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se se quiser, um paratexto “fingido”, com o prólogo da 4
a
. edição, assinado pelo autor real,
um paratexto formal. São longas citações, porém nelas se encontram muitos sinais a respeito
da concepção estético-literária de Machado, que, embora assinando o prólogo com a sua
identidade real, age como personagem-autor, pertencente ao mundo ficcional por ele criado,
ao fazer suas as palavras de Brás Cubas e ao defender o direito deste à liberdade de criação,
mesmo que, com isso, pudesse não agradar a toda a gente.
Ao leitor
Que Stendhal confessasse haver escripto um de seus livros para cem
leitores, cousa é que admira e consterna. O que não admira, nem provavelmente
consternará é se este outro livro não tiver os cem leitores de Stendhal, nem
cincoenta, nem vinte, e quando muito, dez. Dez? Talvez cinco. Trata-se, na
verdade, de uma obra difusa, na qual eu, Brás Cubas, se adotei a forma livre de um
Sterne, ou de um Xavier de Maistre, não sei se lhe meti algumas rabugens de
pessimismo. Pode ser. Obra de finado. Escrevi-a com a pena da galhofa e a tinta da
melancolia, e não é difícil antever o que poderá sair deste conúbio. Acresce que a
gente grave achará no livro umas aparências de puro romance, ao passo que a gente
frívola não achará nele o seu romance usual; ei-lo aí fica privado da estima dos
graves e do amor dos frívolos, que são as duas colunas máximas da opinião.
Mas eu ainda espero angariar as simpatias da opinião, e o primeiro
remédio é fugir a um prólogo explícito e longo. O melhor prólogo é o que contém
menos cousas, ou o que as diz de um jeito obscuro e truncado. Conseguintemente,
evito contar o processo extraordinário que empreguei na composição destas
Memórias, trabalhadas cá no outro mundo. Seria curioso, mas nimiamente extenso,
e aliás desnecessário ao entendimento da obra. A obra em si mesma é tudo: se te
agradar, fino leitor, pago-me da tarefa; se te não agradar, pago-te com um piparote,
e adeus.
Brás Cubas. BC, 97-8.
Prólogo da quarta edição
A primeira edição destas Memórias póstumas de Brás Cubas foi feita aos
pedaços na Revista Brasileira, pelos anos de 1880. Postas mais tarde em livro,
corrigi o texto em vários logares. Agora que tive de o rever para a terceira edição,
emendei ainda alguma cousa e suprimi duas ou três dúzias de linhas. Assim
composta, sai novamente à luz esta obra que alguma benevolência parece ter
encontrado no público.
Capistrano de Abreu, noticiando a publicação do livro, perguntava: “As
Memórias póstumas de Brás Cubas são um romance?” Macedo Soares, em carta
que me escreveu por esse tempo, recordava amigamente as Viagens na minha
terra. Ao primeiro respondia já o defunto Brás Cubas (como o leitor viu e verá no
prólogo dele que vai adeante) que sim e que não, que era romance para uns e não o
era para outros. Quanto ao segundo, assim se explicou o finado: “Trata-se de uma
obra difusa, na qual eu, Brás Cubas, se adotei a forma livre de um Sterne ou de um
Xavier de Maistre, não sei se lhe meti algumas rabugens de pessimismo”. Toda
essa gente viajou: Xavier de Maistre à roda do quarto, Garrett na terra dele, Sterne
na terra dos outros. De Brás Cubas se pode talvez dizer que viajou à roda da vida.
O que faz do meu Brás Cubas um autor particular é o que ele chama
“rabugens de pessimismo”. Há na alma deste livro, por mais risonho que pareça,
‘