes teológicas
apontavam para a premente exigência de pensar a problemática social à luz da
doutrina cristã, definindo a propriedade como elemento constituinte do bem
comum.
Inicio com um recuo no tempo, acompanhando alguns dos caminhos
trilhados pela Igreja Católica, especificamente a partir da década de 90 do
século XIX, quando essa instituição busca respostas e alternativa para os
problemas postos pela modernidade, especificamente àqueles resultantes das
relações de trabalho inauguradas com a industrialização.
Dentre os desafios que se impõem ao Catolicismo nesta conjuntura
estão o combate ao liberalismo e ao socialismo. A questão operária é vista
como filha desses projetos em disputa pela organização da sociedade. A Igreja
Católica empenha-se na construção de propostas que façam frente aos
problemas do mundo moderno e os Círculos Operários apresentavam um
potencial canalizador das perspectivas da Igreja em seu propósito de
ordenamento social. As classes trabalhadoras o experienciaram como
instrumento que lhes permitia mover-se na busca de soluções para os
problemas relacionados à sobrevivência e como possibilidade de construção de
um novo modelo de sociedade, ancorado numa lógica transcedental.
18
A matriz norteadora desse projeto, vamos encontrá-la inicialmente, na
Encíclica Rerum Novarum, entendida como a síntese dos mais diversos
programas do Catolicismo Social e das experiências em andamento,
fundamentada nestas idéias à época.
Jackson Lima, intelectual católico, articulista d’O Trabalho
7
, em artigo
tratando do problema operário moderno e sua solução
8
, afirma que a ação
social da Igreja junto ao operariado, em diversos países europeus, teve início
antes do Papa Leão XIII, embora - reclama o articulista - pouca atenção tenha
sido dada a esse fato. Certamente, houve registros de várias experiências
católicas que ofereciam ao operariado assistência material e espiritual, no
intuito de atenuar a situação de extrema penúria em que viviam, resultado do
estabelecimento das novas relações de trabalho no mundo fabril. No entanto,
essas experiências ocorriam se encontravam isoladas, sem que houvesse uma
orientação programática da Santa no sentido de coordená-las e articulá-las.
Porém durante o pontificado de Leão XIII, a Igreja Católica resolve encarar
decisivamente a modernidade, propondo soluções para os “males” dela
oriundos.
Leão XIII havia, através de outras encíclicas
9
, abordado questões
correlatas àquelas discutidas pela Rerum Novarum. Esta encíclica publicada
em 15 de maio de 1891, tratando da condição operária, é composta de 85
pontos que vão desde a crítica e negação do socialismo, a defesa da
propriedade, restauração dos costumes, e auma acanhada reivindicação da
intervenção do Estado na questão social. O Papa conclui, exortando que:
Façam os governantes uso da autoridade protetora das leis
e das instituições; lembrem-se os ricos e os patrões dos
seus deveres; tratem os operários, cuja sorte está em jogo,
dos seus interesses pelas vias legítimas; e, visto que a
7
. O Trabalho era o jornal do movimento circulista rio-grandense, mais precisamente da
Federação dos Círculos Operários do Rio Grande do Sul (FCORS). Muitos de seus artigos
foram incorporados ao Manual do Círculo Operário, organizado e publicado pela Confederação
Nacional dos Operários Católicos.
8
Manual do Círculo Operário. CNOC, Petrópolis: Vozes, 1939.
9
As encíclicas do pontificado de Leão XIII, que antecederam a Rerum Novarum e trataram de
problemas que aludem à necessidade de interferência da Igreja para restituir a ordem social e
a moral cristã nas instituições sociais são: Encíclica Sapientiae Christianae (1890), que advertia
os cristãos de seus deveres como cidadãos; Encíclica Quod Apóstolici Muneris (1878), uma
severa objeção aos princípios do socialismo; Encíclica Libertas (1888), ataque aos princípios
que defendiam a liberdade humana.
19
religião, como dissemos a princípio, é capaz de arrancar o
mal pela raiz, lembrem-se todos de que a primeira coisa a
fazer é a restauração dos costumes cristãos, sem os quais
os meios mais eficazes sugeridos pela prudência humana
serão pouco aptos para produzir salutares resultados.
10
As preocupações do Pontífice do clero e dos leigos católicos, com a
situação do operariado em face dos conflitos com os patrões, giravam em torno
da inserção das proposições socialistas no meio operário, pondo em perigo a
ordem social estabelecida, ameaçando a propriedade privada, defendida pela
Igreja como direito natural, contra o qual não poderia atentar o indivíduo ou o
Estado.
Embora combatesse a concepção do liberalismo em relação à função
do Estado e houvesse elaborado críticas à ganância desenfreada em busca do
lucro, também como resultado do liberalismo econômico, o alvo da Igreja e
portanto, das determinações da Rerum Novarum era o socialismo ateu. Urgia
combatê-lo, negar veementemente os fundamentos de suas propostas, visto
que este ao buscar alternativas ao problema social, estava semeando maiores
males:
(...) semelhante teoria, longe de ser capaz de pôr termo ao
conflito, prejudicaria o operário se fosse posta em prática.
Outrossim, é sumamente injusta, por violar os direitos
legítimos dos proprietários, viciar as funções do Estado e
tender para a subversão completa do edifício social.
11
1 – O Projeto político-teológico dos Círculos Operários
Na primeira parte deste capítulo, revisitando os preceitos da Rerum
Novarum, enfatizo aqueles em que o Sumo Pontífice examina a problemática
social e aponta para a urgência da restauração dos costumes cristãos como
“único remédio capaz de sanar os males sociais”, restabelecendo a ordem e a
harmonia social.
10
LEÃO XIII- Encíclica Rerum Novarum - Sobre a condição dos operários. In: Documentos
Pontifícios Sobre Questões Sociais. Câmara dos Deputados, Brasília, 1967,p.294.
11
Id. Ibid. p. 11.
20
Para compreender a experiência circulista no Ceará, adoto a
concepção de projeto político-teológico formulada inicialmente em Roberto
Romano
12
e posteriormente em Jessie Jane, para designar a ação da Igreja
Católica, partilhando a idéia de que:
Esse projeto não pode ser apreendido na política imediata,
mas sim na tradição teológica da Igreja, que se move no
tempo com sentido de permanência e que incorpora à sua
tradição doutrinária os novos desafios impostos pelo
temporal.
13
Ainda nessa perspectiva, entendo que o estudo sobre os Círculos
Operários, estritamente como ação política, poderia perder a compreensão de
aspectos de sua organização, pois que este modelo de associativismo é parte
integrante do “projeto político-teológico” da Igreja Católica.
Os Círculos Operários devem, portanto, ser apreendidos também, em
sua dimensão cultural, sem que sejam negligenciadas as disputas políticas na
organização do operariado, nas quais os Círculos Operários foram
instrumentalizados pela Igreja Católica para, principalmente, servir como
anteparo às infiltrações das idéias e propostas socialistas em um sentido, e
noutro, tomando o caso brasileiro como exemplo, como canal de interlocução
entre a Igreja e o Estado, especialmente, mas não exclusivamente, no pós-30,
durante o governo de Getúlio Vargas.
Numa análise sobre Igreja e Estado no Brasil, Oscar Beozzo indica que
no início do Estado Novo, os Círculos Operários tinham em torno de trinta mil
filiados e este número sobe para trezentos mil durante a ditadura Vargas. Estes
indicadores oferecem importantes pistas da articulação entre o poder temporal
e espiritual na elaboração de estratégias de controle dos trabalhadores. Indica,
outrossim, os níveis de relações entre as duas instituições durante o Estado
Novo, tendo nos Círculos Operários a base desta interconexão de interesses.
Para Beozzo, ao dissolver os sindicatos ligados ao Ministério do Trabalho e
liquidar as lideranças operárias mais importantes, o governo “se apóia nos
Círculos Operários Católicos, que vão ser a presença oficiosa do governo e da
12
ROMANO, Roberto. Brasil: Igreja contra Estado (uma crítica ao populismo católico). São
Paulo: Kairós,1979.
13
SOUSA, Jessie Jane Vieira de. rculos Operários: a Igreja Católica e o mundo do
21
Igreja no seio da classe operária”.
14
A estreita colaboração entre Estado e
Igreja, com o propósito de exercer o domínio e a disciplina sobre os
trabalhadores, manifestava-se via Círculos Operários, pois que através destes
se repassam comida, roupa, assistência aos operários. Tudo que o Estado
destina aos operários vai pelos Círculos Operários Católicos”
15
É no contexto das agitações sociais que tem como epicentro as classes
subalternas que se estabelece o novo pacto entre Igreja Católica e Estado no
Brasil. Envolta com os problemas do mundo moderno, a Igreja vai enfrentá-los
ocupando-se tanto das questões de natureza material, quanto as de ordem
espiritual, como explicita Leão XIII:
Nem se pense que a Igreja se deixa absorver de tal modo
pelo cuidado das almas, que põe de parte o que se
relaciona com a vida terrestre e mortal. (...) além disso,
provê também diretamente à felicidade das classes
deserdadas, pela fundação e sustentação de instituições
que ela julga próprias para aliviar a sua miséria; e, mesmo
neste gênero de benefícios, ela tem sobressaído de tal
modo, que os seus próprios inimigos hão feito o seu
elogio.
16
No entanto, o olhar da Igreja para os problemas do tempo presente
está sempre ancorado nas tradições cristãs do passado. A respeito das
atitudes assumidas pelos chefes da Igreja, Jessie Jane afirma que:
Os direitos e deveres de seus ministérios são-lhes fixados
pela crença de que além e acima do mundo das sensações
paira a existência divina, e que cabe ao sucessor de Pedro
representar essa ordem sobrenatural no domínio do terreno,
a fim de conciliar o dogma religioso com as idéias modernas
e, ao mesmo tempo, extinguir os antagonismos.
17
O caráter transcendental da Igreja Católica, a obrigação de defender
sua estrutura organizacional e os encargos com o trabalho salvacionista,
trabalho no Brasil. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2002.
14
BEOZZO, Pe. Oscar. Igreja e Estado no Brasil. In: FLEURI, Matias Reinaldo (org.).
Movimento Popular, Política e Religião.Edições Loyola, São Paulo, 1985. (pp. 41-63
15
Idem, ibidem.
16
LEÃO XIII, Encíclica Rerum Novarum - Sobre as condições dos operários. In:
Documentos Pontifícios. Câmara dos Deputados, Brasília, 1967, p.24.
17
SOUZA, Jessie Jane Vieira de. Círculos Operários: a Igreja Católica e o mundo do
trabalho no Brasil. Rio de Janeiro, Editora UFRJ, 2002.
22
passíveis de atitudes ambíguas, transparece de forma inequívoca nas posições
do papado. Na opinião de Scott Mainwaring:
A tendência de proteger interesses organizacionais tem sido
e continuará sendo, dessa forma, um elemento chave no
envolvimento da Igreja Católica na política. (...) O
compromisso tradicional da Igreja com a salvação universal
(em oposição à salvação de poucos eleitos) é fundamental
em sua tentativa de incluir em si todas as classes sociais e
indivíduos de credos políticos extremamente diversos. (...) A
Igreja sempre marginalizou os movimentos que ameacem a
sua capacidade de atrair pessoas de diferentes classes e de
grande variedade de crenças religiosa e políticas.
18
Vários são os pesquisadores do circulismo que analisaram a Rerum
Novarum para compreender a posição da Igreja frente ao liberalismo e ao
comunismo e as alternativas a esses modelos, considerados como ameaças
aos princípios cristãos, seja pela adoção do individualismo ou coletivismo
presentes em suas doutrinas.
Na análise de Portelli, a Igreja vive um “conflito triangular” tendo que
paralelamente opor-se ao liberalismo e ao socialismo. Segundo o autor,
embora mantivesse a proposta de autonomia frente às duas correntes, neste
contexto, estrategicamente:
(...) a Igreja poderá permitir alianças momentâneas entre
católicos e liberais no terreno político, para combater os
socialistas (na Bélgica, na Itália depois da supressão do
“non- expedit”) ou entre sindicalistas cristãos e não-cristãos
para melhor enfrentar o patronato liberal no terreno social.
19
18
MAINWARING, Scott. Igreja Católica e política no Brasil (1916 - 1985). São Paulo:
Brasiliense, 1989. Neste estudo sobre a Igreja Católica e sua relação com a política, parte
do pressuposto que, em trabalhos desta natureza é imprescindível que não se perca de vista o
caráter institucional da Igreja. O autor partilha de muitas das análises institucionais, diferindo
destas quando “...substima os conflitos entre as diferentes concepções dos objetivos
institucionais, ou seja, os diferentes modelos de Igreja.” Neste aspecto Mainwaring enfocar os
diferentes objetivos dos diversos modelos, reveladores dos conflitos políticos dentro da
Instituição. Partindo da análise acima, pode-se encontrar num dado momento de sua história
um projeto que privilegia a aproximação com a elite e num outro momento com as camadas
populares, dependendo do modelo e dos objetivos a serem alcançados.
19
PORTELLI, Hugues. Os socialismos no discurso social católico. São Paulo: Edições
Paulinas, 1990.
23
Ainda sobre a posição da Igreja relacionada ao liberalismo na análise
de Jessie Jane sobre o conceito de bem comum tratado pela Igreja, tendo o
indivíduo como centro de sua atenção, a autora observa que esta concepção
aproxima-se do liberalismo e considera compreensível a abordagem da Igreja
tomando como fundamento o fato de que esta recusa o socialismo por razões
várias e dentre estas, no tocante a defesa da propriedade como direito natural.
Alguns estudos concebem a Rerum Novarum como a tardia investida
da Igreja no mundo do trabalho. Portelli faz referência ao “atraso” da Igreja no
combate ao socialismo, sendo todavia esta corrente social e política cuja
presença ameaçadorainstiga o conflito, que obriga a Igreja a redefinir suas
posições nos aspectos políticos e doutrinários. Contrários a esse pensamento
estão intelectuais católicos e outros estudiosos do catolicismo social.
20
Jessie Jane após profunda análise da Rerum Novarum, trabalho de
referência para os estudiosos da temática, ao comparar esta encíclica com a
Quadragésimo Anno do papa Pio XI, conclui que:
Pio XI buscava não somente analisar criticamente a
situação, como fez Leão XIII com a Rerum Novarum, mas
também mostrar a necessidade de restauração da ordem
social, propondo ao mesmo tempo, a reforma das estruturas
e mudanças nos costumes a fim de que tal processo se
pudesse tornar realidade.
21
Certamente o contexto da Quadragésimo Anno propiciou uma defesa
mais contundente por parte de Pio XI no tocante a intervenção do Estado.
Contudo, na Rerum Novarum uma explícita orientação de ações práticas no
sentido de combater a corrupção dos costumes, aliviar as tensões entre
20
LIMA, Jackson. (Valério Alberton) em artigo intitulado “O problema operário Moderno e sua
solução”, publicado no Manual do Círculo Operário, adverte que: Muitos julgam,
erradamente, que, para tratar dessa grave questão, a Igreja só despertou com Leão XIII,
quando assustado pelos clamores revolucionários do socialismo.” Prossegue enumerando uma
série de ações desenvolvidas em países europeus e nos Estados Unidos, onde o clero
associado ao laicato funda associações de defesa dos interesses operários com fundamento
nos princípios cristãos. Também corroborando essa idéia Langlois (Apud, Jessie Jane, 2002)
em seu trabalho sobre a Doutrina social da Igreja recua ainda mais no tempo para afirmar a
preocupação da Igreja com a questão social. A confirmação de tal assertiva reside no fato de
que “... o que, na América Latina, é chamado de opção preferencial pelos pobres estava
contido no magistério do século XVIII no que diz respeito aos índios do Continente, por meio do
papa Bento XIV.” (Jessie Jane, 2002, p. 97)
21
SOUSA, Jessie Jane Vieira de. rculos Operários: a Igreja Católica e o mundo do
trabalho no Brasil. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2002.
24
operários e patrões com o fim de restabelecer a ordem social. Concebo que
mesmo timidamente, a Rerum Novarum vai além da crítica quando propõe a
intervenção do Estado na questão social. Numa análise comparativa entre as
duas encíclicas, Damião Farias considera que:
(...) Aqui notam-se mudanças significativas entre uma e
outra encíclica. Na Rerum Novarum verificamos uma
solicitação da intervenção do Estado, notadamente na
questão do trabalho; porém seria ainda uma intervenção
tímida, fruto das influências dos primeiros ataques sofridos
pelo liberalismo clássico.
..............................................
na encíclica Quadragésimo Anno ocorre uma mudança
significativa no papel atribuído ao Estado: um papel mais
ativo, a tudo ordenando e controlando, uma proposta
organicista e corporativa que abre brechas para a
concepção fascista
22
.
Leão XIII tratando na Rerum Novarum da “Força das Instituições
Cristãs” não faz outra coisa senão reafirmar a importância de sua revitalização
como remédio eficaz que, atuando primeiro através da educação e instrução,
molda o caráter, as convicções e os desejos com fundamento na doutrina cristã
e conseqüentemente “...esforça-se por penetrar nas almas e por obter das
vontades que se deixem conduzir e governar pela regra dos preceitos
divinos.”
23
O Sumo Pontífice reforça a necessidade de regenerar a sociedade pelo
retorno aos princípios cristãos. Como a questão operária e os conflitos sociais
são um dos pontos centrais da Rerum Novarum, o Papa propõe a fundação e
sustentação de instituições que ela julga próprias para aliviar a sua miséria”.
Para confirmar a relevância dessa proposta, Leão XIII volta-se para o passado
lembrando o papel destas instituições no cuidado com os “deserdados da
22
FARIAS, Damião Duque de. Em defesa da ordem: aspectos e práxis conservadora
católica no meio operário em São Paulo (1930-1945). São Paulo: Editora Hucitec,1998.
Neste trabalho, o autor dedica o capítulo terceiro ao estudo dos Círculos Operários em São
Paulo. Dentre outros objetivos busca compreender a doutrina social católica analisando as
encíclicas acima mencionadas como fundamental para a consecução do projeto católico. O
estudo então dá ênfase ao contexto da publicação de cada uma delas e parte para uma análise
comparativa entre uma e outra considerando cinco temas essenciais: ...a defesa da
propriedade privada, o papel do Estado, a questão do socialismo, o princípio da colaboração de
classes, o papel da Igreja na sociedade moderna e a organização do operariado”
23
LEÃO XIII, Encíclica Rerum Novarum – Sobre as condições dos operários. In:
Documentos Pontifícios. Câmara dos Deputados, Brasília, 1967, p.23.
25
fortuna”, enaltecendo a caridade como um de seus princípios instituidores e
virtude primordial.
Já no final da Encíclica, ao tratar da colaboração entre patrões e
operários, saúda as medievais corporações de ofício, mas compreende que a
nova era requer uma reformulação deste modelo associacionista. Defende,
com base nesta compreensão, a formação de associações operárias ou mistas,
constituindo-se de patrões e operários. As proposições do Papa não se
resumem à indicação dos modelos de associação e tratam também dos meios
de organização e da adoção de um programa de ação.
Nos últimos pontos da Rerum Novarum, é evidente a matriz das
inúmeras associações de inspiração católica, dentre estas os Círculos
Operários. Nesses pontos, o documento discorre sobre a existência de grupos
de intelectuais católicos, que preocupados com a questão social, reúnem-se
para discutir e elaborar propostas a serem implementadas no terreno prático.
Discute também a participação de outros colaboradores que são responsáveis
pela organização das corporações e onde “...Os bispos, por seu lado, animam
esses esforços e os colocam sob a sua proteção: por sua autoridade e sob os
seus auspícios, membros do clero tanto secular como regular se dedicam, em
grande número, aos interesses espirituais das corporações.”
24
Ainda sobre a
fundação dessas associações, Leão XIII frisa com veemência que a finalidade
destas “...consiste no maior aumento possível dos bens do corpo, do espírito e
da fortuna.”
Insisto na idéia de que a Rerum Novarum esboçou um projeto prático
de intervenção na questão social, indo além da crítica aos problemas sociais.
Reconheço as proposições desta encíclica espelhadas nos Círculos Operários.
Os registros das primeiras experiências de organização católica operária, se
encontram na Alemanha, em 1846, sob a coordenação do Pe. Kolping.
25
Na
França, os “Círculos Operários” se organizam em 1871, como aplicação prática
da Escola Social Francesa, que tinha La Tour du Pin e Albert de Mun como
expoentes. As iniciais experiências “circulistas”, antecedem a Rerum Novarum
em quase meio século. É necessário contudo, esclarecer que ao propor a
24
Idem, p.27
25
Sobre o assunto ver Jackson Lima: O problema operário moderno e sua solução. In: Manual
do Circulo Operário, CNOC, Rio de Janeiro, Vozes, 1939.
26
relação entre essas experiências e as proposições da Rerum Novarum tomo
como fundamento o fato de que :
Essa encíclica é, portanto, resultado de múltiplas iniciativas
e controvérsias que, em geral, desenvolveram-se fora de
Roma, com a participação fundamental do laicato.
Representa também a síntese da aspiração e formulação
nascidas no seio da própria instituição, que, dessa forma,
buscava em si mesma o vigor doutrinário e a necessária
autoridade para impor uma verdade que a consagrava como
centro irradiador das verdades reveladas.
26
Retomo outra uma vez as análises de Jessie Jane sobre o movimento
católico italiano, o catolicismo social na França e Alemanha e outros países
europeus, dos quais a Rerum Novarum é tributária, para reforçar a idéia da
encíclica como síntese dos diversos projetos católicos que, em busca de
solução para a questão social, “...terminaram por forjar uma circularidade
cultural importante, realizada por intermédio das diversas publicações e dos
contatos entre eles, que ocorriam principalmente em Roma, onde fora
constituído um grupo de estudos sociais apoiado pelo papa Leão XIII”
27
Quanto ao movimento católico italiano, é imperioso que façamos aqui
uma menção especial a esse grupo, com destaque para a figura de Giuseppe
Toniolo cuja fórmula O trabalho cada vez mais dominante; A natureza cada
vez mais dominada; O capital cada vez mais proporcionadofoi instituída como
um dos seis princípios da organização circulista no Brasil. Jessie Jane afirma
que esse movimento
(...) que cresceu durante o pontificado de Leão XIII e que
pouco foi redescoberto pelos historiadores, não se impôs
por causa da influência dos principais dirigentes da opera,
opositores da idéia de que a democracia política fosse
fundamental para que as reformas sociais se efetivassem.
28
Os intelectuais da Ação Católica no Brasil fundamentam a opção pela
fórmula de Toniolo como um dos princípios basilares do circulismo afirmando
26
SOUSA, Jessie Jane Vieira de. rculos Operários: a Igreja Católica e o mundo do
trabalho no Brasil. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2002.
27
SOUSA, Jessie Jane Vieira de. op. cit., p. 79-80.
28
SOUSA, Jessie Jane Vieira de. Op. cit., p.77.
27
que: “...Adotamos esta fórmula do grande sociólogo italiano... porque encerra,
em poucas palavras , a solução cristã do problema social”
29
.
Não obstante, o fato das experiências “circulistas”, em seus primórdios,
florescerem de forma isolada, sem que houvesse ocorrido à época qualquer
manifestação da Santa em apoio a este ou qualquer outro modelo
associacionista para o operariado, e ainda sofrendo o repúdio daqueles que as
consideraram reacionárias, elas sobreviveram nos programas doutrinários e
foram implementadas, no caso do Brasil, inicialmente na década de 1910 do
século XIX
30
. A Rerum Novarum como documento pontifício será de vital
importância para o seu fortalecimento, bem como para a formação e expansão
de outras organizações católicas que iriam atuar nas diversas esferas da
sociedade.
Podemos, conforme disse anteriormente, reivindicar a organização dos
Círculos Operários como inspiração e realização prática da Rerum Novarum.
De outro ângulo, é possível cogitar que essas experiências tenham de alguma
forma inspirado esta Encíclica no tocante às propostas de Leão XIII para a
organização operária.
2 - Reorganização da Igreja Católica no Brasil.
O objetivo dessa discussão é evidenciar como as mudanças ocorridas
na Igreja Católica no âmbito universal, com sede no Vaticano, impactaram a
Igreja Católica no Brasil. Indo além, pode-se observar como as alterações
provocadas com o rompimento entre a Igreja e o Estado no Brasil, forçam a
reorganização do catolicismo brasileiro em novos moldes.
Na época em que Leão XIII publica a Rerum Novarum, a Igreja Católica
brasileira vivencia o impacto de um processo de rupturas iniciado com a
chamada Questão Religiosa em 1874 e concluído com a instituição da
República em 1889.
29
Manual do Círculo Operário. CNOC. Rio de Janeiro: Editora Vozes, 1939.
30
O Círculo Operário de Fortaleza foi fundado em 1915, no arquiepiscopado de D. Manuel da
Silva Gomes.
28
A instauração do conflito ocorreu durante o pontificado de Pio IX
“...considerado o mais famoso porta-voz do ultramontanismo porque exigiu a
centralização da Igreja em questão de doutrina e de governo eclesiástico
31
Faz-se necessário contextualizar a Igreja Católica brasileira no
momento em que a Santa se pronuncia a respeito do mundo moderno,
especialmente no tocante às questões do mundo do trabalho. Seguramente,
não qualquer intento em descrever e analisar os problemas entre a Igreja e
o Estado ou mesmo as questões de natureza eclesiástica. Conquanto há
aquelas em que as exigências deste trabalho colocam como relevantes e nos
obrigam à abordá-las para melhor entendimento da proposta. Neste aspecto,
encontro referências especialmente nas obras de Thomas Bruneau e Scott
Mainwaring
32
como trabalhos relevantes neste campo. Mainwaring, apóia-se na
idéia de que é importante analisar os conflitos entre os modelos de Igreja, pois
que:
A defesa dos projetos de Igreja inclui objetivos tão
potencialmente contraditórios como o de encorajar um alto
grau de atendimento, combater o comunismo, lutar em prol
da justiça social e promover um relacionamento de
proximidade com a elite.
33
Para muitos membros do clero, a exclusão da Igreja do domínio
público, devido a instauração do regime republicano, havia causado o
desnorteamento de seu trabalho pastoral vinculado durante quatrocentos anos
ao poder estatal. Essa opinião não era unânime. Na Carta Pastoral de 1890, os
bispos reconheciam o saldo negativo do regime de Padroado que havia
fragilizado a Igreja no Brasil. O padre Júlio Maria considerado precursor do
31
BRUNEAU, Thomas. O catolicismo brasileiro em época de transição. São Paulo: Edições
Loyola, 1974.
32
BRUNEAU Op. cit. Neste trabalho o autor elabora uma profunda análise da Igreja Brasileira
em suas múltiplas relações internas e externas. Abrangendo um largo período, constitui um
trabalho de envergadura, que se propõe a investigar a natureza, dimensão e profundidade das
mudanças vivenciadas pela Igreja no período em abordagem. Scott Mainwaring também se
debruça sobre as mudanças ocorridas na Igreja brasileira. Na periodização(1916-1985) que
inicia com a chamada Igreja da neocristandade indo até a construção da Igreja Popular.
Pretende compreender as mudanças na Igreja no Brasil considerando as transformações
ocorridas na Igreja Internacional e as experienciadas pela sociedade e projetos políticos no
Brasil. O trabalho está também centrado na análise de quatro modelos “do que deveria ser a
Igreja”. São eles: a neocristandade, modernizadora, reformista e popular.
33
MAINWARING, Scott. Igreja Católica e Política no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1989.
29
projeto de reforma social no catolicismo brasileiro e que “assume no Brasil uma
posição de vanguarda, de aceitação do mundo moderno, de integração social,
de participação efetiva no processo político-social”
34
é um dos primeiros a
manifestar sua posição favorável ao divórcio entre Igreja e Estado. Afirma que
Quaisquer que sejam os erros da República, é certo que ela deu à Igreja a
liberdade”
35
Sem sombra de dúvidas, a Igreja enfrenta um duplo desafio: alinhar-se
às diretrizes ultramontanas e, paralelamente, promover a reestruturação interna
da instituição que, livre das amarras do Estado, encontrava extrema dificuldade
para mover-se sem este aparato. Num outro discurso de Júlio Maria,
evidenciam-se as dificuldades vivenciadas pelo clero nesse momento, não
somente em conseqüência da ruptura com o Estado, mas também pela
incapacidade deste em adaptar-se aos novos tempos:
Que falta aos católicos brasileiros? , pergunta ele. A
resolução para o combate. E acrescenta: Este é o dever que
grande parte do clero não compreendeu ainda no Brasil,
onde, no regime da liberdade, em vez de pugna valorosa,
que poderia ser travada para dar a Igreja brasileira o lugar
que lhe cabe em nosso movimento social, não vemos
infelizmente senão uma devoção mórbida, sem virilidade
cristã, uma piedade assustadiça, que se espanta de todos
os movimentos do século e foge covardemente desanimada
de tantos combates, em que os interesses do catolicismo,
para triunfar, dependem apenas que desfraldemos com
ardor religioso e intrepidez cívica o estandarte de nossa fé.
36
Como crítico severo do catolicismo de seu tempo, Júlio Maria percebeu
a apostasia do clero, a distância da Igreja dos desafios do mundo moderno e a
urgência de uma proposta que a aproximasse da sociedade civil,
especialmente do povo. Ele reivindica uma Igreja autônoma frente ao poder
temporal mas, comprometida política e socialmente para pesar “na balança da
opinião” no que diz respeito à direção dos rumos da nação.
Apresento outros argumentos do Pe. lio Maria por considerar que foi
um dos pioneiros no lançamento da doutrina social católica no Brasil,
34
VILLAÇA, Antônio Carlos. O pensamento católico no Brasil. Rio de Janeiro: ZAHAR
Editores,1975.
35
VILLAÇA, Antônio Carlos, op. cit., p. 74.
36
VILLAÇA, Antônio Carlos, op. cit., p.75.
30
fundamentada na Rerum Novarum e na democracia cristã. Seus argumentos
representam um apelo ao clero para que renuncie a posição de indiferença e
assuma o compromisso com o novo tempo. São a semente da Ação Católica
lançada no início dos últimos anos do século XIX e que irá florescer ainda nas
duas primeiras décadas do século seguinte, para agigantar-se no pós-30, numa
conjuntura diferenciada.
Júlio Maria expressa na Gazeta de Notícias (16 de março de 1898) os
temores e as perspectivas de uma Igreja em processo de renovação.
Conclama o clero a abdicar dos privilégios com que eram agraciados no
governo imperial, alerta os governos e o parlamento que atentem para a
questão social, que é a questão por excelência porque afeta os interesses
fundamentais do homem, da sociedade,...”.
37
Júlio Maria exige que a Igreja
Católica, assuma o compromisso com os pobres, com os proletários, como
Igreja do povo. Todavia, ressalva que os poderosos e ricos também têm lugar
nesta Igreja, conquanto estejam imbuídos do espírito de misericórdia e aceitem
a sujeição do despotismo do capital aos princípios da justiça, da eqüidade. Não
propõe aos ricos ações meramente caritativas, mas a justiça, a que tem
direito o trabalho, dignificar o trabalhador, cristianizar a oficina...”.
38
Dissonando dos discursos da época diante do rompimento entre o trono e o
altar, apresenta a aliança entre a Igreja e o povo. Eleva sua voz em defesa
desse novo projeto cujo pacto deveria ser estabelecido com o povo, afirmando
ser imperioso “...(...) proclamar bem alto a dignidade do operário na cidade de
Deus, que Jesus Cristo fundou na Terra, não com as castas, as aristocracias,
as burguesias ou as dinastias, mas com o povo e para o povo.
39
Enquanto católico, Júlio Maria centrou-se no combate ao beatismo, ao
confinamento do clero à sacristia, vislumbrando que “ uma missão nova é
imposta ao clero, o qual não é um instrumento de reino ou um apoio dinástico,
mas uma força social”. Sua atitude reivindicava uma reação católica frente aos
problemas de ordem temporal e espiritual. Essa reação seria efetivada de
forma programática e incisiva anos depois, porém suas pertinentes
37
Apud. VILLAÇA, Antônio Carlos, op. cit., p. 72-73
38
Idem.
39
Idem, ibidem.
31
argumentações ressoaram em dois importantes documentos do episcopado
brasileiro nos anos de 1915 e 1916.
A Carta Pastoral Coletiva de 1915 e a Carta Pastoral de Dom
Sebastião Leme em 1916, são, na opinião de autores que estudaram a Igreja
Católica no Brasil,
40
relevantes marcos na caminhada desta Igreja na
construção de um novo modelo: a neocristandade. No primeiro documento, os
bispos declaram que os governantes apelam para a Igreja em busca de auxílio
para promover o apaziguamento dos conflitos sociais, melhor dizendo, da
relação capital/trabalho. No segundo, D. Leme reafirma as críticas
elaboradas por lio Maria a respeito da falta de vigor da Igreja, do clero e do
laicato. D. Leme também convoca a reação católica e propugna um projeto de
renovação das instituições cristãs. Na concepção de Mainwaring nesse
momento:
(...) A nova missão da Igreja era cristianizar a sociedade
conquistando maiores espaços dentro das principais
instituições e imbuindo todas as organizações sociais e
práticas pessoais de um espírito católico. (...) A forma de
influenciar a sociedade da Igreja da neocristandade era
triunfalista. A Igreja queria “conquistar” o mundo. A missão
da Ação Católica era de restituir a Nosso Senhor Jesus
Cristo o mundo moderno.
41
Na segunda década do culo vinte, ocorre uma arregimentação mais
efetiva das classes médias pela Igreja. A partir dos anos vinte, reunidos em
torno do Centro Dom Vital, intelectuais católicos
42
colocam-se a serviço do
catolicismo reformado, essencialmente conservador, preocupado com a
cristianização das instituições. Nos primeiros anos da década de 1920,
40
Para discutir essa questão ver: Villaça (1975) e Mainwaring (1989). Júnior(2002). Segundo
Villaça a Carta Pastoral de D. Leme confirma ponto por ponto no mesmo ano de 1916 as
linhas fundamentais da crítica de Júlio Maria ao catolicismo dos brasileiros” (Villaça, op. Cit., p.
77)
41
MAINWARING, Scott. Igreja Católica e política no Brasil (1916-1985). Rio de Janeiro:
ZAHAR Editores, 1975.
42
Sobre esse assunto consultar Villaça (1975); Lúcia Lippi, Mônica Vellosa e Ângela de Castro
Gomes (1982); Neste último trabalho três vertentes do pensamento intelectual católico, com
eixo no elitismo, conservadorismo e autoritarismo são tomados como base para o estudo. O
estudo de Villaça analisa Jackson de Figueiredo, Jônatas Serrano, Alceu Amoroso Lima,
Leonel Franca, Pandiá Calógeras, dentre outros não menos importante para a compreensão do
pensamento católico, principalmente em sua fase mais polêmica.
32
direcionam sua ação para o combate ao comunismo ateu e o laicismo
enquanto expandem a influência da Igreja sobre as instituições sociais.
A Igreja preocupada com a instrumentalização de intelectuais leigos,
busca dar concretude ao projeto de mobilização da sociedade, ampliando o
leque de sua influência em diversos setores.
(...) a Igreja da neocristandade mobilizou centenas de
milhares de pessoas e organizou movimentos leigos,
particularmente entre a classe média urbana. A União
Popular (Minas, 1909), a Liga Brasileira das Senhoras
Católicas (1910), a Congregação Mariana (1924), os
Círculos Operários (1930), a Juventude Universitária
Católica (1930) e a Ação Católica Brasileira (1935) foram
importantes movimentos criados durante esse período.
43
As três primeiras décadas do século XX são marcantes para a Igreja
Católica no Brasil. Esse período é assinalado pela afirmação da Igreja na
construção de diferentes organizações sociais, com a participação conjunta do
clero e dos leigos na luta para inserir-se nos setores dos quais se viu afastada
por ocasião da dissolução dos laços com o poder temporal, como é o caso da
educação. É pela reaproximação com esse poder que serão redefinidas as
estratégias da Igreja para interpor-se de forma decisiva no mundo do trabalho.
É comum encontrarmos interpretações que colocam a Igreja numa
posição subalterna ao Estado, e uma sociedade passiva diante das estratégias
das duas esferas. Alguns eventos que são marcos na história da Igreja no
Brasil e que ecoaram nas esferas do poder e junto a vários segmentos sociais,
negam essas suposições.
Em 1931, um acontecimento de grande magnitude marca o projeto da
neocristandade e ilustra o empenho da Igreja Católica no processo de
aproximação com as camadas populares. Durante os primeiros trinta anos da
República, a Igreja Católica manteve os mesmos padroeiros do Império: Nossa
Senhora da Glória e São Pedro de Alcântara. Vinculados a família imperial, os
dois padroeiros não eram populares e tampouco bem aceitos entre os
católicos, especialmente as camadas mais pobres. O fato que transmuta
radicalmente a devoção católica é a substituição desses dois padroeiros por
33
Nossa Senhora Aparecida ,uma santa negra reverenciada pelo povo.
Analisando os significados desse evento não apenas como expressão da
religiosidade popular, mas como um momento em que a Igreja Católica
visibiliza a ampliação de sua base social e apresenta-se para o Estado como
autoridade a ser considerada na balança de opinião e na tomada de decisões e
Oscar Beozzo afirma que :
A Igreja usa o capital das classes populares (que no período
anterior era desqualificado, pois a religião do povo era vista
como superstição. (...) Nossa Senhora Aparecida é o
instrumento para a modificação. Sua imagem, trazida para o
Rio de Janeiro a 31 de março de 1931, bota meio milhão de
pessoas na rua. Não vamos buscar no estrangeiro, vamos
buscar no Vale do Paraíba a imagem de uma santa de
cor. Com meio milhão de pessoas na rua, corpo diplomático
e ministério de Getúlio Vargas convidados para essa
procissão, o cardeal D. Sebastião Leme diz: “Ou a
Revolução fica com a religião do povo ou o povo não aceita
esse governo que esta aí.
44
Além desse evento, outro fato marca de forma significativa o processo
de recristianização da sociedade brasileira e a reaproximação entre a Igreja e o
Estado. A inauguração do Cristo Redentor no Corcovado, em 12 de outubro de
1931, que no calendário eclesiástico marca os festejos em homenagem a
padroeira do Brasil, mobilizou a população e pôs lado a lado os poderes
temporal e espiritual. O acontecimento se revestiu de uma simbologia que
expressava e fortalecia o projeto da neocristandade proposto pelo poder
eclesiástico. Segundo Farias, a imprensa católica projetou a solenidade como
o momento de reconhecimento da superioridade do império de Cristo sobre o
império temporal”.
45
A mudança na estratégia da Igreja é um exemplo da redefinição de
posições diante de um quadro esboçado no pós 1930. O Estado também traça
um projeto político com vistas à incorporação dos diferentes setores sociais,
incluindo a intervenção nas organizações sindicais com a elaboração de uma
43
MAINWARING, Scott. Igreja Católica e política no Brasil (1916-1985). Rio de Janeiro:
ZAHAR Editores, 1975.
44
BEOZZO, Pe. Oscar. Igreja e Estado no Brasil. In: FLEURI, Matias Reinaldo (org.).
Movimento Popular, Política e Religião.Edições Loyola, São Paulo, 1985.
45
FARIAS, Damião Duque de. Em defesa da ordem: aspectos da práxis conservadora
católica no meio operário em São Paulo (1930 – 1945). Editora Hucitec, São Paulo, 1998.
34
legislação trabalhista que propiciava o intento do governo Vargas. A questão
nova que se coloca é que, na confluência dos interesses das duas esferas, os
trabalhadores se apresentam como sujeitos de suas ações, potencializando a
luta de classes, e portanto, assustando as elites do país. Nem a Igreja e
tampouco o Estado negligenciavam o perigo que essa classe representava.
O Estado necessitava restabelecer a ordem e acena para a Igreja com
a possibilidade de uma nova aliança. Questões que diziam respeito a
salvaguarda de seus interesses institucionais e o fortalecimento de seu projeto
doutrinário, tornaram-se objeto de preocupações dos grupos que embora
divergissem, pensavam o ordenamento da Igreja e os caminhos para o êxito de
seus propósitos. Para alcançar esses objetivos, construíram alianças políticas
com as elites e em nível institucional com o Estado. As estratégias por ela
elaboradas têm um forte conteúdo político-teológico. Portanto, ao aceitar a
aliança com o Estado, os objetivos da Igreja não podem resumir-se à dimensão
política. E a respeito da nova relação estabelecida entre as duas instituições no
período, não pressupunha a subordinação de uma a outra. Nesse momento, o
Estado nacionalista ansioso por abarcar diferentes segmentos sociais, e a
Igreja carecendo do apoio estatal para patrocinar e legalizar suas ações no
campo social, firmam um acordo de cooperação mútua.
A Rerum Novarum do Papa Leão XIII advertira o clero e os leigos
católicos sobre os perigos das organizações operárias influenciadas pelos
princípios comunistas, para a religião. A preocupação da Igreja é política e
teológica.O fim último de sua ação é a salvação das almas. De todas as almas.
Sejam ricos ou pobres, a mensagem religiosa que a Igreja Católica considera-
se portadora, não reconhece as diferenças de classes e, portanto, a luta de
classes dos programas socialistas e comunistas deveria ser recusada e
combatida pela Igreja e pelos fiéis.
No acordo estabelecido, o movimento circulista tem um papel
sumamente importante para atender os interesses de ambas as partes. Para
corroborar a assertiva, basta lembrar que em 1933, o Ministério do Trabalho,
Indústria e Comércio reconhece os Círculos Operários como órgãos de
utilidade pública, e através do Decreto-lei 7. 164, de 12 de maio de 1941,
essas organizações passam a ser órgãos consultivos do MTIC. Traçando um
paralelo entre as organizações circulistas e os sindicatos na relação como o
35
MTIC, o circulismo admite a ligação com o MTIC, explicitando porém que os
Círculos Operários encontram-se numa posição privilegiada, uma vez que não
têm nenhuma dependência, direito ou outra relação de ordem jurídica com o
Ministério. Ressaltam ainda que os sindicatos estão numa posição contrária,
subordinados a autoridade civil pois, “uma vez reconhecidos pelo Ministério do
Trabalho, ficam sujeitos ao seu controle em troca de certas prerrogativas”.
46
Os Círculos Operários desfrutam de certas prerrogativas sem no
entanto submeterem-se legalmente ao Ministério. São colaboradores no
processo de disciplina dos trabalhadores, atuando como mediadores e
apaziguadores de conflitos entre patrões e operários. Propagam e exaltam a
política executada pelo Ministério do Trabalho e vêm-se como
protagonizadores de primeira ordem na marcha empreendida para
salvaguardar os operários das idéias perniciosas e encaminhá-los rumo ao
progresso material, espiritual e cultural:
(...) os CC.OO., desde o início, têm estado em contato com
esse Ministério, tanto com os próprios ministros como com
os funcionários, por meio de uma colaboração de grande
eficiência, promovendo a fundação e reconhecimento de
sindicatos, prestigiando as leis sociais e a ação do
Ministério, rebatendo os ataques feitos a ele pelos
comunistas, conciliando divergências e criando um ambiente
de mútua compreensão e harmonia entre operários e
patrões, enfim, realizando a elevação cultural e espiritual do
operariado, sem o que a melhoria econômica, trazida pelas
leis sociais, pouco aproveitaria ao trabalhador.
47
Quando a organização circulista ressalta a autonomia dos Círculos
Operários frente ao MTIC, intenta obter a atenção do operariado para as
vantagens do círculo, fazendo a defesa dessa forma de associação operária,
que recebe auxílios e proventos dos órgãos públicos sem contudo sofrer às
interferências do Ministério, como era o caso dos sindicatos oficiais.
No trabalho de Luiz Werneck Vianna sobre o sindicalismo no Brasil,
especialmente sobre o período compreendido entre 1930- 1933, quando o
Estado elabora uma estrutura corporativa à qual deveriam se enquadrar os
46
MANUAL DO RCULO OPERÁRIO CNOC, Rio de Janeiro: Editora Vozes, 1939, p. 67-
68.
47
Idem, ibidem.
36
sindicatos, observamos uma clara exposição da relação subalterna dos
sindicatos junto ao Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio:
O reconhecimento sindical pelo Ministério do Trabalho
previa o atendimento de uma série de exigências, que
completavam esse processo com um verdadeiro expurgo
dos sindicalistas orientados para a consecução de fins
específicos à sua classe.(...) Logo que incluídos na estrutura
corporativa, os sindicatos estavam sujeitos à permanente
vigilância estatal por meio de representantes do Ministério
do Trabalho, que detinham a faculdade de assistir às
assembléias e o poder de polícia de investigar sua
contabilidade.
48
As ligações dos Círculos Operários com as instâncias do poder
estatuíram uma troca de serviços, que se concretizava com o repasse de
verbas públicas para o financiamento das obras circulistas e, em contrapartida,
o Estado recebia amplo apoio do circulismo no combate ao sindicalismo
vermelho. Os Círculos Operários foram, portanto, parceiros do poder estatal
nesse processo de enquadramento dos trabalhadores à proposta corporativa.
O Ministério do Trabalho reconhecendo a relevância desta parceria para
efetivar o controle sobre os trabalhadores, justificando que a solução para a
questão social era de ordem moral, conforme a concepção do catolicismo
social vigente à época, encontra nessas organizações a legitimação e
cooperação para os projetos que visavam exaurir a possibilidade dos
trabalhadores se organizarem autonomamente. Para Salgado Filho que ocupou
o MTIC logo após Lindolfo Collor, durante o primeiro governo Vargas, os
Círculos Operários ofereceriam aos sócios a orientação espiritual essencial à
harmonização social, sendo necessário que os filiados aos sindicatos também
se associassem nestas organizações cristãs, uma vez que:
Criando os sindicatos profissionais, o governo não impediu,
nem poderá impedir, que estes mesmos sócios se
congreguem em associações dirigentes ou tendentes a
dirigir as inclinações espirituais e, pelo contrário, aconselha
mesmo a que assim se organizem, porque- eu agora falo
pessoalmente- estou convencido de que é o único meio de
48
VIANNA, Luiz Werneck. Liberalismo e Sindicato no Brasil. Belo Horizonte: Editora UFMG,
1999, p. 185.
37
lhes dar uma feição cristã, quer dizer, de amor recíproco aos
seus semelhantes.
49
Outros membros titulares do Ministério do Trabalho, como é o caso de
Agamemnon Magalhães e Valdemar Falcão, manifestaram apreço a “salutar”
colaboração dos Círculos Operários para atenuar os conflitos sociais,
impingindo nos espíritos recalcitrantes, as virtudes cristãs que lhes
quebrantassem os propósitos da luta de classes. O ministro Valdemar Falcão
assevera que os Círculos Operários agiam com precisão na solução dos
problemas sociais, pois se inspiravam na doutrina cristã católica:
Enquadrando suas diretrizes nos luminosos preceitos do
Evangelho, que Pio XI tão bem salientou em sua
Quadragésimo Anno, quando indicou ao mundo inquieto e
inseguro a solução de sua inquietude e o fundamento de
sua segurança, têm os Círculos Operários a certeza de que
não erram na maneira como procuram conceber o problema
social em nosso país.
50
Por parte da Igreja, vários o os depoimentos que enaltecem a
aliança com o poder estatal. O Pe. Leopoldo Brentano, figura de destaque no
movimento circulista brasileiro, explicando a relação entre os Círculos e o
MTIC, destaca os ganhos obtidos por este Ministério ao contar com essa
colaboração, bem como os benefícios para os trabalhadores, oriundos da obra
social desenvolvida pelo MTIC e Círculos Operários, quando ambos agindo
com autonomia, conjugavam suas ações sobre o mesmo campo de interesses:
(...) Grandes e vários são os benefícios e garantias que o
operariado goza, de fato, em virtude das leis e
providências desse Ministério.(...) O Círculo Operário, com o
método que lhe é peculiar, a sua ação orientadora e cultural,
cria o ambiente propício à execução das leis sociais;
neutraliza a ação comunista, educando o operário para a
genuína solidariedade, prepara-o para formar um sindicato
de caráter construtivo; remove os preconceitos do elemento
empregador; prestigia e auxilia ação dos funcionários do
Ministério do Trabalho na execução das leis; e além disto,
49
Discurso do Ministro do Trabalho, Indústria e Comércio, Salgado Filho, In: Manual do
Círculo Operário, Confederação Nacional dos Operários Católicos. Rio de Janeiro: Editora
Vozes, 1939.( p.68)
50
Discurso de Valdemar Falcão enquanto Ministro do Trabalho, Indústria e Comércio. In:
Manual do Círculo Operário. Confederação Nacional dos Operários Católicos. Rio de
Janeiro: Editora Vozes, 1939.(pp 68-69).
38
presta a seus associados, nas diversas situações da vida,
um sem número de serviços individuais e imediatos que
escapam ao programa e à ação desse Ministério”
51
Embora, para a Igreja Católica, o Círculo Operário não fosse a única
via para sua inserção no mundo do trabalho no Brasil, obteve a preferência da
hierarquia eclesiástica, tornando-se um dos principais instrumentos da Ação
Católica na organização dos trabalhadores. A singularidade dos Círculos
Operários para o projeto de cristianização do mundo do trabalho é que estes
estatuíram em sua doutrina, uma ação voltada para a assistência material e
moral e espiritual: “instruindo, educando, orientando, moralizando”.
Elaboraram uma proposta que visava combater os propósitos dos
socialistas e comunistas, apontando outros caminhos a serem trilhados para
melhorar a sorte material dos trabalhadores, sem contudo, abandonar as
necessidades espirituais, como salientavam constantemente. Legitimavam sua
ação fundamentando-se no apostolado de Jesus Cristo que: “(...) primeiro
remediava os males corporais e temporais, para conquistar a simpatia, os
corações. Depois ensinava a doutrina do reino dos céus.”
52
Os estudos sobre a organização circulista, vêm sobremaneira
contribuindo para a constituição de um campo de pesquisa relevante para a
compreensão do universo do trabalho no Brasil e do catolicismo social como
elemento significativo na construção de um projeto político-cultural, formulado
pela hierarquia eclesiástica em conjunto com os intelectuais católicos
atendendo às especificidades locais, para responder aos desafios da
modernidade, em particular a “questão social”. O exame de alguns desses
trabalhos possibilitou especialmente, compreender as nuanças dos Círculos
Operários do Ceará ao passo que indicou questões a serem investigadas com
maior acuidade no interior deste estudo.
3- O Circulismo no Brasil: um diálogo historiográfico.
51
Pe. Leopoldo Brentano. In: Manual dorculo Operário. Confederação Nacional dos
Operários Católicos.Rio de Janeiro: Editora Vozes, 1939. (p. 109).
52
Idem.
39
Introduzo essa discussão em torno da produção historiográfica sobre o
circulismo, com um breve olhar sobre a historiografia da classe operária no
Brasil, até mesmo para melhor compreender as razões dessa produção ter
subestimado a importância da organização circulista na própria formação da
classe trabalhadora neste país.
No estudo de Cláudio Batalha
53
sobre a historiografia da classe
operária no Brasil, estão expostos alguns dos caminhos desta produção que,
antes mesmo de chegar ao espaço acadêmico e ser escrita por historiadores,
estava a cargo, inicialmente, dos militantes e, posteriormente, de outros
cientistas sociais. Convém explicitar que Batalha ao analisar a produção
militante ou sociológica aponta para a contribuição e o valor dessas obras
como também as limitações destas, considerando a renovação historiográfica
operada nas últimas décadas, que nos permite repensar os vieses dessa
produção.
Segundo o autor, a recente produção historiográfica, tomando como
marco os anos 1980, passou por um processo de ampliação, fragmentação e
crise”. Para compreender todo esse processo, Batalha pontua sua análise
numa conjuntura em que se conjugam pelo menos três fatores considerados
impulsionadores da história operária acadêmica: a revitalização das lutas
operárias, a abertura democrática, como resultado de pressões populares,
construindo um terreno de maior liberdade acadêmica e editorial, e por último,
com grande peso, a influência da historiografia marxista inglesa, que tem Eric
J. Hobsbawn, E. P. Thompson como principais influências no Brasil.
As mudanças foram bastante significativas. Ocorreu uma expansão no
campo de estudo com a exploração de novos temas e utilização de novas
fontes até então ausentes como instrumentos no ofício do historiador. De
acordo com Batalha, a fragmentação e a crise que se seguiram geraram um
certo desinteresse dos historiadores em tomar a classe operária como objeto
de investigação.
Ainda de acordo com esse autor, a crise da historiografia operária
apresenta-se em dois planos: o primeiro, como reflexão dos problemas internos
53
BATALHA, Cláudio H. M. A Historiografia da classe operária no Brasil: trajetórias e
tendências. In: FREITAS, Marcos César de. (org.) Historiografia Brasileira em Perspectiva.
São Paulo: Contexto, 1998, pp. 145-182.
40
da disciplina, conseqüente da sua fragmentação; e o segundo, situado para
além das fronteiras nacionais, numa conjuntura política que expressava as
transformações ocorridas no mundo do trabalho, o avanço das forças
conservadoras e o declínio da esquerda. O autor ainda ressalva que para uns,
esta é antes de tudo uma crise de paradigmas” como também interpretou
Emília Viotti da Costa, para quem, os cientistas sociais foram do extremo
“reducionismo econômico ao reducionismo cultural”
54
.
A denominada “crise dos paradigmas” associada à crise política da
esquerda contribuíram para o recuo da produção historiográfica do movimento
operário, evidenciado no final dos anos 1980. No entanto, os avanços em
termos de análise teórica e procedimentos metodológicos têm enriquecido o
campo de estudo da temática, o que conduz outros pesquisadores a
observarem sob um ângulo diferenciado as perspectivas que se abriram
durante esse percurso. Nesta linha de abordagem reporto-me ao trabalho de
Adelaide Gonçalves que, inserido na temática História e Imprensa, constrói um
novo diálogo com a imprensa operária considerando que: “(...) os jornais
operários constituem hoje uma rica possibilidades de leituras, posto que
significam uma produção simbólica de homens e mulheres no seu tempo, a
partir de suas lutas, derrotas, disputa de projetos políticos, construção de suas
histórias”.
55
A autora introduz a discussão do movimento operário como objeto
de estudo, apresentando a proficuidade do debate acadêmico em direção ao
revigoramento da produção historiográfica, onde situa seu trabalho:
O estudo do movimento operário no Brasil, nos últimos vinte
anos, se processa dentro de um quadro de deslocamento
teórico e renovação analítica, fruto da intensificação do
debate acadêmico, da cooperação interdisciplinar e da
inspiração em estudos que revigoraram esse campo de
estudos: Georges Haupt, Edward Thompson, Eric
Hobsbawn, Michelle Perrot, Richard Hoggart, para citar
54
COSTA, Emília Viotti da. Novos públicos, novas políticas, novas histórias: do
reducionismo econômico ao reducionismo cultural: em busca da dialética. In: Anos 90.
Revista do Programa de Pós-Graduação em História, nº 10, dez., p. 07-21de 1998. Porto
Alegre: UFRGS, 1998
55
GONÇALVES, Adelaide. A Imprensa dos Trabalhadores do Ceará, de 1862 aos anos de
1920. Florianópolis, 2001. Tese de Doutorado em História. Universidade Federal de Santa
Catarina. Neste trabalho a autora elege a imprensa operária como objeto do conhecimento,
desvelando as singularidades desta imprensa e as múltiplas experiências vivenciadas pelos
trabalhadores cearenses, os projetos políticos em disputa, além da riqueza dos projetos
educativos propostos pela classe para promover sua auto-educação
41
alguns de reconhecida influência.Ainda que óbvio, é preciso
destacar que essa renovação teórico-metodológica foi
acompanhada da alteração de perspectiva em relação às
fontes, compondo, sistematizando e ampliando um novo
repertório àquelas fontes incorporadas. A imprensa
operária é certamente um desses exemplos.
56
Sílvia Petersen,
57
numa abordagem crítica dos problemas da
historiografia tradicional do movimento operário, assevera a atualidade da
temática sob duas perspectivas: uma de ordem histórica e outra de cunho
epistemológico. Ao tratar das novas perspectivas dessa historiografia operária,
duas considerações relevantes são abordadas pela autora.
A primeira questão diz respeito à impossibilidade de pensar o
movimento operário dissociado de suas instituições e associações”. Se parte
significativa dessa produção historiográfica tomou a associação em lugar da
classe, privilegiando neste aspecto o partido ou o sindicato e fazendo frutificar
a apologia às instituições ou a ideologia, gerando pouco conhecimento a
respeito da classe mesma, isso não pode nos afastar da possibilidade de
entendê-la dentro de suas organizações, que são construções da classe no
enfrentamento de problemas que dizem respeito à sobrevivência, ao
fortalecimento político, entre outras variáveis.
No outro ângulo dessa questão, a autora assevera que não
incompatibilidade entre estrutura e experiência, ao contrário, uma
necessária complementariedade. Ressalta ainda que os estudos das
instituições vêm sendo reavaliados. As novas propostas incluem desde um
novo tratamento das fontes até outros recortes e diferentes problematizações.
Se não se pode reduzir a ação dos sujeitos a determinados projetos políticos
ou ideológicos do sindicato ou partido ou a “acontecimentos excepcionais”
também é verdade que não devemos tomar essas ações isoladas das
instituições que lhes conferem significados. Sílvia Petersen propõe, num
esforço de síntese, uma arguta observação metodológica:
56
GONÇALVES, Adelaide,op. cit., p. 16.
57
PETERSEN, Sílvia Regina Ferraz. Ainda o movimento operário como objeto
historiográfico. In: Anos 90. Revista do Programa de Pós-Graduação em História, 8,
dez., p. 62-78. Porto Alegre: UFRGS, 1997.
42
Não se pode perder de vista que a história operária é a
história da formação de uma classe, história, portanto, de
experiências e ações comuns e coletivas. Associações,
partidos, greves, formas mais ou menos institucionalizadas
do movimento são, pois, elementos constitutivos deste
objeto e não podem ser simplesmente descartados pela
historiografia.
58
Ainda sobre a visão de complementaridade entre “estrutura e
experiência”, Daniel James
59
adverte para o fato de ter ocorrido um falso
debate que opunha estrutura e experiência. Em suma, produzir uma história
dos trabalhadores “estruturalmente condicionada e dotada de agentes” é
uma tarefa nem sempre fácil.
Sem desconsiderar a contribuição da produção militante sobre a
história operária, atento para as reflexões feitas por Eric Hobsbawn sobre o
caráter e os fins destes trabalhos que via de regra, descuraram de aspectos
importantes para a compreensão da classe operária. O que caracteriza tal
produção é a ênfase nas instituições, dirigentes, correntes ideológicas e
momentos particulares de disputa política. Em contrapartida, a classe, outros
espaços de sociabilidade (além da brica e do sindicato), como os bairros
operários, a residência, a família e aspectos como o lazer e a cultura foram
negligenciados. A respeito desta discussão, Hobsbawn analisa que:
(...) a história operária é por tradição um tema altamente
politizado e durante muito tempo foi feita em grande parte
fora das universidades. Todos os estudos sobre o trabalho
eram obviamente políticos.
............................................................
A história operária tendeu, portanto, a identificar-se com a
história dos movimentos operários, se não até com a história
da ideologia desses movimentos. (...) Assim sendo, ela
negligenciou a história das próprias classes trabalhadoras,
na medida em que estas não puderam ser subsumidas à
das organizações, o mesmo acontecendo com relação às
bases, enquanto distintas de seus líderes.
60
58
PETERSEN, Silvia Regina Ferraz, op. cit., p. 65.
59
JAMES, Daniel. O que de velho? Os parâmetros Emergentes da História do Trabalho
latino-americana. IN: ARAÚJO, A. (org.) Trabalho, cultura e cidadania. São Paulo: Scritta,
1997.
60
HOBSBAWN, Eric. Mundos do Trabalho. Novos estudos sobre história operária. Trad.
Waldea Barcellos e Sandra Bedram. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987
43
Sobre as distorções, esquecimentos ou indiferenças presentes na
escrita da história do movimento operário, é válido recorrer a advertência de
Petersen (...) de que aquela história não é a de suas conquistas, mas
também de seus fracassos que, via de regra, não são reconhecidos”.
61
Aproveito o ensejo para reafirmar que o pesquisador da história operária,
interessado no estudo da classe e suas formas de organização, deve
considerar relevante para a interpretação histórica não somente aquelas de
“potencial revolucionário” como também as que apresentam matizes
conservadoras, visto que também são expressões da classe.
Outra questão que tem feito parte dos debates sobre a produção
histórica diz respeito à “tendência dos pesquisadores estenderem ao Brasil o
que na verdade correspondeu a Rio e São Paulo”
62
. Como o processo de
industrialização teve início no sudeste, que inclusive havia se tornado um
centro de grande importância econômica para o país, a região concentrou o
maior contingente operário e passou a ser referência nos estudos da classe
operária e de seus movimentos.
O eixo Rio-São Paulo é tomado como paradigma explicativo para todo
o país. As sugestões metodológicas de Sílvia Petersen para superação dessa
limitação é de que as pesquisas regionais ultrapassem suas fronteiras para
“(...) descobrir vínculos múltiplos perdidos que podem enriquecer o perfil de
processos e atores sociais tão descaracterizados na memória
historiográfica
63
. Para reafirmar a pertinência dessa discussão, trago ainda
uma outra observação de Sílvia Petersen na qual a autora propõe a superação
desse paradigma e indica a articulação dos resultados das pesquisas
regionais” como um recurso metodológico que poderia possibilitar uma outra
dimensão de análise da história operária no Brasil:
Se for verdade que o crescimento econômico e social pode
ser impulsionado por um eixo específico (setor industrial,
61
PETERSEN, Sílvia Regina Ferraz. Ainda o movimento operário como objeto
historiográfico. In: Anos 90. Revista do Programa de Pós-Graduação em História, 8,
dez., p. 62-78. Porto Alegre: UFRGS, 1997
62
PETERSEN, Sílvia Regina Ferraz, op. cit., p. 69.
63
PETERSEN, Sílvia Regina Ferraz. Cruzando Fronteiras: as pesquisas regionais e a
história operária brasileira. In: Gomes, Ângela Maria Castro (org.) Trabalho, cultura e
cidadania: um balanço da história social brasileira. São Paulo: Scritta, 1997 pp. 85-103.
44
região ou categorias específicas), o entendimento do
processo não se dá com análise exclusiva desse eixo.
................................................................................
Assim estender ao Brasil os resultados de um estudo
regional baseado nos casos do Rio de Janeiro ou São Paulo
tem escasso valor para o entendimento dos matizes
regionais. A prática da história regional [...] pode servir para
destruir concepções gerais que parecem definitivas e que
foram incorporadas a tantos livros, artigos e conferências.
.........................................................................
Em suma, quero explorar as virtualidades do caminho que
cruza a fronteira dos estudos regionais, tanto para perceber
a especificidade desses casos, no sentido do próprio
estabelecimento de diferenças, como fazer aparecer
processos mais globais, cuja percepção se dilui nas análises
simplesmente regionais, questões que tomadas no âmbito
regional perdem seu possível significado.
64
As observações de Silvia Petersen são importantes para a reflexão do
trabalho historiográfico sobre os Círculos Operários na medida em que esta
produção está centrada nas regiões sul e sudeste. Encontro, num artigo de
Álvaro Barreto, um proficiente balanço da historiografia circulista, analisando
quatorze trabalhos, incluindo artigos, dissertações e teses.
65
O recorte espacial
64
PETERSEN, Sílvia Regina Ferraz, op. cit., pp. 89-90.
65
BARRETO, Álvaro. Uma avaliação da produção historiográfica sobre os Círculos
Operários. In: Anos 90, Revista do Programa de Pós-Graduação em História, 7, julho, pp.
127 –147. Porto Alegre: UFRGS, 1997. As pesquisas analisadas por Barreto neste balanço
historiográfico são as seguintes: ALMEIDA, Paulo Roberto. rculos Operários Católicos:
práticas de assistência e de controle no Brasil. São Paulo, 1992. Dissertação de Mestrado
em História. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo; BARBIAN, Hilário. Círculo
Operário e sindicalismo em Ijuí-RS (1932-1946). Florianópolis, 1991. Dissertação de
Mestrado em História. Universidade Federal de Santa Catarina; BARRETO, Álvaro. O
movimento operário rio-grandense e a intervenção estatal: a FORGS e os círculos
operários (1932-35). Porto Alegre, 1996. Dissertação de mestrado em História. Instituto de
Filosofia e Ciências Humanas. Universidade Federal do Rio Grande do Sul; ________
Propostas e contradições dos círculos operários. Pelotas: UFPEL, 1995;
BRANDÃO,Berenice. O movimento católico leigo no Brasil: as relações entre Igreja e
Estado 1930-37. Rio de Janeiro, 1975. Dissertação de Mestrado em História. Universidade
Federal Fluminense; DIEHL, Astor Antônio. Círculos Operários no Rio Grande do Sul: um
projeto social-político (dos anos 30 a 1964) Porto Alegre: Edipucrs, 1990; _______ Os
Círculos Operários: um projeto entre a modernidade e a tradição. Veritas. Porto Alegre:
PUCRS, v. 37, n. 148, dez. 1992; LAUSCHMER, Roque. A nova carta de princípios
doutrinários e programáticos do movimento circulista e a Doutrina Social da Igreja. In:
SCHÜHLY, Günther / KÖNIG, Hans Joachim / SCHNEIDER, José Odelso. Consciência social
a história de um processo através da doutrina social da Igreja. São Leopoldo: Unisinos,
1995; MIRANDA, Carlos. A questão social e os círculos operários do Recife. Clio. Recife:
Universidade Federal de Pernambuco. n. 16, 1996; RAUCH, Urbano. Formação de lideranças
entre os trabalhadores. Os Círculos Operários. In: SCHÜHLY, Günther / KÖNIG, Hans
Joachim / SCHNEIDER, José Odelso. Consciência social – a história de um processo
através da doutrina social da Igreja. São Leopoldo: Unisinos, 1995; SCHNEIDER, José
45
das pesquisas referendam a assertiva em torno das regiões sul e sudeste
como centros hegemônicos da produção historiográfica sobre o circulismo.
Outro elemento significativo nesse balanço historiográfico é a
caracterização do âmbito dessas pesquisas. Para que se compreenda suas
tendências de abordagem, Álvaro Barreto classifica-as em três grupos de
acordo com as proposições dos trabalhos, observando que:
(...) os estudos podem ser subdivididos em três tipos de
objetos: os que analisam o movimento circulista em geral,
caso de Scheneider, Tambara, Brandão, Rauch e
Lauschmer; aqueles que também propõem uma
investigação generalizante, mas a fazem a partir de uma
entidade municipal ou estadual específica, caso de
Barreto(1996) e Dihel, os quais estudam o circulismo rio-
grandense, Almeida que o faz em Jundiaí (SP), Souza em
Volta Redonda (RJ), Barreto (1995) em Pelotas (RS),
Wiarda em Belo Horizonte (MG) e Miranda em Recife (PE).
O terceiro grupo não tenta globalizar a interpretação do
circulismo, mas se preocupa com a trajetória de uma
entidade específica e a relaciona não com o contexto
nacional, o Estado ou a Igreja, mas com o panorama local,
fazendo da cidade, mais do que o Círculo Operário, o foco
primordial. Nesse caso, inclui-se o estudo de Barbian sobre
o Círculo Operário de Ijuí (RS).
66
As reflexões de Álvaro Barreto atentam especificamente para a análise
estrutural das pesquisas e a localização temporal dessas, em vista que a
predominância é o período compreendido entre 1930 e 1945, fundamentadas
em acontecimentos nacionais marcantes. Barreto aponta algumas das
“carências da análise estrutural” dos Círculos Operários notadamente “(...) pela
insuficiência teórica da afirmação majoritária de que 1932-1945 foi um período
específico da sua trajetória e o mais significativo da mesma”.
67
Além desta
questão, o autor ressalva que:
Odelso. O operariado brasileiro e os círculos operários. Síntese Política Econômica Social.
São Paulo: Loyola, v. 7, n. 27, jul. set. 1965; SOUZA, Jessie Jane Vieira de. Valentim, o
guardião da memória circulista (1947-1958). Campinas, 1992. Dissertação de mestrado em
História. Universidade Estadual de Campinas; TAMBARA,Elomar. Círculo Operário e Igreja: a
formação da classe trabalhadora. In: GHIGGI, Gumercindo / TAMBARA, Elomar /
HYPOLITO, Álvaro. Trabalho, conhecimento e formação do trabalhador. Pelotas: UFPEL/
Mundial, 1993; WIARDA, Howard. O movimento operário católico brasileiro: os dilemas do
desenvolvimento nacional. Rio de Janeiro: Centro João XXIII, 1974. [Mimeog.]
66
BARRETO, Álvaro, op. cit., p. 129.
67
BARRETO, Álvaro, op. cit., p. 143
46
Enquanto a ênfase aos aspectos estruturais faz com que
tenhamos uma riqueza de análises e matizes do que
significa ou significou o circulismo no contexto nacional,
perdeu-se de vista muito da sua trajetória ou dos aspectos
factuais de sua existência. Por exemplo: pouco se sabe
sobre sua expansão, consolidação e decadência (quando
for o caso) do circulismo no país; se a mesma seguiu algum
plano prévio ou se deu ao sabor dos acontecimentos; se a
Igreja teve um papel decisivo ou não nesse processo.
68
Analisei ainda outras três recentes pesquisas sobre os Círculos
Operários que não constam no balanço da literatura circulista produzida por
Barreto. O primeiro deles é o trabalho de George Evergton sobre o Círculo
Operário da Bahia, o segundo é o de Damião Farias que discute os Círculos
Operários em São Paulo e o terceiro, o mais recente trabalho de Jessie Jane,
abordando as estratégias elaboradas pela Igreja para garantir sua inserção no
mundo do trabalho.
69
As pesquisas realizadas sobre a organização circulista contribuíram
sobremaneira para alargar o entendimento deste projeto que implementado em
todo o país, mobilizou centenas de milhares de trabalhadores, a cúpula
eclesiástica, elementos das camadas médias e o próprio Estado, embora os
objetivos que os motivaram possam ser de natureza diferenciada. Não
obstante, a produção historiográfica do movimento circulista negligenciou pelo
menos um aspecto relevante para o conhecimento de sua trajetória histórica a
saber: as experiências circulistas que antecederam o ano de 1932, considerado
pelos estudiosos da temática como o marco inicial da organização circulista no
Brasil.
Para os pesquisadores, o primeiro Círculo Operário nasce no Rio
Grande do Sul, na cidade de Pelotas no ano de 1932. No entanto, a
investigação de documentos sobre a organização circulista no Ceará nos levou
a repensar esse marco cristalizado nos trabalhos que tratam dos Círculos
Operários. Através destes, apresentamos a organização circulista no Ceará,
iniciada em 1915, com a criação em sua capital, do Círculo de Operários e
68
BARRETO, Álvaro, op. cit., p. 135.
69
SOUSA, George Evergton Sales. Entre o Religioso e o Político: uma história do Círculo
Operário da Bahia. Salvador, 1996. Dissertação de Mestrado em História. Universidade
Federal da Bahia; FARIAS, Damião Duque de. Em defesa da ordem: aspectos da práxis
conservadora católica no meio operário em São Paulo (1930-1945). São Paulo: Editora
47
Trabalhadores Católicos
70
, durante o episcopado de D. Manuel da Silva
Gomes, primeiro arcebispo deste Estado
71
.
O Pe. Leopoldo Brentano, apresentado pela historiografia circulista
como o fundador do primeiro Círculo Operário no Brasil, reconhece a existência
de importantes experiências de organizações operárias católicas em outros
lugares do país. Conquanto, ele adverte sobre as limitações destas
organizações operárias de orientação católica antes dos anos trinta, tendo em
vista que suas ações não estavam coordenadas em nível nacional, portanto
sem a devida articulação em sua estrutura, o que, em sua opinião comprometia
o sucesso do circulismo como projeto arregimentador das massas:
Temos ainda numerosos movimentos que têm realizado
obras verdadeiramente valiosas, por exemplo: no norte, as
“Uniões Operárias”, em Campina Grande, Areia, Guarabira,
no Estado da Paraíba, e as “Legiões do Trabalho” em
diversos Estados. No Ceará e em outros Estados do Norte,
temos os “Círculos Católicos de Operários e Trabalhadores
de São José”, que são muito numerosos.
...........................................
Entretanto, geralmente estas obras limitaram seu raio de
ação a um determinado lugar, quando muito a um Estado.
Outras se petrificaram, cessando o progresso e o
entusiasmo inicial. Embora estas organizações tenham
prestado uma grande soma de benefícios individuais a seus
associados, e mesmo exercido uma certa influência
orientadora sobre o operariado local, todavia, não
conseguiram cristalizar-se num movimento geral,
coordenado e vencedor, capaz de transformar as grandes
massas.
72
O argumento de Brentano tem um forte viés político, pois ele tenciona
demarcar uma nova forma orgânica nacional e programática. Por esta razão,
não enfatiza os processos anteriores e, ao contrário, tende a minimizá-los e
mesmo a criticar sua “eficácia”, por considerar que seu raio de ação estava
restrito a uma região ou localidade. Ocorre que a historiografia longe de
investigar essas outras experiências, “comodamente”, partiu da periodização
Hucitec,1998; SOUSA, Jessie Jane Vieira de. Círculos Operários: a Igreja Católica e o
mundo do trabalho no Brasil. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2002.
70
STUDART, Barão de. Datas e factos para a História do Ceará. Edição fac-similar.-
Fortaleza: Fundação Waldemar Alcântara, 2001.
71
Em 1915, por decreto do Papa Bento XV o bispado do Ceará é elevado a arcebispado. O
mesmo documento cria o bispado de Sobral, sufragâneo de Fortaleza. O bispado do Crato,
antes sufragâneo de Olinda, passa a ser sufragâneo de Fortaleza.
48
formulada por ele. O que apresento é uma outra periodização consubstanciada
na organização circulista no Ceará.
Compreendo que, embora essa experiência iniciada em 1915 não
tenha transposto os limites geográficos desse Estado, credenciou-se como
projeto e demarcou um espaço significativo de atuação entre os trabalhadores
cearenses. Neste sentido, desloco o período que assinala o surgimento dos
Círculos Operários no Brasil para o ano de 1915.
A propósito da progressão do circulismo no Ceará, questão que será
aprofundada posteriormente, podemos antecipar que esta não sofreu nenhuma
estagnação ou mesmo redução do “entusiasmo inicial” no período que
antecedeu o processo de unificação. Antes de 1930, encontramos Círculos
Operários em vários municípios do Estado.
73
A ação desenvolvida por estes
círculos não difere dos objetivos instituídos posteriormente, por ocasião da
padronização estabelecida no Congresso Operário de 1937. A exemplo disso,
podemos citar as diversas atividades do Círculo de Operários de Fortaleza, que
oferecia escolas de alfabetização e formação profissional para os trabalhadores
circulistas, caixa de socorro para sustento dos operários inválidos, caixa de
sinistro e mutuaria e mantinha uma banda de música com aulas teóricas e
práticas, cooperativa de consumo, oficinas diversas e um cinema.
O ano de 1932 assinala o nascimento do Círculo Operário de Pelotas e
a partir daí a expansão de outras organizações circulistas no Rio Grande do
Sul. A década de trinta é singular na trajetória do circulismo no Brasil por ter
ocorrido nesse momento histórico, a unificação e hierarquização dos círculos,
contribuindo significativamente para expansão e fortalecimento do movimento.
É nesse período que se organiza o movimento circulista em âmbito nacional.
Leopoldo Brentano trata de articular as organizações operárias de orientação
católica em todo o Brasil, visando a unificação destas. Para tal empreitada,
dialoga com Tristão de Ataíde que projetava, desde 1931, a constituição de
uma Confederação Nacional de Operários Católicos.
O Congresso Eucarístico em Belo Horizonte realizado em 1936 foi o
primeiro grande passo rumo à unificação. Dentre as deliberações do
72
Manual do Círculo Operário. CNOC, Rio de Janeiro: Editora Vozes, 1939, p. 23.
73
Aracati(1920); Limoeiro(1928); Baturité(1924); Sobral(1921); Redenção(1925); dos bairros
de Fortaleza, temos antes de 1930, o registro do Círculo de Parangaba(1923);
49
Congresso que proporcionaram a convergência das organizações operárias
para a unificação temos: a fundação de Círculos Operários nos principais
centros de trabalho, a realização, no ano de 1937, de um Congresso Operário
Católico e a transferência do pe. Leopoldo Brentano para o Rio de Janeiro
onde pudesse melhor coordenar e encaminhar essas resoluções.
No Congresso Operário Católico ocorrido em novembro de 1937, no
Rio de Janeiro, o maior obstáculo a ser vencido era convencer as organizações
católicas presentes
74
a superarem o regionalismo, renunciar aos moldes de sua
entidade e se adaptarem a um modelo único de organização, cujos moldes
deveriam ser escolhidos no Congresso, para que, a partir deste, as
organizações assumissem a mesma denominação, estatuto, símbolos,
programa, estrutura, métodos de ação, unificação externa e interna, enfim. Não
dúvidas de que houve resistência por parte das organizações presentes,
que elas teriam que integrar-se a uma proposta unificadora. Nas palavras do
pe. Leopoldo Brentano esse processo de unificação ganha uma certa
visibilidade:
O que consola e nos enche de esperança é a grande
elevação de vistas e o desejo ardente de união e
uniformidade em todos os sentidos. Este espírito que
presidiu a todos os trabalhos foi se acentuando mais e mais
e acabou por vencer resolutamente todos os interesses
particulares e regionalistas.
....................................................
Foram corajosa e energicamente vencidos os preconceitos
e sentimentos acanhados do egoísmo coletivo, que se
chama regionalismo e bairrismo, para o bem geral dos
trabalhadores de todo o Brasil. Todas as organizações
tiveram que sacrificar alguma coisa, na estrutura, no nome,
nos símbolos ou em qualquer outro ponto.
75
O que se observa no discurso de Brentano é que uma disputa
latente em busca da hegemonia de um certo modelo para a organização
circulista no Brasil. O ponto de partida para a constituição desse novo modelo
não era acolher as experiências anteriores, restritas, parcelares, mas sacrificá-
las em nome do grande projeto nacional. Embora o novo modelo tenha
74
Neste Congresso Operário Católico estiveram presentes 31 delegados representando cerca
de 40 organizações operárias católicas, dentre elas 34 círculos operários.
75
Manual do Círculo Operário. CNOC, Rio de Janeiro: Editora Vozes, 1939, p. 28.
50
recebido a contribuição das outras organizações circulistas em face da longa
experiência destas organizações, Brentano enfatiza ter tomado como
referência o Círculo Operário de Pelotas, indicando que essa organização
circulista dispunha de elementos que o qualificava como exemplo a ser seguido
pelas demais. A Fortaleza, jornal da Federação dos Círculos Operários do
Ceará versa sobre a questão, salientando a contribuição de outras unidades
circulistas que já dispunham de larga experiência:
Os Estatutos dos rculos Operários que constam no
manual, tomaram como paradigma o do Círculo Operário de
Pelotas, acrescidos e aperfeiçoados, levando em conta as
sugestões apresentadas e as experiências de muitos
anos.
76
As deliberações do Congresso de 1937 consolidaram o projeto de um
movimento operário católico em âmbito nacional, capacitado para disputar com
os comunistas a orientação ideológica das classes trabalhadoras e fortalecer a
Ação Católica em seu meio. Apontamos algumas dessas deliberações para
visualizar o plano de ação traçado pelos congressistas com o objetivo de
expandir e fortalecer o circulismo no Brasil, mas principalmente com vistas à
efetivação das decisões tomadas por ocasião do Congresso:
-As organizações operárias de orientação católica
existentes e os Círculos Operários a serem fundados
adotarão os moldes de denominação, estatutos, métodos e
símbolos oficializados pelo congresso, de modo que terão a
mesma bandeira, distintivo, hino, etc.;
-Os Círculos Operários de cada estado unir-se-ão em
federações estaduais, as quais filiar-se-ão à confederação;
-A C. N. O. C. e suas organizações serão aderentes à Ação
Católica por intermédio do Secretariado Econômico Social
da mesma A.C.;
-Ação intensa na esfera sindical, para que todos os sócios
dos CC. OO. estejam sob o amparo das leis sociais e
possam colaborar para a prosperidade dos sindicatos e
imprimir-lhes uma orientação construtora;
77
É relevante para a compreensão do projeto circulista no Brasil,
observar como ocorreu o processo em que várias entidades operárias
76
A Fortaleza, ano I, nº 19, 20/01/51. Fortaleza.
77
Manual do Círculo Operário. CNOC. Rio de Janeiro: Editora Vozes, 1939, p.27.
51
católicas
78
, incluindo aí os Círculos Operários existentes antes de 1932,
aderiram a uma proposta unificadora e uniformizadora consolidada em 1937,
que veio a constituir o grande movimento circulista.
O estabelecimento de marcos ou periodizações generalizantes em
estudos desta natureza são passíveis de equívocos, muitas vezes
comprometedores, tendo em vista a parcialidade dos dados e informações que
dispomos. No Manual do Círculo Operário, o pe. Leopoldo Brentano distingue
quatro marcos da trajetória circulista: o primeiro vai de 1932 a 1936, com a
expansão dos Círculos Operários no Rio Grande do Sul; o segundo é marcado
pelas decisões do Congresso Eucarístico de Belo Horizonte em 1936; o
terceiro pela execução das propostas do Congresso Eucarístico de Belo
Horizonte e as ações aprovadas no Congresso Operário Católico realizado no
Rio de Janeiro em 1937 e o último pela efetivação das resoluções do
Congresso no pós- 37.
79
O marco inicial apresentado por Brentano é o mesmo em todas as
pesquisas sobre o circulismo, por mim consultadas, ou seja, a fundação do
Círculo Operário de Pelotas e a difusão dos círculos no Rio Grande do Sul.
Quanto aos outros marcos do circulismo, o pe. Leopoldo Brentano vincula-os
aos eventos católicos, dada a importância que eles tiveram como espaço de
articulação de uma estratégia que visava a incorporação da proposta circulista
pela cúpula eclesiástica e a consolidação do projeto unificador.
Jessie Jane
80
apresenta, em seu trabalho que enfoca o Círculo
Operário de Volta Redonda, cinco períodos para a história do circulismo. O
primeiro período é o mesmo estabelecido pelo Pe. Brentano; o segundo está
circunscrito entre 1936 e 1945, assinalado pela expansão do movimento e nas
relações firmadas com o Estado; o terceiro compreende os anos de 1946 a
1964, o qual ela interpreta como o “mais promissor do circulismo”; o quarto vai
78
Dentre as organizações operárias de orientação católica que transformaram-se em círculos
operários, a partir do I Congresso Operário Católico em 1937, podemos citar: a Liga Operária
Católica de Goiás, as Uniões Operárias de Campina Grande, Guarabira e Areia na Paraíba,
os Centros Operários Católicos de São Paulo, Curitiba e Campinas, a União Operária São
Francisco, na Bahia. Todas essas organizações fizeram adaptação aos moldes circulistas no
ano de 1938.
79
Manual do Círculo Operário. CNOC. Rio de Janeiro: Editora Vozes, 1939.
80
SOUZA, Jessie Jane Vieira de.Valentim, o guardião da memória circulista (1947-1958).
Campinas, 1992. 151 p. Dissertação de Mestrado em História. Universidade Estadual de
Campinas.
52
de 1964 a 1976, quando os Círculos Operários formam dirigentes para a
organização sindical, que inclusive é marcado por uma crise na organização
circulista; o quinto período é o da reorganização circulista e sua aliança com
outras organizações operárias, compreendendo os anos de 1976 a 1992. A
periodização de Jessie Jane abrange precisamente seis cadas. Alguns
períodos estão relacionados a acontecimentos políticos de âmbito nacional,
outro é um evento eclesiástico e 1976 não vincula-se a nenhuma das duas
perspectivas.
Para o entendimento das raízes do circulismo no Brasil, deve-se situá-
lo inicialmente junto as primeiras experiências de organizações católicas no
meio operário, nas primeiras décadas do século XX. Essas experiências
floresceram de forma isolada, seguindo porém as orientações da encíclica de
Leão XIII. Embora adotassem diferentes denominações, em essência,
perseguiam os objetivos traçados na Rerum Novarum, sendo provavelmente
uma das razões que propiciaram a posterior unificação destas, congregadas
sob a mesma bandeira: a dos Círculos Operários.
Foram portanto, essas organizações operárias católicas, experiências
dispersas em vários estados do país, que unificadas e hierarquizadas em
níveis estadual e nacional, deram corpo ao triunfante movimento circulista no
pós-1937.
Como divisor de águas, proponho dois momentos distintos da história
das organizações operárias de orientação católica. O primeiro compreende os
anos de 1906 à 1936, onde localizamos a existência destas organizações,
incluindo os Círculos de Operários. Neste período, verifica-se o surgimento dos
Centros Operários, desenvolvidos principalmente em o Paulo. No Nordeste,
o florescimento das Uniões Operárias na Paraíba; os Círculos de Operários e
Trabalhadores Católicos no Ceará; e no Rio Grande do Sul, a formação dos
Círculos Operários a partir de 1932.
O ano de 1936 assinala o término dessa fase tendo em vista as
redefinições das estratégias da Igreja Católica para o mundo do trabalho com
as resoluções do Congresso Eucarístico ocorrido em Belo Horizonte. O que de
fato caracteriza esse período é que as organizações operárias católicas se
desenvolveram com uma certa independência em relação à hierarquia
eclesiástica. Não estavam submetidas e enquadradas a um modelo uniforme,
53
redutor das diferenças. Os hinos e as bandeiras eram construídos pelos seus
membros. Veja-se por exemplo o caso dos Círculos Operários no Ceará:
embora Fortaleza tivesse sido o primeiro município a organizar um Círculo
Operário e as outras unidades circulistas a se constituírem posteriormente
adotassem o modelo deste Círculo, os hinos e canções circulistas se
diferenciavam, pois até então não havia a imposição de um modelo a ser
rigorosamente copiado.
O segundo momento tem como marco o ano de 1937 e é
caracterizado pelo projeto unificador com forte peso hierárquico, onde as
organizações operárias de orientação católica adotam o modelo dos Círculos
Operários e estes tornam-se instrumentos da Igreja Católica para promover a
cristianização das classes trabalhadoras.
A efetivação das resoluções do I Congresso Operário Católico, foi de
significativa relevância para a expansão do circulismo no Brasil. A cúpula
eclesiástica ao escolher os Círculos Operários como caminho para aproximar-
se das classes trabalhadoras, orientava o clero no sentido de fundar
organizações circulistas e adaptar ao modelo dos círculos operários, as
associações existentes. Assim é que as Uniões Operárias, Centros
Operários e congêneres assumiram no plano externo e interno o modelo dos
Círculos Operários.
Os Círculos Operários desenvolvendo um amplo projeto de cunho
político e teológico, eram predominantemente as organizações de orientação
católica presentes entre as classes trabalhadoras. Contudo, verifica-se a
assistência de outras entidades católicas que disputaram com os Círculos
Operários a orientação dos trabalhadores. Tal é o caso da Juventude Operária
Católica e Ação Católica Operária.
Nos anos posteriores a 1945, as organizações operárias católicas se
fortaleceram, buscaram alinhar-se num mesmo bloco e, apesar de assumirem
posições políticas diferenciadas, tinham em comum a luta contra o comunismo
e o propósito de oferecer uma feição cristã às reivindicações operárias.
Tratando desse assunto, Jessie Jane comenta que:
Os grupos católicos ganharam força a partir de 1956 e,
apesar das diferenças existentes entre eles, de uma forma
54
ou de outra uniram-se no MSD(Movimento Sindical
Democrático). Dentre os grupos católicos, existia aqueles
identificados com as orientações da esquerda independente,
como a JOC, a JUC e o MEB, e aqueles articulados pelo
alto clero, de tendência conservadora, como os circulistas.
81
A propósito da dinâmica do movimento circulista no pós-1945,
observamos que a esse respeito, alguns trabalhos acadêmicos apresentam a
visão de que após o Estado Novo o circulismo fragiliza-se. Essa concepção
parte da premissa que os Círculos Operários estavam de tal forma vinculados
ao Estado Novo que não conseguiram adequar-se às mudanças conjunturais.
Encontramos em produções que versam sobre temáticas afins, algumas
referências à organização circulista no período posterior a 1945. No entanto,
esses trabalhos apresentam conclusões apressadas, visto que concebem o
movimento circulista como apêndice de um projeto da Igreja Católica para
articular-se com o Estado, portanto uma organização sem expressão própria,
sujeita exclusivamente as mudanças conjunturais e que não conseguiram
impor uma dinâmica própria para superação das crises.
No trabalho de Ângela de Castro Gomes sobre o trabalhismo, a
referência aos Círculos Operários limita a existência destas organizações ao
período do Estado Novo. Acredito pois, que tal concepção é fruto da carência
de pesquisas que propusessem ultrapassar esses marcos, aprofundando o
conhecimento acerca do circulismo, o que possibilitaria confrontar diferentes
olhares sobre este. Ângela C. Gomes relaciona as mudanças que se operaram
no movimento circulista no pós-1945 à nova conjuntura política que demarcou
esse período. A elaboração do conceito sobre o circulismo, referenda-se na
vinculação desse projeto ao Estado Novo:
Profundamente assistencialista, a proposta circulista
vinculou-se a um clima político de intenso combate ao
comunismo e de grande simpatia por um Estado Autoritário,
com estas características marcantes, tornou-se incômoda
quando os ventos da política internacional e nacional
começaram a soprar em outra direção.
82
81
Idem, p. 252.
82
GOMES, Ângela M. de Castro. A invenção do trabalhismo. São Paulo: Vértice, 1988.
55
Semelhante formulação sobre a atuação dos Círculos Operários é feita
por Thomas Bruneau. Para este autor, havia um forte vínculo entre os Círculos
e o Estado Novo, de modo que, Tão ligado a esse sistema era o movimento
que ficou mal adaptado depois da morte de Vargas”
83
Ainda acerca do caráter
do circulismo, Bruneau tece outras considerações que reduzem o movimento
circulista a uma proposta meramente caritativa, obscurecendo sua dinâmica no
plano organizacional, político e sindical, cujas propostas redefinidoras foram
traçadas durante o IV Congresso Nacional em 1945
84
. Assim, apressadamente
conclui que após a morte de Vargas:
Os Círculos Operários continuaram a se preocupar com
questões de catequese, moralismo, o avanço da
secularização e a distribuição de esmolas. Ficaram, não
dúvidas nenhuma, alienados dos elementos dinâmicos que
atuavam dentro do movimento trabalhista, e se tornaram
cada vez mais irrelevantes para a sociedade.
85
Ralph Della Cava também partilha a idéia da transitoriedade dos
Círculos Operários. Associando o nascimento destes às orientações da
Encíclica Quadragésimo Anno e sua expansão ao Estado Novo, Della Cava
afirma que:
(...) a última organização é a dos Círculos Operários,
fundada em 1932, uma ano após a promulgação da
Quadragésimo Anno de Pio XII, e que se tornaria de
âmbito nacional com o estabelecimento do Estado Novo,
tendo um florescimento apenas efêmero.
86
Com base na trajetória do circulismo no Estado do Ceará, bem como
no seu desempenho em nível nacional, corroboro as afirmações de Jessie Jane
83
BRUNEAU, Thomas C. Catolicismo Brasileiro em Época de Transição. São Paulo:
Loyola, 1974. (Temas brasileiros, 3).Tradução de Margarida Oliva.
84
Sobre o assunto consultar SOUZA, Jessie Jane Vieira de. Círculos Operários: a Igreja
Católica e o mundo do trabalho no Brasil. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2002.
85
BRUNEAU, Thomas C. Catolicismo Brasileiro em Época de Transição. São Paulo: Loyola,
1974. (Temas brasileiros, 3).Tradução de Margarida Oliva. p. 165.
86
DELLA CAVA, Ralph. Igreja e Estado no Brasil do século XX. In: Estudos CEBRAP, nº 12,
Edições Cebrap, São Paulo, 1975. BARRETO, Álvaro. Uma avaliação da produção
historiográfica sobre os Círculos Operários. In: Anos 90, Revista do Programa de Pós-
Graduação em História , nº 7, julho, pp. 127-147. Porto Alegre: UFRGS, 1997.
56
para quem, 1946-1964 representa o período mais promissor do circulismo
87
.
O VI CONGRESSO NACIONAL DOS CÍRCULOS OPERÁRIOS realizado no
Rio de Janeiro de 19 a 25 de junho de 1950, apresentou um significativo
crescimento dos Círculos Operários no Brasil. Os relatórios do VI
CONGRESSO apontam que, no período de 1946 a 1950 haviam surgido quatro
novas federações e as organizações circulistas passaram de 221 para 275.
88
Creio portanto, que não é válida a generalização de 1945 como o ano da
ruptura, seguido da decadência do circulismo no Brasil.
Encontramos decerto alguns estudos que evidenciam o declínio da
organização circulista com o fim do Estado Novo. Alguns destes são
abordagens generalizantes como é o caso do estudo de Wiarda, no qual afirma
que “...depois da queda de Vargas em 1945, o movimento operário católico
entrou em declínio, do qual somente agora começa a se recuperar”.
89
Outros,
porém, são pesquisas realizadas em âmbito municipal, como o estudo sobre o
Círculo Operário do Recife, no qual Miranda defende a idéia de que a
decadência do circulismo estava associada à desestruturação do Estado Novo.
Concluindo, o autor apresenta a contínua redução das atividades circulistas no
Recife, entre 1944 e 1946.
90
Não obstante, registre-se o insucesso de algumas organizações
circulistas em determinados locais, temos outras realidades que apontam uma
87
SOUZA, Jessie Jane Vieira de.Valentim, o guardião da memória circulista (1947-1958).
Campinas, 1992. 151 p. Dissertação de Mestrado em História. Universidade Estadual de
Campinas
88
Pesquisando no semanário circulista A Fortaleza, Ano I, nº 25, 03/03/51, encontrei uma
análise do desenvolvimento dos Círculos Operários no Brasil, que referenciando-se nos
relatórios do VI CONGRESSO NACIONAL DOS CÍRCULOS OPERÁRIOS, realizado no Rio de
Janeiro, de 19 a 25 de junho de 1950, afirma o crescimento do movimento no período de 1946
a 1950.
89
WIARDA, Howard. O movimento operário católico brasileiro: os dilemas do
desenvolvimento nacional. Rio de Janeiro: Centro João XXIII, 1974. [Mimeog.]. Apud
BARRETO, Álvaro. Uma avaliação da produção historiográfica sobre os rculos
Operários. In: Anos 90, Revista do Programa de Pós-Graduação em História , 7, julho, pp.
127-147. Porto Alegre: UFRGS, 1997.
90
MIRANDA, Carlos. A questão social e os Círculos Operários do Recife. Clio. Recife:
Universidade Federal de Pernambuco. Série História do Nordeste, Nº 16, 1996. Observa-se
nesta passagem o definhamento dos Círculos Operários na capital pernambucana: “De acordo
com o relatório da Assembléia Geral do COR, realizada em janeiro de 1944, e apresentada por
seu presidente, Severino Venceslau da Silva, constata-se o declínio das atividades circulistas,
com o fechamento dos Núcleos de Tejipió, Torre, Iputinga e suas respectivas escolas de
assistência educacional. Evidencia-se, mais ainda, a queda dos CCOO, no relatório de 1946 do
COR, apresentado pelo seu presidente, quando do fechamento dos Núcleos de Tamarineira,
Gameleira e Campo Grande, juntamente com suas respectivas escolas, restando em atividade,
apenas, o Núcleo do Prado.”(p. 37)
57
trajetória inversa, ou seja, da continuada ascensão dos Círculos Operários
após o fim do Estado Novo. O Ceará é, pois, um exemplo desse processo de
expansão circulista. A organização circulista cearense promove não somente o
surgimento de novas unidades e núcleos circulistas, mas, também, a ampliação
desse projeto e o fortalecimento de sua base de atuação, com o
estabelecimento de uma complexa rede de colaboração e parcerias nas
diversas instâncias do poder estatal, bem como as relações com organizações
civis e religiosas.
Outro aspecto que pode ser considerado como uma lacuna na
historiografia circulista é o fato de que as pesquisas concentram-se nas regiões
industrializadas. Decerto que o alvo principal do circulismo foram os locais de
maior agrupamento de operários, onde a Igreja tentava por um dique à
infiltração comunista”.
91
Todavia, no caso do Ceará, a proposta circulista se
estendeu ao interior do Estado, onde predominava a atividade agrícola, sendo,
portanto, a maioria de seus associados composta por trabalhadores rurais. No
ano de 1953, a Federação dos Círculos Operários do Ceará divulga uma
relação dos Círculos Operários deste Estado. Era um total de 88 Círculos
Operários: 18 Círculos Operários na Capital e os outros localizados em 70
municípios.
92
Compreendo, portanto, que os vieses da produção sobre o circulismo
indicam lacunas que somente serão supridas a partir de novas pesquisas sobre
o tema. A ampliação dessas pesquisas e a “inter-relação dos estudos
regionais” ou melhor dizendo, um cruzamento dos resultados dessas
pesquisas”
93
, poderá proporcionar o alargamento da visão que temos do
circulismo não somente como forma de associativismo entre os trabalhadores,
mas também enquanto projeto de intervenção da Igreja Católica no movimento
operário.
Apesar da existência de um número significativo de pesquisas sobre o
tema, é inegável que o Círculo Operário, como forma de associativismo entre
91
MANUAL DO CIRCULO OPERÁRIO. Documento da CNOC que contém os princípios e
orientações do circulismo. Consta também documentos de várias organizações,
depoimentos e discursos proferidos por autoridades civis e eclesiásticas em prol do circulismo.
92
A FORTALEZA, ano III, nº 139, 26/07/53.
93
PETERSEN, Sílvia Regina Ferraz. Cruzando Fronteiras: as pesquisas regionais e a
história operária brasileira. In: Gomes, Ângela Maria Castro (org.) Trabalho, cultura e
cidadania: um balanço da história social brasileira. São Paulo: Scritta, 1997 pp. 85-103.
58
os trabalhadores, configura- se como um exemplo de organização que não
despertou grande interesse dos pesquisadores e tampouco dos militantes.
Sobre o silêncio” em torno do circulismo Jessie Jane profere de forma lacônica
que: O Circulismo é um movimento que ficou no esquecimento, um fato
mantido em um passado que não deve ser lembrado. Sua história não
interessa a ninguém.”
94
Considero de relevante importância os estudos sobre os Círculos
Operários para a compreensão da história dos trabalhadores no Brasil, uma
vez que estes foram experienciados por uma parcela significativa da classe
trabalhadora em todo o país. Os circulistas mantinham ainda estreitos vínculos
com outras entidades leigas, eclesiásticas e sindicais - construindo relações
ricas e complexas, que podem nos oferecer uma melhor visão, em extensão e
profundidade, da história dos trabalhadores nos seus ltiplos espaços. O
circulismo apresenta-se inequivocamente como um tema com diversas
possibilidades de realização de muitas descobertas sobre suas origens, o
controle, a ação da Igreja e do Estado, sua trajetória, especificidades regionais,
seus sujeitos históricos, mediações com outras organizações dos trabalhadores
e ações no campo da cultura.
Esse estudo busca evidenciar a existência de experiências circulistas
que antecederam o processo de irradiação do circulismo no Brasil. Procura
ainda compreender como ocorreu o processo de uniformização das
organizações operárias católicas sob a bandeira do circulismo, ancorado na
proposição de um novo modelo que se pretendia hegemônico, enquanto
minimizava a importância dessas experiências, descredenciando-as. Outro
aspecto que apresento como relevante é a visibilidade da atuação circulista nos
municípios onde a mão-de-obra fabril não era predominante, ou seja, no mundo
rural onde as demandas desses trabalhadores sensivelmente se diferenciavam
do operário. A concretização de futuras pesquisas sobre o circulismo, com
novos recortes (cronológicos e geográficos) permitirá interpretar com mais
clareza os seus significados para os trabalhadores da época, bem como, os
câmbios pelos quais passou o movimento.
94
SOUZA, Jessie Jane Vieira de. Círculos Operários: a Igreja Católica e o mundo do
trabalho no Brasil. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2002, p.279.
59
Segunda Parte - O Circulismo no Ceará
O circulismo cearense transformou-se num dos mais vigorosos em todo
o país. No ano de 1950, o Ceará era um dos Estados com maior mero de
Círculos Operários
95
. Apesar disso, encontramos apenas esparsas referências
à organização circulista no Ceará, com exceção para o trabalho de Agenor
Júnior, que realizou um estudo sobre a atuação da Igreja Católica junto aos
trabalhadores urbanos no município de Sobral, onde aborda a organização
circulista local.
96
Considero que essa temática, como campo de estudos, apresenta-se
plena de possibilidades e enriquecerá sobremaneira a História Social do
Trabalho no Ceará, tendo em vista que ao momento foi abordada apenas
tangencialmente.
Assim, apresento algumas breves considerações sobre trabalhos que,
embora não tratem dos Círculos Operários no Ceará como objeto de
investigação, versam sobre temáticas correlatas. Analisei alguns estudos,
dentre eles o trabalho de Júlia Miranda, sobre a ação da Igreja Católica
brasileira, especialmente o catolicismo cearense, com ênfase na análise do
discurso católico. Neste trabalho os Círculos Operários aparecem como uma
importante proposta elaborada e levada à cabo pelo clero cearense, com o
propósito de recristianizar a sociedade. No entanto, apesar da autora
considerar relevante a criação dos Círculos Operários como forma de inserção
da Igreja no campo do trabalho, apenas o seu aspecto caritativo foi
enfatizado.
97
Apesar de encontrar em Júlia Miranda
98
indicações sobre alguma
relação entre os Círculos de Operários e Trabalhadores Católicos e a Legião
95
A FORTALEZA ano II, nº 52, 29/09/51. O jornal divulga os dados colhidos do Mapa
estatístico organizado pela CNOC em 1950: em lugar: São Paulo 53 CC.OO; lugar:
Rio Grande do Sul 33 CC.OO; lugar: Ceará 30 CC.OO. Ocorre que o Ceará tinha em
1950, 78 Círculos Operários, no entanto apenas 30 preencheram o Mapa e remeteram a
tempo de figurar na resenha da CNOC.
96
JÚNIOR, Agenor Soares e Silva. “A cidade disciplinada” : a Igreja Católica e os
trabalhadores urbanos em Sobral – Cea (1920-1925). Recife, 2002. Dissertação de
mestrado em História. Universidade Federal de Pernambuco.
97
MIRANDA, Júlia. O Poder e a Fé: discurso e prática católicos.Fortaleza, Edições UFC,
1987
98
Idem, p. 81.
60
Cearense do Trabalho, e ainda ter analisado um documento episcopal que
estabelecia regras a serem respeitadas pelos circulistas que aderiam ao projeto
legionário, causa estranheza que em dois importantes trabalhos de João
Alfredo de Sousa Montenegro
99
que tratam do catolicismo cearense em seu
aspecto conservador e sua preocupação social, não se visualize referências ao
circulismo local. Apesar da ausência do circulismo cearense em sua relação
com o integralismo local, Montenegro, ao enfatizar o relevante trabalho de
Severino Sombra na organização da L.C.T, leva a crer que o nascimento dos
Círculos Operários no Rio Grande do Sul foi influenciado pelo programa
legionário cearense ao explicitar que:
Foi algo que realmente projetou o ilustre cearense no plano
nacional. Exemplo frisante disso é a correspondência que
recebe do Padre Brentano, grande animador do circulismo,
o qual, no Rio Grande do Sul, se mostrava interessado em
ter em mãos os documentos a conterem o ideário e a
organização da L.C.T.
........................................
Disso resultaria a fundação pelo sacerdote em apreço dos
Círculos Operários naquele Estado.
100
No estudo de Adelaide Gonçalves, uma investigação sobre a imprensa
dos trabalhadores no Ceará, que encontro a presença circulista. No capítulo
que trata da Educação e controle social”, a autora compreende ser importante
“...trazer à cena alguns experimentos relevantes porque demonstrativos da
elaboração de projetos de educação e formação profissional destinados à
população pobre e trabalhadora em sua face de controle social”
101
. Nesta
abordagem, os circulistas aparecem como protagonizadores de um projeto que,
embora estando sob a direção da hierarquia católica, embalou significativa
parcela de trabalhadores e operários, pois acreditavam numa utopia: construir
uma realidade social mais justa e edificá-la harmonicamente, sem conflito
social. Ainda neste trabalho, observamos os embates entre a imprensa
99
MONTENEGRO. João Alfredo de Sousa. O Integralismo no Ceará : variações
ideológicas. Fortaleza: Imprensa Oficial do Ceará, 1986;____________ O Trono e o
Altar: as vicissitudes do tradicionalismo no Ceará (1817-1978). Fortaleza, BNB, 1992.
100
MONTENEGRO.João Alfredo de Sousa. O Integralismo no Ceará: variações ideológicas.
Fortaleza: Imprensa Oficial do Ceará, 1986. p.24.
61
socialista libertária e a imprensa católica. Os socialistas libertários, ao
apresentarem seus princípios e programa, rebatiam as críticas da imprensa
católica e seu projeto social, contrapondo-se diretamente ao trabalho
desenvolvido pelos circulistas, a quem alcunhavam de carneirada do circo”.
Essa é uma questão que trataremos posteriormente com mais profundidade.
Para aprofundar a discussão sobre a organização circulista no Ceará,
focalizo inicialmente o trabalho pastoral de D. Manuel da Silva Gomes, terceiro
bispo do Ceará, que assume suas funções em 1912 e encontra a Igreja
Católica cearense adaptada aos moldes da reforma tridentina, portanto com o
clero fortalecido, ocupando os cargos de direção nas irmandades, confrarias e
santuários. Sua ação pastoral no campo social segue as orientações da Rerum
Novarum. Logo em 1913, funda o Círculo Católico de Fortaleza que abriga
indivíduos das classes médias
102
. Sem descurar da questão social, organiza o
Círculo de Trabalhadores Católicos de São José, visando arregimentar os
trabalhadores de diferentes categorias sócio-profissionais, para oferecer-lhes
assistência material e espiritual, fundamentado no princípio da caridade e ideal
cristão de harmonia social.
Se o início do movimento circulista em outras regiões do país
“enfrentou a desconfiança da própria Igreja”
103
, o mesmo não ocorreu no
Ceará, pois um dos fatores preponderantes para o sucesso da organização
circulista cearense é que ela contava, desde o seu nascimento, com o apoio
significativo do arcebispo D. Manoel da Silva Gomes.
Desde cedo, D. Manoel fez da Rerum Novarum o guia na elaboração
de propostas para as questões sociais e nas relações com o Estado. Em sua
Carta Pastoral de 08 de dezembro de 1912, aponta para os propósitos de sua
ação eclesiástica e de como estabeleceria, no plano político, estratégias que
aproximassem a Igreja do poder temporal, objetivando exercer alguma
influência sobre este, além de receber favores e benefícios. Afirmando a
necessidade da convergência dos dois poderes em vistas da similitude de
101
GONÇALVES, Adelaide Maria Pereira. A Imprensa dos Trabalhadores do Ceará, de
1862 aos anos de 1920. Florianópolis, 2001. Tese de Doutorado em História. Universidade
Federal de Santa Catarina
102
Sobre o assunto consultar MONTENEGRO, João Alfredo de Sousa. O Trono e o Altar: as
vicissitudes do tradicionalismo no Ceará (1817-1978). Fortaleza, BNB, 1992.
62
alguns de seus objetivos, o arcebispo dirige-se, em 1912, ao tenente coronel
Marcos Franco Rabelo, então Presidente do Ceará:
Somos colaboradores na mesma obra, artífices da mesma
empresa, o engrandecimento do Ceará. (...) V. Exa. provê-
lhe o bem-estar na terra, e nós, sem descurarmos deste,
apontamo-nos sobretudo para a felicidade do céu. Mas,
ambos trabalhamos para fazer feliz o mesmo povo. Somos,
portanto, colaboradores, e, ainda que em esferas distintas,
nossa ação deve ser comum e harmônica.
104
Ainda para corroborar a assertiva, trago um fato bastante elucidativo:
em 1922, a Assembléia Legislativa aprovou emenda tributando cooperativas e
organizações congêneres. D. Manoel recorre ao governo do Estado, solicitando
isenção do imposto para o Crédito Popular São José - Sociedade Cooperativa
coordenada pela Arquidiocese. O governo “fez passar na Assembléia uma sub-
emenda isentando o Crédito Popular São José”
105
, fato que demonstra o
prestígio político da Arquidiocese e os estreitos laços com o poder estatal.
É nesse contexto que efetiva-se a proposta circulista no Ceará, em 14
de fevereiro de 1915, nos primeiros anos do episcopado de D. Manoel. As
fontes consultadas atribuem ao arcebispo e, especialmente, ao Pe. Guilherme
Waessen, primeiro Assistente Eclesiástico do Círculo, a responsabilidade pela
organização e implantação do circulismo em Fortaleza.
Por ocasião de seu 25º ano de apostolado episcopal, Dom Manoel da
Silva Gomes recebeu numerosas saudações, com ênfase e destaque para o
trabalho desenvolvido pelo religioso junto ao operariado cearense, preparando-
o e arregimentando-o, no intuito de solidificar os princípios cristãos para torná-
lo “imune” às idéias subversivas:
D. Manoel trouxe para o Ceará a Ação Católica, num tempo
em que os deveres eclesiásticos se limitavam, em nosso
país, ao campo religioso e a sociedade vivia ao lado da
Igreja mas em simples regime de vizinhança. O bispo
jovem... inspirado nas novas lições fundamentais de Leão
103
BARRETO, Álvaro. Uma avaliação da produção historiográfica sobre os Círculos
Operários. In: Anos 90, Revista do Programa de Pós-Graduação em História, 7, julho, pp.
127 –147. Porto Alegre: UFRGS, 1997. p. 137.
104
Carta Pastoral de D. Manoel da Silva Gomes Saudando seus Diocesanos 08 de
dezembro de 1912. Arquivos do Seminário da Prainha.
105
O Nordeste, ano I, 05/07/22.
63
XIII, lançou os seus olhos para a vida e, mais cedo do que
muitos outros, preparou o Ceará para as tempestades, que
somente depois haveriam de por em risco as bases do
mundo cristão. Eis porque as comoções desta última
década encontraram o operariado cearense
arregimentado e imune das seduções de doutrina contrária
à fé católica.
106
Para auxiliá-lo na Diocese, D. Manuel convida o vigário de Tauá,
Monsenhor Joaquim Ferreira de Mello, para assumir em Fortaleza o cargo de
vigário geral, e o Pe. Guilherme Waessen para reitor do Seminário.
107
Monsenhor Joaquim Ferreira de Mello permaneceu em Fortaleza, como vigário
geral, de 1914 a 1921, quando teve que assumir o bispado de Pelotas (RS).
Foi no bispado de D. Joaquim Ferreira de Melo que nasceu em 1932, o
Círculo Operário de Pelotas, considerado o primeiro Círculo Operário no Brasil,
pela historiografia circulista. É emblemático que a criação do primeiro Círculo
Operário do Rio Grande do Sul tenha ocorrido na jurisdição Diocesana de
Pelotas, cujo bispo havia presenciado e experienciado a organização circulista
no Ceará. Partindo dessa premissa, pode-se considerar a hipótese de que os
Círculos Operários no Cea inspiraram a fundação de outras organizações
circulistas no sul do país.
No aniversário do primeiro ano de episcopado de D. Joaquim Ferreira
de Melo, na Diocese de Pelotas, O Nordeste, jornal cearense de orientação
católica, publica em seu Editorial, uma matéria sobre o trabalho desenvolvido
106
Diário da Noite, 27 de outubro de 1936. (Austregésilo de Athayde)
107
Nos Arquivos do Seminário da Prainha, em Fortaleza, encontrei uma pequena biografia do
padre Guilherme Waessen. A Fortaleza, ano VIII, nº 394, 29/01/1959, publica um artigo
intitulado, Padre Guilherme Waessen Pioneiro do Circulismo no Brasil, apresentando alguns
dados biográficos e parte de sua história missionária. Guilherme Waessen nasceu em
Hoensbrock Holanda, em 23 de maio de 1873. Ordenou-se em junho de 1898 em seu país
natal. Iniciou o noviciado na Congregação das Missões em julho de 1892. Fazia parte da
Congregação dos Filhos de São Vicente. Veio para o Brasil em julho de 1898 e neste mesmo
ano começou a lecionar no Seminário da Prainha em Fortaleza. De 1901 a 1910 organizou
missões nos sertões baianos, vales e montes mineiros e nas caatingas de Pernambuco.
Retorna ao Ceará onde promove a Missão e assume o cargo de Reitor do Seminário da
Prainha, no período de 1914 a 1927. Em 1915 organiza os Serviços aos Flagelados e torna-se
o primeiro assistente eclesiástico do Círculo de Operários e Trabalhadores Cristãos de
Fortaleza. Faleceu em 12 de janeiro de 1965 em Fortaleza. Publicou algumas obras de sua
autoria: Conferências para Missionários; Vida de São Vicente de Paulo; Pequeno Missionário;
Vida de Santa Terezinha; As grandes pecadoras; Um calvário na China; Vida de Santa
Catarina; Porque me confesso, vou à missa, comungo e Uma flor serrana.
64
por D. Joaquim Ferreira de Mello, na Diocese de Pelotas, afirmando que o
bispo é responsável por “um intenso movimento religioso na cidade”.
108
Se a ão pastoral de D. Joaquim Ferreira de Melo concorreu de
maneira significativa para a fundação do C.O de Pelotas, é um assunto ainda
obscuro. O padre Leopoldo Brentano foi sem dúvida um dos grandes
articuladores do movimento circulista em âmbito nacional e um dos
responsáveis pela unificação dos círculos e outras organizações congêneres a
uma proposta homogeneizadora, que privilegiou a estrutura organizacional e o
programa dos Círculos Operários como modelo. Sobre o seu pioneirismo na
fundação do primeiro Círculo Operário, acredito que a assertiva é válida para o
Rio Grande do Sul e não deve generalizar-se para o Brasil, pois como já
apresentei, o nascimento do primeiro Círculo Operário no Ceará data de 1915,
corroborando esta proposição.
Nas datas festivas, o circulismo cearense era sempre enaltecido com
especial relevo para o fato de ter sido essa experiência, pioneira no Brasil.
Assim, é que nas comemorações do aniversário do Círculo Operário de
Fortaleza, em 14 de fevereiro, o orador oficial faz o histórico da agremiação,
sem esquecer os agradecimentos a D. Manoel e o padre Guilherme Waessen,
primeiro Assistente Eclesiástico deste Círculo e, na opinião de alguns, “o
fundador do Círculo Operário mais antigo do Brasil”.
109
No 38º aniversário do
Circulo Operário de Fortaleza, Tito Brito, orador oficial, assim se manifestou:
(...) o Ceará que se há colocado a vanguarda das boas
iniciativas, pioneiro nas conquistas das causas justas e
populares, teve a primazia entre os estados da Federação
de ser o berço do circulismo. (...) Para assinalar as
atividades circulistas de então, bastaria enumerar por
exemplo, a edificação de sua sede própria, à Praça Cristo
Redentor, vindo após a instalação de escolas profissionais
de sapataria, carpintaria, marmoaria, de alfabetização para
menores e adultos, banda de música e cinema e ainda, um
conjunto teatral.
110
Os circulistas cearenses jamais aceitaram a idéia cristalizada e
difundida dentro do movimento circulista em esfera nacional, que o primeiro
108
O Nordeste, ano I, nº ,18/09/1922.
109
A Fortaleza, ano I, nº 12, 02/12/1950.
110
A Fortaleza, ano III, nº 117, 15/02/1950.
65
Círculo Operário fundado no Brasil tenha sido o de Pelotas. Convidados a
participar do II Congresso Circulista em Pernambuco, os Círculos Operários
cearenses anunciam que reivindicarão neste evento a primazia na criação dos
dessas entidades no Ceará. O Congresso agendado para julho de 1957,
inseria-se nas atividades comemorativas do Ano Jubilar Circulista”, tendo
como base a fundação do C.O de Pelotas em 1932. Para fundamentar a
reivindicação apresentam as justificativas pronunciadas em outros discursos. A
prova inconteste era a fundação do Círculo Operário de Fortaleza, em 1915 e
de outros que antecederam o Círculo pelotense. Se durante anos a divergência
com o marco histórico que datava a origem dos Círculos Operários no Brasil
em 1932 foi objeto de discussão interna entre os circulistas cearenses, eles
pretendiam no Ano Jubilar tornar pública essa objeção:
(...) anunciaremos a todos os circulistas, que o nosso
Estado foi o primeiro a instalar um Círculo Operário. O
Círculo Operário de Fortaleza foi fundado pelo Pe.
Guilherme Waessen, hoje capelão da Santa Casa, com os
seus 82 anos bem vividos, ainda recorda aqueles momentos
quando o ideal circulista penetrou em muitos corações de
operários e trabalhadores. Antes de 1932 outros círculos
operários foram instalados no Ceará. (...) Se tomarmos por
base a fundação do Círculo Operário de Fortaleza,
contaremos 41 anos de existência de um rculo Operário,
portanto, temos o direito de batalharmos pelo nosso ideal,
pela nossa causa circulista e dizermos ao país inteiro –
fomos nós, os primeiros a levar avante o ideal circulista.
111
Como entender as razões do surgimento da organização circulista no
Ceará em 1915? É possível que o Arcebispo houvesse prognosticado as
agitações no mundo do trabalho nos anos posteriores como disse Austregésilo
de Athayde? Ou tratava-se de promover a associação dos trabalhadores numa
entidade que lhes prestasse assistência material e espiritual, socorrendo-os
nos momentos de dificuldades? Esclareço de antemão que não encontrei
documentos que elucidassem com clareza os interesses que motivaram sua
fundação.
Embora longo, apresento o depoimento daquele que é considerado
pelos circulistas cearenses, o fundador do primeiro Círculo no Brasil, padre
111
A Fortaleza, ano VII, 24/11/1956.
66
Guilherme Waessen. Trata-se de uma fecunda entrevista concedida A
Fortaleza, por ocasião da outorga do título de cidadão fortalezense ao Pe.
Guilherme Waessen em setembro de1960:
Em 1915 foi pregada uma missão na praça do Seminário
pelo Pe. Frei Eduardo Helberhold e por mim. Foi a primeira
missão pregada em praça pública e por isso abalou muito a
cidade. Naquele tempo contando talvez de 70 a 80m mil
habitantes. Acabada a missão o Sr. Arcebispo, Dom Manuel
da Silva Gomes, me perguntou sobre os meios de conservar
os frutos colhidos. Ficou logo resolvida a fundação de um
Circulo de Operários. Fui incumbido de elaborar os
estatutos. Marcou-se o dia 14 de fevereiro para uma
reunião, presidida pelo Sr. Arcebispo no prédio Vicentino.
Na mesma ocasião, foi proclamado primeiro presidente do
Circulo o Sr. José da Silva Marcos. Este, por causa da sua
idade, dentro de pouco tempo pediu sua exoneração, e foi
eleito o Sr. José Agostinho da Silva. Foi devido a este que o
Circulo em pouco se desenvolveu e progrediu de modo
extraordinário.
(...)Todos os domingos às duas horas da tarde havia
sessão, com meia hora de instrução religiosa, aula de
higiene e civilidade, além do expediente. Logo ficaram
fundadas as caixas de socorro de enterro e de pecúlio. Duas
vezes por semana, havia cinema, cujo ingresso custava dois
tostões. Enquanto aos domingos os homens assistiam à
sessão, o Sr. Pe. Gumercindo Sampaio reunia os meninos
com uma dedicação admirável. Havia escola noturna, e
nesta se dedicou por muito tempo o Sr. Carolino de Aquino,
secretário do Circulo. Havia banda de música que às vezes
tocava no passeio Público sob a direção do Sr. José
Vicente. Foram inauguradas também naquele tempo as
oficinas de carpintaria e sapataria e máquina de imprimir.
Em 1921 foi construído o Circulo atual e em 1922 a coluna
do Cristo Redentor, com o fim patriótico de comemorar o
Centenário da Independência. Pela mesma época o Circulo
adquiriu uma quadra no Cemitério e construiu cerca de 40
túmulos. Para isto recebeu um donativo do Sr. Raimundo
Frota. O prédio do Circulo Operário e a Coluna do Cristo
Redentor foram feitos sem subvenção de espécie alguma,
nem federal, nem municipal, e o que é mais admirável, sem
engenheiro. A coluna, considerada pelo Clube de
Engenharia do Rio de Janeiro como uma obra prima, foi
construída por três pedreiros, Antonio Machado, Domingos
Reis e Raimundo Severino, incluída também a estátua de
Cristo.(...)
112
112
A Fortaleza, ano IX, nº 464, 30/10/1960. O Projeto Lei n. 168/60 que requeria outorga do
título de cidadão de Fortaleza ao Pe. Guilherme Waessen, foi apresentado na Câmara
Municipal de Fortaleza pelo Vereador Walter Cavalcante Sá, Presidente do C. O de Monte
Castelo. A lei foi sancionada em 23 de setembro de 1960.
67
É possível que a constituição do Círculo de Operários e Trabalhadores
e Operários Católicos de Fortaleza tenha tido uma motivação não relacionada à
questão social? Que estivesse vinculada apenas a aspiração cristã de
minimizar o sofrimento dos trabalhadores através de uma ação caritativa? Se
assim fosse, não seria suficiente o programa Vicentino? Para muitos circulistas
que vivenciavam as turbulências políticas e sociais dos anos de 1960, a ação
do Pe. Guilherme Waessen foi profética e oportuna, uma vez que:
(...) prevendo que o comunismo teria fatalmente de
introduzir-se aqui, se não se apontasse a verdadeira
solução para a questão social, tomou para si a tarefa de
evitá-lo fundando no Ceará o Círculo de Operários Católicos
de São José, que tem sido, na realidade, o núcleo de toda
resistência contra as investidas do socialismo ateu e
comunista.
113
Em nenhum momento o padre Guilherme Waessen faz qualquer alusão
a questão social como sendo a razão motivadora para a criação do Círculo de
Operários em Fortaleza no ano de 1915. Não obstante, os discursos
posteriores reportando-se a essa iniciativa dão ênfase aos problemas no
mundo do trabalho como elemento propulsor do projeto circulista no Ceará.
1 – Progênie e credenciamento de um projeto.
Enquanto nas décadas de dez e vinte, os Círculos Operários ainda não
haviam se projetado em outras regiões do país, no Ceará, essas organizações
assumiam importância significativa, expandindo-se para as cidades interioranas
e fortalecendo-se nas alianças com outras agremiações católicas, bem como
articulando-se com os sindicatos. Sob a coordenação do padre Guilherme
Waessen, tinha início um projeto para congregar as classes trabalhadoras do
Ceará, filiadas aos mais diferentes organismos associativos, numa mesma
entidade que lhes conferissem uma identidade comum, ou seja, de
trabalhadores cristãos cujas práticas estavam assentadas nos princípios
cristãos. Sobre o assunto, Júlia Miranda afirma:
113
Idem, artigo Homenagem Merecida, p.3.
68
A fundação do Círculo de Trabalhadores Católicos de São
José representa a mais significativa iniciativa da Igreja, no
sentido de abrir espaço entre o operariado cearense. Seu
diretor, padre Guilherme Vaessen, consegue se articular
com os sindicatos e prepara o caminho para a criação, em
1925, da Federação Operária Cearense, precursora da
Legião Cearense do Trabalho, que será criada em 1931
pelo tenente Severino Sombra e contando com a liderança
inconteste do padre Helder Câmara.
114
A forte ligação entre os Círculos Operários no Ceará e a Legião do
Trabalho, embora sem esvaziar o Círculo de seu caráter identitário, forneceu-
lhes matizes integralistas. Para assegurar que os Círculos preservariam seu
caráter social, o Arcebispo de Fortaleza, D. Manoel da Silva Gomes, resolve
intervir na regulamentação da filiação de circulistas ao movimento legionário. A
concepção de que no Ceará as organizações operárias assumiram a feição
integralista foi divulgada no trabalho de Jessie Jane, na fala de um de seus
entrevistados, que, informando sobre a expansão do circulismo em âmbito
nacional e a estruturação da Confederação Nacional dos Círculos Operários,
afirma que o padre Brentano:
(...) começou a aproveitar algumas associações operárias
que existiam. Por exemplo, no Ceará, existia um
grande trabalho de operários católicos que era muito
integralista. Então padre Brentano entrou lá, mas não
continuou com aquela orientação integralista e fez com que
todas aquelas associações no Ceará se transformassem em
Círculos Operários. E assim ele foi indo e fez uma
confederação forte.
115
Além de reforçar a idéia de que a organização do movimento circulista
era praticamente obra de um homem - no caso, o padre Leopoldo Brentano
- o padre Velloso fala que no Ceará havia organizações de “operários
católicos”, sem no entanto, denominá-las. Observa-se assim que o sacerdote
parece desconhecer a existência de organizações circulistas no Ceará antes da
década de 1930. O fato de Brentano ter proposto a transformação de todas as
organizaçõe de operários católicos em Círculos Operários, merece ainda uma
114
MIRANDA, Júlia. O Poder e a Fé: discurso e prática católicos.Fortaleza, Edições UFC,
1987.
115
Pe. Velloso , Apud. SOUZA, Jessie Jane Vieira de.Valentim, o guardião da memória
circulista (1947-1958). Campinas, 1992.
69
outra observação. Embora a Confederação Nacional dos Círculos Operários
aspirasse a padronização(denominação, estatuto, símbolos, métodos) de todas
as organizações circulistas, no Ceará, muitos Círculos continuaram com a
denominação original, qual seja, Círculo de Operários e Trabalhadores
Católicos, mesmo após o ano de 1940, quando ocorreu o Primeiro Congresso
Circulista do Ceará.
Neste Primeiro Congresso, estiveram presentes muitos membros
organizadores do movimento circulista no Brasil. Dentre eles o cônego José
Távora, chefiando a delegação dos Círculos Operários de Pernambuco e o
padre Brentano representando a Confederação Nacional dos Círculos
Operários. Duas importantes resoluções foram aprovadas: a criação da
Federação dos Círculos Operários do Ceará e a adesão destes ao movimento
circulista nacional. A decisão implicava mudanças relevantes para as
organizações circulistas cearenses, pois significava a aceitação de um modelo
padronizado de organização, fato que o encontrou apoio em muitos dos
associados.
Sobre a alteração da denominação da entidade, de modo particular,
muitos dos fundadores do Círculo de Operários e Trabalhadores Cristãos de
Fortaleza, ficaram insatisfeitos com a decisão
116
. Em artigo divulgado n’A
Fortaleza, homenageando o 41º aniversário do Círculo Operário de Fortaleza, o
articulista faz memória da trajetória histórica da entidade, elucida o processo de
adesão dos Círculos cearenses ao movimento circulista nacional e manifesta
as impressões e sentimentos de alguns circulistas:
(...) após os debates, o Revmo. Pe. Brentano fez larga
explanação da nova doutrinação circulista programada à luz
do evangelho e consoante os postulados das “encíclicas
sociais” dos Santos Papas Leão XIII e Pio XI. Conhecida a
amplitude do movimento e sua receptividade nas diversas
esferas da Federação, portanto de âmbito nacional, os
Círculos Operários do Ceará, nas palavras de seus deres,
sr. Arcebispo D. Manuel e Pe. Guilherme Vaessen aderiram
sem restrições, de vez que as suas diretrizes vinham ao
encontro das aspirações dos trabalhadores. Da fusão
circulista houve duas modalidades a saber: a criação da
116
A primeira Direção do Círculo de Operário e Trabalhadores Católicos de Fortaleza era
composta por: Marcos da Silva Presidente; Tobias Soares Secretário; Martinho José de
Sousa – Tesoureiro; José Caetano, João Apolônio e Raimundo Severino de Moura – Diretores;
Pe. Guilherme Vaessen – Assistente Eclesiástico.
70
Federação dos Círculos Operários do Cea e o primeiro
“Círculo” que se fundou no Brasil, sofreu a mudança de seu
nome de origem, passando a chamar-se Círculo Operário de
Fortaleza, ainda lamentado por seus fundadores
sobreviventes.
117
As principais decisões da organização circulista estavam a cargo da
hierarquia eclesiástica, conforme atestam os documentos pesquisados. À
revelia dos associados muitas determinações eram aprovadas. No entanto, a
hierarquia enfrentava dificuldades na implementação destas. A decisão do
arcebispo e do assistente eclesiástico em alterar a denominação dos Círculos
Operários encontra resistência em algumas entidades cearenses que
continuaram com a denominação original, não obedecendo às deliberações do
I congresso circulista nesse Estado em 1940.
Transcorrida uma década e meia do I Congresso Circulista no Ceará,
encontro n’A Fortaleza, a relação das entidades beneficiadas com as
subvenções ordinárias e extraordinárias para 1955, e que ainda conservavam a
denominação anterior a esse Congresso.
118
Outras associações não alteraram
a denominação, e apenas acrescentaram o título de Círculo Operário ao nome
original, como foi o caso da União Popular Cristo Rei, fundada em 1931 e
filiada ao movimento circulista a partir de 1943, passando a chamar-se Círculo
Operário União Popular Cristo Rei.
119
Outro interessante aspecto da organização circulista no Ceará reside
no fato de que algumas destas entidades congregavam basicamente
trabalhadores de uma mesma categoria profissional, como é o caso do Círculo
Operário Ferroviário, cujos membros, como o próprio nome indica, eram
majoritariamente trabalhadores da Rede Viação Cearense (RVC). O Círculo
Operário de Mucuripe compunha-se de pescadores, e nos municípios
interioranos onde predominava os trabalhadores do setor agrícola, alguns
117
A Fortaleza, ano VI, nº 265, 11/02/1956.
118
A Fortaleza, ano V, nº 211, 08/01/1955, divulga que o Ministério da Educação, Saúde e
Justiça envia subvenções do montante de Cr$ 1. 815.000,00 para dezenas de organizações
circulistas cearenses. Para ilustrar a questão abordada, da relação publicada no jornal,
assinalo apenas àquelas organizações que mantiveram a denominação original: Círculo de
Operários e Trabalhadores Católicos São José de Barbalha, Círculo de Operários e
Agricultores Católicos São José de Acaraú, Círculo de Operários e Trabalhadores Católicos
São José de Juazeiro do Norte, Círculo de Operários e Trabalhadores Católicos São José de
Lavras da Mangabeira, Círculo de Operários e Trabalhadores Católicos São José de
Maranguape.
119
A Fortaleza, ano VII, nº 290, 07/09/1956.
71
Círculos Operários reivindicavam a denominação de agricultores para o Círculo
Operário, a exemplo, mencionamos o Círculo de Operários e Agricultores
Católicos São José de Acaraú.
Os Círculos Operários cearenses ressaltam a preocupação com o
propósito de recristianizar os trabalhadores, seguindo a orientação da Igreja no
projeto de neocristianização. Com essa preocupação, combatem qualquer
entidade que desfralde a bandeira da luta de classes. Os embates entre o
movimento circulista e as entidades que seguiam orientação socialista ou
anarquista é veiculado tanto através da imprensa católica, quanto por meio da
imprensa libertária. Os ataques são veementes e, de um lado e de outro, duras
críticas são veiculadas nos jornais. Os socialistas, que pejorativamente,
alcunhavam os circulistas de “carneirada do circo”
120
, os vêem como uma
massa inconsciente, manipulada pela Igreja. Em resposta às críticas
formuladas pelos circulistas, especialmente aos padres que orientavam a
organização, os editores da Voz do Gráphico manifestam que são:
(...) obrigados a vir defender o nosso ideal que, nesse
momento, está sendo ridicularizado e combatido pela
carneirada inconsciente do Circo de Operários e
Trabalhadores São José, a qual não peja de andar pelas
ruas da cidade, conforme registramos em número anterior,
cantando uma versalhada toda mal começada e mal
acabada, sem beleza, sem arte, sem métrica e, pior que
tudo isso, sem verdade.
121
No sétimo aniversário do Circulo de Operários e Trabalhadores
Católicos de Fortaleza, a Voz do Gráphico, órgão da Associação Gráphica do
Ceará, imprensa de orientação socialista, fez um irônico comentário acerca do
caráter das comemorações, reafirmando que o trabalho desenvolvido pelos
padres, mantém os operários sob o poder da Igreja. Apresentou ainda a visão
de que o trabalhador circulista compunha uma massa inconsciente e, por isso,
repreendeu energicamente a atitude dos padres, vista como mantenedora da
falta de consciência de classe dos trabalhadores e orientadores circulistas:
120
VOZ DO GRÁPHICO, ano II, nº 18, 28/01/22.
121
Idem. A “versalhada” que o jornal se refere é o Hino dos Sindicatos Cristãos, sempre
entoado nas passeatas circulistas. Ainda neste mesmo número o jornal publica o Hino e
uma paródia que objetiva rebater às críticas e apresentar os princípios defendidos pelos
libertários.
72
A 14 do corrente mês, em um dia de terça-feira, à luz de
miríades de lâmpadas elétricas bafejadas pelo esplendor do
Santíssimo Espírito Santo, que baixou dos céus à terra para
assistir à solenidade que esta benemeretíssima e
humanitária (vôte) sociedade operária fez, teve lugar, para
satisfação e orgulho de quantos acreditam ainda na
grandeza de seu futuro, a comemoração de mais um dos
seus aniversários nos anais da vida associativa de
Fortaleza. (...) Usando da palavra, o padre Zaul Pedreira (...)
teve a idéia de bordar comentários a respeito da nossa
atitude, por que não nos sujeitamos ao guante dos seus
caprichos e ao arrocho de suas explorações...
.....................................
Queremos, sim, que os senhores padres e as outras castas
exploradoras deixem de explorar as massas inconscientes
que, infelizmente, ainda acreditam na sua adocicada
cantiga, indo ao campo trabalhar, e que demais classes
produtoras compreendam qual seja a nossa vontade e o
nosso desejo.
122
Em 1922, os circulistas enfrentaram em parceria com as Filhas de
Maria, do Colégio da Imaculada Conceição e a Liga das Senhoras Católicas e
outras organizações, uma grande empreitada: construir a coluna do Cristo
Redentor. A idéia de construir uma estátua em homenagem ao Cristo Redentor
era alimentada no Brasil desde o início do século XX, mas, somente na década
de vinte, a idéia ganhou força. Em 1925, D. Sebastião Leme compõe
juntamente com Hélio Silva Costa, engenheiro arquiteto do Projeto, a comissão
que iria desenvolver os trabalhos para a construção do Cristo Redentor no
Corcovado.
123
No Ceará, a benção da pedra fundamental da Coluna do Cristo
Redentor ocorre em 23 de julho de 1922, na antiga Praça Senador Machado ou
Largo da Prainha.
124
O evento contou com a participação de autoridades civis,
eclesiásticas e a presença maciça de circulistas. A obra que é concluída ainda
122
A VOZ DO GRÁPHICO, ano II, nº 20, 25/02/22.
123
Sobre a importância simbólica do Cristo Redentor no Corcovado, ver FARIAS, Damião
Duque de. Em defesa da ordem: aspectos da práxis conservadora católica no meio
operário em São Paulo (1930-1945). São Paulo: Editora Hucitec, 1998, onde observa que “O
erguimento do Cristo Redentor é a face pública de um movimento mais abrangente que a Igreja
Católica articula visando a recristianização do país, conseguindo com isso manter seus
privilégios e sua supremacia religiosa sobre a sociedade nacional. Este movimento penetrou
todos os poros da sociedade, atingindo a vida pública e privada dos brasileiros, exercendo o
seu controle.
124
O Nordeste, ano I, nº 22, 24/07/22.
73
em 1922, inclui-se nos pontos altos das comemorações do centenário da
independência.
Ao incentivar a construção da coluna do Cristo Redentor, a Igreja
cearense, por meio das classes trabalhadoras, demonstra o porte da ação
católica neste Estado, saudando Jesus Cristo como o “Senhor das Nações”.
Situada entre a Sede do Círculo de Operários e Trabalhadores Cristãos e o
Seminário da Prainha, simboliza a força da Igreja na arregimentação dos
trabalhadores e a vitória de um ideário que recoloca a presença de Cristo como
exemplo, guia e fonte de inspiração para os trabalhadores cearenses. Acerca
da construção do monumento, O Nordeste, assim manifesta-se: “Bravos, o
Ceará vae commemorar acertadamente a grande data de nossa emancipação
política com uma homenagem imperecedora ao Senhor das Nações.”
125
Em 1925, no décimo aniversário do Círculo de Operários e
Trabalhadores Cristãos de Fortaleza, os circulistas comemoraram as principais
atividades realizadas e os projetos em andamento.O suntuoso edifício-sede do
Círculo e a coluna do Cristo Redentor estavam entre os projetos que mais
exigiram esforços dos circulistas. Orgulhavam-se os sócios do Círculo de terem
fundado o cinema católico do Brasil, o Cine São José.
126
Em 18 de janeiro
deste mesmo ano, ocorreram as eleições para a nova Direção do Círculo. Na
posse, em 17 de fevereiro, o Círculo apresentou um balanço de suas ações
onde constava: a manutenção de Caixa de Socorro sustentando nove pessoas
inválidas; Caixa de Sinistro e Mutuaria; Escola noturna para os filhos dos
operários, no bairro do Outeiro, com matrícula de 59 alunos neste mesmo ano,
sendo que os professores eram os próprios operários, pois aqueles que
haviam recebido instrução escolar, ocupavam-se da alfabetização dos demais;
mantinham uma banda de música com aulas teóricas e práticas, pelo menos
três vezes por semana e para um grupo de 20 pessoas; no ensino profissional,
o Círculo oferecia duas escola-oficinas: a de carpintaria e sapataria, ambas
inauguradas em 24 de julho de 1922. As oficinas recebiam subvenções
federais para custeio das despesas com equipamentos e matéria-prima.
125
O Nordeste, ano I, nº 14, 14/07/22.
126
O Nordeste, ano IV, , 20/01/1925. Segundo o Jornal o cinema católico é em São
Jerônimo na Bahia.
74
Analisando o amplo trabalho desenvolvido pelo o Círculo na educação
moral, capaz de alterar o espírito das pessoas, pacificando-as, O Nordeste
noticia que: “O Círculo Operário teve por sede o conhecido e perigoso bairro do
Outeiro, célebre pelas façanhas ali ocorridas, e conseguiu com suas sãs
doutrinas, modificar o antigo regime pelo atual”
127
Sobre a proposta circulista para a formação dos filhos de operários que
ainda não tinham idade para filiarem-se ao movimento, o Círculo criou o
aspirantado, que congregava os menores de 16 anos. Os aspirantes podiam
assistir as sessões circulistas, porém, sem direito a voz e voto. A principal
atividade dos aspirantes era a participação nos cursos e aulas que os
preparavam para, no futuro, serem bons circulistas e homens úteis a
sociedade. O proselitismo dos padres instituia a visão de que o bom circulista
era o trabalhador ordeiro, pacífico, que assumia sua condição sem fraquejar,
porque inspirava-se na sagrada família, no labor incansável de São José
operário e no sofrimento resignado de Cristo.
Esse trabalho doutrinário junto às crianças e adolescentes, filhos de
operários era demasiado importante na formação moral dos trabalhadores, nos
moldes que a Igreja Católica definia como essencial para a vitória do projeto
cristianizador. O padre Gumercindo Sampaio, diretor dos aspirantes, ressalta a
relevância desse trabalho educativo com as crianças para se tornarem
homens úteis à sociedade, à pátria , à religião e à família.”
128
Posteriormente ,
com a mudança no Estatuto, os aspirantes passaram a ser os menores de 14
anos.
Ainda em decorrência das atividades comemorativas, em alusão ao
décimo aniversário do Círculo de Operários e Trabalhadores Católicos de São
José de Fortaleza, foi realizada uma conferência com o tema: “Formação
Católica com fator de Paz Social”. O conferencista, Andrade Furtado, ex-
presidente do Centro Católico de Fortaleza, exaltou o trabalho de cunho
educacional e moral, desenvolvido pelo Círculo. O Nordeste, expressando as
considerações de Andrade Furtado, divulga que o conferencista:
127
O Nordeste, ano IV, nº 859, 09/05/25.
128
O Nordeste, ano IV, nº 859, 09/05/25.
75
Fez notar que, ao lado do cultivo das virtudes, havia ali uma
escola, onde se aprendia a ler, a escrever , a contar, a amar
a pátria; a ser cidadão digno desta Terra de Santa Cruz, que
os maus políticos querem arrastar à anarquia e ao
esfacelamento. “Mostrou com a autoridade de Leão XIII, que
não solução para o problema social fora dos
ensinamentos da Igreja.
129
Em dez anos, o Círculo de Operários e Trabalhadores Católicos de
Fortaleza contava com a filiação de onze outras organizações circulistas,
algumas situadas na capital e outras no interior. Esse fato permite afirmar que,
no Ceará, o nascimento dos Círculos não está condicionado às regiões
industrializadas deste Estado. Embora alguns desses Círculos estivessem
localizados em municípios em franco desenvolvimento comercial e com
significativo número de estabelecimentos fabris, em muitas outras localidades
não havia sequer um incipiente operariado fabril. Os municípios de Sobral e
Aracati são exemplos do primeiro caso. Segundo Agenor Júnior, o fato de
Sobral localizar-se entre Fortaleza e Camocim, duas cidades portuárias e
donde afluíam as idéias socialistas, estimulou o bispo, D. JoTupinambá da
Frota, “a tomar uma posição enérgica, elaborando políticas sociais que visavam
inculcar nos trabalhadores a harmonia entre as classes”.
130
O Correio da
Semana, jornal sobralense de orientação católica, divulga a necessidade da
implantação do Círculo em Sobral, diante do perigo que representavam as
idéias socialistas para o operariado, que, nesta cidade, encontrava-se
“esquecido” requerendo da Igreja “por meio das organizações sociais, desviá-lo
das doutrinas perigosas do socialismo rubro que o quer tragar”
131
A organização de uma ação pastoral voltada para as questões sociais
na Diocese de Sobral, é fortemente estimulada pelo desenvolvimento dessas
práticas na Arquidiocese de Fortaleza, da qual esta é sufragânea. Além do
Círculo Operário fundado em 1921, consta ainda a criação de um Banco
129
O Nordeste, ano IV, nº 794, 19/02/25.
130
JÚNIOR, Agenor Soares e Silva. “A cidade disciplinada” : a Igreja Católica e os
trabalhadores urbanos em Sobral Cea (1920-1925). Recife, 2002. Dissertação de
mestrado em História. Universidade Federal de Pernambuco.
131
Correio da Semana, 01 de Janeiro de 1921, Em torno do operariado. Apud JÚNIOR,
Agenor Soares e Silva. “A cidade disciplinada”: a Igreja Católica e os trabalhadores urbanos
em Sobral Ceará (1920-1925). Recife, 2002. Dissertação de mestrado em História.
Universidade Federal de Pernambuco.(apud?)
76
Popular, uma Santa Casa de Misericórdia e outras obras de cunho
assistencial.
132
Na região do Vale do Jaguaribe, a o final dos anos vinte, são
fundados dois Círculos de Operários e Trabalhadores Católicos São José. O
primeiro no município de Aracati, em 1920, e o segundo em Limoeiro do Norte,
no ano de 1928. O Círculo de Limoeiro do Norte teve duração efêmera, sendo
que, sua reorganização em 1941, deve-se, em parte, à ação pastoral
desenvolvida pelo bispo D. Aureliano Matos, à frente da Diocese de Limoeiro
do Norte.
133
Assim como as outras Dioceses, a de Limoeiro ocupou-se em instituir
vários núcleos da Ação Católica. Respondendo aos problemas de caráter vário,
o bispado cuida também de reunir os trabalhadores na organização circulista
que vinha obtendo êxito em todo o Estado, garantindo um projeto assistencial
amplo, custeado pelas subvenções federais e estaduais.
O Círculo Operário de Limoeiro do Norte fundou escolas de
alfabetização para um público adulto e infantil, algumas delas instaladas na
área rural do município; cursos profissionalizantes (corte e costura e
datilografia); oferecia ainda assistência médico-odontológica e caixa de socorro
e mutuária. Em 1949, foi fundada uma Cooperativa de Consumo, vendendo
gêneros de primeira necessidade, com descontos de até 15% dos preços de
mercado.
134
Um de seus maiores empreendimentos foi a construção do Liceu de
Artes e Ofícios. Em 1950, o Presidente da República, General Eurico Gaspar
Dutra, autoriza o repasse de duzentos mil cruzeiros ao Círculo Operário de
Limoeiro do Norte, destinado à fundação do Liceu de Artes e Ofícios, que, por
muito tempo, funcionou como sede do Círculo. À época, o presidente do
Círculo era Aristides Braga, que recebeu telegrama do Deputado Raul Barbosa,
comunicando a liberação da verba, ficando responsáveis pela administração da
construção, o senhor José Osterne e o Assistente Eclesiástico, p Misael Alves
de Sousa.
135
132
Idem, p.179.
133
A Diocese de Limoeiro foi canonicamente instalada em 29 de setembro de 1938. O bispo
assume a Diocese somente dois anos depois, precisamente em 29 de setembro de 1940.
134
A Fortaleza, ano I, nº 15, 24/12/50.
135
A Fortaleza, ano I, nº 11, 25/11/1950.
77
As disputas pelas verbas terminaram por gerar uma grande crise
entre o Assistente Eclesiástico do Círculo, o pe. Misael Alves de Souza e os
circulistas. O conflito chegou ao final quando a autoridade diocesana resolveu
intervir firmemente na questão, tentando salvaguardar a imagem do padre e
apaziguar os circulistas que se sentiam lesados. O bispo assume o
compromisso de construir uma nova sede para o Círculo e, aparentemente, o
problema foi solucionado. Essa nova sede circulista é atualmente, a Sede do
Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Limoeiro do Norte, entidade que
recebeu muitos dos bens móveis e imóveis do antigo Círculo Operário de
Limoeiro do Norte.
Sob a orientação do bispado, o Círculo Operário de Limoeiro do Norte,
a exemplo de outros Círculos, fundou vários departamentos, assentando sua
ação na área assistencial e formativa, tendo vida ativa até o final da cada de
1970.
A rigor, os Círculos Operários no Ceará não seguiram as orientações
da Confederação Nacional dos Círculos Operários, especialmente, no que diz
respeito a sua estruturação hierárquica. De acordo com a orientação da
Confederação, nos municípios e capitais deveria existir apenas um rculo
Operário, formado de vários núcleos correspondentes às várias comunidades
rurais, distritos ou bairros, respectivamente. Os Círculos se filiariam à
Federação no Estado e essa, por sua vez, à Confederação que representaria,
em nível nacional, o movimento circulista. Ocorre que, em Fortaleza, havia em
1951, dezesseis Círculos Operários, distribuídos pelos bairros e subúrbios da
Capital. Alguns deles chegavam a contar com até dez núcleos circulistas.
Essa descentralização no Ceará preocupava a Federação cearense
que, embora planejasse incansavelmente a unificação dos Círculos na Capital,
jamais obteve êxito nesse empreendimento. Revelando inconformismo com a
situação, José Aarão Cysne, presidente do Círculo Operário de Fortaleza,
manifestou seu interesse na organização do “GRANDE CÍRCULO, com um
grande exército de doze mil circulistas”, fundamentando-se nos benefícios que
a unificação poderia trazer para todos, expondo que: Sabemos que a união
geral em um círculo na Capital, como é em todas as capitais do Brasil, vem
consideravelmente melhorar a nossa assistência social.” Concluindo, Jo
Aarão, acenou para a possibilidade da construção de um hospital e uma
78
imobiliária circulista, que corresponderia a enormes ganhos para a causa
circulista caso se efetivasse a tão sonhada unificação.
Outro fator indicativo da descentralização no circulismo cearense foi a
forte tendência à nucleação. A estrutura hierárquica indicava a criação de
núcleos vinculados ao Círculo Operário, desde que houvesse a necessidade de
melhor desenvolver as atividades circulistas. A título de exemplo, o Círculo
Operário de Parangaba, bairro de Fortaleza, que contava com 1200 cios no
ano de 1952, possuía 12 núcleos. o Círculo Operário de Mulungu com
apenas 632 sócios neste mesmo ano de 1952, criou 35 núcleos.
Essa nucleação de Mulungu foi baseada no critério de gênero: eram 24
núcleos masculinos e 11 núcleos femininos. Não encontrei documentos que
justificassem a nucleação por gênero. Deparei-me com uma nota feita por um
circulista de Parangaba, endereçada aos circulistas de Mulungu,
aconselhando-os a tomarem cuidado com a nucleação exagerada. Afirmando
falar por experiência própria, o circulista advertia que tal processo gerava
conflitos e muitas dores de cabeça
136
.
O Círculo Operário de Itapipoca, município cearense, figura entre os
mais desenvolvidos em todo o Estado. Um extraordinário número de 40
núcleos constituíam, em 1956, o Círculo dessa localidade. Essa organização
circulista era considerada pela imprensa do movimento, uma das melhores no
Estado, em termos de estrutura e atuação social. Originalmente, era a
Associação Beneficente Monsenhor Tabosa, transformada em Círculo Operário
em face do processo de transmutação dessas organizações durante o
processo de unificação mencionado anteriormente.
No ano de 1956, seu quadro social era composto por 4.300
associados. A título de exemplo, informo que nesta época estavam em pleno
funcionamento os quatro grandes departamentos: cooperativista, ensino e
educação, beneficência e defesa e departamento de saúde. O programa desse
educativo desse Círculo organizou 52 escolas, destas, 45 estavam
direcionadas a alfabetização de crianças e adultos. O número de matriculados
nas escolas circulistas de Itapipoca alcançou em 1956 o número de 2.830
136
A Fortaleza, ano II, nº 89, 02/08/1952.
79
alunos na faixa etária entre seis e dezoito anos. Nesse mesmo período foi
implantado o ensino supletivo.
Não obstante os atraentes apelos, os Círculos Operários em Fortaleza
não se unificaram. Esse fato demonstra uma das especificidades do circulismo
no Ceará. A idéia de padronização no movimento circulista foi alvo de
contestação em diferentes momentos. Ao adotarem diferentes normas de
funcionamento, os Círculos Operários criaram obstáculos ao controle que a
Federação queria exercer sobre as organizações.
Ao longo da pesquisa, deparei-me com algumas das estratégias
traçadas pela Federação dos Círculos Operários no Ceará, no trabalho de
articulação dos diversos Círculos espalhados na capital e interior. Tais
estratégias visavam uniformizar ao máximo as ações destes Círculos,
mantendo a disciplina hierárquica do movimento, estabelecida no Estatuto da
Confederação dos Círculos Operários, a qual estavam subordinadas às
diversas federações e círculos operários. Compreender as formas de
realização e o alcance dessas estratégias, constitui um outro objetivo deste
estudo.
Por ocasião do III Congresso dos Círculos Operários do Ceará,
ocorrido entre 18 e 21 de dezembro de 1952, foi proposta e aprovada a
unificação da mensalidade a ser paga pelos circulistas. Ocorre que, cada
Círculo Operário, dependendo da situação sócio-econômica de seus sócios,
estabelecia de forma autônoma o valor da mensalidade. A determinação da
taxa unificada era não somente uma violação à autonomia dos Círculos, como
evidenciava a falta de sensibilidade ou desconhecimento da realidade social de
cada unidade circulista.
A resolução, embora aprovada em Congresso, não foi aceita por todos
os circulistas. Joaquim Nogueira Dantas, do Círculo Operário da Piedade,
bairro de Fortaleza, evidencia seu descontentamento acerca do que fora
firmado. Ao escrever para o jornal A Fortaleza, esclarece que pelo fato de não
ter tido a oportunidade de falar no Congresso, vem questionar através da
imprensa circulista a unificação da taxa, com argumentos fundados na
realidade em que vive, e na sua visão do que seja o Círculo Operário:
80
O Círculo da Piedade por exemplo, onde existem circulistas
indigentes, vivendo até da mendicância, mas que querem
assegurar apenas o seu enterro, poderá aumentar a
mensalidade de 3,00 para CR$5,00? (...) Eu sou do parecer
que uma instituição pobre como é o circulismo no Ceará,
deve o nosso sócio contribuir com o mínimo e receber
muitos benefícios, porque essa é a obra de Deus. E o pouco
com Deus, é muito.
137
Essa unificação da mensalidade parece ter sido forçada pela cúpula
do movimento circulista, contando com a anuência dos dirigentes de Círculos
Operários. É também mais um exemplo da prática de controle e disciplina que
não funcionou a contento da cúpula dirigente.
O florescimento vertiginoso dos Círculos Operários no Ceará no pós-
1945, fenômeno que ocorre de maneira inversa em outros locais, em face da
nova conjuntura política, era visto de maneira auspiciosa pelas lideranças
circulistas. Para Eusébio Mota de Alencar, Presidente da Federação dos
Círculos Operários do Ceará, a expansão dos Círculos era importante e salutar,
conquanto estavam “... surgindo, em conseqüência, múltiplos problemas de
organização e que, em conjunto, devem ser estudados a fim de que
encontremos a melhor solução para os mesmos”.
138
Esse crescimento,
embora profícuo, trazia em seu bojo problemas de ordem administrativa que
preocupava a Federação. Foi portanto a necessidade de melhor organizar os
Círculos Operários no Cea e apresentar um programa de trabalho a ser
discutido e encaminhado pelas unidades circulistas neste estado, que a
Federação convocou o III Congresso.
Três temas foram agendados para discussão no III Congresso: os
Círculos Operários e a Reforma Agrária; os Círculos Operários e os Sindicatos;
os Círculos Operários e a assistência social. As resoluções do Congresso
demonstram a preocupação com o fortalecimento do movimento circulista no
Estado.
A realização dos congressos estaduais parece não obedecer a
nenhuma calendarização estatutária. No período em estudo, ocorreram quatro
congressos no Ceará nos anos de 1940, 1945, 1952 e 1959. A Federação,
responsável pela articulação de eventos de grande porte, cuidava também da
137
Coluna Opinião. A Fortaleza, ano III, nº 110, 27/12/52.
138
A Fortaleza, ano III, nº 109, 21/12/52.
81
organização de Encontros e Assembléias que tinham como objetivo promover o
intercâmbio entre as unidades circulistas, contribuir para a formação de suas
lideranças e propiciar o fortalecimento das lutas e campanhas empreendidas
pelo circulismo cearense.
A experiência circulista no Ceaé levada a outros estados através de
prelados que aqui atuaram nessas organizações. Exemplo disso foi a fundação
do primeiro Círculo Operário de Mato Grosso sob orientação de D. Antônio
Campelo, bispo auxiliar de Cuiabá. D. Antônio havia fundado em 1949 o
Círculo Operário de Piedade, bairro de Fortaleza e ainda fora seu primeiro
assistente eclesiástico. Noticiando o trabalho social desenvolvido pelo bispo
auxiliar, A Fortaleza informa sobre a situação em que se encontravam a
população na capital matogrossense e a alternativa que eficazmente resolveria
tão diversos e numerosos problemas:
Quando D. Antônio chegou a Mato Grosso encontrou
pequeno número de sacerdotes e havia uma imensa
população a ser catequisada, amparada e assistida. O
comunismo assim não perdia tempo, desenvolvendo um
grande trabalho de doutrinação nos meios operários e
rurais. Lembrou –se S. Excia, que só havia um caminho
para isso: fundar círculos operários.
139
Além de enfocar o desamparo material e espiritual em que se
encontravam os trabalhadores nessa região, o jornal aponta também para as
atividades comunistas no seio das classes trabalhadoras. Para todos esses
“males” o Círculo Operário seria a resposta satisfatória. Assim, o fato de nascer
uma organização circulista em outra unidade da Federação, estimulada de
alguma forma pelo circulismo cearense, cumulava de satisfação os circulistas
deste Estado. A razão para tanto orgulho é que creditavam ao entusiasmo e
êxito do circulismo nesta terra, o empenho em disseminá-lo em outras
paragens, por parte de quem o vivenciara.
Para facilitar o trabalho organizativo, dinamizar suas atividades ou
mesmo cuidar do futuro do movimento, os Círculos Operários eram orientados
pela Federação a constituir diferentes alas. Eram elas: a de aspirantes, a
feminina e a moça. Aconselhava a constituição da Ala feminina especialmente
139
A Fortaleza, ano IV, nº 166, 07/02/1954.
82
por sua forte colaboração no trabalho de propaganda das atividades circulistas.
Além do mais a presença da mulher nos Círculos Operários havia se
transformado mesmo numa necessidade pois eram consideradas
“insubstituíveis” na organização de festas e outros eventos.
Num breve relato do IV Congresso Circulista do Ceará, J.M Dantas -
Círculo Operário de Piedade (Fortaleza) - escreve artigo sobre alguns temas
que considerou de maior importância para o desenvolvimento dos Círculos
Operários. Dentre esses temas, inclui-se a formação da Ala Feminina. Para o
articulista, essa se tornava mais relevante tendo em vista que seus préstimos
não se firmavam “em interesses pecuniários”.
140
A presença feminina no Círculo Operário não representava o interesse
em integrá-la como força política que pudesse contribuir para a dinâmica do
movimento. Trazê-la para o movimento patenteava a intenção de atribuir-lhe
apenas as tarefas domésticas, para as quais elas normalmente
desempenhavam com eficiência, de acordo com a concepção vigente entre os
dirigentes. Observando a composição das diretorias de Círculos Operários,
nota-se que era rara a presença de mulheres e ainda que, nessas poucas
exceções elas ocupavam cargos de menor importância. Apenas nas diretorias
dos núcleos era menos incomum encontrar algumas mulheres nas funções de
secretárias. Afirmo que, salvo exceção para o Círculo Operário Sindicalização
Operária Feminina Católica, não encontrei nenhuma mulher candidata a
presidência de qualquer outro Círculo.
O fato peculiar ocorre quando a Sindicalização Operária Feminina
Católica, entidade constituída por lavadeiras, engomadeiras e domésticas,
integra o circulismo, ao filiar-se a Federação dos Círculos Operários em 24 de
agosto de 1953. A partir dessa data, passa a denominar-se Círculo Operário da
Sindicalização Operária Feminina Católica. A direção desse novo Círculo era
composta apenas por mulheres, sendo o assistente eclesiástico a única
presença masculina no órgão.
141
Apenas no tocante à mudanças dessa
140
A Fortaleza, ano VIII, nº 396, 07/02/1959.
141
A Fortaleza, ano III, nº 144, 30/08/1953. O semanário divulgou a composição da Diretoria
que ficou assim constituída: Presidente – Narcisa Araújo; vice-presidente – Edetrudes
Cordeiro Almeida; Secretárias Olívia Fontenelle Almeida e Ana Bezerra Lima; Tesoureiras
Zuila Barbosa Lina e Zilá Santiago Llima; Delegada Geral Maria de Jesus Melo; Assistente
Eclesiástico – Pe. Jonas Barro.
83
natureza ou quando da ocorrência de novas eleições é que pude encontrar
algumas referências a essa agremiação circulista.
O trabalho desenvolvido por esse atípico Círculo Operário ainda está
mergulhado no anonimato. Através d’A Fortaleza, localizei o registro de que no
ano de 1953 a entidade contabilizou um total de 600 sócias e que estas
compunham, anteriormente, a Ala Feminina dos Círculos Operários em
Fortaleza.
As mulheres circulistas foram incumbidas das tarefas realizadas nos
bastidores. De maneira geral, os dirigentes viam-nas como as sócias carentes
da assistência educacional direcionada para o aperfeiçoamento das virtudes
que deveriam estatuir o caráter da boa mãe e esposa dedicada. Os cursos
destinados às mulheres indicam essa preocupação. Contudo, eram elas que
majoritariamente compunham o quadro de educadoras circulistas nos
programas de alfabetização.
Algumas de tal maneira aceitaram a condição de cia de segunda
classe que em um artigo escrito por Joselita Parente Camelo, do Círculo
Operário de Otávio Bonfim, tratando sobre como as mulheres poderiam ajudar
na organização, a circulista enfatiza as qualidades femininas no que diz
respeito à solicitude, compreensão e espírito abnegado. A atitude mais
edificante seria não atrapalhar o marido nas responsabilidades com o Círculo
Operário. Para auxiliá-lo, “vai a esposa desembaraçá-lo, servindo-lhe com
presteza admirável a refeição, nem lhe perguntando sequer a hora de
regressar da sessão, sempre com o semblante alegre das mulheres sábias.”
142
Uma outra tarefa importante, na opinião da articulista, seria estar atenta ao
pagamento das mensalidades dos filhos e criados, pois enquanto ordenadora
das lides domésticas essas eram atribuições de sua responsabilidade. Dessa
forma a presença da mulher circulista é vista de forma secundária. Tal como os
aspirantes e moços, havia o cuidado em vigiar-lhe as atitudes, em moldar-lhe o
caráter, em fazê-la aceitar sua “menoridade” política.
A Ala Moça era concebida como instrumento capaz de salvaguardar a
juventude da “corrupção moral” e dos “maus costumes”. Igualmente viam nos
142
A Fortaleza, ano I, nº 20, 27/01/1951.
84
moços o potencial criador capaz de vivificar o circulismo, quando bem
orientados para a prática sadia do lazer e das atividades culturais.
Justo Geraldo da Silva, membro do Círculo Operário de Otávio Bonfim
(Fortaleza) e orientador da Ala Moça desse Círculo, cuidou da fundação de
centros e grêmios culturais, promovendo festivais que encheram de orgulho os
circulistas deste bairro. Seu trabalho junto a Ala Moça ganhou notoriedade
quando divulgado pela imprensa circulista, que conclamava outros Círculos
Operários a seguirem o exemplo, pois esse projeto “cria novos horizontes para
a mocidade e meça alçar vôos no campo da política e da religião ao lado da
Igreja”.
143
É perceptível o vivaz interesse em moralizar a conduta dos jovens,
segmento constantemente acusado de desregramento moral e passíveis da
corrupção dos costumes. A juventude, portadora de uma força potente,
necessitava de disciplina e controle. Encaminhá-la para as atividades que
cultivassem os valores e a moral cristã católica era o baluarte seguro que
garantiria a formação de homens e mulheres úteis.
A Ala de aspirantes dos Círculos Operários era recomendada como
meio de preservação do movimento circulista. O Seminário Circulista em
Garanhuns (PE), contou com a participação de circulistas cearenses que
defenderam a criação dessa Ala como sendo a base do movimento no futuro.
O Círculo Operário de Fortaleza foi uma das organizações circulistas
cearenses que mais se empenhou na organização do quadro de aspirantes. O
Círculo Operário de Aerolândia (Fortaleza) tinha nesta ala, 250 aspirantes no
ano de 1963. Afirmando sua importância indagaram: Que será de um C.O que
não tem aspirantes? Está destinado a acabar-se quando os atuais circulistas,
seus verdadeiros baluartes do presente tiverem de ir prestar contas a Deus de
sua vida terrena”.
144
Não foi apenas por preocupar-se com o futuro do circulismo que os
dirigentes canalizaram tanto esforço na organização das alas de aspirantes. O
que de fato estava em jogo e punha-se como relevante era o programa
educativo e instrutivo de longo prazo. Os circulistas tinham uma visão larga de
143
A Fortaleza, ano IX, nº 430, 12/09/1959.
144
A Fortaleza, ano XII, nº 539, 23/06/1963.
85
seu projeto, tanto é evidente que ao fundamentar a criação dessa ala
afirmavam que “os costumes adquiridos na infância só a sepultura tira”.
145
Os Círculos Operários no Ceará congregando na primeira metade dos
anos de 1950, mais de quarenta e cinco mil trabalhadores, construíram um
movimento dinâmico, porque não arrefeceram diante da nova conjuntura
política do pós-1945. Nos projetos que empreenderam, beneficiaram-se com as
alianças feitas com diversas organizações, fossem leigas ou eclesiásticas.
Elaboraram propostas para a alfabetização de crianças e adultos, cursos
profissionalizantes direcionados aos trabalhadores; cursos de educação
doméstica; intervenção nos programas de sindicalização rural, com a
organização da ELIRUR (Escola de Líderes Rurais), e essencialmente
promoveram um combate sistemático às idéias comunistas.
Propugnavam implementar o projeto político-teológico proposto pela
Igreja Católica, cujas fontes inspiradoras eram as encíclicas sociais. Porém, tão
forte quanto o projeto de cristianização, era a necessidade material. E o que
atraía tantos trabalhadores para a organização circulista? Comida, assistência
médico-hospitalar, auxílio doença, auxílio-invalidez, funeral, pecúlio, escola
para os filhos. Essa situação evidenciava a indigência material em que se
encontravam os trabalhadores no Ceará. A “ausência do Estado” na
implementação de políticas públicas forneceram aos Círculos Operários a
oportunidade de pôr em prática os programas de escolarização e assistência,
constituindo-os fortes anteparos no processo de controle e disciplina exercido
sobre os trabalhadores, afastando-os da possibilidade reivindicatória.
Dentre os colaboradores do circulismo cearense, destaca-se o Serviço
Social da Indústria (SESI). O objetivo era somar forças com os Círculos para
disciplinar os trabalhadores, fazê-los dobrar-se ante o programa assistencial
promovido pelas duas entidades. Em alguns locais, os postos do SESI eram
instalados nas sedes dos Círculos Operários. Esse trabalho estava centrado
em Fortaleza, por aglutinar o maior número de indústrias. Contudo, verifiquei
sua presença em municípios interioranos onde a produção industrial não era
tão marcante.
145
A Fortaleza, ano X, nº 467, 12/02/1961.
86
Diferentes programas foram montados pelo SESI em colaboração com
as unidades circulistas. Nesta parceria o Serviço Social da Indústria fornecia a
infra-estrutura necessária e os Círculos Operários cuidavam da arregimentação
dos trabalhadores. Cursos populares na área de saúde, educação, prevenção
de acidentes nos locais de trabalho, lactário para filhos de operários das
indústrias e assistência médico-odontológica integravam o conjunto de serviços
oferecidos pelo SESI, em cooperação com os Círculos Operários, aos
trabalhadores cearenses. Para maior clareza do significado e da razão dessa
parceria, empresto a palavra ao Diretor Geral do SESI, engenheiro Waldir
Diogo de Siqueira:
(...) Também com os círculos operários não nos podemos
excusar de cooperar, tendo em vista o papel saliente que o
movimento circulista desempenha no meio industrial de
Fortaleza. Aliás essa cooperação é efetiva, pois que o
SESI mantém consultórios médicos e dentários e também
escolas, junto a vários círculos operários.
146
O Círculo Operário tornou-se a base sobre a qual se fortalecia o
“paternalismo” do patronato e de suas formas de aliciamento e controle dos
trabalhadores. Operava ainda na perspectiva de esvaziar o sentido da luta de
classes na medida em que apresentava a necessidade de uma precípua
colaboração entre patrões e trabalhadores, consubstanciada na cristianização
das relações de trabalho. No jornal A Fortaleza havia uma página destinada à
divulgação da ação social do SESI, abordando as atividades assistenciais,
cursos, locais de atendimento ao operário, incluindo também matérias sobre
temas sociais. Em 1955, é reservado um outro espaço no jornal para o Boletim
do Núcleo Social de Parangaba, tratando especificamente do trabalho
desenvolvido pelo SESI nesse bairro.
Nos momentos festivos, especialmente dia das mães e Natal, nos
locais onde os laços entre o Círculo Operário e o SESI eram mais fortes,
observa-se que a programação comemorativa era elaborada em conjunto. O
jornal circulista noticia por ocasião dessas festividades o nome das empresas
amigas do operário”.
147
146
A Fortaleza, ano III, nº 94, 06/06/1952.
147
Em 1954, para a comemoração do dia das mães no Núcleo Social de Parangaba, as
87
A JOC também figura entre as entidades parceiras dos Círculos
Operário no Ceará. Embora houvesse se estabelecido no Brasil desde os
primeiros anos da década de 1930, e a Ação Católica Brasileira tivesse
divulgado um Boletim em 1938
148
orientando a cooperação mútua entre jocistas
e circulistas, no Ceará, a articulação somente se concretizaria oficialmente a
partir de 1952, por ocasião do III Congresso dos Círculos Operários em fins de
desse ano.
149
Para viabilizar a proposta, deliberaram os congressistas sobre a
criação, junto a Secretaria de Estudos e Assistência Social da Federação dos
Círculos Operários do Ceará, de um Departamento de Organização Operária e
Cooperativismo. Além de administrar a cooperação entre Círculos Operários e
JOC, uma outra finalidade do recém-criado Departamento era, especialmente,
auxiliar e orientar os circulistas do campo. Os Círculos queriam colaboradores
para melhor atuarem no meio operário. A JOC tanto poderia disputar com os
Círculos, quanto poderia oferecer-lhe sócios preparados em suas fileiras.
2 - Atuação circulista no meio rural: rumo à sindicalização
Nos trabalhos sobre os Círculos Operários como objeto de estudo,
observa-se que a investigação incide sobre as regiões que apresentam um
certo nível de industrialização.
A historiografia circulista evidencia que as pesquisas detiveram-se
preferencialmente sobre os Círculos Operários localizados em um meio
caracterizado pela produção industrial, mesmo que incipiente. Isso não significa
que essas organizações tenham se desenvolvido apenas nos grandes centros
urbanos e nos municípios onde se verificasse o desenvolvimento da atividade
fabril. No entanto, como explicar essa preferência entre os pesquisadores? Não
se trata aqui de buscar justificativas para os recortes espaciais das pesquisas
realizadas sobre essa temática. Entendo que empenhamos esforços no sentido
de compreender melhor e mais profundamente o objeto sobre o qual nos
empresas: Cotonifício Leite Barbosa, Usina Everest, Indústria de Vidros , Fábrica de
Louças e Nestlé são apresentadas como financiadoras do evento. A Fortaleza, ano IV, nº 176,
09/05/1954.
148
MANUAL DO CÍRCULO OPERÁRIO. CNOC. Rio de Janeiro: Editora Vozes, 1939. p. 86.
88
debruçamos, e o que sugiro é uma reflexão acerca da questão, pois esta deixa
na penumbra experiências que possibilitariam entender as nuanças do
movimento no meio rural.
Neste aspecto, analiso ser essencial abrir um parêntese para a
constituição dos Círculos Operários situados nos municípios do interior
cearense, onde, em sua grande maioria, não se pode falar sequer em indústria
incipiente, pelo menos para as cadas de 1920 e estendendo-se até 1950.
Qual seria então o objetivo de criar Círculos Operários nesses municípios? E
não havendo nestas localidades “inimigos vermelhos” a combater, que
discursos elaboraram ?
Parto do pressuposto que a fundação do primeiro Círculo Operário no
Ceará, o Círculo de Operários e Trabalhadores Cristãos de Fortaleza, em 1915,
não obedecia a essa lógica. Inicialmente não constituiu-se como um dique”
destinado a impedir a infiltração comunista no meio operário, mas
fundamentalmente, como expressão do poder de arregimentação e controle
social da Igreja Católica, propondo-se a auxiliar uma imensa massa de
trabalhadores desassistidos pelo Estado.
Embora os documentos consultados se refiram a criação desse Círculo
como projeto da ação social desenvolvida pela arquidiocese de Fortaleza,
antevendo o agravamento da questão social, observo que esses discursos são
elaborados a partir de uma nova conjuntura caracterizada pelo embate
sistemático entre as classes sociais. Em suma, foi somente a partir da década
de 1920, com a constituição de grupos vinculados ao ideário comunista ou
mesmo ao socialismo libertário que os Círculos Operários no Ceará
arregimentaram-se para combatê-los.
Estendo a concepção de uma organização circulista com propósito
essencialmente assistencialista no âmbito material e espiritual, sem objetivar
contrapor-se ao projeto comunista, para os municípios interioranos onde a
mão-de-obra era majoritariamente constituída de trabalhadores rurais. Ressalto
que a concepção prevalece como válida apenas para os Círculos constituídos
no período que se estende até 1950. Destes, convém excetuar-se o Círculo
Operário de Chaval, distrito de Camocim e o Círculo Operário de Sobral.
149
Segundo A Fortaleza, ano III, 126, 26/04/53, a JOC chegou ao Ceará em 1951,
desenvolvendo-se em Fortaleza e nas Dioceses de Sobral e Limoeiro do Norte.
89
Em Camocim, município portuário, se presenciava em fins de 1920 a
circulação das idéias anarquistas e comunistas entre os trabalhadores. O
estudo de Carlos Augusto sobre a militância comunista em Camocim aponta o
surgimento do Círculo Operário “como uma opção organizativa do operariado
“cristão”, disputando os trabalhadores com os sindicatos onde se desenvolvia
uma base da militância comunista”
150
. Como foi abordado anteriormente, para
Agenor Soares, o surgimento do Círculo em Sobral em 1921, está associado a
relação entre esse município e o porto de Camocim, fato que propiciava o
intercâmbio e a disseminação das idéias comunistas e anarquistas. Agenor
explica que tal situação era motivo de grande preocupação para a Igreja
Católica, instigando-a para a fundação do Círculo Operário. No entendimento e
perspectiva do clero local, esta organização cuidaria da disciplina dos
trabalhadores locais, inculcando-lhes valores morais e fornecendo-lhes
assistência material de modo a mantê-los afastados da “perniciosa” ideologia
comunista.
151
Logo nos primeiros anos da década de 1950, encontro registros da
intensa atividade anticomunista desenvolvida pelos Círculos Operários em todo
Estado, sob a coordenação da FCOC. É também em 1950 que surge o jornal
circulista A Fortaleza, sendo pois através deste órgão que a Federação chega
aos mais distantes Círculos Operários. Nessa perspectiva as organizações
circulistas, orientadas a assinarem o jornal, passam a comungar no nível
político, das preocupações, diretrizes e programas agendados pela FCOC, cujo
alvo de combate eram os comunistas.
Retomo agora a discussão sobre o projeto circulista para um meio
constituído majoritariamente por trabalhadores rurais. Verifico que, para essa
categoria de trabalhadores, constantemente prostrada pelas secas, sem
acesso à educação, saúde e outros serviços básicos, os Círculos Operários
elaboraram um programa assistencialista assentado na caridade e no ideal de
justiça cristã. Estabeleceram com o Estado uma articulação similar a que foi
150
SANTOS, Carlos Augusto Pereira dos. Cidade Vermelha: a militância comunista em
Camocim Ce. 1927 1950. Rio de Janeiro, 2000. Dissertação de Mestrado em História.
Universidade Federal do Rio de Janeiro. 160 p.
151
JÚNIOR, Agenor Soares e Silva. A cidade disciplinada” : a Igreja Católica e os
trabalhadores urbanos em Sobral Ceará (1920-1925). Recife, 2002. Dissertação de
mestrado em História. Universidade Federal de Pernambuco.
90
constituída entre este e os círculos encravados nas grandes cidades
industrializadas ou em processo de industrialização.
Nestas localidades, os Círculos guardavam a especificidade de não
compor com o governo uma frente anticomunista, pelo menos até meados da
década de 1950. Favorecidos com a lacuna deixada pelo Estado e
apresentando-se como uma extensão deste, articularam um amplo programa
assistencialista e de forte conteúdo doutrinário para uma grande massa de
analfabetos, enfermos e agricultores desamparados.
Decerto que essa colaboração com o Estado foi imprescindível para
que as elites locais pudessem se fortalecer no poder. Indicados como
beneméritos” do circulismo em vista das verbas públicas que carreavam para
os Círculos e que apareciam como obra desinteressada daqueles que queriam
o progresso dos trabalhadores, ganharam a confiança dos circulistas. Com
base nesse programa assistencial, as elites elaboraram um discurso político
assentado no trabalho beneficente prestado pelos amigos do circulismo”, aos
trabalhadores cearenses. Esse discurso foi veiculado tanto pelos Círculos do
interior quanto pelas unidades da capital, que terminou por favorecer
candidatos a cargos eletivos em todas as instâncias do poder.
Como se vê, o discurso político não voltava-se contra o comunismo,
pura e simplesmente pela ausência desses grupos nesses municípios. No
entanto, estava a serviço das elites defensoras do status quo e que num âmbito
global elaboravam as estratégias para a derrocada do “inimigo vermelho”.
A crescente preocupação com os trabalhadores circulistas das áreas
rurais nos primeiros anos da década de 1950 era notória. Para tanto, uma das
resoluções do III Congresso firmava que os Círculos deveriam cooperar com o
governo na fase de preparação e execução da reforma agrária por meio de
inquéritos, cursos de informação, pleiteando junto aos legisladores, a
exploração das terras irrigáveis nas bacias dos açudes públicos.
A inquietação com os problemas que afligiam a área rural era
decorrente principalmente da ausência de um projeto governamental que
pudesse, se não solucionar, ao menos minimizar os infortúnios que se abatiam
inclementes sobre os trabalhadores, em conseqüência das secas. Além da
migração, os moradores das cidades, principalmente os de Fortaleza, temiam a
invasão dos flagelados.
91
Atinando para a gravidade da situação, que angustiava não somente os
trabalhadores do campo, os Círculos Operários dirigiam-se as autoridades,
clamando insistentemente por alimentos que deveriam ser distribuídos pela
CAN (Comissão de Abastecimento do Nordeste) e pela instalação de frentes de
serviço que mantivessem as pessoas diretamente atingidas pelas secas, em
seus municípios de origem. Alertavam que “...se as providências
indispensáveis tardarem a ser postas em prática nós habitantes de Fortaleza
devemos ficar prevenidos para qualquer marcha de fome dos flagelados”
152
Os longos períodos de estiagem instigavam os trabalhadores a
reivindicar um outro olhar para as regiões mais afetadas, propondo a adoção
de políticas públicas voltadas para o interesse dos trabalhadores do campo. O
depoimento do presidente do Círculo Operário de Porangabuçu, Manuel
Cavalcante, indica a preocupação com a política governamental em vigor e a
crescente necessidade de alterar-lhe o rumo. Na matéria intitulada “O nordeste
não pede esmolas” o circulista indaga:
O que adianta se construir açudes, se não há irrigação, e se
este tem peixe, não se deixa o povo pescar, fazer estradas
e não conservá-las, muitas vezes deixando-as por terminar.
Incentivar as plantações pelos agricultores pobres, se não
lhes dão as sementes e as ferramentas?
153
O depoimento é um demonstrativo da noção que os trabalhadores
tinham acerca dos programas governamentais destinados às regiões afetadas
pela seca. As chamadas “frentes de serviço”, que com míseros salários,
ocupavam os trabalhadores na construção de estradas e açudes, não tinham
outro objetivo senão favorecer as propriedades dos fazendeiros com obras
financiadas pelos cofres públicos e evitar que a grande massa de flagelados,
tangidas pela fome, violasse a propriedade e alterasse a ordem pública.
Além de criticar a falta de políticas públicas voltadas para os problemas
do homem do campo, os Círculos reclamavam, com insistência, a implantação
de um plano de assistência previdenciária que contemplasse os trabalhadores
rurais, com a aprovação de leis que os protegessem da superexploração e os
152
A Fortaleza, ano III, nº 118, 22/02/1953.
153
A Fortaleza, ano III, nº 121, 19/03/1953.
92
amparassem quando na ocorrência do desemprego ou mesmo quando
estivessem enfermos.
Os Círculos faziam a denúncia do alto custo de vida, considerando que
a gravidade da situação assemelhava-se a uma “ servidão pior do que a
característica da Idade Média, quando o sistema econômico era outro”. Num
artigo que apresentava o trabalhador rural como Homem-chave”
154
no
desenvolvimento econômico do país, o êxodo rural era concebido como
conseqüência nefasta da “servidão” e o pauperismo impostos aos
trabalhadores do campo. Lamentando a inércia dos governantes, o articulista
alerta que em face do êxodo, as atividades rurais entram em decadência
jogando na miséria um grande contingente de seres humanos.
Firmados nos princípios cristãos, os Círculos Operários não se eximiam
do dever de denunciar as condições miseráveis em que se encontravam os
trabalhadores nos serviços de emergência e dos que sem esperança,
migravam para a Amazônia e outros estados, buscando melhores meios de
sobrevivência. Eram atos de solidariedade entrelaçados com reivindicações
endereçadas aos poderes públicos. Um circulista de Morada Nova, município
situado no Vale do Jaguaribe, em carta publicada n’A Fortaleza, exprime sua
indignação ao relatar a situação dos trabalhadores nos programas de
emergência do Estado. Para dar força a denúncia vale-se das imagens
aterrorizantes dos campos de trabalho forçado na Rússia. Essas imagens
eram eram constantemente veiculadas pelos movimentos conservadores, para
que os trabalhadores repudiassem o regime comunista. Valendo-se desse
instrumento veja-se o teor de sua declaração:
(...) Existe um serviço de emergência da rodovia de Morada
Nova a Cristais, mas é considerado como sendo pior do que
um campo de concentração da Rússia Soviética. Os
operários são uns miseráveis indefesos, seus gemidos
ficaram sucumbidos entre quatro paredes. Os prisioneiros
de um campo de concentração moscovita são mais bem
tratados que nossos irmãos
155
.
Para confirmar a fidedignidade das informações contidas na denúncia,
o circulista informa que elas se baseiam nos depoimentos de pessoas
154
A Fortaleza, ano VIII, nº 381, 18/10/1958.
93
associadas ao Círculo e que trabalham no serviço de emergência. Ao comparar
os acampamentos e a situação em que se encontravam os trabalhadores
cearenses com os campos de concentração da Rússia Soviética”, pretendia
sensibilizar a opinião pública ante o sofrimento por ele retratado, e ao mesmo
tempo disseminar a propaganda anticomunista.
Além da preocupação com o êxodo e as marchas de fome”, as
organizações circulistas inquietavam-se com a penetração dos comunistas no
interior do Estado. A investida comunista apresentava a reforma agrária como
programa de luta, atraindo, para o seu seio, os trabalhadores do campo.
Freqüentemente encontrava-se n’A Fortaleza, notas convocatórias aos
circulistas do sertão para lutarem contra os comunistas nos municípios
interioranos. Afirmavam os editores do jornal que os comunistas aproveitavam
a situação da seca para “...incitarem o ódio”
156
e queixavam-se da falta de
atitude do governo, pois 1953 era o terceiro ano de seca consecutiva, criando
assim, na opinião dos dirigentes circulistas, um clima propício ao
estabelecimento da desordem que seria incitada pelos “vermelhos”.
Insistindo sobre o perigo que representavam os propósitos comunistas
e procurando instigar o governo a tomar atitudes cada vez mais repressivas, A
Fortaleza divulga um documento cuja autoria é atribuída aos comunistas. No
Boletim Comunista aos trabalhadores do campo, vítimas da seca e de outros
flagelos, encontra-se:
Vosso caminho pode ser o caminho das lutas, o caminho
dos camponeses de Uruoca que atacaram um trem e
tiraram dezenas de sacos para saciar a fome de suas
famílias. O caminho dos trabalhadores de Tauá, Pedra
Branca e outros municípios que se uniram e obrigaram as
autoridades e os coronéis a lhes dar alimentos e trabalho
remunerado. (...) não deveis ficar esperando por promessas,
se os “coronéis”, os prefeitos municipais e chefes de
serviços não vos atenderem com a rapidez que a vossa
fome exige, deveis passar imediatamente a agir com vossas
próprias forças, tomando alimentos, tecidos, remédios e
outros recursos dos grandes comerciantes do lugar dos
“coronéis” e do próprio prefeito.
157
155
A Fortaleza, ano IV, nº 166, 07/02/1954.
156
A Fortaleza, ano III, nº 119, 01/03/53.
157
A Fortaleza, ano III, nº 125, 21/04/1953.
94
Se o boletim foi realmente produzido pelos comunistas, não encontrei
confirmação. Contudo o que mais interessa neste fato é compreender os
interesses envolvidos na sua divulgação. Os Círculos exigiam dos governos,
providências que pudessem solucionar os problemas dos agricultores atingidos
pelas secas. Para fundamentar a urgência na adoção dessas medidas e
justificar a preocupação dos dirigentes circulistas, apontaram para o perigo
vermelho que, aproximando-se dos trabalhadores do campo, incitavam-no à
luta, à atentarem contra a propriedade e a promoverem a desordem. Alertam
também para o fato de que os comunistas mudam de tática, saindo dos
grandes centros urbanos e indo para a zona rural, utilizando a luta pela reforma
agrária como catalisador. Assim, aproveitando-se das precárias condições em
que se encontravam os trabalhadores do campo, punham em prática o
programa comunista.
Diante de qualquer agravamento da crise econômica, os circulistas
mostravam-se temerosos com a possibilidade de agitações sociais. Em fins de
1958, a situação no país era bastante crítica. No caso do Ceará que
atravessava uma seca das mais dramáticas, os problemas sociais eram ainda
mais assustadores. Retratando a situação da época e comparando a crise
econômica a uma doença pertinaz”, um articulista d’A Fortaleza escreve, que
no Ceará , havia um ambiente irrespirável, pelas conseqüências da seca que
ainda perdurava, pois embora o governo federal tivesse vindo em socorro com
obras de emergência ... com um terço da população reduzida a condição de
flagelados, é impossível evitar o espectro da miséria, que pode ser sentido nas
ruas centrais de Fortaleza, onde famílias inteiras se abrigam e vivem à sombra
de fícus benjamins”
158
As majorações dos preços do pão e das passagens nos transportes
coletivos, em fins de 1958, trouxeram, em marcha, estudantes e entidades
sindicais para as ruas de Fortaleza. As manifestações culminaram com
depredações de estabelecimentos de panificação e transportes coletivos.
Defronte à Assembléia Legislativa os manifestantes pretenderam levar aos
deputados as reivindicações do povo, mas foram violentamente barrados pela
polícia. A Federação dos Círculos Operários em nota oficial justifica a
158
A Fortaleza, ano VIII, nº 384, 08/11/1954.
95
insatisfação popular, contudo alerta que o povo está sendo insuflado por
elementos comunistas” que primam pela desordem social. Solicitando
providências ao presidente da República e aos representantes do povo, os
assinantes da Nota - Eusébio Mota Alencar e Pe. Arimatéia Diniz
respectivamente, presidente e assistente eclesiástico da Federação, concluem
convocando os circulistas a não apoiar as medidas violentas” e pacificamente,
aguardar as providências dos poderes públicos.
159
Noticiando e denunciando a situação dos trabalhadores em vários
municípios, os Círculos Operários, através de sua imprensa, intentavam criar
uma rede de solidariedade, fortalecer o movimento, ou pelo menos, mantê-lo
em atividade, haja vista que com a crise, conforme indiquei antes, os Círculos
ficavam com um reduzido mero de sócios e muitos dos programas sociais
inativos. Para sensibilizar os governantes, circulistas dos municípios
interioranos, os que mais duramente foram penalizados pela seca, fazem longa
narrativa da situação dos trabalhadores e suas famílias. A fome, a indigência e
a penúria permeavam a descrição do quadro social que tomava a aparência de
uma grande tragédia humana. Um circulista de Sobral assim descreve a
situação do povo nesse município, já em fins de 1958:
O povo está esfomeado, sub-alimentado, entregue a própria
sorte, sem recurso algum para minorar a aflitiva situação em
que se encontra. (...) o drama violento se desenrola nos
casebres infectos onde vegetam criancinhas inocentes,
sujas, esquálidas, doentes, sem pão e sem leite, chorando
com fome.
160
Embora compreendendo que o povo vivenciava uma situação
dramática, e mesmo assentindo que a crise econômica tenha levado a
população a atos extremos, a hierarquia circulista em nenhum momento apóia
tais manifestações. Ao contrário, sua posição encontra eco junto a
Confederação Nacional dos Trabalhadores na Indústria, representada no Ceará
pelo delegado Antônio Alves Costa. Esta entidade, também em nota oficial,
desaprova o ato promovido por estudantes e sindicalistas, e informa que há um
memorial subscrito por vários sindicatos, que dirigindo-se aos órgãos
159
Nota Oficial da Federação: A crise econômica e os trabalhadores. Arquivo do Sindicato dos
Trabalhadores Rurais de Limoeiro do Norte.
96
competentes pedem providência para sanar a situação. Entendendo que esta é
a única via de reivindicação, a CNTI afirma que essas ações são anti-
patrióticas e comprometem o nome dos órgãos sindicais e o conceito ordeiro
dos trabalhadores cearenses”.
161
Os conflitos sociais neste período causaram uma grande apreensão.
No semanário circulista não faltavam artigos tratando da sublevação das
massas”, da desmoralização das autoridades e do descrédito das
instituições”. O jornal veiculava ainda informações acerca da situação em nível
nacional, registrando a mobilização dos trabalhadores em defesa do
congelamento dos preços. Reforçando o perigo que se instalara frente ao
agravamento dos problemas sociais, A Fortaleza alerta que os acontecimentos
do momento estão deixando atônitos todos que desejam a paz social, pelas
conseqüências imprevisíveis que podem ter, porque:
Por incrível que pareça, chegou-se mesmo à concitar
oficiais e praças da Polícia Militar a sair às ruas, de armas
nas mãos, para derrubar o governo! Conclamou-se ao
levante, onze mil flagelados, abrigados na Hospedaria
Getúlio Vargas, numa irresponsabilidade estarrecedora.
162
Tendo em vista a ofensiva comunista no meio operário, o III Congresso
direciona-se também para a sindicalização dos trabalhadores circulistas. A
recomendação do arcebispo D. Antônio de Almeida Lustosa era possibilitar a
formação de Círculos Operários em todas as paróquias, pois, adverte o
arcebispo:
Em torno do operário agitam-se numerosos e graves
problemas.Alguns desses problemas interessam sobretudo
ao próprio operariado; outros são do interesse da
coletividade. Problemas domésticos e sociais. Problemas
que não passam além do bairro proletário, algumas vezes,
mas que tomam caráter internacional, outras vezes.
163
160
A Fortaleza, ano VIII, nº 389, 13/12/1958
161
Nota Oficial da CNTI, assinada por Antônio Alves Costa Delegado da entidade no Ceará.
A nota foi divulgada n’A Fortaleza, ano VIII, nº 386, 22/11/1958.
162
A Fortaleza, ano VIII, nº 388, 06/12/1958.
163
CIRCULAR Nº 110 de D. Antônio de Almeida Lustosa, por ocasião do III Congresso dos
Círculos Operários no Ceará. Divulgada n’A Fortaleza, ano III, 109, 21/12/52.
Suplemento.
97
Em 1953 as organizações vinculadas à Igreja Católica no Ceará,
aderiram à Cruzada Brasileira Anti-Comunista, dirigida, em âmbito nacional,
pelo Almirante Carlos Penha Botto, congregando militares, civis e eclesiásticos.
Os Círculos Operários prepararam protestos e passeatas anticomunistas. O
auge dessas atividades foi o dia 25 de março, quando a Federação dos
Círculos Operários do Ceará orientou os circulistas a organizarem festejos em
comemoração à libertação dos negros escravos no Ceará, e promoverem atos
em prol do expurgo do comunismo que, para eles, significava a escravidão da
pátria.
164
O órgão da imprensa circulista cearense ufana-se com a adesão que
vem recebendo a campanha no Ceará, afirmando que:
Os circulistas de todo o Brasil e, sobretudo, os do Ceará,
inscrevem-se, sem a menor dúvida, na vanguarda deste
exército de salvação nacional, na certeza de que estarão
cumprindo para com a terra do seu berço o mais sério e
mais sagrado dos deveres.
165
A tática para afastar os trabalhadores do comunismo era
essencialmente simples. A arregimentação seria em duas etapas: primeiro
trazê-los para o Círculo Operário, onde construiriam e fortaleceriam uma
formação moral, baseada nos valores cristãos, para, em seguida, levá-los ao
Sindicato, “imunes” aos princípios defendidos pelos “seguidores de Moscou”.
Para incutir no espírito dos trabalhadores a idéia de que o sindicato poderia e
deveria ser uma organização seguidora dos preceitos cristãos, divulgavam
continuadamente a mesma mensagem: “o SEU SINDICATO pode
representar SEU PENSAMENTO, se você fizer ouvir a SUA VOZ dentro dele.
Circulista, ingresse em seu sindicato.”
166
Os últimos anos da década de 1950 prenunciavam as agitações
políticas verificadas nos anos posteriores. A seca de 1958 abalou severamente
o quadro social das unidades circulistas, principalmente as que se localizavam
164
A FORTALEZA, ano II, nº 76, 05/04/52. A Federação dos Círculos Operários recebeu
telegramas confirmando a realização do ato em comemoração a libertação dos escravos e
repúdio ao comunismo, dos seguintes Círculos do interior do Estado: São Benedito, Sobral,
Tauá, Chaval, Cariús, Acaraú, Barbalha, Ipueiras, Santanópole, Lavras da Mangabeira,
Limoeiro do Norte, Campos Sales, Acopiara, Juazeiro, Redenção, Pacajús, Icó, Licânia,,
Solonópole, Massapé, Jaguaribe, Inhuçu, Coreaú, Jardim, Tianguá e Maranguape.
165
A FORTALEZA, ano II, nº 76, 05/04/52.
166
A Fortaleza, ano IV, nº 164, 24/01/54.
98
no interior do Estado. Em algumas ocasiões, observei queixas, lamentos e
reclamos sobre a situação dos trabalhadores do campo. Os relatórios anuais
enviados pelos Círculos Operários à Federação, revelavam redução do número
de associados, inadimplência, redução dos serviços assistenciais prestados
aos sócios e fechamento de núcleos circulistas.
Mesmo em face da sombria realidade vivenciada pelas unidades
circulistas no Ceanos períodos de grave crise econômica, não prenúncio
de falência do movimento. Observando a ação circulista nestes momentos,
percebe-se com nitidez o redobrado esforço dos circulistas para manter as
organizações em funcionamento, mesmo que de forma precária. Várias são as
atividades revitalizadoras do circulismo programadas para dar uma resposta
contundente aos desafios que enfrentam no plano externo e interno. Exemplo
disso foi a realização do Tríduo Circulista no Crato, entre os dias 11 e 13 de
dezembro de 1958, com a finalidade de dar maior incremento a vida circulista
e estudar renovações a ser introduzidas nos seus quadros sociais.”
167
O VII Congresso Nacional dos Círculos Operários, realizado em 1957
reflete o redirecionamento do programa circulista cerense para o meio rural. A
tese “Desenvolvimento do CC.OO. rurais”, apresentada pela Federação do
CC.OO do Ceará, neste Congresso ganhou adesão de outras federações e
resultou na aprovação de resoluções que requeriam mudança na
regulamentação de unidades circulistas rurais pela CNCO, uma vez que essa
era uma nova modalidade de Círculos Operários. Da tese sobre Círculos
Operários rurais, o Congresso resolveu dentre outras questões:
1 Aconselhar a incentivar a formação,com urgência, dos
círculos ou núcleos rurais, atendendo sempre as
particularidades regionais; regendo-se aos mesmos círculos
rurais de acordo com os estatutos dos círculos operários.
2 Autorizar a Confederação Nacional dos círculos
operários a regulamentar as particularidades dos círculos
rurais, de acordo com a tese e com outras propostas
encaminhadas a mesa do congresso.
168
167
A Fortaleza, ano VIII, nº 388, 06/12/1958.
168
Conclusões das Teses do VII Congresso Nacional dos Círculos Operários CNCO.
Arquivos: Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Limoeiro do Norte.
99
O VII Congresso Nacional apresentou as novas demandas do
circulismo e a crescente necessidade de inserir o movimento nos debates
sobre os problemas que afligiam os trabalhadores, especialmente aqueles que
viviam no meio rural. A reforma agrária foi não apenas abordada, mas definiu-
se uma posição em sua defesa como meio de promover a justiça social,
libertando os trabalhadores do campo de um regime quase servil”. Outro
ponto de grande interesse dos congressistas era a criação de cursos para a
formação de líderes. Os cursos deveriam ter uma parte técnica e outra
formativa. Nesta última, seriam instruídos na prática de liderança, noções de
economia política, noções de direito constitucional, e política internacional,
prática de democracia, sindicalismo, doutrina social e moral, técnica de
jornalismo, critica ao marxismo e comunismo.”
169
O que se presenciava, neste contexto da década de 1950 era uma
mudança de rumo nos projetos da Igreja Católica no campo social. Essa
transformação era bastante visível no Nordeste, quando os bispos da região
passaram a discutir programas de desenvolvimento econômico para a região,
reforma agrária, projetos de educação para reduzir o analfabetismo e
sindicalização rural.
Para Scott Mainwaring, a Igreja assume nesse momento um projeto
reformista, fruto das transformações ocorridas tanto no Brasil quanto no plano
internacional, com os novos posicionamentos da Sé Católica, especialmente no
pontificado de João XIII que põe a Igreja Católica “... mais em sintonia com o
mundo secular moderno, comprometida em melhorar os destinos dos seres
humanos na Terra e em promover a justiça social”.
170
Embora não seja preocupação da pesquisa perscrutar as
transformações históricas pelas quais passou a Igreja Católica, concebo que
não é possível compreender a ação circulista e as alterações em sua trajetória,
desvinculando-a da instituição que lhe forneceu as matrizes doutrinárias e
orientou sua práxis no meio operário. Assim, ao tratar da preocupação do
circulismo com o movimento sindical, enfocando a década imediatamente
anterior ao golpe de 1964 é necessário sobretudo compreender as mudanças
169
Conclusões das Teses do VII Congresso Nacional dos Círculos Operários CNCO.
Arquivos: Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Limoeiro do Norte.
100
que vinham se processando na Igreja Católica no tocante a visão sobre o
mundo do trabalho e a questão social, acentuando e exacerbando o tom
anticomunista de sua ação político-pastoral.
3 – Circulismo e Sindicalismo no Ceará.
Logo no início da formação dos Círculos, a preparação dos
trabalhadores para o ingresso no sindicato figurava nos estatutos como uma
das finalidades dessas entidades. Nas décadas de 1930 e 1940, verifica-se a
presença circulista na disputa pela organização de sindicatos cristãos. Hilário
Barbian analisando a relação Círculo Operário e sindicato neste período no
município de Ijuí – Rio Grande do Sul, assegura que a fundação do COI(Círculo
Operário de Ijuí), em 1936, motivou as lideranças a dobrar a pressão sobre os
trabalhadores, buscando “...fazer com que o trabalhador se associasse ao
sindicato e também ao COI.
171
Neste mesmo período, encontra-se semelhante preocupação dos
circulistas cearenses com a constituição de sindicatos orientados pelos mesmo
princípios do circulismo. Contudo, é a partir da década de 1950 que os Círculos
Operários deste estado investem de forma planejada e coordenada no
processo de sindicalização dos trabalhadores urbanos e rurais. É importante
ressaltar que essa ação intensifica-se no primeiro triênio da década de 1960,
em decorrência da disputa com os grupos de esquerda na organização dos
sindicatos.
A discussão sobre circulismo e sindicalismo, abordada no III Congresso
Estadual realizado em fins de 1952, indica sobretudo que os Círculos Operários
pretendiam atuar neste campo de maneira organizada e planejada, pois o
propósito de elaborar uma política sindical, estabelecer a aproximação com as
entidades sindicais existentes, instrumentalizar as possíveis lideranças que
atuariam na organização de sindicatos urbanos e rurais se configurava
desde o início de 1952.
170
MAINWARING, Scott. Igreja Católica e Política no Brasil (1916-1985). São Paulo:
Editora Brasiliense, 1989. Trad. Heloisa Braz de Oliveira Prieto, p. 62.
171
BARBIAN, Hilário. Círculo Operário e sindicalismo em Ijuí-RS (1932-1946). Florianópolis,
1991. Dissertação de Mestrado em História. Universidade Federal de Santa Catarina
101
Esse Congresso representou o início de um trabalho em prol da
sindicalização dos trabalhadores vinculados aos Círculos Operários. Era uma
importante estratégia do circulismo visando a cristianização das organizações
operárias. Acreditavam os circulistas que ao levar para o sindicato o
trabalhador informado pelos princípios cristãos que orientavam o movimento, a
organização sindical tomaria uma outra feição, assemelhando-se em sua forma
de atuar e nos fundamentos de sua ação, aos Círculos Operários.
Havia uma grande preocupação dos circulistas com a formação das
lideranças que atuariam no meio operário pela via sindical. No primeiro de maio
de 1952, a Turma de Líderes Sindicais recebe diploma no Teatro Jode
Alencar. O curso que havia iniciado em fevereiro de 1951 e mantido pela
Comissão de Fundo Sindical, era administrado por Ubirajara Índio do Ceará,
Mozart Soriano Aderaldo e Lauro Maciel. Estas pessoas estiveram
historicamente vinculadas a movimentos conservadores no Ceará. Eram
integralistas convictos e sempre mantiveram uma estreita colaboração com o
circulismo local.
No final de 1952, foi diplomada a Turma de Líderes Rurais, ocasião
em que o arcebispo de Fortaleza, D. Antônio de Almeida Lustosa, afirma que a
Igreja provará ao governo que “...é capaz de desincumbir-se com galhardia de
todas as missões que lhe são confiadas”.
172
Observo que no final da década de 1950, intensificava-se um processo
que tornava cada vez mais clara a distinção entre as organizações circulistas
das áreas onde predominava a agricultura e aqueles localizados num meio
onde a atividade fabril era significativa. A diferença era notória no que diz
respeito ao programa de ação das unidades circulistas. Enquanto os Círculos
Operários das áreas com maior índice de industrialização ocupavam-se
especialmente com a situação dos trabalhadores nos locais de trabalho,
reivindicando melhorias salariais e paralelamente buscavam harmonizar-se
com a classe patronal, os circulistas rurais debatiam-se na luta pela instituição
de leis que protegessem o trabalhador rural e na aquisição de verbas públicas
que garantissem o plantio, a colheita e o armazenamento da produção.
172
A Fortaleza, ano III, 110, 27/12/1952. Na solenidade de entrega dos diplomas aos
líderes rurais, presentes estavam a cúpula eclesiástica do Ceará, representantes do governo
102
Encontro em vários documentos do Círculo Operário de Limoeiro do
Norte, dirigidos ao Ministério da Agricultura e a Secretaria de Agricultura do
Estado, a solicitação de verbas para manutenção de serviços de assistência
aos trabalhadores rurais, tendo em vista serem eles a imensa maioria dos
associados. As verbas eram gastas na compra de instrumentos agrícolas,
inseticidas, materiais para armazenamento de grãos (silos) e na formação
técnica dos agricultores através do Aprendizado Agrícola São José, mantido
pelo Círculo Operário desse município.
A criação do Serviço Social Rural em 1958, oferecendo aos Círculos
Operários localizados no interior do Estado, educação técnica e profissional
para os trabalhadores rurais, foi uma das razões para que algumas unidades
circulistas reformulassem o estatuto alterando a denominação da entidade. O
Círculo Operário do município de Morada Nova foi o primeiro no Ceará a fazer
a conversão para Circulo Operário Rural. Como a quase totalidade dos sócios
das unidades circulistas interioranas eram trabalhadores rurais, na qualidade
de pequenos proprietários, meeiros ou parceiros, os Círculos buscavam apoio
nas entidades ou órgãos onde pudessem encontrar algum amparo a categoria.
Embora aparentemente o Serviço Social Rural parecesse ser apenas
um órgão destinado a fornecer orientações profissionais aos trabalhadores do
campo, havia um objetivo de cunho político, qual seja, a vigilância sobre esses
trabalhadores, realizada de forma preventiva em face da possibilidade de
agitações no meio rural. Sobre a importância desse órgão vejamos o que A
Fortaleza:
(...) redutor de conflitos sociais e amortecedor de veleidades
subversivas, porventura aninhadas nesses tempos de
propaganda revolucionária nos nossos sertões profundos. O
patronato rural deve apoiar, pois esse é um instrumento de
“paz social”.
173
No IV Congresso dos Círculos Operários do Ceará, realizado entre 29
de janeiro e de fevereiro de 1959, o Círculo Operário de Morada Nova
apresentou a tese “Como organizar e manter os círculos operários do interior”.
estadual, professores do Centro de Treinamento Rural de Jarandragoeira e membros da
Federação dos Círculos Operários do Ceará.
173
A Fortaleza, ano VIII, nº 376, 13/09/1958.
103
Dentre os diversos pontos propostos pelos circulistas moradanovenses, e
defendidos como instrumentos que proporcionariam o êxito dessas unidades
circulistas, cito dois que se sobressaem pela especificidade como se
relacionam com o quadro social da entidade:
XI - Assistência ao agricultor: construir silos de zinco ou
ferro para armazenar cereais selecionados, destinados ao
plantio; adquirir material agrícola, como seja, arados,
cultivadores, pulverizadores, extintores, enxadas. Para
revenda a longo prazo, com reserva de domínio, distribuir
inseticidas e fungicidas para o combate às pragas daninhas
à lavoura, etc.
XII – Sistema de unificação. Os círculos operários do interior
devem alterar a denominação para rculo Operário Rural
sem prejuízo, pois amparado no Manual – II parte cap. IV,
Proteção aos trabalhadores rurais.
174
Neste Congresso, os delegados de Círculos Operários do interior
reivindicaram junto à coordenação do evento o comparecimento do Secretário
de Agricultura do Estado. Diante do Secretário, os circulistas narraram a
situação dos trabalhadores do campo, buscando sensibilizá-lo e por fim
pressionaram para que houvesse a entrega das sementes que seriam
distribuídas aos agricultores pobres através dos Círculos Operários. A
aceitação da proposta dos circulistas rurais abriu um canal de negociação
direto entre os Círculos Operários e o governo do Estado. Nos anos
subseqüentes, as lideranças circulistas percorriam o mesmo caminho,
reivindicando não apenas sementes, mas instrumentos de trabalho, defensivos
agrícolas e gêneros de primeira necessidade para serem vendidos por preços
abaixo do mercado, nos armazéns e cooperativas circulistas aos seus
associados.
O olhar para o cotidiano dos trabalhadores rurais, suas dificuldades,
possíveis projetos e as atividades desenvolvidas no meio rural foi ganhando
maior importância. Essa mudança se fez notar também no jornal circulista A
Fortaleza, que passou a editar em 1958, a Página do Agricultor destinada a
abordagem dessas questões.
174
Teses para o IV Congresso dos Círculos Operários do Ceará – 29 de Janeiro a 1º de
Fevereiro de 1959. Documento. Arquivo do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Limoeiro
do Norte.
104
Na Assembléia Geral dos Círculos Operários do Ceaocorrida entre
24 e 26 de fevereiro de 1961, além da eleição da nova diretoria da FCOC
175
,
três importantes resoluções são aprovadas: Círculos e Federação trabalhariam
em conjunto para promover no mais curto espaço de tempo a sindicalização
dos sócios circulistas; realização de cursos intensivos nas diversas regiões,
visando a formação de líderes circulistas e por último, a canalização de
esforços para instituir Departamentos rurais nos círculos operários.
Das deliberações da Assembléia, depreende-se que o movimento
circulista cearense centrava, nesse momento, seus esforços em duas frentes: a
sindicalização dos trabalhadores e o acompanhamento sistemático das
organizações circulistas do meio rural. Mesmo os Círculos Operários situados
na Capital, demonstrando preocupação com o trabalhador rural, criam núcleos
onde pudessem agremiar os sócios circulistas que desenvolviam atividades no
campo. Em junho de 1961, o Círculo Operário de Antônio Bezerra (bairro de
Fortaleza) funda o seu Núcleo Rural.
A Federação resolve intensificar o trabalho do Departamento Sindical
para promover a sindicalização dos trabalhadores rurais. A Fortaleza, com o
propósito de pôr em guarda as lideranças do movimento e ainda contar com o
apoio dos patrões, alardeia sobre os perigo das ligas camponesas orientadas
por Francisco Julião estenderem seu raio de ação a outros estados do
nordeste, no processo de arregimentação dos trabalhadores rurais. Era pois
necessário e urgente que os sindicatos que porventura viessem a se constituir,
estivessem sob a orientação “cristã e sadiado circulismo. Nas Dioceses eram
escolhidos os vigários que cuidariam da sindicalização rural, de forma que, em
todo o Estado, os “partidários de Moscou encontrariam fortes obstáculos a
organização de sindicatos.
176
175
A nova Diretoria da FCOC foi constituída pelos seguintes membros: Presidente – Adauto
Fernandes de Oliveira; Vice-Presidente Cristóvam Fonseca; Secretário Geral Jerônimo
Pereira da Costa; Secretário de Estudos e Assistência Social Antônio Camelo de Araújo;
Secretário de Finanças José Aarão Cysne; Assistentes Eclesiáticos Pe. Arimatéia Diniz e
Pe.Tarcísio Santiago.
176
Na Diocese de Limoeiro do Norte, o Pe. João Mendes, vigário de São João do Jaguaribe,
encarrega-se do Movimento de Sindicalização Rural.
105
A pesquisa de Ochoa,
177
tratando a respeito da sindicalização dos
trabalhadores rurais no Ceará, aborda a participação de diferentes grupos que
disputavam a organização desses sindicatos. Nesse trabalho, os depoimentos
de lideranças que atuavam no movimento sindical fornece indícios significativos
do trabalho desenvolvido pela Igreja Católica através dos Círculos Operários no
processo de sindicalização. Os Círculos participaram ativamente dos eventos
que objetivavam articular o projeto de sindicalização dos trabalhadores rurais.
Por ocasião do I Congresso de Lavradores e Trabalhadores Agrícolas,
realizado em Belo Horizonte em 1961, delegados de Círculos Operários e da
FALTAC (Federação dos Lavradores e Trabalhadores Agrícolas do Ceará)
estiveram representando os trabalhadores cearenses. O resultado mais visível
desse encontro foi o fortalecimento do movimento em prol da sindicalização
rural. A participação dos circulistas no conclave evidencia a influência e o peso
das organizações circulistas junto aos trabalhadores.
Apesar da necessidade de aliança entre os Círculos Operários e a
FALTAC, havia uma mútua desconfiança em torno dos interesses e rumos que
cada uma das organizações pretendia dar ao movimento sindical rural. Os
Círculos primavam pela constituição de sindicatos que fossem receptivos aos
princípios cristãos, congregando todos os “homens de boa vontade”. Por outro
lado, as associações que integravam a FALTAC não viam com bons olhos a
presença de grandes proprietários de terra nos Círculos Operários e temiam a
influência dessas pessoas na organização dos sindicatos.
A correlação de forças demonstra no âmbito institucional o poder que a
Igreja Católica detinha junto aos órgãos governamentais. Quando o presidente
João Goulart entregou o Ministério do Trabalho ao Deputado Franco Montoro,
os sindicatos que estavam sob a influência da Igreja, recebiam sem maiores
obstáculos o reconhecimento legal. Conquanto, os sindicatos que recebiam
orientação de esquerda encontraram fortes barreiras no processo de
legalização. Esse quadro de dificuldade é atenuado quando Almino Afonso
substitui Franco Montoro no Ministério do Trabalho. O depoimento de José
177
OCHOA, Maria Glória Wormald. As origens do movimento sindical de trabalhadores
rurais no Ceará1954-1964. Fortaleza: Universidade Federal do Ceará/ Stylus
Comunicações, 1989.
106
Leandro mostra o diferenciado tratamento que os dois ministros dispensaram
aos sindicatos orientados pela Igreja e aqueles organizados pela FALTAC:
(...) Nós sabíamos que o clero, a Igreja, os padres aqui
fundaram 14 sindicatos e fundaram mais um grande número
de sindicatos em outras paragens.
E nós chegamos a fundar sindicatos quando entrou no
Ministério do Trabalho o Ministro Almino Afonso, foi ele
quem publicou uma portaria facilitando, com todas as
facilidades para a fundação dos sindicatos das Federações
e Confederações.
178
O jornal A Fortaleza divulga que o I Congresso de Trabalhadores
Rurais do Norte e Nordeste, realizado em 1962, em Itabuna Bahia, teve
importantes desdobramentos. Os congressistas aprovaram uma Carta de
Princípios na qual os camponeses reivindicavam serem ouvidos na elaboração
e aprovação da reforma agrária e ainda “...à necessidade urgente da
sindicalização rural como última esperança de libertação do homem do
campo.”
179
Embora o ministro Franco Montoro não tenha comparecido ao evento,
enviou representante do Ministério, conduzindo 23 cartas sindicais,
reconhecendo as entidades de camponeses existentes. O artigo evidencia
que havia uma expectativa dos congressistas acerca da portaria “...que viria
enquadrar esses sindicatos em pé de igualdade com os trabalhadores urbanos,
dando-lhes ampla autonomia - exatamente o que os trabalhadores rurais
defendem na Carta de Princípios”.
180
Para executar o projeto de sindicalização dos trabalhadores rurais a
ação circulista era demasiado intensa e articulava diversas organizações que
comungavam com os princípios basilares de sua doutrina. Não se tratava,
nesse momento, de investir na fundação de Círculos Operários, pois o número
dessas organizações no Ceará colocava o circulismo numa posição bastante
confortável. Era imperioso e vital fortalecê-los e instruir suas lideranças para a
arregimentação dos trabalhadores no sindicato, pois que, neste momento o
178
Apud. OCHOA, Maria Glória Wormald. As origens do movimento sindical de
trabalhadores rurais no Ceará1954-1964. Fortaleza: Universidade Federal do Ceará/
Stylus Comunicações, 1989.
179
A Fortaleza, ano XI, nº 493, 03/06/1962.
180
Idem.
107
sindicato era concebido como a via de libertação dos trabalhadores,
instrumento capaz de assegurar direitos trabalhistas que possibilitaria resgatá-
los da situação de miséria em que viviam. Partindo dessa compreensão, os
Círculos Operários no Ceará promoveram junto com sindicatos, associações e
agremiações de orientação católica, grandes eventos públicos para assinalar o
início de “uma nova era” na organização dos trabalhadores.
Uma grande concentração na tarde de 31 de maio de 1962 marca o
lançamento de um movimento que vinha se constituindo gradativamente, e cuja
articulação estava a cargo da Federação dos Círculos Operários. Esse
movimento que recebeu a significativa denominação Trabalhador Unido, reuniu
ainda em 1962, 141 entidades entre sindicatos, associações profissionais e
Círculos Operários. Embora congregasse além dos Círculos Operários,
sindicatos e outras organizações congêneres, a direção do Trabalhador Unido
ficou a cargo do Departamento Sindical da Federação dos Círculos Operários
do Ceará. Para conferir respaldo ao ato e ainda tornar pública a intenção de
agir com respeito à ordem social, colaborando com as autoridades na sua
manutenção, a Federação convidou autoridades civis, militares e eclesiásticas
para tomarem parte no evento. O jornal A Fortaleza registrou a presença do
governador Parsifal Barroso; do prefeito de Fortaleza,General Manuel Cordeiro
Neto; do Bispo Auxiliar de Fortaleza, Dom Raimundo Castro e Silva e de um
representante do Comando da Décima Região Militar.
Um dos momentos marcantes da concentração foi o lançamento do
Manifesto dos Trabalhadores. A coordenação do evento convidou todos a
ficarem de para prestarem um juramento “...de tudo fazer para a
observância e o cumprimento do manifesto,” explicando que a partir desse
momento tinha início ... um movimento que visa apresentar o espírito cristão
do trabalhador cearense, conferindo-lhe a autenticidade de classe integrada na
fé e nas tradições de todo o povo brasileiro.”
181
O Trabalhador Unido surge num período em que as lutas entre os
grupos que disputavam o movimento sindical se tornavam cada vez mais
acirradas. Porém o fator que especialmente concorreu para a sua criação foi o
anticomunismo propagado pelos setores conservadores, que almejava alcançar
181
Idem.
108
dois principais objetivos: congregar diferentes agremiações cumulando forças
para disputar com os grupos de esquerda o movimento de sindicalização
urbana e rural e, formar uma frente ampla que deveria atuar como trincheira de
combate ao comunismo.
No Manifesto aos Trabalhadores o TU apresenta uma análise da
situação social e política nacional, conclamando os trabalhadores cristãos a se
unirem sob uma bandeira ...destinada a ajudar na construção da paz e de uma
pátria engrandecida, sob o império da justiça social.”
182
Os quatorze pontos
que compõem o Manifesto,
183
expressam o repúdio a luta de classes, tecem
críticas ao liberalismo econômico e ao capitalismo em razão da acumulação de
riquezas nas mãos de uma minoria, repudiam o socialismo considerado “...um
monstro mais terrível” que o capitalismo, afirmam-se nas encíclicas sociais
como fundamento que norteará a ação do TU e por fim proclamam que A
Grande Causa deve ser abraçada por todos os trabalhadores:
(...) Unamo-nos e associemo-nos em nossas sociedades,
em nossos clubes, em nossos sindicatos e batalhemos pela
causa comum. (...) No meio dessas angústias, nós, os
trabalhadores do Ceará, ouvimos o apelo dos pontífices.
Então por intermédio da Federação dos Círculos Operários,
conclamamos para uma nova cruzada todos os homens e
mulheres que trabalham. Lutemos pela nova ordem social e
cristã! Bem sabeis o que vos aguarda. Haverá duros
embates, mas as bênçãos de Deus transformarão os nossos
e os vossos sofrimentos em galardão. Assim como de hidras
e quasímodos o Gênio faz obras de beleza monumental,
assim as nossas dores e humilhações serão transformadas,
algum dia, no esplendor de uma Grande Aurora.
Trabalhadores de todas as profissões, unamo-nos em
defesa da Grande Causa.
184
Nesse momento, os Círculos Operários iniciam uma marcha junto com
outras agremiações sob a insígnia do TU, objetivando principalmente fortalecer
o anticomunismo. Convém assinalar que os Círculos o apenas compuseram
182
Manifesto dos Trabalhadores – Federação dos Círculos Operários do Ceará . Em 31
de Maio de 1962. Arquivo – Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Limoeiro do Norte.
183
O Manifesto inicia com um apelo aos Trabalhadores do Ceará, em seguida aborda os
seguintes temas: Ciência e Consciência, O pensamento Cristão, As Encíclicas, Unidade do
Pensamento Pontifício, Liberalismo Econômico e Capitalismo, O Socialismo, O Indivíduo e a
Sociedade, Família e Divórcio, O Homem e a Empresa, Desníveis da Estrutura Social, Reforma
Agrária e Propriedade Privada, Compromisso Social Cristão e A Grande Causa.
184
Idem, p. 09.
109
o movimento, mas deram-lhe orientação e direção. Outra inferência que se
pode fazer, após observar a articulação desse novo movimento gestado sob a
direção da FCOC, é que a Igreja Católica fortalece sua ação junto às classes
trabalhadoras via Círculos Operários.
Para dar maior visibilidade ao movimento no Ceará e articular-se com
outras organizações em nível nacional, o TU envia dois representantes para o
II Encontro Sindical Nacional de Trabalhadores Democráticos, no Rio de
Janeiro, no segundo semestre de 1962.
185
Os delegados do TU foram ainda
incumbidos da missão de apresentar no Encontro, o Manifesto aos
Trabalhadores lançado em 31 de maio e divulgar o jornal A Fortaleza. No
mesmo período, ocorre em São Paulo a IV Convenção Sindical Nacional,
organizada por entidades de orientação nacionalista e outras vinculadas aos
socialistas e comunistas do PCB. Acusados pela Convenção Sindical Nacional
de promoverem a divisão entre os trabalhadores, os congressistas se
defenderam apresentando as razões do Encontro e suas finalidades. Manoel
Cavalcante, dirigente da União dos Presidentes Circulistas de Fortaleza e um
dos representantes do TU, assim se manifestou acerca do evento:
O Encontro representa o fortalecimento dos ideais
democráticos da maioria esmagadora do operariado
brasileiro orientado para sua unificação nacional e não para
sua divisão, como foi acusado pelos comunistas que
promoveram simultaneamente um encontro em São Paulo.
O Congresso significa uma repulsa ao comunismo,
representa o ideal de separar o joio do trigo, foi a
demonstração de que os trabalhadores têm a consciência
de não ter nada a ver com a ideologia contrária ao espírito
cristão e democrático do povo.
186
O ano de 1962 foi marcante para os Círculos Operários cearenses. A
participação em eventos estaduais e nacionais é um demonstrativo da
efervescência do movimento e do empenho em pôr em execução um novo
programa junto às classes trabalhadoras. Esse novo programa exigia novas
práticas e formas de atuação. Requeria a constituição de alianças,
185
Neste Encontro Sindical representavam o Trabalhador Unido: Antônio Alves Costa –
Presidente da Federação dos Sindicatos de Trabalhadores na Indústria no Ceará e Vice-
Presidente do TU e Manuel Cavalcante representante do Sindicato da Orla Marítima e da
Federação dos Círculos Operários do Ceará.
186
A Fortaleza, ano XI, nº 496, 01/09/1962.
110
fortalecimento das bases circulistas e maior preparo das lideranças. A
participação no VIII Congresso dos Círculos Operários em São Paulo em julho
de 1962, reforçou a necessidade de discutir os problemas enfrentados pelos
trabalhadores, mas, para além do debate, era imperioso apresentar soluções
factíveis e que não se desviassem dos ensinamentos doutrinários das
encíclicas sociais.
No final do Congresso, foram aprovados e divulgados os seguintes
documentos: a Declaração de Princípios, um Programa de Reivindicações e
um Plano de Ação que deveriam fundamentar e nortear a ação circulista em
todo país. Especificamente sobre a questão sindical e a relação sindicato e
Círculos Operários foi definido no Programa de Reivindicações que:
Tendo os CC.OO. como finalidade primordial a promoção da
classe trabalhadora, seria inconcebível o seu alheamento
dos sindicatos que são, por força de lei, os órgãos
representativos das diversas categorias profissionais. Assim
sendo, recomendamos que os CC.OO. promovam
campanhas no sentido de sindicalizar os trabalhadores
circulistas. Estes deverão ser preparados a fim de
explicarem nos seus sindicatos os postulados fundamentais
da Doutrina Social Cristã, única bandeira segura e
democrática para a redenção da classe trabalhadora.
187
As orientações não se resumem à sindicalização dos circulistas.
Impõem a necessidade de instruí-los nos mesmos postulados cristãos que
subsidiavam os Círculos. Não se tratava de constituir sindicatos confessionais,
mas formar as lideranças para atuar em seu meio.
Preparando-se para a luta ideológica o TU, estimulado pelas
determinações do VIII Congresso, organiza um Curso de Líderes
Democráticos, instalado na primeira quinzena de outubro de 1962. Ainda em
outubro deste ano, o pe. Pedro Veloso, Assistente Eclesiástico da CNCO, veio
à Fortaleza para contactar todos os Círculos Operários e planejar a execução
das deliberações do VIII Congresso. Percebe-se pois, que no caso do Ceará, o
Plano de Ação aprovado pelo Congresso entraria em pleno funcionamento em
face não apenas do vigor dos círculos operários deste Estado, como do
interesse da CNCO em dinamizá-lo.
111
A FCOC e o TU encetam uma campanha contra William Nogueira Sá,
secretário-geral do Partido Comunista em Fortaleza, que, apoiado por
sindicatos e pela União Estudantil, pleiteava o cargo de delegado da Delegacia
Regional do Trabalho. Denunciaram que os comunistas estavam tentando se
apoderar das posições chaves da administração pública e que William era
“... um rapasola de idéias subversivas e conhecido elemento agitador em
movimentos sempre tendenciosos, como enviado de Moscou”. Na opinião da
FCOC e do TU, o nome ideal para assumir a DRT deveria ser alguém com
qualidades semelhantes a Amadeu Arrais que, a frente da Delegacia
demonstrara assumir compromisso com os princípios democráticos cristãos.
188
Com a renúncia de Amadeu Arrais, assume a Delegacia, Francisco Soares, e
segundo A Fortaleza, o novo delegado daria continuidade ao trabalho de
Amadeu Arrais. William Sá fora derrotado pelas forças conservadoras que
punham-se em vigília contra os “vermelhos”.
Enquanto explodiam greves nas bricas de tecidos e de extração de
óleos vegetais de Fortaleza, com manifestações e passeatas organizadas
pelas entidades sindicais solicitando o apoio da sociedade civil aos grevistas, a
FCOC e o TU realizavam Encontros de Confraternização entre patrões e
operários, para instaurar um clima de cordialidade e compreensão” entre as
classes. A imprensa circulista propaga que o TU penetra de maneira intensa e
positiva na opinião pública, e a expectativa do movimento é “...alargar o raio de
sua influência, de modo a estreitar cada vez mais patrões e operários na
solução dos problemas comuns, soerguendo bem alto o lábaro augusto da
fraternidade cristã em bem da pátria e da religião.”
189
Além do TU, uma outra organização instala-se no Ceará para fortalecer
a atuação dos grupos conservadores no meio operário. O Plano de Ação do
VIII Congresso dos Círculos Operários, recomenda que o trabalho sindical a
ser desenvolvido pelo Círculo Operário “poderá ficar a cargo do MOS
(Movimento de Orientação Sindical), com a finalidade interna de “...aperfeiçoar
a técnica de liderança aprendida nos cursos da ELO”, e externamente, preparar
187
VIII Congresso Nacional dos Círculos Operários Programa de Reivindicações.
Arquivo do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Limoeiro do Norte.
188
A Fortaleza, ano XII, nº 519, 03/02/1963.
189
A Fortaleza, ano XII, nº 520, 10/02/1963
112
as lideranças para atuarem nas Assembléias Sindicais, Eleições Sindicais e
Sindicalização em massa dos trabalhadores cristãos”.
190
Assim como o TU (Trabalhador Unido) e a RDETRAL (Resistência
Democrática de Trabalhadores Livres), o MOS integrava o MSD (Movimento
Social Democrático). Jessie Jane informa que o MSD “... tinha uma proposta
semelhante à do movimento sindical norte-americano”. Acrescenta ainda, que
esses grupos identificavam-se pelo caráter anticomunista e estavam vinculados
na proposta de “...luta por um Brasil cristão-democrático”.
191
Dando continuidade ao proselitismo anticomunista, A Fortaleza tece
considerações encomiásticas à atuação do MOS, como uma reação do
operariado a sovietização do Brasil. Provisoriamente, o MOS no Ceará fica sob
a direção do presidente do Círculo Operário de Parangaba (bairro de
Fortaleza), que dedicou-se a promoção de sessões domingueiras com o
objetivo de discutir as reformas de base, instruindo as lideranças circulistas
para intervirem no movimento sindical.
192
Os Círculos Operários no Ceará irão executar as deliberações do VIII
Congresso, especificamente o Plano de Ação, em conjunto com o TU e o MOS.
portanto, a intenção de construir um cerco visando a preponderância sobre
o meio operário com a finalidade de impedir que outras correntes pudessem
orientá-lo. Apenas para exemplificar essa parceria, cito a Campanha pró-
salário família, proposta pelo VIII Congresso e lançada pela CNCO junto com
organizações classistas, em 19 de abril de 1963, e que no Ceará é dirigida em
conjunto por essas entidades.
Se a presença de outras organizações atuando no meio operário sob a
direção da FCOC é um indicativo do fortalecimento do circulismo no Ceará, por
outro lado observa-se que um declínio das atividades de alguns Círculos,
em especial, senão exclusivamente, no interior do Estado. Esse fato torna-se
público quando a Federação dos Círculos Operários cria uma nova coluna n’A
Fortaleza, intitulada Observador Circulista. A coluna direcionava comentários
exclusivamente para as organizações circulistas do interior que haviam deixado
190
Plano de Ação. VIII Congresso dos Círculos Operários – CNCO. Arquivos: Sindicato dos
Trabalhadores Rurais de Limoeiro do Norte.
191
SOUZA, Jessie Jane Vieira de. Círculos Operários: a Igreja Católica e o mundo do
trabalho no Brasil. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2002.
113
de informar a Federação sobre suas atividades. Indo além, o colunista admitia
a possibilidade de que algumas tivessem deixado de existir. Contudo, o
interesse maior era revitalizar os Círculos que porventura se encontrassem
inativos ou desenvolvendo um trabalho de pouca expressividade em vista da
urgência de uma ação intensa e maciça junto aos trabalhadores. Com o
propósito de “aumentar a cooperação e o intercâmbio entre as Federações e os
Círculos Operários” , dentre outras finalidades tão relevantes quanto essa, foi
idealizado o I Encontro Regional dos Círculos Operários do Norte e Nordeste.
A proposta de um Congresso Regional a ser realizado em 1963, onde
seriam discutidos os problemas da classe trabalhadora na região e aprovado
um programa de ação contemplando especificamente essas questões, foi um
dos principais resultados do VIII Congresso Nacional dos Círculos Operários
para os circulistas do nordeste. A idéia do congresso regional nasceu do
encontro entre presidentes das federações circulistas de Alagoas, Bahia,
Sergipe, Ceará e Pernambuco, oportunizada pelo VIII Congresso.
Em novembro de 1962, aconteceu o 1º Encontro Preparatório que
definiu Recife como local e a última semana de julho como data do evento. A
esse primeiro encontro sucederam-se outros. Logo em dezembro deste mesmo
ano, os dirigentes das Federações do Norte e Nordeste encontraram-se em
Maceió para discutir as diretrizes do temário. Quatro temáticas foram
aprovadas: Reforma Agrária no Norte e Nordeste; Industrialização e Reforma
Estrutural da Empresa; Plano da Sudene para o desenvolvimento do Norte e
Nordeste e Habitação, Saúde e Salário no Norte e Nordeste.
Na II Reunião Plenária realizada em Fortaleza, entre 30 e 31 de março
de 1963, com a presença de representantes do Piauí, Sergipe, Bahia, Alagoas,
Rio Grande do Norte e membros da CNCO, ocorreu a mudança de local do
Congresso. A anterior escolha de Recife para sediar o encontro, deu-se em
razão de sua localização no “...Estado-centro, não demograficamente como
sobretudo, pelo estado permanente de inquietação social porque vive a sua
gente”. Contudo, na II Reunião, Fortaleza foi indicada para nova sede do
Congresso. No semanário circulista a justificativa apresentada para essa
192
NA Fortaleza, ano XII, 541, 07/07/1963, a informação que o MOS tem filiado ao
movimento 1326 entidades, entre sindicatos e federações.
114
alteração o é clara, resumindo-se a informar que diante dos obstáculos
surgidos” não havia possibilidade do evento ocorrer em Recife.
193
Da apresentação do temário e das teses do Congresso, pode-se inferir
que uma mudança significativa na plataforma circulista. A preocupação dos
circulistas direciona-se neste momento para a intervenção decisiva no plano
político e econômico, reivindicando as reformas sociais de base como caminho
para o estabelecimento da justiça social. Mesmo considerados um dos setores
mais conservadores vinculados a Igreja Católica, os Círculos Operários tinham
clareza da necessidade de promover mudanças que possibilitassem minorar o
sofrimento das classes menos favorecidas. O que decididamente não
aceitavam, era que o percurso a ser trilhado para alcançar essas mudanças,
fosse radicalizado e pusesse em perigo a ordem social.
Firmados na proposta de impulsionar a evolução social, refutavam a
idéia de revolução propugnada pelos setores radicais que atuavam no meio
operário. Para os circulistas, as reformas sociais não poderiam ser
encaminhadas de forma violenta, abalando os alicerces da ordem social. Nos
discursos proferidos em manifestações e nos artigos da imprensa circulista,
afirmam o desejo de mudança social e atestam que o caminho da evolução era
superior a revolução, pois:
(...) A ordem social pode transformar-se sem deixar de
existir. Mas, em certas circunstâncias, as alterações são tão
radicais, violentas, que, durante um certo período, os seus
elementos essenciais cessam de funcionar. A ordem social,
desaparece.
...................................
Quando, pelo contrário, as alterações da ordem social
respeitam as funções fundamentais, principalmente as do
direito e da ordem pública, diz-se que uma evolução, por
mais radicais que sejam as mudanças e transformações do
sistema.
194
193
A Fortaleza, ano XII, 01/05/1963. Na sessão de Maceió foram aprovadas as seguintes
teses para o Congresso: Estrutura Agrária adequada para a região Norte e Nordeste;
Sindicalismo rural; Estrutura Industrial para a região Norte e Nordeste e Plano de Ação para a
região.
194
A Fortaleza, ano IX, 429, 05/09/1959. As modalidades da reforma social Doutrina
Social da Igreja.
115
Para impedir que se alastrasse o programa dos partidários da mudança
social pela via revolucionária, os circulistas compreenderam a emergência de
uma ação específica junto aos trabalhadores camponeses, em vista que, este
era um setor arduamente disputado pela esquerda, numa época em que a
reforma agrária vinha mobilizando forças de diferentes tendências ideológicas.
Era um novo tempo e exigia uma nova forma de atuação.
A hierarquia circulista nacional, através de circular enviada a todos os
Círculos Operários informa sobre as deliberações aprovadas na reunião dos
presidentes e assistentes eclesiásticos, realizada no Rio de Janeiro nos dias 22
e 23 de junho de 1963, tratando do sindicalismo rural. O Manifesto da CNCO e
uma Declaração para orientação dos Círculos Operários sobre a reforma
agrária, o sindicalismo rural e as centrais sindicais são os documentos
elaborados por ocasião dessa reunião.
A circular esclarece que as resoluções aprovadas não se tornariam
públicas, contudo, “...devem ser conhecidas pelas Federações e Círculos
Operários”. Analisando o documento, fica evidente que os critérios
estabelecidos pela CNCO para a ação circulista no campo da sindicalização
rural, obedecia as determinações da hierarquia eclesiástica, através da CNBB.
Veja-se pois o que estabelece:
1- Nas diversas Dioceses em que os senhores Bispos
derem liberdade aos Círculos Operários para fundar
sindicatos rurais, devem fundá-los;
2- Onde os senhores Bispos se encarregam desta
fundação por meio de Comissões especiais ou por meio do
responsável da sindicalização rural da Comissão Regional
do Plano de Emergência, os Círculos Operários, se
solicitados, colaborarão;
3- Sem autorização dos Bispos os Círculos Operários,
apoiando os sindicatos rurais criados com orientação cristã,
não devem tomar a iniciativa dessas fundações;
4- Sempre os Círculos Operários procurarão fundar
Círculos Operários na zona rural que ajudem os sindicatos e
preparem bons sindicalistas rurais para atuarem dentro dos
sindicatos.
195
Está claramente expresso que os Círculos Operários não tinham
autonomia para fundar sindicatos rurais. A CNBB havia criado comissões
116
especiais para realizar a sindicalização rural. Após longo e intenso trabalho de
preparação das lideranças e realização de campanhas em favor da
sindicalização, os Círculos Operários viam sua ação neste setor, limitada pela
hierarquia eclesiástica.
Embora os Círculos Operários tenham se dedicado intensamente a
formação de líderes para atuarem no meio operário urbano através da ELO
(Escola de Líderes Operários) e junto aos trabalhadores rurais via ELIRUR
(Escola de Líderes Rurais), foram, de certa forma, preteridos no processo de
sindicalização. Mesmo o programa educacional circulista, um dos setores mais
dinâmicos do movimento, não respondia satisfatoriamente as exigências da
época. A criação do MEB (Movimento de Educação de Base) em 1961 é um
demonstrativo da nova demanda no campo social colocada para a Igreja.
196
Como os Círculos Operários eram organizações reconhecidas apenas
pelo Código Civil sem gozar as prerrogativas dos sindicatos, asseguradas pelo
Código Trabalhista, é possível que muitos membros da hierarquia católica, não
os vissem mais como instrumentos de intervenção da Igreja no mundo do
trabalho, posto que outrora ocuparam com o apoio da elite católica leiga e
eclesiástica. Os circulistas tinham noção da circunscrição da ação que
poderiam desenvolver junto às classes trabalhadoras. Em vários documentos
declararam a importância dos sindicatos e explicitaram as prerrogativas que
teriam os trabalhadores ao sindicalizarem-se, ao firmarem que:
Estas associações, não representam uma garantia para
os trabalhadores, pois são órgãos oficiais para a defesa dos
seus direitos, mas também desempenham na conjuntura
brasileira papel importantíssimo.
(...) Os sindicatos falam em nome deles, por imperativo da
lei. Não é admissível que os trabalhadores cristãos, os
circulistas se omitam numa hora tão grave e o influam na
colaboração que os sindicatos dão à construção do futuro
do Brasil.
197
195
Circular enviada aos Círculos Operários. CNCO. Rio de Janeiro, de julho de 1963.
Arquivo: Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Limoeiro do Norte.
196
Sobre o assunto ver BRUNEAU, Thomás C. Catolicismo Brasileiro em Época de
Transição. São Paulo: Edições Loyola, 1974. Trad. Margarida Oliva. Na análise de Bruneau
o MEB ...foi o programa mais vasto feito, no Brasil, no campo da educação de base. A
Educação de Base, tal como era entendida pelo MEB, o visava apenas a alfabetização, mas
principalmente, a mobilização social, ou politização, através do conceito de conscientização”.
P. 156.
197
CNCO – Declaração de orientação uniforme para os Circulistas – Reunião dos Presidentes
117
Os circulistas bem compreendiam a situação do movimento nesse novo
contexto. Para justificar a importância dos Círculos Operários na orientação dos
trabalhadores, anunciaram as razões de sua existência, fazendo um paralelo
com o sindicalismo. Na concepção dos circulistas, os sindicatos eram
relevantes para a elevação do trabalhador, contudo não substituiam nem
tornavam prescindíveis os Círculos Operários.
Em entrevista publicada n’A Fortaleza, Carlos Kraemer Haesbaert,
vice-presidente da Federação dos Círculos Operários do Rio Grande do Sul,
versa sobre o assunto, antecipando de início que não antagonismo entre
circulismo e sindicalismo visto que “...grande número de sindicatos instalados
neste ou em outros Estados, nestes últimos cinco lustros, foram suscitados por
iniciativa e ação dedicada dos círculos operários”. Prosseguindo, apresenta no
intuito de reforçar o papel dos Círculos junto aos trabalhadores e demarcar o
espaço de atuação circulista, as seguintes indagações:
Poderá o Sindicato fazer a pregação, a defesa do
Evangelho no regime de independência e separação entre
ele e a Religião? Poderá alcançar com seus recursos e com
seus serviços da mesma forma a todos a quantos atingem
os recursos e os serviços dos Círculos Operários? Poderá o
Sindicato manter-se imune à ação de corvejantamento de
tantos políticos e governantes para os quais o movimento
sindical não representa senão um poderio eleitoral? Poderá
suprir a assistência e a formação espiritual e cultural que
o movimento circulista aos seus associados? Enfim, poderá
o sindicalismo do Estado, como o temos em nosso meio,
tornar sem razão as razões do circulismo?
198
Expressando firme e claramente a atuação circulista no campo da
cultura, o movimento delineava incisivamente o lugar que desde sempre fora
seu alvo, estremando o raio de sua atuação em relação ao sindicalismo. Nessa
perspectiva, indicava que suas preocupações iam além dos objetivos do
sindicato. Entendiam que sua missão, junto aos trabalhadores, ultrapassavam
as reivindicações materiais destes. Pretendiam sua ascensão moral, cultural e
espiritual. Sem esses avanços, o progresso material teria seu significado
e Assistentes Eclesiásticos. Rio de Janeiro – junho de 1963. Arquivo: Sindicato dos
Trabalhadores Rurais de Limoeiro do Norte.
198
A Fortaleza, ano XII, nº 543, 21/07/1963.
118
limitado, uma vez que o trabalhador não é apenas “um elemento de produção” ,
mas uma pessoa humana composta de corpo e alma” . A proposta circulista
busca alcançar o progresso que contemple todos esses aspectos que “...
finalmente, tendo em vista o bem comum, a elevação da classe operária, em
harmonia e colaboração com as outras classes sociais, subordinar-se-á a ele,
sendo pois extensiva a toda a sociedade”.
199
Retomando a discussão sobre a posição dos Círculos Operários no
processo de organização sindical, é importante ressalvar que eles estavam
vinculados mais estreitamente aos setores conservadores da Igreja, fato que
também pode ter contribuído para o seu deslocamento, em vista que neste
período, grupos católicos alinhados às posições da esquerda, identificados
como elementos mais dinâmicos e em sintonia com as aspirações sociais das
classes trabalhadoras na perspectiva de uma ação mais radical, pudessem
oferecer maiores possibilidades de inserção da Igreja no processo de
sindicalização no meio operário e rural.
200
Apesar das restrições impostas a sua atuação no campo da
sindicalização, O Congresso Regional realizado em Fortaleza, em outubro de
1963, ratificou a posição dos Círculos Operários da região em defesa da
sindicalização rural. A tese sobre Sindicalismo Rural, apresentada pela
Federação dos Círculos Operários de Alagoas, propunha:
Apelar aos BISPOS DO BRASIL para que despertem as
consciências dos cristãos ainda omissos diante de tão
graves problemas, e promovam a unificação das forças que
se encontram dispersas, objetivamente formar uma frente
única das diversas instituições cristãs, para neutralizar a
atuação perniciosa das diversas forças opressoras, de
direita e da esquerda, ambas oriundas de potências
estrangeiras.
201
Os circulistas do nordeste entendiam que os problemas enfrentados
pelos trabalhadores na região guardavam algumas especificidades em relação
199
A Fortaleza, Ano VIII, nº 419, 06/06/1959.
200
Refiro-me a atuação do MEB, JOC, JEC, JUC e posteriormente a Ação Popular (AP).
Ressalte-se também a atuação da Frente Nacional do Trabalho (FNT), fundada em 1960
que também disputará com os círculos operários a orientação no movimento sindical.
201
Sindicalismo Rural – Tese apresentada no I Congresso Regional Circulista Norte /
Nordeste. Federação dos Círculos Operários de Alagoas. Arquivo: Sindicato dos
Trabalhadores Rurais de Limoeiro do Norte.
119
ao restante do país. O Nordeste figurava entre as regiões mais pobres. O
índice de analfabetismo atingia níveis astronômicos e a situação de penúria em
que se encontravam os trabalhadores era dramática. Além disso, a atuação
dos grupos de esquerda nas áreas rurais do Nordeste assustava não apenas
os grandes proprietários. A Igreja Católica ingressava cada vez mais no debate
e na articulação de projetos que pretendiam oferecer alternativa a esses
problemas.
202
Os Círculos Operários da região tencionavam, nesse contexto, buscar
apoio junto às dioceses e arquidioceses e traçar uma proposta de unificação
das forças circulistas em conjunto com outras organizações que defendiam a
democracia cristã com fundamento nas encíclicas sociais.
Em troca do apoio à manutenção da ordem, a FCOC e as unidades
circulistas desfrutavam de algumas vantagens concedidas pelos governos
municipal e estadual. Com a aproximação do Congresso Regional, o prefeito
de Fortaleza Murilo Borges, anunciou a construção do Largo da Medianeira,
obra que seria inaugurada no momento da instalação do Congresso. O Largo
era uma homenagem a padroeira do circulismo, tendo portanto, um significado
simbólico relevante para os circulistas e representava ainda a patente
colaboração entre o circulismo e o Estado.
203
Em se tratando do apoio da arquidiocese de Fortaleza e das dioceses
sufragâneas, os circulistas cearenses estavam numa posição bastante
confortável para dar continuidade ao trabalho de sindicalização. Não podendo
se fazer presente ao conclave, o arcebispo D. José Delgado envia carta ao pe.
Dourado Colaço, Assistente Eclesiástico da FCOC na qual assegura depositar
confiança no trabalho circulista nessa “... nova fase de realizações de sentido
202
A criação da SUDENE é, em larga medida, resultado da atuação dos Bispos do Nordeste.
Sobre o assunto ver BRUNEAU, Thomás C. Catolicismo Brasileiro em Época de Transição.
São Paulo: Edições Loyola, 1974. Trad. Margarida Oliva.
203
O Largo da Medianeira foi construído no final da Avenida Heráclito Graça. Sua inauguração
ocorreu no dia 01 de outubro de 1963, data da instalação do I Congresso Regional
Circulista. Na solenidade foi celebrada missa campal que contou com a maciça presença de
circulistas e de autoridades civis e eclesiásticas. A Fortaleza, ano XIV, nº 554, 06/10/1963,
enfatizou a participação do governador Virgílio Távora, do prefeito de Fortaleza Murilo Borges e
do presidente da Assembléia Legislativa do Estado deputado Mauro Benevides. Este último
fora um dos organizadores da União da Mocidade Católica( UMC) no Ceará e colaborador do
movimento circulista.
120
comunitário”, afirmando ainda que As atividades sindicais em particular, estão
a merecer uma atuação atualizada.
204
Um dos resultados concretos do evento foi a criação da Regional
Circulista do Nordeste, órgão que se incumbiria de articular e pôr em prática as
diretrizes e plano de ação para os circulistas da região. A direção do novo
órgão ficou a cargo do presidente da Federação dos Círculos Operários de
Alagoas, Jorge Cavalcante Morais. Com a instalação da Regional, os circulistas
poderiam debruçar-se sobre seus problemas específicos e ainda possibilitava a
unificação do movimento em âmbito regional.
Uma outra aspiração era a criação de uma rede de solidariedade e
colaboração entre as federações circulistas da região. Neste particular, a
Regional enfrentou desde o seu nascedouro alguns empecilhos. Encontro nA
Fortaleza, nota sobre o Congresso, relatando que a Federação de Pernambuco
discordava da central circulista, afirmando que, por seu caráter horizontal, a
criação da entidade era irregular.
205
Contudo, apesar das divergências, a
Regional Circulista foi instituída. O estudo não traz informações sobre o
trabalho que esse órgão desenvolveu nos anos posteriores. Se seus propósitos
foram atingidos, que relação manteve com a CNCO e qual sua trajetória
histórica enfim? Embora a dissertação tenha como marco final esse evento, ele
é encarado como um referencial, um acontecimento que demarca um processo
de mudança na história do circulismo cearense, porém não é a única
expressão desse momento. Não encerra em si a essência do processo. Insere-
se nesta conjuntura, ilustrando a concepção circulista de que uma nova era
estava sendo inaugurada pelo movimento.
Quanto ao trabalho em torno da sindicalização, os circulistas cearenses
não encontraram resistência por parte da Arquidiocese de Fortaleza e as
dioceses que compunham a proncia eclesiástica do Ceará. Ao contrário, a
imprensa circulista divulgava através da Coluna Sindical
206
e no Noticiário
204
A Fortaleza, ano XIV, nº 555, 13/10/1963.
205
A Fortaleza, ano XIV, nº 554, 06/10/1963.
206
Essa coluna estava sob a responsabilidade do Assessor Técnico do Departamento Sindical
da FCOC- Francisco Tarcísio Leite. A coluna trazia informações sobre direitos trabalhistas e
realização de eventos sindicais. Oferecia ainda, orientações sobre o processo de criação de
uma entidade sindical e convocava insistentemente os trabalhadores a associarem-se nos
sindicatos.
121
Circulista
207
informações sobre os Círculos da capital e interior, abordando
dentre outras questões, a atuação circulista na constituição de sindicatos e
outras associações de classe.
Para a região metropolitana de Fortaleza, o Departamento Sindical da
FCOC tinha em meta, traçada no primeiro semestre de 1963, a fundação dos
seguintes entidades sindicais: Sindicato dos Trabalhadores na Indústria do
Trigo; Sindicato dos Empregados em entidades beneficentes; Sindicato dos
Trabalhadores na Indústria de Vidros e Cristais do Ceará e Sindicato dos
Empregados em Escritórios Comerciais.
208
Em julho de 1963, a FCOC envia ao
município de Crateús, o secretário geral deste Departamento para preparar os
documentos necessários à petição de reconhecimento como Sindicatos, as
Associações Profissionais dos Motoristas e dos Trabalhadores Carregadores
de Bagagens e Volumes de Crateús.
209
A convite das paróquias e dioceses, o Departamento Sindical da FCOC
empreendia todo o esforço necessário à fundação de sindicatos.
210
Tendo em
vista que em praticamente todas as paróquias do Estado havia um Círculo
Operário e que a Federação oferecia serviços de orientação sindical, os
clérigos apelavam para o apoio da FCOC, pois como a legislação sindical era
bastante complexa, a falta de informação poderia resultar no indeferimento da
carta sindical. Na Coluna Sindical, encontrei solicitações dessa natureza. A
exemplo trago a seguinte:
Esteve conosco esta semana o vigário de Guanacés, Pe.
Nauri Braga, que deseja ardentemente fundar em sua
paróquia o Sindicato dos Trabalhadores Rurais. Acha o Pe.
Nauri que é necessário e urgente a criação de entidades
sindicais classistas, nas paróquias do interior, não para
evitar a penetração comunista, como para se fazer a
promoção operários do campo. Prometemos ao Pe. Nauri
ajudá-lo na orientação sindical.
211
207
O Noticiário Circulista dedicava-se a divulgação dos trabalhos desenvolvidos pelos círculos
operários da capital e do interior. Estava sob a responsabilidade do repórter circulista Nunes
Chaves e ostentava na epígrafe: Tudo pela Prática da Doutrina Social da Igreja, pregada na
Mater et Magistra e Paz na Terra, sobre a recente evolução da Questão Social”.
208
A Fortaleza, ano XII, nº 519, 03/02/1963.
209
A Fortaleza, ano XII, nº 540, 30/06/1963.
210
O Secretário Geral do Departamento Sindical dirigiu-se ao município de Iguatú no ano de
1963, atendendo a solicitação do Pe. Landim, para orientar a fundação dos Sindicatos dos
Comerciários, dos Motoristas e dos Trabalhadores Rurais. A Fortaleza, ano XII, 541,
07/07/1963.
211
A Fortaleza, ano XII, nº 548, 25/08/1963. Coluna Sindical – (Francisco Tarcísio Leite).
122
Em conformidade com as resoluções da CNBB sobre a criação de
órgãos especiais que se encarregassem da sindicalização rural e questões
correlatas, o arcebispado de Fortaleza reuniu em setembro de 1963, lideranças
sindicais católicas para apresentar e discutir o projeto de criação da Fundação
João XXIII.
212
Como deveria responder pela sindicalização do proletário urbano
e rural, o órgão seria constituído de duas divisões: uma urbana e outra rural.
Nessa última estaria integrada a Divisão de Sindicalização Rural.
Manifestando o desejo de estabelecer uma parceria com os Círculos
Operários no programa de sindicalização, o arcebispo D. Jo Delgado, em
entrevista concedida para o jornal A Fortaleza, assim se pronunciou:
Minha esperança relativa à participação dos Círculos
Operários do Estado nas tarefas de Sindicalização Rural e
de vitalização dos Sindicatos Urbanos, máxime através de
uma ação educadora, é das mais robustas e animadoras.
213
Com base nessas investigações, nas informações e indícios que
apontaram, no que atestaram os documentos consultados, posso aferir que a
Igreja Católica teve um peso relevante na organização sindical no Ceará.
Ressalvo ainda que sua presença foi seguramente mais marcante no meio
rural. No que concerne a entidade propulsora do movimento sindical, como
aliada e colaboradora da Igreja Católica no Ceará, destaco a ação dos Círculos
Operários. Essas organizações, desenvolvendo um trabalho à longo prazo,
especialmente no campo da educação, influíram de maneira peculiar,
demonstrando grande habilidade na execução de programas destinados a
212
N’A Fortaleza, XII, nº 566, 29/12/1963, foi registrada a presença das lideranças: “Padres
Arimatéia Diniz e Joaquim Dourado, Assistentes da FCOC; Adauto Fernandes de Oliveira,
Presidente da FCOC; Hermenegildo Barroso de Melo, Presidente do Sindicato dos
Comerciários; José Moreira Leitão, Presidente do Sindicato dos Trabalhadores na Indústria de
Curtimento de Couro e Peles; Francisco Pereira de Freitas, Presidente do Sindicato dos
Trabalhadores na Extração de Sal de Fortaleza; Pedro Guedes, Presidente do Sindicato dos
Arrumadores de Carga de Fortaleza; Raimundo Alves de Lima, Presidente do Sindicato dos
Trabalhadores nas Indústrias de Óleos Vegetais; Paulo Martins da Silva e Pedro Monteiro da
Silva, Presidente e Tesoureiro, respectivamente , do Sindicato dos Mestres e Contra-Mestres
na Indústria de Tecelagem e Fiação de Fortaleza e os representantes dos CC.OO de Fortaleza,
Piedade, Nazaré, Antônio Bezerra, Floresta, Porangabuçu, Parangaba e Pirambu.
213
A Fortaleza, ano XII, nº 565, 22/12/1963.
123
formação das lideranças que atuariam no movimento sindical nos anos
subseqüentes.
Embora sindicatos e Círculos fossem organizações associativas de
caráter diferenciado, quanto aos objetivos e métodos, os sindicatos de
trabalhadores rurais, especialmente aqueles criados sob a influência dos
Círculos, assumiram o caráter assistencialista desses. Em face dessa posição
assumida pelos sindicatos, os Círculos vão perdendo significado para os seus
filiados. Muitos dos benefícios oferecidos pelos Círculos, como por exemplo, a
assistência médico-odontológica, são também propostos pelos sindicatos. O
trabalhador tinha, portanto, que contribuir financeiramente com duas entidades
que lhes oferecia basicamente a mesma assistência material.
Sugiro que o avanço circulista na fundação de sindicato rurais, nos
municípios interioranos do Ceará, geraram ao longo de duas décadas, o
esvaziamento de muitas entidades circulistas. Exemplo comprobatório dessa
proposição foi a criação do Sindicato de Trabalhadores Rurais em Limoeiro do
Norte, em fins de 1963, sob a orientação e apoio do Círculo Operário deste
município. Observei nesse caso, a partir da pesquisa documental, que o
descredenciamento do projeto circulista estava bastante vinculado à
constituição do referido sindicato.
214
Embora tenha refutado a idéia de generalização dos acontecimentos,
creio que o desfalecimento da organização circulista no Ceará, pode estar de
certa forma associado, porém não exclusivamente, a criação e expansão dos
sindicatos urbanos e rurais. Partindo desse pressuposto, acredito que 1963
delimita o fim de um percurso ascendente para os Círculos Operários.
214
A pesquisa monográfica que realizei na Graduação e que tinha como objeto historiográfico
o circulismo em Limoeiro do Norte, indicou um lento processo de esgotamento iniciado após a
fundação do Sindicato dos Trabalhadores Rurais. No final da década de 1980 o Círculo de
Trabalhadores Cristãos de Limoeiro do Norte havia praticamente passado todos os seus
bens móveis e imóveis para o sindicato. Neste período, as Assembléias do Círculo registravam
a presença de um pequeno número de associados, que não ultrapassavam duas dezenas de
membros.
124
Terceira Parte – O Projeto Pedagógico dos Círculos Operários.
Neste capítulo, apresento a proposta educativo-pedagógica dos
Círculos Operários, sabendo que, essa área em especial, foi uma das molas
mestras do circulismo, constituindo-se no elemento imprescindível para a sua
manutenção e fortalecimento.
É importante ressaltar que o estudo não se limita ao trabalho
desenvolvido pelas escolas circulistas, através dos cursos de alfabetização
para operários e filhos de operários ou aqueles voltados à formação
profissional dos circulistas. A atenção incide sobre outros espaços e estratégias
elaborados com fins pedagógicos, bem como para os ritos, festas, campanhas
e outras atividades de cunho doutrinário.
A educação operária foi disputada por grupos de diferentes filiação
ideológica. Elegendo-o como um setor que exigia uma atuação mais incisiva,
comunistas, anarquistas e socialistas tornaram o direito à educação uma
reivindicação essencial em suas plataformas doutrinárias. Nesse sentido, não
esperaram pela ação do Estado, cuja ausência recebeu duras críticas dos
socialistas. Elaboraram eles próprios os projetos educativos e instrutivos para
as classes obreiras. Os objetivos variavam de acordo com a proposta
específica dos grupos.
215
De maneira geral, essas correntes viam o
analfabetismo como entrave nos processos de luta pela emancipação da
classe operária.
A inserção da Igreja Católica no campo da educação operária acirra a
luta e o debate em torno dos objetivos dos diferentes atores que tencionavam a
formação do operariado. Os propósitos do projeto católico, porém, bem diferem
das correntes anarquista, socialista ou comunista, quanto a revolucionária
transformação da sociedade. Os anarquistas perceberam claramente os
215
Sobre o assunto ver: GONÇALVES, Adelaide. A Imprensa dos Trabalhadores no Ceará,
de 1862 aos anos de 1920. Florianópolis, 2001, Tese de Doutorado em História.
Universidade Federal de Santa Catarina; SOUSA, Jessie Jane Vieira de. Círculos Operários:
a Igreja Católica e o mundo do trabalho no Brasil. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2002;
GHIRALDELLI JÚNIOR, Paulo. Educação e movimento operário no Brasil. São Paulo: Cortez,
Autores Associados, 1987; e ALMEIDA, Paulo Roberto. Círculos Operários Católicos: práticas
125
interesses e objetivos da Igreja Católica na formulação de uma proposta
educativo-pedagógica para os trabalhadores e denunciaram:
por um carinho pela instrução popular, um
enternecimento doentio pela cultura proletária, pela
educação operária que convém ter bem em vista e
precaver-se contra ela, ou preservar-se contra a sua
influência nociva e desagregadora.
(...)É uma maneira de incutir-lhes nos espíritos, pela
repetição constante, indireta e manhosa, o respeito pelo
patrão, pelo padre, pelo governante, pela polícia, pela
Igreja.
216
Abordando diretamente a temática, pode-se aferir que a Igreja Católica
encontra nos Círculos operários um instrumento favorável à intervenção neste
campo. Atentemos para o fato de que a proposta pedagógica dos Círculos
estava fundamentada nos valores e na moral que a hierarquia católica
desejava incutir no espírito das classes trabalhadoras. Adelaide Gonçalves
refere-se a essa questão, afirmando que:
A ação da elite religiosa junto ao operariado, criando
escolas, mantendo cursos, organizando bibliotecas para
leitura útil e instrutiva, recomendando os manuais práticos e
os livros instrutivos, afastando-os do que classificam como
leituras perigosas do socialismo e das ideologias
subversivas”, é a face visível do controle social exercido
pela Igreja.
217
Para a formação integral dos circulistas, muitos mecanismos foram
criados e criteriosamente postos no terreno prático. As escolas de
alfabetização e formação profissional, os ritos, as celebrações místicas e a
construção de símbolos, propunham estatuir uma identidade cristã católica,
instruída nos ideais do catolicismo conservador e capaz de sobrepor-se à
identidade classista. No Manual do Círculo Operário esse propósito aparece
com nitidez:
de assistência e de controle no Brasil. São Paulo, 1992. Dissertação de mestrado em
história. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.z
216
Escolas Operárias ou Arapucas burguesas, A Plebe, 05/08/1933. São Paulo. Apud
ALMEIDA, Paulo Roberto. Círculos Operários Católicos: práticas de assistência e de
controle no Brasil. o Paulo, 1992. Dissertação de mestrado em história. Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo, p. 87.
217
GONÇALVES, Adelaide. A Imprensa dos Trabalhadores no Ceará, de 1862 aos anos de
1920. Florianópolis, 2001, Tese de Doutorado em História. Universidade Federal de Santa
Catarina.
126
Os Círculos Operários, congregando todos os trabalhadores
de boa vontade, querem, com aulas noturnas, conferências,
festivais e cursos especializados sobre a questão social,
banir do seio das massas trabalhadoras os germes dos
descontentamentos e as desordens, implantando uma nova
ordem social, onde se harmonizem e se concretizem todas
as aspirações do proletariado brasileiro.
218
O projeto circulista não vislumbrava apenas a satisfação dos
interesses materiais dos cios. Acreditavam serem construtores de um
grande porvir” onde pudessem exterminar “a opressão, a injustiça e o terror”.
219
Para os circulistas, esses males não estavam ligados apenas ao sistema
capitalista, mas ao socialismo ateu” que lançava o operariado contra os
patrões, gerando conflitos e trazendo infelicidades para todos que abraçassem
tais ideais.
O circulismo abraçava um ideal teológico de caráter salvífico universal,
dirigido em primeiro plano às classes trabalhadoras, porém sem excluir a
classe patronal. Esta última seria salva do egoísmo, da usura, da ambição
desmedida que provocava a ruptura na proposta colaboracionista dos Círculos
Operários. Investir na formação moral e espiritual dos trabalhadores de acordo
com a doutrina social cristã viabilizava o restabelecimento da ordem, porque
combatia a luta de classes, tendo como meta a harmonia entre capital e
trabalho.
Para soerguer as classes trabalhadoras na dimensão cultural, material
e espiritual, entendiam ser necessário a adesão das classes patronais a esse
projeto. O estabelecimento da justiça social pela via evolucionista, seguindo as
orientações doutrinárias cristã somente seria possível com a colaboração entre
patrões e operários. Para este ponto, convergiam as forças do projeto
circulista.
Averiguar os diferentes métodos utilizados na construção desse
projeto é uma das questões fundamentais para a compreensão do projeto
pedagógico circulista. Nessa trajetória, pode-se vislumbrar como entendiam a
si mesmos enquanto sujeitos dessa construção, e como viam e combatiam
218
Manual do Círculo operário. CNOC. Rio de Janeiro: Editora Vozes, 1939.
219
Hino dos Trabalhadores Brasileiros. In: Manual do rculo Operário. CNOC. Rio de Janeiro:
Vozes, 1939.
127
outras propostas dentro do movimento operário, incluindo a organização
sindical de orientação comunista, socialista ou anarquista.
Os Círculos Operários ocupavam-se da educação formal ministrada
com o fim de livrar crianças, jovens e adultos do analfabetismo. Indo além,
esforçavam-se por oferecer aos sócios circulistas uma formação
profissionalizante, objetivando torná-los homens úteis ao capital.
Preocupavam-se especialmente com a educação moral fundada nos valores do
catolicismo. Propunham a erradicação do analfabetismo entre os trabalhadores
como passo fundamental para a inserção destes nas atividades políticas.
Apresentando o analfabetismo como o flagelo que está arruinando o Ceará”, o
jornal A Fortaleza transcreveu do Correio da Manhã do Rio de Janeiro uma
extensa reportagem sobre o alarmante índice de analfabetismo no Ceará. O
eixo da reportagem era demonstrar que a grande bancada do Ceará no
Congresso havia sido eleita por uma minoria de letrados, pois quase três
partes da população cearense são analfabetas”. Esse fato era exposto como
denúncia às bases da democracia no Brasil:
A zona litoral, chamada pelas autoridades estaduais de
“melhor nível”, tem 63,47% de analfabetos. A cidade de
Fortaleza, rica, com clubes elegantíssimos, conta só 57,78%
de alfabetizados (...) Das zonas sertanejas, a mais
progressista é a do Jaguaribe com 72,75% de analfabetos.
cinco municípios em que o número de iletrados chega a
88%. Graças as escolas paroquiais de catequização, o
número de alfabetizados cresceu um pouco entre a
população feminina. (...) Ainda mais triste é a comparação
entre as zonas urbanas e os campos: num Estado onde
75% dos habitantes vivem no campo, apenas 18,85% da
população rural sabem ler e escrever – e votam.
O Estado do Ceará não será representado na Câmara dos
Deputados pelos seus habitantes, mas por uma pequena
camada deles. Quanto ao interior do Estado, não votaram
os flagelados, mas apenas os que lhes vendem os veres
doados pelo governo.
220
A apreensão dos circulistas cearenses com a alfabetização de crianças
e adultos foi alvo de numerosos debates. Os planos estratégicos para este
setor visavam principalmente os recursos necessários a implementação das
escolas circulistas. Como os Círculos prestavam assistência diversa, não
128
tinham condições financeiras para montar escolas que atendessem a grande
demanda. Nesta situação, requeriam dos parlamentares que apelassem junto
aos órgãos públicos, subsídios para as obras circulistas. A Fortaleza orientava
os Círculos Operários sobre como municiar-se da documentação necessária
para pleitear subsídios governamentais. Sempre que havia liberação de verbas
ordinárias ou extraordinárias para as entidades circulistas, era feita divulgação
através desta imprensa.
Para organizar as atividades desenvolvidas pelo Círculo, a
Confederação propunha a criação de quatro departamentos: Cooperativista,
Ensino e Educação, Beneficência e Defesa e Departamento de Saúde. O
Departamento de Ensino e Educação responsabilizava-se pelo atendimento no
jardim de infância, escola primária, escola de aprendizes, artes e ofícios,
cursos de alfabetização, cursos de aperfeiçoamento, formação social e moral,
imprensa e propaganda.
Embora não fosse possível a todo Círculo oferecer atividades
específicas dos quatro departamentos, não havia uma única agremiação
circulista que não prestasse variados serviços na área do Departamento de
Ensino e Educação, independente do seu porte em termos de número de
associados, situação financeira e patrimonial. A prioridade era oferecer aos
seus sócios cultura moral, intelectual, social e física, pela fundação ou adesão
de escolas, pela realização de conferências, pela sã imprensa, pelo rádio,
cinema educativo, teatro, esportes, escotismo, etc..”
221
A meta a ser alcançada explica o dispêndio de esforços de cada
unidade circulista para montar pelo menos uma escola de alfabetização, e se
possível, com uma turma de crianças e uma de adultos. Várias unidades
circulistas organizaram cursos profissionalizantes. Em 1951, O Círculo
Operário de Limoeiro do Norte construiu com verbas federais
222
o Liceu de
220
A Fortaleza, ano VIII, 388, 06/12/1958. Os editores d’A Fortaleza informam que estes
dados estatísticos foram fornecidos pelo IBGE, com base no recenseamento de 1950.
221
Estatuto do Círculo Operário de Piquet Carneiro – Art. 2º. A Confederação Nacional dos
Círculos Operários elaborou um modelo de Estatuto que era adotado pelos Círculos
Operários. Assim, encontrei o mesmo texto, no Art. dos Estatutos dos círculos operários de
Limoeiro do Norte, Aracati, Morada Nova, Fortaleza e outros.
222
A Fortaleza, ano I , nº 11, 25/11/1950. O Jornal divulga que a verba para a construção do
Liceu um montante de 200.000 cruzeiros - foi intermediada pelo Dep. Raul Barbosa.
Ainda segundo o semanário, ocupavam-se do assunto, o Pe. Misael Alves de Sousa
Assistente Eclesiástico do C. Operário de Limoeiro do Norte e José Osterne. À época ocupava
o cargo de Presidente do C. Operário, Aristides Braga.
129
Artes e Ofícios, como dito anteriormente. Esse centro de aprendizagem viria a
oferecer curso de carpintaria aos sócios. O Círculo Operário de Fortaleza, além
do curso de carpintaria, oferecia também curso de sapataria aos associados
interessados.
Para as mulheres, os Círculos Operários ofereciam cursos
relacionados às prendas domésticas, com o objetivo de torná-las boas esposas
e competentes donas de casa. Reforçando os valores tradicionais que
delegavam às mulheres a responsabilidade pela criação dos filhos e
organização do lar, praticamente não havia preocupação em oferecer-lhes
outro aprendizado senão aqueles vinculados diretamente à labuta doméstica.
Até mesmo cursos à distância foram destinados a “mulher operária” cearense.
Era uma colaboração entre os Círculos e o Departamento Regional do Serviço
Social da Indústria de São Paulo, cujo assunto era Educação para o
Casamento e Arte Culinária
223
.
Em parceria com o SESI, no Ceará, os Círculos Operários ofereceram
uma série de cursos destinados a profissionalização da mulher. Entre esses
cursos, o de corte e costura aparece como o mais ofertado pelo Serviço Social
da Indústria. Para Almeida, esse tipo de curso encontrava-se “...vinculado a
interesses das indústrias onde eram realizados, sendo que essa formação
servia de preparação direta para o emprego em tais indústrias”.
224
É possível que essa seja uma das razões para a oferta de tais cursos
nas áreas onde estavam instaladas as indústrias têxteis, incluindo neste caso o
município de Fortaleza, onde a grande maioria dos Círculos Operários
procuravam estabelecer tais cursos.
225
Contudo, sabe-se que cozinhar, bordar
e costurar eram considerados atributos de grande valia para as mulheres,
independente do meio em que estavam, fato que explica a existência dessa
formação em localidades interioranas onde não havia esse tipo de indústria.
A JOC, entidade que a partir dos anos de 1950 iniciou sua atuação
junto aos jovens trabalhadores cearenses, cuja relação com os Círculos era de
223
A Fortaleza, ano III, nº 116, 07/02/53.
224
ALMEIDA, Paulo Roberto. Círculos Operários Católicos: práticas de assistência e de
controle no Brasil. São Paulo, 1992. Dissertação de mestrado em história. Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo, p. 89.
225
N’A Fortaleza, ano IV, nº 168, 28/02/1954, o SESI divulga o trabalho assistencial junto aos
Círculos Operários: Curso de Alfabetização (C.O de Floresta); Cursos de Corte e Costura (C.O
130
parceria e colaboração, fez várias reflexões em torno da questão do trabalho
feminino. A Fortaleza publicou numa reportagem que durante a Sessão da
Comissão das Nações Unidas sobre a Condição da Mulher, a jocista Carolina
Pezzullo, membro da JOC internacional, reivindica meia jornada de trabalho
para as mulheres casadas, justificando que “... cada dia é maior o número de
lares onde falta a presença e os cuidados femininos indispensáveis”.
226
Na opinião da jocista, a mulher mantém-se no trabalho após o
casamento por dois motivos: complementar o salário do marido e conservar a
independência social e econômica. No entanto, ainda segundo a análise da
jocista, o resultado da jornada de trabalho para a mulher, especialmente as
casadas, tem efeitos negativos.
No lar, a ausência da mulher causava transtornos e perdas pois,
enquanto esteio da família, deixava à mercê de outrem os cuidados com os
filhos e a administração do lar. Os circulistas estavam de acordo com essas
proposições, demonstrando preocupação com a situação das trabalhadoras,
especificamente quanto ao desvirtuamento moral da família. O contraditório se
verifica quando observamos os discursos que fazem apologia ao trabalho.
Num artigo tratando dos benefícios do trabalho, o articulista enumera para am
da necessidade material, variados aspectos da positividade do trabalho :
(...) Para o corpo, porque o exercício continuado e
moderado acelera a circulação do sangue, amplia o
processo de assimilação, desenvolve o aparelho locomotor,
corrige os defeitos do porte, dando firmeza ao andar e
harmonia as atitudes e gestos; para a mente, porque se, de
fato, o “trabalho é o exercício das faculdades humanas
aplicadas à produção”, pode-se facilmente avaliar o bem
imenso que promove à inteligência, à intuição.
227
Ao que parece, apenas ao sexo forte o trabalho poderia render as
“vantagens físicas e psicológicas” elencadas pelo articulista, enquanto que para
a mulher, o trabalho fora de casa só poderia render frutos danosos. Reforçando
a idéia de que a mulher é a guardiã dos costumes e esteio das virtudes,
de Amadeu Furtado, Pirambu, Marupiara, Navegantes e Padre Andrade); Centro de
Aprendizado Doméstico (C.O de Navegantes).
226
A Fortaleza, ano VI, nº 269, 17/03/56.
227
A Fortaleza, ano V, 225, 01/05/55. Artigo intitulado: Trabalho e Civismo. Escrito por
José Airton Saraiva.
131
salienta-se a necessidade de mantê-la no lar, onde ela seria mais útil e
contribuiria com eficiência “... para maior profundidade da religião.”
228
Encontro
essa mesma preocupação entre os circulistas de Aracatiaçú (CE), que
organizaram um Centro Social “... cuja finalidade é educar o homem para o
campo, preparando também as esposas e filhos para as lides domésticas
229
,
ancorados na visão dominante de que “... a mulher foi feita para o lar e é
preciso que ela saiba preencher bem o seu tempo no próprio aconchego da
família.”
230
O Círculo Operário de Fortaleza, que mantinha em constante
funcionamento a Escola Profissional Pe. Guilherme Waessen com aulas de
corte e costura, bordado, pintura e arte culinária, chegou a montar um curso
especial com duração de três anos, sob a orientação das Irmãs Missionárias
Jesus Crucificado, para uma Turma de Futuras donas-de-casa, no qual as
moças teriam “educação doméstica” e profissional, além de aprenderem a
costurar, bordar e cozinhar. o Círculo Operário de Pirambu (Fortaleza) em
cooperação com o Círculo Operário de Navegantes (Fortaleza), com apoio do
SESI, mantinham um Centro de Aprendizado Doméstico com a mesma
finalidade.
De grande porte foi o projeto educacional construído pelo Círculo
Operário de Itapipoca. Com mais de três mil associados, o Círculo mantinha
cinqüenta e duas escolas com dois mil oitocentos e trinta alunos entre seis e
dezoito anos. Quarenta e cinco destas escolas destinavam-se à alfabetização e
as demais aos cursos supletivos e profissionalizantes.
Localizei a realização de um curso para habilitação de professores
promovido pelo Círculo Operário de Itapipoca, em que os organizadores
manifestavam interesse em promover uma formação mais ampla, atentando
para as necessidades dos trabalhadores nessa localidade. Durante trinta e
cinco dias as candidatas receberam “... aulas práticas sobre alfabetização,
noções de agricultura, higiene, moral e cívica e religião.”
231
Em vinte e cinco de
fevereiro de 1955, ocorreu o concurso e, das vinte e sete concorrentes,
somente uma não foi aprovada. No ano seguinte, divulgando o sucesso da
228
. A Fortaleza, ano VI, nº 269, 17/03/56.
229
A Fortaleza, ano VI, nº 266, 25/02/56.
230
Idem.
132
campanha de alfabetização, o Círculo Operário de Itapipoca divulga através do
jornal A Fortaleza os nomes das professoras circulistas envolvidas na cruzada
contra a ignorância”.
232
Para manter os diversos programas de assistência aos sócios, tais
como: assistência médico-odontológica, educação, ambulatórios, natalidade,
auxílio pecuniário em caso de doença ou enfermidade, as mensalidades não
eram suficientes. Os círculos mantinham taxas diferenciadas de acordo com a
situação sócio-econômica da maioria dos cios. No ano de 1950 elas
variavam entre CR$ 3,00 e CR$ 5,00. Então para manter tão vasto e
dispendioso programa assistencialista de onde provinham os recursos? A
questão é abordada pelo Presidente da Federação dos Círculos Operários do
Ceará, Eusébio Mota de Alencar em artigo intitulado Marcha Circulista, onde
responde que:
É fácil dizer: solicitando auxílio dos governos, dos
capitalistas, promovendo festas, proventos que são religiosa
e honestamente guardados para fazer face às nossas
imensas necessidades.
233
Como os Círculos Operários se tornaram entidades de utilidade
pública e também órgãos consultivos do Ministério do Trabalho, Indústria e
Comércio, as verbas poderiam chegar ao Círculo com mais facilidade, desde
que houvesse um deputado federal ou senador interessado em intermediar a
reivindicação circulista. No Ceará era comum o governo do Estado subsidiar as
agremiações circulistas, principalmente os programas educativos. Nesta
situação, a “benemerência” destes era habilmente divulgada pela imprensa,
com fins eleitorais. Durante as campanhas eleitorais, o jornal A Fortaleza não
economizava elogios à ação caritativa dos candidatos considerados “amigos do
circulismo cearense”.
231
A Fortaleza, ano V, nº 219, 19/03/55.
232
A Fortaleza, ano VI, nº 264, 04/02/56. Foram citadas no jornal o nome das professoras:
Francisca Pinto de Morais, Augusta Coelho, Maria Eva Braga, Maria das Dores, Luiza
Carneiro, Consuelo Marinho, Altariza Ferreira, Judite Sousa, Maria José Oliveira, Terezinha
Ribeiro, Maria Valderina, Francisca Sousa Lima, Maria Alice Viana, Maria Regina, Mariinha
Barbosa, Rocilda Pinto, Maria América, Rocilva Montenegro, Maria Nazaré Canuto, Maria
Valmira, Teresinha André e outras.
233
A Fortaleza, ano I, nº 3, 16/09/50.
133
Durante a campanha eleitoral de 1954, as subvenções federais para os
Círculos Operários, cuja obtenção era atribuída aos deputados Armando
Falcão e Paulo Sarasate, então candidatos a governador do Ceará, são
divulgadas pelo jornal A Fortaleza. Contudo, as palavras dirigidas aos
deputados não são apenas de agradecimento, mas sobretudo uma
manifestação de que sendo o Círculo Operário uma potente organização dos
trabalhadores cearenses, a intercessão desses representantes se constitui
apenas como uma obrigação, uma vez que:
(...) procedendo desta maneira os senadores, deputados e
vereadores estão cumprindo um dever de justiça para com a
classe trabalhadora pois, é sabido que os círculos operários
do Ceará, congregavam ainda em 1952, cinqüenta mil
associados. (...) sem dúvida nenhuma a maior força
organizadora do Estado.
234
É interessante perceber que o editor não deixa transparecer nesse
momento nenhuma deferência especial a qualquer dos dois deputados, embora
Paulo Sarasate tivesse a predileção da cúpula eclesiástica cearense. Isso
explica-se pelo fato de que de acordo com o estatuto da CNCO, parágrafo
do Art. 53º, A Confederação poderá orientar os seus sócios, porém, sempre
dentro de um critério apartidário, quanto a nomes de candidatos que tenham
prestado serviços relevantes ao movimento circulista.”
235
A discussão tratando da relação do movimento circulista e a esfera
política será apresentada ao longo deste trabalho. No entanto, por considerar
que esta é uma questão relevante para o entendimento da posição assumida
pelos circulistas durante os processos eleitorais, bem como para a
234
A Fortaleza, ano IV, nº 186, 17/07/54. De acordo com a relação divulgada , o deputado
Armando Falcão consegue subvenções da ordem de CR$ 1.000.000,00 , sendo CR$
300.000 para a Federação dos Círculos Operários do Ceará e CR$ 50.000,00 para os
seguintes Círculos Operários: Acaraú, Camocim, Chaval, Ibiapina, Ipaumirim, Ipú, Itapipoca,
Jaguaribe, Morada Nova, Pacajús, Quixadá, Quixeramobim e Redenção. As subvenções
extraordinárias oriundas dos Ministério da Educação e Cultura solicitadas pelo deputado Paulo
Sarasate somavam um total de CR$ 280.000,00, distribuídos entre o Círculo Operário
Assunção de Itapipoca CR$ 30.000,00; Brejo Santo CR$ 30.000,00; Maracanaú CR$
20.000,00; Monte Castelo CR$ 40.000,00; Monsenhor Tabosa de Itapipoca CR$ 30.000,00;
Parangaba CR$ 30.000,00; Círculo Paroquial de Mauriti CR$ 30.000,00; Maranguape
CR$ 30.000,00; Salette CR$ 20.000,00; Palmácia CR$ 20.000,00. Do Ministério da Justiça
veio a subvenção de CR$ 200.000,00 destinada ao Patronato do Círculo Operário de Itapipoca.
235
A Fortaleza, ano IV, nº 179, 30/05/54.
134
compreensão das estratégias elaboradas pelo movimento visando a sua
manutenção, trato especificamente do assunto mais adiante.
Sabendo que, de acordo com os princípios traçados em seus estatutos,
as organizações circulistas deveriam Conservar-se fora e acima da política
partidária”
236
, os Círculos Operários enfrentavam tensões e contradições
difíceis de superar, o que faz com que se observe com certa acuidade os
desdobramentos e o impacto dos processos eleitorais sobre a organização
circulista.
Para tratar da preocupação do movimento circulista com a “boa
imprensa” é indispensável que relacionemos esta questão à posição assumida
pela Igreja Católica neste campo, tendo em vista que não podemos dissociá-
las, pelo fato do circulismo receber orientação direta da Igreja Católica nas
questões doutrinárias. Essa abordagem será feita no último capítulo desta
dissertação, com enfoque para o jornal A Fortaleza, órgão de divulgação do
circulismo cearense. Neste momento, apresento e analiso outros mecanismos
de divulgação, orientação e formação político pedagógica desenvolvida pelos
Círculos Operários no Ceará, com vistas à doutrinação dos trabalhadores.
Através do Jornal A Fortaleza, a Federação dos Círculos Operários do
Ceará divulgava constantemente uma lista de livros considerados “obras de
instrução”
237
que não poderiam faltar na biblioteca dos Círculos. Alguns desses
livros, como a cartilha, apresentada de forma dialogada, o catecismo, com
perguntas e respostas claras e objetivas sobre a importância de ser circulista e
o ABC do circulismo, elaborado em verso, apresentavam textos simples, e que
objetivavam informar e formar o circulista sobre os princípios da organização e
236
Estatutos dos Círculos Operários - Art. 3º , parágrafo 6º. Não especifico aqui nenhum
Círculo Operário tendo em vista que o artigo trata dos princípios dos círculos operários e
estes mantinham a padronização estabelecida pela CNCO. Apenas para efeitos
comprobatórios, analisei os Estatutos dos Círculos Operários de Limoeiro do Norte, Piquet
Carneiro, Morada Nova e Aracati, que apresenta a padronização referida.
237
A Fortaleza, ano I, nº 10, 18/11/50. Consta na lista divulgada pela F.C.O.C, os seguinte
livros: Manual do Círculo Operário ed. Ampliada, 1949; Cartilha Circulista; Páscoa dos
Operários Plano de ão; Guia do Sub-delegado; Círculo de Estudos; digo Social de
Malines; Formação Social do Clero; O Clero e a ão Social; Jubileu áureo da Rerum
Novarum; Consagração das Famílias Operárias ao Divino Coração; III Congresso Nacional dos
Círculos Operários do Brasil; IV Congresso dos Círculos Operários do Brasil; A Rerum
Novarum e seu 50º aniversário; Cancioneiro Circulista; Nossa Senhora Medianeira - Padroeira
dos Círculos Operários; Heróis e Traidores; Quadragésimo Anno; Catecismo Circulista; ABC do
Circulismo; Modelos e Estatutos dos Círculos Operários e Carteira do Dirigente. Todo esse
material estava disponível à venda aos sócios. A lista apresentava ainda o preço unitário de
cada obra.
135
os benefícios que o associado poderia obter ao filiar-se ao movimento.
Funcionavam também como um veiculo de propagação do projeto circulista e
como meio para obter a adesão de novos sócios. Dentre esses, analiso o ABC
do Circulismo, elaborado pelo pe. Manuel Edimilson Cruz , pároco na Diocese
de Sobral CE. O material foi publicado pela Federação dos Círculos
Operários do Ceará. O ABC do Circulismo era constantemente divulgado pelo
jornal A Fortaleza, sugerindo que, para ser bom circulista era preciso conhecer
o movimento, o que era propiciado pelo ABC.
A apresentação realizada pelo o Assistente Eclesiástico da CNCO, pe.
Leopoldo Brentano, S.J., expressa nas duas primeiras estrofes que o ABC é
uma publicação que segue os moldes da cartilha e do catecismo, diferindo
apenas no estilo.
Do circulismo a doutrina
No Manual está contida;
Dialogada e resumida
A Cartilha no-la ensina;
Catecismo Circulista
Em perguntas e respostas,
Bem precisas e dispostas,
Da Cartilha segue a pista.
Um circulista inspirado
Das bandas do Cea
Melodioso qual sabiá,
Em verso bem cadenciado
O ABC do Circulismo
Agora entoa vibrante,
Modulando em seu descante
A Cartilha e o Catecismo.
238
O A.B.C versa sobre a questão social, os perigos dos programas
comunista, socialista e anarquista, e a pretensão individualista do liberalismo,
alertando que : ...o vermelho e o socialista confiam demais no Estado, e o
Liberal, atilado, só quer pro Capitalista.”
239
Exortando os benefícios que o
Círculo Operário traz ao trabalhador, o caráter da organização e o sentimento
cristão que faz de cada circulista um respeitador da lei e da ordem, realça que
na organização circulista ... o interesse proletário defende quanto convém. Pra
238
CRUZ, Pe. Manuel Edmilson .A B C do Circulismo. Federação dos Círculos Operários do
Ceará. Fortaleza, Tipografia América, 1950.
136
garantir seus direitos, reúne trabalhadores, da ordem sustentadores, à lei
apenas sujeitos.
240
O objetivo era incutir valores sociais caros à sociedade
capitalista: ordem e disciplina; reafirmar a moral cristã salientando as virtudes
do circulista que É homem morigerado, sabe tratar com agrado o pobre e o
capitalista.”
241
A oposição sistemática a luta de classes também é visível no
conteúdo do material dirigido aos circulistas cearenses.
Para a aceitação da doutrina circulista, e como forma de controle, o
ABC justifica o emprego de algumas penalidades, que Todos têm
regulamentos e, em todos os momentos, gente séria anda na lei.” Assim é que
“...os indisciplinados e os menos comportados podem sofrer suspensão. É
questão de disciplina, quem cumprir nossa doutrina, nada disso sofrerá.”
242
Observa-se também, nos estatutos e regulamentos, as advertências
para aqueles que não respeitassem as normas estabelecidas. Passível de
perda dos direitos estava o circulista que por três meses atrasasse o
pagamento da mensalidade. De acordo com o estabelecido estava sujeito a
suspensão ou exclusão o sócio que “...se atrasar no pagamento de suas
mensalidades por 12 meses seguidos; o que adotar princípios extremistas; o
que estiver exercendo misteres contrário a moral blica ou cooperar neles; o
que for processado por crime infamante e o que sem autorização escrita e
assinada pela Diretoria contrair débitos em nome do Círculo.”
243
Como aludida, a proposta educativa-pedagógica dos Círculos
Operários não se limitava ao seu aspecto formal. Havia uma preocupação
constante com a divulgação do ideário circulista através da “boa imprensa”,
com a orientação para a prática do “lazer sadio”, na organização de palestras e
conferências que contribuíssem para a formação moral dos associados,
alicerçada nos valores cristãos e na construção do “espírito circulista
alimentado e fortalecido pelos ritos, celebrações, festejos, confraternizações e
outras práticas operacionalizadas e vivenciadas pelos circulistas, cujo fim era
manter viva a chama do movimento. A formação do espírito ou da indentidade
circulista assentava-se nos valores morais preconizados na doutrina social
239
Idem, p. 05.
240
Idem, p. 06
241
Idem, p. 11.
242
CRUZ, Pe. Manuel Edmilson .A B C do Circulismo. Federação dos Círculos Operários do
Ceará. Fortaleza, Tipografia América, 1950.
137
católica É em torno da edificação da identidade circulista, como condição
essencial para a solidez da organização, que versará o tópico seguinte.
1 A formação do espírito circulista: instruindo, educando, orientando,
moralizando”.
A abordagem dessa questão propõe a análise do modo de ser
circulista, das práticas adotadas para estatuir uma identidade, das estratégias
elaboradas para vivificar o movimento. Trato da construção do espírito circulista
como sendo a formação da sua identidade, a edificação no plano objetivo e
subjetivo de uma rede de signos que deveriam distinguir os circulistas.
Não sendo o Círculo Operário uma associação classista ou religiosa,
mas um modelo de associativismo de cunho corporativista, que ocupava-se
tanto das necessidades materiais, quanto das de natureza espiritual e moral
dos trabalhadores que o compunham, urgia diferenciar o seu caráter em
relação às ordens religiosas e o sindicato. A preocupação com a formação da
identidade circulista, esteve presente desde os primórdios da organização do
circulismo no Ceará.
Em nível nacional, o cuidado com a chama do espírito circulista”, foi
adotado como tática organizativa. Para tanto foram elaborados discursos e
ações práticas que proporcionassem a internalização dos princípios e valores
do circulismo, e mais ainda, para fazer nascer em cada circulista, a vontade de
fortalecer e expandir o movimento; introjetar em suas consciências, a
necessidade do circulismo, transformá-los em soldados do movimento,
animando-os para o exercício das mais diversas atividades que pudessem
promover a organização.
O trabalho de elaboração dos discursos e estratégias geralmente
estava a cargo dos líderes do movimento circulista: o Assistente Eclesiástico,
as pessoas “cultas” que lhes prestavam serviços e os seus diretores. A
necessidade de uma formação intelectual especializada para os que dirigiam o
243
. Estatuto do Círculo Operário de Limoeiro do Norte – Cap. VII; Art. 12º.
138
movimento circulista é enfatizada em muitos documentos. Entendiam àqueles
que compunham a hierarquia do movimento circulista em âmbito nacional, que
somente com um quadro de dirigentes capacitados e instrumentalizados para
os mais diferenciados embates doutrinários, para a tarefa de sensibilizar as
massas, pregando a esperança e mobilizando-os para uma nova ordem, que
seria estabelecida sem a necessidade de recorrer aos instrumentos propostos
pelos socialistas, anarquistas e comunistas. A concretização da justiça social
era o sonho alimentado pelo circulismo, razão essencial do movimento.
Contudo, ela aconteceria de forma harmoniosa, pois o congraçamento entre as
classes seria promovido pelo circulismo, eliminando os conflitos e tensões no
mundo do trabalho.
Daí a importância da formação de hábeis líderes para esse trabalho de
formação, orientação e ação prática. Acreditando que a capacitação dos
associados, especialmente dos líderes, fosse uma das bases de sustentação
do circulismo, a hierarquia do movimento expressa claramente os cuidados
com a preparação destes últimos, observando que:
(...) Sem formação intelectual não poderá (o dirigente)
avaliar na devida altura as vantagens associativas e, ao
mesmo tempo, o alcance que as mesmas têm na sociedade
que pertence e cujos fins se propõe defender.
..............................................
Jamais poderá liderar uma ação, nortear um movimento ou
dirigir a vontade geral, porque, sem os atributos intelectuais
necessários, coroará com o desânimo completo todos os
seus empreendimentos. (...) se a tática bélica muito auxilia
os soldados em suas campanhas, ela é de imprescindível
necessidade ao oficial que os dirige.
244
A liderança circulista deveria conhecer o programa, métodos de ação, e
estatuto do circulismo. A instrução doutrinal preparava-o para a defesa dos
princípios do movimento e de como elaborar um conjunto de ações junto aos
associados que, além de mantê-los coesos, os transformassem em “... uma
elite de trabalhadores impregnados de princípios sólidos e conhecimentos
práticos e capacitados...”
245
Estar imbuído desses princípios significava possuir
244
CRUZ, Luiz Abs da. Formação intelectual dos dirigentes. In: Manual do Círculo Operário.
CNOC. Rio de Janeiro: Editora Vozes, 1939.
245
SANTILLI, Pe. Jesuíno. Diretrizes. In: Manual do Círculo Operário. CNOC. Rio de Janeiro:
Editora Vozes, 1939. p. 117.
139
o espírito circulista, ou seja, aquele complexo de atributos e virtudes
identificadores do circulista. Na concepção dos orientadores do movimento, a
formação e fortalecimento do espírito circulista era a condição necessária para
a existência do Círculo Operário, pois:
(...) como o mecanismo, por mais genial que seja, sem força
motriz não funciona, assim uma associação que tivesse,
embora, o nome, a estrutura e os estatutos do Círculo
Operário, mas não possuísse o espírito circulista, não
conseguiria movimentar-se nem realizar o programa
circulista, nem seria na verdade um Círculo Operário.
246
O que caracterizava o espírito circulista? Que elementos identificavam
os membros do Círculo Operário movidos por esse espírito? No Manual do
Círculo Operário, estão enumeradas as dez virtudes que identificavam o
espírito circulista, quais sejam: orientação, união, amizade, altivez de
trabalhador cristão, dedicação e desprendimento, atividade e eficiência, ordem
e método, disciplina, responsabilidade e perseverança.
247
A base do espírito
circulista estaria assentada sobre a religiosidade sólida”, fundamento de todas
as virtudes. O circulista deveria, através dos métodos de formação,
desenvolver práticas que solidificassem o espírito do circulismo. Para fortalecer
esse espírito, era preciso viver a e aceitar a doutrina cristã na oficina, na
rua, em casa, nas rodas, em toda parte...”
248
Construir um identidade circulista significava a adoção de um trabalho
pedagógico que introjetasse em cada associado o desejo e a necessidade de
abraçar a causa do movimento e cultivar a altivez de pertencer a organização
circulista, atuando sempre em consonância com os preceitos do cristianismo,
porque o que distinguia o circulista dos sócios de quaisquer outra associação
era o fato de sua ação estar ancorada na fé. Os dirigentes não negligenciaram
a importância desse trabalho de formação, organizando metodicamente ritos,
eventos e festividades que propiciassem a construção da identidade circulista.
Durante os primeiros anos da organização circulista no Ceará localizo
essas práticas em momentos diversos. Em 1925, o jornal O Nordeste, divulga,
em nota sobre o Círculo Operário de Fortaleza, que o Assistente Eclesiástico
246
Manual do Círculo Operário. CNOC. Rio de Janeiro: Editora Vozes, 1939. p. 335.
247
Idem, p. 336 – 339.
248
Idem, p. 340.
140
da entidade pe. Guilherme Waessen, durante a Assembléia Geral, ocorrida
em 17 de maio, após a benção de emblemas e distintivos do Círculo, as
distribuiu entre os sócios circulistas. Carregar as insígnias do Círculo Operário
tinha duas finalidades : a primeira teria um caráter místico, pois, sendo a
organização semeadora dos desígnios de Deus, eram merecedores de suas
graças àqueles que as portavam; a segunda atendia as necessidades de cunho
social e organizativo do Círculo Operário, visto que os cios ficariam
conhecidos, auxiliando-se mutuamente, uns aos outros, devendo portanto
respeitar o emblema que é o símbolo da existência social de todos”
249
No jornal A Fortaleza, a exaltação a palestra proferida por D. Antônio
Campelo, Bispo Auxiliar de Cuiabá, para os circulistas cearenses, reforça a
noção de que a ação junto aos sócios circulistas deveria ir além de responder
às suas necessidades materiais, mas sobretudo fortalecer-lhes o espírito com a
mística circulista, entendida como sendo:
(...) esse desejo ardente de conquista de mais operários
para suas fileiras. Essa mística de que fala o antístite é a
que deve levar o desassossego ao coração do circulista, por
ver um companheiro de trabalho, quer na fábrica, quer na
oficina, que ainda não pertença ao sadio movimento a que
todos devemos pertencer.
250
Entendiam os organizadores dos Círculos Operários que, somente o
fortalecimento da mística circulista, seria capaz de dinamizar o movimento,
arregimentando outros tantos trabalhadores que estivessem fora de suas
fileiras. O circulismo era concebido como um ideal, e somente convertendo os
trabalhadores a esse projeto seria possível enfrentar os programas partidários
das doutrinas socialistas ou comunistas. Essas propostas eram vistas como
enganosas promessas feitas aos operários, pois os “inimigos vermelhos”
aproveitavam-se da ingenuidade dos trabalhadores para vender-lhes a ilusão
de uma sociedade sem classes. Informados pelo pensamento conservador
católico, os circulistas negavam a possibilidade de uma sociedade sem
classes, porque esse propósito contrariava as leis naturais, sendo portanto
impossível de ser alcançado.
249
O Nordeste, ano III, nº 869, 23/05/ 1925.
250
A Fortaleza, ano II, nº 67, 26/01/1952.
141
Para fortalecer o espírito circulista, os discursos não eram suficientes.
O desprendimento para abraçar a causa deveria ser desmedido. Escrevendo
n’A Fortaleza, o pe. João Linhares, assistente eclesiástico do Círculo Operário
de Iguatu (CE), delineia o que na sua compreensão deveria ser a tarefa do
animador circulista:
(...) é preciso dedicação e desprendimento. A cruzada, diz o
Manual, é trabalhadora em si, pelos obstáculos de toda
ordem que encontra. Não adianta projetos e discursos. É
preciso agir, trabalhar, providenciar; exige tempo e o tempo
é um pedaço de nossa vida que imolamos ao círculo. (...)
renuncia-se ao sossego, ao comodismo, aos passatempos.
Assistir às reuniões, atender. Despender economias.
Executar incumbências. Arquitetar planos. Escrever artigos.
Elaborar teses. Despachar correspondências. (...)
251
O tipo de atividade aludida pelo pe. João Linhares deveria ser
assumida pelos dirigentes circulistas, em razão de serem eles formados em
matéria de doutrina e conhecimento prático para desempenhá-las. Quanto ao
circulista comum, a responsabilidade com o movimento circulista não era
menos árdua. O respeito à hierarquia e a disciplina, tendo como parâmetro os
valores morais cristãos, eram de tal forma introjetados no espírito do circulista,
que não raro encontra-se decálogos constituídos e apresentados por eles
próprios, para servirem como preceitos normatizadores de sua conduta e dos
demais membros da agremiação.
Bastante ilustrativo foi a elaboração dos Dez Mandamentos do
Circulista, por José Moreira do Nascimento , delegado geral do C.O de Floresta
(Fortaleza). A intenção era estabelecer regras simples que pudessem orientar a
ação de cada circulista de forma que cada membro compreendesse a
dimensão da mais trivial de suas atitudes quando relacionadas ao Círculo.
Partindo desse entendimento e cônscio de sua responsabilidade, o circulista
agiria de modo a promover o bom desempenho da organização. Inspirado no
decálogo bíblico, o circulista estabelece para os demais parceiros de
agremiação os preceitos a serem adotados como forma de garantir o êxito do
movimento, inculcando seus valores morais e disciplinando-lhes a conduta:
1º Amar a Deus sobre todas as coisas;
251
A Fortaleza, ano II, nº 71, 01/03/1952.
142
2º Não prestar o compromisso sem poder cumprí-lo;
Guardar os segredos das sessões e não revelá-los aos
comunistas;
Não matar o tempo das sessões com assuntos estranhos
ao movimento circulista;
5º Honrar São José nosso Patrono;
Aceitar qualquer cargo para o qual for eleito ou comissão
para que for nomeado;
Não interromper a marcha de outro sócio que se dirija à
sessão;
Não levantar falso para ser agradável ao círculo a que
pertence;
Não desejar cargo na Diretoria que não possa
desempenhá-lo;
10º Não se valer da posição que ocupa no Círculo para
interesses políticos. Os dez mandamentos se resumem em
dois: obedecer os Estatutos e a Federação depois”
252
.
A mensagem elaborada com habilidade não negligenciava qualquer
aspecto da vida cotidiana no Círculo Operário. Orientava para a disciplina e
lealdade com o movimento, suscitava-os a manterem-se em guarda contra os
comunistas, inculcava-lhes o dever de atender ao Círculo em qualquer ocasião,
condenava as atitudes “malsãs”, como a inveja, o falso testemunho e reforçava
os princípios cristãos, basilares do circulismo.
Outro fato que demonstra a compreensão da hierarquia com a
identidade dos Círculos Operários, ocorreu por ocasião das articulações deste
com outras entidades, o que terminou por provocar um certo receio na
Arquidiocese de Fortaleza. Trata-se neste caso, das filiações de circulistas à
Legião Cearense do Trabalho. Essa organização surgiu no Cea em 1931,
sob a orientação do Tenente Severino Sombra e teve como matriz o
pensamento reformista católica. Precedeu o movimento Integralista de Plínio
Salgado, filiando-se a este posteriormente. Para Raimundo Barroso C. Júnior, a
doutrina legionária se distancia do Integralismo “ao estabelecer os
trabalhadores como finalidade política de seu discurso...
253
, uma vez que a
corrente majoritária do Integralismo atribuía a classe média o papel de
vanguarda na edificação da nova ordem .
252
A Fortaleza, ano IV, nº 172, 04/04/1954.
253
JÚNIOR, Raimundo Barroso Cordeiro. A Legião do Trabalho: política e imaginário no
Integralismo Cearense. Fortaleza, 1992. Dissertação de Mestrado Universidade Federal
do Ceará. 264 p.
143
No estudo de Sebastião Rogério da Ponte está expressa a vinculação
entre os Círculos e a Legião. Sobre as entidades que congregavam a Legião,
Ponte afirma que muitas destas associações eram de natureza beneficente,
incluindo dezenas de Círculos Operários e Trabalhadores Católicos”.
254
Embora a Legião professasse uma doutrina influenciada pelo
catolicismo conservador, tinha objetivos específicos e, por essa razão, temiam
o Arcebispo e o Assistente Eclesiástico do Círculo, que houvesse uma
dispersão da organização circulista. Para impedir a descaracterização do
Círculo, D. Manoel apresentou um Acordo entre o Círculo de Operários e
Trabalhadores Católicos de Fortaleza e demais Círculos filiados e a Legião
Cearense do Trabalho
255
, estabelecendo critérios que definiam a relação entre
os Círculos e a Legião, cujo chefe à época era o Capitão Jeová Mota. O acordo
que fora aceito pelas partes, vinha assinado apenas pelo Arcebispo.
Segundo o documento, o acordo decorria da necessidade de se
superar os desentendimentos gerados pelas “exigências e desconfianças” de
parte das duas organizações. No tocante a filiação de circulistas à Legião, essa
só poderia ocorrer após prévia autorização do Arcebispo.
Na tentativa de controlar e resguardar a organização circulista, para
que, principalmente, ela o perdesse a identidade católica e a orientação
política advinda da Igreja, o acordo, composto de seis pontos, assegurava que,
em relação às questões de ordem política, os Círculos Operários continuariam
obedecendo às ordens da autoridade arquidiocesana, que as transmitiria
através da Liga Eleitoral Católica.
256
Quanto às questões de ordem econômica
e social, os Círculos poderiam acompanhar as diretrizes da Legião, conquanto
essas não entrassem em desacordo com os princípios estabelecidos pela
doutrina social católica.
254
PONTE, Sebastião Rogério Barros da. A Legião Cearense do Trabalho. In: SOUZA,
Simone (coord.). História do Ceará. UFC/ Fundação Demócrito Rocha. 1989.
255
DOCUMENTO EPISCOPAL – 09 de Dezembro de 1933. DOM MANOEL DA SILVA
GOMES – ARCEBISPO. ARQUIVOS DO SEMINÁRIO DA PRAINHA.
256
A Liga Eleitoral Católica foi criada por D. Sebastião Leme em 1932 para orientar os
católicos nos processos eleitorais, apresentando os candidatos comprometidos com o
programa lecista. A constituição de 1934 incorporou as principais exigências da LEC. A
discussão sobre o caráter extra-partidário da Liga e os ganhos que a Igreja Católica obteve
com a sua constituição encontra-se em LIMA, Alceu Amoroso. Indicações Políticas: da
Revolução à Constituição. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1936.
144
O que de fato se vislumbra, é que o estabelecimento das normas para
a filiação de circulista à Legião Cearense do trabalho, atendia a um objetivo
fundamental: a preservação da identidade do movimento, entendida como
elemento vital para a existência social da organização. O trabalhador circulista
seria identificado pela ação pacífica e ordeira em defesa dos seus direitos, pelo
“distanciamento” das agitações operárias e dos partidos políticos. Essa atitude
resultaria no credenciamento do movimento circulista junto aos governos e aos
patrões, pois não seriam vistos como “inimigos da pátria”, porém como uma
organização constituída por trabalhadores que se dispunham a edificar um país
onde, embora não se extinguissem as classes, seriam reduzidas as
desigualdades sociais.
Cristianizar o mundo do trabalho era a grande meta da Ação Católica
com vistas a promoção do estabelecimento de um acordo entre as classes,
fundamentado na doutrina cristã. Para tal empreitada, dentre as outras
organizações de orientação católica, os Círculos Operários foram, a opção
preferencial da hierarquia eclesiástica. De acordo com Jessie Jane tal escolha
ocorreu porque o circulismo “...se enquadrava no modelo da Ação Católica e,
como tal, encontrava-se em sintonia com um catolicismo romanizado e
tridentino, subordinado à hierarquia eclesiástica.”
257
Era necessário orientar os trabalhadores e operários para que
assumissem uma “conduta reta” em seu posto de trabalho, em seu lar. Modelar
suas atitudes não apenas como operário, mas também como chefe de família,
como cristão e patriota. Para tanto, elaborou-se um modelo de operário que
fosse digno de respeito e consideração, porque servia aos interesses da pátria,
dos patrões, da religião, e ainda o engrandecia diante da sociedade. Os
conselhos úteis relacionados ao tipo de comportamento a ser adotado pelos
operários, por vezes apareciam de forma contundente. Aquele que se
enquadrava ou procurava se ajustar ao bom modelo, seria premiado com o
êxito em todos os aspectos de sua vida. o mau operário, por adotar um tipo
de comportamento adverso, era responsável não apenas pela sua desgraça no
257
SOUSA, Jessie Jane Vieira de. Círculos Operários: a Igreja Católica e o mundo do
trabalho no Brasil. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2002. p. 213.
145
plano pessoal, profissional e espiritual, mas também pela ruína de toda sua
família.
Para arraigar no espírito dos trabalhadores, em sua dimensão
ampliada, o modelo “operário padrão”, demonstrava-se numa comparação
paralela o caráter do bom e do mau operário. As más condições de vida do
operário deveriam ser vistas como resultado de sua conduta. Delineava-se
então, um perfil onde os prêmios e castigos eram apontados como
conseqüência das escolhas feitas pelo bom ou mau operário:
O BOM OPERÁRIO
O MAU OPERÁRIO
1.Pontual e assíduo no serviço. 1.Chega sempre atrasado no serviço e
falta muitas vezes.
2.Aspira aperfeiçoar-
se e progredir a fim de
conquistar uma posição melhor.
2. Não quer aperfeiçoar
-se e se torna
um operário de qualidade inferior.
3. Executa conscienciosamente seu trabalho,
quer fiscalizado, quer sozinho.
3.Procura com objetivos desonestos
falsificar no material, a mão
-de-obra, o
seu trabalho.
4. Impõe-se pela sua conduta e critério, e,
serve de modelo aos companheiros.
4. Desmoraliza-se pela sua conduta
reprovável e é apontado com um
sujeito sem caráter.
5. Não desperdiça seu tempo nem a sua
saúde com alguma extravagância ou vício
corruptor.
5. Gasta seu tempo e seu dinheiro, e
sua saúde, com a corrupção e os
vícios nas piores bancas da cidade.
6. È procurado pelos patrões e nunca lhe
falta emprego.
6.É detestado e visto com maus olhos
pelos patrões, e sempre lhe falta
emprego.
7. É bom chefe de família, bom esposo, e
bom pai, zeloso com sua casa que procura
sempre melhorar e tornar feliz.
7.É mau chefe de família, mau esposo,
mau pai, descuidando de sua casa
que se torna por fim um antro de
infelicidade e ruína.
8.Cumpre os seus deveres sociais e
religiosos, como bom patriota e bom cristão.
8.Negligenciando seus deveres sociais
e cristãos, torna-se um elemento
pernicioso à sociedade e a pátria.
9. Cuida da instrução e educação de seus
9. Deixa que seus filhos cresçam
146
filhos.
analfabetos, sem religião nem
educação.
10. Mantém em equilíbrio sua vida
econômica.
10.Esbanja seu salário, vive cheio de
dívidas e usando expedientes
vergonhosos.
11.Embora modestamente vestido,
apresenta-se limpo e bem cuidado.
11. Sujo e mau cheiroso, com o cabelo
crescido, a sua pessoa é desagradável
e evitada.
12. Vence e prospera na vida realizando o
seu ideal de trabalho, de conforto, de
independência e paz no mundo de Deus.
12. Acaba vencido e na miséria,
crivado de remorsos, sem paz, sem
alegria, sem conforto e sem Deus.
258
É importante observar que a elaboração do modelo maniqueísta que
contrapunha o bom e o mau operário, esteava-se na formação pelo exemplo,
uma estratégia de cunho pedagógico que objetivava moldar o comportamento e
as atitudes. Apresentava a miséria como produto das ações individuais,
desconsiderando as condições sociais em que se encontravam os
trabalhadores. Os problemas sociais são indicados como questões de ordem
moral e a conduta do indivíduo era preponderante para o seu êxito ou fracasso.
O bom operário é disciplinado, ordeiro e austero. Sua família está
alicerçada em um ideal de felicidade onde ele se destaca como principal
provedor; na qualidade de bom cristão e servidor da pátria ressalta-se a
disciplina e o respeito à hierarquia; prospera e vence pois é respeitado pelo
patronato; introjetou um relógio moral que o disciplina no trabalho sem a
necessidade de qualquer vigilância, visto que está cônscio de seus deveres. É
por fim o modelo que deve inspirar os companheiros de trabalho.
O mau operário é exibido como um fantasma que deve afugentar os
que dele desejarem se aproximar. Sua conduta é a de um répobro. Encontra-se
em situação inconciliável com a moral e as virtudes cristãs: desonesto,
falsificador, viciado, alcoólatra, pernicioso a sociedade e à tria, irresponsável
com a família, esbanjador, perdulário, negligente. Averso a disciplina é
repudiado pelos patrões, razão pela qual vive constantemente desempregado.
Para este operário o caminho é o da miséria, solidão e fracasso.
147
O quadro tenciona não apenas advertir, mas estatuir um tipo ideal de
trabalhador adornando-o com as virtudes necessárias, opondo-o
diametralmente àquele que estava destituído dessas mesmas virtudes. Indica
ainda a intenção de desvincular a concepção da miséria do operário como
produto da relações econômicas e sociais estabelecidas no processo de
produção, deslocando a necessidade de um programa coletivo reivindicativo,
para uma ação individual e particular. Nessa perspectiva, visava enfraquecer a
proposta da luta de classes pregada pelos socialistas e comunistas.
Através de um intenso trabalho doutrinário, reforçavam a necessidade
da disciplina, do combate ao ócio, aos vícios, e por fim corroboravam um
modelo de sociedade onde cada um tem seu lugar definido. Designavam para
o operário a mobilização de forças que o tornasse digno de usufruir junto com
sua prole, os benefícios advindos desse esforço. Não obstante, criticavam e
denunciavam assiduamente a situação de miséria em que se encontravam os
trabalhadores. Essa situação seria revertida com o estabelecimento da
justiça social, resultado da cristianização das relações no mundo do trabalho.
A exaltação do trabalho se dava numa perspectiva cristã, como ato
humano necessário, útil, meritório, honroso e digno, mesmo no mais humilde
mister”
259
. Buscavam estatuir um conceito de trabalho remido de qualquer
noção que o destituísse de sua dignidade. Destarte, tudo que for realizado pelo
trabalhador “...está impregnado da dignidade da pessoa humana. E se é
cristão, seus atos transbordam do plano puramente natural, e, modelados no
exemplo do divino Operário, ganham as alturas de uma grandeza sobrenatural
e divina”.
260
Reafirmavam o compromisso cristão com a dignificação do
trabalhador, tomando o exemplo de Jesus Cristo, que nascido de uma família
de trabalhadores e se ocupando ele próprio de atividades manuais, constituiu
seu colégio apostólico entre os mais simples, lançando as bases da doutrina
cristã entre as classes laboriosas.
258
A Fortaleza, ano IV, 11/04/1954.
259
Manual do Círculo Operário. CNOC, Rio de Janeiro: Ed. Vozes, 1939.
260
A Fortaleza, ano XI , Nº 491, 13/05/1962.
148
Concebiam que era através do trabalho que o operário cristão
conquistaria seu espaço na sociedade e participaria da construção do plano
divino. Contribuiriam deste modo para o engrandecimento da nação, bem como
para o seu próprio progresso material, moral e espiritual.
Assumindo o compromisso com a consolidação do ideal circulista, a
VIII Assembléia Geral da CNOC realizada no período de 11 a 13 de maio de
1956, aprova a criação do Dia do Circulista, com festejos marcado para o
primeiro domingo de outubro. Segundo o jornal A Fortaleza, a proposta foi
apresentada pelo presidente da Federação dos Círculos Operários do Ceará,
Eusébio Mota de Alencar, substituindo a proposição de uma taxa com idêntica
finalidade, qual seja, a arrecadação de fundos para manter a Confederação
Nacional dos Círculos Operários. Ocorre que o Dia do Circulista ultrapassava
os objetivos da taxa, pois além da contribuição financeira, a data propiciava
momentos de confraternização, lazer e fortalecimento da mística circulista.
O Dia Nacional do Circulista tinha pelo menos três meses de
preparação. Neste ínterim, eram distribuídas as tômbolas entre os Círculos
Operários. Cada agremiação circulista deveria receber uma quantidade mínima
de bilhetes, porém, nunca inferior ao número de cios. Era uma verdadeira
campanha em prol da CNCO, culminando com os festejos no primeiro domingo
de outubro com uma variada programação realizada pelas entidades
circulistas. Passeatas, sorteios de brindes entre circulistas e aspirantes,
sessões solenes, missa em ação de graças, números artísticos e sessões
cinematográficas apareciam como as principais atividades desenvolvidas pelos
circulistas cearenses para esse dia. Em 1959, A Fortaleza divulgou que 100 mil
circulistas operários comemoraram o seu dia, manifestando o espírito de união,
abnegação em defesa da causa circulista e congraçamento entre os sócios.
261
Como aludi anteriormente, não havia negligência na formação das
crianças, pois acreditavam que o futuro do circulismo estaria assegurado caso
fosse feito um trabalho proficiente junto a estas. Alguns Círculos Operários se
tornaram diligentes na construção do aspirantado circulista. O Círculo Operário
de Fortaleza, elegeu o dia 1º de janeiro para festejar o Dia do Aspirante
261
A Fortaleza, ano IX, nº 434, 10/10/1959.
149
Circulista e criou o Departamento de Aspirantes, que organizara como forte
atrativo, um clube de futebol, o Juventude Esporte Clube.
A educação de caráter formativo e instrutivo caminhava paralela às
atividades que mais fascinavam a garotada: futebol, passeios e excursões. A
prática do lazer tornava-se o momento propício à prática de um trabalho
pedagógico eficiente, objetivando a adoção de normas de conduta que
deveriam formar o caráter das crianças nesse processo. A doutrinação moral
dos aspirantes circulistas era levada a sério nesse trabalho, ponderando que os
valores incorporados na infância acompanhavam-nas a vida inteira.
Quanto à formação dos dirigentes numerosos eram os cursos e a
adoção de instrumentos para orientação à distância. Tem-se como exemplo, a
elaboração de cartilhas e manuais. Constantes eram os artigos dos mentores
do circulismo, que divulgados n’A Fortaleza, dirigiam-se especialmente às
lideranças do movimento. A formação de um diretor era diferenciada, por
exemplo do sub-delegado, pois este último não era um dirigente circulista, mas
um militante. Sua instrução doutrinária era pouco relevante. Enquanto a
formação dos dirigentes se apresenta com um conteúdo bastante rico, para o
sub-delegado a instrução Consiste nas diversas indústrias, das quais o
Subdelegado se serve para pôr-se em contato com os sócios e trabalhadores
em geral, para conquistar a boa vontade e amizade deles e finalmente adquirir
a ascendência sobre os mesmos.
262
O Assistente Eclesiástico deveria, o estar bem informado em
torno da doutrina social da Igreja, bem como da ação social do circulismo, seus
princípios, propósitos, estatuto, programa, relação com a Ação Católica e
outras questões. Os cursos oferecidos pela FCOC tinham como eixo à
capacitação dos dirigentes e colaboradores na tarefa de encaminhar novos
sócios, dirigir a entidade.
Muitas foram as táticas, métodos e outras “indústrias” com que se
instruíram o circulista militante, capacitando-o para o trabalho de aproximação
e persuasão dos trabalhadores. Na Arte de Conversar,
263
o articulista
262
A Fortaleza, ano VIII, nº 423, 4/7/1959.
263
A Fortaleza, ano XII, nº 490, 18/03/1962. A Arte de Conversar foi um artigo escrito pelo pe.
Brentano para subsidiar o trabalho desenvolvido pelos líderes articuladores e animadores
do movimento.
150
apresenta não somente táticas mas as qualidades necessárias e a postura
adequada para o circulista cuja função é aglutinar pessoas em torno do Círculo
Operário. Novamente um decálogo é escrito para apresentar essas instruções
práticas:
1- Os homens anseiam por ser conhecidos, até
nominalmente, pois o próprio nome é a palavra mais querida
da língua, o que vale também para as pessoas humildes de
qualquer espécie. Se tiver que conversar com um circulista
ou outro operário, procure saber-lhe o nome o ajude no que
poderão ajudar os dirigentes ou outra pessoa.
2– A amabilidade vence resistências e conquista corações.
O homem é como o espelho: reflete fielmente o que se lhe
antepõe; eu sorrio, ele sorri. Os homens são como o eco:
responde exatamente ao som e à voz de quem fala: a
amabilidade cativa e conquista adesão e colaboração.
3–Fale diretamente ao interlocutor, olhando para o seu
semblante, no qual se espelha a alma, e como quem se está
comunicando com ele, com afabilidade e benevolência. Isto
vale também para a pregação. O encontro dos olhos do
orador com os dos ouvintes lhe revelará se está sendo
compreendido, se interesse, entusiasmo; eletriza o
orador e a platéia.
4– O operário necessita de encorajamento, pois vive muitas
vezes aflito, atribulado e desanimado; os dirigentes
circulistas fazem muitos sacrifícios, no desempenho de suas
funções. Uma palavra de apreço às boas qualidades do
operário o anima e lhe robustece a confiança em si mesmo;
e uma palavra de apreço e louvor ao dirigente,
reconhecendo-lhe o valor de sua colaboração, grangeia sua
estima e afeição e estimula sua atividade.
5–Seja breve. Se formos breves, nosso próximo falará, o
que nos dará muitas vantagens.
6-Se formos breves, escutamos o outro, fortalecemos sua
confiança própria.
7-Numa situação difícil convém escutar o que os outros tem
a dizer a respeito.
8-Se alguém estiver de mau humor ou se sentir infeliz,
sejamos breve, convém deixá-lo desabafar, e dissipar o seu
mau humor que se sentirá consolado.
9-Se alguém quiser discutir, sejamos breves, escutando, e
no final ficaremos com a razão.
10-A arte de fazer perguntas acertadas: A pergunta abre
bem um começo de conversa, e, sabendo fazer perguntas
hábeis, resolvemos muitos casos. Uma pergunta ao operário
sobre sua saúde, seu trabalho sua família, lhe abre os
registros da língua. A um que sofre de complexo de
inferioridade, consulte-o perguntando, sobre qualquer coisa
do seu mister. A um embirrento peça-lhe um pequeno favor;
e deporá a birra.
151
Veja-se que há uma série de atributos dispostos como eficazes ao
trabalho de aproximação com o operariado a fim de conquistar sua confiança
para agregá-lo ao movimento. Afabilidade, amabilidade, capacidade de ouvir,
conhecer psicologicamente o indivíduo, entrar em seu mundo particular,
interessando-se por sua situação familiar, sua saúde, seus problemas,
ressaltar-lhe como estímulo, suas qualidades de “bom operário” e encorajá-lo
nas situações difíceis.
Essa instrução metódica e rigorosamente planejada deveria ser posta
em prática principalmente para trazer de volta o circulista que mantinha-se
afastado do Círculo Operário. Todos os momentos são considerados propícios
a esse trabalho. Seja “... por ocasião de reuniões gerais, festas, de assembléia,
em concentrações, excursões, etc,”
264
os líderes, subdelegados e delegados
deveriam estar sempre prontos e dispostos para a tarefa de agregar, congraçar
e executar o proselitismo circulista.
2 – Festas, campanhas e celebrações.
Embora o programa assistencialista circulista fosse um dos seus mais
fortes pilares e o que mais se evidenciava, tendo em vista a falta de assistência
social por parte do Estado, havia objetivos que só seriam alcançados com êxito
se ocorresse a mobilização dos circulistas na adoção de projetos para além da
assistência material.
Ainda que os princípios doutrinários que integravam o projeto político
pedagógico dos Círculos Operários fosse veiculado no material de propaganda
e divulgação do ideário circulista, era através da vivência nas diversas
atividades que eles assumiam os valores que davam substrato à prática
circulista. Eram portanto, as festas, as celebrações, as campanhas e os ritos
que consolidavam os valores morais que preconizavam o projeto de
recristianização dos trabalhadores. E por meio destas, o circulista construía seu
referencial em relação a qualquer outra forma associativista.
Em meio a tantas causas abraçadas pelos circulistas, eles
constantemente sentiam-se impelidos a estabelecer a diferença entre, por
264
A Fortaleza, ano XII, Nº 489, 01/01/1962.
152
exemplo, o Círculo e o sindicato. Visto que, em alguns momentos, em defesa
dos interesses dos trabalhadores circulistas, podiam confundir-se com o
sindicato, trataram imediatamente de elucidar o papel do Círculo Operário ante
os trabalhadores, pois apesar de propugnarem a formação de sindicatos e a
colaborarem com a sindicalização de circulistas, não pregavam a luta de
classes e também não estavam na defesa de uma classe. Propunham um
programa que congraçasse o operário e o patrão. Para estabelecer claramente
a diferença afirma que:
O Círculo Operário aspira a uma ordem social de perfeita
justiça, caridade e harmonia, coordenando para as suas
atividades todas as pessoas de boa vontade; age sobre
todas as classes sociais: admite e procura a colaboração
geral, pode ter como cooperadores os intelectuais, ricos e
até patrões, embora não como dirigentes. Obtém, assim,
maiores recursos e ao mesmo tempo concilia e aproxima as
classes. O sindicato é obra dos homens, com um objetivo
principal: solidariedade e defesa de determinados
profissionais quanto às condições de trabalho e salário.
265
Fundamentados na idéia de que os Círculos Operários instruem,
educam, orientam, moralizam”, os circulistas canalizaram esforços na busca de
instrumentos que alcançasse o operário em ampla dimensão, pois ele “...tem
uma alma, uma inteligência e uma vontade que exigem instrução, cultura,
formação e orientação espiritual, moral, social e cívica.”
266
Nessa perspectiva, foi analisada a proposta pedagógica dos Círculos
Operários. Estando corroborada no projeto político-teológico elaborado pela
Igreja católica em sua ação cristianizadora, essa proposta inscreveu-se no
universo cultural dos trabalhadores, perscrutando seu fazer cotidiano e atenta a
todas as possibilidades de inserção em seu mundo. Destarte, os ritos, as
comemorações e outros fazeres do cotidiano circulista estão impregnados pela
moral cristã católica. Por ela são conduzidos e dela são condutores.
Dentre as datas significativas para o circulismo cearense estavam
aquelas de caráter religioso, cívico ou vinculada ao mundo do trabalhador,
fosse ele circulista ou não. Assim é que mereciam comemoração especial o dia
265
Manual do Círculo Operário. CNOC, Rio de Janeiro, Editora Vozes, 1939.
266
Idem, p. 110
153
de São José (19 de março), o Primeiro de Maio, a independência do Brasil e o
dia nacional do circulista (primeiro domingo de outubro).
Os santos juninos eram amplamente reverenciados pelos Círculos
Operários, conquanto explicitavam o caráter desses festejos para os circulistas.
Diferindo da forma como estes ocorriam nos clubes onde “... o sentido da festa
é desvirtuado”, os Círculos procuram incutir nas pessoas essa afeição salutar
pelo próximo, empenham-se em preservar, mesmo nos centros mais
adiantados, a tradição de um São João familiar...”.
267
Os festejos carnavalescos, considerados mundanos e perniciosos
pelos circulistas, eram desaconselhados por representarem a profanação dos
ensinamentos religiosos e o retorno ao paganismo imoral. José Antônio da
Silva, sócio do C.O de Padre Andrade (Fortaleza), alerta que, o operário
habituado apenas ao emprego das forças físicas, não reflete sobre as
atividades sadias”, cabendo aos dirigentes circulistas organizar atividades úteis
e moralmente sãs para os associados durante o período do carnaval. Como
forma de “combater a depravação moral” propõe:
(...) que se procure pôr em prática um meio de afastar o
operário de tais festas. Uma idéia que se poderia por em
prática seria a promoção de reuniões nos CC.OO. Que se
organizassem estas reuniões cuidadosamente para tratar de
assuntos interessantes da vida operária e palestras sobre a
formação social do operário. Para atrair os circulistas
recomenda-se uma ou duas comédias sadias.
268
No ano de 1959, foi encetada uma verdadeira campanha anticarnaval.
Em decorrência da grande seca do ano anterior, a situação de milhares de
trabalhadores famintos, alojados em hospedarias do governo, vagando pelas
ruas da capital, migrando para outros estados ou submetido às mais duras
condições de sobrevivência, atraiu a atenção dos diversos setores sociais. Os
depoimentos sobre as condições em que se encontravam os trabalhadores
refletiam o sentimento que havia tomado conta da população.
Mesclava-se piedade, medo e indignação. Esses ingredientes foram
canalizados pela Arquidiocese de Fortaleza que conclamou todos os cearenses
a ficarem alheios ao carnaval “num gesto de solidariedade cristã aos nossos
267
A Fortaleza, ano I, nº 39, 23/06/1951.
154
infelizes patrícios, vítimas da seca”. Os Círculos Operários cuidaram de fazer
ecoar nos locais onde atuavam e através da imprensa circulista, o pedido de
abstinência às folias de carnaval. A campanha ganhou adesão até mesmo dos
clubes que realizavam tradicionalmente a festa. Em nota enviada a redação d’A
Fortaleza, o presidente do Ideal Clube, José Aurélio Mota e o secretário do
Lions Club, José Fernandes, asseguraram que o abririam os referidos locais
em apoio à campanha anticarnaval.
269
Via imprensa circulista, por meio de palestras, debates e encenações
teatrais os circulistas adotaram campanhas contra o álcool, a jogatina, o
divórcio e os filmes imorais. A empresa Cinemar recebeu protestos das
organizações circulistas, da Ação Católica( AC) e da União da Mocidade
Católica (UMC). Essas entidades acusavam a empresa, mais especificamente
o seu diretor, Amadeu Barros Leal, que sendo comunista, não tinha decoro,
pois não se furtava em exibir filmes que feriam valores morais caros à
sociedade. O rigor da Arquidiocese com essa modalidade de lazer estendeu-se
inclusive aos cines circulistas. A censura recaía sobre os filmes considerados
indecorosos, violentos e aqueles que expressassem conduta contrária aos
valores e normas católicos.
Quanto às produções que enaltecessem os valores da civilização
cristã, o somente eram recomendados, como em momentos especiais, os
Círculos recorriam a benevolência do patronato solicitando financiamento que
garantisse franca entrada dos trabalhadores circulistas nos cines onde seriam
exibidos tais filmes. Foi o que ocorreu em 19 de março de 1958, quando a
Federação dos Círculos Operários convidou os trabalhadores a assistirem
gratuitamente o filme “Preferí a liberdade”, que seria exibido no Cine Santos
Dumont (Sede da União Popular Cristo Rei), uma “gentileza” do governador
Flávio Marcílio, em homenagem a data do padroeiro dos Círculos Operários.
O cine São José, pertencente ao Círculo Operário de Fortaleza, foi
fechado por ordem de D. Antônio de Almeida Lustosa, porque suas sessões
tinham fins comerciais, incompatíveis com as “normas e linha de conduta
traçada pelo círculo”. Paulo Cysne Rios, diretor do C.O de Fortaleza, esclarece
o ocorrido manifestando aceitação da decisão do arcebispo pois este
268
A Fortaleza, ano IX, nº 451, 27/02/1960.
269
A Fortaleza, ano VIII, nº 394, 29/01/1959.
155
“...propunha-se tão somente salvaguardar o patrimônio moral e espiritual do
Círculo Operário”. Apesar da expressa obediência, o circulista lamenta o
prejuízo material causado a entidade, tendo em vista que o cinema era sua
principal fonte de renda. Conclui solicitando a Arquidiocese que reconsidere o
fato uma vez que, se a intenção era salvar as almas ingênuas do operariado
das mensagens perniciosas das más fitas, isto não foi possível pois outras
casas de cinema onde a ganância dos exibidores supera o mais elementar
critério na programação dos filmes para as massas”.
270
O teatro foi outra expressão de cultura e lazer intensamente estimulada
pelas entidades circulistas. Embora nem todo Círculo pudesse organizar uma
companhia teatral, as peças montadas principalmente pelas educadoras
circulistas, eram encenadas em momentos de festas ou comemorações.
Segundo informa A Fortaleza, ao Círculo Operário de Piedade estava vinculado
o Conjunto Teatral Cearense, considerado de utilidade pública pelo Município
de Fortaleza, através da Lei 1.064, de 11/07/1956. Esse Conjunto Teatral,
sempre que solicitado por outros Círculos ou por associações católicas
apresentava peças de seu repertório fosse em momentos festivos ou com
objetivo de granjear fundos financeiros para essas entidades. Apresentando o
relatório de suas atividades no ano de 1959, o Conjunto divulgou o número de
47 apresentações. Somente em benefício da construção da Igreja do Sagrado
Coração de Jesus foram onze:
1- Sem Deus Tudo é mentira;
2- Jaçanã;
3- Os transviados;
4- Almas de aço;
5- Os dois sargentos;
6- Poder do Amor;
7- Na hora da canção pegar menino;
8- Justiça de Deus;
9- A vida de São Francisco;
10- O último Natal;
11- O Mártir do Calvário.
271
As peças aludem temas essencialmente religiosos e põem em
evidência a experiência de mártires da Igreja como exemplo de vida, a ser
270
A Fortaleza, ano VII, nº 349, 22/02/1958.
271
A Fortaleza, ano IX, nº 447, 30/01/1960.
156
seguido pelos cristãos. As mensagens exaltam os dons e as virtudes cristãs. O
teatro assume dessa maneira um importante suporte pedagógico na proposta
doutrinária circulista, dando ao lazer um caráter instrutivo com base na doutrina
e tradição católica.
Mesmo que os Círculos Operários fossem entidades de caráter civil e
houvesse sido estipulado nos documentos circulistas que eles não dependiam
diretamente da hierarquia eclesiástica em assuntos de sua finalidade imediata,
como são: a economia, administração, técnica, método, iniciativas temporais,
área de ação
272
, essa autonomia era relativizada quando se determinava a
presença obrigatória do assistente eclesiástico como membro da direção do
Círculo, com poderes para vetar qualquer decisão que comprometesse a , a
moral e a doutrina católica. Como nenhum assunto podia fugir a necessária
conexão com a moral cristã, a ascendência do assistente eclesiástico e de
seus superiores na orientação do Círculo Operário era determinante, e é nesta
condição que pode-se compreender a relação entre as organizações circulistas
e a hierarquia católica.
O combate ao alcoolismo foi incessantemente apregoado pelos
circulistas, com apoio do clero católico. A carta pastoral de D. Antônio de
Almeida Lustosa alertando sobre os males do alcoolismo, lançada em 1953, foi
publicada ao longo de várias edições d’A Fortaleza no ano de 1954. Eusébio
Mota de Alencar, circulista e redator deste jornal, explicou que a importância da
exposição da carta pastoral na imprensa dos trabalhadores decorre do fato de
que “... é no seio da massa operária, onde, infelizmente, mais campeia o
terrível vício.”
273
Essa vigilância sobre o cotidiano da vida operária, o lazer, a habitação,
o cuidado com as crianças, a conduta no trabalho, no espaço doméstico, a
expressão da religiosidade, manifestava a visão circulista de que era preciso
tomar o operário em sua totalidade. Para dar concretude ao ideal que
sustentavam, carecia elaborar uma proposta que englobasse essa totalidade.
3 – As reuniões e os passeios circulistas: unir e confraternizar
272
Manual do Círculo Operário. CNOC. Rio de Janeiro: Ed. Vozes, 1939.
273
A Fortaleza, ano IV, nº 166, 07/02/1954.
157
Dentre as atividades que funcionavam com fins pedagógicos, no
sentido mesmo da formação do sócio circulista dentro dos princípios do
movimento, estavam as reuniões gerais e as reuniões das lideranças, sendo
que nestas últimas participavam apenas os presidentes de Círculos Operários
e assistentes eclesiásticos. Para as primeiras a Federação orientava que o
Círculo estabelecesse uma metodologia específica, que pudesse proporcionar
êxito para os objetivos a que se destinava, qual seja: informar, instruir e formar.
Essa modalidade tinha portanto, um caráter diferenciado da Assembléia. De
acordo com as indicações da Federação, ela deveria ter a duração máxima de
2 horas, dividindo-se em duas partes: uma formativa e informativa e a outra
recreativa. A exortação do Assistente Eclesiástico, que cuidaria da parte
doutrinária não deveria ultrapassar 15 minutos.
274
O momento recreativo ficava
a cargo de grupos teatrais e alunos das escolas circulistas que, orientados
pelos educadores do Círculo Operário apresentavam números musicais,
interpretavam peças ou declamavam poesias, veiculando mensagens de
caráter moral enunciado pelo circulismo.
Quanto às reuniões de dirigentes circulistas a intenção era estreitar os
laços entre os diversos Círculos Operários, unificando suas ações com vistas
ao fortalecimento do movimento circulista no Estado. No entanto, observou-se
que apenas entre os círculos da capital foi possível mantê-las com
regularidade. No interior, somente quando a Federação se encarregava de
organizar e convocar os Círculos Operários de uma mesma região, é que
ocorriam as reuniões entre as lideranças circulistas. No caso do município de
Fortaleza, que chegou a contabilizar mais de vinte entidades circulistas,
localizadas nos bairros da Capital, foi possível inclusive formar a União dos
Presidentes de Círculos Operários de Fortaleza. A aproximação geográfica dos
Círculos Operários e o constante apoio da Federação é que tornou possível a
constituição desta União.
As reuniões da União dos Presidentes ocorriam mensalmente e a cada
mês era escolhido um Círculo Operário para sediar o encontro. Nestes
momentos trocavam experiências, partilhavam as atividades programadas nas
unidades circulistas, discutiam os problemas gerais do movimento e as aflições
274
A Fortaleza, ano VII, nº 368, 19/07/58.
158
de cada uma das organizações. Era visto também como oportunidade para
granjear apoio para alguma empreitada, fosse ela pleiteada pela Federação ou
mesmo por qualquer Círculo Operário integrante da União.
O que ocorria nestas reuniões de presidentes era divulgado na Coluna
O que vai pelos Círculos” do jornal A Fortaleza. Em muitas edições
encontramos o fazer cotidiano circulista. Pode-se entrever o entusiasmo com
os programas, embalados por um ideal de fraternidade humana”, que os
tornavam voluntários a serviço deste ideal. Concedo a palavra a Francisco
Messias Pinheiro, do Círculo Operário de Cristo Rei, que registrou num artigo
as impressões sobre esse fazer circulista, por ocasião da reunião da União dos
Presidentes no Círculo Operário de Mucuripe:
Soubemos na oportunidade que o C. de Mucuripe distribui
50 sopas duas vezes por semana aos velhinhos daquele
bairro. Grande obra essa do C. O. de Mucuripe. Mas
acontece que dessa sopa surgiu um romance entre dois
anciões. A essas alturas deve ter acontecido o enlace
matrimonial. O broto tem 70 primaveras e a menina 60. É
um acontecimento raro. Meus parabéns para os nubentes.
Parabéns para quantos fazem circulismo em Mucuripe. Para
frente com o ideal que reluz.
275
O passeio circulista era um outro tipo de atividade que além de
propiciar lazer, funcionava também como um meio através do qual se
estreitavam os laços entre circulistas de municípios diferentes ou até mesmo
entre aqueles dos diversos Círculos e núcleos circulistas de Fortaleza. Esses
eventos eram agendados antecipadamente por cada Círculo, para que
houvesse planejamento tanto por parte do rculo visitante quanto por aquele
que o recepcionava.
O Círculo visitante era sempre bem recebido pelo anfitrião. Os
momentos que marcavam o evento eram principalmente, a missa, o desfile
pelas ruas da cidade e o encontro para o café. A programação era em geral
composta de uma parte religiosa e outra recreativa. O jornal A Fortaleza
informava com antecedência o passeio circulista e, posteriormente como este
havia transcorrido . Propagar esses eventos era uma maneira de incentivar os
demais círculos a promoverem a Fraternização do ideal circulista”. Ao divulgar
159
a visita dos circulistas de Piedade a Aquiraz, o jornal ressalta que esse
encontro ... possibilitará um intercâmbio real e efetivo entre os operários da
Capital e do Sertão.”
276
Em um momento especial, o passeio circulista funcionava como uma
demonstração da força arregimentadora do movimento. Exemplo desse fato foi
a realização de um destes passeios ao município de Cascavel, em 30 de
setembro de 1951. A Federação articulou vários Círculos Operários da capital
com o objetivo principal de plantar a semente circulista em Cascavel, de vez
que esse é um dos poucos municípios cearenses que ainda não tem uma
dessas agremiações.”
277
O passeio circulista ao município de Baturité em 25 de fevereiro de
1951, tinha, dentre outros, fins políticos bem definidos. Um número expressivo
de 1200 circulistas da capital foi levado em trem especial, com apoio da Rede
de Viação Cearense até este município
278
. Após assistirem a missa, ação
obrigatória em todo passeio, os visitantes foram aos principais pontos da
cidade e por fim participaram da solenidade de posse do prefeito, Tenente
Miguel Elgy de Távora Arruda. Essa relação de proximidade com os
governantes era mantida como símbolo da cooperação para o estabelecimento
da ordem. Era também uma demonstração da gratidão pelos “favores”
recebidos e um aceno para continuarem merecedores destes.
Afora as visitas feitas pelas unidades circulistas entre si, dentro do
próprio Estado, a Federação dos Círculos Operários no Ceará também cuidava
do congraçamento interestadual do circulismo, visitando Círculos Operários de
outros Estados para prestigiar atividades diversas. Exemplo de tal fato foi a
visita ao Círculo Operário de Pau dos Ferros, no vizinho Estado do Rio Grande
do Norte, em fevereiro de 1952.
279
Havia o passeio anual promovido pela Federação a uma unidade
circulista interiorana. O passeio era exclusivo para os circulistas da capital,
proibida a participação de pessoas estranhas ao movimento. Os cartões
ficavam à venda na Sede da FCOC Os caravaneiros participavam de grandes
275
A Fortaleza, ano VIII, Nº 424, 25/08/1959.
276
A Fortaleza, ano VII, nº 371, 09/08/58.
277
A Fortaleza, ano II, nº 52, 29/09/51.
278
A Fortaleza, ano I, nº 24, 24/02/51.
279
A Fortaleza, ano II, nº 69, 09/02/52.
160
concentrações com os circulistas locais. Os dirigentes circulistas aproveitavam
a ocasião para conversar sobre questões relativas ao movimento tanto em
âmbito estadual quanto nacional.
Em todos os passeios, os organizadores não deixavam de reforçar a
dupla finalidade destes eventos. Enfocavam que o sadio lazer associava-se ao
congraçamento. Funcionavam também como uma manifestação pública do
quão era salutar o movimento. Deste modo, ao promoverem as concentrações
públicas e outros eventos, os circulistas pretendiam contagiar aqueles que
estavam alheios ao movimento, procurando atraí-los para o circulismo.
Francisco Messias Pinheiro, do Círculo Operário de Cristo Rei (Fortaleza)
reafirma as finalidades dos passeios realçando sua importância “...para que
possamos mostrar a essa gente indiferente que o circulismo educa, constrói e
defende a nossa pátria da miséria que ronda a massa de incautos e tudo faz
pela justiça social e um Brasil Operário e Cristã.”
280
O Círculo Operário de Navegantes, a exemplo de outros, organizava
anualmente uma tradicional romaria ao município de Canindé (CE). Desta feita
o objetivo tinha um forte conteúdo religioso, não limitando-se aos interesses
organizativos do circulismo.
O Círculo Operário que dispunha de uma Ala Feminina bem
organizada, tratava logo de deixar a cargo das circulistas a responsabilidade
com a propaganda e outros afazeres indispensáveis ao êxito do passeio ou da
romaria. Dispondo de uma banda ou grupo teatral cuidavam de preparar
números artísticos a serem apresentados no município a ser visitado. Era uma
forma de evidenciar o desempenho do círculo em setores diversos. Além disso
tornava alegre e descontraído o passeio circulista.
4 – As Páscoas coletivas
A scoa tem um relevante sentido simbólico para os cristãos. O
período preparatório que antecedia o tempo pascal era repleto de rituais, tais
como: penitências, jejuns, confissões, abstinências, comunhão, etc,. Sem
querer adentrar nas diversas experiências do culto religioso cristão-católico,
280
A Fortaleza, ano IX, 436, 24/10/1959. Relatório da Caravana Circulista a Aracati em
outubro de 1959.
161
que não é objeto de nosso estudo, assinalamos que, alguns desses atos são
sobremaneira importantes para compreender em parte o que eles
representavam como estratégia na aproximação entre patrões e operários, bem
como para o fortalecimento dos valores cristãos, especialmente nos períodos
da páscoa coletiva.
Durante a Semana Operária na Fortaleza, realizada no ano de 1925,
um convite era feito aos operários e trabalhadores para participarem da páscoa
rendendo tributos a Igreja Católica. As conferências ficaram a cargo do pe.
Manuel Macedo. Foram cinco dias de retiro espiritual, missa campal no Altar da
Coluna do Cristo Redentor, e que contou com a participação de mais de mil
pessoas. Segundo o jornal O Nordeste, a Páscoa dos Operários neste ano foi
um “Expressivo atestado da fé católica dos trabalhadores cearenses.”
281
A scoa coletiva dos operários da Fábrica de Tecidos São José era
sempre realizada em 19 de março, data em que os católicos veneram São
José, que além de ser padroeiro dos Círculos Operários, era também o santo
protetor da fábrica que levava o seu nome. A associação neste caso era mais
que oportuna, pois, tanto os operários quanto os patrões da Fábrica São José
estavam sob o amparo e as bênçãos do mesmo santo. Em 1954 houve um
tríduo preparatório iniciado em 16 de março. Com os operários, participavam
da preparação os patrões e suas famílias. No final do expediente de trabalho o
Pe. João Linhares pregava pelo menos trinta minutos. A missa foi realizada no
âmbito da Fábrica e para engrandecer o evento divulgou-se que:
Tomaram parte no banquete eucarístico 520 comungantes,
inclusive empregadores. Esteve presente o revmo. Pe. José
Arimatéia Diniz, Assistente Eclesiástico da Federação dos
Círculos Operários do Ceará e supervisionador das páscoas
coletivas que, falando aos presentes, congratulou-se com os
operários e patrões da Fábrica de Tecidos São José pelo
êxito alcançado com a páscoa de 1954, sob a chuva
torrencial que caía no momento, derramada por São José
patrono daquela casa.
282
Os discursos enalteciam a relação harmoniosa entre patrões e
operários e a necessidade de cada uma das partes colaborar para que a ordem
281
O Nordeste, ano III, nº 878, 03/06/1925.
282
A Fortaleza, ano IV, nº 171, 28/03/1954.
162
social permanecesse inalterada. Finalizando as sessões congratulatórias,
houve benção da usina termo elétrica e os trabalhadores foram beneficiados
com lauto café” no SAPS(Serviço de Alimentação da Previdência Social).
Observa-se neste caso que os empregadores seguem à risca as
orientações da hierarquia católica e circulista, que pleiteavam a possibilidade
de conformar o espírito dos trabalhadores, disciplinando-os. Portanto, mesmo
em face do salário ínfimo que recebiam, das longas e extenuantes jornadas de
trabalho, desde que o patrão sentasse ao seu lado no mesmo banquete, esta
seria uma demonstração de que, embora patrões e empregados se
diferenciassem na relação capital/trabalho, comungavam os mesmos ideais
cristãos e nesse particular eram semelhantes.
Ainda para oferecer um outro exemplo demonstrativo acerca da
questão, abordo a greve dos tecelões ocorrida em 1950, quatro anos antes da
tão benéfica páscoa coletiva dos trabalhadores e patrões da Fabrica São José.
O artigo anunciava: A greve dos Tecelões: um exemplo e uma advertência aos
empregadores. O articulista responsabilizava os empregadores por
descumprirem as leis trabalhistas, principalmente no tocante ao repouso
semanal remunerado, o que contribuía para o deflagrar da greve. Embora não
participassem diretamente das discussões e reivindicações operárias que
exigiam o fim das perseguições e o pagamento de nove dias” (acredito referir-
se ao repouso semanal), o movimento circulista veiculava através d’A
Fortaleza, as opiniões a respeito da situação e apresentavam sugestões aos
empregadores, sobre como estabelecer relações de cordialidade com os
operários, como substituto e compensação, inclusive, ao pagamento de baixos
salários:
Observa-se que muitas das vezes, a própria deficiência do
ordenado é compensada pelo gesto amigo do patrão que
cumprimenta com a maior cordialidade os seus
trabalhadores, que lhes fala uma linguagem amiga, que se
interessa pela família do trabalhador, que finalmente trata
com humanidade os que servem a empresa.
283
Continuando, o articulista adverte ainda que ao agirem dessa forma
estarão contribuindo para o fortalecimento dos inimigos da Igreja, qual sejam,
163
os comunistas. Entendiam que nesses momentos eles sempre estavam a
apregoar e incitar a luta de classes, “destruindo” os ensinamentos da Igreja.
Admoestando os patrões e tecendo severas críticas aos comunistas, conclui
lúgubre:
(...) lamentamos constatar o fato de patrões que concorrem
com atitudes injustas e impensadas. (...) para que se gere
um ambiente de rebeldia, capaz de determinar uma greve,
aproveitada pelos traidores comunistas, para perturbar as
relações de colaboração que devem existir entre o capital e
o trabalho.
284
Talvez o fato das fábricas têxteis terem sido sacudidas pelas greves
em 1950, tenha levado os empregadores e as organizações orientadas pela
Ação Católica, tal como a JOC e os Círculos Operários, a investirem com mais
empenho nos anos posteriores, na realização das páscoas coletivas nestes
estabelecimentos. A origem do movimento jocista encontra-se na Bélgica.
Segundo Muraro
285
o jocismo no Brasil, restringiu-se aos estados de São
Paulo, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul, no período de 1935 e 1938 em
razão do desenvolvimento industrial dessas regiões. Em 1948, com a presença
do idealizador do jocismo, Monsenhor Cardijn, na Primeira Semana de Estudo
Nacional da JOC em São Paulo, o movimento foi oficializado.
O Manual do Círculo Operário estabelece claramente como deve ser o
entendimento entre jocistas e circulistas de modo que as duas organizações,
cujos fins não divergem, possam usufruir os benefícios dessa ação conjugada.
A relação entre a JOC e os Círculos Operários no Ceará era bastante
expressiva, fato que contribuía para o fortalecimento do programa social
católico no meio operário.
286
Além disso, a ampla divulgação destes momentos
através do jornal A Fortaleza, objetivava disseminar essas práticas, como
exemplo da boa vontade existente entre patrões e operários.
283
A Fortaleza, ano I, nº 3, 16/09/1950.
284
Idem, p. 2.
285
MURARO, Francisco Valmir. Juventude Operária Católica. São Paulo: Brasiliense.
Coleção tudo é história. 1985.
286
Segundo A Fortaleza, ano III, nº 126, 26/04/1953, a JOC chegou ao Ceará em 1951. E por
ocasião do III Congresso dos Círculos Operários do Ceará, realizado de 18 a 21 de dezembro
de 1952, foi aprovada uma resolução que estabelecia a cooperação entre a JOC e os Círculos
Operários na formação do operariado cearense.
164
Embora a páscoa coletiva dos operários da fábrica têxtil Progresso
houvesse ocorrido em 11 de março de 1954, a divulgação foi feita n’A Fortaleza
somente em primeiro de maio do corrente ano. O jornal noticia os rituais, que
seguiam basicamente a mesma programação do que fora realizado na Fábrica
São José. Expõe ainda a longa trajetória da fábrica, que tendo na gerência
Thomaz Pompeu de Sousa Brasil Neto, faz uma saudação aos operários no dia
Primeiro de Maio, sem contudo deixar de queixar-se da baixa produtividade
destes, em vista que:
Os trezentos e cinqüenta operários são bons, dedicados,
esforçados, e sobretudo, honestos. Entretanto, carecem de
melhores conhecimentos técnicos, razão porque a produção
de cada trabalhador podia ser muito mais elevada.
287
A Fortaleza registrou a scoa coletiva dos operários da Usina Ceará,
cuja programação foi constituída de uma parte litúrgica, a cargo do padre
Abdon Valério. Houve ainda um momento político, no qual discursaram
empregados e empregadores e um momento artístico. Todos os atos da
programação foram realizados no próprio local de trabalho.
288
Em primeiro de maio de 1954, foi realizada a páscoa coletiva dos
servidores municipais de Fortaleza. O ritual religioso contou com a participação
de autoridades civis e religiosas.
289
Após a comunhão geral, foi servido café
para todos. Uma “cortesia” do prefeito municipal. Também os servidores
estaduais, federais e autárquicos tiveram a sua páscoa coletiva em 11 de
junho. A programação ritualística seguiu os passos das anteriores. Desta feita,
o café servido aos comungantes ficou por conta do governador Raul Barbosa,
que ocupava o cargo de Presidente da Comissão Central da Páscoa.
Outro aspecto que se evidencia nas páscoas coletivas é a aproximação
aludida anteriormente entre os poderes temporal e espiritual, além da
vinculação estabelecida com a classe patronal. Os trabalhadores aparecem
aos olhos dos seus “benfeitores” como colaboradores na produção da riqueza e
287
A Fortaleza, ano IV, nº 175, 1º de maio de 1954.
288
A Fortaleza, ano IV, nº 179, 30/05/1954.
289
Presentes no evento estavam o prefeito de Fortaleza, Paulo Cabral acompanhado de seu
secretariado e o Arcebispo metropolitano, D. Antônio de Almeida Lustosa. Encontramos n’A
Fortaleza, ano I, 19, 20/01/1951, que ocorreu uma manifestação de apreço ao prefeito
165
receptores da caridade alheia. O cultivo das virtudes cristãs, como o amor ao
próximo, a caridade e a justiça, acarretaria a aproximação entre as classes,
funcionando como redutor dos conflitos sociais, uma vez que todos estavam
irmanados pelo amor filial em Cristo. As páscoas coletivas significavam a
reconciliação de trabalhadores e patrões. Era a expressão da concretude de
um ideal traçado pela sociologia cristã, enunciada na fórmula de Toniolo
290
,
sobre o que se poderia almejar construí em termos da relação capital /
trabalho. Essa fórmula encontrava-se nos materiais de divulgação da doutrina e
nos estatutos dos Círculos Operários, como princípio norteador da ação
circulista.
291
5 – Ritos de consagração aos protetores celestes do circulismo
Considero que a expressão cívil-religiosa seja também apropriada para
caracterizar as organizações circulistas, uma vez que, embora tivessem
estatutos civis, assemelhavam-se às organizações religiosas pelo fato de
adotarem muitas das práticas cristãs e de estarem sob a orientação da Ação
Católica. Diante desse fato, e mesmo para garantir a legitimidade de suas
ações junto aos trabalhadores e operários, os Círculos foram instigados a
desfazerem a concepção de que eram associações religiosas.
Alguns dos ritos que integravam o cotidiano circulista conferiam aos
Círculos uma feição nitidamente cristã, e estavam presentes em vários e
diferentes momentos: nas festas cívicas ou religiosas, nas datas significativas
da história do movimento, nas atividades cotidianas e nos momentos de lazer.
O primeiro Círculo Operário do Ceará, o Círculo de Operários e
Trabalhadores Católicos de São José, de Fortaleza, nasce sob a proteção de
São José, o operário de Nazaré. De acordo com o Manual dos Círculos
Operários todas as entidades circulistas deveriam homenagear os protetores
do circulismo: o Sagrado Coração de Jesus, São José e Nossa Senhora
Paulo Cabral, saudado como amigo dos circulistas de Fortaleza, sendo o mesmo pertencente
ao quadro social do Círculo Operário de Monte Castelo, como sócio honorário
290
Sociólogo cristão italiano.
291
Estatuto do Círculo Operário de Limoeiro do Norte Cap. I, Art. 3º - Para colimar estes
ideais, o Círculo se estribará nos seguintes princípios, como base firmes e inabaláveis; (...) -
A fórmula de Toniolo: O TRABALHO CADA VEZ MAIS DOMINANTE, A NATUREZA CADA
VEZ MAIS DOMINADA, O CAPITAL CADA VEZ MAIS PROPORCIONADO.
166
Medianeira de Todas as Graças como advogada e rainha. Solicitando amparo
e proteção para “... promover o bem estar temporal e a cristianização dos
trabalhadores da nossa querida pátria.”
292
, os circulistas prometiam aos seus
padroeiros trabalhar para o reino:
(...) conquistando para vós os nossos companheiros de
trabalho, para que reineis nas oficinas e nas fábricas, nos
escritórios e nas repartições, nos meios de transporte
marítimo, nas minas, em todos os recantos onde se
trabalhe.”
293
Por razões metodológicas e que serão justificadas na ocasião, os ritos
dedicados a São José serão analisados com mais acuidade no momento em
que for discutido o Primeiro de Maio circulista. Os rituais de entronização da
imagem de Nossa Senhora Medianeira de Todas as Graças, São José e o
Sagrado Coração de Jesus nas sedes dos Círculos Operários, ocorriam em
meio a grandes festividades. O Círculo Operário de Parangaba, por exemplo,
realizou a entronização do quadro da Medianeira durante a festa junina de
1953.
294
No município de Morada Nova, o Círculo Operário local realizou a
inauguração da Escola Nossa Senhora Medianeira, com uma programação
repleta de números artísticos e cânticos de louvor, uma prova da intensa
devoção circulista à rainha e advogada dessas organizações. O dia 31 de maio
era dedicado a Nossa Senhora Medianeira.
Na semana que antecedia a magna data da devoção circulista, A
Fortaleza, lembrava aos Círculos Operários a necessidade de organizar as
festas comemorativas em homenagem a Santa. Imprescindível na
programação, a realização da missa em devoção à Medianeira. Os terços
poderiam ser rezados numa solenidade pública, no caso de uma reunião
circulista ou no espaço privado do lar, reunindo a família para pedir as bênçãos
da Medianeira.
292
Manual do Círculo Operário, CNOC, Rio de Janeiro: Editora Vozes, 1939.
293
Idem, p. 334.
294
A Fortaleza, ano III, nº 135, 28/06/1953. Ainda de acordo com a notícia divulgada pelo
jornal, muitas das unidades circulistas do Ceará já haviam realizado esse ritual de entronização
da imagem da Medianeira.
167
Durante o III Congresso dos Círculos Operários do Ceará, realizado no
período de 18 a 21 de dezembro de 1952, um dos pontos altos da
programação foi a entronização do quadro do Sagrado Coração de Jesus, da
Medianeira e de São José, na sede d’A Fortaleza. A presença de
representantes de Círculos Operários de todo o Estado e ainda, a participação
do Assistente Eclesiástico da CNCO, padre Leopoldo Brentano, conferiram ao
evento um profundo sentido de religiosidade.
Interessante perceber que a forte devoção à Medianeira manifestava-
se em momentos vários da vida circulista. Durante as eleições nos Círculos
Operários as chapas eram registradas com um título que as diferenciasse das
demais. Era bastante comum encontrar em cada eleição circulista uma chapa
denominada N. S. Medianeira, bem como aquelas denominadas, N. S. de
Fátima, N. S. Aparecida, etc. Nesses casos, indico a possibilidade de que, para
os candidatos à Direção do Círculo Operário, era bem mais vantajoso designar
sua chapa com o nome tão imaculado e bem aceito pelos circulistas. É
provável que os concorrentes pensassem também nos benefícios eleitorais que
a Santa poderia canalizar, sem é claro, perder de vista as vantagens advindas
do fato de estarem sob a proteção da rainha e advogada dos Círculos, para, no
caso de ganhar a eleição,” poderem com mais facilidade vencer as
dificuldades” , conforme designou o V Congresso Nacional dos Círculos
Operários.
295
Para compreendermos melhor a história da devoção circulista à N. S.
Medianeira, recorremos ao artigo escrito pelo padre Inácio Vale, publicado nA
Fortaleza.
296
Segundo o padre Vale, a devoção nasce na Diocese de Santa
Maria no Rio Grande do Sul, no final da década de 1920. A fundação da
Congregação Mariana com o título de Medianeira de Todas as Graças ocorreu
em 15 de agosto de 1928. No início, as romarias se limitavam ao município de
Santa Maria, mas a partir dos anos de 1940 transformaram-se em romaria
estadual.
É no Congresso Operário de 1937, evento que assinalou o processo de
unificação das organizações circulistas no Brasil, que foi aprovada uma
deliberação tornando N. S. Medianeira – Rainha e advogada dos Círculos
295
A Fortaleza, ano VII, nº 367, 12/07/1958.
296
A Fortaleza, ano VII, nº 367, 12/07/1958.
168
Operários. Esse fato foi bastante significativo para a expansão do culto à
Medianeira. Segundo o padre Inácio Vale é por meio dos círculos operários
que a devoção se espalha”. Já em 1939, a CNOC solicita que o Concílio
Nacional do Episcopado oficialize a Medianeira como Padroeira dos Círculo. A
devoção era notadamente mais forte no Rio Grande do Sul. Exemplo disso é
que no primeiro de maio de 1950, em comemoração ao Dia do Trabalho, cem
mil pessoas aclamavam a Medianeira em Porto Alegre, fato que fez o Prefeito
entregar as “chaves da cidade”.
Durante o V Congresso Nacional dos Círculos Operários, realizado no
Rio de Janeiro em 1950, reunindo delegados de todo o país, A primeira tese
do Congresso versou precisamente sobre o trabalho do circulismo pró devoção
à Medianeira e pró dógma da Mediação Universal.” No final do Congresso
foram estatuídos os seguintes pontos:
1 (...) diante da experiência feita durante 15 anos,
reconhecia que a finalidade espiritual e principal do
circulismo é a devoção à Medianeira de Todas as Graças e
por meio desta devoção salvar da ruína as massas
proletárias;
2 Reconhecia e proclamava que os círculos operários que
mais se esforçavam pela devoção à Medianeira, progrediam
admiravelmente e mais facilmente venciam as suas
dificuldades;
3 O Congresso resolveu lançar uma grande Cruzada de
Missas em honra e nas intenções da Virgem Medianeira
para apressar o advento do Dogma da Mediação;
4 Ordenou que em todas as obras construídas pelos
círculos se colocassem a imagem da Medianeira com estas
palavras:IPSA FECIT.
297
Redimir os trabalhadores do estado de pobreza material em que se
encontravam, “resgatá-los da ignorância” associada ao analfabetismo e ainda
propiciar-lhes a salvação espiritual através do acolhimento e prática dos
valores cristãos, era uma tarefa hercúlea. Era esse o propósito circulista:
extinguir a luta de classes, concebendo a possibilidade de humanização da
relação capital/trabalho.
Para a concretização de um projeto desta dimensão, contar com a
colaboração dos governos era suficiente apenas no tocante à assistência
297
A Fortaleza, ano VII, nº 367, 12/07/ 1958.
169
material. Contudo, para sensibilizar esses mesmos governantes a contribuírem
com a causa circulista, e ajudá-los a combater o “inimigo vermelho” satanizado
pela Igreja Católica, buscaram auxílio em seus protetores celestes.
No Ceará, a devoção a São José, patrono dos Círculos Operários,
ganhou mais notoriedade que a veneração a N. S. Medianeira. O fato pode ser
explicado em razão de ser São José, Patrono do Estado do Ceará, e ainda
porque “... sob sua tutela acha-se a Arquidiocese de Fortaleza, que a ele confia
todos os seus negócios, sob sua inspiração foi fundado ocírculo operário do
Ceará, sob seu patrocínio encontra-se o movimento circulista brasileiro.”
298
O artigo “operário modelo” escrito em homenagem a São José, ressalta
as virtudes do operário de Nazaré que de acordo com a opinião do articulista é
exemplo para todo trabalhador e operário cristão.
299
Instrui-se também os
operários e trabalhadores a reverenciar São Jocomo patriarca da família. A
ele, principalmente os “chefes de família” deveriam fazer as rogativas
solicitando a proteção de todos os seus membros. Em outro artigo intitulado
“Mensageiro Divino rememora-se a devoção a São José em todo o mundo
cristão católico. Sua imagem sempre associada à obediência, à aceitação
passiva dos planos de Deus e a dedicada operosidade, é saudada como a
bússola que serve de orientação para um mundo sacudido por tantas
turbulências:
(...) Em nossos dias, o tributo de homenagem filial ao
esposo da Virgem Maria, prestado pelos povos de todos os
países onde a Igreja de Cristo triunfou, evidencia-se na
freqüência com que, ao sacramento do batismo, o nome de
José passa às futuras gerações. (...) O trabalho, no entanto,
como uma sentença do alto, se torna agradável para os que
não almejam senão ser instrumentos dos desígnios
celestiais, como aconteceu a São José.
300
298
A Fortaleza, ano IV, nº 170, 19/03/1954.
299
Idem, p. 3.
300
A Fortaleza, ano VII, nº 352, 19/03/1958.
170
Ao apresentar a figura bíblica do santo operário, protetor celeste dos
trabalhadores, a doutrina circulista institui uma mística que consolida o ideal
propugnado pelo movimento: cristianizar o mundo do trabalho, propondo, em
primeiro lugar, a harmonização das relações no processo produtivo; e no
tocante à questão social, concebê-la para além dos marcos econômicos, como
uma questão de ordem moral. É sobretudo durante as comemorações
referentes ao dia do trabalho que se faz notar de maneira mais perceptível a
relevância do culto a São José.
6 – O Primeiro de maio circulista
As comemorações alusivas ao dia do trabalho realizadas pelos
circulistas, em muito se diferenciaram daquelas organizadas pelos sindicatos,
especialmente os que tinham vinculação ideológica às diretrizes socialista,
comunista ou anarquista.
A começar pela maneira como o Primeiro de Maio era celebrado pelas
diferentes organizações, encontramos divergências quanto às formas que
expressariam condignamente o importante data para as classes
trabalhadoras. No estudo sobre a imprensa operária, realizado por Adelaide
Gonçalves, alguns dos discursos sobre o Primeiro de Maio, expressos em
vários desses jornais, fazem a “...crítica às sociedades de tradição beneficente
e os círculos operários católicos que querem “comemorar a data com música,
foguetes e foguetões”
301
Além, estudando outros artigos sobre o Primeiro de
Maio, que seguem corroborando a idéia de que a data simboliza um parto
doloroso para a classe operária, e como tal, os ritos em sua memória deveriam
recobrir-se de luto, Adelaide Gonçalves analisa o discurso de Gastão Justa
que:
(...) em sua página Movimento Operário, vai mais longe no
propósito de heroificação dos mártires de Chicago,
articulando a memória do rito aos símbolos do cristianismo,
301
A Voz do Graphico, ano I, nº 10, 01/05/1921. IN: PEREIRA, Adelaide Maria Gonçalves. A
Imprensa dos Trabalhadores no Ceará, de 1862 aos anos de 1920. Florianópolis, 2001,
Tese de Doutorado em História. Universidade Federal de Santa Catarina
171
ressalta o Primeiro de Maio na dimensão do luto e do
martírio , “o calvário dos modernos Cristos” (...)
302
Festejar ou prantear o Primeiro de Maio? Comemorar com música,
foguetes e foguetões” como faziam os circulistas ou “...guardar e respeitar o dia
de hoje como o mais lutuoso de quantos existam nas páginas de sua história,
referente à conquista das suas reivindicações!”
303
? Não havia consenso entre
os trabalhadores cearenses e nem mesmo entre os trabalhadores de outras
regiões ou países, a respeito de como as manifestações no Primeiro de Maio
deveriam ocorrer. Essas dissensões tiveram início na origem da constituição do
Primeiro de Maio, quando em 1891, o Congresso da Internacional em Bruxelas,
aprovou algumas resoluções que:
(...) além de ampliar o conteúdo programático da
manifestação, a resolução continha outra inovação. Falava
de “comemorar” o Primeiro de Maio. O movimento passara a
reconhecê-lo oficialmente não como uma atividade
política, mas como uma festa.
304
A determinação da Internacional recebeu forte oposição dos
anarquistas que concebiam o Primeiro de Maio como um dia de luta e de luto.
Eric Hobsbawm indagando como teria se formado a idéia de um feriado de
classe, ao mesmo tempo de luta e diversão(...)”
305
segue especulando suas
raízes, esquadrinhado os tradicionais rituais do ano, associados aos ciclos da
natureza, realizados no hemisfério norte, para compreender a idéia de festa
num ritual da classe trabalhadora, que invocava e convocava à luta de classes.
Ainda que a pesquisa de Hobsbawm sobre o nascimento do Primeiro
de Maio seja instigante, essa discussão não será aqui aprofundada, senão nos
aspectos em que interessa especificamente a temática. Contudo, explicito a
sua pertinência, pois, a necessidade de elucidar algumas questões suscitadas
pela crítica feita pelos jornais cearenses de influência anarquista aos Círculos
Operários, instigou-me a trazer à superfície as origens dessas divergências de
302
Idem, p. 330.
303
A Voz do Graphico, ano I, nº 10, 01/05/1921. IN: PEREIRA, Adelaide Maria Gonçalves. A
Imprensa dos Trabalhadores no Ceará, de 1862 aos anos de 1920. Florianópolis, 2001,
Tese de Doutorado em História. Universidade Federal de Santa Catarina
304
HOBSBAWM, Eric. Pessoas Extraordinárias. Resistência, rebelião e jazz. Trad. Irene
Hirsch Lólio Lourenço de Oliveira. São Paulo: Paz e Terra, 1998.
172
concepção. Acredito que, as razões que motivaram os circulistas a
comemorarem o Primeiro de Maio como festa cívico-religiosa têm raízes nas
tradições culturais marcadas pela presença de rituais de forte conteúdo
religioso. Adoto, nessa perspectiva, o conselho de Catroga ao indicar que não
se deve reduzir o entendimento dessa manifestação aos parâmetros
exclusivos da história política ou da história social.”
306
A afirmativa de Hobsbawm sobre “...a pouca influência do modelo
religioso, mesmo nos países em que as massas eram profundamente religiosas
e impregnadas dos modos de ser das igrejas”
307
é contrariada nos rituais
promovidos pelos trabalhadores circulistas cearenses nas comemorações do
Primeiro de Maio. Suas “generalizações” são também contestadas pelos
operários portugueses que transformaram as comemorações do Primeiro de
Maio em “acontecimento-espetáculo”, influenciado pelos rituais religiosos,
durante o período de 1894 e 1897. Ainda segundo Catroga, o Primeiro de Maio
assumiu o caráter de luto e festa, razão pela qual sofreria críticas
especialmente por parte dos anarquistas e sociais-democratas.
308
Para Catroga, enquanto os radicais defendiam uma manifestação de
cunho revolucionário, os reformistas procuravam celebrá-la com ênfase no
cunho festivo/funerário considerando que esta forma seria mais adequada à
socialização de apelos emancipadores, sobretudo numa sociedade povoada de
analfabetos muitos habituados ao espetáculo público de inspiração religiosa
ou cívica”.
309
Pode-se aferir que a posição dos reformistas partia da
elaboração de uma tática que tinha por fim aglutinar o maior número possível
de trabalhadores, trazendo para o interior do ritual as tradições culturais como
forma de mediação do novo rito operário.
O Primeiro de Maio como rito operário tomou a dimensão universal das
grandes festas religiosas. Se sua criação intimidava por pretender ser um
acontecimento simultâneo em nível internacional, a escolha da data é bastante
controvertida. Após enveredar pelos possíveis caminhos que levam ao
305
Idem, p. 177.
306
CATROGA, Fernando. O céu da memória: cemitério romântico e culto cívico dos
mortos em Portugal ( 1756 – 1911). Coimbra: Livraria Minerva, 1999, p.212
307
HOBSBAWM, Eric. Pessoas Extraordinárias. Resistência, rebelião e jazz. Trad. Irene
Hirsch Lólio Lourenço de Oliveira. São Paulo: Paz e Terra, 1998.
308
CATROGA, Fernando. O céu da memória: cemitério romântico e culto cívico dos
mortos em Portugal ( 1756 – 1911). Coimbra: Livraria Minerva, 1999.
173
entendimento das origens do Primeiro de Maio, passando em revista a
contribuição dos anarquistas, dos americanos e dos guesdistas , Michelle
Perrot afirma que sua escolha ...é mais enigmática e desde então tem sido
intrigante. Não corresponde inicialmente a nenhuma comemoração definida.
Poder-se-ia ver uma vontade de ruptura, uma Hégira inaugurando uma nova
era”.
310
Mesmo negando o conteúdo classista com o qual revestia-se o
Primeiro de Maio, os circulistas não podiam ignorar o significado e a magnitude
que a data representava para os trabalhadores. Não havia outra alternativa
senão incorporá-la ao calendário circulista. Contudo, era necessário despojá-la
de seu caráter “materialista” conferindo-lhe um novo sentido.
Consagrar o trabalho e exaltar as virtudes do trabalhador, do operário
que aceita a sua condição social sem sublevar a ordem no mundo do trabalho
era a razão principal das comemorações circulistas no Primeiro de Maio. Para
tanto, construíram uma forte articulação com o poder oficial, simbolizando a
colaboração do movimento na promoção de relações harmônicas entre capital
e trabalho. Em 1951, a Delegacia Regional do Trabalho incumbiu-se de
organizar os festejos oficiais no Dia do Trabalho. A Federação dos Círculos
Operários participa dos eventos junto com autoridades civis, militares e
eclesiásticas. Outras organizações, como o SESI, a Federação do Comércio do
Estado do Ceará, a Federação Cearense de Desportos são colaboradoras na
programação.
Entretanto, apesar de participarem dos festejos oficiais, os Círculos
Operários da capital realizavam uma manifestação independente na Praça
Cristo Redentor. Ao que tudo indica seguiam as orientações da hierarquia do
movimento circulista, ou seja, da Federação dos Círculos Operários.
Participavam dos eventos programados pelas organizações governamentais,
para afirmar o compromisso cívico de respeito à legalidade, à ordem social,
mas preparavam uma festa específica, evocando nos ritos religiosos, proteção
e graças.
309
Idem, ibidem.
310
PERROT, Michelle. Os Excluídos da História. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988, pp. 127-
164.
174
A Fortaleza noticia, no dia 05 de maio de 1951 uma Manifestação
Cívica dos Círculos Operários, que teria acontecido de forma independente, ou
seja, paralela a que fora organizada pela Delegacia Regional do Trabalho. E
mesmo para essa independente manifestação, o jornal enfatiza a presença das
altas autoridades e que apenas um operário - Francisco das Chagas - do
Círculo Operário de Monte Castelo, usou a palavra. O discurso do operário
recebeu saudações de louvor, visto que sua “... oração despertou o entusiasmo
entre os presentes, pela veemência com que defendeu os princípios sociais
cristãos frente ao comunismo”
311
Nos atos comemorativos ao Dia do Trabalho o ataque ao comunismo
recebia maior ênfase, pois os circulistas entendiam ser esse um momento
especial de confronto entre os propósitos defendidos pelo cristianismo e
aqueles preconizados pelo comunismo. Um artigo do circulista Joaquim
Nogueira Dantas, membro do Círculo Operário de Piedade (Fortaleza),
versando sobre Cristianismo, Socialismo e Circulismo”, comenta aspectos
dessas doutrinas, apontando o circulismo como instrumento do cristianismo
para a salvação dos homens. Ressaltava que o socialismo pregava a
subversão e empunhava a bandeira da luta de classes, sendo portanto
inconciliável com o programa circulista. Observava ainda que, a exemplo de
Jesus Cristo que escolheu os seus discípulos entre gentinhas do povo”, assim
também o escolhidos os circulistas, cuja missão também está em
consonância com a dos apóstolos:
“(...) assim o circulismo no Brasil, escolhido também de
“gentinha do povo” para reformar os costumes atuais de um
povo sem moral, sem honestidade e sem fé, mostrando com
o seu exemplo de homens tementes a Deus, livres nas suas
consciências e convictos de que desse modo, estarão
contribuindo para o seu bem estar, o da família, dos seus
consócios e para a grandeza do Brasil”
312
A visão salvacionista veiculada pelos circulistas, estava relacionada
aos valores morais sustentados pelos setores mais conservadores da
sociedade. Reconheciam-se como exemplos aqueles que fugiam aos bons
costumes e também como portadores da força restituidora desses mesmos
311
A Fortaleza, ano I, nº 32, 05/05/1951.
175
costumes. Os Círculos Operários do interior do Estado também celebravam o
Primeiro de Maio, seguindo pelo menos nos discursos, a mesma tônica em
relação ao embate com o comunismo e a apresentação do circulismo como
projeto que luta para promover a relações entre capital e trabalho, destituída de
conflitos sociais. O Círculo Operário do Crato, através do secretário da
entidade, Euclides F. de Lima, envia nota ao jornal, enaltecendo as festividades
do Primeiro de Maio promovidas pelos circulistas, acrescentando que:
Os círculos operários harmonizam os seus associados,
dando-lhes verdadeiro conhecimento para a solução dos
problemas que se relacionam com as questões do capital e
o trabalho, sem que seja necessário provocar greves,
agressões e humilhações.
313
No discurso do circulista, a greve aparece como recurso
contraproducente, que o fim almejado é a harmonia entre patrões e
operários. De maneira geral, a greve era encarada como um instrumento que
provocava enormes prejuízos: sofrimento para os grevistas, atropelos para o
povo e depredações de equipamentos e propriedades públicas”
314
. Embora
cientes da gravidade da questão social, dos conflitos entre capital e trabalho
advertiam que a radicalização não era viável porque desestabilizava a ordem
social. Propunham as negociações e conciliações como alternativa nos
momentos de conflitos.
Para exemplificar como ocorriam essas negociações, abordo uma das
ocasiões em que a Federação dos Círculos Operários foi convidada a mediar
os conflitos entre operários e empregadores da Empresa de Tecidos de
Maranguape, que havia demitido e recusado o pagamento de indenização às
operárias Maria de Lourdes Paulina de Lima, Maria Nunes de Moura e
Teresinha Rufino de Sousa. Foi organizada uma mesa redonda na sede do
Círculo Operário, onde os trabalhadores aproveitaram o momento para
denunciar as condições de trabalho.
De acordo com os operários, a Empresa de Tecidos Maranguape
exigia uma cota de produção, mas, as máquinas constantemente falhavam,
312
Idem, p. 3.
313
A Fortaleza, ano I, nº 34, 19/05/1951.
314
A Fortaleza, ano XII, nº 543, 21/07/1963.
176
impossibilitando-os de produzir o que era imposto; faltava ventilação e havia
um único banheiro para atender 50 homens e outro para 100 mulheres;
denunciaram ainda que os vestiários não tinham portas e que a água para
beber era “... retirada de um tanque em quartinhas e as vezes falta”
315
. Por fim
o jornal transcreve uma das falas das operárias presentes à sessão, que
sintetiza a situação em que viviam os operários da fábrica em poucas palavras,
afirmando em tom de lamento que somos mais subjugados que os negros
cativos”
316
No final da sessão com os operários, o Assistente Eclesiástico da
Federação dos Círculos Operários, padre Arimatéia Diniz propõe uma conversa
com os patrões para buscar uma saída “harmoniosa” para as questões que
foram denunciadas. A busca do entendimento pacífico entre as partes era
sempre a alternativa apresentada pelos circulistas, especialmente por aqueles
que integravam a cúpula do movimento.
No ano de 1952, os atos circulistas em comemoração ao Primeiro de
Maio foram realizados de maneira simples, sem grande pompa, tanto pelas
unidades da capital, quanto pelos Círculos do interior. Um evento significativo
para os circulistas neste dia foi a entrega de diplomas da Primeira Turma de
líderes sindicais, no Teatro José de Alencar. O curso havia sido instalado em
fevereiro de 1951 e era mantido pela Comissão do Fundo Sindical. As aulas
eram ministradas por Ubirajara Índio do Ceará, Mozart Soriano Aderaldo e
Lauro Maciel, como já referido anteriormente.
No ano seguinte as organizações circulistas não receberam convite
para participarem dos festejos oficiais realizados pela Delegacia Regional do
Trabalho. Ressentida com o fato, a Federação dos Círculos Operários
promoveu uma grande concentração no teatro José de Alencar, onde, além dos
discursos houve a apresentação de números artísticos e o espírito circulista foi
enaltecido com o cântico do hino dos trabalhadores brasileiros e o hino
nacional. Em resposta à Delegacia Regional do Trabalho pelo fato de não
haver sido convidada a participar da solenidade oficial a Federação afirma que:
315
A Fortaleza, ano IV, nº 187, 24/07/1954.
316
Idem.
177
Embora as autoridades trabalhistas finjam desconhecer a
existência dos Círculos Operários do Ceará, que congrega
quarenta e cinco mil trabalhadores, os circulistas cearenses
levarão a efeito a sua grande festa de exaltação à dignidade
do trabalho.
317
Ainda que os Círculos Operários fossem entidades colaboradoras dos
órgãos governamentais e dos patrões, foram excluídos das manifestações
oficiais em 1953. A situação não é facilmente compreensível tendo em vista
que, nestas ocasiões e em outras similares, essas entidades referendaram as
políticas patronais e governamentais, refreando o acirramento da luta de
classes. Então por que isso aconteceu? A partir do depoimento verificamos que
os órgãos oficiais incumbidos da responsabilidade de organizar os festejos
alusivos ao Primeiro de Maio desdenharam a participação circulista nos
eventos.
É possível que, em razão dos Círculos Operários ocuparem a posição
de mantenedores da ordem social, atuando como amortecedores dos conflitos,
apaziguando as relações entre as classes, não despertou qualquer
preocupação do governo, tampouco dos empresários no que diz respeito à
necessidade de cooptá-los.
Os Círculos Operários buscavam se afirmar como organizações civis
que atuavam em defesa dos direitos dos trabalhadores. No entanto, a forte
ligação com a hierarquia eclesiástica, se por um lado fortalecia o movimento
com o apoio recebido pela Igreja Católica, por outro lhe dava o caráter de
cunho apenas religioso, a serviço das paróquias. Essa situação desfavorecia
os Círculos Operários, fazendo-os perder crédito junto aos trabalhadores, na
perspectiva de instrumentos de defesa de seus interesses. Uma manifestação
do episcopado cearense sobre a obra dos Círculos Operários como
colaboradores das Paróquias, é um demonstrativo dessa situação em sua
Cruzada anticomunista:
Os círculos operários – preservando grande números de
famílias, expostas ao perigo de serem envolvidas nas
malhas comunistas - prestam ótimo e providencial serviço
às nossas paróquias. Sejam eles objeto de particular
atenção de nossos vigários, a fim de que os circulistas
317
A Fortaleza, ano III, nº 127, 01/05/1953.
178
conservem o espírito de acatamento à Igreja e de defesa
contra a funesta ideologia. Procure-se fundar o rculo onde
não exista e animá-lo onde já existe.
318
Como se verifica, para alguns membros do clero os Círculos são
recomendados pela importância do trabalho de “catequese” que fazem junto às
famílias. A atuação circulista junto às classes trabalhadoras não é citada no
documento do episcopado cearense. Observa-se ainda que as dioceses
estimulavam que a criação desses órgãos ou o seu fortalecimento estivessem
a cargo dos párocos e não dos trabalhadores. Essa situação coloca o
movimento circulista sob tutela da Igreja Católica na doutrinação dos
trabalhadores.
A ênfase na ação doutrinária dos Círculos Operários é ainda mais
expressa por ocasião do Tríduo Preparatório para o Dia do Trabalho
organizado pela Federação dos Círculos Operários no período de 28 a 30 de
abril de 1954. Durante o tríduo, foram realizadas três mesas redondas, e o
convidado especial foi o Dr. João Gonçalves de Sousa, oficial de Gabinete do
Ministro da Agricultura. No primeiro dia, foram postos em debate os problemas
do sindicalismo (sindicato único/pluralidade), salário mínimo, greves
(justificativas e limitações); no segundo dia, discutiu-se os fundamentos
doutrinários dos Círculos Operários (dignificação do trabalho, liberalismo e
totalitarismo nas relações entre capital e trabalho; no último encontro, o tema
escolhido foi o Operário Cristão e o problema político – a descoberta e a
formação de líderes.
319
Todos os debates foram realizados na sede do Círculo Operário de
Fortaleza. Para alcançar um maior número de assistentes, as palestras foram
transmitidas pela Ceará Rádio Clube. No Primeiro de Maio, organizou-se uma
grande concentração circulista na Praça da Sé, em frente ao Palácio
Arquiepiscopal. Missa e discursos foram o conteúdo do evento, que se
configurou como um ato cívico-religioso. A presença de autoridades civis e
religiosas agradava bastante as lideranças circulistas. A presença de uma
autoridade vinculada ao governo federal conferia um certo status ao evento e
simbolizava o prestígio das organizações nas esferas do poder. A Fortaleza
318
A Fortaleza, ano III, nº 132, 07/06/1953. Nota do Episcopado Cearense.
319
A Fortaleza, ano IV, nº 174, 25/04/1954.
179
destaca as mensagens do Prefeito Paulo Cabral, do governador Raul Barbosa
e de D. Antônio de Almeida Lustosa, endereçadas aos trabalhadores
cearenses, na qual ressaltam a dignidade do trabalho e a necessidade do
trabalhador se afastar das falsas doutrinas e defender as tradições cristãs e as
instituições democráticas”
320
O Primeiro de Maio circulista foi paulatinamente assumindo a feição de
um ato religioso, consagrado à dignificação do trabalho. Porém, quando o Papa
Pio XII institui a data como Festa Litúrgica de São José( Padroeiro Universal da
classe obreira)
321
, os circulistas aderem com mais vigor a sua organização,
uma vez que a maior autoridade episcopal a havia instituído. Na verdade, antes
mesmo que o Dia do Trabalho fosse reconhecido pela Igreja Católica como
momento de glorificação a São José, os trabalhadores cearenses realizavam
a festa, rendendo homenagens ao santo operário. Dessa forma, a
determinação papal veio apenas corroborar o que os circulistas cearenses
haviam proclamado: a transformação litúrgica do Primeiro de Maio em oposição
ao seu caráter revolucionário e de apelo à luta de classes.
O ato assumiu uma dimensão simbólica transcendente. Os circulistas
cearenses comemoravam-no como o dia do santo operário. Para trabalhadores
portugueses a data representava o “dia santo dos operários”.
322
O paralelo
confirma a assertiva de que apesar do caráter universal desse rito operário, em
diferentes regiões, o Primeiro de Maio não se revestiu do conteúdo
revolucionário o ensejado pelos militantes mais radicais do movimento, nem
tampouco estava imune às tradições culturais de inspiração religiosa conforme
defende o historiador Eric Hobsbawm.
Os circulistas buscavam despojar o Primeiro de Maio de seu sentido
materialista e pagão para transformá-lo num dia santificado. Justificando a
atitude do Papa Pio XII em sacralizar o Primeiro de Maio, D. Antônio de
Almeida Lustosa, arcebispo de Fortaleza, assim se reporta:
320
A Fortaleza, ano IV, nº 175, 01/05/1954.
321
A Fortaleza, ano VI, nº 273, 21/04/1956, divulga que atendendo as determinações do
Santo Padre no de maio as comemorações serão em homenagem a São José. O jornal
não cita a data em que o Papa Pio XII decretou o ato, mas os circulistas cearenses celebrarão
o Dia do Trabalho em honra de São José, o santo operário.
322
CATROGA, Fernando. O céu da memória: cemitério romântico e culto cívico dos
mortos em Portugal ( 1756 – 1911). Coimbra: Livraria Minerva, 1999, p.235.
180
E o carpinteiro que teve como aprendiz, Jesus adolescente
– o filho de Deus – avulta para cristianizar a oficina, o
trabalhador humilde, os instrumentos que industrializam a
matéria, as canseiras do artesão, a família que luta no
grangeio da subsistência, a felicidade da vida honesta e
simples do lar operário.
323
Na disputa política pelos símbolos da classe, a Igreja se curva à
universalização da data. Contudo, quer desvesti-la do sentido luto/luta. Apela
ainda para o conteúdo internacionalista ao apresentar São José como o
padroeiro universal dos operários.
Além de Patrono dos Círculos Operários, São José é agora glorificado,
e simboliza a nobilitação do trabalho. Convertendo a fadiga em felicidade, o
“santo operário” é exemplo e mediador na aproximação entre criatura e criador.
A grandiosidade da celebração deste Primeiro de Maio Festa de São José
Operário, expressou-se na Parada da Enxada organizada pelo Círculo Operário
de Itapipoca. Dela participaram centenas de trabalhadores e trabalhadoras.
Com enxada em punho, crianças, jovens, homens e mulheres
desfilaram pelas ruas do município, onde, durante o ritual ocorreu a benção das
enxadas. Abençoar as ferramentas de trabalho adquire uma dupla dimensão
simbólica: por um lado significava a exaltação ao trabalho, pois Tudo o que o
trabalhador realiza está impregnado da dignidade da pessoa humana ... e
modelados no exemplo do divino Operário, ganham as alturas de uma
grandeza sobrenatural e divina e por outro, a bendição simbolizava a redenção
da fadiga que elas representavam.
324
O desfile com enxadas fazia parte de um ritual já instituído pelo Círculo
Operário de Capistrano de Abreu. Embora não tenha conhecimento das
origens da Festa da Enxada que ocorria em Capistrano de Abreu (CE),
encontramos n’A Fortaleza, que o evento era de grande magnitude. À frente do
desfile, a Bandeira Nacional e a Bandeira Circulista simbolizavam a
mobilização dos trabalhadores na construção do “Brasil operário e cristão”,
objetivo que constava no Hino dos Trabalhadores Brasileiros, sempre entoado
em todos os eventos.
325
Não encontrei registros anteriores a 1956 da
realização da Parada da Enxada em Itapipoca, o que nos permite supor que a
323
A Fortaleza, ano VI, nº 274, 01/05/1956.
324
A Fortaleza, ano XI , Nº 491, 13/05/1962.
181
mesma tenha sido organizada inicialmente neste mesmo ano. Conduzir com
orgulho seus instrumentos de trabalho e requerer sobre eles as bênçãos da
Igreja traduzia o respeito aos valores que dignificavam o trabalho e a
reverência ao operário de Nazaré.
Em todo Ceará, os Círculos Operários comemoraram o Primeiro de
Maio reafirmando a devoção ao Padroeiro Universal dos Trabalhadores. A
Federação dos Círculos Operários organiza um tríduo preparatório, e desta
feita, com objetivo exclusivo de conferir um sentido nitidamente cristão ao Dia
do Trabalho.
Como o Primeiro de Maio fora estatuído pelos socialistas, comunistas e
anarquistas, a Igreja Católica ensejava alterar-lhe o sentido, considerando que
os princípios defendidos por essas correntes eram incompatíveis com a
doutrina católica. De acordo com o artigo publicado n’A Fortaleza:
(...) a Igreja, pela inteligência do atual Pontífice, acabou por
dignificar a Festa Universal do Trabalho, dando-lhe um
Patrono celestial: São José operário. Muitos círculos eram
da opinião que o Catolicismo deveria fixar uma data própria
para a aludida comemoração, de preferência o dezenove de
Março, consagrado ao esposo da Virgem Santíssima, cuja
humilde condição de carpinteiro em Nazanenhum cristão
ignora, ou o quinze de maio, aniversário da divulgação das
notáveis Encíclicas Rerum Novarum” e “Quadragésimo
Anno”, a primeira considerada a “carta magna do Trabalho”
e a segunda seu complemento.
326
Veja-se que já vinha sendo gestada, dentro das organizações que
recebiam orientação católica, uma proposta para uma alteração sensível dos
rituais em comemoração ao Primeiro de Maio. A idéia de uma data própria não
logrou êxito pois, cientes de que as classes trabalhadoras universalizaram a
data, e que em alguns países o Primeiro de Maio foi integrado ...como peça
central na vida da classe operária e da identidade dos trabalhadores...”
327
era
mais profícuo tentar mudar-lhe o caráter, mas mantendo o reconhecimento da
instituição da data. Para justificar tal atitude o artigo exalta o espírito
magnânimo do Papa ponderando que:
325
A Fortaleza, ano I, nº 13, 24/12/1950.
326
A Fortaleza, ano VII, nº 356, 01/05/1958.
327
HOBSBAWM, Eric. Pessoas Extraordinárias. Resistência, rebelião e jazz. Trad. Irene
Hirsch Lólio Lourenço de Oliveira. São Paulo: Paz e Terra, 1998.
182
O Papa Pio XII não quis, entretanto, criar cisões na grande
família trabalhista de todo o mundo, (...) em sua sabedoria
inspirada do Alto, o atual soberano pontífice julgou mais
acertado dignificar o Primeiro de Maio instituindo a Festa de
São José Operário.
328
O que ocorre no Ceará é, pois, algo que além de controverso - como
em outros locais - guarda uma certa singularidade. Como dito anteriormente,
nesse Estado, uma parcela significativa dos trabalhadores, pelo menos aqueles
associados às organizações circulistas, conferiram um caráter religioso aos
rituais referentes ao Primeiro de Maio. Em 1958, a Federação dos Círculos
Operários ao divulgar a programação do Dia do Trabalho tenciona:
(...) dar um sentido coletivista e cristão às homenagens que
na data de hoje são dedicadas aos obreiros do mundo, num
trabalho de alto alcance social que é justamente impedir que
tais comemorações se revistam de cunho meramente
político, de propaganda subversiva às ideologias que
procuram levar a confusão no seio da massa
trabalhadora.
329
Como ocorrera nos anos anteriores, a missa em ação de graças
constava na abertura dos festejos. A passeata rumo à Praça Cristo Redentor
constituía uma outra parte significativa do evento. Mas, o ponto alto das
comemorações do Primeiro de Maio circulista em Fortaleza, no ano de 1958,
foi a aposição de uma placa de mármore na Coluna do Cristo Redentor com os
nomes dos três mestres operários, que dirigiram os trabalhos de construção do
monumento, no ano de 1922. A idéia de homenagear Antônio Machado,
Domingos dos Reis e Severino Moura (Chuva Branca), partiu do padre
Guilherme Waessen na ocasião em que se comemorava o 4aniversário do
Círculo Operário de Fortaleza, em fevereiro de 1958. Ficou acertado que, pelo
seu significado para os trabalhadores, a data para a realização da homenagem
seria o dia Primeiro de Maio.
A placa com os nomes dos operários circulistas tinha um forte apelo
simbólico. Não era apenas uma homenagem aos três operários, mas uma
328
A Fortaleza, ano VII, nº 356, 01/05/1958.
328
A Fortaleza, ano VII, nº 356, 01/05/1958.
329
A Fortaleza, ano VII, nº 356, 01/05/1958.
183
afirmação e exaltação das habilidades dos trabalhadores que, embora não
houvessem freqüentado escolas ou universidades, não estavam aquém dos
técnicos ou dos engenheiros. A compreensão da necessidade e da vontade de
demonstrar para os trabalhadores e de maneira geral, para a opinião pública,
que os operários eram dignos de respeito e admiração, está expressa em um
artigo, escrito logo após a aprovação da proposta:
A Coluna do Cristo Redentor, (...) foi construída há três
décadas, por mãos de modestos operários, sem
engenheiros ou arquitetos, mas tão somente por operários
então filiados ao C.O de Fortaleza, orientados por três
mestres de obra, no caso dos trabalhadores, Domingos dos
Reis, Antônio Machado e Chuva Branca. Depois de
inaugurada surgiram rumores que a coluna iria ruir, em
virtude de não ter sido feita de acordo com os preceitos da
Engenharia. A verdade é que a obra continua erecta e
altaneira a desafiar o tempo e os rumores de quem não
acredita na capacidade profissional dos trabalhadores do
Ceará.
330
Durante todo o mês de maio o jornal A Fortaleza divulga relatórios e
boletins sobre as comemorações do Primeiro de Maio nos diversos Círculos
Operários do interior do Estado. O semanário circulista noticiou
circunstanciadamente as festividades organizadas pelo Círculo Operário de
Santana do Acaraú (CE) para este dia. Nesse município, os circulistas
iniciaram as preparações na última semana de abril, realizando cinco reuniões,
que objetivavam ampliar a participação dos trabalhadores, entusiasmando os
participantes e contagiando todos para a grande festa.
As reuniões começavam com a chegada dos tambores anunciando a
presença da bandeira circulista. O assistente eclesiástico recitava junto com o
povo o terço e a oração de São José, composta por Pio XII. Parte importante
da reunião eram os ensaios de cânticos para a santa missa do dia da festa e
de vivas para o desfile e a concentração. O resultado dessas reuniões foi tão
significativo que a “...cada dia era maior a freqüência e crescente o entusiasmo
popular”.
331
No dia 30 de abril, na abertura do novenário mariano, os
circulistas conduziram a imagem da Virgem de Fátima para o Alto da
330
A Fortaleza, ano VII, nº 349, 22/02/1958.
331
A Fortaleza, ano VII, nº 360, 31/05/1958.
184
Liberdade, entoando cânticos, presenciando-se neste momento, “fervorosa
concentração cívico-religiosa”.
Para os circulistas de Santana do Acaraú, o Primeiro de Maio de 1958
seria uma data inesquecível, dada a grandeza da programação para este dia.
nas primeiras horas do dia, a amplificadora paroquial fez uma alvorada
despertando as pessoas e convidando-as a se prepararem para as atividades
festivas e religiosas. A liturgia foi planejada para incluir a participação dos
trabalhadores, que “...nas várias partes da missa cantaram hinos apropriados”
332
Dedicada especialmente aos trabalhadores, a celebração foi encerrada com
a leitura do ato de consagração ao Sagrado Coração de Jesus, à Nossa
Senhora Medianeira e a São José, protetores dos circulistas. A oração de São
José foi recitada por todos, pois era um ato especial de homenagem ao santo
operário.
Após a celebração, os circulistas se prepararam para o distinto
momento programado pela organização. Não somente os circulistas, mas
também as demais pessoas que se deslocaram para ver o evento, esperavam
ansiosas pelo empolgante desfile simbólico pelas principais ruas da cidade”.
A narrativa do desfile, feita pelo jornal é demasiado extensa, porém de grande
valor para a compreensão da dimensão simbólica do evento.
Para adornar o percurso e recepcionar os circulistas que portavam os
distintivos, emblemas, cartazes e bandeiras, foram organizadas duas filas
formadas por crianças, moças, rapazes, senhoras e senhores, componentes
da família operária”. Todos traziam bandeiras brancas, onde estavam inscritos
dizeres sugestivos”. Prontos para o desfile que tinha à frente um cartaz
homenageando São José patrono dos trabalhadores, os circulistas
adentraram com:
(...)Tambores anunciando a passagem da bandeira
nacional, em seguida um cartaz informava: O rculo
Operário luta pela educação do operário e de sua família.
teu nome para Circulista”. A bandeira do Círculo
caminhava representando a marcha vitoriosa do circulismo.
A frase magistral de Pio XII era conduzida em cartaz: A
Igreja sem a classe operária não é a Igreja de Jesus Cristo”.
332
A Fortaleza, ano VII, nº 360, 31/05/1958
185
Tambores precediam a bandeira da Santa Sé, mbolo das
gloriosas lutas do papado em favor da redenção operária.
333
A condução das bandeiras nacional, circulista e da Santa Sé, à frente
do desfile, exteriorizava simbolicamente os valores que os circulistas
abraçavam: servir a pátria, lutando pela manutenção da ordem social, mas,
reivindicando um lugar para os trabalhadores e operários, como construtores
de sua grandeza; defender e divulgar os objetivos do Círculo Operário, uma
vez que a organização era um meio de garantir direitos sociais, proporcionando
educação para o circulista e sua família; agir em conformidade com os
princípios da Igreja, concebendo-a como a instituição protetora dos operários e,
portanto, merecedora das homenagens que lhes prestavam num dia tão
significativo para os trabalhadores. A apologia ao trabalho e a demonstração da
altivez dos trabalhadores e operários foi apresentada por um outro grupo de
circulistas que:
(...) conduziam instrumentos de trabalho fazendo guarda de
honra ao retrato de São José, alvo das significativas
homenagens daquele dia. O desfile terminava com a
representação da nobreza do trabalho cristão. Operários
conduziam uma grande cruz de madeira trazendo ao centro
os dizeres: operário cristão: honesto! forte! Jesus
Cristo foi operário também!”.
334
Assim é que os circulistas do interior cearense festejaram o Primeiro de
Maio de 1958. Esse foi um ano de estiagem, impondo sofrimento aos
trabalhadores do campo e da cidade. Os agricultores pouco fizeram uso das
ferramentas de trabalho no cultivo da terra. Quando muito, as utilizaram nas
frentes de serviço emergenciais oferecidas pelo governo para minimizar a
fome. A seca afetava a todos os trabalhadores, seja pela impossibilidade de
realizar o plantio, seja pela aumento substancial dos preços. Recorrer a São
José, operário, render-lhe homenagens, suplicar o “milagre da chuva”, não era
pura e simplesmente uma manifestação específica da data consagrada ao
trabalhador, mas uma constante atitude, repetida com vigor a cada ano, e que
no Primeiro de Maio, revestiu-se de um sentido mais amplo.
333
A Fortaleza, ano VII, nº 360, 31/05/1958.
334
Idem.
186
Não apelavam somente para o santo protetor da família, para o esposo
da Virgem, mas, para o trabalhador, o operário santo e homem. Rogavam não
pela remissão dos pecados, mas para se libertarem dos infortúnios gerados
pela falta de trabalho e de pão. Exortados pelo sacrifício de Jesus crucificado,
ostentavam os instrumentos de trabalho, confiantes que o santo operário lhes
daria fortaleza para resistir as vicissitudes da vida e mantê-los inabaláveis em
sua fé, honrados pelo trabalho, respeitados pelos preceitos que defendiam.
Apesar d’A Fortaleza divulgar apenas os eventos organizados pelos
Círculos Operários nas comemorações do Primeiro de Maio, é importante
ressaltar, que muitos circulistas também estavam vinculados a entidades
sindicais, e isso leva a considerar a possibilidade de que esses trabalhadores
participassem paralelamente tanto das atividades cívico-religiosas promovidas
pelos Círculos, quanto da programação de cunho classista realizada pelos
sindicatos.
Manter-se a distância da programação comunista para o Primeiro de
Maio era a ordem estabelecida pela hierarquia circulista. Apesar da expressa
proibição, alguns membros do movimento cogitaram a possibilidade de
participar dos eventos promovidos pelos comunistas em 1960. O convite foi
levado à Federação dos Círculos Operários pelo circulista Raimundo Medeiros
Sobrinho, sócio do Círculo Operário de Montese (Fortaleza). Os organizadores
da concentração de operários e estudantes comunistas a ser realizada na
Praça Clóvis Beviláqua, convidavam a Federação a enviar um representante do
movimento circulista para discursar na solenidade. Raimundo Medeiros chegou
mesmo a sugerir o nome de Manuel Cavalcante, interventor do Círculo
Operário de Arraial Moura Brasil, para representar os trabalhadores circulistas
no evento. A decisão foi adiada para a reunião seguinte. Na semana
imediatamente anterior ao Primeiro de Maio, a Federação divulgou a
programação circulista para a data, e nesta não constava qualquer participação
circulista em atos públicos promovidos pelos conhecidos “agitadores do povo”.
A aproximação entre trabalhadores circulistas e comunistas era
considerada impensável. Os caminhos apontados pelos comunistas às classes
trabalhadoras com vistas à sua emancipação em muito diferiam do projeto
apresentado pelos Círculos Operários. Deste modo o foi possível coadunar,
187
mesmo em momentos singulares como no Primeiro de Maio, os ritos circulistas
aos de qualquer outra corrente de matriz socialista ou comunista.
É notório que o dia do trabalho enquanto rito das classes obreiras foi
disputado por grupos de diferentes correntes ideológicas, sendo que, cada uma
destas tentava imprimir-lhe a feição que melhor expressasse seu projeto
político. O rito operário, cujas origens se encontram numa sociedade industrial,
era portador de um conteúdo ideológico vinculado às lutas do operariado fabril
nos grandes centros urbanos. Esse rito, ao ser incorporado pelos trabalhadores
circulistas cearenses, especialmente os agricultores, com pouca ou nenhuma
experiência em organizações classistas, porém habituados as cerimônias de
cunho religioso e cívico, encontrou um forte obstáculo à orientação
revolucionária.
Esse fato pode ser explicado tanto em virtude da cultura dos
trabalhadores do campo encontrar-se fortemente enraizada nas tradições dos
cultos e ritos católicos, quanto em face da orientação político teológica do
projeto circulista para esses trabalhadores. Destarte, enquanto as correntes de
esquerda no movimento operário criticavam acidamente a posição conciliatória
dos circulistas e refutavam os seus festejos relacionados ao dia do trabalho,
por assemelharem-se às liturgias religiosas, a hierarquia do movimento
fortalecia o seu conteúdo religioso e buscava nos elementos da tradição
católica, afirmá-lo como manifestação de fé.
188
Quarta Parte – A Imprensa circulista como centro irradiador.
O nome é o homônimo da Capital e também uma das
grandes virtudes. Assim, Fortaleza material e moral!
Conjugadas simbolicamente na epígrafe de um
periódico a serviço da classe operária.
335
Nesta parte, analiso o jornal A Fortaleza, órgão da Federação dos
Círculos Operários do Ceará, que, dentre as fontes empíricas que compõe o
corpus documental desta pesquisa, assumiu importância fundamental no
acompanhamento dos percursos diversos trilhados pelos circulistas cearenses
e mesmo dos grandes marcos que assinalaram a trajetória do circulismo em
âmbito nacional. Neste estudo focalizo A Fortaleza como fonte e objeto do
conhecimento na medida em que investigo caminhos percorridos pelos
Círculos Operários no Ceará, divulgado no semanário e, sua ação político-
pedagógico enquanto veiculador de uma projeto doutrinário destinado a
formação dos trabalhadores, segundo os princípios e a doutrina social da Igreja
Católica.
Quando localizei e iniciei a investigação histórica d’A Fortaleza, dentre
as indagações feitas, uma apresentava a necessidade imperiosa de situar o
semanário circulista. Imprensa operária? Imprensa burguesa? Imprensa
católica? Pode parecer implausível que tenha se estabelecido uma dúvida
dessa natureza, uma vez que o jornal se apresentava como um órgão “à
serviço da classe operária”.
Ocorre que, refletindo sobre características específicas da imprensa
dos trabalhadores, tomando como referência alguns paradigmas formulados
por Sílvia Araújo
336
, tratando da imprensa sindical, deparei-me com a exigência
de uma apreciação mais profunda que atentasse para aspectos pouco
aparentes dos projetos que expressam. Embora A Fortaleza se apresentasse
como imprensa operária, fez-se propagadora de maneira bastante intensiva da
doutrina católica, no tocante às suas diretrizes para instituir a paz social no
mundo do trabalho, fato que poderia associá-la à imprensa católica, e como
335
A Fortaleza, ano I, nº 01, 02/09/1950.
336
ARAÚJO, Sílvia M. P. de. Quando ler jornais é mais que informação – exercício de
pesquisa: a constituição do objeto nas páginas sindicais. Curitiba:PET/Curso de
Ciências Sociais/UFPR, 1997.
189
veiculadora dos projetos governamentais, com ênfase no combate ao
comunismo e na defesa da ordem e disciplina social. Esses matizes
estabeleceram um diferencial entre A Fortaleza e outros periódicos da
chamada imprensa operária, e instigou-me a adotar uma posição de dúvida
metódica quanto a sua caracterização.
Ainda no que concerne a consideração sobre o tipo de imprensa que
pode ser caracterizada como operária, César Oliveira apresenta a assertiva
que, desta modalidade inclui-se a imprensa produzida no âmbito diverso e
multifacetado da globalidade do movimento operário”
337
. Seguindo, o autor
adverte que se consideramos que o movimento operário é um campo de
múltiplas experiências, o pesquisador deve agir de modo criterioso, o que
possibilita compreendê-lo
Para além da expressão política e sindical, tais como as que
concernem ao movimento associativo das classes
trabalhadoras não-sindical e não-político e que envolve
sociedades de socorros mútuos, sociedades recreativas, de
instrução, filarmônicas, cooperativas de produção e
consumo.
338
O conceito e as observações de César Oliveira foram demasiado
importantes para a compreensão dos liames entre A Fortaleza e demais
produções da imprensa dos trabalhadores, quando partimos do pressuposto de
que no universo do associativismo operário podemos encontrar diferentes
projetos que vão “além da expressão política e sindical”.
Guardando diferenças sensíveis em relação a outros tipos de
agremiação e disputando com estas a arregimentação dos trabalhadores, os
Círculos Operários e a imprensa circulista apresentavam uma agenda
específica para o mundo do trabalho. Jessie Jane tratando dessa diferenciação
afirma que:
O programa de trabalho dos Círculos Operários expressava uma
aguda leitura da realidade operária e pretendia constituir-se como um centro de
produção intelectual, moral, social e material, por meio da construção de
337
OLIVEIRA, César. Antologia. Imprensa operária portuguesa ( 1837-1936). Lisboa: UGT/
Perspectiva e Realidade, 1984, p.5
338
Idem.
190
escolas, realização de conferências, montagem de uma rede informativa
(falada e escrita).
A constituição de um forte aparato midiático que fosse capaz de
chegar aos mais longínquos recantos e apresentar-se as mais diversas
categorias de trabalhadores estava vinculado às estratégias elaboradas pelo
movimento em face da plataforma que anunciava e pela qual concebia ser
possível a vitória sobre outros atores que disputavam o movimento operário. A
educação instrutiva e doutrinária vista como instrumento de redenção material
e moral da classe operária significava em seu aspecto doutrinário, a vitória
sobre os comunistas. Reportando-se ao jornal O Trabalho, órgão da Federação
dos Círculos Operários do Rio Grande do Sul, padre Brentano afirma ser este
um órgão genuinamente operário, de orientação construtiva, promove a
aproximação entre empregadores e empregados, defende a ordem e exalta a
sociologia cristã”.
339
Sobre a importância no investimento em educação e a
imprensa como instrumento a seu serviço, prossegue explicando que:
Sendo a educação operária uma das finalidades dos
círculos operários, a imprensa não poderia ficar à margem
das minhas cogitações como meio de formação e orientação
(...) tendo em vista formar a consciência, não circulista,
mas também de todos aqueles que é possível atingir, direta
ou indiretamente, estendendo-se ao público em geral.
340
A educação figurava na agenda das organizações operárias,
independente da natureza de sua filiação doutrinária. No estudo de Adelaide
Gonçalves sobre a imprensa dos trabalhadores cearenses, a autora analisa
projetos educacionais elaborados por diferentes grupos que atuavam junto ao
operariado tendo em vista que A demanda por educação, instrução e uma
incontida sede de saber, no meio operário, constituem também expressões de
sua pertença ao mundo, de manifestações de sua consciência de classe
341
.
Adelaide Gonçalves enfoca a Educação libertária proposta pelos anarquistas e
a educação como instrumento de controle social, empreendida pelo Estado e a
339
Apud SOUSA, Jessie Jane Vieira de. Círculos Operários: a Igreja Católica e o mundo do
trabalho no Brasil. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2002.
340
Idem, p.201.
341
GONÇALVES, Adelaide. A Imprensa dos Trabalhadores no Ceará, de 1862 aos anos de
1920. Florianópolis, 2001, Tese de Doutorado em História. Universidade Federal de Santa
Catarina.
191
Igreja Católica. O estudo sobre o segundo projeto é que interessa
especificamente a questão aqui aludida.
Preocupada em veicular um programa educacional dentro dos
parâmetros estabelecidos pela sociologia cristã, a Igreja Católica ataca resoluta
a imprensa socialista acusando-a de “imprensa sem religião”, “imprensa ímpia”,
“disseminadora de idéias perniciosas”, ao tempo em que exige a constituição
de uma imprensa que instruísse dentro dos princípios católicos, fato que
evidencia quanto É clara a compreensão da hierarquia eclesial quanto à
formação da opinião pública e a necessidade de uma imprensa de matriz
doutrinária católica”
342
. Para elucidar ainda mais a visão da Igreja sobre a
importância de uma imprensa católica, cartas pastorais aduzem o jornal como
potente instrumento que:
(...) tem por missão manifestar os abusos dos depositários
dos destinos das nações; é o jornal que ilumina, esclarece e
dirige a opinião pública, enveredando-a para o bem e
arredando-a do mal; (...) é o jornal finalmente que, tornando-
se hoje em dia um elemento da vida para a sociedade, é o
grande fator do movimento e desenvolvimento do
pensamento humano, com muito mais eficácia do que o
livro, porque familiarizou-se com toda a classe de pessoas,
desde o sagaz político ao grosseiro operário e desde a
pudica donzela até a gárrula ancila.
343
Ao tratar da preocupação do movimento circulista com a “boa
imprensa”, é indispensável que relacionemos esta questão à posição assumida
pela Igreja Católica neste campo, uma vez que os Círculos Operários recebiam
orientação direta da Igreja Católica nas questões doutrinárias.
Para as questões inicialmente levantadas acerca do jornal circulista A
Fortaleza, adotei como referência teórico-metodológica, paradigmas
explicativos formulados por pesquisadores que realizaram trabalhos tomando a
imprensa como objeto do conhecimento. Procurei amoldá-los aos objetivos
traçados nesta proposta de estudo para o esquadrinhamento do jornal nos
seguintes aspectos:
qual seu posicionamento frente àqueles em nome de quem se reportava;
342
Idem.
192
como atuava junto às elites e que discurso elaborava para credenciar-se como
jornal “à serviço da classe operária”;
como se relacionava com o circulismo em nível nacional, com outras
organizações da Ação Católica que atuavam no movimento operário e com
organizações sindicais;
que ações desenvolvia frente a seu público e qual mensagem veiculava;
como enfrentava, na disputa pela orientação dos trabalhadores, o
comunismo, considerado o mais pernicioso inimigo;
que estratégias construía para viabilizar a arregimentação dos círculos
operários, promover sua expansão e continuidade no tempo.
Alguns desses aspectos foram abordados nas partes anteriores desse
estudo. Nesta última, procuro trazer um entendimento acerca de duas questões
de ordem doutrinária que eram pilares importantes do circulismo: o
congraçamento das classes sociais e o combate ao comunismo. Assim,
apresento a posição da imprensa circulista cearense, em especial no papel que
ela desempenhou na articulação de uma política de colaboração entre as
classes, tentando dizimar o discurso classista de outras entidades associativas,
conclamando os trabalhadores a negarem a luta de classes e optarem pela
proposta cristã de harmonia social; o projeto e o discurso anticomunista,
operacionalizado junto aos trabalhadores e outros segmentos sociais e
veiculado pela imprensa dos Círculos Operários.
Devo salientar que, por tratar-se de uma imprensa que guarda
similaridade em relação a imprensa burguesa, a imprensa católica e a outros
órgãos da imprensa operária, apresenta uma certa complexidade no processo
de análise. Falo de uma fonte que até a presente pesquisa ainda não foi
“visitada” por pesquisadores, e por último, um jornal que se apoiava no projeto
social cristão, segundo a qual a ordem e a justiça social seriam instauradas
sem a necessidade de se estabelecer conflitos entre capital e trabalho.
O circulismo cearense publicara anteriormente, um jornal denominado
A Folha Circulista. O ano de seu lançamento, a periodicidade de suas edições,
a época em que foram suspensas suas atividades ou qualquer outra
343
LUSTOSA, Oscar de Figueiredo (org.). Os Bispos do Brasil e a imprensa. São Paulo:
Loyola/CEPEHIB, 1983, p. 43.
193
informação desta natureza, são dados não localizados nos arquivos
pesquisados. A referência a esse jornal dos Círculos Operários do Ceará,
encontra-se em Jessie Jane. Apresentando uma breve relação de órgãos da
imprensa circulista, a autora diz que Os jornais ou boletins não tinham
necessariamente regularidade. Muitas vezes a publicação era suspensa e, ao
ser retomada, surgia com outro nome”.
344
Em nenhum número pesquisado d’A
Fortaleza encontrei qualquer referência a Folha Circulista, no entanto isso não
significa que não possa ter ocorrido a este órgão o que sucedeu com outros
jornais.
345
A imprensa escrita não foi o único instrumento do circulismo cearense.
A Federação dos Círculos Operários mantinha um programa denominado Hora
Circulista na Ceará Rádio Clube, emissora localizada em Fortaleza. O
programa ia ao ar aos domingos, às dezoito horas. Numa sessão informativa
do jornal A Fortaleza, a Federação divulgava sucintamente a Hora Circulista
como um programa que fala diretamente ao operário”. Dos assuntos tratados
no programa pouco se tem conhecimento.
Raras foram às vezes em que A Fortaleza divulgou antecipadamente
ou posteriormente algum desses temas, salvo quando uma autoridade civil ou
eclesiástica ou mesmo uma pessoa distinta era convidada a participar do
programa. Apenas a título de exemplo, cito que, em 1954, durante o Tríduo
preparatório para o dia do trabalho, a FCOC convidou o dr. João Gonçalves de
Sousa, oficial de Gabinete do Ministro da Agricultura, para participar da mesa
redonda, na qual foram discutidos assuntos relacionados a organização dos
trabalhadores, a relação capital/trabalho e outros de interesse dos circulistas.
Os debates aconteceram na sede do Círculo Operário de Fortaleza e foram
344
SOUSA, Jessie Jane Vieira de. Círculos Operários: a Igreja Católica e o mundo do
trabalho no Brasil. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2002. p. 270.
345
Ao iniciar a pesquisa ocupei-me em perscrutar nos diversos materiais empíricos e trabalhos
acadêmicos consultados, sobre a existência de órgãos da imprensa circulista cearense. N’A
Fortaleza, ano IV, 173, 11/04/1954, encontrei uma notícia parabenizando o jornal A
Verdade de Baturité, município cearense. O redator d’A Fortaleza felicitava A Verdade pelo 38º
aniversário. Informava ainda que seu proprietário era o comendador Ananias Arruda,
presidente do Círculo Operário de Baturité. Esse jornal havia sido fundado em 08 de abril de
1917. Sendo seu proprietário o presidente do círculo operário local, creio que este órgão tenha
se colocado a serviço do circulismo, pelo menos em âmbito municipal. Ainda sobre a imprensa
cearense Ver: STUDART, Barão de. Para a história do Jornalismo cearense 1821-1924.
Fortaleza: Typ. Moderna, 1924; NOBRE, Geraldo. História da Associação Cearense de
Imprensa, 1925 –1975. Fortaleza: Imprensa Universitária, 1976; _____Introdução à história
do jornalismo cearense. Fortaleza: Gráfica Editorial Cearense, 1974.
194
transmitidos pela Ceará Rádio Clube. Programas de rádio destinados a
divulgação das atividades e do programa circulista era uma estratégia
empregada por várias organizações circulistas. Encontro em Damião Farias
uma abordagem das atividades educativas desenvolvida pelos Círculos
Operários de São Paulo, nas quais as palestras”, os jornais” e o programa de
rádio, também denominado “Hora Circulista” eram meios de divulgação das
temáticas trabalhadas junto ao operariado.
A primeira edição d’A Fortaleza data de dois de setembro de 1950. O
seu nascimento ocorre no décimo ano de existência da Federação dos Círculos
Operários do Ceará. Era um jornal de circulação semanal, editado
primeiramente aos sábados e posteriormente aos domingos.
O grupo de redatores e o diretor geral eram pessoas que ocupavam
cargos de direção na Federação dos Círculos Operários, dentre eles o
jornalista Geraldo Nobre e Mauro Benevides da União da Mocidade Católica
(UMC). Punham-se a seu serviço circulistas devotados à causa do movimento.
Publicava-se ainda, artigos de autoridades eclesiásticas e governamentais.
Constantes também eram as matérias sobre o circulismo local redigidas pelos
circulistas, numa coluna especial “Escrevem os Trabalhadores”.
O jornal circulou com certa regularidade até os anos de 1980. Após
esse período as publicações rarearam e houve a redução do número de
páginas e uma mudança substancial em sua formatação.
Apesar da constante regularidade em suas publicações, não raras
foram as interrupções e não curtos os períodos inativos, chegando a três ou
quatro meses. A primeira paralisação de suas atividades aconteceu por causa
de um incêndio nas oficinas onde era impresso o jornal. As outras que se
sucederam foram em razão da falta de recursos.
Para essa parte, especificamente, fiz um recorte temático com
destaque para a seguinte: Coluna Circulista, onde encontrei a abordagem de
variados assuntos, respeitante a problemas específicos enfrentados no
cotidiano do trabalho circulista. A título de exemplo podemos citar: queixas em
torno do não pagamento das mensalidades, fato que criava dificuldades para
sustentação dos Círculos Operários, reclamação acerca do desinteresse dos
sócios e outras matérias de caráter doutrinário, com vistas à orientação e
instrução através das encíclicas papais, cartas pastorais e outros documentos
195
eclesiásticos, ou com o objetivo de combater outras doutrinas religiosas como o
protestantismo e espiritismo.
No Circulismo em marcha, foi possível acompanhar o trabalho
desenvolvido pelos Círculos da capital e do interior e mesmo do circulismo em
nível nacional. Esta coluna foi relevante em todo o processo desta pesquisa.
Em Escrevem os trabalhadores, pude observar como o jornal ao reservar um
espaço específico para a contribuição de outros circulistas, propiciava a
participação direta de outras pessoas que não faziam parte do corpo editorial
do jornal, fato que evidencia ser esta mais uma estratégia de sustentação da
folha.
Nos editoriais, a temática abordada estava quase sempre relacionada
à conjuntura local, à questões de ordem político-econômica ou à doutrina
católica. Na Doutrina Social da Igreja, tratava-se especificamente das
orientações dos antístites e dos Sumos Pontífices para o mundo do trabalho.
Havia ainda uma série de artigos de cunho doutrinário, dirigidos ao operariado
no sentido de disciplinar suas ações, modelar comportamentos e incutir os
valores morais católicos.
Decerto que não menos importantes são os picos, que abordavam
temas nacionais e internacionais relacionados à economia, política, questões
trabalhistas; A SEMANA EM REVISTA, com ênfase na divulgação das ações
administrativas no plano municipal, estadual e nacional e a Coluna Católica,
que buscava incutir valores morais do catolicismo partindo da interpretação dos
evangelhos.
Outras matérias como os anúncios, a página esportiva, o Informativo ‘A
Fortaleza’, eram seções destinada a informar os leitores sobre horário dos
transportes rodoviários e ferroviários; horários das missas nos domingos e dias
santificados nas Paróquias de Fortaleza; dia e hora das sessões dos Círculos
Operários de Fortaleza, plantão farmacêutico, telefones úteis e locais da feira
livre. A coluna cinematográfica, que além de divulgar os filmes em cartaz nos
cinemas de Fortaleza, censurava alguns pelas cenas violentas ou “indecentes”.
Essa coluna e a questão do cinema para os circulistas tem um significado
pedagógico relevante. Sua análise mais demorada está circunscrita na terceira
parte deste estudo.
196
Apresentando um formatação similar aos demais jornais e com um
conteúdo que tencionava dar conta das questões gerais de interesse público, A
Fortaleza se equiparava, nestes aspectos, a chamada grande imprensa. Essa
preocupação foi exteriorizada de maneira evidente em 1961, quando o grupo
responsável resolveu apresentá-lo em formato tablóide. A reação negativa dos
leitores publicada pelo jornal apareceu assim: os críticos dizem que A
Fortaleza vai se constituir uma exceção entre os órgãos da Imprensa desta
Capital”. Apesar das críticas, A Fortaleza saiu com este novo formato durante o
ano de 1961 e o primeiro semestre de 1962.
346
Num demonstrativo do desejo de transformar o jornal num grande
veículo da imprensa escrita do Estado, Raimundo Pires Oliveira, gerente d’A
Fortaleza, lamenta que o órgão circulista, devido os parcos recursos que
dispunha, não tenha conseguido acompanhar o progresso que se observa na
imprensa cearense..”. Explica que o jornal não é amplamente noticioso por ser
um semanário, porém ressalta que, quanto à sua essência “...em nenhum
momento fugimos ao dever que nos propusemos de defender: os postulados
cristãos esposados pelos círculos operários”
347
No intento de situar o leitor, informo que localizei A Fortaleza na sede
da Federação dos rculos de Trabalhadores Cristãos do Ceará antiga
Federação dos Círculos Operários do Ceará.
348
Pesquisei A Fortaleza desde o
seu lançamento, em setembro de 1950 até 1963, com exceção para o ano de
1957 que não se encontra nos arquivos da Federação. Faz-se necessário
ainda, explicitar que não ocupei-me em observar as mudanças operadas no
semanário ao longo do tempo. O que atentei em particular foi para a posição
adotada pelo jornal diante de determinadas conjunturas político-econômicas.
Partindo do entendimento que os Círculos Operários constituíam uma
das formas de intervenção da Igreja Católica no movimento operário, não se
pode conceber a imprensa circulista desvinculada da doutrina católica, pois a
orientação espiritual cargo exercido pelo assistente eclesiástico- abrangia
todos os setores do trabalho desenvolvido pelos Círculos, Federações e a
346
A edição d’A Fortaleza era em geral impressa em 08 páginas. No formato adotado em 1961,
a impressão comum constava de 16 páginas.
347
A Fortaleza, ano VIII, nº 392, 10/01/1959.
197
própria Confederação. Assim é que encontro n’A Fortaleza aspectos que o
aproximam da imprensa de orientação religiosa, tanto pela presença de uma
Coluna Católica que apresentava o calendário litúrgico anual, trazendo textos
bíblicos e, seguido adiante de uma reflexão cujo objetivo era a catequização,
quanto pela disseminação da doutrina social da Igreja para o restabelecimento
da paz social. Desse modo era constante a recorrência aos ensinamento das
encíclicas que tratavam da questão social, numa coluna denominada Doutrina
Social da Igreja.
A cooperação com o Estado e o patronato visualizava-se através de
artigos que versavam sobre questões de interesse da pátria, ordem e disciplina
como fator de equilíbrio social, a necessidade dos operários colaborarem com
os governos e com os patrões para o progresso da nação, o combate
sistemático ao comunismo visto como ameaça à pátria e a Igreja, significando
ainda a submissão do operariado a um regime de opressão e terror.
Em relação aos interesses, propostas e agenda da classe trabalhadora
A Fortaleza se auto-proclamava auxiliadora dos injustiçados, dos pobres e
desvalidos que não tendo a quem recorrer encontravam nos Círculos Operários
assistência material, moral e espiritual, e na imprensa circulista o “porta-voz”
que denunciava as mazelas que os vitimavam.
Embora apresentando-se modesto, o jornal se considerava um
suporte na propagação do trabalho circulista e órgão importante no
levantamento moral” dos trabalhadores. A data de seu aniversário coincidia
com a semana da pátria. As comemorações revestiam-se de um duplo
significado: reforçar a importância do combate ao comunismo como projeto que
punha em risco a liberdade da pátria e renovar o compromisso com a doutrina
católica, baluarte na luta contra a exploração desumana que sobre eles recaía.
Em seu oitavo aniversário o jornal expõe os objetivos do trabalho desenvolvido
pela imprensa circulista numa cruzada formativa e informativa:
Na verdade, nossas pretensões são aparentemente
modestas. Resumem-se em divulgar a atividade profícua
desenvolvida pelos círculos operários do Ceará, e,
complementarmente, na prestação de informações do
348
A Federação dos Círculos de Trabalhadores Cristãos do Ceará agrega ainda alguns círculos
operários em atividade, localizados principalmente nos bairros da capital cearense. Sua sede
atual situa-se à Avenida Imperador, nº 192.
198
interesse dos associados dessas agremiações. (...) A
Fortaleza é o órgão que leva a todos os circulistas a
mensagem auspiciadora de uma nova era, dando-lhes a
consciência de sua própria força moral; por isso, este se
constitui um jornal diferente, com uma missão
verdadeiramente nobre. O que expedimos em conceitos
nestas linhas aplicam-se também ao programa radiofônico
Hora Circulista”, que, por feliz coincidência, festeja,
igualmente seu aniversário. dez anos a F.C.O.C, graças
à cooperação das emissoras associadas de Fortaleza, leva
os seus conselhos e sua palavra de encorajamento aos
operários cearenses, através das ondas hertzianas. A
serviço de uma causa universal, estamos, no entanto,
voltados permanentemente para a nossa querida pátria O
Brasil, atentos a preservação da liberdade, cuja conquista
hoje comemoramos e cuja perda significará o desrespeito
ao direito das nações herança de Deus e a vitória da
tirania.
349
Depreende-se do exposto que sua atuação não contemplava apenas
questões locais, direcionando-se no plano universal, para a defesa de valores
caros à doutrina cristã e, que no momento encontravam-se ameaçados pelos
inimigos vermelhos”. Em âmbito nacional e regional promovia aqueles que
eram depositários de uma “nova ordem social”, os Círculos Operários, e
verberava contra os agentes responsáveis pela demolição desses valores, na
visão do jornal, representados pelos comunistas.
Em todos as edições do semanário, estavam expostas denúncias
diversas: corrupção política; aumento abusivo dos preços de gêneros
alimentícios básicos; improbidades administrativas; não respeito às leis
trabalhistas por parte dos patrões e dos governos; gestões que descuravam
das carências dos mais pobres; órgãos públicos ineficientes e que eram mais
sorvedouros do dinheiro público; defasagem salarial; desemprego; fome;
ausência de projetos governamentais que evitassem as nefastas
conseqüências das secas; ausência do Estado nos setores sociais deixando
milhares de trabalhadores que, sem acesso a educação , saúde, moradia e
emprego ficavam a mercê da própria sorte, salvo aqueles que encontravam
amparo junto aos Círculos ou outra entidade que pudesse oferecer algum tipo
de assistência.
349
A Fortaleza, ano VIII, nº 375, 06/09/1958.
199
Quase sem exceção, em todas as edições consultadas, havia algum
tipo de matéria que versava sobre os males do comunismo. Eram comuns os
artigos tratando da cruzada norte-americana para vencer a infiltração dos
“vermelhos” na América Latina ou obstaculizar sua expansão pelas diversas
regiões do planeta. Os Estados Unidos são reverenciados como a vanguarda
destemida na luta contra os inimigos da Igreja, do operariado, da pátria, da
humanidade enfim. Em outros, encontro a denúncia do terrorismo soviético
movido contra os clérigos da chamada Igreja do silêncio”. Observa-se ainda a
exposição da situação do trabalhador soviético caracterizado como um escravo
do Estado, no intento de fazer um alerta às classes trabalhadores sobre o
perigo que os rondava.
Os Círculos Operários constituíam uma modelo de associativismo que,
no campo social, buscavam harmonizar patrões e empregados, tentando
equilibrar interesse conflitantes, amparando-se nas encíclicas sociais
substrato doutrinário do circulismo – para fundamentar sua intervenção no
movimento operário. Não se trata portanto de uma organização classista, pois
que:
No movimento circulista cabiam todos aqueles que
realizavam atividades produtivas, patrões e empregados.
Porém, os patrões tinham apenas o status de sócios
beneméritos, reforçando o princípio da utilidade social da
propriedade presente na Quadragésimo anno.
350
Numa avaliação pouco ponderada, a posição adotada pelo semanário
poderia parecer como simples dubiedade. Contudo, guardando coerência com
os princípios basilares do movimento circulista, A Fortaleza, manteve sua linha
de trabalho em consonância com esses objetivos. Apresento, para dar maior
clareza acerca do trabalho deste órgão, uma nota intitulada BILHETE AO
LEITOR, em edição comemorativa aos dez anos de vida do semanário, onde
são reafirmadas as finalidades e as razões de sua existência:
350
SOUSA, Jessie Jane Vieira de. Círculos Operários: a Igreja Católica e o mundo do
trabalho no Brasil. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2002. p. 216.
200
Voltamos á circulação hoje numa edição comemorativa do
nosso décimo aniversario de fundação, ocorrido no dia 2
último.
Dez anos de lutas e dificuldades. Até incêndio nas oficinas
em que era impresso o jornal tivemos de arrostar.
Progredimos um pouco. Não o quanto desejávamos. Ainda
falta muita a palmilhar. Mas, os percalços do caminho que
nos resta percorrer não nos amedrontam. Arrastaremos as
dificuldades com ânimo forte. Não desejamos correr.
Mansamente, esperamos, conter os obstáculos.
Voltamos á liça animados, sobretudo, a promover o bem-
estar da classe operária. Desejamos fazer com que os
trabalhadores se instruam. Queremos incutir nos
assalariados a parcela de responsabilidade que tem no
progresso do Brasil. Pretendemos ser o porta-voz dos
trabalhadores nas lutas justas que empreenderem por
melhoria de condições. Não nos filiamos a partidos políticos.
Não marchamos com a esquerda ou com a direita, mas com
a doutrina católica. E por ela e com ela estamos de novo
no campo de batalha.
Precisamos, contudo, da ajuda de todos os trabalhadores.
Que ela não nos falte é o que esperamos.
351
Do exposto, o que se observa é a afirmação contudente da missão
assumida pelo jornal circulista na defesa dos trabalhadores, reafirmando a
condição de porta-voz destes, a preocupação em desvincular-se dos grupos
políticos – sejam de esquerda ou direita – e a filiação à doutrina católica, sendo
essa a grande motivação para continuarem a árdua tarefa do jornalismo
circulista, com sua singularidade no campo da comunicação social dirigida aos
trabalhadores.
1 – Missão do circulismo : unir e congraçar.
Apesar de proclamar que o jornal não marcha com a esquerda ou com
a direita, na leitura dos artigos, colunas e editoriais vê-se o conteúdo
conservador e a defesa dos interesses das elites. E mesmo quando afirmava
351
A Fortaleza, ano X, nº 463, 07/09/1960. A edição anterior havia sido impressa em 14 de
maio de 1960. Foram quase quatro meses sem circulação devido problemas financeiros
enfrentados pelo jornal. Nesta edição comemorativa um artigo discorre sobre a situação do
jornal e a disposição para mantê-lo em circulação, apontando como alternativa “(...) pôr as suas
páginas à disposição dos anunciantes, preocupando no entanto, em selecioná-los, pois o que
se anunciam nem sempre conduz à orientação cristã dos círculos operários.
201
que atuava como “porta-voz” dos trabalhadores, salvo raras exceções, adotava
uma posição de defesa, sem hostilizar qualquer ação patronal, mesmo que
essa violasse os direitos dos trabalhadores. Por vezes, o jornal tentava
dissimular essa posição, uma vez que, em determinadas situações era
praticamente impossível ficar no meio- termo, sendo flagrante a contradição
nos seus discursos. Essa postura era justificada pelo jornal, tomando como
fundamento o princípio circulista: promover a harmonização entre capital e
trabalho.
Os jornais circulistas sempre recorriam a esse princípio do movimento
quando tinham de explicar ao público o porquê da atitude conciliatória, mesmo
em face de grave ataque promovido pelos patrões à dignidade e aos direitos
dos trabalhadores. Em O Clamor, órgão da Confederação Nacional dos
Círculos Operários tem-se:
(...) O Circulismo no Brasil nunca entendeu de se prestar a
isso. Sempre manteve na sua bandeira a divisa do
entendimento mútuo entre patrões e operários, sempre
pugnou pelo congraçamento das classes. (...) o circulismo é
de luta, é reivindicatório, combate pela melhoria da classe
operária. Mas, pela sua doutrinação. Mas pela persuação;
mas pela arregimentação e formação social dos operários,
que devem vir a ser capazes de tomar nas suas próprias
mãos os destinos da classe.
352
Dentre tantos outros, trago um exemplo patente dessa situação,
quando por ocasião da construção de um açude no município cearense de
Pentecostes, no ano de 1951, cuja mão-de-obra era composta por
trabalhadores “flagelados das secas”, uma comitiva formada pelo jornalista
Carlos Lacerda, diretor da Tribuna da Imprensa, padre Arimatéia Diniz,
assistente eclesiástico da Federação dos Círculos Operários do Ceará, Pereira
Miranda, diretor do DNOCS no Ceará, além de fotógrafos e redatores d’A
Fortaleza visitou as obras e o local onde estavam acampados os trabalhadores
e suas famílias, conceituado pelo jornal como Campo de Concentração”. Uma
extensa matéria denunciando as condições de trabalho, o elevado preço das
352
Transcrito d’A Fortaleza, ano IV, nº161, 31/12/1953.
202
mercadorias, a precária moradia e falta de assistência aos trabalhadores em
Pentecostes, foi publicada após a visita:
(...) não roupas, trapos. Quanto à habitação, quem
quiser ter uma idéia do que sejam as barracas em que se
abrigam (?) aqueles milhares de infelizes, imagine grandes
chiqueiros de porcos (de porcos, sim senhor!). construídos
em séries, alinhados em grandes extensões de terra e
recobertos com folhas secas, ramos de árvores
ressequidos. (...) longe de nós o pensamento de fazer
críticas diretas a quem quer que seja, principalmente os
responsáveis diretos por Pentecostes. (...) O papel da
imprensa é apontar falhas, sugerir medidas, pedir
providências em benefício da coletividade.
353
Embora revelando em tom de denúncia as miseráveis condições a que
estavam submetidos os trabalhadores, o jornal exime-se de responsabilizar
quem quer que seja pela situação, e de imediato justifica sua posição
apoiando-se no conceito de qual deve ser o papel da imprensa.
Em outro momento, o jornal fica numa situação bastante delicada,
quando teve que denunciar a demissão sem justa causa de vários operários.
Primeiro, o jornal não publicou o número de demitidos, segundo, omitiu o nome
da empresa e para não causar maior indignação junto à opinião pública não
expõs claramente os motivos alegados pela empresa para a demissão. Após
apresentar o fato, em nota breve diz o seguinte:
Deixamos de declinar o nome da empresa e dos
responsáveis diretos pelo incidente porque nós batalhamos
pelo congraçamento entre patrões e operários e não para
acirrar ódios. A demissão, essa atitude, além de desumana,
ilegal, foi estapafúrdia.
354
Raras foram as ocasiões em que um ou outro articulista elaborava uma
crítica ao patronato em razão das condições em que se encontravam o
operariado. Quando tal fato ocorria, havia o cuidado em salvaguardar a classe
proprietária, ressalvando que, o alvo desta imprensa eram os “maus patrões”. A
queixa assumia um caráter de admoestação. Era preciso alertar os patrões
que, ao descurarem em oferecer melhores condições de trabalho e salários
353
A Fortaleza, ano I, nº 47, 18/08/51.
354
A Fortaleza, ano IV, nº 162, 10/01/1954.
203
mais justos” aos seus trabalhadores eles atentavam contra a doutrina da
Igreja e, ainda colaboravam com os comunistas pois criavam o ambiente
propício à desordem social. J. C. Lima, assistente social da Federação dos
Círculos Operários do Ceará, assim se reporta aos “maus patrões”:
Tais patrões são os maiores fomentadores de greves e
criadores de comunistas, os maiores inimigos da Igreja e
incineradores dos documentos pontifícios, verdadeiros
diques contra a ação desumanizadora, de paz cristã e
serviço social.
355
No período de realização das páscoas coletivas, o jornal divulgava os
dias, horários e a paróquia em que haveria a confraternização das diferentes
categorias
356
. Quanto aos operários fabris, em muitas fábricas a liturgia era
realizada no próprio local de trabalho. Sobre o assunto, um editorial que
enfatizava o exemplo dado pelos trabalhadores cearenses, encontrei:
As páscoas coletivas de trabalhadores das fábricas de
Fortaleza demonstra que, no Ceará, os homens de trabalho
estão sendo conduzidos por aquelas verdades e aqueles
princípios, contribuindo para um ambiente de harmonia
favorável à solução de todos os problemas humanos e
sociais.
357
Essa questão, embora abordada anteriormente quando tratei dos ritos
circulistas, é um forte demonstrativo da obstinação do movimento em levar a
efeito os seus princípios. Enfoco ainda, para melhor entendimento da proposta
de harmonização social levada à cabo pelos Círculos Operários e divulgada por
sua imprensa, que, em ocasiões especiais as edições comemorativas alusivas
ao dia de São José, Primeiro de maio, aniversário do jornal e Natal, ou ainda
em momentos extraordinários, a edição chegava a 10 ou 12 ginas. Nessas
355
A Fortaleza, ano I, nº 11, 18/11/1950.
356
Para exemplificar, n’A Fortaleza, nº 403, 19/03/1959, localiza-se a seguinte notícia :
Páscoas Coletivas para o mês de março do ano corrente: dia 19- Fábrica de Louças-
Fábrica de Tecidos São JoHomens da Piedade Círculo Operário de Fortaleza Donas
de Casa de Salete – Homens de Antônio Bezerra – Domésticas de São Gerardo. 22
Comerciários e Comerciarias – Domésticas de Santa Luzia – Homens dos Remédios – Homens
do Tauape Homens do Carlito Pamplona.” Informe dessa natureza eram veiculados
anualmente no período de realização das páscoas coletivas.
357
A Fortaleza, ano IX, nº 452, 05/03/1960.
204
ocasiões o grupo editorial ansiava não apenas pelo acréscimo no número de
páginas, mas também dos exemplares, de modo a abranger mais leitores.
Para tal empreitada recorriam às empresas requerendo a colaboração
dos capitalistas para a edição especial. Em um desses momentos, nas
comemorações referentes ao dia de São José patrono dos Círculos
Operários o circulista Eusébio Mota Alencar, na coluna Escrevem os
trabalhadores, comenta:
O nosso jornal “A Fortaleza” em alentada edição especial,
circula hoje também de modo engalanado com uma
homenagem sincera e espontânea aos homens de mão
calosa. Para essa edição, que por ser especial torna-se
muito mais cara tivemos que recorrer aos nossos bons
amigos da indústria e do comércio para que colaborassem
com os trabalhadores dando uma pouquinho do muito que
possuem em troca de anúncio para ajudar na tiragem dessa
edição e é a esses bons amigos de boa compreensão, que
nossa edição especial com os louvores ao nosso celeste
patrono juntamos também os nossos sinceros
agradecimentos aos que nos ajudaram; a esses homens de
boa vontade, muito obrigado.
358
Assim é que, os donos do capital, a expensas de uma política de
financiamento das atividades circulistas se transformavam em benfeitores do
movimento e dos operários. Essa era a visão veiculada pelo jornal. Entendo
pois que, congraçar operários e patrões não era apenas um princípio a ser
defendido, mas um modo de amparar o movimento nas áreas onde atuava,
custeando alguns programas circulistas. Daí também decorre a dificuldade de
fazer ou apoiar uma crítica mais contundente dirigida a qualquer fábrica ou
empresa. Na divulgação de uma reclamação feita por um operário da Fábrica
de Tecidos Progresso de Fortaleza, o trabalhador- cuja identidade não foi
revelada, declara que:
Os patrões querem é ter grandes lucros e não olha pras
melhoras da gente e quando a gente vai reclamar, não ouve
direito o que a gente quer. (...) e eu não quero senão que
trate os operários como gente, homens de corpo e alma.
Nós somos pobres, mas nós enriquecemos os patrões.
359
358
A Fortaleza, ano VIII, nº 403, 19/03/1959
359
A Fortaleza, ano VI, nº 287, 11/08/1956.
205
Ainda que a denúncia feita pelo operário fosse relevante para o
conhecimento das relações de trabalho no âmbito da fábrica, da forma
desumana como eram tratado os operários, e ainda da consciência que o
trabalhador tinha de serem eles os produtores da riqueza apropriada pelo
patrão sob a forma de lucro, o jornal se resguarda de fazer qualquer crítica,
limitando-se a comentários irrelevantes e que assumia uma feição
desqualificativa da denúncia, pois reportava-se a ausência de conhecimentos
gramaticais por parte do trabalhador.
360
Ao aludir a relação capital/trabalho
afirma que “Este operário tem razão. É preciso haver harmonia entre patrão e
operário, um depende do outro.
Em outra edição, reportando-se ao mesmo assunto, o jornal explica
mais uma vez sua posição, porém, desta vez colocando-se em defesa da
Fábrica com a seguinte declaração: Estamos zelando pelo bom nome desta
fábrica. Fora disto nada nos interessa, pois temos que lutar pela humanização
do trabalho e levantamento do trabalhador que é um filho de Deus”
361
Em 1962, as agitações políticas, notadamente a mobilização operária
e camponesa, era fator de crescente preocupação da elite brasileira. A ação da
Igreja Católica no apaziguamento dos conflitos sociais era um poderoso
instrumento do qual lançavam mão as elites econômicas e o governo. Sem
negligenciar do agravamento da questão social, principalmente nas grandes
cidades onde os conflitos eram mais acentuados, a colaboração entre o
patronato e a Igreja se tornou evidente através de várias ações.
O propósito de restabelecer a paz social, conciliando pates e
operários, arregimentou a Ação Católica para atuar também junto aos
empresários. Com esse intuito, apóia e presta assistência a Associação de
Dirigentes Cristãos de Empresa. Sobre essa organização encontrei notícias
apenas n’A Fortaleza, quando o padre Charbonneau assistente espiritual da
ADCE de São Paulo visitou Fortaleza para lançar a semente da organização
nesta capital. A convite dos comerciantes e industriais locais, padre
Chabornneau ministrou palestras sobre a Doutrina Social Cristã. Em entrevista
concedida para A Fortaleza, divulga os objetivos da ADCE, onde diz:
360
Explica o comentarista que , os erros gramaticais presentes no texto são de
responsabilidade do próprio trabalhador, pois o jornal publicou da maneira como havia sido
escrito.
206
Quero falar aos circulistas dessa associação de patrões,
para que os operários saibam que a consciência dos
patrões cristãos está despertando também para os seus
deveres para com os operários, e é a Igreja, através da
palavra dos Papas que vem lembrando aos patrões esses
deveres. (...) é uma associação que funciona em
colaboração com os próprios operários.
362
A instalação da Associação de Dirigentes Cristãos de Empresas do
Ceará, ocorreu em 22 de outubro de 1962 e significou o fortalecimento de
vínculos existentes entre a Ação Católica e a burguesia neste Estado. Além
disso, contribuiu, ao lado de uma outra organização dos trabalhadores
cearenses de ampla base – o Trabalhador Unido para o processo de
recrudescimento da ofensiva circulista contra os comunistas e sindicatos
classistas, considerados aliados dos “agitadores vermelhos”.
2 – O combate ao “inimigo vermelho
A luta contra o comunismo, anarquismo e socialismo no Brasil, foi
promovida por vários grupos e segmentos sociais. Aliados aos detentores do
poder econômico, ao Estado, ou a Igreja Católica, promoveram em seus
campos específicos de atuação, uma ação conjunta contra o inimigo comum”.
As origens desse combate tem raízes anteriores à Revolução Russa de 1917, e
com esta amplia-se e se torna mais evidente. A Revolução pôs os capitalistas
de todo o mundo em vigília e prontos a atacá-lo de todas as formas e por todos
os meios possíveis.
Sobre o anticomunismo, enquanto aspecto do conservadorismo das
elites brasileiras, Rodrigo Patto apresenta dentre outras questões, as suas
matrizes(Catolicismo, Liberalismo e Nacionalismo)
363
, onde é possível
visualizar os alicerces que lhe forneceram o substrato doutrinário. Destas
matrizes, atentei especialmente para o catolicismo, por ser a doutrina pela qual
361
A Fortaleza, ano VI, nº 289, 25/08/1956.
362
A Fortaleza, ano XI, nº 495, 19/08/1962.
363
MOTTA, Rodrigo Patto Sá. Em guarda contra o Perigo Vermelho”: o anticomunismo
no Brasil (1917-1964) , São Paulo:Perspectiva, FAPESP , 2002.
207
estavam informados os Círculos Operários e da qual eles se tornaram
instrumentos na cruzada anticomunista.
O que significava para os católicos lançar-se em luta contra o
comunismo e que princípios doutrinários opunham o catolicismo ao
comunismo? Que estratégias foram elaboradas pela Igreja para atuar neste
campo de batalha? É ainda de Rodrigo Patto que trago elementos a respeito
dessas questões:
(...) Para as lideranças católicas o comunismo era um
inimigo irreconciliável da Igreja, um desafio à sobrevivência
da religião ao qual só podiam responder com luta.
....................................
Para alguns intelectuais católicos o comunismo era o último
desdobramento das transformações da modernidade,
atualização para o século XX dos erros” iniciados no
período da Renascença. (...) A ação dos revolucionários
comunistas significava uma continuação da obra destruidora
da Reforma, movida pelo mesmo desejo de aniquilar a
“verdadeira” Igreja e a ordem social espelhada em seus
ensinamentos.
364
Partindo dessa concepção, o autor propõe que o anticomunismo
católico significava não apenas uma batalha contra um programa que pretendia
uma revolução social, mas contra um projeto cujos valores e princípios
afrontavam os pilares do catolicismo e propugnava a sua derrocada. A
oposição do comunismo frente aos valores do catolicismo evidencia-se em seu
discurso e ação que:
(...) negava a existência de Deus e professava o
materialismo ateu; propunha a luta de classes violenta em
oposição ao amor e à caridade cristãs; pretendia substituir a
moral cristã e destruir a instituição da família; defendia a
igualdade absoluta contra as noções de hierarquia e ordem,
embasadas em Deus.”
365
Os Círculos Operários expressavam o conservadorismo da tradição
católica. Inspirando-se em sua doutrina, se consideravam portadores do projeto
de salvação da classe operária, fosse no plano material, moral ou espiritual. Ao
alinharem-se à frente anticomunista sentiam-se cumprindo a missão cristã para
364
Idem, p. 18-19.
365
Patto, op. cit., p. 20.
208
qual foram designados: construir uma “nova ordem social”, refutando neste
processo as propostas que propugnavam a luta de classes, a desordem social
ou que significavam a transgressão dos preceitos historicamente defendidos
pela cúpula eclesiástica.
Com base nessa concepção, é possível compreender o discurso e a
ação anticomunista desenvolvida pelos Círculos Operários no Ceará, sabendo-
se que esta ação constituía a plataforma do movimento circulista nacional.
Rigidamente hierarquizados, os Círculos Operários recebiam orientações
diretas da Federação e esta da Confederação Nacional dos Círculos Operários.
A maioria das campanhas, mobilizações e eventos de propaganda
anticomunista eram encetados e dirigidos pela CNCO.
Havia uma rede ampla de participantes e colaboradores. Entidades
leigas integrantes da Ação Católica, sindicatos, empresas e o próprio Estado
constituíam-se em potenciais agentes para onde recorriam os círculos
operários em todas as ocasiões em que era imperioso lançar-se contra os
comunistas.
O anticomunismo circulista no Ceará tem registro na década de 1920.
Através dos jornais da imprensa operária de matriz socialista ou anarquista,
encontro suas raízes. A luta entre as hostes brancas” e o credo vermelho” foi
deflagrada especialmente em Fortaleza. Contudo não se restringiu à capital,
efetuando-se também em outros municípios cearenses, como demonstra
Carlos Augusto dos Santos, em seu trabalho sobre os comunistas no município
cearense de Camocim.
O estudo enfoca as forças que se levantaram contra os “vermelhos”,
indicando que, dentre os oponentes dos comunistas em Camocim a Igreja se
apresentava como o mais poderoso. O autor ao abordar a mobilização
anticomunista se refere ao Círculo Operário como:
(...) outra forma de se “agremiar” os trabalhadores,
desenvolvida principalmente como um apêndice do trabalho
da Igreja na organização dos operários, para não perdê-los
para o comunismo, apareceram no Círculo Operário de
Chaval, então distrito de Camocim e região produtora de sal,
209
com a proposta de “prestar todo o gênero de benefícios e
defesa de seus sócios.
366
Embora o autor considere ser o Círculo Operário apenas um apêndice
da Igreja, em sua análise a evidência de que a hierarquia católica buscava
através dele construir um dique à infiltração comunista no meio operário em
Camocim. O Círculo será o espaço privilegiado para cristianizar a classe
operária, portanto, adversário em potencial dos militantes comunistas. Tal era
sua importância neste campo que, quando ocorre a fundação do Círculo
Operário de Chaval, a imprensa circulista noticiou de maneira entusiástica o
auspicioso fato uma vez que o acontecimento:
(...) é de grande significação, tendo-se em vista que
Camocim, infelizmente, é um dos focos de agitação
comunista no interior cearense. Assim o Círculo Operário
exercerá um papel educativo, vindo demonstrar, através de
seu programa de realizações, qual o regime que, realmente,
é amigo do trabalhador, amparando-o em suas
necessidades.
367
Recuando um pouco mais, encontro no jornal Voz do Graphico, órgão
da Associação Graphica do Ceará, registros dos confrontos iniciais entre
circulistas e socialistas libertários. Estes últimos faziam ácidas críticas a
organização circulista, dirigindo-se especialmente ao presidente do Círculo
Operário e o assistente eclesiástico. Por ocasião do aniversário de José
Agostinho, presidente do Círculo Operário, os circulistas doaram-lhe a quantia
de 300$000 em agradecimento aos serviços prestados ao Círculo. Ocorre que,
ao tomar conhecimento do fato, a Voz do Graphico noticia:
(...) Ele, o beatífico presidente dessa não menos beatífica
sociedade operária, não podia ver passar o dia do seu
aniversário sem que não tivesse uma prova da gratidão dos
seus carneiros, que constituem a legião dos trabalhadores
mansos e pacientes, dispostos a sofrerem toda a sorte de
privações e misérias por amor aos conselhos por ele
ministrados depois de receber algumas injeções do seu
conselheiro-mor, o padre Feitor, diretor espiritual do referido
Círculo. E foi o que fez.
366
SANTOS, Carlos Augusto Pereira dos. Cidade Vermelha: a militância comunista em
Camocim – Ce. (1927-1950). Dissertação de Mestrado,Rio de Janeiro: IFCS/UFRJ, 2000.
367
A Fortaleza, ano I, nº 43, 21/07/1951.
210
Eis a aí, portanto, para que servem muitos dos nossos
trabalhadores: sacrificam a si e aos seus, tirando, podemos
dizer, um pouco de pão da boca de seus filhinhos para
serem agradáveis aos que vivem unicamente a explorá-los,
sem jamais sentirem compaixão pelos seus minguados
salários, ganhos à custa de tantos sacrifícios e depois de
um penoso combate numa jornada de 9 a mais horas de
trabalho contínuos!
368
A resposta dos dirigentes circulistas e sócios da associação veio
imediata. Veiculada através de órgãos da imprensa que se alinhavam aos
interesses da elite, como o Diário do Ceará e o Correio do Ceará, provocavam
um longo bate-rebate. Nota-se que os socialistas libertários atuavam no sentido
de “desmascarar” os que dirigentes e orientadores do Círculo Operário
tentando conscientizar os circulistas para resgatá-los da condição de
subserviência e exploração a que estavam submetidos. O que de fato ocorria
era a disputa entre distintos projetos no interior do movimento operário ou para
ele voltadas.
Atenta aos embates, buscando compreender suas dimensões e as
posições tomadas pelas partes, encontro numa edição da Voz do Graphico
uma forte indignação de seus editores, respondendo a “carneirada inconsciente
do circo”, que andava a combater o ideal pelo qual lutavam os socialistas
libertários. A investida objetivava ridicularizar os circulistas valendo-se de um
símbolo significativo do movimento: o Hino dos Trabalhadores Cristãos do
Ceará, entoado nas reuniões e desfiles. O jornal publica o Hino, acompanhado
de uma paródia como resposta ao ultraje do padre Feitor & Cia.” Apresento a
estrofe do Hino em que há uma conclamação à luta pela derrocada do
socialismo e a estrofe da paródia que o corresponde:
HINO
Avante ó povo, o Cristianismo
Ao Socialismo (bis)
Derrotará
Ao Socialismo sim derrotará (3 vezes)
Viva a Fé católica do Ceará
PARÓDIA
Avante ó povo que o socialismo
Ao catolicismo
368
Voz do Graphico, ano I, nº 13, 12 /11/1921.
211
derrotará!
E desde as faldas do Ocidente
A’s do Oriente ele dominará!
369
a disputa entre comunistas e católicos no seio do movimento
operário se agudiza ante os processos eleitorais. Nesses momentos, tentando
impedir que os comunistas galgassem os postos de representantes do povo, a
Igreja acionava toda a sua estrutura. Exemplo significativo é a organização da
LEC, em fins de 1932, cujo principal objetivo era ganhar a adesão de muitos
candidatos constituintes, ao programa da Liga Eleitoral Católica, composto por
dez pontos básicos
370
.
Tendo que limitar-se ao princípio estatutário, segundo o qual deveriam
Conservar-se acima e fora da política partidária” e paralelamente, seguir as
determinações da Ação Católica na orientação dos eleitores, os Círculos
Operários assumiam posições contraditórias e mesmo conflitantes durante os
períodos eleitorais.
As campanhas políticas se transformavam em momentos propícios à
propaganda anticomunista, funcionando mesmo como “estratégia eleitoral”
para os partidos que aglutinavam os setores mais conservadores da sociedade.
Sobre o assunto é pertinente recorrer a análise de Rodeghero sobre o
imaginário anticomunista e sua relação com a Igreja Católica no Rio Grande do
Sul. A autora observa que enquanto estratégia eleitoralo anticomunismo está
entre outras coisas, relacionado à conjuntura do s-1945 pois “... com o
369
Voz do Graphico, ano II, nº 18, 28/01/1922. Íntegra do Hino dos Trabalhadores Cristãos e a
paródia encontram-se nos anexos.
370
LIMA, Alceu Amoroso. Indicações políticas: da revolução à constituição. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 1936. p. 133-153.Neste trabalho Amoroso Lima elabora um quadro
comparativo entre a Constituição de 1891 e 1934, realçando a vitória da LEC nesta última. Os
dez pontos considerados relevantes no programa Lecista e incorporados a Constituição de
1934 são: 1º- Promulgação da Constituição em nome de Deus; 2º -Defesa da indissolubilidade
do laço matrimonial, com assistência as famílias numerosas e reconhecimento de efeitos civis
ao casamento religioso; 3º- Incorporação legal do ensino religioso facultativo, nos programas
das escolas públicas primárias, secundárias, profissionais e normais da União, dos Estados e
dos Municípios; 4º- Regulamentação da assistência religiosa facultativa às classes armadas,
prisões, hospitais, etc,; -Decretação de legislação do trabalho inspirada nos preceitos da
justiça social e nos princípios da ordem cristã; 6º- Defesa dos direitos e deveres da propriedade
individual; 7º- Liberdade de sindicalização, de modo que os sindicatos católicos, legalmente
organizados, tenham as mesmas garantias dos sindicatos neutros; 8º- Reconhecimento do
serviço eclesiástico, de assistência espiritual às forças armadas e às populações civis, como
equivalente ao serviço militar; 9º- Decretação de lei de garantia da ordem social, contra
quaesquer atividade subversiva, respeitadas as exigências das legítimas liberdades políticas e
civis e 10º- Combate a toda e qualquer legislação que contrarie, expressa ou implicitamente,
os princípios fundamentais da doutrina católica.”
212
anúncio da Guerra Fria, o mundo passara a ser encarado como um palco de
batalha entre dois sistemas: o capitalismo e o comunismo, a liberdade e a
tirania”
371
Embora o PCB continuasse atuando mesmo nos períodos em que
se encontrava na ilegalidade, não era exatamente o medo do “inimigo
vermelho” que suscitava o discurso e a ação anticomunista, mas a
possibilidade de provocar o eleitorado a posicionar-se através do voto. O
anticomunismo revestia-se assim de um vigoroso conteúdo apelativo e
demagógico, largamente utilizado nas diversas campanhas eleitorais.
Durante a campanha para as eleições de 1947, o anticomunismo
refloresce com vigor. A Ação Católica no Cea manifestando apoio à
candidatura do general Onofre Gomes Muniz pelo Partido Social Democrático
opunha-se ao candidato da União Democrática Nacional, desembargador
Faustino Albuquerque, por considerá-lo candidato dos comunistas. Mesmo que
o candidato udenista negasse veementemente qualquer relação com o Partido
Comunista, as acusações continuaram devido o fato do PCB ter conclamado os
trabalhadores a sufragar o nome de Faustino Albuquerque.
A campanha católica expandiu-se por todas as dioceses, com a
participação ativa do clero e dos leigos engajados nas entidades que formavam
a Ação Católica. Francisco Moreira Ribeiro esclarece que a campanha
anticomunista capitaneada pela Arquidiocese de Fortaleza, representada por D.
Antônio de Almeida Lustosa s em marcha um vasto programa nas grandes
cidades, organizando seminários e palestras. Como instrumentos de sua ação,
contou com a participação “... de todas as instituições sob sua influência como
os Círculos Operários, o Centro Social Arquidiocesano, União dos Moços
Católicos, para travar o que ela denominava de “avanço das forças satânicas
de Moscou”.”
372
Ora Insinuando, ora afirmando categoricamente que se tratava de uma
candidatura apoiada pelos comunistas, a hierarquia eclesiástica almejava obter
371
RODEGHERO, Carla Simone. O diabo é vermelho: imaginário anti-comunista e Igreja
Católica no Rio Grande do Sul (1945-1964). Passo Fundo: Ediupf, 1998. 148 p.
372
RIBEIRO, Francisco Moreira. O PCB no Ceará: ascensão e declínio 1922 1947.
Fortaleza: Edições Universidade Federal do Ceará / Stylus Comunicações. 1989. 170 p.
213
o êxito das campanhas anteriores. Não obstante, a oposição à candidatura de
Faustino Albuquerque não conseguiu a adesão de todo o clero.
373
Os Círculos Operários integraram a campanha ostensiva contra o
candidato udenista. As disputas entre religiosos e comunistas, durante esse
pleito eleitoral, atingiram o ápice entre os trabalhadores católicos. Francisco
Ribeiro informa que o apoio do PCB a candidatura de Faustino Albuquerque
seria finalmente oficializado em editorial publicado em O Democrata, dia
13.01.47, apenas seis dias da realização do pleito.”
374
À manifestação
pública dos comunistas os Círculos Operários da Capital responderam com
uma grande concentração, intitulada “Comício de e de Religiosidade”, com
vistas a favorecer a candidatura de Onofre Muniz, em 15 de janeiro de 1947 .
375
Enviar questionários aos candidatos foi um dos recursos utilizado pela
Ação Católica tanto nas eleições de 1947 quanto nas posteriores. O
questionário indagava o candidato a respeito de seu compromisso com os
princípios católicos e quanto a sua disposição em lutar contra o comunismo.
Em relação às eleições de 1947, embora a publicação das respostas de
Faustino de Albuquerque tenha sido retardada, como parte do jogo de
vontade”, promovido pela Ação Católica, o jornal O Povo (01/01/1947),
defensor da candidatura udenista, apresentou para a tranqüilidade dos
eleitores católicos, os motivos que garantiam a idoneidade moral” de Faustino
Albuquerque. São os seguintes:
1º - Porque é católico e ninguém o nega e estão os
vigários das paróquias a que pertenceu para atestá-lo.
- Porque respondeu com clareza e suficiência o
questionário da Ação Católica de Fortaleza.
- Porque sem ser interrogado por ninguém, declarou (...)
que garantiria apoio às forças morais e espirituais do
Ceará...
4º - Porque (...) antes de qualquer consulta da Ação Católica
(...) fez profissão de anti-comunista, antitotalitária (...)
373
NOCA, Francisco Wilson. Sermões, matracas e alcatrão: religiosos e comunistas na
luta pelo poder (1946-1950). Fortaleza: Expressão Gráfica e Editora, 1996. p.71-82. Embora
seja visível a preferência do alto clero para o candidato pessedista, o autor apresenta o clero
cearense dividido entre as duas candidaturas.
374
RIBEIRO, Francisco Moreira. O PCB no Ceará: ascensão e declínio – 1922 – 1947.
Fortaleza: Edições Universidade Federal do Ceará / Stylus Comunicações. 1989. p.91.
375
NOCA, Francisco Wilson. Sermões, matracas e alcatrão: religiosos e comunistas na
luta pelo poder (1946-1950). Fortaleza: Expressão Gráfica e Editora, 1996.
214
afirmando que não tinha compromissos, como não os tem,
com o partido de Prestes.
376
Como medida de precaução e alertando para as dissensões
decorrentes da atividade político-partidária nos Círculos Operários, A Fortaleza,
com a aproximação do pleito, publicou várias matérias sobre o tema. Advertiu
que, “manter-se fora e acima” da disputa partidária era o caminho a ser seguido
pelos circulistas, evitando assim que se instaurassem facções dentro das
organizações e que num processo gradativo fosse gerando “queixas, protestos,
desarmonia, desagregação e morte do círculo”
377
. Outro motivo que devia ser
considerado era o fato do Círculo Operário ser uma entidade que a um
tempo, solicitava e oferecia colaboração, dos governos, dos representantes do
povo filiados a diferentes partidos, com exceção para aqueles que defendiam o
credo vermelho e as pessoas que de alguma forma poderiam prestar serviços
ao Círculo.
Os dirigentes circulistas em apologia ao voto, apregoavam que este
era um importante instrumento do trabalhador. A arma branca” a ser
empregada em benefício dos interesses da coletividade. A eleição se
configurava como o momento oportuno para a escolha entre o “bem” e o “mal”.
O bom circulista deveria estar atento para esse momento decisivo onde ele
comungaria os ideais de salvação da pátria e o fortalecimento da tradição
católica brasileira. O ato de votar passa a ser uma missão na qual os eleitores
cientes de seu valor, estavam incumbidos da tarefa de salvaguardar a nação
das pretensões maléficasde indivíduos egoístas, apátridas e fratricidas”. O
voto metamorfoseia-se e a cabine eleitoral transforma-se em altar votivo da
pátria. Os caracteres negativos atribuídos àqueles que o utilizam como
mercadoria se dissolvem diante da possibilidade de transformá-lo em potência
na edificação da pátria cristã, em vista que:
Dessa escolha surgirão os verdadeiros delegados da
confiança do povo os seus interpretes fieis, os defensores
intimoratos da nacionalidade, os guardiães intemeratos do
patrimônio coletivo, a salvaguarda dos direitos individuais, a
cidadela indestrutível da civilização.
376
Apud NOCA, Francisco Wilson. Sermões, matracas e alcatrão: religiosos e comunistas
na luta pelo poder (1946-1950). Fortaleza: Expressão Gráfica e Editora, 1996, p. 146.
377
A Fortaleza, ano III, nº 144, 30/08/1953.
215
Eis porque o momento de votar é o da suprema decisão dos
nossos destinos, como expressão coletiva.
Transformemos a cabine no altar onde sacrificaremos os
nossos interesses e preferências particulares, em
holocausto a causa sublime da pátria cristã
378
.
Sendo a eleição um momento de escolha, em que se impõe a
necessidade de se fazer uma opção, os Círculos Operários eram orientados a
seguirem os princípios do movimento nessa matéria. Manter-se fora e acima da
disputa política para não privar-se de apoios importantes era sempre a palavra
de ordem. A entidade circulista deveria ser “simpática a toda autoridade e a
todos os cidadãos.” Contudo, como os Círculos Operários tinham interesse na
eleição de alguns candidatos, o dilema seria resolvido seguindo as orientações
da CNCO, segundo as quais a campanha seria realizada com o objetivo de
“...orientar os seus sócios, porém, sempre dentro de um critério apartidário ,
quanto a nomes de candidatos que tenha prestado serviços relevantes ao
movimento circulista.
379
Nas eleições de 1954, os Círculos Operários receberam generosas
subvenções ordinárias e extraordinárias, oriundas dos cofres federais e
estaduais. A divulgação da subvenção era geralmente acompanhada do
“benfeitor” que a havia pleiteado. Tratava-se de deputados estaduais, federais
ou senadores, que, ou eram candidatos à reeleição ou estavam apoiando
alguma candidatura. O objetivo era cooptar as lideranças circulistas e os
associados, que, por gratidão, iriam sufragar o nome do candidato.
Neste cenário, ocorre o restabelecimento da Liga Eleitoral Católica.
Saindo em defesa da Liga em artigo intitulado “Nós, eles e a política”, o
articulista criticava as pessoas que viam a LEC como uma organização que
renascia fracassada e outros que a consideravam apenas como um partido
político. Para ele, a Liga teria uma importante função nas eleições de 1954 e
suas orientações deveriam ser seguidas pelos católicos, pois:
(...) é católico quem quer. Sendo tem que obedecer a
Igreja na pessoa dos seus chefes. Assim nada mais justo e
lógico, como dizíamos, de que a Igreja indicar aos católicos
378
A Fortaleza, ano VIII, Fortaleza, nº 379, 02/10/1958.
379
Parágrafo 2º do Artigo 53º do Estatuto da CNCO. In: A Fortaleza, ano IV, nº 179,
30/05/1954.
216
as pessoas que merecem os votos dos católicos. Não
indicar, a Igreja tem o direito de impor, de exigir, até,
acrescentamos.
380
Respondendo a questões sobre a função da LEC, padre Leopoldo
Brentano esclarece que o trabalho dessa organização não se restringiu ao
processo eleitoral, havendo ainda o acompanhamento dos candidatos que
assumiram compromisso com a Liga, observando sua postura diante da
aprovação de leis que estivessem de acordo com os postulados católicos ou
não. Advertiu que a LEC exclui preliminarmente qualquer candidato que se
identifique com o PCB, e no tocante ao socialismo e os partidos que o
propagam merecem repulsa dos católicos, por professarem a ação invasora e
absorvente do Estado na vida econômica.
381
Na coluna Escrevem os Operários”, o circulista Ubiratan Castelo
Branco conclama todos que fazem o movimento e os católicos de maneira
geral para votarem nos candidatos apontados pela LEC, negando o voto aos
“...apátridas, sanguinários, ateus comunistas, ou a seus admiradores
socialistas; os diabólicos espíritas, os farisaicos e endinheirados maçons, os
cegos e errados protestantes”
382
A idéia era impedir que qualquer candidato que professasse preceitos
que divergiam da Igreja Católica pudesse receber votos de seus integrantes
dos católicos. Reforçando a necessidade da obediência devida à hierarquia
eclesiástica, puderam com facilidade orientar os circulistas e demais católicos
no processo eleitoral. No intuito de justificar que a obediência era um critério
importante para o êxito de um programa, a Coluna Política d’A Fortaleza,
aponta que neste aspecto ...podemos imitar o exemplo dos nossos inimigos
vermelhos na obediência cega às determinações que vêm de cima”
383
380
A Fortaleza, ano IV, nº 174, 25/04/1954.
381
BRENTANO, Pe. Leopoldo. Catecismo do Eleitor. In: A Fortaleza, ano IV, nº 174,
25/04/1954.
382
A Fortaleza, ano IV, nº 174, 25/04/1954. Na edição nº 196, em 25/09/1954 A Fortaleza
publica a lista dos candidatos condenados pela LEC. Candidatos a prefeito: Acrísio Moreira
Rocha e Ari de Cavalcante. Este último “... pela sua ostensiva ligação com os comunistas,
não pode ser votado pelos católicos.” Os deputados federais dos partidos UDN, PTB e PR:
Ernesto Miranda, Sabóia de Albuquerque, Crisanto Moreira da Rocha, José Ramos Torres de
Melo e Antônio Perilo de S. Teixeira também foram execrados pela Liga Católica.
383
A Fortaleza, ano IV, nº 177, 16/05/1954.
217
Tentando se desviar de problemas que pudessem ocasionar em última
instância o fechamento de qualquer das unidades circulistas e almejando
manter a disciplina hierárquica, a Federação dos Círculos Operários do Ceará
divulgou através d’A Fortaleza que não seria permitida a propaganda partidária
nas sedes dos Círculos Operários e ainda que, ficaria impedido de candidatar-
se e fazer propaganda, todo circulista que ocupasse cargo de Direção. Quanto
às eleições para renovação da diretoria dos Círculos, a Federação avisa às
entidades a ela filiada, que as mesmas não poderão realizar eleição no período
compreendido entre julho e outubro de 1954. Justifica que o propósito desta
decisão é “...evitar que a política partidária influa nas decisões dos associados
prejudicando a boa marcha do movimento”.
384
Para veicular as mensagens de orientação eleitoral, A Fortaleza
publicava artigos, entrevistas com grandes nomes do circulismo nacional,
integrantes de Mocidade Católica, do Centro Artístico Cearense e conselhos da
Arquidiocese através da LEC. Para atrair a atenção dos leitores, transmitia em
forma de cordel suas orientações. Em Falando sero, primeira participação do
do Arraiá, n’A Fortaleza, o personagem fala ao povo através de versos
simples, valendo-se de uma linguagem informal, comumente atribuída ao rude
trabalhador, ao “matuto” sertanejo:
Falando sero.
(...)
Se você é um home sero,
(ou é muié de vergonha),
num pense in vendê seu voto
que é coisa feia, medonha.
...............
Um circulista que é direito
Num vende seu voto, não:
dá de graça aos candidato
da nossa Federação.
Nós num vota in gente ateu,
Protestante ou espiritista,
Que é tudo da merma raça
dos peste dos comunista.
385
384
A Fortaleza, ano IV, nº 183, 26/06/1954.
385
A Fortaleza, ano IV, nº 191, 21/08/1954.
218
Nesse lançamento inicial do cordel, duas mensagens são repetidas
insistentemente: não transformar o voto em objeto de troca e votar nos
candidatos indicados pela Federação, que eram os apresentados pela LEC.
Em Saba iscuiê, reforça-se a exigência moral de sufragar os candidatos
indicados pela Federação, não creditando confiança em qualquer candidatura
rejeitada pela LEC. Veja-se:
Aqui tou eu outra vêis,
meus colega circulista,
prumode continuá
a conversa cum vocêis
Eu sube que apreciaro
minha recumendação
prumode isso arrezuví
deitá outra falação.
Circulista de vergonha
seu voto num vai vende
mais porém os candidatos
será que sabe iscuiê?
.......................
Inventam que os “candidato
populá” é nosso amigo,
que protege os pobrezinho
e salva nós do perigo...
........................
circulista! pra cumprir
cum a nossa obrigação
acatem só as orde
da nossa Federação!
386
O último lançamento do cordel intitulado É mio privinir”, foi publicado
na semana da eleição, fazendo referências à nota oficial publicada pela LEC
com os nomes dos candidatos indicados e negados pela Liga. Reafirma a
orientação de negar o voto aos candidatos apoiados pelos comunistas, a
exemplo do Ari de Sá, considerado o candidato querido” dos “pestes dos
comunistas”, provando assim estarem obedecendo e respeitando às
determinações da hierarquia católica e do circulismo:
Circulistas, meus colegas,
tá chegando a hora H,
386
A Fortaleza, ano V, nº 195, 18/09/1954.
219
que nóis vai se decidi
in quem nóis deve votar.
Sua nota oficiá
a LEC já publicou;
conforme já se esperava,
munta gente condenou.
.....................
Vamo guardar nosso voto
pra gente de distinção,
aprovada pela LEC
e pela Federação.
“É mais mió privinir
do que arremediá”
de que vale arrependê-se
dispois da cousa passá?
387
.............................
As eleições de 1954 tiveram resultado positivo para os Círculos
Operários cearenses, em especial para os localizados em Fortaleza. Três
circulistas candidatos a vereadores foram eleitos: Mauro Benevides da UMC
(União da Mocidade Católica) e redator dA Fortaleza, Roberto Carvalho Rocha
também redator do semanário circulista e Valter Cavalcante Sá, presidente do
Círculo Operário de Monte Castelo. A eleição deste último é um demonstrativo
da não obediência às determinações da CNOC e da FCOC no campo político-
partidário.
É importante ressaltar que neste pleito o governador eleito Paulo
Sarasate, acena para os Círculos Operários manifestando em comentários
publicados no semanário, sua admiração pelas organizações circulistas. Esse
depoimento do governador eleito não passou despercebido entre os circulistas.
Num artigo intitulado O circulismo e o futuro governo” , aparece a seguinte
observação:
(...) têm razões soberbas os circulistas de estar alegres com
aquelas declarações, sobretudo porque elas são um
reconhecimento, por parte da alta autoridade, do trabalho
silencioso e digno dos dirigentes do movimento em seus
vários setores de ação.
388
387
A Fortaleza, ano V, nº 197, 02/10/1954.
388
A Fortaleza, ano V, nº 215, 05/02/1954.
220
Ao que parece os dirigentes circulistas estavam se reportando não
apenas ao trabalho específico desenvolvido pelos Círculos Operários, mas
também a atuação eleitoral feita aberta e declarada ou de forma sub-reptícia
em favor da candidatura de Paulo Sarasate, como candidato indicado pela Liga
Eleitoral Católica.
Embora nas eleições de 1958 a LEC não tenha sido ressuscitada, a
Ação Católica no Ceará
389
não se absteve do processo. Padre Arimatéia Diniz,
Assistente Eclesiástico da FCOC, entrevistou Virgílio Távora (UDN) e Parsifal
Barroso (PTB) então candidatos ao governado do Estado, para conhecer a
formação cristã destes, e assim orientar a posição dos trabalhadores católicos
que integram o movimento circulista.”
390
Cada um dos candidatos entrevistados responderam as seis perguntas
seguintes: primeira – se o candidato aceitaria aliança com o Partido Comunista;
segunda – se o candidato aceitaria aliança com os inimigos da Igreja; terceira –
se eleito chamaria esses elementos para o governo; quarta se dispunha-se a
lutar na Ação Católica contra o comunismo; quinta se eleito faria defesa dos
princípios cristãos para a família, como a não aceitação do divórcio e a defesa
do ensino religioso nas escolas e sexta se assumiria compromisso com a
obra circulista prestando assistência material e moral. Às três primeiras
perguntas os dois candidatos responderam “não” e disseram “sim” para as três
últimas.
391
Para os candidatos a prefeito e vice A Fortaleza enviou questionário
com as mesmas perguntas feitas aos candidatos que disputavam o governo
do Estado. As respostas foram divulgadas pelo jornal, que mostrou-se satisfeito
com a disposição dos candidatos, pois estes haviam se comprometido
389
Integravam a Ação Católica no Ceará : HAC (Homens da Ação Católica); LUC (Liga
Universitária Católica); LFAC (Liga Feminina da Ação Católica); LAGF (Liga Agrária
Católica Feminina); LICF (Liga Independente Católica Feminina); LOCF (Liga Operária Católica
Feminina); LUCF (Liga Universitária Católica Feminina); JMC (Juventude Masculina Católica);
JEC (Juventude Estudantil Católica); JIC ( Juventude Independente Católica); JOC (Juventude
Operária Católica); JUC (Juventude Universitária Católica ); JFC (Juventude Feminina
Católica); JAFC (Juventude Agrária Feminina Católica); JECF(Juventude Estudantil Católica
Feminina); JICF (Juventude Independente Católica Feminina); JOCF (Juventude Operária
Católica Feminina); JUCF (Juventude Universitária Católica Feminina). N’A Fortaleza, ano VII,
349, 22/02/1958, é divulgada a nomeação dos dirigentes destes órgãos pelo Arcebispo de
Fortaleza.
390
A Fortaleza, ano VII, nº 355, 11/04/1958.
221
publicamente na defesa dos princípios cristãos, em combater e obstaculizar a
ação comunista e por último em colaborar com os Círculos Operários.
392
Para impedir que sucedesse nas eleições de 1958 o que havia sido
presenciado em 1954, quando dirigentes de Círculos Operários, contrariando
as orientações das entidades máximas do circulismo, lançaram suas
candidaturas, a CNCO publicou um Boletim sobre as eleições. O documento
apresentava basicamente as mesmas determinações anteriores, com mudança
apenas no ponto sobre a candidatura de dirigentes circulistas. Nas eleições de
1954, havia uma proibição clara a respeito deste ponto. Observando que não
houve aceitação por parte dos circulistas, a CNCO resolve moderar e
estabelece que, sendo candidato, o dirigente deverá afastar-se do cargo.
Apesar das resoluções da CNCO, a Federação dos Círculos Operários
do Ceará enredava-se no processo eleitoral, numa prática que vinha
experienciando há anos. Não faltava quem não acusasse a Federação de
contrariar as determinações circulistas ao se envolver na disputa político-
partidária. Diante de uma situação bastante delicada, temendo as advertências
da CNCO, A Fortaleza, em defesa da Federação, publica uma nota dirigindo-se
aos partidos políticos:
Apelamos para os dirigentes dos Partidos políticos do
Ceará, no sentido de não envolver o nome da Federação
dos Círculos Operários do Ceará e do movimento circulista
em intrigas políticas pois, aquela entidade tem um
interesse: trabalhar pelo maior engrandecimento dos
círculos operários e pelo bem da classe operária no nosso
Estado. Assuntos políticos compete aos políticos
resolverem.
393
Nesta campanha eleitoral de 1958, o discurso anticomunista foi
produzido por candidatos vinculados ao circulismo e membros da hierarquia
eclesiástica. Alardeada como estandarte desfraldado contra o comunismo a
Carta Pastoral de D. Antônio Castro Mayer, que A Fortaleza intitula “A
imprensa (Contra o mito)” contra o mito de uma sociedade sem classes
391
Idem.
392
A Fortaleza, ano VIII, nº 377, 20/09/1958. Eram candidatos a prefeito de Fortaleza: Flávio
Marcílio, Ari Cavalcante e Coronel Cordeiro Neto. Para vice- prefeito concorriam:
Denizard Macedo, Aécio de Borba, Cláudio Martins, Antônio Girão Barroso e Sólon Farias.
393
A Fortaleza, ano VIII, nº 377, 20/09/1954.
222
dispõe sobre cinco pontos: respeitar às determinações da Igreja Católica
como corpo místico de Cristo; 2º atentar para a oportunidade de influir, por
meio do voto, para a defesa e incremento da civilização cristã no Brasil;
recusar apoio a todo partido cujo programa contrarie os preceitos da religião
cristã; respeitar à propriedade privada, pleiteando o reconhecimento de sua
função social e negar a possibilidade de uma sociedade sem classes, pois
trata-se de um “mito” que contraria fundamentalmente a doutrina da Igreja
Católica.
Nestes, observei as prescrições aos católicos quanto à importância do
voto como arma a serviço do triunfo dos princípios católicos”. Ressalvando
que embora a Igreja “ não tenha a menor preferência partidária”, o católico, por
dever de consciência moral, não pode votar em partidos contrários a doutrina
da Igreja no que diz respeito a defesa da família, mas precisamente da
indissolubilidade do vínculo conjugal, do ensino religioso nas escolas, hospitais,
prisões e forças armadas. Sobre esse assunto o prelado foi breve e objetivo. O
tema que se dedicou a escrever longamente foi a questão da propriedade
privada como direito natural e o “mito de uma sociedade sem classes” :
(...) a Igreja é tutora da Lei Natural e, como tal, protege em
toda a sua amplitude, o direito de propriedade. Não pode
Ela consentir que sob qualquer pretexto de afirmar a função
social inerente a propriedade, se chegue ao extremo de
restringir, mutilar ou até eliminar o caráter privado desse
direito. Tanto vale dizer que um programa comunista ou
socialista não poderia ser apoiado por um católico, ainda
que parecesse respeitar a religião e a família.
...........................
(...) conforme os sábios e amorosos desígnios da
Providência, a sociedade deve ser formada por classes
desiguais, que cooperem para o bem comum segundo os
ditames da justiça e da caridade. A Igreja, protetora da Lei
Natural, intervém na questão social, não para fomentar a
luta de classes, favorecendo os interesses exclusivos desta
ou daquela categoria social, mas, para restabelecer entre
elas harmonia, co-existência e eqüitativa cooperação.
394
Desnecessário comentar o conteúdo anticomunista desta Carta
Pastoral. Cabe no entanto, observar que ao enfrentar o programa comunista,
394
A Fortaleza, ano VIII, 378, 27/09/1958. O jornal informa que D. Antônio Castro Mayer é
Bispo Diocesano de Campos.
223
paralelamente, reforça princípios fundamentais da doutrina circulista, quais
sejam, a negação da luta de classes e a defesa da colaboração harmoniosa
entre patrões e operários. Muitos membros da elite eclesiástica, considerando
a Igreja Católica “depositária das verdades imutáveis”, apresentam-na como
autoridade inconteste, fato que constrói a justificativa para que seus postulados
possam ter aceitação por grande parte da população. Assim, ao afirmar que,
pensar numa sociedade sem classes é apenas um mito, está presente a
tentativa de descredenciar os comunistas e socialistas, responsabilizando-os
de atentarem contra a Lei Natural, e em decorrência dessa posição, contra a
Igreja Católica.
O combate renhido ao comunismo se faz observar semanalmente no
jornal circulista em 1958. Especialmente num momento em que os governos
municipais e o estadual enfrentavam agitações no campo e nas cidades em
decorrência da crise que se alastrava por todo país e agravava-se no Ceará,
porque a seca, como um fator a mais, contribuíra para o seu recrudescimento,
os comunistas são acusados de incitar a revolta popular. Aproveitando-se da
campanha eleitoral, os Círculos Operários, com especial ênfase para os
situados na região metropolitana e a FCOC promoveram uma algazarra
anticomunista. Objetavam o indiferentismo das pessoas durante o processo
eleitoral, censuravam todos os que consideraram responsáveis pelos tempos
difíceis que vivenciavam, reprovando-os em discurso enérgico. Observe-se o
teor dessas críticas no seguinte artigo:
Para trás os ingratos, para trás os conformados, para trás os
displicentes, os “mãos estendidas” e os “inocentes úteis” e
mais ainda os que por um prato de lentilhas, vendem a
consciência, e a liberdade de crê na família cristã brasileira.
Não bastou o sofrimento, a traição e o vilipêndio da família
brasileira em novembro de 35, como centenas de famílias
foram vilipendiadas e irmãos trucidados dormindo.
Traidores comunistas falam em praça publica como
presenciei em plena rua do Ouvidor a Guilherme Rocha.
Jornais pregando traição abertamente; politiqueiros
mancomunados com os vis traidores pregam a nova
camuflagem dos comunistas que é a tal frente nacionalista.
Nacionalistas! Como são vis essas hienas esses porcos
satanizados, estes empreiteiros de desordem no mundo.
224
Aqui é o Brasil, e este não será uma vitima com foi a
valorosa Hungria
395
.
Em consonância com o pensamento da hierarquia circulista, segundo
o qual o combate ao comunismo não poderia ser feito apenas com refutações
faladas e escritas, ou somente com a polícia, mas tirando-lhe a causa que é o
mal estar social e a miséria entre o povo
396
, o circulista Jonas Carlos da Silva,
candidato a deputado federal, em artigo publicado nA Fortaleza afirma que:
(...) pretendemos liquidar com a doutrina vermelha, enchendo
o estômago do nosso povo e não com perseguição e cadeia,
pois aplicar perseguição e cadeia no campo da ideologia é
demonstrar fraqueza, covardia incapacidade de luta.
397
Havia a compreensão entre os líderes circulistas que lutar contra
inimigo tão poderoso requeria uma ampla atuação. Se as propostas comunistas
encontravam eco junto à população em face da depauperação das massas
trabalhadoras, era vantajoso oferecer-lhe assistência material; ao discurso
classista, confrontar um apelo cristão à amizade, amor ao próximo, harmonia,
ordem e disciplina. O circulismo não haveria de negligenciar nenhum setor
onde pudesse se infiltrar a propaganda comunista. Ocorrendo tal fato, contra
essa propaganda maléficalevantar-se-ia a imprensa circulista, cuja trajetória
de luta contra o comunismo, era motivo de homenagens aos que se dedicaram
nesta empresa.
Anualmente, na primeira edição do s de setembro, comemorando o
nascimento d’A Fortaleza, era publicada uma ou mais matérias abordando a
função social da imprensa circulista, com destaque para o fato desta folha ter
se tornado um baluarte do sodalício católico na luta contra os comunistas.
Além, estampavam sem modéstia as homenagens ao semanário circulista,
enviadas por assinantes, colaboradores e pessoas que ocupavam importantes
postos no poder:
395
A Fortaleza, ano VIII, Fortaleza, nº 379, 02/10/58. Coluna Escrevem os Trabalhadores.
396
MANUAL DO CÍRCULO OPERÁRIO, CNCO, Rio de Janeiro: Editora Vozes, 1939, p. 258.
397
A Fortaleza, ano VIII, nº 376, 13/09/1958.
225
E se um voto me é dado, formular, nesta emergência de
quase uma década de bons serviços prestados ao
Circulismo cearense, há de ser no sentido de que jamais em
tempo algum, abdiquem os seus responsáveis do sadio
idealismo que norteou os seus fundadores, nem se
distanciem um milímetro sequer e a nenhum preço, da
estrada real dos magnos postulados da doutrina social da
igreja, vasada nas encíclicas papais sólidos alicerces
sobre que se ergue o Circulismo, o qual haja de sempre
pôr-se com toda a veemência e com a pujança de suas
convicções, às investidas capciosas e falácias melífluas do
marxismo deletério sob qualquer rótulo com que se nos
apresente. Mesmo o de nacionalismo...
398
Em muitos círculos operários, principalmente os que se encontravam
nos municípios interioranos, pelo menos até meados da década de 1950, um
significativo número de associados sequer ouvira falar do comunismo. Não
obstante, numa ação que beirava a histeria, a Federação implementava um
programa de luta contra os comunistas que agregava todas as organizações
circulistas. Atestado dessa posição da Federação foi a conclamação aos
Círculos Operários de todo o Estado para aderirem a Cruzada Brasileira
AntiComunista, no início da década de 1950.
Nas eleições de 1962, muitos candidatos valeram-se do
anticomunismo como lema para suas campanhas. Alguns abraçavam o
anticomunismo por convicção e outros apenas para tirar proveito eleitoral. N’A
Fortaleza a propaganda de alguns candidatos amigos do circulismo” era
veiculada. Trago a título de exemplo o apelo de um candidato:
OPERÁRIO CATÓLICO!
O comunismo tira a liberdade do operário oferecendo-lhe,
em troca, trabalho forçado ou fuzilamento:
Vote em quem combate o comunismo!
Vote em Themístocles de Castro e Silva,
Candidato do Círculo Operário de Uruburetama.
Basta escrever na Cédula Única o nº 1530.
Em alguns períodos, o alarde anticomunista feito pelos circulistas e
outros órgãos da Ação Católica representou um certo fanatismo por parte
dessas organizações. Porém, a partir de 1961 a ofensiva contra os “vermelhos
398
A Fortaleza, ano VIII, Nº 429, 2/09/1959. Artigo assinado por Dr. José Fernandes.
226
encontra fundamentos na conjuntura política que fornecia indícios da
propagação de uma onda esquerdista no plano interno e externo.
Na América Latina, a ascensão de Castro e a implementação de uma
política antiimperialista gerou a investida norte-americana sobre as nações do
continente, consistindo na adoção de uma política que objetivava impedir a
expansão do comunismo. Internamente, o governo Jânio Quadros aproximando
o Brasil das nações não-alinhadas ao bloco capitaneado pelos Estados Unidos,
recebeu uma forte reação dos setores conservadores. A questão tornou-se
mais séria com a sua renúncia e a chegada de João Goulart a presidência.
Suspeito de ser aliado dos comunistas, desde o início de seu governo, Jango
teve de enfrentar a oposição dos conservadores que temiam o fortalecimento
dos comunistas.
A arregimentação dos blocos anticomunistas se verifica em todo país.
Por outro lado recrudesceram as lutas no campo e na cidade. Goulart é
acusado de permitir a infiltração comunista nos diversos escalões do governo e
até nas Forças Armadas. Não foram poucas as entidades surgidas neste
momento em defesa dos princípios “democráticos e cristãos da pátria Brasil”.
Rodrigo Patto analisou a organização e a plataforma dos blocos anticomunistas
que atuaram no período que ele denominou como o Segundo Grande surto”
situado entre 1961 e 1964. Afirma que neste época:
(...) Amedrontados pela impressão de que os inimigos
estavam se fortalecendo, os grupos comprometidos com o
anticomunismo começaram a se organizar. Nos anos
imediatamente anteriores ao golpe de 1964, uma miríade de
entidades anticomunistas estruturou-se, compondo um
número difícil de precisar.
399
Semeando o medo do perigo vermelho”, as organizações
anticomunistas forneceram as justificativas para os conservadoras golpistas em
1964. O papel da imprensa foi preponderante neste processo. Aliada dos
grupos conservadores, a maioria dos jornais incorporou a propaganda
anticomunista contribuindo sobremaneira para a vitória dos golpistas.
399
MOTTA, Rodrigo Patto Sá. Em guarda contra o “Perigo Vermelho”: o anticomunismo
no Brasil (1917-1964) , São Paulo:Perspectiva, FAPESP , 2002.
227
A Fortaleza manteve a posição de combate aos comunistas,
alinhando-se aos demais órgãos da imprensa burguesa. Neste período, há uma
preocupação do jornal circulista em tratar de assuntos políticos nacionais,
reproduzindo o discurso de outros jornais em relação à nova conjuntura
inaugurada com o governo Jânio Quadros. Na tentativa de esclarecer os
leitores sobre os perigos do comunismo para a pátria, a família e a religião, era
também veiculada a necessidade de reconhecer quem eram os elementos
comunistas. O propósito anunciado era impedir que os trabalhadores fossem
“inocente úteis passíveis das manipulações e maquinações dos vermelhos.
Atente-se pois, para uma das edições d’A Fortaleza, na qual o articulista
apresenta a “Marca Ideológica” que identifica o comunista:
Quando o leitor conversar com uma pessoa cujas idéias
políticas desconheça, verifique se ela é:
(...)
02.Anti lacerdista;
03.Antiamericana do Norte;
04.A favor da abolição da propriedade;
05.Contra o trabalho e partidário da greve injusta;
06. Contra a democracia;
07.Contra a liberdade de agir, pensar e crer;
08.Pela autodeterminação dos povos, exceto quanto à
China, Bulgária, Cuba, Polônia, Hungria, Tchecoslováquia,
Alemanha Oriental e demais países que vivem sob o
domínio da Rússia;
09. Contra as religiões, por considerá-las ópio do povo;
10. Pela subversão da ordem pública;
11. Pela desunião das Forças Armadas;
12. Pela estatisação das empresas em geral;
13. Pró Fidel Castro, carcereiro de milhões de cubanos,
pelo “crime” de desejarem eleições livres e a expulsão dos
invasores soviéticos. (...)
19. Pela criação e desenvolvimento dos Centros de Cultura
Popular; (...)
21. A Favor do muro da vergonha.
Na hipótese de a pessoa ser enquadrada em todos esses
itens, aposte o que tiver na carteira e diga que o interlocutor
é comunista, segundo as diretrizes soviéticas ora em vigor
no Brasil.
400
O articulista busca elaborar um retrato da moral e conduta dos
comunistas qualificando-os como inimigos da propriedade, defendida pela
400
A Fortaleza, ano XII, nº 531, 1º de maio de 1963. Artigo escrito por Itamar Espíndola.
228
Igreja como direito natural; hostis a democracia, a religião e a liberdade em seu
amplo aspecto; aversos ao trabalho; subversivos e favoráveis aos regimes
ditatoriais cubano e soviético. O quadro enfatiza um conjunto de valores e
atitudes condenadas pela doutrina social católica, indicando que o indivíduo
que apresenta tal perfil deve ser mantido a distância do convívio social, face a
sua periculosidade para a família, a sociedade e a pátria.
No primeiro triênio dos anos de 1960, um intenso debate em torno da
sindicalização dos trabalhadores urbanos e rurais ocupa cada vez mais espaço
nas páginas do jornal circulista. Em torno da categoria dos trabalhadores rurais
havia o temor que a ação comunista em Pernambuco através das Ligas
Camponesas orientadas por Francisco Julião ecoasse também no Ceará. A
Federação dos Círculos Operários do Ceará promovia debates, conferências,
cursos de líderes e outras atividades, no intuito de combater o programa
comunista. Analisando o dever moral e a missão do operário cristão junto ao
sindicato, adverte que:
Se os trabalhadores católicos se afastam do seu
sindicato, se este estiver entregue às mãos de anticatólicos
ou indiferentes quem o impedirá de deixar aquela linha de
conduta ideal? Quem o impedirá de cair nas mãos destas
doutrinas e ver desrespeitada a justiça e a eqüidade, de
grupos que, sutilmente, dele se utilizam para a propagação
de credos subversivos e anticristãos?
Se os filhos da luz abandonam a vida social, que de
tomar conta dela, senão os filhos das trevas?
401
Sindicalizar-se assume um propósito de consciência moral. Torna-se
imperioso que o trabalhador católico perceba o significado de sua missão
patriótica enquanto sócio do sindicato. Assim como no Círculo Operário,
cristianizar o sindicato transforma-se em objetivo a ser perseguido,
considerando que:
Infelizmente no Brasil os sindicatos não vem conseguindo
suas finalidades, porque ainda não visam plenamente seus
objetivos. Predominam neles, interesses políticos
ideológicos e partidários.
Por omissão dos trabalhadores cristãos, os maiores e os
mais fortes sindicatos do Brasil estão dominados por longos
anos por uma minoria e dirigidos por uma igual minoria que
401
A Fortaleza, ano XI, Nº 464 , 22 a 28/01/1961.
229
não visa o bem comum nem mesmo o bem da classe como
é do seu dever.
402
A organização do Trabalhador Unido no Ceará, entidade de ampla
base, que congregava sindicatos e Círculos Operários, foi a alternativa
encontrada para fortalecer o projeto conservador católico. Estabelecendo uma
poderosa aliança entre diversas associações com duas finalidades explícitas:
disputar a fundação de sindicatos com a esquerda e impedir a penetração dos
comunistas no meio operário, o TU enviava através dA Fortaleza, constantes
apelos e mensagens dirigidos aos trabalhadores cearenses e ao Poder Público,
atentando para as inquietações políticas no mundo operário.
Acenando para as Forças Armadas como o sustentáculo da ordem
pública, mantenedoras do regime e defensoras dos interesses da pátria, as
organizações que compunham o TU pediam cadeia para os agitadores e
afirmavam a confiança no militar brasileiro como o garante da democracia
cristã”.
Conclamando os patrões e operários de boa vontade e todos os
cristãos dispostos a empenhar-se nesta nova cruzada a FCOC e o TU
advertem que não tempo para mais discursos. É chegado o momento da
ação, e não será com congressos e debates que se “... enfrentará a insídia
moscovita, que vai se apoderando do Brasil. É com atos”. Para fundamentar a
urgência de uma atuação expressiva apoiando-se em ações e o em
palavras, reportam-se ao caminho indicado por Suzane Labin, autora de Em
cima da hora.
403
A escritora francesa, que esteve no Brasil por ocasião do
lançamento deste livro, participou de várias palestras tratando das estratégias
de enfrentamento ao comunismo:
(...) agir, adotando os mesmos processos que os
comunistas adotam: apossar-se da imprensa, dos rádios, da
televisão, das universidades, dos sindicatos, através de
pessoas devidamente preparadas. Esclarecer as massas
com slogans contundentes. E sobretudo gastar muito
dinheiro. Os russos dispendem 3 bilhões de dólares por ano
para a propaganda anti-democrática.
402
Idem.
403
LABIN, Suzanne. Em Cima da Hora. Rio de Janeiro: Record, 1963.
230
Que os que amam a democracia e nela encontram amparo,
façam o mesmo em favor da democracia.
404
Foi nesse cenário político, construído no período pré-golpe militar, que
o circulismo travou seus últimos embates com os militantes comunistas em
defesa da cristianização do operariado e suas organizações. Esse estudo
circunscreve-se no período iniciado com a fundação do primeiro Círculo
Operário do Cea e finaliza com o processo de inflexão no circulismo
cearense e de outros estados do nordeste desenhado na conjuntura dos
primeiros anos da década de 1960.
A Fortaleza foi porta-voz do movimento circulista, animando-o,
arregimentando os trabalhadores no campo e na cidade para expandirem os
Círculos, fortalecerem seu programa e ampliarem a base social de sua
atuação.
A publicação da doutrina católica ocupou importantes ginas da folha
e, com fundamento nesses preceitos orientou a formação de lideranças para
atuarem nos sindicatos. Constantes apelos foram feitos pela imprensa circulista
cearense para que os trabalhadores aderissem as organizações sindicais, pois
eram estas as que legalmente representavam os trabalhadores. Contudo,
embora não requeresse o sindicato confessional, propugnava sua
cristianização. Buscava influir nestas entidades através das lideranças
formadas no movimento e informadas de seus princípios norteadores, pois Se
os filhos da luz abandonam a vida social, quem de tomar conta dela, senão
os filhos das trevas?”
405
Constantemente A Fortaleza dirigia fortes apelos a sociedade civil,
convidando-a para o embate enérgico contra o comunismo ateu, visto como o
inimigo mais pertinaz do circulismo. Atacava os “maus costumes”, a “má
imprensa” e o desvirtuamento moral da sociedade. Auto-afirmava-se o baluarte
da moral cristã, consagrando em suas ginas o ensinamentos do catolicismo
social, como única doutrina a serviço da redenção da classe operária.
O ideário do semanário circulista tencionava a concretização dos
princípios cristãos defendidos pelo catolicismo para o mundo do trabalho.
404
A Fortaleza, ano XIV, nº 557, 27/10/1963.
405
A Fortaleza, ano XI, 464, 22/01/1961. O artigo intitula-se O cristão e o Sindicato” .
Publicação circulista.
231
Perseguia a evolução social como projeto cujo fim último era o estabelecimento
da justiça social. Esta seria o resultado da humanização da relação
capital/trabalho, cujo esteio era a doutrina social da Igreja Católica, espraiada
nas encíclicas papais. Sustentava a possibilidade da harmonia entre as
classes, partindo da noção de interdependência entre elas e dos valores
cristãos que lhes davam referência.
Conservadora e conciliadora, tentava sorver qualquer conflito que
indicasse pôr em perigo a ordem social. Ciosa em aplacar os acirramentos no
campo do trabalho, combatia implacavelmente os que se opunham a tradição
católica e ao projeto de harmonia entre as classes. Conquanto se apresentasse
como órgão a serviço da classe operária, foi indubitavelmente um potente
escudo para aqueles que exploravam e oprimiam os trabalhadores, e neste
aspecto em particular, A Fortaleza experimentou situações que conflitavam
com a própria doutrina social cristã, pondo em xeque elementos importantes de
sua plataforma política.
232
Considerações Finais
A investigação sobre a organização circulista no Ceará, que resultou
neste estudo, teve um percurso repleto de surpresas e alterações de ordem
diversa. No primeiro momento, delimitei a pesquisa ao município de Limoeiro
do Norte, localizado numa região interiorana deste Estado. Conquanto, a
medida que avançava na busca de documentos e fontes, deparava-me com os
circulistas expandindo sua organização por todo o Estado do Ceará,
disputando com os sindicatos e os partidos vinculados as correntes de
esquerda a orientação dos operários e trabalhadores cearenses.
Certamente, a verificação dessa expansiva e intensa atividade
circulista no Ceará foi o principal estímulo para alargar o campo da pesquisa
que passou a abranger os Círculos Operários no Estado. porém outras
questões que propiciaram essa nova perspectiva e dentre elas, o estudo da
literatura específica do movimento, demonstrando a existência de algumas
lacunas na sua trajetória histórica no Brasil.
Sem a pretensão de preencher todas essas lacunas, mas sobretudo
objetivando contribuir para ampliar a compreensão do fazer circulista para além
do eixo sul/sudeste e para as regiões onde a “questão social” estreitamente
vinculada ao mundo urbano industrial ainda não se fizera sentir de maneira
contundente, perscrutei, palmilhando alguns dos caminhos, trilhas e atalhos a
experiência dos circulistas cearenses ao longo de quase cinco décadas.
A literatura circulista proporcionou o entendimento das práticas do
movimento em variadas regiões, compondo um quadro rico e diverso sobre o
fazer circulista. Essas pesquisas apresentam ângulos diferenciados, porém
guardam algumas similitudes quanto à metodologia, que de maneira geral tem
como eixo a análise da estrutura do movimento. Como as pesquisas estão
concentradas no sul e sudeste do país e dão ênfase a sua organização no
meio urbano industrial, acredito que o estudo do circulismo no meio rural possa
trazer luzes sobre suas particularidades, formas de atuação e programa
específico, se for o caso.
Nesse estudo, procurei demonstrar, mesmo que de forma panorâmica,
o circulismo nos municípios interioranos onde predominavam os trabalhadores
rurais. Debrucei-me especialmente sobre o trabalho circulista voltado para a
233
sindicalização dos trabalhadores nestas regiões. Contudo, há outras nuanças
do circulismo rural que merecem aprofundamento. É possível que o estudo
específico sobre a organização dos Círculos Operários localizados em regiões
onde a situação social e o universo cultural desses trabalhadores, permeada
por diferentes relações de trabalho, tradições e costumes, em comparação ao
operariado urbano, possa fornecer novas interpretações sobre o movimento e
sobre como se articulavam os trabalhadores rurais em suas formas de
associativismo.
Ainda sobre esse aspecto em particular, devo assentir que por vezes
perdi-me no entrecruzamento de alguns caminhos que apontavam diferentes
direções, indicando, a despeito do propósito da hierarquia do movimento, a não
uniformidade da ação circulista no Cea em face das necessidades e
situações específicas de suas unidades circulistas localizadas na capital e no
sertão.
Quanto à revisão na periodização do circulismo no Brasil, este estudo
propõe outro marco de suas origens e indica a necessidade de uma reflexão
sobre sua trajetória histórica. Procurou ainda fazer emergir experiências outras
que se mantiveram na obscuridade ou foram negligenciadas. Essas
experiências tiveram ainda sua importância minimizada face a articulação de
um movimento de cunho nacional e um projeto político que se propunha
homogeneizador e portador das mais eficazes e potenciais estratégias,
programas e discursos, para a arregimentação do operariado cristão.
Esse projeto político-teológico, liderado pela hierarquia católica
circulista, partindo do Rio Grande do Sul, impôs marcos e mitos, efetivou, às
custas do sacrifício de muitas agremiações cristãs, fossem Círculos Operários
ou outras similares, a constituição de um novo molde para as entidades
operárias católicas: o modelo dos Círculos Operários. Embora houvesse
recebido contribuição significativa destas organizações com larga experiência
no seio dos trabalhadores, o Congresso Operário Católico, ocorrido em
novembro de 1937, tratou de descredenciá-las, ressaltando que os interesses
particulares e regionalistas, tratados simploriamente como “preconceitos”,
haviam sido “vencidos” .
406
406
O Congresso Operário Católico Nacional, realizado em novembro de 1937 no Rio de Janeiro
teve uma importância capital para a organização católica no meio operário. Neste evento,
234
Compreendo que para entender a feição que tomou o movimento
circulista nacional é necessário verticalizar a investigação sobre as entidades
amalgamadas a partir de 1937, anuindo a denominação de Círculos Operários.
Dentre essas organizações, estão os Centros Operários Católicos, as Uniões
Operárias, as Ligas Operárias e os Círculos de Operários e Trabalhadores
Católicos de São José.
Beatriz Loner, no estudo sobre a construção da classe operária
gaúcha, registra a atuação da Igreja Católica na constituição de entidades
benemerentes, dentre elas a Sociedade Beneficente Católica União Operária
Pelotense, que reunia apenas trabalhadores do sexo masculino, visando
afastá-los das “influências nocivas”. Para Loner, essa entidade “...iniciada
talvez antes de 1914, perdurou até 1927, pelo menos, e foi precursora dos
Círculos Operários.”
407
São pois nessas associações de operários e
trabalhadores, organizadas de forma dispersa em diferentes regiões do país e
lideradas por leigos católicos ou membros do clero, que pode-se encontrar os
liames da amálgama que redundou na unificação dessas entidades em
Círculos Operários.
Encontrei no circulismo cearense fortes e estreitos vínculos com a
Igreja Católica. O movimento estava rigidamente hierarquizado e mantinha-se
obediente às decisões do clero que constituía grande parte de sua cúpula. Foi
sem dúvida alguma um grande aliado da Igreja Católica no processo de
ampliação de sua base social. Constituiu ainda a base sobre a qual a Igreja
Católica firmou-se para investir no programa de sindicalização a partir de
meados da década de 1950.
A relação entre Círculos Operários e sindicatos indicou a preocupação
latente no movimento circulista com a sindicalização dos trabalhadores,
promovendo através de programas específicos como a ELO (Escola de Líderes
Operários) e a ELIRUR (Escola de Líderes Rurais), a formação das lideranças
para o sindicato. Em particular, esse investimento no sindicato demonstra a
disputa de diferentes projetos na orientação ideológica da luta e organização
considerado pelo Pe. Leopoldo Brentano como terceiro marco do circulismo, as agremiações
operárias de orientação católica foram “planificadas” para utilizar o termo que foi atribuído por
Brentano para designar o caráter assumido por essas entidades com as resoluções do
Congresso.
235
dos trabalhadores. Os sindicatos rurais no Ceará receberam forte influência da
formação circulista, fato que carece de análise mais profunda, donde seja
possível inferir a dimensão dessa conexão.
Ponto comum em todas as pesquisas acerca do circulismo é a
referência ao seu conteúdo educativo pedagógico. Educação formal e instrução
moral fundem-se num propósito de grande amplitude: transformar os
trabalhadores em homens e mulheres úteis, dignificando-os através do
trabalho; investir na cristianização das relações capital/trabalho; propor afastá-
los das doutrinas “nocivas” e discipliná-los por meio de um conjunto de ações
no campo da cultura e através da assistência material, amparados no poder
estatal e eclesiástico. Foi uma pedagogia fundamentada nas práticas de
controle e subordinação. Estabeleceu metas de longo alcance e formulou
importantes estratégias políticas, apresentando-se como alternativa para a
“questão social”.
Além de um conjunto de ações por meio das quais acercava-se dos
trabalhadores nos diferentes espaços, exerceram uma vigilância sobre os
costumes e as tradições, os vícios, as festas e as diferentes formas de lazer,
refutando atitudes e idéias quando estas estivessem em desacordo com a
doutrina cristã. A pedagogia do exemplo foi amplamente utilizada a serviço da
introjeção dos valores morais na formação dos trabalhadores.
Em particular, procuraram assenhorear-se do rito universal dos
trabalhadores, transfigurando-o. O Primeiro de Maio, como data-símbolo das
lutas operárias, momento singular na proposição da conciliação das classes,
assumiu caráter diferenciado no movimento circulista cearense. Ao seu sentido
reivindicativo, enquanto rito de luto e de luta, o circulismo cearense
transformou-o em festa cívico-religiosa. Aos mártires de Chicago antepõs o
José, o protetor celeste e universal dos trabalhadores. Esse fato não revela
apenas as estratégias políticas do circulismo, mas a dimensão de um projeto
político-teológico que considerava-se depositário das “verdades imutáveis”,
enquanto representação do corpo místico de Cristo.
Embora o circulismo cearense tenha mantido um programa de rádio
(Hora Circulista) para veicular suas mensagens e propostas, o veículo de
407
LONER, Beatriz Ana. Construção de classe: operários de Pelotas e Rio Grande (1888-
1930). Pelotas: Universidade Federal de Pelotas. Ed. Universitária:Unitrabalho, 2001.
236
comunicação que significativamente possibilitou a ampla divulgação doutrinária
e arregimentação dos circulistas foi o semanário A Fortaleza. Com a sua
criação em 1950, a Federação dos Círculos Operários no Ceará traçou um
programa de distribuição do jornal, que objetivava fazê-lo chegar as mais
distantes unidades circulistas, de maneira que os associados pudessem ter
acesso aos programas e campanhas encetados pelo movimento.
A Fortaleza se apresentava ainda como instrumento a serviço da
orientação das lideranças circulistas. São muitos os artigos, editoriais e notas
que a folha indicava como material a ser estudado e debatido pelos circulistas,
pois prestavam-se a formação moral e intelectual de seus membros. O
conteúdo do semanário abrange questões que não foram aprofundadas neste
estudo. As políticas públicas e a referenda da Igreja Católica a esses projetos
são comumente apresentadas pelo semanário. O caso do PLAMEG(Plano de
Metas do Governo) de Virgílio vora é apenas um exemplo das propostas
implementadas pelos chefes do executivo, que encontram n’A Fortaleza
sustentação e apoio da hierarquia católica cearense.
Como a investigação n’A Fortaleza circunscreveu-se à periodização
delimitada por esse estudo, ou seja, não ultrapassou o ano de 1963, acredito
que as edições posteriores possam indicar os caminhos que tomaram os
Círculos Operários no Ceará durante a ditadura militar, possibilitando
interpretações mais claras sobre a situação do movimento neste período e a
posição assumida pela Igreja Católica. Vislumbra-se também a possibilidade de
conhecer se houve um redirecionamento das ações circulistas em seu campo
de atuação específico e na área sindical, que muitos sindicalistas foram
cassados.
Creio também que seja possível, ao acompanhar sua trajetória no pós-
1964, encontrar indícios que apontem as razões de sua decadência nas
décadas seguintes, pois de fato o circulismo cearense, neste período, entra
num processo de refluxo. Essas questões ficam como indagações para futuras
pesquisas sobre o circulismo especificamente, ou outras correlatas.
No que concerne ao programa anticomunista levado a cabo pelas
organizações e grupos conservadores neste Estado, os Círculos Operários se
transformaram em centros irradiadores desse projeto. Organizaram e
veicularam uma das maiores propagandas de massa contra o comunismo,
237
articulando sindicatos e associações leigas, promovendo debates, cursos de
formação e palestras que redundou numa campanha de grandes proporções
fazendo-se presente tanto na capital quanto no interior.
É importante assinalar que o circulismo cearense tornou-se um dos
principais adversários da esquerda no Ceará. Alimentou uma forte oposição ao
programa comunista, perseguiu-os em praticamente todos os locais onde fosse
noticiada a organização de um “núcleo bolchevista”. Promoveu ainda a
expulsão de circulistas filiados à liga Operária camponesa, como exemplo a
todos aqueles refratários aos postulados do circulismo”,
408
demonstrando ser
implacável na defesa de seus ideais “supremos”.
O estudo da organização circulista no Ceará, possibilitou vislumbrar a
multiplicidade do fazer e da cultura operária mediante suas formas de atuação,
programas educativos e doutrinários, plataforma de luta, relação com o Estado
mediada pela Igreja Católica e o posicionamento ante outros projetos políticos
vinculados a matrizes ideológicas de cunho anarquista, socialista ou comunista.
As diferentes formas de agremiação( mutualistas, beneficentes,
classistas, recreativas) para onde confluíam os trabalhadores, demonstram que
a constituição da classe operária não obedece um desenvolvimento linear, mas
recebe influência das condições econômicas, políticas e culturais em que se
encontram e das lutas implementadas para sua transformação. Observa-se
ainda que esse processo está sujeito às variações regionais, informadas por
elementos culturais específicos. Encontro em Beatriz Loner uma análise sobre
a função dessas organizações no processo de construção da classe, que muito
contribui para a compreensão do papel especial dessas múltiplas associações
e o ponto de intersecção entre elas. Dentre as diversas ações por elas
operacionalizadas, a autora relaciona a criação da idéia de:
“... um grupo ou coletividade, unido entre si, mas separado
dos demais por outros valores e comportamentos, com
interesses específicos, ajudando, pois, na diferenciação
externa e na criação da similitude interna.”
409
408
A Fortaleza, ano XI, nº 481, 06/08/1961.
409
LONER, Beatriz Ana. Construção de classe: operários de Pelotas e Rio Grande (1888-
1930). Pelotas: Universidade Federal de Pelotas. Ed. Universitária:Unitrabalho, 2001, p.39.
238
Assim os Círculos Operários se constituíram como organizações
portadoras de uma mensagem e projeto específico. Propuseram a defesa do
operariado cristão, reivindicando melhores condições de trabalho, salários que
garantissem uma vida digna para o trabalhador, educação e moradia. Contudo,
com base na doutrina católica, entendiam que a formação moral dos
trabalhadores e operários era preponderante para o estabelecimento da ordem
social e, portanto, refutaram a idéia de luta de classes.
Dessa posição resulta a preocupação com a formação dos
trabalhadores e operários, de base ou liderança, para o ingresso no sindicato.
Os circulistas compreendiam que havia uma luta comum entre Círculos
Operários e sindicatos. Estes últimos, de maneira geral, apresentavam uma
plataforma política classista, potencializavam as reivindicações alçando os
patamares da radicalização, culminando em greves e manifestações que na
visão dos circulistas acirravam os ânimos e desestabilizava a ordem social. A
estratégia dos circulistas era, como afirmou Jessie Jane “...montar um cerco
aos sindicatos, por meio de uma organização cultural e religiosa marcada pelos
princípios do corporativismo católico.”
410
O projeto circulista transcendeu a luta por melhores condições
materiais de vida para os trabalhadores. Concebeu, que o soerguimento
material, moral e espiritual dos trabalhadores e operários, somente poderia
ocorrer se paralelamente ocorresse a colaboração do patronato.
Obstinado em promover a harmonia entre as classes, o circulismo
fundamentava sua atuação político-teológica na doutrina social católica e
almejava não apenas a redenção dos trabalhadores da miséria material em que
se encontravam, mas a conversão dos patrões ao projeto de cristianização do
mundo do trabalho, coroando no desenvolvimento harmônico da sociedade.
Para compreender o movimento circulista é necessário observar o
sentido de sua atuação no campo da cultura, como expressão de um projeto
político-teológico. Adjudicar aos Círculos Operários apenas a função de
fortalecer a hierarquia católica no processo de luta pela sindicalização dos
trabalhadores, ou como mais um programa de cunho caritativo impulsionado
410
SOUSA, Jessie Jane Vieira de. rculos Operários: a Igreja Católica e o mundo do
trabalho no Brasil. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2002.
239
pela Igreja, destitui o movimento do que realmente é a sua essência: um
projeto que inseriu-se no universo cultural dos trabalhadores e operários,
estabeleceu metas para a formação cultural e moral destes e organizou
estratégias para a sua aceitação requerendo adesão e legitimidade. Destarte,
para tornar inteligível as dimensões desse projeto é importante considerar
essas perspectivas que lhe foram peculiares.
240
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Jornal A Fortaleza ( Órgão da Federação dos Círculos Operários de
Fortaleza), Fortaleza. Consultado nos arquivos da Federação dos
Trabalhadores Cristãos do Ceará. Excetuando o ano de 1957, pesquisei todas
as edições do jornal, no período compreendido entre a data do seu lançamento
em setembro de 1950 adezembro de 1963. As edições referentes ao ano de
1957 não se encontram na F.C.T.C.C.
O Nordeste ( Órgão de orientação católica, vinculado ao Arcebispado
Metropolitano de Fortaleza), Fortaleza.
Consultado no Setor de História Eclesiástica do Seminário da Prainha.
Ano I, 12, 04/07/1922; 14, 14/07/1922; 22, 24/07/1922; N° 25,
27/07/1922; N° 30, 02/08/1922; N° 38, 11/08/1922; N° 45, 21/08/1922; N° 66,
16/09/1922;
Trabalhador Graphico ( Órgão do Sindicato dos Trabalhadores Graphicos).
Edição fac-similar. In: GONÇALVES, Adelaide e BRUNO, Allyson (orgs.)
Fortaleza: Editora UFC, 2002.
Ano I, 04, 10/05/1930; 13, 12/07/1930; 19, 23/08/1930; 25,
04/10/1930.
A Voz do Graphico- Órgão da Associação Gráphica do Ceará. Edição fac-
similar. In: GONÇALVES, Adelaide e SILVA, Jorge E. (Orgs.). São Paulo:
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Ano I, nº 2, 06/01/1921; nº 14, 26/11/1921.
Ano II, nº 18, 28/01/1922; nº 20, 25/02/1922.
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Federação dos Círculos Operários do Ceará. Cordel de autoria do Padre
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de Fortaleza e Círculos filiados e a Arquidiocese de Fortaleza.
Arquivo das correspondências expedidas e recebidas pelo Círculo
Operário de Limoeiro do Norte nos anos de 1964 a 1966.
Atas do Núcleo Operário de São Raimundo – Círculo Operário de Limoeiro
do Norte. Período: novembro de 1960 a novembro de 1965
Jubileu de Prata da CNCO VIII Congresso Nacional dos Círculos Operários,
realizado em julho de 1962. Instruções gerais; Regimento Interno; Temários;
Regulamento dos Grupos de Debate; Relatório; Projeto de Lei 1. 039 D de
1948. Dispõe sobre a participação dos empregados nos lucros da Empresa.
Desarquivado pelo Dep.Paulo de Tarso;
Boletim de Instruções. Emitido pela Federação dos Círculos Operários do
Ceará.
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Boletim Informativo do Primeiro Congresso Sindical Trabalhista do
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Horizonte: Editora UFMG, 1999
VILLAÇA, Antonio Carlos. O Pensamento Católico no Brasil. Rio de Janeiro,
Zahar Editores, 175.
251
ANEXOS
252
ANEXO I
RELAÇÃO DOS CÍRCULOS OPERÁRIOS DA CAPITAL E INTERIOR DO
CEARÁ*
CÍRCULOS DA CAPITAL
AEROLANDIA – Fundado em 3/6/56. Sede alugada á rua Djalma Petit, 204,
Sócio inscritos: 440, quites: 356. Oferece assistência dentária e médica.
ANTÔNIO BEZERRA Fundado a 3/06/49 Sede própria localizada na rua
Martins Neto, 195.Sócios Inscritos: 538. cios Quites: 205. Mantém escolas e
oferece assistência médica e dentária.
ARRAIAL MOURA BRASIL Fundado a 15.10.51. Sede própria localizada na
Travessa João Felipe, 102. Sócios Inscritos: 1.350. Sócios Quites: 820.Mantém
escolas primárias e de corte e costura. Oferece assistência médica e dentária.
FERROVIÁRIOS Fundado a 06/07/49 Endereço: Imperador, 596. Sócios
Inscritos: 638. Sócios Quites: 132. Mantém assistência médica e dentária.
FLORESTA Fundado a 18/11/34. Sede própria na Av. Dr. Theberge, 710.
Sócios Inscritos: 1.645. Sócios Quites: 1.440. Escola de Alfabetização e corte e
costura. Assistência médico-dentária e farmacêutica em cooperação com
outras entidades.
* As informações sobre existência e localização dos Círculos Operários que constam
nesta relação foi divulgada no Jornal A Fortaleza, ano VIII, nº 394 e 395 , de
29/01/1959 e 01/02/1959, respectivamente. Outras foram encontradas de forma
esparsa nos diversos números pesquisados neste jornal.
253
FORTALEZA – Fundado a 14/02/15. Sede própria. Endereço: Praça Cristo
Redentor s/n. Sócios Inscritos: 1.640. Sócios Quites: 1.440. Mantém as
seguintes escolas: primária, corte e costura.
LA SALETE Fundado a 06/01/35. Sede própria na rua Anízio Teixeira s/n.
Sócios Inscritos: 3001. Sócios Quites: 2400. Mantém assistência médica e
dentária.
MECEJANA Fundado a 19/10/41. Não tem sede própria. Endereço Rua
Cel. Joaquim Bezerra, s/n.Sócios inscritos: 800. Sócios Quites: 600.Mantém
escolas.
MONTE CASTELO – Fundado a 15/05/47. Sede própria na Av. Benjamin
Barroso, n.100. Sócios Inscritos: 1378. Sócios quites: 820. Mantém: escola
primaria, de corte e costura e arte culinária. Oferece assistência dica e
dentária.
MONTESE Fundado a 13/03/53. Sede própria localizada na rua Adrien Boris
s/n. Sócios Inscritos: 428. Sócios Quites: 296. Mantém escola e oferece
assistência dentária.
MUCURIPE Fundado a 14/09/47. Possui sede própria, na Av. Leite Barbosa,
3984. Sócios Inscritos: 1650, quites: 1050. Mantém escolas e presta
assistência médica e dentária.
NAVEGANTES Fundado a 12/02/48. Sede alugada na rua Sto. Inácio n. 586.
Sócios Inscritos: 508. Sócios quites: 508. Oferece assistência médica e
dentária.
NAZARÉ Fundado em 02/03/47 Sede própria na rua Samuel Uchôa s/n.
Sócios Inscritos: 1018. Sócios quites: 1370. Oferece assistência médica e
dentária.
254
OTAVIO BONFIM Fundado em 27/06/48. Possui sede própria no valor de
Cr$ 500.000,00. Sócios Inscritos: 3500. Sócios Quites: 1370. Mantém escola e
presta assistência médico-dentária.
PADRE ANDRADE Fundado em 19/0357. Sócios inscritos: 489. Sócios
Quites: 250. Endereço: K-7. Mantém escola de alfabetização e oferece
assistência médica.
PARANGABA Fundado a 04/11/23. Sede própria na rua Caio Prado, 165.
Patrimônio: Cr$ 700.000,00. Possui treze núcleos. Sócios Inscritos: 3.200,
Sócios Quites: 2.250. Mantém assistência médico-dentária e escolas.
PARANGABUÇUFundado a 13/04/47 Sede em construção. Endereço Rua
Major Pedro Sampaio 1.063. Sócios Inscritos 1.511. Sócios Quites: 635.
Mantém escolas de alfabetização e de corte e costura. Oferece assistência
médica e dentária em cooperação com a Federação dos Círculos Operários.
PIEDADE Fundado a 17/09/49. Sede própria na rua Visconde do Rio branco,
nº 2254. Sócios Inscritos 1.300. Quites: 1.200. Mantém escola de corte e
costura. Oferece assistência médica e odontológica em cooperação com a
Federação dos Círculos Operários.
PIRAMBU Fundado em 22/01/1961. Antes era núcleo do C. O de
Navegantes.
SÃO GERALDO Fundado em 22/09/1963. Assistente Eclesiástico: Pe Mauro
Herbster.
S. JOÃO DO TAUAPE Fundado a 04/08/46. Sede própria localizada à rua
Manoel Salazar nº 342. Sócios inscritos: 720. Sócios quites: 480. Mantém
escola de alfabetização e presta assistência médica-dentária.
UNIÃO POPULAR CRISTO REI Fundado em 18/01/31. Com sede própria
localizada à rua Franklin Távora, 142. Fone 1.61.34. Valor Cr$ 2.150.000,00.
255
Mantém escola de alfabetização e oferece assistência médica. Dispõe do
Berço do pobre.
CIRCULOS DO INTERIOR
ACARAPE – Fundado a 27/07/47
ACARAU – Fundado a 19/05/35. Dispõe de orfeon.
ACOPIARA Fundado a 08/12/40. Sede própria na rua Cel. Raimundo Pinho,
226. Sócios Inscritos: 1.381. Sócios quites: 1.203. Mantém assistência médica
e dentária e escolas de alfabetização. Possui ainda mausoléu onde ficam os
restos mortais dos circulistas.
ALTO SANTO – Fundado em 1962.
AMONTADA - Fundado em 09/08/1959.
APUIAIRÉS - Fundado a 10/08/47.
AQUIRAZ Fundado a 13/06/54. Sede própria na Praça Dr. João César s/n.
Sócios inscritos: 644, quites: 336. Mantém escolas de alfabetização e oferece
assistência médica, dentária e ambulatorial.
ARACATI Fundado a 07/11/20. Sede própria na Av. Cel. Alexandre Matos
Costa Lima, 697. Sócios inscritos: 1.350, quites: 1.050. Mantém escola de
alfabetização e presta assistência médica. Possui cinema. A sede esta avaliada
em Cr$ 700.000,00. Fundou em 1951 um núcleo em Santa Teresinha.
ARACOIABA – Fundado a 01/10/44.
256
ARACATIAÇU Fundado a 12/07/44. Sede própria. cios Inscritos: 1.081,
quites: 718. Mantém escola de alfabetização e oferece assistência
farmacêutica.
AURORA – Fundado a 29/06/54. Sede própria na rua 7 de setembro s/n.
Sócios inscritos: 1.420, quites: 806. Mantém escolas de alfabetização e oferece
assistência dentária e farmacêutica.
BARBALHA Fundado a 19/03/32. Sede própria. Valor: Cr$ 200.000,00.
Sócios inscritos: 1.300, quites: 650. Mantém escolas de corte e costura e
banda de música.
BATURITÉ Fundado a 13/01/24. Sede própria localizada na Praça Matriz,
147. Sócios Inscritos: 825, quites: 256. Mantém assistência médica e dentaria;
escolas de corte, costura, culinária e de alfabetização.
BREJO SANTO – Fundado a 19/03/50. Sede própria na rua Cel. Manuel Inácio
s/n. Sócios inscritos: 335, quites: 277. Mantém escolas de alfabetização e
oferece assistência médica, dentária e farmacêutica.
CAMPOS SALES Fundado a 19/03/46. Sede própria no valor de Cr$
60.000,00. Sócios inscritos: 120, quites: 90. Mantém escolas e oferece
assistência médica e dentária.
CARIRIAÇU Fundado a 19/03/47. Sede própria no valor de Cr$ 200.000,00.
Sócios Inscritos: 800, quites: 380. Mantém escolas de alfabetização e oferece
assistência médica e dentária.
CARIÚS Fundado a 09/11/47. Sede própria localizada na rua 15 de
Novembro. Sócios Inscritos: 120, quites: 37.
CARIRÉ Fundado a 25/02/44. Sócios Inscritos: 400, quites: 100. Oferece
assistência médica e dentária.
257
COREAÚ Fundado a 09/07/39. Sede própria no valor de Cr$ 800.000,00.
Sócios Inscritos: 677, quites: 507. Mantém o Ginásio Nossa Senhora da
Piedade e oferece assistência dentária.
CRATEÚS Fundado a 19/03/45. Sócios inscritos: 1.000, quites: 510. Mantém
escolas e oferece assistência médica. Possui Caixa de crédito aos associados.
CRATO Fundado a 11/04/39. Sede própria localizada na rua Pedro II. Sócios
Inscritos: 3.000, quites: 2.683. Mantém escolas e oferece assistência médica,
dentária e farmacêutica. Possui uma cooperativa de consumo.
GUARACIBA DO NORTE Fundado a 04/10/41. Sede própria. Sócios
inscritos: 320, quites: 150.
GUARAMIRANGA – Fundado em 1962.
CHAVAL – Fundado a 01/07/51. Mantém escolas e presta assistência Social.
GROAIRAS Fundado a 03/10/57. Mantém escolas e presta assistência
médica.
GUANACÉS – Fundado a 15/11/52. Sede própria.
CURÚ – Fundado a 15/11/50. Mantém escolas e presta assistência médica.
ICÓ Fundado a 06/01/47. Sede própria. Sócios inscritos: 510, quites: 400.
Mantém escolas e oferece assistência médica, dentária e farmacêutica.
IBIAPINA – Fundado a 19/03/42. Sede própria. Em 1951 tinha 800 sócios.
INDEPENDENCIA Fundado a 29/06/49. Sede própria localizada na Praça do
Mercado, s/n. Sócios Inscritos: 400, quites: 120. Mantém escolas.
258
IGUATÚ Fundado a 01/11/36. Sede própria na rua Cel. Belizário, s/n. Sócios
Inscritos: 590, quites: 510. Mantém escolas e oferece assistência médica e
dentária. O túmulo do operário foi construído em janeiro de 1951.
IPÚ Fundado a 17/01/32. Sócios inscritos: 893, quites: 200. Mantém
assistência médica e dentária. Possui silos para armazenagem de cereais.
IPUEIRAS Fundado a 19/03/32. Sede própria no valor de Cr$ 600.000,00.
Mobiliário no valor de Cr$ 100.000,00. Sócios Inscritos: 1.200, quites: 790.
Mantém escolas e oferece assistência Médica e dentária. Tem ainda uma
banda de musica no valor de Cr$ 120.000,00.
ITAPAGÉ Fundado a 01/01/51. Sócios inscritos: 1.200, quites: 750. Mantém
escolas e presta assistência médica. Dispõe de um túmulo operário, onde são
enterrados os restos mortais dos circulistas.
ITAPEBUÇU – Fundado a 15/05/50.
ITAPIPOCAFundado a 02/10/42. Sede própria no valor de Cr$ 1.000.000,00.
Sócios Inscritos: 559, quites: 3.896. Possui 64 escolas em funcionamento, com
3.500 alunos; dois centros de iniciação profissional; presta assistência médica
e dentária. Possui 40 bandeiras circulistas. A Casa do Professor foi construída
em 1961. Vários dos seus núcleos possuem sede própria.
JAGUARIBE – Fundado a 11/09/46.
JARDIM Fundado a 20/10/37. Sede própria. Sócios Inscritos: 977; quites:
457. Mantém escolas e assistência médica e dentária; possui uma banda de
musica e dispõe de 4 máquinas agrícolas para atender os circulistas.
JATI – Fundado a 19/03/32. Sede própria. Mantém escolas.
JUAZEIRO DO NORTE Fundado a 13/04/29. Sede própria no valor de Cr$
800.000,00. Sócios Inscritos: 1.889, quites: 1.846. Mantém escolas e presta
259
assistência médica e dentária. Tem uma banda de música no valor de Cr$
70.000,00.
JUCÁS Fundado a 14/05/53. Sócios inscritos: 160, quites: 105. Mantém
escola de alfabetização.
LAVRAS DA MANGABEIRA Fundado a 01/11/40. Endereço: Trav. São
Vicente, s/n. Sócios inscritos: 245; quites: 100. Mantém escolas e oferece
assistência médica e dentária.
LIMOEIRO DO NORTE Fundado em 1928. Foi reorganizado 11/05/41 após
um período de inatividade. Sede própria no valor de Cr$ 1.000.000,00. Sócios
Inscritos: 800; quites: 560. Mantém Liceu de Artes e Ofícios, cursos de
alfabetização e curso de datilografia. Oferece assistência médica e dentária.
MADALENA - Fundado a 27/08/1950. Sócios inscritos: 350; Quites: 150;
Mantém escolas e assistência pecuniária aos associados;
MARACANAÚ Fundado a 31/08/52. Sede própria na rua Antônio Alencar,
s/n, Sócios Inscritos: 1.570, quites: 600. Possui escolas.
MARANGUAPE Fundado a 01/05/38. Sede própria na Praça da Bandeira.
Sócios Inscritos: 1.065, quites: 350. Mantém escolas e oferece assistência
médica e dentária. Em 1951 fundou um núcleo circulista em Santo Antônio de
Pitaguari.
MARCO- fundado a 1º de maio de 1945. Tem sede própria e mantém escolas.
MARTINÓPOLE- C. O . Rural de. Fundado a 14 de maio de 1957.
MASSAPÊ Fundado a 15 de maio de 1949. Sede própria a rua Antero
Coelho s/n. sócios inscritos: 97; quites 68; mantém escolas e presta
assistência médico – dentária.
260
MILAGRES - Fundado a 08/02/1953. Sócios inscritos: 102; quites: 80;
MILHÃ – CÍRCULO OPERÁRIO RURAL DE. Fundado em maio de 1961.
MOMBAÇA – Fundado a 1º de maio de 1945. Sócios inscritos :560; quites:275;
mantém escolas;
MONSENHOR TABOSASócios inscritos: 187; quites : 87; mantém escolas e
assistência médico-dentária;
MORADA NOVA C. O RURAL DE. Fundado em 06/08/1944. Sede no valor
de Cr$ 200.000,00; sócios inscritos: 800; quites: 240; mantém escolas de
alfabetização. Presta assistência médico- dentária; dispõe de oficina para
construção de caixões funerários. Possui outro prédio na fazenda “Seleção”.
Dispõe de silos para armazenar os produtos agrícolas dos associados.
MORRINHOS Fundado em de Maio de 1959.(centésimo círculo operário
do Ceará).
MULUNGU Fundado a 06/07/1952. Sede própria à Praça da Matriz. Sócios
inscritos: 200; quites: 158; mantém assistência dentária;
NOVA RUSSAS- Fundado a 19/03/1941. Sede própria no valor de Cr$
600.000,00; Sócios inscritos: 3.859; quites: 3750; mantém um Ginásio, um
Hospital, uma Farmácia no valor de Cr$ 700.000,00; uma Fábrica de Mosaicos,
terrenos, uma Carteira de Crédito com movimento superior a Cr$ 2.000.000,00.
NOVO ORIENTE - Fundado a 19/07/1954.
PACAJÚS - Fundado a 7/11/1949; Sede própria no valor de Cr$ 150.000,00.
Sócios inscritos : 150; quites: 110;
PACATUBA - Fundado a 19/03/1919. Sede própria. Sócios inscritos : 350;
quites; 159; mantém escolas e presta assistência médico-dentária;
261
PARAMBU - Fundado a 22/07/1951.
PARACURU Fundado em 1960. Sócios fundadores: 104. Categoria:
trabalhadores do campo e pescadores.
PENTECOSTES - Fundado a 29/01/1953; Sócios inscritos: 293; quites: 103;
mantém escolas e oferece assistência médico-dentária e farmacêutica.
PEREIRO Fundado em 29/06/1960. Sócios fundadores: 700. Categoria:
trabalhadores rurais. Mantém escola noturna para alfabetização de adultos,
com matrícula de 65 alunos em 1960.
PIQUET CARNEIRO - Fundado a 19/03/1949. Sócios inscritos: 297; quites:
249; mantém escolas.
PORANGA Fundado a 26/09/1954. Sócios inscritos: 1643; quites: 987;
mantém escolas e uma Carteira de Crédito com movimento superior a Cr$
110.000,00.
QUIXADÁ - Fundado a 15/08/1951.
QUIXERAMOBIM Fundado a 15/10/1933. Prédio próprio no valor de Cr$
200.000,00. Mantém escolas e presta assistência médico-dentária.
QUIXELÔ – Fundado a 1º de Janeiro de 1959. Na época Quixelô era distrito de
Iguatú.
QUIXERÉ – Fundado em 27/11/1960.
REDENÇÃO- Fundado a 18/10/1925. Sede própria a Rua Pe. José Távora.
Sócios inscritos: 310; quites: 74; mantém escolas de alfabetização, corte e
costura; presta assistência médico-dentária;
RERIUTABA- Fundado a 11/08/1948.
262
RUSSAS Fundado a 07/09/1946. Possui Sede própria. Sócios inscritos: 286;
quites: 112; mantém escolas.
SÃO BENEDITO Fundado a 19/03/1929. Sede própria. Sócios inscritos:
2100; quites: 1700; mantém assistência médico-dentária.
SÃO GONÇALO DO AMARANTE – Fundado a 01 de maio de 1962.
SANTANÓPOLE - Não indicativo de data de fundação. A Fortaleza, ano I,
43, 21/07/1951, divulga que este Círculo tem 6 núcleos: 1- sede; 2- Boa
Saúde; 3- Dom Vital; 4- Nova Olinda; 5- Jurema e 6- Conceição.
SANTA QUITÉRIA – Fundado a 27/06/1937.
SANTANA DO ACARAÚ - Fundado a 03/09/1940. Possui sede própria.
Mantém escolas de alfabetização e de corte e costura. Sócios inscritos: 350;
quites: 150.
SANTANA DO CARIRI – Fundado a 18/11/1943.
SENADOR POMPEU Fundado a 06/01/1940. Possui Sede própria à Rua Rui
Barbosa 43, mantém escolas e presta assistência médico-dentária. Sócios
inscritos: 570; quites: 270; possui mausoléu para os circulistas.
SOBRAL Fundado a de janeiro de 1921. Prédios próprios: 03; Sócios
inscritos: 609; quites: 397; mantém escolas de alfabetização, corte e costura;
tem ainda 01 escola profissional; presta assistência médico-dentária; dispõe de
Lactário; possui uma serraria completa no valor de Cr$ 500.000,00.
SOLONÓPOLE Fundado a 15/10/1953. Sede própria. Sócios inscritos: 140;
quites: 120.
263
TAMBORIL - Fundado a 19 /03/1929. Possui Sede própria. Sócios inscritos:
1646;quites: 1001. Mantém escolas de alfabetização e corte e costura. Possui
uma Fazenda na localidade de Canaã; possui ainda Lactário, Farmácia e
Carteira de Crédito.
TIANGUÁ - Fundado a 12/11/1931. Sede própria. Sócios inscritos: 200; quites:
100.
UBAJARA - Fundado em 12/07/1959.
VIÇOSA DO CEARÁ - Fundado a 06/07/1932.
264
ANEXO II
Hino do CÍrculo Operário de Sobral*
Do trabalho indefesos romeiros,
E da igreja e da Pátria soldados,
Nos adornam trez nomes sagrados:
Operários, Crhistãos, Brasileiros.
CÔRO
Abraçamos contentes a escola
Cujos mestres – trabalho e virtude –
Um – aos corpos dá vida e saúde,
Outro – as penas das almas consola.
Somos todos – que nobre incentivo
Para os nossos pesados labores! –
Campeões do progresso, factores
Da riqueza e do bem collectivo.
Nossas blusas grosseiras e pobres
Guardam peitos sinceros e honrados
Não invejam de certos os brocados
Nem as sedas dos ricos, dos nobres.
Diligentes, activos e honestos
Nos misteres dos nossos offícios
A indolência evitamos os vícios
Sempre todas as classes funestos.
Nossos árduos deveres cumprindo
Na officina, no lar no templo,
Servirá nossa vida de exemplo
A quem for nossos passos seguindo.
E no fim destas luctas penosas,
Da Victória teremos as palmas,
E no seio de Deus nossas almas
Viverão para sempre ditosas.
O hino foi escrito pelo padre Antônio Tomáz na década de 1920.
Fonte: JUNIOR, Agenor Soares e Silva. “A Cidade Disciplinada”: A Igreja Católica
e os Trabalhadores Urbanos em Sobral-Ceará (1920-1925). Recife, 2002.
Dissertação de mestrado em História. UFP.
265
ANEXO III
Hino dos Trabalhadores Brasileiros*
Companheiros, cerremos fileira!
Olhos fitos no ideal que reluz;
Empunhemos a nossa bandeira,
Cujas cores abraçam a cruz!
Ardorosos na luta, queremos
O operário fazer respeitar;
Contra as forças do mal defendemos
Nosso Deus, nosso pão, nosso lar!
Estribilho:
Nós trazemos um lema que encerra
Um programa de paz e de amor,
Pois queremos que acabem na terra
A opressão, a injustiça, o terror.
Nós não somos mendigos ou escravos,
Mas pioneiros de um grande porvir;
Nós iremos com audácia de bravos,
Nova ordem social construir.
Vencerá nossa marcha gloriosa!
Vem depressa marchar, meu irmão!
Surgirá da jornada afanosa
Um Brasil operário cristão!
* Fonte: MANUAL DO CÍRCULO OPERÁRIO. CNOC. Rio de Janeiro, Ed. Vozes, 1939
266
ANEXO IV
Canção circulista*
O Círculo Operário
Nos tempos atuais
Encerra qual sacrário
Os nossos ideais:
Os homens do trabalho
Num bloco só fundir,
Co’ o próprio braço e malho
Forjar o seu porvir.
De Deus a lei divina
Inspira a nossa lei,
De Cristo a sã doutrina
Orienta a nossa grei;
Trabalho é nosso lema,
Respeito, ordem e paz;
Da cruz o sacro emblema
Nossa Bandeira traz.
Queremos garantias,
De lei e proteção;
Queremos moradias,
Trabalho e instrução ;
Um são distributismo
Regule o capital ;
Com brio e dinamismo
Sirvamos nosso ideal.
267
Lutemos, camaradas,
Jamais descoroçoar!
Busquemos, de mãos dadas,
O nosso bem estar ;
Sozinhos, desunidos,
Não somos de temer ;
Marchando sempre unidos,
Formamos um poder.
Aos sindicatos, viva!
A escola um viva igual!
Um viva á cooperativa!
Um viva ao pessoal!
Pró Circulo Operário,
O’ sócios, trabalhar;
Cumprí o seu fadário
De glórias sem par!
* Fonte: MANUAL DO CÍRCULO OPERÁRIO. CNOC. Rio de Janeiro, Ed. Vozes, 1939
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