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Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul
Faculdade de Teologia
Programa de Pós-Graduação em Teologia
Mestrado em Teologia Bíblica
MARIA JOSETE RECH
O SINAL DOS PÃES E A COMENSALIDADE EUCARÍSTICA
EM JO 6,1-15
Dissertação apresentada à Faculdade de Teologia, da
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do
Sul, como requisito parcial para obtenção do grau de
Mestre em Teologia, Área de Concentração em
Teologia Bíblica.
Orientador: Prof. Dr. Ramiro Mincato
Porto Alegre
2006
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MARIA JOSETE RECH
O SINAL DOS PÃES E A COMENSALIDADE EUCARÍSTICA
EM JO 6,1-15
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação da Faculdade de Teologia, da Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Saul, como
requisito parcial para obtenção do grau de Mestre
em Teologia, Área de Concentração em Teologia
Bíblica.
Orientador: Prof. Dr. Ramiro Mincato
Aprovada em ___ de, dezembro de 2006, pela Comissão Examinadora.
COMISSÃO EXAMINADORA
_________________________________________
Prof. Dr. _____________________________________ PUCR/RS
____________________________________________
Prof. Dr. _______________________________________ PUC/RS
_____________________________________________
Prof. Dr. _________________________________________
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RESUMO
O ato de sentar junto com outros e comer dum mesmo alimento o pão distribuído por
Jesus, pode ser espaço de construção e reconstrução de novas relações humanas e com
Deus. Por isso, se tem por finalidade analisar a perícope Jo 6,1-15 a multiplicação dos
pães - na perspectiva da comensalidade Eucarística, através do método histórico-crítico,
com o intuito de refletir e aprofundar as ações litúrgicas da mesma. Para tanto se toma
como referência exegetas, teólogos biblistas como Charles H. Dodd, Xavier Léon-Dufour,
John Dominic Crossan, Johan Konings e, sobretudo, Raymond E. Brown. A dissertação
aponta para uma comensalidade Eucarística no Sinal dos pães, da narrativa joanina em
comparação com os sinóticos. O ato de comer junto com outros o mesmo alimento, o pão,
que Jesus distribui, pode ser compromisso de comunhão e participação dos seus gestos.
Internalizar para dentro da nossa “carne” humana a ação, gestos e palavras, de Jesus - o
Pão da vida cria e recria relações de solidariedade e gratuidade, de esperança e vida eterna.
Palavras-chave: Evangelho de João 6,1-15 - multiplicação dos pães – ação de Jesus - sinal
– comensalidade – eucaristia
4
ABSTRACT
The act of sitting with others and sharing the same meal the bread given by Jesus may
be the place for construction e reconstruction of new human relationships with God.
Therefore the purpose of analysing the pericope of John 6, 1-15 the feeding of the five
thousand - in the perspective of the Eucharistic commensality, using the hictorical-critical
method with the means of reflecting and deepening its liturgical actions. In the present
case references were taken from exegetes and theological biblists such as Charles H. Dodd,
Xavier Léon-Dufour, John Dominic Crossan, Johan Konings and especially Raymond E.
Brown. The dissertation points towards an Eucharistic commensality in the sign of the
bread, from the Joanine narrative in comparison with the synoptics. The act of sharing
with others the same food, the bread which was distributed by Jesus, may be the
compromise of communion and participation of His gestures. To internalize in our human
flesh the action, gestures and words of Jesus the Bread of life creates and recreates
relations of solidarity and gratuitousness, of hope and eternal life.
Keywords: Gospel of John 6,1-15 The feeding of the five thousand Action of Jesus
Sign – Commensality - Eucharist
“Em ti esperam os olhos de todos e no tempo certo tu lhes
dás o alimento: abres a tua mão e sacias todo ser vivo à
vontade.” (Sl 145)
“Quando o Senhor abençoa, pouco pão é suficiente para
muitos!” (Maria Teresa Gerhardinger- Fundadora das
IENS)
AGRADECIMENTOS
À minha mãe, a que primeiro me deu o pão, ao meu pai, minhas irmãs e irmãos
que, na comensalidade do pão familiar permanecem unidos no amor.
Às minhas amigas e meus amigos, que estiveram sempre comigo nesta trajetória
do Mestrado, me apoiando e me estimulando nos estudos.
Às Irmãs Escolares de Nossa Senhora, que me compreenderam neste processo
formativo, para que eu pudesse concluir mais esta etapa acadêmica.
Ao Professor Doutor Ramiro Mincato, pela sua dedicação e valiosas
apreciações sobre meu trabalho; que, aos poucos foi sendo um companheiro neste meu
processo de aprendizagem e conhecimento.
Ao Doutor Manuel Santos dos Santos, à época na Coordenação do Programa de
Pós-graduação, que soube me compreender sempre que foi necessário.
Aos meus Professores do Mestrado, cuja sabedoria e comprometimento
contribuíram na construção de novos saberes.
Às colegas e aos colegas de Mestrado, pelos momentos compartilhados na
realização das tarefas acadêmicas e de descontração.
7
A todas as pessoas da Faculdade de Teologia e Pós-graduação, da Pontifícia
Universidade Católica do Rio grande do Sul, que direta e indiretamente favoreceram meu
crescimento, pelo seu serviço e atendimento.
A Deus, a Comunidade Trinitária, que me acolhe e convida a participar da sua
“mesa”, participar da dinâmica de acolher e oferecer, de dar e recebe a vida.
SUMÁRIO
RESUMO.......................................................................................................................................... 3
ABSTRACT...................................................................................................................................... 4
AGRADECIMENTOS..................................................................................................................... 6
SUMÁRIO ........................................................................................................................................ 8
ABREVIATURAS.......................................................................................................................... 10
INTRODUÇÃO.............................................................................................................................. 11
1 A PERÍCOPE DE JO 6,1-15 ...................................................................................................... 15
1.1 Delimitação do texto............................................................................................................... 15
1.2 O gênero literário do texto...................................................................................................... 16
1.3 Comparando com os sinóticos................................................................................................ 18
1.4 Elementos tradicionais e redacionais...................................................................................... 25
2 O SINAL DO PÃO...................................................................................................................... 29
2.1 O significado do “sinal” ......................................................................................................... 29
2.2 Função do sinal do pão na estrutura narrativa ........................................................................ 33
2. 3 A comunidade joanina e seus conflitos ................................................................................. 36
3 AS AÇÕES DE JESUS NO SINAL DOS PÃES....................................................................... 41
3.1 O sinal do pão: uma fonte eucarística..................................................................................... 54
4 A COMENSALIDADE EUCARÍSTICA NO SINAL DOS PÃES ......................................... 59
4.1 Os Elementos da Comensalidade Eucarística......................................................................... 60
4.1.1 Pessoas que acorriam a Jesus: a "grande multidão"(v.5)................................................... 60
4.1.2 Jesus quer oferecer uma refeição: "Onde compraremos pão para eles comerem "(v.5b)....61
4.1.3 Um convite à "mesa": "Fazei que se acomodem."(v.10).......................................................61
4.1.4 O alimento comum:"os pães de cevada" (v. 9).....................................................................62
4.1.5 A ação de Jesus com os pães: "Tomou, então, Jesus os pães..." (v. 11)...............................63
4.1.6 Jesus agradece o alimento pão: "depois de dar graças..." (v. 11).........................................63
4.1.7 Jesus serve os comensais: "distribuiu aos presentes, assim como os peixinhos..." (v.11)....64
9
4.1.8 Jesus serve os convivas: "...Tanto quanto queriam" (v. 11)..................................................64
4.1.9 Jesus cuida do alimento servido à mesa: "Recolhei os pedaços... ." (v.12)..........................65
4.2 O Significado dos Pães........................................................................................................... 66
4.3 Conseqüência Litúrgica.......................................................................................................... 68
4.3.1 A preparação e o tempo litúrgico na comensalidade Eucarística ........................................69
4.3.2 Os gestos litúrgicos da comensalidade Eucarística .............................................................70
4.3.3 O alimento pão da comensalidade Eucarística.....................................................................71
CONCLUSÃO................................................................................................................................ 74
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS......................................................................................... 76
ANEXO ........................................................................................................................................... 83
ABREVIATURAS
AC antes de Cristo
AT Antigo Testamento
CELAM Conselho Episcopal Latino-americano
cf conforme
Cap Capítulo
DV Dei Verbum
dC depois de Cristo
Ev Evangelho
GS Gaudium et Spes
LG Lumen Gentium
NT Novo Testamento
Puebla Conferência Episcopal Latino- americano
QE Quarto Evangelho
v.(vv.) Versículo(s)
SC Sacrosanctum Concilium
SD Santo Domingo
11
INTRODUÇÃO
O objetivo da presente pesquisa é analisar o texto da “multiplicação dos pães”,
1
em Jo 6,1-15, na perspectiva da comensalidade Eucarística, em vista de uma hermenêutica
do próprio ato de comer em comunidade.
Para tanto, fizemos uso do método histórico-crítico para a interpretação bíblica,
com ênfase sócio-histórico-cultural, por ser um método científico que ajuda a
contextualizar o texto para melhor interpretá-lo hoje. Tomamos como auxílio vários
autores bíblicos como Charles H. Dodd, Xavier Léon-Dufour, Johan Konings, John
Dominic Crossan, sobretudo, de Raymond E. Brown, pela sua abrangência exegética -
bíblico - teológica do Evangelho de João.
O exegeta John D. Crossan, quando desenvolve o tema da “comensalidade
aberta”
2
a partir do Jesus histórico, diz que “(...) os antropólogos chamam de
comensalidade de mensa, palavra latina para “mesa”. Que significa as regras de mesa e
alimentação como modelos em miniaturas das regras de associação e socialização”
3
e cita
os antropólogos Peter Farb e George Armelagos para apoiar a sua reflexão. Ao desenvolver
a análise da multiplicação dos pães (Jo 6, 1-15), na perspectiva da comensalidade
eucarística, também faremos uso das idéias desses antropólogos que dizem: “Em todas as
sociedades, simples e complexas, o ato de comer é o modo básico de iniciar e manter
relações humanas (...)”.
4
De modo semelhante, Lee Edward Klosinski ao examinar a
1
Nesta dissertação segue-se o texto original NESTLE-ALAND, Novum Testamentum Graece. 27 ed.
Stuttgart: Deutsche Bibelgesellscharft, 2001. E a tradução da Bíblia de Jerusalém. 2 ed. São Paulo: Paulus,
2003.
2
Cf. CROSSAN, J. D. Jesus: uma biografia revolucionária, p. 82.
3
CROSSAN, J. D. Jesus, p. 82.
4
FARB, Peter; ARMELAGOS, George. Consuming Passions, p. 4 e 211, Apud CROSSAN, J. D. Jesus, p.
82.
12
literatura sociológica, antropológica, intercultural e significativa sobre o alimento e o ato
de comer, conclui: “Compartilhar a comida é uma transação que envolve uma série de
obrigações mútuas e origem a um complexo interconectado de mutualidade e
reciprocidade (...)”.
5
Portanto, é com base nesses conceitos antropológicos que
desenvolveremos o tema da comensalidade, na dimensão eucarística, conforme João.
6
O Quarto Evangelho distingue-se dos evangelhos sinóticos. É tido como o
Evangelho da Vida (6,35; 8,12; 11,25), da grande revelação do amor de Deus.
7
Apresenta
preocupação menos cronológica do que teológica dos eventos ligados a Jesus. No Prólogo
desse evangelho (1,1-18) contém a chave da cristologia joanina (1,1. 14.18): “o Verbo era
Deus” (v.1). “E o Verbo se fez carne,
8
e habitou entre nós; e nós vimos sua glória, glória
que ele tem junto do Pai como Filho único, cheio de graça e verdade” (v.14). Jesus é o
Filho de Deus que, visivelmente, manifesta as obras do Pai, pela sua vida e ação, gestos e
palavras (cf. DV 2).
Nesta análise, iremos deter-nos, especificamente, no cap. 6 do Evangelho de João,
no qual Jesus acolhe e alimenta todos os que dele se aproximam (cf.vv.5.12) e, ele mesmo,
distribui os pães de cevada (cf.vv. 9-11) aos convivas. Jesus manifesta-se pela
comensalidade do pão, e dá-se a conhecer como o Pão da vida (cf.vv.35.48.51). Quem
n’Ele crer e dele “comer” viverá para sempre (cf. 6,47-51). Assim indica João 3,16: Deus
amou tanto o mundo, que entregou o seu Filho único, para que todo o que nele crê não
pereça, mas tenha a vida eterna.
5
KLOSINSKI, L. E. The Meals in Mark – Ann Arbor, Ml. , p.56-58, Apud CROSSAN, J. D. Jesus, p. 83.
6
Ao dizer “João”, referimo-nos ao evangelho tal como chegou a nós, sendo ainda a autoria atribuída ao
apóstolo São João, filho de Zebedeu, identificado com o Discípulo Amado, o qual o QE assinala como seu
autor (21,24). Quando mencionamos “evangelista” referimos ao que reuniu os primeiros escritos do QE, de
acordo com a experiência de da comunidade; ao mencionar “redator” nos referimos aos autores finais do
mesmo. Tanto o evangelista como os redatores, possivelmente, não tenham pertencido ao círculo de Jesus
histórico, da Galiléia, mas que possuíam o testemunho ocular do Discípulo Amado (cf.19,35).
7
Cf. LÉON, Domingo M. Comentário Bíblico Latinoamericano, p. 595s.
8
O sentido da palavra “carne” em grego:
s
s
a
a
,
,
r
r
x
x [sarx] “está em oposição a pneuma, espírito, em 3,6, 6,63; em
paralelo com haima, sangue, em 1,13 e, de Jesus, em 6,53.54.55.56. Na linguagem joanina
s
s
a
a
,
,
r
r
x
x
[sarx]
significa que Jesus é o projeto de Deus feito realidade humana. “A descida do Espírito, que lhe dá capacidade
de amor igual à do Pai, transforma sua “carne” realizando nele o modelo de Homem ( “o Filho do homem”).
A carne de Jesus torna-se alimento para o ser humano (6,51), ou seja, a fonte de vida (6,53ss). Cf. MATEOS,
J. & BARRETO, J. Vocabulário Teológico do Evangelho de São João, p. 36. A “carne”, no sentido joanino,
designa a humanidade em sua condição de fraqueza e de imortalidade (Gn 6,3; Sl 56,5; Is 40,6-8; Jo
3,6;17,2). Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento, p. 274.
13
O pão em si, tem o sentido de alimento, pois, ele é feito para ser ingerindo e gerar
vida e energia. Porém, hoje, na Eucaristia, ao tomarmos aquela pequena partícula com
aparência de pão, parece que “enfraquecemos” o seu sentido como sinal de pão. Entretanto,
Jesus, na multiplicação dos pães (Jo 6,1-15; cf. Mc 6,30-40), manifesta-se profundamente
em favor da multidão: primeiro pergunta pelos pães, com os quais dará de comer à
multidão (v. 5); segundo, provoca nos discípulos nova ação frente a realidade da multidão
e aceita os pães de cevada que o menino trazia consigo (vv. 5-9); terceiro, pede para os
discípulos acomodar a multidão no espaço gramado (v.10) e, após, graças e distribuí os
pães aos convivas (v. 11). Por fim, quando todos estavam saciados, pede aos discípulos
para recolherem os pedaços que sobraram, para que nada se perca (v.12). Jesus, portanto,
pela sua própria vida e ação, parece introduzir e inaugurar um novo sentido a cada gesto
que faz com o alimento pão. Ao agir assim, em favor da multidão, Jesus indica-nos os
sinais sensíveis da comensalidade Eucarística. Suas atitudes indicam-nos que o alimento
pão é um elemento essencial e significativo e que, através desse pão, se pode criar uma
relação de comunhão com Ele.
Então, perguntamo-nos se a multiplicação dos pães remete à Eucaristia? Se o
Sinal dos pães em João 6,1-15 aponta para uma comensalidade eucarística? Quais, então,
seriam os elementos da comensalidade eucarística no Sinal dos pães? É o que pretendemos
responder e explicar através deste estudo, porque acreditamos ser importante vivenciar
intensamente cada ação litúrgica eucarística.
Contudo, esta análise pretende colaborar com as ações da comensalidade
eucarística, por ser a Eucaristia fonte e ápice da vida da comunidade cristã (cf. SC 10). Tal
fonte é expressão viva da em Jesus Cristo que necessita, porém, ser trazida à realidade
da humanidade, hoje (cf. GS 3). As ações litúrgicas eucarísticas talvez precisem ser
traduzidas em nosso corpo humano, através de gestos visíveis e concretos, que possibilitem
a real transformação para e na vida cotidiana.
Tendo situado o nosso tema e objetivo, desenvolveremos nossa dissertação em
quatro capítulos.
No primeiro capítulo faremos a delimitação do texto, em relação ao anterior e
subseqüente; identificação do gênero literário da perícope no conjunto do Quarto
Evangelho, mais propriamente, do Livro dos Sinais; a comparação da perícope com os
14
Evangelhos Sinóticos e, posteriormente, detectaremos os elementos tradicionais e
redacionais da mesma.
No segundo capítulo, buscaremos o significado de “Sinal” no Quarto Evangelho;
a função do “Sinal do pão” na estrutura narrativa; e a formação e os conflitos da
comunidade joanina, a partir de Raymond E. Brown.
Como terceiro capítulo, ressaltaremos traços da peculiaridade joanina,
apresentando o texto, versículo por versículo, e os aspectos relevantes ao objetivo da
presente pesquisa. Em seguida, retomaremos as ações de Jesus que remetem à Eucaristia,
para assim adentrarmos no tema da comensalidade Eucarística, apontado no Sinal dos pães.
No quarto capítulo, como conclusão, apresentaremos os elementos indicativos da
comensalidade Eucarística no “Sinal dos pães”, tendo em vista uma hermenêutica bíblica
para as ações litúrgicas.
15
1 A PERÍCOPE DE JO 6,1-15
1.1 Delimitação do texto
O texto Jo 6,1-15 deixa explícito o começo de uma nova perícope. O relato se
desencadeia progressivamente. Vejamos:
No v.1 temos fórmula que a noção de movimento, mudança temporal e
espacial, introduzido pela fórmula de passagem por Meta. tau/ta [depois disso]. O Meta.
tau/ta faz uma clara ruptura com a perícope anterior. Essa expressão, usual em João,
denota um lapso de um período indefinido (cf. 2,12). Logo após à fórmula de passagem,
determina-se para que lugar Jesus está se dirigindo (avph/lqen o` VIhsou/j pe,ran th/j qala,sshj
th/j Galilai,aj th/j Tiberia,dojÅ[passou para a outra margem do mar da Galiléia de
Tiberíades.]). O texto deixa em evidência, geograficamente, que Jesus não está mais em
Jerusalém (cf. 5,1ss), mas na região do mar da Galiléia. Não se explica, porém, como Jesus
regressou para a Galiléia, o que parece não interessar ao redator.
Os vv. 2-4 situam o lugar e o tempo na qual vai se dar o episódio, ou seja, a ação
de Jesus. Portanto, os primeiros versículos (1-4) introduzem uma mudança de estilo ou
gênero literário e apontam para um tipo diferente de exposição. Não é mais um discurso,
conforme o texto anterior, e sim uma narrativa, que vem demarcando um novo tempo (v.
4).
Nos vv.5-14 segue o desenrolar do episódio, ou seja, das ações de Jesus. O v.15
demonstra que o protagonista retira-se sozinho, para o monte, encerrando assim o episódio.
O término da perícope, contudo, está exposto na ação do tipo partida (6,15):
VIhsou/j( avnecw,rhsen pa,lin eivj to. o;roj auvto.j mo,nojÅ [Jesus,..., retirou-se de novo,
sozinho, para a montanha].
A cena que segue no v.16 distingue-se de tempo, espaço e personagens (~Wj de.
ovyi,a evge,neto kate,bhsan oi` maqhtai. auvtou/ evpi. th.n qa,lassan [Ao entardecer, seus
discípulos desceram para o mar]). Demarca um outro momento e auditório. Aqui temos
16
não mais a grande multidão ou as cinco mil pessoas que estão em questão, mas os
discípulos num outro espaço de tempo, dentro de um barco e sobre o mar.
Os poucos dados são suficientes para afirmar: o texto de 6,1-15 indica ser uma
única perícope, pois nela se confirma um início, meio e fim, dentro do conjunto do cap.6.
A perícope parece ser “a introdução” do capítulo 6. Após essa perícope, segue outra
narrativa e, posteriormente, o diálogo ou discurso de Jesus sobre o Pão da vida, concluindo
assim um grande assunto trazido por Jesus, experienciado pelos discípulos e discípulas que
o seguiam e interpretado pelo escritor.
1.2 O gênero literário do texto
As comunidades cristãs usavam certas formas para narrar os fatos.
Em função de
suas necessidades a Igreja primitiva criou uma série de formas narrativas, tais como relatos
de milagre, paradigmas, etc”.
9
A comunidade primitiva era criadora, pois transmitia os
fatos e ditos de Jesus a partir de sua própria e para sua fé. E, para alcançar este objetivo,
dava uma forma e estes materiais, redigidos em aramaico e em grego.
10
Os relatos de
milagres que temos são formas narrativas da Igreja nascente. Nos Sinóticos encontramos
várias formas de relato de milagres. Observa-se que a forma dos relatos dos milagres nos
Sinóticos, se compararmos com João, a súplica do pedinte e as intervenções de Jesus é
predominante.
Cássio Murilo Dias da Silva,
11
apoiando-se em Rudolf Bultmann propõe, para os
evangelhos, a seguinte divisão: tradição da história e tradição da Palavra, afirma que na
tradição da história está o material narrativo, no qual se encontram os feitos de Jesus:
relatos de milagre, de vocações e de controvérsias.
12
Portanto, a narrativa da multiplicação
dos pães Jo 6,1-15 é, pelo visto uma narrativa da tradição da história. Tem a estrutura de
relato de milagre:
a) Introdução (descrição do ambiente e do encontro): vv. 1-4;
9
CARMONA, Antônio Rodríguez. História das Formas. In: O`CALLGHAN, José (Org.). A Formação do
NT, p. 37.
10
CARMONA, A.R. História das Formas. In: O`CALLGHAN, J. (Org.). A Formação do NT, p. 37
11
SILVA, Cássio Dias da. M. Metodologia de Exegese Bíblica, p. 206-210
.
17
b) maiores detalhes (o problema e o esforço para superá-lo): vv.5-9;
c) a súplica do pedinte: v.5 (a grande multidão e nem os discípulos chegam a
pedir). Jesus toma a iniciativa e ao mesmo tempo em que pergunta, sabe o que vai fazer
(cf.v.6);
d) a intervenção de Jesus: vv. 5b. 10.11.12b;
e) o efeito produzido: vv. 12-13;
f) a reação das atendidos: v. 14-15, e de Jesus em relação a eles: v.15.
Porém, a fórmula estrutural do relato de milagre em João possui certas
particularidades, apresentando assim sua característica estilística própria:
a) Jesus começa fazendo a vez do pedinte e o que toma a iniciativa: Ele é quem vê
a multidão e pergunta a Filipe onde conseguir o alimento pão para a multidão comer (v.5).
b) O vocabulário e o estilo, os gestos e as palavras de Jesus pertencem à
linguagem peculiar da comunidade joanina. Pois, é peculiar do Ev. de João, Jesus agir pela
sua própria iniciativa (cf. 2,4; 5,6).
13
c) A linguagem simbólica é um aspecto importante na linguagem joanina. O pão e
o peixe são alimentos que sustentam e dão vida. Mas, são também símbolos,
14
pois a
imagem do pão esconde realidades que representam um patrimônio de pensamentos para as
concepções religiosas: pão era tido como símbolo das palavras da Torá, ou da Sabedoria.
15
O pão, como o vinho e a água são símbolos muito antigos. O maná, o pão do céu, não é
apenas uma bênção da era messiânica, na apocalíptica judaica, mas um símbolo do Logos
12
SILVA, Cássio Dias da. M. Metodologia, p. 207.
13
Cf. TUÑI I VANCELLS, J.O. Jesús en comunidad: el Nuevo Testamento, medio de acceso a Jesús, p. 87s.
14
Por sua etimologia (do grego sym-ballo) o símbolo refere-se à união de duas coisas. Tem um “segundo
sentido”, que o ser humano pode captar nas coisas de sua experiência fenomênica, ou um elemento desse
mundo fenomênico que foi “transignificado”, enquanto significa algo além de seu próprio sentido primário.
Cf. CROATTO, J.S. As Linguagens da Exériência Religiosa: Uma interpretação à fenomenologia da religião,
p. 84-89. Ou como diz LÉON-DUFOUR: “um símbolo une duas entidades, a que é imediatamente
perceptível pelos sentidos e a invisível, que é visada; esta transparece imediatamente na primeira.” LÉON-
DUFOUR, X. Leitura do Evangelho Segundo João I, p. 24.
15
Cf. DODD, C.H. A interpretação do quarto Evangelho, p. 187. Para Dodd, a origem do pensamento
joanino encontra-se próximo ao judaísmo helenístico, representado por Fílon. É o rico acúmulo de
significado simbólico que se encontra no pão.
18
(cf. 1,14). De alguém que ama e é amado, que recebe e dá: “ter nele pertence à essência
daquele conhecimento de Deus que é a vida eterna”.
16
d) O caráter dramático e cênico
17
é perceptível na narrativa. O modo como o
evangelista deixa Jesus falar “é um procedimento literário enraizado no Antigo Testamento
e no estilo da homilia judeu-helenista da diáspora”.
18
Jesus não vem agir e ensinar coisas
fora do mundo; revela o sentido profundo daquilo que ele próprio faz. Segue, contudo, o
estilo dos profetas e que, por palavras e ações, ensina que o que ele faz é o que viu junto do
Pai. E sua ação principal é dar a própria vida.
19
“Na primeira parte, caps 1-12, que corresponde ao relato do ministério de Jesus
nos outros evangelhos, a narrativa serve principalmente como arcabouço para
uma série de discursos (diálogos e monólogos), todos eles relacionados com o
tema dominante de vida eterna. Estes discursos são feitos para estarem ligados a
um limitado mero de livres secções narrativas, apresentando episódios seletos
da vida de Jesus”.
20
Portanto, na perícope em questão, destaca-se o gênero narrativo-dramático que, de
acordo com Konings, é gênero literário de todo o Ev de João. Em Jo 6 existe uma unidade
dramatúrgica: a narração serve de introdução (vv.1-15). O centro do drama é a discussão
de Jesus com os judeus (vv. 26-59). o desenlace (vv. 60-71) que descreve uma dupla
reação: decisão contra Jesus (a multidão, vv. 60-66) e a favor d’Ele (os discípulos, vv. 67-
71). A narrativa faz parte da tradição histórica. Porém, a cena da multiplicação dos pães se
torna símbolo
21
em forma de narrativa, cujo significado ainda queremos demonstrar. Para
isso prosseguiremos fazendo a comparação da narrativa joanina com a dos Sinóticos.
1.3 Comparando com os sinóticos
A narrativa da “multiplicação dos es”
indica pertencer ao material da tradição
comum. Porém, o evangelista da comunidade joanina modifica e acrescenta elementos
16
DODD, C.H. A interpretação, p. 105.
17
Cf. KONINGS, J. Evangelho segundo João: amor e fidelidade,
p.19.
18
KONINGS, J. Evangelho segundo João, p. 20.
19
KONINGS, J. Evangelho segundo João, p. 20.
20
DODD, C.H. A interpretação, p. 182.
21
Cf. DODD, C.H. A interpretação, p. 181-182.
19
necessários para a compreensão da própria comunidade e de seus leitores, dando assim
uma característica distinta dos Sinóticos.
Para realizarmos a comparação com os Sinóticos, precisamos ter presente que o
plano que estrutura o Ev. de João apresenta um cunho mais teológico do que histórico.
“Não é biografia de Jesus (20,30), nem sequer resumo de sua vida, mas interpretação de
sua pessoa e obra, feita por uma comunidade no seio da sua experiência de fé”.
22
E, em
relação com os Sinóticos, o que interessa é o significado dos fatos dentro da estrutura
teológica joanina. Neste sentido procederemos.
A narrativa da multiplicação dos pães é um relato que aparece nos quatro
Evangelhos, “substancialmente na mesma forma, somente com pequenas variantes de lugar
e de circunstâncias”
23
. Em Mc, como em Mt tal narrativa aparece duas vezes (Mc 6,32-33;
8,1-10 e Mt 14,13-21; 15,29-38). Sendo a primeira ocorrência da multiplicação dos es
seguida pela caminhada de Jesus sobre as águas. Lc e Jo narram a multiplicação dos pães
apenas uma vez. Essa narrativa aparece seis vezes nos quatros Evangelhos. Portanto, a
repetição da narrativa dos pães, nos evangelhos, indica sua importância nas comunidades
cristãs nascentes e seu significado na estrutura de cada Evangelho.
Raymond E. Brown, desenvolvendo as idéias dos investigadores J. Weiss e
Gärtner, estabelecendo a seguinte comparação.
24
Multiplicação para 5.000 Jo 6,1-15 Mc 6,30-44
Jesus caminha sobre o mar 17-24 45-54
(Passa-se logo até o final do segundo relato da multiplicação em Marcos, que aparece em 8,1-10.)
Pedido de um sinal 25-34 8,11-13
Observações sobre o pão 35-59 14-21
22
MATEOS, J.& BARRETO, J. O Evangelho de São João, p. 6; Cf. BROWN, R.E. El evangelio según
Juan I-XII, p. 55
.
23
BROWN, R.E. Evangelho de João e Epistola, p. 60.
24
BROWN, R.E. El evangelio según Juan, p. 453.
20
Fé de Pedro 60-69 27-30
Tema a paixão e da traição 70-71 31-33
Portanto, diante deste quadro se percebe que a seqüência dos acontecimentos, em
João, coincide de perto com os de Marcos, omitindo, porém, a segunda multiplicação.
25
Alguns especialistas afirmam que, a narrativa da multiplicação dos pães tem
raízes profundas na tradição e João reproduz a tradição
26
e que muitas indicações que
sugerem que João conhecia as duas narrativas dos dois milagres em Marcos 6,35-44; 8,1-9,
com diferenças claramente percebidas.
27
Brown, contudo, argumenta que, “em alguns
detalhes, o relato de João parece mais próximo da primeira narrativa”.
28
Que em cada uma
das três tradições detalhes muito antigos e que foram sendo reelaborados no curso da
transmissão. Estes, porém, necessitam serem analisados separadamente.
29
Para melhor percebermos as semelhanças e diferenças entre as três tradições,
citaremos algumas notas comparativas importantes:
a montanha [to. o;roj]: aparece freqüentemente na tradição sinótica e se relaciona
com importantes acontecimentos teológicos (Mt 5,1; Mc 3,13). Tanto em Mc como em Mt
Jesus vai à montanha para orar, depois que despede a multidão. Mas em Jo, Jesus senta na
montanha com os discípulos (6,3) e, depois da multiplicação, refugia-se sozinho na
montanha (6,15). Quanto ao local geográfico, não há como localizá-la, ainda que a tradição
o associe à margem ocidental do lago e com uma colina chamada de “monte das Bem-
aventuranças”. “É possível que os evangelhos tenham simplificado diversas localizações
em uma espécie de Sinai Cristão. Em Jn 6 aparece o mesmo tema que no sermão da
montanha de Mateus: concretamente, um contraste entre Jesus e Moisés”.
30
25
Cf. BROWN, R.E. Evangelho de João e Epistola p. 60.
26
BARRETT, C.K. The gospel according to St John, p. 271.
27
BARRETT, C.K. The gospel according to St John p. 271.
28
Em nota ao da p. 473, R.E.Brown escreve que é difícil entender como o quarto evangelista pôde
elaborar sua narrativa com base na tradição sinótica e que a cena da multiplicação dos pães torna-se um forte
argumento a favor da independência joanina. BROWN, R.E. Introdução ao Novo Testamento, p. 473. Para C.
K. Barrett essa independência se refere ao fato de que João não “copiou” Marcos; que, provavelmente, ele
usava a tradição de Marcos, e desejava inserir o material, para dar fundamentos teológicos e também
próximos ao seu discurso sobre o pão da vida. BARRETT, C.K. The gospel according to St John, p. 271-272.
29
Cf. BROWN, R.E. El evangelio según Juan, p. 455.
30
BROWN, R.E. El evangelio, p. 445.
21
... e sentou [kai. evkei/ evka,qhto] remete a um gesto de Jesus igual aos rabinos,
que se sentavam para ensinar (cf. Mc 4,1; 9,35; Lc 4,20). A frase (v.3) aproxima-se de Mc
e Mt, em relação à subida para a montanha. Mas nesta cena João não alude para
ensinamento, pois não vem precedida de ensinamento como em Mc 6,34. Jesus está apenas
sentado na montanha acompanhado pelos seus discípulos, num período próximo à páscoa.
E levantando os olhos e vendo a multidão começa a dialogar com os discípulos a respeito
do que vê: a multidão que a ele acorria (6,5).
A reposta de Filipe a Jesus (v.7) se assemelha à de Mc 6,37. Literalmente,
duzentos denários em Mt 20, 2, aparece o denário como jornada diária. A coincidência
de número é notável. “Não parece que todos os números sejam tão bem guardados na
tradição oral, é provável que por esta razão preservou-se uma forma escrita”.
31
Nos vv. 5-9 vemos a intervenção de Filipe e André. Como personagens na cena
são exclusivas de João (1,40. 43-44; 12,22). Ressalta o caráter cênico da narrativa. E mais,
em João, é Jesus quem toma a iniciativa de alimentar a multidão com es. Ele mesmo se
dirige aos discípulos e pergunta: Onde arranjaremos pão para eles comerem? (v. 5).
Entretanto, essa pergunta assemelha-se com o relato de Mateus (15,33), quando Jesus
multiplica o pão para 4000 pessoas. E em Mc (6,35-37) como em Lc (9, 12) são os
discípulos que tomam a iniciativa e se preocupam com a alimentação da multidão e se
dirigem a Jesus.
No v.10 Jesus pede para os discípulos acomodarem o povo. E o lugar onde se
acomodam tem muita grama. Tanto Mc como Mt mencionam grama”. Porém, Mc diz
“grama verde”. Isso indica ser primavera.
32
Talvez, Jo conserva o pormenor de Mc 6,39
para evocar o significado messiânico: os desertos transformam-se em terra fértil (cf. Is
41,18),
33
e para contextualizar a multiplicação dos pães num tempo Pascal.
Tanto nos sinóticos como em João, Jesus pede aos discípulos para fazerem a
multidão se acomodar (cf. Mc 6,40; 8,6; Mt 15,35; Jo 6,10; cf. Jo 20,21). O verbo em
grego avnapiptw, literalmente é “cair sobre, em cima”,
34
que no indicativo aoristo ativo:
avnepeson, igual a sentar-se, acomodar-se, de onde deriva o acomodem [avnapesei/n], no
31
BARRETT, C. K. The gospel, p. 274.
32
Cf. BROWN, R. E. El evangelio, p. 456-457.
33
Cf. KONINGS, J. Encontro com o quarto Evangelho, p. 39.
22
infinitivo aoristo ativo, deixando a entender que esse fazer a multidão se acomodar, sobre a
grama (cf. Jo 6,10) levou para uma ação com um tempo indefinido. A multidão era grande
e todos precisavam estar em ordem e harmonia, para comportar todos os presentes e serem
servidos por Jesus (cf. 6,11). Portanto, o verbo acomodem, implica numa ação de
preparação e de organização da multidão para uma refeição conjunta, apontando assim
para uma comensalidade dignamente humana, onde os convivas podem se relacionar.
O verbo distribuiu”[die,dwken], no indicativo aoristo ativo, aparece somente em
João, que provém do verbo dar ou dividir [di,dwmi]. Os sinóticos, porém, usam o verbo
deu [evdi,dou], no indicativo imperfeito ativo. Em Jo, Jesus distribuiu os pães para os
presentes” [avnakeime,noij], enquanto nos sinóticos Jesus os pães aos discípulos para
que eles distribuíssem” [maqhtai/j Îauvtou/Ð i[na paratiqw/sin auvtoi/j]. Aqui, portanto,
uma diferença explícita entre João e os sinóticos. Jesus é o que serve diretamente a
multidão, ou seja, os comensais.
João introduz uma ação diferente de Jesus, em relação aos sinóticos. Aponta para
um outro movimento: o gesto de Jesus é direto aos comensais. Filipe e André, enquanto
Jesus distribui os pães e os peixinhos, o entram em cena, parecem estarem de fora,
apenas observando Jesus, ou sendo um entre os comensais. Aqui nos perguntamos: por que
somente Jesus distribui os alimentos aos comensais, a tanta gente? Parece-nos que o
evangelista João quer ressaltar a dimensão cristológica do relato, pois Jesus é o
protagonista da ação, de seus gestos para com as pessoas.
Nos sinóticos aparecem “os apóstolos” (cf. Mc 6,30) e “os discípulos” ( Mc 6,41;
8,6; Mt 14,19b; Lc 9,16) para dar de comer à multidão que seguia ou ia ao encontro de
Jesus. João descreve, também, que Jesus é quem ordena os discípulos a recolherem os
pedaços dos pães que sobraram para que nada se perca (nos vv 12-13). Difere dos
Sinóticos, especialmente em Marcos, desde o início os discípulos estão interagindo junto
com Jesus e a multidão faminta (cf. 6, 35-43): eles são os que primeiro se preocupam com
o que comer ou como alimentar a multidão; informam a Jesus de quantos pães e peixes eles
têm (v.38); acomodam o povo em grupos, a pedido de Jesus; distribuem os pães para a
multidão, sentada em grupos, (vv. 40-41) e também são os que recolhem os pedaços dos
pães sobrados (vv.42-43).
34
RUSCONI, Carlo. Dicionário de grego do Novo Testamento.
23
Em Jo os pães são adjetivados, isto é, de cevada [a;rtwn tw/n kriqi,nwn]. Para
os sinóticos são simplesmente pães[a;rtouj]. Já, os peixinhos”[ovya,ria], se assemelham
à segunda narrativa de Mc ( 8,7) e Mt (15,34c), que estão no diminutivo e que significa ser
“pescado seco ou em conserva”.
35
E em relação à quantidade de alimentos como os “três
pães e dois peixinhos”, os “5.000” comensais e os “12 cestos” é comum à narrativa
primeira de Mc e Mt e em Lc. Sendo que Mc e Mt mencionam as cifras, da quantidade de
comensais, no final e Lc e Jo no meio do texto (Jo 6,10).
As ações de Jesus em João: “subiu” e “sentou”(v.2) “levantando os olhos e
vendo”(v.5); “tomou os pães”, “depois de dar graças”e “o distribuiu” (v.11), como também
o “recolhei os pedaços que sobraram”(v.12) possuem semelhanças consideráveis aos
Sinóticos, e acima de tudo, no que diz respeito às ações eucarísticas. Em relação a tais
ações, João apenas omite dois gestos de ressonância eucarística: o gesto de elevar os olhos
aos céus e o partir do pão (cf. Mc 6,41).
36
Tais gestos, para João, possivelmente estão
implícitos nos demais.
Raymond E. Brown afirma que uma explicação lógica para todas estas
particularidades, omissões, acréscimos e paralelos. Pois o evangelista não copiou os
sinóticos, mas “contava com uma tradição independente sobre a multiplicação, que era
parecida, porém não idêntica, às tradições em que se inspiram os sinóticos”.
37
E mais, que
“em cada uma das três tradições há detalhes muito antigos e em cada uma delas estes
detalhes foram sendo elaborados no curso da transmissão”.
38
As expressões comuns como “multidão”, “duzentos denários”,
39
“cinco pães” e
“doze cestos” reforçam os elementos tradicionais. Particularmente, ao tratar dos “homens”,
em comparação com Mt 14, 21, adiciona “sem contar mulheres e crianças”. João, no
entanto, menciona apenas “os homens” [oi` a;ndrej], não enfatiza as diferenças de gênero
humano e a idade, permitindo compreender, assim, todos os seres humanos. Parece que
35
BROWN, R.E. El evangelio, p. 447.
36
Cf. BROWN, R.E. El evangelio, p. 456-461.
37
BROWN, R.E. El evangelio, p. 454.
38
BROWN, R.E. El evangelio, p. 455.
39
O denário era o salário de um dia de trabalho (cf. Mt 20,2. 9.10.13). Cf. MATEOS, J.& BARRETO, J. O
Evangelho de São João: análise lingüística e comentário exegético, p. 295.
24
Jesus acolhe e integra, indistintamente, a todos no seu ministério e dinamismo
.
40
Portanto,
com base na tradição sinótica e nas particularidades joaninas pode-se falar da
comensalidade do pão, era feita por Jesus e vivida nas primeiras comunidades cristãs.
Um último detalhe, Jesus nos sinóticos, obriga os discípulos a passarem para outra
margem do lago, despede a multidão e vai ao monte para orar (cf. Mc 6,45-46; Mt 14,22-
23). Não se atribui nenhum motivo para despedida tão rápida da multidão, nem para enviar
os discípulos à outra margem. Porém, em João, uma conclusão da cena (cf. 6,14-15),
motivo para essa atitude desconcertante: o perigo de uma manifestação política por parte
da multidão.
41
E
sses versículos parecem transmitir uma informação histórica correta de
João. No ministério na Galiléia com seus “milagres” ou “sinais”, a multiplicação vem a ser
o ponto culminante tanto em João como em Marcos é o último milagre, ou melhor,
“sinal” durante o ministério de Jesus na Galiléia – provocou uma suspeita de fervor
popular que ameaçava às autoridades, religiosas e seculares. Se o QE foi escrito pelo final
do séc. I, quando perseguição aos cristãos e cristãs, sob o domínio de Domiciano,
42
era
uma realidade evidente, parece que não cabe falar de que foi inventada a informação
contida nos vv. 14-15, mas que João reinterpretou o fato para a realidade presente.
Contudo, o fato da narrativa joanina 6,14-15 conclui-se distintamente da tradição Sinótica,
acentua o estilo particular joanino de criar suspense e deixa o leitor instigado a ir adiante.
O importante é perceber que “João apresenta uma série de traços próprios que não
aparecem nos relatos sinóticos, como podemos ver nos versículos 1, 5, 7, 8,11e, 12 e 13”.
43
Alguns vocábulos joaninos como a montanha (cf. Mt 5,1) e a páscoa (Jo 6,4) podem
evocar a figura de Moisés, e “sugerem ao leitor ao mesmo tempo a exaltação de Jesus”
44
.
Entretanto, João “sempre acentua a autonomia divina da obra de Jesus (cristocentismo)”.
45
Para melhor perceber esses traços peculiares joaninos vamos buscar os elementos
tradicionais e os redacionais da perícope.
40
Cf. GAEDE NETO, R. A diaconia de Jesus, p. 120-134.
41
Cf. BROWN, R.E. El evangelio, p. 467.
42
Cf. BALANCIN, E.M. et alii.Guia de leitura aos mapas da bíblia, p. 32s; PIXLEY, J. O império no
evangelho segundo São João. In: Revista Internacional Bíblica Latinamericana, n.48, p. 101s.
43
BROWN, R.E. El evangelio, p. 454.
44
KONINGS, J. Encontro, p. 38.
25
1.4 Elementos tradicionais e redacionais
A perícope da “multiplicação dos pães” parece fazer parte da tradição Sinótica,
que, posteriormente, foi selecionada pelo quarto evangelista para compor seu evangelho. Contudo
,
o evangelista modifica palavras e gestos de Jesus, e introduz outros elementos. Escreve de
uma outra forma e estilo, durante várias etapas,
46
abrindo assim para outras interpretações,
de acordo com sua teologia.
“A história da multiplicação ocupou um lugar na tradição oral sobre Jesus. È a
única história de um milagre que apareceu em todos os quatro Evangelhos, e
Mateus e Marcos ainda mencionam duas vezes (Mt 14,13-21; 15,32-39; Mc
6,30-44; 8,1-10; Lc 9,10-17). O local central desta história, dentro das tradições
sobre Jesus, significa que não é necessário presumir uma dependência Joanina
em torno dos Evangelhos sinóticos, particularmente de Marcos, aqui. A versão
Joanina contém detalhes individuais suficientes que são essenciais para a história
(ex., o menino no v.9) de modo a parecer que João utilizou uma das muitas
versões dessa história que circulava entre os primeiros cristãos”.
47
Os elementos redacionais parecem ser significativos. Por isso destacaremos os
elementos redacionais, primeiramente, distinguindo-os assim dos tradicionais.
a) No v 1: O redator define o local: passou para a outra margem do mar da
Galiléia de Tiberíades
48
(cf. 6,22-24).
45
KONINGS, J. Encontro, p. 38.
46
Brown desenvolve essas etapas em cinco: 1)o grupo nasce do judaísmo e inclui seguidores de João Batista.
Situa-se na Palestina e aos arredores da Palestina. Neste grupo encontra-se um homem que conhecia Jesus e
que se converterá no Discípulo Amado (1,35-51). 2) A esse grupo se unem judeus samaritanos. A cristologia
desse atua como catalisador da cristologia do primeiro grupo; 3) A comunidade foi transladada para a
diáspora. Um discípulo do discípulo amado escreve o evangelho. 4) cristãos joaninos tinham de defender sua
identidade frente a outros grupos. As tensões se refletem numa segunda redação de evangelho. 5) A última
edição de João é elevada por um último redator. Um critério para destacar os acréscimos do último redator
seria a dos fragmentos duplicado (p.ex. 6,51-58 em relação com 6,35-50). BROWN, R.E. El evangelio, p. 37
e 113s.
47
O’DAY, Gail R. The new iterpreter’s bible. v. IX Luke John. Nashville (Tennesee): Abingdon Press,
1995, p. 593.
48
No v. 1, th/j Galilai,aj th/j Tiberia,dojÅ [ literalmente: da Galiléia de Tiberíades] (1) th/j Galilai,aj ;
Códice Vaticano ( B ) : séc. IV(proto-alexandrino) A lição variante é (2) - th/j Galilai,aj eij ta merh th/j
Tiberia,dojÅ [ de Galiléia até a região de Tiberíades] Códice Beazae (D): séc. V ( = texto ocidental) Tipo de
manuscrito Unciais: Q (= mais evidências para este tipo de texto são encontradas no Evangelho escrito por
Marcos). METZGER, Bruce M.. A textual comentary on the greek New Testament. London: UBS, 1975, p.
211s. Brown diz que “esta frase, que aparece nos Códices de Beza y Koridethi, em Crissóstomo na versão
etiópica, poderia ser original (cf. Boismard, RB 64 [1957] 369). Cf. BROWN, R.E. El Evangelio Según Juan,
1979, p. 444s.
26
b) No v 2: as circunstâncias ou a situação: a multidão seguia Jesus, “porque
tinham visto os sinais (
shmei/a
) que ele realizava nos doentes.” Aqui, “os investigadores
que admitem a existência de uma Fonte dos Sinais, que João havia utilizado, estimam que
este versículo proceda dessa fonte, que continha uma extensa coleção de sinais, dos quais o
evangelista havia selecionado somente alguns”.
49
João enuncia o caráter seletivo da obra,
no cap.20,30, designando como “Sinais” o conteúdo selecionado, como explicita a
intenção do registro escrito destes “Sinais”: “para que creiais que Jesus é o Messias, o
Filho de Deus, e para que crendo tenhais vida em seu nome” (20,31). E na conclusão João
20,31 parece nos indicar outra restrição: a intenção da escrituração”,
50
que os Sinais
apontam para uma intenção ou dimensão teológica, quer propiciar solidez à fé dos ouvintes
e leitores. Por detrás desta frase está o contexto vital do Quarto Evangelho. O termo “sinal”
é carregado de toda uma compreensão veterotestamentária, da teologia profética. Na
realização destes sinais o que é mais importante é mostrar a manifestação de Deus. Não
tanto a quantidade, mas sua qualidade.
51
c) No v 4: o tempo pascal: h=n de. evggu.j to. pa,sca( h` e`orth. tw/n VIoudai,wnÅ
[“Estava próxima a páscoa, festa dos judeus”]. Este frase é própria do Ev. de João, portanto
é um elemento redacional. João “menciona a Páscoa primeiramente porque, como vai
aparecer, alguns dos atos e palavras deste capítulo têm um significado eucarístico, e a
eucaristia, assim como a última ceia, deve ser entendida no contexto Judeu da Páscoa”.
52
d) o termo evggu.j [próximo ou perto] (v. 4), é tido como uma fórmula joanina,
53
se
repete seguido no QE (2,13; 6,4; 7,2;11,55), como advérbio.
e) a palavra to. pa,sca [a Páscoa] (v. 4) vem seguida do adjetivo adverbial
“próximo”, indicando que ainda estava para acontecer. O vocábulo também aparece com
49
BROWN, R.E. El evangelio, p. 445; DEN BORN, A.V. (Org.). João (Evangelho). In: Dicionário
Enciclopédico da Bíblia, p. 813.
50
Fala-se “escrituração” porque parece que Jo 20,31 declara “escritura” (sacra) o que precede, conforme
sugere o termo técnico gegraptai (= está escrito) que estes sinais não é a investigação histórica, mas com fins
pastorais, ou seja, sustentar a dos leitores. Cf. KONINGS, J. A memória de Jesus e a manifestação do Pai
no quarto evangelho. In: Perspectiva Teológica, p. 179s.
51
Cf. KONINGS, J. A memória de Jesus. In: Perspectiva Teológica, p. 180.
52
BARRETT, C.K. The gospel, p. 274.
53
BARRETT, C.K. The gospel, p. 273.
27
freqüência no QE ( 2,13. 23; 6,4; 11,55; 12,1; 13,1; 18,28. 39; 19,14), próprio, portanto, da
redação joanina.
g) a multidão”[polu,j(], tanto nos relatos sinóticos ( Mc 6,34; 8,1; Mt 14,14; Lc
9,11) como em João ( 6,2.5) é mencionada explicitamente, pertence a tradição. Jesus, em
seu ministério, está acompanhado e seguido por uma multidão.
f) o gesto de Jesus die,dwken toi/j avnakeime,noij [distribuiu-os aos presentes]. É um
gesto novo introduzido no QE, que indica ser parte da tradição redacional. Embora se
constate certas aproximações do relato joanino com as narrativas nos sinóticos fica um
tanto difícil “defender a teoria de que João copiou diretamente um dos relatos sinóticos”.
54
Por isso, supõe que o evangelista usou uma tradição independente sobre a multiplicação e
que era parecida às tradições que inspiraram os sinóticos.
55
g) os vv.14 e 15 somente aparecem na tradição joanina. Não pertencem
originalmente às cenas da multiplicação. Portanto, se pode dizer que fazem parte da
redação joanina. No v.14 Oi` ou=n a;nqrwpoi ivdo,ntej o] evpoi,hsen shmei/on e;legon o[ti ou-to,j
evstin avlhqw/j o` profh,thj o` evrco,menoj eivj to.n ko,smonÅ [Vendo o sinal que ele fizera,
aqueles homens exclamavam: “Esse é, verdadeiramente o profeta que deve vir ao
mundo!”]. No v.15: VIhsou/j ou=n gnou.j o[ti me,llousin e;rcesqai kai. a`rpa,zein auvto.n i[na
poih,swsin basile,a( avnecw,rhsen pa,lin eivj to. o;roj auvto.j mo,nojÅ [“Jesus, porém, sabendo
que viriam buscá-lo para fazê-lo rei, refugiou-se de novo , sozinho, na montanha.”]
h) o verbo a`rpa,zein [buscar apoderar-se de algo, roubar] é considerado uma
palavra forte, como que a “raptar”. É o que os homens violentos fazem com o reino dos
céus, conforme Mt 11,12 e Lc 16,16: (biastai. a`rpa,zousin auvth,nÅ); “é possível que João,
com sua insistência constante de que o próprio Jesus é o Evangelho, transferiu o termo o
reino para o Rei. Mas assim como o reino é presente de Deus e os homens não podem eles
próprios possuí-lo violentamente, assim Jesus, que é dado por Deus (3,16) e que a si
mesmo aos homens, não pode ser coagido de modo violento”.
56
Jesus irá ser “rei” no QE,
54
BROWN, R.E. EL evangelio, p. 454.
55
Cf. BROWN, R.E. EL evangelio, p. 454.
56
BARRETT, C.K. The gospel, p. 278.
28
mas um rei de acordo com a sua definição de reinado (18,36-38), não forçado a ajustar-se à
definição do mundo, de um reino indiferente às dores da humanidade.
A narrativa da multiplicação dos pães situa-a num contexto pascal: “próximo a
Páscoa, festa dos judeus”(6,4). Contudo, o evangelista aponta para um tempo significativo
da tradição do povo judaico, a Páscoa, a festa dos pães (cf. Dt 16,1ss). “É a partir de sua
cristologia que o evangelista reinterpretou poder-se-ia dizer: recriou o dado
tradicional”.
57
O que se percebe ser nitidamente redacionais são os vv.1.2.3 (em parte) e
4.6.14 e 15.
58
Os demais vv. 3.5.7-13 possuem semelhanças próximas aos Sinóticos, que
então podem ser considerados da tradição.
Pela análise feita até aqui se pode dizer que muita ligação entre os quatros
evangelhos. Estas ligações não permitem dizer que há uma dependência literária, mas pode
se afirmar que deve ter existido uma fonte comum ou “diversas fontes”
59
na tradição cristã
das comunidades. Esta pode ser a explicação mais plausível das aproximações e
semelhanças. Possivelmente, “o evangelista escolheu entre os dados que a tradição havia
conservado sobre Jesus os que melhor poderiam lhe permitir manifestar a seus leitores a
profundidade do acontecimento”
60
e recorreu ao símbolo como água viva, o pão etc. para
exprimir, na sua linguagem, diretamente realidades da salvação.
Também, pela análise, se constata uma intervenção clara do redator joanino, pois
muitas expressões não estão na tradição dos evangelhos sinóticos. Porém, dos elementos
tradicionais percebidos ressaltam-se alguns aspectos da comensalidade do pão. A partir do
visto, prosseguiremos buscando o significado do “Sinal” no Quarto Evangelho, para
melhor compreendermos o “Sinal dos pães” na perspectiva da comensalidade eucarística.
57
LÉON-DUFOUR, X. Leitura do Evangelho segundo João II, p. 75.
58
Cf. LÉON-DUFOUR, X. Leitura do Evangelho, p. 75.
59
LÉON-DUFOUR, X. Leitura do evangelho, p. 75.
60
LÉON-DUFOUR, X. Leitura do evangelho segundo João I: Palavra de Deus, p. 25.
29
2 O SINAL DO PÃO
2.1 O significado do “sinal”
O termo shmei/on é derivado do termo shma que em sua forma mais antiga não
tem, necessariamente, o caráter milagroso. O significado básico de shmei/on é “sinal”
mediante o qual se reconhece uma pessoa ou coisa específica
,
uma marca ou prova
confirmativa, corroborativa e autenticadora
.
61
O termo shmei/a [sinais] e shmei/on [sinal] aparece no Ev. de João com certa
freqüência. O vocábulo shmei/a [sinais], no plural comum, aparece em: 2,23; 3,2; 4,48; 6,2.
26; 7,31; 9,16; 11,47; 12,37; 20, 30, sendo duas vezes no cap. 6 e uma vez na perícope 6,1-
15, como se constata. E o termo shmei/on [sinal], no singular comum, se encontra seis
vezes: 2,18; 4,54; 6,14. 30; 10,41; 12, 18, e também duas vezes no decorrer do cap. 6 e
uma vez na perícope em questão. Esta forma literária do evangelista e redator descrever
chama atenção e nos leva a perguntarmos pelo significado deste termo “sinal”.
Charles H. Dodd, argumenta que Fílon
62
emprega o verbo shmainein que,
precisamente, não é do Quarto Evangelho, mas ele claramente ao termo shmei/on [sinal]
o sentido de “símbolo”. Para Fílon, o shmei/on [o sinal] ou símbolo, conduz a um
significado oculto, no nível abstrato e intelectual.
63
Em Jo 4,48 shmei/a kai. te,rata [sinais e prodígios], aparece de maneira um tanto
depreciativa. Esta expressão é comum no AT, que significa algo extraordinário ou
maravilhoso, um milagre”. Mas
tAa
[ôt = sinal] em hebraico
64
e shmei/on [sinal] em
grego, não incluem necessariamente o milagroso, mas “testemunho” entre duas pessoas ou
61
Verbete MILAGRE: shmei/on (semeion): Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento, p.
1287.
62
Fílon de Alexandria é a figura mais conhecida e representativa do judaísmo helenístico. DODD, C.H. A
interpretação, p. 81-105.
63
Cf. DODD, C.H. A interpretação, p. 191.
64
Cf. KIRST, Nelson, et alii. Dicionário: Hebraico- Português & Aramaico- Português. 15 ed. São Leopoldo:
Sinodal; Petrópolis: Vozes, 2002; BIBLEWORKS for Windows. Version 4.0.5 p [s.l.] Lótus, 1999. 1
CD_ROM.
30
entre Deus e o ser humano. É aplicado particularmente aos atos simbólicos realizados pelos
profetas (cf. Ez 4,1-3). Nos profetas, o shmei/on [o sinal] é comumente um sinal” de
alguma coisa que está para acontecer na realização do plano de Deus na história.
65
“Parece que os profetas imaginavam que tais atos simbólicos eram mais que
meras ilustrações. Eles eram inspirados por Deus e em seu desígnio imutável
fazia o prelúdio necessário para o que ele decretava realizar” [...] “No mbolo
era dada a coisa simbolizada”.
66
O povo da tradição judaica tinha uma crença de que o Messias viria de um lugar
oculto, desconhecido e teria poder miraculoso; e assim como os profetas, segundo se
acreditava, corroboraria sua mensagem com “milagres”.
67
Esses “sinais” que o povo
esperava do Messias eram meros milagres; mas quando vêem um milagre, não conseguem
ver o “sinal”; pois, “para o evangelista, um semeion não é essencialmente um ato
milagroso, mas um ato com significado, um ato que, para o olho que vê e para a mente que
entende, simboliza realidades eternas”.
68
Os atos aos quais é aplicado o termo shmei/on [sinal] explicitamente no evangelho
de João são de fato, de tal natureza que são também considerados como milagrosos,
embora o milagroso não faça parte da conotação original da palavra, e nem sempre a
palavra é aplicada aos milagres. Os fatos narrados no QE, portanto, devem ser entendidos
como fatos que têm significado. Eles são, portanto, shmei/a [sinais] que apontam para um
significado maior. Os “Sinais”, portanto, vêm acompanhados por um discurso (cf.5,19-47;
6,22-71). Nos discursos que seguem as narrativas é fornecida uma chave” para descobrir
seu sentido.
69
No cap. 6 isto é favorável
.
Pode-se dizer que a narrativa 1-15 é um
“Sinal”, ou seja, uma narrativa simbólica, porque João usa o termo shmei/a [sinais]
aproximando de shmei/on [sinal], como nos profetas veterotestamentários: o fato, porém,
tem um significado, confirmado pelo discurso que segue (vv.22s).
65
Cf. DODD, C.H. A interpretação, p. 191.
66
DODD, C.H. A interpretação, p. 191.
67
Cf. DODD, C.H. A interpretação, p.127.
68
DODD, C.H. A interpretação, p. 127.
69
Cf. DODD, C.H. A interpretação, p. 193.
31
Raymond E. Brown explica que os sinais não podem identificar-se simplesmente
com os milagres de Jesus, embora alguns milagres sejam signos de modo preeminente.
70
O
vocábulo “sinais” no contexto veterotestamentário servia para designar especialmente as
obras maravilhosas realizadas por Javé no êxodo (cf. Nm 14,11). “O significado destas
obras não consistia em que estiveram além da causalidade natural, mas em que haviam
sido operadas por Deus de Israel para revelar-se a seu povo. Para João, os ‘sinais’ de Jesus
têm exatamente este significado
”.
71
Por isso João não usa o vocábulo “milagre” e sim
“sinais”. A transformação da água em vinho (2,11), a multiplicação dos pães (6,14) e
outros episódios são “Sinais” que manifestam a obra vivificante de Jesus
.
72
A realidade a que João dá o nome de “sinais” Jesus as chama de suas “obras”, que
são também obras de Deus (cf. Jo 5,20. 36; 7,3. 21; 9,3-4). As obras de Jesus
compreendem certamente seus milagres, porém não se reduzem a eles. Estas obras,
entretanto, constituem a totalidade de seu ministério público e que incluem suas palavras
(14,10). 0
73
Os “sinais” constituem a comunicação de Deus com o ser humano; através do
símbolo e pelo sinal o significado se manifesta e se comunica à consciência.
74
Essas
“obras” não são provas, mas verdade e vida em si mesmas. Pois, “palavras” e “obras”
estavam estritamente unidas, e inclusive identificadas, na mentalidade semítica,
75
onde
palavra e realidade estão unidas: quando Deus “diz”, ele realiza o que ele diz
.
76
A intenção da alimentação da multidão, ou a significação do Sinal dos pães está
na vida eterna, que Jesus, o Logos Eterno, aos seres humanos. É a obra de Jesus Cristo
como doador da vida que se cumpre, na realidade e na atualidade, pelo ato histórico de sua
morte e ressurreição. Neste sentido, cada shmei/on [sinal] “aponta para o grande clímax”
77
da vida de Jesus
.
70
BROWN, R. E. et alii, Comentário Bíblico “San Jerónimo”, tomo V, p. 845.
71
BROWN, R. E. et alii, Comentário Bíblico, p. 845.
72
BROWN, R. E. et alii, Comentário Bíblico, p. 845.
73
BROWN, R.E, et alli. Comentário Bíblico, p. 846.
74
Cf. LÉON-DUFOUR, X. Leitura do Evangelho segundo João I, p. 25.
75
Cf.BROWN, R. E. et alii, Comentário bíblico “San Jerónimo”, tomo V, p. 846.
76
Cf. LÉON-DUFOUR, X. Leitura do Evangelho segundo João I, p. 21.
77
DODD, C.H. A interpretação, p.192.
32
O relato joanino dos pães apresenta algumas orientações teológicas peculiares,
que também aparecem nos sinóticos. R.E. Brown, pende por uma tradição independente
joanina, afirma que, nem todos os detalhes peculiares respondem às motivações
teológicas, mesmo que neste caso ele demonstre que tal assunto não significa a priori que
o evangelista o inventara para apoiar sua teologia”.
78
Que é perfeitamente lógico pensar
que a primitiva teologia cristã se edificou sobre o conteúdo real da tradição e que esta é a
razão de que os detalhes encaixem nessa teologia.
79
O evangelista descreve os Sinais” [shmei/a] muito mais do que nos sinóticos,
relacionados com os ensinamentos de Jesus, querendo levar o crente a descobrir a glória de
Jesus (2,11) e o sentido profundo de seus gestos, acompanhado pela palavra, que nascem
do íntimo contato vital entre o Pai e o Filho (10,38). Ele não quer dizer que os “Sinais” são
ilustrações simbólicas do pensamento cristológico. Mostra, contudo, a solidez histórica dos
mesmos (cf. 4,52; 9,18). O Sinal é confirmado ou atestado por uma pessoa que presenciou
o fato ou o acontecimento (cf.19,35). O evangelista, portanto, encara os Sinais não apenas
como “provas” da missão messiânica de Jesus (cf. 7,31; 9,32-33; 10,41; 11,47; 12,37), mas
como “testemunhos”: a noção joanina de testemunho inclui o presenciado, o fato histórico,
trata-se da tradição transmitida por “Aquele que viu” (19,35) ou aqueles que “viram” (1 Jo
1,1), isto é, creram
80
no “Verbo que se fez carne” (1,14).
Portanto, para entender o Sinal dos pães” relatado pelo evangelista do QE é
preciso entender a estrutura de cada episódio, pois “os fatos narrados recebem uma
interpretação de seu significado evangélico nos discursos”.
81
Ação e palavra de Jesus
formam um todo. E esta unidade entre ação e palavra é fundamental para João, pois se
distingue do intelectualismo abstrato ou misticismo muito comum no pensamento da
época
82
e também hoje, no mundo pós-moderno.
Faz-se necessário aprender e reconhecer a
eternidade através do véu da humanidade.
83
78
BROWN, R.E. El evangelio, p. 462.
79
Cf. BROWN, R.E. El evangelio, p. 462.
80
Cf. DEN BORN, A.V. ( Org) João(Evangelho). In: Dicionário Enciclopédico da Bíblia, p. 811.
81
DODD, C.H. A interpretação, p. 496.
82
Cf. DODD, C. H. A interpretação, p.496.
83
Cf. DODD, C. H. A interpretação, p.199.
33
2.2 Função do sinal do pão na estrutura narrativa
A função do Sinal na estrutura narrativa parece manifestar as ações salvífica de
Deus na história da humanidade, por Jesus, o Verbo feito carne.
O QE está estruturado em duas grandes partes. A primeira parte denominada o
“Livro dos Sinais” e a segunda parte o “Livro da Glória
”.
84
A estrutura do Livro dos Sinais
“forma um todo orgânico”.
85
Dentro deste todo orgânico se procura interpretar cada
narrativa ou Sinal. Os temas centrais do Livro dos Sinais são os de vida, luz e julgamento,
preparando assim para o segundo Livro.
“O Cristo do Livro dos Sinais é o Cristo que morre e ressuscita; e esta verdade a
seu respeito é o pressuposto essencial de toda a descrição de seu ministério. As
obras de Cristo, em sua totalidade, são “sinais” de seu obra acabada. Os sinais
são todos verdadeiros, pois quem os realiza é o Filho do Homem que foi exaltado
e glorificado pela cruz” .[...] “Esta concepção do conteúdo da história do
ministério determina a estrutura do Livro dos Sinais”.
86
O Livro dos Sinais contém sete Sinais
.
O evangelista deixa explícito que não se
detém apenas neles, conforme se lê na frase-síntese: “vendo os sinais que fazia, muitos
creram em seu nome” (2,23) ou, “Jesus fez, diante de seus discípulos muitos outros sinais
ainda, que não se acham escrito neste livro” (20,30). Os Sinais narrados neste livro se
encontram na seguinte seqüência:
1 - as bodas de Caná (2,1-11)
2 - a cura do filho de um funcionário real (4,46-54)
3 - a cura de um enfermo na piscina de Betesda (5,1-9)
4 - a multiplicação dos pães ( 6,1-15)
5 - o caminho sobre o mar (6,16-21)
6 - a cura do cego de nascença ( 9,1-7)
7 - a ressurreição de Lázaro ( 11,1-44)
84
Cf. BROWN, R.E. Introdução ao Novo Testamento, p. 461.
85
DODD, C. H. A interpretação, p. 495.
86
DODD, C.H. A interpretação, p. 495.
34
Como se constata acima, o Sinal dos pães está no centro dos Sinais. três antes
e três depois. Aqui nos perguntamos se esta ordem tem algo a dizer? Porque o Sinal dos
pães está no centro dos demais. Talvez, o evangelista ou redator esteja apontando para um
significado central do ministério e da vida de Jesus, a partir da realidade da comunidade
joanina, dos ouvintes e leitores aos quais quer ajudar a compreender quem é Jesus, para o
aderirem e o seguirem fielmente.
Alguns estudiosos acham que o cap. 6 foi deslocado, talvez por uma troca
acidental das páginas, e inserem nos seus comentários o cap. 6 logo depois de 4,54.
87
Johan Konings considera que o cap. 6 um “minievangelho”,
88
que contém a
mensagem essencial de Jesus. No conjunto unitário do Evangelho há as pequenas unidades,
compostas por narrativas e discursos ou diálogos. Cada narrativa está interligada ao
discurso que segue, desenvolvendo assim uma lógica unitária, formando um conjunto
literário-teológico.
89
Por isso se faz necessário analisar e interpretar a narrativa do “Sinal
dos pães” relacionando-a com o discurso que segue (cf.v. 22s.).
A menção à Páscoa, uma das festas dos judeus (cf. 6,4), no decorrer do evangelho,
aponta para a culminância da páscoa de Jesus. Na aproximação da primeira Páscoa (2,13)
João narra que Jesus subiu a Jerusalém e, chegando ao Templo, reage severamente contra
os cambistas, dizendo: “não façais da casa de meu Pai uma casa de comércio” (2,16b). Os
judeus, porém, pedem que lhes sinais. Mas Jesus responde “destruí este santuário, e em
três dias eu o levantarei” (2,19). O evangelista deixa bem definido que Jesus “falava do
santuário de seu corpo” (2,21).
Antes do Sinal dos pães (6, 1-15), Jesus está agindo em dia de Sábado, em
Jerusalém, curando um enfermo, por ocasião de “uma festa dos judeus(5,1), uma festa
não identificada. Os judeus, porém, começam a persegui-lo e desejam matá-lo (5,18),
porque fazia tais coisas no sábado” (5,16). E Jesus lhes faz um discurso sobre a obra do
87
Cf. KONINGS, J. Evangelho segundo João, p. 148; Schnackenburg e outros observam que os cap. 7 e 8
constituem a continuação do cap. 5. Que o cap. 6 parece ser mais apropriado estar em seguida do cap. 4 por
uma questão geográfica seqüencial, embora distinta dos Sinóticos. SCHNACKENBURG, R. El evangelio
según San Juan. II (Tomo segundo), Bercelona: Herder, 1980, p. 20-28. Aqui, porém, optamos não adentrar
nesta questão estrutural por considerá-la irrelevante para a mesma.
88
KONINGS, J. Evangelho segundo João, p. 147.
89
KONINGS, J. Evangelho segundo João, p. 19.
35
Pai (5,19ss). Próximo à segunda Páscoa (6,4), “depois de um longo intervalo, na primavera
seguinte,
90
que segue com o cap. 6, Jesus está fora de Jerusalém, na Galiléia próximo do
mar de Tiberíades (v.1), e ali realiza o “Sinal dos pães”, ou seja, a multiplicação dos pães
de cevada (cf 6,1-15). Tudo indica que este “Sinal” situa-se dentro de um contexto pascal.
Entretanto, a narrativa dos pães pode ser considerada como o quarto “Sinal” na estrutura
conjunta do Evangelho, mais propriamente do Livro dos Sinais, dentro do tema da vida e
da Páscoa.
91
Portanto, a centralidade do Sinal dos pães na ordem dos “Sinais”, talvez queira
sinalizar para uma realidade decisiva na vida de fé da comunidade, dos crentes. A estrutura
joanina difere claramente dos sinóticos, pois João interpreta o fato (6,4): o acontecimento
se dá em tempo pascal. E, também, acentua o protagonismo Jesus (cf. 6,5. 11).
O Sinal dos pães serve como uma introdução ao cap. 6. O Sinal dos pães é mal-
entendido pelo povo, num sentido material, como se Jesus fosse o messias preocupado com
coisas terrenas (vv.14-15).
92
Contudo, nela se pode perceber a tradição da comunidade
joanina cristã, ou seja, as particularidades em relação aos sinóticos. O plano que estrutura a
narrativa joanina é o significado do fato dentro da estrutura teológica do evangelho.
93
O
cap. 6 situa-se entre o movimento descendente: Jesus, o enviado do Pai, que se encarna e
se como comida aos que crêem, e um movimento ascendente: o Filho volta para o Pai,
mas deixa os sinais de sua presença, como água, luz, vida e pão.
94
O cap. 6 está inserido na secção dos caps 5-10, onde os conflitos são bem mais
cerrados, em relação aos judeus. Os sinais ou obras de Jesus colocam os ouvintes ou
leitores diante de uma opção a favor dele ou contra ele. E, inspirada talvez na tradição
sinótica, esta opção é elaborada pela oposição entre os judeus, que depois de uma fé
superficial voltam atrás diante da exigência de sua palavra (6, 60.66) e os “doze”, a
90
BROWN, R.E. Evangelho de João e Epístolas, p. 60.
91
Cf. MATEOS, J. & BARRETO, J. O Evangelho de São João, p. 7 e 294.
92
Cf. KONINGS, Encontro com o Quarto Evangelho, p. 37.
93
Cf. MATEOS J. & BARRETO J. O Evangelho de São João, p. 6.
94
BOROBIO, D. Eucaristia, p. 42.
36
comunidade cristã, representada por Pedro, exclama: Tu tens (as) palavras de(a) vida
eterna” (6 68).
95
2. 3 A comunidade joanina e seus conflitos
A comunidade joanina foi se configurando pela convivência com pessoas de
origens culturais diversas e, conseqüentemente, de crenças também: discípulos de João
Batista, judeus, galileus, samaritanos, judeus helenistas e gregos
.
96
João não se preocupa com a ordem cronológica da vida de Jesus, mas sim com
uma lógica de pensamento teológico, cristológico e eclesiológico, frente a uma realidade
multicultural que tinha que refletir e dar uma resposta convincente
.
97
A
comunidade
joanina era “uma comunidade com grande sensibilidade cultural”
.
98
Fazia-se necessário
interpretar a mensagem de Jesus por outros meios culturais.
Havia influência literária e
cultural que tinha uma origem distinta das tradições que formam o cleo fundamental de
sua mensagem”
99
. Daí porque “o sentido que João quer dar a seu texto não se encontra em
primeiro lugar pela comparação com suas fontes, embora útil, quando possível, mas pela
descoberta atenta da coerência do texto que temos diante de nós
”.
100
Então, a partir do
texto, (6,1-15) nos perguntamos se podemos descobrir como era a comunidade joanina?
Ou, o que se passava nesta comunidade, quando o Evangelho foi escrito?
A comunidade joanina era representada pelo “discípulo que Jesus amava” ( Jo
13,23; 19,26; 20,2; 21,7. 20). O Discípulo Amado foi idealizado pela comunidade joanina
pelo fato de ser uma pessoa histórica e companheira de Jesus. “Entre tais judeus,
95
Cf. KONINGS, J. A memória de Jesus. In: Perspectiva Teológica, p. 183-184.
96
R.E. Brown ressalta que a entrada de gentios para a comunidade joanina (12,20-22,37-43) se de modo
proeminente depois do rompimento definitivo com os “judeus” por causa da expulsão dos judeus cristãos das
sinagogas. BROWN, R.E. A comunidade do Discípulo Amado, 2003, p. 65s.
97
TUÑÍ I VANCELLS, J. O. Jesús en comunidad, p. 87s.
98
TUÑÍ I VANCELLS, J. O. Jesús en comunidad, p. 87.
99
TUÑÍ I VANCELLS, J. O. Jesús en comunidad, p. 87.
100
KONINGS, J. Evangelho segundo João, p. 36.
37
insignificantemente, a princípio, havia um homem que conhecia Jesus, tornara-se discípulo
seu durante o ministério público e se tornaria o Discípulo Amado”.
101
A constituição da comunidade joanina é distinta das demais. Raymond E. Brown
reconstituiu a formação da “Comunidade do Discípulo Amado”
102
em grandes fases. Aqui
daremos ênfase às duas fases quando, possivelmente, o Evangelho foi escrito.
A primeira fase que é da era pré-evangélica, da origem da comunidade e sua
relação com o judaísmo, entre as décadas de 50 a 80. Um período em que os cristãos
joaninos foram expulsos da Sinagoga (9,22; 16,2) e o centro de ensino do judaísmo era o
Jâmnia (Jabneh), “um judaísmo que era predominantemente fariseu e assim não mais tão
pluralístico como antes de 70”,
103
isto é, da destruição do Templo.
A comunidade joanina se desenvolveu inicialmente na Palestina, de forma distinta
das da tradição sinótica. Na Palestina os judeus que nutriam expectativas tradicionais
aceitavam Jesus como Messias davídico, aquele que cumpria as profecias, confirmadas
pelos “milagres”. A esses primeiros seguidores, acresciam-se judeus de mentalidade
contrária ao Templo (Jo 4), que fizeram convertidos em Samaria. Eles, porém, tinham
entendido Jesus contra uma tradição mosaica, o davídica, pois Jesus tinha estado com
Deus, tinha-o visto e trazido sua palavra para o povo. A aceitação deste grupo
desencadeou uma teologia alta da preexistência “que levou à discussões com judeus que
julgavam que os cristãos joaninos estavam abandonando o monoteísmo judaico ao fazer de
Jesus um segundo Deus”
104
(cf Jo 5,18). Também, “eles enfatizavam a realização das
promessas escatológicas em Jesus a fim de compensar o que haviam perdido no
judaísmo”.
105
E os cristãos joaninos desprezavam os crentes em Jesus que não haviam feito
a ruptura pública com a sinagoga (9,21-23; 12,42-43
).
106
101
BROWN, R.E. Introdução ao Novo Testamento, p. 508.
102
BROWN, R.E. A comunidade do Discípulo Amado. 4 ed. São Paulo: Paulus, 2003.
103
BROWN, R.E. A comunidade, p. 20.
104
BROWN, R.E. Introdução, p. 508.
105
Daí porque Brown confirma a forte temática de substituição no evangelho. BROWN, R.E. Introdução, p.
508.
106
Cf. BROWN, R. E. Introdução, p. 508.
38
A segunda fase retratava a situação da comunidade joanina no tempo em que o
evangelho foi escrito,
107
no período aproximadamente 90 d.C. Num tempo de perseguição
(16,2-3) e em alguns anos posterior aos Sinóticos.
108
A realidade na Palestina era outra.
Os romanos tinham destruído o Templo (70 dC) e as comunidades cristãs estavam vivendo
noutro período.
109
Contudo, a comunidade joanina tinha uma tradição um tanto
independente, a do “Discípulo Amado”, a testemunha ocular: o que viu e ouviu (cf. 19,35),
que congregava mulheres e homens de fé em Jesus Cristo.
A alta cristologia intensificava a luta com “os judeus”, afetava “as relações da
comunidade com os outros grupos cristãos, cuja avaliação de Jesus é inadequada segundo
os padrões joaninos
”.
110
A oposição aos “judeus”, que se refere à autoridade judaica,
111
parece dominar os capítulos 5-12 do QE, como já acenado anteriormente. Entre os crentes,
havia os cristãos dentro da sinagoga os criptocristãos;
112
os judeus cristãos,
que diziam
acreditar em Jesus (cf.12,42-43), mas não confessavam publicamente a em Jesus Cristo
(9,22), pois haviam feito “a opção de serem conhecidos como discípulos de Moisés (9,28)
e não como discípulos de alguém que eles não sabiam de onde é”.
113
O conflito entre cristãos e judeus pautava-se na violação do sábado (cf. 5,10) e
que não se devia acreditar na Eucaristia (cf. 6,52). É bom lembrar que em 6,31-33 aparece
um argumento escriturístico que apóia a posição joanina. Além dos judeus havia outros
grupos que causava tensão na comunidade: os denominados adeptos de João Batista,
114
que seguiram Jesus e tinham certa inveja de Jesus (3,22-26), confundiram uma lâmpada
107
Que, plausivelmente, era um discípulo do Discípulo Amado e não uma testemunha do ministério de Jesus.
Cf. BROWN, R.E. Introdução, p. 509.
108
Cf. BROWN, R.E. A comunidade, p. 21.
109
É importante nos darmos conta de que a catequese joanina se desenvolvia num ambiente inteiramente
multicultural. O predominante não é o Templo, mas a afirmação da presença divina na pessoa de Jesus, que
havia afirmado isto quando reage aos “cambistas” no Templo (Jo 2,13-21) e quando acolhia os Samaritanos,
seu povo: “os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e verdade”(Jo 4, 23). RAMOS, Filipe
Fernandez. Simbolismo del Templo en el Cuarto Evangelio: Extrato de la tesis doctoral em la Facultad de
Teologia de la Universidad Pontifícia de Salamanca, p. 30-61
110
BROWN, R.E. A comunidade, p. 21.
111
Cf. BROWN, R.E. A comunidade, p. 43.
112
Cf. BROWN, R.E. A comunidade, p. 74-76.
113
BROWN, R.E. A comunidade, p. 75.
114
BROWN, R. E. A comunidade, p. 72s.
39
com a luz do mundo; e o Mundo, aqueles que rejeitam a luz (cf 1,10), que é habitado pelas
trevas (cf. 12,35-36) e odeia Jesus (7,7) e os que nele crêem. A vida de Jesus é vida para o
mundo e o julgamento do mundo (9,39; 12,31).
115
Os cristãos da comunidade joanina se encontravam num local pluralista, de
crentes e não-crentes, e fora da Palestina, pela região de Éfeso, na Ásia Menor. E, no
relacionamento deles com outros cristãos, “eles rejeitavam alguns por terem uma
cristologia tão inadequada que eram verdadeiros descrentes (6,60-66).
116
Alguns,
simbolizados em Simão Pedro, creram deveras em Jesus (6,67-69), mas não eram
considerados tão perceptivos quanto os cristãos joaninos, simbolizados no Discípulo
Amado (20,6-9)
”.
117
A esperança era que todos, cristãos joaninos e outros pudessem seguir
o “Bom Pastor” (cf. 10,1ss) e formar “um só rebanho” (10,16).
Portanto, havia na comunidade aqueles judeus que acreditavam em Jesus sem
dificuldade como o Messias davídico, o realizador das profecias, e cuja missão era
confirmada por “milagres”. Esses se dirigiam a Jesus e o aceitavam a ponto de desejar
fazê-lo rei (cf. Jo 6,14-15). Provavelmente, a comunidade joanina ainda não estava
compreendendo Jesus como o Messias, preexistente, o Filho do Homem (cf. 6,27). No
final, os judeus de mosaica que aceitavam Jesus, mas não professavam a
publicamente, não conseguem comungar mais com Jesus, “é duro demais” (Jo 6,60) para
segui-lo.
118
Não participam mais da comunidade e não comem mais do pão juntos.
O “Sinal dos pães” está no centro do Livro dos Sinais, talvez, devido às
circunstâncias que a comunidade cristã joanina se encontra, quando os conflitos estavam
mais cerrados em oposição aos judeus, “levando à opção de fé
”.
119
O
evangelista, contudo,
conservou a tradição da comunidade do “Discípulo Amado
”.
120
115
Cf. BROWN, R.E. A comunidade, p. 174-177.
116
Cf BROWN, R.E. A comunidade, p. 77s.
117
BROWN, R.E. Introdução, p. 509.
118
Em nota 133, p. 78, Brown diz que “todo o contexto em Jo 6 se refere a grupos externos (“os judeus”;
os doze representando as Igrejas apostólicas).” BROWN, R. E. A comunidade, p. 78.
119
KONINGS, J. Evangelho segundo João, p. 51-52.
120
BROWN confirma em nota 47, p. 34 que, conforme R. Schnackenburg, “o Discípulo Amado é a
autoridade que está atrás do evangelho, em cujo espírito foi escrito, mas que não teve participação imediata
40
“Mais tarde na história da comunidade, quando os cristãos joaninos eram
claramente distintos dos grupos de cristãos que se associavam com as memórias
dos doze (por exemplo, com a memória de Pedro), a afirmação de que eles
possuíam o testemunho do Discípulo Amado possibilitava aos cristãos joaninos
defender seus pontos de vistas peculiares em cristologia e eclesiologia”.
121
João interpreta a pessoa e obra de Jesus, no seio da experiência de da
comunidade do Discípulo Amado
.
A identidade da comunidade do “Discípulo Amado”
chamada a se tornar mais autêntica, começa a distinguir-se mais visivelmente da tradição
judaica. O Sinal dos pães manifesta um significado maior dos gestos e palavras de Jesus. A
estrutura narrativa, no conjunto do Livro dos Sinais, apresenta que na comunidade joanina
havia conflitos e estes giravam em torno de Jesus, de sua vida e missão, isto é, do Verbo de
Deus que se fez carne (cf.1,1. 14), que pão à multidão (cf. 6, 5-12) e que é verdadeiro
profeta e messias (cf. 6,14-15), que se da a conhecer abertamente como o Pão da vida ( cf.
6, 35.51).
Diante do que mencionamos, percebemos que o Sinal dos pães ressalta as ações
de Jesus, ações que são reinterpretadas e que contêm significados profundos na tradição
cristã. O evangelista relata fatos do passado, do Jesus histórico e da comunidade joanina, a
partir do testemunho do Discípulo Amado, o que viu e acreditou em Jesus, para a realidade
presente da comunidade (90 dC) e para seus leitores. Ao fazer isso parece recorrer ao
símbolo, procedente da tradição veterotestamentária ou do AT, atualizando-o e
reinterpretando a partir de Jesus Cristo e da experiência de da própria comunidade.
Então, nos perguntamos se através das ações de Jesus, no Sinal dos pães, podemos
encontrar indícios da comensalidade Eucarística?
na composição da obra. Ele é o supremo representante da tradição e um testemunho para a comunidade.
BROWN, R.E. A comunidade, p. 34.
121
BROWN, R.E. A comunidade, p. 32.
41
3 AS AÇÕES DE JESUS NO SINAL DOS PÃES
As ações de Jesus frente à multidão, com os discípulos e os alimentos, no Sinal
dos pães, nos ajudaram a percebermos como maior propriedade os elementos da
comensalidade Eucarística. Para isso, primeiramente destacaremos do texto, por versículos,
vocábulos e ações significativas na perspectiva da comensalidade eucarística. Num
segundo momento, retomaremos as ações propriamente eucarísticas apontadas no Sinal dos
pães, para melhor visibilizarmos as ações de Jesus que remetem a uma comensalidade
eucarística.
v.1 [Meta. tau/ta avph/lqen o` VIhsou/j pe,ran th/j qala,sshj th/j Galilai,aj th/j
Tiberia,dojÅ] Depois disso, passou Jesus para a outra margem do mar da Galiléia ou de
Tiberídes.
Depois disso [Meta. tau/ta] - referência vaga de sucessão.
... Tiberíades [th/j Tiberia,dojÅ] (Jo 6,1.23;21,1) - Esta informação faz parte das
informações topográficas próprias de João, como as outra regiões que dizem respeito à
Judéia e à Transjordânia, que os sinóticos, entretanto, deixam no escuro.
122
O segundo
genitivo th/j Tiberia,dojÅ [de Tiberíades] é acrescentado como explicação de Galiléia [th/j
Galilai,aj].
123
Este nome aparece na literatura judaica do séc. I
(Josefo: Oráculos
Sibilinos)”.
124
É incerto se o nome “Mar de Tiberíades” foi usado de modo comum tão cedo
como o ministério de Jesus, mas isso naturalmente não influencia a historicidade da
narrativa de João. O autor parece não estar preocupado com o nome do mar, mas sim com
as ações de Jesus neste lugar.
125
122
DEN BORN, Dr. A.V. (org), et alii. João ( Evangelho). In: Dicionário Enciclopédia da Bíblia, p. 809.
123
O nome para o lago da Galiléia, que não é usado em outro lugar do Novo Testamento, somente em João
(6,1. 23; 21,1). Cidade fundada entre os anos 17 e 20 d.Cpor Herodes Antipas em honra ao Imperador
Tibério. Cf. BARRETT, C.K.The gospel, p. 272s.
124
BROWN, R. El evangelio, p. 445.
125
Cf. BARRETT, C.K. The gospel, p. 272s.
42
v.2 [hvkolou,qei de. auvtw/| o;cloj polu,j( o[ti evqew,roun ta. shmei/a a] evpoi,ei evpi. tw/n
avsqenou,ntwn] Uma grande multidão o seguia, porque tinha visto os sinais que ele
realizava nos doentes.
... porque tinha visto [o[ti evqew,roun] - a multidão contempla os sinais [shmei/a]
realizados por Jesus e produz um entusiasmo que não merece sua aprovação. João somente
tem falado de um sinal realizado sobre um enfermo na Galiléia (4,46-54). Não ressalta o
Jesus taumaturgo, mas “o profeta” (cf. 4,19.44; 7,40.52; 9,17).
126
v.3 [a avnh/lqen de. eivj to. o;roj VIhsou/j kai. evkei/ evka,qhto meta. tw/n maqhtw/n
auvtou/Å] Subiu, então, Jesus à montanha e aí sentou com os discípulos. Jesus sentou
[evka,qhto] com [meta. = preposição genitiva] Jesus não sentou sozinho, mas junto com os
discípulos. Era de costume sentar-se para ensinar, ao ar livre (cf. Jo 4,6; Mt 13,1; 15,29);
ou no átrio do templo (cf. Mt 26,55), e nas sinagogas para fazer a exposição das Escrituras,
ou à mesa para tomar uma refeição (cf. Jo 12,1-3; 13,4).
... os discípulos [tw/n maqhtw/n ] - última vez que João falou dos discípulos foi em
4,33, nos acontecimento em Samaria. Agora eles voltam a aparecer. Esses parecem
representar aqueles e aquelas que seguiam Jesus de perto ou então os que pertenciam a
comunidade do Discípulo Amado.
v. 4 [ h=n de. evggu.j to. pa,sca( h` e`orth. tw/n VIoudai,wn] E estava próxima a Páscoa,
a festa dos judeus.
... a Páscoa [to. pa,sca.] – na seqüência atual parece ter passado muito tempo desde
a festa mencionada em 5,1, uma festa não esclarecida, talvez Pentecostes, Tabernáculos.
127
“Não esqueçamos que João gosta de inserir a revelação de Jesus no quadro das grandes
festas litúrgicas de Israel: a Páscoa, a festas das Tendas, Dedicação do templo. Jesus leva a
cumprimento e ao mesmo tempo supera aquilo que as festas significavam e
esperavam”.
128
Esta é, portanto, a segunda Páscoa mencionada por João, que
d
emarca
a
época e um tempo significativo: tempo de preparação de uma festa litúrgica de Israel,
126
Cf. BROWN, R.E. El evangelio, p. 445.
127
Cf. BROWN, R.E. El evangelio, p. 446.
128
FABRIS, R.; MAGGIONI, B. Os Evangelhos (II), p. 339s.
43
fazendo alusão ao êxodo do Egito e o sinal do maná,
129
no qual acontece o quarto Sinal: a
multiplicação dos pães
.
R.E. Brown acrescenta ao pensamento de Bultmann
130
,
segundo o qual a referência
pascal foi acrescentada pelo redator que também introduziu os vv. 51-59, afirmando que os
diversos traços peculiares na introdução à multiplicação: os sinais no v.2; a multidão nos
vv. 2 e 5; e o motivo pascal se encaixa não somente nos vv. 51-59, como também na
menção do maná no v. 31, pois o maná se menciona de modo destacado na liturgia da
celebração pascal.
131
Pelas ações com os pães, “[...], Jesus propõe demonstração antecipada do que será
o êxodo do Messias. Encontram-se nesta seção muitos temas pertinentes ao êxodo: a
passagem do mar (6,1), o monte (6,3. 15), a tentação (6,6), a infidelidade (6,15), o maná
(6,31. 58) com menção explícita de Moisés”.
132
Tudo isto indica que o êxodo de Messias
vai acontecer na sua Páscoa (cf Jo 13,1ss), ou seja, na sua morte na Cruz e na Ressurreição.
v. 5 [Epa,raj ou=n tou.j ovfqalmou.j o` VIhsou/j kai. qeasa,menoj o[ti polu.j o;cloj
e;rcetai pro.j auvto.n le,gei pro.j Fi,lippon\ po,qen avgora,swmen a;rtouj i[na fa,gwsin ou-toiÈ]
Levantando Jesus os olhos e vendo a grande multidão que a ele recorria, disse a
Filipe: “Onde compraremos pão para eles comerem?”
... levantando os olhos [VEpa,raj tou.j ovfqalmou.j] e vendo [qeasa,menoj] – são dois
verbos no particípio aoristo: apresenta algo típico da tradição redacional: Jesus é o
protagonista da ação. Sua atitude é ativa e contínua. São os mesmos verbos em 4,35. Jesus
é quem a situação: a multidão que acorria ao seu encontro. Ele não apenas olha, mas
passa a agir a seu favor (cf. Êx. 3,7ss). Muita gente buscava alguma coisa de Jesus. Jesus,
quando a a multidão passa a interagir com os discípulos em benefício dela (cf. Jo 6,5-
12), apontando, assim, para uma outra relação entre as pessoas ali presentes.
129
Cf. O’DAY, G. R. et alii. The new interpreter´s Bible, p. 593.
130
BROWN, R.E. El evangelio, p. 462s.
131
Cf. BROWN, R.E. El evangelio, p. 463.
132
MATEOS J. & BARRETO J. Vocabulário Teológico do Evangelho de São João, p 104.
44
... muita gente ou grande multidão [o;cloj polu.j]. No original vem sem o artigo,
não se sabe se esta é a mesma multidão mencionada no v. 2. Não concorda com a tradição
sinótica, pois referência a uma multidão que o seguia ou que estava com ele, ou que
recorre a ele. Também, “não é provável que se tratasse de multidões de peregrinos que iam
celebrar à Páscoa, pois, o lago não se encontra no rota dos que seguiam aqueles que iam da
Galiléia a Jerusalém; por outra parte, os peregrinos iriam providos de alimento”
133
.
A multidão: do ponto de vista sociológico e antropológico, as pessoas parecem
não ter identidade própria, pois se trata de um grande número de pessoas aglomeradas e
não de indivíduos relacionáveis. Mesmo assim, Jesus a entende, a acolhe e a atende agindo
em seu favor, dando um alimento indistintamente de raça, cultura, classe social, idade ou
gênero de cada pessoa. Jesus vem ao encontro de todos e todos podem saciar-se do pão que
ele distribui (cf. Jo 6,11). A partir disso, então, podemos falar de comensalidade.
... que acorria [e;rcetai pro.j auvto.n] o verbo está no indicativo presente, que
difere dos vv. 2-3 onde parece que a multidão já estava com Jesus. Poderíamos ter aqui um
reflexo do tema teológico de acorrer a Jesus. De virem até ele para encontrar refúgio.
Imediatamente, Jesus pergunta a Filipe, um de seus discípulos: Onde compraremos pão
para ele comerem?” Jesus sabe do que a multidão precisa e busca: de pão para comer, ou
seja, algo concreto, visível e operante.
A pergunta com o vocábulo onde [po,qen] ou donde (cf. 1,48; 2,9; 6,5b; 9,29),
classificado como um adjetivo adverbial interrogativo, é um modo de Jesus perguntar que
faz alusão à origem divina d’Ele. E “assim Jo chama desde o começo a atenção do leitor
para a revelação divina neste texto
”.
134
Filipe [Fi,lippon\] é citado em 1,43 e agora aqui junto com André (v. 8), o mesmo
que em 12,21-22. Se a cena tem lugar em Betsaida como em Lucas (9,10), é gico que a
pergunta seja dirigida a Filipe, que possivelmente conhecia aquela região ou cidade.
135
“No
133
BROWN, R.E. El evangelio, p. 446.
134
KONINGS, J. O encontro, p. 38.
135
Cf MATEOS, J. & BARRETO, J. Vocabulário, p.102; BROWN, R.E. El evangelio,, p. 446.
45
tempo de Jesus, a profissão de padeiro estava enormente espalhada”,
136
e se poderia então
comprar uma quantia de pão.
v. 6 [tou/to de. e;legen peira,zwn auvto,n\ auvto.j ga.r h;|dei ti, e;mellen poiei/na]. Ele
falava assim para pô-lo a prova, porque sabia o que faria. O redator talvez dissesse que
Jesus falava assim, para provocar nos discípulos uma reação. E ainda acrescenta pô-lo à
prova [peira,zwn,], uma palavra que pode significar “experimentar ou testar” uma pessoa.
“Este versículo é um parêntesis que o redator tem procurado excluir qualquer implicação
de ignorância por parte de Jesus”
137
. E o texto continua dando ênfase ao protagonismo de
Jesus como também a seu potencial divino: porque sabia o que faria [ auvto.j ga.r h;|dei ti,
e;mellen poiei/n].
v.7 [avpekri,qh auvtw/| Îo`Ð Fi,lippoj\ diakosi,wn dhnari,wn a;rtoi ouvk avrkou/sin
auvtoi/j i[na e[kastoj bracu, Ît la,bh|Å]. Respondeu-lhe Filipe: “Duzentos denário de pão
não seriam suficientes para que cada um recebesse um pedaço.”
Filipe reage a partir da realidade dos fatos. Não consegue ir além do material. Ele
entende de maneira meramente terrena, pois constata a falta de dinheiro para adquirir uma
quantidade razoável de pão para dar de comer à multidão (Jo 6,6-7
).
138
v. 8. [le,gei auvtw/| ei-j evk tw/n maqhtw/n auvtou/( VAndre,aj o` avdelfo.j Si,mwnoj
Pe,trou] Um de seus discípulos, André, o irmão de Simão Pedro”, lhe disse: [e;stin
paida,rion w-de o]j e;cei pe,nte a;rtouj kriqi,nouj kai. du,o ovya,ria\ avlla. tau/ta ti, evstin eivj
tosou,touj] “Há aqui um menino, que tem cinco pães de cevada e dois peixinhos; mas o
que é isso para tantas pessoas?”“
André [VAndre,aj] – no grego anêr/ andros significa “varão adulto”.
139
André possui
outra visão, em relação a Filipe.
Apresenta para Jesus um menino com cinco pães de
136
JACOB, H.E. Seis mil anos de pão: a civilização humana através do seu principal alimento, 2003, p. 76s.
Heinrich Eduard
Jacob nasceu em Berlim (1889-1967), filho de um casal de judeus cultos. Escritor e
historiador crítico. Menciona que, segundo Josefo, cada cidade da Palestina tinha os seus padeiros.
137
BROWN, R.E. El evangelio, p. 446.
138
Cf. MATEOS, J. & BARRETO, J. Vocabulário, p. 102.
139
Cf. MATEOS, J. & BARRETO Vocabulário, p. 30.
46
cevada e dois peixinhos. Mas, apesar de adulto, ainda se encontre descrente, pois expressa
que há pouco alimento, diante de tanta gente.
“No episódio dos pães, aparece André em contraposição a Filipe, com nova
menção de parentesco com Simão Pedro (6,8). Ao passo que Filipe continua
pensando em categorias de dinheiro, André, o que ficou com Jesus (1,39),
propõe a solução do amor mútuo: compartilhar o pão que a comunidade possui;
representando essa sob a figura de “menino” (6,8), demonstra participar da
atitude de Jesus, que se faz servidor da multidão (6,11). A comunidade é, dessa
forma, figurada como “varão adulto” (André) que se põe ao serviço dos seres
humanos sem ostentação nem superioridade alguma (“menino”). André, porém,
não tendo ainda total experiência da faculdade do amor, cuja plenitude se
manifesta somente na cruz, duvida da sua eficácia ( 6,9)”.
140
A identificação de Filipe e André nos vv.7 e 8: Os especialistas repetem que a
introdução de nomes pessoais em relatos parece dar à obra certa autenticidade. Em João
este princípio resulta estranho pelo fato de que Filipe e André se encontrarem entre os
membros mais ocultos do grupo dos Doze. Alguns pensaram que estes nomes foram
introduzidos para que este evangelho fosse mais aceito na Ásia Menor, lugar tradicional da
sua composição. Porém, outros se sentiram mais inclinados a pensar que estes dois
discípulos estavam originalmente implicados no relato e que a recordação deste fato se
conservou unicamente pela tradição de uma comunidade que deseja prestar-lhes especial
devoção.
141
João menciona o nome dos discípulos: André, irmão de Simão Pedro, e Filipe. O
nome Simão Pedro remete ao tempo de Jesus histórico. Possivelmente, o redator quis
trazer presente a tradição das comunidades cristãs apostólicas da igreja nascente,
integrando a comunidade joanina na corrente apostólica, e ser aceita nos livros canônicos,
sem perder a origem tradicional joanina do “Discípulo Amado”.
142
Os pães [a;rtouj] são de cevada [kriqi,nouj]. “Era mais comum o pão de trigo; o
de cevada era mais barato e servia de alimento aos pobres”.
143
Em Lucas 11,5 aparece
indicado três pães que eram considerados uma porção diária para uma pessoa.
144
“O pão
140
MATEOS, J.& BARRETO, J. Vocabulário, p. 30s.
141
Cf. BROWN, R.E. Introdução, p. 463. BENÍTEZ, J.J. O testamento de S. João, p. 38s.
142
Cf. BROWN, R.E. A comunidade, p. 161-169.
143
BROWN, R.E. El evangelio, p. 447.
144
BROWN, R.E. El evangelio, p. 447.
47
não era um acompanhamento, mas sim o alimento principal da refeição. As camadas mais
pobres viviam praticamente apenas de pão
”.
145
Comiam com os restos das refeições como
legumes, carne picada ou peixe.
146
Também, “ao longo de séculos, o salário dos
trabalhadores era pago exclusivamente em pães”
147
.
Os pães eram arredondados e tinham o
aspecto de umas pedras achatadas, vagamente elevados no centro, pouco mais grossos que
um dedo. E como os pães eram pequenos, cada pessoa adulta comia pelo menos três pães
às refeições.
148
E os dois peixinhos [ovya,ria] que significa “pescado”
149
, especialmente o “pescado
seco ou em conserva”,
150
alimentos cozido e comidos por pessoas pobres e simples, que
acompanha a pão. “Peixes em conserva eram o complemento mais usual e barato para o
pão”.
151
O fato parece remeter às idéias dos grandes profetas do judaísmo: o profeta Eliseu
que com vinte pães saciou cem pessoas (2 Rs 42-44). Parece que, para enfatizar esta
referência, Jo 6,9 tira, a partir daquela história, as expressões “menino” e “pães de cevada”.
Também, o profeta Elias foi alimentado por Deus no deserto (1Rs 19,6). E, sobretudo
Moisés que deu ao seu povo um alimento do céu (Êx 16,12-21,31. 35; Nm 11,4-9.21-23;
cf. Jo 6,30-31).
v. 10 [ei=pen o` VIhsou/j\ poih,sate tou.j avnqrw,pouj avnapesei/n] Disse Jesus: “Fazei
que se acomodem.” [h=n de. co,rtoj polu.j evn tw/| to,pw|]. Havia muita grama naquele lugar.
[avne,pesan ou=n oi` a;ndrej to.n avriqmo.n w`j pentakisci,lioiÅ]. Sentaram, pois os homens, em
número de cinco mil aproximadamente.
145
JACOB, H.E. Seis mil anos de pão, p. 71.
146
Cf. JACOB, H.E. Seis mil anos de pão, p. 71.
147
JACOB, H.E. Seis mil anos de pão, p. 71.
148
Cf. JACOB, H.E. Seis mil anos de pão, p. 71.
149
Igual Jo 21,9. 13: ovya,rion [peixe], alimento cozido que se come com pão. BROWN, R.E. El evangelio, p.
447. “Genericamente: prato.” RUSCONI, C. Dicionário de Grego do Novo Testamento.
150
BROWN, R.E. El evangelio, p. 447.
151
BOOR, de Werner. Evangelho de João, p. 149.
48
Jesus pede aos discípulos para acomodarem a multidão sobre a grama. O pedido
feito por Jesus: fazei que se acomodem, chama a atenção para uma ação seguinte que ele
mesmo vai empreender, e que esta requer certa “acomodação”, ou seja, uma postura
diferente frente ao que ele vai oferecer ou dar. Jesus propõe uma mudança de
comportamento para quem vai ao seu encontro. Parece acreditar na capacidade da multidão
se organizar e estabelecer novas relações. Desta forma Jesus deixa em evidência que suas
palavras e ações, com o auxílio dos discípulos, levam a transformação na medida em que
todos acolhem e fazem o que ele diz.
O redator ressalta que no lugar onde a multidão foi acomodada havia muita
grama, indicando assim um tempo primaveril e um lugar de muita pastagem,
conseqüentemente, de vida, de satisfação e alegria. Apontando para um tempo de
cumprimento das promessas messiânicas (cf. Sl 23,2).
v.11 [e;laben ou=n tou.j a;rtouj o` VIhsou/j kai. euvcaristh,saj die,dwken toi/j
avnakeime,noij o`moi,wj kai. evk tw/n ovyari,wn o[son h;qelonÅ] Tomou, então, Jesus os pães e,
depois de dar graças, distribuiu-os aos presentes, assim como os peixinhos, tanto quanto
queriam.
Tomou, então, Jesus os pães” [e;laben ou=n tou.j a;rtouj o` VIhsou/]. O gesto de
Jesus se aproxima da segunda narrativa dos Sinóticos e da fórmula da Ceia do Senhor
conforme Paulo (1Cor 11,23-24). Jesus acolhe e recebe os es trazidos pelo menino, e
reza sobre eles, isto é, dá graças.
... depois de dar graças [euvcaristh,saj] o verbo dar graças deriva Euvcaristei/n
[eucaristia, ação de graças] tem este significado: pronunciou a ação de graças, que se
distingue de euvlogei/n [bendizer], usado no relato sinótico da multiplicação para dar de
comer a cinco mil pessoas. Portanto, é notória a relação com a idéia de que a Eucaristia é
uma ação de graças.
152
Afirma-se que até o séc. II não era predominante a idéia de “ação
de graças” nos círculos cristãos. Talvez, Jesus pode expressar-se com palavras de bendizer
ou dar graças. Pois, uma típica bendição judia sobre o pão era esta: “Bendito sejas, Senhor,
rei do universo, que faz brotar o pão da terra
”.
153
Contudo, João prefere, em geral,
152
BROWN, R.E. El evangelio, p.
447.
153
BROWN, R.E. El evangelio, p. 447.
49
Euvcaristei/n
154
, inclusive quando não ressonância sacramental eucarística, por
exemplo, em cf. 11,41. Por razões de clareza traduzimos com termos distintos euvlogei/n e
Euvcaristei/n, pelo que se refere à ação de Jesus no transcurso da multiplicação.
155
O verbo distribuiu [die,dwken] no indicativo aoristo ativo , na pessoa do
singular, deixa em evidência a ação protagonista de Jesus. Em Marcos a comida é
oferecida em seguida [evdi,dou] aos doze para distribuírem à multidão; em João Jesus age
independente dos discípulos.
156
Ele somente é quem age. Quem toma os pães, graças e
distribui aos comensais, como também os peixinhos. Aqui Jesus assume a função de
servidor da refeição. Ele faz questão de dar os pães às pessoas ali sentadas, como fará mais
tarde na Última Ceia ( cf. Mc 14,22; Mt 26,19; 1Cor 11,23-24). Essa ação de Jesus indica
uma intenção particular e redacional de João.
As variantes menores do v.11 reforçam a
peculiaridade joanina cristológica, que retomaremos mais adiante, no ponto 3.1.
... aos presentes [toi/j avnakeime,noij] Jesus dá os pães de cevada e os peixinhos aos
que estão acomodados, isto é, sentados sobre a grama, junto dele e seus discípulos. “Os
presentes” são os comensais que buscam Jesus e aceitaram participar da refeição que ele
tem para servir. E Jesus os serve tanto quanto queriam[o[son h;qelon], generosamente os
pães saem de seus mãos para os comensais.
v. 12 [w`j de. evneplh,sqhsan( le,gei toi/j maqhtai/j auvtou/\ sunaga,gete ta.
perisseu,santa kla,smata( i[na mh, ti avpo,lhtai]. Quando se saciaram, disse Jesus a seus
discípulos: Recolhei os pedaços que sobraram para que nada se perca”.
“Quando se saciaram” deixa implícito de que todos comeram e ficaram
saciados. Assim como Mc, Mt e Lc: todos comeram e ficaram satisfeitos. “O termo usado
pelos sinóticos contém uma matriz que lembra mais claramente as promessas divinas de
abundância no AT (Sl 37,19; 81,16; 132,15)”.
157
No versículo posterior (v.26) aparece o
verbo saciastes (evcorta,sqhte), mas com matriz pejorativa: Vós me procurais... porque
154
Ver o quadro anexo que se encontra no final de dissertação.
155
Cf. BROWN, R.E. El evangelio, p. 447.
156
C.K. Barrett afirma que a variante entre die,dwken e evdi,dou pode ter sugerido primeiro do latim, onde não
havia equivalente adequado para o particípio ativo aoristo grego. BARRETT, C.K. The gospe, p. 276.
157
BROWN, R.E. El evangelio, p. 447.
50
comestes dos pães e vos saciastes”. Com isto, Jesus nos aponta para um significado maior
do pão e de seu gesto com o alimento e a humanidade. O pão que Ele sacia toda a
“fome” (cf.v. 35). De fato, para que os comensais ficassem saciados, tiveram que comer do
alimento pão, ou fazer parte da refeição servida por Jesus.
O verbo “recolhei” [sunaga,gete sunh,gagon = sunagein]. Somente usado no relato
joanino; aparece nos relatos do AT sobre a recolhida do maná (cf. Êx 16,16). “Um nome
da mesma raiz, synaxis que se designa a primeira parte das reuniões eucarísticas cristãs”.
158
Contudo,
“os pedaços” [ kla,smata ], como menciona a Didaqué (9,3.4), se usa esse termo
grego para designar o pão eucarístico
.
159
... que sobraram [ta. perisseu,santa]. O verbo denominativo perisseu,w, significa
“ser a mais”, “sobrar” ou “ser excessivo”. Portanto, “a idéia aqui é de “sobrante”, não de
resto”.
160
Trata-se propriamente de uma “sobra”: a uma coisa que, de certo ponto de vista,
era já completo vem acrescentar-se outra coisa, completamente nova em si mesma.
161
O para que nada se perca [mh, ti avpo,lhtai] talvez possa estar ligado ao verbo
“não se perder” [avpollume,nhn], remetendo a uma palavra do discurso em que o próprio
Jesus opõe dois tipos de alimento: “Trabalhai, não pelo alimento que se perde, mas pelo
alimento que permanece até a vida eterna, alimento que o Filho do Homem vos
dará(v.27)”.
Ou se baseia no tema do maná, desenvolvido depois no discurso
162
, mas
implícito no relato:
“A sobra manifesta o contraste entre o pão que Jesus dá e o alimento recebido no
deserto. Os hebreus também haviam comido até a saciedade (Êx 16,3), porém, o
maná se deteriorava se conservasse o excedente. O pão de Jesus, ao contrário, é
destinado a perdurar: por ventura não simboliza ele a palavra da revelação ou
dom eucarístico?
163
158
BROWN, R.E. El evangelio, p. 448.
159
Cf. BROWN, R.E. El evangelio, p. 448.
160
BROWN, R.E. El evangelio, p. 448.
161
Cf LÉON-DUFOUR, X. Leitura do Evangelho Segundo João II, p. 84.
162
Cf. LÉON-DUFOUR, X. Leitura do Evangelho, p. 84.
163
Cf. LÉON-DUFOUR, X. Leitura do Evangelho Segundo João II, p. 84.
51
Nesse versículo, Jesus parece estar nos dizendo de outra maneira que este pão é
sinal da vida imperecível (cf. 6,39), um pão verdadeiro (cf. 6,23-24).
v. 13 [sunh,gagon ou=n kai. evge,misan dw,deka kofi,nouj klasma,twn evk tw/n pe,nte
a;rtwn tw/n kriqi,nwn a] evperi,sseusan toi/j bebrwko,sin] Eles recolheram doze cestos com
os pedaços dos cinco pães de cevada deixados de sobra pelos que se alimentaram.
... doze cestos [dw,deka kofi,nouj ] - indica ser da tradição, pois os mesmos
vocábulos aparecem nos sinóticos. Alguns exegetas sugerem que se trata de um cesto para
cada um dos Doze. Porém, seria esta a primeira vez que em João se identificam os
discípulos com os Doze (cf v.67
).
164
...
os pedaços dos cinco pães de cevada deixados de sobra - João repete os termos
“os pães de cevada” e não menciona mais os peixinhos ou pescados. Difere da tradição
marcana. Na tradição joanina, o acento está nos “pães de cevada”, no alimento pão. Talvez
porque o pão será o tema do discurso. E o uso do verbo se alimentaram[bebrwko,sin],
também parece preparar o discurso sobre o alimento[brw/sij] em 6,27.55.
165
Portanto,
não será o pão um alimento essencial e significativo das ações de Jesus?
v 14. [Oi` ou=n a;nqrwpoi ivdo,ntej o] evpoi,hsen shmei/on e;legon o[ti ou-to,j evstin
avlhqw/j o` profh,thj o` evrco,menoj eivj to.n ko,smonÅ] Vendo o sinal que ele [Jesus] fizera,
aqueles homens exclamavam: “Esse é, verdadeiramente o profeta que deve vir ao
mundo!”
O redator ênfase ao verbo vendo (ivdo,ntej) o sinal ( shmei/on).
166
A palavra
sinal, no singular, pode ser uma adaptação ao fato da multiplicação dos pães que havia
164
Cf. BROWN, R.E. El evangeli, p. 448.
165
Cf. BROWN, R.E. El evangelio, p. 448.
166
No aparato crítico apresenta (1) o] evpoi,hsen shmei/on [ fazendo o sinal ] Códice Vaticano (B) : séc. I; (2) o]
evpoi,hsen shmeion o`
VIhsou/j
[ vendo o sinal que Jesus]Códice Alexandrino (A) : séc. IV; Manuscritos, textos
Bizantino (L) : edições após séc. V; Texto Cesareense ( q ): ( em Mc 5,31-16,20) Texto Alexandrino
Posterior ( y ) : ( em Mc e parcial. Lc e Jo ) (3) a evpoi,hsen shmei/a [ fazendo os sinais] Códice Vaticano (B)
: séc. IV, Papiro ( P75) Manuscrito 091pc a ( mencionado por poucos manuscritos). .) A inclusão de o
Ihsous [Jesus] foi acrescentada pelos copistas com o objetivo de [oferecer] clareza. Apesar da combinação
de P75 B itª ( todos ou a maioria dos manuscritos latinos antigos) com apoio de a[...;... shmei/a [substantivo
acusativo neutro plural comum = sinais] é impressionante, o plural parece ser o resultado da assimilação
escribal de 2,23 (vendo os sinais que fazia) e 6,2 ( tinha visto os sinais). É, portanto, uma forte combinação.
A inclusão de o`
VIhsou/j foi acrescentada pelos copistas com o objetivo de [oferecer] clareza. METZGER,
Bruce M.. A textual comentary on the greek New Testament, 1975, p. 211s.
52
acabado de ser testemunhada,
167
em pleno dia (cf. 6,16). Ao finalizar a narrativa, João
deixa em evidência que os comensais presentes não entenderam o “sinal” (vv.14-15).
... o profeta que deve vir ao mundo [o` profh,thj o` evrco,menoj eivj to.n ko,smonÅ] -
Embora, os vv 14-15 fossem independentes em algum momento do relato da multiplicação,
é possível que tenhamos aqui uma alusão mais genérica a um profeta. Porém, Jesus
multiplica o pão de cevada, como havia feito Eliseu, discípulo de Elias (2Rs 4,42-44). E
em 1 Rs 19, se estabelece um paralelo entre Elias e Moisés, e que este versículo poderia ser
resultado de uma combinação destes dois personagens.
168
Jesus não quer criar ilusões, a
partir de suas ações, gestos e palavras. Mas parece estabelecer uma nova compreensão da
vida de fé n’Ele.
v.15 Para concluir, relata: [Ihsou/j ou=n gnou.j o[ti me,llousin e;rcesqai kai.
a`rpa,zein auvto.n i[na poih,swsin basile,a( avnecw,rhsen pa,lin eivj to. o;roj auvto.j mo,nojÅ]
Jesus, porém, sabendo que viriam para fazê-lo rei, retirou-se de novo, sozinho, para a
montanha.”
O verbo buscá-lo no sentido de “apoderar-se dele”.
O verbo sabendo
[
gnou.j] reforça a divindade de Jesus, mencionado
anteriormente (no v.6).
O verbo afastou-se ou retirou-se [avnecw,rhsen]
169
é uma palavra freqüentemente
usada por Mateus, aparece com freqüência no seu evangelho (2,14.22; 4,12; 12,15; 14,13;
15,21; 27,5) uma vez em Mc (3,7) e nesta nossa perícope.
A palavra rei [basile,a] remete ao reinado de Jesus, um dos muitos temas da
narrativa joanina da Paixão (18,33). Nela Jesus afirma que seu reinado não é deste mundo
167
Essa idéia encontra-se em R.E. BROWN ( El evangelio según Juan, p. 448, como em C.K. BARRETT
(The gospel according to St. John, p. 277).
168
Cf. BROWN, R. E. El evangelio, p. 448.
169
Códice Vaticano (B): séc. IV; (1) Variante do verbo
feu,gei [ foge = pôr em fuga] Códice Sinaítico ( X*
): séc. IV ;Versão lat (manuscrito latino antigo e a Vulgata) e Syc (Versão siríaca curetoniana). Embora seja
possível que avnecw,rhsen [ verbo indicativo aoristo ativo = retirou-se/partiu ] Talvez “ela possa ter sido
substituída pelos copistas por feu,gei [ fugiu/foge] (já que fuga seria algo impróprio para Jesus). O antigo e
difundido testemunho ampara avnecw,rhsen [afastou-se ou refugiou-se]. Consideraram feu,gei [fuga = foge]
como uma leitura tipicamente ocidental introduzida em diversos testemunhos no intuito de avivar a narrativa
(Syc funde/une ambas as leituras, “ele os deixou e retirou-se novamente...” METZGER, Bruce M. A textual
comentary on the greek New Testament, p. 211s.
53
(18,36); o reinado oferecido a ele, aqui neste mundo, é aquele ao qual deve renunciar.
Conclui-se que a conexão entre vv. 14 e 15 não é imediatamente clara. No primeiro, os
homens o têm como um profeta, no último ele se retira ou foge da tentativa de transformá-
lo em rei. A explicação provavelmente pode ser encontrada na figura de Moisés como o
modelo de Rei-Profeta
.
170
Os judeus acreditavam que o Messias vinha ao mundo como
profeta e este poderia ser “feito” rei.
171
Jesus se retira para a montanha, sozinho.
Constata-se, portanto, que “é difícil interpretar a identificação entre o profeta e o
rei (messiânico), pois em 1,21 e em 7,40-41 se distingue entre o profeta (semelhante a
Moisés) e o Messias”.
172
Em certos setores do judaísmo se esperava que o Messias, o rei
ungido davídico aparecesse pela ocasião da Páscoa.
173
Em Qumran a vinda do Profeta
precedia à do Messias.
174
Conforme o texto, uns identificam Jesus com o profeta que tinha que vir ao
mundo”, maior do que Eliseu (cf. 2Rs 4,42-44) e outros, e fazê-lo rei, segundo a idéia
messiânica tradicional de chefe do povo. Portanto, “esta segunda interpretação é rechaçada
por Jesus, que se retira novamente para a montanha. Mais tarde, a multidão o busca por
próprio interesse, e não pelo significado do sinal (6,26); daí a censura de Jesus (6,36
)”.
175
Segundo as concepções judaicas, estes prodígios deveriam se repetir nos tempos
messiânicos. João, porém, quer expressar aqui a presença da atuação escatológica e
salvífica de Deus pela realidade necessária e abundante de pão: tanto quanto queriam
(6,11) e no pedir para os discípulos: recolhei os pedaços que sobraram para que nada se
perca (v.12b).
176
170
Cf. BARRETT, C.K., The gospel, p. 278.
171
PIXLEY, Jorge. O império no evangelho segundo São João. In: Revista de Interpretação Bíblica Latino-
americano, p. 101s.
172
BROWN, R.E. El evangelio, p. 448s.
173
Cf. BROWN, R.E. El evangelio, p. 448.
174
.BROWN, R. E. El evangelio, p. 449.
175
MATEOS, J. & BARRETO, J. Vocabulário, p 260.
176
Cf. KONINGS, J. O Encontro, p. 37s.
54
Pelo visto, o relato da multiplicação dos pães começou a ser transmitido no
ensinamento tradicional da comunidade primitiva cristã e sua relação com o alimento pão,
peculiar do povo de Deus, foi sendo reconhecido como o pão eucarístico. Talvez, os
discípulos de Jesus resignificaram a práxis de Jesus, de sua refeição cotidiana com ele,
depois de sua morte da ressurreição (cf. Jo 21,1ss) para sua vivência comunitária da
vivência da fé em Jesus Cristo. O pão torna-se Eucaristia, presença viva de Jesus na
comunidade reunida em seu nome. Para melhor dar-se conta dos estreitos paralelos
existentes, vamos ressaltar algumas ações de Jesus, no Sinal dos pães, na perspectiva da
comensalidade eucarística.
3.1 O sinal do pão: uma fonte eucarística
A todo instante, na narrativa do evangelho de João, Jesus de Nazaré é “simbólico”
do Ressuscitado,
177
que é seu protagonista e aquele que está glorificado junto do Pai e
presente na comunidade dos crentes. Para a comunidade joanina, Jesus agiu no passado, e
continua agindo no presente, para que a vida seja eterna (cf. 6,51. 54). Parece, então, que
comer do pão distribuído por Jesus, é convite para participar da sua “mesa”, do seu serviço
generoso e ativo do amor em comunhão com Pai (cf. 6,57).
Sabemos que João não relata a instituição da Eucaristia. Jesus, na Última Ceia
(13,1ss),
178
não pronuncia a fórmula eucarística, porém em 6,51b: “O pão que eu darei é a
minha carne para a vida do mundo” _ pode bem ser a fórmula joanina comparável a “Isto é
o meu corpo que é dado por vós” de Lc 22,19 e 1Cor 11,24”.
179
No decorrer do cap 6 evoca
a eucaristia, como fonte de vida e esperança.
No Sinal dos pães, João narra as ações de Jesus com os verbos-chaves: tomou os
pães, no sentido de acolher, receber ou ter em sua posse, e depois de dar graças
[euvcaristh,saj], conjugado no particípio aoristo ativo nominativo masculino singular,
proveniente do verbo denominativo euvcaristew, de onde deriva “Eucaristia” [euvcaristia],
177
LÉON-DUFOUR, X. Leitura do evangelho segundo João I, p. 25.
178
João difere da indicação cronológica dos sinóticos da Última Ceia que seria dia 15 do mês do Nisan, João
acentua o antes da festa da páscoa, o dia de preparação da Páscoa (cf. 18,28; 19,14. 31), portanto, a Ceia
aconteceu um dia anterior, 14 de Nisan. Segundo Jo 19,36, Jesus morre na hora em que são abatidos os
cordeiros pascais. Jesus é o cordeiro Pascal. GOPPELT, L. Teologia do Novo Testamento, p. 225.
179
Cf. BROWN, R.E. Introdução, p. 474.
55
um substantivo deverbativo; e o distribuiu os pães tal qual fará na última Ceia. Depois dos
comensais terem-se saciado do pão, Jesus faz o pedido aos discípulos: recolhei os pedaços
ou fragmentos,
180
para que nada se perca. Portanto, a cena dos pães, interpretada pelo
evangelista João, “comporta traços particularmente que poderiam salientar o simbolismo
eucarístico
181
e, implicitamente, a comensalidade deste pão, na comunidade do “Discípulo
Amado” ou dos crentes.
“Jo deu ao passado uma mais-valia na qual se reconhece a plenitude da
pascal. Poder-se-ia dizer que o passado ao qual o texto se refere é e não é o
presente de Jesus e dos crentes. O evangelista foi quem reuniu as duas realidades
mediante uma “operação simbólica” [...] “o passado não é a ocasião de uma
reflexão sobre o presente nem um modelo; ele já é , sem o ser, o próprio
presente, como um ícone no qual , através dos traços fixados pelo pintor ..., o
orante ortodoxo é posto em presença do mistério”.
182
O relato joanino do Sinal dos pães apresenta certa adaptação à cena da instituição
da Eucaristia,
183
ou seja, da presença do mistério.
E as adaptações são distintas das
adaptações próprias dos relatos sinóticos. No v. 11, como referimos acima, três verbos
remetem à Eucaristia: tomou [e;laben], depois de dar graças [euvcaristh,saj] e o distribuiu
ou “deu” [die,dwken]. Tanto João como o segundo relato da multiplicação nos sinóticos usa
euvcaristei/n (Mt 15,36; Mc 8,6). “O verbo euvcaristei/n tradução helenizante de outro
verbo, que, juntamente da raíz barak [bendizer], provém do grande filão da oração vétero-
testamentária: ele é representado pela raiz yadáh [confessar] e significa a um tempo
“confessar o Senhor”.”
184
E a expressão joanina: Quando estavam saciados... (v. 12)
salienta a repetição da liturgia eucarística, pois aparece também no relato do banquete
eucarístico da Didaqué, em que depois de constar no cap. 9 a oração eucarística sobre o
cálice e o pão, começa 10,1 com as palavras: quanto os haveis saciado...
185
180
E a palavra grega klasma, que significa “fragmentos”, aparece como nome técnico para a Hóstia, na
primitiva literatura cristã. Cf. BROWN, R.E. Evangelho, p. 62.
181
BROWN, R.E. Introdução, p. 473.
182
LÉON-DUFOUR, X. Leitura do Evangelho Segundo João I: palavra de Deus, p. 25s.
183
Ver quadro em anexo que se encontra no final da dissertação. Cf. BROWN, R. E. El evangelio, p. 460s.
184
GIRAUDO, C. Num só corpo, p. 151.
185
Cf. BROWN, R.E. El evangelio, p. 466; THEISSEN. G. & MERZ, A. O Jesus Histórico, p. 435.
56
O detalhe joanino no v. 12, onde Jesus diz a seus discípulos: Recolhei
[sunaga,gete] os pedaços que sobraram [perisseu,santa kla,smata] para que nada se perca
[ta. i[na mh, ti avpo,lhtai] ressoa com maior clareza a repetição eucarística
.
186
“João aproxima-se muito da oração da Didaqué sobre o pão: Ao que se refere ao
pão partido [klasma], Te damos graças [eucharistein], Pai nosso... Como este pão
fracionado estava disperso pelas montanhas, mas foi recolhido [synagein] e
tornou-se um que a tua Igreja seja recolhida dos quatro ângulos da terra em teu
reino”.
187
A Didaqué utiliza a junção dos fragmentos eucarísticos como um símbolo da
reunião da Igreja.
188
Os doze cestos podem ser o símbolo das comunidades cristãs. E outra
possível alusão eucarística é que na Comunidade Cristã primitiva se usava o pão de cevada
para celebrar a Eucaristia
.
189
Contudo, o exegeta R.E. Brown afirma que
a importância dessas observações
ficará patente quando tratar-se da pretensão de Bultmann no sentido de que, unicamente, a
adição dos vv.51-59 introduziu o motivo eucarístico no cap. 6. Mas, é “mais certo que a
adição desses versículos serviu para acentuar a matriz eucarística que estava ali”,
190
no
acontecimento da multiplicação dos pães. E mais, ele adverte que alguns investigadores
assinalam as palavras para que nada se perca (v.13), fazem menção ao cuidado com que
eram tratados os fragmentos eucarísticos na Igreja primitiva. Também, pode tratar-se
simplesmente de uma preparação do v. 27, em que Jesus disse ao povo que não entendeu o
sinal dos pães: que precisa esforçar-se para adquirir o alimento que dura até a vida eterna.
Os detalhes peculiares do v. 8: João especifica que o menino/rapaz [paida,rion]
tinha cinco pães de cevada e dois peixinhos [ovya,ria] ou pescado seco [ovya,rion]. Aqui,
186
Cf. BROWN, R.E. El evangelio, p. 466.
187
BROWN, R.E. El evangelio, p. 466
188
CF. BROWN, R.E. El evangelio, p. 466.
189
BROWN, R.E. El evangelio, p. 467.
190
BROWN, R.E. El evangelio, p. 467.
57
nada de inverossímil neste detalhe, pois o “menino” e os “pães de cevada” recordam o
relato de 2 Rs 4,38. 42 sobre Eliseu
.
191
O paralelo apresenta ser chamativo e importante:
Um homem se aproxima de Eliseu levando doze pães de cevada (uma das
quatro vezes que “de cevada” se usa em forma de adjetivo na LXX). Eliseu
disse: “Dà os pães aos homens para que comam.” Se acha presente um servente (
chamado aqui leitourgos, designado, pois como paidarion...). O servente
pergunta: ‘Como vou servir isto para cem pessoas?(uma pergunta semelhante a
do v 9 de João). Eliseu repete a ordem de que se distribua o pão aos homens, e
todos eles comem e ainda sobra algo”.
192
A ação do menino é levar ou entregar para Jesus o que possuía: cinco pães e dois
peixinhos, que são frutos da terra e do trabalho humano. Contudo, os pães de cevada são
“pães de primícias”, isto é, feito com a colheita nova para servir de oferenda divina (Lv
23,17; cf. Êx 23,19). “Na base da transformação operada por Jesus, encontrar-se-ia, assim,
um pão saído da terra (Jó 28,5), que é também um pão ritual”.
193
As ações de Jesus com os
pães que distribui e alimenta a multidão não será a introdução de uma nova liturgia? Com
relação aos peixinhos, parece que o termo “peixe” [ivcqu,j] da tradição sinótica pode ter
maior alcance teológico, pelo fato que no cristianismo primitivo as letras desta palavra se
converteram em acróstico para designar o Cristo.
194
Os traços eucarísticos dos vv.11,12 e 13 demonstram que em “todos os relatos da
multiplicação têm muito peso o motivo eucarístico”.
195
Porém, João não segue o modelo
habitual dos milagres realizados por Jesus segundo a tradição sinótica, como se
assinalou acima. Depois dos notáveis paralelos, como no uso de kla,sma, euvcaristei/n e
sunaga,gein se observa que João também enfatiza que a multiplicação foi numa montanha,
próximo de Tiberíades, pelas regiões do mar da Galiléia e que menciona o tema de Jesus
como rei (v.15).
191
Embora R.E. Brown lembra que Bultmann põe em dúvida a ligação entre o relato de João e o de 2 Rs
4,42, os paralelos são evidentes. Cf. BROWN, R.E. El evangelio, p. 464.
192
Cf. BROWN, R.E. El evangelio, p. 464.
193
LÉON-DUFOUR, X. Leitura do Evangelho, p. 81.
194
Para R.E. Brown o termo peixe não tem maior importância em João (BROWN, R. E. El evangelio según
Juan, p. 464.) Embora os primeiros cristãos usassem o ivcqu,j [peixe] como símbolo (HEINZ-MOHR, G.
Dicionário dos Símbolos: imagens e sinais da arte cristã, p. 283s.)
195
Embora Brown admite que a tradição joanina da multiplicação possa ser independente. BROWN, R. E. El
evangelio, p. 464-466.
58
Brown adverte-nos que, a reação dos galileus” (cf.vv. 14-15) frente aos sinais
abre caminho para o profundo mal entendido que se produz em torno da multiplicação dos
pães e perante todo o discurso que dele se faz, constata-se isso nos vv. 26s.
196
João se desvia das narrativas sinóticas, e realmente não narra o partir do pão ou o
papel dos discípulos na distribuição (cf v.9). Porém, ele não está preocupado em ensinar
uma doutrina específica da eucaristia; seu efeito é apontar para o discurso seguinte (6,26-
58
)
197
e revelar seu plano de vida e amor, e das condições para os que o aderem e o seguem
(cf. 6, 67-69).
Portanto, a intenção do evangelista parece mostrar o sentido de uma história tanto
humana quanto divina e, para isso, deteve-se especialmente nos fatos que podiam
apresentar ao seus olhos um valor simbólico, dando-lhes profundidade e ressonâncias
novas. A multiplicação dos pães é Sinal dos dons que Jesus traz ao mundo – o Pão da Vida
(cf. Jo 6,35). Jesus os fatos históricos em sua dimensão espiritual e toda sua vida é
definitivamente o cumprimento das grandes figuras messiânicas do Antigo Testamento
como se pode verificar no caso em que o pão da vida substitui o maná (Jo 6,1ss
).
198
A narrativa do Sinal dos pães, “contém vários pormenores típicos cuja intenção é
fazer lembrar ao leitor cristão a Eucaristia qual a narração se volta nos versículos 51 a
59)”
199
João
recorre ao símbolo: as realidades sensíveis, para manifestar o sentido profundo
das ações ou obras de Jesus
.
200
Os pães de cevada são alimentos concretos e sensíveis que
também são se tornar símbolo. Daí porque o Sinal dos pães, realizado “próximo a Páscoa,
festas dos judeus”(v. 4), chama atenção para as ações de Jesus, de seus gestos e palavras
com o alimento pão, em benefício da multidão. Tudo é muito significativo e nos apontam
para uma comensalidade Eucarística.
196
Cf. BROWN, R. E. El evangelio, p. 468s.
197
Cf. BARRETT, C. K. The gospel, p. 276.
198
Cf. BÍBLIA DE JERUSALÉM: Introdução ao Evangelho de João, 2003.
199
BROWN, R.E. Evangelho de João e Epístolas, p. 62.
200
LÉON-DUFOUR, X. Leitura do Evangelho segundo João I: Palavra de Deus, p. 25.
59
4 A COMENSALIDADE EUCARÍSTICA NO SINAL DOS PÃES
A trajetória realizada na análise da perícope Jo 6,1-15, da multiplicação dos pães
feita por Jesus, aponta para a comensalidade dos es de cevada. Tais pães são feitos
Eucaristia pela ação, gestos, palavras e atitudes de Jesus. Portanto, ao chegar ao último
capítulo desta dissertação, tentaremos demonstrar os elementos que apontam à
comensalidade da Eucaristia, no Sinal dos pães.
Comer parece ser um ato cósmico. Pois, “obter um pouco de comida é
experimentar o universo, entrar no profundo mistério da transformação que nós chamamos
vida”.
201
O mesmo, talvez, se pode dizer
quando a multidão faminta comeu dos pães de
cevada e dos peixinhos trazido por um menino” (v.9), tomado nas mãos por Jesus e
distribuído, depois de ter e dado graças (v.11). Entra-se na dinâmica de Jesus, ou seja, no
seu profundo mistério de transformação. Ainda hoje, toda vez que comemos do Pão
eucarístico, significa pôr para dentro da gente o mesmo empenho humano de Jesus,
202
de
servir e dar-se para que todos tenhamos vida em abundância (cf. Jo 10,10) e uma vida
eterna (cf v.51).
Na Eucaristia, Jesus Cristo “nos é comunicado em alimento” (SC 47), pelas
espécies eucarísticas se oferece a nós como outrora se ofereceu na Cruz (SC 7). O ato de
comer do mesmo pão, como corpo de Jesus Cristo (cf. 6, 51; Mc 14,22 e 1Cor 11,23-24),
nos compromete com sua ação, gesto e palavra. Pois, toda a ação de Jesus comunica vida
que recebeu do Pai (cf. 6,57).
O Sinal dos pães nos indica que Jesus, no seu ministério compartilhava do pão
com a multidão, e que todos tinham acesso a sua comensalidade (cf. Lc 14,15-24).
203
As
idéias dos antropólogos que mencionamos na introdução deste trabalho, nos permitem a
perceber os elementos da comensalidade no Sinal (Jo 6,1-15).
A comensalidade Eucarística nos parece ser o verdadeiro espaço para criar e
recriar novas relações de gratuidade, de tolerância, de solidariedade e compromissos com a
201
GONZALEZ , Paula. Living in a Eucharistic Universe. Earth Libht - Jornal for Ecological & Spiritual
Living: Food, Sacrament, Cosmos. v. 14, n. 1 Issue 50 Spring, p.31 (Bióloga cristã).
202
Cf. ARAÚJO, S.F. A Eucaristia: A refeição eucarística no evangelho de São João. In: Revista Eclesiástica
Brasileira, p. 145.
60
partilha dos bens materiais e espirituais. Assim, as relações humanas, com Deus amor (cf.
Jo 15,12ss; 1 Jo 4,7) e com o cosmos serão sinais visíveis da convivialidade fraterna, em
Jesus Cristo, hoje.
Portanto, pela análise realizada, nos desafiamos a apresentar alguns elementos que
nos parece remeter para uma comensalidade Eucarística.
4.1 Os Elementos da Comensalidade Eucarística
Apresentaremos nove elementos indicativos de uma comensalidade Eucarística,
no Sinal dos pães, com o intuito hermenêutico de contribuir na reflexão das ações
litúrgicas eucarísticas.
4.1.1 Pessoas que acorriam para Jesus: a “grande multidão” (v. 5)
Quando se fala em multidão, falamos de pessoas “sem nome”, ou seja, não
identificadas pessoalmente. A multidão, portanto, é um aglomerado de gente. Na multidão
pode haver pessoas de todas as idades, gêneros e culturas. Geralmente, “multidão” são
pessoas simples e sofridas (cf. Mt 14,14; Mc 6,33-34), que recorrem ajuda de alguém. Daí,
talvez, porque grande multidão acorria a Jesus (cf.v. 5). Acorrer a alguém é um jeito de
pedir ajuda. Jesus é esse alguém que tem a capacidade de ajudar e oferecer algo mais que
vida (cf.v. 2) e sacia toda a fome. Do contrário, não iriam ao seu encontro (cf.v. 5).
Jesus, ao ver essa “grande multidão”, sabia do que precisava e o que iria fazer: pão para
comer, e faz uma refeição com todas as pessoas presentes (vv. 5-11).
Jesus, em seu ministério, sempre estava em contato com pessoas necessitadas de
ajuda (cf. Jo 4, 46-54; 5,1-5; Mc 5,21-43), e com elas realizando as refeições em conjunto
ou comunitária ( cf. Mt 14,15-18; Mc 6,35-38; Lc 9,12-13), num espaço aberto (cf.v. 10b;
Mc 6,39) onde todos que o desejavam podiam se aproximar dele, conviver (cf. Jo12,2) e,
assim, fazerem parte da sua “mesa”.
Jesus, “levantando os olhos e vendo(v. 5) a multidão se preocupa com ela, a
entende e a acolhe em sua condição humana, relacional e de fé. André, um dos discípulos
que estava sentado com Jesus, depois de ser interrogado pelo próprio Jesus sobre a
realidade da multidão, propõe a solução do amor mútuo ou de compartilhar o pão que se
203
Cf. CROSSAN, J.D. Jesus, p. 83.
61
tem ou que a comunidade possui (cf.vv. 8-9). Assim, ao colocar em comum o alimento e
comê-lo juntos, era dado condições para que todos obtivessem mais vida e pudessem
conhecer ou crer no Filho de Deus, Jesus, até o fim.
4.1.2 Jesus quer oferecer uma refeição: Onde arranjaremos pão para eles
comerem?”(v. 5b)
Jesus com estas palavras manifesta sua acolhida. Sua disposição em oferecer uma
refeição Antes que as pessoas da multidão expressassem seu desejo ou pedido, ele se
antecipa: “Onde arranjaremos pão para eles comerem?” (v.5b) E começa a preparação da
comensalidade. Chama a atenção dos discípulos à realidade da multidão e do alimento que
precisa para a “mesa”. O ato de comer junto um alimento parece ser muito importante para
Jesus. O próprio alimento pão faz parte da natureza humana, traz energia e vida. E tê-lo
para comer é um bem comum de todo ser humano.
O pão era uma comida comum. O pão não era um complemento alimentar, mas
uma refeição. Jesus se preocupa com o alimento a oferecer. Ele sabia o que estava fazendo
(cf. 6,6). Assim, com os pães de cevada, prepara uma refeição para a multidão e com ela
vai criar e estabelecer novas relações com ele, entre os discípulos e os comensais presentes.
A ão de Jesus manifesta acolhida à humanidade e total hospitalidade para com
quem se achega a ele. E assim, deixa em evidência que deseja todos fazendo parte da sua
“mesa”, e o exemplo de como acolher e ajudar as pessoas (cf. Jo 13,15). Isso nos indica
que a comensalidade se faz na medida em que se permite a aproximação e se acolhe
verdadeiramente o outro, independente de etnia, sexo e crença, etc. A partir dessas
palavras, gestos e atitudes de Jesus acontece a comensalidade Eucarística.
4.1.3 Um convite à “mesa”: “Fazei que se acomodem.”(v. 10)
O verbo acomodem [avnapesei/n] procedente do verbo avnapíptw, do indicativo
aoristo ativo, que significa sentar-se, reclinar-se ou acomodar-se. Tal ação era comum a
pessoa fazer ao tomar uma refeição comunitária ou no ato de comer junto, quando aceito
no grupo ou na família. Portanto, o pedido de Jesus, aos discípulos, para acomodar a
multidão (Jo 6,10) indica que todos são aceitos e convidados e sentarem-se com ele, ou
seja, fazerem parte da sua “mesa” (cf. Lc 14,12-24), e que algo mais ainda vai acontecer.
62
Jesus prepara os discípulos para se relacionar com as pessoas diferentes que se
aproximam dele de uma outra forma. Indica que é preciso acolhê-las e organizá-las para
que todos possam conviver e sentirem-se saciadas das suas necessidades. Assim,
possibilita relacionamentos novos entre as pessoas e um jeito diferente de conviver em
comunidade, de se relacionar com a natureza e seus frutos, dom de Deus.
Os discípulos e a multidão acolheram o pedido de Jesus. Todos sentaram e se
dispuseram a entrar na dinâmica da “mesa” de Jesus: a se relacionar de modo diferente
com os diferentes. Eram em torno de cinco mil pessoas (cf. 6,10). Não se sabe quanto
tempo os discípulos levaram para organizar as pessoas no ambiente. Sabe-se que o lugar
em que se debruçaram ou se reclinaram havia “muita grama” (v.10c), indicando ser um
espaço aberto e primaveril, e que o chão terra passa ser a “mesa comum”. Assim, Jesus
abre espaço para uma comensalidade, onde as obrigações mútuas como: organização,
preparação, acolhida pudesse favorecer a convivialidade, a reciprocidade e todos comerem
dum mesmo alimento - os pães de cevada com os peixinhos - de forma comunitária, igual e
dignamente (cf. 6,9-11).
4.1.4 O alimento comum: “os pães de cevada”(v. 9)
Sabemos que o pão era um alimento básico dos povos, desde os mais antigos. Para
o povo de Israel, o pão tornou-se também um alimento significativo: o pão da passagem,
primeiro da colheita, e depois como memória da libertação da escravidão do Egito a
Páscoa, festa principal dos judeus. Na festa da Páscoa, comia-se ázimos (cf. Êx 12,15s; Dt
16,1ss) - um pão de sofrimento, numa ceia memorial.
Aqui, no Sinal dos pães, o pão de cevada era um alimento mais barato, portanto,
um pão dos simples e dos pobres.
204
O pão não era apenas um acompanhamento da
refeição, mas o alimento principal da refeição
Isso indica que o povo da Palestina e no
tempo de Jesus tinha o costume de comer pão, como refeição.
Também nos parece que a comunidade joanina era pobre e que depois da morte e
ressurreição de Jesus, passa a comer o pão em memória de Jesus (cf. 6,11): o Pão da vida
(cf. 6,35.48.51). Quando se reuniam, comiam juntos os pães, de forma partilhada (cf. At
2,44-45) a ponto de todos ficarem saciados (cf. 6,12ª). Portanto, tudo indica que a
204
Cf. BROWN, R.E. El evangelio, p. 447.
63
comensalidade realizada por Jesus e depois pela comunidade cristã joanina e outras se
tornaram uma comensalidade Eucarística (cf. 1 Cor 11,23-24; Mc 8,6; 14,22).
4.1.5 A ação de Jesus com os pães: “Tomou, então, Jesus os pães...”(v.11)
O verbo tomar pode designar tantas outras ações. Mas Jesus tomou, portanto, os
pães nas mãos. Ele tomou “posse” deles, como um bem seu e, com eles, realiza uma ação
em benefício da multidão (cf. 6,11). Semelhante ao gesto ritual realizado por aquele que
preside uma ceia judaica,
205
ou numa refeição pascal, onde o pai da família ou a pessoa
mais velha tomava o pão nas mãos e o abençoava e o partia. Aqui, Jesus parece estar
fazendo o mesmo. Pega nas mãos os pães, trazidos por um menino (cf. 6,9) e faz uma ação
de graças com eles e depois os partilha aos comensais. Talvez essa prática fosse feita na
comunidade joanina, com os pães de cevada partilhados. Todos que acreditavam e
professavam a em Jesus, o Filho de Deus, comiam juntos os pães que tinham, em
memória de Jesus, da sua “mesa”.
4.1.6 Jesus agradece o alimento pão: “depois de dar graças, ...” (v.11)
Antes de servir os pães de cevada, Jesus deu graças com os pães nas mãos. Esta
ação de graças sobre os pães, alude à bênção específica do pão, na ceia judaica: Bendito és
tu, Senhor nosso Deus, rei do mundo, que fazes sair da terra o pão.
206
Somente depois de
ter feito tal ação ou oração, Jesus começa a servir aos comensais, ou seja, a “mesa”. Com
essa ação Jesus parece estar prefigurando sua Páscoa, sua passagem deste mundo ao Pai
(cf. Jo 13, 1s), e uma nova ceia, para os que crêem nele.
O verbo dar graças remete à conotação celebrativa,
207
de gratidão e
reconhecimento do que se recebe e se pode dar para enaltecer a vida de todos, de cada ser
humano. O ato de Jesus receber os pães de cevada, fruto da terra e do trabalho humano, e
ter dado graças e distribuídos aos convivas remete à comensalidade Eucaristia – celebração
do Mistério Pascal de Jesus Cristo.
205
GIRARDO, Cesare. Num só Corpo, p. 147.
206
Cf. BROWN, R.E. El evangelio, p. 447.
207
Cf. GIRARDO, C. Num só Corpo, p. 147.
64
4.1.7 Jesus serve os comensais: distribuiu aos presentes, assim como os
peixinhos...” (v. 11)
Jesus distribuiu os pães aos presentes, isto é, serviu à mesa. João simplificou tal
ação, omitido verbo partiu”, implícito no verbo dar, não diminuindo seu sentido, mas
reforçando a atitude de Jesus: o servidor. Jesus serve os comensais “tanto quanto queriam”
(6,11), até que todos ficassem saciados (cf 6, 12). Jesus, portanto, faz o papel do anfitrião
que oferece a refeição e ao mesmo tempo o que serve a “mesa”, isto é, “desempenha o
papel de empregado, e todos compartilham a mesma comida como iguais”.
208
Também,
podemos dizer que assume o papel da mulher, pois era de costume a mulher ou o
empregado servir a mesa, no tempo de Jesus histórico e em diferentes culturas. Jesus
aponta para uma comensalidade que define uma nova maneira de se relacionar e conviver.
Ele dá o exemplo de como se faz uma verdadeira comensalidade eucarística.
Jesus, portanto, toma nas mãos o pão de cevada (cf. 6,9. 11), o alimento cotidiano
do ser humano e manifestar sua dádiva o Pão, por excelência. É o pão “que desceu do
céu” (6,50), pão autêntico, verdadeiro (6,32).
209
O pão da vida (6,35ª. 48). Jesus é o
verdadeiro profeta e messias que realiza as expectativas do povo, em Deus.
A comunidade joanina parece que continuou exercendo as mesmas práticas de
Jesus, pelo testemunho ocular do Discípulo Amado. O ato de comer junto o pão passou a
ser espaço de convivência, de construção de novas relações e compromisso com um novo
jeito de ser no mundo, a partir de Jesus. Aos poucos a comunidade do Discípulo Amado foi
resignificando sua fé em Deus, interpretando os feitos de Jesus, do Verbo feito carne (cf. Jo
1,14). Crer em Jesus significa agir como ele. Abrir espaço para que todos possam se
achegar à mesa e comer do mesmo pão. Relacionar-se com diferentes tipos de pessoas e
servi-las na generosidade em seu amor. Portanto, comer junto um mesmo pão, um pão
eucarístico, passou a ser o mesmo que comer a carne de Jesus (cf. 6,55). Ele é o alimento
verdadeiro da comensalidade eucarística.
4.1.8 Jesus serve os convivas: “... tanto quanto queriam” (v.11)
208
CROSSAN, J.D. Jesus, p. 188.
209
Cf. GOPPELT, L. Teologia do Novo Testamento, p. 516.
65
Jesus se envolve com a humanidade, especialmente com as pessoas necessitadas
de ajuda e que se aproximam dele. Serve o pão aos convivas generosamente. Jesus não
retém nada para si, dá abundantemente o que possui. Oferece o que recebe e assim
saciando a fome de toda pessoa humana. Na mesa de Jesus abundância, não falta o pão.
Isso indica que o que ele ou servo é duradouro, nunca se esgota e todos que o desejam
têm acesso, sejam elas crianças, jovens, adultos e idosos ou mulheres e homens. Jesus,
através do seu modo de agir vai formando os verdadeiros discípulos e discípulas e
constituindo a comunidade em seu nome.
Jesus, na Galiléia, parece ter antecipado a ceia messiânica do fim dos tempos,
pelas suas ações com os pães de cevada, em benefício da multidão. E tudo indica, também,
que “o cristianismo primitivo continuou a práxis de Jesus: na eucaristia os cristãos e cristãs
tinham consciência de ser participantes do festim messiânico”.
210
4.1.9 Jesus cuida do alimento servido à mesa: Recolhei os pedaços que
sobraram para que nada se perca.” (v. 12)
Jesus manifesta sua preocupação e cuidado com os pães deixados pelos
comensais, os pedaços ou fragmentos que sobraram, para que nada se perca (6,12). Tal
pedido pode indica que o pão é um alimento importante na vida das pessoas e que não se
pode ser desperdiçado.
Jesus toma os pães de cevada, o alimento do simples e do pobre, e faz uma
refeição completa (cf.6,12-13), na qual todos ficam satisfeitos. O ato de comer tais pães,
em comunidade, passa a ter um novo sentido. A comensalidade do pão passa ser sinal
visível da presença atual e atuante de Jesus entre nós (cf. 6,35. 48.51). Por isso, não basta
prender-se ao pão material e ao gesto apenas, mas é preciso fazê-los sim em “memória
211
daquele que serviu aos pães de cevada (cf. 6,11) e se fez carne (cf. 6,51), o doador da vida,
Jesus (cf. Jo 10,15b). Tal comensalidade feita por Jesus leva-nos a rever nossas próprias
práticas eucarísticas hoje.
210
THEISSEN, G. & MERZ, A. O Jesus Histórico, p. 437.
211
Cf. TAVARES, S.S. Liturgia: lugar da teologia – a relevância de um artigo princípio. In: Revista
Eclesiástica Brasileira, p. 5-25; Cf. KUNTATH, P.A. A Eucaristia e a Igreja como missão. In:
Teocomunicação - v. 33, p. 216-217.
66
O Ev. de João remete ao passado em vista do presente, isto é, dos leitores
contemporâneos. A comunidade existe para continuar a obra de Jesus no mundo, em
unidade com ele; dela nasce a no mundo e seu amor está presente na humanidade.
212
O
pão é um dos símbolos da comunidade joanina que significa a vida que Jesus comunica
àquele e àquela que crê.
213
O comer (cf. 6,51) do pão marca o sentido material do Sinal,
como que insistindo no prolongamento da encarnação de Jesus na eucaristia.
214
A partir
desses elementos destacados chegamos à compreensão de o Sinal dos pães deve ser
entendida em duplo sentido. Neste sentido, apresentaremos o significado do Sinal dos
Pães.
4.2 O Significado dos Pães
Os pães estão ligados à “pessoa” de Jesus Cristo. O maná dado aos “pais”
antepassados, por meio de Moisés, em Jesus Cristo, é infinitamente superado pelo “Sinal
dos pães” (cf 6,31-35.53-58). As ações libertadoras de Moisés no Êxodo estão de forma
mais evidente nas ações, palavras e gestos de Jesus, o verdadeiro profeta e messias.
“O sinal do pão, prefigurado por Moisés e os profetas, é elevado a seu sentido
supremo por Jesus. O evangelista Mc nos faz ver seu sentido de práxis
comunitária. Jo focaliza a própria práxis da vida de Jesus, dada pela vida do
mundo e centro da celebração eucarística. Jesus nos dá em alimento sua carne -
sua palavra e sua práxis, enfim, sua pessoa, que encarna o ensinamento de Deus.
E este alimento torna-se, em nós, eficazes e transformador em longo prazo, não
conforme os parâmetros da ‘carne’ limitada, mas em virtude do Espírito de Vida
de Deus, que não conhece limite. Assim torna-se “pão da vida [da era] eterna”,
alimento que nos faz viver hoje e sempre, no âmbito de Deus”.
215
Jesus se serve do elemento terreno para simbolizar o celestial.
216
Diz: “não foi
Moisés quem vos deu o pão do céu, mas é meu Pai que vos o verdadeiro pão do céu;
porque o pão de Deus é aquele que desce do céu e vida ao mundo” (Jo 6,32b-33).
Suas
ações com os pães de cevada parecem apontar para uma nova Páscoa, pois tudo a
contece num
212
Cf. MATEOS, J. & BARRETO, J., Vocabulário, p. 78.
213
Cf. LÉON-DUFOUR, X. Leitura do Evangelho Segundo João II, p. 75.
214
BOROBIO, D. Eucaristía, p. 46.
215
KONINGS, J. Evangelho segundo João, p. 165s.
216
Cf. BROWN, R.E. Introdução, p. 512.
67
período “próximo à Páscoa” (v. 4). Porém, a menção explicita do tema da Páscoa poderia
servir de introdução ao discurso que segue o Sinal dos pães.
217
“E não motivo algum para que, como fato histórico, o acontecimento ao qual
se refere esta passagem não se tenha realizado por volta do tempo pascal. E o
ouvinte ou leitor cristão não poderia deixar de lembrar que a Páscoa Cristã é a
Eucaristia, e é provável que o evangelista tencionasse logo de início dar uma
indicação do significado eucarístico da narrativa que segue”.
218
No discurso do Pão da Vida, Jesus fundamentações de que o próprio pão é sua
própria carne: “O pão que eu darei é a minha carne para que o mundo possa viver” (v. 51).
Daí porque a comensalidade do pão se torna oo da vida. O verbo dar significa entregar.
“Se para Paulo, a Eucaristia anuncia a morte do Senhor até que ele venha, no fim do
mundo, João coloca ênfase sobre a Palavra que se fez carne e entregou sua carne e seu
sangue para ser fonte de vida: uma proclamação da encarnação como ação salvífica
”.
219
Como constatamos acima, no capítulo anterior, a narrativa do Sinal dos pães (6,1-
15) comporta traços particulares que remetem a Eucaristia.
220
No discurso vv.35-51ª,
“Jesus é o pão da vida porque sua revelação constitui ensinamento de Deus (Jo 6,35), de
modo que se deve crer no Filho a fim de obter a vida eterna”,
221
e nos vv. 51b-58 “Jesus é
alimento em outro sentido, pois é preciso alimentar-se de sua carne e do seu sangue para
obter a vida eterna”.
222
Podemos dizer então que Jesus é um alimento que vida aos seus
seguidores e seguidoras. Ele é o Pão que, distribuído e comido junto com outros, forma sua
comunidade Amada. A partir desta revelação e condição encontra-se o verdadeiro sentido
da vida n’Ele (cf. 6,54), ou seja, da comensalidade do Pão eucarístico.
217
BROWN, R.E. Introdução, p. 462
218
DODD, C.H. A introdução, p. 434.
219
BROWN, R.E. Evangelho de João e Epístolas, p. 68.
220
Cf. Brown, em nota de roda pé, 30, p.473 exemplifica: “o verbo eucharistein, no v. 11; Klasma, para
pedaços (v.12; usado na descrição eucarística na Didaqué 9,4); synagein (v.12:“recolher”, do de sinaxe)”
BROWN, R.E. Introdução, p. 473.
221
BROWN, R.E. Introdução, p. 474.
222
BROWN, R.E. Introdução, p. 474.
68
O pão significa o dom da pessoa de Jesus (cf. 6,51; analogamente 12,20-24) e seu
gesto generoso o define doador de um alimento substancial, gerador E seu gesto com os
pães de cevada, para que todos pudessem comer juntos, igualmente, manifesta que o
alimento pode congregar as pessoas e ser espaço visível da doação e do serviço e
crescimento solidário. O dom do Pão eucarístico, no cap. 6, significa que Jesus é o pão da
vida descido do céu (vv.33.50-51.58).
Entretanto, o pão não é mero efeito material, mas um significado revelacional, que
pode ser simbólico: o “simbolismo em Jo, intimamente relacionado com a narração dos
sinais, produz um efeito hermenêutico que leva a ver nos sinais mais do que meras
façanhas ao modo dos taumaturgos helenísticos, e mais do que os sinais legitimadores dos
profetas; eles constituem uma verdadeira manifestação velada da glória de Deus em
Cristo”.
223
O
simbolismo em João é o dos próprios fatos, que brota da história, nela se
enraíza e exprime seu sentido.
Portanto, Jesus, com seus gestos e palavras, de distribuir gratuitamente o pão à
multidão realiza a verdadeira comensalidade Eucarística: Pão servido, multiplicado, que se
fez carne oferecida (Jo 6,51); e, sobretudo, quando toma o lugar da vítima pascal do
cordeiro, e realiza o seu êxodo.
224
Jesus, portanto, é o verdadeiro Pão que dá vida e
esperança, ainda hoje. Mas frente a atual realidade global em que vivemos, tal
comensalidade nos interpela a resignificar nossas ações, gestos e palavras, para
avançarmos pastoralmente.
4.3 Conseqüência Litúrgica
Jesus é o Pão onde podemos saciar-nos gratuitamente. É o novo Templo (cf. Jo
2,21), onde todos podem achegar-se e sentar junto dele. Jesus é nova Páscoa para aqueles e
aquelas que o aceitam, acreditam e participam da sua “mesa”. Este Pão, feito carne, pelas
ações Eucarísticas, ainda hoje, é prolongamento da sua vida, de seus gestos e palavras na
vida dos comensais crentes.
223
KONINGS, J. A memória de Jesus e a manifestação do Pai no quarto Evangelho. In: Perspectiva
Teológica, p. 188.
224
Cf. LÉON-DUFOUR, X. et alii. Vocabulário de Teologia Bíblica, p. 722.
69
O fato de Jesus pedir aos discípulos para acomodar a multidão, e as pessoas
sentarem-se juntas, num mesmo espaço (6,10), indica estar fazendo um convite ao
convívio, e estabelecendo novas relações com ele e entre as pessoas. E o pão, que ele
distribui ou serve à mesa, sacia abundantemente a fome de todo o ser humano, (cf. Jo 6,12.
35), indistintamente, não importando a etnia, o gênero e a crença.
O tema que proposto é abrangente e inesgotável. Temos ciência da sua
complexidade e implicações, porém mencionaremos algumas reflexões referentes às ações
litúrgicas da comensalidade Eucarística e novas interrogações para serem aprofundadas,
num estudo posterior. Entretanto, apontaremos apenas três aspectos que nos parecem
importantes, a partir do tema escolhido e desenvolvido, para as ações litúrgicas
eucarísticas, hoje.
4.3.1 A preparação e o tempo litúrgicos na comensalidade Eucarística
O alimento para ser ingerido requer certa preparação. E mais, para se fazer uma
refeição comunitária, se faz necessário envolvimento pessoal e coletivo, entre-ajuda,
cooperação e tempo suficiente para que a partilha e a comensalidade possa ser realizada
dignamente entre os convivas. Jesus. No Sinal dos pães, Jesus procede conscientemente
estas ações com o pão, em favor de cada ser humano. Ele cria condições para que todos
possam fazer a experiência de participar de sua “mesa”, através de uma refeição modesta,
simples e completa.
A refeição servida por Jesus, é feita a partir de certa preparação (cf. 6,5-10). Não é
feita de forma voluntarista. Suas ações são pensadas, preparadas e completas, de acordo
com a realidade das pessoas ou grupo. Serve os convivas tanto quanto queriam. Quando
estavam saciados ou satisfeitos pede aos discípulos para recolher os pedaços sobrados (cf.
6,5-12), ou seja, “recolher a mesa”. Toda ação litúrgica requer um tempo especial, pois
cada palavra e gesto são muito significativos, e para vivenciá-los dignamente precisa-se de
preparação, tempo adequado à ação e envolvimento humano.
Jesus, no Sinal dos pães, manifesta-se agindo conscientemente e plenamente, em
favor de todas as pessoas que acorriam a ele. O jeito de ele agir com o pão e se relacionar
com as pessoas, leva-nos a interrogar sobre nossos costumes ao fazer a comensalidade
70
Eucarística.
225
Como preparamos a “mesa”? Que tempo damos para cada ação litúrgica,
particularmente, o ato de partilhar e comer junto, o Pão eucarístico? Como é o alimento
que comemos? Como o comemos? Pela comensalidade Eucarística podemos mudar nossos
hábitos e até preconceitos, em vista da uma autêntica vivência cristã, hoje?
4.3.2 Os gestos litúrgicos da comensalidade Eucarística
A Eucaristia contem ações, expressões e elementos significativos que propiciam
interações humanas mais íntimas entre os comensais e com Deus, presente a partir das
ações sacramentais sobre o pão. O ato de comer junto o Pão eucarístico é sinal mais visível
da real presença de Jesus na comunidade reunida e unida. Tal ação deve, progressivamente,
levar à transformação pessoal e coletiva, e permite aprofundar sempre mais a relação com
Jesus, com outros seres humanos e com o cosmos. Estabelecendo assim autênticas relações
de amor e fraternidade.
Toda vez que comemos do Pão eucarístico fazemos memória da vida de Jesus,
seus gestos e palavras, e somos introduzidos cada fez mais na sua vida, no seu Mistério
Pascal e, conseqüentemente, passamos a viver n’Ele (cf. Jo 6,51), nos comprometendo com
a vida humana digna para todos. Pela comensalidade Eucarística, continuamente, somos
impulsionados/as a agirmos criativamente com as dádivas divinas dadas por Ele, e assim
criarmos e recriarmos novas relações, na reciprocidade, na solidariedade e amor, e um
mundo de mais justiça e paz.
O pão
que Jesus serve é dom de Deus Pai, por excelência. Ele, portanto é o Pão
que sacia a fome de toda a humanidade. Jesus é um alimento inesgotável (cf. 6,35), que se
inteiramente e abundantemente, pela entrega total de seu próprio corpo e sangue (cf. Jo
6, 53-56). O Pão se tornou o símbolo referencial da comunidade cristã.
226
, da refeição
Eucarística. “O símbolo nunca é uma coisa; é uma operação humana
”.
227
Envolve as
faculdades da pessoa humana, sua capacidade de se relacionar e de construir e reconstruir
relações humanas dignas e solidárias, de transcender os fatos, as ações de Deus na vida
cotidiana. Portanto, a comensalidade Eucarística pode estabelecer um espaço de novas
225
MÉNDEZ, A. F. Alimentação divina: gatroerotismo e desejo eucarístico. In: Concilium: Fome, Pão e
Eucaristia, P. 11[163]-20[172]
226
Cf. KONINGS, J. Evangelho segundo João, p. 163.
227
FERNÁNDEZ, C. Conrado. A sacramentalidade da liturgia. In: Manual de Liturgia II, p. 99.
71
relações e estreitar as relações humanas iniciadas, e criar e se recriar a comunicação, a
comunhão e compromisso solidário, em Jesus.
A “Palavra de Deus Pai não é apenas o que Jesus disse verbalmente, mas também
os gestos de amor que realizou entre os seres humanos: quando curou os enfermos, deu
alimento aos famintos,...”.
228
Seus gestos expressam, portanto, sua ação litúrgica.
229
E
sempre que seu gesto for feito carne (cf Jo 1,14) em nosso agir, em favor de todos,
especialmente, dos mais fracos, empobrecidos e desesperançados, estaremos fazendo
Eucaristia, gerando transformação e participando da vida eterna (Jo 6,51. 58), ruma a
plenitude.
4.3.3 O alimento pão da comensalidade Eucarística
O pão quando posto à mesa parece “pedir” para ser partido e comido. E mais,
quando tomado nas mãos, reconhecido como dádiva de Deus, fruto do trabalho do homem
e da mulher, e repartido e ingerido, comunitariamente, passa a ter um outro sentido. E, com
ele se pode criar e recriar comunhão e nos compromete com outros corpos humanos,
famintos dum alimento material e espiritual. “Acreditamos que repartir o pão é partilhar
Deus”.
230
E esse gesto, ritualizado na Eucaristia, precisa estender-se sempre mais no
cotidiano da vida do ser humano. Pois, todo “o gesto litúrgico, não é autêntico se não
implica um compromisso de caridade”.
231
E “o pão que não se reparte não mata a fome,
deixa de ser pão, e a vida se torna mais vida quando é vivida na condivisão
”.
232
Portanto,
o
pão que trazemos, repartimos e comemos juntos na Eucaristia é símbolo e sinal da vida,
sustento da comunidade de fé e da fidelidade ao amor de Jesus.
Gregório de Nissa nos diz:
“Ao olhá-lo, -se em qualquer forma o corpo humano, porque o pão, ao
penetrar no corpo, torna-se ele mesmo pão para fortalecer a fortaleza do corpo. O
228
FERNÁNDES, C. A sacramentalidade da liturgia. In: Manual de Liturgia II, p. 89.
229
Proveniente do grego clássico leitourgia, em sua origem o termo indicava obra, a ação ou a iniciativa
assumida em favor do povo. Liturgia: In: Dicionário de Liturgia, p. 639.
230
BETTO, F. Fome Zero: um projeto ético-político. In: Concilium: Fome, Pão e Eucaristia, p. 7.
231
CONCLUSÕES DE MEDELLIN. São Paulo: Paulinas, 1984, p. 92.
232
GUIMARÃES, Pedro Brito. Eucaristia e amor social. In: Subsídio Teológico 5: Vinde e Vede.! 15º
Congresso Eucarístico Nacional, p. 17.
72
pão material alude àquele espiritual; há neles uma identificação profunda. O
corpo no qual Deus se encarnou nesta realidade, ao receber o nutrimento do pão,
apontava ao mesmo (o pão), porque, na carne de Cristo, se reconheceu à
característica própria de todo o ser humano; o corpo era sustentado pelo pão”.
233
O pão trazido para a Eucaristia simboliza toda a vida do ser humano e do cosmos.
Toda a realidade humana complexa é assumida por Jesus. Na Eucaristia atualizamos a vida
de Jesus na nossa vida humana e vice-versa. Contudo, o alimento pão comporta força,
energia, criatividade, alegria e os gestos de colaboração de toda a humanidade; mas
também conota a acumulação de bens nas mãos de poucos, os planos perversos que levam
à fome e à morte.
O pão é alimento e elemento essencial, indispensável na comensalidade
Eucaristia. Nas comunidades primitivas cristãs, o pão era o alimento essencial da refeição
comum, e essa era associada à Eucaristia (At 2,42-46; 27,35; 1 Cor 11,17-34). Ainda hoje,
toda vez que fazemos o pão e levamos para a refeição Eucarística atualizamos a vida de
Jesus em nossa vida e a nossa vida na vida dele. Daí porque o pão, da liturgia Eucarística,
parece “pedir” nova forma para não comprometer as ações simbólicas litúrgica do mesmo.
O elemento visível ou sensível (cf. SC 33)
deve ajudar a introduzir o crente a penetrar no
seu sentido profundo, do qual ele traz consigo e remete o Pão da vida, o Corpo de Cristo
(cf. SC 48).
O ato de comer junto o Pão Eucarístico ainda se faz numa perspectiva um tanto
individualista e intimista, porém, acreditamos que tal ação pode ser mudada e conduzir os
comensais para outras ações mais transformadoras, comunitárias e comprometidas com
novas relações humana, geradoras de vida e esperança.
Concluindo, a perícope analisada ao final (vv.14-15), deixa perceptível que os
contemporâneos de Jesus demonstraram não entender o Sinal dos pães, porque esperavam
um profeta e rei que fornecesse pão. Um Messias que ficasse com eles para resolver
problemas que eles mesmos deveriam resolver. Parece que eles/as precisavam de
conversão para entender as ações Jesus. Talvez, hoje, nós cristãos necessitamos também de
conversão e abrirmos às moções do Espírito de Deus (cf. Jo 3,6-8),
234
para atualizar as
ações de Jesus, em nosso tempo. Pois, a dimensão mais saliente da Eucaristia é do seres
233
CORBELLINI, Vital. A Eucaristia em São Gregório de Nissa. In: Cadernos Patrísticos: A Eucaristia nos
Padre e Madre da Igreja, p. 105.
234
Cf. KONINGS, J. Evangelho segundo João, p. 163s.
73
humanos comerem junto o mesmo alimento, o Pão,
235
sem acepção de pessoas, e
testemunhar tal gesto humano e divino na cotidiana vida.
Portanto, o
ato de comer junto exprime bem a relação de comunhão que Deus estabelece
conosco e nós com ele. Tal ato ou gesto pode e deve nos ajudar a crescermos nas relações fraternas,
de partilha, da igualdade e do amor uns com os outros.
236
O cristão e a cristã que participam da
comensalidade Eucarística é introduzido/a na vida de Jesus, no seu Mistério Pascal,
237
e n
ela
aprende a tornar-se promotor/a da comunhão, da paz e da solidariedade em todas as circunstanciais
da vida. Enfim, pela comensalidade Eucarística, constituímos comunidade de discípulos amados e
discípulas amadas de Cristo, e assim testemunhar o verdadeiro amor de Deus, em Jesus Cristo, pela
força do Espírito Santo.
235
CROSSAN, J.D. Jesus, p. 125s.
236
Cf. ARAÚJO, S. F. A Eucaristia: a refeição eucarística no evangelho de São João. In: Revista Eclesiástica
Brasileira, p. 149.
237
Cf. KUNRATH, P.A. A Eucaristia e a Igreja como missão. In: Teocomunicação, p. 203-280.
74
CONCLUSÃO
Ao concluir a presente dissertação, deixo dito que no desenvolvimento da
pesquisa fui tomando consciência da complexidade do tema escolhido e de suas
implicações com outros. A tendência muitas vezes, era de estender-me para outros temas
implicativos como a questão sacramental e simbólica. Porém, com esforço procurei
permanecer centrada no objetivo proposto e responder apenas as questões feitas para esta
dissertação.
Pela análise realizada, constatamos que as ações de Jesus, no Sinal dos pães, com
o pedido aos discípulos para acomodarem as pessoas junto dele, o “tomar os pães”, o “dar
graças”, o “dividir” ou “distribuir os pães aos presentes” e, depois, o pedido novamente aos
discípulos para “recolher” os “pedaços que sobraram para que nada se perca” possuem
profundas conotações Eucarísticas e apontam para uma comensalidade de mesma. As
ações de Jesus em favor da multidão, ao ar livre, sentados numa grama, remetem para uma
comensalidade onde todos têm acesso, e isso indica, portanto, uma relação de partilha tanto
material como espiritual.
Também constatamos que Jesus, com seu gesto de tomar a iniciativa e distribuir
os pães (cf. 6,5.11) à multidão sentada junto dele, muda de posição. Jesus tomou para si o
papel não somente de empregado, mas da mulher. Ele serve, como qualquer dona de casa,
a mesma refeição para todos. Com esta ação Jesus assume o ministério da diaconia
[diakonía], de servir os convivas, e com isso define também o agir de seus próprios
seguidores e seguidoras: ao invés de ser servido é servidor, assim como faz na Última Ceia
(cf. Jo 13,1-15) e na Cruz, pela entrega (cf. Jo 19,30) total de sua vida – a sua Páscoa.
Jesus é o protagonista das ações da comensalidade Eucarística no Sinal dos pães
porque o aspecto que mais ressalta na narrativa é cristológico.
Percebi que a análise histórica crítica para interpretação bíblica requer tempo e
paciência para estudar o texto no contexto, como também domínio de outras áreas do
conhecimento para se fazer uma interpretação mais coerente e autêntica do próprio texto.
Ciente disso, digo que na refeição que Jesus propõe e realiza a multiplicação dos pães -
75
todos os seres humanos são convidados a sentarem-se em sua “mesa” e saciar-se do seu
alimento. A partir da comensalidade ele manifesta-se como o “verdadeiro alimento” (cf. Jo
6,53-58), que vida e esperança. E que, desta forma, convida todos os convivas a se
comprometerem com seus gestos e palavras de maneira comunitária, igualitária (cf. 6,5-12)
e solidária. Através da comensalidade Eucarística são criadas e recriadas relações de
mutualidade, reciprocidade e comunhão fraterna, fortalecendo assim a identidade cristã (cf.
SC 10). O ato de comer junto o mesmo alimento envolve todas as pessoas numa relação de
sentimentos de tolerância, de convivência e de entre-ajuda e que ainda exprime a
identidade de ser ou não ser seguidor e seguidora de Jesus, o verdadeiro Profeta e Messias.
Após o evento do Sinal dos pães, vimos que Jesus retirou-se da multidão, porque
muitos que haviam participado da refeição que ele serviu distorceram seus gestos e
palavras (cf.vv.14-15) e, depois, até ficaram escandalizados ao convite dele para comerem
do seu Pão, isto é, da sua própria carne (cf. 6,41. 51.60-66). Daí, porque o Sinal dos pães,
no conjunto do cap. 6, em João, trouxe-nos um duplo significado: positivamente, a obra de
Jesus, que é trazer Vida; e negativamente, o julgamento daqueles e daquelas que se
recusam a comungar e se afastam deste Pão da Vida.
Hoje, os gestos Eucarísticos que fazemos denotam-se ainda intimistas, e com
pouca expressão de comunhão e participação (cf. Puebla, 213). “Ainda o se atenção
ao processo de uma inculturação da liturgia. Isto faz com que as celebrações sejam, ainda,
para muitos, algo ritualista e privado que não os leva à consciência da presença
transformadora de Cristo e de seu Espírito, nem se traduz em compromisso solidário para a
transformação do mundo” (SD 43). Diante de tal realidade, acredito no potencial da força
transformadora da comensalidade Eucarística como fonte de formação da comunidade
cristã e meio de construção de uma sociedade mais justa e fraterna. Sem essa
comensalidade não existe a Igreja de Cristo.
Portanto, termino esta dissertação tendo a ciência de que o tema proposto não foi
esgotado na sua grandeza e que as questões propostas e as que surgiram no decorrer da
pesquisa carecem ainda de maior aprofundamento, bem como de novos investimentos.
Finalizo na esperança de continuar os estudos em Teologia Bíblica na perspectiva litúrgica
eucarística.
76
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83
ANEXO
O quadro abaixo apresenta as ações de Jesus com os pães. A comparação é feita
com a subdivisão especial em grego Jo 6,11 em relação às narrativas sinóticas da
multiplicação dos pães e da Última Ceia (Mc 14,22; Mt 26,26; Lc 22,19; 1Cor 11,23-
24).
238
Sinótico I corresponde à primeira narrativa (Mc 6,41; Mt 14,19) e Sinótico II a
segunda narrativa (Mc 8,6; Mt 15,36).
v.11 Sinótico I
(Mc 6,41; Mt 14,19)
Sinótico II
(Mc 8,6; Mt 15,36)
João
(6,11)
Última Ceia
(Mc, Mt, Lc e Paulo)
11 a.
e tomando os cinco
pães e os dois peixe
s
(ivcqu,aj)
Mt: tomou os sete
pães
e os peixes (ivcqu,aj)
Mc: tomando os sete
pães
Tomou então Jesus
os pães
Mc, Mt e Lc:
e tomou o pão.
Paulo: tomou o pão;
11 b.
elevou os olhos ao
céu
11 c.
abençoou
(euvlo,ghsen)
depois de dar graças
(euvcaristh,saj)
depois de dar
graças
(euvcaristh,saj)
Mc e Mt (sobre o pão):
(euvlo,ghsen)
Lc e Paulo (sobre o pão) e
Todos sobre o vinho: e
(euvcaristh,saj)
11 d.
e partiu /partindo (os
pães)
partiu-os
partiu-o
11 e.
e deu (os pães)
(e;dwken / evdi,dou)
aos discípulos
e deu (os pães)
(evdi,dou)
aos discípulos
distribuiu
(die,dwken)
aos presentes
Mc; Mt e Lc: e deu a
(evdi,dou) eles/
discípulos
11 f.
Para que os
distribuíssem
à/s multidão/ões
Mc: mandou que os
distribuíssem também.
Mt: e os discípulos à
multidão.
238
Cf. BROWN, R.E. El evangelio según Juan, p. 460s.
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