engajamento, que varia ao longo do tempo, ganhando fortes contornos estéticos, em alguns
momentos, políticos, em outros, mas sempre ligado, naturalmente, a uma demanda muito
íntima, engajado à vida e à necessidade de reinventar a si e ao mundo, na tentativa de
compreender as questões que rodeiam um homem que se vê como um eixo reflexivo
atravessado e composto por múltiplas dimensões: pessoais, estéticas, históricas e filosóficas.
Dessa forma, em um sujeito que se considera sobretudo poeta, a poesia acaba sendo sua
principal ferramenta para construir, resistir e/ou mudar um estado de coisas, primeiramente em
um plano individual e mais imediato, e, a longo prazo, em uma dimensão coletiva, de maneira
semelhante à “função social” que T. S. Eliot vê na poesia
29
, assim como ao entendimento que
Bloch e Marcuse fazem do papel da arte em relação ao mundo, como analisada por José
Jimenez em seu La estética como utopía antropológica. Sobre a arte na obra desses dois
pensadores dirá o autor:
Trata-se de determinar um rosto possível para o homem do futuro, capaz de atuar sobre a ação
emancipadora do presente. (...) Em Bloch, a arte aparece como uma das manifestações
fundamentais da consciência antecipadora. Em Marcuse, como um anúncio do domínio
antropológico de Eros, da positividade da vida. O importante, no intento de representação do
futuro, é a potência da experiência estética, sua capacidade para desenhar, ao menos em parte,
as linhas do rosto do “homem novo”
30
.
Porém, essa crença na força da arte sofrerá também variações ao longo da obra de
Gullar. Citando alguns exemplos mais significativos: se em A luta corporal ela pode ser vista
como uma tentativa de fazer ombros à indiferença do tempo — que conduz tudo
necessariamente à morte — através da obstinada busca pelo poema que representasse
29
Referência ao ensaio “A função social da poesia”. In: ELIOT, T. S. De poesia e poetas
São Paulo: Brasiliense, 1991. pp. 25-37. Eliot, nesse ensaio, define bem o que percebo em Gullar como essa
confiança na capacidade da arte de ter desdobramentos sociais importantes, mesmo que a longo prazo, quando
afirma que “no decurso do tempo, ela [a poesia] produz uma diferença na fala, na sensibilidade, nas vidas de
todos os integrantes de uma sociedade, de todos os membros de uma comunidade, de todo o povo,
independentemente de que leiam e apreciem poesia ou não, ou até mesmo, na verdade, de que saibam ou não os
nomes de seus maiores poetas”. (pp. 33-4)
30
JIMENEZ, 1983. pp. 17-8. (Tradução minha; original em espanhol)