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MÁRIO JOSÉ PUHL
A COOPERAÇÃO E O DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL RURAL
Dissertação de Mestrado apresentada ao Curso
de Pós-Graduação Stricto Sensu
Mestrado
em Desenvolvimento, Gestão e Cidadania
como requisito para obtenção do título de
Mes
tre.
UNIJUI
Universidade Regional do Noroeste
do Estado do Rio Grande do Sul, DEAg
Departamento de Estudos Agrários, DECon
Departamento de Economia e Contabilidade,
DEAd
Departamento de Estudos de
Administração, DEJ
Departamento de
Estudos Jurídic
os.
Orientador: Dr. David Basso
Ijuí
2006
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2
Ficha catalográfica
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3
Folha de aprovação
4
Se reconoce el apoyo del Centro Internacional de Investigaciones para el Desarrollo (IDRC
,
Ottawa, Canadá), a través del Programa Colaborativo de Investigación sobre Movimientos
Sociales, Gobernanza Ambiental y Desarrollo Territorial Rural.
5
E é como seres transformadores e criadores que os homens,
em suas permanente
s relações com a realidade,
produzem, não somente os bens materiais,
as coisas sensíveis, os objetos,
mas também as instituições sociais,
suas idéias, suas concepções.
(Paulo Freire
)
6
RESUMO
A dissertação aborda a dinâmica relação entre a cooperação e o desenvolvimento territorial
rural, protagonizada por famílias rurais associadas às cooperativas singulares, de
comercialização e de crédito, que integram a Central Regional de Cooperativas da Agricultura
Familiar Ltda
CRECAF e o Sistema de Cooperativas de Crédito com Interação Solidária
CRESOL, respectivamente, na região Fronteira Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul.
Entende
-se que a cooperação desempenha uma dinâmica socioeconômica fundamental na
estratégia de acesso e de qualificação no acesso a ativos de capital e a atores situados na
esfera da sociedade civil, do Estado e do mercado, para as famílias rurais com vistas à sua
reprodução e no desenvolvimento territorial rural. O texto inicia com a construção do
referencial teórico, tendo as noções de acesso a ativos e a atores e a capacitação das famílias
para o acesso aos mesmos, pela via cooperativa, fatores de geração de desenvolvimento
territorial rural. A retomada histórica da dinâmica de cooperação nesta região, sistematizada a
partir da colonização realizada no início do século XX, sua evolução histórica, suas
contradições, os atores envolvidos, é fundamental para o entendimento do cooperativismo e
ao surgimento das cooperativas singulares do sistema Crecaf e Cresol, nesta região. Essas
duas experiências cooperativas envolvem atividades de produção, industrialização,
comercialização, serviços de crédito e poupança, execução de programas públicos,
envolvendo centenas de famílias rurais em sete municípios da região. A pesquisa de
campo
com as famílias associadas, direção e funcionários das cooperativas demonstrou a importância
destas organizações para um acesso mais qualificado a ativos de capital, como
financiamentos, tecnologias de produção e a atores localizados na esfera do mercado, como
espaços e garantias de comercialização, do Estado, no acesso a programas públicos e da
sociedade civil, como ONGs, organizações sociais. Demonstrou a contribuição da
organização para a capacitação das famílias para um acesso mais qualificado aos ativos e
atores, pela capacitação proporcionada. A dinâmica da cooperação afirma-se com base na
presença de capital social entre as famílias rurais o qual reforça as relações de confiança e de
cooperação mútua, com vistas à reprodução das famílias e o des
envolvimento territorial rural.
Palavras
-
chave
: cooperação; desenvolvimento territorial rural; ativos de capital e atores;
famílias rurais.
7
ABSTRACT
The dissertation approaches the dynamic relation between cooperation and rural territori
al
development, being the protagonists the rural families associated to particular cooperatives of
commercialization and credit, which respectively integrate CRECAF
Regional Center of
Family Agriculture Limited.
and CRESOL
System of Credit Cooperatives with
Sympathetic Interaction, both located in the Northwest Region of Rio Grande do Sul State.
We understand that cooperation plays an essential social-economical dynamics to rural
families in the strategy of access and qualification of access to capital assets and subjects
located in civil society, state and market, aiming at their reprodution, and in the rural
territorial develoment. The text starts with the constitution of the theoretical reference, having
the access notions to assets and subjects,
and the capacitation of the families to access them in
a cooperative way, factors to the generation of rural territorial development. The historical
approach of the cooperation dynamics in this region, systematized from the colonization
occurred in the beginning of the 20
th
century, its historical evolution, its contraditions, the
subjects involved, is essential to the understanding of the cooperativism and the emergence in
this region of particular cooperatives of the system CRECAF and CRESOL. These two
cooperative experiences involve activities of production, industrialization, commercialization,
credit and savings services, and the execution of public programs, involving hundreds of rural
families in seven cities of the region. The survey realized with the associated families,
administration and employees of the cooperatives proved the importance of these
organizations to a more qualified access to capital assets, such as financing, production
technologies and subjects located in the market (places and guarantees for
commercialization), in the state (public programs), and in civil society (Non-
governmental
organizations, and social organizations). The survey also proved the contribution of the
organization to enable families to a more qualified access to assets ans subjects, through the
capacitation proportioned. The cooperation dynamics assures itself on the basis of the
presence of social capital among the rural families, what reinforces the confidence and mutual
cooperation relations, aiming at the reprodution of the families and the rural territorial
development.
Key
-words: cooperation; rural territorial development; capital assets and subjects; rural
families.
8
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
10
1 CONTRIBUIÇÕES TEÓRICAS PARA O ESTUDO DE DINÂMICAS
TE
RRITORIAIS DE DESENVOLVIMENTO
16
1.1 Cooperação e desenvolvimento
16
1.2 Desenvolvimento territorial rural e
acesso a ativos e a atores
33
2 O PROCESSO DE FORMAÇÃO SOCIOECONÔMICA DA
REGIÃO FRONTEIRA NOROESTE DO RIO GRANDE DO SUL
47
2.1 A formação da sociedade regional
47
2.2 A dinâmica socioeconômica da região Fronteira Noroeste
62
3 COOPERAÇÃO: UM TRAÇO CARACTERÍSTICO DO PROCESSO
HISTÓRICO REGIONAL
75
3.1 Experiências cooperativas pré
-
colonização
75
3.2 A colonização e a formação d
as primeiras cooperativas
77
3.3 A formação das cooperativas tritícolas
88
3.4 Crise das cooperativas tritícolas e a emergência de novas experiências
de cooperação
98
4 ANÁLISE DE NOVAS EXPERIÊNCIAS DE COOPERAÇÃO
105
4.1 A realidade socio
econômica recente
105
4.1.1 O quadro populacional
105
4.1.2 Estrutura
fundiária e a produção agrícola
110
4.2 Novos ensaios de cooperação
112
4.2.1 Cooperativismo de crédito
solidário: organização, programas e
linhas de crédito e sistema de garantias
119
4.2.2 As cooperativas singulares e a Crecaf
133
5 COOPERAÇÃO E DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL RURAL
144
CONCLUSÃO 162
REFERÊNCIAS
169
9
OBRAS CONSULTADAS
177
ANEXOS
184
10
INTRODUÇÃO
O estudo de dinâmicas de desenvolvimento possibilita um conjunto variado de
interpretações
decorrentes dos referenciais teóricos que alicerçam o estudo, a dinâmica
metodológica adotada, o contexto histórico e socioeconômico tanto do pesquisador como da
realidade investigada e os atores envolvidos na realidade, dentre outras influências de ordem
cultural, social, religiosa, econômica.
Nas análises de situações de desenvolvimento ou mesmo na busca de identificação das
causas de estagnação econômica, da ausência de processos de participação no planejamento e
execução de programas e projetos, diversas variáveis têm sido levadas em consideração,
especialmente as econômicas, ao mesmo tempo em que outras foram relegadas nesses
modelos convencionais. No entanto, novos referenciais e variáveis começam a integrar o
conjunto de aspectos que, além de compor elementos de análise também são critérios de
avaliação para situações de desenvolvimento, tais como políticos, institucionais, culturais e
ambientais. Além do crescimento econômico, não suficiente em si, mas também necessário,
os objetivos a serem almejados pelo desenvolvimento devem apontar para a melhoria das
condições de vida dos povos, reduzindo as desigualdades socioeconômicas dos mesmos.
Igualmente, os objetivos do desenvolvimento urgem pelo fortalecimento da participação da
população na sua consecução, pela preservação ambiental e cultural dos povos.
11
A preocupação no alargamento do prisma de análise está presente no estudo sobre o
processo de desenvolvimento territorial rural. Entendimento que supera a visão setorial da
agricultura, mas entende como um conjunto articulado de ações, atividades e estratégias
adotadas pelas famílias rurais na busca da reprodução destas e no acesso a ativos de capital e
atores presentes nas esferas da sociedade civil, do Estado e do mercado. Uma abordagem que
incorpora nas suas análises as atividades e rendas auferidas pelas atividades agrícolas e não-
agrícolas.
Na estratégia adotada na forma de acesso a ativos de capital e a atores localizados nas
esferas da sociedade civil, do Estado e do mercado, pelas famílias rurais de um determinado
território constituído historicamente, entende-se o processo da cooperação como o mais
adeq
uado, superando inclusive a visão hegemônica liberal do indivíduo. A categoria da
cooperação estará presente na leitura histórica do território, seus processos de
desenvolvimento e suas contradições inerentes e também apontada como perspectiva de
constitui
ção de um novo patamar de desenvolvimento territorial rural. A organização
cooperativa constitui um importante ator da sociedade civil, ao tempo em que é espaço de
articulação das famílias, na composição das estratégias de acesso a outros atores e ativos d
e
capital.
A discussão em torno de dinâmicas de desenvolvimento territorial rural, que enfatiza
uma visão mais local do processo, ante os ventos da globalização econômica liberal e suas
conseqüências locais, é assunto recorrente nos espaços de debates, especialmente nas
organizações da agricultura familiar. Não abdica-se da importância desse tema para a
conjuntura regional, ao tempo que se entende a possibilidade histórica da construção de um
12
outro referencial de desenvolvimento protagonizado pelas famílias rurais e suas organizações
ao nível do território pesquisado.
O trabalho sobre a cooperação e o desenvolvimento territorial rural estuda a dinâmica
cooperativa desenvolvida por famílias rurais, caracterizadas como da agricultura familiar, na
região
Fronteira Noroeste do Rio Grande do Sul. Objetiva estabelecer alguns elementos de
interação entre a dinâmica da cooperação e o desenvolvimento territorial rural, enquanto
processo socioeconômico, com vistas à reprodução social e à melhoria da qualidade de
vida
das famílias rurais. Objetiva ainda verificar quem são e quais são os atores que aderem à
proposta de cooperativismo que difere dos modelos convencionais; quais são os projetos
inovadores que estão sendo desenvolvidos; quais as conseqüências desses projetos para a
melhoria da qualidade de vida e, quais as contribuições das cooperativas na dinâmica de
reprodução social da agricultura familiar.
As organizações estudadas são as cooperativas singulares que integram a Central
Regional de Cooperativas da Agricultura Familiar Ltda
CRECAF e a própria Central e o
Sistema de Cooperativas de Crédito com Interação Solidária
CRESOL. Do sistema Cresol
integra o estudo a unidade de Santo Cristo
RS, cuja central está situada no município de
Constantina
RS. Foram pesquisadas as seguintes cooperativas singulares, vinculadas à
mesma Crecaf: Cooperativa dos Produtores de Alecrim Ltda, Cooperativa dos Agricultores de
Santo Cristo Ltda, Cooperativa Agro-ecológica Cândido Godói Ltda, Cooperativa Canavieira
Santa Teresa Ltda. Além dessas, fazem parte da Crecaf a Cooperativa de Produtores de Leite
da Região das Missões Ltda e a Cooperativa dos Produtores de São Pedro do Butiá Ltda. Essa
delimitação justifica-se pelo fato de que estas duas últimas estarem localizadas fora da região
Fronteira Noroeste, que constitui a delimitação geográfica do estudo.
13
Essas cooperativas, objeto da análise, são fruto de uma ampla mobilização e
organização das famílias rurais, protagonizadas por Sindicatos de Trabalhadores Rurais,
ONGs, U
niversidades, lideranças comunitárias e cooperativistas, entidades de assessoria rural,
igrejas, que buscaram uma nova forma organizativa das famílias rurais, um novo referencial
de desenvolvimento territorial rural.
Em termos metodológicos, o trabalho seguiu dois caminhos complementares: a
pesquisa de campo para levantamento de dados e informações da realidade estudada e a
pesquisa bibliográfica, documental e consulta à fontes secundárias, que possibilitaram a
elaboração do estudo, o qual está organiza
do em cinco capítulos.
Na elaboração do Capítulo1 serviram de referencial teórico do tema cooperação e o
desenvolvimento territorial rural abordagens realizadas por Franco (2001), Maturana (2002),
Abdalla (2002). A abordagem de acesso a atores e ativos foi buscada nos trabalhos realizados
por Bebbington (1999; 2005), Ellis (2000) e de Abramovay (2002; 2004).
O Capítulo 2 trata do processo de formação socioeconômico da região Fronteira
Noroeste gaúcha, tendo por referência básica estudos desenvolvidos por Schallenberger e
Hartmann (1981), Roche (1969), Zarth (1997). Esta parte do trabalho consiste numa retomada
histórica da importância que assume a cooperação para a região em estudo. No início, é
realizada uma contextualização da região do início do século XX, trazendo sua história
política e a dimensão socioeconômica de forma interconexa. Posteriormente, traz-se a
dinâmica de re-ocupação pelo processo da colonização realizada por europeus e euro-
descendentes e a caracterização das principais fases de desenvolvimento pelas quais a região
passa.
14
A cooperação como traço característico do processo histórico regional é analisada no
terceiro capítulo. Neste, resgata-se a história da colonização e a formação das primeiras
cooperativas e sua evolução, as mudanças ocorridas na conjuntura nacional e regional que
contribuíram para a formação de novas cooperativas, as tritícolas, e seu posterior declínio.
Retoma
-se o quadro para a emergência de novas experiências em cooperação entre na
agricultura familiar.
O quarto capítulo do trabalho dedica-se à análise das novas ações em termos
cooperativistas da história recente da região em questão. Inicia com a descrição da realidade
socioeconômica recente, tendo por base dados secundários produzidos, especialmente, pelo
Ins
tituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IBGE e pela Fundação de Economia e
Estatística Siegried Emanuel Heuser
FEE, ligada à Secretaria de Coordenação e
Planejamento do governo do Estado do Rio Grande do Sul. Segue-se com a descrição dos
novos ensaios cooperativos protagonizados pelas cooperativas singulares do sistema Crecaf e
Cresol. Não havendo elaboração textual tratando do conjunto da história de formação e
organização desses dois sistemas, neste território, acerca dos planos, projetos, fez-
se
necessário um levantamento de dados com base em fontes primárias, em registros informais,
jornais, o que permitiu a elaboração desta parte do trabalho.
O trabalho de campo compreende o levantamento de dados e informações e foi
realizado no segundo semestre de 2005, com base em entrevistas semi-estruturadas. As
entrevistas ocorreram com famílias associadas às cooperativas, com diretores, tanto das
singulares como da Crecaf e com os trabalhadores das cooperativas. Foram entrevistadas 25
pessoas das seguintes entidades: Coopral, Coopasc, Cooperae, Cooperteresa, Crecaf e Cresol
Santo Cristo.
15
A elaboração do último capítulo envolveu a análise das informações prestadas nas
entrevistas realizadas no trabalho de campo, estabelecendo uma relação e conexão com a
revisão de literatura, na busca de respostas às interrogações e objetivos do trabalho, na
perspectiva de contribuir no estudo e na sistematização acerca da relação existente entre a
cooperação e o desenvolvimento territorial rural.
16
1 CONTRIBUIÇÕES TEÓRICAS PARA O ESTUDO DE DINÂMICAS
TERRITORIAIS DE DESENVOLVIMENTO
Existem distintos referenciais através dos quais é possível realizar uma análise e
compreensão de dinâmicas de desenvolvimento, especialmente quando se referem ao
desenvolvimento territorial rural. A abordagem adotada neste trabalho está ancorada na noção
de acesso e de capacitação para o acesso a ativos de capital e a atores situados nas esferas da
sociedade civil, do Estado e do mercado. A forma de acesso das famílias rurais aos recursos e
atores se dará pelo processo da cooperação, em um determinado território sócio-
economicamente constituído.
1.1 Cooperação e desenvolvimento
O aparecimento da indústria e a sua consolidação, enquanto processo de organização
do sistema produtivo e de organização social, leva a uma mudança radical no modo pelo qual
vários países buscam sua sustentação econômica e a organização sócio
-
política. O processo de
industrialização modifica profundamente a estrutura econômico-social dos países envolvidos
17
nessa nova dinâmica. As conseqüências para essas localidades são perceptíveis e a
industrialização configura
-
se como sinônimo de desenvolvimento.
O progresso técnico difundiu-se rapidamente, modificando os estilos de vida e de
consumo
. O projeto de melhoria da qualidade de vida da população centrado apenas na
modernização da economia começou a se estruturar e a se fortalecer. Essa dinâmica,
desencadeada especialmente no período pós-guerra mundial, no contexto da Guerra Fria,
afirma um modelo de desenvolvimento alicerçado na idéia da industrialização dos países,
conjugado com um processo de urbanização, como forma de ocupação espacial.
Amartya Sen (2000) distingue duas alternativas gerais e contrapostas a respeito do
desenvolvimento e que, de acordo com o mesmo autor, podem se encontradas tanto nos
debates públicos como nos estudos de economistas. A primeira possibilidade sustenta que o
desenvolvimento é um processo feroz , duro, disciplinado, um processo com muito sangue,
suor e lág
rimas
um mundo no qual sabedoria requer dureza , diz Sen (2000, p. 51). Nessa
perspectiva, a construção do desenvolvimento requer o afastamento, no máximo possível, das
preocupações consideradas frouxas , como os direitos políticos e civis, a democracia
e temas
ambientais. De outro lado, que ela seja feita sobre as bases sólidas do trabalho incansável,
pois o necessário aqui e agora é dureza e disciplina (op. cit. p, 51). Essa idéia aponta para
um entendimento de desenvolvimento como progresso e cresci
mento econômico.
A segunda perspectiva sustenta, contrariamente a anterior, que o desenvolvimento seja
um processo amigável . Sen (2000, p. 52), sustenta que nesta perspectiva considera-se que
a aprazibilidade do processo é exemplificado por coisas como trocas mutuamente benéficas
(...), pela atuação de redes de segurança social, de liberdades políticas ou de desenvolvimento
18
social
ou por alguma combinação dessas atividades sustentadoras . A tese do autor é de
que o desenvolvimento pode ser visto como um processo de expansão das liberdades reais
que as pessoas desfrutam (op. cit., p. 17), sem deixar de considerar a necessidade do
crescimento econômico, do aumento das rendas familiares e a melhorias das condições
produtivas. Alia-se, nesta linha de pensamento, a busca pela expansão das liberdades
instrumentais: 1) liberdades políticas, 2) facilidades econômicas, 3) oportunidades sociais, 4)
garantias de transparências, e, 5) segurança protetora (Idem, p. 55). Desse modo, o
desenvolvimento não se assemelha ao puro crescimento econômico, como na idéia anterior,
mas como uma estratégia ou processo que implica, ao longo do tempo, em mudanças
culturais, sociais, econômicas, políticas e ambientais, interconexas, de modo a expandir as
liberdades e melhorand
o as condições da qualidade de vida das pessoas.
Durante as últimas décadas o embate entre essas duas perspectivas de
desenvolvimento esteve presente no contexto nacional, regional e internacional. Por outro
lado, governos de uma parcela significativa de países, sob pressão ou não de organismos
financeiros internacionais, para romper com a crise que abalava as economias nacionais,
adotaram como estratégia o chamado ajuste macroeconômico, cujas políticas constituem a
agenda da política neoliberal.
Os vetores característicos da política neoliberal envolvem tendências e
medidas como a liberalização, a privatização, a minimização da regulação ou
controlo econômico, cortes na assistência social e no estado previdência, a redução
das despesas públicas, o reforço da disciplina fiscal, a flexibilização dos
movimentos de capital, o controlo restrito das organizações sindicais de
trabalhadores, a redução de impostos e transferências monetárias internacionais
sem restrições. (...) Paralelamente, o fenômeno da globalização é principalmente
constituído por desenvolvimentos ou progressos no campo material que traduzem a
expansão e a difusão de capacidades tecnológicas a uma escala global bem como a
desterritorizalização dessas mesmas capacidades devido aos meios informáticos e à
Internet (FALK, 1999, p. 16).
19
Concomitantemente ao período histórico de afirmação dos princípios liberais de
organização da produção e distribuição das riquezas e serviços e de organização sócio-
política, uma parcela significativa de países realizou ensaios de outras propostas de
desenvolvimento, que podem ser incluídas na segunda perspectiva de desenvolvimento
apontada por Sen (2000). São experiências constituídas em contextos marcados pela crise do
modelo keynesiano-fordista de produção e organização, de descrédito ante ao novo modelo
liberal proposto e, especialmente, em razão da expansão vertiginosa dos índices de pobreza,
miséria e exclusão de toda ordem, especialmente da população do meio rural, como atestam
estudos de Kliksberg (2001), Fiori (1997) e Arrighi (1997). Elas emergiram também num
contexto marcado pela retomada dos debates acerca de temas: ambientais, democracia
participativa, multiculturalismo, economia solidária, cooperação, controle social dos espaços,
movimentos sociais e pluridimensionalidade do desenvolvimento. Constituem buscas de
caminhos novos, alternativas para o desenvolvimento ou até mesmo alternativas ao
desenvolvimento (Santos, 2002). As experiências alternativas foram elaboradas nas periferias
das sociedades por grupos sociais marginalizados, por organizações sociais, pelos inviáveis
do sistema, de forma organizada e espontânea.
No Brasil e no território em estudo, foram desencadeadas várias experiências no
campo da avaliação, dos debates, do planejamento e desenvolvimento rural, dando destaque
ao território como espaço sócio-econômico construído. Nessas experiências, FAVERO e
GRAMACHO (2004, p. 141
-
142) indicam que houve a contribuição de sete elementos:
1) nasceram de iniciativas de organizações locais; 2) incentivaram a participação da
população local; 3) contaram com a assessoria de organizações especializadas,
particularmente de ONGs e de setores de Universidades; 4) produziram redes de
organizações e movimentos sociais fundados em vínculos de parceria; 5)
produziram experiências heterogêneas, baseadas em trajetórias originais e em
estruturas e tramas variadas; 6) reorganizaram os espaços que as geraram e, mesmo,
as representações destes espaços, dando origem (...) a uma nova cultura do espaço;
20
7) finalmente, provocaram a emergência e/ou o fortalecimento de novos sistemas
de governança, com ênfase no local.
De forma geral esta dinâmica é atribuída a três processos imbricados, afirmam os
mesmos pensadores, que são a crise do referencial keynesiano-
fordista
de crescimento; a
reorganização do Estado e a re
-
estruturação de seus sistemas de regulação e a sua relação com
a sociedade e a economia; e, em terceiro lugar, as profundas transformações das estruturas e
sistemas de relações sociais. Ante o quadro apresentado, os grupos sociais não inclusos nesta
proposta, das rebarbas do sistema, buscam construir suas estratégias, seus caminhos, suas
organizações para garantir a sobrevivência. Lutam pela mudança deste padrão organizativo,
nos mais diversos campos e espaços. Busca-se construir a cidadania para o
desenvolvimento (idem), legitimar atores, considerar a diversidade, e uma nova base
material de organizações das comunidades.
Favero e Gramacho (2004) destacam que dos estudos das experiências brasileiras de
desenvolvimento mereceram atenção as relações existentes entre o Estado e desenvolvimento;
segundo, a educação; e, o terceiro a relação entre o desenvolvimento e o capital social. A
perspectiva de entendimento do desenvolvimento a partir da sua relação com o capital social
propõe estruturá-lo com base na articulação entre pluralidade (capital humano) e a
cooperação (capital social). (...) quanto maiores forem os capitais humano e social, maiores
serão os conhecimentos e as experiências acumuladas e maiores serão as possibilidades (op.
cit, p. 147) de desenvolvimento territorial.
Dinâmica socioeconômica entre a cooperação e a pluralidade desencadeada em
territórios. Entidade que forma
21
um espaço físico, geograficamente definido, geralmente contínuo, compr
eendendo
a cidade e o campo, caracterizado por critérios multidimensionais
tais como o
ambiente, a economia, a sociedade, a cultura, a política e as instituições
e uma
população com grupos sociais relativamente distintos, que se relacionam interna e
ex
ternamente por meio de processos específicos, onde se pode distinguir um ou
mias elementos que indicam identidade e coesão social, cultural e territorial
(BRASIL, 2005 (a), p. 3).
O território é definido a partir de seus usos, das experiências e resultados verificados e
das organizações de cooperação que foram geradas pelos seus usos e para esses usos, numa
interação dos atores sociais. Dessa forma, o território exerce um papel ativo, na medida em
que é, simultaneamente, um ator (agente) e palco (lugar), afirmam Santos e Silveira (2003,
p. 11). O espaço geográfico, se define como união indissolúvel de sistemas de objetivos e
sistemas de ações, e suas formas híbridas, as técnicas, que nos indicam como o território é
usado: como, onde, por quem, por q
uê, para quê .
Nessa linha de pensamento, para caracterizar um território, devemos levar em conta a
interdependência e a inseparabilidade entre a materialidade, que inclui a natureza, e o seu uso,
que inclui a ação humana, isto é, o trabalho e a política (op. cit., p. 247). Um território, neste
horizonte reflexivo, envolve o conjunto dos sistemas herdados por uma determinada
comunidade; o conjunto dos sistemas de engenharia, ou seja, os objetos culturais e técnicos
historicamente constituídos; e, os sistemas de ações humanas, que produzem interações,
envolvendo as dinâmicas de cooperação, quanto os conflitos sociais e políticos presentes. O
território carrega um sentido histórico, decorrente da interação desses três aspectos, pois sua
historicidade deriva da conjunção entre as características da materialidade territorial e as
características das ações (Idem , p. 248).
22
Seguindo a linha de raciocínio da Organização para a Cooperação e o
Desenvolvimento Econômico
OCDE, Abramovay (2000) afirma que a centralidade da idéia
acerca do território é que este, mais que simples base física para as relações entre pessoas e
organizações, organiza-se em rede, formando um tecido social e uma organização complexa,
de diversas feições. Um território representa uma trama de relações históricas, configurações
políticas e identidades (op. cit., p. 385), que desempenham papéis de articulação,
organização do conjunto de atores e ativos envolvidos neste espaço construído.
A articulação dos modos e das experiências de cooperação com os modos e
experiências de conflito, numa interação dialética, consubstancia o território com duas
dimensões: a unidade e a pluralidade. A unidade, decorrente de um movimento cooperativo
ou solidário, produz dois tipos de solidariedade: a or
gânica e a organizacional.
A solidariedade orgânica resulta de uma interdependência entre ações e
atores que emana da sua existência no lugar. Na realidade, ela é fruto do próprio
dinamismo de atividades cuja definição se deve ao próprio lugar enquanto t
erritório
usado. É em função dessa solidariedade orgânica que as situações conhecem uma
evolução e reconstruções locais relativamente autônomas e apontando para um
destino comum (SANTOS; SILVEIRA, 2003, p. 306
-
307).
A solidariedade organizacional supõe uma interdependência até certo ponto
mecânica, produto de normas (Idem) e se realiza pela formação de instituições. Ela é produto
de normas presididas pelas necessidades e pelos interesses, econômicos e políticos, mutáveis
conforme o envolvimento das pessoas e instituições. As organizações com caráter
instrumental que servem para a busca da satisfação das necessidades e interesses almejados
pelos participantes destas, prosperam à custa da solidariedade interna e, freqüentemente,
também à custa da solidar
iedade no sentido ético (op. cit., p. 307).
23
A pluralidade (Fávero; Gramacho, 2004), revela as contradições, os conflitos presentes
entre os atores e classes presentes no território. O território nasce da conjugação das
diferenças sociais, as quais formam um tecido social heterogêneo. As classes sociais, os
distintos grupos, com identidade cultural, étnica, ideológica, constituem a pluralidade de
idéias, convicções e conflitos sociais do território.
Nesta dialética relacional
os territórios são, essencialmente, o resultado de formas específicas de interação
social, que implicam em cooperação e conflito, ou da capacidade dos indivíduos e
organizações locais, de promover vínculos dinâmicos, capazes de valorizar os
sistemas naturais herdados, os objetos técnicos e culturais historicamente
construídos e, também, as tramas sociais e políticas (op. cit., p. 150).
Vários fatores interferem e contribuem no desenvolvimento territorial: o econômico, o
sócio
-cultural, o ambiental, o político-institucional, dentre outros. Destaca-se, no entanto, a
importância do capital humano, do capital social e do natural. A dimensão territorial do
desenvolvimento vai além das vantagens ou obstáculos ambientais ou geográficos de
localização. Há uma preocupação em entender e constituir redes e convenções internalizadas
em organizações cooperativas, que contribuam no acesso a ativos públicos, como a educação,
o conhecimento, a saúde, capazes de fortalecer o tecido social da localidade (Abramovay,
2003), e a atores situados nas
esferas da sociedade civil, do mercado e do Estado..
Aponta-se para uma interação entre a territorialidade do desenvolvimento e a
compreensão de capital social, visto que as características da organização social, manifestas
em normas, sistemas, confiança mútua, contribuem para melhorar a organização social,
facilitando ações cooperativas (Putnam, 2000).
24
Levando
-se em consideração a multidimensionalidade do poder, entendido a partir da
interação dos poderes advindos e fruto da interação da sociedade civil, Estado e mercado, de
distintas escalas, é possível desencadear dinâmicas de desenvolvimento territorial a partir da
articulação e organização de atores sociais, como as famílias da agricultura familiar. Processo
não restrito à melhoria econômica, mas também atento às melhorias das condições sociais,
culturais, ambientais, nutricionais, reduzindo a pseudo passividade dos territórios e atores
periféricos.
A densidade institucional (Fernandez, 2004) manifesta pela presença institucional
instituições financeiras, cooperativas, associações, ONGs, sindicatos, universidades
e o
desenvolvimento de formas de cooperação entre os atores a partir da sua articulação dos
atores, de uma consciência de pertencimento à dinâmica territorial, as aspirações dos atore
s,
manifesta o acúmulo de capital social e relações de confiança mútua. A presença do capital
social possibilita uma articulação entre os atores para produzir inovações territoriais, pela
organização em cooperativas singulares e a formação da sua central com vistas ao
desenvolvimento territorial rural.
No entender de Boiser (1997) o desenvolvimento territorial consiste numa expressão
ampla que inclui o desenvolvimento das pequenas localidades, mudanças de ordem sócio-
econômica, de caráter estrutural, em determinados espaços geográficos, com sistemas e
processo decisórios democraticamente construídos. Para o mesmo autor, o desenvolvimento
territorial baseia-se em três objetivos: a) aperfeiçoamento do território entendido como um
sistema físico e social estruturalmente complexo, dinâmico e articulado; b) o aperfeiçoamento
da comunidade (
Gemeintschaft
) e sociedade (Geselschaft) que habita esse território; e, c) o
aperfeiçoamento, formação de cada pessoa, que pertence a essa comunidade e habita o
25
território. A
ssim, percebe
-
se que o desenvolvimento territorial não se restringe ao crescimento
econômico, como também, consiste na articulação dos atores na busca de atender, além das
necessidades econômicas, também as demandas sociais, culturais, potencializando tant
o
capitais tangíveis quanto aspectos intangíveis (Dallabrida, Siedenberg, Fernández, 2004).
Neste espaço situa-se o cooperativismo como prática social, com dimensões culturais,
políticas, econômicas e ganha importância
a práxis de um cooperativismo autônomo, autogestionário e solidário, que inova no
espaço da empresa-comunidade humana e também na relação de troca entre os
diversos agentes; nosso argumento é que a sociedade precisa superar a relativa
inércia a que se submeteu, superando a cultura da reivindicação e da delegação,
como suas alienadoras práticas paternalistas e assistencialistas, por uma cultura do
auto
-desenvolvimento, de auto-ajuda, de complementaridade sólida; o
associativismo e o cooperativismo autogestionários, transformados em proje
to
estratégico, podem ser os meios mais adequados para a reestruturação da sócio-
economia (ARRUDA, 1996, p. 7).
Uma dinâmica que requer a participação das pessoas, sujeitas de sua história, pois
todas as atividades humanas são condicionadas pelo fato de que os homens vivem juntos;
mas a ação é a única que não pode ser imaginada fora da sociedade dos homens (Arendt,
2004, p. 31).
Abdalla (2002) entende o princípio da cooperação como o eixo racional
fundamentador, oposto ao princípio da troca competitiva. A cooperação, afirma o mesmo
autor, além de garantir a vida de um grande número de pessoas (até porque nem todas estão
inseridas nesta dinâmica social), possibilita uma maior aproximação do universo humano à
práxis que possibilitou a existência e a continuidade da espécie humana. É a possibilidade de
reencontro com a sua essência, perdida pelas conformações históricas fundamentadas na
exploração (op. cit. p. 102), que a dinâmica da cooperação busca reconstruir.
26
De acordo com Maturana (2002, p. 185), foi o princípio da cooperação que
possibilitou a origem da espécie humana e não a competição. A origem antropológica do
Homo sapiens não se deu através da competição, mas sim através da cooperação. (...) O que
nos faz seres humanos é nossa maneira particular de viver juntos como seres sociais na
linguagem .
1
A origem e desenvolvimento da linguagem, princípio elementar na cooperação, entre
as pessoas é fruto de uma dinâmica de cooperação. Fruto da necessidade e da ajuda mútua.
Para Abdalla (2002) este movimento, o desenvolvimento da linguagem contribui
sensivelmente na manutenção da existência humana. A linguagem possibilitou a humanização
da espécie. A linguagem constitui o elemento humanizador. No entender de Gadamer (2002,
p. 657), ter linguagem significa precisamente um modo de ser completamente distinto da
vinculação dos animais ao seu meio ambiente. (...) Aquele que tem linguagem tem o
mundo
2
.
Independente de outras análises, a questão colocada é que a forma de relação social
propiciou o desenvolvimento da linguagem humana. A linguagem não é uma conseqüência
automática de nossa peculiaridade genética, mas um produto das relações sociais de
cooperação (Abdalla, 2002, p. 111). Linguagem desenvolvida pela cooperação e integração
dos humanos, ou seja, as primeiras formas de manifestação comunicativa do ser humano
foram uma decorrência de uma relação cooperativa e de integração intragrupos. (...) A
linguagem certamente surgiu da necessidade de colaboração entre os seres humanos e não da
competição
ou da hostilidade .
1
Grifo no original.
2
Grifo no original.
27
A afirmação da cooperação, entre a espécie humana, não é uma mera proposição
teórica alternativa às proposições de ordem competitiva e concorrencial. Ela é um fundamento
concreto do ser humano, uma categoria, de ordem ontológica e antropológica (Abdalla,
2002, p. 112).
A cooperação como referencial das relações e estratégia de reprodução social, de
acesso aos ativos e atores, por parte das famílias rurais, traz algumas implicações nas relações
sociais de produção, nas relações de sociabilidade e nas relações de troca. Subsumida à
cooperação
a economia deixaria de ser o ritual oblativo ao deus mercado e o palco no qual se
efetivam as relações de troca competitiva e passaria a ser a práxis humana
produtora e distribuidora dos bens necessários ao sustento de toda a humanidade. O
mercado deixaria de ser o princípio fundamentador para ser apenas um fenômeno
decorrente desta práxis e a seu serviço. Ele voltaria a ser uma atividade humana e
perderia o status de princípio nomológico que reina sobre as relações humanas
(Idem, p. 113).
As relações de sociabilidade balizadas pela ética da cooperação não enxergam o outro
como concorrente, com o qual é preciso competir. O outro é visto como uma
complementaridade, que compõem um todo comigo, afirma o mesmo pensador. E mais, a
relação entre o indivíduo e a coletividade não se daria pela imposição de um sobre o outro.
Não haveria espaço para sobreposição da coletividade sobre o indivíduo e nem deste sobre a
coletividade.
As relações de troca fazem parte integrante da sociedade humana. O intercâmbio entre
as pessoas e entre os grupos sociais faz parte da essência da humanidade, caracterizando a
dimensão coletiva do ser humano. As relações de troca de dão no espaço do mercado,
28
mediadas pelo dinheiro. No entanto, distinto da compreensão capitalista do dinheiro e do
mercado, Abdalla (Idem., p. 128), entende que nas relações sociais de cooperação,
o mercado é um fenômeno que adquire o seu sentido na relação com os princípios
aos quais ele se encontra subsumido. Uma sociedade cooperativa, na necessária
relação de troca mediada pelo dinheiro, concederia um outro sentido a esse
fenômeno. Não está na essência do mercado o fato dele ser excludente e
competitivo. É possível um mercado que inclua as pessoas e que seja cooperativo e
solidário.
De acordo com Arruda (1996, p. 24) é necessário repensar o mercado como uma
relação social, entre seres humanos . Organizar o mercado, sob a ótica da cooperação e da
solidariedade humana dialoga com o resgate da identidade e dos propósitos iniciais da
economia, de suas raízes,
enquanto
oikonomia
, o estudo do abastecimento do
oikos
, o lar do ser humano, que
tem, por uma feliz coincidência, a mesma raiz semântica que ecologia. (...) a
economia deixou de estudar os meios para o bem-estar do ser humano e se
transformou em um fim em si mesma, uma ciência na qual tudo o que não tem
valor monetário e tudo a respeito do que não se pode estabelecer um preço não tem
valor (GUIMARÃES, 2001, p. 65)
3
.
Ante este quadro e r
etomando o tema da cooperação e do cooperativismo e sua relação
com o desenvolvimento territorial rural, estes tomam um sentido novo, tanto pela capacidade
de crítica às práticas tradicionais das cooperativas e afirmar uma nova dinâmica de
organização da agricultura familiar. De um instrumento de políticas governamentais, de
interesses privados, em contextos históricos passados e atuais, uma nova possibilidade
começa a criar corpo. As novas experiências (objeto de estudo) afirmam-se como espaço de
organizaç
ão e instrumento de atuação das famílias rurais, com interesses e objetivos
socioeconômicos específicos, mas com interface com a cultura, a política, o poder. O
cooperativismo regata a sua contribuição no processo de desenvolvimento territorial rural.
3
Grifos no original.
29
As
famílias rurais formam cooperativas, cooperam movidas por interesses e pela
possibilidade de satisfação de suas necessidades. Para uns a cooperação pode estar mais
vinculada à satisfação de suas necessidades, para outros está vinculada ao atendimento de
seus interesses. A cooperativa está permeada por este conjunto de conflitos, manifesto nas
falas de algumas entrevistas: nós queremos que todos fiquem melhor, né, mas sempre tem
aqueles que só querem as coisas para si, só resolver as suas coisas
4
. No enta
nto,
ao se estudar a história da cooperação fica claro que as razões fundamentais sempre
estiveram no campo da economia, isto é, da produção e da distribuição de bens e
riquezas. A economia consiste no esforço técnico e político de produzir e distribuir
bens e riquezas, em função de necessidades ou interesses (FRANTZ, 2005, p. 85).
Ao longo da história da humanidade a cooperação esteve presente. É uma luta
permanente contra as dificuldades que as pessoas foram encontrando na dinâmica da
produção e de distribuição daquilo que necessitavam para viver e se reproduzir. Essa é uma
história vinculada à economia das necessidades. No período mais recente da história e
dinâmica da cooperação, as necessidades cederam lugar para os interesses corporativos e
pesso
ais. Muda-se da economia das necessidades para uma economia dos interesses (Frantz,
2005). Persistem, no entanto, as lutas cotidianas de uma parcela significativa da humanidade
para a satisfação de suas necessidades elementares, como o alimento e a água.
A economia dos interesses afirma o processo da competição. As economias que têm na
competição um de seus mecanismos de coordenação da produção e distribuição de bens e
serviços, a organização de uma cooperativa representa uma busca e luta por poder. Luta
por
um espaço e alteração das relações competitivas. O que ocorre no campo da economia, diz
Frantz,
4
Manifestação de famílias durante as entrevistas.
30
exerce forte influência sobre o pensamento e o comportamento das pessoas.
Portanto, exerce influência sobre o comportamento cooperativo.
É diferente prod
uzir e distribuir bens em função das necessidades das pessoas ou de
seus interesses. (...) Em muitas cooperativas podem estar presentes as duas
situações: associados mais condicionados pelas necessidades em meio a associados
motivados por seus interesses. Embora se trate de economia, as razões da
cooperação são diferentes. Nessas circunstâncias, sob o ponto de vista da gestão, o
diálogo entre os associados é muito importante para dirimir os conflitos (Idem., p.
86).
Tendo presente a dinâmica conflituosa das razões da cooperação, o atendimento das
necessidades e a satisfação dos interesses, formas e instrumentos de manutenção de uma
rede de solidariedade entre os associados. Existe um mecanismo social que rompe o
individualismo para formar e constituir dinâmicas de cooperação efetivas, capazes de
contribuir na melhora da qualidade de vida das famílias.
Franco (2001) denomina esta dinâmica de capacidade de comunidade, a partir do que a
existência do capital social representa e significa, neste contexto. O capital social
5
constitui
uma variável, um fator de desenvolvimento territorial, distinto do capital humano, do capital
construído e do capital natural. Na presença deste capital (ativo), constata
-
se que:
a) as sociedades, ou parte delas, exploram melh
or as oportunidades ao seu alcance;
b) as organizações tornam
-
se mais eficientes;
c) os chamados custos de transação são reduzidos;
d) as instituições funcionam melhor;
e) reduz
-
se a necessidade de usos da violência da regulação dos conflitos;
f) mais b
ens públicos (e privados) são produzidos;
g) mais atores sociais são constituídos; e
h) a sociedade civil torna
-
se mais forte (Idem., p. 50).
Em segundo lugar, diz o mesmo autor, que quanto maior for a presença desta variável,
mais rápida, mas intensa ou mais duradouramente os efeitos, anteriormente citados
manifestam
-se. Em terceiro lugar, o fator capital social, depende das relações sociais, estáveis
5
Franco (2001) afirma que a idéia de capital social é bastante debatida entre os teóricos, sejam eles das áreas de
economia, sociologia, política, filosofia, entre os quais as diferenças são enormes. Para o autor, o conceito
foi elaborado de uma maneira completa pelos sociólogos Pierre Bourdieu e James Coleman (p. 7
1).
31
e duráveis, estabelecidas entre as pessoas e grupos sociais, entidades de uma mesma
sociedade.
A cap
acidade de comunidade a que se refere o capital social, diz respeito
à capacidade de viver em comunidade, lato sensu, ou seja, de interagir socialmente
de sorte a criar e manter contextos onde se manifeste um
ethos
de comunidade [...]
(o qual) consiste e
m uma classe particular de interações sociais que promovem: a) o
reconhecimento mútuo; b) a confiança; c) a reciprocidade e a ajuda mútua; d) a
solidariedade; e, e) a cooperação (op cit., p. 54)
6
.
A fundamentação e explicitação da capacidade de comunidade, entre os seres
humanos, transcendem as explicações da teoria econômica dos jogos, segundo a qual o ser
humano é visto como um ser puramente racional, o que inclusive limita a busca pela solução
dos chamados dilemas da ação coletiva (Franco, 2001). Teoria que parte de um entendimento
idealista dos seres humanos, os quais sempre se orientariam por escolhas racionais,
especialmente na área da economia. A capacidade de comunidade, de cooperar, é
constituída, fundamentalmente, pela capacidade que tem o ser humano de colaborar
ou de cooperar com os outros seres humanos. Este último termo é melhor por ser
mais abrangente: co-laborar evoca a noção de trabalho conjunto, enquanto co-
operar se refere a quaisquer (oper)ações conjuntas, algumas delas fundament
ais
porquanto constitutivas do humano (Idem., p. 67).
A teoria do capital social, buscando seus pressupostos, constitui-se numa teoria da
cooperação. Maturana (2002) desenvolve a teoria biológica do fenômeno social, a qual no
entender de Franco (2001), pode fornecer a base para uma teoria da cooperação humana, a
qual estaria mais próxima e que melhor corresponde à noção de capital social.
6
Grifos no original.
32
A idéia inicia com a observação de que uma inseparável dualidade no ser humano.
Os seres humanos, diz Maturana (2002) são seres sociais: vivem o seu ser cotidiano em
contínua imbricação com o ser de outros seres humanos; e, simultaneamente são indivíduos:
vivem seu ser cotidiano como um contínuo devir de experiências individuais intransferíveis.
Ser social e ser individual parecem condições contraditórias de existência (op. cit., p. 195),
mas que demonstra, conforme a teoria da cooperação baseada no mesmo autor, que é possível
existirem sistemas sociais cujos membros vivem em harmonia de interesses aparentemente
contraditórios da sociedade e dos indivíduos que a compõem (Idem).
Maturana (2002, p. 199) entende que
cada vez que os membros de um conjunto de seres vivos constituem, com sua
conduta, uma rede de interações que opera para eles como um meio no qual eles se
realizam como seres vivos, e no qual eles, portanto, conservam sua organização e
adaptação, e existem em uma co-deriva contingente com sua participação em tal
rede de interações, temos um sistema social.
Esta definição leva a seis implicações, com aceitação universal, como referenciais
sociais constitutivos, pela afirmação dos postulados: a) um sistema social conserva a vida dos
seus membros; b) um sistema social é caracterizado pelo comportamento dos seus membros;
c) não membros descartáveis em um sistema social; d) os componentes de um sistema
social selecionam as propriedades dos componentes que o constituem; e) as mudanças dos
sistemas sociais são realizadas pelos seus membros; e, f) todo sistema social está em
permanente mudança estrutural (Maturana, op.cit., p. 201-205). Tanto a definição e as
implicações do sistema social, são aplicáveis às sociedades humanas.
O ser humano é constitutivamente, nesta linha de pensamento, um ser social. Não
ser humano fora do social, pois para ser humano é necessário crescer humano entre
33
humanos diz Maturana (op.cit., p. 206). Conseqüentemente, a conduta social do ser humano
está fundada na cooperação e não na competição. A conduta social da cooperação passa pela
mediação da linguagem, da comunicação, pela qual se realiza a reflexão e a autoconsciência e
a tomada de consciência coletiva. Um ato de aceitação e não de negação do outro.
1.2 Desenvolvimento territorial rural e acesso a ativos e a atores
Existem distintas formas pelas quais é possível proceder à análise e à avaliação de
dinâmicas de desenvolvimento territorial e em particular do desenvolvimento territorial rural
com a presença da agricultura familiar e suas organizações. Das abordagens de análise de
caminhos de desenvolvimento territorial rural, podemos citar: sistemas agrários e sistemas de
produção
7
; acesso e capacitação para o acesso a bens e atores como estratégia para garantir e
melhorar as condições de vida das famílias rurais
8
; confronto entre agricultura moderna
versus tradicional, onde a modernização compõe o elemento referencial de análise
9
e a
integração da agricultura e produtores aos complexos agroindustriais
10
.
A análise do presente trabalho está direcionada na dinâmica do desenvolvimento do
território, que busca compreender mais elementos (culturais, econômicos, sociais) e em
função disso que passa-se a dialogar com autores que abordaram esta temática para estudar
a dinâmica do desenvolvimento territorial rural, sob o prisma da cooperação. Essa
metodologia centraliza sua atenção nas estratégias adotadas pelos grupos familiares para
7
Referencial teórico desenvolvido a partir dos trabalhos sistematizados na Cátedra de Agricultura Comparada do
Institut National Agronomique Paris
Grigon
INA-
PG
França (Basso, 2004). Abordagem utilizada em
trabalhos de Silva Neto (coord., 1997); Silva Neto et.al. (1998). Análise desta abordagem pode ser encontrada
em Basso; Delgado; Silva Neto, 2003.
8
Contribuição teórica de Bebbington et al. (1999; 2002; 2005).
9
Graziano da Silva (1982); Brum (1983).
10
Graziano da Sil
va (1998).
34
garantir as suas condições de vida, viabilizando a sobrevivência ou reprodução social da
família. A abordagem baseada no acesso a ativos de capital e atores entende o
desenvolvimento territorial rural observando a capacidade de reprodução das famílias rurais e
as várias opções que compõem as estratégias de vida envolvendo atividades agrícolas e não-
agrícolas e também a capacidade para acessar e coordenar um conjunto de ativos de capital e
at
ores da sociedade civil, do Estado e o mercado. A unidade familiar constitui o fulcro
elementar da análise. A abordagem busca caracterizar as distintas atividades e fontes de renda
que as famílias acessam para viabilizar as condições de sobrevivência ou qualificar o nível de
vida em razão do acesso e da capacitação para o acesso a recursos e atores sociais (Basso,
2004).
Autores como Bebbington (1999, 2002, 2005), Delgado (2003) e Basso et al. (2004),
trabalham esse procedimento metodológico. Uma referência voltada, primordialmente, para o
estudo do desenvolvimento rural, onde as noções de rural livelihoods
11
e
livelihood
strategies
12
são fundamentais. A dinâmica de desenvolvimento rural e as estratégias de
reprodução social envolvem análises que abarcam as
atividades agrícolas e as não agrícolas.
A avaliação das condições de vida no meio rural e da capacidade de reprodução,
conforme Bebbington (1999), está fundamentada na análise do acesso que as pessoas ou
famílias buscam obter a um conjunto de ativos e outros atores localizados nos espaços da
sociedade civil, do Estado e do mercado. É um entendimento distinto daqueles que analisam a
agricultura e os agricultores familiares sob o ponto de vista de sua viabilidade ou da não
viabilidade. Entende o autor que aqueles estudos apresentam um conjunto de limitações:
conflitam noções de subsistência agrária com rural, ignorando as distintas formas como as
11
Condições de vida no meio rural.
12
Estratégias e ações realizadas pelas pessoas ou famílias para garantir e melhorar as condições de vida.
35
pessoas e famílias têm se organizado para ganhar a vida e os patrimônios que formaram ao
longo do tempo; as análises estão muito restritas aos fatores econômicos como estratégia de
reprodução familiar, quando aspectos culturais e sociais são levados em consideração pelas
famílias nas suas estratégias; elas estabelecem uma barreira impermeável entre as famílias e
uni
dades de produção viáveis das o-viáveis. No entanto, esse ponto divisório é permeável e
móvel, na medida em que ele depende de considerações e referenciais econômicos, sociais,
culturais, tecnológicos que vão sendo revistos ao longo da história.
Bebbi
ngton (1999) destaca que a análise da estratégia de reprodução adotada pelas
famílias rurais abarca um conjunto de ações inter
-
relacionadas, a saber:
acesso das pessoas a 5 tipos de bens de capital; as maneiras pelas quais elas
combinam e transformam esses bens na construção de subsistência, que, até onde é
possível, satisfazem suas necessidades materiais e experenciais; as maneiras pelas
quais elas são capazes de expandir suas bases de patrimônio através do
engajamento com outros atores pelas relações governadas pela lógica do Estado, do
mercado e da sociedade civil; e, as maneiras pelas quais elas são capazes de dispor
e realizar suas capacidades para não tornar a vida mais significativa, mas
também mais importante para mudar as regras dominantes e as relações que
governam as maneiras pelas quais os recursos são controlados, distribuídos e
transformados em fluxos de renda.
(op cit., p. 1).
13
Seguindo a análise do mesmo pensador, é oportuno destacar que a capacidade e a
possibilidade que as pessoas e as famílias têm em combinar o uso dos diversos tipos de ativos
de capital e ao mesmo tempo para melhorar as capacidades de acesso aos ativos, constitui um
importante elemento na estratégia de reprodução social e na busca de melhoria da qualidade
de vi
da, com redução da pobreza e das desigualdades. Os bens são entendidos
não somente como coisas que permitem a sobrevivência, a adaptação e o alívio à
pobreza: eles também são a base do poder dos agentes de agir e reproduzir, desafiar
ou mudar as regras que governam o controle, uso e transformação dos recursos. (...)
13
Tradução livre.
36
veículos para a ação instrumental (ganhar a vida), a ação hermenêutica (dar um
sentido à vida), a ação emancipatória (desafiar as estruturas sob as quais se ganha a
vida). (BEBBINGTON, 1999, p.
5)
14
.
A dinâmica relação existente entre a ação instrumental, a ação hermenêutica e a ação
emancipatória desencadeada no processo de reprodução social e do desenvolvimento
territorial rural dialogam com a capacitação (formação) e empoderamento
15
das pessoas e
famílias. Tornar as pessoas, os grupos sociais e suas organizações capazes de participar
efetivamente dos espaços presentes nas esferas da sociedade civil, do Estado e do mercado,
contribui para a construção de novas relações, tornando-as mais sujeitos do processo de
desenvolvimento.
De acordo com Bebbington et al. (2002) o marco conceitual desta abordagem enfatiza
a análise nos ativos das pessoas do meio rural e nas estratégias de reprodução adotadas ou
combinadas pelas famílias, compreendidas como as formas sob as quais as famílias e pessoas
podem inter-relacionar os ativos simetricamente e transformá-los em patamares de níveis e
forma de vida. As pessoas e as famílias rurais adotam estratégias de vida que:
Sejam mais consistentes com o conjunto de ativos que uma pessoa controla num
determinado momento;
Reflete suas aspirações de longo prazo, assim como suas necessidades imediatas; e
Reflete ser a mais viável das oportunidades e restrições impostas pelas
circunstâncias econômicas nas quais se op
eram (Idem, p. 4)
16
.
Bebbington (1999) sublinha a necessidade de se ter uma concepção ampla dos
recursos que as famílias necessitam acessar no processo da estratégia de reprodução social,
14
Tradução livre.
15
Delgado (2003, p. 230-231) entende este processo social como uma dinâmica na qual as pessoas, as
comunidades, as organizações, transformam seus recursos em ativos de capital e colocam-se numa posição de
poder mudar sua relação com os mercados, o Estado e a sociedade civil. [...] empoderar
-
se é conquistar poder, ou
seja, adquirir a capacidade (o poder) de mudar a posição que se ocupa em um determinado campo social de
disputa (no caso o desenvolvimento rural) .
16
Tradução livre.
37
passando da base dos recursos materiais para um conjunto de bens, fontes de renda e
mercados de produtos e de trabalho. Destaca o acesso a cinco tipos de ativos que influenciam
as estratégias de reprodução das famílias rurais: capital produzido, capital humano, capital
social, capital cultural e capital natural.
Capita
l humano: são os ativos que a pessoa possui que a caracterizam, como
conhecimento, saúde, competências, tempo, etc (Bebbington et al., 2002, p. 4). O capital
humano é passível de ser aumentado pelos investimentos feitos ou acesso à saúde, educação
ou pelas aprendizagens feitas no espaço e nas atividades do trabalho. Um processo de
permanente formação individual e coletiva. Kliksberg (2001) destaca que na formação desse
ativo a família desempenha um papel importante. Ela contribui na constituição da pessoa, a
sua estabilidade psíquica e educação. A densidade e a qualidade dos serviços de educação e
saúde, essenciais na formação do capital humano, dependem da oferta e qualidade dos
serviços prestados pelo Estado e suas políticas públicas (Basso, 2004).
Ca
pital social
17
: são os ativos fruto das relações interpessoais e da participação em
organizações. Essas relações comunitárias e organizações contribuem e facilitam o acesso a
outros recursos e atores (Bebbington, et al., 2002).
Putnam (2000) trabalha com um conceito de capital social que enfatiza sua
característica pública. A característica específica desse ativo é o fato de que ele normalmente
constitui um bem público, ao contrário do capital convencional, que é prioritariamente
17
Becker (2003, p. 88-89) questiona o conceito de capital social, dada a possibilidade do sistema capitalista ter a
capacidade de recriar, permanentemente, novas ideologias, novas modas explicativas, como se fosse o re-
encantamento do mundo, ou da modernidade. Nessa condição, seria candidata a configurar uma nova
racionalidade do sistema capitalista. [...] Em nosso entender, capital social nos termos que está sendo proposto,
não passa de mera derivação formal da economia de mercado e, enquanto tal, é completamente funcional ao
processo de globalização contemporâneo .
38
privado. Caracteriza-se pelos níveis e formas de confiança, normas e cadeias de relações,
sistemas de participação cívica. Na busca de um entendimento das razões das desigualdades
regionais existentes na Itália, o autor concluiu que nas regiões onde existiam relações
verticalizada
s, com pouca participação cívica e política e exercício de cidadania, ocorria um
grau menor de desenvolvimento e um grau maior de desigualdades. Nas regiões onde as
relações sociais eram mais horizontais, com muita participação cívica e política, onde as
relações baseavam-se na confiança mútua, com organizações e entidades fortes, existia
cooperação, o desenvolvimento era maior e melhor.
Franco (2001) relaciona o capital social com a capacidade humana de cooperar com os
outros. Capital social, para este
autor, refere
-
se
à capacidade das pessoas de uma dada sociedade: a) de subordinar interesses
individuais aos de grupos maiores; b) de trabalhar juntas visando a objetivos
comuns ou ao benefício-mútuo; c) de se associar umas às outras e formar novas
assoc
iações; d) de compartilhar valores e normas: i. para formar grupos e
organizações estáveis; e, ii. Para constituir, compartilhar a gestão e, em suma, viver
em comunidade (op. cit., p. 52).
Capital cultural: refere-se aos recursos e símbolos que alguém possui como resultado
de cultura da qual faz parte , diz Bebbington et al. (2002, p. 4).
Kliksberg (2001) enfatiza o elemento da cultura de cada povo como componente
importante no processo de desenvolvimento. A cultura engloba valores, princípios,
refer
enciais, mbolos, significados capazes de definir a identidade de um povo, grupo social
ou nação.
A cultura cruza todas as dimensões do capital social de uma sociedade. A
cultura subjaz atrás dos componentes básicos considerados capital social, como a
confiança, o comportamento cívico, o grau de associacionismo. (...) a cultura está
nas maneiras de vivermos juntos (...) molda nosso pensamento, nossa imagem e
39
nosso comportamento. A cultura engloba valores, percepções, imagens, formas de
expressão e comunicação e muitos outros aspectos que definem a identidade das
pessoas e nações (op cit, p. 121
-
122).
A valorização da cultura dos grupos sociais, especialmente dos mais pobres, pode ser
um ótimo fator de coesão social e para desenvolver a auto-estima coletiva. Com base na linha
de pensamento de Kliksberg, Basso (2004, p. 23) afirma que a cultura
é o âmbito básico no qual uma sociedade gera
e transmite de geração em geração
valores como o da solidariedade, da cooperação, da responsabilidade de uns pa
ra
com os outros, a preocupação conjunta com o bem estar coletivo, a superação das
discriminações (sociais, étnicas, religiosas, gênero), a erradicação da corrupção,
atitudes favoráveis `equidade em regiões marcadamente desiguais, bem como
atitudes democráticas contribuindo para o processo de desenvolvimento, bem como
para melhorar o perfil final da sociedade.
Capital natural: ativos em forma de qualidade e quantidade de recursos naturais aos
que se tem acesso (Bebbington et al., 2002, p. 4). São os ativos relacionados à quantidade e
qualidade de terras, disponibilidade e preservação da água (fontes, rios, subterrânea, sangas),
às florestas , fauna, condições agroecológicas, ao ar. Ellis (2000) pondera acerca dos usos dos
diferentes ativos de capital natural conforme sua capacidade agroecológica e também que se
evidencie e privilegie, dentre os recursos naturais relativos às principais estratégias de
reprodução social das famílias rurais, aqueles cuja renovação seja possível ou mesmo a
renovação seja administrada, com reflorestamentos, manejo do solo, sem esquecer os recursos
naturais não renováveis.
Capital produzido: chamado capital tangível (...) o qual inclui ativos físicos (na forma
de infraestrutura, tecnologia, gado, sementes, etc.) e ativos financeiros (na forma de dinheiro,
capital de trabalho e ativos físicos que são facilmente convertidos em dinheiro , caracteriza
Bebbington et al.(2002, p. 4). Recursos materiais que podem ser utilizados no processo
40
produtivo rural como máquinas, equipamento
s, instalações, insumos, sementes, como também
aqueles destinados ao uso doméstico (eletrodomésticos, móveis). A esses materiais somam-
se
os recursos financeiros (as linhas e programas e condições de financiamento, os fundos de
consumo e de investimento) e os recursos tecnológicos (produtos, sementes, conhecimento).
Ellis (2000, p. 33) amplia esta compreensão dos ativos produzidos para as áreas de infra-
estrutura e de comunicação (estradas, energia elétrica, telefone, cursos d água). Os ativos
financeiros não se restringem apenas aos acessos de créditos e financiamento ou às formas de
capitais produtivos, mas a outras formas de obtenção de recursos de que as famílias lançam
mão, conforme necessidade e disponibilidade, transformando-os em ativos financeiros. É a
conversão em dinheiro ou consumo de algum animal de trabalho ou outros estoques
realizados.
O uso ou a combinação dos distintos ativos pelas famílias rurais, nas suas estratégias
de reprodução social, não se da mesma forma e ao mesmo tempo. A temporalidade da
estratégia utilizada na reprodução social é um dos fatores a ser considerado. A estratégia
utilizada hoje, como por exemplo, o uso intensivo de um determinado ativo (a terra) poderá
ensejar seu esgotamento a longo prazo, caso não venha combinado com formas de
preservação ou combinado com o acesso a outros ativos. Por outro lado, as características e
identidades dos grupos sociais também interferem nas estratégias adotadas para a reprodução
social e também no uso dos ativos ou na sua combinação de uso. O mercado e seus
mecanismos também influenciam na forma de uso de um determinado ativo. São os interesses
econômicos determinando o ritmo e a intensidade do uso, como no caso da criação intensiva
de suínos ou no cultivo de culturas (milho, soja). O Estado através de programas, de políticas
públicas, constitui outro agente de influência na definição das estratégias de usos e
41
combinação de ativos, na reprodução social. Ele poderá faze-lo através da disponibilização de
linhas de créditos, concessão de incentivos, tributação, legislação.
Assim, nos casos onde as famílias tem acesso à terra e onde as condições de
mercado agrícola são favoráveis, existe uma grande possibilidade para que as
pessoas possam perseguir estratégias de vida baseadas na agricultura. Pelo
contrário, em outros casos em que as famílias têm pouca terra, porém possuem
habilidades que são demandadas pelo mercado de trabalho, assim como redes de
relações que facilitam seu acesso a estes mercados, então será mais provável que ao
menos alguns dos membros da família persigam estratégias de vida baseadas no
emprego não
-
agrícola (BEBBINGTON et al., 2002, p. 4
-
5).
A dimensão do tempo interfere nas estratégias de reprodução social das famílias rurais.
As práticas atuais podem ser distintas das suas estratégias para o futuro. Aquilo que hoje
ocupa o maior esforço e tempo não reflete, automaticamente, as aspirações para o futuro.
Portanto, pode ser que uma estratégia de vida tenha interface em dois níveis,
simultaneamente. As pessoas e famílias, acessando e utilizando recursos capazes de satisfazer
as necessidades momentâneas e buscando acessar ativos que acumulados, permitirão a eles
alcançar formas e níveis de vida distintos dos atuais.
O quadro analítico, apresentado pelos autores acima, enfatiza as formas com as quais
as instituições e as estruturas sociais interferem no acesso e nas formas como as pessoas e
famílias transformam, reproduzem e acumulam seus ativos. Requer este processo uma
interação permanente entre as famílias rurais com os atores que atuam nas esferas da
sociedade civil, do Estado e do mercado. Relação esta que pode mudar as formas de acesso a
esses atores e as estratégias de reprodução social.
Bebbington (1999), na sua estrutura de análise, além do acesso a bens, considera as
relações entre a população rural e os atores que interagem nos espaços da sociedade civil, do
estado e do mercado. Entende o autor que através dessas relações com esses atores que as
42
famílias e organizações tratam de alterar as regras que regulam o acesso a recursos destes
atores ou até mesmo confirmar os critérios estabelecidos, influenciando nas condições que
permitem a reprodução social.
O acesso aos ativos e atores requer uma organização das pessoas em entidades,
movimentos sociais, em redes.
A organização
desempenha um papel importante para ajudar a ação das pessoas não apenas no
sentido de buscarem melhorar as suas condições de vida, mobilizar e defender
ativos, mas também para facilitar-lhes o acesso aos demais atores situados nas
esferas
do mercado, do Estado e da sociedade civil, abrindo caminho para mudar
relações e, por conseqüência, as próprias condições de acesso (BASSO, 2004,
p. 24
-
25).
As esferas da sociedade da sociedade civil, do Estado e do mercado têm sua própria
organi
zação o que influencia a forma de distribuição, o controle e a transformação de ativos,
diz Bebbington (1999, p. 35). O acesso ao mercado e a melhoria da qualidade de vida
decorrente desse acesso está sujeito às determinações típicas nas trocas comerciais. O Estado
que opera através de agências, políticas, departamentos e órgãos, determina as formas de
acesso e inclusão das pessoas em suas decisões e programas. Da mesma maneira, as
organizações da esfera da sociedade civil, dadas as suas formas e particularidades de
funcionamento, finalidade, também delimitarão o acesso das pessoas e influenciarão nos
impactos sobre a melhoria das condições de vida das famílias.
A garantia de melhora nas condições de vida está vinculada às capacidades que as
pessoas m ou precisariam ter para localizar-se melhor nas relações e transações de cada um
dos atores, aproveitando melhor cada esfera e combinando com as demais esferas as suas
estratégias (Bebbington, 1999).
43
Na dinâmica do acesso aos atores localizados nas esferas do Estado, sociedade civil e
do mercado, um ativo constitui um dos elementos centrais: o capital social. O capital social é
um dos ativos a ser acessado nas estratégias de reprodução social e combinado com outros
bens, dizem Bebbington et al. (2002). Por outro lado, ele é um elemento fundamental que,
quando existente, auxilia no processo de acesso aos atores e ativos. Para os mesmos autores, o
acesso a atores e ativos se constitui no ponto chave para que haja a condição de reprodução
social e de melhoria
da qualidade de vida.
A importância do capital social na estrutura de análise de Bebbington (1999, 2002) é
importante pela popularização do termo. Coloca em debate um conjunto de temas não
analisados pelas políticas e teorias dominantes e sugere de forma
capilar que
a dimensão social da existência humana pode ser tão importante com as dimensões
econômicas; que o social subjaz a qualquer outra ação econômica ou política (quer
dizer, que tudo está integrado); e que o social constitui uma dimensão da qualid
ade
de vida tão importante com a econômica (BEBBINGTON, 2005, p. 22).
O mesmo autor entende que o capital social se constitui num dos ativos fundamentais
nas estratégias de vida adotadas pelas famílias para melhorar a sua qualidade de vida, acessar
os
ativos e atores, capacitar-se e empoderar-se para acessar e combinar melhor o uso e
conservação dos ativos. Estratégia de vida concebida como
a forma mediante a qual uma pessoa procura satisfazer certos objetivos de vida,
através do uso, a combinação e a transformação de um conjunto de ativos. Estes
objetivos de vida podem ser de vários tipos: aumento da renda, melhoramento da
experiência e qualidade de vida, e empoderamento (
empowerment
) cio-
político.
Quer dizer, eles não se reduzem sempre nem exclusivamente ao progresso
econômico (Idem, p. 24)
18
.
18
Grifos no original. T
radução livre.
44
Voltando à temática do capital social e seguindo a linha de pensamento de Bebbington
(2005), existe uma estreita ligação entre o capital social e as estratégias para a superação da
pobreza. O autor identifica três tipos de capital social que, combinados ou utilizados, poderão
contribuir na redução das desigualdades e melhorar os níveis de vida. Os tipos de capital
social identificados pelo ator, são: a) capital social de união, referindo-se às relações mais
próximas entre as pessoas (família, vizinhança, comunidade). Um capital restrito em dois
sentidos: em termos sociais, restrito a poucas pessoas e, em termos geográficos, restrito a um
espaço determinado; b) capital social de ponte. Este refere-se aos nexos que vinculam as
pessoas e grupos afins, em distintos lugares geográficos. Constituem relações que superam as
proximidades de união. Exemplo de manifestação deste capital são as comunidades rurais, as
formas federativas de organização das pessoas; e, c) capital social de escada , representados
pelas relações presentes entre grupos e pessoas de distintas identidades e diferentes graus de
poder sócio-político. Este capital está presente nas relações minimamente consolidadas entre
pessoas e comunidades e as agências públicas ou organizações não governamentais. São
relações que facilitam o acesso a esferas políticas, a recursos administrados por agências
externas.
Os três tipos de capital social podem facilitar o acesso a ativos e atores e contribuir na
sati
sfação de certos objetivos de vida. O capital social de união pode facilitar o acesso aos
recursos da localidade e de forma mais célere, especialmente em momentos de crise ou
emergências. É um tipo de capital social que dá o sentimento de pertinência, de e
star junto.
As formas de capital social, de ponte e de escada oferecem acesso a tipos de ativos e
níveis de melhoria de satisfação e na estratégia de vida das famílias rurais. Esses capitais
utilizados poderão influir nas políticas, agências, nos acessos aos ativos e atores. No entanto,
45
diz Bebbington (2005), somente através da organização em federações ou confederações que
se tornará possível exercer pressões para alterar as políticas e as regras que determinam a
distribuição de ativos. Neste nível de organização, será possível incidir sobre as agências que
controlam a oferta de ativos, como sobre os governos e suas estruturas. Igualmente, pela via
do capital social de escada que se torna possível o acesso a certos tipos de recursos públicos
ou externos, nacionais ou internacionais. Mediante o capital social de escada e de ponte,
conjugados, acessar-
se
os espaços políticos administrativos onde são definidas as políticas
sociais. Um exemplo desta dinâmica é a experiência do Orçamento Participativo, implantado
em diversos municípios brasileiros e no estado gaúcho no governo passado.
Nas estratégias de vida e na busca de superação da pobreza, é possível afirmar que
o capital social de união serve para a sobrevivência
literalmente, em inglês, é
um
capital social que permite à pessoas to get by (ir passando). Oferece
pelo menos
potencialmente
acesso a formas de reciprocidade, a possibilidade de compartilhar
recursos (por exemplo, em bancos comunitários). (...) é um capital social que pode
perm
itir um alívio da pobreza, porém, não a sua superação.
Por outro lado, os capitais sociais de ponte e escada oferecem a possibilidade de
acessar recursos que existem fora da localidade ou das estruturas sociais locais,
recursos de outro tipo e potencialmente de outro nível. (...) são um capital que
permite avançar (to get ahead). Vale dizer, constituem um capital social que se
presta melhor para a superação da pobreza (op. cit., p. 29 )
19
.
O acesso aos distintos atores que atuam nas esferas da sociedade civil, do Estado e do
mercado é influenciado pelas condições primárias que as pessoas e famílias têm quanto a
ativos de capital que cada qual possui (Bebbington, 1999). As dotações de terra (capital
natural), os recursos financeiros ou patrimoniais (capital produzido), a participação em
organizações (capital social), as condições de saúde e os níveis de educação e capacitação
(capital humano) interferem diretamente no acesso aos atores da sociedade civil, do Estado e
do mercado (Basso, 2004). Influenciam as
formas e a qualidade, do acesso aos atores.
19
Grifos no original. Tradução livre.
46
Seguindo a trilha do pensamento de Bebbington, Basso (2004, p. 39) afirma que a
abordagem do acesso a atores e ativos deve considerar na sua avaliação a capacidade de
reprodução social das famílias rurais, numa perspectiva da redução da pobreza e das
desigualdades. Considerar
os diversos ativos que os grupos familiares rurais utilizam para garantir a sua
sobrevivência; as formas e meios pelos quais os grupos familiares são capacitados
para acessar, defender e manter estes ativos; e, a capacidade que os grupos
familiares possuem para transformar tais ativos em renda, dignidade, poder e
sustentabilidade.
Esta dinâmica requer um olhar mais abrangente sobre a agricultura e suas trajetórias de
desenvolvimento.
Não reduzir apenas as análises sobre a atividade agrícola em si, mas
visualizar os tipos de bens e ativos que as famílias possuem, mantêm, reproduzem, a que têm
acesso ou a que buscam acessar, na formatação de suas estratégias de reprodução social, da
red
ução da pobreza e desigualdades e melhoria das condições de vida. Atentar aos processos
de capacitação
20
e formação das famílias para poder acessar melhor os ativos e atores das
esferas institucionais e do mercado também deverão ser observados. Este conjunto poderá
incidir na estratégia de vida e na sua qualidade de vida buscada.
20
Capacitação não entendida como preparação técnica, mas como um processo de empoderamento, fonte de
poder (Sen, 2000) e aquisição de competências (Freire, 1999) e saberes apropriados.
47
2 O PROCESSO DE FORMAÇÃO SOCIOECONÔMICA DA REGIÃO FRONTEIRA
NOROESTE DO RIO GRANDE DO SUL
2.1 A formação da sociedade regional
A região Fronteira Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul
21
é marcada e definida
pelos processos históricos que nela ocorreram e ocorrem, além de seus agentes envolvidos. Os
acontecimentos registrados revelam a forma como este espaço foi ocupado, como ele foi
sendo transformado, que interesses e projetos estiveram envolvidos, como os conflitos foram
sendo encaminhados, que processo de desenvolvimento foi concretizado, dentre outros pontos
de vistas, sejam eles políticos, sociológicos etc. Os fatos, sejam eles fruto de avanços,
mudanças, transformações ou recuos, atingem o conjunto das pessoas e organizações
presentes nesse território.
As formações sociais, em sua evolução, passam de uma situação de simples
ocupação e aproveitamento do espaço (adaptação passiva) para uma situação de
transfo
rmação cada vez mais ampla e profunda desse espaço (adaptação ativa).
Essa transformação compreende não apenas a produção de bens materiais como
também a adequação do meio ambiente circundante às necessidades individuais,
familiares, comunitárias e das formações sociais em seu conjunto (SOUZA;
SANTOS, 1986, p. 04).
21
Para situar a s
ua localização geográfica no estado do Rio Grande do Sul, ver ANEXO I.
48
A referida região é formada por vinte municípios
22
, compreendendo uma área
territorial de 4.689Km². A população dos municípios, de acordo com os dados da Fundação
de Economia e Estatística, do Rio Grande do Sul (FEE), do ano de 2004, é de 202.505
habitantes. Desses, 70.183 (34,66%) são rurais e 132.322 (65,34%) urbanos. A densidade
populacional, neste caso, é de 43,18 habitantes por Km². O Produto Interno Bruto (PIBpm)
per capita,
do ano de 2002,
era de R$ 9.753,00 anuais, conforme a FEE.
Além dos municípios integrantes dessa região, acrescentamos ainda Salvador das
Missões e São Pedro do Butiá, mesmo que estes pertençam ao Conselho Regional de
Desenvolvimento
COREDE/Missões. Sua inclusão just
ifica
-se pela presença de duas
cooperativas singulares localizadas nesses municípios, que integram a CRACAF
Central
Regional de Cooperativas da Agricultura Familiar Noroeste Ltda.
O processo histórico deste território está profundamente marcado pelo tra
balho
associativo, pela cooperação, desde a sua origem até os dias atuais. O trabalho comunitário e
associativo está presente, desde antes da ocupação por europeus e seus descendentes, na vida
dos Povos das Missões
23
e posteriormente nos Sete Povos das Miss
ões
24
(reduções jesuíticas,
do lado Ocidental do Rio Uruguai, nos séculos XVI e XVII)
25
, bem como entre coletores de
erva
-
mate.
22
São os municípios de Alecrim, Alegria, Boa Vista do Buricá, Campina das Missões, Cândido Godói, Doutor
Maurício Cardoso, Horizontina, Independência, Nova Candelária, Novo Machado, Porto Lucena, Porto Mauá,
Porto Vera Cruz, Santa Rosa, Santo Cristo, São José do Inhacorá, Senador Salgado Filho, Três de Maio,
Tucunduva e Tuperendi.
23
Os jesuítas espanhóis efetivaram um trabalho de catequese e aldeamento dos índios no oeste e centro do a
tual
território gaúcho, onde fundaram 18 reduções, entre 1626 a 1636. Foram criadas as reduções de: São Joaquim,
Jesus Maria, São Cristóvão, Santa Tereza, Santana, Natividade, São Cosme e Damião, São Miguel (a
fundação), São Carlos, Apóstolos, São José, São Tomé, Mártires do Caaró, Candelária, Assunção, São Nicolau,
São João e São Xavier. Desenvolveram atividades pecuárias importantes, na criação de gado (Brum, 1983).
24
Os Sete Povos das Missões foram fundados pelo trabalho dos Padres da Companhia de Je
sus
SJ, a partir de
1600. Foram constituídas as reduções de São Miguel, São Lourenço, São João Batista, São Borja, São Nicolau,
São Luiz Gonzaga e Santo Ângelo Custódio.
25
A respeito deste tema histórico, consultar SIMPÓSIO NACIONAL DE ESTUDOS MISSIONEIROS I a XI
.
Anais, 1982 a 1996; Lugon (1977).
49
A dinâmica da cooperação e de suas organizações cooperativas foi decisiva no
desenvolvimento regional. Interesses e vontades distintas, tanto individuais, coletivos,
estatais, religiosos ou culturais também estão presentes nesta dinâmica, o que por vezes
contribui para o desenvolvimento do cooperativismo ou foi obstáculo à sua realização.
Büttenbender (1995, p. 125) afirma que as diferentes experiências de trabalho coletivo na
Região estão fundamentadas na formação sócio-cultural das pessoas que compõem a Região,
somadas às políticas oficiais de estímulo à organização e composição de associações .
A região em tela pertenceu até 1801 ao domínio espanhol, estando, até então,
vinculada ao território das Missões Orientais, tendo sido a última área geográfica a ser
incorporada à Província de São Pedro, atual estado do Rio Grande do Sul (Rotta, 1999).
Naquele ano,
os portugueses conquistaram definitivamente o território dos Sete Povos das
Missões, destruindo quase que por completo aquela civilização. Entre os poucos
índios missioneiros que conseguiram se salvar, alguns fugiram em direção à
margem direita do rio Uruguai, outros refugiaram-se na mata densa da própria
região, vivendo de forma dispersa; outros ainda, transformaram-se em peões de
estância, mão
-
de
-
obra barata para o latifúndio pastoril. (Idem, p. 26).
É uma área de permanentes conflitos e interesses em jogo, pelo território e suas
riquezas, às vezes motivados por razões locais e internas, outras vezes causados pelos
conflitos deflagrados pelos impérios da época: Portugal e Espanha. Outros conflitos culturais
e econômicos afloraram posteriormente entre os posseiros, índios, caboclos e colonos
europeus e seus descendentes, recém chegados, a partir do primeiro quartel do século XX.
Conflitos registrados pela posse da terra, acesso à erva-
mate
26
, níveis culturais e tecnologias
de plantio.
26
Chá produzido a partir de uma árvore nativa da região. Muito apreciado pelo povo de origem guarani e pelo
gaúcho.
Erva
-
mate (
llex Paraguariensis
).
50
Os grupos sociais
27
e suas organizações foram constituindo projetos de
desenvolvimento. Cada qual de acordo com as possibilidades de organização, capacidade de
resistências e defesa, e outros afirmando sua hegemonia, amparados em políticas públicas,
tanto no acesso à terra ou a fontes de financiamento, sem deixar de mencionar os excluídos
deste processo, que foram os posseiros, índios, caboclos. Manifestam-se dois projetos
distintos, por vezes antagônicos: um baseado no desenvolvimento da pecuária e, outro, no
extrativismo da erva
-mate. As duas atividades econômicas mais destacadas da época, estavam
ligadas ao mercado do centro do país e aos países platinos
28
. São atividades altamente
lucrativas, tanto para os estancieiros como para os comerciantes da erva-mate, basicamente
em função do baixo custo
de produção e pelo baixo preço pago aos coletores da erva.
Zarth (1997) afirma que além da abundância das pastagens naturais, do clima ameno,
da água em abundância para as criações, o projeto da pecuária extensiva era possível porque
os próprios peões e escravos garantiam seu sustento através da agricultura e da criação de
animais, para sua subsistência. Acresce-se ainda o baixo custo da terra, que, na maioria das
vezes, era obtida pela concessão pública ou mesmo, quando paga, adquirida a preços
irrisório
s, pouco representando em termos pecuniários. Outra forma de obtenção e
apropriação de terras era pelo processo de expulsão dos posseiros, do registro de propriedade
junto aos órgãos públicos, à revelia de seus justos donos, a partir da vigência da Lei de
Terras,
em 1850.
Formou
-se, nas Missões, após a conquista portuguesa, uma sociedade onde
conviviam dois modelos diferenciados, o das estâncias e o da atividade extrativa,
que por vezes, complementavam-se, tensionavam-se ou ainda estavam em oposição
front
al. O domínio das estâncias, mesmo que a extração de erva-mate representasse
a maior fonte de arrecadação para os municípios e ocupasse maiores contingentes
populacionais, traduzia-se no controle político das municipalidades por parte dos
27
Sobre o processo de constituição e formação da população
entre índios, caboclos, imigrantes, coletores de
ervas
-
do Norte do RS, verificar em Martini (1993), que descreve esta dinâmica de caldeamento cultural.
28
Países vinculados à Bacia do Rio da Plata.
51
estancieiros
-
mili
tares que buscavam preservar seus interesses e aumentar suas
posses em detrimento de uma grande parcela de peões, escravos, posseiros e
coletores de erva que foram sendo, aos poucos, excluídos do acesso à terra como
condição de sua própria sobrevivência (R
OTTA, 1999, p. 29).
Aos conflitos internos foram somados outros, de ordem exógena, os quais resultaram
numa redefinição acerca dos projetos de desenvolvimento da região e de sua inserção no
plano nacional. Isso ocorre já no final do século XIX, quando C
ruz Alta é interligada, pela via
férrea, em 1894 (Zarth, 1997), aos demais espaços e centros comerciais e administrativos do
estado e país. O novo canal de comunicação atende simultaneamente aos interesses das elites
locais, proprietárias de vastas extensões de terra e viabiliza uma estratégia geopolítica do
governo central, integrando a região ao plano nacional. Garante-se a ocupação de uma parte
significativa da fronteira com a Argentina, abre novos espaços para as demandas agrícolas das
Colônias Velhas
29
gaúchas, que apresentam forte pressão demográfica e dão sinais de
esgotamento de disponibilidade e de fertilidade das terras (Zarth, 1997; Rotta, 1999; Roche,
1969).
A atividade agrícola passa a ter a função de produzir alimentos para novos centros
urba
nos, no quadro do projeto nacional de urbanização e industrialização do país. Essa
contribuição da agricultura se daria em dois sentidos: na venda da produção à indústria de
transformação e na compra de bens produzidos pelas indústrias. Também requer-se o uso da
força
-
de
-trabalho livre, tanto urbana como rural, e ao mesmo tempo, criam-se novas forças
políticas nas novas regiões de colonização.
As terras da região Fronteira Noroeste começaram a ser ocupadas, pelo processo de
colonização, tanto oficial como privada, na aurora do século XX. Várias foram as colônias
29
Colônias Velhas são as áreas de colonização implantadas no século XIX, pelos primeiros imigrantes europeus
não ibéricos
localizadas às margens e áreas contíguas ao Rio dos Sinos, o Rio Caí, o Rio Taquari, o Rio
Pardo e o Rio Jacuí (KREUTZ, 1991, p. 55).
52
criadas, tanto as oficiais como as privadas. Rotta (1999, p. 31), cita como colônias oficiais
Ijuí (1890) e Guarani (1891), e as particulares de Cerro Azul (1902), Ijuí Grande (1892),
Vitória (190
0), Buriti (1908), Timbaúva (1912), Boa Vista (1912) e Steglich (1914) .
Os colonos que acorreram para estes territórios são oriundos das Colônias Velhas do
estado, ou estrangeiros. São imigrantes ou descendentes de imigrantes europeus, não-
ibéricos,
vin
dos basicamente de países como a Alemanha, Itália, Polônia e Rússia. Kliemann (1986)
acrescenta que esta colonização, nas novas regiões do estado, atendeu aos interesses do
Partido Republicano Riograndense (PRP), que governava o estado após a Proclamação d
a
República, propondo
-
se a construir uma nova ordem, um outro padrão de desenvolvimento do
estado.
Nessa nova ordem , encontram-se a proliferação da livre empresa e a
acumulação baseada no trabalho assalariado, a introdução de novas técnicas, a
valori
zação do preço da terra, a diversificação da produção, a abertura de novos
mercados e o crescimento da pequena propriedade. Isso explica o comportamento
do governo do estado no que se refere às reformas relativas à área rural, implícitas
nas modificações do imposto territorial; na proliferação da legislação sobre
colonização, partilha e reavaliação de terras blicas e particulares; na criação de
créditos e prêmios rurais, escolas agrícolas, cooperativas e associações de classe.
Todas essas modificações e preocupações com o rural traduzem, em última
instância, as novas diretrizes para o desenvolvimento pela via capitalista e a quebra
de determinadas resistências à modernização. Sem deixar de lado suas
especificidades e interesses, o estado sulino, dentro de novas perspectivas, entra no
concerto nacional (Idem, p. 48
-
49).
A dinâmica de imigração brasileira inscreve-se no contexto das grandes
transformações políticas, culturais, econômicas, tecnológicas e sociais a nível mundial,
especialmente em decorrência da Revolução Francesa, de 1789, e a afirmação do modo de
produção capitalista, em nível europeu e de outros países. Particularmente, no Brasil, Frantz
(1982, p. 19) afirma que a política de imigração inscreve-se no contexto da desagregação do
sistema escravocrata . Alia-se também a esse fator a política empreendida pelo Estado
53
brasileiro na tentativa de ocupar e defender seu território e aumentar a produção agrícola,
especialmente de alimentos e grãos.
A Região do Grande Santa Rosa, foi colonizada numa época em que no
Brasil e, particularmente no Rio Grande do Sul, pairava a política de colonização
interna. Essa colonização se formava em cima de dois objetivos: a) integrar
definitivamente as regiões abandonadas à vida útil do Estado; b) aumentar a
produç
ão e sobretudo a valorização fundiária
30
, que foi o objetivo constante em
toda a história da imigração e da colonização (BACHI; CHRISTENSEN, 1984,
p. 28).
No entanto, a forma do assentamento dos colonos nesse território distingue-se das
primeiras experiências realizadas, a partir de 1824, nas Colônias Velhas. A diferença situa-
se
basicamente na forma de acesso a bens de capital (terra e equipamentos agrícolas),
necessários à reprodução social da unidade familiar. Naquelas áreas, os camponeses recebiam
um lote de 77 hectares, instrumentos de trabalho, sementes, uma ajuda de custos por pessoa
para se manter. Naquela época, o governo imperial
objetivava o desenvolvimento de cleos produtores de alimentos para áreas
urbanas e abastecedores das tropas militares, envolvidas em conflitos na bacia do
Prata. Objetivava, igualmente, promover a transição da produção escrava para
aquela baseada no trabalho livre. Para tanto, foram criadas condições altamente
favoráveis ao imigrante: viagem com despesas pagas; naturalização imediata e
liberdade de culto; concessão gratuita de 77 hectares de terras por família,
fornecimento de animais, ferramentas e sementes, gratuitamente; auxílio em moeda
por cabeça e em mantimentos os dois primeiros anos; isenção de impostos po
r
dez anos etc. A única condição imposta foi a inalienabilidade das terras concedidas,
durante dez anos (WOORTMANN, 1995, p. 151).
Agora, a área, a colônia é de 25 hectares e deverá ser paga em poucos anos e sem outra
forma de contribuição ao colono. Mudanças na forma de constituição das novas colônias em
30
A respeito do processo de valorização fundiária e da relação que se estabeleceu entre os interesses do capital e
do Estado, o processo de ocupação pelos colonos interessava ao capital num duplo sentido: a valorização das
terras e a comercialização da produção. Realizando o objetivo da Lei de Terras, datada de 1850, a colonização
transforma terras devolutas em mercadoria, cria um campesinato parcelar ao mesmo tempo que expropria o
posseiro. Tanto no Sul como em Minas Gerais os grupos indígenas que habitavam aquelas áreas foram expulsos
ou mesmo exterminados no bojo do processo. Transforma-se assim, a propriedade no fundamento da
subordinação ao capital (WOORTMANN, 1995, p. 98).
54
sua organização físico
-social ocorreram principalmente pela instituição da Lei de Terras
31
, em
1850. A colonização oficial foi gradativamente substituída pela privada. Esta legislação
limita o acesso gratuito às terras devolutas, instituindo a mercantilização das terras, pelos
interesses do capital (Roche, 1969),. No entanto, viabiliza as legitimações de complacência
que permitiram a apropriação de milhares de hectares (p. 101), por vezes posteriormente
loteadas e vendidas aos colonos em processos migratórios.
Mais tarde, a partir de 1922, já no período de acentuada migração interna e da
ocupação da Fronteira Noroeste, a nova legislação estadual determina algumas exigências
para novos povoamentos e as formas de pagamento das terras adquiridas pelos colonos
migrantes. Os núcleos colonizadores serão situados unicamente em terras que dispõem ou
podem dispor, a curto prazo, de meios de comunicação vantajosos (navegação ou estradas de
ferro). Os centros serã
o, previamente, submetidos a uma planificação (comunicações, situação
econômica, estudo sanitário (Idem, p. 135).
O acesso à terra está condicionado a partir deste período à capacidade de pagamento
das terras por parte do comprador. Fica estabelecido o limite de aquisição de até cinco
módulos por unidade familiar, manutenção de uma reserva mínima de mata nativa em cada
lote, de aproximadamente 25% da área,. O estado se compromete a prestar alguma assistência
técnica aos camponeses. A aquisição da terra, segundo Roche (1969), dar-
se
nas seguintes
condições:
31
Antes da edição desta legislação as terras brasileiras eram concedidas gratuitamente pelo governo. Somente a
partir desta legislação, as terras são comercializadas, reduzindo gradativamente o tamanho dos lotes. No Rio
Grande do Sul, o processo de distribuição de terras segue uma cronologia, organizada por Brum (1983), nos
seguintes termos: até 1732: distribuição de títulos de propriedade, em sesmarias, de área aproximada de 13.000
hectares, destinadas à criação de gado e muares; 1752: chegada dos açorianos, no RS, que recebiam uma
propriedade de 900 hectares, denominada data , destinadas à agricultura, onde a plantação de trigo constituiu a
cultura base; 1824: distribuição de lotes de terras aos imigrantes europeus, não-ibéricos, de 77 hectares,
denominados de colônia; 1851 a 1889: as áreas são vendidas aos imigrantes e seus descendentes, em colônias de
48,5 hectares; 1889
: redução do tamanho de uma colônia a 25 hectares, vendida aos colonos.
55
o pagamento efetuado em trinta dias sofre uma redução de 5% no preço. O
pagamento normal é dividido em três prestações iguais, 1/3 na concessão, 1/3 ao
fim do segundo ano, 1/3 ao cabo do terceiro ano; se não se realizar neste prazo,
majoração simples de 10%. Se nenhuma prestação for efetuada ao termo do terceiro
ano, a superfície concedida poderá se reduzida. Se o concessionário não fixar
residência, nem cultivar ao menos dois hectares no primeiro ano, a concessão será
anulada.
O colono deverá manter reflorestada metade ou, pelo menos, a terça parte da
superfície, obrigando-se a replantar, ao lado, a mesma área que arroteia. O Estado
manterá estações experimentais para assegurar ao colono assistência
técnica
agrícola. A área do lote é fixada em 25 hectares (art. 37), mas, pagando à vista,
cada chefe de família pode obter outros, até 5 no máximo (p. 135
-
136).
As limitações e restrições impostas aos colonos, quanto à forma de pagamento das
novas áreas
de terras (colônias) adquiridas, pela nova legislação e dadas as próprias condições
de infra-estrutura oferecidas pelo poder público ou mesmo pelo loteador particular, não
permitiram um desenvolvimento mais qualificado desses espaços e suas famílias. O pri
ncipal
instrumento de travamento se refere ao tamanho da propriedade, que, a partir de então, é de
apenas 25 hectares, e uma parte significativa deve permanecer em florestas, de, no mínimo, a
terça parte. Também contribui para este limitado desenvolvimento e a reprodução social dos
agricultores o fato das novas colônias estarem distantes de centros de comercialização, das
precárias condições de comunicação tanto para efetuar a venda da produção como a compra
de insumos. Por outro lado, afirma Woortmann (1995, p. 100), esses fatores constituíam o
embrião do futuro deslocamento da fronteira, simultaneamente fronteira do colono e do
capital. se iniciava o planejamento da subordinação do trabalho do colono a interesses que
lhe são externos .
Na Fronteira Noroeste gaúcha, realizaram-se duas experiências distintas na formação
das colônias: as colônias particulares, que primam pela hegemonia étnico
-
cultural dos colonos
e a colônia mista, organizada pelo Estado. Colônias particulares, como a Boa Vista de 1910
(atualmente, município de Santo Cristo) e Cerro Azul de 1902 (hoje, município de Cerro
Largo), são as que expressam o formato de organização e identidade das colônias particulares.
56
a Colônia 14 de Julho, de 1915, que corresponde ao atual município de Santa Rosa, é um
exemplo das colônias mistas.
As colônias particulares m uma caracterização própria. As companhias
colonizadoras organizam estes novos espaços: medem e demarcam os lotes, feita através de
linhas retas formando um traçado uniforme e simétrico com terrenos retangulares de 250m x
1.000m. Ou seja, 25 hectares ou uma colônia , como se convencionou chamar popularmente
esses lotes (Zarth,1997, p. 81).
Este modelo de organização física dos lotes e da colônia toda não levava em
consideração as necessidades elementares dos agricultores, como o acesso à água, meios de
transporte e comunicação. Ainda, segundo esse historiador, buscava-se estabelecer
agrupamentos com a mesma nacionalidade, credo religioso, para evitar possíveis conflitos
culturais
, étnicos ou políticos. Por outro lado, com o aumento do número de empresas
colonizadoras e o incremento do mercado imobiliário de terras, a preocupação da empresa
com a religiosidade dos colonos era importante para atrair compradores e explicitava a
expe
riência da companhia colonizadora (idem, p. 84). No entanto, são instrumentos
utilizados por essas empresas e pelos negociantes de terras para garantir o retorno financeiro
feito ou obtenção de recursos com a grilagem de terras. Esse processo revela uma sintonia
fina entre os especuladores e o Estado, porque as colônias oficiais em terras devolutas
serviam de ponta de lança para a imigração generalizada de colonos que logo transbordariam
os núcleos oficiais para avançar e comprar terras dos especuladores , conclui Zarth (Ibid,
p. 100).
57
Conforme Schlellenberger e Hartmann (1981), na Colônia Boa Vista, fundada em
1910, pela Companhia Colonizadora Rio-Grandense, a colonização foi feita de forma
particular, em terras pertencentes ao Dr. Horst Hoffmann, que as havia adquirido do Estado.
De acordo com esses historiadores, a criação dessa Colônia visava a constituir um núcleo
irradiador de colonização das terras situadas entre os rios Boa Vista
que lhe empresta o
nome
e Santo Cristo. Projetada para ser um centro regional, a companhia colonizadora já
dimensionou a área urbana e a formação de quadras, onde seria localizado o cleo urbano.
Segundo esses autores, os colonos que foram em busca de novas terras,
eram na maioria absoluta de descendência étnica alemã, caracterizando-se por uma
forte tradição e religiosa de credo católico. A referência à tradição e religiosidade
do povo faz sentido neste contexto, uma vez que se constituíram fatores
determinantes na organização e desenvolvimento da referida região. Os núcleos de
povoamento compactos, organizados em torno dos mesmos valores e da mesma
tradição cultural, aproximaram experiências comuns de trabalho e de organização
social e econômica. Por outro lado, imprimiram um caráter de estabilidade e de
auto-suficiência, fazendo com que a população destes núcleos fosse menos sujeita
às mudanças e inovações. Isto contribuiu também para que outras levas de
imigrantes de etnia e de convicção cultural e religiosa diferentes não se
estabelecessem no seio dos núcleos de alemães católicos (SCHALLENBERGER;
HARTMANN, 1981, p. 84).
A distribuição fundiária daquele território obedeceu aos interesses e critérios adotados
pelas companhias colonizadoras da época. A demarcação das colônias, de 25 hectares,
obedecia à uma organização física com vistas à formação das futuras comunidades,
denominadas de Linha
32
, cuja disposição assim caracterizada por KREUTZ (1991):
As nucleações (...) formadas no início do século XX, foram organizadas de forma a
se evitar o distanciamento
do ponto de convergência em comum. Tomavam a forma
de cruz em que as duas linhas centrais de cruzamento eram de 8Km, anexando-
as
ainda duas linhas laterais de apenas 4Km na ponta das duas linhas centrais.
Situando
-se a estrutura de organizações comunitárias (escola, igreja, comércio,
salão de festas e cemitério) ao centro, era possível formar núcleos com 128 colônias
de 25 hectares cada (p. 56).
32
Exemplos de denominação de Linha: Guaraipo, Buriti, São Miguel, Mirim, 15 de Novembro, Arnoldo, Níquel.
58
Os fatores de relevo, qualidade das terras, disponibilidade de recursos hídricos, acesso
aos meios de transporte e comunicação não constituem critérios de demarcação dos lotes
rurais. Alguns lotes ficaram sem acesso à água (riacho ou fonte de água), recurso natural
imprescindível ao desenvolvimento das colônias, servindo para consumo humano e das
criações de animais. Outras colônias eram cortadas por algum curso d água. A forma de
organização e dimensionamento, trouxe conseqüências para a Colônia Boa Vista, ou seja:
a) a fixação dos colonos nos locais mais propícios do lote, como nas proximidades
dos pontos onde havia água e nas áreas pouco acidentadas, o que estabeleceu,
muitas vezes, um distanciamento entre os povoadores; b) a distância entre um e
outro morador dificultou uma comunicação mais efetiva, impedindo que houvesse
trocas de experiências e entre-ajuda nas lidas agrícolas; c) a disposição dificultou a
vida comunitária e impediu uma dinâmica comercial mais expressiva, em função do
difícil acesso e da precariedade das condições de transporte. Tudo isso ocorreu a
que essa zona de colonização comportasse valores e práticas culturais mais estáveis
(SHALLENBERGER; HARTMANN, 1981, p. 85).
O centro regional projetado em Boa Vista, como sede e núcleo, não prosperou
conforme previsto pelos seus idealizadores. Foi sendo transferido, gradativamente, para Sa
nto
Cristo, que passou a atrair as atenções dos novos imigrantes. Fatores como a disposição e
fertilidade das terras, preços das terras, que registrou um aumento considerável em torno do
núcleo Boa Vista, contribuíram nesta mudança. Finda a ocupação das terras circunvizinhas a
Santo Cristo, novas ocupações são direcionadas para Alecrim, cujo território estava disponível
e ao mesmo tempo condicionado pela legislação vigente (ver ANEXO II), específica para esta
área, uma vez que estas terras estão situadas no perímetro dos 30 quilômetros da faixa de
fronteira, que influenciará na sua formação e desenvolvimento.
Outra experiência colonizadora, oficial, mista sob o aspecto cultural e étnico, foi a
Colônia 14 de Julho, efetivada em 1915. Ela insere-se no contexto de mudanças nos cenários
nacional e internacional, especialmente neste último, uma vez que está em curso a Primeira
Guerra Mundial (1914
-
1918). É uma colônia fundada para
59
regularizar a situação dos intrusos , que devastavam a floresta à margem da
Colôn
ia Guarani, uma da qual foi, posteriormente, anexada a Santa Rosa. Do
centro, chamado primeiro 14 de Julho , a colonização oficial estendeu-se para
Porto Lucena, Tucunduva e Laranjeira, prolongando-se, depois, por um contrato
com a firma Dahne e Conceição
(ROCHE, 1969, p. 137
-
138)
33
.
Conforme Rotta (1999), as intenções de explorar o potencial econômico, reduzir
possíveis invasões por parte de posseiros vindos de outras partes da região, valorizar a
disponibilidade fundiária e seu possível comércio, aumentar o controle sobre os caboclos
presentes nesta área, remanescentes das Colônias Ijuí, Guarani, Cerro Azul, Santo Ângelo e
Boa Vista, transformando-os em proprietários de terras, como realizado pelo imigrante,
constituíram os principais objetivos do Governo Estadual, na criação da Colônia Mista 14 de
Julho. Mista porque abrigava, prioritariamente, os nacionais e uma diversidade de origens
étnicas. Aos nacionais eram reservadas as melhores terras da Colônia, e concedidas condições
diferenciadas de pagamento, como prazos mais longos. A idéia de trazer diversas origens de
colonos e assentamento dos nacionais imprime um caráter nacionalista à Colônia, incidindo
também no seu processo de desenvolvimento, afirmam Schallenberger e Hartmann (1991,
p. 91), e mais: imprimiu, na Colônia, uma maior dinâmica social, o que de certa forma,
repercutiu sobre o desenvolvimento global da nova área . Ela atende às novas
recomendações da época, expressas da seguinte forma:
Instalam
-se, pois, as colônias nas proximidades de um curso d água ou de
uma grande via de comunicação; estradas vicinais ligam ao rio, à via férrea ou à
rodovia os lotes, cuja forma se adapta à topografia; a superfície deles alcança, em
média, 25 hectares, oscilando entre 15 e 35, no máximo. O local das povoações é
escolhido segundo a situação e o abastecimento de água, mas principalmente em
vista da função administrativa, econômica e social que tem de desempenhar;
formam, por exemplo, as células principais da rede de escolas primárias, que
permitem a difusão imediata da instrução e do uso da língua nacional. Nelas, o
povoamento é, aliás, tanto quanto possível misto: estabelecem luso-brasileiros ao
lado dos descendentes dos antigos colonos. Contudo, a administração ainda tem de
33
Esta é uma empresa colonizadora que detém as terras em torno da Colônia oficial, reproduzindo a relação de
proximidade com o poder público, referido por Zarth (1997). A companhia comercializa as áreas de terras de
Três de Maio, Tucunduva, Horizontina e Tuperendi (Rotta, 1999). Grifos no original.
60
lutar contra o costume de os
colonos reunirem
-
se por afinidades étnicas, mesmo nas
colônias do Estado (...), e mais nas colônias particulares, caracterizadas pela
segregação racial (ROCHE, 1969, p. 137).
Dos primeiros colonizadores vindos para a região, Rotta (1999, p. 41), identi
ficou
40% de descendentes de imigrantes alemães, 30% de descendentes de italianos e 10% de
descendentes de poloneses; os 20% restantes estariam distribuídos entre os colonos
genuinamente nacionais, estrangeiros natos e descendentes de outras nacionalidades . A
origem desses colonos remonta às Colônias Velhas, às outras Colônias próximas, de Ijuí,
Guarani e Cerro Azul. O quadro 01 nos ilustra essa situação da origem das famílias, no ano de
1940, do município de Santa Rosa.
Quadro 01
Origem do chefe de f
amília dos imigrantes de Santa Rosa 1940.
Lugar de nascimento do chefe da família %
Estrangeiro
5,9
Antigas colônias alemãs
33,5
Antigas colônias italianas
3,1
P
rimeiras colônias do Planalto (Ijuí, etc.)
46,3
Zona luso
-
brasileira do Planalto
7,2
Santa Rosa
2,9
Porto Alegre
1,1
Fonte: Roche, 1969, p. 351.
O mapa identifica as correntes migratórias existentes na Região Noroeste do estado do
Rio Grande do Sul e da Fronteira Noroeste. Migrações ocorridas dentro da região, a partir das
Colônias de Ijuí, Guarani e Cerro Azul, de acordo com o mapa (ANEXO III).
O processo de ocupação, pela colonização, do território da região Fronteira Noroeste
do RS, iniciada nos anos de 1900 e anteriormente ocupada pelos índios guaranis e kaikangs,
posteriormente por posseiros e donos de glebas, fora concluído na década de 1930. Ele é
encerrado quando da ocupação de Alecrim, posteriormente se estendendo para o país vizinho,
a
Argentina. É o que nos relatam Schallenberger e Hartmann.
61
Durante os últimos anos da década de vinte e início dos anos trinta houve a efetiva
colonização de todas as áreas agrícolas na microrregião. As frentes de colonização
se projetaram sobre o território de Alecrim, chegando a atravessar o rio Uruguai
para se assentarem na região de Misiones, na Argentina. Era o último movimento
de colonização por ocupação efetuado na microrregião do Grande Santa Rosa
(1981, p. 124)
34
.
Quanto à estrutura fundiária, configurada na forma de colônias, em pequenas
propriedades teve sua razão de existir. Além dos aspectos discutidos anteriormente, Viotti
da Costa (1977) nos traz a idéia de dignidade, afirmação do trabalho como elemento de
moralidade, da estabilidade o c
olono, sua segurança, uma virtude. A concepção
da superioridade da pequena propriedade como forma de exploração da terra estava
associada à idéia de dignidade do trabalho e à noção de que o trabalho é a fonte de
riqueza e confere direito à propriedade. A propriedade da terra era vista como uma
fonte fundamental de todas as virtudes. O camponês médio era invocado como
símbolo de frugalidade, moralidade, diligência e independência. Assim, a pequena
propriedade era considerada a origem da moralidade pública, da riqueza, da
igualdade e da estabilidade (Idem, p. 140).
A região pertencente, originariamente, aos ervais dos Sete Povos das Missões,
incorporada ao território português em 1801, integrou as áreas dos municípios de Rio Pardo
(1809-1819), Cruz Alta (1
819
-1873) e Santo Ângelo (1873-1931). Santa Rosa fora
emancipado de Santo Ângelo, em 1931, conforme o mapa de Santa Rosa (ANEXO IV).
Junto à emancipação foram imediatamente instituídos cinco distritos: Santa Rosa
(sede), Três de Maio, Esquina Guarani, Santo Cristo e Campina das Missões. Foram
incorporadas ao município de Santa Rosa, as colônias Boa Vista e Guarani, formando uma só
unidade territorial. Posteriormente, foram instituídos os distritos de Porto Lucena (1932) e
34
O nome de Grande Santa Rosa se deve ao município de Santa Rosa que ocupa posição de destaque na região,
sendo considerado um pólo. A escolha do nome se deve também à área primitiva do município de Santa Rosa,
até 1954. Com a emancipação de outros municípios da região surgiu uma estreita relação com a cidade de Santa
Rosa, justificando ainda mais seu nome (BACH; CHRISTENSEN, 1984, p. 26). Posteriormente esta
microrregião foi denominada de Fronteira Noroeste, quando da instituição dos Conselhos Regionais de
Desenvolvimento
COREDE. No entanto a associação formada pelos 20 municípios integrantes dessa região é
denominada de Associação dos Municípios da Grande Santa Rosa
AMGSR.
62
Tucunduva (1934). Belo Horizonte (1938) e Belo Centro (1939). no ano de 1953 foram
criados, ainda, os distritos de Doutor Maurício Cardoso, Salgado Filho, Cândido Godói,
Cinqüentenário e Mauá, totalizando 13 distritos, além da sede municipal. Findo o período da
criação de distritos, iniciam os movimentos emancipacionistas. Em 1954, foram criados os
primeiros municípios, cujo processo estendeu-se até meados da década de 1990, formando-
se
um quadro de vinte municípios, que integram a região Fronteira Noroeste do Rio Grande do
Sul.
2.
2 A dinâmica socioeconômica da região Fronteira Noroeste
Os colonizadores pioneiros, quando de sua vinda à região, na aurora do século
passado, encontraram um ambiente de floresta densa, estando basicamente cortada pelos
cursos d água, que deságuam no Rio Uruguai, ou por espaços abertos pelos posseiros para
suas plantações de subsistência, ou pelos coletores e comerciantes de erva
-
mate.
O processo tecnológico adotado
possivelmente o único conhecido pelos colonos
consistia no arroteamento
35
da área. Roche (1969) chega a denominar os imigrantes de
fabricantes de terra , pois estão em permanente derrubada de mata para obter mais espaços
de plantio. Derrubada da mata, queima das árvores derrubadas e plantio das sementes; nisso
consistia a base das primeiras ações nestas terras novas. O plantio de feijão, arroz, milho,
trigo, mandioca, batata doce é destinado à alimentação da família (subsistência) e dos animais
criados, e os excedentes são comercializados, para garantir o pagamento do lote colonial.
35
Processo que consiste na derrubada da mata nativa, queima da flora derrubada e posterior preparo da terra
para
plantar. Transformar a área de mata em área de cultivo.
63
A organização física, social e econômica inicial não registra a existência do comércio
local estruturado de acordo com as necessidades. Estruturam-se vias de comércio com outros
lugares mais distantes. As condições econômicas e sociais eram muito semelhantes
às
condições iniciais das Colônias Velhas. São transplantados os costumes, os elementos
culturais, como a língua, hábitos alimentares, ritos religiosos, tecnologia, o que torna possível
a continuidade da forma de vida dos colonos no meio do mato . uma interação comercial,
mas precária, com outros lugares, através dos primeiros comerciantes. Os comerciantes locais
desempenham um papel de troca de produtos, pois levam o pouco do excedente produzido e
trazem o necessário às famílias.
O indispensável e o insubstituível era buscado nos mercados distantes. Em
carroças puchadas (
sic
) por animais ia-se a Santo Ângelo, Cerro Largo, a Ijuí, e por
vezes, a Guarani. Buscava
-
se aí sal, roupas e utensílios para o trabalho e para a vida
doméstica. A distribuição destes bens de consumo era feita de forma racional. Em
geral os freteiros
-
comerciantes levavam alguns produtos coloniais para efetivarem a
troca pelos bens destinados ao consumo dos colonos. Entre estes produtos podem
ser distinguidos: a banha, o feijão e o trigo (SCHALLENBERGER; HARTMANN,
1981, p. 122).
A primeira fase da vida econômica da colônia corresponde ao período da sua
instalação propriamente dita. Estende-se desde a chegada dos primeiros colonos até a década
de 1930. É o período do arroteamento do mato, do desbravamento e da fixação das frentes de
colonos, em seus lotes, nas suas Linhas. A produção está voltada ao atendimento das
necessidades básicas alimentares. Instalam-se as primeiras construções, totalmente erguidas
com materiais existentes no local, para o abrigo da família, da produção e dos animais.
Pratica
-se uma policultura em escala pequena, capaz de suprir as necessidades das pessoas e
dos animais. Estes, criados para servir de alimentos, com proteínas e a utilização no amanho
da terra, na
lida agrícola.
64
Rotta (1999) ressalta que o processo de colonização dessa região esteve inserido na
política do governo gaúcho, de orientação positivista, e no projeto nacional que almejava
superar o modelo agro-exportador primário, a defesa das fronteiras e nos objetivos gerais de
colonização. Com base nos estudos e pesquisas de Kliemann, Rotta (1999) traça um conjunto
de intenções que os planos regional e nacional buscavam:
a diversificação econômica, o desenvolvimento dos meios de transporte, a
incorp
oração do proletariado à sociedade, o fortalecimento de uma classe média de
proprietários, a proliferação da livre empresa, a acumulação baseada no trabalho
livre e assalariado, a introdução de novas técnicas capazes de aumentar a
produtividade do trabalho, o incentivo à industrialização, a valorização do preço da
terra, a abertura de novos mercados, o crescimento da pequena propriedade (como
forma de fixar o homem à terra e imbuí-lo de sentimento patriótico, do amor ao
trabalho e do respeito às leis estabe
lecidas), a criação de crédito e prêmios rurais e a
criação de escolas agrícolas, cooperativas e associações de classe (ROTTA, 1999,
p. 46).
Aliadas à economia doméstica, com base na agricultura de subsistência, outras
atividades começam a ser desenvolvidas e a merecer a atenção. A floresta nativa permitiu a
exploração de dois produtos em abundância: a madeira e a erva-mate. A indústria madeireira,
centrada nas serrarias, é ampliada de forma exponencial. Esta indústria efetua vendas no
mercado interno gaúcho e para a Argentina, para onde o escoamento de madeira é facilitado
pelo Rio Uruguai.
A erva-mate, feita de uma árvore nativa das matas deste chão, constitui-se numa das
principais fontes de riqueza nesta primeira fase de colonização, pois os
ervais
nativos permitiram, com relativa facilidade, o desenvolvimento desta
atividade econômica. Em 1927 havia nesta região colonial, onze indústrias
ervateiras
36
. A produção, que atingiu a casa dos 100.000 quilos, encontrou grande
demanda nos mercados platinos. Havia na Colônia, em período próximo à sua
emancipação política, uma cooperativa que regulava a produção do mate. Era a
36
A atividade de industrialização da erva
-
mate permanece até hoje, mas com apenas uma fábrica, localizada no
município de Santa Rosa e outras familiares que produzem erva
-
mate para consumo próp
rio.
65
denominada Cooperativa do Mate Missioneiro (SCHALLENBERGER;
HARTMANN, 1981, p. 123).
37
Outro processo de industrialização, nessa fase inicial da colonização, relacionava-se à
produção de bens e produtos aos colonos. São indústrias que produzem cerveja, gasosa, vinho,
cachaça, tijolos. Outro ramo é o da moagem, pela instalação de moinhos movidos a água, que
transformam trigo e milho em farinha e descascam o arroz. O trabalho empregado nestas
unidades produtivas é familiar, sendo apenas temporariamente aumentado pela contratação de
terceiros. Roche (1969), analisando a evolução industrial da Colônia, afirma que Santa Rosa
possuía, em 1918, 1 fábrica de tijolos, 2 serrarias e 3 moinhos; em 1937, 98
serrarias, 34 ferrarias, 46 marcenarias, 15 fábricas de tijolos, 22 alfaiatarias, 15
sapatarias, 16 cervejarias, 9 fábricas de limonada ou gasosa e 9 padarias. (...) o
essencial do artesanato continuava consagrado à transformação dos produtos
agrícolas (ROCHE, 1969, p. 491).
A colônia continua sua produção, ampliando áreas de plantio, com a derrubada de
matas, beneficiando-se da fertilidade natural das terras novas. Novas culturas, a cana-
de
-
açúcar, a soja, o fumo, começam a ser introduzidas e se afirmam perante as demais, capazes
de produzir mais excedentes ou transformados em proteína, no caso dos suínos. É a segunda
fase do desenvolvimento regional. A agricultura familiar deixa de ter apenas um caráter de
produção para a subsistência, produzindo mais para comercializar.
Do ponto de vista administrativo e político e da infra-estrutura e de comunicação, dois
são os acontecimentos que marcam este momento, delimitado, por Andrioli (2001), entre os
anos de 1931 a 1955. Primeiro, a Colônia 14 de Julho, transforma-se em município de Santa
Rosa, no ano de 1931. Em segundo lugar, em 1937, ocorre a extensão da linha da Rede
Ferroviária Federal de Giruá até Cruzeiro, um distrito próximo da cidade de Sa
nta Rosa sendo
estendida até o centro da cidade de Santa Rosa, no ano de 1940.
37
A história da dinâmica cooperativa do mate encontra
-
se em Schallenberger (1979).
66
A ligação, por esta via de comunicação e de transporte, permite estabelecer uma
relação comercial com os principais centros comerciais do Estado: Porto Alegre, Pelotas e Rio
Gr
ande. Facilita o escoamento da safra, dinamizando a produção agrícola e afirmando a
industrialização e também viabilizando acesso aos bens necessários não produzidos
localmente. A agricultura preserva o sistema de policultura, mas afirma a produção para o
mercado. A estrutura comercial e industrial traz novos contornos. A indústria que se consolida
fabrica colheitadeiras, instrumentos e ferramentas de trabalho, manteiga, amido, óleos
vegetais, farinhas, que são em grande parte bem aceitos nos centros gaúcho
s.
A possibilidade de comercialização, garantida pela estrutura de transporte e acesso aos
mercados consumidores ou indústrias, incrementam sensivelmente a produção da região.
Verifica
-se então um súbito progresso, graças às novas possibilidades de
saíd
a dos produtos. A influência da guerra foi apenas secundária. (...) De 1939 a
1950, seu volume global passou de 177.780 toneladas para 332.080 (ou seja, de 100
para 187), e, no que tange a todos os produtos, salvo a cana-
de
-açúcar, o volume de
1950 é super
ior ao de 1939.
Toneladas
Milho
Feijão
Batata
inglesa
Trigo
Mandioca
Cana
Fumo
Arroz
Luzerna
1939 ...
36.000
7.947
3.500
2.367
64.000
42.000
3.820
1.026
8.610
1950 ...
68.000
17.280
9.816
3.500
90.100
18.000
3.900
2.400
10.940
1950/1939
188%
218%
280%
152%
140%
42%
103%
233%
126%
[...] E, mais, Santa Rosa não apresenta as mesmas proporções entre suas culturas:
Porcentagens
Milho
Feijão
Batata
inglesa
Trigo
Mandioca
Cana
Fumo
Arroz
Luzerna
% % % % % % % % %
1939 ...
20
4 6 1
36
23
2
0,5
4,8
1950 .
..
30
7 4
1,5
39
7
1,7
1
3,3
[...] A história agrícola das colônias tornou-se a de uma luta de velocidade entre os
progressos dos meios de transporte e o declínio do rendimento, provocado pelo
esgotamento dos solos (ROCHE, 1969, p. 283
-
285).
67
A agricultura praticada pelas famílias rurais até este período, denominada de
tradicional, por Brum (1983), baseia-se na policultura. Produz-se uma variedade de produtos
capazes de atender à necessidade alimentar da unidade familiar e de suas criações. Pratica-
se
um
a agricultura com vistas à segurança alimentar e nutricional da força de trabalho. As
energias empregadas são de origem humana, animal, dos cursos d água e o uso do vento. Os
instrumentos de trabalho empregados exigem a força de trabalho humano aliado ao uso da
força animal, especialmente no amanho da terra e transporte dos produtos.
Conforme Brum (1983, p. 83-84), os produtos produzidos neste período são: milho,
mandioca, feijão, arroz, lentilha, ervilha, abóbora, centeio, cana-
de
-açúcar, amendoim, batat
a
doce, batata inglesa, aveia, fumo, cevada, hortaliças, legumes, verduras e frutas. Criavam
suínos, gado (para auxílio de serviços e produção de leite) e aves. As energias dispensadas à
produção eram de origem humana, animal, vento e água. Os instrumentos empregados eram a
enxada, arado de tração animal, foice, machado, máquina manual de plantar, foicinha,
ancinho, máquina de combate às formigas, carroça e outros necessários conforme a atividade
desenvolvida e as condições do solo.
A terceira fase do d
esenvolvimento econômico da região situa
-
se no período de 1955 a
1960. É a fase da suinocultura, que constitui a principal fonte de renda para a agricultura
familiar e agregação de valor à produção de milho e da mandioca, que são os alimentos
básicos no trato aos animais. A soja começa a aparecer como produto com mais destaque,
tanto pela quantia produzida, como para a complementação alimentar dos suínos.
O período caracterizou-se, contudo, pela supremacia da pecuária sobre a
agricultura. Os produtos de origem animal tinham maior demanda no mercado. A
agricultura constituiu-se, fundamentalmente, em uma atividade subsidiária da
pecuária. [...] As atividades agrícolas, no período, convergiram em torno da criação
intensiva de porcos. [...] os agricultores tiveram nesta atividade econômica uma boa
68
fonte de rendas. Depois de engordados, eles entregavam os animais ao mercado,
sem investimentos extra-propriedade. O único produto complementar que se fazia
necessário adquirir era o sal (SCHALLENBERGER; HARTMANN, 1981, p. 125-
126).
A criação de suínos impulsionou o desenvolvimento da indústria frigorífica, tendo a
banha como o melhor sub-produto. A suinocultura demandava as atividades frigoríficas e
estas incrementavam a criação de suínos. Santa Rosa teve a representação de vários
frigoríficos do estado, por intermédio de compradores locais, os comerciantes. Havia a
representação dos frigoríficos Rizzo, Swift, Wilsons, e o Frigorífico Serrana, o qual possuía
representação própria. O interesse pela banha também interessava à economia gaúcha, tanto
para o consumo próprio ou como pauta de exportação para outros estados.
A industrialização de banha no estado configurou-se como uma atividade típica da
área de produção colonial, tanto no que diz respeito à abertura de matéria prima
quanto no que toca à acumulação de capitais necessários para a construção de
refinarias. Produto originariamente consumido pelo mercado interno gaúcho, a
partir da Primeira Guerra Mundial passou a ocupar posição de destaque nas
exportações rio
-
grandenses para o resto do país (PESAVENTO, 1983, p. 124).
A década de 1960 é marcada por profundas transformações na agricultura regional.
Novas variáveis começam a determinar um outro ciclo produtivo, com novas formas de
produção. As culturas do milho e da mandioca, bases da alimentação suína, do período
anterior, são reduzidas significativamente, dando lugar ao cultivo do trigo.
Os solos começam a manifestar sinais de esgotamento, erosão, acidez, perda de
fertilidade. A produtividade cai a níveis preocupantes e sente-se a pressão fundiária, que
impõe graves problemas ao desenvolvimento da agricultura. Com vistas a mudar o quadro da
agricultura e aumentar a produção iniciou
-
se
no ano de 1965, uma campanha de recuperação do solo pelo uso de adubos e
corretivos e fertilizantes químicos. Por outro lado, difundiu-se a prática da
69
preservação dos solos e do aproveitamento máximo das áreas cultiváveis. O
destocamento e a mecanização da lavoura foram os grandes alvos desta campanha.
Foi a denominada Operação Tatu (SCHALLENBERGER; HARTMANN, 1981,
p. 127)
38
.
A quinta fase da economia regional marca a afirmação e consolidação do binômio
trigo/soja, o império da monocultura de grãos. A hegemonia desse binômio produtivo está
sintonizada com a Rodada de Kennedy
39
. A dinâmica da modernização da agricultura
caracteriza
-se pela mecanização do processo produtivo, uso de fertilizantes e corretivos
químicos, sementes selecionadas, uso de venenos no controle de insetos, assistência técnica
feita pela extensão rural, predomínio da produção de grãos, implantação de grandes estruturas
de armazenamento de grãos e instalação de indústrias para a fabricação de máquinas e
implementos agrícolas. Novos agentes interagem no contexto, através das cooperativas, que
são criadas (as t
ritícolas) ou adequadas, do sistema bancário, com financiamentos e incentivos
fiscais, instituições de assistência técnica e das agroindústrias. O agricultor deixa de produzir
para seu sistema alimentar e nutricional e passa a produzir os produtos de acordo com os
agentes do pacote tecnológico vigente.
As culturas da soja e do trigo receberam incentivos oficiais expressos na
política dos preços e na facilitação dos financiamentos, através do Banco do Brasil,
o que incrementou ainda mais a sua produção. Os financiamentos foram também
estendidos à aquisição de máquinas agrícolas. [...] A agricultura passou a sentir
uma dupla pressão. Se por um lado os estímulos levaram à produção de trigo e soja,
os custos dos financiamentos, dos insumos e máquinas agrícolas tornaram a
produção comprometida e dependente. Por outro lado, os resultados econômicos da
produção passaram a depender exclusivamente de uma boa política de preços e das
condições climáticas favoráveis. Desta forma, os grandes grupos econômicos
interferir
am e começaram a controlar a produção agrícola. O agricultor perdeu a sua
autonomia e o controle sobre a sua propriedade (SCHALLENBERGER;
HARTMANN, 1981, p. 128).
38
Para CHRISTENSEN (2004, p. 94), a Operação Tatu foi o nome popular dado ao Plano Estadual de
Melhoramento e Fertilidade dos Solos, o qual é resultado do convênio firmado entre a UFRGS (Universidade
Federal do Rio Grande do Sul) e a Universidade de Wisconsin, USAID (Agência Norte-Americana para o
Desenvolvimento Internacional) em 1964, instalando cursos de Pós-Graduação na Faculdade de Agronomia da
UFRGS e a partir daí, dando início a uma série de pesquisas para identificar os principais fatores da produção de
nossas culturas mais importantes . Aqui as culturas mais importantes são o trigo e a soja.
39
A Rodada de Kennedy, realizada de 1963 a 1967, teve como principais decisões, atinentes à agricultura
mundial: liberdade para produzir e exportar oleaginosas e a aceitação de uma política protecionista à agricultura,
promovida pela Europa (Zamberlan, 1990).
70
A característica do processo produtivo, nesse período, é o incremento dos adubos e
corretiv
os químicos, uso em larga escala de defensivos agrícolas , de novos meios
produtivos, e pela mecanização da agricultura. Os adubos químicos, com base nitrogenada,
fosfatada e dos potássios, constituem a base dos mesmos. O uso dos defensivos agrícolas ,
registrou um aumento significativo, considerado o mesmo período em estudo. Venenos para o
combate de insetos, fungos, ervas invasoras foram os mais comercializados e difundidos no
meio da agricultura. Quanto ao incremento dos meios de produção, especialmente no tocante
à mecanização dos processos produtivos, o período de 1950 a 1996, marca uma forte mudança
na matriz tecnológica. A força animal e humana é em grande medida substituída pela
introdução de novas máquinas e instrumentos de trabalho que proporcionam o aumento da
produtividade e ampliação de área cultivada, em base de culturas exportáveis (Aguiar, 1986).
A fase seguinte inicia em meados dos anos de 1980 e perdura até os dias atuais. É um
período de profunda crise na agricultura, tanto em nível nacional como regional. Crise que é
percebida na redução dos preços agrícolas, aumento das taxas de juros e dos financiamentos,
redução e término dos subsídios agrícolas, êxodo rural, migrações. Novos ensaios produtivos
são realizados, que têm duas direções: de um lado uma tentativa de ajuste à nova realidade,
aumentando os níveis de produção e incremento de novas tecnologias, e, do outro, resistências
de grupos que voltam a produzir de forma diversificada, reorganizam-se e buscam
alternativas.
Algumas experiências de reorganização de agricultores são realizadas, através de
Associações, Condomínios e Grupos, estimuladas pelo Estado ou fruto da organização
sindical. Os condomínios rurais, a exemplo das APSATs (Associação de Prestação de
71
Serviços e Assistência Técnica)
40
, são formados por agricultores, com incentivos do governo
estadual e de prefeituras e se dedicam à produção de leite e criação de suínos, numa tentativa
de se adequar às novas exigências sanitárias, tecnológicas, de qualidade, por parte dos
Co
mplexos Agroindustriais. As principais formas de associativismo, estimuladas pelo Estado,
foram os círculos de máquinas, os condomínios rurais e as APSAT s.
Zamberlan e Froncheti (1992) identificam quatro razões para o estado estimular o
associativismo:
minimizar os conflitos sociais; reintegrar, no círculo da produção de mercado,
famílias rurais, modificando o padrão tecnológico e os níveis de produtividade; melhorar a
qualidade de vida e os níveis de renda das famílias rurais; viabilizar a realização do grande
capital, aproveitando um potencial humano e patrimonial existente.
Os modelos associativos estimulados pelo estado
Círculos de Máquinas, APSAT,
Condomínios Rurais
têm em vista reduzir custos, elevar a produtividade,
incorporar novos padrões tecnológicos, suavizando os efeitos sociais
(conseqüências) que o progresso capitalista provoca nas camadas populares. Com
isso abre-se outro caminho para incorporar os agricultores ao mercado sob a forma
de pequenos ou microempresários (ZAMBERLAN; FRONCHE
TI, 1992, p. 64).
Processos de industrialização foram retomados, especialmente no setor metal-
mecânico. As plantas industriais existentes ou fazem parcerias com grandes grupos
internacionais ou são incorporadas por estes. Neste particular, dois exemplos do setor de
produção de colheitadeiras e tratores ocorrem na região: a incorporação da SLC (Schneider
Logemann & Cia Ltda) do município de Horizontina, pela empresa John Deere e da Ideal
Máquinas Agrícolas, transferida a AGCO Corporation. No setor frigorífico de carne suína,
40
É uma organização de pequenos agricultores, a nível de município ou comunidade rural. Estes produtores,
além da atividade suinícola, possuem bom relacionamento entre si. As organizações são entidades organizadas
sob forma jurídica de sociedade civil, administrativa e financeiramente autônomas. Cabe à EMATER
(organ
ização estatal de assistência tècnica) a orientação técnica e administrativa (EMATER; PREFEITURA
MUNICIPAL DE SANTO CRISTO, 1990, p. 4). (Tradução livre).
Naquele período, no município de Santo Cristo (RS), foram constituídos dezesseis condomínios de suínos, com
402 associados. Zamberlan e Froncheti (1992, p. 61), lembram que esta modalidade de organização dos
pequenos agricultores surgiu no Rio Grande do Sul, em 1974, através da Secretaria da Agricultura, baseada no
modelo alemão dos Círculos de Máquinas
e implantada através de convênio.
72
ocorreu um processo semelhante, com a venda do Frigorífico Prenda a um grupo
internacional. No setor leite, a CCGL (Cooperativa Central Gaúcha de Leite), uma central
formada por cooperativas do Rio Grande do Sul, é vendida ao grupo Avipal. Todas estas
mudanças, de transferência de donos dessas plantas industriais, inseridas na política
econômica de abertura das fronteiras do país, têm reflexos diretos sobre a região: um nos
níveis de empregos urbanos e outro nos padrões tecnológicos de produção, para os
agricultores.
Analisando as dinâmicas de desenvolvimento desencadeado pelos imigrantes
europeus, não-ibéricos, no Rio Grande do Sul, relacionados à agricultura,
RAMOS
e
MARINO
(2004, p. 92), identificaram cinco processos produtivos organizados em
decorrência das relações de produção e vias de desenvolvimento do capitalismo. Os processos
produtivos identificados, pelos mesmos autores, apresentam as seguintes características: a)
economia natural de subsistência
atividade econômica de sobrevivência, realizada pela
família, sem a produção de excedentes para o comércio. É uma forma produtiva extinta,
principalmente ocasionada pelas políticas públicas favoráveis ao latifúndio e as pressões do
capital; b) minifúndio familiar de subsistência
forma produtiva de cunho familiar, para a
subsistência, com a realização de vendas dos excedentes, feitas aos comerciantes. A relação
com os comerciantes cria uma situação de dependência e impõe uma estagnação aos
agricultores ou mesmo força sua migração; c) sítio familiar modernizado
fruto de uma
pequena parcela de agricultores que conseguiram algum grau de capitalização, pela venda dos
excedentes. Mantém o regime familiar de trabalho, com contratação temporária de trabalho. O
excedente gerado e a renda obtida são reinvestidos na propriedade com vistas à melhoria
tecnológica na produção; d) granjas modernas implantadas
unidades produtivas fruto de
investimentos feitos por uma parcela da população urbana, que se beneficia das políticas
73
governamentais de crédito e incentivos fiscais, muito favoráveis à triticultura. Atividade
produtiva organizada nos moldes capitalistas, emprega força de trabalho oriunda da
agricultura familiar, corresponde à penetração mercantil do capital na agricultura, por vezes
arti
culada com o latifúndio; e) minifúndio integrado
forma de relação estabelecida entre o
capital nacional e/ou internacional, com a agricultura familiar, para se apropriar do excedente
potencial, através de projetos integrados (criação de suínos, aves, cultivo de fumo e uva).
Estabelece um vínculo contratual entre agricultor e a indústria ou cooperativa, contratadora,
que fornece os insumos e a assistência técnica. O agricultor é remunerado pela produtividade,
pela força de trabalho e instalações empregada
s.
Ao longo da história recente, ocorreram trabalhos articulados por organizações, como
a associação dos municípios, universidades, governos, no sentido de realizar diagnósticos dos
problemas que a região enfrenta e apontar perspectivas de retomada do desenvolvimento. Em
1974, lideranças regionais mobilizaram-se, através da Associação dos Municípios da Grande
Santa Rosa, em parceria com a Superintendência do Desenvolvimento da Região Sul
(SERSUL), e o Serviço Federal de Habitação e Urbanismo (SERFHAU), foi realizado um
diagnóstico da região, seus problemas e limites ao desenvolvimento e apontando algumas
medidas para alavancar o desenvolvimento, sendo necessário:
a) A orientação adequada da exploração agropecuária para o aumento da sua
produtividade, tor
nando-
se necessário a intensificação da assistência técnica;
b) A dinamização do setor industrial, incrementando, preferencialmente, aqueles
ramos altamente absorvedores de mão-
de
-obra: indústrias mecânico-
metalúrgicas,
de couros e calçados, de vestuário, malharias e de confecções, alimentares, de
doces e conservas, matadouros de aves;
c) A maior organicidade da comercialização dos produtos agrícolas, sendo
aconselhável um trabalho de unificação gradativa das cooperativas de produção
existentes;
d) O equacionamento da evasão rural, orientando aquela parcela da população que
não puder ser absorvida quer pelo setor secundário, quer pelo terciário
(ASSOCIAÇÃO DOS MUNICÍPIOS DO GRANDE SANTA ROSA, 1974, p.
1.227).
74
Outro marco histórico constituiu-se na elaboração do Plano Estratégico de
Desenvolvimento da Região Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul
, em 1996. Fruto de um
trabalho articulado integrado por Universidades
41
, Faculdades
42
e Conselhos Regionais de
Desenvolvimento
43
da Região Noroeste gaúcha, este plano aponta como possíveis tendências
regionais do cenário: empobrecimento da região; refluxo do setor industrial; mudanças
profundas na agricultura; aumento da competitividade no setor agropecuário ante a conjuntura
internacional; descrença nas instituições; aumento da insegurança das pessoas;
envelhecimento e êxodo da população; crise energética e de água potável; aumento do setor
de serviços; reestruturação do setor público; novas exigências de qualidade nos processos
produtivos. Por outro lado, estabelece como objetivo estratégico de ação a promoção do
desenvolvimento regional, harmônico e sustentável, através da integração dos recursos e das
ações (...), visando à melhoria da qualidade de vida da população, à distribuição eqüitativa da
riqueza produzida, ao estímulo à permanência do homem em sua região e à preservação e
recuperação do meio ambiente (COREDE, 1996, p. 11).
A formação da sociedade regional e o processo de evolução histórica ocorreram numa
dinâmica de conflito de interesses. Primeiramente, porque esse espaço esteve ocupado
anteriormente à colonização, onde os nativos ocupantes foram gradativamente expulsos para
ocorrer uma nova ocupação com base em novos contornos e formas. O desenvolvimento
decorrente da migração passou por distintos processos, em que a primeira fase caracteriza-
se
pela produção para o consumo e venda dos excedentes. Este modelo agrícola, da policultura,
vai sendo gradativamente substituído pela produção de novos produtos, como o trigo e soja,
com o incremento de um novo padrão tecnológico, tendo seu auge registrado nas décadas de
1960 e 1970, entra em crise, motivada por um conjunto de fatores internos e externos.
41
Universidades: UNIJUÍ (Ijuí); URI (Santo Ângelo); UNICRUZ (Cruz Alta).
42
Faculdades: FEMA (Santa Rosa); SETREM (Três de Maio).
43
COREDEs do Alto Jacuí, Fronteira Noroeste, Médio Alto
-
Uruguai, Missões e Noroeste Colon
ial.
75
3 COOPERAÇÃO: UM TRAÇO CARACTERÍSTICO DO PROCESSO HISTÓRICO
REGIONAL
A práxis associativa, de cooperação nas mais distintas formas e áreas da vida humana
não se restringe a um determinado grupo social, como no caso dos colonos imigrantes centro-
europeus e de seus descendentes, ou mesmo a um determinado grupo étnico-cultural de
agricultores. A região tem uma história marcante de cooperação, que inicia já antes da
ocupação e re-povoamento realizado nos primórdios do século XX. Vários povos e culturas
estiveram presentes nesta região, dentre eles os índios Guaranis e Kaigangs.
3.1 Experiências cooperat
ivas pré
-
colonização
Os Guaranis praticavam uma agricultura de subsistência, cujos produtos-base eram o
milho e a mandioca. Aliados à caça e coleta, consistiam no sustento e a base alimentar e
nutricional das pessoas. A agricultura desenvolvida teve por base tecnológica a derrubada-
queimada, adotada pelos Kaigangs, sendo posteriormente praticada pelos caboclos e
finalmente assumida pelos europeus e seus descendentes (Roche, 1969).
76
A organização social dos povos Guaranis, com as reduções jesuíticas, que tiveram
início no século XVII, formou uma referência histórica ímpar, tanto na organização, como na
vida coletiva, desses espaços. Uma civilização ancorada na busca permanente do bem
-estar de
todos os membros da comunidade. A primeira fase das experiências de reduções vai de 1.610
a 1.640, quando as reduções são dispersas pelos bandeirantes (Jaeger, 1940). A segunda fase
das reduções guaraníticas corresponde ao período da formação dos Sete Povos das Missões,
iniciado em 1682, que vai até ao seu aniquilam
ento (Golin, 1999). Schallenberger e Hartmann
(1981) caracterizam esta organização econômico-social alicerçada no princípio da cooperação
e do desenvolvimento integrado por todos.
Enquanto a Europa vivia o auge do mercantilismo, as comunidades da
América
praticavam uma economia de cooperação. [...] O modelo reducional
inspirou
-se, fundamentalmente, no próprio sistema de vida dos índios. Quanto à
organização econômica, a estrutura da produção fundamentou-se sobre o uso
comum da propriedade e dos meios de trabalho. [...] A abundância foi uma
decorrência natural deste sistema social, onde as verdadeiras necessidades
determinaram o que produzir e o que consumir. [...] a civilização das Missões
daquela época, com admirável desenvolvimento das artes, da agricultura, da
pecuária e do próprio comércio exportador. Nos Sete Povos das Missões surgiu a
primeira tipografia do Brasil, a primeira fábrica de pólvora, a primeira fundição de
ferro da América do Sul.
(SCHALLENBERGER; HARTMANN, 1981, p. 39
-
44).
A afirmação do cooperativismo como práxis indígena é a caracterizada na literatura
acerca desse período histórico (Lugon, 1977; Al Ferr, 1980; Jecupé, 1998). Os maiores relatos
e análises atêm
-
se a período reducional, no Rio Grande do Sul.
No Brasil, a fundação das primeiras reduções jesuíticas em 1610 constituiu os
primeiros elementos genealógicos na formação de um modelo cooperativo que se
efetivou por mais de 150 anos. Esse modelo estava fundamentado no trabalho
coletivo. (...) O princípio de auxílio mútuo enquanto prática da cooperação entre os
indivíduos (CAMPOS, 1998, p. 54).
O histórico da cooperação, presente neste território, que perpassa um longo período de
tempo, com a influência dos agentes e sujeitos envolvidos, passa pelas atividades realizadas
nas reduções dos Sete Povos missioneiros, pelas experiências cooperativas realizadas pelos
77
coletores de erva-mate, os imigrantes euro-descendentes, as contribuições feitas pelo poder
público, os interesses exógenos exercidos por corporações econômicas e as recent
es
experiências de cooperação. Toda esta história e dinâmica incidiu na formação regional e no
seu histórico de desenvolvimento. O resgate histórico da cooperação se restringirá ao período
posterior ao da ocupação por europeus e descendentes e estará dividido em três períodos: a) o
processo de colonização e as primeiras atividades cooperativas (1900
1950); b) a formação
e consolidação das cooperativas tritícolas (1950
1985); as novas experiências
cooperativistas na área da comercialização e crédito sol
idário (1990).
3.2 A colonização e a formação das primeiras cooperativas
A origem do cooperativismo, no território em estudo, remonta ao associativismo
cristão. O cooperativismo gaúcho e sua história
está umbilicalmente ligada ao associativismo cristão desenvolvido pela Igreja da
Imigração. [...] associativismo cristão, ao tecer uma intrincada rede de
solidariedade, cooperação e proteção social, colaborou significativamente para
impedir a desarticulação comunitária e a degradação do tecido social dos
teuto
-
descendentes do Rio Grande do Sul diante do mercado auto-regulável que se
estabelecia e se consolidava. Foi fundamental para desenvolver a autoconfiança e a
autonomia de muitos dos imigrantes que, de potenciais marginalizados em um
ambiente desconhecido e hostil, transformaram-se em atores de seu próprio destino
(RIEDL; VOGT, 2003, p. 182
-
183).
A formação da sociedade regional, a partir do processo de re-povoamento e
colonização, é permeada por um elemento cultural e socioeconômico: a cooperação. A forma
pela qual as pessoas se dirigem à região não é isolada, individual. São grupos sociais com
uma identidade cultural e étnica que segue uma dinâmica social e econômica do tipo
enxamagem (Woortmann, 1995; Roche, 1969). São grupos familiares provindos de uma
mesma região, Colônia, que se instalam de forma contígua, na mesma localidade. Isso
78
possibilita a reprodução cultural e a manutenção de valores defendidos por essas pessoas.
Fenômeno presente nas Colônias privadas como nas Colônias mistas. Caso ímpar da Colônia
Boa Vista e de algumas localidades de Santa Rosa.
As colônias particulares procuravam agrupar as pessoas de mesma
nacionalidade e religião ou nacionalidades com maiores afinidades, evitando assim,
conflitos étnicos e políticos. [...] Formando um grupo mais ou menos homogêneo,
tinham mais facilidade para organizar comunidades e sistemas de ensino e manter
tradições culturais, associativas e religiosas (ROTTA, 1999, p. 33).
Organizar a vida familiar, comunitária com base em critérios étnicos e confessionais
fazia parte da vontade das igrejas envolvidas e das companhias colonizadoras. São as Igrejas
da Imigração (Schallenberger, 2004), especialmente a Católica e a Evangélica, que marcam
presença junto às Colônias constituindo comunidades de aproximadamente 150 famílias,
cada, nas quais funciona a escola, o clube, o cemitério, etc. sob a coordenação de um padre ou
pastor.
Preocupados com a educação e a alfabetização dos filhos, com o cultivo da dos
colonos, uma das primeiras providências coletivas era a da construção de um local onde
funcionaria a escola e a igreja. Às vezes, a mesma construção abrigava, simultaneamente, o
espaço da escola e igreja. Caso não houvesse prédio próprio, as escolas funcionavam na casa
de alguma família. Os imigrantes resolveram a questão da educação dos filhos por sua conta,
pois não podiam contar com o Estado, esclarece Petrone (1982, p. 75), pois a instrução para
os filhos dos imigrantes não era uma das metas prioritárias do Estado .
As escolas, que inicialmente funcionavam em casas particulares, as igrejas e
salões de festas, eram construídos contando com os meios materiais e financeiros e
a mão-
de
-obra gratuita, fornecidos integralmente pela comunidade. [...] A realidade
econômica e social exigia que o homem estivesse presente à sua própria
experiência. A vida diária solicitava a cooperação e a união de todos em torno dos
projetos da comunidade. A educação dos filhos constituía-se numa introdução aos
79
princípios e objetivos das comunidades (SCHALLENBERGER; HARTMANN,
1981, p. 133).
O primeiro trabalho coletivo era a construção do templo, (Roche, 1969). Dentre os
imigrantes centro-europeus e de seus descendentes, a religiosidade constituiu um fator de
prestígio entre os colonos. As formas de exercício da religião não são as mesmas entre
evangélicos, protestantes e católicos. uma linha de demarcação cultural entre ambos, que
inclusive influencia a relação que estabelecem com o Estado e ocupam espaços territoriais
(comunidades) de acordo com seu credo rel
igioso.
O credo religioso determina, dentro da sociedade alemã, concepções filosóficas,
normas de comportamento e atitudes que associam, de diversos modos, outros
complexos culturais à religião propriamente dita. Os protestantes e os católicos
alemães jamais têm a mesma hierarquia de valores, não consideram o Estado, por
exemplo, da mesma maneira, nunca exercem suas profissões ou suas atividades
econômicas segundo os mesmos estímulos (ROCHE, 1969, p. 671).
A prática da cooperação é uma manifestação da forma como os problemas e as
dificuldades são enfrentados e solucionados pelas pessoas, e ela se manifesta sob a forma de
mutirão, da entre-ajuda de vizinhos e, posteriormente, pela formação de organizações
cooperativas. Essas ações conjuntas visavam à construção da casa, galpão, as estradas
44
e
outros espaços coletivos, já mencionados anteriormente. Igualmente, a cooperação estava
presente quando da derrubada da mata (arroteamento), remoção de árvores, plantio, colheita e
na troca de sementes. Manifestação da cooperação na produção e reprodução das condições
materiais dos colonos. Estes trabalhos e ações conjuntas entre as famílias vão constituindo e
formando relações de confiança, de solidariedade, que se transformarão em organizações
44
Roche (1969, p. 136) afirma que o Regulamento de 1939, estabelece que cada colono fica obrigado a um
serviço público de seis dias de trabalho, anualmente, nas estradas vicinais , fato ratificado por Christensen
(2004), relatando que cada colono proprietário trabalhava na construção de estradas em dias proporcionalmente
ao tamanho de sua área de terra. Quando o colono cedia seus animais de trabalho (bois ou cavalos), cada dia
trabalhado era multiplicado por três.
80
estáveis: as cooperativas, grupos de canto, os clubes de lazer (V
ereine
), que expressam a
existência do capital social.
Motivados pela necessidade, os imigrantes e seus descendentes tiveram de
cooperar para resolver os problemas comuns. Passada a primeira etapa, que foi a
adap
tação ao meio, derrubada da mata, construção de uma choupana e plantação e
cultivo dos primeiros roçados, surgiram novas demandas. Prover as diferentes
picadas com escolas, lidar com o desamparo da população no que se refere á saúde
(...) e melhorar as vias para o escoamento da produção agrícola obtida. (...) os
próprios moradores, através de mutirões e de associações de caráter comunitário
horizontal, passaram a solucionar os problemas que afetavam o conjunto ou parcela
da população (RIEDL; VOGT, 2003, p.
158).
As colônias são estruturadas para formar um todo, uma unidade. Formam-
se
organizações e entidades de acordo com as atividades desenvolvidas (professor, agricultor) e
necessidades correlatas. Os agricultores estão organizados no
Bauernverein
45
(enti
dade
ecumênica a1910) e os professores no
Lehrerverein
46
. As assembléias conjuntas, reunindo
todas as organizações das Colônias e de credos religiosos distintos, o realizadas a nível
estadual, com a participação de delegados, escolhidos nas respectivas instâncias de base. Os
congressos ou assembléias constituem momentos de formação, organização e tomada de
decisões com vistas a resolver os problemas enfrentados pela agricultura colonial.
A preocupação com as condições materiais, financeiras, da qualidade de vida,
manifesta
-se cada vez mais entre os agricultores e suas lideranças. Nos congressos realizados,
começam debates acerca de como solucionar as dificuldades dos agricultores e mediante quais
organizações. A
Bauernverein
constitui este momento de d
iscussão, para se buscar saídas para
a crise da agricultura gaúcha. Ela tem a finalidade de desenvolver a agricultura familiar. Esta
45
Associação dos agricultores.
46
A
ssociação dos professores.
81
associação funda várias Colônias pelo estado e em Santa Catarina e cria as caixas Econômicas
Rurais, no sistema
Raiffeisen
47
.
A partir de 1910, a
Bauernverein
se divide em duas organizações: uma dos
agricultores protestantes, que permanecem com o mesmo nome, e, o
Volksverein
48
, criada em
1912, para abrigar os colonos de credo católico. A associação dos católicos, (Kreutz, 1991, p.
75), conta com 12 filiais em 1924, chegando em seguida a 47, constituindo-se em
repositórios das economias dos colonos, fornecedoras de crédito barato e acessível,
financiadora de novas colonizações .
O empobrecimento dos agricultores, na avaliação de Riedl e Vogt (2003) era
decorrente do desequilíbrio entre a capacidade de compra de alimentos, roupas, insumos e
equipamentos e os preços de venda dos produtos agrícolas. O agricultor, ao vender sua
produção, recebia muito pouco do comerciante e para adquirir os produtos e ferramentas,
pagava muito caro. Por outro lado, existia também a exploração dos comerciantes locais, na
relação comercial estabelecida com os colonos. A forma de reação dos agricultores às
relações de exploração, foi pela sua organização em cooperativas, estabelecendo relações de
solidariedade e cooperação, com base na confiança mútua. Organizam as cooperativas de
crédito para a obtenção de financiamentos e guardar suas economias, tornando-
se
importantes fomentadoras de desenvolvimento loca/regional , afirmam os mesmos autores.
Para a comercialização da produção criam as cooperativas agrícolas, mistas, coloniais, para
47
Conforme TAMBARA (1983, p. 54), as caixas rurais, do sistema Raiffeisen estavam regidas, juridicamente,
pelo decreto n.º 17.339, de 2 de junho de 1926, obedecendo aos seguintes princípios: a) ausência de capital
social; b) responsabilidade pessoal, solidária e ilimitada de todos os sócios; c) área de atuação restrita; d)
empréstimos de curto e longo prazo; e) não remuneração dos dirigentes e comissão de sindicância; f)
indivisibilidade da renda e do fundo de reserva; g) singularidade do voto de cada sócio; h) proibição de envolver
a cooperativa em operações aleatórias ou distintas à sua finalidade.
48
Sociedade União Popular.
82
poderem agregar valor à produção (com um processo incipiente de industrialização) e
aumentar a renda.
A Sociedade União Popular (
Volksverein
) é organizada por distritos, no meio rural, e
por categorias profissionais, no meio urbano. No entender de Riedl e Vogt (2003) esta
organização teve destaque na promoção do desenvolvimento colonial gaúcho.
Estimulou o associativismo, sendo as Caixas Rurais o maior resultado desse
trabalho, e pugnou pela criação de novas colônias agrícolas. O surto de crédito
cooperativo teve início em 1902. [...] Em 1925, contando com a adesão de 18
Caixas Rurais, foi criada a Central das Caixas Rurais. Em 1933 a União contava
com 34 cooperativas de crédito organizadas no Sistema Raiffeisen [...] responsável
pelo surgimento de cooperativas de produção, especialmente no ramo do leite, da
banha e de cereais (p. 177).
Os agricultores de credo religioso luterano prosseguiram com o trabalho de
organização e formação de cooperativas, tanto as de crédito como as de comercialização.
Como entidade que congregava as experiências, foi criada a Liga das Uniões Coloniais, em
1929, com vistas à proteção e fomento dos interesses culturais e econômicos dos seus
fundadores. A Central, localizada e funcionando em Panambi, congregava as Uniões
Coloniais distribuídas nos distritos e secções. As Uniões Coloniais
atuavam, basicamente, como associações de apoio dos interesses dos colonos.
Reuniam
-se em Centros ou Ligas e buscavam a organização e a valorização da
propriedade rural e da produção agrícola. [...] possuíam caráter interconfessional e
objetivos eminentemente econômicos. Em função dos seus interesses econômicos, a
Liga passou a incentivar a criação de cooperativas de produtores para alavancar o
desenvolvimento rural (RIEDL; VOGT, 2003, p. 179
-
180).
Diferentemente da
Volksverein
, as Uniões Coloniais e a Liga das Uniões mantêm uma
proximidade maior com o Estado. Nesta aproximação, buscam obter algum benefício ou
vantagem para a organização e para os colonos. Estabelece a relação dos colonos e dos seus
83
interesses junto ao poder público. Sua ampliação é crescente, chegando em 1932 a integrar
vinte Centros Reg
ionais, totalizando 160 Uniões Coloniais (Idem).
As Caixas Rurais, organizadas no sistema Raiffeisen, são estruturadas no intuito de
servir de instrumento de desenvolvimento e fonte de financiamento aos colonos, concedendo-
lhes empréstimos para a aquisição de equipamentos, terras, construções, aquisição de animais
para o trabalho. Funcionavam com uma estrutura administrativa contida, com área de
abrangência circunscrita a um município ou até mesmo a uma determinada localidade
49
.
Estas caixas serviram de instituições de depósitos das reservas dos colonos e, ao mesmo
tempo, de contratação de empréstimos (SCHALLENBERGER; HARTMANN, 1981,
p. 124).
As cooperativas de crédito, organizadas em decorrência das necessidades dos
agricultores, da influência e contribuição de lideranças religiosas, começaram a sofrer
algumas regressões, de duas formas: uma pelo processo inflacionário ocorrido no período pós-
guerra mundial. A segunda interferência foi exercida pelo Estado, por sua legislação restriti
va
ao funcionamento dessas cooperativas, especialmente verificada a partir da era Vargas. O
Decreto Federal n.º 23.611
50
, de 20 de dezembro de 1933, praticamente inviabiliza o
funcionamento das cooperativas de crédito e tutela seu funcionamento à vontade política e
instrumentos do Estado Novo.
49
Raras eram as caixas rurais tipo Raiffeisen que possuíam sede própria. Freqüentemente, todo mobiliário da
sede estava reduzido a um cofre colocado no salão de bailes da localidade ou nas casas dos presidentes, gerentes,
associados ou em salas cedidas por párocos.
Estas caixas tinham por finalidade especial conceder empréstimos de curto a médio prazo, normalmente de
menos de 6 meses, embora houvesse caixas que trabalhavam com prazo de até 10 anos. Os empréstimos eram
concedidos, no geral, para fins de aquisição de glebas de terra, engenhos, atafonas, máquinas, gado, etc. [...] de
modo geral as caixas rurais limitavam-se a atuar na área da comunidade , estruturando-se de forma simples,
sem grande aparelho burocrático (TAMBARA, 1983, p. 53).
50
Decreto n.º 23.611, DE 20 DE DEZEMBRO DE 1933. Revoga o decreto legislativo n.º 979, de 6 de janeiro
de 1903 e f
aculta a instituição de consórcios profissionais
-cooperativos .
84
O Volksverein, teve que renunciar ao seu caráter étnico e religioso; ficou
proibido de desenvolver atividades de ordem político-social e religiosa; precisou
restringir sua organização a espaços delimitados; necessitou acabar com a sua
unidade em favor da fragmentação de classe e teve que submeter as suas atividades
ao controle e fiscalização estatal.
Em 1935 a Liga, para se adequar à Lei, estimulou a transformação de suas Uniões
Coloniais em consórcios cooperativos e tr
ansformou
-se em uma Federação
Estadual dos Consórcios Profissionais-Cooperativos dos Agricultores. A Liga-
federação ainda funda a Cooperativa da Banha (RIEDL; VOGT, 2003, p. 181).
Verifica
-se, na queda do movimento e organização cooperativa, especialmente o de
crédito, a relação direta determinada pelo Estado. Estado que busca afirmar um projeto de
nacionalização e de desenvolvimento do país. O Decreto-Lei n.º 581
51
, de 1938, altera a
legislação vigente acerca do funcionamento das cooperativas em geral. As cooperativas de
produção e de comercialização ficam tuteladas ao Ministério da Agricultura e as cooperativas
de crédito ao Ministério da Fazenda. Analisando a relação entre o cooperativismo e o Estado,
da década de 1930, Benedetti et.al. (1985) afirmam que o cooperativismo foi concebido e
utilizado pelo poder estatal como instrumento de organização e de desenvolvimento da
agricultura, numa tentativa de legitimação do seu poder, querendo formar um cooperativismo
do bem
-
estar, sob a sua coordenação. As medid
as intervencionistas do Estado na economia no
período Vargas tiveram um caráter modernizante e, ao mesmo tempo, portadoras de uma
racionalidade orientada para os fins da ideologia do desenvolvimento nacional (Löwith,
1994).
Andrioli (2001) aponta três elementos que foram favoráveis ao desenvolvimento do
cooperativismo, no estado gaúcho, na primeira metade do século XX.
1º) a criação de cooperativas agrícolas ocorreu a partir da reação dos pequenos
produtores contra a dependência comercial e financeira em relação aos
comerciantes das colônias agrícolas;
51
DRECRETO
-LEI N.º 581, DE 1º DE AGOSTO DE 1938. Dispõe sobre registro, fiscalização e assistência de
sociedades cooperativas; revoga os decretos ns. 23.611, de 20 de dezembro de 1933, e 24.647, de 10 de julho de
1934; e revoga o decreto n. 22.239, de 19 de dezembro de 1932 .
85
2º) as cooperativas multiplicaram-se sob a influência do padre suíço Theodor
Amstadt (1902) e de José di Stéfano Paterno, funcionário do Ministério do Exterior
da Itália, enviado com a missão de assessorar tecnicamente os imigrantes italianos
no sul do Brasil (1911), que transplantaram, com algumas adaptações, experiências
do contexto europeu que foram multiplicadas pelos imigrantes(...);
3º) incentivo direto do Estado, com tutela efetivada sobre as cooperativas desde
1930 (Idem, p. 88
-
89).
Paralelo à criação, afirmação e ampliação das cooperativas de crédito, vão sendo
formadas as cooperativas agrícolas mistas, que caracterizam-se pela organização dos
agricultores familiares, a comercialização da produção excedente da colônia e o provimento
dos mantimentos e instrumentos necessários à vida na agricultura e por ter uma área de
atuação limitada. Os anos de 1920 a 1950 simbolizam o florescimento das cooperativas
mistas, chegando ao número de 440 (Andrioli, 2001) no estado do Rio Grande do Sul. Na
região Fronteira Noroeste, nesse período histórico, funcionavam 27 cooperativas mistas
(Büttenbender, 1995). Existe um conflito latente nesta dinâmica: por um lado, o incentivo e
vontade dos agricultores na formação
de cooperativas e, por outro, começa um controle estatal
sobre as mesmas, exercido pela legislação e políticas de modernização.
Em 1936, conforme dados do IBGE
Anuário Estatístico do Brasil, de 1937, no Rio
Grande do Sul existiam 197 cooperativas vinculadas ao Ministério da Agricultura. No ano de
1937, existe o registro de 77 cooperativas registradas naquele órgão de governo, referente ao
estado gaúcho. Há uma redução de 120 organizações, representando um decréscimo de
60,91%, em apenas um ano. Essas cooperativas apresentam um quadro de 4.467 associados,
no ano de 1937
52
. As cooperativas existentes atuam na área de comercialização da produção
52
A redução significativa das cooperativas justifica-se pela legislação vigente que criava dependências e
estabelecia vínculos de comprometimento pessoal dos agricultores para com o Estado. O controle individual
sobre o agricultor e sua produção foi corroendo os elos de associativismo. Desalojados culturalmente e diante
da sensação da ameaça os colonos teuto-brasileiros evitaram qualquer iniciativa social de caráter comunitário ou
associativista. Os valores veiculados pelo associativismo passaram a ser incorporados pelo discurso autoritário e
anticomunista (SERRA POST, 1938, p. 5).
86
agrícola, para realizar compras e vendas em comum, para produzir e industrializar e uma
cooperativa direcionada
ao crédito agrícola.
A criação das cooperativas agrícolas mistas tem uma clara intenção de enfrentamento
da exploração sofrida pelos agricultores, exercida pelos intermediários e comerciantes, que
ganham duplamente na relação comercial estabelecida. Primeiro, quando compram os
produtos agrícolas, pagando um preço estabelecido por eles mesmos, e na venda dos insumos.
Segundo, no empréstimo feito aos colonos, em dinheiro, cobrando-lhes juros altos e não
remunerando os depósitos deixados pelos colonos, nas suas casas comerciais. A cooperativa
torna
-se um instrumento de legítima defesa dos interesses dos associados ante uma situação
de conflito e de exploração.
Os comerciantes desempenhavam um papel importante na vida colonial. Localizados
centralmente, numa determinada Linha , constituem o elo de ligação entre o colono e o
mundo externo, utilizando
-
se desta condição privilegiada para explorar os agricultores.
Na vila havia uma função muito especial para a venda , isto é, a casa
comercial. O comerciante era o elo entre o colono e o mundo externo, trazia a
correspondência, os jornais e as notícias. [...] também foram os comerciantes os
comerciantes que capitalizaram o trabalho das colônias, com eles ficava a maior
margem de lucro na produção colonial (KR
EUTZ, 1991, p. 58).
Roche (1969) caracteriza o comerciante rural como o controlador da vida dos colonos.
O instrumento utilizado para o exercício deste controle é a concessão de crédito, pela venda a
prazo dos gêneros, que eram pagos quando da entrega da colheita, da safra anual e na
concessão de algum empréstimo. O mero de estabelecimentos comerciais nas colônias
aumentava de acordo com a formação de novas localidades, conforme a produção dos colonos
e a capacidade de suporte de mais uma casa comercia
l numa determinada área.
87
O comerciante controlava, pois, todas as operações possíveis numa zona
determinada, e levantava, antecipadamente, a décima parte de cada um deles. Era
mais que o regulador da vida econômica do seu setor, era o seu verdadeiro dono.
Não se contentava com suspender as contas, também fixava os preços dos produtos
agrícolas que comprava, e dos gêneros ou objetos importados , que vendia ao
colono. (Idem, p. 417).
O quadro de desconfiança dos agricultores em relação aos preços praticados pelos
comerciantes, tanto na compra como na venda, leva à formação de cooperativas, as quais
tinham um caráter de defesa da remuneração do trabalho familiar frente ao comércio e à
indústria de transformações (Coradini; Fredercq, 1982, p. 55). A insatisfação, o
descontentamento, mas também a perspectiva concreta de uma organização própria, ancorada
em relações de confiança, representam fatores favoráveis à constituição de cooperativas.
Segundo Frantz (2003, p. 37), pelo
mecanismo da associação e organização cooperativa, animavam-se os agricultores
com a sensação de poderem influir nessas relações de mercado, nesse jogo de
poder. A organização cooperativa lhes inspirava confiança e lhes dava esperança.
Tinha um significado de poder, de autonomia. [...] Os agricultores organizaram,
nesse contexto histórico, as cooperativas como expressão de confiança em si
mesmos, como esperança de dias melhores. [...] A organização cooperativa era
expressão da vontade política de querer construir poder sobre as relaçõ
es
econômicas, constituindo
-
se em projetos locais de desenvolvimento.
As dificuldades inerentes ao processo organizativo, as influências externas exercidas
pelo poder público ou por setores privados, da economia, contribuíram para o
enfraquecimento das primeiras organizações cooperativas, na região Fronteira Noroeste.
Distinto das leituras que apontam o fator cultural dos camponeses propensos à cooperação e a
organização cooperativa, Belato (2000) entende que as cooperativas desse período histórico e
o relativo à modernização conservadora são fruto da vontade do Estado e de sua linha
filosófica e dos interesses. Visto sob esse entendimento
88
as cooperativas criadas quase simultaneamente com a expansão das colônias, pelos
imigrantes, a partir do início do século vinte, e as criadas pela expansão da
modernização agrícola desde a década de cinqüenta, representam, ambas,
iniciativas vindas de cima para baixo para organizar e subordinar os trabalhadores
rurais às elites políticas locais e regionais e, em última instância, ao estado, ou
ainda para facilitar e acelerar a execução das políticas modernizadoras do Estado,
bem como o fluxo de crédito, insumos, máquinas e equipamentos modernos. Tais
cooperativas organizam os trabalhadores. Não são, portanto, organizações dos e
para os trabalhadores, organizações onde eles efetivamente exercem o poder e o
controle (BELATO, 2000, p. 8).
O cooperativismo de crédito foi afetado pelas decisões governamentais, iniciadas no
período do Estado Novo e retomadas no regime militar, em 1964. A Lei Bancária, de 1964,
avalia Andrioli (2001), praticamente inviabilizou o funcionamento das cooperativas de
crédito, as quais serão retomadas pós a ditadura. As cooperativas de comercialização
(agrícolas, mistas) passaram por experiências de gestão, por descontroles administrativos,
apropriações por parte de funcionário ou dirigentes, fato que ruiu a sua organização e
funcionamento (Riedl; Vogt, 2003). A quebra das cooperativas agrícolas mistas contribuiu na
redução dos níveis de confiança, de capital social entre os agricultores, provocando uma
aversão ao modelo organizativo existente e favorecendo o surgimento de outras estruturas de
cooperativas, envolvendo outros agentes na sua estruturação e direção, com o incremento de
novos fatores d
e produção.
3.3 A formação das cooperativas tritícolas
A década de 1950 é marcada por transformações na agricultura e na sociedade.
Mudanças que se farão perceber na organização das pessoas, no seu modo de pensar e agir, na
paisagem natural e na form
ação da sociedade regional.
89
A agricultura está em processo de modernização, denominada de Revolução Verde ,
a qual está inserida no projeto global de transformação econômica, política, cultural e de nova
inserção do país e da agricultura no mercado mundial. O país passa a produzir produtos
agrícolas que constituirão pauta de exportações (
commodities
), com vistas à obtenção de
superávit na balança de pagamentos externa. Inserem-se na agricultura as relações capitalistas
e industriais de produção, com bas
e em duas culturas dominantes: trigo
-
soja.
A mecanização da lavoura introduziu no meio rural um espírito capitalista-
industrial. Produzir mais para poder consumir mais, passou a ser uma constante.
Desta maneira, a agricultura começou a centrar a produção em torno de produtos
destinados eminentemente a fins comerciais. O fator produção vinculou-
se
diretamente com os financiamentos agrícolas. Com isso, o setor começou
paulatinamente sentir as imposições do mercado, tanto para a comercialização dos
seus produtos quanto para a aquisição dos bens de consumo
(SCHALLENBERGER; HARTMANN, 1981, p. 128).
Mazouyer e Roudart (1998) situam as mudanças da agricultura, deste período, no
contexto da segunda revolução agrícola dos tempos modernos. Essa transformação
caract
eriza
-se pela motorização, mecanização, fertilização mineral, seleção de sementes e
especialização da produção. A segunda revolução agrícola está assentada
no desenvolvimento de novos meios de produção agrícola saídos da segunda
revolução industrial: a m
otorização
(motores de explosão ou elétricos, tractores e
engenhos automotorizados cada vez mais potentes); a grande mecanização
(máquinas cada vez mais complexas e rentáveis); e a
quimiquização
(adubos
minerais e produtos de tratamento). Ela assentou igualmente na
seleção
de
variedades de plantas e de raças de animais domésticos inteiramente adaptados a
esses novos meios de produção industriais e capazes de os rentabilizar.
Paralelamente, a motorização dos transportes por meio de camiões (sic), caminhos
de
ferro, barcos e aviões tirou do isolamento e um modo mais completo as
explorações e as regiões agrícolas, o que lhes permitiu aprovisionar-se cada vez
mais amplamente em adubo de origem longínqua e também escoar maciçamente e
para muito longe os seus próprios produtos (MAZOYER; ROUDART, 1998, p.
365
-366)
53
.
Na dinâmica da modernização agrícola, o Estado e os grupos econômicos privados
passaram a ser os agentes centrais na direção e sua implantação. Cada um cria os seus
53
Grifos no original.
90
instrumentos específicos na concretização do projeto, onde as cooperativas, com novo
formato e papel, constituem-se num dos principais instrumentos de execução do projeto de
modernização da agricultura e da interação com a agricultura. O Estado cria suas estruturas
específicas, especialment
e ancoradas na pesquisa e no crédito.
A modernização é um processo e uma ideologia. Como processo, a
modernização traduz a inserção da agricultura na economia mundial constituída
.
Como ideologia, a modernização reflete o conteúdo político das formas de
intervenção estatal na agricultura. O Estado põe-se, de fato, na origem do impulso
da modernização, através do seguinte tripé: sistema nacional de pesquisa
agropecuária, sistema brasileiro de assistência técnica e extensão rural e sistema
nacional de crédito rural. Esses três instrumentos orbitam em torno do pacote
tecnológico. O primeiro é o responsável pela sua
geração
. O segundo, pela sua
difusão
junto aos produtores. O terceiro, pelo seu
financiamento
(aquisição de
máquinas, de fertilizantes, de defensivos, de sementes, etc.). O pacote
tecnológico , portanto, constitui o
vetor
do processo de modernização. (AGUIAR,
1986, p. 123)
54
.
O Estado criou um conjunto de instrumentos capazes de operacionalizar a política
agrícola e agrária, como empresas, associações, programas, políticas e bancos para dar
concretude ao plano de modernização. No entender de Andrioli (2001) e de Rotta (1999),
exemplos dessas estruturas são: a) a EMBRAPA
55
, para realizar pesquisas e criar novas
tecnologias de produção; b) um sistema de assistência técnica e extensão rural, dentre elas a
ASCAR
56
; c) o Sistema Nacional de Crédito, com o objetivo de financiar projetos; d) política
nacional de preços mínimos; e) o PROAGRO
57
, com a finalidade de cobrir eventuais perdas;
f) a Companhia Brasileira de Armazéns; g) o Banco Nacional de Crédito Cooperativo
BNCC
58
, e; h) a PORTOBRAS, visando à estrutura portuária, para as exportações e
importações.
54
Grifos no original.
55
EMBRAPA
Empresa Brasileira de Pesquisa
Agropecuária.
56
ASCAR
Associação Sulina de Crédito e Assistência Rural.
57
PROAGRO
Programa de Garantia da Atividade Agropecuária.
58
BNCC
criado pela Lei n.º 1.412, de 13 de agosto de 1951, é um estabelecimento especializado em crédito às
diversas
cooperativas de distintos graus. Conforme IBGE
Anuário Estatístico de 1955, o BNCC havia
emprestado (em Cr$ 1.000), a cooperativas de diversos ramos: Agrícolas mistas: Cr$ 5.447; Banha: Cr$ 26.338;
Crédito Agrícola: Cr$ 10.946; Fumo: Cr$ 5.000; Trigo: Cr$ 14.164; e, Vinho: Cr$ 19.139.
91
O crédito rural subsidiado exerceu uma influência decisiva para o bom desempenho da
modernizaçã
o agropecuária. Concedido a toda cadeia produtiva do agronegócio, é operado
pelas instituições financeiras. Pares (1990, p. 30) analisa o papel desse instrumento e dos seus
resultados práticos, nos seguintes termos:
cumpriu um papel fundamental na expansão agrícola no final dos anos 60 até o
início dos anos 80, estimulando o autoinvestimento e o de terceiros. Reduziu o
impacto das relações de troca desfavoráveis, entre a agricultura e o setor industrial,
relaxou as restrições à acumulação de capital na agricultura, por gerar uma
expectativa positiva nas margens de lucro. Viabilizou a modernização agrícola a
um ritmo sem precedentes. Em ntese, permitiu manter o crescimento agrícola a
taxas elevadas, bem superiores à demográfica, sem que por isso tivesse qu
e dar uma
solução a um conflito que sempre perseguiu a política agrícola brasileira: a sua
política comercial, a incapacidade de ela estabilizar os preços em veis
remuneradores, compatíveis com a missão de capitalizar o campo.
A influência exercida pelos grupos econômicos privados na modernização agrícola
nacional foi desempenhada, no entender de Andrioli (2001), especialmente pelo
conglomerado mundial Rockfeller, que fundou, no ano de 1943, três empresa agroindustriais
no Brasil: o grupo Cargil, que atua na comercialização internacional de cereais e sementes e
fabricação de rações; a Agroceres, dedicada às pesquisas de sementes de milho, produção de
sementes e a genética animal; e a Empreendimentos Agrícolas
EMA, que fabrica
equipamentos para a agric
ultura.
Os diversos planos governamentais
59
neste período buscavam, no entender de
Tambara (1983), atender aos seguintes temas: a) produzir alimentos a baixo preço para os
consumidores, viabilizando economicamente o setor industrial e transferindo renda do campo
para a cidade; b) liberar força de trabalho para a indústria, constituindo a agricultura em um
reservatório de pessoas; c) fornecer recursos para a formação de capital, permitindo sua
59
De acordo com Tambara (1983) e Aguiar (1986), foram: Plano de Metas (1956-1960); Plano Trienal (1961-
1964); Programa de Ação Econômica do Governo (Castelo Branco); Plano Estratégico de Desenvolvimento
(Costa e Silva); e,
Plano de Metas e Bases para a Ação de Governo (Médici).
92
transferência para outros setores; d) abrir mercado consumidor
para produtos industrializados,
expandindo a capacidade de consumo de produtos industriais na agricultura; e) produzir
gêneros exportáveis para possibilitar a capacidade de importação, para equilibrar a balança
econômica externa, captando divisas externas
; f) a reforma agrária.
A produção do trigo e da soja aumentou significativamente, tanto em volume como em
área plantada. A produção passou a exigir uma logística adequada: estradas, máquinas para
plantio e colheita, estrutura de transporte, armazenagem e comercialização. Frente à
necessidade desta estrutura e da incapacidade do Estado em provê-la, são criadas as
cooperativas tritícolas, na década de 1950, sendo que,
em 1957, surgiram as primeiras cooperativas tritícolas, ofertando crédito fácil a
juro
s favorecidos, praticando vultosos investimentos fixos provenientes do Banco
do Brasil e BNCC (Banco Nacional de Crédito Cooperativo), para a produção de
trigo que experimentava uma rápida expansão pelo estado. A cultura da soja passou
a se expandir na década de 60, tendo o seu auge na cada de 70, aproveitando a
mesma estrutura do trigo (ANDRIOLI, 2001,p. 93
-
94).
As cooperativas tritícolas, diferente das cooperativas agrícolas mistas, que tinham uma
área de atuação limitada ao nível municipal, quando não ao nível de uma determinada
localidade, têm um espaço e caráter de atuação regional. Exemplos dessas cooperativas
tritícolas regionais são a COTRIROSA, da região de Santa Rosa, a COTRISA, da região
Santo Ângelo, a COTRIMAIO, da região de Três de Maio, a COTRIJUÍ, na região de Ijuí. A
formação das cooperativas tritícolas está correlata ao desaparecimento de várias cooperativas
mistas, que por vezes são incorporadas ao novo padrão organizativo, são extintas ou até
mesmo mantêm
-
se funcionando por mais um p
eríodo.
93
A dinâmica relação entre Estado e cooperativismo é sistematizada na análise de
Schneider, apontando as vantagens que o poder público tinha com a existência e estruturas das
cooperativas tritícolas:
as cooperativas representavam uma série de vantagens ao Estado: a) reduziam os
custos operacionais e gastos de circulação; b) facultariam a compra de grãos; c)
oportunizariam a difusão e incorporação de tecnologias avançadas; d) garantiriam
maior produtividade física e econômica da lavoura (SCHNEIDER,
1991, p. 254).
Tambara (1983) se associa à idéia da contribuição das cooperativas ao processo
produtivo em curso, de suas contribuições ao Estado e sua relação com o novo padrão
organizativo dos agricultores. O sucesso das cooperativas, na opinião do mesmo autor, estaria
vinculado
a sua agregação ao modelo agrícola proposto pelo governo federal. Este é, sem
dúvida, um aspecto paradoxal do sistema cooperativo e que freqüentemente serve
para apontar o cooperativismo no Brasil como um braço auxiliar da penetração do
capitalismo no campo. Isto aconteceu na medida em que o cooperativismo
viabilizava um sistema baseado na introdução de insumos agrícolas sofisticados no
crédito subsidiado e na monocultura (Idem, p. 56).
A idéia da formação e associação de novas cooperativas tritícolas, de uma Federação,
a FECOTRIGO (Federação das Cooperativas de Trigo e Soja do Rio Grande do Sul Ltda), é
largamente aceita pelos agricultores. Eles se associam em larga escala às novas cooperativas.
Apresentadas e compreendidas como um instrumento de apoio à agricultura e ao agricultor,
para ambos melhorarem sua situação, passam a ser o novo referencial de cooperação e
cooperativismo.
A agricultura produz mais e de acordo com o novo padrão produtivo. Alguns
produtores, os granjeiros, conseguem estabelecer um nível de acumulação de capital, com os
modernos processos produtivos e tecnológicos, estruturas modernas de comercialização,
94
armazenagem, crédito facilitado e subsidiado, assistência técnica. Todo este conjunto de
mudanças
é apresentado como irreversível, como o caminho mais adequado para sair da crise,
a salvação da agricultura .
Na região em estudo, simultaneamente à formação das cooperativas tritícolas,
permanecem em funcionamento algumas cooperativas mistas e agrícolas. No estado gaúcho,
conforme Tambara (1983, p. 60), em 1982, existem 44 Cooperativas de Crédito Rural, com
25.344 associados; 17 Cooperativas de Eletrificação rural, contando com 77.376 membros;
180 cooperativas de produção, totalizando 288.604 sócios; e, 29 cooperativas de Crédito
Mútuo, com 25.107 associados, além das centrais e outras cooperativas com outras
finalidades.
Em 1988 somente seis cooperativas mistas ou agrícolas permanecem em atividade, em
alguns municípios da região Fronteira Noroeste do RS. Tomadas em conjunto, nas seis
organizações 8% dos sócios são possuidores de áreas agrícolas com até cinco hectares.
22,83% dos associados m entre cinco e dez hectares. O percentual de associados com no
mínimo dez e máximo vinte hectares de terras é de 41,83%. os proprietários com área
superior a vinte hectares chegam a 27,33%. Elas foram extintas ou incorporadas pelas demais
cooperativas regionais, nas quais preponderam igualmente os percentuais mais elevados, os
associados com áreas rurais acim
a de meio módulo rural (Büttenbender, 1995).
As causas do desaparecimento das cooperativas mistas agrícolas, apontadas por
Büttenbender (1995), dizem respeito à mudança do paradigma produtivo; à falta de acesso aos
recursos subsidiados pelo Estado; à necessidade de adequação à nova legislação
cooperativista, de 1971; a estruturas administrativas e estruturas de comercialização
95
incompatíveis com o binômio trigo/soja; e, ao compromisso com novos valores cooperativos,
próprios da nova conjuntura.
A origem e desenvolvimento do cooperativismo empresarial, operado pelas
cooperativas tritícolas, na avaliação de Andrioli, deve
-
se aos seguintes fatores:
1º) a preocupação que o governo tinha em desenvolver a agricultura brasileira com
a organização da produçã
o em cooperativas;
2º) a existência dos granjeiros, composta pela burguesia urbana que alugava
imóveis rurais e a elite rural consolidada pela modernização capitalista. Para estes
não interessavam as cooperativas mistas e sim grandes cooperativas, especial
izadas
em trigo e soja (sua produção), para dar suporte de apoio técnico e comercialização
de grãos. Transformavam-se as cooperativas coloniais em entidades empresariais,
para servirem a empresários individuais privados;
3º) com a retirada de subsídios governamentais, frustração de safras e
descapitalização das cooperativas empresariais, estas precisavam aumentar seu
quadro social, principalmente para aumentar o volume de produção e diminuir a
descapitalização. Com isto ocorre a associação de pequenos produtores que,
atualmente, somam 70% ou mais dos associados destas cooperativas (ANDRIOLI,
2001, p. 96
-
97).
Os novos atores sociais, que monopolizam a produção tritícola, a organização das
cooperativas e dominam o acesso ao crédito público subvencionado, não são oriundos da
agricultura, em sua maioria. A nova categoria social, dos granjeiros, (Frantz, 1982), é oriunda
do meio urbano, integrada por profissionais liberais, industriais, comerciantes, ou de outras
profissões, que buscam nos investimentos agrícolas e incentivos fiscais, um grau de retorno e
capitalização pessoais, privados. Não possuem a propriedade da terra que é cultivada.
Estabelecem uma relação com os estancieiros, donos do meio de produção (terras), de
arrendamento, o que permite aos donos das terras um incremento de sua renda, por este
instrumento comercial, superior à pecuária extensiva.
Os novos granjeiros são os que melhor se beneficiam dos incentivos e subsídios
públicos, incrementados pelo governo. Essa dinâmica provocou rápidas transformações no
96
cenário agrícola e urbano regional. Colonos, inicialmente melhor colocados financeiramente,
aderem rapidamente ao projeto. Buscam financiamentos para realizar a correção química do
solo, o destocamento da lavoura, a compra de máquinas e equipamentos agrícolas, para
produzir trigo e soja, incorporando-se ao novo modelo agrícola e às sistemáticas
organizativas.
A agricultura passa a integrar-se de forma mais efetiva com a agroindústria. A
expansão do volume de produção e da área agrícola, a instalação de indústrias de
transformação, de produção de bens de capital para a agricultura, tem uma interação com os
níveis e volumes de financiamento existentes. A comercialização da produção está centrada
nas cooperativas e suas estruturas de armazenagem. São elas também responsáveis em prover
os insumos necessários à produção (sementes, adubos, venenos, etc). Estabelecem a ponte, a
intermediação entre a indústria, o agricultor e o granjeiro.
As cooperativas apenas coletam e revendem o trigo, com cotas fixadas pela
COTRIN, recebendo pela coleta, armazenamento, etc. uma taxa de serviços, o
preço pago aos produtores é baseado nos cálculos dos custos de produção
elaborados pela Fecotrigo e depois negociados com órgãos estatais. As
cooperativas trítícolas foram criadas e fortalecidas para se tornarem agentes de
comercialização da produção interna entre os produtores e os órgãos
governamentais que se encarregam da distribuição à indústria de processamento
(CORADINI; FREDERCQ, 1982, p. 45)
60
.
O resultado da dinâmica da modernização da agricultura, com a contribuição das
cooperativas tritícolas, que se tornaram correias de transmissão das políticas públicas e dos
interesses das grandes corporações agroindustriais, mudou a vida e a dinâmica da agricultura.
Tambara (1983) entende como mudanças, conseqüências da modernização e manifestações
60
COTRIN
Comissão de Organização da Triticultura Nacional, criada em 1957, que de acordo com Frantz
(1982), tem a função de organizar as regiões geoeconômicas produtoras de trigo; incentivar a formação de
cooperativas tritícolas em cada região; orientar e supervisionar as cooperativas formadas; incentivar a construção
da infra
-
estrutura de armazenagem de grãos. Em 1959 a COTRIN é transformada na COTRINAG
Comissão de
Organização da Triticultura Nacional e Armazenagem Geral, mantendo praticamente as mesmas atribuições de
sua precursora.
97
das contradições e limites: o êxodo rural; redução da produção de alimentos; a degradação
ambiental; dependência e subordinação do agricultor aos interesses do capital industrial e
financeiro; a erosão dos solos e perda da biodiversidade; uso inadequado de tecnologias
(insumos e venenos); a concentração fundiária.
A análise realizada por Amaral (2002), acerca da modernização conservadora da
agricultura, também denominada pelo autor de revolução verde , alterou significativamente
as relações sociais, especialmente entre os agricultores e os processos produtivos. No entender
do autor, essa revolução trouxe outros referenciais de convivência e de relacionamento entre
agricult
ores, rompendo as relações de cooperação e solidariedade entre as famílias.
A revolução verde mudou a relação dos agricultores(as) entre si e com o
mercado até então praticadas. Passou-se a incentivar muito mais a produção para o
mercado (venda) do que a produção para o consumo (subsistência). Este processo
caracterizou
-se também como a submissão da agricultura à lógica do capitalismo e
da industrialização. Assim também, palavras como competição, individualismo,
desconfiança e ganância passaram a fazer parte da vida das famílias em lugar da
cooperação, da solidariedade e do trabalho comunitário antes existente (AMARAL,
2002, p. 10).
O desenvolvimento da agricultura, de suas novas organizações e agentes apresenta um
conjunto de dificuldades, inconveniênc
ias e excessos de toda ordem, reveses e
desequilíbrios dos mercados e flutuações dos preços; desigualdades entre as
explorações e entre as regiões; desenvolvimento desigual de umas, crises, pobreza e
eliminação de outras; êxodo maciço, abandono de regiões inteiras e desemprego;
atentados ao ambiente e à qualidade dos produtos; empobrecimento genético de
algumas espécies domésticas e redução da diversidade biológica dos ecossistemas,
etc (MAZOUYER; ROUDART, 1998, p. 412
-
413).
98
3.4 Crise das cooperat
ivas tritícolas e a emergência de novas experiências em cooperação
A década de oitenta apresenta um quadro de várias mudanças na realidade nacional e
regional. As cooperativas passaram a analisar a sua situação, seus problemas e apontar
perspectivas par
a sair das dificuldades, especialmente financeiras e de credibilidade, nas quais
se encontravam. A retirada dos subsídios agrícolas, por parte do Governo Federal e dos
vultosos créditos, a queda dos preços agrícolas, as taxas de juros elevadas, aumentos do
s
preços dos insumos e máquinas, a dívida externa brasileira, contribuem no aprofundamento da
crise da agricultura e das cooperativas.
Novas formas de organização da produção são buscadas e construídas. Uma delas foi a
da integração vertical do agricultor à agroindústria, de forma direta ou via cooperativa. A
diversificação
61
da produção é apontada como a solução para os problemas da agricultura e
das cooperativas. A especialização da produção também constitui pauta da agenda desse novo
momento histórico, como leite, suíno ou grãos. A centralidade das idéias gira em torno do
setor alimentício ou do fumo.
É a terceira fase da modernização conservadora, da agricultura brasileira, antecedida
pela fase do trigo e a fase da soja. Momento de integração à gran
de agroindústria de alimentos
ou do fumo. O agricultor integra-se à agroindústria, que determina o padrão tecnológico da
produção e aquele participa com todos os meios produtivos e a força de trabalho familiar, que
é remunerada por critérios de produtivida
de.
É sempre o mesmo processo: a agropecuária subordinada ao conflito
financeiro-industrial é articulada em função dos seus interesses dominantes, cujos
61
Diversificação entendida como especialização em uma determinada cultura ou atividade, fora do binômio
trigo/soja.
99
centros de decisão e de comando encontram
-
se no exterior e influencia fortemente a
política econômica
em geral e as políticas agrícolas em particular.
[...]
A agricultura foi forçada a integrar-se na economia monopolista, de forma
subordinada e dependente, transformando-se em mero apêndice dos poderosos
monopólios ou oligopólios industriais (BRUM, 1988,
p. 108
-
117).
O quadro da crise da agricultura e das cooperativas agrícolas é enfrentado pela
execução de duas propostas paralelas, ora complementares, ora antagônicas. De um lado
aprofunda
-se o processo de modernização conservadora do meio rural, aderindo aos projetos
do agronegócio. De outro, debatem-se novas formas produtivas e de organização,
especialmente da agricultura familiar.
Nesse contexto industrial, o agricultor deixa de ser um produtor autônomo em suas
decisões, deixa de representar uma forma de vida própria e passa, na melhor das formas, a ser
um quase operário da indústria, porém sem vínculo formal. As inovações tecnológicas
contribuem para acelerar o processo de concentração dos complexos agroinduatriais. Brose
(2000, p. 53) classifica essa relação
biotecnologia-complexos agroindustriais-
agricultores
de servidão biológica , porque os agricultores vão tornando-se arrendatários de
germoplasma dos gigantes da genética .
A opção pela continuidade da modernização, adotada em larga e
scala por cooperativas
tritícolas e mistas remanescentes, aponta a especialização da produção e integração ao
complexo agroindustrial como modelo a ser seguido. A agricultura passa a ser entendida
como negócio (agronegócio), orientada pelo princípio da competitividade, onde o cultivo dos
produtos transgênicos, na virada do século, constitui a sua expressão paradigmática singular.
Visando uma maior racionalidade econômica e um maior poder de barganha
frente aos concorrentes, o cooperativismo passou a defender enfaticamente uma
política de integração horizontal e vertical, apresentando também a proposta de
uma maior participação especificamente no complexo agroindustrial, com
100
capitalização de diversas formas, ou seja, a partir de uma maior participação
finan
ceira dos associados, retenção dos excedentes gerados, maior apoio do Estado
(CORADINI; FREDERCQ, 1982, p. 58).
A imperiosa necessidade das cooperativas, em grande parte sobrecarregadas de dívidas
e pela incapacidade de obter capital de giro próprio, aliada a uma pesada e onerosa estrutura
administrativa, em resolver a sua situação, faz com que novos projetos sejam buscados por
elas mesmas ou em parceria com os complexos agroindustriais. Os projetos, alheios às
discussões e participação efetiva dos sócios, começam a tomar corpo. Em 1981 cria-se uma
central estadual de cooperativas, com a finalidade de agregar valor ao leite e remunerar
melhor o agricultor, diz Tambara (1983, p. 57). Constitui-se a Cooperativa Central Gaúcha de
Leite Ltda
CCGL, integrada por dezenas de cooperativas singulares, que operam com a
produção de leite. A CCGL adquire as plantas industriais da Laticínios Mayer e torna-se um
referencial de organização da produção, industrialização e comercialização do leite e
derivados no Rio Grande do Sul e no país. Em 1996, a central foi vendida ao grupo
estrangeiro AVIPAL. Esse fato deve-se à descapitalização da central, originada nos
excessivos empréstimos concedidos às cooperativas filiadas (Andrioli, 2001), que inviabilizou
a sua continuidade.
A aposta na diversificação da produção e agroindustrialização da produção passou a
constituir a meta das cooperativas regionais. Existe um entendimento de que a
agroindustrialização, feita pelas próprias cooperativas, romperia o vínculo subordinativo d
o
agricultor com o setor financeiro-industrial. A opção passa a ser de construir plantas próprias
de industrialização da produção local, para comercializá
-
la com valor agregado.
No início da década de 90, iniciam as movimentações de lideranças cooperativistas e
do poder público para a constituição de uma central de cooperativas da região. A Central
101
Noroeste de Cooperativas
COCEAGRO, concretiza-se nesse período, integrada por cinco
cooperativas singulares.
O primeiro projeto da nova central foi a instalação do FRIGOAVES, em Santa Rosa,
um frigorífico para abater e industrializar aves (frangos), criadas em sistema de integração
com as cooperativas pelos agricultores da região. Esse plano não chegou a ser concretizado.
No entanto, a Coceagro implantou um moinho de cereais, em Horizontina, atendendo às
cooperativas sócias.
O debate acerca da industrialização do leite é retomado em seguida. Projeta-se a
instalação de uma indústria de derivados de leite, pela Central Noroeste de Cooperativas, em
Santa Rosa. Esse propósito novamente não é levado a termo. No entanto, numa decisão de
uma das cooperativas integrantes da central, a COOPERMIL, instala-se um posto de
resfriamento de leite, que entra em operação em 2004.
Outra perspectiva apresentada, na seara da diversificação, é a da implantação da
fruticultura, aliando-a ao cultivo de feijão, pipoca, amendoim, girassol, painço, milho, etc.
Esses produtos seriam comercializados pelas próprias cooperativas, num processo próprio de
beneficiamento e marcas singulares. Fruto dessa decisão, a COTRIROSA implanta, em Santa
Rosa, um complexo agroindustrial, com vistas à produção de sucos e industrialização da
produção regional.
Ante o fracasso de uma parte dos projetos criados (CCGL, FRIGOAVES), a exclusão
de parcela significativa de agricultores desses intentos, outro grupo de agricultores, lideranças
sindicais, cooperativistas começam a sua articulação própria. Uma das primeiras conquistas
102
dessa articulação é a vitória eleitoral da direção da COOPERLUZ
62
, em 1991. Os debates
centram
-se na organização dos agricultores familiares em processos cooperativos
(associações, condomínios, cooperativas municipais, grupos), buscando a viabilidade da
agricultura familiar e sua reprodução social, numa clara oposição ao cooperati
vismo
tradicional.
É possível relacionar a difusão, neste período, entre os agricultores familiares do
novo associativismo
forte componente das propostas do sindicalismo rural,
cutista ou fetaguiano
por um lado, à crítica ao cooperativismo tradicional e, por
outro, a uma espécie de ressemantização das antigas formas de sociabilidade
características da agricultura colonial
superadas com a modernização da
agricultura (MENASCHE, 1996, p. 132).
Formas de organização das associações e cooperativas municipais são buscadas
visando estruturar e organizar toda a cadeia de produção. O II Encontro Regional da Pequena
Propriedade (ERPP)
63
, realizado em Santo Cristo, em 1993, expressa o desejo de os
agricultores deterem a cadeia produtiva: a produção, industrialização e a comercialização, sob
a sua coordenação. Esse desejo é expresso no seu lema: PRODUZIR, INDUSTRIALIZAR,
ABASTECER . Busca-se a agregação de valor à produção, pelo processo da industrialização
e comercialização própria e a geração de renda para o agricultor familiar, organizado em
processos cooperativos.
62
COOPERLUZ
Cooperativa de Eletrificação e Desenvolvimento da Fronteira Noroeste Ltda. Fundada em
1970, por um grupo de prefeitos sob os auspícios do governo federal. É uma cooperativa que atual em 12
municípios da região Fronteira Noroeste e Missões. A eleição de uma diretoria, em 1991, formada por
agricultores familiares, é fruto de uma ampla mobilização sindical (rural e urbana), cujas duas propostas centrais
eram a de democratizar e reestruturar a cooperativa e instituir a tarifa rural única, entre associados de
cooperativas e consumidores da Comp
anhia Estadual de Energia Elétrica (CEEE).
63
Sobre a organização dos encontros e sua participação, diz o relatório do ERPP: Em 1991 foram seis
entidades. Em 1993, foram nove. Em 1996 o ERPP contou com mais de 20 entidades promotores através da:
Cooper
luz, Cotrimaio, Coopermil, Cotrirosa, Cooperoque, Coopercultura, Coopasc, Sicredi/Reg. Santa Rosa,
Regionais Sindicais da Fetag Missões I, Missões II e Santa Rosa, CUT Missões, Associação dos STRs
Fronteiriços, CPT, Diocese de Santo Ângelo, Emater Regional Santa Rosa e PRAC. Apoio: Unijuí, URI,
Cooperjornal, SENAR e Sindicato Rural de Santa Rosa . (COOPERJORNAL, 1997, p. 2). PRAC
Programa
Regional de Ação Conjunta. Programa coordenado pela COOPERLUZ, Diocese católica de Santo Ângelo e
Cooperativa Mista S
ão Roque Ltda (Cooperoque
Salvador das Missões), com apoio de lideranças, movimentos
sociais, instituições, que busca construir um outro modelo de desenvolvimento regional baseado na agricultura
familiar. O PRAC é o órgão coordenador dos ERPP.
103
Da mesma forma, como a intenção de agregar valor à produção e aumentar a renda
do agricultor, também um desejo manifesto de construir novas organizações associativas,
capazes de at
ender aos propósitos da produção, industrialização e abastecimento.
A discussão para a busca de uma nova estrutura administrativa, precisa ser
encarada de frente. E qual seria a estrutura melhor, mais adequada? Quando
tivermos mais clareza do que realmente queremos alcançar com o associativismo, e
com o cooperativismo, não será difícil definir que mudanças precisamos implantar
na nossa estrutura associativa. Em termos de produção, por exemplo, entendemos
que o associativismo cumpre basicamente (ou deveria cumprir) dois papéis:
proporcionar uma produção com menor custo (via produção própria de insumos,
compra de insumos de terceiros em maior quantidade, e portanto com a
possibilidade de barganhar melhores preços, etc.) e por outro lado, obter um maior
retorn
o pela produção, seja industrializando, seja organizando a venda direta ao
consumidor, seja vendendo para distribuidores em maior volume e mais uma vez
barganhando melhor preço. Tendo essa clareza, é só usar a criatividade: qual seria a
estrutura que daria
conta desses objetivos. Por que não cooperativas municipais, das
quais fariam parte os condomínios, APSATs e demais organizações, na qualidade
de núcleos ou departamentos? (II ERPP, 1993).
Na década de 1980, através do Fundo Especial de Desenvolvimento da Pequena
Propriedade
FEAPER, do governo estadual, são incentivadas as associações, os
condomínios, os grupos, para organizar a produção e geração de renda para os agricultores,
especialmente na área do leite, suínos e grupos de máquinas. As associações, criadas fora das
estruturas cooperativas, constituem condição ou critério de acesso aos recursos
disponibilizados pelo fundo estadual. Elas buscam responder aos desafios do aperfeiçoamento
das atividades produtivas, racionalizar custos e estruturas físicas, aumentar e melhorar a
produção. Em resumo, buscar constituir formas de sobrevivência dos agricultores familiares.
A atuação destas associações detém
-
se principalmente na produção de suínos,
na exploração conjunta de máquinas e insumos, na conservação de solos, na
produção de leite, de hortigranjeiros e no desenvolvimento de outras atividades. A
formação destas associações, em sua quase totalidade, é suportada por recursos
provenientes de um programa específico do Governo do Estado, através do
FEAPER
Fundo Especial de Desenvolvimento da Pequena Propriedade. (...)
Destaca
-se que as associações, em sua quase totalidade, são criadas com objetivos
específicos dentro do complexo agroindustrial, ou seja, entre outros:
1) Racionalizar a estrutura de produção nas pequenas propriedades (terra,
instalações, máquinas, e outros);
2) Racionalização do uso da mão
-
de
-
obra e sua especialização;
3) Facilitar o repasse e utilização de novas tecnologias;
104
4) Introduzir novos métodos de produção e, por conseqüência, redução dos custos
de produção (BÜTTNENBENDER, 1995, p. 126
-
127).
A pequena propriedade vive um dilema entre a melhoria do nível tecnológico e o da
viabilidade da sua estrutura de produção e se reproduzir socialmente. Identificados os fatores
de produção, escassez de recursos dentro da propriedade, a necessidade de cooperar no nível
da produção, tanto para atender às necessidades e exigências das cooperativas-
empresas,
quanto para viabilizar a produção e comercialização de produtos ignorados pelas cooperativa
s
tradicionais, os agricultores passaram a constituir novas formas de cooperação. A participação
nas associações e grupos é de livre adesão e em sua maioria restringem-se a uma determinada
comunidade.
São formas de cooperação direta, com a base nas relações pessoais, e que,
pelo limitado número de associados, obtêm elevado grau de comprometimento,
participação e eficiência.em alguns casos, onde a cooperação é mais profunda,
estabelecem
-se as experiências que provocam mudanças nas relações sociais e de
pro
dução, como a coletivização dos fatores de produção, a exemplo da terra, e com
a remuneração tão
-
somente da mão
-
de
-
obra (Idem, p. 134
-
135).
No final da década de noventa, novos debates acerca da cooperação e organização
cooperativas são desencadeados. Envolvendo lideranças sindicais, cooperativistas,
agricultores, comunitárias, de associações, inicia-se o processo de transformação das
associações em cooperativas municipais, vinculadas à agricultura familiar. Além das
cooperativas municipais constitui-
se,
simultaneamente, a central das cooperativas singulares,
a CRECAF
Central Regional das Cooperativas da Agricultura Familiar Noroeste Ltda,
tendo por objetivos:
a)
Atuar no fortalecimento e organização de cooperativas com enfoque à
produção ecológica ou em fase de transição visando a sustentabilidade da
Agricultura Familiar;
b)
Estimular a organização dos agricultores, reforçando valores da cooperação, da
solidariedade e da ecologia.
c)
Atuar na organização da produção, beneficiamento, industrialização,
comercia
lização e consumo de alimentos, produtos e sementes conforme demanda
105
das associadas;
d)
Estimular o intercâmbio de alimentos, produtos e serviços entre as associadas;
e)
Oferecer aporte de gestão, formação e assistência técnica com tecnologias
alternativas às co
operativas em seus núcleos organizados;
f)
Estimular e organizar o consumidor, através de Cooperativas de Consumo,
participação em feiras, pontos de venda e outros, visando estreitar a relação entre
agricultores e consumidores;
g)
Viabilizar vendas e compras conjuntas, como forma de reduzir custos e
facilitar o acesso ao mercado;
h)
Atuar na comercialização, distribuição e representação de produtos conforme
interesse das associadas;
i) Disponibilizar ou intermediar insumos para produção, industrialização e
comercializa
ção, conforme interesse das associadas;
j) Registrar uma Marca Regional para fortalecer a comercialização e o marketing
dos produtos ecológicos e em conversão das associadas;
k)
Articular a implementação do processo de certificação dos produtos
ecológicos;
l) Es
timular, coordenar e implementar projetos sociais rurais e urbanos destinados à
Cooperativa Central, e às Cooperativas Singulares associadas e seus sócios, como:
I.
Projetos de habitação: reforma, melhoria e aquisição.
II.
Projetos de infra
-
estrutura nas proprie
dades: reforma, melhoria e aquisição de
equipamentos e de imóveis (CRECAF
Estatutos, 2004).
Paralelo ao debate da formação de um novo cooperativismo para a agricultura familiar,
na área de produção, agroindustrialização e comercialização vai amadurecendo a idéia da
estruturação de uma cooperativa de crédito solidário. Esse projeto se concretiza na formação
do Sistema CRESOL
64
de cooperativas de crédito, cujas unidades passam a ser formadas em
Porto Xavier (2002) e em Santo Cristo (2003). A contribuição do sistema cooperativo de
crédito solidário e das cooperativas de agroindustrialização e comercialização, vinculadas ao
sistema CRECAF, no desenvolvimento territorial rural, constitui tema da próxima parte do
trabalho.
64
O siste
ma CRESOL será analisado nos dois últimos capítulos do trabalho.
106
4 ANÁLISE DE NOVAS EXPERI
ÊNCIAS DE COOPERAÇÃO
Caracterizar a situação sócio-econômica da região Fronteira Noroeste do Estado do
Rio Grande do Sul, a partir de um conjunto de informações, do período recente, ou seja, dos
anos oitenta para frente, constitui o objetivo desta parte do trabalho. Inicia a caracterização
com a distribuição populacional, entre rural e urbana, ao longo da história dos censos
realizados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), posteriormente pela
situação do desenvolvimento sócio-
econ
ômico dos municípios que integram este espaço
territorial.
4.1 Realidade socioeconômica recente da região
4.1.1 O quadro populacional
O comportamento demográfico da região Fronteira Noroeste do estado gaúcho,
compreendido o período de 1940 a 2004, de acordo com o IBGE, apresenta um quadro
evolutivo de grande importância, considerando o período recente de colonização e
transformações socioeconômicas ocorridas, como demonstra o gráfico 01.
107
Gráfico 01
Evolução da População
total, rural e urbana
d
a região Fronteira Noroeste/RS
1940
2004.
0
25000
50000
75000
100000
125000
150000
175000
200000
225000
1940 1950 1960 1970 1980 1990 2000 2010
Anos
Número de pessoas
Total
Rural
Urbana
Fonte: IBGE/Censo Populacional e FEE/Resumo Estatístico RS.
No ano de 1940, a população da região era de 84.528 pessoas: 78.815 viviam no meio
rural e 5.713 residentes nos perímetros urbanos, correspondendo respectivamente a 93,24% e
6,76% do seu total. Dez anos mais tarde, são 109.834 pessoas residindo no meio rural e
10.178 no meio urbano, num total de 120.012 habitantes. Nota-se um crescimento da
população urbana, naquela década, de forma a quase dobrar o seu número em relação ao
decênio precedente.
O ano de 1960 registra a presença de 170.411 habitantes, distribuídos nas seguintes
proporções: 140.460 no meio rural e 29.942 urbanos. Novamente a população tem um
crescimento vertiginoso, triplicando seu mero em relação à década anterior. Os meros
dos habitantes de 1970 atestam a quase paralisia do crescimento populacional rural, relativo à
década anterior. São 150.835 pessoas. Acrescidas, portanto, 10.375 pessoas, se referido à
década pregressa. As cidades comportam uma população de 47.781 habitantes, registrando
um crescimento de 17.839 pessoas nesta última década.
108
O resultado dos anos de 1980 apresenta as mudanças expressivas no quadro da
população regional. Enquanto a população urbana quase dobra de tamanho, em relação à
década anterior, a rural registra uma redução de 24.616 pessoas. Ela agora é menor do que
havia sido no ano de 1960, e muito próximo aos meros apresentados na metade do século
XX. A população urbana segue em acelerado aumento, com 86.326 habitantes. O censo
demográfico atesta a presença de 212.545 pessoas, no total. Onze anos mais tarde, em 1991,
totalizando 207.347 habitantes neste território, registra-se uma aproximação numérica entre a
população rural e urbana. A região perde, nesta última cada, 6.198 pessoas, que emigram
para outras cidades do estado ou mesmo outras regiões do país. São 98.003 pessoas no espaço
rural e 109.344 no espaço urbano. Passados cinco anos, a região apresenta uma população
to
tal na casa dos 209.967 habitantes. Destes, 57,25% vivem no meio urbano e os demais
42,75% vivem em áreas rurais. Em 2000, os levantamentos realizados registram 81.888
moradores nas áreas rurais. São 3.073 habitantes a menos do que em 1940, no primeiro cen
so
efetuado. Nas cidades vivem, agora, 128.448 pessoas, totalizando, assim na região, 210.336
habitantes. um decréscimo geral de 2.991 pessoas, em relação ao ano de 1991. Em 2004
existem menos pessoas, em termos absolutos, no meio rural da região do que
em 1940
65
.
Em 2004, a população dessa região totalizava 202.505 habitantes, sendo 65,34%
considerada urbana e 34,66% rural. No ano de 2000, era de 210.338 pessoas. Dessas, 81.888
(38,93%) viviam no meio rural e as demais 128.448 (61,07%), residentes do
perímetro
urbano. A dinâmica histórica da população regional tem se configurado numa predominância
da população rural sobre a urbana até a década de 1980. A alteração deste quadro, fruto da
modernização agrícola e do êxodo rural acentuado, deu
-
se em meados
da década de 1970.
65
No Brasil a urbanização da população ocorreu na década de 1960 e 1970, conforme IBGE. A análise entre a
dinâmica de urbanização regional e nacional, poderá constituir objeto de outros est
udos.
109
Além do aumento da população urbana em relação à rural, ocorreu um processo
acelerado de envelhecimento da população rural, comparado com o número total de
habitantes no espaço rural. Os benefícios pagos e mantidos pelo Instituto Nacional do Seguro
Social
-
INSS
66
, conforme dados do próprio Instituto Previdenciário, relativos ao ano de 2005,
atestam que neste território, somente no mês de dezembro do mesmo ano, foram 44.693
pessoas que perceberam alguma remuneração do INSS, na forma de aposentadoria ou
benefício especial a que tem direito, sendo 28.030 pessoas do meio rural e 16.663 do meio
urbano.
Quadro 02
Benefícios pagos e mantidos pelo INSS
região Fronteira Noroeste
2005.
População/2004
Pagamentos
em R$ 1,00
Total
Rural
Urbana
Rural
Urbano
Total
202.505
70.183
132.322
101.619.610,34
115.000.191,48
216.619.801,82
Fonte: INSS/Ijuí e FAMURS. Obs.: O valor declarado na tabela é referente os benefícios pagos, com excessão
do salário família que é pago na folha do emprega
do e mais os dois Amparos Assistenciais (ao idoso e Deficiente
- LOAS) na qual está sob a responsabilidade do INSS a concessão e manutenção em função da estrutura que
possui.
No aspecto financeiro, esses benefícios pagos, representam uma injeção total
de
R$ 216.619.801,82, naquele ano, na economia regional. Foram R$ 101.619.610,34 recebidos
por pessoas do espaço rural. Estes números indicam que em torno de 38% das pessoas que
vivem no meio rural desta região no ano de 2005 recebiam algum tipo de benefício. No caso
de aposentados, com mais de 55 anos (mulher) e mais de 60 anos (homens) de idade. O que se
pode inferir da análise do gráfico 01 e do quadro 02, é que o processo de êxodo rural
observado na região Fronteira Noroeste do Rio Grande do Sul tem afetado principalmente a
66
A Previdência Social através do Regime Geral da Previdência Social administrado pelo INSS oferece 10
benefícios aos seus contribuintes que são: aposentadoria por idade; aposentadoria por tempo de contribuição;
aposentadoria especial; aposentadoria por invalidez; auxílio-doença; auxílio-reclusão; auxílio-acidente; salário
maternidade; pensão por morte e
salário família.
110
população mais jovem, resultando uma tendência ao envelhecimento da população
remanescente.
4.1.2 Estrutura fundiária e a produção agrícola
A estrutura fundiária rural da região Fronteira Noroeste é caracterizada pelo
min
ifúndio, com destaque para lotes agrícolas de até um módulo fiscal, cuja origem reporta ao
processo de colonização e sua distribuição fundiária. O quadro 03 sistematiza a forma de
distribuição fundiária na região Fronteira Noroeste em 1985 e 1996, com base em dados do
Censo Agropecuário do IBGE.
Quadro 03
Número de estabelecimentos rurais por extratos, em hectares
1985
-
1996.
Ano
-
1
1 a 5
6 a 10
11 a 20
21 a 50
51 a 100
100 a 500
+ de 500
Total
1985
909
7.804
10.067
7.511
2.475
224
82
4
29.075
19
96
284
3.465
5.500
8.863
5.023
597
155
4
23.891
Fonte: IBGE/Censo Agropecuário de 1985 e 1996.
Da área destinada à agricultura, uma parte é ocupada para a produção de alimentos
básicos e a maior parte destina-se à produção de matérias-primas para fins
comerciais.
Mesmo comercializadas em menores quantidades e ocupando menor área agrícola, as
chamadas pequenas culturas, como amendoim, arroz, batata-doce, feijão, apresentam um bom
índice de valor produzido por hectare, comparado às culturas comerciais, como trigo, soja. O
quadro 04 traz referências sobre a área cultivada e respectivo valor bruto da produção e o
valor por hectare das principais desenvolvidas pela agricultura da região Fronteira Noroeste
do Rio Grande do Sul, tendo por referência o ano base
de 2003.
111
Quadro 04
Área cultivada (em hectares) e valor (em R$ 1,00) das culturas agrícolas na região
Fronteira Noroeste/RS
2003.
Cultura
Hectares
Valor da produção
Valor/Hectare
Amendoim
555
1.606.000
2.894
Arroz
598
1.125.000
1.881
Batata doce
659
5.113.000
7.759
Cana
-
de
-
açúcar
1.665
1.485.000
892
Feijão
1624
1.206.000
743
Fumo
1.321
7.832.000
5.929
Mandioca
7.242
61.288.000
8.463
Milho
93.940
95.682.000
1.018
Soja
235.995
305.899.000
1.296
Trigo
84.930
83.074.000
978
Fonte: IBG
E/Cidades.
O rebanho suíno e gado de leite, de presença marcante na região, tanto sob o ponto de
vista da quantia, como também pela história, especialmente de suínos, da década de 1940 a
1960, continua tendo forte presença junto à agricultura regional. No ano de 2003, conforme
dados do IBGE, foram produzidos 201.633.000 litros de leite na região Fronteira Noroeste. Os
municípios que apresentam maior volume de produção de leite são Santo Cristo, Três de Maio
e Santa Rosa, respectivamente. os três menores produtores, foram os municípios de Porto
Vera Cruz, Porto Mauá e Alegria.
A produção de suínos, destaque pela quantidade do plantel, alcançou um patamar de
276.977 animais, efetivo do rebanho (IBGE), destacando-se na produção os municípios de
Santa Rosa, com 79.600 animais, Nova Candelária, com 40.454 e Santo Cristo, com 34.700
suínos. Os municípios com menor criação de suínos são Porto Vera Cruz, Porto Mauá e São
José do Inhacorá.
11
2
4.2 Novos ensaios de cooperação
A cooperação é uma ação humana concreta, objetiva, que tem suas características
peculiares conforme as especificidades históricas de cada período e normalmente resulta da
interação social.
Na expressão de Touraine (1998, p. 254) um movimento social é ao mesmo tempo
um conflito social e um projeto cultural. (...) visa sempre a realização de valores culturais . O
conflito social presente no cooperativismo está relacionado com a distribuição das riquezas, as
oportunidades sociais, a luta por melhores condições de vida e o reconhecimento da liberdade
de organização (Frantz, 2005). Ao mesmo tempo que afirma a solidariedade humana, ante ao
individualismo, busca construir novos fundamentos de relações humanas, capazes de produzir
qualidade de vida e um novo processo de desenvolvimento.
O cooperativismo estrutura-se a partir de alguns fundamentos primordiais que,
segundo Frantz (2005), podem ser sintetizados nos seguintes termos:
Humanismo: valorização do homem pelo que ele é e não pelo que ele tem;
Solidariedade: um por todos e todos por um;
Justiça social: a cada um conforme e sua participação;
Liberdade: autodeterminação do ser, inclusive para a cooperação;
Democracia: cada pessoa um voto e decisão pela maioria;
Participação: uma exigência de vida cooperativa. Todos são donos;
Responsabilid
ade: responder pelas decisões e acompanhar a vida da cooperativa (p.
7).
As relações familiares e comunitárias desencadearam no processo de formação social,
econômica e cultural da região Fronteira Noroeste do RS, uma base de desenvolvimento
econômico solidário, manifesto na criação e consolidação de uma sólida rede de cooperação.
Uma atenção mais detalhada em torno da agricultura familiar permite afirmar que grande
113
parte das famílias rurais mantém algum vínculo com alguma cooperativa, seja ela de
comercia
lização, eletrificação rural ou de crédito. Tais organizações foram criadas para
dinamizar a produção agrícola, estabelecer a interface com o mercado consumidor, viabilizar
crédito, prover o acesso à energia elétrica, promover alguma inovação tecnológica,
a
formação do associado e a troca de experiências entre o quadro social.
De acordo com Guanziroli et al. (2001) a agricultura familiar define-se como
modalidade de produção agrícola na qual a coordenação e execução dos trabalhos está sob a
responsabilid
ade da família, admitindo-se eventuais contratações de serviços. Desenvolve-
se
numa área agrícola máxima regional como limite superior para a área total dos
estabelecimentos. Essas unidades produtivas agrícolas, costumam ter um alto grau de
diversificação
de produtos cultivados, embora haja a necessidade de se estabelecer uma
cultura predominante para gerar excedentes, ou seja, capital para retroalimentar o processo
produtivo, quando da venda deste produto ao mercado. Além das caracterizações basilares,
out
ras dizem respeito à agricultura familiar, dentre elas, destacando-se a inserção mais efetiva
do agricultor familiar com o meio, manifesto na importância dada à qualidade de vida e ao
meio ambiente, o que não configura preocupação central nas unidades de e
xploração
comercial (Abramovay, 1997).
Entendida sob este prisma de análise, a agricultura familiar constitui uma parte
fundamental no conjunto da agricultura brasileira. Seu impacto econômico, medido pelo
volume produzido, paralelamente à área agrícola
utilizada, garante que não haja
inferioridade técnica da agricultura familiar em relação às grandes explorações (Guanziroli,
et al., 2001, p. 21). Segundo dados do Ministério do Desenvolvimento Agrário
MDA, a
participação da agricultura familiar na formação do Produto Interno Bruto
PIB, no Estado
114
do Rio Grande do Sul, por exemplo, é de 27%, enquanto que a agricultura patronal participa
com 23%. Os demais setores da economia gaúcha respondem pelos restantes 50% da
formação do PIB. No Brasil, a agricultura familiar contribui com 10% do total do PIB e a
patronal com 21% e os demais setores da economia, com 69% (MDA, 2005).
O estudo realizado pelo MDA, em parceria como a Fundação Instituto de Pesquisas
Econômicas (FIPE/USP), com o Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural
(NEAD/MDA) e com o Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura (IICA),
demonstra que a participação da agricultura familiar no PIB da Pecuária gaúcha, em 2003, foi
muito expressiva, sendo responsável pela produção de 89% do leite; 74% das aves; 71% dos
suínos; 38% dos bovinos; 62% de outras espécies relativas à pecuária, perfazendo 63% do
total da produção pecuária gaúcha naquele ano (Idem, p. 8).
Conforme o mesmo estudo, a participação da agricultura familiar no PIB das lavouras
gaúchas, no ano de 2003, foi de 73% na cultura do fumo, 74% na cultura do milho e 55% da
soja. Na média geral, 55% dos produtos das lavouras gaúchas foram egressos de unidades de
produção familiar.
A região Fronteira Noroeste enquadra-se, majoritariamente, neste modelo produtivo,
tanto na forma de produzir (trabalho e produtos), quanto sob o ponto de vista da sua estrutura
fundiária, predominantemente minifundiária, conforme caracterizado no quadro 03.
A partir de meados da década de 1980, processos articulados de debates e propostas
são desencadeados regionalmente. Participam desta dinâmica construtiva, agricultores e
agricultoras, lideranças (cooperativistas, sindicais, eclesiais e comunitárias), ONGs, grupo
s
115
de assessoria (Grupo de Estudos Agrários
GEA e Universidades). Busca-se constituir um
novo plano de desenvolvimento regional, centrado na agricultura familiar como categoria
social fundante, e em novas organizações com capacidade de articular, coordenar e executar
este novo instrumento de desenvolvimento regional. As cooperativas da agricultura familiar,
com base municipal, teriam um papel de destaque nesta dinâmica organizativa.
A idéia hegemônica na sociedade da época, veiculada pelos mais diversos espaços de
comunicação e relatórios de encontros, era de que, para ser competitivo e sobreviver na
agricultura:
era preciso adotar o novo pacote tecnológico, o que exigia elevados
investimentos, bem como possuir uma área mínima relativamente grande. As
alternativas disponíveis para a pequena produção familiar se restringiriam a nichos
de mercado ou à integração com a indústria agroalimentar. Cada vez mais a
produção agropecuária do país tenderia a se concentrar num número cada vez
menor de estabelecimentos cada vez maiores, sendo esta uma tendência universal,
que ocorrera em todos os países capitalistas desenvolvidos e que, portanto, não
poderia ser freada sob pena de provocar um atraso tecnológico no setor
agropecuário, com impactos negativos no próprio processo de desenvolvimento
econômico (GUANZIROLI, et al., 2001, p. 33).
A perspectiva apontada para a agricultura familiar, vinda dos ideólogos do mercado,
era a da sua integração vertical aos complexos agroindustriais, especialmente no setor de
alim
entos (leite e suínos), ou não lhe restava outro caminho que o abandono do campo, ou no
máximo, permanecendo nele, de ter uma vida miserável, quando não dependente de algum
programa assistencial público. Têm espaço nesta concepção as discussões acerca dos
agricultores viáveis e os não viáveis, os eficientes e os fadados ao desaparecimento. Os
debates têm origem na difusão das idéias de economistas americanos, defensores da
internacionalização e desregulamentação dos mercados, na década de 1990, onde os efic
ientes
estarão produzindo o necessário para os consumidores. Produtores integrados ao sistema
116
alimentar global. Os ineficientes deveriam de adaptar inevitavelmente aos novos tempos
vendendo suas propriedades (Brose, 2000).
O II Encontro Regional da Pequena Propriedade, realizado em 1993, promovido e
organizado por nove entidades
67
da área sindical, cooperativa, ONGs, Igreja, identificou três
setores que formam o Complexo Agroindustrial. Neste complexo o agricultor familiar é o
sanduíche, ficando exprimido entre a indústria dos insumos e a indústria de transformação da
produção agrícola.
O setor ou agregado um, da indústria de insumos, é composto pelos sub-setores metal-
mecânico (máquinas, implementos e equipamentos); químico (venenos, adubos e
medicament
os); biológico (sementes, raças modernas e híbridos). O setor agregado um é o
responsável pelo pacote tecnológico. O agregado dois, é integrado pelo agricultor, que
produz com os insumos do pacote tecnológico imposto pelo setor um e conforme as
exigências
do setor três, integrado pelas indústrias de transformação da produção agrícola.
Segundo relatos do II ERPP a renda gerada no ambiente do Complexo Agroindustrial é
apropriada da seguinte forma:: 66% para o setor três; 11% para o setor dois; e, 23% para o
setor um (Boletim II ERPP, 1993).
O II ERPP organizado sob o lema: PRODUZIR
INDUSTRIALIZAR
ABASTECER , aponta para um novo modelo organizativo da agricultura e organizações. As
cooperativas deveriam ser capazes de atender às expectativas dos agricultores e contribuir na
viabilidade dos mesmos. O modelo organizacional de cooperativa seria o municipal.
Organizadas em nível municipal, integradas por sócios, associações ou condomínios e,
67
II ERPP, foi promovido pela: CUT/Missões, Regional Missões I da Fetag, Diocese de Santo Ângelo,
Cotrirosa, Cotrimaio, Cooperluz, CRAB (Coordenação Regional dos Atingidos por Barragens), MST
(Movimento dos Sem Terra) e GEA (Grupo de Estudos Agrários).
117
integradas regionalmente, deveriam ser capazes de organizar e planejar a produção,
industrializa
-la e realizar a comercialização, agregando valor à produção e gerar renda para a
agricultura familiar. Viabilizar a agricultura familiar, com qualidade de vida, é a tarefa a ser
perseguida. Para tanto, as cooperativas constituem o instrumento principal na consecução
deste objetivo.
As cooperativas municipais poderiam estar articuladas numa cooperativa regional, de
segundo grau, para dinamizar ainda mais e melhor esta nova forma de organização,
facilitando o acesso ao mercado consumidor e garantindo a comercialização da produção
agrícola.
O III ERPP, realizado em 1996, que contou com a participação e envolvimento de
mais de vinte entidades, além de buscar fortalecer a estrutura cooperativa regional, apontou
para a defesa de políticas públicas específicas para a agricultura familiar, sugerindo a
formulação e instituição de programas e políticas públicas, nas diversas esferas
governamentais, dando ênfase à esfera municipal, específicas para a agricultura familiar. O
encontro sugeriu sete ações:
Realização de amplo diagnóstico da Agricultura com análise das potencialidades,
definição das prioridades e elaboração de um plano de ação que englobe todas as
entidades com forte suporte das políticas públicas;
Criação e/ou dinamização dos Conselhos Municipais de Agricultura, com caráter
deliberativo, e Fundos Municipais de Agricultura em todos os Municípios que
ainda não os possuem, passando pelo Conselho a gestão de todos os recursos
públicos voltados à agricultura, especialmente, o
Pró
-
rural 2000;
Busca de tecnologias que viabilizem soluções para os problemas da Agricultura
Familiar;
Implementação de programas de educação
68
e cursos que visem, a organização de
Associações/Cooperativas sob a ótica da Agricultura Familiar;
Elaboração de projetos para implantação de agroindústrias nas mãos dos pequenos
produtores;
68
Um dos resultados desta proposta foi a execução do Programa de Cooperativismo nas Escolas - PCE,
desencadeado por algumas cooperativas na região, sob a coordenação da Cooperluz. Mais elementos deste
programa podem ser encontrados em Andrioli (2001).
118
Criação de fóruns de discussão e análise sobre a municipalização das cooperativas;
Criação de programa de crédito que de suporte para as prioridades estabelecidas no
plano de aç
ão (III ERPP, 1997, p. 8).
Segundo os participantes, é fundamental rompermos e superarmos a apatia e
desarticulação da sociedade e lideranças e as ações isoladas e improvisadas das entidades e
instituições dos municípios e regiões. PRECISAMOS CAMINHAR PARA A
ORGANIZAÇÃO E AÇÃO INTEGRADA E PLANEJADA ESTRATEGICAMENTE
(Idem, p. 8)
69
.
O conjunto de debates e propostas aponta para a perspectiva da capacidade da
reprodução social da agricultura familiar, na medida em que ocorra uma ação conjunta,
articulada
do conjunto de entidades e organizações regionais. Isso requer a capacidade
coletiva das entidades processar esta dinâmica, que deve estar ancorada em princípios de
participação, organização, cooperação e solidariedade.
A formação de diversas cooperativas municipais e a constituição de uma central
congregadora das cooperativas singulares materializa uma parte deste conjunto de aspirações.
Garantir a comercialização dos produtos da agricultura familiar, no acesso ao mercado
consumidor foi um passo dado na direção dos objetivos traçados. Além das cooperativas de
comercialização, denota-se a necessidade de crédito solidário para a agricultura familiar. Isso
vem a ser configurado na criação do Sistema CRESOL. São estas experiências que
passaremos a analisar.
69
Grifos no original.
119
4.2.1 O cooperativismo de crédito solidário: organização, programas, crédito e sistema de
garantias
Uma das primeiras organizações de cooperação formal entre os agricultores imigrantes
e também na região em tela, foram as Caixas Econômicas Rurais (
Spa
rkasse
). Com uma
estrutura de funcionamento bastante reduzida, por vezes restrita ao cofre onde era guardado o
dinheiro, na casa de umas das pessoas responsáveis pelo atendimento e controle, ou a
mesmo no clube social da localidade, possuíam uma área de atuação restrita, por vezes
circunscrita a uma determinada localidade ou município. As Caixas Rurais constituíram
formas cooperativas para garantir o acesso ao crédito e espaço de depósito do dinheiro
oriundo do comércio realizado, além de sua interface com o desenvolvimento local. Riedl e
Vogt (2003, p. 174) afirmam que a fundação das Caixas Econômicas Rurais do sistema
Raiffeisen. (...) as Caixas de Crédito e Empréstimo viriam a se tornar importantes
fomentadoras de desenvolvimento local/regional .
Cr
iadas e coordenadas pelo
Volksverein
e
Bauernverein,
essas Caixas tiveram os mais
variados períodos de funcionamento. Na região houve uma presença significativa desta
instituição, como nos lembram Schallenberger & Hartmann (1981) e Büttenbender (1995).
Dad
as as condições econômicas e culturais e dos controles exercidos pelo Estado, estas
cooperativas foram extintas ou incorporadas a outros sistemas de crédito, especialmente ao
Sistema Sicredi.
Debates e propostas de reorganização de cooperativas de comercialização e de crédito
começam a ser realizados, por parte dos agricultores e lideranças. Espelhados em experiências
desenvolvidas em regiões com predominância da agricultura familiar, de cooperação na área
120
do crédito solidário, cria-se a Cooperativa de Crédito Rural com Interação Solidária de Santo
Cristo
CRESOL, no ano de 2003.
A organização do sistema CRESOL estrutura-se a partir de cooperativas singulares,
com abrangência municipal. Um conjunto mínimo de cinco municípios forma uma Base. Esta
Base r
egional está vinculada a uma central de diversas Bases.
O sistema Cresol surge num ambiente de ampla atividade política, cultural e
organizativa das Comunidades Eclesiais de Base (CEB) da Igreja Católica, e de uma rica
experiência de organizações sindicais e populares como uma dos desdobramentos dos fundos
rotativos, criados na década de 1980, financiados por entidades internacionais de apoio ao
desenvolvimento da agricultura familiar. Os fundos eram administrados pelos próprios
agricultores e constituíam uma forma de reação à exclusão bancária tradicional. Uma
atividade oriunda do sudoeste e centro-oeste do Paraná, posteriormente organizado em Santa
Catarina e no Rio Grande do Sul (Bittencourt; Abramovay, 2001).
A CRESOL de Santo Cristo está vinculada
à Cresol Central, que atua nos dois Estados
do Sul do Brasil: Rio Grande do Sul e Santa Catarina e está localizada em Chapecó (SC). Esta
central é formada por quatro Bases regionais, localizadas em Chapecó e Curitibanos, em
Santa Catarina e as Bases de Erechim e Constantina no Rio Grande do Sul. À Cresol Central
estão vinculadas 40 cooperativas singulares, destes dois Estados. A Base à qual está vinculada
a CRESOL Santo Cristo é de Constantina. Além de Santo Cristo, fazem parte daquela Base as
unidades de C
ampo Novo, Humaitá, Porto Xavier, Sarandi e Tenente Portela.
A CRESOL Central
121
é uma instituição financeira reconhecida pelo Banco Central que congrega
cooperativas de crédito formadas por agricultores familiares. Sua meta principal é
possibilitar que o agricultor familiar também tenha acesso ao crédito e às operações
de financiamento, que desde o início dos financiamentos rurais, em 1930, nunca
houve uma política que desse prioridade para os pequenos produtores (CRESOL
CENTRAL, 2005, p. 4).
A coop
erativa de crédito singular é coordenada pelos agricultores associados com uma
estrutura administrativa reduzida e com baixo custo operacional. O sistema CRESOL se
estrutura em três níveis: a cooperativa singular é formada pelos associados, num determinado
município. As cooperativas singulares formam uma cooperativa regional, a Base, que presta
serviços e oferece apoio gerencial e administrativo às singulares. Em terceiro grau, todas elas
são interligadas à Cresol Central, que tem a tarefa de buscar recursos para os financiamentos,
representa política e juridicamente as cooperativas perante o Sistema Financeiro Nacional e
organiza as normas e procedimentos para as operações de crédito (Idem).
A centralidade das atividades está na concessão de crédito aos
associados,
especialmente os créditos direcionados para o custeio da lavoura. O crédito é entendido como
ferramenta de desenvolvimento local e condição para a melhoria da qualidade de vida dos
associados. Segundo documentos da própria instituição, as coope
rativas de crédito
da Cresol Central tem como função primeira ser um instrumento de fortalecimento
do desenvolvimento local. Disponibilizar o crédito na perspectiva do
desenvolvimento e com duas análises paralelas: uma econômica e outra social. [...]
considera o crédito uma ferramenta para fomentar a produção e alavancar o
desenvolvimento local, melhorando a qualidade de vida no meio rural (Idem, p. 3-
4).
Dada a especificidade de análise empírica, delimitada à unidade de Santo Cristo (RS),
os dados relativos à caracterização dos associados e recursos movimentados ficarão
circunscritos à mesma, sem prejuízo às demais entidades vinculadas à Base Constantina. No
entanto, esta cooperativa singular se orienta pelas linhas programáticas adotados pelo
122
conjunt
o das cooperativas vinculadas ao sistema todo, tais como: formas de financiamento,
linhas e programas de ação, prazos dos financiamentos.
A Cresol, unidade de Santo Cristo, conforme dados de outubro de 2005, é integrada
por 1.341 associados, formada por agricultores familiares, cuja caracterização de acordo com
a sua estrutura fundiária está no quadro 05.
Quadro 05
Caracterização dos associados da Cresol/Santo Cristo, de acordo com a estrutura
fundiária
2005.
Situação/Área
N.º de associados
%
Mor
a com os pais
385
28,71
Arrendatário
97
7,23
Menos de 10ha
307
22,90
De 10 a 19ha
247
18,42
De 20ha
78
5,82
De 21 a 25ha
151
11,26
De 26 a 40ha
68
5,07
Acima de 40ha
08
0,60
Total
1.341
100
Fonte: Cresol Santo Cristo.
Do total, 7,23% são arrendatários e 28,71% residem com os seus pais. Os demais
associados são proprietários de terras agrícolas, cujas áreas variam de menos de três hectares a
mais de 40 hectares. A maioria, no entanto, é possuidora de até um módulo rural, que é de 25
hectare
s. Dos associados proprietários de imóvel rural, 35,5% possuem área de 10 a 25
hectares. São 859 (64,06%) de sócios que possuem propriedade e 482 (35,94%) que não são
proprietários de imóvel rural.
123
Sua estrutura administrativa é operada por cinco pessoas e mais um diretor liberado
remunerado e uma pessoa que trabalha de forma espontânea, recebendo apenas por
determinadas horas. A cooperativa possui uma administração autônoma, integrada por uma
diretoria eleita em assembléia geral, com mandato de três anos. A assembléia, instância
máxima de tomada de decisões, analisa e vota o balanço, destinando as sobras auferidas
conforme determinação estatutária.
A Base regional, com sede em Constantina, no RS, realiza auditorias,
acompanhamentos, assessorias em cada cooperativa singular. A partir dos acompanhamentos
e decisões, ela apresenta sugestões de ordem administrativa e operacional, que serão acatadas
ou não, salvo as emanadas de instância governamental. Caso haja risco de insolvência por
parte de uma cooperativa singular, a central intervem, afastando a direção e assumindo o
controle das operações até que o problema esteja solucionado.
O critério para associar-se à cooperativa, conforme determinação estatutária, é a
condição de agricultor familiar, não podendo possuir imóvel rural superior a quatro módulos
rurais, permitida a associação de mais de um membro por unidade familiar. É facultada a
associação de pessoas físicas que exercem atividades estritamente vinculadas à agricultura
familiar, como assistência técnica. Permite ainda a associação dos funcionários da
cooperativa. As pessoas jurídicas passíveis de associação são aquelas que mantém vínculos
diretos com a agricultura familiar, cuja atividade comercial estiver centrada primordialmente
com este grupo social, ou ser fornecedor de materiais ou produtos, de projetos implementados
pela Cresol.
124
Quando da associação, o cooperado, realiza uma capitalização mínima de R$ 100,00
(cem reais), tornando
-
se sócio efetivo que é integralizada ao patrimônio líquid
o da instituição,
ficando retida pela cooperativa durante o tempo de associação do integrante. A capitalização
serve de referencial do patamar máximo de endividamento dos associados, ficando em no
máximo doze vezes a cota de capital. Outra modalidade de vinculação ao sistema Cresol é a
associação para realização de serviços de poupança. Nesse caso, o custo de associação é de
R$ 20,00 (vinte reais).
As movimentações financeiras realizadas na instituição têm os custos operacionais
estabelecidos pelas normas do Banco Central do Brasil. São cobradas as taxas de CPMF,
custos de emissão de cheques sem fundo, cobranças de impostos nos casos previstos, de
investimentos financeiros e os custos financeiros de acordo com a taxa de juros estabelecida
pelos respectivos programas, como no caso do Programa Nacional de Fortalecimento da
Agricultura Familiar. Taxas como de manutenção de conta corrente, não são cobradas.
O crédito, que como visto anteriormente, constitui o instrumento central da
cooperativa, é concedido
ao associado após uma avaliação do comitê de crédito, formado pela
diretoria e conselho fiscal. Este comitê avalia os riscos de crédito dos tomadores do
empréstimo, com base em informações buscadas pelos agentes comunitários de crédito da
respectiva localidade, informações adicionais fornecidas pelo Sindicato dos Trabalhadores
Rurais. Também são válidas as informações prestadas pelos órgãos de assistência técnica, no
caso da EMATER.
Os agentes comunitários de crédito são escolhidos pela comunidade rural
, cuja tarefa é
de participar do processo de cadastramento dos cooperados, levantar demandas de
125
financiamentos, estabelecer as relações com as comunidades, levar informações aos
associados quanto às possibilidades e linhas de crédito, facilitando o acesso aos mesmos e
contribuir na análise dos projetos a serem encaminhados à cooperativa.
A importância das cooperativas de crédito solidário é analisada por Abramovay (2004)
como o quarto mais importante sistema cooperativista brasileiro. Afirma o referido autor que
o sistema é:
certamente a experiência mais inovadora, sob o ângulo institucional. (...) com o
objetivo de lutar contra a exclusão bancária e ao mesmo tempo de faze-lo no
âmbito de organizações financeiramente sustentáveis. Com isso, o Sistema
CRE
SOL tornou-se referência nacional obrigatória, como exemplo de inovação
institucional no campo do cooperativismo de crédito (Idem, p. 152).
A importância desse sistema cooperativo para as famílias rurais associadas, reflete-
se
no desempenho histórico da instituição, no curto período de sua existência, conforme
demonstrado no quadro a seguir.
Quadro 06
Indicadores do desempenho da Cresol
Santo Cristo
2003 a 2005.
Ano
2003
2004
2005
Associados
350
900
1.341*
Patrimônio líquido (R$ 1,00)
160.00
0
230.000
344.350
Depósitos à vista (R$ 1,00)
70.000
180.000
331.920
Depósitos a prazo (R$ 1,00)
200.000
370.000
822.348
Volume total de créditos concedidos
(R$ 1,00). (a+b)
1.160.000
2.720.000
4.171.618
a) Recursos próprios (R$ 1,00)
500.000
900.00
0
1.041.618
b) Repasse de recursos (R$ 1,00).
(c+d)
660.000
1.820.000
3.130.000
c) Custeio (R$ 1,00)
560.000
1560.000
2.200.000
d) Investimento (R$ 1,00)
100.000
260.000
930.000
Fonte: Cresol Santo Cristo. (*) Dados até setembro de 2005.
126
O sistema Cresol trabalha com uma variedade de linhas de crédito e programas que
atendem às necessidades da agricultura familiar e serviço de poupança. Disponibiliza linhas
de financiamento que incluem o micro-crédito, repasse de recursos de Programas
Governamentais
(PRONAF e PSH). Os recursos do micro-crédito podem ser gastos com
pagamento de contas de luz, despesas médicas, compra de máquinas e equipamentos e
animais.
O objetivo da cooperativa é dar acesso para as pessoas, organizadas, os
agricultores ter acesso. Tem menos burocracia. A Cresol traz muitos recursos para
viabilizar a agricultura, para ter crédito para poder comprar as coisas que se precisa.
É uma coisa nossa. Tem acesso a muitas coisas. Recursos que antes não se tinha
acesso. Ter um micro-crédito, assim né, se me morre um boi hoje, eu consigo um
crédito para comprar outro. Saio com o dinheiro na hora de lá. Sem muito trabalho
e papelama
70
.
Além do sistema do micro-crédito, a cooperativa opera com todas as linhas do
Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar
PRONAF
71
, detalhadas no
ANEXO V.
O Programa Social Habitacional de Interesse Social
PSH Rural, é outro programa
federal implementado localmente pela Cresol. Constitui uma política pública que visa
construir casas para os agricultores familiares de baixa renda. O programa estabelece um
subsídio por unidade habitacional, no valor de R$ 6.000,00. Ele é executado pela cooperativa,
que é a responsável pela organização, cadastramento e elaboração dos projetos a serem
financiados.
70
Transcrição de entrevista realizado com associado, em 09/08/05.
71
É o Programa do Governo Federal criado para apoiar o desenvolvimento rural, fortalecendo a agricultura
familiar por meio de assistência técnica, seguro agrícola, comercialização e o crédito rural produtivo às famílias
agricultoras, suas associações e cooperativas. São publico do Pronaf famílias agr
icultoras, assentadas de reforma
agrária e do credito fundiário, extrativistas, silvicultoras e pescadoras. São também público do Pronaf
comunidades quilombolas ou povos indígenas que pratiquem atividades produtivas agropecuárias ou não
agropecuárias no m
eio rural.
127
Os recursos do PSH Rural são integrados pelas seguintes fontes: o Governo Federal,
através do Ministério das Cidades, subsidia R$ 6.000,00. O acesso a esta fonte de recursos se
dá pela participação de leilão público realizado pelo governo federal. A Cresol financia
R$ 3.000,00, por unidade habitacional, cujos recursos são de fonte própria. O governo
estadual participa com uma parte variável de recursos. Já o agricultor participa com um valor
aproximado de R$ 3.000,00, dependendo do tamanho da casa a ser construída ou mesmo da
disponibilidade de materiais e serviço. O projeto perfaz um valor total, aproximado, de
R$ 12.000,00.
Os projetos das casas seguem um padrão mínimo, sendo que a cooperativa
disponibiliza cinco modelos à escolha do mutuário. A casa será construída conforme o
interesse da família e as condições do terreno. São projetos de 60m², por unidade, podendo ser
adequados conforme situação particular de cada interessado.
O prazo de pagamento junto à cooperativa, da parte finan
ciada, é de 72 meses. O custo
da parcela é de aproximadamente R$ 50,00, variando conforme o valor financiado, cujo teto é
de R$ 3.000,00. A taxa de juros é de 6 a 8% ao ano, sem nenhuma variação ou custo
adicional.
Os critérios de elegibilidade para os
beneficiários do PSH Rural, são os seguintes:
ter renda familiar inferior a três salários mínimo e precisar da casa para a moradia
própria. Entre os critérios para a seleção dos mutuários está: a situação da moradia
atual; o número de pessoas (ou de famílias) que moram na casa; a perspectiva de
permanência na atividade rural; o envolvimento e participação em serviços e
associações comunitárias (CRESOL CENTRAL, 2005, p. 5).
128
Zatti (2005), coordenador da Base Noroeste, da qual a cooperativa de Santo Cristo é
integrante, referindo ao PSH Rural, destaca a importância do programa para a agricultura
familiar e da família, reafirmando o compromisso que a Cresol tem com o desenvolvimento
em conjunto com outros atores e agentes sociais. Segundo ele,
É a primeira vez na vida que os agricultores familiares estão tendo esta
oportunidade. Mas a sensação mais gratificante é quando encontramos um
associado que já concluiu sua casa e a gente pode ver em seu rosto a alegria de falar
da casa e o quanto a vida é melhor agora de casa nova. Todos se sentem mais
animados para trabalhar, para cuidar da propriedade e até para o convívio social.
Afinal, esse é o verdadeiro papel social de quem tem compromisso com a
Agricultura Familiar e com o desenvolvimento das regiões essenc
ialmente agrícolas
do nosso país. Essa é uma ação de inclusão social e muitas outras ainda virão, a
partir do comprometimento do cooperativismo de crédito rural integrado aos
movimentos populares e sindical (p. 23).
O Sistema Cresol possui diversos tipos de garantias para realizar os empréstimos. Nos
créditos de menor valor pecuniário, a própria cota de capitalização serve de garantia, dado que
um limite de crédito, de adoze vezes o valor da cota integralizada. Os empréstimos de
valores monetários maiores exigem o aval de uma pessoa, com penhora ou hipoteca de algum
bem, dependendo do valor emprestado ou da modalidade de financiamento. Nas linhas de
crédito do PRONAF, somente no Pronaf D, exige-se penhor ou avalista. No caso do Pronaf C
exige
-
se
como garantia de pagamento do empréstimo o aval solidário. Esta modalidade de
financiamento é realizada, geralmente, por um grupo de cinco famílias, as quais tornam-
se
avalistas umas das outras. É uma modalidade de financiamento e de avalista que exige um
compromisso mútuo no pagamento, confiança recíproca. A inadimplência de um acarreta a
notificação simultânea de todos os implicados, tanto o avalista como o devedor. Caso o débito
não seja saldado, todos os integrantes do grupo perdem o direito a créditos futuros na
cooperativa, enquanto a pendência não tenha sido solucionada.
129
As entrevistas realizadas com funcionários. diretores e associados revelaram a
dificuldade enfrentada pelos agricultores na obtenção de crédito junto aos estabelecimentos
bancários
. Os motivos apresentados são: falta de informação quanto às possibilidades de
financiamento, linhas e programas disponíveis; demasiadas exigências para acessar o crédito;
custos administrativos na manutenção de conta bancária, taxas específicas; discriminação, ou
seja, o crédito é concedido para quem tem renda maior e para aquelas pessoas que buscam
quantias mais elevadas; demora na análise, aprovação e liberação dos recursos; ausência de
recursos para as finalidades específicas da agricultura familiar, es
pecialmente o micro
-
crédito;
e, falta de vontade de criar estes créditos para além das culturas tradicionais (milho, soja e
trigo).
As dificuldades apresentadas pelos entrevistados indicam sério limite de acesso a
crédito e financiamentos. As restrições são de natureza econômica e política. Econômica
porque os custos dos financiamentos disponíveis são elevados demais para serem pagos pela
agricultura familiar, custos administrativos da conta e os valores disponibilizados são para
aqueles agricultores em situação econômica mais favorável do que a maioria dos sócios da
Cresol. Quanto a restrições de natureza política, ela reporta à ausência de recursos financeiros,
via crédito, para as necessidades específicas da agricultura familiar. Os bancos não
disponib
ilizam e não instituem linhas para atender o público da agricultura familiar, exceto os
programas governamentais de crédito, nas suas especificidades. A opção é pelo blico que
tem possibilidades de financiar volumes maiores de recursos, que apresenta garantias de
pagamento e a produção das culturas tradicionais.
Kliksberg (2001, p. 151), ao analisar as desigualdades econômicas e sociais da
atualidade e a relação que estas desigualdades apresentam e limitam o desenvolvimento,
130
aponta as restrições de acesso ao crédito como fator determinante para a manutenção destas
desigualdades, denunciando a discriminação e seleção no acesso ao crédito, já que apenas 5%
do crédito do sistema financeiro é concedido a pequenas e médias empresas. As limitações de
acesso
aos serviços de crédito rural constituem um fator limitante às iniciativas de fomento da
economia local (Brose, 2000).
Para os agricultores associados ao sistema Cresol Santo Cristo, o acesso ao crédito é
considerado fundamental para realizar o processo produtivo e sua manutenção e reprodução
social. De acordo com as entrevistas a Cresol apresenta um conjunto de vantagens aos seus
membros: participação nas definições da cooperativa; seriedade e transparência na
administração da cooperativa; menos custos financeiros (taxas e juros); menos burocracia na
obtenção do crédito; agilidade e rapidez na análise, aprovação e liberação dos recursos dos
projetos; não exigência de movimentação financeira; crédito disponível conforme as
necessidades das famílias; disponibilidade de crédito conforme o volume necessário, no
micro
-crédito; busca de outros programas, além do crédito, para o desenvolvimento da
agricultura familiar; oferta de informações acerca de programas, linhas de crédito; é uma
organização dos pequenos
é algo nosso ; e, trabalha em conjunto com outras entidades dos
agricultores, como o Sindicato dos Trabalhadores Rurais, outras cooperativas.
Para Vicente Bogo presidente da Organização das Cooperativas do Rio Grande do Sul
(...) as cooperativas de crédito praticam taxas de juros em suas operações
aproximadamente 50% abaixo dos bancos comerciais e com taxas e serviços com
valores bem abaixo dos cobrados pelo sistema financeiro tradicional. E mais: o
resultado (sobras) também retorna para os seus associados. Enquanto os bancos
comerciais aplicaram 10,48% ao mês de taxas de juros sobre o cartão de crédito, as
cooperativas praticavam 5,92%. (...) E no crédito pessoal, 5,55% nos bancos
comerciais para 2,88% no sistema de crédito cooperativo (BOGO, 2005,
p. 6).
131
O conjunto de vantagens da Cresol apresentadas pelos associados se contrapõem às
dificuldades e limites no acesso ao crédito no sistema financeiro tradicional. Um dos
elementos
-chave é a participação do associado, de forma direta ou indireta, nas definições da
cooperativa.
A participação é um aspecto fundamental para o bom funcionamento da organização.
Eleita de forma direta e livre, a direção da cooperativa, formada pelo conselho de
administração e conselho fiscal, manifesta a vontade da maioria dos associados, sobre quem
deverá coordenar a organização. A direção possui um conjunto de obrigações, pois seu
patrimônio constitui a garantia de pagamentos em caso de quebra da cooperativa.
A remuneração de apenas um membro da diretoria, que exerce a função de diretor
liberado
72
, constitui um processo de profissionalização da função e mantém os custos
administrativos em patamares reduzidos. O trabalho prestado pelas lideranças da cooperativa,
no caso dos agentes de desenvolvimento e crédito e demais membros da direção, é realizado
com satisfação, com gosto, sendo normalmente encarado como dinâmica de aprendizagem,
de crescimento pessoal e coletivo .
73
O agente comunitário de desenvolvimento e de crédito desempenha uma atividade
fundamental na concessão do crédito. Ele representa a comunidade na cooperativa e
representa a cooperativa na comunidade. É um animador escolhido pela comunidade
o
núcleo da cooperativa em determinada localidade
com a tarefa de fomentar a organização,
a discussão e a formação dos/as associados/as no espaço onde ele vive (CRESOL, 2002,
p. 5). Conforme o mesmo documento, as funções exercidas pelo agente são as de:
72
Somente o diretor liberado é remunerado em 3,5 salários mínimos mensais, cuja decisão foi tomada em
assembléia geral da cooperativa.
73
Transcrição de entrevista realizada com associado em 09/08/05.
132
Organizar a proposta sica (pré-projeto) de custeio e de investimento para os seus
grupos comunitários;
Apl
icar e atualizar os cadastros dos associados, sempre que necessário;
Levantar demandas de pré
-
custeio;
Encaminhar as propostas de novos sócios da cooperativa que, desta forma, passaria
primeiro pela inclusão nos grupos comunitários de base;
Organizar a doc
umentação para a operacionalização de contratos de crédito;
Organizar e incentivar a poupança como forma de fortalecer a autonomia da
cooperativa;
Organizar demandas de insumos agroecológicos para os grupos;
Fomentar a organização e acompanhar parcelas experimentais de produção da base
tecnológica;
Organizar agenda de formação dos grupos de base, debates, dias de campo,
intercâmbios (Idem, p. 7
-
8).
Os agentes comunitários de desenvolvimento e de crédito desempenham as suas
atividades e tarefas sem receber remuneração. Constituem um elo de ligação entre a base e a
cooperativa. Dinâmica que fortalece a organização e a participação dos associados na tomada
de decisões e acompanhamento da execução das ações e programas desenvolvidos pela
cooperativa. Desempenha
a função de controle social sobre os programas. Constitui uma fonte
de informações acerca dos programas de crédito disponíveis na cooperativa e ao mesmo
tempo desperta a cooperativa para novas formas e programas, pelas demandas apresentadas
pelos associad
os nas reuniões mensais da base.
A existência deste agente contribui para aumentar os níveis de informação dos
associados na cooperativa, reduzindo a assimetria informacional e/ou os custos de sua
obtenção. A maior informação acerca do associado, seus projetos de financiamento e
capacidade de pagamento reduz os custos financeiros dos empréstimos, porque se sabe para
quem se emprestará o dinheiro , diz um dos diretores, em entrevista.
Além das informações obtidas através dos agentes comunitários, o si
stema cooperativo
de crédito solidário aufere outros dados junto com as entidades parceiras da organização,
como o Sindicato dos Trabalhadores Rurais
STR, Emater, diz o presidente da entidade. A
133
interação com outras entidades forma uma densidade institucional territorial
74
(Fernadez,
2004) e uma rede organizativa forte.
As redes sociais que interagem neste espaço permitem a redução das incertezas e
custos financeiros dos créditos, pois
o caráter localizado e a intencional limitação de tamanho das cooper
ativas
permitem, em princípio, que as redes sociais que a constituem abram caminho para
uma significativa redução dos custos de transação bancária, explicando assim o
paradoxo delas serem economicamente mais viáveis que os sistemas convencionais,
quando se trata de atingir este tipo de público. Ao mesmo tempo, elas funcionam a
partir de um conjunto de controles externos, objeto de administração financeira
padronizada que indicam claramente o potencial de expansão e universalização do
sistema (BITTENCOURT;
ABRAMOVAY, 2001, p. 204 )
No sistema cooperativo de crédito da Cresol o grau de inserção da cooperativa junto à
comunidade possibilita que, por meio da participação dos agentes de desenvolvimento e
crédito, do comitê de crédito, da relação com o STR e a
Emater, seja possível aproveitar a teia
social na qual o sistema creditício está inserido para aumentar o grau de informações do
tomador de crédito. Pode-se dizer que as relações que permeiam os atores e associados, neste
caso, são de confiança mútua.
4
.2.2 As cooperativas singulares e a CRECAF
A Central Regional de Cooperativas da Agricultura Familiar Noroeste Ltda
CRECAF, é uma central regional de cooperativas singulares, com sede em Santa Rosa (RS).
74
Sobre esta temática, Cazella (2002), diz que a criação coletiva e institucional do território está associada à
idéia que a transformação das propriedades do espaço banal pode gerar e maximizar o processo de valorização
de diversos recursos desse espaço. A densidade institucional de um espaço explica a construção e as
características de um território. Duas propriedades fundamentais do território sobressaem dessa análise: a) é uma
realidade em evolução; b) é o resultado simultâneo do jogo de poderes e dos compromissos estáveis (p. 30).
Grifos no o
riginal.
134
Constitui uma cooperativa de segundo grau. As cooperativas singulares que integram a
Central possuem abrangência municipal dos municípios de Alecrim (Cooperativa dos
Produtores de Alecrim Ltda - COOPRAL), Campina das Missões (Cooperativa Canavieira
Santa Teresa Ltda - COOPERTERESA), Cândido Godói (Cooperativa Agro-
ecológica
Cândido Godói Ltda - COOPERAE), Salvador das Missões (Cooperativa de Produtores de
Leite da Região das Missões Ltda - COOPLEITE), São Pedro do Butiá (Cooperativa dos
Produtores de São Pedro do Butiá Ltda - COOPERBUTIÁ) e Santo Cristo (Cooperativa dos
Agricultores de Santo Cristo Ltda - COOPASC). Novas cooperativas singulares recentemente
constituídas nos municípios de Porto Vera Cruz, Cerro Largo e Guarani das Missões, estão
em processo de discussão para incorporarem
-
se à Central.
A Central é fruto de um processo de discussões, debates e necessidades cooperativas,
com o envolvimento de lideranças comunitárias, sindicais, cooperativas da região Fronteira
Noroeste e Missões do Rio Grande do Sul, ligadas à agricultura familiar. O processo de
debates iniciou em 1999 onde, inicialmente, participaram os grupos e cooperativas de Santo
Cristo, Porto Lucena, Alecrim, Cândido Godói e Campina das Missões, culminado com a
formação da Central em 22 de março de 2002.
A Central é formada pela associação das cooperativas singulares e regida por um
estatuto próprio que lhe confere independência administrativa das suas afiliadas. A
administração da entidade é realizada pela direção, integrada pelos conselhos de
administração e fiscal, eleitos em assembléia geral, da qual participam os representantes de
cada cooperativa singular. Sua relação com as singulares é de assessoria, acompanhamento
técnico e administrativo, organização e articulação regional da produção, industrialização e
comercialização dos produtos produzidos pelas famílias associados. Dispõe para tanto uma
135
central de vendas em Santa Rosa, um moinho e corpo técnico que trabalha em sintonia com os
técnicos de cada cooperativa. Havendo necessidades busca assessoria de ONGs, da Coorlac
ou outr
a entidade que julgar apropriada, conforme o estatuto da entidade.
De acordo com os estatutos, poderão ingressar na Central as cooperativas que
estimulam a organização dos agricultores, o desenvolvimento local, a agroecologia, a
diversificação de culturas, a biodiversidade, a segurança alimentar, a produção orgânica, o
desenvolvimento sustentável., admitindo-se a associação de cooperativas de consumidores
que estejam em sintonia com os objetivos da Crecaf.
O quadro de associados das cooperativas singulares é integrado por famílias de
agricultores familiares. A absoluta maioria é proprietária de áreas de terras inferiores a um
módulo rural, conforme atesta o levantamento da estrutura fundiária destes municípios,
expressa no quarto capítulo. São famílias dedicadas à produção agropecuária, destacando-se a
produção de leite, suínos, milho, trigo, soja e cana-
de
-açúcar. Outros produtos como arroz,
feijão preto, feijão-arroz, frutas e hortaliças e milho (caiano) vêm ganhando espaço e se
incorporando aos sistem
as de produção destas famílias.
Apesar da produção de cereais para fins de comercialização, desenvolvida por um
grupo significativo dos associados, nenhuma cooperativa singular e nem a Central possuem
estrutura de armazenagem e comercialização destes produtos. O mesmo fato ocorre com os
suínos. No entanto, a cooperativa de Cândido Godói possui um moinho colonial, no qual
processa as quantidades produzidas pelo conjunto das cooperativas do trigo orgânico ou em
conversão, descasca arroz e produz farinhas d
e milho, especialmente da variedade caiano.
136
Os outros produtos (soja, trigo, milho, girassol) são comercializados através de outras
cooperativas tritícolas ou mistas presentes na região, assim como ocorre com os suínos e parte
do leite. Este fato faz com que uma parte dos associados das cooperativas singulares ligadas à
Crecaf, sejam simultaneamente associados destas cooperativas tradicionais.
Um grupo de associados das cooperativas singulares está ligado à produção de
produtos ecológicos ou realizando o processo de conversão para aquele padrão de produção.
Produzem milho, arroz, amendoim, feijão-arroz, feijão preto, soja, trigo, cana-
de
-
açúcar,
batatinha, hortaliças, cebola, etc. Esta produção é em parte agroindustrializada no moinho da
Cooperae e out
ra parte comercializada in natura.
A comercialização da produção das famílias, exceto soja não orgânico, o milho e o
trigo que o destinados às cooperativas tritícolas ou comerciantes, tanto in natura como
aquela transformada, é realizada nos centros de venda da própria cooperativa ou no centro de
vendas da central. Outra parte é vendida em feiras, eventos, exposições ou outras formas de
relações comerciais criadas. Neste último caso inclui-se a relação existente entre a Cooperae
e a Cooperativa Colméia, Rede Ecológica Arco-Iris e participação no Fórum Social Mundial
em Porto Alegre.
Um produto que merece destaque na estratégia de reprodução social da agricultura
familiar regional é o leite. Mesmo não sendo produzido e comercializado por todos os
ass
ociados do sistema Crecaf, é um produto com o qual todas as cooperativas singulares
137
trabalham. O produto é recolhido pelas estruturas organizadas pela Central e posteriormente
vendido ao sistema COORLAC
75
.
O leite tem sido um fator de ampliação das cooperativas, aumentando seus sócios.
Uma atividade produtiva retomada por algumas famílias após a organização das cooperativas
e suas estruturas de recolhimento. No sistema Crecaf, existe uma plataforma de recebimento e
resfriamento de leite, em Salvador das M
issões.
Assim como a produção, comercialização do leite é importante na estratégia de
reprodução adotada pelas famílias rurais, outros dois produtos, merecem destaque: a cana-
de
-
açúcar e a mandioca. Estes dois produtos encontram-se presentes nas propriedades desde o
início da colonização da região. A partir das discussões da diversificação da produção,
realizada nos anos noventa, algumas associações de agricultores foram criadas para
industrializar estes produtos. Posteriormente, estas associações foram transformadas em
cooperativas, como no caso da Cooperae de Alecrim e da Cooperteresa de Campinas das
Missões. No caso de Cândido Godói, a associação de agricultores vinculados à agroindústria
da cana, permanece autônoma em relação à cooperativa, mas todos os membros da associação
são associados da Cooperae.
Do ponto de vista da participação e integração social dos associados das cooperativas
singulares e representantes na Crecaf, existe uma presença significativa nas organizações de
75
A COORLAC - Cooperativa Riograndense de Laticínios e Correlatos Ltda foi criada em fevereiro de 1994,
após o fechamento, em 1993, das atividades da empresa estatal gaúcha CORLAC, por iniciativa de entidades e
movimentos populares do estado que acreditavam na organização dos agricultores e na cadeia produtiva do leite
como forma de desenvolvimento local e viabilização da agricultura familiar. É uma central de cooperativas,
integrada por 20 cooperativas, no Rio Grande do Sul.
138
sua comunidade e do município. Resultado das entrevistas realizadas com vinte e cinco
pessoas, de quatro cooperativas singulares, há uma intensa interação e participação nas
entidades, acessando estes atores sociais. Do total, 60% participam no Sindicato dos
Trabalhadores Rurais. Da comunidade religiosa, são todas as famílias membros ativos,
inclusive, quatro pessoas desempenham papel de ministro da palavra e da eucaristia e
integrantes do conselho de pastoral de sua paróquia. No clube cultural e esportivo, 80% das
famílias participam como membros sócios. O destaque está presente na formação de grupos
de máquinas (máquinas agrícolas, implementos, secador solar de grãos) ou associação de rede
água. Deste conjunto de organizações, são 76% das famílias integradas. Dos conselhos
mu
nicipais (saúde e agricultura), são oito pessoas integradas naquele espaço da esfera do
Estado. Além de participar da cooperativa singular, 48% das famílias associadas a uma
outra cooperativa de comercialização (tritícola), 84% das famílias sócias de uma cooperativa
de eletrificação rural e apenas 8% associadas ao sistema Sicredi. No campo da participação
político partidária, 48% das pessoas estão filiadas a alguma agremiação, sendo que destes dois
desempenham o papel de vereadores. Além da participação no Sindicato dos Trabalhadores
Rurais, dois associados, professores estaduais, vinculados ao seu sindicato da categoria e
dois ligados ao sindicato à nível municipal, dos municipários. Por fim, um associado
entrevistado, participa da rede ECOVIDA, que é uma certificadora participativa de produtos.
O quadro sistematiza em termos numéricos, a intensidade da participação das famílias, com
base em fonte primária (entrevista). Ou seja, um acentuado espírito de participação, uma
presença de capital social,
produzido e em reprodução, nesta dinâmica participativa.
Independente da condição socioeconômica, as famílias associadas têm uma
participação nas organizações e entidades, além de sua cooperativa. Participam de entidades
com finalidade recreativas, culturais, como o clube comunitário. Significativo é o número de
139
participantes de associações, sejam elas formadas para a compra, uso e conservação de
máquinas e implementos agrícolas, ou para prover o acesso a um ativo natural, como a água.
igualmente uma participação nas cooperativas, sejam elas de comercialização, de
eletrificação rural, ou de crédito solidário. No campo da participação nos atores da esfera do
Estado, isso é visível pela participação em conselhos municipais (saúde e agricultura), a
partic
ipação em partidos políticos e na instância do legislativo municipal. Intensidade também
presente no movimento sindical e de mulheres trabalhadoras rurais.
Mas por que as cooperativas singulares e a Central das cooperativas municipais? A
partir do conjunto de respostas colhidas através da pesquisa, o que é destacado
majoritariamente, a razão da organização é a busca da garantia de acesso a atores localizados
na esfera da sociedade civil, do Estado e do mercado e a ativos. A garantia de um espaço de
com
ercialização, para os produtos produzidos pela agricultura familiar, é destacada pelo
presidente da entidade.
A gente se perguntava como vai ser a questão comercial, porque a questão
comercial nas associações que a gente viveu e nas cooperativas que existiam era o
problema. Inclusive nas agroindústrias. Quando a pequena agroindústria queria
vender para a região ela se deparava com o alto custo. E a gente percebeu que a
gente precisava de uma entidade que faria esta ponte de comércio para nossas
pequena
s estruturas. E foi aí que a gente optou pelo cooperativismo. Criar as
cooperativas municipais, transformar as associações dos municípios em
cooperativas e a partir daí criar uma entidade regional que seria uma central
regional.
76
A Crecaf se constitui no espaço de articulação e organização regional da produção,
agroindustrialização e comercialização para viabilizar a efetiva comercialização de produtos
agropecuários e derivados que tradicionalmente não fazem parte das preocupações das
cooperativas tritícolas. Seus sócios, os agricultores familiares, e o seu modelo de produção
76
Transcrição de en
trevista realizada com o presidente da Crecaf, em 24/10/05.
140
(diversificado), não contemplados nos objetivos das outras cooperativas de comercialização,
delimitam a forma e ações desencadeadas por cada cooperativa singular e da central.
In
icialmente, a preocupação maior da central, era com a produção ecológica. Pensava
em constituir um espaço virtual para a venda de produtos ecológicos, afirma o presidente.
Esta idéia foi gradativamente sendo alterada dada sua limitação prática de execução e pela
restrição feita aos produtos em fase de conversão. É sentida a necessidade do local
permanente de comercialização de produtos. Além dos produtos ecológicos, produzidos,
mesmo em quantidades menores, busca-se também um espaço para todos os demais
produtos
da agricultura familiar, no centro de vendas. Produtos devidamente identificados (origem,
situação produtiva).
O leite não fazia parte dos produtos a serem comercializados, nem pelas cooperativas
singulares e nem pela Central. Após a criação da Central e sua efetiva atividade, o tema
começou a fazer parte do conjunto de preocupações dessa organização. Preocupação
manifesta em reuniões de núcleos das cooperativas singulares, e também nos núcleos da
Cooperluz.
As principais questões levantadas referentes ao leite diziam respeito às exigências
feitas pelas cooperativas tradicionais e pelas agroindústrias do setor. Exigências de ordem
tecnológica, de escala, padrão alimentar do rebanho, padrão sanitário. A preocupação maior é
referente ao preço recebido pelo agricultor e pela impossibilidade de adequação tecnológica,
pela maioria dos agricultores, aliada à ausência de créditos adequados para realizar este
investimento.
141
Ante ao quadro
baixo preço pago aos agricultores, exigências de quantidades cada
vez maiores, ausência de crédito para investimentos e exigências sanitárias
a Crecaf
organiza rotas de recolhimento de leite junto aos seus associados e novos associados que vão
aderindo a proposta. O leite recolhido é comercializado pelo sistema Coorlac o qual aceita
qualquer quantia produzida por família.
No processo de produção ecológico, incluso o leite, ou em vias de conversão
tecnológica, a região Fronteira Noroeste, carecia de insumos, tecnologia, defensivos, de um
sistema de certificação, de estruturas de armazenagem, industrialização e comercialização. As
cooperativas singulares e a central buscam sanar este limite regional. Preocupação que está
aliada à viabilidade deste padrão produtivo para a família rural. Contemplar no processo de
produção, agroindustrialização e comercialização a preservação dos recursos naturais (terra,
ar, água, florestas), obter uma remuneração adequada pelo produto para garantir a reprodução
social e a qualidade de vida da agricultura familiar, passam a constituir os referenciais desta
idéia organizativa.
A organização cooperativa deste sistema, trabalha um conjunto de programas e
projetos que apontam para o entendimento da reprodução social da agricultura familiar, para o
fortalecimento da organização e formação dos seus associados. Trabalha a implementação de
uma rede de comercialização da produção, aproximando o produtor e o consumidor. Integra
sistemas de certificação da produção, através do sistema ECOCERT
77
e Rede ECOVIDA
78
.
77
Organização de certificação de produtos e sistemas de produção. A ECOCERT nasceu dos movimentos da
agricultura orgânica. Foi criada na França, em 1991, por um grupo de técnicos envolvidos com a
produção
orgânica.
Além da certificação para produção orgânica, a certificadora fornece atestados para outras aplicações
agroecológicas, como, por exemplo, cadeias produtivas de soja não-
transgênica.
A ECOCERT BRASIL foi
criada em 2001 sendo uma representação da empresa francesa Ecocert Segue as normas do Ministério da
Agricultura para certificação, constituindo-se como uma associação civil sem fins lucrativos. Para a certificação
de produtos destinados ao mercado interno é utilizada a IN 007 / 09, para produtos destinados ao mercado
internacional são utilizadas as respectivas normas nacionais dos diferentes países (ECOCERT).
142
Fornece insumos, fertilizantes e defensivos ecológicos para esta forma produtiva ou em vias
de conversão. Disponibiliza assessoria e acompanhamento técnico à produção para as famílias
rurais; contribui na organização de grupos de agricultores
associados ou não associados -
,
para realizarem a produção e comercialização conjunta. Garante a comercialização da
produção, independente da quantidade, da produção realizada pelos associados. Contribui no
processo de formação e organização das famílias rurais para o acesso mais qualificado aos
r
ecursos e programas governamentais, sejam financiamentos e subsídios.
A remuneração dos produtos ecológicos, conforme o presidente da Central, é maior
que a tradicional, ou seja, o agricultor recebe U$5,00 a mais que o preço comercial do dia, por
saca de 60 quilos de soja ecológica, devidamente certificada. O milho ecológico
(especialmente da variedade caiano), também recebe uma remuneração maior, dada a sua
qualidade na produção de farinha.
De acordo com as pessoas entrevistadas, as cooperativas contribuem para a segurança
alimentar e nutricional das famílias rurais, pelo incentivo e trabalho com vistas à produção de
alimentos, conservação e socialização de sementes
79
. As cooperativas singulares e a central
realizam um processo de agroindustrialização de milho, trigo, mandioca, cana-
de
-
açúcar,
arroz, etc.
78
Rede de agroecologia ECOVIDA. A rede é formada por pessoas e organizações da Região Sul do Brasil, que
possuem como objetivo organizar, fortalecer e consolidar a agricultura familiar ecológica. São agricultores,
técnicos, consumidores unidos em associações, cooperativas, ONGs e grupos informais que constituem Núcleos,
formando a rede. Através da certificação participativa os produtos são certificados pelo selo ECOVIDA,
atestando que os mesmos foram produzidos com respeito ao meio ambiente e são fruto de relações sociais justas.
(Rede de agroecologia ECOVIDA).
79
Além do processo de conservação e socialização de sementes (as chamadas sementes crioulas): de milho,
trigo, arroz, hortaliças, amendoim, soja, feijão, batatinha, etc., nos seus espaços, apóia a formação e ampliação
dos bancos de sementes organizados nos municípios, através dos movimentos sociais.
143
Existem alguns projetos em debate, em análise, diz o presidente. São projetos para a
produção de álcool combustível nas propriedades, através de sistemas integrados em rede de
produção e comercializ
ação; a produção de óleos vegetais integrais orgânicos; a construção de
secadores solares e de pequenos silos para a guarda da produção; a produção de sementes;
aumento da produção ecológica, tanto de cultivares como o leite; melhoria das condições de
habi
tação e de saneamento das famílias rurais; e, a certificação e rotulagem de toda a
produção de todos os produtos trabalhados pelas cooperativas e pela Central Regional.
144
5 COOPERAÇÃO E DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL RURAL
As famílias rurais adotam um conjunto de estratégias com vistas à sua reprodução
social, de forma individual, coletiva ou cooperativa, que passam
pela escolha e definição de um conjunto de atividades e de rendas agrícolas e não-
agrícolas, rurais e não-rurais, em função de um conjunto de ativos de capitais que
elas conseguem acessar e do tipo de relacionamento que elas conseguem manter
com outras famílias e com atores estratégicos que operam em esferas situadas para
além de suas comunidades e que representam as instituições do mercado, do Estado
e da sociedade civil. A forma e as condições de acesso com que as diferentes
famílias conseguem ter acesso a estes distintos atores interferem, portanto, na
conformação de suas estratégias de reprodução (BASSO, 2004, p. 149
).
A forma e a intensidade do acesso a diferentes tipos de ativos e atores, por parte das
famílias rurais influenciam na importância que é dada às atividades agropecuárias (agrícolas)
e às não
-agrícolas, tornando suas vidas mais ou menos dependentes das
rendas obtidas com as
atividades desenvolvidas na produção agrícola.
De acordo com a pesquisa realizada
80
, as famílias associadas às cooperativas
singulares do sistema Crecaf e também as associados à Cooperativa de Crédito Solidário
Cresol, residentes nos municípios de Santo Cristo, Alecrim, Campina das Missões e Cândido
Godói, da agricultura familiar, constituem sua principal fonte de renda nas atividades
80
Pesquisa com perguntas semi
-
elaboradas, conforme ANEXO VI.
145
agrícolas e dela realizam sua principal estratégia de reprodução social, articulada com rendas
o-
agrícolas, que as caracteriza da seguinte maneira
81
:
a)
Possuem áreas de terra de tamanho próximo a um módulo rural, sendo em sua maioria
absoluta de até um módulo;
b)
Adotam a pluriatividade como estratégia de reprodução familiar e dependem, em
alguma medida,
de programas e políticas públicas, para compor a renda familiar;
c)
Apresentam demanda permanente de insumos externos à propriedade, tais como
adubos, sementes, fertilizantes, sejam eles industriais ou ecológicos;
d)
Fazem uso intensivo da força-
de
-trabalho familiar para desenvolver suas atividades
produtivas. a necessidade, em algumas situações, de contratação de pessoas ou
realiza
-
se um trabalho conjunto entre as famílias em determinadas épocas do ano;
e)
Desenvolvem a pecuária intensiva e extensiva, na produção leiteira e de suínos com
níveis distintos de manejo, sob o ponto de vista sanitário e zootécnico;
f)
As fontes externas de financiamento são oriundas de programas governamentais,
concentradas, basicamente no Pronaf. As demais fontes de financiamento são
oriundas
do micro-crédito (Cresol), ou de créditos concedidos via cooperativas, com o
pagamento em produto, desconto na nota do leite , como as duas formas
predominantes de quitação dos débitos;
g)
Apresentam níveis variados de produtividade das áreas cultivadas, em conseqüência
da fertilidade e condições do solo, tecnologia aplicada, níveis de intensidade de uso,
disponibilidade de pessoas para o trabalho e tipos de produtos cultivados;
h)
Apesar da diversificação de culturas, alguns produtos como a soja e o mi
lho,
permanecem presentes nas culturas da maioria das famílias;
81
Seria importante quantificar numericamente as famílias de acordo com a estratégia de reprodução adotada,
porém o trabalho não contemplou esta forma de caracterização, podendo constituir
-
se objeto de novos estudos.
146
i)
Uma parcela significativa dos alimentos consumidos pelas famílias é adquirida nos
espaços de comercialização. Destacam
-
se o feijão, o arroz, as farinhas;
j)
Uma parte das famílias adotou a estratégia de reprodução na migração dos filhos para
outras regiões do estado ou país, em busca de emprego ou estudo (universitário). Isso
é manifesto na expressão: nós não queremos que nossos filhos passem por aquilo que
nós estamos passando. É seca, preço ruim... É a melhor coisa que podemos dar para
eles ;
82
k)
Estão suscetíveis às variações climáticas, o que determina a irregularidade na
produção de alimentos, na agricultura e pecuária. Poucas propriedades têm infra-
estrutura de irrigação, a qual é destinada à p
rodução hortícola;
l)
Possuem vínculos, interação e participação comunitária e social intensa, manifestos na
associação a distintas organizações de caráter local e/ou regional;
m)
Concentram na dinâmica da cooperação a principal forma de acesso a ativos de capit
al
e atores situados na esfera do Estado, da sociedade civil e do mercado, bem como o
processo de qualificação para o acesso e uso dos ativos na composição das estratégias
de sua reprodução.
As famílias buscam incluir outras fontes de renda para a sua vida. Incluem,
igualmente, a sua formação para melhor acessar os ativos e atores. Esta dinâmica exige, por
parte de algumas pessoas da família uma nova formação, outras formas de relacionamento
com os atores. Esta necessidade está relacionada à formação para a coordenação da
agroindústria, para dirigir a cooperativa nas atividades comerciais, na relação da cooperativa
com as três esferas governamentais e suas políticas. Formação que é proporcionada pelas
cooperativas às quais as famílias são associadas ou por
alguma entidade apoiadora, parceira.
82
Mani
festação de agricultores expressa durante as entrevistas.
147
A capacitação, a formação desenvolvida com as famílias rurais associadas às
cooperativas em estudo, está direcionada para uma gama de preocupações e áreas do
conhecimento. As atividades formativas incluem conhecimento na área da produção;
administração da propriedade e a cooperativa; planejamento; agroecologia; comercialização;
programas governamentais e políticas públicas; processos de certificação da produção;
diversificação da produção; logística; participação; conservação dos recursos naturais;
industrialização. Saberes reconstruídos e construídos coletivamente através de discussões
teóricas, intercâmbios, assessoria técnica, realização de experiências, em colaboração com
entidades apoiadoras dessa dinâmica cooperat
iva, conforme o diretor da Crecaf.
Por outro lado, os membros de famílias, cuja estratégia é sua inserção no mercado de
trabalho urbano, dentro ou fora da região, requer a construção de outras habilidades, de
formação, de estudo. Esta estratégia de reprodução social é aprofundada dadas as condições
de esgotamento dos ativos naturais (terra, florestas), a impossibilidade de sua recuperação a
curto prazo, a interferência de fatores climáticos, como a seca, que impedem a obtenção de
rendas nas atividades ag
rícolas, para uma parte das famílias rurais.
O acesso aos atores e aos ativos e a formulação de estratégias de combinação, uso e
preservação de ativos é fundamental no processo de reprodução social das famílias rurais.
Existem, porém, outros aspectos presentes na dinâmica de articulação e organização dos
agricultores, que potencializam e que contribuem na organização das famílias, permitindo a
manutenção da rede de solidariedade entre as mesmas. A organização e a solidariedade entre
as famílias rurais, caracterizam o processo de cooperação e a sua organização em
cooperativas. Ou seja,
148
as famílias se engajam em estratégias que podem ser individuais e coletivas. A
dimensão coletiva dessas estratégias pode vir do acesso comum a recursos, mas
vêm principalmente de questões que tratam de economias de escala, poder de
mercado e advocacia política que pode ser alcançada através de associações
(JANVRY; SADOULET, 2000, p. 2).
A cooperação entre as pessoas e famílias, manifesta de distintas formas, sejam el
as nas
organizações cooperativas, em associações, grupos (formais ou o), constitui uma das
estratégias centrais adotadas pelas famílias vinculadas às cooperativas da Crecaf e da Cresol,
no acesso aos ativos e atores e a qualificação para o acesso a eles. As próprias cooperativas
singulares e as centrais (de comercialização e de crédito), constituem atores os quais as
famílias acessam. Por outro lado as cooperativas constituem-se em instrumento, uma
ferramenta de organização para o acesso mais qualificado a determinados ativos e atores
situados na esfera do Estado, da sociedade civil e do mercado, tornando-se um capital social
de ponte e de escada (Bebbington, 2005), realizando a mediação necessária entre a produção e
o consumo, entre a necessidade de créd
itos e a fonte de recursos.
A interação entre a dinâmica da cooperação e o desenvolvimento territorial rural
afirma a cooperatividade, a capacidade de cooperação, em detrimento da competitividade, ou
seja, a capacidade de competir. Comunidades com presença de capital social, que o produzem
e o reproduzem, tendem a ampliar a capacidade de cooperação e por conseqüência um maior
desenvolvimento. Diz Franco (2001, p. 284) que quanto maior for o exercício da cooperação,
mais condições terá um sociedade de se desenvolver socialmente e, por conseguinte, mais
condições terá de ensejar a dinamização das potencialidades e a atualização das capacidades
das pessoas que a compõem .
As razões, os motivos que levam as famílias rurais a participarem das cooperativas
singulares do sistema Crecaf, podem ser caracterizadas nos seguintes aspectos: pela garantia
149
de comercialização oferecida pelas cooperativas aos produtos cultivados pelas famílias;
organização e participação dos agricultores nos rumos de sua entidade; possibilidade de
preservação dos recursos naturais (terra, água); a produção ecológica e o processo de
conversão do tradicional para a produção agroecológica; diversificação da produção familiar
(pluriatividade) e o incentivo à produção para a segurança alimentar e nutricional; agregação
de valor à produção pela agroindustrialização e aumento da renda para as famílias; ajuda na
viabilização da agricultura familiar, ou seja, na reprodução social; contribuições na dinâmica
de formação e de capacitação das famílias
e a confiança mútua.
Para os associados da Cresol, sua motivação para participar, para cooperar, está
vinculada ao acesso desburocratizado de crédito de acordo com as necessidades e não das
linhas de financiamento oferecidas pelos bancos comerciais, qu
ando trata
-
se do micro
-
crédito.
Outro motivo elencado é que a cooperativa é do associado, isto é, a Cresol está nas nossas
mãos , afirma um associado. Além disso, afirmam que a cooperativa é a forma mais adequada
para resolver os problemas, pela ajuda mútua, crédito coletivo e solidariedade; possibilidade
de acesso à programa públicos, como moradia, crédito, que de forma individual não seriam
acessados; os custos financeiros são menores, especialmente o custo de acesso e os juros. A
Cresol é uma alternativa para os que não tem alternativa dentro do sistema vigente afirmou
um dos entrevistados.
A busca da melhoria da qualidade de vida das famílias rurais, através da dinâmica da
cooperação, está relacionada com o conjunto de ações, programas e projetos d
esenvolvidos ou
em andamento, coordenados pelas cooperativas, os quais já foram citados anteriormente.
150
A avaliação que os associados realizam destes projetos, planos e programas, do
impacto em suas vidas, na vida de sua comunidade e do município, é que os mesmos
representam uma importância significativa. A cooperativa é apontada como instrumento (ator)
importante na busca da implementação de novos planos, ações e atividades que contribuam no
desenvolvimento territorial rural e a melhora da qualidade de vi
da.
Olha, depois da rota do leite, o preço melhorou muito. A diferença de preço é
bem menor agora, somente de R$ 0,05. Agora ganhamos uns R$ 0,10 a mais que
antes e isso ajudou para todos. Porque todos ganham mais e não somente alguns.
Antes tinha um bolicheiro que ganhava R$ 0,30 pelo litro do leite e nós
ganhávamos R$ 0,16. Agora não. Depois da Corlac, agora é bem melhor. Outra
coisa: tu pode plantar de tudo e se coloca para vender. Tem a Central fora
(
referindo
-se a Santa Rosa)
83
que se vende as coisas e é bem bom isso. Plantamos
também a soja orgânica, que antes não se via e se ganha bem mais por ela do que a
outra. Se tem a garantia de preço. Tu tem que pensar: olha, plantar de tudo um
pouco e isso a cooperativa ajudou. mais serviço, mas sempre dá alguma coisa e
isso uma tranqüilidade. Agora que nem teve a seca. Quem plantou umas
coisas está pior.
84
A diversificação da produção apontada nesta fala é distinta das propostas de
diversificação da produção apontada na década de 1980, que as confundiam com a
especialização em uma nova cultura, além da triticultura. A diversificação da produção,
manifesta em diversas entrevistas, relaciona-se à produção de distintas culturas (policultura) é
apresentada como estratégia de garantia de alimentos para a família e as possíveis formas de
combinação de comercialização e obtenção de rendas nos mais variados períodos do ano.
Na nossa associação nós tomamos a decisão de produzir alimentos e ter nossa auto-
sustentação da propriedade. Nós temos que ter segurança alimentar, de comida boa.
O que os outros colonos fazem é produzir grãos para alimentar as vacas dos
europeus e eles passam fome porque não produzem alimentos. Primeiro produzir
alimentos para si e preservar as sementes que ao longo da história (e atualmente)
foi uma função, uma atribuição das mulheres. Primeiro temos que ver com o que
comer e ter uma comida boa e limpa.
85
83
Destaque do autor.
84
Transcrição de entrevista realizada com associado da Coopral, em agosto de 2005.
85
Transcrição de entrevista realizada com associado da Cooperae, em julho de 2005.
151
A preocupação com a segurança alimentar e nutricional associa-se à dinâmica da
recuperação, preservação e socialização das sementes entre as famílias, que configura uma
outra forma de cooperação entre as famílias rurais, de preservação e reprodução do capital
cultural e do capital produzido. As sementes crioulas cultivadas e adaptadas às situações de
solo e clima da região são resgatadas e socializadas pelos próprios associados, pelas
cooperativas e pelos bancos de sementes, organizados pelos movimentos sociais em diversos
municípios
86
. Uma política que busca desvincular-se das empresas produtoras destas
sementes, as quais aliam sementes, fertilizantes e venenos; preservar hábitos e culturas
alimentares; a conservação de recursos naturais (solo, água, flora e fauna) e a preservação de
um patrimônio genético público.
Este conjunto de preocupações com as quais os associados se id
entificam, requer que a
cooperativa seja uma organização social, para além da simples dimensão econômica.
Lapassade (1989, p. 101), entende a organização social como uma coletividade instituída
com vistas a objetivos definidos, tais como a produção, a dis
tribuição de bens e a formação de
homens . As cooperativas em tela são organizações dessa natureza, ou seja, são organizações
sociais, com finalidades econômicas, sociais e culturais. Elas são:
organizações que se instrumentalizam, constituindo-se em um e
mpreendimento
comum com vistas a alcançar objetivos econômicos específicos, mas com
significados e reflexos políticos, sociais e culturais. O sentido econômico é a base
do empreendimento, mas na dinâmica de sua organização e funcionamento nascem
outras dimensões, consolidam-se outros significados. Através do impacto da
existência e da atuação de uma cooperativa sobre o meio social que a abriga ou dela
participa, são construídos significados de ordem cultural, educativa, política. Desse
modo, organizações cooperativas também constituem campos de educação e
espaços de poder (FRANTZ, 2005, p. 33).
86
Município
s que tem organizado seu banco de sementes: Santo Cristo, Porto Lucena, Cândido Godói, Porto
Xavier.
152
O processo de cooperação em análise revela um conjunto de atuações presentes nas
cooperativas, não reduzindo as organizações à dimensão econômica, contemplando tam
bém
os aspectos da organização, cultura, educação, poder presentes nestas ações. A análise
circunscrita ao aspecto econômico, compreensivelmente importante, tem se descurado da
complexidade do fenômeno da organização cooperativa, separando-a em partes e
fr
agmentando a sua unidade e globalidade. Esta postura fragmentária ofusca a compreensão
do seu sentido e significado mais completo. Morin (2000, p. 14-15) pondera que a
inteligência que sabe separar fragmenta o complexo do mundo em pedaços separados,
fr
aciona os problemas, unidimensionaliza o multifuncional. Atrofia as possibilidades de
compreensão e de reflexão (...). Uma inteligência incapaz de perceber o contexto e o
complexo planetário fica cega, inconsciente e irresponsável .
Segundo este pensador a política econômica não compreende e não percebe o
inquantificável, o não mensurável, como as necessidades humanas, que constituem um dos
pilares da organização cooperativa. Conseqüentemente o enfraquecimento de uma percepção
global leva ao enfraquecimento do senso de responsabilidade
cada um tende a ser
responsável apenas por sua tarefa especializada -, bem como ao enfraquecimento da
solidariedade
ninguém mais preserva seu elo orgânico com a cidade e seus cidadãos (op.
cit, p. 18).
Os associados das cooperativas do sistema Crecaf entendem que sua entidade é uma
organização dos agricultores, isto é, uma organização, um peso forte para os agricultores. É
um instrumento de transformação e de agregação de valor à produção e de renda para o
agricul
tor, para nós (Associado
Cooperteresa). A agregação de valor à produção pela
agroindustrialização e comercialização própria, especialmente da cana-
de
-açúcar e de geração
153
de renda para as famílias constitui um dos destaques do conjunto de entrevistas rea
lizadas
com os associados daquela cooperativa. Esta percepção alia-
se à contribuição da cooperativa à
permanência do jovem no meio rural. O jovem permanece no meio rural com perspectiva de
trabalho e renda, seja na sua propriedade ou como cortador de cana para a cooperativa e
associados, ampliando o conjunto de rendas das famílias, dentro das estratégias de reprodução
social adotadas. Responsabilidade destacada com a afirmação de nós temos que abrir
caminhos, a picada, para a juventude permanecer na roça
(Idem).
Destaca
-se, igualmente, a importância da comercialização desempenhada pela
organização cooperativa. A venda dos produtos agrícolas e os produzidos pela agroindústria
de derivados de cana-
de
-açúcar e a compra de insumos necessários à produção agrícola e ao
consumo familiar, pela cooperativa, desempenha uma tarefa fundamental no processo de
acesso aos espaços do mercado e seus atores. É quase uma troca. A gente leva cana e traz
um pouco de cachaça. Vende o leite e pega as coisas no mercado. Tem as coisas que
precisamos (Idem).
A atenção com a conservação, preservação e recuperação dos recursos naturais está
presente, tanto na forma de produção (tecnologia aplicada) da cana e outros produtos, quanto
na destinação dos resíduos produzidos nas agroindústrias. Quanto às agroindústrias, estas
destinam os dejetos para serem aproveitados nas propriedades das famílias. O bagaço é
destinado para a alimentação do gado ou aproveitado no processo de adubação das terras. O
vinhoto é transformado em fertilizante natural, o super-
magro
87
. A cooperativa e a
agroindústria, no caso particular da Cooperteresa, interagem com este universo de
preocupações das famílias a elas associadas. Na cooperativa podemos vender nossos
87
Fertilizante natural produzido num processo de decomposição do diversos ingredientes (folhas, esterco,
vinhoto, etc.) e utilizado na adubação de plantas
.
154
produtos, com certeza. Pegar algumas coisas
, como o vinhoto e o bagaço. Do vinhoto fizemos
super
-magro para adubação (Idem). Neste sentido, a produção realizada nas propriedades
também atende às atenções voltadas para a conservação dos ativos naturais da região.
A capacidade de organização e reação dos agricultores familiares, transformando a
cooperativa em instrumento de pressão, resistência, de empoderamento social, constitui outra
qualidade das cooperativas em questão, apontada pelos seus associados. O empoderamento
social proporcionado pela organização e cooperação constitui-se numa ação emancipatória
(Bebbington, 2005), de luta contra a pobreza e melhoria na remuneração da produção. Ação
emancipatória que busca desafiar as estruturas de mercado sob as quais estão ganhando a
vida, especialmente numa reação aos preços praticados pela indústria de laticínios, anterior à
formação da rota de leite. A cooperativa, nesta dinâmica é
uma grande saída. É uma solução para mim e para todos os pequenos agricultores.
Um pouco nós fomos perseguidos. Mas ent
ão eu dizia: vamos tirar esta organização
para ver o que acontece, o vazio que dá. Muita gente teria saído do Alecrim se
não fosse a cooperativa. Se pode vender tanta coisa: ovos, amendoim, pipoca,
bergamota ... Isso sempre um dinheiro para o colono. Agora temos uma linha
de leite, que dá um grande rendimento para o agricultor. Antes nós fazíamos
protestos, derramava leite fora e não adiantava nada, para aumentar o preço. Hoje
nós temos uma pequena linha de leite e o preço já é maior.
88
Conforme M
annheim (1962, p. 303), associações e cooperativas são grupos concretos
de contornos definidos, compostas de membros que se reuniram para certas finalidades
objetivas . Esta idéia traz a afirmação de que cooperativas são espaços de poder. Como
grupos concretos com finalidades objetivas procuram exercer poder, na direção de seus
objetivos e necessidades, ao mesmo tempo em que influenciam o comportamento e posturas
de seus membros.
88
Transcrição de entrevista realizada com associado da Coopral, em agosto de 2005.
155
A Cresol é descrita como um instrumento de acesso facilitado a serviços como o
crédito e à poupança. Entidade que operacionaliza, através da concessão de créditos,
programas governamentais
89
e linhas de financiamentos. A cooperativa constitui-se em ator
ao qual as famílias m acesso enquanto organização e, simultaneamente, um instrumento de
acesso a capitais produzidos. O acesso ao capital produzido, na forma de crédito, viabiliza a
realização de estratégias de reprodução adotadas ou mesmo acessar e/ou adquirir outros tipos
de capital produzido, como máquinas e equipamentos agrícolas, sementes, móveis,
eletrodomésticos, cuja aquisição é possível de ser financiada pela cooperativa. Os crédito
concedidos pela Cresol viabilizam o acesso e conservação a um ativo natural importante,
dentre eles, a água, através do financiamento, a g
rupos de famílias, das instalações de redes de
água, construção de fonte drenada
90
, o que viabiliza um acesso mais qualificado a esse ativo e
contribui na redução do êxodo decorrente do não acesso à água.
As definições dos programas e linhas de financiamento com recursos próprios são
resultado de discussões e decisões feitas pelo conjunto das entidades apoiadoras da
cooperativa de crédito, garantindo acesso a um ativo de capital, o qual não era acessível em
outras instituições financeiras tradicionais, para a maioria absoluta das famílias rurais
vinculadas ao sistema cooperativo Cresol.
É um banco dos agricultores, que repassa dinheiro para a agricultura. Não tem
manutenção de conta, reduzindo custos administrativos. Nos outros bancos tem
muitos custos. É
uma cooperativa dos sócios pequenos. É uma questão social, né. A
maioria que hoje é sócio, não tem condições de abrir conta em outra instituição
financeira.
91
O sistema de crédito cooperativo além de trabalhar nas linhas de crédito, acentua um
serviço de poupança, incentivando os associados à formação de poupança na organização. Os
89
Pronaf, PSH Rural, Micro
-
crédito.
90
Sistema de conservação de fontes naturais de água e armazanagem para posterior distribuição.
91
Transcrição de entrevista realizada
com associado da Cresol. Ago/2005.
156
recursos captados pelo serviço de poupança são transformados, conforme possibilidades as
legais, em fontes de financiamentos para outras famílias, tornando-se um processo
perma
nente de solidariedade horizontal. Conjuga-se, portanto, concessão de crédito com
formação de poupança. No entanto, a centralidade na prestação de serviços concentra-se na
concessão de créditos (manifesto nos dados do quadro 06). Afirma-se, nesta dinâmica
financeira a solidariedade entre as famílias associadas, levando-se crédito a quem dele
necessita, com olhar na continuidade e perseverança da cooperativa. Além da concessão do
crédito, viabilizado pela captação de recursos financeiros através da poupança, a Cresol
constitui
-se em instrumento de acesso aos recursos públicos e programas governamentais,
organizando o acesso das famílias aos mesmos, numa visão social da entidade. Nesse
horizonte
uma de suas funções básicas é baratear a chegada de recursos e facilitar o acesso a
programas governamentais voltados à geração de renda para esta população (...). A
inserção das cooperativas num conjunto de organizações de combate à pobreza
aumenta as chances de que estas iniciativas cheguem de fato, com eficiência, a seus
destinatários (ABRAMOVAY (org.), 2004, p. 52
-53).
As dificuldades relatadas e enfrentadas pela Cresol relacionam-se à sua falta de
autonomia perante o sistema financeiro nacional, para poder definir com mais qualidade os
seus programas e políticas. Essa vinculação também se manifesta quando se trata de repasse
de recursos de outras instituições, como BNDES ou programas governamentais. Estes fatos
tomam maiores proporções, especialmente ante os recursos do Pronaf, pois suas políticas e
cronogramas de execução obedecem a calendários nacionais e não o calendário agrícola
regional. Estas decisões maiores acarretam atraso de liberação e repasse de recursos aos
agricultores no período mais apropriado de plantio.
157
Em se tratando de recursos repassados, a dificuldade de aprovação de projetos
inovadores, tanto sob o ponto de vista da tecnologia aplicada (agroecológica), quanto para o
financiamento de cultivares diferentes das tradicionais, como o milho e a soja. Preocupação
manifesta na fala de um associa
do:
Esse ano nós queríamos financiar o trigo ecológico e aí o financiamento não saiu. A
Cresol não conseguiu captar recursos para poder financiar estes projetos porque o
banco que iria alavancar não apoiou. Ou seja, veja só. O banco não tem autonomia
para
definir seus projetos, conforme os períodos agrícolas e outros projetos
importantes da região.
92
Além destes aspectos, merecem atenção dos associados as dificuldades relativas ao
espaço físico da própria cooperativa. Ela aumentou em mero de associados bem além das
expectativas iniciais. Entendem os associados que, ampliando o espaço físico, o atendimento
poderia ser melhor, as pessoas gostariam ainda mais da cooperativa e dos seus serviços.
O quadro de formação dos associados é apresentado como uma nec
essidade
permanente. Contribuir para a educação da cultura e consciência cooperativa deveria ser uma
atenção permanente, tanto por parte da direção, quanto dos agentes comunitários de
desenvolvimento e de crédito. Educação para fortalecer a cooperativa (me
lhor administração e
participação) e os vínculos entre os associados. A formação e capacitação das famílias
associadas, das direções, funcionários e corpo técnico das cooperativas singulares e da Central
tanto das de comercialização como a de crédito
possibilita uma melhor análise e tomada
de decisões acerca da estratégia de reprodução a ser adotada, o uso e a combinação dos ativos
de capital e a melhora das capacidades de acessar ativos e atores (Bebbington, 1999). Uma
dinâmica que conjuga a interface entre ação instrumental, ação hermenêutica e ação
emancipatória.
92
Transcrição de entrevista realizada com associado da Cresol. Ago/2005.
158
A contribuição do processo de formação dos agentes cooperativos (famílias e
lideranças), busca tornar as pessoas e grupos mais qualificados para participar de atores
presentes na esfera da sociedade civil (as cooperativas, associações, sindicatos, etc.), do
Estado e do mercado, tornando-os participantes ativos da dinâmica de desenvolvimento
territorial rural. Um processo de qualificação do capital humano, social e cultural. O capital
humano (conhecimentos, experiências, tempo, capacidades, competências), qualificado,
reforça as relações de cooperação entre as famílias. Amplia as capacidade de realizar ações
com vistas a objetivos comuns, compartilhar normas, a gestão em organizações, abrir mão de
interesses pessoais em favor de um grupo maior (Franco, 2001).
A preocupação com as formas produtivas capazes de aliar geração de renda ao
agricultor e a preservação dos recursos naturais, é outra atenção presente na Cresol, quando
busca financiar novas culturas e novas tecnologias de produção. Contribuir para que o crédito
seja um meio à disposição da política de desenvolvimento territorial, preservando os recursos
naturais, e não ser um instrumento de reforço ao sistema tradicional de crédito.
Fr
ança Filho (2002), chama atenção para o aspecto da finança solidária que os
processo cooperativos de acesso ao crédito e poupança apresentam. A democratização do
acesso ao crédito e poupança, faz frente ao problema da seletividade do acesso, e sua
conseqüe
nte limitação de oferta, imposta pelo sistema bancário comercial. Além da
democratização do acesso ao crédito e poupança, estas experiências buscam a afirmação de
uma finalidade de aplicação ética do dinheiro na direção daqueles projetos articulados, por
exemplo, a um trabalho de luta contra a exclusão, de preservação ambiental, de ação cultural,
de desenvolvimento local, etc. (FRANÇA FILHO, 2002, p.130).
159
A dinâmica da cooperação e sua relação com o desenvolvimento territorial rural revela
a presença de um elevado grau de capital social entre as famílias associadas às cooperativas
singulares, de ambos os sistemas: a Crecaf e a Cresol. Capital social que constitui-se em
estratégia para a busca da superação da pobreza, de redução das desigualdades e a mel
horia
das condições de vida. O resultado da pesquisa permite concluir pela existência dos três tipos
de capital social, assim caracterizados por Bebbington (2005): capital social de união, capital
social de ponte e capital social de escada.
O capital social de união das famílias está presente entre elas na organização dos
núcleos de cooperativas, nas associações, grupos de máquinas, grupos de água, grupos de
produção ecológica, nas quais vinculam-se algumas famílias a fim de desenvolver diversas
ações
produzir, realizar serviços, conservar recursos naturais. Esse capital é restrito a uma
determinada localidade, ou seja, geograficamente e também restrito em termos sociais na
medida em que as associações são geralmente formadas por famílias que possuem al
gum
nível de afinidade e disposição comunitária.
O capital social de ponte está expresso na organização comunitária à qual pertencem
as famílias rurais, quais sejam: clubes comunitários, diretorias, conselhos comunitários,
sindicatos de categorias, dentre outras entidades. o capital social de escada, presente nas
relações entre grupos e famílias de distintas identidades e de diferentes graus de poder
político, está presente nas organizações das centrais das cooperativas singulares que formam
redes de comércio, crédito e poupança. Igualmente presente pela capacidade de articulação
das famílias e cooperativas singulares com outras entidades, como ONGs, Universidades,
redes de certificação participativa, redes de comércio, redes de crédito, com os quais
interagem. A presença desse capital social facilita o acesso a recursos públicos, das distintas
160
esferas de governamentais, a programas públicos como o Pronaf, PSH Rural, micro-crédito, a
fontes de tecnologia alternativa, ou a recursos dispostos por organismos internacionais de
desenvolvimento ou apoio a projetos de desenvolvimento inovadores. Os três tipos de capital
social estão presentes e são combinados e utilizados, distintamente pelas famílias rurais, dadas
as suas particularidades, e influenciam decisivamente suas estratégias de vida, acesso a ativos
e a aos atores situados na esfera do mercado, do Estado e da sociedade civil.
A organização cooperativa manifesta a presença desses três tipos de capital social, ao
tempo que as fortalece e reproduz, relaciona uma família com a outra, constituindo espaços
conjuntos de produção e comercialização, de acesso ao crédito e serviços de poupança.
Desperta a responsabilidade social e a solidariedade entre as famílias, elementos fundamentais
ao desenvolvimento humano e à formação do território. Forma uma rede social, dando novas
configurações às relações históricas presentes entre as famílias desse território, incluso as de
cooperação.
Na prática cooperativa pode-se desenvolver sentidos não apenas instrumentais, em
termos de economia, mas que tenham significados para as famílias, as localidades e o
território na qual está inserida. Importância essa possível de ser reconhecida nos seus aspectos
se sua organização e funcionamento, através da estruturação e da viabilização de espaços
econômicos de comercialização, créditos, poupança.
O reconhecimento dos principais aspectos econômicos encontra-se na orientação de
novos processos produtivos, especialmente agroecológicos
para a preservação de ativos
naturais, como terra, água, etc.
repasse de novas tecnologias, pela a assessoria técnica, pela
agregação de valor à produção através de processos de transformação e comercialização
161
próprias, pela relação com o mercado existente e busca de novos espaços mercadológicos,
pelo acesso a créditos e financiamentos, a programas públicos e à poupança. Outro elemento
da importância econômica da cooperação para o processo de desenvolvimento territorial rural,
está vinculado à estabilidade do capital investido. Aliados aos objetivos de ordem econômica
estão os de aspecto político: a participação, a transparência, a decisão, do empoderamento
social. Somados aos aspectos políticos, apresentam-se os elementos constituintes do capital
social: a solidariedade, capacidade de comunidade e de cooperar. Qualifica as famílias para
um acesso positivo aos atores e aos ativos de capital necessários à sua reprodução social e a
melhoria das condições de vida. Isso recomenda o processo cooperativo para o
desenvolvimento territorial rural.
162
CONCLUSÃO
A região Fronteira Noroeste do Rio Grande do Sul tem nas experiências de
cooperativismo e associativismo, especialmente aquele desenvolvido pela agricultura familiar,
uma de suas mais importantes bases do desenvolvimento. A história cooperativista, presente
antes da colonização, exerceu uma influência na formação cultural e socioeconômica da
região.
História que está intimamente imbricada com os diversos momentos pelos quais
passou a região e que serviu para a resolução de distintas dificuldades encontradas na
dinâmica da formação até os dias atuais. Manifestação que pode ser percebida na organização
das primeiras formas organizativas dos guaranis, seguida pelos coletores de erva-
mate,
posteriormente pelas primeiras cooperativas de crédito e de comercialização, passando pelas
tritícolas e, recentemente, nas novas formas adotadas.
Organizadas, no início do século XX, sob a influência da Igreja da Imigração, as
cooperativas de crédito, as mistas ou agrícolas serviram de instrumentos de depósito das
economias feitas e tomada de empréstimos e centros de comercialização da produção e fonte
de abastecimento para as necessidades das famílias. Sob a influência do Estado Novo, da era
163
Vargas, do projeto de desenvolvimento nacional, as cooperativas foram sendo alinhadas ao
novo parâmetro institucional, seja por força da legislação ou adesão aos propósitos oficiais, o
que resultou na sua considerável redução em termos de número quanto de formas de atuação.
Posteriormente, sob os auspícios do projeto de modernização da agricultura brasileira, são
instituídas novas cooperativas, as tritícolas, as quais operacionalizam esse projeto na região,
através do incremento de novas tecnologias de produção, construção de novas infra-
estruturas
de armazenagem, liberação de créditos agrícolas, e sua nova forma organizativa
regionalizada. As cooperativas criadas a partir do binômio trigo/soja, as tritícolas, não foram
um resultado das aspirações e necessidades da agricultura regional, mas fruto da articul
ação
de interesses estatais aliados aos interesses das corporações transnacionais, projetados no
período seguido à Guerra Mundial.
Essas cooperativas e outras organizações egressas do modelo de desenvolvimento
atenderam mais aos objetivos daqueles que possuíam interesses naquele projeto do que as
efetivas necessidades dos agricultores locais, que convencidos e obstados no seu modo de
vida, aderiram à lógica do novo paradigma e passaram a fazer parte das novas cooperativas. O
entendimento e as práticas cooperativas presentes em muitas organizações
cooperativas,
associações
decorrem daquele referencial de organização criada para efetivar a integração
da agricultura aos complexos agroindustriais e financeiros. Compreensão que ofusca a história
cooperativ
ista anterior a essa e que sustenta a forma tritícola como a mais adequada
organização cooperativa.
Concomitante à afirmação e crise do cooperativismo empresarial, organizações
sociais, lideranças e famílias rurais retomam os debates sobre a necessidade de formação de
novas organizações capazes de contemplar as necessidades efetivas da agricultura familiar.
164
Nesse momento, as formas genuínas de cooperativas criadas na dinâmica da colonização são
lembradas e suas concepções novamente retomadas. Paralelamente à idéia de formar
cooperativas municipais são aventadas propostas de reestruturação das cooperativas tritícolas,
buscando para tal ganhar suas direções via processo eleitoral, para criar instâncias de
participação dos associados e propor outros referenciais de desenvolvimento regional. O que
se nega nesse processo são as formas autoritárias e centralizadas de organização de algumas
cooperativas e não o cooperativismo.
No contexto dessas vicissitudes são organizados os Encontros Regionais da Pequena
Pr
opriedade
ERPP, para dar forma às idéias presentes entre lideranças e organizações.
Encontros que debatem e propõem um novo modelo de desenvolvimento regional, baseado na
agricultura familiar, em novas organizações cooperativas capazes de contribuir na e
fetivação
destas idéias. Entende-se que os agricultores precisam deter todo o processo produtivo, que
vai desde a produção até a sua comercialização final, cuja intenção esmanifesta no lema do
II ERPP, de 1993: PRODUZIR-
INDUSTRIALIZAR
-ABASTECER. Tarefa a ser cumprida,
em parte, pelas novas cooperativas. Nesse momento, a preocupação em formar cooperativas
de crédito não se faz presente, visto que o crédito cabia na formatação das políticas públicas
diferenciadas para a agricultura, fato que vem concretizar-se com a criação do Programa
Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar
PRONAF, em 1996, fruto da
mobilização social.
Formar novas cooperativas, novas organizações da agricultura familiar era o desafio
colocado. Resultado dos debates e encaminhamentos dos ERPPs, das necessidades dos
agricultores familiares garantirem um espaço de agroindustrialização e comercialização,
garantir espaço de participação e buscar alternativas de produção, são criadas várias
165
cooperativas municipais. Essas, juntas, criam posteriormente uma central regional. Assim é
que foram criadas a Coopral, a Coopasc, a Cooperteresa, a Cooperae, a Cooperbutiá, a
Coopleite e a Crecaf que congrega essas cooperativas singulares.
Dada a dificuldade de acesso ao crédito por parte de uma parte significativa das
famílias rurais, no sistema financeiro tradicional, cria
-
se uma cooperativa de crédito vinculada
ao Sistema Cresol, em Santo Cristo.
O objetivo central deste trabalho foi o de verificar a dinâmica relação entre a
cooperação
e o desenvolvimento territorial rural na região Fronteira Noroeste do Rio Grande
do Sul, protagonizada por famílias rurais e as organizações cooperativas do sistema de crédito
Cresol e da Crecaf. A análise foi feita a partir das abordagens que tomaram por base as
estratégias de reprodução das famílias rurais em função do seu acesso a ativos de capital e a
atores presentes na sociedade civil, do Estado e do mercado, pela dinâmica da cooperação,
com base na pesquisa de campo.
O desenvolvimento territorial rural depende sobremaneira do acesso das famílias a um
conjunto de recursos naturais, culturais, organizacionais, tecnológicos como também das
possibilidades afetivas de diversificar, inter-relacionar e qualificar esses recursos e de sua
capacidade para transformar o conjunto de recursos num processo de empoderamento
individual e coletivo, melhorando suas relações comunitárias e sociais e com as organizações
da sociedade civil, do mercado e do Estado. Na forma de buscar o acesso aos ativos de capital
e at
ores, a cooperação se constitui no elemento fundante de êxito das estratégias adotadas.
166
A ação das famílias rurais ocorre num determinado território. Território, cuja definição
se pelos seus usos e práticas, oriundas das experiências e dos resultados materializados e
das estruturas de cooperação que foram sendo geradas por e para esses usos, de modo que o
território é simultaneamente o lugar (palco) e o agente (ator). O território envolve os sistemas
naturais, os ativos de capital, os processos culturais construídos e reproduzidos e as ações
humanas que envolvem tanto a cooperação quanto os conflitos sociais e/ou políticos.
Os territórios são o resultado das formas como os diversos atores interagem, que no
trabalho afirma o princípio da cooperação entre os mesmos, para a constituição de uma
dinâmica de desenvolvimento que envolve a participação de todos.
Os resultados do trabalho apontam para a presença de cinco grupos de famílias,
associadas às cooperativas singulares, tanto da Cresol quanto da Crecaf. A maioria delas tem
sua fonte de renda principal nas atividades agropecuárias, onde se destacam três grupos: a) as
que produzem e comercializam produtos orgânicos e ecológicos; b) as famílias que produzem
e comercializam produtos convencionais destin
ados aos mercados tradicionais da região; c) as
que desenvolvem atividades de produção leiteira e/ou de suínos com relativo ou alto padrão
tecnológico de produção, integrados aos complexos agroindustriais. Outro grupo tem suas
estratégias direcionadas à produção cujo processo de industrialização e comercialização é
realizado pela cooperativa singular e Central. Um quinto grupo conjuga atividades agrícolas
com a migração parcial.
Em segundo lugar, as cooperativas singulares e suas respectivas centrais con
stituem
instrumentos de acesso a ativos de capital, como o crédito, novas tecnologias, formação e a
atores das distintas esferas. As cooperativas de comercialização são um espaço de garantia
167
para o comércio da produção ao tempo que estimulam novas formas produtivas e novas
culturas, especialmente as que preservam os recursos naturais. Aliam à produção a
industrialização de uma parte da mesma do território como a cana-
de
-açúcar, a mandioca, o
arroz, o milho, agregando valor aos produtos e gerando renda para as famílias, ao mesmo
tempo em que fornece insumos naturais para a produção orgânica.
Entre os projetos em fase de execução que contribuem no desenvolvimento territorial
rural da região destacam-se os de habitação para construção ou reforma de casas; a p
rodução
orgânica e ecológica de produtos; a certificação da produção ecológica; a ampliação do
processo de industrialização; a ampliação dos créditos e financiamentos; a criação de créditos
para atender às necessidades das famílias; a busca de recursos para financiar novos projetos e
planos dos agricultores; os espaços de participação nas cooperativas e a formação permanente
dos associados foram destacados nas diversas entrevistas realizadas.
Verifica
-se uma densidade institucional no território pesquisado, formada pelo
trabalho interligado de pessoas e entidades, tais como: sindicatos de trabalhadores rurais,
ONGs, igrejas, partidos políticos, associações, conselhos, poder público, cooperativas, órgãos
de assessoria técnica. Juntos formam uma teia social, em mútua cooperação na busca de
desencadear uma dinâmica de desenvolvimento com vistas à qualificação das famílias rurais,
ao empoderamento e a melhoria da qualidade de vida.
A perspectiva da construção de um referencial de desenvolvimento territorial rural na
região Fronteira Noroeste do Rio Grande do Sul requer o protagonismo da agricultura familiar
e de suas organizações, em interação com os atores da sociedade civil, Estado e mercado, com
vistas ao atendimento das necessidades e aspirações desse gru
po social. Ação que encontra no
168
processo cooperativo a base mais eficaz na consecução deste projeto. Os questionamentos
levantados e as análises realizadas buscam constituir uma contribuição na sistematização
desta importante ação de cooperação em sua interface com o desenvolvimento. A
complexidade do tema suscita o desafio de novas pesquisas, com novos olhares sobre essa
ação humana desenvolvida neste território.
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177
ANEXOS
178
ANEXO I
Mapa dos municípios da região Fronteira Noroeste e a região no Estado do Rio
Grande do Sul
Fonte: Secretaria de Coordenação e Planejamento do Rio Grande do Sul.
Fonte: CHRI
STENSEN, 2004, p. 211.
179
ANEXO II
Legislação que disciplina o acesso às terras na Faixa de Fronteira:
NA FAIXA DE 30 KILOMETROS DA FRONTEIRA:
Serem brasileiros natos casados com brasileiras natas. São exigidos a apresentação dos
seguintes documentos: Certidão de casamento, Certidão de nascimento de todos os filhos,
atestado de conduta da polícia e certificado de quitação militar.
NA FAIXA de 150 Km da fronteira: a brasileiros ou famílias
brasileiras, considerando-se como tal aquelas cujo chefe seja
brasi
leiro ou tenha filho brasileiro vivo. São exigidos a apresentação
dos seguintes documentos:
a) Aos solteiros: certidão de nascimento, atestado de conduta da polícia e certificado
de quitação militar.
b) Aos casados: certidão de casamento, certidão de nascimento de todos os filhos,
atestado de conduta da polícia, certificado de quitação militar, e aos estrangeiros, certificado
de registro da polícia de todos os membros da família, extrangeiros (sic) maiores de 18 anos.
Extrato do Decreto n.º 7.677 de 9
-1-
39:
Artigo 29 O pagamento dos lotes rurais, salvo os casos previstos no capítulo III, fica
sujeito às seguintes condições:
a) a prazo, podendo ser feito em seis prestações iguais: a primeira até 30 dias da data
de concessão e as outras até o fim do segundo
, terceiro, quarto, quinto e sexto anos;
b) quando a concessão for mais de um lote, o pagamento será à vista para os
excedentes;
c) considera-se realisado à vista o pagamento que ficar integralisado em 30 dias, a
contar da data de concessão, sendo feita, neste caso, no preço, a redução de dez por cento
(10%);
d) quando o pagamento for integralisado até um ano da data da concessão, a redução
será de oito por cento (8%) sobre o valor do lote;
e) quando o pagamento for integralisado até dois anos da data de concessão, a redução
será de seis por cento (6%) sobre o valor do lote;
f) quando o pagamento for integralisado até três anos da data de concessão, a redução
será de quatro por cento (4%) sobre o valor do lote.
Parágrafo As prestações não integralisadas nos prasos estabelecidos, serão
acrescidos de juro anual simples de oito por cento (8%).
Artigo 41 Aos nacionais que notoriamente não disponham de recursos para o
pagamento na forma estabelecida no artigo 29 fará o Estado concessões de lotes rurais nas
seg
uintes condições:
a) prazo de dez anos para o pagamento integral, em prestações anuais que poderão ser
completadas em quotas;
b) Faculdade do concessionário realizar os pagamentos mediante serviços prestados ao Estado
nos trabalhos que este estiver executando na região (PREFEITURA MUNICIPAL DE
SANTA ROSA/INSPETORIA DE TERRAS DO NOROESTE, 1940, p. 19).
180
ANEXO III
-
Mapa das correntes migratórias regionais na região Fronteira Noroeste, RS.
Fonte: Rotta (1999, p. 41).
181
ANEXO IV
Mapa do município
de Santa Rosa
RS, em 1931.
Fonte: CHRISTENSEN, 2004, p. 8.
ANEXO V
-
CONDIÇÕES DO CRÉDITO RURAL DO PRONAF
-
MODALIDADES E GRUPOS
GRUPO
/MODALIDADE
LIMITES
CUSTEI
O
ENCARGO
S
BÔNUS
ADIMPLÊNC
IA
PRAZO
OBSERVAÇÕES
GRUPO A
Investimento
R$ 16,5 mil
R$ 18 mil com ATER
Até 35%
associado
1,15% a.a.
40%
-
s/ ATER
45%
-
c/
ATER
Até 10 anos total
Até 5 carência
Em até duas operações
GRUPO A/C
Custeio
De R$ 500 a R$ 3 mil
+ Sobreteto
-
30%*
-
2% a. a.
R$ 200
Até 2 anos
Conforme atividade
Até 3 operações
Após a contratação do A .
GRUPO A
novo
financiamento
(Recuperação)
Inve
stimento
até R$ 6 mil
Até 35%
associado
1% a a.
-
Até 10 anos
Carência até 3 anos
Assentados da Reforma Agrária ou
Beneficíados do crédito fundiário até que 1º
/08/ 2002, inclusive egressos do Procera,
adimplentes e que ainda não tomaram
financiamento de
investimento em Grupo C,
D ou E
GRUPO B
Até R$ 3.000 mil
Até 35%
associado
1% a. a.
25% sobre cada
parcela
Até 2 anos total
Em quantas operações possíveis desde que
não ultrapasse o valor de R$ 3.000,00e que
cada operação não ultrapasse R$ 1.000,00
Custeio
De R$ 500 a R$ 3,0
mil
-
4% a. a.
R$ 200
Até 2 anos
Conforme atividade
Até 6 operações com o bônus.
Outras, sem o bônus.
GRU
PO C
Investimento
R$ 1,5 mil a R$ 6 mil
+ sobreteto
50%**
Até 35%
associado
3% a
. a.
R$ 700 fixo
Até 8 anos total.
Carência até 3 ou 5
anos
Até 3 operações.
Só as duas primeiras com bônus
adimplência
Custeio
Até R$ 6 mil /ano
-
4% a. a.
-
Até 2 anos
GRUPO D
Investimento
R$ 18 mil + sobreteto
50%**
Até 35%
a
ssociado
3% a. a.
-
Até 8 anos total.
Carência até 3 ou 5
anos
Custeio
-
R$ 28 mil
-
7,25% a. a.
-
Até 2 anos
GRUPO E
Investimento
R$ 36 mil
Até 35%
associado
7,25% a. a.
-
Até 8 anos total,
carência até 3 ou 5
Os FNE, FNO e FCO definem os encargos
financeiros, prazos de pagamento e bônus.
* Sobreteto de 30% para as atividades de produção de arroz, milho, feijão, trigo e mandioca.
** Sobreteto de 50 % para as atividades de bovinocultura de leite e/ou corte, bubalinocultura, carcinicultura, olericultura, fruticultura ovinocaprinocultura,
avicultura, suinocultura e transição agroecológica, obras hídricas.
CONDIÇÕES DO CRÉDITO RURAL DO PRONAF
-
LINHAS ESPECIAIS
LINHA
LIMITES
CUSTEI
O
ENCARGO
S
BÔNUS
ADIMPLÊNC
IA
PRAZO
OBSERVAÇÕES
AGROINDÚSTRI
A,
A/C, B, C, D e
E
Individual R$ 18 mil
-
3% a a.
Até 8 anos total
Carência até 3 ou 5
anos
Até 30% para produção
Até 35% capital de giro
Até 15% p/ central de gerenciamento
CUSTEIO
AGROINDÚSTRI
A A, A/C, B, C, D
e E
Ind. 5 mil
Col./Grupal R$ 150
mil
-
8,7
5% a. a.
-
Até 12 meses
Pessoa física pronafiano(a), ou jurídica em
que no mínimo 90% dos participantes sejam
dos Grupos B, C, D ou E e, no mínimo 70%
da matéria prima a industrializar/beneficiar
seja de produção própria ou de
associado/participante.
PRO
NAF JOVEM
A, A/C, B, C, D, E
Investimento
até R$ 6 mil
Até 35%
associado
1% a a.
-
Até 10 anos
Carência até 3 anos
Os(as) Jovens de 16 a 25 anos, que tenham
concluído ou estejam cursando o último ano
em centros familiares de formação por
alternância, ou
em escolas técnicas agrícolas
de nível médio ou que tenham participado
de curso de formação profissional que
preencha os requisitos definidos pela
SAF/MDA (portaria 30/SAF/2003). ATER
obrigatória.
PRONAF
MULHER
A, A/C, B, C, D, E
Investimento
A, A/C, B
R$
1000,00
C-
R$ 1,5 mil a R$ 6
mil
D
R$ 18 mil
E
R$ 36 mil
Até 35%
associado
A, A/C
-
1%a.a.
B-
1% a.a.
C, D
-
3%a.a.
E-
7,25% a a.
A, A/C, B
25% da parcela
C
R$ 700,00
A, A/C e B
-
Até 2
anos
C, D, E
-
Até 8 anos
total.
Carência até 3 ou 5
anos
Apenas
uma operação de crédito por
família. Mulheres dos Grupos A ou A/C
precisam que a família já tenha liquidado
uma operação de custeio A/C ou C.
SEMI-
ÁRIDO
A, A/C, B, C e D
até R$ 6 mil
-
1% a a.
-
Até 10 anos
Carência até 3 anos
50% para obras hídricas.
Até 2 operações
FLORESTA
B, C, D
B
R$ 1 mil
C
R$ 4 mil
D
R$ 6 mil
-
3% a a.
-
12 anos com OGU
e 16 anos FCO, FNO,
FNE
Carência até 8 anos
Mínimo de 65% liberado no 1º ano,
restante
2º., 3º. e 4º. Anos.
ATER obrigatória. O limite do
financi
amento poderá ser dobrado quando
aplicados na Região Norte com recursos do
FNO.
AGROECOLOGI
A
C, D
Investimento
C
-
R$ 6 mil
D
-
R$ 18 mil
Até 35%
associado
3% a a.
-
Até 8 anos total.
Carência até 3 anos
Famílias agricultoras em fase de transição
ecológ
ica ou que já utilizam sistemas
agroecológicos de produção, conforme
normas definidas pela SAF/MDA; ou ainda
que produzam produtos orgânicos segundo
as normas estabelecidas pelo Ministério da
Agricultura e Pecuária
-
MAPA.
Até 2 operações
COTAS
-
PARTES
B
, C, D ou E
Ind. R$ 5.000,00
-
8,75% a. a.
-
Até 6 anos para
investimento fixo e
até 3 anos para os
demais casos
Pronafianos filiados à cooperativa de
produção rural em que no mínimo 90% dos
sócios ativos sejam agricultores familiares e
com patrimônio líquido mínimo de R$ 50
mil e máximo de R$ 3 milhões e até um ano
de funcionamento.
Os FNE, FNO e FCO definem os encargos financeiros, prazos de pagamento e bônus nas operações realizadas nas linhas Agroindústria, Semi
-
árido
e Florestal.
CRITÉRIOS PARA ENQUA
DRAMENTO DOS AGRICULTORES FAMILIARES NOS GRUPOS DO PRONAF
GRUPO A
GRUPO B
GRUPOS C e A/C
GRUPO D
GRUPO E
Agricultores Familiares, proprietários, posseiros, arrendatários
, parceiros, quilombolas, indígenas e concessionários da Reforma Agrária
Residem na propriedade ou em local próximo
Dispõe sob qualquer forma, área de terras de no máximo 04 módulos fiscais
No mínimo, 30% da renda familiar
é oriunda da exploração
a
gropecuária ou não agropecuária
do estabelecimento
No mínimo, 60% da renda
familiar é oriunda da exploração
agropecuária ou não agropecuária
do estabelecimento
No mínimo, 70% da renda
familiar é oriunda da
exploração agropecuária ou
não agropecuária do
est
abelecimento
No mínimo, 80% da renda
familiar é oriunda da exploração
agropecuária ou não
agropecuária do
estabelecimento
Trabalho familiar é a base da
exploração do estabelecimento
Trabalho familiar predomina,
com uso eventual de trabalho
assalariado
Tr
abalho familiar predominante, com uso eventual de trabalho
de terceiros e até 02 empregados permanentes
Assentados
da Reforma
Agrária
Ou do
Programa
Nacional de
Crédito
Fundiário
Renda bruta familiar anual de até
R$ 2 mil, excluídos os proventos
da previdência rural e programas
sociais
Renda bruta familiar anual acima
de R$ 2
mil e até R$ 14 mil,
excluídos os proventos da
previdência rural e programas
sociais
Renda bruta familiar anual
acima de R$ 14 mil e até R$
40 mil, excluídos os proventos
da previdência rural e
programas sociais.
Renda bruta familiar anual
acima de R$ 40 m
il e até R$ 60
mil excluídos os proventos da
previdência rural e programas
sociais.
Agricultores familiares que tenham a pecuária bovina, bubalina ou ovinocaprina como determinante na apuração da renda e na
exploração da área e disponham sob qualquer for
ma, área de terras de no máximo até 6 módulos fiscais
Pescadores artesanais autônomos,
com meios de produção próprios
ou em regime de parceria com
outros pescadores artesanais
Pescadores artesanais (a) autônomos, com meios de produção próprios ou em
regime de parceria
com outros pescadores artesanais; e (b) com contrato de garantia de compra com cooperativas,
colônias de pescadores ou empresas
Extrativistas que se dediquem à exploração extrativista ecologicamente sustentável
Aquicultores que: (a)
se dediquem ao cultivo de organismos que tenham na água seu normal ou mais freqüente meio de vida e, (b)
explorem área não superior a 02 hectares de lâmina de água ou ocupem até 500m3 de água, no caso de tanques rede
OBS
.:
Para efeitos de enquadrament
o nos Grupos B , C e D , a renda bruta proveniente de atividades de avicultura, aquicultura, pecuária de leite, olericultura,
sericicultura e suinocultura não integradas a indústria, desenvolvidas fora do regime de parceria ou integração com agroindúst
ria, deve ser rebatida em 50%.
ENQUADRAMENTO PARA LINHAS ESPECIAIS
PRONAF MULHER
Para mulher pertecente a unidade familiar de produção. O enquadramento da mulher é o mesmo da família.
PRONAF JOVEM
Para filho ou filha de pronafiano, com idade entre
16 e 25 anos que tenha que tenham concluído ou estejam cursando o último ano em centros
familiares de formação por alternância, ou em escolas técnicas agrícolas de nível médio, que atendam à legislação em vigor para instituições de ensino, ou que tenham
pa
rticipado de curso de formação profissional que preencha os requisitos definidos pela Secretaria de Agricultura Familiar do Ministério do Desenvolvimento Agrário.
Fonte: Ministério do Desenvolvimento Agrário.
www.mda.gov.br/saf/arquivos/0807810153.doc. Acesso em dez/2005.
ANEXO VI
UNIJUÍ
-
Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul
Vice
-
Reitoria de Pós
-
graduação, Pesquisa e Extensão
Coordenação do Curso de Pós
-
graduação
Stricto Sensu
em Desenvolvimento
QUESTIONÁRIO
ENTREVISTA
1. Nome: ________
___________________________________________________________
2. Cooperativa: ____________________________ 3. Município: ______________________
4. Situação na cooperativa: ( ) sócio ( ) diretoria. Cargo: _________________________
5. Além da cooperat
iva, participa de mais alguma entidade? ( ) Sim ( ) Não.
Caso positivo, qual ou quais? ___________________________________________________
___________________________________________________________________________
6. Quantos hectares de terr
a possui? ________
7. É aposentado? ________ Recebe algum benefício do governo? _____ Qual? ___________
8. Qual é seu motivo, razão de participar da cooperativa?
___________________________________________________________________________
__________________
_________________________________________________________
9. Como você descreveria a sua cooperativa?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
10. Que dificuldades a cooperativa enfrenta?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
11. Como são encarados os conflitos na cooperativa? Eles sã
o resolvidos? Como?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
12. Participou de alguma outra cooperativa e/ou associação antes de ingressar nesta
cooperativa? Que achou disso?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
13. O que as pessoas mias falam sobre trabalhar junto, cooperar, sobre as c
ooperativas?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
14. O que mudou na sua vida, na comunidade, no município com a existência da cooperativa?
_
__________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
15. Que projetos, planos, programas estão sendo feitos, pela cooperativa, que antes não
existiam?
_______
____________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
16. O que você mais espera da cooperativa, dos sócios?
________________________________________________________
___________________
___________________________________________________________________________
17. Que apoio vocês recebem para a cooperativa? De quem? O que você acha disso?
___________________________________________________________________________
_____
______________________________________________________________________
18. Que nota você daria para: a cooperativa:
A cooperativa:
A CRECAF:
Outras cooperativas:
19. Que palavra melhor define uma cooperativa? ____________________________________
20.
Que nota atribuiria a cada palavra, de acordo com a sua relação com a cooperação (de 1 a
10)?
Cooperação
Competição
Solidariedade
Eficiência
Economia
Rendimento
Lucro
Planejamento
Produção
Convivência
Responsabilidade
Autonomia
Socialização
Conhecimento
Organização
Participação
Vencer
Somar
Política
Grupo
Educação
Indivíduo
Desenvolvimento
Democracia
Comunidade
Decisão
Renda
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