Download PDF
ads:
A ORDEM DOS ADJETIVOS NO DISCURSO MIDIÁTICO:
SÉCULOS XIX E XX
Suelen Sales da Silva
Faculdade de Letras - UFRJ
2006
ads:
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
A ORDEM DOS ADJETIVOS NO DISCURSO MIDIÁTICO:
SÉCULOS XIX E XX
por
Suelen Sales da Silva
Dissertação de Mestrado apresentada à
Coordenação de Pós-Graduação em Letras
Vernáculas da Faculdade de Letras da
Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Orientadora: Dinah Maria Isensee Callou
Faculdade de Letras – UFRJ
2006
2
ads:
DEFESA DA DISSERTAÇÂO
SALES, Suelen. A ordem dos adjetivos no discurso
midiático: séculos XIX e XX. Rio de Janeiro: UFRJ,
Faculdade de Letras, 2006. Dissertação de Mestrado
em Língua Portuguesa.
BANCA EXAMINADORA
_________________________________________________________________________
Professora Doutora Dinah Maria Isensee Callou – UFRJ (orientadora)
_________________________________________________________________________
Professora Doutora Maria Aparecida Lino Pauliukonis – UFRJ
_________________________________________________________________________
Professora Doutora Vera Lúcia Paredes da Silva – UFRJ (Lingüística)
_________________________________________________________________________
Professora Doutora Sigrid Castro Gavazzi – UFF
_________________________________________________________________________
Professora Doutora Violeta Virgínia Rodrigues – UFRJ
Defendida a tese
Conceito:
Em: _____/______/ 2006.
3
Dedico este trabalho ao meu pai Plinio,
onde quer que ele esteja.
4
AGRADECIMENTOS
À Dinah Callou, minha "mãe acadêmica", pelo carinho e confiança que sempre demonstrou
por mim e pelos ensinamentos não só acadêmicos mas, principalmente, de vida que me tem
proporcionado ao longo desses anos.
À Célia Lopes, por ter-me inserido no mundo da pesquisa, apresentado-me à família
NURC-RJ.
À Aparecida Lino, por ter-me despertado, ainda nas aulas de Português VII da graduação,
grande interesse pelo universo do discurso, o qual não pretendo abandonar.
À Violeta Rodrigues, Filomena Varejão e Aparecida Pinilla, pela amizade e confiança
conquistadas no período em que trabalhamos juntas no curso de Redação do CLAC/UFRJ.
A todos os meus professores de graduação e pós-graduação, pelos ensinamentos que me
fazem, a todo momento, crescer profissionalmente.
Aos meus alunos e ex-alunos, pelo apoio e carinho demonstrados dentro e fora da sala de
aula.
Ao CNPq, pela concessão de bolsas de iniciação científica e de mestrado, sem as quais não
teria a oportunidade de desenvolver esta pesquisa.
Às amigas "nurquianas" Luciene Martins, Carolina Serra, Juliana Barbosa, Lúcia Rosado,
Márcia Rumeu, Kate Portela e Elaine Thomé, pela amizade e companheirismo em nossos
"perrengues", como em apresentação de trabalhos, provas de concursos e viagens hilárias.
Aos meus ex-aluninhos queridos e agora colegas de trabalho Arilma Coutinho, Luana
Siqueira e Vítor Campos, pela confiança que sempre demonstraram ter por mim,
principalmente na hora das dúvidas de Sintaxe.
5
À minha grande amiga e "afilhada" Erica Almeida, por me fazer acreditar no verdadeiro
valor da amizade que nos fez formar a famosa dupla "EriSu", a prova de que nem sempre o
mundo profissional gira em torno de inveja e competições.
À minha amiga Michelli Bastos, em especial, pelas horas inigualáveis de confidências
pessoais e profissionais que me fazem esquecer de que estamos dentro de uma
Universidade.
A todas os meus companheiros de graduação -- em especial, Micaela Pacheco e Lúcia
Helena Santiago -- pela grande amizade e pelos incentivos que sempre foram de grande
valia em minha trajetória.
A todos os meus amigos e companheiros de "bus" (em especial, as "garotas" Luciana
Leônidas, Natália Eudes e Nathália Leal e os "garotos" Diogo dos Santos, Ivan Cunha,
Leandro Victor, Leandro Nogueira, Ramon Campos e Tarcísio Pelissari), que transformam
minhas viagens à Universidade em momentos de amizade e diversão.
Aos meus avós, tios e primos, por sempre terem acreditado no meu potencial, formando
uma verdadeira torcida organizada.
Ao Luiz, pelo companheirismo, carinho e paciência demostrados nos momentos mais
críticos da minha vida.
Ao meu irmão Plinio Júnior, um modelo de dedicação e inteligência e que, certamente,
conseguirá tudo o que almeja profissionalmente.
Aos meus pais, Plinio e Geísa, meus primeiros e mais importantes mestres, os mestres de
ensinamentos de vida.
A Deus e aos meus santos protetores, por terem me dado a força da superação para que esse
trabalho tenha sido realizado.
6
Grande é a tarefa que nos espera!
Para todos os seres humanos constitui quase um
dever pensar que o que já se tiver realizado é
sempre pouco em comparação com o que resta
por fazer.
(João XXIII)
7
SINOPSE
Análise da ordem dos adjetivos no sintagma
nominal em anúncios, editoriais e notícias de
jornais cariocas dos séculos XIX e XX. Estudo
da relação entre a posição do adjetivo, sua
natureza semântica e o gênero textual em que se
insere, à luz da sociolingüística laboviana, da
teoria dos gêneros e da análise semiolingüística
do discurso. Verificação da função discursiva
desses adjetivos em cada gênero e em cada
época.
8
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO .............................................................................................................. 13
2 APRESENTAÇÃO DO TEMA ..................................................................................... 15
3 REVISÃO NA LITERATURA ..................................................................................... 23
3.1 A ordem dos constituintes na sentença .......................................................... 23
3.1.1 A posição do adjetivo no SN ............................................................ 25
3.2 As categorias substantivo e adjetivo no SN ................................................... 31
4 PRESSUPOSTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS ................................................. 49
4.1 Fundamentação teórica .................................................................................. 49
4.1.1 Perspectivas discursivas ................................................................... 50
4.1.1.1 A análise semiolingüística do discurso ............................ 50
4.1.1.2 A teoria dos gêneros .......................................................... 57
4.1.1.1.1 O discurso jornalístico opinativo ...................... 65
4.1.1.1.2 O discurso jornalístico informativo .................. 69
4.1.1.1.3 O discurso publicitário ...................................... 72
4.1.2 Perspectiva variacionista: a sociolingüística laboviana ................ 77
4.2 Orientação metodológica ................................................................................ 78
4.2.1 Da perspectiva quantitativa ............................................................ 78
4.2.2 Da perspectiva discursiva ................................................................ 82
5. ANÁLISE DOS RESULTADOS .................................................................................. 88
5.1. Da análise sociolingüística ............................................................................. 88
5.2. Da análise discursiva .................................................................................... 103
9
5.2.1 Os adjetivos no discurso opinativo: o editorial ............................ 104
5.2.1.1 O século XIX .................................................................... 105
5.2.1.2 O século XX ..................................................................... 119
5.2.2 Os adjetivos no discurso informativo: a notícia .......................... 138
5.2.2.1 O século XIX .................................................................... 141
5.2.2.2 O século XX ......................................................................153
5.2.3 Os adjetivos no discurso publicitário: o anúncio .........................168
5.2.3.1 O século XIX .................................................................... 170
5.2.3.2 O século XX ..................................................................... 179
6. CONCLUSÕES ........................................................................................................... 190
7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...................................................................... 193
8. RESUMO .................................................................................................................. 201
9. ABSTRACT ................................................................................................................ 202
10
ÍNDICE DE QUADROS, TABELAS E GRÁFICOS
Quadro 1 - Anteposição de adjetivos ao longo dos séculos, de acordo com a pesquisa
realizada por Cohen (1989) ................................................................................................. 29
Quadro 2 - Sistema de traços para a categorização de substantivos e adjetivos (Sales, 2004)
.............................................................................................................................................. 35
Quadro 3 - Propriedades sintáticas, semânticas e morfológicas dos substantivos e adjetivos
(Sales, 2004) ........................................................................................................................ 36
Quadro 4 – Tipo de adjetivos e exemplos (Sales, 2004) ................................................... 41
Quadro 5 - Distribuição de adjetivos quanto ao tipo e sua posição no SN (Sales, 2004)... 42
Quadro 6 - Distribuição de adjetivos por tipo e natureza semântica (Sales, 2004)............ 43
Quadro 7 - Exemplos de flutuação substantivo/adjetivo (Sales, 2004) ............................. 45
Quadro 8 - Relação entre tipos de gênero e domínios discursivos (Marcuschi, 2002) ...... 61
Quadro 9 - Diferenças terminológicas entre Bronckart (1999), Marcuschi (2002) e
Charaudeau (2000) .............................................................................................................. 64
Quadro 10 - Corpora do discurso midiático ...................................................................... 64
Quadro 11 - Distribuição dos corpora por séculos ............................................................ 82
Quadro 12 - Corpora da análise discursiva ....................................................................... 82
Gráfico 1 - Peso relativo de anteposição do adjetivo ao longo dos séculos XIX e XX ..... 88
Gráfico 2 - Anteposição do adjetivo quanto à sua natureza semântica nos séculos XIX e
XX ....................................................................................................................................... 89
Tabela 1- Percentual de anteposição do adjetivo de acordo com a sua natureza semântica
nos séculos XIX e XX ......................................................................................................... 90
Gráfico 3 – Distribuição dos adjetivos quanto ao seu peso nos séculos XIX e XX ........... 91
Tabela 2 – Percentual da posição do adjetivo de acordo sua dimensão nos séculos XIX e
XX ....................................................................................................................................... 92
Gráfico 4 – Anteposição de adjetivos em anúncios, editoriais e notícias de jornais dos
séculos XIX e XX ............................................................................................................... 92
Gráfico 5 – Anteposição do adjetivo quanto à sua natureza semântica no século XIX ..... 94
Gráfico 6 – Distribuição dos adjetivos quanto ao seu peso no século XIX ....................... 94
11
Gráfico 7 – Anteposição do adjetivo quanto à sua natureza semântica no século XX ...... 95
Gráfico 8 – Distribuição dos adjetivos quanto ao seu peso no século XX ......................... 96
Gráfico 9 – Peso relativo de anteposição do adjetivo ao longo do século XX .................. 97
Gráfico 10 – Anteposição de adjetivos em anúncios, editoriais e notícias de jornais do
século XX .............................................................................................................................97
Gráfico 11 – Percentual de anteposição em anúncios editoriais e notícias dos séculos XIX e
XX ....................................................................................................................................... 98
Tabela 3 – Posição do adjetivo de acordo com sua base (nominal/participial) nos séculos
XIX e XX ...........................................................................................................................100
Tabela 4 – Posição do adjetivo quanto à natureza semântica do seu núcleo nos séculos XIX
e XX .................................................................................................................................. 101
Gráfico 12 - Percentual de anteposição com base na natureza semântica do substantivo e do
adjetivo .............................................................................................................................. 102
12
1. INTRODUÇÃO
Através da linguagem, os indivíduos conseguem se relacionar em uma comunidade.
Para comunicar-se e interagir no meio em que vive, o ser humano reúne uma série de
elementos lingüísticos e extralingüísticos a depender do objetivo pretendido. Tal interação
subjaz ao aspecto criativo do uso da linguagem. Assim, no ato de linguagem, estará sempre
implícita uma intencionalidade, um espaço de estratégias (Charaudeau, 1996:34),
correspondentes às escolhas realizadas pelo sujeito no circuito comunicativo.
Sabe-se que o enunciado traz consigo uma série de “evidências” lingüísticas que
traduzem a intencionalidade de quem o produz. Dito isso, pode-se considerar que o
enunciado é composto pelos níveis situacional, comunicacional e discursivo. No primeiro
nível, o situacional, encontram-se a finalidade, a identidade dos parceiros envolvidos no ato
comunicativo e o saber envolvido na troca lingüística. O nível comunicacional
corresponderia, por sua vez, às maneiras de dizer em função da situação e, por fim, no nível
discursivo, estaria a realização do texto pelo sujeito que fala, respeitando-se a legitimidade
e a credibilidade do ato discursivo. Vê-se, portanto, que o sentido de um enunciado deve-
se não só ao aspecto lingüístico, interno, mas também à sua significância externa, às
relações estabelecidas no ato da linguagem.
Assim, pretende-se, no presente trabalho, estudar a ordem do adjetivo no sintagma
nominal (SN) e a sua natureza semântica como marcas lingüístico-discursivas do sujeito no
enunciado. A partir de um estudo variacionista, será analisada a função discursiva que esses
adjetivos podem exercer no discurso midiático. A variação de posição desses qualificadores
no SN será, portanto, investigada como uma estratégia argumentativa utilizada em
anúncios, editoriais e notícias de jornais cariocas dos séculos XIX e XX. Com isso, será
necessária, ainda, uma caracterização dos gêneros textuais analisados, respeitando suas
13
peculiaridades em cada século analisado.
Com os resultados desta pesquisa -- que alia a perspectiva variacionista a
perspectivas discursivas --, espera-se confirmar nossa principal hipótese, que é a de que, no
discurso publicitário -- propagado principalmente no século XX--, a anteposição dos
adjetivos, em geral, avaliativos, torna-se um mecanismo lingüístico-discursivo de
intensificação, utilizado pelo sujeito enunciador, a fim de exaltar as qualidades do
“produto” anunciado e persuadir o sujeito destinatário a comprá-lo.
O trabalho está dividido em sete capítulos. O capítulo 2 é dedicado à apresentação
do tema a ser tratado, bem como percurso histórico que justifica a escolha da orientação
teórico-metodológica a ser utilizada.
No capítulo 3, é feita uma revisão bibliográfica sobre a posição do adjetivo no SN,
que é o ponto de partida do trabalho, e a flutuação entre substantivo e adjetivo, categorias
presentes nos SNs aqui analisados.
o capítulo 4 é destinado à descrição dos pressupostos teóricos e metodológicos
que norteiam a pesquisa, a saber: a análise semiolingüística do discurso (Charaudeau,
1983), a teoria dos gêneros (Marcuschi, 2002) e a sociolingüística (Labov, 1972).
O capítulo 5, por sua vez, é dedicado à análise dos corpora à luz das já
mencionadas abordagens. Em um primeiro momento, há uma análise quantitativa dos
dados, a fim de evidenciar quais os fatores lingüísticos e/ou extralingüísticos responsáveis
pela variação da posição do adjetivo no SN. A partir desses resultados, é feita uma análise
discursiva minuciosa do comportamento dos adjetivos em textos de diferentes gêneros
imbutidos no discurso midiático.
Por fim, encontram-se, no capítulo 6, as conclusões gerais sobre a pesquisa e, no
capítulo 7, as referências bibliográficas básicas que foram aqui utilizadas.
14
2. APRESENTAÇÃO DO TEMA
Segundo a gramática tradicional, existe uma estreita relação entre um nome (termo
determinado) e um adjetivo (termo determinante). Em função adnominal, o adjetivo ocorre
com maior freqüência depois do substantivo, principalmente se com valor objetivo ou
denotativo (Cunha, 1972).
De acordo com Lapa (1968), "quando o adjetivo está logo depois do substantivo,
tende a conservar o valor próprio, objetivo, intelectual; quando está antes, tende a perder
o próprio valor e a adquirir um sentido afetivo". Assim, o uso do adjetivo em posição pré-
nuclear evidencia uma intenção discursiva do enunciador em dar um valor mais subjetivo
ao conteúdo semântico do sintagma nominal.
No Projeto Para uma História do Português Brasileiro
1
, Avelar (2000), ao iniciar
um estudo sobre a ordem dos adjetivos no SN, tinha como referencial teórico a chamada
teoria da variação (Labov, 1972). Acreditava-se que, com a seleção de fatores lingüísticos
e extralingüísticos responsáveis pela variação da ordem dos adjetivos, seriam obtidos
resultados mais confiáveis para uma análise mais sistemática dos dados.
1
O Projeto de pesquisa PHPB tem raízes no Projeto NURC (Norma Urbana Culta) e está relacionado ao
Projeto bi-nacional VARPORT, já estando disponível, na internet, parte de seu corpus sincrônico e
diacrônico (
www.letras.ufrj.br/phpb-rj; www.letras.ufrj.br/nurc-rj e www.letras.ufrj.br/varport): transcrições
de impressos dos séculos XIX e XX, do português brasileiro e do português europeu, edições diplomático-
interpretativas de manuscritos dos séculos XVIII e XIX e materiais do NURC-RJ, das décadas de 70 e 90,
para estudos em tempo real de curta e de longa duração. Os projetos individuais estão integrados teórico e
metodologicamente à proposta geral, no sentido de uma sociolingüística histórica, todos os participantes
mantendo contato estreito em todas as atividades. Esses lingüistas, de diferentes orientações teóricas, vêm se
preocupando com a questão da variação e mudança lingüísticas e já puderam observar que as principais
mudanças gramaticais que ocorreram no português brasileiro, em relação ao europeu, se deram a partir do
século XVIII e se desdobram no presente.
15
Serra (2003), também integrante da equipe PHPB, aliou à sociolingüística
laboviana alguns princípios da Fonética Acústica, a fim de verificar, a partir da análise
prosódica da posição do adjetivo no português brasileiro, se a anteposição do adjetivo,
posição marcada, interferiria no padrão prosódico do SN.
As pesquisas, que possuíam uma perspectiva diacrônica, apontavam sempre para o
fato de a posição do adjetivo ser determinada, preferencialmente, por sua natureza
semântica: o adjetivo de caráter mais subjetivo tende a vir anteposto, ao passo que o
adjetivo de caráter mais objetivo tende a vir posposto.
Sales (2002), ao dar continuidade a este estudo sobre a ordem dos adjetivos,
verificou que existe uma estreita relação entre a posição do adjetivo no SN, sua natureza
semântica e o gênero em que se insere. Através de análises variacionistas, confirmaram-se,
mais uma vez, as seguintes hipóteses:
(a) a posposição representa a ordem não-marcada, sendo a norma objetiva dos dias atuais;
(b) adjetivos mais pesados tendem a aparecer em posição pós-nuclear;
(c) os adjetivos de base participial aparecem preferencialmente pospostos;
(d) quando os adjetivos aparecem antepostos, o núcleo é, em geral, abstrato;
(e) a posição pré-nuclear é ocupada preferencialmente pelo adjetivo avaliativo e não pelo
descritivo; e
(f) há uma maior quantidade de adjetivos antepostos (e, em geral, avaliativos) em
anúncios publicitários.
Contudo, segundo Charraudeau (1996:40):
“Para evitar que uma lingüística seja, de um certo ponto de
vista, ingênua, é necessário que sua teoria e seus
instrumentos de análise sejam centralizados sobre a
16
descoberta dos jogos de significação psicossocial dos atos de
linguagem que se trocam numa comunidade sociocultural. É
na carga semântica dos vocábulos, por meio dos modos de
organização discursiva que os integram, e numa situação de
intercambio, que se podem levantar as marcas desse jogo”.
Observou-se, então, que os diferentes tipos de gêneros textuais analisados segundo a
sociolingüística laboviana são, na verdade, enunciados que se constituem não só de marcas
lingüísticas, mas também de relações interpessoais que se estabelecem no momento da
enunciação. As marcas lingüísticas do texto constituem indíces de intenções persuasivas do
emissor sobre o receptor. Assim, pode-se dizer que, reconhecendo-as, é possível traçar um
perfil desses gêneros textuais. Os adjetivos (avaliativos ou descritivos) e sua posição no SN
seriam, portanto, uma dessas marcas enunciativas que nos permite identificar o sujeito no
enunciado.
A análise contrastiva dos diferentes tipos de gêneros textuais permite evidenciar
semelhanças e divergências entre eles. Nota-se que, independente do gênero, há sempre a
presença de um enunciador, que se apresenta através de marcas lingüístico-discursivas,
sendo uma delas o próprio adjetivo.
O discurso midiático, que corresponde a um único domínio discursivo (Marcuschi,
2002) , é repleto de “estratégias” a serviço da argumentação (Leite, 2003). O que nos faz
agrupá-lo em uma única instância, além do fato de utilizar-se do mesmo suporte -- no caso,
a mídia --, é compreendê-los como gêneros que possuem uma prática discursiva em
comum.
Sabe-se, no entanto, que esses gêneros, apesar de fazerem parte do mesmo domínio,
possuem características próprias, podendo, por exemplo, fazerem parte, em uma instância
17
menor, de um discurso jornalístico -- no caso de editoriais e de notícias de jornais -- ou de
um discurso publicitário -- no caso de anúncios.
Os editoriais são um gênero jornalístico argumentativo que busca orientar o leitor
através da definição de um ponto de vista do veículo ou da pessoa responsável pela
publicação. Estão inseridos, portanto, em um tipo de jornalismo opinativo.
Esse gênero tem, predominantemente, o modo argumentativo de organização do
discurso, além do modo enunciativo, que permeia todos os demais modos discursivos. E,
através da argumentação, revelam-se algumas estratégias persuasivas utilizadas pela
imprensa, a fim de convencer o público-alvo de uma determinada posição político-social.
Entretanto, há controvérsias se essa tomada de posição é, na verdade, do jornal ou do
editor.
Geralmente, quando o jornalismo possui a função de informar, explicar e orientar o
leitor, como em editoriais, a objetividade passa a ser característica fundamental. Contudo,
considerando a subjetividade existente no discurso do enunciador, é importante que não se
esqueça da presença do sujeito enunciador existente no editorial e que procura convencer o
público-alvo, no caso, o sujeito destinatário, idealizado pelo sujeito comunicante (Jornal O
Globo e/ou editor).
O trecho a seguir, extraído de um editorial do século XX, permite algumas
reflexões.
“É hoje a data universal da comemoração do trabalho,
momento opportuno, portanto, para um balanço do estado
actual das chamadas reinvindicações trabalhista sobre as
quaes a conflagração de 1914 exerceu um grande impulso.
O facto do Tratado de Versalhes Ter inserido, entre seus
dispositivos, a chamada Carta do Trabalho, constitue uma
18
prova da importancia que esse assumpto, economico e social
mais do que político, teve aos olhos daquelles que, assignado
o armisticio, tiveram o importante encargo de preparar,
para o mundo civilizado, o verdadeiro canon de suas
relações internacionaes. (...) ”.
(Correio da Manhã/1929)
Apesar de não desconsiderar a subjetividade do discurso, nota-se que, nos editoriais
– que possuem um teor de objetividade maior do que um anúncio publicitário, por exemplo
– os adjetivos geralmente encontrados são mais objetivos/descritivos. Este poderia ser
considerado mais um motivo pelo qual tenhamos uma menor ocorrência de anteposição de
adjetivos nos editoriais em relação aos anúncios, uma vez que a posposição, como já foi
comprovado, tem ocorrido freqüentemente quando os adjetivos são descritivos, ou seja,
caracterizam objetivamente o núcleo do SN.
Já as notícias de jornais fazem parte de um jornalismo informativo, no qual o
redator informa algum fato ocorrido. A linguagem empregada na chamada “notícia” tende a
ser objetiva porque revela um universo “narrativo” acerca dos fatos/acontecimentos.
Portanto, quanto ao modo de organização discursiva, observa-se que, além do modo
enunciativo, há, predominantemente, a presença do modo narrativo a serviço da
argumentação, uma vez que uma notícia, além de ser narrada, pode ser apresentada de
diversas maneiras, a depender da intenção de quem a escreve ou do jornal em questão.
O caráter objetivo e informativo de notícias, assim como de editoriais, também
explicaria a maior ocorrência de posposição de adjetivos, que são, em geral, descritivos.
19
Eleições em S. Miguel
Por notícias recebidas pelo hiate “Tricana” podemos
affiançar aos nossos leitores que a votação do nosso collega
dr. Theophilo Braga no circulo de Ponta Delgada será mais
numerosa que a do anno passado. Só na assembléia eleitoral
da Matriz (S. Sebastião) teve 225 votos, mais 122 do que na
eleição suplementar de 1880.
(Diário de Notícias/1881)
No gênero publicitário, a linguagem vale-se de elementos lingüísticos específicos,
acarretando um dinamismo próprio para se compreender os vários aspectos da publicidade
e efetivar a inter-relação autor/leitor. Uma propaganda bem elaborada é justamente o fator
diferencial no competidíssimo jogo de mercado, em que as marcas disputam,
acirradamente, o público consumidor.
Os anúncios fazem, portanto, parte de um discurso publicitário, no qual o objetivo é
exaltar as qualidades produto anunciado. Para isso, utilizam-se mecanismos lingüístico-
discursivos de intensificação, como o da adjetivação, o recurso ao grau e à gradação, à
singularização, às figuras de linguagem, à repetição e a diferentes processos de criação
lexical (Monnerat, 2003). Nesse trabalho, priorizou-se o processo de adjetivação, a fim de
tentar explicar o porquê de haver maior incidência de anteposição de adjetivos (em geral,
avaliativos) justamente em anúncios de jornais, como podemos observar no exemplo a
seguir.
20
Também a linda Elizabeth Taytor, estrêla do filme
Rapsódia da Metro Goldwyn Mayer, revela às brasileiras o
seu segrêdo de beleza
Ela diz: “Eu uso Sabonete Lever!”
Você viu como Elizabeth Taylor aparece linda em
Rapsódia? Notou que delicioso frescor juvenil irradiam de
seu rosto e sua cútis? Pois agora essa encantadora estrêla da
Metro ensina a você como ter uma cútis tão suave e perfeita.
Elizaberth Taylor, como 9 entre 10 estrêlas de Hollywood,
usa diariamente o puríssimo Sabonete Lever.
1. LEVER é puro – Sua imaculada alvura o demonstra.
2. LEVER é perfumadíssimo – Um delicioso perfume permanece após o banho.
3. LEVER suaviza a pele – Sua tonificante espuma dá um encantador fascínio.
Siga o conselho de Elizabeth Taylor, e ponha em seu
rosto, em seu corpo, aquela mesma beleza, aquela deliciosa
suavidade que você vê nas estrelas do cinema.
Não há dúvida!
As mulheres que precisam ter uma pele impecável,
usam e recomendam Sabonete Lever. Vá ver: a encantadora
Elizabeth Taylor em Rapsódia atualmente nos Cine Metro.
(O Globo/1955)
Sabe-se, ainda, que os gêneros textuais podem sofrer modificações ao longo do
tempo. Essa mudança de perfil decorre, normalmente, do momento histórico da sociedade
em que se insere e de suas necessidades de comunicação. Com base nisso, busca-se
21
verificar de que maneira os adjetivos se comportam em diferentes tipos de gêneros textuais
-- no caso, anúncios, editoriais e notícias de jornais -- dos séculos XIX e XX.
Assim, para que seja analisada a função discursiva dos adjetivos nos gêneros
textuais analisados, pretende-se aliar perspectivas discursivas à perspectiva variacionista, a
fim de que as marcas selecionadas para estudo, no caso, a posição do adjetivo e sua carga
semântica, possam ser analisadas não só quantitativamente, mas também qualitativamente.
Sendo assim, parece relevante a interface que esta proposta contempla, numa tentativa de
descrever os adjetivos como recursos lingüístico-discursivos na amostra selecionada para
estudo, que, propositalmente, procura abarcar diferentes gêneros textuais.
A partir dos resultados deste trabalho, pode-se dizer que o projeto PHPB terá
fechado um ciclo de estudos sobre a ordem dos adjetivos, uma vez que a pesquisa terá sido
implementada com base em diferentes teorias lingüísticas.
22
3. REVISÃO NA LITERATURA
3.1 A ordem dos constituintes na sentença
Apesar de a ordem SVO ser considerada canônica no português (tanto no PB,
quanto no PE), não se pode esquecer que nenhuma língua pode ser concebida como um
sistema monolítico de possibilidades, já que todas as línguas incorporam margens de
variação, inclusive no que se refere à ordem dos elementos combinados.
Em relação às variações de ordem dos constituintes numa frase, convém acentuar
dois fatos interdependentes. Primeiramente, que existe uma ordem de constituintes que
poderia ser denominada ordem básica de constituintes em português – a ordem SVO -
sujeito-verbo-objeto (ou complementos). Em segundo lugar, que existem frases a que são
aplicados processos sintáticos que originam uma ordem de constituintes diferente da básica.
Segundo Peres & Moia (1995), e de acordo com determinados conceitos de ordem e
movimento de constituintes, pode-se dizer que uma frase pode ser de ordem básica (SVO)
ou de ordem derivada. A propósito disso, apresentam-se, a seguir, exemplos de algumas
construções que permitiram uma mudança da ordem básica.
(a) Construções de tópico marcado
(1)a.
O incêndio, os bombeiros controlaram-no.
(1)b. Controlaram o incêndio,
os bombeiros.
Estas frases contêm uma predicação cujo predicador é o verbo controlar e cujos
argumentos são os SNs os bombeiros e o incêndio. Assumindo a ordem dos constituintes
acima referida como ordem básica de constituintes do português, poderíamos construir com
estes elementos a frase de ordem básica os bombeiros controlaram o incêndio. Optou-se,
porém, por frases de ordem derivada, em que o complemento direto é anteposto ao sujeito e
ao verbo (embora esteja associado ao pronome clítico o, que se segue ao verbo) – frase (1)a
23
– ou em que o sujeito é posposto ao verbo ou ao complemento direto – frase (10)b. Em
ambos os casos, os elementos foram deslocados para uma posição denominada posição de
tópico (inicial ou final).
(b) Construções de inversão sujeito-verbo
(2) Telefonaram
os teus primos.
Nesta frase, o predicador é o verbo telefonar, sendo a expressão os teus primos o
argumento. A correspondente frase de ordem básica seria os teus primos telefonaram. A
alteração de ordem básica de que resulta a frase (2) consiste na deslocação do sujeito para
uma posição pós-verbal.
(c) Construções passivas
(3)
O incêndio foi controlado pelos bombeiros.
Numa das análises possíveis da frase (3), a predicação nela contida tem como
predicador o verbo controlar e como argumentos o incêndio e [por] os bombeiros. A partir
destes elementos da predicação, poderíamos ter construído a frase ativa os bombeiros
controlaram o incêndio. Construiu-se, porém, uma frase em que o complemento direto da
ativa aparece na posição (e com a função) de sujeito. De acordo com uma determinada
perspectiva sintática, pode-se considerar que o sujeito de (3) foi deslocado da sua posição
original de complemento para a posição pré-verbal de sujeito. Este é, portanto, mais um
exemplo de alteração da ordem básica dos constituintes.
(d) Construções com movimento –Q
(4)
Que disseram os bombeiros?
Esta frase tem como predicador o verbo dizer e como argumentos os bombeiros e o
24
pronome interrogativo que. É uma frase de ordem derivada, resultante do movimento do
complemento direto (que) para uma posição pré-verbal e, ainda, uma inversão sujeito-verbo
(disseram os bombeiros). O primeiro desses movimentos é, segundo estes autores, um
exemplo de movimento-Q de uma expressão argumental. Esse movimento pode ser
verificado em frases interrogativas e relativas.
Esses tipos de construção – construções de tópico marcado, construções de inversão
sujeito-verbo, construções passivas e construções com movimento-Q – são exemplos de
variação da ordem intersintagmática no português. Entretanto, com relação à ordem dos
constituintes na sentença, o que nos interessa no presente trabalho é a distribuição dos
constituintes no sintagma nominal (SN), em especial a variação entre o termo determinante
e o termo determinado (Camara Jr.,1999). Objetiva-se, a partir desta revisão na literatura
sobre a posição do termo determinante no SN, ratificar que, em português, adjetivos
ocupam, preferencialmente, a posição pós-nuclear e mostrar que condicionamentos
sintáticos, morfológicos, ritimico-prosódicos e, principalmente, semântico-discursivos
determinam a mudança de ordem desses qualificadores.
3.1.1 A posição do adjetivo no SN
O sintagma nominal (SN) consiste em uma estrutura funcional composta por
especificadores à esquerda do núcleo -- como artigos, possessivos, demonstrativos,
quantificadores -- e complementizadores -- representados por sintagmas adjetivais,
preposicionais ou epítetos --, sendo o adjetivo o único tipo de complemento que possui a
possibilidade de ocupar a posição pré- ou pós-nuclear.
Segundo a gramática tradicional, em função adnominal, o adjetivo ocorre com
maior freqüência depois do substantivo. Cunha (1972) já considerava o fato de o adjetivo
25
ocorrer em posição pós-nuclear principalmente se possuir um valor objetivo ou denotativo.
Lapa (1968) também aludira a estreita relação entre a posição do adjetivo no SN e seu valor
semântico. Segundo ele, em sua posição mais usual, tende-se a conservar seu valor
objetivo, ao passo que, quando deslocado para a posição pré-nuclear, adquire um sentido
mais afetivo.
De acordo com Mateus et alii, (2003), nem sempre há a possibilidade de variação
posicional do adjetivo no SN. Em alguns casos, a posição pós-nuclear [- marcada] é
obrigatória, como nos exemplos (5) e (6), enquanto em outros é opcional, como em (7) e
(8). Há, ainda, alguns adjetivos que, a depender de sua posição no SN, possuem
significados diferentes, como no exemplo (9). Segundo os autores, a anteposição do
adjetivo [+ marcado] é mais recorrente em textos de cunho literário, em que há uma maior
carga de subjetividade.
(5) caixa postal * postal caixa
(6) sistema nervoso * nervoso sistema
(7) oportunidade boa boa oportunidade
(8) vantagens irrecusáveis irrecusáveis vantagens
(9) amigo velho velho amigo
Neves (2000) diz que os adjetivos que permitem, com maior freqüência, a
anteposição são aqueles que expressam qualidades atribuídas a termos que possuem uma
relação específica com o substantivo qualificado, em que o adjetivo não possui valor
absoluto, mas uma referência a uma característica inerente ao substantivo: homem é
indefeso como homem. Estes seriam os chamados adjetivos qualificadores.
Segundo a autora, a ordem do adjetivo qualificador pode ser livre, como em (10),
obrigatoriamente posposta ou anteposta, como em (11) e (12), respectivamente, ou livre
26
com alteração de sentido, como em (13). Já os adjetivos classificadores, em função
adnominal, aparecem, segundo ela, preferencialmente, pospostos, embora existam algumas
construções cristalizadas em que o adjetivo aparece sempre anteposto, como em (14).
(10) mulher elegante elegante mulher
(11) tempo ruim
(12) mero detalhe
(13) amigo pobre pobre amigo
(14) pátrio poder
Perini (1996) defende que a anteposição do adjetivo corresponderia a uma
propriedade do vocábulo definida no léxico. Assim como Casteleiro (1981), o referido
autor acredita que o adjetivo já viria determinado no léxico momo [+PN] ou [-PN] e que,
somente algumas vezes, admitiria uma ordem [+/-PN] sem que houvesse alteração de
significado. Para eles, todos os adjetivos, ao se deslocar para a posição [+ marcada], sofrem
uma ligeira alteração de sentido, como no exemplo (15).
(15) conquistas grandes grandes conquistas
Serra (2004), ao investigar, em uma perspectiva diacrônica, a ordem dos adjetivos
no SN nas variedades brasileira e européia do português, confirmou que existe um vasto
grupo de adjetivos que possui a dupla marcação. A autora afirma, ainda, que alguns
adjetivos que, no português atual -- pelo menos no PB --, causariam estranheza em posição
pré-nuclear aparecem antepostos em textos do século XIX do PB, como nos exemplos (16)
e (17).
(16) Correios destinados para a interior communidade desta Côrte. (Gazeta do Rio
de Janeiro/1810)
(17) seu efeito é mais efficaz que dobrada porção do óleo simples. (Diário de
27
Notícias)
Para a autora, muitos adjetivos que, em épocas anteriores, tinham a possibilidade de
ocupar a posição pré-nuclear, perderam esse traço [+PN]. Provavelmente, estes adjetivos
eram descritivos, ou seja, caracterizavam objetivamente o núcleo do SN, como nos
exemplos (16) e (17). Entretanto, ao contrário do que Perini (op. cit.) sugere, a pesquisa de
Serra (op. cit.) permite-nos concluir que a colocação do adjetivo no SN é determinada,
principalmente, por uma escolha que considera o valor semântico-discursivo do adjetivo,
aliado ao gênero textual em que ele aparece.
Greenberg (1961), com base em uma amostra composta por 30 línguas, apresenta
um levantamento sobre a ordem dos constiuintes na frase e afirma que línguas SVO (como
o português, por exemplo) normalmente apresentam adjetivos pospostos ao núcleo.
Segundo ele, em línguas em que a regra geral é a de que o adjetivo descritivo vem posposto
ao núcleo, pode haver, em alguns casos, uma variação na ordem desse qualificador. Já em
línguas que a regra geral é a de que o adjetivo descritivo vem anteposto ao núcleo, não há
possibilidade de variação posicional.
Nota-se, portanto, que é a ordem do adjetivo descritivo que determina a
possibilidade de variação posicional. O português é uma língua em que os adjetivos
descritivos, na maioria das vezes, aparecem pospostos ao núcleo e, por isso, permite uma
variação de ordem dos adjetivos no SN. Diferentemente do inglês, por exemplo, que é uma
língua que, por ter como regra a anteposição do adjetivo descritivo, não permite essa
variação.
Há, ainda, outros estudos sobre a ordenação dos adjetivos no SN. Boff (1991),
Gomes (2001) e Nobre (1989) também apontam essa tendência à fixação do adjetivo na
28
posição pós-núcleo. Nobre (op. cit.), em uma perspectiva funcionalista, utilizou como
corpus dados da fala do Projeto Censo da Variação Lingüística do Estado do Rio de
Janeiro. A autora tinha como objetivo propor uma distribuição seqüencial de nomes e
adjetivos em um continuum de gramaticização que levasse em conta ordem e coesão. Para
ela, dentro desse continnum, com formas de maior ou menor grau de coesão, a mobilidade
dos constituintes pode sofrer uma restrição semântica. Assim, " em uma situação discursiva
qualquer a significação que pretendemos dar a uma expressão é que determinará a
utilização de uma ou outra ordenação". (op. cit: 44)
Cohen (1989) também investigou a ordem dos adjetivos na diacronia, utilizando
como corpora textos de diversos gêneros textuais dos séculos XIV ao XX. Segundo a
autora, os percentuais de anteposição encontrados foram os seguintes:
Distribuição por séculos Percentual de anteposição
Século XIV 76%
Século XV 82%
Século XVI 48%
Século XVII 71%
Século XVIII 51%
Século XIX 34%
Século XX 20%
Quadro 1 - Anteposição de adjetivos ao longo dos séculos, de acordo com pesquisa realizada por Cohen
(1989).
A autora chama atenção para o fato de a posposição do adjetivo se tornar
predominante, principalmente, a partir do século XVIII. No entanto, não comenta a
inconstância de percentuais entre os séculos XV e XVII, basicamente o baixo indíce de
anteposição no século XVI (48%).
29
Conforme já aludira Serra (op. cit), essa oscilação de freqüência de anteposição
poderia ser explicada pela diferença entre os tipos de gêneros textuais utilizados como
corpora. Os textos utilizados para a análise do século XVI foram A Carta de Pero Vaz de
Caminha (1500) e Cartas dos Primeiros Jesuítas do Brasil (1538-1553), que são
correspondências oficiais de caráter informativo e que mesclam descrição e narração. Nesse
tipo de gênero textual, há maior possibilidade de haver adjetivos pospostos -- por serem
mais descritivos -- que em cartas pessoais, por exemplo, que foram utilizadas na análise do
século XVII e possuem um maior teor de subjetividade, sendo mais provável a utilização de
adjetivos avaliativos e, conseqüentemente, antepostos.
A fim de relacionar a questão da ordem dos adjetivos à sua natureza semântica e ao
tipo de gênero textual em que estão contextualizados, retomemos Serra (op. cit: 18), que,
com uma análise variacionista de dados extraídos do mesmo corpus a ser explorado no
presente trabalho -- anúncios e editoriais dos séculos XIX e XX dos Projetos PHPB e
VARPORT --, confirmou uma das hipóteses que também se pretende ratificar:
"(...) percebe-se que sua colocação (dos adjetivos) anteposta
ou posposta depende muito mais de aspectos semântico-
discursivos e estilísticos que estritamente sintáticos. A
escolha pela anteposição evidencia a intenção de dar um
novo valor, mais "subjetivo", mais "valorativo", ao conteúdo
semântico do sintagma nominal, exatamente o que acontece
com a anteposição do adjetivo necessários em "necessários
pertences", retirado de um anúncio de imprensa carioca do
século XIX; ou ainda uma apreciação negativa, da mesma
forma de caráter subjetivo, como neste dado retirado de
editorial da primeira fase do século XX "odiosas negociatas"
30
Segundo a autora, que desenvolveu uma análise variacionista e prosódica da ordem
dos adjetivos no SN, esses qualificadores possuem, ainda, "marcas" prosódicas próprias --
de duração, intensidade e freqüência fundamental -- capazes de alterar a estrutura prosódica
subjacente. No entanto, ainda mais importante que esses condicionamentos ritmico-
prosódicos são os de caráter semântico-discursivo. Para ela, é importante observar as
intenções comunicativas de cada gênero e em cada época, uma vez que esses fatores,
associados ao valor semântico do adjetivo, são primordiais para explicar a variação
posicional dos adjetivos no SN. É justamente essa questão que se busca aprofundar no
trabalho ora desenvolvido.
3.2 As categorias substantivo e adjetivo no SN
O SN é composto sempre por um termo determinado (núcleo) e por termos
determinantes. Normalmente, o termo determinado pertence à categoria dos substantivos e,
quando isso ocorre, pode ou não vir acompanhado de um termo determinante pertencente à
categoria dos adjetivos. Entretanto, o que acontece muitas vezes é que a categorização
dessas palavras é determinada somente pela sua função dentro do SN. Observem-se os
exemplos que seguem:
(18) olhos doentes (Correio da Manhã/1918)
(18') [Os doentes] vão se recuperar em breve.
(19) casas comerciais (Correio da Manhã/1917)
(19') [Os comerciais de TV] estão fazendo sucesso.
Como se pode notar nos exemplos acima, uma mesma palavra pode ser classificada
como substantivo ou adjetivo a depender de sua função dentro do sintagma. Em (18) e (19),
as palavras doentes e comerciais funcionam como adjetivos, uma vez que determinam seus
31
núcleos (olhos e casas, respectivamente). Já em (18') e (19'), as mesmas palavras, por
passarem a exercer a função de termo determinado (núcleo do SN), pertencem à categoria
dos substantivos. Entretanto, nota-se que, na verdade, enquanto doentes é, originariamente,
um adjetivo, comerciais pertence, primeiramente, à classe dos substantivos.
A distinção entre as classes de substantivo e adjetivo sempre foi uma questão
problemática na descrição do português. Primeiramente, porque as gramáticas normativas
se utilizam de diferentes critérios para a definição de cada uma dessas classes. Observe-se,
por exemplo, como Cunha (1972) define essas duas classes:
“Substantivo é a palavra com que designamos ou nomeamos os seres em geral.” (p. 177)
“O adjetivo é essencialmente um modificador do substantivo”. (p.245)
Na verdade, como se pode observar, o substantivo é definido em termos semânticos,
enquanto o adjetivo, normalmente, recebe uma definição sintática ou funcional. Assim,
devido a essas diferenças de critérios que definam essas categorias, muitas vezes, torna-se
difícil considerar uma palavra como substantivo ou adjetivo. Basílio (1995) cita o exemplo
do SN fator miséria, em que o segundo elemento pode ser considerado tanto um
substantivo, por designar um ser, quanto um adjetivo, por acompanhar o substantivo fator.
Câmara Jr. (op. cit.), que se utiliza de critérios morfo-semânticos para classificar as
palavras, já considerava os substantivos e os adjetivos como uma classe única de nomes.
Para ele, o que distingue essas duas categorias é o fato de o substantivo ser o termo
determinado e o adjetivo, o termo determinante.
Basílio (op. cit.), no entanto, levanta dois argumentos relacionados à classificação de
Câmara Jr. (op. cit.). O primeiro é que, embora alguns substantivos possam funcionar como
determinantes, muitos deles não possuem todas as características dos adjetivos nesta
32
função. No exemplo (20), por exemplo, marfim não pode funcionar como adjetivo, já que
não se evidencia, nesse caso, concordância (calças *marfins).
(20) Tenho duas calças marfim.
O segundo argumento que a autora utiliza é o de que a proposta de Câmara Jr. (op.
cit.) impediria o estabelecimento da distinção entre sufixos formadores de substantivos e
sufixos formadores de adjetivos e entre sufixos que operam em bases substantivas e sufixos
que operam em bases adjetivas. O sufixo –idade, por exemplo, que possui a função de
mudança categorial, não poderia ser considerado um sufixo que se adiciona a bases
adjetivas para formar substantivos abstratos. Na verdade, a partir da proposta desse autor,
esse sufixo teria a função de ser adicionada a nomes para formar nomes, não tendo mais,
portanto, a função de mudança categorial.
Com isso, Basílio (op. cit.) discrimina algumas peculiaridades dessas duas classes.
Apesar de existirem algumas propriedades gerais capazes de distinguir essas duas
categorias, sabe-se que ocorre, sistematicamente, uma flutuação de classes. Na formação de
palavras com os sufixos – dor e – nte, por exemplo, há a formação de nomes de agente, que
podem funcionar como adjetivos, com a atribuição de agentividade ao substantivo --
exemplos (21) e (22) --, e a formação de adjetivos, que não podem ser substantivados e não
atribuem agentividade ao substantivo a que se referem (23). Assim, enquanto a regra de
adição de –dor forma, sobretudo, substantivos, a adição de –nte forma, sobretudo,
adjetivos.
(21) comissão examinadora
(22) remédio fertilizante
(23) cena comovente
33
Já a formação de palavras com o sufixo –ista pode gerar tanto substantivos (24)
quanto adjetivos (25). Entretanto, nesses casos, não há a necessidade de distinguir adjetivos
não substantiváveis de adjetivos que podem funcionar como substantivos.
(24) Hopper é um funcionalista.
(25) O livro funcionalista
Existem, ainda, palavras que podem funcionar tanto como substantivo quanto como
adjetivo. No entanto, segundo Basílio (op. cit.), o mais comum é que adjetivos que, embora
pareçam estar funcionando como substantivo, continuem sendo interpretados como
adjetivo.
Contudo, em contextos genéricos, ocorrem adjetivos que ocupam uma posição de
núcleo, como em (26), funcionando como substantivo. Nesse caso, a função semântica de
caracterização está a serviço da função de designação.
(26) Os aflitos são muito estressados.
Na verdade, a dificuldade de distinguir adjetivos de substantivos se deve a
propriedades de utilização de palavras de cada classe em situações restritas da outra classe,
motivadas pela possibilidade de mudança de função. Entretanto, como não ocorre uma
mudança completa das propriedades semânticas, sintáticas e morfológicas, nota-se que
esses são, de fato, casos de flutuação entre substantivo e adjetivo, em que designadores
atuam como caracterizadores e vice-versa.
Com base em gramáticas tradicionais e em textos teóricos sobre o assunto, podemos
notar algumas propriedades comuns e divergentes entre substantivos e adjetivos:
34
Propriedades
(semânticas/sintáticas e
morfológicas)
SUBSTANTIVO ADJETIVO
Designação de seres em
geral
(+) (-)
Caracterização de seres em
geral
(-) (+)
Núcleo de sintagmas
(+) (-)
Faz parte de adjuntos
adnominais
(+) (+)
Ocorre como determinantes
e qualificadores
(+) (+)
Gênero imanente
(+) (-)
Número determinado pela
pluralidade do referente
(+) (-)
Ocorre em estruturas
predicativas com verbos
estativos, de opinião e de
mudança de estado
(-) (+)
Concorda em gênero e
número com outra palavra
(-) (+)
Quadro 2 – Sistema de traços para a categorização de substantivos e adjetivos (Sales, 2004).
A partir desse sistema de traços, pode-se agrupar algumas propriedades semânticas,
sintáticas e morfológicas que distinguem os substantivos dos adjetivos para, assim, tentar
defini-los, como se pode ver no Quadro 3 a seguir.
35
SUBSTANTIVO ADJETIVO
Propriedades semânticas
- Designa seres,
objetos,ações,estados
ou qualidades
tomados como seres;
- Caracteriza seres,
objetos ou noções
nomeadas pelo
substantivo;
Propriedades sintáticas
- Funciona como
núcleo do sujeito, do
objeto direto, do
objeto indireto, do
predicativo do
sujeito, do
complemento
nominal, do e do
agente da passiva,
além de poder
funcionar também
como núcleo do
adjunto adverbial,
aposto e vocativo;
- Pode ocorrer com
adjetivos como
adjuntos adnominais;
- Pode ocorrer como
determinantes e
qualificadores.
- Ocorre em estruturas
predicativas com
verbos estativos
como estar, verbos
de opinião como
achar, considerar,
julgar, verbos de
mudança de estado
como ficar, etc.
Propriedades morfológicas
- Possui gênero
imanente e número
determinado pela
pluralidade ou não
dos referentes.
- Concorda em gênero
e número com o
substantivo;
Quadro 3 - Propriedades sintáticas, semânticas e morfológicas dos substantivos e dos adjetivos (Sales, 2004).
36
Para Perini (1998), as classes de palavras podem ser definidas a partir de matrizes
de traços semânticos e formais. No entanto, segundo o autor, os traços semânticos são mais
importantes de serem identificados, pois contribuem não só para a descrição da ordem do
SN como também para a caracterização do significado propriamente dito das palavras.
Assim, para ele, existem adjetivos que podem ser considerados como legítimos (27),
pois não podem funcionar como substantivos e possuem os traços +Q; -R (+ qualificativo; -
referencial), e outros que são ambíguos (28), pois funcionam também como substantivos
(28') e possuem os traços +Q; +R (+ qualificativo; + referencial).
(27) enorme serviço (Correio da Manhã/1917)
(28) organismo enfermo (Correio da Manhã/1918)
(28') O enfermo foi internado.
A partir de um sistema de traços definido por Perini (1998), Sales (2004) analisou
100 adjetivos de seus respectivos sintagmas nominais, de modo a determinar se eles eram
legítimos, não podendo funcionar como substantivos e possuindo os traços +Q; -R (+
qualificativo; - referencial) ou ambíguos, funcionando também como substantivos e
possuindo os traços +Q; +R (+ qualificativo; + referencial). Os dados foram extraídos de
anúncios do jornal Correio da Manhã, no início do século XX.
Assim, segundo a análise de Perini (op.cit), a acepção “qualificativa” está
disponível a itens que aparecem tanto antes quanto depois do núcleo do SN; já a acepção
“referencial” só se realiza, por definição, no próprio núcleo. Portanto, como os adjetivos
são palavras que possuem uma função qualificativa, possuem sempre o traço (+Q).
Entretanto, muitos deles podem, ainda, em outro contexto, funcionar como núcleo do SN,
possuindo o traço (+R). Observem-se os exemplos a seguir:
37
(29) olhar magnético (Correio da Manhã/1917) (+Q, -R)
(30) ação estimulante (Correio da Manhã/1918) (+Q, +R)
(30') O homem tomou estimulante sexual.
No exemplo (29), o adjetivo magnético não pode funcionar como substantivo,
diferentemente do que ocorre com estimulante (30), que, em um contexto como (30'), se
torna um substantivo.
Considerando que, de acordo com Perini (op.cit), existe uma relação entre a ordem
dos adjetivos no SN e o fato de eles poderem ou não funcionar como substantivos em
determinados contextos, é necessário que se teste se a natureza semântica do termo
determinante tem influência no fenômeno de flutuação substantivo/adjetivo. Essa hipótese
se torna coerente na medida em que se confirma o fato de que os adjetivos avaliativos, que
estão intimamente associados à anteposição, possuem uma função mais qualificativa,
devido ao seu caráter subjetivo, que os descritivos.
Sales (op. cit.), teve por objetivo confirmar as seguintes hipóteses:
Os adjetivos antepostos, por serem, em sua maioria, avaliativos, têm os traços (+Q; -
R), uma vez que possuem uma função mais qualificativa que referencial. Há,
portanto, nessa posição, uma maior quantidade de adjetivos legítimos que
ambíguos;
Os adjetivos pospostos, que são mais descritivos que os antepostos, têm uma maior
possibilidade de serem (+Q; +R) que os antepostos. Ou seja, os adjetivos na
posição pós-nuclear são mais ambíguos que os demais, podendo ter tido origem em
um substantivo ou ter dado origem a um.
38
Com base em uma análise qualitativa, os adjetivos que possuem os traços (+Q,+R)
poderiam, portanto, ser divididos em dois grupos: os que se originam de um substantivo,
como no exemplo (31) e os que dão origem a um, como no exemplo (32).
(31) caixa postal (Correio da Manhã/ 1918): subst > adj O postal foi entregue
pelo carteiro.
(32) Regulamento especial (Correio da Manhã/1917): adj > subst O especial de
Natal será divertido.
A partir dos adjetivos analisados, a autora aplica alguns princípios de
Gramaticalização – processo no qual um item lexical/concreto se torna gramatical/abstrato
e, ainda, como um item gramatical se torna mais gramatical – para que se evidenciasse se
existe a possibilidade de essa flutuação substantivo/adjetivo dar origem a um processo de
Recategorização, em que há uma mudança de categoria (substantivo > adjetivo ou adjetivo
> substantivo).
Com isso, buscava também estabelecer uma escala de adjetivos que vai dos
chamados legítimos até os ambíguos, passando por aqueles que estão num estágio
intermediário por funcionarem como adjetivos que possuem uma expressão ou um
substantivo elíptico (33).
(33) Olhar atraente (Correio da Manhã/1917) O (a parte do corpo) atraente nele
são os olhos.
Do total de 100 adjetivos registrados na pesquisa de Sales (op. cit.), 55 eram
legítimos (34), ou seja, não possuíam a característica de referencialidade, não funcionando,
portanto, como substantivos, e 45 eram ambíguos (35), podendo funcionar como referente.
39
(34) intensas dores (Correio da Manhã/1917) (+ Q, - R)
(35) profissão médica (Correio da Manhã/1917) (+Q, +R)
No entanto, pode-se dizer que, entre os chamados adjetivos ambíguos, existiam dois
grupos distintos de palavras. Um deles agrupa adjetivos que funcionam completamente
como substantivos em um contexto diferente. Observem-se os exemplos a seguir:
(36) organismo enfermo (Correio da Manhã/1918)
(36') O enfermo precisa de cuidados médicos.
A partir do adjetivo em destaque em (36), pode-se formar uma sentença como (36'),
em que enfermo passa a ter propriedades semânticas, sintáticas e morfológicas de um
substantivo, uma vez que possui os seguintes traços característicos dessa categoria
gramatical :
+ Designação de seres em geral
+ Núcleo de sintagma
+ Número determinado pela pluralidade do referente
Existem, entretanto, outros adjetivos, ainda considerados ambíguos por Perini pelo
fato de continuarem tendo como traços (+Q, +R), que possuem características diferentes
das encontradas no primeiro grupo, como nos exemplos (37) e (38).
(37) Olhar atraente (Correio da Manhã/1917)
(38) Importante questão (Correio da Manhã/1918)
A princípio, pode-se dizer que os adjetivos atraente e importante nunca funcionam
como substantivos, uma vez que, semanticamente, por exemplo, essas palavras não
40
designam e sim caracterizam seres em geral, traço típico de adjetivos. Contudo, não se pode
negar que, em sentenças como (37') e (38'), essas formas não estão funcionando
completamente como adjetivos, pois, sintaticamente, por exemplo, funcionam como núcleo
de sintagma, traço típico de substantivos.
(37') O atraente nele são os olhos.
(38') O importante é tentar.
Na verdade, esses casos, que compõem o segundo grupo de adjetivos ambíguos, têm
como característica a elipse de um substantivo ou de uma expressão, como, por exemplo,
em (37'') e (38'').
(37'') A característica mais atraente nele são os olhos
(38'') O ato mais importante é tentar.
O Quadro 4 apresenta a distribuição dos adjetivos proposta por Sales (op.cit.):
Adjetivos legítimos (+Q, -
R), que nunca funcionam
como substantivo.
Adjetivos ambíguos
intermediários (+Q, +R),
que não funcionam
completamente como
substantivo em outro
contexto.
Adjetivos ambíguos
completos (+Q, +R), que
funcionam completamente
como substantivo em outro
contexto.
Facultativos médicos
Descoberta scientífica
Dores menstruaes
Verdadeira maravilha
Unico remédio
Intensas dores
Expressão suave
Ponto apreciável
Ponto saudável
Remédio valioso
Verdadeira maravilha
Importante questão
Sabão usual
Substância perigosa
Olhos fracos
Sistema nervoso
Olhos doentes
Uso diário
Casa comercial
Crina vegetal
Profissão médica
Composição chímica
Massagem manual
Quadro 4 – Tipos de adjetivo e exemplos (Sales, 2004).
41
Considerando a hipótese de que existe uma relação entre a posição do adjetivo e,
conseqüentemente, a sua natureza semântica e o fenômeno da flutuação
substantivo/adjetivo, a referida autora controlou a posição dos adjetivos de acordo com o
tipo de adjetivo (legítimo/ambíguo intermediário/ambíguo completo). Com isso, obteve o
seguinte resultado:
Adjetivos legítimos
(+Q, -R)
Adjetivos ambíguos
intermediários
(+Q,+R)
Adjetivos ambíguos
completos (+Q,+R)
Posição pré-nuclear
19 8 3
Posição pós-nuclear
36 16 18
Total
55 24 21
Quadro 5 – Distribuição de adjetivos quanto ao tipo e a sua posição no SN (Sales, 2004).
Com base nos dados analisados, pode-se observar que, enquanto a posição pré-
nuclear (marcada) é representada, em grande parte, por adjetivos do tipo (+Q; -R), os de
traços (+Q; +R), sejam ambíguos intermediários ou completos estão, na maior parte do
corpus, pospostos ao núcleo.
Esse resultado poderia ser explicado pelo fato de que, como já foi dito, os adjetivos
antepostos serem, em sua maioria, avaliativos – atribuem um valor subjetivo ao núcleo.
Assim, esse tipo de adjetivo poderia ser considerado como o mais propício a não ter uma
função de referencialidade, sendo, portanto, na maioria das vezes, legítimo (+Q, -R).
Observe-se, a seguir, a distribuição de adjetivos legítimos e ambíguos com base em
sua natureza semântica:
42
Adjetivos legítimos
(+Q, -R)
Adjetivos ambíguos
intermediários
(+Q,+R)
Adjetivos ambíguos
completos (+Q,+R)
Adjetivos
avaliativos
27 23 6
Adjetivos descritivos
28 1 15
Total
55 24 21
Quadro 6 – Distribuição de adjetivos por tipo e natureza semântica.
Analisando a quantidade de adjetivos avaliativos, percebe-se que há um
decréscimo, a depender do tipo de adjetivo (legítimo/ambíguo intermediário/ambíguo
completo): enquanto há 27 adjetivos avaliativos que são legítimos, 23 são ambíguos
intermediários, ou seja, funcionam, em determinados contextos, como substantivo por
possuir, por exemplo, um traço sintático característico dessa categoria (ser núcleo de
sintagma), e apenas seis são ambíguos completos, ou seja, funcionam plenamente como
substantivo em determinados contextos, possuindo todos os traços característicos dessa
classe gramatical.
Os exemplos a seguir fazem parte do corpus de adjetivos avaliativos legítimos,
analisados pela autora: em (39) e (40), ambíguos intermediários; em (41) e (42); e
ambíguos completos, em (43) e (44):
(39) boa oportunidade (Correio da Manhã/1917)
(40) irrecusáveis vantagens (Correio da Manhã/1918)
(41) único remédio (Correio da Manhã/1918)
(42) sabão usual (Correio da Manhã/1918)
(43) regulamento especial (Correio da Manhã/1917)
(44) substituição ilegal (Correio da Manhã/1917)
43
Observa-se, também, que os adjetivos pospostos e ambíguos completos estão --
conforme já previra a autora -- divididos em dois grupos: os que se originaram de
substantivos, como no exemplo (45), e os que deram origem aos mesmos, como no
exemplo (46). A quantidade de adjetivos que se originaram de substantivos é bem maior em
relação aos que deram origem a eles. Ou seja, no corpus analisado por Sales (op. cit.), há
muito mais adjetivação de substantivo do que substantivação de adjetivo.
(45) crina vegetal (Correio da Manhã/ 1918): subst > adj O vegetal foi
amplamente estudado pelos universitários.
(46) massagem manual (Correio da Manhã/1917): adj > subs O manual de
instruções nos ajudou a ligar o DVD.
Além disso, é possível detectar que alguns adjetivos pospostos, descritivos,
ambíguos completos e que se originaram de substantivos não possuem variação posicional.
Observe:
(47) sistema nervoso * nervoso sistema
(48) microscopia clínica * clínica microscopia
(49) composição química *química composição
(50) profissão médica * médica profissão
(51) pasta russa *russa pasta
(52) caixa postal * postal caixa
(53) crina vegetal *
vegetal crina
Essa perda da variabilidade sintagmática, que ocorre quando um item
gramaticalizado passa a ocupar uma posição mais fixa, é aludido por Lehmann (1985), que
denomina esse processo de fixação da ordem sintagmática dos elementos lingüísticos.
Na verdade, o fato de esses adjetivos, originalmente substantivos, perderem a
mobilidade sintagmática pode ser um indício de que essas palavras estão sofrendo (ou, pelo
44
menos, podem vir a sofrer) o processo que Castilho (1997) chama de recategorização, haja
vista que se perdem algumas propriedades de substantivo e há a aquisição de propriedades
da nova categoria, ou seja, de adjetivo.
Esse princípio aludido por Castilho é semelhante ao que Hopper (1991) postula
como de-categorização. De fato, palavras como nervoso, clínica, química, médica, russa,
postal e vegetal perdem propriedades sintáticas, morfológicas e semânticas da categoria
original (substantivo) quando funcionam como adjetivo, que seria uma categoria
secundária.
SUBSTANTIVO ---------------------------------------------------------› ADJETIVO
+ NÚCLEO DE SINTAGMA - NÚCLEO DE SINTAGMA
+ GÊNERO IMANENTE - GÊNERO IMANENTE
+ DESIGNADOR DE SER - DESIGNADOR DE SERES
Os exemplos utilizados por Sales (op.cit.) para testar a mudança de traços estão
expostos no quadro a seguir:
SUBSTANTIVO ADJETIVO
Os nervosos costumam morrer mais cedo. O sistema nervoso do ser humano é
complicado.
A clínica foi interditada. É necessária a microscopia clínica.
A química entre os atores contribuiu para o
sucesso da novela.
A composição química utilizada surtiu
efeito.
Minha irmã é médica. A profissão médica é muito bonita.
45
A russa foi roubada no Brasil. A pasta russa foi um sucesso de vendas.
O postal de natal foi entregue pelo carteiro. Não sei o número de sua caixa postal.
O vegetal nunca foi tão estudado. A crina vegetal é muito boa.
Quadro 7 – Exemplos de flutuação substantivo/adjetivo (Sales, 2004).
O fato de existirem palavras que exercem tanto a função de substantivo quanto de
adjetivo poderia ser explicado, segundo a autora, pelo chamado layering
(camadas/estratificação), principio mencionado por Hopper (1991), em que há a
coexistência da categoria nova e da categoria de origem..
Segundo ela, pode-se dizer, ainda, que esses adjetivos ambíguos completos, numa
escala de flutuação substantivo/adjetivo, estão, em relação aos legítimos e aos ambíguos
intermediários, bem mais próximos dos substantivos porque, na verdade, se originaram
destes.
+ SUBSTANTIVO + ADJETIVO
--------------------------------------------------------------------------------------------------------------
ambíguos completos ambíguos intermediários legítimos
Na verdade, os adjetivos legítimos apresentam todos os traços característicos da
categoria adjetivo. Os ambíguos completos, por sua vez, quando funcionam como
substantivo, passam a ter todos os traços característicos da categoria substantivo. Já os
ambíguos intermediários, quando funcionam como substantivo, passam a ter os traços
sintáticos e morfológicos dessa categoria, mas continuam tendo o traço semântico de
adjetivo. O princípio que alude à manutenção de traços do item original na forma
gramaticalizada é denominado, por Hopper (op. cit), de persistência. Observe os exemplos:
46
(54) prolongadas dores: adjetivo legítimo
Traços :
+ caracterizador de ser;
+ concordância em gênero e número com outra palavra;
- núcleo de sintagma;
- designador de ser;
- gênero imanente.
(55) massagem manual: adjetivo ambíguo completo
manual de instruções
Traços:
+ designador de ser;
+ gênero imanente;
+ núcleo de sintagma;
- caracterizador de ser;
- concordância em gênero e número com outra palavra.
(56) belo panorama: adjetivo ambíguo intermediário
O belo
Traços:
+ gênero imanente;
+ núcleo de sintagma;
+ caracterizador de ser (característica semântica típica de adjetivos);
- concordância em gênero e número com outra palavra;
- designador de ser.
47
Note-se que belo, um adjetivo ambíguo intermediário, quando funciona como
substantivo, continua tendo o traço (+ caracterizador de ser), que é típico de adjetivos. De
fato, essa característica se manteve, mesmo tendo havido uma mudança de categoria.
Como se pode observar, o estudo de Sales (op.cit.) sobre a flutuação entre as
categorias substantivo e adjetivo no SN foi importante para compreendermos que essas
classes possuem uma estreita relação e que, do ponto de vista funcional, a posição do
qualificador é determinante em alguns contextos.
48
4. PRESSUPOSTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS
4.1 Fundamentação teórica
Como já foi dito, pretende-se, neste trabalho, aliar perspectivas discursivas à
perspectiva variacionista, para que a posição do adjetivo e sua carga semântica possam ser
analisadas a partir de diferentes perspectivas teóricas. Na análise do fenômeno em questão,
será trabalhada a interface variação e discurso.
Essa interface variação-discurso não constitui fato inédito. Callou, D.; Paredes, V.
& Omena, N. (1991) em artigo intitulado “Teoria da variação e suas relações com a
Semântica, Pragmática e Análise do Discurso” (1991) assinalam a possibilidade de mesclar
essas teorias, indo ao encontro da proposta de Lavandera (1984), de que, nos níveis
sintático, semântico e discursivo, as variantes devem ser observadas sob o ponto de vista da
‘comparabilidade funcional” e não de um mesmo ‘valor de verdade’ (Labov, 1972).
Callou & Costa (1996), Brandão (1996) e Silva (1996), em estudos interligados,
controlam o uso de variáveis relacionadas à ocorrência de estratégias argumentativas,
através da análise variacionista de corpora orais, com a finalidade de estabelecer
semelhanças e/ou diferenças no discurso de pessoas de diferentes níveis de escolaridade.
Nesses casos, não se trata de um fenômeno variável stricto sensu, uma vez que as
estratégias utilizadas são distintas, mas atendem a algumas hipóteses previamente
formuladas, dependendo da situação comunicativa em que esses falantes se encontram
(Leite, 2003).
No presente trabalho, busca-se investigar a variação de posição dos adjetivos no SN
como uma estratégia argumentativa utilizada em anúncios, editoriais e notícias de jornais
cariocas dos séculos XIX e XX. A partir de um estudo variacionista, será analisada,
portanto, a função discursiva que esses adjetivos podem exercer no discurso midiático.
49
4.1.1 Perspectivas discursivas
4.1.1.1 A análise semiolingüística do discurso
Como já fora mencionado, pretende-se, a partir de um estudo variacionista,
investigar os adjetivos como marcas lingüístico-discursivas do enunciado. Para tanto, toma-
se por base a teoria semiolingüística, proposta por Charaudeau (1983), que prioriza o
enfoque das relações sociodiscursivas e interpessoais dos integrantes do ato do discurso,
permitindo, assim, uma interação entre as esferas lingüística e situacional (Pauliukonis,
1998). Dessa forma, pode-se dizer que a Semiolingüística se preocupa com a análise do
significado dos aspectos lingüísticos do texto.
Segundo Charaudeau (op. cit.), o ato de linguagem pressupõe uma encenação (mis
en scène), na qual os participantes interagem com base num contrato comunicativo,
envolvendo, portanto, uma situação de comunicação. Para ele, o discurso é visto como um
"jogo comunicativo", que se estabelece entre a sociedade e suas produções em situações
comunicativas.
Contudo, para estabelecer esse contrato comunicacional, é necessário que haja seres
psicossociais dotados de intencionalidade: o sujeito comunicante e o sujeito interpretante.
Além disso, é necessária a presença de seres discursivos: o sujeito destinatário, idealizado
de acordo com uma intenção persuasiva, e o sujeito enunciador, uma recriação discursiva
do sujeito comunicante.
Essa relação contratual depende de uma intencionalidade dos parceiros na troca
comunicativa. Além disso, eles devem estar inseridos em determinada situação para que o
ato de linguagem -- que depende da identidade desses parceiros e resulta de um desejo de
influência do sujeito comunicante -- ocorra. (Machado, 2001).
50
De fato, em um ato comunicacional, ocorre o que Charaudeau (op. cit.) chama de
mis en scène, que seria o ato de linguagem em si, uma representação comandada por
sujeitos externos. No circuito externo a essa encenação, teríamos o sujeito comunicante --
que, dotado de intencionalidade, seria o iniciador do processo de produção que ele constrói
em função das circunstâncias do discurso -- e o sujeito interpretante -- que constrói
interpretações que são funções de suas experiência pessoal.
No circuito interno dessa encenação, por sua vez, há os chamados sujeitos
discursivos: um sujeito enunciador -- que seria a imagem de enunciador construída pelo
sujeito produtor da fala (sujeito comunicante) -- e um sujeito destinatário -- que seria o
sujeito considerado como ideal.
Assim, o ato de comunicar corresponderia a proceder a uma mise en scène, em que
o locutor, para se comunicar, utiliza componentes de dispositivo de comunicação, em
função dos efeitos que visa a provocar em seu interlocutor (Machado, op. cit.). A partir daí,
os sujeitos comunicante e interpretante procuram produzir estratégias para concretizar seus
ideais comunicativos.
Pode-se dizer que existem diferentes contratos de comunicação, a depender do
gênero em questão. No caso de um anúncio publicitário, por exemplo, o esquema de
representação dos interlocutores desse discurso permite um jogo de máscaras enunciativas
que se desvelam na construção de identidades (ethos) dos parceiros da troca comunicativa.
Assim, qualquer que seja a forma de apresentação do anunciante, ele deve sempre se
mostrar como um benfeitor, capaz de satisfazer desejos e necessidades pessoais. A
exaltação de um produto anunciado faz com que o leitor deseje comprá-lo.
O ethos seria, então, a construção de uma imagem. A formação do ethos desses
parceiros provém do que ele apresenta e não do que representa, uma vez que se firma nas
51
marcas da enunciação. Em um editorial, por exemplo, o enunciador do texto deve construir
uma imagem em que transpareça credibilidade -- que tenha um caráter de confiabilidade e
de competência em sua ação de comunicar --, para que se tenha legitimidade situacional
e/ou institucional.
Ainda com relação aos contratos de comunicação, é importante ressaltar que, de
acordo com as condições de produção às quais o enunciador é submetido, ele poderá
"produzir" um contrato de seriedade ou um contrato do maravilhoso.
No caso do contrato de seriedade, supõe-se que há um público "racionalista".
Tenta-se, então, desenvolver uma argumentação para convencer o leitor do que se está
falando. Em um editorial, por exemplo, busca-se convencer o leitor sobre determinado
ponto de vista. Já em um anúncio publicitário em revistas especializadas, o objetivo é
"vender o produto anunciado" para um público específico -- leitores dessas revistas
especializadas --, utilizando-se argumentos fortes e sérios. Estamos, aqui, no âmbito da
persuasão.
Por outro lado, encontra-se o chamado contrato do maravilhoso, em que se supõe
que o público é menos "racionalista" e mais inclinado ao sonho. Nesse caso, utiliza-se,
muitas vezes, o modo narrativo de organização do discurso. Esse tipo de contrato pode ser
visualizado em muitos anúncios publicitários. Estamos, aqui, no âmbito da sedução.
A partir da credibilidade do enunciador, pode-se informar, persuadir ou seduzir o
leitor. Em notícias de jornais, por exemplo, tem-se como principal função informar algo
ocorrido ao leitor. Na verdade, busca-se fazer saber. Em editoriais, o principal objetivo é,
em alguns casos, convencer o leitor pela argumentação e, em outros, conquistar o leitor
com o poder de persuasão. Procura-se, aqui, fazer crer. Já em anúncios publicitários, em
52
muitos casos, busca-se seduzir o leitor, incitando-o a comprar o produto anunciado. Nesse
caso, pretende-se fazer prazer.
Com base no que postula Charaudeau (op. cit.), todo texto possui uma força
argumentativa, apesar de existirem diferentes modos de organização discursiva: o modo
descritivo, o modo narrativo, o modo argumentativo e o modo enunciativo, que permeia os
demais. Cada um deles contribui, mesmo que de maneira diferente, para fortalecer a
argumentação do autor na defesa de suas teses.
O modo descritivo de organização do discurso tem como objetivo oferecer ao
locutor a oportunidade de visualizar o cenário em que uma determinada ação se reproduz e
os personagens que dela participam. Nele, todos os enunciados relatam ocorrências
simultâneas e, por isso, não existe um enunciado que possa ser considerado
cronologicamente anterior ao outro.
Na verdade, o modo de organizar esses enunciados descritivos vai depender do
objetivo argumentativo do texto. Um texto publicado em um jornal, por exemplo, pode
possuir trechos descritivos, principalmente ser fizer parte do discurso publicitário, em que
as características do produto anunciado devem ser amplamente descritas.
BELLEZOL -- Para tornar a pele alva e deliciosamente
assetinada, surge agora Bellezol. Bellezol é um presente da
ciência à mulher brasileira. É ligeiramente adstringente e
dissolve matérias gordurosas extranhas, limpando a pele e
deixando-a extraordinariamente macia. Não contém talco,
mercúrio ou qualquer outro pó em suspensão. Todas as
mulheres belas estão comprando Bellezol. Leve hoje seu
frasco pra casa. É um produto moderno, higiênico que fixa o
pó de arroz sem deixar a pele pegajosa. (...)
(Anúncio/JB/1940)
53
Como se pode observar, no exemplo anterior, há a caracterização a partir de
adjetivos -- em geral, avaliativos -- do produto anunciado. Com isso, é possível a
"visualização" do produto por parte do leitor, o que é determinante para o predomínio do
modo descritivo de organização do discurso.
O modo narrativo de organização do discurso apresenta uma sucessão de fatos reais
ou imaginários, relatando progressivas mudanças de estado que ocorrem através do tempo.
Nesse caso, há uma relação de anterioridade/posterioridade entre os fatos, de modo que não
se pode alterar a seqüencia dos enunciados sem interferir no sentido global do texto. Em
notícias de jornais, por exemplo, relatam-se fatos que ocorrem com pessoas através do
tempo, tendo, portanto, obrigatoriamente, a narração como um dos modos de organização
do discurso.
O críticos e ... os créditos
O Sr. Alvaro Baptista levantou-se, na Camara, para protestar
contra um crédito feito pelo Governo, relativo à linha férrea
da Barra Bonita a Rio do Peixe. A sua attitude, muito justa,
muito razoável, enquanto se cingiu a criticar a Commissão de
Finanças por ser omissa em seu parecer, não o instituindo
com elementos necessazios para esclarecimento do pedido.
Aliás, o Sr. Sampaio Corrêa, o relator do projecto,
repondendo ontem ao deputado gaúcho, mostrou que a culpa
não era tanto sua, como sim do "Diário do Congresso", que
não publicara os documentos esclarecedores do crédito (...)
(Notícia/JB/1920)
54
O modo argumentativo de organização do discurso é, como o próprio nome indica,
o que atribui, explicitamente, a argumentação de um texto. Aqui a argumentação pode ser
demonstrada a partir de características lingüísticas concretas.
Em seqüências de predomínio argumentativo, há a apresentação e justificativa
claras de hipóteses com base em determinados argumentos, o estabelecimento de relações
lógicas entre os argumentos e contra-argumentos, exemplificações e o encaminhamento de
conclusões. Um texto que, normalmente, tem como base esse modo de organização
discursivo é um editorial de jornal.
Apesar de, como já foi dito, todo texto possuir um teor argumentativo, muitos deles
utilizam-se de outros modos de organização do discurso para convencer/persuadir o locutor
a crer em algo, aderir a uma opinião e, até mesmo, levá-lo a uma ação. Tomemos como
exemplo o trecho abaixo, extraído de um editorial de jornal.
O povo está com fome! -- é de angustiosa asphyxia a
situação creada pela progressão crescente dos preços dos
generos de alimentação. O movimento ascendente começou
logo com a Guera Mundial, e todos esses generos começaram
a encarecer de um modo vertiginoso, o arroz, o xarque, e
carne frescam a farinha, o feijão, (apagado) mais modestos
da mesa do pobre, prosseguiram na escalada cruel e
inexeravel, acicateados por todas as coisas, impulsionados
por mil forças economicas que se conjuraram para levar a
fomra aos lares. (...)
(Editorial/O Globo/1925)
55
Como se pode perceber, no trecho acima, apesar de haver um forte teor
argumentativo, utilizam-se seqüências narrativas para esclarecer a forma como os preços
dos referidos alimentos subiram.
O último modo de organização do discurso aludido por Charaudeau (op. cit.) é o
enunciativo. Para entender esse modo de organização discursiva, é necessário que se
compreenda a noção de enunciação (Benveniste, 1974).
Considerando que é através da linguagem que o homem se constitui como sujeito,
pode-se denominá-la como a expressão da subjetividade. A partir disso, desloca-se a análise
lingüística para o que se pode chamar de enunciação, ou, em outras palavras, “o fato de
colocar língua em funcionamento através de um ato individual de utilização” (Benveniste,
op. cit.).
Assim, aderindo à teoria do autor, acredita-se que todo texto possui o modo
enunciativo de organização do discurso, uma vez que se considera que há a presença do
sujeito no discurso, que pode ser detectado pelas marcas lingüístico-enunciativas no
enunciado.
Com base nessa proposta, busca-se relacionar o mecanismo de ordem dos adjetivos, a
escolha lexical dos mesmos e a presença do sujeito no enunciado, observando esses
determinantes como marcas enunciativas nos anúncios, notícias e editoriais analisados.
Retomando a classificação proposta por Charaudeau (op. cit.), quanto aos modos de
organização do discurso, vale ressaltar que, em um texto, se encontra, normalmente, mais
de um desses modos.
Na verdade, a organização do texto se define por sua finalidade situacional, uma
vez que todo ato de linguagem possui uma intencionalidade e se submete a condições
particulares de produção. Portanto, para construí-lo, faz-se uso de seqüências distintas --
56
que correspondem a variados modos de organização do discurso --, combinando-as em
função de estratégias discursivas.
Busca-se, então, verificar qual modo de organização discursiva predomina nos
gêneros textuais analisados – anúncio, editorial e notícia – e de que maneira os adjetivos
neles se comportam.
4.1.1.2 A teoria dos gêneros
A noção de gênero remete à Antigüidade e é retomada na tradição literária, em que
se classificavam os textos -- em prosa ou poesia -- de acordo com algumas características.
Submetidos às teorias de análises do discurso e análises textuais, os gêneros são, de fato,
instrumentos de controle social. Na verdade, eles se organizam como formas de inserção
social. Assim, quanto mais gêneros um usuário da língua domina, maior é seu poder de
inserção social.
Existem, na literatura especializada, diferentes posicionamentos relativos a essa
noção de gênero que, no decorrer dos séculos, mais precisamente a partir de Bakhtin
(1984), passou a ser relacionada ao conjunto de produções verbais organizadas. Segundo
Charraudeau & Maingueneau (2004), as variadas definições, na verdade, testemunham os
diferentes posicionamentos teóricos ao qual se ligam.
Do ponto de vista funcional, as produções textuais são classificadas de acordo com
a direção do pólo do ato de comunicação ao qual são guiadas. Essas classificações são,
então, baseadas, por exemplo, nas funções emotiva, conativa, fática, poética, referencial e
metalínguística (Jakobson, 1963).
57
Já do ponto de vista enunciativo (Benveniste,1966), descrevem-se os gêneros a
partir da generalização das características formais mais recorrentes no texto. Com base
nesse critério, opõe-se, por exemplo, o discurso à narrativa.
Do ponto de vista textual, os gêneros são classificados com base na organização dos
textos, procurando definir sua regularidade composicional. Muitos autores, como Bronckart
(1999) e Marcuschi (2002), que se baseiam nesse ponto de vista, referem-se a gêneros
textuais.
Por fim, do ponto de vista comunicacional, os gêneros são definidos a partir da
natureza comunicacional da troca verbal, como Bakhtin (1984), por exemplo, que se refere
a gêneros discursivos e os divide em gêneros primários e secundários. Temos como
gêneros primários, por exemplo, os textos informativos, que possuem a função de informar
(notícias de jornais), e os textos publicitários, que têm como objetivo fundamental
convencer o público a adquirir o produto anunciado. Já como gêneros secundários,
destacam-se o lírico, o épico e o dramático.
O esquema a seguir mostra a classificação tipológica proposta por Bakhtin (op. cit.):
CLASSIFICAÇÃO DE TEXTOS BAKHTINIANA
GÊNEROS DISCURSIVOS
(FUNÇÃO TEXTUAL)
CRIATIVA (Gêneros Primários) INTERATIVA (Gêneros Secundários)
Didático Lírico
Informativo Épico
Publicitário Dramático
Fático
Normativo
58
Emotivo
Charaudeau (op. cit.), que baseia o discurso no social, considerando que as
características do discurso dependem, essencialmente, de suas condições situacionais de
produção, também utiliza a denominação de gêneros do discurso. Para ele, estes seriam, de
fato, gêneros situacionais.
Maingueneau (2004) também usa a denominação gêneros do discurso. Segundo ele,
estes seriam dispositivos de comunicação que aparecem quando relacionados a certas
condições sócio-históricas. Assim, um talk show, por exemplo, constitui um gênero do
discurso no interior do tipo de discurso televisivo, que, por sua vez, faz parte de um
conjunto mais amplo, o tipo de discurso midiático.
Como se pode perceber, a noção de gênero varia de acordo com o ponto de vista que
cada autor utiliza. Conforme já dizia Charaudeau & Maingueneau (op. cit: 251):
"(...) para definir essa noção (de gênero), ora leva-se em conta,
de modo preferencial, a ancoragem social do discurso, ora sua
natureza comunicacional, ora as regularidades
composicionais do texto, ora as características formais dos
textos produzidos".
Na verdade, essa diversidade de critérios utilizados para a definição de gêneros é, de
fato, o que promove a dificuldade de classificação.
Assim, pode-se considerar os gêneros a partir de, pelo menos, duas orientações: uma
mais voltada para o texto, o que justifica a denominação gêneros de texto, e outra mais
voltada para as condições de produção do discurso, o que habilita a denominação gêneros
do discurso.
59
Antes de fazermos uma opção teórica sobre essa questão, é importante que se
distingam as noções de texto e discurso. Pode-se dizer que, enquanto o texto é uma entidade
concreta realizada em um gênero, o discurso é aquilo que um texto produz ao se manifestar
em uma instância discursiva. Assim, o discurso se realiza, concretamente, no texto.
Portanto, optamos, nesse trabalho, por utilizar a nomenclatura gêneros de texto, conforme
Bronckart (op. cit.:75): "Na medida em que todo texto se inscreve, necessariamente, em um
conjunto de textos ou em um gênero, adotamos a expressão gênero de texto em vez de
gênero do discurso".
Marcuschi (op.cit.) parte do pressuposto que só existe comunicação verbal a partir
de um gênero, assim como só há a possibilidade de ocorrer essa comunicação a partir de
um texto. Partindo desse princípio, a comunicação verbal só se efetiva através de algum
gênero textual. Com isso, segundo o autor, os gêneros textuais -- assim denominado por ele
-- se caracterizam muito mais por sua função comunicativa que por suas características
lingüísticas e estruturais. Independente das diferenças terminológicas, Bakhtin (op. cit) e
Bronckart (op. cit) partilham dessa mesma visão, que privilegia a natureza funcional e
interativa em detrimento dos aspectos formal e estrutural da língua.
Segundo essa perspectiva sócio-interacionista, o usuário da língua leva em conta
diferentes condições e finalidades da comunicação para escolher o gênero a ser utilizado na
elaboração do texto, a saber (Ciclo de Estudos 2004):
tempo e lugar;
relação entre os interlocutores;
característica e papel social do receptor;
objetivo da interação;
canal/veículo;
60
grau de formalidade.
Quanto às condições materiais de produção do texto, pode-se destacar a importância
do lugar da produção, momento da produção, características do produtor e características
do receptor. Em uma produção oral, por exemplo, há uma maior interação entre o produtor
e o receptor, já que ambos estão, normalmente, situados em um mesmo espaço-tempo e há,
com isso, a possibilidade de haver um diálogo entre eles.
Já com relação às condições sociais da produção do texto, a produção de um texto é
determinada pela interação comunicativa entre o produtor e o receptor, que são dotados de
papéis sociais. Nesse sentido, são imprescindíveis, ainda, as intenções comunicativas.
Dessa forma, determinam esse contexto o lugar social, as posições sociais do produtor e
do receptor da interação e o objetivo da interação (qual o efeito que o texto deve produzir
no receptor).
Antes de analisar alguns gêneros textuais, é importante destacar a noção de domínio
discursivo (Marcuschi, op. cit.), que seria uma instância de produção discursiva. São, na
verdade, práticas discursivas que englobam um conjunto de gêneros textuais. De acordo
com essa teoria, seriam domínios, por exemplo, o discurso jurídico, o discurso religioso e o
discurso jornalístico.
Observe-se o quadro a seguir.
DOMÍNIO DISCURSIVO GÊNEROS DE TEXTO
Editorial
Notícia
Reportagem
Discurso jornalístico
Artigo de opinião
61
Propaganda
Anúncio
Discurso publicitário
Cartaz
Notas de venda
Fatura
Discurso comercial
Notas de compra
Sentença Discurso jurídico
Petição
Sermão Discurso religioso
Ladainha
Quadro 8 – Relação entre tipos de gênero e domínios discursivos
Como se pode notar, segundo o referido autor, sob o mesmo domínio discursivo
jornalístico, por exemplo, temos o editorial, a notícia, a reportagem, o artigo de opinião. O
que nos faz agrupá-lo em uma única instância é, além do fato de utilizarem do mesmo
suporte, ou seja, veículo/ canal -- no caso, o jornal --, é compreendê-los como gêneros que
possuem uma prática discursiva em comum.
Entretanto, sabe-se que esses gêneros, apesar de fazerem parte do mesmo domínio,
possuem suas peculiaridades. A notícia de jornal, por exemplo, é caracterizada como um
gênero que possui a intenção comunicativa de relatar fatos ou acontecimentos atuais, sem
comentários pessoais -- pelo menos explícitos --, opiniões da parte de quem escreve. Já o
editorial seria um gênero que possui um caráter opinativo e agrega uma intenção
persuasiva.
A noção de gênero muito se confunde, na literatura especializada, com a de tipo
textual (Marcuschi, op. cit.). Enquanto os gêneros se constituem como ações sócio-
discursivas, os tipos de texto, na perspectiva sócio-interacionista, designam seqüências de
62
base narrativa, descritiva, dissertativa. Em outras palavras, poderíamos dizer que o tipo de
texto está relacionado à forma lingüística, ao passo que o gênero estaria ligado à função
comunicativa que se atribui a essa forma.
Entretanto, pode-se dizer que essas seqüências tipológicas, que são caracterizadas a
partir da forma, também possuem determinadas funções. Conforme vimos na seção
anterior, a narração, por exemplo, relata fatos ou acontecimentos; a descrição focaliza
determinados cenários, personagens em um período estático de tempo; a dissertação, por
sua vez, analisa fatos do mundo real. Assim, para desempenhar essas funções, os tipos de
textos mencionados utilizam-se de determinadas características lingüísticas e estruturais.
No caso deste trabalho, por exemplo, busca-se, também, estabelecer uma relação entre a
ordem e a natureza semântica de adjetivo no SN (características lingüísticas e estruturais) e
a seqüência tipológica -- se utilizarmos a terminologia de Marcuschi (op. cit.) -- em que ele
se insere.
Sabe-se que, em um gênero, se encontram, normalmente, variadas seqüências
tipológicas. É de conhecimento geral que todo texto possui um caráter argumentativo. Por
isso, a depender do interesse do locutor, podem-se utilizar diferentes estratégias para
persuadir o outro. Portanto, esses tipos de seqüências são usados como mecanismo a
serviço da argumentação. Fica, pois, evidente, que o que irá definir a qual tipo de texto
estamos nos referindo será o predomínio tipológico.
A noção de tipologia textual aludida por Marcuschi (op. cit) equivale ao que
Bronckart (op.cit.) chama de tipo de discurso. Segundo ele, esses diferentes segmentos que
compõem um gênero são produto de um trabalho de semiotização ou de colocação em
forma discursiva. Por isso, são chamados por ele de discursos. Como essas seqüências são,
63
na verdade, fortes regularidades de estruturação lingüística -- narração, dissertação,
descrição etc.--, Bronckart (op. cit.) considerou-as pertencentes ao domínio dos tipos.
Com relação a essas "seqüência", optamos, nesse trabalho, por utilizar a
nomenclatura proposta por Charaudeau (op. cit.) que, a partir da análise semiolingüística do
discurso, também concorda que essas seqüências tipológicas -- que originam diferentes
tipos de texto/discurso -- estão no nível discursivo, considerando-as como modos de
organização do discurso, amplamente discutidos na seção precedente.
O esquema a seguir procura comparar as terminologias aqui discutidas que trazem
problemas teórico-metodológicos:
BRONCKART (1999) MARCUSCHI (2002) CHARAUDEAU(2000)
Gênero de texto Gênero de texto Gênero de discurso
Tipo de discurso Tipo de texto Modo de organização do
discurso
Quadro 9 – Diferenças terminológicas entre Bronckart (1999), Marcuschi (2002) e Charaudeau (2000)
Consideraremos, aqui, as noções de domínio discursivo, gênero de texto e modo de
organização do discurso. A fim de englobar todos os corpora utilizados nessa pesquisa --
anúncios, editoriais e notícias --, optamos, ainda, por considerar, em um primeiro nível,
como domínio discursivo não o discurso jornalístico e/ou publicitário, mas sim o discurso
midiático. Assim, poderíamos esquematizar esses corpora da seguinte maneira:
Discurso Midiático (Domínio discursivo)
Mídia impressa (Suporte -->jornal)
Discurso jornalístico Discurso publicitário
64
Editorial
Notícia
Anúncio
Quadro 10Corpora do discurso midiático.
Marcuschi (2002:21) diz ainda que
“embora os gêneros textuais não se caracterizem nem se
definam por aspectos formais, sejam eles estruturais ou
lingüísticos, e sim por aspectos sócio-comunicativos e
funcionais, isso não quer dizer que estejamos desprezando a
forma. Pois é evidente, como se verá, que em muitos casos
são as formas que determinam o gênero (...).”
Assim, pode-se dizer que algumas estruturas lingüísticas são mais ou menos
recorrentes em determinado gênero textual -- no caso do presente trabalho, em anúncio,
editorial ou notícia de jornal --, a depender do objetivo do gênero em questão. Teceremos,
agora, alguns comentários sobre esses diferentes tipos de gêneros textuais - editoriais,
notícias e anúncios de jornais -- que serão analisados neste trabalho.
4.1.1.2.1 O discurso jornalístico opinativo
O discurso jornalístico busca informar, noticiar ou divulgar algum assunto ao
público-leitor. Os editoriais fazem parte desse domínio discursivo jornalístico e têm como
função orientar o leitor através da definição de um ponto de vista do veículo ou da pessoa
responsável pela publicação.
Esse gênero jornalístico não possui a preocupação de informar, mas sim de opinar e
questionar sobre os principais fatos do momento. Assim, os editoriais possuem,
predominantemente, o modo argumentativo de organização do discurso, além do modo
65
enunciativo, que permeia todos os demais modos discursivos. E, através da argumentação,
revelam-se algumas estratégias persuasivas utilizadas pela imprensa a fim de convencer o
público-alvo de uma determinada posição político-social.
Segundo Leite (2003), o discurso jornalístico opinativo -- editorial -- reflete tanto a
época em que se inserem quanto o "perfil ideológico" dos meios que representam. Assim,
pode-se dizer que o tipo de opinião apresentada nesses textos vai variar de um século a
outro, assim como as temáticas que os mesmos abordam. Obviamente que se deve
considerar também a intenção comunicativa do editorialista/jornal, uma vez que, a
depender do público-alvo, a posição político-social assumida pelo jornal pode mudar.
Há, ainda, controvérsias sobre o fato de o ponto de vista defendido em um editorial
ser, na verdade, do jornal ou do editorialista. Para Leite (op. cit.: 51): "Não há como aceitar
que haja neutralidade no discurso de um editor, uma vez que ele representa não só a
sociedade em que vive, mas também o meio jornalístico em que trabalha. São "muitas
vozes" nesse percurso (...)"
Não nos interessa, aqui, discutir a questão de quem é formador de opinião em um
editorial -- o editorialista ou o jornal. O que importa, no momento, é compreender a função
argumentativa de um editorial que, apesar de não visar, especificamente, à persuasão,
objetiva, implicitamente, conduzir o leitor à conclusão pretendida pelo jornal. Chamaremos,
então, o editorialista ou jornal de sujeito-enunciador, por ser uma recriação discursiva do
sujeito comunicante.
Geralmente, quando o jornalismo possui a função de informar, explicar e orientar o
leitor, como em editoriais, a objetividade passa a ser característica fundamental. Contudo,
considerando a subjetividade existente no discurso do enunciador, é importante que não se
esqueça da presença desse sujeito enunciador existente no editorial e que procura
66
convencer o público-alvo, no caso, o sujeito destinatário, idealizado pelo sujeito
comunicante (jornal e/ou editorialista).
Leite (op. cit), ao pesquisar as estratégias argumentativas utilzadas nos editoriais
dos séculos XIX e XX, buscou analisar o papel da época nos discursos editorialistas desses
dois séculos, uma vez que esse gênero reflete o momento histórico da sociedade em que se
insere.
Ao que parece, os editoriais do século XIX possuíam temáticas mais individuais,
seguindo modelo semelhante à correspondência. Assim, o social se misturava com o
individual, entrando, muitas vezes, em contato com assuntos particulares e, até mesmo,
posições políticas dos editorialistas/jornais. Encontravam-se, por exemplo, discussões
abertas entre editorialistas de diferentes jornais. Com isso, as questões discutidas
ultrapassavam o domínio do político e atingiam o individual. Observe-se um trecho
extraído de um editorial do século XIX:
A base mais forte sobre que se funda o escriptor livre he sem
duvida a imparcialidade, e baseado en tão incontestável
principo não hesitamos hum momento em dar publicidade aos
sentimentos de nosso correspondente; sentimentos que alias
são diametralmente oppostos de que estamos possuidos, e por
isso principiaremos a analysa-los. Diz o nosso
correspondente --Quando bate o partido chamado moderado
composto em grande parte de fementidos e cortimanhosos, de
hypocritas, e traficantespoliticos desfeicha toda sua
acrimonia contra o Sr. Feijó -- Ora, se o nosso
correspondente conhece, que o partido moderado he
composto em grande parte de fementidos, etc., e se alem disso
conhece, que este he o partido, que sustenta o Sr. Feijó como
deixará de convir de que ele he igual aos seus sustentadores?
67
(Editorial/O sentinella da liberdade no Rio de Janeiro/1832)
Já os editoriais do século XX possuíam um caráter mais coletivo, abordando
problemas que interessavam mais à coletividade. Ao que tudo indica, o fato de os
jornalistas começarem a sofrer processos por "críticas injuriosas" que faziam deve ter
inibido um pouco sua "liberdade de expressão" (Serra, op. cit.), o que pode ter levado ao
caráter menos subjetivo desses editoriais do século XX.
Nós e a África
Prepara-se o Brasil para estabelecer, através da negociação
e intercâmbio, um novo relacionamento com a África. Em sua
próxima viagem a Portugal, o ministro da Fazenda não só
ultimará entendimentos para a instalação de uma agência do
Banco do Brasil em Lisboa como tratará de questões
relacionadas com a penetração econômica do nosso país na
África Portuguesa.
E, por sua vez, a visita do nosso ministro do Exterior à África
Negra, também programada para breve. E, por sua vez, a
visita do nosso ministro Exterior à África Negra, também
programada para breve, inclui oito países -- e em alguns
deles já há movimento de trocas comerciais com o Brasil (...)
(Editorial/Correio da Manhã/1972)
Leite (op. cit), que aliou a perspectiva variacionista a perspectivas discursivas para
analisar os corpora, confirmou, ainda, que é menos recorrente a presença de trechos que
contenham argumentação pura em editoriais do século XX, uma vez que se torna cada vez
mais freqüente a utilização de seqüências narrativas e descritivas a serviço da
argumentação. Ela afirma que se narra e descreve um fato para que este possa servir de
argumento.
68
Esse fato confirma a idéia de que o leitor de editoriais do século XX é mais crítico
em relação às tomadas de posição do sujeito enunciador, já que, para que ele se aproprie da
opinião expressa no editorial, é necessário o uso de variados modos de organização do
discurso.
Independente do fator época, pode-se dizer que os sujeitos inseridos no discurso
editorialístico refletem um contrato comunicacional pré-estabelecido por eles, em que o
objetivo primordial é a formação de opinião do leitor-cidadão.
Conforme veremos adiante, apesar de não se desconsiderar a subjetividade do
discurso, nota-se que, nos editoriais – que possuem um teor de objetividade maior do que
um anúncio publicitário, por exemplo – os adjetivos geralmente encontrados são mais
objetivos/descritivos. Este poderia ser considerado mais um motivo pelo qual tivéssemos
uma menor ocorrência de anteposição de adjetivos nos editoriais, em relação aos anúncios,
uma vez que, como comprovaremos também, a posposição ocorre freqüentemente quando
os adjetivos são descritivos, ou seja, caracterizam objetivamente o núcleo do SN.
4.1.1.2.2 O discurso jornalístico informativo
Broucker (apud Cunha, 2002) estabelece uma diferença entre dois grandes "gêneros
redacionais", a informação e o comentário. Segundo ele, o texto de informação busca fazer
saber, ao passo que o texto de comentário procura fazer crer. Assim, enquanto os editoriais
de um jornal poderiam ser classificados como textos de comentário, as notícias de jornais
seriam os chamados textos de informação.
Com isso, pode-se dizer que esse gênero parte de um discurso jornalístico que tem a
função de relatar fatos atuais ao público-leitor. Geralmente, esses acontecimentos são de
importância e interesse para a comunidade, já que é para ela que se destinam os jornais.
69
Segundo o autor, esses textos possuem, predominantemente, o modo narrativo de
organização do discurso, com verbos no passado e em terceira pessoas, e procuram
responder questões como: o quê?, quem?, quando? e onde?. No caso de notícias mais
desenvolvidas, questões do tipo como?, por quê? e e daí? são respondidas devido ao
caráter explicativo dos textos nesse suporte.
Para Van Dijk (1992), que trabalha numa perspectiva teórica diferente, as notícias
possuem uma maneira peculiar de organizar esses chamados "tópicos" globais. Segundo
ele, diferentemente de outras narrativas, as estruturas temáticas em um discurso jornalístico
informativo obedecem a uma ordem de relevância que indica ao leitor qual a informação
mais importante.
Assim, os tópicos superiores ficam em primeiro lugar, sendo expostos já nos títulos
-- que são chamativos para atrair a atenção do leitor -- e nos pequenos resumos que ficam
logo após o título e possuem as informações essenciais do fato noticiado.
Assim como os editoriais, apesar de não se desconsiderar a subjetividade do
discurso, as notícias de jornais poderiam, ainda, ser caracterizadas pelo seu teor de
objetividade. A princípio, poderíamos dizer que, em geral, uma notícia de jornal tem um
caráter ainda mais objetivo que um editorial, uma vez que, ao contrário desse tipo de
gênero, não possui comentários pessoais, opiniões ou interpretações por parte de quem a
escreve ou, até mesmo, do veículo de comunicação.
Entretanto, segundo Koch (1997), a argumentatividade não está presente apenas em
textos considerados de base argumentativa propriamente dita -- como os editoriais, por
exemplo. Para ela,
"o uso da linguagem é essencialmente argumentativo:
pretendemos orientar os enunciados que produzimos no
70
sentido de determinadas conclusões (com exclusão de outras).
Em outras palavras, procuramos dotar nossos enunciados de
determinada força argumentativa". (Koch, op. cit.: 29)
De fato, mesmo não sendo claramente um texto argumentativo -- como um artigo de
opinião --, não se pode desconsiderar o fato de haver, em qualquer discurso noticioso, um
enunciador (jornalista) que possui seus pontos de vista e que pode ser, ainda, "manipulado"
pela empresa para a qual trabalha. Na verdade, a depender do tipo de jornal -- e do tipo de
público-leitor que ele atinge -- uma notícia pode ser contada de maneira diferente. Muitas
vezes, é possível detectar nesse gênero um caráter apreciativo ou depreciativo, em que entra
em voga a posição do jornalista e/ou jornal.
O que se sabe é que, independente do grau de objetividade em cada um destes
gêneros, assim como os editoriais, as notícias de jornais se utilizam de mecanismos
lingüístico-argumentativos. No caso do editorial, essas estratégias servem de base para
convencer o público-leitor -- o chamado sujeito comunicante de Charaudeau (op. cit.) que,
no âmbito discursivo, se torna sujeito destinatário -- sobre determinado ponto de vista do
editorialista e/ou jornal. No caso da notícia de jornal, por sua vez, esses mecanismos são
utilizados para, principalmente, relatar um acontecimento, chamando a atenção de seu
público-leitor sobre esse fato ocorrido. Dessa forma, este será instigado a acompanhar o
caso, podendo se utilizar do mesmo veículo de comunicação.
Em uma produção enunciativa -- que se concretiza através de unidades lingüísticas -
-, além dos protagonistas do discurso -- ou seja, quem faz e quem recebe a mensagem --,
são de extrema importância as características gerais da situação comunicativa. Nela,
71
importa-nos sempre considerar as condições gerais da produção/recepção da mensagem, a
natureza do canal comunicativo (no caso, o jornal), o contexto sócio-histórico em que se
insere, as restrições do universo do discurso (os tipos de registros) e, ainda, as
circunstâncias espaço-temporais em que determinada enunciação será realizada.
Portanto, pode-se dizer que o fator época é também determinante para caracterizar
qualquer gênero, uma vez que a função sócio-comunicativa do mesmo pode variar ao longo
do tempo. Assim, comportamento de determinados elementos lingüísticos -- no caso, a
ordem e a natureza semântica dos adjetivos -- pode variar em um mesmo gênero textual de
um século para outro.
Independente deste fator temporal, o mais importante a ser comprovado no presente
trabalho é que as notícias de jornais -- por, assim como os editoriais, fazerem parte de um
discurso jornalístico -- possuem um caráter mais objetivo do que os anúncios em geral, que,
como veremos, fazem parte de um discurso publicitário. Por isso, se utilizam mais de
adjetivos que caracterizam objetivamente o núcleo do sintagma nominal do que os anúncios
de jornais.
4.1.1.2.3 O discurso publicitário
Faz-se necessário esclarecer, antes de mais nada, certas confusões terminológicas,
no que se refere ao termo jornalismo. Por vezes, ele é utilizado com o mesmo sentido dos
canais de comunicação através dos quais essa atividade se manifesta (Santana, 2003), ou
seja, jornais, revistas, rádio, televisão.
Na verdade, esses canais seriam, como já foi visto, suportes que possuem a função
de divulgar diferentes discursos. Em um jornal, por exemplo, há espaço tanto para um
editorial e uma notícia -- que fazem parte do discurso jornalístico -- quanto para um
72
anúncio -- que faz parte de um discurso publicitário. É necessário, portanto, estabelecer
uma diferença entre jornalismo e publicidade.
O termo jornalismo corresponde, de fato, a uma atividade que trabalha mais
próxima ao real, vinculando-se à função referencial. Com isso, o domínio do discurso
jornalístico tem como função informar e questionar fatos da realidade de uma sociedade. A
publicidade, por sua vez, se reporta mais à função apelativa, utilizando-se mais da
subjetividade para influenciar o público-alvo a tomar determinada atitude. Assim, pode-se
dizer que essa atividade faz parte do domínio de discurso publicitário.
Na verdade, ambas as atividades, que fazem parte do domínio de discurso midiático,
trabalham o mecanismo de persuasão. No jornalismo, o jornalista tenta defender um
determinado ponto de vista -- mesmo através da veiculação de um simples fato, como
ocorre em notícias de jornal -- de uma maneira mais velada. Já na publicidade, o
publicitário tenta seduzir o leitor para que ele compre o produto anunciado.
Atualmente, o gênero publicitário utiliza-se de uma linguagem minuciosamente
elaborada e de uma diversificação de procedimentos responsáveis pela sua trama
argumentativa, ou seja, por trás de um anúncio publicitário subjaz uma linguagem
extremamente sofisticada que tem como objetivo principal persuadir
interlocutor/consumidor, dentro de um complexo processo de manipulação e de
encadeamentos persuasivos.
A ideologia que atua no campo do discurso publicitário é a do capitalismo, uma vez
que se condicionam pessoas de modo a induzi-las à ação de comprar. Assim, o mecanismo
persuasivo se constitui como o resultado de uma certa organização de um discurso
verdadeiro para o receptor.
73
A práxis argumentativa desse gênero depende de um repertório de investimentos
lingüísticos usados pelo enunciador com a finalidade de comunicar valores, expressar idéias
e obter a adesão do enunciatário, não de forma constrangedora, mas da forma mais sutil e
sedutora possível.
Esse tipo de discurso vende não só o produto, mas também a imagem representativa
de sua consumação. A instância de produção tenta racionalizar o produto e,
simultaneamente, torná-lo fascinante, afetivo e desejoso aos olhos do consumidor
(Charaudeau, 1983).
O discurso publicitário seria o encantamento expresso por uma instância de
produção -- no caso, a agência publicitária e a empresa comercial. Essa instância seduz o
leitor através de imagens e textos verbais para fins de persuasão. Logo, esse discurso é
manipulador, uma vez que a instância de produção propõe um contrato e exerce a
capacidade de sedução e a persuasão, a fim de convencer o consumidor a aceitá-la.
Desperta-se no consumidor a consciência de existência de uma necessidade ou desejo, e
que o produto proposto possui todas as vantagens para satisfazê-lo.
A publicidade seria, então, um ato de comunicação que pressupõe esse contrato.
Para estabelecê-lo, é necessário que haja seres psicossociais dotados de intencionalidade: o
sujeito comunicante e o sujeito interpretante. Além disso, é necessária a presença de seres
discursivos: o sujeito destinatário, idealizado de acordo com uma intenção persuasiva, e o
sujeito enunciador, uma recriação discursiva do sujeito comunicante.
Necessita-se, ainda, de estratégias de persuadir e/ou seduzir o sujeito alvo, que
seriam a legitimidade -- que dá o poder de dizer -- e a credibilidade -- que implica o saber
dizer (Messias, 1996).
74
Os anúncios fazem, portanto, parte de um discurso publicitário, no qual o objetivo é
exaltar as qualidades do produto anunciado. Para isso, utiliza-se o processo de adjetivação
como um mecanismo lingüístico-discursivo de intensificação do produto.
Como já fora mencionado, neste trabalho, priorizou-se esse processo de adjetivação,
a fim de tentar explicar o porquê de haver maior incidência de anteposição de adjetivos (em
geral, avaliativos) justamente em anúncios de jornais.
O uso freqüente desses mecanismos lingüísticos-discursivos em textos publicitários
confirma a nossa hipótese de que a escolha lexical nesse gênero é de grande valia para
exaltar seu poder argumentativo. Como já dizia Monnerat (op.cit: 108):
"Se considerarmos que o léxico é o componente lingüístico
responsável pela representação e pela expressão do mundo,
observar as escolhas lexicais empreendidas pelo publicitário
para designar e qualificar o universo criado pode significar
uma forma de compreender por que o consumidor se
reconhece na publicidade e, sobretudo, por que consome esse
tipo de mensagem e os produtos anunciados".
Ressalta-se, ainda, a importância do fator época também nesse gênero. Ao que
parece, houve uma mudança de perfil nos anúncios do século XIX e nos do século XX, uma
vez que, com a expansão da sociedade de consumo, os anunciantes tiveram que se utilizar
cada vez mais de estratégias discursivas de convencimento dos leitores, que, na verdade,
seriam os prováveis consumidores dos produtos anunciados.
Os anúncios do século XIX tinham, muitas vezes, um caráter de classificados, em
que os produtos eram descritos sem que se utilizassem mecanismos lingüístico-discursivos
de intensificação do produto. Observe-se:
75
Quem quizer comprar huma morada de cazas de sobrado
com frente para Santa Rita falle com Anna Joaquina da
Silva, que mora nas mesmas cazas, ou com o capitão
Francisco Pereira de Mesquitas que tem ordem para as
vender.
(Anúncio/Gazeta do Rio de Janeiro/1908)
Como se pode notar, muitos anúncios do século XIX tinham um caráter mais
individual. Na maioria das vezes, os "produtos" anunciados não advinham de grandes
empresas, mas sim de pessoas comuns que queriam se desfazer do "produto".
No entanto, com a expansão de empresas que ofereciam produtos e serviços para
facilitar a vida do ser humano, necessitou-se do surgimento de profissionais que se
dedicassem exclusivamente ao chamado mundo do marketing publicitário. Segundo Serra
(op. cit.: 54), no século XX, há "um novo modo da mídia tratar um texto destinado à
comercialização de produtos, numa sociedade capitalista de livre concorrência".
Assim, no século XX, nota-se a utilização cada vez mais freqüente da subjetividade
-- e de mecanismos lingüístico-discursivos que a refletissem -- para influenciar o publico
leitor a tomar determinadas atitudes. Veja-se:
Hum ... !
é mesmo diferente!
Revele ao seu paladar
o gostoso segrêdo do
CHOCOLATE COM LEITE NESTLÉ
Suave, ao desmanchá-lo na bôca, você sentira o
inconfundível e verdadeiro sabor de um chocolate de melhor
qualidade.
Fonte de energias, recompõe rapidamente as fôrças gastas
nos esportes.
76
Puro e sadio, o Chocolate com Leite Nestlé é feito pelo
mesmo cuidadoso processo que tornou mundialmete famoso o
chocolate suíço.
Realmente uma delícia. Experimente.
(Anúncio/O Globo/1960)
Como podemos observar no anuncio supracitado, a subjetividade do texto se torna
evidente a partir, principalmente, do uso de adjetivos -- em geral antepostos e avaliativos.
Poderíamos dizer, então, que o "verdadeiro" discurso publicitário surgiu somente
com essa expansão capitalista e que, por isso, houve essa mudança de caráter dos anúncios
do século XIX e XX.
4.1.2 Perspectiva variacionista: a sociolingüística laboviana
A teoria da variação tem como um dos seus principais representantes William
Labov e a chamada sociolingüística quantitativa laboviana tem como fundamento a
possibilidade de estabelecer uma relação entre fatos lingüísticos e sociais, em função de
processos de variação lingüística que podem ou não acarretar uma mudança.
De acordo com essa perspectiva teórica, é necessária uma seleção de variáveis
independentes – grupos de fatores que podem ou não favorecer a ocorrência de uma
determinada variante -- em função de uma variável dependente.
Obviamente, a seleção dessas variáveis independentes -- lingüísticas ou
extralingüísticas -- pode ou não ser eficaz, uma vez que sua escolha depende da intuição do
pesquisador e da observação do uso do fenômeno lingüístico em questão. Assim, ao longo
das etapas de um determinado estudo lingüístico, algumas dessas variáveis podem ser
eliminadas, a depender de sua relevância para o estudo do fenômeno.
77
Considerando a ordem dos adjetivos como um fenômeno de variação, considerou-se
como variável dependente a posição -- pré- ou pós-nuclear -- do adjetivo no SN, sendo a
anteposição o fator de aplicação escolhido.
A análise quantitativa permite-nos obter resultados mais confiáveis para uma análise
mais sistemática dos dados. No caso do fenômeno em questão, a teoria sociolingüística é
utilizada como um método de conseguir resultados precisos que vão justificar, a posteriori,
a análise discursiva dos adjetivos nos diferentes gêneros textuais.
Gavazzi (1998: 41), que trabalhou com a interface variação e discurso para analisar
os fechamentos de subtópicos em diálogos assimétricos, também enfatiza a importância do
uso da sociolinguística laboviana: "recolhimento de corpora formados por considerável
número de dados e uso apropriado de recursos estatíticos [são] ponto de partida para a
avaliação dos fenômenos, caso se interpretem devidamente os resultados obtidos".
4.2 Orientação metodológica
4.2.1 Da perspectiva quantitativa
Com o objetivo de observar o comportamento dos adjetivos em diferentes tipos de
gêneros textuais -- anúncios, editoriais e notícias de jornais --, no decorrer dos séculos XIX
e XX, foi feita uma análise quantitativa de dados, através do programa computacional
VARBRUL de regra variável (Mollica & Braga, 2003). Esse programa pressupõe o
estabelecimento de grupos de fatores condicionantes, a partir de hipóteses teóricas,
estruturais e/ou funcionais.
Assim, em função da chamada variável dependente -- posição anteposta ou posposta
ocupada pelo adjetivo no sintagma nominal -- foram determinadas as variáveis lingüísticas
e/ou extralingüísticas responsáveis pela variação de ordem desses adjetivos, a saber: (i)
78
natureza semântica do adjetivo; (ii) tipo de adjetivo; (iii) natureza semântica do núcleo
nominal; (iv) dimensão do adjetivo em relação ao nome; (v) gênero textual e (vi) época.
Quanto à sua natureza semântica, classifica-se o adjetivo como descritivo, quando
caracteriza objetivamente o núcleo do SN, como se observa nos exemplos (57) e (58) ou
como avaliativo, quando apresenta uma característica do substantivo passível de
contestação por ser de caráter subjetivo, como nos exemplos (59) e (60).
(57) Como se vê da estatística oficial, o preço da tonela da algodão em rama, este
ano foi pouco inferior de 1938. (Notícia/JB/1940)
(58) Diz V. S. que tem havido perseguição à imprensa periódica. (Editorial/Diário
do Brazil/1881)
(59) Sua melhor garantia reside nos conhecimentos e integridade do seu relojoeiro.
(Anúncio/O Globo/1955)
(60) Na cocheira da rua Santa Teresa por detraz do Imperio da Lapa há duas seges
muito asseadas, e com boas parelhas (...) (Anúncio/Gazeta do Rio de Janeiro/1809)
Há, ainda, uma classificação morfológica do adjetivo, podendo este ser de base
nominal (61) ou de base participial (62), a fim de confirmar a hipótese de que o adjetivo
de base participial tende a ocupar mais a posição pós-nuclear, pelo fato de esses adjetivos
possuírem o traço [+ Verbo].
(61) (...) parece-me que não deixa entrever grandes riquezas ao seu emprezario.
(Editorial/Diário de Notícias/1870)
(62) Não existe intenção deliberada de derramar sangue desnecessariamente.
(Notícia/JB/1974)
O núcleo do sintagma nominal foi aqui classificado quanto à sua natureza semântica
em [+ Material], como nos exemplos (63) e (64), ou [- Material], como nos exemplos (65) e
79
(66) A partir dessa classificação, seria possível saber se o tipo de substantivo teria
influência na colocação do adjetivo no SN.
(63) É, portanto, imponderada a crítica do deputado gaúcho (Notícia/JB/1920)
(64) Rolaram pelas faces dos escriptores governistas grossas lágrimas de tristeza
pela reacção popular (...). (Editorial/Correio da Manhã/1901)
(65) Basta provar o Guaraná Brahma para sentir o gostoso sabor original do
legítimo guaraná. (Anúncio/O Globo/1955)
(66) Joaquim Pinto Rosas acaba de receber um grande sortimento de vinhos verdes.
(Anúncio/Diário do Comércio/1866)
Quanto à dimensão do adjetivo em relação ao núcleo, buscava-se confirmar se os
adjetivos fonicamente mais pesados ocupariam, preferencialmente, a posição pós-nuclear,
confirmando a tendência análoga apontada por Castilho (1997) e referendada por Serra
(2000).
Assim, essa classificação foi proposta a partir do contraste do número de sílabas dos
adjetivos versus número de sílabas dos núcleos correspondentes. Temos, com isso,
adjetivos menos extensos que o núcleo (67), mais extensos que o núcleo (68) e da mesma
extensão que o núcleo (69).
(67) O uso diário de LAVOLHO, a grande descoberta, toma os olhos brilhantes e
sadios (...). (Anúncio/Correio da Manhã/1918)
(68) Anda todo prosa, com números na cabeça, decorados dos relatórios do IBGE e
de outras fontes governamentais. (Editorial/O Globo/1999)
(69) A próxima conversa já está marcada e será marcada em janeiro. (Notícia/O
Globo/1998)
Com base em trabalhos anteriores sobre a ordem dos adjetivos (Avelar, 2000; Serra,
2002; Sales, 2003), esperava-se também uma diminuição da freqüência dos adjetivos
80
antepostos no decorrer dos séculos XIX e XX e uma distribuição diferenciada a depender
do gênero que se está analisando.
Assim, quanto à ordem dos adjetivos no SN, busca-se confirmar as seguintes
hipóteses:
(a) a posposição representa a ordem não-marcada, sendo a norma objetiva no PB.
(b) a posição pré-nuclear é ocupada preferencialmente pelo adjetivo avaliativo e não pelo
descritivo;
(e) os adjetivos de base participial aparecem preferencialmente pospostos;
(c) quando os adjetivos aparecem antepostos, o núcleo é, em geral, abstrato;
(d) adjetivos mais pesados tendem a aparecer em posição pós-nuclear;
(f) o uso de adjetivos avaliativos e antepostos é mais recorrente no anúncio publicitário;e
(g) o editorial e a notícia possuem mais adjetivos pospostos, em geral, descritivos.
Os corpora da pesquisa, que foram extraídos do Projeto VARPORT
(www.letras.ufrj.br/varport), abrangem textos de diferentes gêneros publicados em
jornais do Rio de Janeiro nos séculos XIX e XX: anúncios, cartas de redatores/editoriais e
notícias de jornais. Para uma melhor observação da distribuição de adjetivos antepostos e
pospostos ao longo desses séculos, foram eles divididos em diferentes fases.
O século XIX se encontra dividido em três fases: 1ª fase, de 1808 a 1840; 2ª fase, de
1841 a 1870; e 3 ª fase, de 1871 a 1900. Já o século XX foi dividido em cinco: 1ª fase, de
1901 a 1924; 2ª fase, de 1925 a 1949; 3ª fase, de 1950 a 1960; 4ª fase, de 1961 a 1974; e 5ª
fase, de 1975 a 2000.
81
Analisou-se, então, um total de 4570 sintagmas nominais, sendo 1497 do século
XIX e 3073 do XX. Dentre eles, encontraram-se 1424 adjetivos em anúncios, 1269 em
editoriais e 1877 em notícias de jornais, como se pode ver no Quadro 11.
Gênero textual
Anúncio Editorial Notícia
Total
XIX
352 405 740 1497
XX
1072 864 1137 3073
Total 1424 1269 1877 4570
Quadro 11 - Distribuição dos corpora por séculos.
4.2.2 Da perspectiva discursiva
A partir da análise sociolingüística dos dados, pretende-se fazer uma análise
lingüístico-discursiva de 30 textos jornalísticos -- 10 anúncios, 10 editoriais e 10 notícias --,
dos séculos XIX e XX, a fim de relacionar a posição do adjetivo, que é uma marca
enunciativa do sujeito no enunciado, sua natureza semântica e o gênero textual em que ele
se insere.
O critério para a seleção dos corpora foi aleatório. Na verdade, buscou-se tentar
equilibrar as "épocas históricas", não havendo comprometimento com a seleção do jornal a
ser analisado.
O quadro a seguir mostra a relação nominal dos textos escolhidos para a análise,
com a especificação de sua época, do gênero e a sua respectiva fonte jornalística.
Gênero textual/Época Título do texto
Fonte
Editorial do século XIX
(29/10/1808)
"Carta do Redator"
Gazeta do Rio de Janeiro
82
Editorial do século XIX
(06/12/1832)
“Correspondência”
O Sentinella da Liberdade
no Rio de Janeiro
Editorial do século XIX
(24/02/1838)
[Resposta do Redator]
O Catholico
Editorial do século XIX
(25/10/1870)
“Carta da redação” O Espelho
Editorial do século XIX
(18/06/1879)
“Carta da redação” Correio Commercial
Editorial do século XX
(03/07/1901)
“O Anno Critico” Correio da Manhã
Editorial do século XX
(01/07/1925)
“O povo está com fome!” O Globo
Editorial do século XX
(01/07/1955)
“Jânio e a política dos
governadores”
Diário Carioca
Editorial do século XX
(16/10/1987)
“Partidos fortes”
O Fluminense
Editorial do século XX
(26/12/1999)
“Prosa de governador”
O Globo
Notícia do século XIX
(17/09/1808)
“Rio de Janeiro a 17 de
Setembro”
Gazeta do Rio de Janeiro
Notícia do século XIX
(29/11/1838)
“Tristes consequencias de
hum erro"
Jornal do Comércio
Notícia do século XIX
(07/08/1870)
-- Diário de Noticias
Notícia do século XIX
(03/01/1878)
-- Correio da Manhã
83
Notícia do século XIX
(07/05/1888)
“Política e Políticos : A
Sessão Imperial”
A Verdade
Notícia do século XX
(14/05/1902)
"Em nictheroy, regimen do
couro no corpo militar de
policia. Mãe angustiada.
Soldados feridos"
Jornal do Brasil
Notícia do século XX
(01/07/1920)
“Os criticos e...os creditos” Jornal do Brasil
Notícia do século XX
(07/06/1960)
“Liberdade de Imprensa” Jornal do Brasil
Notícia do século XX
(28/02/1986)
--
Jornal do Brasil
Notícia do século XX
(19/03/1990)
“Reforma de Collor faz
terremoto na economia”
Jornal do Brasil
Anúncio do século XIX
(02/10/1821)
“Notícias marítimas para
Lisboa”
Jornal dos Commercio
Anúncio do século XIX
(19/05/1821)
-- Jornal de Annuncios
Anúncio do século XIX
(16/05/1850)
“A odontina” O Gratis
Anúncio do século XIX
(18/02/1868)
“As Pilulas Catharticas
DE AYER”
Diário do Povo Politico,
Litterario, Noticioso e
Commercial
84
Anúncio do século XIX
(10/10/1894)
-- A Bomba
Anúncio do século XX
(16/09/1909)
-- Jornal do Brasil
Anúncio do século XX
(11/11/1937)
“Frigidaire”
Correio da Manhã
Anúncio do século XX
(08/12/1949)
“Brahma chopp”
Jornal do Brasil
Anúncio do século XX
(05/07/1975)
“Guaraná Brahma” O Globo
Anúncio do século XX
(16/09/1998)
“Embratel” O Globo
Quadro 12Corpora da análise discursiva
Com base na análise dos textos, pretende-se alcançar os seguintes objetivos:
(i) estabelecer uma correlação entre a recorrência de um determinado tipo de
adjetivo (avaliativo ou descritivo) e o gênero textual em que se insere;
(ii) estudar a ordem e a natureza semântica do adjetivo como uma estratégia
argumentativa de um tipo de sujeito numa dada situação;
(iii) investigar os protagonistas do discurso, que estão submetidos a um contrato
comunicativo; e
(iv) observar a construção do ethos a partir da escolha dos adjetivos de diferente
natureza semântica e de sua posição no SN.
A partir dessa análise discursiva, pretende-se confirmar as seguintes hipóteses:
85
(i) no discurso publicitário -- anúncios de jornais --, a anteposição dos adjetivos, em
geral, avaliativos, torna-se um mecanismo lingüístico-discursivo de intensificação,
utilizado pelo sujeito enunciador, a fim de exaltar as qualidades do “produto” anunciado e
persuadir o sujeito destinatário a comprá-lo;
(ii) no discurso jornalístico -- editoriais e notícias de jornais --, os adjetivos possuem
uma função argumentativa, já que, nesses tipos de gêneros, procura-se expressar a opinião
do editorialista/jornal sobre determinado ponto de vista ou informar algo ocorrido; no
entanto, o uso de adjetivos passa a ser uma estrátegia de argumentação mais "velada", uma
vez que, nesses tipos de gêneros, o sujeito enunciador se utiliza de máscaras enunciativas
para opinar ou informar determinado assunto;
(iii) houve uma mudança de caráter dos gêneros textuais analisados -- anúncios,
editoriais e notícias de jornais -- do século XIX para o século XX; com isso, o
comportamento dos adjetivos mudou de uma época para outra.
86
“A análise do discurso incide sobre um corpus de textos
reunidos em torno de um tipo de situação (contrato) que os
dobredetermina, para que sejam estudadas suas constantes
(visando definir um gênero), e suas variantes (visando definir
uma tipologia de estratégias possíveis). Quando se diz que
está fazendo ‘análise de discurso de um texto’, é necessário
explicitar se o texto constitui um fim em si ou se é um simples
pretexto.”
(CHARAUDEAU, 2005: 23)
87
5. ANÁLISE DOS RESULTADOS
5.1. Da análise sociolingüística
Nesta primeira etapa de trabalho, não houve a separação dos dados por séculos, uma
vez que o nosso objetivo era investigar a posição dos adjetivos nos diferentes tipos de
gêneros analisados ao longo dos séculos XIX e XX.
Assim, através do Programa Computacional VARBRUL, foi possível comprovar a
hipótese inicial do trabalho -- antes também atestada por Serra (op. cit.) – de que a
posposição do adjetivo no sintagma nominal foi se tornando norma objetiva ao longo dos
séculos XIX e XX. Como se pode observar no gráfico abaixo (Gráfico 1), houve uma
diminuição gradativa da anteposição do adjetivo: enquanto na primeira fase do século XIX
o peso relativo referente à anteposição era .61, na última fase do século XX tem-se o valor
de .34.
Anteposição do adjetivo nos séculos XIX e XX
0,34
0,61
0,6
0,6
0,54
0,46
0,47
0,39
0
0,2
0,4
0,6
0,8
1808-
1840
1841-
1870
1871-
1900
1901-
1924
1925-
1949
1950-
1960
1961-
1974
1975-
2000
Gráfico 1 – Peso relativo de anteposição do adjetivo ao longo dos séculos XIX e XX
88
Percebe-se, ainda, que a diminuição do uso de adjetivos antepostos ocorre, mais
bruscamente, no século XX, período em que ocorrem várias mudanças de ordem no PB
(Duarte, 1992). No período de 1901 a 1924, o peso relativo de anteposição era .54. Já no
fim do século XX – entre 1975 e 2000 – o peso relativo passou a ser .34.
Nessa rodada geral de dados dos séculos XIX e XX, foram selecionados, nessa
ordem, os seguintes fatores: natureza semântica do adjetivo, dimensão do adjetivo em
relação ao seu núcleo, época e gênero textual. Pode-se afirmar, portanto, que, dentre os
fatores analisados nesta pesquisa, esses foram os que se mostraram significativos para a
posição do adjetivo no sintagma nominal.
O grau de significância de cada um desses fatores selecionados pelo pacote de
programa VARBRUL será observado a seguir.
Confirmando nossa hipótese inicial, observou-se que o fator que está mais
diretamente relacionado à posição do adjetivo é a sua natureza semântica. Adjetivos que
possuem um maior grau de subjetividade – chamados aqui de avaliativos – tendem a vir na
posição pré-nuclear, ao passo que os que caracterizam objetivamente o seu núcleo –
chamados de descritivos – possuem maior possibilidade de virem pospostos. Veja-se:
0,77
0,19
0,00
0,20
0,40
0,60
0,80
avaliativo descritivo
Ante
p
osição de acordo com a natureza
semântica do adjetivo
Gráfico 2 – Anteposição do adjetivo quanto à sua natureza semântica nos séculos XIX e XX.
89
Como se observa no Gráfico 2, quando o adjetivo é avaliativo – exemplos (70) e
(71) – a anteposição apresenta um peso relativo maior (.77) e, quando o adjetivo é
descritivo – exemplos (72) e (73) – o peso relativo é bastante baixo (.19).
(70) Paula Brito, nas novas officinas da sua empreza "Dous de Dezembro", estampa
e lithographa registos de Sanctos (...) (Anúncio/Correio do Brazil/1852)
(71) Se você quer mesmo um verdadeiro guaraná, beba GUARANÁ BRAHMA.
(Anúncio/O Globo/1955)
(72) Estão certos os arenistas que pleiteiam participar da escolha de dirigentes
nacionais do Partido. (Editorial/JB/1975)
(73) Na foto, tem-se uma idéia do pandemonio. Acendeu a luz verde: o ô n i b u s
entrou.(Notícia/O Globo/1954)
A Tabela 1 apresenta a distribuição percentual relativa à posição de adjetivos
avaliativos e descritivos:
Adjetivo avaliativo Adjetivo descritivo
Anteposição
1453/2494 58 192/2077 9
Posposição
1041/2494 42 1885/2077 91
Oco/total % Oco/total %
Tabela 1 – Percentual da posição do adjetivo de acordo com sua natureza semântica nos séculos XIX e XX.
O resultado percentual também demonstra claramente o quadro da posição do
adjetivo em relação à sua natureza semântica. Como se vê na Tabela 1, 58% dos adjetivos
avaliativos estão em posição pré-nuclear, ou seja, na ordem-marcada. Já os descritivos, em
sua grande maioria, aparecem em posição pós-nuclear (91%), que é a ordem não-marcada
no português.
O segundo fator mais relevante para a anteposição do adjetivo é a sua dimensão em
90
relação ao núcleo. Quanto menor o número de sílabas de um adjetivo em relação ao
substantivo, maior a possibilidade de ele vir anteposto. Observe-se:
0,62
0,54
0,39
0
0,1
0,2
0,3
0,4
0,5
0,6
0,7
< igual >
Ante
p
osição de acordo com a dimensão do
adjetivo em relação ao núcleo
Gráfico 3 – Distribuição dos adjetivos quanto ao seu peso nos séculos XIX e XX.
Nota-se, com base no Gráfico 3, que adjetivos menores que o seu núcleo (74)
possuem peso relativo de aplicabilidade da anteposição .62, adjetivos do mesmo tamanho
que seu núcleo (75) possuem peso relativo de .54 e, por fim, quando os adjetivos são
maiores que o núcleo (76), a anteposição apresenta .39 de peso relativo.
(74) Uma grande arvore que cahiu na praça do Duque de Caxias interrompeu o
serviço dos bonds.(Notícia/ Diário de Noticias/1870)
(75) É do dever do escriptor publico manifestar os seus sentimentos (Editorial/O
Guerreiro/1853)
(76) Em seu primeiro dia de goveno, o presidente Fernando Collor de Mello
colocou em funcionamento, ontem, um plano econômico já experimentado no
Brasil. (Notícia/JB/1990)
91
A tabela a seguir mostra os resultados percentuais sobre a influência da dimensão
do adjetivo em sua posição no sintagma nominal.
Adjetivo menor que o
núcleo
Adjetivo igual ao
núcleo
Adjetivo maior que
o núcleo
Anteposição
742/1518 49 373/968 39 530/2085 25
Posposição
776/1518 51 595/968 61 1555/2085 75
Oco/total % Oco/total % Oco/total %
Tabela 2 – Percentual da posição do adjetivo de acordo sua dimensão nos séculos XIX e XX.
Conforme observamos na Tabela 2, apesar de a posição pós-nuclear ser a mais
usual, os percentuais de anteposição aumentam de acordo com o tamanho do adjetivo:
adjetivos maiores que o núcleo possuem 25% de anteposição, adjetivos do mesmo tamanho
que o núcleo, 39% e adjetivos menores que seu núcleo, 49%.
Um fator não estrutural que se mostrou determinante para a anteposição do adjetivo
no sintagma nominal foi o gênero textual. Como se pode observar no Gráfico 4, dentre os
tipos de gêneros analisados na presente pesquisa, a anteposição é mais freqüente em
anúncios (.54) do que em notícias (.49) e em editoriais de jornais (.44).
0,44
0,49
0,54
0 0,1 0,2 0,3 0,4 0,5 0,6
editorial
notícia
anúncio
Anteposição do adjetivo no discurso midiático
Gráfico 4 – Anteposição de adjetivos em anúncios, editoriais e notícias de jornais dos séculos XIX e XX.
92
Esse resultado confirma nossa hipótese de que o comportamento dos adjetivos varia
de acordo com o gênero textual em que se encontra. É mais recorrente o uso de adjetivos
antepostos -- que, como vimos anteriormente, em geral, são avaliativos -- em anúncios de
jornais, que fazem parte de um discurso publicitário, do que em editoriais e notícias, que
estão inseridos no discurso jornalístico (Marcuschi, op. cit.).
Conforme veremos na seção 5.2 deste mesmo capítulo, a posição dos adjetivos e sua
natureza semântica estão intimamente associadas ao gênero textual em que se insere. De
fato, a relação entre a ordem do adjetivo no sintagma nominal e o seu valor semântico
(avaliativo ou descritivo) pode ser considerado como um mecanismo argumentativo nesses
textos.
Em uma segunda etapa de análise, após considerarmos o uso dos adjetivos nos
séculos XIX e XX, optou-se por observar o comportamento desses qualificadores em cada
um desses séculos separadamente.
Na rodada dos dados do século XIX, foram selecionados como fatores relevantes
para a anteposição do adjetivo no sintagma nominal somente a sua natureza semântica e a
sua dimensão em relação ao núcleo, nesta ordem.
Como se vê no Gráfico 5, quanto à natureza semântica do adjetivo, o resultado foi
bastante semelhante ao encontrado na rodada geral dos dados: adjetivos avaliativos, que
possuem um valor passível de contestação, possibilitam mais a anteposição (. 79) que os
adjetivos descritivos (.19).
93
0,79
0,19
0,00
0,20
0,40
0,60
0,80
avaliativo descritivo
Anteposição de acordo com a natureza
semântica do adjetivo noculo XIX
Gráfico 5– Anteposição do adjetivo quanto à sua natureza semântica no século XIX.
Já a dimensão do adjetivo em relação ao substantivo a que se liga se mostrou
relevante pelo fato de que quanto menor for adjetivo em relação ao seu núcleo, maior será a
possibilidade de sua anteposição. Veja-se o Gráfico 6:
0,66
0,53
0,37
0
0,1
0,2
0,3
0,4
0,5
0,6
0,7
< igual >
Anteposição de acordo com a dimensão do ad
j
etivo em
relação aocleo no século XIX
Gráfico 6 Distribuição dos adjetivos quanto ao seu peso no século XIX.
94
Conforme se nota no gráfico precedente, quando o adjetivo é menor que o núcleo, o
peso relativo de aplicação da anteposição é .66 e, quando o adjetivo é igual ao seu núcleo,
seu peso relativo é .53. Já quando o adjetivo possui um maior número de sílabas que seu
núcleo, o peso relativo de anteposição passa a ser .37.
Na rodada dos dados do século XX, os fatores selecionados como mais importantes
para a anteposição dos adjetivos foram, nesta ordem, a sua natureza semântica, a sua
dimensão em relação ao núcleo, a época e o gênero textual.
Confirmando, mais uma vez, a nossa hipótese inicial, observou-se que o fator mais
relevante para determinar a posição do adjetivo no sintagma nominal é seu valor semântico.
Como vemos no Gráfico 7, também no século XX, os adjetivos avaliativos possuem um
peso relativo referente à anteposição bem maior (.76) que os adjetivos descritivos (.18).
0,76
0,18
0,00
0,20
0,40
0,60
0,80
avaliativo descritivo
Anteposição de acordo com a natureza
semântica do adjetivo no século XX
Gráfico 7 – Anteposição do adjetivo quanto à sua natureza semântica no século XX.
O segundo fator relevante para determinar a posição dos adjetivos no século XX foi,
assim como no século XIX, a sua dimensão em relação ao núcleo: adjetivos menores que o
núcleo do sintagma nominal tiveram peso relativo .61, adjetivos do mesmo tamanho
95
tiveram .56 e adjetivos maiores que seu núcleo, .40. Esse resultado pode ser observado no
Gráfico 8.
0,61
0,56
0,4
0
0,1
0,2
0,3
0,4
0,5
0,6
0,7
< igual >
Anteposição de acordo com a dimensão do ad
j
etivo
em relação ao núcleo no século XX
Gráfico 8 – Distribuição dos adjetivos quanto ao seu peso no século XX.
No século XX, mostrou-se importante também o fator época. A partir do Gráfico 9,
observa-se que é realmente no século XX que ocorre a mudança de norma objetiva
(Lucchesi, op. cit.) da posição dos adjetivos. Enquanto, no início de século, a anteposição
era mais utilizada em textos jornalíticos -- resultado já comprovado também por Serra (op.
cit.) -- que a posposição (.59), no fim desse mesmo século, a anteposição passa a não ser
mais a norma usual, apresentando peso relativo baixo .39. Tendo esse fator sido
selecionado somente no século XX, reafirma-se a hipótese de esse fenômeno de fixação da
posposição deva estar associado a outros fenômenos relativos à mudança de ordem do PB
(Tarallo, 1993).
96
Anteposição do adjetivo no século XX
0,59
0,50
0,52
0,45
0,39
0
0,2
0,4
0,6
0,8
1901-1924 1925-1949 1950-1960 1961-1974 1975-2000
Gráfico 9 – Peso relativo de anteposição do adjetivo ao longo do século XX.
Por fim, mais um fator que se mostrou relevante para a anteposição do adjetivo no
século XX foi o gênero textual. Os resultados confirmam que, apesar de o índice de
anteposição de adjetivos ter diminuído neste século, se encontram mais adjetivos antepostos
ao seu núcleo em anúncios publicitários, a anteposição apresentando peso relativo de .56,
ao passo que, em notícias e editoriais, os pesos relativos foram, respectivamente, .52 e .41,
o que pode ser observado no Gráfico 10:
0,41
0,52
0,56
0 0,1 0,2 0,3 0,4 0,5 0,6
editorial
notícia
anúncio
Ante
p
osição do ad
j
etivo no discurso midiático do
século XX
Gráfico 10 – Anteposição de adjetivos em anúncios, editoriais e notícias de jornais do século XX.
97
O fato de haver maior incidência de adjetivos antepostos em anúncios publicitários
que nos demais tipos de gêneros analisados ratifica, como já dito anteriormente, a utilização
desses qualificadores em posição pré-nuclear -- em geral, com valor semântico avaliativo --
como um mecanismo de intensificação da qualidade do "produto" anunciado.
Por outro lado, a maior presença de adjetivos antepostos em notícias do que em
editoriais poderia ser explicada pelo caráter mais argumentativo destes. Conforme se viu, os
editoriais do século XX, apesar de serem textos opinativos, procuram manter um certo
distanciamento "afetivo" com relação ao assunto que está sendo tratado, diferentemente do
que acontecia com os editoriais do século XIX (Leite, op. cit.). Com isso, nesse gênero,
procura-se utilizar mais adjetivos descritivos que, como já fora comprovado, tendem mais a
ocorrer em posição pós-nuclear.
A opção por analisar anúncios, editoriais e notícias dos séculos XIX e XX teve o
propósito de caracterizar o comportamento dos adjetivos nesses gêneros por conta da
mudança de caráter de cada um deles. Assim, comparando os dois séculos, obtêm-se os
seguintes resultados, visualizados no Gráfico 11.
Anteposição do adjetivo por tipos de gêneros nos
séculos XIX e XX
28%
40%
47%
36%
30%
42%
0%
10%
20%
30%
40%
50%
anúncio editorial notícia
anteposição XIX
anteposição XX
Gráfico 11 – Percentual de anteposição em anúncios editoriais e notícias dos séculos XIX e XX.
98
Ao comparar, assim, o percentual de anteposição nos dois séculos, cumpre-se a
expectativa de o editorial e a notícia serem os gêneros em que os adjetivos passam, no
século XX, a ser mais freqüentes na posição pós-nuclear. Em notícias, o percentual de
anteposição passa de 40% no século XIX para 28% no século XX. No gênero editorial, por
sua vez, o percentual de anteposição, que era de 47% no século XIX, passa a ser 30% no
XX.
Observa-se, ainda, que a mudança mais significativa ocorre em editoriais, fato
facilmente explicado devido à mudança de caráter desse gênero, que se tornou menos
subjetivo. Com isso, o uso de adjetivos avaliativos e, conseqüentemente, antepostos,
tornou-se menos freqüente.
Esses percentuais confirmam também que o gênero anúncio foi o único que se
mostrou reticente à fixação da posposição dos adjetivos. Ao contrário dos demais gêneros
analisados, que tiveram uma diminuição no percentual de anteposição, houve um aumento
do uso de adjetivos antepostos em anúncios do século XX (36%) para o XX (42%).
Esse resultado também poderia ser explicado pela mudança de caráter dos anúncios
de um século para outro. Enquanto no início do século XIX esse gênero tinha, em geral, um
caráter de classificados, no século XX, com o crescimento do poder da mídia, os
anunciantes/publicitários passaram a construir anúncios com um maior teor de
subjetividade. Assim, cada vez mais utilizam-se adjetivos avaliativos – em geral, antepostos
– para intensificar as qualidades do produto a ser vendido.
Essa mudança de caráter tanto dos anúncios quanto dos editoriais e das notícias de
jornais do século XIX para o XX será ilustrada na seção subseqüente, relativa à analise
discursiva desses textos jornalísticos.
99
Os fatores tipo de adjetivo -- base nominal ou participal – e natureza semântica do
núcleo nominal -- material ou imaterial --, apesar de não terem sido selecionados pelo
programa VARBRUL como relevantes para a anteposição do adjetivo nos corpora desta
pesquisa, merecem destaque nessa análise quantitativa.
Quanto à caracterização morfológica do adjetivo, nossa hipótese inicial era de que
os adjetivos de base participial, por possuírem o traço [+ Verbo], apareceriam mais
pospostos do que os nominais, que possuem o traço [+ Nome]. Na análise dos dados,
observou-se que tanto adjetivos de base nominal, quanto de base participial tendem, em
geral, a virem pospostos. No caso dos adjetivos nominais, 64% dos dados estavam na
posição pós-nuclear e 36% na posição pré-nuclear. Já no caso dos adjetivos participiais,
68% eram pospostos, ao passo que 32% eram antepostos, como se observa na Tabela 3.
Base Nominal Base Participial
Anteposição
1496/4101 36 149/470 32
Posposição
2605/4101 64 321/470 68
Oco/total % Oco/total %
Tabela 3 – Posição do adjetivo de acordo com sua base (nomina/participial) nos séculos XIX e XX.
Esses percentuais confirmam a tendência geral de os adjetivos virem em posição
pré-nuclear, ordem que, como já fora comprovado, se tornou norma objetiva no século XX.
Vejam-se exemplos de adjetivos de base nominal -- (77) e (78) -- e participial -- (79) e (80):
(77) O único problema em quatro dias foi a intoxicação intestinal que o perito
Fortunato Palhares, da Unicamp, sofreu. (Notícia/JB/1990)
(78) Isso ficou mais uma vez patente na agressiva declaração do Ministro-chefe do
Serviço Nacional de Informação. (Editorial/O Dia/1988)
100
(79) Pois bem, ao fim de 8 ou 10 dias, prazo marcado, o freguez é servido e para o
aluguel (...) (Editorial/Echo Social/1879)
(80) Quem o tiver, ou souber quem o tenha, o entregue, ou denuncie, que receberá o
premio merecido.(Anúncio/Gazeta do Rio de Janeiro/1809)
Com relação ao fator não-selecionado, a natureza semântica do núcleo do sintagma
nominal, acreditava-se que, enquanto os substantivos de núcleo material favoreceriam a
posposição do adjetivo, os substantivos de núcleo imaterial favoreceriam a sua anteposição,
conforme demonstram os resultados expostos na Tabela 2.
Núcleo material Núcleo imaterial
Anteposição
929/2893 32 716/1678 43
Posposição
1964/2893 68 962/1678 57
Oco/total % Oco/total %
Tabela 4 – Posição do adjetivo quanto à natureza semântica do seu núcleo nos séculos XIX e XX.
Os resultados confirmam, mais uma vez, que a posição pré-nuclear do adjetivo é o
seu uso mais recorrente. Entretanto, enquanto em sintagmas em que há núcleos imateriais a
posposição de adjetivos é de somente 57%, quando há núcleos materiais, a posposição
chega a ser de 68%. Com isso, nota-se que o núcleo imaterial influencia na posição do
adjetivo, que tende a vir mais anteposto (43%) do que os que possuem um núcleo material
(32%). Observem-se os exemplos de núcleos materiais -- (81) e (82) -- e imateriais -- (83) e
(84):
(81) Policiais brasileiros, encarregados de vigiar os banidos, não poderiam
abandonar o aparelho.(Notícia/JB/1971)
101
(82) Uma casa pequena, alguns annuncios, é quanto basta para que os papalvos
accudam. (Editorial/Echo Social/1879)
(83) O Dr. Eduardo França responde gratuitamente a qualquer consulta sobre o uso
e modo de applicação da Lugolina, observando a maxima reserva.
(Anúncio/Correio da Manhã/1901)
(84) Estamos permanentemente sob o estigma da seca, porque chove durante um
curto espaço de tempo. (Editorial/Jornal do Comércio/1981)
Considerando o estado de "conspiração" entre o substantivo e o adjetivo apontado
por Lapa (op. cit.), optou-se, então, por fazer uma fusão entre o caráter descritivo ou
avaliativo do adjetivo e a materialidade do núcleo com o qual se combinava. Observou-se
que a influência da natureza semântica do substantivo na posição de seu qualificador
correspondente se tornou mais presente ao unir esses dois fatores, como se torna evidente
no Gráfico 12.
60%
59%
24%
15%
0
0,2
0,4
0,6
Anteposição do adjetivo de acordo
com a natureza semântica do
adjetivo e do núcleo nominal
av.im.
av.mat.
des.im.
des.mat
Gráfico 12 - Percentual de anteposição com base na natureza semântica do substantivo e do adjetivo.
Evidencia-se que, embora o que determine a ordem continue sendo o valor do
adjetivo, a natureza do substantivo, quando associada à natureza de seu qualificador, se
102
torna importante: quando o adjetivo é avaliativo e o seu núcleo imaterial, a anteposição se
faz presente em 60% dos casos; no entanto, quando o adjetivo é descritivo e o seu núcleo é
material, a anteposição é de apenas 15%. Observem-se os exemplos:
(85) Essa operação garante uma grande resistência ao calçado, pois é feita sem o
emprêgo de colas ou pregos. (Anúncio/O Globo/1955)
(av. + im.)
(86) Foi em remuneração dos seus serviços aos exigentes portuguezes (...) é que o
Sr. João Caetano se deve encher de orgulho. (Editorial/O Guerreiro/1853)
(av. + mat.)
(87) Fica vedado às editoras particulares a publicação de regulamentos e instruções
militares que forem aprovados a partir desta data. (Notícia/JB/1945)
(im.
+ descr.)
(88) Primeiro, o aparecimento dos militares nacionais, no fim do seculo XIII, fruto
da vitória politica da Revolução Francesa (...).(Editorial/JB/1952)
(mat. + descr.)
A partir desses resultados quantitativos, será analisada, na seção subseqüente, a
função lingüístico-discursiva dos adjetivos em alguns dos textos inseridos nos diferentes
tipos de gêneros aqui analisados.
5.2. Da análise discursiva
A partir dos resultados sociolingüísticos sobre a ordem dos adjetivos em anúncios,
editoriais e notícias de jornais, serão analisados, nesta seção, 30 textos do discurso
103
midiático, a fim de que se depreenda a função discursiva desses adjetivos nesses diferentes
tipos de gêneros textuais dos séculos XIX e XX.
5.2.1 Os adjetivos no discurso opinativo: o editorial
Como já foi dito anteriormente, o editorial é um gênero que, dentro do domínio
discursivo jornalístico, tem como função expôr o ponto de vista do editorialista e/ou jornal
sobre determinado assunto. Corresponde, portanto, a um discurso jornalístico opinativo.
Assim, por ter essa função opinativa, esse gênero tem, predominantemente, o modo
argumentativo de organização do discurso, apesar de o estudo de Leite (op. cit.) atestar que,
no século XX, há um menor índice de argumentação pura. Na verdade, nesse século, há
uma maior interação entre os modos de organização discursiva (narração, descrição e
argumentação) se comparado ao século XIX.
Com isso, através da argumentação, revelam-se algumas estratégias persuasivas
utilizadas pela imprensa a fim de convencer o público-alvo de uma determinada posição
político-social.
Normalmente, quando o jornalismo possui a função de informar, explicar e orientar
o leitor -- como em editoriais -- , a objetividade passa a ser característica fundamental.
Entretanto, nem sempre esse traço é observado nesse gênero.
A natureza semântica dos adjetivos e, conseqüentemente, a sua ordem dentro do SN
em editoriais de jornais poderiam, portanto, ser explicadas por esse traço de objetividade.
Como comprovou a análise sociolingüística, há mais adjetivos descritivos e pospostos ao
núcleo nesse gênero do que nos demais analisados.
Contudo, conforme já vimos, no século XIX, o editorial -- que, na verdade, era
denominado Carta de Redator -- possuia uma maior subjetividade, uma vez que os temas
104
desses textos nessa época seguiam modelo semelhante à correspondência. Assim, o social
misturava-se com o pessoal, já que o público-leitor (sujeito interpretante) entrava em
contato em assuntos, muitas vezes, particulares.
Já no século XX, a temática desse gênero passou a ser mais coletiva, analisando, por
vezes, questões políticas, sociais e econômicas. Com isso, o editorial passou a ter o rótulo
de “formador de opinião” (Leite, op. cit.), pois contribui para a consolidação da consciência
crítica desse sujeito interpretante.
Essa mudança de caráter do editorial do século XIX para o XX poderia, então,
explicar ainda o fato de encontrarmos mais adjetivos objetivos/descritivos e pospostos ao
núcleo -- resultado atestado pela análise quantitativa dos dados -- em editoriais do século
XX.
Analisemos, agora, a função discursiva destes adjetivos em alguns editoriais dos
séculos XIX e XX.
5.2.1.1 O século XIX
Editorial 1: Gazeta do Rio de Janeiro (29/10/1808)
"Carta do Redator"
Merece huma particular attenção a actividade e zelo, com que o Doutor Joaquim
Baptista, tendo primeiro lembrado aquelle trabalho, se prestou a elle, pondo todos os
seus esforços e diligencias para tão importante como dificil serviço. Não são pois
meras especulações e theorias esterieis as lições Filosoficas dadas na Universidade,
que em tão criticas circunstancias fornecêrão superabundantemente polvora de
qualidade muito superior a qualquer das conhecidas; donde se vê não só a utilidade e
conhecido proveito d’aquelas lições, mas além disso a vantagem dos trabalhos
105
dirigidos por pessoas instruidas nos principios respectivos á dos que só seguem
huma rotina empirica e puro mercantilismo.
Conforme podemos perceber, este texto trata-se de uma “carta do redator”, que, na
verdade, busca enaltecer as habilidades profissionais do Doutor Joaquim Baptista. Ao que
parece, este é um professor e/ou pesquisador de uma Universidade, sendo seu trabalho
bastante elogiado pelo redator.
Nota-se, portanto, que o sujeito comunicante -- no caso, o redator ou o a empresa --
se utiliza de máscaras enunciativas para se tornar o sujeito enunciador, que tem como
função exaltar as qualidades do referido Doutor Joaquim Baptista e de seu desempenho
profissional.
Este editorial, que, a princípio, parece ser endereçado a um público geral, possui um
sujeito interpretante individualizado. Assim, o sujeito enunciador cita nominalmente o
sujeito destinatário, que é particularizante, uma vez que, neste tipo de "correspondência",
há informações que só ele saberia.
Como se pode observar, não há, neste texto, uma preocupação com fatos do mundo
sócio-econômico da época. Na verdade, a temática do texto se refere a um assunto
particular, que seriam as habilidades profissionais do Doutor Joaquim Baptista.
Assim, para atingir esse sujeito destinatário, enaltecendo suas qualidades, o
enunciador se utiliza de adjetivos, em geral, com uma carga semântica de subjetividade --
avaliativos -- e antepostos ao núcleo do sintagma nominal.
Vejam-se os alguns dos adjetivos avaliativos e antepostos encontrados:
106
(89) particular attenção
(90) dificil serviço
(91) criticas circunstancias
(92) puro mercantilismo
Vale ressaltar, ainda, a preferência do enunciador pelo caráter abstrato dos
substantivos. Nos exemplos (89) a (92), nota-se que os núcleos do SN possuem o traço [+
abstrato], o que contribui não só para a anteposição do adjetivo como também para o teor
enunciativo do texto. Esses substantivos seriam, assim como os adjetivos, marcas do sujeito
no enunciado.
Editorial 2: O Sentinella da Liberdade no Rio de Janeiro (06/12/1832)
Correspondência
Analyses do Redactor
A base mais forte sobre que se funda o escriptor livre he sem duvida a
imparcialidade, e baseado en tão incontestavel principio não hesitamos hum
momento em dar publicidade aos sentimentos de nosso correspondente; sentimentos
que alias são diametralmente oppostos de que estamos possuidos, e por isso
principiaremos a analys-los. Diz o nosso correspondente – Quando bate o partido
chamado moderado composto em grande parte de fementidos e cortimanhosos, de
hypocritas, e traficantes politicos desfeicha toda sua acrimonia contra o Sr. Feijó -
Ora se o nosso correspondente conhece, que o partido moderado he composto em
grande parte de fementidos, etc., e se alem disso conhece, que este he o partido, que
sustenta o Sr. Feijó como deixará de convir de que elle he igual aos seus
sustentadores ? Alem disso todos quanto imparciaes existem mui bem conhecem que
a causa de se tornar o partido moderado odiado, como vemos, foi o ser composto de
cegos adoradores de quantos actos maos, e arbitrarios partião d’esse homem, a quem
107
nosso correspondente appelida republicano – continua, e diz – asseguro-lhe com
amisade, que nada mais doe me, que ver attacar a algum individuo por crimes que não
commeteu – nesta parte muito concordamos com o pensar do nosso correspondente,
pois sempre fomos avessos a calumnias, e nunca nos uffanamos de fazer opposição a
pessoas consideradas abstractamente, mas sim as suas más acções: continua fazendo
apologia de suas virtudes, seo caracter firme, e igual, appellando para sua conducta
nas cortes de Portugal, a marcha que sempre seguio na camara dos Deputados, e o
tempo do seo ministerio: ora nós não duvidamos dos bons serviços prestados por o
Sr. Feijó em Portugal, e emquanto Deputado, porém (usando da expressão de hum
seo collega) não sabemos, que veneno contém em si as escadas do Paço que
contamina a todos quantos por ella só bem !! ... contra as arbitrariedades praticadas
pelo Sr. Feijó como ministro da Justiça he que nos endereçamos arguições;
arbitrariedades das ques o nosso correspondente jamais poderá victoriosamente
justifica-lo.
[...]
actos que analysados a primeira vista só parecem proprios de um despota – nós jamais
poderemos confessar, que hum homem de costumes austeros ate moral, e que odeie o
despotismo, pratique actos que quer analysados a 1
a
vista, quer analysados
profundamente sejão proprios de hum despota !! o Sr. Feijó pode sem temor de erro
appellidar-se despota, porque menospresando as Leis (notas que constituem o
verdadeiro despota, só tinha por norte sua vontade ou capricho, nós poderiamos
appellar para fundamentar nossas proposições para a suspensão de cartas de seguro,
para illegal nomeação do Jury para as buscas illegaes dadas em casas de Cidadãos,
para o elogio feito ao Juiz de Paz, que fez fogo sobre quem fugia calcando assim quer
leis positivas, quer naturaes tão claramente exaradas no Direito das gentes.
Perseguindo o nosso correspondente appresentado como o republicano de primeira
ordem, e explica que republica não significa dissolução social, anarchia,
desobediencia às leis, e às authoridades constituídas, e sim o problema das virtudes,
o símbolo da paz, a harmonia entre os homens, o império da Lei e da Justiça: ora se
nós temos demonstrado (como presumimos) incontestavelmente, que o Sr. Feijó não
era amante do imperio da Lei, e da Justiça, por isso, que a despresava como
108
poderemos julgar, e mesmo convir, que elle he republicano de coração ? Se os
republicanos de primeira ordem sã inimigos da Lei, inimigos da Justiça, como esse a
quem o nosso correspondente, e amigo de tão honroso titulo, como poderemos nós
querer ser republicanos de primeira ordem ? Mas nós estamos intimamente
convencidos de que o Sr. Feijó não he republicano, e se o pertence a huma nova
classe, e esta convicção vem dos actos praticados por o mesmo sr. durante o seo
ministerio. Mais abaixo, o nosso correspondente pretende forrar o ex-ministro das
justas censuras, que se lhe tem dirigido pelo fogo do Theatro dizendo, que tal
attentado teve lugar durante o tempo que elle dormia: ora tinha circulado a Cidade o
triste boato de que haveria rusga, que principiaria no Theatro, para cujo
conhecimento se avisarão os commandantes d’ Esquadras, etc. Além disto das 9 horas
da noite principiarão as desordens no memso Theatro, e era impossivel, que o então
ministro da Justiça não fosse sabedor, quer dos tristes boatos, quer dos desaguisados,
que começavão a apparecer; se elle sabia, e descautelloso deixou a Patria entregue as
garras da anarchia e re[clin]ado sobre o molle leito procurava conciliar o somno sem
se embaraçar com as desgraças, que começavão a ameaçar a Patria, e não evitou,
como podia, o derramamento do sangue brasileiro, he hum perverso, hum feroz
conivente com os amotinadores, e como tao indigno do tao honroso encargo, que
exercia se he possivel porem, que ignorasse o que todos sabiao era inepto, e neste
caso não devera por mais tempo dirigir a pasta da Justiça: Preciosidade, por isso que a
sangue frio quando devera escutar os dictames da fria razão e dar hum testemunho a
Nação de que elle não se lisongeava com tão horrorosas scenas, ao contrario teceu
incomios aos perpetradores de tao horrivel carneficina. Quanto à censura, que nos faz
a respeito do que dissemos sobre os Eleitores nós cordialmente lhe agradecemos por
isso que não foi da nossa intenção chocar o melindre de alguem, mas sempre lhe
diremos, que quando fallamos na maioria daquelles, que contra suas consciencias
votarao em hum homem: jamais sermos capazes de atacar huma corporação.
Finalmente diz – e assim como em minha consciencia entendi, que era melhor votar
em [h]um homem author de hum Codigo humano de que nós autores de
[...]
109
nosso amigo nesse seo modo de pensar, e sempre despresaremos esses, que tomão por
grandeza, ou menospreso os accidentes [inint.] [..] [..] [..] constitucional, somos
imparciaes criminamos a Feijó por seos maos actos, louvamos os bons feitos, porem
seo odio, seo capricho contra Brasileiros a quem deve amar nos arinarão contra elle
de tal maneira, que não o podemos desejar. Sentimos que cumprindo um dever tanto
nos alargassemos, porem nossa consciencia tranquilla nos affiança de não termos
offendido o melindre, e nosso correspondente a quem cordialmente respeitamos.
Este editorial possui uma temática política, tratando da relação entre "Padre Feijó" e
seu chamado "partido moderado". Sendo assim, o sujeito comunicante faz comentários
sobre calúnias e crimes que o tal partido teria cometido.
Para desenvolver seus argumentos, o sujeito enunciador -- o editorialista e/ou a
empresa -- analisa a opinião de um correspondente, confrontando-a com a sua. O
enunciador se utiliza, portanto, de uma excelente estratégia argumentativa: ele se apropria
do discurso do outro, concordando, a princípio, com o correspondente:
"(...) asseguro-lhe com amisade, que nada mais doe me, que ver attacar a algum
individuo por crimes que não commeteu – nesta parte muito concordamos com o
pensar do nosso correspondente, pois sempre fomos avessos a calumnias, e nunca
nos uffanamos de fazer opposição a pessoas consideradas abstractamente, mas sim
as suas más acções: continua fazendo apologia de suas virtudes, seo caracter firme,
e igual, appellando para sua conducta nas cortes de Portugal, a marcha que sempre
seguio na camara dos Deputados, e o tempo do seo ministerio (...)"
Para isso, o sujeito enunciador se utiliza de adjetivos avaliativos (em geral,
antepostos):
110
(93) más acções
(94) honroso titulo
(95) tristes boatos
(96) caracter firme
Continuando com a apropriação do discurso do correspondente, utiliza-se de mais
adjetivos de caráter subjetivo e, em geral, em posição pré-nuclear:
"(...) Preciosidade, por isso que a sangue frio quando devera escutar os dictames da
fria razão e dar hum testemunho a Nação de que elle não se lisongeava com tão
horrorosas scenas, ao contrario teceu incomios aos perpetradores de tao horrivel
carneficina. (...)"
Com isso, o sujeito interpretante se depara com dois pontos de vista distintos, o que
faz com que o sujeito destinatário tenha argumentos suficientes para escolher um ou outro
ponto.
Assim, o sujeito enunciador, ao mesmo tempo que se concilia com o outro, não
deixa de fortalecer sua opinião. Para tanto, utiliza os adjetivos avaliativos e, normalmente,
antepostos como um mecanismo lingüístico-discursivo que caracteriza a subjetividade do
texto, característica típica dos editoriais do século XIX.
'' (...) somos imparciaes criminamos a Feijó por seos maos actos, louvamos os bons
feitos, porem seo odio, seo capricho contra Brasileiros a quem deve amar nos
arinarão contra elle de tal maneira, que não o podemos desejar. Sentimos que
cumprindo um dever tanto nos alargassemos, porem nossa consciencia tranquilla nos
affiança de não termos offendido o melindre, e nosso correspondente a quem
cordialmente respeitamos."
111
Editorial 3: O Catholico (24/02/1838)
[Resposta do Redator]
Não admiramos a impressão ingrata, que o nosso Correspondente motivou a leitura
do artigo – Religião – do Diario impresso na infeliz Bahia: comfessamos, que com a
difficuldade se encontrará peça peior em seu assumpto e mais mal escrita: felizmente
elle mêsmo se refuta, huma penna habil se deprimiria em combater aquelle
aggregado de grosseiras blasfemias, e de sandices. O author, insensato atheu; muito
se esforça por nivelar-se com os brutos; seja embora bruto, nós lhe concedemos hum
lugar entre os mais estupidos; em quanto nos gloriamos na posse d’huma alma doada
de qualidades e manadas da divindade mesmo e por isso immortal. o infeliz author,
quis porvar tanto, que não provou nada: sim, quis tanto singularizar-se em irreligião,
em impiedade, que longe de attrahir simpathias, attrahio sobre si, o ridiculo, o
despreso, o odio; por isso que, declarando-se logo no principio do artigo contra-Alma
e divindade – se declarou contra o senso commum: combateu os dois Dogmas, que se
podem chamar os Dogmas do genero humano. Quando lemos o dito notavel artigo,
logo resolvemos condemna-lo ao despreso, que elle merece; e logo nos ocorreu á
lembrança, hum facto acontecido com o respeitavel Padre Oudino: apresentou-se-lhe
hum filosofante com aquella audacia, que a ignorancia costuma gerar, e se propoz
argumentar com elle sobre a existencia de Deos, declamando logo que hera atheu.
Ouvindo o Bom Padre tal proposição, ficou em hum profundo silencio, observando
por largo tempo ao filosofante da cabeça até os pés: que singularidade achais em
mim, replicou o jovem antagonista, pois que tão attentamente me contemplais? Estou
observando as feições do animal que se chama atheu, respondeu o Padre, pois tendo
ouvido fallar della muitas vezes, nunca o tinha visto.
Nós não podemos observar as feições do nosso animal da Bahia, ficamos só
conhecendo-o pela pintura que elle mesmo de si nos faz no seo artigo.
Analisando o referido texto, percebe-se, como na maioria dos editoriais, seu caráter
predominantemente argumentativo. Neste editorial, discute-se sobre uma temática
reliogiosa, analisando as "blasfêmias" e o Ateísmo de um correspondente.
112
Considerando o tipo de jornal -- ''O Catholico'' --, observa-se, no âmbito da
competência situacional (Charaudeau, 2001), a importância da temática, identidade e
finalidade. No caso do texto em questão, há uma empresa que propaga a doutrina católica,
tendo como sujeito comunicante seguidores dessa religião. Sabe-se, assim, que o tipo de
discurso poderia ser diferente se a temática fosse diferente e houvesse outros sujeitos
discursivos.
Mais uma vez, percebe-se que o texto é endereçado a um sujeito destinatário em
particular (no caso, o "corrrespondente"). Seria, portanto, o que chamaram de "resposta do
redator". Na verdade, não se sabe se esse é o título do editorial, uma vez que está em
colchetes.
O que nos interessa aqui é avaliar o uso dos adjetivos como uma estratégia que o
sujeito comunicante utiliza para defender a instituição reliogiosa a que pertence. Utilizam-
se, em geral, adjetivos avaliativos (na maioria das vezes, antepostos):
(97) impressão ingrata
(98) infeliz Bahia
(99) grosseiras blasfemias
(100) insensato atheu
(101) respeitavel Padre Oudino
(102) profundo silencio
Editorial 4: O Espelho (25/10/1870)
Carta da redação
Á distincta redacção do MOSQUITO os Illms. Srs. - F.A.B. - J.R.S.M. - C.P. - C.A.
de Faria, e o admirado Flumen.
113
Não é um favor, não é o incenso corrompido da lisonja, não é um joguete de satyra, é
sim o dever que me assiste e que me conduz a assim praticar; lemos o n. 56 do -
Mosquito, apreciamol-o e deparando com a 4a. pagina, não podemos deixar de dar a
seu autor os merecidos applausos a tão distincto e nobre pensamento, que em si
mesmo se eleva a occupar as altas intelligencias na apreciação do que na sãa
meditação influe a altos juizos dos homens amantes da honra e gloria da sua patria;
para que segundo nossa humilde opinião se aprecie devidamente essa 4a. pagina
d’ouro do Mosquito, nós a reproduzimos como o lindo reflexo no nosso 5o. numero
do - Espelho; nossos emboras á distincta redacção pela sublime idéa; se os collegas
reimprimirem o n. 56, lhe agouramos, que 80 a 100 edições não serão bastantes, para
de mão em mão serem vistas e apreciadas pois com meditação se encontra nessa
gravura um pensamento grandioso, que estudado é das melhores peças, que se tem
publicado no seculo XIX, seculo do ideal até a imortalidade o que parece o sobre
humano, e ao mesmo tempo, tornar-se o Divino.
A Redacção.
Composto por um parágrafo único e intitulado simplesmente como "Carta da
redação", este editorial tem, também, um caráter de correspondência. Há, portanto, um forte
teor de subjetividade no texto, traço característico deste gênero no século XIX.
Assim, percebe-se que esta "carta" possui uma temática individualizada. O que se
pode depreender no texto é que há um agradecimento do editorialista para com a "distinta
redação do Mosquito".
Entretanto, apesar do tema subjetivo, sabe-se que há mais de um sujeito destinatário
-- Srs. F.A.B., J.R.S.M., C.P. ,C.A. de Faria, e o admirado Flumen --, o que torna o texto
enigmático, uma vez que não se expressam os nomes dos tais sujeitos.
114
O importante a ser destacado neste texto é a utilização de adjetivos avaliativos -- em
geral, antepostos -- como marcas discursivas do sujeito no enunciado, a fim de enfatizar os
referidos agradecimentos aos sujeitos destinatários:
(103) merecidos applausos
(104) distincto e nobre pensamento
(105) altas intelligencias
(106) altos juizos
(107) humilde opinião
(108) lindo reflexo
(109) distincta redacção
(110) sublime idéa
Editorial 5: Correio Commercial (18/06/1879)
Carta da redação
PARA SUA MAGESTADE O IMPERADOR LER E JULGAR
Ha factos n’esta sociedade, a que o homem não póde assistir, sem que o coração se
lhe confranja encarando o estado de miseravel degradação, a que se vê reduzido um
certo número de creaturas, dotadas, como nós, (é verdade) de uma alma capaz de
raciocinar, de um coração capaz de sentir, mas cuja alma não raciocina, embrutecida
pela ignorancia; cujo coração não sente, pelo menos moralmente, por se achar
endurecido, embotado aos soffrimentos da vida, pelo trabalho rude pelas dôres
continuas, pela mizeria atroz que os vai corroendo!
Mas se estas mizeras creaturas, não estão sujeitas a um soffrimento moral, estão, com
tudo, sob a pressão dominadôra das leis da natureza, que dotou o homem com uma
constituição phisica por demais exigente.
115
Se não sentem, como nós, as torturas moraes, soffrem as physicas, isto é, a fome, a
sêde, o frio, e outras muitas calamidades, que affectão directamente o humano
organismo!
É sobre um d’estes lamentaveis factos, que pretendemos occupar algumas linhas
deste jornal com a esperança de que, se não alcançarmos a extincção completa da
mizeria que reina n’esta inditosa classe social, ao menos conseguiremos um lenitivo
para aquelles desgraçados que abandonando a patria, a familia, para tentarem a
fortuna em extranhas plagas, n’estas só encontrão a fome, as lagrimas e o desespero!
Ha dias, achava-me occupado nos labôres da redacção d’esta fôlha quando fui, por
um amigo, convidado á presenciar o deploravel quadro, que sobre um fundo tetrico,
se antolhava aos olhos da população desta capital, tal o dos emigrados italianos, que
voltando da colonia Nova Italia - esquecida em Paranaguá, achavão-se acampados no
Largo do Paço, proximo as barracas da Praça das Marinhas.
Alli, sob um mizeravel tôldo construida de panno, cujo tamanho exiguo não podia
compotar metade do seu numero, estavão aglomerados, mulheres, homens, crianças,
simi-nus, esfaimados offerecendo um tal grao de deslocação, que até repugna
descrever!
Fóra, aqui e acolá, estavão tambem varios grupos respirando todos a mesma mizeria!
aqui, uma mulher tentando enganar a fome do filhinho com um pedaço de bolorenta
bolacha que [ ? ] menos de 15 dias de [ ? ] grupo de individuos que mascavão um
pedaço de tabaco que á força das repetições de uso, perdera ha muito a côr e o cheiro
primitivos!
Acolá e mais alem, mulheres acocoradas juncto a pequenas trempes feitas com tres
pedras, occupavão-se em fazer cuzer ao calôr de mesquinho lume o parco jantar que
se compunha de um magro pedaço de carne secca, alguns caroços de feijão, e poucas
folhas de legumes, talvez aquellas que por inuteis são desprezadas pelos vendedôres
da praça do mercado! As mizeras
crianças não se podendo conter, coagidas pelas
necessidades do estamago, aproveitando algum momento de distracção das pobres
mãis, metião os dedinhos nas panellas ferventes, a ver se conseguião colher alguma
migalha, sacrificando-se á dôr que sentirião pelas queimaduras!
116
Em torno delles via-se alguns colxões, dos quaes a maior parte em pessimo estado,
extendidos no chão talvez para seccarem-se das humidades da noite precedente.
Dirigi-me a um desses homens, inquiri-o sobre a maneira porque erão tratacdos, e
como se accomodavão em logar tão desabrigado?
Respondeu-me que não se achando satisfeitos, e sendo maltractados na colonia em
que se achavão, havião regressado á Côrte, e estavão n’aquele estado sem um tecto
que os abrigasse das intemperies da estação, dormindo alguns ao relento, e mal
podendo enganar a fôme que em extremo soffrião!
É até onde póde chegar o horror de uma situação!
No entanto, emquanto estas pobres victimas da sua má sorte, soffrem as mais atrozes
necessidades, repotreia-se, em macios coxins, S. Ex.o Sr. Ministro da Agricultura sem
se quer em um momento de ocio lançar os olhos sobre tanta desgraça!
E não serão estes homens dignos de alguma compaixão ou attenção, mesmo por
serem estrangeiros?
Não serão credôres da piedade de S. M. a Imperatriz, sendo como ella italianos, e
achando-se em um paiz do qual ella é a soberana?
Será possível, que S. Magestade consinta que morrão, quasi á fome, entes se não em
gerarchia ao menos na materia geradôra, são iguaes a sua pessôa?!
Consentirá, mais, que estes factos tenhão logar mesmo sob as janellas do seu palacio
real?!
E não merece censura S. Ex. o Ministro da Agricultura, procedendo de um modo
relaxado e vergonhoso, para com os estrangeiros?
Terá ainda de pedir braços aos estrangeiros quando estes braços recebem em
remuneração dos seus serviços a fôme e a mizeria?
Somos brazileiros, inimigos accerrimos da invazão estrangeira no paiz, mais antes de
brazileiros somos homens, e como tal não podemos conter a nossa indignação ao ver
tractar de um modo tão degradante a um nosso semelhante!
117
É pois este nosso artigo, um brado de nossa justa indignação elevado ao throno
imperial, afim de que algumas providencias sejão dadas para que se reprima o modo
barbaro com que o Sr. Ministro da Agricultura consente ou manda que sejão
tractados os desditosos colonos!
E contando com a magnanimidade de S. M. o Imperador, esperamos que sejão
reprimidos estes abusos, que só darão em resultado o opprobio a vergonha perante as
nações civilisadas!
Castro Bravo.
O título do editorial -- Para sua majestade -- já denuncia o caráter de
correspondência típico destes textos do século XIX. Entretanto, o sujeito enunciador
parece se preocupar mais com fatos políticos e sociais da época em que se insere.
Este editorial, que faz parte da última fase do século XIX, possui uma temática
social e política, referente a problemas sociais advindos no momento político vigente
(época do fim da Monarquia). Assim, pode-se dizer que este texto prenuncia o caráter
coletivo dos textos editorialistas do século XX. Não há aqui, portanto, o individualismo
característico destes textos do século XIX.
Com isso, nota-se que há uma maior quantidade de descritivos (em geral,
pospostos) em relação aos outros editoriais analisados. Com isso, ao mesmo tempo em
que se encontram adjetivos que caracterizam subjetivamente o substantivo -- exemplos
(111) a (115) --, há adjetivos que, por caracterizarem objetivamente o substantivo,
traduzem trechos mais objetivos no referido editorial -- exemplos (116) a (120).
(111) miseravel degradação
(112) mizeras creaturas
(113) lamentaveis factos
118
(114) deploravel quadro
(115) mesquinho lume
(116) classe social
(117) emigrados italianos
(118) palacio real
(119) invazão estrangeira
(120) throno imperial
O trecho a seguir demonstra bem o uso de adjetivos avaliativos/antepostos e
descritivos/pospostos como marcas do sujeito enunciador:
"(...) Mas se estas mizeras creaturas, não estão sujeitas a um soffrimento moral,
estão, com tudo, sob a pressão dominadôra das leis da natureza, que dotou o homem
com uma constituição phisica por demais exigente (...)"
5.2.1.2 O século XX
Editorial 1: Correio da Manhã (03/07/1901)
O Anno Critico
A grande censura constantemente feita pelos presidencialistas ao regimen
parlamentar é a instabilidade ministerial. Parece-lhes que essas crises, sobrevindo
com extrema frequencia, perturbam profundamente a vida social.
Essa obejcção não vale nada.
De facto, as crises ministeriaes não importam modificações radicaes na marcha dos
negocios publicos. É uma agitação brilhante, nas altas camadas, que todos vêm,
todos notam, mas que não tem, sinão raramente, consequencias intensas. Durante
119
algum tempo, os varios ministerios, que se succedem, pertencem todos ao mesmo
partido. É frequentissima a permanencia de ministros na composição de dois
gabinetes sucessivos. Trata-se, portanto, de simples nuances, meras variações
accidentaes acerca de questões occurrentes. Essas modificações nem mesmo trazem
alterações muito grandes no pessoal da Segunda categoria. Quanto mais os ministros
variam, tanto mais a necessidade de uma administração inferior estável se faz sentir.
Todos sabem que durante o imperio, entre nós, as secretarias de estado conservavam
constantemente os seus quadros administrativos, a despeito da passagem de gabinetes
e partidos oppostos. Na França e na Inglaterra o mesmo facto é apontado. Si de
alguma coisa se ressentem as administrações desses paizes parlamentares, em vez de
ser variabilidade, é emperramento.
Assim, o receio allegado de que a muita variação de ministros, traga desordens
profundas, está pelos factos e bem longamente desmentido.
Mas, ao passo que se faz essa alegação para o regimen parlamentar é bom olhar para
o que succede com o nosso. A ocasião é opportuna, porque estamos no ano critico.
Parece, de facto, que todas as presidencias verão esterelisado o seu terceiro anno de
exercicio pela perspectiva de escolha do candidato á presidencia futura, inutilisado o
quarto, porque entre o presidente que vae sahir e o presidente que vae entrar,
Congresso oscilla doidamente, sempre tendendo para este ultimo.
Foi isto, que sucedeu em 93, o anno da revolta de setembro, - que sucedeu em 97, o
anno da scisão do attentado, do estado de sitio, - que estamos vendo em 901, em que
o governo está entre a opposição que todos lhe desejariam mover e o apoio hypocrita,
que quasi todos lhe protestam.
Tomem, á vontade, quatro annos quaesquer, de qualquer paiz parlamentar, sommem
os dias de crises ministeriaes e verão que em nenhum se dá essa longa crise de facto,
que absorve os dois ultimos annos de todas as presidencias, entre nós. O anno critico
é o penultimo: o que decide a escolha dos successores; o anno perdido é o ultimo, em
que o successor, já eleito, relega para o segundo plano o possuidor do poder.
Por isso mesmo, este ultimo sente a necessidade premente de escolher quem lhe deve
succeder. Si não for um amigo, desde março de seu quarto anno de governo, o
120
governo de facto lhe escapará inteiramente. O congresso se porá a serviço do
presidente que vem – e si elle vier com planos oppostos aos do que sahe, este não
poderá realisar mais nada. É portanto, perfeitamente logico o que tem succedido: cada
um, no terceiro anno, buscando impôr o seu candidacto predilecto. Mas com essa
imposição encontrará sempre resistencias, esse anno será sempre da mesma natureza
crepuscullar daquelle em que estamos, quando não chegue mesmo ás revoltas, nos
attentados, ás decisões partidarias, como em 93, como em 97.
Não eleger o successor, dar o poder a um adversario, ou ao menos a quem tenha
ideias muito diversas sobre pontos importantes, é ter de antemão a certeza do
desmoronamento do seu trabalho.
Elegel-o – é fraudar o systema, é exercer a compressão eleitoral, é converter uma
republica em uma especie de dictadura hereditaria.
Entre as pontas desse dilemma, o anno critico passará sempre em aprehensões. Há,
por acaso, crises parlamentares, que se demorem tanto, que tenham tão longas e
nefastas consequencias? Quando na França, na Inglaterra ou na Italia qualquer delas
dura tres dias, cinco dias, seis dias, já se vê nesse periodo uma eternidade. Com o
nosso regimen, parece certo que já agora durarão sempre dois annos...
É rara a censura feita ao regimen parlamentar que lhe seja directamente atribuivel:
quasi todas visam mais o principio democratico, o principio representativo.
Comprehende-se bem que o ideal de um parlamento é representar exactamente e nas
mesmas proporções todas as nuances.
A partir do texto acima, notam-se relevantes diferenças entre este editorial do início
do século XX e os do século XIX. Seu título, "Anno Crítico", já permite de antemão ao
leitor compreender que o texto não possui uma temática individualista.
Na verdade, o texto possui uma temática política. Discute sobre o regime
parlamentarista, retratando, ainda, crises ministeriais e modificações radicais na marcha de
negócios públicos.
121
Percebe-se, assim, que o sujeito comunicante -- o editorialista ou a empresa para a
qual trabalha -- possui uma conscientização política e tenta passá-la para o sujeito
interpretante -- o público leitor. Vê-se, portanto, que o sujeito enunciador está mais
distanciado dos fatos, sendo o mais objetivo possível. Para isso, utiliza-se, ainda, de outros
modos de organização discursiva (como a narração de fatos anteriores) para fundamentar
seus argumentos.
Para mostrar-se distanciado dos fatos, o enunciador tenta "camuflar" a sua
subjetividade com o uso de adjetivos descritivos, que caracterizam objetivamente o núcleo:
(121) regimen parlamentar
(122) instabilidade ministerial
(123) quadros administrativos
(124) compressão eleitoral
(125) principio representativo
Como se observa, estes adjetivos descritivos, em geral, estão em posição pós-
nuclear, que, conforme vimos através dos resultados sociolingüísticos, é a ordem não-
marcada deste século.
Nota-se, ainda, que muitos adjetivos, apesar de serem avaliativos, estão pospostos
ao núcleo:
(126) modificações radicaes
(127) agitação brilhante
(128) consequencias intensas
(129) desordens profundas
(130) apoio hypocrita
Como se sabe, a anteposição do adjetivo seria uma forma de intensificar a
adjetivação de determinado substantivo. A opção do enunciador em utilizar mais
122
posposição, além de ilustrar a norma objetiva sobre a ordem dos adjetivos característica do
século XX, mostra a sua preocupação em, mesmo utilizando subjetividade na carga
semântica dos qualificadores, torná-los um mecanismo argumentativo mais "velado".
Assim, o sujeito enunciador, juntamente com o sujeito destinatário, estabelece um
contrato social de comunicação, em que existem regras que devem ser seguidas. Nesse
contrato, o sujeito enunciador, que representa a voz do sujeito comunicante (editorialista
e/ou jornal), se utiliza de algumas estratégias argumentativas -- como a escolha dos
adjetivos -- para propagar o ponto de vista defendido por ele:
"Essa obejcção não vale nada. De facto, as crises ministeriaes não importam
modificações radicaes na marcha dos negocios publicos (...)"
Editorial 2: O Globo (01/07/1925)
O POVO ESTÁ COM FOME!
É de angustiosa asphyxia a situação creada pela progressão crescente dos preços dos
generos de alimentação. O movimento ascendente começou logo com a Guerra
Mundial, e todos esse generos á uma, começaram a encarecer de um modo
vertiginoso, o arroz, o xarque, e carne frescam a farinha, o feijão, (apagado) mais
modestos elementos da mesa do pobre, proseguiram na escalada cruel e inexeravel,
acicateados por todas as coisas, impulsonados por mil forças economicas que se
conjuraram para levar a fomra aos lares
Nas grandes crises de alta de preços que o Rio têm atravessado, só este ou aquelle
artigo, geralmente, tem soffrido as consequencias da alta. Nunca, porém, ella foi tão
completa e unanime por parte de todos elles, como agora, a ponto de criar-se uma
situação insupportavel.
123
Já perdeu todo o seu prestígio, toda a sua força de expressão, este dito classico, com
que se caracterizava, outr’ora, a fartura da cidade carioca.
- No Rio ninguem morre de fome!
Já não podemos manter esse padrão, não mais com digno de abastança, ao menos,
sequer, como índice de sufficiencia- Houve sempre um grupo de generos, de
producção exclusivamente nosso, que escapavam até bem pouco tempo aos esforços
da alta. Hoje em dia, nem esses productos da casa passaram incólumes pelo ímpeto da
carestia.
O brasileirissimo feijão
O feijão, o brasileirissimo feijão, o mais nacional dos nossos pratos, é hoje, um
artigo caro, de acquisição difficil; e o ultimo amigo da fome do povo que foge do seu
prato, deixan do-o vasio, já nem há mais quem se lembre de que, há pouco mais de
trinta annos, o feijão preto custava 380 réis o kilo, e era a sua cotação em 1893 tendo
soffrido uma pequena elevação para 380 até 1914!
Veio, então, a guerra e dahi começou a marcha ascendente do nosso feijão( apagado)
"rush" assustador, chegando a l$400, em 1924. Este anno elle já tem chegado a l$700
e mais.
Por seu lado a baixa da producção, promovida pelas estiagens prolongadas veioo
augmentar a aflicção do afflicto.
O commercio de cereaes desorganisado
Não fosse a intervenção official, por intermedio das feiras livres, e não se sabe a que
paroxysmos de desespero levaria a tremenda crise. Mas, comquanto concorrendo
para diminuir as difficuldades do povo, as feitas livres representam uma intervenção
economicamente artificial, havendo queixas de parte do Commercio regular.
Ainda agora tivemos occasião de ouvir o sr. Antônio Joaquim Gonçalves Carneiro,
thesoureiro do Centro do Commercio de Cereaes, que encontramos (apagado) estado
de espírito mais pessimista. Segundo elle, A intervenção official desorganizou o
Commercio de Cereaes
124
- Já não recebemos nada ou quasi nada- disse-nos elle. Os verejistas, onerados de
impostos, não podem fazer face nos preços das feitas. E há, ainda, as exigencias da
hygiene, com as suas muitas. quando os generos, nas feiras livres, são expostos ao
tempo, mesmo os que devem consumir-se tal e qual, como a farinha.
- Entretanto, a Superintendencia teve occasião de fornecer arroz aos varejistas...
- Com um lucro de menos de 100 réis o kilo?! O varekista não póde custear as suas
despesas com uma tão pequena margem de lucro. E, depois, o artigo é mal pesado,
nas feiras, de modo que o comprador leva sempre de menos. Um abalança quer um
baleão bem nivelado, onde as pesadas saiam certas, o que não póde acontecer
naquelles caixões, onde os feirantes pesam sua mercadoria.
- Mas repare que elles tambem se arriscam a perder e póde acontecer-lhes pôr opeso,
em vez do genero, no prato da balança que fica do lado mais baixo. Os feirantes não
sabem physica.
- Mas aprendem...Com o tempo, acabam aprendendo! São sempre numerosas as
possibilidades de fraude nos pesos. Quer ver? Só os pesos de ferro, esses vão
diminuindo com a ferrugem. Quanto ás balanças de açougueiros, nessas, o meio é
facil e não se póde dar com elle, á primeira vista...Basta que um ou mais anneir das
correntes, na apparencia eguaes dos outros sejam mais pesador. Posso dizer-lhe que,
nas feiras livres, quasi sempre há fraude nos pesos. Tenho experiencia propria!
E o thesoureiro do Centro do Commercio de Cereaes, agora consumidor, teve este
protesto de espeliado:
- Ainda a dias lá comprei cinco kilos de arroz...E sabe quanto faltava no peso? Meio
kilo!
O sr. Antonio Joaquim Gonçalves Carneiro fez-nos, ainda, outras declarações, todas
da maior opportunidade, até que o interrogamos
- Poderia fornecer-nos alguns dados de entradas de cereaea o das cotações?
- Não fazemos mais isso! Há muito tempo já que não organizamos estatistica. A
Superintendencia manda-nos cá buscar os manifestos de entrada e nós( apagado) os
fornecemos. É tudo.
125
O Commercio de cereaes está disorganisado. Há escassa de producção, os fretes
augmentam, dia a dia, e ainda tem que defrontar com a Superintendencia que não
paga fretes, que não paga impostos e nem mesmo direitos, nos casos de importação
do estrangeiro. Sabe quando pagamos por sacco de arroz inglez que importamos,
inclusive direitos? 90$000! Só na alfandega deixamos, para afisco, nada menos de
48$000
E’ prohibido comer!
Corremos a outras fontes de informações, procurando um índice, uma perspectiva,
uma possibilidade, embora remota, de melhora para semelhante situação. Por toda a
parte, as notícias foram desoladoras desde as estatísticas das cotações, mostrando
tendencias para augmento ou symptomas de contabilisação nos preços attingidos
durante e depois da guerra.
Pelas portas do sarmazens, enfileiravam-se os saccos repletos, cada qual mostrando
ao povo um cartaz com algarismos inacessíveis á sua bolsa, equivalendo todos por
um grande cartaz cruel onde estivesse escripto: E’ prohibido comer.
Fomos, então, saber notícias do feijão, com o agricultor. Estivemos na Sociedade
Nacional de Agricultura e lá encontramos o productor agricola, egualmente
desalentado(apagado) a secca, a estiagem terivel, a falta de transportes, a ausencia de
credito.
Como se vê, não falta quem aponte as causas da crise, e desde muito não se faz outra
coisa. E’ tempo, pois, para pensar num remedio. Se no mercado, a feira livre
conseguiu atenuar os preços, essa medida de emergencia não pode bastar, por si só,
mesmo porque a carestia já de tão longe vem e tanto ainda promete durar que se
fazem indispensaveis outras medidas de alcance mais profundas de caracter mais
permanente. Urge, assim, estimular, por quaesquer meios de producção e garantir-lhe
a circulação Por que não se trata mais, sómente, de a(apagado)llar uma simples crise
economica: Trata-se realmente, de evitar a fome que já está flagellando o povo!
126
O próprio título do texto já dá indícios de que a temática deste editorial é sócio-
econômica. De fato, neste texto, o sujeito comunicante procura explicar a(s) causa (s) que
teriam levado tantas pessoas a passarem fome no Rio de Janeiro.
Este texto, que é predominantemente argumentativo, utiliza-se de adjetivos
descritivos e pospostos -- exemplos (131) a (134) para descrever a crise econômica
enfrentada pelo país. Entretanto, como se pode notar até mesmo pelo título (O POVO
ESTÁ COM FOME!), o sujeito comunicante está indignado com essa situação. Assim, o
sujeito enunciador passa a transparecer nos adjetivos de carga subjetiva -- exemplos (135) a
(138) -- toda essa revolta.
(131) forças economicas
(132) cidade carioca
(133) feijão preto
(134) intervenção official
(135) angustiosa asphyxia
(136) modo vertiginoso
(137) escalada cruel e inexeravel
(138) modestos elementos
O uso de adjetivos avaliativos -- mesmo que, muitas vezes, pospostos -- demontra
que, apesar de os editoriais do século XX, em geral, terem um caráter mais objetivo, a
intencionalidade do sujeito comunicante é de extrema importância. Nota-se que, devido à
revolta sobre as condições precárias de alimentação do povo, o editorialista/jornal tenta
conscientizar seu público-leitor dessa situação. Para isso, o enunciador utiliza-se de muitos
adjetivos valorativos, que passam a ser marcas do sujeito no enunciado:
127
"O brasileirissimo feijão
O feijão, o brasileirissimo feijão, o mais nacional dos nossos pratos, é hoje, um
artigo caro, de acquisição difficil; e o ultimo amigo da fome do povo que foge do seu
prato, deixan do-o vasio, já nem há mais quem se lembre de que, há pouco mais de
trinta annos, o feijão preto custava 380 réis o kilo, e era a sua cotação em 1893
tendo soffrido uma pequena elevação para 380 até 1914!(...)"
Editorial 3: Diário Carioca (01/07/1955)
Jânio e a política dos governadores
Jânio Quadros quer tomar a viva fôrça a iniciativa e a chefia da luta pela
candidatura presidencial de Juarez Távora. E como Jânio não tenha partido próprio
nem ao menos seja figura proeminente em algum pequeno partido aventureiro, está
improvisando uma ação política, que a Constituição não prevê e assim escapa aos
dispositivos legais.
A idéia de Jânio é formar uma liga de governadores, prometendo a intervenção
ostensiva dos recursos administrativos e policiais dos Estados interessados no
pleito presidencial. Assim, Jânio alega o precedente da famosa política dos
governadores do presidente Campos Sales, que gerou o sistema oligárquico,
impetante, até 1936. Entretanto, semelhante alegação só pode sêr fruto de uma
profanda ignorância da nossa crônica política; das circunstâncias e condições que a
geraram e a fizeram durar mais de quarenta anos.
Com a duração de pouco mais de oito anos, isto é, de dois quadriênios afora os
breves dias da elaboração constituinte e da instalação do novo regime, viu-se a
República a braços com a guerra civil, a desorganização política e tremenda crise
financeira. O câmbio veio da taxa ao par e mesmo acima dos 27 dinheiros a menos
de 4. Entretanto em plena guerra do Paraguai a taxa não baixou de 14 pences.
Foi então que num esfôrço desesperado de salvação pública Campos Sales e
Prudente de Morais estabeleceram um plano financeiro que obteve a benévola
128
colaboração dos nossos banqueiros de Londres. Aceito o "funding loan", firmado o
programa de severas economias para estabelecer o equilíbrio orçamentário e certa
redução do meio circulante, banindo-se assim as soluções fáceis das emissões de
papel-moeda- no prazo estipulado de dois anos a situação da República estava
finalmente solvida e Campos Sales pôde passar o Govêrno ao conselheiro Rodrigues
Alves, em condições de aproveitar o crédito externo, graças ao restabelecimento da
confiança.
Sem dúvida a salvação das finanças da República custou a agravação da crise
econômica, que atingiu o café, o cacau, o açúcar e a borracha. Mas, a campanha
pela industrialização do país, então iniciada, ultrapassou os negativistas, datando
dêsse tempo os fundamentos da liberação do consumo interno, até então
escravizado, à importação.
A política de Campos Sales não se escreveu na água, quer dizer, não foi uma
fantasia imaginada apenas na boa-vontade e no patriotismo dos políticos. Para
obter uma maioria segura e responsável, o segundo presidente civil contratou o
apoio recíproco do Govêrno Federal e do governos estaduais, concedendo-lhes
uma garantia de solidariedade que o sistema do reconhecimento de poderes e a
intervenção nos estados na forma do artigo 6
o
, garantiam francamente.
Desde então, instalou-se no país a política dos governadores, ou, melhor, a
oligarquia dominada pelo Chefe do Poder executivo apoiado nos padres-conscritos
do senado. O reconhecimento dos poderes, do alto a baixo da hierarquia, substituia
o voto e suas fantasias. Êsse regime, baseado no bico de pena e na ata falsa, deu
quarenta anos de legalidade, ainda que excluindo a legitimidade.
Os leitores, alheios aos aspectos jurídicos e políticos da evolução do regime
democrático no país, ficam agora sabendo por que certa vez o presidente Bernardes
declarou que a ordem pública passa na frente da liberdade. No seu tempo, a
autoridade do Estado era uma fôrça intrínseca, capaz de assegurar a vida, o
trabalho e a tranquilidade dos brasileiros. Houve muitos e perigosos abusos e, por
isso, o regime, que resistiu a tantos golpes e seduções frustras, não conseguiu
129
escapar quando a nação e seus governantes se convenceram da decomposição
irremediavel de um regime, na verdade, artificial.
A política da Campos Sales foi essa, nos seus objetivos e realizações. A do sr. Jânio
Quadros é outra muito diferente. A política de Jânio consiste num amontoado de
intrigas e mentiras, faltando, em todos os quadrantes, à palavra empenhada. A
política de Jânio é uma cortina de fumaça na qual o desgrenhado se esconde de si
mesmo. Jânio está aliciando alguns governadores com compromissos partidários, a
mor parte dos quais com o mandato na undécima hora quase todos marchando para
a derrota final nos respectivos Estados. Jânio Quadros está, pois, mistificando a
infeliz UDN, está ilaqueando a boa-fé e ingenuidade do general Távora, porque o
pobre diabo do governador paulista só cumprirá, de todos os acordos firmados
que lhe tragam benefício direto e pessoal.
A política de governadores que Jânio anuncia não é política de coisa alguma,
porque os seus Governadores nada significam fora dos respectivos quadros
partidários, não são pois elementos políticos por si mesmos deliberativos e
responsáveis. O Governador do Rio Grande do Sul tem afirmado, aliás, essa
verdade com clareza e honestidade. Outros Governadores pensam do mesmo modo,
que é a única maneira de pensar em política. O que se passa, pois, com Jânio é que
o eleito do povo paulista não passa de um mistificador, de um intrigante e de um
mentiroso à espera de um chefe decente da nossa política que lhe rasgue a fantasia.
Mais uma vez, editorial em questão já prenuncia em seu título a temática política
sobre a qual vai discorrer. Nele, o sujeito comunicante levanta a questão de que o
presidente Jânio Quadros pretendia reavivar a chamada "Política os Governadores", de
Campos Sales.
Com isso, o sujeito interpretante, ao mesmo tempo em que tem conhecimento da
opinião do sujeito comunicante, relembra fatos acontecidos na época da República Velha.
130
Pode-se dizer, portanto, que há trechos narrativos que são utilizados a serviço da
argumentação.
Na esfera discursiva, o sujeito enunciador procura construir um ethos discursivo
explicitamente contrário à política de Jânio Quadros para que o sujeito destinatário --
construído pelo sujeito comunicante -- possa assimilar sua opinião a respeito do assunto:
"A política da Campos Sales foi essa, nos seus objetivos e realizações. A do sr.
Jânio Quadros é outra muito diferente. A política de Jânio consiste num amontoado
de intrigas e mentiras, faltando, em todos os quadrantes, à palavra empenhada. A
política de Jânio é uma cortina de fumaça na qual o desgrenhado se esconde de si
mesmo. (...)"
Segundo Fiorin (2001), "o ethos não se constrói naquilo que se diz, mas na
maneira de dizer, no que o orador transmite, pois ele se firma nas marcas da
enunciação". Poderíamos dizer, portanto, que o uso de adjetivos em um texto seria uma
dessas marcas enunciativas que constroem o ethos discursivo.
No caso deste editorial, o uso de adjetivos predominantemente descritivos e
pospostos ao núcleo reflete o propósito do enunciador de dar o tom menos subjetivo
possível ao texto:
(139) candidatura presidencial
(140) ação política
(141) plano financeiro
(142) recursos administrativos
(143) crise econômica
Assim, não tendo uma temática individualista como os editoriais do século XIX,
nesse texto, o enunciador procura discutir uma questão política a partir de qualificadores
que descrevem objetivamente seu núcleo.
131
Obviamente que não se pode desprezar alguns adjetivos avaliativos que aparecem
no referido editorial. No entanto, nota-se que a maioria deles aparece já em posição pós-
nuclear, ordem não-marcada do século XX. É justamente no uso destes adjetivos
passíveis de contestação que se reflete, de forma explícita, a marca de subjetividade do
enunciador:
(144) partido aventureiro
(145) intervenção ostensiva
(146) esfôrço desesperado
(147) soluções fáceis
(148) decomposição irremediavel
Editorial 4: O Fluminense (16/10/1987)
Partidos fortes
O esforço do presidente José Sarney, visando a compor sua base de sustentação
parlamentar através do apoio individual dos congressistas, pode ter sido a única
saída vista por ele e por sua assessoria para livrar-se de contingências incômodas
diante da falta de consistência do quadro partidário brasileiro, mesmo depois da
implantação do pluripartidarismo(e talvez até em consequência dela)
O Brasil viveu quase vinte anos sob o signo do bipartidarismo e, apesar de ele
haver sido considerado camisa-de-força das várias correntes do pensamento
nacional, criou hábitos ainda não de todo vencidos, como bem o demonstra o
PMDB ao alcançar a hegemonia partidária do País graças às eleições de 1986, mas
mantendo dentro de si mesmo a fragmentação que o caracterizava quando ainda
MDB.
À volta dele formaram-se diversos outros Partidos infinitamente menores, os quais
criaram uma situação anômala às vistas do cidadão comum, também este
habituado em duas décadas a raciocinar bipartidariamente. E poucas dessas
132
legendas têm, efetivamente, consistência suficiente para se fazerem presentes na
vida nacional como um organismo político vivo e atuante.
Historicamente, os Partidos do Brasil têm vida apenas eleitoral, e para isso muito
contribui a legislação branda a permitir o surgimento de agremiações, com
interesses exclusivamente eleitoreiros, como foi visto com fartura na campanha
passada, em que nada menos de 28 legendas disputaram os cargos, embora não
mais de 6 delas pudessem ser apontadas verdadeiramente como Partidos.
É possível que esse quadro de inconsistência, somado às dificuldades econômicas
que abalam o panorama político, tenham levado o Presidente José Sarney à opção
do apoio individualizado. Porém, ao agir em legítima defesa de seu Governo e, por
extensão, do regime presidencialista e do mandato de 5 anos, não adotou a melhor
solução para a própria transição política ora vivida pelo Brasil.
O procedimento não se esgota em si mesmo, nem nas metas de curto prazo por ele
visualizadas, indo mais adiante, ao ferir profundamente o conceito original da
democracia ocidental, assentada em Partidos fortes. A individualização do apoio
retira das legendas, por piores ou melhores que sejam, o pressuposto de sua própria
existência, não mais estando em jogo os programas por elas defendidos.
Com presidencialismo ou parlamentarismo, a consolidação democrática passa
necessariamente pela existência de Partidos que estejam acima dos homens, como
instituições fortes e permanentes. A reconstrução da Democracia não se faz com
varinha de condão, e a transição por sua própria natureza versátil e adaptadora,
deve ter como princípio e fim o fortalecimento das organizações partidárias
fundadas nas quais tenhamos instituições duradouras
em defesa dos interesses do
País e do povo.
O presente editorial, mais uma vez, possui uma temática política, focalizando a
questão da "política partidária". Sendo assim, o sujeito comunicante procura ressaltar a
importante passagem do bipartidarismo para o pluripartidarismo, mostrando as vantagens
que o país teria com essa mudança.
133
Assim, sujeito enunciador, a fim de ter credibilidade em sua argumentação, utiliza-
se de uma linguagem direta e objetiva. Conforme se observa ao longo do texto, apresentam-
se nele muitos adjetivos descritivos e em posição pós-nuclear:
(149) sustentação parlamentar
(150) apoio individual
(151) quadro partidário brasileiro
(152) pensamento nacional
Nota-se, novamente, que até mesmo adjetivos que possuem um juízo de valor (e,
por isso, tenderiam a vir antepostos) aparecem, em sua grande maioria, pospostos ao núcleo
do sintagma nominal:
"(...) Com presidencialismo ou parlamentarismo, a consolidação democrática
passa necessariamente pela existência de Partidos que estejam acima dos homens,
como instituições fortes e permanentes. A reconstrução da Democracia não se faz
com varinha de condão, e a transição por sua própria natureza versátil e
adaptadora, deve ter como princípio e fim o fortalecimento das organizações
partidárias fundadas nas quais tenhamos instituições duradouras em defesa dos
interesses do País e do povo."
Conforme se observa no trecho acima, o uso de adjetivos descritivos e/ou pospostos
torna o texto mais "seco" em relação a textos que possuem anteposição de adjetivos, em
geral, avaliativos. Assim, a significativa freqüência de posposição de adjetivos confirma
não só o fato de a posição pós-nuclear ter se tornado norma objetiva no século XX, mas
também a função discursiva que a ordem de um qualificador no sintagma nominal pode
desempenhar.
134
Editorial 5: O Globo (26/12/1999)
Prosa de governador
O governador Dante de Oliveira , de Mato Grosso, está eufórico com os resultados
da gestão e da economia do estado. Anda todo prosa, com números na cabeça,
decorados dos relatórios do IBGE e de outras fontes governamentais. A acreditar-
se no que conta, a terra prometida, onde corre leite e mel pelos rios, fica em
Cuiabá, apesar dos 38 graus de calor que registra todos os dias.
- Enquanto o PIB brasileiro subiu 37% entre 1985 e 1997, o deu Mato Grosso subiu
145%. Comparando com os estados vizinhos, Mato Grosso do Sul teve um
aumento de 69% e Goiás de 47%, Nosso estado passou do 20
o
lugar na Federação
para o 15
º
. E isso quando se dizia que o desmembramento do estado com a criação
do Mato Grosso do Sul faria com que nós, ao norte, ficássemos à míngua, sem
atividades econômicas, portanto, sem impostos e sem dinheiro. A arrecadação
cresceu este ano em 17% em termos reais e o gasto com a folha de pagamento do
funcionalismo, que já consumiu 85%, está em 57%, embora o gasto com os
poderes Judiciário e Legislativo seja ainda 18% da arrecadação estadual. O 13
o
salário do funcionalismo foi pago na Terça-feira, 21 de dexembro.
Perguntei ao Dante a que atribuía essa melhora toda. Respondeu que era devido a
uma agricultura e uma pecuária excepcionais, que encontravam agora caminhos
mais fáceis para a exportação, dado que a ferrovia da soja já chegara ao Sul do
estado, devendo ligas Rondópolis ao Porto de Santos em fevereiro do ano que vem,
e a produção do Norte seguia para a hidrovia do Rio Madeira, reduzindo em muito
o seu custo e, portanto, aumentando a sua competitividade no mercado
internacional. A inciativa privada investiu 3,6 bilhões de reais em Mato Grosso
nos últimos cinco anos. O crescimento do produto agropecuário do Mato Grosso
foi um espetacular 386%. O rebanho bovino é o 4
o
do país, com 17 milhões de
cabeças por ano. Como o estado investiu pesado na conscientização dos fazendeiros
e na vigilância sanitária, há quatro anos não se registra um único caso de febre
altosa, o que permite que a carne mato-grossense possa ser exportada para os
135
Estados Unidos e para a Europa, mercados que oferecem preços melhores que o
mercado interno.
A agricultura mato-grossense tornou-se altamente técnica, diz ele, com intenso uso
de maquinária agrícola. As feiras agripecuárias, onde os fabricantes mostram as
suas máquinas novas, parecem as feiras de Ohio ou Illinois, nos Estados Unidos. O
estado mantém uma fundação de pesquisa, a Fundação Mato Grosso, que faz
parcerias com a Embrapa e com a iniciativa privada. Nela investe cinco milhões de
reais, por ano. A principal pesquisa desenvolvida é sobre variedades de algodão.
Obtiveram uma emente resistente à praga do bicudo. O resultado é que, este ano, o
Mato Grosso passou a ser o maior produtor de algodão do país, com uma
produtividade de 220 arrobas por hectare, quando a média nacional é de 40.
Conta Dante de Oliveira que se encontrou em Brasília com o governador
colombiano do estado que tem liquitos por capital e perguntou se sabia que o
açúcar que abastece a fábrica de Coca-Cola em liquitos vem de Mato Grosso,
através do Guarapé, do Madeira e do Solimões. O governador não sabia e Dante
reclama que nós, da imprensa, não nos interessamos pelo que acontece fora do eixo
Brasília-Rio-São Paulo.
O desenvolvimento do Mato Grosso tem, tradicionalmente, dois gargalos: a oferta
de energia elétrica e a de transportes. A energia, diz Dante, estará resolvida com a
chegada, em março do gasoduto da Bolícia, que está sendo construído por uma
empresa privada, para alimentar uma termoelétrica de 480 mxts. Transporte é outra
história. Dante acha que o Governo federal está indo muito devagar no programa de
hidrovias e se lastima de apenas 14% da rede rodoviária ser asfaltada. O pior é que
a safra de grãos coincide com a época da chuva e, portanto, da lama.
E o social? Dante de Oliveira diz que, em matéria de educação básica, Mato Grosso
já tem 97% das suas crianças na escola. Nos últimos quatro anos, 145 mil
professores foram qualificados. Para os pequenos agricultores cria um fundo de
aval de dois milhões, que alavanca a possibilidade de empréstimos do Banco do
Brasil de 14 milhões, no âmbito do Pronaf. Está ainda investindo em irrigação em
núcleos de assentamento rural do MST, o que é necessário devido aos meses de
136
seca no inverno. Quanto à saúde, imita os consórcios municipais de saúde de Minas
Gerais e diz que estão fazendo sucesso. Aumentou o número e aprofunda o
treinamento dos agentes municipais de saúde. Está procurando implantar um
programa de saúde da família.
Paro por aqui para não incentivar ninguém a mudar-se para Cuiabá.
Este último editorial analisado possui, como todos os editoriais do século XX aqui
referidos, uma temática coletiva. Neste texto em particular, há uma temática político-
econômico-social, em que o sujeito comunicante procura mostrar o estado de euforia do
governador de Mato Grosso com os resultados de sua economia e o reflexo dessa conquista
em sua sociedade. Há, aqui, relatos sobre seu sucesso nos campos econômicos e sociais.
O sujeito enunciador deste texto se utiliza de muitos trechos narrativos a serviço da
argumentação. Esta constatação, que é bastante recorrente em editoriais do século XX,
confirma os resultados de Leite (op. cit.). A autora, ao comparar este gênero nos séculos
XIX e XX, comprovou que, enquanto no século XIX havia mais "argumentação pura" nos
textos, no século XX há a utilização de outros modos de organização do discurso (narração,
descrição) para fortalecer a função predominantemente argumentativa deste gênero.
Quanto ao comportamento dos adjetivos neste editorial -- que é o que nos interesse
neste momento --, observa-se o uso de adjetivos, em sua maioria, descritivos e pospostos ao
núcleo do sintagma nominal:
(153) fontes governamentais
(154) poderes Judiciário e Legislativo
(155) arrecadação estadual
(156) mercado internacional
(157) produto agropecuário
(158) vigilância sanitária
137
(159) carne mato-grossense
(160) iniciativa privada
Na verdade, como já fora falado na análise dos outros editoriais do século XX, o
caráter argumentativo deste gênero, atrelado à temática coletiva dos editoriais deste século,
justificaria a opção do sujeito enunciador de utilizar adjetivos descritivos, em geral,
pospostos ao núcleo. De fato, no circuito discursivo, o enunciador procura construir sua
credibilidade a partir de uma linguagem direta e objetiva. Para isso, nada mais coerente do
que se utilizar de adjetivos que caracterizam objetivamente o núcleo do sintagma nominal.
Com isso, o poder de persuasão do sujeito enunciador aumenta, uma vez que o
sujeito destinatário se depara com argumentos claros e objetivos.
5.2.2 Os adjetivos no discurso informativo: a notícia
As notícias de jornais, assim como os editoriais e os anúncios, fazem parte do
domínio de discurso midiático e se utilizam do mecanismo de persuasão. Entretanto, como
já fora dito anteriormente, esse tipo de discurso pode, segundo os corpora deste trabalho,
ser dividido, num segundo nível, em discurso jornalístico e discurso publicitário.
Assim, enquanto os anúncios de jornais fazem parte do discurso publicitário, em
que o anunciante se utiliza da estratégia de sedução para que o leitor compre o produto
anunciado, as notícias, juntamente com os editoriais, estão no nível do discurso
jornalistico, uma vez que o jornalista tenta defender um determinado ponto de vista --
mesmo através da veiculação de um simples fato, como ocorre em notícias de jornais -- de
uma maneira mais velada.
138
No entanto, o que difere o gênero notícia do gênero editorial é que, enquanto este
possui um caráter opinativo, aquele possui, principalmente, uma função informativa. Com
isso, mesmo que não se desconsidere a existência de um teor argumentativo, normalmente,
há nas notícias o predomínio do modo narrativo de organização do discurso.
Assim, em um texto noticioso, pretende-se, em uma relação de causa e efeito,
relatar fatos em seqüência de pessoas que os vivenciaram, localizando-os no tempo e no
espaço. Há, então, uma ordem cronológica e uma progressão linear dos fatos para criar
certos efeitos de sentido.
Como todo tipo de discurso, a construção de sentido decorre de uma relação entre
forma e sentido, sob a responsabilidade de um sujeito intencional, com um projeto de
influência social, em um determinado quadro de ação. O discurso informativo, assim como
outros, passa por um processo de transformação e um processo de transação (Charaudeau,
2005).
No processo de transformação, são necessárias a identificação (conceituação e
nomeação dos seres), a qualificação (propriedades e características que discriminam os
seres, tornando-os identidades descritivas), a ação (esquemas de ação que transformam os
seres em identidades narrativas) e a causação (cadeia de causalidade ocasionada pelo fato
de os seres agirem ou sofrerem ações, transformando a sucessão de fatos em relações de
causalidade).
As operações de identificação, qualificação, ação e causação são efetuadas sob o
controle do processo de transação, em que se confere às operações uma comunicação, um
sentido. A dependência entre esses dois processos pressupõe a importância de se conhecer o
sentido comunicativo (seu valor semântico-discursivo) dos fatos de linguagem.
Como se pode ver, um ato de linguagem, que se realiza em um tempo e um espaço
139
denominado situação, requer uma intencionalidade dos sujeitos do discurso. Com isso, esse
ato depende da identidade dos parceiros, visa a uma influência e é portador de uma
proposição sobre o mundo (Charaudeau, op. cit.).
Deve-se, portanto, em uma análise discursiva, destacar as características dos
comportamentos linguageiros (as marcas lingüísticas) em função das condições
psicossociais que os restringem de acordo com os diferentes tipos de contratos
comunicativos que podem ser seguidos.
Assim, o contrato informativo (típico de notícias de jornais) se diferencia, por
exemplo, do contrato publicitário (de anúncios publicitários). No contrato informativo --
que é o que nos interessa no presente momento -- são utilizadas estratégias lingüísticas para
que o sujeito enunciador tenha credibilidade ao informar um fato ocorrido. E os adjetivos,
que estabelecem propriedades e caracaterísticas aos substantivos, assim como a sua posição
no sintagma nominal seriam um desses mecanismos lingüístico-discursivos.
Conforme já vimos com base nos corpora deste trabalho, considerando os séculos
XIX e XX, no gênero editorial houve o menor índice de anteposição de adjetivos
(principalmente no século XX), uma vez que, em geral, o objetivo destes textos é
argumentar sobre determinado ponto de vista, mas utilizando o mínimo de carga subjetiva
nos adjetivos, tentando evitar a subjetividade para, assim, ter mais credibilidade.
No gênero notícia, por sua vez, houve um maior equilíbrio entre o uso de adjetivos
antepostos e pospostos nos dois séculos (cf. Gráfico 4). Tal fato ocorre porque nesse gênero
há mais o uso do modo narrativo de organização do discurso, em que os adjetivos podem
promover uma progressão textual (Carneiro, op. cit.).
Esse resultado poderia, ainda, ser explicado pelo fato de haver uma variada
tipologia dentro do gênero notícia a depender da natureza do canal comunicativo (no caso,
140
o jornal), o contexto sócio-histórico em que se insere e as circunstâncias espaço-temporais
em que determinada enunciação será realizada. Uma notícia pode ser, por exemplo, de
cunho pessoal (contando a história de alguém), político, social, econômico. Como não é
nosso objetivo estabelecer essa tipologia neste trabalho, analisaremos os adjetivos em
notícias dos séculos XIX e XX de uma maneira menos comprometida do que nos demais
gêneros.
Vejamos agora a análise de algumas notícias dos séculos XIX e XX, que foram
escolhidas de maneira aleatória, independente de sua temática.
5.2.2.1 O século XIX
Notícia 1: Gazeta do Rio de Janeiro - 17/09/1808
Rio de Janeiro a 17 de Setembro
A gloriosa insurreição dos Hespanhoes aprezenta formidavel aspecto, e a mais bem
fundada esperança do bom exito dos seus nobres esforços contra os Satelites
daquelle, que pertende avassallar a sua patria. Toda a Hespanha seguio o exemplo
dado tão generosamente pela Provincia das Asturias. Os Insurgentes tem publicado
proclamações, que sentimos não poder aprezentar por causa dos curtos limites desta
folha, as quaes respirão o patriotismo mais puro, e o zelo mais ardente pela justa
cauza que sustentão, e para cuja defeza despertão os seus valerozos compatriotas.
Entre ellas se destingue a proclamação do Governador e Capitão General do Reino
de Aragão, por conter huma declaração, na qual o Imperador dos Francezes, todos
os individuos da sua familia, e todos os Generaes, e Officiaes Francezes são feitos
pessoalmente responsaveis pela segurança de El Rei de Hespanha, de seu Irmão, e
de seu Sobrinho. Tudo quanto se tem feito em Madrid e em Bayonna, e tudo quanto
se lá fizer, he declarado nullo como extorquido por violencia. Toda a Hespanha está
levantada, e o numero dos seus habitantes armados monta a 350:000. A nação
Hespanhola, que por si mesma possue já tão grandes meios para recobrar e manter
141
os seus direitos, achara recursos incalculaveis no poderozo e sincero apoio da
Inglaterra. Já partirão soccorros de todo o genero para as costas da Hespanha, e
sabemos que huns 8:000 homens de tropas se deverião fazer á véla para ir unir-se ao
General Spencer defronte de Cadiz, debaixo do commando do General Ferguson,
que recebeo ordem de partir, sem esperar o corpo de tropas, que está ás ordens
immediatas de Sir Arthur Wellesley.
Portugal, defendendo os sagrados e inalienaveis direitos do seu Soberano, concorre
gloriozamente para a defeza de huma tão bella cauza, vindo assim a peninsula
Hespanhola a ser quem mais efficasmente contribue para a salvação da Europa; e
nessa parte já S.A.R. o Principe Regente de Portugal Nosso Senhor deo hum grande
exemplo a todos os Reis quando preferio a ser victima da ambição Franceza o
retirar-se da sua Capital.
Apezar da sublevação geral e victorias da Hespanha, o Imperador dos Francezes
garante afoitamente a seu irmão José Napoleão, não só o Reino da Hespanha, do
qual está ainda bem longe de dispôr, porém mesmo todos os dominios ultramarinos
daquella Coroa para os quaes tem de passar por entre Esquadras Inglesas. Já vimos
que elle faltou á sua palavra quando prometteo a Sicilia a este mesmo irmão,
mettendo-se sómente entre Napoles, e o objecto das suas promessas, o estreito canal
de Messina; e que se pode esperar agora quando as vastas regiões que affiança estão
distantes milhares de legoas maritimas? Este projecto será como o de Colonias e
Marinha de que elle blazonava depois da batalha de Ulm, e antes de saber da de
Trafalgar. Quem não pode realizar hum projecto para cuja execução seja necessario
atravessar huma estreita porção de mar, está longe de conseguir a dominação do
mundo.
Esta notícia, extraída do antigo Gazeta do Rio de Janeiro, foi publicada em
setembro de 1808. Como se pode notar, a notícia possui uma temática política que envolve
países com Inglaterra, Espanha e Portugal. Importa-nos, pois, compreender o contexto
político em que estes países se inseriam nessa época.
142
O ano de 1808 está inserido em um período marcado por grandes revoluções no
mundo, como, por exemplo, a Revolução Francesa, que foi um movimento de caráter social
em que a burguesia buscava conquistar novos direitos e posições na sociedade francesa.
Este movimento representou a crise final do Antigo Regime (Absolutismo) e teve
repercursão mundial, uma vez que influenciou outros países, inclusive o Brasil, a acabar
com o sistema monárquico.
Com isso, a França, liderada por Napoleão Bonaparte, promoveu uma expansão
territorial e política, formando, assim, uma sucessão de alianças antifrancesas lideradas,
sobretudo, pela Inglaterra, que centralizava o poder econômico mundial.
A notícia em questão refere-se ao fato de a Espanha, auxiliada pela Inglaterra,
buscar defender da invasão francesa:
"A nação Hespanhola, que por si mesma possue já tão grandes meios para
recobrar e manter os seus direitos, achara recursos incalculaveis no poderozo e
sincero apoio da Inglaterra".
"(...) Nosso Senhor deo hum grande exemplo a todos os Reis quando preferio a ser
victima da ambição Franceza o retirar-se da sua Capital."
Assim, percebe-se nitidamente a intenção do jornal/jornalista (sujeito comunicante)
de informar o fato ao leitor (sujeito interpretante) de modo a dar crédito ao apoio da
Inglaterra à França. Como se pode observar, o sujeito enunciador se utiliza de adjetivos
avaliativos e antepostos para exaltar as qualidades da Espanha e atitude da Inglaterra em se
opôr à França, auxiliando a Espanha:
(161) gloriosa insurreição
(162) formidavel aspecto
(163) fundada esperança
(164) nobres esforços
(165) valerozos compatriotas
143
Nota-se, ainda, que os adjetivos que possuem um caráter mais objetivo estão sempre
pospostos ao núcleo:
(166) Officiaes Francezes
(167) nação Hespanhola
(168) Esquadras Inglesas
(169) dominios ultramarinos
(170) legoas maritimas
Esta notícia de jornal demonstra, de fato, a estreita relação entre a posição do
adjetivo e sua natureza semântica: adjetivos com valor avaliativo aparecem antepostos,
enquanto adjetivos de valor descritivo estão pospostos. Além disso, evidencia o maior uso
de adjetivos antepostos em notícias do século XIX, resultado obtido através da análise
sociolingüística.
Notícia 2: Jornal do Comércio (29/11/1838)
Tristes consequencias de hum erro
Os desejos de tafular sem ter meios para isso tem sido a causa da perda de
muitas raparigas. Hum exemplo bem recente acaba de confirmar esta triste verdade.
Clementina, bella jovem de 19 annos de idade, cedendo a máos concelhos,
concebeu o desgraçado pensamento de furtar nos armazens de algumas modistas
sob o pretexto que querer comprar alguns enfeites que desejava, e não tinha meios
de haver. Sendo bem succedida no primeiro ensaio, ella renovou al gumas vezes
sua acção infame, até que foi apanhada em flagrante e entregue á policia.
Esta desgraçada rapariga, aliás bem educada, compareceu no dia 17 de agosto
ultimo, perante o tribunas do 6
o
districto de policia correccional de Paris, para ser
julgada pelo crime de furto repetido. Vinha vestida de luto pesado, e seus olhos
baixos derramavão abundantes lágrimas.
Logo se conheceu a causa do seu luto. Sua mãi, viuva honrada de hum official
144
militar, quando soube que a infeliz Clementina, única consolação de seus
cançados dias, e á cuja educação havia sacrificado gostosa a modica pensão que
recebia do estado, se achava em mãos da Justiça por crime de furto, não podendo
supportar a idéa da infamia que tal aconteciemnto lançava sobre sua ceteça
encannecida pellos annos, se precipitou da janella de hum quinto andar onde
morava, e se fez em pedaços na calçada.
No silencio da prisão, diz a Gazeta dos Tribunaes, Clementina ouvia de continuo os
ultimos gritos de sua desditosa mão, e quando chegava a noite, seu cadaver
ensanguentado se lhe apresentava diante dos olhos, accusando-a da sua morte.
Estes pungentes remorsos a perseguião depois de hum mez, e suas incessantes
lagrimas lhe havião já feito expiar bem cruelmente a sua falta: assim o tribunal,
usando de indulgencia, e tomando em consideração o arrependimento de
Clementina, a condenou sómente a 6 mezes de prisão.
A referida notícia, que possui uma temática "individual", conta a história de uma
jovem de 19 anos, Clementina, que furtava em armazéns de alguns modistas. Como se pode
observar, há, assim como nas notícias de um modo geral, o predomínio do modo narrativo
de organização do discurso. A linguagem empregada no texto narrativo tende, portanto, a
ser objetiva, já que revela um universo “narrativo” acerca dos fatos/acontecimentos.
Pode-se dizer, ainda, que a presença do modo narrativo está a serviço da
argumentação, uma vez que esse texto é escrito a partir da intenção de quem o escreve ou
do jornal em questão. Observa-se, portanto, que a notícia é veiculada de maneira
tendenciosa, já que se procura enfatizar a vida sofrida da jovem e amenizar o seu delito.
Nota-se, portanto, que o sujeito enunciador construiu seu discurso narrativo a partir
de adjetivos, em geral, avaliativos que caracterizam tanto a rapariga e sua mãe, quanto as
atitudes delas. Esses adjetivos subjetivos promovem uma progressão no texto narrativo:
"Esta desgraçada rapariga, aliás bem educada, compareceu no dia 17 de agosto
145
ultimo, perante o tribunas do 6
o
districto de policia correccional de Paris, para ser
julgada pelo crime de furto repetido. Vinha vestida de luto pesado, e seus olhos
baixos derramavão abundantes lágrimas."
O caráter avaliativo dos adjetivos promove, muitas vezes, a sua anteposição, ordem
que, como já fora visto, era a mais usual em notícias do século XIX:
(171) triste verdade
(172) máos concelhos
(173) desgraçado pensamento
(174) infeliz Clementina
(175) única consolação
O uso de adjetivos avaliativos (muitas vezes, antepostos) pelo sujeito enunciador
tinha como objetivo contar o delito da jovem de modo que o sujeito destinatário construa
uma imagem de "menina sofrida" e vítima da situação político-econômica do país.
Notícia 3: Diário de Noticias (07/08/1870)
Em nenhum paiz se encontram mais elementos de emigração e esta se desenvolve
mais que na China. A miseria extrema das povoações, especialmente as do interior
do imperio, contribuem para isso.; e com ella especulam milhares de correctores;
são elles que, fornecendo meios, guiam esses desgraçados a quem muitas vezes
victimam, illudindo a vigilancia das autoridades portuguesas. Segundo dados
officiaes ella tem tomado, n’estes ultimos annos tão grandes proporções em Macáo,
que se torna objecto digno da solicitude e attenção do governo e particularmente dos
que se acham dirigindo os negocios d’aquella importante possessão portugueza. O
estado de quasi nudez que apresentam os imigrantes, as suas repetidas queixas das
privações de commodidades da vida que soffriam nas suas aldeias, a immensa
população que pullula o vasto imperio chinez e a falta de recursos que alli se nota,
explicam a emigração e fazem com que ella seja um grande bem, diz um documento
146
official.
Os esforços empregados pelas autoridades portuguezas para evictar que os
correctores, movidos por interesses mesquinhos, victimem os seus proprios
compatricios induzindo-os com falsas promessas a abandonarem a patria, o lar e a
familia, são dignos de registro do maior louvor. Elles fiscalisam as clausulas dos
contratos de engajamento, que costuma ser quasi sempre por oito annos, interrogam
os interessados, collocam-os fora da acção e influencia dos correctores e luctam
com a natural desconfiança e que caracterisa os individuos d’aquelle imperio,
buscando apurar a verdade e dar aos emigrantes todas as garantias de liberdade e de
segurança. É verdadeiramente paternal este empenho, sustentado com o maior zelo
até a hora do embarque dos emigrantes. Este effectua-se em geral para os portos de
Havana e Perú. O zelo das autoridades portuguezas não afrouxa pois, antes, e por
seu credito, ellas lidam agora em formular um novo regulamento de emigração
concebido por forma a offerecer as maximas garantias e harmonia com o direito
das gentes entre os povos cultos.
Esta notícia, apesar de veiculada no Rio de Janeiro, conta um fato recorrente nos
territórios português e chinês: a emigração decorrente da busca de melhores condições de
vida.
O texto, que possui o predomínio do modo narrativo de organização do discurso, faz
parte de um típico discurso jornalístico na medida em que se utiliza da estratégia de
persuasão -- mesmo que, muitas vezes, não tão explícita como em editoriais. Nota-se,
portanto, que a narração, mais uma vez, é utilizada a serviço da argumentação.
Além disso, não se pode desconsiderar a presença do sujeito enunciador, que se
utiliza de estratégias discursivas para que o sujeito destinatário saiba do referido fato de
modo a, nesse caso, tornar-se contra à pratica da emigração. Para isso, constrói-se um ethos
em que se culpa a alta densidade demográfica da China pelas emigrações nesse país,
147
alegando que as próprias autoridades incentivam esse ato:
“O estado de quasi nudez que apresentam os imigrantes, as suas repetidas queixas
das privações de commodidades da vida que soffriam nas suas aldeias, a immensa
população que pullula o vasto imperio chinez e a falta de recursos que alli se nota,
explicam a emigração e fazem com que ella seja um grande bem, diz um documento
official.”
Por outro lado, o mesmo enunciador isenta as autoridades portuguesas das
emigrações em Portugal:
“Os esforços empregados pelas autoridades portuguezas para evictar que os
correctores, movidos por interesses mesquinhos, victimem os seus proprios
compatricios induzindo-os com falsas promessas a abandonarem a patria, o lar e a
familia, são dignos de registro do maior louvor. ”
Imbutido em um contrato informativo de comunicação, nota-se que, ao informar o
fato da emigração na China e em Portugal, o sujeito enunciador se faz presente, por
exemplo, ao utilizar adjetivos de natureza avaliativa (em geral, antepostos ao núcleo):
(176) miseria extrema
(177) grandes proporções em
(178) immensa população
(179) natural desconfiança
(180) maior zelo
Normalmente, os adjetivos descritivos aparecem pospostos ao núcleo do sintagma
nominal. Além disso, algumas vezes, encontram-se substantivos acompanhado de um
adjetivo avaliativo (anteposto) e um adjetivo descritivo (posposto):
(181) importante possessão portugueza
(182) vasto imperio chinez
148
Notícia 4: Correio da Manhã (03/01/1878)
Consta que a sociedade brasileira Ensaios Litterarios pretende no dia 12 do corrente
celebrar uma sessão funebre em honra de memoria de José de Alencar.
Esta sociedade que há mais de vinte annos presta relevantes serviços as lettras. e
que depositou no ataúde do nosso grande romancista uma coroa de saudades, por
mão de seu digno consocio o Sr. Luiz Leitão, dá por aquelle modo mais uma prova
de quanto sabe avaliar o verdadeiro merecimento.
Tributando essa justissima homenagem ao nosso grande romancista, a sociedade
Ensaios Litterarios, torna-se digna das sympathias populares, cujo auxilio tanto ella
carece para poder caminhar mais progressivamente na estrada que vai trilhando tão
modesta, quão laboriosa mente.
Este texto, extraído do corpus de notícias de jornais, possui um caráter bastante
peculiar. Corresponde a uma notícia de temática, ao mesmo tempo, de cunho literário --
uma vez que se faz menção ao grande romancista José de Alencar -- e pessoal -- já que se
"noticia" a celebração de uma sessão fúnebre em homenagem a José de Alencar.
Apesar de se ter como predominante o modo narrativo de organização do discurso,
essa notícia possui uma estruturação semelhante a do gênero anuncio. Enretanto, o que a
distingue deste gênero é que aqui não há um objetivo comercial de compra ou venda de
produtos. O que o sujeito enunciador procura exaltar são as qualidades do romancista.
Para isso, se utiliza de muitos adjetivos de valor subjetivo e em posição pré-nuclear, para
que as qualidades de José de Alencar sejam bastante exaltadas:
(183) relevantes serviços
(184) grande romancista
(185) justissima homenagem
(186) laboriosa mente
149
Com isso, busca-se não só noticiar a celebração fúnebre como também informar
(ou relembrar, a depender do tipo de sujeito destinatário) a importância da figura de José
de Alencar na Literatura Brasileira.
Observa-se, portanto, que existem vários tipos de notícias, o que nos permitiria
promover uma tipologia desse gênero textual a partir da identidade e da intencionalidade
dos sujeitos do discurso e das circunstâncias espaço-temporais em que o ato de linguagem
fora realizado (a chamada situação comunicativa). No entanto, tal procedimento foge à
intencionalidade do presente trabalho, o que não significa que este tipo de pesquisa não
possa ainda ser realizada a partir dos destes mesmos corpora.
Notícia 5: A verdade (07/05/1888)
Política e Políticos : A Sessão Imperial
Abrio-se no dia 3 o parlamento.
Esta solemnidade revestio-se esteanno de um brilhantismo extraordinario:
concorrência fora do comum, quer no recinto do senado, quer fóra delle, flôres em
profusão e música.S.ªa Princeza Regente, o S. conde d’Edu e o ministério, forão
recebidos debaixo de uma chuva de pétalas de rosas e ao som de enthusiasticos
vivas , que partião espontâneos da alma jubilosa da enorme massa de povo , que
fora levar a soberana excelsa o seu regozijo por ver que ella ia satisfazer a sua mais
ardente aspiração.
Havia naturalmente uma ansiedade geral em ouvir o pensamento da coroa sobre a
maior reforma que tem sido operada gradualmente, é verdade, mas que era preciso
ser terminada.
E o desejo do povo foi plenamente satisfeito; assim se exprime nos seus períodos
finaes a falla do throno: (citação) "A extincção do elemento servil, pelo influxo do
sentimento nacional e das liberalidades porlamentares, em honra do Brasil
150
adiantou-se pacificamente de tal modo, que é hoje aspiração acclamada que todas
as classes, com admiráveis exemplos de abnegação da parte dos proprietários.
"Quando o próprio interesse privado vem expontaneamente collaborar para que o
Brazil se desfaça da infeliz herança, que as necessidades da lavoura havião
mantido, confio que não hesitareis a apagar do direito trio a única excepção que
nele figura em antagonismo com o espírito christão e liberal das nossas instituições.
"Mediante providencias que acutelem a ordem na transformação do trabalho,
apressem pela imgração o povoamento do país, acilitem as comunicações, utilisem
as terras devolutas, desenvolvão o credito agrícola, e aviventem a industria
nacional, póde-se asseverar que a produção sempre crescente tomará forte impulso
e nos habilitará a chegar mais rapidamente aos nossos auspiciosos destinos.
"Augustos e digníssimos senhores representantes da nação, muito elevada é a
missão que as circumstancias atuaes vos assignalão. Tenho fé que correspondereis
as que o Brasil espera de vos." (citação)
Como se vê, a instituição maldita ficou golpeada profundamente, e é justo que não
se demore a lei, e nesse sentido fazemos nossas as palavras do Dr. Joaquim
Nabuco:
(citação) O país terá os olhos postos no governo para ver se elle realmente pretende
fazer a abolição no mais breve prazo possível. Cada dia de sessão póde-se reduzir a
torturas physicas e moraes, cada discurso corres ponde a certo numero de escravos
mortos ainda no captiveiro. Lembre-se o ministério de que não restão hoje por sua
vontade senão os mãos senhores. Em todo o caso a sympathia e o interesse da
princeza estavão com que os entenderem que não é só a abolição que deve ser
immediata, mas tambem a lei.
Como se pode ver, a última notícia do século XIX a ser analisada possui uma
temática política, fato evidenciado no próprio título do texto ("Política e Políticos: A Sessão
Imperial"). Veiculada no ano de 1888, faz referência a um fato de extrema importância
para a história do país: a abolição da escravatura.
Na época da notícia, que fora publicada no dia 7 de maio e se refere a uma sessão
151
parlamentar do dia 3 no mesmo mês, ainda não havia sido revogada a lei para a libertação
dos escravos. Estava, portanto, em discussão no parlamento.
O texto, conforme se observa, possui muitos adjetivos avaliativos como marcas do
sujeito enunciador que, obviamente, busca enaltecer o grande acontecimento político que
estava por vir. Observe-se o trecho abaixo:
"Esta solemnidade revestio-se esteanno de um brilhantismo extraordinario:
concorrência fora do comum, quer no recinto do senado, quer fóra delle, flôres em
profusão e música. S.ªa Princeza Regente, o S. conde d’Edu e o ministério, forão
recebidos debaixo de uma chuva de pétalas de rosas e ao som de enthusiasticos
vivas , que partião espontâneos da alma jubilosa da enorme massa de povo , que
fora levar a soberana excelsa o seu regozijo por ver que ella ia satisfazer a sua
mais ardente aspiração."
Nota-se aqui que o sujeito enunciador do texto procura enaltecer as figuras
monárquicas que determinarão o fim da escravatura. Para isso, procura utilizar adjetivos de
caráter subjetivo com o intuito de que as "ações" desses monarcas -- como a "soberana
excelsa", que possuía uma "ardente aspiração" -- sejam reconhecidas pelo sujeito
destinatário.
Essa notícia possui também seu caráter peculiar: é composta de diversas citações, o
que promove seu caráter polifônico. Assim, observa-se um comportamento diferenciado
dos adjetivos, uma vez que, em geral, se utilizam tanto adjetivos avaliativos (em geral,
antepostos) quanto descritivos (em geral pospostos), a depender da intencionalidade do
sujeito enunciador.
Algumas vezes, nota-se a intenção do enunciador de dar um tom subjetivo a sua
fala, utilizando-se de adjetivos avaliativos (em geral, antepostos ao núcleo):
(187) infeliz herança
152
(188) única excepção
(189) forte impulso
(190) auspiciosos destinos
No entanto, já se pode notar nesse texto uma maior freqüência de adjetivos
descritivos e pospostos ao núcleo:
(191) sentimento nacional
(192) liberalidades porlamentares
(193) credito agrícola
(194) escravos mortos
5.2.2.2 O século XX
Notícia 1: Jornal do Brasil (14/05/1902)
"EM NICTHEROY Regimen do couro no Corpo Militar de Policia MÃE
ANGUSTIADA SOLDADOS FERIDOS"
Noticiando na edição da manhã do homem o barbaro espancamento praticado no
soldado Luiz Pereira Beranger, conforme a queixa dada por sua mãe, d.Rosa
Ferreira Beranger, que, banhada em lagrimas, veiu á redação do Jornal do Brasil,
aguardámos as informações do nosso correspondente em Nictheroy, o qual, depois
de minuciosas pesquizas, conseguiu tel-as completas.
Hontem, as 11 horas da manhã, o nosso correspondente apresentou-se naquelle
quartel e, dirigindo-se a um official que se achava de serviço, pediu-lhe informações
sobre o facto occorrido na Parahyba do Sul e que dera em resultado a prisão de
varias praças, respondendo-lhe o aludido official que sómente o tentente-coronel
commandante poderia prestar as informações solicitadas.
Reconhecendo o nosso correspondente que nada conseguiria saber no quartel, pois
já havia sido informado de que as victimas se achavam incommunicaveis, dirigiu-se
153
ao becco do Victorino, á rua Barão do Amazonas n.90, residencia de d.Rosa
Beranger, mãe de uma das victimas, e soube o seguinte:
Ha 20 dias, mais ou menos, seguiu em diligencia para a Parahyba do Sul uma força
de nove praças, commandada pelo sargento Sidaco.
Achando-se o governo atrazado no pagamento de vencimentos da força policial, e
lutando as praças em diligencia com as maiores difficuldades para obter os meios de
subsistência, algumas dellas pediram ao alferes Manuel de Faria Bruce,
commandante do destacamento, que lhes mandasse fornecer generos.
Não sendo attendidas em tào justo pedido, e sentindo os horrores da fome, essas
praças dirigiram carta ao tenente-coronel commandante, narrando a sua situação e
pedindo providencias, não sendo ainda attendidas.
Na mesma occasião a praça Luiz Beranger dirigiu uma carta a sua mãe, expondo a
sua situação e a de seus companheiros.
O alferes Bruce, informado do procedimento das praças, denunciou-as ap
sr.commandante, declarando que ellas pretendiam desertar, recebendo ordem do
mesmo commandante para que a força em diligencia regressasse ao quartel, onde
chegariam sexta-feira, á noite.
Ante-hontem ao meio-dia, o tenente-coronel Eduardo Pinheiro, commandante do
corpo, mandou fórmar a guarda e ordenou a dous soldados de cavallaria que com
um couro dobrado castigassem as praças Domingos Gomes da Cunha, da 1a
companhia; Luiz Ferreira Beranger, da 2a; Manuel Archanjo Novaes, da 3a e
Alberto José de Medeiros, da 4a.
Ao barbaro e deshumano castigo assistiram os apagado tenente-coronel
commandante Eduardo Pinheiro, major apagado Luna, capitão-ajudante Basílio
Cortopessi e tenente apagado.
A praça Edgard Beranger, que tambem se achava em forma, derramando lagrimas
por ver seu irmão ser castigado apagado ouviu do tentente-coronel-commandante as
seguintes palavras "Tambem queres apagado" ao que respondeu outra praça:
"Edgard tem razão para chorar, porque esta vendo seu irmão sofrer."
Terminado o caso foram as victimas metidas em banho de vinagre e sal e tecelladas
em seguida ao xadrez, sem que o medico as mandasse.
154
A mãe de Luiz Beranger, sabendo do ocorrido, dirigiu-se em pranto ao quartel,
iludindo a vigilancia, conseguiu chegar ao logar onde se achava seu filho em estado
digno de compaixão, com as costas feridas e a camisa ensanguentada.
Pedindo d.Rosa a camisa para lavar, não quizeram entregar-lha.
Exposto o ocorrido apagado qual tal nos foi narrado por varias pessoas, e que levou
a indignação ao proprio quartel, cumpre ao sr Quintino Bocayuva, presidente do
Estado tomar as providencias energicas que o caso exige, mandando submetter as
victimas a corpo de delicto e abrir rigoroso inquerito por uma commisão insuspeita,
afim de castigar os culpados como elles merecem,e estamos certos de que s. Ex. o
fará.
Não sabemos como proapagadoigar semelhante acto de selvageria, praticado em
um Estado que tem como presidente o sr. Quintino Bocayuva.
E’ possivel que o sr. tenente-coronel commandante, em quem sempre reconhecemos
um correcto militar, declare que as informações que nos foram prestadas são falsas;
mas se assim é, porque não mandou baixar as victimas do hospital, conforme
pediram?
Por que não permittiu que a mãe de Luiz Beranger levasse a camisa ensanguentada
para lavar?
Por que mandou declarar os presos incommunicaveis?
Aguardamos outras informações sobre semelhante facto.
A presente notícia, veiculada no início do século XX, faz parte das chamadas
"páginas policiais". Na verdade, corresponde a uma denúncia de maus tratos a soldados.
Estes, por estarem em precárias condições de trabalho, reivindicaram seus direitos a seu
comandante e, por isso, foram espancados. Com isso, a mãe de um deles denunciou o
ocorrido na redação do Jornal do Brasil.
Observa-se aqui que o caráter denunciativo da notícia promove uma maior
subjetividade do texto. Assim, o sujeito enunciador constrói um ethos de indignação diante
do caso ocorrido. Para isso, se utiliza de muitos adjetivos avaliativos:
155
(195) barbaro espancamento
(196) minuciosas pesquizas
(197) justo pedido
(198) barbaro e deshumano castigo
No entanto, diferentemente das notícias do século XX aqui analisadas, alguns
desses adjetivos de caráter avaliativo (mesmo que em menor número que os adjetivos
descritivos) já estão em posição pós-nuclear, que, como vimos na análise variacionista, é a
norma usual dessa época:
(199) providencias energicas
(200) commisão insuspeita
(201) mãe angustiada
(202) costas feridas
Nota-se, portanto, que muitas notícias, além do caráter informativo, possuem uma
finalidade denunciativa, típica do sub-tipo de notícias que possui uma temática social-
denunciativa. E, nos textos que compõem esse sub-gênero, nota-se, ainda, a depender o tipo
de jornal, o uso de muitos adjetivos avaliativos e antepostos ao núcleo.
Notícia 2: Jornal do Brasil (01/07/1920)
Os criticos e...os creditos.
O Sr. Alvaro Baptista levantou-se, na Camara, para protestar contra um pedido de
credito feito pelo Governo, relativo á linha ferrea da Barra Bonita a Rio do Peixe. A
sua attitude, muito justa, muito razoavel, emquanto se cingiu a criticar a Commissão
de Finanças por ser omissa em seu parecer, não o instruindo com elementos
necessazios para esclarecimento do pedido. Aliás, o Sr. Sampaio Corrêa, o relator
do projecto, respondendo hontem ao deputado gaúcho, mostrou que a culpa não era
tanto sua, como sim do Diario do Congresso, que não publicara os documentos
156
esclarecedores do credito, e a que alludira, ao parecer, e, de facto, os documentos
em questão, dous offisios do inspector federal de entradas divulgados, desfazem
toda e qualquer duvida quanto á legitimidade do credito pedido.
Mas o zeloso e illustre deputado riograndense, cujas raras qualidades moraes e
civicas não é favor proclamar-se, foi um pouco precipitado, em seu juizo, quando
censurou o ministro por pedir o alludido eredito, julgando que as mesmas despezas
podiam corre por conta dos 50 mil contos, credito já votado para um fim especial e
determinado. A Camara, que votou esse mesmo credito, e que o discutiu, o anno
passado, aliás, com muito calor, não podia exigir que o Ministro da Viação fizesse
do mesmo outra applicação- que não fosse estrictamente na restauração e
conservação das entradas directamente administradas pelo Governo Federal,
adquirindo para ellas o novo e necessario material fixo e rodante.
A linha ferrea, que provocou o debate, é uma estrada em construcção. Não se trata,
quanto a ella, de acquisição de material, para restaurar e conservar. E’, portanto,
imponderada a critica do deputado gaúcho, como dos criticos das gazetas mal
orientadas ou de , quando querem que o Governo recorra ao credito dos 50 mil
contos. Mal andaria ahi o ministro, se o fizesse. Não ha sophisma que consiga
mostrar que aquelles 50 mil contos-votados para restaurar o material fixo e rodante
das estradas administradas pelo União-possam tambem ser empregados para fins
outros, como o de construcção de estradas. A autorização não falla em estradas em
tráfego, mas tambem não se restaura se não aquillo que ficou avariado e estragado
pelo uso, pelo trafego.
Demais, já o Ministerio da Viação havia feito a distribuição completa do mesmo
credito de 50 mil contos. A distribuição é a seguinte: 25.400 contos para a Central;
12.300 para a Noroeste; 1.000 para a de S.Luiz e Caxias; 8.300, para a Oéste de
Minas; a 5’.000 para a Viação Caarense. A informação lida pelo Sr. Alvaro
Baptista, que foi aliás, uma nota que demos, está incompleta. Ainda faltava a
distribuição da Rêde de Viação Cearense, e que, então, não devemos, por não ter
sido ella ainda registrada pelo Tribunal de Contas. Mas se vê facilmente que a
distribuição acima perfaz os 50 mil contos.
A critica das folhas não tem razão quando diz ão quando diz que o Ministerio da
157
Viação confessa que nada fez, quanto á acquisição do material das estradas, que é
um problema de solução urgente. A proposito, fornece o Ministerio uma nota
esclarecedora nesse sentido. Entretanto, convém accentuar, a respeito, que não será
assim tão facilmente que será adquirido esse material. Sabe-se primeiramente que,
após votado qualquer credito, leva o respectivo Ministerio algum tempo para
conseguir o necessario registro, pelo Tribunal de Contas. Depois, num caso de
compras, vem outro tempo preparatorio, necessario á concurrencia ou á
apresentação de propostas.
Somente, após isso, no caso em questão, é que se faz o pedido para o estrangeiro.
Mas ninguem ha de querer que, mal chegue alli o telegramma de pedido, já o
material esteja embarcado. Por outro lado, não será nos actuaes dias, da grande
desorganização da vida economica e industrial do mundo, que o Governo poderá
conseguir um fornecimento prompto e rapido do material de estradas de que tem
necessidade. E se as emcommendas não estão embarcadas, não sabemos como se
possa exigir que o governo já as tivesse pago. O mais é muita sêde ao pote...
Conforme se observa, o texto, extraído do corpus de notícias, possui como tema
central o crédito pedido pelo Governo para a construção de uma linha férrea da Barra
Bonita a Rio do Peixe. Ao que parece, um deputado gaúcho, o senhor Alvaro Baptista,
pediu esclarecimentos à Comissão de Finanças por não concordar, a princípio, com o
crédito.
Nota-se aqui que, apesar de haver o modo narrativo de organização do discurso --
típico do gênero notícia -- é explicito o caráter argumentativo do texto. O sujeito
comunicante -- no caso, o jornalista ou o próprio jornal -- se utiliza de máscaras
enunciativas para se tornar o sujeito enunciador do discurso. Com isso, tenta convencer o
leitor (sujeito interpretante) -- que, no universo discursivo, se torna o sujeito destinatário --
de que o deputado foi precipitado ao pedir explicações sobre esse crédito.
A estratégia argumentativa do sujeito enunciador foi de se conciliar com o
158
argumento do outro para, logo após, defender seu ponto de vista. Assim, logo no início do
texto, ele diz:
"Mas o zeloso e illustre deputado riograndense, cujas raras qualidades moraes e
civicas não é favor proclamar-se, foi um pouco precipitado, em seu juizo (...)"
Promove-se, então, um ethos não só de conciliação mas, principalmente, favorável
ao crédito e à construção da linha férrea. Observa-se, ainda, que esse tipo de notícia --
oriunda do Jornal do Brasil, veículo jornalístico destinado, principalmente, a pessoas de
classe média e/ou classe média-alta -- possui um público-alvo peculiar, instruído de
assuntos políticos e econômicos do país.
O caráter informativo e argumentativo desse tipo de notícias -- bastante encontrado
no século XX -- também (assim como em editoriais) explicaria a maior ocorrência de
posposição de adjetivos (em geral, descritivos) nessa época em relação ao século XIX:
(203) linha ferrea
(204) deputado gaúcho
(205) inspector federal
(206) deputado riograndense
(207) Governo Federal
(208) estradas administradas
(209) distribuição completa
(210) vida economica e industrial
Notícia 3: Jornal do Brasil (07/06/1960)
Liberdade de Imprensa
Comemora-se hoje o dia Continental da Liberdade de Imprensa. Instituido pela
Sociedade Interamericana de Imprensa, que congrega pràticamente todos os órgãos
159
jornalísticos do Hemisfério. O Dia da Liberdade de Imprensa é uma periódica
oportunidade para que, não só se celebre uma das conquistas fundamentais à vida
democrática moderna, como ainda se tome essa prerrogativa como uma das formas
inalienáveis em que devem viver os governos livres do mundo de hoje. A data tem,
portanto, êsse aspecto dúplice: de reconhecimento de uma comquista e de tomada
de consciência de um fator de dignidade democrática.
Dentre os direitos do homem à vida civilizada, a liberdade de imprensa deve ser
colocada no mais alto cume de sua luta para uma convivência honrosa, sob pena de
perderem os componentes históricos da civilização principalmente da civilização
ocidental- o seu sentido humano, ético e comunitário. A luta pela liberdade de
imprensa, no nosso Hemisfério, não tem sido apenas uma luta de comteúdo
eufemístico, metafórico: ai estão as violências, os sofismas, o pânico à opinião
livre, e os próprios mártires dessa luta, que hoje recebem da imprensa livre um
reconhecimento de gratidão dos mais legítimos.
Tôdas as tentativas para apoucar ou mesmo aniquilar a liberdade de imprensa- hoje
felizmente institucionalizada através das Constituições nacionais nos países de
formação cristã e democrática – nada mais têm sido do que uma contrapartida dos
regimes e sistemas políticos de opressão. A opressão, para fixarmos um diagnóstico
infalível, começa exatamente pela supressão ou pela limitação drástica da liberdade
de noticiar e de opinar. Tudo o mais que se diga são meras técnicas de encobrir o
mêdo à verdade dos fatos e das publicações dos fatos.
Honrando, assim, a liberdade de imprensa pela criação de um dia em que se lhe
dedica uma fôrça de consolidação, a
Sociedade Interamericana de Imprensas
permanece fiel a si mesma e projeta sua luta para o aperfeiçoamento dessa
irrecusável liberdade.
A presente notícia, publicada no ano de 1960, possui como tema central a
comemoração do dia continental da liberdade de imprensa. Obviamente que o sujeito
comunicante, sendo o jornalista ou o próprio jornal, constrói na enunciação um ethos
totalmente favorável à liberdade de imprensa. Observa-se, aqui, mais uma vez, que a
160
narração está a serviço da argumentação.
O sujeito enunciador, por construir um texto com uma temática coletiva (no caso,
a liberdade de imprensa), se utiliza, mais uma vez, de uma linguagem objetiva, que é
bastante recorrente em notícias do século XX. Para isso, tenta-se, ao máximo, evitar uma
linguagem subjetiva. Acredita-se que, quanto mais mais "distanciado emocionalmente" do
tema, maior credibilidade poderá ter.
Mais uma vez, é bastante recorrente o uso de adjetivos descritivos no texto:
(211) Sociedade Interamericana
(212) órgãos jornalísticos
(213) vida democrática moderna
(214) componentes históricos
(215) civilização ocidental
Observa-se, ainda, que a posposição de adjetivos avaliativos -- (216) a (218) -- e
descritivos (estes em maior número) -- (219) e (220) -- passa a ser, de fato, norma objetiva
no século XX:
(216) conquistas fundamentais
(217) comteúdo eufemístico, metafórico
(218) formas inalienáveis
(219) regimes e sistemas políticos
(220) formação cristã
Notícia 4: Jornal do Brasil (28/02/1986)
Sarney lança plano da Inflação Zero. Todos os preços estão congelados. Salário
mínimo aumenta amanhã. Cruzado substitui o cruzeiro. Caderneta dá 14,93% este
mês. Poupança renderá por trimestre. ORTN deixa de ser reajustável.
161
O Presidente José Sarney, ante a perspectiva de a inflação este ano alcançar 500%,
resolveu aditar medas de choque que serão anunciadas hoje às 10h em cadeia
nacional de rádio e televisão. O plano tem o objetivo de obter taxa zero de inflação
a curtíssimo prazo.
O cruzeiro vai desaparecer e será substituído por uma nova moeda, o cruzado, com
um corte de três zeros. Com isso, CR$ 100.000 (cem mil cruzeiros passam a valer
100 cruzados.
Todos os preços estão congelados a partir de hoje, inclusive álcool, gasolina e
tarifas públicas. O Estado utilizará a Lei Delegada n
o
4, que permite o fechamento
de estabelecimentos industriais e comerciais que não cumprirem as determinações.
A data base do salário mínimo foi antecipada para o dia 1
o
de março. De acordo
com a variação real dos salários de novembro até hoje, acrescida de um bônus, o
governo deverá fixar o novo valor do salário mínimo em cerca de 750 cruzados
(Cr$ 750 mil). Os trabalhadores com dissídio em março terão reajuste equivalente à
variação média da ORTN nos últimos seis meses.
Nos próximos meses, os aumentos salariais passarão a ocorrer uma vez por ano, por
ocasião dos dissídios de cada categoria, com liberdade total para a negociação dos
reajustes entre trabalhadores e empresas. A escala móvel será adotada para proteger
o poder aquisitivo dos salários. Dessa forma, tida categoria profissional poderá
optar por um reajuste imediatos dos salários, sempre que a inflação atingir 20%.
Em vez de correção monetária, o governo oferecerá aos poupadores uma
remuneração trimestral equivalente a inflação no período. A ORTN foi substituída
pela OTN, cujo valor nominal será congelado por um ano. Esse valor da OTN foi
fixado em 107 cruzados, a vigorar a partir de amanhã.
O FGTS e o PIS/Pasep serão corrigidos automaticamente toda vez que houver
elevação de preços. Acabaram as desvalorizações cambiais diárias. O Banco
Central vai fixar uma nova taxa de câmbio, que se manterá fixa até o governo
entenda ser conveniente outro reajuste.
O presidente José Sarney convidou todos os governadores do país para uma reunião
domingo em Brasília. (Páginas 22, 23 e 26)
162
Esta notícia, como se pode observar, possui uma temática político-econômica.
Tem-se como tema central as mudanças econômicas instauradas no governo Sarney,
como, por exemplo, o plano Inflação Zero e a mudança de moeda (o Cruzado).
Possuindo, predominantemente, o modo narrativo de organização do discurso,
observa-se que essas mudanças são contadas de uma maneira bastante objetiva. Apesar de
se saber que, em toda e qualquer enunciação, já existe uma certa subjetividade, nota-se,
neste texto, que o sujeito enunciador procura, ao máximo, se distanciar dos fatos
econômicos.
Assim, para obter uma linguagem objetiva, nada mais coerente do que utilizar
adjetivos que caracterizam objetivamente o núcleo do sintagma nominal -- que, em geral,
estão pospostos ao núcleo:
(221) cadeia nacional
(222) tarifas públicas
(223) estabelecimentos industriais e comerciais
(224) aumentos salariais
(225) remuneração trimestral
(226) correção monetária
(227) valor nominal
(228) poder aquisitivo
(229) categoria profissional
(230) desvalorizações cambiais diárias
Obviamente que o tipo de notícia -- que possui um cunho político-econômico --
também influi no tipo de linguagem -- e, conseqüentemente, nas estratégias lingüísticas --
utilizados. Assim, uma notícia com um caráter mais "denunciativo" poderia possuir uma
linguagem mais subjetiva, utilizando-se de adjetivos avaliativos (em sua grande maioria,
163
antepostos).
O que se pode perceber é que, em geral, em notícias como esta -- com uma
temática mais coletiva – há ainda mais adjetivos descritivos e pospostos ao núcleo do
sintagma nominal.
Notícia 5: Jornal do Brasil (19/03/1990)
REFORMA DE COLLOR FAZ TERREMOTO NA ECONOMIA
Em seu primeiro dia de governo, o presidente Fernando Collor de Mello colocou
em funcionamento, ontem, o mais amplo, radical e audacioso plano econômico
experimentado no Brasil, cujo elemento mais explosivo é um bloqueio em contas
correntes, cadernetas de poupança, overnight e demais aplicações financeiras que
configura um virtual confisco de extensa parcela do dinheiro em poder das pessoas
e das empresas. "Não temos alternativas", disse Collor, durante a reunião em que,
presentes seus ministros e líderes partidários, anunciou as linhas gerais do plano,
às 7h da manhã. "O Brasil não aceita mais derrotas. Agora é vencer ou vencer. Que
Deus nos ajude."
A moeda nacional, desde ontem, voltou a ser o cruzeiro mas, ao contrário dos
planos anteriores, não se corta nenhum zero para passar de uma moeda para outra,
nem desaparece automaticamente o cruzado novo. Na verdade, a troca de unidade
monetária, serve fundamentalmente para promover o monumental bloqueio do
dinheiro em poder do público. Nas contas correntes das pessoas, só até um limite
de NCz$ 50.000,00 será convertido em cruzeiros, que poderão ser usados
normalmente. O que exceder disso continua cruzado novo e só 18 meses depois,
engordado com correção monetária e juros de 6% ao ano, começa a ser resgatado
em 12 parcelas mensais iguais e não corrigidas.
O mesmo ocorre com a caderneta de poupança. No caso do overnight e fundos
nominativos, o mecanismo ainda é mais draconiano; só vai virar cruzeiro, e
portanto continuar podendo ser usado livremente por seu dono, 20% do total que
ele tiver no banco, ou NCz$ 25mil – das duas opções, a que for maior. O restante
164
será bloqueado para também só poder ser liberado 18 meses depois, em 12 parcelas
mensais. No total, graças a esses artifícios, calcula-se que, dos US$ 120 bilhões que
repousam, em todo o país, em contas correntes, cadernetas, over e assemelhados,
US$ 95 bilhões serão confiscados pelo governo – ou, caso se prefira, seqüestrados,
uma vez que serão devolvidos um ano e meio depois.
O plano de ajuste anunciado por Collor mexe com virtualmente tudo na vida dos
brasileiros. Os preços das principais produtos serão tabelados, de acordo com listas
que serão divulgadas a partir de hoje pela Sunab, e só poderá ser alterados mediante
autorização do governo, num esquema que dura até 1
o
de maio. A partir daí,
começara a ser observado o índice de inflação prefixada a ser estabelecido antes de
cada mês. Os salários, no dia 1
o
de abril, serão corrigidos pela inflação de fevereiro
– 72,78%. A partir do mês seguinte, porém, também passam a ser corrigidos de
acordo com a prefixação estabelecida pelo governo. Considerado em seu todo, o
plano de Collor não tem comparações, em seu alcance e profundidade, no Brasil ou
em qualquer país senão com mudanças produzidas por guerras ou revoluções e
mexeu muito mais, de uma vez só, nas relações dos empresários com seu dinheiro,
do que toda a Constituinte em 20 meses.
Nesta edição, um suplemento com o Plano Collor e outro com as íntegras das
principais medidas
Mudança dá novo perfil ao governo
Tão ampla e radical quanto plano econômico, a reforma administrativa do governo
Collor determinou a extinção de 11 ministérios, 5 autarquias, 8 fundações, 3
empresas públicas e 8 sociedades de economia mista, além de dezenas de
comissões, secretarias e outros órgãos; colocou à venda virtualmente a totalidade
dos imóveis funcionais do Executivo e mansões, dos automóveis (calcula-se que
mais de três mil) e aviões (algo em torno de uma centena) do governo; criou novos
e fundiu vários órgãos públicos; proibiu a contratação e o acúmulo de cargos,
regulou a dispensa de funcionários e criou um banco de recursos humanos para
cuidar da sit u a ç ã o d o s f u n c i o n á r i o s excedentes.
165
De acordo com cálculos da ministra da Economia, Zélia Cardoso de Mello, a
reforma deverá representar uma economia para o governo de US$ 2 bilhões, que
começam a ser contabilizado ssegunda-feira, quando o funcionalismo voltar as
repartições. Os que não têm estabilidade contratados com nexos de cinco anos e
trabalham nos órgãos extintos serão demitidos. Os que têm estabilidade vão para
casa, em disponibilidade, aguardando realocação, e os que têm duplo emprego terão
que optar por um. Na área de pessoal foram revogadas as cessões de funcionários,
obrigando todos os cedidos a se reapresentarem às repartições de origem até o dia
1
o
de maio. Além disso, foi abolido o sistema de contratação tanto de pessoal como
de veículos de empresas particulares prestadoras de serviços. Novas normas
restringem grandemente as viagens ao exterior.
Entre as autarquias extintas estão o Instituto Brasileiro do Café (IBC), o Instituto
do Açúcar e do Álcool (IAA)e o Departamento Nacional de Obras e Saneamento
(DNOS). Das oito fundações que acabaram, destacam-se a Funarte (Fundação
Nacional de Artes), Pró-Memória
(Fundação Nacional Pró- Memória) e Fundação para Educação de Jovens e Adultos
(Educar). Não mais existem a Portobrás (Empresa de Portos do Brasil S. A.), EBTU
(Empresa Brasileirade Transportes Urbanos) e Embrater (Empresa Brasileira de
Assistência Técnica e Extensão Rural). Nas sociedades de economia mista foram
atingidas, entre outras, a Petrobrás Comércio Internacional (Interbrás), a Siderbrás
(Siderurgia Brasileira S.A.) e o BNCC (Banco Nacional de Crédito Cooperativo
S.A.).
A Presidência da República cresceu, com a criação das secretarias de
Administração Federal, Assuntos Estratégicos, Ciência e Tecnologia, Cultura, Meio
Ambiente, Desenvolvimento Regional e Desportos. O Iapas (Instit u t o de Ad m i n
i s t r a ç ã o da Previdência Social) fundiram-se, dando origem ao novo Instituto N
a c i o n a l de S e g u r o S o c i a l (INSS), subordinado ao Ministério do Trabalho
e Previdência Social. Para reduzir a interferência do Estado na vida e nas atividades
do indivíduo, foi criado o Programa Federal de Desregulamentação.
166
A última notícia do século XX analisada possui também uma temática político-
econômica. Fala-se do quadro político brasileiro que, em 1990, passava por mais uma
mudança: a implantação do Plano Collor.
Esse plano, que, a posteriori, gerou conseqüências desastrosas, consistiu em um
bloqueio em contas correntes, cadernetas de poupança e demais aplicações financeiras que
configuravam um virtual confisco de extensa parcela do dinheiro em poder das pessoas e
das empresas.
Nota-se, no texto, que, apesar de haver o predomínio do modo narrativo de
organização do discurso -- característico do gênero notícia em geral --, fica
completamente explícita a opinião do sujeito comunicante (jornalista e/ou jornal), que, na
esfera discursiva, passa a ser o sujeito enunciador:
“(...) o plano de Collor não tem comparações, em seu alcance e profundidade, no
Brasil ou em qualquer país senão com mudanças produzidas por guerras ou
revoluções e mexeu muito mais, de uma vez só, nas relações dos empresários com
seu dinheiro, do que toda a Constituinte em 20 meses.”
Assim como na notícia analisada anteriormente, observa-se que o sujeito
enunciador, através de um contrato informativo de comunicação, veicula a notícia de uma
maneira objetiva, utilizando, portanto, adjetivos de caráter descritivo e em posição pós-
nuclear:
(231) plano econômico
(232) reforma administrativa
(233) empresas públicas
(234) economia mista
(235) imóveis funcionais
(236) órgãos públicos
167
(237) recursos humanos
(238) f u n c i o n á r i o s excedentes
(239) órgãos extintos
(240) autarquias extintas
Essa notícia evidencia bem o comportamento dos adjetivos nas notícias do século
XX, que possuíam uma temática mais coletiva. A posposição de adjetivos, que está
intimamente associada à natureza descritiva destes qualificadores, passou a ser mais
recorrente neste século.
Conforme vimos na seção de análise de editoriais, no século XIX, o chamado
"editorial" possuía um caráter diferenciado, sendo até denominado de "carta de leitor".
Neste gênero, havia muitos textos de cunho pessoal, em que o sujeito enunciador se dirigia
a uma pessoa em particular. Utilizavam-se, assim, muitos adjetivos avaliativos e
antepostos. Já no século XX, os textos deste gênero passaram a ser de cunho mais coletivo,
uma vez que os textos possuíam temas políticos, sociais e econômicos. Tornou-se, então,
mais recorrente o uso de adjetivos descritivos e pospostos.
Quanto às notícias de jornais, pode-se dizer que mais do que uma mudança de
caráter de um século para outro, há, na verdade, diversos sub-gêneros atrelados ao discurso
informativo. Assim, a depender, principalmente, da identidade dos sujeitos discursivos, da
intencionalidade do sujeito enunciador e das circunstâncias espaço-temporais do ato de
linguagem, o sub-tipo do gênero notícia pode ser diferente. Tem-se, por exemplo, notícias
veículadas em jornais mais "populares" e em jornais voltados para "pessoas mais cultas";
notícias de cunho político, social e econômico, notícias de caráter "denunciativo", notícias
de caráter "sensacionalista" etc.
O comportamento semelhante dos adjetivos em editoriais e notícias de jornais do
168
século XX poderia ser explicado pela grande quantidade de textos com uma temática de
interesse coletivo, sejam do discurso opinativo ou do discurso informativo. Além disso,
poderia ser mais uma justificativa para o fato de esses dois gêneros fazerem parte de um
mesmo discurso -- o discurso jornalístico -- que se opõe, por exemplo, ao discurso
publicitário, no qual os anúncios se inserem.
5.2.3 Os adjetivos no discurso publicitário: o anúncio
No espaço discursivo constituído pelo gênero “anúncio”, conforme o registro dos
dicionários, circulam dois sentidos que poderiam determinar duas categorias ou sub-
gêneros aos quais correspondem igualmente duas funções: anúncios que fazem circular
uma informação, dão a conhecer um fato visando a um determinado objetivo e anúncios
que visam à promoção de um produto ou serviço.
Pode-se dizer que, no século XIX, de um modo geral, neles predominavam a
linguagem denotativa, referencial. Com isso, como já fora mostrado no capítulo 4, os
anúncios possuíam um caráter de classificados, em que, na maioria das vezes, os
"produtos" anunciados não advinham de grandes empresas, mas sim de pessoas comuns
que queriam se desfazer deles.
Verificou-se, entretanto, a partir da segunda metade e principalmente da
considerada última fase do século XIX (de 1874 a 1900) no presente trabalho, a presença de
anúncios que vão se deslocando dessa função meramente informativa para uma função mais
argumentativa. Para isso, procura-se influenciar o destinatário, enaltecendo-o e enaltecendo
o objeto. Disso resultam algumas mudanças, deslizamentos na organização textual-
enunciativa, dentre eles, a presença cada vez maior de adjetivações de caráter mais afetivo e
169
axiológico, utilizando-os, muitas vezes, como provas legitimadoras e promessas de
transformação. Conseqüentemente o texto se faz mais longo, mais prolixo, embora ainda
conserve certo rudimentarismo descritivo.
É inegável que os anúncios veiculados hoje pela mídia impressa diária (o jornal)
apresentam muito maior complexidade com uma série de deslocamentos advindos do
próprio suporte e dos avanços tecnológicos, que afetam diretamente o plano discursivo,
aqui entendidos como aspectos lingüísticos e seu imbricamento com aspectos sócio-
ideológico-culturais. E essa mudança de caráter do gênero anúncio ocorreu, de fato, do
século XIX para o século XX.
Nota-se, ainda, que o mais importante desses deslocamentos diz respeito à sua
função: apresentam a função de promover a venda de um produto ou de bens simbólicos
(status, juventude, beleza, padrões de comportamento e de consumo valorizados pelo grupo
social). Do ponto de vista textual-enunciativo, desliza-se de uma função referencial,
informativa para a função persuasiva, deslocando-se o foco do objeto para o sujeito
destinatário. Surge, então, a mudança de toda uma estratégia de linguagem que, interagindo
inter-semiotivamente, adota estratégias não só argumentativas mas de sedução, de
envolvimento pelo emocional, aspectos que alguns anúncios do século XIX prenunciam
embrionariamente.
Assim, percebe-se que, ao longo dos séculos XIX e XX, se tornou cada vez mais
recorrente o uso de adjetivos avaliativos, uma vez que o objetivo desse gênero passou a ser
de intensificar/sobrepujar a qualidade do produto anunciado. E, para isso, nada mais
coerente do que escolher qualificadores que, para além da função de descrever, chamem
mais a atenção do leitor para as supostas qualidades do produto, havendo, com isso, uma
maior possibilidade de consumo.
170
Como fora comprovado pelos resultados variacionistas, a anteposição do
qualificador está intimamente associada ao seu caráter subjetivo. Assim, em anúncios
publicitários, a utilização de adjetivos avaliativos e antepostos é uma das estratégias mais
utilizadas pelo sujeito enunciador para chamar a atenção do leitor, uma vez que a intenção
propagandística é seduzir esse sujeito comunicante pela valoração afetiva dos produtos
anunciados. Esta função discursiva dos adjetivos poderia explicar, ainda, a maior
freqüência de anteposição desses qualificadores em anúncios do que em editoriais e notícias
de jornais.
Vejamos, então, o uso destes qualificadores como mecanismos lingüístico-
discursivos em alguns anúncios dos séculos XIX e XX. Vale ressaltar que, para análise
discursiva dos anúncios do século XIX, houve a preocupação de escolher textos que
possuíssem, pelo menos, alguns adjetivos. Alguns anúncios de caráter "classificados"
foram, portanto, excluídos da análise, uma vez que não possuíam adjetivos.
5.2.3.1 O século XIX
Anúncio 1: Jornal do Commercio (02/10/1821)
NOTICIAS MARITIMAS PARA LISBOA
O navio portuguez NOVA PIEDADE Capitão J. Mauricio, tem metade de sua
carga prompta, quem quizer carregar nelle ou hir de passagem para o que tem
commodos superiores, procure o capitão na Rua da Misericordia número 37, ou
na Rua Dureita número 173.
171
Este é um anúncio típico do início do século XIX. Muitos dos textos inseridos no
gênero anúncio dessa época eram contruídos de forma, predominantemente, descritiva e
tinham como tema central notícias marítimas. Essa temática constante poderia ser explicada
por diversos fatos históricos, como a independência do Brasil e a expansão comercial do
Rio de Janeiro no início de século XIX com a vinda da família real para esta cidade.
Não se pode deixar de considerar que este texto faz parte de um discurso
publicitário, uma vez que existe um sujeito comunicante (anunciante/jornal) que se torna,
no nível do discurso, o sujeito enunciador. Este, para anunciar seu "produto" -- no caso, o
uso do navio português NOVA PIEDADE como meio de transporte de cargas ou pessoas -,
utiliza-se de estratégias argumentativas (como, por exemplo, a natureza semântica e a
posição dos adjetivos) para que o sujeito interpretante -- o público-leitor -- se torne, no
nível discursivo, sujeito destinatário.
Pode-se dizer ainda que tipo de veículo também influencia nesse texto com
caráter de classificados sobre os acontecimentos marítimos, como chegada e saída de
navios na costa brasileira. O chamado "Jornal do Commercio", em geral, tinha como
objetivo anunciar fatos relacionados ao comércio da cidade. Nota-se, aqui, a importância do
caráter (ethos) do veículo.
Como se sabe, o ethos se contrói não naquilo que diz, mas na maneira como diz,
possuindo materialidade lingüística fundamentada em marcas da enunciação. Neste anúncio
em questão, apesar da pouca adjetivação, nota-se que todos os adjetivos encontrados estão
pospostos ao núcleo:
(241) notícias marítimas
(242) navio portuguez
(243) carga prompta
172
(244) commodos superiores
Além disso, não se encontram entre eles muitos adjetivos de valor subjetivo. Com
isso, o texto se torna "seco", diferente da maioria dos anúncios que surgem, principalmente,
a partir da segunda metade do século XIX.
Acredita-se, portanto, que o uso de poucos adjetivos e, em geral, pospostos (posição
menos enfática) foi uma estratégia argumentativa utilizada pelo enunciador para
caracterizar este tipo de anúncio do início de século XIX.
Anúncio 2: Jornal de Annuncios (19/05/1821)
Na Loje do Jornal rua do Sabão n
o
14, se acha o modernissimo tratado sobre as
Leis dos Navios Marcantes e Marinheiros em 4 partes: 1
a
trata dos donos dos
Navios Marcantes, 2
a
das pessoas empregadas na Navegação delles; a 3
a
da
condução da fazenda; 4
a
das Soldadas dos Marinheiros dos Navios Marcantes,
obra indispensavel a todo o dono de Navios e Capitães Commandantes:
encardenado: 4800 [inint.] da Europa; na Portugueza o sendo de papel finisimo
1600 de papel fino 1.200. empresos 800. Ingleses papel finisimo 1.600. em
Francez [inint.]. em Allemão dito 1.600, na mesma se acha a modernisima obra
impressa em Lisboa em fins de 1820. Recreação do homem semsivel, ou Coleção
de exemplos verdadeiros por Antonio de Moraes e Silva natural do Rio de
Janeiro, 4 volumes 4800.
O presente texto tem como objeto a ser anunciado um tratado sobre Leis dos navios
marcantes e marinheiros, obra considerada indispensável aos donos de navio e capitães
comandantes. Este anúncio, que também possui um caráter de classificados, utliza-se de
mais adjetivação do que o analisado anteriormente.
173
Construído a partir do modo predominantemente descritivo de organização
discursiva -- que estava sempre a serviço da argumentação --, observa-se que o sujeito
enunciador se utiliza de muitos adjetivos avaliativos para exaltar as qualidades do produto
anunciado:
(245) modernissimo tratado
(256) obra indispensavel
(257) papel finisimo
(248) exemplos verdadeiros
Pode-se dizer que estes adjetivos de carga subjetiva são as marcas do sujeito no
enunciado e estão aqui inseridos devido a um contrato social de comunicação, em que o
sujeito destinatário passa a ser seduzido a partir de mecanismos lingüísticos utilizados no
processo persuasivo. Entretanto, ainda não se utiliza aqui -- assim como na maioria dos
anúncios do início do século XIX -- o mecanismo de anteposição como forma de chamar a
atenção do sujeito destinatário para o produto a ser vendido.
A partir dos exemplos citados acima, pode-se ver que a maioria dos adjetivos estão
pospostos ao núcleo, posição que, nesta época, nem era a mais usual. Esta análise ratifica o
resultado da análise variacionista, que mostrou que, no século XIX, apesar de o peso
relativo de anteposição ser .61 (cf. Gráfico 1), havia somente 36% de adjetivos antepostos
em anúncios de jornais (cf. Gráfico 11).
O uso mais recorrente de posposição do adjetivo neste gênero poderia ser explicado
pelo caráter "seco" dos anúncios do início do século XIX, característico ainda hoje nos
chamados classificados dos jornais.
174
Anúncio 3: O Gratis (16/05/1850)
A ODONTINA
Este apreciavel dentrifico, que limpa e clarea odentes e fortifica as gengivas de
uma maneira admiravel, preparado e vemdido na botica de A. J. da Silva Braga,
rua do Sabão n. 46, é já conhecido pela sua efficacia, de sorte que:
Quem nos dentes quizer ter
A côr de jaspe a mais fina,
Basta applicar-lhes sómente
Na escova a bella ODONTINA!
O velho, o jovem, o adulto,
A velha, a moça, a menina,
Podem trazer dentes claros
Usando a bella ODONTINA
MODO DE EMPREGAR A ODONTINA.
Molhe-se uma escova de limpar dentes, passa-se sobre a Odontina para
que della obtenha uma leve camada; esfregue-se com ella os dentes, e enxugue-
se depois a boca com agua pura.
Deposito geral, em Londres.
Conforme se observa, em alguns anúncios do século XIX, já se utilizavam
estratégias de sedução para atingir o sujeito destinatário. O presente anúncio, de 1950, é
um deles.
Neste caso, o objeto a ser vendido é a "bella ODONTINA". Para isso, o sujeito
comunicante (anunciante/jornal) deve formar um sujeito revestido de máscaras
enunciativas, a fim de que o ethos a ser construído seja propício para seduzir o sujeito
destinatário. Nota-se a presença do sujeito enunciador no uso de adjetivos avaliativos.
175
Como se vê, praticamente todos os adjetivos empregados neste anúncio -- salvo o "geral"
em Deposito geral -- possuem um caráter valorativo:
(249) maneira admiravel
(250) dentes claros
(251) agua pura
Para fortalecer sua estratégia de sedução, o enunciador utiliza, ainda, outro
mecanismo lingüístico-discursivo de intensificação do produto: o uso de adjetivos em
posição pré-nuclear:
(252) apreciavel dentrifico
(253) bella ODONTINA
(254) leve camada
Como já observamos, a uso da estratégia de anteposição de adjetivos como
método de sobrepujar o produto se intensificou no século XX. No entanto, como as
mudanças na língua ocorrem de uma maneira gradativa, notam-se, já na segunda metade
do século XIX, alguns anúncios -- como este, por exemplo -- que se utliizam desse
mecanismo para atingir o sujeito destinatário.
Anúncio 4: Diário do Povo Politico, Litterario, Noticioso e Commercial (18/02/1868)
As Pilulas Catharticas
DE AYER.
O purgante mais efecaz até hoje conhecido.
Estas pilulas são puramente vegitaes, não tendo na sua composição nem mercurio
nem outro ingrediente mineral; são innocentes para as crianças e pessoas mais
delicadas, ao mesmo tempo que compostas como são de vegitaes fortes são
bastante activas e eficazes para as pessoas robustas.
176
Estas pilulas catharticas pargão e purificão todo systema humano sem mercurio.
Não se tem poupado trabalho nem despeza para levar estas pilulas a um gráo de
perfecção tal, que nada deixa a desejar; são o resultado de annos de estudos
laboriosos e constantes. Para alcançar todas as vantagens que resultão de uso de
cathartivos, tem-se combinado somente as virtudes curativas das plantas que são
empregadas na confecção das pilulas. Sua composição é tal que as enfermidades
que estão ao alcance de sua acção, raras vezes podem resisti-las ou evadi-las.
Suas propriedades penetrantes explorão penetrão, purificão e dão vigor á todas
as partes de organismo humano; pois corrigem a sua acção viciada e faz
recuperar a sua vitalidade. Uma das consequencias déstas propriedades é que o
doente, abatido de dôr e debilidade physica, admira-se de encontrar, tao
depressa, sua saude e energia recuperadas por meio d'um remedio simples e
agradavel.
As molestias que estão ao seo alcance são.
Prisão de ventre Rheumatismo, Dór da cabeça, A Nevralgia, Enxaqueca,
Indigestão e mal do estomago, Hemorrhoidas.
PADECIMENTOS DO FIGADO,
Febre gastro-hepatica, Gastrite, affecções Biliosas lombrigas, Erysipela,
Hydropsia, surdez, cegueira parcial, e Paralysia.
No almanak e Manual de Saude do Dr. Ayer, que se publica todos os annos par
distribuição gratuita, encontra-se umtado sobre as diversas doenças que estão ao
alcance de
REMEDIOS PURGANTES
Neste anúncio, o sujeito comunicante -- no caso, a associação entre a empresa do
produto e o jornal -- tenta vender as pírulas cathárticas DE AYER, que são "puramente
vegitaes, não tendo na sua composição nem mercurio nem outro ingrediente mineral".
Dentro de um contrato social de comunicação -- estabelecido pelos parceiros da
troca comunicativa --, o sujeito enunciador deste anúncio também se utiliza de estratégias
177
para convencer o sujeito destinatário a comprar o produto. Como se pode observar, ao
longo do século XIX, é cada vez mais freqüente o uso da adjetivação como estratégia
argumentativa. Entretanto, há ainda muitos anúncios que não se utilizam somente de
adjetivos avaliativos para qualificar o produto. Diferentemente do anúncio analisado
anteriormente, que se utilizava de adjetivos subjetivos para seduzir o sujeito destinatário,
neste caso há a presença de mais adjetivos que descrevem objetivamente o núcleo do
sintagma nominal:
(255) Pilulas Catharticas
(256) systema humano
(257) debilidade physica
(258) Febre gastro-hepatica
(259) affecções Biliosas
Observa-se, ainda, um fato recorrente nos anúncios do século XIX. Assim como
vimos em outros anúncios desta época, a grande maioria dos adjetivos estão pospostos ao
núcleo, até mesmo os que possuem carga semântica de subjetividade:
(260) estudos laboriosos e constantes
(261) propriedades penetrantes
(262) remedio simples e agradavel
Analisando os casos de adjetivos avaliativos encontrados neste anúncio, nota-se que
é neste tipo de qualificador que ficam mais evidentes as marcas do sujeito enunciador. É
justamente com o uso deste tipo de adjetivo que se evidencia a construção de um ethos
discursivo em que se deve valorizar as qualidades do produto anunciado. Ao que parece,
quando se utilizam adjetivos descritivos, há um maior distanciamento desse sujeito
enunciador.
178
Anúncio 5: A Bomba (10/10/1894)
Lições de Historia Geral Organisadas de accordo com o actual programma
approvado pela Inspectoria Geral da Instrução Publica para os exames geraes
por Annibal Mascarenhas 1 Bello Vollume Encadernado 3$000 Este trabalho,
que ainda em manuscrito recebeu a approvação de numerosos e habilitadissimos
professores aos quaes foi apresentado, é o único que pode servir aos examinados
de historia, pois nele encontrarão claras dissertações sobre todos os pontos do
programma para os exames, dissertações estas escriptas de accordo com o
espirito que dictou aquelle programma, e que tende a dar nova orientação aos
estudos historicos. Os pontos mais difficeis do programma, taes como os que se
referem á Prehistoria, aos primeiros typos sociaes, á sciencia da historia, da qual
se deduzem os dados cosmologicos, physicos e psychologicos, foram tratados
com toda a proficiencia e orientação didatica pelo Senhor. Annibal Mascarenhas
que, sem resfolhos, explanou estes variados assuntos de modo a facilitar sua
comprehensão a todas as intelligencias. Descrevendo as Antigas Civilisações, o
autor, para se conformar com o programa e poder offerecer um livro de utilidade
real aos estudantes de historia, pos em evidencia a influencia dos habitats e a
razão do apparecimento dos diversos factos historicos. Podemos assegurar que
sobre o assumpto não foi ate hoje entre nos publicado trabalho, de tanta
importancia, quer pelo methodo da exposição, quer pela clareza da linguagem.
Livraria do Povo – Rua São José 65 e 67 Quaresma & C – Livreiros – Editores.
O último anúncio a ser aqui analisado corresponde a um texto que se refere a um
"Bello Vollume Encadernado" de um livro chamado "Lições de História Geral".
Para vender este produto, supostamente a editora do livro "comprou" seu espaço
no jornal para anunciá-lo. Assim, no circuito interno do discurso, o sujeito enunciador se
utiliza de adjetivos, em geral, objetivos para descrever as qualidades do livro:
(263)
estudos historicos
179
(264) dados cosmologicos, physicos e psychologicos
(265) typos sociaes
(266) orientação didatica
(267) Vollume Encadernado
Nota-se, também, que, mais uma vez, a grande maioria dos adjetivos está em
posposição, traço característico dos anúncios do século XIX.
No entanto, existem alguns trechos em que se utlizam adjetivos de caráter
valorativo. Mais uma vez, é justamente nesses adjetivos que fica explícita a presença do
sujeito enunciador, que exalta "um livro de utilidade real aos estudantes de historia" para
que o sujeito destinatário se sensibilize:
"Este trabalho, que ainda em manuscrito recebeu a approvação de numerosos e
habilitadissimos professores aos quaes foi apresentado, é o único que pode
servir aos examinados de historia (...)"
Analisando os adjetivos acima citados, percebe-se que, quando estão em
anteposição, intensificam ainda mais as qualidades do produto anunciado. Conforme
veremos adiante, essa estratégia será cada vez mais utilizada no discurso publicitário do
século XX.
5.2.3.2 O século XX
Anúncio 1: Jornal do Brasil (16/09/1909)
VENDE-SE por modico preço um solido predio novo, perto da estação do
Engenho Novo; com dous magnificos quartos, duas salas, excellente cozinha,
porão, agua e mais pertences e terreno; para mais informações na r. Jobin 80
onde estão as chaves.
180
Este anúncio, que faz referência a um prédio em Engenho Novo, corresponde ao
aqui chamado de sub-gênero classificados. Apesar de haver uma maior quantidade de
anúncios desta categoria no século XIX, como se observa, ainda é possível encontrá-los,
mesmo que em menor quantidade, no século XX.
No entanto, percebe-se que, mesmo neste tipo de anúncio, o sujeito comunicante
(anunciante/jornal) já está mais preocupado em exaltar as qualidades do produto anunciado,
uma vez que sabe que uma propaganda bem feita pode lhe render boas vendas.
Assim, dentro de um contrato social de comunicação, o sujeito enunciador se
reveste de máscaras enunciativas para conseguir seduzir o sujeito destinatário para que ele
compre seu produto. Para tanto, são necessárias algumas estratégias argumentativas, como,
por exemplo, o uso de qualificadores certos para enaltecer, neste caso, o referido prédio.
Conforme se observa, utilizam-se adjetivos avaliativos -- que possuem uma carga
semântica de subjetividade -- como marcas da enunciação:
(268) modico preço
(269) solido predio novo
(270) magnificos quartos
(271) excellente cozinha
Esses adjetivos ilustram, ainda, os resultados quantitativos dos dados, já que se
confirmara que a posição do adjetivo no sintagma nominal está intimamente associada à
sua natureza semântica. Como se pode ver, esses adjetivos, além de serem avaliativos,
estão, em geral, antepostos ao núcleo. A anteposição é, portanto, utilizada pelo sujeito
enunciador como um mecanismo lingüístico-discursivo de intensificação do produto
anunciado.
181
Anúncio 2: Correio da Manhã (11/11/1937)
COM ESTA
FACILIDADE...
FRIGIDAIRE
NOS CONQUISTOU!
R A P I D A produção de cubos maiores de gelo é uma característica do congelar
Super-Efiicaz. Mas a facilidade de tirar os cubos da bandeja é uma das suas mais
notaveis exclusividades. Acabou-se a necessidade de trabalho e paciencia. Agora,
um desprendedor automatico solta todos os cubos, de uma só vez, com um
simples toque dos dedos.
Entretanto, este maravilhoso refrigerador não lhe dá apenas essa vantagem. O
espaço util nas suas 9 adaptações, as prateleiras corrédiças e ajustaveis, a
extraordinaria economia assegurada pelo Poupa-Corrente são razões que tornam
o novo Frigidaire Super-Efficaz digno da sua preferencia. Verifique a sua
superioridade na exposição mais proxima.
O segundo texto, que faz parte ainda da primeira metade do século XX, corresponde
ao anúncio do maravilhoso refrigerador Frigidaire. Diferentemente do primeiro anúncio
analisado -- que era um texto mais curto e objetivo --, nesse texto está nítida a intenção que
o anunciante tem de se aproveitar do campo publicitário para vender o produto.
Assim, para que o leitor se torne consumidor do produto, é necessário que o sujeito
enunciador construa uma imagem (ethos) de credibilidade. Para isso, utilizam-se elementos
lingüístico-discursivos (como os adjetivos, por exemplo) que atraiam consumidores.
Conforme se observa no texto em questão, o uso de adjetivos avaliativos (muitas
vezes, antepostos) é bastante recorrente, o que o faz se tornar um texto de caráter subjetivo,
em que o objetivo principal do enunciador é enaltecer as qualidades do refrigerador.
182
(272) cubos maiores
(273) notaveis exclusividades
(274) prateleiras corrédiças e ajustaveis
(275) extraordinaria economia
(276) novo Frigidaire Super-Efficaz
A anteposição de adjetivos -- todos avaliativos -- é utilizada aqui como um meio de
chamar a atenção do leitor, que, no discurso, se torna um sujeito destinatário.
Quanto ao modo de organização discursiva, observa-se que, além da argumentação
existente no texto publicitário, não se pode desprezar a intencionalidade descritiva do texto,
que se utiliza de adjetivos (antepostos e avaliativos) para convencer o leitor da qualidade do
refrigerador. Portanto, há o modo descritivo de organização, que está a serviço da
argumentação no discurso.
Anúncio 3: Jornal do Brasil (08/12/1949)
Ultra possantes lavadouras purificam cada garrafa do seu saboroso
BRAHMA CHOPP
16 vezes! Sim. 16 vezes cada garrafa de Brahma Chopp é lavada e escovada
internamente com água fervente e fria filtrada em ultra-possantes máquinas
lavadoras, sob fortíssima pressão à qual nenhuma impureza pode resistir. Todo
êsse extremo rigor da Brahma no preparo do seu deliciosos Brahma Chopp não é
apenas para atender a simples preceitos de higiene. O Brahma Chopp "pede" êsse
rigor ... exige essa pureza ... êsse cuidado, porque é uma cerveja de grande
sensibilidade. É por isso que o Sr. sente delicadeza no sabor do Brahma chopp...
e sente tambem imenso prazer. Beba-o! É delicioso!
183
BRAHMA
CHOPP
e aqui está
o melhor da festa !
Brahma Chopp
Foi seu próprio paladar que elegeu o gostoso ... o puro ... o aromático Brahma
Chopp! Sim... Brahma Chopp é de esmerado preparo. Só contém o que há de
melhor em malte... em lúpulo... em fermento. Por isso, nos quatro cantos de
nossa terra pede-se cada vez mais o inconfundível Brahma Chopp ! Aquela
satisfação única que você e seus amigos sentem... é privilégio dos que saboreiam
o delicioso Brahma Chopp !
BRAHMA
CHOPP
não pode haver melhor !
Esse texto é um típico anúncio publicitário do século XX, em que há um sujeito
comunicante que possui a intencionalidade de vender, no caso, não só o chopp Brahma mas
também as ultra-possantes máquinas lavadoras desta marca. Para tanto, idealiza um
público-alvo que poderia comprar os produtos anunciados. Assim, o sujeito interpretante é
idealizado, tornando-se um sujeito destinatário.
Contudo, como esse sujeito comunicante não pode obrigar o sujeito destinatário a
comprar os produtos, deverá, então, persuadi-lo e seduzi-lo. Ele tenta, então, ocultar a sua
face comercial, dissolvendo sua identidade e tornando-se um ser discursivo, ou seja, o
sujeito enunciador. Estabelece-se, assim, uma relação benfeitor-beneficiário (Pauliukonis,
184
1998) em que, numa esfera discursiva, o sujeito enunciador se utiliza de estratégias
lingüístico-discursivas para persuadir o ser idealizado, ou seja, o sujeito destinatário.
O esquema de representação aos interlocutores do discurso publicitário permite um
jogo de máscaras enunciativas que desvelam na construção de identidades (ethos) dos
parceiros da troca comunicativa. Assim, qualquer que seja a forma de apresentação do
anunciante, ele deve sempre se mostrar como um benfeitor, capaz de satisfazer desejos e
necessidades pessoais. A exaltação de um produto anunciado faz com que o leitor deseje
comprá-lo.
A utilização de adjetivos antepostos é uma das estratégias para chamar a atenção do
leitor, uma vez que o permite ler, primeiramente, as qualidades do produto. Veja-se:
(277) Ultra possantes lavadouras
(278) saboroso BRAHMA CHOPP
(279) sob fortíssima pressão
(280) grande sensibilidade
(281) extremo rigor
Além disso, percebe-se, com base nos resultados variacionistas, que a anteposição
está intimamente associada ao caráter subjetivo do qualificador.
Pode-se dizer, portanto, que a utilização de adjetivos antepostos e avaliativos no
discurso publicitário é um mecanismo lingüístico discursivo utilizado pelo sujeito
enunciador, para que o público-alvo (sujeito destinatário) compre o produto anunciado:
“Foi seu próprio paladar que elegeu o gostoso ... o puro ... o aromático Brahma
Chopp! Sim... Brahma Chopp é de esmerado preparo (...) pede-se cada vez mais o
inconfundível Brahma Chopp ! Aquela satisfação única que você e seus amigos
sentem... é privilégio dos que saboreiam o delicioso Brahma Chop !”
185
Toda essa encenação, na qual há participantes psicossociais do discurso (sujeito
comunicante e sujeito interpretante) e seres ficcionais discursivos (sujeito enunciador e
sujeito destinatário), é determinada por um contrato comunicativo, que pressupõe a
obediência de regras específicas. No caso do contrato da propaganda em questão, prevê-se
que o leitor do irá se tornar um consumidor, principalmente, do chopp Brahma.
Anuncio 4: O Globo (05/07/1975)
Se você quer mesmo um
verdadeiro guaraná
beba
GUARANÁ
BRAHMA
de delicioso sabor original
porque contém de fato
guaraná natural!
Basta provar o Guaraná Brahma para sentir o gostoso sabor original do legítimo
guaraná, de tão apreciadas propriedades tônicas! Por isso, adultos e crianças
exigem Guaraná Brahma – mais refrescante... e muito mais saudável !
Guaraná
BRAHMA
Este anúncio publicitário, publicado em 1975, tem como objetivo comercial vender
o guaraná Brahma. Assim, para desbancar a concorrência, o sujeito comunicante -- que, na
esfera discursiva, se torna sujeito enunciador -- deve exaltar as qualidades do produto
anunciado. E nada mais coerente do que utilizar bons adjetivos para exercerem essa função.
186
Assim, o uso de adjetivos com grande carga de subjetividade passam a ser os mais
apropriados para enaltecer o guaraná Brahma. Esses elementos lingüísticos são, portanto,
uns dos elementos lingüísticos que fazem parte do "compromisso " (contrato social de
comunicação) que existe na esfera discursiva. Na verdade, o ato de linguagem no discurso
publicitário gira em torno da chamada mise èn scene, que corresponde a uma encenação
discursiva na qual o sujeito enunciador, para produzir efeitos de sentido, se utiliza de
componentes do dispositivo de comunicação (Machado, op.cit.).
Como se pode observar, os adjetivos avaliativos no anúncio em questão são marcas
do sujeito enunciador, que procura seduzir o sujeito destinatário para que o produto seja
vendido.
(282) verdadeiro guaraná
(283) guaraná natural
Nota-se, ainda, que, em muitos casos, o substantivo é acompanhado por adjetivos
antepostos e pospostos, o que marca ainda mais a presença do sujeito enunciador no texto.
(284) delicioso sabor original
(285) gostoso sabor original
(286) apreciadas propriedades tônicas
Anúncio 5: O Globo (16/09/1998)
Telecomunicações.
Globalização.
Competitividade.
(Olha só o tamanho da nossa responsabilidade.)
187
A maior rede nacional de telecomunicações da América latina. A melhor
resposta em telecomunicações do Brasil. A única empresa no país com rede
nacional de fibra óptica. E agora, ao completar 33 anos, a Embratel fica ainda
mais moderna e competitiva ao ter seu controle acionário adquirido pela MCI
WorldCom, uma das mais poderosas empresas de telecomunicações do mundo.
A MCI WorldCom é responsável por 25% do total das comunicações de longa
distância nos Estados Unidos. Está presente em 280 países, com 70 mil
funcionários e faturamento de mais de 20 bilhões de dólares anuais. Somente
neste ano a Embratel vai investir 1 bilhão de dólares na modernização das nossas
telecomunicações. E junto com a MCI WorldCom via oferecer mais qualidade,
com um novo portfolio de serviços compatíveis com as necessidades dos
clientes. Como você pode ver, a realidade agora é outra. É muito maior.
EMBRATEL
A EMPRESA BRASILERA DE TELECOMUNICAÇÕES
O último anúncio publicitário analisado tem como "produto" os serviços prestados
pela empresa de telecomunicações Embratel. Como se sabe, nos últimos anos, surgiram
diversas empresas para tornar fácil o acesso a esse tipo de serviço. Assim, devido à grande
concorrência, cabe a cada empresa se utilizar de meios publicitários, que se tornou o
grande "boom" do século XX.
Como já fora mencionado anteriormente, no discurso publicitário, uma
propaganda bem elaborada é justamente o fator diferencial no competidíssimo jogo de
mercado, em que as marcas disputam, acirradamente, o público consumidor. Assim, para
obter êxito em seu objetivo comercial de vender o produto anunciado, o sujeito
comunicante se utiliza de máscaras enunciativas para construir uma imagem que passe
credibilidade no sujeito enunciador e, com isso, seduzir o sujeito destinatário. É
188
necessária, portanto, a utilização de elementos lingüísticos específicos, acarretando num
dinamismo próprio para se compreender os vários aspectos da publicidade e efetivar a
inter-relação autor/leitor.
Conforme vimos na análise variacionista, em textos verbais do gênero anúncio, é
cada vez mais recorrente o uso de adjetivos antepostos (em geral, avaliativos). E o
presente texto, publicado no final do século XX, não é diferente: nota-se a presença de
muitos adjetivos antepostos (todos avaliativos).
A relação entre a posição do adjetivo no sintagma nominal e sua natureza
semântica fica bastante evidente no anúncio em questão. Nota-se que os adjetivos que
caracterizam subjetivamente o núcleo -- tendo, portanto, maior força enunciativa --
aparecem sempre antepostos.
(287) maior rede
(288) melhor resposta
(289) única empresa
(290) poderosas empresas
(291) longa distância
(292) novo portfolio
Já os adjetivos que caracterizam objetivamente o substantivo estão em posição
pós-nuclear:
(293) rede nacional
(294) América latina
(295) rede nacional
(296) fibra óptica
189
(297) controle acionário
(298) dólares anuais
Observa-se, então, que a escolha do tipo de adjetivo (avaliativo/descritivo) e da
sua posição no sintagma nominal são estratégias lingüístico-discursivas utilizadas pelo
sujeito enunciador na mise èn scene (encenação discursiva) do discurso publicitário, que
possui, na verdade, o objetivo comercial de vender o produto anunciado.
190
7. CONCLUSÕES
Em uma primeira etapa, estudou-se a posição dos adjetivos em textos do discurso
midiático sob a perspectiva variacionista. Ainda que a presente proposta de análise não
constitua uma variável stricto sensu, a abordagem variacionista quantitativa foi escolhida
por promover uma análise mais acurada e sistemática dos dados e permitir confirmar ou
infirmar as hipóteses iniciais.
Chegou-se às seguintes conclusões:
houve uma mudança de norma objetiva quanto à posição dos adjetivos do século
XIX para o XX: a freqüência de uso da anteposição diminui sensivelmente do
século XIX para o século XX, e a posposição se fixa como ordem não-marcada;
a natureza semântica dos adjetivos é o fator mais importante para determinar a
posição dos adjetivos no SN: adjetivos descritivos -- que caracterizam
objetivamente o núcleo do SN -- tendem a aparecer em posição pós-nuclear, ao
passo que adjetivos avaliativos -- que caraterizam subjetivamente o núcleo do SN --
são mais freqüentes em posição pré-nuclear;
o fator tipo de gênero textual também é determinante para a ordem dos adjetivos no
SN, principalmente no século XX: em anúncios de jornais, é mais recorrente o uso
de adjetivos antepostos -- em geral, avaliativos -- do que em editoriais e em
notícias;
em anúncios, ocorre o contrário dos demais gêneros analisados – nos quais houve
uma diminuição no percentual de anteposição – e o número de adjetivos antepostos
cresce do século XIX para o XX (cf. Gráfico 11).
A partir dos resultados desse estudo sociolingüístico, optou-se, em uma segunda
etapa da pesquisa, pela análise da função discursiva desses adjetivos em uma amostra de
191
textos. Observou-se que
a análise contrastiva entre os diferentes tipos de gêneros textuais do discurso
midiático permite evidenciar semelhanças e divergências entre eles.
Independente do tipo de gênero, há sempre a presença se um enunciador, que se
apresenta através de marcas lingüístico-discursivas, sendo os adjetivos uma
delas;
a análise dos editoriais e das notícias de jornais confirmou o caráter objetivo,
apesar de persuasivo, desses discursos jornalísticos;
ao comparar o comportamento dos adjetivos nesses textos analisados com os
anúncios publicitários, percebe-se que há mais casos de anteposição nestes
últimos. Observa-se, ainda, que é abundante a ocorrência de adjetivos avaliativos
nesse tipo de gênero, o que estaria intimamente associado à anteposição, em
contraste com os demais gêneros analisados, nos quais predomina a posposição
de adjetivos descritivos;
a seleção lexical constitui um mecanismo argumentativo que, por intermédio da
sua carga semântica, concretiza a subjetividade ligada à estrutura da língua;
o fator época foi fundamental para determinar as características gerais de cada
gênero textual: houve uma mudança de caráter dos gêneros textuais analisados --
anúncios, editoriais e notícias de jornais -- do século XIX para o século XX e,
conseqüentemente, o comportamento dos adjetivos muda de uma época para
outra.
Em termos específicos,
o discurso jornalístico opinativo (editorial) do século XIX -- que, na verdade,
era denominado Carta de Redator -- possuía uma maior subjetividade que o do
192
século XX. Assim, como se utilizavam mais adjetivos avaliativos no século XIX, a
anteposição era mais freqüente. Já no século XX, acontecia o oposto: o uso cada
vez mais recorrente de adjetivos descritivos e, conseqüentemente, antepostos ao
núcleo.
no discurso informativo -- que também faz parte do chamado "discurso
jornalístico" --, o comportamento dos adjetivos varia de acordo com a temática.
Em geral, no corpus analisado, observou-se a presença cada vez mais freqüente de
temáticas políticas no século XX. Assim, a presença de adjetivos descritivos e
pospostos -- bastante usual em textos de cunho político, econômico e social --
tornou-se também mais recorrente nos dias atuais;
já no discurso publicitário (anúncios de jornais), tanto no século XIX quanto no
XX, há sempre mais adjetivos avaliativos e antepostos do que nos outros tipos de
gêneros analisados. O que se percebe é que a utilização dos adjetivos avaliativos se
amplia, uma vez que, principalmente no século XX, o objetivo desse gênero passa
a ser o de intensificar/sobrepujar a qualidade do produto anunciado: para tanto,
nada mais coerente do que escolher adjetivos que, além da função de descrever,
exaltem para o leitor as supostas qualidades do produto anunciado, havendo, com
isso, uma maior possibilidade de consumo.
Como se pode observar, os resultados da análise discursiva vão ao encontro dos da
sociolingüística. Na verdade, o uso das duas teorias em questão foi importante para o
enriquecimento da análise dos resultados. Vale destacar, portanto, a necessidade da
realização de outras pesquisas lingüísticas que se utilizem da interface variação e discurso.
193
7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ABREU, A. S. A arte de argumentar: gerenciando razão e emoção. Cotia: Ateliê Editorial,
2004.
ALMEIDA, E. & SALES, S. O uso de estruturas concessivas em textos jornalísticos.
Comunicação coordenada apresentada no IX Congresso Nacional de LingÜística e
Filologia. Rio de Janeiro: UERJ, Instituto de Letras, 2005.
AVELAR, J. O. A Colocação do adjetivo no século XIX: variação e mudança no português
do Brasil. Trabalho apresentado no IX Encontro Anual de Iniciação Científica,
Universidade Estadual de Londrina, 2000.
AZEREDO, J.C. Iniciação à sintaxe do português. Rio de Janeiro: Zahar, 1990.
________ & ANGELIM, R. C. C. Argumentação no jornalismo escrito. In: CARNEIRO,
A. D (org.). O discurso da mídia. Rio de Janeiro: Oficina do autor, p. 125-134, 1996.
BACELAR, F. et alii (org.). Actas do XI Encontro Nacional da Associação Portuguesa de
Lingüística. Lisboa: Colibri, p. 381-395, 1996.
BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 1984.
_______. Os gêneros do discurso. In: Estética da criação verbal. São Paulo: Marins Fontes,
1997.
BARROS, N. C. Estratégias de ataque à face em gêneros jornalísticos. In: MEURER, J. L.
& MOTTA-ROTH, D. Gêneros textuais e práticas discursivas: subsídios para o ensino da
linguagem. Bauru, SP: EDUSC, p. 199-214, 2002.
BASÍLIO, M. O fator semântico na flutuação substantivo/adjetivo em português. In:
HEYE, J. (org.) Flores Verbais. Rio de Janeiro, Ed. 34. p. 177-192, 1995.
BENVENISTE, E. Problemas de Lingüística Geral. vol 1.Campinas: Pontes, 1966.
________. Problemas de Lingüística Geral. vol 2.Campinas: Pontes, 1974.
BOFF, A. M. A posição dos adjetivos no inerior do sintagma nominal: perspectivas
sincrônica e diacrônica. Dissertação de Mestrado em Lingüística. IEL, Universidade
Estadual de Campinas, mimeo, 1991.
BRANDÃO, S. Estratégias argumentativas no corpus APERJ. In: BACELAR, F. et alii
(org.). Actas do XI Encontro Nacional da Associação Portuguesa de Lingüística. Lisboa:
Colibri, p. 397-406, 1996.
194
BRONCKART, J. P. Atividade de linguagem, textos e discursos. São Paulo: EDUC, 1999.
CALLOU, D. et alii. Teoria da Variação e suas relações com a semântica, a pragmática e a
análise do discurso. Caderno de estudos lingüísticos. Campinas: 1991.
CALLOU, D. COSTA, M. C. R. Estratégias discursivas na fala do Rio de Janeiro. In:
CASTILHO, A. de. O Português do Brasil. In: ILARI, R. Lingüística Românica. Rio de
Janeiro: MEC. 1997.
CALLOU, D.; PAREDES, V. & OMENA, N. (1991). Teoria da variação e suas relações
com a Semântica, Pragmática e Análise do Discurso. In: Cadernos de Estudos Lingüísticos.
São Paulo: UNICAMP, v. 20, p. 17-21, 1991.
CAMARA JR, J. M Estrutura da Língua Portuguesa. 29
a
ed. – Petrópolis: Editora Vozes,
1999.
CASTELEIRO, J. M. Sintaxe Transformacional do Adjectivo. Lisboa: INIC, 1981.
CARNEIRO, A. D.Uma classificação tipológica e os textos da mídia. In: CIAD-RIO (org.).
Anais do II Encontro Franco-Brasileiro de Análise do Discurso. Rio de Janeiro: Faculdade
de Letras, UFRJ, 1996.
CHARRAUDEAU, P.O ato de linguagem como encenação. In: Langage et discours.
Elements de sémiolinguistique. Paris Hachette, (trad. do Grupo CIAD), 1983.
_______. A propos du genre pubicitaire. In: ____. Langage et discours: elements de
sémolinguistique (théorie et pratique). Paris Hahette, p. 118-231, 1983.
_______. Para uma nova análise do discurso. In: CARNEIRO, A. D (org.). O discurso da
mídia. Rio de Janeiro: Oficina do autor, p. 5-43, 1996.
_______. Da competência social da comunicação às competências comunicativas. ALED-
Revista Latinoamericana de Estudos do Discurso. v.1, p.07-22, 2001.
_______. Uma análise semiolingüística do texo e do discurso. In: PAULIUKONIS, M. A.
L. & GAVAZZI, S.(org.). Da lingual ao discurso: relexões para o ensino. Rio de Janeiro:
Lucerna, 2005.
_______ & MAINGUENEAU, D. Dicionário de análise do discurso. Coordenação da
tradução Fabiana Komesu. São Paulo: Contexto, 2004.
_______ Análise do Discurso: controvérsias e perspectivas. In: Fundamentos e dimensões
da Análise do Discurso. FALE, UFMG, p. 27-44, 1999.
CICLO DE ESTUDOS 2004 – Formação continuada para professores de escolas na busca
195
do horário integral/ Organização: Fundação Darcy Ribeiro em convênio com a Secretaria
Estadual de Educação – Rio de Janeiro: FUNDAR – SEE – RJ, 2004.
COHEN, M. A. A. M. Syntactic Change in Portuguese: relative clauses and the position of
the adjective in the noun phrase. Tese de Doutorado. Rio de Janeiro: UFRJ, Faculdade de
Letras, 1989.
CUNHA, C. & CINTRA, L. Nova Gramática do Português Contemporáneo. 3ª ed. – Rio
de Janeiro: Nova Fronteira, 2002.
CUNHA, C. Gramática da língua portuguesa. 1
a
ed. Rio de Janeiro: MEC, 1972.
DUARTE, M. E. L. A perda da ordem V (erbo) S (ujeito) em interrogativas qu- no
português do Brasil. DELTA 8, nº especial. Rio de Janeiro: p.37-52, 1992
DUCROT, J.C. Argumentation e persuasion. In: Colloquie d’Anvers “Enunciation et Part-
Pris”, 1990.
FIORIN, L. A. Ethos discursivo. Palestra na UERJ, 2002.
GAVAZZI, S. C. Fechamentos em entrevistas. Niterói: EDUFF, 1998.
GIVÓN, T. Historical Syntax and Synchronic morphology. Proceedings of the 7th regional
meeting of Chicago Lingüistic society. Chicago/ Illinois: Chicago Linguistic Society, 1971.
GOMES, R. L. R. A ordem do adjetivo no Português e no Espanhol. Dissertação de
Mestrado em Lingüística. Rio de Janeiro: UFRJ, Faculdade de Letras, mimeo. 2001.
GOMES, M. C. A. Análise lingüístico-discursiva da representação da figura masculina em
publicidades brasileira. ALED- Revista Latinoamericana de Estudos do Discurso v.1,
p.178-182, 2001.
GOUVÊA, L. H. N. Discurso jurídico e estratégia argumentativa. In: Argumentação
Jurídica. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2004.
GREENBERG, J. Some Universals of Grammar with Particular Reference to the Order of
Meaningful Elements. In: GREENBERG, J (ed.). Univesals of Language. The Mit Press,
1961.
HEINE, Bernd. Grammaticalization. In: Joseph, Brian & Janda, Richard D. (eds.)The
Handbook of Historical Linguistics. Oxford: Blckwell. P. 575-601, 2003.
196
HOPPER, Paul. On some principles os grammaticization. In.: TRAUGOTT, Elizabeth
Closs & HEINE, Bernd. (eds.): Approaches to grammaticalization, Volume I, Amsterdan /
Philadelphia, John Benjamins Company, 1991.
_____ & TRAUGOTT, Elisabeth. Gramaticalization. Cambridge: Cambridge University
Press, 1993.
JAKOBSON, R. Lingüística e comunicação. São Paulo: Cultrix, 1963.
KOCH, I.G. Argumentação e linguagem. São Paulo: Cortez, 1997.
______. A inter-ação pela linguagem. São Paulo: Contexto, 2003.
KURY, A da G. Novas lições de análise sintática. São Paulo: Ática, 1987.
LABOV, W. Sociolinguistics patterns. Philadelphia. University of Pensilvania Press, 1972.
LAPA, M. Estilística da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Livraria Acadêmica, 1968.
LAVANDERA, B. R. Variación y Significado. [s.l]: Hachette, 1984.
LEHMANN. Grammaticalization: Synchronic variation and diacronic change. Lingua e
Stile, XX, 3, p: 303-318, 1985.
LEITE, L.P.V. Estratégias argumentativas no discurso jornalístico opinativo: séculos XIX
e XX. Dissertação de Mestrado em Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: UFRJ, Faculdade de
Letras, mimeo, 2003.
LIMA, R. Gramática Normativa da Língua Portuguesa. 38
a
ed. – Rio de Janeiro: José
Olympio, 2000.
LUCCHESI, D.Norma lingüística e realidade social. In: BAGNO, M. (org.). Lingüística da
norma. São Paulo: Edições Loyola, 63-92, 2002.
MACHADO, I. Uma teoria de análise do discurso: a semiolingüística. In: MARI, H. et alli.
Análise do discurso: fundamentos e práticas. Belo Horizonte: Núcleo de Análise do
Discurso. FALE/UFMG, 2001.
MAINGUENEAU, D. Análise dos textos de comunicação. São Paulo: Cortez, 2004
MARCUSCHI, L. A. Gêneros textuais: definição e funcionalidade. In: DIONISIO, A.P.,
MACHADO, A. R. & BEZERRA, M. A. (orgs) Gêneros textuais x Ensino. Rio de Janeiro:
Lucerna, 2002.
MESSIAS, I. T. de O. Análise Semiolingüística do discurso publicitário. ALED- Revista
197
Latinoamericana de Estudos do Discurso. v.1, p.111-114, 2001.
MEURER, J. L. Uma dimensão crítica do estudo de gêneros textuais. In: MEURER, J. L. &
MOTTA-ROTH, D. Gêneros textuais e práticas discursivas: subsídios para o ensino da
linguagem. Bauru, SP: EDUSC, p. 17-30, 2002.
MIRA MATEUS, M. H. et alii. Gramática da língua portuguesa. Lisboa, 2003.
MONNERAT, R. Processos de intensificação no discurso publicitário e a construção do
ethos. In: PAULIUKONIS,M. A. L. & GAVAZZI, S.(org.) Texto e Discurso:
mídia,literatura e ensino. Rio de Janeiro: Lucerna, 1
a
edição p.97-109, 2003.
______. O mito da publicidade. ALED- Revista Latinoamericana de Estudos do Discurso
v.1, p.183-186, 2001.
MONTEIRO, J. L. Para entender Labov. Petrópolis: Vozes, 2000.
MOURA NEVES, M. H. Gramática de usos do português. São Paulo: UNESP, 2000.
NASCIMENTO, K. C. de S. Mecanismos argumentativos no jornalismo escrito. In:
NOBRE, M. M. R. Posição do adjetivo no sintagma nominal na fala do Rio de Janeiro.
Dissertação de Mestrado. Rio de Janeiro: UFRJ, Faculdade de Letras. mimeo, 1989.
NUNES, J. Direção de cliticização, objeto nulo e pronome tônico na posição de objeto em
Português Brasileiro. In: ROBERTS, I. & KATO, M. (orgs.) Português Brasileiro: uma
viagem diacrônica. Campinas: Editora da UNICAMP. p. 207-222, 1996.
OLIVEIRA, H. F. de. Contribuição ao estudo do modo argumentativo de organização do
discurso: análise de um texto jornalístico. In: CARNEIRO, A. D (org.). O discurso da
mídia. Rio de Janeiro: Oficina do autor, p. 135-141, 1996.
PAGOTTO, E. G. Norma e condescendência; ciência e pureza. Línguas e instrumentos
lingüísticos 2: 49-68,1998.
PAULIUKONIS, M.A.L. Texto publicitário: a seleção lexical e a idealização do
Produto. CIAD-Rio. Trabalho apresentado na ANPOLL, 1998.
_______. Processos de modalização na mídia impressa: categorização e análise. Trabalho
apresentado na ABRALIN, 2003.
_______. Ensino do léxico: seleção e adequação ao contexto. In: PAULIUKONIS, M. A. L.
& GAVAZZI, S.(org.). Da lingual ao discurso: relexões para o ensino. Rio de Janeiro:
Lucerna, 2005.
198
_______, SANTOS, L. W. dos, GAVAZZI, S. Estratégias argumentativas na construção da
credibilidade. In: CARNEIRO, A. D (org.). O discurso da mídia. Rio de Janeiro: Oficina
do autor, p. 81-98, 1996.
PERES, J. A & MOIA, T. Áreas críticas da Língua Portuguesa. Editora Universitári, 1995.
PERINI. M. A. Gramática Descritiva do Português. 2
a
ed. São Paulo: Ática, 1996.
________ et alii. Sobre a classificação das palavras. Delta, 14 (no. Especial), p. 209-225,
1998.
_____ . Processos de modalização na mídia impressa: categoria e análise. Trabalho
Apresentado na ABRALIN, Rio de Janeiro, 2003.
PINHEIRO, N. F. A noção de gênero para análise de textos midiáticos. In: MEURER, J. L.
& MOTTA-ROTH, D. Gêneros textuais e práticas discursivas: subsídios para o ensino da
linguagem. Bauru, SP: EDUSC, p. 259-290, 2002.
ROSSI, A. O ETOS na encruzilhada das disciplinas: retórica, pragmática sociologia de
campo. In: ____ (org). Imagens de Si no Discurso. Lausanne/Paris. Delachaux e Niestlé S.
A., 1999.
SALES, S. A semântica dos adjetivos em textos jornalísticos. Comunicação
apresentada no XII Congresso da ASSEL.Rio de Janeiro: UERJ, Instituto de Letras 2003.
_____. A semântica dos adjetivos no discurso publicitário. Coletânea de textos Inicia. 2
a
ed. Rio de Janeiro: Faculdade de Letras, p. 130-138, 2004.
_____. Sobre a ordem dos constituintes no PB: a posição dos adjetivos e dos clíticos.
Monografia apresentada à professora Silvia Rodrigues Vieira no Curso de Mestrado -
disciplina Aspectos da Sintaxe Portuguesa . Rio de Janeiro: Pós-Graduação da Faculdade
de Letras da UFRJ, 2004.
_____. Os adjetivos como marcas da enunciação. Monografia apresentada à professora
Maria Aparecida Lino Pauliukonis no Curso de Mestrado - disciplina Introdução à
Pragmática. Rio de Janeiro: Pós-Graduação da Faculdade de Letras da UFRJ, 2004.
_____. Sobre a ordem substantivo/adjetivo no SN: a flutuação entre essas características.
Monografia apresentada à professora Célia Regina Lopes no Curso de Mestrado -
disciplina Morfologia do Português. Rio de Janeiro: Pós-Graduação da Faculdade de Letras
da UFRJ, 2004.
_____, SERRA, C. & CALLOU, D. A ordem dos adjetivos em textos
199
jornalísticos.Comunicação apresentada no III Congresso Internacional da ABRALIN,
realizado na UFRJ, 2002.
SANTANA, D. M. R. de. Substantivo e formalismo vocabular no gênero “editorial”. In:
PAULIUKONIS, M. A. L. & GAVAZZI, S.(org.) Texto e Discurso: mídia, literatura e
ensino. Rio de Janeiro: Lucerna, 1
a
edição, p. 110-119, 2003.
SANTANNA V. L. de A. & CARNEIRO, J. C. Estudos da modalização da mídia impressa:
em busca da enunciação de juízos de valor. ALED- Revista Latinoamericana de Estudos do
Discurso v.1, p.171-172, 2001.
SANTOS, J. B. C. dos. Quatro perspectivas de análise do discurso jornalístico. ALED-
Revista Latinoamericana de Estudos do Discurso v.1, p.142-146, 2001.
SERRA, C. & CALLOU, D. Sobre a ordem dos adjetivos no sintagma nominal: variação e
mudança. Comunicação apresentada no XIII Congresso Internacional da ALFAL, realizado
na Universidade de Costa Rica, 2002.
_____ & MORAES, J. A. A interface fonologia e sintaxe: prosódia e posição do adjetivo.
In: BISOL, L & TASCA, M. (org). Letras de Hoje. vol. 38. nº 4, p.373-281. Revista
trimestral do curso de Pós- graduação em Letras, PUCRJ.
SERRA, C. A ordem dos adjetivos no percurso histórico: variação e prosódia. Dissertação
de Mestrado em Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: UFRJ, Faculdade de Letras, mimeo,
2004.
SILVA, G. M. de O. Estratégias argumentativas no corpus PEUL. In: BACELAR, F. et alii
(org.). Actas do XI Encontro Nacional da Associação Portuguesa de Lingüística. Lisboa:
Colibri, p. 407-415, 1996.
SOUZA, E. S. De A. O grau como recurso argumentativo do discurso publicitário. ALED-
Revista Latinoamericana de Estudos do Discurso v.1, p.197-1999, 2001.
VAN DIJK, T. A. Cognição, discurso e interação. São Paulo: Contexto, 1992.
VIEIRA, S. R. Colocação pronominal nas variedades européia, brasileira e
moçambicana: para a definição da natureza do clítico em português. Tese de Doutorado
em Língua Portuguesa. UFRJ, Rio de Janeiro: Faculdade de Letras, UFRJ, 2002.
200
SALES, Suelen. A ordem dos adjetivos no discurso midiático: séculos XIX e XX.
Dissertação de Mestrado em Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: UFRJ, Faculdade de
Letras, 2006, 202 fls. mimeo.
RESUMO
Este trabalho estabelece uma relação entre a posição do adjetivo no sintagma nominal (SN),
a sua natureza semântica e o gênero textual em que se insere. À luz da sociolingüística
laboviana e da análise do discurso, confirma-se a hipótese de que, no discurso publicitário,
a anteposição do adjetivo se torna um mecanismo lingüístico-discursivo de intensificação,
utilizado pelo anunciante/publicitário, a fim de exaltar as qualidades do “produto”
anunciado. O corpus do trabalho, que faz parte do projeto VARPORT
(www.letras.ufrj.br/varport), corresponde a textos do discurso midiático - editoriais,
notícias e anúncios – publicados em jornais do Rio de Janeiro, nos séculos XIX e XX. Na
análise do fenômeno em questão, são utilizados pressupostos teórico-metodológicos da
sociolingüística laboviana, da teoria dos gêneros e da análise semiolingüística do discurso.
Os resultados da análise variacionista revelam a tendência de diminuição de anteposição do
adjetivo nos séculos XIX e XX e a sua conseqüente fixação em posição pós-nuclear.
Confirmam, ainda, que o fator mais importante para determinar a posição do adjetivo no
SN é a sua natureza semântica. A partir da análise quantitativa dos dados, faz-se uma
análise discursiva de textos do discurso jornalístico e publicitário, visando à observação do
comportamento dos adjetivos (a sua ordem no SN e a sua carga semântica) como marcas
lingüístico-discursivas do sujeito no enunciado. O trabalho nos mostra, ainda, a importância
da observação das intenções comunicativas de cada gênero em cada época para
compreendermos a função discursiva desses adjetivos em cada gênero do discurso
midiático.
201
SALES, Suelen. A ordem dos adjetivos no discurso midiático: séculos XIX e XX.
Dissertação de Mestrado em Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: UFRJ, Faculdade de
Letras, 2006, 201 fls. mimeo.
ABSTRACT
This dissertation sets up a relationship between the position of the adjective in the noun
phrase (NP), its semantic nature ande the type of textual genre in witch in occurs. In the
light of labovian sociolinguistics and discourse analysis, this work confirms the hypothesis
that, in propaganda discourse, the fronting position of the adjective becomes a linguistic-
discursive strategy of intensification in order to praise the qualities of the advertised
product. The corpus, which is part of the VARPORT Project (www.letras.ufrj.br/varport),
is constituted by media texts - editorials, news ans ads - published in Rio de Janeiro papers,
in the 19 and 20 centuries. In the analysis, theoretical-methodological principles derived
from labovian sociolinguistics, genre theory and semiolinguistic discourse analysis are
used. The variationist analysis results reveal that the fronting of the adjective in the 19 and
20 centuries tends to decrease and is consequently placed in the post-head position. Such
results also confim that the most important factor to determine the position of the adjective
in the NP is its semantic structure. On the basis of the quantitative analysis of the data, a
discursive analysis of journalistic and propaganda texts is undertaken, aiming at the study
of adjective positioning (its order in the NP and its semantic value) in terms of linguistic-
discursive markings of the subjects. This dissertation also shows the importance of studyng
the communicative intentions of each kind of genre in time in order to understand the
discursive function of these adjectives in each genre of media discourse.
202
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo