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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
FACULDADE DE CIÊNCIAS ECONÔMICAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ECONOMIA
A POLÍTICA CAMBIAL BRASILEIRA
TAXAS DE JUROS E DE CÂMBIO NA VIGÊNCIA DO PLANO REAL
Pedro Edmundo Toffoli
Porto Alegre
2006
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
FACULDADE DE CIÊNCIAS ECONÔMICAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ECONOMIA
A POLÍTICA CAMBIAL BRASILEIRA
TAXAS DE JUROS E DE CÂMBIO NA VIGÊNCIA DO PLANO REAL
Autor: Pedro Edmundo Toffoli
Orientador: Prof. Dr. Gentil Corazza
Dissertação submetida ao Programa de
Pós-Graduação em Economia da
Faculdade de Ciências Econômicas da
UFRGS, como quesito parcial para
obtenção do grau de Mestre em Economia,
modalidade profissionalizante, com ênfase
em Economia Aplicada.
Porto Alegre
2006
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A POLÍTICA CAMBIAL BRASILEIRA
TAXAS DE JUROS E DE CÂMBIO NA VIGÊNCIA DO PLANO REAL
PEDRO EDMUNDO TOFFOLI
Dissertação submetida ao Programa
de Pós-Graduação em Economia da
Faculdade de Ciências Econômicas
da UFRGS, como quesito parcial para
obtenção do grau de Mestre em
Economia, modalidade
profissionalizante, com ênfase em
Economia Aplicada.
Aprovada em: Porto Alegre, 20 de julho de 2006.
Prof. Dr. Gentil Corazza
UFRGS
Profa. Dra. Rita de Cássia A. Pacheco Limberti
Universidade Federal da Grande Dourados/UFGD
Prof. Dr. Stefano Florissi
UFRGS
Prof. Dr. Eugenio Lagemann
UFRGS
DEDICATÓRIA
Dedico este trabalho, primeiramente, a Deus,
que tem estado ao meu lado.
Dedico, também, aos meus pais, em outro plano,
sempre presentes.
Dedico, ainda, à minha querida família.
AGRADECIMENTOS
Agradeço ao meu orientador, Prof. Gentil
Corazza, pela solicitude, disponibilidade,
competência e incentivo.
Aos Professores Stefano Florissi, Eugenio
Lagemann e Fernando Ferrari Filho, todos
notáveis.
Aos demais Professores do curso de Mestrado,
com os quais muito aprendi.
A todos os colegas, hoje grandes amigos.
Às minhas filhas, Jennifer, Joanne e Luíza, pelo
respeito e pela expectativa.
À minha esposa, Vera, símbolo de perseverança
e entusiasmo que, sempre ao meu lado, tornou-
se “a voz da minha consciência.”
RESUMO
Até o ano de 1964, o Brasil enfrentou sérias adversidades no campo econômico, não
só pela ausência de tradição exportadora e cultural mas, também, pelas limitações
da estrutura operacional do mercado de câmbio. Com o advento da Lei 4595, de
31.12.64, extingue-se a Sumoc, cria-se o Banco Central, estabelecem-se condições
para o Banco do Brasil impulsionar as suas atividades comerciais e normatiza-se o
funcionamento do mercado de capitais, circunstância que acenava como sinal dos
novos tempos.De lá para cá, o país, a acompanhar a torrente dos tempos modernos,
organizou o sistema financeiro nacional e empreendeu forte escalada na área
internacional. A criação de agências bancárias no exterior estimulou o aprendizado
de novos conhecimentos e a aquisição de técnicas operacionais sofisticadas,
igualando-nos, no particular, às nações mais desenvolvidas do mundo. Tais
aspectos são destacados no presente trabalho, inicialmente, por meio de uma
abordagem do mercado de câmbio brasileiro, sua estrutura em termos
organizacionais e o seu funcionamento em termos operacionais. De outra parte, ao
relatarmos, de forma retrospectiva, a política cambial brasileira, desde a Segunda
Guerra Mundial aos dias de hoje, enfatizamos as inúmeras tentativas de acerto na
condução das políticas monetária e cambial, as quais sempre tiveram o propósito de
debelar o processo inflacionário e o atingimento de superávits comerciais para aliviar
o BP do país.Um assunto, no entanto, percorre toda a nossa análise e se constitui
no tema central desta Dissertação: as taxas cambiais como produto de políticas
cambiais equivocadas, a sua relação direta com as taxas de juros e os seus efeitos
deletérios nas contas públicas. Neste ponto, procedemos a um estudo dos diversos
planos econômicos implantados na economia, com destaque para o único que
efetivamente teve sucesso na finalidade a que inicialmente se destinou: o Plano
Real. A prática demonstrou, todavia, que há hoje um indisfarçável consenso sobre
as inconsistências da atual política cambial, nossa dependência dos capitais
externos e as dificuldades para desmontar a armadilha da sobrevalorização cambial
e dos juros elevados. O atual arcabouço macroeconômico, a despeito da
estabilidade monetária, não pode mais voltar-se apenas para o controle de metas de
inflação.
Palavras Chaves: Regime Cambial, Taxas de Juros, Taxas de Câmbio.
ABSTRACT
Up until 1964, Brazil faced severe difficulties in the economic sphere, due not only to
the absence of an exporting and cultural tradition but also to the limitations in the
operational structure of its currency exchange market. When Law 4595 of 12.31.64
comes into force, Sumoc ceases to exist, Banco Central (Brazilian Central Bank) is
created, the conditions necessary for Banco do Brasil to boost its activities are
established and the operation of the stock becomes regulated, an event hailed as a
sign of the new times. From then on, the country, in keeping with modern times, has
organized the domestic financial system and inserted itself heavily in the international
arena. The establishment of bank branches abroad has fostered the development of
fresh knowledge and the acquisition of sophisticated operational techniques, bringing
us to par, in this particular, with the most developed nations in the world. Such
aspects are highlighted in this paper, initially, through an overview of the Brazilian
exchange market, its organizational structure and operation. Then, as we
retrospectively describe the Brazilian exchange policy from World War II up to the
present, we emphasize the countless attempts at correctly adjusting the
administration of monetary and exchange policies, which have always been aimed at
subduing the inflationary process and reaching commercial surplus in order to
alleviate the country's Balance of Payments. One subject, however, is present
throughout our analysis and constitutes the central theme to this Dissertation:
exchange rates as a product of misguided exchange policies, their direct correlation
to interest rates and their adverse effects on public accounts. On that point, we carry
out a study of the several economic plans implemented in the country, highlighting
the only one to actually reach success regarding its initial goal: Plano Real (Real
Plan). Nonetheless, experience has shown that there is currently a hardly
concealable consensus on the inconsistencies in the present exchange policy, our
dependence on foreign capital and the difficulties to free the country from the trap of
currency exchange over appreciation and high interest rates. The current
macroeconomic frame, despite the monetary stability, can no longer be dedicated
solely to the control of inflation targets.
Key-Words: Exchange Rates Arrangement, Interest Rates, Exchange Rates.
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 1 - Comportamento da Inflação Mensal - IGP-DI - 1985-1996 (%) .........72
Gráfico 2 - Taxa de Juros (ago/1994 - ago/1999) .................................................85
Gráfico 3 – Inflação Mensal (ano 1994) ................................................................87
Gráfico 4 - Brasil: Evolução das taxas de Câmbio Nominal e Real jan/1994 -
jul/1999 (1994 = 100)...............................................................................................90
Gráfico 5 – Taxa de Juros (Over/Selic)...............................................................104
Gráfico 6 - Taxas de Juros - jan/1999 a jan/2006...............................................108
Gráfico 7 – Evolução do Saldo Comercial 1996 /2005 .....................................112
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 - Balanço de pagamento Brasil Itens selecionados: 1990 – 2000.......92
Tabela 2 - Datas dos realinhamentos, paridade central e limites inferior e
superior da política de bandas de câmbio do Plano Real. .................................96
Tabela 3 - Saldos de conta do setor público .....................................................100
Tabela 4 - Dívida Líquida do Setor Público em R$ bilhões (1994-2000) ..........102
Tabela 5 - Dívida Mobiliária Interna e Dívida Líquida do Setor Público...........110
LISTA DE SIGLAS
ALADI Associação Latino-Americana de Desenvolvimento e Integração
ALALC Associação Latino-Americana de Livre Comércio
ACC Adiantamento Sobre Contrato de Câmbio
ACE Adiantamento Sobre Cambiais Entregues
BP Balanço de Pagamentos
BACEN Banco Central do Brasil
CC5 Carta Circular n
o
5
CCR Convênio de Créditos Recíprocos
CMN Conselho Monetário Nacional
COPOM Comitê de Política Monetária
FMI Fundo Monetário Internacional
FUNCEX Fundação Centro de Estudos do Comércio Exterior
MCTF Mercado de Câmbio de Taxas Flutuantes
MCTL Mercado de Câmbio de Taxas Livres
MDICE Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior
SRF Secretaria da Receita Federal
SELIC Serviço Especial de Liquidação e Custódia
SISBACEN Sistema de Informações do Banco Central
SISCOMEX Sistema Integrado de Comércio Exterior
SUMOC Superintendência da Moeda e do Crédito
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO......................................................................................................12
2 UM PERFIL DO MERCADO CAMBIAL BRASILEIRO.........................................17
2.1 O CONCEITO DE CONVERSIBILIDADE DA MOEDA.......................................17
2.2 REGIMES DE CÂMBIO, TAXA DE CÂMBIO E PARIDADE CAMBIAL..............20
2.3 ESTRUTURA DO MERCADO CAMBIAL BRASILEIRO.....................................23
2.4 MERCADOS DE CÂMBIO .................................................................................27
2.5 MONOPÓLIO CAMBIAL E INTERVENÇÕES DO BACEN NO MERCADO.......28
2.6 A POLÍTICA CAMBIAL E O BACEN ..................................................................30
2.7 OS PARTICIPANTES DO MERCADO - ASPECTOS OPERACIONAIS ............32
2.8 OUTROS AGENTES DO MERCADO E OS “DEALERS”...................................36
2.9 BANCOS CORRESPONDENTES NO EXTERIOR............................................38
2.10 FORMAS DE FINANCIAMENTO DAS OPERAÇÕES......................................40
2.11 TIPOS DE CONTROLE CAMBIAL...................................................................43
2.12 CONCLUSÃO...................................................................................................47
3 UMA ANÁLISE RETROSPECTIVA DAS POLÍTICAS CAMBIAIS ADOTADAS NO
BRASIL A PARTIR DA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL.......................................49
3.1 O PERÍODO PÓS - SEGUNDA GUERRA MUNDIAL (1945 A 1955).................50
3.2 O PERÍODO DE 1950 A 1968............................................................................53
3.3 O PERÍODO DAS MINIDESVALORIZAÇÕES, DE 1968 A 1986.......................61
3.4 O PERÍODO DOS PLANOS DE ESTABILIZAÇÃO ECONÔMICA.....................65
3.5 CONCLUSÃO.....................................................................................................75
4 A POLÍTICA DE CÂMBIO E JUROS NO PLANO REAL .....................................78
4.1 A CONCEPÇÃO DO PLANO REAL...................................................................80
4.1.1 As Três Fases do Plano................................................................................82
4.1.2 As Âncoras: Monetária e Cambial ...............................................................84
4.2 A POLÍTICA CAMBIAL ADOTADA A PARTIR DE JULHO/94............................88
4.2.1 Os Reflexos na Economia ............................................................................90
4.2.2 Mudanças na Política Cambial.....................................................................95
4.3 AS CRISES INTERNACIONAIS E SEUS REFLEXOS NA ECONOMIA
BRASILEIRA............................................................................................................97
4.3.1 A Nova Política Cambial e as Mudanças na Economia............................106
4.3.2 Os Efeitos da Taxa de Juros na Taxa de Câmbio.....................................112
4.4 CONCLUSÃO...................................................................................................118
5 CONCLUSÃO.....................................................................................................121
REFERÊNCIAS......................................................................................................128
12
1 INTRODUÇÃO
A política cambial tem desempenhado, ao longo dos anos, papel de
importância fundamental no comportamento da economia brasileira, exercendo,
como se sabe, influência direta nos mercados financeiros, acima de tudo na área de
comércio exterior, num envolvimento direto com as exportações e importações,
impactando, para mais ou para menos, a balança comercial brasileira, com
importantes reflexos no balanço de pagamentos.
Em razão do seu comportamento e por ser uma das mais importantes
variáveis da economia, a taxa de câmbio, no presente trabalho, será objeto de uma
análise especial, através da qual se procurará estabelecer as principais causas da
sua variação, particularmente as relacionadas com as taxas de juros, tema
fortemente relacionado com o objetivo da Dissertação que se pretende desenvolver.
Devido à sua própria natureza e pelo fato de apresentar relação direta com
a política cambial praticada na economia, procedeu-se a um estudo retrospectivo
dos regimes cambiais no Brasil, oportunidade em que observamos os seus inúmeros
perfis, ao longo de praticamente todos os governos.
Nossas análises nos levaram, ainda, à conclusão de que o regime cambial
adotado, no Brasil, em diferentes momentos, tem maiores chances de êxito quando
a economia brasileira estiver apoiada em bons fundamentos macroeconômicos;
apesar disso, consideramos que a escolha do regime cambial, por si só, pode afetar
a vulnerabilidade da economia frente a eventuais crises externas.
Dentro dessa ótica, e na seqüência dos fatos, voltamos à nossa linha de
trabalho para uma discussão conjunta da taxa de câmbio e dos mercados cambiais,
além da inserção da taxa de juros no contexto, à luz da experiência brasileira,
avaliando as práticas usuais adotadas no mercado, nos mais diversos momentos,
enfatizando, de forma toda particular, um dos períodos mais importantes da nossa
história econômica recente, que se inicia em 1994, com o advento do Plano Real, e
se estende até os dias de hoje.
13
Pudemos notar que, dentro da nossa realidade econômica, o regime cambial
brasileiro apresenta algumas características que lhe são próprias, na verdade,
definidas através dos seguintes aspectos: a forma de determinação da taxa de
câmbio e a sua importância no contexto econômico do país, e o grau de
conversibilidade da moeda doméstica, pontos exaustivamente discutidos, ao longo
do tempo, e sempre motivos de controvérsia.
Em conseqüência, temas relacionados com os diversos regimes cambiais
historicamente adotados, a forma recorrente de administrar os erros e acertos de tais
medidas, questões relacionadas com a reforma monetária e cambial, a partir de julho
de 1994, a sempre problemática administração da taxa de juros e seus efeitos na
sobrevalorização do real e, conseqüentemente, nas operações com o exterior, enfim,
são aqui discutidos de uma forma dinâmica, por meio da investigação e destaque
dos elementos, que entendemos como fatores inibidores do desenvolvimento
econômico.
Analisa-se, com isso, o que se convencionou chamar de “ponto fora da
curva” ou, em outras palavras, a razão por que a economia global tem crescido, o
proveito que os demais emergentes tiram dessa realidade, e o fato de o Brasil ficar
para trás, com fraco desempenho num contexto econômico de maior dinamismo.
Nessa perspectiva, foi ficando cada vez mais claro, apesar da complexidade
da questão, que havia outros elementos, algumas leis e relações que
fundamentavam os altos e baixos da nossa economia que, com juros e taxas de
câmbio tão destoantes, não poderia apresentar ritmo diferente, distanciando-se
sensivelmente do crescimento global. Tais indagações reforçaram a idéia de que a
taxa de juros estabelece uma relação inversa com a taxa de câmbio, circunstância
que fez com que centrássemos grande parte de nosso trabalho nessa problemática,
como se verá.
De forma geral, diríamos que foram esses os motivos – a taxa de câmbio e a
sua complexidade, o seu comportamento nos mais diversos regimes cambiais e a
sua relação de causa e efeito com as taxas de juros – que estimularam a nossa
curiosidade no sentido de procurarmos entender um pouco mais sobre matéria tão
relevante.
Um outro aspecto de fundamental importância diz respeito ao fato de que,
em razão de sermos detentores de moeda inconversível, tivemos que criar
mecanismos de captação de recursos, em moeda estrangeira, a fim de que
14
pudéssemos fazer frente aos inúmeros compromissos assumidos junto à
comunidade financeira internacional, somente liquidáveis em moeda forte, ou seja,
conversível.
A partir daí, estrutura-se o mercado de câmbio brasileiro cujo funcionamento,
à luz das normas e regras criadas pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) e
executadas pelo Banco Central e seus agentes financeiros, situa-se, em termos de
desempenho, organização e segurança, no mesmo nível dos países mais
adiantados do mundo. Aspectos operacionais e as políticas cambiais praticadas
pelos agentes financeiros autorizados pelo Banco Central a operarem no mercado
de divisas, serão, em razão de sua própria importância e significado, passíveis de
análise; na mesma abordagem, procuraremos evidenciar o grande avanço imprimido
pelo país na área internacional, com a política de multiplicação de agências
bancárias brasileiras no exterior, advindo, com isso, a aquisição de técnicas
operacionais sofisticadas, por meio de uma política de pessoal, que incluía
treinamento específico aos funcionários atuantes na área de comércio exterior.
No particular, devemos destacar o grande esforço despendido pelo Banco
do Brasil que, a partir dos anos 70, empreendeu uma agressiva política de abertura
de agências externas, circunstância que fez com que, a par de uma inédita
experiência internacional, fossem criadas novas oportunidades de negócios, além de
agilidade e barateamento de custos operacionais. Matérias como “Para o Banco o
sol não se põe”
1
significavam uma nova realidade negocial, numa alusão direta ao
fuso horário dos países, nossos parceiros comerciais, nos quais, além das nossas
embaixadas e consulados já existentes, se incluiria a representatividade de um
banco brasileiro a assessorá-los.
Não há dúvida de que se tratou de um grande passo dado pelo país em
termos de estratégia operacional, numa clara demonstração, não só de adaptação
indispensável à nova realidade, como inusitado interesse no acompanhamento do
avanço dos tempos modernos
Em suma, a partir da combinação de todos os fatores antes alinhados,
procurar-se-á abordar, de forma sucinta e estilizada, os principais tipos de regimes
cambiais adotados no Brasil antes de 1994, com o objetivo fundamental de apontar
1
Slogan utilizado pelo Banco do Brasil como analogia ao fuso horário.
15
algumas implicações macroeconômicas dos diferentes perfis institucionais e os
resultados havidos se os compararmos com a política cambial do Plano Real.
À vista do exposto, procuramos organizar o trabalho através de uma
seqüência lógica de fatos e situações, circunstância que, para um melhor
entendimento da matéria, além desta Introdução, dispusemos da seguinte forma:
No Capítulo 2 estaremos traçando “Um perfil do Mercado Cambial
Brasileiro“, em que analisaremos o funcionamento do sistema cambial, a
participação das instituições financeiras autorizadas a operar em câmbio, as
sociedades corretoras de câmbio, o problema da conversibilidade da nossa moeda
doméstica, as taxas de câmbio e sua formação teórica, as técnicas cambiais e o
modelo de regime cambial instituído no país, bem como a atuação do BACEN no
mercado cambial;
O Capítulo 3 tratará de “Uma análise retrospectiva das políticas cambiais
adotadas no Brasil, a partir do final da Segunda Guerra Mundial “ em que
destacamos, sob a forma de um breve histórico, os diversos mecanismos postos em
prática e suas repercussões na economia como um todo, a visão dos nossos
governantes, desde Dutra até os dias de hoje, as correções de rumo de nossa
política externa, a eterna dependência de capitais estrangeiros, além de
considerações sobre as políticas operacionais voltadas para o atingimento de
superávits comerciais e sobre o comportamento da economia nos mercados de
câmbio de taxas fixa e flutuante;
O Capítulo 4 tem como tema “A política de câmbio e juros no Plano Real”,
cujo objetivo maior é destacar a importância do Plano Real e as mudanças havidas
na economia desde a sua implantação; além disso, será abordada a visão dos
estudiosos sobre a estratégia adotada pela autoridade monetária, com base na
avaliação das decisões no comportamento das taxas, tanto de câmbio como de
juros;
Trata-se, no caso deste último capítulo, de uma análise que, a par de
sintetizar a idéia central do presente trabalho, estabelece uma linha divisória em dois
grandes momentos do cenário econômico brasileiro, ou seja, o período que se
estende de 1994 até 1999 e daí até os dias de hoje, com perfis claramente definidos,
dadas as circunstâncias da época e as diferenças de políticas cambiais então
adotadas.
16
Por último, quando da Conclusão, estaremos pondo em destaque a
oportunidade única que, finalmente, teve o Brasil de atacar de vez o eterno fantasma
da inflação. Da mesma forma, independentemente dos resultados macroeconômicos
que têm sido apresentados, põem-se em questão algumas distorções de certos
indicadores (taxas de juros e sobrevalorização cambial, dívida pública, etc.) que
estão a comprometer o crescimento econômico, o que torna indispensável que se
façam correções de rumo.
17
2 UM PERFIL DO MERCADO CAMBIAL BRASILEIRO
No presente capítulo, serão abordados aspectos conceituais e teóricos
relevantes sobre o mercado cambial brasileiro, sua estrutura e funcionamento. Por
meio de uma visão geral do mercado, serão examinados os conceitos de
conversibilidade e a adoção de mecanismos de captação de recursos em moeda
estrangeira, a política cambial em curso e seus efeitos, a participação dos agentes
nos negócios, os mecanismos de controle, além das formas de acompanhamento
das operações pelo Banco Central. Serão destacados, ainda, aspectos operacionais
e legais relevantes e os pontos mais importantes da política operacional dos bancos
na área de câmbio, a par dos reflexos dos negócios de câmbio nas reservas
cambiais do país. O perfil do mercado cambial brasileiro, que emerge das análises e
informações aqui registradas, diz respeito a uma estrutura organizacional das mais
conceituadas, se comparado com trabalho da mesma natureza relativo a outros
países emergentes.
Antes de iniciarmos, porém, a exposição deste capítulo, lembramos que a
matéria em questão, mais especificamente a descrição operacional do mercado
cambial brasileiro, apresenta uma carência muito grande de bibliografia
especializada. Há, na verdade, poucos trabalhos que abordam o tema e, mesmo
assim, destinados a outros níveis, insuficientes, portanto, em termos de dados
aplicáveis ao presente trabalho. Por essa razão, os aspectos operacionais, aqui
destacados, foram baseados na experiência profissional do autor, que exerceu,
durante algum tempo, em um banco estatal, funções ligadas à área em questão.
2.1 O CONCEITO DE CONVERSIBILIDADE DA MOEDA
O sistema cambial brasileiro apresenta algumas peculiaridades que lhe são
próprias, que se identificam com o perfil de um país em desenvolvimento e muito se
assemelham a uma nação carente de tradição cultural e ávida de crescimento,
18
ansiosa por libertar-se das amarras que lhe impõe a comunidade financeira
internacional.
Uma análise simplista e nada sofisticada da questão poderá elucidar as
causas de tais limitações e mostrar-nos os caminhos para a erradicação desse
problema: o crescimento.
Para que cresçamos, no entanto, é importante que tenhamos não somente
educação, saúde, infra-estrutura, recursos, produção, tecnologia, conceito
internacional, etc., mas, acima de tudo, moeda forte (conversível), circunstância que,
ao credenciar o país de forma positiva no campo dos negócios, poderá diferenciá-lo
de outros – atributo imprescindível para o seu desenvolvimento.
Sob a ótica de Franco (1999, p.263):
[...] a moeda é uma das mais importantes instituições de uma nação.Aqui,
como em qualquer parte, deve trazer estampada a efígie de nossos heróis,
os símbolos mais perenes de nossa cultura e um pedaço de cada um de
nós. A moeda é parte fundamental da identidade nacional, um símbolo de
massa, na terminologia do escritor italiano Elias Canetti, algo que nos
desvaloriza quando perde valor da forma alucinante, como observamos no
Brasil de 1993, e enfraquece os nossos valores de forma mais geral.
Nesse sentido, ao nos referirmos à moeda
2
, registramos que, além das suas
funções básicas, definidas como, intermediária de trocas, unidade de valor e reserva
de valor, uma das características mais importantes diz respeito ao conceito de
aceitabilidade, que, coincidentemente com a presente linha de pensamento, pode
ser definida como a capacidade que tem a moeda de ser aceita por todos os que
têm valores a receber.
Ora, como tal fato decorre da certeza do recebedor de que a moeda será
aceita por terceiros quando a utilizar para efetuar pagamento, estando incluídas, no
caso, todas as operações de comércio exterior, temos que, como natural decorrência
no âmbito internacional, uma de suas mais importantes características, ou seja, a
conversibilidade, não se aplica ao caso brasileiro.
Tal circunstância faz com que a nossa moeda seja chamada de
inconversível.
As moedas inconversíveis, via de regra, não têm aceitação internacional e,
por esse motivo, são chamadas de moedas fracas e são comumente próprias de
2
Maiores detalhes sobre a origem da moeda consultar o site www.bcb.gov.br.
19
países em desenvolvimento, com raríssimas exceções. É o caso, por exemplo, do
rublo, moeda da ex-União Soviética, uma das grandes potências mundiais e que, por
motivos outros, não é aceita internacionalmente.
É importante lembrar que o conceito de conversibilidade, ou ainda, a moeda
conversível, também chamada de moeda forte, diz respeito à sua aceitação irrestrita
por outros países, em qualquer mercado, o que equivale a dizer que esta
característica está ligada ao grau de confiança que os demais países têm na saúde
econômica de determinada nação.
Dentro dessa linha de raciocínio, temos que a moeda é considerada
conversível se o seu portador puder trocá-la nos diferentes mercados de câmbio,
independentemente de ser de taxa fixa ou flutuante, sem restrições de qualquer
ordem o que implica dizer que o conceito de conversibilidade está diretamente ligado
ao livre acesso ao mercado de câmbio.
Garófalo Filho (2005, p.62) assim se manifesta em relação ao assunto:
A explicação mais razoável é a de que, no Brasil, pelos usos e costumes,
pela prática habitual de nosso mercado financeiro, a conversibilidade
possível do real a outra moeda restringe-se ao dólar. Não é comum no
mercado a conversão direta de real a iene, de real a euro, e assim por
diante. Se alguém, residente ou não, quer tirar dinheiro do Brasil para
aplicar em outra moeda que não o dólar, precisa inicialmente converter seu
ativo no Brasil em reais, depois converter os reais em dólares, e só a partir
daí buscar outra moeda.
Podemos dizer, portanto, que há, na verdade, muitas formas e definições de
conversibilidade, sendo que a mais prática de todas é aquela que diz respeito à
aceitabilidade internacional da moeda. A moeda conversível, nesse sentido, existe
em depósitos no exterior, é aceita por não residentes e é livremente negociada nas
casas de câmbio das principais capitais do mundo. Embora já nos tenhamos referido
linhas atrás, o real, pelo fato de ser considerado moeda inconversível, não se
enquadra na presente regra e dependeria de uma série de outras circunstâncias
para tornar-se moeda forte (conversível) independentemente, como é de se supor,
dos bons fundamentos da economia.
Conforme afirma Souza (1993, p.10), o conceito de conversibilidade sofreu,
ao longo do tempo, algumas mudanças:
20
Até os anos 30, a conversibilidade de uma moeda era identificada com a
garantia, por parte das autoridades monetárias, de sua troca por ouro a uma
taxa de câmbio fixa. Este conceito tradicional de conversibilidade foi
substituído, na atualidade, pela noção de um acesso livre de residentes e
não residentes ao mercado de câmbio para troca da moeda doméstica por
divisas.
Nesse sentido, portanto, poder-se-ia dizer que, dentre as principais
características de um regime cambial, duas se destacam em particular, quais sejam:
o método de determinação da taxa de câmbio - o que implica cotação, isto é, a sua
relação de valor com outras moedas - e o grau de conversibilidade da moeda
doméstica; sabe-se, assim, que diferentes escolhas em relação a tais premissas
promovem o surgimento de regimes cambiais com propriedades que lhes são
próprias e, como tal, com implicações as mais diversas para a política econômica.
2.2 REGIMES DE CÂMBIO, TAXA DE CÂMBIO E PARIDADE CAMBIAL
Conforme definição do próprio Banco Central (BRASIL. Banco Central,
2005):
No Brasil, o mercado de câmbio é o ambiente abstrato onde se realizam as
operações de câmbio entre os agentes autorizados pelo Banco Central
(bancos, corretoras, distribuidoras, agências de turismo e meios de
hospedagem) e entre seus clientes.
O mercado de câmbio, regido pelo “Regulamento do Mercado de Câmbio e
Capitais Internacionais (RMCCI)”, instituído pela Circular número 3280, de 09 de
março de 2005, abrange as compras e vendas de moedas estrangeiras, as
transferências internacionais em reais, a compra e venda de ouro, os capitais
brasileiros no exterior e os capitais estrangeiros no Brasil. Por essa razão, e partindo
do fato de que os negócios internacionais são, na sua totalidade, conduzidos em
moedas conversíveis, além do Brasil, outros países tiveram que criar mecanismos
de captação e controle de moedas estrangeiras fortes, por meio dos quais possam
fazer frente aos seus compromissos no mercado externo.
Um dos aspectos, que fazem parte da sistemática operacional desse
mecanismo, diz respeito ao próprio regime cambial adotado no país, que estabelece
regras de compra e venda de moedas estrangeiras, nas suas mais diversas formas,
por meio da relação real/Us$, que define as cotações da taxa cambial.
21
Sobre o assunto, Zini Júnior (1993, p.17) afirma que:
[...] a taxa de câmbio é um dos preços relativos básicos das economias de
mercado, e a sua importância advém do fato de intermediar todas as
transações entre a economia doméstica e o resto do mundo. Os modelos
analíticos de equilíbrio geral permitem definir que a taxa de câmbio é
adequada quando reflete a competitividade externa do país, bem como a
confiança sobre alguns fatores macroeconômicos fundamentais.
Em outras palavras, taxa de câmbio é o valor de cotação ou de
“precificação” de uma moeda em relação a outra, podendo-se, ainda, dizer que
representa o preço de uma moeda medido em outra moeda. É oportuno lembrar que
houve época em que os países tiveram suas respectivas moedas lastreadas em
ouro e que, portanto, cada moeda trazia implícita uma determinada quantidade de
ouro; por essa razão, dizia-se que uma moeda estava na paridade ou “ao par”
quando era negociada pela quantidade exata do ouro que continha. Acima do par ou
abaixo do par representavam, no caso, circunstâncias de uma maior ou menor
cotação da moeda, entendendo-se uma maior ou menor quantidade de ouro na sua
cunhagem.
Em suma, pode-se resumir tais colocações de acordo com a conceituação
do Banco Central que sobre o assunto assim se refere: i) Taxa de Câmbio – a
relação entre qualquer moeda e o real; ii) Paridade – a relação entre qualquer
moeda e o dólar dos Estados Unidos (ou a relação entre quaisquer outras moedas
que não o real). Desta forma, qualquer moeda contra o real tem uma taxa de
câmbio, enquanto que uma moeda estrangeira contra outra moeda estrangeira tem a
relação expressa em paridade.
Sob a ótica operacional, a taxa de câmbio pode ser considerada como uma
das variáveis mais importantes na condução da política econômica e, em razão
disso, é fundamental que esteja em equilíbrio pois, a par de estabelecer uma certa
eqüidade na relação de preços de produtos com outros países, intermediando todas
as transações entre a economia doméstica e o resto do mundo, tal circunstância
implica confiança, tanto interna como externa, nos fundamentos econômicos antes
referidos.
Assim, a necessidade de exercer maior ou menor controle sobre as taxas de
câmbio e operações cambiais vai determinar o tipo de regime de câmbio a ser
22
adotado pelo governo, podendo, no caso, ser livre (isento de controle) ou restrito
(controle em determinados níveis).
Nesse sentido, o conceito de regime de câmbio está mais vinculado à
regulamentação do mercado cambial. Na verdade, é o regime de câmbio escolhido
por um determinado país, que irá determinar qual o regime de taxas de câmbio a ser
adotado, o que, de modo geral, é definido por dois grandes tipos de sistemas de
taxa cambial, quais sejam: o de taxas fixas e o de taxas flutuantes.
No primeiro caso, isto é, no sistema de taxas fixas, como o próprio nome diz,
a taxa cambial é invariável, ajustando-se no mercado unicamente a quantidade de
moeda estrangeira. Nestas circunstâncias, o governo, através do Banco Central,
intervém de modo a equilibrar a oferta e a demanda de divisas, garantindo a
manutenção da taxa de câmbio estabelecida, política que, como se sabe, repercute
diretamente no volume de reservas cambiais do país.
Por outro lado, no sistema de taxas flutuantes, o preço da moeda estrangeira
oscila livremente para garantir o equilíbrio entre a oferta e a demanda de divisas,
técnica que serve para provocar maior volatilidade sobre o nível de preços, influindo,
conseqüentemente, nas expectativas dos agentes econômicos.
A respeito da determinação da taxa de câmbio Souza (1993, p.9)
objetivamente assim se manifesta:
Nas duas extremidades do leque de opções quanto à regra de
determinação da taxa de câmbio, encontramos soluções que descartam, por
definição, o exercício da política cambial. São elas: a fixação de um valor
permanente para a taxa de câmbio e a flutuação pura. Ao longo do século
XX, contudo, predominaram no mundo regimes intermediários entre esses
dois extremos, exigindo, pois, algum nível de administração da taxa de
câmbio.
Este autor lembra, também, que as alternativas experimentadas foram muito
diversificadas, compreendendo desde o sistema de taxas fixas ajustáveis que, como
se sabe, exige um alto grau de intervenção das autoridades no mercado e apresenta
características muito próximas às do sistema de paridades imutáveis, até o que se
convencionou chamar de flutuação suja. Lembramos que, no caso do Brasil, logo
após a II Guerra Mundial, tivemos um regime de taxa administrada que se estendeu
por um longo período, exceto nos primeiros meses da administração Collor, quando
se esteve próximo da flutuação pura.
23
É importante notar que, no início dos anos 90, operou-se no Brasil uma
flexibilização paulatina do regime cambial no que diz respeito a uma maior
participação dos agentes econômicos nas operações, da mesma forma que o Banco
Central passou a ter um maior grau de liberdade na administração da política de
comércio exterior.
Dentro dessa ótica, Zini Júnior (1993) registra que, tradicionalmente, as
instituições econômicas sempre primaram pela instabilidade e que, do fim da II
Guerra Mundial ao final dos anos 80, inúmeras mudanças ocorreram nas regras
cambiais. Apesar disso, algumas características que, ao longo do tempo, se
mantiveram imutáveis – taxas de câmbio fixadas pelo governo e um elevado grau de
restrição, representado pela reduzida conversibilidade da moeda doméstica – deram
lugar a um novo processo de formação teórica da taxa cambial, com o advento do
mercado de taxas flutuantes, a partir de 1999, em substituição ao sistema de bandas
cambiais, em razão da crise cambial que enfrentávamos na oportunidade.
A tal fato, pela sua própria abrangência, atribui-se a responsabilidade de
mudança da política cambial então vigente, além de, praticamente, pôr fim a um dos
pilares em que se apoiavam, de início, os fundamentos do Plano Real, o qual, em
conseqüência, passou a assumir uma nova feição.
A propósito, lembramos que, de julho de 1994 até março de 1995, período
que coincide com os primeiros passos do Plano Real, o governo, também, adotou na
área cambial o regime de taxas flutuantes, política, aliás, atualmente em vigor.
2.3 ESTRUTURA DO MERCADO CAMBIAL BRASILEIRO
O mercado de câmbio no Brasil passou por diversas alterações nos últimos
anos, sendo que, até dezembro de 1988, era constituído por um mercado oficial e
um mercado paralelo de divisas. O mercado oficial, chamado de Mercado de Câmbio
de Taxas Administradas (MCTA), era inteiramente regulado pelo Banco Central, que
fixava diariamente as taxas máximas e mínimas admitidas para as operações com
moedas estrangeiras, e estabelecia limites quantitativos para os vários tipos de
negócios.
Outra característica desse mercado era o fato de o BACEN ser obrigado a
realizar operações de repasse e cobertura com os bancos autorizados a operar em
câmbio. Neste caso, ao final de cada expediente diário, era apurado o saldo entre as
compras e vendas de moeda estrangeira e, com isso, o excesso das compras sobre
24
as vendas era repassado àquele Banco (repasse), enquanto que o excesso das
vendas sobre as compras era coberto pelo BACEN (cobertura).
O Mercado Paralelo abrigava não só as operações ilegais, de origem escusa
e ilícita, como, também, as decorrentes do subfaturamento das exportações e do
superfaturamento das importações, além de outras oriundas de restrições
regulamentares motivadas pela escassez de divisas que, circunstancialmente,
acabava por canalizar para este segmento negócios legítimos porém não
regulamentados.
Desta forma, tinha-se um mercado paralelo constituído de transações
legítimas em meio a outras típicas de um segmento genuinamente marginal,
rejeitado pela sociedade porquanto não legitimado pelas normas oficiais.
Por isso, com vistas a legalizar operações de reconhecida legitimidade,
trazer os agentes de mercado para a formalidade, com a conseqüente transparência
dos negócios realizados, permitindo o conhecimento e controle das transações por
parte do BACEN e estabelecer uma taxa cambial que flutuasse livremente, o
Conselho Monetário Nacional (CMN) criou, através da Resolução número 1552, de
22.12.88, o Mercado de Câmbio de Taxas Flutuantes (MCTF).
Assim, a venda de divisas por parte dos turistas estrangeiros em viagem ao
Brasil, que, normalmente, era feita no mercado paralelo, em razão das cotações
superiores às do mercado oficial, passaram a ser canalizadas para este novo
segmento, cujos preços de demanda tornaram-se competitivos aos do paralelo.
O mercado cambial apresentava distorções tais que, antes da Resolução
1552, as receitas advindas do turismo receptivo eram absolutamente incompatíveis
com o volume de turistas em visita ao Brasil, cujas transações eram basicamente
conduzidas via paralelo; com a inclusão, posteriormente, de viagens internacionais
no segmento do dólar turismo, o resultado passou a ser superavitário neste item,
circunstância que veio a comprovar o acerto das medidas postas em prática.
Para operar neste segmento, conforme dito anteriormente, podem ser
credenciadas as instituições financeiras, bem como as sociedades corretoras de
câmbio ou de títulos e valores mobiliários, sociedades distribuidoras de títulos e
valores mobiliários, além das agências de turismo e meios de hospedagens de
turismo.
25
Com isso, o mercado de câmbio no Brasil passou, desde então, a conviver
com dois mercados legais, ou seja, o de Taxas Administradas e o de Taxas
Flutuantes, além do Mercado Paralelo.
Na seqüência, em março de 1990, o Conselho Monetário Nacional (CMN),
através da Resolução 1690, de 18.03.90, promoveu a transformação do então
Mercado de Câmbio de Taxas Administradas (MCTA) para o atual Mercado de
Câmbio de Taxas Livres (MCTL), conferindo ao mercado de câmbio a sua atual
configuração.
A partir daí, a atual estrutura cambial passou a ter instituições autorizadas a
operar em câmbio no Mercado de Câmbio de Taxas Livres (MCTL) e instituições
credenciadas a operar no Mercado de Câmbio de Taxas Flutuantes (MCTF); é
importante registrar que, somente através dessas instituições, podem legalmente ser
realizadas as operações cambiais no país, além da fiel observância das normas
emitidas pelo BACEN.
Em resumo, no Mercado de Câmbio de Taxas Livres (MCTL), também
conhecido como mercado de câmbio comercial – daí a origem da expressão “dólar
comercial” – são conduzidas as operações comerciais, ou seja, as operações de
exportação e importação, as decorrentes dos negócios comerciais (transporte,
seguro, serviços em geral) as operações governamentais, as operações passíveis
de registro no BACEN (operações financeiras de empréstimos e investimentos
externos, bem como o retorno ao exterior da remuneração destas) e demais
operações não previstas expressamente no Mercado de Taxas Flutuantes (MCTF).
Neste último, também conhecido como mercado de câmbio turismo – o que explica a
expressão “dólar flutuante/turismo” – enquadram-se as operações de compra e
venda de câmbio relativas às viagens internacionais, serviços diversos (aluguel de
imóveis, aquisição de medicamentos, aquisição de software, cursos, congressos,
serviços turísticos, transmissão de eventos, participação em feiras e exposições),
gastos com cartão de crédito no exterior, transferências unilaterais (doações,
contribuições a entidades de classe, indenizações não amparadas por seguro,
aposentadorias, vales postais, etc.) e movimentação na conta CC5, além de outras
operações entre instituições definidas pelo BACEN.
Estes são, portanto, os dois segmentos de mercado oficializados pelo
BACEN no sentido de conduzir as operações legítimas, chamadas, portanto, de
operações legais.
26
A propósito a conta CC5
3
, antes citada, editada pelo Banco Central em
1969, regulamentou a abertura e a movimentação de contas em moeda nacional,
tituladas por domiciliados no exterior e mantidas em bancos no Brasil. Até março de
2005: i) os recursos mantidos nas contas tituladas por instituições financeiras
sediadas no exterior podiam ser automaticamente convertidos em moeda
estrangeira para remessa ao exterior, ainda que os mesmos não fossem de
titularidade da instituição financeira, o que era conhecido como “operação CC5”; ii)
os recursos mantidos nas contas tituladas por domiciliados no exterior, que não
fossem instituições financeiras, estavam impedidos de serem convertidos e enviados
livremente ao exterior, a não ser que fossem obtidos a partir de operações de
câmbio.
A Resolução 3265, de março de 2005, do Conselho Monetário Nacional
(CMN) vedou o uso das contas em reais, tituladas por pessoas físicas ou jurídicas
residentes, domiciliadas ou com sede no exterior para a realização de transferência
internacional em reais, de interesse de terceiros. A referida Resolução também
permitiu que os saldos de recursos próprios existentes em tais contas possam ser
livremente convertidos em moeda estrangeira, para remessa ao exterior,
independentemente de o titular da conta ser instituição financeira ou não.
O Mercado Paralelo de Câmbio que, como vimos, compreende todas as
operações conduzidas por pessoas físicas ou jurídicas não autorizadas a operar no
mercado de câmbio, trata, portanto, da condução de operações ilegítimas. Apenas a
título de conhecimento, as cotações das taxas cambiais desse mercado são
normalmente divulgadas pela mídia, circunstância que serve para caracterizar uma
certa tolerância por parte das autoridades monetárias quanto à existência dessa
atividade marginal.
A partir de janeiro de 1999, o Banco Central iniciou procedimentos para a
unificação do mercado de câmbio, isto é, a criação de uma única taxa com a
finalidade de pôr fim à divisão existente. Inicialmente, no entanto, o que efetivamente
ocorreu foi a unificação das posições de câmbio existentes nos dois segmentos (livre
e flutuante). A regulamentação cambial e as formas de registro e contabilização das
operações no SISBACEN permaneceram como antes. A propósito, o SISBACEN
4
é
3
O termo diz respeito à abreviatura do documento normativo Carta-Circular 5, do Banco Central.
4
Sistema de Informações do Banco Central.
27
um recurso eletrônico de coleta, armazenagem e troca de informações que liga o
BACEN aos agentes do sistema financeiro nacional. Todas as operações de câmbio
realizadas no país devem ali ser registradas pelo banco autorizado a operar em
câmbio, providência que faz com que o BACEN esteja informado diariamente do
montante de moeda estrangeira comprado e vendido pelos agentes no mercado,
além de identificar a natureza das operações.
2.4 MERCADOS DE CÂMBIO
No que diz respeito aos agentes participantes (compradores e vendedores
de moeda estrangeira) existem no Brasil dois tipos de mercado, a saber: i) Mercado
de Câmbio Primário – onde são realizadas as operações cambiais entre os bancos e
seus clientes não bancários; é o caso, por exemplo, da operação em que o banco
compra divisas de um exportador ou as vende a um importador; ii) Mercado de
Câmbio Secundário ou Interbancário – que, como o próprio nome diz, refere-se às
operações realizadas entre bancos. Nesse caso, quando um banco estiver com a
sua posição comprada, acima dos limites permitidos, deverá repassar o excesso ao
BACEN ou vendê-la no mercado interbancário a um outro banco que necessita de
cobertura e que, assim, deixa de buscar recursos junto ao BACEN. As
movimentações diárias do mercado de câmbio, representadas pelas operações
financeiras e aquelas vinculadas às exportações e às importações (operações
comerciais), provocam entradas e saídas de moeda nos bancos que, como vimos,
têm que respeitar os limites definidos pela autoridade monetária, razão por que
necessário se faz adotar um dos procedimentos (repasse ou cobertura),
anteriormente mencionados. Por outro lado, quando as compras e vendas do dia se
equivalem em termos de limite, fica caracterizada o que se convencionou chamar de
posição nivelada.
É importante ressaltar que a posição de câmbio não apresenta nenhuma
relação com a disponibilidade cambial, pois todas as operações, conforme já
identificamos, são somadas algebricamente, independentemente de seus prazos de
liqüidação. Desta forma, pode um determinado agente estar com a posição nivelada
ou vendida e ter disponibilidade e, curiosamente, apresentar posição comprada e
não ter disponibilidade, basicamente devido à diversidade dos prazos das operações
propriamente ditas.
28
Ressaltamos a grande importância desse mecanismo de aferição uma vez
que o controle diário das posições dos vários bancos pelo BACEN é fundamental
para o controle das reservas cambiais do país. Através do mercado de câmbio,
portanto, os bancos captam ou aplicam recursos em reais, ocorrência que, de uma
forma ou de outra, acaba por interferir nas taxas internas de juros, dependendo, é
claro, dos montantes envolvidos.
O Conselho Monetário Nacional (CMN), através da Resolução 2588,
unificou as posições de câmbio dos mercados de taxas livre e flutuante. Embora a
taxa média divulgada pelo BACEN seja única, as operações de cada segmento
devem continuar a ser efetuadas em cada um dos mercados; nesta hipótese,
operações com moeda estrangeira, para efeito de turismo, são conduzidas no
Mercado de Câmbio de Taxas Flutuantes (MCTF), ao passo que operações de
exportação ou importação, por exemplo, são conduzidas no Mercado de Câmbio de
Taxas Livres (MCTL).
Assim, operando entre si, os bancos compram e vendem moeda à vista ou
no futuro, de acordo com as suas necessidades, como forma de captação em dólar
para operações de empréstimo em reais.
No que se refere à data da entrega das divisas, há, na prática, duas
ramificações distintas: o Mercado de Câmbio à Vista e o Mercado de Câmbio a
Termo.
No Mercado de Câmbio à Vista são conduzidas as operações prontas, que
identificam as operações de compra e venda de divisas para entrega imediata (D0)
ou em até no máximo de dois dias úteis (D2), contados da data da contratação.
No Mercado de Câmbio a Termo temos as operações futuras de câmbio
((forward exchange) , que vêm a ser a compra ou a venda de divisas estrangeiras –
a uma taxa cambial determinada por ocasião da contratação – e que serão
entregues em data futura. São realizadas por exportadores, importadores e
investidores de forma geral, que procuram, assim, evitar os riscos de flutuações nas
taxas cambiais.
2.5 MONOPÓLIO CAMBIAL E INTERVENÇÕES DO BACEN NO MERCADO
No que se refere ao monopólio cambial e às intervenções do Banco Central
no mercado, assim se manifesta Marinho (2003, p.41) :
29
Em toda a sua história, o regime cambial brasileiro sempre foi controlado
pelas autoridades monetárias, que têm exercido esse controle em função
das necessidades de divisas. O Brasil tem experimentado sistemas variados
de controle de suas contas externas, decorrentes de sua estrutura
tradicionalmente deficitária das transações correntes, advindas da balança
de serviços uma vez que o país tem apresentado superávits comerciais,
com exceção dos períodos de crise do petróleo nos anos 70 e em alguns
anos da década de 80 e após 1994, com a implantação do Plano Real.
Nesse sentido, uma vez que o regime cambial brasileiro é de monopólio
cambial, isto significa dizer que somente o Banco Central pode legalmente efetuar
transações com divisas estrangeiras no país ou, de outra forma, autorizar que
agentes financeiros as façam, sob sua fiscalização. Assim, o preço da divisa
estrangeira, ou seja, a taxa de câmbio não deve ser confundida com esta noção de
monopólio cambial. Esta é estabelecida pelas forças de mercado e pelas
intervenções do Banco Central. Os controles do mercado cambial estão
estabelecidos nas Leis 4131/62, 4330/64 e 4595/67.
Nessa perspectiva, esta lógica intervencionista, presente no mercado de
câmbio, estabelece que, dentre outros motivos e pelo fato de a taxa cambial ser
monopólio estatal
5
, cabe ao Banco Central o controle da moeda, além do fato de ser
de sua responsabilidade o equilíbrio do balanço de pagamentos, circunstância que,
como vimos, tem uma relação direta com as alterações (valorizações e
desvalorizações) da taxa de câmbio.
Conforme Ratti (1997), neste tipo de mercado, ou seja, o mercado de
câmbio de taxas flutuantes, as taxas de câmbio têm sua cotação definida pelo
próprio sistema – leis da oferta e da procura – não estando, na prática,
condicionadas ou limitadas por outros tipos de regras.
Em tais condições, segundo este autor, o Banco Central intervém,
comprando ou vendendo moeda estrangeira, de acordo com as circunstâncias do
mercado; assim, se a taxa cai, isto significa que há excesso de divisas o que faz com
que aquele Banco intervenha comprando, da mesma forma que irá vender moeda se
a cotação estiver acima dos níveis esperados.
Note-se que tais intervenções deverão persistir até o ponto em que as
cotações atinjam o ponto de equilíbrio pretendido pelo mercado.
5
Significa que, quando da liqüidação da operação, as divisas deverão ser repassadas ao Banco
Central.
30
2.6 A POLÍTICA CAMBIAL E O BACEN
No que diz respeito à sua atuação na política cambial e relações financeiras
com o exterior, o BACEN desempenha funções que lhe são próprias, dentre elas a
manutenção de ativos em ouro e de moedas estrangeiras para atuação nos
mercados de câmbio, de forma a contribuir para manter a paridade da moeda e para
induzir desempenhos das transações internacionais do país, de acordo com as
diretrizes da política econômica. Além disso, atua regulando o mercado de câmbio,
através da busca do equilíbrio do balanço de pagamentos, administração das
reservas cambiais, acompanhamento e controle de capitais, através das
negociações com as instituições financeiras internacionais (Fundo Monetário
Internacional – FMI, Bank for International Settlements – BIS e outros), gerenciando,
ainda, convênios internacionais de créditos recíprocos (CCR).
6
Desta forma, quando
surgem dificuldades no balanço de pagamentos cabe ao BACEN a contratação no
exterior de operações de regularização, representadas, no caso, pelos empréstimos
compensatórios.
Ainda dentro da lógica intervencionista, antes definida por Zini Júnior (1993,
p.19), a definição da cotação da moeda é definida pelo mercado, conforme se deduz
dessa afirmação:
Pode-se demonstrar, por meio de modelos analíticos de equilíbrio geral, que
a taxa de câmbio é adequada quando reflete a competitividade externa de
um país e a confiança dos agentes econômicos sobre fatores
macroeconômicos fundamentais. Este enunciado, de aparência simples,
encobre, entretanto, dificuldades práticas importantes quando se objetiva
instrumentalizá-lo e estipular qual seria a taxa de câmbio de equilíbrio para
uma economia. Essa questão tem sido resolvida na prática das diversas
economias através de dois caminhos: ou se deixa o problema para o
mercado resolver (sistema de câmbio de flutuação livre) ou o governo
arbitra a taxa (câmbio administrado).
Daí advém o conceito de flutuação “suja” ou “limpa”, já citado, que diz
respeito à intervenção ou não da autoridade monetária no mercado; há, como se
sabe, intervenções pontuais do Banco Central com o propósito de diminuir a
volatilidade associada ao sistema de câmbio flutuante. Desta forma, se o mercado
estiver regulado, estável, o seu funcionamento ocorre dentro das regras do mercado
6
CCR Convênio de Créditos Recíprocos com as participações dos Bancos Centrais dos países
convenentes.
31
flutuante, sem intervenções (limpa); por outro lado, se estiver muito oscilante,
circunstância que faz com que os níveis da taxa cambial interfiram no desempenho
da economia, o BACEN intervém, ou para estabilizar ou para direcionar a taxa para
os níveis desejados (suja).
As alterações no equilíbrio do mercado, através da cotação da taxa cambial,
estão diretamente ligadas às oscilações da demanda e da oferta da moeda. Desta
forma, um aumento de investimentos externos no país significa um aumento de
moeda estrangeira e, conseqüentemente, uma maior demanda por reais, o que, no
caso, serve para provocar uma valorização do real e uma desvalorização da moeda
transacionada.
Em outras palavras, o preço do real em relação ao dólar, por exemplo, deve
crescer, necessitando-se de uma menor quantidade de reais por dólar, ocorrência
que, no mercado, denomina-se valorização, circunstância que coincide com o atual
momento vivido pelo mercado cambial brasileiro. De forma inversa, quando for maior
a quantidade de reais despendida na contrapartida por dólar, por exemplo, temos o
que se convencionou chamar de desvalorização cambial; é importante lembrar que,
na primeira hipótese, isto é, quando ocorre a valorização temos um desestímulo às
exportações e um estímulo às importações, enquanto que nas desvalorizações
temos um estímulo às exportações e um desestímulo às importações, o que faz com
que, no particular, continuemos a depender do mercado externo.
Nesse sentido, as desvalorizações cambiais, além de estimular as
exportações, servem para tornar os produtos nacionais mais baratos nos mercados
externos, aumentando a sua competitividade, provocando, ainda, crescimento na
produção e no emprego, podendo levar, também, a aumentos de preços internos e
inflação que, dentre outros problemas, pode gerar efeitos distributivos indesejáveis.
Por outro lado, referidas alterações tornam as importações mais caras e acabam se
constituindo em fatores inibidores do nosso crescimento uma vez que o Brasil ainda
não se encontra auto-suficiente em inúmeros produtos (fertilizantes, adubos, gás,
etc.), circunstância que faz com que tenhamos que buscá-los no exterior.
Tais exemplos servem para ilustrar o quanto é delicada e sensível a
administração da política cambial de um país uma vez que, para cada efeito positivo
de uma medida, há sempre um outro negativo; devemos perseguir, via de regra, o
32
ponto de equilíbrio no que respeita à cotação da taxa cambial, ou ainda, a taxa de
equilíbrio a fim de que se estabeleça uma relação compatível e equilibrada entre os
preços internos e externos.
É oportuno estabelecer, ainda, a diferença entre variações nominais e
variações reais da taxa de câmbio. Taxa de câmbio real é definida como a taxa de
câmbio nominal deflacionada pela razão entre a inflação doméstica e inflação
externa, conceito, aliás, muito utilizado para estabelecer a competitividade dos
produtos brasileiros em relação aos produtos do exterior.
2.7 OS PARTICIPANTES DO MERCADO - ASPECTOS OPERACIONAIS
No que diz respeito à operacionalização do sistema, na prática, além dos
exportadores e dos importadores, participam das operações, no mercado cambial,
as bolsas de valores, os corretores, os bancos e outros elementos que, por qualquer
motivo, tenham transações com o exterior.
Nesse sentido, podemos dizer que os participantes do mercado podem ser
divididos em dois grandes grupos: (i) grupo vendedor, ou seja, os que produzem
divisas, representados, no caso, pelos exportadores, os devedores de empréstimos
e investimentos, os turistas estrangeiros, os favorecidos de transferências
financeiras do exterior, os investidores internacionais e outros, (ii) grupo comprador,
ou seja, os que compram divisas, aqui representados pelos importadores, os
devedores de empréstimos que remetem ao exterior o principal e os juros, os
tomadores de investimentos que remetem ao exterior os rendimentos do capital
investido (lucros/dividendos), os tomadores de transferências financeiras para o
exterior e outros.
A propósito, é interessante relacionar o que acabamos de registrar com a
questão do monopólio cambial: como se sabe, os exportadores, por exemplo, que
pertencem ao primeiro grupo, na prática vendem a moeda estrangeira ao banco,
cujo montante em reais varia de acordo com a maior ou menor cotação da taxa de
câmbio. Daí o motivo por que a taxa cambial elevada, ou o câmbio desvalorizado –
na verdade é o real que se desvaloriza em relação ao dólar – serve para estimular
as exportações, chamadas tecnicamente pela autoridade monetária de operações
33
de compra”
7
. Por outro lado, os importadores, que fazem parte do segundo grupo,
compram a moeda estrangeira do banco dando em troca reais, operação cujo
montante será maior ou menor, igualmente em função da taxa de câmbio, sendo
que, na prática, referidos negócios são tecnicamente considerados operações de
venda
8
”. Em ambos os casos, quem compra e vende a moeda estrangeira é sempre
o banco autorizado a operar em câmbio.
Um outro tema relacionado com a taxa de câmbio, abordado por Carvalho
(2004, p.166), diz respeito à paridade do poder de compra (PPC) da moeda ou lei do
preço único. A propósito, afirma que:
[...] mercadorias iguais têm preços equivalentes em qualquer local, desde
que não haja barreiras comerciais entre os países em questão,
descontando-se os custos de seguros e transporte. Devido às imperfeições
de mercado, raramente verifica-se a versão absoluta da PPC da moeda.
Diz, ainda, que:
[...] alguns países, no entanto, administram suas taxas de câmbio de acordo
com a versão relativa da PPC da moeda, segundo a qual as variações na
taxa de câmbio devem ser iguais à diferença entre as variações de preços
doméstica e internacional.
Daí surge o conceito antes referido, ou seja, o de avaliar-se a variação da
taxa de câmbio: através da taxa de câmbio nominal ou pela taxa de câmbio real,
sendo que esta última expressa o poder de compra da nossa moeda em operações
internacionais. Por outro lado, a taxa de câmbio sofre uma grande influência das
demais taxas de outros países e, por isso, deve-se levar em conta o conceito de taxa
de câmbio efetiva que pondera as alterações de um conjunto de outras taxas
representativas dos maiores parceiros comerciais do país.
Ainda sobre as operações comerciais (exportações e importações), é
importante notar que a exportação pode ser conceituada como uma operação que
se inicia no país do exportador, no caso, por exemplo, o Brasil – detentor de moeda
inconversível – e se liquida no exterior com o pagamento feito pelo importador ao
banco correspondente, junto ao qual o banco brasileiro, que contratou o câmbio, tem
conta - corrente em moeda estrangeira (dólares, por exemplo).
7
A operação é considerada de compra quando no BP há entrada de moeda conversível.
8
A operação é considerada de venda quando no BP há saída de moeda conversível.
34
Assim, o câmbio liquidado
9
, ou seja, a moeda estrangeira creditada em
nossas contas no exterior – movimentadas pelos bancos autorizados a operar em
câmbio - constitui o que, na prática, convencionou chamar-se de reservas cambiais.
Por outro lado, os importadores, que pertencem ao segundo grupo,
compram a moeda estrangeira do banco negociador do câmbio, utilizando-se, para
tanto, o mesmo raciocínio da taxa cambial e a conseqüente saída de moeda
estrangeira da conta do nosso correspondente no exterior, além do pagamento ao
exportador no exterior, configurando-se, com isso, uma diminuição de nossas
reservas cambiais. Igualmente, como se vê, referida operação, também, se inicia no
país do importador e se liquida no exterior com a saída da moeda estrangeira de
nossas contas externas. É fácil entender que, diferentemente do caso dos
exportadores, os importadores são beneficiados quando a taxa cambial está
valorizada, isto é, real valorizado em relação ao dólar, e tais operações são
igualmente chamadas no mercado de câmbio de “operações de venda”.
É importante notar que, intermediando esses dois grupos, estão situados os
bancos, os quais centralizam, devidamente autorizados pela autoridade monetária,
as compras e vendas de divisas, intervenção, como se viu, de curso obrigatório.
Nesse sentido, é considerada operação ilegítima ou ilegal aquela que não transitar
por estabelecimento autorizado pelo BACEN, conforme previsto na Lei 4.595, de
31/12/64, art. 10, inciso IX, letra “d”.
Desta forma, as divisas são monopólio do Estado, representado pelo BACEN,
que, também, estabelece condições para os bancos operarem em câmbio, tais
como:
Possuir capital não inferior aos níveis mínimos regulamentares;
Ser constituído sob a forma de banco comercial, banco de investimento ou
instituição financeira múltipla;
Designar entre os diretores da instituição, homologados pelo BC, aquele
que, detentor de notória experiência em administração bancária, ficará
responsável pelas operações de câmbio;
9
A operação efetivamente se liquida quando houver o pagamento externo que representa ou entrada
ou saída de moeda de nossas contas no exterior.
35
Dispor das facilidades e condições operacionais necessárias à condução
dos negócios de câmbio, consoante projeto a ser apresentado ao BC;
Demonstrar que desfrutam de linhas de crédito concedidas por banqueiros
estrangeiros, até determinados limites que lhes permitam sacar a
descoberto;
Comprar e vender moedas estrangeiras, comprovando, ao final do dia, que
o saldo está situado dentro dos limites permitidos (posição de câmbio).
A propósito, Carvalho (2004, p.169):afirma que:
No mercado cambial, importadores e exportadores compravam e vendiam
moeda estrangeira, pagando ou recebendo em reais, enquanto a autoridade
monetária do país intervinha sempre que julgava necessário manter ou
restabelecer uma paridade cambial previamente definida. Aqueles exemplos
ocorrem na realidade, mas o mercado cambial é algo bem mais amplo. Na
realidade, as operações cambiais não ocorrem num local físico específico
mas sim nos centros financeiros dos diversos países. Os centros financeiros
mais importantes em termos de volume de operações estão sediados em
Londres, Nova York, Tóquio, Frankfurt e Cingapura, nesta ordem. Os meios
de comunicação modernos, como telefone, fax e redes de computadores,
permitem que operações de compra e venda de moedas sejam feitas
nesses centros e em outros de qualquer lugar do mundo. Por isso, podemos
dizer que o mercado de câmbio é um mercado global, que possibilita a
realização de operações de arbitragem.
Dentre outros, um dos maiores objetivos deste capítulo diz respeito à
consolidação do mecanismo de oferta e demanda de divisas do qual fazem parte
não apenas exportadores e importadores mas, igualmente, investidores e
aplicadores internacionais, além dos intermediadores financeiros, aqui chamados
todos de agentes econômicos, que participam, direta ou indiretamente, das referidas
operações cambiais.
É de fundamental importância ter claro que os agentes econômicos não
mantêm consigo divisas, as quais, como já registrado, estão depositadas em bancos
do mundo todo. Assim, por exemplo, um investidor americano poderá ter depósitos
em dólares nos Estados Unidos, euros na Alemanha, libra esterlina na Inglaterra,
reais no Brasil, e assim por diante. Desta forma, fica claro que a demanda por uma
moeda estrangeira é representada por depósitos nessa moeda. Isto posto, o
mecanismo de entrada e saída de divisas, que culmina com as referidas variações
de nossas reservas cambiais, ocorre através das contas-correntes que os bancos
brasileiros mantêm em moeda estrangeira, junto aos seus correspondentes no
exterior.
36
Posteriormente, numa segunda etapa, após a liqüidação da operação
cambial, as divisas – tanto as entradas como as saídas – são contabilizadas nas
contas-correntes em moedas estrangeiras mantidas pelo BACEN no exterior. Daí
deriva o conceito de monopólio cambial, já comentado.
O Banco Central (BRASIL. Banco Central, 2005) executa, portanto, a
política cambial por definição:
[...] um conjunto de ações do Governo que influem no comportamento do
mercado de câmbio e da taxa de câmbio, definida pelo Conselho Monetário
Nacional (CMN), através da regulamentação do mercado e autorização das
instituições que nele operam. Compete, também, àquela autoridade
monetária fiscalizar o referido mercado, podendo punir dirigentes e
instituições, mediante multas, suspensões e outras sanções previstas em
lei. Além disso, conforme já registrado, o BACEN pode atuar diretamente no
mercado, comprando e vendendo moeda estrangeira de forma ocasional e
limitada com o objetivo de conter movimentos desordenados da taxa de
câmbio.
2.8 OUTROS AGENTES DO MERCADO E OS “DEALERS”
Além das atividades aqui referidas, alguns bancos têm uma função especial
em que, por delegação do BACEN, operam como dealers
10
no mercado de
câmbio,comprando e vendendo moeda e intervindo no mercado quando necessário.
São, como é de se supor, bancos selecionados pela autoridade monetária, dentre os
de melhor performance e estrutura operacional, liderados pelo Banco do Brasil que,
como se sabe, antes do advento da Lei 4.595, de 31.12.1964, já havia
desempenhado, a par de suas funções comerciais, também aquelas próprias de um
Banco Central.
Sobre essa matéria, Garófalo Filho (2005, p.258) afirma que:
As intervenções do Banco Central no mercado de câmbio, para execução
da política cambial, são feitas com intermediação de dealers , que, além de
venderem ou comprarem câmbio dos demais bancos para nivelar (zerar) ou
alterar suas posições compradas ou vendidas, podem comprar e vender do
Banco Central (nesses casos, a iniciativa é do Banco Central). Nesse
contexto, compras e vendas especulativas podem ocorrer e, normalmente,
decorrem de arbitragem de taxas de câmbio, de taxas de juros ou do
carregamento de posições compradas ou vendidas com a intenção de obter
ganhos frente a expectativas de mudanças nas taxas de câmbio ou de
juros.
10
Bancos que no mercado operam representando o Banco Central, sendo que o mais atuante é o
Banco do Brasil.
37
Sempre é importante registrar que, no que concerne à sua atuação na
política cambial e em suas relações financeiras com o exterior, cabe ao BACEN
papel de destaque na economia.
Sabe-se que as operações cambiais transitam invariavelmente pelo sistema
financeiro, isto é, pelos bancos, monitorados pelo BACEN, que fiscaliza e controla a
atuação dessas instituições diariamente, através de sistemas próprios, voltados para
o acompanhamento, sob as mais diversas formas, do nível de moeda estrangeira na
economia.
Participam, ainda, das negociações no mercado, como agentes
intermediários entre os bancos e os clientes, as corretoras de câmbio que, na
prática, operam somente no mercado de taxas livres (dólar comercial), não atuando,
portanto, no segmento de taxas flutuantes (dólar turismo). Até recentemente, era
obrigatória a participação de um corretor de câmbio, devidamente autorizado pelo
BACEN, nas operações cambiais.
Tais operadores têm a função de pesquisar no mercado as condições
operacionais, negociando com os bancos, acima de tudo, a taxa cambial, além do
prazo das operações, prazo para entrega de documentos, formas de financiamento
à produção (ACC/ACE)
11
, deságios e eventuais prêmios sobre a moeda quando se
tratar de antecipação dos documentos representativos das exportações. Igualmente,
no que diz respeito às operações de importação, os corretores procedem à cotação
da taxa cambial e dos prazos das operações e, de forma geral, em ambas as
situações anteriormente referidas (exportações e importações), trabalham no sentido
de obter o máximo de vantagens para os seus clientes.
Uma das peculiaridades das funções exercidas por esses agentes, diz
respeito à parte burocrática de sua atuação, desde a geração de contratos, registros,
etc., até uma constante atualização nos assuntos da área e acompanhamento
rigoroso dos normativos do BACEN, Receita Federal, do Departamento de Comércio
Exterior (Decex) do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior
(MDICE) e outros que, de uma forma ou de outra, interferem no comércio exterior,
além de manter o cliente sempre atualizado sobre os assuntos correlatos.
A propósito, a Resolução número 2.202, de 27.09.95, do BACEN, revogou a
obrigatoriedade da participação dos corretores de câmbio nas aludidas operações,
11
ACC – Adiantamento sobre o contrato de câmbio, na fase pré-embarque. ACE – Adiantamento
sobre Cambiais entregues, na fase pós-embarque.
38
tornando-a facultativa, devendo ser pactuado entre as partes (corretor e cliente) o
valor da comissão devida àquele intermediário.
Em razão de suas características especiais, as operações cambiais diferem
das demais existentes no mercado de capitais, pelo fato de estarem envolvidas na
sua condução, pelo menos, duas moedas e um dos participantes ter interesses no
exterior; assim, a sua contratação e conseqüente liqüidação apresentam certas
particularidades, aspectos diferenciados dos demais modelos operacionais,
tradicionalmente conhecidos no âmbito doméstico.
Pelo fato de a legislação brasileira proibir o uso de moedas estrangeiras nas
transações internas, assim como seu livre depósito em conta-corrente nos bancos, já
se sabe que tais moedas são aqui utilizadas somente nas operações cambiais,
conduzidas por instituições autorizadas pelo BACEN.
2.9 BANCOS CORRESPONDENTES NO EXTERIOR
Os bancos que participam de tais operações – muitos deles são os já
referidos dealers -, na verdade não operam isoladamente. A maioria deles possui
uma rede de agências, não só no Brasil como nas principais cidades e capitais de
outros países, com a finalidade de facilitar a condução das operações contratadas.
Por isso, no âmbito do comércio internacional, tal circunstância oferece reais
vantagens aos exportadores e importadores brasileiros, pois facilita a dinâmica das
transações financeiras.
Há, no entanto, alguns locais no exterior em que, por diversas razões,os
bancos não possuem filiais para dar seqüência às operações aqui iniciadas,
excepcionalidade que, no atual contexto, com o nível de avanço e sofisticação dos
meios de comunicação, torna prescindível tal condição. Nesta hipótese, os bancos
nacionais utilizam-se da rede de bancos localizados no exterior, junto aos quais
passam a ter conta-corrente em moeda estrangeira. São os chamados bancos
correspondentes (correspondent banking).
12
Nestas condições, tais agentes financeiros tornam-se clientes uns dos
outros, ou em outras palavras, além de suas agências estas instituições mantêm
12
Bancos no exterior junto aos quais os bancos brasileiros mantêm conta-corrente em moeda
estrangeira.
39
contas-correntes em moedas conversíveis junto a outros banqueiros no exterior,
tornando, assim, desnecessário o trânsito de moedas em espécie para liquidação de
cada operação.
Nesse cenário, da mesma forma que um banco nacional se utiliza dos
serviços de um banco estrangeiro no exterior, o inverso também ocorre. Por isso,
para atuar neste sistema, os bancos negociam a mútua prestação de serviços com
banqueiros de outros países, mantendo com eles relacionamento em vários níveis,
através da política de reciprocidade.
Além disso, foram criados mecanismos de integração entre os países com o
propósito de proporcionar uma atuação regionalizada e expandir o comércio intra-
regional e poupar divisas para os países membros. Tal é o caso da ALADI
13
que veio
a instituir um sistema próprio de pagamentos para efeito de provimento e
centralização dos recursos próprios da região.
Em decorrência disso, foi criado um sistema de pagamentos – o Convênio
de Créditos Recíprocos – CCR. Cada país participante pode aderir à totalidade ou
apenas a alguns dos convênios, não havendo, no entanto, obrigatoriedade da
condução de suas operações através do sistema.
O CCR foi criado com a finalidade de estimular o relacionamento entre as
instituições bancárias atuantes no sistema, facilitando o curso dos pagamentos e,
conseqüentemente, o intercâmbio comercial, bem como reduzir as transferências de
divisas entre os bancos centrais dos países participantes.
Dentro dessa sistemática, o Banco Central do Brasil mantém convênio de
pagamentos com os bancos centrais da Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia,
Equador, México, Paraguai, Peru, República Dominicana, Uruguai e Venezuela.
Devido, principalmente à instabilidade cambial das moedas dos países
conveniados, adotou-se para moeda escritural o dólar dos Estados Unidos.
14
Os
bancos centrais garantem a cobertura de moeda destinada a pagamentos através do
sistema e se obrigam aos débitos em suas contas, sempre que efetuados em estrita
conformidade com as instruções vigentes.
Conforme registramos na Introdução do presente trabalho, a partir dos anos
70, o Banco do Brasil, através de uma política agressiva de multiplicação de
13
ALADI – Associação Latino Americana de Desenvolvimento e Integração que sucedeu a antiga
ALALC – Associação Latino Americana de Livre Comércio.
14
A moeda do sistema é o Dólar dos Estados Unidos, também chamado de Dólar-Convênio.
40
agências no exterior, tornou-se responsável pelo fato de ter imprimido um grande
desenvolvimento nos nossos negócios lá fora, particularmente devido à simplificação
de alguns fatores operacionais. Assim, agilidade, barateamento de custos,
simplificação na forma de liquidar as operações, tudo isso, aliado ao grande impulso
havido nos meios de comunicação e informática, fez com que, inegavelmente,
déssemos um grande passo em direção ao futuro. A aquisição de técnicas
operacionais sofisticadas da parte de nossos operadores e o novo aprendizado a
acompanhar o avanço dos tempos modernos, além de uma série de outros fatos
novos, vieram a compor uma nova fase econômica brasileira na área internacional,
razão por que o país atualmente ostenta um modelo cambial dos mais perfeitos.
Não nos surpreendem, portanto, os resultados que o país tem obtido, em
termos de superávit comercial, contrariando, de certa forma, a lógica operacional,
devido, principalmente, à sobrevalorização do real, particularidade que, já sabemos,
não só desestimula as exportações como, também, estimula as importações.
Mesmo assim, a nossa performance tem sido excepcional, tendo contribuído
para tal circunstância uma série de fatores, alguns deles ligados à redução de
custos, à diversificação da pauta de exportação, acesso a novos mercados
internacionais, incremento da produção dos manufaturados e semimanufaturados,
elevação dos preços das commodities, além de uma política agressiva nesta área
através da captação de recursos externos destinados ao financiamento à produção.
Tal desempenho tem muito a ver com a nossa forma de operar, com um
trabalho sério e competente desempenhado por nossas embaixadas, consulados e,
particularmente, bancos correspondentes de primeira linha, ou seja, as nossas
agências bancárias externas.
2.10 FORMAS DE FINANCIAMENTO DAS OPERAÇÕES
Atualmente, não há como desprezar-se a importância dos financiamentos
tanto na exportação quanto na importação brasileira. Os recursos captados no
exterior, que se constituem em funding para tais operações, são remunerados a
partir de uma taxa básica internacional (prime
15
ou libor
16
), acrescida do risco-país e
do spread do agente captador.
15
Prime Rate – taxa mínima cobrada pelos bancos norte-americanos de seus clientes preferenciais.
16
Libor – London Interbank Offered Rate – taxa de juros de venda do mercado de Londres.
41
Na área de exportação, os bancos têm contado com algumas formas de
financiamento, dentre as quais destacamos o PROEX – Programa de Estímulo às
Exportações, as linhas advindas do BNDES e, acima de tudo, as operações de ACC
- Adiantamento sobre o Contrato de Câmbio, na fase pré-embarque e ACE
Adiantamento Sobre Cambiais Entregues, na fase pós-embarque.
Dentre todas, as operações de Adiantamentos são as mais usuais no
mercado devido à sua praticidade. Trata-se de operações (ACC/ACE) que têm os
seus recursos advindos de linhas de créditos captadas pelos bancos junto às suas
agências ou correspondentes no exterior, a prazos que deverão coincidir com os
prazos das operações aqui contratadas, com juros menores que os custos internos,
pois têm como ponto de partida na sua composição a Libor ou a Prime, conforme o
caso.
Adicione-se, ainda, conforme dissemos, a esses custos iniciais o Risco
Brasil, além do spread do banco operador e obtém-se uma taxa de financiamento
com valores significativos e bem abaixo da taxa básica do mercado (SELIC)
17
, hoje
beirando os 15% ao ano.
Ocorre que, muitas vezes, o exportador capitalizado recorre ao ACC e aplica
os recursos no mercado interbancário, beneficiando-se do ganho proporcionado pela
diferença entre as taxas.
Referida operação não teria tanta importância não fossem as distorções que
provoca nos controles estatísticos uma vez que, entre o fechamento do câmbio e a
efetiva liquidação das operações no mercado externo, ou seja, quando o importador
no exterior retira a mercadoria e liquida a operação, decorre um período de tempo
que coincide com o prazo do ACC/ACE.
Nesta hipótese, e mesmo em muitos casos em que os exportadores não se
valem de tal privilégio, podemos dizer que os efeitos provocados pela taxa de
câmbio na balança comercial são rigorosamente retardados.
Aliás, tal particularidade é uma característica do mercado de câmbio, o que
explica o fato por que os bancos que operam na área, em tal hipótese, somente o
fazem com prazos que coincidem com os prazos das linhas de financiamentos
captadas lá fora.
17
Selic – Serviço Especial de Liqüidação e Custódia – taxa básica (referencial) do mercado brasileiro.
42
Dito de outra forma, queremos dizer, com isso, que os financiamentos em
questão dependem de linhas disponíveis junto aos banqueiros internacionais, tendo
os seus vencimentos pactuados na contratação, renováveis em condições cada vez
mais vantajosas, de acordo com a performance do país na área internacional e, de
certa forma, restrita à sua maior ou menor vulnerabilidade externa. Assim, se os
fundamentos macroeconômicos do país vão bem, aspectos operacionais como
melhores taxas de juros, alongamento de prazos e facilidades de renovação das
linhas externas se constituem em características marcantes das negociações. De
outra forma, é fácil supor que dificuldades, as mais diversas, rondarão as rodadas de
negociações como as que já tivemos no passado, em momentos de crises
internacionais.
No que se refere ao aspecto operacional, partindo do fato de que as
operações de tal natureza têm um prazo de vencimento de 570 dias – recentemente,
o BACEN aumentou os prazos de tais formas de financiamentos – é correto supor
que o presente fenômeno de superávit elevado na balança comercial se deve, em
grande parte, às operações conduzidas sob a forma de ACC/ACE ainda não
liquidadas.
Numa operação de exportação financiada sob a forma de ACC/ACE, temos,
a rigor, dois momentos distintos, independentemente da forma de pagamento: i) na
primeira fase temos o ACC que se estende da contratação até a entrega dos
documentos de exportação e ii) na segunda fase, temos o ACE que se estende da
entrega de documentos ao banco negociador do câmbio até a efetiva liqüidação da
operação no exterior.
A propósito, relativamente à sua liquidação, as operações podem ser
contratadas – quanto ao prazo de entrega da moeda estrangeira – da seguinte
forma: i) imediata - que identifica as operações que envolvem compra e venda
moeda estrangeira em espécie e traveller’s checks; ii) pronta - que diz respeito às
operações com prazo de liquidação em até dois dias úteis; iii) futura - que se refere
às operações com prazo superior a dois dias úteis.
Um outro aspecto, digno de destaque da participação dos bancos nas
operações cambiais, diz respeito à conjugação dos prazos das operações de
exportação e importação, ou ainda, à conjugação dos prazos de compras e vendas.
Ora, como já sabemos, as operações de exportação são as compras de
moeda, enquanto que as operações de importação representam as vendas; assim,
43
no que diz respeito ao volume de câmbio tanto comprado como vendido, por parte
dos bancos no mercado, existem limites máximos permitidos pelo Banco Central,
conforme comentado anteriormente.
Por outro lado, tecnicamente uma compra (de valor positivo) anula uma
venda (de valor negativo); no tocante ao aspecto posição de câmbio, apurada
diariamente, através de um cálculo algébrico, os bancos informam ao BACEN, via
SISBACEN. Nesse sentido, a política operacional dos bancos na área de câmbio, ao
levar em conta os prazos das operações e a natureza das mesmas, tem por objetivo
a seguinte filosofia: comprar a curto prazo
18
e vender a longo prazo
19
, ou ainda,
exportações preferentemente liquidáveis a curto prazo e importações a longo prazo.
Nestas condições, ao terem as suas exportações liquidadas antes das
importações (na posição de câmbio, exportações algebricamente anulam
importações) os bancos operadores passam a contar com recursos disponíveis que,
embora comprometidos com as operações de venda, só deixarão de ser aplicados
no mercado externo (Seven days, tomorrow,etc.) quando do pagamento das
importações.
Nesse sentido, a Lei 4.131 (BRASIL. Lei nº 4.131, art. 28), em seu artigo 28,
diz o seguinte:
Sempre que ocorrer grave desequilíbrio no balanço de pagamentos, ou
houver sérias razões para prever a iminência de tal situação, poderá o
Conselho Monetário Nacional impor restrições, por prazo limitado, à
importação e às remessas de rendimentos dos capitais estrangeiros e, para
este fim, outorgar ao Banco do Brasil monopólio total ou parcial das
operações de câmbio.
2.11 TIPOS DE CONTROLE CAMBIAL
Finalmente, como tudo isso é controlado e apurado pelos organismos que
atuam na área de comércio exterior?
Já destacamos anteriormente as principais atribuições do Banco Central na
área de câmbio, sendo que uma das mais importantes diz respeito ao controle do
fluxo de caixa do país; fiscaliza, ainda, os pagamentos e recebimentos em moeda
estrangeira, realizados através dos bancos autorizados a operar em câmbio, por
18
Preferentemente as operações de compra deverão ser conduzidas a curto prazo.
19
Preferentemente as operações de venda deverão ser conduzidas a longo prazo.
44
meio do SISBACEN, via on line, através do qual, interligados àquela autoridade
monetária, os bancos informam, dentre outras, as operações de câmbio apuradas
diariamente.
Um outro órgão controlador, de fundamental importância é a Secretaria da
Receita Federal ( SRF), que tem a função de fiscalizar a entrada e a saída de bens
(mercadorias), cuidando do despacho aduaneiro e do recolhimento de tributos.
Ainda, como instrumento administrativo que integra as atividades de registro,
acompanhamento e controle das operações de comércio exterior, mediante fluxo
único computadorizado de informações, temos o SISCOMEX
20
.
Em termos práticos, o controle administrativo é exercido via exigências
documentais e sanitárias para um determinado grupamento de produtos; o controle
cambial, através do acompanhamento das variações da taxa de câmbio – é o caso,
por exemplo, das compras de moeda no mercado à vista por parte do Banco Central
- , e o controle aduaneiro, através da instituição de tarifas, ou sua isenção, com a
adoção de regimes aduaneiros especiais.
Relativamente às exportações, temos que o controle cambial é exercido,
como se sabe, pela obrigatoriedade da venda pelo exportador da moeda estrangeira
oriunda da exportação de bens e serviços, ao banco autorizado a operar em câmbio.
Já dissemos que não é permitido ao exportador receber diretamente as divisas de
exportação ou orientar o importador a efetuar pagamentos a terceiros, exceto os
pagamentos relativos à comissão de agentes – intermediário que os representa no
exterior.
Nesse sentido, os controles em questão têm sido exercidos de forma
discricionária no fluxo do mercado externo, através do estabelecimento de cotas,
licenças, fixando-se limites quantitativos, criando-se tributos, além de outros tipos de
controle de caráter temporário, como, por exemplo, o fechamento antecipado de
câmbio de importação ou, ainda, a exigência de financiamentos externos. Uma outra
forma de controle operacional diz respeito à adoção de controle quantitativo de
importações sobre determinadas mercadorias, consideradas não essenciais à nossa
economia, a imposição de licenças prévias de importação e um sem número de
certificados a serem apresentados aos órgãos competentes.
20
Siscomex – Sistema Integrado de Comércio Exterior.
45
Uma prática muito comum, na década de 80, e que, praticamente, se
estende até os dias de hoje, refere-se às limitações à remessa de divisas sob a
forma de lucros, por parte das multinacionais aqui instaladas, além de juros,
royalties, despesas de turismo, dividendos e outras.
É importante registrar que, assim, o Banco Central atua na administração da
política cambial do país, fiscalizando a entrada e saída de divisas e o nível das
reservas internacionais tão importantes para a segurança dos nossos negócios
externos. No que se refere ao acompanhamento da taxa de câmbio, são
consideradas de fundamental importância as variáveis macroeconômicas de inflação
doméstica, de inflação de nossos principais parceiros, a evolução do PIB e a
estrutura do balanço de pagamentos.
Note-se que a economia brasileira, particularmente nas duas últimas
décadas, experimentou um sem número de alterações circunstanciais na taxa de
câmbio, com intervenções do Banco Central que, por meio da regularização da
moeda, visavam o ajuste das contas externas do país. Em outro ponto do trabalho,
colocamos que o BACEN, em certas circunstâncias, procede a intervenções
pontuais no sentido de atingir o reequilíbrio da taxa, exatamente porque as suas
variações, para mais ou para menos, poderão provocar distorções no mercado e na
economia como um todo. Trata-se, especificamente, de uma das inúmeras formas
de controle cambial.
Fizemos referência, também, às operações conduzidas no mercado
interbancário de câmbio, das posições comprada e vendida que envolvem
operações de repasse e cobertura, junto aos bancos operadores e, inclusive, junto
ao BACEN, que exerce rigoroso controle sobre a quantidade disponível de moeda e
estabelece limites nas posições de câmbio.
Um dos aspectos mais importantes na fase de celebração da operação, e
que trata de todos os elementos passíveis de registro numa operação cambial, se
refere aos contratos de câmbio que, pelas suas próprias características, são solenes
e surgem somente depois de cumpridas as formalidades definidas pelo BACEN.
Sobre esta questão, Garófalo Filho (2005, p.259) afirma que:
Deve-se lembrar ainda que, além de cumprirem determinação legal, as
formalidades são necessárias para que a autoridade monetária disponha
das informações necessárias para compatibilizar as políticas monetária e
cambial. Para isso, as operações do mercado primário são formalizadas
46
(registradas) pelo preenchimento de formulários de contratos específicos,
disponíveis eletronicamente para recepção e transmissão ao Sistema de
Informações do Banco Central (Sisbacen). Existem contratos específicos
para operações relativas à exportação, importação, remessas, ingressos
etc.
Desta forma, podemos dizer que, nos três níveis aqui citados, a ocorrência
de falhas é muito rara, além de marginal a possibilidade de fraudes, razão por que
registramos que o sistema de controle cambial brasileiro é altamente confiável, com
sofisticadas formas de acompanhamentos operacionais.
Nesse sentido, Zini Júnior (1993) faz referência à rigorosa organização do
mercado oficial de câmbio, através dos minuciosos controles contábeis dos agentes
bancários autorizados a operar no mercado, e dos níveis de operações
21
, tanto
comerciais quanto de câmbio manual permitidos. Afirma, ainda, haver, conforme
dissemos anteriormente, um controle sofisticado de verificação das transações, com
o objetivo de aferição da validade das operações e dos preços praticados .
Referido esquema envolve as autoridades alfandegárias na fiscalização e
controle dos preços, tanto das importações quanto das exportações, além da
fiscalização do embarque e desembarque das mercadorias. Lembramos que só
podem operar no sistema bancos e corretoras credenciados, e todas as operações
devem seguir rigorosamente as regulamentações específicas emanadas do Banco
Central do Brasil.
A corroborar nossas colocações, Zini Júnior (1993, p.24), registra que: “a
sistemática de controle brasileiro sobre o câmbio, tanto pela sua abrangência quanto
pela fiscalização, é das mais eficazes dentre os países em desenvolvimento.”
No particular, trata-se de uma lógica operacional que se volta para a
administração da escassez de divisas em situações eventuais e específicas, ou
permite a transferência setorial de rendas, circunstância que, à semelhança de
algumas ocorrências já registradas no país, faz com que o câmbio passe a ser
totalmente centralizado no Banco Central.
Nesta hipótese, há momentos em que o racionamento de divisas é
essencial, razão por que o controle rigoroso de saída da moeda se sobrepõe a
qualquer outro fator ou critério mais geral de eficiência alocativa.
21
As operações cambiais se dividem em dois grandes grupos: a) câmbio manual – compra e venda
de moeda estrangeira em espécie e traveller’s checks e b) câmbio sacado – que compreende as
operações comerciais (exportações e importações) e as financeiras (ordens de pagamento do e para
o exterior).
47
Nas épocas de crises cambiais, o país passou por circunstâncias em que as
divisas tinham que ser rigorosamente controladas devido à sua escassez e a
centralização cambial tornou-se necessária .
O objetivo é reduzir a perda de reservas internacionais em meio a ataques
especulativos e conter as oscilações bruscas na cotação da moeda.
Na América Latina, além da Argentina – que adotou a centralização cambial
no final de 2001 -, México e Venezuela, o Brasil viveu sob centralização cambial nos
anos de 1983 e 1989.
2.12 CONCLUSÃO
A estrutura e o funcionamento do sistema cambial brasileiro, apoiados numa
sólida organização e obediência às regras por parte de suas instituições, têm sido
considerados por todos aqueles que, direta ou indiretamente, atuam no mercado,
exemplares em termos de desempenho e agilidade. Contando com um Banco
Central atuante e com um sistema de normas seguido rigorosamente à risca, os
agentes financeiros a que nos referimos no corpo deste capítulo, têm, salvo raras
exceções, apresentado desempenho produtivo, circunstância que os torna
responsáveis pelos bons resultados que vimos apresentando na área internacional.
No âmbito interno, temos apresentado segurança e bom desempenho. Sabemos,
ademais, que o sistema de controle sobre o câmbio, efetuado por nossas
autoridades, em termos de abrangência e rigorosa fiscalização, situa-se entre os
mais eficazes, se comparados com outros países em desenvolvimento.
Na área externa, foi dado um grande passo em termos de desenvolvimento,
a partir dos anos 70, período em que o Banco do Brasil deu início à política de
multiplicação de suas agências no exterior, criando filiais nas principais praças do
mundo (Nova Iorque, Londres, Paris, Tóquio, Hamburgo e outras), providência que
fez com que passássemos a conduzir as nossas operações externas com os bancos
nacionais, nossos correspondentes lá fora, ganhando, com isso, agilidade na
liquidação dos negócios, além do barateamento dos custos, assunto já referido
linhas atrás e que, pela sua importância, achamos justo relembrar.
Tudo isso, aliado às formas de controle antes citadas, Sisbacen, Receita
Federal e Siscomex, nos âmbitos operacional, fiscal e administrativo, tornou possível
48
a nossa inclusão num seleto grupo de países que têm servido de modelo no que diz
respeito à condução de seus negócios internacionais.
Desta forma, podemos considerar a estrutura cambial brasileira plenamente
satisfatória em termos de funcionamento, com desempenho favorável nas áreas
administrativa, operacional e tributária, num cenário econômico de esperada
expansão e boas perspectivas de crescimento futuro.
49
3 UMA ANÁLISE RETROSPECTIVA DAS POLÍTICAS CAMBIAIS
ADOTADAS NO BRASIL, A PARTIR DA SEGUNDA GUERRA
MUNDIAL
Este capítulo pretende proceder a um estudo dos principais regimes
cambiais adotados no Brasil, desde o período do pós-guerra até os dias de hoje,
destacando, ao mesmo tempo, aspectos relevantes da nossa economia que
apresentam alguma ligação com as políticas cambiais.
A economia brasileira passou por momentos de grande turbulência, através
de uma persistente volatilidade das taxas de câmbio, de juros e outros parâmetros
internacionais, circunstância que fez com que vivêssemos momentos de acentuada
instabilidade econômico-financeira, particularmente, a partir do fim do preconizado
no sistema monetário internacional de Bretton Woods, nos anos 70, devido à
substituição do antigo regime de taxas fixas por um outro de taxas flutuantes.
A presente abordagem destaca, desde Dutra até hoje, como se comportou a
economia brasileira nos diversos governos, os acertos e desacertos da nossa
política cambial, os reflexos diretos das alterações da taxa de câmbio em nossos
principais indicadores macroeconômicos, as diversas tentativas de acerto dos
trabalhos, de um modo geral, e o malogro da grande maioria deles.
Já comentamos, no capítulo anterior, que a nossa condição de detentores de
moeda inconversível, além do fato de termos em nosso passivo uma dívida externa
considerável, tudo isso nos submeteu a uma dependência direta dos países
desenvolvidos, expondo-nos a uma vulnerabilidade externa preocupante.
Assim, ao apresentarmos o desempenho da nossa economia, com base nos
principais regimes cambiais adotados, no período de 1945 até antes do Plano Real,
dividimos o trabalho em quatro partes assim distribuídas:a) O período pós Segunda
Guerra Mundial (1945 a 1955); b) O período de 1950 a 1968; c) O período das
minidesvalorizações de 1968 a 1986 e d) O período dos planos de estabilização da
economia.
50
Dentro de cada período, apresentam-se as principais medidas tomadas em
termos de política cambial, exceção feita ao Plano Real que será objeto de análise
no capítulo III deste trabalho.
3.1 O PERÍODO PÓS - SEGUNDA GUERRA MUNDIAL (1945 A 1955)
O período que se estende do final da Segunda Guerra Mundial (1945) até
1955 - ano que coincide com o início do governo de Juscelino Kubitschek -
caracterizou-se por uma profunda modificação na economia mundial por meio de
uma lenta transição em direção aos princípios acordados em Bretton Woods (1944).
Segundo Vianna e Villela (2005), esse período que marcou a ênfase nos
princípios do liberalismo político e econômico veio coincidir com o fim do Estado
Novo, que vigorou de 1937 a 1945, e início do governo Dutra, a enfrentar as
questões advindas da Guerra Fria, particularmente num momento da economia
internacional conhecido como “escassez de dólares”.
Nesse período, o país viria a passar por sucessivas crises no balanço de
pagamentos, circunstância que fez com que, nos primeiros anos do pós-guerra,
fosse abandonado o modelo liberal para dar lugar a um modelo de desenvolvimento
industrial, que tinha como característica a crescente participação do Estado na
economia.
Tal participação, conforme aqueles autores, teve como marcas fundamentais
a adoção de controles cambiais e de importações, além do surgimento de
regulamentação específica nos mais diversos setores do domínio econômico.
As perspectivas do governo Dutra centravam-se na idéia de uma rápida
reorganização da economia mundial, baseada, conforme dissemos, nos princípios
de Bretton Woods que priorizavam, na sua essência, a eliminação das barreiras ao
livre comércio e, acima de tudo, a implementação de princípios voltados ao comércio
multilateral.
O acordo em questão condenou os protecionismos vigentes, desde a crise
de 1929, e consagrou o abandono do padrão-ouro por parte dos demais países,
exceto os Estados Unidos, além de estabelecer o dólar como padrão internacional,
em relação ao qual as nações participantes deveriam estabelecer taxas fixas de
câmbio. No caso do Brasil, a paridade manteve-se fixa em CR$ 18,50 por dólar,
enquanto que a inflação brasileira fora o dobro da norte-americana, durante a
51
guerra. Sob o aspecto operacional, a valorização do Cruzeiro e o forte avanço
econômico, verificado nos últimos anos do Estado Novo, servem para explicar o
crescimento das importações, com sérios reflexos no balanço de pagamentos e
conseqüente perda de reservas, notadamente de moedas conversíveis.
Diante dessa nova realidade, o governo, em julho de 1947, retoma os
controles cambiais, e introduz um novo mecanismo no sistema de
contingenciamento das importações, através do qual concedia licenças prévias para
importar, de acordo com as prioridades estabelecidas via essencialidade do produto.
Assim, a taxa de câmbio permanecia fixa enquanto a inflação, em torno de
15% ao ano, crescia, ocorrência que, paradoxalmente, não chegou a afetar a
balança comercial em razão dos sensíveis aumentos dos preços internacionais do
café que, em grande parte, contribuíram para amenizar as conseqüências negativas
da defasagem cambial.
Sobre o comércio exterior brasileiro e seu papel na economia, Baer (2002,
p.67-68) afirma que:
[...] depois da Segunda Guerra Mundial, a estrutura das mercadorias de
exportação no Brasil se concentrava em uma pequena quantidade de
produtos: café, cacau, açúcar, algodão e fumo. Os principais mercados para
esses bens eram os Estados Unidos e a Europa ocidental. A estrutura das
mercadorias de importação não era tão desigual e cada grupo possuía uma
parcela relativamente substancial do total de importações. A notável queda
de bens de consumo manufaturados e o aumento da importação dos bens
de capital e de combustíveis no período pós-Segunda Guerra Mundial
refletem as medidas de substituição de importações [...]
Ainda, segundo este autor, havia uma clara evidência da total dependência
do país em relação às exportações, particularmente de produtos primários, o que
fazia com que, no final da década de 1940, a maior parte do PNB fosse
representada pelo setor agrícola (28%), enquanto que, em torno de 60% da
população economicamente ativa, exercia as suas atividades nesta área.
Como resultado dos negócios internacionais do país no que diz respeito ao
nível de reservas cambiais, assim se manifestam Vianna e Villela (2005, p.23):
Pode-se considerar que, ao final da Segunda Guerra, as autoridades
monetárias e cambiais do Brasil se tornaram vítimas de uma espécie de
¨ilusão de divisas ¨, que se apoiava na percepção de que o país estaria em
situação bastante confortável com relação às suas reservas internacionais.
Além de se julgar credor dos Estados Unidos pela colaboração oferecida
durante a Segunda Guerra Mundial, o governo brasileiro acreditava que
52
uma política liberal de câmbio seria capaz de atrair fluxos significativos
diretos estrangeiros. Havia, ainda, a esperança de uma alta expressiva dos
preços internacionais do café, em conseqüência, principalmente, da
eliminação, em julho de 1946, de seu preço-teto por parte do governo norte-
americano.
Como podemos observar na citação acima, a política cambial desse
período, que coincide com o início do governo Dutra, caracterizou-se por uma
administração à luz da “ilusão de divisas” e pela prioridade no combate à inflação.
Tal conceituação foi assim chamada pelo fato de o governo ter feito uma falsa
avaliação das reservas cambiais. Sabe-se que, em 1946, pelo menos metade de
nossas reservas cambiais era representada por ouro – tido como reserva estratégica
– que, em última análise, deveria ser preservada para uso em situações
rigorosamente necessárias; a outra metade era representada por libras esterlinas
bloqueadas, enquanto que US$ 92 milhões poderiam ser considerados reservas
efetivamente líquidas e utilizáveis em operações com países detentores de moeda
conversível.
Como se vê, a disponibilidade efetiva de reservas cambiais era irrisória e, de
fato, pouco representava em termos práticos. Por outro lado, havia pouca esperança
quanto a um possível apoio dos Estados Unidos no que concerne à captação de
recursos no exterior, tendo em vista o fato de aquele país ter direcionado seus
esforços na reconstrução européia, o que fez com que o Brasil recorresse ao influxo
de capitais privados para o seu desenvolvimento econômico.
Assim, a julgar que as restrições externas haviam sido superadas, uma das
soluções aventadas para melhorar o desempenho de nossos negócios
internacionais, baseava-se na desvalorização cambial, providência, aliás, logo
deixada de lado, por motivos os mais diversos.
A não adoção de tal alternativa prendia-se ao fato de que uma taxa de
câmbio sobrevalorizada era mais interessante uma vez que a demanda estrangeira
pelo nosso principal produto, o café, era inelástica e serviria para desestimular a
oferta do produto, além ser utilizada para sustentar os seus preços internacionais.
Como alternativa, em julho de 1947, o governo, ao invés de desvalorizar a
moeda, instituiu uma política de controles cambiais e de importações, através da
qual os bancos que operavam em câmbio eram obrigados a vender ao Banco do
Brasil 30% de suas operações de câmbio livre, à taxa de compra. Desta forma, o
Banco do Brasil – que, à época, exercia, além de suas funções comerciais, a de
53
banco central – atendidos os compromissos do governo, estabelecia uma escala de
prioridades que servia para favorecer a importação de produtos essenciais.
3.2 O PERÍODO DE 1950 A 1968
Diante da impossibilidade de o governo brasileiro sustentar a política
anterior, voltam, em julho de 1947, os controles cambiais, enquanto que, ao mesmo
tempo, a nossa economia enfrentava uma escassez de moedas fortes,
particularmente de dólares. Somente a partir de 1949, com a recuperação dos
preços internacionais do café, a balança comercial passou a apresentar superávits
expressivos.
Sobre os controles cambiais, Lacerda (2000, p.77) afirma que:
A conjugação de uma taxa de câmbio sobrevalorizada com controle
cambial, a partir de 1947, produziu um triplo efeito em benefício da
industrialização substitutiva de importações: um subsídio às importações de
bens de capital e bens intermediários; protecionismo contra a importação de
bens competitivos; e aumento da rentabilidade da produção para o mercado
interno. Apesar da pouca preocupação do governo Dutra com o crescimento
industrial, a política do Banco do Brasil de crédito à indústria foi bastante
importante.
A rigor, referido modelo perdurou até fevereiro de 1948, período em que se
adotou uma nova política no que se refere ao contingenciamento de importações,
que se baseou na concessão de licenças prévias para importar, de acordo com as
prioridades governamentais. Tal sistemática permaneceu, na prática, até o ano de
1951, início do governo Vargas, dando lugar, em outubro de 1953, à Instrução 70 da
Sumoc
22
, de que falaremos mais à frente.
No início do governo Vargas, eram boas as perspectivas de transação com o
exterior uma vez que, além da mudança nas relações comerciais com os Estados
Unidos, o comércio internacional dava mostras de franca recuperação devido à
elevação dos preços do café nos mercados externos, que se iniciou em agosto de
1949.
Nesse sentido, o comércio exterior, nos dois primeiros anos do referido
governo, apresentava como características taxa de câmbio fixa e sobrevalorizada, a
22
SUMOC – Superintendência da Moeda e do Crédito que, com o advento da Lei 4595, de 31.12.64,
deu origem ao Banco Central do Brasil e, em conseqüência, liberou o Banco do Brasil de suas
funções até então exercidas.
54
par de um regime de concessão de licenças para importar, com uma certa
flexibilidade nos primeiros meses. Como resultado dessa política e com a
liberalização das importações, refletindo o viés industrializante do novo governo,
estas praticamente dobraram nos anos de 1951-52, subindo para US$ 1,7 bilhão,
além de provocar aumentos consideráveis, mais de 55%, na categoria de bens de
capital e 28% em outros bens de produção.
Nessa perspectiva, não chegou a causar surpresa o considerável aumento
das importações e seus fortes reflexos na balança comercial , a par de uma queda
acentuada (20%) no volume de exportações no biênio em referência, circunstância
que fez com que caminhássemos inapelavelmente para um colapso cambial
acentuado.
Diante desse quadro, no início de 1953, o governo, em sintonia com o
processo em curso na economia mundial, praticamente impelido pelos números
pouco animadores da economia como um todo, resolveu atacar simultaneamente as
questões cambial e fiscal, baixando a Instrução 70 da Sumoc.
Basicamente, as principais mudanças introduzidas na área cambial brasileira
foram as seguintes: (1) o restabelecimento do monopólio cambial do Banco do
Brasil; (2) a extinção do controle quantitativo das importações e a instituição de
leilões de câmbio; e (3) nas exportações – substituição das taxas mistas por um
sistema de bonificações incidentes sobre a taxa oficial.
Além disso, a referida Instrução introduziu na economia três tipos básicos de
cobertura cambial,
23
aplicáveis às importações brasileiras, quais sejam: (1) taxa
oficial sem sobretaxa, válida para importações especiais, como por exemplo, trigo e
material ou papel de imprensa; (2) taxa oficial, acrescida de sobretaxas fixas,
aplicáveis às importações diretas dos três níveis de governo, além das autarquias e
das sociedades de economia mista (petróleo e derivados tinham, também, suas
aquisições cobertas dessa forma); e (3) taxa oficial, acrescida de sobretaxas
variáveis, de acordo com os leilões de câmbio a elas aplicáveis, para todas as
demais importações. As importações foram, ainda, classificadas em cinco
categorias, dispostas em ordem decrescente de essencialidade, em que a oferta
disponível de moeda era alocada pelas autoridades monetárias entre os diferentes
tipos de produto, enquadráveis nas regras e condições operacionais impostas.
23
A expressão cobertura cambial designa contratação de câmbio.
55
Segundo Baer (2002, p.75):
Durante o período de funcionamento, o sistema foi submetido a várias
mudanças. Muitas importações foram reclassificadas de acordo com
categorias, estabeleceram-se ágios mínimos para a realização de leilões,
que foram aumentados no decorrer do tempo para acompanhar a inflação.
Quanto às exportações, ocorreram muitas mudanças que acabaram por
ocasionar a criação de quatro categorias de exportação em janeiro de 1955.
O sistema tornou-se tão complicado que existiam mais de 12 taxas oficiais
ao mesmo tempo.
Pode-se dizer que o regime cambial em questão caracterizou-se por um
grande avanço em direção à desvalorização da moeda diante da inflação contínua,
criando, com isso, um mecanismo de mercado para equiparar a oferta e a procura
de moeda estrangeira. Tais medidas fizeram com que, de certa forma, fossem
canalizados para o governo os lucros obtidos com as importações, além de eliminar
a corrupção administrativa que ocorria na distribuição de licenças.
A nova prática serviu para favorecer a maior parte dos bens de capital, dos
insumos destinados à agricultura, seguidos dos bens de produção e bens de
consumo, com flagrante desestímulo às exportações.
Os leilões, na verdade, constituíram-se num importante mecanismo de
arrecadação para o Estado e mantiveram a política cambial de favorecimento às
indústrias substitutivas de importações.
No curto período em que governou o país (1954-55), o presidente Café Filho
executou políticas econômicas distintas, que refletiam o pensamento de seus dois
ministros da Fazenda à época: Eugênio Gudin e José Maria Whitaker.
De acordo com Lacerda (2000, p.85):
Concretamente, a principal ação de Gudin foi a Instrução 113 da Sumoc, de
27 de janeiro de 1955, que permitia às empresas estrangeiras instaladas no
país importar máquinas e equipamentos sem cobertura cambial para a
complementação dos conjuntos industriais já existentes no país e
classificados nas três primeiras categorias de importação, conforme a
essencialidade do produto.
Na prática, em razão da existência de taxas múltiplas de câmbio, tal
particularidade beneficiava duplamente o capital estrangeiro. Em tais circunstâncias,
com a importação de bens de capital sem a necessidade de internalização das
divisas à taxa de mercado livre, para posteriormente recomprar as licenças de
importações por um valor mais alto nos leilões de câmbio, o capital estrangeiro
56
estaria sendo beneficiado pelo fato de receber um subsídio equivalente ao
diferencial entre o custo das divisas na categoria relevante e a taxa do mercado livre.
Sabe-se que tais subsídios não eram concedidos às empresas nacionais,
que enfrentavam a concorrência das empresas estrangeiras em condições de
inferioridade, o que fazia com que se vissem obrigadas a, habitualmente, importar
máquinas e equipamentos de segunda mão, obsoletas e já desativadas em seus
países de origem.
A gestão Gudin é tida como um dos mais ortodoxos programas já
implantados na nossa economia, responsável por ampla crise de liquidez e um
grande número de falências e concordatas à época (1955), além de provocar
sensível queda na formação bruta de capital fixo.
Assim, não fosse a curta duração do referido programa de estabilização da
economia, a gestão Gudin teria provocado forte queda no nível de atividade
industrial, gerando, outrossim, insatisfação entre os exportadores à vista da taxa de
câmbio sobrevalorizada para o café, aspecto operacional conhecido nos meios
empresariais como “confisco cambial.”
Na seqüência dos fatos, com a saída de Gudin, em abril de 1955, o novo
ministro Whitaker, de início, idealizou um projeto econômico bastante ambicioso,
com a instituição de um mercado totalmente livre, através da unificação das taxas,
além de proceder a uma valorização cambial. Antes, porém, considerava ser
indispensável fortalecer a posição externa brasileira e promover uma reformulação
no sistema tarifário, o que garantiria relativa proteção às indústrias depois da
eliminação dos ágios cambiais.
Sabe-se que, embora contasse com o apoio incondicional do FMI, o novo
projeto de reformulação do nosso sistema cambial nunca chegou a ser implantado.
Os anos subseqüentes foram marcados por um sem número de dificuldades
na administração da política cambial devido às profundas alterações operadas no
quadro econômico brasileiro.
Baer (2002, p.77) aduz ao fato dizendo que:
O câmbio de custo para importações preferenciais foi mantido em níveis
baixos durante longos períodos (a CR$ 53,00 por dólar até outubro de 1958,
e a CR% 80,00 até janeiro de 1959, quando passou a CR$ 100,00) em vista
da inflação contínua.
57
É fácil supor que tal prática de manutenção do câmbio valorizado teria os
seus reflexos contabilizados na balança comercial, uma vez que a desvalorização
cambial, num primeiro momento, estaria descartada, em razão dos números da
inflação.
Sabe-se que, em meados de 1950, o governo passou a enfrentar um
problema extremamente delicado e de difícil solução, representado pela
superprodução de café, comprando grande quantidade de excedentes e pagando
aos exportadores uma taxa 50% inferior às de importação. Nesse caso, a diferença
entre as taxas de compra e de venda, aplicáveis às exportações e às importações,
respectivamente, acabou gerando uma receita adicional para o governo, cujos
valores acabariam sendo utilizados em financiamentos do programa doméstico de
defesa do café, dentre outras prioridades governamentais.
Nesse cenário, é importante notar que a Instrução 113 da Sumoc veio a
constituir-se no principal instrumento de política cambial, com destaque, no
particular, para a forte entrada de capitais externos no país, ocorrida no Plano de
Metas de JK.
Assim, os anos seguintes, período que vai do início de 1958 a março de 1961,
mostraram que, invariavelmente, a cotação do dólar no câmbio livre estava abaixo
da taxa aplicada na categoria geral, fato que veio significar que empresas
estrangeiras, que remetiam lucros e brasileiros que viajavam ao exterior,
conseguiam vantagens, através de uma taxa mais favorável do que os importadores
de bens essenciais.
Durante os últimos anos de existência do sistema, o governo instituiu
empréstimos compulsórios a incidir nas operações comerciais, conduzidas por
exportadores e importadores, que pagavam o ágio no mercado de leilões mas iriam
receber a moeda seis meses depois. Aliás, os exportadores recebiam somente uma
fração dos preços em cruzeiros da moeda estrangeira, sendo o saldo investido em
títulos públicos de seis meses do Banco do Brasil.
Nesta hipótese, portanto, mesmo a se considerar o seu caráter
discriminatório que, sem dúvida, beneficiava o capital estrangeiro, na prática a
Instrução 113 – poderoso instrumento de atração de capitais externos – contribuiu
com mais de 50% do total de investimento direto ingressado no país, entre os anos
de 1955 e 1960, ou, ainda, o equivalente a US$ 400 milhões. Além disso, dos
empréstimos e financiamentos obtidos pelo Brasil no período em questão, em torno
58
de US$ 1,7 bilhão, aproximadamente 60% também ingressaram sob a forma de
máquinas e equipamentos, sem cobertura cambial.
Segundo Villela (2005, p.54):
[...] se, por um lado, a Instrução 113 contribuiu para o aumento da dívida
externa líquida brasileira – de menos de US$ 1,0 bilhão em fins de 1955
para US$ 3,4 bilhões em 1960 – por outro, teve o mérito inquestionável de
impedir que a restrição de divisas levasse ao abandono dos planos de
investimentos do Plano de Metas.
Nesse sentido, a política cambial, preconizada pela referida Instrução,
procurava lidar não só com a limitação de divisas, sensivelmente agravada pelo mau
desempenho das exportações de café, mas, paralelamente, funcionava como um
dos principais instrumentos de captação de recursos num contexto de escassez de
moedas.
De forma geral, com o agravamento dos problemas advindos da condução
da economia, fazia-se necessária uma profunda alteração no quadro
macroeconômico, a começar, por medidas de cunho ortodoxo, que incluíam além de
uma forte desvalorização cambial, a unificação do mercado de câmbio (Instrução
204 da Sumoc), a contenção do gasto público, uma política monetária contracionista
e a redução dos subsídios concedidos às importações de petróleo e trigo. Estas
foram as primeiras medidas adotadas pelo governo.
Assim, tendo como principal providência a adoção dessas medidas, inicia-
se, em princípios de 1961 o governo de Jânio Quadros.
Como se sabe, em março de 1961, procedeu-se a uma reforma cambial,
desvalorizando-se a moeda em 100% para o chamado câmbio de custo, cuja taxa
era praticada nas operações de importações preferenciais como petróleo e papel de
imprensa. Tal medida tinha por objetivo diminuir, tanto quanto possível, a pressão
dos subsídios cambiais sobre o déficit público.
Além das questões anteriormente destacadas, Baer (2002, p.77) afirma que:
Todas as exportações exceto o café, também, foram colocadas no mercado
livre e os empréstimos compulsórios, impostos aos importadores, foram
substituídos por um sistema de letras de importação, em que os
importadores depositavam o valor em cruzeiros da moeda estrangeira
comprada a partir de um período de 150 dias em troca de títulos do Banco
do Brasil.
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Da mesma forma, outras instruções criadas pela Sumoc efetuavam a
transferência dos ganhos auferidos com as exportações de café para o mercado
livre, exigindo em contrapartida que os exportadores entregassem US$ 22,00 por
saca, com o propósito de permitir que o governo, com o equivalente em cruzeiros,
financiasse o apoio ao excesso de produção.
O Brasil, a partir de 1961, dentro do esquema de Bretton Woods, praticou
uma política cambial caracterizada por uma taxa fixa de câmbio com ajustamentos
eventuais, com a possibilidade de desvalorizá-la, se necessário, em até 10%.
Instabilidades havidas nas importações e exportações se deviam ao fato de, nos
intervalos entre as variações, ocorrer a defasagem da taxa cambial, com sérios
reflexos no resultado final em termos de balança comercial.
Desta forma, como tais reajustes ocorriam numa média de 10 meses, no que
diz respeito aos intervalos, tal anomalia tornava as exportações relativamente mais
caras entre os ajustamentos, enquanto que as importações se tornavam mais
baratas, além de serem subsidiadas com um declínio real da proteção tarifária.
Registre-se que, na raiz dos problemas enfrentados pelo Brasil no que se
refere à administração de sua política cambial, na vigência do sistema Bretton
Woods, o país foi marcado por uma forte especulação, basicamente pela fixação da
taxa por longos períodos e pela inflação constante. Sabe-se que as desvalorizações
cambiais ocorriam com a finalidade de eliminar-se o efeito inflacionário o que fazia
com que, nos períodos que a antecediam, houvesse uma forte saída de capitais de
nossas contas, provocada pela intensa procura por importações, da mesma forma
que a ocorrência das desvalorizações provocava um grande afluxo de moeda
advinda dos fechamentos de câmbio de exportação, a par de capitais especulativos
a beneficiar-se das novas paridades.
No período em questão, que se estende até o ano de 1968 – ano, aliás, que
marca o surgimento de uma nova política cambial no Brasil -, a rigor, nosso sistema
consistia em desvalorizações abruptas da taxa de câmbio, como vimos, em grandes
intervalos de tempo, circunstância que fazia com que ocorressem alterações
desfavoráveis nos indicadores reguladores de nossa política externa. Sobre a
adoção de tal sistemática Lanzana (1997, p.449) registra que:
60
Em primeiro lugar, havia um grande risco para o exportador, na medida em
que a empresa nunca estava segura do tempo e tamanho da próxima taxa
de desvalorização; além disso, a atividade exportadora não apresentava
estímulos suficientes para aumentar o seu volume de exportações em
virtude de problemas relacionados à remuneração (taxa cambial valorizada,
inexistência de incentivos fiscais, etc.).
Conforme dissemos anteriormente, as desvalorizações cambiais ocorridas
nesse período eram responsáveis pelo surgimento de movimentos especulativos
relativamente às importações e aos fluxos de capitais.
Desta forma, na expectativa de desvalorizações cambiais significativas, os
agentes financeiros tratavam de antecipar importações, convertendo moeda nacional
em moeda estrangeira, fazendo o oposto logo após a desvalorização, auferindo,
com tal prática, ganhos expressivos pondo à mostra, no caso, uma falha operacional
da política cambial então vigente.
Exatamente por isso, tal sistemática, na verdade, se constituía como
obstáculo a uma política voltada para o desenvolvimento econômico que, sabe-se,
exige a importação de considerável volume de máquinas e equipamentos, matérias
primas, componentes, etc.
Tal necessidade crescente de importação, como é natural, tenderia a criar
forte pressão na balança comercial e, conseqüentemente, no balanço de
pagamentos, particularmente em razão da limitada capacidade de importação
gerada pelos baixos níveis de exportação.
Em tais circunstâncias, partiu-se para a formulação de uma nova política de
desenvolvimento, com destaque para as exportações, com atenção especial para a
taxa de câmbio, que passou a ser o principal instrumento da política cambial então
adotada.
É importante notar que os anos de 1962 e 1963 foram marcados por crises
políticas e pressões nacionalistas, que serviram para precipitar a promulgação de
um rígido decreto com limitação de remessa de lucros, ao final de 1962, progressiva
queda na receita cambial proveniente das exportações, além da aceleração da taxa
inflacionária.
Nessa época, em razão da defasagem havida entre o câmbio livre oficial e a
inflação, praticamente não houve estímulo a novos tipos de exportação.
Diante de tal quadro, tornava-se necessária a implementação de uma nova
política cambial que viesse a corrigir as sérias distorções antes comentadas, uma
61
vez que, até então, o comércio exterior brasileiro caracterizava-se por números
baixos de desempenho, algo em torno de 2,5 bilhões de dólares a 3 bilhões de
dólares (exportações mais importações); tais valores permaneceram praticamente
estáveis nos vinte anos que antecederam o início do processo, isto é, a nova política
de minidesvalorizações adotada no país, a partir do ano de 1968, período em que se
optou por uma estratégia de maior abertura da nossa economia com o resto do
mundo.
3.3 O PERÍODO DAS MINIDESVALORIZAÇÕES, DE 1968 A 1986
Vimos que o Brasil, de 1961 a 1968, apresentou uma taxa fixa dentro do
esquema de Bretton Woods, de ajustes abruptos, com grandes variações na taxa
periodicamente anunciadas, em intervalos aproximados de um ano, fato que gerava
sérias distorções nas operações comerciais e um sem número de irregularidades no
sistema econômico como um todo.
Um dos maiores inconvenientes de tal política ficava demonstrado nos
intervalos entre as variações, uma vez que a taxa de câmbio ficava defasada em
relação à inflação interna; com tal prática, as exportações tornavam-se mais caras
entre os referidos ajustamentos, paralisadas e adiadas até uma nova e substancial
desvalorização, com taxas mais favoráveis.
Por sua vez, as importações, nos grandes intervalos, se tornavam mais
baratas, sendo, desta forma, subsidiadas, gerando um conseqüente declínio da
proteção tarifária.
As transações financeiras, até 1968, pelas próprias circunstâncias,
envolviam alta especulação, uma vez que lucros excepcionais eram perfeitamente
possíveis à vista da fixação da taxa por longos períodos, associada a uma inflação
interna contínua.
Nesse cenário, a constatação de tais evidências, pôs à mostra a
necessidade de implementação de uma nova política cambial, adequada à realidade
brasileira, com ênfase nas exportações, elegendo, como dissemos, a taxa cambial
como o principal instrumento dessa nova sistemática.
Assim, a partir de agosto de 1968, o Brasil passou a adotar a política de
minidesvalorizações cambiais, que se estendeu até o Plano Cruzado (1986) e
baseou-se na doutrina da paridade do poder de compra (PPC).
62
A escolha desse mecanismo cambial deveu-se, a rigor, a dois tipos de
considerações. Num primeiro momento, a referida política tinha por objetivo evitar os
constantes ataques especulativos contra a moeda doméstica, tendo em vista o fato
de que o Brasil, na década de 70, apesar de manter um sistema de taxa cambial
fixa, tinha uma inflação doméstica maior que a inflação internacional, circunstância
que servia, conforme dissemos, como atração a um considerável afluxo de capitais
toda vez que se prenunciava uma desvalorização. De outra parte, a política em
questão visava estabilizar o ganho real do exportador, fato que, certamente,
contribuiu para provocar forte incremento nas exportações como um todo.
A propósito de tais considerações, assim Zini Júnior (1993, p.107-108) se
manifesta:
Estudos do início e meados da década de 70 – Suplicy (1976), Silva (1976)
e Coes (1979) – aprovaram a política em virtude da performance favorável
das exportações na época e tendo em vista que os ataques especulativos à
moeda foram praticamente eliminados. Assim, comparada ao sistema de
taxas de câmbio múltiplas (fixas) e controles cambiais da segunda metade
da década de 50, ou ao sistema de taxa fixa sujeita a grandes
desvalorizações ocasionais da década de 70, a política de
minidesvalorizações representou uma mudança positiva, trazendo maior
estabilidade à taxa de câmbio real.
Este autor argumenta, ainda, que, à semelhança de outras políticas
cambiais, o sistema de minidesvalorizações apresentava alguns aspectos negativos,
uma vez que as freqüentes minidesvalorizações fizeram com que alguns
observadores ponderassem ser desnecessária a correção cambial. Desta forma, tais
circunstâncias tinham por objetivo descentralizar o foco da necessidade de uma
desvalorização real, diante dos choques externos que o país sofreu na década de
70. Por isso, devido ao fato de a moeda ter-se vinculado a uma paridade fixa, nos
períodos que antecederam os choques externos, a política cambial não conseguiu
evitar o desequilíbrio da balança comercial, circunstância que fez com que fosse, de
certa forma, responsável pela crise do setor externo.
O sistema cambial em questão – prática de reajustes em pequenos
intervalos – chegou a alcançar, nos anos 80, quando a inflação se tornou muito
elevada, a periodicidade diária. Mas, mesmo neste caso, a taxa era fixada
diariamente pelo governo e não pelo mercado, medida que fez com que o regime se
assemelhasse muito mais a uma política de câmbio fixo que propriamente flexível.
63
Assim, tal sistemática tinha, também, por objetivo o afastamento dos
ataques especulativos contra a nossa moeda de então, o Cruzeiro, além de criar
condições estáveis para a liquidação das operações de exportação e importação
Suas características operacionais chamavam a atenção em dois aspectos
fundamentais, isto é: os pequenos intervalos entre as desvalorizações e pequenos
valores em cada evento de exportação e importação.
Na verdade, em nenhum momento, as autoridades chegaram a explicar, com
clareza, a política cambial adotada, embora tenham demonstrado que seguiam na
prática alguma variante da PPC relativa. A razão por que não era habitual, no caso,
a explicação de tais regras, bem como a prática de desvalorizações pequenas e
freqüentes, em intervalos não anunciados, era, como dissemos, para evitar os
ataques especulativos.
Sobre isso, Zini Júnior (1993) afirma que, de 1968 a 1983, os intervalos
observados foram de três a dez dias; da mesma forma, de 1984 a fevereiro de 1986,
quando tal política foi suspensa no Plano Cruzado, a freqüência das desvalorizações
aumentou consideravelmente, passando para desvalorizações diárias pré-
anunciadas, no final de 1985. No final de 1986, as minidesvalorizações foram
novamente introduzidas.
Levando-se em consideração as hipóteses de que: a) a taxa cambial a partir
da qual se inicia a política é de equilíbrio; b) a relação de trocas do País se mantém
constante: c) a renda interna e a do resto do mundo se mantêm constantes, o
procedimento indicado pela teoria da paridade manteria a taxa cambial em equilíbrio,
sem problemas maiores para a balança de pagamentos.
Sabe-se, ainda que, além das medidas cambiais, a partir de 1968, o governo
tratou de ampliar as exportações, aumentando, em conseqüência, a capacidade de
importar por meio de uma série de medidas fiscais e creditícias, dentre elas o crédito
fiscal do IPI e mais tarde do ICM, maior assistência financeira, além da isenção do
imposto de renda nas vendas ao exterior.
Pode-se considerar que a melhora havida nas contas externas brasileiras
serviu para permitir um maior controle sobre a taxa de câmbio e que, apesar da
política de minidesvalorizações cambiais, as defasagens entre as correções
cambiais e a inflação, particularmente no período entre os anos de 1970 e 1973,
evitaram que o câmbio se tornasse uma fonte autônoma de pressão inflacionária;
64
por isso, entendemos que tal fato tenha contribuído para conter a inflação de custos
que ameaçava a economia.
Deve-se registrar, também, que a economia, nesse período, beneficiou-se,
inegavelmente, do grande crescimento do comércio internacional com o propósito de
aumentar a sua abertura comercial e financeira em relação ao exterior, sendo que
uma das características marcantes dessa fase diz respeito à forte presença dos
capitais externos, num contexto de alta liquidez, através dos investimentos diretos e,
em especial, os empréstimos externos.
Estávamos em pleno regime militar e atravessaríamos um período de
intenso crescimento do PIB e da produção industrial, sendo que, nesse ciclo
expansivo, houve a predominância dos setores produtores de bens de consumo
duráveis e bens de capital, basicamente em razão de uma estrutura implantada no
Plano de Metas. Essa fase ficou conhecida como Milagre Econômico Brasileiro e um
dos participantes dessa ascensão econômica foi o então ministro da Fazenda Delfim
Netto.
A propósito, sobre o enfrentamento do dilema crescimento ou equilíbrio
externo, francamente favorável à primeira hipótese, como opção do governo à
época, Hermann (2005) diz que a solução deveu-se às facilidades decorrentes de
uma combinação de fatores, ou seja: 1) a disponibilidade de liquidez a juros baixos
no mercado externo, além da boa vontade dos Estados Unidos para com o país; 2)
as commodities exportáveis, ao terem seus preços internacionais elevados,
melhoraram a posição dos nossos termos de troca; 3) a expansão do comércio
mundial, antes comentada.
Sabe-se que as minidesvalorizações cambiais chegaram a proporcionar uma
depreciação real por praticamente todo o período em que predominou, exceto nos
anos de 1989 e 1990; por outro lado, tal política foi mantida em conformidade com a
necessidade da geração de superávits na balança comercial necessários à captação
de recursos a serem utilizados na liquidação de nossos compromissos externos.
Nesse sentido, na década de 80, os objetivos de nossa política cambial
basicamente se destinavam à geração de superávits comerciais, por meio de um
grande esforço exportador e contingenciamento das importações e das saídas de
divisas, nas suas mais diversas formas.
Surgiram, então, pressões contra a desvalorização por meio de duas fontes: a
primeira delas estava ligada às preocupações quanto ao ressurgimento de forças
65
inflacionárias reavivadas com a crise internacional do petróleo, temerosa quanto à
possibilidade de uma desvalorização excessiva, que faria voltar o fantasma da
inflação. A segunda, diretamente ligada ao grau de endividamento de algumas
empresas brasileiras, durante os anos chamados de “rápido desenvolvimento”, que
se financiaram no exterior e poderiam vir a ter problemas de liquidez, em razão de
uma possível desvalorização acentuada da moeda nacional.
Por isso, entendemos que a problemática levantada estaria significando, a par
da vulnerabilidade a que estariam expostos os nossos capitais, o prenúncio de uma
mudança na política cambial que, efetivamente, viria a se configurar pouco depois,
como veremos.
Podemos concluir, portanto, colocando que a política cambial das
minidesvalorizações podia ser considerada de “flutuação suja”, apesar de alguns
graus de liberdade a menos; se de um lado a taxa de câmbio não era fixa, em razão
da oscilação das cotações, de outro o câmbio não era livre pois sofria a intervenção
do governo no mercado.
3.4 O PERÍODO DOS PLANOS DE ESTABILIZAÇÃO ECONÔMICA
Conforme registrado anteriormente, ocorreu no país um significativo
aumento da taxa inflacionária, particularmente a partir de 1973, alteração que está
diretamente relacionada com os sucessivos choques do petróleo, nos anos de 1973
e 1979, com as elevações das taxas de juros internacionais, a partir dos anos 80,
além dos choques agrícolas e das alterações cambiais, que se propagaram devido,
também, aos mecanismos de indexação existentes na economia.
Em princípios da década de 80, o quadro inflacionário era extremamente
grave e os agentes econômicos, em qualquer ambiente, conseguiam repassar para
os preços os choques que afetavam os seus ganhos. Instituiu-se, assim, uma luta
permanente entre todos aqueles que tinham interesse em proteger suas rendas,
surgindo, daí, um mecanismo que levava à perpetuação do processo inflacionário.
A recessão ocorrida no período de 1981/83, apesar de tudo, havia
conseguido equilibrar a balança comercial com a obtenção de sucessivos superávits,
com significativos reflexos no balanço de pagamentos mas não conseguiu gerar
nenhum efeito sobre a inflação.
66
Assim, no final do regime militar, a situação externa brasileira estava
praticamente sob controle, em razão dos superávits comerciais devido à queda das
importações no biênio 1981-1983 e à expansão das exportações no ano de 1984,
como decorrência da recuperação econômica mundial, da desvalorização cambial no
ano anterior, além da maturação de uma série de projetos do II PND, que
contribuíram sensivelmente para abertura de frentes de vendas para o exterior.
É nesse quadro – economia em crescimento, balanço de pagamentos
equilibrado e inflação elevada, beirando os 200% ao ano - que a Nova República
tem início e, como é natural, elege o combate à inflação como o principal objetivo a
ser alcançado.
No final de 1983, o governo brasileiro desvalorizou em 30% a moeda
nacional, medida conhecida como maxidesvalorização, com o objetivo fundamental
de estimular as exportações e desestimular as importações.
Nesse sentido, a combinação de aumento de preço do petróleo e a referida
maxidesvalorização cambial, a par dos tradicionais descontroles dos gastos públicos
e ao que se convencionou chamar de inflação inercial, levou o Brasil a implementar
sucessivos planos de estabilização na economia.
O primeiro deles foi o Plano Cruzado que congelou, de início, preços,
salários e câmbio. Implantado em 1986, no governo Sarney, este foi, na verdade, o
primeiro de um ciclo de programas heterodoxos que redundaram em insucesso em
termos de resultado.
Ao analisar a questão, Baer (2002, p.184) afirma que:
Na época do Plano Cruzado, o país gozava de uma posição externa
relativamente sólida; a taxa de câmbio era favorável às exportações, como
conseqüência da maxidesvalorização de fevereiro de 1983 e da
manutenção generalizada das minidesvalorizações. As exportações
industriais eram particularmente favorecidas porque os preços agrícolas
haviam aumentado muito mais do que os industriais, devido à seca de 1985.
Por esse motivo, os preços industriais estavam defasados em relação ao
Índice Geral de Preços e o dólar havia tomado a dianteira em relação aos
preços industriais internos. A desvalorização da moeda americana, diante
de alguns parceiros comerciais do Brasil, ajudou a fortalecer sua
competitividade nas exportações. Houve um superávit significativo na
balança comercial desde 1983, o que permitiu ao país acumular US$ 11
bilhões em reservas cambiais.
Este, portanto, era o quadro econômico antes referido, descompensado por
um desequilíbrio inflacionário de difícil solução, e que, persistentemente, ameaçava
67
fragilizar, ainda mais, as nossas contas tanto internas como externas. Elege-se o
combate à inflação como prioridade e inicia-se um trabalho de recuperação
econômica que, num primeiro momento, visava à estabilização da moeda.
O câmbio foi congelado à taxa de $ 13.840 cruzados e foi assim mantido até o
mês de dezembro, exceto por uma pequena variação em outubro de 1986, quando
foi desvalorizado e novamente congelado até dezembro. Em dezembro de 1986,
admitindo os claros sinais de desgaste do referido plano, o Banco Central retorna à
política de minidesvalorizações cambiais, fechando o ano com uma desvalorização
de 41,5% do cruzado frente ao dólar, ante uma variação de 65,1% no IGP-DI,
diferença que, no modelo da época, evidenciava uma defasagem cambial que, pelas
circunstâncias, deveria ser reposta tão logo possível.
Nesse sentido, para manter o congelamento, o governo havia sacrificado as
empresas estatais, as contas externas e as finanças públicas. A taxa de câmbio,
praticamente congelada o tempo todo, provocou grande sangria nas reservas
internacionais, além de dificultar o pagamento do serviço da dívida. Assim, o
governo tinha que, rapidamente, tomar uma decisão: ou desacelerava a economia
ou desistia do congelamento, medida que se deparava com um fator impeditivo
crucial, ou seja, a proximidade das eleições presidenciais. Desta forma, em julho de
1986, seis meses após a sua decretação, surge um outro plano econômico chamado
de Cruzadinho, cujos efeitos não foram suficientes para corrigir as graves distorções
conjunturais.
Após as eleições, foi anunciado o Cruzado II numa tentativa de atacar o
problema fiscal do governo, que se mostrava extremamente preocupante. A respeito
do novo Plano, Lacerda (2000, p.173) tece as seguintes considerações:
[...] as dificuldades na balança de pagamentos eram crescentes, em
decorrência das políticas monetária e fiscal praticadas durante o Plano
Cruzado. A meta de inflação zero e a inflexibilidade cambial levaram o país
a ter de declarar moratória aos credores internacionais em fevereiro de
1987.
O Plano Bresser foi lançado em junho de 1987 com a denominação de Plano
de Estabilização Econômica, na verdade um pacote híbrido, com elementos
ortodoxos e heterodoxos, assemelhando-se ao Plano Cruzado em alguns pontos,
mas procurando evitar os erros cometidos anteriormente. Em seus dois primeiros
meses de governo, o novo ministro Bresser Pereira, que substituíra Dilson Funaro,
68
tomou algumas medidas de caráter emergencial, demonstrando claramente que o
país estava disposto a rever a referida moratória, decretada meses antes, contrair a
demanda agregada e aumentar as exportações, mediante uma desvalorização de
8,5% do cruzado.
A par dessa desvalorização, o câmbio passou a sofrer desvalorizações
diárias, evitando os desequilíbrios externos observados durante os meses de
congelamento de preços do Plano Cruzado.
Como resultado, o Plano, mais consistente e flexível que o Cruzado, atingiu
parte de seus objetivos, provocando a queda da inflação, o déficit público e expandiu
os saldos comerciais, circunstância que fez com que o governo viesse a renegociar
com credores internacionais e suspendesse a moratória.
Nos anos de 1982 e 1987, o Brasil declarou moratória quando tinha
esgotado os seus níveis de reservas internacionais. Em 1988, a moratória parecia
inevitável uma vez que era limitada a possibilidade de captação externa em volume
satisfatório, e os inúmeros compromissos já existentes fatalmente levariam ao
esgotamento das reservas. Antecipando-se ao evento, o governo optou por uma
outra alternativa de controle cambial, uma outra forma de moratória , ou seja, a
“centralização cambial”
24
.
Assim, a partir de julho de 1988, as remessas para o exterior, que se
destinavam ao pagamento de juros, ficariam retidas no Banco Central, valores
posteriormente renegociados e convertidos em bônus IDU Interest Due Unpaid (juros
vencidos e não pagos).
Praticamente um ano após ter assumido a gestão da economia brasileira e ter
implantado a política do feijão-com-arroz, sem resultado significativo, Maílson da
Nóbrega, em 15.01.89, substituiu o Cruzado pelo Cruzado Novo, dividindo os valores
por mil e implantando o Plano Verão, que,a exemplo dos anteriores, congelava
preços, salários e câmbio, estendendo tais medidas até abril, quando ajustou a taxa
em 8% na taxa para, no mês seguinte, retomar a prática das minidesvalorizações
diárias.
É importante lembrar que, em 1989, houve a criação do Mercado de Câmbio
de Taxas Flutuantes (turismo) tendo ocorrido, na verdade, a adoção da dualidade
24
Ocorre a centralização cambial quando há escassez de divisas (reservas) e as operações
(pagamentos e recebimentos) cambiais passam a ser centralizadas no Banco Central.
69
cambial oficial. Caracterizou-se, verdadeiramente, como o primeiro passo efetivo no
sentido de mudança do modelo cambial, com um mercado de taxas flutuantes
convivendo com um mercado de taxas predeterminadas pelo Banco Central. Dali em
diante, durante aproximadamente dez anos, tivemos a coexistência de um mercado
de câmbio de taxas administradas pelo Banco Central, chamado inicialmente de
“oficial” e, posteriormente, em 15.03.90 de “comercial”, com um segmento à parte de
taxas flutuantes definidas pelo mercado.
Tratou-se, na verdade, da primeira experiência de taxas flutuantes no
mercado legal de câmbio no Brasil.
O Plano Verão, à semelhança do Cruzado, também resultou em fracasso,
em profundas mexidas na economia e alterações nos mercados, em detrimento do
desenvolvimento da nação.
Castro (2005, p.131) ao referir-se à matéria assim se manifesta:
Do ponto de vista da eficácia do Plano Verão, a inflação baixou no primeiro
mês de sua implementação (fevereiro), mas, já em março, entrou em rota
ascendente. Agora, sem nenhum mecanismo de coordenação de
expectativas devido à extinção dos indexadores, cada agente olhava o
índice que melhor lhe convinha, e os períodos de reajuste de preços foram
sistematicamente reduzidos. O resultado para a economia foi um grande
aumento da inflação, que ultrapassou 80% ao mês no começo de 1990.
A partir de 15.03.90, tem início um novo governo, implanta-se um novo plano
econômico – Plano Collor – e são adotadas algumas medidas no mercado de
câmbio, dentre elas: i) mudança na denominação da moeda, de cruzado para
cruzeiro; ii) adoção da livre flutuação da moeda, extinguindo a estrutura de
compra/venda/repasse/cobertura. Além disso, o Banco Central somente compraria
moeda conforme disponibilidades em cruzeiros (houve confisco de 80% dos
cruzados e adoção de metas estritas de expansão monetária); iii) intervenções, via
mercado de ouro, no Mercado de Câmbio de Taxas Flutuantes ( MCTF) e Paralelo.
Foi a primeira vez, em muitos anos, que o governo tentava implantar uma
nova política através da qual não dependesse da determinação da taxa de câmbio
pelo Banco Central e, vale lembrar, para que isso fosse possível obrigava-se a
comprar toda a moeda oferecida e a vender toda a moeda demandada. Nestas
circunstâncias, se a oferta era muito grande, isso provocava, na mesma proporção,
um crescimento nas reservas cambiais do país e significava, ademais, uma
70
expansão monetária correspondente à moeda nacional utilizada na compra. Por
outro lado, se a demanda era muito grande, melhorava o controle monetário mas o
Banco Central perdia reservas.
Em função disso, o governo limitava os caminhos da demanda, com
inúmeras restrições às importações ou, ainda, como em situações anteriores,
recorria à moratória ou à centralização do câmbio, conforme comentado linhas atrás.
Desta forma, com a adoção deste novo modelo, o Banco Central pretendeu
transferir para o mercado a tarefa de determinar a taxa cambial, desobrigando-se, no
caso, de comprar ou vender, exceto se lhe interessasse. A oferta e a demanda de
moeda estrangeira, em níveis elevados, implicariam ajustes na taxa cambial e não
mais nas reservas ou no nível de expansão monetária.
Em abril de 1990, o BACEN passa a enfrentar as primeiras dificuldades com a
flutuação cambial; havia uma grande escassez de cruzeiros em razão do confisco do
Plano Collor, sendo que uma das conseqüências dessa medida foi a tendência de
valorização da nova moeda, circunstância que fez com que o Banco Central
passasse a operar pontualmente no mercado de câmbio, através da compra e venda
de moeda. À época, devido ao confisco dos cruzados e à necessidade de caixa das
empresas, dólares eram negociados no mercado, a qualquer preço, o que provocava
queda nas cotações. Semanas depois, tão logo a situação do caixa se equilibrou,
teve início, por parte dos exportadores e especuladores, um processo de retenção
dos dólares com o objetivo de forçar uma alta nas cotações da moeda.
Como o Banco Central tinha pouca flexibilidade de atuação devido ao baixo
nível de reservas, viu-se obrigado a comprar para recompor o seu caixa externo e,
quando necessário, vender para evitar elevação na cotação da taxa cambial, o que
serviria para evitar possíveis pressões inflacionárias, mormente se considerarmos a
debilidade do quadro macroeconômico de então.
Em fevereiro de 1991, com o fracasso do Plano Collor, a equipe econômica,
de forma emergencial, e por curto período de tempo, adotou um plano heterodoxo
nos mesmos moldes do anterior, com congelamento de preços e câmbio. Tratava-se
do Collor II, o qual, segundo Lacerda (2000,p.187):
[...] foi adotado em janeiro de 1991, em situação de desespero devido à
reaceleração da inflação. Mais uma vez, lançava-se mão de congelamento
de preços e salários e da unificação das datas-base de reajustes salariais,
além de novas medidas de contração monetária e fiscal.
71
Assim, adotado o Plano Collor II, e aperfeiçoado o modelo de intervenções
do Banco Central no mercado, através de compras e vendas pontuais de dólares,
ocorreu uma desvalorização de 30% na moeda nacional, num momento em que a
inflação estava próxima dos 20%, com o objetivo de estimular as operações de
exportação e melhorar o perfil da balança comercial. O objetivo da medida era
melhorar a taxa de câmbio para proceder a um congelamento de preços e salários
na economia já que a inflação recrudescera e voltara a crescer.
À semelhança dos planos anteriores que, contrariando as leis da economia,
envolviam congelamento, a tentativa fracassou e, a partir de março daquele ano,
voltou-se a permitir a flutuação da moeda, através das intervenções pontuais no
mercado.
Quando a nova equipe, comandada por Marcílio Marques Moreira, assume o
comando da economia, em maio de 1991, em momento de grande instabilidade
cambial, o Banco Central retornou ao modelo de flutuação “suja”, isto é, intervindo
de forma contínua no mercado, por meio de compras e vendas de moeda. O fato
novo foi a introdução da prática dos leilões, que já havia sido tentada no início do
governo Collor e, posteriormente, adiada em razão das limitações tecnológicas da
época, além de não ter havido a definição quanto aos dealers, que passariam a
operar no mercado.
Na seqüência, em setembro de 1992, devido à queda contínua do nível de
reservas e com o propósito de se estimularem as exportações, procedeu-se a uma
maxidesvalorização do cruzeiro em torno de 20%, mantendo-se o modelo de
desvalorização por leilões; nos meses subseqüentes, o Banco Central foi,
finalmente, autorizado a operar no Mercado de Câmbio de Taxas Flutuantes
(turismo), provocando, com isso, certa descontinuidade das operações com ouro
para o equilíbrio do próprio Flutuante e do Paralelo.
Segundo Gremaud (2005,p.460):
De qualquer forma, o período Collor de Mello, embora marcado pela crise
política do impeachment e profunda instabilidade econômica, trouxe à baila
a discussão sobre a privatização e a mudança na estratégia de comércio
exterior, com a liberalização das importações (a chamada abertura
comercial ); além disso, destaca-se a volta do fluxo de recursos externos ao
país.
72
Em outubro de 1992, no novo governo chefiado por Itamar Franco, o
Cruzeiro Real é criado em substituição ao cruzeiro sendo mantida a política de
intervenções do Banco Central no sistema de minidesvalorizações, através de leilões
diários, em que aquela autoridade administrava a desvalorização da moeda
doméstica, através de indexadores que acompanhavam a inflação.
A partir de fevereiro de 1994, houve um retorno às minidesvalorizações
diárias, com taxas prefixadas, utilizando-se, no entanto, um novo indexador
denominado URV – Unidade Real de Valor, que passou a ser, na prática, o
indexador único da economia, inclusive para o câmbio, circunstância que prevaleceu
até julho de 1994, quando, finalmente, tivemos o surgimento do Plano Real.
Conforme havíamos registrado, logo após a implantação dos planos de
estabilização na economia, a inflação imediatamente desabava como conseqüência
das medidas adotadas.
A propósito, a corroborar nossas assertivas, apresentamos no Gráfico 1,
abaixo, um perfil de todos os planos econômicos com as quedas dos índices
inflacionários em destaque.
Gráfico 1 - Comportamento da Inflação Mensal - IGP-DI - 1985-1996 (%)
Fonte: FGV apud CASTRO, 2005, p. 159.
Em síntese, podemos definir um regime cambial por duas características
básicas que lhe são próprias, representadas, no caso, pelo grau de conversibilidade
da moeda doméstica e pelo método de determinação da taxa de câmbio.
73
Dentro dessa ótica, segundo Souza (1993), em razão de suas próprias
características, um regime de taxa de câmbio fixa e plena conversibilidade da moeda
deve gerar uma limitação drástica no que se refere à capacidade do governo em
fazer política econômica, particularmente num mundo em que há intensa mobilidade
de capitais. Registra que, a rigor, a política mais afetada é a monetária, através do
nivelamento da taxa de juros doméstica à taxa internacional, o que faz com que a
moeda se torne endógena. Nesse sentido, se o Banco Central contrai a oferta
monetária, a taxa de juros doméstica se eleva exercendo, em conseqüência, atração
sobre os capitais externos devido ao diferencial de juros.Tal circunstância tende a
caracterizar um círculo vicioso uma vez que o influxo de divisas, quando da
conversão em moeda nacional, deverá provocar expansão da base monetária,
aumentando a liquidez, o que faz com que a taxa de juros caia.
A fim de defender a cotação da taxa de câmbio, sem restrições cambiais, o
governo deverá dispor de um volume significativo de reservas, circunstância que
deverá limitar o financiamento dos déficits governamentais com reflexos diretos na
condução da política fiscal.
Via de regra, quando dos desequilíbrios do balanço de pagamentos, num
regime cambial dessa natureza, o governo deve lançar mão de uma política
monetária contracionista com a finalidade de atrair capital externo e financiar o déficit
em questão.
Ainda conforme Souza (1993), uma forma alternativa de políticas
econômicas domésticas, sem que se recorra às restrições à conversibilidade, seria a
adoção de um regime de câmbio de taxas flutuantes, em que a manutenção da
estabilidade dos preços estaria condicionada ao rigor e à autodisciplina de políticas
financeiras domésticas. Assim, possíveis divergências entre as políticas interna e
externa, da mesma forma que a evolução entre ambas as produtividades se
refletiriam nas variações das taxas de câmbio, circunstância que pressupõe a
presença marcante do Banco Central no mercado. Assim, o ajuste do Balanço de
Pagamentos estaria assegurado, através das variações das taxas de câmbio com a
eliminação de possíveis movimentos recessivos - caso dos déficits – ou movimentos
expansionistas – caso dos superávits – tão comuns num regime de câmbio fixo.
Por outro lado, destaca a experiência mundial com os mercados de taxas
flutuantes e a sua ineficiência em gerar taxas de câmbio de equilíbrio,
particularmente nos anos 70 e 80 e que os fluxos de capitais especulativos servem
74
para provocar freqüentes instabilidades na sua cotação, fenômeno que, sabemos,
contribui sobremaneira para o desequilíbrio da balança comercial. Entendemos que
tal circunstância representa exatamente a situação da atual política cambial
brasileira, pelo fato de haver um excesso de liquidez internacional, o que induz os
países emergentes à captação de recursos, estimulando as importações e
desestimulando as exportações devido à sobrevalorização da taxa de câmbio.
Ainda, segundo o autor, a ocorrer o afastamento de uma política de flutuação pura, o
quadro econômico estaria na dependência de um maior volume de reservas, quando
da eventualidade de intervenção no mercado cambial, além de um menor grau de
autonomia da política doméstica em relação ao exterior. Tal fato ocorre quando as
autoridades intervêm no mercado propriamente dito, ou pela inserção de restrições à
conversibilidade para controlar o fluxo de capitais, ou através de políticas em que
monopolizam a compra das divisas geradas pelas exportações, conforme
preconizado na Instrução 70 da Sumoc, na década de 50, antes comentada.
Nesse sentido, não se podería deixar de ressaltar que a atual política
cambial brasileira, de que falaremos no próximo capítulo deste trabalho, apesar de
há algum tempo estar contribuindo para a geração de seguidos superávits na
balança comercial, já começa a ter a sua credibilidade posta em dúvida. Cremos
mesmo que a travessia do limite psicológico de sobrevalorização do real já ocorreu,
e alguns segmentos da economia já começam a dar sinais de exaustão, passando a
direcionar a sua produção gradativamente para o mercado interno.
É importante lembrar que a adoção pelos países asiáticos, e dos latino-
americanos, notadamente os emergentes, de práticas ligadas à flexibilização de
restrições à entrada e saída de capitais, através, em muitos casos, do uso de altas
taxas de juros para efeito de atração de capitais externos – com sobrevalorização da
taxa cambial – contribuiu certamente para que o México, num primeiro momento,
Tailândia, Filipinas e outros, enfrentassem a instabilidade econômica via crise
financeira. Num segundo momento, outras nações, como o Brasil e a Rússia vieram
a enfrentar as mesmas dificuldades, basicamente devido à condução equivocada de
suas respectivas políticas cambiais, diferentemente de outros países como Índia e
China que não se submeteram à referida prática e mantiveram algumas restrições
cambiais, conseguindo, de certa forma, sobreviver à crise em questão.
Utilizado no período recente por diversos países, com a emergência do
Sistema Monetário Europeu, surgiu, na década de 70, outro regime cambial
75
denominado Sistema de Bandas Cambiais. No que diz respeito ao seu
funcionamento, o sistema em questão tem a seguinte lógica: definem-se os valores
que a taxa de câmbio pode assumir, levando-se em consideração, no caso, a
realidade do mercado; dentro desses limites, o sistema deveria funcionar como se
fosse câmbio flutuante e nos limites como câmbio fixo.
Assim, no sistema de bandas, define-se uma taxa central e um intervalo de
variação, definido por um percentual; a existir uma pressão pela desvalorização da
moeda nacional, levando o sistema ao limite inferior, o Banco Central intervém,
vendendo moeda estrangeira e comprando moeda nacional. No caso oposto,
quando se pressiona a valorização, o Banco Central age em sentido oposto, fazendo
com que a taxa cambial retorne ao ponto de equilíbrio.
Em alguns casos, os bancos centrais intervêm nos mercados antes que se
alcancem os limites, ocorrências chamadas na prática, de intervenções intramargem.
De um modo geral, as dificuldades associadas a esse regime são: a
definição da taxa central (dificuldade semelhante a se definir qual a taxa de câmbio
em um regime de câmbio fixo) e a definição da amplitude das margens. Esta deverá
ser maior quanto maior for a volatilidade do saldo em transações correntes e do
movimento de capitais do país; via de regra, em economias menos desenvolvidas,
costuma-se utilizar bandas mais largas.
Finalmente, devemos lembrar que esse regime cambial foi utilizado alguns
meses após a implantação do Plano Real, mais especificamente março de 1995,
sendo, depois, substituído pelo sistema de taxas flutuantes, a partir de janeiro de
1999, períodos que deixamos de aqui abordar por serem objeto de análise
específica no próximo capítulo.
3.5 CONCLUSÃO
Destacamos, em vários pontos deste trabalho, que a taxa de câmbio é uma
das variáveis mais importantes da economia pelo fato de intermediar todas as
transações entre residentes e não residentes de um país.
Por isso, as contas do balanço de pagamentos são sensibilizadas pela taxa
cambial, cujas alterações afetam exportações, importações, entradas de capitais
estrangeiros, rentabilidade de aplicações no exterior e tantos outros ativos de
fundamental importância.
76
Da mesma forma, as variações da taxa de câmbio exercem uma forte
influência no mercado interno.
Assim, uma desvalorização cambial, além de estimular as exportações,
aumenta a competitividade dos nossos produtos no exterior, fazendo crescer o
emprego e, igualmente, pode levar a um aumento dos preços internos provocando
inflação que, como se sabe, é historicamente uma variável de triste lembrança para
a nossa economia.
Ao ser desvalorizada, a moeda nacional, além de provocar os efeitos antes
alinhados, contribui para o encarecimento dos produtos importados, desestimulando
as importações. Ora, se sabemos que, também, a importação de um país não deixa
de ser fonte de desenvolvimento, tal alteração acaba se constituindo em mais um
obstáculo para o nosso crescimento.
É lícito ponderarmos, portanto, que o ideal seria um ambiente de mercado
de câmbio centrado numa taxa de equilíbrio, o que faria com que, tanto do lado das
exportações como do lado das importações, as expectativas negociais, num primeiro
momento, estariam plenamente atendidas.
A grande dificuldade, no entanto, reside exatamente neste particular, ou
seja, como achar o ponto de equilíbrio uma vez que o mercado de câmbio,
extremamente sensível, está diretamente ligado e sujeito às influências externas,
mormente se considerarmos a nossa condição de emergente.
Uma leitura atenta do presente capítulo nos mostrará que, em todos os
governos, sem exceção, houve um grande esforço da área econômica no sentido de
escolher a política cambial que melhor se adequasse ao momento político-
econômico por que passava o país.
Pudemos notar uma persistente sucessão de erros, em total desequilíbrio
com os poucos acertos, que serviram para identificar uma política cambial que,
numa perspectiva, se apresentava como imediatista
25
e voltada para a obtenção de
saldos comerciais, que visavam atender às exigências de organismos internacionais,
nossos financiadores.
Não há dúvida de que, como dissemos na Introdução do presente trabalho, o
regime cambial adotado tem maiores chances de se adequar a uma economia se
25
Política voltada para o atingimento de superávits comerciais para fazer face aos pagamentos do
BP.
77
esta estiver apoiada em fundamentos econômicos monetários e fiscais, sólidos.
Apesar disso, a escolha do regime cambial, por si só, afeta a vulnerabilidade da
economia frente a crises externas.
Ora, somando-se todos esses pontos a freqüentes desorganizações de
nossas contas, tanto internas como externas, advindas de políticas econômicas
equivocadas, particularmente as cambiais, temos o que se viu neste capítulo :
inúmeras tentativas de acerto num ambiente macroeconômico que deixava a
desejar, uma dependência direta dos capitais externos, circunstâncias que serviram
para gerar uma vulnerabilidade externa permanente.
Foram poucas as vezes, na verdade, em que a adoção de tais políticas
serviram para atingir os objetivos pretendidos, se, principalmente, levarmos em
consideração o caráter oportunista das medidas preconizadas. Queremos dizer, com
isso, termos observado que, ao longo do tempo, o governo tem lançado mão do
recurso da desvalorização cambial para, com isso, estimular as operações de
exportação, gerando superávits na balança comercial e um certo alívio no balanço
de pagamentos.
Vimos, acima de tudo, que tal prática, num determinado instante, serve para
gerar temporariamente uma melhora em nosso caixa externo sem, no entanto,
deixar de gerar prejuízos a outras áreas uma vez que, entendemos, as dificuldades
brasileiras não se resumem apenas na política cambial e sim, também, em outros
segmentos da economia, sobejamente conhecidos e fora do contexto desta
discussão.
Nesse sentido, nossa preocupação maior volta-se para a escolha do regime
cambial mais adequado para a nossa realidade de país emergente, que pretende
crescer, estimulando e aumentando consideravelmente as suas exportações,
mantendo em níveis compatíveis com o nosso grau de desenvolvimento as
importações, direcionando recursos à melhoria de nossa infra-estrutura, barateando
custos de financiamento, enfim, promovendo uma gestão econômica voltada para o
nosso indispensável desenvolvimento.
78
4 A POLÍTICA DE CÂMBIO E JUROS NO PLANO REAL
Vimos no capítulo anterior que o período entre 1990 e 1994, caracterizou-se
por uma marcante mudança de modelo de crescimento da nossa economia, após
uma década praticamente sem investimentos e uma persistente luta pela
estabilização. Pudemos assistir, também, ao esgotamento de um modelo que se
confunde com a própria história econômica do país e que contribuiu, certamente,
para colocar-nos entre as nações industrializadas do mundo, ou seja, o modelo de
substituição de importações.
A desorganização havida em nossas bases políticas era natural que
ocorresse, tendo em vista estarmos vivendo um momento grave e conturbado, com
sérios reflexos sociais e econômicos, devido ao impeachment do Presidente Collor.
Acresça-se a tais fatos as inúmeras tentativas malogradas e traumatizantes,
vindas dos governos anteriores, devido à implantação dos inúmeros programas de
estabilização da economia, e passamos a ter um quadro cujas circunstâncias nada
têm de animadoras no sentido de empreender-se nova tentativa da espécie no
campo econômico.
É interessante lembrar que, na década anterior, isto é, nos anos 80, o Brasil
e toda a América Latina viveram as sérias conseqüências de uma dívida externa,
com fortes desequilíbrios no balanço de pagamentos, interrupção dos fluxos de
financiamentos externos, volatilidade das taxas cambiais, além de um processo de
indexação ao dólar, nas mais diversas formas, o que serviu para gerar forte
descontrole nos números da nossa política macroeconômica. As várias tentativas de
modificação desse cenário, como vimos, foram todas infrutíferas.
Na verdade, somente a partir da mudança de fatores fundamentais, dentre
eles, o aumento da liquidez internacional, a consolidação do ciclo de crescimento da
economia americana e a renegociação de nossa dívida externa, ficam criadas as
condições para a implementação de políticas mais eficazes de controle da inflação.
Desta forma, tendo como referência os demais planos de estabilização
postos em prática, progressivamente, em países da região, o Plano Real é
79
concebido, apresentando, como principal fundamento, uma política econômica
articulada entre o aumento das importações e a absorção de recursos externos.
A estabilização monetária pretendida foi possível por meio da abertura de
duas frentes, as quais, pelas suas características, foram incluídas no projeto para
controlar os preços e o câmbio. A primeira, chamada de âncora monetária, tinha por
objetivo controlar a demanda e a expansão monetária, através de uma política de
juros altos; a segunda, denominada âncora cambial, objetivava a valorização da taxa
de câmbio, num contexto em que o grau de abertura para o exterior tinha aumentado
significativamente e o país possuía um volume considerável de reservas.
A implantação do Plano Real provocou, de imediato, um impacto positivo
através da queda rápida da inflação, à semelhança de todos os demais planos
econômicos implantados no país; restava saber, no entanto, se todos os demais
indicadores da economia iriam, também, reagir da mesma forma, objetivo
fundamental do projeto, que se prenunciava como o principal acontecimento a afetar
a economia brasileira, a partir de 1990.
Como se verá, seu impacto sobre os preços internos tornou possível o
controle da inflação, tendo provocado, todavia, uma verdadeira explosão nas
importações, circunstância que, a par da desestruturação havida no mercado
interno, gerou, a partir daí, constantes e crescentes déficits na balança comercial.
A conjugação de alguns fatores representados pela abertura comercial -
além dos juros altos que atraíam capitais externos - provocou a sobrevalorização da
moeda nacional e encareceu o crédito interno; tudo isso, somado a um contexto
econômico de experiência recente, fez com que, paralelamente ao crescimento de
nossa dívida externa, ocorresse um forte endividamento público.
Em outras palavras, o Plano Real, inegavelmente o maior e mais bem
sucedido programa de estabilização, até então implantado na economia brasileira,
apesar de caracterizar-se como eficaz no controle e estabilização dos preços
internos, expôs o país a uma vulnerabilidade externa muito grande
26
, engessando o
crescimento econômico e, de certa forma, desorganizando alguns setores
fundamentais da economia.
Nesse sentido, a principal experiência brasileira de estabilização, que se
estende de 1994 até o presente, evidenciou-se pelo controle prioritário da inflação,
26
Taxas de juros altas apesar de servirem para atrair capitais externos aumentam a dependência do
país tanto externa como internamente.
80
enfraquecendo, no entanto, outros setores vitais da economia; tal situação, que
perdurou até 1999 - ano em que o desmoronamento de algumas medidas se
materializou - provocou profundas alterações no programa, com a adoção de uma
política de câmbio flutuante, o que marca importante momento e um novo perfil do
Plano Real.
O presente capítulo pretende analisar a política de câmbio e juros no Plano
Real, através de uma descrição analítica do programa de estabilização, iniciando a
próxima seção com a descrição e concepção do Plano Real e as âncoras monetária
e cambial já referidas. Segue-se, na seção 2, uma descrição da política de câmbio
fixo, os problemas gerados na balança comercial, o ingresso de capitais externos e a
dívida pública; e finalmente, na seção 3, abordaremos a crise do regime cambial e
as mudanças para uma política de câmbio flutuante, além das repercussões sobre a
balança comercial, taxas de juros e dívida pública.
4.1 A CONCEPÇÃO DO PLANO REAL
Considerada a mais bem sucedida experiência brasileira de estabilização, o
Plano Real, a despeito de ter atingido um de seus principais objetivos, ou seja, o
controle da inflação, tem sido motivo de controvérsia entre as autoridades,
ampliando-se, com isso, as críticas relativas à condução da política econômica.
Apesar de seu inegável sucesso, têm sido extremamente freqüentes as
advertências sobre os riscos da sobrevalorização cambial e seus efeitos na balança
comercial, a vulnerabilidade de nossas contas externas, as altas taxas de juros, que
encarecem o crédito interno e engessam o crescimento, os efeitos danosos na
dívida pública extremamente alta e a nossa dependência direta dos fluxos de
capitais internacionais.
É importante rememorar que, em princípios dos anos 90, o Brasil procedeu à
intensificação de seu processo de abertura com o exterior – instrumento
indispensável ao equilíbrio econômico interno – de fomento às privatizações, de
renegociação de nossa dívida externa e desregulamentação do mercado,
providências que, a rigor, não contribuíram para a estabilização da economia, em
razão da persistente presença da inflação.
Em termos de antecedentes históricos, procuramos destacar, em linhas
gerais, na Introdução do presente capítulo, os principais momentos da economia
81
brasileira, que precederam o surgimento do referido programa, evidenciando, dentro
da realidade nacional, circunstâncias que, de alguma forma, foram consideradas
propícias à implantação e sucesso do Plano.
Desta forma, ao assumir o Ministério da Fazenda no governo Itamar Franco,
Fernando Henrique Cardoso, em maio de 1993, já havia dado início à elaboração do
novo programa, que deveria ser lançado no final do ano e que, diferentemente dos
planos de estabilização que o precederam, não incluía o congelamento, um dos
grandes responsáveis pelos insucessos anteriores.
Além disso, ficou definido que a implantação das medidas não seria feita de
surpresa mas de forma gradual, e que haveria uma preocupação com os
desequilíbrios existentes na economia a fim de que não se repetissem os erros
cometidos, em situações idênticas anteriores.
Finalmente, é importante notar que o momento econômico que vivíamos era
especial, tendo em vista o fato de o Brasil ter reingressado no fluxo de recursos
internacionais e ter acumulado um volume considerável de reservas cambiais,
indispensáveis à segurança do processo.
Por isso, além do fato de a economia estar mais exposta à concorrência
internacional devido à abertura comercial – fator que limitava os agentes de
repassarem custos para os preços – a inserção do país na economia internacional
diferenciava-se totalmente daquela experimentada em planos anteriores.
A esse respeito, Baer (2002, p.221) registra que:
Em dezembro, Fernando Henrique Cardoso propôs um novo programa de
estabilização que deveria evitar algumas das imperfeições de planos
anteriores. Em especial, uma das principais falhas desses planos foi terem
posto fim à inflação repentinamente por meio de congelamentos de preços
cujos efeitos eram apenas transitórios. Ao contrário dos planos anteriores, o
novo programa foi primeiramente apresentado como uma proposta a ser
discutida pelo Congresso e implementado gradualmente. O programa
apresentava dois pontos importantes: primeiro, um ajuste fiscal; segundo,
um novo sistema de indexação que levaria progressivamente a uma nova
moeda.
Assim, levando-se em consideração a experiência adquirida na implantação
e acompanhamento dos planos anteriores, a não inclusão do congelamento entre as
medidas a serem adotadas, além de criadas as demais condições antes referidas, o
Plano Real desferiu o ataque ao processo inflacionário em três fases distintas e
intrinsecamente ligadas, ou ainda: i) ajuste fiscal; ii) indexação completa da
82
economia por meio da URV-Unidade Real de Valor; e iii) reforma monetária –
transformação da URV em Reais.
O ajuste fiscal tinha por objetivo adequar o desequilíbrio orçamentário para
os anos seguintes, com a não ocorrência de eventuais descontroles na economia,
evitando-se, com isso, a possibilidade de pressões inflacionárias. Os principais
elementos do referido ajuste podem ser resumidos nos seguintes pontos: corte de
despesas, aumento dos impostos e diminuição das transferências do governo
federal.
4.1.1 As Três Fases do Plano
O primeiro elemento citado, isto é, o Plano de Ação Imediata – PAI, lançado
em meados de 1993, determinava um corte de gastos, em torno de US$ 7 bilhões,
que incidiria nas despesas de pessoal e de investimentos. O aumento da
arrecadação via impostos se daria pela criação do Imposto Provisório Sobre
Movimentação Financeira (IPMF), tributo novo, a princípio de caráter temporário,
representado por uma alíquota de 0,25%, incidente sobre toda e qualquer
movimentação financeira; o terceiro elemento do ajuste fiscal, denominado Fundo
Social de Emergência (FSE) era derivado de 15% da arrecadação de todos os
impostos e que, pelas suas características, servia para ampliar os recursos livres à
disposição do governo federal.
Tendo em vista a aprovação de emenda pelo Congresso, é introduzida, pelo
governo, em março de 1994, uma unidade de conta estável, denominada Unidade
Real de Valor (URV), com uma paridade cambial máxima de 1 para 1, em relação ao
dólar. Exceto alguns poucos casos, foi permitido que os contratos existentes na
economia fossem convertidos a essa nova unidade de conta; fugiram dessa regra os
salários, aluguéis residenciais, mensalidades escolares e preços de tarifas públicas,
cujos termos de conversões seriam passíveis de acordos, livremente pactuados
entre as partes, com a condição de que fossem abolidos os prazos de reajuste
inferiores a um ano.
Assim, a conversão de todos os contratos em URV – unidade de conta
estável – era considerada o primeiro grande passo em direção a uma moeda
estável, fato que significava, na verdade, que os referidos contratos poderiam
beneficiar-se, dali em diante, da indexação diária; foi anunciado, ainda, que o valor
83
da nova unidade de conta seria reajustado diariamente, mantendo-se a paridade
com o dólar, com base na evolução dos três índices mais praticados na economia.
Uma das principais finalidades da segunda etapa do Plano era promover o
alinhamento dos preços relativos mais importantes na economia. Assim, foi instituído
um sistema monetário duplo, através do qual a URV tinha a função de unidade de
conta, expressando o preço das mercadorias, enquanto as transações eram
liquidadas em cruzeiro real, que funcionava como moeda de troca, isto é, no ato da
transação convertia-se o preço da mercadoria expresso em URV em CR$ pela
cotação do dia da URV.
Desta forma, a inflação persistia na moeda em circulação e não na unidade
de conta; com isso, as correções dos preços das mercadorias em URV nada mais
eram do que o reflexo do ajustamento dos preços relativos e que correspondiam ao
objetivo dessa etapa, com o propósito de se evitarem choques posteriores.
Dentro dessa ótica, a partir do momento em que todos os preços estavam
expressos em URV, o governo, em 01.07.94, introduz a nova moeda, o Real (R$),
cujo valor era igual ao da URV e, por via de conseqüência, igual ao dólar (US$): CR$
2.750,00. Desta forma, todos os preços em CR$ eram convertidos em R$, dividindo-
se pelo valor da URV do dia.
Logo após a implantação do Plano, quando da conversão, houve uma
aceleração inflacionária acentuada, em razão da tentativa de alguns agentes na
elevação de seus preços, ou para tirarem vantagem na transição ou por temerem a
eventualidade de congelamento, movimento que, na verdade não se sustentou uma
vez que os preços refluíram naturalmente para os níveis de mercado.
O governo, no entanto, diferentemente dos planos anteriores, absteve-se de
impor regras que pudessem mudar o propósito das medidas inicialmente
preconizadas no novo Plano, isto é, não recorreu a congelamento, transformação
pela média e outros recursos adotados em oportunidades anteriores; ao contrário,
valeu-se de sua rede de comunicação a sugerir ao público que diminuísse as
compras de artigos de primeira necessidade, medida que ajudaria na redução dos
preços vigentes, fato que efetivamente ocorreu.
No particular, assim Bacha (1995, p.16) se manifesta:
84
Também é verdade que, por meio do mecanismo de negociações informais
de conversão de preços mencionados acima, chegou-se a acordos de
persuasão moral entre o governo e os grupos empresariais mais
importantes do país, para que estes mantivessem constantes seus preços
em Reais. Mas isso foi muito diferente da utilização de controles formais de
preços, uma vez que envolveu um mecanismo de consulta, através do qual
a cooperação foi acordada e não imposta. Os setores-chave da economia
foram convidados a se tornar parceiros no esforço de estabilização, ao invés
de operar como opositores. É importante observar, ainda, que não houve
tentativa de estabelecer pactos sociais formais, pois se julgou impossível
negociá-los no contexto de uma sociedade heterogênea e atomizada como
o Brasil, particularmente levando-se em conta a feroz disputa eleitoral para
a Presidência que estava em curso.
Um outro aspecto de fundamental importância diz respeito à administração
do Plano, imediatamente após a implantação do novo modelo, tendo em vista o
caráter inercial da inflação, uma vez que, inegavelmente, o seu sucesso estaria
condicionado à ausência de choques que pudessem afetar os preços, ou ainda, à
forma de controlar os possíveis repasses de custos para os preços evitando, com
isso, que se reacendesse o processo inflacionário.
4.1.2 As Âncoras: Monetária e Cambial
Imediatamente após a implantação do novo modelo de estabilização, com o
propósito de regular o valor da moeda e restringir a liquidez da economia, o governo
adotou uma política monetária restritiva que se caracterizava por empréstimos de
curto prazo no financiamento das exportações, e instituiu um depósito compulsório
de 100% incidente sobre os depósitos à vista; além disso, anunciou metas de
expansão monetária bastante tímidas, ou seja, R$ 7,5 bilhões para o terceiro
trimestre de 1994, valor revisado posteriormente para R$ 9 bilhões, e R$ 9,5 bilhões
até o final de março de 1995, medidas que, em razão do próprio momento
econômico, contribuíram para causar certo impacto nas expectativas inflacionárias,
conquanto tais revisões nas metas de expansão monetária devam ser atribuídas ao
crescimento da demanda por dinheiro
Nesse sentido, mesmo com tais revisões, ficou definido que à política
monetária caberia uma das mais importantes funções, ou ainda, o controle da
demanda e o desestímulo à formação de processos especulativos com a
manutenção das taxas de juros elevadas. Nesse caso, com o controle da demanda e
da expansão monetária, evitar-se-ia que os agentes repassassem custos para os
85
preços, hipótese que, praticamente, descartaria os riscos de um provável retorno da
inflação.
O mecanismo de controle em questão ficou conhecido como Âncora
Monetária, componente de importância fundamental na formação de preços e que
teve papel decisivo na administração da política monetária no Plano Real.
Uma das formas escolhidas para romper com o processo de repasse dos
custos para os preços – fator realimentador da inflação – foi a valorização da taxa de
câmbio que, como se sabe, estimula as importações, provocando efeito contrário
nas exportações; além disso, o grau de abertura de nossa economia para o exterior
havia aumentado de forma significativa e o país possuía um considerável nível de
reservas, algo em torno de US$ 40 bilhões, num cenário internacional caracterizado
por abundância de capitais.
Nesse contexto, com a manutenção da taxa de juros em níveis elevados –
bem acima das praticadas nos mercados internacionais (Prime e Libor) – conforme
apresentado no Gráfico 2 abaixo -, a par da permanência do excesso de liquidez
internacional, era perfeitamente natural que houvesse uma forte migração de
capitais para a nossa economia, o que efetivamente ocorreu.
Gráfico 2 - Taxa de Juros (ago/1994 - ago/1999)
Fonte: Boletim do Banco Central do Brasil - vários números apud SILVA, 2002, p.11.
86
Em tais circunstâncias, o Banco Central, ao deixar de lado a idéia da
acumulação de reservas, que, certamente, contribuiria para pressionar a expansão
monetária, adotou a política de flutuação cambial, provocando, com isso, forte
valorização da taxa de câmbio.
Desta forma, a conjugação de tais fatores, quais sejam, a abertura
comercial, além de um volume significativo de reservas e o fluxo constante de
capitais a ingressar no país, pelas razões antes alinhadas, tudo isso fez com que
fossem criadas condições plenas para intensificar-se o processo de importação.
Assim, em razão da valorização cambial, as operações de importação
aumentaram consideravelmente, estabeleceu-se no mercado interno uma natural
concorrência com os produtos nacionais, e a eventualidade de repasses e outras
formas de tentativas de elevações dos preços internos foi abandonada, como natural
decorrência do fator de equilíbrio provocado pelo funcionamento do mercado.
Paralelamente a tais medidas, com a finalidade de controlar influxos de
capitais atraídos pela elevada taxa de juros, o governo fixou o preço de venda do
real em US$ 1,00, permitindo, todavia, que o seu preço de compra fosse regulado
pelo mercado.
Este mecanismo passou a ser chamado de Âncora Cambial, principal
instrumento da política econômica adotada no período a que nos estamos referindo
Sobre o assunto, assim se manifesta Ferrari Filho (2001, p.8):
No que diz respeito à âncora monetária, foram fixadas metas de
crescimento da base monetária – papel moeda em circulação e reservas
bancárias – para os dois últimos trimestres de 1994 e para o primeiro
trimestre de 1995. Essas metas, contudo, poderiam sofrer flexibilizações,
em caráter de excepcionalidade, de até 20% sobre os valores fixados, face
às pressões de demanda por moeda. A sistemática da taxa de câmbio foi
caracterizada por uma âncora cambial com bandas assimétricas de
variação. Dito de outra maneira, o Banco Central estabeleceu um limite para
o preço de venda da paridade cambial – a taxa de câmbio, real por dólar,
deveria situar-se em torno de 1,00 – bem como permitiu que o mercado de
divisas estrangeiras estabelecesse o preço de compra da taxa de câmbio.
Nessa perspectiva, era esperado que houvesse queda acentuada nos níveis
de inflação, não da forma abrupta como ocorreu nos demais planos, em razão da
não existência do congelamento, mas de uma forma gradual e lenta, porém
constante. Ainda no mês de julho, observa-se uma taxa de inflação elevada,
primeiramente por se tratar de um programa de governo recém implantado, além do
fato de ter-se estabelecido certa desorganização na economia, oportunidade em que
87
os agentes tentaram, inutilmente, beneficiar-se do repasse dos custos de seus
produtos para os preços.
Apesar disso, já no mês de agosto, os níveis de inflação desceram para 3%
ao mês, com clara tendência de queda ante os 40% registrados praticamente
durante todo o primeiro semestre; as taxas de inflação mensais, igualmente, de
forma geral, sempre apresentaram tendência de queda e oscilavam de acordo com a
demanda e as possíveis intervenções no mercado doméstico. No ano de 1995, a
inflação anual foi de 14,8%; contudo, a partir de 1996 ela já se apresentava com um
dígito 9,3%. No biênio 97-98, a inflação, ainda em queda, foi de 7,5% e 1,7%,
respectivamente.
A esse respeito, o Gráfico 3 demonstra, de forma incontestável, que os
níveis de inflação foram decrescentes a partir de 1994, exceto no ano de 1999, que,
como se verá, marca um momento de crise cambial e de profundas mudanças na
economia brasileira.
Gráfico 3 – Inflação Mensal (ano 1994)
Fonte: BACHA, 1995, p.24.
Apesar dos controles exercidos por meio de uma política monetária restritiva,
marcada por taxas de juros elevadas
27
, verificou-se um considerável crescimento da
27
A entrada de capitais externos no país, que acompanha a elevação das taxas de juros pelo Banco
Central, faz com que o governo coloque títulos para enxugar o excesso de liquidez do mercado, o que
provoca um acúmulo de dívida muito cara para efeito de financiamento das reservas – que rendem
juros baixos – cujo prosseguimento pode inviabilizar a política monetária.
88
demanda e da atividade como um todo, como conseqüência direta da queda da
inflação, ocorrência, aliás, que marcou todos os planos de estabilização
anteriormente adotados. Logo após a sua implantação, havia uma queda brusca dos
níveis inflacionários, o que fazia aumentar o poder aquisitivo da população,
particularmente das classes de baixa renda, com reflexos no consumo, na poupança
e nos investimentos.
É o chamado imposto inflacionário, ganho de renda real, que ao repercutir,
sob a forma de pressão sobre a demanda, permite recompor o mecanismo de
crédito da economia.
Assim, nos meses seguintes ao Plano, em decorrência do aumento da
demanda, expandiram-se as atividades econômicas, gerando crescimento intensivo
das atividades industriais, destacando-se, no particular, os setores de bens de
consumo duráveis e bens de capital. Na verdade, a este novo consumidor, que
entrara no mercado, não interessava o custo do financiamento e sim o valor da
prestação, o que contribuiu para precipitar certo descontrole na economia tendo em
vista o desequilíbrio entre a produção industrial e a intensa procura pelos referidos
produtos.
4.2 A POLÍTICA CAMBIAL ADOTADA A PARTIR DE JULHO/94
Conforme dissemos anteriormente, a política cambial vigente naquela
oportunidade caracterizou-se por bandas assimétricas de variação tendo sido
estabelecido um limite para o preço de venda da moeda, R$ 1,00 por dólar, ficando
por conta do mercado a formação de preço da taxa de compra.
Nesse sentido, a combinação de valorização cambial e abertura comercial, a
par de desestimular as exportações, estimulou fortemente as importações e fez com
que, devido à concorrência que se estabeleceu, os preços internos se
acomodassem aos preços internacionais
Além disso, a grande liquidez internacional e os altos níveis das taxas de
juros praticadas no país contribuíram fortemente para canalizar uma grande
quantidade de recursos externos que, por mais paradoxal que pareça, serviram para
gerar um efeito devastador em alguns fundamentos econômicos.
Dito de outra maneira, quando se eleva a taxa de juros, atraído pela
oportunidade de fazer valer o diferencial entre juros internos e externos, o aplicador
89
internacional transfere para cá quantidades maciças de moeda, que,
independentemente de engrossar as nossas reservas cambiais e serem, de certa
forma, úteis na formação de capital do nosso balanço de pagamentos, têm um custo
muito alto, elevando consideravelmente o endividamento púbico; a diferença dos
níveis das taxas Selic e da Prime, por exemplo, praticadas no Brasil e no mercado
americano, respectivamente, representa, em última análise, o ganho do aplicador
internacional.
A respeito dessa questão, Ferrari Filho (2001, p.10) registra que:
A conseqüência da taxa real de juros interna, diferenciando-a, assim, da
taxa real de juros internacional, foi o ingresso de capital estrangeiro na
economia brasileira, provocando, como contrapartida, a apreciação da taxa
de câmbio. É importante lembrar que a apreciação cambial poderia ter sido
evitada, caso as autoridades não tivessem optado pelo sistema de banda
cambial assimétrica, quando da criação do real.
Segundo ainda este autor, pela sistemática adotada – banda cambial
assimétrica –, o Banco Central deveria intervir no mercado toda vez que houvesse
desvalorização do real em relação ao dólar, com o propósito de restabelecer o
equilíbrio pretendido, e deixaria o mercado livre para atuar caso houvesse
apreciação da taxa cambial. Tal particularidade, a nosso ver, põe à mostra uma certa
fragilidade da política cambial então vigente e os efeitos daí advindos, haja vista o
longo tempo em que o real permaneceu sobrevalorizado.
Em síntese, a necessidade da manutenção de taxas de juros elevadas
comparativamente às demais taxas praticadas no mercado internacional, quando
programas de estabilização como o Real estão sendo implementados, torna-se um
aspecto de difícil solução; assim, quando elevadas, as taxas invariavelmente atraem
capital externo, indispensável à manutenção do Plano, pelo fato de ampliar as
reservas internacionais. Como fator negativo, taxas de juros elevadas acabam
representando baixos níveis de investimentos, além de encarecer os serviços da
dívida interna e externa.
Por outro lado, ao se elevar a taxa de juros, a taxa de câmbio se valoriza e
vice-versa; tal fato, independentemente da sua importância macroeconômica, não
geraria maiores preocupações por ser, ao longo do tempo, contornável se não
interferisse nos demais fatores que, direta ou indiretamente, movimentam os
mercados interno e externo.
90
Como efeito de tal sistemática, nos primeiros meses de funcionamento do
Plano, ocorreu uma forte queda nas taxas de câmbio nominal e real conforme
demonstrado no Gráfico 4 abaixo.
Gráfico 4 - Brasil: Evolução das taxas de Câmbio Nominal e Real jan/1994 - jul/1999 (1994 = 100)
Fonte: Boletim do Banco Central do Brasil – vários números apud SILVA, 2002, p.9.
Deve-se registrar que determinados resultados macroeconômicos advindos
do Plano Real, se não esperados na sua totalidade, pelo menos eram previsíveis,
em razão da forma com que foi estruturado, além da experiência que a adoção de
programas de estabilização ancorados no câmbio, em outros países, demonstrou.
4.2.1 Os Reflexos na Economia
Um dos pontos mais importantes do programa em questão diz respeito à
vulnerabilidade externa a que se expôs o país, a par de uma notória restrição ao
crescimento.
Se por um lado ocorreu um forte estímulo às importações, devido à abertura
comercial e à sobrevalorização cambial, por outro verificou-se um lento crescimento
das exportações, circunstância que, inevitavelmente, iria resultar em um déficit
comercial que perduraria por vários anos. Tudo isso, somado a um déficit histórico
50
100
150
200
250
J
a
n
/
9
4
J
u
l
/
94
J
a
n
/
9
5
J
u
l
/
95
J
a
n
/
9
6
J
u
l
/
96
J
a
n
/
9
7
J
u
l
/
97
J
a
n
/
9
8
J
u
l
/
98
J
a
n
/
9
9
J
u
l
/
99
Taxa de Câmbio Real Taxa de Câmbio Nominal
91
na balança de serviços, deu causa a um persistente déficit em transações correntes,
situação que veio agravar, ainda mais, a nossa dependência externa .
A grande conseqüência estrutural dessa política errática diz respeito à dívida
externa brasileira a qual, à medida que cresce, tende a pressionar fortemente o
serviço da dívida que, num determinado momento, deverá ser liquidado; daí a
importância da constituição de reservas cambiais, formadas com os nossos próprios
esforços (exportações) a fim de que não dependamos da comunidade financeira
internacional, conforme habitualmente ocorre.
Esse cenário de baixa capacidade de exportação e sem alternativas na
geração de recursos em moedas conversíveis e a vulnerabilidade externa,
intensificada por uma política cambial de apreciação da moeda, servem para
explicar, por todos os meios, que a solução encontrada para o financiamento dos
crescentes déficits externos seria a atração dos capitais internacionais; por isso, a
elevação da taxa de juros doméstica a patamares sempre superiores às taxas
internacionais.
O aumento significativo das importações, o baixo crescimento das
exportações, os déficits constantes registrados na balança comercial e o aumento
gradativo dos juros pagos pelo país, dentre outros elementos, poderão ser
observados na Tabela 1.
92
Tabela 1 - Balanço de pagamento Brasil Itens selecionados: 1990 – 2000
(US$ milhões)
Discriminação 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000
Balança Comercial 10.753 10.579 15.308 12.938 10.440 -3.158 -5.554 -8.357 -6.474 -1.199 -697
Exportações 31.414 31.620 35.862 38.597 43.545 46.506 47.747 52.990 51.120 4.011 55.086
Importações 20.661 21.041 20.554 25.669 31.105 49.664 53.301 61.347 57.594 49.210 55.783
Balança de
Serviços(a)
-15.369 -13.542 -11.339 -15.585 -14.743 -18.594 -21.707 -26.897 -28.798 -25.829 -25.706
Juros -9.748 -8.621 -7.253 -8.280 -6.338 -8.158 -9.840 -10.391 -11.948 -15.237 -15.088
Lucros -1.591 -665 -574 -1.831 -2.483 -2.590 -2.374 -5.597 -7.181 -4.099 -3.589
Saldo em
Transações
Correntes
-3.782 -1.407 6.144 -592 -1.689 -17.972 -24.347 -33.054 -33.611 -25.062 -24.613
Balança de
Capitais(b)
-420 4.097 4.764 12.524 14.294 29.359 32.148 25.864 20.596 14.165 30.215
Investimento Direto 281 104 1.580 714 1.972 4.313 9.976 17.085 25.893 26.937 31.621
Investimento de
Portfólio
104 0,3 1.704 6.651 7.280 2.294 6.040 5.300 -1.851 1.360 2.722
Empréstimos e
Financiamentos
5.009 6.492 9.309 1.317 52.893 14.736 26.414 30.586 61.984 44.264 42.494
Amortizações -8.826 -7.827 -8572 -9.978 -50.411 -11.023 -14.271 -28.701 -33.587 -49.120 -34.690
Saldo do BP -4.202 2.690 2.690 10.908 11.932 12.939 13.480 8.774 -7.865 -17.285 -10.740
Reservas
Internacionais
9.973 9.406 23.754 32.211 38.806 51.840 60.110 52.173 44.556 36.342 33.011
a) Balança de Serviços e Rendas, na nova nomenclatura.
b) Conta Capital e Financeira, na nova nomenclatura.
Fonte: Banco Central do Brasil apud GREMAUD; VASCONCELLOS; TONETO JÚNIOR, 2005, p.481.
A propósito dos números da tabela acima, vemos claramente a deterioração
havida na balança comercial, a partir de 1995, uma vez que entre 1990 e 1994, a
balança apresentava-se superavitária. As autoridades atribuem tais distorções à
política cambial adotada, ou seja, de bandas cambiais assimétricas, destacando que
a defasagem cambial seria o principal problema do Plano Real porquanto estaria
provocando constantes déficits na conta de transações correntes e que, por serem
crescentes, seriam insustentáveis no longo prazo.
Por outro lado, a justificar uma possível defasagem cambial, o governo
argumentava que a apreciação cambial era produto da queda abrupta da inflação e
que os recursos externos captados se encarregariam de financiar as transações
correntes; de qualquer forma, entendemos que o endividamento externo tenderia a
continuar, hipótese que efetivamente ocorreu, conforme comprovam os números
constantes da tabela em questão.
Delfim Neto (1997,p.34) destaca o grande influxo de capital volátil que
ingressou no país, o que fez com que a moeda nacional se sobrevalorizasse,
conforme podemos constatar nas suas afirmações que se seguem:
93
Quando se instituiu o Plano Real em julho de 1994, utilizando como âncora
a taxa de câmbio nominal, já havia muito pouco espaço para a valorização
que naturalmente deveria acontecer ao longo dos primeiros anos do
programa. A conhecida lentidão da convergência da taxa de inflação interna
em relação à externa é um fato estilizado de todos os programas desse tipo.
O grave é que a isso se acrescentou uma valorização artificial do real (que
chegou a R$ 0,83 por dólar), sustentada pelo grande influxo de capital
volátil que veio explorar as oportunidades de arbitragem construídas pelas
enormes diferenças entre as taxas de juros interna e externa. O subproduto
dessa taxa de juro escorchante foram a inadimplência da empresa nacional,
o enfraquecimento do sistema bancário e o aprofundamento dos déficits
fiscais da União, estados e municípios.Transformou-se assim o setor
exportador no de menor taxa de retorno e maior risco do Brasil. Não adianta
dizer que esse efeito já vinha sendo notado desde 1986. Isso é verdade,
mas a supervalorização inicial do real foi um equívoco dramático.
O quadro econômico brasileiro era realmente preocupante tendo em vista o
fato de que, exceto pela queda dos níveis de inflação, os demais indicadores
macroeconômicos sofriam os efeitos de uma política cambial, a nosso ver, passível
de correções.
Em outras palavras, as taxas de juros atraíam capitais externos, que eram
responsáveis pela sobrevalorização cambial; o impacto desta sobre os preços
viabilizou a imediata redução da inflação, produzindo, no entanto, um efeito
explosivo nas importações e um déficit comercial crescente com o exterior;
conjuntamente, a sobrevalorização cambial e a abertura comercial provocaram
sérios déficits na balança comercial, os quais pelo encarecimento do crédito interno
geraram rápido crescimento da dívida externa do país; por sua vez, os juros
elevados foram responsáveis por um endividamento público significativo;
acrescente-se a tudo isso a iniciativa do governo de assumir parcela considerável do
risco cambial dos tomadores de títulos públicos e teremos, inevitavelmente, uma
séria crise econômica em gestação.
Pelo exposto, entendemos que o Plano Real embora extremamente eficaz
na normalização dos preços internos, contribuiu certamente, pela forma com que foi
estruturado, para expor o país a uma vulnerabilidade externa considerável, gerando
alguns desacertos na economia, além de engessar o crescimento econômico.
Desta forma, é importante lembrar que, no caso brasileiro, quando da
implantação do regime de bandas assimétricas, a paridade máxima entre o real e o
dólar foi anunciada como sendo ao par, ou seja, R$ 1,00 para US$ 1,00 , sendo que
o limite inferior não foi inicialmente fixado; entre os meses de julho e setembro de
1994, o Banco Central não interveio no mercado e a taxa de câmbio sofreu uma
94
apreciação, situando-se em torno de R$ 0,85 por dólar. Em razão de a apreciação
cambial afetar a balança de transações correntes, no mês de setembro daquele ano,
o Banco Central realizou a sua primeira intervenção, anunciando , em outubro que
estaria disposto a comprar dólares a uma taxa mínima de R$ 0,82 e vender a uma
taxa máxima de R$ 0,86, caracterizando, dessa forma, um sistema informal de
bandas cambiais, oficializando a cotação apenas do limite superior e deixando por
conta do mercado o limite inferior.
Comentamos anteriormente, que alguns países da América Latina
instituíram a âncora cambial como estratégia de estabilização e, de forma geral,
todos tiveram problemas em suas contas externas, basicamente em função da
valorização cambial. É o caso, por exemplo, do México e da Argentina, o que vem
demonstrar que o Brasil estava indo para o mesmo caminho, apesar de terem sido
tomadas providências de alterações na política cambial então vigente.
O caso da Argentina, um dos grandes parceiros comerciais do Brasil, é um
exemplo clássico, uma vez que a valorização da taxa cambial brasileira provocava
uma desvalorização da moeda daquele país.
Quando surgiram os primeiros sinais que evidenciavam uma crise no
México, ao final de 1994, aquele país apresentava sensíveis desequilíbrios
macroeconômicos, um quadro político extremamente instável, além de ser alvo de
especuladores a apostarem contra a sua moeda. Como resultado, perdeu um
volume considerável de reservas, desvalorizou o câmbio e recorreu ao FMI e à
comunidade financeira internacional para se reequilibrar economicamente.
No início de 1995, logo após a eclosão da crise mexicana, o Brasil partiu do
princípio de que tinha que preservar, com todas as forças, os resultados até então
obtidos no controle da inflação; igualmente, acreditava que a deterioração das suas
contas externas não poderia perdurar e que a política cambial deveria,
inevitavelmente, passar por alguns ajustes pela clara defasagem que já se fazia
notar, além da fragilidade de seus números macroeconômicos, alguns deles
comprometedores.
Diante da perda de reservas cambiais, em franca tendência de queda, o
governo adotou a estratégia de restringir a demanda interna, limitando o acesso ao
crédito através da elevação das taxas de juros que, igualmente, continuariam a
cumprir o seu papel no sentido de atrair capitais internacionais tão necessários às
nossas contas.
95
4.2.2 Mudanças na Política Cambial
Paralelamente a tais medidas, promoveu-se uma tímida desvalorização
cambial, em torno de 6%, com o propósito de estimular as exportações e alterou-se
a política cambial com o alargamento das bandas de flutuação, tendo sido
considerada referida medida uma das mais importantes, até então adotadas, em
matéria de política cambial brasileira, naquele período.
As bandas cambiais têm como característica o estabelecimento de limites
superiores e inferiores para variações do câmbio, pressupondo-se que, dentro
desses limites, a taxa cambial flutue livremente em torno de uma taxa de referência.
Esta nova fase, que se inicia em princípios de março de 1995, tem suas
origens, na verdade, na então recente crise mexicana, de dezembro de 1994, e que
veio a provocar, como se sabe, reflexos danosos na nossa economia, tal a
semelhança de vulnerabilidade externa entre ambos os países.
Com a sensível redução do fluxo de capitais para a América Latina em crise,
além do forte desestímulo às exportações devido à sobrevalorização da taxa
cambial, agravada, ainda, com o aumento contínuo das importações, o país passara
a apresentar seguidos desequilíbrios na balança comercial; tal fenômeno, aliás, tem
a sua gestação iniciada já em 94, passa por 95 e se estende até 99, quando então
ocorre uma profunda mudança na política cambial com a instituição do sistema de
taxas flutuantes.
Nesse sentido, o sistema de bandas cambiais largas
28
, basicamente,
acenava ao mercado com a possibilidade de recuperação da defasagem até então
havida, restringindo a flutuação do real em relação ao dólar entre os limites de R$
0,86 e R$ 0,90, a partir de 01.05.95 e de R$ 0,86 e R$ 0,98 a partir de 02.05.95,
conforme se poderá verificar na Tabela 2 .
28
Diferem das bandas cambiais assimétricas por permitirem uma maior flutuação da taxa cambial em
intervalos (piso e teto) maiores.
96
Tabela 2 - Datas dos realinhamentos, paridade central e limites inferior e superior da política de
bandas de câmbio do Plano Real.
(R$/US$)
DATAS
LIMITE
INFERIOR
LIMITE
SUPERIOR
PARIDADE
CENTRAL
TAXA DE
CÂMBIO
MÉDIA NO
REGIME
10.03.95
0,88 0,93 0,905 0,902
22.06.95
0,91 0,99 0,950 0,953
30.01.96
0,97 1,06 1,015 1,012
18.02.97
1,05 1,14 1,095 1,085
20.01.98
1,12 1,22 1,170 1,164
15.01.99
- - - -
Fonte: Banco Central do Brasil apud ALMEIDA; FONTES; ARBEX, 2000, p.31.
Nota: Taxas de câmbio em termos nominais.
Pode-se dizer que se iniciava, assim, um processo de desvalorização
cambial, lento mas constante, circunstância que permitiria aos exportadores, em
particular, e aos importadores, alternativas de programação de suas operações
externas, principalmente a partir da instituição de mini-bandas informais corrigidas
periodicamente pelo Banco Central.
Desta forma, com o propósito de permitir uma contínua desvalorização do
real frente ao dólar, as bandas sofriam alterações toda vez que a taxa de câmbio se
aproximava do teto, ou seja, no limite superior da banda, procedimento que se
assemelhava ao sistema de minidesvalorizações cambiais, muito comum nos anos
60 e 80.
Uma outra medida operacional, adotada ao final de 1994, cujos reflexos,
pelas próprias características das operações, se fizeram sentir no início do ano
seguinte, diz respeito ao incentivo dado aos exportadores na contratação dos
financiamentos de seus negócios, por meio de linhas de crédito especiais, tais como
o Adiantamento Sobre o Contrato de Câmbio – ACC; ao recorrerem a essa forma de
financiamento, os exportadores, na contratação do câmbio, poderiam valer-se dos
adiantamentos, não só para o financiamento de suas operações como, também, por
se tratar de linha de crédito a custos menores, para aplicar os recursos no mercado
financeiro e ganhar o diferencial entre a captação e a aplicação. Era uma forma
adicional de incentivar as operações de exportação, pouco estimuladas pelas taxas
cambiais então vigentes.
97
4.3 AS CRISES INTERNACIONAIS E SEUS REFLEXOS NA ECONOMIA
BRASILEIRA
Logo após a crise do México, a estratégia posta em prática objetivava a
recuperação gradual do atraso cambial havido no período compreendido entre junho
de 1994 e março de 1995. Nesse caso, na eventualidade de não ocorrerem novas
turbulências internacionais, uma desvalorização cambial, de valores superiores aos
preços domésticos, possibilitaria a recuperação do atraso cambial, em curto espaço
de tempo. Nessa perspectiva, daí em diante, passou-se a corrigir a taxa cambial em
aproximadamente 7,5% ao ano, procedimento que se estendeu até o final de 1998.
A propósito do assunto, Gremaud (2005, p.484) destaca a possibilidade de
uma eventual crise cambial com a deterioração das contas externas:
A crise mexicana foi o primeiro grande teste à estratégia implementada no
Plano Real. Tornou-se claro no início de 1995 que não se poderia deteriorar
ainda mais as contas externas. Isto é, a política econômica não poderia
perder o controle sobre a inflação, mas teria também que cuidar da situação
externa, para impedir uma crise cambial. Pode-se dizer que, nesse
momento, encerrava-se a primeira fase da condução do Plano Real, e
inaugurava-se a segunda fase.
Nesse sentido, O Plano Real que, à época, fora bem sucedido no controle
da inflação, com quedas constantes dos preços no ano de 1995, paradoxalmente
deixava dois flancos abertos que, gradativamente, se agravavam visivelmente, ou
seja, um desequilíbrio externo crescente e uma série crise fiscal.
No que se refere ao desequilíbrio externo, a grande causa era efetivamente
o aumento das importações que, pelas razões apresentadas, ocorreram em seguida
à implantação do Plano, fator combinado com um crescimento pífio das exportações.
Assim, no triênio 95,96 e 97, houve um crescimento em dólar das importações a
uma taxa média de 21 % ao ano, destacando-se, em particular, o ano de 95 em que
os números estiveram próximos de 51%, enquanto que as exportações cresceram
em torno de 6,8%, apesar da grande expansão havida no comércio internacional,
num período em que a economia mundial cresceu em torno de 4%.
Tal circunstância provocou sérios desequilíbrios nas nossas contas externas,
sendo que a causa fundamental tinha, inegavelmente, a sua origem numa política
cambial equivocada, a estimular, pelos níveis da taxa cambial, as importações em
detrimento das exportações.
98
Por outro lado, o déficit apresentado em conta corrente gerou um efeito
realimentador do desequilíbrio em referência, uma vez que esses eram financiados
com novos endividamentos externos, circunstância que, aliada à entrada de capitais,
sob a forma de investimentos diretos e à acumulação de passivos externos,
pressionava fortemente a saída de recursos via pagamento de juros, lucros e
dividendos.
A grande verdade é que as contas relativas ao déficit de serviços e rendas
praticamente dobraram no primeiro governo FHC; assim, as importações e as
despesas ligadas ao passivo externo, que apresentaram um déficit em conta-
corrente de algo em torno de US$ 2 bilhões em 1994, atingiram o elevado nível de
US$ 30 bilhões, no ano de 1997.
Todas essas alterações, como dissemos, devem-se à forte valorização do
real logo após a implantação do Plano, cujas conseqüências se fizeram sentir mais à
frente.
O fato é que o país estava caminhando, a passos largos, para uma crise,
que se assomava como sem precedentes, que poderia eclodir a qualquer momento,
e o curioso, e o que tem sido questionado é por que as autoridades deixaram a
situação chegar a tal ponto, assunto controvertido e passível de um sem número de
justificativas e explicações.
Segundo Giambiagi (2005), há três razões plausíveis que servem para
explicar o comportamento do governo no episódio em questão: i) historicamente o
Brasil, ao longo de quase toda a sua história, conviveu com índices de inflação
elevados e, a rigor, pela primeira vez, após um sem número de tentativas frustradas,
conseguiu debelá-la, razão por que, ao optar pelo câmbio sobrevalorizado, o
governo partiu do princípio de que seria mais fácil administrar dificuldades externas
do que internas; ii) a segunda razão, na verdade, prendia-se a fatores políticos uma
vez que o melhor momento para desvalorizar o câmbio teria sido em 1995, quando o
nível de atividade econômica estava praticamente estagnado e uma taxa cambial
desvalorizada enfrentaria uma pressão de demanda bastante baixa; iii) finalmente,
como terceira explicação, o governo entendeu que, apesar de um erro de ótica na
manutenção do câmbio sobrevalorizado, receberia investimentos diretos e indiretos
da comunidade internacional a cujos recursos se somariam os advindos das
privatizações; além disso, os analistas imaginaram que FHC seria eleito e num
segundo mandato trataria de efetuar as correções de rumo da economia.
99
Quanto à crise fiscal, o setor público, naturalmente, pagou um custo elevado
em razão dos desequilíbrios das contas externas uma vez que a recessão afetou, de
forma geral, as receitas tributárias.
O país tornara-se vulnerável externamente, o que veio, por conseqüência, a
manifestar-se num crescimento considerável do endividamento público,
inviabilizando a economia e sinalizando um processo recessivo sem precedentes.
Atravessávamos, inegavelmente, um período difícil, a presenciar um
aumento cada vez mais crescente da dívida externa, enquanto os juros elevados,
pagos na negociação dos títulos, caracterizavam-se como a causa principal do
déficit público.
As altas taxas de juros estabeleciam um diferencial significativo em relação
às vigentes no mercado internacional, circunstância que, a par de conter a demanda
interna e provocar os já comentados efeitos restritivos advindos de tal prática,
atraíam os capitais externos que, para cá, afluíam em grande quantidade.
Com isso, as empresas instaladas no país, tomavam recursos em dólar no
mercado externo, participando do processo de forma ativa, o que serve para explicar
que considerável parcela da dívida pública é de natureza privada, estando
intimamente ligada à rolagem da dívida interna, originada dos juros elevados e da
esterilização dos recursos externos que aqui ingressavam.
Embora não tivesse ocorrido um ajuste fiscal significativo na economia, o
que provocava sérios desajustes, havia, de certa forma, uma estabilidade de preços
que prevaleceu no período compreendido entre os anos de 1995 a 1998.
À época, o saldo do orçamento operacional saiu de um superávit de 0,5% do
PIB em 1994 para um déficit de –8,4%, ao final de 1998, ao passo que o saldo
primário também sofreu forte queda, passando de um superávit de 4,3% para 0,1%
do PIB, no mesmo período.
Segundo Baer (2002), a causa da elevação de tais despesas prendia-se ao
fato de ter havido aumento significativo dos gastos em todos os níveis do governo,
apesar de as receitas estarem, na oportunidade, aumentando rapidamente.
O governo FHC se mostrava incapaz de proceder às reformas administrativa
e previdenciária, circunstância que servia para provocar, pelo inchaço do quadro de
pessoal da ativa, crescimento da folha de pagamento, a par do aumento de custos
ocorridos com o pagamento dos benefícios dos aposentados.
100
Tais fatores, responsáveis pela redução do superávit primário, que continuou
a cair, fizeram com que se tornasse ainda mais difícil a contenção do déficit
operacional, conforme apresentado na Tabela 3 abaixo.
Tabela 3 - Saldos de conta do setor público
(% do PIB) - 1990-99
Orçamento Primário
Orçamento Operacional
Público
Divida
Total Federal Total Federal
1990
2,4 1,6 1,6 2,8
1991
3,0 0,8 1,5 0,3
1992
2,3 1,2 -2,2 -0,8
1993
2,6 1,4 0,3 0,0 31,0
1994
4,3 3,0 0,5 1,6
1995
0,3 0,6 -4,8 -1,6
1996
-0,7 0,4 -3,9 -1,7 31,4
1997
0,9 0,3 -4,3 -1,8 34,5
1998
0,0 0,5 -8,4* -5,3* 42,6
1999**
3,77 4,15 11,4 8,0* 51,0
Fonte: Banco Central; Credit Suisse First Boston Garantia apud BAER, 2002, p.229.
* Estimativa
** Janeiro a setembro
Um outro fator, que contribuiu fortemente para a não realização da reforma
fiscal, diz respeito ao empenho do presidente Fernando Henrique em aprovar a
emenda constitucional, que lhe daria condições de concorrer a um segundo
mandato, nas eleições previstas para outubro de 1998.
Nessas condições, o crescente déficit operacional que veio a ser financiado
com empréstimos externos, os efeitos advindos do cenário político por que passava
a nação, a par da manutenção de elevadas taxas de juros a atrair capitais, fizeram
com que o déficit público crescesse continuamente.
Em conseqüência, tanto as taxas incidentes sobre os títulos públicos como
os juros sobre empréstimos subiram consideravelmente, de 1994 a 1998, (de 7,1%
para 13,6% e de 4,6% para 5,5%, respectivamente) o que fez com que a soma dos
gastos governamentais com juros, títulos e amortizações saísse de 14,7% dos
gastos públicos para 24,4% no mesmo período.
À vista do exposto, diante dos resultados fiscais que apareciam, claramente,
como ameaça à consolidação do programa de estabilização, Batista Júnior (1996,
p.161) afirma:
101
[...] reforça-se a percepção de que a base fiscal do programa de
estabilização está sofrendo erosão significativa. Nessas circunstâncias, a
lenta tramitação no Congresso e as resistências políticas a projetos
considerados fundamentais, como a privatização de empresas estatais, as
reformas tributária, previdenciária e administrativa, alimentam dúvidas
quanto à consistência e sustentabilidade da política econômica do governo.
O período de transição no qual o Plano Real ficaria temporariamente
sustentado pelas políticas de juro e de câmbio vai sendo prorrogado
indefinidamente.
Prenunciavam-se, assim, claros sinais de mudanças.
Com isso, os processos de privatização que, de certa forma, tiveram início
no governo Collor nos setores siderúrgico e petroquímico, vieram em socorro do
governo Fernando Henrique e ampliaram-se extraordinariamente ao incluírem
empresas de serviços públicos. Assim, entre os anos de 1995 e 1998, as receitas
oriundas das referidas privatizações aumentaram de pouco mais de US$ 2 bilhões
para algo em torno de US$ 35 bilhões e contemplaram as áreas de
telecomunicações, geração e distribuição de energia elétrica e de minerais.
No que diz respeito aos investimentos diretos havidos na economia, é
importante assinalar que, no período compreendido entre 1996 e 1998,
aproximadamente US$ 16,3 bilhões ingressaram em nossas contas, identificados
como investimentos de empresas multinacionais em novas fábricas, não só para
atender à demanda interna como também à expansão que se esperava ocorreria
com o futuro crescimento do Mercosul.
Nesse contexto, à proporção que aumentavam as entradas de recursos
externos não só crescia a dívida externa mas, também, a pressão sobre a dívida
pública em fase de franco crescimento, como já comentado. Assim, nos anos
referidos, isto é, entre 1996 e 1998, a dívida externa cresceu consideravelmente,
saindo de um nível de US$ 179,9 bilhões para US$ 235 bilhões; já a dívida interna
do setor público cresceu de uma forma mais rápida, aumentando de RS$ 237
bilhões em 1996 para RS$ 328 bilhões em 1998.
A Tabela 4 apresenta a posição da dívida líquida do setor público no período
a que nos estamos referindo.
102
Tabela 4 - Dívida Líquida do Setor Público em R$ bilhões (1994-2000)
Fonte: Boletim do Banco Central do Brasil apud CARCANHOLO, 2005, P.15.
Ao referir-se a essa questão, Tavares (1997, p.112) afirma que:
A outra face dessa fragilização e vulnerabilidade crescentes do setor
externo é o desequilíbrio financeiro do setor público. A manutenção de
elevadas taxas de juros – contrapartida necessária da política cambial –
para atrair recursos do exterior e aumentar as reservas elevou
drasticamente tanto o volume da dívida pública interna quanto seus custos
de rolagem, o que, além de quebrar as finanças estaduais, transformou as
despesas com juros no principal vetor do déficit público (dado que o
Tesouro vem obtendo resultados primários superavitários, ainda que
progressivamente menores).
Tratava-se de um grave momento por que passava a economia brasileira,
em que houve um crescente desgaste da âncora cambial, instrumento que, embora
funcional no combate à inflação, com o decorrer do tempo e diante de uma nova
realidade, apresentou-se ineficiente em razão dos problemas dela decorrentes;
primeiramente, porque a deterioração da conta corrente estava a gerar um aumento
considerável dos passivos externos, além do que, em razão da necessidade de
cobrir esse déficit com captação externa, as altas taxas de juros, acarretavam
despesas financeiras significativas.
O modelo financeiro posto em prática, por sua vez, pressionava fortemente
as contas públicas, fazia com que piorasse a relação dívida pública/PIB e se
constituía em fator impeditivo ao crescimento econômico..
Apesar disso, referido modelo apresentava-se como solução alternativa ao
caso brasileiro e poderia ser mantido desde que houvesse espaço para aumentar o
endividamento público e, acima de tudo, desde que a comunidade financeira
internacional se dispusesse a continuar injetando capitais no Brasil. Lembramos, no
1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000
Divida Liquida Total
- Divida Interna
- Divida Externa
153,2
108,8
44,4
208,5
170,3
38,1
269,2
237,6
31,6
308,4
269,8
38,6
385,9
328,7
57,2
516,6
407,8
108,8
563,2
451,8
111,3
Dívida Líquida do Governo
Federal e Banco Central
65,8 90,4 128,4 167,7 231,3 316,2 353
Dívida líquida (% do PIB)
30,38 30,83 33,23 34,33 39,17 49,39 49,29
103
entanto, que tal espaço afunilou-se em razão das crises nos mercados internacionais
e, como era de se supor, pela nossa visível vulnerabilidade externa , o resto do
mundo deixou de direcionar recursos para o país, a partir de 1998, aliada ao fato de
que a rolagem da nossa dívida interna tornou-se extremamente onerosa pelas taxas
proibitivas, então praticadas no mercado.
Como se sabe, entre os anos de 1994 e 1998, três crises financeiras
marcaram o cenário internacional e que, diretamente, afetaram o mercado brasileiro.
A primeira delas foi a crise do México, no final de 1994, que atingiu em cheio os
mercados emergentes no primeiro semestre de 1995; no particular, é importante
destacar a eficiência da equipe econômica em debelar o ataque especulativo,
através de medidas de grande impacto.
Apesar de o Brasil ter despendido aproximadamente US$ 12 bilhões de
reservas, a elevação das taxas de juros fez com que houvesse, em seguida, o
retorno dos capitais, recompondo-se o nível de reservas que atingiram US$ 50
bilhões, no final do ano.
Assim, a política monetária passou a ser o principal instrumento com que
contaria o país para controle da liquidez do mercado, razão por que, após a reversão
das expectativas dos agentes financeiros, ocorreu forte retração da atividade
econômica e uma crise financeira, que culminou com um elevado nível de
inadimplência e quebra de dois grandes bancos privados.
Sobre essa questão, Batista Júnior (1996) afirma que a alta dos juros e o
arrocho havido no crédito interno tinham, na verdade, dupla função: a primeira delas
voltava-se para a recuperação da conta de capitais do balanço de pagamentos,
fortemente atingida pela crise mexicana, uma vez que, com tais medidas, o BACEN
visava estancar a saída de capitais, atrair capitais externos de curto prazo, além de
induzir as empresas nacionais a tomar crédito e trazer recursos próprios do exterior.
Como segunda função, a adoção de tais procedimentos tinha por objetivo
deprimir a demanda interna e o nível de atividade econômica, reduzir as
importações, provocar o crescimento das exportações e criar, tanto quanto possível,
condições para a continuidade da tendência de queda da inflação.
Como decorrência das medidas postas em prática, a reversão da atividade
econômica efetivamente ocorreria, a partir do segundo trimestre de 1995.
Os anos de 1997 e 1998, em que ocorreram as crises da Ásia e da Rússia,
respectivamente, serviram para testar efetivamente a consistência do Plano Real,
104
pondo à mostra as suas contradições e a sua visível vulnerabilidade externa,
circunstâncias que conduziram o Brasil a uma situação extremamente crítica.
A crise asiática,em 1997, teve início na Tailândia, alastrando-se
posteriormente para Coréia do Sul, Indonésia e Malásia sendo que, no ano seguinte,
ou seja, em 1998, eclodiu a crise da Rússia; em ambos os casos, como não poderia
deixar de ser, a vulnerabilidade externa crescente do país manifestou-se através das
fortes repercussões negativas em suas contas (efeito contágio), como conseqüência
da retração dos financiamentos externos aos países emergentes, que sobreveio às
crises.
Nesse cenário, com a ocorrência de três ataques especulativos contra o real
– 1995, 1997 e 1998 – os recursos utilizados no enfrentamento de tais crises, isto é,
as taxas de juros elevadas, sugeridas no Gráfico 5 , abaixo, haviam perdido a sua
eficácia, a par de terem contribuído seriamente para agravar a situação fiscal.
Gráfico 5 – Taxa de Juros (Over/Selic)
Fonte: GREMAUD; VASCONCELLOS; TONETO JÚNIOR, 2005, p.487.
Tais fatos vieram a manifestar-se por meio de uma inédita queda de
reservas cambiais de um nível de US$ 75 bilhões, em agosto de 1998, para algo em
torno de US$ 35 bilhões em janeiro de 1999, o que fez com que os investimentos
externos apresentassem resultado negativo, tal a intensidade dos saques de capital
efetuados pelos aplicadores internacionais.
105
Devido à proximidade das eleições presidenciais não era politicamente
oportuno que fossem adotadas mudanças profundas na economia, sob pena de
frustrar-se o segundo mandato de FHC, razão por que o governo, estrategicamente,
administrou a instabilidade econômica até o resultado final das urnas.
Nesse ínterim, tratou-se de negociar com o FMI um acordo que lhe
proporcionasse condições de superar o grave quadro econômico adverso, até
porque a comunidade financeira internacional não se mostrou disposta a financiar
um déficit em conta corrente da ordem de US$ 30 bilhões. Havia um descrédito
muito grande na situação brasileira em virtude de uma indisfarçável convicção nos
meios internacionais de que estávamos prestes a sofrer um ataque especulativo
contra o Real.
Em conseqüência, era natural que houvesse fuga de capitais e o temor de
uma desvalorização cambial estimulava a troca de R$ por US$, tudo isso a compor
um quadro em que a mudança de política cambial e um suposto controle de capitais
externos eram tidos como medidas inevitáveis e iminentes.
A coordenação do referido acordo, que coube ao FMI, veio sob a forma de
um pacote de ajuda externa no valor de US$ 42 bilhões, sendo que desse total US$
18 bilhões vieram do FMI e o valor restante de organismos multilaterais e governos,
dentre eles, Estados Unidos, Alemanha, Itália, Inglaterra, Japão e outros; a par da
injeção de capital, o acordo determinava um forte aperto fiscal sem, no entanto,
sugerir mudanças na política cambial vigente.
As referidas medidas, no entanto, num cenário de forte ceticismo
apresentado pelo mercado financeiro que, há algum tempo, vinha destacando a
clara defasagem da taxa cambial, não deixava margem a dúvidas quanto à
desvalorização que se fazia necessária.
O mercado partira do princípio de que o Plano Real, por todos os motivos
antes alinhados, se esgotara em termos de modelo e que teria que se enquadrar à
realidade econômica presente nos novos tempos, o que veio a configurar um quadro
de forte pessimismo externo e descrença na nossa economia.
106
4.3.1 A Nova Política Cambial e as Mudanças na Economia
Desta forma, a desvalorização cambial tornou-se inevitável e, premido pelas
circunstâncias, em meados de janeiro de 1999, o real, inicialmente, é desvalorizado
em 10%, medida que, além de insuficiente, contribuiu para gerar ainda mais pânico
no mercado, além de não conseguir interromper a constante fuga de capitais.
Diante dessa realidade, o governo, sob forte pressão, deixou o câmbio
flutuar
29
e a taxa cambial que, antes da desvalorização, era de R$ 1,20 por dólar,
passaria em 45 dias para R$ 2,00, prenunciando um surto inflacionário quase que
inevitável, à semelhança do que ocorrera antes com o México.
A alteração da política cambial, praticamente precipitou a saída do então
presidente do BACEN, Gustavo Franco, um dos maiores defensores do câmbio
valorizado, e a entrada de Francisco Lopes que, como primeira medida, desvalorizou
a taxa cambial e manteve elevadas as taxas de juros.
Lopes saiu pouco tempo depois, num momento em que persistia a saída de
capitais e reinava um clima de incerteza no mercado ante a legitimidade de algumas
operações a envolver agentes financeiros e o BACEN.
Na seqüência de mudanças, providencialmente, foi convidado para a
presidência do Banco Central, Armínio Fraga, economista de renome, respeitado e
profundo conhecedor dos mercados internacionais – que atuara durante muitos anos
em Nova York – medida que se prestou a conferir credibilidade à nova fase que viria
a ser implantada na economia brasileira.
De início, além de manter o sistema de câmbio de taxas flutuantes, o novo
titular do BACEN, anunciou duas medidas de impacto, quais sejam, a elevação da
taxa de juros básica e o início de estudos para adoção do sistema de metas de
inflação
30
, esta última, na verdade, entendida como mudança de âncora, em razão
da extinção da âncora cambial.
Oficialmente, o sistema de metas de inflação foi adotado a partir de julho de
1999, sistemática que, juntamente com a política de câmbio de taxas flutuantes e a
conseqüente extinção da âncora cambial no controle de preços, permanece na
economia até os dias de hoje.
29
A flutuação da moeda está ligada às forças do mercado, às leis da economia.
30
Foi adotado a partir de 1999 e permanece como instrumento de política econômica até os dias de
hoje.
107
A grande dúvida relativamente ao desempenho da economia, em razão da
magnitude das medidas adotadas, era se o país não iria enfrentar os mesmos
problemas de outros países que, coincidentemente, passaram pela experiência
brasileira: inflação acelerada, crise financeira, recessão e outras crises econômicas.
Contrariamente a essa expectativa, a economia brasileira teve um desempenho
considerado satisfatório, no ano de 1999.
Por outro lado, havia o receio de que o abandono do sistema de câmbio fixo
provocasse, por meio das desvalorizações, o retorno do processo inflacionário, além
da incerteza sobre o surgimento de crises, como as que abalaram o México e a Ásia,
logo após as mudanças havidas em seus regimes cambiais.
No caso do Brasil, em particular, logo após a adoção do sistema de taxas de
câmbio flutuantes, a inflação entrou em trajetória ascendente, tendo sido bastante
significativa em fevereiro, apresentando queda em março, enquanto que, em maio,
os índices já se equiparavam aos de dezembro do ano anterior.
Assim, com a manutenção das taxas de juros e a administração dos preços
e relativo controle da inflação, estanca-se o processo de desvalorização cambial a
partir de março, ocorre uma reversão de tendência com a valorização ocorrida em
abril e maio (R$ 1,70) para depois desvalorizar-se novamente, atingindo o nível de
R$ 1,80 e R$ 1,90, a partir de julho/99.
O governo, sem dúvida, assumira novamente o controle da economia. A
partir da adoção do sistema de metas de inflação, cujo funcionamento, efetivamente,
se deu a partir de julho de 1999, o BACEN, através do instrumento da política
monetária, cumpria as metas estipuladas pelo Conselho Monetário Nacional (CMN),
utilizando para tanto a taxa de juros. O seu maior ou menor impacto sobre a
demanda reflete, como se sabe, na liquidez do mercado e, em conseqüência, exerce
influência direta nos níveis de inflação.
A implantação desse mecanismo e seus primeiros efeitos, serviram,
inegavelmente, para restabelecer o grau de confiança nos mercados e a certeza de
que o país se comprometera efetivamente com a estabilização, no sentido de
impedir que as alterações cambiais havidas pudessem transformar-se em pressões
inflacionárias. Em tais circunstâncias, o ano de 1999 apresentou, de forma geral,
baixo crescimento.
Além disso, como resultado positivo das mudanças introduzidas na
economia, deve-se destacar o desempenho do setor externo, acima de tudo devido
108
à desvalorização cambial tão reclamada nos meios financeiros. Houve melhora nas
contas externas, reversão nos números da balança comercial e na conta de
transações correntes, razão por que a diminuição da captação externa de recursos
viria a provocar queda nas taxas de juros, estimulando, por sua vez, o crescimento.
Este momento está perfeitamente visível no gráfico 6, que apresentamos a seguir.
Gráfico 6 - Taxas de Juros - jan/1999 a jan/2006
Fonte: BRASIL. Banco Central, 2006.
A despeito do aumento do custo do petróleo, as importações brasileiras
caíram rapidamente, como resultado da desvalorização cambial, a par de uma
contenção de demanda. As exportações, por sua vez, tiveram fraco desempenho
devido a fatores ligados à conjuntura internacional, dentre eles: redução dos preços
das commodities exportáveis, sensível queda na atividade econômica da América
Latina e uma certa perda de confiança na economia por parte dos exportadores.
A reconquista dos mercados externos pelos exportadores, com a perda de
espaço internacional, devido ao longo período de sobrevalorização cambial e os
efeitos retardados exercidos pelas taxas de câmbio no fluxo operacional, servem
para explicar o fraco desempenho das vendas externas.
Sabemos que, a partir de 1999, o país deu início a um processo de franca
retomada do crescimento que seria interrompido somente com as crises de 2001;
em 1999, a economia cresceu em torno de 3,3%, particularmente no quarto
trimestre, enquanto que em 2000 atingiu níveis superiores a 4%.
15,92
17,87
18,95
43,25
20,74
15,2
26,29
16,34
19,05
5
10
15
20
25
30
35
40
45
jan/99 jan/00 jan/01 jan/02 jan/03 jan/04 jan/05 jan/06
SELIC
109
O comportamento das finanças públicas e da economia foi de fundamental
importância quando suas influências são analisadas nesse novo momento vivido
pelo país. No que diz respeito às finanças públicas, a mudança de perfil, ou seja, a
reversão do desempenho fiscal do governo que, conforme acordado com o FMI,
passou a apresentar superávits primários consideráveis, serviu para melhorar
grande parte dos fundamentos macroeconômicos apresentados, atingindo-se, no
particular, bons resultados.
Dizendo de outra forma, tais objetivos estariam ligados à liberação da taxa
de juros para ser efetivamente usada como instrumento de política monetária, isto é,
no controle da inflação, à estabilização e/ou redução da dívida pública, à diminuição
do risco país, à volatilidade cambial e à taxa de juros de longo prazo, esta última
utilizada, dentre outras finalidades, nos financiamentos de máquinas e
equipamentos, indispensáveis ao aumento da produção nacional, um dos objetivos
maiores do governo.
Um dos grandes efeitos da desvalorização cambial é o aumento da dívida
pública, pois grande parte dos títulos públicos estava indexada ao dólar e outro tanto
à taxa Selic, sendo que, em ambos os casos, as despesas financeiras (dívida
pública) aumentam à medida que as taxas de juros da economia se mantenham em
níveis elevados.
No que se refere à administração da dívida pública, deve-se levar em conta
o fato de que o país, ao invés de criar condições para a geração de poupança,
regularmente capta recursos no exterior e no mercado interno para cobrir as suas
despesas correntes e fechar as contas nacionais.
Desta forma, conforme poderá ser observado nos dados constantes da
Tabela 5, veremos que a maior parte da dívida, isto é 55,1%, tem como indexador a
taxa over/selic, vindo a seguir a parcela indexada a títulos prefixados, ou seja, 22,1%
e, por último, o restante da dívida vinculada à variação cambial, em torno de 3,4%,
sendo que este item vem de apresentar forte redução, a partir de 2003, em razão
das intervenções do governo no mercado com a compra dos títulos da espécie.
Pode-se notar, ainda, que os dados demonstram que, entre 1999 e 2000, houve,
como dissemos anteriormente, redução significativa dos números analisados, exceto
no item prefixado, que veio a apresentar resultado menor em 2002 .
É notório, no entanto, que, em termos numéricos, a dívida líquida do setor
público tem apresentado, ao longo do tempo, resultado sempre crescente, sendo
110
que a parcela maior é representada pela dívida mobiliária federal, como resultado
direto da política monetária atualmente praticada pelo Banco Central, através do
Copom - Comitê de Política Monetária.
31
Tal incremento está diretamente ligado ao nível da taxa básica de juros
(Selic), que tem exercido um papel, muitas vezes, de desequilíbrio no mercado, pois
em razão da política monetária, atualmente posta em prática, ao menor sinal de
inflação a taxa de juros é elevada. Tal procedimento, se por um lado serve para inibir
o processo inflacionário, por outro gera efeitos colaterais na economia, contribuindo
sensivelmente para o incremento dos encargos da dívida interna, afetando
sobremaneira o custo de captação de recursos por parte do setor público.
Tabela 5 - Dívida Mobiliária Interna e Dívida Líquida do Setor Público
em R$ milhões em %
em R$
milhões
Dívida mobiliária interna Por indexador
A
A
N
N
O
O
Federal
Estados e
Municípios
Total
Over
Selic
Câmbio Prefix.
Dívida
Líquida Setor
Público
Dívida
Líquida
do
Setor
Público
% PIB
1998
323.860 12.661 336.521 69,1 21,0 3,5 388.667 42,51
1999
414.901 11.435 426.36 61,1 24,2 9,2 516.579 53,05
2000
510.698 2.250 512.948 52,7 22,5 14,9 563.164 51,14
2001
524.084 2.582 626.666 54,4 29,5 8,1 660.867 55,13
2002
623.191 1.926 625.117 55,2 20,3 2,0 881.108 65,46
2003
731.858 2.371 734.229 57,0 10,0 11,6 913.145 58,68
2004
810.264 2.757 813.021 54,0 4,9 19,0 956.996 54,17
2005*
905.509 988 906.497 55,1 3,4 22,1 965.988 49,25
Fonte:FGV apud TEIXEIRA, 2005, p.4.
(*) Janeiro a Maio
Assim, a partir do momento em que o BACEN passou a reduzir a taxa de
juros, tais gastos começaram a cair; inicialmente, num nível de 45% no começo do
31
COPOM – Comitê de Política Monetária do Banco Central, formado pelo presidente daquele órgão
e seus diretores.
111
ano, a taxa iniciou uma trajetória de queda devido ao desempenho favorável da área
externa e aos bons resultados no combate à inflação. Essa escalada chegou a um
dos menores patamares, desde a implantação do Plano Real, e os gastos com juros
foram significativamente menores que os de 1998.
Diferentemente de uma esperada contração da atividade econômica, o ano
de 1999 foi marcado por um bom desempenho, principalmente se o compararmos
com a fraca performance apresentada no ano imediatamente anterior. Além disso,
alguns segmentos da economia deram início a um movimento de substituição de
importações, aproveitando o ambiente favorável proporcionado pela política cambial,
ficando, assim, criadas as condições de uma queda mais rápida nas taxas de juros.
O quadro macroeconômico era, sem dúvida, favorável a uma retomada do
crescimento em razão de um conjunto de fatores, quais sejam: a desvalorização
cambial que estimularia a exportação, provocando fortes alterações na balança
comercial, com reversão dos números a partir daquele ano; a política de metas de
inflação e um bom desempenho fiscal proporcionariam as condições de queda dos
juros básicos, circunstância que contribuiria, certamente, para o crescimento do
emprego, da renda e, conseqüentemente, do consumo e do investimento.
Em decorrência de tais medidas, foi bom o desempenho da economia
brasileira, no ano de 2000, apresentando uma taxa de crescimento em torno de
4,3%, com destaque para a área industrial e agrícola; as exportações, estimuladas
pela taxa cambial, tiveram forte crescimento, os investimentos cresceram muito em
razão da queda das taxas de juros e o quadro teve reflexos bastante positivos no
consumo, devido à conseqüente elevação da renda da população.
O ano de 2001 foi marcado por dois fatos que contribuíram,
fundamentalmente, para uma piora no crescimento econômico do país: a crise da
Argentina precipitou um choque externo, com fortes pressões cambiais, e a crise
energética, responsável por um forte racionamento de energia, particularmente em
estados importantes na composição do PIB nacional.
A saída de capitais, provocada pela crise argentina, foi responsável por uma
forte desvalorização cambial, advindo daí uma pressão inflacionária que fez com que
o BACEN interrompesse o processo de queda das taxas de juros, voltando a elevá-
las. Essa conjugação de fatores, isto é, as pressões cambiais, a elevação das taxas
de juros e o baixo crescimento econômico provocaram um aumento da dívida
pública, além de uma sensível desorganização na economia.
112
Nesse cenário, o ano que coincide com o último mandato do presidente
Fernando Henrique foi marcado por baixo crescimento econômico, pressões
inflacionárias, desemprego e aumento da dívida pública, tendo atingido o seu ápice,
quando da campanha eleitoral, sendo tais aspectos fortemente questionados e
usados na plataforma política do partido da oposição que, pouco depois, assumiria o
poder.
Como fator altamente positivo da segunda gestão FHC, é justo destacarmos
o forte crescimento das exportações que, daí em diante, passou a gerar superávits
constantes na balança comercial, a par de uma reversão nos números constantes da
conta de transações correntes e no balanço de pagamentos do país. Observe-se a
significativa evolução do saldo comercial, a partir da mudança da política cambial,
conforme disposto no Gráfico 7 abaixo.
Gráfico 7 – Evolução do Saldo Comercial 1996 /2005
Fonte: BRASIL. Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, 2006.
4.3.2 Os Efeitos da Taxa de Juros na Taxa de Câmbio
Ao longo deste capítulo, preocupamo-nos em analisar, de forma objetiva, os
pontos mais importantes do Plano Real, da sua formulação ao impacto social da sua
implantação, além dos efeitos advindos do seu funcionamento e as práticas
adotadas pela equipe econômica na solução de suas pendências.
113
Dentre todos os assuntos analisados, um tema, no entanto, percorre todas
as seções e, pela sua própria importância, foi invariavelmente destacado, por se
constituir num dos pontos centrais do presente trabalho, isto é, a complexa relação
entre a taxa de juros e a taxa de câmbio.
Exceto aqueles que fazem parte da equipe de formuladores do Real, todos
os demais consultados foram e têm sido unânimes em destacar o equívoco cometido
pela equipe econômica, ao permitir que o câmbio se sobrevalorizasse e as taxas de
juros fossem mantidas extremamente altas. Têm sido cada vez mais contundentes
as críticas à condução da política econômica, e cresce, a cada dia, o número de
analistas que vêem nessa relação uma perspectiva de comprometimento dos
destinos econômicos da nação.
Em razão disso, há atualmente considerável consenso sobre as
inconsistências do Plano, originadas, na verdade, da nossa persistente dependência
de fluxos financeiros internacionais e da armadilha que, descuidadamente, se
montou com o câmbio sobrevalorizado e os juros elevados.
Tais circunstâncias nos autorizam a dizer que os efeitos sociais e
econômicos desse paradoxo têm, como não poderia deixar de ser, gerado muito
desconforto junto à população, que está pagando um preço alto como vítima da
conjuntura que aí está.
Em outras palavras, da manipulação da taxa de juros e da sua manutenção
a níveis elevados decorrem conseqüências adversas na economia, algumas delas
imprevisíveis, outras inevitáveis como a valorização da taxa cambial. Tal fato,
independentemente de sua importância macroeconômica, não geraria maiores
preocupações - por ser, ao longo do tempo, contornável – se não interferisse tanto
nos demais fatores que, direta ou indiretamente, movimentam o nosso mercado,
tanto interno quanto externo.
No capítulo anterior deste trabalho, comentamos que juros altos atraem
capitais externos especulativos, de baixa qualidade por serem voláteis, cujas
migrações, em volumes consideráveis para o país, acabam provocando a
valorização do real.
Como se sabe, a política econômica do governo está centrada no sistema de
metas de inflação, o que faz com que o COPOM - Comitê de Política Monetária do
Banco Central mantenha as taxas de juros elevadas, numa proporção teoricamente
direta aos níveis de inflação.
114
Tal fato sempre se fundamentou na idéia de que uma eventual flexibilização
da taxa para baixo, poderia gerar efeitos psicológicos no mercado, o que serviria
para sensibilizar e desestabilizar os preços e outros fatores.
Numa perspectiva do quadro que aí está, diríamos que não deverá haver
alterações impactantes na economia e, tudo indica, as taxas de juros deverão
permanecer altas e, como conseqüência, as taxas de câmbio baixas. Não
acreditamos, portanto, numa desvalorização da taxa cambial enquanto continuarem
elevadas as taxas de juros e a canalização de capitais externos para o mercado
brasileiro.
Nesse sentido e sem alterações significativas, deverá repetir-se o círculo
vicioso que tantos problemas e inquietações tem acarretado ao país: não há
exportação, crescem as importações, não se criam empregos, não há geração de
rendas, aumenta a dívida pública, aumenta a dívida externa, acentua-se o ingresso
de capitais voláteis na economia devido às operações de arbitragem, o PIB não
deverá corresponder às expectativas mais pessimistas, o que significa não deverá
acontecer o tão esperado crescimento sustentado como apregoam as autoridades.
Delfim Netto (1997, p.34) comenta que:
A taxa de juro elevada, necessária para atrair capitais estrangeiros e
sustentar o câmbio valorizado, reduz o ritmo dos investimentos e, portanto,
o aumento da capacidade produtiva do Brasil, cortando definitivamente o
nível de emprego e produção futuros. O efeito final desses equívocos é o
crescimento preguiçoso das exportações e o aumento do passivo externo
do país.
Deduz-se daí que o padrão de política econômica, que vem sendo praticada
no país, abriga uma armadilha econômica de difícil solução uma vez que provoca o
descontrole das contas internas e externas do país. Seus efeitos são potencializados
em momentos de grande liquidez internacional e inibidos em momentos de retração,
o que nos torna reféns dos agentes internacionais e extremamente vulneráveis.
Com isso, o mesmo modelo que prega a estabilização como objetivo maior e
cuja mola propulsora do crescimento depende de capitais especulativos, igualmente
nos expõe às inconseqüências que poderão advir do instável e temeroso mercado
globalizado, como habitualmente ocorre.
Não poderíamos deixar de destacar as oportunas observações feitas por
Batista Júnior (2002, p.121):
115
Nas circunstâncias da época, alguma valorização cambial e alguma
abertura às importações eram defensáveis. Infelizmente, o governo abusou
desses instrumentos e acabou produzindo grave desequilíbrio externo,
problema que perdura até hoje. No fundo, o que se fez foi substituir a
inflação por uma tendência ao desequilíbrio externo. Desde então, apesar
da queda da inflação, a economia não tem conseguido crescer de forma
sustentada.
As observações acima, como se pode observar, datam de 2002 e fazem
referência a um período pós-Real, que muito se assemelha à situação atual, exceto
no que diz respeito aos superávits apresentados pela balança comercial brasileira, a
partir de 2001, mercê de um grande esforço do setor exportador a despeito da taxa
cambial extremamente valorizada.
Em outra parte deste trabalho, ocorreu-nos registrar que a barreira
psicológica
32
da cotação do real em relação ao dólar estava prestes a ser
ultrapassada, o que, certamente, faria decrescer os resultados até aqui alcançados,
acenando com perspectivas sombrias ao nosso futuro econômico. Como resultado,
superávits mensais mais baixos e decrescentes deverão figurar no quadro
econômico uma vez que, proporcionalmente, as importações estão crescendo mais
que as exportações.
A grande verdade é que, devido à grande liquidez internacional e em
condições de ampla abertura financeira, os capitais contemplarão países em que o
retorno da arbitragem internacional deverá compensar os riscos envolvidos; tal é o
caso do Brasil.
Não que seja impossível reverter tal quadro mas há que se mudar uma
cultura arraigada de absorvedores forçados de capital, os quais, devido a um
conjunto de fatores – tradição cultural, por exemplo – ainda se encontram num
estágio limitado de desenvolvimento, muito característico dos países da América
Latina. De forma geral, todos apresentam problemas similares e, uns mais outros
menos, vêm apresentando, há anos, significativos déficits estruturais, mormente em
seus balanços de pagamentos. Daí uma das razões da busca de capitais externos.
Nesse sentido, há um constante desalinhamento da taxa de câmbio sempre
a sofrer os efeitos da elevação das taxas de juros, estas habitualmente a descompor
os níveis internos da economia para onde migram os capitais especulativos.
32
A sobrevalorização cambial atingiu níveis tão inesperados que o mercado precificou um valor limite
(barreira psicológica) para a taxa de câmbio.
116
Ao referir-se ao desalinhamento cambial, Zini Júnior (1993) levanta os
problemas que podem advir de tal circunstância, fazendo alusão direta à questão da
sobrevalorização, que serve para induzir a mudanças nos padrões de consumo a
favor dos bens exportáveis.
Ao seguir a mesma linha dos demais autores, acrescenta que os bens de
exportação passam a ser absorvidos pelos consumidores domésticos, enquanto que
as importações se vêem estimuladas. Assim, ao surgir a necessidade de cortar esse
padrão de consumo, o ajustamento em questão é doloroso e requer tempo. Além
disso, aquele autor considera que uma divisa sobrevalorizada, com certeza, servirá
para reduzir os incentivos para investir nos referidos bens. Essa situação acaba
refletindo no baixo número de empresas exportadoras, além das que saem do
mercado por razões já exaustivamente discutidas.
Nesse sentido – continua – na eventualidade de uma crise externa que
passe a requerer um rápido aumento desses bens – essa prática foi adotada, como
se viu, inúmeras vezes pelo governo - a transferência de recursos de outros setores
deverá ser feita com custos consideráveis. A mão de obra sofre uma realocação,
além de ser novamente treinada e os equipamentos de produção deverão ser
instalados ou ainda adaptados para haver um aumento de produção nesse setor.
Aliada a esse fato, haverá, certamente, toda uma canalização de esforços
direcionada à reconquista dos mercados e uma diversificação da pauta de
exportação adaptável à realidade de novas praças compradoras.
Por isso, durante o ajustamento, comumente ocorre desemprego nos
setores não voltados à produção de tais bens. Além disso, uma sobrevalorização
longa poderá provocar prejuízos nas margens competitivas de setores industriais
importantes e levar a uma desindustrialização.
Por outro lado, continua o autor, devido ao impacto da importação barata
nas indústrias domésticas, a sobrevalorização poderá despertar sentimentos
protecionistas. Num outro momento, quando for o caso, a depreciação deverá ser
muito bem administrada pois, se assim não for, tende a produzir pressões
inflacionárias ao elevar os preços domésticos de bens exportáveis; por sua vez, a
apreciação cambial, geralmente, não resulta em igual pressão dos bens importados,
particularmente porque os importadores têm uma tendência a elevar as suas
margens de lucro.
117
De nossa parte, é fácil imaginarmos que uma mudança na política cambial,
por exemplo, poderia fazer com que houvesse uma reversão em tal quadro. Nesse
sentido, devemos lembrar que, ao longo da história, experimentamos, praticamente,
todas as alternativas de regimes cambiais e, invariavelmente, um dos temas
predominantes diz respeito ao importante papel desempenhado pelas taxas de juros,
sempre em confronto com as taxas cambiais. Apesar dos aspectos antes
destacados estarem sempre em foco, nos momentos econômicos mais importantes,
e tratar-se de um tema recorrente, entendemos que tal hipótese, isto é, a mudança
de política cambial, não estaria de todo descartada.
Fizemos referência, também, em outro ponto do presente trabalho, que a
taxa de câmbio de equilíbrio estabelece, como o próprio nome diz, uma igualdade de
interesses entre vendedores e compradores de moeda, num mercado, obviamente,
em que os fundamentos macroeconômicos funcionam, também, de forma
equilibrada.
Não é, portanto, o nosso caso.
Assim, como a desvalorização cambial que, no caso, serviria para o
restabelecimento de níveis mais equilibrados da taxa cambial, pode trazer de volta a
inflação, Pereira (2003, p.17) sugere o controle de capitais, como fica claro nesta
citação:
Para impedir a valorização do câmbio, os países em desenvolvimento não
têm alternativa senão criar barreiras à entrada de capital, ou, se dispuserem
de superávit fiscal, usarem esses recursos para comprar reservas. Os
países asiáticos, que usam a taxa de câmbio de forma estratégica porque
sua distribuição de renda mais equilibrada não os força ao populismo
econômico, têm usado uma ou outra alternativa para impedir a valorização
de suas moedas.
No entanto, isto parece estar fora dos planos do Banco Central pois ele se
limita, de forma regular, a comprar moeda no mercado à vista
33
, o que contribui para
aumentar as reservas cambiais do país; entendemos, todavia, que as regras atuais,
voltadas ao perfeito funcionamento do mercado de capitais, particularmente as
referentes ao capital estrangeiro, deveriam ser reestudadas, tal a facilidade e rapidez
com que os recursos entram e saem do país, ou seja, a sua volatilidade.
33
O Banco Central tem operado no mercado à vista comprando dólares e através da oferta de swap
cambial reverso; os valores são adicionados às reservas cambiais do país.
118
4.4 CONCLUSÃO
Após termos pesquisado e analisado os altos e baixos da economia de 1994
até os dias de hoje, podemos concluir que, na sua formulação e para a finalidade a
que, num primeiro momento, se destinou, o Plano Real deu certo; aliás, o único,
entre todos, que, sem cometer os erros dos programas anteriores, teve o mérito de
debelar a inflação.
A propósito, é interessante aqui destacar uma das afirmações de Sayad
(1997, p.86) :
O Plano Real é bem sucedido. Errou ao sobrevalorizar o câmbio, mas este
erro não pode ser corrigido de outra forma, pelo menos a curto prazo.
Aumentou desnecessariamente a dívida pública, mas este também é outro
problema que não pode ser corrigido tão cedo. É o custo da estabilização,
que acaba sendo pago com menos gastos públicos em áreas vitais da vida
brasileira.
Note-se que o tempo decorrido, entre tais afirmações e os dias de hoje,
representa quase uma década e os problemas, ali destacados, ainda estão
presentes na economia. Na seção anterior, fizemos referência à armadilha que se
criou entre as elevadas taxas de juros e as baixas taxas de câmbio, problemática
que, no dizer das autoridades, se constitui no “calcanhar de Aquiles” do Plano Real.
Como vimos, logo após a sua implantação, em julho de 1994, o impacto da
sobrevalorização cambial sobre os níveis de preços viabilizou a queda imediata da
inflação, tendo provocado, em decorrência, um processo explosivo nas importações.
Com isso, ao concorrerem com os produtos nacionais, os importados, além de
causarem um processo de desestruturação interna da nossa economia, foram
responsáveis por um déficit comercial crescente com o exterior.
Tais fatores combinados, isto é, a abertura comercial, a sobrevalorização
cambial e as taxas elevadas de juros, que atraíam capitais externos, precipitaram
déficits nas transações correntes que, a par do encarecimento do crédito, causaram
um rápido e contínuo crescimento da dívida externa brasileira, particularmente o
segmento privado.
Como era de se supor, os juros altos acarretaram um crescimento
significativo do endividamento interno, tendo o governo assumido considerável
parcela do risco cambial junto aos tomadores de títulos públicos.
119
Visto sob esse ângulo, pode-se dizer que o Plano Real, embora
extremamente eficaz na estabilização dos preços internos, acarretou descontrole
nas contas externas, promoveu profundas alterações na economia - algumas delas,
diríamos, de forma desorganizada -, e engessou o crescimento, sendo que esta
última circunstância permanece até os dias de hoje.
À época, havíamos alterado a política cambial de taxas flutuantes – no início
do Real, em julho de 1994 – para bandas cambiais, que, a partir de março de 1995
se estendeu até janeiro de 1999, com nova mudança, conforme comentamos.
Destacamos na nossa análise que a economia, com a inflação sob controle,
mas totalmente desalinhada nos fundamentos macroeconômicos antes referidos,
caminhava, a passos largos, para uma mudança inevitável na sua condução, fato
que, efetivamente, se materializou, a partir de janeiro de 1999. Dentre as inúmeras
alterações a que se procedeu, a mudança de política cambial, com a implantação do
sistema de taxas flutuantes e a introdução do sistema de metas de inflação,
representaram uma nova fase da política macroeconômica brasileira, e que veio
estender-se até o ano de 2002.
A desvalorização cambial serviu para estimular as exportações e promoveu
uma reversão nos números da balança comercial que, a partir de 2001, passou a
gerar superávits comerciais.
Esse cenário, no entanto, abrigava uma crescente evolução da dívida
pública que, aliada a uma piora da situação fiscal, apesar do forte aumento da carga
tributária e da política de superávits primários crescentes, expunha-nos a uma
vulnerabilidade, tanto externa como interna, sem precedentes. Além disso, houve
queda nos níveis salariais e um agravamento social com o forte índice de
desemprego.
A partir de 2003, o novo governo implanta um estilo próprio de política
cambial e fiscal, elevando consideravelmente as exportações, com resultados
expressivos na balança comercial, fazendo reverter o déficit de transações correntes
do balanço de pagamentos.
Apesar do controle da inflação e da mudança para melhor de alguns
indicadores importantes (relação dívida/PIB, reservas cambiais, política agrícola e
expansão dos bens de capital) alguns problemas remanescentes do governo FHC
continuaram no governo Lula e permanecem até hoje. É o caso, por exemplo, do
crescente endividamento público, dos juros extremamente elevados e da
120
sobrevalorização cambial, fatores que somados explicam a forte vulnerabilidade
externa a que estamos expostos. São, indiscutivelmente, fatores inibidores do
crescimento tão aguardado.
Nesse particular, Batista Júnior (2005, p.41) afirma que:
Nas circunstâncias que provavelmente prevalecerão ao longo dos próximos
anos, o Brasil precisa de uma estratégia de autodefesa estabelecida no
plano nacional, isto é, um esforço sistemático e planejado de diminuição da
vulnerabilidade externa e da dependência com relação a capitais
estrangeiros. Graças à mudança de regime cambial e à depreciação do real,
o país saiu da zona de alto risco. A situação brasileira é difícil, mas não de
emergência.
Apesar da estabilidade, o país vem pagando um custo econômico e social
muito alto, razão por que entendemos que uma das formas de nos livrarmos dessa
armadilha criada na economia, é promovermos, em grande escala, o crescimento,
dando início às mudanças que o país tanto tem exigido.
121
5 CONCLUSÃO
Historicamente, a economia brasileira tem apresentado altos e baixos na
condução das políticas monetária, cambial, fiscal e de rendas, circunstância que,
pela sua própria natureza e importância, muitas vezes, tem sido responsável, pela
geração de incertezas e instabilidades nos mercados, tanto interno como externo.
Sabemos que, independentemente dos esforços despendidos pelo governo
no acerto da administração de tais políticas, a grande verdade é que,
tradicionalmente, temos sido dependentes do capital estrangeiro, o que nos expõe a
uma vulnerabilidade externa muito grande e nos submete, em certos momentos, às
regras ditadas pela comunidade financeira internacional.
Ao longo deste trabalho, procuramos demonstrar que a política cambial
brasileira tem sido um dos mais fortes instrumentos de análise com que conta o
governo para a formulação de suas decisões econômicas, propriamente ditas.
Pela sua abrangência, a política cambial influi diretamente no mercado
financeiro, particularmente nas operações de comércio exterior, num envolvimento
direto com as operações comerciais (exportações e importações) e outras operações
pertinentes à área, impactando positiva ou negativamente a balança comercial, com
sérios reflexos no balanço de pagamentos.
Devido a tais fatores, o país deve contar com um sistema financeiro
organizado e que seja capaz de desenvolver mecanismos, por meio de uma política
macroeconômica, que acompanhe, não apenas, os movimentos de expansão e
retração da liquidez internacional, mas conduza a economia ao caminho do
desenvolvimento econômico e social, ao seu próprio destino.
Dentro dessa ótica, a primeira parte do presente trabalho tratou de destacar
o perfil do mercado cambial brasileiro, sua estrutura e funcionamento, os agentes
participantes do mercado, os mecanismos de controle, além de uma abordagem dos
aspectos operacionais vigentes no mercado de câmbio.
Vimos que, até o ano de 1964, o país, apesar de todos os esforços,
enfrentou sérias adversidades no campo econômico, não só pela ausência de
122
tradição exportadora e cultural mas, também, pelas limitações da estrutura
operacional do mercado de câmbio. Fazia-se necessária a criação de um sistema
que atendesse à eventual demanda que adviria do forte ideário de expansão da
nossa economia, a envolver, como efetivamente ocorreu, a comunidade externa. A
propósito, ao tempo da antiga ALALC, em 1960, em que se instituiu um sistema de
pagamentos entre os países participantes, através do Convênio de Créditos
Recíprocos, as funções de um banco central eram exercidas pelo Banco do Brasil
que, curiosamente, à época, possuía apenas duas agências externas, ou seja, nas
praças de Montevidéu e Assunção.
Com o advento da Lei 4.595, de 31.12.64, extingue-se o antigo embrião do
Bacen, a Sumoc, cria-se o Banco Central do Brasil, estabelecem-se condições para
o Banco do Brasil impulsionar as suas atividades comerciais e normatiza-se o
funcionamento do mercado de capitais, medidas que acenavam como sinal dos
novos tempos.
De lá para cá, o país, a acompanhar a torrente dos tempos modernos,
organizou o sistema financeiro nacional e empreendeu forte escalada na área
internacional. No particular, devemos destacar o grande esforço despendido pelo
Banco do Brasil que, principalmente a partir dos anos 70, empreendeu uma
agressiva política de abertura de agências externas, circunstância que fez com que,
a par de uma inédita experiência internacional, fossem criadas novas oportunidades
de negócios no exterior, além de agilidade e barateamento de custos operacionais.
A criação de filiais externas estimulou o aprendizado de novos
conhecimentos e proporcionou a aquisição de técnicas operacionais sofisticadas,
igualando-nos, neste sentido, às nações mais desenvolvidas do mundo.
O país neste ponto efetivamente se modernizou com a instituição de formas
de controle operacional por meio do surgimento do Sisbacen, algum tempo depois
do Siscomex e com uma forte modernização dos mecanismos aduaneiros, através
dos trabalhos da Secretaria da Receita Federal.
Em síntese, tais aspectos foram destacados no primeiro capítulo desta
Dissertação, inicialmente por meio de uma abordagem do mercado de câmbio
brasileiro, sua estrutura em termos organizacionais e o seu funcionamento em
termos operacionais.
Pode-se dizer que, tanto no âmbito interno como no externo, o Brasil está a
contar com um sistema cambial moderno e eficiente.
123
De outra parte, no segundo capítulo, ao relatarmos, de forma retrospectiva, a
política cambial brasileira, desde a Segunda Guerra Mundial aos dias de hoje,
enfatizamos as inúmeras tentativas de acerto na condução das políticas monetária e
cambial, as quais, como vimos, sempre tiveram o propósito de debelar o processo
inflacionário e o atingimento de superávits comerciais para aliviar o balanço de
pagamentos do país.
Vimos que o setor externo passou por diferentes fases nesse período, além
do fato de a economia brasileira, até recentemente, apresentar um grau
relativamente reduzido de abertura externa, com forte variação às oscilações do
mercado internacional.
Em determinados períodos, podia-se perceber, claramente, uma persistente
sucessão de erros na escolha da melhor política cambial, a que melhor se
adequasse àquele momento, numa perspectiva que se apresentava como
imediatista e voltada para a obtenção de superávits comerciais, exigência, na maior
parte das vezes, dos organismos internacionais, nossos financiadores. Esse caráter
oportunista, em nenhum instante, imprimiu à nossa economia um crescimento
sustentado, submetendo-a, na verdade, a grandes oscilações e se mostrando
extremamente perverso, levando-a a recorrentes episódios de stop and go, inibindo
os investimentos, transferindo poupança para o exterior e repercutindo
negativamente na dívida pública e no emprego.
Tais análises, que remontam ao governo Dutra e se estendem até o ano de
1994, destacam o fato de que o regime cambial brasileiro possui uma lógica
intervencionista, que se deve, na sua origem, às crises de divisas advindas das
oscilações das receitas remanescentes das exportações de café.
Como reflexo de tais crises, a economia brasileira viveu momentos de
intensa turbulência, por meio da volatilidade das taxas de câmbio, de juros e outros
parâmetros internacionais, com acentuada instabilidade econômico-financeira,
particularmente a partir do preconizado no sistema monetário internacional de
Bretton Woods, nos anos 70, com a eliminação do sistema de câmbio de taxas fixas.
Dentro da nossa abordagem, vimos que o ano de 1968 marca o início de um
processo de maior abertura do país em relação ao resto do mundo, tendo em vista o
fato de que a busca de novas alternativas de desenvolvimento ficou evidenciada
pelas alterações introduzidas na área cambial, com a adoção do sistema de
minidesvalorizações cambiais.
124
É importante rememorar que a nova sistemática cambial se apoiava na
teoria da paridade do poder de compra, segundo a qual a variação da taxa de
câmbio de um país,entre dois períodos, é dada pelo quociente entre o índice de
preços internos e externos, subtraído da unidade. Em tais circunstâncias, admitindo
que: a) a taxa cambial a partir da qual se inicia a política é de equilíbrio; b) a relação
de trocas do país se mantém constante; c) a renda interna e a do resto do mundo se
mantêm constantes, o procedimento indicado pela teoria da paridade manteria a
taxa cambial em equilíbrio, sem maiores problemas para a balança de pagamentos.
Além disso, assinalamos que, a partir de 1968, o governo tratou de ampliar
as exportações por meio de fortes medidas fiscais e creditícias, maior assistência
financeira e isenção do imposto de renda nas vendas ao exterior, dentre outras.
Assim, essa maior abertura ao setor externo repercutiu favoravelmente na
balança de serviços, que veio a registrar, também, considerável elevação das
importações, voltado que estava o país para o crescimento, que se fazia necessário.
Em nossa análise, destacamos que esse período de considerável
crescimento, conhecido como “Milagre”, foi interrompido bruscamente, no ano de
1974, com a eclosão da crise do petróleo, cujos preços duplicados deterioraram as
relações de trocas do país e promoveram significativa pressão sobre as
importações. A opção pela continuidade do crescimento, através da produção de
bens e serviços, diferentemente dos demais países do mundo ocidental, que se
ajustaram à nova realidade, com a adoção de políticas voltadas para a redução da
dependência do petróleo, fez com que o país recorresse a financiamentos externos,
indispensáveis ao fechamento do balanço de pagamentos, fortemente afetado com o
aumento das importações.
Como havia excesso de liquidez internacional, devido aos superávits árabes,
que ampliavam a oferta de recursos com reduzidas taxas de juros, o Brasil não teve
dificuldades para fechar as suas contas; este período de crescimento da dívida
externa, tornou a situação brasileira ainda mais comprometida ao surgir o segundo
choque do petróleo, no ano de 1979, com as importações pressionando a balança
comercial e vindo a provocar reflexos diretos no balanço de pagamentos.
Vimos que, apesar da continuidade do crescimento das exportações, a forte
pressão advinda das importações fez com que ocorresse rápido incremento da
dívida externa, mostrando, claramente, que o país se utilizava de forma acelerada da
poupança do resto do mundo.
125
Uma das maiores dificuldades econômicas por que passou o Brasil, em sua
história recente, remonta ao início dos anos oitenta, quando as taxas de juros
internacionais (Prime e Libor) se elevaram a patamares próximos de 20% ao ano,
circunstância que veio a agravar consideravelmente a vulnerabilidade externa, com
forte aumento do endividamento brasileiro, situação que culminou com o país
recorrendo à ajuda do FMI. Nessas condições, o Brasil teve que se ajustar ao novo
quadro econômico, com significativo aumento das exportações – estimuladas por
uma maxidesvalorização do cruzeiro – e contenção das importações, muitas vezes,
devido à retenção das guias de importação no âmbito da antiga CACEX – Carteira
de Comércio Exterior, então vinculada ao Banco do Brasil.
Ao concluir o processo de ajustamento, o Brasil encontrava-se com as suas
contas em equilíbrio e, em razão da expansão da economia americana, ocorrida em
1984, teve uma forte demanda por seus produtos, o que fez com que as nossas
exportações crescessem, ocorrendo a geração de superávits comerciais elevados e
redução no coeficiente de importação de 12%, em 1980, para 7%, além de aumento
das reservas cambiais nesse período. Tratava-se de uma clara evidência de que o
país estava concluindo o processo de substituição de importações.
A retomada do crescimento, no entanto, numa economia em que a taxa
cambial se regulava pelo sistema de minidesvalorizações, além de uma indexação
financeira abrangente, fez com que, no ano de 1985, houvesse um recrudescimento
da inflação, que atingiu níveis sem precedentes, razão por que a Nova República, à
vista do quadro econômico declinante, desse início aos programas de estabilização
da economia, através de um choque heterodoxo.
Comentamos em nossa análise que o que se viu foi uma sucessão de erros
cometidos nos diversos planos econômicos, adotados a partir de então, com uma
dinâmica em que a inflação apresentava queda vertical, após a implantação dos
programas e, algum tempo depois, retornava com toda a força, obrigando o governo
a implantar medidas alternativas de correção que, na verdade, funcionavam apenas
como recursos paliativos, eliminando apenas parte dos seus efeitos.
Sob a nossa ótica, consideramos que a raiz da questão se devia aos
recursos do congelamento de preços e da taxa de câmbio, medidas que muito
contribuíram pelo malogro das operações, por contrariarem um dos princípios
básicos da economia, qual seja, a formação de preços no mercado.
126
Um assunto, no entanto, percorre toda a nossa análise e se constitui no
tema central desta Dissertação: as taxas cambiais como produto de políticas
cambiais equivocadas, a sua relação direta com as taxas de juros e os seus efeitos
deletérios nas nossas contas externas e na dívida pública.
Neste ponto do trabalho, mais especificamente o Capítulo III, após termos
procedido ao estudo dos inúmeros planos econômicos antes referidos, detivemo-nos
no único que teve sucesso na finalidade a que, inicialmente, se destinou: o Plano
Real.
Implantado em julho de 1994, tratou-se de um Plano concebido no mesmo
padrão dos programas de estabilização e ajuste aplicados no período. A política
econômica, então vigente, preconizava a articulação entre o aumento rápido das
importações e a captação de recursos externos, sendo que a âncora cambial tornou-
se a mola mestra desse programa de estabilização, associada a uma política de
juros elevados, com o objetivo de conter um inevitável excesso de demanda, que
viria, efetivamente, a ocorrer.
Uma das primeiras providências, em termos de política macroeconômica,
que vigorou no período compreendido entre 1994 e 1998, teve como fundamento a
sobrevalorização da taxa de câmbio, sendo que seu impacto sobre os preços
reduziu drasticamente a inflação e provocou um forte crescimento nas importações.
Em decorrência de tais medidas, além de provocar significativa desestruturação
sobre a produção interna, seus efeitos sobre a balança comercial foram expressivos,
através de um déficit comercial preocupante.
A abertura comercial, a sobrevalorização cambial e a captação de recursos
externos, além de aumentarem o saldo negativo da conta de serviços, geraram
déficits na balança comercial, circunstância que, aliada à forte elevação das taxas de
juros, redundou num significativo aumento da dívida externa do país. Por outro lado,
a elevação das taxas de juros precipitou um aumento considerável da dívida pública,
além do fato de que o país, para manter o câmbio sobrevalorizado, assumiu grande
parcela do risco cambial, através dos tomadores de títulos públicos.
Registramos, no particular, que o Plano Real, apesar de ter sido eficaz na
estabilização dos preços internos, foi responsável por causar uma forte dependência
externa, desorganizar a economia e engessar o crescimento econômico do país.
Os efeitos dessa política cambial equivocada (inicialmente, em julho de
1994, bandas cambiais assimétricas, depois, em março de 1995, bandas cambiais
127
largas), agravados com as crises mexicana, asiática e russa, em 1995, 1997 e 1998,
respectivamente, chegaram ao seu limite, em janeiro de 1999, com a implantação do
sistema de câmbio de taxas flutuantes e adoção do sistema de metas de inflação,
políticas que permanecem até os dias de hoje. A partir daí, inicialmente com a
desvalorização do real, a balança comercial reverteu a sua situação deficitária e, a
partir de 2001, passou a registrar superávits comerciais crescentes.Outros
problemas, no entanto, permanecem sem solução na economia brasileira.
O Plano Real tem sido considerado o mais bem sucedido programa
brasileiro de estabilização da economia. Apesar de seu inegável sucesso, no que se
refere ao controle da inflação, depois do malogro de inúmeros planos econômicos
similares, crescem, cada vez mais, as críticas a respeito da condução da política
econômica. Questões como vulnerabilidade externa, sobrevalorização excessiva do
real, taxas de juros elevadas, endividamento público, maior rigor no controle de
ingresso de capitais, além do ciclo de endividamento externo do país se constituem
em advertências recorrentes que partem de todos os analistas e estudiosos de tais
questões.
A prática demonstrou, ainda, que há um indisfarçável consenso sobre as
inconsistências da atual política cambial e as dificuldades que pairam no desarme da
armadilha da sobrevalorização cambial e dos juros elevados.
De nossa parte, entendemos que a política cambial, ora em vigor, há muito,
deu mostras de esgotamento, razão por que registramos, exaustivamente, que juros
altos servem para proporcionar grande afluxo de capitais externos de baixa
qualidade, voláteis e responsáveis maiores pela sobrevalorização cambial.
É chegada a hora de o país aproveitar esta janela de oportunidade, que se
abre à nossa economia, num momento em que há abundância de capitais, liquidez
internacional, em que os saldos comerciais não apresentam paralelo na nossa
história recente, para darmos um salto de qualidade em direção ao futuro, em
direção ao nosso próprio destino.
O atual arcabouço macroeconômico, a despeito da estabilidade monetária,
não pode mais voltar-se apenas para o controle da inflação.
128
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