Introdução
Analisando o exemplo “Eu sou bonita”, é possível depreender que o pronome eu
designa uma mulher, uma vez que o adjetivo “bonita” encontra-se no feminino. Por outro
lado, na frase “Eu fiquei rico”, tem-se como referência um homem, visto que o adjetivo “rico”
está no masculino. O mesmo tipo de análise pode ser feito nas frases relativas ao pronome
tu, com a diferença que este designa o interlocutor e não o falante. Dessa forma, teríamos,
em “Tu és bonita”, a referência a um interlocutor do sexo feminino, ao passo que, em “Tu
ficaste rico”, a referência a um interlocutor do sexo masculino.
Tal raciocínio relaciona-se também ao comportamento das formas pronominais nós
e vós/vocês. Em “Nós somos bonitas”, o adjetivo em concordância com o pronome se
encontra no feminino e, por isso, depreende-se que o pronome nós refere-se a um grupo
composto apenas por indivíduos do sexo feminino, no qual se incluiria, necessariamente, o
falante, também um indivíduo do sexo feminino. Diferentemente, em “Nós ficamos ricos”, a
concordância no masculino – forma não-marcada em português –, indicaria outras
possibilidades interpretativas, a saber: um grupo exclusivamente composto por indivíduos do
sexo masculino ou um grupo misto, no qual se incluiriam homens e mulheres. No que se
refere ao pronome vós/vocês, o mesmo tipo de análise pode ser empreendido, com a
diferença que tal forma pronominal designa o interlocutor, na relação falante-ouvinte.
A forma a gente apresenta comportamento semelhante aos ditos pronomes
primitivos: traços [φ fem, α FEM] para a especificação de gênero
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. Em outras palavras, ainda
que não haja uma atribuição intrínseca de gênero formal, pode-se considerar a existência de
uma subespecificação para o gênero semântico, visto que tal forma pronominal pode se
combinar com adjetivos no masculino e/ou feminino em estrutura predicativa, a depender do
referente, como nos exemplos supracitados.
Em uma frase como “A gente ficou cansado durante aquela viagem à Bahia”, a
concordância no masculino – “cansado” – poderia indicar como referente semântico um
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O substantivo gente apresentava o traço de gênero formal [+fem], embora semanticamente fosse neutro
quanto ao gênero. Quando se diz “Toda a gente estava cansada”, a concordância se estabelece no feminino,
embora possamos estar fazendo referência a um grupo misto ou só de homens. Essas mesmas propriedades
de gênero são postuladas para nomes como: pessoa, multidão, vítima, etc. A concordância com o feminino,
nesses casos, não aciona uma interpretação semântica de gênero feminino como ocorre em “A menina está
cansada.”