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AS FORMAS DE TRATAMENTO EM CARTAS DE LEITORES
OITOCENTISTAS: PECULIARIDADES DO GÊNERO E REFLEXOS DA
MUDANÇA PRONOMINAL
por
LUCIA ROSADO BARCIA
Universidade Federal do Rio de Janeiro
Faculdade de Letras
2006
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EXAME DE DISSERTAÇÃO
BARCIA, Lucia Rosado. As Formas de Tratamento em Cartas de Leitores
Oitocentistas: peculiaridades do gênero e reflexos da mudança pronominal. Dissertação
de Mestrado em Língua Portuguesa – Curso de Pós-Graduação em Letras Vernáculas,
Rio de Janeiro: UFRJ, Faculdade de Letras, 2006, 142 fl. Mimeo.
BANCA EXAMINADORA:
______________________________________________________________________
Professora Doutora Célia Regina dos Santos Lopes
(Departamento de Letras Vernáculas/UFRJ)
Orientadora
______________________________________________________________________
Professora Doutora Dinah Maria Isensee Callou
(Departamento de Letras Vernáculas/UFRJ)
______________________________________________________________________
Professora Doutora Vera Lúcia Paredes Pereira da Silva
(Departamento de Lingüística/UFRJ)
______________________________________________________________________
Professor Doutor Afranio Gonçalves Barbosa
(Departamento de Letras Vernáculas /UFRJ)
Suplente
______________________________________________________________________
Professor Doutor Mário Eduardo Toscano Martelotta
(Departamento de Língüística /UFRJ)
Suplente
Examinada a Dissertação:
Conceito: ___________ .
Em: ____ / ____ / 2006.
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AS FORMAS DE TRATAMENTO EM CARTAS DE LEITORES
OITOCENTISTAS: PECULIARIDADES DO GÊNERO E REFLEXOS DA
MUDANÇA PRONOMINAL
por
LUCIA ROSADO BARCIA
Departamento de Letras Vernáculas
Dissertação de Mestrado em Língua
Portuguesa apresentada à Coordenação
dos Cursos de Pós-Graduação em Letras
da Universidade Federal do Rio de
Janeiro. Orientador: Professora Doutora
Célia Regina dos Santos Lopes.
UFRJ/Faculdade de Letras
Rio de Janeiro, 1º Semestre de 2006.
A Neli de Souza Rosado e Domingo Barcia Pascual (in memorian), meus amados pais.
AGRADECIMENTOS
Agradeço à Professora Doutora Célia Regina dos Santos Lopes, cuja orientação,
séria, competente e comprometida com a coerência de uma investigação científica,
ultrapassou os limites da esfera acadêmica, pela amizade, pela dedicação, pelo estímulo,
pelo exemplo e pela generosidade com que me conduziu no decorrer da confecção desta
dissertação. Manifesto também a minha gratidão por me ter orientado no início de
minhas pesquisas sociolingüísticas, ainda à época da Graduação e Iniciação Científica, e
por haver incentivado o meu ingresso no Mestrado na UFRJ.
À Professora Doutora Dinah Maria Isensee Callou, sempre interessada em meus
avanços profissionais e acadêmicos, agradeço o apoio e estímulo constantes que
impulsionaram o meu interesse pelo trabalho com a pesquisa lingüística.
Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq),
agradeço pela ajuda financeira que viabilizou, durante a Iniciação Científica, o ingresso
no mundo da pesquisa científica.
Apresento meus agradecimentos aos meus professores de Língua Portuguesa da
Graduação da Faculdade de Letras/UFRJ – Maria Cristina Rigoni, Mônica Nobre,
Carlos Alexandre Victorio Gonçalves, Renata Bondim, Leonor Werneck e João Moraes
–, pela grande contribuição à minha formação acadêmica.
Devo agradecer ainda aos professores Vera Lúcia Paredes Pereira da Silva,
Christina Abreu Gomes, Maria Eugênia Lamoglia Duarte, Humberto Peixoto, Maria
Maura Cezario, Mário Eduardo Toscano Martellota, Sílvia Rodrigues Vieira e Márcia
Machado Vieira, pelos ensinamentos obtidos nos cursos realizados durante o Mestrado
em Língua Portuguesa.
À equipe do Colégio Estadual Joaquim de Almeida Flores, pela confiança
depositada e pela compreensão em relação ao meu afastamento do trabalho na semana
de conclusão desta dissertação. Expresso minha gratidão também aos colegas de
trabalho do CNA, que agiram como uma “verdadeira torcida”.
Desejo agradecer à minha mãe, Neli de Souza Rosado, pelo incentivo, pelo amor
e pela responsabilidade com que me conduziu na vida, impulsionando e apoiando, a
todo o momento, a minha busca pelo saber.
Manifesto-me também sinceramente grata a Domingo Barcia Pascual, pai
admirado, incentivador e querido, que, mesmo não mais estando entre nós, seguramente
guiou os passos deste trabalho.
Aos meus amados irmãos, Ana Regina, Luciana e Rodrigo, que sempre
estiveram ao meu lado, agradeço pelo apoio, carinho e palavras de incentivo
pronunciadas nos momentos difíceis.
Agradeço ao meu marido Francisco José Guimarães Maciel, personalidade
indispensável em minha vida, pela força constante, pelo estímulo, pelo apoio e amor
incondicionais e, principalmente, pela paciência com que me acompanhou durante este
percurso de muito estudo.
Pelo companheirismo acadêmico, agradeço às amigas, de Graduação e Pós-
Graduação, Andreza da Silva, Kelly de Melo Queres da Silva, Ana Carolina Morito
Machado, Luciene Pereira Martins, Carolina Ribeiro Serra, Suelen Sales da Silva e
Erica Sousa de Almeida.
Agradeço especialmente à Juliana Barbosa de Segadas Vianna, não só pela
grande amizade, mas também pela ajuda constante com os Programas VARBRUL e
GOLDVARB – instrumentos indispensáveis à confecção desta dissertação.
Exprimo minha gratidão a todos os meus alunos e ex-alunos, por também
contribuírem para o meu amadurecimento profissional.
Enfim, mostro-me imensamente agradecida a todos que, de alguma forma,
acreditaram em mim e torceram pelo meu sucesso...
SINOPSE
Descrição e análise das formas nominais e pronominais de
tratamento em cartas de leitores de jornais oitocentistas da
Região Sudeste do Brasil. A caracterização do gênero
carta e suas peculiaridades. O estágio assumido por Vossa
Mercê > você durante o processo de gramaticalização.
Reflexos da mudança pronominal e encaixamento da
mudança categorial nas estruturas lingüística e social .
“Ninguém pode deixar a língua em paz, a não ser que se
condene ao mutismo, recurso nem sempre recomendável.
Todos (pecadores de nós!) a maltratamos na medida de
nossas forças. A língua é um instrumento social, o que
quer dizer que quem fala o faz para um interlocutor, que
pode ser somente uma pessoa ou a comunidade inteira: o
eu está assim condicionado inevitavelmente pelo tu e o
ele, singulares ou plurais. Viver é conviver, sobretudo em
matéria de linguagem.”
(Angel Rosenblat, 1967.)
SUMÁRIO
Índice de Quadros e Tabelas ......................................................................................... xii
Abreviaturas e Convenções .......................................................................................... xiv
1 – INTRODUÇÃO ..................................................................................................... 01
2 – PRONOMES PESSOAIS E PRONOMES DE TRATAMENTO: DISTINÇÕES
E SEMELHANÇAS ..................................................................................................... 05
2. 1 – A Visão Tradicional ....................................................................................... 05
2. 2 – Do Tratamento Nominal aos Pronomes Pessoais: buscando as origens do
fenômeno ................................................................................................................. 14
2. 3 – Estudos Lingüísticos Parciais Acerca das Formas de Tratamento .................19
3 – PRESSUPOSTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS: A CORRELAÇÃO
SOCIOFUNCIONAL PARA A COMPREENSÃO DA MUDANÇA
LINGÜÍSTICA ............................................................................................................ 24
3. 1 – Princípios Gerais da Sociolingüística: a importância dos fatores sociais
...................................................................................................................................24
3. 2 – A Proposta Funcionalista: as motivações sócio-comunicativas .................... 27
3. 3 – O Fenômeno da Gramaticalização ................................................................. 30
3. 4 – O Casamento Teórico: O Sociofuncionalismo ...............................................37
4 – A CARACTERIZAÇÃO DA AMOSTRA: AS CARTAS DE LEITORES
OITOCENTISTAS ...................................................................................................... 40
5 – DESCRIÇÃO METODOLÓGICA E ANÁLISE DE RESULTADOS ............. 51
5. 1 – As Formas Nominais e Pronominais de Tratamento na Posição de Sujeito nas
Cartas de Leitores Oitocentistas .............................................................................. 58
5. 1. 1 - Distribuição Geral dos Dados ........................................................ 58
5. 1. 2 – O Tipo de Interação e os Destinatários nas Cartas de Leitores
Oitocentistas ................................................................................................ 61
5. 1. 3 – As Relações de Poder e Solidariedade nas Cartas de Leitores
Oitocentistas ................................................................................................ 71
5. 1. 4 – As Cartas de Leitores Oitocentistas – tipos e temas ...................... 77
5. 2 – O Estágio da Gramaticalização de Vossa Mercê > Você ............................ 96
6 – CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................. 112
7 – REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .............................................................. 117
ANEXOS ..................................................................................................................... 127
RESUMO .................................................................................................................... 141
ABSTRACT ............................................................................................................... 142
Índice de Quadros e Tabelas:
Quadro 1: As propriedades semânticas, morfológicas e sintáticas dos pronomes
pessoais e dos pronomes de tratamento ......................................................................... 12
Tabela 1: Formas nominais e pronominais utilizadas em cartas de leitores do século
XIX: somente na posição de sujeito .............................................................................. 58
Tabela 2: Distribuição dos dados das formas nominais e pronominais de tratamento em
relação ao tipo de interação e aos destinatários em cartas cariocas, mineiras e paulistas:
somente na posição de sujeito ....................................................................................... 63
Tabela 3: A solidariedade nas cartas de leitores do século XIX – a distribuição dos
dados das formas nominais e pronominais de tratamento nas cartas cariocas, mineiras e
paulistas: somente na posição de sujeito ....................................................................... 74
Tabela 4: Distribuição dos dados das formas nominais e pronominais de tratamento em
relação ao tipo de carta: somente na posição de sujeito ................................................ 79
Tabela 5: Distribuição dos dados das formas nominais e pronominais de tratamento em
relação aos temas nas cartas cariocas, mineiras e paulistas: somente na posição de
sujeito ............................................................................................................................. 88
Tabela 6: Distribuição dos dados de vossa mercê, variantes de vossa mercê, você, vós e
tu nas cartas de leitores de jornais oitocentistas brasileiros ........................................... 97
Tabela 7: Distribuição dos dados de vossa mercê, variantes de vossa mercê, você, vós e
tu quanto à expressão do sujeito nas cartas de leitores de jornais oitocentistas brasileiros
......................................................................................................................................... 101
Tabela 8: A combinação de formas nas cartas de leitores oitocentistas ..................... 104
Tabela 9: Distribuição dos dados de vossa mercê, variantes de vossa mercê e você e
suas funções sintáticas nas cartas de leitores de jornais oitocentistas brasileiros ........ 108
Quadro 2: As cartas de leitores nos jornais oitocentistas do estado de Minas Gerais
...................................................................................................................................... 128
Quadro 3: As cartas de leitores nos jornais oitocentistas do estado do Rio de Janeiro
...................................................................................................................................... 132
Quadro 4: As cartas de leitores nos jornais oitocentistas do estado de São Paulo
...................................................................................................................................... 135
Abreviaturas e Convenções:
PHPB-RJ Projeto Para uma História do Português Brasileiro (Equipe do Rio de
Janeiro)
P1 Primeira pessoa do singular
P2 Segunda pessoa do singular
P3 Terceira pessoa do singular
P4 Primeira pessoa do plural
P5 Segunda pessoa do plural
P6 Terceira pessoa do plural
V. A. Vossa Alteza
V. Em.ª Vossa Eminência
V. Ex.ª Vossa Excelência
V. M. Vossa Majestade
V. M.
ce
Vossa Mercê
V. Rev.
ma
Vossa Reverendíssima
V. S.ª Vossa Senhoria
[+ formal] Maior grau de formalidade
[- formal] Menor grau de formalidade
[+ marcada] Forma mais marcada
[- marcada] Forma menos marcada
[+ solidário] Relação mais solidária
[- solidário] Relação menos solidária
[+ distância] Maior distanciamento
[- distância] Menor distanciamento
1 – INTRODUÇÃO.
A questão da inserção de você no quadro pronominal da língua portuguesa tem
suscitado diversos estudos lingüísticos (Lopes & Duarte, 2002 e 2003, Silva & Barcia,
2002, Rumeu, 2004, entre outros) acerca dos fatores lingüísticos e extralingüísticos que
teriam acelerado o processo de gramaticalização de Vossa Mercê > vo. Tais estudos
revelam que, na variedade brasileira da língua, a forma você, originada do pronome de
tratamento Vossa Mercê, já está perfeitamente integrada ao sistema de pronomes
pessoais, substituindo o tu em grande parte do território brasileiro ou convivendo ao
lado de tu, sem que o verbo traga a marca distintiva da chamada “segunda pessoa
direta”.
A variação entre as formas tu e você no português do Brasil é uma questão
complexa. Já em fins do século XIX, verifica-se a ocorrência, ainda que tímida, da
coexistência de ambas as formas em referência a um mesmo interlocutor (Barcia, 2004).
Duarte (1993), com base em uma amostra de peças teatrais cariocas, produzidas ao
longo dos séculos XIX e XX, afirma que, na primeira metade do século XX, o emprego
de você suplanta o uso de tu. Entretanto, no final desse mesmo século, Paredes Silva
(2000) observa o regresso do pronome tu ao dialeto carioca, porém sem a forma verbal
com a flexão de segunda pessoa do singular. No plural, pode-se dizer que a forma vocês
acabou substituindo o vós, tido como traço arcaizante ou fala de pessoas velhas e
provincianas (cf. Cintra, 1972).
O interesse pelo tema justifica-se, em parte, pela necessidade de descrever as
causas das mudanças ocorridas no sistema pronominal brasileiro, identificando os
fatores lingüísticos e extralingüísticos que motivaram o processo de pronominalização
de Vossa Mercê > você, o que ocasionou a alteração categorial de nome para pronome.
Traçando o percurso histórico da forma você, em breves palavras, nota-se a mudança do
item lexical mercê, sinônimo de capricho, arbítrio (Ferreira, 1986), para Vossa Mercê
(À mercê de vós), forma de tratamento cerimonioso e, posteriormente, pronome de
tratamento, para, finalmente, você – pronome de 2ª pessoa.
O presente estudo baseia-se em uma amostra constituída por cartas de leitores de
jornais brasileiros do século XIX, publicadas em três estados diferentes – Rio de
Janeiro, São Paulo e Minas Gerais. Partindo da tese laboviana de que a lingüística
histórica é “a arte de fazer o melhor uso de maus dados” (Labov, 1994: 11)
1
, acredita-
se que, devido à própria distribuição regional e à heterogeneidade das cartas e dos
emissores – que pertencem a diferentes estratos sociais –, essas cartas sejam uma
amostra representativa dos usos lingüísticos do Brasil oitocentista, resguardada a
distância entre a modalidade oral e a escrita. Nesse sentido, esta investigação estrutura-
se a partir dos seguintes objetivos:
(a) Fazer a descrição e análise das formas nominais e pronominais de tratamento em
referência à segunda pessoa do discurso empregadas nestas cartas;
(b) Identificar o estágio da pronominalização assumido por Vossa Mercê > você no
português dos oitocentos.
No que se refere à análise lingüística, pretende-se responder às seguintes
questões:
1
“Historical linguistics can then be thought of as the art of making the best use of bad data” (Labov,
1994: 11).
(a) Que formas nominais e pronominais de tratamento se apresentam nas cartas de
leitores dos jornais oitocentistas brasileiros?
(b) Que fatores condicionam a freqüência de uso das formas nominais e pronominais
nesse tipo de texto? Qual a influência do papel social do destinatário, do tipo da carta e
do tema da carta no que se refere a este aspecto?
(c) O tipo de interatividade estabelecida entre emissor e receptor das cartas exerce
alguma influência na escolha das formas de tratamento (Brown & Gilman, 1960, Briz,
2004)?
(d) Qual é o estágio da gramaticalização assumido por Vossa Mercê > você nessas
cartas do século XIX?
No intuito de responder às questões mencionadas, organizou-se esta dissertação
em cinco capítulos. Inicialmente, expõe-se o problema a ser discutido nesta
investigação. No segundo capítulo, partindo da visão apresentada pelas gramáticas
tradicionais, apresenta-se um panorama dos estudos lingüísticos sobre as formas de
tratamento no português, passando pela história da formação das estratégias nominais de
tratamento até as pesquisas recentes que versam sobre o tema. No terceiro capítulo,
divulgam-se os pressupostos teórico-metodológicos que fundamentam a análise.
Explicitam-se os princípios gerais da Teoria Sociolingüística, destacando a importância
dos fatores sociais e em que consistem a proposta Funcionalista e o fenômeno da
Gramaticalização, para, em seguida, justificar o casamento teórico entre as teorias em
conversação.
No quarto capítulo desta investigação, caracteriza-se o gênero carta, juntamente
com a descrição do corpus em análise. No quinto capítulo, são apresentados a descrição
metodológica e os resultados obtidos. Primeiramente, expõe-se a distribuição geral dos
dados, para, em seguida, discutir-se a influência do tipo de interação, dos destinatários,
das relações sociais e do tipo e tema das cartas no emprego das formas analisadas.
Finalmente, a partir da quantificação dos dados, aborda-se o processo de
pronominalização de Vossa Mercê > Você, buscando-se depreender as etapas do seu
processo de gramaticalização e o encaixamento da mudança categorial nas vertentes
lingüística e social.
2 – PRONOMES PESSOAIS E PRONOMES DE TRATAMENTO: DISTINÇÕES
SEMELHANÇAS.
2.1 – A Visão Tradicional.
Estudiosos da língua portuguesa sob a perspectiva tradicional – Bechara (1999),
Rocha Lima (2000), Leitão et alii (2001), Azeredo (2000) e Cunha & Cintra (2001) – se
isentam da tarefa de explicitar a norma objetiva no que se refere ao quadro de pronomes
pessoais e de tratamento do português brasileiro, limitando-se, em alguns casos, a
apresentar comentários mais atuais desse sistema pronominal, especialmente em relação
às formas tu, você e a gente.
Bechara (1999), em Moderna Gramática Portuguesa, na seção destinada aos
pronomes pessoais, ressalta que estes designam as pessoas do discurso e a não-pessoa
(não-eu, não-tu), considerada, pela tradição gramatical, a 3ª pessoa. Destaca também
que nós indica eu mais outra ou outras pessoas, e não eu + eu. Posteriormente à
apresentação do quadro dos pronomes pessoais da língua portuguesa com a
contemplação das seis pessoas do discurso, o autor menciona a existência de formas
substantivas de tratamento indireto de segunda pessoa que levam o verbo para a terceira
pessoa. O autor as chama de formas substantivas de tratamento ou formas pronominais
de tratamento.
De acordo com o gramático, as formas você, vocês correspondem ao tratamento
familiar. Já as formas O senhor, A senhora correspondem ao tratamento cerimonioso.
Diz ainda que a estes pronomes de tratamento pertencem as formas de reverência que
servem para nos dirigirmos às pessoas pelos seus atributos ou qualidades que ocupam.
Tais formas estão assim elencadas em sua gramática:
- Vossa Alteza (V. A., para príncipes, duques);
- Vossa Eminência (V. Em.ª, para cardeais);
- Vossa Excelência (V. Ex.ª, para altas patentes militares, ministros, Presidente da
República, pessoas de alta categoria, bispos e arcebispos);
- Vossa Magnificência (para reitores de universidades);
- Vossa Majestade (V. M., para reis, imperadores);
- Vossa Mercê (V. M.
ce
, para pessoas de tratamento cerimonioso);
- Vossa Onipotência (para Deus – não se usa abreviadamente);
- Vossa Reverendíssima (V. Rev.
ma
, para os sacerdotes);
- Vossa Senhoria (V. S.ª, para oficiais até coronel, funcionários graduados, pessoas de
cerimônia).
(BECHARA, 1999: 165-166.)
A título de observação, Bechara acrescenta que você, hoje usado no contexto
familiar, é a redução fonética da forma de reverência Vossa Mercê. Segundo o autor, ao
cair o pronome vós em desuso, só usado hoje nas orações e estilo solene, emprega-se a
forma vocês como plural de tu.
Seguindo a tradição gramatical, Rocha Lima (2000), na seção referente aos
pronomes pessoais, enfatiza que o pronome pessoal você pertence realmente à segunda
pessoa, ou seja, àquela com quem se fala, posto que o verbo com ele concorde na forma
da terceira pessoa. Segundo ele, tal fato ocorre em virtude da origem remota do
pronome – Vossa Mercê. A concordância faz-se, assim, com o substantivo mercê, como
nos tratamentos de reverência (Vossa Majestade, Vossa Excelência, Vossa Senhoria
etc.). É com os substantivos e não com o possessivo vossa, portanto, que se estabelece a
concordância.
Cunha & Cintra (2001) definem os pronomes substantivos ou pronomes pessoais
como formas pronominais que, além de substituírem o nome de um ser, os relacionam
com a pessoa gramatical, acrescentando que a 2ª pessoa, isto é, a pessoa com quem se
fala, também pode ser expressa pelos pronomes de tratamento, que se constroem com o
verbo na 3ª pessoa gramatical. Segundo os autores, estas palavras e locuções valem por
verdadeiros pronomes pessoais, como por exemplo: você, O senhor, Vossa Excelência
etc.
Os autores ressaltam que, conforme mencionado, essas formas aplicam-se à
segunda pessoa; para a terceira pessoa, isto é, aquela de quem falamos, usam-se as
formas Sua Alteza, Sua Eminência etc. Todavia, essas últimas podem empregar-se com
o valor das primeiras, como expressão de máxima cerimônia, principalmente quando
seguidas de aposto que contenha um título determinado por artigo. Assim, em lugar de:
- Vossa Excelência, Senhor Ministro, aprova a medida?
pode-se dizer:
- Sua Excelência, o Senhor Ministro, aprova a medida?
(CUNHA & CINTRA, 2001: 283.)
A princípio, de acordo com os referidos autores, os pronomes de tratamento devem
acompanhar o verbo para evitar confusão com o sujeito da terceira pessoa. Observe:
- Seu irmão cantava, e você acompanhava.
- Vossa Reverência já leu este livro?
(CUNHA & CINTRA, 2001: 283.)
Nota-se que esta norma é naturalmente observada com mais rigor na linguagem
escrita, já que na comunicação oral as eventuais dúvidas são, na maioria das vezes,
eliminadas pelo próprio contexto em que a forma aparece. Porém, não é necessário
repetir tais pronomes quando funcionam como sujeito de vários verbos consecutivos:
- Você parece que não está com nenhuma vontade de ver aquele finório, não é?
(A. Callado, MC, 104.)
(CUNHA & CINTRA, 2001: 284.)
Ainda na seção relativa aos pronomes de tratamento, os autores apresentam uma
seção denominada Emprego dos Pronomes de Tratamento da 2ª Pessoa, na qual tecem
comentários em relação ao emprego de tu e você no português brasileiro:
No português europeu normal, o pronome
tu é empregado
como forma própria de intimidade. Usa-se de pais para
filhos, de avós ou tios para netos e sobrinhos, entre
irmãos ou amigos, entre marido e mulher, entre colegas
de faixa etária igual ou próxima. O seu emprego tem-se
alargado, nos últimos tempos, entre colegas de estudo ou
da mesma profissão, entre membros de um partido
político e até, em certas famílias, de filhos para pais,
tendendo a ultrapassar os limites da intimidade
propriamente dita, em consonância com uma intenção
igualitária ou, simplesmente, aproximativa.
No português do Brasil, o uso de
tu restringe-se ao
extremo Sul do país e a alguns pontos da Região Norte,
ainda não suficientemente delimitados. Em quase todo o
território brasileiro, foi ele substituído por
você como
forma de intimidade. Você também se emprega, fora do
campo da intimidade, como tratamento de igual para
igual ou de superior para inferior.
É este último valor, de tratamento igualitário ou de
superior para inferior (em idade, em classe social ou
hierarquia), e, apenas esse, o que você possui no
português europeu normal, onde só excepcionalmente – e
em certas camadas sociais altas – aparece usado como
forma carinhosa de intimidade.
(CUNHA & CINTRA, 2001: 284.)
Já em relação às variantes européias e americana do português, Cunha & Cintra
(2001) afirmam que as formas O senhor, A senhora (e A senhorita no Brasil e A menina
em Portugal, para a jovem solteira) são as formas de respeito ou cortesia e, como tais,
opõem-se a tu e você, em Portugal, e a você, na maior parte do Brasil.
Leitão et alii (2001), após a apresentação das formas pessoais pronominais
vigentes no português, apresentam em destaque a informação de que os pronomes de
tratamento na língua portuguesa são formas de cortesia usadas na interlocução. Note-se
que, apesar de você figurar na seção destinada à apresentação das formas de tratamento,
os autores denominam-no pronome, apresentando-o como estratégia alternativa ao uso
do pronome pessoal tu.
A língua dispõe ainda de formas cerimoniosas destinadas
ao tratamento com um ouvinte revestido de maior
solenidade: são os chamados pronomes de tratamento,
cujo emprego requer a enunciação do verbo e dos
pronomes possessivos na 3ª pessoa, visto que, em
princípio, a 2ª pessoa fica reservada a um tratamento
mais íntimo e direto. Adotando, porém, o pronome você
em lugar do tu (próprio da 2ª p.), a linguagem coloquial
brasileira, sobretudo a carioca, desfez tal distinção e
consagrou a 3ª pessoa como forma preferencial para
qualquer interlocutor, independentemente do grau de
formalidade da situação comunicacional existente: Você
vai? (informal) X Vossa Excelência irá? (formal).
(LEITÃO et alii, 2001: 81.)
Camara Jr. (1999) também se refere aos pronomes de tratamento em A Estrutura
da Língua Portuguesa. Vejamos o que diz o autor:
Também já conhecemos, em princípio, o sistema desses
pronomes, ditos pessoais, cuja função é indicar essa
noção de pessoa. Há um falante – eu, que pode associar a
si uma ou mais pessoas – nós, constituindo a primeira
pessoa do singular, ou P1, e a primeira pessoa do plural,
ou P4. A eles se opõe um ouvinte (segunda pessoa do
singular ou P2) – tu, ou mais de um ouvinte (segunda
pessoa do plural ou P5) – vós. Todos os seres que ficam
fora do eixo falante – ouvinte, constituem a terceira
pessoa do singular, ou P3, ou a terceira pessoa do plural
(P6) – ele, com o feminino ela, e eles, com o feminino elas,
respectivamente (alternância submorfêmica /ê/ : /é/ no
radical feminino). Essas formas pronominais, ditas retas,
são as dos pronomes usados em frase isolada, ou como
sujeito de um verbo.
(CAMARA JR., 1999: 117.)
No mesmo livro, o autor ressalta que é possível a substituição de vós, para o
ouvinte (singular ou plural), por um tratamento de terceira pessoa, em que são
eliminadas as formas verbais correspondentes a P5. Assim, ao invés da forma
pronominal reta, correspondente a essa pessoa, o ouvinte é tratado por uma locução, em
que nos dirigimos a alguma qualidade sua, com o acatamento da hierarquia social
expressa pela escolha do substantivo adequado: Vossa Alteza, Vossa Excelência, Vossa
Senhoria etc. Segundo Camara Jr., esse sistema de tratamento do ouvinte, que elimina
as formas pronominais retas e a forma verbal de P5, funciona num registro altamente
formal tanto na língua oral quanto na língua escrita.
O referido autor acrescenta que, um sistema menos formal, vigente
especialmente no português de Portugal, particularmente no dialeto social culto da
região de Lisboa, consiste, como marca de acatamento, em dirigir-se ao ouvinte, com o
verbo na terceira pessoa, por um nome ou locução referente à sua profissão ou status
social: o senhor professor ou o professor; o senhor doutor ou o doutor. A seu lado, há
um tratamento íntimo caracterizado por P2 para o pronome e o verbo.
Em relação ao português do Brasil, Camara Jr. (1999) afirma que, no dialeto
culto do Rio de Janeiro, é comum usar para o ouvinte o verbo na terceira pessoa e
marcar a posição do ouvinte, em relação ao falante, pelas palavras você (tratamento
íntimo) e O senhor (feminino A senhora) para o tratamento mais cerimonioso. Mais
adiante, o autor acrescenta que, no Rio de Janeiro, ocorre mistura de tratamento, ou
seja, intercâmbio de você com formas oblíquas adverbiais de 2ª pessoa gramatical:
Note-se que qualquer desses sistemas, com o verbo na
terceira pessoa em referência ao ouvinte e uma palavra
ou locução especial, em vez do pronome pessoal reto,
mantém para o ouvinte as formas oblíquas adverbiais de
terceira pessoa (eu o ouço, eu lhe falo). Na área do Rio de
Janeiro, entretanto, e alhures no português do Brasil, a
adoção de você como tratamento de intimidade, num
registro informal, introduz a forma adverbial te ao lado de
o, a ou lhe, e, assim, aquela forma fica intercambiável
com estas duas.
(CAMARA JR., 1999: 120.)
A partir da perspectiva tradicional apresentada até aqui, pode-se estabelecer
algumas distinções entre pronomes pessoais e pronomes de tratamento, sintetizadas no
quadro a seguir, em função de suas propriedades semânticas, morfológicas e sintáticas:
OS PRONOMES PESSOAIS
Propriedades Semânticas
Propriedades Morfológicas
Propriedades Sintáticas
Os pronomes pessoais são
palavras que designam os
seres ou a eles se referem,
em caráter estritamente
gramatical, ou seja, sem
jamais nomeá-los nem
conferir-lhes um conceito
determinado. São, assim,
palavras vazias de conteúdo
semântico, servindo apenas
para determinar a posição
do ser no espaço
comunicacional, denotando
as três pessoas do discurso
– o indivíduo que fala, o
indivíduo com quem se fala
e o indivíduo ou a coisa de
que se fala.
Os pronomes pessoais podem
variar de forma, segundo (a) a
função que desempenham na
oração e (b) a acentuação que
nela recebem. Podem, assim, ser
classificados como retos ou
oblíquos. Flexionam-se também
em gênero, número e pessoa.
As formas chamadas de retas
funcionam como sujeito ou
predicativo da oração. Já os
pronomes oblíquos funcionam
como complemento da oração.
OS PRONOMES DE TRATAMENTO
Propriedades Semânticas
Propriedades Morfológicas
Propriedades Sintáticas
Os pronomes de tratamento
são formas cerimoniosas
destinadas ao tratamento
com um ouvinte revestido
de maior solenidade. São
palavras e locuções que
valem por verdadeiros
pronomes pessoais,
determinando a posição do
ser no espaço
comunicacional.
Flexionam-se em gênero (nos
casos de O Senhor / A Senhora)
e em número (Vossa Mercê /
Vossas Mercês; você / vocês, por
exemplo). Embora designem a
pessoa a quem se fala, ou seja, a
segunda pessoa, tais pronomes
levam o verbo para a terceira
pessoa gramatical.
Podem funcionar como sujeito ou
complemento da oração.
Quadro 1 – As propriedades semânticas, morfológicas e sintáticas dos pronomes pessoais e dos
pronomes de tratamento.
Constata-se, por fim, que os gramáticos e estudiosos da língua portuguesa
apresentam uma diferenciação pouco clara entre pronome pessoal e pronome de
tratamento. No que se refere à forma você, os autores, partindo de uma classificação
pouco nítida, parecem entendê-la ora como forma de tratamento de 3ª pessoa, ora como
estratégia de 2ª pessoa. Outra questão ainda não esclarecida refere-se à mistura de
tratamento (concordância entre as supostas formas de 3ª pessoa com os pronomes
oblíquos e possessivos de 2ª pessoa gramatical), mencionada apenas por Camara Jr.
(1999).
2. 2 – Do Tratamento Nominal aos Pronomes Pessoais: buscando as origens do
fenômeno.
Cintra (1972), em um estudo intitulado Sobre Formas de Tratamento na Língua
Portuguesa, discute alguns aspectos históricos que podem ajudar na identificação das
possíveis causas da gramaticalização de Vossa Mercê > você, que resultou na sua
inserção no sistema pronominal brasileiro.
O autor afirma que o atual sistema de tratamento se diferencia daquele encontrado
nos primórdios de nossa língua, em que não havia tratamentos do tipo nominal – pelo
menos não localizáveis nos textos encontrados. O contraste era estabelecido
basicamente através da oposição tu/vós (plano da intimidade) versus vós (plano da
cortesia ou distanciamento).
De acordo com Cintra, as formas de tratamento sofrem um processo de
especialização já no final do século XIV. O autor descreve esse processo de mudança,
correlacionando-o a um processo de hierarquização cada vez mais acentuado na
sociedade. A forma nominal Vossa Mercê, que aparece como tratamento para o rei por
volta de 1460, deixa de sê-lo em 1490. Segundo Lopes & Duarte (2002), a degradação
hierárquica é progressiva e a expressão passa a referir-se a alguns membros da nobreza
– duques, infantes e fidalgos – e, no século XVI, já é usada nas peças teatrais de Gil
Vicente por personagens que representariam patrões burgueses da época.
Faraco (1996) afirma que a progressiva alteração do valor social da forma Vossa
Mercê e variantes é resultado da rápida multiplicação dessas formas em Portugal.
Inicialmente utilizada como tratamento ao rei, a forma Vossa Mercê, além de Vossa
Senhoria, estende-se ao tratamento não íntimo entre iguais na aristocracia e começa, aos
poucos, a ser usada por pessoas de status social inferior (criados, subordinados etc.) ao
se dirigirem a pessoas de status considerado superior (membros da aristocracia). Numa
etapa final de decréscimo de formalidade, as formas Vossa Mercê e Vossa Senhoria
aparecem como diferentes estratégias de tratamento em oposição a tu, que era
comumente utilizado no tratamento íntimo (relações mais solidárias).
Comparativamente, a segunda estratégia – Vossa Senhoria – manteve-se em uso,
por mais tempo, com um valor socialmente superior em relação à primeira,
sobrevivendo no Brasil, ao lado de Vossa Excelênciacomo formas artificiais utilizadas
na correspondência oficial e em alguns contextos muito formais nos altos escalões da
administração pública” (Faraco, 1996: 65). A partir do século XVI, período em que o
processo de colonização do Brasil teve início, a degradação sofrida por vós, a
simplificação fonética de Vossa Mercê e seu uso generalizado como você já estavam em
etapa bastante avançada. Observe-se o que Cintra diz acerca do desgaste sofrido por
vós:
É na consideração das modificações operadas no sistema
que temos de procurar a causa desta extrema degradação
de
vós. A rápida ampliação do campo de emprego de
Vossa Mercê, de Vossa Senhoria e de Vossa Excelência,
ou seja, ao número progressivamente maior de pessoas a
quem se tornou possível aplicar esses tratamentos de
cortesia, correspondeu uma redução do campo de
emprego de vós e da 2ª pessoa do plural, que se tornaram
naturalmente só utilizáveis para pessoas que não
mereciam tanta cortesia como a que a utilização daquelas
formas representava. Vós e a 2ª pessoa do plural dos
verbos acabaram por ser uma maneira demasiadamente
rude, rasteira, baixa, de se dirigir até mesmo a um amigo
com quem não existia a intimidade que permitisse o
emprego de
tu. Por outro lado, para o lugar que vós
deixou vago no sistema apresentou-se a partir de certo
momento, como candidato possível, o você, decaído do
seu valor inicial, mas não tanto que não pudesse assumir
gradualmente estas funções.
(CINTRA, 1972: 35-36.)
Paul Teyssier (1997), retomando o tema, afirma que até por volta de 1500, o
português europeu apresentava, assim como o francês, somente o uso da forma tu
(tuteamento) em contexto familiar ou o uso de vós (voseamento) respeitoso. A partir
dessa data, emergem formas do tipo Vossa Graça, Vossa Excelência etc., seguidas do
verbo na terceira pessoa.
Segundo Teyssier, a forma mais freqüentemente utilizada era Vossa Mercê, que
passava, ao mesmo tempo, por erosão fonética (Vossa Mercê > vossemecê > vosmecê >
voacê > você) e por erosão semântica, perdendo, assim, o seu valor de tratamento
respeitoso para assumir o tratamento familiar (cf. Teyssier, 1997, p. 89). A forma você
com valor de tratamento familiar aparece desde o século XVII, ao lado de Vossa Mercê,
da qual existe outra variante, vossemecê, logo sentida como popular.
Aparecem, também na mesma época, várias outras formas de referência ao
interlocutor: Vossa Excelência, o senhor seguido do título (ex.: o senhor doutor), o
senhor apenas, o título seguido do nome, somente o nome etc. Ressalte-se que, além dos
usos mencionados anteriormente, havia também o emprego puro e simples da terceira
pessoa sem sujeito expresso. Na língua dos séculos XVII e XVIII, essas fórmulas
equivaliam a um código social rígido.
Desde o século XIX, a segunda pessoa do plural – vós – afasta-se
completamente do uso falado normal. Atualmente, em Portugal, nas circunstâncias
normais de comunicação lingüística, assiste-se a uma certa simplificação do código de
tratamento. Assim como Portugal, o Brasil também simplificou esse código. No nosso
caso, a segunda pessoa do plural desapareceu, porém a segunda pessoa do singular – tu
– sobrevive na região do extremo Sul e em algumas áreas do Norte.
O português do Brasil simplificou, igualmente, o código
de tratamento. Como em Portugal, o vós desapareceu,
mas o tu sobrevive apenas no extremo sul e em áreas não
suficientemente delimitadas do Norte. Em circunstâncias
normais, existem apenas duas fórmulas: o tratamento por
você, que é familiar, e o tratamento por o senhor, a
senhora, que é mais reverente. Ademais, essas fórmulas só
excepcionalmente admitem os substitutos que, em
Portugal, complicam a sintaxe do tratamento. Diz-se
queria falar com você ou com o senhor (em Portugal:
queria falar consigo, construção mais rara no Brasil,
onde tem sido invariavelmente condenada pelos
gramáticos).
(TEYSSIER, 1997: 107-108.)
Ferreira (1986), em seu Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa,
também faz referência à forma de tratamento Vossa Mercê, assim como suas diferentes
etapas evolutivas até a chegada a você. Segundo o autor, a forma Vossa Mercê,
posteriormente contraído em vossemecê, vosmecê, você etc., era o antigo tratamento
dado à pessoa de cerimônia. Observe-se o que o autor diz sobre a forma
pronominalizada você:
1. Em certas partes de Portugal, ainda indica respeito,
prendendo-se, semanticamente, ao Vossa Mercê
originário, como já se deu, (porém cremos, bem pouco),
no Brasil; 2. Tratamento íntimo entre iguais ou de
superior para inferior; 3. Dos fins da primeira metade do
século XX para cá, a forma
você é o tratamento dado (no
Brasil, pelo menos) por filho, neto, sobrinho etc., ao pai,
avô, tio etc., mas que ainda não excluiu o emprego de o
senhor; 4. tratamento dado, hoje em dia, geralmente no
singular, em anúncios de jornais, e por locutores de rádio
e televisão, artistas de teatro etc., a leitores, ouvintes e
espectadores [...].
(FERREIRA, 1986: 1787.)
Ainda de acordo com Ferreira (1986), a palavra você apresenta numerosas
variações e formas paralelas, na maioria brasileiras: vassuncê, vossemecê, vosmecê,
vancê, voncê, vacê, ancê, acê, ocê, cê. Segundo o autor, chegam talvez a trinta as
formas derivadas de Vossa Mercê. O autor também tece comentários em relação à forma
vocês, que, segundo ele, além de ser empregada como o plural normal de você, pode ser
também o plural de tu. Mais adiante, acrescenta que, na boca de empregadas domésticas
e pessoas de classes inferiores, vocês também é usado como plural de o senhor ou a
senhora.
Nesta revisão histórico-descritiva, partiu-se da indefinição das gramáticas
tradicionais em relação às propriedades que diferenciam um pronome pessoal de um
pronome de tratamento em língua portuguesa, passando por estudos que resgatam a
história da formação das estratégias nominais de tratamento em nossa língua. Na
próxima seção, serão revistos alguns resultados obtidos a partir de pesquisas recentes
que discutem o tema.
2. 3 – Estudos Lingüísticos Parciais Acerca das Formas de Tratamento.
Pesquisas recentes (Salles, 2001, Silva & Barcia, 2002c, Lopes & Duarte, 2003,
Rumeu, 2004, Lopes & Machado, 2005, Andrade, 2005 etc.) demonstraram que, no
português do Brasil, a forma você, originada do pronome de tratamento Vossa Mercê, já
está perfeitamente integrada ao sistema de pronomes pessoais, substituindo tu em
grande parte do território brasileiro ou convivendo ao lado de tu sem que o verbo traga a
marca distintiva da 2ª pessoa gramatical.
Salles (2001), a partir da análise de cartas pessoais e uma peça teatral
confeccionadas no Brasil oitocentista, verificou que, na interlocução, a 3ª pessoa
marcou o maior grau de distanciamento, caracterizando um estilo mais formal. A 2ª
pessoa legítima – tu – entretanto, credenciou-se como a estratégia favorita para o
tratamento íntimo. O autor também identificou ocorrências de você, que assumia uma
etapa do percurso diacrônico percorrido pela forma nominal Vossa Mercê. Segundo ele,
você perde não só massa fonética, mas também o sentido original durante o processo de
gramaticalização.
De acordo com os resultados obtidos por Salles (2001), tu e você competiam no
tratamento íntimo. Ao comparar as formas de tu e você não-preposicionadas, o autor
acrescenta que, devido ao equilíbrio no uso de uma ou outra forma, ainda não se
vislumbrava um possível vencedor na competição entre tu e vo. Cabe mencionar que a
mescla de formas de 2ª e 3ª pessoas foi encontrada em cartas informais, do grupo
familiares/amigos.
Analisando um corpus constituído por cartas cariocas escritas nos séculos XVIII
e XIX, Silva & Barcia (2002c) verificaram que a forma original Vossa Mercê conserva
o caráter de cortesia, reverência e respeito com que foi inicialmente concebida (cf.
Cintra, 1972). Lopes & Duarte (2003), com base em peças teatrais brasileiras e
portuguesas setecentistas e oitocentistas, referendam tal resultado, uma vez que, nas
peças de teatro, Vossa Mercê também é utilizada, preferencialmente, nas relações
sociais assimétricas de inferior para superior. Por outro lado, segundo as autoras, as
formas tu e você disputam espaço nos contextos mais informais, nas relações entre
iguais.
Rumeu (2004), a partir de uma amostra composta por 60 cartas manuscritas
confeccionadas no Rio de Janeiro durante os séculos XVIII e XIX – 30 cartas de
circulação pública e 30 cartas de circulação privada –, verificou que as formas nominais
de tratamento Vossa Excelência e Vossa Majestade mantêm seu valor cortês, porém
destaca que a forma Vossa Mercê já começava a passar pelo processo de desgaste
semântico, já que era utilizada em cartas não-oficiais. A autora também destaca que a
forma Vossa Senhoria, que também apareceu em cartas não-oficiais, estava perdendo,
gradualmente, seu valor de cortesia.
Ao estabelecer correspondência entre as formas nominais e pronominais de
tratamento e os tipos de relações sociais estabelecidas entre remetente e destinatário das
cartas, Rumeu (2004) destaca que (a) Vossa Excelência era a estratégia mais freqüente
nas relações assimétricas de inferior para superior; (b) nas relações assimétricas de
superior para inferior você (século XIX) era uma produtiva estratégia de cortesia
descendente; (c) nas relações simétricas entre membros de um mesmo grupo social –
classe alta – Vossa Excelência e Vossa Mercê são concorrentes e (d) no século XIX,
entre iguais, Vossa Senhoria competia com as formas você, tu e senhor.
Andrade (2005), por sua vez, em um estudo intitulado Marcas de Interação na
Correspondência Publicada em Jornais Paulistas do Século XIX, ressalta que o
emprego das formas de tratamento nessas cartas paulistas está relacionado a diversos
fatores, tais como intimidade, polidez, afetividade, poder, hierarquia, reverência e
solidariedade, entre outros. Sendo assim, o uso de qualquer uma das possibilidades
oferecidas pela língua portuguesa, no que se refere ao tratamento na interlocução,
dependeria “das relações entre os diversos status sociais e os papéis para desempenhá-
los” (Andrade, 2005: 11).
De acordo com a autora, a transformação mais relevante das formas de
tratamento na língua portuguesa diz respeito ao tu e ao você. Segundo ela, o sistema de
tratamento simplificou-se para o uso de você, “tanto para indicar intimidade como
cortesia, deixando a maior ou menor intimidade para a oposição tu/o senhor
(Andrade, 2005: 12). A autora ressalta, contudo, que, nas cartas oitocentistas, é difícil
distinguir com exatidão o uso das formas tu e você, pois, a princípio, ambos os
tratamentos para a 2ª pessoa do singular estariam integrados na semântica da
solidariedade. No plural, por outro lado, apresenta-se a forma vocês, em substituição a
vós, que acaba por desaparecer na língua falada no Brasil.
Lopes & Machado (2005), revisitando o tema, afirmam que a forma original
Vossa Mercê e suas variantes – Vosmecê, mecêa, vosse, você etc. – apesar de
coexistirem, passam a divergir funcionalmente a partir de meados do século XVIII.
A forma vulgar passa a ser produtiva nas relações
assimétricas de superior para inferior, podendo assumir
em algumas ocasiões, “conteúdo negativo intrínseco”, em
oposição à sua contraparte desenvolvida. No Brasil, a
concorrência entre
tu e você se dá nas relações solidárias
mais íntimas. Tais valores, entretanto, permanecem
disponíveis, principalmente, no português europeu em que
você não se generaliza como ocorre no Brasil. Aqui tal
estratégia não era negativamente marcada.
(LOPES & MACHADO, 2005: 64.)
As referidas autoras – que baseiam seu estudo em um corpus formado por 41
cartas particulares escritas pelo ilustre Christiano Benedicto Ottoni e sua esposa Bárbara
Balbina de Araújo Ottoni, entre os anos de1879 e 1892, endereçadas a seus netos que
viviam em Paris – também afirmam que as formas de tratamento apresentam
comportamento diferenciado no que se refere ao gênero e à maior ou menor influência
da oralidade na modalidade escrita da língua.
Através da análise das cartas, Lopes & Machado (2005) verificaram para
Christiano B. Ottoni um “uso estável e sistemático, com predomínio de tu
correlacionando-se a formas de segunda pessoa e emprego categórico de vocês na
posição de sujeito” (Lopes & Machado, 2005: 64). Tal fato seria reflexo da preocupação
do emissor que, professor, preconizaria a norma gramatical portuguesa. Sua esposa
Bárbara B. Ottoni, por sua vez, apresenta comportamento instável no que concerne à
combinação de você e tu com co-referentes de 2ª e 3ª pessoas gramaticais. De acordo
com as autoras, que observam traços de oralidade nas cartas da avó, essa mistura de
tratamento deixa transparecer o que será a norma brasileira do século XX – “um quadro
pronominal rico e complexo com variadas possibilidades combinatórias de tu e você
com formas de segunda e terceira pessoas” (Lopes & Machado, 2005: 64).
Pretende-se, com base na pesquisa proposta e nos estudos lingüísticos ora
revisitados, contribuir para a reflexão acerca do comportamento das formas nominais e
pronominais de tratamento na amostra em análise, discutindo, também, o estágio de
gramaticalização assumido por Vossa Mercê > você nestas cartas.
3 – PRESSUPOSTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS: A CORRELAÇÃO
SOCIOFUNCIONAL PARA A COMPREENSÃO DA MUDANÇA
LINGÜÍSTICA.
3. 1 – Princípios Gerais da Sociolingüística: a importância dos fatores sociais.
Língua e sociedade são duas realidades que se inter-relacionam de tal forma, que
é impossível conceber-se a existência de uma sem a outra. Na verdade, a finalidade
básica de uma língua é de servir como meio de comunicação e, por isso mesmo,
costuma ser interpretada como produto e expressão da cultura de que faz parte.
Todavia, a língua não é simplesmente um veículo para se transmitir informações, mas é
também um meio para se estabelecer e manter relacionamentos com outras pessoas.
A relação entre língua e sociedade é mais profunda do que se imagina. A própria
língua, enquanto sistema, acompanha a evolução da sociedade e reflete padrões de
comportamento que variam em função do tempo e do espaço. Desta forma, se explicam
os fenômenos de diversidade e também de mudança lingüística. Inversamente, pode-se
supor que determinadas atitudes sociais ou manifestações de pensamento sejam
influenciadas pelas características que a língua da comunidade de fala apresenta (cf.
Monteiro, 2002).
Segundo Labov (1972), a mudança lingüística ocorre em função de pressões
sociais que podem ser observadas e descritas. A própria fala (parole), se não exerce
decisiva influência no desenvolvimento social e nem afeta as oportunidades de vida do
indivíduo na comunidade de fala, pode, ao contrário, ser afetada por estes. De acordo
com o autor, a forma de comportamento lingüístico do falante muda rapidamente
quando muda a sua posição social na comunidade.
O termo sociolingüística foi cunhado em 1950 para referir-se às perspectivas
conjuntas que os lingüistas e sociólogos mantinham em relação às questões sobre as
influências da linguagem na sociedade e, especialmente, sobre o contexto social da
diversidade lingüística (Romaine, 1994 apud Monteiro, 2002: 25). Entretanto, devido à
imprecisão e extensão desse conceito, torna-se difícil demarcar bem o que deve ou não
fazer parte do escopo da teoria. Até mesmo Labov relutava em utilizar esse termo:
Durante muitos anos, relutei em aceitar o termo sociolingüística, porque ele dá a
entender que pode existir uma bem-sucedida teoria ou prática lingüística que não seja
social” (Labov, 1972: XIII)
2
.
A teoria sociolingüística, em sua fase inicial, tinha por tarefa descrever as
diferentes variedades que coexistem dentro de uma comunidade de fala, relacionando-as
com as estruturas sociais. Atualmente, a sociolingüística abarca praticamente tudo o que
diz respeito ao estudo da linguagem em seu contexto sociocultural.
A micro-sociolingüística, um dos ramos de estudo da teoria sociolingüística,
analisa os efeitos dos fatores sociais sobre as estruturas lingüísticas, utilizando-se de
testes estatísticos. Na realidade, engloba tudo aquilo que se relaciona com a teoria da
variação, em que se procura determinar as pressões que condicionam a aplicação de
uma dada regra variável. Esse tipo de estudo concebe a própria língua como alvo,
analisando-a no seio das comunidades de fala, priorizando um tipo de investigação que
correlaciona aspectos lingüísticos e sociais. Ao focalizar os usos lingüísticos concretos,
2
I have resisted the term sociolinguistics for many years, since it implies that there can be a successful
linguistic theory or practice which is not social. (LABOV, 1972: XIII).
em especial os de caráter heterogêneo, considera as pressões sociais como fatores
essenciais na determinação das estruturas lingüísticas.
Para uma melhor compreensão da teoria, é necessário dedicar uma atenção maior
ao conceito de variação e percebê-la como requisito ou condição inerente ao sistema
lingüístico. Diferentes modelos teóricos que fazem abstração da variação entendem que
ela é apenas um acidente e não uma característica básica das línguas (Monteiro, 2002).
Em oposição a essa postura homogeneizadora, emergiu a sociolingüística, tentando
provar justamente a premissa oposta, isto é, a de que a variação é essencial à própria
natureza da linguagem humana. Assim, defendem os sociolingüistas, seria a ausência de
variação no sistema o que necessitaria ser explicado e discutido. Portanto, o pressuposto
básico do estudo da variação é o de que a heterogeneidade lingüística, assim como a
homogeneidade, não é aleatória. O modelo laboviano revela que as estruturas variantes,
mais do que as invariantes, revelam padrões de regularidade sistemáticos e, por isso,
não podem ser considerados fruto do acaso.
Cabe à sociolingüística, portanto, investigar o grau de estabilidade ou de
mutabilidade da variação, assim como diagnosticar as variáveis que têm efeito positivo
ou negativo em relação à emergência dos usos lingüísticos alternativos e prever seu
comportamento regular e sistemático. Dessa forma, entende-se que a variação e a
mudança são contextualizadas, sendo o conjunto de parâmetros um complexo
estruturado de origem e níveis diversos. Ressalte-se que os condicionamentos que
concorrem para a utilização de formas variantes são em grande número, operam
simultaneamente e emergem de dentro ou de fora dos sistemas lingüísticos.
3. 2 – A Proposta Funcionalista: as motivações sócio-comunicativas.
A Perspectiva Funcionalista de análise lingüística privilegia a linguagem como
fenômeno mental e primariamente social, correlacionando-a a fatores sócio-
comunicativos e/ou sócio-cognitivos. Essa vertente de estudo, ao contrário da
Perspectiva Formalista, que não leva em conta as motivações sociais da mudança
lingüística, prioriza a análise da língua na situação real de uso/comunicação, isto é,
analisa os processos e recursos lingüísticos utilizados pelos falantes na construção do
discurso.
O objeto de estudo do Funcionalismo é a Língua-E, ou seja, a língua
externalizada. Busca-se, portanto, explicar os fenômenos lingüísticos com base em
aspectos semânticos e discursivo-pragmáticos, isto é, no que as pessoas transmitem
durante o processo de interação verbal e como preenchem as necessidades de
comunicação. Nessa perspectiva, leva-se em conta o funcionamento efetivo das formas
lingüísticas e as suas funções em determinada língua. Em outras palavras, há um
interesse primário na relação função-forma dentro do contexto global da comunicação.
O Funcionalismo preocupa-se em explicar como os significados em uma língua
são expressos, como essa língua é utilizada pelos falantes e com que propósitos. Tenta
ainda descrever o sistema de regras pragmáticas que norteiam a atividade cooperativa de
interação verbal e o sistema de regras semânticas, sintáticas, morfológicas e fonológicas
que regulam as expressões lingüísticas utilizadas como instrumentos dessa interação.
Uma das maiores contribuições do Funcionalismo em relação à elucidação dos
fenômenos de mudança lingüística está na investigação do trânsito de expressões
lingüísticas do léxico para o sistema gramatical, por motivações semântico-discursivas.
Algumas aplicações ao Português aparecem em Fleischmann apud Castilho (2003), que
formula hipóteses que explicam o desdobramento das formas perifrásticas portuguesas,
em que ir + -r (verbo no infinitivo) codifica o futuro como uma espécie de
deslocamento no eixo do tempo: compare-se vou falar, futuro próximo, com irei falar,
futuro remoto.
Estudos sobre o assunto vêm enfatizando o discurso como uma espécie de
gatilho da mudança, propondo-se a cadeia Discurso > Sintaxe > Morfologia > Zero.
Segundo essa perspectiva, o discurso é um componente reitor, que afeta a Semântica e a
Gramática da língua.
O gatilho da mudança seria, portanto, um tipo de “dispositivo sócio-cognitivo”,
que altera as propriedades semânticas e gramaticais dos itens lingüísticos. De acordo
com Castilho (2003), tais alterações podem generalizar-se ou esgotar-se num achado
estilístico, que se perde. A mudança é, pois, constante, já que o componente discursivo
busca continuamente atender às demandas da competência comunicativa dos falantes de
determinada língua. Assim, a perspectiva funcional da mudança deve tratar das
alterações semânticas e das alterações gramaticais motivadas por uma necessidade
discursiva.
Castilho (2003) hipotetiza que a língua muda durante as distintas situações de
interação, mudanças essas que poderão ser documentadas ou não na língua escrita. De
acordo com o autor, ao longo da interação conversacional, a necessidade de significar
correlaciona-se, mas não determina, as alterações na Sintaxe, principalmente nas
estruturas que não estão inteiramente cristalizadas, sobre as quais podem operar-se as
escolhas de que falam os funcionalistas (grifos do autor).
Isso implicará em assumir que o item lexical original que sofrerá o processo de
mudança, ou mais especificamente um processo de gramaticalização, como se verá
adiante, deverá dispor de traços semânticos e propriedades discursivas que lhe
permitam, por exemplo, atuar como um elemento coesivo do discurso. Assim, Castilho
postula que numa fase A esse item é um marcador conversacional, numa fase B um
conectivo textual e, numa fase C, uma conjunção que ligará constituintes de um
sintagma ou sentenças. De acordo com o autor, se essa hipótese for verdadeira, o que
hoje é uma conjunção ou preposição, já foi antes um marcador conversacional.
Assim, na visão Funcionalista, há um interesse primário no funcionamento
efetivo das formas e expressões lingüísticas e suas funções em uma determinada língua,
assim como nas relações entre a língua e as diversas modalidades de interação sócio-
comunicativa. Em outras palavras, questiona-se a contribuição específica do sinal
lingüístico – léxico e gramática – para a construção de sentido.
3. 3 – O Fenômeno da Gramaticalização.
Diferentes estudos sobre o fenômeno da gramaticalização têm sido produzidos
nas últimas décadas. Todavia, não se trata de um fenômeno recente, pois, já no início do
século XX, Meillet havia criado o termo gramaticalização para explicar o processo que
transforma as palavras em afixos, partindo de significados concretos até os mais
abstratos (Meillet, 1912, apud Castilho, 1997:10). Nos últimos tempos, houve um
grande avanço nas pesquisas relativas ao tema, principalmente nas de base
funcionalista.
Na bibliografia referente ao assunto, encontramos diferentes terminologias
usadas para explicar as fases do processo de gramaticalização. Givón (1993), que estuda
a interferência do discurso no processo de gramaticalização, representou o fluxo
diacrônico dos mecanismos lingüísticos através do Ciclo de Givón:
Discurso > Sintaxe > Morfologia > Morfofonologia > Zero
Através do referido ciclo, Givón resume as fases pelas quais uma forma
lingüística pode passar durante o processo de gramaticalização. A princípio, o elemento
lingüístico é usado casualmente, produzindo um efeito discursivo-pragmático –
Discurso, até que seu uso se torna mais sistemático – Sintaxe. Em seguida, esse
elemento pode sofrer mudanças morfológicas – Morfologia – e/ou morfofonológicas –
Morfofonologia. Essa forma lingüística pode até mesmo desaparecer do sistema – Zero,
colaborando para o surgimento de outra estratégia mais eficiente, que passa a substituir
a forma original, o que faz desse processo um ciclo. Ressalte-se que, durante um
processo de gramaticalização, os elementos lingüísticos em questão nem sempre passam
por todos os estágios mencionados anteriormente.
Outro teórico a abordar o tema é Paul Hopper (1991), que propõe cinco
princípios para explicar o processo de gramaticalização. São eles: estratificação ou
layering; divergência; especialização; persistência e de-categorização. Ao propor a
discussão do fenômeno nos eixos sincrônico e diacrônico, Lehmann (1985) também
elenca alguns princípios, a saber: desgaste, paradigmatização; obrigatoriedade;
condensação; coalescência e fixação. Apesar do uso de diferentes tipologias, nota-se
que as propostas se complementam.
O princípio da estratificação (layering) apresentado por Hopper (1991) estipula a
coexistência entre o novo e o velho em um domínio funcional amplo. Não há o descarte
imediato das camadas mais antigas quando as novas formas emergem, mas um período
de transição, de convivência das diversas camadas. Com relação ao princípio da
divergência, postula-se a permanência do item lexical original convivendo de forma
autônoma ao lado da forma gramaticalizada, embora divergindo funcionalmente.
Outro princípio, a especialização, associa-se à limitação das opções, que ocorre
quando há um estreitamento da variedade de escolhas, fazendo com que uma das
estratégias se torne, em alguns contextos, praticamente obrigatória. Pressupõe-se, pois,
que a forma emergente passe gradativamente a ocorrer em contextos lingüísticos
específicos e distintos dos contextos favorecedores da forma mais antiga.
A conservação de alguns traços do significado original, aderindo-se à nova forma
gramaticalizada, remete-nos ao princípio da persistência. Como aponta o autor, nos
processos de gramaticalização, detalhes da história lexical do item podem se refletir na
forma gramaticalizada durante estágios intermediários. Por fim, o princípio da de-
categorização (ou descategorização) consiste na neutralização das marcas morfológicas
e propriedades sintáticas da categoria-origem, que assume os atributos da categoria-
destino.
O primeiro dos princípios elencados por Lehmann (1985) é o desgaste, isto é, a
perda gradual de substância fonológica (erosão) e semântica (dessemantização ou
demotivação). A seguir temos a paradigmatização, ou seja, o item gramaticalizado está
intensamente ligado ao paradigma, participando fortemente do campo semântico em que
ocorre. O que Hopper chama de especialização, Lehmann chama de obrigatoriedade: o
item gramaticalizado apresenta escolha sistematicamente restrita e seu uso é
amplamente obrigatório.
Quando o item gramaticalizado modifica palavra ou raiz, tem-se o princípio da
condensação. Em relação à coalescência, o item torna-se afixo ou até mesmo suporte de
traço fonológico. O último princípio proposto por Lehmann, a fixação, refere-se ao fato
de o item ocupar lugares gramaticais fixos nas sentenças, perdendo a mobilidade nas
estruturas.
Heine (2002) utiliza-se de quatro mecanismos para estudar o fenômeno da
gramaticalização, que considera um processo unidirecional. São eles: dessemantização
ou bleaching – também mencionado por Lehmann, juntamente com o processo de
erosão; extensão ou generalização de contextos; decategorização – já aludido por
Hopper – e erosão – abordado por Lehmann.
A dessemantização ou bleaching pressupõe a perda de conteúdo semântico, como
na passagem de um verbo pleno a um verbo auxiliar, por exemplo. No clássico exemplo
da construção ir + infinitivo, perdeu-se a noção de movimento no espaço.
A extensão ou generalização de contextos corresponde ao uso de uma forma
lingüística em vários contextos, como, por exemplo, o uso do verbo dar com diferentes
significados: dar medo, dar aula, dar um presente, dar um susto etc. Há, então, a
aplicação de formas lingüísticas em novos contextos discursivos com novos efeitos
pragmáticos. Esse mecanismo de Heine é o único que implica em um ganho lingüístico,
já que os demais envolvem perdas de propriedades lingüísticas características de seus
usos em novos contextos.
O último mecanismo abordado por Heine, a erosão, refere-se à perda de
substância fonética que algumas formas sofrem durante o processo de gramaticalização.
Pode-se citar, a título de exemplificação, a forma você, tema desta pesquisa, que,
originada da forma Vossa Mercê, sofreu redução fonética durante o processo evolutivo:
Vossa Mercê > vossemecê > vosmecê > você.
Castilho (2003), por sua vez, apresenta os seguintes estágios de gramaticalização:
sintaticização; morfologização; redução fonológica; estágio zero e alterações
semânticas.
A sintaticização, primeiro mecanismo abordado por Castilho, refere-se à mudança
de classe e à categorização funcional, em que há atribuição de propriedades funcionais
com o processo de gramaticalização. Tal mecanismo corresponde ao princípio da de-
categorização, anteriormente abordados por Hopper (1991) e Heine (2002).
A morfologização, segundo Castilho, seria um estágio mais extremo do que a
sintaticização, correspondendo à criação de afixos flexionais ou derivacionais. Já a
redução fonológica corresponderia ao processo de erosão (Heine, 2002), em que a
forma sofre a perda de substância fonética durante o processo de gramaticalização.
O quinto estágio de gramaticalização aludido por Castilho refere-se ao estágio
zero, no qual são produzidas categorias fixas, rígidas e inalteráveis. Todavia, como a
cristalização contraria a criatividade e re-elaboração permanente da língua, há a
retomada com novas estruturas.
Por fim, Castilho menciona as alterações semânticas sofridas por uma forma
lingüística durante o processo de gramaticalização. Tal como Heine (2002) – que utiliza
o termo dessemantização para referir-se a esse mesmo fenômeno, o autor postula que
durante o processo, a forma perde algumas características semânticas originais, porém
ganha outras.
Traugott (2003), revisitando o tema, faz uma crítica à definição padrão de
gramaticalização, que apresenta o fenômeno como o processo através do qual itens
lexicais se tornam gramaticais e itens gramaticais se tornam ainda mais
gramaticalizados (Lehmann, 1985). Segundo a autora, essa visão em torno do fenômeno
é muito rígida, pois leva em conta apenas o lexema. Para fundamentar a sua crítica,
Traugott afirma que a gramática de uma língua deve envolver não apenas fonologia,
morfossintaxe e semântica, mas abarcar também as habilidades cognitivas envolvidas
durante o processo de interação verbal entre emissor e receptor. Tal processo incluiria o
processamento da informação, administração do discurso e outras habilidades centrais
para a pragmática: foco, topicalização, dêixis e coerência discursiva.
De acordo com Traugott, gramática e discurso não são dois assuntos isolados – o
discurso faz parte da gramática. Sendo assim, segundo ela, seria necessário ampliar o
conceito tradicional de gramaticalização. Em outras palavras, deve-se levar em conta
não apenas o lexema isoladamente, mas o contexto discursivo em que tal mudança
ocorre. Em 1991, juntamente com Hopper, a autora apresenta a seguinte explicação para
o fenômeno, mais abrangente: “Gramaticalização é o processo pelo qual lexemas e
construções passam a ter, em determinados contextos lingüísticos, funções
gramaticais” e “a evolução da forma e significado gramatical de itens lexicais
(Traugott, 2003: 625)
3
(grifo meu).
Em La gramaticalización en la historia del español, Company Company (2002),
assim como Traugott (2003), também faz uma crítica à visão tradicional do fenômeno,
que postula que os lexemas se convertem em formas gramaticais e as formas
gramaticais procedem de formas léxicas primitivas. Company Company apresenta uma
postura extremista, ao afirmar que a gramaticalização é um movimento constante para a
estrutura, uma busca constante e não alcançável, já que não existe a gramática, só a
gramaticalização. Segundo a autora, a gramaticalização se daria na língua em uso, em
contextos discursivos reais (não haveria estrutura fixa prévia). Lingüistas como Hopper
(1991), que propõem o modelo discurso > gramaticalização, parecem acreditar que a
gramática não existe e que está sempre emergindo do discurso.
Ainda segundo Company Company, há diversas variáveis que interferem em um
processo de gramaticalização: metáfora ou metonímia – processos de associação que
estabelecem vínculo entre diferentes domínios conceituais, promovendo uma extensão
de sentido (já abordada por Heine, 2002); contexto – possibilita o surgimento de um
valor inovador e criatividade – possibilita a relação associativa entre os domínios
conceituais.
Para a referida autora, o ouvinte seria o protagonista do processo de mudança, já
que ele é o responsável pela reinterpretação e pela reanálise das formas lingüísticas em
uso. Para Company Company, existiriam, portanto, dois tipos de reanálise: a
3 “the process whereby lexemes and constructions come in certain linguistic contexts to serve
grammatical functions” and “the evolution of grammatical form and meaning from lexical and phrasal
antecedents” (TRAUGOTT, 2003: 625).
ressegmentação, de natureza fonológica, correspondendo à criação, perda ou alteração
fonológica e a reformulação, de natureza semântica, sendo uma reinterpretação do valor
semântico gramatical das formas lingüísticas. Assim, a gramaticalização seria um
processo desencadeado pelo falante/ouvinte de uma língua, sendo necessário o contexto
social para a difusão de determinado uso lingüístico.
Em relação à hipótese do enfraquecimento semântico e pragmático, Traugott
(2003) considera que os componentes semânticos do lexema original, freqüentemente
concretos, podem ser enfraquecidos ou generalizados, porém esse item ganha sentidos
mais abstratos, assim como novos valores pragmáticos. Sendo assim, diferentemente
das correntes que postulam a ocorrência de um desbotamento semântico em relação ao
item original, Traugott, assim como Company Company (2002), considera o fenômeno
da gramaticalização como um processo em duas vias, em que há perdas e ganhos
semânticos.
Com base na análise das diferentes correntes teóricas que abordam o fenômeno da
gramaticalização, pôde-se observar que tal processo é lento, gradual e inacabável.
Abordar suas diferentes etapas é uma tarefa árdua. O mais importante, durante a análise
do processo de gramaticalização de uma forma lingüística, é encontrar pontos de
convergência e de divergência entre as propostas, pois, apesar de distintas, são
complementares. É preciso, portanto, depreender o que pode ser considerado essencial
para explicar os fenômenos de gramaticalização morfossintática.
3. 4 – O Casamento Teórico: O Sociofuncionalismo.
Dentre as duas teorias em conversação – a sociolingüística variacionista e o
funcionalismo – foi a sociolingüística a que primeiro voltou seu olhar para a dimensão
social da variação e da mudança, fundamentada na premissa de que era possível estudar
a heterogeneidade lingüística levando em conta a relação entre língua e sociedade. Por
outro lado, estudos funcionalistas voltados ao fenômeno da gramaticalização,
destacando considerações de ordem social, só começaram a surgir a partir da década de
90 (cf. Tavares, 2003).
Poucos estudos acerca de gramaticalização focalizam ao mesmo tempo duas ou
mais formas alternantes, preferindo, geralmente, verificar os estágios de mudança por
que passa um mesmo item ou construção. É esse o caso, por exemplo, dos trabalhos
sobre o pronome você (objeto de estudo desta pesquisa), que costumam analisar os
diferentes estágios por que o pronome passou, desde sua origem como forma de
tratamento (Vossa Mercê). Os estudos variacionistas, por sua vez, têm por alvo a
variabilidade lingüística, o que necessariamente os faz agrupar dois ou mais itens
lingüísticos para analisá-los como variantes. Segundo Tavares (2003), o requisito
mínimo para o pontapé inicial da investigação é a existência de duas ou mais formas em
variação.
Conforme explicitado anteriormente, a teoria sociolingüística privilegia como
critério para o estabelecimento de um conjunto de variantes a exigência de manutenção
do significado, isto é, as formas devem apresentar o mesmo valor de verdade. Por outro
lado, o princípio da estratificação proposto por Hopper (1991), pressupõe que o que
caracteriza as camadas habitantes de um mesmo domínio é a igualdade no âmbito
funcional. De acordo com Tavares (2003), para que o casamento teórico se concretize, a
melhor solução é o afrouxamento do critério através do qual as variantes são agrupadas,
possibilitando o tratamento variável de formas que compartilhem funções discursivas.
Desta forma, itens ou construções em relação de estratificação/variação podem
apresentar ou não o mesmo significado, desde que exerçam a mesma função.
Cabe destacar que esse não é o único ponto de divergência entre as teorias.
Labov (1994) postula que a variação é o primeiro estágio da mudança lingüística. De
acordo com essa visão, surgindo a alternância entre determinadas formas, pode ocorrer
mudança no sentido de uma delas suplantar a outra ou especializar-se em contextos
diversos, eliminando-se, assim, a variação. Sendo assim, a mudança decorreria da
variação. Busca-se, nessa proposta, analisar as diferentes formas em competição,
averiguando-se se tais formas estão passando por um processo de mudança em
andamento ou se estão em relação de variação estável no que se refere ao significado
compartilhado.
Nos estudos funcionalistas sobre a gramaticalização, a precedência da variação
sobre a mudança é invertida. Dentro dessa perspectiva, a variação decorreria da
mudança. Em geral, investiga-se o percurso evolutivo de um dado item, o qual, no
desenrolar de sua trajetória, adquire múltiplas funções. Se uma ou mais dessas funções
já estiverem sendo exercidas por outras formas, irá ocorrer uma situação de variação.
Segundo Castilho (1997), todavia, aparentemente não há contradição, pois, devido ao
caráter cíclico da gramaticalização, “a variação é ao mesmo tempo o ponto de partida e
o ponto de chegada da mudança lingüística” (Castilho, 1997: 55).
Embora os objetivos centrais do funcionalismo voltado à gramaticalização
(história de uma forma) e da sociolingüística variacionista (coexistência de formas em
determinado momento de sua evolução) sejam distintos, espera-se chegar a uma
convergência entre os pressupostos teórico-metodológicos de cada teoria. A abordagem
em questão focaliza diferentes variantes que compartilham e/ou disputam dada função,
efetuando o controle de grupos de fatores lingüísticos e sociais passíveis de influenciar a
escolha dos falantes por uma delas.
Durante o presente estudo, conceitos de cada modelo teórico são facilmente
equiparáveis. Todavia, em determinados momentos, uma das teorias se sobressai. Por
exemplo, o objeto a ser analisado sob o olhar sociofuncionalista abarca mais de uma
forma e seus contextos lingüísticos e sociais, predominando a perspectiva
sociolingüística. Por outro lado, o prisma funcionalista prevalece nos momentos em que
o foco da análise recai sobre a função discursiva das formas, e também durante a análise
do trajeto percorrido por Vossa Mercê > você durante o processo de gramaticalização.
4 – A CARACTERIZAÇÃO DA AMOSTRA: AS CARTAS DE LEITORES
OITOCENTISTAS.
Partindo dos pressupostos teóricos da Sociolingüística Quantitativa de base
laboviana, submeteram-se os dados ao pacote computacional de regras variáveis
(Programas VARBRUL). Para identificar as pressões sociais, estruturais e funcionais
que atuaram na mudança de nosso sistema pronominal, procura-se integrar a perspectiva
variacionista laboviana (Labov, 1994) a alguns dos modelos teóricos que discutem o
fenômeno da gramaticalização – já apresentados anteriormente. Serão levados em conta,
principalmente, os cinco princípios postulados por Hopper (1991) – estratificação ou
layering; divergência; especialização; persistência e de-categorização – e os
mecanismos apresentados por Heine (2002) – dessemantização ou bleaching; extensão
ou generalização de contextos; decategorização e erosão.
A fim de investigar as tendências no comportamento das estratégias de
referência ao interlocutor no século XIX, utilizou-se uma amostra constituída por cartas
de leitores de jornais oitocentistas escritas na região Sudeste do país, mais
especificamente nos estados de Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro (Barbosa &
Lopes, 2004), retirada dos corpora compartilhados do projeto PHPB – Para a História
do Português Brasileiro. Partindo do pressuposto de que, para melhor compreensão do
fenômeno analisado, é necessário situá-lo no contexto discursivo mais amplo, far-se-ão
algumas considerações sobre a caracterização do gênero carta e a sua estruturação.
Bakhtin (2003) postula que as sociedades e culturas são diversas, e, portanto,
suas atividades, cuja mediação é feita pela linguagem, também o são. Sendo assim, os
usos dessa linguagem serão tão variados quanto forem as atividades humanas, moldando
a linguagem por meio de enunciados relativamente estáveis, o que garante a
comunicação verbal. Tais enunciados, constituem os chamados gêneros discursivos ou
gêneros textuais, e são encontrados na sociedade de forma materializada, na forma de
notícias, artigos, entrevistas, cartas, bilhetes, crônicas, romances, receitas culinárias,
bulas de remédio, poemas, piadas, editoriais, horóscopos etc., situados no tempo e no
espaço.
Já se tornou trivial a idéia de que os gêneros textuais são
fenômenos históricos, profundamente vinculados à vida
cultural e social. Fruto de trabalho coletivo, os gêneros
contribuem para ordenar e estabilizar as atividades
comunicativas do dia-a-dia. São entidades sócio-
discursivas e formas de ação social incontornáveis em
qualquer situação comunicativa. No entanto, mesmo
apresentando alto poder preditivo e interpretativo das
ações humanas em qualquer contexto discursivo, os
gêneros não são instrumentos estanques e enrijecedores
da ação criativa. Caracterizam-se como eventos textuais
altamente maleáveis, dinâmicos e plásticos.
(MARCUSCHI, 2002: 19.)
Bazerman (2005), em seu texto Cartas e a Base Social de Gêneros
Diferenciados, afirma que as cartas possuem um papel especial na formação dos
gêneros discursivos. Segundo o autor, os gêneros ajudam as pessoas a navegar dentro
dos complexos mundos da comunicação escrita e atividade simbólica, já que, ao
reconhecer um tipo de texto, reconhecemos também muitas coisas sobre a situação
social e institucional, as atividades propostas, os papéis relativos ao escritor e ao leitor,
as motivações e idéias, o conteúdo esperado do documento e o lugar em que se
enquadra tudo isso na vida do indivíduo.
A carta, com sua comunicação direta entre dois
indivíduos dentro de uma relação específica em
circunstâncias específicas (tudo que podia ser comentado
diretamente), parece ser um meio flexível no qual muitas
das funções, relações e práticas institucionais podem se
desenvolver – tornando novos usos socialmente
inteligíveis, enquanto permite que a forma de
comunicação caminhe em novas direções.
(BAZERMAN, 2005: 83.)
De acordo com Bazerman (2005), os primeiros comandos escritos, ao lado de
outros assuntos de Estado, no antigo Oriente Próximo e na Grécia, foram feitos na
forma de cartas, que forneciam a identificação de autor e audiência. Em um período
mais antigo, essas cartas eram entregues por mensageiros pessoais da autoridade em
questão, que passavam a representar a própria presença ou projeção do emissor. Essa
encenação social era realçada pela leitura do conteúdo da carta em voz alta pelo
mensageiro. Desta forma, os procedimentos referentes à entrega dessas primeiras cartas
representavam as relações sociais realizadas à distância por meio da carta. Mesmo
quando as cartas deixaram de ser recitadas por mensageiros, permaneceu o propósito de
projeção da presença do autor através da escrita (cf. Doty, 1973 apud Bazerman, 2005).
A carta, uma vez criada para mediar a distância entre duas pessoas, fornece um
espaço transacional aberto, que pode ser especificado, definido e regularizado de muitas
maneiras diferentes.
As relações e transações em curso são mostradas para o
leitor e o escritor diretamente através das saudações, das
assinaturas e dos conteúdos da carta. Além do mais,
cartas podem descrever e comentar – frequentemente de
modo explícito – a relação entre os indivíduos e a
natureza da transação corrente. À medida que mais temas
e transações, de forma reconhecível, inserem-se nas
cartas, o gênero, em si, se expande e especializa; foi assim
que tipos distintos de cartas se tornaram reconhecíveis e
passaram a ser tratados diferentemente. As pessoas
reconhecem cada vez mais uma variedade de transações
que pode ser realizada à distância através de cartas,
seguindo modelos para cada tipo de transação.
(BAZERMAN, 2005: 88.)
Paredes Silva (1997), analisando o gênero carta, afirma que tal gênero
discursivo possibilita uma gama variada de tipos de comunicação, como, por exemplo,
pedido, agradecimento, congratulações, desculpas, informações, prestação de contas,
notícias familiares etc. A autora também ressalta que, justamente por apresentarem
situações comunicativas variadas e circularem em campos de atividade diversos, as
cartas não são de uma mesma natureza. Desta forma, os tipos de carta, anteriormente
mencionados, podem ser considerados subgêneros do “gênero maior” carta, já que
apresentam características comuns em sua estrutura básica: a seção de contato, o núcleo
da carta e a seção de despedida (cf. Paredes Silva, 1988), mas são diversos em suas
formas de realização, em suas intenções e objetivos. É assim que encontramos cartas de
pedido, cartas de resposta, carta pessoal, carta programa, carta circular, carta do
leitor, carta ao leitor, entre outras.
Levando-se em conta essa perspectiva funcional-interativa, verifica-se que a
carta do leitor é um texto que circula no contexto jornalístico, em seção fixa de revistas
e jornais, denominada, geralmente, de cartas, cartas à redação, carta do leitor, painel
do leitor, reservada à correspondência enviada por leitores. Em outras palavras,
mantendo o propósito com o qual foi inicialmente concebida, a carta é utilizada em
situação de ausência de contato imediato entre remetente e destinatário, que, a princípio,
não se conhecem (o leitor e a equipe da revista/jornal, respectivamente), atendendo a
variados propósitos comunicativos: agradecer, comunicar, criticar, reclamar, solicitar,
elogiar, opinar etc. É um gênero de caráter aberto, de domínio público, que tem como
objetivo primordial a divulgação de seu conteúdo, proporcionando, assim, a sua leitura
ao público em geral.
Atualmente, as cartas de leitor que são publicadas em seções de revistas e
periódicos de grande circulação abordam notícias ou reportagens relativas a temas de
interesse nacional, opiniões dos leitores sobre os acontecimentos da época ou
solicitações feitas por eles, pois é um veículo de fácil acesso. Contudo, embora
apresentem as características anteriormente citadas, sabe-se que nem toda carta de leitor
é divulgada. Segundo Melo (apud Bezerra, 2005),
[...] há sempre uma triagem e entre aquelas que foram
selecionadas para publicação pode haver ainda uma
edição. Por razões de espaço físico ou por direcionamento
argumentativo (em prol da revista/jornal), podem ser
resumidas, parafraseadas ou ter informações eliminadas.
O que acaba por configurar-se como uma carta com co-
autoria: o leitor, de quem partiu o texto original, e o
jornalista, que o reformulou [...].
(BEZERRA, 2005: 211.)
Todavia, não é bem isso que ocorre nas cartas de leitores dos jornais
oitocentistas. Na realidade, nos periódicos mineiros, cariocas e paulistas analisados, as
cartas aparecem, aparentemente, na íntegra, e versam sobre os mais variados e
diferentes assuntos. Em meados do século XIX, a importância das cidades crescia, e
novos empreendimentos industriais favoreciam a adoção de equipamentos urbanos que
melhorariam a qualidade de vida de seus habitantes. Com o progresso, aumentam
também as insatisfações. Afloram no discurso das cartas de leitores pedidos, busca de
contato com parentes e amigos, críticas, comunicados e reclamações individuais e
coletivas de um Brasil recém-independente, entre outros. Através delas, pode-se ouvir
as angústias e desejos do cidadão letrado do Brasil imperial e republicano em seu
primeiro momento. Os exemplos 01e 02 foram retirados de cartas nas quais os leitores
apresentam suas insatisfações em relação à falta de conservação das estradas e ao
governo. Ressalte-se que esses temas, expressando o descontentamento da população,
ainda são recorrentes nas cartas de leitores atuais:
(01) Senhores Redatores. || Não posso deixar de queixar-me á Vossas
mercês e ao publico do abandono, em que se acha a estrada, por onde
costumo transitar com minha tropa. [...] Senhor Redator, eu sou
paulista, e gosto de ver os meus patricios em alguns empregos, e
merecendo freqüentes, e pomposos encômios; mas se em | [corroído] |
no, e os miseros tropeiros, alem de immensos incommodos, soffrem
perdas, estragando os animaes [...]
(Carta de Leitor; A Phenix; São Paulo/SP; 24/02/1841)
(02) PUBLICAÇÕES SOLICITADAS || MORADIAS E NUTRIÇÃO
DO POVO || É esta uma questão por demais esquecida e abandonada
pelos governos do imperio ame- | ricano. || Succedem-se um a outros,
cada qual com as melhores promesas cada qual offerecendo a melhor
vontade e esperança [...] || Esses pardieros arruinados, sem ar e sem o
asseio suficiente a evitar enfermidades, onde o trabalhador repousa
durante as horas do des- | canço, verdadeiros charcos da immundice,
que || affrontam a capital do Imperio [...]
(Carta de Leitor; Jornal de Notícias; Rio de Janeiro/RJ; 26/11/1875)
No corpus em análise, também foram encontradas cartas destinadas aos
redatores do jornal, que muito se assemelham às cartas ao editor da atualidade.
Observe-se o seguinte exemplo:
(03) A’ espirituosa e distinta redação | do Mequetrefe retribuímos o
amável | comprimento que nos fez e agrade- | cemos as lisongeiras
palavras com | que nos escolheu.
(Carta de Leitor; Jornal de Notícias; Rio de Janeiro/RJ; 26/11/1875)
Contudo, apesar das semelhanças apontadas entre as cartas de leitores atuais e as
cartas de leitores dos jornais do século XIX, algumas diferenças foram notadas.
Observam-se, na amostra analisada, cartas cujo tom de “conversa escrita” (Steger apud
Paredes Silva, 1988) é bem saliente, diferentemente do que ocorre nos jornais de hoje.
Vejamos o seguinte trecho, no qual o leitor, dirigindo-se à sua mãe, pede sua bênção e
envia notícias suas:
(04) Minha mãe, hoje 25 do corrente de 1865. – Cidade de | São
Paulo. – Corpo de Voluntários da Pátria. || Oh! que satisfação para
mim em saber que estas | miseraveis lettras vão achar a vossa mercê,
com feliz saude em | companhia de toda nossa familia; [...] || Oh!
minha mãe lembre-se de mim, porque de vossa mercê | não me
esqueço [...] | lance-me também sua benção [...].
(Carta de Leitor; Correio Paulistano; São Paulo/SP; 28/03/1865)
Em relação à estrutura da carta, é importante mencionar que as cartas de leitores
oitocentistas, assim como as cartas pessoais, costumavam apresentar as três partes que
formam a estrutura de uma carta, a saber: seção de contato, núcleo da carta e seção de
despedida. De acordo com Paredes Silva (1988), a carta tem habitualmente algumas
frases iniciais que funcionam como preâmbulo para a “conversa escrita” (Steger apud
Paredes Silva, 1988) que se seguirá. Essa espécie de “introdução ao assunto” pode
preencher o parágrafo inicial da carta ou somente parte dele, passando-se logo ao
propósito da carta. Segundo a autora, tal denominação se deve ao fato de, nessa parte da
carta, “o emissor estar apenas estabelecendo um primeiro contato com o destinatário,
preparando-o para a comunicação propriamente dita” (Paredes Silva, 1988: 77). Veja
o exemplo a seguir, em que o leitor estabelece contato com o destinatário através de um
“pedido de desculpas” inicial, explicitando as dificuldades encontradas para responder,
antes de passar ao objetivo da carta em si:
(05) E... | Só Deos sabe os embara | ços que tenho encontrado | para
responder-te. Feliz | mente pude valer-me deste meio. Eu a muito que
ando af | flicta para falar-te, mas co | mo sabes as difficuldades são
muitas. [...]
(Carta de Leitor; Correio Paulistano; São Paulo/SP; 28/03/1865)
Entre a seção de contato e a seção de despedida, desenvolve-se o núcleo da
carta, nos mais variados temas, que serão discutidos mais adiante. Após essa seção, as
cartas de leitores apresentam, à semelhança das cartas atuais, a seção de despedida.
Cabe mencionar que, nem sempre, a despedida vem acompanhada do nome do
remetente. Vejamos alguns exemplos:
(06) [...] Espera-se que Vossa Ex[[x]]celência | tome em consideração,
| esta justa reclamação, | procedendo como for de justiça. | Setembro
20 de 1894. |
Uma victima.
(Carta de Leitor; A Derrocada; Ouro Preto/MG; 29/09/1894)
(07) [...] Desculpe a maçada; até qualquer dia destes. Quanto á | casa,
comadre, ainda não há por aqui vaga; assim que haja lhe mandarei
dizer. || Sua comadre e amiga || Chiquinha.
(Carta de Leitor; Correio Paulistano; São Paulo /SP; 13/09/1865)
Se na conversa o momento da despedida pode ser um
tanto problemático, pois quem se despede está preferindo
o silêncio à continuação da comunicação, assim também
ocorre no final da carta. Com o agravante, de que aqui, o
emissor, senhor absoluto da palavra, tem o poder de
decidir quando encerrá-la, sem qualquer chance de
negociação para o destinatário. [...] Geralmente o corte é
anunciado num novo parágrafo que começa com vocativo,
interjeição, advérbio ou outro elemento que funcione
como um delimitador desse novo momento do discurso –
um marcador discursivo.
(PAREDES SILVA, 1988: 79.)
Essa amostra representativa do século XIX, com a data-ícone do próprio início
da imprensa do Brasil (1808), agrupa as correspondências em 3 fases. Levou-se em
consideração a divisão em três fases distintas de acordo com a data dos documentos. Tal
divisão, proposta em Barbosa & Lopes (2004), espelha-se na divisão geracional de 30
anos geralmente assumida na composição de corpora orais: Fase 1 (1808-1840), Fase 2
(1841-1870) e Fase 3 (1871-1900).
Foram coletados 585 dados – 206 nas cartas paulistas, 209 nas cartas cariocas e
170 nas cartas mineiras. Diferentes formas de tratamento foram encontradas, a saber:
Vossa Excelência, Vossa Senhoria, Vossa Mercê, variantes de Vossa Mercê (vocemecê,
voçuncê, mecê etc.), você – a contraparte gramaticalizada, vós e tu – a segunda pessoa
legítima do discurso.
Nas cartas de leitores que compõem o corpus referente ao estado de Minas
Gerais, observa-se, como será comentado mais adiante, que não há propriamente o
predomínio de um assunto apenas, mas uma variedade de temas comuns às cartas de
leitores da época, tais como cartas de tema político, jornalístico, de interesse público e
cartas de tema pessoal, entre outros. Nota-se também, em relação às formas nominais e
pronominais encontradas, uma grande variedade de uso. Finalmente, cabe mencionar o
grande número de cartas ao redator, as chamadas, hoje, cartas ao editor.
Em relação às cartas do Rio de Janeiro, verifica-se o predomínio de cartas de
tema político, jornalístico e de interesse público. Observa-se também que,
provavelmente devido ao tipo de cartas presentes nessa sub-amostra, a variedade de
formas de tratamento utilizadas é menor, se comparada à observada na amostra de
Minas Gerais.
Finalmente, na sub-amostra de São Paulo, observa-se um grande número de
cartas destinadas ao público em geral, contendo críticas, reclamações, comunicados,
informações e insatisfações em geral. No que se refere às formas de tratamento
encontradas, observa-se grande variedade, além da presença de formas derivadas de
Vossa Mercê, tais como: vocemecê, voçuncê, mecê etc., que somente foram encontradas
nas cartas paulistas.
Devido ao tipo de corpus utilizado nessa pesquisa, não foi possível constituir
uma amostra completamente homogênea se levarmos em conta o conjunto de
documentos reunidos, já que há cartas dirigidas aos redatores dos jornais, cartas
destinadas ao público em geral e até mesmo cartas supostamente escritas para amigos
ou parentes. Segundo Brown & Gilman (1960), as pessoas exercem umas sobre as
outras diferentes níveis de poder em uma determinada situação interativa, o que acarreta
uma assimetria no tratamento. Sendo assim, o tipo e o tema da correspondência, assim
como a relação emissor-destinatário, irá influenciar diretamente na escolha de uma ou
outra forma de tratamento. Explicitam-se, em anexo, o nome do periódico, a data, o
tema e o tipo da carta, o conteúdo e as formas de tratamento presentes nas cartas que
fazem parte da amostra em análise.
Os resultados apresentados aqui darão, portanto, um panorama geral do
comportamento das principais formas nominais e pronominais de tratamento utilizadas
nas cartas escritas por leitores de jornais oitocentistas que viviam na Região Sudeste do
país. Além disso, pretende-se focalizar o momento por que passava o processo de
gramaticalização de Vossa Mercê > você no século XIX – o que viria a causar a
reorganização do paradigma dos pronomes pessoais no português –, em um corpus
específico.
5 – DESCRIÇÃO METODOLÓGICA E ANÁLISE DE RESULTADOS.
A análise dos resultados obtidos a partir das cartas de leitores oitocentistas foi
dividida em duas partes. Numa primeira parte, de caráter mais descritivo, são
apresentados os resultados relativos ao levantamento das formas nominais e
pronominais de tratamento empregadas na posição de sujeito. Na segunda parte, o foco
da análise concentra-se na identificação dos fatores lingüísticos e extralingüísticos que
aceleraram o processo de gramaticalização de Vossa Mercê > você no português do
Brasil, ocasionando sua inserção no nosso sistema pronominal. O principal objetivo é
tentar delimitar, com base nessa amostra, o estágio da gramaticalização de Vossa Mercê
> você no século XIX, comparando nossos resultados com outros estudos realizados
sobre o tema em outros corpora e períodos históricos.
Para a análise qualitativa das formas de tratamento identificadas nessas cartas,
foram encontradas as seguintes estratégias nominais e pronominais utilizadas na
referência ao interlocutor: Vossa Excelência, Vossa Senhoria, Vossa Mercê, variantes
de Vossa Mercê (vocemecê, voçun, mecê etc.), você, vós e tu. Cabe ressaltar que se
excluíram da análise as ocorrências de formas verbais nominais de infinitivo impessoal,
casos de gerúndio com sujeito nulo e formas consideradas contextualmente ambíguas,
isto é, casos em que o referente não poderia ser identificado. Os exemplos a seguir
referem-se às estratégias supracitadas.
(08) Como pode Vossa Excelência suppor que o povo do Rio de
Janeiro não pertence ao Brasil para adopta-lo por seo candidato ao
senado?
(Carta de Leitor; O Cidadão; Rio de Janeiro/RJ; 29/11/1838)
(09) Tendo dado alguns passos a favor do livramento do senhor
Ladeira, seo filho, preciso que Vossa Senhoria diga ao pé deste se
levei-lhe algum dinheiro pelo meu trabalho de viagens...
(Carta de Leitor; Minas Geraes; Ouro Preto/MG; 24/01/1862)
(10) Vossa Mercê é muito espirituoso, e aquella sua cousa do jury já
me arrebentou os cordões às saias de tanto rir.
(Carta de Leitor; Correio Paulistano; São Paulo/SP; 25/08/1865)
(11) Eu conheço voçuncê de outras eras; voçuncê é que não se lembra
de mim; eu estava alugada na casa do seu bispo Dom Mateus, no
tempo em que voçuncê foi lá botar a Chrisma em voçuncê mesmo.
(Carta de Leitor; Correio Paulistano; São Paulo/SP; 24/06/1865)
(12) Mariquinha, que mecê sabe que soffre muito das lombrigas, leva
a noite inteira se acordando assustada com semelhantes berros.
(Carta de Leitor; Correio Paulistano; São Paulo/SP; 20/08/1865)
(13) Você que he a só authoridade legitima desta Província não ousa
oppôr-se as arbritariedades de um Governo intruso...
(Carta de Leitor; O Propugnador; Rio de Janeiro/RJ; 13/07/1824)
(14) Fosteis vós que lançasteis mãos dos processos contra os votantes
do partido saquarema...
(Carta de Leitor; O Conciliador; Ouro Preto/MG; 20/03/1851)
(15) Tu não me entendes. [...] Basta. Maldigo a minha sorte.
(Carta de Leitor; O Universal; Ouro Preto/MG; 23/06/1830)
Controlaram-se os seguintes grupos de fatores que serão descritos durante a
análise qualitativa dos resultados obtidos: (i) tipo de interação estabelecida – se
transacional ou interpessoal (Briz, 2004); (ii) destinatário das cartas – amigo, cônjuge,
outros familiares, destinatário não-específico, redator, pessoa ilustre, povo/público em
geral etc.; (iii) relação de poder e solidariedade – [-solidário, +distância] versus
[+solidário, -distância]; (iv) tipos de cartas encontrados – crítica, relato, comunicado ou
informação geral, pedido, agradecimento, resposta, reclamação, pedido de desculpas
etc. e (v) temas identificados nas cartas – político, interesse público, pessoal,
jornalístico, jurídico, trabalhista, familiar, teor íntimo e cartas de amizade.
Além de identificar as formas de tratamento mais produtivas na amostra,
objetiva-se, principalmente, correlacionar, como proposto por Lopes (2006), o emprego
das diferentes estratégias de tratamento ao tipo de texto (sub-gênero carta de leitor) em
que são localizadas. Nossa intenção é discutir se a freqüência de determinada forma de
tratamento nas cartas de leitores oitocentistas pode evidenciar “uma etapa de um
processo de mudança sistêmica ou se ela é apenas uma peculiaridade daquele tipo de
texto” (Kabatek 2001: 97, apud, Lopes, 2006: 191).
Na análise da gramaticalização de Vossa Mercê > você, com base nos princípios
discutidos por Hopper (1991), Heine (2002) e Lehmann (1985), são levados em conta
apenas os resultados relativos às formas Vossa Mercê e variantes, você, tu e vós, tendo
em vista os seguintes grupos de fatores controlados:
1- Expressão do sujeito – nulo e pleno:
Através do controle da expressão do sujeito, objetiva-se analisar o
comportamento assumido pelas formas controladas de 2ª e 3ª pessoas gramaticais,
partindo da hipótese de que, no século XIX, o português ainda era uma língua de sujeito
nulo (cf. Duarte, 1995).
2 – Combinação de formas:
Pretende-se, ao testar tal fator, verificar a existência, ou não, da combinação de
formas de 2ª pessoa gramatical (singular ou plural) com formas de 3ª pessoa gramatical,
também no singular ou plural, o que ocasionaria a chamada mistura de tratamento,
fenômeno altamente criticado pelas gramáticas tradicionais.
3 - Função sintática/sub-categoria pronominal:
Decidiu-se pelo controle da função sintática e/ou sub-categoria pronominal, para
analisar se, nas cartas de leitores oitocentistas, há a presença de formas de segunda
pessoa correlacionadas ao você gramaticalizado. Nesse sentido, com relação à segunda
pessoa do singular, consideraram-se o pronome tu e formas relacionadas, constituindo-
se, dessa forma, o seguinte grupo: os pronomes pessoais exercendo função de sujeito
(tu), de complemento verbal não preposicionado (te), de complemento / adjunto verbal
ou nominal preposicionado (de ti, para ti, contigo, entre outros), os pronomes
possessivos (teu(s), tua(s)) e as desinências correspondentes à segunda pessoa do
singular de todos os modos verbais. Veja alguns exemplos:
(16) ..e tu, a meu respeito, designaras por bregueiradas...
(Carta de Leitor; O Cidadão; Rio de Janeiro/RJ; 29/11/1338)
(17) Ou a chuva tem te privado de sahir?
(Carta de Leitor; O Diabinho; Ouro Preto/MG; 02/11/1884)
(18) Amigo, nunca enganei-me comtigo.
(Carta de Leitor; Correio Paulistano; São Paulo/SP; 07/04/1865)
(19) Até hoje vivo n’um inferno sem tregoas, desde o dia em que ouvi
uns moços galhofando dizendo que não é só o teo coração que é preto,
mas também os teos miollos...
(Carta de Leitor; Diário de Minas; Ouro Preto/MG; 25/11/1876)
(20) E... eu tenho guardado todo o scilencio sobre a tua cartinha de 24
de junho...
(Carta de Leitor; O Diabinho; Ouro Preto/MG; 12/10/1887)
(21) Ah! Quando vires o estrago que elle me fez, chorarás! Fiquei
finalmente desgraçado, e para maior infelicidade minha, todo o mundo
o sabe!
(Carta de Leitor; O Cidadão; Rio de Janeiro/RJ; 29/11/1838)
Também foram levantados os dados de você e os pronomes relacionados, que se
observaram do seguinte modo: os pronomes pessoais na função de sujeito (você), de
complemento verbal não preposicionado (o, a, você, lhe), de complemento / adjunto
verbal ou nominal preposicionado (de você, com você, para você, a você), bem como os
pronomes possessivos (seu(s), sua(s)) e as desinências verbais correspondentes à forma
você na terceira pessoa do singular, também em todos os modos verbais. Os exemplos
abaixo servem de ilustração:
(22) Você que he a só authoridade legitima desta Província não ousa
oppôr-se as arbritariedades de um Governo intruso...
(Carta de Leitor; O Propugnador; Rio de Janeiro/RJ; 13/07/1824)
(23) Accredite você na amizade que lhe consagro, e na afeição que
sempre lhe tive...
(Carta de Leitor; O Propugnador; Rio de Janeiro/RJ; 13/07/1824)
(24) Não tem coragem para tomar a única resolução que deve, que he
o de recusar-se inteiramente a requisições iníquas, e cuja
responsabilidade cahe toda sobre seus hombros.
(Carta de Leitor; O Propugnador; Rio de Janeiro/RJ; 13/07/1824)
(25) Charo Amigo. Tenho em vistas a sua estimavel carta de 2 de
Maio em que você [ilegível] minha conducta Militar...
(Carta de Leitor; O Propugnador; Rio de Janeiro/RJ; 13/07/1824)
(26) Diga-me charo amigo: leo você já o Projecto offerecido?
(Carta de Leitor; O Propugnador; Rio de Janeiro/RJ; 13/07/1824)
Os dados a seguir exemplificam o pronome vós e as formas relacionadas, como
pronomes pessoais na função de sujeito (vós), de complemento verbal não
preposicionado (vos), de complemento / adjunto verbal ou nominal preposicionado (de
vós, para vós, convosco, entre outros), os pronomes possessivos (vosso(s), vossa(s)) e as
desinências verbais correspondentes à segunda pessoa do plural nos modos indicativo,
subjuntivo e imperativo.
(27) Fosteis vós que lançasteis mãos dos processos contra os votantes
do partido saquarema...
(Carta de Leitor; O Conciliador; Ouro Preto/MG; 20/03/1851)
(28) ...vos rebaixasteis então a ponto de vos empenhardes athé com
meretrises para que fuão ou fuão de tal comvosco votasse.
(Carta de Leitor; O Conciliador; Ouro Preto/MG; 20/03/1851)
(29) Quanto a mim só vos posso protestar os mais sinceros votos de
estima, amisade e fidelidade...
(Carta de Leitor; Correio Paulistano; São Paulo/SP; 26/09/1865)
(30) E vós, oh Sabarenses, que viveis de vossas industrias e
comercio...
(Carta de Leitor; O Conciliador; Ouro Preto/MG; 20/03/1851)
(31) ...ficai certos de que na cartilha dos Ferrões não valheis nada...
(Carta de Leitor; O Conciliador; Ouro Preto/MG; 20/03/1851)
5. 1 - As Formas Nominais e Pronominais de Tratamento na Posição de Sujeito nas
Cartas de Leitores Oitocentistas.
5. 1. 1 - Distribuição Geral dos Dados.
O objetivo principal deste capítulo é expor os resultados quantitativos e
qualitativos das formas nominais de tratamento e das formas pronominais levantadas no
corpus desta investigação em termos de freqüência de uso. Os dados foram
quantificados e submetidos ao programa estatístico computacional Makecell, inserido no
pacote de programas VARBRUL (Variable Rules Analyses), para o cálculo das
freqüências brutas. Optou-se, neste sub-item, por apresentar a distribuição das formas
somente na posição de sujeito da oração, como se vê na tabela a seguir:
FORMAS NOMINAIS E PRONOMINAIS UTILIZADAS EM CARTAS DE LEITORES DO SÉCULO XIX
NA POSIÇÃO DE SUJEITO
(-) formal _________________________________________________________________________ (+) formal
FORMAS PRONOMINAIS FORMAS NOMINAIS
Formas
utilizadas/
Localidade
Tu Vós Você Variantes
de Vossa
Mercê
Vossa
Mercê
Vossa
Senhoria
Vossa
Excelência
TOTAL
TOTAL
34/308
(11%)
58/308
(19%)
29/308
(9%)
27/308
(9%)
65/308
(21%)
19/308
(6%)
76/308
(25%)
308/308
(100%)
121/308
(39%)
27/308
(9%)
160/308
(52%)
Tabela 1 – Formas nominais e pronominais utilizadas em cartas de leitores do século XIX: somente na posição de
sujeito
4
.
4
Adotou-se essa forma de apresentação dos resultados por considerar-se que as variantes de Vossa Mercê
(vocemecê, voçuncê, mecê etc.) ainda apresentam um comportamento híbrido – forma nominal de
tratamento e forma pronominal.
A quantificação de todas as formas nominais e pronominais de tratamento – na
posição de sujeito –, existentes nas cartas de leitores que constituem o corpus de análise,
resultou em um total de 308 dados. Em termos gerais, observa-se a maior produtividade
para as formas nominais de tratamento, com predomínio de Vossa Excelência – com 76
ocorrências, perfazendo um total de 25% dos dados – sobre as demais (Vossa Senhoria
e Vossa Mercê).
No que se refere às formas pronominais, vós apresenta os maiores índices – 58
ocorrências (19% dos dados) –, seguido de tu e você. Ao pensar-se em termos de uma
escala ou gradação de formalidade no sistema tratamental, empregado nessas cartas de
leitores oitocentistas, o pronome tu apresenta-se como menos formal e mais íntimo em
um extremo do continuum, com baixa produtividade de freqüência. Por outro lado, no
vértice oposto da escala, representando o tratamento mais formal e menos íntimo,
aparece Vossa Excelência, com grande produtividade na amostra analisada.
Por ora, serão deixadas de lado as variantes de Vossa Mercê (vocemecê,
voçuncê, mecê etc.), não só por estarem no limiar da expressão nominal Vossa Mercê e
o pronome gramaticalizado você, mas também pelo fato de terem ocorrido
exclusivamente nas cartas de São Paulo. Por essa razão, merecem comentários à parte.
A partir dessa distribuição geral dos dados, algumas questões tornam-se
prementes. Que fatores teriam determinado as altas freqüências de Vossa Excelência nas
cartas de leitores oitocentistas? Seria o papel social do destinatário, o tipo da carta, ou
o tema? Que contextos discursivos poderiam favorecer o uso de um tratamento mais
formal/menos íntimo ou menos formal/mais íntimo nas cartas de leitores publicadas nos
jornais que circulavam nos três grandes centros controlados (Rio de Janeiro, São Paulo e
Minas Gerais)? Na tentativa de responder a esses questionamentos, far-se-á uma análise
descritiva minuciosa a fim de correlacionar as propriedades das cartas às formas
escolhidas pelo leitor/escritor do século XIX no Brasil.
5. 1. 2 – O Tipo de Interação e os Destinatários nas Cartas de Leitores
Oitocentistas.
Marcuschi (1999: 143) define a interatividade como “o movimento típico e
explícito do escrevente direcionado a um leitor pretendido”. Sendo assim, as marcas
desta interação são constituídas por expressões ou formas lingüísticas que pressupõem a
presença de um leitor a quem o escrevente se direciona de modo claro e sem qualquer
ambigüidade em determinado contexto situacional.
Para o controle do tipo de interatividade estabelecida entre emissor e receptor
das cartas, adotou-se a proposta discutida em Briz (2004: 80-82) sobre a diferença entre
dois tipos de interação: as interpessoais e as transacionais. De acordo com o autor, nas
relações interpessoais, existe, previamente, a disponibilidade para o diálogo e
proximidade social entre os interlocutores. São, por isso, relações simétricas, devido à
sua estreita ligação com as interações de mais solidariedade.
As relações transacionais, por outro lado, são aquelas marcadas pela existência
de um objeto de negociação, uma finalidade precisa. Neste caso, a distância social é
realçada e, por tratar-se de uma relação assimétrica, os direitos e obrigações se
apresentam mais determinados e mais estreitamente submetidos às convenções sociais.
Partindo de tal perspectiva, optou-se por separar as cartas de leitores em duas
categorias: cartas de caráter transacional e de caráter interpessoal
5
.
As cartas ditas transacionais abrangem as correspondências dirigidas ao redator
do periódico em questão, a pessoas ilustres, aos políticos da região, cartas que envolvem
questões trabalhistas e jurídicas, cartas sobre temas relacionados aos jornais e as cartas
5
Divisão baseada em Briz (2004), que adotou essa terminologia em seu texto Cortesía Verbal Codificada
y Cortesía Verbal Interpretada en la Conversación.
de interesse público, dirigidas ao povo em geral. Por outro lado, as chamadas cartas
interpessoais abarcam as correspondências trocadas entre duas pessoas específicas
(amigos, cônjuge, outros familiares, destinatários não-específicos etc.), e, geralmente,
giram em torno dos seguintes temas: amizade, familiar, assunto pessoal, e, até mesmo,
íntimo.
Além do controle do tipo de interação estabelecida, foram identificados
precisamente os destinatários das cartas de leitores. A tabela a seguir evidencia as
freqüências de uso das formas de tratamento analisadas na posição de sujeito em função
do tipo de interação estabelecida e dos destinatários identificados:
DISTRIBUIÇÃO DOS DADOS DAS FORMAS NOMINAIS E PRONOMINAIS DE TRATAMENTO EM
RELAÇÃO AO TIPO DE INTERAÇÃO E AOS DESTINATÁRIOS EM CARTAS CARIOCAS, MINEIRAS
E PAULISTAS
Formas
utilizadas/
Destinatário
da Carta
Tipo
de
Interação
Tu
Vós
Você
Variantes
de V. M.
ce
V. M.
ce
V. S.ª
V. Ex.ª
TOTAL
Amigo (a)
11/34
(32 %)
6/58
(10%)
23/29
(79%)
14/27
(52%)
-
-
-
54/308
(17%)
Cônjuge
13/34
(38%)
7/58
(12%)
2/29
(7%)
-
-
-
-
22/308
(7%)
Outros
Familiares
-
1/58
(2%)
-
-
3/65
(4%)
-
-
4/308
(1,3%)
Destinatário
Não-
Específico
2/34
(6%)
-
-
-
-
-
-
2/308
(0,7%)
I
N
T
E
R
P
E
S
S
O
A
L
ª
82/308 – 27%
Redator do
Jornal
1/34
(3%)
34/58
(59%)
4/29
(14%)
13/27
(48%)
61/65
(94%)
6/19
(32%)
2/76
(3%)
121/308
(39%)
Pessoa
Jurídica
6/34
18%
-
-
-
-
5/19
(26%)
46/76
(60%)
57/308
(19%)
Pessoa
Ilustre
-
3/58
(5%)
-
-
1/65
(2%)
8/19
(42%)
28/76
(37%)
40/308
(13%)
Povo/Público
em Geral
1/34
(3%)
7/58
(12%)
-
-
-
-
-
8/308
(3%)
226/308 – 73%
TOTAL
T
R
A
N
S
A
C
I
O
N
A
L
ª
34/308
(11%)
58/308
(19%)
29/308
(9%)
27/308
(9%)
65/308
(21%)
19/308
(6%)
76/308
(25%)
308/308
(100%)
Tabela 2 – Distribuição dos dados das formas nominais e pronominais de tratamento em relação ao tipo de interação
e aos destinatários em cartas cariocas, mineiras e paulistas: somente na posição de sujeito.
A partir da análise da tabela 2, nota-se, em primeiro lugar, o predomínio de
relações
transacionais nas cartas de leitores do século XIX: 73% contra 27% de
relações
interpessoais, o que já era esperado pela própria especificidade do corpus.
Cartas de leitores, diferentemente de cartas pessoais, caracterizam-se como textos
produzidos para publicação. Por essa razão as condições de produção são diferenciadas.
Embora possam ser dirigidas a um destinatário específico – o redator – este subgênero
do gênero maior carta se destina a toda comunidade de leitores de uma determinada
sociedade, época ou lugar. Por se destinar a qualquer pessoa que queira ler o jornal,
essas cartas estão sujeitas a convenções sociais mais hierarquizadas e menos solidárias
(relações transacionais). As cartas pessoais, ao contrário, estão reservadas e produzidas
para a um destinatário individualizado (relações interpessoais) e não são, em princípio,
escritas para serem divulgadas. Essa não é a intenção primeira do autor de uma carta
particular: tornar público o conteúdo de uma carta pessoal violaria a condição do
próprio gênero “carta pessoal”.
Como pode ser observado na última coluna da tabela, a maior parte das cartas de
leitores se dirigia ao redator do jornal. Dos 308 dados recolhidos, 121 (39%)
destinavam-se ao próprio redator com uma variada utilização das formas tratamentais. O
redator, inclusive, foi o único destinatário para o qual foram empregadas todas as
possibilidades nominais e pronominais controladas, apesar do predomínio de Vossa
Mercê – 61 ocorrências –, seguido por vós, com 34 ocorrências.
Nas cartas transacionais, prevalecem destinatários que são pessoas jurídicas
(prefeito, fiscal, governador, polícia e políticos em geral), com 19% de freqüência,
seguidos pelas ditas pessoas ilustres, com 13%. As cartas endereçadas ao público em
geral foram bem raras na amostra (3%). À guisa de ilustração, observe o exemplo 32,
em que o leitor discorre sobre assuntos políticos relativos à eleição de 15 de novembro
de 1894, além de solicitar proteção do ilustre destinatário:
(32) Illustríssimo Senhor | Candidato a uma cadei | ra de deputado ao
congres | so mineiro venho solicitar | o suffragio do independente | e
brioso eleitorado do 1.º | districto, promettendo com | sinceridade
esforçar-me | por satisfazer quanto pos | sivel as aspirações de sua s |
diversas localidades, pro | mover o progresso em todos | os ramos do
publico servi | ço e contribuir para que as | instituições se firmem, ins |
pirando confiança ao povo | como é para desejar-se. | Não sendo
filiado a nen | hum dos partidos ou gru | pos que se apresentam
[ilegível], | emquanto não appare | cerem partidos bem defini | dos, me
unirei sempre aos | homens de boa vontade e | patriotismo para
auxilial- | os ou ser por elles auxilia | do em bem do progresso e |
engrandecimento de nossa | cara patria, assim como | para deffender os
direitos | de cada um sem indagar | de suas parcialidades. | Neste
intuito espero me | recer a proteção de vossa senhoria | por si e seus
amigos, na | eleição de 15 de novembro | proximo futuro, pelo que |
antecipo os meus eternos | agradecimentos. | De Vossa Senhoria |
Patricio e amigo |
Francisco José Lopes | Ouro Preto, 1.º de outu|bro
de 1894.
(Carta de Leitor; A Derrocada; Ouro Preto/MG; 31/10/1894)
Já no exemplo 33, retirado de um periódico carioca, o leitor, que se
autodenomina “O Eleitor do Rio”, escreve sobre a eleição do Regente. Veja:
(33) CARTA DE HUM ELEITOR DO RIO DIRIGIDA A OUTRO. ||
Dirigindo-me a Vossa. Senhoria sobre o assumpto da | Eleição do
Regente, principio por pedir-lhe | perdão da minha ousadia,
unicamente origi- | nada do grande interesse que cada cidadão | deve
tomar na escolha do Chefe Temporario | do Governo. || A’ huma
Pessoa das qualidades civicas, que Vossa Senhoria possue, não he de
mister expender tudo | quanto pode influir na opinião dos Homens | de
Bem, quando se trata de hum assumpto | tal. [...] Por tanto, desprese
vossa senhoria to - | das as intrigas, co quem o partido opposto
trabalha por desacreditar o seu rival; e faça- | me a honra de diser de
partilha esta minha | opinião, e se ligado a Vossa Senhoria por huma
[ilegível] thia fundada nas melhores rasões, tãobem me passo crêr
pertencendo á sua opinião politica | na questão aqui tratada, honra esta
que | muito apreciará quem tem a satisfação de confessar-se || De
Vossa Senhoria || Affetuoso Venerador e Criador || O Eleitor do Rio.
(Carta de Leitor; O Cidadão; Rio de Janeiro/RJ; 05/04/1838)
Nas cartas ditas interpessoais – tipo de interação rara nas seções de cartas de
leitores atuais – predominam as cartas de amizade (17%) e as destinadas aos cônjuges
(7%). Outros familiares e destinatários não-específicos, como era de se esperar,
apresentam índices baixos de freqüência: 1,3% e 0,7%, respectivamente.
Com relação especificamente às formas nominais de tratamento (leitura vertical
da tabela), observa-se que a alta produtividade de Vossa Excelência na amostra ocorre
exclusivamente nas cartas transacionais dirigidas, respectivamente, a pessoas jurídicas
(60%), pessoas ilustres (37%) e, por fim, ao redator (3%). Tais resultados confirmam o
caráter altamente cerimonioso de Vossa Excelência, praticamente exclusivo em cartas
que requerem um tratamento formal e mais distante por parte do remetente/leitor.
Vossa Senhoria, embora menos produtiva que Vossa Excelência, com apenas 19
dados (6%), aparece, do mesmo modo, nas cartas transacionais, principalmente nas
cartas destinadas a pessoas ilustres (42%), ao redator (32%) e a pessoas jurídicas
(26%). A forma nominal Vossa Senhoria não aparece nas cartas de caráter interpessoal,
o que demonstra que as formas nominais de tratamento ainda são usadas como
estratégias de reverência usadas pelos falantes/emissores ao dirigirem-se a outras
pessoas pelos seus atributos, qualidades ou cargos que ocupam (cf. Bechara, 1999).
A distribuição diferenciada das freqüências de Vossa Excelência e de Vossa
Senhoria, estratégias nominais categóricas nas relações transacionais, comprova uma
gradiência de formalidade diferenciada no emprego das duas expressões de tratamento.
O que corrobora tal perspectiva é o comportamento de Vossa Mercê: o terceiro na escala
de tratamento formal. Diferentemente das duas primeiras, Vossa Mercê aparece, mesmo
que com baixos índices de freqüência (4%), nas relações interpessoais (cartas para
parentes). Mesmo quando utilizado nas cartas ditas transacionais, os maiores
percentuais se encontram nas cartas escritas aos redatores do jornal (94%). Observe os
exemplos 34 e 35, em que se apresentam trechos de cartas destinadas ao redator do
jornal, para quem o autor da carta solicita, em tom cerimonioso, a divulgação, no
“conceituado jornal”, de determinadas informações:
(34) Senhor Redactor do Grito da Razão na corte | do Rio de Janeiro ||
Mostrando-me o prospecto do seo Pe- | riodico, que Vossa mercê se
dedica á sustentação dos | interesses da sua Patria, a Provincia | da
Bahia, e existindo em meo poder o | memorial d’ huma Bahiana, para,
por via | da Imprensa, ser transmitido á Nossa Au- | gusta Imperatriz,
desejara, sendo possivel, | se lhe desse lugar em sua Folha, pela |
legitimidade, com que nella poderá appare- | cer á luz publica, e o
muito se obsequiará o seo | Amigo e Patricio.
(Carta de Leitor; O Grito da Razão na Corte do Rio de Janeiro; Rio
de Janeiro/RJ; 18/03/1825)
(35) Senhor Redactor = Queira vossa mercê dar publicidade no seo
bem | conceituado jornal ao requerimento incluso por onde se evi |
dencia a precipitação com que o juiz de direito interino da | comarca
do Sapocahy fulminou contra o digno promotor da | mesma comarca,
em um provimento de correição, a mais | infundada censura,
felizmente para o censurado naquillo em | que elle mostrou mais
interesse a bem do serviço publico. | Como póde essa censura diminuir
o conceito de que é di | gno um funccionario publico tão zeloso no
cumprimento de | seos deveres, no entender d’aquelles que não o
conhecem, | julgo conveniente restabelecer a verdade dos factos para
que | justiça seja fetta a quem merecer. Pouso Alegre, 11 de | março de
1853. |
O Imparcial.
(Carta de leitor; Bom Senso; Ouro Preto / MG; 02/05/1853)
Tais resultados poderiam, em suma, evidenciar: (a) a existência de uma
hierarquia na escala de formalidade ou cerimônia entre as expressões nominais de
tratamento identificadas nas cartas de leitores que poderia ser assim representada: [+
formal] > [-formal] Ö Vossa Excelência.... Vossa Senhoria... Vossa Mercê.... ; (b) a
forma de tratamento Vossa Mercê, embora estivesse perdendo seu caráter de tratamento
cerimonioso, não sofrera por completo um processo de dessemantização ou
desbotamento semântico (cf. Heine, 2002), o que confirmaria a hipótese de Silva &
Barcia (2002) sobre a preservação de traços de formalidade dessa forma no século XIX;
(c) a figura do redator dos jornais oitocentistas não se configuraria, em princípio, no
“inconsciente coletivo” daquela comunidade dentro de um perfil social marcado pela
semântica do “poder”, pois a grande variedade tratamental dirigida a ele não evidencia
uma preocupação dos leitores-autores das cartas com hierarquia ou distanciamento
social. A análise das formas pronominais de tratamento e o emprego das variantes de
Vossa Mercê podem referendar tal perspectiva. Então, vejamos.
Conforme caminhamos para o lado esquerdo da tabela, em direção ao tratamento
pronominal [-formal], verificamos que a distribuição dos resultados se concentra nas
relações
interpessoais. Parece-nos nítido inclusive que as variantes de Vossa Mercê
delimitam a diferença de comportamento entre formas nominais e pronominais, além de
confirmarem a hipótese discutida no item (c) do parágrafo anterior. Os resultados das
variantes de Vossa Mercê se distribuem equilibradamente na tabela 2: 48% dos dados
ocorrem nas
relações transacionais, em particular, nas cartas dirigidas ao redator, e
52% das ocorrências foram utilizadas em cartas dirigidas a amigos (relações
interpessoais). Observem-se os exemplos 36 e 37, em que duas comadres e amigas se
correspondem, discorrendo sobre pequenos problemas do dia-a-dia:
(36) Muito estimarei que ao receber estas mal traçadas | regras, se
ache já quasi boa do seu romatismo. || ... || Mariquinha, que mecê sabe
que soffre muito das lom- | brigas, leva a noite inteira se acordando
assustada com | semelhantes berros. || E’ uma penuria! || As vezes
custa-me acreditar que os que morão mais | pegado á cadêa, e mesmo
os proprios presos, já não | estejão dementes da cabeça. Pois tenho
muito dó | delles. || ... || Arrematando esta, peço-lhe o favor de ver se
por | ahi ha alguma casinha vaga, porque quero me safar | daqui como
o diabo da - cruis. || Adeus; espero sua resposta || Sou sua comadre ||
Tudinha
(Carta de leitor; Correio Paulistano; São Paulo / SP; 20/08/1865)
(37) COMADE TUDINHA || Recebi as suas amadas regras, que passo
a res- | ponder. || A minha perna já está quasi boa do romatismo; pois |
já ando por todo o quintal, e pertendo na sexta-feira | ir a missa do
Senhor dos Passos. || Sinto muito os seus encommodos por causa de
estra- | nhar a casa e, além de tudo, não poder durmir com a | gritaria
das sentinellas. || Não é só mecê que soffre: console-se comigo, que |
tambem ando muito amoffinada por causa do Manduca. | Mecê sabe
que elle não tem emprego, e que está p’ra | se abrir o reclutamento tão
forte como no Rio de Ja- | neiro, onde dizem que até os padres e
deputados não | tem escapado... Sua comadre e amiga || Chiquinha.
(Carta de leitor; Correio Paulistano; São Paulo / SP; 01/09/1865)
A coexistência de você e tu nos mesmos domínios funcionais fica bem delineada
na tabela, o que confirmaria o princípio da estratificação proposto por Hopper (1991).
A forma você, já apresenta um comportamento ligeiramente distinto da sua contraparte
desenvolvida Vossa Mercê, pois foi localizada preferencialmente nas cartas
interpessoais escritas para amigos (79%). A maior parte dos dados de tu foi localizada
nas cartas destinadas aos cônjuges (38%) e também a amigos (32%), ou seja, nas
relações interpessoais. Se, por um lado, você disputa espaço com tu nesse tipo de
carta/relação, por outro, ainda mantém semelhanças de uso com Vossa Mercê, uma vez
que 14% dos dados de você foram identificados nas cartas transacionais destinadas ao
redator. Aparentemente, ainda preserva um comportamento híbrido na amostra, como
será discutido mais adiante.
O predomínio de tu em cartas com destinatário específico (amigos, cônjuges
etc.) evidencia ainda que as cartas de leitores publicadas nos jornais do século XIX
apresentariam, como discutido anteriormente, propriedades bem peculiares se
comparadas com as cartas de leitores de hoje. Atualmente, inexiste a publicação de
cartas de leitores escritas para amigos, cônjuges, parentes etc. Embora sejam em menor
número, as cartas de caráter interpessoal aparecem na amostra de cartas de leitores do
século XIX.
É importante destacar as altas taxas de vós nas cartas transacionais
principalmente nas cartas destinadas ao redator do jornal (59%) – embora também
ocorra, em menor escala, nas cartas interpessoais (10% para amigos e 12% para
cônjuges). Ressalte-se que, em alguns casos, a forma aparece relacionada a apenas um
interlocutor, e não a mais de um, como era de se esperar. Cintrão (2002) afirma que o
vós dirigido a uma só pessoa representa um tratamento arcaico dentro do português
brasileiro. Trata-se de um resquício do chamado plural majestático, que se mantém na
nossa língua apenas dentro de uns poucos gêneros de discurso muito específicos. Pode-
se considerar uma mera tradição discursiva, uma estratégia que se mantém em um
determinado tipo de texto estável, como ocorre, por exemplo, com as orações e rezas
tradicionais cristalizadas pelo cristianismo, ou mesmo, nos textos bíblicos em que esse
tipo de tratamento se mantém. Observe o exemplo 38, retirado de um periódico paulista,
em que a leitora escreve a seu esposo com o objetivo de confirmar o recebimento de sua
correspondência e também mandar notícias de casa:
(38) CARTA DIRIGIDA A UM VOLUNTARIO DA PATRIA ||
Querido esposo. || Embaú 10 de Setembro de 1865. || Tive o delicioso
prazer de receber a vossa prezada | carta, com data de 18 do proximo
passado mez, a qual | me encheu de orgulhoso prazer por ter certeza
de que | vos achavas gosando perfeita saude, e as rogativas que | faço
a bem aventurada virgem é que ao receberes esta | vos acheis no goso
da mesma. Eu me acho com saude, | graças a Deus, assim como todos
os nossos filhinhos, | no numero dos quais podeis contar mais um, que
hon- | tem veio à luz, scientificando-vos que fui muito feliz | e até o
presente acho-me sem alteração em minha saúde... |vos envio | o
saudoso e fiel coração, e um apertado abraço, por ser | como sempre
serei || Vossa estremosa, constante, | e fiel esposa. || Eulalia Maria
Silveria.
(Carta de leitor; Correio Paulistano; São Paulo / SP; 26/09/1865)
5. 1. 3 – As Relações de Poder e Solidariedade nas Cartas de Leitores Oitocentistas.
Entre os fatores sociais clássicos, as categorias mais atuantes parecem ser idade,
sexo, grau de escolaridade e nível sócio-econômico. Cada fenômeno deve ser, todavia,
estudado levando-se em conta a sua matriz social em particular. Por exemplo, no caso
das formas de tratamento, objeto de estudo desta investigação, influem na escolha de
uma ou outra forma a diferença de status social do emissor/remetente e o
receptor/destinatário, o contexto sócio-histórico de produção das cartas, o grau de
formalismo do emissor/remetente, o tema, a tipologia da correspondência, o meio de
divulgação das cartas, no caso, o jornal etc.
A análise detalhada do tema e tipologia das cartas de leitores selecionadas para
essa pesquisa pode indicar, como veremos adiante, que indivíduos de uma mesma
comunidade possuem um repertório lingüístico que pode variar dependendo de onde se
encontram e a quem se dirigem. Em cartas mais descontraídas, em que predominam,
como vimos, relações interpessoais, o emissor/remetente tende a usar as formas tu e
você, ou ainda formas intermediárias, em processo de desgaste fonológico e semântico
como mecê, por exemplo. Já em ambientes de maior formalidade, entre pessoas de
posição hierárquica diferente, ou em situações em que estão mais auto-conscientes
quanto à linguagem utilizada, o emissor/remetente é capaz de adaptar sua maneira de
escrever e usar com maior freqüência as variantes mais formais – Vossa Excelência,
Vossa Senhoria, Vossa Mercê etc., segundo as normas da época.
Pesquisas sobre o tema (Macedo, 2003 e Silva & Barcia, 2002) verificaram que,
em português, o sistema de uso dos pronomes de tratamento é regido, por um lado, pela
diferença de idade entre o emissor/remetente e o receptor/destinatário, e, de outro, pelo
grau de freqüência da interação (grau de intimidade). Quanto à idade, um
emissor/remetente dirigindo-se a um interlocutor mais velho tenderá a usar menos as
formas tu e você e mais o senhor. Dirigindo-se a alguém mais jovem, entretanto,
ocorrerá justamente o contrário.
Os estudos sobre formas de tratamento ganharam grande impulso a partir do
clássico estudo de Brown & Gilman (1960), rediscutido, mais recentemente, pela
perspectiva da Sociopragmática (Bravo & Briz, 2004). Apesar de todas as discussões
posteriores, esse artigo é primordial para a discussão da interferência entre estrutura
lingüística e estrutura social.
A hipótese norteadora básica é a de que a escolha das formas em referência à
segunda pessoa está estreitamente vinculada a duas dimensões essenciais na análise da
vida social: a do poder e a da solidariedade. Este par de dimensões estaria presente em
todo intercâmbio verbal entre os interlocutores, pois em toda sociedade humana há o
conceito de diferença social e de solidariedade diferencial, que são as duas vertentes que
regem a maior parte da vida social e dos usos tratamentais. O poder é concebido,
psicológica e socialmente, como o eixo vertical das relações sociais assimétricas
ascendentes ou descendentes, e a solidariedade, por outro lado, é compreendida como o
eixo horizontal das relações sociais (relações simétricas igualitárias).
Entende-se que uma pessoa tenha poder sobre outra na medida em que é capaz
de controlar o comportamento da mesma, seja pela força física, riqueza, organização
econômica, na família etc. Trata-se, portanto, de uma relação entre, pelo menos, duas
pessoas que não têm poder na mesma área de atuação. O poder não é recíproco e as
relações podem variar de acordo com a área de comportamento: assim, um chefe que
tem poder sobre um empregado pode não ter o mesmo poder se este é capitão de um
time de futebol no qual o chefe seja apenas um simples jogador (Amusategi, 1990).
O poder pode estar relacionado com diferenças em relação à força, idade,
nascimento, profissão etc. – características às quais geralmente se atribui valor social,
embora cada comunidade lingüística seja responsável por neutralizar ou enfatizar cada
uma dessas diferenças. A semântica da solidariedade é menos clara, pois existem menos
razões sociais que levem o falante a aceitar esta dimensão recíproca. Dois interlocutores
podem se sentir solidários se compartilham um mesmo objetivo: pertencer a um mesmo
partido político ou ter contatos freqüentes, por exemplo.
A solidariedade refere-se a relações de proximidade e simetria entre os
interlocutores que podem estar baseadas numa relação social real ou
percebida/compreendida como tal (Briz, 2004: 80). São relações mais simétricas aquelas
em que existe, ou se percebe, igualdade funcional entre os participantes da interação, no
que diz respeito a seu papel na interação, assim como igualdade de papéis sociais ou
culturais, tais como idade, gênero ou profissão. Também se consideram fatores sócio-
pragmáticos, para definir as interações de mais proximidade, como aqueles em que os
interlocutores têm mais experiências ou saber compartilhado, maior grau de contato
(físico ou ocular) e de compromisso afetivo. Estes elementos se encontram
preferencialmente reunidos no caso das relações
interpessoais. Já as relações
transacionais são assimétricas por definição, pois o papel funcional, os direitos e as
obrigações se apresentam de algum modo determinados e mais estritamente submetidos
a convenções sociais e a princípios como os de predição e de prioridade.
Para a análise das formas de tratamento empregadas nas cartas de leitores, levou-
se em conta a oposição básica entre
relações mais solidárias (maior proximidade entre
emissor/receptor) e relações menos solidárias (menor proximidade ou maior distância
entre o autor e o destinatário). A tabela 3 apresenta o confronto entre esses tipos de
relação social e as freqüências de uso das formas tratamentais recorrentes na amostra:
A SOLIDARIEDADE NAS CARTAS DE LEITORES DO SÉCULO XIX: A DISTRIBUIÇÃO DOS
DADOS DAS FORMAS NOMINAIS E PRONOMINAIS DE TRATAMENTO NAS CARTAS
CARIOCAS, MINEIRAS E PAULISTAS
(+) solidário _________________________________________________________________ (-) solidário
FORMAS PRONOMINAIS FORMAS NOMINAIS
Formas
utilizadas/
Solidariedade
Tu Vós Você Variantes
de V. M.
ce
V. M.
ce
V. S.ª V. Exc.ª TOTAL
Menos
Solidário
(Distância)
1/140
(1%)
-
4/140
(3%)
-
44/140
(31%)
15/140
(15%)
76/140
(54%)
140/308
(55%)
Mais Solidário
(Proximidade)
33/168
(20%)
58/168
(34%)
25/168
(15%)
27/168
(16%)
21/168
(13%)
4/168
(2%)
-
168/308
(45%)
TOTAL
34/308
(11%)
58/308
(19%)
2/308
(9%)
27/308
(9%)
65/308
(21%)
19/308
(6%)
76/308
(25%)
308/308
(100%)
121/308
(39%)
27/308
(9%)
160/308
(52%)
Tabela 3 – A solidariedade nas cartas de leitores do século XIX – a distribuição dos dados das formas
nominais e pronominais de tratamento nas cartas cariocas, mineiras e paulistas: somente na posição de
sujeito.
Rumeu (2004: 101) afirma que “o exercício do poder conduz a uma assimetria
nas relações interpessoais que, por sua vez, acarreta uma assimetria no tratamento
entre os falantes”. A partir da análise da tabela 3, verifica-se a maior produtividade de
uso das formas pronominais de tratamento nas relações mais solidárias, que apresentam
maior grau de proximidade entre emissor e destinatário. O pronome vós só foi
identificado nas relações solidárias, enquanto os outros pronomes apresentaram
variação: 58 ocorrências (34%), seguido por 33 ocorrências de tu (20%) e você, com 25
ocorrências (15%).
A presença de tu nas relações mais solidárias corrobora o caráter de
informalidade atribuído a tal estratégia pronominal em língua portuguesa, segundo Said
Ali (2001), Luft (1957), Cintra (1972). Em relação à forma pronominal vós, Cintra
(1972) afirma que já assumia, no século XVIII, um caráter arcaizante, embora, como se
observou, se mantenha em alguns gêneros específicos como uma tradição discursiva.
Ainda nas relações mais solidárias, nota-se o emprego exclusivo das variantes
de Vossa Mercê – 27 dados (16%) e as altas taxas de você – 25 ocorrências (15%)
contra 4 ocorrências da mesma forma (3%) nas relações menos solidárias. Tal
comportamento legitima a hipótese de que, já no século XIX, essas formas tinham
perdido o caráter de reverência e cortesia, e que a forma original ainda resguardava tais
valores.
No outro extremo – relações menos solidárias – notam-se as altas taxas de uso
das formas nominais de tratamento. Vossa Excelência, por exemplo, ocorre
exclusivamente quando há maior distância entre emissor e destinatário – 76 ocorrências
(54% dos dados), seguida por Vossa Mercê, com 44 dados (31%) e por Vossa Senhoria
(11%).
Em relação à forma nominal Vossa Senhoria, Cintra (1972) afirma que,
inicialmente, foi instituída como estratégia específica para o clero e para autoridades do
império português, na sociedade portuguesa do século XV. Acrescente-se que, de
acordo com Nascentes (1950), Vossa Senhoria foi determinada como estratégia de
tratamento cortês entre oficiais do Exército e da Armada, através de decreto, em 1861,
generalizando-se com a República Brasileira entre os cidadãos. O emprego
predominante de Vossa Senhoria – 15 dados (11%) –, nas relações menos solidárias,
referenda, como discutido anteriormente, que a forma ainda mantinha seu caráter polido
e respeitoso no século XIX.
Tais resultados confirmam os apresentados por Rumeu (2004), durante a análise
de uma amostra constituída de cartas oficiais e particulares escritas no Rio de Janeiro do
século XIX. Nos resultados de Rumeu (2004), Vossa Senhoria e Vossa Excelência
também são as formas predominantes nas relações menos solidárias – de inferior para
superior. A constatação de que tais formas ocorrem com mais freqüência nas relações
assimétricas ascendentes expõe que elas ainda resguardam algum caráter de deferência
com que foram instituídas nos séculos XV e XVI para fazer referência à realeza
portuguesa (Nascentes, 1950 e Cintra, 1972).
5. 1. 4 – As Cartas de Leitores Oitocentistas – tipos e temas.
Segundo Paredes Silva (1997), o gênero carta, como discutido na descrição da
amostra, é uma unidade comunicativa que consiste na concretização das estruturas de
informação sob uma organização típica, para uso em contextos específicos e em
situações características:
Quando dizemos o gênero carta referimo-nos a uma
unidade comunicativa, ou seja, a uma entidade do
segundo nível aqui apresentado: o da concretização das
estruturas de informação sob uma organização típica,
para uso em contextos específicos. A carta é uma unidade
funcional da língua, empregada em situações
características – ausência de contato imediato entre
emissor e destinatário. No entanto, a categoria carta,
“tout court”, é muito ampla, não dando conta da
diversidade de textos e propósitos nela encontrados.
(PAREDES SILVA, 1997: 121.)
O próprio rótulo carta, de acordo com a autora, é pouco esclarecedor, pois,
excetuando-se o formato externo – cabeçalho, data, assinatura –, além de expressões
formulaicas freqüentes nas seções iniciais e finais, o corpo da carta possibilita
absolutamente qualquer tipo de comunicação: desde anúncios sobre as características de
determinado produto, passando por desabafos de crises conjugais, até mesmo
reclamações sobre o estado de conservação das ruas.
Em relação ao conteúdo, cabe ressaltar que as cartas de leitores analisadas nessa
pesquisa são muito distintas das cartas de leitores publicadas nos jornais atuais. Naquela
época – século XIX –, o propósito dessas cartas era, em certos casos, pedir ajuda para
resolver algum problema ou contar um episódio particular que precisava de uma
solução. Pode-se dizer que, a seção destinada a essas cartas, era uma espécie de
consultório de reclamações, pedidos ou mesmo uma forma de estabelecimento de
contato com parentes e amigos. É interessante observar que, apesar de algumas cartas
apresentarem assuntos pessoais, como, por exemplo, desentendimentos entre casais que
se encontravam afastados, cartas para parentes distantes etc., há também cartas dirigidas
ao redator do jornal e ao público em geral.
Tendo, em parte, como referência a proposta de Paredes Silva (1988) para uma
tipologia das cartas pessoais cariocas, propõe-se, para as cartas de leitores que
constituem o corpus desta investigação, uma classificação que permite, ao mesmo
tempo, caracterizar melhor os tipos de carta e os temas mais freqüentes. Foram
identificados ou categorizados oito tipos de carta, que se relacionam ao propósito
comunicativo que a carta cumpre: cartas de crítica, cartas de comunicado ou
informação geral, cartas de pedido, cartas de agradecimento, cartas de pedido de
desculpas, cartas de resposta, cartas de relato e cartas de reclamação
6
. Tais categorias,
na realidade, remetem ao papel da carta na interação social, definindo a atividade na
qual os participantes encontram-se engajados – nas relações pessoais, nos negócios, na
política etc. Neste sentido, segundo Paredes Silva (1997), podem ser tratados como
subgêneros do gênero carta.
A tabela a seguir dá um panorama geral dos tipos de cartas de leitores
identificadas na amostra e as formas tratamentais mais freqüentes:
6
Classificação baseada na proposta de Paredes Silva (1988).
DISTRIBUIÇÃO DOS DADOS DAS FORMAS NOMINAIS E PRONOMINAIS DE
TRATAMENTO EM RELAÇÃO AO TIPO DE CARTA
Formas
utilizadas/ Tipo
da Carta
Tu
Vós
Você
Variantes
de V.
M.
ce
V. M.
ce
V. S.ª
V.
Exc.ª
TOTAL
Crítica
14/34
(41%)
37 /58
(64%)
19/29
(65%)
-
10/65
(15%)
-
64/76
(84%)
144/308
(47%)
Relato
13/34
(38%)
14/58
(24%)
2/29
(7%)
8/27
(30%)
4/65
(6%)
-
-
41/308
(13%)
Pedido
-
7/58
(12%)
-
10/27
(37%)
15/65
(23%)
4/19
(21%)
2/76
(3%)
38/308
(12%)
Reclamação
6/34
(18%)
-
-
3/27
(11%)
17/65
(26%)
6/19
(32%)
2/76
(3%)
34/308
(11%)
Comunicado/
Informação
Geral
1/34
(3%)
-
4/29
(14%)
-
16/65
(25%)
7/19
(37%)
-
28/308
(9%)
Resposta
-
-
4/29
(14%)
6/27
(22%)
-
2/19
(10%)
-
12/308
(4%)
Agradecimento
-
-
-
-
-
8/76
(10%)
8/308
(3%)
-
Pedido de
Desculpas
-
-
-
-
3/65
(5%)
-
-
3/308
(1%)
Tabela 4 – Distribuição dos dados das formas nominais e pronominais de tratamento em relação ao tipo de
carta: somente na posição de sujeito.
TOTAL
34/308
(11%)
58/308
(19%)
29/308
(9%)
27/308
(9%)
65/308
(21%)
19/308
(6%)
76/308
(25%)
308/308
(100%)
Como era de se esperar no subgênero cartas de leitores, as cartas de
crítica
predominam na amostra: 47% das formas de tratamento foram localizadas nas cartas em
que se identificam relatos pontuados por críticas, nos quais o emissor dá sua opinião e
critica o destinatário em relação a algum problema ou evento ocorrido. Nelas aparecem
distintas formas tratamentais com altos valores de freqüência. São nas cartas de crítica
que Vossa Excelência mais ocorre (84%), entretanto, formas pronominais também
apresentam percentuais mais elevados: você (65%), vós (64%) e tu (41%). O uso de uma
forma nominal de tratamento cerimonioso como Vossa Excelência com tom de crítica
pode ser uma estratégia lingüística para marcar “poder” ou “posição hierárquica”
(Kerbrat-Orecchioni, 2005: 84). A crítica poderia ser considerada um ato de linguagem
potencialmente ameaçador do emissor para com o destinatário segundo a perspectiva de
Brown & Levinson
7
(1999: 61). A presença, por outro lado, de formas pronominais
mais solidárias pode ter duas implicações. A primeira, relacionada ao que foi discutido
anteriormente, vincula-se a uma tentativa de minimizar um ato potencialmente
ameaçador (a crítica) por intermédio de formas de tratamento que suavizem o tom da
carta. A segunda relaciona-se à generalização dessas formas pronominais solidárias, que
se tornam freqüentes a partir do século XIX. No exemplo 39, apresentado a seguir,
observe-se o tom contundente com que o leitor critica a conduta política e moral de José
Clemente Pereira:
(39) A Sua Excelência o Senhor José Clemente Pereira || Ilustríssimo e
Excelentíssimo Senhor || O povo do Rio de Janeiro, esse povo que |
tem sido testemunha da conducta de Vossa Excelência e | de suas
especulações desde o momento em que | o Brasil teve a incomparavel
fortuna de ver saltar em suas palgas a pessoa ilustre de Vossa
Excelência, tem | há dias andado como admirado, e como sempre
supre-| hendido da voz que se tem espalhado, de que | Vossa
7
Embora não tenhamos adotado e discutido profundamente a proposta dos autores que já foi
exaustivamente revista por estudos mais recentes da Sociopragmática (cf. Bravo & Briz, 2004, entre
outros), cabe-nos apenas mencionar que, segundo tal perspectiva, os indivíduos teriam duas faces: uma
positiva e outra negativa. A primeira seria a auto-imagem que o indivíduo faz de si e que tenta repassar
aos outros visando aprovação. A segunda corresponde ao território pessoal do indivíduo, sua intimidade
ou desejo de não “ser invadido” pelo outro. Para os autores, nos atos de fala ou de linguagem, as faces
podem ser ameaçadas. Os interlocutores, em qualquer interação verbal, buscam preservar “suas faces”
negociando ou buscando um acordo por intermédio de diferentes estratégias discursivas. Os desacordos,
críticas, reclamações, podem, em geral, ameaçar a face positiva do destinatário.
Excelência, ainda mesmo quando o honrado, | e lamentavel Lucio
Soares Teixeira de Gouvea | lutava com a morte, e disputara ao cruel
des- |tino huma vida preciosas para a virtude, e para | o seu paiz natal;
ainda mesmo quando esse | nunca assaz luvado cidadão não era
perdido | para a nação, apesar da cruel enfermidade que | o perseguia,
Vossa Excelência considerava vago o lu- | gar, que elle dignamente
enchia no senado, e | procurava por todos os meios fazer com que os
votos desta nobre população, já enfastiada | de tantas especulações por
Vossa Excelência empregadas | para enganar, e para a illudir,
recahisse sobre | Vossa Excelência a fim de ser elevado ao senado. [...]
como Vossa Excelência | dominado pelo espirito de especulação não
he | huma pessoa desconhecida, e obscura no paiz, | cujas intrigas se
percão na confusão das massas, | pelo contrario toda a sua vida he
publica, e bem | conhecida, e hum nome odioso aos homens | de bem,
e amigos do paiz, e de suas institui- | ções, acompanha a Vossa
Excelência por toda parte. [...] mas nós tão | bem sabemos que Vossa
Excelência he ja tão conhecido, | que he impossivel poder no Rio de
Janeiro| enganar mais a ninguem, e por isso seos novos | planos, sejão
quaes forem as côres com que | venhão revestidos, serão logo
conhecidos, e | estão despresados como o seo autor [...]
(Carta de leitor; O Cidadão; Rio de Janeiro / RJ; 29/11/1838)
Já no exemplo 40, retirado do jornal Diário de Minas, da cidade de Ouro Preto,
observa-se o uso da forma nominal tu coexistindo com você em uma carta em que o
leitor critica um suposto “amigo”. Note-se que o tom de crítica aparece suavizado, e a
proximidade entre emissor e destinatário é maior:
(40) São José d’El-Rei. | Charissimo amigo do coração preto. – Com
immensissimo prazer empunho a | penna para annunciar-te que a luz
eter | na reappareceo n’esta infeliz cidade, que | durante tanto tempo se
conservou da tua | côr! | Até hoje vivo n’um inferno sem tregoas, |
desde o dia que ouvi uns moços galho | fando, dizendo que não é só o
teo cora | ção que é preto, mas tambem os teos | miollos; que és um
idiota, um attrevido, | por vires ás columnas d’um jornal annun | ciar o
desapparecimento da luz eterna, | pedir que vertessem, isto é, que
choras | sem uma lagrima & & & &. [...] Em fim, quando eu tiver
mais tempo | te noticiarei o mais, e por agora só te | quero pedir um
favor. Não te mettas mais | a escriptor publico não, porque, segun | do
tenho ouvido, você espichou-se redon | damente em fallar na luz
eterna, no cho | rar as lagrimas & &. | Não sejas tôlo... não te mettas a
to | mar partido, unicamente com o fim de | teres ingresso, para seres
nomeado mor | domo do serralho, por que não obtens [...] Teo amigo e
mordomo do Serralho. |
O Aragão.
(Carta de leitor; Diário de Minas; Ouro Preto / MG; 25/11/1876)
Há casos em que o emissor, além de criticar o comportamento do destinatário,
procura orientá-lo na direção de uma mudança de atitude. Observe-se o seguinte
exemplo, no qual o leitor do jornal Filho da Joanna critica a censura feita pelos
brasileiros aos portugueses, por cederem benefícios a seus patrícios:
(41) Senhor Redactor - tem havido nos diver- | sos theatros desta
cort[e] beneficios para tudo | quanto há; e ninguem ainda se lembrou |
de censurar a concessão de taes benefi- | cios, como prejudiciais ás
empresas; mas | agora como foi vendido á sociedade | de beneficencia
portuguesa, eis que já appa- | rece um correspondente no “Diario do |
Rio” censurando esse triste beneficio, e | ridicularizando os
portugueses! || Não deve admirar que hajão portugueses | que em terra
extranha, precisem recor- | rer a este meio, para accudirem as suas
mais urgentes precisoes; isto não deslustra | o caracter da nação, não
envergonha os | descendentes dos Egas, dos Affonsos, e | dos
Albuquerques o que, porem, devia | fazer corar as faces dos
brasileiros, o que | devia envergomhal-os he que no Brasil | hajão
brasileiros que tenhão recorrido á | protecção dos portugueses [...]
Censurar um acto de generosi- | dade, ou de beneficencia he proprio
d’um | coração mal formado, d’uma alma estra- | gada; mas nunca
daquelle que diz per- | tencer á um povo que se inculca tao hos- | pi |
taleiro, tao generoso, tao beneficente.|| Senhor Redactor, como
“Pharol” morreo, | e o “Jornal” não quis inserir esta corres- |
pondencia, recorro a Vossa mercê || Um Beneficiado.
(Carta de leitor; Filho da Joanna; Rio de Janeiro / RJ; 08/03/1844)
Nas cartas de reclamação, também bastante recorrentes (34/308 – 11%), o
objetivo do emissor é reclamar sobre algum problema pessoal, sobre fatos relativos aos
três Estados – Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo, ou ainda sobre questões
referentes a aspectos jornalísticos dos periódicos em análise. Nesses casos, a forma mais
produtiva foi Vossa Mercê, que teve 17 ocorrências. No que se refere à correlação entre
o uso de Vossa Mercê e o teor das cartas de leitores, vale destacar a sua presença em
quase todos os tipos de cartas encontrados:
crítica (15%), relato (6%), pedido (23%),
reclamação (26%), comunicado/informação geral (25%) e pedido de desculpas (5%).
Aparentemente, tal comportamento pode indicar a “neutralidade” que Vossa Mercê
passou a assumir como forma nominal de tratamento não-marcada, em oposição, por
exemplo, a Vossa Excelência [+formal] e [+marcada]. A generalização do uso de Vossa
Mercê como estratégia favorita entre membros de um mesmo grupo social (classes
altas) mostrada por Rumeu (2004), o desgaste semântico e fonético ocasionado por sua
difusão nas diversas classes sociais a partir da ascensão da burguesia (Cintra, 1972) e a
produtividade de seu emprego nas cartas dirigidas aos redatores, discutida aqui, podem
ser considerados como alguns dos fatores que determinaram o acelerado o processo de
perda do caráter de polidez e cortesia sofrido por tal expressão de tratamento.
O exemplo a seguir, retirado do jornal Farol Paulistano, no ano de 1828, no qual
o leitor faz uma reclamação sobre o estado de conservação das ruas da cidade de São
Paulo, serve de ilustração:
(42) Senhor Redactor – Como em o seu número 97 | de hoje me
offerece occasião de desabafo | contra a Camara d’esta Cidade a quem
| incumbe a sua policia quero desabafar meu | censibilisado coração,
contando-lhe um | caso horroroso, accontecido á tres dias em | uma rua
publica d’esta Cidade. Um po- | bre môço carreiro de 10 a 12 annos
que | servia de arrimo a sua desgraçada familia, | tendo marchado 3 ou
4 leguas por entre | máos caminhos, chegou sem perigo | até as portas
da Cidade; na continuação po- | rém da rua da Esperança quasi
defronte | á casa do Conego Leão (sendo a rua prin- | cipal e unica
para a entrada de todos os | carreiros & que vem de Sancto Amaro) em
| um lamaçal tremendo que alli existe ato- | la-se o carro, perde o
equilibrio, e queren- | do o infeliz encostar a lenha ficou espedaçado |
debaixo do peso enorme; e no mais lamentavel | estado hontem deu-se
á sepultura, deixan- |do sua familia desolada, e sem este arrimo. | Bem
poucas vezes se tem visto scena tão | tocante!!! E sera crivel que as
ruas da | Cidade sejão peiores que esses abandona- | dos caminhos ?
[...] Vossa mercê Senhor Redactor nos dá pou- | ca esperança de que
as coisas melhorem, | mas esses homens não soffrem, como nós, | a
carestia; não ouvem o clamor geral; não | se doeráõ por esta triste
morte, de que em | parte foráo causa. Ficaráõ no terrivel le-| thargo, na
molle indolencia, na deshu- | mana crueldade de nos conservarem i- |
lhados, (supportando a privação athé do ne- | cessario) de vermos
nossas ruas intransi- | taveis?... Não, Senhor Redactor, eu tal não |
creio: antes espero que Brasileiros como | são, amantes de seu païz
terão ja dado | enérgicas providencias para que cessem estes
escandalosos motivos [...].
(Carta de leitor; Farol Paulistano; São Paulo / SP; 22/03/1828)
São classificadas como cartas de pedido (exemplo 43) aquelas em que a intenção
principal do emissor, ao longo da correspondência, é solicitar uma informação ou
favores do destinatário, isto é, essa é a própria razão de ser da carta. Optou-se por
classificar as cartas que contêm pedido de desculpas (exemplo 44) em separado, na
crença de que cumpram diferentes propósitos. Nesse tipo de carta, como discutido no
item anterior, predomina o uso do tratamento nominal Vossa Mercê (15/38). Veja o
exemplo 43, em que o leitor faz um pedido ao redator do periódico, e o exemplo 44, no
qual o leitor apresenta um pedido formal de desculpas pela demora na entrega da
“gloza”:
(43) Senhor Redactor do Grito da Razão na corte | do Rio de Janeiro ||
Mostrando-me o prospecto do seo Pe- | riodico, que Vossa mercê se
dedica á sustentação dos | interesses da sua Patria, a Provincia | da
Bahia, e existindo em meo poder o | memorial d’ huma Bahiana, para,
por via | da Imprensa, ser transmitido á Nossa Au- | gusta Imperatriz,
desejara, sendo possivel, | se lhe desse lugar em sua Folha, pela |
legitimidade, com que nella poderá appare- | cer á luz publica, e o
muito se obsequiará o seo | Amigo e Patricio.
(Carta de leitor; O Grito da Razão na Corte do Rio de Janeiro; Rio de
Janeiro / RJ; 18/03/1825)
(44) Senhor Povo. | Não se afflija com a demora da glo | za que vossa
mercê me fez a honra de me encom | mendar; no domingo seguinte
promet | to mandar-lh’a–palavra de patriota.– | Desculpe a demora,
que é causada por | falta de uma perna da ultima decima. | Sou, senhor
Povo, –
O Domingos poeta.
(Carta de leitor; O Povo; Minas Gerais / MG; 27/05/1849)
As chamadas cartas de agradecimento ocorrem em pequeno número (8 dados
apenas), e têm como objetivo principal o agradecimento – do emissor – por algum favor
obtido do destinatário – o alvo do agradecimento. Em todos os casos encontrados,
somente Vossa Excelência foi identificado. Observe-se o seguinte trecho desta carta,
retirada de um jornal de Minas Gerais:
(45) Illustríssimo e excelentíssimo senhor José Pedro Dias de Carva |
lho. – Ouro Preto 10 de abril de 1848. – Es | tou na posse da carta que
vossa excelência me dirigio, | em data de 9 do corrente mez, ao
retirar-se | d’esta cidade para a corte do Imperio, agrade | cendo a
mim, e aos officiaes meus subordinados | o zelo pelo serviço publico,
e a cooperação fran | ca e assidua, que de minha parte de meus su |
bordinados encontrou em tudo quanto era rela | tivo a administração
de vossa excelência. ... Queira vossa excelência de minha parte | e dos
officiaes meus subordinados acceitar puros | e cordiaes
agradecimentos pelos encomios, que nos | dirigio, e certifico a vossa
excelência, que alem das sal | dades que nós deixou, retirando-se para
a | corte, será em nos indelevel a lembrança de vossa excelência. | Sou
com perfeita estima e consideração, illustríssimo | e excelentíssimo
senhor José Pedro Dias de Carvalho, pre | sidente desta provincia. –
De vossa excelência attento ami | go e reverente criado –
Manoel
Joaquim de Lemos.
(Carta de leitor; O Itamontano; Minas Gerais / MG; 29/04/1848)
As cartas de relato são caracterizadas por descrições de episódios do cotidiano,
entremeados por comentários pessoais. Nesse tipo de carta, predominam as formas
pronominais de tratamento mais solidárias nas
relações interpessoais: tu (38%), vós
(24%), variantes de Vossa Mercê (30%) e você (7%). Veja o seguinte exemplo, no qual
o leitor, a pretexto de escrever uma carta para cumprimentar o ilustre amigo, passa a
divagar sobre o que tem feito na cidade:
(46) Illustríssimo senhor Francisco Torquato de Aguirra Camargo. [...]
Oh! meu prezadissimo amigo, vou por meio d’esta | comprimentar-
lhe; [...] pois olhe que vossa mercê não sabe o quan- | to eu me devirto
n’esta bella cidade; de manhã no ma- | nejo, isto é, pelas 6 horas da
manhã, então dura o exer- | cicio duas, depois vae-se tomar chá,
passear pelas ruas, | beber vinho, ou o que se quer e muito boa prosa;
ein. Toca | ordem do dia, isto é, reunem-se todos os volunta- | rios para
o jantar; ora vem então uma libra de carne | de vaca muito boa, ou
uma dita de bacalháu. Toca 4 | horas, então vae-se ao exercito até 6
horas da tarde; | no mais estimo que sua mãe gose alguma saude e
todos | mais d’essa casa. Adeos amigos d’essa terra. || De vossa mercê
amigo e obrigado || O voluntario da patria || Felix do Amaral Gurgel.
(Carta de leitor; Correio Paulistano; São Paulo / SP; 28/03/1865)
Finalmente, cabe mencionar as cartas de resposta. Tais cartas, publicadas no
mesmo periódico, assemelham-se a uma verdadeira conversa, e caracterizam-se pela
presença de comentários em relação a cartas anteriores, perguntas e pedidos de notícias
ao destinatário, na expectativa do próximo contato. Foram identificados apenas 12
dados na posição de sujeito e, em 50% deles (6 ocorrências), foram utilizadas as
variantes de Vossa Mercê. Os trechos a seguir, que transcrevem a correspondência
trocada entre dois jornalistas, servem de ilustração:
(47) Senhor Redactor || Mais outro milagre de Minerva! Ago-|ra já não
faltão sós o Papagaio, e o Ma- | caco; também os acompanha hum
Jummen- | to! Este Jumento he que tem servido de | cavalgadura ao
Leigo Franciscano que pelas | Roças esmolas pede pelo amor de Deos
| para os Religiosos de Santo Antonio. Es- | te mesmo Leigo me faz
favor de escrever | por mim o que eu vou ditando, visto que | a minha
pata não pode pegar em penna, | o que me causa grande pena! Eu
ainda [ilegível] eu ainda não sou todo gen- | te, mas tal qual sou digno,
que lastime | o Brasil da desgraça em que se acha | de faltar em seu
apoio hum macaco feito| gente! Se fosse gente feito Macaco, me- | nos
mao; porque teria desculpa em mos- | trar huma das qualidades deste
animal, que | he a de imitar o que se vê fazer. Este vio | escrever, e
imprimir, tem feito o mesmo, | a pezar de dar por trancos, e barrancos!
| Verdade seja, que tem boas intenções; | porem he lastima que escreva
de modo | que ninguem o entenda [...] || Sou do Senhor Redactor hum
humilde | Jumento: Jumento de Leigo isto basta.
(Carta de leitor; O Papagaio; Rio de Janeiro / RJ; 22/06/1822)
(48) Ao Redactor do Papagaio || Nunca tive intenções de entreter |
correspondencias com Burros. O Jumento da rossa era melhor, que por
| lá deixasse estar, sem nos vir | zurrar, á cidade com tanto encommo- |
do; se quizer porem dar coices, sim | pode dar quantos quizer; visto
que | hão de ser no vento. [...] Se- | nhor Redactor ahi vai a Resposta, a
| que lhe pedio papagueasse: sem | com tudo contractar
correspondencias | com Burros; pois aqui me fico, e a | Vossa mercê
he que, eu escrevo estas quatro regras. Outro sim, e por despedida |
venha a saber o Asno, que muitas obras existem em meu poder (sem
ser de pata) que a seu tempo pode- | rão apparecer.
(Carta de leitor; O Macaco Brasileiro; Rio de Janeiro / RJ; 1822)
Quanto aos temas, o que predomina não é propriamente um, mas uma variedade
de assuntos comuns a cartas. Assim sendo, no âmbito das chamadas cartas de leitores,
estabeleceram-se as seguintes categorias: cartas de assunto político, cartas de interesse
público, cartas pessoais, cartas de tema jornalístico, cartas de assunto jurídico, cartas
sobre assuntos trabalhistas, cartas de teor íntimo, cartas de amizade e cartas familiares.
Observe-se a tabela a seguir, que apresenta o comportamento das formas nominais e
pronominais de tratamento em função do tema da carta:
DISTRIBUIÇÃO DOS DADOS DAS FORMAS NOMINAIS E PRONOMINAIS DE
TRATAMENTO EM RELAÇÃO AOS TEMAS NAS CARTAS CARIOCAS, MINEIRAS E
PAULISTAS
Formas
utilizadas/
Tema da
Carta
Tu
Vós
Você
Variantes
de
V. M.
ce
V.
M.
ce
V. S.ª
V.
Exc.ª
TOTAL
-
41/132
(71%)
22/132
(76%)
-
12/132
(18%)
3/132
(16%)
54/132
(71%)
132/308
(43%)
Político
Interesse
Público
8/72
(24%)
-
4/72
(14%)
13/72
(48%)
43/72
(66%)
2/72
(10%)
2/72
(3%)
72/308
(23%)
Jurídico
-
-
-
-
1/21
(2%)
-
20/21
(26%)
21/308
(7%)
Jornalístico
-
3/7
(5%)
-
-
4/7
(6%)
-
-
7/308
(2%)
Trabalhista
2/6
(6%)
-
-
-
-
4/6
(21%)
-
6/308
(2%)
Íntimo/
Familiar/
Amizade
13/47
(38%)
14/47
(24%)
2/47
(7%)
14/47
(52%)
4/47
(6%)
-
-
47/308
(2%)
11/23
(32%)
-
1/23
(3%)
-
1/23
(2%)
10/23
(53%)
-
23/308
(8%)
Pessoal
Tabela 5 – Distribuição dos dados das formas nominais e pronominais de tratamento em relação aos temas
nas cartas cariocas, mineiras e paulistas: somente na posição de sujeito.
TOTAL
34/308
(11%)
58/308
(19%)
29/308
(9%)
27/308
(9%)
65/308
(21%)
19/308
(6%)
76/308
(25%)
308/308
(100%)
Através da análise da tabela 5, observa-se que as cartas de tema político
predominam na amostra – 132/308 dados. Nessas cartas, como era de se esperar, a
estratégia de tratamento favorita é o cerimonioso Vossa Excelência, com 54 ocorrências,
perfazendo um total de 71%, seguido por vós, com 41 ocorrências. Veja o exemplo 49,
em que o leitor critica o modo como o redator do periódico Farol Paulistano anunciou a
despedida de Thomaz Xavier Garcia d’Almeida, presidente da Província, e o exemplo
50, em que o leitor conclama os bacharéis – homens da Ciência – a prestarem serviços à
nação, lutando nos campos paraguaios:
(49) Senhor Redactor. – Pelo annuncio de des- | pedida do
Excelentíssimo Senhor Presidente d’esta Pro- | vincia Thomaz Xavier
Garcia d’Almeida, | que appareceu no Farol número 105 soube que |
Sua Excelência se retirara d’esta Provincia para | tomar assento na
Augusta Camara dos Senhores
| Deputados. Deos leve a Sua
Excelência em paz | e felicidade. – Mas, Senhor Redactor, que no- | vo
estilo de despedidas é este de Sua Excelencia? | Quiz elle por ventura
despedir-se do pô- | vo inteiro da Provincia, ou só d’uma par- | te? Se
era de todos, para que nomeou | Sua Excelência somente as pessoas
que tem direito | a semelhante obsequio?, e se era só de alguns |
poucos eleitos, que importava ao público | o saber se Sua Excelência
tinha ou não tido tem- | po para se despidir dos seus amigos, ou dos |
poucos eleitos que o cortejavão? Não é que | eu censure a Vossa mercê
Senhor Redactor por inse- | rir um semelhante annuncio [...] Mas
paciencia, Senhor Redactor, se Deos | for servido, que as despedidas
de Sua Excelência | sejão por uma vez, nós submissos, como | nôs
cumpre ser ás vontades do Altissimo, | diremos em nossos corações =
faça-se a vos- | sa sancta vontade = Amen.
(Carta de leitor; Farol Paulistano; São Paulo / SP; 30/04/1828)
(50) Senhores Bachareis – Homens da Sciencia. || As armas; é chegada
a occasião de prestardes serviços | ao paiz: a patria está ameaçada e
reclama o concurso | de todos seus filhos. || Aceitai o convite do
homem do povo, e organizae o | vosso batalhão de voluntarios
bachareis: animai o po- | vo com o exemplo de vossas pessoas e não
com a pa- | lavra. || [...] || Bachareis, bachareis; senhores homens da
sciencia, | ás armas, hide aos campos paraguayos buscar glorias, e
depois voltai ao vosso pais a plantar a illustração pe- | la penna e pela
palavra. || Outro homem do povo.
(Carta de leitor; Correio Paulistano; São Paulo / SP; 31/01/1865)
A forma nominal Vossa Excelência também é a estratégia preferida nas cartas de
tema jurídico, ocorrendo praticamente de forma categórica: 20 ocorrências versus 1
ocorrência de Vossa Mercê. Ressalte-se que tal forma, ainda hoje, é utilizada na
linguagem jurídica. O exemplo a seguir, em que o leitor José João da Cunha Telles
escreve ao Conselheiro Paes Barreto para esclarecer questões relativas ao regulamento
da alfândega, serve de ilustração:
(51) CORRESPONDÊNCIA || José João da Cunha Telles ao
Excelentíssimo Senhor Conselheiro Paes Barreto. || Homens ha que,
não tendo importancia, pro-|amam tel-a, fazendo bulha; - assim o
disse| Vossa Excelência na resposta que parece ser sua, com | quanto
nas a tivesse assignado, e Vossa Excelência é com-|petente para provar
esta verdade. || Havia no regulamento da alfandega uma dis- | posição
exigindo a presença de fiscais na des-|carga dos navios. [...] O protesto
que fiz sobre a apprehensão da | carne não foi indeferido, nas sim
acceito, pois | que foi mandado juntar ao processo enviado ao | Senhor
guarda-mor, que, sabendo que tal protesto | não podia ser acceito pela
alfandega, devolveu-o | á inspectoria, declarando que lhe parecia não |
ser isso regular. [...] Cuida Vossa Excelência | que eu sentiria muito
ter uma suspensão de | commandante do 2º batalhão ou de vereador, |
que me livrasse de compromettimentos, incom- | modos e despezas?
Quem quer ter importancia | sem a merecer não se conserva alheio
aparti- | dos, encosta-se a um delles, grita morte aos | contrarios,
ficando-lhe o direito salvo de dar as | mãos a este, comtanto que lhe
sirvam de apoio | para ir galgando bemaventuradas posições. || Fique,
portanto, certo o Excelentíssimo Senhor Barreto | que não quero ser
mais do que negociante de | carne secca, que tambem não gosto de
pole- | micas, e só entro nellas depois de provocado, e | finalmente
que, se me não humilho a fazer bar- | retadas, tambem não estou
disposto a soffrer | barretadas. || Rio, 28 de Janeiro de 1864. || José
João da Cunha Telles.
(Carta de leitor; A Actualidade – Jornal da Tarde; Rio de Janeiro / RJ;
29/01/1869)
Nas cartas de tema íntimo, familiar e de amizade, prevalecem, de forma
equilibrada, as formas pronominais de tratamento – 14 ocorrências de vós (24%), 13
ocorrências de tu (38%). Por representarem relações mais solidárias, que apresentam
maior proximidade entre o emissor e o destinatário, tal resultado era previsto. Veja o
exemplo 52, retirado de um periódico carioca, em que um marido escreve à sua mulher,
relatando um incidente desagradável que lhe havia ocorrido:
(52) CARTA DO DOUTOR CHEIROZO Á SUA MULHER ||
“Minha Calunguinha. Creio que cedo serei | obrigado a hir ver-te, pois
que os negocios vão | tomando má face. A opposição tem crescido, e
para se justificar allega o que ella chama | nossas patifarias, e tu a meo
respeito, desig- | naras por bregueiradas. Apenas eu e o amigo Taboa-
rasa assim chamào aqui ao Bestão, fase- | mos qualquer brincadeira,
logo ella a publica e a expoem de tal maneira, que parece que traze- |
mos hum novo Argus montado em nossas cos- | tas por nos espionar,
por seo mandado. só no | que ella não fallou verdade, foi á respeito das
circunstancias da minha desgraça | Calunga, he verdade, que já não
sou o que d’antes era; mas fiquei assim, não pelo que pu bli- carão,
mas por hum descuido. deixei-me dor- | mir ao pé de hum chiqueiro, e
hum porco deo- | me huma dentada... Ah! quando vires o es- | trago
que elle me fez, chorarás! Fiquei final- | mente desgraçado, e para
maior infelicidade minha, todo o mundo o sabe! A Deos Calunguinha,
lembra-te, e chora || O Teo || Pilingrino”.
(Carta de leitor; O Cidadão; Rio de Janeiro / RJ; 29/11/1838)
Todavia, não são somente as formas pronominais que aparecem nas cartas de tema
íntimo, familiar e de amizade. As variantes de Vossa Mercê são empregadas com o
mesmo número de ocorrências de vós em termos absolutos – 14 dados dos 47
levantados. Vossa Mercê e você apresentam um comportamento diferenciado nessas
cartas, com 4 ocorrências (6%) e 2 ocorrências (7%), respectivamente. Supõe-se que as
variantes de Vossa Mercê já estavam passando pelo processo de dessemantização,
ocorrendo em contextos mais informais do que aqueles em que Vossa Mercê – forma
original – aparece. Observe o exemplo 53, em que o leitor escreve para sua mãe (tema
familiar) usando o tratamento cerimonioso Vossa Mercê, para marcar a hierarquia de
inferior e superior existente entre filho e mãe:
(53) Minha mãe, hoje 25 do corrente de 1865. – Cidade de | São
Paulo. – Corpo de Voluntarios da Patria. || Oh! que satisfação para
mim em saber que estas | miseraveis lettras vão achar a vossa mercê.
com feliz saude em | companhia de toda nossa familia; vou por meio
d’esta | pedir-lhe sua benção, e participar-lhe os successos de | minha
vida, hoje 25 de março, para mim um dia festi- | vo, foi hoje que vi
sahir o batalhão dos voluntarios da | patria, acompanhado pela musica
voluntaria; ia então | adiante do batalhão o commandante do corpo
volunta- | rio commandando todo aquelle exercito no largo do pa- | ço
ao encontro do presidente. Participo-lhe tambem | que hoje ou amanhã
passo para o corpo fixo; não vou | lhe visitar porque não foi possivel
obter licença de | meus commandantes. || Oh! minha mãe lembre-se de
mim, porque de vossa mercê | não me esqueço; acceite um louvado
meu, não repare | na nota da carta porque, ah! esta carta foi notada |
com lagrimas;... pois adeus mamãe, oh! meu pae | lance-me tambem
sua benção [...] || Felix de Amaral Gurgel.
(Carta de leitor; Correio Paulistano; São Paulo / SP; 28/03/1865)
As cartas de interesse público, bastante recorrentes na amostra – 72 dados (23%)
– apresentam altas taxas de Vossa Mercê – forma não marcada, que indica
“neutralidade” – 43/72 ocorrências (66%), seguida por suas variantes (13/72), tu (8/72),
você (4/72), e Vossa Senhoria e Vossa Excelência, com apenas duas ocorrências cada.
No exemplo abaixo, um tropeiro utiliza-se do tratamento nominal Vossas Mercês para
dirigir-se não somente aos redatores, mas ao público em geral, reclamando do abandono
e da falta de conservação da estrada por onde costuma passar. Vejamos:
(54) Senhores Redactores. || Não posso deixar de queixar-me á Vossas
mercês e ao | publico do abandono, em que se acha a estrada, | por
onde costumo transitar com minha tropa. || No tempo dos Presidentes,
que eu ouvia chamar | espumas, e arribados, e contra quem tanto se |
disse, e escreveo, achava se a estrada de Jundiahy | á esta Cidade no
melhor estado possivel, e nun- | ca esteve ella tão boa, como em 1838
e 1839 | quando governava a Provincia um Presidente [...] Rogo-lhes |
pois Senhor Redactor o obzequio de publicar estas li- | nhas, para ver
se minha fraca voz póde chegar | até os doirados tectos, sob os quaes
tranquillo des-| cança o meu Excellentissimo Patricio. || U
M TROPEIRO
PAULISTA.
(Carta de leitor; A Phenix; São Paulo / SP; 24/02/1841)
Cabe explicar o emprego de Vossa Senhoria em cartas de tema pessoal – 10/23
ocorrências (53% dos dados). Tais dados aparecem, em sua maioria, em uma carta
escrita por Apollinaria Gerundia de Mattosinhos, dirigida ao Redator do Correio
Paulistano. Nesta carta, a leitora reclama que o número de sua casa foi pintado, o que
faz com que seus fregueses não encontrem sua casa (a leitora é lavadeira). Sendo assim,
ela pede ao redator que lhe ajude a resolver o problema:
(55) CONSEQUENCIAS DA NOVA NUMERAÇÃO || Senhor
redactor. || Sou lavadeira e engommadeira, e tenho sempre exer- | cido
as minhas modestas profissões com applauso do | Senhor publico e
dos meus freguezes da academia. Morei | d’antes no becco do inferno
e ha cousa de 3 mezes mu- | dei-me para esta sua casa, onde vivia
tranquillamente | em quanto na cimalha da porta se lia o NUMERO
20, | mas o proprietario querendo embellezar o front-spicio | do seu
predio entendeu que devia mandar caial-o, o | que fez, empregando em
tal obra um senhor pintor muito | chué que borrou-me o 2 do vinte, e
ficou minha casa | com o numero – 0 – ! || Ora, eu sou muito
procurada pelos meus freguezes e | por isso quando elles indagão da
minha casa preciso | dizer-lhes o nome da rua e numero da porta, para
que | eles vão lá direitos. [...] Ora, como conto a vossa senhoria já tudo
isto erão tristezas | para a minha alma e por isso tencionava mudar-me
do | meu cazebre. || Agora, ha oito dias, apparece-me lá na porta um
su- | geito de brocha na mão e borra-me a cifra toda. Quan- | do eu vi o
caso estava torcendo umas celouras do senhor | Procopio e tive iras de
dar com ellas nas ventas do tal | borrador; mas o meliante dice-me que
borrava a cifra | para pôr numeros novos! [...] Vossa senhoria que é
muito perspicaz hade notar os meus pre- | juizos e em virtude delles
espero que reclamará em | meu favor, afim de que me seja restituída a
ci- | fra no seu lugar, ao contrario eu pinto na porta o que | me parecer
e não dou cavaco á nação. Eu não vivo | de borrões na porta, entenda-
se. || Estou zangada e não quero articular mais. Peço-lhe | que me olhe
pela cifra como cousa sua. || Até a primeira. || Sua criada || Apollinaria
Gerundia de Mattosinhos.
(Carta de leitor; Correio Paulistano; São Paulo / SP; 12/08/1865)
As cartas de tema jornalístico e trabalhista são as que menos aparecem na
amostra – 7/308 e 6/308 ocorrências, respectivamente. Nas cartas cujo tema é
jornalístico, as estratégias de tratamento utilizadas são Vossa Mercê (4/7 ocorrências) e
vós (3/7 ocorrências). Já nas cartas de tema trabalhista, as únicas formas usadas são
Vossa Senhoria (4/6 ocorrências) e tu, com 2/6 ocorrências. Verifique-se o exemplo 56,
uma carta de tema trabalhista, em que o provedor Francisco Teixeira Amaral, através
do escrivão João Antonio Affonso, aceita publicamente a demissão do alferes Antonio
Justino Ferreira Junior:
(56) Illustríssimo Senhor.–Scientes por seo officio de | hoje de que
fôra nomeado para servir in|terinamente no corpo policial, e por | isso
deixava o lugar de enfermero-mór do | hospital desta cidade,
declaranmo-lhe que | aceitamos a demissão, pela utilidade que | d’ella
resulta, e lhe agradecemos o | zelo, intelligencia e honradez com que |
cumprio os seos deveres. | Para substituil-o temos nomeado o Senhor |
Antonio Justiniano da Costa Cabral, a | quem Vossa Senhoria fará
entrega de tudo, e lhe | dará as informações necessarias. | Deos guarde
a Vossa Senhoria, Ouro Preto, 18 de | Junho de 1875. Illustríssimo
Senhor alferes Antonio | Justino Ferreira Junior. | O provedor,
Francisco Teixeira Ama | ral. | O escrivão, João Antonio Affonso.
(Carta de leitor; Diário de Minas; Ouro Preto / MG; 25/06/1875)
Os resultados obtidos a partir da análise das formas nominais e pronominais de
tratamento encontradas nas cartas de leitores oitocentistas confirmam, em termos
gerais, os resultados observados em trabalhos com outros corpora (Rumeu, 2004,
Lopes, 2006, Silva & Barcia, 2002a e 2002c). Verificou-se, em suma, o caráter menos
solidário das formas nominais de tratamento e mais solidário das formas pronominais,
inclusive você, que já apresenta comportamento semelhante ao tu – a 2ª pessoa
legítima –, principalmente no que se refere ao aspecto semântico. Ressalte-se que o
próprio gênero carta determina a preservação de certos usos – no caso das formas
nominais, que persistem até hoje em cartas formais – que são cristalizados ou
formulaicos, típicos do caráter do gênero em si.
Na seção a seguir, o olhar recai sobre a análise dos fatores lingüísticos e
extralingüísticos que aceleraram o processo de gramaticalização de Vossa Mercê >
você no português do Brasil, motivando a entrada de você no nosso sistema
pronominal. O objetivo é tentar demarcar o estágio da gramaticalização de Vossa
Mercê > você no século XIX, sendo assim, serão analisados, mais detidamente,
somente os dados relativos às seguintes formas: Vossa Mercê e variantes, você, tu e
vós.
5. 2 – O Estágio da Gramaticalização de Vossa Mercê > Você.
Pretende-se depreender, neste sub-item, com base na quantificação dos dados, o
estágio da pronominalização assumido por Vossa Mercê > Você (transition problem, cf.
Weinreich et alii, (1968), à luz dos princípios de gramaticalização, principalmente os
elaborados por Lehmann (1985), Hopper (1991) e Heine (2002), no corpus em análise.
Apresentar-se-ão os resultados relativos à Vossa Mercê, variantes de Vossa Mer,
você, tu e vós em função dos seguintes grupos de fatores lingüísticos: expressão do
sujeito, co-referencialidade e funções sintáticas.
O primeiro princípio apresentado por Hopper (1991) – layering (estratificação)
refere-se à convivência do velho e do novo em um mesmo domínio funcional. As
camadas mais antigas não são necessariamente descartadas, podendo coexistir e
interagir com as mais recentes. A convivência simultânea de variantes/camadas não
pressupõe a eliminação imediata das formas mais antigas no uso lingüístico, em
conseqüência do aparecimento de novas camadas, mas evidencia a coexistência de
formas lingüísticas alternantes atuando em um mesmo domínio funcional. A tabela 6
apresenta o resultado da concorrência entre as estratégias de referência à segunda pessoa
do discurso controladas nas cartas de leitores oitocentistas.
DISTRIBUIÇÃO DOS DADOS DE VOSSA MERCÊ, VARIANTES DE VOSSA MERCÊ, VOCÊ,
VÓS E TU NAS CARTAS DE LEITORES DE JORNAIS OITOCENTISTAS BRASILEIROS
Formas
Nominais e
Pronominais
Vossa
Mercê
Variantes de
Vossa Mercê
Você Vós Tu TOTAL
TOTAL
105/378
(28%)
42/378
(11%)
55/378
(15%)
111/378
(29%)
65/378
(17%)
378/378
(100%)
Tabela 6 – Distribuição dos dados de vossa mercê, variantes de vossa mercê, você, vós e tu nas cartas de
leitores de jornais oitocentistas brasileiros.
Constata-se, a partir da análise da tabela 6, que você, com 55 ocorrências (15%),
forma resultante do processo de gramaticalização de Vossa Mercê, convive e coexiste
com o legítimo pronome de segunda pessoa – tu – com 65 ocorrências (17%) – exemplo
57. Cabe ressaltar que as formas intermediárias (vocemecê, voçuncê, mecê etc) também
apresentam altos índices: 42 ocorrências (11%) – exemplos 58 e 59. A transformação,
paulatina e gradual, de um item lexical – Vossa Mercê – em um item gramatical – você
– se dá sem que seja eliminado do sistema da língua portuguesa o pronome de segunda
pessoa legítima do discurso – tu –, como se observa no exemplo 60:
(57) Senhor Redactor. Findou-se hontem o bixesto de 1864. Segundo
os annuncios que você fez no seu jornal, a cousa não correu lá muito
agradavel.
(Carta de leitor; Correio Paulistano; São Paulo / SP; 01/01/1865)
(58) Vocemecê é homem da imprensa, vive sempre preocupado com as
poesias e não ha de saber do que se passa no mundo de chilra prosa
em que eu e minha comadre vivemos.
(Carta de leitor; Correio Paulistano; São Paulo / SP; 24/04/1865)
(59) Ha muito tempo que andava com ganas de dar uma penada na
imprensa de voçuncê; mas entonces como não sei de retolica, tinha
scismas que voçuncê havia-se pôr com partes.
(Carta de leitor; Correio Paulistano; São Paulo / SP; 24/06/1865)
(60) Eu só pagarei os dias que fiquei restando-te, quando vieres pelas
columnas deste jornal dizer qual o motivo porque já não foste
embolsado. Olha, seu paraguayo malcreado: pregar no deserto é
perder sermão; ensaboar cabeça de burro é gastar sabão.
(Carta de leitor; Cidade de Santos; Santos / SP; 31/08/1899)
Nota-se também a coexistência das formas tu e você – estratégias em competição
– em uma mesma correspondência, referindo-se a um mesmo interlocutor. Cabe
destacar que tal fato ocorre somente na região de Minas Gerais. Observem-se os
exemplos 61 e 62, retirados de periódicos mineiros:
(61) Não te mettas mais a escriptor publico não, porque, segundo
tenho ouvido, você espichou-se redondamente em fallar na luz eterna,
no chorar as lagrimas [...] Não sejas tolo [...] não te mettas a tomar
partido [...] Teo amigo e mordomo do Serralho.
(Carta de leitor; Diário de Minas; Ouro Preto / MG; 25/11/1876)
(62) [...] e por isso esqueces a promessa que me fisestes para ao
despois de empregares effectivamente. Olha, e ... eu tenho guardado
todo o silencio sobre a tua cartinha de 24 de junho; entretanto, já você
vai se esquecendo de mim! Ah! Sou muito infeliz!! Oh! Não
abandones a tua querida.
(Carta de leitor; O Diabinho; Ouro Preto / MG; 12/10/1887)
A chamada mistura de tratamento, tão condenada pelas gramáticas atuais do
português, também confirma o princípio da estratificação ou layering (Hopper, 1991),
que estipula a coexistência entre o novo e o velho em um domínio funcional amplo.
Como as camadas mais antigas não são necessariamente descartadas, mas coexistem e
interagem com as recentes, não há o descarte imediato da forma mais antiga, no caso tu,
em detrimento da forma emergente você, mas um período de transição, de convivência
das diversas camadas, que configurariam uma fase de convivência entre as estratégias
de referência ao interlocutor.
Através da análise dos exemplos 61 e 62, pode-se dizer ainda que a forma você
já estava começando a passar pelo processo de dessemantização ou desbotamento
semântico (bleaching) no último quartel do século XIX (Heine, 2002, Lehmann, 1985,
Castilho, 2003). Tal mecanismo ocorre quando formas lexicais são reinterpretadas em
contextos específicos com significados cada vez mais gramaticais. No processo de
gramaticalização de Vossa Mercê > você parte-se de um item lexical (Mercê), que dá
origem à forma de tratamento Vossa Mercê. Note-se que o significado original do item
lexical é preservado.
Mercê. [Do lat. Merce] S. f. 1. Preço ou recompensa de
trabalho; remuneração, paga. 2. Favor, graça, benefício:
Espero que V. Exª me conceda esta mercê. 3. Bom
acolhimento; benignidade, indulgência, benevolência:
Esperava da moça a mercê dum olhar. 4. Remissão de
culpa; perdão, indulto, graça. 5. Nomeação para emprego
público; provimento em cargo oficial. 6. Concessão de
títulos honoríficos. 7. Capricho, arbítrio: O barco está à
mercê dos ventos.
(FERREIRA, 1986: 1121.)
Durante esse processo, ocorre uma alteração gradual no sentido do item, pois,
paulatinamente, essa forma perde o seu valor cortês, de reverência, transformando-se no
pronome pessoal de referência à segunda pessoa do discurso – você. Esse processo de
alteração semântica é contínuo e, atualmente, já é possível observar o emprego de você
como referência indeterminadora. Cabe lembrar que a emergência de novos usos não
exclui de forma imediata os antigos empregos.
A permanência da forma original mercê até os dias atuais como elemento
autônomo ao lado da forma gramaticalizada você confirma o princípio da divergência
(Hopper, 1991), que postula a permanência do item lexical original coexistindo de
forma autônoma ao lado da forma gramaticalizada, no caso você, embora divergindo
funcionalmente.
O princípio da persistência (Hopper, 1991) postula a conservação, na forma
gramaticalizada, de um traço semântico da forma fonte. Quando um item lexical inicia o
processo de gramaticalização, alguns detalhes da sua história lexical podem refletir-se
na sua distribuição gramatical. A persistência de traços da forma de origem pode
explicar as restrições sofridas pela forma gramaticalizada. Embora este princípio
pressuponha a manifestação de propriedades semânticas, foram analisados alguns
fatores estruturais que evidenciam, de certa maneira, um tipo de persistência: a
expressão do sujeito e a combinação de formas.
DISTRIBUIÇÃO DOS DADOS DE VOSSA MERCÊ, VARIANTES DE VOSSA MERCÊ, VOCÊ,
VÓS E TU QUANTO À EXPRESSÃO DO SUJEITO NAS CARTAS DE LEITORES DE
JORNAIS OITOCENTISTAS BRASILEIROS
Expressão
do Sujeito
Vossa
Mercê
Variantes de
Vossa
Mercê
Você
Vós
Tu
TOTAL
Sujeito
Pleno
30/64
(47%)
12/64
(19%)
15/64
(23%)
5/64
(8%)
2/64
(3%)
64/64
(100%)
Sujeito
Nulo
35/149
(24%)
15/149
(10%)
14/149
(9%)
53/149
(36%)
32/149
(21%)
149/149
(100%)
TOTAL
65/213
(30%)
27/213
(13%)
29/213
(14%)
58/213
(27%)
34/213
(16%)
213/213
(100%)
Tabela 7 – Distribuição dos dados de vossa mercê, variantes de vossa mercê, você, vós e tu quanto à
expressão do sujeito nas cartas de leitores de jornais oitocentistas brasileiros.
Nas cartas de leitores oitocentistas em análise, observa-se que, ao contrário do
que era de se esperar, Vossa Mercê apresenta-se com altas taxas tanto de sujeito pleno
como de sujeito nulo – 30 ocorrências (47%) e 35 ocorrências (24%). As variantes de
Vossa Mercê e sua contraparte gramaticalizada você seguem a mesma tendência: 12
ocorrências (19%) e 15 ocorrências (10%) versus 15 ocorrências (23%) e 14 ocorrências
(9%), respectivamente. Uma hipótese para as altas taxas de sujeito nulo é o fato de não
ser necessário repetir os pronomes quando funcionam como sujeito de vários verbos
consecutivos (Cunha & Cintra, 2001). Contudo, os índices elevados de preenchimento
do sujeito comprovam que a forma em vias de gramaticalização – você – possui a
tendência de aparecer plena. Cabe lembrar que, por originar-se de uma forma nominal
de tratamento que leva o verbo para a terceira pessoa – forma não marcada – a
explicitação do sujeito torna-se praticamente indispensável também com a forma você.
Confirmando o princípio da persistência (Hopper, 1991), este detalhe da história lexical
do item se reflete na forma gramaticalizada você, que conserva traços do item original.
Situação diferente é assumida pelas formas pronominais legítimas – tu, com 32
ocorrências de sujeito nulo contra apenas 2 de sujeito pleno e vós, com 53 ocorrências
de sujeito nulo versus 5 dados de sujeito pleno somente – que, preferencialmente, se
apresentam como sujeitos nulos. Confirma-se, pois, a tese de Duarte (1995) de que o
português brasileiro do século XIX era uma língua de sujeito nulo, iniciando o seu
processo de mudança de parâmetro a partir do século XX. De 63 a 70, apresentam-se
exemplos no que se refere ao preenchimento, ou não, do sujeito.
(63) Você sabe de meu desinteresse pela causa propria; do meu amor
pelos meus patricios... Seu antigo verdadeiro, fiel amigo.
(Carta de leitor; O Propugnador; Rio de Janeiro / RJ; 13/07/1824)
(64) Vocemecê é homem da imprensa, vive sempre preocupado com as
poesias...
(Carta de leitor; Correio Paulistano; São Paulo / SP; 24/04/1865)
(65) A oposição tem crescido, e para se justificar allega o que ella
chama nossas patifarias, ...e tu designaras por bregueiradas.
(Carta de leitor; O Cidadão; Rio de Janeiro / RJ; 29/11/1838)
(66) Ah! quando vires o estrago que elle me fez, chorarás! ... O Teo
Pilingrino.
(Carta de leitor; O Cidadão; Rio de Janeiro / RJ; 29/11/1838)
(67) Vossa Mer mesmo me acaba de dizer que a mocidade está
enthusiasmada e que todos querem estudar, nem todos tem as mesmas
posses; uns são ricos, outros pobres.
(Carta de leitor; Farol Paulistano; São Paulo / SP; 15/03/1828)
(68) Eu só pagarei os dias que fiquei restando-te, quando vieres pelas
columnas deste jornal dizer qual o motivo porque já não foste
embolsado.
(Carta de leitor; Cidade de Santos; Santos / SP; 31/08/1899)
(69) Si depois disto tiveres mais algum tempo peço-te que dês un petit
promenade lá pelas cabeças (rua) afim de dar outra direcção as aguas
que que lavão as latrinas... Tens andado doente?
(Carta de leitor; O Diabinho; Ouro Preto / MG; 02/11/1884)
(70) “Vossa Mercê bem sabe, que as fazendas são carissimas...”
(Carta de leitor; Farol Paulistano; São Paulo / SP; 14/03/1828)
O princípio da persistência (Hopper, 1991), mencionado anteriormente, consiste
na provável permanência de alguns traços semânticos do item lexical original na forma
gramaticalizada. Todavia, na gramaticalização de você, o caso de persistência mais
patente é a conservação da marca verbal de terceira pessoa, ainda que essa forma exerça
o papel de pronome de segunda pessoa.
Outra categoria de análise que poderia referendar o princípio da persistência
seria o controle da combinação de formas, ou seja, Vossa Mercê, Variantes de Vossa
Mercê, você, tu e vós combinando-se com formas de 2ª e/ou 3ª pessoas do discurso.
Pretende-se também, ao testar tal fator, verificar se a mistura de tratamento,
mencionada anteriormente, já era freqüente na amostra em análise.
A COMBINAÇÃO DE FORMAS NAS CARTAS DE LEITORES OITOCENTISTAS
Formas
controladas/
Combinação
de Formas
Vossa
Mercê(s)
Variantes
de Vossa
Mercê
Você
Vós
Tu
TOTAL
2ª pessoa do
singular
(tu)
-
-
3/55
(5%)
7/111
(6%)
50/65
(77%)
60/376
(16%)
2ª pessoa do
plural
(vós)
-
-
1/55
(2%)
94/111
(85%)
6/65
(9%)
101/376
(27%)
3ª pessoa do
singular
(você)
-
-
48/55
(88%)
3/111
(3%)
2/65
(3%)
53/376
(14%)
3ª pessoa do
singular
(variantes de
V. M.
ce
)
9/104
(9%)
37/41
(90%)
-
-
-
46/376
(12%)
3ª pessoa do
singular
(V. M.
ce
)
70/104
(67%)
-
-
1/111
(1%)
-
71/376
(19%)
3ª pessoa do
plural
(V. M.
ces
)
8/104
(8%)
-
-
-
-
8/376
(2%)
Primeira da
série
15/104
(14%)
4/41
(10%)
3/55
(5%)
6/111
(5%)
6/65
(9%)
34/376
(9%)
Referência
isolada
2/104
(2%)
-
-
-
1/65
(2%)
3/376
(1%)
TOTAL
104/376
(28%)
41/376
(11%)
55/376
(15%)
111/376
(29%)
65/376
(17%)
376/376
(100%)
Tabela 8 – A combinação de formas nas cartas de leitores oitocentistas.
Com base nos resultados expostos na tabela 8, verifica-se que Vossa Mercê e
suas variantes somente se combinam com a 3ª pessoal gramatical, seja no singular (P3),
seja no plural (P6). Tais combinações sintáticas mostram que não havia mistura de
tratamento quando se empregava a forma nominal de tratamento – Vossa Mercê. Este
resultado corrobora o encontrado por Rumeu (2004), em uma amostra composta por
cartas particulares nos séculos XVIII e XIX. Todavia, observa-se que a contraparte
gramaticalizada – você – já começa timidamente a se combinar com formas de 2ª pessoa
gramatical, tanto no singular (P2) como no plural (P5): 3 ocorrências (5%) e 1
ocorrência (2%), respectivamente. Apesar de serem poucas ocorrências, tal fato
demonstra que você já vinha adquirindo status de pronome pessoal, ao aparecer nos
mesmos contextos que favoreceriam o uso de tu ou vós, especializando-se como forma
de 2ª pessoa. A correlação de você com formas de 2ª pessoa não foi identificada nas
cartas oficiais e particulares de Rumeu (2004), mas já aparece nas nossas cartas de
leitores e nas cartas dos avós Ottoni, também do século XIX, endereçadas aos netos
(Lopes & Machado, 2005). Apesar das baixas freqüências de uso, esses resultados
demonstram que você diverge do comportamento da forma nominal original Vossa
Mercê.
Os corpora de Rumeu (2004) compõem-se de cartas manuscritas de circulação
pública e privada, escritas apenas na cidade do Rio de Janeiro, na segunda metade do
século XVIII e no decorrer do século XIX. Essas cartas, escritas por pessoas ilustres da
época – como Marquês do Lavradio, Conde de Rezende, José Bonifácio de Andrada e
Silva, Visconde do Rio Branco, entre outros –, apresentam menor variedade de temas e
maior preocupação com o uso correto da língua. Em contrapartida, o corpus de análise
da presente pesquisa reflete melhor a sociedade oitocentista, pois, além da distribuição
regional (Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais), trata-se de uma amostra que retrata
os usos lingüísticos de um grupo mais amplo de pessoas que não pertenciam,
obrigatoriamente, a uma casta social ilustre, como ocorre nas cartas levantadas por
Rumeu (2004). Por essas razões, nossa amostra apresenta usos mais espontâneos da
língua portuguesa, e, conseqüentemente, mostra indícios mais evidentes da
gramaticalização de você, que aparece combinando-se com te, teu, tua e formas verbais
de 2ª pessoa gramatical. Há que se destacar o fato de que tais usos serão prática comum
no século XX, quando você passa a ser um pronome pessoal de 2ª pessoa. Vejamos os
exemplos na íntegra:
(71) “São José d’El-Rei. | Charissimo amigo do coração preto. – Com
immensissimo prazer empunho a | penna para annunciar-te que a luz
eter | na reappareceo n’esta infeliz cidade, que | durante tanto tempo se
conservou da tua | côr! | Até hoje vivo n’um inferno sem tregoas, |
desde o dia que ouvi uns moços galho | fando, dizendo que não é só o
teo cora | ção que é preto, mas tambem os teos | miollos; que és um
idiota, um attrevido, | por vires ás columnas d’um jornal annun | ciar o
desapparecimento da luz eterna, | pedir que vertessem, isto é, que
choras | sem uma lagrima & & & &. | Somos muito infelizes, meo
coração de | breu; pois não sabes que os nossos Tara | mella, Xambá,
Xaxá, Pato, Boi e outros | que taes forão raspados da lista de vo |
tantes d’esta parochia!.. | O Tramella, deitado, está furioso, di | zendo
que conhece que é um gaudeiro, | um feijoeiro; mas que por esse
mesmo | motivo deve ser considerado como pos | suidor das rendas
necessarias, porque tu | do quanto faz é para empicuar; mas va | mos
cá entre nós discutir: elle só em fal | lar, intrigar, e bater pernas; só em
ser | espião do serralho, não arranja 200$000 | o que achas?.. eu cá
faço justiça ás mesas, | muito embora ella seja composta de | nossos
adversarios. | Em fim, quando eu tiver mais tempo | te noticiarei o
mais, e por agora só te | quero pedir um favor. Não te mettas mais | a
escriptor publico não, porque, segun | do tenho ouvido, você espichou-
se redon | damente em fallar na luz eterna, no cho | rar as lagrimas &
&. | Não sejas tôlo... não te mettas a to | mar partido, unicamente com
o fim de | teres ingresso, para seres nomeado mor | domo do serralho,
por que não obtens; | esses lugares estão occupados .... e .... | Teo
amigo e mordomo do Serralho. |
O Aragão.”
(Carta de leitor; Diário de Minas; Ouro Preto / MG; 25/11/1876)
(72) “E... | Só Deos sabe os embara | ços que tenho encontrado | para
responder-te. Feliz | mente pude valer-me deste | meio. | Eu a muito
que ando af | flicta para falar-te, mas co | mo sabes as difficuldades |
são muitas. | E..., eu sei que voce ama | muito a prof... e por isso |
esqueces a promessa que me | fisestes para ao despois de empregares |
effectivamente. | Olha, E... eu tenho guar | dado todo o scilencio sobre
| a tua cartinha de 24 de ju | nho; entretanto, já você vai | se
esquecendo de mim! | Ah! sou muito infeliz!! | Oh! não abandones a
tua | querida |
A.”
(Carta de leitor; O Diabinho; Ouro Preto / MG; 12/10/1887)
No exemplo 71, verifica-se que, apesar de ser uma carta de crítica, possui caráter
pessoal (o emissor Aragão se dirige ao Charissimo amigo do coração preto), o que
favorece o uso de tu e, consequentemente, você, que passa a concorrer com a 2ª pessoa
legítima. Ressalte-se que, apesar de o jornal ter sido publicado na cidade de Ouro Preto,
o remetente escreve da cidade de São José d’El-Rei.
Por outro lado, no exemplo 72, observa-se, na seção de despedida, que o emissor
é uma mulher – “Não abandones a tua querida”. Note-se que a remetente, que não
assina a correspondência e apenas coloca a suposta inicial do nome (A.), aparentemente,
quer manter em segredo sua identidade, assim como o conteúdo íntimo da carta,
afirmando que o jornal é um meio eficaz para isto: “E... Só Deos sabe os embaraços que
tenho encontrado para responder-te. Felizmente pude valer-me deste meio”. Se a
combinação de você com formas de 2ª pessoa gramatical já aparecia nas cartas de
leitores mineiras, em fins do século XIX (Fase 3) – texto escrito – pode-se inferir que,
no uso oral, esse sincretismo lingüístico era ainda mais freqüente.
O princípio da especialização (Hopper, 1991) ou obrigatoriedade (Lehmann,
1985) remete ao estreitamento das escolhas sofridas pelas construções gramaticais. A
forma lingüística, em vias de gramaticalização, se torna praticamente obrigatória em
alguns contextos. A hipótese que embasa a análise de Vossa Mercê e você a partir de
suas respectivas funções sintáticas é a de que, à medida que Vossa Mercê começa a se
pronominalizar, passa a assumir funções sintáticas próprias dos pronomes pessoais,
ocorrendo em contextos que, em princípio, favoreceriam o uso de seu concorrente tu – a
2ª pessoa gramatical legítima.
DISTRIBUIÇÃO DOS DADOS DE VOSSA MERCÊ, VARIANTES DE VOSSA MERCÊ E VOCÊ
E SUAS FUNÇÕES SINTÁTICAS NAS CARTAS DE LEITORES DE JORNAIS
OITOCENTISTAS BRASILEIROS
Formas
Utilizadas/
Funções
Sintáticas
Vossa
Mercê
Variantes de
Vossa Mercê
Você
Tu
Vós
TOTAL
Sujeito
(Forma Reta)
29/105
(28%)
11/42
(26%)
10/55
(18%)
2/65
(3%)
4/97
(4%)
56/364
(15%)
Pronome
Possessivo
17/105
(16%)
10/42
(24%)
15/55
(27%)
13/65
(20%)
30/97
(31%)
85/364
(23%)
Complemento
Preposicionado
8/105
(8%)
2/42
(5%)
1/55
(2%)
2/65
(3%)
3/97
(3%)
16/364
(5%)
Complemento
Não-
Preposicionado
15/105
(14%)
3/42
(7%)
10/55
(18%)
16/65
(25%)
20/97
(21%)
64/364
(18%)
Flexão Verbal
(Verbo no
Imperativo)
15/105
(14%)
6/42
(14%)
13/55
(24%)
7/65
(11%)
6/97
(6%)
47/364
(13%)
Flexão Verbal
(Não-
Imperativo)
21/105
(20%)
10/42
(24%)
6/55
(11%)
25/65
(38%)
34/97
(35%)
96/364
(26%)
TOTAL
105/364
(29%)
42/364
(11%)
55/364
(15%)
65/364
(18%)
97/364
(27%)
364/364
(100%)
Tabela 9 – Distribuição dos dados de vossa mercê, variantes de vossa mercê e você e suas funções
sintáticas nas cartas de leitores de jornais oitocentistas brasileiros.
Ao analisar as ocorrências de Vossa Mercê, Variantes de Vossa Mercê, você, tu
e vós na tabela 9, verifica-se que a forma pronominalizada você apresenta
comportamento parecido ao de Vossa Mercê – forma original – e variantes. Todavia,
nota-se que a contraparte gramaticalizada já passa a apresentar índices de sujeito na
forma reta bem próximos aos de flexão verbal apenas, tanto com verbos no imperativo
quanto com verbos não-imperativo – 10 ocorrências (18%), 13 ocorrências (24%) e 6
ocorrências (11%), respectivamente. Este comportamento afasta-se do apresentado pela
forma original, que apresenta taxas de sujeito bem mais elevadas do que as taxas
referentes aos casos de flexão verbal – 29 ocorrências (28%), 15 ocorrências (14%) e 21
ocorrências (20%), respectivamente.
Contudo, através de tais resultados, não se pode estabelecer generalizações
descritivas, já que, devido à própria heterogeneidade do corpus, foram computadas
ocorrências da forma original em ummero bem maior do que as ocorrências da
contraparte gramaticalizada. Em todos os estados analisados – Minas Gerais, São Paulo
e Rio de Janeiro – computaram-se dados de Vossa Mercê desde a primeira fase dos
documentos (1808 – 1840). No que se refere a você, apenas no estado do Rio de Janeiro
encontraram-se dados relativos a esta forma na primeira fase, mais especificamente na
data de 13 de julho de 1824. Já nos estados de São Paulo e Minas Gerais, só foram
encontrados dados de você no final da segunda fase (1841 – 1870). Tal fato pode
explicar as taxas mais baixas em relação à forma pronominal você.
Ainda através dos resultados apresentados na tabela 9, ressalte-se que, apesar de
as formas Vossa Mercê, Variantes de Vossa Mercê e você assumirem alta freqüência de
uso no exercício da função sintática de sujeito, apresentam-se regularmente distribuídas
entre as demais sub-categorias pronominais– pronome possessivo, complemento
preposicionado e complemento não-preposicionado. Note-se que as três formas
apresentam seus menores índices de freqüência na mesma sub-categoria pronominal – a
de complemento preposicionado – 8 ocorrências (8%), 2 ocorrências (5%) e 1
ocorrência (2%), respectivamente.
Em relação às formas pronominais – tu e vós – observa-se que ambas as formas
apresentam comportamento sintático semelhante. Tanto a segunda pessoa do singular
como a segunda pessoa do plural apresentam maiores índices de ocorrência como flexão
verbal (verbo no imperativo e verbo não-imperativo), se comparados aos índices como
sujeito na forma reta – 7 dados (11%) e 6 dados (6%) versus 25 dados (38%) e 34 dados
(35%). Corroborando a hipótese de Duarte (1995), observa-se que o português do século
XIX ainda era uma língua de sujeito não-expresso. Os resultados em relação às sub-
categorias de pronome possessivo e complemento não-preposicionado também são
equilibrados, todavia, no que se refere à função de complemento preposicionado, as
formas também apresentaram índices mínimos – 2 dados de 2ª pessoa do singular (3%)
e 3 dados de segunda pessoa do plural (3%) –, assim como as formas Vossa Mercê,
Variantes de Vossa Mercê e você.
A partir do princípio da de-categorização ou descategorização, postula-se que
formas em processo de gramaticalização tendem a perder ou neutralizar marcas
morfológicas e propriedades sintáticas das categorias plenas (Nome e Verbo), passando
a assumir atributos das categorias secundárias (Adjetivo, Particípio, Preposição).
Revelam-se indícios do estabelecimento da mudança categorial (nome – Vossa Mercê
para pronome – você) a partir da detecção de traços formais e comportamentos
característicos dos apresentados pelas formas pronominais. No que se refere à
gramaticalização de Vossa Mercê > você, buscam-se indícios de uma maior ou menor
aproximação da forma em vias de gramaticalização – você – com a forma que a
originou – Vossa Mercê ou com os verdadeiros pronomes pessoais.
A reflexão acerca do processo de pronominalização de Vossa Mercê > vo nas
cartas de leitores de jornais oitocentistas brasileiros, a partir dos princípios de
gramaticalização propostos por Lehmann (1985), Hopper (1991) e Heine (2002),
possibilitou depreender o estágio da pronominalização assumido por Vossa Mercê.
O nome Mercê motivou a forma nominal de tratamento Vossa Mercê (À mercê
de vós) – “estratégia honorífica concebida para ressaltar a benignidade suprema do rei
português em relação aos súditos da Coroa Portuguesa (cf. Cintra, 1972)” (Rumeu,
2004: 121). Segundo Cintra (1972), o desbotamento semântico sofrido pela forma
nominal Vossa Mercê iniciou-se entre os membros da nobreza portuguesa, uma vez que
tal estratégia de tratamento específica para o rei, em 1460, começou a tornar-se usual
entre os membros da Corte.
Esse desgaste acentuou-se ainda mais à medida que ascensão social da burguesia
impulsiona a sua difusão entre os comerciantes portugueses, que, por sua vez, tinham
contato direto com o povo, o que acabou por expandir esse uso pela plebe, contribuindo
para acelerar cada vez mais o seu desgaste semântico e sua erosão fonética. Após esse
desgaste fonético e semântico, a forma você se insere no quadro pronominal do
português brasileiro como forma pronominal de 2ª pessoa do discurso. Na realidade
atual da língua portuguesa, atenta-se para a referência indeterminadora assumida por
você em construções existenciais com possível valor expletivo (Duarte, 1995, 1999,
2003). No que diz respeito à forma você nas cartas de leitores oitocentistas, argumenta-
se que assume um estágio intermediário no seu processo de mudança categorial. Nestas
cartas, você apresenta-se como uma forma pronominal de tratamento que exibe traços
que a aproximam ora da forma nominal que o originou, ora de uma verdadeira forma
pronominal.
6 – CONSIDERAÇÕES FINAIS.
A partir da análise das cartas de leitores de jornais oitocentistas brasileiros, que
circulavam na Região Sudeste do país, observou-se o uso de variadas formas nominais e
pronominais de tratamento em relação aos diferentes destinatários das correspondências.
Aliando-se os pressupostos teóricos da sociolingüística às diferentes vertentes que
discutem o fenômeno da gramaticalização, identificaram-se, também, alguns dos
principais fatores lingüísticos e extralingüísticos que aceleraram o processo de
pronominalização de Vossa Mercê > você, ocasionando a alteração categorial de nome
para pronome. Verificaram-se, em síntese, os seguintes aspectos que confirmam as
conclusões obtidas em trabalhos com outros corpora:
(a) Nas cartas de leitores publicadas em jornais oitocentistas, localizaram-se ocorrências
de Vossa Excelência, Vossa Senhoria, Vossa Mercê, Variantes de Vossa Mercê
(vocemecê, voçuncê, mecê etc.) e você, além das formas pronominais legítimas tu e vós;
(b) As formas nominais de tratamento Vossa Excelência e Vossa Senhoria aparecem, de
forma expressiva, nas
relações transacionais e menos solidárias, conservando-se,
portanto, como estratégias de cortesia;
(c) A forma original Vossa Mercê conserva, nestas cartas, o caráter de reverência com
que foi inicialmente concebida (Cintra, 1972), uma vez que apresenta alta freqüência de
uso nas
relações menos solidárias e transacionais. Referendando a hipótese de Silva &
Barcia (2002), a contraparte desenvolvida ainda não havia sofrido por completo o
processo de dessemantização – perda de conteúdo semântico – preservando traços de
formalidade (Lehmann, 1985, Hopper, 1991 e Heine, 2002);
(d) As variantes de Vossa Mercê, aparentemente, delimitam a diferença de
comportamento entre formas nominais e pronominais, pois apresentam resultados
equilibrados no que se refere às relações estabelecidas entre remetente e destinatário:
48% dos dados ocorrem nas relações transacionais, e 52% das ocorrências foram
utilizadas nas relações
relações interpessoais – cartas dirigidas a amigos;
(e) A segunda pessoa legítima – pronome tu – é a estratégia favorita nos contextos de
menor formalidade. Todavia, entre os anos de 1871 e 1900, nota-se, principalmente nos
dados de Minas Gerais, a entrada de você – uma forma em vias de gramaticalização –
no sistema pronominal brasileiro;
(f) A forma pronominalizada você, após passar pelos processos de erosão fonética e
desbotamento semântico, passa a concorrer com o pronome tu , disputando espaço nas
cartas
interpessoais e nas relações mais solidárias. Você, porém, parece preservar um
comportamento híbrido, pois ainda mantém semelhanças de uso com Vossa Mercê, uma
vez que 14% dos dados de você foram identificados nas cartas
transacionais destinadas
ao redator;
(g) A ocorrência, ainda que tímida, da chamada
mistura de tratamento, foi identificada
nas cartas oitocentistas que serviram de corpus para esta pesquisa. Convém ressaltar que
esse fenômeno, observado na amostra de Minas Gerais, é, até hoje, repudiado pelos
manuais escolares (Lopes & Duarte, 2002a);
(h) As altas taxas de vós nas cartas transacionais representam um resquício do vós de
cerimônia. Cabe lembrar que o próprio gênero carta determina a preservação de certos
usos, que são cristalizados ou formulaicos, principalmente no que se refere ao emprego
das formas nominais de tratamento, que persistem até hoje em cartas formais;
Vós, com referência a uma só pessoa, normal como
tratamento de cerimônia em português antigo e clássico,
emprega-se ainda, vez por outra, em linguagem literária
de tom arcaizante para expressar distância, apreço social.
(CUNHA & CINTRA, 2001: 278.)
(i) O estudo das formas nominais e pronominais de tratamento em cartas de leitores
produzidas nos estados de Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo, apresentam você
em estágio intermediário do seu processo de mudança categorial (Nome > Pronome
Vossa Mercê > você), manifestando características que o aproximam ora da forma que o
originou, ora dos pronomes pessoais.
As cartas de leitores – instrumentos que servem, até hoje, para refletir as
insatisfações individuais e coletivas – fornecem um perfil claro da sociedade
oitocentista brasileira. Além da distribuição regional em três grandes centros – Minas
Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo –, a amostra espelha os usos lingüísticos não apenas
do cidadão comum, mas também das pessoas ilustres e cultas do século XIX.
Como era de se esperar, predominam, no corpus, as cartas transacionais. Tais
cartas eram pontuadas, principalmente, por críticas e assuntos relacionados à política.
Cartas de leitores são textos produzidos para publicação e, desta forma, estão sujeitos a
convenções sociais menos solidárias, com maior grau de distância. As altas taxas de
Vossa Excelência – fórmula que se mantém como estratégia cerimoniosa –
correlacionam-se, assim, com a prevalência de cartas transacionais no corpus de
análise. As cartas ditas interpessoais – tipo de interação incomum nas cartas de leitores
divulgadas em jornais atuais –, ocorreram em menor número, porém salientaram a
competição de tu e você em domínios mais solidários, com maior aproximação entre
emissor e destinatário.
Em relação ao destinatário, predominaram as cartas ao redator do jornal. Nestas
cartas, observou-se o emprego de uma variada gama de formas tratamentais na direção
do redator, que representaria a face institucional. Constata-se, assim, que a relação
leitor/redator não era marcada pela semântica do poder, uma vez que, a princípio, não
havia preocupação, por parte do leitor, com a relação hierárquica e o distanciamento
social.
Durante o presente estudo, verificou-se que a variação pronominal na referência
à segunda pessoa é um fenômeno lingüístico fortemente – mas não somente – ligado às
características das estruturas sociais. Para a depreensão dos fatores que estariam em
jogo no processo de escolha do falante, consideraram-se tanto os fatores internos à
estrutura lingüística quanto os fatores inerentes à configuração da sociedade em que
vivem os falantes.
No decorrer da pesquisa, ao investigar-se o percurso histórico de Vossa Mercê >
você – itens que, no desenrolar de sua história, acabam por adquirir múltiplas funções –
foi fundamental a correlação da Sociolingüística Variacionista com princípios
funcionalistas sobre a gramaticalização. A partir de nossa análise, pôde-se notar que,
dentro de uma mesma comunidade, uma gama de variedades, em diferentes estágios de
gramaticalização, pode coexistir perfeitamente. A escolha de uma ou outra forma de
tratamento era determinada, entre outros fatores, pelo papel social do destinatário, tipo
ou tema da carta, grau de formalidade e relação social estabelecida entre
emissor/receptor. Em se tratando de linguagem, os aspectos lingüístico e social estão
entrelaçados: “Viver é conviver, sobretudo em matéria de linguagem” (Rosenblat, 1967:
120)
8
.
8
“Vivir es convivir, sobre todo en materia de lenguaje” (Rosenblat, 1967: 120).
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da UFRJ, 2001.
____________. Para uma história do português no Brasil: formas pronominais e
nominais de tratamento em cartas setecentistas e oitocentistas. Dissertação de Mestrado
em Língua Portuguesa – Curso de Pós-Graduação em Letras Vernáculas. Rio de
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SAID ALI, M. Gramática histórica da língua portuguesa. São Paulo: Companhia
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TAVARES, Maria Alice. A Gramaticalização de ‘e, aí, daí e então’:
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Apresentada ao Curso de Pós-Graduação em Lingüística. Universidade Federal de Santa
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TRAUGOTT, Elizabeth Closs. Constructions in grammaticalization. In.: JOSEPH,
Brian & JANDA, Richard (eds.). The handbook of historical linguistics. Oxford:
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WEINREICH, U.; LABOV, W. & HERZOG, M. Empirical foundations for theory of
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for historical linguistics. Austin: University of Texas Press, 1968.
ANEXOS.
ANEXO 1.
AS CARTAS DE LEITORES NOS JORNAIS OITOCENTISTAS DO ESTADO DE MINAS GERAIS
PERIÓDICO DATA TIPO E TEMA
DA CARTA
CONTEÚDO FORMAS
ECONTRADAS
1.
O Universal
20/07/1825
Tema Jornalístico
Carta de
Reclamação
Carta para o redator do jornal, em que
o leitor reclama do “Companheiro do
Conselho”, referindo-se ao periódico
Despertador Constitucional.
Senhor Redator
2.
O Universal
25/07/1825
Tema Político
Carta de Crítica
Assunto político. Leitor escreve sobre
a munificência do Congresso
Nacional e do Exército Libertador.
Excellentissimo
Senhor
Vossa Excelência
3.
O Universal
25/07/1825
Tema Jornalístico
Carta de Resposta
Réplica à carta número 1. Leitor tece
comentários sobre a finada Abelha do
Itaculumy.
Senhor Abelha
Senhor
Companheiro
4.
O Universal
23/12/1825
Tema Jornalístico
Carta de Pedido
Carta ao redator em que o leitor pede
a publicação de um soneto escrito
pelo Padre Mestre Manoel Joaquim
Ribeiro, da Freguesia d’Antonio
Dias.
Senhor Redator
do Universal
Senhor Redator
5.
O Universal
23/06/1830
Tema de Interesse
Público
Carta de
Comunicado/
Informação Geral
Morador de Mariana escuta uma
conversa entre duas pessoas falando
sobre o Padre Bhering, que iria abrir
uma aula de Retórica na cidade (fato
que poderia causar males e acabou
acarretando a demissão de um deles).
Senhor Redator
Tu e formas
relacionadas
6.
O Universal
20/12/1830
Tema Político
Carta de Crítica
Leitor discorre sobre bravata entre os
Liberais e os Telegráficos.
Senhor Redator
Vossamercê
7.
O Universal
02/04/1832
Tema de Interesse
Público
Carta de
Comunicado/
Informação Geral
Leitor critica uma carta assinada por
um amigo do redator, na qual abonam
o professor de primeiras letras Cattas-
Altas de Noroega, e que, segundo ele,
é mau profissional.
Senhor Redator
Vossamercê
8.
O Universal
31/12/1832
Tema Pessoal
Carta de Pedido
Carta sobre o senhor Antonio de
Castro Lima (Escrivão dos órfãos na
Villa Nova da Pomba), na qual o
leitor lhe pede um favor.
Senhor Redator
9.
O Universal
15/07/1834
Tema Político
Carta de Pedido
Carta de um condenado à morte pelos
Cabanos restauradores de Campo
Bello (o leitor diz ser inocente e pede
que o redator do periódico publique
suas linhas).
Senhor Redator
10.
Correio de
Minas
01/09/1838
Tema Político
Carta de
Comunicado/
Informação Geral
Um deputado escreve ao redator
sobre o Ato Adicional, supostamente
reformado na Câmara dos Deputados
(o leitor escreve justamente para
corrigir esta informação).
Senhor Redator
11.
O Universal
29/06/1840
Tema Político
Carta de
Comunicado/
Informação Geral
Leitor escreve sobre a tesouraria
provincial, falando que os
empregados se converteram em
máquinas eleitorais. Fala também
sobre o Senhor Bicalho, que escrevia
cartas pedindo votos.
Senhor Redator
12.
O Itamontano
29/04/1848
Tema Pessoal
Carta de Pedido
Leitor escreve sobre certas vacas
penhoradas a Joaquim Gonçalves
Gomes Gonzaga para pagamento de
uma multa.
Ilustríssimo
Senhor Doutor
Vossa Senhoria
13.
O Itamontano
29/04/1848
Tema Político
Carta de
Agradecimento
Leitor agradece os elogios feitos por
José Pedro Dias de Carvalho à sua
administração (zelo pelo serviço
público), quando este esteve na
cidade de Ouro Preto.
Ilustríssimo e
excelentíssimo
Senhor
Excelentíssimo
Senhor
Vossa Excelência
14.
O Publicador
Mineiro
22/02/1845
Tema Político
Carta de
Comunicado/
Informação Geral
Leitor diz que o Padre Marinho
mentiu sobre a história de
determinada rebelião de Minas
(Arraial da Lagoa Santa). O Padre
teria dito que o Tenente Pedro
Latalisa, com apenas 6 armas e
alguns praças, fez Faustino Francisco
Branco debandar com os 200 praças
que comandava.
Senhor Redator
15.
O Povo
27/05/1849
Tema Jornalístico
Carta de Pedido
de Desculpas
Leitor escreve pedindo desculpas
sobre a demora da glosa
encomendada pelo periódico.
Senhor Povo
Vossa Mercê
16.
O Conciliador
29/03/1851
Tema Político
Carta de Crítica
Leitor discorre sobre a disputa entre
Liberais e Ferrões; compra de votos
na eleição; processos contra o dito
herói Cláudio Pereira da Fonseca e
Adriano de tal (?), instaurado pelo
Padre José Marcianno. O leitor diz
estar denunciando certos fatos
censurados.
Senhor Redator
Vós e formas
relacionadas
17.
O Bom Senso
02/05/1853
Tema Jurídico
Carta de Pedido
Leitor discorre sobre questões de
direito, relativas ao juiz de direito
interino da Comarca do Sapocahy
contra o promotor da mesma
comarca.
Senhor Redator
Vossa Mercê
18.
O Bom Senso
12/07/1854
Tema de Interesse
Público
Carta de Pedido
Leitor defende o Senhor Padre
Francisco Julio dos Santos, alvo de
uma suposta calúnia (teria
assassinado um fazendeiro na
Paraíba), e pede que o redator
publique a verdade.
Senhor Redator
19.
O Bom Senso
25/10/1855
Tema Pessoal
Carta de
Comunicado/
Informação Geral
Leitor desmente boatos e calúnia
sobre a venda de um escravo efetuada
pelo Senhor Capitão Pio Corrêa de
Mello.
Senhor Redator
Vossa Senhoria
20.
Correio Official
de Minas
07/10/1858
Tema de Interesse
Público
Carta de Pedido
Leitor discorre sobre os festejos do
dia da Independência (07/09) na
cidade de Sabará, custeados pelo
Excelentíssimo Senhor Barão do
Sabará, e pede que o redator publique
as suas linhas.
Senhor Redator
21.
Correio Official
de Minas
14/04/1860
Tema de Interesse
Público
Carta de Pedido
Leitor quer saber como se salvou o
morigerado coletor da Villa de
Itajubá de uma denúncia do escrivão
da mesma coletoria.
Senhor Redator
22.
Minas Geraes
24/01/1862
Tema Pessoal
Carta de Pedido
Leitor pede ao Capitão João Silvério
que este confirme ao Senhor Ladeira
(filho de João Silvério) o fato de ele
não ter recebido gorjeta ou dinheiro
como recompensa de favores e
trabalhos feitos.
Ilustríssimo
Senhor Capitão
João Silvério
Vossa Senhoria
24.
Minas Geraes
18/08/1862
Tema de Interesse
Público
Carta de
Comunicado/
Informação Geral
Leitor elogia a melhora na instrução
pública do município de Ouro Preto.
Senhor Redator
25.
Constitucional
03/12/1866
Tema Jornalístico
Carta de Crítica
Leitor critica o material publicado
pelos redatores. Diz que estes muitas
vezes publicam mentiras, já que não
têm o dom de adivinhar a verdade.
Menciona um caso específico sobre
Antonio Dutra de Carvalho.
Senhores
Redatores
26.
Constitucional
06/06/1868
Tema Jornalístico
Carta de Crítica
Leitor diz que o Diário de Minas está
publicando calúnias contra pessoas
distintas, como o Senhor Doutor
Francisco Leite da Costa Belém.
Senhores
Redatores
27.
Diário de Minas
26/05/1873
Tema Pessoal
Carta de
Comunicado/
Informação Geral
Leitor diz que, por ter nascido no dia
1° de abril, é sempre alvo de
brincadeiras. Avisa, portanto que,
caso alguma procuração em seu nome
apareça, pedindo demissão de
serventuário do ofício de órfãos da
cidade, não a aceitem, pois é falsa.
Senhor Redator
28.
Diário de Minas
23/02/1875
Tema de Político
Carta de
Comunicado/
Informação Geral
Carta sobre despacho do presidente
da província, datado de 11/12,
dizendo que a cadeira não poderia
mais funcionar debaixo da inspeção
da Comarca do Rio Prado, estando
agora sob a jurisdição do distrito e
Comarca do Jequitahy.
Senhor Redator
29.
Diário de Minas
25/06/1875
Tema Trabalhista
Carta de
Comunicado/
Informação Geral
Leitor escreve sobre o pedido de
demissão de Antonio Justino Ferreira
Junior, que deixou o lugar de
enfermeiro-mor para servir
interinamente no corpo policial, e
nomeação de Antonio Justiniano da
Costa Cabral para o seu lugar
Ilustríssimo
Senhor
Vossa Senhoria
30.
Diário de Minas
25/01/1876
Tema Político
Carta de
Agradecimento
Padre Julio Engracio agradece aos
eleitores do 3° distrito, pelo qual se
apresentou candidato à Assembléia
Provincial.
-
31.
Diário de Minas
25/11/1876
Tema Pessoal
Carta de Crítica
Carta zombeteira, ofensiva. Leitor diz
que o destinatário fala muito, faz
intrigas, fala da “luz eterna”.
Aparentemente, usa códigos.
Você e formas
relacionadas
Tu e formas
relacionadas
32.
Diário de Minas
15/10/1877
Tema de Interesse
Público
Carta de
Reclamação
Reclamação sobre os correios. O
autor da carta diz que certos objetos
oficiais nunca chegam ao destino.
Digníssimo
Senhor
Excelentíssimo
Senhor
33.
A Actualidade
11/04/1878
Tema Jornalístico
Carta de
Reclamação
Leitor considera o Diário de Minas
retalhador da Família Magalhães e
diz que no número do dia anterior o
periódico atacou um dos delegados do
distrito.
Senhor Redator
34.
O
Constitucional
09/05/1878
Tema Trabalhista
Carta de
Reclamação
Professores da Comarca do Jequitahy
reclamam da falta de livros e dos
salários.
Excelentíssimos
Senhores
35.
O
Constitucional
03/08/1878
Tema Político
Carta de
Reclamação
Presidente da Câmara Municipal
reclama por não ter sido convocado
para tomar parte nos trabalhos do
Conselho Municipal.
-
36.
O Diabinho
02/11/1884
Tema de Interesse
Público
Carta de
Reclamação
Leitor reclama do cabeleireiro de
Paris, que tem por hábito urinar e
despejar outras “drogas” na Rua
Bobadella, após as 21:00.
Tu e formas
relacionadas
37.
O Diabinho
05/09/1887
Tema de Interesse
Público
Carta de Pedido
Carta irônica. Em nome de vários
santos, leitor pede que os membros da
Vereança Municipal achinelem a Rua
do Quebra-Perna (atual Rua Barão
de Ouro Branco). Diz que Zé Caipora
irá esperá-los.
Ilustríssimo
Senhor Presidente
Vossurias
Mercês
38.
O Diabinho
12/10/1887
Tema Íntimo
Carta de Relato
Carta de resposta, cobrando promessa
(não mencionada). Fala de amor a
determinada professora.
Você e formas
relacionadas
Tu e formas
relacionadas
39.
A Camelia
04/12/1887
Tema de Interesse
Público
Carta de
Reclamação
Leitor reclama do mau estado das
ruas, cheias de barro.
Senhor Fiscal
40.
O Diabinho
28/01/1889
Tema Jornalístico
Carta de
Comunicado/
Informação Geral
Sobre a publicação pelo redator do
jornal em questão de A NAZORCKA
– de que foi vítima José de Faria,
trucidado em uma rua pública da
cidade por ordem dos chefes
conservadores.
Senhor Redator
41.
A Derrocada
29/09/1894
Tema de Interesse
Público
Carta de Pedido
Leitor denuncia e cobra providências
em relação à jogatina de roleta
(segundo ele, desgraça de muitas
famílias). Pede ao redator que
publique suas linhas em favor do
bem-estar da cidade.
Excelentíssimo
Senhor Doutor
Vossa
Excelentíssima
Vossa Excelência
42.
A Derrocada
31/10/1894
Tema Político
Carta de Pedido
Leitor escreve sobre a eleição de 15
de novembro (menciona troca de
favores).
Ilustríssimo
Senhor
Vossa Senhoria
43.
O Cysne
20/04/1895
Tema Jornalístico
Carta de Crítica
Leitor critica o material escrito e
apresentado pelo Senhor H. S. Fleury.
Recomenda a leitura de clássicos para
melhorar o trabalho e torná-lo digno
de uma publicação.
Senhor H. S.
Senhor
Senhor Jayme
Macedo
Senhor Antonio
Castro
Senhor Zeca
Senhor Graciano
Gomes
Vós e formas
relacionadas
44.
A Caridade
19/05/1898
Tema Jornalístico
Carta de Crítica
Órgão do Grupo Espírita Antônio de
Pádua publica em jornal a carta
escrita para o Bispo de Paris,
comunicando não pertencer mais à
Igreja. Nela, faz duras críticas,
dizendo não poder mais fazer parte de
uma Igreja que faz da religião um
adorno administrativo.
Vós e formas
relacionadas
Quadro 2 - As cartas de leitores nos jornais oitocentistas do estado de Minas Gerais.
ANEXO 2.
AS CARTAS DE LEITORES NOS JORNAIS OITOCENTISTAS DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
PERIÓDICO DATA TIPO E TEMA
DA CARTA
CONTEÚDO FORMAS
ENCONTRADAS
1.
O Papagaio
22/06/1822
Tema
Jornalístico
Carta de Crítica
Leitor reclama da linguagem
utilizada no jornal O Macaco
Brasileiro.
Senhor Redator
2.
O Macaco
Brasileiro
1822
Tema
Jornalístico
Carta de
Resposta
Réplica à carta anterior (número 2).
O redator do jornal O Macaco
Brasileiro (sob o disfarce de leitor)
faz réplicas às críticas feitas ao
jornal em questão.
Senhor Redator
Vossa Mercê
3.
O Macaco
Brasileiro
1822
Tema
Jornalístico
Carta de Crítica
Leitor discorre sobre injúrias feitas
ao Congresso nacional e ao Chefe
do Poder Executivo, abusando-se da
Lei de Liberdade de Imprensa.
Senhor Redator
4.
O Propugnador
13/07/1824
Tema Político
Carta de Crítica
Leitor escreve a um amigo, dizendo
que o mesmo deveria opor-se às
arbitrariedades do governo.
Você e formas
relacionadas
5.
O Propugnador
13/07/1824
Tema Político
Carta de
Resposta
Réplica à carta anterior (número 4).
O autor da carta se defende das
críticas feitas na carta mencionada.
Você e formas
relacionadas
6.
O Grito da
Razão na Corte
do Rio de
Janeiro
18/03/1825
Tema
Jornalístico
Carta de Pedido
O leitor comenta que, como o
redator do jornal em questão se
dedica à sustentação dos interesses
da sua pátria – a Província da
Bahia, irá transmitir-lhe o conteúdo
do ‘memorial d’huma Bahiana,
pedindo que o redator o publique em
seu jornal.’.
Senhor Redator
Vossa Mercê
7.
O Cidadão
29/03/1838
Tema de
Interesse Público
Carta de Crítica
Leitor se mostra indignado com a
mudança de cores das obreias no
quartel general da corte – de verdes
e amarelas para encarnado.
Senhor Redator
8.
O Cidadão
05/04/1838
Tema Político
Carta de
Comunicado/
Informação
Geral
Leitor discorre sobre a eleição do
Regente.
Vossa Senhoria
9.
O Cidadão
29/11/1838
Tema
Familiar/Íntimo
Carta de Relato
Leitor escreve para a mulher
dizendo que levou uma dentada de
um porco e ficou desgraçado.
Ressalta que essa é a verdadeira
versão para o acidente, ao contrário
do que haviam publicado. Reclama
que o ocorrido agora é de domínio
público.
Tu e formas
relacionadas
10.
Constitucional
13/11/1841
Tema
Jornalístico
Carta de
Comunicado/
Informação geral
Leitor diz que leu no jornal
Sentinella da Monarchia que o Voz
do Povo dizia que o Sentinella era
escrito às expensas da polícia, e que
o Senhor Paulino era um dos
principais colaboradores. O leitor
contesta essa informação.
Senhor Redator
11.
Filho da Joanna
08/03/1844
Tema de
Interesse Público
Leitor faz crítica aos que censuram
os portugueses por cederem
benefícios de gratuidade aos
patrícios em teatros e divertimentos
Senhor Redator
Vossa Mercê
Carta de Crítica
afins. Diz que é certo que protejam
seus patrícios, já que os brasileiros
não lhes dão nada. Ao final,
agradece ao redator por publicar
uma carta que o Jornal não aceitou
(e diz que o Pharol já tinha
morrido).
12.
Novo Tempo
26/03/1844
Tema Político
Carta de Crítica
Leitor comunica prisões arbitrárias
(inclusive a sua) feitas por oficiais.
Senhor Redator
13.
Diário do Rio de
Janeiro
26/03/1846
Tema Político
Carta de
Comunicado/
Informação
Geral
Leitor discorre sobre a elevação do
Porto da Estrela à categoria de vila.
Ilustríssimo e
Excelentíssimo
Senhor
Vossa Excelência
14.
Diário do Rio de
Janeiro
26/03/1846
Tema
Jornalístico
Carta de
Reclamação
Leitor faz reclamações sobre o
Jornal do Comércio.
Senhor Redator
15.
O Despertador
Municipal
26/03/1846
Tema Político
Carta de
Reclamação
Leitor escreve sobre questões
trabalhistas da Câmara Municipal.
Senhor Redator
Vossa Mercê
16.
O Despertador
Municipal
08/03/1850
Tema Político
Carta de Crítica
Leitor escreve sobre questões
trabalhistas da Câmara Municipal.
Senhor Editor
Vossa Mercê
17.
O Despertador
Municipal
14/03/1850
Tema Político
Carta de
Reclamação
Leitor escreve sobre o Edital da
Câmara Municipal.
Senhor Redator
Senhores
Vereadores
Vossas Senhorias
18.
O Guerreiro
15/01/1853
Tema de
Interesse Público
Carta de
Comunicado/
Informação
Geral
Leitor escreve sobre boato em
relação a um assalto ocorrido na
alfândega.
Senhor Redator
Vossa Senhoria
19.
O Guerreiro
19/01/1853
Tema Jurídico
Carta de Pedido
Leitor discorre sobre processo
jurídico, pedindo ao redator que lhe
informe sobre o andamento do
mesmo.
Senhor Redator
20.
O Guarany
08/09/1853
Tema Médico
Carta de
Comunicado/
Informação
Geral
Leitor torna públicas suas anotações
sobre assuntos relacionados à
medicina.
Senhores estudantes
de medicina
Vós e formas
relacionadas
21.
O Parayba
10/02/1859
Tema de
Interesse Público
Carta de
Comunicado/
Informação
Geral
Carta sobre vendas de casas situadas
à Rua Thereza, herdadas de
Atanazio Antolim.
Senhor Redator
22.
Gazeta Médica
do Rio de
Janeiro
01/01/1864
Tema Médico
Carta de
Comunicado/
Informação
Geral
Carta sobre procedimentos
cirúrgicos em caso de ferida contusa
e do curativo na ocorrência dessas
feridas.
Senhores Redatores
Senhores Doutores
23.
A Actualidade –
Jornal da Tarde
29/01/1869
Tema Jurídico
Carta de Crítica
Carta relacionada ao Regulamento
da Alfândega sobre a presença de
fiscais na descarga dos navios.
Excelentíssimo
Senhor
Vossa Excelência
24.
O Lazarista
28/10/1875
Tema de
Interesse Público
Carta de Crítica
Carta sobre atos de vandalismo e
brutalidade ocorridos no dia
13/10/75, na cidade do Rio de
Janeiro.
-
25.
O Jornal: Folha
Diária
20/11/1875
Tema
Jornalístico
Carta de
Agradecimento
Leitor agradece à Redação do
periódico Mequetrefe.
-
26.
O Jornal: Folha
Diária
23/11/1875
Tema
Jornalístico
Carta de
Comunicado/
Informação
Geral
Leitor faz elogios ao jornal
Collegial, publicado pelos alunos do
Colégio Briggs.
-
27.
Jornal de
Notícias
26/11/1875
Tema de
Interesse Público
Carta de Crítica
Carta de crítica ao governo, em
relação à moradia e nutrição do
povo.
-
28.
A Tribuna
Parlamentar
22/01/1879
Tema Político
Carta de Crítica
Leitor critica o poder de oratória do
Senhor Doutor José Mariano, em
um recinto tão deficiente como a
Câmara Legislativa, afirmando que
este não possui o dom de orador ou
tribuno.
Senhor Doutor
29.
Relâmpago:
Periódico de
Crítica e
Censura
19/01/1882
Tema Pessoal
Carta de
Resposta
Leitor responde às injúrias
cometidas por Souto Carvalho,
contra o próprio leitor.
30.
O Salva Vidas
04/02/1883
Tema de
Interesse Público
Carta de
Comunicado/
Informação
Geral
Carta sobre a descoberta do
maravilhoso invento: kerosene
inexplosivo, desinfectado e colorido.
31.
Diário
Fluminense
05/07/1883
Tema Político
Carta de Crítica
Carta sobre a despronúncia de 21
vereadores suspensos e
responsabilizados pelo Ministério do
Império.
Senhor
32.
República
Brasileira
16/07/1889
Tema Médico
Carta de
Comunicado/
Informação
Geral
Médico justifica a substituição da
Magnésia de Murray pela Magnésia
do Doutor Carneiro.
Senhor
Quadro 3 - As cartas de leitores nos jornais oitocentistas do estado do Rio de Janeiro.
ANEXO 3.
AS CARTAS DE LEITORES NOS JORNAIS OITOCENTISTAS DO ESTADO DE SÃO PAULO
NOME DO
PERIÓDICO
DATA TIPO / TEMA
DA CARTA
CONTEÚDO FORMAS
ENCONTRADAS
1.
Farol Paulistano
15/03/1828
Tema de
Interesse
Público
Carta de
Comunicado/
Informação
Geral
Leitor discorre sobre os hábitos
estudantis de São Paulo,
comparando-os com os de
Coimbra.
Senhor Redator
Vossa Mercê
2.
Farol Paulistano
22/03/1828
Tema de
Interesse
Público
Carta de
Reclamação
Leitor escreve sobre a falta de
conservação das ruas de São
Paulo, consideradas, pelo leitor,
intransitáveis (relata também a
morte de um cidadão, devido ao
estado das ruas).
Senhor Redator
Vossa Mercê
3.
Farol Paulistano
30/03/1828
Tema Político
Carta de
Reclamação
Carta sobre o anúncio de
despedida do Excelentíssimo
Senhor Presidente da Província –
Thomaz Xavier Garcia D’Almeida.
Senhor Redator
Vossa Mercê
4.
Farol Paulistano
28/06/1828
Tema de
Interesse
Público
Carta de Crítica
Carta criticando o governo sobre a
falta de alguns gêneros
alimentícios na cidade. Postula-se
a presença de atravessadores, que
monopolizariam os gêneros a fim
de obter maior lucro.
Senhor Redator
5.
Farol Paulistano
27/08/1828
Tema de
Interesse
Público
Carta de Crítica
Carta criticando a Nação, pelo fato
de pagar 150 mil réis a um Senhor
Professor que, efetivamente, não
dava aula.
Senhor Redator
6.
Farol Paulistano
10/12/1828
Tema de
Interesse
Público
Carta de
Comunicado/
Informação
Geral
Leitor discorre sobre a iminente
derrubada do Convento dos
Menores Observantes na capital da
cidade para construção de uma
praça com chafariz.
Senhor Redator
7.
A Phenix
23/01/1841
Tema de
Interesse
Público
Carta de
Comunicado/
Informação
Geral
Carta sobre a denúncia do
desembarque de 700 africanos na
Vila de Ubatuba (crítica à reação
de um chefe bruto).
Senhores Redatores
8.
A Phenix
30/03/1828
Tema de
Interesse
Público
Carta de
Comunicado/
Informação
Geral
Carta em que leitor discorre sobre
a questão da alforria dos negros
escravos.
Senhores Redatores
Vossas Mercês
9.
A Phenix
23/01/1841
Tema Pessoal
Carta em que o leitor relata as
conseqüências do falecimento de
João Rodrigues de Camargo Pire,
e pedindo que o Doutor Gabriel se
explique em relação ao
Senhores Redatores
Senhor Redator
Carta de Pedido
desaparecimento das chaves da
cômoda de seu falecido tio.
10.
A Phenix
24/02/1841
Tema de
Interesse
Público
Carta de
Reclamação
Carta descrevendo o péssimo
estado de conservação da Estrada
de Jundiahy.
Senhores Redatores
Senhor Redator
Vossas Mercês
11.
Correio
Paulistano
28/06/1854
Tema de
Interesse
Público
Carta de
Reclamação
Carta sobre a falta de iluminação
nas ruas da cidade.
Senhor Redator
Vossa Senhoria
12.
Correio
Paulistano
28/06/1854
Tema de
Interesse
Público
Carta de
Reclamação
Carta descrevendo a falta de
iluminação nas ruas da cidade.
Senhor Redator
13.
Correio
Paulistano
28/06/1854
Tema de
Interesse
Público
Carta de
Reclamação
Carta sobre a proibição de fumar-
se no saguão do teatro da cidade.
Senhores
Redator(sic)
Vossas Mercês
14.
Correio
Paulistano
05/07/1854
Tema de
Interesse
Público
Carta de
Reclamação
Carta descrevendo a insalubridade
pública da cidade de São Paulo.
Senhores Redatores
Vossas Mercês
15.
Correio
Paulistano
12/07/1854
Tema de
Interesse
Público
Carta de
Comunicado/
Informação
Geral
Carta sobre a proibição da saída de
escravos após o toque de recolher.
Senhor Redator
16.
Correio
Paulistano
13/07/1854
Tema de
Interesse
Público
Carta de
Reclamação
Carta descrevendo a falta de
higiene nas ruas da cidade.
Senhores Redatores
17.
Correio
Paulistano
22/07/1854
Tema de
Interesse
Público
Carta de Crítica
Carta com insultos a homem que
teria estigmatizado a ordem do
Senhor Cantinho.
Senhor Redator
18.
Correio
Paulistano
20/09/1854
Tema Pessoal
Carta de
Reclamação
Leitor relata o roubo de um galo
seu, ocorrido em dia de grande
ventania.
-
19.
Correio
Paulistano
29/07/1857
Tema de
Interesse
Público
Carta de
Reclamação
Carta sobre o barulho de carros no
Largo de São Francisco, onde se
situa a Faculdade de Direito.
-
20.
Correio
Paulistano
30/12/1857
Tema Pessoal
Carta de Crítica
Carta sobre artigo do periódico a
Lei, assinado por João Gomes dos
Santos, no qual aparecem duras
críticas ao leitor.
-
21.
Correio
Paulistano
26/03/1859
Tema de
Interesse
Público
Carta de
Comunicado/
Informação
Geral
Carta sobre pagode ocorrido na
fazenda do Senhor Victoriano Jo
Lemes.
Senhor Redator
22.
Correio
Paulistano
16/01/1862
Tema de
Interesse
Público
Carta de
Reclamação
Carta sobre a falta d’água no
chafariz da cidade.
-
23.
Correio
Paulistano
22/08/1862
Tema Político
Carta de Crítica
Carta sobre a administração do
Senhor Cardoso na Província do
Paraná.
-
24.
Correio
Paulistano
12/06/1863
Tema de
Interesse
Público
Carta de
Comunicado/
Informação
Geral
Carta sobre a proibição da venda
de fogos (leitora diz ter visto
depósito de fogos na casa em que
foi fazer compras).
Senhor Redator
25.
Correio
Paulistano
03/07/1863
Tema de
Interesse
Público
Carta de
Comunicado/
Informação
Geral
Carta denunciando a presença de
um bexiguento na Rua da
Quitanda.
Senhor Redator
26.
Correio
Paulistano
16/07/1863
Tema de
Interesse
Público
Carta de
Resposta
Réplica à carta anterior (número
24). Leitor manda que Miquelina
tome conte de sua vida.
Senhor Redator
27.
Correio
Paulistano
19/07/1863
Tema Político
Carta de
Comunicado/
Informação
Geral
Carta sobre discurso do Senhor
Guelmi.
Senhor Redator
Você e formas
relacionadas
28.
Correio
Paulistano
21/01/1864
Tema de
Interesse
Público
Carta de Crítica
Carta com descrição dos hábitos
na cidade (crítica à má alimentação
e insalubridade).
-
29.
Correio
Paulistano
01/01/1865
Tema de
Interesse
Público
Carta de
Comunicado/
Informação
Geral
Carta relatando fatos gerais
ocorridos no ano bissexto de 1864.
Senhor Redator
Você e formas
relacionadas
30.
Correio
Paulistano
31/01/1865
Tema Político
Carta de Pedido
Carta em que leitor conclama os
homens do povo a prestar serviços
ao país.
Senhores Bacharéis
Vós e formas
relacionadas
31.
Correio
Paulistano
28/03/1865
Tema Familiar
Carta de Relato
Carta em que o leitor comunica à
família seus sucessos, em relação à
vida militar.
Vossa Mercê
Você e formas
relacionadas
32.
Correio
Paulistano
28/03/1865
Tema Pessoal
Carta de
Reclamação
Carta em que leitora reclama da
ingratidão do Senhor Cazuza.
Senhor Cazuza
33.
Correio
Paulistano
28/03/1865
Tema de
Amizade
Carta de Relato
Leitor escreve a amigo, dizendo
como tem passado na cidade de
São Paulo.
Ilustríssimo Senhor
Vossa Mercê
34.
Correio
Paulistano
07/04/1865
Tema de
Amizade
Carta de Relato
Leitor escreve a amigo, dizendo
que não conseguiu encontrá-lo na
cidade de São Paulo, quando ali
chegou.
Tu e formas
relacionadas
Vós e formas
relacionadas
35.
Correio
Paulistano
22/04/1865
Tema de
Interesse
Público
Carta de Crítica
Carta em que leitor critica a
discriminação sofrida pelos
portugueses, confundidos com
outros estrangeiros – ingleses,
alemães e franceses.
-
36.
Correio
Paulistano
23/04/1865
Tema de
Interesse
Público
Carta de Crítica
Crítica a um leitor que escreveu à
imprensa contra os estrangeiros
residentes no Brasil, por causa de
episódio ocorrido no exterior.
Senhor Redator
37.
Correio
Paulistano
24/04/1865
Tema de
Interesse
Público
Carta de
Reclamação
Carta em que leitor reclama da
falta de alguns gêneros
alimentícios na cidade.
Senhor Redator
Vocemecê
Vossa Mercê
38.
Correio
Paulistano
24/06/1865
Tema de
Interesse
Público
Carta de Pedido
Carta em que leitora reclama por
não ter onde botar o lixo, já que foi
proibida de colocá-lo na rua. Pede
ao redator, que, segundo ela, é seu
velho conhecido, que interceda em
seu favor.
Senhor Redator
Voçuncê
39.
Correio
Paulistano
12/08/1865
Tema Pessoal
Carta de
Reclamação
Lavadeira reclama que um pintor
apagou o número de sua porta e,
por isso, está perdendo fregueses.
Pede que o redator interceda por
ela.
Senhor redator
Vossa Senhoria
40.
Correio
Paulistano
12/08/1865
Tema Pessoal
Carta de
Comunicado/
Informação
Geral
Leitor diz que não consegue fazer
a entrega de seus queijos porque
não há numeração nas ruas da
cidade.
Senhor Redator
Vossa Mercê
41.
Correio
Paulistano
20/08/1865
Tema de
Amizade
Carta de Relato
Leitora escreve para sua comadre,
contando como tem passado e
pedindo que procure por uma casa
vaga, já que quer se mudar.
Mecê
42.
Correio
Paulistano
25/08/1865
Tema de
Interesse
Público
Carta de Pedido
Leitora faz elogios ao jornal, mas
pede que o redator passe a incluir
os preços das mercadorias no
periódico, para facilitar a vida da
população.
Senhor Redator
Vossa Mercê
43.
Correio
Paulistano
01/09/1865
Tema de
Amizade
Carta de
Resposta
Leitora responde a carta enviada
por sua comadre (número 41).
Conta detalhes de sua vida e diz
que ainda não achou a casa vaga
para a comadre.
Mecê
44.
Correio
Paulistano
13/09/1865
Tema de
Interesse
Público
Carta de
Comunicado/
Informação
Geral
Leitor discorre sobre acidente
ocorrido na Linha Férrea, na
capital de São Paulo.
-
45.
Correio
Paulistano
17/09/1865
Tema Político
Carta de
Comunicado/
Informação
Geral
Portugueses escrevem ao redator,
comunicando a ocorrência de uma
reunião de estrangeiros para o fim
de se promover apoio ao Brasil, na
Guerra do Paraguai.
Senhor Redator
46.
Correio
Paulistano
26/09/1865
Tema Familiar
Carta de Relato
Leitora escreve para saber notícias
do esposo, que está lutando na
guerra, e também mandar notícias
de casa.
Tu e formas
relacionadas
Vós e formas
relacionadas
47.
Diário de São
Paulo
23/05/1874
Tema de
Interesse
Público
Carta de
Reclamação
Leitor escreve sobre professor que
leciona em uma escola pública na
Freguesia do Arujá. Diz que o
professor tem muitos alunos e é
bem capacitado e, por isso,
merecia salário melhor.
-
48.
Diário de São
Paulo
10/07/1874
Tema de
Interesse
Público
Carta de
Reclamação
Leitor escreve ao redator para
reclamar de artigo assinado pelo
Senhor Nogueira. Neste artigo, o
autor faz críticas aos funcionários
de uma biblioteca. O leitor quer
que o Senhor Nogueira reconheça
seu erro, e diz que as injúrias e
calúnias são falsas.
Ilustríssimo Senhor
Redator
49.
A Província de
São Paulo
12/03/1875
Tema de
Interesse
Público
Carta de
Reclamação
Companhia de Navegação
Paulista escreve aos redatores do
jornal reclamando sobre as queixas
em relação à Companhia
publicadas no periódico.
Senhores Redatores
Vossas Senhorias
50.
A Província de
São Paulo
18/03/1875
Tema de
Interesse
Público
Carta de
Resposta
Leitor (respondendo à carta
anterior, de número 50) diz que
por mais que a Companhia de
Navegação Paulista diga que não
há motivo para reclamações, os
fatos provam o contrário As
viagens atrasam e navios
esperados não chegam dentro do
prazo estipulado.
-
51.
Diário de São
Paulo
08/01/1878
Tema de
Interesse
Público
Carta de
Reclamação
Leitor reclama do serviço prestado
pela Companhia dos Bondes, já
que estes estão sempre lotados.
Senhor Redator
52.
Correio
Paulistano
01/09/1887
Tema Interesse
Público
Carta de Crítica
Carta dirigida aos fazendeiros e
possuidores de escravos acerca de
um ladrão que se diz fazer parte de
um grupo de abolicionistas.
Menciona que os abolicionistas já
estão avisados e não o aceitam no
grupo.
Tu e formas
relacionadas
53.
Correio
Paulistano
04/09/1887
Tema de
Interesse
Público
Carta de
Comunicado/
Informação
Geral
Leitor defende os abolicionista,
que , segundo ele, são patriotas e
humanitários e, por isso, um ladrão
não pode usar esse nome. Diz
ainda que não precisa de capangas
e trabucos, só de provas e outros
elementos para a execução da lei.
-
54.
Correio
Paulistano
18/09/1887
Tema de
Interesse
Público
Carta de
Comunicado/
Informação
Geral
Carta dirigida aos fazendeiros e
possuidores de escravos,
informando que o salteador Bento
Sapo nunca pagou os impostos
relativos aos seus cortiços.
Conclama o inspetor da tesouraria
respectiva a fazê-lo pagar sua
dívida.
-
55.
Correio
Paulistano
20/09/1887
Tema de
Interesse
Público
Carta de
Comunicado/
Informação
Geral
Leitor sugere a construção de um
ligeiro coberto no antigo Beco das
Minas, que sirva para os
quitandeiros, no lugar da
construção de um mercado de
verduras.
-
56.
Correio
Paulistano
22/10/1887
Tema de
Interesse
Público
Carta de
Reclamação
Leitor escreve para reclamar da
conduta do professor de seus
filhos, que os obriga a carregar
água para sua casa.
-
57.
Correio
Paulistano
06/11/1887
Tema de
Interesse
Público
Carta de
Reclamação
Leitor escreve para reclamar das
injúrias e calúnias feitas ao Doutor
Mello de Oliveira, por ocasião da
morte do Doutor Villaça.
-
58.
Correio
Paulistano
23/07/1893
Tema de
Interesse
Público
Carta de Crítica
Leitor escreve criticando a conduta
de um importante negociante
atacadista da praça – o Senhor
José de Sousa Macedo, que deixou
de devolver-lhe determinada
quantia em relação a um negócio
já desfeito.
-
59.
Correio
Paulistano
08/07/1893
Tema de
Interesse
Público
Carta de Crítica
Leitor escreve sobre a nomeação
de um monge para um cargo que
nunca ocupou e sugere que o
mesmo seja demitido por
abandono. Diz que Sorocamirim
não tem instrução pública por
causa deste fato.
-
60.
Correio
Paulistano
22/07/1893
Tema de
Interesse
Público
Carta de
Comunicado/
Informação
Geral
Carta sobre um homem que já foi
juiz e pretende, havendo mudança
na sua situação, ser nomeado juiz
de direito de uma Comarca
vizinha. Leitor o descreve e pede à
população que adivinhe o seu
nome.
-
61.
Cidade de
Santos
23/09/1899
Tema Pessoal
Carta de
Comunicado/
Informação
Geral
Leitor explica para a população
que atirou em Alfredo Raul porque
o mesmo havia seduzido sua
mulher, que sustentava o amante.
-
62.
Cidade de
Santos
31/08/1899
Tema
Trabalhista
Carta de Crítica
Leitor diz que só pagará a Chico
Salles os dias que lhe deve se o
mesmo vier às colunas do jornal
explicar o motivo pelo qual ainda
não tinha sido embolsado.
Tu e formas
relacionadas
Formas de 3ª pessoa
gramatical
Quadro 4 - As cartas de leitores nos jornais oitocentistas do estado de São Paulo.
BARCIA, Lucia Rosado. As Formas de Tratamento em Cartas de Leitores
Oitocentistas: peculiaridades do gênero e reflexos da mudança pronominal. Dissertação
de Mestrado em Língua Portuguesa – Curso de Pós-Graduação em Letras Vernáculas,
Rio de Janeiro: UFRJ, Faculdade de Letras, 2006, 142 fl. Mimeo.
RESUMO
A discussão sobre a inserção de você no sistema pronominal da língua
portuguesa tem suscitado diversos estudos lingüísticos que versam sobre o percurso
histórico de Vossa Mercê > você. O interesse pelo tema justifica-se pela necessidade de
descrever as causas das mudanças ocorridas no sistema pronominal brasileiro,
identificando os fatores lingüísticos e extralingüísticos que contribuíram para acelerar o
processo de gramaticalização de Vossa Mercê > você.
Com base em uma amostra composta por cartas de leitores de jornais
oitocentistas brasileiros, procede-se à descrição e análise das formas nominais e
pronominais de tratamento encontradas. Em seguida, investigam-se os fatores que
condicionam a freqüência de uso das formas nominais e pronominais nesse tipo de
texto. Finalmente, identifica-se o estágio da pronominalização assumido por Vossa
Mercê > você no português dos oitocentos.
Predominam, na amostra, as cartas transacionais e, em relação ao destinatário,
as dirigidas ao
redator. Dentre as estratégias de tratamento em competição, Vossa
Excelência e Vossa Senhoria são as que mais preservam o caráter cerimonioso com que
foram concebidas. A forma desenvolvida Vossa Mercê ainda não havia sofrido por
completo o processo de desbotamento semântico, conservando, em menor grau, o
aspecto de reverência e cortesia. No que se refere à gramaticalização de Vossa Mercê >
você, constata-se que a forma você já estava adquirindo status de pronome de 2ª pessoa,
passando a ocorrer nos mesmos contextos favorecedores de tu.
BARCIA, Lucia Rosado. As Formas de Tratamento em Cartas de Leitores
Oitocentistas: peculiaridades do gênero e reflexos da mudança pronominal. Master’s
Dissertation in the Portuguese Language – Curso de Pós-Graduação em Letras
Vernáculas, Rio de Janeiro: UFRJ, Faculdade de Letras, 2006, 142 p. Mimeo.
ABSTRACT
The discussion on the insertion of você (you) into the Portuguese pronominal
system has sparked linguistic studies concerning the historical trajectory of Vossa
Mercê > você (you). The interest for the subject is justified, therefore, by the urgency to
describe the causes of the changes that have occurred in the Brazilian pronominal
system, identifying the linguistic and extra linguistic factors that have contributed to
accelerate the process of the grammaticalization of Vossa Mercê > você (you).
Based on a corpus consisting of readers’ letters, published in Brazilian
newspapers from the eighteenth century, we describe and analyze the nominal and
pronominal address terms identified in the letters. Then, we investigate the factors that
condition the frequency of the addressing terms in this type of text. Finally, we try to
specify the stage of the pronominalization of Vossa Mercê > você (you) in the
Portuguese of the eighteenth century.
The business letters are predominant in the corpus. Concerning the addressees,
the letters addressed to the editor prevail. Among the addressing terms registered, Vossa
Excelência (Your Honor) and Vossa Senhoria preserve the courteous and formal way of
treatment. The original form Vossa Mercê has not lost its aspect of reverence in a
complete way. Regarding the grammaticalization of Vossa Mercê > você (you), it is
possible to assure that você was acquiring pronominal features, appearing in the same
contexts of tu – the second person of the discourse.
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