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Tânia Mara Rubin Deutschmann
PESQUISA E CONSTRUÇÃO DA CIDADANIA
NA ESCOLA: ESTUDO DE CASO DE UMA ESCOLA
DE EDUCÃO BÁSICA
Passo Fundo
2006
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Tânia Mara Rubin Deutschmann
PESQUISA E CONSTRUÇÃO DA CIDADANIA
NA ESCOLA: ESTUDO DE CASO DE UMA ESCOLA
DE EDUCÃO BÁSICA
Dissertação apresentada ao Curso de Pós-graduação
em Educação, da Faculdade de Educação, da
Universidade de Passo Fundo, como requisito
parcial e final para a obtenção do grau de Mestre em
Educação, tendo como orientadora a Dra. Solange
Maria Longhi.
Passo Fundo
2006
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A todos aqueles, mestres ou não, que
acreditam na pesquisa como uma possibilidade de
formação do ser humano para a construção de um
mundo melhor, onde TODOS possam ter os mesmos
direitos.
Primeiramente, agrado a
Deus
, por ter me
dado a vida e forças para realizar esta pesquisa.
Ao
Hardi
, meu grande amor, por ter
incentivado e acompanhado esse processo de busca,
compreendido e compartilhado os momentos de
alegria, angústia, tristeza, sem poder, muitas vezes,
estar presente para me confortar; por ter vivido
momentos de solidão, assumido tarefas que não
eram suas e ter suportado muitas situações, que hoje
poderiam ter acabado com nosso amor, não fosse a
sua compreensão.
Aos meus filhos,
Eduardo
e
Mariane,
que
o compreenderam o significado deste trabalho,
mas que suportaram minhas ausências. Po
desculpas por não ter podido compartilhar de vários
momentos de suas vidas ou por não ter dado a
atenção devida no momento certo.
A
Mariane
especialmente. Tenho certeza
que muitos fatos marcaram a sua vida por não ter
estado ao seu lado. Me perdoe, minha filha! Vo
o ouvirá mais a mamãe dizer: “[...] depois que
terminar o Mestrado”, não precisará ficar até tarde
da noite esperando seu beijinho, seu abraço, muitas
vezes até mesmo dormindo no meu colo em frente
ao computador, e nem precisará mais marcar no
calendário os dias que faltam para terminar o curso.
4
Agora podemos brincar, passear, viver um pouco
mais intensamente a sua infância.
Aos
meus pais
, Arvehi e Maria, especial-
mente minha mãe, que tantas vezes rezou por mim;
meus
irmãos
, Dirce, Mario, Volmar, Elis Regina,
Mara Lúcia e João Carlos; aos meus cunhados e
sobrinhos, por fazerem parte de minha vida.
A
Mana
, que atendeu a tudo e a todos nos
momentos de minhas ausências e que tornou
possível a realização desta pesquisa. Sem você,
tenha certeza, não poderia ter feito o curso e, menos
ainda, escrito a dissertação.
Aos membros da Comunidade de Teologia
“Dom José Gomes” de Passo Fundo - RS:
Anélio
,
Claudir
,
Edson, Ilton, Marcelo
,
Norberto
, e,
especialmente, ao Padre
Rodinei
, por ceder lugar
para morar e por terem sido meus amigos, minha
eterna gratidão.
A
Thaisy
, minha grande amiga, obrigada
pela força e por suas palavras, mesmo que rudes em
certo momento, foram decisivas para tomar a
decisão de voltar a estudar. Se sou admirada para
você, tenha certeza que voo é muito mais por
mim.
Ao
Departamento de Estudos Jurídicos
,
por ter autorizado a realização do curso, e aos
funcionários
Débora
,
Janete
,
Larissa
, por tornarem
possíveis minhas saídas e ausências para a
construção deste trabalho de pesquisa.
À
EFA
, especialmente as professoras Gisela
Kusiack, Gilmar Poli, Solange Moraes, Patrícia
Bazan, e funcionários, que colaboraram com esta
pesquisa.
5
À
UPF
, por ter possibilitado minha qualifica-
ção e, conseqüentemente, aberto novos caminhos de
profissionalização.
Aos
professores
e
funcionários
do Curso de
Mestrado em Educação da UPF, por terem me
acolhido nesta universidade com dedicação,
sabedoria e por terem sido sempre prestativos.
Aos
colegas
do Curso de Mestrado Claudia,
Eliane, Fabio, Jaice, Lenir, especialmente ao
Roberto e Sabrina. Jamais esquecerei nossos bate-
papos nas idas a Passo Fundo.
À professora
Solange Maria Longhi
, minha
orientadora, que sempre acreditou em mim e apostou
na realização deste trabalho. Obrigado pelo apoio,
pelo estímulo, pelas doces palavras e pelo carinho.
Foi e continuará sendo sempre muito especial
porque abriu uma porta para mim quando tantas se
fecharam na busca por minha qualificação.
Às professoras do DEPe,
Eronita Barcelos
,
por ter feito acreditar que um dia chegaria a minha
vez; à professora
Elza Falkembach
, sempre
prestativa, por ter sacrificado seus fins-de-semana
me atendendo aos sábados e domingos e por ter sido
uma das pessoas na Unijuí que também acreditou em
mim; e à
Marisa Frizzo
, pelos nossos bate-papos,
pelas sugestões de livros e pelas doces palavras.
À Banca Examinadora, professores
Telmo
Marcon
e
Elza Falkembach
, por terem aceito fazer
parte desta banca.
Aos meus amigos, não sendo possível
referenciar todos, agrado pela amizade.
A todos que, de uma forma ou outra
contribuíram para a realização deste trabalho,
MUITO OBRIGADO!
6
RESUMO
A presente dissertação aborda a temática da pesquisa e sua relação com a educação
para o exercício da cidadania. Embora a pesquisa na escola de educação básica ainda não seja
uma realidade presente, quer nas escolas públicas, quer nas privadas, essa temática começa a
ser discutida com veemência em face dos problemas e desafios que a ciência e a tecnologia
m apresentado ao mundo contemporâneo. O estudo procura responder à indagação acerca da
possibilidade da escola de educação básica contribuir para o desenvolvimento e a formação de
habilidades e princípios investigativos imprescindíveis para o exercício da cidadania e para a
autonomia do aluno que dá continuidade aos seus estudos em nível superior. Para tal, optou-se
pelo estudo de caso de uma escola que possui a pesquisa como eixo articulador das atividades
docentes e que concebe a pesquisa como um princípio educativo, ou seja, como uma
metodologia de ensino para o desenvolvimento de habilidades de análise, de reflexão, senso
crítico, de autonomia de pensamento para que, dessa forma, o aluno possa fazer a leitura e
interpretação do mundo. O estudo embasou-se na análise de documentos e da legislação
educacional, em observações na escola e em entrevistas realizadas com egressos dos anos de
2001 a 2004 da mesma escola. Através do estudo foi posvel contrapor a experiência
analisada ao modelo de racionalidade positivista que prima pela transmissão e pelo rigor
científico, entendendo a pesquisa como tarefa de uma certa comunidade acadêmica. O estudo
aponta para a necessidade de um novo olhar sobre a edificação da ciência, desde a educação
básica, fundamentado num paradigma social, com base em Boaventura Sousa Santos, assim
como de outros educadores brasileiros (Pedro Demo, Menga Lüdke, Maria Cecília Minayo,
Paulo Freire, Mario Osorio Marques). O paradigma social constitui-se a partir dos interesses
das comunidades locais à base de argumentações; é a interação da comunidade leiga com a
comunidade científica. Na escola básica o conhecimento pode ser assim processado,
7
organizando, por meio do currículo, os saberes que emergem dos interesses dos alunos, de
suas experiências e de suas vivências. Os conteúdos passam a ter significado para os alunos e
a pesquisa assume justamente essa função, de orientar o aluno à compreensão do significado
das informações que, constantemente, mudam. A autonomia de pensamento, hoje, é uma
capacidade vital para as pessoas poderem acompanhar o processo de evolução do
conhecimento e se adaptar às novas tecnologias, ao mundo do trabalho e aos novos processos
de socialização. Ao professor, exige-se a pesquisa constante para saber como trabalhar com as
informações e, ao aluno, para prosseguir na sua vida acadêmica e conquistar, dessa forma, seu
espaço na sociedade, não apenas no mundo do trabalho, mas na vida das pessoas ao contribuir
com o seu saber para a melhoria da qualidade de vida destas.
Palavras-chave: Escola básica, pesquisa, cidadania, educação para a pesquisa
ABSTRACT
The present dissertation approaches the research issue and its relation to the education
for the citizenship exercise. Although the research in basic school is not a current reality yet,
neither in public nor in private ones, this issue starts to be strongly discussed concerning the
problems and challenges that the science and technology have been presenting to the
contemporary world. The study tries to answer the questions about the possibility of the basic
school contribute to the development and formation of abilities and inquiring principles
indispensable for the exercise of the citizenship and for the student autonomy which gives
continuity to their undergraduate studies. For that, it was decided for a case study in a school
that has a research as a main string of the teaching activities and conceive the research as a
educative principle, that is, with a education methodology for the development of analysis,
reflection, sense of critic abilities and thinking autonomy, this way, the student can make the
reading and interpretation of the world. The study is based on the documents analysis and the
education legislation, on observations in school and, also, in interviews applied to former
students from a basic education school from the years of 2001 to 2004. Through the study was
possible to contrast the analyzed experience to the positivist rationality model that prioritizes
for the transmission, for the scientific rigor of the researches, understanding the survey as a
task of certain academic community. The study points out the necessity of a new view upon
the science edification, since the basic education, fundamented in a social paradigm, based on
Boaventura Sousa Santos, also other Brazilian educators (Pedro Demo, Menga Lüdke, Maria
Cecília Minayo, Paulo Freire, Mario Osório Marques). The social paradigm constitutes from
the local communities interests to the base of argumentation; it is the interaction of the lay
community with the scientific community. In the basic school the knowledge can be
processed like this, organized, through a curriculum, the knowledge that merges form the
interests of the students, experiences and background. The contents get meanings for the
9
students and for the research assume specifically this perspective, of orientating the student to
the understanding of the information that, constantly, changes. The autonomy of thinking,
today, is a vital capacity so that people can follow the knowledge evolution process and adapt
the new technologies to the work world and to the new socialization processes. To the teacher
is required a constant research in order to know how to work with the information and, to the
students, to keep on their academic life and conquer, this way, their place in the society, not
only in the labor world, but in life when contributing with their background to the
improvement of their quality of life.
Key-words: Basic school, research, citizenship, research education.
10
SUMÁRIO
CONTEXTUALIZANDO O ESTUDO ................................................................................14
1 UM RESGATE HISTÓRICO DA PESQUISA NAS ESCOLAS DE ENSINO BÁSICO... 24
1.1 Papel da educação sistetica nos diferentes níveis de ensino ....................................30
1.2 A formação do professor na universidade ....................................................................38
2 CIÊNCIA E PESQUISA .................................................................................................. 44
2.1 Concepções de ciência e de pesquisa ........................................................................... 48
2.1.1 Pesquisa como princípio educativo ....................................................................51
2.1.2 Pesquisa como princípio científico..................................................................... 54
2.1.3 Pesquisa e educação para a cidadania............................................................... 59
2.1.4 Um novo paradigma de ciência .........................................................................66
3 CONTEXTUALIZANDO A EFA - ESCOLA FRANCISCO DE ASSIS...........................73
3.1 Histórico da Escola de Educação Básica Francisco de Assis - EFA .............................73
3.2 Organograma da escola ..............................................................................................80
3.3 Organização curricular.................................................................................................81
3.4 Avaliação na escola .................................................................................................... 84
3.5 Organização da estrutura administrativa e pedagógica ................................................86
3.6 Proposta pedagógica da escola .................................................................................... 87
4 PERCEPÇÕES DOS SUJEITOS DO ESTUDO SOBRE O ENSINO DA EFA .................89
4.1 Concepção de pesquisa ...............................................................................................90
4.2 Papel da educação básica na construção de atitudes investigativas ..............................97
4.3 Papel da educação básica na formação da cidadania .................................................. 105
4.4 Concepção de cidadania ............................................................................................ 113
4.5 Função da Universidade na formão da cidadania ...................................................122
11
CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................. 131
REFERÊNCIAS................................................................................................................. 137
ANEXOS........................................................................................................................... 144
12
LISTA DE ABREVIATURAS
CEE: Conselho Estadual de Educação
CENPEC: Centro de Estudo, Pesquisas, Educação e Ação Comunitária
CF/88: Constituição Federal de 1988
CPA: Colegiado Pedagógico Administrativo
DCNs: Diretrizes Curriculares Nacionais
EFA: Escola de Educação Básica Francisco de Assis
ENEM: Exame Nacional do Ensino Médio
FAFI: Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ijuí
FIDENE: Fundação de Integração, Desenvolvimento e Educação do Noroeste do Estado do
Rio Grande do Sul
FUNDEB: Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e Valorização dos
Profissionais da Educação
FUNDEF: Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de
Valorização do Magistério
INEP: Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira
IPPI: Instituto Psicopedagógico Infantil
IPP: Instituto de Pesquisa e Planejamentos
LDB: Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional Brasileira
MEC: Ministério de Educação
NMSs: Novos Movimentos Sociais
PCNs: Parâmetros Curriculares Nacionais
PISA: Programa Internacional de Avaliação de Alunos
PNE: Plano Nacional de Educação
ProUni: Programa Universidade para Todos
SAEB: Sistema de Avaliação da Educação Básica
UNIJUÍ: Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul
13
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura n
o
1: Escola de Educação Básica Francisco de Assis.....................................................73
Figura n
o
2: Organização curricular da EFA.............................................................................81
Figura n
o
3: Expressões da legislação da escola e do ensino sobre pesquisa.............................91
Figura n
o
4: Concepção de pesquisa expressa pelos egressos da EFA.......................................94
Figura nº 5: Expressões da legislação da escola e do ensino sobre o papel da educação
básica na construção de atitudes investigativas ........................................................................97
Figura n
o
6: Concepção do papel da educação básica na formação de atitudes investigativas
expressa pelos egressos da EFA...............................................................................................99
Figura nº 7: Expressões da legislação da escola e do ensino sobre o papel da educação básica
na formação da cidadania.........................................................................................................105
Figura n
o
8: Concepção do papel da educação básica na formação da cidadania expressa pelos
egressos da EFA.......................................................................................................................111
Figura nº 9: Expressões da legislação da escola e do ensino sobre cidadania...........................113
Figura n
o
10: Concepção de cidadania expressa pelos egressos da EFA...................................117
Figura nº 11: Expressões da legislação da escola e do ensino sobre a função da universidade
na formação da cidadania.........................................................................................................122
Figura nº 12: Concepção da função da universidade na formação da cidadania expressa pelos
egressos da EFA.......................................................................................................................124
14
CONTEXTUALIZANDO O ESTUDO
O debate em torno do ensino pela pesquisa como uma possibilidade de construção do
conhecimento e de formação de cidadãos mais críticos, atuantes e participativos, vem se
intensificando no meios acadêmicos. Tal debate é decorrente do próprio avanço da sociedade,
que exige cada vez mais indivíduos qualificados não apenas para o mercado de trabalho, mas
para a sociedade como um todo. Ela necessita de sujeitos autônomos para tomar decisões e
éticos, que pensem a sua relação com o outro, com a natureza e com o mundo.
Formar estes sujeitos exige pensar um ensino diferenciado nas escolas, que supere o
ensino como mera reprodução do saber e priorize a construção coletiva do saber pelo
professor e alunos. O ensino pela pesquisa pode ser uma alternativa para que isso se
concretize na prática. Embora a pesquisa na escola de educação básica ainda não é uma
realidade presente, quer nas escolas públicas ou privadas, começa, neste século XXI, a ser
mais discutida em face dos problemas e desafios que a ciência e a tecnologia têm apresentado,
como por exemplo, os relacionados à informática, telecomunicações, internet, enfim, uma
gama de recursos que estão à disposição dos alunos e que precisam ser tratados com um olhar
mais crítico. Diante dessa realidade, torna-se imprescindível que o professor tenha o domínio
desses processos para orientar os alunos no uso e na crítica dessas ferramentas.
Nesta perspectiva, interessa no presente trabalho fazer uma discussão sobre as práticas
investigativas que vêm sendo desenvolvidas numa escola particular de educação básica e se o
ensino pela pesquisa, como um dos objetivos da escola básica, poderá contribuir para a
formação de habilidades e princípios imprescindíveis para o exercício da cidadania e para
a autonomia
49
do aluno, especificamente na continuidade de seus estudos em nível superior.
49
Autonomia, segundo Piaget (1944, p. 26), é “una preparación para la vida del ciudadano, tanto mejor, cuanto
s sustituyen en ella el ejercicio concreto y la experiencia experiencia de la vida cívica a la lección teórica y
verbal.
15
A problematização em torno da questão da pesquisa e sua relação com a educação
para o exercício da cidadania surgiu de preocupações que iniciaram na trajetória de minha
formação acadêmica ainda no Curso de Pedagogia da Unijuí - Universidade Regional do
Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul, durante os últimos anos da década de 1980, ao
realizar os estágios curriculares em escola de 1
o
e 2
o
graus com alunos de ambos os níveis e
trabalhar em escola com a 2
a
série do ensino fundamental, e se estenderam na vida
profissional, ao trabalhar na Unijuí.
Nestas experiências vividas na escola e na universidade, percebemos a angústia e a
ansiedade dos alunos quando são solicitados a fazer trabalhos de pesquisa, por terem que
buscar as informações, elaborar, escrever, estabelecer relações e pesquisar. Talvez, não
tenham sido preparados para esse trabalho desde o início do seu processo de formação.
Indagamos então: Qual o papel da escola? Para que está preparando? O problema
reside na escola, que não incita a práticas investigativas, ou na universidade, que não dá
continuidade ao trabalho da escola de ensino básico?
Diante dessas constatações e mais ainda do desejo de ajudar a construir um mundo
melhor, senti necessidade de voltar à escola, mas tinha que pensar uma forma de ensinar que
pudesse fazer com que os alunos tivessem mais autonomia, iniciativa própria, espírito de
busca e consciência de seu papel na sociedade, para que então fosse posvel estes alunos
pensar também mudanças sociais. Somente assim, pensando nesse sujeito histórico e social,
haveria razões para voltar. Comecei então a me interessar pelos debates nacionais acerca da
educação e fui percebendo que o ensino pela pesquisa poderia ser essa possibilidade.
Outra realidade vivenciada são as oficinas que ministro sobre a adequação dos
trabalhos de pesquisa segundo as normas científicas, na Unijuí, para cursos de graduação,
pós-graduação lato e stricto sensu. Nessas oficinas tamm é visível a dificuldade dos alunos
quanto ao entendimento do que é pesquisa e de como estruturá-la segundo às normas
científicas. A escrita é também uma dificuldade marcante, mas não somente de alunos,
conforme adverte Marques (2001, p. 79): “As resistências ao ato de escrever são, aliás,
comuns mesmo entre os que a ele se dedicam de forma acentuada”. De onde provém essa
resistência dos alunos ao ato de escrever? De elaborar? De argumentar? De compreender os
autores e colocar sua interpretação própria? De estabelecer relações entre a teoria e a prática?
o me refiro somente aos alunos, mas também a nossa resistência (enquanto professores,
alunos ou funcionários de dada instituição). Percebo o quanto é difícil tomar a iniciativa de
escrever e continuar esse exercio.
16
Essas experiências incentivaram a buscar compreender o processo de formação do
aluno que chega à universidade com dificuldades de produção própria, de elaboração do
pensamento ou de argumentação. Tais dificuldades podem ser oriundas do seu processo de
formação, por isso o interesse em buscar na educação básica as origens desses problemas que
se apresentam no decorrer de sua trajetória eo percebidos na universidade, que é o espo
onde efetivamente se faz pesquisas. Mas não é o único espaço, pois muitas escolas (públicas
ou privadas, de ensino básico) hoje eso se dando conta da importância da pesquisa para a
construção do conhecimento e autonomia do aluno. A universidade trabalha com um modelo
de pesquisa - científico -, mas tamm a pesquisa como uma metodologia de ensino, a qual
Demo (1996) conceitua como pesquisa da aprendizagem. É essa concepção de pesquisa que
as escolas estão buscando entender melhor para preparar os alunos para enfrentar os desafios
impostos hoje pela ciência.
Nessa perspectiva, como a escola de ensino básico trabalha com a pesquisa na escola?
A escola capacita o aluno egresso a seguir sua trajetória de atuação na universidade, em
espaços de construção de conhecimento? O estímulo às práticas investigativas que a escola
procura desenvolver provoca reações no aluno ou ainda está em nível de ideal que pretende
alcançar? Que importância tem a pesquisa para a formação da autonomia no aluno, que
permite, por si próprio, buscar outros espaços de atuação na universidade, além da sala de
aula?
A EFA - Escola Básica Francisco de Assis -, escola de educação básica do município
de Ijuí, RS, campo empírico da presente pesquisa, possui uma relação direta com a Unijuí por
ser uma mantida da Fidene - Fundação de Integração, Desenvolvimento e Educação do
Noroeste do Estado, por ocupar os espaços da universidade e por ter professores que atuam
nas duas instâncias de ensino (educação básica e ensino superior). Diversas atividades
(eventos culturais, artísticos, palestras, intercâmbios internacionais, etc.) contam, tamm,
com a participação da universidade. Poder-se-ia dizer que o Projeto Político-pedagógico de
um ensino mais ousado e inovador advém dessa relação que a escola estabelece com a
universidade. Interessante, nesse sentido, referir o projeto de intercâmbio que realiza com os
alunos do Ensino Médio. Permite, com a autorização da universidade, que os alunos dos 2
o
e
3
o
anos cursem disciplinas nos diversos cursos de graduação para manter contato prévio com
a universidade e, depois, decidir por um determinado curso.
A presença da pesquisa na Unijuí foi sempre marcante. Desde a criação da Fafi -
Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras -, no ano de 1957, a universidade trabalhou com a
idéia da pesquisa, embora em várias dimensões (vários níveis, formas e objetivos distintos),
17
mas sempre pensando em atender às demandas sociais. Não esperou, portanto, que fossem
institucionalizados os Cursos de Pós-Graduação Stricto Sensu para fazer pesquisa. A pesquisa
foi acontecendo sob a coordenação do Centro de Estudos e Pesquisas, criado em 1961, do IPP
- Instituto de Pesquisa e Planejamentos, a partir de 1971, e sob a Coordenação dos
Departamentos, a partir de 1980. O professor Mario Osorio Marques é o exemplo vivo da
pesquisa na Unijuí e suas palavras reafirmam o sentido da pesquisa como, tamm, processo
de aprendizagem:
A pesquisa na universidade não se pode restringir à pós-graduação, muito menos
reduzir-se a processo de galgar posições na carreira universitária, de eliti-la. [...]
Faz-se mister se estabela na universidade, para todos - professores, alunos e corpo
funcional - uma clara e abrangente política de pesquisa que se acompanhe o tempo
todo das práticas do escrever. (2001, p. 132).
A pesquisa na universidade se justifica pelos resultados que produz à sociedade pelo
seu compromisso social para com a mesma. O retorno da sociedade às pesquisas faz com que
a universidade vá sempre se reconstruindo, revitalizando e revendo seus conhecimentos. A
certificação do saber que se produz na universidade depende desse intercâmbio de
informações entre universidade e sociedade, que acontece por meio da comunicação e da
argumentação, ou seja, fazer ciência a partir do discurso da sociedade, de suas experiências,
de suas manifestações e de suas vivências. O conhecimento, na universidade, passa, na
concepção do autor, a ser ressignificado, não por uma comunidade de cientistas, mas pelas
pessoas que usufruem dos resultados do conhecimento que a universidade produz.
A universidade como instituição surgiu no período medieval, por volta dos séculos XI
e XII, como uma corporação de professores e alunos que tinham como objetivo apenas a
compreensão do mundo, portanto, os saberes (gramática, geometria, astronomia, etc...) eram
destituídos de conteúdo social. A universidade vivia isolada da sociedade e, por ter este
caráter conservador, segundo Rossato (2005), recebeu muitas críticas. Porém, as Revoluções
Francesa e Industrial impulsionaram a outro modelo de universidade. Mas, é com Humboldt
50
,
no século XIX, que a pesquisa se insere de forma mais incisiva na universidade.
50
Guilherme Humboldt, diretor do Culto e da Instrução Pública do Ministério do Interior da Prússia, foi quem
criou a universidade de Berlim, uma instituição de ensino e pesquisa (ROSSATO, 2005).
18
A nova universidade valorizou a erudição, acrescentando um novo elemento - a
valorização da pesquisa; a universidade é uma comunidade, uma corporação de
cientistas que devem desenvolver a pesquisa científica no contexto da universidade,
e o ensino é uma ação complementar à pesquisa. (ROSSATO, 2005, p. 86).
A partir de Humboldt, a universidade moderna passa a ser responsável, além do
ensino, pela pesquisa, ou seja, pela produção do conhecimento. Essas idéias difundiram-se
pelo mundo ocidental e influenciaram o Brasil que, pela Lei n
o
5.540/68, atribuiu à
universidade a responsabilidade não apenas pela transmissão, mas pela produção do
conhecimento.
Fazendo uma breve retrospectiva histórica, no Brasil, somente no ano de 1920, com a
criação da universidade do Rio de Janeiro, é organizado o ensino superior sob a forma de
universidade pela agregação de três escolas superiores existentes naquela cidade: a Faculdade
de Direito, a Faculdade de Medicina e a Escola Politécnica. Essa universidade, bem como as
demais que foram criadas nessa época, eram regidas pelo Estatuto das Universidades
Brasileiras, adotando, para o ensino superior, o regime universitário. Porém, conforme
Romanelli (1978), a primeira universidade, criada e organizada de acordo com as normas do
Estatuto das Universidades, foi a de São Paulo, em 1934.
Apesar de estar disposto no art. 1º do Estatuto das Universidades Brasileiras
51
(1931)
o estímulo à investigação científica, as universidades brasileiras tiveram como prioridade
formar profissionais para o mercado de trabalho, ficando a pesquisa dissociada do processo de
formação desses profissionais.
A Reforma da Universidade que acontece no Brasil por meio da Lei n
o
5.540, de 28 de
novembro de 1968, define o modelo de universidade brasileira. Segundo esta lei, o ensino
superior passa a ser realizado preferentemente em universidades e só excepcionalmente em
estabelecimentos isolados; a administração é exercida pelo Reitor e outros órgãos de
administração da universidade; as unidades devem promover cursos de graduação, pós-
graduação, extensão, aperfeiçoamento e especialização (ROMANELLI, 1978). Essa lei trouxe
importantes avanços para o ensino superior, principalmente porque implementou a
51
O decreto 19.851, de 11 de abril de 1931, que instituiu o regime universitário no Brasil e se constituiu no
Estatuto das Universidades Brasileiras, dise sobre os fins do ensino universitário: “Art. 1.º- O Ensino
Universitário tem como finalidade: elevar o nível da cultura geral,
estimular a investigão científica
em
quaisquer domínios dos conhecimentos humanos; habilitar ao exercício de atividades que requerem preparo
técnico e científico superior; concorrer, enfim, pela educação do indivíduo e da coletividade pela harmonia de
objetivos entre professores e estudantes e pelo aproveitamento de todas as atividades universitárias, para a
grandeza da nação e para o aperfeiçoamento da humanidade.” (ROMANELLI, 1978, p.133, grifo nosso).
19
indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, mas, não podemos deixar de referir que a
pesquisa foi introduzida na universidade também porque o país precisava de ciência e
tecnologia para o seu desenvolvimento econômico-social, político e cultural
52
. Por isso, a
importância de refletir sobre o conhecimento que a universidade produz, a quem está servindo
e para que está servindo, pois é neste local que se formam, além de outros profissionais, os
professores que irão atuar nas escolas.
Nesse sentido, o foco central do presente estudo busca compreender qual a concepção
de pesquisa da escola básica com vistas à formação de cidadãos comprometidos com a
sociedade. Para isso, buscamos respostas à seguinte questão:
A educação básica tem se
preocupado com a instalação da atitude investigativa que permite ao aluno, em estudos
subseqüentes, o exercício da pesquisa, a compreensão e o desenvolvimento de sua
responsabilidade social como cidadão? Como essa preocupação tem se concretizado?
A educação básica pode se constituir o espo de iniciação da pesquisa, pois nessa
etapa as crianças e os adolescentes vão construindo as bases para a pesquisa, ou seja, o gosto
pela leitura, pela escrita e pela socialização do saber. Ao mesmo tempo que aprendem,
desenvolvem a autonomia, tornando-se independentes do professor, buscando outras formas
de aprender e de resolver seus problemas. Essas capacidades são muito importantes para a
atuação na sociedade na luta pelos direitos de cidadão.
Formar o cidadão, certamente requer do professor formação profissional, que acontece
nos espaços formais de ensino e em nível universitário. Isso implica mudança de postura em
sala de aula, revisão de concepções epistemológicas, compreensão da relação de poder
presente na escola, capacidade de autocrítica, constituir-se leitor, pesquisador. Sobre estes
aspectos, trataremos no capítulo 1, subseção 1.2.
A idéia do professor pesquisador transforma-se em proposta a ser implementada,
sendo a pesquisa considerada uma atividade fundamental para o exercício do magistério,
também nos níveis iniciais de ensino. O poder público está percebendo a necessidade de uma
formação que privilegie o desenvolvimento progressivo de um espírito indagador, de atitudes
investigativas e de maior inserção dos envolvidos nos processos educativos desde a educação
básica. No Estado do Rio Grande do Sul, a Secretaria de Ciência e Tecnologia, promoveu, em
2005, o fórum “CT & I e Qualidade de Vida: uma visão do Estado do Rio Grande do Sul -
52
Saviani (1999) faz críticas à Lei n
o
5.540/68 por entender que serviu aos interesses do mercado, sendo a
educação considerada apenas uma mercadoria e, portanto, o ensino, pesquisa e exteno precisavam ser
indissociáveis para qualificar indivíduos para atender às necessidades do país, não às necessidades individuais do
ser humano.
20
desafios institucionais e estratégicos em busca de uma política regional de CT & I para os
próximos dez anos - 2005-2015”, abrindo um espo específico para discussão dessa temática
na Plenária I
53
, que tratou da construção do conhecimento e do saber.
A mensagem aos participantes do fórum: “A conjugação do conhecimento com o
compromisso governamental apontará caminhos para a ciência, a tecnologia e a inovação
consolidarem-se como pilares do desenvolvimento sócio-econômico sustentável com vistas à
melhoria da qualidade de vida dos cidadãos”
54
indica a necessidade da escola fazer parte
dessa luta. O pobre, o menos afortunado, terá melhores condições de vida (alimentação,
moradia, saúde, educação, etc...) se puder ingressar e “permanecer” na escola, pois, pela via
do conhecimento, pode conquistar um espaço na sociedade. Portanto, o Estado, em parceria
com as instituições de ensino, pode implementar políticas públicas que garantam esse acesso e
permanência da criança na escola. Uma política viável seria o oferecimento do ensino público,
gratuito e obrigatório a todos. Formados, terão condições de trabalhar e usufruir dos recursos
produzidos pela ciência e tecnologia, que hoje é uma possibilidade apenas de uma elite. Dessa
forma, o Estado estará garantindo a melhoria da qualidade de vida dos cidadãos, e estes,
conseqüentemente, estao contribuindo para melhorar o desenvolvimento econômico do país.
As reivindicações, sugestões e propostas precisam partir da sociedade, pois, como
adverte Santos (1989), o conhecimento científico produzido por uma comunidade científica
passa a ter sentido se for discutido com a comunidade local, que conhece os reais problemas
da comunidade. Dessa forma, a ciência, pautada por essa postura ética, passa a ser um agente
de transformação da sociedade, não mais de imposição.
Assim, o desafio do presente trabalho é o de contribuir com reflexões acerca do ensino
pela pesquisa como uma possibilidade de formação de cidadãos críticos, reflexivos e atuantes
que possam olhar para a história e, a partir dela, reconhecer a sua própria trajetória e sua
capacidade de desencadear inovões. Inovações, estas, embasadas em princípios que
favoreçam a inclusão das pessoas.
Portanto, este trabalho tem como principal
objetivo
visualizar se as práticas
investigativas da escola básica estimulam o aluno a ter iniciativa própria para que, na
universidade, este se insira em atividades que possibilitem tornar-se sujeito pesquisador e,
53
Participei da discussão dessa plenária porque estariam sendo levantadas propostas para a educação básica e
queria conhecer um pouco mais da realidade da educação básica do Estado, já que meu objeto de estudo da
dissertação era esse.
54
Documento Síntese do Fórum: Conhecimento, tecnologia e qualidade de vida: uma visão do Estado do Rio do
Sul, organizado por César Z. Vasconcellos e Renita N. Dameto, Porto Alegre: Secretaria de Ciência e
Tecnologia, 2006, p. 9.
21
dessa forma, desenvolver sua compreensão acerca do significado de ciência, de sua
representatividade na sociedade e de sua responsabilidade social.
Como
metodologia
prevista para desenvolver essa compreensão, isto é, como se
desenvolve uma proposta que valoriza a pesquisa numa escola de educação básica, e como
esta proposta pode contribuir para a formação da cidadania do estudante que prosseguir seus
estudos, em nível superior, foi utilizada: (a) análise documental: do histórico, do Projeto
Político-pedagógico, do Regimento, Planos de Estudos da 1ª 2ª, 3ª e 4ª etapas, relatórios,
regulamentos, normas e pareceres da escola; (b) observações, o que permitiu me inserir na
escola e trazer à pesquisa uma riqueza de informações que os documentos, por si só, não
forneceriam; (c) organização de cadastro de egressos e localização dos mesmos aos quais foi
aplicado um (d) questionário por meio de correio eletrônico.
A metodologia, segundo Minayo (1994), é indissociável da teoria, pois somente a
teoria o pode explicar todos os fenômenos e processos de um determinado objeto de estudo.
As pesquisas, geralmente, são analisadas a partir do que os autores trazem. É também a partir
destes que se constroem outros referenciais, portanto, outras teorias. Nesse sentido, Minayo
(1994, p. 19, grifo da autora) estabelece a relação entre metodologia e teoria ao dizer que
Teoria é um conhecimento de que nos servimos no processo de investigação como um
sistema organizado de proposições, que orientam a obtenção de dados e a análise dos
mesmos, e de conceitos, que veiculam seu sentido.
Como a teoria, outros recursos também são importantes para a análise de situações
empíricas. Os documentos, conforme Lüdke e André, citando Guba e Lincoln,
[...] constituem também uma fonte poderosa de onde podem ser retiradas evidências
que fundamentem afirmações e declarações do pesquisador. Representam ainda uma
fonte ‘natural’ de informação. Não são apenas uma fonte de informação
contextualizada, mas surgem num determinado contexto e fornecem informações
sobre esse mesmo contexto. (1986, p. 39).
Em vários momentos estivemos muito presente na escola, observando as atividades
das crianças, dos professores, o funcionamento da escola, os procedimentos e as orientações
dadas. A observação forneceu elementos para construir esse trabalho de pesquisa não nos
restringindo apenas a olhar a realidade, mas constatar o que estava por trás das ações da
escola, o que evidencia a posição de Lakatos e Marconi (1991, p. 190-191), ao dizer que a
observação “Não consiste apenas em ver e ouvir, mas também em examinar fatos ou
fenômenos que se desejam estudar.
22
Foram realizados vários contatos com a diretora, vice-diretor, professora responsável
pelo Ensino Médio e funcionários, com o objetivo de coletar materiais, participar de algumas
atividades
55
, esclarecer dúvidas e fazer a revisão do capítulo 3, que relata os resultados desta
pesquisa.
No final do 2º semestre de 2005 e início do 1º semestre de 2006 foram aplicados os
questionários aos alunos do Ensino Médio, egressos da EFA, localizados nas universidades.
Optamos pelo questionário por ser “um instrumento de coleta de dados com questões a serem
respondidas por escrito sem a intervenção direta do pesquisador” (MOROZ, 2002, p. 66) e
pelo fato da dificuldade em fazer contato direto com os alunos, tendo em vista que são 103
(cento e três) alunos, que residem em locais e universidades também diversas. O questionário
elaborado com perguntas semi-estruturadas foi enviado pelo correio eletrônico, conforme
modelo em anexo.
Este trabalho de pesquisa envolveu a Escola de Educação Básica Francisco de Assis e
os egressos desta escola que se encontravam estudando em universidade e que concordaram
em participar do estudo. Selecionamos esta escola por ter uma proposta de ensino
diferenciada, que motiva a criança à livre expressão, utilizando-se da arte e da pesquisa para a
formação do aluno. O critério para seleção dos alunos foi serem egressos da EFA dos últimos
quatro anos (2001-2002-2003-2004), e, portanto, ser possível, a partir desta condição, analisar
como a escola, que tem um Projeto Político-pedagógico mais crítico e inovador, pode
contribuir para a formação de um aluno atuante.
As instituições de educação superior selecionadas foram as que receberam os alunos
egressos da EFA, mediante vestibular ou processo seletivo similar. Dos 103 alunos
localizados que se formaram na EFA, no período definido para o estudo, foi possível enviar o
questionário a 65 alunos
56
. O questionário eletrônico procurou verificar, além das concepções
dos alunos sobre pesquisa, cidadania, papel da escola básica e da universidade na formação do
cidadão, como tais egressos chegaram nestas instituições de ensino (que tipo de IES -blica
- privada), que cursos escolheram (áreas predominantes), como se saíram no vestibular
55
Participamos da exposição e escolha dos Projetos de “Estudo de Aprofundamento” aos alunos do Ensino
Médio, a convite da professora responsável pelo Ensino Médio, com o objetivo de verificar como ocorre esse
processo. Também, em vários outros momentos, fui convidada a participar de projetos de pesquisa dos alunos do
Ensino Médio, de palestras, reuniões, inclusive a participar de reunião realizada em que os dados de minha
pesquisa foram subsídio para a discussão e reflexão da prática pedagógica dos professores, reunião esta em que
o pude me fazer presente pelo fato de ocorrer no mesmo horário do meu trabalho.
O material elaborado no capítulo 4 foi ponto de pauta desta reunião dos professores, realizada no início do mês
de abril de 2006, e será novamente discutido no 2
o
semestre de 2006, após o término da pesquisa, com a presea
e exposição da pesquisadora sobre os resultados da pesquisa.
56
Do total de 103 alunos, 18 não estudam, 19 não foram localizados e 1 é formando.
23
(quantas vezes tentaram seu ingresso), se assumiram atividades de iniciação científica
(voluntários ou bolsistas), como se sentem na universidade, enfim, expressar as iias que
possibilitam analisar como participam das práticas de produção de conhecimentos ou
científicas.
A análise dos dados se encontra no capítulo 4 e foi construída a partir de idéias-chave
que possibilitaram estabelecer relações com a teoria, a legislação do ensino e a prática da
escola, a saber: a) concepção de pesquisa; b) papel da educação básica na construção de
atitudes investigativas; c) papel da educação básica na formação da cidadania, d) concepção
de cidadania; e) função da universidade na formação da cidadania.
Encerrando o texto da dissertação, são desenvolvidas as considerações finais, que
fazem um breve resgate da temática abordada e, com base nas análises feitas, apresenta
constatações e reflexões oriundas do estudo, em torno da relação escola, pesquisa e cidadania.
24
1 UM RESGATE HISTÓRICO DA PESQUISA NAS ESCOLAS DE ENSINO BÁSICO
A pesquisa na escola básica é um tema que vem sendo discutido recentemente, por
esta razão há poucas publicações a respeito desta tetica, mas se olharmos para a história da
educação brasileira, veremos que a pesquisa enquanto método experimental já era uma
realidade nos anos 1940-1950 quando foi preconizada pela Escola Nova - corrente de
pensamento que orientou a educação na época.
A Escola Nova, fortemente influenciada pelas idéias do americano John Dewey,
postulava o ensino pela ação. Com esse entendimento, a Escola Nova provocou rupturas com
a escola de ensino tradicional.
57
Fundamentava sua ação educativa na atividade da criança,
valorizando a auto-formação e a atividade espontânea. Parte, por esta razão, do princípio de
que “o ato de aprender depende profundamente de uma situação real de experiência onde se
possam praticar, tal qual na vida, as reações que devemos aprender” (TEIXEIRA, 1978, p. 44,
grifo do autor), mas justifica-se por outro princípio, pela necessidade de preparar um novo
homem para se adaptar às novas funções decorrentes do processo de industrialização.
57
Muitos autores trazem as concepções de ensino tradicional, mas como estamos nos reportando, nesse
momento, a Anísio Teixeira (1978), utilizamo-nos de sua interpretação. Para o autor, o ensino tradicional se
baseia num ensino pela memorização de fórmulas obtidas pelo professor, que se utiliza do processo de
“perguntase “respostas” para o exercio desta memorização e para avaliar a aprendizagem do aluno. Interessa,
nesse processo, a transmissão do conhecimento pelo professor e a memorização do aluno, considerado como
objeto do conhecimento, cabendo a ele apenas absorver este conhecimento e devolver da mesma forma que o
recebeu, independentemente de suas experiências, seus interesses, aspirações e desejos.
25
o seriam, pois precisas outras razões que as da profunda modificação social por
que vamos passando para justificar a alteração profunda da velha escola tradicional -
preparatória e suplementar - na escola progressiva
58
de educação integral. A escola é
o retrato da sociedade a que serve. A escola tradicional representava a sociedade que
está em vias de desaparecer. (TEIXEIRA, 1978, p. 36-37).
A Escola Nova, com essa nova concepção, toma para si a função de educar, tirando
essa responsabilidade da família e do meio social, que não dão mais conta de um saber que
responda às novas funções e responsabilidades exigidas do homem, isso, segundo Teixeira
(1978, p. 39, grifo nosso), “[...] se quisermos dar às nossas crianças a oportunidade de se
adaptarem e se ajustarem à ordem social do nosso vertiginoso presente”. A escola se
reorganiza em função da nova ordem social estabelecida e, para isso, entende que é preciso
formar hábitos e atitudes para adaptar o indivíduo à sociedade, não para transformá-la.
Para isso, utiliza como metodologia de ensino o método científico experimental,
promovendo, assim, a inversão da instrução verbal para a experiência. O método científico é
aplicado não somente à natureza, mas às questões humanas, ao expor aspectos de ordem
social e moral sob a análise e julgamento da experiência
59
. Há uma nova percepção de
natureza humana que, condicionada ao método experimental, conduz à emancipação do
sujeito. Nesse sentido, num primeiro momento, parece que os escolanovistas pensam a
educação como uma prática emancipatória, mas será possível conciliar um modelo de
racionalidade técnica, que se orienta pelo método científico e pela sociedade industrial, com
os princípios de autonomia do sujeito?
Com base nessa compreensão de natureza humana, podemos dizer que não houve
mudanças somente no aspecto material, mas de mentalidade, conforme aduz Teixeira:
O que se deu foi a aplicação da ciência à civilização humana. Materialmente, o
nosso progresso é filho das invenções e da máquina. O homem conseguiu
instrumentos para lutar contra a distância, contra o tempo e contra a natureza. A
ciência experimental na sua aplicação às coisas humanas permitiu que uma série de
problemas fossem resolvidos, e crescessem essas enormes cidades que são a flor e o
triunfo maior da civilização. (1978, p. 28).
58
Anísio Teixeira entendia a idéia de escola progressiva nos moldes de Kilpatrick, como se deduz de suas
próprias palavras: “E progressiva, por q? Porque se destina a ser a escola de uma civilização em mudança
permanente [...] e porque, ela mesma, como essa civilização, está trabalhada pelos instrumentos de uma ciência
que ininterruptamente se refaz. Com efeito, o que chamamos de ‘escola nova’ não é mais do que a escola
transformada, como se transformam todas as instituões humanas à medida que lhes podemos aplicar
conhecimentos mais precisos dos fins e meios a que se destinam.” (1978, p. 25 -26).
59
A razão de colocar questões humanas e sociais à prova da ciência, justifica-se porque “Se em ciência tudo tem
o seu porquê e a sua prova, prova e porquê que se encontram nos resultados e nas conseqüências dessa ou
daquela aplicação; se em ciência tudo se subordina à experiência, para, à sua luz, se resolver, - porque também
o subordinar o mundo moral e social à mesma prova? E é aí que está a maior transformação de nossos dias.
(TEIXEIRA, 1978, p. 29, grifo do autor).
26
A escola nova utilizou elementos da ciência positiva para a formação humana. Não
podemos negar a ênfase da Escola Nova ao aspecto eminentemente empírico, relacionado
ao agir técnico e instrumental, e ao aspecto moral, relacionado à formação de hábitos,
conforme adverte Teixeira (1978), tampouco podemos esquecer que a Escola Nova abriu um
espaço para ciência
60
, para a experimentação, oportunizando a criança participar das
atividades, rompendo com a atitude de passividade que até então orientava as ações das
escolas. Essas ações foram idealizadas por educadores que pensavam outro modelo de
educação e traduzidas no “Manifesto dos Pioneiros da Escola Nova”. O Manifesto foi uma
reivindicação pela escola pública, leiga, gratuita e obrigatória, que abordou, profundamente, o
aspecto político da educação ao contestar a educação como um privilégio de classe e exigiu
do Estado assegurar escola para todos. Como direito de todos, a educação vincula-se ao meio
social, tirando a escola do seu isolamento secular. Na época, o Manifesto representou um
plano avançado para a realidade brasileira, reivindicando mudanças profundas na estrutura do
ensino brasileiro pela necessidade de adequar a educação ao tipo de sociedade e à forma
assumida pelo desenvolvimento brasileiro.
Segundo Romanelli (1978), o documento não questionava a nova ordem social que se
estabelecia, mas tinha pretensão de adequar o sistema educacional a essa nova ordem, embora
percebemos no discurso dos escolanovistas que havia uma crítica mais estrutural da sociedade
em relação ao papel da República.
As lutas ideológicas entre o movimento renovador e os representantes da escola
tradicional influenciaram na elaboração das Constituições de 1934 e 1937. A primeira
representou uma vitória do movimento renovador por ter incorporado muitas idéias do
Manifesto em seu Capítulo II - da Educação e da Cultura -, principalmente quanto ao dever da
União, Estados e Municípios de garantir o direito à educação e o dever do Estado de assegu-
la. Já, contrariamente, a segunda, retira do Estado esta responsabilidade, determinando que é
uma iniciativa individual e de associações ou pessoas coletivas públicas e particulares.
Outras leis e Constituições foram superando e ampliando a forma de tratar a educação,
mas os princípios da Escola Nova exerceram forte influência nas escolas, que foram
60
Assim como a Escola Nova abriu espo para a ciência, também a criação do INEP (13/01/1937), hoje
denominado Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, foi um referencial para a
educação brasileira, possuindo, a princípio, um estatuto institucional amguo por ser um órgão de pesquisa e,
simultanemanete, exercer atividades executivas. Mas, foi com Anísio Teixeira, que assumiu a direção do
Instituto em 1952, que foi dada maior ênfase ao trabalho de pesquisa. Anísio Teixeira, preocupado com a
estrutura do ensino, contribuiu com a criação e reestruturação do INEP. Partindo do princípio de que não há
educação sem pesquisa, propôs a dinamização do órgão com vistas a transformá-lo num centro de referência para
o magistério nacional e a constituí-lo em um polo de articulação e renovação do Sistema Nacional de Educação
(HISTÓRIA do Inep, 2006).
27
aperfeiçoando seus métodos
61
e técnicas de ensino, sendo responsável, também, na década de
60, no Brasil, pelo surgimento de ginásios vocacionais, escolas ativas, escolas experimentais,
colégios de aplicação das universidades, escolas piloto, escolas livres, escola comunitária,
lares-escolas, escolas individualistas, escolas de trabalho e escolas não diretivas
(GADOTTI
62
, 2003).
Hoje ainda percebemos nas escolas a influência de alguns princípios da Escola Nova.
A própria EFA adota alguns desses princípios ao estimular a ação do aluno, a sua
participação, considerando seus interesses, suas aspirações, seus desejos e a vontade de
aprender, como também, utiliza-se da pedagogia de projetos para estabelecer relações entre
teoria e prática. A opção da escola em trabalhar a pesquisa em forma de projetos,
inicialmente, foi sustentada pelas idéias escolanovistas, que abordaram a questão do Método
de Projetos. Com o passar do tempo, a proposta foi sendo aprimorada, mas mantida até hoje
(Plano de Estudos 2
a
etapa da Educação Básica, 2004). A diferença que encontramos reside
no fato de que a escola propõe uma ação pedagógica com base nos princípios de análise,
reflexão e contestação da realidade, dessa forma, estimulando o aluno ao exercício da
cidadania, enquanto a Escola Nova prioriza a ação da criança. De qualquer forma, é
importante pensar o contexto, o modelo de sociedade, o modo de vida da época que leva os
educadores também a pensar um modelo de educação coerente com o momento histórico.
A visão otimista dos escolanovistas passa a ser criticada, no final da década de 1950-
1960, quando educadores começam a compreender a educação como um ato político,
portanto, a escola como instrumento para a formação de sujeitos capazes de analisar e refletir
sobre o modelo de sociedade imposto e de mudar este contexto. Justamente, num momento de
efervescência dos movimentos sociais em que deveria a escola oportunizar o debate, a
reflexão, a conscientização e a tomada de decisão, a Escola Nova, embora bastante calcada na
ação do aluno, não estimula a alise crítica da sociedade (SAVIANI, 1985). A ação da
61
O centro de interesse é uma das contribuições da Escola Nova. Parte do princípio de uma educação que atenda
às necessidades infantis e trabalhe essas necessidades por meio de um tema, como, por exemplo, a família, o
universo, o mundo vegetal, animal, etc. (GADOTTI, 2003, p. 145).
62
Gadotti não menciona na sua obra a Escola-Parque, uma das iniciativas mais importantes de Anísio Teixeira
quando foi Secretário da Educação e Saúde no Estado da Bahia. A Escola-Parque, denominada Centro
Educacional Carneiro Ribeiro, foi inaugurada em 21/09/1950, em Salvador (BA), situada em bairro populoso, de
expressiva concentração de trabalhadores. O objetivo da Escola-Parque era fornecer à criança uma educação
integral, cuidando da sua alimentação, higiene, socialização e preparação para o trabalho e cidadania. O que
levou Anísio Teixeira a conceber a Escola-Parque foi a certeza de que a escola tradicional é a oficina do
conhecimento racional, enquanto a oficina do trabalho, das artes, dos jogos, a cultura e as atividades
socioeducativas formam a escola do conhecimento prático. Nesse sentido, Anísio Teixeira fez a junção desses
dois mundos com a criação da Escola-Parque no bairro da Caixa D’ Água. Ela ainda existe e, em 2000, o
governo do Estado da Bahia, César Borges, assinou uma ordem de serviço para restauração do prédio (UMA
EXPERIÊNCIA de educação integral, 2005)
.
28
criança restringia-se a participar das atividades, mas não a pensar, a analisar, a refletir e a
contestar. Em outras palavras, a ação da Escola Nova pautava-se por uma atitude pedagógica
que visava à adaptação social do aluno e não o exercício de sua cidadania.
É nesse momento que o pensamento de Paulo Freire é de vital importância para as
novas compreensões que se estabelecem entre os educadores. O autor propõe uma educação
libertadora diferentemente do que foi enunciado pela Escola Nova. Embora o autor concorde
que esse movimento representou um avanço para a sociedade, se insurge contra o caráter
conservador da visão pedagógica dos escolanovistas, dizendo que a escola tanto pode servir à
educação como prática da dominação quanto à educação como prática da liberdade.
O antagonismo entre as duas concepções, uma, a ‘bancária’, que serve à dominação;
outra, a problematizadora, que serve à libertação, toma corpo exatamente aí.
Enquanto a primeira, necessariamente, mantém a contradição educador-educandos, a
segunda realiza a superação.
Para manter a contradição, a concepção ‘bancária’ nega a dialogicidade como
essência da educação e se faz antidialógica; para realizar a superação, a educação
problematizadora - situação gnosiológica - afirma a dialogicidade e se faz dialógica.
(FREIRE, 1983, p. 78).
O autor faz uma crítica ao ensino bancário, mostrando os antagonismos entre a
educação bancária e a problematizadora, que orienta à emancipação do ser humano. A Escola
Nova inovou as técnicas de ensino, mas ignorou o diálogo e a reflexão crítica sobre a nova
realidade (novas indústrias, novo sujeito, novas relações sociais, etc.) vigente, atendendo,
desta forma, aos interesses de uma pequena elite, que utilizou essa instituição como
instrumento de preparação de mão-de-obra qualificada para o trabalho e, portanto, para
manutenção do status quo vigente em benefício próprio, em nome do progresso do país.
Pela constatação de Paulo Freire, podemos deduzir que a Escola Nova não tinha como
objetivo estimular o aluno ao processo de investigação, à capacidade de elaboração,
construção própria e reconstrução do conhecimento, afetando diretamente o estabelecimento
das condições necessárias para o exercício de sua cidadania. Pretendia, como foi exposto,
ajustar e adaptar o aluno à nova sociedade e, para isso, era função dos professores manter os
alunos em atividade, treiná-los e capacitá-los para exercer as atividades necessárias ao modelo
de sociedade que estava se instalando.
Por outro lado, não podemos ignorar, de forma alguma, o grande avanço que esse
movimento representou para as classes populares porque possibilitou o acesso das grandes
massas à escola, pois até o momento a educação era apenas para uma elite, para os clássicos
29
ou para os filhos de burgueses.
Conforme Romanelli,
Ao proclamar a educação como um direito individual que deve ser assegurado a
todos, sem distinção de classes e situação econômica; ao afirmar ser dever do Estado
assegurá-la, principalmente através de escola pública gratuita, obrigatória e leiga, e,
finalmente, ao opor-se à educação-privilégio, o Manifesto trata a educação como um
problema social, o que é um avanço para a época. (1978, p. 149).
A autora aborda também o aspecto negativo, dizendo que, apesar do Movimento da
Escola Nova ter gerado uma nova concepção de educação, “segundo a qual é o educando,
com o seu interesse, suas aptidões e tendências quem deve ser o centro da ação pedagógica
(ROMANELLI, 1978, p. 146), foi um movimento conservador por apresentar a educação
como um problema social e tentar resolvê-lo com um modelo de ensino instrumental.
o há uma posição consensual dos autores quando se trata da Escola Nova, mas os
autores referenciados nessa pesquisa abordam tanto os aspectos positivos como negativos do
Manifesto, exceto Saviani (1985), que faz uma crítica mais severa aos escolanovistas, ao dizer
que adotaram o método científico, inspirado numa filosofia positiva, para resolver os
problemas sociais. Para o autor, os processos sociais são dinâmicos, sofrem influências
externas e estão em constantes transformações e, por esta razão, não podem ser analisados sob
este prisma. Dessa forma, a escola passa a ser um instrumento de consolidação da ordem
social estabelecida.
Para reforçar o tecnicismo (década de 1960-1970), devido ao próprio processo de
tecnificação da sociedade, a escola passa a utilizar as orientações do acordo MEC-USAID,
firmado pelo Brasil com os Estados Unidos. Esse acordo reestrutura o sistema de ensino
segundo princípios da organização das empresas, exigindo que as escolas se adequem a um
modelo de racionalidade, pautada pela eficiência e produtividade e dessa forma conduzam a
aprendizagem.
Nesse sentido, a legislação também dará uma importante contribuição. A Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Brasileira (Lei n
o
5.692/71) objetivou adaptar a escola às
necessidades do mercado de trabalho, transformando o ensino secundário num ensino
profissionalizante. O aluno ingressaria no mercado de trabalho mais cedo, sendo atribuição
dos professores a qualificação desses alunos. Essa necessidade se justifica para atender a
interesses políticos e econômicos e encontra um ambiente propício para que isso aconteça,
30
qual seja, a ordem do silêncio que vigorava então. Porém, com a abertura política, foi
revogado o ensino profissionalizante obrigatório, substituindo, por meio da Lei n
o
7.044/82, o
termo “qualificação para o trabalhopor “preparação para o trabalho”. Para a e ducação essa
mudança representa a possibilidade de preparação do aluno para o ingresso na universidade.
Posterior à Escola Nova, ou seja, as as décadas de 1950-1960, pela busca realizada
para a presente dissertação, quase não há menção de estudos que tratem a queso da pesquisa
na escola básica. Bernadete Angelina Gatti, Menga Lüdke, Marli André, Maria C. Minayo,
Paulo Freire e Pedro Demo, são autores que se destacam na busca por evidenciar o que se
produz em pesquisa na área da educação de modo geral, na formação de professores e na
escola básica. Apenas mais recentemente esse tema vem se tornando atual; vem sendo
discutido em eventos nacionais e internacionais, devido às novas tecnologias informacionais
que estão a exigir profissionalização dos professores para o enfrentamento dos novos desafios,
os quais requerem que os mesmos saibam trabalhar com informações e com a pesquisa para
orientar o aluno à análise crítica das informações e para desafiá-los, cada vez mais, ao
conhecimento.
Continuamos a buscar elementos que evidenciem a necessidade da pesquisa na escola
básica em nossos dias, reportando-nos, então, à década de 1980, quando é aprovada a
Constituição Federal, e, fins dos anos 1990, quando é aprovada a Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Brasileira (Lei n
o
9.394/96).
1.1 Papel da educação sistemática nos diferentes níveis de ensino
A educação é um direito de todo o cidadão e está amparada pela Constituição Federal
de 1988 (CF/88), conforme dise o artigo 205: “A educação, direito de todos e dever do
Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando
ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua
qualificação para o trabalho”. Esse ideal, porém, está muito distante da realidade. Se
observarmos o número de analfabetos no Brasil (16 milhões de brasileiros
63
), vemos o quão
desiguais são as condições de acesso ao saber à grande maioria da população. Ao Estado cabe
63
Conforme dados apontados pelo MEC, se considerar analfabetas as pessoas que não sabem ler e escrever nem
ao menos um bilhete, esse número chega a 16.295 milhões (O BRASIL..., 2006).
31
garantir não só o direito, mas o acesso
64
e permanência da criança
na escola, pois é pela via do
conhecimento que o cidadão busca a conquista de seus direitos sociais.
A que conhecimento nos referimos? Ao conhecimento transmitido pelo professor em
sala de aula ou ao conhecimento trabalhado conjuntamente com os alunos numa interação
professor x aluno x realidade?
O conhecimento, numa relação dialógica concebida por Freire (1996), é construído
numa interação entre professor e aluno mediatizada pelo mundo. O aluno traduz as suas
compreensões de mundo pela escrita. Esse processo acontece pela pesquisa, que, em relação
ao professor, remete a refletir e ressignificar o conceito de transmiso e construção de
conhecimento, capacitando-o a propor outra forma de abordar o conhecimento, não apenas
pela transmissão, pois ensinar “não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades
para a sua produção ou a sua construção.” (FREIRE, 1996, p. 22, grifo do autor). Em relação
ao aluno, possibilita ser agente de construção de seu próprio conhecimento. Ambos fazem
parte desse processo. Assim, “Não há docência sem disncia, as duas se explicam e seus
sujeitos apesar das difereas que os conotam, não se reduzem à condição de objeto, um do
outro. Quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender. Quem ensina
ensina alguma coisa a alguém.” (FREIRE, 1996, p. 23).
O ensino pela pesquisa apresenta alguns desafios ao professor: a) de ordem
epistemológica: implica ressignificar o conceito de transmissão e construção de
conhecimento; b) repensar a relação de poder entre professor (que ensina) e aluno (que
aprende); e, c) refletir sobre a avaliação: para que se está avaliando?
65
Esses desafios são
importantes para pensar a função da escola e do professor no contexto em que vivemos hoje:
se ambos estão preparando os alunos para o trabalho ou para a cidadania? Ou, então, se a
escola não estará atendendo a nenhuma dessas funções? As concepções da escola são
importantes para que o professor tenha clareza do que pensa a escola sobre a sociedade, aluno,
64
Uma das decisões importantes tomada pelo governo para garantir o acesso ao Ensino Médio foi a criação do
Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e Valorização dos Profissionais da Educação
(Fundeb), pois, segundo dados do MEC, de cada 100 alunos do Ensino Fundamental apenas 31 chegam ao
Ensino Médio (Informativo MEC, 2005).
O Fundeb financia, de 2006 a 2019, todas as etapas da educação básica, diferentemente do Fundo de
Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef), que repassa
recursos apenas para o Ensino Fundamental. Nesse sentido, o Fundeb é um importante instrumento de inclusão
social, pois possibilita um maior número de crianças ir além do Ensino Fundamental. Por outro lado, enfrenta o
problema do abandono e do analfabetismo, pois, hoje, 30% dos jovens de 17 anos estão fora da escola e 11% não
sabem ler (Informativo MEC, 2005).
65
BIANCHETTI, Lucidio. Ensino DA pesquisa ou PELA pesquisa: leitura, escrita e autoria. In: Anais do III
Fórum do Conhecimento. Erechim, 2005. As referências que se fazem desse autor partem de nossas conclusões
do minicurso proferido pelo professor Bianchetti. Não há texto que traga essas referências.
32
educação e, pautando-se por estas concepções, possa interagir com o aluno numa perspectiva
de educação libertadora. O professor pode ensejar um ensino que vise à emancipação do aluno
ao refletir sobre sua prática docente, ao possibilitar o diálogo, a interação com os alunos nas
atividades e repensar a forma de avaliar: se para represar o aluno ou para auxiliar a avançar.
Esse espaço é possibilitado pela pesquisa, realizada tanto pelo professor como uma forma de
atualização constante, como em sala de aula, na construção e reconstrução conjunta de
conhecimentos.
Por que o ensino pela pesquisa, onde professor e aluno são partícipes do processo de
construção do conhecimento, passa a ser tão importante na educação básica? A começar pela
necessidade de diminuir os índices alarmantes de analfabetos, consideradas as pessoas que
o conseguem ultrapassar o nível da escrita, e assegurar a permanência do aluno na escola,
pois, com escolarização, as pessoas têm mais condições de buscar a concretização de seus
direitos e de lutar por um mundo melhor.
As dificuldades encontradas são demonstradas pelo Saeb e pela pesquisa realizada
pelo Programa Internacional de Avaliação de Alunos
66
(Pisa), que mostra que o Brasil
apresenta o pior desempenho dos alunos em matemática e leitura. Ainda, conforme os dados
do Saeb, a dificuldade de aprendizagem dos alunos é decorrente da falta de formação do
professor
67
, que poderá acontecer, inicialmente, nos cursos de graduação, na universidade ou
em outras instituições de ensino superior. A qualificação profissional auxilia o professor a
criar as condições para propor um ensino de forma participativa. É nesta lógica que se pensa o
educar pela pesquisa, pois provoca o aluno a pensar, estabelecer relações, escrever,
interpretar, argumentar, expor, e, principalmente, transferir suas compreenes à realidade,
contribuindo assim, para que ocorram mudanças significativas na sociedade. Ensino e
pesquisa, como atividades interrelacionadas, podem então, auxiliar a formação da cidadania,
mas, como já abordado, esse processo requer formação do professor.
A própria sociedade informacional exige cada vez mais profissionalização do
professor para poder trabalhar com os novos conhecimentos decorrentes das inovações da
ciência e da tecnologia. A escola não poderá concorrer com essa tendência e o professor não
66
O resultado da segunda participação brasileira no Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa)
mostrou que a maioria dos estudantes brasileiros tem dificuldade em matemática e leitura. [...]. Isso mostra que,
num mundo em franco processo de integração cultural, os jovens brasileiros estão menos preparados do que seus
colegas de outras nações para se colocar à frente na busca de superação dos desafios que surgem no mundo
contemporâneo.” (PACHECO, 2004, p. 1).
67
O Saeb mostrou que a falta de formação do professor afeta diretamente o desempenho do aluno. Os dados
levantados evidenciam que “quando o educador possui formação superior, a média dos seus estudantes na parte
de leitura da prova é de 172 pontos e, quando a formação é secundária, a média cai para 157 pontos.
(PACHECO, 2004, p. 1).
33
mais se sustentará se sua prática estiver sustentada por um ensino de transmissão. Mas ambos
são, mais do que nunca, necessários, pois as informações que chegam precisam de uma
análise crítica sobre a origem, seus efeitos, interesses que estão por trás, etc... Esse
movimento da mediação crítica da informação para o conhecimento é um papel que compete
à escola e ao professor. Por esta razão, conforme dise o artigo 35 da LDB (Lei n
o
9.394/96),
o Ensino Médio, etapa final da educação básica, tem por finalidade “[...] IV - a compreensão
dos fundamentos científicos-tecnológicos dos processos produtivos, relacionando a teoria com
a prática” e, para tal, deverá organizar um currículo que possibilite esta compreensão.
O PNE (Plano Nacional de Educação), face ao entendimento de que a formação para o
trabalho exige hoje níveis cada vez mais elevados de educação geral básica, dise que a
formação profissional não pode ser concebida apenas como uma modalidade de Ensino
Médio, mas como educação continuada, que perpassa toda a vida do trabalhador. Essa
formação poderá ser oferecida nos espaços formais ou não-formais de ensino. Nesse sentido,
atribui ao Ensino Médio a competência para proporcionar “uma educação que propicie
aprendizagem de competências de caráter geral, forme pessoas aptas a assimilar mudanças,
mais autônomas em suas escolhas, que respeitem as diferenças e superem a segmentação
social” (2001, p. 26). O Plano está tirando do Ensino Médio o caráter apenas
profissionalizante e atribuindo a responsabilidade pela formação integral do aluno, ou seja,
para capacitá-lo a continuar buscando sempre o conhecimento, prosseguir seus estudos e para
o exercício da cidadania.
Os PCNs (Parâmetros Curriculares Nacionais) também atribuem essa necessidade
devido às novas tecnologias que, muito rapidamente, superam o conhecimento e exigem
qualificação profissional para operar com as novas ferramentas de trabalho. Propõe, para
tanto, novos parâmetros curriculares para o Ensino Médio, visando à formação geral do aluno,
em todos os aspectos abordados pelo PNE. Nesse sentido, orientam os professores a estimular
o pensamento crítico, a autonomia intelectual e a formação ética para que o aluno possa, por
si mesmo, sempre buscar o conhecimento e, com isso, se adaptar aos novos desafios, como
também saber como utilizar este conhecimento.
A orientação legal que contempla o desenvolvimento de todas essas capacidades o faz,
certamente, por entender que hoje não basta a formação técnica para uma determinada
profissão; o mercado de trabalho cada vez mais requer pessoas qualificadas e, para isso, há
necessidade de manter-se atualizado sempre; o aluno que tem capacidade de pensar, decidir e
fazer suas escolhas, estará sempre buscando o conhecimento para poder acompanhar as
mudanças que ocorrem. Isso poderá possibilitar-lhe melhor inserção no mercado de trabalho
34
e, principalmente, pelo desenvolvimento da capacidade de discernimento da realidade,
motivá-lo a buscar ou mesmo construir outros espaços para a efetivação dos seus direitos de
cidadão.
Para o alcance de seus objetivos, as orientações legais determinam que as escolas
organizem o currículo com uma base comum e outra parte diversificada, a primeira
destinando-se à formação geral do aluno, preparação do trabalho e para o prosseguimento de
estudos, e a segunda ao aprofundamento de conteúdos da base comum e de temas de interesse
dos alunos e da comunidade a que pertencem. Esta parte não implica profissionalização, mas
enriquecimento dos conteúdos curriculares.
A EFA reuniu os alunos do Ensino Médio e propôs, a partir de seus interesses, temas
diversos para que pudessem optar e cumprir, dessa forma, com a carga horária exigida.
Participamos desse processo e percebemos que a escola oportuniza esse espaço democrático
para o aluno participar, fazer escolhas e tomar suas decisões
68
.
As DCNs (Diretrizes Curriculares Nacionais) para o Ensino Médio, que deram
sustentação teórica para a aprovação da Resolução CEB n
o
3/98
69
, partem do pressuposto de
que não é mais possível atribuir ao Ensino Médio um caráter de terminalidade com um ensino
profissionalizante, conforme estabelecia a Lei n
o
5.692/71, mas uma formação geral que vise
à preparação do aluno para o ingresso no mercado de trabalho, a continuidade dos estudos e
ao exercício da cidadania. Tais orientações estão dispostas em todos documentos legais até
então referidos (CF/88, LDB, PNE, PCNs) e, como veremos no Capítulo 3, também na
legislação do ensino da EFA, que utiliza a pesquisa como uma metodologia de ensino para a
contextualização dos conteúdos.
A Resolução CEB n
o
3, de 26 de junho de 1998, com base nesses princípios,
determina que a base nacional comum do currículo do Ensino Médio deverá ser organizada
em três áreas do conhecimento: I - Linguagens, Códigos e suas Tecnologias; II - Ciências da
Natureza, Matemáticas e suas Tecnologias e Ciências Humanas e suas Tecnologias. Já a parte
diversificada, ser integrada à base nacional comum e, para isso, a Resolução determina um
tratamento metodológico que evidencia a interdisciplinariedade e a contextualização dos
conteúdos.
A legislação de ensino e da escola confere ao professor autonomia para buscar na
teoria subsídios que orientem a formação integral do aluno. A CF/88, nesse sentido, dise da
“[...] II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber.
68
A forma como ocorreu esse processo está descrita na subseção “3.3 Organização curricular” do Capítulo 3.
69
Institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio.
35
(art. 206). Há um destaque na Constituição sobre a liberdade de pesquisar, mas a compreensão
do que é pesquisar depende da época em que se está vivendo. Hoje, podemos dizer que se
trata de fazer da pesquisa uma atividade cotidiana para o domínio do conhecimento técnico-
científico, para que, respaldado pela teoria, o professor possa propor uma metodologia de
ensino que supere o instrucionismo e avance no conhecimento como um processo
emancipatório, conforme destaca Marques:
o se pode pensar um educador que não seja competente no domínio técnico-
científico de sua área de atuação docente, um professor que não entenda do que
ensina. E não se pode justificar a formação de um profissional de nível universitário
que não saiba lidar com pessoas e grupos, que não consiga construir com os sujeitos
interessados os conhecimentos e as capacidades que lhes concernem e competem.
Quem ensina carece conhecer a fundo o que ensina, quem se empenha nas atividades
práticas de uma profissão carece ser educador dos com quem trabalha ou a serviço
de quem se coloca, não para a execução de tarefas de rotina, mas para a construção
de um mesmo projeto científica e consensualmente fundamentado. (2000, p. 172).
O professor da escola básica tem um compromisso mais político com a educação pelo
modo com que ensina o aluno a se apropriar do conhecimento. Nesse nível de ensino, é
importante orientar o aluno a fazer a leitura e interpretação da realidade, exigindo dele o rigor
científico e metodológico nas suas elaborações. Não se pode deixar de exigir do aluno essas
condições, mas se pode mudar a forma de abordar os conteúdos, de avaliar e de conduzir o
processo ensino-aprendizagem. Dessa forma, inverte-se o processo, onde professor e alunos
se assumem como sujeitos de construção. A pesquisa, concebida como uma metodologia de
ensino na educação básica, proporciona esses momentos de aprendizagem e desafia o aluno à
reflexão e à conscientização de seu papel na sociedade.
A formação científica torna-se tamm formação educativa, quando se funda no
esforço sistemático e incentivo de elaboração própria, através do qual se constrói um
projeto de emancipação social e se dialoga criticamente com a realidade [...] (2002a,
p. 9-10).
Pesquisa é processo que deve aparecer em todo trajeto educativo, como
princípio
educativo
que é, na base qualquer proposta emancipatória. Se educar é sobretudo
motivar a criatividade do próprio educando, para que surja o novo mestre, jamais o
discípulo, a atitude de pesquisa é parte intrínseca. Pesquisar toma aí contornos muito
próprios e desafiadores, a começar pelo reconhecimento de que o melhor saber é
aquele que sabe superar-se. (DEMO, 2002a, p. 16-17).
Preconizar a pesquisa como um exercício de reflexão exige do professor capacidade
de investigação para compreender a realidade além dos espaços de sala de aula e para, assim,
36
qualificar o processo pedagógico. A formação do professor é obrigatória, segundo a Lei n
o
9.394, de 20 de dezembro de 1996, que determina que todos os professores da educação
básica tenham formação em nível superior (licenciatura), embora aceite a formação em nível
médio, na modalidade normal (magistério), para professores da educação infantil e séries
iniciais do ensino fundamental (1
a
a 4
a
séries), conforme dise o art. 62:
Art. 62. A formação de docentes para atuar na educação básica far-se-á em nível
superior, em curso de licenciatura, de graduação plena, em universidades e institutos
superiores de educação, admitida, como formação mínima para o exercício do
magistério na educação infantil e nas quatro primeiras séries do ensino fundamental,
a oferecida em nível médio, na modalidade Normal.
A melhoria da qualidade do ensino poderá ser alcançada, segundo o PNE (2001), se
houver valorização do magistério, incentivo à formação profissional inicial, condições de
trabalho, salário justo, plano de carreira e oportunidades de formação continuada. A formação
inicial é atribuição das instituições de ensino superior, “onde as funções de pesquisa, ensino e
extensão e a relação entre teoria e prática podem garantir o patamar de qualidade social,
política e pedagógica que se considere necessário” (p. 63) e a formação continuada tanto pode
acontecer nestes espaços como em espaços não-formais de ensino.
Um dos objetivos do PNE em relação ao Ensino Médio é assegurar que, em cinco
anos, todos os professores tenham formação superior. Para isso, o MEC incluiu no “Programa
Universidade para Todos” (ProUni) a concessão de bolsas de estudos para os cursos de
licenciatura ou pedagogia, oportunizando aos professores da rede pública, em exercício,
realizarem curso superior. O critério exigido, entre outros, é a aprovação no Exame Nacional
do Ensino Médio (Enem).
A política do MEC para a qualificação do professor se torna ainda mais necessária
com a aprovação da Lei n
o
11.114
70
, de 16 de maio de 2005, que institui a obrigatoriedade do
ingresso no Ensino Fundamental aos seis anos de idade, em todas as escolas do país, e do
Parecer 752/2005, que amplia o Ensino Fundamental de oito para nove anos, antecipando o
ingresso da criança na escola. Essa política prescinde de revisão do Projeto Político-
pedagógico, das Diretrizes Curriculares e dos Planos de Estudo do Ensino Fundamental, além
de suporte financeiro para despesas com infra-estrutura (salas, recursos humanos, didáticos,
pedagógicos) e admissão de novos professores. Nessa nova organização do Ensino
70
A nova Lei altera os artigos 6
o
, 30, 32 e 87 da LDB.
37
Fundamental, a pesquisa como uma atividade de busca, atualização e renovação do
conhecimento estará bem presente na vida dos profissionais que irão atuar com esta nova
proposta, pois é um desafio que exige preparação teórica para trabalhar com uma dada
realidade. Observamos tamm como atividade de análise e reflexão no momento de repensar
a legislação do ensino e da escola, que também exige refletir sobre o contexto social para
propor um ensino condizente com a realidade. A pesquisa, portanto, acompanha o professor
em todas as suas atividades.
A Lei n
o
11.114/2005 causou muitas polêmicas, por ter sido uma imposão e não uma
proposição das escolas, mas no Plano Nacional de Educação (Lei n
o
10.172/2001) já havia
essa previsão, ao estabelecer, como um de seus objetivos, “[...] 2. ampliar para nove anos a
duração do ensino fundamental obrigatório, com início aos seis anos de idade.” (2001, p. 20).
Na perspectiva de Demo (2004), o que melhora a qualidade das aulas não é aumentar
os dias letivos, conforme a LDB fez (art. 24, inciso I), tampouco aumentar os anos de
escolaridade, conforme estabelece a nova lei, e sim inovar as aulas, que implica uma relação
de pesquisa, de envolvimento, de avaliação, de orientação e de relação pedagógica.
Também, ciente da necessidade de qualificar o corpo docente para suprir as
deficiências que os alunos têm na escola e melhorar o desempenho dos mesmos, o MEC está
implantando um sistema de formação de professores da rede pública, oferecendo duas
modalidades de cursos: formação inicial para os professores sem habilitação e formação
continuada para a constante atualização e melhoria da qualidade das aulas daqueles que
possuem habilitação. Essa iniciativa do MEC é importante para a qualificação do profissional
da educação, bem como a formação do professor pela pesquisa.
A importância do professor pesquisador da escola básica, conforme salienta Lüdke
(2001), começou a ter destaque no meio acadêmico após a década de 90, com a repercussão
dos trabalhos de Schön, que enfatiza a necessidade de reflexão sobre a prática docente, não
apenas em sua preparação, mas durante e após, com vistas à melhoria da ação pedagógica,
contrapondo-se, dessa forma, a um modelo de ensino orientado pela racionalidade técnica
71
e
defendendo um tipo de epistemologia da prática, “em que o sujeito posiciona -se em uma
atitude de análise, produção e criação a respeito de sua ação ao enfrentar situações
desafiadoras.” (LÜDKE; CRUZ, 2005, p. 86).
71
Este também é o entendimento de Zeichner ao abordar que: “No ponto de vista tradicional, de racionalidade
técnica [...] há uma separação entre teoria e prática que tem de ser ultrapassada: as teorias existem
exclusivamente nas universidades e a prática existe apenas nas escolas. Segundo este ponto de vista, o professor
deve
aplicar
a teoria produzida nas universidades à sua prática na escola.” (1993, p. 21, grifo do autor).
38
Zeichner (1993), entendendo que prática reflexiva é o mesmo que prática orientada,
expande, de modo crítico, o conceito de prático reflexivo de Schön. Para o autor, nem sempre
o tipo de reflexão que se propõe caminha em direção a uma educação emancipadora. Nesse
sentido, é fundamental o compromisso dos professores reflexivos com a emancipação social,
o fim da exploração e das desigualdades, pois, “na minha perspectiva sobre a prática de
ensino reflexivo, a atenção do professor está tanto virada para dentro, para a sua própria
prática, como para fora, para as condições sociais nas quais se situa essa prática” (1993, p.
23). Questiona a relação hierárquica entre professores e pesquisadores e propõe a pesquisa
colaborativa como uma das alternativas para o crescimento pessoal de ambos, sugerindo, para
tanto, a formação continuada dos professores e a pesquisa inserida nas atividades do
professor, desde o início da escolarização do aluno.
Essa perspectiva de pesquisa como uma reflexão da práxis docente é apontada por
diversos autores, entre os quais Stenhouse, Zeichner, Giroux, Perrenoud, mas, como não seria
possível referenciar todos, nos atemos a Schön e Zeichner. O segundo, em especial, por
conceber a pesquisa mais do que uma ação na reflexão, mas prática orientada para a ação do
aluno, o que vem ao encontro do que defendemos, uma ptica educativa voltada para a
transformação social.
Uma educação comprometida com a transformação social requer profissional
qualificado, capaz de buscar outras alternativas para superar os problemas educacionais. Que
espaços são estes que possibilitam esta formação? A Universidade? A escola? Local de
trabalho? Ou espaços (acadêmicos ou não) de formação continuada?
1.2 A formação do professor na universidade
Nas mudanças propostas pela Educação Básica no Brasil aparecem discussões em
relação ao papel do professor, às novas concepções sobre a educação, às revisões e atualiza-
ções das teorias de desenvolvimento e aprendizagem, o impacto da tecnologia da informação
e das comunicações sobre os processos de ensino e de aprendizagem, suas metodologias,
técnicas e materiais de apoio. O papel do professor, portanto, passa a ser questionado e
redefinido diante das novas exigências decorrentes do processo de modernização.
Assim como o professor, a universidade também é questionada, pois é nessa
instituição de ensino que acontece a formação inicial do professor, sendo ele fruto de um
39
modelo de ensino que prima pela transmissão do saber. Um ensino técnico baseado numa
razão instrumental, que pensa a formação do profissional trabalhador e não de um profissional
competente, qualificado, autônomo, capaz de intervir na sua realidade. Na trajetória de sua
formação, encontramos tendências teóricas que, em determinados peodos, enfatizam
determinado paradigma, e, em outros momentos, outros. Nas décadas de 60 e 70 a ênfase nos
cursos de formação era o psicológico em detrimento do pedagógico. Já na década de 70,
houve a influência do capital humano e a ênfase no planejamento e operacionalização de
objetivos e, na década de 80, as teorias dominaram as influências sociológicas advindas das
teorias reprodutivistas. Hoje, a tendência para a formação de professores está direcionada para
uma melhor compreensão das teorias de aprendizagem (GATTI, 1992). Compreender as
teorias da aprendizagem é importante para entender como ocorre o processo de apropriação e
de construção de conhecimento e saber como conduzir o processo ensino-aprendizagem para
que o aluno não receba apenas o conhecimento, mas seja sujeito de construção e reconstrução
deste conhecimento.
Os modelos dos cursos de formação de professores já não respondem às necessidades
da sociedade atual. Pensar e propor um outro modelo de educação na formação dos
professores, que possibilte o diálogo, a construção conjunta, a busca, a interlocução professor
x aluno, a indagação, requer introduzir nos cursos de formação a pesquisa como uma
metodologia de ensino, fundamental para a construção de competências em qualquer
atividade profissional.
O desafio atual da formação de professores, segundo Marcon (2002, p. 86) “está na
possibilidade ou não da apropriação de instrumentos teóricos e metodológicos e de
capacidade crítica para pensar nos elementos que cotidianamente se manifestam no interior
da escola e do contexto onde está inserida”, pois cada vez mais é exigida do professor a
capacidade investigativa desses instrumentos teóricos-metodológicos para o avanço nas suas
análises e articulação com outros educadores, com vistas à construção de Projetos Político-
pedagógicos articulados com uma perspectiva de mudança social. Outro desafio apontado por
Marcon (2002) é a superação do senso comum que norteia as leituras de mundo e as práticas
desenvolvidas no interior da escola, pois impedem apreender o diferente que se explica na
escola e na vida social. A superação do senso comum também acontece pela pesquisa.
A inclusão da pesquisa nos cursos de formação foi uma das proposições do Parecer
CNE/CP 9/2001, de 18/01/2002, para a Resolução CNE/CP 1/2002, que trata da Formação de
Professores da Educação Básica. O Parecer fundamenta a importância da pesquisa na
40
formação do professor para superar a visão de professor como mero repassador de
informações e, nesse sentido, evidencia a importância de compreender como são produzidos
os conhecimentos para ressignificar, continuamente, os conteúdos trabalhados e a forma de
ministrá-los, atribuindo sentido ao que se ensina.
[...] a pesquisa (ou investigação) que se desenvolve no âmbito do trabalho do
professor refere-se, antes de mais, nada, a uma atitude cotidiana de busca de
compreensão dos processos de aprendizagem e desenvolvimento de seus alunos e à
autonomia na interpretação da realidade e dos conhecimentos que constituem seus
objetos de ensino. (PARECER CNE/CP 9/2001, p. 35).
O Parecer CNE/CP 9/2001, no entanto, não deu subsídio suficiente para aprovar a
Resolução para Formação de Professores da Educação Básica, que permite que se organizem
os currículos de formação de professores, por isso foi nomeada uma Comissão, no ano de
2002, para elaborar uma proposta de Resolução. Em 2004, a Comissão apresentou a proposta,
mas houve discordância dos segmentos sociais em relação ao projeto apresentado. Por esta
razão, o MEC decidiu adiar a discussão e instalar uma canal de comunicação entre o CNE e o
MEC.
Após muitas discussões, foi aprovada a Resolução CNE/CP 1/2002 para Formação de
Professores da Educação Básica, que institui as Diretrizes Curriculares para a Formação de
Professores da Educação Básica, em nível superior, curso de licenciatura, de graduação plena.
Esta Resolução orienta a organização curricular de cada estabelecimento de ensino e aplicam-
se a todas as etapas e modalidades da educação básica. A preparação do profissional para a
pesquisa encontra-se disposta em seu artigo 2
o
, inciso IV,
Art. 2º. A organização curricular de cada instituição observará, além do disposto nos
artigos 12 e 13 da Lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996, outras formas de
orientação inerentes à formação para a atividade docente, entre as quais, o preparo
para:
[...]
IV - o aprimoramento em práticas investigativas;
[...].
O artigo 3
o
, inciso III, reforça a necessidade da pesquisa, como já foi enfatizado, para
compreender melhor as teorias sobre a construção do conhecimento e a partir, desse
conhecimento, melhorar a qualidade das aulas. Portanto, enfatiza “a pesquisa como foco no
processo ensino e de aprendizagem, uma vez que ensinar requer tanto dispor de
41
conhecimentos e mobilizá-los para a ação, como compreender o processo de construção de
conhecimento.”
No Brasil, a reflexão sobre os professores como pesquisadores e a pesquisa
colaborativa aparece juntamente com um movimento de autocrítica da academia acerca do seu
distanciamento das práticas escolares com realidade. Essas idéias da pesquisa na educação
básica só tiveram significado entre os pesquisadores brasileiros
[...] quando as análises de caráter exclusivamente macroestrutural e de denúncia do
caráter reprodutor do sistema educativo começam a ser questionadas por abordagens
que reconhecem a presença da contradição no cotidiano escolar e os sujeitos como
co-autores da história. A discussão sobre a pesquisa levanta questões relativas à
construção de práticas alternativas concretas para a educação, nos espaços, nas
práticas e nos saberes contraditórios em disputa dentro da escola. (LÜDKE
et al
,
2001, p. 26).
Lüdke
et al
(2001), numa pesquisa realizada em quatro escolas de ensino básico
constataram que, entre vários entraves para a realização da pesquisa nesse nível de ensino,
encontra-se a formação inicial e continuada de professores e o distanciamento das instituições
que formam professores com a escola básica. Esse é um grande problema que hoje enfrentam,
pois, teoricamente, seu objeto de estudo é a escola, mas pouco sabem sobre a escola. Há uma
separação muito grande entre o mundo acadêmico e o mundo da escola. A reflexão que ocorre
é mais de caráter pessoal sobre a própria prática do estudante como futuro professor, num
esforço subjetivo e isolado do contexto em que acontecerá esta ptica (LÜDKE; CRUZ,
2005). Isso ocorre porque a universidade elabora seus currículos de formação profissional
com base numa racionalidade técnica que, com princípios positivistas, separa teoria e ptica,
mundo acadêmico de mundo real, pensar do fazer. Dessa forma, os conteúdos trabalhados nos
cursos de formação são destituídos da realidade concreta da escola básica, que é justamente o
local de atuação do futuro profissional.
Como alternativa, as autoras propõem a pesquisa na formação inicial e como uma
atividade connua no exercício do magistério.
[...] a pesquisa pode representar um componente a mais na formação do professor.
Ela pode conferir ao professor uma ótima condição para o exercício de uma
atividade criativa e ctica, onde há o questionamento, mas, também, a indicação de
soluções para os problemas investigados. Mas é preciso superar os obstáculos, sendo
um deles a própria formação docente. Como formar profissionais práticos,
reflexivos, capazes de analisar, de teorizar sobre suas ações, e mais, do que isso, de
pesquisar? (LÜDKE; CRUZ, 2005, p. 98).
42
A EFA, objeto de estudo da pesquisa, possui um quadro de professores composto por
graduados, mestres e doutores. No tocante à formação continuada, a escola promove, para a
atualização e renovação do conhecimento, palestras, jornadas, seminários, reuniões, grupos de
estudo e estimula a participação em outros eventos, bem como a qualificação nos cursos de
especialização, mestrado e doutorado.
A qualificação profissional para a EFA sempre foi pauta de discussão e, desde a
criação do IPPI (1968), pensada como forma de propor outro modelo de ensino que privilegie
a formação integral do aluno. Pressupondo que a teoria oferece subsídios para pensar sobre o
que se faz e o que pode ser feito para a formação da cidadania, a escola desafia o professor a
fazer da pesquisa uma atividade cotidiana. Assim, “Constituir -se pesquisador é competência
essencial do educador que se vê cidao e vê o aluno num processo de interlocução
permanente de saberes.” (MORAES, 2001, p. 32).
A pesquisa como princípio metodológico de ensino encontramos inserida em todos os
Planos de Estudo da EFA, da 1
a
à 4
a
etapa, e no Regimento da Escola (2005, p. 10), que
dispõe: “Para a efetivação de sua proposta pedagógica, a escola utiliza -se da PESQUISA
como eixo norteador da Educação Infantil ao Ensino Médio.”
A proposta de um ensino pela pesquisa que possibilite a formação de um sujeito
crítico, reflexivo e atuante está explícita na filosofia, nos fins e objetivos da escola
72
, que, ao
reconhecer o aluno como um sujeito de sua história, prima por uma formação geral
humanista, pela preparação para o trabalho e pela vivência da cidadania. Para evidenciar a
afirmação, destacamos, dentre os seus objetivos:
[...]
b) autonomia intelectual, ética e estética
como a capacidade de pensamento
autônomo, crítico-reflexivo possibiltando ao aluno o assumir responsável de suas
ações na busca de soluções criativas a diferentes situações;
[...];
d) a criatividade,
pela capacidade de constituir-se e propor alternativas para a
construção e transformação da sociedade, encaminhando novos significados aos
objetos, idéias, a partir da observação, análise e reflexão e em diferentes contextos.
(MORAES; BIANCHI, 2006, p. 6).
Podemos dizer, com base nas observações realizadas, na vivência na escola, que tem
uma relação muito próxima da Unijuí, no acompanhamento das atividades pela
internet.
jornais e outros meios de comunicação, que a escola estimula a iniciação para a pesquisa,
72
A Proposta Político-pedagógica da EFA está inserida em todos os documentos da escola (Planos de Estudo de
todas as etapas do ensino e Regimento 2005), não havendo um documento específico contendo a proposta.
43
desenvolvendo diversos projetos que envolvem os alunos na busca de informações,
elaboração, sistematização e socialização do conhecimento. Essas questões serão tratadas e
aprofundadas no Capítulo 4.
Pensar a pesquisa na escola básica e abordá-la como uma prática de sala de aula que
estimule a leitura e compreensão da realidade por meio da reflexão, do senso crítico, da
argumentação e da sistematização do conhecimento, é ainda um desafio para muitas escolas.
Que conhecimentos poderiam provocar a ruptura entre um conhecimento estabelecido como
verdade absoluta e um conhecimento construído à base do diálogo? O próximo capítulo
remete a essa análise.
44
2 CIÊNCIA E PESQUISA
Nos últimos séculos presenciamos um grande avanço científico e tecnológico. Essas
mudanças estão bem presentes quando nos deparamos com a informatização inserida nos
lares, nas escolas, empresas ou prestadoras de serviços, com as novas técnicas aplicadas à
agricultura, ao comércio e à indústria. A vida material evoluiu e novas necessidades
emergiram, o que impeliu ao aparecimento também de outras visões de mundo, um mundo
pautado pelo lucro, crescimento, produção, eficácia e pela produção. A ciência, conforme
assevera Japiasu (1997, p. 157), nasce engajada a um projeto social que visa a dominação da
natureza, “não apenas enquanto sistema cognitivo, mas encarnando certo projeto social: é
estruturada, do interior, em vista da ação eficaz, da dominação da natureza.”
Por outro lado, não podemos deixar de mencionar o fato de que a humanidade, mesmo
com os avanços decorrentes da ciência e tecnologia não impediu, ao contrário, até provocou
grandes “barbáries sociais
73
, decorrentes da ação do homem sobre a natureza, como as duas
grandes guerras mundiais do século XX, genocídios, terremotos, miséria, pobreza, exclusão
do homem dos seus direitos de cidadão, etc.
Diante destas constatações, indagamos: Para que tem servido a ciência? Para construir
a bomba atômica, novos armamentos, novas possibilidades de destruição da humanidade? Ou
para produzir novas tecnologias que visem à melhoria de qualidade de vida do cidadão?
A ciência ocidental movida pela razão instrumental se constituiu, na Europa, por volta
do século XVII. O paradigma dessa ciência moderna teve origem no empirismo e consolidou-
se com o positivismo. A polêmica em torno de Galileu Galilei (1564-1642), representativa do
início desse paradigma, se fundamenta em métodos de observação e experiência e não apenas
73
Expressão utilizada por Adorno (1999, p. 176) que a define como “o preconceito delirante, a repressão, o
genocídio e a tortura.”
45
em suposições. Galileu Galilei rompeu com todo o sistema de representação do mundo antigo
e do mundo medieval, destruindo a síntese aristotélica
74
, que concebia a natureza como algo
intocável, apenas contemplativo. Rompeu também com a Renascença, que foi um período rico
em crenças de magia e feitiçarias e paupérrimo em espírito científico (JAPIASU, 1982).
Como conseqüência, se estabeleceu uma nova forma de relação do homem com a
natureza. A ciência se organizou como dominação prática para manipular a natureza. Nesse
sentido, Galileu Galilei submeteu novas visões de mundo, de natureza, de homem à disciplina
rigorosa da física matemática, impondo um novo tipo de inteligibilidade (mecanicista). No
campo tecnológico, ocorreram grandes avaos, como o uso da bússola, da pólvora e do
papel. Assim, a Revolução Científica foi construída sobre uma concepção racionalista,
utilitarista e mecanicista de mundo, predominando o conhecimento das “leis” da natureza
como objeto a ser conhecido, dominado, controlado e posto a serviço do homem, com o
objetivo de obter lucro. Portanto, a ciência moderna, segundo Japiasu (1982, p. 41), “já nasce
mecaniscista”.
Esse modelo de racionalidade se explica devido à passagem do modo de produção
feudal para o modelo de produção capitalista
75
. O próprio processo de industrialização induz o
homem a sair de casa para trabalhar na fábrica e vender sua força de trabalho para o seu dono
e, com isso, passa a produzir um excedente de capital - o lucro. A necessidade de mão-de-
obra, resultante desse processo, exige do homem qualificação e eficiência para operar com as
novas máquinas. Essa nova realidade gera novas relações econômicas, políticas e jurídicas e
trazem um período de instabilidade muito grande, caracterizado por duas revoluções -
Industrial
76
e Revolução Francesa
77
. É nesse contexto de tensões que o positivismo vai se
74
“Nessa síntese, o mundo formava um Cosmos físico bem ordenado. Nele tudo encontrava seu lugar. A Terra
ocupava o centro do Universo. O mundo era uma realidade dada aos sentidos. O homem não dominava a
natureza. Tratava-se apenas de um mundo de qualidade e de percepções sensíveis, no qual se vive, se morre e se
ama” (JAPIASU, 1982, p. 25).
75
Para exemplificar essa transição, nos reportamos à relação do homem com a natureza. Até o peodo medieval
a natureza era considerada sagrada, permanecendo intocável, quase sem a intervenção do homem, que passa a ser
intensiva a partir da Revolução Industrial. O homem retira da natureza o seu caráter sagrado e ela passa a ser
objeto de investigação, tornando possíveis todos os experimentos acumulados. Na sociedade capitalista, a
natureza passa a ser apenas uma fonte de lucro, gerando conseqüências destrutivas que vão oportunizar o
domínio irracional do homem moderno em relação à natureza, tratada então como mera mercadoria (JAPIASU,
1997).
76
A Revolução Industrial se caracteriza por profundas transformações econômicas, tecnológicas e sociais
ocorridas na Europa a partir da segunda metade do século XVIII. Foi, sobretudo, a passagem de um sistema de
produção marcadamente agrário e artesanal para outro de cunho industrial, dominado pelas fábricas e maquinaria
e por sucessivas inovações tecnológicas (aparecimento de máquinas modernas, utilização do vapor para acionar a
máquina; obtenção e trabalho de novas matérias-primas) (JAPIASU, 1997; ENGUITA, 1989).
77
A Revolução Francesa (séc. XVIII) carateriza-se por uma luta política da burguesia para revolucionar a
estrutura social vigente. Essa é a interpretação que fizemos de Bobbio (1992), mas, é preciso salientar que
acontece num período em que era preciso estabelecer uma ordem político-jurídica para assegurar o
desenvolvimento da sociedade (burguesia) emergente.
46
edificando e exercendo forte influência na vida das pessoas: havia uma desestabilização da
sociedade e uma crença de que esta poderia ser organizada utilizando o modelo metodológico
investigativo das ciências naturais aplicado às ciências sociais. Por trás dessa idéia de ordem e
de estabilidade do mundo reside o desejo de manipular e transformar a natureza para atender
os interesses da burguesia.
O paradigma da ciência moderna foi desenvolvido nos séculos seguintes sob o
domínio das chamadas ciências naturais, pautando-se pelo que se podia ver, ouvir, tocar, etc.,
portanto, por uma ciência objetiva. Esse modelo de racionalidade, segundo Santos (1999a),
estende-se, no século XIX, às ciências sociais e provoca uma ruptura com o modelo anterior.
Nesse modelo da racionalidade objetiva (moderna), os fatos são analisados por um
modelo lógico-matemático, ou seja, tudo pode ser observado, quantificado e experimentado.
Dessa forma de pensar resultam duas conseqüências: a) conhecer significa quantificar,
portanto, o que não é quantificável é cientificamente irrelevante; b) o método científico se
assenta na redução da complexidade, na divisão da realidade, por isso “conhecer significa
dividir e classificar para poder determinar relações sisteticas entre o que se separou.
(SANTOS, 1999a, p. 15).
Qual o significado e as implicações dessa visão de racionalidade para a educação? E,
para a escola básica, pedagogicamente o que representa esse modelo de racionalidade?
A escola se apropria dessa lógica ao ensinar conteúdos estanques, sem o
estabelecimento de relações, e dessa forma, dando o mesmo tratamento à pesquisa, ou seja,
fazendo dela uma atividade de observação, de comprovação de hipóteses, de experimentação
e de conclusão. Essa atitude do professor, além de fragmentar o conhecimento, porque parte
do estudo de um caso isolado sem o estabelecimento de outras relações, é um obstáculo à
aprendizagem do aluno por limitá-lo a uma forma de conhecer apenas, impedindo outras
possibilidades de aprender.
A escola que adota este modelo de ensino se submete a um projeto de manutenção da
ordem social vigente, desta forma, estimulando a acomodação, a passividade e a aceitação da
situação. Nesse sentido, Santos (1999a, p. 17) faz uma crítica ao modelo de racionalidade
científica produzida pela escola como instituição, que objetiva o estabelecimento e
manutenção da ordem social: “Um conhecimento baseado na formulação de leis tem como
pressuposto metateórico a idéia de ordem e de estabilidade do mundo, a idéia de que o
passado se repete no futuro.”
A escola que objetiva um mundo mais bonito, onde impere a justiça, a fraternidade, a
harmonia, a paz, pode, no entanto, ser mediadora de transformações sociais. O professor é
47
quem cria essas condições ao possibilitar ao aluno o exercício de refleo sobre os conteúdos,
a compreensão das relações e contradições que existem e a percepção de que é parte
integrante desse meio, por esta razão, é responsável pelo seu destino. A educação assume
uma dimeno política e social, portanto, conforme Oliven (1990, p. 41), o “[...] o trabalhador
tem na escola um importante instrumento na luta pela sobrevivência e pela obtenção de
melhores condições de participação política. As posições teóricas alternativas procuram, pois,
resgatar a importância na construção de uma nova sociedade.
Pode a escola possibilitar espo de construção e reconstrução do conhecimento ou
apenas transmitir o conhecimento e exigir do aluno a memorização?
O conhecimento possível que vise à construção da cidadania pode se realizar mediante
a superação do paradigma do instrucionismo por uma relação dialógica, em que o professor
possibilite a participação do aluno em sala de aula. Essa forma de construir conhecimento
remete à compreensão de como se constrói o conhecimento, não mais pela simples
transmissão, mas pela elaboração e reelaboração que o aluno faz das informações que recebe.
Esse é o sentido da pesquisa na escola básica, como uma atividade de leitura, reeleitura e
elaboração da realidade, por meio da interpretação que o aluno faz dela.
O exercício de interpretação e análise crítica das informações exige do professor
atribuir essa função à pesquisa na escola básica e fazer dela uma atividade cotidiana. Para
isso, alguns pressupostos à prática docente são passíveis de revisão: a) substituir “a aula” por
momentos de aprendizagem, ou seja, romper com o ensino de reprodução de saberes e
orientar os alunos a aprender; b) desmitificar a idéia de que o ensino pela pesquisa pode ser
desenvolvido somente nas universidades; e, c) se constituir sujeito pesquisador, buscando
sempre a renovação e atualização constante para ressignificar a prática pedagógica.
Assim, se desfaz o mito de que pesquisa é atribuição de um grupo de intelectuais
inseridos nas universidades ou em locais de pesquisa. Essa também é a posição de Marques
(2001), ao afirmar que a universidade é um dos locais onde se faz pesquisa, mas o processo
investigativo pode ser iniciado na escola de ensino básico, pois é nesse espo que a criança
vai construindo suas elaborações.
Nessa direção, argumenta o autor:
O processo formativo da pesquisa importa se faça o fio condutor do sistema
educacional, da educação infantil à universidade, da tesoura e cola com que se inicia
a criança às artes do ler, escrever e pesquisar aos desafios dos experimentos de
laboratório, capazes de abertamente e de público justificarem suas constatações e
descobertas. (MARQUES, 2001, p. 133).
48
Dessa forma, os alunos podem ser desafios à pesquisa desde que ingressam na escola,
por meio de atividades simples, que, aos poucos, se configuram em grandes espaços de
aprendizagem. Ensinar pela pesquisa pressupõe, na vio do autor, uma nova forma de ver e
abordar o conhecimento, não mais como um dogma, mas como uma verdade a ser
questionada, construída e reconstruída, afirmada ou negada, numa relação de interação ente
sujeito e objeto.
2.1 Concepções de ciência e de pesquisa
Como vimos, na escola é indispensável ampliar a compreensão de ciência e pesquisa,
procurando entender que ciência e pesquisa não são atividades restritas à universidade, mas
o possibilidades construídas tamm da escola.
A ciência, segundo Demo (1996), é ciência pelo fato de ter como característica o
critério de discutibilidade, ou seja, por ser pasvel de discussão, de críticas e de refazeres,
pois as verdades são questionáveis e o questionamento se faz a partir de construções teóricas,
bem fundamentadas, que acontecem pela pesquisa.
Para Kuhn (2000), as “verdades” são superadas por outras visões de mundo, de
sociedade, de homem que, com o tempo, vão se consolidando. As revoluções cienficas que
ocorrem na humanidade são decorrentes desse processo de superação de paradigmas.
Portanto, as próprias concepções de pesquisa foram mudando e se consolidando outros modos
de abordagem diversos do modelo positivista.
a) Como
atividade de estudo escolar
, em função de um tema sobre o qual queremos
saber mais. Nessa perspectiva eu colocaria a pesquisa que o professor faz para
preparar uma aula, ou que o aluno faz para fazer um determinado trabalho escolar.
[...] Sem dúvida, esta é uma dimensão da pesquisa que, de alguma forma, atravessa a
universidade.
b) Como
levantamento de informação
, como as que se referem ao custo de vida ou
às intenções de voto, utilizando-se de metodologia apropriada. Pesquisa nessa
acepção deve ser entendida mais como um serviço que, eventualmente, uma
universidade possa vir a ter.
c) Como
investigação pela qual se constroem explicações consistentes e verossímeis
de ‘fatos do mundo’
, isto é, como construção de conhecimento mediante aplicação
de uma teoria e de um método. (BOUFLEUER, 2002, p. 11, grifo do autor).
49
A exposição do autor é relevante para o entendimento da pesquisa realizada em ambos
os espaços - universidade e escola básica -. Na escola básica, a ênfase está na preparação de
atitudes investigativas, portanto, há uma preocupação mais com a qualidade política e
pedagógica da educação do que com a elaboração dos trabalhos. Significa ensinar o aluno a
selecionar as fontes de pesquisa (livros, revistas, jornais, etc.), a ler o material e estabelecer
relações com o que se apresenta no mundo, a despertar o senso crítico, a estimular a escrita, a
capacidade de elaboração própria, a sistematização e a socialização do conhecimento. O aluno
o estará produzindo um conhecimento com todo o rigor científico (tema, objetivos,
hipóteses, justificativa, cronograma, conclusão, bibliografia) que é exigido na universidade,
mas estará construindo as condições para fazer pesquisa, que seo importantes para sua vida
acadêmica, conforme adverte Marques (2001, p. 90): “[...] importa escrever para buscar o que
ler; importa ler para reescrever o que se escreveu e o que se leu. Antes o escrever, depois o ler
para o reescrever. Isso é procurar; é aprender: atos em que o homem se recria de connuo,
sem se repetir. Isso é pesquisar.
Essa dimensão de pesquisa é pauta de discussão, análise e reflexão na universidade,
pois remete a pensar se esses locais estão formando profissionais para transformar a sua
prática de ensino em prática investigativa.
Muitos dos professores da EFA se formaram na Unijuí e, a partir da compreensão de
alguns teóricos (Dewey, Paulo Freire, Piaget, Montessori, Vygotsky, entre outros), partem do
pressuposto que: “Aprender implica pesquisar - duvidar, confrontar, interpretar, analisar,
sintetizar, falar, ouvir, ler e escrever, produzindo a partir dos entendimentos conseguidos,
buscando seu aprofundamento teórico na qualidade do conhecimento construído.” (MORAES,
2001, p. 32).
O entendimento dos pressupostos teóricos exige do professor um processo constante
de busca. Esse trabalho de pesquisa na escola básica, muitas vezes, é inviabilizado pela crença
dos professores da escola básica de que o ensino é responsabilidade deste professor e a
pesquisa é responsabilidade do professor da universidade ou dos alunos dos cursos de
Mestrado ou Doutorado. A superação da vio de que pesquisa e ensino sejam atividades
diferentes e, portanto, preconizadas por atores diferentes (professores da escola básica e
professores da universidade), ocorre pela própria afirmação do professor da escola básica
como sujeito pesquisador, pois a pesquisa cotidiana possibilita construir outras visões, refletir
sobre a ação pedagógica, traçar outros caminhos, e, principalmente, perceber que pode ser
uma atividade também do professor da escola básica que se propõe a pesquisar.
50
A pesquisa como uma possibilidade de investigação e como metodologia de ensino é
uma prática vivenciada pelos professores e alunos da EFA, conforme salienta Moraes:
Alunos e professores re(constroem) conceitos na busca, na troca, no confronto de
idéias, na experiência efetivada, no corte e recorte de informações, no entendimento
e interpretação dessas.
[...]
Com base na prática pedagógica desenvolvida, pela e na pesquisa, os professores da
EFA escrevem explicitando resultados do trabalho no sentido de dialogar com outros
professores e alunos sobre o que fazem, como podem fazer diferente e melhor.
(2001, p. 32).
Bagno (2000, p. 18) defende a pesquisa científica que possibilita a aprendizagem do
aluno, por ser “a investigação feita com o objetivo expresso de obter conhecimento específico
e estruturado sobre um assunto preciso”. O autor adverte sobre a necessidade do professor
ensinar o caminho para obter esse conhecimento para não gerar no aluno frustrações,
angústias e a própria negação de fazer pesquisa. Porém, esse fato é também uma realidade da
universidade, onde os alunos se sentem angustiados por não terem sido preparados na escola
básica para esse exercício e a universidade, que ensinaria a fazer pesquisa, tamm falha, pois
pressupõe que o aluno sabe fazer pesquisa. Nesse momento é que aparecem as conseqüências
do ensino ministrado na escola básica, que não estimula o aluno à pesquisa. Como já
frisamos, este tema passou a ser palco de discussões muito recentemente.
Nesse sentido, é importante recolocar as questões: Qual o papel da escola básica face à
educação científica? O problema do pouco estímulo se origina na escola, que não incita a
práticas investigativas, ou se localiza mais na universidade, que não dá continuidade ao
trabalho da escola de educação básica?
Para Minayo (1994, p. 17), a questão principal não reside somente em ensinar a fazer
pesquisa, mas em fazer da pesquisa um momento de construção teórica, a partir de um
problema real de vida. “Portanto, embora seja uma prática teórica, a pesquisa vincula
pensamento e ação. Ou seja, nada pode ser intelectualmente um problema, se não tiver sido,
em primeiro lugar, um problema da vida prática.”
Na escola, nessa perspectiva, o professor pode construir com seus alunos um problema
de pesquisa, a partir de um tema do mundo real da criança, de uma pergunta, de uma
curiosidade ou de uma vivência.
Conforme Gatti (2002, p. 57), “pesquisar é avançar fron teiras, é transformar
conhecimentos e não fabricar análises segundo determinados formatos”. A pesquisa em
51
educação não pode ser feita com uma visão meramente empírica, que busque, por meio da
experiência, a verdade, pois as verdades não são eternas, são construções e reconstruções. Por
esta razão, o papel da escola reside em criar possibilidades para o aluno chegar às fontes de
conhecimento e construir novos saberes, a partir do suposto conhecimento que dise e das
informações que se encontram à disposição na sociedade. Há um bombardeio de informações
que chegam ao aluno pelos meios de comunicação e que invadem as suas casas, escolas,
bibliotecas, livrarias, etc... Diante dessa diversidade de informações, é fácil o aluno se perder.
Por esta razão, segundo Bagno (2000, p. 15), o professor precisa orientar o aluno na análise e
reflexão das informações para que “desenvolva um olhar crítico que lhe permita desviar-se
das ‘bombase reconhecer, em meio ao labirinto, as trilhas que conduzem às verdadeiras
fontes de informação e conhecimento”.
Pedro Demo é um dos teóricos que mais enfatiza a função social da pesquisa ao referir
que o conhecimento é o fator primordial para a eqüalização de oportunidades numa sociedade
de competições, de interesses e de ambições, que valoriza o poder em detrimento do ser.
Portanto, se “buscamos garantir aos marginalizados condições equânimes de luta, o
instrumento mais decisivo, hoje, é a habilidade de manejar e produzir conhecimento” (1996,
p. 33). Nesse sentido, o autor é enfático ao abordar a necessidade de formação do professor
para fazer da sala de aula uma atividade de pesquisa, entendida eno como princípio
científico e educativo. “Na condição de princípio científico, pesquisa apresenta -se como a
instrumentação teórico-metodológica para construir conhecimento. Como princípio educativo,
pesquisa perfaz um dos esteios essenciais da educação emancipatória, que é o questionamento
sistemático crítico e criativo.” (1996, p. 33).
As duas abordagens de pesquisa - enquanto princípio científico e educativo -
estimulam o indivíduo à conquista de seus direitos sociais. A primeira constitui-se como meio
e a segunda como um fim, que é o objetivo crucial da educação: a autonomia do sujeito para
uma intervenção social prudente.
2.1.1 Pesquisa como princípio educativo
Pensar um projeto de sociedade diferente do que estamos vivendo suscita indivíduos
que pensem e que contribuam para a construção de uma sociedade onde todos tenham direitos
e oportunidades iguais. Para isso, exige-se competência técnica, que se adquire pelo
52
conhecimento, e competência política, que acontece pela conscientização do indivíduo das
reais condições de vida a que estão submetidos e pela sua intervenção nesse processo
histórico. Nesse contexto, pode a escola contribuir para o desenvolvimento dessas
competências, estimulando atitudes de pesquisa e criando alternativas para o aluno resolver os
problemas que se apresentam no decorrer das atividades propostas?
Demo (1996), assim como outros autores, defende a pesquisa desde os anos iniciais de
escolaridade de uma criança. Embora o autor estabeleça diferença da pesquisa nesse nível de
ensino do ensino acadêmico, está muito presente em ambas as propostas a necessidade de
elaboração própria.
Desde criança, espera-se, como pesquisa, que seja motivada a expressar-se com
autonomia, sobretudo ludicamente, se interesse pelas coisas, pergunte, questione,
agitando sua curiosidade, participe ativamente e de modo coletivo na programação,
tendo sempre em vista a formação do cidao crítico e criativo.
Na vida acadêmica, pesquisa adensará tanto mais o lado da instrumentação
científica, sem perder a conotação educativa, o que inclui necessariamente
elaboração própria. (DEMO, 1996, p. 35).
A proposta objetiva do autor é desenvolver habilidades para que o indivíduo tenha
condições de atuar de modo crítico e inovador na sociedade e, desta forma, ser sujeito de sua
própria história, fazendo das oportunidades suas oportunidades também. Na escola é possível
estabelecer as condições que favoreçam o aluno a adquirir sua autonomia. Nesse sentido, a
primeira pergunta a ser feita é se o professor, em sala de aula, está mais (ou só) preocupado
com o conteúdo e a transmissão de conhecimentos do que com a aprendizagem e sua
apreensão. A transmissão de conteúdos “reduz o aluno a ouvinte, impede que se faça
reconstrutor de suas próprias propostas, já que as recebe prontas, atrapalha a formação da
autonomia” (DEMO, 2002b, p. 86). Como conseqüência dessa prática de ensino, “De um
lado, aparece um pretenso sujeito, chamado professor, que apenas ensina, [...], sem qualquer
compromisso construtivo, mesmo na universidade. De outro, aparece um típico objeto de
aprendizagem, o aluno, cuja função é ser cópia da cópia.” (DEMO, 1996, p. 13-14).
Em oposição a esse modelo de ensino bancário, Freire (2000) propõe uma educação
problematizadora em que professor e aluno se envolvem no ato de conhecer, sendo por esta
via de intercomunicação que os homens mutuamente se educam, intermediados pelo mundo
cognoscível. É essa intersubjetividade do conhecimento que, segundo Silva (2002), permite o
autor conceber o ato pedagógico como um ato dialógico. A importância desse ato está em
permitir a refleo e a construção do conhecimento do mundo, não mais comunicado, mas
53
criado por ambos.
A mudança de concepção, de um ensino tradicional para uma educação
problematizadora, requer também mudança de atitude do professor em sala de aula para que
professor e aluno se tornem sujeitos de construção do conhecimento. Para que este ato se
efetive, Freire (1996) aborda a pesquisa como a possibilidade de interlocução de saberes por
entender que são atividades que se complementam.
o há ensino sem pesquisa e pesquisa sem ensino. Esses que fazeres se encontram
um corpo do outro. Enquanto ensino continuo buscando, reprocurando. Ensino
porque busco, porque indaguei, porque indago e me indago. Pesquiso para constatar,
constatando, intervenho, intervindo educo e me educo. Pesquiso para conhecer o que
ainda não conheço e comunicar ou anunciar a novidade. (FREIRE, 1996, p. 32).
Nessa perspectiva, a pesquisa como princípio educativo constitui-se uma atividade de
elaboração própria
78
em que o aluno vai desenvolvendo a capacidade de ler e de fazer uma
leitura crítica da realidade para, então, poder contribuir com o processo de construção de uma
sociedade mais justa, mais humana e mais igualitária. O aluno pensante é crítico, reflete sobre
sua condição de vida, não se deixa manipular, e constitui-se sujeito de sua própria história. Já
os professores representam o exemplo vivo da pesquisa.
o trabalham apenas o lado formal do manejo de conhecimento, mas igualmente o
lado político da cidadania especificamente instrumentada pelas habilidades do
conhecimento. Em outras palavras: não se trata de qualquer cidadania, mas daquela
que sabe fundar-se no conhecimento. Trata-se da principal cidadania da sociedade
do conhecimento. (DEMO, 2002b, p. 85).
o basta, no entanto, o professor motivar os alunos a pesquisar, mas ser exemplo,
mostrar ao aluno que tamm lê, que não utiliza aquele velho material didático (livro,
apostilas antigas) a cada ano, que é capaz de escrever material próprio e de publicar. Hoje, há
tantos espaços que permitem ao professor participar e socializar suas pesquisas. A própria
escola pode se constituir um espaço de socialização dos trabalhos dos alunos ou das pesquisas
dos professores. Esse processo é muito importante, pois a pesquisa tem seu valor se for
78
Para atingir o nível de elaboração própria, o aluno passa por vários estágios: a) estágio de interpretação
reprodutiva, quando reproduz exatamente o que leu; b) estágio de interpretação própria, quando toma as palavras
do autor e atribui um sentido pessoal, ou seja, dialoga com o texto traduzindo com suas palavras as palavras do
autor; c) estágio da reconstrução, quando o aluno consti sua própria proposta; d) estágio de construção, quando
apresenta novas possibilidades; e) pesquisa propriamente dita, quando cria novos paradigmas (DEMO, 1997).
54
também socializada para outras pessoas. Por que não produzir material dos trabalhos dos
próprios alunos e publicizar para outros colegas? Por que não elaborar um texto conjunto a
partir de temas trabalhados e publicar em jornal ou revistas? Por que não publicar pesquisa de
cunho próprio do professor? Por que não constituir um grupo de estudo na escola e produzir
textos para publicação ou material didático que auxilie as aulas? Não há nada que desautorize
o professor da escola básica a fazer esse trabalho.
Essas iniciativas despertam o gosto pela pesquisa e assim os alunos vão adquirindo
gosto pela leitura e pela escrita. Dessa forma, o que interessa ao professor é a aprendizagem
do aluno, não a reprodução das informações. O aluno com capacidade de ler, escrever e de
fazer sua leitura de mundo estará melhor preparado para enfrentar os desafios que se
apresentam e buscar soluções para os mesmos. Aqui reside o papel da pesquisa como
princípio educativo: orientar o aluno a fazer a leitura crítica do mundo para nele se inserir
como agente de transformação. Nas palavras de Demo (2002b, p. 64): “O princip al poder de
transformação da educação está na capacidade de formar sujeitos capazes de história própria,
individual e coletiva, que, dentro de circunstâncias dadas, elaboram competência humana
suficiente para dar sentido alternativo à História.”
A escola torna-se assim uma possibilidade dos indivíduos conquistarem seus direitos
sociais, e a pesquisa, numa perspectiva de princípio educativo, contribui para a aquisição de
competência técnica e habilidades para manejar o conhecimento. São essas habilidades que
instrumentalizarão o indivíduo à conquista de seus direitos sociais.
2.1.2 Pesquisa como princípio científico
A pesquisa como princípio científico incita falar sobre ciência. Porém, conforme
Demo (1996, p. 17), há tantos acordos e polêmicas quando se discute a ciência. Para o autor,
“fazer ciência é, na essência, questionar com rigor, na acepção de atitude sistemática
cotidiana, não de resultado esporádico, estereotipado, especial”. Portanto, o diferencial da
ciência encontrada em Demo é o questionamento sistemático. Nessa percepção, é valorizada a
elaboração argumentada, teórica e prática, e não o produto desta elaboração. Novamente,
voltamos a insistir na capacidade de o sujeito fazer suas próprias elaborações para construir
um conhecimento plausível de contestações, refazeres, partindo do pressuposto de que as
verdades não são absolutas. Por isso, científico é tudo que possa ser discutível.
55
Romper com verdades absolutas exige romper com certos paradigmas que, na
concepção de Lüdke e André (1986, p. 6), significam “uma espécie de modelo, de esquema,
de maneira de ver as coisas e de explicar o mundo”. Partindo desse conceito de paradigma,
percebemos na educação um “paradigma” epistemológico
79
centrado na objetividade e aceito
pelo chamado senso comum, definido por Benincá (2002, p. 86) como “o conjunto de sentidos
construídos no cotidiano cultural, extraídos da experiência com os contextos sociais ou
gerados no atendimento às necessidades básicas do ser humano, que estruturam e sustentam a
concepção de mundo e se transformam em consciência prática.”
Em virtude desse caráter prático, o senso comum permanece no nível de percepção,
o construindo, por essa razão, teorias explicativas.
O senso comum, enquanto concepção de mundo [...], opina, avalia e julga sobre a
legitimidade de todo e qualquer conhecimento, seja científico, seja popular. A
aceitabilidade ou rejeição dos conhecimentos técnicos e científicos, bem como os
projetos políticos e religiosos, ficam à mercê da avaliação da concepção do mundo.
(BENINCÁ, 2002, p. 80).
O senso comum é conhecimento porque se constitui numa compreensão de mundo e
com base na consciência prática, mas não é ciência porque não “aplica ao conhecimento nele
implicado suficiente sistematicidade questionadora” (DEMO, 1996, p. 17). Sua ingenuidade
se encontra justamente na crença em um saber elaborado no seu cotidiano e na negação do
questionamento sistemático.
Tendo como característica fundamental o questionamento sistemático, a ciência, na
concepção de Demo (1996), tem uma condição de meio e de método. Como meio, a ciência
pode ser usada conforme os fins a qual se atribui a ela, que podem ser tanto construtivos como
destrutivos. Portanto, o homem pode utilizar a ciência para promover o bem-estar da
humanidade, como pode também produzir, como diz Adorno e Horckheimer (1986), a
“barbárie social”. Como método, “a ciência tende a reduzir -se a seu aspecto formal, cáustico,
detergente, encobrindo sob diatribes
80
formais, as ideologias mais escusas ou discursos mais
complexos que úteis” (DEMO, 1996, p. 21). Significa dizer que a ciência tanto pode produzir
mecanismos para o bem da humanidade como para o seu mal e pode utilizar meios para
79
Etimologicamente significa um discurso (
logos
) sobre a ciência (
episteme
) e teoricamente “é o estudo crítico
dos
princípios
, das
hipóteses
e dos
resultados
das diversas ciências. Semelhante estudo tem por objetivo
determinar a origem lógica (o psicológica) das ciências, seu
valor
e seu
alcance
objetivos.” (JAPIASU, 1986,
p. 24-25).
80
Segundo Ferreira (1999, p. 677), significa “Crítica acerba; discurso violento e injurioso.
56
encobrir as conseqüências desses malefícios na vida das pessoas.
A perspectiva metodológica presente na concepção positivista de ciência tem como
interesse a manutenção da ordem social vigente, enfatiza o fazer, o resultado em si e não o
processo de construção de conhecimento, pressupondo apenas duas formas de conhecimento
científico: “ as disciplinas formais da lógica e da matemática e as ciências empíricas segundo
o modelo mecanicista das ciências naturais(SANTOS, 1999a, p. 18). No entanto, dupla pode
ser a forma de assumir esse modelo mecanicista: aplicar ao estudo da sociedade os mesmos
princípios epistemogicos e metodológicos de investigação das ciências naturais; ou, as
ciências humanas reivindicar uma epistemologia e metodologia próprias, utilizando-se do fato
de que o ser humano possui características próprias diversas dos fenômenos naturais e, por
esta razão, não podem ser utilizados os mesmos procedimentos de análise e investigação das
ciências naturais. Ambas são antagônicas, pois a primeira atribui a todas as ciências (naturais
e sociais) o mesmo modelo de investigação científica: um modelo experimental. Já o segundo
invoca que o ser humano é subjetivo e, por isso, as relações humanas não podem ser medidas,
estudadas e analisadas da mesma forma científica que os fatos naturais
81
.
O paradigma da ciência moderna, sobretudo na sua construção positivista, suprime do
processo de conhecimento todo elemento não cognitivo (emoção, paio, desejo, ambição,
etc.) por entender que se trata de um fator de perturbação da racionalidade da ciência. Apenas
as paixões intelectuais estimulam o desenvolvimento da ciência. Esse modo de perceber o
mundo trouxe reflexos para a educação, pois os professores acabam tendo uma idéia também
ingênua de ciência e, dessa forma, transmitem conhecimentos científicos considerados
verdades absolutas. Apresentam esses conhecimentos como a única possibilidade de
conhecer. Dessa forma, foi consolidando um ensino descontextualizado, fragmentado,
traduzido pelas disciplinas que hoje se fazem presentes nos currículos escolares.
Consideramos que a construção do conhecimento acontece numa relação de
reciprocidade entre sujeito e objeto. Portanto, o homem é capaz de interagir com o seu objeto
de estudo, construir suas próprias teorias e de decidir seu próprio destino, sendo a razão a
81
A exposição de Santos (1999a, p. 22) deixa bem clara as razões das ciências sociais não poderem ser
analisadas sob o mesmo método das naturais: “A ação humana é radicalmente subjetiva. O comportamento
humano, ao contrário dos fenômenos naturais, não pode ser descrito e muito menos explicado com base nas suas
características exteriores e objetiváveis, uma vez que o mesmo ato externo pode corresponder a sentidos de ação
muito diferentes. A ciência social será sempre uma ciência subjetiva eo objetiva como as ciências naturais;
tem de compreender os fenômenos sociais a partir das atitudes mentais e do sentido que os agentes conferem às
suas ações, para o que é necessário utilizar métodos de investigação e mesmo critérios espistemológicos
diferentes das correntes nas ciências naturais, métodos qualitativos em vez de quantitativos, com vista à obtenção
de um conhecimento intersubjetivo, descritivo e compreensivo, em vez de um conhecimento objetivo,
explicativo e nomotético.
57
possibilidade de emancipação. Nessa perspectiva é que se insurge o comportamento crítico,
que evidencia que a construção do conhecimento são fatos sociais e históricos que envolvem a
interação social.
A teoria crítica preconiza sujeitos cticos inseridos num processo de transformação
social. Evidencia que ainda há mecanismos de resistências possíveis de libertação do homem
e um desses mecanismos, segundo Adorno, é a escola. Para o autor, cabe à escola a função de
assumir essa consciência e trabalhar em prol de libertar a humanidade da “barbárie social”,
portanto, “Opor -se a isso tudo que o mundo de hoje nos oferece e que, no presente momento,
o admite vislumbrar qualquer outra possibilidade de resistência mais ampla, é competência
da escola.” (ADORNO, 1999, p. 176).
O conhecimento produzido pelas escolas poderá possibilitar o progresso social e a
melhoria da qualidade de vida dos cidadãos. O conhecimento científico, produzido em outras
instâncias por uma comunidade científica, ime um modo de conhecimento prático e
universal, dissociado dos interesses locais. Este conhecimento tem se pautado pela lógica da
racionalidade técnica, onde alguém de fora ime soluções técnicas para situações práticas.
Essa resposta não atende às necessidades das pessoas e causa, muitas vezes, males piores, pois
é analisada em contextos diferentes, ignorando os saberes locais em nome de um
“conhecimento maior, universal e mais moderno” (MALDANER, 2000, p. 137). Os
benefícios que estes saberes trazem cegam os sujeitos que os produzem no sentido de não
perceber as suas conseqüências ao longo do tempo
82
. A ética, na perspectiva desta lógica de
aplicação técnica do conhecimento científico, não se faz presente.
A crise da modernidade reside justamente no conflito existente entre a aplicação
técnica e a postura ética. Para Santos (1989), o conhecimento produzido por uma comunidade
científica tem que ser discutido pelas comunidades locais e isso é possível pela argumentação,
pela comunicação e pela solidariedade para com os indivíduos envolvidos. Os saberes locais
passam a ter sentido e a ciência, pautada pela por essa postura ética, passa a ser um agente de
transformação da sociedade, não mais de imposição.
82
Como conseqüências, Maldaner (2000, p. 137-138) traz como exemplo as técnicas difundidas na agricultura:
“Na forma de
extensão rural
, foram difundidos os chamados avanços tecnológicos e os conhecimentos no
âmbito da produção agrícola, conhecimentos totalmente exógenos àquelas comunidades ‘beneficiadas’,
estabelecendo novas relações sociais e econômicas de base tecnológica - sistema bancário, mercadorias
desconhecidas e exóticas, sementes híbridas - com tal desnível de argumentação que não houve resistência
possível. O resultado disso foi um colossal problema ambiental e concentração das pequenas propriedades nas
mãos de poucos produtores.”
58
Corroborando com essa mesma idéia, Marques se manifesta:
o pode a pesquisa visar a um desenvolvimento das cncias e tecnologias à parte
dos interesses humanos em jogo e à parte da formação dos novos sujeitos num
mundo em constantes transformações. Mais do que visar ao ineditismo de suas
conquistas importa busque a pesquisa educar o cidadão para o enfrentamento de
situações inéditas, sequer previstas. Não mais se sustenta a ciência como um
acumulado de conhecimentos nela armazenados, mas se reconstrói ela como fluxo
contínuo numa comunidade viva de pesquisadores dedicados ao debate sobre os
processos criativos de sua região de saberes. Competência científica e competência
comunicativa se supõem em reciprocidade e se auto-exigem. (2001, p. 132-133).
A formação ética é imprescindível para que o indivíduo tenha consciência de que o
saber que está produzindo tanto pode servir para o bem da humanidade como pode destr-la.
Podemos citar como exemplos negativos: a bomba atômica, os agrotóxicos, a poluição do ar,
dos rios, etc. Por outro lado, não podemos deixar de mencionar os bens produzidos em todos
os setores: descobertas para a cura de doenças, computador, internet, novos processos de
mecanização na agricultura, no comércio, na indústria, etc. As contribuições ou malefícios
que esses bens podem produzir à humanidade dependerão de como o homem fará uso desses
bens. Infelizmente, o que observamos no mundo de hoje é uma constante degradação da
natureza, do ar, das águas e, principalmente, do próprio homem, que faz de tudo para obter o
lucro. Sacrifica mesmo a humanidade em nome do poder, e, para isso, se utiliza da natureza.
Dessa forma, os vínculos da pesquisa com a cidadania começam a se impor, exigindo um
aprofundamento em torno do conceito de cidadania.
Podemos questionar a validade do conhecimento, sua objetividade e precisão, pois
o existe um forma única de construir conhecimento. O que existem são formas de ver a
realidade e de construir sua compreensão. Portanto, para haver mudanças, faz-se necessário
romper com paradigmas que continuam olhando sob o prisma de ciência como um dogma.
Boaventura de Sousa Santos trará como proposta para a sociedade contemporânea um
paradigma prudente a ser construído a partir de uma relação dialógica entre a comunidade
científica e local.
59
2.1.3 Pesquisa e educação para a cidadania
Já referimos que a sociedade está passando por um período de grandes conflitos em
todos os setores (político, econômico e social) e que o homem está se tornando um ser cada
vez mais egoísta, insensível e preocupado com o ter e com o poder. Esses fatos mostram uma
falta de conscientização e de ética do homem em relação ao seu semelhante e ao mundo em
que vive. Nesse sentido, indagamos: A quem cabe a tarefa de educar para uma mudança de
pensamento do homem? Qual o papel da educação na construção de um cidadão eticamente
comprometido com a sociedade? Que educação se deve propor para formação da cidadania?.
Essas questões são fundamentais para a educação e suscitam discussões políticas,
éticas e epistemológicas, pois a escola é local de formação integral do ser e pode, portanto,
fazer um trabalho de conscientização para que se sinta responsável pelo ambiente, pela sua
vida e também pela vida de seu semelhante. Esse processo implica mudança de pensamento e
o resgate da humanidade do ser. A escola, segundo Freire (2002), pode ser a mediadora desse
processo de conscientização e, conseqüentemente, de transformação social. Ser mediadora
significa interceder para que o cidadão perceba que faz parte deste mundo e que, por esta
razão, pode se organizar e reivindicar direitos que são inerentes à sua condição humana.
Mas, a escola também pode se configurar em espaço de manutenção das condições
vigentes quando impede qualquer possibilidade de manifestação de pensamento do aluno e
exige dele apenas a sua capacidade de memorização, tanto na escrita como na sua fala. A
escola “[...] t anto pode estar a serviço da decisão, da transformação do mundo, da inserção
crítica nele, quanto a serviço da imobilização, da permanência possível das estruturas injustas,
da acomodação dos seres humanos à realidade tida como intocável.” (FREIRE, 2000, p. 58).
Para a educação ser mediadora desse processo de mudança necessita construir e
reconstruir referenciais teóricos que darão suporte a uma prática docente voltada a um projeto
de emancipação do aluno. O conhecimento é suporte fundamental para a conquista dos
direitos sociais porque o sujeito, ao fazer uma leitura de mundo, saberá então por que lutar,
para quê e como se inserir nesse processo. É nesse sentido que a pesquisa e a educação
contribuem para a formação da cidadania, pois, enquanto princípio educativo, estimula o
desenvolvimento de habilidades de atuação, e enquanto princípio científico, possibilita
construir e reconstruir conhecimentos. Assim, o incentivo à pesquisa na escola básica assume
outra perspectiva no modo de ensinar quando possibilita espaços para o aluno pensar e
expressar-se. O professor se liberta da mera transmissão e interage com o aluno nas suas
60
elaborações. Esse processo contribui para a formação da cidadania e exige para tal construir
uma prática pedagógica coletiva, que vise novos paradigmas e que fortaleça uma educação
cidadã e emancipatória.
Cidadania definida como “[...] o próprio direito à vida no sentido pleno. Trata -se de
um direito que precisa ser construído coletivamente, não só em termos do atendimento às
necessidades básicas, mas de acesso a todos os níveis de existência, incluindo o mais
abrangente, o papel do(s) homem(s) no Universo” (MANIZINI-COVRE, 1996, p. 11). A
cidadania, compreendida como uma prática social do indivíduo, capaz de conquistar espaços
de reivindicação e de enfretamento político, torna-se uma estratégia para a busca e a
efetivação dos direitos do cidadão.
O direito às condições de existência é uma conquista histórica adquirida pela
competência humana de fazer-se sujeito, para fazer história própria e coletivamente
organizada” (DEMO, 1995, p. 1, grifo nosso). Essa competência humana significa a tomada
de consciência pelo indivíduo de sua realidade, de sua condição social e a capacidade de
emancipação política, ou seja, de negar as formas de assistencialismo inerentes ao Estado de
bem-estar
83
, muitas vezes usadas para impedir o confronto político entre os trabalhadores e os
donos do poder. Ser cidadão é superar a condição de objeto e passar a ser sujeito de seu
próprio destino. Isso é possível a partir do momento que o sujeito tomar consciência de que a
pobreza
84
não é condição do destino, mas algo que foi criado pelo homem, fruto da má
organização social, do mau uso da capacidade de garantir a sobrevivência e atendimento das
necessidades básicas da população, da má distribuição dos recursos, do mau uso dos bens
naturais e sociais, que gera uma situação de dependência de uns sobre os outros. Realidade
essa decorrente do atual estágio em que se encontra o capitalismo, que amplia a injustiça
social. Portanto, está em poder do homem a possibilidade de mudar seu destino. Demo (1995)
aponta alguns caminhos para que isso se concretize: a) necessidade de eliminar a pobreza
política; b) propor alternativas para mudanças e, c) organizar-se política e coletivamente.
83
Estado de bem-estar (welfare state), ou Estado assistencial, pode ser definido, à primeira vista, como Estado
que garante ‘tipos mínimos de renda, alimentação, saúde, habitação, educação, assegurados a todo o cidadão, não
como caridade mas como direito político’” (WILENSKY apud BOBBIO, 1995, p. 416). Aqui entre s esse
Estado não chegou a constituir-se. Os direitos mínimos (educação, moradia, saúde, etc.) ainda não se
universalizaram no Brasil.
84
Outhwaite e Bottomore (1996, p. 578-580), editores do Dicionário do pensamento social do século XX,
destacam que o uso do conceito pobreza, ao ins de diminuir, aumentou e que, além da má distribuição, a
insuficiência dos recursos não permite satisfazer as refinadas exigências e normas sociais dos cidadãos da
sociedade contemporânea.
61
Diante disso, é de questionar se a educação básica prepara o aluno para o
enfrentamento desses desafios ou, se estes, quando presentes nos seus Projetos Político-
pedagógicos, o são apenas para cumprir com a legislação imposta.
A escola básica é desafiada a trabalhar competências dessa natureza por vivermos
numa sociedade de desiguais, conforme adverte Demo:
Na escola básica podemos presenciar este desafio complexo, quando precisamos
despertar no aluno, ao mesmo tempo, o senso pela solidariedade humana e a
competência do desempenho. A escola abriga esta dialética viva: se todos fossem
iguais, não seria necessária: entretanto, a equalização de oportunidades é crucial,
porque todos são, na prática, desiguais. Ter oportunidade e, em primeiro lugar, fazê-
la, e logo, impô-la. (1995, p. 157).
Na EFA, observamos, nos documentos legais e nas suas ações, a vivência da cidada-
nia. A escola estimula o aluno, além da compreensão do contexto em que vive, a inserção em
diversos projetos sociais, exercendo, assim, a sua cidadania, conforme será visto no capítulo
4.
Mas, a que cidadania nos referimos? Cidadania como um direito civil? Político? Ou
como direito social?
A cidadania teve diferentes conotações na história da humanidade, segundo Bobbio
(1992). Em certo momento foi concebida como direitos civis; em outro, agregaram-se os
direitos políticos; e, mais recentemente, os direitos sociais começaram a ser discutidos
85
. Foi
uma conquista histórica desde o tempo dos gregos até nossos dias, travada com muitas lutas e
guerras até serem estabelecidos os direitos humanos pela Declaração dos Direitos do Homem
e do Cidadão, aprovados pelos Estados Norte-americanos (1776) e pela Assembléia Nacional
85
Adverte Cora (1999) que ainda há uma segunda forma de classificação dos direitos do homem referida pela
ONU: os
direitos humanos de primeira geração,
concebidos como os direitos civis e políticos, e os
direitos
humanos de segunda geração,
chamados de direitos sociais.
Bobbio (1992, p. 6) também faz essa referência, acrescentando ainda que há os
direitos humanos de terceira
e
quarta geração
, que surgem na medida que vão aparecendo novas carências na sociedade, decorrentes do
progresso técnico, ou seja, “o progresso da capacidade do homem de dominar a natureza e outros homens” que
ameaça a vida do cidao e que impõe, portanto, ao Estado a proteção dos direitos humanos.
Os
direitos humanos de terceira geração
“constituem uma categori a, para dizer a verdade, ainda expressamente
heterogênea e vaga, o que nos impede de compreender do que efetivamente se trata” (BOBBIO, 1992, p. 6), mas,
para o autor, o mais importante deles é o direito de viver num ambiente não poluído.
Os
direitos humanos de quarta gerão
estão ligados à pesquisa genética, pois, segundo Bobbio (1992, p. 6), “já
se apresentam novas exigências que só poderiam chamar-se de direitos de quarta geração, referentes aos efeitos
cada vez mais traumáticos da pesquisa biológica, que permitirá manipulações do patrimônio getico de cada
indivíduo.”
Por fim, acrescenta Bobbio (1992, p. 6), “Embora as exigências de direitos possam estar dispostas
cronologicamente em diversas fases ou gerações, suas espécies são sempre - com relação aos poderes
constituídos - apenas duas: ou impedir os malefícios de tais poderes ou obter seus benefícios.
62
Francesa (1789). A Declaração proclamou como inalienáveis e sagrados os direitos do
cidadão: a liberdade pessoal, a liberdade de expressão e consciência, a inviolabilidade pessoal
e a necessidade de resistir a todas as formas de opressão, devendo o Estado respeitar e garantir
esses direitos. Até então, os Direitos Humanos eram concebidos como direitos naturais,
delegados por Deus e a favor dos reis e aristocratas, que utilizavam-se dessa condição para
justificar as vioncias praticadas.
A luta pelos direitos humanos se intensifica à época da Revolução Francesa (séc.
XVIII) quando se instaurou de vez a burguesia, como classe dominante e o capitalismo como
forma de produzir e de viver. Embora nessa etapa liberal a
cidadania esteve mais vinculada
aos direitos civis, foi uma conquista da sociedade (MANZINI-COVRE, 1996). Temos
também que ter clareza que os direitos civis foram estabelecidos porque era importante para o
setor econômico que o homem tivesse liberdade para produzir e, portanto, escolhesse a forma
de produzir, o livre comércio para vender os produtos e a competitividade para produzir
sempre mais. Os direitos civis - igualdade e liberdade -o pensados, portanto, no seio de um
projeto liberal-burguês que se contrapõe ao regime monárquico e abre os tempos modernos.
A cidadania rege-se neste período pela busca de um sistema de igualdade humana, ao
mesmo tempo, acontece num sistema de desigualdades. Este peodo caracteriza-se por uma
tensão entre subjetividade individual dos agentes na sociedade e a subjetividade do Estado. O
que regula essa tensão é o princípio da cidadania, que, por um lado, limita os poderes do
Estado e, por outro, canaliza os indivíduos para poder controlar suas atividades e manter o
status quo vigente (SANTOS, 1999b).
No primeiro período do capitalismo (durante todo o século XIX), denominado por
Santos (1999b) de capitalismo liberal, essa tensão é sempre decidida a favor do princípio do
mercado, que regula a vida dos indivíduos, determinando quem produz, para que e para quem
produz. Interessa ao mercado o indivíduo enquanto força de trabalho que saiba dominar as
novas tecnologias. Nesse contexto, a educação, utilizada como preparação técnica que ensina
a fazer, torna-se um bem de mercado. Para o Estado, quem é o cidadão? É aquele que produz,
que consome e que se submete às condições impostas pelo capitalismo. Dessa forma, as
relações sociais são controladas não mais pelo Estado, mas pelo mercado, e para este interessa
o indivíduo que produz. Mesmo assim, surgem espaços de emancipação: movimentos
socialistas, anarquistas, o mutualismo, o cooperativismo operários e o marxismo
86
.
86
O marxismo teve um papel fundamental neste período porque, segundo Santos (1999b), foi um movimento de
expressão das contradições entre regulação e emancipação. Marx (1818-1883) criticava a democracia liberal e,
portanto, as idéias de subjetividade e cidadania que a constituíam porque a organização social da produção
63
Seguindo o autor, ainda nessa etapa do capitalismo, os trabalhadores começam a se
organizar por sofrerem intensa exploração. O que fez o capital? Reagiu e tirou do trabalhador
os espaços que seriam seus, substituindo-os por máquinas. Investiu cada vez mais em
tecnologia e manteve a ideologia de que os lucros seriam também dos trabalhadores, quando,
na verdade, os lucros foram para uma pequena elite que detinha os meios de produção.
Nesse período já se fala em direitos políticos
87
, que estendem aos novos setores da
população o direito ao voto, antes privilégio da classe que detinha o poder econômico.
Segundo Santos, os direitos sociais começam a aparecer no século XX, constituindo-se
no segundo período do capitalismo, denominado de capitalismo organizado, que se
caracteriza “[...] pela passagem da cidadania cívica e política para o que foi designado por
‘cidadania social’, isto é, a conquista de significativos direitos sociais, no domínio das
relações de trabalho, da segurança social, da saúde, da educação e da habitação por parte das
classes trabalhadoras.” (1999b, p. 243).
Os direitos sociais são mais uma conquista histórica do trabalhador do que uma
conceso do Estado. A escola pode contribuir para formação de um cidadão que busque a
efetividade desses direitos, pois é um espaço de humanização e de construção do ser. É na
escola que se aprende a ler e a escrever, portanto, é o local em que se estabelecem as
condições de aprendizagem e de outras capacidades, como a reflexão, a análise crítica, a
argumentação, a contestação, etc., que instrumentalizam o indivíduo a se mobilizar em busca
de outro modelo de sociedade.
Para corroborar com as afirmações, nos reportamos a Arroyo. Com uma vio mais
otimista da escola, o autor enfatiza que:
[...] a consciência que os seres humanos têm de seu direito a serem humanos, vai
exigir cada vez mais uma pedagogia centrada no ser humano, na formação do ser
humano. [...] A escola deve contribuir para isso, ela é uma das instituições que vai
colaborar com outras nas quais o ser humano se forma como humano. Mas ela é um
dos espaços onde esse saber ser humano, esse saber os instrumentos da cultura, esse
formar a mente humana, vai ser feito de uma maneira mais sistematizada, mais
planejada, mais profissional, que na família, que na rua, que nos movimentos
sociais. É nesse sentido que a escola continuará sendo necessária. (2003, p. 152).
determinava a organização política e cultural. Para lutar contra a forma de poder, contrapôs ao Estado liberal um
outro sujeito, a classe operária. Acreditava que a conscientização da classe operária pudesse provocar uma
revolução social e se instaurar uma nova sociedade, onde todos seriam livres e iguais. Esse projeto social viria a
se consolidar no contrato social de Rousseau, que também pensava uma sociedade democrática, fundada com a
participação de todos os cidadãos, mas esse projeto não se efetivou, o que não impediu que a classe operária se
organizasse.
87
Os direitos políticos, segundo a interpretação que fizemos de Santos (1999b), emergem com os direitos civis,
portanto, não são deste período. Quanto à autora Maria de Lourdes Manzini-Covre (1996), encontramos a
definição desses direitos, mas não data aproximada. Por isso, nos reportamos a Marshall (1967), que diz que os
direitos civis surgiram no século XVIII; os políticos, no século XIX e os sociais no século XX.
64
Verificamos que no início do século XXI não muda o cenário. As contradições
evidenciadas continuam, onde prevalecem, de um lado, as relações de dominação,
competição, especialização, acumulação e de exclusão social, e, de outro, uma luta por um
mundo mais humano e mais justo, onde se efetivem, na prática, os direitos institucionalizados
em lei, quais sejam: os direitos civis, políticos e sociais. Esses direitos não são ainda
extensivos a todos os cidadãos, pois nem todos têm acesso à habitação, saúde, educação,
trabalho, condições essenciais de existência, sendo até mesmo discriminados, marginalizados
e excluídos da sociedade por não terem essas condições.
Cidadania passa a ser concebida não apenas como a concessão de direitos civis ou
políticos como historicamente foram abordados, mas, como um direito à vida. Nesse sentido é
a posição de Pinsky e Pinsky (2003, p. 9) ao dizer que cidadania “é ter direito à vida, à
liberdade, à propriedade, à igualdade perante a lei: é, em resumo, ter direitos civis. É também
participar no destino da sociedade, votar, ser votado, ter direitos políticos [...] o direito à
educação, ao trabalho, ao salário justo, à saúde, a uma velhice tranqüila”. Esses direitos, no
entanto, não asseguram a democracia sem os direitos sociais
88
, aqueles que garantem as
condições de vida.
A Carta de Direitos da Organização das Nações Unidas (ONU), de 1948
89
, estabelece
que ser cidadão significa ter direitos e deveres e a proposta de cidadania é de que
todos os homens são iguais ainda que perante a lei, sem discriminação de raça, credo
ou cor. E ainda: a todos cabem o domínio sobre seu corpo e sua vida, o acesso a um
salário condizente para promover a própria vida, o direito à educação, à saúde, à
habitação, ao lazer. E mais: é direito de todos poder expressar-se livremente, militar
em partidos políticos e sindicatos, fomentar movimentos sociais, lutar por seus
direitos. Enfim, o direito de ter uma vida digna, de ser homem. (MANZINI-COVRE,
1996, p. 9).
Por isso, o desafio de uma educação para a emancipação, que estimule a curiosidade
do aluno, o exercício de reflexão, a pesquisa, a elaboração e a construção de seu
conhecimento, capacitando-o a desenvolver habilidades que permitam fazer uma leitura de
mundo e se inserir neste mundo como sujeito capaz de provocar mudanças na estrutura social
vigente.
88
Entendidos por Manzini-Covre (1996) como direitos à alimentação, habitação, saúde, educação, etc.
89
A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão foi reorganizada e ratificada as a Segunda Guerra
Mundial em virtude das barbáries e atrocidades cometidas nesta guerra, uma verdadeira violação dos direitos
humanos. Para impedir que estes fatos se repetissem foi aprovada, em 10 de dezembro de 1948, pela Assembléia
Geral das Nações Unidas, a Declaração Universal dos Direitos Humanos (BOBBIO, 1992).
65
Freire (1996) propõe uma pedagogia crítica e libertadora, que desafia o educando a
pensar criticamente a realidade social, política e histórica, com vistas à superação das
injustiças. No livro “Pedagogia da autonomia”, o autor traz uma lição sobre o que é ensinar.
Todos os saberes evidenciados pelo autor são fundamentais para a emancipação do indivíduo
que objetiva a conquista da cidadania, mas o “Ensinar exige pesquisa” é um dos saberes que
destacamos por entender que desperta a autonomia do aluno, porque provoca uma ruptura
com o ensino tradicional e possibilita um espo de dialogicidade, de escuta, de interação e de
construção de conhecimento.
A luta por uma sociedade melhor e, como diz Freire (1996), pela boniteza do mundo,
exige competência, que acontece pela superação do saber ingênuo ou o senso comum para o
saber científico. De que forma ou como a escola pode contribuir para que ocorra essa
passagem? Uma das formas é estimular a criança a investigar sobre temas em discussão no
mundo, assuntos do seu interesse ou assuntos trabalhados em aula. Por quê? Porque a criança,
por natureza, é curiosa e, sendo curiosa, quer saber sempre mais sobre determinado assunto.
Para o autor, cabe ao professor aguçar a curiosidade do aluno, de tal modo que ele se
transforme em sujeito de produção de conhecimento. Estimular, portanto, a pergunta, solicitar
respostas, reflexões e explicações, que vão sendo buscadas por ambos (professor e aluno)
numa relação de interação, sendo construídas novas elaborações e sistematizações. Isso é
fazer pesquisa, ou, em outras palavras, é estimular o aluno a práticas investigativas. A
curiosidade é, segundo Freire (2004, p. 149), “um dos fundamentais motores da produção de
conhecimento” e importa, nesse processo, “que professores e alunos se assumam
epistemologicamente curiosos” (FREIRE, 1996, p. 86) porque ambos aprendem e ensinam.
O professor, porque sabe, não pode ser o detentor da palavra e o proprietário da
verdade; é aprendiz também. Compete ao professor incentivar o aluno a produzir suas
próprias compreensões a partir da fala do professor e não fixar ou memorizar a fala do
professor. Dessa forma, estará estabelecendo uma relação de comunicação entre ambos. Não
há aprendizagem onde o professor comunica e o aluno apenas assimila. A aprendizagem se
traduz em construções próprias que o aluno faz a partir do que foi ensinado e dos materiais
que tem à sua disposição. Portanto,
ensinar não é transferir a inteligência do objeto ao educando mas instigá-lo no
sentido de que, como sujeito cognoscente, se torne capaz de inteligir e comunicar o
inteligido. É nesse sentido que se impõe a mim escutar o educando em suas dúvidas,
em seus receios, em sua incompetência provisória. E ao escutá-lo, aprendo a falar
com ele. (FREIRE, 1996, p. 118, grifo do autor).
66
Para a construção desse mundo mais humano, Santos (1999a) propõe que as ciências
sociais recusem as formas de positivismo lógico ou empírico e valorize as formas de ensino
humanísticas. Aponta ainda como outra alternativa o diálogo entre aqueles que validam o
conhecimento científico com aqueles que detém conhecimento prático.
2.1.4 Um novo paradigma de ciência
Propor um modelo de ciência remete a fazer alguns apontamentos sobre as condições
que levaram à crise da ciência moderna já mencionada e, a partir disso, apontar sugestões de
um novo modelo de ciência possível na escola básica para superar a concepção de ciência
como uma razão que privilegia um produto e sua aplicabilidade na sociedade sem levar em
consideração as conseqüências dos seus resultados.
A discuso sobre uma outra forma de construção do conhecimento parte,
principalmente, da constatação das aplicações da ciência
90
, que desvirtuou-se do projeto de
emancipação do homem para um projeto de dominação, expropriação e deterioração da
natureza e do próprio homem, como também da forma como foi sendo organizada pela
comunidade científica, a favor do Estado e da indústria e dissociada dos interesses reais da
sociedade. Nesse sentido, a necessidade de pensar a ciência conjugada a outros saberes, à
ciência, religião, artes, literatura, filosofia, etc., para resgatar a dimensão humana que leva o
homem a pensar e produzir um conhecimento que traga benefícios à humanidade.
O conhecimento, segundo Santos (2004a), sempre existiu, independentemente de
existir a natureza, e sempre foi palco de discussões, porém a ciência moderna não o utilizou
apenas para compreender o mundo ou explicá-lo, mas para transformá-lo, e assim o fez,
apoderando-se de uma forma de conhecer (conhecimento científico) para transformar o
mundo.
Dessa forma, o conhecimento se processou ao longo da história, como absoluto,
inquestionável, à margem da participação do sujeito em relação ao objeto a ser desvendado.
Hoje, no entanto, há outras concepções do conhecimento em decorrência do avanço da
90
Santos (1989) ressalta a ligação da ciência à máquina, ilustrando como exemplo as bombas de Hiroshina e
Nagasaki. Por esta razão, a ciência, as a II Guerra Mundial, passou mais veementamente a ser contestada
porque se o homem construiu mecanismos de destruição, poderá produzir outros mecanismos de catástrofes.
Portanto, a ciência tanto pode produzir benefícios como causar prejuízos à humanidade.
67
ciência, que introduziu na sociedade novas tecnologias. Exige-se, portanto, segundo Regner
(2004, p. 294), “um novo entendimento dos conceitos de ‘teoria’, ‘experiência’, ‘evidência’,
‘faculdade cognitiva’, ‘sujeitoe ‘objetoe demandam discussões sobre o caráter
institucional, cultural e político do empreendimento científico, rompendo com o nosso modo
tradicional de pensar ciência”. Por esta razão, os autores consultados (SANTOS, 2004a;
REGNER, 2004) destacam a necessidade de superação do paradigma da ciência moderna para
um paradigma emergente, fundado nas práticas sociais.
Santos (1999a), no livro Um discurso sobre as ciências e no volume recentemente
construído para sua revisão (SANTOS, 2004a), defende algumas teses que justificam esse
novo modelo de ciência: a) a superação da dicotomia entre ciências naturais e ciências sociais;
b) o saber global e local a serem considerados pela ciência; c) todo conhecimento é auto-
conhecimento; d) todo conhecimento científico visa constituir-se em senso comum.
Segundo a interpretação de Santos (1999a), o modelo epistemológico de conhecimento
da ciência moderna avançou pela especialização, ou seja, as áreas de conhecimento foram
sendo divididas em disciplinas e dessa forma foi se processando nas escolas, que organizam o
seu conhecimento num currículo disciplinar e usam essa mesma lógica (compartimenta-
lização) no processo ensino-aprendizagem. Dessa forma, o aluno apropria-se de um
conhecimento fragmentado e dissociado da realidade, pois o ensino, transmitido na escola,
o fala da vida, mas de um cenário irreal, onde cada saber tem o seu lugar específico e não se
comunica com as demais áreas de conhecimento. Porém, os novos problemas que estão
aparecendo não podem ser mais tratados por um currículo disciplinar, que ignore a
subjetividade e o estabelecimento de interações com outras disciplinas e com os objetos reais
de vida. O problema ambiental, por exemplo, pode ser tratado somente pela Biologia? Física?
Química? Ou, tamm precisará ser tratado pela Filosofia? Sociologia? História? Geografia?
Essa análise perpassa por uma revisão curricular e, mais ainda, por uma atitude do professor
em sala de aula, que estabeleça o processo de interlocução entre os saberes.
Nesse sentido, uma outra perspectiva de ciência que pense o cidadão como sujeito
responsável por mudanças na sociedade perpassa por uma discussão hermenêutica, ou seja,
pelo diálogo entre as disciplinas, sua interrelação, interação, conexão, para que o aluno tenha
uma compreensão da sociedade como um todo. Quer dizer, o mundo da física penetrar no
mundo da sociologia, da poesia, da arte, estimulando o aluno a usar a capacidade de pensar
para estabelecer a conexão
91
entre os saberes. Dessa forma, trabalha-se com a unidade do
91
Contextualizar significa ter a capacidade de compreender o mundo numa relação de implicabilidade do
indivíduo com o outro, com sua cultura e com o meio. Nesse sentido, os problemas que se apresentam nas
68
indivíduo, enquanto ser biológico, integrado com a sua diversidade e com a sua
subjetividade
92
, não havendo separação do indivíduo e fazendo com que perceba que é um
todo, único, e que os acontecimentos assim se processam no mundo exterior.
A educação, com ênfase num paradigma positivista, ensinou a pensar de forma
especializada, porém fragmentada, descontextualizando o conhecimento de sua realidade
global e local, por isso a dificuldade de estabelecer relações com o que se aprende na escola
com o contexto social. O mundo de hoje, marcado pela fase da mundialização, era das
telecomunicações e da informação, exige cada vez mais a compreensão deste mundo e do
papel do homem neste mundo.
Levar em consideração o contexto social é valorizar uma outra forma de conhecimento
que o aluno traz consigo - o senso comum
93
-, ou seja, o conhecimento culturalmente situado.
Freire (1996), conforme exposto, já dizia que valorizar o senso comum não significa ficar
nesse nível de conhecimento, mas superá-lo, transformando este saber em conhecimento
científico. Essa primeira ruptura espistemológica do conhecimento obtido pelo senso comum
para o conhecimento científico, para Santos (1999a), foi simbolizada pela ciência moderna.
No entanto, o paradigma emergente a que o autor se refere consiste em uma ruptura capaz de,
pela sua legitimidade, validar-se em um novo senso comum, não devendo ser entendido como
um retrocesso, assim como pareceu àqueles que interpretaram equivocadamente Rousseau
(1968), quando disse que o indivíduo deveria retornar ao seu estado de natureza primitivo.
Assim como Rousseau, Santos tamm não tem a pretensão de voltar ao passado e ignorar o
conhecimento que se produz hoje, mas valorizar este conhecimento. Isso se traduz nas suas
palavras quando diz que: “A ciência pós -moderna, ao sensocomunizar-se, não despreza o
conhecimento que produz tecnologia, mas entende que, tal como o conhecimento se deve
traduzir em auto-conhecimento, o desenvolvimento tecnológico deve traduzir-se em sabedoria
de vida.” (SANTOS, 1999a, p. 57).
disciplinas dos currículos das escolas não podem ser tratados como problemas da “Física”, da” Matemática” ou
da “Biologia”. São problemas que se apresentam e que precisam ser tratados pelas diversas áreas do
conhecimento, por isso a necessidade de integração entre as disciplinas. Nesse sentido, a educação precisa
estimular o uso da inteligência para que o indiduo possa exercitar essa capacidade e saber como resolver as
situações inesperadas que se apresentam (MORIN, 2002).
92
Morin (2002) explica essa afirmação da seguinte forma: o indivíduo é uma unidade humana (composto por
traços biológicos), como também uma diversidade humana (traços psicológicos, culturais, sociais), não podendo,
por esta razão, ser tratado apenas como ser biológico ou subjetivo. Compreender o humano é compreender sua
unidade na diversidade e vice-versa. A educação deverá trabalhar com este princípio de unidade/diversidade em
todas as áreas do conhecimento.
93
Entendido na perspectiva defendida por Benincá na subseção 2.1.2 do presente texto.
69
A pretensão do autor é no sentido de que o conhecimento produzido por uma
comunidade científica deva ser um conhecimento que atenda às realidades locais, portanto, às
necessidades sociais de um determinado espaço (bairro, escola, creche, hospital). Para isso, é
preciso levar em consideração as experiências, opiniões, práticas cotidianas que se fundam
num saber culturalmente situado
94
.
A ciência emergente dialoga com essa forma de
conhecimento, deixando-se penetrar por ela. Ao invés de desconsiderar este saber, o novo
paradigma o valoriza porque tem uma dimensão utópica e libertadora, que pode ser ampliada
através do diálogo com o conhecimento científico.
Rompe-se com a visão de conhecimento científico como poder supremo e evoca-se
um conhecimento a partir do social, da vida prática, do real. Significa dizer, um conhecimento
que se torne acessível não somente a uma parcela da população, mas à toda sociedade para
que todos tenham condições de moradia, de escolarização, saneamento básico, de saúde, etc.,
portanto, “o paradigma a emergir [...] não pode ser apenas um paradigma científico (o
paradigma de um conhecimento prudente), tem que ser também um paradigma social (o
paradigma de uma vida decente).” (SANTOS, 1999a, p. 37).
Qual a representação dessas teses para a educação e, mais especificamente, para a
educação básica?
As discussões em torno de um paradigma social que promova a justiça social para a
escola representa repensar a sua organização curricular, pois é por esta via que são passados
os valores, propósitos, concepções da escola, conforme afirma Marques:
É na proposta curricular que assumem sentido e forma os processos de ensino, a
Didática e as metodologias específicas deles e os conteúdos neles trabalhados. Nesta
totalidade, são inseparáveis e intercomunicantes a dimensão hermenêutica da
interpretação dos supostos históricos, [...], a dimensão crítico-reflexiva por onde se
ajuíza da relevância social dos conteúdos. (2000, p. 151).
O currículo, conforme refere Silva (2002), é a forma de traduzir as compreensões da
escola e pode, por esta razão, estar a serviço da reprodução da cultura dominante ou ser tornar
um mecanismo de resistência ao modelo de sociedade imposta. Para o autor, as teorias
94
“[...] é, por isso, necessário, compreender o conjunto de valores (pessoais, morais, sociais) que as pessoas
aspiram a manifestar nas suas vidas, a sua diversidade em função da cultura, da classe e de outros factores, bem
como outros projectos que já desenvolveram (ou que aspiram a desenvolver) [...]. Não se pode descobrir a gama
de estratégias necessárias à pesquisa científica com o objetctivo de fomentar o bem-estar humano - de alcançar
‘um conhecimento prudente para uma vida decente [...] sem realizar esse tipo de investigação social.” (LACEY,
2004, p. 488).
70
tradicionais de currículo, apontadas por Bobbitt e Tyler, abordam o currículo como uma
atividade meramente técnica e burocrática, desprovidas de subjetividade e de
responsabilização social. Dessa forma, “Numa perspectiva que considera que as finalidades da
educação estão dadas [...] o currículo se resume a uma questão de desenvolvimento, a uma
questão técnica” (SILVA, 2002, p. 24), portanto, “O sistema edu cacional deveria ser tão
eficiente quanto qualquer outra empresa” (p. 23).
Já numa perspectiva crítica do currículo, abordada por Appel, Esland, Freire,
Gadamer, Giroux, entre outros, o currículo pode ser uma estratégia de resistência e
configurar-se como um ato político. Todas essas teorias problematizam a questão do
conhecimento e do poder. Saviani enfatiza, especificamente, o papel do conhecimento na
aquisição e fortalecimento do poder das classes subordinadas. Consideramos todas as teorias
críticas do currículo importantes, pois como referimos, problematizam as relações de cultura e
poder. Mas, dentre as teorias abordadas por Silva (2002), optamos pela teoria crítica de Paulo
Freire por ser um autor brasileiro que propõe uma educação problematizadora em oposição à
educação bancária
95
.
Partindo da abordagem que o conhecimento é construído numa relação dialógica entre
professor e aluno, mediados pelo objeto cognoscente, o mundo portanto, Freire (1994, 1996,
2000) sugere à escola desenvolver um currículo que seja a expressão de uma educação
problematizadora. Para isso, segundo o autor, a escola terá de buscar na experiência de vida
dos alunos temas significativos que deverão constituir o conteúdo programático. Nesse
aspecto, o que se está considerando não é a forma de organizar o currículo, mas a fonte deste
conteúdo, ou seja, a realidade do aluno, carregados de subjetividade
96
e construídos com a
participação dos mesmos. O processo de organização desses conteúdos é competência dos
especialistas da escola e o papel de codificação desses conteúdos é atribuição dos professores,
que estão envolvidos diretamente em ações pedagicas. O professor traduz as concepções de
currículo, orientadas, nessa perspectiva, por uma educação problematizadora, para que, dessa
forma, o aluno vá despertando a consciência de ser e de mundo. Nesse sentido que Freire
aborda a questão ética do professor, pois sua prática pode traduzir os valores, os interesses, os
95
A Escola Nova também se opôs ao ensino tradicional, mas, para a organização do curculo, foram levados em
consideração os interesses e as experiências dos alunos com vistas à vivência e prática dos princípios
democráticos de uma educação, desconsiderando-se a reflexão sobre as mudanças estruturais por que passava a
sociedade, o que é muito enfatizado em Paulo Freire.
96
A epistemologia que fundamenta a perspectiva curricular de Freire está centrada na visão mais radical das
perspectivas críticas de currículo - visão fenomenológica, que atribui significado a “alguma coisa”, como por
exemplo, à experiência, o mundo vivido, os significados subjetivos na organização do currículo, atribuindo,
dessa forma, pouco sentido às formas de compreensão técnica e científica implicadas na organização e
estruturação do currículo em torno de disciplinas (SILVA, 2002).
71
anseios e os objetivos de uma cultura dominante eo atender aos objetivos da escola,
explícitos ou não no currículo, conforme assevera Silva, apoderando-se da teoria de Bowles e
Gintis:
A escola contribui para esse processo não propriamente através do conteúdo
explícito de seu currículo, mas ao espelhar, no seu funcionamento, as relações
sociais do local de trabalho.
[...]
É através de uma correspondência entre as relações sociais da escola e as relações
sociais do local de trabalho que a educação contribui para a reprodução das relações
sociais de produção da sociedade.(2002, p. 33).
Acrescentaríamos à afirmativa que, ao estabelecer essas relações, a escola também
pode ser um mecanismo de resistências, conforme refere Silva (2002, p. 48), sustentado pela
teoria de Apple: “[...] o campo social e cultural é feito não apenas d e imposição e domínio,
mas também de resistência e oposição.”
Na EFA, mesmo que o currículo da escola esteja disposto em disciplinas, a ação da
escola evidencia um ensino orientado para uma atitude crítico-reflexiva. A relações sociais na
EFA evidenciavam, já em 1970, uma educação mais livre, visíveis nas atitudes dos
professores que permitiam uma expreso diferenciada dos alunos:
Nas salas de aula as crianças não eram obrigadas a permanecer imóveis e isoladas
nas carteiras, umas atrás da outra, mas agrupavam-se informalmente em torno das
mesinhas [...] o que contrastava com as salas de aula silenciosas das escolas
tradicionais.
Nas paredes, em vez dos costumeiros trabalhos mimeografados [...] havia uma
diversidade de formas e cores cheias de vida, retratando a singularidade de cada um
de seus pequenos autores. (BECKER, 1998, p. 11).
Os professores, inicialmente, tiveram dificuldade de trabalhar com essa proposta
inovadora, mas, aos poucos foram construindo seus referenciais teóricos e superando tais
dificuldades. No Ensino Médio, a escola utiliza-se ainda hoje de Projetos e de Estudos de
Aprofundamento para abordar temas que não estão inseridos no currículo, mas que são de
interesse do aluno, fazem parte de suas vidas ou se apresentam pelos meios de comunicação,
dessa forma, procurando estabelecer relações com todas as disciplinas do currículo.
Ao final, podemos dizer que formar um cidadão crítico, consciente de si e do seu
mundo, e atuante não prescinde da elaboração de um currículo carregado de conteúdos que
tenham significado para o aluno e, dessa forma, possam ser interpretados e compreendidos
72
pelo aluno à luz da realidade. Numa interpretação de Silva (2002), a proposição de um
currículo produzido por representantes das chamadas minorias.
Por outro lado, a pesquisa como princípio científico e educativo possibilita também
uma outra forma de fazer ciência, onde professor e aluno são participes desse processo de
construção de conhecimentos e por meio do diálogo vão elaborando suas construções teóricas
e estabelecendo relações do conteúdo com o contexto social. O conteúdo é então trabalhado
em interação com outras áreas do saber, possibilitando ao aluno à compreensão do mundo
num contexto. Esse processo é fundamental para uma educação que objetiva construir um
novo modelo de ciência para o nosso tempo.
A educação de hoje exige formar sujeitos éticos que pensem a sobrevivência da
humanidade, portanto, que reflitam sobre suas ações com a natureza para que se possa ter um
ar puro, uma água limpa, alimentos saudáveis. Quer dizer, conscientizar o indivíduo que ele
faz parte de um planeta e, para que a humanidade sobreviva aos conflitos existentes, precisa
responsabilizar-se por este planeta, porque, independentemente da localização, respira o
mesmo ar, necessita da cultura, de alimentos, de água, de vida para viver. Se não
responsabilizar-se por este meio, contribuirá para a destruição dele, através de atitudes, como,
por exemplo, o uso indevido de venenos, o desmatamento, a destruição da natureza, entre
outras. Agir com humanidade em relação ao outro e ao meio exige repensar o mundo e sua
relação com este mundo. Portanto, conforme adverte Morin (2002) cabe à escola a
responsabilidade pela conscientização da condição humana para construir um mundo mais
justo e mais humano.
A proposta de Santos (2004a), segundo a perceão da pesquisadora, seria no sentido
de valorizar o conhecimento processado numa constante interação entre o pensar, fazer e o
agir para a humanização do ser.
73
3 CONTEXTUALIZANDO A EFA - ESCOLA BÁSICA FRANCISCO DE ASSIS
Neste capítulo apresentamos a Escola Básica Francisco de Assis (EFA), instituição
selecionada para visualizar a ação de uma escola de educação básica que tem a pesquisa como
eixo articulador do processo ensino-aprendizagem, no qual abordamos sua história,
organograma, organização curricular, forma de avaliação, estrutura organizacional e proposta
pedagógica.
3.1 Histórico da Escola de Educação Básica Francisco de Assis - EFA
A Escola de Educação Básica Francisco de Assis (EFA)
é uma escola de ensino básico, privada, e mantida pela Fide-
ne
97
- Fundação de Integração, Desenvolvimento e Educação
do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul, localizada no
município de Ijuí - RS, Bairro São Geraldo, no prédio dos Freis
Capuchinhos.
Figura 1: Escola de Educação Básica
Francisco de Assis
Fonte: Disponível no site da escola
Desde 1967, a EFA já havia sido idealizada pela Faculdade de Filosofia, Ciências e
Letras de Ijuí (Fafi) como uma experiência em educação infantil, mas, em 1968, quando
97
Instituição de caráter técnico-educativo-cultural, de fins não lucrativos e pessoa jurídica de direito privado,
mantenedora da Unijuí. A Fidene, desde o início de suas atividades, tinha, fundamentalmente, como meta uma
educação humanista voltada para a transformação social. Nesse sentido, para a Fidene, “Educação não é mero
adestramento; é observação, pesquisa, espírito científico, pensamento crítico, criatividade. Não se trata apenas de
introduzir o indivíduo no mundo da cultura feita; trata-se de capacitar homens para transformar o mundo.
(Fidene. Relatório Trianual 1969-1971, p. 43).
74
lançada a idéia de Fundação Regional, foi ampliada a sua ação em todos os níveis de ensino
98
:
cursos superiores, ginásios e educação pré-escolar. Esse projeto se consolidou com a criação
do IPPI - Instituto Psicopedagógico Infantil, em 15 de julho de 1968, através da Portaria do
Diretor da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ijuí, Professor Mario Osorio Marques.
O IPPI, sob a responsabilidade do Centro de Educação, tornou-se um Departamento da
Fafi, objetivando proporcionar uma educação integral às crianças de dois a seis anos, sua
preparação pré-escolar e a preparação dos professores para atuar nesse nível de ensino. Na
época, a comunidade ijuiense não sentia necessidade de uma educação pré-escolar e, para a
Fidene, constituída em 7 de julho de 1969, acarretava um déficit financeiro, mas era
importante manter a escola por ser um espo para colocar em prática as inovações
pedagógicas, aplicar as teorias, fazer pesquisas e experimentações. Mesmo sob forte repressão
política vivenciada pela ditatura militar
99
que atingiu a educação brasileira em todos os níveis
de ensino, o IPPI idealizava um ensino condizente com a proposta da Fafi, de uma educação
voltada para mudança social.
Porém, a escola tradicional, voltada para a conservação e reprodução do sistema, ainda
era a referência para os professores do IPPI. Havia, portanto, um conflito entre a proposta da
escola e o ensino ministrado. De um lado, o IPPI primava pela livre expressão e
espontaneidade da criança, dando ênfase à criatividade, ao lúdico e à sua manifestação, e, de
outro, os professores continuavam a ensinar noções básicas de Matemática, Estudos Sociais,
Ciências e a utilizar o método de semi-alfabetização “Casinha Feliz” para preparar o aluno
98
A educação, em todos os níveis e graus, é a preocupação central da Fidene. Educação como instrumento de
integração e do desenvolvimento. Educação para a liberdade e para a responsabilidade solidária na obra comum
da construção de uma sociedade harmônica e equilibrada.” (Fidene. Relatóri o Trianual, 1969-1971, p. 32).
99
Nesse período, foi instituída a mais violenta ferramenta política e institucional do regime militar - o Ato
Institucional n
o
5 (AI5), que representou para o Brasil o cerceamento dos direitos civis, políticos e sociais do
cidadão. As escolas foram controladas, pressionadas e supervisionadas pelo regime militar; os grêmios
estudantis, círculo de pais e mestres e movimentos estudantes foram fortemente vigiados. Muitos professores e
estudantes foram exilados, presos, quando não mortos.
Também a Fidene sofreu as conseqüências por ter um projeto ousado para a época, de uma educação
“comprometida com a livre circulação e confronto de idéias e aberta à participação democrática da comunidade.
(BRUM, 1998, p. 60). A instituição teve que alterar o seu projeto original, reduzindo sua amplitude e
abrangência, mas “conseguiu sustentar sua proposta e expandir razoavelmente suas atividades. As dificuldades,
se, de um lado, lhe tolheram os passos, impedindo sua expansão mais rápida e mais ampla e abrangente, por
outro lado, contribuíram para o fortalecimento da coesão interna, a qualificação cultural e científica de seus
quadros docente e técnico e o aprofundamento e maior consciência de seu projeto.” (BRUM, 1998, p. 60).
A ditadura foi um atraso para a educação brasileira. Perdemos intelectuais; obras não puderam ser lidas e, menos
ainda, escritas; foram abafadas todas as possibilidades de participação social, de expressão, de reivindicação, de
liberdade. O maior exemplo do atraso cultural para o país foi o exílio do educador brasileiro Paulo Freire.
Quantos avanços poderíamos ter hoje na educação, se o projeto de uma educação mais humana pudesse ter sido
levado adiante na época?
Isso mostra uma realidade bem presente: a educação assim como a almejamos não foi e ainda não é prioridade
do Estado.
75
para o ingresso no 1º grau. Os professores apresentavam o conhecimento pronto, determinan-
do “o que” e “como fazer”. Para eles, existiam normas na sociedade para as quais a criança
deveria se adaptar, existia o mundo do trabalho e a escola deveria preparar a criança para este
mundo. Essa atitude contrastava com outros momentos de aprendizagem em que, como
mediadores do processo ensino-aprendizagem, oportunizavam à criança experimentar, criar,
tomar iniciativas, fazer escolhas.
Os conflitos gerados, segundo Lorenzoni
100
(2001), foram decorrentes da formação no
curso magistério que preparava professores para atuar no ensino de 1ª à 4ª série, como
também de uma confusa fundamentação teórica. Algumas atividades eram elaboradas
segundo a teoria de Montessori
101
, mas essa teoria não teve aprofundamento necessário para o
entendimento das idéias da autora.
A confusa fundamentação teórica foi conseqüência da nossa formação, do pouco
acesso às teorias sobre os processos de aprendizagem, [...] as tendências que
circulavam na escola, sintetizavam correntes de pensamento distintas e diversas, ora
um pouco livres, ora direcionadas, resultando em contornos bastante imprecisos e
contraditórios.
Essa mistura de princípios e diretrizes não muito claros para o grupo, resultou numa
proposta que visava apenas a preparação para a etapa posterior, com um ensino
baseado da mimética ditado pelo professor, no treino de habilidade, com uma visão
utilitária e instrumentalista de educação e da arte.
Pelo menos no bosque, ou na pracinha, as crianças podiam usufruir de momentos de
liberdade [...] depois de uma aula, em que tudo o que realizavam era comandado
pelas professores, os momentos ao ar livre eram esperados com ansiedade.
(LORENZONI, 2001, p. 108).
Semelhante à proposta da escola e por reivindicação da classe rural do Distrito de Dr.
Bozano, a Fidene criou, em 1969, no interior do município de Ij, Vila Dr. Bozano, o
“Ginásio Doutor Bozano”. Aos poucos, foi sendo desativado pelo fato de ter sido instala da
outra escola na mesma localidade, sendo oferecida, em 1975, apenas a 8ª série (BECKER,
1998).
O IPPI, como Centro de Educação, começou a chamar atenção e ser ponto de
controvérsia, “colocando em cheque o tradicional sistema de ensino repressivo”, confo rme
afirma Becker (1998). No decorrer de sua trajetória, passou por algumas reestruturações, e,
em 1972, abandonou o método de semi-alfabetização “Casinha Feliz” e a sistematização de
100
Irene Lorenzoni é professora da EFA desde que a escola iniciou suas atividades, por isso é relevante as
considerações que faz acerca da escola.
101
Montessori enfatiza a necessidade de preparar a criança para o desenho, ou seja, treinar a sua capacidade
muscular para expressar o seu pensamento por meios plásticos (LORENZONI, 2001).
76
noções, centrando seus métodos na experimentação e livre expressão. Sua proposta
pedagógica passou a ter na arte o princípio maior da educação, seguindo a linha da Escolinha
de Arte do Brasil e, por esta razão, em 1973, passou a denominar-se Escolinha de Arte da
Fidene”
102
. Interpretando os prinpios da Escolinha de Arte do Brasil, Becker (1998, p. 16),
reportando-se ao Plano Global da Fidene de 1975, salienta que: “O aprender é fundamental. O
aprender, baseado na curiosidade natural da criança, é estimulado em várias direções e não se
atém à fórmulas vazias e sem significado, impostas pelo adulto. Uma preocupação constante é
manter desperta a curiosidade infantil.
Com base nos princípios da arte-educação de Augusto Rodrigues
103
, no ano de 1976 a
escola passou a denominar-se “Escola de 1º Grau Francisco de Assis, com o propósi to de
continuar a experiência da Escolinha de Arte e oferecer aos professores da Fidene um campo
para a prática docente supervisionada. Nasceu, segundo Marques (2004, p. 4), uma escola que
“pretendia oferecer uma contínua abertura à experimentação, à descoberta, ao fazer,
envolvendo toda a pessoa do educando, através de conteúdos concretos e significativos que
ele pudesse incorporar, segundo as necessidades e interesses, por meio da livre-expressão.
No ano de 1977 a escola adotou o Método Natural de Alfabetização de Eloisa Marinho
e o Método de Paulo Freire, que passaram a fazer parte da proposta da escola. Além destes,
foram intensificados os estudos nos seguintes teóricos: Dumerval Trigueiro Mendes, Thomas
Hudson, Makarenko, Wallon, Frenet, Dewey, Decroly, Read, Kilpatrik, Pistrak, Lowenfed,
Piaget, Freire, Montessori, entre outros
104
.
102
A proposta da Escolinha de Arte da Fidene de ser uma escola “não no sentido apenas de estabelecimento de
ensino, mas de escola pensamento, escola ação, onde se elabora e redefine constantemente a ação educativa”
(BECKER, 1998, p. 16), foi trazida pela diretora do IPPI, professora Lourdes Carvalho Grzybowski, que fez
estágios na Escolinha de Arte do Brasil no Rio de Janeiro.
A Escolinha de Arte do Brasil nasceu no dia 8 de julho de 1948, no Rio de Janeiro, sob a liderança de Augusto
Rodrigues, que, desencantado com o ensino da escola formal, reagiu, propondo uma nova concepção de ensino,
centrada na arte.
A Escolinha estimulou a criação de outras Escolinhas no país, formando, assim, uma rede que ampliou-se a
partir de 1950. Assim, em 1972, foi criada a “Escolinha de Arte da Fidene”.
É importante salientar a influência pedagógica que a Escolinha de Arte exerceu sobre as escolas oficiais
brasileiras nas décadas de 50, 60, 70, estimulando o aluno à livre expressão, à capacidade de criação e à
valorização do processo de criação em detrimento da valorização do produto, ênfase dada pela escola tradicional
(LORENZONI, 2001).
103
“A ugusto Rodrigues acreditou na ARTE, na sua capacidade de libertar a pessoa, conduzindo-a à harmonia, à
beleza [...] a arte imprime medida e proporção às atitudes humanas. Incita a imaginação e a capacidade de
explorar e descobrir o exercício da liberdade individual, da solidariedade e da cooperação.” (BECKER, 1998, p.
15). Fundador do Movimento das “Escolinhas de Arte no Brasil, Augusto Rodrigues visitou a EFA em 1975.
104
Em 2005 o grupo de professores que se reúne para estudar, selecionou Vygotsky para aprofundar o
conhecimento, mas nas atividades da escola está muito presente a teoria deste autor, além dos já citados. As
próprias situações de estudo que acontecem na escola são uma proposição do Professor Otavio Maldaner que,
por sua vez, orienta-se pela teoria de Vygotsky.
77
Ainda neste ano continuou sendo oferecido o Jardim da Infância e a 1ª série e foi
implantada a 5ª série do Ensino Fundamental. Assim, sucessivamente ocorreu com as demais
séries até o ano de 1980, quando houve a integralização das oito séries do Ensino
Fundamental. Naquele ano, a escola passou a ser responsabilidade do Departamento de
Educação da Unijuí, redefiniu o seu trabalho e elaborou seu Regimento próprio. A
experimentação continuou sendo sua meta de trabalho.
A experimentação entendida como um processo continuamente refletido e
repensado, prioriza a testagem de procedimentos didático-pedagógicos, atras da
refleo da própria prática, com concomitantes questionamentos baseados nos dados
colhidos em experiências, planejadas, controladas e avaliadas de modo a se
constituírem em novas propostas educacionais. (LORENZONI, 2001, p. 98).
De 1982 a 1984, a escola passou por uma crise financeira, que a obrigou desativar
algumas séries, mas, gradativamente, estas séries foram sendo reativadas, processo que
culminou em 1986.
A filosofia da escola, os princípios orientadores e a elaboração do plano curricular
foram retomados e reorganizados no ano de 1988, mas o espírito humanista, aliado ao saber
técnico-científico, já nasceu com a instalação do IPPI, decorrentes da própria filosofia da Fafi,
que primava por uma formação mais crítica com vistas às transformações sociais. Consciente
de que o desenvolvimento técnico e científico e o acúmulo de riquezas decorrente desse
processo poderiam criar uma civilização desumana, sem alma, o papel da universidade seria
formar consciências, integrando a reflexão e a prática. Tanto a EFA como a universidade tem
até hoje bem marcantes este espírito humanista.
Em 1989 estava organizado o 1º grau, oferecendo desde a classe do maternal à 8ª série
do Ensino Fundamental e, em 1992, foi autorizado o funcionamento do 2º grau, alterando-se,
então, a denominação da EFA para Escola de 1º e 2º Graus Francisco de Assis. No ano de
1993 passa a ser oferecido o 2
o
grau e é também marcado pela primeira eleição direta para
escolha do diretor e pela implantação do Conselho de Pais.
A escola passou, gradativamente, a ocupar a infra-estrutura da sede da Unijuí (salas de
aula, ginásio, biblioteca, auditório, laboratórios de Biologia, Química, Física, Computação,
etc.) para o desenvolvimento das aulas do Ensino Fundamental e Médio. Hoje, são ocupados
esses espaços para as aulas da 8ª série do Ensino Fundamental, do Ensino Médio e dos Cursos
Técnicos, atividades de secretaria, coordenação pedagógica, reuniões, mas continuam sendo
ocupados os espaços do prédio dos freis capuchinhos com a Educação Infantil e Ensino
78
Fundamental (até a 7ª série).
Em 1997, a EFA, adequando-se à nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional (Lei 9.394/96), reformulou os diferentes níveis de ensino que come a educação
básica, organizando-se da seguinte forma:
Educação básica:
- 1
a
etapa - Educação Infantil (Maternal à Pré-escola);
- 2
a
etapa - Ensino Fundamental (Anos Iniciais - 1
o
ao 3
o
ano);
- 3
a
etapa - Ensino Fundamental (Anos Iniciais - 4
o
ao 8
o
ano);
- 4
a
etapa - Ensino Médio (1
o
ao 3
o
ano).
Decorrente dessas alterações propostas pela LDB, a Escola de 1º e 2º Graus Francisco
de Assis passou a denominar-se “Escola de Educação Básica Francisco de Assis”, conforme
Resolução 234/98 do Conselho Estadual de Educação, de 07/01/1998, e Despacho da
Presidência da Mantenedora da Fidene n
o
1/99.
Podemos sintetizar as mudanças ocorridas na EFA da seguinte forma:
a) 1968-1972: IPPI - Instituto Psicopedagógico Infantil;
b) 1973-1975: Escolinha de Arte da Fidene;
c) 1976-1992: Escola de 1º Grau Francisco de Assis;
d) 1993-1999: Escola de 1º e 2º Graus Francisco de Assis;
e) 2000: Escola de Educação Básica Francisco de Assis.
A preocupação da escola com a pesquisa já era uma realidade, mas, no ano de 1998, a
escola, através de pesquisa realizada pelo Cenpec
105
(Centro de Estudos em Educação,
Cultura e Ação Comunitária), foi reconhecida nacionalmente pelo Banco Mundial por seu
projeto educacional inovador, passando a incorporar o banco de dados do Centro de Estudos
em Educação, Cultura e Ação Comunitária. Vincular a pesquisa como uma atividade
integrada ao ensino foi se tornando uma realidade da escola, uma construção dos professores
embasada em teorias, estudos e experiências.
Aos poucos, a Educação Profissional também foi se consolidando e, a partir de 2001,
começam a ser oferecidos, anualmente, os Cursos Técnicos
.
Tais cursos são oferecidos como
105
Órgão vinculado ao Banco Mundial que premia escolas por projetos que incentivem a pesquisa.
O Cenpec (Centro de Estudos em Educação, Cultura e Ação Comunitária) é uma organização da sociedade civil,
sem fins lucrativos, criada em 1987. Desde então, vem atuando em programas e projetos que auxiliam as
políticas públicas em educação. Através de parcerias com o poder público, em todos os seus níveis, e com
instituições empresariais de forte relevância social, o Cenpec vem ajudando a melhorar o sistema educacional do
Brasil, priorizando o ensino público e os espaços educativos criados pelo Estado e pela sociedade civil que
tenham como objetivo o desenvolvimento humano e as políticas, programas e projetos voltados para a inclusão
social (EDUCAÇÃO, Cultura e ação comunitária, 2006).
79
uma modalidade opcional ao aluno para sua qualificação profissional, mas o objetivo da
escola, neste nível de ensino em que atua, é preparar o aluno para o ensino superior,
atendendo o dispositivo da LDB: “Os cursos do ensino médio [...] habilitarão ao p rossegui-
mento de estudos”. A escola alia a formação geral com as competências específicas para os
cursos técnicos, oferecendo esta modalidade para os alunos que querem sair da escola
preparados, tanto para o ingresso na universidade como para o mercado de trabalho,
atendendo, dessa forma, tamm a outro preceito da LDB (art. 35, inciso II), quanto à
finalidade do Ensino Médio: “a preparação sica para o trabalho e a cidadania do educando,
para continuar aprendendo, de modo a ser capaz de se adaptar com flexibilidade a novas
condições de ocupação ou aperfeiçoamento superiores.
Os alunos que optarem pela modalidade dos Cursos Técnicos, podem realizar o curso
após concluírem o primeiro ano do Ensino Médio ou terem concluído o Ensino Médio. As
aulas acontecem em turno inverso (tarde e noite e/ou finais de semana) a esta modalidade de
ensino.
O oferecimento da Educação Profissional está amparado pela LDB (art. 36, parágrafo
) e pela Resolução 3/98 (art. 12, parágrafo 2º). Em relação aos alunos do Ensino Médio, a
escola segue o disposto no artigo 13 da Resolução 3/98:
Art. 13. Estudos concluídos no ensino médio, tanto da base nacional comum quanto
da parte diversificada, poderão ser aproveitados para a obtenção de uma habilitação
profissional, em cursos realizados concomitante ou seqüencialmente, até o limite de
25% (vinte e cinco por cento) do tempo mínimo legalmente estabelecido como carga
horária para o ensino médio).
o oferecidos tamm pela escola Cursos de Qualificação Profissional Básica. No
ano de 2006 estão sendo oferecidos: Moda - Tendências e Criação, Desenvolvimento Web,
Educação Ambiental, Obstetrícia, UTI, Qualificação no Atendimento de Urgência e
Emergência Pré e Intra-hospitalar, Atendimento em Primeiros Socorros, Recreação
Hospitalar, Administração de Medicamentos Injetáveis, Atendimento de Pacientes Pré, Trans
e Pós Cirurgia Odontológica. Estes cursos fazem parte de um rol de cursos de qualificação
que a escola oferece todo ano, mas não são Cursos Técnicos. Estão previstos, inclusive com
propostas já encaminhadas ao Conselho Estadual de Educação, a criação de outros Cursos
Técnicos: Técnico em Moda, Técnico de Guia Nacional de Turismo e Higiene Dentária.
Ainda, em turno inverso, são oferecidos projetos extracurriculares da Educação
Infantil ao Ensino Médio: Escolinhas de futsal, vôlei e basquete, capoeira, teatro, dança,
80
coralito, ginástica acrobática.
O projeto “Escola de Férias Vivênciasé outra experiência de trabalho bem aceita
pela comunidade ijuiense e por pessoas que residem em outras cidades. A escola atende
crianças de 4 a 13 anos, no período de férias (janeiro e fevereiro), à tarde, e desenvolve
atividades de nutrição, culinária, dança, música, modelagem, capoeira, jogos esportivos,
pintura, desenho, teatro, acampamento, natação, trilha ecológica, piquenique, pesca,
acantonamento, viagens a outras cidades, programação de rádio, etc. Essa atividade é
importante por ser uma alternativa para as famílias que trabalham neste período, por
proporcionar uma educação de forma lúdica e por trabalhar com a socialização da criança,
pois mantém contato com outras crianças, outra escola, outros professores, vivenciando
também outras experiências de vida.
A EFA, desde sua criação, mantém estreita relação com os Departamentos afins da
Unijuí, especialmente no que diz respeito ao Ensino Médio. Este vínculo propicia a
atualização constante dos professores da escola, como também a ressignificação do processo
pedagógico pelo fato de os professores da escola atuarem também na universidade. Por outro
lado, a escola também contribui com os Departamentos, principalmente o Departamento de
Pedagogia que oferece os cursos de formação de professores, pois os professores que atuam
na EFA são, em sua maioria, egressos dos cursos da Unijuí. Suas atitudes são, portanto,
decorrentes também da forma como foram preparados para assumir a escola. Desse modo, a
EFA constituiu-se uma referência e campo de observação dos professores da universidade
para a análise, reflexão e ressignificação destes cursos.
Desse breve resgate histórico, podemos dizer que em 37 anos de atuação, a EFA
sempre teve presente os valores e propostas de experiências sociais e educação humanista,
ideais defendidos por São Francisco de Assis, que dá hoje o nome à escola.
3.2 Organograma da escola
O organograma da escola, disposto em anexo, permite visualizar a organização da
EFA e de seus órgãos de apoio.
81
3.3 Organização curricular
A educação básica e a educação profissional na EFA desenvolvem-se numa dinâmica
curricular que considera a formação geral humanística e a formação técnico-profissional,
numa visão integrada entre os diversos momentos do processo educativo.
O currículo organiza-se em etapas, conforme as fases do desenvolvimento: 1ª infância,
2ª infância, pré-adolescência e adolescência, atendendo o disposto no art. 23 da LDB.
O quadro a seguir visualiza as etapas, bem como as disciplinas, turno e carga horária
de cada etapa.
EFA
Disciplinas
Turno
Carga Horária
1ª etapa
(Educação
Infantil)
Arte, Comunicação, Ciências da Natureza, Matemática,
Estudos Sociais, Informática, Música, Educação Física
e
Filosofia
.
Tarde
20 horas semanais
2ª etapa (1
o
ao
3
o
ano, Ed.
Fundamental)
:
Língua Portuguesa, Língua Estrangeira Moderna,
Filosofia,
Artes (Visual, Cênica e Musical), Educação
Física, Ciências, Matemática, História, Estudos Sociais,
Religião e Informática.
Tarde
22 horas semanais
3ª etapa: (4
o
ao 8
o
ano, Ed.
Fundamental)
Língua Portuguesa, Língua Estrangeira Moderna,
Filosofia,
Artes (Visual, Cênica e Musical), Educação
Física, Ciências, Matemática, História, Geografia e
Informática.
Manhã
26 horas semanais
4ª etapa (1
o
ao
3
o
ano, Ensino
Médio)
BASE COMUM:
a) Estudos de Linguagem: Linguagem Materna,
Linguagem Artística-Música, Cênica ou Plástica,
Linguagem do Movimento, Linguagem Estrangeira
Moderna - Inglês ou Espanhol, Linguagem Literária;
b) Estudos das Ciências da Natureza e da Matemática:
Estudos Biológicos, Estudos Químicos, Estudos Físicos,
Estudos Matemáticos;
c) Estudos das Ciências Humanas e Sociais: Estudos
Geográficos, Estudos Históricos e
Estudos Filosóficos
.
PARTE DIVERSIFICADA:
a) Projetos de Componentes da Base Comum (Estudos
Geográficos; Estudos Históricos;
Estudos Filosóficos
;
Estudos da Linguagem Materna; Estudos da Arte
(Musical, Cênica, Visual, Literia, Tecnológica);
Estudos Biológicos; Estudos Químicos; Estudos
Físicos; Estudos Mateticos);
b) Bases Tecnológicas dos Cursos Técnicos;
c) Projeto Aproximando Ensino Médio e Graduação.
Manhã
1
o
ano
28hs
2
o
/3
o
anos
26hs
Fonte: Pesquisa In: Planos de Estudo da 1ª , 2ª, 3ª e 4ª etapas, aprovados no ano de 2004.
Figura nº 2:
Organização curricular da EFA
82
A base comum do currículo da escola foi organizada em áreas de conhecimento,
atendendo o preceito da LDB (art. 26), as orientações das Diretrizes Curriculares Nacionais
para o Ensino Médio, bem como a Resolução CEB n
o
3/98.
A Resolução CEB n
o
3/98, art. 10, dise que a base nacional comum deve contemplar
o ensino de:
I - Linguagens, Códigos e suas Tecnologias;
II - Ciências da Natureza, Matemática e suas Tecnologias;
III - Ciências Humanas e suas Tecnologias.
Ainda, dise em seu parágrafo 1
o
do mesmo artigo, que deverá ser utilizada uma
metodologia que evidencie a interdisciplinaridade e a contextualização para contemplar as três
áreas do conhecimento. A EFA utiliza-se da pesquisa como eixo articulador dessas áreas do
conhecimento, conforme será visto no capítulo 4.
A LDB, am de determinar a obrigatoriedade da base comum, exige também que seja
contemplada pelas escolas uma parte diversificada, dispondo, em seu art. 26, que:
Art. 26 - Os currículos do ensino fundamental e médio devem ter uma base nacional
comum, a ser complementada, em cada sistema de ensino e estabelecimento escolar,
por uma parte diversificada, exigida pelas características regionais e locais da
sociedade, da cultura, da economia e da clientela.
A parte diversificada, segundo Resolução CEB n
o
3/98, “deverá ser organicamente
integrada com a base nacional comum, por contextualização e por complementação,
diversificação, enriquecimento, desdobramento, entre outras formas de integração”, não
podendo haver dissociação entre ambas. Esse é também o entendimento e orientação dos
PCNs, tanto da base comum como da parte diversificada.
A EFA contempla, conforme dise o quadro 1, tais exincias, tanto na organização
curricular da base comum como na parte diversificada. A base comum é obrigatória ao aluno.
Já a parte diversificada oportuniza fazer opções entre os projetos que a escola oferece, sendo
exigido, no mínimo, 1 tempo-aula = 2 horas/aula, por semana, dos alunos dos 1
o
e 2
o
anos
para o preenchimento da carga horária. Essa opção pode ser feita por semestre e da seguinte
forma:
a) matrícula em “Estudos de Aprofundamentos”;
b) matrícula em uma competência específica de um ou outro Curso cnico; ou
c) matrícula em disciplinas dos cursos da Unijuí, através do projeto “Aproximando o
Ensino Médio do Curso de Graduação”.
83
Para entendermos melhor como ocorre esse processo na escola, participamos de um
encontro com os alunos do Ensino Médio, no dia 10 de março de 2006, no auditório da
universidade, onde houve exposição sobre os “Estudos de Aprofundamento”, os objetivos de
cada projeto, a metodologia a ser utilizada, a forma de desenvolvimento e o sistema de
avaliação. Para os alunos do 1º ano, serão oferecidos aprofundamento em Arte, com o projeto
“Arte mural; Física, com o projeto “Eletrônica: da válvula ao transitor”; História, com o
“Projeto economia solidária; Filosofia, com o projeto “Problemas práticos originados da
história da filosofia; Português
106
, com o projeto “Escrever se aprende lendo, compreenden -
do, escrevendo”. Para os alunos do 2º ano serão oferecidos aprofundamentos em Química,
com o projeto “A química das drogas e medicamentos”; Música, com o projeto “Música e
acústica”; B iologia, com o Projeto “Oncologia: do desenvolvimento ao tratamento” e
“Câncer: o mal que persiste”.
Nesse projeto, participam alunos de outras escolas e de outros municípios, que podem
optar por um ou mais de um “Estudo de Aprofundamento”, embora, para c umprir a carga
horária, um estudo é suficiente. Essa forma de abordar os projetos evidencia que a escola
adota uma metodologia participativa, utilizando-se da pesquisa como uma atividade interativa
e envolvente, não se limitando apenas aos seus alunos, mas abrindo espo para outros alunos
também participar das atividades propostas e aprofundar os seus conhecimentos.
A escola procura, na parte diversificada, aprofundar temas de interesse dos alunos,
temas locais e que estão em discussão no dia-a-dia do aluno, o que atende aos preceitos da
LDB (art. 26) e as orientações dos PCNs, havendo também uma integração dos conteúdos
abordados na base comum com o aprofundamento que se dá na parte diversificada,
contemplando, assim, também a Resolução 3/98 ao destacar a organicidade dos conteúdos de
ambas as bases curriculares.
A Informática acompanha e assessora todas as áreas do conhecimento nos seus
tempos-aula e em tempos extraclasse com atendimento aos alunos.
No quadro 1, destacamos a Filosofia por termos observado que faz parte do currículo
desde a Educação Infantil
107
ao Ensino Médio. A Filosofia é um componente curricular que
permite fazer uma reflexão do mundo, do sujeito, de seu espaço, analisar, formar seu
pensamento, e a escola oferece na sua base comum, como também na parte diversificada,
projetos que discutem temas atuais. A própria legislação aborda os componentes curriculares
“Filosofia” e “Sociologia” como necessários para o exercício da cidadania (LDB, art. 36,
106
Oferecido também aos alunos do 2ª ano do Ensino Médio.
107
A Escola passou a trabalhar a Filosofia a partir do Maternal no ano de 2003 (MORAES; BIANCHI, 2006).
84
parágrafo 1º, inciso III; Resolução 3/98 (art. 10, parágrafo 2º, “b”). A Sociologia, como
podemos observar, não se encontra na organização curricular, mas isso não pressupõe dizer
que não é trabalhada na escola. Seus conteúdos estão inseridos em outros componentes
curriculares que a escola oferece.
O Ensino Médio, visando a vivência do aluno para o exercício da cidadania e para o
trabalho, procura vincular ensino e pesquisa e consolida os princípios da pesquisa através dos
projetos interdisciplinares - situações de estudo, que serão abordados no capítulo 4, quando da
análise da legislação da escola, do ensino e dos questionários.
3.4 Avaliação na escola
Segundo Regimento reorganizado e com validade a partir de 2005, a avaliação é
compreendida como processo maior de relações e da reconstrução de aprendizagem para cada
sujeito aprendente, por esta razão, é assumida como recurso didático-metodológico de
reflexão, análise e sistematização da prática pedagógica desenvolvida em sala de aula e na
escola.
A escola adota alguns princípios de progressão com base nos preceitos da LDB, que,
dispõe no seu artigo 24: “[...] III - nos estabelecimentos que adotam a progressão regular por
séries, o regimento escolar pode admitir formas de progressão parcial”. Tais princípios
constam no Regimento e são organizados da seguinte forma:
Na 1ª etapa - Educação Infantil -, entre um ano e outro, ocorre a passagem automática
ou progressão contínua, que “acontece com base na socialização do aluno como sujeito que
constrói conhecimentos nas interações e interlocuções sociais, culturais e afetivas,
acontecendo assim, o desenvolvimento social, intelectual e afetivo.” (REGIMENTO EFA
2005, p. 12).
Na 2ª etapa - 1
o
ao 3
o
ano do Ensino Fundamental -, de um ano e outro, acontece a
progressão continuada e na passagem da 2ª para a 3ª etapa acontece a progressão continuada
ou a progressão continuada com apoio pedagógico. Conforme o Regimento da escola,
significam, respectivamente, a garantia do tempo e do ritmo “para cada aluno na construção
do seu processo de aprender” e a “progressão com base nas construções já realizadas e no
oferecimento de mecanismos que possibilitem a complementação de aprendizagens
necessárias ao prosseguimento do processo de escolarização.” (2005, p. 12).
85
Na 3ª (4
o
ao 8
o
ano do Ensino Fundamental) e 4ª etapas (1
o
ao 3
o
ano do Ensino
Médio), de um ano para outro, acontece a progressão continuada ou a progressão continuada
com apoio pedagógico, podendo acontecer em até dois componentes curriculares; ao final da
4ª etapa, 3º ano, acontece estudo prolongado, que é um tempo de estudo que a escola
oportuniza aos alunos do 3º ano do Ensino Médio que não obtiveram aprovação no final do
ano para, novamente, se submeterem a uma avaliação. Pode ser realizada em dois
componentes curriculares e, preferencialmente, no semestre seguinte (REGIMENTO EFA,
2005).
Os critérios de progressão são adotados ao final do ano letivo ou após os estudos de
recuperação em extensão. Embora a escola não adote os ciclos de aprendizagem como uma
etapa da escolaridade
108
, entende que o conhecimento é uma construção, e que, por isso, a
criança precisa de um tempo maior para construir aprendizagens
109
. Mesmo que a criança não
consiga aprender no tempo exigido pela escola, ou seja, no ano em que está freqüentando,
continua o seu processo de aprender. Por essa razão, a escola oportuniza ao aluno a avaliação
por progressão contínua, continuada e com apoio pedagógico. Essa atitude da escola contribui
para diminuir o índice de repetência e, conseqüentemente, de evasão escolar, permitindo o
aluno avançar sem ter que repetir o ano.
A escola, atendendo a um dos preceitos da LDB (art. 24, inciso V, “b”), oferece
projetos pedagógicos de aceleração de estudos para os alunos que apresentam defasagem por
idade, ano ou de conhecimentos para que, dessa forma, possam adquirir as competências
necessárias para o acompanhamento das atividades. Também, atendendo a LDB (art. 24,
inciso V, “c”), oportuniza o avanço como uma estratégia de progressão individual e connua,
permitindo o aluno concluir, em menos tempo, um ano ou etapa.
O estudos de recuperação, conforme o Regimento da EFA (2005), significam o
acompanhamento específico aos alunos que apresentam necessidade de intensificação de
atendimento pedagógico. São oferecidos de duas formas: através do Laboratório de
Aprendizagem e de Estudos de Recuperação em Extensão.
108
O ciclo de aprendizagem é visto em geral como uma etapa da escolaridade de pelo menos dois anos
escolares, idealmente de três ou quatro. Os alunos que ingressam no ciclo o percorrem juntos, sob a
responsabilidade dos mesmos professores. Os percursos de formação são individualizados, mas não há
repetência nem qualquer seleção ou certificado durante o ciclo. A avaliação é formativa; ela permite comandar as
aprendizagens e os percursos de formação de modo que todos os alunos atinjam os objetivos de final de ciclo, os
conhecimentos e as competências.” (THURLER, 2001, p. 17).
109
Com essa compreensão e em outros momentos também, percebemos a inflncia da teoria de Vygotsky na
escola, que diz que a criança tem seu tempo para adquirir competências.
86
O Laboratório de Aprendizagem tem a função de acompanhar os alunos que
apresentam dificuldades, sendo oferecido de 15 em 15 dias, em turno inverso ao das aulas,
para alunos do Ensino Fundamental e Ensino Médio. Já os Estudos de Recuperão em
Extensãoo oferecidos a partir do 3º ano do Ensino Fundamental, ao final do ano letivo, aos
alunos que não conseguem construir conceitos básicos para progressão continuada. O
professor orienta a família e o aluno sobre as atividades que deverão ser realizadas nas férias
entre os períodos letivos. Antes de iniciar as aulas do próximo ano, o aluno passa por uma
avaliação, com a finalidade de classificação final.
Destacamos ainda a forma como os resultados da avaliação, na 1ª e 2ª etapas da
Educação Básica, são organizados. Semestralmente, são elaborados pelo professor titular da
turma os Relatórios de Aprendizagem; ao final de cada ano da 2ª etapa, é utilizada a
classificação de progressão indicada: Promovido = P e Promovido com Progressão Parcial:
PPP; na 3ª etapa, o professor adota, em cada componente curricular, os seguintes conceitos:
Insuficiente, Regular, Bom, Muito Bom, Excelente; na 4ª etapa, em cada componente
curricular, é utilizada pontuação de zero a cem (0 a 100) (REGIMENTO EFA, 2005).
O Conselho de Classe também exerce um papel importante na escola. Representa um
fórum de discussão, reflexão e encaminhamento coletivo das ações pedagógicas que
envolvem os estudos, professores e escola. Participam desse processo estudantes, professores,
equipe diretiva e pais.
3.5 Organização da estrutura administrativa e pedagógica
Fazem parte da equipe diretiva da escola: Direção; Vice-direção (assumida por uma
professora); Vice-direção (assumida por um professor); Coordenação Pedagógica (Educação
Infantil e Anos Iniciais 1
o
ao 3
o
anos); Coordenação Pedagógica (Anos Finais 4
o
ao 8
o
anos);
Coordenação Pedagógica (8
o
ano do Ensino Fundamental e do Ensino Médio); Supervisão da
Educação Profissional, Supervisão Geral da Escola e Coordenação dos Cursos Técnicos.
A escola conta com o apoio de professores qualificados para sua organização
administrativa e pedagógica. Atualmente, tem 12 professores Mestres, 37 Especialistas e 31
Graduados.
87
Em relação ao número de alunos, a escola conta com 445 alunos, distribuídos da
seguinte forma: Educação Infantil: 68; Ensino Fundamental: 274; Ensino Médio: 103 e
Educação Profissional: 179 (Ij) e 118 (Três Passos).
3.6 Proposta pedagógica da escola
A Escola de Educação Básica Francisco de Assis tem uma história de mais de ts
décadas de trabalho com um ensino centrado no desenvolvimento do ser humano. Busca
firmar-se no cenário regional e nacional através do ensino, da pesquisa e da extensão, com os
princípios da formação profissional para a cidadania.
A Filosofia da EFA, constituída pelo seu cotidiano, reflete a postura e as concepções
teórico-práticas dos educadores.
[...]
Com uma proposta inspiradora de um sujeito reflexivo, posicionado, autônomo,
criativo e atuante, a EFA desenvolve seu trabalho fundamentado no movimento
construtivista-interacionista, no qual o sujeito, para aprender, tem que interagir com
o conhecimento. (BECKER, 1998, p. 33).
A Proposta Político-pedagógica do Ensino Fundamental e Médio é organizada nos
Planos de Estudos
110
para cada etapa, nos quais os professores planejam as ações, expondo os
objetivos, os conceitos básicos a serem construídos, a organização dos espaços-tempo, a carga
horária e a avaliação. Estes planos de estudo são flexíveis, podendo ser revisados a cada ano
letivo. O reconhecimento e validação do Plano de Estudos é feito pelo Colegiado Pedagógico
Administrativo
111
, em período anterior ao de sua aplicação. Para os Cursos Técnicos, são
organizados Regimentos próprios e Planos de Estudos específicos, onde são explicitados
todos os aspectos referentes à organização e funcionamento do seu currículo.
110
Pelo fato de nosso estudo estar centrado no Ensino Médio, analisamos o Plano de Estudos desta etapa da
Educação Básica que a escola classifica como 4ª etapa da Educação Básica. O Plano de Estudos para o Ensino
Médio traz o resultado de estudos e discussões das três grandes áreas do conhecimento (Estudos da Linguagem,
Estudos das Ciências da Natureza e da Matemática, Estudos da Ciências Humanas e Sociais) e seus componentes
curriculares, construído com a assessoria de alguns departamentos da Unijuí, sendo reconhecido e validado pelo
CPA (Colegiado Pedagógico Administrativo), em 23/02/2004.
111
O CPA é um órgão consultivo, normativo e deliberativo nas questões pedagógicas, administrativas e
financeiras, que zela pelo desenvolvimento do Projeto Político-pedagógico da Escola (REGIMENTO EFA,
2005).
88
A escola tem Regimento próprio, elaborado em 1980, o qual, com o decorrer dos anos,
foi sendo revisado e reformulado. Tivemos contato com os três Regimentos, o primeiro que
vigorou até 2000, o de 2004 e de 2005, mas nos atemos aos Regimenos dos anos de 1980 e
2005 para a análise que será feita no capítulo 4.
A proposta da escola consta no Regimento e está centrada
numa educação voltada para
a formação humanista e científico-tecnológica que perpassa o fazer pedagógico da Educação
Básica e da Educação Profissional. Nesse sentido, prima:
[...] - pela formação do cidadão consciente e comprometido com uma sociedade
mais humana e solidária, elegendo a vivência e construção de valores como a
autonomia, liberdade, solidariedade, organização e criatividade na perpectiva da
formação integral do sujeito, tendo como meta o desenvolver de suas múltiplas
dimensões;
- pelo processo de
construção do conhecimento
, pelo qual o educando capacita-se
como sujeito na interação com o outro e com o mundo circundante, a dar respostas
aos desafios da própria vida e aos de seu meio sociocultural;
- pelo sujeito que aprende a conviver consigo mesmo, a se
questionar
e se constituir
na convivência com o outro, respeitando diferenças e singularidades no grupo; e
- pela
vivência democrática comprometida
com a
justiça
, que prioriza o
diálogo
, a
discussão e a
participação com responsabilidade
, a Escola desenvolve seu trabalho
na perspectiva de constituição de cidadãos reflexivos, críticos e cooperativos, pela
pluralidade de oportunidades que oferece. (REGIMENTO EFA, 2005, p. 4, grifo
nosso).
As ações pedagógicas são organizadas sob forma de “Projetos Temáticosou
“Situações de Estudo”, possibilitan do uma maior articulação entre as áreas do conhecimento,
diálogo entre entre os diferentes saberes e contextualização do cotidiano. Os projetos são
organizados conforme temas de interesse dos alunos, de acordo com a Rede Conceitual
112
de
cada área de conhecimento ou com a Rede Temática
113
. Dessa forma, a escola procura
vincular ensino e pesquisa numa constante interação entre aluno e professor.
Examinando a estrutura administrativa e organizacional da escola, as oportunidades
oferecidas para o processo de aprendizagem e a avaliação desse processo, esses dados e fatos
evidenciam que a escola está preocupada com a aprendizagem dos alunos e que persegue
esses objetivos. No próximo capítulo, visualizamos as atitudes da escola ao estabelecer um
paralelo entre o que a lei dispõe, o que a EFA propõe, e o que, de fato, na prática, acontece,
evidências trazidas pelos egressos da escola em resposta aos questionários enviados.
112
Rede conceitual são os conceitos que a escola trabalha em cada área do conhecimento (Estudos da
Linguagem, Estudos das Ciências da Natureza e da Matemática e Estudos das Ciências Humanas e Sociais)
(REGIMENTO EFA, 2005).
113
Partem de temas discutidos no ano letivo, em sala de aula (REGIMENTO EFA, 2005).
89
4 PERCEPÇÕES DOS SUJEITOS DO ESTUDO SOBRE O ENSINO DA EFA
Para a construção desse capítulo, realizamos vários procedimentos. Iniciamos por uma
pesquisa documental, tendo como referência a legislação e documentos da escola, a legislação
oficial e os questionários respondidos pelos egressos da EFA: a) o primeiro Regimento da
EFA, do ano de 1980, o Regimento de 2005 e o Plano de Estudos do Ensino Médio; b) Plano
Nacional de Educação, LDB, Parâmetros Curriculares Nacionais; c) questionários enviados
aos alunos egressos da EFA dos anos de 2001 a 2004, instrumentos que possibilitam
visualizar as ações da escola básica para, assim, estabelecer a relação da teoria com a prática e
a reflexão sobre essa relação.
Utilizamos a pesquisa documental segundo a concepção de Moroz (2002), isto é, a
pesquisa realizada com base em documentos autênticos, que trazem situações do passado ou
do presente e, conforme o entendimento de Alvez-Mazzotti e Gewandsnajder (1998, p. 169),
que referem ser “qualquer registro escrito que possa ser usado como fonte de informação.
Essa foi a nossa opção para o presente estudo.
Assim, com o intuito de analisar se a escola básica está estimulando atitudes
investigativas que auxiliem a formação de um sujeito crítico, reflexivo e atuante, objetivo
principal deste estudo, selecionamos os alunos do Ensino Médio, egressos da EFA dos anos
de 2001 a 2004, que hoje estão estudando em universidades. As contato telefônico com os
alunos, cujos endereços foram localizados, enviamos um questionário (em Anexo, elaborado
segundo a orientação de Lakatos e Marconi, 1991) por e-mail, juntamente com uma nota
explicativa sobre os objetivos da pesquisa, a importância da participação do aluno na pesquisa
e a necessidade do seu retorno. O questionário aplicado contém perguntas fechadas e abertas,
possibilitando a seleção de alternativas mais adequadas e a expressão do pensamento de cada
aluno(a). Dos 103 alunos egressos destes anos, foram enviados 65 questionários, tendo em
90
vista que 18 alunos não estudam, 19 não foram localizados e um é formado.
As respostas aos questionários constituem-se referência para a análise dos dados e
reflexão sobre a teoria e as ações da EFA no que concerne ao desenvolvimento de
capacidades para o exercício da cidadania. Desse modo, organizamos as “grelhas
114
de
análise, aqui apresentadas sob forma de quadros, em torno das seguintes idéias-chave: a)
concepção de pesquisa; b) papel da educação básica na construção de atitudes investigativas;
c) papel da educação básica na formação da cidadania, d) concepção de cidadania, e) função
da universidade e formação da cidadania, evidenciadas nos documentos (Regimentos/PPP,
Planos de Estudo, PNE, LDB, PCN) e nos depoimentos constantes nas respostas dos alunos
ao questionário.
4.1 Concepção de pesquisa
Há muitas definições sobre pesquisa, mas neste estudo construímos um quadro de
referência que contempla duas concepções pesquisa: enquanto construção de conhecimento e
como metodologia de ensino. A primeira, definida por Demo (2002) como princípio
científico, visa orientar o aluno a elaborar seu conhecimento a partir de um quadro referencial
teórico; enquanto metodologia de ensino, definida pelo autor como princípio educativo, a
pesquisa está presente em todo processo ensino-aprendizagem ao possibilitar o diálogo, o
questionamento, a troca de informações, a busca, enfim, a construção coletiva.
Na presente dissertação, defendemos a concepção de pesquisa como metodologia de
ensino, que visa orientar a aprendizagem do aluno, como estratégia para desenvolver a
autonomia de pensamento e, conseqüentemente, sua capacidade crítica de discernimento e
desvelamento da realidade, por entendermos que essa forma de abordar o conhecimento
possibilitará formar consciências cidadãs.
A educação, a nosso ver, é uma esperaa de mudar a ordem estabelecida e o ensino
pela pesquisa, que promove a reflexão de questões sociais, políticas e econômicas, uma
possibilidade de formar consciências cidadãs. Tal concepção de pesquisa é defendida no
Brasil por alguns autores, como Demo (1996, 1997, 2002); Freire (1994, 1996, 2000, 2004);
Lüdke (1986, 2001, 2005); Minayo (1993, 1994). Entre nós, na Unijuí, não poderíamos deixar
114
A palavra “grelha” é usada como uma analogia. É uma forma de preparação dos dados para visualizar melhor
o resultado obtido (BARDIN, 1977).
91
de mencionar Mario Osorio Marques (2001), que teve um papel fundamental na consolidação
da pesquisa na universidade e na construção da EFA e dos princípios que hoje regem a sua
filosofia e prática de ensino. É dessa pesquisa - enquanto metodologia utilizada pelo professor
para ensinar o aluno a pensar, interpretar a realidade, escrever e expor seu pensamento - que
trataremos. Dessa forma, entendemos a pesquisa como um princípio educativo e construtivo,
que significa, na perspectiva de Gadotti: “capacitar, potencializar, para que o educando seja
capaz de buscar a resposta do que pergunta, significa formar para a autonomia” (1994, p. 9-
10), e acreditamos ser esta uma das funções da escola básica quando se vale da pesquisa na
formação de pessoas que pensem os problemas sociais e que busquem soluções pela via do
conhecimento.
TIPO DE DOCUMENTO
Regimento
115
/PPP
1980
2005
Plano de
Estudos EM
PNE/EM
LDB/EM
PCNs/EM
116
E
F
A
o faz
referência ao
conceito, mas
traz como
objetivo:
“Art. 2
o
: [...] b)
Desenvolver sua
capacidade de
discernimento e
espírito crítico,
de modo a, cada
vez mais,
incorporar
valores de
respeito à
liberdade e
dignidade
humana, amor à
justiça e à
verdade.”
3 - Opção
metodológica:
[...] Pesquisa
entendida como
possibilidade
investigativa
de
temáticas
pertinentes ao
processo de
aprendizagens,
adotada pelos
sujeitos
envolvidos no
processo - alunos
e professores.”
6 - Opção
metodológica:
[...] Pesquisa
entendida como
possibilidade
investigativa
de
temáticas
pertinentes ao
processo de
aprendizagens,
adotada pelos
sujeitos
envolvidos no
processo - alunos
e professores.
B
A
S
E
S
L
E
G
A
I
S
o faz referência
ao conceito, mas
enfatiza a
necessidade de
“Uma educação que
propicie
aprendizagem de
competências de
caráter geral, forme
pessoas mais aptas a
assimilar mudanças,
mais
autônomas em
suas escolhas
, que
respeitem as
diferenças e superem
a segmentação
social.
o faz referência
ao conceito, mas
destaca:
“Art. 35.
[...] III - o
aprimoramento do
educando como
pessoa humana,
incluindo a
formação ética e
o
desenvolvimento
da autonomia
intelectual e do
pensamento
crítico.
o faz referência
ao conceito, mas
prioriza “a formação
ética e o
desenvolvimento da
autonomia
intelectual e do
pensamento críti-
co
, capacidade de
“abstração, [...], da
criatividade, da
curiosidade, da
capacidade de pensar
múltiplas alterna-
tivas para a solução
de um problema [...],
do
desenvolvimento
do pensamento
crítico
, do saber
comunicar-se, da
capacidade de
buscar conheci-
mento
.
Fonte: Regimentos da Escola de 1980 e 2005, Plano de Estudos do Ensino Médio, PNE, LDB, PCNs, grifo
nosso.
Figura n° 3:
Expressões da legislação da escola e do ensino sobre pesquisa
115
A EFA tem ts Regimentos, o primeiro de 1980, que vigorou até 2000, o Regimento de 2004 e o Regimento
de 2005, que está em vigor. Para a análise, selecionamos o primeiro Regimento - de 1980 -, e o último -
Regimento de 2005.
116
Os PCNs têm seus princípios e diretrizes elaborados, fundamentalmente, a partir da LDB, por isso, em vários
momentos, encontraremos aspectos comuns ou até mesmo iguais referenciados nos documentos.
92
Analisando o figura nº 3, percebemos que a legislação do ensino não traz explicita-
mente o conceito de pesquisa, mas evidencia, em seus objetivos, a necessidade de pensar a
pesquisa no sentido de desenvolver a autonomia intelectual, o pensamento crítico e a
capacidade de tomar decisões, o que significa superar a postura tradicional de ensino em que
um mestre ensina e um aluno aprende, e postular que ambos são partícipes do processo de
construção de conhecimento. Com essa visão, a sala de aula se torna um ambiente de
investigação, de pesquisa, de busca e de construção coletiva, configurando-se, segundo Demo
(1996, p. 39), em uma “estratégia de questionamento crítico e criativo, teórico e prático”.
Oportuniza situações para que o aluno compreenda o real e cria as condições para formar
cidadãos - objetivo primordial de uma educação preocupada em formar cidadãos autônomos,
capazes de lutar por uma sociedade mais humana, mais digna e mais justa.
Já a legislação da escola utiliza-se da pesquisa como eixo norteador da Educação
Infantil ao Ensino Médio para a efetivação de sua proposta pedagógica. Aborda a pesquisa
como uma metodologia de ensino, ao dispor, tanto no Regimento de 2005 (p. 10) como no
Plano de Estudos do Ensino Médio (p. 131), de um conceito único: “Pesquisa entendida
como possibilidade investigativa de temáticas pertinentes ao processo de aprendizagens,
adotada pelos sujeitos envolvidos no processo - alunos e professores.” (grifo nosso).
Ter a pesquisa como eixo norteador das atividades da escola é um dos diferenciais da
EFA em relação às outras escolas do município de Ijuí, cujo objetivo é orientar o aluno a
compreender os problemas e propor soluções para os mesmos. De aluno, passa a ser
pesquisador, sujeito livre para pensar, buscar informões, propor alternativas e comprometer-
se com sua realidade. Na prática da escola, há uma integração dos componentes curriculares
que oportunizam ao aluno uma diversidade muito rica de experiências de vida para que possa
dialogar com os diferentes saberes, ou seja, fazer suas próprias construções a partir do real. A
integração destes componentes auxilia o aluno analisar os problemas de uma forma global e
do ponto de vista das diferentes áreas do conhecimento, não somente sob o prisma de um
componente curricular. Assim, tem a percepção global e não estanque do saber. É nesse
sentido, segundo Becker (1998), que a interdisciplinariedade caminha ao lado da pesquisa,
pois rompe com o ensino fragmentado.
A escola, ao propor uma educação mais livre, centrada no desenvolvimento da
capacidade criadora do educando, sempre teve a pretensão de superar o modelo e a prática
pedagógica de uma educação tradicional e apontar outras alternativas que estimulem a
criatividade, a curiosidade e, principalmente, a ação da criança. Mesmo que, inicialmente,
tenha enfrentado dificuldades por parte dos professores que, não sabendo como trabalhar
93
outra forma de ensinar senão pela transmissão, hoje é reconhecida por ter essa proposta de
educação.
Na prática da escola, a pesquisa não aparece como uma disciplina (conforme figura 2,
capítulo 3), mas está inserida em todas as disciplinas do currículo como uma proposta
inovadora de ensino, orientando todo o trabalho da EFA no sentido de proporcionar ao aluno
o entendimento do conhecimento empírico dos fenômenos até a questão da sistematização dos
dados pelo conhecimento científico (BECKER, 1998).
Com essa compreensão, percebemos que a pesquisa é assumida como uma atividade
de elaboração e sistematização do conhecimento. A falas dos alunos, conforme figura nº 4,
evidenciam uma concepção comum de pesquisa como busca e produção do conhecimento,
mas outros conceitos tamm são atribuídos à pesquisa. O aluno da PUC (POA), por
exemplo, define pesquisa como “ reunião de dados e opiniões sobre um assunto” (grifo
nosso). A reunião de dados, segundo Minayo (1994), Lüdke (1986) e Marques (2001), é uma
das etapas da pesquisa em que se estabelece uma conversa do pesquisador com os autores
para a certificação dos saberes a serem desenvolvidos.
Demo (2002a), na mesma linha de pensamento dos autores, salienta que este é o
momento de confronto do dado empírico com a teoria para definir o que é real. A realidade
desvendada é uma interpretação que se faz à luz das teorias, portanto, a hermenêutica estará
sempre presente e se apresenta como desafio, pois exige do pesquisador entender o
significado para am da palavras, interpretar o contexto e descobrir o que há nas entrelinhas.
Num primeiro momento, segundo o autor, o aluno faz cópias, reproduções, mas, aos poucos,
faz suas próprias elaborações.
Na escola, essa fase da pesquisa pode ser explorada junto com os alunos, as a
escolha do tema, selecionando os autores que tratam do assunto com uma visita à biblioteca,
busca na internet, em jornais, revistas, enfim, nos materiais que a escola dispõe, sendo este
trabalho realizado sob a orientação do professor.
No Ensino Médio, a EFA trabalha com essa prática de pesquisa, utilizando-se da
pedagogia de projetos para a elaboração de trabalhos de pesquisa. Assim, a escola assume a
pesquisa como uma possibilidade de investigação, realizada por professores e alunos.
94
PUC/POA
- reunião de dados e opiniões
sobre um assunto.
UFRGS
- investigação sobre uma hipótese básica, um tema de interesse.
UFSM
- coleta de dados,
informações acerca de algum assunto.
ULBRA
- resposta para proveis
dúvidas
que o estudante venha a ter.
UNICAMP
- processo de
busca de conhecimento
já descrito ou inédito com bases
em leituras e/ou experimentações para com a realidade.
UNICRUZ
- o que se busca para fazer um trabalho/uma
releitura de determinado
assunto
.
UNIJUI
-
aprofundamento
, investigação, induz ao pensamento e
elaboração de
opiniões
, informações.
- pesquisa é “sinimo” de
buscar
; aprofundar um assunto, um
ato de
aprendizagem
, pois se adquire
conhecimento
, ter um olhar mais amplo
sobre determinada questão; subsidia o debate, para a análise dos pontos de
vista e para poder escrever.
-
busca de
conhecimentos
que traz o crescimento intelectual.
-
busca de informões
, aprofunda
conhecimentos
; permite tornar mais
“curiosos”, investiga tivos.
- procura de novas informações
, busca de confirmações, elaboração do
ponto de vista.
-
atividades prática e teórica.
- investigação
de alguma coisa com a utilização de métodos.
-
início da
construção de conhecimento
/base teórica para começar ou
dar continuidade a um trabalho.
-
processo contínuo de
aprendizagem
.
-
procura de
informações
- aprofundar
e desvendar questões,
elucidar informações
, formular
novos dados.
-
busca de informões
para compreender o assunto que se deseja
estudar.
-
pesquisa é o processo pelo qual elabora-se
construção de
conhecimentos
, tem-se uma aprendizagem mais rica em conteúdos, sendo
também importante para a obtenção de conhecimento extra-classe,
fazendo com que o aluno se torne um
cidadão mais crítico
, com uma
visão mais ampla, com um pensamento lógico-argumentativo aprimorado,
destacando-se assim em meio ao “achismo” do senso comum.
- investigação, estudo de algo que pode levar a uma nova descoberta,
busca por conhecimento
.
-
busca de conhecimento
atras de um estudo mais aplicado a um
determinado tema.
-
coleta de informões
, envolve leitura, interpretão e catalogação de
informações, é como fazer a antiga ficha de leitura, maneira mais fácil de
se aprender, conhecer o novo e atualizar-se.
-
forma de adquirir
conhecimento.
-
estudo
realizado
sobre determinado assunto
.
-
maneira de
aprofundar os estudos
sobre determinados temas, de meu
interesse ou não.
- buscar o detalhe
que faltou, a palavra não entendida, novos autores,
retornar a mesma página, ou idéia, se colocar enquanto sujeito da escrita,
dominar o que escreve, é saber
falar e argumentar
sobre o andamento
dos estudos e sobre as
reflexões
realizadas, carregar livros sempre,
permite sair do real, do concreto, e trabalhar com conceitos abstratos.
-
ir atrás de algum assunto
que nos interessa, para compreendê-lo
melhor.
Figura n
o
4:
Concepção de pesquisa expressa pelos egressos da EFA
95
-
buscar mais conhecimento
sobre diversos assuntos, de se inteirar com
o conhecimento.
- é a interação de argumentos, fatos e interesses,
curiosidade
sobre algo
que lhe é despertado.
-
uma
busca para solução de algum problema
ou uma situação, ou pela
simples
curiosidade
.
Fonte: Pesquisa nos questionários respondidos, eletronicamente, pelos egressos da EFA, grifo nosso.
Figura n
o
4:
Concepção de pesquisa expressa pelos egressos da EFA
A pesquisa definida como “ procura de novas informões, busca de confirmações,
elaboração do ponto de vista” (aluno da Unijuí, grifo nosso, figura n
o
4) evidencia igualmente
a posição dos autores já referenciados, em especial a de Freire (2004), que assevera que a
pesquisa como uma busca de novas informações, aguçada pela curiosidade crítica do aluno,
supera o senso comum, que, de conhecimento prático, torna-se um conhecimento científico,
pois “perm ite tornar mais ‘curiosos’, investigativos” (aluno da Unijuí). Portanto, a pesquisa
gira em torno de um conhecimento já existente e da produção de um conhecimento ainda não
existente, ambos definidos por Freire (1996) como momentos do ciclo gnosiológico,
indicotomizáveis.
O conhecimento, na abordagem dos PCNs, representa a competência do indivíduo de
entender o significado e a aplicabilidade dos conteúdos de Matetica, de Ciências, de
Português, etc. à vida ptica, estabelecendo relações para solucionar problemas que se
apresentam no cotidiano. Dessa forma, a função do Ensino Médio é proporcionar uma
educação geral que permita o desenvolvimento de competências e habilidades básicas para
“buscar informação, gerar informação, usá-la para solucionar problemas concretos” (PCNs,
2000, p. 17). Essas competências são de salutar importância para a qualificação do homem
face à velocidade do progresso científico e tecnológico e a transformação dos processos de
produção, que tem acentuado o desemprego e, por esta razão, excluído do homem os seus
direitos sociais. Mas, aliado ao conhecimento, a formação ética e o desenvolvimento da
autonomia intelectual do pensamento crítico são competências prioritárias a serem trabalhadas
pelas escolas para formar alunos capazes de se apropriar do conhecimento, refletir sobre a
aplicabilidade deste conhecimento e de tomar decisões para a construção da paz, da harmonia
e da justiça social. Para isso, trabalhar conteúdos da vida real torna-se elemento essencial de
uma prática pedagógica comprometida com um projeto de sociedade mais humana. Nesse
sentido, os PCNs dão abertura às escolas ao admitir que sejam trabalhados conteúdos
transversais que possibilitem o aluno “aprender a aprender”, isto é, entender o significado do
conhecimento para a vida prática.
96
Assim também são as compreensões de outro aluno da Unijuí que, corroborando com
as idéias de Marques, refere a pesquisa como uma construção de conhecimento e, portanto,
como a possibilidade do aluno superar o senso comum, formar seus próprios argumentos e
tomar suas decisões, constituindo-se cidadãos mais críticos.
Pesquisa é o processo pelo qual elabora-se
construção de conhecimentos
, tem-se
uma aprendizagem mais rica em conteúdos, sendo também importante para a
obtenção de conhecimento extra-classe, fazendo com que o aluno se torne um
cidadão mais crítico
, com uma visão mais ampla, com um pensamento lógico-
argumentativo aprimorado, destacando-se assim em meio ao ‘achismo’ do senso
comum. (grifo nosso).
A pesquisa também é concebida como “uma
busca para solução de algum problema
ou uma situação, ou pela
simples
curiosidade
” (aluno da Unijuí, figura n
o
4, grifo nosso). Os
autores são unânimes em dizer que a pesquisa parte de um problema, de uma pergunta ou de
uma curiosidade ou interesse do pesquisador. O problema ou a pergunta pode advir de
situações do momento, de interesses dos alunos ou da própria curiosidade destes, se
estimulada pelo professor. Na EFA, percebemos que muitos do projetos de pesquisa ou
estudos de aprofundamento que emergem para a pesquisa partem de interesse dos próprios
alunos e de temas abordados no ano letivo.
Os conceitos de pesquisa referidos pelos alunos podem ser trabalhados se houver a
compreensão de que o saber não é algo estabelecido, mas uma construção coletiva, e a EFA
assim a compreende. Dessa forma, mudam as funções dos professores e as relações
pedagógicas entre professor e aluno e surge o desafio para o professor pensar um
conhecimento que encaminhe soluções para os problemas sociais, conforme aborda Santos
(1999b). Pensar esse conhecimento implica propor um ensino que estimule o desenvolvi-
mento de capacidades de pensamento, de reflexão, de análise, de criticidade, de produção, de
participação, o que atende os preceitos da legislação da escola, das leis que orientam suas
ações (PNE, LDB) e dos Parâmetros Curriculares Nacionais exigidos para a reorganização
dos currículos do Ensino Médio. Este fato mostra que a EFA, muito antes desses planos
entrarem em vigor, já apontava a pesquisa como mediadora do processo ensino-
aprendizagem.
97
4.2 Papel da educação básica na construção de atitudes investigativas
TIPO DE DOCUMENTO
Regimento/PPP
1980
2005
Plano de
Estudos EM
PNE/EM
LDB
PCNs/EM
E
F
A
Orientar o
educando a:
“Art. 2
º
[...] b)
desenvolver
sua
capacidade
de
discernimen-
to e espírito
crítico,
de
modo a, cada
vez mais,
incorporar
valores de
respeito à
liberdade e
dignidade
humana, amor
à justiça e à
verdade.
A escola
pri-
ma : “[...] -
pelo processo
de construção
do
conhecimen-
to, pelo qual o
educando
capacita-se
como sujeito
na interação
com o outro e
com o mundo
circundante, a
dar respostas
aos desafios
da própria
vida
e aos de
seu meio
sociocultural;
[...].
Objetiva:
“[...] - o
aprimoramento
do educando
como pessoa
humana,
incluindo a
formação ética
e o
desenvolvimen-
to da
autonomia
intelectual e do
pensamento
crítico
; [...].
B
A
S
E
S
L
E
G
A
I
S
“[...] o ensino
médio deverá
permitir aquisição
de competências
relacionadas ao
pleno
exercício da
cidadania
e da
inserção produtiva:
auto-
aprendizagem;
percepção da
dinâmica social e
capacidade para
nela intervir;
compreensão dos
processos
produtivos;
capacidade de
observar,
interpretar
e
tomar decisões
;
[...], habilidades
para incorporar
valores éticos.
“Art. 35. [...] III -
o aprimoramento
do educando como
pessoa humana,
incluindo a
formação ética e o
desenvolvimento
da
autonomia
intelectual
e do
pensamento
crítico
.”
“[...] o
desenvolvimen-
to das competên-
cias para
continuar
aprendendo, de
forma
autônoma e
crítica
, em níveis
mais complexos
de estudos.
Fonte: Regimentos da Escola de 1980 e 2005, Plano de Estudos do Ensino Médio, PNE, LDB, PCNs, grifo
nosso.
Figura nº 5 :
Expressões da legislação da escola e do ensino sobre o papel da educação básica
na construção de atitudes investigativas
Pensar a pesquisa na escola básica remete a uma compreensão diferente do enfoque
que se dá à pesquisa no seu sentido stcricto, ou seja, a pesquisa feita rigorosamente segundo
as exigências do método científico e como privilégio de alguns pesquisadores ou de instâncias
que se ocupam exclusivamente da pesquisa. Superando esta dicotomia ainda bem presente nas
escolas entre os que pesquisam, pensam, planejam e os que executam, o professor da escola
básica pode constituir-se pesquisador e utilizar o seu próprio trabalho pedagógico cotidiano
como objeto de pesquisa. A pesquisa possibilita o professor abandonar a consciência ingênua
que tem dos problemas que se apresentam na escola e a comprometer-se com Projetos
Potico-pedagógicos que evidenciem uma educação para a mudança social.
98
Na medida em que o professor reconhece que o saber é uma construção coletiva, é
possível pensar uma forma diferente de se apropriar do conhecimento, como também práticas
pedagógicas que provoquem uma maior qualificação do ensino. Por isso, a ênfase na
formação inicial do professor pela pesquisa e na continuidade desse processo, pois possibilita
superar o senso comum e analisar a prática pedagógica à luz das teorias, com vistas a um
trabalho crítico e transformador.
A transmissão do conhecimento não é mais função da escola. A responsabilidade
passa a ser de auxiliar o aluno na leitura e análise crítica das informações, orientando-o no
entendimento de como os fatos se articulam, que interesses há por trás das informações e que
relações existem. É nessa perspectiva de fazer a leitura de mundo e sua análise crítica, bem
como de traduzir essas compreensões, que a pesquisa pode ser trabalhada na escola básica,
conforme adverte Marques (2001, p. 89): “O que faz a escrita não são simples sinais gravados
num suporte físico, mas é a significância que eles adquirem ao se inscreverem na ordem
simbólica pela qual os homens se entendem criando seus mundos.
Ensinar o aluno ler a realidade e reelaborá-la, transpondo para a escrita as suas
compreensões é diferente de fazê-lo reproduzir a escrita e a leitura. É motivá-lo a dominar a
escrita e a leitura como instrumentação formal e política do processo de formação do sujeito
social emancipado, com o objetivo de ocupar espaço próprio na sociedade, fundar caminhos
de consciência crítica, chegar a projeto próprio de desenvolvimento, conforme adverte Demo
(2002a), por isso o papel da pesquisa como estímulo à elaboração própria passa a ser uma
meta da formação do aluno, e aí se explicita bem um dos principais papéis da escola: dar as
condições, desenvolver as habilidade da escrita e da interpretação, favorecendo a formação de
pesquisadores.
A compreensão do mundo é essencial para que o aluno entenda o significado dos
conteúdos trabalhados em todas as disciplinas do currículo. Eles passam a ter sentido no
momento em que o aluno consegue entendê-los no seu contexto e estabelecer as relações entre
a teoria e a prática. Podemos citar Paulo Freire como um exemplo vivo de que a
aprendizagem não acontece pela transmissão e pela decoreba, mas pela compreensão de seu
mundo. O autor foi alfabetizado no chão do quintal de sua casa, à sombra das mangueiras; o
quadro-negro foi o chão e os gravetos o giz. Quando foi para a escola formal, já estava
alfabetizado. Aprendeu a ler e a escrever porque foi alfabetizado com as palavras do seu
mundo; não precisava memorizar, bastando apenas compreender. Aprender a ler, escrever,
alfabetizar-se é aprender a ler o mundo e compreender o seu contexto, portanto, “a
alfabetização como ato de conhecimento, como ato criador e como ato político, é um esforço
99
de leitura do mundo e da palavra” (FREIRE, 1994, p. 30), não sendo mais possível textos em
contexto.
O autor percebe a educação como um ato político, em que os sujeitos, conscientes de
sua realidade, podem transformá-la. A sala de aula pode constituir-se o espaço de formação de
consciências cidadãs, pois
[...] a leitura da palavra não é apenas precedida pela leitura do mundo mas por uma
certa forma de ‘escrevê-loou de ‘reescrevê -lo’, quer dizer, de transformá -lo atras
de nossa prática consciente.
Esse movimento dimico é um dos aspectos centrais, para mim, do processo de
alfabetização. (FREIRE, 1994, p. 20).
Dessa forma, abordar a pesquisa como instrumento metodológico para construir
conhecimento é uma possibilidade de construir o conhecimento numa perspectiva de interação
entre os sujeitos e seu objeto de conhecimento. Um ambiente de pesquisa exige que o
professor possibilite o diálogo, o questionamento, a pergunta, o momento de escrita, de
leitura, de reeleitura, de argumentação, de interlocução com os teóricos, de exposição e de
socialização para que o aluno possa ir construindo a autonomia de pensamento. A pesquisa
nesse nível de ensino é preconizada como uma forma de estimular a leitura de mundo e a
escrita para, num momento posterior, ingressar na pesquisa acamica, inclusive sendo esta
uma orientação dos PCNs ao Ensino Médio, ao dispor que uma de suas funções é promover
o desenvolvimento das competências para continuar aprendendo, de forma autônoma e
crítica, em níveis mais complexos de estudos” (2000, p. 10, grifo nosso). Esses são também os
objetivos que encontramos, tanto na legislação da escola (Regimentos, PPP e PE/EM) como
na legislação de ensino (PNE, LDB). Todas as legislações são unânimes em afirmar que o
objetivo da escola básica é desenvolver a autonomia e o pensamento crítico para preparar o
aluno para a vida.
PUC/RS
- a EFA tem um jeito informal e livre que
se assemelha à universidade
, ao
contrário de outras escolas.
UFRGS
- na capacidade de compreensão dos conteúdos mais complexos, na capacidade
de
buscar caminhos e participar dos debates
.
UFSM
-
nos momentos em que há discussão de algum assunto, em que é necessário
observar
diversos pontos, fazer uma
análise crítica
,
formar
e expressar uma
opinião
.
Figura n
o
6:
Concepção do papel da educação básica na formação de atitudes inves-
tigativas expressa pelos egressos da EFA
100
ULBRA
- a liberdade de expressão, de
questionar
, de conversas francas com professores
e diretoria.
UNICAMP
-
a capacidade de rebuscar, complexificar, problematizar, analisar e sinte-
tizar
é tão desenvolvida e geralmente mais ampla quanto a dos companheiros de
classe, inclusive aqueles vindos das ditas melhores escolas do país. O processo
investigativo desenvolvido na minha formação deixa-me à frente em alguns
importantes aspectos no que diz respeito a autonomia de aprendizado, mesmo que
de conteúdos não domine tanto ou tão bem quanto aqueles que passaram horas
decorando uma apostila na escola ou no cursinho. Considero
autonomia mais
importante porque permite abranger mais campos no futuro
, não somente
aqueles nos quais já fui iniciado.
UNICRUZ
-o lembra de nenhum fato.
UNIJUI
- trabalhou a individualidade de cada aluno, fez
questionar
os conteúdos,
saber
o porquê das coisas, formar opiniões
, buscar conhecimentos para não ser
apenas “mais um” profissional.
- preparou para
a busca
, para a escrita, dificuldade para falar em público.
- o papel da escola é muito relativo no desenvolvimento de atitude investigativa,
isso depende de cada aluno.
- a escola prepara para enfrentar a vida, influenciou na conduta, como se
expressar na apresentação de trabalhos,
questionar, interpretar
,
argumentar
.
-
facilidade na produção de textos, pesquisas e trabalhos, atividades corriqueiras
durante minha formação básica.
- quando estimula o
diálogo
e o
argumento
.
- em trabalhos em grupo: respeito ao colega, facilidade em posicionar minha
opinião
,
criatividade
.
-
o aluno agora passa a ser responsável pelo seu aprendizado.
-
no relacionamento com as pessoas, no ato de liderar e ser referência nos grupos.
-
a qualidade do aluno da EFA difere de outros colegas que tem formação em
outras escolas.
-
a EFA já mostra como funciona a universidade pelo intercâmbio que há entre a
escola e a instituição.
- nas discussões em aula, nos trabalhos, no desenvolvimento de textos, artigos,
resumos, nas apresentações de trabalhos.
-
os professores “alertam” de que a dificuldade é maior, o esforço deve ser maior,
deve buscar sempre mais para poder se destacar em um meio muito concorrido de
futuros profissionais, e assim fazer a diferença.
-
praticamente todo o tempo, pois há muito a queso da
interdisciplinaridade
. A
EFA é uma - ou a única - escola de Ijuí que trabalha, e bem, com esse aspecto de
ligação entre os conteúdos. Esse fator preparou-me bem para a vida na
universidade.
-
a escola sempre nos incentivou a
escrita argumentativa e crítica
, não teve um
intuito de “decoreba” visando à aprovação em vestibulares como fazem algumas
escolas. A idéia de fazer-nos pensar por conta própria nos desvincula da mesmice
e nos torna
cidadãos mais críticos
, e relativamente mais atuantes na sociedade.
Na EFA temos o poder de argumentar com professores e diretores da escola, eles
estão sempre abertos a sugestões e críticas.
-
na minha
autonomia
, o “ir sempre além” do esperado (ou exigido). Um dos
aspectos fundamentais é o trabalho realizado pela EFA no que diz respeito aos
trabalhos de pesquisa da escola
pensando nas normas técnicas desde cedo e os
projetos
desenvolvidos nos diferentes componentes curriculares desde o Ensino
Fundamental.
Figura n
o
6:
Concepção do papel da educação básica na formação de atitudes inves-
tigativas expressa pelos egressos da EFA
101
UNIJUI
-
aprendi a gostar de desafios e tentar superá-los.
-
o respondeu.
- no momento de reivindicar e argumentar, de realizar trabalhos em grupo, de
interagir oralmente ou por escrito, utilizando o aprendizado que recebi na escola
com os recursos tecnológicos, a filosofia.
- permitiu ser livre, responsável. Muitas vezes contestávamos o professor,
saíamos do conteúdo programado para uma determinada aula e entrávamos em
outro suscitado pelo contexto, é uma
escola diferenciada
que não apresenta a
necessidade de ensinar tudo, em termos de conteúdos, mas de ensinar o essencial
para um sujeito
viver e agir conscientement
e, buscávamos
estabelecer relações
entre o conteúdo e a vivência de cada um. A EFA permite que produzam e
não
reproduzam os conhecimentos
trabalhados. Isto marca a meu agir na
universidade hoje.
- no meu curso, pois precisamos escrever e pesquisar bastante, precisamos ter
uma
forte visão de sociedade
.
- talvez no desenvolver das aulas, os assuntos trazidos para ser
debatidos em sala
de aula
, assuntos atuais.
-
principalmente nas horas em que há
debates
.
-
muitos conceitos que aprendi na escola são usados na universidade.
Fonte: Pesquisa nos questionários respondidos, eletronicamente, pelos egressos da EFA, grifo nosso.
Figura n
o
6:
Concepção do papel da educação básica na formação de atitudes inves-
tigativas expressa pelos egressos da EFA
Examinando as respostas dos alunos (conforme figura n
o
6), percebemos que a EFA,
além do trabalho que realiza em sala de aula, estimula a escrita, a leitura e a livre expressão
do aluno em diversos momentos, como se destaca nas respostas dos alunos:
[...] a escola sempre nos incentivou a
escrita argumentativa e crítica
, não teve um
intuito de ‘decoreba’ visando à aprovação em vestibulares como fazem algumas
escolas. A idéia de fazer-nos pensar por conta própria nos desvincula da mesmice e
nos torna
cidadãos mais críticos
, e relativamente mais atuantes na sociedade. [...] na
EFA temos o poder de argumentar com professores e diretores da escola, eles estão
sempre abertos a sugestões e críticas (aluno da Unijuí, grifo nosso).
A exposição do aluno confirma que a EFA coloca em prática a filosofia da escola,
incentivando o aluno a elaborar pensamento próprio e a compreensão dos conteúdos.
Percebemos as ações da escola não somente em sala de aula, mas em outros espaços em que
há participação dos alunos: Seminários, Festivais, Feira do Livro, Festidance, artigos e
depoimentos no Jornal da EFA, Grupo de Teatro, publicações de livros de poesia, Grêmio
Estudantil, elaboração de sites de entidades carentes (APAE, IMI, Lar da Criança e Lar da
Menina) e trabalho voluntário em instituições sociais, etc. Dentre as relacionadas, destacamos
a escrita dos alunos no jornal da escola e a publicação do Livro “Poesia VII - alunos mostram
o que fazem”, atividades que demonstram a presença da pesquisa enquanto elaboração de
pensamento, de escrita e de socialização. O livro, publicado de dois em dois anos, reúne a
102
produção de poesias dos alunos do maternal ao 3º ano do Ensino Médio.
No Ensino Médio, a escola oferece, na sua parte diversificada, aprofundamento da
escrita, da leitura e da interpretação em forma de projeto. No 1º semestre de 2006 está sendo
desenvolvido o projeto “ Escrever se aprende lendo, compreendendo, escrevendo, com o
objetivo de trabalhar essas competências. É outra forma de exercitar a escrita a partir da
leitura e intepretação de textos diversos.
O ensino da Filosofia também é outro momento propiciado pela escola para fazer a
análise e reflexão crítica da sociedade, pois trabalha com temas diversos. A Filosofia tem um
significado muito importante para a escola, estando inserida no currículo do aluno desde a
Educação Infantil ao Ensino Médio, como mostra a figura 2 do Capítulo 3. Isso evidencia que
o aluno, desde cedo, é estimulado a fazer o exercício de reflexão. Essa iniciativa parte do
entendimento da EFA de que o novos tempos exigem “um aluno crítico -reflexivo capaz de
pesquisar e compreender as transformações para tornar-se um sujeito intelectualmente
autônomo.” (Plano de Estudos do Ensino Médio, 2004, p. 108).
Em relação à pesquisa, é a essência da ação pedagógica da EFA pela compreensão que
a escola tem de que “[...] o conhecimento resulta de uma construção, isto é, de um processo
vivo e dinâmico, onde a ação do sujeito aprendente é insubstituível e indispensável” (Plano de
Estudos, 2ª etapa, 2001, p. 5). Como atividade de sala de aula, é uma metodologia de ensino
que envolve professor e aluno na construção e sistematização do conhecimento e, como
realização de um trabalho empírico, é consolidada sob forma de “Projetos Temáticosou
“Situações de Estudoque são org anizados de acordo com a Rede Conceitual ou a Rede
Temática
117
.
Inicialmente, as idéias que sustentaram a primeira versão de projetos na escola foram
os princípios da Escola Nova
118
, que propunha a noção de atividade pela realização de
projetos, vinculando, dessa forma, vida escolar com vida exterior.
Em meados de 1960 surgiu novo interesse por projetos, denominado “Trabalho por
Temas, tendo como referência teórica os estudos de Piaget
119
sobre o desenvolvimento da
inteligência e o papel da aprendizagem por conceitos de Brunner, a partir de conceitos-chave
(eixos conceituais) das diferentes disciplinas. Essa visão de projeto que vincula conceito a
117
Já referenciados no capítulo 3 quando abordamos a filosofia da escola.
118
Seus fundadores (Ovide Decroly, Maria Montessori, John Dewey e, mais tarde, Kilpatrik) criticaram a escola
tradicional, problematizando a função social da escola, o papel do professor, do aluno e a organização do
trabalho pedagógico (Plano de Estudos, 2ª etapa, 2001).
119
o faremos aqui uma revisão da teoria de Piaget ou de Brunner, pois não é o objetivo do trabalho, mas é
importante relatar um pouco da história dos projetos da EFA para entender as teorias que hoje subsidiam o
trabalho que a escola vem realizando.
103
temas começaram a se articular e seqüenciar-se (currículo em espiral) (Plano de Estudos, 2ª
etapa, 2001).
Nos anos 80, a visão construtivista exerceu forte influência nas ações da escola.
Seguindo esta abordagem, os projetos contribuem para o aluno pensar criticamente, atribuindo
significado à informação, à história, ao contexto e ao ambiente de vida da criança.
Na primeira metade do século XX, segundo Hernández, a pedagogia de projetos
subsidiou a prática de pesquisa na escola. Para o autor (1998, p. 63),
a organização dos Projetos de trabalho se baseia fundamentalmente numa concepção
da globalização entendida como processo muito mais interno do que externo, no
qual as relações entre conteúdos e áreas de conhecimento têm lugar em função das
necessidades que traz consigo o fato de resolver uma série de problemas que
subjazem na aprendizagem.
A pedagogia de projetos é um modo de organizar o currículo escolar com base nos
saberes e experiências prévias, nas compreensões que se fazem, na relação entre o currículo e
o contexto social, no papel do diálogo pedagógico, da pesquisa crítica e na tentativa de
organizar uma educação para a compreensão. Com isso, o objetivo é fazer com que o aluno
compreenda a realidade, de forma questionadora, e possa propor alternativas para resolver não
só os problemas do seu dia-dia-dia, mas outros problemas que se apresentam. Entendemos
que essa é a perspectiva apresentada por Hernández, Demo, Freire, Lüdke, Minayo e o
próprio Marques (um dos fortes inspiradores da orientação pedagógica da EFA), que
enfatizam a importância de ter a pesquisa na escola básica como forma de construção desse
cidadão, que sabe, além de compreender a realidade, interferir nesta realidade.
O Projeto Político-pedagógico e os Planos de Estudo serão o fio condutor dos
princípios que norteiam as práticas cotidianas. O Projeto Político-pedagógico da escola está
presente em todas as ações da escola, que são orientadas pelo Regimento 2005 (em vigor),
pelos Planos de Estudo da 1
a
, 2
a
, 3
a
e 4
a
etapas e Plano de Estudo do Cursos Técnicos da EFA.
A escola orienta os professores a trabalharem com a capacidade reflexiva, com o senso crítico
e com a autonomia de pensamento, conforme evidenciam os documentos legais analisados e
segundo as palavras de Becker: “[...] a escola sempre priorizou o princípio da ação reflexiva,
onde o sujeito constrói o seu conhecimento. Dentro de uma linha construiva-interacionista, a
escola favorece a produção de um saber relacionado ao meio onde se vive, incorporando
metodologias e inovações nos processos de aprendizagem.” (1998, p. 30).
Buscamos constatar se as orientações dispostas na legislação da escola são uma prática
dos professores através das respostas dos alunos que estudaram na EFA. A resposta do aluno
104
da Unicamp (figura nº 6, grifo nosso) evidencia essa prática e sintetiza as competências
trabalhadas pela escola:
[...] a capacidade de rebuscar, complexificar, problematizar, analisar e sintetizar
é
o desenvolvida e geralmente mais ampla quanto a dos companheiros de classe,
inclusive aqueles vindos das ditas melhores escolas do país. O processo
investigativo desenvolvido na minha formação deixa-me à frente em alguns
importantes aspectos no que diz respeito a autonomia de aprendizado, mesmo que de
conteúdos não domine tanto ou tão bem quanto aqueles que passaram horas
decorando uma apostila na escola ou no cursinho. Considero autonomia mais
importante porque permite abranger mais campos no futuro, não somente aqueles
nos quais já fui iniciado.
Nas afirmações do aluno está transparente a preocupação da EFA em priorizar a
formação do aluno não apenas intelectualmente, mas em todos os aspectos. Com esse
objetivo, a escola adota a pedagogia de projetos por entender que o conhecimento é
construído socialmente, a partir das interações do aluno com o ambiente físico e social, não
havendo, por esta razão, como separar as dimensões cognitivas, emocionais e sociais
presentes do intelectual. O indiduo está imerso numa sociedade e traz sua história de vida,
suas experiências e seu modo de viver. É nessa relação interativa entre professor e objeto
cognoscente que o aluno aprende, portanto, desvincular o ensino da vida do aluno é impor a
ele um saber destitdo de significado e contribuir, dessa forma, para o seu fracasso escolar.
A organização de projetos é proposta numa interação de conteúdos das diversas áreas
dos saberes para que o aluno possa estabelecer relações com as diversas disciplinas e entender
a realidade num contexto. Mesmo que as disciplinas estejam organizadas num currículo,
separadamente, é importante a articulação da aprendizagem individual com os conteúdos das
diferentes disciplinas, sendo essa a função principal da pedagogia por projetos.
A escola procura articular os conteúdos trabalhados nas disciplinas com todas as áreas
do saber, utilizando-se de projetos de pesquisa para o estabelecimento dessas relações:
viagens de estudo, visitas à usinas, lixões, empresas, universidades, Museu de Tecnologia e
diversas outras experiências. Os projetos são desenvolvidos para o aluno aprender a pesquisar,
estabelecer relações, elaborar suas compreensões, argumentar, desenvolver o senso crítico,
ultrapassando, assim, os enunciados verbais, visuais ou numéricos de caráter reprodutivo
(Plano de Estudos, 2ª etapa, 2001). Podemos dizer, nesse sentido, que diferentemente da
pedagogia da escola nova, que enfatiza a ação da criança, a pedagogia de projetos representa
para a escola a ação pedagógica centrada na reflexão.
105
Conforme as respostas dos alunos (figura nº 6), a escola cumpriu o seu papel porque
ensinou a desenvolver essas capacidades. Mas, há também manifestação de que o papel da
escola na atitude investigativa é relativo, dependendo mais da vontade do aluno buscar as
informações do que do esforço da escola em estimular a pesquisa: o papel da escola é muito
relativo no desenvolvimento de atitude investigativa, isso depende de cada aluno.” (aluno da
Unijuí, figura n
o
6, grifo nosso). Concordamos com a afirmação do aluno de que a pesquisa é
mais uma atitude do aluno do que da escola, mas o estímulo e a orientação para a pesquisa é
um dos papéis da escola para despertar o gosto por essa atividade.
4.3 Papel da educação básica na formação da cidadania
TIPO DE DOCUMENTO
Regimento/PPP
1980
2005
Plano de
Estudos EM
PNE/EM
LDB
PCNs/EM
E
F
A
Orientar o
aluno:
“a) Ter
consciência
de seu próprio
valor como
pessoa que
tem um
papel
específico e
intransferível
a cumprir na
comunidade
em que está
inserido.
A escola prima:
- pela
formação do
cidadão
consciente e
comprometi-do
com uma
sociedade mais
humana e
solidária,
elegendo como
vivência de
valores a
autonomia,
liberdade,
solidariedade,
organização e
criatividade
na
perpectiva da
formação
integral;
[...] constituição
de cidadãos
reflexivos,
críticos e
cooperativos.
“[...] - a
preparação
básica para o
trabalho e a
cidadania do
educando, para
continuar
aprendendo
,
de modo a ser
capaz de se
adaptar com
flexibilidade a
novas
condições de
ocupação ou
aperfeiçoament
o posteriores.
B
A
S
E
S
L
E
G
A
I
S
o consta nos
objetivos, mas
refere:
“Uma educação
que propicie
aprendizagem de
competências de
caráter geral,
forme pessoas
mais aptas a
assimilar
mudanças, mais
autônomas
em
suas escolhas, que
respeitem as
diferenças e
superem a
segmentação
social
.”
“Art. 35. [...] II
- a
preparação
básica para o
trabalho
e a
cidadania
do
educando, para
continuar
aprendendo, de
modo a ser
capaz de se
adaptar com
flexibilidade a
novas
condições de
ocupação ou
aperfeiçoamen
to
posteriores
.”
Desenvolver a
capacidade de
abstração, do
desenvolvimento
sistêmico, da
criatividade, da
curiosidade, da
capacidade de
pensar múltiplas
alternativas para
a solução de um
problema
, da
capacidade de
trabalhar em
equipe, do
desenvolvimento
do pensamento
crítico, do saber
comunicar-se, da
capacidade de
buscar
conhecimento,
condições para o
exercício da
cidadania.
Fonte: Regimentos da Escola de 1980 e 2005, Plano de Estudos Ensino Médio, PNE, LDB, PCNs, grifo nosso.
Figura nº 7:
Expressões da legislação da Escola e do Ensino sobre o papel da educação bási-
ca na formação da cidadania
106
A escola hoje assume um papel fundamental na construção da cidadania no sentido de
possibilitar ao aluno a aquisição do senso crítico, capacitando-o para ser um agente de
transformações sociais na luta pela construção de outro modelo de sociedade. Nesse sentido, o
conhecimento fragmentado, descontextualizado, e com ênfase no conteúdo curricular fechado
passa ao ter significado. Em contraposição, a construção coletiva, onde professor e alunos
constroem juntos suas aprendizagens, torna-se importante estratégia didática do professor para
a construção da cidadania.
A cidadania que almejamos não se reduz à nacionalidade ou ao exercício de alguns
direitos políticos, mas à promoção do bem-estar coletivo da sociedade e à efetividade dos
direitos humanos aferidos na Constituição Federal, ao dispor que é incumbência do Estado
“assegura r o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar,
o desenvolvimento, a igualdade e a justiça, como valores supremos” da sociedade. Na ptica,
há uma ineficácia na concessão dos direitos humanos, sendo estes mais resultado de
conquistas históricas do que concessão do Estado. Partindo dessa compreensão, Santos
(1999b) adverte que a forma de fundar uma nova cultura política e proporcionar uma
qualidade de vida pessoal e coletiva acontece pela participação e solidariedade concretas dos
cidadãos na busca coletiva por seus direitos.
[...] novas formas de cidadania - coletivas e não meramente individuais; assentes em
formas político-jurídicas que, ao contrário dos direitos gerais e abstractos,
incentivem a autonomia e combatam a dependência burocrática, personalizem e
localizem as competências interpessoais e coletivas em vez de as sujeitar a padrões
abstratos; atentas às novas formas de exclusão social baseadas no sexo, raça, na
perda de qualidade de vida, no consumo, na guerra, que ora ocultam ou legitimam,
ora complementam e aprofundam a exclusão baseada na classe social (SANTOS,
1999b, p. 263-264).
Como alternativa, o autor propõe a inserção e participação nos NMSs (Novos Movi-
mentos Sociais), que orientam-se por formas organizativas de democracia participativa. Os
NMSs representam a afirmação da subjetividade perante a cidadania, pois regulam as relações
entre o mercado e Estado. Esses novos exercícios de cidadania configuram-se uma prática de
libertação humana que permite ao sujeito reconhecer-se como sujeito de direitos. Dessa
forma, o maior desafio da cidadania é, segundo Demo,
107
[...] a eliminação da pobreza política, que está na raiz da ignorância acerca da
condição de massa de manobra. Não-cidadão é sobretudo quem, por estar coibido de
tomar consciência crítica da marginalização que lhe é imposta, não atinge a
oportunidade de conceber uma história alternativa e de organizar-se politicamente
para tanto. Entende injustiça como destino. Faz a riqueza do outro, sem dela
participar. (1995, p. 2).
A partir das considerações do autor, entendemos que a consciência do indivíduo como
sujeito de direitos é condição para o exercício da cidadania, não bastando apenas o
conhecimento, mas a organização política na sociedade para que possa reivindicar os direitos
humanos (moradia, educação, saúde, lazer, etc...) inerentes à todas as pessoas. A noção de
cidadania, nesse viés, é inseparável do exercício de direitos.
Cidadania perfaz uma leitura de mundo, que demanda “a compreensão crítica da
realidade, envolve, de um lado, sua denúncia, de outro, o anúncio do que ainda não existe”
(FREIRE, 2000, p. 42). Fazer a leitura de mundo significa orientar o aluno a ler e interpretar
as informações que estão disponíveis, possibilitar espaço para expor sua opinião, interagir
com os colegas, estimular a elaborar seu pensamento e a sistemati-lo. Os conteúdos
apresentados que, muitas vezes, são abstratos para o aluno, são compreendidos na medida em
que o professor utiliza-se dessa prática em sala de aula. É nesse sentido a relação que se
estabelece entre professor, pesquisa e cidadania, pois o professor que lê, estuda e pesquisa tem
condições de propor um ensino pela ação e reflexão voltado para a construção da cidadania.
O compromisso com a cidadania, um dos objetivos explícitos no Projeto Político-
pedagógico, não é um ideal a ser construído, mas acontece no cotidiano da escola, conforme
revela o projeto “Cidadania.Net”
120
, uma das iniciativas dos alunos, assumida, a cada ano, por
uma nova turma. O projeto é realizado há quatro anos e tem a intenção de promover trabalhos
voluntários junto a diversas instituições da cidade de Ijuí e como meta estimular e
desenvolver a cultura do voluntariado organizado entre os alunos, com o objetivo de fa-los
reconhecerem-se e serem reconhecidos como cidadãos, conquistando seus espaços e
120
Inicialmente foi feito um software multimídia contendo apelos sobre a preservação da vida, envolvendo
diversos aspectos discutidos nos componentes curriculares, que contribuíram com a teorização. Após, visitas às
entidades, observações, avaliações dos sites que estavam no ar e firmado compromisso de fazer slogans e
folders. Depois foi escolhido o Instituto de Menores de Ijuí, por ser uma entidade que necessitava de projetos
especiais que trabalhassem a auto-estima, dificuldades de aprendizagem, relacionamento, etc. Foi mobilizado o
comércio para doação de tintas, pincéis e materiais diversos para pintura de painéis, com o objetivo de alegrar o
ambiente, integrar com meninos e meninas e trabalhar a arte e a auto-estima. Foi produzido um site da
instituição e, as uma reunião com os Chefes de Departamento da Unijuí, foi firmada uma parceira em forma
de projetos de atendimento aos meninos. O conceito do que é ser voluntário foi aprofundado e, ao final, foi
realizado o
I Fórum Tribal
em parceria com o “Grupo Parceiros Voluntários” (PROJETO “O que é
cidadania.net, 2005).
Em função do projeto “Tri bos nas Trilhas da Cidadania, que é desenvolvido dentro do projeto “Cidadania.net,
a EFA recebeu o Selo Escola Solidária do Instituto Brasil Voluntário.
108
demonstrando sua capacidade de transformar o mundo, através de ações que melhorem a
qualidade de vida dos envolvidos. Os alunos desenvolvem sites para as seguintes Instituições:
APAE: Ijuí e Panambi; IMI - Instituto de Menores de Ijuí; Lar da Criança: Henrique Liebich;
Lar da Menina: Lar Bom Amigo, possibilitando que outras pessoas conheçam e contribuam
com estas entidades. Além desse trabalho, cumprem o seu papel social nessas entidades,
buscando recursos junto à comunidade e trabalhando na própria entidade, interagindo com as
crianças.
Acreditamos que o envolvimento dos alunos em projetos sociais é uma forma de
exercer a cidadania, ultrapassando os limites da sala de aula e trabalhando com projetos de
vida real. A sala de aula é um espaço para estabelecer relões e interagir com os conteúdos
de Geografia, História, Ciências, Matemática, Português, de contestar a realidade observada
com o modelo de sociedade vigente e de pensar o nosso papel na sociedade. Estabelecendo as
conexões entre teoria e prática com os conteúdos trabalhados nas diversas áreas do
conhecimento, o aluno compreende os conceitos que, de abstratos, passam a ter significado,
elabora suas representações e as traduz pela escrita.
O conhecimento é, assim, uma construção do aluno mediatizada pelo professor em
relação ao objeto de conhecimento, mas por muito tempo foi compreendido numa relação
estanque entre ambos. Dessa forma, o currículo também foi organizado como uma simples
listagem de matérias dispostas numa grade curricular. Mas, é preciso a percepção de quem
organiza os currículos ou dos cursos de formação de que o currículo não se resume à
disposição de disciplinas, mas a um processo de compreensão de como ocorre a construção do
conhecimento. Se, hoje, há o entendimento de que a construção do conhecimento acontece
numa relação de interação do aluno com o objeto de conhecimento, ou seja, com objetos reais
de vida, o currículo tem que ser organizado desta forma, levando-se em consideração também,
e principalmente, a realidade do aluno. Fazer uma leitura desta realidade e utilizar as
informações para a organização do currículo é compreender o que não é visível, o oculto, mas
que é fundamental para a aprendizagem do aluno. Aqui está o cerne da questão, ou seja, a
responsabilização da escola na formação da cidadania: organizar o currículo não por uma
justaposição de conteúdos, mas com contéudos que tenham significado para o aluno.
109
Numa visão empirista ou racionalista, como adverte Marques,
O currículo não é senão uma listagem de matérias/conteúdos na perspectiva de
acumulação de informações, ou na perspectiva da disciplina intelectual exigida pelos
métodos de investigação de cada ciência em particular, ambas as perspectivas
igualmente colocadas acima e à parte do mundo da vida e das relações sociais,
éticio-políticas. (2000, p. 67).
A organização do currículo, como observa o autor, não pode priorizar uma visão
empirista ou racionalista, mas levar em consideração o contexto social, temas que estão em
discuso, a realidade do aluno, seus valores, suas experiências, os conhecimentos que trazem
e o seu cotidiano. A escola, no entanto, muitas vezes desconsidera esses elementos e assim
organiza o seu currículo em disciplinas, o que tem ocasionado pouca aprendizagem, pouco
interesse dos alunos, não permite que elaborem um pensamento sobre as situações práticas da
vida, não contempla o cotidiano dos alunos, é um conhecimento acabado, sem história
(MALDANER, 2003). Mesmo que se busquem outras possibilidades, a matriz disciplinar
persiste como instrumento e controle do currículo porque “as disciplinas escolares são a
tecnologia de organização da escola e atendem aos fins sociais do conhecimento e da
educação”, conforme adverte Maldaner (2003, p. 6). Dessa forma, “A força simbólica de
disciplina impede o próprio discurso na construção de currículo não-disciplinar.” (p. 6).
O currículo “representa o conjunto das atividades e experiências que a Escola, como
instituição proporciona a seus alunos, em vista dos fins que se propõe” (REGIMENTO EFA,
1980, p. 17). Ao privilegiar uma abordagem empirista ou racionalista, a escola estará
priorizando a ação e a razão em detrimento da reflexão, colaborando para a alienação do
aluno e atendendo a interesses de uma elite que objetiva a manutenção da ordem social
vigente. Ao assumir o currículo como um processo amplo de reconstrução de saberes,
historicamente produzidos e distintos dos saberes das disciplinas clássicas, estará interagindo
com o aluno e contribuindo para o desenvolvimento de capacidades de emancipação,
conseqüentemente, colaborando para a construção de um mundo melhor.
A escola tem autonomia para elaborar o seu currículo, portanto, pode organizar os
conteúdos em qualquer das abordagens referidas: empirista, racionalista ou interacionista,
mas, conforme afirma Maldaner (2003), o verdadeiro currículo se desenvolve em sala de aula
na relação pedagógica professor/aluno. Embora haja a ilusão de que se esteja aplicando um
currículo produzido por outros ou segundo as orientações da legislação, é o professor que
assume o papel de mediador de uma educação para a manutenção ou para a transformação,
110
pois é ele que está em contato direto com o aluno.
Maldaner (2003) propõe a organização do currículo a partir de “Situações de Estudos
por partir da vivência social dos alunos e facilitar a interação pedagógica necessária para que
a aprendizagem possa acontecer e as pessoas possam se constituir em novas dimensões
humanas. A EFA orienta-se por estes pressupostos ao realizar a pesquisa sob forma de
“Projetos Temáticosou “Situações de Estudo”.
Na mesma linha de pensamento, Freire (2004) enfatiza que o aluno apreende quando
compreende o significado dos conteúdos e não os memoriza, sendo essa a tarefa da escola,
que precisa estimular a curiosidade do aluno para superar a consciência ingênua e atingir um
nível de criticidade que o levará à produção científica.
A escola oportuniza aos alunos atividades de interação com a sociedade, bem como
com as disciplinas constantes no currículo. Assim, há uma relação entre teoria e prática na
tentativa de superar o ensino orientado por um modelo de racionalidade técnica que separa
teoria e prática como sendo até mesmo atividades antagônicas.
Em relação aos objetivos do Ensino Médio, no que se refere à cidadania, a LDB
dispõe: “Art. 35. [...] II - a preparação básica para o trabalho e a cidadania do educando,
para continuar aprendendo, de modo a ser capaz de se adaptar com flexibilidade a novas
condições de ocupação ou aperfeiçoamento posteriores” (grifo nosso). Pressupõe dizer que o
indivíduo estará sempre buscando saber mais para poder acompanhar o processo de evolução
do conhecimento. A pesquisa estará sempre acompanhando o aluno, na escola ou na vida, em
todas as suas atividades, por ser uma busca constante de informações, conforme frisaram os
egressos da EFA na figura n
o
4. Para isso, a escola “[...] II - adotará metodologias de ensino e
de avaliação que estimulem a iniciativa dos estudantes” (LDB art. 36). A metodologia que o
professor adotar em aula é determinante para despertar o gosto pela pesquisa em toda sua vida
escolar e acadêmica.
A preparação para o trabalho e a cidadania do educando contemplam os objetivos do
PNE (2001, p. 25, grifo nosso) de “Uma ed ucação que propicie aprendizagem de
competências de caráter geral, forme pessoas mais aptas a assimilar mudanças, mais
autônomas em suas escolhas, que respeitem as diferenças e superem a segmentação social” e
dos PCNs (2000, p. 11, grifo nosso), ao considerar a “ necessidade do desenvolvimento das
competências básicas para o exercício da cidadania quanto para o desempenho das
atividades profissionais. Em seus objetivos, é inerente o papel da escola na formação de
cidadãos mais autônomos que se qualifiquem e que superem a segmentação social.
111
PUC/RS
- escrever de forma autônoma, ser mais participativo, mais
atuante na sociedade
,
mais atuante na formação acadêmica.
UFRGS
-
argumentar, para interpretar, escrever de forma autônoma, ser mais
crítico,
participativo, mais atuante na sociedade
, mais atuante na formação acadêmica
e para o desenvolvimento de uma atitude investigativa de pesquisa.
UFSM
-
para falar, argumentar, interpretar, escrever de forma autônoma, ser mais crítico.
ULBRA
-
para argumentar, ser mais crítico, ser mais
participativo, mais atuante na
sociedade
e para o desenvolvimento de uma atitude investigativa de pesquisa.
UNICAMP
-
para falar, argumentar, interpretar, escrever de forma autônoma,
ser mais
crítico, participativo, mais atuante na sociedade
e na formação acadêmica e
para o desenvolvimento de uma atitude investigativa de pesquisa.
UNICRUZ
-
argumentar, interpretar, ser mais participativo, mais atuante na formação
acadêmica.
UNIJUI
- falar, argumentar, interpretar, escrever de forma autônoma, ser mais ctico,
mais participativo, mais atuante na sociedade, mais atuante na formação
acadêmica e para o desenvolvimento de uma atitude investigativa de pesquisa.
- argumentar, interpretar, escrever de forma autônoma, ser
mais crítico, mais
atuante
na formação acadêmica e para o desenvolvimento de uma atitude
investigativa de pesquisa.
- cada aluno tem sua maneira de agir e a escola não vai mudar o aluno,
não
ensina a ser mais crítico ou saber falar
. Isso é um dom do aluno.
- para argumentar, ser mais participativo, mais atuante na sociedade.
- para falar, argumentar, interpretar, escrever de forma autônoma, ser
mais
crítico, participativo, mais atuante na sociedade
, na formação acadêmica e
para o desenvolvimento de uma atitude investigativa de pesquisa.
- para falar, argumentar, interpretar.
-
para argumentar, interpretar, escrever de forma autônoma, ser mais crítico.
-
para argumentar, interpretar, escrever de forma autônoma, ser mais crítico.
- para falar, argumentar, interpretar, ser mais crítico,
mais participativo, mais
atuante na sociedade
, mais atuante na formação acadêmica e para o
desenvolvimento de uma atitude investigativa de pesquisa.
-
para argumentar, escrever de forma autônoma, ser mais
crítico, mais
participativo, mais atuante
na formação acadêmica e para o desenvolvimento
de uma atitude investigativa de pesquisa.
-
para escrever de forma autônoma, mais
participativo, mais atuante na
sociedade
.
-
escrever de forma autônoma.
-
para falar, argumentar, interpretar, ser
mais crítico
,
participativo e atuante na
sociedade
, e para o desenvolvimento de uma atitude investigativa de pesquisa.
-
para falar, argumentar, interpretar, escrever de forma autônoma, ser mais
crítico, participativo, mais atuante na sociedade
, na formação acadêmica e
para o desenvolvimento de uma atitude investigativa de pesquisa.
-
para falar, argumentar, interpretar, escrever de forma autônoma, ser mais crítico
- para falar, argumentar, interpretar, escrever de forma autônoma, ser
mais
crítico, ser mais participativo, mais atuante na sociedade
, mais atuante na
formação acadêmica e para o desenvolvimento de uma atitude investigativa de
pesquisa.
- para argumentar, interpretar, escrever de forma autônoma e para o
desenvolvimento de uma atitude investigativa de pesquisa.
-
para falar, argumentar, interpretar, ser mais crítico e para o desenvolvimento de
uma atitude investigativa de pesquisa.
Figura n
o
8:
Concepção do papel da educação básica na formação da cidadania ex-
pressa pelos egressos da EFA
112
UNIJUI
-
para falar, argumentar, interpretar, escrever de forma autônoma, ser mais crítico,
ser mais participativo, mais atuante na sociedade, mais atuante na formação
acadêmica e para o desenvolvimento de uma atitude investigativa de pesquisa.
- para falar, argumentar, interpretar, escrever de forma autônoma,
ser mais
crítico, ser mais participativo, mais atuante na sociedade
, para ser mais
participativo, mais atuante na própria formação, para o desenvolvimento de uma
atitude investigativa, de pesquisa.
-
para falar, para argumentar, para
ser mais participativo, mais atuante na
sociedade
e para o desenvolvimento de uma atitude investigativa, de pesquisa.
-
para falar, argumentar, interpretar, escrever de forma autônoma,
ser mais
crítico, ser mais participativo, mais atuante na sociedade
, para ser mais
participativo, mais atuante na própria formação, para o desenvolvimento de uma
atitude investigativa, de pesquisa.
-
para falar, argumentar,
ser mais crítico, ser mais participativo, mais atuante
na sociedade,
para o desenvolvimento de uma atitude investigativa, de pesquisa.
-
ser mais crítico, ser mais participativo, mais atuante na sociedade
e na
própria formação.
Fonte: Pesquisa nos questionários respondidos, eletronicamente, pelos egressos da EFA, grifo nosso.
Figura n
o
8:
Concepção do papel da educação básica na formação da cidadania ex-
pressa pelos egressos da EFA
Os questionários com a resposta dos alunos (figura n
o
8) evidenciam que a EFA
preparou para argumentar, interpretar, escrever de forma autônoma, ser mais crítico,
participativo, mais atuante na sociedade, mais atuante na formação acadêmica e para o
desenvolvimento de uma atitude investigativa de pesquisa, exceto a resposta de um aluno da
Unijuí, que considera estes aspectos um dom do aluno e não uma atribuição da escola: “cada
aluno tem sua maneira de agir e a escola não vai mudar o aluno, não ensina a ser mais crítico
ou saber falar. Isso é um dom do aluno.
Dentre os trinta questionários recebidos, apenas um(a) aluno(a) respondeu que a EFA
o prepara o aluno para ser mais crítico ou para falar, enquanto que as outras respostas
demonstram que a escola exerce um papel muito importante na vida dos alunos ao trabalhar
com essas competências que são necessárias para a participação e inserção social na luta por
uma sociedade que considere os seres humanos como gente. Tais afirmações são retiradas das
respostas dos alunos que estudaram na escola, conforme exposto na figura nº 8.
113
4.4 Concepção de cidadania
TIPO DE DOCUMENTO
Regimento/PPP
1980
2005
Plano de
Estudos EM
PNE/EM
LDB
PCNs/EM
E
F
A
“[...] d)
viver e
conviver no
grupo,
trabalhando,
decidindo e
experimenta
ndo
cooperativa
mente
em
reciprocidad
e e
compromtim
ento com o
processo
educativo.”
A escola
entende a
criatividade
como
capacidade do
sujeito
construir-se e
propor
alternativas
para
construção e
transformação
da sociedade,
encaminhando
novos
significados aos
objetos, idéias,
a partir da
observação,
análise e
reflexão.
“Identificar as
relações que
existem entre
os conteúdos de
ensino e das
situações de
aprendizagem e
os muitos
contextos da
vida social e
pessoal, de
modo a
estabelecer uma
relação ativa
entre o
educando e o
objeto de
conhecimento e
a desenvolver a
capacidade de
relacionar o
aprendido com
o observado, a
teoria com
suas
conseqüências
e aplicações
práticas.”
B
A
S
E
S
L
E
G
A
I
S
“Uma educação que
propicie
aprendizagem de
competências de
caráter geral,
forme
pessoas
mais aptas a
assimilar mudanças,
mais autônomas
em suas escolhas,
que
respeitem as
diferenças e
superem a
segmentação
social
.”
Art. 22:
A educação
básica tem
por
finalidades
desenvolver o
educando,
assegurar-lhe
a formação
comum
indispensável
para o
exercício da
cidadania
e
fornecer-lhe
meios para
progredir no
trabalho e
em estudos
posteriores.
Capacidade do
indivíduo construir
conhecimento que
lhe possibilite
exercer direitos
que vão muito além
da representação
política tradicional:
emprego, qualidade
de vida, meio
ambiente saudável,
igualdade entre
homens e mulheres
[...] ideais
afirmativos para a
vida pessoal e para a
convivência.
Fonte: Regimentos da Escola de 1980 e 2005, Plano de Estudos Ensino Médio, PNE, LDB, PCNs,
grifo nosso.
Figura nº 9:
Expressões da legislação da escola e do ensino sobre cidadania
As escolas e as instituições de ensino são cada vez mais necessárias para a formação
da cidadania diante da situação de instabilidade que estamos vivendo: violência, corrupção,
miséria, desemprego, etc., que tem excluído os indivíduos dos seus direitos sociais. Por esta
razão, a cidadania tem sido tema de discussões em todas as áreas de ensino e, a nosso ver,
precisa ter presente a reflexão sobre o que é ser cidao ou exercer a cidadania, que educação
é preciso para formar cidadãos, que currículos, metodologia, conteúdos podem ser
desenvolvidos para formar sujeitos mais autônomos, capazes de atuar na sociedade e
114
conquistar a cidadania.
Em relação às legislações da escola, não traz em seus documentos explicitamente um
conceito de cidadania, mas percebemos que a forma como está posto evidencia alguns
conceitos de cidadania, como: a capacidade de conviver em sociedade (REGIMENTO EFA
1980), a competência para a construção e transformação da sociedade (REGIMENTO EFA
2005) e a capacidade de ir sempre aprendendo para se adaptar às mudanças decorrentes da
evolução do conhecimento (Plano de Estudos do Ensino Médio, 2004).
Os Regimentos denotam o papel da escola, que é definido num dado momento da
história pelas condições econômicas, culturais e sociais por que passam a sociedade. O
Regimento de 1980 centra no processo educativo o compromisso de manter a paz, a
harmonia, a solidariedade para a melhoria do convívio social. Neste ano, as escolas estavam
sendo orientadas pela Lei 5.692/71, que estabelecia que o ensino de 2º grau deveria ser
profissionalizante. Da forma como está exposto, o Regimento de 1980 deixa transparecer que
o objetivo da escola era de uma educação para a passividade, com vistas à cooperação com a
sociedade na manutenção da paz e harmonia. Mas, mesmo sob forte repressão política deste
período, a EFA sempre buscou a formação de um aluno mais crítico, autônomo e capaz de
tomar suas próprias decisões, conforme afirma Becker: “A escola sempre priorizou o
princípio da ação reflexiva, onde o sujeito constrói o conhecimento” (1998, p. 30). Portanto, o
objetivo da escola expresso neste Regimento, no nosso entendimento, pressupõe um indivíduo
capaz de organizar-se coletivamente para tomar decisões com o grupo, visando resgatar “o
serque foi sufocado pelo regime militar e que impediu, assim, a sua participação política na
sociedade.
O Regimento de 2005 tem outra perspectiva de cidadania, enfatizando o papel da
escola na formação da cidadania para a construção e transformação da sociedade. Mas, temos
que ter presente que na revio deste Regimento, a escola orientou-se pela nova LDB, que traz
também outras abordagens de educação, aliado ao fato de vivermos num país democrático. Já
no Plano de Estudos do Ensino Médio (2004), observamos que, além de formar essa
consciência cidadã, aborda a cidadania como condição para o indivíduo ocupar espaços na
sociedade, ao dispor da competência para ocupar espaços de aperfeiçoamento superiores. Isso
pressupõe a compreensão de cidadania como inclusão do indivíduo nos processos de
produção, ou seja, a competência do aluno ir sempre aprendendo para, a cada mudaa nos
processos de produção, poder se adaptar às novas condições e manter-se no mercado de
trabalho, o que atende os preceitos da LDB, a qual evidencia dois conceitos de cidadania:
como uma forma de inclusão do indivíduo na sociedade pelo seu ingresso no mundo do
115
trabalho e sua participação na sociedade como agente de mudanças.
O PNE, além de trazer a concepção de cidadania como participação do indivíduo
como agente de mudanças sociais, frisa a necessidade de preparar indivíduos para superar as
desigualdades sociais, expectativa essa traduzida nas palavras do aluno da Unijuí (figura n
o
10, grifo nosso), que diz que cidadania é ser solidário, independente de posição social,
crença, cor etc.; reivindicar direitos específicos sem esquecer de que alguns preconceitos
podem e devem ser evitados.
Em relação ao Ensino Médio, a escola segue os preceitos dos PCNs (2000), que
trazem a conotação de cidadania também como a efetivação dos direitos do cidadão ao
enfatizar que exercer direitos
o muito além da representação política tradicional: o direito a
emprego, à qualidade de vida, a um meio ambiente saudável e igualdade entre homens e
mulheres. Outra abordagem dos PCNs, também disposta na LDB, é a cidadania como
estratégia de construção e transformação da sociedade. De posse dessa compreensão, orientam
as escolas a reorganizar os currículos do Ensino Médio de modo que o aluno seja capaz de
estabelecer as relações do conteúdo apreendido com a realidade e refletir sobre as aplicações
deste conhecimento à sociedade. Essa abordagem de cidadania, fortemente presente nos dois
documentos, parte do princípio de que o basta o conhecimento se o aluno não tiver a
capacidade de refletir sobre a forma como irá utilizar este conhecimento: se para a promoção
do bem-estar da humanidade ou para outros fins. Percebemos a presença de uma orientação à
reflexão, à crítica, à autonomia de pensamento, e, fundamentalmente, de ética, pois refletir
sobre a aplicabilidade do conhecimento envolve a postura que o aluno, de posse do
conhecimento, irá assumir para com a sociedade.
Nesse aspecto, a LDB frisa a importância de uma educação tecnológica básica para a
compreensão do significado da ciência” (art. 36, I, grifo nosso), entendendo os resultados
dessa compreensão e a atitude do indivíduo como um exercício de cidadania
121
. Segue ainda,
dispondo que essa compreensão deve acontecer no ensino de cada disciplina (art. 35, IV). A
EFA utiliza-se da pesquisa como princípio metodológico para estabelecer as relações dos
conteúdos com a vida e da interdisciplinariedade para fazer as aproximações das diferentes
áreas do saber.
Do exposto, podemos dizer que a LDB avançou ao incluir nas disciplinas do núcleo
comum a educação para o trabalho e a formação da cidadania. A cidadania tornou-se
121
Este é também o entendimento de Freire (2000, p. 45), que frisa o papel de uma educação progressista: “Ao
sublinhar a importância fundamental da ciência, a educadora progressista deve enfatizar também [...] que temos
de permanentemente nos indagar em torno de a favor de que e de quem fazemos ciência.
116
elemento fundamental no currículo das escolas e a educação para o trabalho, como mera
preparação técnica para o exercício de uma profissão, não se evidencia nas atitudes da EFA.
Nesse sentido, os PCNs orientam as escolas a reorganizarem o currículo do Ensino Médio a
partir desta nova compreensão do significado do trabalho no contexto da globalização
econômica.
Há também críticas aos PCNs ao enfatizar o papel da escola na formação da cidadania
pelo fato de, segundo Arroyo (2003), chegarem com dez anos de atraso e estarem estruturados
na lógica dos anos 70 e 80 quando, na década de 70, a escola deveria preparar para o trabalho
e, na década de 80 e parte da de 90, formar para a cidadania, ou seja, transformar os alunos
críticos para, quando adultos, se tornarem revolucionários. Todo saber acumulado e orientado
pela Lei 5.692/71, que deu suporte para a preparação para o trabalho, não serve mais, pois
hoje os problemas são outros: drogas, sexo, indisciplina, violência, etc. Os professores,
segundo o autor, não estão preparados para enfrentar esses problemas. Esse trabalho exige
uma pedagogia centrada na formação do ser humano, no resgate da humanidade do sujeito,
como já advertia Freire (1994, 1996, 2000), ao dizer que a escola precisa educar para a
humanização do ser se quer uma sociedade diferente.
Para Arroyo,
O que temos que questionar é quais as conseqüências para sua formação, como
sujeitos de conhecimento éticos, estéticos, humanos, identitários, de espaço, o fato
de estarem reproduzindo sua existência nessas condições tão elementares. Isso sim é
redefinir radicalmente os currículos, a organização da escola, a formação de
professores, os saberes docentes. (2003, p. 146).
A escola pode, muitas vezes, ter uma atitude de submissão do ser humano às
condições vigentes ao priorizar o desenvolvimento do conteúdo, ignorar as experiências que o
aluno traz, suas vivências, não considerar suas elaborações, adotar um método de avaliação
único e inquestionável. São práticas que ainda persistem nas escolas, pois os professores,
segundo Arroyo (2003), não se sentem preparados para trabalhar com os problemas da vida
do aluno, que são hoje não se limitam somente à miséria, ao desemprego, mas que ameaçam
às suas próprias vidas. No entanto, nas repostas dos egressos da EFA (figura nº 10), não
constatamos esses fatos. Os alunos defendem a proposta pedagógica da escola por possibilitar
a reflexão, o diálogo, a discussão de temas atuais, a interação entre professor, aluno e objeto
do conhecimento e, assim, contribuir para a formação da cidadania.
117
PUC/RS
-
pessoa que
conhece e exerce seus direitos e deveres
e
participa da sociedade
de forma ativa
.
UFRGS
- é ter
acesso às necessidades básicas
: saúde, saneamento, transporte coletivo,
segurança, ter os direitos de ir e vir respeitados.
UFSM
-
é ter
participação nas questões pertinentes a sociedade
, se preocupar e lutar
por um
mundo melhor
.
ULBRA
-
participar, escutar, discutir
, sobre tudo que se passa na nossa sociedade.
UNICAMP
-
ser um sujeito que vive em sociedade. Isto implica em
direitos e deveres
escritos nas leis
nacionais, assim como os direitos e deveres informais, como
respeito ao próximo e ao meio ambiente. A participação política, o
posicionamento e a atitude
frente a questões discutidas na atualidade do ser
humano é um fator de cidadania, de ser e ter
opinião ativa
dentro do seu meio.
UNICRUZ
-
é poder
andar livremente
pela sua cidade,
gozar dos diretos civis
que tem
como cidadão.
UNIJUI
- é se
interessar, argumentar, contribuir
para que algo se torne melhor, tanto
na área profissional, como social, política e humana.
Pensar o bem-estar de
todos.
- é
participar ativamente da comunidade
, compartilhar idéias, debater
assuntos, buscar o melhor para a sociedade, é ter direitos e deveres.
- ter possibilidade de participar de uma sociedade democrática.
- é aquele que tem
direitos e deveres
, participa da sociedade, sendo iguais
perante a lei.
- é
participar
de alguma forma para a
construção
e manutenção
da sociedade
,
sendo essa participação de
forma ativa ou passiva
.
- é participar
cumprindo deveres e usufruindo de direitos
.
- participar da sociedade cumprindo com suas normas éticas e discutir se estas
normas de fato “valem” para a sociedade, ou se correspondem aos interesses da
maioria;
participar da sociedade
contribuindo
com novas visões sobre o
mundo e não apenas manter o que está colocado;
ser solidário
,
independente de
posição social, crença, cor
etc; reivindicar direitos específicos sem esquecer de
que alguns
preconceitos podem e devem ser evitados
.
-
é
participar ativamente
nas decisões diárias que temos que tomar acerca da
sociedade; não é escolher um candidato para uma
eleição
, é
viver e se integrar
na sociedade
, é
respeitar o patrimônio público
, é ter uma vida e um
convívio
social saudável
.
- ser
participante, crítico e atuante
nas atividades que perpassam a nossa
sociedade.
-
participar e contribuir
positivamente para uma sociedade.
- participar da construção da sociedade
.
-
é
fazer parte da comunidade
, assim como da universidade ou como do bairro
onde moramos, é
dar opiniões
, é
fazer algo para mudar
, é ter conscncia do
que é certo e o que é errado, é saber conviver, ter opinião própria e
saber
respeitar o outro
.
-
é aquele que é
consciente de seu papel na sociedade
como agente
transfor-
mador da realidade
, que lute, mas não apenas por seus direitos, e sim, alguém
que lute pelo direito de todos, por justiça social, por um lugar melhor para se
viver.
-
é
estar dentro das leis
da pátria, pagando impostos e tudo o mais, dessa forma
contribuindo para o crescimento econômico do país.
-
pessoa atuante na sociedade, que goza de
direitos e deveres
.
- participar das decisões
,
ter opinião própria, poder usufruir os direitos e
saber dos deveres
.
Figura n
o
10:
Concepção de cidadania expressa pelos egressos da EFA
118
UNIJUI
-
é poder
participar ativamente
na sociedade, respeitando e sendo respeitado em
seus direitos por todos os demais indivíduos.
-
quem se
interessa pelo mundo em que se esta vivendo
, pensando em algo que
possa
contribuir
para um mundo melhor.
-
é um
ser participativo
de todas as situações que envolvem sua vida.
-
é
participar
e se implicar, enquanto
responsável
, em tudo que está acon-
tecendo em sua vida e em sua sociedade. Cada cidadão é responsável por aquilo
que faz e escolhe, age e transforma sua rotina e o mundo.
- é
participar da sociedade
como um todo,
fazendo sua parte
para que a
sociedade conviva melhor.
- é uma pessoa que
participa,
que se envolve na sua comunidade.
-
ser capaz de fazer o melhor em prol de sociedade.
-
pessoa que exerce contato com a sociedade, interagindo com outras pessoas, é
dar a sua opinião e
ser participativo
.
Fonte: Pesquisa nos questionários respondidos, eletronicamente, pelos egressos da EFA, grifo nosso.
Figura n
o
10:
Concepção de cidadania expressa pelos egressos da EFA
Nas respostas dos alunos, conforme figura n
o
10, identificamos, entre outros, dois
conceitos básicos de cidadania, os quais trabalhamos nesta pesquisa: a) cidadania como
condição de direitos, quando nos referimos ao vínculo jurídico com o Estado, e b) como
exercício de direitos, quando damos um enfoque político, nos referindo à construção de uma
novo modelo de sociedade.
A cidadania como condição de direitos pode ser constatada nas afirmações do aluno da
Unicamp (figura nº 10, grifo nosso), ao dizer que ser cidadão é ter “direitos e deveres escritos
nas leis nacionais”; é tamm “poder andar livremente pela sua cidade, gozar dos diretos
civis” (aluno da Unicruz, figura nº 10, grifo nosso) e “ter os direitos de ir e vir respeitados
(aluno da UFRGS, figura nº 10).
O conceito de cidadania como exercício de participação política na construção e
transformação da sociedade, percebemos na grande maioria das respostas dos alunos,
conforme disposto na figura n
o
10, mas traduzimos na resposta do aluno da Unijuí (grifo
nosso): “cidadão é aquele que é consciente de seu papel na sociedade como agente
transformador da realidade, que lute, mas não apenas por seus direitos, e sim, alguém que
lute pelo direito de todos, por justiça social, por um lugar melhor para se viver.”
O conceito de cidadania como condição de direitos foi um legado da Modernidade
que, com a Revolução Francesa (séc. XVIII), instituiu o Estado de Direito, dispondo em lei os
princípios de igualdade e liberdade entre os homens. Em 1948, os direitos do cidadão
tornaram-se universais com a Declaração Universal dos Direitos do Homem.
119
Esses direitos são denominados por Manzini-Covre (1996) como direitos civis e dessa
forma compreendidos pelo aluno da Unicruz (figura n
o
10, grifo nosso) ao referir que
cidadania é “poder andar livremente. No entanto, os direitos civis são cerceados pelo Estado
ao dispor na legislação a liberdade de andar livremente e cassar esse direito no momento que
adota uma política que privilegia uma pequena parcela da população e que leva a grande
maioria das pessoas a praticar crimes, roubos, assaltos, violência nas ruas, etc. para poder
sobreviver. É legado, portanto, o direito de andar livremente, mas o cidadão teme sair às ruas
e, por isso, pode não estar exercendo a cidadania como um direito de locomoção. Por outro
lado, há também a concepção de direito civil como uma atitude de submissão ao Estado,
respeito à pátria e à nacionalidade:
é estar dentro das leis da pátria, pagando impostos e tudo
o mais, dessa forma contribuindo para o crescimento econômico do país.” (aluno da Unijuí,
figura n
o
10, grifo nosso).
A filosofia da EFA está centrada na formação de um aluno crítico, reflexivo,
participante, que saiba decidir e ter autonomia para buscar sempre o saber, mas isso não
pressupõe que atinja seus objetivos, conforme percebemos na resposta de alguns alunos
egressos da escola. Há alunos que se formam e que têm essa visão mais de adaptação do que
de sujeito capaz de criar as condições sociais de vida, tendo uma atitude contrária aos
preceitos da escola. No entanto, outros egressos têm a percepção de que cidadania é participar
de alguma forma da sociedade, seja de forma ativa ou passiva (aluno da Unijuí, figura n
o
10).
Em relação a esse conceito, Freire (2000, p. 56) explica que a educação tanto pode
servir à adaptação como à transformação social. Para este aluno, representou mais uma forma
de submiso ao Estado do que de transformação das condições impostas, com vistas a
cumprir o seu papel de cidadão, qual seja, o de contribuir com o progresso econômico. Já
outro aluno da Unijuí (figura n
o
10) tem consciência de que pode ser um agente de mudança
ou de manutenção da ordem social estabelecida, dependendo da forma de atuação na
sociedade.
Assim como o direito de locomoção, também o direito de liberdade consta apenas em
lei, pois o indivíduo não tem liberdade de escolher onde trabalhar, morar ou estudar,
submetendo-se às condições que têm para sobreviver. Nas palavras de Manzini-Covre (1996,
p. 14): “A luta pelos direitos civis de locomoção, de liberdade, de expressão, tem sido
bastante intensa no mundo, inclusive na América Latina. Mas ainda há muito a fazer antes de
se poder afirmar que esses direitos são respeitados.”
Outros direitos elencados pelos egressos da EFA são os direitos políticos que
representam para o aluno da Ulbra (figura n
o
10, grifo nosso) o direito de participar,
120
escutar, discutir, sobre tudo que se passa na nossa sociedade” e, para Manzini-Covre,
[...] dizem respeito à deliberação do homem sobre sua vida, ao direito de ter livre
expressão de pensamento e prática política, religiosa etc. Mas, principalmente,
relacionam-se à convivência com os outros homens em organismos de representação
direta (sindicatos, partidos, movimentos sociais, escolas, conselhos associações de
bairro etc.) ou indireta (pela eleição de governantes, parlamento, assembléias),
resistindo a imposições dos poderes (por meio de greves, pressões, movimentos
sociais). (1996, p. 16).
Conforme exposto pela autora, o indivíduo pode exercer sua cidadania de vários
modos, expressando seu pensamento e buscando o reconhecimento dos seus direitos não
apenas pelo voto ou escolha de seus representantes
122
, mas se fazendo presente em
instituições que representem os interesses do cidadão. Cidadania, portanto, implica em formas
de participação, reivindicação e luta pelos direitos, mas tamm em deveres para com a
sociedade. Essa luta acontece pela organização política do cidadão, que se dano momento
que o indivíduo tiver consciência de que como ser humano tem direitos e também deveres
para com a sociedade e, organizado-se coletivamente, seja capaz de propor alternativas para
um projeto de sociedade que estabeleça a igualdade de direitos civis, políticos e sociais na
prática.
A conotação de cidadania como direito social é referenciada pelo aluno da UFRGS,
(figura nº 10, grifo nosso), que se reporta à cidadania também como um direito civil:
é ter
acesso às necessidades básicas: saúde, saneamento, transporte coletivo, segurança, ter os
direitos de ir e vir respeitados.
Os direitos sociais, segundo Manzini-Covre,
[...] dizem respeito ao atendimento das necessidades humanas básicas. São todos
aqueles que devem repor a força de trabalho, sustentando o corpo humano -
alimentação, habilitação, saúde, educação etc. Dizem respeito, portanto, ao direito
ao trabalho, a um sario decente e, por extensão, ao chamado salário social, relativo
ao direito à saúde, educação, habitação etc. (1996, p. 15).
Embora a maioria das respostas dos alunos não tenha explícito cidadania como a
conquista dos direitos sociais, elencados por Mazini-Covre (1996) e por Santos (1999b),
entendemos que, ao se reportarem à cidadania como a participação do indivíduo na
construção de uma sociedade, a grande maioria desses alunos aborda desta forma,
122
O aluno da Unijuí (figura n
o
10) tem consciência deste conceito, ao enfatizar que: “Cidadania não é escolher
um candidato para eleição.”
121
preconizando uma sociedade mais justa e igualitária.
A efetivação desses direitos, segundo Santos (1999b), acontece por lutas das classes
menos favorecidas e, para isso, propõe a inserção nos Movimentos Sociais que, além da
conquista dos direitos existentes, busquem conquistar outros direitos que surgio à medida
que a sociedade evolui e que ameacem a vida das pessoas ou que promovam a exclusão das
mesmas.
Consideramos a escola como uma das instituições capazes de contribuir para a
formação da cidadania por ser o local onde acontece a formação humana de forma mais
sistematizada do que nos movimentos sociais, conforme depoimento a seguir:
A maior parte do que aprendi na vida, em termos de minha consciência social,
política, como negra, como mulher, foi fora da escola, aconteceu nos espaços dos
movimentos feministas, negro, e docente também [...] Mas eu não teria sido capaz
de fazer as sínteses que hoje faço, se não tivesse passado pela escola
123
. (2003, p.
152).
A escola continua sendo necessária para o desenvolvimento de uma educação mais
humana, que oriente o aluno a resgatar sua humanidade, se libertar e se emancipar. Esse
processo pode acontecer pela democratização do ensino e pelas relações que o professor
estabelece com o aluno em sala de aula. As práticas educativas baseadas no autoritarismo e na
transmissão de conteúdos estimulam o aluno a aceitar as condições impostas e a ser objeto
manipulável da sociedade, mas uma práxis educativa baseada na afetividade, na ética, no
diálogo e na participação do aluno no processo de construção do conhecimento, desenvolvem
a autonomia, o espírito crítico, a sua capacidade de organização e de articulação.
Nesse caso, “O agente central é o professor, capaz de passar do mero ensino para a
autêntica formação” (DEMO, 1995, p. 147). Partindo deste pressuposto, os professores
necessitam de preparo para trabalhar com a cidadania, não somente no sentido de busca e
conquista dos direitos sociais, mas de um comprometimento do cidadão com a sociedade, no
sentido de construir uma sociedade onde todos possam ser. Essa possibilidade é a alternativa
proposta por Freire (2000), ao conceber o sujeito como agente de transformação social com
capacidade para decidir e intervir na sociedade.
O caminho proposto pelo autor é de uma educação para a humanização, que significa
resgatar do homem os princípios de solidariedade, de cooperação, de justiça, de diálogo entre
123
Depoimento de uma militante negra a Miguel Arroyo, transcrita numa entrevista realizada com o autor no
livro
A escola tem futuro
?, organizado por Maria Vorraber Costa.
122
os homens, de valorização e de ética.
4.5 Função da universidade na formação da cidadania
TIPO DE DOCUMENTO
Regimento/PPP
1980
2004
Plano de
Estudos EM
PNE
LDB
PCNs/EM
E
F
A
o faz
menção
o faz menção
o faz
menção
B
A
S
E
S
L
E
G
A
I
S
“Incluir nas
diretrizes
curriculares dos
cursos de formação
de docentes temas
relacionados às
problemáticas
tratadas nos temas
transversais, como:
gênero, educação
sexual (justiça,
diálogo, respeito
mútuo,
solidariedade e
tolerância),
pluralidade cultural,
meio ambiente,
saúde e temas
locais.
As IES tem o papel
de encontrar a
solução para os
problemas atuais,
em todos os campos
da vida e da
atividade humana e
abrir horizonte para
um futuro melhor
para a sociedade,
reduzindo as
desigualdades.
“Art. 43.
- estimular o
desenvolvimento
do espírito
científico e
o
pensamento
reflexivo
;
- formar nas
diferentes áreas do
conhecimento,
aptos para a
inserção em
setores
profissionais e
para o
desenvovimento
da sociedade
brasileira;
- incentivar o
trabalho de
pesquisa e
investigação
científica, e, desse
modo, desenvolver
o
entendimento
do homem e do
meio em que vive
;
- estimular o
conhecimento dos
problemas do
mundo presente,
prestar serviços à
comunidade
.”
o faz
menção
Fonte: Regimentos da Escola de 1980 e 2005, Plano de Estudos Ensino Médio, PNE, LDB, PCNs, grifo nosso.
Figura nº 11:
Expressões
da legislação da escola e do ensino sobre a função da universidade
na formação da cidadania
123
O documentos legais da escola, assim como os PCNs, não serão possíveis de serem
analisados por abordarem especificamente questões referentes ao Ensino Médio, mas o Plano
Nacional de Educação, a LDB e as repostas dos egressos da EFA trazem elementos bastante
significativos para a análise do papel da universidade na formação da cidadania.
A universidade desempenha um papel social muito importante e, à medida que a
sociedade sofre transformações, mudam tamm suas funções para atender as exigências
decorrentes das condições sociais, políticas, econômicas e culturais do momento.
Inicialmente, desempenhou o papel de formadora das elites ao orientar-se por uma educação
voltada à “transmissão da alta cultura, formação do caráter, modo de aculturação e de
socialização adequado ao desempenho da direção da sociedade” (SANTOS, 1999b, p. 196).
Mais tarde (séc. XIX), privilegiou a formação profissional com um saber destituído de
contexto social para atender as exigências do Estado liberal. Dessa forma, se processou no
decorrer do século XX, produzindo um saber científico, disciplinar e descontextualizado.
Hoje, com o desenvolvimento acelerado do conhecimento da informação e da comunicação, a
sociedade apresenta novos desafios à essa Instituição de ensino.
Utilizando-se desta forma de processar o conhecimento, em que uns pesquisam e
outros executam, os pesquisadores é que definem os problemas científicos a serem
investigados, o processo da pesquisa e os sujeitos envolvidos, pessoas que, geralmente,
partilham do conhecimento e das mesmas posições. Dessa forma, o conhecimento elaborado
o tem vínculo entre o que se produz com os outros saberes, não havendo assim, relações
entre ciência e sociedade, e, portanto, um compromisso com a sociedade na busca de um
conhecimento que contribua para a resolução dos problemas sociais. Há, segundo Santos
(2004), até mesmo uma irresponsabilidade social dos investigadores diante dos resultados da
aplicação do conhecimento que produzem. A universidade, nesse sentido, está ainda muito
subordinada ao sistema econômico que determina o que e para que pesquisar. Necessita, além
de autonomia para poder fazer escolhas sobre o conhecimento a ser construído, resituar o seu
papel social.
A LDB reafirma o compromisso da universidade em formar indivíduos que pensem o
seu meio e contribuam com um conhecimento que ajude a resolver problemas sociais e a
promover o bem-estar das pessoas. Entre os seus objetivos, está explícito o papel social da
universidade ao dispor que deverá incentivar o trabalho de pesquisa e investigação científica,
e, desse modo, “desenvolver o entendimento do homem e do meio em que vive” e “estimular o
conhecimento dos problemas do mundo presente, prestar serviços à comunidade e estabelecer
com a comunidade uma relação de reciprocidade” (grifo nosso). Essa relação de reciprocidade
124
acontece pela aproximação do saber científico com o saber leigo, originado pelo senso
comum, ou seja, pela aproximação do pesquisador com pessoas leigas que têm o saber
culturalmente situado.
PUC/RS
- toda a formação intelectual da universidade serve de exercício e, muitas vezes,
faz a pessoa refletir sobre a cidadania
e o que ela pode fazer a respeito disso.
UFRGS
- ao oferecer um ensino de qualidade e comprometido com a vida social de seus
acadêmicos
UFSM
-
em
poucos
...Talvez nos protestos organizados pelo DCE, e acaba por aí.
o há
dentro da universidade uma discussão maior a respeito do nosso papel na
transformação social, e muito menos um real incentivo a agir para que a
transformação ocorra
. Se os alunos estão alienados, a iniciativa de abrir seus
olhos para o mundo com certeza não parte dos professores, que não demonstram
ser menos cegos para os problemas do que os alunos. Claro, exceções existem,
falo da grande maioria.
ULBRA
- colocando os alunos
a par de movimentos sociais e discussões sobre uma
sociedade melhor
.
UNICAMP
- quando coloca a
importância do pesquisador para o desenvolvimento sócio-
econômico
das mais diversas regiões, mostrando e
preparando campos de
trabalho, planos estratégicos de desenvolvimento científico-tecnológico
. É
uma preparação diferente da do senso-comum de acabar com a fome, com a
miséria, é uma preparação nivelada pelo conhecimento para constituir um
artifício social solucionador de problemas científico-tecnológicos que possam ter
aplicação direta ou indireta na sociedade local/nacional/global.
UNICRUZ
- varia conforme o curso que se está fazendo.
UNIJUI
- a universidade estimula a participação, mas quem prepara é
a base - a escola e a
família
. Através do Centro Acadêmico de Agronomia (CAA) fizemos palestras
beneficentes, que ampliou o conhecimento e ajudou alunos da APAE com
alimentos não perecíveis.
- quando
impulsiona a buscar, saber mais, estimula a desenvolver o
pensamento, a solidariedade, a ver o outro, o que necessita e no que se pode
ajudar
.
- cada um tenta sobreviver da melhor maneira e na universidade não é diferente,
a
cidadania, muitas vezes, é deixada de lado
.
- quando permite que, como cidadão, possamos
votar, formar diretórios, eleger
,
ter nossos direitos bem como exercer nossos deveres na universidade.
- a universidade auxilia com a
organização de eventos para a discussão
desses
assuntos, e incentiva a participar;
valoriza os DCE’s, DA’s, DP’s, pois
envolvem os alunos nas discussões da universidade
.
- através de
diretórios acadêmicos e dos projetos de pesquisa
, assim como
quando exerce a democracia
.
-
quando a
pesquisa, essência da universidade, tem um objetivo claro e que de
fato corresponda aos interesses da sociedade e que contribui para a melhoria
dela
.
-
a universidade dá continuidade ao que aprendemos na escola a respeito de
cidadania, aprende-se a
ser um profissional responsável
com
questões
ambientais, morais,
etc.
Figura n
o
12:
Concepção da função da universidade na formação da cidadania ex-
pressa pelos egressos da EFA
125
UNIJUI
-
nos componentes curriculares de
formação humanística
, os quais possibilitam
uma
visão geral da sociedade
na qual estamos inseridos e
permite uma reflexão
crítica acerca das nossas responsabilidades enquanto cidadãos
. Além disso, as
lutas dos estudantes por seus direitos
se caracterizam por movimentos pela
cidadania.
-
nas aulas do básico temos noções de meio ambiente com tecnologia, aulas de
filosofia e as de Linguagem, onde discutimos assuntos polêmicos.
-
atras da
divulgação de seus projetos sociais
e da
oportunidade dos alunos
participar
disso.
- a universidade é apenas mais uma etapa que prepara para a cidadania.
- o curso que realiza dá grande ênfase no ensino para a cidadania, no âmbito das
disciplinas chamadas teórico-formativas
, além de disciplinas de cunho
filosófico e sociológico, que
possibilitam uma análise importante da
sociedade, permitem um aprimoramento da criticidade
, ampliando sua visão
para os aspectos relevantes do
funcionamento e organização do sistema
,
portanto, busca formar cidadãos competentes para o exercício da cidadania.
-
a universidade tem como um de seus objetivos preparar o aluno
para exercer a
cidadania
, tanto na própria universidade quanto as a formação do estudante.
- a universidade
apenas passa o conhecimento, não faz um trabalho voltado a
conscientização do indivíduo.
A instigação à iniciativa da luta pelos direitos é
algo formado
na escola e em casa
.
-
pode ser percebidos nos componentes curriculares iniciais dos cursos, aqueles
que antes eram o básico:
a filosofia, tecnologia e meio ambiente,
administração, psicologia, ética
etc.
-
a EFA preparou muito mais para a cidadania do que a universidade prepara
agora. A
UNIJUÍ em quase nada prepara para este aspecto
.
-
em
eventos com palestras
sobre o desenvolvimento humano, em
algumas
disciplinas temos uma visão de cidadania
.
- quando possibilita
e incentiva o aluno a participação em projetos, pesquisas
,
monitoria, bolsas, esgios, eventos, teatro, coral, esportes, diretórios de
estudantes, abrindo espaços para a criação, apresentação e execução de projetos
nos cursos que realizam, etc.
-
Praticamente em todos.
A universidade apresenta aos alunos o mundo que
temos, as diferentes realidades, as dificuldade atuais, os diferentes
referenciais teóricos, as ideologias e a as práticas.
É um momento de reflexão
que coloca o aluno em contato com o mundo e por isto o responsabiliza por
aquilo que faz ou deixa de fazer.
- Quando nos ensina a viver em sociedade e a respeitar cada um como ser único,
respeitando os direitos de todos.
-
nos
momentos de pesquisa
, talvez...
-
nos debates.
-
eventos culturais e em outras formas, e em sala de aula quando o professor dá
espo para os alunos exporem suas dificuldades e assim adequando a aula a elas.
Fonte: Pesquisa nos questionários respondidos, eletronicamente, pelos egressos da EFA, grifo nosso
Figura n
o
12:
Concepção da função da universidade na formação da cidadania ex-
pressa pelos egressos da EFA
A universidade assume o compromisso social no momento em que ouve a comunidade
leiga e permite o debate entre esses saberes, a crítica, a revio e reconstrução dos
conhecimentos, assumindo, dessa forma, o seu papel social na formação da cidadania,
conforme as palavras do aluno da Unicamp (figura n
o
12), ao ser questionado sobre em que
126
momentos percebe que a universidade prepara para a cidadania:
[...] quando coloca a
importância do pesquisador para o desenvolvimento sócio-
econômico
das mais diversas regiões, mostrando e
preparando campos de trabalho,
planos estratégicos de desenvolvimento científico-tecnológico
. É uma preparação
diferente da do senso-comum de acabar com a fome, com a miséria, é uma
preparação nivelada pelo conhecimento para constituir um artifício social
solucionador de problemas científico-tecnológicos que possam ter aplicação direta
ou indireta na sociedade local/nacional/global. (grifo nosso).
O aluno evidencia a importância do pesquisador em produzir um conhecimento
científico, salientado a importância desse conhecimento para a elaboração de estratégias ou
políticas que atendam às necessidades locais, regionais ou globais. Essa percepção do aluno
vem de encontro à proposta de Santos (2004), que expõe a necessidade de um novo
paradigma de conhecimento que promova o debate com diversas áreas do conhecimento para
a resolução dos problemas sociais.
Marques (2001) traduz essas compreensões, afirmando que esse processo acontece
pela mediação da linguagem, portanto, a razão se constrói e reconstrói numa sucessão de
argumentações sobre a verdade, justiça e outros valores sociais. É um processo que acontece
gradativamente, não sendo a razão uma verdade dogmática e inquestionável. Dessa forma,
muda o conceito de conhecimento centrado na relação sujeito/objeto. Com base nessa teoria,
sujeito e objeto interagem no processo de construção dos conhecimentos, elaborados a partir
dos interesses humanos e das necessidades que decorrem do processo de evolução deste.
O modo de fazer ciência, alheio aos interesses sociais, é fruto do paradigma da ciência
moderna que sofre a pressão do poder econômico e exerce influência sobre a vida das
pessoas, tirando delas a razão comunicativa, ou seja, o poder de se comunicar, refletir,
analisar, dialogar sobre os problemas sociais. Mas, segundo Marques (2000), não é mais
possível pensar a universidade com um ensino informativo, preso à grades curriculares e
submetido às aulas repetitivas e destituídas de significado para o aluno. De informativo, a
universidade precisa de um saber formativo, construído com a participação de professores e
alunos a partir do conhecimento que dispõe, de suas experiências e de suas realidades. Nesse
sentido, enfatiza a necessidade de questionamento sobre os valores e normas impostos pela
ciência moderna e pelo resgate da comunicação entre os que pesquisam e os que utilizam
desse conhecimento. Esse debate acontece pela pesquisa que, enquanto princípio educativo,
possibilita o questionamento crítico e criativo do educando (DEMO, 1996).
127
O ensino pela pesquisa possibilita o aluno falar, argumentar, refletir, contestar e
apontar soluções para os problemas, configurando-se como uma estratégia para a formação da
cidadania. Sujeitos que desenvolvem essas capacidades, constróem tamm capacidade para
atuar na sociedade como agentes de transformação. A universidade pode ter uma atitude
dúbia, de adaptação ou de transformação social, dependendo da forma com que trabalha com
o conhecimento. Se orientar-se por um ensino que privilegie apenas a transmiso e
considerar a memorização no processo de avaliação, poderá formar alunos submissos que se
adaptam às condições impostas, mas, ao privilegiar o debate dos problemas sociais e estimular
o aluno a estabelecer o vínculo entre estes e o saber científico, poderá formar alunos que
pensem uma sociedade diferente e se assumam como agentes de mudanças.
Percebemos, na análise do aluno da UFSM (figura n
o
12, grifo nosso), que na
universidade ainda está muito ausente a discussão de conteúdos sociais para o
estabelecimento dessas relações, não havendo “[...] dentro da universidade uma discussão
maior a respeito do nosso papel na transformação social, e muito menos um real incentivo a
agir para que a transformação ocorra. Assim também são as percepções de alguns alunos da
Unijuí (figura n
o
12), que denotam as deficiências da universidade na preparação do aluno
para o exercício da cidadania. Um dos alunos da Unijuí relata que a EFA preparou para a
cidadania mais que a própria universidade. Outro fato que observamos é que em todos os
questionários não evidenciamos críticas ao ensino da EFA, exceto de um(a) aluno(a),
enquanto que, em relação ao papel da universidade na formação da cidadania, há críticas. Isso
demonstra que a universidade está mais centrada na transmiso de conhecimento do que na
elaboração conjunta com os alunos. O aluno percebe a preocupação do professor em passar o
conteúdo do que com a sua aprendizagem.
Promover o debate de assuntos que estão em discuso no mundo, estimular a
capacidade de leitura, de reflexão, de interpretação das informações e de opinião própria é
uma das atribuições da universidade, inclusive, sendo uma das orientações do PNE ao dispor
que deverá “incluir nas diretrizes curriculares dos cursos de formação de docentes temas
relacionados às problemáticas tratadas nos temas transversais, como: gênero, educação sexual
(justiça, diálogo, respeito mútuo, solidariedade e tolerância), pluralidade cultural, meio
ambiente, saúde e temas locais.” As orientações do PNE advertem para o que Arroyo (2003)
chamava a atenção, ou seja, a necessidade de preparar os professores para trabalhar com os
novos problemas sociais que estão aparecendo em decorrência da evolução do conhecimento,
que tem ocasionado a exclusão dos indivíduos na sociedade e procurado outras formas de
sobrevivência.
128
Também, nesse sentido, é a manifestação de Maldaner (2003, p. 1):
Surgem muitas idéias sobre outros focos de preocupação que a educação como um
todo também tem, principalmente relativas a valores e atitudes no convívio social:
exercício da sexualidade, solidariedade, tolerância, aceitação das diferenças,
cuidados com o corpo... São focos de preocupação que devem atravessar toda a
atividade pedagógica, englobando as disciplinas curriculares. Fala-se já em fazer
esta educação transversal com os diferentes componentes curriculares. Educação
com Ciências, com Geografia, com História...
o preocupações legítimas, de encaminhamento urgente, pois está aí a intolerância,
a violência, as transgressões de toda ordem, a injustiça, a esperteza, a imposição de
valores...
Para o autor, esses elementos devem estar presentes na organização curricular da
escola. Há muitas tentativas oficiais que mantêm a matriz disciplinar e criam processos de
integração (disciplinas integradas, articulação de disciplinas).
Isso integra os conteúdos, mas
o garante a formulação de um pensamento sobre o mundo, as situações práticas do
cotidiano, o progresso humano e tecnológico. Uma das formas para tentar enfrentar os
problemas sociais seria, na concepção do autor, elaborar um currículo transversal, com a
inserção de certos temas que atravessam todo o trabalho pedagógico. “Na prática esses temas
mais se ‘atravessam’ ao fazer diário das disciplinas ou correm paralelos do que mudam o
currículo em curso, oculto ou explícito.” (2003, p. 4).
Por outro lado, é também função da universidade levar essas discussões à sociedade
por meio da extensão, que assume, por esta razão, novos desafios. Para compreender a relação
as três dimensões - ensino, pesquisa e extensão -, nos reportamos a Marques:
Extensão no sentido de inserção da universidade e da permanente atenção ao
contexto, na busca, pela reflexão crítica e prática teórica, de maior amplitude de
visão apropriada às situações particulares, concretas. A pesquisa, conceituada como
alma geratriz da universidade e instrumento mais específico de sua atuação,
caracteriza-se pelo multidimensionamento das abordagens intercomplementares e
pela continuidade institucionalizada, de forma a se potenciarem os resultados, a se
articularem de forma qualitativamente nova e a se reformularem de contínuo na
fundamentação dos pressupostos do ensino e da extensão. [...] não se destine o
ensino universitário à formação de uma elite bem pensante, mas à qualificação de
agentes lúcidos profissionalmente engajados em funções estragicas específicas.
(2001, p. 129).
A universidade hoje tem responsabilidades sociais que não podem ser atendidas se não
houver a integração entre ensino, pesquisa e extensão. Nesse viés, a exteno possibilita à
universidade trabalhar com situações concretas, que requerem estudo, refleo e
129
sistematização e que aconteceo pela mediação da pesquisa e do ensino. A resposta que se dá
à sociedade acontece via projetos de extensão.
O meio influencia na medida em que traz para a universidade um determinado
problema e, a partir deste problema, é possível analisar, refletir, teorizar e passar à sociedade
as suas conclusões. Desse modo, há uma estreita vinculação entre ensino, pesquisa, extensão.
Entre ensino, porque à medida que o professor pesquisa aprende, e à medida que aprende
qualifica seu ensino e, portanto, o diálogo com os alunos se torna mais rico. Já a extensão
acontece quando os resultados são levados para fora da universidade.
Para Santos (2004b), este conhecimento difere do saber universitário por levar em
consideração a aplicação que pode ser dada, o contexto, o diálogo entre os pesquisadores que
produzem um saber científico e utilizadores deste conhecimento, pessoas leigas que têm um
saber construído pelo senso comum. A pesquisa assume, dessa forma, papel relevante para a
universidade por responder às demandas sociais da comunidade e por possibilitar a revisão de
seu papel na definição e resolução coletiva dos problemas sociais. Esta também é a
compreensão do aluno da Unijuí (figura nº 12, grifo nosso) ao destacar que “a pesquisa,
essência da universidade, tem um objetivo claro e que de fato corresponda aos interesses da
sociedade e que contribui para a melhoria dela. Dessa forma, a pesquisa coloca à extensão o
desafio de auxiliar na resolução de problemas sociais, atendendo aos preceitos do PNE ao
dispor que: “As IES tem o papel de encontrar a solução para os problemas atuais, em todos os
campos da vida e da atividade humana e abrir horizonte para um futuro melhor para a
sociedade, reduzindo as desigualdades.
Das falas dos autores, observamos que a universidade tem dois desafios à frente:
desenvolver o espírito científico e estimular o pensamento reflexivo. Formar pessoas críticas,
com capacidade de discernir, de estabelecer relações, fazer escolhas e de envolver-se na
construção de uma sociedade melhor exige profissionais também qualificados e, nesse
sentido, a universidade é também responsável pela formação dos profissionais que irão atuar
na escola (pública ou privada), pois o ensino a ser ministrado é resultado dessa formação.
Aproximar a realidade da escola aos cursos de formação é um das alternativas para a
qualificação do profissional, pois promove a discussão e reflexão da realidade concreta.
Enfatizamos também que, além da formação inicial, é imprescindível a formação
continuada para a qualificação do profissional, tendo em vista a evolução do conhecimento e a
necessidade de acompanhar as mudanças decorrentes desse processo. A formação continuada
vem sempre acompanhada de atividade de pesquisa, pois o profissional tem que buscar o
conhecimento para poder resolver as situações que surgem no seu cotidiano. A universidade,
130
portanto, é uma etapa inicial de formação do aluno que, estimulado a “apreender a apreender”,
saberá enfrentar os desafios e propor soluções para os mesmos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A pesquisa na escola básica é um tema recente que começa a ser mais discutido pelo
fato da evolão do conhecimento científico e tecnológico ter provocado uma mudança de
comportamento do homem em relação à natureza, ao seu semelhante e ao mundo. O
conhecimento como forma de emancipação foi um dos ideais da modernidade, entretanto,
esse ideal não se cumpriu. A ciência desenvolveu-se e o homem utilizou o conhecimento para,
em busca do poder, explorar a natureza e o seu semelhante, ampliando a injustiça social e
corroborando com as estratégias do capitalismo vigente.
o desprezamos o avanço que a evolução científica trouxe à humanidade, pois
ofereceu novos produtos, novas tecnologias, novo conforto, longevidade..., mas enfatizamos a
necessidade de advir junto a esses benefícios homens solidários, que pensem o bem da
coletividade, onde todos possam usufruir destes benefícios para ter uma melhor qualidade de
vida. Qualidade de vida implica ter um ar puro, água potável, alimentos saudáveis, enfim,
uma vida saudável. Ter esses direitos materiais e de vida acessíveis a todos requer a tomada
de consciência do ser humano em perceber que faz parte do mundo e que por esta razão é
responsável pelo meio ambiente e pelo seu semelhante.
Foi pensando na busca e efetivação dos direitos humanos pela intervenção do homem
na sociedade que elaboramos essa pesquisa. Era preciso, inicialmente, pensar de que modo
poderíamos contribuir para despertar essa consciência no homem. Com base em alguns
autores, dentre os quais podemos citar especialmente Paulo Freire, referimos a escola como
uma possibilidade de formação humana. Porém, não bastaria pensar apenas a escola com um
modelo de ensino orientando pela transmissão, ainda muito presente. As muitas leituras,
participação em eventos e a realização desta pesquisa, estamos convictos de que a outra
possibilidade para a construção da cidadania é o ensino pela pesquisa, por partir do princípio
132
de que o conhecimento é uma construção coletiva do professor e aluno em relação ao objeto
de estudo.
Foi assim que nos propomos a analisar se as práticas investigativas da escola
estimulam o aluno a ter iniciativa própria e, com isso, desenvolver a capacidade de
compreender o significado da ciência, de sua representatividade na sociedade e de sua
responsabilidade social. Para a concretização de nossa proposta, selecionamos a EFA - Escola
de Educação Básica Francisco de Assis -, uma escola básica, de ensino privado, do município
de Ijuí-RS, a qual possibilitou constatar que é possível trabalhar a pesquisa na escola básica e
formar alunos capazes de atuar na universidade e na sociedade como agentes de construção.
A escola é uma das instituições fundamentais para o desenvolvimento da capacidade
de atuação do aluno, contribuindo, de forma muito incisiva, na sua formação. A começar pela
elaboração de um currículo que privilegie atitudes investigativas e de cidadania, a escola pode
formar sujeitos mais humanos, críticos e responsáveis, mas isso implica também mudança de
atitude do professor em sala de aula por ser ele o responsável pela execução deste currículo. É
nesta lógica que referimos o ensino pela pesquisa, pois estimula o aluno investigar, indagar, se
posicionar, argumentar, e, principalmente, interpretar a realidade e transferir para esta realida-
de as suas elaborações, contribuindo, dessa forma, para que ocorram mudanças significativas
na sociedade. Ensino e pesquisa são, assim, possibilidades de interlocução de saberes, e, como
adverte Freire (1996), atividades intrínsecas, que podem acontecer em sala de aula.
A pesquisa na escola básica difere da pesquisa científica realizada na universidade;
configura-se como uma atividade de sistematização, onde o professor exerce o papel de
orientador na codificação das informações.
As professoras constantemente indagadoras sobre a grande tarefa de selecionar as
informações diárias a que todos somos submetidos, demandam sensibilidade para
perceber, considerar e abordar de forma crítica, criativa, construtiva e compreensiva,
as mudanças presentes na sociedade contemporânea e que influencia no modo de
ser, querer, sentir, pensar e agir dos envolvidos na prática pedagógica.
Professora e coletivo de professores se constituem sujeitos pesquisadores, constantes
estudiosos (Plano de Estudos, 2
a
etapa, 2003, p. 5).
Com essa compreensão, a EFA utiliza-se da pesquisa como eixo norteador de suas
atividades, em todos os níveis de ensino. Assim, “[...] as ações peda gógicas são organizadas
sob forma de Projetos Temáticos, que possibilitam maior articulação entre as áreas do
conhecimento, pelo diálogo dos diferentes saberes e da contextualização do cotidiano
(REGIMENTO 2005, p. 10). Os projetos são organizados conforme as temáticas levantadas
133
pelo professor e alunos e outros de acordo com temas discutidos no ano letivo. O papel do
professor, segundo Becker (1998, p. 16), é “desafiar toda capacidade da criança - um desafio
em forma de questionamento, onde a criança mesma, fala, comenta, avalia seu trabalho, onde
a professora a estimula a enriquecer e aprofundar cada vez mais seus conhecimentos”.
A escola é, assim, uma escola de pensamento, de ação, onde, constantemente, se
redefine a ação educativa. A concepção de pesquisa que a EFA assume é de construção e
reconstrução de saberes, orientada pela reflexão. A outra compreensão de pesquisa, como uma
atividade orientada pelos parâmetros científicos, é realizada por alunos da universidade. Esta
forma de abordar a pesquisa pode ser, provavelmente, um dos entraves que impedem os
professores da escola básica ver a pesquisa como uma atividade cotidiana de sala de aula,
atribuindo aos professores da universidade, a mestres ou a doutores, esta função. Tal pesquisa
é uma atividade de universidade enquanto exigência acadêmica, mas da educação básica
como o exercício de leitura, escrita, interpretação e sistematização das aprendizagens. A
pesquisa na escola básica, compreendida dessa forma, cria as condições para o aluno, desde
cedo, ir fazendo suas próprias elaborações e, ao ingressar na universidade, estar preparado
para fazer pesquisa. A escola básica, portanto, prepara as condições para o aluno fazer
pesquisa na universidade ou, então, para o aluno, caso não ingresse na universidade, ter
condições de buscar sempre o conhecimento para manter-se no mundo do trabalho, pois à
medida que o conhecimento evolui, exclui os indivíduos que não têm capacidade para
entender os novos processos produtivos.
O contexto tecnológico exigiu das instituições de formação uma aprendizagem além
da leitura e da escrita, isto é, o entendimento de outras linguagens que surgem no cotidiano
dos alunos e uma qualificação para o mundo do trabalho. Assim, mudam também as funções
da escola básica que precisa desenvolver, além dessas capacidades, a capacidade de reflexão.
Diferentemente da pedagogia da Escola Nova, centrada na ação na criança, a pesquisa
na escola básica assume o papel de reflexão e contestação da realidade, sendo estes prinpios
o cerne da ação pedagógica do professor. Conceber a pesquisa na escola básica como este
exercício de reflexão remete a alguns desafios e, por esta razão, muitas vezes, a resistência da
escola em inserir a pesquisa nesse nível de ensino. Entre essas condições, podemos citar a
qualificação profissional e a formação continuada.
Embora, como adverte Santos (2004), ainda esteja muito presente na universidade o
paradigma positivista, que se orienta pela transmissão e pela separação do mundo teórico do
mundo prático, ainda é o espaço que os professores podem utilizar para se apropriar de
teorias e metodologias que lhes permitam superar as suas leituras de mundo e as práticas
134
desenvolvidas no interior da escola por outras visões de mundo. A superação de suas visões
de mundo, muitas vezes orientadas pelo senso comum, permite ao professor construir Projetos
Político-pedagógicos articulados com uma perspectiva de mudança social, como também, em
sala de aula, adotar outras práticas de ensino. Os professores não se constituem somente pela
freqüência em cursos formais de ensino, mas na própria escola podem construir referenciais
teóricos que subsidiem sua ação pedagógica. Para isso, é necessário que promovam um
espaço para estudo, participem da elaboração dos Projetos Político-pedagógicos, dos planos
de estudo, da organização do currículo, da socialização de pesquisas e da reflexão sobre as
teorias que orientam a prática pedagógica. Se a escola não promover tais espaços, cabe ao
professor exigir e fazer com que se estabeleçam estas condições, pois qualidade de ensino
precisa repercutir em qualidade profissional.
Na EFA, os professores criaram um espaço de pesquisa. Além dos eventos que a
escola promove e da participação dos professores em eventos externos, existe também o
grupo de estudo dos professores. A legislação da escola, bem como os planos de estudo,
currículo, são também construções conjuntas dos professores e contam com a assessoria de
professores dos departamentos da Unijuí.
Santos (2004b) propõe um paradigma social centrado num saber contextualizado, que
supere a fragmentação do saber e promova o debate com diversas áreas do conhecimento para
a resolução dos problemas sociais. Embora o autor não se refira à escola básica em seus
escritos, adverte que o paradigma social emergente deva ser um paradigma social que leve em
consideração o diálogo entre a comunidade científica com as comunidades locais na
construção de uma sociedade mais justa e mais humana, onde todos possam ter condições de
vida.
Nesse mesmo sentido, Freire (1994), partindo da abordagem que o conhecimento é
construído numa relação dialógica entre professor e aluno, mediados pelo objeto cognoscente,
o mundo portanto, sugere à escola desenvolver um currículo que seja a expressão de uma
educação problematizadora, ou seja, a escola trabalhar com conteúdos que tenham significado
para o aluno e, para isso, necessário se faz organizar os currículos a partir da realidade do
aluno. Da mesma forma, as legislações de ensino referidas no trabalho orientam para a
organização de um currículo do Ensino Médio que privilegie a formação geral do aluno,
através do estímulo ao pensamento crítico, a autonomia intelectual e a formação ética para
que o aluno possa, por si mesmo, sempre buscar o conhecimento, se adaptar aos novos
desafios e compreender a utilidade deste conhecimento para a construção de um mundo
melhor.
135
Nas ações e nos documentos legais da EFA, observamos que a escola, visando atender
à legislação do ensino, organizou o currículo com uma base comum e outra parte
diversificada: a primeira dedicada à formação geral do aluno, preparação do trabalho e para o
prosseguimento de estudos, e a segunda ao aprofundamento de conteúdos da base comum
com temas de interesse dos alunos e temas locais. A abordagem destes conteúdos é realizada
numa relação de interatividade entre professor e aluno e, nesse sentido, a escola utiliza a
pesquisa como recurso metodológico para o desenvolvimento das capacidades de análise, de
reflexão, interpretação e elaboração, como também para o estabelecimento das relações dos
conteúdos trabalhados com o mundo do aluno. Com a participação dos alunos nos projetos
oferecidos pela escola ou solicitados pelos alunos, a cidadania não é princípio apenas
referenciado nos documentos legais da escola, mas vivenciada pelo aluno.
Com base na pesquisa realizada na EFA, nas observações e nos questionários
recebidos, podemos dizer que o ensino pela pesquisa contribui para o entendimento do valor
do conhecimento e, conseqüentemente, para a formação da cidadania. Como bem destaca
Demo (2002a), a pesquisa como princípio educativo estimula o desenvolvimento de
habilidades de atuação (de análise, reflexão, senso crítico, de argumentação) e como princípio
científico possibilita construir e reconstruir referenciais teóricos que darão sustentação às suas
argumentações. Ambas as perspectivas de pesquisa - como princípio educativo ou científico -,
possibilitam outra forma de fazer ciência, onde professor e aluno são partícipes do processo
de construção de conhecimentos. Utilizando-se do diálogo, elaboram suas construções
teóricas e estabelecem relações do conteúdo com o contexto social. Assim, a proposta da
EFA se concretiza, “Acreditando que é possível construir uma sociedade melhor, a Escola
procura vivenciar os valores, solidariedade, justiça, respeito ao outro, ao meio ambiente, à
vida, embora não ignora a desigualdade social, buscando relacionar o currículo com a
realidade” (Relatório, 1998, p. 367). A importância desse ato está em permitir a reflexão e a
construção do conhecimento do mundo contextualizado, não mais comunicado, mas criado
por ambos. Esse processo é fundamental para uma educação que objetiva construir um novo
modelo de ciência para o nosso tempo.
A resposta aos questionários enviados aos egressos da EFA evidenciam o que a teoria
já apontava: uma escola preocupada com o sujeito reflexivo, autônomo, criativo e atuante, que
utiliza em seu currículo, juntamente com as demais disciplinas e metodologias, a arte e a
pesquisa para desenvolver essas capacidades. Na concepção dos alunos, a EFA cumpriu seu
papel na formação geral dos alunos por ter oportunizado a construção conjunta dos
conhecimentos, estimulado o senso crítico, ensinado a fazer pesquisa, a argumentar, a fazer
136
suas interpretações e elaborações, o que tem auxiliado hoje nas suas vidas enquanto alunos de
uma universidade.
Nossa presença na escola também foi fundamental para verificarmos que há uma
participação efetiva dos alunos na construção do conhecimento, não estando esta participação
constante apenas nos documentos legais, mas no trabalho concreto desenvolvido em sala de
aula, nos trabalhos realizados, expostos nas paredes, na internet, nos escritos dos alunos nos
jornais, nos projetos sociais que envolvem os alunos da escola, etc. Enfim, a escola tem uma
proposta de ensino diferenciada e voltada para a vivência da cidadania, que permite ao aluno
perceber que as condições sociais não são fruto do destino, mas decorrentes do próprio
modelo econômico e social vigente. Mesmo antes do ingresso do aluno na universidade, a
escola permite que o aluno participe de diversos projetos sociais para que, nessa etapa de
ensino, vivencie a cidadania. Mas, há muitos outros espaços de inserção do indivíduo pela
conquista dos direitos sociais e que também despertam a consciência de seu papel na
sociedade, a começar pela organização política em associações de bairros, nas escolas, nas
ONGs, nos movimentos que defendem os direitos do cidadão, etc.
Nesse contexto, o maior desafio da educação, hoje, é formar sujeitos éticos, que
reflitam sobre suas ações com a natureza e com o seu semelhante, ou seja, conscientizar o
indivíduo que ele faz parte deste mundo e, por isso, é responsável pelos rumos que a
sociedade está tomando. Freire (2000) atribui a escola a tarefa de promover a humanização do
ser humano. Avançando um pouco, diríamos não só promover, mas resgatar o que há de
humano no interior do ser para que ele possa ver o mundo, as pessoas e o meio ambiente com
outros olhos, não apenas como elementos de exploração. Ser cidao é ter esta percepção e
exercer a cidadania é compreender que pode utilizar o conhecimento para melhorar a
qualidade de vida das pessoas e assim fazer, utilizando o seu conhecimento e sua interferência
para construção de políticas públicas que ofereçam as pessoas o acesso às condições de vida.
Ao final, podemos dizer que o trabalho pretendeu buscar uma forma de resgatar a
humanização do sujeito para a construção de uma sociedade melhor e buscou ver na escola
básica se o ensino pela pesquisa seria esta possibilidade, através do estudo de caso de uma
escola de ensino básico, acreditando que o ensino pela pesquisa é esta possibilidade por
centrar-se numa pedagogia hermenêutica (MARQUES, 2001; DEMO, 2002a), que possibilita
a leitura do mundo a partir da realidade do aluno, e, dessa forma, atribui sentido ao ensino e às
compressões que o aluno faz desse mundo. Portanto, o paradigma social emergente que
Santos faz referência em suas obras, acreditamos ser possível, desde que construído a partir
do cotidiano do aluno, de suas vivências e de seu mundo.
137
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ANEXOS
145
ANEXO A - QUESTIONÁRIO APLICADO PARA OS ALUNOS EGRESSOS
DA EFA
Perfil do aluno
Nome:
Endereço:
Universidade em que estuda:
Curso:
Forma de ingresso na Universidade: ( ) Vestibular ( ) PEIES
Quantas vezes fez vestibular: ( ) 1 ( ) 2 ( ) 3
Gosta do curso de realiza?
1) PAPEL DA ESCOLA NO DESENVOLVIMENTO DE ATITUDE INVESTIGATIVA
A pesquisa auxilia o aluno a pensar, a elaborar seu próprio conhecimento, a argumentar, a
interpretar, a escrever, a se tornar mais crítico, mais participativo, mais atuante. Partindo
dessa afirmação, expresse sua opinião sobre:
a) O que entende por pesquisa?
b) O ensino que recebeu na escola fundamental e média, preparou você (pode assinalar mais
de uma indicação):
( ) para falar
( ) para argumentar
( ) para interpretar
( ) para escrever de forma autônoma
( ) para ser mais crítico
( ) para ser mais participativo, mais atuante na sociedade
( ) para ser mais participativo, mais atuante na sua própria formação
( ) para o desenvolvimento de uma atitude investigativa, de pesquisa?
c) Como universitário, em que momentos percebe que a sua formação na escola de ensino
fundamental e médio preparou para a vida que você precisa levar na Universidade? Pode
descrever alguma situação que demonstra isso.
d) De que atividades participa na Universidade (pode assinalar mais de uma participação):
( ) Projetos de pesquisa PIBIC ( ) Projetos de pesquisa CNPq
( ) Projetos de pesquisa FAPERGS ( ) Voluntário nos projetos de pesquisa
( ) Projetos de Exteno ( ) Grupos de estudo ou de pesquisa
( ) Monitoria em sala de aula ( ) Organização de eventos
( ) Diretório Acadêmico ( ) Diretório Central de Estudantes
( ) Apresentação de trabalhos em eventos de Iniciação Científica
( ) Grupos de Teatro
( ) Outras atividades (especificar): ...................................................................................
e) A EFA hoje incentiva o aluno a realizar alguma disciplina na UNIJUÍ para ir tendo contato
com a Universidade. Quando foi aluno da EFA, realizou alguma disciplina na UNIJUÍ? Que
disciplina fez? Acha importante essa iniciativa da EFA? Por quê?
146
f) A universidade que está freqüentando dá continuidade ao trabalho da escola básica que
você cursou, no aspecto de incentivo à construção de conhecimentos pela pesquisa?
( ) Muito ( ) Pouco ( ) Nenhum
2) PAPEL DA ESCOLA/UNIVERSIDADE NA CONSTRUÇÃO DA CIDADANIA
A pesquisa possibilita ao aluno sua emancipação e, portanto, sua inserção na sociedade como
sujeito histórico e social, capaz de lutar por seus direitos civis, políticos e sociais.
a) O que é ser cidadão para você?
b) Você se considera cidadão?
c) Você já leu a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão?
d) A escola básica de onde provém, educou você para a cidadania?
( ) Muito ( ) Pouco ( ) Não educou
e) Pela sua vivência atual como estudante, considera o aluno como agente de transformação
social?
f) Considera, também, o aluno como um ser capaz de lutar por seus direitos?
g) Em que momentos percebe que a universidade prepara para a cidadania?
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