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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ
CENTRO DE HUMANIDADES
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA SOCIAL
“C A R E TA S”
Festa e performance dos Brincantes na cidade de Jardim-Ce
Ivaneide Barbosa Ulisses
Fortaleza
Setembro,2004
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ
CENTRO DE HUMANIDADES
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA SOCIAL
“C A R E TA S”
Festa e performance dos Brincantes na cidade de Jardim-Ce
Ivaneide Barbosa Ulisses
Dissertação apresentada como exigência parcial para a obtenção
do grau de mestre em História Social à comissão Julgadora da
Universidade Federal do Ceará, sob orientação do Prof. Dr.
Francisco Gilmar Cavalcante de Carvalho.
Fortaleza
Setembro,2004
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ
CENTRO DE HUMANIDADES
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA SOCIAL
“C A R E TA S”
Festa e performance dos Brincantes da cidade de Jardim -Ce
Ivaneide Barbosa Ulisses
Esta Dissertação foi julgada e aprovada, em sua
forma final, pelo orientador e membros da banca
examinadora, composta pelos professores:
______________________________________________
Prof. Dr. Francisco Gilmar Cavalcante de Carvalho – UFC
Orientador
______________________________________________
Prof. Dr.
______________________________________________
Prof. Dr.
Fortaleza
4
Setembro,2004
à Jamile e Eudásio
5
Agradecimentos
Uma pesquisa acadêmica é sempre uma produção coletiva,
assim, agradeço, a todos que direta e indiretamente deram força e me animaram
neste trabalho, entre eles: os colegas de especialização da UECE (Universidade
Estadual do Ceará), onde início ao projeto: Silvana, Vila e Oliveira. Ainda da
Especialização, os professores que leram o projeto, deram suas opiniões: Manoel
e Germano e, principalmente, professor Gisafran Jucá, além de ter tirado um
tempo para leitura minuciosa do pré-projeto deu a força decisiva para que eu
tentasse a seleção.
Aos professores do curso de mestrado: Eurípedes, Frank, Fred,
Ivone, Régis, Norberto, Adelaide. Aos meus colegas no curso, tão companheiros
que foram sempre: Rose, Mirtes, Carla, Glória, Henrique, Antônio, Iza,
Dioclesiana, Benedito, Luís e, especiais agradecimentos, ao Gleison e Gustava
estes, que vez e outra, dividia minhas angústias.
As pessoas que não nos encontramos tanto mas que foram
primordiais para meu enriquecimento intelectual e pessoal desde da época da
graduação: os professores e arqueólogos Miriam Cazzetta e bio Parente. O
encenador Oswald Barroso e a Cia Boca Rica de Teatro. A colega e mestre em
Pré-História Verônica Viana. A amiga Germana, agora, mestre em História Social
e mãe.
Agradecimentos especiais ao meu orientador, Gilmar de
Carvalho, cujo conhecimento, tranqüilidade e respeito rendeu uma orientação
motivadora, rica.
A minha família, pelo carinho e paciência.
6
Agradecimentos as pessoas do município de Jardim que sempre me receberam
tão bem, em especial aos entrevistados que deram um intervalo em suas rotinas para
conversar comigo, são elas e eles: José Marcondes Pereira; Jamilles Freitas dos
Santos; Miguel Morais; Fernando Pereira de Sousa; João José de Sousa; João
Geraldo Pereira; José Geraldo pereira (seu Nelson); Manoel Bernardino; Eternite
Lopes de Sousa; Flávio Vidal; Francisco Hildeberg; Nélsia; Sinê; Jucilene Ribeiro de
Sousa.; João Salu; Antônio Amaro; Cícero Cândido.
7
Resumo
O trabalho tem como objeto de estudo uma festa, a “Festa
dos Caretas”, que acontece anualmente ( período da Semana Santa) no
município de Jardim, sul do Estado do Ceará. A pesquisa, centra-se, nos modos
como “Brincantes”, “ex- Brincantes” e organizadores do evento vivem e
interpretam os processos de realização da festividade. E como é significado e
re-significado no cotidiano da cidade nos dias de preparação e apresentação
dos Caretas. A problemática encaminha-se na esteira de estudos em que as
“festas” expressam conflitos, tensões, dimensões temporais daqueles grupos
sociais que as executam. A “Festa dos Caretas,” é encarada no trabalho
enquanto um tipo de “encenação”, próxima aos códigos do teatro popular.
Remetendo a questões como, produção (produtor); instrumentos(códigos/
suportes); mensagem (conteúdo/ significação); recepção (leitura e
reapropriação). No caso, os produtores do texto, são os Caretas e
organizadores da festividade, são ainda aqueles indivíduos que assistem a
apresentação dos “Brincantes”. Os códigos são formalizados nos trajes dos
“Brincantes”, são as máscaras, roupas, chocalhos, cassetetes, materiais de
origem vegetal(palha, folhas...) o também os gestos, as expressões ditas,
musicadas e os instrumentos musicais. O suporte do texto são os corpos dos
Caretas. O elemento de entendimento da Festa é a articulação entre o que são
as fontes e ao mesmo tempo metodologia na elaboração da pesquisa: a
oralidade.
8
SUMMARY
The work has as object a party, in matter, the Party of the
Grimaces ", that happens annually (period of the Week Saint) in the municipal
district of Garden, south of the State of Ceará. The research, is centered, in the
manners as " Brincantes ", " former - Brincantes " and organizers of the event
live and they interpret the processes of accomplishment of the festivity. And how
it is meant and resignificado in the daily of the city in the days of preparation and
presentation of the Grimaces. The problem heads in the mat of studies in that
the " parties " express conflicts, tensions, temporary dimensions of those social
groups that execute them. The Party of the Grimaces, it is faced in the work
while a staging " type, close to the codes of the popular theater. Sending to
subjects as, production (producer); instruments (codes / supports); message
(content / significance); reception (reading and reapropriação). In the case, the
producing of the text, are the Grimaces and organizers of the festivity, they are
still those individuals that attend the presentation of " Brincantes ". The codes
are formalized in the clothes of " Brincantes ", they are the masks, clothes,
rattles, clubs, materials of vegetable origin. (straw, leaves...). Saint also the
gestures, the said expressions, musicadas and the musical instruments. The
support of the text is the bodies of the Grimaces. And as primordial element of
the understanding of the message and reception of the text that it is the own
articulation of group of the work the oral source it comes as primordial
methodology.
9
Í N D I C E
- A CIDADE E A BRINCADEIRA - Considerações iniciais, 11
- A CIDADE E O NOME - JARDIM
1. A viagem 19
2. Acampamento dos pequizeiros 22
3. Sede de Jardim 26
4. “Cultura plural” 30
5. O que é a Festa/Brincadeira/Caretas 34
6. Zona urbana e zona rural 45
7. Papangus e Caretas 49
8. Zona rural 52
- A CIDADE E AS “FESTAS”
9. “Semana Santa é minha paixão” 71
10. “baile à fantasia que irradia meu coração” 75
11. Caretinhas 78
12. Associação dos Karetas 85
13. “Quinta-feira Santa” 99
14. “Sexta-feira Santa” 102
15. “Sábado de aleluia” 103
16. “Domingo 104
17. Serra do Brejinho 105
18. Três gerações de homens Caretas 107
10
- A BRINCADEIRA/FESTA COMO ENCENAÇÃO - ato I
19. “Encontro marcado” 116
20. Ser Careta 122
21. Encenar 125
22. A Brincadeira/Festa como encenação – ato II 130
23. Um corpo 134
24. Chocalho 139
25. Mundo risível 142
26. Máscara 149
A CIDADE E A BRINCADEIRA – considerações finais 153
FONTE 161
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 162
ANEXO 168
11
“A CIDADE E A BRINCADEIRA”- considerações iniciais
“Todo “lugar “próprio” é alterado por aquilo que, dos outros, se acha
nele...cada estudo particular é um espelho de cem faces (neste espaço
os outros estão sempre aparecendo), mas um espelho partido e
anamórfico ( os outros se fragmentam e se alteram).” (De Certeau,
1998, p110)
Ao pesquisar sobre a “Festa dos Caretas” veio a oportunidade
de lidar, de aprofundar conhecimentos a respeito das manifestações populares,
compostas não de festas, mas de outras fontes (cantorias, provérbios, ritos,
cordel, festejos...), foi um trabalho, mas foi, igualmente, um prazer.
Propositadamente, seguir o princípio do prazer, isso, deu-me a
chance de atender a uma expectativa apontada no projeto de pesquisa, de
buscar, dar vazão a uma vontade surgida no período da adolescência, quando fui
ativista do movimento estudantil. Uma vontade de entender, o que na época de
militante, me parecia um saber do “povo”, e não simplesmente uma falta de
conscientização, como era batizada pelos “politizados”.
Entender a capacidade de determinados grupos sociais de
“solucionarem” seus problemas cotidianos através da fé, dos festejos, do carnaval,
dos ritos, da “palhaçada”, e não necessariamente por meio de ões políticas. Ou
como diz uma canção: “...fazer carnaval batendo em panelas vazias.”
Assim, as páginas que seguem são o resultado do que
podemos apreender, na perspectiva acima, a partir de uma cidade, cujo objeto é
uma festa, em particular a “Festa dos Caretas”, no município de Jardim, sul do
Ceará, região do Cariri.
A “Festa dos Caretas”, ocorre, anualmente, no período da
“Semana Santa”, caracterizada pelo humor, brincadeiras e pelos trajes usados
pelos “Brincantes
1
”, trazendo como foco as suas máscaras.
Ela obedece a um riso proveniente da tradição, ligado as
comunidades, que têm na forma oral, uma importante fonte de aprendizado
1
Nome dado aos participantes trajados dentro da festa.
12
incluindo, nessa tradição oral, o modo de improvisar que respeita a criatividade
individual, mas obedece a “regras” préestabelecidas. Regras dadas e entregues
pelos mais velhos aos mais jovens através, principalmente, da observação e da
imitação realizadas pelos mais novos.
O ato da pesquisa trouxe a mim a sensação descrita por
Maurice Bèjart, quando em visita a uma ilha do Mediterrâneo oriental expôs,
“...pude viver, durante algumas semanas do verão, a vida de pescadores e de
camponeses...cujo o ritmo era do ar, da água, da luz, dos vegetais.”(Garaudy, 1950,p38)
“Viver...a vida de pescadores...”. Seria possível? Viver a vida, o
fazer de outrem, vida de Careta, por exemplo?.
Existe vida de Careta? O que é ser Careta?
Em Jardim, pude sentir, viver o ritmo de uma parte do cotidiano
das pessoas do lugar, especialmente aquelas envolvidas na Festa, mas não ser
um deles. Cheguei a interagir com os participantes mas não era um deles e nem
poderia ser.
Não pertencia à Cidade de Jardim, não trazia na memória
histórias do lugar, contadas pelos meus avós e pais...O olhar, o sentimento era de
estrangeira. Olhar daquela que olha de fora. Simpatiza, mas encontra-se fora dos
códigos particulares de interpretação.
Parecido com que disse o poeta e “ex-brincante” Miguel Morais
na nossa conversa:
“É, eu diria até, que você deveria fazer parte dessa sociedade, aqui. Ter
amigos, pra quando você brincar de Careta, você realmente(..).porque,
quando você coloca a máscara, você passa a ser um estranho entre os
amigos. Então se você não conhece aquele povo quando... vai brincar
de Careta não faz diferença, não faz efeito. Vai ser a mesma coisa.”
A idéia externada por Miguel, a brincadeira tendo como
característica o esconder-se através dos trajes, esconder-se daqueles que
conhecem a pessoa que traz o Careta. Pois, produzem suas vidas em um mesmo
espaço várias gerações. Contam as mesmas histórias do lugar e sabem
detalhes particulares uns dos outros. O sucesso do Careta é não ser reconhecido
por seus pares.
13
Inspirada nas palavras de R. Williams, em “O Campo e a
Cidade”, é preciso reafirmar que a motivação para a realização da presente
pesquisa sempre foi pessoal e expressar, às claras, a partir da legitimação
dada pela aproximação com os teóricos e com a própria festa em si.
Quando Williams diz, “Guardo comigo as referências
dadas....Quando nasci, meu pai era sinaleiro...porém, continuava um aldeão, com seus
jardins e suas abelhas...(Williams,2000,p15), imaginei, a mim, faltaria tais referências.
A vivência de um lugar “meu”.
Eu, filha de trabalhadores pobres, pai nordestino, mãe goiana
cuja conjuntura econômica os reuniu em um casal no Distrito Federal, alguns anos
após a fundação de Brasília.
Migrações que resultaram em outras migrações. Levando a
família a ter boa parte de sua existência vivida aos sabores das direções dos
“ventos”, ou melhor dos planos de governos.
A nós, filhos, restou-nos a sensação passada, nostalgicamente,
por pai e mãe sobre uma vida melhor em outro espaço que não nas cidades que
morávamos.
Nós, filhos, no suspiro de cada um dos progenitores podíamos
imaginar um mundo das feiras, das comidas típicas, das festas, dos poetas de
cordéis, manifestações comuns a eles.
Ir ao encontro dos Caretas de Jardim foi um encontro não
com a Festa, o Riso e o espaço geográfico e social diferente do vivenciado por
mim, com suas “falsas caras”, mas ainda um encontro um pouco comigo mesma,
como o ato de costurar uma colcha de retalhos que pode representar a vida de
uma família “dispersa” como a minha.
Neste sentido, costumo falar que não fui eu que escolhi Jardim,
mas ao contrário. “A Festa dos Caretas” acontece em diferentes municípios do
Ceará. E a determinação por Jardim, como foco do estudo, foi sendo impulsionado
por uma soma de razões: o fato das pesquisas do meu orientador, Gilmar de
Carvalho, concentrarem-se mais por aquela área do Cariri. Ainda, a questão da
14
“Festa de Jardim” ser um referencial de quem conhece o evento, seja para criticá-
la ou admirá-la.
Mais determinante para escolha de Jardim foram as primeiras
entrevistas. O tratamento dado pelos Caretas a Festa e sua relação com a própria
idéia de ser jardinense.
Atraiu-me a curiosidade por aqueles que por suas falas
gostariam de ligar-se cada vez mais ao lugar e a seus habitantes. E a Festa
pareceu-me um belo pretexto utilizado por eles para este objetivo.
Lembrou-me os suspiro de saudades de minha mãe quando
fala do trabalho e dos costumes da roça e a idéia persistente de retorno ao lugar
dela. A ligação sentimental com o lugar de nascimento e infância, do qual teve de
afastar-se, brutalmente, por o mais poder suprir as necessidades de
sobrevivência.
Meu pai acabou voltando para o “interior dele” no Estado do Rio
Grande do Norte, mas não mais se adaptou e acabou arribando, mais uma vez,
para a cidade de Natal.
Quanto a mim, ouvia as sensações, as histórias de cada um
deles. Via suas histórias acontecerem, mas não entendia muito. Acostumei a dizer
que o meu lugar era aquele onde me encontrava no momento.
Nas falas dos Caretas transparece a luta dos jardinenses para
garantir certas condições de trabalho e vida que possibilitem a permanência dos
filhos do lugar no seus espaços de origem.
Sair por escolha e o ser impulsionado pelas más condições
de vida e falta de perspectiva, como foi o caso das migrações de meus pais, e é o
caso dos moradores de Jardim.
Mas, a fala dos Caretas e organizadores, ao mesmo tempo que
une, separa. Traz uma divisão bem clara entre os modos de fazer da festa da
Cidade e os modos de fazer da zona rural. Pensando em R. Willians, novamente,
em “O Campo e a Cidade” (2000), talvez, pudesse perceber relações entre urbano
e rural e a articulação com a festa dos Caretas.
15
Talvez, em tal ordem de divisão, haja uma luta dos jardinenses
para resguardar elementos considerados importantes para manutenção da Festa.
Talvez, possa enxergar uma luta a favor e contra a regulamentação da Festa.
Transparece, ao conversar como um Careta, o orgulho em ser
Careta. Em ter Careta na Cidade. A Cidade muda no período da Festa. O Careta
passa a ser pauta de reuniões de instituições como a igreja, a prefeitura,
empresas de patrocínio, sem se falar nas épocas das eleições.
Assim, a presente pesquisa parte de questões como: O que
revela “A Festa dos Caretas” de Jardim?” O que a apresentação dos Caretas na
rua diz sobre o grupo de pessoas que a fazem? A Festa Oculta algo? O que a
Festa traz de elementos recorrentes, historicamente, a esses tipos de
manifestações de rua, de praça das comunidades tradicionais? Quais os
elementos renovados por cada comunidade? Quais as formas gestuais e figuras
que aparecem nos trajes dos Brincantes? Que tipo de corpo é “risível”(humor) ou
“terrível” (medo) para aquela cultura ? Como são selecionados os trajes pelos
Brincantes? Que relação ocorre entre o “público” e o “Brincante” durante a
apresentação? O que é “Ser Careta” para o Careta? Como os “Brincantes” dos
Caretas percebem sua participações na Festa?
Talvez, possibilite-nos, verificar sistemas de valores e
interpretar símbolos dos grupos que realizam a “Festa dos Caretas”; perceber as
inovações realizada em cada comunidade, e como se dão as rupturas com a
tradição.
A problemática encaminha-se na esteira de estudos em que as
“festas” expressam conflitos, tensões e dimensões temporais daqueles grupos
sociais que nela estão envolvidas.
E, dentro da relação da brincadeira/festa no processo local e
global, econômica e socialmente, perceber como os Caretas e organizadores dão
encaminhamentos às suas ações, apesar das dificuldades.
A dissertação apresenta-se em três capítulos: o primeiro, A
Cidade e o Nome”, houve preocupação, em primeiro lugar, em trazer não a Festa
16
em si, mas iniciar pela Cidade de Barra de Jardim, local de morada, de vida
daqueles que “festam” na “Semana Santa”.
A tentativa de demonstrar o envolvimento local com o festejo
dentro de suas rotinas, ou de uma rotina transformada pelos fazeres em relação
aos momentos antecedentes da Festa, bem como dentro da dinâmica do evento
Formulando sempre discussões em torno de temas propostos
pelas entrevistas com os Caretas, bem como envolvendo reflexões sobre o meio-
ambiente de Jardim, localizado que é o município na Chapada do Araripe .
Perceber os produtores diretos da Festa, dentro do contexto da
Cidade, de uma cidade de Chapada, são eles, os que lutam com dificuldade para
sobreviver, são lavradores, estudantes e funcionários públicos em sua maioria.
Todos trazem na força da voz, nas palavras ditas, nos gestos e
no olhar muita esperança de dias melhores. Melhora que, nas falas, acontece
junto com a Cidade.
Prontos, com disposição para ficar do lado certo” ( aquele que
levaria Jardim ao desenvolvimento econômico, carregado com a lembrança de um
passado áureo. Ou um novo caminho rumo ao futuro, ainda não concebido
totalmente por essas vozes e olhares, pelo(s) idealizador(es)).
O segundo capítulo, A Cidade e a Festa”, parte da fala dos
entrevistados e observações realizadas durante o trabalho de campo , tanto na
zona rural como da zona urbana, fazendo um paralelo entre os dois espaços
festivos.
A divisão espacial entre rural e urbano, presente nas falas dos
“Brincantes”, foi assimilada pela pesquisa e escrita do trabalho. Procurou-se ainda
perceber a participação de grupos específicos na festa, como as crianças e as
mulheres.
O terceiro capítulo, A Festa como encenação”, aborda o
evento como encenação, mas nada ou pouco parecido com a idéia de
teatralização que a maioria de nós nos palcos atuais. Encenação próxima ao
rito de encontro do ser com algo sagrado, em que aquele que representa não é
ator, mas é personagem e pessoa, ao mesmo tempo, sendo o corpo o suporte de
17
tal processo. Um corpo particular, com dadas características, um corpo de Careta.
É este corpo que faz da pessoa um Careta. remetendo a questões como produção
(produtor); instrumentos ( códigos/ suportes); mensagem (conteúdo/ significação);
recepção (leitura e reapropriação).
No caso, os produtores do texto, são os Caretas e os
organizadores da festividade, são ainda aqueles indivíduos que assistem à
apresentação dos Brincantes.
Os códigos são formalizados nos trajes dos Brincantes, são as
máscaras, roupas, chocalhos, cassetetes, materiais de origem vegetal. ( palha,
folhas...). São também os gestos, as expressões ditas, tocadas e os instrumentos
musicais. O suporte do texto são os corpos dos Caretas.
E, como elemento primordial para entendimento da mensagem
e recepção do texto, fazendo a própria articulação do conjunto do trabalho, vem a
fonte oral como metodologia primordial.
Os Caretas, ex- Caretas e organizadores são os entrevistados.
Foram elaborados roteiros de perguntas para cada etapa do trabalho de campo.
Não se ficou preso a ele, mas foi importante porque foi criado a partir da
problematização do trabalho, bem como de questões nascida das leituras e da
observação participante.
Roteiros tiveram como preocupações básicas a obtenção de
descrições dos processos da festa e responder a indagações formuladas, na
problematização do projeto, como: Quem são os produtores do texto? Onde
produzem o texto? Como produzem? Quem tem interesse em manter ou não a
festa?
E, ainda, não perder de vista novas problemáticas nascidas das
falas dos Brincantes. Tem-se como categorias primordiais: a Oralidade, a História,
a Memória, a Festa e o Riso (entendido como a linguagem cômica que os
Brincantes privilegiam durante a festa).
A idéia é formar uma arquivo com as fitas e transcrições das
entrevistas junto aos Caretas. Pois, tem-se a certeza, que, mesmo depois de
transcritas as fitas, a audição das mesmas de ser algo essencial à análise do
18
texto. Pois, permanece a inter-relação do ouvir a fita, ver o entrevistado e ler a
entrevista.
A escrita nas transcrições procurou nessa fase obedecer à fala
das pessoas, sendo deixado os “erros” e as repetições. Os textos foram
organizados com perguntas e respostas.
Criou-se uma simbologia: aspas” para palavras ditas
incorretamente. “Interrogação” para palavras que não ficaram claras nas
gravações. “Reticências” para silêncios, dúvidas, rupturas nas falas. ”Parênteses”
para risos.
Durante esta pesquisa conheci um pouco da violência com que
a situação social pressiona grupos como os Caretas, e como a falta de condições
de estar em seus lugares faz manifestações como a deles sofrerem.
Mas, de acordo com as palavras De Certeau, transcritas na
epígrafe desta parte do texto: Todo lugar “próprio” é alterado por aquilo que, dos
outros, já se acha nele...”(1998,P110) Os Caretas lutam, recriando suas ações, dando
fôlego à sua prática, enfim, a briga encontra-se em pleno andamento. Assim como
a de todos nós que, a exemplo, dos “Brincantes” de Jardim, temos que reinventar
nossas práticas cotidianas.
19
“A CIDADE E O NOME”- JARDIM
“Não se olha de frente nem o sol nem a morte, diz o ditado. Exatamente
o sol e morte se confundem e sabemos que em determinados momentos
os homens tentam enfrentar uma coisa indefinida” que não se
confunde, de modo algum, com o “não ser” ou o “nada” dos filósofos.
Aquilo que se denomina a festa, corresponde, sem dúvida, a esta
“subversão exaltante”. (Duvignaud, 1983,p31)
1
Tomo a estrada em direção àqueles que fazem na prática o
tema que escolhi para centrar minha pesquisa, a “Festa dos Caretas”, no
município de Jardim.
Percurso longo esse de Fortaleza aeles. Desde o Terminal
Rodoviário João Tomé em Fortaleza (sempre à noite), parando em Barbalha,
pegando um carro de frete, ou indo de carona, de Juazeiro, com Gilmar de
Carvalho .
As expectativas? Não poderia ser de outra maneira, são muitas.
Em relação ao encontro com os Caretas, às conversas que teremos. Como vão
me receber? Quais minhas impressões? As impressões deles para comigo?
Enquanto não chego a cabeça fervilha mas o objetivo foi
traçado, entrevistar pessoas que fazem a festa/brincadeira, os Caretas, os
organizadores, observadores, aqueles que gostam e aqueles que não dão tanto
valor assim.
Também tenho como objetivo o de sentir, observar de perto os
processos de preparação dos momentos que antecedem à queda do Judas. Como
o município, as pessoas se preparam? Quem são os Caretas? E como os Caretas
e o município funcionam durante a festividade? Estamos chegando!!!
Jardim é uma cidade que se vê de cima de uma chapada,
Chapada do Araripe, cuja altitude varia de 500 a 700 metros. Cidade vizinha ao
Estado de Pernambuco, sul do Ceará, a cerca de 600 km de Fortaleza.
20
Fica em meio ao verde e de uma névoa acompanhada de um
vento frio, que, entre os meses de maio e julho, intensificam-se, e, neste período,
faz esquecer àqueles que aventuram-se até lá, que pouco, na verdade,
menos de uma hora, uma hora e meia deixaram para trás o calor de “Barbalha dos
Penitentes” e do “Juazeiro do Padre Cícero”.
Jardim é diferente!
Dizem os geógrafos que os ventos úmidos e o orvalho são os
principais determinantes para existência dessa floresta que avistamos e sentimos
na pele através da janela do veículo.
A cidade não poderia ter nome mais apropriado.
Segundo contam, nasceu da exclamação, “- É um Jardim!”, dita
pelo responsável pelas primeiras missões religiosas na região, no século XVIII,
pelo frade capuchinho João Bandeira Melo, que com a beleza do vale e da floresta
teria ficado estupefato.
Floresta, cujas espécies vegetais e animais, falam os
ambientalistas e moradores da região , existem bem menos que na época que
habitava o Araripe, a nação “Kariri”.
Destes antigos habitantes da Chapada, herdou-se o nome da
região, Kariri, em Tupi, significa tristonho, calado expressão que corresponderia ao
julgamento destes índios pelos colonizadores portugueses”, (Leitão,199,p190)
colonizadores chegados á região no século XVII, procedentes do Estado de
Pernambuco.
O desmatamento histórico da floresta do Araripe bem como a
ausência de aterro para o lixo jogado na mata vem gerando o desaparecimento de
suas nascentes de água que já foram mais de trezentas, hoje mal chegam a
cinqüenta e quatro.
Mesmo assim, ainda é possível ver espécies da mata nativa
como os jatobás, visgueiros e pau d’ óleo, ou adentrando a mata, araçás,
araticuns e muricis.
21
Nos meses de fevereiro e março, principalmente, com chegada
das chuvas, o canafistoamarelo contrasta com o verde da mata, enfeitando a
paisagem circundante da estrada que nos leva a Jardim.
Na parte agreste da serra, aparecem os pequizeiros, são eles
uma festa para seus coletores, vendedores e consumidores.
Uma pausa na viagem.
O fruto do pequi é bastante apreciado na região. Utilizado como
tempero e “mistura” no feijão, considerado também excelente óleo comestível. Sua
coleta ocorre entre os meses de fevereiro e abril, ajudando a melhorar o
orçamento familiar de pequenos agricultores de Cacimbas (15km da Sede de
Jardim), localidade de Jardim.
Os processos de coleta, tratamento, venda e degustação do
vegetal podem ser apreciado por aqueles que rumam ao município para participar
da “Festa dos Caretas”, já que a safra do pequi coincide com o período da
brincadeira. Bem como os seus coletores-vendedores integram, de uma forma ou
de outra, a “Festa /Brincadeira” os Caretas no município.
Quem passa pela estrada pode parar e comprar o produto em
bancas, à beira da pista, pode andar pelo acampamento montado por eles
especificamente para abrigar suas famílias por um período de não menos que dois
meses.
Quem pára, um núcleo de quinze cabanas extremamente
higienizadas, com suas entradas em direção contrária à estrada, feitas a partir de
estacas de árvores, cobertas por palhas de coqueiros e plásticos pretos, daqueles
que se usam para colocar lixo.
No acampamento, perguntei a uma moça, de mais ou menos 25
anos, que encontrava-se ao lado de uma barraca à beira da estrada, aguardando
os compradores para seus pequis, se alguém no acampamento brincava de
Careta.
Ela sorriu, e, afirmativamente, respondeu à minha indagação,
acrescentando que as pessoas brincavam bem mais lá mesmo na localidade de
Cacimbas. Mas, naquele ano, talvez não brincassem, pois, o responsável, o
22
organizador da festa, o “vereador Manoel”
2
tinha viajado, e eles não tinham
“tirado” a autorização para brincarem.
Um menino, de mais ou menos 11 anos, que acorrera em nossa
direção, devido à curiosidade e ouvia a conversa, apressou-se em corrigir a moça,
dizendo que algumas pessoas brincavam mesmo sem organização, ou seja, sem
a autorização. Era só ir lá em Cacimbas à noite, horário da brincadeira.
Pedi ao menino nomes de “Brincantes
3
”, ele falou que
conversasse com seu pai para que o mesmo confirmasse a informação. E saiu em
disparada a procurá-lo.
Enquanto esperava, fui observar o trabalho de duas mulheres e
um homem sentados no chão, ao fundo do acampamento, tirando a casca do
pequi. Puxei conversa e o homem falou, orgulhoso e sem embaraço, do trabalho
com o pequi, da concorrência na coleta e venda do produto.
Mostrou-me o óleo produzido do pequi. E da sua idéia de
guardá-lo até o mês de agosto, quando não haveria mais o óleo em abundância, e
ele poderia vender o seu mais caro, dando-lhe a possibilidade com o dinheiro de
concluir o negócio da compra de uma moto.
Usou da máxima do óleo produzido por ele ser o melhor da
região, levando-me à sua barraca para que eu comprovasse, com uma boa
olhada, a qualidade do produto. E, eu, que nada sei de óleo de pequi, concordei
com ele através de uma expressão com a boca e balanço de cabeça em uma
afirmativa convincente, acho.
2
A parada no acampamento e a conversa com as pessoas
naquele local lembraram reflexões de trabalhos como, “Geopolítica e
Biodiversidade” de Sarita Albagli, em particular no que se refere à relação entre as
pessoas e o ambiente da floresta , no nosso caso, de Chapada, cabendo a
afirmativa abaixo transcrita em que Albagli coloca:
2
Manoel Galdino é vereador em Jardim e mora na localidade de Cacimbas.
3
Nome dado pelas pessoas àqueles que se trajam de Careta no período da Festa.
23
“...o papel positivo que populações nativas e
locais...comunidades tradicionais... têm desempenhado na conservação
e no uso sustentável de espécies florestais...No entanto, a conversão e
degradação das florestas têm sido acompanhadas da degradação
dessas comunidades, de suas práticas e de seus conhecimentos. Ou
seja, à perda de biodiversidade tem também correspondido uma
significativa perda de diversidade sociocultural.”( Albagi, 1999, P66)
Ou seja, a defesa da mata passando também pela defesa da
manutenção de formas de viver de grupos de seres humanos próximos a ela,
floresta, principalmente, daqueles grupos que vivem dela e/ou nela.
As pessoas que coletam o pequi pertencem a grupos de
agricultores que sempre conviveram com técnicas tradicionais de lidar com a terra,
inclusive o da coleta do pequi na floresta, mas são ao mesmo tempo um grupo
que sofre pressões dos mecanismos econômicos para abandonarem seus locais
de origem, em busca de uma “sorte” melhor, em constantes idas e voltas.
Atores que, nesta gangorra, acabam tendo o sentimento de
pertença ao seu local de origem quebrado, bem como têm desarticulados seus
saberes, tanto em relação ao tratamento com a mata, como em relação a outros
saberes, como os culturais.
A floresta, além de perder aliados na sua preservação, acaba
por ganhar mais agentes destruidores. E a festa, igualmente, como vamos
percebendo nas conversas com os Brincantes, vai perdendo parte de sua força
também. Pelo menos no que diz respeito ao local, que não sei se os costumes
são levados para o destino destas pessoas. Creio que não.
Diante de perguntas que fui fazendo os Caretas responderam
que brincam quando em estão em Jardim. Como resultado desta gangorra, de
idas e voltas, muitos agentes da festa acabam por não retornarem aos seus locais
de origem, deixando de passar sua aprendizagem no que se refere à brincadeira
às novas gerações.
E, se o Brasil é megacampeão em biodiversidade, tanto em
espécies animais e vegetais como em microorganismos, não fica atrás quanto à
diversidade cultural ou “diversidade sociocultural” termo utilizado por Albagli.
24
Acredito poder pensar a “Festa dos Caretas” menos como uma
forma de diversão, em espaço aberto e público, e mais dentro de esquemas de
saberes ligados a modos particulares de manifestar cultura dos habitantes do
município. Uma manifestação cultural que traz revelações comparada ao que
Burke define como cultura: “...um sistema de significados, atitudes e valores partilhados
e as formas simbólicas em que eles são expressos ou encarnados...” (Burke, 1999, p25)
Pensando a “Festa dos Caretas” como aliança entre homens,
espaço físico e como operam, articulam simbolicamente as pessoas nesta aliança,
podemos perceber o sentimento de pertença que faz dos Caretas um grupo
cultural-social particular e importante.
E ainda, os Caretas, ligando-se a essa diversidade cultural mais
ampla, a brasileira. Particular e geral ao mesmo tempo!
“Em comum com as grandes tradições de outros
continentes, nossa cena popular tradicional apresenta não apenas uma
cosmologia alicerçada no chamado pensamento mágico...Em sua
linguagem podemos observar manifestações características do universo
mítico, como a concepção sagrada do espaço, o animismo.”
(Barroso,2001,p33)
Oswald Barroso nos revela no trecho acima, algo de “universal”
na forma como as pessoas podem organizar suas vidas, quando alicerçadas no
pensamento tradicional. Pensamento tradicional que tem, como via de
aprendizagem, o dia-a-dia das pessoas, perfeitamente observado em
manifestações culturais executadas por elas.
Seja nas ruas das cidades com os gritos dos vendedores
ambulantes ou em apresentações mais elaboradas como no teatro (de rua nas)
praças públicas. Em uma aprendizagem que é dada pela observação e imitação
daqueles que são referências para aquele que aprende.
E, com certeza, nos seus fazeres resiste o mítico e a ligação
estreita entre suas produções e o meio natural em que vivem. Demonstrada, por
exemplo, na busca de assemelhar-se a animais admirados ou temidos, ou a
figuras existentes apenas na imaginação. Alguns parecem vir da própria mata,
cobertos de folhas, e mascaradas com quenga de coco.
25
“A Festa dos Caretas” não foge às características apontadas
por Barroso, mas tanto quanto em outras formulações culturais de outros grupos e
pessoas, os Caretas dão a sua manifestação características ímpares.
“A Festa dos Caretas” faz parte deste cenário analisado por
Barroso da tradição oral. Soma-se a outras formas de linguagens culturais
tradicionais, como a Literatura de cordel; os emboladores; os cantadores; o auto
do Congo; as folias de reis; as lapinhas; o maneiro pau; o teatro de mamulengos;
o teatro de rua, os vendedores de feiras como os camelôs; o imaginário dos
trabalhos a partir da madeira, do barro e da renda, enfim de uma infinidade de
manifestações, ricas e presentes, permanentemente construídas e reconstruídas
ao longo dos tempos.
Os “Brincantes”, fazem o jogo, entre o acervo que cada Careta
possui e suas re-elaborações de significados. Acervo, resultado de experiências
contadas, vividas por cada elemento do grupo. Assim, ocorre a relação do Careta
com a Festa e o espaço em que ela, a Festa, transcorre.
O Careta de Jardim seleciona o que vai utilizar do repertório
cultural que possui. O risco de ver suprimidas tais formas de realização não ocorre
dentro desse processo dialético da própria cultura dos grupos que a realizam. Os
Caretas estão sempre em processo.
Dificuldades surgem, quando vemos as pessoas na tal gangorra
imposta pela luta da sobrevivência, afastando-as do seu meio e das condições
particulares em que vivem e processam o repertório (onde acontece) da Festa.
Mas, para o historiador, do ponto de vista da interpretação,
talvez a questão seja mesmo a tal dificuldade, ou seja, perceber como tais grupos
dão encaminhamento a suas ações apesar das dificuldades, e mesmo como
adaptam-se, enfrentam direta ou indiretamente tais dificuldades.
Eis a problemática a ser discutida no trabalho! E a reforço com
a afirmativa de E.P Thompson no artigo, “Folclore, Antropologia e História Social”,
sobre a pesquisa em História:
“...la historia es la disciplina del contexto y del proceso: todo significado
es un significado-en-contexto, y cuando as estruturas cambiam las
26
formas antiguas puenden expresar funciones nuevas y las funciones
antiguas pueden encontrar su expresión en formas nuevas.(Thompsom,
2002,P65)
3
Enquanto conversava com o senhor do óleo de pequi, as duas
mulheres, de cócoras, trabalhavam concentradas. Com desenvoltura,
arremessavam facas de ponta sete polegadas contra os pequis, na parte do meio
promovendo um corte certeiro, por onde saiam os caroços de uma puxada só.
Imediatamente, os caroços carregados com a parte aproveitada do vegetal eram
jogados por eles em uma bacia grande que permanecia ao lado de uma das
mulheres.
Perguntei-lhes pela “Festa dos Caretas”. E, sempre sorridentes,
disseram-me que não ali, mas em Cacimbas as pessoas se trajavam,
principalmente, as crianças.
O senhor disse que o filho dele de 12 anos, que naquele
momento encontrava-se na escola, tinha pedido para brincar, e ele estava sem
dinheiro para comprar a mascara”, mas que tinha autorizado a compra na bodega
da localidade para pagar depois. Meu filho disse que vai brincar de Careta ou em
Cacimbas, ou em Jardim mesmo.”
Reparo que o homem fala em compra da máscara e não em
confecção da mesma por ele ou pela criança, sinto-me como o príncipe invasor do
reino de Hamlet, ao se deparar com os corpos do rei usurpador, da rainha e do
próprio Hamlet, todos mortos, e diz: algo de podre no reino da Dinamarca!” Algo
se modifica na festa.
Mas o príncipe invasor carece de julgamento prévio, senta-se e
pergunta, escuta daqueles que participaram dos eventos, o sucedido. A exemplo
dele aguardo as conversas com os narradores que fazem a festa.
A criança que havia nos deixado no primeiro momento em
busca de seu pai retornou com ele, o senhor desculpou-se pela demora, ocupava-
se com a venda do pequi na outra extremidade do acampamento.
27
Nos disse que não brincava Careta (desde criança), confirmou
a informação que em Cacimbas as pessoas vestiam o traje e brincavam,
principalmente os pequenos. Acertamos que em um momento da viagem eu iria
fazer uma visita à localidade de Cacimbas.
Logo nesta primeira parada rumo à Festa, ao se perguntar
sobre os Caretas, percebe-se a importância das crianças na festividade, que
fazem questão de colocar suas máscaras, incentivadas pelos mais velhos.
Continuamos nossa viagem.
Na subida, é permitido distinguir, no meio da vegetação de
árvores de caules retilíneos, antigos engenhos de rapadura que fizeram a riqueza
da região no século XIX.
Olho de cima da Chapada.
Vejo, no meio do descampado, a Cidade, e faço conjecturas,
busco não a cidade no geral, mas a especificidade de uma Jardim, palco da “Festa
dos Caretas”.
Busco as associações vinculadas, principalmente, a
sentimentos, emoções que se processam nas relações humanas, no espaço da
cidade, e do município. E posso apreender um pouco das emoções, sentimentos
em relação à Jardim na “Festa dos Caretas” ou na “Brincadeira de Careta.”
Lembro da discussão realizada por Ana Fani A. Carlos (2001)
em um de seus trabalhos, quando ela pergunta, “O que é a Cidade?” E responde
mais à frente, que cidade não é apenas construção, é mais. É um modo de viver,
de pensar e de sentir daqueles que nela moram.
Um sentir que é demonstrado no cotidiano, nas ações dos
habitantes, em dados espaços da cidade. Observando tais modos cotidianos
pode-se perceber a cidade como uma obra com sujeito.
O território do município, em uma pesquisa na área de história,
não pode ser apenas uma porção do espaço geográfico, uma base administrativa,
são suas relações sociais e políticas. São as correlações de força, as
apropriações de determinadas porções do espaço pelos grupos sociais.
Comentário:
Não esquecer de
levar e discutir essa questão
quando for trabalhar no 3
cap.[titulo a personificação da
cidade em Careta.
28
No nosso caso, são apropriações de espaços realizadas pelos
grupos de Caretas e vistas pelos itinerários de suas caminhadas, passeatas,
dispersões e exclusões.
Na verdade, procura-se “o Jardim” que tem como peculiar “a
Festa dos Caretas”. Jardim escolheu os Caretas como própria exibição de modos
de ser, de perceber a si mesma.
A cidade, o município como um todo, escolheu-a para deixar
claro sua peculiaridade em relação a outros. Exibindo-se, em trajetos
improvisados e também pré- determinados, durante um certo período do ano.
Chegando a Jardim o encanto e a curiosidade pelo lugar
crescem. A Cidade parece querer o tempo todo contar-nos algo, nos segredar
coisas.
Talvez, sejam as poucas fachadas de outrora, lembrando-nos a
antigüidade do local, como vestígios dos tempos coloniais.
A sede de Jardim é espacialmente pequena, percorrida a
não mais que em uma hora, sem dificuldades. Aparentemente calma, bem definida
por uma pesquisadora holandesa; Fechando os olhos e abrindo-os rapidamente,
sinto-me numa cidadezinha portuguesa”. Ruas, ladeiras e becos obedecem à
topografia da região de chapada, pavimentadas por paralelepípedos cinza claro.
Calmaria, quebrada nos dias de feira, aos sábados.
Nesses dias, os habitantes das localidades vêm para a sede da
cidade, especificamente para a Praça Barbosa de Freitas e ruas paralelas como a
Leonel Alencar, Padre Miguel Coelho, Romão Sampaio, Francisco Alvin e
Francisco Acilon para comercializar produtos diversos.
São ruas que, na “Semana Santa”, abrigam as caminhadas, as
passeatas dos Caretas. São também parte do trajeto das procissões dos católicos
no mesmo período. Como o movimento escondido da definição de A. F. Fani:
“Dependendo da hora do dia, ou do dia da semana, a observação de um determinado
lugar vai mostrar um determinado momento do cotidiano da vida das pessoas que
moram, trabalham e se locomovem.” (2001,p39)
Na feira são vendidos produtos tais como: panelas de alumínio,
vassouras, roupas, frutas, verduras, utensílios de barro. Mercadorias expostas em
Comentário:
Comentar aqui a
questão de para mim ser um
desfile...
29
barracas, caixotes ou mesmo em cima de plásticos no chão, têm suas qualidades
anunciadas aos gritos, por seus vendedores.
Os bares são lotados. Caixas de sons velhas tocam músicas
que são difíceis, para mim, identificar melodia e letra, mas são bem apreciadas por
grupos de homens que, bebericando, colocam assuntos em dia. E, o que pareceu,
não incomodam, donas de casa na seleção dos produtos, que por elas serão
levados para as casas.
Somam aos gritos dos vendedores e à sica nos bares, os
sons de vozes em conversas amistosas, nas pontas das ruas, e vozes de
locutores, em carros-de-som. Um deles, anunciando as ofertas do dia e o bingo de
mais tarde, um outro em um carro de som
4
menor conclamando, aos de bom
coração, a ajudar uma mulher vítima de erro médico.
A mulher no carro é mais uma atração na feira. Dentro do
veículo, ela levanta um lençol branco que a cobre, para mostrar aos transeuntes
curiosos a ferida na barriga tão necessitada de remédios para ser curada,
confirmando, assim, a narração do homem ao microfone .
Afirmaria que as feiras de todos os lugares são parecidas. E a
de Barra de Jardim seria apenas um pouco menor. Podia Lembrar do artigo de
Ana Lúcia Morales (2001) sobre a Feira de S. Cristóvão, no Rio de Janeiro, e ficar
constrangida devido à grandiosidade daquela feira, descrita pela antropóloga.
Podia pensar em outras feiras, de outros locais. Próximas como
a da vizinha Crato, famosa na região. Ou feiras distantes como as feiras do
Oriente. Mas tudo seria apenas um exercício de imaginação, e pouco nos diria das
pessoas de Jardim.
Penso ser errôneo comparar um lugar que não com o próprio
lugar. Assim, apesar da feira do centro de Jardim se assemelhar a tantas outras,
de tantos outros lugares, ela é única, pois são únicos aqueles que a fazem. Assim
como são “únicos” os Caretas que brincam e festejam na “Semana Santa” no
município.
4
Em todas as visitas ao município presenciei a mesma cena com diferentes protagonizadas pessoas diferentes.
30
E, tendo a festa sempre no pensamento, não dar para não
supor, enquanto passeio entre as barracas da feira, que seria possível identificar
apenas com o olhar, quem mais à noite, ou mesmo quem um dia se vestiu de
Careta e “foi pôr fogo no mundo”. Sorrio discretamente.
Continuo a caminhar pelo centro de Jardim.
4
Ítalo Calvino escreveu em uma crônica a cidade diz tudo o que
você deve pensar, faz vorepetir o discurso, e, enquanto você acredita estar “visitando-
a”,
5
não faz nada além de registrar os nomes com os quais ela define a si própria e todas
as suas partes.” (Calvino,2000,p18)
A forma como a cidade se define mostra quem são aqueles que
a definem, mas não conseguem abranger todos os modos de pensar e de fazer da
cidade, algo fica submerso.
Para não repetir apenas o que “o Jardim( como é chamada a
sede pelos seus habitantes e o pessoal das localidades) quer que se pense sobre
ele, é preciso ir ao encontro de outras formas de definição além daquele exposto
nas placas das esquinas das ruas, ou das construções que nos aparecem.
É necessário ir além. Além das impressões sobre o espaço e
seu uso pelos seus moradores. Aprofundar ou destruir as primeiras impressões
em conversas com os moradores.
Os Caretas são peculiares em Jardim, não por que ocorram
lá, pode-se ver ou ficar sabendo de outros Caretas, tanto na região do Cariri como
em outros lugares do litoral cearense, quando são chamados de “Papangus”. Mas
é em Jardim que percebo uma vontade, tanto particular como coletiva, de querer
para si o título de “Cidade dos Caretas” ou da “Festa dos Caretas”.
Recordo Geertz quando apontava a contribuição da
antropologia na construção do conceito de homem. Não escondo a contribuição
deste autor no presente trabalho, ele falava, o em peculiaridades, mas em
5
O autor diz, “visitando Tamara”.
31
particularidades: pode ser que nas particularidades culturais dos povos nas suas
esquisitices sejam encontradas algumas das revelações mais instrutivas sobre o que é
ser genericamente humano.” (Geertz,2000,p550)
A Festa, os Caretas uma “particularidade”, “uma esquisitice” de
uma área de pesquisa que vamos delimitar como pertencente à da cultura. E
Imaginar a cultura como um campo de estudo onde se percebe definições,
relações, invenções que cabem melhor para aqueles que a utilizam.
E ainda imaginar a cultura como um campo de luta onde pode-
se o que fica melhor, mais correto, mais apropriado para cada época, e de
como pessoas de épocas posteriores vão reagir ao que foi dito pela geração
anterior.
Ainda Geertz, na “Interpretação das Culturas”(2000), alerta
quanto ao perigo de duas tendências apresentadas por certos estudos na área da
cultura. A primeira que pensa o homem enquanto dono de uma essência universal
e constante, pouco suscetível ao meio cultural; outra em que o homem é resultado
puro da cultura geral na qual nasceu e criou-se.
Falar dos Caretas e já, desde o início do texto, pincelando as
palavras “Festa” e “Brincadeira”, é uma tentativa de não enclausurar em nenhuma
das tendências apontas pelo autor acima.
Devo aprofundar, no segundo capítulo, o uso pelos “Brincantes”
dos termos “festa” e “brincadeira”. Agora, devo dizer, tive a preocupação, desde
que iniciei a pesquisa, de buscar não uma idéia geral e definidora dos Caretas
mas de perceber diferenças, conflitos, usos diferenciados realizados por eles a
partir das diversas visões sobre a Festa.
E foi, seguindo esse caminho, que necessitei visitar localidades
fora da sede do município atrás de perspectivas diferentes sobre o tema.
Falar da cidade e dos Caretas é falar de diferenças, de
diversidade. É bem mais, quando ampliamos a reflexão para o município, com as
localidades mais pobres e menos preparadas infraestruturalmente que a Sede.
Comentário:
Página: 27
Assim, cultura fica dentro do
colocado no livro das marias, A
Pesquisa em História”:A cultura
passa a ser apreendida como todo o
modo de vida e todo um modo de
luta, não podendo ser pensada
como reflexo ou eco de uma base
material.” (Pp. ?)
32
Pode-se falar não em cultura, mas em culturas, de visões
prontas a serem re-atualizadas a cada ano na Festa/Brincadeira, por cada
Brincante e, ao mesmo tempo, pelo conjunto deles.
Sendo o espaço da sede escolhido para reflexão de seus
moradores, através da festividade, seja o adotando como “palco” das suas
performances ou o rejeitando-o como ideal para brincar .
Pois, ainda na esteira do pensar de Fani(2001) o espaço é
humanizado, não por que seja habitado, mas por ser produzido pelas pessoas, e
as suas produções se diversificam de acordo com seus modos de vida, de luta e
de sobrevivência.
Se os moradores se personificam em monstros, em seres
fantásticos, Jardim não fica atrás, segue na “Semana Santa” a onda e vira também
uma Personagem! O município não é cenário, mas uma personagem mascarada,
cujo primeiro sinal da sua transformação é dado pelo barulho do chocalho e pelas
máscaras das crianças.
É preciso ficar atento(a) quando caminhamos pela sede. Não
esquecer que os espaços públicos da Jardim hoje utilizados, sejam para a feira,
para as procissões da igreja católica ou para as passeatas da “Festa dos Caretas”,
e claro, para o cotidiano dos cidadãos, são também referências de outros tempos.
Tempos, por exemplo, da capela de taipa de nome “Nosso
Senhor dos Aflitos”, atual Igreja de Santo Antônio; das primeiras casas do vilarejo,
denominado “Barra do Jardim e das primeiras missões religiosas do século XVIII.
Hoje vistos como espaços consolidados por placas com nomes
e sobrenomes, carregados de certa estabilidade e de aparente eternidade.
Uma cidade é formada pelos espaços naturais e sociais ambos
construções em construções, mesmo que os registros físicos como as fachadas
mais antigas ou praças com nomes daqueles que se foram nos digam que a
unidade se fez e portanto deve ser conservada no presente. Mesmo que, no
cotidiano, os usos dados aos espaços tenham uma unanimidade e certa regulação
por parte dos usuários.
33
E quando penso em cotidiano recorro a De Certeau, “O cotidiano
é aquilo que nos é dado cada dia, nos oprime...Todo dia, pela manhã aquilo que
assumimos...é o peso da vida...o que nos prende intimamente, a partir do interior.” (De
Certeau,2000,p123)
Em princípio, a Festa contrapõem-se ao cotidiano, parece
romper com o dia- a –dia, mas ela é cíclica, feita pelo município de Jardim todo
ano, em data pré-estabelecida.
Insere-se no cotidiano do lugar. É portanto, duvidosa! Rompe e
mantém, ao mesmo tempo, o cotidiano da sede e das localidades do município.
Desrespeita as regras do dia- a –dia, modificando-as em um período, dado a seu
favor para acabar obedecendo a mesma ordem local.
Mas a Festa não é um peso no sentido de De Certeau!? A festa
prende, intimamente, todos que se ligam a ela de alguma forma, como uma
âncora. Mas ela não oprime ou restringe aqueles que dela participam, ao
contrário, à sentido de liberdade, tanto para os participantes como para os meros
espectadores.
Seu peso tem caráter dúbio: liberta e prende ao mesmo tempo.
Liberta porque a máscara e o traje permitem ao “Brincante” proceder diferente do
seu “eu” costumeiro. Ao mesmo tempo prende-se, o ser Careta, a “normas” do
que se é estabelecido como sendo “correto” ao modo de ser Careta.
Normas nem todas elaboradas pelos Caretas, mas por agentes
representando poderes públicos da Cidade. Libertar ou perder? Parece apresentar
um problema filosófico ou de um romance
6
, em que o autor, a partir das
personalidades de suas personagens, discute filosoficamente, o que, no dia- a
dia, pode ser positivo ou negativo: o peso ou a leveza?
Ou simplesmente ( que de simples não tem nada) os Caretas
parecem realizar algo que, em muito, lembra a análise do filósofo alemão
Nietzsche em “O Nascimento da Tragédia”(1993)
Ao andar pelas ruas, becos da sede e caminhos entre as
plantações nos sítios e serras do município, estão em estado de “propensão
6
Referência ao romance de M. Kundera, “A Insustentável Leveza do Ser.”
34
filosófica”, em que sob a realidade, na qual se vive se encontra oculta uma outra,
inteiramente diversa, que portanto também é aparência.
Os Caretas, quando mascarados, quem sabe, não consigam
em relances geniais, demonstrar a descoberta do que é o “sentido da vida”, que é
torná-la possível de ser vivida.
5
Os espaços são testemunhas de polêmicas. E, é aprendendo a
linguagem pelos quais eles transmitem a mensagem, que se pode enxergar o
embate, como entre Republicanos e Monarquistas, no século XIX. Polêmica
atualizada, de forma surpreendente, em conversa com os motoristas de lotação na
praça da matriz.
Inquiridos sobre suas impressões sobre a cidade apontam para
Igreja Matriz de Santo Antônio, padroeiro da cidade desde dos tempos de sua
elevação à Vila, em 30 de agosto de 1814, e dizem quase em sussurros, não
saberem ser verdade ou não; mas conta o povo, que houve um crime de padre na
igreja.
Um padre, teria sido cortado, esquartejado. O motivo?
Incomodar às elites locais. Um dos motoristas comenta
franzindo a testa e coçando o queixo, “Que povo é esse que mata um padre ?!
Referem-se ao assassinato, em 1824, do padre Estêvão José
da Porciúncula, morto quando celebrava a missa. Esquartejado, o padre Estevão
teve seus restos mortais expostos em via pública à moda Tiradentes.
O Padre Estevão era republicano e abolicionista e parece que
suas missas não eram só para pregar a fé, mas, também, mudanças sociais.
Os mesmos motoristas comentam, mais adiante, quando peço
mais referências da cidade, sobre a entrada triunfante de Pinto Madeira em Jardim
35
no ano de 1831 ( estufam o peito para falarem do caso) da magnânima
participação dos cidadãos locais na “Revolução do Pinto”.
7
Não ocorreu a nenhum deles que Pinto Madeira, monarquista, e
o Padre Estevão, republicano, pertenceram a períodos próximos e ligados a
conflitos da mesma ordem política.
Importante verificar nestas falas como, de forma diferente, as
memórias das pessoas acomodam os dois acontecimentos.
O crime do padre transparece na comunicação como podendo
ter acontecido há poucos meses de nós, atualizando a luta dos menos favorecidos
contra os mais favorecidos. As pessoas usam a expressão elite”, para encontrar
culpados e lamentar a morte trágica do religioso que defenderia, na opinião deles,
a posição dos mais fracos.
o acontecimento envolvendo a figura de Pinto Madeira
encontra-se localizado no passado, como elemento distintivo da coragem e do
caráter dos moradores em defenderem as causas da nação.
Mas, ao mesmo tempo, a “Revolução do Pinto” atualiza-se , em
decorrência da evolutiva decadência econômica e, consequentemente, da perda
de espaços políticos da cidade em relação à política estadual.
Perdas históricas contabilizadas na conta dos atuais dirigentes
políticos ou como são tratados nas conversas de populares, a elite, entendida
como aqueles que detêm o poder político e econômico da Cidade.
Paira no ar uma sensação de traição da “nação” em relação aos
jardinenses mais dignos, (aqueles que acompanharam a “magnânima” luta
monarquista de Pinto Madeira), sendo sua elite co-participante na aceitação das
más condições impostas ao município rico, no que concerne à natureza e às
manifestações culturais de um povo bom e valente.
Os jardinenses, ficando mais pobres, não encontrando trabalho
nem para aqueles mais preparados, do ponto de vista educacional, nem para os
7
Revolução do Pinto, ocorreu entre os anos de 1831 e 1832, entre o Coronéis do Crato(liberais) e
os de Jardim(absolutistas). Lutaram pelo domínio da região. Os conservadores brigavam ainda
pela volta do monarca D. Pedro I. Pinto Madeira defensor das forças absolutistas acabou preso e
fuzilado no Crato.
36
lavradores que não têm terra para plantar, e nem mercado para consumir o que
colhem, migram para outras cidades, ou acabam por aderir à única programação
local, diária: o das conversas em torno da mesa e da bebida alcóolica.
Na Cidade, a visão dos bares com pessoas consumindo
aguardente ou o convite de visita aos sítios particulares para eventos festivos com
dança e a bebida são comuns e, no período da “Semana Santa”, por ser “Santa”, o
vinho soma-se ao cardápio dos moradores.
Por vezes, tive que adiar entrevistas, devido ao fato do
entrevistado não se encontrar em condições de conversar em decorrência do
consumo excessivo de álcool.
A história do município, lida nos nomes de ruas e fachadas de
prédios resistentes ao tempo, pertence a todos os nascidos no local, com suas
glórias e desafetos e leva a uma reflexão que, em muito, lembra as palavras de E.
Hobsbawm, em entrevista ao jornalista italiano Antônio Polito, Povos...Por algum
motivo...do ponto de vista da psicologia social...orgulham-se de uma longa história...uma
velhice venerável satisfaz a necessidade de permanência e o direito de precedência em
relação a outros” (Hobsbawm,2000,p37)
Nos discursos dos moradores encontra-se algo que o desenho
da cidade ou movimento do cotidiano o nos faz perceber de imediato. Nas falas
dos entrevistados são mencionadas divisões que desmentem o que, à primeira
vista, parece representar uma unidade de pensamento e de comportamento.
Não que as divisões e divergências não estivessem ali, na
organização espacial, e no seu uso pelos moradores, mas, ao conversar com as
pessoas podemos observar com mais atenção o desenho da cidade mais os
processos da Festa/Brincadeira enriquecendo nosso próprio discurso.
Na primeira viagem a Jardim (2001) como pesquisadora da
“Festa dos Caretas” busquei seguir um caminho de viajante, de “estrangeira”
obedecendo o trajeto de viagem que havia tomado até ali, quando encontrei-me
com os “Brincantes”. Foi uma escolha. Poderia ter feito outra, em meio a uma
variedades delas como, de conversar com com os Caretas mais velhos, ou
com os Caretas da Sede ou das localidades, com Caretas mulheres. Enfim os
caminhos são muitos.
37
Conversei, de início, com as pessoas indicadas como
referências da Festa na sede, a primeira dessas pessoas, que acabou a levar-me
a outras, tanto na sede como em outras localidades, foi Luís Lemos.
Homem alto, de pele clara e voz macia, artista plástico, usa de
seu talento para valorar ainda mais a Festa. Por várias ocasiões recebeu-me para
conversar na sede da Secretaria de Cultura e Desportos, da qual é titular, em uma
dessas ocasiões, ao ser perguntado qual a sua participação na Festa, respondeu:
“Eu participo ativamente mais de 17 anos, como escultor da imagem
do Judas e como incentivador do evento. Hoje, a responsabilidade
tornou-se maior porque assumi a Secretaria de Cultura e Desportos. É
um desafio, é claro. A luta é infinita, na busca de melhorias para o
evento, haja vista a dificuldade do meio. Um município pobre, onde a
escassez de recursos destinados à cultura se torna cada vez mais difícil,
mas eu acredito que enquanto houver força de vontade da comunidade,
das autoridades em si, esse evento vai se estender por longas datas.”
Luís Lemos, na sua fala de apresentação, nos diz muito, como
Secretário municipal, fala na perspectiva do apoio do poder público à Festa. Que,
mesmo não tendo recursos suficientes para todos os setores da administração,
guarda um pouco para a festividade todos os anos.
Quis saber dele, de antemão, a sua opinião sobre relação da
Cidade com a Festa e respondeu-me, assim:
“...demonstração clara e objetiva que a cultura não parou em Jardim, ela
continuando, corre nas veias. O sangue corre nas veias, o sangue
cultural da comunidade de Jardim. O que se espera com isso...Eu digo
como Secretário de Cultura e também como participante ativo da “Festa
dos Caretas”: - que se busque o máximo conservar esse evento.” (Luís
Lemos)
A Festa para o escultor, secretário e organizador do “evento”
como ele mesmo se coloca, é a prova de vida da cidade, como um todo, e quando
diz “não parou” apresenta a Festa como um elemento antigo da Cidade, que
merece ser mantida.
38
Mantida! O Secrerio não esquece de citar uma certa
necessidade de guardar a Festa, conservá-la para ela não chegar ao fim. Algo
atrapalha o seu desenvolvimento ou melhor a sua manutenção.
A Festa aparece, ainda na fala do artista plástico, como item
cultural do município comparada ao sangue elemento central a vida dos
vertebrados. Nesta relação, a Festa torna-se elemento vital ao funcionamento da
cidade, como um organismo vivo.
Jardim não parece simples cenário ou palco para os Caretas na
visão de Luís Lemos, mas que, com os Caretas, o lugar acaba também
transfigurando-se em personagem. Jardim coloca uma máscara na “Semana
Santa” e apresenta-se, a si mesma e aos de fora, de maneira incomum, mas, ao
mesmo tempo, como é por dentro, assim como o sangue que corre nas veias e é
visto só em momentos especiais.
E é assim que Jardim gosta de ser vista. Ou de não ser vista?!
Apresenta uma capacidade de entender o mundo desconstruindo um real para
montar um outro real que, por vezes, ofende alguns mas, outras vezes agrada a
muitos.
Pensando ainda nas palavras de Lemos, a Festa é vital e deve
ser cuidada pelos “responsáveis”, se ela se fosse sangue de fato, ele seria um
especialista da área da saúde a cuidar dela.
Mas, no caso, ela requer outro tipo de agente para cuidá-la, que
aparece na fala de Lemos, como sendo a comunidade e, principalmente, os
setores oficiais. Entre os últimos encontram-se a Prefeitura e a Associação dos
Karetas de Jardim.
Quanto aos Caretas, propriamente ditos, Luís Lemos disse:
“Há pessoas que passam o ano inteiro, pra se ter idéia, se preparando
para que no período da Festa dos Caretas possam expressar, de forma
mais dinâmica, o seu pensamento, através da sua criatividade, através
digamos assim, de suas máscaras.”
39
Pude constatar nas conversas com Brincantes que a Festa é
algo esperado por eles, mas o cuidado de ver com que tipo de traje vai se
apresentar no período, é algo dado às vésperas de trajar-se, na “Semana Santa”.
E não algo elaborado com antecedência o ano todo. Não quero
dizer que a Festa dos Caretas não seja algo importante e aguardado, ao contrário,
ela não é uma preocupação diária, pois é algo para acontecer, como coisa
certa, pelos jardinenses todos os anos.
A observação de alguns, quanto ao marco de comparação entre
a melhor festa de cada ano, se dentro da pré-condição do inverno, assim se o
inverno for bom, tem fartura e os Caretas são mais felizes. O sítio do Judas fica
repleto de donativos, deixando a Festa mais animada.
É sintomático que Luís Lemos apresente uma idéia de maior
sistematização por parte do Brincante em relação à Festa/Brincadeira, “...se
prepara o ano inteiro...” é uma frase conhecida e divulgada pelos meios de
comunicação em torno de preparativos de membros de escolas de samba para o
carnaval de todos os anos.
Talvez, demonstre intenções subjacentes que devo discutir
mais à frente, como a do controle do evento, para criação de produto vendável, do
ponto de vista turístico, pelo poder público. E, neste sentido, o apoio da imprensa
é fundamental como uma forma dos Brincantes obterem apoio do setor público à
festa com promessa desta como um bom produto de consumo.
Ou ainda, Luís Lemos esteja falando não dos Caretas mas da
Associação que tem que organizar a Festa, todos os anos, e que, para isso leva
seus diretores em busca de patrocínio.
Continuei, em direção às conversas com os agentes diretos da
Festa, mas refletindo sobre as palavras de Lemos...E, por ele, percebo a
relevância da “Associação dos Karetas de Jardim”’ na realização da festa, neste
momento em que priorizo as entrevistas com os Caretas-organizadores da Festa.
Cheguei à Jamilles, outra diretora da Associação, e também “Brincante”.
40
Jamilles, além de manter a idéia da importância da Associação
na organização da festa apresentou-me, assim como mais tarde outra Brincante
8
,
reforçando uma nova problemática, a da presença da mulher Careta, na Festa que
discuto adiante.
Perguntei a Jamilles qual era a sua participação na Festa:
“...eu sou tesoureira da Associação...Eu faço parte da diretoria. Sou
tesoureira. Então desde pequena que eu sempre tive vontade de
participar da ‘Festa dos Caretas”, e aí, depois quando que eu trabalhava
na Ação Social, começamos a participar assim, como se fôssemos da
Prefeitura. me convidaram pela Associação para ser secretária.
Inicialmente eu era secretária. depois da renovação da diretoria eu
passei a ser tesoureira. Inclusive eu vim brincar depois que eu fazia
parte da diretoria...”
Jamilles que fez faculdade e, atualmente é secretária do
Prefeito de Jardim mostra, na sua fala, o caminho já apontado por Luís Lemos, o
da aproximação entre os poderes políticos e a Festa da sede do município.
Também a própria Jamilles é marca, assim como Luís Lemos,
de uma presença do setor urbano na festa, poderia dizer que, com mais
informação e acom mais condições financeiras e poder político na cidade que
os das localidades.
Mas não fecho tal observação acima ainda, pois com o
andamento da pesquisa percebi que, mesmo nas localidades, os organizadores
seguem o padrão de serem àqueles com melhores condições de vida e com vel
educacional mais alto. Não ricos, assim, como os da sede, mas em melhores
condições de subsistência que a maior parte da população.
Mas os Caretas, na sua maioria, são ainda os trabalhadores
pobres e com pouca escolaridade, tanto na sede como nas localidades, até
porque o município de Jardim, como muitos outros municípios do Ceará, é
bastante pobre, vivendo, basicamente, dos recursos repassados do ICMS e de
programas sociais do governo como “Bolsa Escola”.
Mas, apesar de quaisquer diferenças de renda, educação ou
comportamento, Jamilles considera que se tornam irrelevantes quando os Caretas
8
A outra Brincante é Nélsia falarei dela mais à frente.
41
estão trajados e, para ela, desaparecem todas as diferenças do cotidiano, nos
momentos da brincadeira.
Suas palavras marcam, também, a participação das crianças
que, pude constatar mais tarde, constitui parte primordial na personificação da
cidade dentro da construção de uma ritualização construída por Caretas e não
Caretas.
Tal igualdade está nas palavras da Careta, Jamilles, abaixo
transcritas, apresentam de maneira simples, uma universalidade e liberdade, sem
preconceitos, dos Brincantes de aceitar todos aqueles que queiram participar da
brincadeira: Ela realiza uma construção utópica de um espaço em ação sem
barreiras e preconceitos:
“...Porque quando é a Festa dos Caretas ricos, pobres, mulheres,
homens todo mundo brinca. E quando você está com aquela máscara
todo mundo é igual. Você pode ser pobre, você pode ser rico, você pode
ser de alta sociedade. Todo mundo tá lá. Todo mundo junto. Todo
mundo brinca. Todo mundo...é normal brincar. O Jardim todo brinca. Da
criança ao adulto. Não é uma festa que o pessoal da Associação
brinca não. Por exemplo, você aqui. Chegou de Fortaleza hoje. Você
tá na minha casa. Vamos brincar? Vamos. Aí juntou vamos pra rua
brincar de Careta. Pronto. É assim a festa.”
Indaguei a Jamilles se as diferenças sociais, de “status” eram
tão relevantes no cotidiano do município, ou se tais diferenças não acabavam
sendo formalidades:
“Mas aqui em Jardim tem isso não. Quem é “A” tem que ser “A”. Quem
é “B” tem que ser “B”. Quem é “C” tem que ser C”. Logo a festa tem
esse poder de unificar...”
Bakhtin fala das festas de rua na Idade Média e da
possibilidade das pessoas se verem igualadas nestes momentos, seja do ponto de
vista econômico, social e educacional. E traz:
“...esperança popular num mundo melhor, num
regime social e econômico mais justo, numa nova verdade...o lado
cômico popular da festa tendia a representar futuro melhor: abundância
material, igualdade, liberdade...Ela opunha-se à imobilidade
Comentário:
Página: 35
Depreende-se nas entrevistas
que assim como os Brincantes
trajavam-se nos sítios e
passeavam de localidade em
localidade, o mesmo acontecia
nos bairros da zona urbana.
antes da autoridades políticas
tornarem a festa oficial. Colocar
a fala de Marcondes sempre
querendo confirma r a origem
da festa nos sítios.
42
conservadora, à sua atemporalidade, à imutabilidade do regime e das
concepções estabelecidas, punha ênfase na alternância e na renovação,
inclusive no plano social e histórico...” (Bakhtin, 1976, p70)
Olha-se, a Festa em Jardim, em pleno século XXI, e vêr-se, seu
modo cômico de apresentar-se e unificar participações tão divididas no cotidiano
da Cidade. A festa servido para esquecer, por algum tempo - o tempo de ficar
trajado e mascarado - as diferenças sociais, políticas e econômicas dos
“Brincantes”.
Para participar da festa é regra que o Careta tire uma carteira
de sócio da Associação, tanto faz que ele seja da sede ou das localidades, mas a
Careta, ao falar-me da possibilidade de qualquer um pode participar bastando
querer, esquece, por alguns momentos, as regras estabelecidas também por ela.
E denuncia a dificuldade de fiscalizar o cumprimento do estabelecido.
Qual a relação do conjunto do município com a Festa? A
maioria gosta ou é uma brincadeira de alguns ? Jamilles fez a seguinte análise:
“Apesar da gente trabalhar “muuuito” ainda hoje preconceito em
relação à Festa dos Caretas. Você como eu vejo que é uma festa
cultural. Que é uma festa folclórica. É uma festa??? Hoje em dia a gente
em pleno século XXI e uma coisa de 30 anos atrás, 40 anos atrás, 50
anos atrás pode ainda existir. Mas as pessoas que moram aqui, muitas
delas, não são todas, têm aquele preconceito com a “Festa dos
Caretas”. Para algumas a festa não presta. É uma festa...as pessoas
não têm aquela visão cultural que a gente tem. Entendeu?
É, alguns não partilham da utopia dos Caretas. Escapam e não
querem sonhar, fato lamentado por uma porção dos Caretas. outra porção não
lamenta tanto, pois àqueles desgostosos da brincadeira acabam sendo alvo das
estripulias destes. Estripulias que serão contadas e recontadas, ano após ano, em
meio a risadas.
Continuo minha caminhada rumo as àqueles que querem falar
sobre a Festa dos Caretas, sempre acumulando e refletindo, no caminho encontro
Nélsia. Agradou-me conversar com ela, tanto pelo fato dela ser diretora da
“Associação dos Karetas” e “Brincante”, como também pelo fato de poder
apresentar mais um ponto de vista feminino sobre o tema.
43
Tendo a conversa com Jamilles ocorrido em um sábado pela
manhã, pensei poder falar com Nélsia no mesmo dia mas foi-me impossível
encontrá-la antes da segunda feira seguinte, na sede da Secretaria de Cultura e
Desportos, onde trabalha, como secretária de Luís Lemos.
Nélsia, assim como Jamilles e Luís Lemos, nasceu ali mesmo
em Jardim, além de ser secretária é professora do ensino fundamental na rede
pública municipal.
Tem licenciatura em História e, quando estava escolhendo um
tema para sua monografia, pensou em fazê-la sobre os Caretas, mas havia
desistindo devido a uma cobrança sobre o que iria escrever. Lembrou-me que era
da cidade, da associação e ainda Careta. Por tudo isso, desistiu.
Moça bonita, mas de olhar meio triste, contundente, mas
temerosa, tanto que acabei desligando o gravador, no final de nossa conversa,
pois seus olhos não abandonavam o aparelho.
Perguntei a Nélsia sobre sua participação na Festa, ela
respondeu: Eu participei agora que sou da associação.” Quando não morava
mais com os pais e, mesmo agora, brinca tentando o máximo não ser identificada.
Perguntei se não dava mesmo para ser reconhecida. Ela
respondeu que as pessoas desconfiam e até arriscam perguntando mas não
podem afirmar:
“- Tu “tava” brincando de Careta, não “tava”?” O pessoal não
comenta como a gente se vestiu. Comenta que a gente brincou. Quando eu
cheguei em casa eu passei numa rua ali em que a minha irmã mora e
minha mãe tava lá. Eu disse:
- Não vou passar por lá. Que minha mãe me conhece.
-“Conhece nada. você tá muito diferente!
- “Eu sei que a minha mãe vai me conhecer. E eu passei pela
outra rua. Foi o mesmo aconteceu com minha amiga. O pai dela tava na
porta. Ela:
- “Eu tô voltando daqui!
- Mas no outro dia, por exemplo, as pessoas dizer assim: “Você
brincou de Careta, Nélsiiia?”
-“Por quê?”
- “Tu brincooou!!!”
Aí se fosse uma pessoa muito amiga eu dizia:
44
- “Brinquei. Mas o diga a minha mãe não.” Porque ela disse
assim:
- “Nélsia onde tu vai?”
- “Mainha, eu vou pra casa do Judas.” Porque a gente chama de
casa do Judas a sede da Associação. Porque depois que eu
trabalhando na Secretaria de Cultura me envolvi diretamente com isso.
- “Vai brincar de Careta?”
- “Por quê?”
- “Nélsia não vai brincar de careta não!”
- “Tá bom.” E aí se ela tivesse visto eu brincar ela teria ficado brava
mesmo. Porque não é coisa que se deva fazer.
O motivo do não reconhecimento faz parte da própria razão de
ser da brincadeira, tanto para Nélsia, como para qualquer outro Careta. Mas no
caso de Nélsia e outras moças “Brincantes” soma-se o motivo de serem mulheres.
Carregando o sentimento de não alegria, por parte de seus pais, em não quererem
suas filhas tornando-se Caretas.
O homem também não deve ser reconhecido, quando está
trajado, mas depois, em conversas, não se importa em dizer aos amigos e
parentes que participou e não foi reconhecido pelos os amigos.
Perguntei a Nélsia, pensando no que foi colocado por Jamilles ,
se ela via a festa como algo que unia o município, e ela respondeu assim:
“...é uma comunidade de bruxas, de monstros. E onde é uma
comunidade todo mundo é igual, não diferencia tanto. Diferencia na rua
quando vem um Careta a gente tem medo. De repente, se vem um
grupo a gente não tem (medo) como de um só. Você encontrar um
careta numa esquina medo, mas todo mundo junto não. E tem
muito essa questão da noite e do dia. À noite a figura do Careta
medo, durante o dia não. Quando ele na passeata do Judas não
assusta tanto.”
As palavras de Nélsia confirmam o que disse Jamilles sobre a
ausência de diferenças no transcorrer da Festa/Brincadeira, mas trazem uma
expectativa diferenciada, quanto à participação do centro de Jardim e das
localidades do município.
Para Nélsia, a Festa na sede, organizada pela “Associação dos
Karetas”, apresenta diferenças marcantes em relação à brincadeira realizada nos
sítios. A Festa organizada na Sede teria falta, para a Brincante, de uma certa
45
originalidade, traduzida como um distanciamento maior em relação às origens,
estas mais respeitadas nas festas realizadas nas localidades.
“Eu acho mais original. È tanto que tem comunidade que a gente não
consegue trazer pra zona urbana. Eles preferem fazer a festa deles, e aí
eu acho que fica bem mais próximo das origens. Porquanto do próprio
meio, né, rural. Eles, o pessoal que mora nos sítios, eles têm mais essa
questão mais de máscara, mais parecida. De traje, mais parecido com
essa coisa mais original. “
A zona rural teria o mérito, para Nélsia e para outros
“Brincantes” ligados à Associação, de ser a localização inicial da “Festa dos
Caretas” em Jardim. Continuo o percurso...
Saio da sede e rumo para as localidades. Seguindo pistas
indicadas pelos primeiros entrevistados e pessoas com quem conversei na rua e
no hotel.
Tudo merece ser olhando, discutido, investigado.
6
A divisão, a diferença na Festa ou nas Festas, identificada na
fala dos “Brincantes” encontrados até o momento, concerne a espaços,
geograficamente, espaços como zona urbana e zona rural; Sede e Sítios ou
Jardim e Localidades. Tal divisão aparece, por exemplo, na fala de Luís Lemos:
“Hoje, um dos interesses também da gente é que a tradição também se
estenda por toda a zona rural também...E o objetivo, é exatamente esse,
que a festa não passe a ser somente uma comemoração da cidade em
si. Da sede. Mas de toda, de todo o município. Principalmente da zona
rural. Para o ano a gente pretendendo é, resgatar o máximo essa
cultura de origem.”
Lemos, mais uma vez, tem uma fala de grande riqueza, que
envolve diferentes categorias como tradição e cultura de origem. Agora, quero
refletir sobre o momento em que Lemos fala a respeito da intenção de estender a
festa a zona rural.
Comentário:
Aqui posso
trabalhar com Hobswams com o
conceito de tradição.
46
Ao mesmo tempo em que a Sede traz a idéia da origem dos
Caretas, remontar à zona rural parece contradizer o secretário quando tem como
preocupação não deixar fora do “evento” os Caretas das localidades.
Acrescenta ainda o modo como o entrevistado apresenta o
caminho sede-zonal rural da festa, como se ela não existisse nas localidades,
talvez por que não exista mesmo.
Ou por que a Festa que acontece nos sítios, fora da promoção
e organização da sede, é diferenciada daquela a que a Associação quer
apresentar.
Começa-se a elucidação da questão por meio de outras falas,
como a de Nélsia: “... tem comunidade que a gente não consegue trazer pra zona
urbana. Eles preferem fazer a festa deles...” Talvez, o Secretário, tenha querido
expressar um modelo de festa.
Modelo que redimensione a festa para a concentração dos
“Brincantes”, em um único espaço, em dados momentos, e, com o motivo de
melhor organizá-la, pode também facilitar uma certa exploração econômica da
evento.
Será possível um município tão carente de recursos financeiros
ter uma outra alternativa de arrecadação de dinheiro com os Caretas como
produto turístico?. Ou seria a atitude da Associação uma busca de sobrevivência
de uma memória cultural da Cidade? Quando perguntei sobre a festa sem a
interferência da Associação, Jamilles disse:
”Eram aquelas festas isoladas. Mas hoje trouxe
mais pra cá. Concentrar mais. Não que a gente não queira que eles
brinquem lá, a gente quer. Pra não ser aquela coisa, “Ah, da zona
urbana.” A gente quer que seja o município de Jardim brincando de
Careta. Mas é bom na passeata do “pau do Judas” eles estarem
presentes têm filmagens, televisão pra divulgar a festa. Divulgar a
comunidade deles, os sítios deles.”
Bom para quem? Ou para quê? Na mesma fala ela
responde, o motivo, a presença dos meios de comunicação na passeata do
47
“Pau do Judas”. Cabendo a discussão anterior sobre a construção da imagem,
da tradição da Festa ligada ao município, e em particular, à sua sede.
Por que recusam? que, segundo Jamilles, é bom para
eles, pelo mesmo motivo da divulgação de seus locais de moradia. Muitos
Caretas da zona rural acabam por conciliar o horário da festa da sede com suas
brincadeiras nas respectivas localidades, como diz Nélsia:
“...eles vieram só tomar parte. Mas...voltaram pra fazer a festa deles.
Quando eu digo eles não vêm, quero dizer que eles não deixam de fazer
a festa deles pra fazer parte de uma festa só. Por exemplo, a gente foi
convidá-los, e eles vieram tomar parte um dia na festa, e aí voltaram pra
fazer a festa deles.”
A participação na festa, condicionada à obtenção da carterinha
expedida pela Associação, parece ter afinidades com esta idéia de concentrar os
Caretas e trazer uma ordem, dando-lhes regras para brincar e incentivando, de
certo modo, uma única maneira de ser Careta.
Certas características vindas com a origem da festa, ligada à
zona rural, são, neste modo organizado pela Associação, salientados como
importantes e portanto merecem serem “resgatados” . outros modos são tidos
como impossíveis ou não convenientes de serem mantidos.
Mais uma vez a fala da Careta Nélsia sobre como a festa da
sede se diferencia da nas localidades nos faz refletir:
“...eu diria que essa festa nossa, por mais que a
gente diga popular, é uma festa mais enquanto organização, é mais
elitizada. Porque é tudo organizado. Tem uma comissão. Todo mundo
tem um crachá, todo mundo tem uma camisa. É, o Judas não é um
espalho que é bem mais próximo. O Judas é uma obra de arte. Quer
dizer, faz pena você colocar, num mastro pra derrubar. Porque é
perfeito. E aí, eu acho, que a gente fugiu um pouquinho. Ou talvez não
tenha fugindo, talvez seja um grande sincretismo essa festa nossa,
porque vai pegando uma coisa daqui, daqui, daqui e vai entrando uma
coisa e outra. E fica assim uma coisa bem particular. Mas perdeu essa
questão do Judas ser um espantalho não é mais. Ele é muito bonito. Ele
“tava” perfeito esse ano, sabe? Até um “oculozinho”, quando eu “tava”
colocando o paletó nele ajudando o Luís, era paletó mesmo! Perfeito.”
48
Com o discurso dos “Brincantes” e organizadores da festa na
sede na cabeça segui a viagem rumo às localidades de Jardim, lembrando de uma
outra festa, a do “Pau da Bandeira”, na vizinha Barbalha.
Festa que foi, em 2000 analisada por Océlio Teixeira de Souza
na sua dissertação, de mestrado, que discute o processo de estilização e
construção de “tradição inventada” da “Festa de Santo Antônio”.
“Os grupos, nos seus sítios, preservam algo natural, esquecido, que não
existia mais na cidade. Era necessário trazer esses grupos e mostrá-los
às pessoas que moravam na cidade. Com isso se recuperava uma parte
da cultura do município.” (Sousa, 2000, p58)
Hobsbawm define tradição inventadacomo práticas reguladas
abertamente ou o, cujo objetivo é incultir valores e normas aos
comportamentos, através da repetição de rituais de ligação deste com um
passado longínquo da comunidade.
Não podemos deixar de comparar o pensamento do historiador
inglês com o que ocorre com jardim e seus Caretas. As falas de Lemos nos
trazem a idéia de um modelo de festa, que firma-se a cada ano, mas não sem
interferência.
Lemos, claro, sabe da existência da brincadeira nas
localidades, e aé bom que assim aconteça, o que lembra a análise de Océlio
sobre a passeata do “Pau de Santo Antônio”, a respeito das localidades mais
distantes, das expectativas e condições estruturais do centro urbano terem o
poder de fazer a festa olhá-las, relembrar e, ao mesmo tempo, formular algo
condizente com as suas expectativas atuais, mas não totalmente fora de uma
ligação com passado longínquo da comunidade.
No município de Jardim existe, atualmente, um processo de
invenção de uma tradição em relação aos Caretas e suas brincadeiras iniciadas
com a criação da “Associação de Karetas de Jardim”, 28 anos, e continua
atualmente.
Até mesmo a substituição da letra C” pela letra “K” no nome
“caretas” mostra uma vontade de modificar, modernizar a “Festa dos Caretas” ou
49
dos “Karetas”, por parte dos diretores, em maioria moradores da zona urbana e
funcionários da Prefeitura.
Câmara Cascudo define “tradicionalismo” como: “Conjunto de
valores considerados essenciais à vida em sociedade e que abrange, entre outros, os
aspectos éticos, filosóficos, cívicos, associativos, recreativos.” (Cascudo,2000,p693)
Portanto, tais valores em sociedade mudam, em dado tempo, nestas sociedades,
ou seja são construídos ou reconstruídos.
Mas as mudanças podem ocorrer de maneira espontânea ou
reguladas e, neste aspecto, é importante diferenciar “costume” de “tradição”
Hobsbawm na “Invenção das Tradições (Hobsbawm&Ranger,1997) marca tal
diferenciação.
“Tradição tem a marca da invariabilidade, estabelece com o passado
uma continuidade artificial.”(Hobsbawm&Ranger,1997,p10) Ou seja, estabelece
práticas fixas e pouco adeptas de mudanças no seus rituais de estabelecimento.
Enquanto os costumes para Hobsbawm são volantes e motores das sociedades
tradicionais adeptas de mudanças que enriqueçam suas práticas.
7
Maria Clementina Cunha em “Ecos da Folia”(2001) analisa o
processo dos esforços e o sucesso de uma elite no século XIX do Rio de Janeiro
em transformar as práticas carnavalescas dos cariocas em algo mais apropriado
ao modelo considerado, por tal elite.
Antes, ainda segundo Clementina Cunha, “Entrudo”, sinônimo
de Carnaval, passa, a partir da metade do século XIX, a representar algo ligado a
práticas rudes de setores da classe baixa e inculta. E o Carnaval, ao contrário,
algo verdadeiramente representativo da cultura brasileira através da “Sociedades
Carnavalescas” e, posteriormente, das “Escolas de Samba”.
Mas tal “civilização”, referendada por práticas de uma elite
européia no final do século XIX, não se restringiu à capital carioca, Catarina Maria
de Saboya Oliveira em “Fortaleza: Velhos Carnavais”(1997) mostra que, na capital
50
cearense, em igual período, predominava um mesmo tipo de preocupação, por
parte dos setores letrados da sociedade fortalezense, no que a autora define,
como afirmação do “Carnaval Veneziano” com as “Sociedades Carnavalescas”
substituindo o “Entrudo”.
“As primeiras referências ao Entrudo em Fortaleza encontram-se nos
comentários depreciativos de João Brígido (1829-1921) que, por sua
primazia e força descritiva, tornaram-se citações obrigatória, retomadas
por vários cronistas de nosso carnaval.” (Oliveira,109,p32)
Não quer dizer, que não houvessem as brincadeiras de rua
no período que antecede à “Quaresma”, em Fortaleza, antes da datação de
Oliveira, 1868. Mas esta é a primeira referência encontrada sobre o “Entrudo”
nos jornais fortalezenses pesquisados por ela, e estes sempre em notas sem
grande destaque. Mas, a partir da década de 90, do século XIX, a coisa muda.
Artigos e notas pedindo a coibição e até a proibição dos “entrudos” o
freqüentes nos jornais locais.
“Denomina-se Entrudo, popularmente intruido, o antigo carnaval
português...tais práticas, com variações regionais e temporais , incluíam
aspersão de água, outros líquidos e de farinha de trigo e pós...grupos de
mascarados; canções e danças. Outros elementos constantes eram os
bonecos representando o Carnaval, um comilão e beberrão gordo,
alegre e sensual...e agressões verbais (insultos e músicas grosserias).“
(Oliveira,1997,p29)
Chama atenção nas descrições apresentadas por Oliveira, a
respeito dos Entrudos, a presença de figuras denominadas “Papangus”, tão
semelhantes aos Caretas de Jardim, e aos atuais Papangus do litoral cearense.
“...a figura do Papangu e o uso de máscaras....vestidos com camisolões
ou dominós (espécie de batina com capuz, ornada de guizos e de
variadas cores), isolados ou em grupos, andavam pelas ruas, a dizer
graças e perguntar em voz de falsete: Você me conhece?... foram
figuras obrigatórias em Fortaleza até seu desaparecimento nas primeiras
décadas do século...”(Oliveira,1997,p35)
51
O Papangus não mais brincam em Fortaleza mas, ao que
parece, não desapareceram. Expulsos do centro da capital refugiam-se nas
cidades de menos destaque do Estado.
As vestes dos Papangus assemelham-se à dos Caretas e, é
de se notar ainda a pergunta formulada pelos mascarados tanto em Fortaleza
como no Rio de Janeiro no final do século XIX, como Clementina e Caterina nos
informam : “Você me Conhece?”
Incógnito deve ser o mascarado e as reações a ele podem,
antes e agora, serem demonstradas, tanto pela gozação como pelo medo das
crianças. Ou mesmo as críticas à ordem local, às autoridades políticas e
religiosas ou aos “bons costumes”.
“...mistura de divertimento e medo que os Papangus despertavam nas
crianças...muitas vezes munidos de chicotes, fosse para defesa
(cachorros) ou para fustigar aqueles que tentassem levantar-lhes o
capuz..” (Oliveira,1997,p36)
“Alguns Papangus ou máscaras tradicionais marcavam em Fortaleza
exercendo, por vezes, crítica política...” (Oliveira,1997,p37)
Tem-se a idéia, neste trabalho de Caterina, que, no início
do século XX, sobre o Entrudo e os mascarados Papangus, predominava uma
visão negativa, e somem das colunas dos jornais anúncios de tecidos para
confecção de suas fantasias.
Ao mesmo tempo, aumenta a constância de crônicas
jornalísticas, com apelos moralizantes às autoridades e à população, a respeito
do comportamento pernicioso dos mascarados. Os Papangus haviam sido
expulsos.
Uma das falas de Luís Lemos chama a atenção sobre a
participação da Associação em organizar os Caretas com a intenção de
cadastrá-los e regular suas participações em roteiros e datas fixas, além de
ditar comportamentos “aceitáveis”. Sobre o sucesso desta regulação, o próprio
Lemos diz: “...Já não é uma preocupação assim tão grande, porque o participante de
hoje já brinca, se diverte, mas com a consciência da responsabilidade que tem em si.”
52
8
Na zona Rural, realizei entrevistas com Caretas em Areias,
Brejinho, Cacimbas e Lajinhas.
As localidades possuem semelhanças, tanto na forma de
manter suas vidas materiais, como de rezar, de “festar”, e como não poderia
deixar de ser os problemas também são parecidos.
A chamada zona rural, assemelha-se a espaços do mesmo tipo,
de outras cidades do interior do Brasil, cuja produção de sua vidas materiais são
pautadas pela agricultura de subsistência, ou seja, pelo cultivo do feijão,
macaxeira, mandioca e milho.
Alguns poucos remanescentes também cultivam café, produto
que teve, assim como a cana-de-açúcar, papel de destaque outrora em Jardim e
na região do Cariri.
Quando o inverno é bom, é comum ver mulheres carregando
fardos de vagens de feijão ou cachos de bananas sobre suas cabeças.
O chão das salas de suas casas são tomados por essas vagens
secas de feijão. São tempos de certa prosperidade local. Mas, ainda, não
suficientes para manter os jardinenses, principalmente estes da área rural, no
município. Não há emprego. E a produção das roças não é o bastante para ocupar
toda a mão-de-obra, mesmo a familiar.
Condições que fizeram-me lembrar dos pequizeiros de
Cacimbas e, por lá, dei início à minha visita pela zona rural de Jardim.
Cacimbas
Fui a Cacimbas por duas vezes. Uma, em 200, e outra no ano
seguinte. Quando retornei, em março de 2002, não consegui encontrar os
primeiros entrevistados, que estavam a trabalhar no cultivo da uva, nos perímetros
irrigados em Juazeiro da Bahia.
53
Parece difícil entrevistar mais de uma vez um Careta nas
localidades de Jardim. Continuo a lembrar do acampamento dos pequizeiros e da
discussão sobre diversidade cultural e como é difícil para as comunidades
produzirem suas vidas, seja na área cultural, social, quando o podem garantir
sua sustentação econômica nos locais onde moram.
Aos sábados, na feira da sede do município, podem-se
encontrar diversos moradores de Cacimbas, que trabalham como feirantes, ou
que, simplesmente, aproveitam a carona do ônibus fretado pela Prefeitura em dias
de feira.
Certa vez, enquanto aguardava chegar de seu roçado um ex-
Careta, para entrevista lá mesmo em Cacimbas , fiquei escutando a dona da casa,
esposa do meu entrevistado, tendo ao seu lado duas netas, de 2 e 3 anos de
idade, respectivamente, que lamentava a ausência dos pais das crianças.
Da neta mais velha ( “Boneca”, lourinha dos olhos verdes), a
avó disse que a mãe trabalhava em Juazeiro do Norte e o pai em Juazeiro da
Bahia. Da neta mais nova ( Cristiana, morena de feições indígenas), continuou a
velha senhora, a mãe morrera no parto e o pai estava também trabalhando no
Vale do São Francisco.
A avó falou da esperança de vir para Jardim, um projeto do
Banco do Nordeste, de plantio de flores, talvez, pudesse assim reunir a família.
Enquanto ela falava um homem (fui informada mais tarde ser
irmão do meu entrevistado e ter problemas mentais) um pouco à frente da casa
gritava, irônica e repetidamente : “Melhor ser “boiola” que agricultor”.
Cacimbas, é um lugar silencioso durante os dias e noites da
semana, com suas casinhas, na maioria de parede e meia, lembrando vilas de
áreas urbanas, de cidades de médio e grande porte. A maioria das casas repete
as fachadas pintadas de branco, atrapalhando a visão quando em confronto com o
brilho do sol.
O centro da localidade é formado por uma igreja e um
cemitério. E, é, em frente a este, que se realiza a queima do Judas na “Festa do
Caretas”. Ato, considerado, por alguns, como sinal de blasfêmia.
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Em uma das ocasiões em que estive em Cacimbas conversei
com três homens: João José de Sousa; João Geraldo Pereira e “seu” João
Geraldo Pereira ( seu Nelson).
A conversa com os três foi um tanto tumultuada e engraçada,
ao mesmo tempo. Cheguei em uma hora em que estavam em uma das casas
brancas do lugarejo, desocupada, e a limpava para ali realizarem uma “festa”, na
verdade, dar-se-ia ali uma bebedeira, ao som de um “stéreo” pequeno e um
conjunto de fitas de forró.
Bem, senti que atrapalhava, mas conversei com os três ao
mesmo tempo, ali mesmo, enquanto um grupo de mais ou menos oito outros
homens esperava do lado de fora da casa. Ás vezes, vinha algum barulho de fora,
demonstrando impaciência com a demora de nossa conversa.
João José Sousa, um rapaz de pele e olhos claros, tinha
chegado recentemente de Mato Grosso para onde tinha ido trabalhar, mas
segundo ele, não tinha dado muito certo. E agora, resolvera, com 26 anos de
idade, terminar os estudos e trabalhar na roça com o pai, até um dia voltar, mais
preparado, para Mato Grosso, tentar novamente.
João Geraldo Pereira, com 29 anos e uma aparência física que
lhe poria mais dez anos em cima de idade de batismo, pele escura e olhos
amarelados, bastante ansioso, ficou o tempo todo em , no decorrer da
conversa. Mas bem alegre, cheio de humor, com intromissões e piadinhas entre
as falas dos outros dois homens.
O terceiro homem, João Geraldo Pereira, tem o mesmo nome
do segundo, pois é seu pai, disse-me ser mais conhecido em Cacimbas pelo
apelido de Nelson. “Seu” Nelson não me disse a idade, mas presumi, pela
conversa, principalmente, que tinha entre 60 e 65 anos.
Perguntei a eles em que período acontecia a “Festa dos
Caretas”, e João José apressou-se em responder, como aconteceria na maior
parte do nosso dialogo. Apenas quando seu Nelson tomou confiança, falou mais,
foi que João José retraiu-se um pouco , mas confirmava com a cabeça ou
completava as explicações dadas pelo mais velho.
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“Geralmente os Caretas começa na “quarta- feira Santa”, aqui, né.
Quarta-feira, terça-feira. Começa na segunda. Começa a criançada e tal,
começa animar. Na quarta –feira começa a ficar mais forte por que
vem o pessoal mais adulto, começa animar mais um pouquinho. (José,
Cacimbas)
Quando perguntei se eles brincavam Careta, tanto José como
Geraldo responderam que sim, e completaram dizendo que brincavam com toda a
“rapaziada” do local. Imediatamente, Geraldo me disse que aprendeu com os mais
velhos, mas o seu pai não tinha brincado não. Foi quando seu Nelson tomou as
rédeas da conversa e afirmou que tinha sido a geração dele que tinha brincado de
Careta ali, a mesma geração que teria fundado a localidade de Cacimbas.
Os três abaixo dão uma descrição da brincadeira na localidade:
João Geraldo: “- fazia pedir: - Uns 10 centavos, aí. E andar nas
roças por pedindo ao dono que tinha roça: milho, cana para botar no
círculo, não sabe?
João Jo: “- Roubando!”
Seu Nelson:- Balançar o “chucalho”, cantar música...
João Geraldo: Aqui a gente não rouba porque aqui não tem o que
roubar...( risos). A gente pede. Perde milho, cana??? A gente pede, e os
donos dá. A gente coloca no círculo, lá...e fica no círculo. E quando é
no dia de domingo, quando vai derrubar o Juda”... A gente...a gente
vai...as pessoas que vão roubar o circo...Nós que brinca Careta, nós que
“vamo”...Porque têm as pessoas que vai roubar do “circo” e as coisa do
“circo” é dos Caretas, né? Os Caretas vai.. fica na portaria prá
ninguém roubar. E se roubar, mas tem a distância num sabe? De roubar.
E a gente na pessoa que roubando se alcança até na lista lá, a
gente dar, se não alcançar a gente volta...
João José: Fica com o que tirou lá. Se ele apanhar e conseguir sair
apanhando ele também fica.
Em Cacimbas, devido à distância em relação a sede podem
brincar quando alguém, no caso, o vereador da localidade cede um carro para
levá-los até a cidade ou mesmo alguém da “Associação dos Karetas” arranja um
meio de transportá-los que eles denominam de “convite” : “Só quando “somo”
convidado, né. Geralmente depende muito do transporte, porque 18 km para ir à pé,
também não tem nem condições...Quando tem o patrocínio do vereador aqui. O vereador
pega o carro dele leva o pessoal traz... e tal...” (José)
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Na falta do patrocínio faz-se a brincadeira no local mesmo,
como esclarece João José, Isso é uma tradição. Não tem ponto de encontro.
Geralmente combina 3, 4, 5 pessoa e vai...3, 4, 5, pessoas ali combina se veste e sai
ali na rua normalmente. Normalmente como Careta.”
Perguntei em Cacimbas se os Caretas de eram filiados a
Associação? Pai e filho permaneceram calados. Foi João José a romper o
silêncio: “- Não que eu saiba. Não. tem um aqui que é associado. Que eu sei.
Legalmente!” Continuei perguntando sobra a origem da festa, seguiu o diálogo
abaixo:
Seu Nelson: - Agora de natureza mesmo. Aquilo é coisa de natureza
mesmo. Não tinha quem ensinasse a gente, a gente aprendeu aquilo de
natureza mesmo!!!
João Geraldo: “- Por causa da Semana Santa. “
Seu Nelson: “- É..é...é, existia aquelas palhaçadas. Via aquelas coisas,
foi aprendendo aquelas coisas, a gente mesmo, de natureza mesmo.”
João Geraldo:” - Nem tanto isso porque Semana Santa” tem que ter
Careta, né!”
Seu Nelson: “- Não é isso? Hoje existe televisão, hoje existe esse tipo
de coisa. Mas naquele tempo de nós pra trás, coisa de natureza. Aquilo
é coisa normal.”
João José: “- “Tamos” falando de uma tradição que vem do pai dele.”
( referindo-se ao seu Nelson). .
Ao voltarmos de Cacimbas para a sede, seu João de Neca, o
motorista, quebra a imagem de tranqüilidade do local que se reforçava em mim
naquele momento e conta uma história “à moda causo”.
Disse que mais ou menos uns três anos atrás houve uma briga
em Cacimbas que culminou com o assassinato de um dos oponentes. O
assassino teria se escondido na floresta, e um grupo de homens da comunidade
havia feito o cerco ao criminoso, por vários dias, abastecidos com alimentos por
suas mulheres. Até que o assassino com fome e sede abriu a guarda, foi preso e
morto pelo grupo.
Na noite do acontecido, teria ocorrido uma festa no povoado,
em torno de uma fogueira, e a cabeça do morto teria sido exibida na roda.
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Seu João falou que Cacimbas havia sido um povoado “quente”,
mas que as pessoas ruins tinham ido embora. Alguns até estavam presos lá pelas
bandas de Pernambuco.
Demos continuidade a mais uma etapa da viagem, seguindo as
indicações dadas pelas pessoas com quem conversamos, e assim chegamos ao
Brejinho.
Serra de Brejinho
Para chegarmos ao local afastamo-nos da sede do município,
seguindo pela estrada em direção a Barbalha, subimos a chapada pelo lado oeste,
tomado uma estradinha de paralelepípedos, a um caminho de chão batido
cercado por plantações de macaxeira e feijão, um descampado com alguns pés de
café.
Do alto da Serra nos deleitamos com a vista do miolo da cidade
e, ainda avistamos, além da sede, segundo “seu” Criança, o motorista, a principal
fonte d’água do lugar. Conhecida como “Boca da Mata”.
“Seu” Criança, a partir das perguntas formuladas sobre o local,
fala da vegetação, que vemos da estrada adentrar as terras, e que teria
substituído as plantações de cana-de-açúcar que fizeram a riqueza de famílias
locais.
Fala do cultivo e coleta da cana, e do fabrico da rapadura e do
seu uso como adoçante, quando não se tinha o costume de usar o açúcar
refinado.
Apontando a Chapada, do lado contrário ao que estávamos,
mostra-nos um morro chamado Descida dos Negros”, como prova da presença
negra e provável mão-de-obra escrava no local, na época dos engenhos de
rapadura.
Daquelas terras um dia exportou-se o doce para outras cidades
do Cariri cearense e pernambucano para os cafés, sucos, bolos e doces da
culinária regional.
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Continuamos na estradinha, por mais ou menos 6 km, a a
casa de “seu” José Pereira Neto ou Zezinho de Conceição, como é mais
conhecido.
Não existe na Serra de Brejinho, o que poderíamos denominar
latifúndio, as propriedade, são em sua maioria, de pequena extensão.
E aqueles, como “seu” Zezinho, possuidores de uma pequena
criação de animais e de alguma terra para o cultivo da macaxeira e feijão são
privilegiados e têm certa estabilidade financeira, o que, possibilita “seu” Zezinho
manter os filhos estudando e oferecer um futuro de opções fora da agricultura
familiar.
Gravei entrevistas com dois dos cinco filhos de seu Zezinho. Os
dois rapazes que os mais envolvidos na organização da brincadeira na localidade,
Fernando Pereira de Sousa e José Marcondes Pereira.
Fernando tem 17 anos, como seus pais nasceu em Jardim. É
estudante do Ensino Médio, disse que pensa em fazer curso superior de História.
Acho bonito”. A respeito de sua participação na Festa dos Caretas, informou-me:
“...a minha participação, minha aqui, é mais organizando também, e
brinco também, junto com toda turma aqui. É uma tradição de todos os
anos. Todo ano nós realiza uma festa assim..., com a participação
assim, todos colaboram. É uma tradição de muitos anos! E que ...não se
acaba não.”
Marcondes, tem 24 anos, é o primogênito, pensa em fazer
faculdade, mas caminha na direção de ser técnico, como estudante do CETREDE,
(Centro de Treinamento e Desenvolvimento Regional) em Juazeiro do Norte.
Marcondes é um líder. A forma como se expressa, a força ao apresentar a idéia da
brincadeira de Careta ser uma necessidade deles de Brejinho e a idéia de dar
continuidade à brincadeira logo chamam a minha atenção.
Reparo, que quando em 2001 conversei com Fernando (pois
quando visitei a Serra de Brejinho, naquela ocasião, Marcondes estava em
Juazeiro e o “seu” Zezinho tinha ido a uma reunião da comunidade), ele,
59
respondeu às perguntas que formulei, de forma espontânea, e com um jeito sério
de estar a fazer um serviço de grande importância.
Agora, em 2002, Fernando cala-se. Apenas observa. É
Marcondes que explana, com um ar de conhecedor, sobre a brincadeira e a
Serra:
“Sou estudante de eletromecânica no CETREDE, no Juazeiro do Norte.
Trabalho mais na parte da agricultura. Dou um suporte técnico ali pra
meu pai. Ajudo na questão que nós temos um sítio ali, um sítio em cima
da chapada do Araripe. Nós plantamos...aquela questão da agricultura
mesmo. Familiar. Nós temos plantação de mandioca, milho, café.
Criamos alguns animais: gado, porco, aves em gerais. Temos um
apiário. Então eu sempre mexo com muito, muito setores, né. Agora eu
sempre gosto da área de tecnologia. prestei vestibular na UFC pra
engenharia elétrica. Não fui aprovado mas...foi em 98, voltei. Tôo
fazendo esse curso de eletromecânica no CETREDE Cariri
possivelmente retornarei pra Fortaleza pra fazer uma pós-graduação,
um mestrado que vai ter possibilidade da gente terminar e fazer isso ai.
Voltei só um pouco no caminho mas eu gosto dessa área....Nos anos 80
nós produzimos bastante café e a gente vendia e não era aqui no
Jardim, mas no Juazeiro, Barbalha, nas cidades circunvizinhas daqui.
Mas ultimamente já era.”
A idéia de Marcondes ser um líder em formação confirmou-se
em conversas paralelas com ele quando falou-me de sua aproximação com a UJS
( União da Juventude Socialista), grupo do movimento estudantil ligado ao PC do
B(Partido Comunista do Brasil).
Um ano depois das nossas conversas, em Fortaleza, assistia o
telejornal local ( Jornal do Meio Dia /03/2003 ), veio a informação sobre uma greve
dos estudantes do CETREDE de Juazeiro do Norte, exigindo o término da
construção do prédio da escola e vi aparecer na telinha Marcondes, como um dos
que estavam à frente do movimento dos estudantes.
No pequeno comércio de “seu” Zezinho vendem-se bebidas e
joga-se sinuca. Todas as vezes que visitei sua casa encontrei sempre pessoas no
bar bebendo e jogando.
Sempre bem recebida, seja pelo “seu” Zezinho e pela família,
como pelos visitantes e vizinhos que se encontravam na casa, como foi o caso do
poeta Cícero Cândido, que encontrei certa vez.
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Cícero, um rapaz de aproximadamente 25 anos, é jardinense e
morador da sede do município, mas pareceu mais à vontade em Brejinho. É
bastante crítico em relação à elite local e falou para mim de Jardim, em forma de
poesia.
“Jardim tem tudo será. A forma de um grande rio infinito fundo de mar.
Foz de Iguaçu que era um deserto com a explosão veio se transformar
em um paraíso ecológico, canto de beleza, lindo campo natural. Jardim
é onde vive seus donos que não vem te vigiar assim no abandono a
tendência é se acabar. A natureza é realista sabe dar sabe tomar e se o
homem compete com ela um triste fim terá. Até porque vive na terra
embora não saiba o que é social mas nas garras de Ernesto “Che
Guevara” as coisas é mais normal.”
O poeta joga suas impressões sobre as relações homem –
natureza, fala de uma natureza ativa, quebra a idéia ortodoxa do homem como
único sujeito ativo e aquilo com que ele se relaciona como objeto, dando uma falsa
idéia de passividade do chamado objeto.
A natureza age no texto de Cícero. No caso, do poeta, o palco é
particularizado na sua cidade. A natureza fala às pessoas, mas suas respostas
quase nunca têm sido satisfatórias. Nem em Jardim, nem em qualquer lugar do
planeta. E a natureza sujeito pode vingar-se.
Fala ainda nos donos de Jardim, em uma tida referência à
política do município dominada, desde dos tempos da rapadura, ou da oligarquia
Acyoli, que mandava na região, através das famílias tradicionais.
Tempos de quatro nomes, quatro famílias importantes do
município: Neves, Pereira, Roriz e Gondim, permanências na política local.
Mas também, implicitamente, cero liga as famílias poderosas
de Jardim a uma rede maior de poder, quando apresenta a figura de “Che”, uma
liderança da revolução cubana e símbolo de luta contra o capitalismo e a
burguesia.
“Che” é símbolo de outro tipo de sociedade. Descarrega e
mistura as concepções de mundo em uma espécie de idéia apocalíptica e ao
mesmo tempo, defende a salvação da natureza e do social através de uma ruptura
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com as elites, com a frase: ...nas garras de Ernesto Guevara as coisas são mais
normais”. Talvez ele quisesse dizer mais naturais.
Em um momento da festa de 2001, quando me encontrava no
Forró dos Caretas (sábado à noite), no morro do Tetéu, aproximou-se de mim um
rapaz. Perguntou-me por que andava a tirar fotos dos Caretas. Acostumada a ser
questionada pela pessoas da cidade não estranhei, e prontamente lhe respondi.
Perguntou-me, após minha fala, qual o outro tipo de
documentação que usava, fora as fotografias. Respondi que eram as entrevistas.
Foi quando fiquei sem graça com o comentário do rapaz. Segundo ele, eu só teria
uma visão real dos Caretas se conversasse com a elite da cidade. Escutei.
Na pessoa do Doutor Napoleão Neves percebi o recado, e
lembrei de Cícero. O que responderia o poeta ao rapaz?
A Festa dos Caretas de Brejinho começa no “Domingo de
Ramos” e vai até o domingo seguinte, que é o da morte do Judas. Em Brejinho, os
Caretas passam todas as noites da semana a andar pela serra, caracterizados,
pedindo “esmolas” nos sítios, onde se realizam festas ao som de forró. E recebem
com alegria os Caretas “caretados” da região.
Fernando, diz que nunca foi à festa na sede de Jardim, mas
apressa-se em dizer: Nunca fui não, mas o meu irmão foi.” Fernando, soube por
Marcondes, que a festa da sede é organizada. “Uma festa muito grande também.
Fernando, orgulha-se da festa feita por eles na localidade, pois
em Brejinho tem tudo: as passeatas, jogos durante o dia, a malhação do Judas e o
Forró dos Caretas. Tem até uma divulgação com um cartaz fotocopiado exposto
nas paredes de locais da Serra, aparecendo como rivalidade à Festa da cidade.
Eles são filiados à “Associação de Karetas”. Pelo menos uma
quantidade de Caretas razoáveis de Brejinho. Mas sempre a brincadeira tem um
número variável de mascarados.
Ivaneide - E vocês aqui, o grupo de vocês deve ser quantos mais ou
menos?
Fernando: Os Caretas?! 50... 40 pessoas. No domingo assim, tem mais
pouco, mas na semana assim de noite tem até mais de 50.
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Então com um número deste tamanho dificilmente todos têm
carterinha de associado, assim como deve ocorrer mesmo na sede mais “fácil” de
fiscalizar.
A caminhada prossegue e vou conhecer mais duas localidades
da zona rural de Jardim: Lajinhas e Areias.
Sítios de Lajinhas e de Areias
O Sítio Lajinhas fica mais ou mais 6 KM e o Sítio Areias cerca
de 4 Km ambos, do lado sul de Jardim. Próximas, as localidades compostas de
casa simples têm como centros de suas arquiteturas a igreja em Lajinhas e a
estátua de Padre Cícero, em Areias.
Os organizadores da festa têm a característica de deter um
pouco mais de infra-estrutura, um pouco mais de estabilidade financeira que o
restante dos habitantes de suas comunidades.
Lajinhas
Em Lajinhas, José dos Santos, um rapaz de 19 anos, é um dos
organizadores da festa junto com seu irmão, Adeilton dos Santos. Participam,
ainda, outros jovens do local, entre eles outro irmão de José, Cícero dos Santos.
O Cícero, quando fiz a primeira visita (2001) à localidade estava
viajando a trabalho para o Estado de Goiás, onde trabalhava em lavouras de
tomate pertencentes a um japonês, segundo me disse, pessoalmente, em minha
segunda visita (2002) à sua família.
Nesta segunda visita percebi mudanças na estrutura da casa
que havia sido reformada. Os rapazes ganharam um espaço maior. Outra casa foi
construída no terreno ao lado, e a casa, antes de taipa, agora passou a ser de
alvenaria.
Em Lajinhas, acontece o que se repete nas outras partes da
zona rural de Jardim: a organização da festa fica por conta daqueles, ou melhor
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daquelas famílias com um pouco mais de estrutura financeira. Não são ricos, mas
têm um pouco de terra, os filhos estudam e a família ou algum de seus membros
tem sempre certa inserção na vida da comunidade.
José tem 20 anos, nasceu em Jardim assim como os seus pais
e irmãos. É um moreno alto, de sorriso fácil e sem inibição ao falar. Bastante
seguro em suas respostas ajudou-me bastante quanto à descrição das etapas da
brincadeira e também para entender no que consistiria a diferença entre
brincadeira e festa no município. Perguntei sobre o começo da festa em Lajinhas e
ele respondeu:
“Olha, é, os Caretas da nossa região, do nosso sítio existem a algum
tempo. E a gente começou a participar saindo daqui pra Jardim pela a
Secretaria de Cultura. E, é, nesse período, antes desse período da
gente ir participar lá, a gente ficava aqui mesmo, tinha um dia, em onde
todos os anos faria um ritual.”
O José, além de Careta, é membro também do grupo da igreja
Jovens em Cristo”, que além da organização da festa, também no mesmo período
ajuda na encenação da morte e ressurreição de Cristo no lugar.
Essa encenação, por vezes, não acontece, pois o fato do
mesmo grupo ser, concomitantemente, formado por Caretas e atores da peça não
é sempre entendido como positivo por alguns padres. O fato é que os Caretas
saem sempre e nem sempre tem-se a peça da igreja.
Sobre a brincadeira acontecer como um ritual fiquei logo
curiosa com o termo e pedi mais esclarecimentos ao jovem Brincante e José
respondeu-me com a descrição dos processos da brincadeira:
“Colocaria ali (apontando para frente de sua casa) um
cercado...colocaria o Judas em cima de um pau e ali os Caretas.
Naquele ritual colocaria algumas coisas, tipo: banana, cacho de banana,
cana, é, algum outro objeto comprado no comércio e colocava. E, aí,
algumas pessoas de fora, que entravam observando para pegar e os
Caretas eram que ia marca aquele território, então, não ia deixar
ninguém passar para não tirar o tesouro que pertencia ao “Juda”. Então,
quando as pessoas passavam, Os caretas tinha o hábito de malhar.
Então as pessoas, as pessoas geralmente saiam com o lombos, a
maioria saiam com os lombos assim... “(risos)
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José vocês não brincam mais aqui mesmo na localidade?
“...nesse ano a gente não participou no nosso local. Tem um sítio
vizinho, Lagoa dos Pinheiro, fizeram um “Juda” de menino pequeno.
Inclusive, os meninos falando neles, riem bastante e convida a gente a
rir também. Porque um rapaz entrou e, no que ele pegou, catou o objeto
ele caiu, então os meninos malharam tanto ele, que ele passou uns três
dias, né, todo roxo de pancada.
Quando José fala que não fizeram a brincadeira nesse ano e
foram para a sede o que ele diz é que não “obedeceram” um padrão para a festa.
Para ser festa completa tem que ter não só a caracterização dos Brincantes de
Caretas mas um conjunto de outras coisas como: o Judas, o sítio do Judas, a
invasão do sítio pelos Caretas. É o chama de ritual.
Para a sede do município os Brincantes se dirigem nos dias
determinados pelos organizadores das festividades, ou seja, pelos diretores da
“Associação dos Karetas de Jardim”:
“Porque é o seguinte, pra você brincar dentro da cidade, no caso na
Sexta, na Quinta...a turma evita porque não tem como você
brincando mais à vontade. Então, o dia mesmo especial de brincar
mesmo em Jardim é o da derrubada do Judas, nesse dia é bom”.
Diferentemente do Brejinho, onde que os “Brincantes” não
participam, coletivamente, da festa da sede na cidade e até a desmerecem, os
Caretas de Lajinhas não se recusam, mesmo que em dias e horários certos para
participar da competição ou mesmo para aparecer nos meios de comunicação.
José, explica, “A gente foi esse ano (2001). A gente “tava” pensando que ia sair a
imagem, né, que tem um jornal, que eu não sei se estou com ele aqui hoje...”
E não apenas no domingo da derrubada do Judas, em 2002, a
presença deles desde a Quinta –feira na passeata do pau até o Domingo foi
destaque na sede. Caracterizados de vaqueiros: calças, blusão, perneira, luvas,
sapatos de couro de vaca e máscaras de couro de bode e de raposa.
Os Caretas de Lajinhas aproveitam a festa na sede como
espaço para suas reivindicações de melhoria para sua comunidade. Reclamar e
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ironizar a falta de água e o transporte coletivo, que inexiste em Lajinhas. E, como
mostram as palavras de José, pode-se apontar a possibilidade de organização
diferenciada deles com uma outra associação de Caretas, deixando claro a força
da localidade junto aos representantes públicos que, com certeza, se encontram
todos os anos no evento assim como a imprensa.
“Ano “trazado” a gente se reuniu aqui no lado, pegamos um trator, a
gente fez desse trator um carro todo bem equipado, um funil desse
tamanho assim era para servir de microfone e a gente colocou atrás
“Associação dos Caretas de Lajinhas”. Então, saiu ano jornal a gente
pensava em criar uma associação, mas passou um ano, no ano
seguinte, o coordenador mesmo faleceu.”
As vezes que assisti a festa na sede de Jardim eram, sem
dúvida, os Caretas de Lajinhas que se destacavam em meio aos outros
Brincantes.
Lembrei, mais uma vez, das palavras de Jamilles e Nélsia sobre
a não diferenciação entre os Caretas, desejada mais que concretizada, como
mostram os Caretas de Lajinhas anunciado através de faixa o local de onde vêm,
nunca se dispersando, sempre em bloco, com trajes idênticos, participam das
passeatas na sede mas não são de lá. o de Lajinhas. São diferentes. O que
foge muito da idéia de unidade apresentada pelas “Brincantes” e diretoras da
“Associação dos Karetas”.
Os “Brincantes de Lajinhas, nas vezes que os vi na sede,
sempre traziam cartazes e faixas apresentando-se com o nome de sua localidade.
E, em uma das vezes que vi, foi a citada por José, em que eles carregavam faixas
anunciando a idéia de criação de uma associação de Caretas de Lajinhas. Sobre
isso conversei com José e ele me disse:
“O Careta revela muita coisa. Uma que ele também mostra o lado crítico
das coisas. Inclusive, quando você participa, quando a turma aqui
participa fora a gente sempre costuma levar quando vai pra Jardim, uns
cartazes falando alguma coisas, solicitando outras para tentar mostrar a
sociedade...”
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José apresenta o que ele pensa serem os Caretas e o papel me
a festa/brincadeira exerce no município, É cultura, é política envolve tudo isso.” E
participar da festa na sede é uma forma de encontrar um campo para serem
ouvidas suas palavras, reivindicações. Portanto um espaço político. E sendo a
festa, como ele colocou-me, uma brincadeira que ele aprendeu com os mais
velhos, faz parte da cultura e deve, com certeza, ser confirmada pelas novas
gerações.
José orgulha-se em mostrar uma matéria de jornal anunciando
a festa de Jardim dos Caretas e eles, de Lajinhas, estão em destaque em uma
fotografia.
Saio da casa de José pensativa e admirada com a consciência
cidadã daquele jovem Careta. Fiquei pensando em certas análises que colocam o
homem do campo como ingênuo, o que José, de cara desmente. Tem ciência de
usos dados pelos membros da Sede à festa e ele junto com os outros Caretas de
sua localidade elaboram seus próprios usos e interesses, para suas presenças
nela.
Não posso deixar de correlacionar a atitude de Lajinhas que
parece, à primeira vista, bem diferente da atitude de Brejinho, este ao que parece
não enxergar o espaço da festa na sede como de importância para estarem
presentes nele, ao contrário, se contrapõem à sede não a freqüentando e
realizado sua própria brincadeira.
Interrompo minhas reflexões pois acabo de chegar a mais uma
localidade de Jardim, Areias.
Areias
Cheguei a Areias cheguei no carro de aluguel do filho de “seu”
Criança, o motorista que me acompanhou na maioria das visitas que fiz às
localidades de Jardim. Filho mais introspectivo que o pai. Mas pensando melhor,
quase todo mundo é mais introspectivo que “seu” Criança, mas mesmo assim,
puxei conversa e descobri que o rapaz é cunhado de Miguel Moraes, que conheci
na primeira viagem e o entrevistei na segunda ida a Jardim.
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Miguel é um ex-brincante que mora no centro de Jardim, poeta,
compositor e estudante de Direito em Recife. É com a letra de uma de suas
composições que início o segundo capítulo.
Aos poucos percebo que é a teia que lembra o que disse Nélsia
que em Jardim “Aé “A”, “B” é “B” e C” é “C”, tanto “seu” Criança como Miguel
Morais torcem os narizes em relação aos Caretas e à festa, pois para eles tal
movimentação traz a manipulação dos políticos que ora encontram-se no poder.
Cada bloco político é formado e defende suas opiniões contra o bloco divergente,
seja onde tenha algum representante atuando.
Em Areias, conversei com dois rapazes que a comunidade me
indicou na falta, segundo alguns moradores, do responsável pela brincadeira que
estava a trabalhar em Minas Gerais.
Foram chamados e fomos conduzidos por algumas pessoas a
uma casa simples de três ou quarto cômodos, em forma de uma linha reta, tipo um
corredor, tendo os espaços separados por cortinas. Mais tarde, fiquei sabendo que
era a casa do senhor dito responsável pela brincadeira em Areias, o “Tico de
Nida”.
Enquanto conversávamos, uma turma de mulheres, crianças e
alguns jovens homens ficaram no compartimento do meio da casa a nos escutar e,
em alguns momentos, apareciam para dar algum palpite na conversa ou para
olhar mais de perto para mim.
Os dois rapazes chamados pelo grupo de moradores foram
José Antônio de Oliveira e Miguel José dos Santos. O primeiro é agricultor e o
segundo, de acordo com as suas palavras, faria qualquer serviço, biscate que
aparecesse.” Miguel havia chegado, recentemente, do estado do Mato Grosso
onde tinha trabalhado em diversos serviços ou “bicos” como ele denominou.
Os dois rapazes disseram que de Areias eles e outros
“Brincantes” caminham trajados em grupo e a até a sede do Município para
juntar-se aos outros Caretas nas passeatas organizadas por lá.
Como principal motivação têm menos as brincadeiras
realizadas no meio do caminho ou mesmo na passeata propriamente dita,
68
interessam-se na ida à Sede, pela premiação oferecida pela “Associação dos
Karetas”, àqueles Caretas mais destacados, como disse Miguel:
“Daqui a gente tem. Que é aqui mesmo, né? Na casa do compadre
Chico. No sítio aqui mesmo juntava todo mundo que nem esse ano foi
feito uma caixa d´agua que, sobre a seca, né? a gente tava fazendo
sobre aquilo ali, em homenagem a seca tudinho pra ver se a gente
ganhava um prêmio, alguma coisa.”
Sempre quando inquiridos se em Areias tinha a Festa eles
diziam que não, mas insistiam em dizer que se vestiam e iam pra Jardim nos dias
certos, ou seja os estabelecidos pela Associação. Mas, durante a semana que
antecede o domingo da ressurreição de Cristo, caminham pelos outros sítios
vizinhos a Jardim.
Novamente a festa é entendida como a presença não dos
Caretas mas do Judas, seu enforcamento, carro de som e presenças de pessoas
de outros lugares.
A brincadeira de trajar-se e andar por outras localidade, como
fazem entra como parte do cotidiano deles, como a fala de Miguel confirma: Nós
“fizemo” aqui pra levar pra lá pro Jardim. Pra participar. Que lá é o julgador...Aqui não tem
não. Não negócio...”.
E o José reafirma a seu lado: Tem quando vão brincar nos outros
municípios. De manhã, na Quinta, na Sexta de manhã... Lajinha, Lagoa...os Cotovelos.”
Voltando a Ítalo Calvino, quem sabe A mentira não esteja no
discurso mas nas coisas, o que não quer dizer que as “coisas” postas sejam
mentiras simplesmente ou que as narrativas entregues pelos narradores sejam
verdades por elas mesmas, mas sim, em ambos os casos, são versões,
impressões merecedoras de serem vistas, ouvidas e refletidas.
Ítalo Calvino ao interpretar as palavras de Marco Polo sobre as
cidades que ele tem que descrever para o rei, tenta encontrar uma verdade de
Oriente para o viajante genovês que não a encontrou.
Encontra uma outra coisa, verdades-impressões, versões-
sensações, que lhe parecem mais importantes, pelo menos no que se refere ao
desvendamento do ser humano.
69
Versões de grupos diferentes e suas relações particulares de
momentos e acontecimentos merecedoras de serem ouvidas, lidas, refletidas por
aqueles que se propõem a analisar “práticas culturais de grupos” de pessoas
(lembrando De Certeau em vários de seus trabalhos).
Muito na perspectiva adotada por P. Thompson, na “Voz do
Passado”(1998), “Os fatos de que as pessoas se lembram ( e se esquecem) são, eles
mesmos, a subsistência de que é feita a história...O que o informante acredita é, na
verdade, o fato...” (Thompson,1998,p183)
Brinca-se em Lajinhas e Areias, de quinta a sábado da
Semana Santa”, de dia e de noite, caminhando por toda a região em passeata,
indo por vezes a Pernambuco. Vestidos com roupas velhas e também recobertos
de folhas de bananeira com máscaras de papelão sobre os rostos. São os Caretas
em movimento, em processo.
Movimento que é realizado, ativamente, em suas andanças
pelas localidades e, em processo, por que a significação muda de acordo com o
tempo e de acordo com o espaço que o “Brincante” ocupa. Espaço que é
territorial, mas é igualmente social e político.
Com o contato com os “Brincantes” e o conjunto das entrevistas
fui verificando como, na história local, o discurso sobre a festa divide-se para
depois unificar-se em uma prática construída, inventada por seus produtores
coletivamente.
As falas dos entrevistados o apresentadas portadoras de
versões em torno da “Festa dos Caretas” e sua significação para os grupos que
dela participam e como ocupa o espaço físico da Cidade e da vida das pessoas
durante um período de, no mínimo, quinze dias durante o ano.
E acabam trazendo muito do restante do ano que podem ser
vividos como pesos, no sentido do fardo, então os dias da festa/brincadeira são
aguardados com anseio por aqueles que são “Brincantes”, organizadores, “ex-
Brincantes” mas também por outros agentes que são inseridos na festa ou
inserem, como: moradores, instituições como a Prefeitura, Igreja e polícia, além de
turistas e pesquisadores.
70
O que leva “Brincantes”, da zona rural, quando perguntados se
acontece a festa em sua localidade, a responderem negativamente? Com a
continuação da conversa acabam por dizer que se trajam e andam na localidade
onde moram e nas localidades próximas a deles trajados.
As falas das pessoas que entrevistei são um marcador de
diferença e, ao mesmo tempo de união dos moradores, cujo foco é a Festa dos
Caretas. E aquilo em princípio é passado é re-atualizado.
Comentário:
Henry Rousso, no artigo
intitulado, “A Memória não é
mais o que era
1
”, nos fala da
experiência de ouvir um
indivíduo e sentir que ele não
fala senão do tempo presente,
“... com sua sensibilidade do
momento...a versão é não só
legítima...como indispensável
para todo historiador do
presente....”. A fala das
pessoas que entrevistei são,
um marcador de diferença e ao
mesmo tempo de união da
Cidade cujo foco é a Festa dos
Caretas.
E com certeza aquilo que na
memória é tida por eles como
do passado é atualizado pela
permanência da festa entre
eles e sua significação ou
melhor significações do
presente.
Significações, que cada
indivíduo em sua fala nos diz,
mas como continua Rousso no
mesmo artigo citado acima,
”...uma representação seletiva
do passado, um passado que
nunca é aquele do indivíduo
somente, mais de um indivíduo
inserido num contexto familiar,
social, nacional. Portanto toda
memória é, por definição
coletiva...”
1
Comentário:
trajados.
71
“A CIDADE E AS FESTAS”
Reconstruir uma festa, um cerimonial ou jogo é uma tarefa lúdica; tal
como montar uma quebra-cabeça. Juntamos fragmentos dispersos, aqui
e acolá até que formem uma imagem. (Gonçalves,200,p951)
9
Jardim modifica-se na “Semana Santa”. Bem nos descreve a
letra da música de Miguel Morais, jardinense e ex.- Brincante da Festa dos
Caretas.
“Todo ano, em minha terra tem São João, tem carnaval, tem festa o ano
inteiro.
Vai de janeiro até natal, mas aquela que me encanta. Semana Santa,
minha paixão.
É um baile à fantasia que irradia meu coração.
Vá fazer sua fantasia é só feita de alegria.
E como a de se trajar?
Vá mostrar também sua careta.
Pegue o chocalho e apareça que esse ano é de arrasar.
Ô, meu padrinho me dei uma esmola, por favor!
Ô, minha madrinha me dei uma esmola e o seu amor.
Quando chega a Sexta-feira que barulheira, que animação.
É o Judas em passeata nos braços da multidão.
Eu escuto esse barulho e me orgulho ( ) a beleza dos vestuários, o
seu cenário me faz chorar.
No Domingo, o Judas morre, pelos Caretas estraçalhado, mas deixa
um testamento pro seus herdeiros mais azarados.
É a festa dos Caretas que em jardim é tradição, faz parte do folclore, dos
costumes do meu sertão.
Vá mostrar também sua careta pegue o chocalho e apareça que esse
ano é de arrasar
72
Miguel Morais, escreveu letra e música para participar de
concurso que, vez ou outra, a “Associação dos Karetas” organiza, como parte das
comemorações da Festa.
Miguel não venceu. Segundo ele, por que a música, não estava
ao gosto dos organizadores. Miguel é adepto da “MPB” (música popular brasileira)
como pude notar na ocasião da nossa conversa em sua casa, quando ele
intercalava respostas às minhas perguntas com canções ao som do seu violão.
O fato já mencionado de Miguel estudar Direito em Recife,
levando-o a passar parte do ano naquela cidade, é sem dúvida um fator
preponderante na construção do gosto do jardinense.
Também não posso deixar de pensar a influência de
Pernambuco não sobre compositor, mas sobre a região do Cariri, em uma
perspectiva de longa duração.
No século XVII, Os primeiros colonizadores do Cariri, entraram
na região, entre 1660-1680, ocupando diferentes localidades. “...Bahia e
Pernambuco fazem o papel de partida em busca ... do sertão.” (Jucá,1994,p16) O
chamado “caminho do gado” ou “caminho dos currais”. Neste processo de avançar
pelo interior, várias famílias, principalmente pernambucanas, escolhem fixarem
residência fora de seus lugares de origem, como o Cariri.
Lugares como a futura Cidade de Jardim. Alacoque (1987), ela
uma memorialista da cidade, apresenta uma lista de nomes de homens que
viveram concomitantemente com as tribos da nação Cariri, em Jardim, quando o
homem branco inicia a exploração do espaço, nos séculos XVII e XVIII, eram eles:
João Álvares Coutinho, Galdino de Gouveia, Luís Pereira da Cruz e Pedro
Tavares Muniz, fizeram companhia aos bandeirantes Domingos Manfrense,
Afonso Serra, Garcia d’ Ávila e Bernardo Pereira Gago, todos antes da chegada
do Padre João Bandeira, em 1792, segundo João Brígido, não se sabendo se este
vindo da Bahia ou de Pernambuco.
O conflito com os Cariris foi inevitável. Levando a pior como
sabemos a nação Cariri. Gardner, escreve, que ainda por volta de 1837, em
73
Jardim, duas tribos da nação Cariri ainda resistiam em precárias condições de
vida, acusadas, freqüentemente, de roubo de gado na região circunvizinha.
Miguel Morais ainda sobre sua canção, e em tom de mágoa, me
diz, que a “Associação” buscava uma coisa meio forró, talvez um “carnaval” mais
popular, por isso seu trabalho não foi não agrado dos diretores.
A letra do ex-brincante nos apresenta uma descrição da “Festa
dos Caretas”, uma morfologia que é, ao mesmo tempo, o que se ver, e o que se
deve ver.
Uma morfologia carregada de sentimentos construídos desde a
infância, reelaboradas na fase adulta, enquanto estudante universitário em Recife,
de como deve ser a festa.
Daí vem a mágoa do compositor, pois a Associação não estaria
realizando a Festa, dentro do que Miguel acredita como correto e legítimo:
“Já brinquei de Careta como todo adolescente, acho que minha
participação nos Caretas foi a música que eu fiz. Essa música eu fiz
tem 12, 10 anos. Eu fiz contando todo o processo, né, como acontece o
movimento dos Caretas, durante a “Semana Santa”. E muitas pessoas
nem chegaram a conhecer. Eles queriam uma música de carnaval pros
Caretas. Eu achei que os Caretas mereciam uma música original,
própria, né. Eu fiz letra e música. Eles queriam um carnaval ou forró.”
Abaixo transcrevo a fala de Miguel, quando lhe pergunto sobre
sentimentos dele em relação à “Festa dos Caretas” e à “Associação dos Karetas”,
e ele apresenta uma descrição de uma das suas participações:
“Eles fazem uma premiação e teve um ano que eu...eu fui de múmia. A
minha intenção não era múmia não, a minha intenção era um paciente,
todo enfaixado, né? Mas ainda começaram a chamar de múmia eu
tirei o terceiro lugar. Tirei o terceiro lugar. Ganhei um ventilador. O
ventilador custou 25 reais pra eles e eu gastei 30 com a fantasia....
É, os Caretas eles têm...como é que se diz? ...Em que o sentido do
Careta brincar? É a brincadeira em si, né, é a competitividade que tem, o
Careta que chama mais atenção. Vai passando e as pessoas apontando
pra ele, esse aí, ele ganha mais é nisso aí. Os políticos, que fazem a
festa dos Caretas têm outra intenção né, os políticos eles...não sei de
forma mas eles tem outros interesses. Tanto os Caretas ignoram a
versão dos políticos têm, a temática, como os políticos ignoram a cultura
real dos Caretas. Tá entendendo? Os políticos não sabem, as próprias
74
pessoas da Associação não sabem o que é brincar o Careta, não têm a
menor idéia o que é.”
...
“....eu enjoei a Festa dos Caretas! Eu era apaixonado pela Festa dos
Caretas, mas...a Festa dos Caretas não vai pra frente por que quando
ela preencher os interesses dos políticos ela para aí. Entendeu?
....
“A Festa dos Caretas, ela podia atrai muita gente pra cá, turista ...muito
mais do que vem, né. E eles não tem esses interesse não.
...
“De trazer gente prá cá...turista, né? Pra, como é que se diz? Melhorar a
economia da cidade pelo menos na Semana Santa.
...
“...Não sei se não tem sensibilidade, assim, acho que não. Sobre o
aspecto cultural da festa, entendeu?
...
“A Festa dos Caretas tem mais de 20 anos e o tem repercussão...mal
na Semana Santa você vê uma vez anunciando. Podia ser uma grande
festa. Podia ser um grande evento. Semana Santa...pronto eles dão
mais, se dedicam, eles investem muito mais no São João. Chamam
várias bandas pra cá, final de semana de festa. Quando existe São
João, quando existe festa de São João em todo nordeste, todas as
cidades do Ceará, do nordeste. Você gasta muito dinheiro e não atrai,
porque em todo lugar tem. Então a Semana Santa seria um, um
momento em que podia ser a festa do Estado, tá entendendo?
A falta de ligação entre as intenções dos “Brincantes” e dos
organizadores é o problema apontado por Miguel, o que ele chama de falta de
sensibilidade por parte desses organizadores. Um eufemismo para caracterizar o
não aproveitamento de um sentimento real e particular que diferencia os Caretas
de Jardim de outras manifestações culturais de tantos outros lugares.
Como conseqüência, os Caretas na condição de Brincantes,
perdem espaço no evento, com sua brincadeiras, afastando alguns deles
(enjoando) e deixa de interessar a novas gerações. E ainda, o seu conteúdo de
atração turística perde-se, pois deixa de ser peculiar.
Norberto Luiz Guarinello, aponta uma perspectiva importante ao
estudar o tema “festa”:
Toda festa tem suas próprias regras, seus códigos de conduta, sua
rede de expectativas recíprocas, que podem ser escritas, ou fortemente
ritualizadas....O que chamamos de festa é parte de um jogo...unifica,
mas também diferencia...distinção entre incluídos e excluídos...podem
75
ser mais ou menos abertas, mas sempre traçam fronteiras, espontâneas
ou impostas...” (Guarinello,2001,p973)
Assim pode-se perceber através de uma outra idéia da “Festa
dos Caretas”, acompanhando a imagem construída a partir de uma entrevista com
outro “Brincante” e também diretor da Associação dos Caretas de Jardim;
Francisco Eternite Lopes de Sousa.
Cabendo, dentro do ritual e jogo de visões, que Guarinello
aponta poder nitidamente encontrar semelhanças e dessemelhanças nestas
visões.
Um outro autor, José Artur Teixeira Gonçalves, no artigo
intitulado: Cavalhada na América Portuguesa, em um dos trechos diz o seguinte:
“Reconstruir uma festa, um cerimonial ou jogo é uma tarefa lúdica, tal
como montar um quebra-cabeça. Juntamos fragmentos dispersos aqui e
acolá até que formem uma imagem....abordagem.
metodológica...”microscópica” ou morfológica. (Gonçalves 2001,P95)
Gonçalves monta a festa a partir do que chama de fragmentos.
Para analisá-la, faço o mesmo esquema, mas, ao mesmo tempo, penso que cabe,
igualmente, seguir o caminho inverso. Ou seja, primeiro montar e depois
desmontar o dito e o visto com o objetivo de encontrar riquezas de detalhes.
10
Eternite tem 26 anos. É professor das quintas séries de uma
escola pública, no Olho d’água, localidade do município de Jardim.
Estuda Letras, em regime especial, no vizinho estado de
Pernambuco, para onde viaja, três vezes por semana, saindo às 16h 30min
retornando à 1h da manhã a Jardim.
Rotina modificada no período das férias escolares e durante
os quinze dias que antecedem a “Semana Santa”, na ocasião de celebração de
morte e ressurreição de Cristo, quando a preocupação dele não é religiosa.
76
Não que Eternite não seja religioso, ao passar pela igreja, faz o
sinal da cruz e freqüenta, regularmente, as missas, bem como acompanha os
festejos da igreja no “período santo”.
Mas, com a chegada da “Semana Santa”, anuncia-se também,
o advento da Festa dos Caretas”, e Eternite é vice- presidente da Associação
dos Karetas de Jardim.”
Tudo tem que estar pronto: a programação da festa não pode
coincidir com a programação da Igreja; o grupo de músicos tem de ser contratado;
o tronco de árvore que vai servir para pendurar o Judas tem de vir de Barbalha e
ficar escondida, na entrada da cidade, a a sexta-feira quando acontece a
passeata do “Pau do Judas”. Precisa, ainda, ajudar Luís Lemos, na montagem do
boneco do Judas e divulgar a festa na imprensa.
Outros preparativos também têm seu lugar na produção da
festa: as camisas que vão diferenciar o grupo de apoio nas passeatas têm que ser
confeccionadas e impressas, com estampas devidamente escolhidas para o
momento, o que quer dizer de acordo com o tema discutido e aprovado em
reunião da Associação; precisa-se ver quem vai comprar e preparar os
ingredientes para o caldo dos Caretas no sábado à noite. As bebidas, o vinho,
cachaça e cervejas, não podem faltam. Tampouco o lanche para os Caretas após
as passeatas de quinta e sexta-feira.
Além de tudo, tem-se que organizar as carterinhas dos
associados, garantido-lhes participação na festa como manda o “regulamento”.
Passar nas localidades rurais do município e garantir a
presença dos seus Caretas na festa da Sede, pedir o apoio da Prefeitura e líderes
políticos para proporcionar a ida e volta dos Caretas de regiões mais distante.
Um argumento bom para trazer a participação dos Caretas das
localidades e da Sede, no “evento geral”, são as premiações dirigidas a eles, no
período da Festa, assim tem-se que buscar-se os patrocínios tanto dos
empresários como do governo local.
Ufa! É muito trabalho, mas, eqüitativamente, distribuído entre os
membros mais ativos da Associação.
77
Eternite, bastante inquieto e responsável, precisa resolver a
parte organizativa que lhe cabe antes da festa, até por que durante o evento, ele
não aparecerá como Eternite, membro da “Associação dos Caretas de Jardim”,
mas como Careta.
Por essa razão, o jovem professor, traz mais uma preocupação
nesses momentos: Qual o traje do seu Careta na festa do ano? Precisa ser
original, combinar uma voz e um andar diferente para ninguém desconfiar que é
ele. Qual careta usar?
Pergunta nada exclusiva dele ou mesmo do grupo de
Brincantes da sede da cidade que, como Eternite, são Caretas, mas, igualmente,
dos Brincantes da zona rural. Todos agitam-se e a Cidade fica em expectativa.
“Quem vai brincar?”
“Terão mulheres na brincadeira?” “Elas terão coragem ?”
“Com que cara vai vir o Judas?”
Alguns, curiosos, arriscam uma olhada na “sede dos Caretas”
9
,
mas tudo em vão.
se sabe quem o Judas representará, com que cara virá na
sexta-feira, na hora da passeata, isso em se tratando do Judas exibido na sede do
município. Pois, o segredo sobre a identidade que o Judas vai carregar no ano em
curso da festa, não é resguardado no caso das localidades rurais que realizam o
evento.
Em algumas delas, o Judas pode não representar ninguém em
particular ou como no caso de Brejinho, que trouxe em 2002, o Judas
simbolizando um tema, o da “Não Violência”, em lembrança a um assalto que
houvera recentemente no município.
As beatas se chateiam.
A polícia se agita. A “Associação dos Karetas” faz reuniões
constantes para acalmar os ânimos dos setores que torcem os narizes para a
festa ( para as festas).
9
É a Sede da Associação dos Caretas, no centro da Cidade, no período da Festa alguns Caretas denominam o
lugar de “Casa do Major” ou sede dos Caretas.
78
11
Uma semana antes da abertura oficial da Festa se escutam
chocalhos!
Um...dois...silêncio!
O barulho vai e vem. São as crianças que, independentemente,
da determinação de só brincar de careta a partir da “Quinta-feira Santa”, já estão a
caracterizar suas caretas e balançar seus chocalhos duas semanas antes do
prazo. Estão a fazer música, os primeiros a anunciar a chegada da festa.
O mesmo acontece nos lugarejos de Lajinhas, Brejinho,
Cacimbas, Areias, Lagoa dos Pinheiros, Boa Vista...
Devo me deter em um aspecto já apontado acima e que não
pude deixar de observar desde a primeira visita ao município: a questão do lugar
das crianças nos processos das festas.
A criança, sendo Caretinha ou não, tem papel importantíssimo
em tais processos, como afirmação e continuação da Festa na Cidade, que divide
a comunidade num leque que vai da participação com alegria à negação como
elemento de arruaça ou baderna, o que leva a comentários negativos em relação
aos Caretas nas praças, mas de uma minoria que na prática sai para ver e
comentar o evento.
Utilizei a expressão ritual, pensava em Riviére, ao definir rito
como, Conjunto de condutas individuais e coletivas, relativamente codificadas, com
base corporal (verbal, gestual, postural). De caráter mais ou menos repetitivo, com forte,
carregamento simbólico para seus atores (Riviére,1997,p8)
A festa acontece em forma de rito. Neste sentido, continuo na
esteira de Riviére, ao citar Durkheim: Rito exprime o ritmo da vida social, da qual é o
resultado. se reunindo é que a sociedade pode reavivar a percepção, o sentimento
que tem de si mesma. (Durkheim, apud:Riviére,1997 p8)
Em um ritual, a Cidade entrega-se à festa. Que não é apenas,
como disse Miguel Morais, a principal festa do município, mas o próprio município
em ação ou como ainda coloca Riviére, É a sociedade em ato”. Ação promovida
79
e ensinada pelos mais experientes, pelos mais velhos aos menos experientes, aos
mais jovens.
No processo de assimilação da festa como tradição particular
de Jardim, os mais novos são introduzidos às coisas simples como a liberdade de
locomoção dentro dos perímetros pré-determinados, e o dinheiro fornecido a eles
pelos pais para que possam comprar suas máscaras.
Aqueles, que ainda não estão prontos(considerados jovens por
seus pais) para andarem como Caretas, participam olhando as figuras fantásticas
na rua podendo trabalhar o medo transformando-o em carinho pela festa.
Eternite, comenta sobre a participação dos pequeninos:
”Adoram! São os primeiros...que saem...Quando chega perto...de 4
semana já começam a ir atrás de chocalho. Com um pouco já de noite já
começa chegar o barulho de chocalho quando a gente uma turminha de
dez, quinze criança. Daí vai entrando. Eles são os iniciais. Não se
marca reunião com eles. Eles sempre já sabem que eles sempre tem um
papel fundamental também as crianças, e quando chega, faltando oito
dias já começa a sair os grandes.”
Ao chegar a Jardim nesta última festa(2002), dez dias antes da
data oficial para o início dos festejos, com o objetivo de acompanhar o máximo
possível das preparações e o clima vivenciado pela cidade, as crianças já
encontravam-se em ritmo de festejos.
Mesmo na primeira vez que assisti à festa, ao chegar em um
domingo pela manhã à Sede, dei de cara com um grupo de crianças Caretas que
carregavam um boneco para queimá-lo em uma das ruas da cidade.
Na manhã do dia 23 de março de 2002, um Sábado, dia de
feira, minha atenção foi despertada, assim que cheguei, pelo sons de chocalhos a
tagarelar, acorri, encontrei vindo do meio da feira três crianças ou três “caretinhas”
ou “caretas-mirins” como são denominados em Jardim.
Duas delas trajavam saias florais de comprimento até os pés
com duas camisas de adultos sobrepostas, chocalhos amarrados à cinturas, por
tiras grossas de couro, do tipo que se amarra no pescoço os bois e vacas, e
cacetes de madeira as mãos. A terceira criança, trajava um macacão, tipo
80
jardineira, três vezes maior que ela e trazia uma camisa enrolada na cabeça até o
pescoço. Os três portavam máscaras de monstros feitas de látex, do tipo se
compra para o carnaval.
Por todo o período que permaneci na cidade minha atenção era
comumente despertada por grupos de “Caretinhas” que passeavam pelas ruas.
Eles encostavam-se nas pessoas na rua, praças ou bares. E com vozes de
falsetes pediam um real ou um refrigerante.
“- Oh, meu “padim”, uma esmolinha por Careta.”
”- Oh, minha “madinha”, um real por Careta.”
Cenas que repetiram-se nos outros locais do município.
Em Brejinho, localidade que escolhi para acompanhar a festa
mais de perto no ano de 2002, segui, durante dois dias à noite, as caminhadas de
um grupo de jovens Caretas.
Percorri com eles, caminhos em meio as plantações de
macaxeira, feijão e café. Eles a pé, eu de bicicleta, juntamente com Marcondes
que sempre esteve ao meu lado nessas incursões.
Em uma dessas noites, paramos em um sítio espaçoso,
iluminado apenas por um bocal de luz pendurado na porta da frente da casa de
taipa, localizada no meio do terreno, encontrava-se um grupo de quinze
“Brincantes”, quinze caretinhas, que, pelo tamanho e atenção dispensada a eles
por um grupo de mulheres sentadas no batente da casa, deviam estar entre 6 e10
anos idades.
As mulheres davam a impressão de estarem ali para conversar
enquanto os filhos brincavam. E, Marcondes, me dizia, enquanto juntava as
crianças para que eu as fotografasse: “Como você vê, com esse monte de caretinha
brincando a festa nunca pode se acabar.”
Outros adultos, em suas falas, entregam esta responsabilidade
às crianças como continuadores e futuros articuladores da Festa dos Caretas.
Seu João Salu, de 63 anos, me falou: Careta “fi” de careta é careta legítimo mesmo.
Quando você um crente: “- Eu sou crente!”- Seu pai é crente? “- Não!” “- Sua mãe é
crente? “- Não!” “- Pois não é crente.” É igual ao careta. O careta legítimo é “fi” de
careta.“
81
Quando os Caretas passeiam, fazem passeata é para serem
vistos pela cidade, mas a cidade também se nos Caretas as pessoas, sentam-
se em suas cadeiras nas calçadas, chamam os menores, os visitantes e riem,
fazem medo às crianças e chamam para ver o Careta passar na rua.
A introdução da alegria da Festa é entregue às crianças, dentro
de certas regras aceitas pelos grupos, os dias delas são fixados antes da “Quinta-
feira Santa”.
Careta começa a brincar desde criança. Ou ele gosta ou não
gosta: não meio termo. Aprendem com pais, avôs, tios, observando os mais
velhos, no caso, dos meninos, pois não vi nenhuma menina Caretinha. Elas
começam a brincar mais tarde, na adolescência.
Pareceu que o quadro em relações à participação das
mulheres, tende a modificar-se, como mostra Jucilene, Brinco desde os dezesseis
anos...aprendi com minha mãe...Ela brinca desde mocinha.”
Enquanto conversava comigo, Jucilene segurava a filha, de um
ano e seis meses, perguntei a ela se deixaria a menina brincar, “Com certeza ! Com
certeza! Se ela quiser. Se ela gostar. Antes, no Jardim, tinham muitos pais que até
batiam nas filhas porque brincavam careta. Diziam que era coisa pra homem. Hoje,
hoje não tá liberal. Quem quiser brincar vai.”
A aprendizagem da brincadeira começa muito cedo e, é comum
ouvir dos Brincantes” a afirmativa de eles terem aprendido por eles mesmos”. Ou
como explicou-me, seu Nelson de Cacimbas, “Agora de natureza mesmo. Aquilo é
coisa de natureza mesmo. Não tinha quem ensinasse a gente, a gente aprendeu aquilo
de natureza mesmo.”
Quando insisti perguntando-lhe como funcionava tal apreensão
Seu Nelson continuou, É...é...é, existia aquelas palhaçadas...se foi aprendendo
aquelas coisas, a gente mesmo de natureza mesmo.” Ou seja, pela observação e prática
da atividade.
De fato, aprende-se a brincadeira, brincando.
Mas as condições são criadas, são postas pelos adultos para
que as crianças possam brincar e iniciar a aprendizagem. “... A gente aprende desde
82
menino, né? Porque a gente ver os outros grandes, quando a gente é pequeno e ver os
outros grandes brincando, a gente acaba aprendendo também. (João Geraldo, Cacimbas)
A mesma perspectiva é apontada por José de Lajinhas, Eu
aprendi sozinho. vendo o pessoal brincando mesmo, e fui ficando no meio.Durante
todos os dias que antecederam à abertura da Festa dos Caretas, tanto na zona
urbana quanto na zona rural, o território pertencera às crianças.
Foi chegar a quinta-feira, viu-se o número de crianças
Brincantes desaparecer, tanto das passeatas na sede, quanto da festa na zona
rural. As crianças que se viam caracterizadas de Caretas estavam acompanhadas
por adultos. Nem parecia com o mundo dos dias anteriores, em que os Caretinhas
invadiam os espaços do município, quando a noite caía.
Perguntei a um Brincante, em Lajinhas, o porquê da ausência
das crianças trajadas na festa de derrubada do Judas na sede, respondeu-me que
as crianças brincavam, antes do Domingo, ali mesmo em Lajinhas, só desciam
para a cidade quando cresciam.
Também em Brejinho, como na sede, as crianças não
apareceram na festa caracterizadas, para ficar naquele momento, observando a
atuação adulta e aprendendo a brincar. As poucas crianças trajadas na derrubada
estavam acompanhadas de perto por adultos, também fantasiados.
Comum foi encontrar pelas ruas crianças carregando, em uma
das os, sacos plásticos com seus trajes e máscaras dentro, e, na outra mão,
um chocalho. Partindo para local secreto, onde trocavam as roupas comuns pelos
trajes de Careta, longe dos olhos das pessoas.
Quando os pais reconhecem seus meninos participam da
“farsa” fingindo não lhes reconhecer e fingindo ter medo. Instigando os
pequeninos a terem medo das criaturas inacreditáveis que circulavam pelas ruas.
Os menorzinhos dando gritinhos e correndo para os braços dos adultos mais
próximos.
As mais ousadas acorrem ao encontro do som dos chocalhos e
depois retornam, sem fôlego, misto de medo e cansaço pela corrida, para contar
com os olhos arregalados, às outras crianças que permaneceram escondidas
83
atrás dos muros ou portas, como eram as máscaras e o tamanho dos chicotes
dos grupos de Caretas que passavam, sempre exagerando, através de gestual
das mãos e braços, a descrição.
Iniciava-se assim a construção da montagem do espetáculo.
como estímulo à participação dos pequenos. Crianças de dois, três anos, portando
máscaras de látex, seguros pelas mãos dos adultos, a caminhar pelas ruas visão
costumeira ao entardecer em Jardim no período.
Era ouvir o som de chocalhos para eu correr para onde estava
vindo para ver se não tinha um Careta caracterizado de maneira diferente da que
tinha visto até o momento, e, por vezes, a eu reconhecer o barulho do chocalho,
fui enganada por um menininho morador vizinho ao hotel de mais ou menos um e
meio de idade.
O menininho passara os dias que antecederam à festa correndo
na calçada, nu, portando apenas um chocalho pequeno amarrado à cintura,
sendo observado pelos pais que se revezavam na de vigília.
Algumas crianças, mesmo mascaradas, choram nos braços dos
pais, que as consolavam com frases do tipo: “- Careta com medo de Careta, onde
se viu?” Neste aspecto, o adulto age no sentido de fazer com que a criança entre
em um processo de introspeção da idéia do Careta como alguém próximo dela.
Nas palavras de seu João Geraldo, a confirmação do processo
dialógico da festa: “A gente aprende desde menino. Porque a gente ver os outros
grandes. Quando a gente é pequeno e ver os outros grandes brincando a gente acaba
aprendendo também. A máscara de papelão a gente vai fazendo também. Menino
sempre olha as coisa e aprende.”
Vários entrevistados falaram do medo que sentiam, quando
crianças, dos Caretas, mas com o tempo foram participando e acharam
engraçado, como o caso de José de Lajinhas:
“Então, esse pessoal, começou a brincar. A gente prestando atenção, a
gente pequenininho, a gente ia brincar, eles faziam medo a gente, eles
partiam em cima porque tinha uma coisa, tinha uma vizinha ali em cima
que toda vez que os Caretas vinham, eu socava debaixo da cama...
(risos) já atraindo. Aquilo foi, eu fui perdendo o medo. Porque eu pensei,
só vou perder o medo se eu começar a brincar também. Aí eu comecei a
84
brincar, comecei a perder o medo porque eu tava trajado. Não sentia
medo dos outros. não tem lógica. Mas foi assim que eu comecei...eu
entrei na brincadeira.”
O mesmo me expôs Eternite:
Olha, antigamente, quando eu olhava, eu tinha medo, e até me
escondia, né. Medo daquela máscara... tinha uns 6, 7 anos. Mas eu
fui me envolvendo, me aperfeiçoado e fui gostando mesmo, e depois
que eu comecei a gostar eu fui repassando por meus colegas, meus
sobrinhos, até meus sobrinhos brinca. Eu fui passando essa cultura. Pra
eles irem sempre valorizando.”
As crianças, na sede de Jardim, sempre fizeram seu Judas sem
grandes alardes, esse ano, o Judas delas, assim como o dos adultos, foi
confeccionado por Luís Lemos.
A Festa não se move de forma independente. As crianças não
poderiam ficar longe dos olhos adultos, pois a festa é uma brincadeira dos adultos,
com regras determinadas por eles, mas que consegue garantir sua transmissão
“intergerações”.
Não dúvidas quanto à tentativa de controle da Festa pelo
poder público, através da Associação dos Caretas. Eles parecem vigiar qualquer
manifestação diferenciada da do centro da Cidade e fazem um esforço para
localizar a festa em espaços determinados, com horários fixados.
Não fica fora do controle da Associação nenhum Brincantes da
zona rural ou da sede, seja através da carterinha ou do controle da polícia, seja
através dos lideranças políticas das localidades ou mesmo da premiação
organizada e atribuída durante o período da Festa na Sede. A Associação fica
sempre de olho.
Complicado é fazer as crianças obedecerem às regras e, ao
mesmo tempo, fazer com que criem relações com a Festa. Até por que os adultos
não estão convencidos dos métodos para com as crianças, ou para eles mesmos.
Os adultos têm que obedecer as convenções sociais, já as crianças nem tanto.
Flávio, atual Presidente da Associação diz:
85
“As crianças, que é liberado mesmo, pela comissão, pela diretoria a
partir da Quarta-feira santa pra brincar de Careta, mas as crianças aqui
começam um mês antes. tão na rua fazendo zuada. Começam
antes, antes mesmo e não cansam não. Ás vez termina no Domingo e
na Segunda ainda tem menino aí na rua.”
É difícil manter os Caretas quietos! Sejam eles adultos,
adolescentes ou crianças. Jean Duvignaud, na obra Festas e civilizações (1983)”,
fala em território”, pensei nas passeatas dos Caretas comuns aos “Brincantes”,
tanto da sede quanto da zona rural ( passeatas dos Caretas, do Pau do Judas, da
malhação). Duvignaud faz a reflexão sobre uma das festas do povo Pueblo,
dizendo: “... translação utiliza o território comum mas, de fato ele é endereçada a cada
habitante da aldeia, a quem transmite uma mensagem que não é redutível ao mero
espetáculo.” (Duvignaud,1983,p88)
Nas brincadeiras de Caretas é clara a intenção de comunicação
entre eles no brincar, bem como destes para com aqueles que vêem, através das
passeatas, a brincadeira.
Andar, passear e ir são os verbos dos Caretas. Caminhar de
um lado para o outro na cidade. Não conseguem ficar parados. De dia ou de noite
não importa. A cidade toda é o palco de suas performances.
12
“De Associação nós estamos com 28 anos de organização. A
Associação foi criada para que se tornasse uma espécie, digamos
assim, de mola mestra, em temos de organização. Sendo hoje o seu
ponto culminante...contando com aproximadamente 300 membros. E
está tendo resultados. Hoje, em termos de organização, tem tido
resultados excelentes. Para se ter uma idéia, a parte de segurança e a
organização melhoraram demais com essa Associação. O participante,
hoje pra participar ativamente da festa, tem que portar uma carterinha e
receber informações práticas em termos de responsabilidade do evento.
Comentário:
Comentário:
Página: 62
em reconhecer na participação das
crianças em resumo que: - o
universo cultural da cidade é
iniciado pela criança , olhar o texto
Memória e literatura...de Jean-
Noel Pelen. Para resumir as idéias
como ele colocou. Pode-se pensar
principalmente colocando em
contato com a festa, seja levando-a
a usar a máscara ou o chocalho ou
contando-lhe história de medo
sobre os Caretas. definir regras de
comportamento dentro da festa
como os dias que elas participam
qual as brincadeiras adequadas e
dias adequados a sua participação.
Dentro do processo regulador da
festa mostrar-lhe no dia da
derrubada do Judas a festa
aceitável por parte dos adultos.
Definir as características espaciais
para se brincar Careta, neste ponto
há tensão a organização da festa
seja na zona rural ou urbana tenta
delimitar os espaços mas mesmo
os Caretas mais velhos e já
“adestrados” não compartilham
totalmente e dessa idéia, pois
dificilmente conseguem a
disciplina total par fixa. Mas por
momentos sim. Como a formação
do círculo do Judas, a passeatas...
86
não é uma preocupação assim tão grande por que o participante de
hoje brinca, se diverte, mas com a consciência da responsabilidade
que tem em si.”
...
Hoje, um dos interesses também da gente é que a tradição também se
estenda por toda a zona rural. E até mesmo um dos interesses grandes
da própria associação é que até sirva de estímulo até mesmo a outras
cidades. A partir do município de Jardim dar continuidade a esse evento.
Nós temos outras cidades aqui que comemoram. Temos Crato, temos
Nova Olinda e,t,c. E são coisas que a gente sabe de forma clara e
objetiva que a tradição é hoje uma das peças fundamentais, né, no que
se refere cultura regional. “
Quanto à “Associação dos Karetas”, os entrevistados afirmam
uma existência bem antiga, mas o estatuto social da organização remete à data de
08 de agosto de 1994 (Registro de imóveis e anexos cartório- Jardim- Ce-
República Federativa do Brasil- livro n.º a-1;ordem 93; fls,09). Ou seja, sua
existência vem de antes da necessidade de registro.
Arrisco a dizer que a Associação caminhou de uma
informalidade até a formalidade da geração atual. Informalidade desde juntar um
grupo de pessoas interessadas no acontecimento, na brincadeira e como fazer
para organizá-lo, em dado tempo e espaço, até na descoberta de uma força
política eleitoral no grupo.
Entre os nomes da primeira diretoria oficial encontro vários
daqueles com quem conversei na sede de Jardim, entre eles: Damiana, na época
diretora-presidente;
10
Jamilles: Francisco Hildemberto (Nego) e Flávio Vidal da
Silva. Os nomes citados, com exceção de Damiana, são da diretoria no período da
minha pesquisa de campo. Flávio, por exemplo, era, na época do registro da
entidade, primeiro suplente, agora é presidente.
10
Damiana Terezinha Ferreira é professora. Não cheguei a entrevistá-la, pois nos períodos que
estive na cidade ela sempre tinha um problema e não podia falar comigo. Mas pude perceber sua
importância. Era sempre citada nas entrevistas pelos diretores da Associação atual, mesmo não
sendo mais da diretoria.
87
O artigo 15º do estatuto reza eleições, de 2 em 2 anos, para a
entidade. Acompanhando os nomes dos componentes das diretorias desde seu
registro em 1994 pode-se perceber a pouca mobilidade na direção da Associação.
Amplio esse sentido de imobilidade referindo-me que as
escolhas dos nomes da direção são sempre próximas ao primeiro grupo de
diretores da registrada “Associação Cultural dos Karetas de Jardim ACKJ- como
foi intitulada em 1994.
Não parece existir uma real competitividade pela direção da
entidade, o que a mim não espanta, pois assim parece acontecer de modo geral,
nas organizações culturais e políticas atualmente, não sendo tanto restrito a esta
Associação.
É patente a falta de mobilização das organizações ligadas à
sociedade civil, como partidos políticos ou associações, seja de bairros ou
culturais.
Não quer dizer que a Associação não tenha respaldo na
sociedade de Jardim, ou mesmo na região, ao contrário. Como Luís Lemos fala
são vários associados, trezentos. A partir destas, a área de influência da
Associação triplica. o os parentes, vizinhos, mais aqueles Caretas que acabam
“fugindo às regras” e brincam mesmo sem serem associados.
Acima falei da informalidade da Associação que, na prática,
existia antes de ser registrada, mas que, ao passar pelo processo legal no
cartório, os Brincantes puderam brincam de Careta se forem Karetas, ou seja,
precisam do registro da Associação ou como eles chamam, “autorização”.
Parto do termo organização” como sendo o objetivo principal
da Associação, entendendo-a pela fala de Lemos, em termos de Segurança e
manutenção do que ele denominou Tradição.
E para que a Associação pudesse dar conta da “organização”
da Festa, criou-se a determinação de só se poder brincar se for associado.
Determinação que, aparentemente, criou vantagens para alguns dos Caretas,
como José de Lajinhas:
88
“...Associação em Jardim, então, o Careta que participa no Jardim, que
tem sua carteirista...tem uma vantagem de você brincar, atualmente, é
liberado você fazer, uma coisa mesmo que você não esteja errado, se
no caso, você é barrado por alguma autoridade e você com a sua
carterinha então. Qualquer coisa a Associação vai e resolve. E se
você não tem, então, fica mais difícil é você que tem de arcar com a sua
responsabilidade. “
Ao conversar com os Caretas, a fala deles sempre vem no
sentido de apontar o registro na Associação como algo importante para a
brincadeira, a exemplo de José acima. Mas, na prática, ao observar a arrumação
de alguns grupos para a brincadeira vê-se que parte obedece à determinação,
mas ninguém desistir de brincar por falta do registro.
A Associação criou um esquema de identificação dos Caretas,
através das carterinhas, como disse Luís Lemos. Ao associar-se, os Caretas
recebem instruções de como podem ou não se portarem, ou seja, em que
circunstâncias estão ou não amparados.
As carterinhas tanto atendem ao objetivo de regular as
participações na brincadeira, para não se ter excessos, como ao se obter os
endereços dos Caretas, pode-se imaginar uma outra utilidade implícita.
Fica mais fácil buscá-los para outros tipos de eventos, sem ser
apenas a “Brincadeira”, como atividades políticos partidárias. O que lembra a
conversa com Miguel : “...Os políticos, que fazem a “Festa dos Caretas”, têm outra
intenção ...não sei de forma mas eles têm outros interesses.... ”
A segunda questão apresentada, na fala de Luís Lemos, foi a
tradição. Bem, neste caminho, Lemos nos aponta duas vertentes para chegar,
através da tradição, aos Caretas. Uma, a zona rural e a outra, a região do Cariri.
Quanto à zona rural, a fala de Luís Lemos é clara quanto à sua
importância na construção da “Festa dos Karetas”, dentro da chamada tradição da
festa. Ao mesmo tempo pode nos levar a pensar: Por que levar algo a quem a
possui? A resposta vem na própria fala de Lemos:
“...tradição começou exatamente na zona rural longas datas. Ela
veio a se organizar muitos anos depois. E veio tem também essa
característica bíblica também. Já depois que veio organizar-se.”
Comentário:
Comentário:
Ficou pensando o
que não era zona rural, vem a
questão do nascimento da cidade
no interior do estado e mesmo no
estado. O nascimento das cidades
eu podia ver a obra com esse título.
NÃO ESQUECER!!!!
Comentário:
Lemos marca o
tempo aqui. Quando fala de zona
rural fala do seu presente e não de
quando se tem notícia do início dos
festejos. Quando do séculos XVI,
XVII. O que era a zona rural?
Onde os índios Cariri viviam,. Ou
seja, a zona urbana onde o branco
tinha sua resistência em relação a
briga com os indígenas cont...
Comentário:
89
Pela fala de Lemos, a brincadeira de Careta vem de muito
tempo, de um tempo indeterminado. Uma lonjura temporal e importante para
caracterizar e relacionar a Festa com os tempos antigos, legítimo tempo da zona
rural, como algo mais antigo que as cidades.
A zona rural é um marco de tempo na fala de Lemos, ligando-se
aos “longos tempos” citados por ele. Fico a imaginar que antigüidade rural seria
esta? Pensando no que se pode pensar como civilização e suas características:
séculos XVI, XVII? Zona rural como espaço das nações nativas? E zona urbana
como local dos primeiros povoamentos?
Penso que o uso do termo tradição por parte do secretário, é
mais utilitário do que vivenciado. Serve mais a uma avaliação conjuntural para a
festa e seu papel hoje do que para a ligação a tempos imemoriais.
Mas, ao mesmo tempo, Lemos demonstra perfeito
conhecimento e harmonia com esta tradição e os acréscimos que têm sido
somados a ela como, “...característica bíblica...” referindo-se à ligação da data da
brincadeira com o período da “Semana Santa” e o acréscimo de figuras como o
Judas, um boneco, um espantalho, “Pai Véi”, que, aos poucos, tornara-se na
“Brincadeira de Careta”, o apóstolo Judas Iscariotes.
“Ela, iniciou-se na zona rural, numa forma digamos assim, não muito
consciente né. No final da colheita os agricultores costumavam
comemorar a safra e dali utilizavam o próprio espantalho da roça,
penduravam em uma árvore e junto com a comunidade rural faziam a
comemoração da safra. Então, a comemoração era feita com uma festa,
onde, no final, eles derrubavam à tiro de espigada e depois malhavam o
boneco. E, foi pegando características. Foi se expandindo pela zona
rural. Uma das coisas também que eles faziam era no período também
da colheita, aliás quando terminava a colheita, eles saiam com o
espantalho em um animal pedido donativos, ali na própria comunidade.
Na época o chamavam de “Pai Véi”. Então, são coisas que marcam.
Com certeza são peças fundamentais nos princípios históricos da “Festa
dos Caretas” que jamais devem ser esquecidas. E o objetivo é
exatamente esse: que a festa não passe a ser somente uma
comemoração da cidade em si, mas de todo o município.”
90
Certas ações da Associação são primordiais para trazer os
Caretas da zona rural à sede durante a programação da festa. A primeira delas é
a existência de uma sede para Associação que, nos dias festivos, mantém uma
infra-estrutura para receber as pessoas, seja de dia, seja de noite.
Alguns dos diretores mudam-se para sede, neste período, e
regulam a distribuição de comida, bebida e colchonetes. A sede torna-se ponto de
encontro para os Caretas e para outras pessoas da comunidade.
Outra ação é a premiação dada ao Careta mais original, ao
mais divertido, divididos nas categorias individual e de grupo. Aquela premiação
de que falou Miguel Morais que, na ocasião, tirara o terceiro lugar por uma
fantasia que ele pensou ser de um paciente enfaixado, e ele foi premiado como
múmia.
Dos Brincantes com que conversei, apenas para os de Areias e
Lajinhas, a premiação aparece como motivo forte para deixarem suas localidades
e irem à Festa da Sede. Em Areias, chegam a não precisar de transporte
mandados pela Associação, por vezes, seguem o caminho a pé, mesmo.
Abaixo, a transcrição do momento que perguntei a eles sobre a
premiação José Antônio, de Areias, lamentou que, em uma das Festas (2001),
eles se prepararam bem, em termos de fantasias, e não ganharam por que não
tinham se preocupado com a inscrição no concurso.
“Mas a gente não nos “inscrivimo”, nem nada. não “ganhemo” nada
não, o trabalho de andar com um, com um dois na frente, dois atrás
quando um cansava o outro pegava. Andava com um copinho, um
copinho pequeno e de vez em quando queria tomar água, tinha dentro
da caixa tinha a garrafa de 2 litros tinha a torneirinha era abrir, e
tomar a água...Muita gente de Fortaleza tomava muito da água dentro
da caixa.... Nós “fizemo” aqui pra levar pra pro Jardim. Pra participar.
Que lá é o julgador.... “
Mesmo não sendo a premiação o motivo central de fazerem a
composição de uma personagem com seus trajes, o fato de alguém ter dito,
provavelmente um diretor, que o prêmio seria deles, os fazem agora pensar na
competição e na decisão de ir/não ir e de como ir à sede participar.
Comentário:
Aqui, eu apaguei
a fala de Luís Lemos que deve ser
retomada quando no 3] cap. falar
das máscaras. Quando Luís fala da
conversa com os Brincantes no uso
de materiais rústicos para
confeccioná-las
91
O estímulo inicial de saírem de seus locais e irem à Festa da
Sede pareceu-me, em Areias ser a mesma de Lajinhas: política ou seja a
oportunidade de reivindicar para suas comunidades algum tipo melhoria infra-
estrutural.
No caso de Areias, descrito por José Antônio, os Caretas
estavam puxando uma carroça, fazendo às vezes de um animal de tração, em
cima um recipiente com água, onde havia um cartaz pedindo água encanada para
a localidade.
Em Lajinhas, com o outro José, o dos Santos, a questão da
festa, pelo menos no espaço da Sede, como possibilidade reivindicatória é
conscientemente clara na sua fala:
“...O Careta revela muita coisa...também mostra o lado crítico das
coisas. Inclusive, quando você participa, quando a turma aqui participa...
sempre costuma levar quando vai pra Jardim, uns cartazes falando
alguma coisas, solicitando outras para tentar mostrar a sociedade...”
Diferente de Areias, eles não deixaram de fazer suas inscrições
nos concursos desde que começaram a ir à Festa da Sede, e sempre são
premiados, em alguma categoria. Às vezes em que estive em Jardim, nenhum
outro grupo de Caretas chamou mais atenção do que eles.
Falei em grupo de Caretas, pois, para participar da Festa da
Sede, a características primordial do Careta é deixada, em parte, de lado: o
anonimato. Tanto os Caretas de Areias, como de outras localidade que não visitei
e, mais ainda, o grupo de Lajinhas, são facilmente identificados, nas passeatas e
derrubada do Judas.
Como ambos os “Josés” afirmam, os Caretas portam cartazes
que são assinados com os nomes de suas localidades e se eles não são
identificados particularmente, o grupo sim.
Ainda no que se refere à participação dos Caretas das
localidades na Sede, outra fala de José de Lajinhas, é bastante reveladora:
92
“Porque é o seguinte, pra você brincar dentro da cidade, no caso na
Sexta, na Quinta...a turma evita porque lá não tem como você tá, brincar
mais à vontade. Então, o dia mesmo especial de brincar mesmo em
Jardim é o da derrubada do Judas, nesse dia é bom.”
Os Caretas das localidades, não só pela fala de José, mas pelo
que observei nas “Passeatas do Judas”, não ficam mesmo à vontade. Ao
contrário, o nome passeata, desfile ou mesmo procissão, parece adequar-se mais
às ações que vemos da quinta até Domingo, na sede.
A indeterminação do percurso, as ações inesperadas dos
Caretas das noites pelas ruas da Cidade e do campo, desaparecem em nome da
organização. Eles desfilam com seus trajes, e, em muito, lembram as procissões
da Igreja, realizadas em outros horários na Cidade, no mesmo período.
Os trajes são diferentes e, ao invés de carregarem imagens de
santos, carrega-se o Judas no andor. Em uma das vez que conversava,
informalmente, com um ex-Careta, agora evangélico, ele disse-me que hoje não
aceitava a brincadeira de Careta, pois entendera que os Caretas honravam o
Judas mais que a Cristo na “Semana Santa”.
Opções religiosas à parte, o ex-Careta, realiza uma
aproximação entre a prática da Festa na Sede e o ritual religioso do período,
aparentemente tão distante, mas bem próximo, na prática.
Os trajes são diferenciadores, mas não porque os Caretas
estão fantasiados e os religiosos não, ao contrário, todos estão trajados extra-
cotidianamente.
No caso do ritual da Igreja, tem-se a procissão do “Senhor
Morto”, realizada na noite de quinta-feira, momento em que não se avista ou ouve
nenhum Careta, até por volta das 20 horas. (os Caretas passaram mais cedo)
A “Procissão do Encontro” divide-se em dois grupos, um saindo
da escola Adauto Bezerra (Vizinha à Associação) com os alunos carregando a
representação do Cristo e o outro grupo saindo da Escola Simão Romão (lado
contrário da Associação), trazendo a imagem de Nossa Senhora das Dores, santa
de devoção do Padre Cícero. As procissões encontram-se em frente da igreja
matriz entram e inicia-se a missa.
93
As imagens são carregadas por jovens rapazes, em fila.
Cercando a imagem de Nossa Senhora, doze senhoras idosas, com trajes nas
cores branco e vermelho. Cercando a imagem de Cristo, doze senhores idosos
vestido com roupas em preto e vermelho, estando homens e mulheres em duas
filas separadas.
A maioria dos acompanhantes da procissão são os jovens
estudantes com as respectivas fardas de suas escolas. Ao passar pelas ruas,
outras pessoas seguem a procissão, em silêncio, devagar, plácidas e em ordem.
O único som vinha de um carro e era uma voz masculina emitindo canções
religiosas.
Na “Sexta-feira Santa”, pela manhã, a Via Sacra” tem 14
estações simbolizadas por certas casas, previamente diferenciadas por altares em
suas portas e janelas, onde o padre parava para ler a Bíblia e falar da campanha
da Fraternidade que naquele ano teve o tema, “Terra sem males”.
Outras casas tinham toalhas brancas, seguras por jarros de
plantas em suas janelas, imagens de santos expostos na calçada, e os moradores
assistiam sentados, em cadeiras no passeio e outros somavam-se à procissão.
Estavam em cena novamente, os grupos de idosos da “Procissão do Encontro”,
da noite anterior.
Nada mais “natural” a influência da procissão,
consequentemente da Igreja Católica, na organização da Festa na Cidade. A
católica é, desde o período colonial e permanece como forte na visão de mundo
das pessoas no Brasil como um todo.
E a Festa acompanha, na sua organização, as formas
apresentadas desde lá muito pelos padres, aqui chegados para catequizar e
disciplinar a relação entre homem-Deus e entre homem e sociedade.
Olhando os Caretas de Lajinhas, por exemplo (2002) não pude
deixar de lembrar as senhoras e senhores da “Procissão do Encontro“, em grupo,
eretos, plácidos, caminhando para serem vistos, qualquer brincadeira. Era preciso
fazer boa figura, marcar presença e desfilar.
94
Nas procissões, as pessoas de fora apenas olham com respeito
a demonstração de daqueles indivíduos. Nas passeatas do Judas, as pessoas
reagem com riso. Mas o deboche não é um ato de desrespeito, pelo contrário.
O sorrir, o debochar, são objetivos almejados pelos Caretas
junto aqueles que os observam e existe respeito por aqueles que se trajam e
saem às ruas. Palavras de discordâncias podem ser ouvidas, mas palavras de
sentido semelhante também são pronunciadas em relação às procissões da Igreja.
As passeatas do Judas são um ato político, mas também de fé.
Sem saberem ao certo a origem, o porquê de suas participações, eles apenas
participam, sem buscarem explicações e acreditam que a Brincadeira é importante
para eles e para a Cidade.
Igreja, e Festa: instituição, atitude e evento aparentemente
diversos, trazendo junções.
Pois o que é a religião?
E o que é uma festa?
Ambas trazem as necessidades do “vínculo”. Mas vínculo com
o quê? Ou com quem? Quanto à religião, Marilena Chauí, responde: vínculo entre
o mundo profano e o sagrado.” (Chauí,1995,p298)
O profano é o mundo da natureza ( fogo, água, terra, ar, fauna,
flora, minerais e humanos), e o sagrado é o mundo das divindades que habitam ou
a natureza ou em um lugar fora dela.
E o que a Sociedade humana de acordo com a complexidade
que vai adquirido, vai dividindo e subdividido, práticas religiosas ou culturais como
a “Festa dos Caretas”, expõe de maneira sólida e unificada. A divisão entre
profano e sagrado aparece mais no ponto de vista didático do que prático.
Mircea Eliade, expõe a idéia da festa como atualização do ser
humano com o tempo das origens, isso por meio de rituais, tão cuidadosamente
mantidos (pensado que são mantidos), que acabam-se tornando sagrados.
Tanto a religião como a festa têm o desejo da imutabilidade, ou
de eternidade e ligação com as divindades. Ao se pedir a ambas explicações de
95
como surgiram vêm respostas, apontadas em outros momentos do texto: “vem
do começo do mundo”, “...da época de Jesus”...
Outro autor, Jean- Jacques Wunenburge faz uma reflexão
bastante apropriada também à Festa dos Caretas:
....”...verifica na conjugação dos 3 elementos, a via de acesso dos
homens na esfera do sagrado. Através da festa e/ou no rito, a
coletividade apropria-se dos mitos, utilizando-o, repetindo-os ritualmente
ou inserindo-os na cerimônia festiva, estabelecendo um hiato na vida
ordinária, irradiando-a pela transcendência sacralizada...cenário
lúdico...mediador entre os homens e o sagrado, não somente por fazer
os deuses reviverem, mas santificando e purificando o mundo profano,
permitindo a regeneração do cotidiano na festa depois de tê-lo inserido
na circulação interior das forças cosmogônicas.” (Wunenburge, apud
Rivière,1997,p39)
Em duas manifestações, de início tão opostas, a necessidade
de manter o vínculo com as origens, com as divindades de outrora, passa ser
elemento de aproximação, portanto passíveis de nas suas práticas trazerem
elementos uma da outra e de aceitas pela comunidade.
E explica o porquê da luta inglória do clero de querer expurgar a
Festa dos Caretas e ter acabado por esquecer a rivalidade, ajeitando as coisas,
horários, trajetos.
Mas não apenas a necessidade do vínculo move as junções na
festa dos Caretas na Sede: ligando-se à maneira da Igreja Católica promover suas
procissões ficava menos difícil regular os Caretas.
A Associação tem-se valido da ligação das duas manifestações
para regular o evento na Sede, principalmente, mas também nas outras
localidades, pois a Sede finaliza por influenciar a todos, em um modelo que,
aparentemente, que deu certo.
Cito os trabalhos de duas pesquisadoras a respeito de
processos de “civilização” ou organização de uma outra festa importante e de
maior amplitude no Brasil: o Carnaval. Nos serve para perceber como vão se
dando os aspectos de regulação de algo transgressor ou mesmo a transformação
ou invenção de uma tradição, utilizando a expressão de E. Hobsbawm (1997)
96
Maria Clementina Cunha, em “Ecos da Folia”,(2001) analisa os
esforços e o sucesso de uma elite, no século XIX do Rio de Janeiro, em
transformar as práticas do Entrudo carnavalesco dos cariocas em algo mais
apropriado ao modelo de tal elite.
Antes, ainda segundo Clementina Cunha, “Entrudo” como
sinônimo de Carnaval, passa, a partir do metade do século XIX, a representar algo
ligado a práticas rudes de setores da classe baixa e inculta. E o Carnaval, ao
contrário, como algo verdadeiramente representativo da cultura brasileira, através
das “Sociedades Carnavalescas”, e, posteriormente, das “Escolas de Samba”.
Mas tal “civilização”, referendada por práticas de uma elite
européia no final do século XIX, não se restringiu à capital carioca. Catarina Maria
de Saboya Oliveira em “Fortaleza: Velhos Carnavais”(1997) , mostra que, na
capital cearense, em igual período, predominou um mesmo tipo de preocupação,
por parte dos setores letrados da sociedade fortalezense, no que a autora define
como afirmação do “Carnaval Veneziano” com as “Sociedades Carnavalescas”
substituindo o “Entrudo”.
“As primeiras referências ao Entrudo em Fortaleza encontra-se nos
comentários depreciativos de João Brígido (1829-1921) que, por sua
primazia e força descritiva, tornaram-se citações obrigatória, retomadas
por vários cronistas de nosso carnaval.” (Oliveira,1997,p32)
Não quer dizer, que não existisse as brincadeiras de rua no
período que antecede à “Quaresma” em Fortaleza, antes 1868. Mas esta é a
primeira referência encontrada sobre o “Entrudo”, nos jornais pesquisados por ela,
e estes sempre em notas, sem grande destaque. A partir da década de 90, do
século XIX, a coisa muda. Artigos e notas pedindo a coibição e até a proibição dos
“entrudos” são freqüentes nos jornais do período de ampla campanha contra os
exageros dos Brincantes .
“Denomina-se Entrudo, popularmente intuído, o antigo carnaval
português...tais práticas, com variações regionais e temporais , incluíam
aspersão de água, outros líquidos e de farinha de trigo e pós...grupos de
mascarados; canções e danças. Outros elementos constantes eram os
97
bonecos representando o Carnaval, um comilão e beberrão gordo,
alegre e sensual...e agressões verbais (insultos e músicas grosserias).
(Oliveira,1997,p29)
Chama a atenção nas descrições mostradas por Caterina
Oliveira, a respeito dos Entrudos, a presença de figuras denominadas “Papangus”,
tão semelhantes aos Caretas de Jardim, a mesma denominação presente, hoje,
nas brincadeiras de caretas no litoral cearense e no interior de Pernambuco.
“...a figura do Papangu e o uso de máscaras....vestidos com camisolões
ou dominós (espécie de batina com capuz, ornada de guizos e de
variadas cores), isolados ou em grupos, andavam pelas ruas, a dizer
graças e perguntar em voz de falsete: Você me conhece?... foram
figuras obrigatórias em Fortaleza até seu desaparecimento nas primeiras
décadas do século...”(Oliveira,1997,p35)
Os Papangus não brincam mais em Fortaleza. Expulsos do
centro da capital refugiam-se nas pequenas cidades do interior do Estado.
As vestes dos Papangus, segundo de Caterina Oliveira, assemelham-se à dos
Caretas de Jardim ou à dos Papangus do litoral e, é de se notar ainda a pergunta
formulada pelos mascarados tanto em Fortaleza como no Rio de Janeiro no final
do século XIX, como colocam Clementina e Caterina: “Você me Conhece?”
Pergunta substituída, nas brincadeiras cearenses, pelo pedido: Meu padrim ou
madinha me arranje uma esmolinha, por favor!” Ambas as expressões aproximam
o mascarado do interceptado .
A reação ao mascarado pode, antes e agora, ser demonstrada,
tanto pela gozação como pelo medo das crianças. A ele é permitida a crítica à
ordem local, às autoridades políticas e religiosas, ou aos “bons costumes”.
“...mistura de divertimento e medo que os Papangus despertavam nas
crianças...muitas vezes munidos de chicotes, fosse para defesa
(cachorros) ou para fustigar aqueles que tentassem levantar-lhes o
capuz..” (Oliveira,1997,p36)
“Alguns Papangus ou máscaras tradicionais marcavam em Fortaleza
exercendo, por vezes, crítica política...” (Oliveira,1997,p37)
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Pelo trabalho de Caterina, percebe-se que, já no início do
século XX, a respeito dos entrudos e dos mascarados Papangus, predominava
uma visão negativa, ao sumirem das colunas dos jornais, anúncios de tecidos para
confecção de suas fantasias.
Paralelamente, tem-se a constância de crônicas jornalísticas
com apelos moralizantes às autoridades e à população, à respeito do
comportamento pernicioso dos mascarados.
Recordemos a fala de Luís Lemos sobre a participação da
Associação em organizar os Caretas, com a intenção de cadastrá-los e regular
suas participações em roteiros e datas fixas, além de ditar comportamentos
“aceitáveis”. Sobre o sucesso desta regulação o próprio Lemos diz: “... não é
uma preocupação assim tão grande por que o participante de hoje brinca, se diverte,
mas com a consciência da responsabilidade que tem em si.”
Houve uma época em que os Caretas de Jardim, para serem
considerados bons caretas tinham, além do traje, que realizar algumas ações,
como por exemplo, pequenos furtos de galinha, ovos, cachaça. E, que eram
trazidos ao grupo e divididos em uma grande comemoração.
Utilizado a imaginação pode-se reviver, de certa forma, o
“Coletivismo” dos primitivos grupos de seres humanos em tempos longínquos.
Caçando, coletado, colhendo e comemorando a vida em grupo.
Uma outra ação antiga dos Caretas procede de uma época em
que cada grupo de amigos se trajava e tinha seu Judas próprio, cujo divertimento
era roubar o Judas do grupo “rival”. Caso, o Judas estivesse bem vigiado, tudo
podia acabar em briga.
Nada disso existe mais. Mesmo o Judas das Crianças que, em
2001, era feito por elas e queimados na hora que elas determinavam, nos anos
posteriores, a própria Associação está confeccionado e malhando-o junto com o
boneco dos adultos.
Talvez, se não existissem divergências políticas entre as
pessoas das localidades como Brejinho ou mesmo Lajinhas com o grupo da Sede
a festa já teria sido unificada, com apenas um Judas para todo o município.
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Tudo dentro da regulação de como se deve participar da
brincadeira, que vem sendo montada pela “Associação dos Karetas”, nesses 27
anos. E arrisco a dizer que tal regulação atinge seu auge com a atual grupo de
diretores, desde o registro em cartório.
13
Ainda sobre a fala de Luís Lemos, um segundo aspecto
aparece, o da importância da Festa para a região do Cariri. Lemos apresenta os
Caretas dentro do que constrói como “cultura regional”.
Cultura com energia bastante para despertar o fluxo de pessoas
de outras regiões do Ceará e outros Estados do país para apreciarem estas
manifestações. Ou seja, a elaboração de um conjunto de manifestações, entre
elas, a Festa dos Caretas, como recurso turístico.
Talvez Miguel Morais, o compositor, e o grupo de direção da
Associação tenham mais em comum do que Miguel queira admitir. Ambos
enxergam a Festa como algo peculiar e de forte atração para o turismo. A
discordância parece ser o foco. Luís Lemos parece dar ênfase à “Festa dos
Caretas” e Miguel tem como foco os próprios Caretas.
Na verdade ambos atendem a uma tendência dos últimos anos
em apresentar as manifestações populares como algo que pode ser organizado,
empacotado e vendido.
Na conjuntura sócio-econômica da globalização, tende-se a
certa homogeneização, não só de mercadorias, mas da cultura. Ao mesmo tempo,
grupos caracterizados com o pós-modernos, utilizaram-se de um discurso
contrário em que é necessário olhar mais para própria cultura para resistir à
invasão da cultura dominante.
Estamos de fato mais preocupados com os nossos modos de
ser, mas dentro do atual contexto acabamos adquirindo uma visão transformadora
dos modos de ser de outros em embalagem bonitinha e vendável, em um mercado
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consumidor ávido, não pelas identidades mas pelo peculiar, esquisito, aquilo que
se olha o para pensar no que somos, fomos e queremos ser, mas aquilo que
nos é estranho e distante.
Na sede de Jardim a Festa inicia-se, oficialmente, na “Quinta-
feira Santa”. Nesse dia é diferente dos outros dias e a maioria dos Caretas que
andam pelas ruas são adultos.
Algumas crianças são vistas pela rua ou na sede da
Associação, com seus saquinhos de plástico à mão, mas não se atrevem a
colocar a roupa. Algo lhes diz que suas participações chegaram ao fim. O saco à
mão parece ser apenas resistência à idéia de um final.
A movimentação na sede da Associação é grande, por todos os
dias, de Quinta a Domingo. O ambiente com o carro de som à porta tocando a
música do momento, em 2001 (28/03), a voz era da cantora baiana Ivete Sangalo,
com “Vai rolar a festa”, fez-me lembrar de Miguel e pude compreender seus
sentimentos em relação às escolhas dos diretores da entidade.
Dentro da sede, uma exposição de fotografias de festas
passadas são expostas nas paredes do prédio cercando grupos de homens que
estão a bebericar cachaça e cervejas, entregues por diretores da Associação,
vindos de dentro de uma sala com a porta trancada com uma placa, “reservada à
diretoria”.
Ali, dentro da sede, a animação musical muda de ritmo. É dada
por um grupo de músicos com sanfona, triângulo e zabumba, que irão
acompanharam todos os momentos da festa, inclusive das passeatas, assim como
o carro de som. Tocam forró e alguns homens ali, alegres, ensaiam passos de
dança.
Todo o evento é registrado pela “Associação dos Karetas”, com
filmagens e fotografias, por equipes contratadas para isso. Foi interessante
observar, por exemplo, o trabalho, em 2002, de uma moça que filmava no local.
Logo que ela chegou, saiu um rapaz trajado de Careta e
encaminhou-se para uma parte de descampado, ao lado do prédio da Associação,
e logo grupos de pessoas curiosas apareceram. O Careta fez pose para a câmara,
101
que envolvia um contorcionismo elaborado de sua parte. Movimentos do corpo se
agachando, se levantando, pulando. Ele repetiu os gestos, um bom número de
vezes, e trocava os trajes. Ela sempre filmando e outros tirando fotografias.
Na Quinta-feira acontece a passeata do “Pau-do-Judas”. Todos
caminham da sede, pela Avenida Walter Roriz, até a saída da zona urbana (2km)
Chega-se a uma casa branca, à beira da estrada, onde nos aguardavam dois
troncos de árvore.
A partir de 2001, um dos diretores da “Associação dos Karetas”,
o Nego, explicou-me que os Caretinhas iam ter também o Judas deles, ao lado do
Judas dos adultos, confeccionados por Luís Lemos.
Portanto, a passeata levaria dois paus de Judas, dois troncos
de eucaliptos de dimensões diferentes. Para as crianças, um tronco com a metade
do tamanho do “Pau do Judas” dos adultos. Acrescentou Nego: “Esse ano vamos
fazer o Judas das crianças igual aos dos adultos, pois, quando Deus tirar a gente, eles
ficam cuidando.”
O tronco menor vinha à frente da passeata, seguido de perto
pelo grupo de homens com o tronco maior, que o carregava com muita dificuldade,
sendo incentivados pelas pessoas que dançavam ao som dos músicos que
estavam há pouco animando a sede.
o grupo que carregava o tronco menor destacou-se pela
alegria e coreografia, ao som da música e voz vindas do carro. O rapaz do carro
do som dava o comando de acordo com o ritmo da música: “Direita, esquerda, Upa!”
Ao comando “upa”, o grupo mudava o tronco de ombro.
O pessoal que carregava o tronco maior tinha mais trabalho.
Mantinha um homem na ponta da frente do pau para, nas descidas, freiar o peso
que ameaçava escapar para frente.
Caminhamos pelo núcleo da cidade, voltando pela Avenida
Walter Roriz, passando pela Coronel Teodoro Sampaio, entramos à direita na
Leonel Alencar, continuamos pela rua 03 de Janeiro paralela à sede da
Associação, para subimos para o Morro do Tetéu, onde foram ficados os dois
102
troncos em meios a círculos. O trajeto possibilita arrodear o centro de Jardim, sem
passar pela igreja matriz.
Ao passarmos pelas ruas, as pessoas assistiam da porta de
suas casa, ou em grupos, sentados em cadeiras nas calçadas. Outros somavam-
se a passeata.
Depois dos troncos serem fixados ao chão, os grupos de
Caretas foram encaminhados pelos organizados para a sede da Associação, onde
foram distribuído para eles sanduíches, sucos, vinho e cerveja.
Era o fim da festa naquele dia. O que não quer dizer que, à
noite, os Caretas não andassem pelas ruas da cidade.
Importante lembrar que os homens que levavam os “Paus–do-
Judas” não eram os caretas, estes seguiam dentro da passeata, sem qualquer
preocupação, além de mostrar-se às pessoas que olhavam para o desfile. Os
Caretas são os protagonistas da festa.
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Na Sexta-feira, novamente à tarde, a movimentação na sede da
“Associação dos Karetas” era grande, como a expectativa para saber com que
cara vem o Judas (os Judas).
Nego chama os Caretas e as outras pessoas para fora da sede
e, de lá, todos vimos a saída, do primeiro boneco; logo atrás, o boneco grande:
são os Judas. Bem, as especulações do ano fizeram-se corretas: é o “Bin-ladem”.
Melhor dizendo, os Bins-ladens, pois, o boneco menor tem a mesma aparência do
boneco maior.
Todos aplaudem! E procuram se aproximar dos bonecos, mas a
passeata dá início ao comando do rapaz do carro de som e, novamente, fazemos
o trajeto do dia anterior, ao som de canções baianas e do grupo de músicos de
zabumba.
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O número de pessoas, ao longo do trajeto, é maior que o do dia
anterior, e as pessoas acorrem para mais próximo dos bonecos, para determinar
quem é o Judas. Os sorrisos são inevitáveis.
Subimos, novamente, o Morro do Tetéu e os troncos
esperam, protegidos por um círculo feito de folhas de coqueiros, os Caretas
entram no círculo, enquanto um organizador amarra os dois bonecos para a
subida ao tronco, ocupando o espaço do círculo chamado de sítio do Judas.
Também em círculo, os Caretas batem seus chocalhos,
enquanto os Judas sobem e devem ficar pendurados até o domingo.
O Morro do Tetéu mudou desde do dia anterior. Tem-se agora
várias barracas para venda de bebidas e comidas e o som do forró é constante. A
festa acontece à noite toda, no que eles denominam “O Forró dos Caretas”. Mas a
maioria das pessoas não são mais Caretas. Os Caretas descem até a Associação
onde recarregam as forças com um caldo servido pela Associação.
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Sábado é o dia da feira do município e os Caretas, perturbam
feirantes e freqüentadores com os sons , brincadeiras e pedidos.
Durante o dia as pessoas fazem ora o caminho do morro do
Tetéu, para ver os Judas; ora o caminho da sede da “Associação dos Karetas”.
Na Associação, visitam a exposição de fotos e encontram pessoas de outras
localidades. Bebericam, comentando as passeatas dos dias anteriores, fazem
comparações com outras festas e discutem a escolha da cara do Judas.
Na programação oficial, sábado é o dia do Forró dos Caretas”,
no Morro do Tetéu, logo mais à noite. Bem, o espaço recheado de pessoas
bebendo e dançando ao som de um trio elétrico, em cima do qual estão três
bailarinos, um homem e duas mulheres.
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Os bailarinos estão vestidos à moda árabe, pois, em 2001, a
novela O Clone” da “Rede Globo” fazia muito sucesso, e o enredo do folhetim
envolvendo a cultura muçulmana, é justamente o que inspira a vestimenta dos
bailarinos na festa dos Caretas de Jardim.
Não posso deixar de observar a falta de harmonia entre o
estereótipo de dançarino árabe e o biótipo dos três jovens em cima do trio elétrico.
Parece uma caricatura.
Andando mais pelo espaço as barracas, o som era de tocavam
músicas de forró e os poucos Caretas presentes no morro estavam bêbados.
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A manhã pós “Forró dos Caretas” amanhece preguiçosa. Quase
ninguém nas ruas. Silêncio que dura até a hora do almoço. Escutam-se os
primeiros chocalhos. Algumas crianças ainda carregam seus sacos plásticos com
as suas roupas de Caretas, mas não se atrevem a vesti-las e estão sempre por
perto da sede da Associação.
Por volta de 1hora da tarde as cenas se repetem, na sede da
Associação. O carro de som toca “Axé-music” em frente, os músicos estão dentro
da sede, os Caretas, vão e vêm e grupos de homens bebendo. Existe uma
pressa por parte de alguns diretores da Associação, no preparo da passeata, que
vai levar o Judas pelas ruas do centro da Cidade.
Chega o momento e os Judas voltam para cima de seus
respectivos carros e repetem, pela última vez naquele ano, seu caminho pelas
ruas da cidade, arrastando mais pessoas que nos dias anteriores na “procissão”
até o morro.
Nem todas as pessoas acompanham a passeata; algumas
delas olham e apenas comentam. As crianças, pequenas ainda para acompanhar
a passeata, arregalam os olhos e apertam o pescoço de seus progenitores ou a
barra da saia da avó.
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Algumas das pessoas “mangam” e dizem não saberem como
um adulto tem tamanha coragem de vestir-se daquele jeito apontando para um
Careta vestido com roupas de mulher e com uma máscara de plástico. Uma outra
pessoa argumenta dizendo que aquilo tudo existe muito tempo e é bom que
tenham pessoas dispostas a conservar a tradição.
A passeata segue...
De volta ao Morro do Tetéu, os Judas são novamente
pendurados, pelos seus pescoços, nos troncos de eucaliptos, fazem o papel de
mastros.
Os Caretas fazem um círculo, em torno dos Judas, soam seus
chocalhos, ao mesmo tempo, e começa a queima dos Judas, através de um
sistema acionado por um rapaz fora do círculo ou sítio dos Judas.
Os Judas queimam, acabam por cair e antes mesmo de chegar
ao solo, os Caretas correm para cima dos bonecos e os destroçam.
Os Judas morreram. Acabou a festa daquele ano.
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Entre as localidades visitadas durante o trabalho de campo,
acabei por centrar-me, na Serra de Brejinho, e mais na família dos “Salus”.
conversei tanto com jovens Caretas assim como fiz na Sede e demais localidades
mas acrescentei as conversas com velhos ex-Caretas.
Não que os “Salus” sejam a única família a realizar a
brincadeira ou os únicos Caretas da Serra, mas devido à questões financeiras e
de tempo, procurei diminui o alvo para facilitar a análise.
Escolhir os “Salus” pois foram sempre apontados, seja na sede
ou em outras localidades, como referência da melhor “Festa dos Caretas” na zona
rural do município.
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Entrevistando Fernando (2001), o filho mais jovem de seu
Zezinho, ficou-me a impressão que a Brincadeira em Brejinho faria frente ou
queria fazer-se alternativa à festa da Sede.
E, é claro, contou bastante o fato de ter sido recebida por
aquela família com imensa receptividade, a ponto de ter sempre a ajuda de todos
quando precisei.
A Brincadeira, em Brejinho começa no “Domingo de Ramos” e
vai até o domingo seguinte, o da morte do Judas. São oito dias de andanças
noturnas dos Caretas de sítio em sítio esticando-se por vezes a outras localidades
do município.
Pedindo esmolas e participando de festas promovidas pelos
donos de sítios ou em barzinnhos. Ou ainda, em casa de agricultores que
aproveitam a ocasião para tirarem um dinheiro a mais no período, vendendo
bebidas e tira-gostos.
Fernando, orgulha-se da festa feita por eles na localidade, pois
em Brejinho tem tudo. As passeatas, jogos durante o dia, a malhação do Judas e
o Forró dos Caretas. Tem até uma divulgação com um cartaz fotocopiado exposto
nas paredes de locais da Serra.
Com os Caretas da Serra do Brejinho tive a oportunidade de
conversar com Caretas idosos e, assim pude acompanhar as construções de
memória da brincadeira de Careta naquele lugar e a sua relação com a festa na
sede de Jardim.
Pensei em dividir minha escrita sobre Brejinho em dois
momentos: um em conversas com os mais jovens que realizam a festa
atualmente; e em um segundo momento com as conversas com os mais velhos da
família Salu que fizeram a brincadeira dos Caretas em outros tempos. Mas com o
andar das entrevistas pude notar que não fazia sentido separar o que na prática é
unido.
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18
Iniciei a conversa com Marcondes em um dos cômodos do
“Hotel Municipal”, no centro da Sede da Cidade, onde eu estava hospedada, o
rapaz atendeu o meu chamado, pois havia passado por sua casa diversas
vezes e não conseguira fala com ele.
Perguntei-lhe sobre o seu trabalho e de que viviam as famílias
na Serra de Brejinho, queria ter a confirmação de informações que havia colhido e
também procurar saber além da brincadeira”. Mas de repente o jovem Careta
impacientou-se e disse-me em tom definidor que deveríamos falar dos Caretas
que eram bem mais importantes para aquela conversa. E, iniciou, apresentando
com suas palavras a “Brincadeira dos Caretas”, em Brejinho:
“Eu sou Careta 20 anos e deixarei de ser Careta quando morrer.
Comecei pequeno! Era uma manifestação cultural que a gente conhecia
desde nossos avós. Comecei pequeno vendo o pessoal brincar.
Pequeno via o pessoal brincar. Gostei da brincadeira! Continuei. E até
hoje continuo.
- Faço parte dessa “Associação de Kareta” de Jardim também. Colaboro
nesse sentido ai. A nossa festa...a organização eu, eu,...nós não temos
patrocinadores. Temos alguns apoios de alguns amigos que eles
sempre dão uma ajuda. Sempre nesses últimos 4 anos um amigo de
Otávio das Cacimbas vem cedendo o “Pau do Judas” nosso. Temos o
menino aqui do J.J Vestibular sempre me dão um apoio na questão da
divulgação.
- Luisinho, o secretário de Cultura, aqui também. Ele sempre assim
umas, ás vezes, quando a gente entra em contato melhor, ele já fornece
o gesso do Judas. Ultimamente os recursos vem fraco....
- A programação desse ano nós fizemos uma programação, diferente.
Nossos Caretas brincam 8 dias. Aqui no Jardim começa na Sexta-
feira, e nós não. A partir de amanhã à noite...os meninos começam
hoje. No Sábado, da meia noite do Sábado pra o Domingo a gente leva
os ensaios noturnos, sempre à noite até a Quinta-feira. Depois na
Quinta-feira a gente começa brincando de dia.
- E o Judas da nossa localidade ele é muito importante, ele promove
muito um intercâmbio, uma integração entre as populações. Nós temos
3 a 4 localidades, os Caretas da Serra do Brejinho se deslocam 6km,
8km e vai trajado pra arrecadar algum alimento, alguma coisa pro Judas.
E muitas pessoas antes já convida:
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- Apareça Careta que tem um peixe pra você, que tem uma cana, que
tem uma alimentação, um vinho.”
- Então é importante. Hoje devido a violência também tem os contra.
Pessoas que não gostam dos Caretas. Quando a gente chega na casa
ele pensa que é um inimigo dele se aproveitando dos Caretas. E a
gente tenta o máximo evitar isso, pessoas que têm algum problema a
gente não aceita na nossa brincadeira. Se o Careta dentro da nossa
organização por ventura vier maltratar uma pessoa agente faz tudo pra
punir ele dentro da lei, né.
- Eu não sou a favor que uma pessoa use o Careta, use a brincadeira
pra fazer serviço obscuro. Dentro da filosofia do Careta, então tanto no
Jardim, a brincadeira em jardim como dentro dos sítios ela sempre tem
essa advertência.”
A fala de Marcondes o que pensar. Não o conteúdo mas
o jeito, a determinação que demostrou ao explicar o que é a Brincadeira/Festa de
Caretas. Qual o seu significado, o sentimento da “Brincadeira” para a comunidade
de Brejinho.
Tanto na conversa que tive com Fernando (irmão mais moço) e
seu Zezinho (pai) ambos apontaram Marcondes como àquele que teria o que
contar-me. Mesmo assim, ele, Marcondes, inicia por qualifica-se para falar da
Brincadeira de Careta na Serra de Brejinho. Eu sou Careta 20 anos e deixarei
de ser Careta quando morrer. Comecei pequeno!
O tempo é marca importante na auto-qualificação do jovem
Careta. Ele tendo a determinação de pára de brincar com a sua morte traz na
entrelinhas a responsabilidade de continuar a brincadeira.
E tendo ele aprendido com os mais velhos o faz também
“professor” da geração atual. Assim, a aprendizagem é outro elemento de
qualificação para ele falar e organizar a brincadeira.
Outro ponto que Marcondes logo de início deixa claro é a sua
relação com a “Associação dos Karetas”, Faço parte dessa “Associação de Kareta” de
Jardim também. Colaboro nesse sentido ai...” Bom relembrar que os Caretas de
Brejinho não descem à Sede para a festa.
Mais dois outros pontos são esclarecidos: primeiro, o papel de
Luís Lemos, a sua ajuda a festa na Serra com o fornecimento do gesso para
109
confecção do Judas e a mínima infra-estrutura cedidas pela amizade tanto do
dono do curso pré-vestibular da região como da madeira que serve de forca ao
Judas cedido por um dono de um sítio em Cacimbas.
Os pontos acima são ditos de forma pida e curta e a falação
do Careta prossegue, dando mais detalhes sobre o que de primeira Marcondes
denomina de “nossa festa”. Descreve os processos da “Festa no Brejinho” em
contraponto a festa na sede, “Jardim”.
Marcondes arruma sua fala com elegância mas nota-se brechas
de discordância que ele não defini em sua falação, como a nítida separação
”nossa festa” e a festa de Jardim, a lembrança da falta de recursos nos últimos
tempos, e ainda a quantidade de dias da brincadeira na Serra qualificando-a como
melhor. Pode-se perceber a dinâmica do conflito, talvez entre zona urbana e rural
com interesses de grupos sociais diferentes entre si.
Sua fala apresenta ainda uma preocupação freqüente em
outras falações de pessoas que organizam a festa/brincadeira, a questão da
violência que é real por um lado, pois o Careta mascarado pode aproveitar-se do
disfarce para vingar-se de alguma mal “querência” . No entanto, os organizadores
da brincadeira em cima da Serra conhecem os participantes, ao notarem Caretas
diferentes fazem uma discreta abordagem para obtenção da identificação.
Mas o que chama mais a atenção no pronunciamento de
Marcondes é a importância da Brincadeira, em particular do Judas para a
interação da comunidade. Como ele chama: “interação”, integração” das
populações das 3 ou 4 localidades da Serra do Brejinho. Com a desculpa de
arrecadar mantimentos para o Judas os Caretas andam vários quilômetros, e por
vezes são recebidos com festa.
O trajeto dos Caretas na Serra do Brejinho ocorre durante sete
dias. É um trajeto entre sítios marcado por um deslocamento de todo um grupo de
Caretas. Mas nada impede de um Careta trocar de caminho. Encontrar-se com
outro grupo de Caretas segui-lo. Mas não pareceu-me ser comum tal atitude
prevalece um cuidado em manter-se em grupos conhecidos.
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O caminho é feito sempre com muito barulho. Todos os Caretas
soando o máximo possível seus chocalhos. Apesar da escuridão da noite
impossível ser pego desprevenido.
Ao chegarem ao tio, ao um bar à beira da estrada, a atitude
do bando é sempre de “gaiatice”, mas nada é feito por eles que machuque ou
ofenda a alguém. Pedem bebidas, comida e são atendidos.
Dançam forró. Ás vezes com uma mulher mais desembaraçada
mas na maioria das ocasiões são dois Caretas que arrastam agarrados passos da
dança. Muitos desses momentos ocorrem nos quintais da casa e a poeira sobe.
Mas os Caretas não passam muito tempo em um lugar. Minutos
depois da chegada já se ver um Careta batendo no braço de outro, fazendo gesto
para reiniciarem a jornada.
De início é fácil segui-los tanto pelo barulho dos chocalhos
como pelo som dos latidos dos cachorros, mas basta um pouco de desatenção e
pronto, cadê? Surgir um novo grupo e o antigo só ressurgir mais tarde.
Necessário repetir que em tese as andanças dos Caretas têm o
objetivo de arrecadar bens para o Sítio do Judas”, mas na prática não para
carregar nada nesses momentos. As “esmolas” que arrecadam são bens nada
duráveis como cachaça e algum tira-gosto.
Mas, não por isso, o “Sítio do Judas” fica vazio. Pessoas vão
deixar na casa de seu Zezinho mantimentos para o Judas. Carros param na
estrada, buzinam e entregam cacho de banana, abóbora, litros de bebida alcóolica
e outros.
No mês de março de 2002, na companhia de Marcondes que
conseguira uma moto emprestada, fomos em busca dos velhos Caretas da Serra
de Brejinho.
Tarefa gratificante não apenas pelo conteúdo das conversas
mas pela aproximação com a sensibilidade daquelas pessoas que só assim foi-me
possível conhecer.
Pude constatar o apreço e respeito de Marcondes pelos antigos
Caretas de sua família. Cheios de histórias e amor à brincadeira. Marcondes
111
puxava a entrevista enquanto mediador que levava os entrevistados a confiarem
na “estranha” de Fortaleza.
Chegamos a uma casa à beira da estrada. Casa simples de
madeira e barro dentro de um sítio. Fomos recebidos por um grupo formado de
familiares de Marcondes. O avô, José Salu, o tio Antônio Salu, dono da casa, e um
dos filhos de seu Antônio.
Mulheres faziam trabalhos domésticos no interior da residência
enquanto crianças corriam em torno da casa. Por todo o tempo que estive lá as
crianças não pararam de brincar. Resultado: em toda a fita gravada gritos e
falas delas.
Eu e Marcondes nos sentamos em cadeiras trazidas por uma
jovem e nos somamos ao grupo de homens no espaço que funciona uma oficina
para motos. O primo de Marcondes durante toda a nossa conversa ficou entretido
fazendo sobre uma mesa improvisada de madeira (jirau) um cinto de couro que ia
segurar mais tarde os chocalhos do rapaz, foi dessa maneira que à tardinha o
reconheci no meio de um grupo de Caretas.
Por vezes, a entrevista, transformou-se em trocas de idéias
entre os representantes de três gerações de Caretas de Brejinho, com
intervenções de seu Zé, seu Antônio, e também Marcondes. Mas mesmo quando
um respondia individualmente as questões formuladas os outros balançavam as
cabeças a confirmar as impressões daquele que respondia. Vez por outra, uma
das mulheres saia com a desculpa de fazer algo fora e dava uma boa olhada em
mim.
Para construção das memórias da Brincadeira de Brejinho
conversei com vários ex-Caretas mas dei ênfase aos dois Caretas acima citados:
seu e seu Antônio Salu. Pois, seu Zé além de ser o mais velho Careta da
família, também é citado por todos como um conhecedor da “Brincadeira de
Careta”. E seu Antônio pelo quantidade e qualidade das histórias que conta.
Seu José Salu ou seu Zé como é chamado pelas pessoas é um
senhor de voz fraca, devido a problemas de saúde, dificultando o entendimento na
hora de transcrever a fita. Outra dificuldade na transcrição em entendê-lo era o
112
uso de palavras que surpreendi-me pelo significado dado a ela no contexto do
texto narrado. Como por exemplo, “sinagoga” para referi-se a bagunça.
Seu tem 92 anos de idade. Um homem de 1m e 58cm de
altura com uma leve curvatura na coluna, magro, pele escura. Agricultor
aposentado. Doente, vive com um catetre que o incomodou durante a nossa
conversa e o envergou quando começou a vazar, acabou retirando-se para sua
casa finalizando a conversa.
Educado e delicado ao narrar suas histórias e quando havia
necessidade de se utilizar de uma palavra mais “forte pedia-me licença para
pronunciá-la.
Marcondes fez questão de salientar a idade do entrevistado e o
caráter de importância dado a ele pela família e a região dentro de uma longa
tradição de aprendizagem e experiência de brincar de Careta na Serra de
Brejinho.
Afinal seu avô brincou Careta desde menino e aprendera com o
pai que por sua vez aprendeu com o a de seu Salu. Assim, Marcondes
começa a apresentar a mim a idéia de que a brincadeira de Careta em Jardim
teria nascido na Serra, em particular na Serra de Brejinho e não em Jardim. Idéia
apresentada vez por outra nessa conversa e também em outros momentos em
que conversávamos.
Zé Salu: - O mais novo já aprendeu com o mais velho.
Marcondes: - Tá vendo aqui é uma cadeia avô, filho e neto.
Zé Salu:- Neto e bisneto tenho uns “duzento”!
Marcondes:- E os que mora na região tudo brinca aqui?
Zé Salu: - Tudo brinca de Careta.
Salu: - Quase tudo mora aqui. Uns mora no Paraná. Outros mora no
São Paulo. Tudo brincavam. Achava bom.
Marcondes: -Tá vendo aqui (referindo-se a mim) um ciclo muito
importante demais, um velho...
A atitude desenvolvida por Marcondes apresentadas em suas
falas, bem como de levar-me as testemunhas da antigüidade dos Caretas na
Serra, levou-me a reler um texto de Pierre Nora, “Memória tomada como história”.
Nora neste artigo diz:
113
“O que chamamos de memória é, de fato, a constituição gigantesca e
vertiginosa do estoque material daquilo que nos é impossível lembrar,
repertório insondável daquilo que poderíamos ter necessidade de nos
lembrar.”
Entendo-o como sendo a memória algo propositadamente
elaborado a partir de escolhas que fazemos no nosso cotidiano. Em um jogo entre
o que nos parece bom ou ruim lembrar/esquecer.
Inicialmente a memória sentida como individual mas que pode
querer ser coletiva, a tal “necessidade de lembrar”, que nos leva a outra dimensão
do trabalho de Nora, sobre àqueles que lembram: “Que vontade de memória elas
testemunham, a dos entrevistados ou a dos entrevistadores?” A construção dos
arquivos, a seleção de que guardar acaba sendo resultado da relação de ambos
(do que lembra e do que é “forçado” a lembrar).
Mas quando o entrevistado abre-se a falar? Quando participa
da escolha de quem vai lembrar? Participa do roteiro das perguntas? No mesmo
escrito de Nora cita uma frase a respeito da memória judaica, “...ser judeu é
lembrar de ser judeu.” Plagiando-o “Ser Careta é lembrar de ser Careta.”
Mas mais ainda percebo na vontade de Marcondes a energia
focalizada para o registro das lembranças dele e dos outros. Da importância de
torná-la história por isso a marca do tempo, da antigüidade, da origem, da
diferenciação para com os Caretas da Sede. Uma memória que busca ser história
através do registro escrito e da divulgação.
Então, uma memória ou história-memória não focalizada no
passado, ao contrário, é presente justificado ao longo do tempo por práticas
colocadas em um curso de tradição.
O outro participante da conversa é seu Antônio Salu, de 55
anos, filho de seu Zé, vigoroso, mais ou menos um metro e setenta, corpulento e
risonho. Um contador de histórias. Afirmou ter brincado de Careta pela última vez
em 2000.
Seu Antônio Lembrando em muito “O Narrador de W.
Benjamim(1997), enquanto contava algumas de suas histórias levou-nos a risadas
114
que chegaram a atrapalhar depois a transcrição da fita, tanto por causa dos sons
dos risos do grupo bem como eu renovava a visita ouvindo e rindo novamente.
Nós, em círculo, Marcondes deu inicio a conversa com seu
Salu, o velho Careta abre a sua fala, apresentando uma das figuras presentes
nas brincadeiras antigas, o “Vaqueiro”. E que permanece na brincadeira atual.
Falta ao Vaqueiro atual elementos de composição como a “molecagem”.
Marcondes: “Ti” Zé montava em burro bravo?
Seu Zé Salu: E quanto mais pulava “mió”.
Marcondes: “Encaretado”?
Seu Salu: Encaretado era o ..... era o vaqueiro, era eu. Era
pegador??? O cabra corria e eu corria atrás.
Marcondes: E o senhor nunca foi vaqueiro de verdade ?
Seu Zé Salu: Não. Tinha vontade mas não fui.
Seu Salu: Achava bonito a brincadeira de vaqueiro, de pegar gado.
Eu achava bom.
Quando perguntado, seu Salu, com quem tinha aprendido disse
que com os mais “véis”. Que o pai e o avô dele brincavam. Continuou
apresentando em sua fala suas impressões sobre a brincadeira de antes e a de
agora. Considerando a brincadeira dos tempos dele como melhor que a
brincadeira de hoje.
Seu Salu: É da brincadeira quando tinha futuro. Hoje não tendo
graça não. O povo não sabe brincar. Nós tinha o Judas na beira da
estrada. E o Judas tinha uma escada “véia”, “eita”, pra subir pra riba,
pra fazer fala em riba. (para fazer o discurso, esclarece seu Antônio).
As mascara” de cabaça era desse tamanho ( abre os braços). Redonda,
pintada com cara de gato, de onça. Tudo isso era. E era engraçado. ...”
Nesse momento, seu Salu, lembra de casos engraçados
ocorridos com os Caretas, lembranças presente o tempo todo em sua fala.
Seu Salu - “...O “véi” vinha da serra com o chapéu cheio de pequi, o
“véi” Borges, em baixo, montado em um jumento caia tudo - voz em
falsete imitando as reclamações do Velho Borges - Ei magote de
louco??? Derrubava os pequis dele tudinho (risos). Os Caretas tomava.
Pois era assim. E ai, tinha o Careta que era sem vergonha, compadre
Zé. Compadre quando as mulher vinha, pichava com as mulher. As
mulheres diziam, vem, pegadas com um pau. Quem tinha ordem era eu.
Comentário:
Abrir um ponto para as figuras
que eles citam no decorrer da
entrevista. O vaqueiro, o mosquito,
o doutor...
115
Tinha ordem. Dizia: - Olhe, Careta aqui é esse. Que vinha montado em
“animá brabo”??? Vá lá! ???
Nenhum teor mais importante que pensar os Caretas brincando
o tempo todo. Mexendo com e nas pessoas com aquilo que mais as assustam.
Percebe-se nas reações das pessoas, talvez as histórias de assombrações
relembradas com o susto dado pelos Caretas.
Assim como a coragem de um herói lendário que monta em
animal bravo, desafia as pessoas, demonstra o medo delas através da
brincadeira, pois o Careta com a máscara não se esconde das pessoas em si
mas das assombrações pois torna-se uma também. E não se escuta nenhum
relato de assombração assombrando outra.
O que é ser mesmo Careta? Para especular sobre tal questão
busca-se auxílio não só dos Caretas de Brejinho mas de outros espaços no
município.
116
A Brincadeira/Festa como encenação – ato I
SEMICORO, diz: “Castigue a cidade ou não castigue os que pranteiam
Polinice, nós participaremos das exéquias, formaremos o cortejo. A dor
comove todos os descendentes de Cadmo. Quanto à Justiça, a cidade
oscila com freqüência. (Èsquilo,2003,p99)
19
Qual a imaginação e sensibilidade não sou dotada? Daquela
que se abriria ao conselho do velho, personagem, de Fernando Sabino (Encontro
Marcado, 2003), em que ele propõem, a outra personagem, mais jovem, que
aprenda a ouvir o silêncio, não como um surdo, mas como um cego?
Tal imaginação, é daquelas que faz chegar com maior
facilidade em nossas cabeças, à idéia da cena da epígrafe acima, montada em um
tempo distante, na antigüidade, em um espaço longíguo, no centro de uma cidade
grega, talvez Atenas.
É um trecho da peça de Ésquilo, “Os Sete contra Tebas”, este
encenador de Elêusis (Ática), inovou com técnicas que influenciariam toda uma
forma de se e desenvolver um tipo de encenação no Ocidente, que rende até
hoje.
A encenação em uma Atenas do período clássico, quando a
sociedade estava em pleno auge, em um espaço ao ar livre, aproveitando-se da
natureza para a sua acústica, sempre na encosta de uma colina.
O espaço da apresentação dividido em três: a primeira parte a
“Orquestra”, um plano circular, ali, evoluía o coro que ouvimos acima, este
ensinava aos espectadores como perceber cada momento do espetáculo.
A segunda parte, “Skene”, em frente ao público, inicialmente
destinado a guardar o material da cena e dos atores, depois ganhou uma parede
117
fez aparecer o cenário, quase sempre, o exterior de um palácio ou instituição de
Estado. Ao longo deste, desenvolvia-se, o maior número das cenas da peça.
E finalmente, o “Teatro” (Théatron), palavra grega, significa
lugar de onde se vê. As pessoas acompanhavam a história sentadas em
escadarias no formato de semicírculos.
Nesta Grécia antiga, houve cidades que destinaram para esta
atividade, espaços com capacidade de até quatorze mil pessoas, como o caso de
Epidauros.
Para quem nunca foi a uma peça teatral ou mesmo não prestou
atenção às imagens divulgadas pelos programas de televisão, talvez a imagem
mais próxima à definição, seja a de um estádio de futebol, em círculo e com
arquibancadas. O palco, o campo onde se desenrola o jogo.
Mas a encenação é mais do que o espaço em si. E o que
chamamos de encenação, de teatro não existiu, apenas na Grécia Antiga. A
encenação teria sido “inventada”, desde dos tempos remotos, em que os grupos
humanos sequer teriam desenvolvido formas de viver sedentárias, onde cabia a
encenação para aplacar os medos do desconhecido.
A busca de respostas a questões relacionadas à natureza teria
dado início às primeiras elucubrações do ser humano. As primeiras divisões entre
o mundo físico, tão aterrador, e um outro mundo, mundo paralelo mais
tranquilizador, o mundo das coisas sagradas.
Poderíamos enxergar na ânsia por respostas daqueles grupos
humanos imitando elementos da natureza, o início da construção de mitos,
religiões e rituais, em que o ser humano, para conter/entender a natureza,
acabava por encenar uma relação com o divino, buscando proteção em relação a
uma natureza enigmática.
Registros de outros tipos de encenação antes dos gregos tem-
se desde do Oriente com a China ligada a rituais da religião budista e na Índia
com o Brama. Ou ainda, no nordeste da África, com o Egito Antigo encenando a
ressurreição de Osíris e a morte de Hórus.
118
Percebe-se a ligação das origens da encenação teatral com a
religiosidade. Vem à cabeça novamente o mito que são mais que narrações
explicativas de cada grupo humano, são já, uma ligação interior do ser com a
crença. Malinowski fala-nos, o mito é elemento vital da constituição do ser
humano.
Mito que não se dividi. Ou seja, manter o sagrado e o cotidiano
ou profano, pois a sociedade não alcançou uma complexidade necessária as tais
divisões.
Com sedentarismo, agricultura, desenvolvimento de técnicas e
instituições necessárias ao controle do excedente vindo da produção das pessoas,
temos o nascimento da civilização com Estado e Religião. Já é a separação
determinada pelos civilizados e, resultará em outras divisões e subdivisões , nas
quais somos hoje herdeiros.
Mas, a fundação das civilizações, não acabaram com os rituais,
provenientes da tradição, tanto o Estado como a Religião, enquanto instituições
funcionam através de ritos.
No caso, da Religião, aparece como proposta de vínculo entre o
sagrado e o profano em uma sociedade dividida em diferentes grupos sociais, e
portanto necessário a existência de diferentes formas de vínculo com as
divindades.
Tanto o mito como a religião buscam rituais para fixa-se junto
as pessoas, modos que se tornam elementos essenciais ao ser humano em levar
suas vidas, mesmo quando não estão em ato de sublimação com deuses e Deus.
Então encenar, toma dois caminhos aparentes, um ligados aos
rituais sagrados, de crença e e um outro ligado ao cotidiano das pessoas. Parto
da idéia que nosso cotidiano é ritualizado, portanto encenado sempre, ou quase
sempre.
Nas sociedades de hoje, o Estado com suas instituições ou/e as
religiões ocupam-se de ordenar as práticas que antes as pessoas de maneira
geral tinham mais inferência sobre elas, mas os ritos continuam tão importantes
119
como eram nas sociedades menos complexas, a sua função muda, mas não é
menos importante.
Na obra, “Festa e Civilizações”(1983), logo na nota introdutória,
Raposo Fontele, diz algo que é caro ao presente trabalho:
”Para Duvignaud a existência coletiva pode manifestar-se por uma
teatralização que põe em cena a ação de um drama, onde estão
propostos os principais papéis sociais de um grupo, tradicional ou não,
constituído e encarnado às suas funções fundamentais...o ser humano,
para existir, deve representar-se, desenhar a sua existência e torná-la
uma realidade concreta.” (Duvignaud, 1983, P7)
No cotidiano atual, encenar, talvez, torne-se para nós, mais
uma necessidade do que um entretenimento, como, na atualidade, muitos de nós
enxerga uma peça teatral.
A invenção de trazer para um espaço especial –palco- uma
peça ensaiada com um texto determinado, não desmerece outros caminhos
tomados extra-oficiais da encenação, que foram sucessos antes de subirem aos
palcos e passarem pela aprovação das praças públicas, das feiras livres das
primeiras vilas, lugarejos e terreiros de fazendas.
Inicialmente, encenações provenientes das histórias contadas,
oralmente, inúmeras vezes, em diferentes tempos. Outros textos, vindos do
improviso, oriundos da criatividade dos atores.
Assim como são as festas das ruas, como as dos Caretas de
Jardim, ou as louvações, procissões na Grécia Antiga, fora dos espaços sagrados
em que a idéia é, pôr em cena, ostentar; exibir, fingir. Fingimento.
O filósofo F. Nietzsche no “Nascimento da Tragédia” (1993),
comenta sobre a relação do deus grego Dionísio e a comédia, gênero tão caro à
Grécia Antiga. Fala em fingir de tal maneira que a “realidade” deixa de existir. Ou
melhor transforma-se ao gosto do sonho, delírio de quem finge:
O carro de Dionísio está coberto de flores e grinaldas: sob o seu julgo
avançam tigre e a pantera. Se se transmuta...”alegria” e se não se
refreia a força de imaginação...Agora o escravo é homem livre, agora se
rompem todas as rígidas e hostis delimitações que a necessidade ou a
120
“moda imprudente” estabelecem entre os homens... cada qual se sente
não só unificado, conciliado, fundido com o seu próximo, mas um só...do
interior do homem também soa algo de sobre natural: ele se sente como
um deus, ele próprio caminha agora extasiado e enlevado, como vira em
sonho os deuses caminharem. O homem não artista, tornou-se obra
de arte...” (Nietsche,1993,p31)
“Transmutar”. Palavra chave para as manifestações de rua,
como as Grécia Antiga, a de carnavais de outrora e de hoje. E chega-se,
igualmente, aos Caretas nas ruas e estradas de Jardim, durante o período da
“Semana Santa”, no início do século XXI.
Transformar, por um curto espaço de tempo, a sua realidade,
assim como ele (Careta) houvera sonhado acordado ao conversar com amigos.
Como podia ser diferente o dia-a-dia, se as dificuldades em “tocar” a vida fossem
menores. Aquele que tem muito deveria se compadecer daqueles que pouco ou
nada têm. As pessoas poderiam ser mais felizes.
Mas, na hora de pensar, de arrumar-se para a
Brincadeira/Festa, nada mais existe, ou melhor, existe de forma inversa, não
lugar para elucubrações sobre o que deveria ser, mas a alegria, a brincadeira é a
ordem estabelecida, tal qual um decreto governamental.
A posição do Brincante na sociedade muda. A exemplo do que
coloca Nietzsche, o Brincante torna-se forte quando se traja. E mais, sente-se um
só, em comunhão com àqueles que brincam na hora da Festa, como em relação
aos que iniciaram-na, as velhas gerações de Caretas do começo do mundo.
O Careta aciona mecanismos para a realização do seu sonho,
torna-o coletivo. Na coletividade o sonho individual deixa de existir e, entra-se na
embriaguez, esta por sua vez é coletiva, segundo o filósofo alemão.
Novamente Nietzsche nos traz uma imagem que faz jus a visão
dos Caretas dentro dessa brincadeira, desse êxtase coletivo, quando:
“...alguns, como eu, se lembrem de que, em meio aos perigos e
sobressaltos dos sonhos, por vezes tomaram-se de coragem e
conseguiram exclamar: “É um sonho! Quero continuar a sonhá-
lo...nosso ser mais íntimo colhe no sonho uma experiência de profundo
prazer e jubilosa necessidade.” (Nietsche,1993,p29)
121
Os Caretas, andando pelo calçadão, aparentam um sonho,
mas, como estarmos acordados, parece mais um delírio. Nietzsche acima parece
uma boa lembrança para tais momentos de tomada de consciência do
“estranhamento”, em meio à rua, tendo em seu entorno lobos grávidos e velhas
disformes por máscaras.
Aqueles que experimentaram a sensação descrita pelo
filósofo sabem que o nosso íntimo colhe uma experiência de profundo prazer e
jubilosa necessidade de dar continuidade ao sonho para compreendê-lo. Para
achar, talvez, algo que nos explique sobre nós mesmos. Mas o sonho é uma
experiência individual.
Os Caretas nas ruas é uma embriaguez, delírio aberto a todos
ao redor. Não apenas os transfigurados, com seus trajes estranhos, mas aqueles
que ficam à calçada conversando e desviando, vez por outra, os olhos e os
assuntos para comentar o Careta ou Caretas que passam naquele momento. Ou
mesmo eu seguindo, ou tentando seguir um grupo de Caretas.
Por ser coletivo, assemelha-se a um delírio, a uma embriaguez.
A embriaguez, mais que o sonho, parece-me passível de ser coletiva, pois ela
selaria os laços de pessoa a pessoa.
Novamente o filósofo alemão, como ou por quê? A bela
aparência do mundo do sonho, cuja produção cada ser humano é um artista
consumado...”(Nietzsche,1993,p28) Seria exagero pensar na idéia do homem
libertando-se por umas poucas horas no ano do cotidiano que o oprime?
Assim, os Caretas continuam suas caminhadas pela cidade de
Jardim e pelos caminhos das localidades, ano após ano, como um sonho, um
delírio. Mas do que isso, por estarem acordados e preparados para uma
encenação tão aguardada por todos.
A “Festa” ou “Brincadeira dos Caretas”, assemelha-se a uma
encenação teatral ou a uma ópera, um ato de sublimação. O Careta deixa a
imaginação em prática e esquece quem era antes da máscara.
Nascida da interpretação de populares, busca seu palco fora
das salas de teatros. Realiza-se na rua, em uma praça, ou no quintal de alguém.
122
No caso de Jardim, a cidade e seus espaços são teatralizados: tornam-se o
espaço da encenação por excelência. Todos, de alguma maneira, participam da
composição da personagem Careta.
Mas, o município não toma apenas o espaço de palco, o que
percebemos, principalmente fora das datas determinadas pela organização da
Associação para festa é o mascaramento de toda Jardim.
A Cidade coloca máscara de Careta, compõe a sua
personagem e sai às ruas, caminhando sem rumo, aparentemente indefinido,
produz cenas que lembram um transe.
Ser Careta ou tornar-se Careta? Em uma das visitas à Cidade,
ao conversar com o Senhor Nelson de Cacimbas, ele disse-me que Careta
verdadeiro era filho de Careta. Fez a comparação com os evangélicos. Para ele a
religião é a mesma coisa. Evangélico é filho de evangélico. Não existe o tornar-se
evangélico, assim como não existe o tornar-se Careta. Ou se nasce ou não se
nasce Careta.
Prestemos atenção a comparação de “seu” Nelson e podemos
perceber a união em sua fala de idéias aparentemente díspares, a tradição
daqueles que acompanham uma e daqueles que tornassem “Brincantes” , sua
analogia coloca ambas as escolhas na mesma mão da estrada.
Aproveitou-se o mote e foi feita a vários Caretas a pergunta: “O
que é ser Careta?
20
Ao responderem à questão formulada fizeram-me perceber ou
deixar mais claro uma impressão oriunda dos primeiros contatos com a
brincadeira, principalmente em relação à andança livre dos mascarados. Mas esta
impressão não desaparece nas festas organizadas, tanto na Sede como em
Brejinho.
Comentário:
Neste momento
fazer uma ligação entre a restrição
de andar pela cidade, sede e a
diferença que falo neste capítulo.
A Festa dos Careta é diferente da
Brincadeira de careta, e é do
Careta que quero falar agora.
123
A semelhança percebida na Brincadeira/Festa com a
encenação teatral, é oriunda não apenas do sentido de olhar, mas também das
palavras com que as pessoas explicam o que é para elas serem Caretas.
A pergunta foi posta a quase todos os que conversei, “O que é
Ser Careta?” Algumas respostas:
“...O gostoso de brincar Careta é que você se trajar de uma forma que
ninguém vai te reconhecer, à medida que alguém te conhece, acabou a
brincadeira. Não tem mais graça. A graça enquanto você
brincando.” (José dos Santos, Lajinhas)
“O Careta, eu acho pra mim, é uma personagem do tempo de Cristo,
né. Um soldado! Do Judas. Acho que o Careta que ali mascarado,
representando um soldado, pra mim.” (Nego, Sede)
“É, de certa forma, dar continuidade a uma tradição que, aqui na nossa
cidade, tem uns 200 anos ou mais. É também entrar numa festa que
não é tão aquela festa, é de certa forma preservar uma cultura,
assim, um folclore bem típico, bem nosso. É sofrer alguns preconceitos.
É quebrar alguns tabus. Poucos ainda porque seria com mais
autenticidade se a gente tivesse coragem de ser premiada e subir no
palanque e dizer que a gente é mulher. Que a gente tá brincando de
Careta porque não tem nada demais que é uma festa ótima. Mas eu
acho que aos poucos a gente vai conseguindo isso.” ( Nélsia, Sede)
“Careta, é muito bom. Mostra que a nossa tradição mais viva do que
nunca e que temos que levar essa tradição de pai para filho e de filho
pra neto e que nunca acabe. Que é muito boa essa tradição da festa dos
Caretas. É uma tradição assim que vem dos nossos avós ainda, que
quero que ela continue por muitos anos que...é uma festa muito boa.
Nós representando assim a nossa comunidade assim como a
comunidade dos Caretas, porque aqui por essas serras a maior “Festa
dos Caretas”, dos sítios é a nossa...É união. Porque na época da
“Semana Santa” nós se junta, todos os Caretas para realizar a festa que
é muito boa.” (Fernando, Brejinho)
“O que é ser um Careta??? Sei lá...é ...(silêncio). Pra mim ser um
Careta... eu acho que é igual a ser um palhaço num circo, né? Um circo
sem palhaço não existe. É igual. a “Semana Santa” sem o Careta...pra
mim não existe...sem o Careta.” ( o José, Cacimbas)
Os quatro “Brincantes”, José, Nego, Nélsia e Fernando trazem
quatro categorias de percepção, de pensamento. Ou seja, quatro maneiras de
124
enxergar, construir e desconstruir toda a realidade em que vivem e não só da festa
ou do momento de intervalo para brincar. Vejamos o trecho:
“...a realidade é contraditoriamente construída pelos diferentes grupos
que compõem uma sociedade; em seguida, as práticas que visam a
fazer reconhecer uma identidade social, exibir uma maneira própria de
estar no mundo...enfim , as formas institucionalizadas e objetivadas
graças às quais “representantes”...marcam de modo visível e
perpetuado a existência do grupo, da comunidade ou da classe.”
(Chartier,1987,p73 )
O historiador Roger Chartier, nos ensina, que uma apreciação
do real traz em si, por um lado, uma perspectiva do grupo ao qual o indivíduo
participa, grupo que não é econômico mas intelectual também. E por outro
lado, uma percepção deve ser vista e ouvida como repleta de uma carga
impositiva, ou pelo menos uma tentativa de imposição de sua autoridade sobre
outras percepções. É que ele denomina de “luta de representações”.
Assim, nossos quatro Caretas, ao falarem, trazem a luta de
percepções sobre suas realidades. José centra-se na idéia de esconder-se, de
tornar-se outro; Nego traz a questão religiosa à tona, mas não esquece que o
Careta está no lugar de outrem; Nélsia traz dois elementos em sua fala, a tradição
e a mulher sujeito da História, mas utilizando a máscara para “cavar” seu espaço
na comunidade. Pois a tradição não traz em sua origem a mulher como Careta,
sendo revisitada pela nova geração que incorpora esse novo elemento, a
participação feminina.
Fernando, assim como Nélsia, aponta a tradição como
elemento fundamental no ato de ser Careta, mas segura-se mais nesse ponto do
que ela. Pois para ele, a tradição es intimamente relacionada à união e ao
orgulho de sua comunidade, pelo fato de todos participarem e ajudarem para que
ela, a Festa, ocorra. Como na maneira dela acontecer, que não é por acaso, pelo
contrário, organiza-se e faz-se a melhor brincadeira das Serras no município,
como ele coloca.
Tal debate de opiniões se durante a festa, não de forma
direta, mas metamorfoseia-se em encenação. A discussão, portanto, não é
125
aberta. Disfarça-se, assim como o “Brincante” e em lugar do discurso falado,
pode-se, talvez, tornar-se exasperado. O discurso metafórico, cômico, da
vestimenta, dos gestos, das mudanças de corpo e da voz o faz leve, engraçado,
bonito e corajoso.
Daqui, pode-se inferir que a encenação dos Caretas é uma
questão que se coloca como existencial, referente à identidade do ator, do
“Brincante”. O mundo cênico, representado durante a brincadeira, nos leva a
imaginar que o mundo do cotidiano não serve ou o é suficiente ou conveniente
ao “Brincante”.
21
“Na Santa Ceia, Jesus anuncia a traição. São João pergunta: -
Quem é? Jesus responde: - Aquele a quem eu der o bocado que
vou molhar. E molhando o bocado, tomou-o e deu-o a Judas
Iscariotes.” (Jo-13. 21--30)
A palavra teatro significando lugar de onde se vê. Caminhemos
para observar e analisar os espaços tomados(os lugares de onde os “caretados”
serão vistos) pelos mascarados durante a festa e como eles os preparam.
Relembremos as palavras de Nego, citadas acima, sobre uma
das figuras que compõe a Brincadeira/Festa: o Judas. “O Careta, eu acho pra mim,
é uma personagem, do tempo de Cristo, né. Um soldado! Do Judas. Acho que o Careta
que tá ali mascarado tá representando um soldado, pra mim né.” (Nego, Sede).
Primeiro, o diretor da associação, explica que o Judas é uma
personagem, e não imagino que forço a barra ao ler, literalmente, “personagem”,
como figura cênica, pois as palavras são poderosas vindas de nosso imaginário.
A “Semana Santa” aproxima-se e, com ela, prepara-se o
cenário e o figurino para representar o enredo de todos os anos, dentro de uma
tradição de muitos e muitos anos.
126
No enredo, encontram-se as caminhadas dos Caretas, a feitura
do Judas, a preparação do Sítio do traidor e a arrecadação dos bens do dono do
sítio, bem como elaboração da personagem: andar, falar, vestimenta, como fica
claro na fala de Marcondes:
“Basicamente compõe o cenário o seguinte: É o Careta, o Judas, a forca
que é o “Pau do Judas”, também é um atrativo, e o sítio. O Judas bem
ajeitado, um pau bem bonito, bem alto é muito bacana. E um sítio dele
muito enfeitado com melancia, mandioca, macaxeira, cana-de-açúcar,
todas as variedades de alimentação possível a gente tenta valorizar de
se mostrar o que se produz na localidade.”
A descrição do “cenário”, expressão do “Brincante”, marcará a
última cena da “Semana Santa”, tanto na Sede, quanto nas localidades, lugar
onde o Careta tirará a máscara. Suspirando, tanto de alegria por ter brincado,
como pela saudade de ter terminado, mas no próximo ano... tem mais.
A figura central no cenário do tio, é o Judas. E sobre ele e
sua confecção Marcondes fala:
Ivaneide: “Aqui no Brejinho quem faz o Judas?”
Marcondes: “Olha, o Judas sempre foi, uma tradição nossa de fazer o
Judas rudimentar, diferentemente desse de Jardim. Em Jardim, o Judas,
é feito mais de madeira, com prensa, bem forrado de gesso. Com um
artista grande, que é o Luís Lemos. E o nosso Judas é feito rudimentar,
com o famoso melão, feito de capim. Eu até já tentei inovar no Judas. Já
tentei fazer igual ao de Jardim, não achei que fosse uma excelente idéia.
Esse ano eu retornei as idéias passadas sempre com umas diferenças.
A gente faz umas trocas.
Esse ano o meu Judas tem o famoso capim que 100 anos
atrás ele tinha ele não deixou de ter. acrescentei um pouco de gesso.
E estou, fiz o projeto da cabeça dele. E quem dando o acabamento
final é um artista daqui de Jardim. É um rapaz que fez um curso com
Luís Lemos, é o Antônio Amaro.
Ele é um rapaz que trabalha na arte de escultura,
escultor. Trabalha na parte de madeira em geral. É um grande artista e
eu achei por bem, esse ano, valorizar o trabalho dele, e mandei ele
pintar o meu Judas, isso já sendo intercâmbio cultural que antes a gente
nem se conhecia e através desse Judas eu já tô buscando uma parceria
com ele e dentro desse nosso Juda eu posso divulgar o trabalho dele
como justamente eu quero quando a gente terminar eu quero que você
dei algumas palavras pra divulgar o trabalho dele.”
Ivaneide: o Judas de vocês vai homenagear alguém?
127
Marcondes: Olha, sempre o Judas nosso tem característica diferente do
de Jardim. Eu não tento copiar. Eu tento fazer o Judas preservando
aquelas raízes que ele tem. Veja bem, mas eu sempre botando o
nosso Judas com um tema. Esse ano o meu Judas já falei com o
menino, o tema nosso vai ser a violência, por que sendo tanto debate
no mundo. O Judas de Jardim sempre é um segredo, que eles só
revelam no último dia, apesar de eu não ter um grande conhecimento,
eu posso possivelmente achar que será uma pessoa dita. O meu eu
escolhir o tema violência ainda hoje, esse ano mesmo houve um assalto
aqui. pouco dias, no Jardim. O meu pai foi vítima. E através da
Semana Santa eu também posso promover uma ampla discussão
acerca da violência. O meu Judas vai desenvolver o tema violência. Eu
vou botar ele com uma arma nas costas. Então o seguinte: aquela arma
vai simbolizar como se fosse qualquer bandido. Pelo menos uma
apologia como se ele fosse o bandido que nós vamos tentar destruir. ( o
pai de Marcondes, seu Zezinho, disse: serve até pro bandido saber
como é o final do banditismo. Saber como é o final dele que ser rasgado
é ser acabar ) Então a consciência sempre passo pro Caretas que nós
auxiliamos e no geral ele não se parece com pessoa nenhuma ele é um
cidadão comum, qualquer que pode aparecer a qualquer instante e ser
uma pessoa violenta. ( seu Zezinho novamente: Alguém pode achar
parecido com A ou com B) Então muitas pessoas quando ver a
fisionomia dele, o Judas é um pouco grande. Nas dimensões de 1,78 ás
vez 1,80. Pesa 58, 60 kg dependendo da organização interna dele.
Digamos assim, da anatomia dele.”
Acompanhei o término da confecção do boneco (2002) do
Judas, realizado por Marcondes, com o auxílio do irmão e de um primo. Na oficina
improvisada nos fundos da casa, os pedaços do boneco estavam sobre um jirau.
Marcondes conversava comigo, enquanto eu apreciava os
trabalhos e tirava fotos. Apenas a cabeça do boneco foi confeccionada fora da
“oficina familiar” e chegará pelas mãos da jovem promessa artística a que
Marcondes se referiu e me apresentou: Antônio Amaro, da Serra de Boa Vista,
também município de Jardim.
A imagem do boneco em pedaços sobre a “mesa”, o cuidado na
sua elaboração, fez-me pensar nas palavras de Nélsia quanto à beleza do Judas
de Jardim, que dava pena na hora de estraçalhar. Tive a mesma sensação ao
acompanhar aquele trabalho.
Ali, sobre o jirau de lavar roupa da família Salu, vai aparecendo
um ser que, aos poucos, deixa de ser inanimado para ganhar uma personalidade.
Ele é carregado pela casa. Ora descansa próximo ao oratório na sala. Ora
128
escorra-se na parede do boteco de seu Zezinho, observa as pessoas jogarem
sinuca, enquanto todos ao redor, principalmente os Caretas, preparam o ambiente
para o grande dia.
Personagem tal qual os Caretas, o Judas tem sua trajetória
curta e certa. Assim como parece ser o destino do inspirador do boneco, o
apóstolo Judas Iscariotes(João,126,13:29) o quinto homem no Ministério de Jesus
de Nazaré, responsável pela administração dos recursos do grupo principal de
seguidores do Cristo.
Homem, portanto, importante, na tarefa de Jesus de levar a
palavra de seu Pai aos homens, mas que Jesus sabia que iria traí-lo. No filme, A
última tentação de Cristo”, o diálogo entre Jesus e Judas mexe com o raciocínio:
“Jesus: - Vá a eles e ofereça-se para levá-los aonde estou.”
“Judas: - Jamais, Mestre. O Mestre bem sabe que eu jamais o
entregarei!”
“Jesus: - Judas, não me traía justamente agora!”
Na obra literária de Fernando Sabino: “Encontro
Marcado”(2004) o protagonista diz, para horror do padre, que o maior medo de
Jesus Cristo era que Judas não o traísse, por que se ele não o fizesse, como
Jesus cumpriria seu destino de salvador?
“.....
O padre tornou a respirar fundo, a voz se fez deliberadamente branda: -
Me diga o que foi que você perguntou ao padre Lima.
....
- Perguntei a ele o que seria de Cristo, se judas não o traísse...
- Explique-me essa história: se Judas não traísse...
- Porque o grande medo de Cristo era que Judas falhasse, e se não
houvesse crucificação, nem nada. Isso o mundo deve a ele: Judas não
falhou. Mas como a salvação do mundo podia vir de Cristo, Judas
condenou o mundo, se suicidando.” (Sabino, 2003, p40)
A ficção é um campo de debate polêmico mas seguro (nestes
casos) para indagar, questionar por que não foi possível mudar o destino do
apóstolo, anunciado na “Santa Ceia” ?
A sina do boneco Judas, na “Festa dos Caretas”, assim como
aquele que o inspirou segue o seu curso porque assim deve ser : no caso do
129
boneco, primeiro é alvo de cuidados. Quase todos o seguem, o aplaudem pelos
caminhos das localidades da festança e na sede. Rápida derrocada. Subi ao
topo do mastro com corda no pescoço, condenado e pagará de forma grotesca a
sua traição.
Ao mesmo tempo, a figura do Judas, na festa, parece-se um
tanto próximo também da figura do salvador, de Cristo. Parece trazer, em si, as
duas personagens. Não foi Cristo, pelo senso comum, o ouvido, o festejado nas
boas novas que trazia e depois levado ao calvário para a morte após muito
sofrimento?
Quando se pergunta quando começou a brincadeira na Serra
vêm aquelas respostas encontradas na cultura tradicional, “desde o começo do
Mundo”, “dos antigos”, “sempre foi assim”, “do tempo da bíblia”, “meu avô, meu pai
brincavam e eu continuo.” Algo de providencial, de destinação , de “religação”
em todas essas afirmativas.
No Brejinho ás 16 horas do Domingo de Ressurreição, os
Caretas devem se reunir em frente ao estabelecimento comercial e casa de seu
Zezinho. Também estão espalhados pelos arredores dezenas de pessoas à
espera do momento importante. Alguns conversam em pé mesmo. Outros sentam-
se às mesas, bebericando e pondo assuntos em dia, enquanto não chega a hora
de matar o dono do sítio e ver os Caretas dividirem seus pertences.
Fogos de artifícios são ouvidos. Soam os chocalhos nas
cinturas dos Caretas, que fazem um círculo em torno da forca do Judas.
Marcondes, sem máscara, retira as posses do Judas. Explica que, na atualidade,
é diferente dos tempos antigos para evitar brigas, acidentes eles retiram as
“coisas” do sítio e, após a queda do Judas, as dividem entre os Caretas,
organizadamente.
Homens armados de espigadas “socadeiras” tentam derrubar o
Judas. Vai escurecendo e ninguém consegue o intuito. As pessoas que aguardam
dão palpites de como mirar. Seu Zezinho percebendo que a noite chegava e não
haveria iluminação o suficiente para derrubar o Judas, encarrega-se da tarefa.
Pronto.
130
Cai o Judas. Os Caretas correm, brigam por um pedaço do
boneco e o estraçalham. não se nada, a poeira e a escuridão da noite, que
se aproxima, nos atrapalha.
Quando termina, alguns Caretas perderam as máscaras, outros
partes da roupa e apresentam arranhões nos braços.
Homens e mulheres dançam forró. Os Caretas desaparecem
aos poucos. Outras pessoas pegam a estrada retornando às suas casas.
Terminou a Festa naquele ano. Foi cumprida a tradição, Marcondes, termina a
conversa apontando o papel do Judas:
“O papel dos Caretas malhando o Judas é simplesmente o seguinte, é
chamando ele de traidor que traiu o Cristo. O maior que pisou na fase da
terra até hoje. é tipo uma punição! E pra não acabar com aquele
sentimento cristão mesmo que existe que o Judas traiu Jesus Cristo.
Traiu o maior de todos os homens que pisou na fase da terra até hoje.
Acredito eu.”
22II
Os Caretas, enquanto encenação teatral, remetem-nos a
questões como produção (escritor), instrumentos (códigos/suportes); mensagem
(significação- conteúdo); recepção (leitura, reapropriação), palco .
Aqui, o produtor do texto, são os Brincantes, os fazedores da
festa, mas também os moradores da cidade que não brincam, mas aderem à festa
de diferentes formas, de livre vontade ou através de concessões. São produtores
do texto, ainda, aqueles que vêm de outros lugares e fazem suas leituras, que
interagem com a festa ajudando a construir determinadas imagens.
São produtores do texto, aqueles que assistem, pois o corpo
reage: olha, faz careta, bate o pé, corre, ri. Nobert Elias (1991), sem uma de suas
obras leva-nos à reflexão sobre “artistas” e “consumidores”, tomo a liberdade de
aproximar com a relação “Brincantes” e público.
Comentário:
Página: 68
Neste capítulo devo discutir mais
cada código resumido aqui (
discussão sobre o corpo, sobre
máscara, etc. sempre ampliando o
debate.
131
Refiro-me primeiramente aos próprios Caretas e seus métodos
de composição e por que não escrita da Brincadeira/festa no município, o os
Caretas de Brejinho o alvo principal de minha atenção.
E estava eu, na casa de seu Zezinho da Conceição(2002),
quando os rapazes arrumavam-se para a brincadeira. Eu a observar, tentando ser
sorrateira, como uma atriz sem fala, sem corpo, fingido ausência, tal qual um ator
do teatro Nô, Kyogen e Kabuki ( claro sem o mesmo talento) descrito por Barba.
“trata-se de um ator-bailarino representando sua própria ausência.”
(Barba,1972,p10).
A encenação inicia-se dentro de um ritual da arrumação, da
colocação do traje, da composição da personagem Careta. Era um Sábado. Mais
tarde teria o forró na parte da frente da venda do Seu Zezinho.
Aos poucos, rapazes e moças chegavam à casa e corriam para
um quarto. Rapazes abriam as gavetas e o guarda-roupa, selecionavam
vestimentas femininas e as moças participavam, com palpites, risos e jogos de
olhares para aqueles que elas achavam mais bonitos. Elas entregavam acessórios
como cintos, presilhas de cabelo e olhavam máscaras. Balançavam os chocalhos.
Riam constantemente. Faziam apostas de que seriam capazes de adivinhar
depois quem era cada um deles. Momento do jogo de sedução entre os jovens.
Lembrei da primeira conversa, na Sede, com Eternite, quando
ele, falou-me que a Brincadeira começava na hora de escolher o traje, em meio
aos colegas que iam brincar, dentro do que chamou de fofoca de folia.
Cegaram-me! Os rapazes iam desaparecendo. Em seus
lugares apareciam um Careta por vez, veio um mostro com máscara de plástico,
calça jeans, camisas sobrepostas, luvas azuis nas mãos, tênis e chocalho.
Veio um outro, com máscara de plástico debaixo do
equipamento utilizado pelos criadores de abelhas, macacão branco, maior que ele,
e tênis.
Caso interessante foi do Fernando, que continuava no quarto e
eu ouvia risos femininos, não agüentei e fui até lá. Encontrei-o usando uma saia
132
que não dava dois palmos, um sutiã com enchimentos, uma máscara de mostro
com gingolé colorido sem a máscara.
Fernando fazia aquilo mais dentro de um ritual de
enamoramento do que para compor um traje de Careta, pois depois que deu umas
voltas pelo quintal, o “travesti” sumiu e não retornou mais naquele dia. Óbvio, que
arranjou outro traje.
Quanto às meninas, mais tarde senti suas ausências e soube,
por pessoas que estavam ali, que muito daqueles Caretas que eu estava vendo
eram elas, pois elas vestem-se depois, mais escondidas e sem alarde.
Uma encenação que não se pretende ser uma apresentação
teatral como se conhece. Mas acaba por ser uma representação dentro de uma
representação. O Brincante finge uma realidade diferente da realidade que nada é
mais que uma representação.
Cada Brincante compõe o seu fingimento, tendo como base
uma idéia de real, que é o seu cotidiano, idéia que ele tem sistematizada ou não.
Mas o real é produto de leituras de cada um dentro das possibilidades dos
contextos de seus grupos sociais.
Então, no representar ou encenar, o ator do teatro Ocidental
finge ser outrem, toma características que não são suas, mas mantém a
consciência que ele está ali. O Careta, ao trajar-se, tenta, com todas as forças
físicas e psíquicas, a sua ausência. Fazendo o processo que Nietzsche tão bem
afirmou quando falou sobre as procissões de rua na Grécia Antiga: O homem é
não artista, tornou-se obra de arte...(Nietzsche,1993,p31)
É puro fingimento mas pode, trazendo Chartier, significar tomar
algo em seu lugar. Assim como posso juntar os dois conceitos a partir da Festa
dos Caretas?
O texto dos Caretas não encontra-se escrito, como a maioria
das peças de teatro, desde a Grécia, no mundo Ocidental, mas tem certas regras
que o compõem que não podem deixar de aparecer quando observadas.
As regras são sacralizadas como provenientes da tradição.
Neste sentido o fato do Careta ser um “Gaiato”, um brincalhão, um palhaço, um
133
bufão é básico a todos eles. Careta é aquele que promove a “arrumação” para o
povão rir. Pelo menos os que gostam dos Caretas.
E, neste caso, funciona um maniqueísmo claro: existem os
bons e os maus camaradas. Claro, os maus, são aqueles que não gostam dos
Caretas e são quase sempre alvos favoritos das traquinagens dos mascarados.
Temos várias histórias como as do senhor Zé Salu:
Zé Salu: Já fui doutor. Dava vacina nos Caretas. Ás vez tinha um
Careta...porque ele gosta de ter um jeito como se fosse aleijado.
Recuperava um aparelho descartável e “butava” até água, que não era
pra curar mesmo não. Quando acabava...(em voz de falsete)
Bilão, você doente! Você parece que com começo de paralisia.
(risos) E o outro dizia: - Eu tô. (voz falseada) E quando acabava, ele se
deitava no chão, eu enfiava a agulha na roupa. Ele ficava bonzinho.(voz
falseada). (risos)
Nas descrições de Brincadeiras dos Caretas vamos adentrando
um mundo de personagens, no caso de “seu” Zé, ele fala do Doutor, presença,
ainda hoje, constante nas passeatas dos Caretas e mesmo nos dias anteriores à
Festa oficial, no calçadão da Sede, vê-se doutores com seringas buscando
“doentes” para a cura.
Outra história, agora do filho de seu Salu. Esta é uma
dessas brincadeiras feitas a um desafeto dos Caretas, e estes nunca eram os
encaretados que não gostavam, parece que o motivo da risada era que, no fundo,
mesmo aqueles que não eram Caretas, achavam graça em mexer com tais
pessoas, como mostra a fala de seu Antônio Salu:
“Tinha um velho que gostava de tomar muito café. Um velho que era
perigoso. Derrubava os “inventos” das crianças. Não tinha uma pessoa
que entendesse dele. Até uma pessoa adulta tinha medo dele. (eu
pergunto o nome dele é velho?) É, o finado João Borges. Nós brincando
de Careta vamo” pegar ele um dia na casa de pai. Que eles eram
amigos. “cheguemo” no terreno com voz de falsete: -“O “véi” Borges
entrou aí? o menino disse: - tomando uma xícara de café. Tá que
é todo um sapo sentado na cadeira. “Tava” todo um Cururu.
“chegemo” por aqui um com uma espingarda, o doutor trás com as
mãos nos remédios. cheguemos por aqui chegou um e botou a
cara como na porta da cozinha, em voz de falsete: - Ô bicho “fei” minha
Nossa Senhora! Vou matar essa peste! O velho disse: - Olhe eu não
134
gosto de brincadeira. Ele “tava” com a xícara. O Careta arrastou daqui
( fez um gesto em relação a uma espingarda sendo retirada das costas e
o gesto do tiro) e o Careta, PUM! O velho caiu com xícara de café e tudo
(risadas). – Ei comadre Maria esse “fi” da peste me fez uma arte. Fulano
me atirou! Me matou!!! Encheu a casa de poeira. O outro chegou por
trás , em voz de falsete: - “Como foi matou o bicho? Assim o tiro não
prestou não quebrou só a asa ele tá chumbado, mas eu já tô carregando
de novo. o velho ficou se temendo todinho. Era pólvora. Era só de
longe mas a bucha batia. Mas não era nele foi na xícara de café.
Comadre Maria esse “espritado” me matou! Dona Maria: - Vocês tão
doido? é que tinha um bicho “fei” aqui e nós “ignoremo” o bicho é “fei”
demais no “mei” do povo. (risos)
O improviso é patente na cena acima. A encenadora, Viola
Spolin, diz que: No teatro improvisado o ator é artesão de sua própria educação(1963,
xxiv). Ou seja, sua atuação é repleta de liberdade para produzir-se a sim mesmo. É
o que ocorre na cena descrita por seu Antônio e, ao mesmo tempo, de maneira
cômica mas não pouco violenta, os Caretas submeteram o homem que todos
tinham receio. Armados e mascarados foram à forra. Seu Antônio diz que não
havia perigo e reforça o lado cômico da história o ar cômico, mas seu Borges
sofreu com a brincadeira que creio nem todo mundo ia gosta de passar por ela.
E se ele era uma pessoa considerada a cena deve ter sido
minimamente preparada ali, perto de onde o pobre senhor ia tomar sua inocente
xícara de café. Entrada de cada Careta, ação principal preparada.
Seu Borges reagindo a ameaça de um segundo tiro faz o
pedido de socorro à dona da casa, que parece incrível, nada tinha ouvido até
momento em que a vítima gritou por ajuda.
23
Corpo é porção limitada de matéria; substância conformada de
cada animal; parte material de uma homem ou de um animal, vivo ou morto. O
corpo aparentemente é algo mais próximo do animal e mais distante da cultura,
135
mas, no caso do ser humano, tudo que se refere a espécie acaba por
“culturalizar-se”.
O corpo humano é elemento fundamental para este afirmar-se
ou renegar-se como tal, pois o ato de “culturalização” , é estatuto final de
confirmar-se diferente de outros de sua espécie, em boa parte das vezes, melhor
que de outras espécies.
Como disse Zumthor: Meu corpo é a materização daquilo que me
é próprio, realidade vivida...ele existe à imagem de meu ser...”(Zumthor,1990,p28) O
corpo é mais uma ligação entre o teatro e a Brincadeira de Careta, o suporte,
tanto em uma atividade como na outra, é o corpo ou do ator ou do “Brincante”. É
sobre o corpo que vão-se montando as narrativas no teatro, na Brincadeira.
O corpo tem sido objeto de análise para os historiadores,
graças a estímulos dados por outras áreas do conhecimento, como a
Antropologia, Sociologia e Psicologia, seja no que concerne aos “significados
simbólicos” (Burke,1990), seja como encruzilhamento entre o ego e a
sociedade”(Porter,1990,)
Perspectivas adotadas por historiadores ligados a uma forma
diferente de fazer pesquisa histórica, firmada no século anterior dentro do que
ficou conhecido como, “Novas Abordagens”, “Novos Objetos” e “Novos
problemas“.
No teatro Ocidental, o corpo é um meio importante para a
comunicação em cena, mas ele compete com o texto do autor, move-se de forma
determinada por algo exterior a ele mesmo, submete-se ao texto.
No caso dos Caretas não texto escrito. Todas as regras de
composição são dadas pela observação e oralidade. Dentro da construção do
improviso na Brincadeira, o corpo do Brincante é o suporte que determina a
personagem Careta. É com o corpo que o Careta se constrói enquanto tal.
A referência primordial para discussão deste tópico é a
pesquisa desenvolvida pelo pesquisador-encenador Eugene Barba, na Obra A
Arte Secreta do Ator”(1995), não há tentativa de enquadrar ou achar princípios
universais mas formas de ser Careta, mas penso poder utilizar-me da reflexão
136
daquele encenador-pesquisador na forma como os Brincantes se fazem Caretas,
quando estes têm o corpo, assim como o ator do teatro pesquisado por Barba,
como principal veículo para sua arte.
O teórico do teatro antropológico Barba, sistematizou formas de
interpretações teatrais usando o corpo como principal portador das mensagens.
Tendo o texto escrito (não a voz, pois os sons permanecem) como base para
montar enredo ou personagens.
O corpo do ator ligado à escola de Barba, fala do lugar que
pertence, assim como o corpo do Careta. Mas percebendo tal corpo dentro dos
aspectos não apenas de um presente mas de uma tradição, adquirida dentro de
uma aprendizagem informal dos grupos de Caretas de Jardim. O Careta tem um
corpo observável. Um corpo composto para ocasião baseada em modos antigos
de como ser Careta.
Barba trabalha com a idéia de que o ator Oriental,
diferentemente do ator Ocidental compõe para representação no palco, a partir de
regras orgânicas, ou seja, busca no seu organismo elementos para composição
de suas personagens.
Diferente do ator Ocidental, em que as técnicas são exteriores
ao seu corpo, vem de fora para dentro, ou seja submete-se à hierarquia de um
texto escrito, a base do estudo do ator de Barba é o seu cotidiano, que tem uma
marca histórica, em dado tempo e espaço.
O ator do teatro Oriental, pesquisado por Barba, tem como
mote para sua composição o seu cotidiano, assim como, em muitos casos, atores
de outras correntes, mas difere o ator de Barba, pois este, busca o cotidiano para
dele fazer-se extra-cotidianamente.
“A maneira como usamos os nossos corpos na vida cotidiana é
substancialmente diferente de como o fazemos na representação. Não
somos conscientes das nossas técnicas cotidianas: nós nos movemos,
sentamos, carregamos coisas, beijamos, concordamos e discordamos
com os gestos que acreditamos serem naturais, mas que são
determinados culturalmente.” (Barba,1995,p9)
137
Ao brincar, o Careta, de forma intuitiva e prática, toma noção
do próprio corpo e de certas leis sobre movimento que o rege, realiza um estudo
empírico que o ator com as técnicas pesquisadas por Barba faz racionalmente.
O Brincante precisa arrumar uma forma diferente da sua própria
de andar, falar. Inevitável, nesta procura, que ele acabe, diferente da maioria das
pessoas, por tomar noção de como ele é, seu corpo “naturalmente”, no dia-a-dia.
Barba fala em “sentido muscular”, que é a percepção do estado
de contração ou relaxamento dos músculos e do trabalho que estes realizam afim
de suportar um determinado esforço.
Para libertar-se dos movimentos “naturais”, o Careta utiliza a
regra oposta do cotidiano de qualquer um de nós, que é o do menor esforço para
realização das atividades. O caminho do brincar é inverso. O Brincante objetiva as
ações como andar e falar por meios de uma maior dificuldade em realizar tais
ações.
O mesmo ocorre para trajar-se. Pois, pensar naqueles homens
e mulheres em temperaturas altas totalmente escondidos, abafados por panos e
outros materiais em nome do anonimato, sem medir as dificuldades, não deixa de
ser admirável.
O Careta, ao se pôr a caminhar, desobedece a um equilíbrio
natural em relação à linha da gravidade, perpendicular ao chão, pensada a partir
da cabeça ao chão do indivíduo.
A posição do corpo é de atenção músculos dos quadris
contraem, o glúteo também - E quanto maior for o movimento fora da linha de
equilíbrio maior o esforço físico para manter o corpo em movimento.
Tal modificação do corpo provoca duas ações aparentes,
quanto mais o Careta concentra-se no esforço físico mais ele se modifica
fisicamente, transfigura-se afastando-se do que ele o é na “realidade”. Entra em
processo de representação.
Ao mesmo tempo, quanto mais afastado do seu cotidiano
psicologicamente mais fácil dele entrar no êxtase e representar. A obra de arte e
Comentário:
Mais a frente
posso falar da permanência da
tensão mesmo quando o careta
para o movimento. Vejo a figura
parada, estática mas em plena
tensão muscular. Um corpo vivo.
Fala e procura relações com o
meio em que estar.
138
não apenas a sua representação. Pois, ele acaba não sendo apenas um ator
entre atores, mas ele, o Careta forma um conjunto com os outros Caretas.
O Careta concentra-se no quadril afastando-o para trás. Dobra
um pouco os joelhos, prende o abdômen com a ajuda das coxas. Os pontos de
tensão localizam-se, principalmente, no quadril e coxas.
Essa forma do corpo e a maneira de lhe dar intensidade é
resultado da observação e do treino ao brincar, mas podia-se escolher outra forma
para tensionar o corpo?
Provavelmente sim. Mas a memória ditada pela observação,
realizada pelos mais jovens e a confiança deste naqueles mais antigos e na
tradição, confirmam a permanência de um corpo de Careta em Jardim.
Os Caretas na festa, “é um saber-fazer”(1990), ligando-se a
uma praxes que não separa o pensar do executar, a partir da análise de Paul
Zumthor, com o conceito de “Performance”, que nos ajuda a ligar todo o evento.
Não separa pensar-executar e nunca permanece como apresentado, modifica-se
autorizado pela memória do grupo.
O corpo físico é o suporte. Ele realiza os gestos compondo a
lógica da festa: a de não mostrar-se. Esconde-se do olhar que olha, utilizando-se
da idéia contrária, aparecendo demais.
Na obra, “Castelo de Cartas”(1999), Ítalo Calvino, narra cenas
ocorridas em um castelo em que, por algum sortilégio, os que o visitam ficam
mudos e impossibilitados de falar e a comunicação acontece através de cartas de
taro.
Cada personagem toma do maço de cartas para contar sua
história para outros, estes se esforçam para entender, usando a imaginação como
parte constitutiva da interpretação de cada narrativa.
Por vezes, o narrador, sente-se com medo de fazer uma leitura
equivocada das mensagens, busca confirmação nos olhos e gestos de seus
parceiros.
Falava pouco que, ao movimentar-se, o Careta desobedece
algumas leis da natureza, em nome de um desequilíbrio baseado na utilização da
Comentário:
Falar na
conclusão a partir daqui o
desaparecimento da ligação e da
importância da Brincadeira para
festa e da carnavalização da festa
perdendo com isto o corpo e a
ligação com a tradição. Lembrando
daqueles brincam sem tencionar o
corpo perde-se a forma antiga e
vai avaliar por que aqueles que
disfarçam-se continuam a brincar.
Ou eles surgem como transição na
brincadeira e na sociedade. Surge
uma maneira nova pois a
sociedade muda e perde o interesse
pelo antigo. Por isso a discussão
daqueles que ainda estão ligados a
tradição que a brincadeira da zona
rural ou urbana é melhor o
incentivo para uso da máscara
antigas e mesmo a idéia do Judas
mais artesanal e uma roupa
artesanal.
139
lei do maior esforço para realização dos movimentos. Mas o Careta chega, mesmo
quando não se movimenta, a manter tal desequilíbrio. Consegue parado manter a
idéia da tensão muscular a qual Barba referia-se quando viu os atores Orientais.
O Careta parado, ainda concentrado nos quadris para trás e
nos joelhos levemente dobrados, põe, em plena tensão sua musculatura de
Brincante. É um corpo vivo, diferente, chamativo, grotesco e engraçado, em nome
do desejo de comunicar-se com seu meio.
Quem o observa não pode deixar de ser atingido, de olhar
parece impossível. Comenta-se, ri-se, olha-se principalmente. O corpo daqueles
que observam também reage. Colocam as mãos na boca para esconder o riso.
Quando acompanhados pegam nos braços do companheiro e comentam entre
risadas.
No corpo “encaretado” vemos a importância de um adereço do
traje: o chocalho.
24
Ao balançá-lo o Brincante força o quadril sempre para trás, e
quanto maior é o chocalho mais o quadril é puxado em sentido contrário ao
restante do corpo.
O chocalho e cassetete compõem os trajes dos Caretas, sendo
o cacete (cassetete) freqüente e o chocalho obrigatório. José de Lajinhas e
Jamilles concordam que Careta sem chocalho não é Careta. Tanto o cassetete
como o chocalho são sinais claros de outros tempos.
O cassetete ou cacete, a um tempo atrás, era usado para
bater nas pessoas que assistiam à festa, Luís Lemos diz: “Hoje em dia eles não
batem mais...É só para lembrar.”
Quem sabe lembrar de outros tempos, em que alguns Caretas
aproveitavam a festa para aprontar com seus desafetos .Aproveitavam-se da
máscara para brincar, dizer desaforos, espancar os inimigos ou realizar atos mais
140
singelos como correr atrás das moças que desejavam, mas não tinham coragem
de revelar de cara limpa, fazendo joguinhos de assustá-las, fingindo que queriam
bater nelas.
O chocalho, simboliza o próprio Careta. Ele ajuda, arrisco a
dizer, que determina o corpo do Brincante para a Brincadeira. Daí a idéia de certos
Caretas de afirmarem que, quanto maior o chocalho, melhor. Perguntava a eles
por quê. Eles pensavam um pouco e resolviam com a frase do tipo, “faz mais
barulho!”
Basta olhar o Careta para percebermos a força do adereço,
importante pelo barulho, pois anuncia que vem mais um “encaretado”, e pelo
corpo que ele ajuda a construir.
Ao andar, a impressão é que os joelhos e os quadris se
sobressaem em relação ao resto do corpo. Força o Careta a prender a barriga e
soltar os joelhos e é como se as “canelas” estivessem soltas em relação à tensão
criada pelos quadris, barriga e joelhos.
Quando alguém observa um Careta que domina tais leis o olhar
fixa-se nas tensões do corpo do Brincante. Tais tensões servem ao Brincante que
tem que se concentrar no corpo cada vez mais.
Enquanto o Careta tem o sentido de atenção sobre o
movimento dos quadris, que movimentam o chocalho, sua mente meio que
esvazia-se, ele esquece-se de si mesmo. Como Merleau-Ponty disse, o corpo
aparece como “postura”.
A atitude do Brincante, optando pelo maior esforço em
permanecer na postura descrita pouco, traz conseqüências a seu corpo,
apresentadas em certas falas, como de José e Miguel de Cacimbas:
Ivaneide: - Como é o Chocalho que vocês usam aqui?
José: - Assim, desse tamanho. (deu espaço de um antebraço)
Miguel: - Quanto mais grande, mais melhor o Careta acha, eu pra mim.
Ivaneide: Acha o chocalho grande melhor, por quê?
José : (pensou) - Por causa da zoada, do tom do chocalho que a gente
usa. Mas quando é no outro dia, isso aqui, (apontou) o traseiro fica todo
doído. Porque bate demais. (risos)
141
A função de tamanho esforço, por parte do Brincante, é a
estupefação e transformação, e não deixa de ser curiosa a fala de Barba sobre um
nível pré-expressivo do ator Oriental estudado que bem parece com a composição
dos Caretas de Jardim, observe:
“...nível pré-expressivo...energia...estar em ação( que é) o KOSHI –em
japonês não é um conceito abstrato, mas uma parte muito precisa do
corpo, o quadril...dizer ele tem ou não koshi é dizer se ele tem ou não
quadril. Mas o que quer dizer? ...para bloquear o quadril enquanto se
caminha é necessário dobrar os joelhos ligeiramente e, ajustando a
coluna vertebral, usar o tronco como um bloco, que então pressiona
para baixo...tensões são criadas...obrigam o corpo a encontrar um novo
ponto de equilíbrio...é uma maneira de gerar vida do ator....baseada
numa alteração do equilíbrio...”(Barba,1995,p10)
No Careta, o chocalho é posto na direção das ancas, seguro
por uma correia de couro e para balançá-lo é necessário arrebitar as ancas,
fazendo uma leve dobra nos joelhos. O que um efeito de jogar o tórax e a
cabeça para a frente, deixando as panturrilhas como que soltas em relação à força
que o Brincante é obrigado a fazer com os quadris.
Barba, em uma passagem, transcreve a conversa do ator do
“Kabuki”, Sawamura Sojuro, esclarecedora quanto à maneira de obtenção de
energia por parte do ator, Meu pai nunca me disse: “Use o “Koshi” ( quadril), mas ele
me ensinou quando me abraçava pelo quadril e me retinha.”(Barba,1995,p10).
Para vencer a resistência do abraço de seu pai, Sojuro foi
forçado a inclinar seu tronco ligeiramente para frente, dobrou os joelhos,
comprimiu seus pés no chão e deslizou-os para frente antes de tomar um passo
normal. Resultado: um passo básico do (tipo de representação japonesa para
o teatro).
Já com o Careta, o chocalho toma o lugar do abraço do pai ano
filho. Tem a finalidade funcional que pouco tem a ver com a idéia da ligação direta
com a pecuária ou uma saudade de um passado que nunca houve.
O chocalho funciona tal qual a força realizada pelo pai do ator
da citação de Barba. São as “forças opostas” que possibilitam, tanto ao ator como
ao Careta, a transformação dos movimentos cotidianos em extra-cotidianos.
142
O melhor Careta é o mais engraçado. Mas qual é o mais
engraçado? Aquele que consegue chamar atenção pela performance, ou seja, no
caso dos Caretas, aquele que vai buscar o desconforto para montar seu corpo.
Assim, Barba diz sobre o ator pesquisado aquilo que posso
utilizar para os Caretas de Jardim: O principal talento de um ator é a capacidade de
resistir, tolerância...um corpo vivo, fortemente presente....forças que estão agindo em
direção oposta à que se observa...”(Barba,1995,p13) Quando o corpo já não se
assemelha a si mesmo, encontra-se fora do cotidiano, de seu “natural”, portanto
não mais obedece às regras do dia-a-dia.
Tais regras referem-se às leis da natureza e às normas sociais.
Quanto às regras sociais, o corpo apresenta-se por vezes, “grotesco”, indecente
para alguns, como um palavrão.
25
Bakhtin, no seu estudo sobre a cultura popular na Idade Média
e no Renascimento, a partir da obra de Rabelais, salienta a importância do corpo,
como expressão de posições sociais divergentes ou diferentes. E pouco
adjetivei o corpo dos Caretas como grotesco. Tal termo faz do estudioso russo
outra referência desta pesquisa.
Quando em desfile, nas passeatas pelo centro de Jardim, os
Caretas se integram aos espaços da Sede, compõem-se e não divergem. Já
soltos, fora dos desfiles, nas noites, pelas mesmas ruas ou nas localidades do
município, sempre em pequenos grupos ou sozinhos, ocorre o contrário,
modificam os espaços pelo estranhamento.
Aquelas figuras desconexas estão fora do cotidiano, da
normalidade diária. Homens vestidos de mulheres, mulheres vestidas de homens.
Alguns carregam características estereotipadas do sexo oposto, preocupados em
serem gaiatos.
143
Outros lembram os atores orientais em outros tempos que
mesmo transfigurados, não estavam “disfarçados” , como bem comenta Barba,
mas despojados do próprio sexo.
Bakhtin, tratou do que chamou de cultura popular na Idade
Média, em oposição à cultura da elite daquele momento. Não trabalho na
perspectiva de separação da Cultura, mas a análise do autor russo é útil, no que
refere-se aos seus estudos sobre as manifestações denominadas por ele de
“Formas de ritos e espetáculos”, especificando-as como representações de
praças, de ruas, realizadas tendo o cômico como elemento essencial.
A Brincadeira/Festa dos Caretas é uma manifestação de rua
com forte comicidade, colocada a partir de elementos identificados como
“grotescos”, descrita . Bakhtin, diz que a estas manifestações cômicas na rua
traziam: “...visão do mundo do homem e das relações humanas totalmente diferentes,
deliberadamente não oficial...um segundo mundo, uma segunda vida...”(1995,p4-5)
O autor nos fala de riso ambivalente em contraposição ao riso
moderno, que emprega um humor negativo. o riso ambivalente, diz Bakhtin:
“...expressa uma opinião sobre um mundo em plena evolução no qual estão incluído os
que riem.” (1995, p11) Há pouco comentava a participação daqueles que na rua
observavam e participavam com seus corpos, risos e gestos de apoio ou repulsa.
Bakhtin fala ainda que tal riso ambivalente tem o poder de
eliminar, provisoriamente, as hierarquias entre os indivíduos, assim como traz
para a praça, no caso para as ruas gestos ligados a uma linguagem carnavalesca.
Percebe-se, de imediato, características carnavalescas nas formas de vestir-se
dos Caretas, na irreverência de alguns trajes, no corpo que traz uma imagem
exagerada. Sexual pode-se dizer. Mas não vulgaridade aparente, parece
apenas nos lembrar da nossa real condição de seres naturais, dominados pelas
regras sociais.
Lembra-nos mas o nos tira da sociedade. É uma saída por
assim dizer segura, regenerativa que nos afasta e nos aproxima da vida diária
brandamente. Bakhtin diz:
144
“As grosserias e obscenidades modernas conservaram as
sobrevivências petrificadas e puramente negativas dessa concepção do
corpo...Essas grosserias...humilham o destinatário segundo o método
grotesco, isto é, elas o enviam para o baixo corporal absoluto, para a
região dos órgãos genitais e do parto...onde ele será destruído e de
novo gerado...Nas grosserias contemporâneas não resta...sentido
ambivalente e regenerador, a não ser a negação pura e simples, o
cinismo e o meio insulto...” (1995, p25)
O grotesco, ao qual me refiro na Brincadeira/Festa dos Caretas,
integra Brincantes e observadores da Brincadeira na idéia do homem
“corporificado”. Suas ancas arrebitadas para trás, a forma como andam, como
trajam-se nos aproxima de uma vida material e corporal, animal, da qual a
urbanidade insiste em nos afastar.
Imagens que fazem nos lembrar que atos como beber, comer,
copular, parir são ações que nos fazem animais. Mas a maneira como o Brincante
se aproxima do significado é regeneradora, pois não nos afasta com agressões,
ao contrário, nos faz rir, talvez, não da forma do corpo estar naquele momento,
mas devido ao fato de termos nos esquecido de práticas o reais e presentes na
vida diária de todos nós.
De Certeau, fala em fazer do corpo aquilo que uma sociedade
pode escrever, quando o corpo segundo ele, “...é posto como página em branco”,
ditando regras, apontando os disciplinados e os indisciplinados, os crentes e o
pecadores. Quando o corpo informa o grau de dicotomização privilegiado em cada
grupo social.
Quando o próprio corpo é marcado por tintas, tatuagens,
“piercings”, vem a imagem do paraíso mitológico católico cobrindo-se de panos
para mascarar a noção do pecado original.
Nos Caretas, o corpo é o suporte do texto e o mediador da
mensagem. É sobre o corpo do Brincante que são colocados os códigos que os
“espectadores” olham, lêem, dialogam. Corpo portador da metáfora que é a
mensagem.
A análise utiliza-se muito da perspectiva de Barba de um corpo
performático e com uma memória muscular, e muito da idéia de Bakhtin de um
145
corpo transgressor das convenções sociais. Mesmo quando a lógica é exatamente
o de escondê-lo, como acontece com os Caretas.
A roupa do Careta tem objetivo o de escondê-lo, disfarçar quem
a veste, como parte importante para encobrir o suporte humano. Elas trazem a
característica da inversão tão própria a idéia do “grotesco” de Bakhtin.
A inversão é uma característica universal do brincar na lógica
carnavalesca. Nos Caretas, ela atende ainda à lógica deles de manterem-se
incógnitos durante a festa. E a melhor forma é omitir o próprio sexo.
Nélsia, afirma que na última festa a maioria dos Caretas eram
mulheres, que não foram identificadas, porque com exceção dela e de Damiana
trajadas de bruxas, as outras mulheres colocaram trajes mais pesados, mais
masculinos.
Já, José dos Santos, escolheu para vestir uma saia velha longa
até os pés, de sua mãe, para esconder os pêlos, e colocou sobre a cabeça um
lenço que encontrou na casa. Sorrindo, disse, “...ninguém desconfiou que era eu”.
Isso de pertencer a outro gênero, ser o outro, a possibilidade de
ampliar ações, de experimentação, na perspectiva feminina e masculina, parece
ser bem importante para os “Brincantes”.
Para a escolha, para o catar de peças para composição do
Careta o Brincante utiliza-se de uma “equação” citada por De Certeau,
Promovemos uma sentença tipo: menos força = mais saber - memória = mais
efeitos, “ a lei do menor esforço.
Ou seja, ao catar as peças de seus trajes os Caretas vai buscá-
los próximo a si mesmos, aqueles materiais que estão à vista, mas para compor o
careta, por outro lado ao Brincante pouco ou nada interessa a dificuldade em usá-
lo na caminhada e passeatas.
Assim temos dois tipos de atitudes que são as duas caras da
mesma moeda: uma encontra o caminho na facilidade e a outra na maior
dificuldade.
146
Dessa forma, seu Nelson de Cacimbas quando brincava,
buscava panos de estopa, folhagens e completava o traje com uma máscara feita
de papelão, como faz ainda o filho João.
Chegando a festa, busca o que estiver à mão, sejam os
materiais que seu Nelson usava e João ainda usa, seja a máscara comprada na
mercearia, ou faz como José, busca no guarda-roupa da mãe o traje mais
apropriado para aquele ano.
Barba, na Arte Secreta do Ator”, também comenta essa
economia que nós fazemos na vida diária, e coloca que o ator ao se apresentar,
deve fazer o caminho contrário, para o “público” perceber a importância do ato, do
movimento. O método aplicativo é o da exaustão.
A exaustão também é o método do Brincante ao apresentar-se
nas ruas e para disfarçar-se vale o esforço. O prêmio é chamar a atenção sem ser
identificado aquele que chama para si a atenção do público.
Em Brejinho perguntei ao Marcondes o que é importante para
ele na roupa de Careta, e respondeu-me assim:
Marcondes: - “Nós tentamos preservar no máximo que o Careta seja
aquela pessoa que use a roupa rudimentar mesmo. Uma roupa rústica
do homem do campo, do trabalhador. Geralmente, os nossos Caretas
gostam de se vestir com uma roupa usada, rasgada . Dependendo da
criatividade do Careta, ele usa várias artimanhas pra trajar-se. Têm
pessoas que usam o bicho FOLHARAL com certeza esse ano vai ter
esse bicho Folharal lá. Lobisomem, cachorro, é vaca, é touro. Inclusive
tinha um Careta brincando que parecia aquela brincadeira do Boi-
bumbá que ele corria por aqui cutucava os outros assim. Acho que
a personalidade do Careta representa assim mas no fim ele nem
sabia que aquilo existia daquele... Careta tem de todos os tipos.
Hoje usa-se também essa máscara carnavalesca, essa máscara
de borracha. Eles gostaram muito. Ao meu ver não seria uma
excelente idéia por que a gente deixava aquela característica que
era o Careta que usava, ele fabricava sua própria máscara com
capenga de macaúba, com cabaça, papelão. Você pegava um
cesto velho. Mas existe Careta que brinca com traje de borracha
com a máscara mas também usa ... Eu ao meu ver não achei uma
coisa eu proibir porque por incrível que pareça todas as
expressões culturais que resistem ao tempo sofre algumas
modificações. Eu acho se a gente fosse brincar de Careta como
147
se brincava há cem anos atrás não seria nem brincadeira seria
uma guerra...
A fala de Marcondes é rica em significações. Sobre a idéia de
roupa rudimentar ou não parece ser uma preocupação presente apenas nos Caretas
da nova geração e ligados à cultura letrada. Digo isso pensando nesta fala de
Marcondes mas também de outros Caretas como Nélsia e até Luís Lemos.
Conversando, por exemplo, com seu Nelson de Cacimbas,
idoso, diz-me que na sua opinião a brincadeira é muito mais bonita agora, pois os
trajes, a festa em Jardim tudo é mais bonito, ajeitado, mais rico. pela série de figuras
citadas por ele dentro da Brincadeira.
Ivaneide: - E como era sua roupa seu Nelson?
Seu Nelson: - Ah, meu Deus do céu!!! Imagine...Era muito triste. Era
saco de estopa. Era aqueles sacos velho de açúcar. De primeiro o saco
vinha de açúcar, não era?(...) É. Aquilo era o que fazia pra gente. Hoje
a gente tamo numa vida muito normal. Tamo numa tradição muito
enorme.
Ivaneide: - O senhor acha que hoje é melhor?
Seu Nelson: - Ave-Maria! Eu penso, mas eu nem sei, é, é explicar a
razão.
Outro comentário a se fazer é sobre as figuras, personagens
que aparecem na fala de Marcondes: Folharal, lobisomem, o cachorro, a
vaca...Ah, cheguei a ver o Folharal e não pude deixar de emocionar-me lembra o
tempo de criança quando faziam-me medo que o Babau devia ser daquele jeito.
Imagem de uma figura fantástica coberta de folhas dos pés à cabeça, indefinível
quanto à espécie, gênero ou raça.
As figuras que aparecem durante o período da Brincadeira
compõem o roteiro cômico da apresentação destes Brincantes. Eles encenam,
inventam histórias são tomados pelas personagens que criam. Como lembra a
história contada abaixo por seu Antônio Salu, da Serra de Brejinho, quando lhe
perguntei se havia necessidade de vigiar o Judas na época em que ele brincava:
Antônio Salu: - Pastora ele, passa a noite de sono mais ele. Se
possível passa até fome. Carrega o “Juda” nas costas. Vai de passagem
148
com ele. Dar uma “passeiota” com ele no lombo, não sabe. Ai, aqui ou
acolá, um jura também. Em voz de falsete:
É danado, você estar em minhas costas, mas eu vou te descontar.
( risos) e um outro: voz de falsete:
“- Você em minhas costas mas eu vou descontar. Você não vai
passear de graça não.” Ai um outro diz (voz em falsete): “
Fulano “vamo” deixar pra colher tudo no dia! No dia nós colhe.” Mas ás
vez o cabra se revolta e o “Juda” trepado cansei de dar carga de
revólver na bunda do “Juda” antes de matar ele. Eu, Careta puxava o
revólver. “
(Voz de falsete): - Esse aqui vou descontar minha noite de sono logo!
Vou matar esse peste!” outro dizia: (voz em falsete)
“- Não, “vamo” deixar pra outro dia! O cabra conversando aqui. Dava
alegria de dar seis dele lá pendurado não dava pra derrubar. Só no furo.
Ficava furado só. Atrás. Aquilo ali é uma falsidade grande pra que o
cabra tem que se vingar. Porque o que ele fez com nosso senhor fez
com nós. nós vamo” pastorar o Juda” e quando acabar e ao menos
esmagar bem “esmaganhado”. Tem que deixar só o “coiz”, nem!?”
Em um momento da obra “Preparação do ator”, Constantin
Stanislavski, descreve um estudo de peça teatral quando define-se o que é arte,
em particular, “arte de representar”. O que serve para explicar junto com a fala
acima de seu Antônio Salu o que quero dizer quando digo que o bom Careta
deixa de representar uma obra de arte para tornar-se a Obra.
A fala de seu Salu é exemplar, ele arenga com o boneco que
não é boneco. O Judas deixou muito de ser inanimado para tornar-se aquele
que traiu Jesus.
Ele, de Careta, não é ele mais um vingador. Arrisco a afirmar,
transporta-se para o tempo da traição de Judas. Vinga-se ao atirar. Não podia ser
em outro lugar do corpo do boneco que não no traseiro.
Assim, não o mata, pois não chegará o dia. Mas o humilha,
rebaixando-o. O local é escolhido “inconscientemente” dentro de padrões culturais
há muito definidos pelo grupo.
Ele demostra um diálogo com outro Careta que mesmo vendo-o
quase arruinar a Brincadeira com a destruição do boneco não sai do papel e leva
o colega a deixá-lo perdurado a esperar a hora certa da vingança.
Um ator pergunta ao diretor e este o responde:
149
E o que é arte?
Você mesmo a experimentou. Suponhamos que nos diga o que sentiu.
Eu nem sei, nem me recordo...
O quê? Não se recorda de sua própria excitação interior? Não se
recorda que suas mãos, seus olhos e seu corpo todo tentavam atirar-se
para diante, buscando agarrar qualquer coisa? Não lembra que mordia
os lábios e mal podia conter as lágrimas? (Stanislavski,1999,p41)
Seu Antônio, na história contada a nós naquele dia, recordou a
excitação sentida, corpo, mãos do momento vivenciado por ele na Brincadeira de
outrora. Vivenciou tanto que sorrimos, e talvez ele, por alguns minutos, tenha
voltado no tempo com nossas risadas para as risadas das pessoas daquela
época. Tornou-se obra de arte.
26
Dentro da lógica do esconder-se, vieram as máscaras ou
“mascara” como é dito por alguns Caretas.
Que papel assumem quando adornam o rosto do Brincante?
Os Caretas levam tal nome devido a suas máscaras. Alguns
Brincantes afirmam que a origem do nome vem da cara feia que é a própria
máscara.
Outros, buscam a origem da denominação na arte dos
vaqueiros, em que para amansar o barbatão (boi bravo) tapa-se o rosto do animal
com um pedaço de couro, que é chamado de “careta”.
Câmara Cascudo, no “Dicionário do Folclore Brasileiro”(2000),
define careta como falsa cara”, cara pequena”, e no contexto da festa, vira
sinônimo de máscara, com a função das mais evidentes: o de esconder o rosto do
Brincante.
São máscaras de monstros e o de pessoas como podemos
lembrar das máscaras gregas antigas, dizem que foi Ésquilo que inventou a
máscara com a reprodução do rosto humano para traduzir na Tragédia o patético
e a dor. Sempre com rugas profundas, sobrancelhas contraídas, órbitas saltadas,
150
olhos arregalados, boca aberta. Por vezes com cabeleira e até com barba. A
máscara, neste caso, ajudava o ator a projetar a voz.
No caso do Careta não máscaras, não as vi, com o
semblante humano, são sempre monstros, animais até panos, tocas com furos
nos olhos e boca que lembram as usadas pelos bandidos que aparecem em
rebeliões de prisões na TV. Ou mesmo as máscaras de ladrões de filmes.
O que é patente é que não existe Careta sem careta, sem
máscara. Pode ser feita de couro, papelão, folhagens de árvores, quenga de coco
na zona rural. Ou de papel marchê ou mesmo comprado na mercearia de material
plástico, no centro da cidade.
Jamilles Santos é Careta, e diz: “...é muito bom brincar de careta,
aquela liberdade...Máscara na rua...ninguém lhe conhece. Quando você está com aquela
máscara tudo é igual, você pode ser rico, de alta sociedade. Todo mundo lá...Todo mundo
tá junto...lá brincando.
José Antônio e Miguel dos Santos moram na área rural de
Jardim e concordam com Jamilles, “...de cara limpa a gente não pede nada a ninguém,
mas com a máscara...A gente pede um real, dois real a qualquer um. Eles dizem: - Quem
são vocês? E a gente diz, - Dar o dinheiro que nós tira as máscaras. Aí quando eles dão
o dinheiro a gente corre e vai pedir pra outra pessoa.”
Nélsia afirma: A gente começa a brincar de Careta quando começa
a confeccionar as máscaras.” O fazer como o primordial. Escapar quem sabe da
ditadura do apenas pensar. Escapar para o mundo do sentir primeiro e depois se
unir em um corpo total, sem divisões arbitrárias.
Ou ainda pela fala de Nélsia acima e relacionando com a
construção da personagem no teatro, quando os Brincantes confeccionam seus
trajes tenham mais tempo de treinar como vão ser os corpos dos seus Caretas e,
consequentemente, a personalidade do folião durante a Festa.
Liberdade, liberdade de não ser reconhecido, de pedir, de
brincar. Outras falas apontam na mesma direção.
Jamilles conta rindo e com os olhos brilhando que durante a
festa desse ano ela e as amigas deitaram-se em pleno dia na calçada da igreja e
não foram reconhecidas. Gargalhou.
Comentário:
Página: 70
O fazer como primordial. Escapar
quem sabe de uma ditadura da
razão do pensar.
151
Tirar uma folga de si mesmo, desobedecer às regras parece ser
“originalidade” na prática do festejo.
Uma preocupação aparece com freqüência na fala dos
Brincantes, principalmente nas falas daqueles da Cidade, é o dilema do uso da
máscara de plástico. Na Festa na Sede a Associação dos Karetas promove um
concurso para premiar o que ela chama aos Caretas mais originais.
Luís Lemos diz, que o traje que lembra os antigos é o mais
apreciado pelos jurados e seria o mais criativo por trazer elementos e materiais de
antigamente.
Perguntei a Fernando de Brejinho, se ele via problema em usar
a máscara de látex e ele disse que não, só que era mais quente que a de couro ou
de papelão.
A mesma pergunta fiz a seu Nelson, do Sítio Cacimbas, e ele
disse que fazia parte da evolução da brincadeira, que não influía na brincadeira.
Nélsia, recém formada em História: O Careta criativo faz de
materiais originais a sua máscara”, ela fez a dela de papel marche. O original de que
fala, talvez, não tenha muito haver com o material que é confeccionado o traje.
O Careta pode vir com trajes feitos não de materiais coletados
na natureza, como os restos de vegetação ou de resto de “lixo”. O importante é o
fato do próprio careta fazer, confeccionar o traje que usa.
Triste, Nélsia , acrescentou: “Os Caretas da Cidade fogem do
Careta original com trapos e máscaras de papelão.” Talvez a fala da Brincante traga
um certo sentimento idílico de um passado da Festa com o domínio do agricultor.
E seja ainda uma forma dela contestar os usos dados à festa na
Sede pelas instituições e autoridades do Município. E a forma de apresentação do
evento com trio elétrico, e por vezes, até contratação de bandas de forró vindas de
fora para a Festa.
Pensando nas imagens fantásticas que formam os Caretas
circulando pela cidade, que tanto lembram as descritas por Bakhtin nas festas de
rua da Idade Média, observa Jamilles, sozinhos dão medo e em grupo dão vontade
de rir”.
152
Fantásticos monstros com suas máscaras de plástico ou
caricaturas ambulantes de figuras nacionais e internacionais execradas pela TV
como o juiz “La-Lau” em 2001 ou o Bin-Laden em 2002, conservam a chacota que
caracteriza o humor das festas de rua como o carnaval atual ou o descrito por
Bakhtin.
Mas não conseguem dar as respostas críticas que aguardariam
Nélsia , pois nem o Judas nem as máscaras da Sede tem tido a cara de ninguém
da região: “Os Lau-laus do Cariri ficam fora”, segundo ela.
Câmara Cascudo nos aponta não uma definição mas uma
reflexão, no “Dicionário Brasileiro do Folclore Brasileiro”, Convergem para a
máscara as superstições do duplo, outro-eu, eu-subjetivo, atuantes na sombra e no
reflexo.”
O pesquisador fala das experiências relatas a ele por diferentes
grupos em seus trabalhos de campo, sendo a máscara usada em rituais ou em
eventos festivos. Juntando-se a máscara à voz em falsete, o andar diferenciado do
comum daquele que a usa.
A visão de um ser que esconde um outro ser. Mas que, ao
mesmo tempo, torna-se um ser harmonioso, pois é, o que é e o que busca ser.
153
154
“A CIDADE E A BRINCADEIRA” – considerações finais
o homem de propensão filosófica tem mesmo a premonição de que
também sob essa realidade, na qual vivemos e somos se encontra
oculta uma outra, inteiramente diversa, que portanto também é uma
aparência.”(Nietzsche,1993,p28
Quis perceber os Caretas em Jardim, imbricados nas relações
conflituosas, inerentes àquele município, construído, através das diferenças
sociais. Os Caretas trazem em sua Brincadeira/Festa todos estes conflitos e
contradições.
Quis eu demonstrar que ao brincar Careta, o jardinense, realiza
uma disputa de idéias, espaços e reivindicações referentes aos respectivos grupos
sociais no município, seja ele consciente ou não disso.
E, estas disputas, refletem questões situadas não apenas no
município ou na região onde se situa este, mas dentro de pressões exteriores ao
próprio lugar.
Uma festa, em si, independente de sua natureza, acende
naqueles que dela participam, mundos de sensações, expectativas e liberta um
imaginário.
Agora, quando esta festa, privilegia o espaço público e não o
privado, assim como o Carnaval e também a “Festa dos Caretas” tem-se,
exponencialmente duplicados, todos os pensamentos e sensações a seu respeito.
A Festa/Brincadeira de Careta é cíclica como foi dito, fácil,
talvez de organizá-la, dentro de uma cronologia de começo e fim. Ela se inicia na
quinta e vai até o domingo da “Semana Santa”.
Mas como também foi possível vê, tais regras são quebradas,
seja pelas crianças que iniciam a brincadeira bem antes, seja pelas localidades,
como a Serra de Brejinho, em que crianças e adultos, brincam além do período
determinado.
155
São quebradas as regras também quando se quer fixar um
caminho para os Caretas, fala-se até em criar no município um espaço para
eles ficarem no período da festa. Nada mais foram da peculiaridade de ser Careta.
A Brincadeira/Festa obedece à temporalidade cíclica,
tradicional, dada pela observação, herdeira dos antigos, obedece a um tempo
semelhante ao da natureza, anualmente é para se ter chuvas, colheitas,
passagem de ano, Carnaval e Semana Santa, portanto tem que ter Careta nas
ruas de Jardim.
As falas dos Caretas, de pronto, apresentam dois lados,
sistematizei-as nas duas denominações, freqüentemente utilizadas no trabalho:
Festa e Brincadeira.
Na primeira, Festa, enquadro as ões que querem a
brincadeira organizada, por parte da “Associação dos Karetas”, representando
setores oficiais do município, com o desejo de utilizá-la, para fins partidários,
financeiros e como auto-afirmação na região do Cariri.
Mas a proposta de organização o é uma luta fácil para
aqueles que a defendem e, não é só da Associação, outros grupos também
reivindicam, dentro das intenções presumidas dos organizadores, autoridade para
disputar a melhor maneira de arrumar o evento.
A Brincadeira de Careta, funciona diferente, é livre. Qual seria a
sua diferenciação? Fecharia os olhos e veria os Caretas andando pelo centro de
Jardim ou pelas plantações das localidades. Sem rédeas. Sem local demarcado
para suas caminhadas.
O espaço da sede ou das localidades o escolhidos por eles,
informalmente, pode mudar de direção. Não importa. Voltaria a falar dos verbos ir
e vir próprios aos Caretas.
Ainda de olhos fechados, veria a porta da sede da Associação
nos dias das passeatas, e a fadiga dos organizadores para manter quietos os
impacientes Caretas até a hora marcada.
Qual a raiz da brincadeira de careta? O sonho, o delírio as
projeções de futuro. A utopia de imaginar que, naquele período, não mais as
156
diferenças do cotidiano. É o fim da labuta de pouco resultado. É o tempo da
alegria, da prosperidade e da punição daqueles que são ruins, estes açoitados
pelo cassetete dos “Brincantes” ou representados na malhação do Judas.
Tudo isso para responder à pergunta do porquê da brincadeira
persistir, apesar do tempo, apesar dos conflitos, apesar da vigilância, apesar do
“apoio”. O maior atrativo dos Caretas é a convicção de que outros, de outros
tempos, assim também fizeram.
Neste sentido, caberia a pergunta de De. Certeau: “Como o
tempo se articula no espaço organizado?” Assim como perceber a memória em um
jogo nos tempos e espaços, fazendo e refazendo-se em uma dada ocasião. A
oportunidade de “festar”, brincar.
“...memória não possui uma organização pronta de intervenção, a
memória a obtém de sua própria capacidade de ser alterada- deslocável,
móvel sem lugar fixo. Traço permanente: ela se forma (e seu capital)
nascendo do outro ( uma circunstância) e perdendo-a” Apenas uma
lembrança.(Certeau,2000,p249)
A memória é uma construção e não é inocente. E pertence aos
vivos? Fez-me refletir, o professor de história, aposentado, de Jardim e “ex-
Careta”, o qual não quer revelado seu nome.
Para o professor, a Festa dos Caretas de hoje, não tem mais
sentido. Para ele, o fato dos organizadores terem retirado da festa, dois
elementos, como o furto e o espancamento, “é desfazer o sentido das coisas, não
tem mais graça.”
O aposentado, professor diz, agem, os organizadores, como se
não tivesse existido mesmo, tanto o furto como o espancamento, mas ele rebela-
se, e me aponta ambos como elementos definidores da Brincadeira.
O professor, lembra o burguês de Darton, aquele que olhando
uma marcha cívica, reflete que, em determinado momento, os velhos não acham
nada de histórico nas ruínas que os mais jovens insistem em preservar enquanto
memória.
Comentário:
Página: 74
Fazer uma discussão em torno de
tempo e memória.
157
O professor pertence a um grupo de pessoas, que enxerga
pouco ou quase nada de um passado merecedor de preservação na “Festa dos
Caretas”.
Já, o velho Sinê, considerado por todos com quem conversei na
Associação, como o mais antigo Brincante vivo da sede, aparentemente, acha que
vale a pena vigiar o Sítio do Judas”, durante as noites de sexta e bado, para
não acontecer nada de ruim com o boneco.
Lembranças, talvez, de uma época em que havia na cidade
vários sítios de Judas e uma competição entre os Caretas pela melhor brincadeira.
Naquele tempo, me disse seu” Sinê, durante a noite, os “Brincantes”, saiam para
roubar os Judas dos outros grupos de Caretas da Cidade.
Ou a vigília de Sinê seja apenas uma extensão do trabalho que
desempenha agora que, é o de vigia, vigia da “Associação dos Caretas”. Durante
o período da Festa passa os dias bebericando, sentado, observando o movimento,
ora na sede da Associação, ora no “Morro do Tetéu” onde fica o Judas.
Flávio, presidente da Associação, me diz, que se o velho Sinê
não estiver, não tem graça. Já o professor aposentado riu do velho Careta. Acha
que Sinê faz papel de bobo, que é manipulado devido a sua pouca instrução.
Acima imagem exemplar do conflito no processo da
Brincadeira/Festa de Careta, a relação passado/presente/futuro, como se
concretiza. Hobsbawm, no texto “O Sentido do Passado”, ensina que, “em história,
na maioria das vezes, lidamos com sociedades e comunidades para as quais o passado é
essencialmente padrão para o presente.”(Hobsbawm,1998, p?)
A Festa/Brincadeira é memória em construção, sempre
apresentada nas falas dos Caretas, na perspectiva de pertencer a uma longa
tradição, que tem seu Sinê na sede, “seu” Salu no Brejinho, o próprio professor
como testemunhas de longevidade.
Não é à-toa que na Serra do Brejinho, Marcondes, apresentava,
marcava a cronologia, através da idade e do tempo de brincadeira de seu Zé Salu,
insistentemente, ao longo de nossa conversa. Como percebemos abaixo:
Marcondes: “Ti” Zé montava em burro bravo?
Comentário:
Página: 75
Colocar aqui uma citação de um
careta mais jovem colocando a
festa como vinda de uma tradição
que tem que ser conservada em
nome dos mais velhos e deles
próprios.
158
Zé Salu: E quanto mais pulava “mió”.
Marcondes: “Encaretado”?
Zé Salu: “Encaretado” era o .....
Marcondes: Isso era uns 60 anos atrás?
Outro momento, também de Marcondes e seu avô:
Marcondes: (se dirigindo pra seu Zé): A festa do Jardim hoje ela
muito promovida nacionalmente até, eu digo isso, mas no Jardim
quando o senhor começou a brincar não sabia nem o que era...
Zé Salu: Não, brincava, brincava...não sabia de nada não.
Mardônio: O senhor mesmo acha que esses Caretas nasceram aqui
nessa Serra aqui?
Zé Salu: Daqui por Rio cruzeiro????
Marcondes: E aí, é seguinte, o senhor tem 92 anos, e se criou com
seu pai e avô brincando de Careta?
Zé Salu: Tudo sabido. Eu já aprendi com eles, né.
Um senhor de 92 anos tem autoridade para dizer a forasteira
quem carrega e, principalmente, quem deu origem à tradição dos Caretas no
município.
Uma tradição que, no caso de Brejinho, aparece na fala de
Marcondes, em conflito, direto com a festa na sede. Reflexo da situação das
populações nas localidades? Estas, sempre negligenciados pelos setores
públicos, sejam em relação às condições de existência material, sejam quanto às
questões culturais.
Na fala do Careta Marcondes a “cara” do município foi dada por
eles, os das localidades, em especial, pela Serra do Brejinho e adjacências, e são,
segundo tal perspectiva aqueles que fazem a melhor “brincadeira” de Careta.
Nas percepções manifestadas acima, na Festa/Brincadeira, o
passado aparece enquanto tradição, e este é modelo comparativo para os dias
atuais, mas por mais que o desejo de reaver o passado seja forte em
determinadas pessoas, grupos, trabalhamos com a idéia da impossibilidade de tal
ação se concretizar. O passado é sempre seleção daquilo que se acredita ser o
mais próximo do vivido, do real.
O professor de história, hoje, não quer ligar-se à
Festa/Brincadeira, nem cedendo o seu nome, afastou-se, tem raiva, assim como
159
em dado momento o ex-Careta, Miguel Morais, disse ter enjôo da festa. Ambos
fizeram uma das possíveis escolhas, no que se refere à Festa/Brincadeira:
ausentam-se.
Outros optaram por ficar, participar. Mas tal participação não
tem divergência com o elemento ausente, ao contrário, dentro do evento, com a
presença daqueles que escolheram assim participar, podemos perceber o conflito.
A Brincadeira de Careta não tem suas raízes em uma tradição
inventada pelos setores oficiais, a brincadeira foi sendo elaborada na praxis dos
“Brincantes” até se tornar elemento definidor do local.
E, por ser um elemento definidor local, é importante para o jogo
de poder nas relações entre os diferentes grupos sociais. Uns, como foi dito,
escolheram não mais participar. Outros participam e agem como em uma
brincadeir
a de “cabo de guerra".
A Festa/Brincadeira é elemento aceito pelas partes como
importante, identificador deles e do espaço em que se constituíram como pessoas.
Portanto, pertencentes a todos eles, mas os grupos divergem quanto à forma, à
prática, na atualidade dessa manifestação.
Resultando no conflito que é, ao mesmo tempo, o confronto
entre as diferentes percepções do passado e suas relações com as questões do
momento presente. Uma manifestação dada como proveniente de outros tempos,
de um tempo imemorial, que é utilizada para atualizar conflitos atuais.
Ligados a maneiras como grupos sociais de Jardim articulam
seus cotidianos suas vidas, sobrevivências quase sempre em confronto seja,
aberto ou velado.
Parte das conseqüências desse conflito, é o processo de
“desraizamento”, presente não apenas na Brincadeira/Festa mas acredito em
outras manifestações tradicionais.
“Enraizamento”, conceito que uso pensando em Ecléia Bosi: “O
enraizamento não se alimenta de imagens de um passado idealizado nem de futuro
utópico.” (Bosi, 2002,p23) Em Jardim o enraizamento é construído no cotidiano, no
160
convívio com a coletividade, e a Brincadeira de Careta faz parte desses momentos
de interação da população local.
Essa discussão, de início veio, não dos Caretas, diretamente,
mas quando visitava o acampamento de pequizeiros, o qual retratei no capítulo 1,
desta dissertação.
Na relação homem-natureza via-se o quanto o deslocamento
forçado das pessoas, ocasiona a perda de valores, costumes e aprendizagens.
Algo da mesma ordem ocorre em relação às manifestações na
área cultural. Novamente, Ecléia Bosi, formula a questão: “Como pensar em cultura
popular em um país de migrantes? (2002, p17) Jardim é um município pequeno e
pobre, mas nem por isso distante das relações mais gerais, no que diz respeito a
problemática da sobrevivência no mundo da globalização.
E quanto mais desigual é a sociedade nestas relações, maior o
conflito. Pois, o “desraizamento” é provocado pela falta de emprego, de infra-
estrutura no seu local de origem, e não deixa outra opção senão a migração.
E aqueles que permanecem? Estes lutam dentro de uma
conjuntura em que tudo, mesmo os valores, as concepções religiosas, artísticas,
costumeiras viram produtos para o consumidor urbano. Em que tal encontro se
de modo desigual, em que não são respeitadas as diferenças, ao contrário, tais
diferenças o tratadas como exóticas, curiosas ou frutos remanescentes de um
atraso cultural.
Mas o mundo urbano e consumidor é também atrativo para as
populações carentes de tantos recursos, quando pergunta se a brincadeira
existiria sem a Associação, mesmo o membro da comunidade mais afastada do
centro do município, franze a testa , pensa e daí a pouco, responde
negativamente.
Mas a tradição, segundo os mesmos, vem de antes da
Associação e mesmo hoje, nas localidades, eles caminham, brincam sem apoio da
Associação o que consequentemente leva ao não apoio dos órgãos
governamentais e empresariais. Então qual o risco?
161
Talvez, a pergunta é que esteja formulada incorretamente, pois
a reflexão é como articular a tradição da brincadeira, a sua raiz de delírio, sonho e
projeção futura com o mundo atual da cidade, do urbano, do global. Mundo que
pede a regulamentação das regras e da padronização.
Mundo que leva o jardinense na maioria das vezes, a
comportar-se como certos pássaros que, de época em época, partem para outras
regiões e depois retornam. Mas muitos não voltam, são “abatidos” no caminho.
Questões para futuro permanecem. Questões posta para
Jardim, mas que bem poderiam valer para todos nós, como trabalhar a
particularidade no global sem perder-se totalmente? Como manter os “votos” com
as gerações anteriores e repassar aprendizagem para os mais jovens, quando o
passado é, a todo momento, reinventado de acordo com as conveniências?
Mas essa é uma outra história...
162
FONTE: (DATA DA ENTREVISTA E NOME DO ENTREVISTADO)
13/07/01- José dos Santos
13/07/01- Miguel José dos Santos
13/07/01- José Antônio de Oliveira
14/07/01- Luís Lemos
14/07/01- Jamilles Freitas dos Santos
14/07/01-Miguel Morais
15/07/01- Fernando Pereira de Sousa
15/07/01- João José de Sousa
15/07/01 - João Geraldo Pereira
15/07/01- José Geraldo pereira (seu Nelson)
15/07/01- Manoel Bernardino
16/07/01- Eternite Lopes de Sousa
16/07/01- Flávio Vidal
16/07/01- Nélsia Turbano de Santana
16/03/02- Francisco Hildeberg
23/03/02- José Marcondes Pereira
29/03/02- Sinê
29/03/02 – Jucilene Ribeiro de Sousa.
31/03/02- João Salu
29/03/02- José Salu
29/03/02- Cícero Cândido
31/03/02- Raimundo Salu do Nascimento
Estatuto e atas de reuniões da “Associação dos Karetas”.
163
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