de coco que estava fazendo, e, não contente com o malefício, deitei um
punhado de cinza ao tacho, e, não satisfeito da travessura, fui dizer à
minha mãe que a escrava é que estragara o doce “por pirraça”; e eu tinha
apenas seis anos. Prudêncio, um moleque de casa, era o meu cavalo de
todos os dias; punha as mãos no chão, recebia um cordel nos queixos, à
guisa de freio, eu trepava-lhe ao dorso, com uma varinha na mão,
fustigava-o, dava mil voltas a um e outro lado, e ele obedecia, – algumas
vezes gemendo, – mas obedecia sem dizer palavra, ou, quando muito, um
– “ai nhonhô!” – ao que eu retorquia: – “Cala a boca, besta!”(...)
212
– O Dr. Vilaça deu um beijo em D. Euzébia! Bradei eu correndo pela
chácara.
Foi um estouro esta minha palavra; a estupefação imobilizou a
todos; os olhos espraiavam-se a uma e outra banda; trocavam-se sorrisos,
segredos, à socapa, as mães arrastavam as filhas, pretextando o sereno.
Meu pai puxou-me as orelhas, disfarçadamente, irritado deveras com a
indiscrição; mas no dia seguinte, ao almoço, lembrando o caso, sacudiu-
me o nariz a rir: Ah! Brejeiro! Ah! Brejeiro!
213
Quando Brás Cubas passa a narrar as recordações da escola, tempo de amarguras, dá-
se um salto temporal (“Unamos agora os pés e demos um salto por cima da escola, a
enfadonha escola, onde aprendi a ler, escrever, contar, dar cacholetas, apanhá-las, e ir fazer
diabruras, ora nos morros, ora nas praias, onde quer que fosse propício a ociosos”
214
), mas,
mesmo assim, o narrador não salta por cima da palmatória do mestre Ludgero Barata, que
lhe possibilitou o acesso às letras:
Tinha amarguras esse tempo; tinha os ralhos, os castigos, as lições
árduas e longas, e pouco mais, mui pouco e mui leve. Só era pesada
a palmatória, e ainda assim ... Ó palmatória, terror dos meus dias
pueris, tu que foste o compelle intrare com que um velho mestre,
ossudo e calvo, me incutiu no cérebro o alfabeto, a prosódia, a
sintaxe, e o mais que ele sabia, benta palmatória, tão praguejada dos
modernos, quem me dera ter ficado sob o teu jugo, com a minha
alma imberbe, as minhas ignorâncias, e o meu espadim, aquele
espadim de 1814, tão superior à espada de Napoleão! Que querias
tu, afinal, meu velho mestre de primeiras letras? Lição de cor e
compostura na aula; nada mais, nada menos do que quer a vida, que
212
MACHADO DE ASSIS. Memórias póstumas de Brás Cubas, p. 526-527.
213
MACHADO DE ASSIS. Memórias póstumas de Brás Cubas, p. 531.
214
MACHADO DE ASSIS. Memórias póstumas de Brás Cubas, p. 531.
116