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ABRAM SEUS LIVROS...
O DISCURSO SOBRE DIFERENÇA
NOS LIVROS DIDÁTICOS
Juiz de Fora
2006
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Fernanda Dias de Oliveira
ABRAM SEUS LIVROS...
O DISCURSO SOBRE DIFERENÇA
NOS LIVROS DIDÁTICOS
Orientadora: Profª. Drª. Luciana Pacheco Marques
Juiz de Fora
2006
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Vó Glória.
Vô Onofre...
“Uma pessoa plural, dessas que
trazem na alma e no coração o
sentimento e a generosidade do
ser coletivo” (ARMEDEIROS,
2004, p. 4).
AGRADECIMENTOS
A caminhada foi longa... E muitas pessoas merecem um “muito obrigada”, pois
cada uma delas contribuiu de alguma forma para que eu chegasse aqui.
Quero agradecer a todas as pessoas que estiveram comigo na construção
deste trabalho, muitas delas até mesmo sem saber o quanto se fizeram
presentes nele. E se estão presentes neste trabalho é porque o fizeram
também na minha vida.
Agradeço a Deus por todas as oportunidades de vida.
Aos meus PAIS que, incondicionalmente exatamente esta a palavra a ser
empregada aqui), me encorajam a continuar sempre...
A Carlinha e a Luciane por todas as tentativas de me mostrar quanto poética
pode ser a Ciência, ou quanto científica pode ser uma poesia.
A Bianca por toda disponibilidade em me ouvir.
A minha orientadora Luciana, com quem vivo alguns anos um recíproco
processo de “adoção”. Obrigada, Lu, pela paciência de mãe!
Aos membros efetivos e suplentes da Banca Examinadora pela contribuição
com o trabalho: os Professores Reinaldo Matias Fleuri e Jader Janer Moreira
Lopes, as Professoras Léa Stahlschmidt Pinto Silva e Déa Lúcia Campos
Pernambuco.
RESUMO
Sabendo dos diferentes sentidos dados à diferença na história da humanidade,
a proposta deste trabalho é compreender como os mesmos são veiculados
pelo/no livro didático, uma vez que a discussão desse tema nos livros se insere
na discussão da formação de uma sociedade inclusiva. Para tal utilizei a
Análise de Discurso, em sua perspectiva francesa. O corpus discursivo é
constituído por estudos teóricos sobre diferença e livro didático, por 2 coleções
de livros didáticos de Língua Portuguesa de à 4ª série do ensino
fundamental, distribuídos nas escolas da Rede Municipal de Juiz de Fora e
recomendados pelo Programa Nacional do Livro Didático e de entrevistas com
as autoras destas coleções. Ao refletir sobre o tratamento dado à diferença por
este instrumento pedagógico pude identificar que as duas coleções se
posicionam em relação à diferença nos pressupostos da Modernidade,
buscando em alguns momentos um deslocamento discursivo para os princípios
que fundamentam a Atualidade.
Palavras-chave: Educação Especial; Diferença; Livro Didático
ABSTRACT
Being aware of the different meanings given to difference in human history, the
purpose of this study is to understand how these meanings are conveyed in/by
the didactic book, once the discussion of this theme in books is included in the
discussion of the formation of an inclusive society. The Discourse Analysis, in
its French approach, was used to serve this purpose. The corpus discursivo is
comprised of theoretical studies about difference and the didactic book as well
as of 2 series of Portuguese Language didactic books, Grades 1 to 4,
distributed in the schools of the Juiz de Fora Municipal School System and
recommended by the National Program for the Didactic Book, and of interviews
with the authors of these books. I reflected on the approach given to difference
by this pedagogical instrument which allowed for the identification that both
series of books share an attitude based on the conjectures of Modernity in
relation to difference, seeking to achieve, at times, a discourse displacement
towards the principles which support Actuality.
Key-words: Special Education; Difference; Didactic Book
SUMÁRIO
LISTA DE FIGURAS 8
LISTA DE ANEXOS 10
1 O DELINEAR DOS PONTOS 11
2
A ANÁLISE DE DISCURSO: UMA FORMA DE OLHAR 17
3 O LIVRO DIDÁTICO: EM SUAS ENTRELINHAS 25
4 OS CAMINHOS DA DIFERENÇA 39
5 OS SENTIDOS SOBRE DIFERENÇA 57
6 ABRAM SEUS LIVROS... 95
7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 99
8 ANEXOS 106
LISTA DE FIGURAS
Figura 1: Português – uma proposta para o letramento, v. 1, p. 10 61
Figura 2: Português – uma proposta para o letramento, v. 1, p. 14 62
Figura 3: Português – uma proposta para o letramento, v. 1, p. 14 62
Figura 4: Português – uma proposta para o letramento, v. 1, p. 14 62
Figura 5: Construindo a escrita, v. 2, p. 119 64
Figura 6: Português – uma proposta para o letramento, v. 1, p. 21 64
Figura 7: Português – uma proposta para o letramento, v. 1, p. 18 65
Figura 8: Português – uma proposta para o letramento, v. 1, p. 18 66
Figura 9: Construindo a escrita, v. 2, p. 234 67
Figura 10: Construindo a escrita, v. 2, p. 139 68
Figura 11: Construindo a escrita, v. 2, p. 165 69
Figura 12: Construindo a escrita, v. 2, p. 177 70
Figura 13: Construindo a escrita, v. 4, p. 129 70
Figura 14: Construindo a escrita, v. 2, p. 150 71
Figura 15: Português – uma proposta para o letramento, v. 2, p. 94 74
Figura 16: Português – uma proposta para o letramento, v. 2, p. 102 75
Figura 17: Português – uma proposta para o letramento, v. 2, p. 103 76
Figura 18: Português – uma proposta para o letramento, v. 3, p. 42 78
Figura 19: Português – uma proposta para o letramento, v. 3, p. 43 78
Figura 20: Português – uma proposta para o letramento, v. 3, p. 42 78
Figura 21: Construindo a escrita, v. 1, p. 10 80
Figura 22: Construindo a escrita, v. 1, p. 31 80
Figura 23: Português – uma proposta para o letramento, v. 1, p. 152 81
Figura 24: Português – uma proposta para o letramento, v. 1, p. 152 81
Figura 25: Português – uma proposta para o letramento, v. 1, p. 153 81
Figura 26: Construindo a escrita, v. 2, p. 16 84
Figura 27: Construindo a escrita, v. 3, p. 113 84
Figura 28: Construindo a escrita, v. 1, p. 96 84
Figura 29: Construindo a escrita, v. 3, p. 189 85
Figura 30: Construindo a escrita, v. 3, p. 190 85
Figura 31: Português – uma proposta para o letramento, v. 2, p. 171 86
Figura 32: Português – uma proposta para o letramento, v. 2, p. 171 86
Figura 33: Português – uma proposta para o letramento, v. 2, p. 171 86
Figura 34: Português – uma proposta para o letramento, v. 2, p. 172 86
Figura 35: Português – uma proposta para o letramento, v. 2, p. 172 86
Figura: 36: Construindo a escrita, v. 2, p. 59 88
Figura 37: Construindo a escrita, v. 2, p. 145 88
Figura 38: Construindo a escrita, v. 3, p. 148. 89
Figura 39: Construindo a escrita, v. 1, p. 32 91
Figura 40: Construindo a escrita, v. 1, p. 33 91
LISTA DE ANEXOS
ANEXO A - Consentimento informado 105
ANEXO B - Termo de compromisso 106
1 O DELINEAR DOS PONTOS
Aluna do Curso de Pedagogia da Universidade Federal de Juiz de
Fora MG, questionava-me sobre a dificuldade encontrada por nossas escolas
em compreender justamente o que a constitui: a diversidade de seus alunos e
alunas. Diferenças que não os tornam melhores ou piores, apenas os
caracterizam enquanto pessoas.
Na busca de compreender este processo, conheci o trabalho
desenvolvido na Faculdade de Educação pelo Núcleo de Educação Especial.
Percebi que compartilhava do mesmo pensamento daquele grupo e, a partir de
então, parte de minha vida acadêmica foi dedicada aos estudos relacionados
ao processo de educação das pessoas com deficiência dentro do paradigma da
inclusão.
Tive a oportunidade de estar envolvida em pesquisas que
objetivavam compreender os múltiplos sentidos veiculados sobre o processo de
inclusão. Trabalhamos, inicialmente, com a análise de livros, artigos de
revistas, matérias de jornais, dissertações de mestrado e teses de doutorado
dos Programas de Pós-Graduação em Educação que tinham dentro de suas
linhas de pesquisa a discussão sobre a educação das pessoas com deficiência.
Posteriormente, em nova etapa de pesquisa, voltamos nossa análise para os
cursos de formação dos profissionais da Educação, especificamente os cursos
de Pedagogia das Instituições Federais de Ensino Superior de Minas Gerais.
Estas pesquisas me permitiram conhecer os diversos sentidos
sobre o processo de inclusão e ligado a ele as concepções da sociedade sobre
diferença na Atualidade. Quando me refiro à Atualidade em conformidade com
C. Marques (2001), busco caracterizar o período que vivemos e que envolve
uma diferente modulação dos conceitos estabelecidos na Modernidade, alguns
optam por chamar este período de Pós-Modernidade (Santos, 2002; Hall,
2005). A Atualidade é o momento de revisão de concepções, estamos saindo
do processo em que o homem deveria se encaixar nos ideais formulados pela
ciência e avançar para um olhar mais humanístico do saber científico.
Considerando a amplitude da diversidade humana, entendo que o
processo de inclusão se estende a todos os grupos que a compõe. Desta
forma, no estudo aqui desenvolvido, busco compreender não apenas o
tratamento dado a um grupo específico, mas a todos aqueles que, de alguma
forma, se encontram marcados pela diferença e que, na verdade, representam
nada mais que a diversidade de ser humano.
Pelos fatos estudados foi possível perceber que as concepções
que se formam sobre uma determinada característica que possa marcar o outro
como diferente recebe a contribuição de uma série de elementos presentes nas
várias instituições que compõem a organização de nossa sociedade, dentre
elas a escola.
De acordo Marques e Marques (2003), como parte constitutiva do
todo social, a escola reflete os desdobramentos de todas as mudanças
ocorridas nas concepções de vida da sociedade na qual está inserida,
transformando-se não apenas internamente, como também promovendo
mudanças na realidade extra-escolar.
Logo, para a efetivação de uma sociedade inclusiva, é preciso
que ocorram mudanças estruturais na escola, de seus aspectos físicos à sua
prática pedagógica.
O paradigma da inclusão defende uma sociedade mais justa, livre
de práticas discriminatórias e segregacionistas, contudo, enquanto se propagar
a diferença como algo que desqualifica, inferioriza, não se poderá concretizar
uma sociedade inclusiva.
Discute-se inclusão, discute-se o respeito a todas as formas de
existência humana independente de sua origem, gênero, etnia, idade ou
religião, mas é perceptível a dificuldade que enfrenta a sociedade em lidar com
o diferente, com aquilo que se desvia dos padrões de normalidade
estabelecidos por ela.
Cada sociedade elege os atributos ou condições que configuram
um modelo do que deva ser considerado normal ou ideal. Essa concepção, do
tipo ideal e todos os valores, e até mesmo preconceitos, instituídos em
determinado contexto histórico, em determinada cultura são, ideologicamente,
difundidos.
De acordo com Amaral (1995, p. 137), devemos atentar para a
exploração de elementos culturais que de alguma forma contribuem para
formação das representações sobre a deficiência e, porque não dizer, sobre
gênero, etnia, sexualidade etc, principalmente no imaginário infantil, pois
Na relação adulto-criança cabe ao primeiro a responsabilidade
pela ótica da mensagem a ser transmitida, uma vez que em
suas mãos repousa o poder decisório último. É portanto ao
adulto que compete começar a alterar o rumo da história, no
que concerne a construção social da diferença/deficiência.
Alterar o rumo de uma história entranhada nos produtos
culturais, que secularmente nos remetem a uma visão
estereotipada e estigmatizante das diferenças.
Entendo como relevante que a escola reveja seu papel e o
conhecimento por ela “ofertado” para não se tornar ou não permanecer como
elemento cultural de inculcação e propagação de preconceitos.
Observando o contexto de nossas escolas, é possível identificar a
presença marcante do livro didático no cotidiano escolar como um dos
principais, se não o principal, instrumento manuseado por alunos e alunas,
professores e professoras, sendo seu conteúdo ideológico absorvido pelos
mesmos.
Inúmeros são os recursos e possibilidades didáticas a que hoje a
escola pode ter acesso, oportunizados pelos avanços das teorias e práticas de
ensino-aprendizagem, mas fato é que o livro mantém lugar de destaque dentre
os demais recursos auxiliares da educação, subsidiado, inclusive, por um
programa governamental, o Programa Nacional do Livro Didático (PNLD).
Assim sendo, percebo a importância da análise dos livros
didáticos que, em seu aspecto político e cultural, reproduzem e representam os
valores da sociedade em relação a sua visão de mundo.
No livro intitulado O livro didático em questão, Freitag et al (1989)
trazem o estado da arte do livro didático no Brasil, discutindo o tema sob seus
aspectos histórico, político, econômico e no que se refere ao conteúdo dos
mesmos. Neste estudo, os autores perceberam que, tratando-se dos aspectos
político, econômico e histórico, poucos são os estudos ahoje realizados. O
destaque maior fica para os estudos voltados à análise dos conteúdos com
variadas ênfases. Nessa dimensão os trabalhos puderam ser divididos em dois
grupos: os preocupados em analisar a fundamentação pedagógica, psicológica,
lingüística e semiológica dos textos e os preocupados em revelar os valores,
preconceitos e concepções ideológicas contidas nos livros. No primeiro grupo,
incluíram os interessados em uma melhor conceituação didática dos livros-
texto, da reflexão sobre a metodologia de ensino e teorias de aprendizagem
constantes nos livros, sua fundamentação teórica e filosófica; no segundo
grupo, as análises dedicadas às áreas específicas do saber (Biologia, Física,
Matemática, Português etc.) visavam à denúncia do tratamento ideológico dos
problemas bem como a certos temas específicos.
O foco de estudo desta pesquisa se relaciona à segunda
categoria descrita visto que meu objetivo é o estudo dos discursos sobre
diferença veiculados no/pelo livro didático.
Realizando um levantamento sobre trabalhos que tivessem como
enfoque a preocupação com o tratamento dado à questão da diferença,
encontrei trabalhos que analisam o cunho ideológico com que são tratadas
temáticas específicas como: família, gênero, índio, idosos, negros.
Amaral (2001) analisou as concepções, valores e práticas sobre
família transmitidos pelos livros de Estudos Sociais da 1ª série do Ensino
Fundamental e percebeu que a maior parte dos livros analisados ainda
apresentava o modelo por ela chamado de conjugal, como referência para a
constituição familiar. Quando apresentadas novas formas de organização
familiar, estas eram feitas sem discussões ou explicações.
A representação da mulher nos livros didáticos foi questão de
estudo de Pinto (2001). A autora percebeu que o predomínio de uma
historiografia tradicional que prioriza fatos no lugar de sujeitos, aliado a valores
culturais que limitam o papel da mulher como mãe e esposa, determinam um
esvaziamento do seu papel na história.
Oliveira (2001) estudou as representações da identidade indígena
em livros didáticos de Ciência e revistas. Em suas análises, constatou ênfase
na representação do índio em comunhão com a natureza, como protetor deste
ambiente e, por isso, um selvagem, encontrando-se ainda restrita ou até
mesmo ausente outras representações como, por exemplo, aquelas que se
remeteriam ao índio na cidade ou como latifundiário.
Silveira (2001) analisou as mensagens sobre as pessoas idosas e
a respeito do envelhecimento contidas nos textos e ilustrações dos livros
didáticos de Estudos Sociais, História, Geografia e Ciências das e 5ª séries,
concluindo, ao final de sua pesquisa, que os livros analisados apresentavam
estereótipos em relação às pessoas idosas, ao envelhecimento.
Investigando sobre a representação do negro nos livros didáticos
do ensino fundamental, o trabalho de Silva (2001) apresenta a existência de
transformações na representação social do negro. Segundo a autora, embora
tenha sido possível perceber uma mudança nesta representação pela
observação da não estigmatização das funções e papéis do negro, estes
continuam representados como minoria.
Pires (2002) discutiu, a partir das imagens dos livros didáticos de
Língua Portuguesa da série do Ensino Fundamental, as representações de
gênero. A autora entendeu que a escola deve trazer questionamentos às
certezas relacionadas a convenções sociais e culturais referentes à questão de
gênero. Os resultados de sua pesquisa constataram a estereotipação nas
imagens de homem e mulher presentes nos livros.
Estes trabalhos me permitiram ver o quanto ampla se faz a
discussão sobre o processo de inclusão de grupos marginalizados
historicamente e sobre a diversidade humana na Atualidade.
Sabendo do divergente tratamento dado àquelas pessoas que, no
decorrer da história da humanidade, foram categorizados como diferentes, a
proposta deste trabalho foi compreender os sentidos sobre diferença
veiculados pelo livro didático uma vez que a discussão desse tema nos livros
se insere na discussão da formação de uma sociedade inclusiva.
Questionei então: quais as concepções sobre diferença expressas
pelos livros didáticos? Será que estes livros acompanham as modificações
sociais que expressam o reconhecimento da diversidade humana ou
prosseguem conservando um modelo ideal de ser humano, historicamente,
construído, estigmatizando as diferenças?
Sem a intenção de classificar os livros analisados, estarei
refletindo sobre o tratamento, atualmente, dado à diferença para que não sejam
legitimadas, por este instrumento pedagógico, atitudes preconceituosas em
relação a qualquer categoria social.
Este estudo que teve sua introdução no presente capítulo traz
ainda um capítulo referente à modalidade de pesquisa utilizada no qual
explicito os fundamentos da Análise de Discurso (AD) e o corpus discursivo;
um seguinte que traz o histórico do livro didático desde as primeiras legislações
a ele direcionadas ao Programa mais atual, o PNLD; outro capítulo em que
apresento a constituição da diferença e o tratamento que lhe foi e é dispensado
ao longo da história; um capítulo de análise do corpus discursivo e, por fim,
algumas considerações.
2 A ANÁLISE DE DISCURSO: uma forma de olhar
Saber que não neutralidade
nem mesmo no uso mais cotidiano
dos signos. (...) Isso, que é
contribuição da análise de
discurso, nos coloca em estado de
reflexão e, sem cairmos na ilusão
de sermos conscientes de tudo,
permite-nos ao menos sermos
capazes de uma relação menos
ingênua com a linguagem
(ORLANDI, 2000, p. 9).
Como modalidade de pesquisa utilizei a Análise de Discurso (AD),
tendo como referência o trabalho de Orlandi que se pauta na perspectiva da
Escola Francesa de AD.
Iniciada na década de 1970, com Michel Pêcheux, esta
perspectiva se constitui na confluência de três áreas de conhecimento a
Lingüística, o Marxismo e a Psicanálise.
De acordo com Orlandi (2000, p. 20),
As noções de sujeito e de linguagem que estão na base das
Ciências Humanas e Sociais no século XIX não têm
atualidade após a contribuição da Lingüística e da Psicanálise.
Por outro lado, tampouco a noção de língua (como sistema
abstrato) pode ser a mesma com a contribuição do Materialismo.
Sendo assim, a AD relaciona os saberes de cada uma destas
disciplinas, compondo uma nova forma de conhecimento. Trabalha a
exterioridade, o objeto das Ciências Sociais negligenciado pela Lingüística; a
linguagem, objeto da lingüística negligenciado pelas ciências sociais; e se
demarca pela Psicanálise pelo modo como, considerando a historicidade,
trabalha a ideologia materialmente relacionada ao inconsciente sem ser
absorvida por ele.
A AD tem como objeto de estudo o discurso e como unidade de
análise, o texto. O discurso, segundo Orlandi (2000, p. 17), é “o lugar em que
se pode observar a relação entre língua e ideologia, compreendendo-se como
a língua produz sentidos por/para sujeitos. ”A produção do discurso, para a AD,
se faz na articulação de dois grandes processos, o parafrásico e o polissêmico,
como forças que, continuamente, trabalham o dizer. Na polissemia temos o
deslocamento, ruptura de processos de significação, enquanto que na
paráfrase em todo dizer sempre algo que se mantém, produzem-se
diferentes formulações do mesmo dizer sedimentado. Para Orlandi (2000,
p.36), “se toda vez que falamos, ao tomar a palavra, produzimos uma mexida
na rede de filiação dos sentidos, no entanto, falamos com palavras ditas”. É
nesse jogo, entre o mesmo e o diferente, que os sentidos se movimentam.
Esse movimento possível de sentidos e sujeitos é condição da incompletude da
linguagem: nem sujeitos, nem sentidos e nem discurso são acabados e
prontos. O texto é heterogêneo: quanto à natureza dos diferentes materiais
simbólicos (imagem, som, grafia etc.), quanto à natureza das linguagens
(escrita, oral, literária etc). Num mesmo texto podemos encontrar várias
formações discursivas que se organizam em uma função dominante, contudo,
em seu trabalho, o analista falará sobre o discurso. É sua função observar as
condições de produção de um texto e remetê-lo a uma formação discursiva
para compreender o sentido do que então se pretende dizer.
Conforme Orlandi (1993, p. 58), “a formação discursiva se define
como aquilo que numa formação ideológica dada (isto é, a partir de uma
posição dada em uma conjuntura sócio-histórica dada) determina o que pode e
o que deve ser dito”. As formações ideológicas se referem ao conjunto de
atitudes e representações das posições de classes em conflito umas com as
outras, nas quais o sujeito se apropria da linguagem.
Nesta perspectiva, a linguagem não é pensada como mera
transmissão de informação. Há um processo complexo de constituição de
sujeitos e sentidos afetados pela língua e pela história. A linguagem não é
transparente e os sentidos não estão restritos às palavras. Linguagem e
ideologia se articulam produzindo sentidos.
O objetivo da AD é compreender como um objeto simbólico
produz sentidos, como ele está investido de significância.
Compreender é procurar a explicitação dos processos de
significação presentes no texto, o que permite que se possam escutar outros
sentidos, compreendendo como eles se constituem. A compreensão dos
sentidos, pressupõe novas práticas de leitura. Orlandi (2000, p. 30) diz que:
Os dizeres não são como dissemos, apenas mensagens a
serem decodificadas. São efeitos de sentidos que são
produzidos em condições determinadas e que estão de alguma
forma presentes no modo como se diz, deixando vestígios que
o analista de discurso tem de apreender. São pistas que ele
aprende a seguir para compreender os sentidos aí produzidos,
pondo em relação o dizer com sua exterioridade, suas
condições de produção. Esses sentidos têm a ver com o que é
dito ali mas também em outros lugares, assim como com o que
não é dito, e com o que poderia ser dito e não foi.
Formulado sob certas condições de produção, o discurso
determina um certo processo de significações. A AD compreende como
condições de produção os interlocutores, a situação, o contexto histórico-social
e ideológico.
A memória também faz parte da produção de sentidos e possui
características espeficas, sendo tratada pela AD como interdiscurso. Para
Orlandi (2000, p. 33) “o interdiscurso é todo o conjunto de formulações feitas e
já esquecidas que determinam o que dizemos”.
Desta forma, a AD trabalha o descentramento do sujeito como
origem: o que dizemos não é nosso. O que dizemos significa pela língua e
pela história. Existe um já-dito que sustenta a possibilidade de todo o dizer e é
fundamental para se compreender o funcionamento do discurso, a sua relação
com os sujeitos e com a ideologia. “O sujeito diz, pensa que sabe o que diz,
mas não tem acesso ou controle sobre o modo pelo qual os sentidos se
constituem nele” (ORLANDI, 2000, p. 32). Ao conceber a língua como um
processo histórico-social, sujeito e sentidos são parte deste processo. Assim,
considera o sujeito também como um lugar de significação historicamente
construído e afetado pela ideologia.
Apresentado por diferentes e significativas teorias, o termo
ideologia possui variadas conceituações. De acordo com Brandão (2000),
existem dois pólos de entendimento e compreensão sobre o termo.
O primeiro, ligado à tradição marxista, entende ideologia como um
mecanismo que leva ao escamoteamento da realidade social, apagando as
contradições, visando legitimar o poder de classe ou grupo social dominante.
Para a teoria marxista, a ideologia é um sistema de idéias e representações
que domina a mente de um homem ou de um grupo social. Ele identifica
ideologia a partir da separação entre campo das idéias e as condições sociais
e históricas em que são produzidas estas idéias. Esta separação entre trabalho
intelectual e trabalho material faz com que o trabalho intelectual prevaleça
sobre o material, passando a ser a expressão das idéias da classe dominante.
A classe que domina a força material também dominaria a força espiritual, seus
membros dominariam também como pensadores e produtores de idéias. A
concepção de ideologia de Marx é fundamentada por sua teoria de crítica ao
sistema capitalista e oposição à dominação burguesa. Ele se refere, então, à
existência de uma ideologia: a ideologia dominante burguesa.
O segundo pólo trabalha uma noção mais ampla de ideologia,
enquanto a entende como uma concepção de mundo de uma determinada
sociedade num determinado momento histórico, com seus fundamentos em
Althusser e Pêcheux, este último precursor da AD.
Segundo Althusser (1996), a ideologia não é imposta à sociedade
de forma regular e homogênea como algo preexistente à luta de classes, como
também não é preexistente em instituições específicas de tal forma que a luta
entre elas resultaria na vitória e imposição da ideologia da classe mais forte.
Ela se realiza, é realizada e se torna dominante através dos Aparelhos
Ideológicos de Estado. Aquele autor definiu Aparelhos Ideológicos de Estado
como “um certo número de realidades que se apresentam ao observador
imediato sob a forma de instituições distintas e especializadas”, a considerar as
instituições religiosa, escolar, familiar, jurídica, política, sindical, da informação
e cultural (ALTHUSSER, 1996, p. 114).
A partir das fundamentações de Althusser, Pêcheux (1996)
identificou que a instância ideológica, em sua materialidade, existe sob a forma
de “formações ideológicas”. Estas, por sua vez, apresentam “objetos”
ideológicos e seu “modo de usar”, entendido aqui como seu “sentido”, sua
orientação, ou seja, os interesses da classe a que servem. Entendida desta
forma, a ideologia não seria considerada meramente como o mascaramento da
realidade, mas um conjunto de idéias interpretáveis e materializadas na/pela
linguagem no interior das relações sociais.
Na opinião de Orlandi (1996, p. 31), a ideologia é vista pela AD
como “interpretação de sentido em certa direção, direção determinada pela
relação da linguagem com a história em seus mecanismos imaginários.”
Pelos fundamentos da AD, diante de qualquer objeto simbólico
somos instados a interpretar. A interpretação, na perspectiva discursiva de
Orlandi, não é atribuição de sentidos, é expor-se à opacidade do texto,
explicitando o modo como um objeto simbólico produz sentidos, o que resulta
em saber que o sentido sempre pode ser outro. E é a ideologia que naturaliza o
que é produzido pela história, que sustenta o já dito admitido como “natural”.
Desta forma, na AD, o sentido não existe em si, mas é
determinado pelas posições ideológicas colocadas em jogo no processo sócio-
histórico em que as palavras são produzidas e no qual o sujeito está inserido.
Na AD deparamos com a importância de considerar o não-dito.
Na perspectiva de Orlandi (2000), sempre no dizer um não-dizer, ou seja,
um implícito. A existência de uma formação discursiva pressupõe a existência
de outra e o que foi dito tem efeito sobre o dizer que se atualiza em uma
outra formulação.
Além do não-dito, considerado como o que está implícito, a AD
francesa inaugura outra forma de trabalhar o não dizer: o silêncio.
Em nosso contexto histórico-social, um homem em silêncio é um
homem sem sentido, entretanto, para a AD o silêncio toma outra dimensão.
Para Orlandi (1993), o silêncio não fala, ele significa. Ele não está visível, nem
diretamente observável, ele passa pelas palavras.
Nesta perspectiva, existem diferentes maneiras de o silêncio
significar no discurso: o silêncio fundador, aquele presente nas palavras que
representa o recuo para que outras coisas sejam ditas; o silêncio constitutivo,
pois uma palavra apaga outras palavras, isto é, para dizer, é preciso não-dizer;
e o silêncio local que é a censura, aquilo que é proibido dizer em uma
conjuntura. Não se pode compreender o funcionamento da linguagem sem
compreender a possibilidade do silêncio nos processos de significação.
Orlandi (1987) propõe uma tipologia do discurso, sendo os tipos
cristalizações de funcionamentos discursivos distintos, tendo como critérios
para seu estabelecimento as características de interação e polissemia, ou seja,
o modo como os interlocutores consideram, o grau de reversibilidade existente
entre o locutor e o ouvinte e a forma de relação com o objeto do discurso, o
maior ou menor grau de polissemia dessa relação.
Distingue, assim, o discurso lúdico, o polêmico e o autoritário. No
discurso lúdico existe uma total reversibilidade entre os interlocutores,
permanecendo como tal o objeto do discurso, caracterizando uma polissemia
aberta. No discurso polêmico a reversibilidade se sob certas condições e o
objeto do discurso se constitui em uma polissemia controlada. no discurso
autoritário não reversibilidade, o dizer oculta o objeto do discurso, a
polissemia é contida.
Acerca do discurso pedagógico (DP), Orlandi (1987) caracteriza-o
como um discurso autoritário. No discurso pedagógico a questão deveria estar
centrada no objeto do discurso, aquilo que se deve saber, no entanto, enfatiza-
se quem ensina, o poder do professor. Dizer e saber se equivalem. E a escola
é a sede desse discurso, que, em sua função de transmissão da informação
acumulada, dissocia o cultural do social, instalando uma circularidade.
Orlandi (1987, p. 28) diz sobre o discurso pedagógico:
Eu o tenho definido como um discurso circular, isto é, um dizer
institucionalizado, sobre as coisas, que se garante, garantindo
a instituição em que se origina e para a qual tende: a escola. O
fato de estar vinculado à escola, a uma instituição, portanto, faz
do DP aquilo que ele é, e o mostra (revela) em sua função.
Conclui-se, assim, que é falsa a neutralidade pretendida pelo
discurso pedagógico. Ele utiliza uma linguagem que dilui seu objeto, sendo as
definições rígidas, as questões propostas na formulação é-porque-é.
Partindo destas considerações sobre o DP, remetemo-nos ao
controle na produção do discurso mencionado por Foucault (2004, p. 8) quando
nos fala que, supostamente,
em toda sociedade a produção do discurso é ao mesmo tempo
controlada, selecionada, organizada e redistribuída por certo
número de procedimentos que têm por função conjurar seus
poderes e perigos, dominar seu acontecimento aleatório,
esquivar sua pesada e temível materialidade.
Segundo o citado autor, para este controle a sociedade articula
certos procedimentos de exclusão que se apóiam sobre um suporte
institucional, reforçados e reconduzidos por todo um conjunto de práticas,
dentre as quais cita a pedagogia, o sistema de livros, da edição, das bibliotecas
etc., relacionadas diretamente à vontade de verdade, mecanismo de
delimitação de discurso que podemos enxergar na instituição escolar.
Deslocar este sentido autoritário estabelecido no DP implica em
questionar sua homogeneidade, sua neutralidade, pois que atinge seus efeitos
de sentido.
Sob estas considerações entendo que analisar o discurso sobre
diferença veiculados pelos livros didáticos é uma forma de compreensão dos
possíveis deslocamentos de sentidos e uma forma de questionamento ao DP
autoritário e homogeneizante.
Para selecionar os livros didáticos a serem analisados, utilizei
alguns critérios.
Busquei nas editoras vinculadas ao Programa Nacional do Livro
Didático (PNLD) os nomes dos livros de Língua Portuguesa que foram
distribuídos para a Rede Municipal de Educação de Juiz de Fora no ano de
2004. A opção pelos livros de Língua Portuguesa se deu pela possibilidade de
uma maior abrangência de temas por esta disciplina.
Estabeleci que seriam os livros do PNLD que estivessem
classificados como RD (Recomendadas com Distinção) pelo Guia de Livros
Didáticos por serem estes, segundo o Ministério da Educação, “obras com
qualidades inequívocas e bastante próximas do ideal representado pelos
princípios e critérios” definidos pelo governo (BRASIL/MEC, 2003).
Defini, então, 2 coleções de livros didáticos de Língua Portuguesa
da a 4ª série do Ensino Fundamental, distribuídos nas escolas da Rede
Municipal de Juiz de Fora e recomendados com distinção pelo PNLD. São elas:
Construindo a Escrita textos, gramática e ortografia, de Carmen Silvia C. T.
Carvalho et al, Editora Ática e Português uma proposta para o letramento, da
autora Magda Soares, Editora Moderna.
Nosso corpus discursivo foi constituído, então, pelas duas
coleções acima citadas, por uma entrevista realizada com as autoras dos livros,
pelos estudos teóricos sobre diferença, como também pelos estudos sobre livro
didático.
3 O LIVRO DIDÁTICO: em suas entrelinhas
Uma vez que são os livros
didáticos que estabelecem grande
parte das condições materiais
para o ensino e a aprendizagem
nas salas de aula (...) será por
aqui que devemos começar
(APLLE, 1995, p. 81-82).
O livro didático é um dos mais antigos recursos para o ensino e a
aprendizagem e mantém-se ainda hoje como um dos principais, se não o
principal veiculador de conhecimentos sistematizados. Entendo assim, o livro
didático como um instrumento a serviço de um processo de formação e
transmissão de conhecimento porque seu conteúdo é organizado de forma
sistemática segundo a própria visão de escola de uma determinada sociedade.
Data de 1658 um dos primeiros livros organizados especialmente
para ensinar crianças. Escrito por Comenius, Orbis Sensualium Pictus, tinha o
objetivo de ensinar Latim através de gravuras.
No século XVII, referindo-se à importância do livro didático no
processo de formação, em sua Didatica Magna, Comenius (1957, p. 458)
propõe que o sistema escolar funcione como uma tipografia:
Na Didacografia (agrada-me usar esta palavra), as coisas
passam-se precisamente da mesma maneira. O papel são os
alunos, em cujos espíritos devem ser impressos os caracteres
das ciências. Os tipos são os livros didáticos e todos os outros
instrumentos propositadamente preparados para que, com a
sua ajuda, as coisas a aprender se imprimam nas mentes com
pouca fadiga. A tinta é a viva voz do professor que transfere o
significado das coisas, dos livros para as mentes dos alunos. O
prelo é a disciplina escolar que a todos dispõe e impele para se
embeberem dos ensinamentos.
No Brasil, a literatura didática começou com a leitura de cartas
manuscritas fornecidas por pais e professores. Oliveira (1984) nos fala que, até
o século XIX, e ainda no início do século XX, livros feitos em Portugal eram
usados nas escolas brasileiras pra ensinar a ler e a escrever e ensinar noções
de catecismo.
A identidade nacional é incorporada ao livro didático a partir da
abertura e proliferação das escolas advindas do regime republicano. As
primeiras publicações brasileiras para crianças, naquele momento, foram
regadas pelas aspirações modernizantes e nacionalistas ostentadas por alguns
setores da sociedade. Os livros para crianças converteram-se em instrumento
de difusão das imagens de grandeza do país pelas formulações da classe
dominante.
Assim, o livro didático tem como marca em sua história sua falta
de neutralidade. Servindo a propósitos políticos, sua utilização como
instrumento difusor das pregações nacionalistas se fez forte na sociedade
brasileira, por volta de 1915, contra a ‘desnacionalização da infância’. Com
vistas a compensar o conteúdo patriótico, sentimental e idealista do
nacionalismo, procurou-se estabelecer um conteúdo fundado no conhecimento
da terra e da gente brasileira através dos fenômenos de ruralização e
regionalização.
Em um estudo sobre a educação brasileira na Primeira República,
Nagle (1990, p. 272-273) nos traz dois exemplos do uso do livro didático como
instrumento formador do sentimento nacionalista nas crianças:
Exemplo sem precedentes encontra-se nos programas das
diversas disciplinas, especialmente da Geografia e Ciências
Físicas e Naturais, para as escolas primárias cearenses; e com
maior nitidez, no livro João Pergunta, adotado oficialmente nas
escolas primárias do Ceará, “livro de leitura destinado às
crianças do Nordeste brasileiro”. (...) Sintomaticamente, no
Estado de São Paulo, aparece a mais perfeita obra
comprometida com essa tendência: trata-se de obra didática,
de autoria do Prof. Thales de Andrade, destinado ao ensino da
Leitura, e que tem o nome, também sintomático, de Saudade
livro de leitura que serviu para a educação de várias gerações
em todo o Brasil, onde se exaltam as virtudes e as delícias da
sã vida rural.
O cunho ideológico do livro didático explicita-se também no
chamado Estado Novo (1937-1945). Caracterizado pelo poder centralizado no
Executivo e pelo aumento da ação intervencionista do Estado, este período foi
rico em legislações que visavam constituir na população a consciência
nacional, a construção da nacionalidade, a afirmação do Estado Nacional e, em
meio a essa discussão, foi o livro didático um dos grandes veículos de
transmissão do ideário estado-novista.
Com o Decreto-Lei n. 1.006, de 30 de dezembro de 1938
(BRASIL, 1938), instituiu-se a primeira medida governamental de legislar e
controlar o Livro Didático. Considerada por estudiosos do tema como marco
das legislações diretamente ligadas ao controle do livro didático, este Decreto-
Lei, em seu artigo , declara que: “É livre, no país, a produção ou a
importação de livros didáticos”, o que nos a idéia da liberdade de produção,
mas, no entanto, se contradiz em seu artigo 3º ao afirmar que “os livros
didáticos que não tivessem autorização prévia pelo Ministério da Educação,
nos termos desta lei, o poderão ser adotados no ensino das escolas pré-
primárias, primárias, normais, profissionais e secundárias, em toda a
República”. Define-se, pela primeira vez, o que deve ser entendido como livro
didático:
Art. 2º, § - Compêndios são os livros que exponham total ou
parcialmente a matéria das disciplinas constantes dos
programas escolares; - Livros de leitura de classe são os
livros usados para leitura dos alunos em aula; tais livros
também são chamados de livros de texto, livro-texto,
compêndio escolar, livro escolar, livro de classe, manual, livro
didático (BRASIL, 1938)
Nesse mesmo Decreto-Lei criou-se a Comissão Nacional do Livro
Didático (CNLD). Essa Comissão teve seus membros designados pela
Presidência e escolhidos, por serem pessoas de notório preparo pedagógico e
reconhecido valor moral. Seria de sua competência: examinar e proferir
julgamento dos livros didáticos que fossem apresentados; estimular a produção
e orientar a importação de livros; indicar livros de valor para serem traduzidos e
editados por poderes públicos, e ainda, sugerir abertura de concurso para
produção de determinadas espécies de livros didáticos de sensível
necessidade e ainda não existentes no país.
A CNLD poderia indicar modificações a serem feitas no texto
original da obra examinada para que se tornasse possível a autorização de seu
uso. A relação dos livros autorizados seria publicada em janeiro de cada ano
no Diário Oficial, segundo o artigo 18 do Decreto-Lei 1.006, de 30 de dezembro
de 1938 (BRASIL, 1938).
O artigo 20 do mesmo Decreto-Lei enumera os impedimentos à
autorização dos livros, claramente relacionados à questão político-ideológica:
a) o livro que atente, de qualquer forma, contra a unidade, a
independência ou a honra nacional;
b) que contenha, de modo explícito ou implícito, pregação
ideológica ou indicação da violência contra o regime político
adotado pela Nação;
c) que envolva qualquer ofensa ao chefe da Nação, ou às
autoridades constituídas, ao Exército, à Marinha, ou as demais
instituições nacionais;
d) que despreze ou escureça as tradições nacionais, ou tente
deslustrar as figuras dos que se bateram ou se sacrificaram
pela pátria;
e) que encerre qualquer afirmação ou sugestão que induza o
pessimismo quanto ao poder e ao destino da raça brasileira;
f) que inspire o sentimento da superioridade ou inferioridade do
homem de uma região do país com relação ao das demais
regiões;
g) que incite ódio contra as raças e as nações estrangeiras;
h) que desperte ou alimente a oposição e a luta entre as
classes sociais;
i) que procure negar ou destruir o sentimento religioso, ou
envolva combate a qualquer confissão religiosa;
j) que atente contra a família, ou pregue ou insinue contra a
indissolubilidade dos vínculos conjugais;
k) que inspire o desamor à virtude, induza o sentimento
individual, ou combata as legítimas prerrogativas da
personalidade humana” (BRASIL, 1938).
Os artigos 21, 22 e 23 do mesmo Decreto-Lei fazem observações
referentes ao uso da gramática e estilo de linguagem. Apesar das
recomendações destes artigos, percebe-se neste Decreto-Lei um interesse
sobre o livro muito mais político-ideológico que propriamente pedagógico.
Outro momento em que o livro didático foi usado para atender
propósitos políticos refere-se ao Regime Militar iniciado em 1964. Neste regime
foram assinados os chamados acordos MEC/USAID (1964-1969, alguns com
vigência até 1971). Estes acordos entre o governo brasileiro e a AID (Agency
for International Development Agência Norte-Americana para o
Desenvolvimento Internacional) submetiam a educação brasileira a programas
de controle norte-americanos. Estes programas incluíam assistência financeira
e assessoria cnica junto aos órgãos e instituições educacionais. De acordo
com Romanelli (1986, p. 210):
Naturalmente, essa estratégia, embora não explicitasse uma
ação direta, planejadora e organizadora, incluía, e isso está
evidentemente implícito nos programas, um tipo de ação que
implicava doutrinação e treinamento de órgãos e pessoas
intermediárias brasileiras, com vistas obviamente a uma
intervenção na formulação de estratégias que a própria AID
pretendia fosse adotada pelos dirigentes, órgãos e instituições
educacionais.
A Comissão do Livro Técnico e do Livro Didático (COLTED) era o
órgão nacional autorizado a elaborar cartilhas e livros didáticos, cujos
conteúdos, forma e fundamentação psicopedagógica seguiam instruções e
orientações dos assessores americanos.
Instituída em 1966, a COLTED, que em sua criação chamou-se
Conselho Nacional do Livro Técnico e do Livro Didático, substituiu a CNLD
Comissão Nacional do Livro Didático.
A COLTED foi marcada por dois Decretos: um de 16 de junho de
1966, n. 58.653 e outro de 4 de outubro do mesmo ano, n. 59.355. O primeiro
tem o texto marcado por considerações sobre a aplicação de recursos que a
diferencia da antiga CNLD. O segundo volta-se a um conteúdo político e
modifica o nome do “Conselho” para “Comissão”. Envolvida por denúncias de
corrupção, a COLTED foi instinta em junho de 1971 pelo Decreto n. 68.728
(BRASIL, 1971).
Com a tal extinção o Instituto Nacional do Livro (INL) assumiu, em
1971, a responsabilidade o apenas de distribuir livros, como também de
promover em ação conjunta com as editoras o programa de co-edição de livros
didáticos com o objetivo de baratear o custo do produto. Criou-se o Programa
do Livro Didático (PLID) e os subprogramas: Programa do Livro Didático do
Ensino Fundamental (PLIDEF), Programa do Livro Didático do Ensino Médio
(PLIDEM), Programa do Livro Didático do Ensino Superior (PLIDES), Programa
do Livro Didático do Ensino Supletivo (PLIDESU).
Em 1976, foi transferida para a Fundação Nacional de Material
Escolar (FENAME) a responsabilidade pelo PLID. Esta assumiu também o
programa de co-edição que tornou o mercado de livros, seguro para as
editoras. O sistema de co-edição consistia na participação direta do governo
nos custos de produção das obras editadas. A justificativa para a participação
estatal era o barateamento do preço do livro e para as editoras representava a
entrada de recursos para o funcionamento das empresas. Segundo Oliveira
(1984), ocorreu abusiva e descontrolada substituição de livros o que,
conseqüentemente, levantou alguns questionamentos e propostas da
sociedade civil e do Congresso Nacional sobre a possibilidade de
padronização, criação de livro único, uniformização do material didático.
A Fundação de Assistência ao Estudante (FAE), criada pela Lei
n.7.091 (BRASIL, 1983), de 18 de abril de 1983, em substituição à FENAME,
absorveu os programas por ela desenvolvidos, porém extinguiu em 1984, o
sistema de co-edição, passando o Ministério da Educação (MEC) a ser apenas
comprador dos livros das editoras inscritas no PLID. Órgão de cunho
assistencialista, a FAE assegurava o desenvolvimento de programas que
forneciam desde os livros, até a merenda escolar dos alunos carentes.
Com a abertura do Regime Militar, a Nova República instituiu pelo
Decreto n. 91.542 (BRASIL, 1985), de 19 de agosto de 1985, o Programa
Nacional do Livro Didático (PNLD). Ainda vinculado à FAE, este Programa não
estabelecia nenhuma Comissão; estendia o fornecimento dos livros a todos os
alunos matriculados nas escolas públicas do Grau; previa a participação dos
professores na escolha dos livros mediante as listas fornecidas pelo governo;
introduziu a adoção de livros reutilizáveis, os chamados livros duráveis em
contraposição aos livros descartáveis que continham exercícios para serem
resolvidos no próprio livro, o que impedia sua utilização em anos seguintes.
Em 5 de agosto de 1993, o MEC, através da Portaria n. 1.130
(BRASIL/MEC, 1993), instituiu, não uma Comissão do Livro Didático, mas um
Grupo de Trabalho para analisar os conteúdos programáticos e os aspectos
pedagógico-metodológicos dos livros destinados às séries iniciais do Ensino
Fundamental.
Em princípio, as Comissões eram instituídas com a função de
autorizar (ou não) o uso do livro nas escolas públicas; posteriormente sua
função direcionou-se para a avaliação e seleção dos livros determinando quais
seriam comprados pelo governo para distribuição gratuita até que se chegou à
Diretoria do Livro Didático da FAE que indicava uma lista de livros, da qual o
professor escolheria o livro de sua preferência. A FAE foi extinta em 1996 e o
PNLD ficou a cargo do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação
(FNDE).
De acordo com informações do MEC, (BRASIL/MEC, 2003) o
PNLD, em seus moldes atuais, teve seu início em 1995, com a realização de
seminários que objetivaram colher subsídios para o estabelecimento de uma
política para o livro didático que fosse capaz de assegurar sua qualidade.
Participaram desse evento dirigentes e equipe técnica do Ministério da
Educação, da então Fundação de Assistência ao Estudante (FAE), da União
Nacional de Dirigentes Municipais de Educação (UNDIME), do Conselho
Nacional de Secretários de Educação (CONSED), da Câmara Brasileira do
Livro (CBL), da Associação Brasileira dos Autores de Livros Educativos
(ABRALE), da Associação Brasileira dos Editores de Livros (ABRELIVROS),
Sindicato Nacional dos Editores de Livros (SNEL) e especialistas de diversas
áreas do conhecimento.
Desde 1997, o PNLD fornece aos professores o Guia de Livros
Didáticos. Este é uma síntese do processo de avaliação das coleções de livros
inscritos no PNLD e é definido como “um instrumento de participação dos
professores na definição do material a ser adquirido pelo Ministério”
(BRASIL/MEC, 2003, p. 9). Em 2004, foi apresentado em quatro volumes:
Língua Portuguesa e Alfabetização; Matemática e Ciências; História e
Geografia; Dicionários. Cada um deles é composto por duas partes: a primeira
fornece os princípios do Programa, critérios gerais e específicos das áreas e as
fichas detalhadas que orientam o trabalho de avaliação dos livros; a segunda
parte apresenta as resenhas que indicam os possíveis problemas e as
qualidades de livros analisados.
A avaliação dos livros é caracterizada, neste documento, como
uma das ações do MEC na busca da qualidade do ensino público,
considerando-se o livro como uma das principais formas de documentação e
consulta empregadas por professores e alunos. (BRASIL/MEC, 2003, p. 10). As
equipes avaliadoras são formadas por especialistas das diversas áreas de
conhecimento; muitos atuam também em sala de aula ou estão diretamente
ligados à pesquisa e à formação de professores. São técnicos do Ministério e
equipes da Secretaria de Educação Fundamental e das Universidades.
Algumas modificações na classificação das obras foram
apresentadas desde 1997. Os livros passaram a ser analisados por coleção,
visando à melhor articulação dos conteúdos e metodologias entre as séries ou
ciclos (com exceção aos livros de alfabetização e de destino regional em
Geografia e História). As categorias de classificação foram reestruturadas. No
primeiro processo avaliativo as categorias Recomendadas com Distinção,
Recomendadas e Recomendadas com Ressalvas eram representadas por três,
duas e uma estrela respectivamente, entretanto, o indicador por imagens
tornou-se mais chamativo que a leitura das resenhas. Optou-se, então, para o
uso das siglas RD, REC e RR, respectivamente, mantendo-se as definições:
Recomendadas com Distinção (RD): são obras com
qualidades ineqvocas e bastante próximas do ideal
representado pelos princípios e critérios definidos no final desta
Introdução Geral. Constituem propostas pedagógicas
elogiáveis, criativas e instigantes.
Recomendadas (REC): são aquelas que cumprem
plenamente todos os requisitos de qualidade exigidos neste
processo de avaliação. Por isso mesmo, asseguram a
possibilidade de um trabalho didático correto e eficaz pelo
professor.
Recomendadas com Ressalvas (RR): nesta categoria
estão reunidas as obras isentas de erros conceituais ou
preconceitos, que obedecem aos critérios nimos de
qualidade, mas que contêm algumas limitações. Desse modo,
são obras que podem subsidiar um trabalho adequado, desde
que o professor esteja atento às observações, consulte
bibliografias para revisão e complemente a proposta.
(BRASIL/MEC, 2003, p.14)
São princípios gerais do PNLD que, para atingir seus objetivos, os
livros didáticos devem ser corretos quanto aos procedimentos, informações e
conceitos neles propostos do ponto de vista das áreas do conhecimento a que
se vinculam, à situação didático-pedagógica a que servem. E ainda
complementou-se, citando o inciso IV, art.3º, Título II, da Lei de Diretrizes e
Bases da Educação n.9394/96 que, seja qual for a disciplina a que se destina,
o livro didático deve contribuir para a construção da ética necessária ao
convívio social democrático, o que o obriga ao “respeito à liberdade” e ao
“apego à tolerância” (BRASIL/MEC, 2003, p. 24).
Sob estas bases, o Guia estabeleceu critérios comuns e
específicos para eliminação ou classificação dos livros que representariam um
padrão consensual mínimo de qualidade para o ensino. Os critérios
eliminatórios o definidos como: correção dos conceitos e informações
básicas; correção e pertinência metodológicas; contribuição para a construção
da cidadania. Como critérios de classificação: a estrutura editorial (aspectos
gráficos e editoriais); aspectos visuais; manual do professor. Dentre estes
critérios ressalto o que se refere à “contribuição para a construção a cidadania.”
O texto que sintetiza este critério relata que:
Em respeito à Constituição do Brasil e para contribuir
efetivamente para a construção da ética necessária ao convívio
social e à cidadania, a obra didática não poderá:
- veicular preconceitos de origem, cor, condição econômico-
social, etnia, gênero, linguagem e qualquer outra forma de
discriminação; - fazer doutrinação religiosa, desrespeitando o
caráter leigo do ensino público (BRASIL/MEC, 2003, p.27).
Tal critério que menciona o respeito a diversidade humana
recriminando a existência de possíveis atitudes preconceituosas, é retomado
em cada volume do Guia de Livros Didáticos.
Desde 1938, data da primeira legislação direcionada ao livro
didático, algumas modificações puderam ser notadas na política do livro
didático. O Decreto-Lei n. 1.006 (BRASIL, 1938) expressava, claramente, a
defesa do regime político, pregando a moral, a ordem e a estabilidade social
necessárias à manutenção da ideologia então dominante. A organização da
comissão avaliadora dos livros seguia os mesmos pressupostos, pois
valorizava o caráter idôneo de seus membros. Buscando atender o regime
político-ideológico, as medidas seguintes foram submetidas ao controle dos
acordos MEC/USAID que marcaram a educação brasileira no Regime Militar.
Na Nova República, tendo a democracia como fundamentação do regime
político, o PNLD estendeu-se a todos os alunos matriculados em escola pública
e previu a “participação” dos professores na escolha dos livros. Em 2004, as
menções do PNLD nos remetem às bases teóricas atualmente difundidas nas
organizações sociais fundamentadas em princípios que pressupõem uma
educação para todos, o respeito ao processo ensino-aprendizagem e à
formação para a cidadania. Conforme se vê, a história e a política do livro
didático se constituem por uma série de leis, decretos e medidas
governamentais entrelaçados com as mudanças da própria sociedade.
Com base em um levantamento realizado na cada de 1980 e
início da década de 1990 sobre os campos investigativos de estudo sobre o
livro didático, Galzerani (2000) destacou os critérios metodológicos que
nortearam estas produções. Segundo a autora, os estudos, sobretudo aqueles
produzidos a partir da década de 1970, propuseram “analisar o livro didático
em sua relação dialética com a sociedade; isto é, como elemento instituído,
como produto, e ao mesmo tempo, como elemento que também institui, que
cria a vida social” (GALZERANI, 2000, p. 106). Estes estudos dão margem à
análise do livro em sua materialidade, analisando-o como mercadoria, e
também instrumento ideológico que comporta mudanças ou críticas de
concepções e visões de mundo vinculadas à sociedade em que está inserido.
Dentre os estudos sobre livro didático em sua materialidade,
podemos falar em Oliveira (1984) que trouxe a análise de alguns problemas
relacionados à política, práticas de adoção e utilização do livro. Conclui que
estes problemas dizem respeito não só ao governo, mas às escolas e às
editoras. Propõe para debate a responsabilidade dos governos com o
financiamento para atividades de pesquisa que resultassem em livros de
qualidade e a criação de mecanismos de informação e avaliação crítica de
livros e materiais didáticos; às escolas caberia determinar padrões de utilização
e reutilização dos livros; às editoras, estudos a respeito da produção, normas
técnicas, papel e outros fatores para reduzir o custo.
Molina (1988) apresentou considerações sobre legibilidade e
inteligibilidade do livro. Com base em extensa pesquisa bibliográfica, a autora
define como legível o material que se pode ler nitidamente, o que dependeria
das características físicas, como papel, tamanho de letras, extensão das linhas
impressas etc.; como inteligibilidade, a propriedade que o material deve possuir
de modo a facilitar a compreensão do que se lê. Concluiu que é possível
elaborar textos didáticos mais adequados, o que exigiria melhor definição de
critérios para estabelecer a adequação dos textos à série determinada, maior
nível de informação e atualização pedagógica dos professores, preocupação
das editoras.
R. Silva (2000) apresentou a análise de práticas de sala de aula
subsidiadas ou não pelo uso do livro didático. Concluiu que existem livros cujos
textos (incluídos os exercícios) ajudam professor e aluno a com eles
trabalharem criticamente; existem outros cuja leitura crítica pelo aluno depende
da ajuda do professor. A partir disso, propõe uma diversificação do material
didático, metodologias de ensino apoiadas em recursos didáticos que
exponham, potencialmente, textos críticos e efetiva qualificação do professor.
Como objeto comercializável, o livro didático fez-se como “a
menina dos olhos” do mercado livreiro e o Estado tornou-se o agente principal
nesse processo. Segundo reportagem da Folha Online, de 22 de setembro de
2004, “o MEC é o maior comprador de livros didáticos do mundo” e neste ano o
processo envolveu mais de R$ 620 milhões.
No que se refere à interferência do Estado de acordo com os
estudos de Freitag et al (1989), esta ocorre em todo o processo de produção
do livro, desde a fase de planejamento visto que os autores seguem um guia
curricular nacional até a fase de venda por intermédio do PNLD. Como
exemplo de tal influência, as recomendações gráfico-visuais e editoriais que
constam no Guia de Livros Didáticos são:
É fundamental que o livro esteja claramente identificado. A
capa, a folha de rosto e seu verso devem conter título, autoria,
série, editora, local, data, edição, dados sobre os autores e
ficha catalográfica. O sumário deve permitir a rápida
localização da informação.
Espera-se que o texto principal esteja impresso em preto e que
títulos e subtítulos apresentem-se numa estrutura
hierarquizada, evidenciada por recursos gráficos.
A parte pós-textual deve conter glossário, referências
bibliográficas e indicação de leituras complementares.
O texto e as ilustrações devem estar dispostos de forma
organizada, com ritmo e continuidade, dentro de uma unidade
visual.
O lay-out precisa ser motivador e integrado ao conteúdo, a fim
de torná-lo mais fácil de ser compreendido.
O desenho e o tamanho da letra, bem como o espaço entre
letras, palavras e linhas, devem atender a critérios de
legibilidade e também ao nível de escolaridade a que o livro se
destina. A impressão não pode prejudicar a legibilidade no
verso da página. É desejável que textos mais longos sejam
apresentados de forma a não desencorajar a leitura, lançando-
se mão de recursos de descanso visual. Todas as ilustrações
devem ser acompanhadas dos respectivos créditos, assim
como gráficos e tabelas necessitam de títulos, fonte e data
(BRASIL/MEC, 2003, p. 28-29).
Tão forte é sua conotação como mercadoria que os livros podem
ser classificados como descartáveis e como não-consumíveis ou duráveis.
Toma-se como livro descartável àquele que possui exercícios a serem
resolvidos pelo aluno no próprio livro; desta forma seu tempo útil é de apenas
um ano. O livro não-consumível não possui os espaços para o preenchimento
dos exercícios, supondo o uso do caderno para as respostas. Este tipo de livro
atende aos propósitos do PNLD que prevê a substituição dos livros a cada três
anos. Embora a substituição se faça a longo prazo, persiste o marketing das
editoras junto às escolas e professores, o que está levando o FNDE, segundo
as informações da Folha Online, de 22 setembro de 2004, a estudar a
possibilidade de incluir no processo de escolha dos livros do PNLD um código
de ética na tentativa de diminuir o assédio das editoras.
Em outra dimensão de análise, do livro tomado como agente do
processo ensino-aprendizagem a preocupação se em relação à influência
das mensagens dos livros na formação do aluno.
Nesta perspectiva, destaco o trabalho de Eco e Bonazzi (1980)
que analisaram os principais temas trazidos pelas cartilhas italianas da época
(a família, a escola, a religião, a pátria, o trabalho, o ambiente etc.) e a
ideologia por eles propagada. As concepções presentes sobre esses temas
nos livros estariam, de acordo com os autores, mascarando a realidade. Na
década de 1980, Nosella (1981) e Faria (1989) fizeram a transposição desta
técnica de interpretação para o contexto brasileiro. O resultado encontrado
nestas pesquisas assemelha-se ao encontrado por Eco e Bonazzi (1980). Os
livros didáticos estariam apresentando um mundo imaginário, estereotipado,
com a função de fixar modelos de comportamento e valores que não condiziam
com a realidade de todos os alunos.
Sem pretender negar a importância destes estudos, Galzerani
(2000) questiona até que ponto o conteúdo do livro didático constitui apenas
uma máscara que impede o conhecimento da vida social ou será que sua
linguagem contraditória e ambígua não esconderia, como também
expressaria os conflitos da própria sociedade.
Neste mesmo questionamento remetemo-nos a Apple (1995) que
considera o livro didático como um produto cultural e que, como tal, deve ser
entendido como o resultado complexo de relações humanas. Desta forma, mais
que simplesmente reproduzir a dominação, os livros didáticos podem expressar
também a materialização de conflitos entre grupos. Segundo este autor, “se os
livros escolares fossem defensores totalmente confiáveis da ordem ideológica,
política e econômica existente, não constituiriam uma área tão conflitiva como
realmente é” (APPLE, 1995, p. 97).
Por meio deste breve histórico percebemos que, de uma forma ou
de outra, em menor ou maior intensidade, o livro didático é tema presente no
quadro de estudos e pesquisas educacionais. Isto porque também sempre
esteve presente em nossas escolas carregado de intencionalidades. Seja na
sua função de transmissor do conhecimento sistematizado, seja usado para
atender a interesses políticos em meio a regimes governamentais. Buscando
contribuir também para este quadro, desenvolvi o presente estudo.
4 OS CAMINHOS DA DIFERENÇA
Temos o direito de ser iguais
quando a diferença nos inferioriza,
temos o direito de ser diferentes
quando a igualdade nos
descaracteriza (SANTOS, 1995,
n.p.).
A relação que nossa sociedade estabelece com categorias sociais
até então reconhecidas e tratadas como desviantes é resultado de um
processo no qual podemos identificar diferentes formações ideológicas e
discursivas, cada uma delas produzidas em um determinado momento
histórico. De acordo com C. Marques (1999, p. 71), “é na trama das relações
sociais que se definem os lugares e os papéis que as pessoas ou grupos irão
ocupar e desempenhar no complexo palco da vida.” Desta forma, buscarei
compreender os deslocamentos discursivos que permitiram que estas relações
se estabelecessem e se modificassem na história da humanidade.
Para falarmos em diferenças como as compreendemos hoje,
inicialmente me remeto à concepção de igualdade que vigorava nas Cidades–
Estados da Grécia Antiga onde nem todos eram considerados cidadãos.
Considerando a teoria de Aristóteles, um homem era realmente homem
quando pudesse dispor livremente de sua faculdade de julgar para realizar
escolhas e, sobretudo escolhas éticas, sendo capaz de distinguir entre o bom e
mau, não apenas com relação a seus próprios atos, mas também com relação
à comunidade onde vivesse. Pensar pressupunha a necessidade de tempo
livre e capacidade para fazê-lo.
Esta distinção entre cidadãos traz a marca da diferença entre
grupos e a falta de igualdade em direitos. Como nos falam Quirino e Montes
(1987, p. 12), para Aristóteles e para todo o mundo grego,
Crianças que ainda são incapazes de utilizar-se da própria
razão, mulheres que, por natureza jamais poderão fazê-lo
plenamente, escravos que a necessidade do trabalho
condenará à condição de não serem mais que instrumentos
animados, e mesmo os artesãos e os negociantes, em geral
estrangeiros, que dedicando-se as atividades do comércio,
também se encontram limitados por uma espécie de servidão,
não podendo dispor livremente de seu tempo para desenvolver
o próprio pensamento, são pois, por razões que derivam ao
mesmo tempo da Natureza e da sociedade, não inteiramente
humanos, e se encontram, assim, necessariamente excluídos
da cidadania, na mesma medida em que se encontram
excluídos da própria humanidade.
A diferença existente se fazia pela desigualdade de direitos legais,
ou seja, a diferença por nem todas as pessoas de uma sociedade possuírem
os mesmos direitos perante a lei, contudo, esta diferença não era vista como
problema, pois a desigualdade era naturalizada pelas condições ideológicas da
época.
Além da diferença em desigualdade de direitos havia a
categorização de grupos. Era realizada através de marcas corpóreas, feitas
com corte ou fogo para evidenciar alguma característica ou até mesmo a
posição social de quem as possuísse (escravo, traidor, criminoso etc.). Esta
marca, denominada estigma, ficou associada a uma característica socialmente
definida como negativa. De acordo com os estudos de Goffman (1988, p. 11-
12) o estigma ultrapassou as marcas corpóreas, passando a se referir a
marcas simbólicas:
A sociedade estabelece os meios de categorizar as
pessoas e o total de atributos considerados como comuns e
naturais para os membros de cada uma dessas categorias. Os
ambientes sociais estabelecem as categorias de pessoas que
têm a probabilidade de serem neles encontradas. (...)
Baseando-se nessas preconcepções, nós as transformamos
em expectativas normativas, em exigências apresentadas de
modo rigoroso.
Os estigmas se definem não pelas características totais da
pessoa, definem-se, sim, pela leitura social que se faz delas. Entram em
observação as características que o atendem às nossas expectativas
normativas.
É através desta leitura social que as diferenças podem ser ou não
identificadas como estigmas e, se assim o forem trazem conseqüências para
aqueles que os recebem. Tornam-se os principais determinantes do indivíduo,
sobressaindo sobre qualquer outro atributo seu na relação social.
Goffman (1988, p. 14) identifica três tipos de estigma:
Em primeiro lugar, as abominações do corpo as várias
deformidades físicas. Em segundo, as culpas de caráter
individual, percebidas como vontade fraca, paixões,
desonestidade, sendo essas inferidas a partir de relatos
conhecidos de, por exemplo, distúrbio mental, prisão, vício,
alcoolismo, homossexualismo, desemprego, tentativas de
suicídio e comportamento político radical. Finalmente, há os
estigmas tribais de raça, nação e religião, que podem ser
transmitidos através de linhagem e contaminar por igual todos
os membros de uma família.
Amaral (1998, 2002) entende que o estigma é um dos
constituidores das barreiras atitudinais que impedem e/ou dificultam a inserção
das pessoas estigmatizadas nas relações sociais, juntamente com os
estereótipos e preconceitos. Segundo a mesma autora, fatores individuais (as
emoções) e fatores sociais (sobretudo as mensagens culturais a que somos
expostos) configuram nossas atitudes diante de um determinado alvo de
atenção (pessoa, grupo ou fenômeno). O preconceito deriva da elaboração
mental destas atitudes no convívio com o alvo. O estereótipo é a criação de um
tipo fixo que caracterizará aquele grupo ou pessoa que sofre o preconceito, ou
seja, “é a concretização/personificação do preconceito” (AMARAL, 1998, p. 18).
Na Idade Média, foram conservados os fundamentos políticos da
Antigüidade sobre a noção de igualdade de direitos perante a lei. A diferença
de direitos permaneceu, mas se acrescentou a ela um elemento sobrenatural
que possibilitava a igualdade. Esta passou a subsistir, então, por ordem
religiosa, todos eram iguais perante Deus, mas sobre a igualdade social
entendia-se que “é o nascimento que determina o lugar em que cada um se
insere na hierarquia de uma pirâmide social” (QUIRINO e MONTES, 1987,
p.18).
Quando os ideais de igualdade deixaram de ter referência
religiosa para se traduzirem em termos reais, chega-se à Modernidade. As
conquistas das Revoluções Inglesa (século XVII) e Americana e Francesa
(século XVIII), segundo Benevides (1998, p. 155), “mudaram o mundo ocidental
com uma nova visão dos direitos do indivíduo e do cidadão”. A igualdade de
todos em direitos e deveres foi buscada perante a lei, fundamentada em outra
concepção de homem e mundo.
Foi no período iniciado a partir de meados do século XVI que o
homem rompeu com a visão teocêntrica que sustentava sua compreensão de
mundo e, com base no antropocentrismo, ressignificou o papel da humanidade.
A ciência lutou contra os monopólios de interpretação religião, Estado e família,
dando lugar a um modelo de racionalidade caracterizado, fundamentalmente,
por ser um modelo totalitário, por negar qualquer conhecimento não pautado
em seus princípios e por suas regras metodológicas (SANTOS, 2002).
A ciência moderna prima pela distinção homem/natureza,
sujeito/objeto, o que garante a separação entre as condições de conhecimento
e aquilo que se deseja conhecer. No que diz respeito a tais distinções, Santos
(2002) as identifica como mais culturais que naturais, formadas e
desenvolvidas em processos sociais e políticos. Sendo assim, a ciência
moderna pode ser representada por uma tripla combinação de classismo,
racismo e sexismo. Por um lado, recolhia as concepções sociais e políticas
advindas de uma burguesia em ascensão que começava a dominar a
sociedade embasada pelo mercantilismo, pelo capitalismo industrial e pelo
imperialismo, por outro, distinguia dualismos (sujeito/objeto, espírito/corpo,
abstrato/concreto, certo/errado, bom/ruim, normal/anormal etc.) que possuem
no primeiro pólo a representação do que é considerado dominante, associado
ao masculino, contribuindo para tornar experiências universais aquelas
experiências de uma classe, de um sexo, de uma etnia então dominante.
Lembramos que a Modernidade, embora tenha representado para
a época um avanço para o desenvolvimento do conhecimento e para a
afirmação do homem em sua existência, estabeleceu limites nas formas de
raciocinar e entender o mundo. Para atingir seu objetivo de ordem e
estabilidade, apoiou-se em dualismos. Considerou inferior tudo o que era
diferente. A questão era estar dentro ou fora dos padrões estabelecidos para
aquela sociedade e, desta forma, a posição de cada indivíduo era definida.
Caracteriza-se assim o pensamento da Modernidade, baseado na
formulação de leis que pressupunham a idéia de ordem e estabilidade do
mundo no qual o saber científico é compreendido como a única verdade.
Santos (2002, p. 64) nos fala deste saber científico como um “conhecimento
que se pretende utilitário e funcional, reconhecido menos pela capacidade de
compreender profundamente o real do que pela capacidade de o dominar e
transformar”.
Desta forma, ignora-se que as práticas de conhecimento são mais
que investigações laboratoriais, sendo também práticas sociais entre sujeitos.
E ignorar esta prática como forma de produção de conhecimento é rejeitar
aqueles que as produzem.
Consagrando-se uma única explicação possível para o
conhecimento e um ideal de uniformidade para a sociedade, instituiu-se a
marginalização, a estigmatização de grupos que buscavam ou apresentavam
outras formas de ser e viver que não aquelas que atendessem aos padrões
estabelecidos pela ideologia propagada na Modernidade. Apesar da pretensa
igualdade de todos em direitos e deveres, a exclusão da diferença persistiu e a
luta por igualdade e/ou diferença se estendeu para além da diferença em seu
sentido de desigualdade, pois ser diferente não implica ser desigual:
É preciso ter claro que igualdade convive com diferenças
mas que não são reconhecidas como desigualdades, isto é,
não pode existir uma valoração de inferior/superior nessa
distinção. Em outras palavras, a diferença pode ser
enriquecedora, mas a desigualdade pode ser um crime.
(BENEVIDES, 1998, p. 156)
A conquista da cidadania pelos vários grupos sociais (mulheres,
negros, homossexuais etc) significou um importante avanço, mas não o foi na
direção de se considerar as especificidades de cada grupo. Estas
especificidades permaneceram marcadas como diferença que inferioriza, que
incomoda. De acordo com Skliar (2003), a igualdade então conquistada visou
manter, de alguma maneira a homogeneidade escondida sob a máscara da
tolerância.
A tolerância não inclui a aceitação do valor do outro; pelo
contrário, é uma vez mais, talvez de maneira mais sutil e
subterrânea, a forma de reafirmar a inferioridade do outro e
serve de ante-sala para a intenção de acabar com a
especificidade junto ao convite ao outro para cooperar na
consumação inevitável. A tão aclamada humanidade dos
sistemas políticos tolerantes não vai além de consentir a
demora do conflito final (BAUMAN apud SKLIAR, 2003, p. 133).
O discurso da Modernidade compreende a marca da diferença
como a representação de um desvio da normalidade. Os critérios que definem
o pertencimento ou o não-pertencimento, este por sua vez acoplado a variadas
práticas de exclusão, referem-se a aspectos ético, estético e de capacidade
produtiva. Considerando estes aspectos, poderíamos enumerar uma série de
categorias definidas como desviantes, dentre as quais se incluem as pessoas
com deficiência, homossexuais, mulheres, idosos, índios, negros, entre outros.
Referindo-se ao tratamento dado às pessoas com
deficiência, Marques e Marques (2003, p. 225) nos dizem que:
Essa pretensa “explicação de tudo” pelo saber científico deu ao
homem o poder de dizer, em nome da ciência, o que bem lhe
conviesse a respeito do outro, principalmente daquele colocado
na condição de desviante do padrão absoluto de normalidade.
Foi neste contexto que se formulou e se impôs um discurso de
incapacidade produtiva e de inferioridade existencial do
deficiente.
Ao colocar as pessoas com deficiência numa condição de
inferioridade e de incapacidade, a sociedade lhes impõe limites claros quanto
às possibilidades de realização pessoal, profissional e afetiva. O isolamento
dos deficientes em asilos, hospitais ou escolas especiais é um exemplo da
existência de uma imagem estereotipada da deficiência, idéia que generaliza a
deficiência como uma condição existencial de extrema dependência.
Como no caso da deficiência, existe a associação das
homossexualidades a um gênero defeituoso, entendidas como anormalidades
ou desvio. Ferrari (s.n.t.) apreendeu de seu estudo sobre o posicionamento da
escola, sobretudo a partir da observação prática de professores, o quanto
ainda se mostra negativa a representação das homossexualidades. Segundo o
autor, a escola não traz para discussão o entendimento de gênero e de
orientação sexual como construções sociais.
Se os alunos presenciam uma professora mandando
determinado aluno falar novamente, mas dessa vez, “igual a
homem”, e mandar o aluno voltar à carteira e novamente ir ao
quadro, que andando “igual a homem”, ela não contribui em
nada para estabelecer e/ou ampliar o debate sobre novas
formas de olhar e lidar com as diferenças, com as
homossexualidades, com as masculinidades e com as
desconstruções dos parâmetros que organizam essas
classificações. Ao invés de ajudar ela mais prejudica, visto que
reforça a imagem do aluno discriminado como homossexual
(FERRARI, s.n.t.).
A definição do que é ser homem está diretamente relacionada à
definição do que é ser homossexual, com base nas construções da sociedade
sobre o que deva significar ser cada um. É a construção da anormalidade para
a afirmação da normalidade.
De acordo com Faria (s.n.t), “os papéis sexuais, construídos
social e culturalmente, tendem a ser definidos antes mesmo de nascermos,
contribuindo para atitudes diferenciadas e consideradas adequadas aos
homens e às mulheres”.
Em relação às mulheres, fica evidente a relação de poder de uma
sociedade sexista e capitalista, na qual, por longo tempo, se atribuiu a ela
unicamente o papel de objeto sexual reprodutor, sendo-lhe exigido dedicação
total aos filhos e ao marido. A partir de mudanças nas dimensões política,
econômica e educacional, a mulher é inserida no trabalho assalariado, contudo
seguiram-se as críticas de abandono do lar e de sua real função. A
diferenciação sexual persistiu através da remuneração diferenciada, da
alegação da fragilidade física da mulher.
Atualmente, segundo, Faria (s.n.t.), “sua conquista tem crescido e
a participação feminina foi aumentada e mais valorizada, mas está distante de
se ter uma relação de gênero em que prevaleçam a justiça social e a igualdade
de direitos e oportunidades entre os sexos.”
Também sobre os idosos recai o peso da exclusão advinda
principalmente do sistema econômico dominante no qual predomina a
valorização do ser produtivo.
Nesta relação da pessoa idosa com a idéia de
produtividade podemos verificar quanto os idosos são timas
diretas da exclusão social, devido a uma associação
preconceituosa da velhice com a incapacidade, inoperância,
improdutividade, sensibilidade, doença e morte, incompatíveis
com a prioridade da sociedade ocidental capitalista (de cunho
neoliberal), como a brasileira, que é a capacidade produtiva
(SILVEIRA, 2001, p. 29).
Negros e índios sofreram, pela mão do colonizador, a imposição
do poder e da marcação do discurso da diferença. O grupo dominante (branco),
que tem sua fala legitimada pelo poder, desconhecendo a cultura do outro, lhe
atribuiu significados por ele definidos como certos. Daí criou estereótipos que
esses grupos tentam agora revelar como o discurso de um grupo dominante,
não necessariamente o único discurso.
De acordo com Costa (2003), a ausência de contextualização
apresenta o índio como um elemento do passado de maneira que produz uma
série de implicações para as sociedades indígenas atuais. A autora define três
categorias que abrangem didaticamente as diferentes matrizes de construções
históricas sobre os índios no Brasil: índio romântico, o que configura a imagem
da pureza total e do primitivismo, que evoca o mito do “bom selvagem”; índio
fugaz, pelo qual as sociedades indígenas são percebidas como fugazes, o que
implica, no plano político, na fundação de órgãos assistencialistas voltados à
incorporação gradual na sociedade nacional e índios históricos, os quais se
enfatizam a historicidade das sociedades indígenas e recolocam questões a
respeito das sociedades indígenas, destruindo muitos mitos e redefinindo
conceitos importantes.
Na abordagem sobre a temática racial, especificamente sobre os
negros, Reis (2003, p. 17) nos afirma que “o negro é visto como ‘diferentee a
marca dessa diferença está, principalmente, na sua cor”. Na condição de
escravos não foram vistos pelo colonizador branco como pessoas, mas como
“peças” ou “coisas”. Submetidos a maus tratos, à tortura, tinham violentada a
sua dignidade. Para Reis (2003), este foi o fator influenciador da negação de
sua descendência por moradores de uma comunidade remanescente de
quilombo, onde esta autora realizou um estudo sobre percepção destes
moradores no que se refere à construção de sua identidade negra. Junto às
dificuldades de construção da identidade negra acrescenta-se também a
questão dos padrões estéticos que classificam o branco como símbolo da
beleza.
A discriminação racial se mantém presente e marcante em nossa
sociedade visto que alguns ainda vêem os negros como seres inferiores. Tal
discriminação interfere diretamente na construção da identidade racial da
população negra e na propagação da imagem estereotipada sobre esta
categoria.
Mais fortemente no século XX, principalmente a partir da década
de 60, estas diversas categorias sociais procuraram ampliar as discussões
sobre a redefinição das diferenças, pretendendo uma ressignificação das
possibilidades de ser diferente.
O que se busca agora é o direito à diferença que não deve ser
confundido com desigualdade. Tratando-se da esfera individual, não é mais
viável falar apenas em igualdade uma vez que as diferenças individuais devem
ser preservadas, como o reconhecimento do direito sobre a diversidade
humana. Ser diferente não implica ser desigual. De acordo com Marques e
Marques (2003, p. 233), “todas as pessoas são iguais no que se refere ao valor
máximo da existência: a humanidade.”
Vivemos a Atualidade que se apresenta como um momento de
forte crise nas concepções do mundo Moderno. “As concepções são postas em
xeque e novas formas de encarar o mundo preenchem espaços deixados pela
derrocada de velhas idéias” (C. MARQUES, 2001, p. 39).
Este novo momento, que aqui chamamos Atualidade, Santos
(2002) define como uma então crise da ciência moderna um tempo de
transição paradigmática, uma ruptura na busca de novas epistemologias e de
novos conhecimentos.
O retrato de uma família intelectual numerosa e instável, mas
também criativa e fascinante, no momento de se despedir, com
alguma dor, dos lugares conceptuais, teóricos e
epistemológicos, ancestrais e íntimos, mas não mais
convincentes e securizantes, uma despedida em busca de uma
vida melhor a caminho doutras paragens onde o optimismo
seja mais fundado e a racionalidade mais plural e onde,
finalmente, o conhecimento volte a ser uma aventura
encantada (SANTOS, 2002, p. 73-74).
Estaríamos a percorrer o caminho para um novo paradigma.
Segundo o autor,
(...) paradigma de um conhecimento prudente para uma vida
decente. Com esta designação, quero significar que a natureza
da revolução científica que atravessamos é estruturalmente
diferente da que ocorreu no século XVI. Sendo uma revolução
científica que ocorre numa sociedade ela própria revolucionada
pela ciência, o paradigma a emergir dela não pode ser apenas
um paradigma científico (o paradigma de um conhecimento
prudente), tem de ser também um paradigma social (o
paradigma de uma vida decente) (SANTOS, 2002, p. 74).
Na análise deste autor, o paradigma da Modernidade admitia
duas formas de conhecimento: o conhecimento-emancipação e o
conhecimento-regulação. O conhecimento-emancipação é uma trajetória entre
um estado de ignorância por ele nomeado como colonialismo e um estado de
saber nomeado como solidariedade. O conhecimento-regulação é uma
trajetória entre um estado de ignorância nomeado como caos e um estado de
saber nomeado como ordem. No primeiro modelo, o conhecimento se do
colonialismo para a solidariedade, o segundo do caos para a ordem, o que
implicaria numa articulação equilibrada de forma que o poder cognitivo da
ordem alimenta o poder cognitivo da solidariedade e vice-versa.
Este equilíbrio foi confiado a três racionalidades: a racionalidade
moral-prática, a estético-expressiva e a cognitivo-instrumental, contudo, a
racionalidade cognitivo-instrumental conquistou primazia sobre as demais
racionalidades. O estado de saber no conhecimento-emancipação passou a
estado de ignorância no conhecimento-regulação e inversamente, a ignorância
no conhecimento-emancipação passou a estado de saber no conhecimento-
regulação, isto é, a solidariedade foi recodificada como caos e o colonialismo
como ordem. Assim, a solidariedade passa a ser considerada como forma de
caos e o colonialismo uma forma de ordem.
Com tudo isso, esta é a situação na qual nos encontramos e de
onde se faz necessário avançar. Segundo Santos (2002), tal movimento implica
na revalorização do caos como forma de saber e não de ignorância. O caos
deixa de ser algo negativo para ter uma positividade até então própria e
inseparável da ordem. Implica também na transformação da solidariedade em
forma hegemônica de saber sobre o colonialismo. Este consiste na ignorância
da reciprocidade e da incapacidade de conceber o outro a não ser como objeto
enquanto a solidariedade consiste em conhecimento adquirido em um
processo, inacabado, de nos tornarmos capazes de reciprocidade através do
reconhecimento da intersubjetividade, do reconhecimento do outro.
A subjetividade refere-se à compreensão que se tem do ‘eu’, dos
sentimentos e pensamentos mais pessoais, contudo, como nos fala Woodward
(2005, p. 55), esta subjetividade é vivida em “um contexto social no qual a
linguagem e a cultura dão significado à experiência que temos de nós mesmos
e no qual nós adotamos uma identidade.”
A identidade se mostra como a representação da subjetividade,
ou seja, do ‘eu’ como sujeito no meio em que se vive. A afirmação da
identidade é a materialização do que nos tornamos, em determinado contexto
mediante os recursos históricos, lingüísticos e culturais a que somos expostos.
Esta afirmação se faz necessária porque existem outros que
não são o que sou, são diferentes de mim. A diferença se apresenta como a
representação do que o outro é. É possível perceber o quanto identidade e
diferença estão diretamente relacionadas, pois, ao dizer ‘quem sou’, defino
também quem ‘não sou’, defino quem é o outro, como nos fala T. Silva (2005,
p.75),
A afirmação sou brasileiro”, na verdade é parte de uma
extensa cadeia de ”negações”, de expressões negativas de
identidade, de diferenças. Por trás da afirmação “sou brasileiro”
deve-se ler: “não sou argentino”, não sou chinês”, não sou
japonês” e assim por diante, numa cadeia, neste caso quase
interminável. (...) Da mesma forma, as afirmações sobre
diferença fazem sentido se compreendidas em sua relação
com as afirmações sobre a identidade. Dizer que “ela é
chinesa” significa dizer que “ela não é argentina”, “ela não é
japonesa” etc., incluindo a afirmação de que “ela não é
brasileira”, isto é, que ela não é o que eu sou.
Na possibilidade de dizer aquilo que sou, em estreita dependência
com o dizer aquilo que o outro é, construiu-se sob o prisma da Modernidade a
identidade e a diferença. Do outro diferente fez-se a anormalidade, do grupo
dominante fez-se a única identidade possível e desejável, o que se pretendia
como o ponto de referência para a normalidade. De acordo com T. Silva (2005,
p. 77), “isto reflete a tendência de tomar aquilo que somos como sendo a
norma pela qual descrevemos ou avaliamos aquilo que não somos”.
Podemos perceber a construção da anormalidade de outrem para
a confirmação de uma normalidade; logo, tornar evidente a anormalidade
alheia provoca, simultaneamente, a evidência de nossa normalidade.
T. Silva (2005, p. 84) nos fala que,
Na medida em que é uma operação de diferenciação, de
produção de diferença, o anormal é inteiramente constitutivo do
normal. Assim como a definição da identidade depende da
diferença, a definição do normal depende da definição do
anormal. Aquilo que é deixado de fora é sempre parte da
definição e da constituição do ‘dentro’. A definição do que é
considerado aceitável, desejável, natural é inteiramente
dependente da definição daquilo que é considerado abjeto,
rejeitável, antinatural.
Em seus estudos, Foucault (1997) apresenta a formação do
‘grupo dos anormais’ a partir de três elementos. Primeiro, o monstro humano,
que representava uma dupla infração das leis da natureza (como exceção em
relação à espécie) e da sociedade (leis do casamento, do batismo, da
sucessão).
Uma após outra, as figuras do ser meio-homem meio-
besta (valorizadas sobretudo na Idade Média), as
individualidades duplas (valorizadas sobretudo no
Renascimento), os hermafroditas (que levantaram tantos
problemas nos séculos XVII e XVII) (FOUCAULT, 1997, p. 61).
Posteriormente, o indivíduo a corrigir, cujo aparecimento se dá em
meio ao estabelecimento das técnicas de disciplina dos séculos XVII e XVIII,
nos exércitos, escolas e nas próprias famílias. A interdição era a punição aos
que escapavam da normatividade, seguida pelo enclausuramento.
O enclausuramento exclui de fato e funciona fora das leis,
mas tem como justificação a necessidade de corrigir, melhorar,
conduzir a resipiscência, de fazer retornar a “bons
sentimentos”. A partir dessa forma confusa, mas historicamente
decisiva, é preciso estudar o aparecimento, em datas históricas
precisas, das diferentes instituições de adestramento e das
categorias de indivíduos aos quais ela se dirige. Nascimentos
técnico-institucionais da cegueira, da surdez-mudez, dos
imbecis, dos retardados, dos nervosos, dos desequilibrados
(FOUCAULT, 1997, p. 63).
Por último, o onanista que aparece em correlação com as novas
relações entre a sexualidade e a organização familiar, com a nova posição da
criança neste grupo e a importância ao corpo produtivo como contraponto ao
corpo do prazer.
Para Foucault (1997), descende destes três elementos o
considerado “anormal” por tantas instituições e discursos a partir dos quais a
sociedade instituiu uma série de mecanismos de vigilância e controle, com a
pretensão “defender a sociedade”.
Na busca de melhor compreender este movimento remetemi-me
ao pensamento de Ferre (2001). A autora nos fala que “nada há de o
perturbador como aquilo que a cada um lembra seus próprios defeitos, suas
próprias limitações, suas próprias mortes” (FERRE, 2001, p. 198).
Entendemos que é como elemento perturbador que a
sociedade identifica o outro, seja deficiente, negro, índio, mulher, idoso,
homossexual e tantos outros chamados grupos minoritários em um discurso
social amparado por complexas relações de poder.
Nesta perspectiva, devemos entender que identidade e diferença
não só têm estreita dependência, como também são ativamente produzidas em
relações sociais e culturais. Tais relações, por sua vez, são sustentadas por
determinadas formações ideológicas que propiciam a circulação de discursos
que carregam os sentidos que se pretendem estabelecer sobre o eu e o outro.
Se identidade e diferença são definidas através da circulação de
discursos, estes carregam propriedades da linguagem que são,
proporcionalmente, transferidas aos conceitos em questão.
Uma palavra tem seu sentido construído. Significa pela maneira
como é afetada pela ideologia, significa na relação com o contexto histórico em
que é produzida. “As palavras mais simples do nosso cotidiano chegam até
nós carregadas de sentidos” (ORLANDI, 2000, p. 20). A produção de sentidos
se faz não mediante um contexto imediato, como também é constituída por
um contexto amplo que traz em consideração formulações anteriormente feitas
na/pela sociedade. Para Orlandi (2000), pensando discursivamente a
linguagem, todo dizer se encontra na confluência da memória (por ela chamada
interdiscurso) com o momento de formulação desse dizer. Como se, ao falar, o
fizéssemos com palavras ditas, mas de alguma forma produzindo um novo
dizer no qual os sentidos e os sujeitos se movimentam.
De acordo com Orlandi (2000, p. 37),
Se o real da língua não fosse sujeito a falha e o real da
história não fosse passível de ruptura não haveria
transformação, não haveria movimento possível, nem dos
sujeitos nem dos sentidos. É porque a ngua é sujeita ao
equívoco e a ideologia é um ritual com falhas que o sujeito, ao
significar, se significa. Por isso, dizemos que a incompletude é
a condição da linguagem: nem os sujeitos nem sentidos, logo,
nem o discurso, já estão prontos e acabados. (...) Daí dizermos
que os sentidos e sujeitos sempre podem ser outros.
Identidade e diferença não possuem um referente natural e fixo,
preexistente a quaisquer relações sociais e suas materializações na/pela
linguagem, assim não podem deixar de ser marcadas pela incompletude
característica da linguagem. É esta característica que nos permite os
deslocamentos de sentido, que nos possibilita questionar, contestar e romper
com uma definição hegemônica sobre identidade e diferença.
Na Atualidade, uma nova formação ideológica se apresenta
fundamentada na busca da compreensão da diversidade humana, trazendo a
possibilidade de um novo discurso no qual o sentido da diferença passa a ser
outro.
O reconhecimento da diversidade humana implica o
reconhecimento da existência de uma identidade que não é fixa e estável.
Como nos fala Fleuri (2003), mais que identidade temos identidades, formadas
e transformadas continuamente nos contextos históricos em relação às formas
pelas quais somos representados nos sistemas culturais que nos rodeiam.
À medida que os sistemas de representação e
significação cultural se multiplicam, somos confrontados por
uma multiplicidade desconcertante e cambiante de identidades
possíveis, com cada uma das quais poderíamos nos identificar
– ao menos temporariamente (FLEURI, 2003, p. 56).
Nenhuma identidade é totalmente homogênea. Um grupo de
mulheres pode estar junto em defesa de uma causa, unidas num momento pela
identidade de gênero, podendo em outro momento deste mesmo grupo de
mulheres sobressair outras tantas identidades de cada uma delas como
negras, brancas, deficientes, o-deficientes etc. O mundo não pode mais ter
definida a diferença pela lógica das oposições binárias onde um recebe o valor
positivo e o outro negativo. A existência humana é muito mais complexa.
Este processo de múltiplas possibilidades de identidade a
depender da forma como o sujeito é interpelado ou representado constitui,
segundo Hall (2005, p. 21), a mudança de uma política de identidade para uma
política da diferença.
Diante dos possíveis deslocamentos de sentidos, L. Marques
(2001) reconhece, na Atualidade, a coexistência de três formações discursivas
no tratamento da diferença identificada nas pessoas com deficiência que
podemos estender às demais categorias sociais. A formação discursiva que
coloca o diferente como “desviante”, tendo como referencial a dicotomia
normalidade x anormalidade, que constitui a formação ideológica da exclusão.
A outra, que torna visível o diferente e se constitui como um movimento da
exclusão em direção à inclusão identificada como a formação ideológica da
integração. E uma terceira formação discursiva que pensa a sociedade sem
referenciais determinados, pensa os sujeitos na diversidade dentro da
formação ideológica da inclusão.
A pedagogia carrega em seu interior o mesmo deslocamento de
sentidos na compreensão do outro e das diferenças, possíveis de serem
observadas na amplitude das relações sociais. Skliar (2002) nos apresenta três
possíveis formas de entender a pedagogia e seu modo de relacionar-se com o
outro, que compreendemos discursos paralelos às diferentes formações
discursivas anteriormente citadas.
A pedagogia do outro que deve ser anulado, que nega que o outro
tenha existido como outro: não há o outro porque “nem são enunciados, nem
estão para enunciar-se” (SKLIAR, p. 2002, p. 11). A pedagogia do outro
como hóspede, “que tenta alcançar o outro, capturar o outro, domesticar o
outro, dar-lhe voz para que diga sempre o mesmo (...) oferecer-lhe um lugar
vago, escolarizá-lo cada vez mais para que, cada vez mais, possa parecer-se
com o mesmo, ser o mesmo”. E finalmente a pedagogia do outro que
reverbera. Uma pedagogia que não pode ocultar as barbáries do mesmo bem
como “não pode ordenar, nomear, definir, ou fazer congruentes os silêncios, os
gestos,os olhares e as palavras do outro” (SKLIAR, 2002, p. 11).
A escola, no período da Modernidade, teve definida como sua a
tarefa de educar produzir a ordem, classificar. Ao ordenar e classificar,
reproduz sempre o mesmo, leva em conta apenas o ponto de vista de um,
daquele que detém o privilégio de ter seu discurso reproduzido nas instituições
sociais, neste caso na instituição escolar, como nos fala Skliar (2002, p. 9),
o tempo da modernidade e o tempo da escolarização insistem
em ser como decalques, temporalidades que só desejam a
ordem, que teimam em classificar, em produzir mesmidades
homogêneas, íntegras, sem fissuras, a salvo de toda
contaminação do outro; a espacialidade da modernidade e o
espaço escolar insistem em ser como irmãs de sangue,
espacialidades que buscam restringir o outro pra longe de
seu território, de sua língua, de sua sexualidade, de seu
gênero, de sua idade, de sua raça, etc. Modernidade e escola
como uma temporalidade simétrica onde cada coisa deveria ter
seu espaço e cada espaço deveria seguir o ritmo de um tempo
monocórdio, insensível, inevitável.
Assim como as concepções da Modernidade se apresentaram
como limitadas para a compreensão do humano, na Atualidade, também a
escola, como parte constitutiva do todo social, está diante da necessidade de
reorganizar-se para este momento.
A pedagogia e o currículo deveriam ser capazes de
oferecer oportunidades para que as crianças e os/as jovens
desenvolvessem capacidades de crítica e questionamento
dos sistemas e das formas dominantes de representação da
identidade e da diferença (T. SILVA, 2000, p. 92).
Reconhecer o outro se mostra um problema pedagógico, pois a
escola em conformidade com o social é imagem do mundo: é um lugar
heterogêneo onde o encontro com o outro é inevitável para os alunos e as
alunas, para os professores e as professoras.
Posta a discussão sobre a valorização das diferenças que implica
diretamente no seu reconhecimento como diversidade humana é exigida uma
participação efetiva da escola revendo os diversos aspectos de sua prática
pedagógica e os discursos por eles/neles veiculados: seus conteúdos e
recursos pedagógicos, seus tempos e espaços, o processo de avaliação, a
constituição das subjetividades, as relações interpessoais dentro do espaço
educativo.
Dentre todos os elementos que compõem a organização
educacional e que, de alguma forma, devem ser revistos para que possa haver
o deslocamento de uma concepção excludente de sociedade para uma outra
fundada na diversidade humana, optei neste estudo por compreender os
sentidos sobre diferença veiculados pelo livro didático.
5 OS SENTIDOS SOBRE DIFERENÇA
O problema não está em saber que
e quais são as diferenças, qual é a
“melhor definição de ”diferenças”,
mas em como inventamos e
reinventamos, quotidianamente, os
outros “diferentes”, a alteridade
“diferente” (SKLIAR, 2005, p. 53).
Acreditamos na importância de se fazer lembrar neste momento
as palavras de Orlandi (2000, p. 64) quando a autora nos diz que “todo
discurso é parte de um processo discursivo mais amplo”, por isso, os discursos
com os quais trabalhamos não são limitados apenas ao material impresso e
colocado em nossas mãos como unidade de análise: livros. Extrapolando os
limites físicos de um livro, eles são o resultado do trabalho de suas autoras e
de uma história mais ampla em que elas estão inseridas. Bem como, este
capítulo se constitui em uma possibilidade de análise que não se esgota aqui e
corresponde ao resultado do nosso processo de compreensão sobre o corpus
discursivo.
Tratarei, inicialmente, das coleções com as quais trabalhei e das
percepções das autoras sobre o meu tema de estudo.
A coleção Construindo a escrita textos, gramática e ortografia,
em seus quatro volumes da 1ª à 4ª série do Ensino Fundamental, é dividida em
duas partes: a primeira, intitulada Textos: leitura e interpretação e a segunda,
intitulada Gramática e Ortografia. Como trabalhei com o livro destinado aos
professores e às professoras, este traz ainda ao final do livro o Manual do
Professor. Nele estão contidos a fundamentação da coleção, os objetivos e
orientações para que os professores e as professoras desenvolvam cada
atividade do livro.
A coleção Português uma proposta para o letramento, em seus
quatro volumes da à série do Ensino Fundamental, é dividida em
unidades temáticas, cada uma delas com seus textos e atividades. Nesta
coleção os
objetivos e orientações para as atividades seguem nas margens
direita e esquerda de acordo com a disposição de cada página. O Manual do
Professor encontrado no final do livro traz os fundamentos teóricos da coleção.
É interessante ressaltar que, apesar das atuais discussões sobre
gênero, as editoras mantêm o termo Manual do Professor.
Em entrevista com as autoras, como parte de nosso corpus
discursivo, buscamos encontrar a relação do processo de construção dos livros
com a diversidade.
Visto as coleções serem de Língua Portuguesa, existiu a
preocupação das autoras em considerar as diferenças dentro desta área de
conhecimento especificamente.
A autora de Construindo a escrita preparou a coleção com o
objetivo de auxiliar a construção e transformação da escrita da criança que
pode apresentar alguma dificuldade neste processo:
Carvalho: _ Porque eu tive que ir estudando e compreendendo o quê que as crianças
pensavam pra errar, porque elas erravam, pra eu entender como que eu tinha que
montar uma atividade pra ela sair do erro. entende? Porque quando você faz uma
intervenção a partir só da teoria lingüística, que é uma intervenção apesar da criança é
simples. Agora quando você faz uma intervenção a partir da criança cê tem que entrar
no mundo dela e entender o pensamento dela.
A autora de Português – uma proposta para o letramento fala da
diversidade lingüística:
Soares: _Tem uma coisa que em livro de português aparece com certa freqüência eu
tive experiência de ter que discutir isso algumas vezes é preconceito lingüístico, né?
Preconceito contra um dialeto, porque a gente trabalha nos livros de português, você
trabalha com a diversidade lingüística. Que pessoas, pessoas que falam, como
grupos sociais diferentes, falam diferente. Regiões diferentes falam diferente. Não há o
português certo que todos são certos e tal, essa conversa toda. Mas tem muita gente
que acha que não e que tem que ensinar o que eles chamam de português certo.
Aquele que ta na gramática normativa. Então no caso do preconceito lingüístico é
outro que no caso de professores de livro didático de português é uma questão que
tem que ser trabalhada.
Como vimos em capítulo anterior, é critério para classificação do
Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) que as diferenças sejam
consideradas não apenas em relação à linguagem, mas em todos os seus
aspectos, de maneira a não veicular qualquer tipo de preconceito de origem
étnica, religiosa, de gênero etc.
Dentro deste aspecto, a autora de Construindo a escrita esclarece
que sempre existiu um cuidado na escolha dos textos, sobretudo a partir das
reformulações necessárias aos livros com o PNLD e se posiciona:
Carvalho:_ Que se eu puser uma princesa loirinha ela pode trazer a discussão porque
é loirinha, se eu puser pretinha porque é pretinha, se eu puser japonesa porque é
japonesa. Entende? Quer dizer. Eu acho que ela enquanto possibilidade de
discussão muito mais na mão do professor do que do próprio texto. entende o que
eu quero dizer? (...) Porque se o professor tiver este olhar qualquer texto pode ser
uma situação pra ele trabalhando. E se, por exemplo, ele tem preconceito qualquer
texto pode ser (aplicado?) com preconceito. Você entende? (...) Então assim nenhum
autor a meu ver tem essa garantia. Muito mais do professor e o autor pode colocar um
texto cheio de preconceito num livro e o professor justamente destacar o quanto o
autor foi preconceituoso e ele usar de uma maneira a desmontrar o preconceito por ex.
então tá muito mais na mão do professor do que do autor a meu ver.
Para a autora de Português uma proposta para o letramento o
livro didático é um instrumento para colaborar com o trabalho do professor, um
instrumento que não esgota tudo e a partir do qual ele pode e deve fazer muita
coisa. Com relação às diferenças nos fala que:
Soares:_ Porque as pessoas, há uma história de construção de preconceitos nesse
país, né? Então é uma coisa que passa sem a pessoa ter muita consciência disso.
(...) Eu trabalhei sempre com pesquisa na área exatamente da diversidade,
diversidade sócio-econômica então isso pra mim, eu diria que num chegou, num
chega a ser uma coisa difícil porque eu sou, eu acho que eu sou, eu num tenho
preconceito. Eu me surpreendo às vezes de identificar preconceito no outro, porque
é uma situação que jamais passaria pela minha cabeça, né? O preconceito. (...)
Você num querer levar ao exagero e querer falsificar porque aí é que é pior. Que se
você finge que não tem o preconceito é pior do que você expressar, reconhecer
preconceito. E esse país tem vivido isso. É proclamar que não tem preconceito
quando na verdade tem e então, isso serve pra deixar o preconceito escondido,
né? E, portanto difícil de combater. Como é que você vai combater um inimigo que
não se configura? Essa é uma questão. Outra questão que eu acho que com
relação ao livro didático é importante pensar é que... Ligada a essa o preconceito
áa presente no país. Também no livro didático você não deve esconder, mas você
deve discutir o preconceito que aí é que você forma, né?O contra-peconceito.
Para a primeira autora está “nas os do professor” o fim que
será dado ao texto dos livros. Esta colocação nos chama a atenção para o
papel do professor no trabalho com o livro e acreditamos que, sem dúvida,
este é um fator relevante, afinal não se pode prever a relação do professor
com o livro e o que está sendo nele abordado, mas isso não exime de
responsabilidade os autores de livros didáticos estarem se posicionando
diante do tema na construção de seus livros. A segunda autora se mostra
mais atenta a esse aspecto, levando em consideração a função do livro de
informar seu leitor, ao falar que no livro didático “você não deve esconder” o
preconceito.
Apresento a partir deste momento como as diferenças se
mostram, ou o mostradas, nos livros para compreendermos os sentidos
então veiculados. Consideramos as orientações ao professor, por ser o
momento em que o autor se posiciona de maneira mais direta para o
profissional que irá trabalhar com seu livro sobre o que pretende em cada
atividade; os textos e as imagens que os compõem, pois texto e ilustração
são complementares, como nos fala Azevedo (1997, n. p.): “é impossível
negar que todo texto ilustrado vai, necessariamente, receber interferência de
suas ilustrações”.
No livro Português uma proposta para o letramento volume
1 a escola é tema central da primeira unidade. Através do que foi exposto,
podemos resgatar a presença marcante dos padrões modernos presentes
em sua organização, e conseqüentemente o lugar das diferenças dentro
deste contexto.
No decorrer da unidade, a autora buscou apresentar a
definição de escola, utilizando diferentes recursos. Um deles o poema A
escola de José de Nicola:
Figura 1: Português - uma proposta para o letramento, v.1, p. 10
Na exploração do poema (Figura 1), as questões nos mostram
uma rígida separação entre hora de brincadeira e hora de escola.
Qual é a idéia principal do poema? Pinte o quadradinho:
Toda hora é hora de brincadeira.
Uma hora é hora de brincadeira, outra é de escola.
(Português – uma proposta para o letramento, v. 1, p. 12)
Esta dissociação da hora do brincar e hora do aprender nos
sugere a visão que se tem da escola como um lugar onde não se brinca e
que brincando, não se aprende, por isso, brincar é visto como algo
prazeroso para a criança, e estudar não incluiria esta mesma possibilidade.
Seria o prazer algo que não correspondesse ou impedisse uma
aprendizagem bem sucedida.
Outro recurso para trabalhar a escola foi a apresentação das
definições do Dicionário Aurélio infantil de Língua Portuguesa (Figura 2), da
Folhinha do jornal Folha de São Paulo (Figura 3) e do Dicionário Infantil de
humor de Pedro Bloch (Figura 4).
Figura 2: Português - uma proposta para o letramento, v.1, p. 14
Figura 3: Português - uma proposta para o letramento, v.1, p. 14
Figura 4: Português - uma proposta para o letramento, v.1, p. 14
Destacamos a definição da Figura 4, pois se merenda e recreio
podem ser classificadas como as coisas boas da escola, como classificar então
o momento de aprender? Uma das atividades que seguem estas definições a
autora possibilita a reflexão e a discussão sobre isto, pedindo respostas
pessoais dos alunos e alunas sobre o que se tem de melhor e pior na escola.
A autora coloca como orientação ao professor: “4. (A) Sugestão:
aproveitar a oportunidade para discutir com os alunos o papel, as funções, a
importância da escola, o que nela se aprende, o que nela se faz” (Português
uma proposta para o letramento, v.1, p. 16).
A escola na Modernidade foi constituída e organizada dentro
dos padrões da época e usada como instrumento para difusão desses mesmos
padrões.
O saber está intimamente ligado ao poder. Conhecimento e
dominação são preceitos de construção da ciência moderna que marcaram
também o desenvolvimento da instituição escolar.
Como nos fala Gallo (2000, p. 24),
O processo histórico de construção das ciências
modernas agiu através da divisão do mundo em fragmentos
cada vez menores, de forma a poder conhecê-los e dominá-
los. No desejo humano de conhecer o mundo está embutido
seu desejo secreto de dominar o mundo.
Por sua vez a educação sempre esteve também
permeada pelos mecanismos de controle.
Pensemos então na disciplina e seu duplo sentido: disciplina
relacionada ao saber e disciplina relacionada ao comportamento. Mecanismos
que permitiram organizar a escola no momento de sua criação e que ecoam
ainda na escola de hoje.
A disciplina relacionada ao comportamento, segundo Gallo
(2000), está relacionada a fazer com que o aluno e a aluna percebam seu lugar
social. A forma como as carteiras estão dispostas em sala visa ao domínio do
professor e da professora sobre a classe, considerando-se que assim o
aprendizado pode acontecer.
De acordo com Alves e Garcia (2000, p. 88), é neste sentido
que “se cria um dos mitos escolares mais difíceis de superar: a criança para
aprender precisa estar quieta, pois o corpo imóvel permite que a mente se
mova melhor”.
A disciplina relacionada ao saber está diretamente ligada à
fragmentação do conhecimento. Esta fragmentação se fez necessária no
momento em que ocorreu o desenvolvimento da sociedade moderna, pois foi
por este processo de divisão do conhecimento que chegamos aos avanços da
ciência. Na escola, esta disciplinarização possibilitou e possibilita o controle
sobre o aprendizado do aluno e da aluna. Os saberes que devem ser
aprendidos são separados daqueles que não precisam ser aprendidos dentro
de um currículo preestabelecido, colocado de fora para dentro das escolas.
Ainda que hoje se discuta uma nova reorganização de disciplinas e conteúdos,
que atendam mais e sejam mais próximos das necessidades específicas de
cada grupo, permanece um “currículo nacional” que sob o argumento de
direcionar, acaba por hegemonizar o conhecimento.
Além do controle sobre o que e quando deve ser aprendido, as
disciplinas possibilitam o controle sobre o quanto deve ser aprendido. Através
da avaliação, ou seja, da quantificação e classificação do aprendizado, são
classificados, e sobretudo controlados, os alunos e as alunas. A possibilidade
de controle e exercício do poder com as notas passa a ser utilizado não apenas
pelos professores e professoras, como também passam a ser instrumento dos
pais, como nos mostra a Figura 5.
Figura 5: Construindo a escrita, v. 2, p. 119
A tira de O Menino Maluquinho, do Ziraldo, pode nos mostrar as
concepções de aluno ideal na escola de padrões modernos. Atingir o sucesso
na escola moderna significa se enquadrar nos padrões de inteligência e bom
comportamento, como é o caso do aluno Lúcio da Figura 6.
Figura 6: Português- uma proposta par o letramento, v. 1, p.21
Nesta organização educacional da Modernidade, que lugar
ocupa ou tem aquele, ou aqueles alunos e alunas, que se diferem do padrão
estabelecido como correto?
Esta divisão de alunos e alunas, que se fez presente na
construção da escola é fundamentada no processo de grupalização da
sociedade. Alves e Garcia (2000, p. 89), ao explicarem esse processo, dizem
que:
Os grupos que foram dominando e organizando a
sociedade a seu favor e segundo os seus interesses
precisaram ordená-la, criando grupos genéricos, sempre ditos
no singular, quase sempre no masculino: o operário, o
professor, o aluno, a escola, etc. Este processo foi possível
pelo desenvolvimento da idéia de que os específicos e as
diferenças existentes entre os variados exemplares não tinham
interesse e que para se dar uma “idéia geral” da sociedade era
preciso a realização de somas e divisões que permitissem
chegar as médias que, na verdade não existem, ou dito de
outra forma, são mera abstração.
Assim, organizou-se e organiza-se o tempo e espaço na escola:
as turmas dos que sabem e dos que não sabem, ou dos que aprendem ou o
aprendem; dos que serão aprovados ou reprovados nas avaliações; os testes
de Q.I. (quociente de inteligência) que definem os que são normais ou
anormais; os quietinhos ou bagunceiros.
O Menino Maluquinho se torna o diferente, como descreve o
poema da figura 7, porque não se comporta como os outros, porque não se
veste como os outros, porque traz uma panela na cabeça, marcando sua
diferença.
Figura 7: Português – uma proposta par o letramento, v. 1, p. 18
Nesta organização de educação, no primeiro momento a atitude
é excluir aqueles alunos e alunas fora dos padrões; num segundo momento,
tolerando a diferença, a escola tenta enquadrá-los em seus padrões.
Figura 8: Português – uma proposta par o letramento, v. 1, p. 18
Na tira da figura 8 fica evidente que Lúcio se apropriou da
classificação, assim como os demais colegas que cobram dele seu
desempenho, o que acaba dizendo, implicitamente, que reconheceram o
estigma que a eles também foi destinado, como os menos capazes e
diferentes, pois estão fora do padrão. Lúcio é indagado pela professora sobre
não permanecer na sala, sugerindo, inclusive, sua mudança de turma. Isto nos
remete a uma visão de organização escolar que supõe a homogeneidade das
turmas a partir do desempenho na aprendizagem, sendo a nota utilizada como
critério de classificação. Ao aluno e aluna que estão dentro dos padrões o
mérito das melhores notas, da aprovação, entretanto, se Lúcio atende aos
padrões da Modernidade de bom aluno, pode não atender a outro padrão.
Lúcio é negro.
Dentro das determinações da Modernidade, estendidas por longo
tempo, ser negro, estar na escola e ser o bom aluno seria algo questionável. A
presença deste bom aluno negro é resultado de um complexo percurso
histórico. Esta presença mostra o deslocamento de um discurso no qual os
padrões e valores tidos como universais foram fundamentados pela figura do
homem europeu branco, para um discurso que relativisa os padrões e valores
em relação ao gênero, origem e etnia.
Como nos fala Santos (1995, n. p.), “se se contesta hoje a
modernidade nessa aversão que teve pela diferença, é porque precisamente
nem todas as diferenças necessariamente inferiorizam as pessoas”. O que se
compreende na Atualidade é que a constituição das identidades e sociedades
acontecem, sobretudo pelas diferenças entre culturas e diferenças entre
sujeitos que, mesmo dentro de uma mesma cultura, se fazem diferentes.
Figura 9: Construindo a escrita, v. 2, p. 234
A imagem da Figura 9 teve como objetivo a aplicação de um
conteúdo (neste caso, adjetivos pátrios terminados em es) da disciplina para a
qual o livro se dirige e mostra a diversidade cultural unicamente baseada na
divisão entre países. Nenhuma discussão é proposta, levando-se em
consideração estas culturas e a influência de cada uma sobre as outras.
“As culturas nacionais são uma forma distintivamente moderna”
(HALL, 2005, p. 49). De acordo Hall (2005), estas são discursos construtores
de sentidos que buscaram na organização da sociedade moderna a
universalização de determinados padrões, como também influenciaram a
concepção que temos de nós mesmos, pois passamos a nos identificar com
estes sentidos.
Para dizer de forma simples: não importa quão diferentes
seus membros possam ser em termos de classe, gênero ou
raça, uma cultura nacional busca unificá-los numa identidade
cultural, para representá-los todos como pertencendo à mesma
e grande família nacional. Mas seria a identidade nacional uma
identidade unificadora desse tipo, uma identidade que anula e
subordina a diferença cultural? (HALL, 2005, p. 59)
Hall (2005) parte dos seguintes pressupostos para responder seu
questionamento: a maioria das nações compõe-se de variadas culturas,
unificadas por processos de conquistas, que submeteu povos conquistados à
cultura do conquistador na tentativa de uma máxima homogeneização cultural
e as nações são internamente compostas por diferentes classes sociais,
grupos étnicos e de gênero. Desta maneira, as culturas nacionais devem ser
pensadas em suas muitas divisões e diferenças internas.
A menção sobre a diversidade cultural aparece no livro
Construindo a Escrita volume 3, partindo do trecho de um texto retirado do
livro Crianças como você, de Barnabas e Anabel Kindersley, indicado como
sugestão de leitura se for interesse dos alunos e das alunas saber mais sobre
as crianças do mundo. Terminadas as atividades de gramática referentes ao
texto, a autora pede aos alunos e às alunas que, como no texto apresentado,
contem sobre suas vidas e troquem de caderno para que conheçam um pouco
da vida dos colegas (Figura 10).
Figura 10: Construindo a escrita, v. 2, p. 139
A orientação no Manual do professor refere-se ao respeito à diferença.
Estratégia: leia o texto com os alunos e discuta o conteúdo. Marque as diferenças
como outras possibilidades e não com olhar de julgamento, como bom ou ruim. Pensar
apenas como diferença é a base do respeito, tão desejado por nós como princípio de
relação. Depois, peça que, em duplas, façam a atividade. Nossos objetivos são de que
possam rever as terminações de infinitivo e o agrupamento em conjugações.
(Construindo a Escrita, v. 3, Manual do Professor, p. 79).
A vida no deserto (Figura 11) é outra cultura apresentada, desta
vez no livro Construindo a Escrita volume 2. O texto traz informações sobre
as casas, roupas e maneira de se alimentar dos povos que vivem no deserto.
Figura 11: Construindo a escrita, v. 2, p. 165
Segue no Manual do professor a orientação de que o texto
informa às crianças sobre diferentes modos de pensar, se organizar e
solucionar problemas. Nesta orientação, como na anterior, percebemos a
preocupação da autora em passar para o professor e a professora para que
repassem aos alunos e às alunas estas possibilidades de compreender o
mundo, mas a autora não trata do assunto diretamente nos exercícios dirigidos
aos alunos e às alunas.
Estratégia: usando o texto sobre o modo de viver do deserto, podemos trazer essas
informações aos alunos, além de possibilitar que percebam modos diferentes de
pensar, de se organizar, de solucionar problemas. A abertura de outras perspectivas é
essencial para a abertura de novos possíveis no modo de cada um viver, compreender
o mundo e resolver problemas (Construindo a escrita, v. 2, Manual do professor, p.75).
Nosso país é um claro exemplo de nação que se constituiu a
partir da presença de variadas culturas. A cultura indígena, apenas uma das
tantas que constituem identidade cultural de nosso país, aparece nos livros. No
livro Construindo a escrita, volume 3 os povos indígenas são mencionados em
um texto sobre moradias. A afirmação é de que estes povos constroem suas
casas com recursos da própria natureza (Figura 12). Nesta mesma coleção,
volume 4, o texto é sobre o trabalho indígena. Relata que, muitas vezes, se diz
que o índio é preguiçoso, mas que esta é uma afirmação injusta porque foi
inventada pelos colonizadores que queriam forçar o índio a trabalhar. De
acordo com o texto, o índio passa horas em atividades de auto-sustentação e,
diferente de um “não-índio”, não pensa em acúmulo de bens e riquezas (Figura
13).
Figura 12: construindo a escrita, v. 2, p. 177 Figura 13: Construindo a escrita, v. 4, p 129
Nestes dois casos as atividades que seguem os textos visam ao
conteúdo da disciplina, pontuar e interpretar. Os livros não trazem qualquer
orientação complementar sobre as discussões que poderiam surgir sobre a
vida indígena. Segundo Costa (2003), ainda hoje, para o senso comum, a
figura do índio puro e de hábitos primitivos configura-se como referencial
estático, a diversidade cultural das sociedades indígenas e a historicidade
são ignoradas. Com base nisto, acreditamos que a discussão no livro
poderia ter sido ampliada não em orientação ao professor e à professora,
mas também nos próprios exercícios para que os alunos e as alunas
observassem, criticamente, os textos, colaborando, dessa, forma para a
construção de uma imagem mais contextualizada, menos simplificadora e
sem estereótipos.
No livro Construindo a Escrita volume 2, o texto Projeto Axé,
lição de cidadania, informa sobre o Projeto que ajuda meninos e meninas de
rua. Segundo o texto, a cultura africana de marcante presença na Bahia, se
mostra no nome do projeto e também no seu desenvolvimento, pois um dos
seus objetivos é a reconstrução da auto-estima e a valorização das raízes
culturais africanas (Figura 14).
Figura 14: Construindo a escrita, v. 2, p. 150
No Manual do Professor a orientação não se refere à cultura
africana e sua contribuição na formação cultural do nosso país como um todo e
não apenas na Bahia. As orientações ao trabalho do professor e da professora
poderiam dar destaque a este tema, entretanto, seguem para o tema a
cidadania.
Estratégia: peça que leiam a primeira parte do texto sobre o projeto Axé. Converse
com eles sobre seu conteúdo e sobre a possibilidade e importância de cada um de nós
pensar um modo de participar ativamente para a transformação da sociedade, para a
melhoria da qualidade de vida de todos, como cidadãos que somos. Ressalte o
compromisso social deles e quanto o projeto Axé prova que é possível fazer algo.
(Construindo a escrita, v. 2, Manual do Professor, p. 69)
Tratar do tema cidadania se faz relevante para nossa análise,
pela referência de cidadania no corpo do texto: “ajudar a meninos e meninas de
rua a construir projetos de vida, transformando-os de pivetes em cidadãos.”
Cidadania é um tema de estreita relação com a luta travada
contra a discriminação por gênero, etnia, religião, condição social etc., pelo
reconhecimento da nossa igualdade como seres humanos e das diferenças
específicas de cada um Se hoje estes grupos lutam pelo reconhecimento de
suas diferenças específicas, a luta se iniciou pelo reconhecimento da sua
igualdade como seres humanos com direitos e deveres, pelo reconhecimento
de cidadãos.
Em um estudo focalizando a análise de livros didáticos de
Estudos Sociais, de primeira a quarta rie do ensino fundamental, Höfling
(1987, p. 19-20) considera que
Independentemente da conceituação de cidadania
desenvolvida por diferentes autores, em suas raízes liberais,
dois pontos podem ser indicados como consensuais: cidadania
corresponde a direito e dever à participação; e cidadania
diz respeito a um sistema de igualdade. Ou seja, quando se
fala em cidadania, trata-se, em última análise, da natureza da
participação que o indivíduo tem na sociedade em que vive. E
esta participação, mesmo que teoricamente apenas, é possível
em bases iguais para todos os cidadãos.
A autora questiona o fato de que os direitos de cidadania possam
ser e estejam sendo exercidos igualmente por todos aqueles que fazem parte
de uma mesma sociedade, especialmente numa sociedade de classes “com
condições sociais consideradas injustas” (HÖFLING, 1987, p. 21). Na
conclusão de seu trabalho, percebeu “a presença marcante, com exceções, de
uma ‘não-orientação’ para o exercício da cidadania, em outros termos, uma
não orientação para a participação real na sociedade em que vive o aluno”
(HÖFLING, 1987, p. 21).
Cidadania é também assunto no livro Proposta para o letramento
- volume 3, na Unidade 1 Qual é o seu nome? Para responder o porquê dos
nomes serem escolhidos pelos pais, a autora utilizou a seguinte explicação
colocada como leitura para os alunos e as alunas:
POR QUE a gente não pode escolher o próprio nome?
PORQUE quando uma criança nasce, os pais têm que registrar essa criança no
cartório, para ela existir como cidadã, como moradora oficial da cidade, do país, do
mundo. A certidão de nascimento é o primeiro documento que a gente tem. E os pais
têm que pôr o nome e o sobrenome da criança na certidão de nascimento, e não
adianta perguntar para um bebê que nome ele quer ter, adianta? (Português – uma
proposta para o letramento, v. 3, p. 20)
A leitura é seguida de alguns tópicos que discutem sobre o que é
ser cidadão. Neste momento, a autora traz a definição de cidadão retirada de
um dicionário a partir do qual solicita que os alunos e alunas citem outros
direitos e deveres dos cidadãos.
Cidadão
s.m. habitante de uma cidade, que tem direitos e deveres individuais e políticos: Nino
sabe que um de seus deveres de cidadão é manter a cidade limpa.
Lídia Chaib, Beatriz Rosenberg. Dicionário
do Castelo Rá-Tim-Bum. Rio de Janeiro:
Salamandra, 1997, p. 60.
(Português - uma proposta para o letramento, v. 3, p. 21)
Na orientação ao professor e à professora, a autora cita esta
discussão como o primeiro dos objetivos dos Parâmetros Curriculares
Nacionais (BRASIL, 1997) e sugere que eles repassem este objetivo para os
alunos e as alunas para que auxiliem na discussão.
A questão permite desenvolver a compreensão de cidadania, o primeiro dos objetivos
gerais do ensino fundamental, propostos pelos Parâmetros Curriculares Nacionais;
será interessante apresentar este objetivo aos alunos, escrevendo-o no quadro-de-giz:
“compreender a cidadania como participação social e política, assim como exercício
de direitos e deveres políticos civis e sociais, adotando, no dia-a-dia, atitudes de
solidariedade, cooperação e repúdio às injustiças, respeitando o outro e exigindo para
si o mesmo respeito”.
(Português – uma proposta para o letramento, v. 3, p. 21)
Encontramos no livro Português uma proposta para o
letramento, volume ,2 o texto intitulado O homem do saco, de Regina
Drummond (Figura 15). Neste texto crianças observam um velho barbudo,
chamado “homem do saco” que todos os dias passa em frente ao prédio de
Aline. As crianças tentam adivinhar o que aquele homem carrega dentro
daquele saco. As suspeitas são de que ele come criancinhas ou que é um
andarilho, um pobre-coitado. Aline resolve perguntar ao homem o que ele traz
ali. Ele responde que mora na rua e no saco carrega todas as suas coisas. A
conclusão do texto é de que Aline percebeu que ele era uma pessoa muito
especial que não se preocupava em possuir coisas.
Figura 15: Português – uma proposta para o letramento, v. 2, p. 94
A autora apresenta ao professor e à professora, além da
orientação ao conteúdo a ser trabalhado na disciplina (leitura e interpretação),
a proposta de que estejam atentos para que mensagem o texto possa estar
deixando sobre morar na rua e propõe que discutam com os alunos e as alunas
os preconceitos que podem ser apresentados sobre um morador de rua.
Ao discutir as respostas, levar os alunos a confrontar suas opiniões, a identificar preconceitos
ou generalizações indevidas, se aparecerem (como a opinião de que todo mundo que mora na
rua é ladra, é assaltante, é vagabundo, etc., ou, ao contrário, que quem mora na rua é sempre
uma pessoa “especial”).
O texto pode levar os alunos a desconsiderar a injustiça social de haver quem não tem onde
morar, que apresenta uma visão fantasiosa, romântica desse problema. (Proposta para o
letramento, v. 2, p. 101)
Em seqüência e como complementação desta discussão, este
mesmo livro traz o poema Sem casa, de Roseana Murray, que trata de uma
outra visão sobre morar na rua. O poema afirma que as pessoas m que ter
onde morar, ilustrado com a figura de um menino dormindo na rua (Figura 16).
A autora complementa, propondo como discussão para que o professor e a
professora reflitam com os alunos e as alunas a necessidade de se ter não
uma casa para morar, mas todos os direitos sociais para uma vida adequada
(saúde, alimentação etc.).
Figura 16: Português – uma proposta para o letramento, v. 2, p. 102
A discussão segue diante da apresentação de uma nova imagem
retirada do jornal O Estado de São Paulo (Figura 17). Na introdução ao
exercício de produção de textos, a autora pede a opinião das crianças: Todas
as pessoas precisam ter uma casa onde morar? Por quê? Sugere que ouçam a
opinião dos colegas, defendam a que julgarem mais correta ou respeitem a
opinião de cada um caso não cheguem a um consenso.
Figura 17: Português – uma proposta para o letramento, v. 2, p. 103
A autora usou de vários recursos para tratar do tema cidadania:
terminologias e conceitos próprios ao tema e textos mostrando um fato real da
nossa sociedade. Assim, mais do que discutir sobre seus direitos e deveres
como cidadãs os alunos e as alunas poderão discutir se todos na sociedade
conseguem usufruir a condição de cidadão e ainda reflitir que vários fatores
agem diretamente sobre a vida das pessoas, contribuindo ou não para que elas
tenham sua cidadania respeitada. A contraposição do texto e do poema
permite que os alunos e as alunas conheçam os vários lados de uma mesma
situação e como as pessoas podem reagir de forma diferente diante de um
mesmo fato. É relevante que recebam informações e aprendam a refletir sobre
elas para que, a partir daí, tenham condição de construir sua própria opinião.
Mais do que falar sobre direitos e deveres, a autora buscou proporcionar a
reflexão dos alunos e das alunas.
O texto Sem esta de coitadinho (Construindo a escrita, v. 3,
p.205), faz referência à cidadania das pessoas com deficiência física: “já é
hora, portanto, de a sociedade se conscientizar de que essas pessoas têm os
mesmos direitos de qualquer outro cidadão”. Baseado em uma reportagem da
revista Isto É, descreve que pessoas com deficiência física podem dançar,
praticar esportes e que a maior dificuldade que encontram não são as
competições das quais participam, mas os problemas enfrentados no dia-a-dia
para se locomoverem ou arrumarem um emprego. Isto por conta da falta de
acessibilidade nos elevadore, nos ônibus, rampas em prédios e estações de
metrô, rebaixamento das calçadas. O texto de importante conteúdo traz erros
de acentuação, porque a proposta do exercício é a correção dos acentos,
porém não traz nenhuma discussão sobre o tema cidadania ou deficiência,
nem mesmo no Manual do Professor.
As pessoas com deficiência foram, assim como negros, idosos,
mulheres e homossexuais, colocadas pela Modernidade numa condição de
inferioridade e/ou de incapacidade. Foram submetidos ao isolamento e controle
e, a partir do desenvolvimento das ciências humanas e sociais, começaram
a surgir novas formas de atendimento às pessoas com deficiência. A luta das
pessoas com deficiência e demais grupos minoritários pelo reconhecimento a
igualdade de direitos ganhou força, principalmente, a partir das ultimas
décadas do século XX. A garantia em lei dos direitos políticos de cidadania não
tem garantido, efetivamente, o respeito à diversidade humana. Com base na
leitura social moderna, a segregação permanece como a formação ideológica
predominante.
Dependendo da leitura social que se faz das características de
cada pessoa, sua diferença pode ser trazida à tona como uma marca
depreciativa. Este fator determina a estigmatização e estereotipação que
podem ser feitas sobre alguém ou alguma coisa.
O estigma, ou a marca que é evidenciada em uma pessoa para
sua categorização, aparece de variadas maneiras. Uma pessoa pode ser
estigmatizada por alguma marca, como uma deficiência, comportamento ou
pela sua estatura etc.
No livro Português – uma proposta para o letramento - volume 3 a
autora traz para discussão os apelidos e apresenta três personagens que têm
seus apelidos diretamente relacionados a suas características mais marcantes
que, de acordo com uma determinada leitura social, são características que os
marcam como diferentes dos demais de seu grupo.
Figura 18: Português – uma proposta para o letramento, v. 3, p. 42
Figura 19: Português - uma proposta para Figura 20: Português uma
proposta o letramento, v. 3, p. 43 para o letramento, v. 3, p. 42
O primeiro deles, o Menino Maluquinho, de Ziraldo, que tem
seu apelido tão incorporado que nem mesmo a mãe se lembra do seu nome
(Figura 18). Outro personagem, a Olívia Palito, namorada do marinheiro
Popeye, que, como descreve a própria autora, era assim chamada por sua
magreza (Figura 19). Esta personagem foi a inspiração para o apelido da
menina do texto de leitura colocado para os alunos e as alunas, Olívia Pirulito
de Cristina Porto (Figura 20.) A menina que não gostava do seu apelido se
conforma, por pensar na possibilidade de outro pior. No início do texto a
personagem descreve o apelido como um problema, mas, por fim, acaba
descobrindo já estar acostumada e gostando dele.
Olívia Pirulito, pode? Só porque cresci meio rápido e fiquei mais magra, já ligaram com
Palito, da Olívia do Popeye. E Pirulito, eu soube depois, porque resolvi pedir pra
Eneida minha melhor amiga, que aparasse as pontinhas do meu cabelo, mas ela
exagerou um pouco e ficou com aquele corte “tigela”, armado pros lados. (...)
pensou se, em vez de Olívia Pirulito, meu apelido fosse Olívia Cotonete? (Português-
uma proposta para o letramento, v.3, p. 44-45)
Nos exercícios de interpretação a autora coloca uma questão a
esse respeito, repetindo a fala da personagem sobre apelido ser um problema.
Como outra questão a autora sugere como produção de texto que os alunos e
as alunas contem sobre alguém que conheçam com algum apelido.
Acreditamos que a abordagem deste assunto na sala pode se estender visto
que entre as próprias crianças da escola essa situação pode surgir e até
mesmo ser um problema se o apelido se tornar uma referência depreciativa em
detrimento de outras características.
Alguns estereótipos, entendidos aqui como tipos fixos que
caracterizam uma pessoa ou objeto, se fazem presentes nos livros didáticos,
sobretudo pela utilização de contos infantis, fábulas e lendas como textos de
leitura.
Os contos infantis trazem com freqüência personagens
estereotipados. Estes estereótipos são a representação do que deveria ser o
tipo ideal dentro dos padrões da Modernidade e do que estaria fugindo a estes
padrões, tanto em forma física como em comportamento social e sentimentos
humanos. Os príncipes e princesas marcam o tipo ideal de homem e mulher,
as fadas e bruxas as dicotomias bem x mal, belo x feio. Nos livros analisados
encontramos alguns destes personagens.
Príncipes e princesas aparecem nos contos O Gato de Botas e
Cinderela no livro Construindo a escrita volume 1. O Gato de Botas é um
conto sobre o filho de um moleiro que recebe como herança um gato que
supostamente, nada poderia lhe render. Diante desta colocação, o gato pediu a
seu dono um par de botas, pois com eles poderia andar entre os homens e
ajuda-lo a conseguir riqueza. Assim o Gato o fez e, no final da história, seu
dono tornou-se rei (Figura 21). Em Cinderela, a bela jovem maltratada pela
madrasta e suas filhas triunfa ao final da história quando consegue se casar
com o príncipe. As malfeitoras são punidas, tendo os olhos furados por pombas
e ficaram cegas pelo resto de suas vidas (Figura 22).
Figura 21: Construindo a escrita, v1, p. 10 Figura 22: Construindo a escrita, v. 1, p. 31
Em ambos os contos a autora utiliza a versão dos Irmãos Grimm.
Eles, segundo Coelho (2003), foram filólogos, folcloristas e estudiosos da
mitologia germânica que, empenhados em determinar a autêntica língua alemã
recolheram inúmeras narrativas e lendas e então se viram diante de um
fantástico acervo popular que acabou por se tornar os contos que hoje
conhecemos como clássicos da literatura infantil.
A autora de Construindo a escrita volume 1 orienta o professor
e a professora sobre dois aspectos no Manual do Professor:
Esse é um bom momento para mostrar que possibilidade de se contar a mesma
história de várias maneiras. (...)
Esse outro conto de fadas escolhido para que as crianças tivessem contato com uma
historia cuja personagem principal é uma figura feminina, em contraposição ao conto
anterior, O Gato de Botas, que tem como personagens seres masculinos. Assim tanto
as meninas quanto os meninos terão um elemento de identificação (Construindo a
escrita, v.1, p. 14-17).
Mais que elementos de identificação de gênero, estes contos têm
outros valores implícitos. Recorremos a Coelho (2003) para dizer que O Gato
de Botas se refere a uma problemática de cunho material, ou seja, a busca de
riquezas, a realização econômica de um indivíduo em seu meio social;
enquanto que Cinderela tem como fundamentação de sua problemática a
realização interior por intermédio do amor, sobressaindo o encontro do príncipe
com a plebéia e a ascensão social que ela consegue com o casamento. Não
estamos sugerindo que estas discussões sejam tão claras para os alunos e as
alunas, mas, se a orientação como elemento de identificação de gênero foi
colocada para o professor e a professora, também se faz importante que esta
outra visão dos contos seja discutida.
Também personagens dos contos infantis as bruxas são tema da
Unidade 5 em Português uma proposta para o letramento volume 1. Para
trabalhar este tema a autora traz imagens estereotipadas de bruxas das
histórias de Joãozinho e Maria, Bela Adormecida e A rã encantada (Figuras 23,
24 e 25 respectivamente).
Figuras 23 e 24: Português – proposta para o letramento, v. 1, p. 152
Figura 25: Português – proposta para o letramento, v. 1, p. 153
E ainda a seguinte definição como proposta de leitura:
O que é uma bruxa?
Colin Hawkins
Alguns textos antigos dão a seguinte definição:
“Bruxa é uma mulher velha, de rosto enrugado, testa franzida, boca chupada, meio
bigoduda, desdentada, vesga, de voz esganiçada, casaco esfarrapado, muito
rabugenta e que anda sempre com um gato ou cachorro ao seu lado.”
Bruxas. Trad. Mônica Stahel.
São Paulo: Martins Fontes, 1993, [s.p.]
(Português – uma proposta para o letramento, v. 1, p153)
A orientação que segue para o professor e para a professora é de
que discutam com os alunos e as alunas se esta é a imagem que eles têm de
uma bruxa. A partir das imagens e da definição expostas, pede-se aos alunos e
às alunas para relacioná-las e verificar se cada bruxa mostrada corresponde
àquela definição. Segundo a autora:
Aqui, pretende-se que o aluno conclua que diferentes representações podem ser feitas
de um mesmo ser, tanto visualmente (como nas ilustrações das histórias) quanto
verbalmente (como deve ter ocorrido na sugestão proposta para ser realizada após a
leitura silenciosa).(Português – uma proposta para o letramento, v. 1, p. 154)
Nestes exercícios, além dos objetivos com o conteúdo
(preparação para a produção de texto, comparação entre formas de
comunicação escrita e verbal), a autora propiciou a valorização de diferentes
opiniões sobre um mesmo assunto, procurando mostrar que cada um pode ter
um olhar e uma compreensão diferente sobre cada ser. Nas imagens
apresentadas nem todas as bruxas correspondiam à descrição de “uma mulher
velha, de rosto enrugado”. A bruxa da história da Bela Adormecida foi
representada como uma bruxa mais jovem.
Em seqüência, a autora insere na discussão a diferença entre
bruxas e fadas. Para esta informação é usado o texto Você sabe qual é a
diferença entre uma bruxa e uma fada? de Heloísa Prieto, do livro Magos,
fadas e bruxas. Segundo o texto as pessoas contavam que se uma fada
deixasse que a raiva e o rancor dominassem seu coração, terminaria se
transformando em uma bruxa e, se uma bruxa se apaixonasse, a felicidade
faria com que ela se tornasse uma fada.
Tradicionalmente as histórias trazem a imagem de uma bruxa
como a representação física do mal e do feio. O mal e o feio tidos como o
oposto do bem e do belo. De acordo com Coelho (2003), as bruxas seriam a
encarnação do mal, o avesso das fadas que seriam seres de grande beleza e
dotadas de virtudes. Assim como os gigantes e feiticeiros, as bruxas surgem
nas histórias para impedir a realização dos sonhos e ideais dos seres
humanos.
A problematização sobre a versão estereotipada de bruxa nos
traz ainda sua associação com a velhice, e desta como um fator negativo no
pensamento moderno. Esta incutida a dificuldade na aceitação dos idosos
por uma associação da velhice com a incapacidade, a improdutividade, a
sensibilidade, a doença, características prejudiciais e/ou incompatíveis com os
valores sociais da Modernidade.
O texto A velhinha inteligente cuja história se refere a uma cidade
que foi salva do ataque inimigo por seguir os conselhos de uma velhinha,
descrita como pobre e esfarrapada, poderia ser um momento para a
relativização dos conceitos sobre a velhice (Figura 26).
Em Afinal, quem é essa velhinha? adaptado do livro Uma
velhinha de óculos, chinelos e vestido azul de bolinhas brancas de Ricardo
Azevedo, amigos conversam sobre o que cada um deles acha sobre uma
mesma vizinha. A velhinha da história é imaginada como uma escritora para
crianças, como professora de ginástica e como uma bruxa. A variação de
opiniões expressa é a demonstração da possibilidade do deslocamento do
estereótipo de bruxa. A velhinha não fica unicamente relacionada a uma bruxa.
Se ela o foi no imaginário de um deles também lhe foram atribuídas algumas
profissões (Figura 27).
No texto A coisa, de Ruth Rocha, dona Julinha, a dona do
espelho que Alvinho acreditava ser “a coisa”, foi representada por uma
ilustração que, apesar dos cabelos brancos e óculos, tem nos detalhes
fisionômicos e na maneira de vestir uma outra forma de caracterização de
velhice (Figura 28).
Assim, perpassando os três textos e suas imagens, descobrimos
a idosa que, apesar da velhice, é inteligente para ajudar as pessoas da cidade
onde mora, a idosa que apesar da velhice pode trabalhar e a idosa que não
apresenta traços da velhice apesar dos cabelos brancos. As imagens e as
características de cada idosa que apareceu nas histórias representam uma
forma de compensar a velhice, o que acaba por reforçar a desvalorização do
idoso caso este não consiga se fazer útil na/para a sociedade.
Figura 26: Construindo a escrita, Figura 27: Construindo a escrita, v. 3, p. 113
v. 2, p. 16
Figura 28: Construindo a escrita, v. 1 p.96
A valorização dos idosos como cidadãos que têm direito à sua
dignidade respeitada é uma importante discussão para formação de alunos e
alunas. Nos livros, a questão de valorização dos idosos não foi diretamente
trabalhada na orientação ao professor e à professora.
Ainda dentro do estigma de feiúra, aparece nos livros a figura do
ogro. As associações dos valores sociais da modernidade às personagens é
trazido na história O pequeno Pequetito, no livro Construindo a Escrita
volume 3, onde o ogro aparece para raptar a linda jovem que gostava do
Pequetito (Figura 29). O próprio herói da história carrega um estigma. Seu
nome é Pequetito porque ele nunca cresceu. Por seu tamanho foi comido pelo
ogro, mas conseguiu espetá-lo com uma agulha que lhe servia de arma.
Quando fugiu, o ogro deixou cair um martelo mágico com o qual a moça bateu
na cabeça de Pequetito para que a gica o transformasse num belo e alto
Samurai, com quem ela se casou.
Figura 29: Construindo a escrita, v. 3, p. 189
Esta história de origem folclórica japonesa, como informou a
autora, retrata a necessidade de que, para um final, feliz o herói deveria
crescer, assim poderia se casar e ser um Samurai. Nenhuma
problematização é feita a respeito da impossibilidade de Pequetito se tornar um
Samurai por causa de seu tamanho. Isto nos mostra que existe um estereótipo
de um Samurai e quem o desejasse ser deveria atender a um padrão
preestabelecido. Se continuasse pequeno, nosso herói não seria um Samurai,
pois não estava dentro dos padrões (Figura 30).
Figura 30: Construindo a escrita, v. 3, p. 190
Sobre esta mesma história, a autora pede aos alunos e às alunas
que desenhem como imaginam o ogro após informar que é uma personagem
do folclore japonês, geralmente gigantesca, disforme e malvada, que
corresponderia, no Brasil, ao bicho-papão.
O bicho-papão aparece em Português uma proposta para o
letramento volume 2 no texto de Sylvia Ortoff que, quando pequena de tanto
ouvir histórias de sua cozinheira, criou seu bicho-papão. Tal bicho que ela
descreve combina, segundo a autora do livro, vários elementos de monstros e
assombrações, personagens do folclore brasileiro (Figura 31). Em seguida,
aparece a imagem e a definição de alguns destes personagens: o lobisomem,
a mula-sem-cabeça, o saci-pererê, o curupira (Figuras 32, 33, 34, 35).
Figuras 31, 32, 33: Português - uma proposta par o letramento, v. 2, p. 171
Figuras 34 e 35: Português - uma proposta par o letramento, v. 2, p. 172
Neste mesmo livro temos a definição de folclore tirada do
Dicionário do Castelo Rá-Tim-Bum:
folclore
s.m. conhecimentos e tradições populares de uma região, que são transmitidos de
uma pessoa para outra. São canções, danças, lendas, crenças, festas, provérbios,
etc.: A Caipora, o Saci e a Mula-sem-cabeça são personagens do folclore brasileiro
(Português – uma proposta para o letramento, v. 2, p. 147).
Folclore é o tema da unidade 4 no livro Proposta para o
letramento – volume 3 sob a seguinte orientação ao professor e à professora:
Esta unidade está organizada de modo a ir conduzindo progressivamente o aluno ao
conceito de folclore, que será sistematizado no último texto. Embora esse conceito e
figuras do folclore já tenham sido mencionados em unidades do volume 2 desta
coleção, são aqui retomados de forma mais sistemática, agora como tema da unidade.
É um tema que permite atividades interdisciplinares com Arte, História, Geografia e
com o tema transversal Pluralidade cultural” sugerido nos Parâmetros Curriculares
Nacionais (Português – uma proposta para o letramento, v. 3, p. 146).
No decorrer de toda a unidade, são apresentados elementos que
compõem o folclore brasileiro como superstições (pendurar ferradura atrás da
porta, bater na madeira três vezes, procurar um trevo de quatro folhas etc.) e
lendas (O negrinho do pastoreio, O Saci, etc).
De acordo com Coelho (2005, p. 8), desde a origem do mundo, os
diferentes povos tiveram a necessidade de contar/cantar as suas experiências
de vida que foram passadas de geração para geração e assim se formou o
Folclore de cada povo. É uma forma de preservar danças, canções, provérbios,
crendices e histórias, a cultura de cada povo.
Nas lendas folclóricas encontramos a tentativa de o homem
explicar através do mágico aquilo que ainda não entendia. As lendas mais
comuns encontradas nos livros didáticos fazem referência à cultura indígena.
Estas lendas se mostram como uma representação da forma encontrada pelos
povos indígenas para explicar os mistérios da vida e do universo.
Em Construindo a escrita volume 2, encontramos A lenda do
guaraná que explica a origem da desta planta (Figura 36). De acordo com a
lenda a prosperidade da tribo dos maués decorria da presença de um curumim,
mas, um dia, um gênio do mal feriu o menino. O deus Tupã determinou que
arrancassem os olhos do menino, plantassem e regassem com suas lágrimas e
deles nasceria uma planta que fortaleceria os jovens e revigoraria os velhos.
Quando frutificou, a planta realmente trouxe o progresso para a tribo com o
comércio dos seus grãos.
Figura 36: Construindo a escrita, v. 2, p. 59
Neste mesmo livro é apresentada A lenda dos diamantes (Figura
37) que explica a origem deles como se fossem as lágrimas de uma índia que
perdeu seu companheiro em uma guerra. A índia ficou tão triste que passou o
resto de seus dias sentada à beira do rio chorando e o deus Tutransformou
suas grimas em diamantes para que todos se lembrassem de seu grande
amor.
Figura 37: Construindo a escrita, v. 2, p. 145
Ainda nesta coleção, no volume 3, encontramos a lenda chamada
Aukê (Figura 38), o nome de um menino índio que, desde ainda recém-nascido
transformava-se em rapaz, em adulto, em velho. Os moradores da aldeia
Temiam seus poderes sobrenaturais e, por isso, seu avô decidiu matá-lo.
Quando jogado do abismo, o menino índio transformou-se em uma folha seca e
não morreu. Morreu quando atirado em uma fogueira.
Figura 38: Construindo a escrita, v 3, p. 148
A autora da coleção Construindo a escrita traz uma orientação
específica apenas na primeira lenda:
A inclusão de uma lenda no livro visa colocar os alunos em contato com um tipo
específico de texto e descobrir algumas de suas propriedades: uma explicação
mágica a algo real; tem linguagem atemporal e simbólica, que fala às raízes mais
profundas do ser humano. (Construindo a escrita, v. 2, Manual do Professor, p. 35)
As explicações indígenas para os mistérios da vida, seus
conhecimentos apresentados sob a forma de lendas são entendidos como uma
forma mágica e fantasiosa de explicar o mundo. Com o desenvolvimento da
ciência moderna, instituiu-se uma forma de se raciocinar e entender o mundo
que buscou universalizar pensamentos e atitudes, como nos fala Santos
(1995),
Muito do conhecimento que foi rejeitado na
modernidade...Veja por exemplo o conhecimento dos índios: a
forma de rejeitar o seu conhecimento é uma forma
complementar de rejeitar essas próprias comunidades. É por
isso que eu costumo dizer que os genocídios que a
modernidade de alguma maneira caucionou foram sempre
acompanhados de epistemicídios. Desvalorizou-se o
conhecimento, matou-se o conhecimento desses grupos para
poder-se matar esses grupos. E quando eu digo matar pode
ser enfim uma metáfora de liquidação efetivamente, nesse
caso literal, mas pode ser uma metáfora para a
marginalização, para a supressão, ridicularizarão etc.
Com base no que nos diz Santos (1995), devemos nos atentar
para o tratamento que é dispensado às tradições indígenas no trabalho com
livros didáticos para os alunos e alunas. Mais que uma maneira mágica de
explicar o mundo, as lendas o o olhar indígena sobre o mundo, mais uma
forma de olhar. Considerá-las de outra maneira é assumir uma postura de
recusa às diferenças. O chamamento da Atualidade se faz em direção à
valorização de diferentes formas de conhecimento e nenhuma delas deve ou
pode anular a outra.
Por um lado, se nos referenciais da Modernidade as lendas não
poderiam ser reconhecidas como forma de conhecimento, as demais narrativas
populares eram contadas, digamos, como explicações sociais, isto é, para
difundir hábitos sociais de caráter moralizante a partir de uma determinada
ideologia. A moralidade aparece nos contos infantis e nas bulas e não as
regras se mostram, mas também a punição em função do descumprimento
destas regras ou normas sociais.
As fábulas que se tornaram mais comuns em nosso cotidiano são
as de Esopo, de Fedro e de La Fontaine. Segundo Góes (1991, p. 144), fábula
“é uma pequena narração de acontecimentos fictícios que tem dupla finalidade:
instruir e divertir”. A instrução a que se propõe é, sinteticamente, transmitida e,
habitualmente, de cunho moral, utilizando-se principalmente de animais que
falam para a representação dos sentimentos humanos.
O livro Construindo a escrita volume 1 traz as bulas de
Monteiro Lobato retiradas do livro Fábulas. Em A Assembléia dos ratos,
atormentados por um gato, os ratos de uma casa reúnem-se para descobrir
uma forma de se protegerem. Um deles sugere colocar um guizo no pescoço
do gato para que, com o barulho, soubessem quando o gato se aproximava. Só
um rato votou contra, questionando qual deles iria amarrar o guizo. A moral:
“Dizer é fácil; fazer é que são elas!”
Em orientação ao professor e à professora autora explica:
O objetivo de se incluir a fábula A assembléia dos ratos como segundo texto é
contrapor dois tipos de narrativa. A fábula se propõe a trazer ensinamentos de forma
explícita: a moral da história, enquanto no conto de fadas os ensinamentos se dão de
forma implícita. A fábula é uma narrativa mais curta, que fala mais a razão, como se
fosse um desdobramento de um raciocínio dedutivo.
Na fábula costuma-se encontrar um final inesperado e mais próximo da realidade.
Nem tudo termina em: “e foram felizes para sempre...”. (Construindo a escrita v. 1,
Manual do Professor, p. 15)
Em A coruja e a águia (Figuras 39 e 40), a coruja diz à águia que
sempre que encontrasse lindos, bem feitinhos e alegres filhotes estes eram
dela, por isso a águia não deveria come-los. A águia aceitou o trato. Dias
depois, durante a caça, a águia encontrou um ninho com três filhotes que não
considerou com as características dos filhotes da coruja e comeu-os, mas eram
os filhotes da coruja e esta ficou desolada. A moral: “Para retrato de filho
ninguém acredite em pai pintor. diz o ditado: quem o feio ama, bonito lhe
parece”.
Figura 39: Construindo a escrita, v. 1, p. 32 Figura 40: Construindo a escrita, v. 1, p. 33
A orientação que segue esta fábula é:
Optamos por trazer novamente a fábula para que os alunos tenham a
oportunidade de utilizar e ampliar conhecimentos que começaram a ser construídos no
primeiro contato com as fábulas. Esse é um texto desafiador para as crianças dessa
faixa etária, pois a compreensão do significado exige maior conhecimento de mundo e
certa sutileza de raciocínio. Por outro lado, tem uma estrutura típica de fábulas,
confirmando descobertas feitas anteriormente, além de apresentar um vocabulário
simples e tratar de um ditado popular, com o qual as crianças convivem bastante,
afinal quem ainda não ouviu alguém dizer: “Que mãe coruja!” (Construindo a escrita
v. 1, Manual do Professor, p. 18)
Na orientação que segue à primeira fábula a autora destaca um
ponto relevante quando escreveu que, nos contos, a moralidade aparece
disfarçadamente, enquanto que nas fábulas a intenção é mais explicita, pois
trazem, ao final, do texto a exata moral que se pretende instituir. Desta forma a
autora alerta ao professor sobre a intenção das fábulas e contos, de não
apenas divertir, mas também servir a uma educação moral, como nos fala La
Fontaine apud Coelho (2003, p. 42),
Uma moral nua provoca o tédio:
O conto faz passar o preceito com ele.
Nessa espécie de fingimento, é preciso instruir e agradar.
Pois contar por contar, me parece coisa de pouca monta.
Se as fábulas, no momento em que foram criadas, visavam
instituir um determinado tipo de conduta, no momento em que nos
encontramos sua utilização se faz possível mediante novas reflexões sobre os
papéis, as atitudes, a moral que se impõe.
A duas coleções se compõem de textos bastante variados
(literatura infantil, lendas, fábulas, reportagens etc.) em sua maioria conjugados
a imagens que buscaram traduzir, visualmente, o conteúdo de cada um deles,
nos quais podemos verificar que em alguns destes textos a diferença aparece
caracterizada como desvio ou como algo que inferioriza, como representação
de uma formação discursiva referente à formação ideológica de quando foram
criados. Apresentam a tentativa da sociedade que em um dado contexto
histórico, almejava uniformizar condutas sociais através de regras e normas
que foram implícita ou explicitamente mostradas nestes textos. Em outros a
diferença aparece relativizada e sobre a possibilidade de um novo olhar. São
textos de um outro momento, sob outra formação ideológica e que por isso se
encontram em uma outra formação discursiva.
Em relação à diferença, Construindo a escrita e Português uma
proposta para o letramento, se posicionam nos pressupostos da Modernidade,
buscando em alguns momentos um deslocamento discursivo para os princípios
que fundamentam a Atualidade.
6 ABRAM SEUS LIVROS...
Os outros não são outra
coisa que aquilo que nós
fizemos e vamos fazendo
deles. Justamente isto e não
outra coisa é o que nós
somos: aquilo que os outros
fizeram e estão fazendo de
nós (FERRE, 1998, p. 186).
Os processos de definição, ou redefinição, de valores e lugares
sociais não são produzidos por elementos isolados, mas pela relação de todos
os segmentos que compõem uma sociedade. Sendo assim, maior atenção
deve ser dada aos discursos que estão sendo veiculados por cada um destes
segmentos.
Este trabalho procurou compreender os sentidos sobre diferença
veiculados pelo livro didático por entender que a discussão desse tema nos
livros se insere na discussão da formação de uma sociedade inclusiva.
Como modalidade de pesquisa utilizei a Análise de Discurso que,
por sua fundamentação, me possibilitou uma nova prática de leitura com vistas
a significados historicamente construídos e afetados pela ideologia.
No que se refere ao livro didático, percebi a constituição de sua
história através de leis e decretos que, carregados de intencionalidades, se
entrelaçaram com as mudanças na própria sociedade.
A primeira preocupação acerca do conteúdo do livro didático se
fez em momento de aspirações modernizantes e nacionalistas ainda na
Primeira República, contudo, a primeira legislação direcionada a livros didáticos
data de 1938 no período do Estado Novo. A partir de então Comissões e
órgãos governamentais responsabilizaram-se por direcionar a produção dos
livros.
O mais recente Programa Governamental com esta finalidade, o
PNLD, fornece aos professores e professoras o Guia de Livros Didáticos. Ele é
uma síntese do processo de avaliação das coleções de livros inscritos no
PNLD utilizado para a apresentação e escolha das coleções de livros que cada
escola deseja adotar.
Percorri também os discursos sobre diferença que se
manifestaram ao longo da história para compreender as formações discursivas
e ideológicas que perpassaram os sentidos de diferença nos livros analisados.
Em um primeiro momento, a diferença não era vista como
problema. Diretamente relacionada à desigualdade, era naturalizada pelas
condições ideológicas da época.
Posteriormente, a igualdade entre as pessoas passou a subsistir
por ordem religiosa. Na Modernidade, buscou-se igualdade de todos em
direitos e deveres, mas, apesar desta suposta igualdade conseguida, a
exclusão da diferença persistiu em relação àqueles que por alguma
característica não se enquadravam nos padrões sociais.
A luta por igualdade e/ou diferença se estendeu para além da
diferença em seu sentido de desigualdade. A diferença é buscada na
Atualidade como reconhecimento da especificidade de cada ser humano.
Verificamos que medidas governamentais buscam assegurar a não
veiculação de preconceitos e o respeito à diferença e isso se torna uma
questão complexa quando a preocupação para aqueles que escrevem livros
didáticos se vincula mais ao cumprimento de um critério que lhes é exigido
para a realização do seu trabalho e menos à compreensão dos princípios que
regem esta temática.
Para a autora de Construindo a escrita não fica sob
responsabilidade do conteúdo do livro trabalhar ou não a discussão sobre a
diferença; esta percebe muito mais como responsabilidade do professor que do
livro o papel de estar levantando esta questão. Em contraponto, a autora de
Português – uma proposta para o letramento se posicionou, reforçando a
função do livro didático em apresentar o preconceito para que se possa discuti-
lo e combatê-lo.
A análise das coleções me permitiu identificar que a reflexão
sobre a diversidade humana ainda não se tornou elemento constante na
educação.
Compostas por textos variados (literatura infantil, lendas, fábulas,
reportagens etc.), as duas coleções ainda trazem as marcas da diferença que
foram instituídas na sociedade ao longo dos tempos. Cada texto é uma forma
de representação das formações discursivas e ideológicas do momento em que
foram criados.
Em alguns destes textos a diferença aparece caracterizada como
desvio ou como algo que inferioriza. Carregam consigo os dualismos burro x
inteligente, belo x feio, bem x mal, relações dicotômicas que a Modernidade
instituiu para atingir seu objetivo de ordem e estabilidade. A presença destes
textos nos livros deve ser acompanhada por reflexões que seus conteúdos,
implicitamente, proporcionam.
Em outros textos a diferença aparece relativizada, sugerindo que
os questionamentos sejam feitos. São textos de um outro momento, sob outra
formação ideológica e que, por isso, se encontram em uma outra formação
discursiva. É função dos livros didáticos, visto que possuem espaço para tal,
orientar os professores e as professoras nesta direção.
Construindo a escrita e Português uma proposta para o
letramento, se posicionam em relação à diferença nos pressupostos da
Modernidade, buscando em alguns momentos um deslocamento discursivo
para os princípios que fundamentam a Atualidade.
Ressaltamos que o livro didático é apenas um dos elementos que
integram o processo educacional e que, para que todas as expectativas de
uma nova formação fundamentada na busca da compreensão da diversidade
humana sejam atendidas, faz-se necessária a ressignificação do sistema
educacional como um todo, ou seja, a reorganização dos objetivos, dos
conteúdos, das metodologias e recursos, da relação professor-aluno, da
avaliação e do espaço-tempo escolar.
Por fim, espero que este trabalho possa contribuir para a geração
de novas discussões que favoreçam o reconhecimento das diferenças, sejam
elas relacionadas à etnia, idade, gênero, religião etc., como forma de
pluralidade da vida.
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perspectiva dos Estudos Culturais. Petrópolis: Vozes, 2005. p. 7-72.
8 ANEXOS
ANEXO A
CONSENTIMENTO INFORMADO
Eu,
________________________________________________________________, autora
da Coleção _________________________________________________________,
autorizo a mestranda Fernanda Dias de Oliveira fazer anotações e gravações em áudio
da entrevista por mim concedida.
Estou ciente de que os dados coletados serão usados como elementos de análise
para a dissertação de mestrado da referida mestranda, assim como poderão vir a ser
utilizados em futuros trabalhos acadêmicos.
Juiz de Fora, ______________________ 2005.
___________________________________
(autora)
ANEXO B
TERMO DE COMPROMISSO
Eu, Fernanda Dias de Oliveira, mestranda do Programa de Pós-Graduação em
Educação da Universidade Federal de Juiz de Fora, realizarei entrevista com a autora
______________________________________________________________________
__ realizando anotações e gravação em áudio da mesma.
Estou ciente de que os dados coletados nessa entrevista deverão ser utilizados
exclusivamente para fins acadêmicos.
Juiz de Fora, __________________2005.
_________________________________
Fernanda Dias de Oliveira (mestranda)
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