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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS
CENTRO DE CIÊNCIAS EXATAS E DA TECNOLOGIA
DEPARTAMENTO DE ENGENHARIA DE PRODUÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENGENHARIA DE PRODUÇÃO
CARACTERÍSTICAS ESTRUTURAIS E INSTITUCIONALIZAÇÃO DE
REDES DE PODER EM PERSPECTIVA COMPARADA
JEOVAN DE CARVALHO FIGUEIREDO
DISSERTAÇÃO DE MESTRADO
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2
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS
CENTRO DE CIÊNCIAS EXATAS E DA TECNOLOGIA
DEPARTAMENTO DE ENGENHARIA DE PRODUÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENGENHARIA DE PRODUÇÃO
CARACTERÍSTICAS ESTRUTURAIS E INSTITUCIONALIZAÇÃO DE
REDES DE PODER EM PERSPECTIVA COMPARADA
JEOVAN DE CARVALHO FIGUEIREDO
ORIENTADOR: Dr. LUIZ FERNANDO PAULILLO
São Carlos / SP
2006
Dissertação de Mestrado
apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Engenharia de
Produção da Universidade Federal
de São Carlos, como parte dos
requisitos para a obtenção do título
de Mestre em Engenharia de
Produção.
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Ficha catalográfica elaborada pelo DePT da
Biblioteca Comunitária da UFSCar
F475ce
Figueiredo, Jeovan de Carvalho.
Características estruturais e institucionalização de redes
de poder em perspectiva comparada / Jeovan de Carvalho
Figueiredo. -- São Carlos : UFSCar, 2006.
172 p.
Dissertação (Mestrado) -- Universidade Federal de São
Carlos, 2006.
1. Organização industrial. 2. Sistemas agroindustriais. 3.
Análise institucional. I. Título.
CDD: 658.51 (20
a
)
5
Costumes e instituições. Tudo Perece.
Machado de Assis, Memorial de Aires
6
Dedico este trabalho a Eustáquio e Agda, meus pais.
Em sua presença amorosa, nos momentos cruciais
desta caminhada, encontrei o estímulo necessário para
superar e vencer as adversidades.
7
AGRADECIMENTOS
A Deus, fonte de amor inesgotável.
Ao Timóteo e a Melisse, pelo inestimável auxílio na fase de créditos e
monográfica do mestrado. O auxílio de ambos contribuiu grandemente para que São
Carlos viesse a ser meu segundo lar.
Aos amigos que fizeram a diferença: Fernanda, Ana Eliza, Ricardo,
Elvisney, Jaqueline e Alda Maria. Vocês sabem que eu precisaria de todo o espaço e de
todas as palavras desta dissertação para agradecê-los (e mesmo assim não conseguiria!).
Portanto, como todos os amigos que a amizade madurou e deu frutos, deixo aqui apenas
um sinal de consentimento e um sorriso, prelúdio de nosso próximo encontro, que não
tem data e lugar, mas que efetivamente acontecerá.
Aos colegas do PPGEP, pela gratificante convivência. A amizade
construída nos intervalos das aulas, no Bar do Toco, no Paschoal, e em todos os outros
lugares onde nos encontrávamos para contar os casos e descasos da vida acadêmica,
será lembrada durante os anos vindouros. Ângela, Cláudia, Wilson Tetéia, Denise,
Sabrina e Tiago, muito obrigado por existirem!
Ao Juliano Cavalheiro, pelo saudável debate em torno do referencial
teórico utilizado na pesquisa, e pelo companheirismo que demonstrou nos momentos em
que a dúvida era maior que a certeza.
Ao Luiz Fernando, meu orientador. Obrigado pela paciência!
Ao Cajú e ao Hildo, por aceitarem o convite para avaliar este trabalho.
As críticas e sugestões de ambos foram responsáveis pela melhoria desta pesquisa.
Ao João Mário, pela confiança e companheirismo.
A Krisley Mendes, por me introduzir no grupo sul-mato-grossense de
pesquisadores do agronegócio da carne bovina, e pelo companheirismo durante a
avaliação do Programa de Melhorias na Cadeia Produtiva da Carne Bovina.
Ao Prof. Ido Michels, que me instigou a abordar o agronegócio da carne
bovina como objeto da dissertação, e cedeu altruisticamente os dados primários sobre a
organização industrial da agroindústria da carne bovina em Mato Grosso do Sul. Estes
dados foram levantados pelos pesquisadores e auxiliares do Núcleo de Projetos da
Fundação Cândido Rondon, e estendo a eles meu agradecimento.
8
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO.................................................................................................................................... 19
1.1 OBJETIVOS E HIPÓTESES................................................................................................................ 21
1.2 A ESTRATÉGIA ADOTADA: ESTUDO DE MÚLTIPLOS CASOS ............................................................ 23
1.3 COLETA DE DADOS ....................................................................................................................... 24
1.4 TÉCNICAS E MÉTODOS DE ANÁLISE ............................................................................................... 28
2 A FORMULAÇÃO E A IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS E ESTRATÉGIAS
EMPRESARIAIS: PERSPECTIVA DE ATORES EM REDE............................................................30
2.1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................................30
2.2 REDES DE EMPRESAS ...................................................................................................................31
2.4 ABORDAGENS NEO-INSTITUCIONAIS........................................................................................34
2.4 AS REDES DE RECURSOS DE PODER ............................................................................................. 39
2.5 ESTADO, POLÍTICA E NEGÓCIOS................................................................................................... 48
2.6 O POLÍTICO VISTO COMO EMPRESÁRIO E O EMPRESÁRIO COMO FUNCIONÁRIO PÚBLICO ............51
2.7 CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................................................. 54
3 NOTAS INTRODUTÓRIAS SOBRE O DESENVOLVIMENTO DO COMPLEXO
AGROINDUSTRIAL LÁCTEO BRASILEIRO................................................................................... 57
3.1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................................57
3.2 O DESENVOLVIMENTO DO SETOR DE PROCESSAMENTO INDUSTRIAL LÁCTEO BRASILEIRO..........58
3.3 A HERANÇA REVISTA: HETEROGENEIDADE TECNOLÓGICA E INTERESSES CONFLITANTES...........60
3.4 A AUTO-REGULAÇÃO NO COMPLEXO AGROINDUSTRIAL DO LEITE ..............................................66
3.6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................................... 73
4 A REDE DE PODER TERRITORIAL DA BOVINOCULTURA DE LEITE...............................75
4.1 INTRODUÇÃO ...............................................................................................................................75
4.2 INTERESSES NA REDE LÁCTEA SUL-MATO-GROSSENSE .................................................................76
4.3 O PROCESSO POLÍTICO E SEUS RESULTADOS.................................................................................78
4.4 CONSIDERAÇÕES FINAIS...............................................................................................................82
5 A ORGANIZAÇÃO AGROINDUSTRIAL DO ENCADEAMENTO TECNO-PRODUTIVO DA
PECUÁRIA DE CORTE EM MATO GROSSO DO SUL................................................................... 85
5.1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................................85
5.2 A DINÂMICA DOS MERCADOS DE CARNE BOVINA ..........................................................................87
5.3 CARACTERÍSTICAS DOS PRODUTOS E SUB-PRODUTOS CÁRNEOS SUL-MATO-GROSSENSES ............. 95
5.5 O PROCESSO DE FORMAÇÃO DE PREÇOS ...................................................................................... 105
9
5.6 EFICIÊNCIA ECONÔMICA NO ENCADEAMENTO PRODUTIVO ......................................................... 110
5.7 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................................. 121
6 A REDE DE RECURSOS DE PODER DA BOVINOCULTURA DE CORTE EM MATO
GROSSO DO SUL ................................................................................................................................. 122
6.1 INTRODUÇÃO .............................................................................................................................. 122
6.2 DESVENDANDO A ORIGEM DA COOPERAÇÃO............................................................................... 123
6.3 A REDE POLÍTICA TERRITORIAL DA CARNE BOVINA .................................................................... 132
6.4 FUNÇÃO DA REDE ....................................................................................................................... 135
6.5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................................. 139
7. REDES E RECURSOS DE PODER: ANÁLISE COMPARADA ................................................. 140
7.1 INTRODUÇÃO .............................................................................................................................. 140
7.2 CARACTERÍSTICAS ESTRUTURAIS................................................................................................ 140
7.3 AMBIENTE INSTITUCIONAL E ESTRUTURAS ORGANIZACIONAIS ................................................... 146
8. CONCLUSÕES .................................................................................................................................. 155
8.1 A IMPORTÂNCIA DAS INSTITUIÇÕES ............................................................................................ 155
8.2 SUGESTÕES PARA FUTURAS PESQUISAS....................................................................................... 157
9. BIBLIOGRAFIA................................................................................................................................ 161
APÊNDICE............................................................................................................................................. 170
10
LISTA DE QUADROS
QUADRO 1.1 – Atas analisadas das reuniões (grupos técnicos) ...................................26
QUADRO 1.2 – Perfil dos pecuaristas entrevistados: Número de propriedades............27
QUADRO 1.3 – Perfil dos pecuaristas entrevistados: Localização de propriedades .....27
QUADRO 2.1 – Os três pilares das instituições .............................................................35
QUADRO 2.2 – Classificação e exemplos de recursos em redes de poder....................41
QUADRO 2.3 - Características dos tipos de redes de poder ..........................................43
QUADRO 2.3 - Características dos tipos de redes de poder (continuação) ...................44
QUADRO 2.3 - Características dos tipos de redes de poder (continuação) ...................45
QUADRO 2.4 – Questões e diferentes níveis de análise................................................47
QUADRO 3.1 – Fases do desenvolvimento do CAI lácteo no Brasil ............................58
QUADRO 5.1 – Quantidade anual per capita de carne bovina adquirida para consumo –
1987/2003........................................................................................................................87
QUADRO 5.2 – Produção e consumo de carne no Brasil ..............................................88
QUADRO 5.3 – Ranking do rebanho bovino brasileiro* ...............................................95
QUADRO 5.4 – Características de organizações do varejo alimentício - carne bovina
.......................................................................................................................................107
QUADRO 5.5 – Abates de frigoríficos com SIF em 2002 ...........................................108
QUADRO 5.7 – Classificação dos mercados para o elo fornecedor de insumos .........117
QUADRO 6.1 – Aspectos da pecuária de corte nas duas últimas décadas...................124
QUADRO 6.2 – Grupos de pecuaristas e suas características......................................127
QUADRO 6.3 – Histórico da Atuação do Sebrae de Mato Grosso do Sul...................130
QUADRO 6.4 – Prioridade atribuída às cadeias produtivas em Mato Grosso do Sul..131
QUADRO 6.5 – Detalhamento dos atores em rede ......................................................132
QUADRO 7.1 – Características estruturais das redes de poder....................................142
QUADRO 7.2 – Recursos de poder na rede territorial da bovinocultura de corte........149
QUADRO 7.3 – Recursos de poder na rede de poder láctea ........................................152
11
LISTA DE TABELAS
TABELA 3.1 – Participação das 12 maiores empresas lácteas no Brasil (2000/2002)..69
TABELA 5.1 – Abates no Brasil e em Mato Grosso do Sul...........................................98
TABELA 5.2 – Pecuaristas que ofereceram qualificação aos funcionários em 2002 e
2003...............................................................................................................................103
TABELA 5.3 – Produtividade média (cabeças por hectare).........................................103
TABELA 5.4 – Evolução do rebanho bovino brasileiro por estados............................104
TABELA 5.5 – Critério para a compra utilizado na aquisição de insumos agropecuários
.......................................................................................................................................113
TABELA 6.1 - Cursos previstos e oferecidos e pessoas capacitadas ...........................137
12
LISTA DE FIGURAS
FIGURA 1.1 – Desenho sintético da pesquisa................................................................29
FIGURA 2.1 – Uma representação genérica de redes de empresas................................32
FIGURA 3.1 – Produção de leite por região (1999-2003)..............................................68
FIGURA 3.2 – Produção, importação e exportação de leite no período 1990-2002* ....71
FIGURA 4.1 – Diferentes arenas da rede de recursos de poder territorial láctea...........79
FIGURA 4.2 – Volume de leite adquirido para o Programa de Segurança Alimentar e
Nutricional no estado de MS...........................................................................................81
FIGURA 4.3 - Bacias de leite onde ocorrem as aquisições governamentais..................82
FIGURA 5.3 – Volume das exportações de carne bovina ..............................................89
FIGURA 5.4 – Relação quantidade / preço para carne industrializada e in natura........90
FIGURA 5.5 – Países que adquiriram carne desossada bovina congelada de MS em
2003.................................................................................................................................93
FIGURA 5.6 – Países que adquiriram carne desossada bovina resfriada de MS em 2003
.........................................................................................................................................93
FIGURA 5.7 – Evolução do rebanho bovino brasileiro..................................................95
FIGURA 5.8 – Rebanho sul-mato-grossense por aptidão (2002)...................................97
FIGURA 5.9 – Rebanho sul-mato-grossense por categoria animal (2002) ....................97
FIGURA 5.10 – Participação dos produtos e subprodutos cárneos no mercado interno
em 2003...........................................................................................................................99
FIGURA 5.12 – Distribuição dos estados brasileiros em relação às cargas fatoriais...102
FIGURA 5.13 – Agregação de valor, estrutura de mercado e determinação de preços no
encadeamento produtivo (1999)....................................................................................109
FIGURA 5.14 – Transações entre agentes de elos selecionados da cadeia produtiva..111
Fonte: Dados da pesquisa..............................................................................................112
FIGURA 5.15 – Tipo de vacinas usadas no rebanho bovino........................................112
FIGURA 5.16 – Localização de empresas nas quais os pecuaristas adquirem insumos*
.......................................................................................................................................115
FIGURA 5.17 – Número de fornecedores e localização...............................................116
FIGURA 5.18 – Relacionamentos inter-empresariais no Projeto Montana Beef.........119
13
FIGURA 5.19 – Estoque no canal de distribuição (indústria frigorífica integrada
verticalmente)................................................................................................................120
FIGURA 6.1 – Meios utilizados pelos pecuaristas para obtenção de informações* ....126
FIGURA 6.2 – Instâncias de discussão na rede............................................................133
FIGURA 6.3 – Centralidade na rede de poder..............................................................134
14
LISTA DE ANEXOS
ANEXO A – Exportação de produtos e subprodutos* com origem nos estados da região
Centro-Oeste e São Paulo no período 2000-2003.........................................................169
15
LISTA DE APÊNDICES
APÊNDICE A – Intervenção governamental durante a formação do setor industrial
lácteo e mudanças e interferências na política agrícola brasileira ................................171
16
LISTA DE SIGLAS, SÍMBOLOS E ABREVIATURAS
ABIEC Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carne
ACRISUL Associação dos Criadores de Mato Grosso do Sul
ASPNP Associação dos Produtores de Novilho Precoce
CAI Complexo Agroindustrial
CPI Comissão Parlamentar de Inquérito
DFA/MS Delegacia Federal de Agricultura em Mato Grosso do Sul
EUA Estados Unidos da América
FAMASUL Federação de Agricultura de Mato Grosso do Sul
FAPEC Fundação de Apoio à Pesquisa ao Ensino e à Cultura
IAGRO Agência de Defesa Sanitária Animal e Vegetal de Mato Grosso do Sul
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IDATERRA Instituto de Desenvolvimento, Pesquisa e Extensão Rural
MS Mato Grosso do Sul
NMP/mL Número Mais Provável / mililitro
PLANAM Programa de Melhoramento da Alimentação e Manejo do Gado Leiteiro
PRÓ-LEITE Programa de Incentivo à Modernização da Pecuária Leiteira
PSAN Programa de Segurança Alimentar e Nutricional
REPASTO Programa de Recuperação, Renovação e Manejo de Pastagens Cultivadas
RIISPOA Regulamento de Inspeção Industrial e Sanitária de Produtos de Origem Animal
SCM Supply Chain Management (Gestão da Cadeia de Suprimentos)
SEBRAE Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas
SENAT Serviço Nacional de Aprendizagem do Transporte
SEPROTUR Secretaria de Estado de Produção e Turismo de Mato Grosso do Sul
SILEMS Sindicato das Indústrias de Laticínios de Mato Grosso do Sul
SRCG Sindicato Rural de Campo Grande
UHT Ultra high temperature (tecnologia de pasteurização)
17
RESUMO
A proposta do presente estudo é avançar na compreensão do que tem sido chamado, nos
últimos anos, de dínamo da economia brasileira: o agronegócio. A partir da noção de
redes de poder, neste trabalho buscou-se determinar como se conformaram as diferentes
redes de poder na pecuária de Mato Grosso do Sul. Para tanto, foi empreendido um
estudo de múltiplos casos. Para o caso da rede de poder territorial láctea, adotou-se
como unidade de análise o processo político que resultou a inclusão do leite
pasteurizado tipo C, nas aquisições do Governo Estadual de Mato Grosso do Sul,
destinadas a um programa social específico, o Programa de Segurança Alimentar e
Nutricional (PSAN). Por sua vez, a unidade de análise da rede de poder territorial da
bovinocultura de corte foi o Programa de Melhorias na Cadeia Produtiva da Carne,
orquestrado pelo Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas de Mato Grosso do
Sul (Sebrae/MS). Os resultados indicam que a rede de poder territorial da bovinocultura
de corte pode ser vista como uma comunidade política, arranjo em rede já conhecido na
literatura, e que a rede de poder láctea, fracamente integrada e com múltiplos
participantes, configura um outro tipo específico, que se aproxima do modelo ideal de
rede difusa. Os resultados deste estudo mostram que o adensamento institucional na
comunidade política da carne bovina em Mato Grosso do Sul trouxe resultados positivos
para as organizações da rede, como o uso compartilhado de recursos para a capacitação
de atores tecnicamente deficientes. A rede difusa láctea, por sua vez, é composta de
atores que conseguem resultados apenas limitados na interação estratégica. A posse de
recursos, como ficou evidenciado, é ampliada quando os atores desta rede se adaptam
ao amplo contexto institucional que permeia suas atividades, abandonando assim os
antigos quadros de referência, que por décadas, guiaram a tomada de decisão neste
agronegócio.
Palavras-chave: Institucionalismo; operações agroindustriais; estratégia; estudo de caso.
18
ABSTRACT
The present study proposal is to advance in the comprehension that it has been called
out, in the last years, of Brazilian economy dynamo: the agribusiness. From the
conception of policy network, this paper has been sought to determine how the different
policy networks in Mato Grosso do Sul’s cattle breeding have gotten conformed. For
such, it has been undertaken a study of multiple cases. For the milky territorial policy
network case, it has been adopted as unit of analysis the political process that resulted
on the inclusion of the type C pasteurized milk in the government's State acquisitions of
Mato Grosso do Sul, destined to a specific social program, the “Programa de Segurança
Alimentar e Nutricional (PSAN)” – Program of Feeding and Nutritional Security.
Therefore, the unit of analysis of beef cattle culture territorial policy network was the
“Programa de Melhorias na Cadeia Produtiva da Carne”- Improvements Program in the
Productive Network of Beef, orchestrated by the “Serviço de Apoio às Micro e
Pequenas Empresas de Mato Grosso do Sul (Sebrae/MS)” - Support Service to the Mato
Grosso do Sul small sized companies (Sebrae/MS). The results indicate that beef cattle
culture territorial policy network can be seen as a political community, arrangement in
network already well known in the literature, and that the milky policy network, weakly
integrated and with multiple participants, it setups another specific type, that approaches
the ideal model of diffused network. The results of this study show that the institutional
densification in the political community of beef in Mato Grosso do Sul has brought
positive results for the network organizations, as the shared use of resources for the
training of actors technically deficient. The milky diffused network, then, is composed
of actors who get results just limited in the strategic interaction. The ownership of
resources, as it is clear, is enlarged when the actors get adapted to the wide institutional
context that permeates their activities, letting thus the reference old frames that for
decades, guided the decision taking in this agri business.
Keywords: Institutionalism; operations; agri-food; strategy; case study.
19
1. INTRODUÇÃO
No final de década de 70, os governos militares implantaram uma
política de desenvolvimento agropecuário para a modernização do campo brasileiro,
ocorrendo assim uma intensa transformação da agricultura até 1985. Por meio da
agroindustrialização nacional, o Brasil obteve ganhos consideráveis de produção e
produtividade a partir deste período, principalmente nos setores que apresentavam
vantagens comparativas no mercado agrícola mundial. Acreditava-se, naquele
momento, que o crescimento produtivo da agricultura nacional resolveria os principais
problemas econômicos do país (PAULILLO, 2001a).
A forte intervenção estatal na agropecuária, durante a década de 80,
cedeu lugar a uma redução do Estado na economia nacional, na década de 90. Esta
tendência, verificada em outros países, teve reflexos poderosos no agronegócio
nacional, e na formulação de políticas agrícolas e agroindustrais.
A transição não ocorreu sem sobressaltos. O abandono de um modelo de
desenvolvimento da agricultura baseado na concessão maciça de recursos públicos para
financiamento das atividades, e o fim intervenção do governo, motivado em parte pelas
restrições monetárias e orçamentárias previstas na Constituição de 1988, conformaram
um novo contexto institucional, acentuado pela economia aberta.
Neste cenário, mais complexo e fragmentado, a elaboração de políticas
passa a ocorrer em uma variedade de redes caracterizadas pelas relações estreitas entre
os interesses particulares e as diferentes esferas governamentais. Esta constatação é
particularmente válida para os setores agrícola e pecuário no Brasil (ROMANO, 1999).
A pecuária de corte, durante a década de 90, foi muito importante para a
legitimação da orientação liberal do Governo. No mercado interno, o maior consumo de
carne proporcionou ao Plano Real uma conquista relevante na área social: a ampliação
do consumo de proteína animal nas camadas populares, o que significava a melhoria no
padrão alimentar de parte significativa da população. Os planos anteriores de
20
estabilização haviam falhado, aos olhos da população, em parte pela falta de carnes nas
prateleiras dos supermercados
1
.
No mercado internacional, as exportações agropecuárias tornaram-se
paulatinamente muito importantes para as contas brasileiras, em virtude de sua
participação nos elevados saldos positivos gerados na balança comercial. Os resultados
proporcionados pelo agronegócio da carne bovina, no cenário nacional e internacional,
são acentuados pelas macrotendências recentes, que já estão cristalizadas em nível
mundial: o peso das variáveis sociais no cálculo econômico das decisões
governamentais e privadas, e a maior integração dos mercados mundiais.
O estado de Mato Grosso do Sul (MS) tem grande relevância na análise
do desempenho da agroindústria da carne bovina: é o detentor do maior rebanho
nacional, da maior extensão de terras dedicadas à atividade pecuária, e os grandes
mercados consumidores do país estão localizados próximos a ele. Estes fatores, aliados
ao clima, solo, água e estrutura fundiária adequados, tornam o MS um grande
fornecedor de carne e leite para indústrias e mercados de outros estados, principalmente
de São Paulo (MERCOESTE, 2002).
Como as demais organizações das indústrias brasileiras, a maior parte das
empresas sul-mato-grossenses, envolvidas no agronegócio da carne bovina, estabeleceu
parâmetros diferenciados para competir em um ambiente econômico marcado pelos
processos de reestruturação agroindustrial, iniciados com as reformas econômicas do
início da década de 90.
Estas formas diferenciadas de competir são caracterizadas pela
dependência entre setores e sub-setores econômicos e políticos, determinada pelos
incentivos para a ação, dados a partir do ambiente institucional prevalecente. As
possibilidades e limites para a ação estratégica podem ser mais claramente definidos, ao
adotarmos a perspectiva de redes de organizações, que compartilham, distribuem e
disputam recursos, em um determinado entorno. Esta é a proposta do presente estudo.
1
É necessário ser feita a ressalva, contudo, que esta ausência ocorria principalmente pelo papel
contraditório do setor privado na comercialização, cuja estratégia era a formação de estoques
especulativos em anos ruins, e nos anos bons, dado o movimento anterior, havia a obtenção de preços
menores pelo excesso de produto, o que gerava novamente a retração no setor.
21
1.1 Objetivos e hipóteses
No contexto descrito, o objetivo geral da pesquisa é determinar como se
conformaram as diferentes redes de poder na pecuária de Mato Grosso do Sul.
Duas linhas de princípio nortearam a elaboração deste trabalho. A
primeira, derivada da noção de path dependency (que será abordada
pormenorizadamente no decorrer desta pesquisa), assume que é necessário levar-se em
conta as circunstâncias históricas, para efetivamente compreender o fenômeno estudado,
sob a ótica institucional. A segunda linha consiste em apresentar um juízo comparativo
dos objetos estudados, premissa pertinente com a metodologia adotada, de estudo de
múltiplos casos.
Para que possam ser comparados, os fenômenos estudados devem ser
analisados tomando a mesma variável explicativa, qual seja, a posse de recursos de
poder
2
. A interdependência de recursos é o mais importante fator distintivo das redes
inter-organizacionais, e sua análise permite avançar no conhecimento acerca das
interações dos atores, sejam eles públicos ou privados.
Para o caso da rede de poder territorial láctea, adotou-se como unidade de
análise o processo político que resultou a inclusão do leite pasteurizado tipo C nas
aquisições do Governo Estadual de Mato Grosso do Sul, destinadas a um programa
social específico, o Programa de Segurança Alimentar e Nutricional (PSAN). Apesar
deste resultado ser tratado na análise, a ênfase recai no processo político, pois este pode
ser mais central que seus resultados (MARCH; OLSEN, 1993). Entretanto, um foco
voltado somente para a interdependência de recursos é insuficiente para explicar o
processo político. A análise abrangeu também a forma como a rede tornou-se
institucionalizada, dado que as ações dos membros da rede, no decorrer do tempo,
tornam-se mais ou menos influenciadas pela ideologia, regras, rotinas, princípios e
normas (DAUGBJERG, 1997a).
Por sua vez, a unidade de análise da rede de poder territorial da
bovinocultura de corte foi o Programa de Melhorias na Cadeia Produtiva da Carne,
orquestrado pelo Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas de Mato Grosso do
2
A definição de recursos, e a tipologia específica, são apresentadas na seção 2.4 deste trabalho.
22
Sul (Sebrae/MS). Apesar de ser um encadeamento de difícil delimitação, com a
distribuição de boa parte do produto final podendo mesmo ocorrer em outros estados ou
outros países, enfatizou-se o aspecto territorial, em coerência com o objetivo central do
trabalho.
PAULILLO (2000) demonstrou anteriormente ser possível compreender
os encadeamentos produtivos situados em territórios específicos como redes de poder
territoriais. Mais do que um recorte arbitrário, o território é visto como uma construção
social e política, onde atores estabelecem a troca de recursos e articulam interesses,
gerando assim uma estrutura de oportunidades diferenciada. A proximidade territorial
passa a ser elemento relevante na elaboração e implementação de políticas públicas e
estratégias empresariais.
Com o objetivo de compreender o processo que delineou a conformação
da estrutura institucional vigente no complexo agroindustrial lácteo, buscou-se avançar
na compreensão da política agrícola e setorial do leite, elaborada e implementada nas
últimas cinco décadas. Deste modo, o caso da rede de poder láctea incorpora fortemente
a noção de path dependency, como elemento crucial na determinação dos interesses e
predisposições dos atores, no âmbito da estrutura de oportunidades contemporânea.
As contribuições da análise histórica cedem lugar, no caso da rede de
poder da bovinocultura de corte, à Economia Industrial. Ao determinar o funcionamento
do setor econômico, e dos mercados aos quais a carne bovina é ofertada - sem ignorar o
comportamento dos agentes econômicos - torna-se possível determinar as possibilidades
de estratégias empresariais e políticas públicas no entorno analisado.
As hipóteses a serem testadas foram elaboradas a partir do estudo de
MEYER e ROWAN (1977). Estes autores partem da premissa que o desenho de uma
estrutura organizacional aderente às práticas prevalecentes de organização do trabalho
no ambiente institucional, tende a aumentar as chances da organização não ter sua
legitimidade questionada, e assim, sobreviver. Ao se referir ao amplo contexto
institucional, os autores remetem ao conjunto de procedimentos, rotinas, normas e
convenções, formais e informais, que se difundem na estrutura organizacional da
comunidade organizada econômica e politicamente.
Portanto, a hipótese principal é que os diferentes contextos institucionais,
que emolduraram a agroindústria de carne e do leite, em Mato Grosso do Sul, geraram
23
diferentes possibilidades de aquisição e manutenção de recursos, para as organizações
inseridas nas redes de poder.
As hipóteses específicas de trabalho, adaptadas ao objeto deste estudo,
podem ser assim descritas.
H1: Na rede territorial da bovinocultura de corte, as organizações que
incorporaram as práticas consideradas racionais a partir do quadro institucional
prevalecente, aumentaram a posse de recursos de poder.
H2: Na rede territorial da bovinocultura leiteira, as organizações que não
incorporaram as práticas consideradas racionais a partir do quadro institucional
prevalecente, diminuíram a posse de recursos de poder.
A primeira premissa subjacente às hipóteses H1 e H2 é que o sucesso
organizacional depende de outros fatores, além da eficiente coordenação e controle das
atividades produtivas. Estes fatores, que legitimam os esforços da organização, provêm
do ambiente institucional em que os atores estão inseridos.
A segunda premissa é que, ao abordar o agronegócio da carne e do leite
como redes de poder, se torna possível analisar as características estruturais das
diferentes redes, e as distintas formas de institucionalização.
1.2 A estratégia adotada: Estudo de múltiplos casos
Os fenômenos abordados neste trabalho possuíam duas características
em comum: a) o pesquisador dispunha de pouco controle sobre os eventos estudados, e
b) ambos tinham um caráter eminentemente contemporâneo. Estes fatores, aliados ao
interesse na comparação dos objetos escolhidos para análise, motivaram a adoção do
estudo de múltiplos casos como estratégia de pesquisa.
Esta estratégia é bastante pertinente para as questões propostas neste
estuda, dado que permite expandir e generalizar contribuições teóricas pré-existentes.
Ao realizar um esforço de predição, confrontando dados empíricos com premissas
conceituais, este trabalho procura corroborar ou refutar argumentos apresentados na
literatura institucional de redes inter-organizacionais.
24
O caráter do estudo é, portanto fenomenológico, pois parte-se para a
generalização analítica dos resultados, enquanto a enumeração de freqüências é apenas
ferramenta adequada na elaboração dos argumentos apresentados. O motivo disto é que
os casos estudados, e o contexto que os abarca, não podem ser claramente divisados.
Seguindo as contribuições de YIN (1994), as condições contextuais
também foram cobertas, já que elas podem ser altamente relevantes para a compreensão
dos casos estudados. Mais do que isto, a idiossincrasia de cada caso foi levada em conta,
no processo de desenho da pesquisa. Este passo é sugerido por STOECKER (1991),
quando argumenta que mesmo que se possa – e se deva – comparar casos, não se deve
reduzir, neste processo, os casos estudados a algumas poucas variáveis comparadas.
1.3 Coleta de dados
1.3.1 O caso da rede de poder territorial da bovinocultura leiteira
Os resultados do processo político analisado neste caso correspondem à
implementação de uma política de aquisição de leite, pelo governo do estado de Mato
Grosso do Sul. Tais resultados decorrem de um processo iniciado durante uma grave
crise
3
que ocorreu no setor lácteo, no ano de 2001, e que motivou a instauração de
Comissões Parlamentares de Inquérito em estados como Paraná, Rio Grande do Sul,
Mato Grosso do Sul, Santa Catarina e Goiás, visando à investigação das causas da baixa
remuneração dos pecuaristas leiteiros, nestes estados.
Para a elaboração desta análise empírica, foram consultados dados
obtidos a partir de fontes secundárias, como o relatório final da Comissão Parlamentar
de Inquérito (CPI), instaurada pela Assembléia Legislativa do estado de Mato Grosso do
3
A crise supracitada ocorreu no final do ano de 2001, período no qual o Governo Federal adotou uma
política de desvalorização do real que vinha desestimulando as importações. Paralelamente, houve um
processo antidumping que obrigou grandes empresas exportadoras a fixar preços mínimos em negócios
com o Brasil. O resultado foi que, no início de 2002, as importações caíram em volume. A expectativa era
o aumento do valor pago aos pecuaristas, proveniente da diminuição da oferta. Entretanto, esta
expectativa não se confirmou, e o que ocorreu foi a justamente a diminuição do preço recebido por eles.
Alguns dos fatores macroeconômicos que influenciaram este cenário foram a crise energética e a
conseqüente diminuição do emprego. Além disto, houve uma piora no mercado mundial lácteo,
influenciada pelos atentados das torres gêmeas em 11 de setembro de 2001 (LIMA FILHO;
FIGUEIREDO; PIRES NETO, 2003b).
25
Sul, que investigou os baixos preços pagos aos pecuaristas leiteiros nos últimos meses
do ano de 2001, e o relatório de pesquisa sobre os aspectos econômicos do
encadeamento produtivo lácteo sul-mato-grossense, elaborado por MICHELS,
SABADIN e OLIVEIRA (2003).
1.3.2 O caso da rede de poder territorial da bovinocultura de corte
O levantamento de dados, em uma primeira etapa, baseou-se na
identificação e levantamento de dados em órgãos governamentais, como a Secretaria
Estadual de Receita e Controle e a Agência Estadual de Defesa Sanitária Animal e
Vegetal do Governo do Estado de Mato Grosso do Sul.
Após isto, partiu-se para a identificação de tratamentos mais elaborados
da organização agroindustrial da pecuária sul-mato-grossense. Assim, foram
identificados artigos científicos em órgãos governamentais de pesquisa, como a
Embrapa Gado de Corte, e ainda em congressos relevantes no cenário nacional, como o
congresso da Associação Brasileira de Engenharia de Produção.
Havendo questões pendentes, ampliou-se o levantamento para fontes
privadas, como revistas especializadas do setor e anuários consolidados como fontes
confiáveis largamente utilizadas, como o ANUALPEC (2003).
Após a identificação dos elementos necessários para a abordagem
técnico-econômica do encadeamento produtivo, buscaram-se fontes de dados que
propiciassem a análise dos elementos políticos na interação dos atores estudados. Para
tanto, foram utilizados estudos anteriores que abordam o assunto, eminentemente
qualitativos. As considerações aqui apresentadas foram ainda subsidiadas pelas atas das
reuniões de duas instâncias de discussão do Programa Cadeia da Carne Bovina de Mato
Grosso do Sul: o Núcleo Gestor e a instância dos grupos técnicos.
As atas do Núcleo Gestor abarcam discussões e decisões tomadas pelos
atores em rede, no período compreendido entre 28 de novembro de 2001 e 26 de abril
de 2004. Foram oito reuniões, na instância central de decisões da rede. Por sua vez,
foram analisas as seguintes atas das reuniões dos grupos técnicos (vide quadro 1.1):
26
QUADRO 1.1 – Atas analisadas das reuniões (grupos técnicos)
Data Evento Grupo Técnico
31/10/2001
1ª Reunião de Monitoramento
Educação/capacitação, rastreabilidade
e legislação
23/11/2001
2ª Reunião de Monitoramento
Educação/capacitação, rastreabilidade
e legislação
26/11/2001
2ª Reunião de Monitoramento (complemento)
Educação/capacitação, rastreabilidade
e legislação
21/02/2002
3ª Reunião de Monitoramento
Educação/capacitação, rastreabilidade
e legislação*
26/03/2002
3ª Reunião de Monitoramento
Educação/capacitação, rastreabilidade;
legislação e marketing
13/05/2002 5ª Reunião de Monitoramento (não identificado)
19/07/2002 6º Reunião de Monitoramento (não identificado)
01/08/2002
6º Reunião de Monitoramento
Marketing e desenvolvimento
institucional
01/08/2002 6º Reunião de Monitoramento (complemento) Marketing
01/08/2002 6º Reunião de Monitoramento (complemento) Desenvolvimento Institucional
20/08/2002 6º Reunião de Monitoramento (complemento) Desenvolvimento Institucional
27/09/2002
7ª Reunião de Monitoramento
Desenvolvimento institucional,
marketing e educação**
08/10/2002 7ª Reunião de Monitoramento (complemento) Desenvolvimento Institucional
23/10/2002 7ª Reunião de Monitoramento (complemento) Desenvolvimento Institucional
29/10/2002 8ª Reunião de Monitoramento Desenvolvimento Institucional
05/11/2002 8ª Reunião de Monitoramento (complemento) Desenvolvimento Institucional
19/11/2002 8ª Reunião de Monitoramento (complemento) Desenvolvimento Institucional
11/02/2003 9º Reunião de Monitoramento Desenvolvimento Institucional
18/02/2003 7ª Reunião de Monitoramento (complemento) Desenvolvimento Institucional
03/04/2003 9ª Reunião de Monitoramento (complemento) Desenvolvimento Institucional
21/05/2003 9ª Reunião de Monitoramento (complemento) Desenvolvimento Institucional
10/06/2003 10º Reunião de Monitoramento (não identificado)
17/06/2003 10ª Reunião de Monitoramento (complemento) Desenvolvimento Institucional
03/07/2003 10ª Reunião de Monitoramento (complemento) Desenvolvimento Institucional
17/07/2003 11ª Reunião de Monitoramento (complemento) Desenvolvimento Institucional
18/07/2003 11ª Reunião de Monitoramento (não identificado)
22/07/2003 11ª Reunião de Monitoramento (complemento) Desenvolvimento Institucional
31/07/2003 11ª Reunião de Monitoramento (complemento) (não identificado)
01/08/2003 11º Reunião de Monitoramento (complemento) Desenvolvimento Institucional
05/08/2003 10º Reunião de Monitoramento (complemento) (não identificado)
06/08/2003 11º Reunião de Monitoramento (complemento) Marketing
14/08/2003 12º Reunião de Monitoramento Marketing
07/10/2003 13º Reunião de Monitoramento (não identificado)
30/03/2004 14º Reunião de Monitoramento (não identificado)
* A partir desta reunião, os grupos técnicos sofreram alterações em sua estrutura, e um novo grupo foi
criado: o grupo técnico de marketing.
** A partir desta reunião, passam a vigorar os novos grupos técnicos, que substituem os grupos
anteriores: o grupo técnico de desenvolvimento institucional, o grupo técnico de marketing, e o grupo
técnico de educação.
27
Esgotadas as possibilidades no levantamento de dados secundários, e havendo
questões ainda não respondidas, procedeu-se a pesquisa de campo. Foram aplicados
questionários em 35 pecuaristas que atuam em Mato Grosso do Sul, selecionados a
partir de uma amostra não-probabilística. O questionário continha perguntas sobre as
relações dos pecuaristas com as empresas fornecedoras de insumos, com os frigoríficos,
e com os atores estatais. Os detalhes do grupo entrevistado são mostrados no quadro 1.2
e no quadro 1.3.
QUADRO 1.2 – Perfil dos pecuaristas entrevistados: Número de propriedades
Pecuarista entrevistado possui ___ propriedades rurais
n
1 2 3 4 5
35 86% 9% - - 5%
Dos 35 pecuaristas entrevistados, apenas 14% possuíam mais de uma
propriedade rural. A maioria dos entrevistados, perfazendo um total 86% do grupo,
possuíam apenas uma propriedade rural. O maior número destas propriedades está
concentrado nas regiões de Campo Grande e Sete Quedas, como mostra o quadro 1.3.
QUADRO 1.3 – Perfil dos pecuaristas entrevistados: Localização de propriedades
n
Total de propriedades
em cada município
Localização
4 Campo Grande e Sete Quedas
3 Aquidauana, Jaraguari, Miranda e Ribas do Rio Pardo
2 Anastácio, Rochedo, Sidrolândia e Terenos
35
1
Bandeirantes, Bataguassu, Brasilândia, Chapadão do Sul,
Coxim, Nioaque, Nova Alvorada do Sul, Nova Andradina,
Paranhos, Ponta Porã e Rio Verde de Mato Grosso
O menor número de propriedades - por pecuarista entrevistado - está
concentrada nas regiões do interior do estado, como Ponta Porá e Nova Andradina.
Tradicionalmente, nestas regiões são exploradas grandes áreas rurais, na pecuária de
corte extensiva.
28
1.4 Técnicas e métodos de análise
Como foi mostrada na seção anterior, a escolha das fontes de dados
pautou-se na pluralidade. Tornou-se possível realizar a triangulação dos dados, obtendo
deste modo um quadro mais robusto dos fenômenos estudados e de seu contexto.
A definição da mesma variável explicativa para ambos os casos permitiu
que, após o esforço de pesquisa para testar a teoria, os resultados pudessem ser
confrontados e comparados. Mesmo não sendo possível determinar limites de tempo
específicos para o começo e o fim dos casos em questão, estabeleceu-se um recorte
arbitrário, baseado no inicio dos processos sociais e políticos das unidades analisadas.
Isto foi necessário para a coleta dos dados, e sua posterior análise.
Apesar de cada caso servir a um propósito específico dentro do escopo
do estudo, a lógica de replicação adotada permitiu a produção de resultados previstos
pelo quadro teórico de referência.
A estratégia geral deste estudo foi confiar nas proposições teóricas, ao
invés de realizar uma mera descrição do caso. Os objetivos e o desenho do caso foram
baseados nestas proposições, e principalmente, nos vínculos causais entre estrutura da
rede e resultados obtidos por atores, já apontados pela literatura.
Pertinente com esta estratégia, buscou-se identificar padrões de causa-e-
efeito nos casos estudados, comparando assim padrões empíricos com padrões preditos
pela teoria. Deliberadamente, acrescenta-se a cada caso uma complexa cadeia de
eventos pertinentes, para que pudesse ser coberto um número significativo de variáveis
relevantes necessárias ao entendimento do fenômeno. Este movimento é sucintamente
apresentado na figura 1.1.
29
FIGURA 1.1 – Desenho sintético da pesquisa
Além deste capítulo introdutório, o trabalho encontra-se dividido em
mais sete capítulos. O próximo capítulo, de caráter teórico, traz para esta discussão a
literatura relevante sobre redes e institucionalismo. Os casos estudados estão divididos
em quatro capítulos. No terceiro e quarto capítulo, o caso da rede de poder láctea é
explorado. Partiu-se da análise do ambiente institucional, e de seus efeitos nos negócios
privados, para aclarar as relações definidas nas hipóteses da pesquisa. Da mesma forma,
o capítulo cinco e o capítulo seis englobam o caso da rede de poder da pecuária de corte.
Nesta rede, a dinâmica do macro-ambiente institucional não se revela tão influente nos
negócios, quanto ocorre na rede láctea. De fato, maior ênfase é dada à organização
industrial no entorno estudado, visando assim a determinar os recursos de poder dos
atores em rede. O oitavo capítulo consiste na análise conjunta dos casos, a partir da
mesma variável explicativa: os recursos de poder. Considerações finais, e limitações do
estudo, são apresentadas no último capítulo.
30
2 A FORMULAÇÃO E A IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS E
ESTRATÉGIAS EMPRESARIAIS: PERSPECTIVA DE ATORES EM REDE
2.1 Introdução
A constante incerteza e instabilidade que se tornaram comuns às
empresas nos dias atuais são fatores-chave para compreender o processo de interação
inter-firmas. O dinâmico padrão de concorrência e cooperação simultâneas, verificado
em diversos setores permite inferir que as relações empresariais não são as mesmas das
últimas décadas (ROSSEGER, 1992; LEI; SLOCUM JR, 1992). Portanto, novas
contribuições teóricas são utilizadas para dar conta de questões complexas que emergem
destas novas relações estabelecidas entre as organizações.
Frente a isto, o objetivo deste capítulo é identificar as abordagens neo-
institucionais utilizadas para tratar dos arranjos em redes, buscando-se obter um quadro
mais detalhado dos seus princípios elementares, especialmente no que tange a possíveis
contribuições ao avanço do conhecimento no campo das estratégias organizacionais e
políticas públicas.
A teoria institucional adota a premissa de que o comportamento dos
atores está mediado pelas instituições onde se emoldura. Esta premissa deriva da própria
definição de instituições, entendidas como o arcabouço imposto pelo ser humano a seu
relacionamento com os outros (NORTH, 1990). Portanto, as instituições importam, e
são passíveis de análise. As três grandes correntes teóricas que formam o arcabouço
conceitual denominado institucionalismo são a nova economia institucional
(WILLIAMSON, 1975 e 1986; NORTH, 1990), o institucionalismo sociológico,
proveniente da Sociologia Econômica (SMELSER; SWEDBERG, 1994; COLEMAN,
1994), e o neo-institucionalismo histórico (RHODES; MARSH, 1990, HALL;
TAYLOR, 1996).
Esta última abordagem pressupõe que as redes de poder operam num
contexto em que a capacidade do Estado para a resolução de problemas está
fragmentada, e diversos grupos de interesse buscam obter recursos que garantam a seus
membros vantagens econômicas. Nesses casos, o Estado não é neutro e as agências
31
estatais participam do processo de interação representando interesses e disputando ou
distribuindo recursos escassos com os demais atores envolvidos.
A contribuição do neo-institucionalismo histórico para a análise de redes
de poder ocorre principalmente por meio da análise do processo histórico e ainda da
verificação da interdependência dos atores individuais e coletivos, pautada nos recursos
mais ou menos escassos. A premissa de interdependência entre os atores, apoiada na
análise da disputa pelos recursos, é formulada com base na constatação de que os
recursos de poder são buscados visando melhores resultados e o domínio sobre outros
atores.
O capítulo encontra-se estruturado da seguinte maneira: após esta
introdução, apresenta-se uma discussão sucinta de redes de empresas sob a ótica da
gestão da cadeia de suprimentos (SCM). Após isto, são apresentadas as principais
contribuições teóricas das abordagens institucionais, a partir de uma análise
comparativa. A quarta seção destaca a interdependência dos atores em rede, baseada nas
relações pautadas em recursos de poder. Na quinta seção, são apresentadas algumas
reflexões sobre as possibilidades decorrentes da moderna teoria política da relativa
autonomia do Estado, ente até então considerado como um agente neutro na elaboração
de estratégias empresariais. Foi ainda resgatada, na sexta seção deste capítulo, a
discussão sobre o mercado político e a posição privilegiada das empresas em sociedades
de iniciativa privada orientadas para o mercado. A guisa de conclusão, são apontadas as
contribuições mais promissoras do neo-institucionalismo para a análise de redes.
2.2 Redes de Empresas
O conceito de rede tem sido genericamente utilizado no sentido de
facilitar a análise da estrutura do sistema de relações que conectam diversos agentes
econômicos. Esta estrutura afeta as decisões tomadas pelos agentes em mercados
específicos. A presença de externalidades em rede reflete a existência de efeitos diretos
e indiretos da interdependência entre as decisões dos agentes que nela atuam. Os tipos
de externalidades que usualmente são verificadas em redes, de acordo com BRITTO
(2002), são as seguintes:
32
(a) Técnicas: ocorrem quando modificações técnicas no âmbito da atividade de um
agente resulta em modificações nas características da função de produção de outro
agente;
(b) Pecuniárias: ocorrem quando mudanças nos preços dos fatores e modificações nas
estruturas de custo de determinada empresa são originadas a partir do seu
relacionamento com seus compradores e fornecedores;
(c) Tecnológicas: ocorrem quando é possível verificar spill-overs e outros efeitos da
tecnologia intensiva nos padrões de interação inter-organizacionais;
(d) De demanda: ocorrem quando a demanda de bens oferecida por uma empresa é
afetada por modificações na demanda de outras empresas.
Verificada a existência da interdependência entre os agentes econômicos,
é possível caracterizar os elementos constitutivos de uma rede. Os elementos
morfológicos gerais das redes são os nós, as posições, as ligações e os fluxos.
Transladados para as redes de empresas, tais elementos representam as empresas (ou
atividades), a estrutura de divisão do trabalho, o relacionamento entre empresas
(qualitativo), e o fluxo de bens (tangíveis) e de informações (intangíveis). A figura 2.1
traz um esboço esta representação.
Fonte: Elaborado pelo autor.
FIGURA 2.1 – Uma representação genérica de redes de empresas
Esta representação é apenas um exercício de simplificação, derivado da
noção de rede de empresas amplamente difundida na teoria de Supply Chain
Management (SCM). Como tal, sua utilidade é jogar luz aos vários elementos
morfológicos das estruturas em rede. A configuração organizacional mostrada na figura
2.1 carrega duas premissas subjacentes, nem sempre identificáveis em estruturas em
rede mais complexas: a) a existência de uma organização focal desintegrada
Ligações
Posições
N
ós
Fluxo de bens e informações
33
verticalmente, localizada no núcleo da rede e responsável pela coordenação de
fornecedores e distribuidores de seus produtos; e b) a existência de “camadas” de
fornecedores e distribuidores dos produtos da empresa foco, determinadas a partir da
maior ou menor proximidade com a esfera central de decisão da rede (LAMBERT;
COOPER; PAGH, 1998).
Grosso modo, estas estruturas ainda são construções abstratas elaboradas
com o intuito de reforçar o poder explicativo de um determinado tipo de análise. De
fato, não se deve esperar que os agentes econômicos integrados às redes organizacionais
tenham maior clareza sobre as características morfológicas destas estruturas. Tais
estruturas estão normalmente associadas a um conhecimento imperfeito por parte dos
atores sobre as relações, conexões, interações e interdependências que se estabelecem
no interior das mesmas.
Apesar disto, a consolidação de redes pode proporcionar aos
participantes ganhos competitivos que extrapolam a dimensão estritamente técnica-
produtiva, já que se pressupõe, em decorrência da existência deste arranjo em rede, uma
diminuição da instabilidade ambiental gerada pela coordenação inter-organizacional.
Esta coordenação diz respeito à estrutura de poder e à conformação hierárquico-
funcional da rede, que conformam os mecanismos internos de resolução de conflitos,
além da especificidade da concorrência existente entre os membros da rede.
POWELL (1990) aponta que as formas de organização em rede –
tipificadas pelos padrões recíprocos de comunicação e troca – representam um esquema
viável de organização econômica, pois a redução da incerteza, o rápido acesso à
informação, confiança, e responsabilidade motivam os participantes a trocas em rede.
POLDONY e PAGE (1998) definem uma rede como uma forma
organizacional em que dois ou mais atores possuem repetidas e duradouras relações de
troca uns com os outros e, ao mesmo tempo, legitimam uma autoridade para arbitrar e
resolver as disputas que possam surgir durante a troca. Esta definição de redes inclui
joint ventures, alianças estratégicas, grupos de negócios, franquias, consórcio modular,
contratos relacionais e outsourcing agreements. Esta definição exclui portanto a maioria
dos arranjos de mercado como os contratos a termo ou as transações no mercado spot,
além de excluir as relações de trabalho.
34
As redes permitem que as firmas participantes adquiram novas
habilidades ou conhecimentos, ganhem legitimidade, melhorem a performance
econômica e gerenciem a dependência de recursos. Nos mercados, o padrão estratégico
é guiado pelo trabalhoso ato de obter a barganha possível na troca imediata. Nas redes, a
opção freqüentemente preferida é criar compromisso e confiança de longo prazo.
Certas formas de troca assumem portanto contornos mais sociais, isto é,
são muito mais dependentes de relações, interesses mútuos, e reputação, o que faz com
que o instrumental analítico da SCM – enquanto ferramenta desenvolvida para os
executivos alcançarem o sucesso na gestão da cadeia de suprimentos da empresa – seja
pouco adequada para lidar com tais questões, de cunho econômico, social e político.
Estas questões são abordadas nas teorias institucionais recentes, discutidas a seguir.
2.4 Abordagens Neo-Institucionais
Para MARCH e OLSEN (1993), o novo institucionalismo poderia ser
apresentado e discutido como uma perspectiva epistemológica de grande interesse para
compreender a Ciência Social, mas os autores consideram mais útil defini-lo em termos
de um reduzido conjunto de idéias relativamente técnicas de máximo interesse para os
profissionais que estudam a vida política. Ele surge, de acordo com DIMAGGIO e
POWELL (1991), por meio do renovado interesse nas instituições, anteriormente objeto
de estudiosos da economia política, como Veblen e Commons, que focaram os
mecanismos que guiam a ação econômica e social. Entretanto, mais que uma volta às
raízes, o neo-institucionalismo é uma contribuição teórica para dar novas respostas a
antigas questões sobre como as escolhas sociais são moldadas, mediadas e conduzidas
por arranjos institucionais.
As correntes institucionais aproximam-se pela crença difusa de que os
dispositivos institucionais e os processos sociais são importantes, pois mediam a ação
dos indivíduos e suas manifestações coletivas. Contudo, muitas idéias das diferentes
abordagens não são coerentes entre si, e algumas delas parecem mesmo serem
mutuamente excludentes. Disso deriva a grande dificuldade em obter-se uma definição
da teoria institucional, pois as distintas correntes diferem a partir da ênfase que atribuem
ao caráter micro ou macro dos fenômenos institucionais, ao peso que imputam nos
35
aspectos cognitivos ou normativos das instituições, e ainda quanto a atenção que
dispensam aos interesses e às redes de relações na criação e difusão das instituições
(THÉRET, 2003). Tais diferenças podem ser ainda ampliadas, como mostra o quadro
2.1, gerando assim diferentes significados para o conjunto de elementos teóricos
inseridos na rubrica “teoria institucional”.
QUADRO 2.1 – Os três pilares das instituições
Pilares
Regulativo
(“as regras do jogo”)
Cognitivo
(“a essência do jogo”)
Normativo
(“as normas do jogo”)
Acordos por
Conformidade (obrigação
social)
Validade (empírica) Conveniência (interesse)
Mecanismos
Coercitivos Miméticos Normativos
Lógica dos atores
Instrumental Rotina, hábitos Adaptativa
Indicadores
Regras, leis Manutenção, isomorfismo Status, certificações
Legitimidade
Sanção legal Sistemas simbólicos Sanção moral
Mecanismos de sustentação
Lógica institucional
Regras
Modelos cognitivos
(linguagem, tipificações,
categorias)
Normas, valores
Estruturas sociais
Sistemas de governo Identidade (pertinência) Sistema de posições
Rotinas
Protocolos
Ritos, cerimônias,
mimetismo
Cumprimento de acordos
Ator e Instituição
Como afetam o
comportamento
individual
Alterações em custos-
benefícios
Estabelecimento de formas
de entendimento do mundo
Meios de alcance de
recursos e privilégio de
interesses
Posicionamento do
ator
Quais são os custos-
benefícios?
Qual é o significado para
mim?
Qual é a minha
legitimidade e reputação?
Abordagem
Calculista Cultural Estrategista
A instituição
Natureza
Instrumental Constitutiva Constitutiva
Objeto
Eficiência Integração Integração
Definição
Regras do jogo
Elementos que constituem a
realidade social
Modelo de
comportamento válido
Estrutura
Sistema de regras
Sistema cognitivo (de
identidade e significados)
Sistema de posições
(status, reputação)
Os atores
O que leva o ator à
ação?
Eficiência Reconhecimento simbólico Acordo normativo
Oportunidades de
ação
Eleição Níveis de consciência Adaptação
Lógica do
conhecimento
Conseqüências Interpretação Adequação
Percepção da
instituição pelo ator
Incentivos
Rotinas, genes adquiridos
(isomorfismo)
Normas-valores
Variável
explicativa
Indivíduos Causalidade cumulativa Ambiente Institucional
Ação prática
Intencional Não intencional Intencional
Fonte: Adaptado de SCOTT (1995).
36
O “pilar” regulativo trata a relação entre instituições e comportamentos
individuais a partir de um enfoque calculista. Enfatiza portanto o caráter instrumental e
estratégico do comportamento. O enfoque do cálculo considera que o efeito das
instituições sobre o comportamento do indiduo será diminuir a incerteza relativa à
ação do outro, dado que as instituições são vistas como resultados intencionais e
funcionais de estratégias de otimização de ganhos entre os agentes. Deste modo, a
solução para problemas de coordenação é construída a partir do pressuposto que
indivíduos iguais tem preferências dadas, sendo que a otimização racional do
comportamento dos agentes irá gerar instituições eficientes. A gênese das instituições é
então interpretada como o resultado de uma congruência entre decisões individuais, o
resultado agregado do cálculo custos/benefícios, o produto de um contrato entre os
agentes (THÉRET, 2003).
A nova economia institucional injeta uma forte dose de realismo nas
premissas da microeconomia neoclássica: os indivíduos buscam a maximização da
utilidade na escolha, mas eles fazem isto em um contexto de limites cognitivos,
informação incompleta, e dificuldades em monitorar e garantir acordos. A unidade
primária de análise desta corrente é a transação. Os pressupostos comportamentais
adotados pelos teóricos desta vertente são o comportamento oportunístico e a
racionalidade limitada. A função das instituições econômicas seria reduzir a incerteza ao
prover quadros de eficiência e dependência para transações que envolvem graus
variados de especificidade de ativos, incerteza e freqüência.
Por sua vez, os autores do pilar cognitivo estão interessados tipicamente
em buscar explicações para determinar o que leva organizações a adotarem um conjunto
específico de formas organizacionais, procedimentos ou símbolos, e enfatizam como
tais práticas são difundidas dentro dos campos organizacionais ou entre as nações.
HALL e TAYLOR (1996) consideram três características como distintivas do
institucionalismo sociológico. Primeira, os autores desta corrente tendem a definir
instituições de modo muito mais amplo do que os autores das outras linhas, incluindo
não somente regras formais, procedimentos e normas, mas também o sistema de
símbolos, roteiros cognitivos, e padrões morais que fornecem o quadro de referência
que guia a ação humana.
37
A segunda característica desta corrente é entender a relação entre as
instituições e a ação individual a partir de uma abordagem cultural. O modo pelo qual
instituições influenciam o comportamento ao fornecer roteiros cognitivos, categorias ou
modelos é enfatizado, porque sem eles o mundo e o comportamento dos outros não
poderia ser interpretado. Tal argumento é corroborado por DiMAGGIO e POWELL
(1991), que assumem as instituições não apenas como elementos que restringem opções,
mas como estabilizadoras de critérios pelos quais os indivíduos descobrem suas
preferências. Deste modo, instituições influenciam o comportamento individual não
simplesmente pela especificação do que alguém deveria fazer, mas também pela
especificação do que alguém pode imaginar a si mesmo fazendo em um dado contexto.
Como resultado deste pressuposto, a interdependência técnica e os sunk costs físicos são
parcialmente responsáveis pela inércia institucional, dado que alguns dos mais
importantes sunk costs são cognitivos.
O último traço distintivo é que os teóricos desta escola argumentam que
as organizações freqüentemente adotam uma nova prática institucional não porque ela
aumenta a eficiência da organização, mas sim porque ela aumenta a legitimidade social
da organização ou de seus stakeholders. Os problemas de coordenação da ação humana
são tratados a partir de dispositivos cognitivos centrais às organizações, pois as escolhas
e preferências individuais não podem ser compreendidas fora dos quadros de referência,
culturais e históricos, nos quais encontram-se cristalizadas. Talvez este seja o principal
caráter distintivo do pilar cognitivo: ao rejeitar explicações funcionais, nas quais as
instituições assumem o papel de soluções eficientes para problemas de governança, os
teóricos desta linha afastam-se das outras correntes e procuram determinar os meios
pelos quais instituições complicam e constituem o caminho pelo qual soluções são
criadas, haja vista que os quadros de referência irão definir os fins e moldar os meios
pelos quais interesses serão determinados e perseguidos (DiMAGGIO; POWELL, op.
cit.).
Finalmente, o neo-institucionalismo histórico, ou normativo, pode ser
visto como uma fusão de elementos da velha escola institucional com os modos não-
institucionalistas característicos das teorias políticas contemporâneas (MARCH;
OLSEN, 1993). É possível tentar defini-lo em termos de um contraste entre a
complexidade da realidade e as simplificações oferecidas pelas teorias existentes. Além
38
disto, pode-se considerar esta corrente como uma busca de idéias alternativas que
simplificam as sutilezas do saber empírico de um modo teoricamente útil, não
abarcando contudo uma grande quantidade de detalhes contextuais.
Nesta perspectiva, as instituições são vistas como os procedimentos,
rotinas, normas e convenções, formais e informais, cristalizadas na estrutura
organizacional da comunidade organizada politicamente (HALL; TAYLOR, 1996). O
pilar normativo destaca o papel desempenhado pelas estruturas institucionais na
imposição de elementos ordenadores sobre um mundo potencialmente irregular. Mais
do que isto, considera as instituições como maneiras de regular conflitos inerentes ao
desenvolvimento de interesses distintos e relações assimétricas de poder.
Os trabalhos desenvolvidos nesta linha de pesquisa tem sido
especialmente atentos aos meios pelos quais instituições distribuem poder
desigualmente através de grupos sociais. Assumem um mundo no qual instituições dão
a alguns grupos de interesse acesso desproporcional ao processo de tomada de decisão,
e, mais do que enfatizar o grau pelo qual um resultado impõe-se a todos, os teóricos
desta linha procuram determinar como alguns grupos perdem e outros ganham.
Além disto, outros autores, como HALL e TAYLOR (1996), ressaltam a
dependência de trajetória (path dependency), entendida como a premissa de que as
mesmas forças operativas que atuam em diferentes situações não irão gerar os mesmos
resultados, dado que os efeitos destas forças serão mediados pela característica do
contexto da situação, freqüentemente herdado do passado.
Esta corrente se distingue das demais em razão de ser “eclética” em relação a
ambos os enfoques anteriores: por um lado, os atores calculariam com base em seus
interesses, mas ao mesmo tempo possuiriam diferentes visões de mundo,
correspondentes às suas posições e contextos sociais – conseqüentemente, os interesses
não seriam dados, como as preferências no pilar regulativo, mas construídos
politicamente. Cálculo e cultura se combinariam para formar atores coletivos, que
agiriam no plano de macro-instituições herdadas e com base em relações de poder
assimétricas (THÉRET, 2003). Outros autores, como HALL e TAYLOR (1996),
também estão de acordo com a possibilidade de integração do pilar normativo com as
contribuições das outras linhas neo-institucionais.
39
2.4 As Redes de Recursos de Poder
A abordagem institucional, originalmente desenvolvida nos trabalhos de
VEBLEN (1975 [1904]), COMMONS (1934) e, posteriormente, AYRES (1962),
tratava as instituições como variáveis explicativas dadas. Para compreender os
fenômenos sociais, políticos e econômicos atuais, o pensamento da “escola antiga” foi
alterado em suas proposições teóricas a respeito da natureza das instituições, tomando-
as agora como variáveis que se originam e são alteradas por meio da ação humana. Os
novos institucionalistas consideram, portanto, que instituições importam e, além de
serem construídas socialmente, podem também ser modificadas pelos atores.
Conforme se discutiu na seção anterior, três grandes correntes
consolidam o pensamento institucional contemporâneo: o institucionalismo histórico, o
institucionalismo da escolha racional e o institucionalismo sociológico
4
. Ao examinar o
neo-institucionalismo histórico, como o fazem HALL e TAYLOR (1996), verifica-se
que o compromisso de pesquisa vinculado à teoria recai em determinar o modo pelo
qual as instituições distribuem poder de modo desigual entre os grupos sociais. É
assumido, portanto, um mundo no qual instituições dão a alguns grupos ou interesses
acesso descomedido ao processo de tomada de decisão, e a ênfase recai, assim, no modo
como os resultados do processo favorecem alguns grupos em relação a outros.
Conhecendo o modo pelo qual instituições distribuem poder
desigualmente entre grupos sociais, pode-se prever como será a alocação de benefícios
entre grupos demandantes. O resultado será caracterizado pela notória prevalência dos
interesses daqueles atores que dispõem de recursos de poder capazes de aumentar a
dependência dos outros atores. Isto se dá porque o pressuposto básico das relações em
rede é que um grupo é dependente dos recursos controlados por outro grupo, o que faz
com que os lucros sejam provenientes da combinação conjunta de recursos (POWELL,
1990).
4
A terminologia utilizada para classificar as linhas de pesquisa do novo institucionalismo são
provenientes de HALL e TAYLOR (1996). Classificação similar é empregada por IMMERGUT (1998).
Em ambos os trabalhos, é possível perceber a existência de “vasos comunicantes” entre os pressupostos
teóricos destas linhas, o que abre espaço para estes exercícios de análise conjunta das vertentes neo-
institucionais.
40
De fato, atores políticos criam uma rede de poder quando permutam
recursos regularmente. Qualquer organização que é inserida no processo político torna-
se dependente dos recursos de outras organizações (DAUGBJERG, 1999). As redes
emergem de considerações estratégicas de atores públicos e privados, já que cada um
deles irá dispor de seus recursos – sejam eles legais-constitucionais, financeiros,
políticos, ou informacionais – para maximizar sua influência sobre os resultados,
enquanto procuram tornar-se menos dependentes dos outros atores (RHODES,
MARSH, 1990).
Neste contexto, as análises de redes de poder enfatizam o caráter
relacional do poder, entendido a partir da visão weberiana de poder como “(...) recurso
ou capacidade distribuído de forma diferenciada, e que se for empregado com o devido
grau de habilidade estratégica e tática, produz e reproduz relações hierarquicamente
estruturadas de autonomia e dependência.” (REED, 1998, p. 75). Esta concepção
weberiana enfatiza que o exercício do poder se dá “sobre outros”. Não é, portanto, uma
coisa ou a sua posse: é uma relação. A implicação disto resulta, ainda, no caráter
potencial do poder, já que atores mais poderosos (o que implica na posse de recursos de
poder diferenciados), podem ou não exercê-lo, bastando apenas para isto o cálculo
estratégico empregado na consecução de seus objetivos
5
. DOWDING (1995) ainda
argumenta que o poder de um ator depende do poder dos outros atores, e que o tipo de
relação entre eles é definida pelos seus recursos. Por sua vez, RHODES e MARSH
(1990) afirmam que o poder é o produto dos recursos de cada organização, das regras do
jogo
6
, e do processo de troca entre as organizações.
5
De acordo com DiMAGGIO e POWELL (1991), os membros de uma rede não apenas opõem-se
mutuamente, mas também dão suporte uns aos outros em determinadas ocasiões. Esta é a chamada
“contradição institucional”, pois o analista não pode prever, ex-ante, a ação estratégica do ator mais
poderoso.
6
De acordo com o Prêmio Nobel Douglas North, as instituições constituem o arcabouço imposto pelo ser
humano a seu relacionamento com os outros. Estas instituições são portanto as regras do jogo (NORTH,
1990). Pode parecer um tanto peculiar Rhodes e Marsh inserirem as instituições em sua equação da
gênese do poder como apenas mais um elemento na fórmula. Entretanto, os autores estão vinculados à
matiz do institucionalismo derivado da Ciência Política, cujo enfoque é prioritariamente normativo. Sob
este prisma, as instituições são vistas como “(...) o resultado intencional, quase contratual, e funcional de
estratégias de otimização de ganhos por parte dos agentes” (THÉRET, 2003, p. 228). São portanto,
construídas, e podem permanecer como resíduos institucionais de estratégias passadas. É necessário ainda
considerar que esta escola contempla a ação dos atores coletivos emoldurada por macro-instituições
herdadas, como a Constituição e o Direito.
41
Os recursos que os atores podem dispor em suas relações de poder
indicam a sua capacidade de interferência nas decisões de outros atores em determinado
contexto ou entorno. Assim, a estratégia dos atores em uma rede de poder será pautada
na exploração dos recursos e capacidades diante de uma situação relacional específica.
Estes recursos podem ser classificados, como indica o quadro 2.2, em constitucionais,
políticos, financeiros, tecnológicos, organizacionais e jurídicos.
QUADRO 2.2 – Classificação e exemplos de recursos em redes de poder
Recursos de Poder Descrição
Constitucionais
Regras e normas formalmente legitimadas.
Políticos
Status público atribuído pelo Estado, poder de representação de um ator coletivo,
poder de aglutinação de um ator coletivo.
Financeiros
Financiamento adequado, incentivo fiscal modificado ou concedido, subsídio
modificado ou concedido, comissões sobre escala de produção, cotas
promocionais etc.
Tecnológicos
Conhecimento adquirido, tecnologias gerencial e da informação transferidas,
processos e matérias-primas específicas etc.
Organizacionais
Infra-estrutura institucional (institutos de pesquisas, centros de treinamento,
agências de marketing etc.), informações compartilhadas e propagadas, parcerias,
consórcios, informações ocultadas, proximidade de fornecedores, terceirização,
sub-contratação, utilização da marca etc.
Jurídicos
Direitos de propriedade intelectual, recursos sobre anti-dumping, ajuizamento de
ações etc.
Fonte: PAULILLO (2002).
Os recursos de poder são desejados pelas empresas visando melhores
resultados para livrarem-se de uma possível dependência de outras empresas. Isto é, as
firmas em rede possuem pacotes de recursos heterogêneos, sendo que as estratégias são
formuladas pela: 1) identificação dos recursos específicos e não específicos da firmas;
2) decisão das melhores oportunidades e 3) utilização efetiva dos ganhos
proporcionados por cada recurso, seja na disputa ou na cooperação com firmas
relacionadas (PAULILLO, 2002). Deste modo, a estratégia de um ator em rede de poder
consiste na exploração de seus recursos e capacidades, dado que o controle sobre
recursos escassos é fonte de lucros econômicos.
Diante da caracterização dos recursos de poder, pode-se agora tratar das
redes de poder. Estas redes operam em função dos recursos de poder que os atores
possuem, fazendo com que as diferenças de negociação ou barganha se estabeleçam
(PAULILLO, 2002). Assim, a dinâmica de um determinado mercado seria definida a
partir de conexões complexas entre diversos agentes dependentes, em maior ou menor
42
grau, de recursos de poder. A conformação da rede formada pelos agentes pode ter
amplos limites. MARCH e OLSEN (1993) argumentam que os sistemas políticos
nacionais se encaixam dentro de sistemas políticos internacionais e se decompõem em
numerosos subsistemas, alguns dos quais se estendem mais além das fronteiras de um
país.
Os agentes estabelecem interações estratégicas a partir dos processos de
busca e distribuição destes recursos. Um membro da rede torna-se deste modo
dependente dos recursos de poder dos outros membros e também do tipo de relação que
possuem. Ocorre que esta interação é desigual, já que a distribuição de recursos de
poder é também desigual. Como conseqüência, atores que dispõem de mais recursos
podem fazer valer seu poder no processo de representação de interesses.
WAARDEN (1992) enfatiza a dimensão econômica e política da rede de
poder, afirmando que nas redes atuam agentes endógenos e exógenos ao mercado. As
ligações entre estes agentes são estabelecidas em determinado entorno econômico ou
produtivo. A análise baseada no conceito de rede pressupõe que a configuração das
ligações presentes e ausentes entre os pontos (atores) que conformam determinado
sistema revela estruturas específicas.
Os dois principais méritos da análise de redes de poder, segundo
DAUGBJERG (1997a), são: a) a ênfase na interdependência de recursos, como força
crucial por trás do processo político; e b) a ênfase na variação das relações entre
governo e grupos de interesse, indicada no continuum entre comunidade política e rede
difusa.
WAARDEN (1992) ainda afirma que as principais variáveis envolvidas
na análise de redes de poder são o número e o tipo de atores sociais envolvidos, a
função principal da rede e o equilíbrio de poder. O número de participantes determina o
tamanho da rede. Por sua vez, a natureza da rede será definida pelo tipo de atores
envolvidos no processo político. Organizações privadas e órgãos governamentais
normalmente são membros da rede. Assim, a configuração é definida pela participação
de associações de interesses, partidos políticos, organizações científicas, específicas a
um setor ou mesmo trans-setoriais. Estas características, agrupadas, podem gerar uma
tipologia de redes, como mostra o quadro 2.3.
43
QUADRO 2.3 - Características dos tipos de redes de poder
Tipos de redes de poder Estado
coordenador
Estado
capturado
Clientelismo Pluralismo
pressionado
Atores (além das agências estatais)
Número Muito
limitado
Limitado Um Ao menos 2,
geralmente
mais
Tipo Basicamente
agências
estatais
Agências estatais
e firmas
O principal grupo
de interesse
Grupos de
interesses
conflitantes
Monopólio da representação Não Não Sim Não
Função
Canais de acesso Não Sim Sim Sim
Consulta Não Sim Sim Sim
Negociação Não Sim Sim Não
Coordenação Não Sim Sim Não
Cooperação na formação
política
Não Sim Sim Não
Cooperação na implementação
política + delegação de
autoridade pública
Não Não Usualmente não Não
Amplitude de temas Ampla Estreita Estreita Estreita
Estrutura
Limites Fechado Fluído Fechado Relativa/e
aberto
Tipo de articulação Involuntária Voluntária Voluntária Voluntária
Relações ordenadas Baixa Baixa Média Baixa
Complexidade Baixa Alta Alta Baixa
Padrão da relação Hierárquica,
liderança
articuladora
Hierárquica,
liderança
articuladora
Consulta
horizontal, inter-
mobilização
Consulta
horizontal
Centralidade Alta Baixa Média Baixa
Estabilidade Baixa Baixa Alta Baixa
Natureza das relações Conflituosa Cooperativa Cooperativa Conflituosa
Convenções da interação
Adversidade / procura por
consenso
Adverso Ambos Ambos Adverso
Idéia de servir interesse público Sim Não Não Não
Contatos formais ou informais Informal Informal Informal Ambos
Disputa ideológica Não Não Não Possível
Distribuição de poder
Autonomia Estatal Alta Extrema/e baixa Baixa Possível
Dominação do Estado Sim Não Não Possível
Dominação do interesse
privado
Não Sim Sim Possível
Estratégias da administração Pública
Acessibilidade Não Sim Sim Sim
Reconhecimento dos grupos de
interesses
Não Sim, informal Sim Não
Criação/mudança de
associações
Não Não Não Não
Fonte: WAARDEN (1992) citado por PAULILLO (2002).
44
QUADRO 2.3 - Características dos tipos de redes de poder (continuação)
Tipos de redes de poder Neocorporativista
estreita
Neocorporativista
ampla
Pluralismo
patrocinado
Atores (além das agências estatais)
Número Pelo menos 1 Pelo menos 2 Algumas
Tipo Associações de
interesses maiores
Associações de
interesses maiores
Associações e
grupos em geral
Monopólio da representação Sim Sim Não
Função
Canais de acesso Sim Sim Sim
Consulta Sim Sim Sim
Negociação Sim Sim Sim
Coordenação Sim Sim Sim
Cooperação na formação
política
Sim Sim Sim
Cooperação na
implementação política +
delegação de autoridade
pública
Sim Sim Não
Amplitude de temas Estreita Ampla Estreita
Estrutura
Limites Fechado Fechado Relativamente
aberto
Tipo de articulação Formal-compulsória Formal-compulsória Voluntário
Relações ordenadas Alta Alta Média
Complexidade Alta Alta Baixa
Padrão da relação Consulta horizontal Consulta horizontal Consulta
horizontal
Centralidade Média Média Baixa
Estabilidade Alta Alta Baixa
Natureza das relações Cooperativa Cooperativa Conflituosa
Convenções da interação
Adversidade / procura por
consenso
Procura por consenso Procura por consenso Adversidade /
consenso
Idéia de servir interesse
público
Não Sim Não
Contatos formais ou
informais
Formal Formal Ambos
Disputa ideológica Possível Possível Possível
Distribuição de poder
Autonomia Estatal Alta Alta Um pouco
Dominação do Estado Não Não Não
Dominação do interesse
privado
Não Não Não
Estratégias da administração pública
Acessibilidade Sim Sim Sim
Reconhecimento dos grupos
de interesses
Sim Sim Sim
Criação/mudança de
associações
Sim Sim Sim
Fonte: WAARDEN (1992) citado por PAULILLO (2002).
45
QUADRO 2.3 - Características dos tipos de redes de poder (continuação)
Tipos de redes de poder Paternalista Triângulos de ferro Redes temáticas ou
difusas
Atores (além das agências estatais)
Número Limitado Dois Ilimitado, muito
elevado
Tipo Pelo menos um
partido político
dominante
Associações de
interesses, parte de um
parlamento, de um
comitê.
Especialistas
individuais
Monopólio da representação Possível Sim Não
Função
Canais de acesso Sim Sim Sim
Consulta Sim Sim Sim
Negociação Possível Sim Não
Coordenação Possível Sim Possível
Cooperação na formação
política
Possível Sim Sim
Cooperação na implementação
política + delegação de
autoridade pública
Não Usualmente não Não
Amplitude de temas ? Estreita Estreita
Estrutura
Limites Relativamente
fechado
Fechado Extremamente aberto
Tipo de articulação Voluntária Voluntária Voluntária
Relações ordenadas Baixa Média Extrema/e baixa
Complexidade Possível Alta Média
Padrão da relação Autoridade
hierárquica
Consulta horizontal,
inter-mobilidade
Consulta horizontal,
inter-mobilidade
Centralidade Alta Baixa Extrema/e baixa
Estabilidade Baixa Alta Extrema/e baixa
Natureza das relações Conflituosa e
cooperativa
Cooperativa Cooperativa
Convenções da interação
Adversidade / procura por
consenso
Ambos Ambos Consenso em normas
tecnocráticas
Idéia de servir interesse público Não Não Sim, possível
Contatos formais ou informais Formal Informal Extrema/e informal
Disputa ideológica Possível Não Não
Distribuição de poder
Autonomia Estatal Alta, da parte
considerada estatal
Baixa Baixa
Dominação do Estado Sim Não Frouxa
Dominação do interesse
privado
Não Sim Frouxa
Estratégias da administração pública
Acessibilidade Possível Sim Sim
Reconhecimento dos grupos de
interesses
Possível Sim Sim
Criação/mudança de
associações
Possível Não Não
Fonte: WAARDEN (1992) citado por PAULILLO (2002).
46
As estruturas em redes não possuem objetivos próprios. Os atores sim, e
dependendo destes objetivos, as redes assumem várias funções, tais como a consulta (ou
troca de informações), a negociação (ou troca de recursos), a coordenação e mesmo a
cooperação na formação, implementação e legitimação da política pública. Desta forma,
o conceito de função estabelece a ponte entre a perspectiva do “ator” e da “estrutura” na
análise de redes. Assim, é possível caracterizar a distribuição de poder entre os agentes,
que é dada como uma função da distribuição de recursos e necessidades entre os atores.
Alguns autores, como MARSH e SMITH (2000), defendem que os
resultados políticos não podem ser explicados unicamente pela estrutura da rede. Eles
são resultado das ações de sujeitos que calculam estrategicamente. Para defender este
ponto de vista, os autores recorrem a três argumentos: a) os interesses ou preferências
dos membros de uma rede não podem se definidos meramente nos termos em que
ocorre a associação na rede; b) os constrangimentos
7
(ou oportunidades) para uma ação
dos agentes que irá derivar-se da estrutura da rede não acontece automaticamente, já que
ela depende da construção discursiva destes constrangimentos ou oportunidades pelos
atores; e c) os membros da rede têm habilidades que afetam suas capacidades de
usufruir as oportunidades ou negociar constrangimentos.
Entretanto, se o foco da análise for o comportamento individual, então,
necessariamente, o conceito geral de rede se torna menos útil. O resultado disto é que a
teoria terá menos (ou nenhuma) chance de ser rigorosa, dado o grau de detalhamento
necessário para generalizar os resultados para as redes de poder (RHODES; MARSH,
1990). Assim, é assumida a premissa de DOWDING (2001), que as características
estruturais das redes causam certos tipos de resultados políticos, e o detalhamento destes
resultados é o que permite o mapeamento de estruturas de poder.
Tendo a literatura de redes de poder um caráter multidisciplinar, há uma
amplitude de terminologias, definições mutuamente exclusivas, e especialmente,
diversos níveis de análise. A reserva de RHODES e MARSH (1990), derivada desta
consideração, faz saber que quando a unidade e o nível de análise variam daqueles já
amplamente definidos na literatura, é necessário adotar um uso cauteloso do conceito.
Assim, mesmo focalizando um macro-objeto como a reforma da política agrícola da
47
Comunidade Européia, DAUGBJERG (1997b) enfatiza a pertinência da análise de redes
de poder para compreender o poder estrutural
8
e a vantagem de alguns interesses sobre
outros, dado que o nível macro é definido como o contexto institucional no qual as redes
estão cristalizadas
9
.
A pertinência das análises realizadas no presente estudo provém da
adequação dos objetos em pauta, às variáveis tratadas em nível meso. Como mostra o
quadro 2.4, diversos autores têm reforçado a distinção entre os níveis analíticos,
colocando ênfase nas questões que emergem em cada nível, enquanto compromisso de
pesquisa, e reafirmando as possibilidades de análise de redes em um nível intermediário
entre o micro e o macro
10
. Entretanto, como em todo esforço de classificação, há uma
área cinzenta na delimitação entre os níveis, e os casos em que as distinções são claras
refletem a particularidade, e não o que é amplamente conhecido.
QUADRO 2.4 – Questões e diferentes níveis de análise
Proponentes Nível Macro vel Meso Nível Micro
Rhodes (1986)
Mudanças nas
características do governo
nacional
Redes de poder
Comportamento de atores
particulares (indivíduos
ou organizações)
Rhodes e Marsh
(1990)
Discussão sobre a
distribuição de poder nas
sociedades
contemporâneas
Redes de poder
Papel dos interesses
privados e do governo em
relação a decisões
políticas específicas
Evans (2001)
Características do sistema
internacional e do sistema
político
Redes de poder
Atitudes e
comportamentos
individuais
Fonte: Elaborado pelo autor.
7
De acordo com DiMAGGIO e POWELL (1991), o constrangimento no comportamento ocorre por meio
de escolhas que tornam-se inviáveis, pré-definições de cursos particulares de ação, e restrições de certos
padrões de alocações de recursos.
8
O poder estrutural, de acordo com SMITH (1990), citado por DAUGBJERG (1997), é aquele poder que
não é somente exercido por decisões individuais, mas por privilégios criados pela estrutura que
proporciona vantagem a alguns grupos em relação a outros.
9
No original, embedded. O autor procura, ao estilo dos representantes da sociologia econômica, atribuir
maior atenção à análise dos meios sociais nos processos econômicos e políticos (Cf. GRANOVETTER,
1985).
10
Entretanto, não há consenso sobre as variáveis queo podem ser analisadas com abordagens de nível
micro e macro. Um dos representantes da corrente contrária à aproximação do nível meso é DOWDING
(2001), que critica a idéia de um nível intermediário entre as teorias ou conceitos de nível macro e micro
nas Ciências Sociais. Desta forma, estabelece um debate com MARSH e SMITH (2000), que procuram
combinar os níveis de análise macro, meso e micro para examinar os efeitos das redes de poder nos
resultados políticos.
48
O conceito de redes em nível meso é definido, por RHODES e MARSH
(1990), em dois sentidos: o primeiro, enfatiza as relações estruturais entre organizações
políticas como o elemento crucial em redes, mais do que as relações interpessoais entre
indivíduos e organizações. O segundo, ressalta a existência de redes em níveis sub-
setoriais
11
. De fato, RHODES (1986) já havia preconizado a necessidade de focar a
análise na variedade de articulações possíveis entre as diferentes posições estruturais
assumidas por organizações políticas e governamentais. As relações entre estas
organizações políticas - ou grupos de interesse - e as agências governamentais podem
ser compreendidas por meio da análise de redes, formadas enquanto arranjos
organizacionais que facilitam esta intermediação (DAUGBJERG, 1997a).
EVANS (2001) afirma que conceitos de nível meso, como a análise de
redes pressupõe, são úteis para delinear os caminhos pelos quais subsistemas políticos
são desenvolvidos. Trata-se, sobretudo, de um reconhecimento de que a elaboração de
muitas políticas recentes é realizada por meio de redes com múltiplas camadas e com
singular capacidade de auto-organização.
2.5 Estado, Política e Negócios
A corrente institucional da Economia atribui ao Estado grande
importância, mas o considera como um elemento dado. As instituições podem ser
modificadas, visando criar um ambiente favorável ao desenvolvimento econômico, mas
os atores governamentais que as criam, modificam e revogam são considerados atores
neutros neste processo. Para as correntes institucionais da Ciência Política e da
Sociologia, esta premissa não é verdadeira. Uma visão do Estado alinhada aos
pressupostos destas correntes pode ser encontrada no pluralismo reformado. Contudo,
antes de abordar diretamente esta proposta teórica, é necessário discutir seus
antecedentes: o pluralismo e o neo-pluralismo.
A perspectiva pluralista permeou boa parte dos estudos elaborados no
âmbito da Ciência Política e da Sociologia nos Estados Unidos da América (EUA),
11
A noção de sub-setor político é uma forma de desagregação, que permite a obtenção de melhores
resultados na análise de campos organizacionais claramente definidos por uma dinâmica construída a
partir das relações econômicas e/ou tecno-produtivas (RHODES; MARSH, 1990).
49
durante as décadas de 1950 e 1960. Na sucinta descrição de ROMANO (1999), o
modelo pluralista representaria uma situação onde todos os grupos de pressão teriam a
mesma influência, e o Estado, além de estar sempre receptivo a proposições de políticas
públicas para atender às demandas de grupos sociais ou eleitores, adotaria uma postura
favorável aos interesses gerais da sociedade. A possibilidade de participação dos
diversos grupos sociais seria a visão predominante, condizente com a visão do Estado
neutro.
As críticas a esta perspectiva podem ser atribuídas a um repensar o papel
do Estado. Parte-se do pressuposto de que, ao justificar sua autonomia em favor do
interesse nacional, o Estado apenas legitima o favorecimento a determinados grupos
interessados, já que não importa quão autônoma possa ser a atividade do Estado, sempre
haverá o benefício a algum grupo social em detrimento de outro. Este argumento torna-
se mais sólido ao buscar respostas às indagações sobre a busca da longevidade política
dos representantes eleitos e os limites do controle social das organizações do Estado.
Outras críticas mais contundentes ainda poderiam ser expostas da seguinte forma:
(a) Os indivíduos não se tornaram sujeitos politicamente mais relevantes, mas sim os
grupos, as grandes organizações, as associações da mais diversa natureza, os
sindicatos das mais diversas profissões e os partidos das mais diversas ideologias
(BOBBIO, 2000).
(b) Há competição entre grupos sociais (que passam a ser tratados como grupos de
interesse), frente aos processos de formulação e implementação de políticas
públicas. As mobilizações e alocações de recursos do Estado e suas agências
deixam de ser vistas como “neutras”, e são remetidas à esfera das estratégias dos
grupos interessados em influenciar políticas públicas;
(c) O mercado, representado pelas grandes empresas, influencia a atividade política.
Este argumento é exposto por VOGEL (1996), retomando o debate vigente na
Ciência Política e na Sociologia durante as décadas de 1960 e 1970. Muitos críticos
defendiam que os agentes do mercado não eram apenas mais um grupo interessado,
mas possuíam características únicas, dado seu interesse e necessidade em obter o
domínio sobre as organizações e instituições da sociedade americana, incluindo
neste rol o próprio governo;
50
(d) Finalmente, como conseqüência desta linha de argumentação, os críticos do
pluralismo, inspirados principalmente no Marxismo, apontaram a aproximação
ideológica entre as elites políticas e econômicas, e a capacidade das grandes
empresas de manifestar seu poder de forma não observável, definindo e limitando
os termos do debate público.
Estas críticas, aliadas às discussões sobre as fontes e a extensão do poder
do mercado nas sociedades capitalistas, foram os motes para a publicação de Politics
and Markets, de LINDBLOM (1977). Esta obra marca a emergência de uma nova
proposta teórica, o neo-pluralismo.
O trabalho de Lindblom colocou as relações mercado-governo no centro
das discussões. Entre os pontos salientados por ele, ressalta-se a dependência do Estado
do bom desempenho da economia, traduzido em privilégios às empresas, dado que são
elas quem realizam os negócios. A manifestação da hegemonia de classe é também
discutida, apoiada no poder das corporações empresariais.
Destaca-se ainda o argumento no qual Lindblom afirma que, num sistema
de mercado, as empresas tomam decisões sobre aspectos importantes da vida das
pessoas, excluídas desta forma da agenda governamental e à margem do processo
democrático. Isto implicaria na noção de que o consenso não é necessariamente
resultado de um acordo, mas da manipulação dos desejos dos homens (LINDBLOM,
1977).
Talvez a principal crítica acerca do neo-pluralismo tenha também seu
pilar junto a uma visão particular do Estado. SMITH (1994), citado por ROMANO
(1999), afirma que a ênfase excessiva que os neo-pluralistas atribuem ao papel dos
chamados grupos de interesse no processo político torna seu argumento incapaz de
especificar a forma de organização concreta que articula empresas e governo. Assim,
essa ênfase nos grupos acaba por desvalorizar a relativa autonomia do Estado.
De fato, a orientação extra-nacional do Estado, os desafios face à
manutenção da ordem doméstica, e os recursos organizacionais que a coletividade dos
Estados nacionais pode dispor e exercer de fato, podem ajudar a explicar a sua suposta
ação autônoma (SKOCPOL, 1992).
Tendo em vista a impossibilidade de obter-se argumentos que não
pudessem ser refutados ao utilizar-se o quadro teórico proposto pelos autores neo-
51
pluralistas, e havendo um interesse na discussão dos problemas tratados por esta
corrente, tornou-se necessário repensar novamente o pluralismo. Desta reflexão, emerge
uma nova corrente teórica, o pluralismo reformado.
PAULILLO (2001b, p. 251-252) afirma que o pluralismo reformado irá
tratar do processo de interação dos atores sociais e econômicos em contextos
democráticos e de forte liberalização econômica, onde se constata a fragmentação do
Estado, o avanço da globalização e a complexidade da sociedade civil. Evidencia-se
portanto uma caracterização distinta do Estado, visto como um ator particular (que
detém o monopólio da legitimidade no uso do poder de polícia), mas que efetivamente
disputa e distribui recursos entre os atores (ajudas econômicas, apoio tecnológico,
restauração de normas, etc).
Assim, particularmente no Brasil, as redes organizacionais operam num
contexto em que a capacidade do Estado para a resolução de problemas está
fragmentada, e diversos grupos de interesse buscam obter recursos que garantam a seus
membros vantagens econômicas. Nesses casos, o Estado não é neutro e as agências
estatais participam do processo de interação representando interesses e disputando ou
distribuindo recursos escassos com os demais atores envolvidos. Este quadro condiz
com a caracterização institucional de MARCH e OLSEN (1993), que descrevem o
Estado não somente sendo afetado pela sociedade, mas também a afetando.
A premissa adotada neste estudo é que o Estado é um ator relevante na
arena onde se dá o processo de interação, de atores políticos e econômicos. Os embates
ocorrerão motivados pelos interesses e valores conflitantes de organizações
governamentais e grupos de interesses privados. As redes, neste contexto, tornam-se
uma abrangente caracterização das relações entre o interesse público e privado, e dão
conta das relações de troca entre o governo e organizações da sociedade civil, já que
suas proposições conceituais são adequadas para a análise da formulação e
implementação de políticas públicas e estratégias empresariais.
2.6 O Político Visto como Empresário e o Empresário como Funcionário Público
A democracia, como forma de regime político de governo, é um conjunto
de regras implícitas e explícitas que regem as relações entre os atores sociais em um
52
contexto histórico dado. Sendo a democracia um produto da aliança de poder que se
forma na sociedade em um determinado momento histórico, e sendo o poder a
capacidade de alguns de impor sua vontade sobre os outros, pressupõe-se a existência de
uma relação de poder baseada na legitimidade.
Quando o poder é percebido como legítimo pelos indivíduos de uma
comunidade, ele dá forma a algum tipo de autoridade. Assim, haverá uma estrutura de
governo, onde autoridades e grupos subordinados estabelecerão uma relação de
dependência. A dimensão política resultante implica na formação de coalizões e grupos
de interesse, que produzirão processos de elaboração de políticas, onde as regras e
normas dependerão do livre jogo de forças no mercado político
12
.
O pioneiro na construção desta perspectiva de oferta e demanda para
compreender a política foi WEBER (1992 [1944]). Segundo ele, o líder político deverá
dar conta dos interesses que conformaram a aliança de poder no momento em que for
levar adiante políticas públicas. Tal argumento é válido em um cenário de dominação
racional-legal, onde o governante sustenta seu poder por meio da legitimidade. Ora, a
legitimidade do governante é uma função do êxito de suas principais políticas. Deste
modo, quanto maior o sucesso de suas políticas, maior é sua legitimidade.
Esta construção da legitimidade ocorre dentro de uma relação de
subordinação do governante às instituições. De fato, há um marco institucional no qual
sua possibilidade de ação está limitada. Mas o fato de sua ascensão ao cargo traz
algumas implicações. Primeira, a existência de uma posição em uma instituição que tem
poder reservado a seus membros, ou seja, uma relativa capacidade de dispor bens e
serviços públicos. Segunda, a existência de uma rede de organizações intermediárias
que congregam interesses particulares, responsável pela conformação da aliança que
apóia as políticas do governante. Terceira, e última, a existência de uma aliança revela
objetivos compartilhados entre grupos e, portanto, capacidade de influenciar os
dirigentes políticos, já que o governante é membro da aliança.
Retomada por SCHUMPETER (1984 [1946]), a analogia entre mercado
e democracia avançou para uma concepção econômica da democracia. Se Weber
12
Para compreender as mudanças políticas e sociais deve-se levar em conta mais do que as variações
ambientais, já que o processo político é parte da mudança, e os atores podem escolher como irão
responder aos estímulos recebidos. Estes estímulos são provenientes da economia, da ideologia do partido
53
propusera uma metáfora na qual supostamente em todas as economias - com exceção
das mais primitivas - a oferta dos bens públicos, e os meios para organizá-la, poderiam
ser considerados como um monopólio natural, SCHUMPETER propôs uma analogia em
que na democracia, tal qual no mercado, haveria uma competição de “empresários
políticos” pela preferência dos eleitores (consumidores de bens públicos). A livre
competição pelo voto livre é, portanto, uma das mais originais contribuições da
concepção schumpeteriana de democracia.
O êxito das políticas governamentais é fundamental para estes
empresários políticos. Sendo a função primária do voto de um eleitor, em um regime
democrático, a “produção” de um governo, os partidos políticos procuram conquistar a
confiança dos eleitores, de modo que prevaleçam sobre os outros partidos e cheguem ao
poder. Sendo esta confiança obtida a partir dos resultados e, portanto, da competência
dos governantes, não haverá um monopólio no regime democrático. Esta assertiva
somente se mantém sob a alegação de Schumpeter que “a democracia é um método
político, ou seja, um certo tipo de arranjo institucional para se alcançarem decisões
políticas – legislativas e administrativas – e, portanto, não pode ser um fim em si
mesma, não importando as decisões que produza sob condições históricas dadas.”
(SCHUMPETER, 1984, p. 304). Deste modo, pressupõe-se a existência de consenso em
relação aos meios pelos quais os eleitores produzirão governos
13
.
A noção de mercado político está ainda fortemente ligada ao trabalho de
North
14
. Sua caracterização de organizações deixa claro que “[elas] não só investem
diretamente na aquisição de habilidades e conhecimentos como também canalizam
indiretamente (através do processo político) os investimentos públicos para as áreas de
especialização que, em sua visão, aumentariam suas perspectivas de sobrevivência.”
(NORTH, 1990, p. 14). Esta canalização de investimentos públicos corresponde ao que
LINDBLOM (1979, p. 18) chamou de “posição privilegiada da empresa”. Segundo ele,
dominante, da cultura e das instituições. Tais fatores são os responsáveis pelo processo de mudança nas
redes inter-organizacionais (RHODES; MARSH, 1992).
13
A realização de eleições em períodos pré-determinados, a existência de partidos perdedores que
reconhecem sua derrota, e a existência de partidos ganhadores que permitem aos perdedores retornar à
disputa são alguns destes meios.
14
Ao formular proposições sobre o papel principal do custo de quantificação dos atributos de valor dos
bens e serviços, em sua discussão sobre custos de transação, North não poderia ser mais claro quanto a
figura do eleitor como consumidor de bens e serviços públicos: “(...) [e] quando voto em uma deputada, é
em troca de seus serviços políticos.” (NORTH, 1990, p. 11).
54
as empresas são mais importantes e mais ricas que os indivíduos na sociedade, e têm
direitos que são negados a estes indivíduos. Além disso, o impacto político das
empresas difere e torna menor o do cidadão comum.
O papel político do empresário é substancial, pois são os executivos
quem, em grande parte das democracias liberais, determinam questões que não fazem
parte da esfera de competência do governo. Estas questões referem-se a aspectos da
produção e distribuição de bens e riquezas. Portanto, em algum grau, os homens de
negócios tomam decisões de política pública. São tomadores de decisão sujeitos a um
importante controle pelos consumidores, que interferem em questões como sobre o quê
será produzido e em qual quantidade.
Por sua vez, as empresas também exercem controle sobre o governo. Mas
este grau de controle empresarial não encontra equivalente em qualquer outro grupo de
cidadãos. Isto se dá porque os preços, os empregos, a produção, o crescimento
econômico e a segurança econômica da sociedade dependem, sobremaneira, da
atividade empresarial. Assim, “(...) os empresários em geral, e os executivos em
particular, assumem um papel privilegiado no Governo que, parece razoável dizer, não é
igualado por qualquer outro grupo de liderança que não os próprios funcionários do
Governo.” (LINDBLOM, 1979, p. 196). É percebida, portanto, a dependência do
governo do bom desempenho da economia, traduzido em privilégios às empresas, dado
que são elas quem realizam os negócios. Isto é reforçado por RHODES e MARSH
(1992), que citam diversos estudos de caso onde os grupos produtivos e profissionais
dominam as redes políticas, juntamente com o governo, e outros grupos exercem papel
pouco significativo.
Por fim, vale a ressalva de BOBBIO, que trata a metáfora do mercado
político como “uma analogia que deve ser considerada com a máxima cautela, tantas
são as afinidades aparentes e as diferenças substanciais.” (2000, p. 138).
2.7 Considerações Finais
Novos elementos teóricos apresentam-se como caminhos promissores
para a análise organizacional. Ao preocupar-se com o motivo pelo qual indivíduos e
grupos sociais agem de determinado modo, o neo-institucionalismo ressalta o papel dos
55
constrangimentos estruturais como importantes elementos que devem ser levados em
conta na formulação e implementação das estratégias empresariais. Mais do que isto,
joga luz a novas formas de compreender a firma. Ela deixa de ser vista como a unidade
de transformação tecnológica neoclássica, para se tornar um complexo de contratos
regendo transações econômicas (institucionalismo econômico), um pacote de recursos
heterogêneos (institucionalismo histórico), e mesmo uma estrutura formal entendida
como mito e cerimônia (institucionalismo sociológico).
Estas correntes teóricas do institucionalismo não conformam um corpo
unificado. Na verdade, alguns pressupostos são mesmo mutuamente excludentes. A
tensão dinâmica entre os princípios do conflito e da cooperação são incorporados aos
ramos da Ciência Política e da Sociologia, o que gera argumentos dependentes do
contexto, baseados em racionalizações ex-post. Mesmo incorporando mais elementos da
complexidade do mundo, este movimento torna menor o poder preditivo da teoria, o que
não ocorre na linha teórica desenvolvida no campo da economia.
Contudo, a ênfase nos modelos preditivos carrega consigo um inevitável
reducionismo, já que é necessário explicitar pressupostos de partida, para que ocorra a
dedução de argumentos posteriores. Assim, a complexidade do comportamento humano
cede lugar a poucos pressupostos comportamentais, que são considerados como dados
na análise de transações bilaterais. Como não existem ainda elementos para adicionar
relações sociais nos modelos desta corrente, considerações relevantes para a interação
estratégica deixam de ser feitas, tais como o papel do processo histórico na explicação
do desenvolvimento da organização (envolvendo custos de adaptação e aprendizagem
atrelados a internalização de atividades), e as possíveis alterações nas expectativas de
comportamento oportunístico, em função de experiência e mudanças de percepção
quanto a ganhos futuros. Deste modo, ao assumir que a melhor estratégia é a eficiência
econômica, esta corrente torna-se inadequada para o tratamento de redes. Mas gera
preciosos insights quando converge para uma posição mediana, ocupada pelo
institucionalismo histórico.
As melhores análises do institucionalismo histórico já indicam uma
espécie de integração de paradigmas. São incorporadas a perspectiva calculista, que
considera que quanto mais uma instituição torna possíveis os ganhos resultantes de
trocas, mais ela será robusta, e a perspectiva cultural, que afirma serem certas
56
instituições tão cristalizadas na sociedade que fogem por fim de todo e qualquer
questionamento direto, tornando-se assim construções coletivas que estruturam as
próprias decisões relativas a uma eventual ação que o indivíduo possa tomar. Assim, os
atores, a partir da abordagem histórica, selecionam instituições em razão de fins
instrumentais, de maneira similar ao que o institucionalismo econômico prevê, mas
consideram a seleção destas instituições a partir de mecanismos do institucionalismo
sociológico, ou seja, como um menu de alternativas que se tornam historicamente
disponíveis.
Neste quadro institucional, podem-se considerar os resultados políticos
como uma função de três fatores primários: a distribuição das preferências (interesses)
entre os atores políticos, a distribuição dos recursos (poder), e as restrições impostas
pelas regras do jogo (instituições). As preferências são entendidas como originadas e
modificadas através de um processo exógeno aos processos de eleição, mas são
restringidas pela necessidade de adequação à estrutura de oportunidades de ação. Por
sua vez, as instituições são socialmente construídas, mas podem fossilizar-se ao longo
do tempo e tornarem-se visões de mundo. E os recursos indicam a capacidade de
interferência dos atores nas decisões de outros atores em um determinado contexto
(MARCH; OLSEN, 1993).
Por fim, ressalta-se a premissa que os diferentes tipos de redes,
construídas com base nas características estruturais e dos agentes, irão gerar diferentes
resultados políticos no processo de interação estratégica. De acordo com DOWDING
(2001), as análises de redes são elaboradas com o propósito de produzir inferências
causais e descritivas. Os trabalhos empíricos que tratam da análise de redes de poder
devem ser conduzidos para examinar como estas configurações afetam as políticas
públicas, as instituições e a natureza da governança.
57
3 NOTAS INTRODUTÓRIAS SOBRE O DESENVOLVIMENTO DO
COMPLEXO AGROINDUSTRIAL LÁCTEO BRASILEIRO
3.1 Introdução
Durante o período compreendido entre 1945 e 1991, o complexo lácteo
foi regulado pelo Estado. O tabelamento de preços imposto pelo governo, praticado
muitas vezes com o objetivo de facilitar os ajustes na economia, deixou graves seqüelas
logo após o fim da intervenção. Crises cíclicas de preços e baixo nível de esforços de
diferenciação do produto são alguns exemplos verificados no período pós-intervenção.
Atualmente, o complexo agroindustrial (CAI) lácteo é formado por
pecuaristas que utilizam sistemas de produção com baixa tecnologia, praticando
pecuária extensiva, com animais não especializados. Mas, também, apresenta
produtores altamente tecnificados, aptos a exportar sua produção para os mais exigentes
mercados consumidores. Além da atual heterogeneidade tecnológica no setor lácteo e
dos interesses conflitantes entre produção primária, transformação e distribuição,
decorrentes da economia aberta, após décadas de regulação estatal, ainda há que se levar
em conta as relações público-privado, já que “[...] o processo de integração indústria e
agricultura não se deu à margem das relações entre as grandes empresas, os grupos
econômicos e o Estado” (MÜLLER, 1989, p.18).
Um traço característico na formação do CAI lácteo nacional é a dinâmica
da disputa entre grupos sociais que atuam em uma ou várias atividades do complexo
lácteo. As atividades econômicas assumiram, desde os primórdios do complexo, um
caráter de dependência, no que tange às possibilidades decorrentes do acesso à esfera
estatal. Houve, portanto, uma tendência de organização dos interesses econômicos, no
sentido horizontal (com a criação de sindicatos e associações) e vertical (com ganhos
sistêmicos para os atores de bacias leiteiras mais tecnificadas), que gerou relações
diferenciadas com as diversas agências, autarquias, e demais órgãos do governo.
Esta relação, entre o público e o privado, permite criar marcos para a
construção das diversas fases de consolidação do complexo lácteo no Brasil. Assim, o
quadro 3.1 sintetiza as três fases identificadas na literatura.
58
QUADRO 3.1 – Fases do desenvolvimento do CAI lácteo no Brasil
Período Fase
1932 a 1970 Gênese
1970 a 1991 Modernização Parcial
1991 a 2002 Auto-regulação
Fonte: Elaborado a partir de ALVES (2001) e PAULILLO, HERRERA e COSTA
(2002).
Estas fases irão guiar o desenvolvimento ora apresentado. Procurou-se,
aqui, compreender o processo que delineou a conformação da estrutura institucional
vigente neste complexo, as causas de sua manutenção, e as tendências imediatas que
podem ser vislumbradas no curto e médio prazo.
Após esta introdução, serão abordadas as principais mudanças nas regras
formais do complexo lácteo durante sua formação e, também, durante o período de
consolidação do CAI lácteo, entre os anos de 1970 e 1991. O programa de pesquisa
derivado da noção de complexo agroindustrial encerra, em sua agenda, um
compromisso com as questões apresentadas, tratando primordialmente do processo de
integração indústria-agricultura. As conseqüências desta integração são apresentadas na
terceira seção deste trabalho. A relação causal, com resultados pouco satisfatórios, entre
intervenção estatal e ausência de investimentos privados (seja em aumento da
produtividade ou na formação de uma cadeia de frio adequada), ficou patente após a
abertura da economia à concorrência externa, em 1992. Com o término da regulação, a
década de 90 assistiu a um intenso movimento de reestruturação produtiva, apresentado
na quarta seção deste trabalho. As mudanças recentes nas normas que regem o setor são
apresentadas na quinta seção e, à guisa de conclusão, são apresentadas algumas
considerações finais sobre as implicações das novas mudanças institucionais na
produção primária de leite no país.
3.2 O Desenvolvimento do Setor de Processamento Industrial Lácteo Brasileiro
Para avançar no entendimento da atual estrutura institucional do CAI
lácteo, é necessário lançar luz às ações levadas à cabo pelo governo e pelos empresários
59
do setor em décadas passadas, pois há, efetivamente, uma dependência da trajetória
15
adotada, construída a partir de políticas governamentais e estratégias empresariais
elaboradas sob conjunturas anteriores à atual. Deste modo, será revista, nesta seção, a
maneira como as principais políticas agrícolas e setoriais voltadas para o leite
influenciaram as atividades dos agentes inseridos no CAI lácteo, enquanto no apêndice I
deste trabalho são mostradas comparativamente as diversas fases destas políticas no
país.
O Decreto-Lei nº 22.239/32, que concedia benefício fiscal para
cooperativas de laticínios, decorreu da orientação do governo federal, propícia à isenção
fiscal como mecanismo de ampliação do cooperativismo leiteiro. Esta medida tinha
como meta criar um contraponto à estrutura vigente, formada por pequenos laticínios
familiares espalhados pelo interior, que pagavam aos produtores preços irrisórios. Em
1939, o governo do estado de São Paulo decretou que todo leite distribuído à população
deveria obrigatoriamente ser pasteurizado, e enquadrado como tipo A, B ou C.
Posteriormente, no ano de 1952, o governo federal publicou o Regulamento de Inspeção
Industrial e Sanitária de Produtos de Origem Animal (RIISPOA), estendendo a
determinação do governo paulista a todo o país. Em 1945, o governo do estado do Rio
de Janeiro iniciou o tabelamento dos preços do leite. Esta política foi adotada pelo
governo federal, que disseminou o tabelamento de preços para todo o país. O ano de
1964 foi marcado pelo fim da fixação do preço do leite destinado à indústria, e 1969 foi
o ano em que o governo instituiu o regime de pagamento leite-cota e leite-excesso
16
.
A década de 70 foi o momento em que o governo federal passou a
importar, com exclusividade, grandes quantidades de leite em pó e manteiga, para
fornecer às empresas empacotadoras de leite pasteurizado. Tal medida foi tomada como
ação corretiva à adoção de políticas de sustentação do preço de leite e proteção do
15
A noção de path dependence pode ser encontrada no trabalho de NORTH (1990, p.95), e tem como fim
demonstrar que soluções ineficientes - não maximizadoras da produção e incapazes de se adaptar à
adversidades – podem persistir ao longo do tempo, mesmo se escolhidas pelos agentes de maneira
intencional. O pressuposto básico é que as instituições produzem dependência a partir das rotinas,
formando assim um conjunto limitado de opções estratégicas disponíveis aos indivíduos.
16
A cota era uma média da produção obtida no período da seca (os meses de inverno). Se a produção
estivesse acima deste nível, durante os meses de safra, ela seria discriminada entre “extra-cota”,
correspondente a volumes de até 10% a mais, e “excesso”, para volumes que ultrapassassem os 10%. Os
percentuais mais elevados correspondiam a preços cada vez menores, sendo que estes valores eram
obtidos por meio da grandeza dos excedentes.
60
mercado interno, que visavam ao atendimento da demanda interna. O viés estava na
insuficiência do volume produzido internamente para abastecer o mercado, sendo então
necessárias as importações. No período de modernização parcial do complexo lácteo,
diversos programas governamentais foram lançados, como o programa de Incentivo à
Modernização da Pecuária Leiteira (Pró-Leite), e o Programa de Melhoramento da
Alimentação e Manejo do Gado Leiteiro (Planam).
A criação da Comissão Permanente do Setor Leiteiro, no fim da década
de 80, teve como justificativa a necessidade de apuração do custo de produção do leite,
dado essencial para as ações governamentais no complexo. Entretanto, esta comissão
atuou em um momento de transição, onde a orientação liberal já se fazia presente nas
esferas do governo como orientação política possível e factível após a
redemocratização.
Assim, em 1991, o governo anuncia o fim do tabelamento do leite
pasteurizado tipo B e C, e abre a economia à concorrência externa, em 1992, por meio
da redução de barreiras tarifárias. Acompanharam estas medidas a liberação das
importações de leite em pó e demais produtos lácteos para a iniciativa privada. As
medidas provocaram um intenso processo de reestruturação no complexo lácteo,
decorrente da saída do Estado na deliberação de vários pleitos na arena econômica e
social.
3.3 A Herança Revista: Heterogeneidade Tecnológica e Interesses Conflitantes
Os movimentos na política agrícola e macroeconômica, sucintamente
descritos na seção anterior, foram responsáveis pelo modo como ocorreu a integração da
agricultura e indústria no Brasil. Tomando como locus o CAI lácteo, é possível divisar
efetivas transformações nas esferas produtivas, de transformação e de distribuição,
decorrentes de medidas governamentais com escopos de ação mais amplos, cujos
objetivos perpassavam vários complexos agroindustriais.
Assim, a ênfase na modernização da agricultura, nos anos 70, propiciou
condições para que fossem criadas instalações produtoras de insumos destinados à
pecuária que, compulsóriamente, passaram a fazer parte do processo produtivo de
extração do leite em algumas bacias leiteiras. Essas bacias, situadas principalmente em
61
Minas Gerais e São Paulo, tornaram-se, assim, mais tecnificadas e, portanto, com
maiores índices de produtividade.
Outro ponto que deve ser destacado é que o rumo adotado para a política
agrícola no período da modernização conservadora indicava uma convicção na
existência de um conjunto de medidas de caráter horizontal
17
que poderiam alavancar o
desempenho da agricultura brasileira. Ocorre que no campo brasileiro predominam as
diferenças
18
, e são estas que fundamentam a divisão regional do país. Portanto, são as
diferenças geográficas, diferenças entre os graus de agroindustrialização, e diferenças na
representação política dos interesses sócio-econômicos que efetivamente deveriam
fundamentar o desenho de políticas públicas (MÜLLER, 1989).
O recorte horizontal na formulação de políticas teve conseqüências
negativas. Tome-se como exemplo a desigualdade nas condições de acesso ao crédito,
entre atores de um mesmo complexo. Os organismos do governo favoreceram os
grandes produtores e penalizaram os pequenos, criando um problema na gestão da
política, já que grande parte dos recursos estava destinada a poucos produtores
patronais. Principalmente entre complexos distintos, é possível vislumbrar repercussões.
Assim, o moderno complexo da soja, cujo produto final é voltado à exportação,
contrasta com os complexos de produtos básicos, como o complexo lácteo.
Ainda que pesem estas contradições, a agricultura brasileira adquiriu,
como indicam PAULILLO e ALVES (1998), um notável desempenho econômico. Na
década de 80, o país sofreu com uma grave crise econômica, motivada pela
instabilidade externa e pelo ajuste no Balanço de Pagamentos. Paralelamente a isto, a
agricultura obteve altas taxas de crescimento, por meio de mecanismos específicos de
exportação de produtos agrícolas e políticas de crédito e preços mínimos.
17
De acordo com PAULILLO e ALVES (1998, p.20), “o caráter horizontal representa o estabelecimento
de mecanismos de política agrícola abrangentes e centralizados. Abrangentes, porque foram estabelecidos
[durante a modernização conservadora da agricultura do país] de forma generalizada e indiscriminada
para todos os setores da agricultura, com raras ações discriminatórias e específicas ao longo dos últimos
30 anos. Centralizados, porque sempre estiveram sob os auspícios dos Ministérios da Fazenda, do
Planejamento e da Agricultura do Governo Federal. Distantes, portanto, dos problemas específicos de
cada cultura agrícola e das diferenças regionais sob três ângulos: econômico, tecnológico e logístico.”
18
Como afirma MÜLLER (1989, p.48), “há, sem sombra de dúvidas, uma desigualdade na difusão do
progresso técnico na agricultura brasileira tomada em seu conjunto, assim como desigualdade nas formas
de organização da produção, no acesso ao financiamento, na organização institucional dos interesses
sociais associados às atividades agrícolas.” As características do complexo lácteo não são diferentes.
62
O resultado, apesar de favorável ao PIB brasileiro, também pende a
balança social. Boa parte das medidas de política agrícola, na década de 70, teve uma
conotação compensatória, com o Estado assumindo a responsabilidade dos efeitos
contraditórios das políticas macroeconômicas e setoriais levadas a cabo naquele
momento. Deste modo, os pecuaristas tiveram acesso a crédito rural subsidiado e
garantido, passando ao largo das restrições fiscais e monetárias então vigentes. A
protelação do cumprimento da legislação trabalhista na agricultura é também um outro
exemplo de medida adotada para compensar a agricultura.
O esforço organizado com a finalidade de conservar o seguimento de tais
políticas creditícias impeliu alguns setores do CAI lácteo a agirem como grupos de
pressão, influenciando, assim, o traçado da política para o setor. Deste modo, no período
de regulação estatal, representantes dos atores econômicos do complexo discutiam e
articulavam preços de produtos lácteos nas ante-salas dos ministérios, sendo eles
responsáveis pelos subsídios necessários para a implementação de medidas e ajustes na
política de preços mínimos e nos valores básicos de custeio. As exigências técnicas
permaneceram, mas perderam a primazia para a legitimidade atribuída aos
representantes dos interesses do setor lácteo, cujas exigências políticas e relevância
como grupo social determinaram a condução da política voltada para o setor
19
.
Os resultados obtidos por estes grupos de pressão, correspondem à
razoável segurança dos preços impostos pelas portarias governamentais, e a reserva de
mercado criada pela proibição das importações para a iniciativa privada, que geravam
maior remuneração para os agentes do setor.
Entretanto, não se está tratando aqui de um grupo coeso representando
todos os interesses de todos os setores inseridos no CAI lácteo. Trata-se de uma
estrutura de grupos sociais que atuam em diversas esferas econômicas e políticas, que
acrescentaram ainda uma dinâmica própria à formulação, implementação e ajuste de
19
A “Planilha de Custo para Produção de Leite”, elaborada mensalmente pela Embrapa Gado de Leite,
um órgão do governo, na verdade aumentava a capacidade de negociação dos produtores junto ao
governo, já que atribuía legitimidade às reivindicações dos produtores de maiores valores para o preço do
lácteo. A contradição é que este instrumento técnico era justamente feito para servir de subsídio
qualificado na formulação das políticas para o setor, mas quem efetivamente fazia uso de suas
informações eram os atores que seriam beneficiados com a implementação de tais políticas, durante a
disputa de recursos públicos para o atendimento de suas demandas.
63
políticas
20
. Havia, sobretudo, um componente de autonomia Estatal nas demandas e
disputas por recursos. Esta autonomia é derivada da orientação extra-nacional do
Estado, dos desafios face à manutenção da ordem doméstica, e dos recursos
organizacionais que a coletividade do Estado pode dispor e exercer de fato,
características estas que ajudam a explicar a ação autônoma do Estado (SKOCPOL,
1992).
Além desta suposta autonomia estatal, mais um fator é relevante para
compreender a mudança na iniciativa dos grupos de pressão: a legitimidade dos atores
coletivos agropecuários, na década de 90, tornou-se questionável, dada a constatação da
existência de uma gama de produtores desintegrados e desarticulados da esfera de
decisão dos encadeamentos agroindustriais, como indicam BELIK e PAULILLO
(2000), alvos ideais dos novos programas governamentais de apoio à agricultura
familiar.
Esta trajetória, determinada pela imbricação dos interesses privados e
públicos, foi decisiva para o atual desempenho do setor. Contrapondo-se aos interesses
dos pecuaristas, o Governo, aproximando-se da cartilha neo-liberal
21
, modificou o modo
de regulação lácteo em 1991
22
. Neste período, grupos de pressão como a União
Democrática Ruralista (UDR) e a Frente Ampla Agropecuária tiveram algumas de suas
demandas excluídas da agenda, frente às pressões orçamentárias decorrentes do déficit
público acumulado na década de 80. A saída do governo fez com que emergissem novas
arenas, setoriais e regionais, onde os atores do complexo lácteo procuraram se articular
para dar conta das questões pendentes, que não eram poucas e tampouco irrelevantes.
Os problemas no CAI lácteo, que foram realçados após a
desregulamentação, são apontados por WILKINSON (1996), e aqui discutidos:
20
A regionalização da Política de Garantia de Preços Mínimos (PGPM) foi revogada após manifestações
de produtores da região Centro-Oeste, já que esta atingia os produtores mais próximos dos grandes
mercados consumidores (PAULILLO; ALVES, 1998). Assim, interesses conflitantes dividiram os
representantes dos produtores rurais, cujo litígio mostra a inexistência de um bloco monolítico formado
pelos representantes de cada segmento do encadeamento tecno-produtivo do complexo lácteo.
21
Entendida aqui como a consecução de um Estado mínimo, tendo como instrumentos o ajuste fiscal, as
privatizações, a desregulamentação comercial e a liberalização da economia.
22
A fase liberal da política agrícola brasileira, de acordo com SOUZA FILHO (2003), teve três
condicionantes. O condicionante político está associado à Assembléia Nacional Constituinte e à extensão
do mandato presidencial; o condicionante econômico vincula-se à alta inflação, à instabilidade
monetária, ao desequilíbrio macroeconômico, à crise fiscal, e às intervenções erráticas nos mercados
agrícolas. As orientações da Carta Magna para a lidar com a debilidade financeira do Estado, a unificação
64
(a) A subordinação da renda do produtor rural ao combate da inflação: A política
macroeconômica dos anos 80 caracterizou-se pelos planos de estabilização
econômica, apoiados no combate à inflação. Sendo o leite um produto da cesta
básica, o governo, visando a reprimir a inflação na cesta, promovia importações na
entressafra, abastecendo deste modo o mercado consumidor de leite e derivados.
Com a liberação das importações para os atores privados, o problema do suprimento
de leite, para atender ao mercado, foi resolvido. Permaneceram as cíclicas crises de
queda nos preços aos produtores rurais na safra, devido ao aumento da oferta de
leite, grave problema que atinge principalmente a atividade pecuária em
propriedades familiares.
(b) Deriva deste problema a dependência das importações para o abastecimento do
mercado interno. Os movimentos de importação e exportação são necessários para a
economia brasileira. O paradoxo reside na constatação de que, na safra, há oferta
suficiente para derrubar os preços pagos aos produtores, e na entressafra torna-se
necessário importar para atender ao mercado consumidor. A estocagem do excesso
e posterior comercialização ocorre apenas timidamente.
(c) A inviabilização da tecnificação do setor decorre da abrangência do alvo. O Brasil,
na segunda metade da década de 90, contava com um rebanho médio de 31.208.584
cabeças. No final da década, o rebanho brasileiro da pecuária leiteira já contava
com 34.563.172 cabeças de gado (ANUALPEC, 2002). A melhoria dos processos
produtivos passa, necessariamente, pela assistência técnica, ainda uma “ilustre
desconhecida” de boa parte dos pecuaristas.
(d) Como conseqüência do item anterior, predomina a oferta leiteira não-especializada.
As exigências sanitárias e tecnológicas para a obtenção do leite tipo A e B são
maiores do que aquelas necessárias para a obtenção do leite C
23
. Entretanto, as
do orçamento monetário e financeiro, e a incorporação do Orçamento de Crédito ao Orçamento da União
são as condicionantes institucionais.
23
Adota-se no Brasil uma classificação do leite in natura baseada nos processos técnicos de produção.
Assim, o leite tipo A é aquele leite pasteurizado produzido, beneficiado e envasado em estabelecimento
denominado “Granja Leiteira” (estabelecimento destinado à produção, pasteurização e envase de leite
pasteurizado tipo A para o consumo humano, podendo, ainda, elaborar derivados lácteos a partir de leite
de sua própria produção). Imediatamente após a pasteurização o produto assim processado deve
apresentar teste qualitativo negativo para fosfatase alcalina, teste positivo para peroxidase e enumeração
de coliformes a 30/35ºC (trinta/trinta e cinco graus Celsius) menor do que 0,3 NMP/mL (zero vírgula três
Número Mais Provável / mililitro) da amostra. O leite tipo B, por sua vez, é oriundo da ordenha completa
e ininterrupta, em condições de higiene, de vacas sadias, bem alimentadas e descansadas. Deve ser
65
normas para a classificação do leite, previstas no Decreto nº 30.691 de 29 de março
de 1952, vigoraram sem grandes modificações durante quase 50 anos. Esta falta de
incentivos para a especialização é acentuada pela influência da política
macroeconômica no setor
24
.
(e) Utilizando tecnologia rudimentar, o sistema de produção necessário para a obtenção
de leite in natura favorece a manutenção da informalidade na produção leiteira.
Assim, produtores que têm a pecuária de corte como negócio principal em sua
propriedade, mas criam gado de dupla aptidão (leite e corte), podem extrair leite
durante o período das águas (outubro a março). Como a produção de leite é sazonal
para estes pecuaristas, por tratar-se de um sub-produto da pecuária de corte, obtido
apenas na safra, muito provavelmente não haverá esforços de melhoria da qualidade
do leite nestas propriedades.
As várias respostas possíveis a estas situações variam em função dos
interesses dos grupos sociais, da dinâmica estabelecida em suas inter-relações, e das
estratégias que podem lançar mão para obter melhores resultados. Apesar de haver
possibilidade para a coordenação em sub-grupos estratégicos, o setor lácteo ainda
convive com as falhas de mercado
25
. O argumento básico para a função alocativa do
governo é a existência destas falhas. Desta forma, o poder público intervém diretamente
no processo produtivo, ofertando determinado bem ou direcionando a iniciativa privada
através de estímulos ou penalidades (CARVALHO, 2001).
refrigerado em propriedade rural produtora de leite e nela mantido pelo período máximo de 48h (quarenta
e oito horas), em temperatura igual ou inferior a 4ºC (quatro graus Celsius), que deve ser atingida no
máximo 3h (três horas) após o término da ordenha, transportado para estabelecimento industrial, para ser
processado, onde deve apresentar, no momento do seu recebimento, temperatura igual ou inferior a 7ºC
(sete graus Celsius). Finalmente, o leite tipo C não é submetido a qualquer tipo de tratamento térmico na
fazenda leiteira onde foi produzido, sendo transportado em vasilhame adequado e individual de
capacidade até 50 l (cinqüenta litros) e entregue em estabelecimento industrial adequado até as 10:00 h
(dez horas) do dia de sua obtenção.
24
O impacto da política cambial é grande nos custos de produção das fazendas especializadas. Assim, a
desvalorização do real em julho de 2001 provocou o aumento dos preços de farelo de soja e polpa cítrica,
insumos cotados em dólar. O efeito negativo da política de desvalorização do câmbio recai, ainda, sobre
fertilizantes, minerais, medicamentos e produtos de limpeza na ordenha, que utilizam componentes
importados.
25
As falhas de mercado são consideradas por CARVALHO (2001, p.122) como o “conjunto de condições
sob as quais uma economia de mercado é incapaz de distribuir recursos de maneira eficiente”. Segundo a
autora, estas falhas podem ser identificadas pela: a) existência de bens públicos (cujo consumo por um
usuário não reduz o estoque disponível para outros); b) existência de mercados imperfeitos (que podem
levar à formação de monopólios ou atividades que exijam grande escala na produção); c) presença de
externalidades (positivas ou negativas); e ainda pela d) informação imperfeita.
66
Por fim, retoma-se uma pergunta formulada por MÜLLER (1989, p.58),
no final da década de 80, período em que se inicia a fase liberal da política agrícola
brasileira: “supondo que o Estado se retirasse abruptamente como financiador das
atividades rurais, o que aconteceria com os empreendimentos agrícolas?”. O mesmo
autor responde esta questão, apontando para o aumento da concorrência no setor, e para
o aumento dos conflitos entre produtores rurais e indústria. Tal resposta corresponde à
realidade verificada no complexo lácteo, na década de 90? Um exame mais acurado
permitirá verificar isto, sendo este um dos elementos detalhados na próxima seção deste
trabalho.
3.4 A Auto-regulação no Complexo Agroindustrial do Leite
3.4.1 Reestruturação produtiva no mercado interno
A liberalização econômica e a estratégia de quase-integração, colocada
em prática pelo segmento industrial, são consideradas por PAULILLO, HERRERA e
COSTA (2002) como os fatores responsáveis pela redução do poder de negociação da
pecuária leiteira nacional nos anos 90.
Logo após a desregulamentação do setor, as empresas multinacionais
avançaram no processo de concentração, na indústria e no varejo. Concomitante a isto
ocorreu uma sensível modificação dos hábitos de consumo de leite no país. Novos
produtos e embalagens chegaram ao país, graças à liberação das importações,
ampliando assim as mudanças no setor lácteo. A conjuntura macroeconômica também
favoreceu o consumo. De acordo com SOUZA (1999), a elevação do consumo de
produtos lácteos em 1986 e 1996 está associada aos períodos de estabilização
inflacionária e melhoria da renda per capita, resultados dos planos Cruzado e Real,
respectivamente.
É emblemática a ampliação do consumo de leite longa-vida, cuja
repercussão no complexo lácteo foi a desorganização das bacias leiteiras tradicionais, e
a abertura de novas fronteiras de produção. A expansão destas fronteiras de produção
deriva, também, de vários outros fatores, propícios ao avanço do rebanho leiteiro no
interior do país. A redução da especulação com terras, bezerros e bois gordos na
67
pecuária de corte, ocasionada pela estabilização econômica, estimula os pecuaristas a
obterem rendas complementares, que podem vir da produção de leite em rebanhos
cruzados
26
. Além disto, a existência de linhas de financiamento como o Fundo
Constitucional do Centro-Oeste (FCO), com recursos disponíveis a juros bastante
atrativos e carência elevada, estimula a aquisição de rebanhos na região Centro-Oeste,
onde emerge uma bacia leiteira caracterizada pelo volume e qualidade: a bacia goiana.
Entretanto, os antigos problemas persistem. De acordo com PAULILLO,
HERRERA e COSTA (2002), algumas empresas do segmento industrial, para estimular
os produtores a ampliar a escala de produção e melhorar a refrigeração para a coleta a
granel, decidiram pagar pela qualidade do leite. Mas o valor do prêmio não bastava para
cobrir os custos necessários à adaptação, alijando deste quadro os pequenos produtores
descapitalizados, que não dispõem de acesso ao crédito, e até mesmo alguns pecuaristas
mais capitalizados, dado o panorama de altas taxas de juros e escassas linhas de crédito.
Novas soluções emergiram para dar conta de problemas como o que foi
mencionado. As negociações, pautadas exclusivamente nos preços de um produto com
características de commodity, modificaram-se, adicionando novas práticas comerciais ao
processo. Esta profissionalização na comercialização acontece de modo emblemático na
consolidação de parcerias em âmbito local e regional. Grandes empresas laticinistas têm
recompensado a fidelidade de seus fornecedores de leite com a concessão de crédito
para a aquisição de equipamentos e garantia de pagamento em data predeterminada.
Destarte, adquirem a garantia de suprimento de matéria-prima com qualidade e no
volume necessário para cumprimento de contratos anuais, evitando, assim, o aumento
de custos de transação, decorrentes de possíveis comportamentos oportunísticos.
De acordo com BELIK e PAULILLO (2000), os interesses industriais
são os responsáveis pela criação destes novos modelos de transação. Os atores
industriais ocupariam este espaço de financiamento agropecuário, anteriormente
ocupado pelo Estado, e imporiam seus interesses em troca de facilidades para os
produtores adquirirem os equipamentos necessários à atividade produtiva. Este
26
Este procedimento pode ser eficaz, desde que haja um planejamento dos acasalamentos futuros, a fim
de não perder a aptidão leiteira das fêmeas. Contudo, não está próximo do que é desejável para uma
“pecuária profissional”, na qual o rebanho é formado por raças de aptidão tipicamente leiteira, e permite o
aumento incremental de produtividade pelos acertos no manejo do gado. A questão é que os produtores
que criam rebanhos mistos tem obtido acesso ao crédito governamental, e assim seguem com o gado de
dupla aptidão.
68
0
1000
2000
3000
4000
5000
6000
7000
8000
9000
10000
1999 2000 2001 2002 2003
Quantidade (em mil)
Norte Nordeste Sudeste Sul Centro-Oeste
mecanismo, onde os preços atuais e futuros do leite são definidos, resulta em efetiva
agilidade na comercialização e financiamento do investimento, o que inegavelmente
traz conseqüências positivas para a pecuária leiteira. Ademais, não restaram outras
alternativas para o produtor, haja vista que, para a agricultura, tornou-se extremamente
complicado manter-se competitiva, pela incapacidade de efetuar investimentos devido à
política de juros elevados e ao barateamento do produto importado, provocado pela
artificialidade cambial, como apontam PAULILLO e ALVES (1998).
A especialização da atividade de extração leiteira continua, em boa
medida, concentrada na região Sudeste. Esta é a região que apresenta o maior volume de
leite produzido, como se verifica na figura 3.1.
FIGURA 3.1 – Produção de leite por região (1999-2003)
Fonte: IBGE (2003).
As regiões Norte e Nordeste apresentaram crescimento médio anual de
12,8% e 16,28% respectivamente, no período analisado. Estas taxas são inferiores às
taxas constatadas nas regiões Centro-Oeste e Sudeste, com média de crescimento de
16,54% e 19,12% ao ano. A região Sudeste, com 15,94% de variação média ano a ano,
é contudo a maior produtora, respondendo por 41,8% do volume de leite produzido no
país (ANUALPEC, 2003).
69
A década de 90 também assistiu a uma grande redução no número de
cooperativas de laticínios. PAULILLO, HERRERA e COSTA (2002, p.174) afirmam
que foram os movimentos de caráter estrutural
27
que não permitiram reverter a
tendência de diminuição das cooperativas. Estes movimentos são os cernes do processo
de reestruturação, que efetivamente marginalizou e excluiu ummero significativo de
atores produtivos lácteos
28
.
Esta tendência de seletividade ainda persiste, e tende a se acentuar. Como
mostra a tabela 3.1, o número de produtores que fornecem para as maiores empresas
laticinistas do país vem diminuindo, mas o volume de produção por pecuarista vem
aumentando.
TABELA 3.1 – Participação das 12 maiores empresas lácteas no Brasil (2000/2002)
Recepção Anual de Leite (mil litros) Número de produtores
Empresas / Marcas
2000 2001 2002 2000 2001 2002
1. Nestlé 1.393.000 1.425.628 1.489.029 14.142 8.536 7.192
2. Parmalat 919.483 941.490 947.932 15.550 15.300 15.550
3. Itambé 773.000 832.000 732.000 8.400 7.990 6.010
4. Elegê 760.239 782.141 711.335 32.188 31.282 28.655
5. Paulista 512.687 488.131 307.766 8.925 8.191 4.512
6. Danone 130.210 247.487 272.236 1.420 2.452 2.470
7. Sudcoop 181.670 209.070 230.952 4.625 6.333 6.993
8. Centroleite 174.902 220.533 213.503 4.205 4.725 4.905
9. Embaré 123.471 180.081 192.378 2.863 3.203 2.884
10. Laticínios Morrinhos 146.200 207.031 188.241 7.292 7.299 4.990
11. Central Leite Nilza 141.449 139.937 182.568 2.615 2.384 3.031
12. Batavia/Agromilk 272.775 225.659 165.276 7.505 6.820 6.529
Total 12 maiores 5.529.086 5.899.188 5.633.216 109.730 104.515 93.721
Produção nacional - leite 19.767.000 20.510.000 21.643.000
Total sob inspeção (SIF) 12.108.000 13.213.000 13.221.000
Fonte: Embrapa Gado de Leite. Disponível em http://www.cnpgl.embrapa.br Acesso em
29 mar. 2005.
27
Os movimentos de caráter estrutural foram responsáveis, principalmente, pela desestruturação das
bacias leiteiras tradicionais. De acordo com PAULILLO, HERRERA e COSTA (2002, p.174), eles foram
os seguintes: a) o fim do controle de preços ao longo do fluxo agroindustrial lácteo; b) a abertura
comercial e a transferência do mecanismo de importações para o controle do aparato privado; c) o
aumento da concentração industrial; d) a presença dos “sem-fábrica”; e e) a falta de programas de política
pública para modernizar toda a pecuária leiteira.
28
Um contigente de pequenos, médios e grandes pecuaristas, cooperativas de laticínios e pequenas
empresas processadoras não conseguiu se adaptar às novas condições competitivas, e foram
marginalizados no processo produtivo. Como resultado, permaneceram operando com tecnologia
rudimentar, máquinas e equipamentos obsoletos, e desconhecimento de técnicas gerenciais e de controle
de custos, resultando assim em baixa lucratividade, e até mesmo na saída da atividade produtiva.
70
A redução do número de fornecedores é característica marcante do
processo de granelização da coleta de leite. Entre os anos de 1998 a 2000, as 12 maiores
empresas lácteas do país deixaram de adquirir leite de, aproximadamente, um em cada
quatro pecuaristas que anteriormente integravam o quadro de fornecedores destas
empresas (PAULILLO; HERRERA; COSTA, 2002). Os produtores que deixaram de
fornecer podem ter-se deslocado para cooperativas singulares e laticínios de atuação
regional, ou partido para a informalidade, com a venda do leite nos centros urbanos.
3.4.2 O Comércio Internacional
Se, na década de 70, o principal instrumento de política agrícola foi o
crédito rural, utilizado com abundância de recursos provenientes do endividamento do
governo, e na década de 80 prevaleceram os instrumentos de estabilização de preços,
como o preço mínimo e os estoques reguladores, na década de 90 ganharam expressão
os instrumentos de política agrícola relacionados ao comércio internacional, como os
impostos de importação e as tarifas compensatórias (GOMES, 1996).
De acordo com PAULILLO, HERRERA e COSTA (2002), a principal
causa do crescimento nas importações de lácteos, na década de 90, foi a consolidação do
plano de estabilização do governo federal. O sucesso do plano Real no combate à
inflação provocou uma significativa elevação da demanda de lácteos. Além disso, com
término da exclusividade estatal nas importações de leite e derivados, emergiram novos
atores, como os empresários “sem-fábrica”, que lançam mão das importações para obter
lucro, proveniente das rendas geradas com diferenciais de preços, movimento das taxas
de juros e câmbio e, ainda, distintos prazos de pagamento. Assim, a reestruturação
agroindustrial láctea avança de acordo com os interesses de setores e grupos não-
agrários (BELIK; PAULILLO, 2000).
Neste contexto, efeitos negativos fizeram-se sentir no complexo lácteo, a
partir da política de comércio exterior. A Negociação Agrícola da Rodada Uruguai
(1986-1994) previa o fim de quaisquer restrições não-tarifárias e quantitativas às
71
1
10
100
1000
10000
100000
1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003
Ano
Milh
ões
d
e
li
tros
Produção Importação Exportação
importações de derivados lácteos, e em 1994 a Tarifa Externa Comum (TEC), prevista
no acordo que estabelecia as bases para a formação do Mercosul, facilitou a importação
de produtos lácteos da Argentina e do Uruguai.
Decorre disto o problema da triangulação, que é a compra do produto de
um país que não pertence ao bloco, feita por um país membro, para depois vendê-lo
com vantagem dentro do mercado comum. Assim, grandes grupos empresariais que
operam no Brasil utilizaram as vantagens de pertencer ao bloco para, por meio da
Argentina e Uruguai, importar leite em pó mais barato de nações produtoras que
subsidiam sua produção, como Nova Zelândia e União Européia.
Apesar destes problemas, o final da década de 90 foi marcada por um
pequeno avanço nas exportações, como se verifica na figura 3.2.
* Foi adotoda a escala logarítmica para que as tendências da série temporal fossem realçadas
Fonte: IBGE, MAA, MF, SECEX/MDIC. Disponível em:
http://www.cnpgl.embrapa.br/producao/-07consumo/tabela07.06.php Acesso em 22
nov. 2003.
FIGURA 3.2 – Produção, importação e exportação de leite no período 1990-2002*
A produção tem permanecido estável, com 20,4 bilhões de litros
produzidos em 2002, e 1,5 bilhões importados. Foram exportados, em 2002, 184,8 mil
72
litros, que representa um aumento da ordem de 560,17% do total exportado em 2000.
Este percentual pode crescer, caso as novas normas impostas pelo governo tenham
efeito no complexo lácteo.
3.5 Mudanças Recentes nas Normas Formais do Complexo Agroindustrial Lácteo
Como se verificou na seção 3.4.1 deste capítulo, há uma tendência de
maior seletividade dos empresários rurais envolvidos com a atividade produtiva
29
. As
maiores empresas de laticínios do país estão captando leite de produtores cuja produção
média tem apresentado uma tendência crescente, evidenciada na tabela 3.1, mostrada na
subseção 3.4.1.
Esta seletividade no setor rural será acentuada com as medidas propostas
pela Instrução Normativa nº 51/2002
30
, do Ministério da Agricultura, Pecuária e
Abastecimento. Esta instrução substitui a norma estabelecida no decreto 30.691, de
1952, distante dos modernos padrões de qualidade do mercado internacional. A
Instrução Normativa nº 51/2002 prevê parâmetros mais rigorosos para detectar resíduos
de antibióticos, contagem bacteriana e células somáticas, e estabelecer normas para o
resfriamento e coleta a granel. Em 2005, os estados das Regiões Sudeste, Centro-Oeste
e Sul do país deveriam estar plenamente adequados a esses novos parâmetros. Para os
demais Estados, o prazo é 2007.
Do ponto de vista de controle e qualidade, o leite e os derivados lácteos
estão entre os alimentos mais testados e avaliados, principalmente devido à importância
que representam na alimentação humana, e à sua natureza perecível. Os testes
empregados para avaliar a qualidade do leite fluído constituem normas regulamentares
29
Esta é provavelmente uma tendência irreversível. O desequilíbrio entre oferta e demanda no mercado
europeu foi o mote para que a União Européia adotasse, em 1984, o Programa de Cotas de Produção,
também chamado Programa “Superlevy”. Previsto para operar até 1988, ele estendeu-se até 1992, dado
que houve melhoria do rebanho leiteiro (por meio da seleção e abate das vacas com menor rendimento), e
os produtores que atuavam à margem da formalidade deixaram o setor, resultando em aumentos
persistentes da produtividade do rebanho europeu. Os Estados Unidos adotaram medida semelhante em
1986/1987, criando um programa que incentivava os produtores a deixarem a produção leiteira, abatendo
ou exportando seu rebanho, e não retornando até o ano de 1991 (SOUZA, 1999). Em ambos os casos,
houve diminuição do número de produtores e um notável aumento de produtividade para os que
permaneceram na atividade.
30
A Instrução Normativa nº 51 foi consolidada a partir da discussão pública do texto da Portaria nº 56, e
foi assinada em 18 de setembro de 2002.
73
em todos os países, havendo pequena variação entre os parâmetros avaliados e tipos de
testes empregados. De modo geral, são avaliadas características físico-químicas e
sensoriais como sabor e odor, e são definidos parâmetros de baixa contagem de
bactérias, ausência de microorganismos patogênicos, baixa contagem de células
somáticas, ausência de conservantes, químicos e de resíduos de antibióticos, pesticidas
ou outras drogas.
O Brasil consumiu, em 2000, 1,06 bilhão de litros de leite fluído tipo C,
representando 70,67% do volume total de leite fluído consumido no país naquele ano,
400 milhões de litros de leite tipo B, que representaram 26,67% do total, e apenas 40
milhões de litros do tipo A, representando assim 2,66% do total (ANUALPEC, 2002). O
mercado interno consome, em sua quase totalidade, leite tipo B e C. O avanço na
qualidade, previsto na Instrução Normativa nº 51/2002, pode modificar este padrão,
além de ampliar as possibilidades do comércio internacional para os produtores
brasileiros.
A padronização tecnológica decorrente, em termos de produto e
processo, possibilita que o padrão de qualidade para leite de consumo seja único. A
permanência do uso da tipologia A, B e C, utilizada no país, poderá passar a ser uma
questão comercial a ser resolvida pelos laticínios. O fato é que, em termos higiênico-
sanitários, todo leite destinado ao consumo direto (leite fluido) terá que atender às
mesmas especificações. Tal como acontece em outros países, é provável que, ao invés
de leite pasteurizado A, B ou C, as empresas passem a diferenciar o produto pelo teor de
gordura - integral, semi-desnatado e desnatado.
3.6 Considerações Finais
Apesar dos avanços esperados com a implementação da Instrução
Normativa nº 51/2002, novos problemas assumem contornos. Uma primeira
aproximação mostra que, dos atuais 1,3 milhões de produtores brasileiros de leite, 800
mil produtores vendem menos de 50 litros de leite ao dia, segundo dados do Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (KIRCHOF, 2001). Esta quantidade é insuficiente
para a aquisição de tanques resfriadores de expansão, necessários para o cumprimento
da nova legislação, que estabelece o prazo máximo de três horas após a ordenha para
74
que o leite seja resfriado em no mínimo 4º C. Os tanques de “imersão”, que podem ser
mais facilmente adquiridos, não cumprem as condições que a norma estabelece.
Ainda no campo das ressalvas, mesmo a Instrução Normativa nº 51 sendo
um grande avanço, ela favorecerá em um primeiro momento a produção especializada
de leite. O motivo é que estas propriedades não enfrentarão as mesmas dificuldades
previstas no processo de adaptação das propriedades não especializadas. O sucesso das
normas previstas na instrução é função da capacitação dos produtores rurais e do acesso
destes ao crédito para financiamento de investimentos.
Um terceiro ponto refere-se aos pecuaristas alijados do fornecimento de
leite às grandes empresas laticinistas, e que terão dificuldades em obter crédito para
obtenção dos equipamentos necessários para cumprir a nova norma. Frente à política
neoliberal adotada nos últimos anos pelo governo brasileiro, estes produtores deverão
encontrar meios de permanecerem no campo, através de soluções cooperadas, ou
mesmo optando pela reconversão produtiva.
75
4 A REDE DE PODER TERRITORIAL DA BOVINOCULTURA DE LEITE
4.1 Introdução
No capítulo anterior, foi apresentado um breve resgate histórico de como
se processou a dependência entre os interesses dos produtores de leite e os recursos do
Estado. Este esforço foi necessário pois as forças operativas mediadas pelas
características contextuais de uma situação herdada do passado podem refletir a
perpetuação de organizações que ainda explicam seu meio ambiente, e fundamentam
suas escolhas, com base em estereótipos ideológicos não mais adequados ao atual
contexto econômico de acirrada competição global.
Para avançar no entendimento do processo político analisado neste
capítulo, é necessário destacar mais uma vez que as atividades econômicas assumiram,
desde os primórdios do setor lácteo, um caráter de dependência, no que tange às
possibilidades decorrentes do acesso à esfera estatal. Houve, neste setor, uma tendência
de organização dos interesses econômicos, no sentido horizontal (com a criação de
sindicatos e associações) e vertical (com ganhos sistêmicos para os atores de bacias
leiteiras mais tecnificadas), que gerou relações diferenciadas dos agentes econômicos
com as diversas agências, autarquias, e demais órgãos do governo.
Importa ainda ressaltar novamente que, no período de regulação estatal,
representantes dos atores econômicos discutiam e articulavam os níveis de preços do
leite nas ante-salas dos ministérios, sendo eles responsáveis pelo fornecimento de
subsídios necessários à implementação de medidas e ajustes na política de preços
mínimos e nos valores básicos de custeio. As exigências técnicas permaneciam, mas
perdiam a primazia para a legitimidade atribuída aos representantes dos interesses do
setor lácteo, cujas exigências políticas e relevância como grupo social determinaram a
condução da política voltada para o setor. Um paralelo a esta situação pode ser
encontrado em Waarden (1992), quando afirma que os tomadores de decisão precisam
de suporte político, legitimidade, informação, parcerias na competição com outras
seções da burocracia, e assistência na implementação de políticas. Os grupos de
interesse, por sua vez, desejam acesso à formulação e implementação de políticas
76
públicas, e concessões que interessem a eles e seus eleitores. Estas diferenças motivam
e produzem trocas e transações. Repetidas freqüentemente, tais estruturas restringem as
sucessivas opções disponíveis aos atores e, ao mesmo tempo, influenciam a estrutura de
participação das organizações.
Como afirma DOWDING (1995), o elemento essencial para
compreender as políticas públicas como um sistema de crenças é que aquelas mudam ao
longo do tempo, dadas as variações do ambiente. Geralmente, com algum choque ou
crise (como a do petróleo na década de 70), é feita uma reavaliação do sistema de
crenças sobre as políticas públicas, surgindo, então, novos grupos de interesse. Assim,
frente às pressões orçamentárias decorrentes do déficit público acumulado nas décadas
de 70 e 80, e a diminuição do papel do governo, no início da década de 90, emergiram
novas arenas, setoriais e regionais, onde os atores do setor lácteo passaram a se
articular. Assim, tendo explorado o contexto que influenciou na formação dos padrões
cognitivos dos atores produtivos lácteos, parte-se para a análise do caso selecionado.
4.2 Interesses na rede láctea sul-mato-grossense
A análise da rede láctea sul-mato-grossense permite inferir a existência
de uma arena regional, dada a interdependência de recursos entre os atores desta rede.
De fato, algumas evidências aclaram esta afirmação, tal como o fluxo de informações
sobre questões relativas ao setor lácteo, que ocorre entre os atores coletivos. Durante a
crise que abateu o setor lácteo, em 2001, os representantes dos produtores rurais se
organizaram e distribuíram 1.500 litros de leite a organizações do terceiro setor. Este
protesto ocorreu junto ao prédio da Assembléia Legislativa, e teve como objetivo
ampliar a visibilidade das reivindicações dos produtores, sendo articulado pelo
Sindicato Rural de Campo Grande (SRCG), pela Associação dos Criadores de Mato
Grosso do Sul (Acrisul), e pela Federação de Agricultura de Mato Grosso do Sul
(Famasul), por meio de sua Comissão Estadual do Leite, além de outras associações de
produtores de leite com menor poder de aglutinação. Portanto, houve uma ação
sincronizada e um objetivo compartilhado por estes atores, que era pressionar a classe
política para a obtenção de recursos financeiros, traduzidos em aumento da demanda
decorrente da aquisição governamental do produto lácteo in natura.
77
As evidências indicam que tal interesse foi manifestado pelos atores
vinculados à produção-primária do leite desde as primeiras audiências da CPI. Ainda na
primeira audiência pública, ocorrida em 5 de dezembro de 2001, foi destacada, pelos
produtores rurais das bacias leiteiras de Campo Grande e da região Centro Norte
31
, a
“importância (...) da inclusão do leite na merenda escolar.” (MATO GROSSO DO SUL,
2002, p. 9, grifo nosso). Da mesma forma, na segunda audiência, ocorrida em 12 de
dezembro de 2001, os produtores das regiões de Miranda, Dois Irmãos do Buriti,
Batayporã, Naviraí e Amambaí ressaltaram a “necessidade (...) da inclusão do leite tipo
C na merenda escolar e nas cestas básicas distribuídas à população, através de
programas sociais do Governo do Estado. (id. loc.cit., grifo nosso).
A estratégia adotada pelos produtores rurais consistiu em enfatizar o alto
preço do leite nas gôndolas dos supermercados e as condições pouco favoráveis de
negociação com os laticínios. Os laticínios dispõem uma gama maior de recursos de
poder que, efetivamente, diminuem o poder de negociação dos pecuaristas. A
postergação de pagamentos, indicada em depoimentos à CPI, e as comissões sobre
escalas de produção, com pagamento diferenciado para aqueles produtores que
entregam maiores quantidades de leite (como acontece na região do Bolsão) revelam o
uso de recursos de poder de alguns laticínios, em suas relações com seus fornecedores
de leite.
As grandes redes de supermercados dispõem de recursos financeiros,
tecnológicos e organizacionais que as tornam os atores com maior poder no
estabelecimento de preços e prazos de pagamento. Desta forma, representantes dos
laticínios informaram à CPI que “(...) as grandes redes de supermercados exigem
descontos e bonificações abusivas para comprar os produtos dos laticínios. As indústrias
alegam que se submetem a tais condições, porque necessitam dos supermercados para
sobreviverem (...).”(MATO GROSSO DO SUL, 2002, p. 11).
A distribuição de recursos entre os atores da rede afeta os resultados do
processo político. A posse de recursos diferenciados - principalmente financeiros,
31
Mediante a análise da dinâmica tecno-produtiva das propriedades rurais de pecuária de leite em Mato
Grosso do Sul, foi elaborada uma divisão de bacias leiteiras, baseada no agrupamento geográfico de
propriedades com algum grau de homogeneidade. A Bacia de Aquidauana, a Bacia do Centro-Norte, a
Bacia do Bolsão, a Bacia de Campo Grande, a Bacia de Nova Andradina, a Bacia de Dourados, e a Bacia
do Cone Sul revelam dinâmicas tecnológicas distintas, e os produtores de cada bacia obtêm resultados
econômicos diferenciados (GOVERNO..., 2003).
78
tecnológicos e organizacionais – permite a obtenção de melhores resultados no processo
político, como será visto na próxima seção.
4.3 O processo político e seus resultados
Os resultados do processo analisado neste estudo não puderam ser
obtidos exclusivamente na arena já estabelecida, a Câmara Setorial do Leite, mas
tiveram que ser buscados em outra arena, mais próxima do mercado político de Weber e
Schumpeter.
A CPI, para GUANABARA (1999), não é somente um mecanismo pelo
qual o Poder Legislativo pode manter um certo controle sobre as ações do Poder
Executivo, mas também é um meio que os legisladores podem fazer uso para se
manterem informados, de forma satisfatória, sobre os assuntos mais relevantes para o
país, até mesmo como condição para um adequado desempenho de suas atividades.
Contudo, esta caracterização é insuficiente para dar conta da análise em pauta. É
necessário explorar a natureza da CPI, enquanto instituão política. De acordo com
MARCH e OLSEN (1993), as comissões parlamentares podem ser entendidas como
cenários para a luta das forças sociais, mas, também, como conjuntos de procedimentos
padronizados que definem e defendem interesses. Esta caracterização permite avançar
na compreensão da CPI como arena e ator político.
As características das duas arenas são mostradas na figura 4.1. Enquanto
o suposto caráter sistêmico da Câmara Setorial do Leite enfatiza a consulta e prévia
articulação dos agentes econômicos do encadeamento produtivo, a CPI é instaurada com
o objetivo de apurar um fato determinado, tendo para tanto poderes próprios das
autoridades judiciais. O interesse da apuração recai, portanto, nos acontecimentos
relevantes para a vida pública e a ordem constitucional, legal, econômica e social do
país. A exclusão de pecuaristas da atividade produtiva, em vista da ausência de ganhos
suficientes para permanecer na atividade, torna-se, assim, assunto de interesse para os
parlamentares, em vista dos possíveis problemas sociais decorrentes, tais como a
migração de mão-de-obra com baixa qualificação para os centros urbanos, a diminuição
da concorrência no elo responsável pela produção primária do leite, a escassez do
79
produto e, ainda, a possível elevação dos preços, que tem como efeito a redução do
consumo entre a população de baixa renda.
Fonte: Elaborado pelo autor.
FIGURA 4.1 – Diferentes arenas da rede de recursos de poder territorial láctea
A forma como as informações são divulgadas nestas arenas diferem entre
si. A cobertura, pelos meios de comunicação de massa, dos trabalhos da CPI, fazem
com que a construção de classificações, inerente ao trabalho político, reflita de forma
ampliada no espaço social
32
, o que gera benefícios ou prejuízos aos membros da rede.
Este argumento é validado pelo movimento de algumas empresas responsáveis pela
distribuição do leite, que diminuíram o preço do produto aos consumidores, após terem
sido citadas, em uma audiência pública que antecedeu a instauração da CPI, como
responsáveis pelo baixo preço recebido pelos produtores rurais (VAREJO..., 2001;
LEITE..., 2001). Contudo, o preço anterior foi retomado posteriormente.
O relatório final da CPI também é um importante elemento no processo,
pois ele é, após a conclusão dos trabalhos da CPI, encaminhado à Mesa Diretora da
Assembléia Legislativa para que possíveis providências possam ser tomadas. Este
32
Na descrição de BOURDIEU, “o espaço social me engloba como um ponto. Mas esse ponto é um
ponto de vista, princípio de uma visão assumida a partir de um ponto situado no espaço social, de uma
perspectiva definida em sua forma e em seu conteúdo pela posição objetiva a partir da qual é assumida. O
espaço social é a realidade primeira e última já que comanda até as representações que os agentes sociais
podem ter dele” (1997, p. 27)
.
Boletins, relatórios,
reuniões e encontros
Meios de comunicação
de massa / Relatório
Final
Câmara Setorial do
Leite
Comissão Parlamentar
de Inquérito
Pró-ativa Reativa
Consulta Apuração
Caráter
Objetivo
Divul
g
ação das
atividades
Agentes econômicos Coletividade
Enfoque atribuído
às ações
Cadeia Produtiva
Elos com menor poder
de barganha
A
g
entes
beneficiados
80
documento também é encaminhado ao Ministério Público, para que haja, em casos
específicos, a promoção da responsabilidade civil ou criminal dos agentes investigados.
A conclusão do relatório final da CPI do Leite apontou a existência de
“distorções no mercado causadas por determinados elos da cadeia produtiva do leite
com o intuito da locupletação em detrimento dos produtores rurais.” (MATO GROSSO
DO SUL, 2001). Os elos que supostamente ampliaram suas margens de lucro às custas
dos pecuaristas não são diretamente apontados no relatório final, evidenciando, assim, a
já premente dependência do governo estadual da capacidade de representação do ator
coletivo da indústria de laticínios, até então um ator com pouco peso nas discussões do
processo político.
Este ator adquiriu maior importância no processo após a inclusão do leite
no Programa de Segurança Alimentar e Nutricional (PSAN) do governo estadual. Ao
ser identificado como a organização coletiva capaz de dar sustentação à política, já que
se trata de um representante válido dos interesses da indústria, o Sindicato das Indústrias
de Laticínios de Mato Grosso do Sul (Silems) assumiu o papel de orquestrar os atores
individuais nos procedimentos necessários para o fornecimento do leite à Central de
Compras do Governo de Mato Grosso do Sul. A implementação da solução formulada
no âmbito da CPI encampou, portanto, alguns dos atores vistos como responsáveis pelo
problema, dado que seus recursos eram necessários para dar sustentação às mudanças
no programa governamental. A existência desta situação parece corroborar os
argumentos de SILVA e MELO (2000), quando enfatizam a visão do processo de
implementação fortemente vinculada à articulação e ao aprendizado em uma rede
complexa de agentes de mercado, atores estatais e organizações não-governamentais.
A inclusão do leite tipo C pasteurizado no PSAN, adquirido de
pecuaristas e laticínios sul-mato-grossenses, foi um dos resultados gerados pela CPI. O
volume inicial de leite fornecido às famílias atendidas pelo Programa, em setembro de
2002, era de 180 mil litros ao mês. Contudo, estipulou-se uma meta de compra, prevista
para ser alcançada em dezembro de 2002, de 1 milhão de litros a cada mês.
Esta meta nunca foi atingida. As aquisições do Governo estadual, no
primeiro semestre do ano de 2004, mantiveram a média de 218,67 mil litros de leite ao
mês, como indica a figura 4.2. Apesar de as aquisições darem-se preferencialmente de
pequenos produtores rurais, o volume de leite adquirido dos laticínios fornecedores foi
81
0
50.000
100.000
150.000
200.000
250.000
300.000
Litros
2004
Volume adquirido
229.105 212.717 188.490 252.129 208.096 221.280
jan. fev. mar. abr. mai. jun.
insuficiente para modificar a dinâmica que rege as relações de poder e dependência nas
transações efetuadas entre produtores e laticínios.
Fonte: Superintendência dos Programas de Inclusão Social do Governo do Estado de
Mato Grosso do Sul.
FIGURA 4.2 – Volume de leite adquirido para o Programa de Segurança
Alimentar e Nutricional no estado de MS
LIMA FILHO, FIGUEIREDO e PIRES NETO (2003b) apontaram a
dependência dos pequenos produtores sul-mato-grossenses em relação aos laticínios
próximos, pois a alta perecibilidade do produto e a inexistência de tanques resfriadores,
particulares ou comunitários, incentivam os pecuaristas a comercializarem sua produção
em um curto intervalo de tempo, a saber, até às dez horas da manhã do mesmo dia em
que houve a ordenha. Caso isto não ocorra, ela será totalmente perdida. Esta situação
aumenta consideravelmente o poder de barganha da indústria, pois impõe a necessidade
de produtores e laticínios estarem situados na mesma região, para que a transação
ocorra.
Portanto, as aquisições de leite do Governo estadual beneficiam os
produtores que estão localizados próximos aos laticínios que fornecem leite para o
PSAN. Em 2004 foram seis laticínios situados na região de Campo Grande e um
laticínio no município de Dourados. A figura 4.3 mostra que esta distribuição beneficiou
82
diretamente apenas os produtores de duas bacias de leite, por meio do arranjo
institucional elaborado no âmbito na CPI.
Fonte: Elaborado pelo autor.
FIGURA 4.3 - Bacias de leite onde ocorrem as aquisições governamentais
De acordo com MICHELS, SABADIN e OLIVEIRA (2003), as bacias
de Campo Grande e Dourados são responsáveis por 17,28% e 9,81% da produção de
leite do estado. As duas respondem, portanto, por 27,09% do total produzido, o que
equivale a 115,75 milhões de litros ao ano. A média das aquisições governamentais
revela que, anualmente, são comprados pelo governo estadual um volume próximo a
2,27% do total de leite produzido nas duas bacias leiteiras. Uma quantidade pouco
significativa diante do principal problema que atinge o setor: a sazonalidade na
produção, responsável pela variação de até 50% entre o total produzido na safra e
entressafra (MERCOESTE, 2002).
4.4 Considerações finais
O fornecimento de leite para o Programa de Segurança Alimentar e
Nutricional pode ser considerado o principal resultado do processo político definido
pelas interações dos atores da rede láctea territorial sul-mato-grossense. As preferências
83
de diversos atores políticos, neste sentido, tornaram-se evidentes já nas primeiras
sessões da CPI do Leite, não sendo contestadas neste propósito por qualquer outro ator
público ou privado.
Como mostra a história, estas preferências parecem reproduzir situações
passadas, não mais adequadas ao atual contexto social e econômico. Isto parece
corroborar a afirmação de DIMAGGIO e POWELL (1991), que são céticos em relação
aos argumentos que assumem como soluções eficientes as instituições que persistem,
dado que práticas organizacionais sub-ótimas podem persistir por um grande período de
tempo. Assim, alguns pequenos produtores, mesmo produzindo em baixas escalas e com
tecnologia rudimentar, obtiveram maior acesso a recursos financeiros, pelas vendas que
passaram a realizar aos laticínios incluídos no rol de fornecedores dos produtos
destinados ao programa social do governo estadual. Estes pecuaristas fizeram uso dos
recursos políticos e organizacionais de seus atores coletivos, e foram bem representados
no mercado político, conseguindo, assim, obter resultados favoráveis a seus interesses
na formulação da política de inclusão do leite tipo C pasteurizado no Programa de
Segurança Alimentar e Nutricional.
A distribuição de recursos entre os atores também afetou os resultados do
processo político. A posse de recursos diferenciados - principalmente financeiros,
tecnológicos e organizacionais – permitiu aos segmentos indústria e distribuição
manterem o curso das estratégias adotadas anteriormente à CPI.
As modificações referem-se apenas ao maior rigor no aspecto da
regulação social, com a ampliação da inspeção de produtos lácteos consumidos pela
população do estado. Esta ênfase normativa é perfeitamente compreensível em
decorrência da investigação proposta pela CPI, que efetivamente pauta-se nas regras
formais como elemento principal das restrições impostas pelas “regras do jogo”.
Apesar dos resultados gerados pelo uso dos recursos políticos e
organizacionais dos atores coletivos vinculados aos pecuaristas, tais recursos não foram
suficientes para que o governo do estado cumprisse a meta estipulada no âmbito da CPI,
de adquirir um milhão de litros de leite ao mês. A solução desenhada pelos
parlamentares, em conjunto com os atores produtivos, esbarrou nas limitações impostas
pela alocação de recursos estabelecida pelo governo estadual.
84
O não cumprimento da meta pode ser entendido como um resultado da
interação dos atores na rede. As características da rede de poder territorial láctea
indicam uma estrutura com elevado número de membros, o que condiz com os limites
fracamente definidos da rede. Os valores dos membros são conflitantes, e a integração
instável, ocorrendo somente em situações específicas, como períodos de crise no setor.
O grau de interdependência de recursos entre os membros da rede encontra-se em um
nível intermediário. O principal objetivo de alguns atores na rede, principalmente os
produtores rurais, é a aquisição de novos recursos. Estes atores buscam a interação, mas
a rede continua pouco institucionalizada frente ao conflito de interesses com a indústria
e o elo responsável pela distribuição.
As características estruturais desta rede mostram um arranjo
organizacional mais instável, aberto e pouco institucionalizado. Como conseqüência, a
relação de poder nesta rede é desigual, dado que os participantes têm recursos limitados
e acesso restrito à formulação e implementação de políticas. Duas constatações derivam
da estrutura observada na rede láctea sul-mato-grossense: a) os resultados políticos
somente foram obtidos por não ameaçarem os interesses dos grupos econômicos que
detêm recursos diferenciados; e b) a implementação da política ocorreu descolada de
sua formulação, sendo que a ação estratégica dos atores interessados não foi suficiente
para garantir o alcance das metas inicialmente estabelecidas.
85
5 A ORGANIZAÇÃO AGROINDUSTRIAL DO ENCADEAMENTO TECNO-
PRODUTIVO DA PECUÁRIA DE CORTE EM MATO GROSSO DO SUL
5.1 Introdução
Inegavelmente, o estado de Mato Grosso do Sul destaca-se, no cenário
nacional, como um dos maiores produtores de gado bovino do país. Houve uma notável
evolução da pecuária bovina nas últimas décadas, graças a um conjunto de fatores de
cunho social e econômico, tais como o incremento do uso de pastagens artificiais, o
melhoramento genético do rebanho, e ainda a constituição de uma agroindústria
responsável pelo abate e processamento da carne.
Como ponto de partida, vislumbre-se o seguinte quadro da evolução da
atividade pecuária em MS, construído a partir de MICHELS, SPROESSER e
MENDONÇA (2001). Este exercício de reflexão mostrará como a incorporação de
tecnologia nas práticas de manejo permitiu aos produtores obterem economias de
escopo, por meio da utilização da mesma propriedade rural na obtenção de produtos
com consideráveis níveis de diferenciação real daqueles anteriormente obtidos.
Na década de 1960, os pecuaristas do então estado de Mato Grosso
dedicavam-se somente às atividades de cria e recria de bovinos, em decorrência da
inexistência de pastagens adequadas durante o período da seca. As propriedades,
formadas essencialmente por pastos de forrageiras nativas, eram inapropriadas para a
engorda dos animais. Sendo assim, normalmente os animais eram encaminhados a
compradores de outros estados - especialmente São Paulo - para que pudesse ser
acabado o processo produtivo, que tornaria o animal adequado para o abate nos
frigoríficos.
Estes frigoríficos encontravam-se localizados próximos aos mercados
consumidores, dentro de uma lógica organizacional adequada à época. Assim, a grande
distância entre as propriedades rurais e os frigoríficos-matadouros era também fator
inibidor da terminação do animal destinado ao corte no próprio estado.
Somente na década de 1970 houve um efetivo avanço na formação de
pastagens artificiais. O desenvolvimento do setor industrial de abate e processamento no
86
estado também teve início neste período. A dinâmica gerada por estes elementos, além
de permitir a incorporação de mais uma etapa do processo produtivo aos pecuaristas
deste território, também tornou toda a atividade mais atrativa.
De fato, a partir deste período, houve uma grande migração de
agricultores, basicamente sulistas, que chegaram ao estado dispostos a explorar a
atividade pecuária em terras de menor aptidão para a agricultura. Assim, o rebanho de
Mato Grosso do Sul, durante os anos de 1975 e 1980, cresceu em espantosos 65,66%,
proporção correspondente a aproximadamente quatro vezes o aumento do rebanho
nacional no mesmo período.
A expansão continuou ocorrendo na década de 1980. Se no passado os
maiores rebanhos já estiveram nas regiões Sul e Sudeste, a partir desta década grande
parte do rebanho começou a deslocar-se para o norte do país, fazendo com que hoje a
região Centro-Oeste seja a maior produtora de gado de corte do Brasil (MERCOESTE,
2002).
Contudo, os efeitos deste avanço começaram a fazer-se notar. A
necessidade de terras para a produção pecuária, bastante atrativa em anos de inflação
galopante, gerou aumentos gradativos em seus preços. A adoção da produção intensiva
na pecuária passou a ser considerada, e as terras mais baratas, em campos de cerrado
mais distantes e na região do Pantanal, foram consolidados como aptos à forma
extensiva de criação.
Nos anos iniciais da década de 1990, a fase de expansão da pecuária é
interrompida. A estabilidade econômica impôs a produtividade como fator determinante
na consecução de lucros na atividade, até então obtidos com os ganhos inflacionários do
uso de animais como reserva de valor. Ainda assim, é neste período em que ocorre uma
maciça instalação de novas plantas agroindustriais no estado. Neste grupo, encontram-se
representantes das grandes empresas frigoríficas do país, motivadas pela redução dos
custos
33
e benefícios fiscais encontrados em MS.
Este é o contexto que emoldura a presente análise da organização
agroindustrial da pecuária bovina de corte bovina em um território específico, o estado
de Mato Grosso do Sul. Ainda que o recorte seja dado, vínculos relevantes do
33
Devido à proximidade com o estado de São Paulo, maior consumidor nacional e rota para as
exportações da indústria frigorífica.
87
encadeamento produtivo analisado em um nível de agregação maior - como o Brasil ou
o Mercosul – não serão descartados.
5.2 A dinâmica dos mercados de carne bovina
5.2.1 A demanda de carne bovina no Brasil
Até o final da década de 90, a produção da carne bovina tinha como foco
o abastecimento do mercado interno, motivada principalmente pelos fatores estruturais
que não incentivam a conversão dos esforços para uma conquista efetiva de maior
participação no mercado internacional.
Contudo, no cenário nacional contemporâneo, registrou-se uma queda na
quantidade anual de carne bovina adquirida para consumo no domicílio. Diversos
fatores podem estar relacionados à esta diminuição, tais como o aumento do consumo
de alimentos fora do lar, e o efeito-substituição, com o aumento das aquisições de outros
tipos de carne, tais como o frango. O quadro 5.1 mostra o pequeno aumento no consumo
de carne, entre os anos de 1987 e 1996. A acentuada diminuição ocorre após este
período, quando a quantidade adquirida do produto é reduzida em 29,93%.
QUADRO 5.1 – Quantidade anual per capita de carne bovina adquirida para
consumo – 1987/2003
Quantidade do produto adquirida para consumo no domicílio (kg)
Produto Selecionado
POF 1987-1988 POF 1995-1996 POF 2002-2003
Carne bovina
18,509 20,800 14,574
Fonte: IBGE (2004).
Outras fontes de dados apontam, contudo, que nos últimos quatro anos, o
consumo per capita de carne no país não tem apresentado grandes variações, como
indica o quadro 5.2. Ao contrário da diminuição verificada na Pesquisa de Orçamentos
Familiares 2002-2003, estas fontes mostram que o consumo interno de carne bovina
estaria crescendo a uma média anual de 3,76%, acompanhando o aumento da produção
de carne.
88
QUADRO 5.2 – Produção e consumo de carne no Brasil
2000 2001
2002* 2003**
Produção de carne (mil t-peso carcaça) 6.650 6.900 7.150 7.400
Consumo interno (mil t-peso carcaça) 6.158 6.091 6.240 6.390
Consumo per capita (kg/hab/ano-peso carcaça) 36,3 35,4 35,8 36,2
* Preliminar **Previsão
Fonte: MAPA; SRF/MF; SECEX; IBGE; Embrapa e secretarias estaduais de
agricultura. Citado por Pitombo (2003, p. 9).
Estimativas mais otimistas, como as que constam no estudo de
BONJOUR, FIGUEIREDO e CAMPOS (2003), dão conta que as taxas de crescimento
da produção no período 2003-2005 serão de 9,6%. As exportações, no mesmo período,
deverão crescer em 16,2%, mais que a demanda interna, com 11,3% de crescimento.
5.2.2 O Brasil no mercado global de carne bovina
O comércio mundial de carne bovina evoluiu, no período de 1998 a 2003,
a taxas de 4% ao ano, enquanto o consumo mundial cresceu, no mesmo intervalo, a
0,5% ao ano (ANUALPEC, 2003). Apesar deste cenário, o setor brasileiro de carne
bovina tem mostrado um desempenho superior nas exportações – que representam algo
em torno de 10% da produção total brasileira - graças ao aumento da demanda externa
da carne in natura produzida no país. Entre os anos de 1992 e 2002, houve um
crescimento de 326,61% no volume comercializado deste produto no mercado
internacional, como indica a figura 5.3.
As exportações da carne in natura saltaram de 100 milhões de toneladas
em equivalente-carcaça no começo da década de 1990, para 819 milhões de toneladas
no ano de 2003, sendo que entre os anos de 2000 e 2001, a variação percentual do
crescimento atingiu 119,05%, o maior taxa anual de crescimento registrada no período.
Os recordes de vendas identificados no comércio mundial da carne in
natura brasileira nos últimos anos estabelecem um contraponto às expectativas de
expansão dos produtos processados. O que efetivamente ocorreu foi que a performance
brasileira na comercialização de carne industrializada permaneceu em patamares
inferiores ao volume comercializado há uma década atrás, e recupera-se timidamente de
um período de decréscimo nas vendas. Esta categoria de produtos tem como alvo
mercados com fortes exigências sanitárias, pois a carne industrializada não transmite
89
qualquer tipo de doença, em condições normais de uso. Os aspectos culturais dos
principais países consumidores devem também ser levados em conta. Tem destaque a
situação crítica protagonizada pela Inglaterra, que teve as exportações de carne bovina
banidas pela Comissão Européia ao surgirem dúvidas se o produto estaria infectado com
a encefalopatia espongiforme bovina (BSE) (GRUNERT, 2001).
Fonte: Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carne (ABIEC).
FIGURA 5.3 – Volume das exportações de carne bovina
No que se refere aos preços destes produtos no período 1990-2003, a
carne industrializada e in natura registraram um movimento bastante peculiar. O preço
da carne in natura apresentou uma tendência decrescente no período, sendo cotada em
1990 a US$ 2,68 mil a tonelada, e em 2003 a US$ 0,95 mil, uma queda no período de
64,79%. Efeito inverso ocorreu com a carne industrializada, como indica a figura 5.4.
De acordo com a Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de
Carne (ABIEC), os preços da carne industrializada mantiveram um padrão
relativamente estável nos preços durante a década de 90. A partir do ano 2000, contudo,
o crescimento nos preços deste produto foi bastante alto, tendo um incremento de
177,47% no período 2000-2003. Portanto, a quantidade de carne industrializada vendida
manteve-se relativamente estável, mas os preços do produto evoluíram grandemente,
corroborando assim a hipótese de maior valor agregado a este produto.
.
0
100
200
300
400
500
600
700
800
900
1990 1991
1992
1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001
2002
2003
Milhões
de ton
(equiv.
carcaça)
In natura Industrializada
90
Fonte: Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carne (ABIEC).
FIGURA 5.4 – Relação quantidade / preço para carne industrializada e in natura
5.2.2.1 Mato Grosso do Sul e o mercado externo
De acordo com a Delegacia Federal de Agricultura (DFA), no estado de
Mato Grosso do Sul, no ano de 2003 os cinco principais produtos cárneos exportados
foram a carne congelada de bovino sem osso, responsável por 48,77%, ou 16,62 mil
toneladas líquidas do total exportado; a carne resfriada de bovino sem osso, com
26,62% do total (9,1 mil toneladas líquidas); o estômago frigorificado de bovino, que
representa 6,31% do total (2,15 mil toneladas líquidas) e a carne congelada de bovino,
em recortes, destinada à industrialização, com 4,11% do total, que corresponde a um
volume de 1,4 mil toneladas.
Estes produtos não tiveram um desempenho extraordinário, como foi
registrado nos outros estados da região Centro-Oeste (vide anexo A), mesmo ocorrendo
o aumento do comércio internacional no período. De fato, as vendas de carne desossada
de bovino congelada tiveram seu melhor momento no ano de 2001, bem como ocorreu
nos outros estados. Foram 51,1 mil toneladas líquidas remetidas ao exterior, o que gerou
receitas da ordem de US$ 86 milhões. Em 2002, houve um decréscimo de 58,42% na
quantidade comercializada, que chegou a somente 21,24 mil toneladas líquidas. A queda
0,00
1,00
2,00
3,00
4,00
5,00
6,00
1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003
Industrializada In natura
Tonelada
US$ mil
91
continuou, e em 2001, apenas 15,44 mil toneladas deste produto foram remetidas ao
exterior. A diminuição das exportações deste item devem-se primordialmente a
problemas de origem sanitária, já abordados nas seções anteriores deste capítulo. A
variação percentual média das vendas deste produto, no período, graças ao grande
volume comercializado em 2001 e às quedas sucessivas anuais, foi de apenas 10,62%, e
as receitas aumentaram em 5,85%, percentual muito aquém daquele obtido pelos
estados vizinhos.
As carnes desossadas de bovino frescas ou refrigeradas, por sua vez,
manifestaram uma tendência semelhante, mas com uma sensível recuperação no ano de
2003. Neste ano, a quantidade do produto encaminhada ao exterior foi de 7,05 mil
toneladas líquidas, 12,42% maior do que a quantidade enviada no ano anterior, que foi
de 6,27 mil toneladas. Entretanto, as receitas aumentaram mais que proporcionalmente à
quantidade vendida, dado que em 2003 houve um faturamento de US$ 27,79 milhões,
superior em 84,01% ao faturamento deste item no ano de 2002, que foi de US$ 15,1
milhões.
O desempenho das miudezas comestíveis de bovinos é também inferior
ao desempenho dos estados da região nas exportações deste item. Houve no período
2000-2003 um decréscimo de 29,9% nas vendas externas, e uma queda de 28,97% nas
receitas derivadas das exportações no mesmo período. Mesmo assim, Mato Grosso do
Sul supera os estados vizinhos, no que se refere às quantidades absolutas deste item,
enviadas ao mercado externo. Foram 3,88 mil toneladas líquidas em 2003, superior em
73,24% à quantidade com origem em Goiás, e 67,91% à quantidade originada em Mato
Grosso.
Os outros itens relevantes são os fígados de bovinos (congelados), as
línguas bovinas (congeladas), e ainda outras peças não desossadas de bovino, também
congeladas. Estas últimas, após os problemas sanitários registrados no Brasil e nos
países fronteiriços em 2001, tiveram uma queda brusca nas exportações, graças à
presença de osso, item bastante evitado em todas as medidas de contenção sanitária das
doenças que afetam o rebanho bovino.
O estado de Mato Grosso do Sul é grande fornecedor de carne e animais
para empresas sediadas em São Paulo. Os produtos e subprodutos cárneos derivados são
posteriormente exportados, gerando assim um quadro em que, quando os frigoríficos
92
sediados em MS deixam de exportar, percebe-se um aumento nas exportações das
firmas paulistas. Portanto, o movimento registrado nas exportações de carne originária
de MS durante os anos de 2002 e 2003, quando houve queda nos principais itens do
ranking, deve-se, entre outros elementos, à política fiscal adotada nestes estados,
explicada sucintamente a seguir.
Grandes grupos do elo industrial possuem plantas em MS e SP. Em 2000,
quando as divisas do estado estavam fechadas por questões sanitárias, MS encaminhava
para o exterior 13,95 mil toneladas de carne desossada e apenas 12 toneladas de carne
com osso, pois a carne com osso não podia seguir para SP. Os frigoríficos eram
obrigados a desossar em MS, gerando assim mais empregos e renda. Após a restrição,
retomou-se a comercialização de carne com osso entre MS e SP, além de outros estados.
A política fiscal paulista incentiva a aquisição da carne sul-mato-grossense, pois o
ICMS pago em MS retorna como crédito em SP. Isto leva a crer que parte da produção
do MS é exportada por SP, dado o mecanismo fiscal que incentiva o movimento de
desossa no estado vizinho. Além disto, o fato dos frigoríficos sediados em MT e GO
manifestarem um melhor desempenho exportador, em relação a MS, pode indicar que o
maior índice de desossa nestes estados é conseqüência da proximidade de MS ao
principal mercado brasileiro, o estado de São Paulo.
5.2.2.2 Principais países compradores dos produtos e subprodutos da carne bovina
de MS
O destino da carne desossada bovina congelada procedente de MS em
2003, o principal item no ranking das exportações de carnes brasileiras, é mostrado na
figura 5.5. O maior comprador deste produto é Israel, que importou 2,98 mil toneladas
de MS, o que representou 17,94% do total deste item remetido ao exterior, com origem
no estado.
Com 15,44% de participação nas aquisições deste item vem Hong Kong,
que adquiriu 2,57 mil toneladas deste tipo de carne. O Egito, por sua vez, adquiriu 2,14
mil toneladas, o equivalente a 12,89% do total. O conjunto de 24 países agrupados sob o
título “outros” são responsáveis pela aquisição de mais 4,39 mil toneladas deste item, o
equivalente a 26,39% do total exportado deste produto com origem em MS.
93
17,66%
13,60%
6,55%
16,41%
15,95%
29,82%
Inglaterra Holanda Itália Chile Espanha Outros
15,44%
12,89%
10,14%
6,23%
5,80
%
5,17%
26,39%
17,94%
Israel Hong Kong Egito Rússia
Holanda Itália Inglaterra Outros
Fonte: Delegacia Federal de Agricultura em Mato Grosso do Sul (DFA/MS).
FIGURA 5.5 – Países que adquiriram carne desossada bovina congelada de MS em
2003
A carne desossada bovina resfriada é o segundo produto mais
representativo nas exportações brasileiras de produtos provenientes de MS. A diferença
estabelecida entre este e o produto congelado reside apenas no tratamento dado à forma
em que ambos serão entregues ao comprador, o que já é suficiente para diferenciar
ambos os produtos.
O principal comprador deste produto é a Inglaterra, com 1,6 mil
toneladas adquiridas, como indica a figura 5.6. Esta quantidade corresponde a 17,66%
do total exportado proveniente de MS.
Fonte: Delegacia Federal de Agricultura em Mato Grosso do Sul (DFA/MS).
FIGURA 5.6 – Países que adquiriram carne desossada bovina resfriada de MS em
2003
94
A Itália e a Holanda são também grandes compradores deste produto. O
primeiro importou 1,49 mil toneladas em 2003, e o segundo, 1,45 mil toneladas no
mesmo ano. Percebe-se que exatamente a metade do total deste item, produzido em MS,
é exportado para Inglaterra, Itália e Holanda. O restante, 4,54 mil toneladas, é exportado
para o Chile, Espanha, Alemanha, Israel, Líbano, Irlanda, Arábia Saudita, Portugal,
Suécia, Suíça, França, Hong Kong, Peru, Dinamarca, Finlândia e Bélgica.
5.2.3 Tendências e perspectivas da participação do país no mercado externo
É possível vislumbrar uma maior participação do setor exportador da
cadeia produtiva da carne bovina na balança comercial, frente a retração da produção
dos EUA, em conseqüência da identificação de focos da doença da “vaca-louca”, no ano
de 2004, em território americano. Entretanto, a dimensão das oportunidades para o
Brasil, decorrentes da inadequação dos EUA às normas sanitárias internacionais, deve
ser vista com o máximo de cautela, dado que três quartos do comércio de carnes
ocorrem entre países desenvolvidos (ANUALPEC, 2003). Assim, a carne bovina
brasileira poderá não ser adquirida pelos países que anteriormente procuravam os EUA,
como uma solução contingencial para saciar a demanda interna, por meio do
fornecimento provisório do produto até o controle da crise. Os fatores que permitirão
um fluxo contínuo de transações englobam a comprovada sanidade do rebanho, as
vantagens comparativas que o Brasil apresenta e o aumento das ações articuladas entre
os diversos agentes do encadeamento, como tem sido registrado nos últimos anos.
Com a globalização, a indústria de carne bovina exige padrões
internacionais para o desenvolvimento, além de facilitar a comunicação entre os
compradores e vendedores. Um dos grandes obstáculos para o crescimento das
exportações de carne bovina brasileira é a falta de cortes unificados e a ignorância da
nomenclatura comparativa no mercado internacional (YOKOO et al, 2003). Questões
como estas reduzem a possibilidade da carne vir a ser uma commodity internacional
perfeita.
95
145.000
155.000
165.000
175.000
185.000
195.000
1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002
Mil cabeças
5.3 Características dos produtos e sub-produtos cárneos sul-mato-grossenses
5.3.1 Número de animais
O rebanho bovino brasileiro cresceu singularmente nos últimos anos. De
acordo com dados do IBGE (2002), no período 2000-2002, registrou-se um incremento
de mais de 15 milhões de cabeças no rebanho (figura 5.7). Durante o início da década
passada, haviam pouco mais de 147 milhões de cabeças no rebanho. No fim da década,
já eram algo em torno de 164 milhões. Portanto, quase a mesma quantidade de animais
que representam a evolução do rebanho na década passada foram acrescidos no rebanho
brasileiro nos primeiros anos do século XXI.
Fonte: IBGE (2002).
FIGURA 5.7 – Evolução do rebanho bovino brasileiro
O rebanho bovino de MS, por sua vez, possui algo em torno de
24.971.339 cabeças de gado. É o maior rebanho do Brasil, à frente de Mato Grosso, com
23.909.586 cabeças, e Minas Gerais, com 22.158.422 cabeças (quadro 5.3).
QUADRO 5.3 – Ranking do rebanho bovino brasileiro*
2000 2001 2002 2003**
Mato Grosso do Sul 22.205 22.620 23.168 24.971
Mato Grosso 18.925 19.922 22.184 23.910
Minas Gerais 19.975 20.219 20.559 22.158
Goiás 18.399 19.132 20.102 21.666
Rio Grande do Sul 13.601 13.872 14.371 15.489
São Paulo 13.092 13.258 13.701 14.767
Pará 10.271 11.047 12.191 13.139
96
Paraná 9.646 9.817 10.048 10.830
Bahia 9.557 9.856 9.856 10.623
Rondônia 5.664 6.605 8.040 8.665
Tocantins 6.142 6.571 6.979 7.522
Maranhão 4.094 4.483 4.776 5.148
Santa Catarina 3.051 3.096 3.118 3.360
Ceará 2.206 2.194 2.230 2.404
Rio de Janeiro 1.959 1.977 1.981 2.135
Acre 1.033 1.673 1.817 1.959
Piauí 1.779 1.792 1.804 1.945
Pernambuco 1.516 1.673 1.753 1.889
Espírito Santo 1.825 1.665 1.683 1.814
Paraíba 953 918 952 1.026
Amazonas 843 864 895 964
Sergipe 880 866 863 931
Rio Grande do Norte 804 788 839 905
Alagoas 779 843 816 880
Roraima 480 438 423 456
Distrito Federal 112 113 113 122
Amapá 83 87 84 90
Brasil 169.876 176.389 185.347 199.768
* Mil cabeças ** Projeção
Fonte: IBGE (2002); IAGRO.
O número de cabeças de gado em MS somente superou o rebanho
mineiro em 1999, quando este contava com 19,75 milhões de cabeças e aquele com
20,12 milhões. O estado de Mato Grosso tem aumentado gradativamente seu rebanho,
ano a ano, e no período 1990-2002, registrou-se um incremento de 145,36% no número
de cabeças, ao final do período. Por sua vez, o rebanho bovino sul-mato-grossense
evoluiu apenas em 20,90%, um crescimento significativamente inferior ao registrado no
estado vizinho.
A maior parcela do rebanho sul-mato-grossense é formada por gado
zebuíno, europeu e mestiço de corte, como indica a figura 5.8. Estão nestas categorias
19,48 milhões de cabeças de gado em MS, o que corresponde a 9,75% do rebanho
bovino brasileiro, considerando todos os animais no país das diversas aptidões.
O rebanho bovino de MS é ainda formado por 2,25 milhões de cabeças
de gado com aptidão para a produção de leite, que correspondem a aproximadamente
9% do rebanho. O gado com aptidão para corte, derivado de cruzamento industrial,
corresponde a uma fatia um pouco maior, 13% do rebanho, ou 3,25 milhões de cabeças.
97
Leite
9%
Corte - Cruzamento
industrial
13%
Corte - Outros
78%
38,63%
13,43%
12,76%
8,98%
4,20%
7,90%
11,56%
1,03%
1,38%
0,13%
Touros Vacas Novilhas de 2 a 3 anos Novilhas de 1 a 2 anos
Bezerras Bezerros Garrotes de 1 a 2 anos Garrotes de 2 a 3 anos
Bois de 3 a 4 anos Boi com mais de 4 anos
Nota: Cruzamento industrial: zebu x zebu, zebu x europeu e europeu x europeu
Outros: zebuínos, europeus e mestiços de corte
Fonte: IAGRO e ANUALPEC (2003).
FIGURA 5.8 – Rebanho sul-mato-grossense por aptidão (2002)
Quanto às categorias do efetivo bovino, as vacas são as mais numerosas
no rebanho. Correspondem a 38,63% do total, o que representa 9,65 milhões de cabeças.
As outras categorias mais numerosas são as bezerras, com 3,6 milhões de cabeças
(13,43% do total), e os bezerros, com 3,19 milhões de cabeças, o equivalente a 12,76%
do rebanho sul-mato-grossense, como poderá ser observado na figura 5.9.
Fonte: IAGRO e ANUALPEC (2003).
FIGURA 5.9 – Rebanho sul-mato-grossense por categoria animal (2002)
98
A análise da quantidade de animais para cada categoria animais bovina
verificada em MS corresponde, proporcionalmente, às quantidades do rebanho
brasileiro. As variações são de poucas unidades percentuais, notadamente no número de
vacas (o rebanho brasileiro, excluindo MS, conta com 36,31% de vacas) e no número de
bezerros e garrotes de um a dois anos (equivalem a 13,31% e 9,68% do rebanho
brasileiro, respectivamente).
5.3.2 Quantidade produzida
A taxa de abates de bovinos no estado de MS tem seguido a tendência
brasileira e aumentado, ano a ano, no período 2000-2003. A evolução da taxa de abates
indica uma tendência de crescimento, como mostra a tabela 5.1, e estas taxas de abate
são as mais altas registradas na última década.
TABELA 5.1 – Abates no Brasil e em Mato Grosso do Sul
Brasil Mato Grosso do Sul
Abate de
Bovinos*
Taxa Geral de
Abate**
Abate de
Bovinos*
Taxa Geral de
Abate**
2000 35.226.299 21,9% 4.499.508 20,4%
2001 36.276.308 22,1% 4.744.951 20,9%
2002 37.809.754 22,6% 4.959.309 21,7%
2003*** 40.542.921 24,2% 5.918.207 23,7%
* Estimativa do total de cabeças abatidas em cada Estado, incluindo o gado comprado em outros Estados
** Quantidade de cabeças abatidas sobre o total de cabeças existentes no rebanho
*** Projeção
Fonte: ANUALPEC (2003) e Governo do Estado de Mato Grosso do Sul / Secretaria de
Receita e Controle.
O crescimento no número de animais abatidos ocorreu de forma
concomitante com a queda nos preços da arroba do boi gordo. De acordo com o
ANUALPEC (2003), o preço da arroba do boi gordo, com pagamento à vista, no ano
2000, foi de US$ 21,90. Em 2001, este valor foi US$ 18,30, um decréscimo de 16,44%
em relação ao ano anterior. A menor cotação da última década foi em 2002, quando o
preço da arroba foi de apenas US$ 16,70, um decréscimo de 8,74% se for considerado o
preço em 2001. Movimento semelhante pode ser constatado nos preços da arroba da
vaca gorda, que foram de US$ 19,10, US$ 16,50, e US$ 14,90 nos anos 2000, 2001 e
99
36,21%
28,64%
13,39%
7,30%
8,40%
6,07%
Carne resfriada bovina com osso
Carne resfriada bovina sem osso
Carne congelada bovina com osso
Farinha de carne e osso
Sebo bovino
Outros produtos
2002. Portanto, nos últimos anos configurou-se uma tendência de ampliação dos abates
e diminuição do preço da arroba, tanto para o boi quanto para a vaca gorda.
5.3.3 Quantidade do produto processado
Os frigoríficos de MS cadastrados no sistema de inspeção federal (SIF)
operam no beneficiamento de mais de uma centena de produtos e subprodutos cárneos.
Os cinco principais produtos e subprodutos gerados, considerando o volume
comercializado no mercado interno durante o ano de 2003, são a carne resfriada com
osso, a carne resfriada sem osso, a carne congelada sem osso, as farinhas de carne e
osso e o sebo bovino, indicados na figura 5.10.
A carne resfriada bovina com osso, que representa 451,72 mil toneladas
comercializadas no mercado interno, é destinada ao estado de São Paulo (que adquire
40,02% deste produto), ao mercado sul-mato-grossense (responsável pela compra de
uma parcela de 30,31% do volume comercializado), e em menor escala, ao Paraná e Rio
Grande do Sul (ambos com 4,86% de participação na quantidade vendida no país), além
do Rio de Janeiro (4,61%). Outros destinos deste produto, em quantidades pouco
significativas, são os estados de Santa Catarina, Espírito Santo, Minas Gerais, Goiás,
Mato Grosso, Alagoas, Bahia e Sergipe.
Fonte: DFA/MS.
FIGURA 5.10 – Participação dos produtos e subprodutos cárneos no mercado
interno em 2003
A carne bovina resfriada desossada, por sua vez, é responsável por
357,26 mil toneladas de carne, pouco mais de ¼ do total das vendas destinadas ao
100
0,00%
5,00%
10,00%
15,00%
20,00%
São Paulo Mato Grosso
do Sul
Santa
Catarina
Paraná Rio de
Janeiro
Carne resfriada bovina com osso Carne resfriada bovina sem osso
Carne congelada bovina sem osso Farinhas (carne e osso)
Sebo bovino
mercado interno. Os dois principais destinos deste produto são os estados de São Paulo
(65,28%) e Santa Catarina (20,17%). Os estados do Paraná, Rio Grande do Sul, Espírito
Santo, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Goiás, Mato Grosso, Alagoas, Bahia, Ceará,
Maranhão, Paraíba, Pernambuco, Rio Grande do Norte e Sergipe, além do Distrito
Federal, também adquirem este produto do Mato Grosso do Sul, ainda que em
quantidades bastante inferiores aos dois primeiros.
São Paulo é também o maior comprador da carne desossada congelada
sul-mato-grossense, com aquisições da ordem de 69,47 mil toneladas, de um total de
104,72 mil toneladas deste produto comercializado no mercado interno. Mato Grosso do
Sul e Santa Catarina adquirem o equivalente a 4,53% e 3,4% do total, respectivamente.
São também compradores deste produto os estados do Paraná, Rio Grande do Sul,
Espírito Santo, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Goiás, Mato Grosso, Alagoas, Bahia,
Ceará, Paraíba, Pernambuco, Rio Grande do Norte e Sergipe, além do Distrito Federal.
As farinhas de carne e osso, juntamente com o sebo bovino, são
responsáveis por uma parcela de 12,01% da quantidade total de subprodutos
comercializados no mercado interno, e correspondem a 91,02 e 75,66 mil toneladas
produzidas, respectivamente. Os destinos destes produtos e subprodutos são
apresentados na figura 5.11.
Fonte: DFA/MS.
FIGURA 5.11 – Destino dos principais produtos e subprodutos da cadeia bovina
do MS em 2003
101
São Paulo é o grande consumidor dos principais produtos cárneos de
Mato Grosso do Sul, seguido por Santa Catarina, na carne congelada sem osso, e
Paraná, que adquire de grande quantidades de farinhas de carne e osso. A carne
produzida no estado que apresenta melhor desempenho no mercado sul-mato-grossense
é a carne com osso, provavelmente pelo maior custo associado a desossa.
Além destes produtos e subprodutos, diversos outros são gerados no
processo produtivo de manufatura dos produtos cárneos. Estão entre estes produtos as
salsichas, lingüiças, mortadelas, charques, almôndegas, e outros.
5.4 Produtividade dos fatores de produção
VICINI e SOUZA (2003), em recente estudo no qual lançaram mão de
técnicas de análise estatística multivariada para analisar o rebanho bovino nacional,
chegaram à conclusão que o estado que possui o maior índice de produtividade de
bovinos para a cria e engorda é o estado de Mato Grosso do Sul, acompanhado por
Goiás, Minas Gerais e Mato Grosso.
Para obter este resultado, os autores realizaram a análise dos
componentes principais (ACP), uma técnica de combinação de dados que, por meio de
sofisticados métodos estatísticos, possibilita a redução do número de componentes
principais para um pequeno número que contenha informações significativas sobre as
relações entre as variáveis originais. Foram adotados como fatores relevantes para a
análise a produção de bovinos (cria/engorda), que compõe o eixo das abscissas (Fator
1), e o abate, cujos valores formam o eixo das ordenadas (Fator 2), como indica a figura
5.12.
A distribuição de pontos para a totalidade das variáveis do procedimento
da análise fatorial, mostrada na figura 5.12, é feita sobre quatro quadrantes. O primeiro
e o quarto quadrantes concentram pontos que representam os estados brasileiros com
índices de produtividade altos. Próximos do centro do eixo coordenado, encontram-se
distribuídos os pontos dos estados com menor índices de produtividade.
102
Fonte: VICINI e SOUZA (2003).
FIGURA 5.12 – Distribuição dos estados brasileiros em relação às cargas fatoriais
A figura 5.12 mostra ainda, na área delimitada pela elipse, os estados
brasileiros com melhores índices de produtividade de bovinos no país. A área
delimitada pelo retângulo, por sua vez, indica os estados com pouca representatividade
na produção e abate de bovinos no país. São eles: Rondônia, Acre, Amazonas, Roraima,
Amapá, Tocantins, Maranhão, Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco,
Alagoas, Sergipe, Bahia, Espírito Santo, Rio de Janeiro, Paraná, Santa Catarina e
Distrito Federal.
Ocupando uma posição intermediária, dado que as atividades produtivas
relacionadas à cria, recria e engorda abrangem áreas menores, estão os estados do Rio
Grande do Sul, Pará e São Paulo.
Os recursos humanos desempenham um importante papel no aumento da
produtividade, pois o manejo adequado do rebanho permite aos pecuaristas a eliminação
de perdas no processo produtivo (um exemplo é o caso da lesão supurada, decorrente da
aplicação inadequada de medicamentos). Uma parte significativa dos pecuaristas sul-
mato-grossenses ofereceram algum tipo de qualificação profissional para os
empregados, como indica a tabela 5.2.
103
TABELA 5.2 – Pecuaristas que ofereceram qualificação aos funcionários em 2002
e 2003
Ofereceu qualificação Não ofereceu qualificação Não informou
Até 1.000 ha 50,00% 42,86% 7,14%
Entre 1.001 e 2.000 ha 44,44% 55,56% 0%
Entre 2.001 e 5.000 ha 87,50% 12,50% 0%
Acima de 5.000 ha 37,50% 62,50% 0%
Média 51,22% 46,34% 2,44%
Fonte: SEBRAE/MS e FAPEC (2004).
Na visão dos produtores rurais, o índice de produtividade atingido na
pecuária é visto como excelente, para 9,76% deles, e bom, para o maior grupo, de
73,17%. Apenas 14,63% consideram o índice regular, e parcos 2,44% consideram a
produtividade precária. As principais razões citadas, para aqueles que responderam ter
um índice baixo ou regular, são pastagens fracas, falta de recursos próprios, e a
incapacidade da fazenda em alcançar índices melhores. Estas respostas tiveram o
mesmo peso no conjunto geral dos respondentes.
A falta de recursos próprios não parece ser problema para as
propriedades acima de 2.000 ha, pois nenhum dos pecuaristas deste grupo citou esta
resposta. Os problemas neste grupo estão principalmente relacionados à manutenção das
pastagens, consideradas “fracas”. De fato, uma parte significativa deste grupo obtêm
baixos índices de produtividade, como indica a tabela 5.3.
TABELA 5.3 – Produtividade média (cabeças por hectare)
Até ½ Entre ½ e três Acima de três
Até 1.000 ha 21,43% 57,14% 21,43%
Entre 1.001 e 2.000 ha 33,33% 66,66% 0%
Entre 2.001 e 5.000 ha 50,00% 12,50% 37,50%
Acima de 5.000 ha 62,50% 12,50% 25,00%
Média 39,02% 39,02% 21,95%
Fonte: SEBRAE/MS e FAPEC (2004).
Os resultados mostrados nesta seção indicam que os pecuaristas de Mato
Grosso do Sul utilizam com relativa eficiência e eficácia os fatores necessários à
produção de gado bovino. Entretanto, existem possibilidades de ampliação de sua
posição de liderança na atividade pecuária brasileira, a partir de melhorias na
capacitação da mão-de-obra.
104
É necessário destacar ainda a migração de pecuaristas da região Sul para
a região Centro-Oeste, nas décadas de 70 e 80, e o recente movimento migratório para
os estados do Norte, como mostra a tabela 5.4, que sugerem a valoração superior, em
áreas tradicionais, das terras de pastagens dedicadas à criação extensiva de gado de
corte.
TABELA 5.4 – Evolução do rebanho bovino brasileiro por estados
UF 1983 1992 2002
Taxa de
Crescimento
Médio do
Rebanho
1983-1992
Taxa de
Crescimento
Médio do
Rebanho
1992-2002
Percentual
em Relação
ao Rebanho
Brasileiro
AC 404.490 445.243 1.817.467 0,50% 15,41% 0,98%
RO 1.764.630 3.286.112 8.039.890 4,31% 7,23% 4,35%
MT 6.861.250 11.681.559 22.183.695 3,51% 4,50% 11,99%
PA 3.670.800 7.434.835 12.190.597 5,13% 3,20% 6,59%
RN 899.325 565.975 839.402 -1,85% 2,42% 0,45%
PE 1.682.100 1.271.114 1.752.722 -1,22% 1,89% 0,95%
TO* 3.650.850 5.138.904 6.979.102 2,04% 1,79% 3,77%
AM 461.900 688.592 894.856 2,45% 1,50% 0,48%
MA 2.992.000 4.019.776 4.776.278 1,72% 0,94% 2,58%
PR 9.158.100 8.606.629 10.048.172 -0,30% 0,84% 5,43%
AP 50.320 73.108 83.901 2,26% 0,74% 0,05%
PB 1.345.050 858.853 951.698 -1,81% 0,54% 0,51%
GO 14.568.750 18.580.908 20.101.893 1,38% 0,41% 10,86%
SP 11.798.000 12.690.148 13.700.785 0,38% 0,40% 7,40%
CE 2.528.600 2.097.531 2.230.159 -0,85% 0,32% 1,21%
MS 15.540.000 21.800.445 22.853.960** 2,01% 0,24% 12,35%
SC 2.916.500 3.017.369 3.117.737 0,17% 0,17% 1,68%
RS 14.352.000 14.103.022 14.371.138 -0,09% 0,10% 7,77%
AL 860.250 801.582 816.067 -0,34% 0,09% 0,44%
RJ 1.738.400 1.967.208 1.981.026 0,66% 0,04% 1,07%
BA 9.496.250 10.022.150 9.856.290 0,28% -0,08% 5,33%
RR 323.180 430.388 423.000 1,66% -0,09% 0,23%
MG 19.242.450 21.034.400 20.558.937 0,47% -0,11% 11,11%
SE 900.250 907.799 863.447 0,04% -0,24% 0,47%
DF 79.236 123.569 113.400 2,80% -0,41% 0,06%
PI 1.582.425 1.982.460 1.804.477 1,26% -0,45% 0,98%
ES 1.637.400 1.934.782 1.682.827 0,91% -0,65% 0,91%
Total 130.504.506 155.564.461 185.032.923 0,96% 0,95% 100,00%
* O estado do Tocantins passou a existir apenas a partir de 1989, os números anteriores a esta data foram
estimados com base na proporção da área do novo estado em relação ao estado anterior de Goiás
** O tamanho do rebanho bovino sul-mato-grossense é dado pelo rebanho total envolvido na campanha
de vacinação da febre aftosa em 2002, já que a vacinação de todo o rebanho tornou-se um índice
extremamente confiável do total de cabeças de gado em cada estado do país
Fonte: Adaptado de ANUALPEC (2003), com dados da Pesquisa Pecuária Municipal
do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e da Agência Estadual de
Defesa Sanitária Animal e Vegetal de Mato Grosso do Sul (IAGRO).
105
Os estados de Acre, Rondônia, Mato Grosso e Pará tiveram o maior
crescimento relativo do número de bovinos nos últimos 10 anos. O incremento do
rebanho bovino nestes estados indica que o avanço da pecuária no país tem ocorrido em
regiões com relativa aptidão para o sistema extensivo, já que as áreas tradicionais de
pecuária no país tem demonstrado um quadro de estagnação no número de cabeças de
gado, como pode ser verificado no estado de Mato Grosso do Sul.
5.5 O processo de formação de preços
5.5.1 Formação de preços na distribuição da carne bovina
No Brasil, a distribuição de carne bovina é realizada, basicamente,
através de hipermercados, supermercados, açougues, butiques e feiras-livres. VIEIRA e
TRAILL (2003) indicam que os hiper e supermercados são responsáveis, no Brasil, por
39% da distribuição de carne bovina. Trata-se de um canal organizado sob o conceito de
auto-serviço. Entretanto, PIGATTO, SILVA e AGUIAR (2000) apontam que poucos
são os hiper e supermercados que não possuem parte da comercialização de carne ainda
no formato de varejo tradicional. As redes regionais de pequeno porte, os açougues,
butiques de carne e feiras são responsáveis por 40% da carne distribuída no país. E os
11% restantes, são exportados.
Seguindo uma tendência mundial, já ocorre no Brasil a concentração das
grandes empresas neste macrosegmento. Um esforço para elucidar como isto ocorreu é
sucintamente apresentado. BELIK e SANTOS (2000), mostraram que as tendências na
produção e distribuição de alimentos no âmbito do Mercosul são ditadas, entre outros
fatores, pela reorganização regional das empresas responsáveis pela distribuição destes
produtos. Segundo estes autores, as redes de supermercados estrangeiras e locais atuam
segundo uma estratégia de ocupação de espaços em nível regional, fortemente
relacionada à maior concentração do setor. Esta estratégia desenvolveu-se sob a égide
da chamada internacionalização do varejo, na qual grandes grupos distribuidores
avançavam para mercados promissores situados em países diferentes daquele onde está
a sede da empresa. Estes grupos compram e vendem globalmente, motivados pelo
acirramento da concorrência no país de origem e reagindo a um processo de
106
concentração da indústria alimentar que começou a acentuar-se nos anos 80 (como
indicam MARTINELLI JÚNIOR, 1998 e PAULA, 2000).
Portanto, as firmas potencialmente capazes de competir nos mercados
externos foram estimuladas a aperfeiçoar seus planos de investimentos em outros países,
intensificando assim a concorrência nos países receptores e a acelerada movimentação
do capital, do conhecimento e da tecnologia. Estas empresas, notadamente de grandes
grupos distribuidores como Sonae, Cassino e Carrefour, enfrentaram pressões em seus
países de origem que geraram modificações no negócio, incorporadas posteriormente
nos países receptores. As pressões, segundo PAULA (2000, p. 91) são ainda as
seguintes:
a demanda se tornou estagnada na maior parte dos
mercados afluentes da Europa e Estados Unidos, levando
consumidores a priorizar produtos diferenciados; marcas próprias
têm se tornado mais disseminadas, lideradas pelos supermercados,
capazes de impor condições restritivas à indústria para intermediar
seus produtos, condições essas suportáveis apenas pelas grandes
empresas; combinação de redução de custos, aumento de escala e
diversificação de produtos.”
Por meio de investimentos em pesquisa e desenvolvimento, logística, e
marketing, os grupos distribuidores ampliaram seus negócios em países como o Brasil e
estimularam a concorrência, oferecendo aos consumidores um grande número de
produtos e serviços diferenciados (PAULA, 2000; BELIK; SANTOS, 2000). Nos
mercados locais, os fornecedores tornaram-se fortemente dependentes das estratégias
destas empresas, cuja posse de recursos como economias de escala, permitem obter
maiores benefícios na transação econômica (IEL; CNA; SEBRAE; 2000). O
estabelecimento de centrais de compra, pelas grandes redes instaladas em São Paulo,
efetivamente mudaram a dinâmica das trocas econômicas entre os agentes analisados.
De fato, os produtos cárneos derivados da carne bovina sul-mato-grossense são
remetidos, em sua maior parte, a empresas sediadas no estado de São Paulo. MICHELS,
SPROESSER e MENDONÇA (2001), indicam que algo em torno de 70 a 80% das
carnes de Mato Grosso do Sul são enviadas ao estado vizinho, sendo posteriormente
distribuídas ao consumidor final.
107
A determinação de como ocorre a formação dos preços no elo
distribuição varejista deve se pautar na análise das estratégias empresariais adotadas
pelas empresas, e a relativa importância do produto carne bovina no mix de produtos de
cada organização analisada, como pode-se ver no quadro 5.4.
QUADRO 5.4 – Características de organizações do varejo alimentício - carne
bovina
Açougue
Boutique de
carnes
Supermercado
compacto
Supermercado
convencional
Hipermercado
mero médio
de itens
50 50 4.000 9.000 45.000
Número de
seções
1 1 7 8 11
Fonte: BRITO (1998).
Os açougues e butiques de carne têm boa parte de sua receita proveniente
da comercialização de peças e cortes de carne bovina. Enquanto os primeiros
essencialmente competem via preços, os segundos apostam na diferenciação. Mas
ambos são, de modo geral, tomadores de preços dos frigoríficos, já que a estrutura de
mercado formada por estas empresas é mais concentrada, e o produto adquirido dos
frigoríficos é um insumo muito importante para o negócio destas organizações, que
contam basicamente com uma grande seção de carnes, e alguns poucos produtos de
conveniência e de compra por impulso.
Os supermercados compactos e convencionais, por sua vez, possuem
maior poder de barganha em relação aos açougues e butiques, e podem influenciar no
preço dos frigoríficos. Os cortes de carne não são diferenciados, o que permite aos
supermercados encontrar fornecedores alternativos. Além disto, o produto carne bovina
freqüentemente é enquadrado como uma categoria de produtos de compra planejada, na
qual a diminuição de preços normalmente amplia o volume de vendas. A estratégia dos
supermercados, ao situar a seção de carnes no final da loja, tem como objetivo gerar
tráfego de clientes dentro do estabelecimento, ampliando assim a venda de outras
categorias de produtos. Esta manobra, de diminuir a margem do produto, faz com que
os supermercados busquem diminuir os preços pagos aos frigoríficos, como parte da
estratégia supracitada. Ainda assim, deve-se considerar que a carne não representa uma
grande fração dos custos dos supermercados, portanto, eles são menos sensíveis aos
108
preços estipulados pelos frigoríficos, o que permite à indústria uma maior margem na
formação de seus preços.
As grandes redes nacionais de supermercados e os hipermercados são
inegavelmente formadores dos preços para a indústria frigorífica. A estrutura de
mercado, caracterizada como um oligopólio concentrado, indica que o poder de
barganha destas empresas é maior que o da indústria, pois as grandes redes de
distribuição adquirem grandes volumes de carne e seus custos de mudança de
fornecedor são baixos, dado que o produto ofertado pelos frigoríficos é normalmente
pouco diferenciado.
5.5.2 Formação de preços na agroindústria de abate e processamento
A pecuária de corte é a principal atividade econômica do estado de Mato
Grosso do Sul. Os frigoríficos sul-mato-grossenses com inspeção federal (SIF)
abateram, em 2002, 3,15 milhões de cabeças de gado bovino. Deste total, 1,95 milhões
eram machos, e 1,2 milhões fêmeas, como indica o quadro 5.5.
QUADRO 5.5 – Abates de frigoríficos com SIF em 2002
Mês Macho Fêmea Total Mês Macho Fêmea Total
Janeiro
159.455 118.307 277.762
Julho
178.233 104.592 282.825
Fevereiro
143.530 99.603 243.133
Agosto
162.770 91.244 254.014
Março
147.696 96.230 243.926
Setembro
164.445 81.052 245.497
Abril
140.232 88.433 228.665
Outubro
164.473 93.428 257.901
Maio
167.262 93.284 260.546
Novembro
180.592 113.845 294.437
Junho
170.086 91.874 261.960
Dezembro
168.096 129.635 297.731
Fonte: Secretaria de Receita e Controle do Governo do Estado de Mato Grosso do Sul.
Os abates mostrados no quadro acima foram efetuados pelos frigoríficos
com SIF, sendo que não estão inseridos os abates realizados em abatedouros municipais
e os abates efetuados clandestinamente. Por meio da análise dos preços da arroba do boi
gordo e da vaca gorda no mercado paulista, estima-se que o faturamento bruto do setor
responsável pela produção primária foi de aproximadamente R$ 2,67 bilhões, no ano de
2002. A indústria frigorífica agrega mais R$ 400 milhões ao faturamento da pecuária,
totalizando assim algo em torno de R$ 3,1 bilhões de faturamento total, sem considerar
109
Fornecedores de Insumos
Pecuaristas de Cria
Pecuarista de Recria
Pecuarista de Engorda
Indústria Frigorífica
Consumidores
Redes de Distribuição
32%
30,4%
15,6%
22%
32,5%
29,3%
13,9%
24,2%
EntressafraSafra
Formador
Tomador
Tomador
Tomador
Formador
Tomador
Formador
Tomador
Formador
Formador
Oligopólio
Concorrência
Perfeita
Concorrência
Perfeita
Concorrência
Perfeita
Oligopólio
Oligopólio
Macrossegmentos
Papel
na determinação
dos preços
Estrutura
de Mercado
Agregação de Valor
Fornecedores de Insumos
Pecuaristas de Cria
Pecuarista de Recria
Pecuarista de Engorda
Indústria Frigorífica
Consumidores
Redes de Distribuição
32%
30,4%
15,6%
22%
32,5%
29,3%
13,9%
24,2%
EntressafraSafra
Formador
Tomador
Tomador
Tomador
Formador
Tomador
Formador
Tomador
Formador
Formador
Oligopólio
Concorrência
Perfeita
Concorrência
Perfeita
Concorrência
Perfeita
Oligopólio
Oligopólio
Macrossegmentos
Papel
na determinação
dos preços
Estrutura
de Mercado
Agregação de Valor
as margens de comercialização das empresas de distribuição no atacado e varejo,
responsáveis pela venda do produto ao consumidor final.
A apropriação deste resultado é mais favorável à indústria frigorífica,
dada a estrutura de mercado do setor. Enquanto 50 mil produtores dedicam-se à
pecuária de corte, apenas 33 frigoríficos são responsáveis pelo abate e processamento de
toda a carne com inspeção federal. De acordo com a Delegacia Federal de Agricultura
de Mato Grosso do Sul, os 4 maiores frigoríficos detém 50% da capacidade de abate,
mas o nível de concentração para as outras empresas da indústria é baixo. Isso, que a
primeira vista indica contradição, revela na verdade que a capacidade de abate na
indústria, excluindo-se as quatro maiores, está em torno da média, que é de 259
cabeças/dia. Portanto, há uma relativa concorrência no setor.
A estrutura de mercado do elo a montante da indústria frigorífica,
mostrada na figura 5.13, sugere ainda que os produtores não possuem poder de
barganha suficiente para determinar o preço da arroba do boi que será pago pelo
frigorífico.
Fonte: Adaptado de MICHELS, SPROESSER e MENDONÇA (2001).
FIGURA 5.13 – Agregação de valor, estrutura de mercado e determinação de
preços no encadeamento produtivo (1999)
110
A figura 5.13 indica que o produto não é diferenciado e a indústria é
concentrada, fatores que reduzem o poder de negociação dos pecuaristas. Por outro
lado, os frigoríficos são normalmente tomadores de preços das grandes redes de
supermercados. Elas respondem por um volume considerável das aquisições de carne
destinadas ao estado de São Paulo, grande comprador da carne sul-mato-grossense no
mercado interno, e a estrutura de mercado é muito concentrada (figura 5.13).
5.5.3 Formação de preços na produção-primária em Mato Grosso do Sul
Estudos anteriores apontaram que os preços da carne bovina são
determinados pelas grandes redes de supermercados do país (MICHELS; SPROESSER;
MENDONÇA, 2001; PIGATTO, 2001). Não existem evidências de que esta situação
tenha se modificado. A estrutura de mercado do elo produção rural não sofreu
modificações consideráveis, e grande parte do produto ofertado ainda é bastante
homogêneo. Além disto, alguns frigoríficos conseguem aumentar o poder de barganha
por meio da integração vertical à montante, como é o caso dos frigoríficos Bertin e
Independência, que possuem fazendas voltadas à produção de gado de corte (SOUZA
FILHO; BATALHA, 2001). Isto faz com que a aquisição da matéria-prima de
fornecedores externos ocorra em menor volume, o que reduz a incerteza e o risco
associados ao negócio. Portanto, os produtores continuam pressionados à montante
pelos fornecedores de insumos, que definem o preço a ser pago pelos pecuaristas, e à
jusante pelos frigoríficos, que determinam o preço que pagarão pela arroba do animal
vivo.
5.6 Eficiência econômica no encadeamento produtivo
A eficiência econômica pressupõe a obtenção dos melhores resultados
com o menor nível de custos unitários dos insumos utilizados. As empresas
agroindustriais têm, nos últimos anos, alcançado resultados satisfatórios na redução dos
custos de produção, ampliando o volume produzido a custos unitários de fabricação
111
menores, seja pela incorporação de novas tecnologias, ou por avanços em outras áreas
da produção.
Entretanto, outros custos também importam, e podem ter papel
fundamental na eficiência da empresa. Custos como os de elaborar e negociar contratos,
mensurar e fiscalizar direitos de propriedade, organizar as atividades meio realizadas
por terceiros, e ainda solucionar problemas de adaptação a novos fornecedores ou
clientes são conhecidos como custos de transação, e podem ser reduzidos por estruturas
de governança mais eficientes.
Criar regras que disciplinam o comportamento dos agentes de uma cadeia
produtiva é necessário para ampliar a eficiência (e portanto, a competitividade) do
sistema como um todo. Isto é feito por meio das estruturas de governança, que são
diferentes formas de coordenar uma transação entre empresas ou indivíduos. Estas
formas podem variar entre o mercado spot e a hierarquia, incluindo neste rol contratos
de longo prazo e de suprimento regular.
As estruturas de governança são mais ou menos eficientes de acordo com
a freqüência das transações, o grau de incerteza envolvido, e a especificidade dos ativos
necessários para transacionar. Isto ocorre pois estes elementos podem gerar problemas
de adaptação a novas situações, não previstas anteriormente.
Isto posto, serão analisadas as estruturas de governança das transações T1
e T2, mostradas na figura 5.14.
FIGURA 5.14 – Transações entre agentes de elos selecionados da cadeia produtiva
Na transação T1, há o fluxo de insumos para “dentro da porteira”, a
jusante, e informações sobre a aplicação e uso destes insumos, no sentido contrário. Este
é também o fluxo dos recursos financeiros necessários para a aquisição. Na transação
T2, há o fluxo de animais para “fora da porteira”, a jusante, e o fluxo de informações e
recursos financeiros, no sentido contrário.
Produção
Rural
Insumos
Indústria
Frigorífica
T1 T2
112
5.6.1 Transação T1
Na agropecuária, a demanda por insumos é intensificada em algumas
épocas do ano. De acordo com o tipo do insumo, o aumento da demanda pode ocorrer
na época das chuvas ou da seca. Outros fatores, que não os climáticos, podem também
determinar esta variação da demanda. Os prazos definidos pelos atores estatais para a
vacinação do rebanho também determinam o incremento na aquisição de vacinas, nos
meses próximos à data limite.
Com a preocupação generalizada em relação à sanidade animal, um rol
de vacinas é ofertado aos pecuaristas pelas empresas fornecedoras de insumos. Estas
vacinas apresentam-se como soluções para as orientações provenientes dos órgãos de
apoio e assistência, e mesmo prescrições dos órgãos estatais, para a diminuição de
ocorrências em regiões produtoras específicas. Estas vacinas são indicadas na figura
5.15.
Fonte: Dados da pesquisa.
FIGURA 5.15 – Tipo de vacinas usadas no rebanho bovino
As transações entre produtores rurais e fornecedores de insumos ocorrem
em épocas específicas do ano, e portanto, o intervalo de tempo entre elas é considerável.
0,00%
10,00%
20,00%
30,00%
40,00%
50,00%
60,00%
70,00%
80,00%
90,00%
100,00%
Quantidade de pecuaristas que fazem
uso da vacina
95,12% 92,68% 34,15% 26,83% 7,32% 7,32% 4,88%
Aftosa Brucelose Carbunco Raiva Leptospira
Tuberculo
se
Outras
113
Para alguns tipos de vacina, de sementes de forrageiras, semens e materiais de
inseminação, e ainda itens utilizados na benfeitoria das propriedades, como cercas,
cochos, e mesmo roçadeiras e grades, verifica-se uma baixa recorrência na efetivação
das transações no tempo. Isto significa que os custos fixos médios associados à coleta
de informações e elaboração do contrato podem se tornar altos, principalmente se forem
complexos, como é o caso da aquisição de serviços de genética e de tratores com maior
tecnologia incorporada.
Outro elemento importante, derivado da constatação que a freqüência na
aquisição de alguns tipos de insumos é baixa, trata-se do papel secundário da reputação,
enquanto constrangimento que limita a ação oportunista. Um grande número de
pecuaristas, na visão das empresas fornecedoras de insumos, adquire os produtos e/ou
serviços, baseados em outros critérios, que não a fidelidade, como mostra a tabela 5.5.
TABELA 5.5 – Critério para a compra utilizado na aquisição de insumos
agropecuários
Segmentos
Critério
Benfeitorias
Reprodução e
Melhoramento
Genético
Tratores e
Veículos
Produtos
Veterinários e
Pastagens
Preço
- 11,11% 16,67% 33,33%
Qualidade
100% 66,67% 66,67% 55,56%
Fidelidade
- 22,22% 16,67% 11,11%
Fonte: Dados da pesquisa.
Para as empresas que ofertam bens e/ou serviços destinados à benfeitoria
das propriedades, a fidelidade é praticamente nula. O elemento crucial é a qualidade,
que abarca diversas definições, podendo mesmo significar a existência prévia de
informações sobre o produto que somente seriam obtidas após seu manuseio. A
existência deste tipo de informação pressupõe o investimento das empresas em marcas,
ou a criação de reputação. Este último elemento pode até mesmo existir, pois o primeiro
é praticamente inexistente, dado que os fatores que diferenciam os produtos das
empresas deste segmento são apenas a tecnologia incorporada ao produto, para 80%
delas, e a exclusividade via registro de patente, para outras 20%, sendo que a marca não
é citada por nenhuma das empresas fornecedoras de benfeitorias.
114
As empresas que ofertam itens para a reprodução e o melhoramento
genético do rebanho, por sua vez, crêem que a fidelidade é o segundo principal critério
utilizado pelos pecuaristas, depois da qualidade. É neste segmento que a fidelidade
parece ser maior, o que pode indicar a construção de reputação. Efetivamente, neste
segmento as transações ocorrem com maior freqüência que no segmento de tratores e
veículos, e os contratos são mais complexos que no segmento de produtos veterinários e
pastagens.
No segmento de tratores e veículos, as compras dão-se num intervalo
considerável de tempo. A reputação, neste segmento, demora mais a ser construída que
em outros, cuja freqüência é menor. Entretanto, como o fornecimento dos produtos
neste segmento ocorre preponderantemente com pagamento à prazo, dado o alto preço
unitário de cada item, os procedimentos de cadastro, aval e comprovação das exigências
mínimas necessárias para a liberação do crédito impõem aos pecuaristas elevados custos
de transação na primeira aquisição, diminuindo nas seguintes, pois as informações
relevantes para a celebração de um novo acordo de troca já estarão disponíveis, nos
registros de como foram processadas as transações anteriores. Este é um dos motivos
pelo qual a fidelidade é um critério relevante neste segmento. Outro motivo pode ser
encontrado na estratégia das empresas deste segmento, de ofertar serviços agregados ao
bem. Manutenção preventiva, garantia, e cursos de operação são fornecidos aos
compradores, o que favorece a criação de vínculos, além dos estritamente econômicos,
entre compradores e vendedores.
Apesar da freqüência das transações ser maior na aquisição de sal
mineral, rações, vermífugos, sementes e vitaminas, a fidelidade parece ser importante
apenas para um, em cada dez pecuaristas. Como explicar a ausência de reputação em
transações que ocorrem freqüentemente? Uma primeira aproximação mostra que o
preço é um critério importante para 33,33% dos compradores. Aliado a isto, está a
existência de marcas, o que diminui o custo de obtenção de informações, e permite que
o comprador pesquisa nas empresas do setor o menor preço. Outro elemento que deve
ser levado em conta é a baixa especificidade dos ativos.
Os ativos são específicos se o retorno associado a eles depende da
continuidade de uma transação específica. Assim, quanto maior a especificidade dos
115
ativos, maior a perda associada a uma ação oportunista por parte de outro agente, e
portanto, maiores serão os custos de transacionar.
A especificidade dos ativos necessários para realizar a transação T1 é
baixa (e portanto, os custos de transação devem ser menores) pois os ativos das
empresas fornecedoras de insumos não são específicos para apenas um ou mais
pecuaristas, mas para todo o mercado. De fato, as compras de insumos são compras
planejadas, cujos níveis de dispêndio podem ser mensurados previamente, e há um nível
significativo de concorrência entre as empresas do setor.
Questionadas sobre a existência de produtos como aqueles que são
comercializados pela própria empresa em empresas concorrentes, apenas 12,5% dos
fornecedores de insumos responderam ter produtos exclusivos. Um grupo de 71,88%
dos respondentes informou comercializar produtos que podem facilmente ser
encontrados em outras empresas, e 15,63% informaram que apenas alguns produtos são
similares aos produtos vendidos em outras empresas do setor.
Estes dados clarificam o comportamento dos pecuaristas, que devido a
ausência de custos significativos para aquisição de insumos em outras localidades,
recorrem à compra de fornecedores que não estão situados em seu município, como
indica a figura 5.16.
* Respostas múltiplas
Fonte: Dados da pesquisa.
FIGURA 5.16 – Localização de empresas nas quais os pecuaristas adquirem
insumos*
0%
10%
20%
30%
40%
50%
60%
70%
Em outros Munipios de MS No munipio onde localiza-se a
propriedade
Em outro estado
116
0,00% 5,00% 10,00% 15,00% 20,00% 25,00% 30,00% 35,00% 40,00% 45,00% 50,00%
Nenhum
Um
Dois
Três
Quatro
Cinco
Seis
Em outro estado
Em outros municípios de Mato Grosso do Sul
No município onde está localizada a propriedade
As compras, quando realizadas fora de Mato Grosso do Sul, ocorrem nos
estados de São Paulo, e em menor grau, Minas Gerais. As filiais de empresas
fornecedoras de insumos, que representam 31,25% do total, informaram que a matriz
localiza-se no estado de São Paulo, o que parece indicar uma grande participação das
empresas paulistas no fornecimento de insumos para os pecuaristas de Mato Grosso do
Sul, seja direta ou indiretamente.
Quase a metade dos pecuaristas adquire insumos de ao menos duas
empresas situadas em outros municípios, que não aquele onde está localizada a
propriedade rural. Isto é indicado na figura 5.17. Aproximadamente 40% deles adquire
insumos de empresas localizadas no mesmo município onde se localiza a propriedade, e
no que se refere àqueles que compram de empresas situadas outros estados, 66,66%
compram ao menos de até três empresas.
Fonte: Dados da pesquisa.
FIGURA 5.17 – Número de fornecedores e localização
O fornecimento de produtos exclusivos ocorre, em sua maior parte, no
segmento de reprodução e melhoramento genético. Uma em cada três empresas deste
117
segmento informaram que ofertam produtos que não podem ser encontrados em outras
empresas. A estrutura de mercado deste segmento é singular, em relação àquelas outras
identificadas no elo fornecedor de insumos. A classificação das estruturas de mercados
dos segmentos é mostrada no quadro 5.7.
QUADRO 5.7 – Classificação dos mercados para o elo fornecedor de insumos
Fonte: Dados da pesquisa.
Frente às características dos agentes e das transações, o mecanismo de
governança que poderá propiciar menores custos de transação parece ser o mercado
spot. O fator decisivo para esta caracterização é a baixa especificidade dos ativos
(mesmo havendo poucas empresas fornecedoras de insumos em alguns segmentos), pois
os custos de transação não são tão altos para que os pecuaristas precisem trazer para
“dentro da porteira” a fabricação de alguns insumos, dado que há no mercado empresas
que ofertam estes produtos a custos de produção menores.
É evidente que ações estratégicas, como a aquisição conjunta de insumos
a menores preços, pode estimular a adoção de outros mecanismos, como contratos de
fornecimento mais elaborados. Contudo, apenas um em cada cinco pecuaristas
informaram adquirir ou já ter adquirido insumos em parceria com outros produtores, e
apenas 5,71% acreditam que a criação de uma cooperativa poderia melhorar a sua
relação com empresas fornecedoras de insumos.
5.6.2 Transação T2
Para níveis mais elevados de especificidade de ativos, a forma
organizacional mais eficiente deixa de ser o mercado, e caminha no sentido da
Segmento Classificação Características
Benfeitorias
Oligopólio
concentrado
Elevada concentração, produto homogêneo ou de baixa
diferenciação, barreiras técnicas consideráveis para alguns
produtos
Reprodução e
Melhoramento
Genético
Oligopólio
competitivo
Alta concentração com presença de franja competitiva,
produtos diferenciados, barreiras de diferenciação
Tratores e veículos
Oligopólio
diferenciado
Elevada concentração, produto diferenciado, barreira de
diferenciação reforçando barreiras técnicas
Produtos
veterinários e
pastagens
Oligopólio
concentrado
Razoável concentração, produtos homogêneos ou de baixa
diferenciação, elevadas barreiras técnicas para alguns produtos
118
integração vertical, dado o maior controle necessário para que a transação possa se
realizar. Assim, entre o mercado e a hierarquia várias formas vão-se delineando, como
acordos de sub-contratação, sistemas de empréstimos e concessões, joint ventures, entre
outras.
O caso do Projeto Montana Premium Beef mostra a construção de uma
estrutura de governança capaz de dar conta das especificidades de ativos físicos, ativos
humanos, e de marca envolvidos na transação. Frente ao objetivo da empresa foco (o
grupo Montana), de ofertar carne com qualidade em volume e regularidade compatíveis
com os mercados diferenciados que atendem, tornou-se necessária a adoção de
mecanismos de controle, em pontos chave de sua cadeia de suprimentos.
Para que a coordenação fosse eficiente, ou seja, pudesse ser realizada aos
menores custos de transação para os agentes, foram adotados padrões, e incentivos ao
cumprimento destes padrões, para os fornecedores do grupo. Portanto, os pecuaristas
que foram inseridos no projeto recebiam um prêmio de 2% a 3% sobre a arroba do dia
para machos, e também um valor situado entre 4% e o preço de arroba do boi para
fêmeas, para o fornecimento de animais com o padrão exigido.
Este padrão requeria novilhos com até 4 dentes, com peso mínimo de 250
kg de carcaça para macho e 190 kg para fêmea, com uma cobertura mínima de 3 mm de
gordura. Frente aos investimentos necessários para a obtenção de animais com estas
características, em ativos físicos e humanos, criou-se uma dependência do retorno
associado a eles à realização da transação. É evidente que o animal nestas condições
poderia ser transacionado com frigoríficos que não fazem parte do programa. Contudo,
a alocação de recursos, e a tecnologia do processo, provenientes do investimento, não
seriam as formas mais eficientes de organização para a obtenção de lucros maiores. Ou
seja, somente fornecendo para os parceiros do projeto, os pecuaristas obteriam quase-
rendas que continuariam motivando a produção de animais nos padrões indicados. A
quase-renda, nesse contexto, é definida como a diferença entre o retorno de um ativo
empregado em uma transação específica e seu retorno em outro emprego alternativo,
neste caso específico, a transação com frigoríficos que não fazem parte do projeto. A
existência da quase-renda depende da continuidade das relações, o que estabelece entre
as partes envolvidas uma posição particularmente estratégica no processo de barganha.
119
A especificidade de marca impõe um alto controle em todas as etapas da
fabricação, e em todas as etapas de fornecimento. Isto ocorre pois a função da marca é
prover o consumidor com informações sobre o produto que somente seriam obtidas após
o consumo. Assim, para que as informações que a marca transmite sejam consideradas
críveis, o processo produtivo é observado pela empresa foco, assumindo assim
contornos de uma espécie de controle vertical, tal como acontece na gestão da cadeia de
suprimentos.
A noção de supply chain management (SCM), ou gestão da cadeia de
suprimentos, pressupõe o controle dos processos fundamentais do negócio desde os
usuários finais até os fornecedores iniciais, e a existência de uma firma central que
integra e gerencia determinados relacionamentos. O nível de integração no Projeto
Montana Beef era relevante, sendo que o Grupo Montana possuía fazendas e
restaurantes. O controle por meio de gerenciamento e monitoramento também era
considerável, como mostra a figura 5.18.
Fonte: Elaborado pelos autores a partir de FRANCO (2002b) e FRANCO (2003b).
FIGURA 5.18 – Relacionamentos inter-empresariais no Projeto Montana Beef
Pecuarista 1
Pecuarista 2
Pecuarista 3
Pecuarista 4
...
Pecuarista 100
Marfrig
180 lojas Pão de Açúcar
50 outros supermercados
4 restaurantes Montana Grill
9 restaurantes Montana Express
Grupo Montana
Legenda:
Membros da Associação Sul-Matogrossense de produtores de Novilhos Precoces (ASPNP)
Empresas do Grupo Montana
o-membros da ASPNP
Processos integrados e/ou ativamente gerenciados pela empresa foco
Processos monitorados pela empresa foco
120
O controle estratégico de parte do fornecimento, por meio da integração
vertical, permite à empresa foco suprir contratos de suprimento regular, sem o risco de
falhas no fornecimento da matéria-prima. Os outros relacionamentos, monitorados pela
empresa foco, visam à obtenção e fornecimento de produtos dentro dos padrões pré-
definidos. Apesar do controle ser menor nestes relacionamentos, ele é suficiente para
incentivar os participantes a continuarem no projeto, em vista da maior lucratividade e
competitividade, objetivos de qualquer iniciativa de SCM.
Na indústria frigorífica, a posição do estoque dentro do canal de
distribuição pode ser utilizada como estratégia empresarial para a comercialização dos
produtos. Assim, frigoríficos que possuem na carteira de clientes grandes empresas
importadoras nos países europeus, normalmente adquirem gado bovino dentro de algum
padrão que preencha requisitos mínimos, tais estar cadastrado no SISBOV. Sabendo que
nem todos os pecuaristas que fornecem animais para abate podem entregar produtos que
cumpram estas exigências, algumas empresas irão optar por uma estratégia de
integração vertical à montante, adquirindo assim propriedades rurais que garantirão o
abastecimento para o grupo de clientes europeus dentro das quantidades e do prazo
acertado. Esta estratégia é adotada por grandes grupos da indústria frigorífica sul-mato-
grossense, de acordo com SOUZA FILHO e BATALHA (2001). Uma representação
gráfica da formação de estoques no canal de distribuição é mostrada na figura 5.19.
FIGURA 5.19 – Estoque no canal de distribuição (indústria frigorífica integrada
verticalmente)
Contudo, o controle hierárquico não é a estrutura de governança
dominante na cadeia, sendo encontrada apenas em sub-sistemas específicos. As
transações ocorrem via mercado spot, com o preço da arroba sendo determinado pelo
Estoque (gado bovino)
Pecuária de corte
Distribuição
Estoque (produto processado)
Frigorífico
121
frigorífico. Não parece haver especificidades de ativos suficientes para que ocorra a
“transformação fundamental
34
” entre pecuaristas e frigoríficos, já que 82,86% dos
produtores vendem gado para mais de uma empresa.
5.7 Considerações finais
Desde as reformas econômicas realizadas no início da década de 90, a
maior parte das empresas envolvidas no agronegócio da carne bovina tem estabelecido
parâmetros diferenciados para competir em um ambiente marcado pelos processos de
reestruturação agroindustrial. Ao abandonarem estratégias adaptadas a ambientes com
elevadas taxas de inflação e livres de concorrência internacional, as empresas inseridas
no agronegócio da carne ampliaram sua participação no mercado global, tornando o
Brasil líder em exportações de carne bovina.
O estado de Mato Grosso do Sul ocupa posição privilegiada neste
contexto. Além de maior produtor de gado bovino do Brasil, o estado conta com altos
índices de produtividade na atividade pecuária.
Apesar deste panorama favorável, problemas ainda existem. Relações
conflituosas entre agentes econômicos, ausência de técnicas profissionais de gestão do
empreendimento rural, e a falta de coordenação em sistemas estratégicos mais amplos,
fazem com que ocorram lacunas na melhoria da competitividade do encadeamento
produtivo.
34
A transformação fundamental é a dependência estabelecida a partir da aquisição de ativos específicos
para uma transação. Caso esta transação não ocorra, o ativo não terá outra finalidade, sendo portanto
necessária a continuidade do contrato, mesmo sob condições desfavoráveis para um dos agentes, para que
o prejuízo não se torne maior.
122
6 A REDE DE RECURSOS DE PODER DA BOVINOCULTURA DE CORTE
EM MATO GROSSO DO SUL
6.1 Introdução
Durante toda a década de 80, a forte intervenção estatal na agropecuária
paulatinamente cedeu lugar a uma redução do Estado na economia nacional,
evidenciada em contornos bem definidos já no início da década de 90. Esta tendência,
verificada também em outros países, gerou reflexos poderosos no agronegócio nacional,
e na formulação de políticas agrícolas e agroindustriais.
Esta transição não ocorreu sem sobressaltos. O abandono de um modelo
de desenvolvimento da agricultura baseado na concessão maciça de recursos públicos
para financiamento das atividades, e o fim da intervenção do governo, motivado em
parte pelas restrições monetárias e orçamentárias previstas na Constituição de 1988,
conformaram um novo contexto institucional, acentuado pela economia aberta.
A orientação neo-liberal, presente na formulação de políticas
macroeconômicas durante a década de 90, preconizava à consecução de um Estado
mínimo, e os instrumentos utilizados para tanto foram o ajuste fiscal, as privatizações, a
desregulamentação comercial e a liberalização da economia.
Apesar deste contexto ter estimulado a auto-regulação em diversos
encadeamentos produtivos, o Estado não foi reduzido a ponto de se ausentar das arenas
nacionais ou setoriais de articulação do agro brasileiro. Isto ocorre pois existem falhas
de mercado, e estas falhas tornam-se o espaço de atuação dos atores estatais.
Diante deste cenário, é possível identificar mais claramente o papel dos
atores estatais na cadeia produtiva da carne. O Estado tem agora sua capacidade de
resolução de problemas fragmentada, e as diversas agências estatais participam do
processo político disputando ou distribuindo recursos com os atores públicos e privados.
Ao processo de fragmentação da ação estatal, acrescente-se também a
aceleração do processo de representação de interesses em torno de setores específicos
ou de um produto, como a carne bovina. Como afirmam PAULILLO e ALVES (1998,
p. 37), “(...) a representação por grupo de empresas ou por setor agroindustrial tornou
123
viável o arranjo político com base na estrutura econômica dos complexos
[agroindustriais].”
Diante disto, procurou-se analisar neste capítulo os padrões recíprocos de
comunicação e trocas estabelecidos entre os atores públicos e privados, inseridos no
encadeamento técnico-produtivo responsável pela produção da carne bovina, no estado
de MS. Pretende-se lançar luz ao processo de institucionalização destes processos
políticos, consolidado no conjunto de projetos estratégicos adotado pelos atores em
rede, sob a égide do Programa Cadeia da Carne Bovina de Mato Grosso do Sul.
O capítulo encontra-se dividido em seis seções. Após esta introdução, é
analisado o processo de gênese da rede, e na seção três, como se deu a
institucionalização da rede de poder, consolidada por meio do Programa Cadeia da
Carne Bovina de Mato Grosso do Sul. Na quarta seção, discute-se, com base nas atas
das reuniões das diversas instâncias de discussão do programa supracitado, as
características da rede. A sua função é explorada na quinta parte deste capítulo. Por fim,
algumas reflexões finais são apresentadas na sexta seção.
6.2 Desvendando a origem da cooperação
6.2.1 Atores compartilhando crenças e valores
Quais motivos seriam responsáveis pela articulação de atores que,
durante os últimos anos, vem obtendo resultados cada vez mais favoráveis às suas
atividades, e que estão em primeiro lugar no ranking nacional de produção de gado de
corte? Não se trata, obviamente, de uma atividade com grave quadro de exclusão social
de pequenos pecuaristas, derivada de condições pouco favoráveis estabelecidas pela
indústria processadora ou pelo mercado. Tampouco, de uma situação adversa que afeta
todos os atores envolvidos, como o foi o surto de febre aftosa, na segunda metade da
década de 90, responsável pela criação de medidas sanitárias de contenção, coordenadas
pelas agências estatais.
Supostamente, um risco eminente tem justificado a organização dos
atores – coletivos e individuais – no estabelecimento de padrões recíprocos de
comunicação e troca. Este risco é a não ocorrência do aumento da competitividade, em
124
um cenário de constante avanço da globalização econômica. Esta justificativa,
identificada nos estudos iniciais que subsidiaram a formulação e implementação do
Programa Cadeia da Carne Bovina de Mato Grosso do Sul (PENSA; AGRICON, 2001),
precisa ser melhor compreendida, principalmente no que se refere ao significado de
competitividade.
Os limites ambíguos do termo carecem de uma definição mais rigorosa.
Tomamos aqui a definição proposta por FERRAZ, KUPFER e HAGUENAUER (1996),
construída com a ressalva da ausência de consenso, na literatura específica, quanto à
definição do conceito. Competitividade, para estes autores, é a “capacidade da empresa
formular e implementar estratégias concorrenciais, que lhe permitam ampliar ou
conservar, de forma duradoura, uma posição sustentável no mercado.” (1996, p. 3).
Vista como desempenho no mercado (competitividade revelada) ou como
eficiência no processo produtivo (competitividade potencial), a competitividade
incorpora apenas uma perspectiva estática, não dando conta da capacitação acumulada
pelas empresas, que reflete as estratégias competitivas adotadas em função de suas
percepções quanto ao processo concorrencial e ao ambiente econômico onde estão
inseridas. Há, portanto, um caráter dinâmico na noção de competitividade, determinado
pelo aquisição de conhecimentos e novas habilidades ao longo do tempo.
Neste sentido, seriam consideradas competitivas as firmas que adotassem
estratégias mais adequadas ao padrão de concorrência setorial. Estes padrões, segundo
FERRAZ, KUPFER e HAGUENAUER (1996), apresentam duas características
decisivas para a avaliação da competitividade. A primeira é que os padrões são
idiossincráticos de cada setor da estrutura produtiva, e a segunda é que mesmo estes
padrões mudam no tempo, como indica o quadro 6.1.
QUADRO 6.1 – Aspectos da pecuária de corte nas duas últimas décadas
Aspectos Década de 80 Década de 90
Mercado mundial
Sub-ofertado Saturado
Carnes alternativas
Pouco expressivas Grande competição
Margem de lucro
Grande Mínima
Filosofia
Patrimônio Produtividade
Escala
1.000 cabeças 10.000 cabeças
Administração
À distância Local
Foco tecnológico
Genética Nutrição
Fonte: Adaptado de MICHELS, SPROESSER e MENDONÇA (2001).
125
As mudanças nos padrões de concorrência na atividade pecuária são
principalmente exógenas, mas também endógenas. Os estímulos externos são
identificados a partir das mudanças nos padrões de consumo dos compradores no
mercado mundial, derivados de maior atenção à segurança alimentar (food safety). A
ampliação da concorrência entre as empresas dos diversos países produtores tornou-se
mais ativa a partir de falhas no controle sanitário de alguns dos grandes fornecedores
mundiais, como Argentina e Austrália. Houve ainda incremento da concorrência entre
os processadores dos diversos tipos de carne, como as de frango e suínos, o que também
contribuiu para a redução das margens na pecuária de corte bovina, por meio da disputa
por mercados via preços.
Os fatores internos que conduzem à mudança, por sua vez, consistem de
novas “visões de mundo” incorporadas pelos pecuaristas. A adoção de técnicas mais
avançadas de gestão, que conduzem a maior produtividade, e a presença do fazendeiro
no locus da tomada de decisão, são decorrências da mudança de postura do produtor
rural. Quanto ao grau de internalização efetivamente envolvido nestas mudanças, deve-
se considerar como são formadas as redes de conhecimento e informação dos
pecuaristas.
De acordo com CEZAR (2001), são diversas as fontes de informação dos
pecuaristas, mas os programas rurais transmitidos pela televisão são fontes comuns
entre os diversos agrupamentos de produtores. Entretanto, o autor conclui que o
conhecimento prático e aplicado de produtores mais experientes é a principal fonte de
informação. Assim, conversar informalmente e observar localmente novas experiências
de outros fazendeiros são os mecanismos mais usuais que os pecuaristas utilizam para
obter informação e conhecimento.
Estes resultados são corroborados, em parte, pelos resultados encontrados nesta
pesquisa. De fato, um grupo relevante de pecuaristas obtém informações e novos
conhecimentos por meio da televisão e de conversa com amigos (figura 6.1). Mas a
maior parte dos respondentes informou utilizar a leitura como o principal meio de
obtenção de informações/conhecimentos sobre o negócio.
A média das respostas mostra que 75,61% dos pecuaristas buscam na leitura
novos conhecimentos e informações, e que 73,13% utilizam a televisão como meio para
realizar esta busca. Em terceiro lugar, está a conversa com amigos, citada por 68,29%
126
0,00% 10,00% 20,00% 30,00% 40,00% 50,00% 60,00% 70,00% 80,00% 90,00% 100,00%
Leitura
TV
Conversa com amigos
Assistência técnica
Sindicato
Outros
Até 1.000 ha Entre 1.001 até 2.000 ha Entre 2.001 a 5.000 ha Acima de 5.001 ha
dos respondentes. Meios mais formais, como assistência técnica e sindicatos, foram
lembrados por apenas 46,34% e 41,46%, respectivamente.
* Respostas múltiplas
Fonte: Dados da pesquisa.
FIGURA 6.1 – Meios utilizados pelos pecuaristas para obtenção de informações*
Quadros de referência como amizade e companheirismo determinam as
“pessoas de confiança”, que serão fonte principal de informação e parceiros nas
tomadas de decisão. Por sua vez, estas “pessoas de confiança” utilizam uma rede de
informação muito mais ampla, e são, em sua maioria, fazendeiros bem sucedidos e que
exercem certa liderança
35
na comunidade.
Frente a isto, torna-se evidente que as mudanças nas visões de mundo dos
pecuaristas são derivadas, em primeiro lugar, do contexto social em que se desenvolvem
as decisões e as novas experiências, transmitidas e vivenciadas dentro de redes
específicas de trocas de informação e conhecimento, formadas por diversos pecuaristas,
35
Os líderes, de acordo com MARCH e OLSEN (1993), interagem com outros líderes e são cooptados
neste processo à adoção de novas crenças e compromissos. A visão neo-institucional pressupõe o líder no
papel de educador, estimulando e aprovando novas visões de mundo, definindo significados e
consequentemente, influenciando na transformação das preferências.
127
dentre os quais estão “pessoas de confiança”, os principais atores na transferência e
disseminação de novas tecnologias (CEZAR, 2001).
Sabendo que é possível identificar quatro grupos relativamente
homogêneos de pecuaristas em Mato Grosso do Sul, de acordo com suas características
tecnológicas e estratégias perseguidas, pode-se determinar em qual deles estará centrado
o maior número de disseminadores de conhecimento e informação no campo. O quadro
6.2 mostra estes grupos, e os atributos utilizados para realizar o agrupamento.
QUADRO 6.2 – Grupos de pecuaristas e suas características
Grupos Características
Foco na comercialização de
gado
Pecuaristas com foco principal na atividade de recria e engorda, que
obtém a sua remuneração com a compra e venda de animais. A
tecnologia utilizada é básica, objetivando a simples manutenção e ganho
de peso do rebanho
Produtores
descapitalizados
Produtores que valorizam a aplicação de tecnologias de produção,
porém encontram-se sem capital para efetuá-las. A gestão
administrativa da propriedade rural é realizada empiricamente, sem
lançar mão das ferramentas gerenciais habituais (efetivo controle de
custos de produção, planejamento financeiro e operacional, análise de
investimento e análises econômicas e financeiras).
Foco na
produção
Produtores
capitalizados
Produtores que valorizam e aplicam tecnologias de produção (genética,
nutrição, sanidade animal, manejo, etc), porém são resistentes a utilizar
as ferramentas gerenciais mais sofisticadas.
Foco em resultados
Produtores que valorizam e aplicam tecnologias de produção (genética,
nutrição, sanidade animal, manejo, etc), bem como utilizam as
ferramentas gerenciais disponíveis, conhecendo o real custo de
produção e o retorno dos investimentos efetuados.
Fonte: Adaptado de MERCOESTE (2002).
A premissa adotada para identificar os disseminadores de novos
conhecimentos e informações é a que foi apresentada por CEZAR (2001), que considera
estes pecuaristas bem sucedidos. Obviamente, haverão fazendeiros bem sucedidos em
todos os grupos. Contudo, em apenas dois é possível identificar a apropriação das novas
tecnologias disponíveis e a internalização de ferramentas gerenciais para monitoramento
e controle do negócio. O grupo dos produtores capitalizados com foco na produção, e o
grupo dos produtores com foco em resultados, são formados por pecuaristas que podem
ter relevante papel nas redes de informação da pecuária sul-mato-grossense.
Esta premissa é corroborada pela análise do momento inicial na
formalização da rede, caracterizado pelo encontro dos representantes dos atores
produtivos da pecuária de corte focada em resultados, e de representantes de uma
128
organização paraestatal. Apesar de possuir baixo poder de aglutinação
36
, a Associação
dos Produtores de Novilho Precoce (ASPNP), apresentou-se no ano de 2000 ao
Sebrae/MS como um interlocutor válido no processo de elaboração e implementação de
políticas, demonstrando assim ter significativo poder de representação
37
. Qual motivo
levaria uma associação composta por pouco mais de uma centena de pecuaristas a
apresentar-se na arena setorial, buscando soluções para problemas comuns a quase 50
mil produtores, e ainda assim ter legitimada sua iniciativa como “um primeiro passo de
mudança (...) para redirecionar o setor” (VEIT, 2003, p.3). Ideologia e valores
compartilhados entre estes atores podem ajudar a responder esta pergunta.
Dado que as políticas públicas mudam ao longo do tempo, frente às
variações do ambiente, torna-se possível entendê-las como um sistema de crenças
(DOWDING, 1995). Isto posto, fica evidenciado que os atores analisados tinham em
comum o mesmo sistema de crenças, pois consideravam como necessária a organização
de todos os atores “para dar início a um processo de transformação que resultasse em
uma melhor competitividade do setor.” (VEIT, 2003, p.3).
6.2.2 A gênese da rede: Atores, interesses e institucionalização
DAUGBJERG (1997a) propõe a indicação das preferências e interesses
dos atores na fase inicial da rede, como método para determinar como ocorreu o acesso
ao núcleo da rede após a etapa formativa. Isto é relevante pois há uma clara distinção
entre os membros que possuem recursos e influência e os que não possuem, estando os
primeiros supostamente no centro da rede e os outros, na periferia (RHODES; MARSH,
1992).
De acordo com DAUGBJERG (1997a), atores políticos podem tornar-se
membros centrais em uma fase inicial de formação da rede. Esta posição possibilita a
eles garantir seu poder de elaboração da política futura, pois eles têm a oportunidade de
36
Há poder de aglutinação quando um ator coletivo é capaz de aglutinar parte significativa de seus
membros potenciais, apresentando-se como o interlocutor válido nos processos de negociação
(PAULILLO, 2001).
37
O poder de representação é definido a partir da participação do ator coletivo, nas redes de relações
estratégicas, com
status de negociador. Neste caso, o status atribuído pelo Estado e suas agências é muito
importante. Tanto o poder de negociação, como o poder de aglutinação, são recursos políticos que as
organizações podem utilizar para obter melhores resultados e evitar uma possível dependência de outros
atores (PAULILLO, 2001).
129
moldar regras de modo vantajoso a seus interesses. Tipicamente, desenham princípios
políticos que transmitem os custos da política para grupos não representados na rede.
Mais do que isto, ter uma posição de acesso altera a distribuição do poder e de
oportunidades (MARCH; OLSEN, 1993).
Os atores mencionados na seção anterior tiveram papel relevante no
processo de institucionalização das relações inter-organizacionais no entorno estudado.
Foram eles que incluíram na agenda política a priorização da adoção de formas
cooperativas para a obtenção de melhores resultados conjuntos. Portanto, é necessário
compreender melhor os interesses destes atores na interação em rede.
A Associação Sul-mato-grossense de Produtores de Novilho Precoce
(ASPNP) foi criada em 1998. Esta associação estabeleceu parcerias com frigoríficos e
redes de supermercados, ampliando os recursos organizacionais de seus membros.
SANTOS (2003) demonstrou que os associados da ASPNP têm obtido significativos
resultados financeiros. Contudo, tem enfrentado também problemas, como a falta de
padronização e a irregularidade de oferta de novilhos, a sazonalidade da produção, o
imediatismo nas negociações, individualismo do associado, a localização geográfica dos
pecuaristas com propriedades localizadas distantes dos frigoríficos parceiros, e
finalmente, dificuldades no relacionamento com os frigoríficos e com os demais elos da
cadeia produtiva.
Os interesses deste ator coletivo recaem, portanto, na resolução destes
problemas. Tais questões remetem ao perfil dos produtores associados à ASPNP. Estes
indivíduos são, em sua maioria, fornecedores de animais para abate com alto grau de
conformidade a padrões pré-estabelecidos por fornecedores exigentes. Um exercício de
classificação os colocaria no grupo de produtores com foco na produção, e em
resultados (vide quadro 6.1).
O Sebrae, por sua vez, adota formalmente como visão norteadora de suas
atividades a proposta de ser o agente articulador para a criação de um ambiente
favorável ao surgimento e desenvolvimento de pequenos empreendimentos no estado de
Mato Grosso do Sul. A revisão histórica da atuação do Sebrae mostra que, no decorrer
do tempo, esta organização modificou sua estratégia de atuação focada em micro e
pequenas empresas para níveis de agregação maiores, como setores e cadeias
130
produtivas. Além disto, também conforma no período uma forte caracterização de
organização paraestatal, como mostra o quadro 6.3.
QUADRO 6.3 – Histórico da Atuação do Sebrae de Mato Grosso do Sul
Período Principais Aspectos Relacionados à Atuação da Organização
1972
Criação do CEBRAE (Centro Brasileiro de Assistência Gerencial à Pequena Empresa).
1974
A partir deste ano, o CEBRAE passa por uma fase de consolidação, criando programas
específicos na área gerencial e tecnológica para pequenas e médias empresas.
1979
Criação de produtos voltados para o atendimento de setores específicos. Crescimento da
importância do CEBRAE dentro do Governo através das propostas para melhorar a
produtividades nas empresas.
1982
É quando teve início a atuação política do CEBRAE em prol das pequenas e médias
empresas, transformando-se num dos principais canais de comunicação entre o Governo e a
classe empresarial.
1985-
1989
Durante os governos Sarney e Collor, as dificuldades orçamentárias restringiram a atuação do
CEBRAE. Neste período, os agentes estaduais eram denominados CEAGs, e estavam
vinculados ao Ministério da Indústria e Comércio.
1990
Neste ano, ocorre a transformação do CEBRAE em SEBRAE (Serviço Brasileiro de Apoio às
Micro e Pequenas Empresas), e a organização passa a ser uma entidade composta por
representantes da iniciativa privada e também do Governo, parceria que tem como objetivo
estimular e promover as empresas de pequeno porte da maneira mais compatível com as
políticas nacionais de desenvolvimento.
Hoje
O SEBRAE é organizado sob a forma de "sistema", composto por uma unidade central
coordenadora (SEBRAE Nacional) e por unidade vinculadas, dos estados e Distrito Federal.
Os SEBRAE estaduais possuem autonomia administrativa, tendo apenas que respeitar as
diretrizes traçadas pelo Conselho Deliberativo Nacional, que é formado por representantes da
iniciativa privada e também do Governo, e está presente em cada estado do País.
Fonte: SEBRAE/MS. Disponível em: http://www.ms.sebrae.com.br/sebraems/historico/
Acesso em: 21 jun. 2004.
Uma organização paraestatal tem a natureza de um ente que não é estatal,
mas atua paralelamente ao Estado na consecução de suas finalidades. Contudo, se for
levada em conta apenas a definição estrita da palavra paraestatal, toda e qualquer
entidade que desenvolva atividade voltada à consecução dos fins que seriam do Estado e
que não tenha a lucratividade como finalidade poderia ser classificada como paraestatal.
No entanto, a definição deve ser ampliada para não se limitar apenas àquelas entidades
que atuam paralelas ao Estado, mas também àquelas que têm algum vínculo com este,
como é o caso do Sebrae, que recebe contribuições compulsórias de natureza tributária.
Este tipo de organização guarda portanto relação estreita com a entidade
política a que está vinculada, o que não ocorre com as demais organizações sociais que
visam a uma finalidade social, sem vínculo com qualquer entidade pública. É
impossível, portanto, considerar pertencentes ao mesmo campo as organizações sociais
131
sem fins lucrativos e as organizações paraestatais, dados os vínculos que unem
interesses públicos e privados.
Portanto, os vínculos estabelecidos na formação do Conselho
Deliberativo do Sebrae, na esfera sub-nacional, poderão explicar a desconexão
(“decoupling”) entre as preferências primárias do ator, expostas pela visão formal
anunciada aos funcionários e clientes da organização, e suas ações efetivas, traduzidas
na ênfase à atuação em cadeias produtivas fortemente vinculadas à economia regional,
como a pecuária e turismo (quadro 6.4).
QUADRO 6.4 – Prioridade atribuída às cadeias produtivas em Mato Grosso do Sul
Prioridade Cadeia Produtiva
1 Pecuária de corte
2 Turismo
3 Confecção
4 Madeira e móveis
5 Mandioca
6 Couro e calçados
7 Construção civil
8 Piscicultura
9 Avicultura
10 Suinocultura
Fonte: SEBRAE. Disponível em:
http://www.sebrae.com.br/br/cooperecrescer/mapauds_uf.asp Acesso em: 21 jun. 2004.
Dois elementos são ressaltados na análise da priorização de esforços feita
pelo Sebrae. O primeiro é a constatação de que setores fortemente industriais, e com
pouca ou nenhuma vinculação à agricultura e pecuária, como o setor de confecções,
madeiras e móveis e construção civil, podem ser tratados como cadeias produtivas. Isto
implica em um estiramento de conceitos característico de aplicações técnicas da teoria,
utilizada inicialmente para tratar de problemas no campo da economia agrícola e da
gestão rural. Outro ponto, e o mais importante nesta análise, é a prioridade máxima
atribuída à cadeia de produção da pecuária de corte.
Há aqui um elemento contraditório na determinação dos interesses do
Sebrae, pois as empresas industriais que atuam na pecuária de corte têm se tornado cada
vez maiores, acentuando a concentração do setor, e as barreiras à entrada na pecuária de
corte do estado de Mato Grosso do Sul estão se tornando maiores, dada a valorização da
terra, tornando inviáveis pequenos empreendimentos rurais com pouco capital. Os elos
132
responsáveis pelo fornecimento de insumos e distribuição, por sua vez, têm também se
tornado cada vez mais concentrados. A priorização desta cadeia reflete, portanto,
elementos contraditórios, que ultrapassam o direcionamento formal das atividades da
organização exposto a funcionários e clientes pelo Sebrae.
Os outros atores participantes da rede foram cooptados por meio de um
workshop, realizado em julho de 2001, quando foram discutidos os resultados de um
diagnóstico dos aspectos tecnológicos, produtivos e econômicos da cadeia produtiva.
Nesta ocasião, foram formuladas ações estratégicas específicas para serem realizadas
por representantes de cada segmento da cadeia, e ainda outras para serem desenvolvidas
coletivamente (VEIT, 2003). A priorização das ações e o desenvolvimento de projetos
estratégicos, elaborados em setembro de 2001 com estes atores, demonstram que
elementos de reciprocidade e colaboração já se faziam presentes como mecanismos de
governança, característica típica de um arranjo organizacional em rede.
6.3 A rede política territorial da carne bovina
O momento posterior à formação da rede foi caracterizado pela
ampliação da freqüência de contatos formais, e também pela troca de recursos. As
relações dos atores em rede tornaram-se portanto mais fortes e mais complexas. Os
principais atores coletivos envolvidos na rede são mostrados no quadro 6.5.
QUADRO 6.5 – Detalhamento dos atores em rede
Natureza Elo da Cadeia Atores
Insumos
Associação Brasileira das Indústrias de Suplementos
Minerais (ASBRAM)
Produção primária
Associação Sul-Matogrossense de Produtores de Novilho
Precoce (ASPNP)
Associação dos Criadores de Mato Grosso do Sul
(ACRISSUL)
Federação da Agricultura e Pecuária de Mato Grosso do
Sul (FAMASUL)
Indústria
Federação das Indústrias do Estado de Mato Grosso do
Sul (FIEMS)
Sindicato das Indústrias de Frios, Carnes e Derivados
(SICADEMS)
Representantes
dos atores
produtivos
Distribuição
Associação Sul-Matogrossense de Supermercados
(AMAS)
133
Organizações
públicas e
paraestatais
Banco do Brasil
Delegacia Federal de Agricultura no Estado de Mato Grosso do Sul (DFA/MS)
Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA)
Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP)
Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE)
Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI)
Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (SENAR)
Serviço Nacional de Aprendizagem do Transporte (SENAT)
Secretaria de Estado de Produção e Turismo de Mato Grosso do Sul
(SEPROTUR)
Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS)
Fonte: Elaborado pelo autor.
Existe uma distinção clara entre os membros que possuem recursos e
influência e os que não possuem, sendo que os primeiros ocupam uma posição central
na rede, e os últimos, uma posição periférica (RHODES; MARSH, 1992;
DAUGBJERG, 1997a). O Sebrae assumiu o papel central na consulta e coordenação
dos outros atores da rede. Isto ocorreu por dois motivos: Primeiro, na fase formativa da
rede, o Sebrae atuou como elemento de legitimidade, um ator neutro e competente
capaz de angariar respaldo à iniciativa; segundo, a posse de recursos diferenciados no
momento posterior à formação da rede permitiu ao Sebrae assumir um papel de
autoridade e árbitro, como indica a hierarquia estabelecida no desenho das diferentes
instâncias de discussão de políticas públicas e privadas, mostrada na figura 6.2.
Fonte: SEBRAE/MS e FAPEC (2004).
FIGURA 6.2 – Instâncias de discussão na rede
O Sebrae, enquanto organização com status público, ocupou uma posição
central na rede, não somente em relação a esfera de influência no processo decisório, no
Sebrae / MS Núcleo Gesto
r
Gru
p
o Técnico
Comitês Re
g
ionais
A
g
ricon Consultoria
A
g
ricon Consultoria
134
nível onde as demandas mais importantes eram discutidas, mas também na participação
efetiva nos momentos de interação conjunta da rede (figura 6.3).
Fonte: Autor.
FIGURA 6.3 – Centralidade na rede de poder
De acordo com VEIT (2003), o Sebrae foi o ator que alocou a maior
parte dos recursos trocados na rede, calculados em R$ 1,69 milhão. Isto permitiu ao
Sebrae obter o aval dos atores produtivos para encampar o “Programa Cadeia da Carne
Bovina de Mato Grosso do Sul”, visto aqui como a cristalização de forças sociais em
um entorno econômico específico, dado que trata-se de um arranjo organizacional com
um aspecto institucional, ou seja, inclui um conjunto de regras e normas. Este programa
é mais um passo dos atores visando a aumentar a densidade institucional da rede.
Os recursos diferenciados cuja posse o Sebrae detinha eram
principalmente recursos tecnológicos e organizacionais. O conhecimento adquirido, as
tecnologias gerenciais, as instalações e o know-how na transmissão do conhecimento,
além da capacidade de realizar e manter parcerias, foram recursos determinantes na
interação com os outros atores, principalmente os atores do setor produtivo. Estes atores
consideram arriscado o investimento em qualificação da mão-de-obra, pois o
trabalhador capacitado pelo produtor rural ou frigorífico poderá ser disputado por outras
Acrissul
Amas
Asbram
ASPNP
Banco do Brasil
DFA/MS
Embrapa
Famasul
Fiems
Senai
Senat
Senar
Seprotur
Sicadems
UFMS
Núcleo
Gestor
Grupos
Técnicos
Comitês
Regionais
135
empresas. A qualificação é vista como um recurso coletivo, da qual outras organizações
podem tirar proveito. No nível individual, torna-se arriscado este tipo de investimento
quando não há compromissos futuros, uma característica dos mercados.
De acordo com POWELL (1990), os mercados, como descritos pela
literatura econômica, são um mecanismo de coordenação espontânea que concedem
racionalidade e consistência para as ações baseadas no auto-interesse de indivíduos e
firmas. Abertos a todos os entrantes, eles não instituem fortes vínculos de
comportamento altruístico, pois o estereótipo do mercado competitivo é o paradigma da
interação social desembaraçada, auto-interessada e não-cooperativa. Assim, enquanto
nos mercados o padrão estratégico é obter a barganha possível na troca imediata, nas
redes a opção freqüentemente preferida é criar compromisso e confiança de longo
prazo.
Até então, neste estudo, não era possível partir para uma definição formal
da rede política analisada. Agora, os elementos para tanto já estão disponíveis.
Inicialmente, pode-se partir da premissa de POWELL (1990), que considera certas
formas de troca mais sociais, isto é, mais dependentes de relações, interesses mútuos e
reputação, e também guiadas por uma estrutura formal de autoridade. Assim sendo, a
rede é vista como “uma forma organizacional em que dois ou mais atores possuem
repetidas e duradouras relações de troca uns com os outros, e ao mesmo tempo,
legitimam uma autoridade para arbitrar e resolver as disputas que possam surgir durante
a troca.” (POLDONY; PAGE, 1998, p.59). Todas estas características são percebidas no
objeto estudado. Portanto, algumas inferências causais derivadas da análise podem
emergir, e fundamentar a discussão das atividades do “Programa Cadeia da Carne
Bovina de Mato Grosso do Sul” como interações de atores em rede.
6.4 Função da rede
As redes são canais de comunicação e troca, não tendo objetivos
próprios. Os atores têm objetivos, e dependendo de quais sejam estes objetivos, a rede
irá assumir diversas funções. WAARDEN (1992) mostra que as funções que as redes
podem assumir são: a) canais de acesso; b) consulta; c) negociação; d) coordenação; e)
cooperação na formação da política; e f) cooperação na implementação da política.
136
As linhas recíprocas de comunicação foram estabelecidas nas esferas de
discussão do Programa Cadeia da Carne. O núcleo gestor do programa é composto pelos
atores coletivos elencados no quadro 6.5 desta seção. O grupo técnico, por sua vez, é
formado por técnicos designados pelas organizações do núcleo gestor. A diferença entre
estas instâncias era a importância da pauta a ser discutida. Evidentemente, assuntos de
interesse menor, como o detalhamento de atividades pré-estabelecidas, demandavam
menor atenção e portanto, poderiam ser tratados por representantes. Assim, enquanto
houveram oito encontros do núcleo gestor entre os anos de 2001 e 2004, ocorreram 26
reuniões do grupo técnico no mesmo período.
A criação da estrutura organizacional do programa fez com que os
relacionamentos entre os atores públicos e privados fossem estreitados. Isto é verificado
pela freqüência média de presença das organizações nas reuniões do núcleo gestor,
ocorridas entre 2001 e 2004, que foi de 50%. Portanto, pode-se dizer que em pelo
menos quatro reuniões das oito realizadas, todas as organizações estavam presentes. Isto
indica uma alta institucionalização, baseada nos contatos formais estabelecidos pelos
atores da rede.
A amplitude dos temas tratados é menor no núcleo gestor, e maior nos
comitês regionais. Os atores que pertencem ao núcleo gestor estão situados em uma
posição central na rede, com limites fechados aos outros atores. Assim, desde a maior
institucionalização da rede, a partir da criação do Programa Cadeia da Carne, houve a
entrada no núcleo da rede de apenas um ator com recursos diferenciados, considerados
importantes para os outros atores. Este ator foi o Serviço Nacional de Aprendizagem do
Transporte (Senat), que foi inserido no núcleo gestor a partir de fevereiro de 2003. Seu
papel no programa era capacitar condutores que transportam bovinos, para que a meta
de aumento de 3% no índice de aproveitamento de carcaças pudesse ser alcançada.
Os recursos tecnológicos do Senat foram articulados com os recursos
organizacionais dos sindicatos rurais dos municípios de Bataguassu, Miranda e Campo
Grande. Como indica a tabela 6.1, foram capacitadas 321 pessoas, que representam
6,68% do total de pessoas capacitadas na área de formação profissional rural, um dos
eixos temáticos do projeto estratégico “Educação e Capacitação” do Programa Cadeia
da Carne.
137
TABELA 6.1 - Cursos previstos e oferecidos e pessoas capacitadas
CURSOS Previstos Oferecidos Variação
Pessoas
Capacitadas
Aplicação de Medicamentos em Bovinos (Corte) 51 55 8% 619
Seminário Municipal sobre Sanidade Animal 19 20 5% 1809
Manejo Racional de Bovinos p/Abate 48 36 -25% 490
Formação de Agentes em Saúde Animal 34 69 103% 856
Inseminação Artificial (Corte) 15 14 -7% 125
Administração da Peq. Emp. Rural 6 8 33% 88
Manejo de Pastagens 3 1 -67% 13
Rastreamento de Bovinos e Bubalinos 42 38 -10% 487
Capacitação de Condutores de Transporte de
Bovinos 18 321
TOTAL 218 259 19% 4808
Fonte: SEBRAE/MS e FAPEC (2004).
A entrada tardia do Senat no núcleo gestor ocorreu pois não havia sido
previamente identificada a necessidade dos recursos que este ator dispõe. Tais recursos -
que basicamente consistiam de conhecimentos técnicos adquiridos e capacidade
sistemática de sua transmissão – adquiriram valor após a implementação dos projetos
estratégicos do Programa Cadeia da Carne. Deste modo, a interação dos atores fez com
que emergisse, durante a execução das atividades, a necessidade de um treinamento
específico para os motoristas de caminhão que conduzem o gado das propriedades rurais
aos frigoríficos. Logo, como os outros atores da rede não possuíam os recursos do
Senat, esta organização teve acesso à rede, e a atividade que desenvolveu é a única que
não consta a previsão do uso dos recursos, como consta na tabela 6.1. Mesmo existindo
uma posição central na rede, ocupada por poucos atores, os limites tornaram-se fluídos a
partir da constatação da existência de recursos desejados e até então não disponíveis.
Neste ponto, pode-se identificar a rede funcionando como canal de
acesso. Esta é uma das funções assumidas pela rede. Contudo, não é a única. A consulta
também pode ser identificada, por meio da análise das pautas das reuniões do núcleo
gestor e do grupo técnico. Questões como a definição de estratégias conjuntas para o
avanço da rastreabilidade no estado, e ações preventivas frente aos novos casos de
encefalopatia espongiforme bovina (doença da vaca-louca) no mercado internacional,
eram tratadas no núcleo gestor, e decididas após consulta aos representantes das
organizações presentes nas reuniões. A decisão refletia o resultado do consenso, já que
138
algumas das solicitações dos atores não eram inseridas na agenda do núcleo gestor,
permanecendo assim apenas no âmbito do grupo técnico.
Após ocorrer a decisão no núcleo gestor, a questão era novamente
encaminhada ao grupo técnico, responsável pelo estabelecimento de planos operacionais
para a viabilização da solução. Estes procedimentos permitem inferir um aspecto
institucional com elementos formais de coordenação da ação dos atores, dado que os
resultados somente poderão ser obtidos caso certos procedimentos de interação sejam
adotados.
As atividades de consulta e coordenação na rede resultaram na obtenção
de importantes recursos provenientes de políticas voltadas para o setor agropecuário em
Mato Grosso do Sul. O Programa de Recuperação, Renovação e Manejo de Pastagens
Cultivadas (Repasto), implementado pela Secretaria Estadual de Produção e Turismo
(Seprotur), um dos atores da rede, é talvez o exemplo mais concreto de atores públicos
distribuindo e disputando recursos.
Desde meados da década de 90, alguns estudos revelaram que mais da
metade da área de pastagens cultivadas no Brasil Central vinham sofrendo degradação
(VIEIRA; KICHEL, 1995) e que 90% dos produtores consideravam isto um importante
problema (COSTA, 1996). Frente a constatações como estas, o Governo do Estado de
Mato Grosso do Sul, por meio da Seprotur, elaborou e implementou o Repasto, visando
a recuperação destas áreas. A capacitação de produtores e técnicos prevista no programa
tinha como objetivo contribuir para a desaceleração do desequilíbrio ambiental
provocado pela degradação de pastagens e reduzir as conseqüências ambientais e
econômicas deste fenômeno.
O Repasto, visto como medida do governo estadual para conter futuras
perdas para a economia do estado e sua sociedade, necessitava angariar legitimidade
para lograr sucesso na implementação, haja vista a existência de uma coalizão de atores
com objetivos similares. Portanto, o Repasto é encampado pelo Programa Cadeia da
Carne, não perdendo sua identidade neste processo, apesar de adquirir características de
“contrapartida” à participação da Seprotur na rede.
Finalmente, pode-se verificar a cooperação entre os atores da rede, tanto
na formulação do Programa Cadeia da Carne, quanto em sua implementação. A
proposta inicial do conjunto de projetos estratégicos para o programa, apresentada ao
139
núcleo gestor em novembro de 2001, englobava os eixos temáticos
Educação/capacitação, Rastreabilidade, e Legislação. Após cinco meses de discussão no
âmbito do grupo técnico, dois eixos temáticos foram modificados. As questões da
rastreabilidade e da legislação cederam lugar ao marketing e ao desenvolvimento
institucional, eixos que priorizam o fortalecimento da comunicação, tanto entre os
atores envolvidos no programa, quanto deste grupo com os outros atores não inseridos
na rede.
6.5 Considerações finais
A gênese da rede deu-se, principalmente, pelos esforços de lideranças
organizacionais locais, que atuaram estrategicamente na criação de um arranjo em rede
que permitisse a obtenção de novos recursos e habilidades, consideradas cruciais para o
aumento do desempenho competitivo dos atores envolvidos.
A solução desenhada pelos atores, públicos e privados, condiz com o
principal constrangimento à expansão da atividade pecuária no entorno estudado: a
limitação no crescimento médio do rebanho, derivada da ocupação de todas as áreas
com vocação para a criação extensiva de gado de corte, e conseqüentemente da
valoração superior destas terras de pastagens.
A ampliação da freqüência de contatos formais e os procedimentos de
troca mais complexos são resultado das funções atribuídas à rede. De fato, os atores
envolvidos utilizam a rede em questão como canal de acesso, mecanismo de consulta,
coordenação, e cooperação, tanto na formulação como na implementação de políticas e
estratégias conjuntas. Estas funções não foram utilizadas somente pelos atores privados.
Atores públicos, ou com forte vinculação ao Estado, foram cooptados pelos atores que
ocupam posições centrais na rede, e tornaram-se membros, disputando e distribuindo
recursos com os outros atores.
140
7. REDES E RECURSOS DE PODER: ANÁLISE COMPARADA
7.1 Introdução
Os dois casos discutidos anteriormente são agora analisados em conjunto.
Evidentemente, o esforço realizado neste capítulo não consiste em reduzir a riqueza dos
casos a algumas poucas variáveis, que possam ser comparadas. Assim, este capítulo
retoma as proposições teóricas iniciais da pesquisa, visando a testá-las empiricamente.
Após esta introdução, na segunda seção deste capítulo, é feita uma
avaliação das características estruturais das redes estudadas. Isto é feito a partir de um
modelo teórico, proveniente dos trabalhos de RHODES e MARSH (1990), BLØM-
HANSEN (1997), e DOWDING (2001), que preconiza a existência de diversas
configurações distintas de arranjos de redes. Na terceira seção deste capítulo, a relação
entre ambiente institucional e estrutura organizacional é explorada.
7.2 Características estruturais
As duas redes analisadas neste estudo possuem diferentes características
estruturais. Estas características estruturais são definidas pela forma como os atores
públicos e privados (coletivos e individuais) interagem e, ainda, pela distribuição de
recursos entre os membros da rede, e as relações hierárquicas de autonomia e
dependência.
Para compreender a interação estratégica entre os atores das redes
estudadas, não basta apenas uma descrição de como se processam as interações entre os
atores. Como afirma DOWDING (2001, p. 90-91), uma boa história descritiva poderia
fornecer todas as respostas, mas o problema é que ela não pode demonstrar que está
fornecendo estas respostas. Esta falha pode ocorrer de dois modos: a) as boas histórias
descritivas poderiam não capturar todos os fatores causais relevantes, e entre estes
fatores, poderiam estar os fatores cruciais para compreender a questão; e b) não importa
quão boa seja a história descritiva, ela poderia não mostrar quais fatores causais são
mais importantes. Assim, não importa quão detalhada e bem pesquisada seja a
141
descrição, ela não pode substituir a especificação do modelo, que consiste na
representação simplificada de processos sociais e instituições. No quadro 7.1, as
evidências empíricas são confrontadas com as proposições modelo utilizado.
7.2.1 Número de membros
A rede de poder territorial da bovinocultura de corte tem número de
membros limitado
38
. De fato, o acesso é restrito para novas organizações, mas
chancelado pelos demais membros quando o novo entrante traz recursos diferenciados -
e desejados - para dentro da rede. Este foi o caso do Senat, cuja entrada foi discutida e
aprovada pelas organizações centrais da rede, em junho de 2003, e que posteriormente
assumiu importante papel no que tange a treinamento e capacitação de indivíduos de
outras organizações
39
.
Por sua vez, na rede de poder territorial da bovinocultura leiteira, o
número de atores é significativo. Os representantes dos agentes produtivos são a
Famasul, a Acrissul, e os sindicatos rurais da capital e do interior. O representante da
indústria é o Sindicato das Indústrias de Laticínios de Mato Grosso do Sul (Silems). As
redes varejistas são representadas pela Associação Sul-matogrossense de
Supermercados (Amas). Os atores estatais, por sua vez, correspondem à Delegacia
Federal de Agricultura em Mato Grosso do Sul (DFA-MS), ao Instituto de
Desenvolvimento, Pesquisa e Extensão Rural (Idaterra), à Secretaria de Produção do
estado de Mato Grosso do Sul, por meio de sua Câmara Setorial do Leite, e a Agência
de Defesa Sanitária Animal e Vegetal de Mato Grosso do Sul (Iagro). Entretanto, estes
atores estatais tiveram um papel menor que o papel desempenhado pela Assembléia
Legislativa de MS, pois, durante a vigência das investigações da CPI, relevantes
resultados políticos foram obtidos pelos atores privados (vide a inclusão do leite tipo C
no Programa de Segurança Alimentar e Nutricional do governo estadual).
38
Detalhes na seção 6.3 deste trabalho.
39
Detalhes na seção 6.4 deste trabalho.
142
QUADRO 7.1 – Características estruturais das redes de poder
Estrutura ideal (extremo do
continuum)
Resultados do estudo empírico
Estrutura ideal (o outro
extremo do
continuum)
Características
Comunidade Política
Bovinocultura de Corte Bovinocultura Leiteira Rede Difusa
Número de membros
Limitado
Limitado Relativamente elevado Grande número de membros
Valores dos atores
Compartilhados
Compartilhados Distintos Distintos
Objetivos da integração
Barganha e negociação
Barganha e negociação Barganha Consulta
Interação
Freqüente
Freqüente Instável Instável
Recursos de poder dos
atores
Equivalentes
Equivalentes Desiguais Desiguais
Definição dos limites da
rede
Reconhecimento mútuo
Reconhecimento mútuo Livre entrada e saída Livre entrada e saída
Institucionalização
Consenso na política, nos
princípios e procedimentos
para tratar dos problemas
políticos
Consenso na política, nos
princípios e procedimentos
para tratar dos problemas
políticos
Conflito na política, nos
princípios e procedimentos
para tratar dos problemas
políticos
Conflito na política, nos
princípios e procedimentos
para tratar dos problemas
políticos
Fonte: Elaborado pelo autor a partir de RHODES e MARSH (1990), BLØM-HANSEN (1997), e DOWDING (2001).
143
7.2.2 Valores dos atores
Os valores dos membros da rede de poder da bovinocultura de corte são
compartilhados. Evidências que gerem transtornos às organizações em rede, ainda que
de fontes confiáveis, são rechaçadas conjuntamente. Este foi o caso da reação dos
membros da rede, ao lidarem com a informação de que o abate clandestino, nas cidades
do MS com menos de 20 mil habitantes, pode ser de mais de 70% do total abatido.
Esta informação, proveniente do Iagro, foi divulgada pelo próprio gerente
de inspeção de produtos de origem animal e vegetal do Iagro, em matéria do jornal de
maior circulação regional (CONSUMO..., 2002). Em ata de 23 de outubro de 2002, os
atores procuram “subscrever ‘manifesto’ de repúdio a matéria”, e articular, junto a
lideranças do setor, depoimentos e declarações que minimizassem a repercussão
negativa da reportagem. Mais do que isto, os membros da rede buscaram cooptar o
Iagro, convidando um representante da organização para participar da próxima reunião
prevista do grupo técnico, instância periférica na tomada de decisões, mas efetivamente
inserida na rede.
Por sua vez, os atores produtivos da rede láctea sul-mato-grossense
divergem quanto aos seus valores. Os produtores rurais parecem ainda crer que as
aquisições governamentais e a política de preços mínimos são os alicerces para a
manutenção de sua atividade, como acontecia no passado. Além disto, o produtor de
leite atua de modo isolado, não formando qualquer tipo de parceria ou ingressando em
uma cooperativa (MERCOESTE, 2002). Portanto, não aumenta os seus recursos
organizacionais e tecnológicos. Os laticínios e, em maior grau, as grandes redes
varejistas, formulam estratégias baseadas no aumento da eficiência e produtividade.
Como exemplos, os laticínios pagam maiores valores aos pecuaristas por maior
qualidade e maior quantidade de leite fornecido, e os supermercados, em um cenário de
forte competição, buscam ofertar aos seus clientes produtos com altos níveis de
qualidade e baixos preços. Enquanto os pecuaristas aguardam ações governamentais, os
laticínios e redes varejistas procuram fornecedores competitivos e capacitados
tecnologicamente.
144
7.2.3 Objetivos da interação
Os objetivos da interação, na rede de poder da pecuária bovina, são
principalmente o uso estratégico dos recursos dos membros da rede, a partir da “visão
de mundo” compartilhada por estes atores
40
.
Os objetivos da integração na rede láctea correspondem, principalmente,
à busca de maiores recursos de poder, pelos produtores rurais, e manutenção do status
quo, pelos laticínios e redes varejistas. O comportamento adversarial dos atores estimula
a barganha por recursos, o que torna a interação instável, ocorrendo, assim, somente em
algumas ocasiões específicas, como encontros setoriais e períodos de crise no setor.
7.2.4 Interação
A interação entre os atores é freqüente, nos diversos níveis da rede de
poder da bovinocultura de corte. De fato, a interação é formalizada e altamente
institucionalizada, como indicam as atas analisadas neste trabalho
41
. Após a reunião
prevista, novo encontro era agendado, visando a resolver questões e avaliar o
andamento de tarefas distribuídas aos membros da rede.
Como vimos na seção 7.2.3, a rede de poder láctea é caracterizada pela
interação instável, gerada pela disputa conflituosa no processo de negociação inter-
organizacional.
7.2.5 Recursos dos atores
Na rede da bovinocultura de corte, os recursos dos atores são
relativamente equivalentes. Trata-se aqui não da natureza dos recursos, mas dos
resultados que a posse de recursos pode gerar. Assim, os atores desta rede efetivamente
dispõem de recursos distintos, mas que se tornam necessários aos demais atores da rede,
em suas atividades e operações produtivas. Isto produz um certo equilíbrio nas
interações, devido à complementaridade dinâmica dos membros da rede.
40
Detalhes na seção 6.2.1 deste trabalho
41
Detalhes na seção 1.3.2 deste trabalho.
145
Na rede láctea, é no mínimo pouco crível supor que pecuaristas, laticínios
e supermercados possam ter algum grau de equiparação do seu conjunto de recursos se
os resultados econômicos e políticos destes atores diferem grandemente.
7.2.6 Definição dos limites da rede
Os limites da rede de poder da pecuária bovina são reconhecidos
mutuamente, a partir da estrutura formal construída conjuntamente pelos atores
42
. As
instâncias de discussão e tomada de decisão são hierarquicamente definidas, sendo que
as questões consideradas mais importantes, são levadas à instância central da rede.
Os limites da rede láctea, por sua vez, podem ser considerados
fracamente estabelecidos, o que permite aos atores individuais encontrarem relativa
facilidade no acesso à rede. Assim, os maiores laticínios do estado não foram
representados pelo Silems, como ficou evidenciado nas audiências da CPI, mas agiram
individualmente na arena política. Da mesma forma, cada grupo de supermercados pode
facilmente interferir na rede se fizer uso de seus recursos, como a ameaça de aquisição
de produtos lácteos de outros estados.
7.2.7 Institucionalização
Os problemas políticos, na rede de poder da pecuária de corte, são
formalmente processados, na estrutura hierárquica de coordenação desenhada pelos
atores do Programa de Melhorias na Cadeia da Carne de MS. Os membros da rede
reconhecem a existência de níveis distintos de discussão, e quaisquer medidas que se
relacionem à rede são somente efetivadas com a anuência dos demais atores do arranjo.
A rede láctea sul-mato-grossense é pouco institucionalizada, dado o
conflito entre os interesses dos atores. Há diversas racionalidades envolvidas, que
estabelecem certas fronteiras entre as possíveis propostas de políticas. Algumas destas
fronteiras aparecem claramente delimitadas e codificadas em propostas de políticas
públicas, tais como a concessão de incentivos fiscais para a instalação de indústrias de
42
Detalhes na seção 6.3 deste trabalho.
146
leite UHT e de leite em pó. Esta política beneficiaria principalmente os produtores, mas,
possivelmente, afetaria negativamente os laticínios já instalados em MS, pelo aumento
do preço do leite in natura decorrente da diminuição da oferta.
Outras propostas de políticas, com limites cinzentos e ambíguos, estão
sujeitas a todo tipo de contingências. Dado que as decisões de políticas públicas,
segundo SKOCPOL (1992), podem ser entendidas como alocações de benefícios entre
grupos demandantes, a inclusão do leite no programa social do governo favoreceu os
pecuaristas, mas, também, os laticínios, pois é diretamente deles que o governo do
estado adquire o produto. Assim, mesmo sendo duramente criticados nas sessões da
CPI, os laticínios tornaram-se peça-chave na intervenção governamental, devido ao
poder de representação de seu ator coletivo.
Fica evidenciado que a rede de poder territorial da bovinocultura de corte
pode ser considerada uma comunidade política. Por sua vez, a rede de poder territorial
láctea se aproxima da noção de rede difusa, diferindo do modelo previsto na teoria no
que tange aos objetivos da integração: a barganha é a meta, e não a consulta aos demais
membros da rede.
7.3 Ambiente institucional e estruturas organizacionais
As organizações estão inseridas em diferentes contextos institucionais,
que são criados e modificados no decorrer do tempo. Este amplo ambiente institucional
que emoldura a vida organizacional também influencia no desenho das organizações, na
identidade e cultura organizacional, e nas atividades rotineiras das companhias
(MEYER, 1994).
Esta premissa pode ser corroborada a partir dos casos estudados neste
trabalho. As mudanças no ambiente institucional, que geram um novo contexto
competitivo, posteriormente cristalizado e assumido como dado pelas organizações, são
elementos que influenciam sobremaneira a alocação e realocação de recursos entre os
atores da rede, mudando assim a própria organização.
De fato, desde as reformas econômicas realizadas no início da década de
90, a maior parte das empresas envolvidas no agronegócio da pecuária bovina passou a
competir em um ambiente marcado pelos processos de reestruturação agroindustrial.
147
Frente ao novo contexto institucional, novas estratégias foram traçadas, incluindo o
redesenho organizacional.
A trajetória adotada pelas organizações das redes estudadas, contudo, é
bastante diferente, principalmente em decorrência da trajetória estabelecida ainda nos
primórdios da atividade pecuária no Brasil.
Talvez a indicação mais evidente deste argumento seja as características
estruturais das redes de poder cristalizadas em nível territorial, discutidas na seção
anterior. Enquanto a rede láctea é pouco densa e caracterizada por demandas difusas, a
rede de poder da bovinocultura de corte revela atores com crenças compartilhadas,
principalmente sobre como o desempenho individual pode afetar toda a competitividade
do encadeamento produtivo.
Isto é essencialmente importante para um encadeamento cuja
participação no mercado global é significativa. Problemas sanitários em apenas um
animal do rebanho podem comprometer seriamente toda a cadeia produtiva (como o
surgimento de novos focos de aftosa, cuja conseqüência foi a restrição de diversos
países a importações de carne brasileira, no ano de 2005).
Para lidar com problemas como este, o uso compartilhado de recursos e
habilidades pôde ser visto na rede de poder da bovinocultura de corte. A estrutura desta
comunidade política, caracterizada pelo equilíbrio de recursos entre os atores
(resumidos no quadro 7.2), permitiu que fossem alcançados resultados políticos
potencialmente úteis às organizações em rede.
Isto significa a manutenção ou incremento de recursos diferenciados,
dado que o balanço de poder entre os atores não torna atraente a contenda adversarial,
mas sim, a coordenação de esforços. Conseqüentemente, ocorre a manutenção de
competências essenciais baseadas em recursos, pois cada organização percebe que a
busca de sua permanência no mercado necessariamente depende do sucesso coletivo das
demais organizações do encadeamento. A continuidade de operações complementares,
levadas a cabo por outros atores na rede, é importante na estratégia das organizações.
O aumento nas exportações é emblemático. Alguns fatores foram
determinantes para esse aumento. Os focos de doenças nos rebanhos de países
fornecedores de carne no mercado mundial, como EUA, Europa e Austrália, abriram
novos mercados aos fornecedores brasileiros, que estavam conjuntamente aptos a tender
148
esta nova demanda. O incremento das exportações favorece diretamente não apenas a
atividade pecuária, mas também a agroindústria e as empresas de distribuição
agroexportadoras.
No entanto, ainda não há elementos que comprovem que estes mercados
estejam fidelizados. A diferenciação de produtos é apontada como um foco para a
atuação das estratégias empresariais, por ser valorizada no mercado internacional
(LIMA FILHO et al., 2003). Boi orgânico, criação a pasto, nelore precoce, vitelo, são
produtos diferenciados apresentados por algumas organizações no estado de MS.
Avanços também foram obtidos na diminuição das perdas ocorridas no
transporte entre a produção primária e indústria, a partir do uso compartilhado de
recursos dos atores da rede. As perdas no trajeto fazenda-frigorífico são derivadas
principalmente de contusões, lesões e estresse, que poderiam ser diminuídas com o uso
de técnicas no transporte de animais. Freteiros e condutores foram treinados pelo
Sest/Senat, utilizando a capilaridade dos sindicatos rurais do interior. Esta ação tem
como efeito direto a ampliação no aproveitamento das carcaças bovinas. Assim, a maior
qualificação nos serviços de transporte pôde aumentar a competitividade da cadeia
como um todo.
149
QUADRO 7.2 – Recursos de poder na rede territorial da bovinocultura de corte
RECURSOS DE PODER
Políticos Financeiros Tecnológicos Organizacionais Jurídicos
Estado / para-
estatal
Status público
(Sebrae)
Disponibilidade de
recursos monetários
para investimento na
rede (Sebrae)
Programa de
Expansão de áreas
Agrícolas de MS
(Governo estadual)
Programa de
Recuperação, Renovação
e Manejo de Pastagens
cultivadas em MS
(Governo estadual)
Tecnologia gerencial
(Sebrae)
Know-how de
transferência de
conhecimento (Sebrae)
Instalações para reuniões
entre atores (Sebrae)
Palestras e contatos pré-
estabelecidos (Sebrae)
Pecuária
Fundo-Constitucional
de Financiamento do
Centro-Oeste (FCO)
Programa de
Expansão de áreas
Agrícolas de MS
(Expansul)
Programa de
Recuperação, Renovação
e Manejo de Pastagens
cultivadas em MS
(Repasto)
Parceria (ASPNP)
Embrapa Gado de Corte
Economias de escopo
150
Indústria
Renúncia fiscal do
governo estadual (ICMS)
Aumento das
exportações
Integração vertical
parcial a montante
Ganhos de produtividade
Legislação vigente
permite a criação de novas
empresas sediadas em
instalações físicas de firmas
já encerradas (sonegação de
INSS e empresas “laranjas”)
Liminar favorável a
inconstitucionalidade da
exigência de recolhimento
da contribuição dos
produtores rurais ao
Funrural (mesmo assim, a
indústria praticava o
desconto da contribuição no
pagamento ao produtor)
Distribuição
Economias de escala
Certificação
(Carrefour)
Emprego gerencial de
tecnologia da informação
(TI)
Parceria (ASPNP)
Poder de barganha
Concentração econômica
Marcas próprias
Menores margens nos
produtos cárnicos estimulam
“tráfego” entre gôndolas
Fonte: Elaborado pelo autor.
151
Os itens limitantes ao melhor desempenho da atividade pecuária é a baixa
qualidade das pastagens e o alto custo em mantê-la, ou melhorá-la. Os pecuaristas lidam
com a falta de recursos próprios, e a incapacidade de investir na fazenda, no caso de
pequenas propriedades (SEBRAE/MS; FAPEC, 2003).
Nesse contexto, o governo do estado de MS (por meio de sua secretaria
responsável pela produção), assumiu posição central na rede ao alocar recursos
financeiros no Repasto e no Programa de Expansão das Áreas Agrícolas de MS. Estes
programas, passíveis de serem utilizados pelos pecuaristas, respondem às demandas
explicitadas no parágrafo anterior.
Os recursos do “elo perdido”, como é denominada a indústria frigorífica
em ata do núcleo gestor, são utilizados estrategicamente para a manutenção das relações
de dependência, estabelecidas com os demais atores da rede. Identificou-se nesta
pesquisa que grandes grupos da indústria frigorífica recorrem à estratégia de integração
vertical a montante, e que alguns deles possuem frota própria de caminhões para
transporte de gado bovino, um claro movimento de integração a jusante.
A atuação do ator coletivo da indústria frigorífica na rede é
primordialmente pautada na importância econômica desta indústria para o setor. Assim,
o envolvimento industrial nas decisões coletivas é reduzido (SEBRAE/MS; FAPEC,
2003), e as demandas elevadas, ultrapassando algumas vezes, os limites da lei (PINTO,
2004a; PINTO, 2004b; MIRANDA, 2004).
Isto não é trivial. De fato, a posse e uso estratégico de recursos de poder
mostra como resultado a notória prevalência dos interesses daqueles atores que são
capazes de aumentar a dependência dos outros atores da rede por seus recursos
(POWELL, 1990). Tal aspecto encontra similar na rede de poder territorial láctea.
Nesta rede, o comportamento é freqüentemente adversarial, e o balanço
de recursos de poder, desigual (vide quadro 7.3). A indústria de laticínios, composta por
pequenas e médias empresas, enfrenta dificuldades na aquisição de matéria-prima e de
mão-de-obra qualificada. O financiamento, quando utilizado, é apenas destinado à
capital de giro. Esta indústria está voltada basicamente para a fabricação de produtos
não diferenciados, destinados ao mercado que não se propõe a pagar um valor premium
pela alta qualidade (OLIVEIRA; MICHELS, 2003).
152
QUADRO 7.3 – Recursos de poder na rede de poder láctea
RECURSOS DE PODER
Constitucionais Políticos Financeiros Tecnológicos Organizacionais Jurídicos
Estado / para-
estatal
Instrução
Normativa nº 51
Pecuária
Organizações
coletivas com
elevado poder de
aglutinação (SRCG,
Acrissul, Famasul)
Acesso a CPI traz
visibilidade às
reivindicações
Fundo-
Constitucional de
Financiamento do
Centro-Oeste (FCO)
Aquisições de
leite pasteurizado,
pelo governo
estadual, destinadas
a programas sociais
Indústria
Poder de
representação
(Silems)
Prêmios sobre
escala de produção
Concessão de
crédito para
aquisição de
equipamentos
Postergação de
pagamentos
Emprego de
práticas gerenciais
(busca de
fornecedores mais
capacitados
tecnologicamente)
153
Distribuição
Crescimento da
demanda
Aumento das
exportações
Emprego de
práticas gerenciais
(busca de
fornecedores mais
capacitados
tecnologicamente)
Emprego
gerencial de
tecnologia da
informação (TI)
Poder de barganha
Ameaça de
aquisição de
produtos lácteos de
outros estados
Menores margens
nos produtos lácteos
estimulam “tráfego”
entre gôndolas
Fonte: Elaborado pelo autor.
154
Os principais problemas referentes à aquisição da matéria prima básica
referem-se a oscilação da quantidade fornecida, dificuldades logísticas e inadequação do
insumo à padrões mínimos de qualidade. Além disto, os laticínios não possuem
vantagens absolutas de custo, pois não dispõem de melhor acesso à tecnologia (os
equipamentos são antigos e estão em parte ociosos), recursos humanos (os poucos
laticínios que contratam mão-de-obra de outros estados não encontram um diferencial
competitivo relevante somente nesta contratação) e matéria-prima (a integração vertical
não é uma opção estratégica e não há remuneração pela qualidade do leite, o que indica
que o produto com características de commodity é suficiente para a industrialização).
OLIVEIRA e MICHELS (2003) mostraram que entre os anos de 1998 e
2001, o preço do litro de leite pago aos produtores rurais sul-mato-grossenses variou
entre R$ 0,20 e R$ 0,30. Estima-se que o custo de produção esteja situado em torno de
R$ 0,25. Não havendo lucros que ultrapassem os custos de produção e oportunidade, na
atividade pecuária, presume-se não haver investimentos em aquisição de novos recursos
tecnológicos e/ou criação de novos mercados. Neste mesmo período, aproximadamente
50.000 produtores deixaram de fornecer para as 10 maiores empresas de laticínios do
país. Entretanto, houve um aumento de 59,18% na produção média dos produtores
rurais fornecedores destes laticínios, evidenciando assim que foram os pequenos que
deixaram de transacionar (GOMES; LEITE; CARNEIRO, 2001).
Acompanhando esta tendência, o ambiente institucional tornou-se mais
complexo com a Instrução Normativa 51, que prevê parâmetros mais rigorosos para
detectar resíduos de antibióticos, contagem bacteriana e células somáticas no leite. Esta
norma reforça o atual quadro de modificação da organização do trabalho na propriedade
rural leiteira. Se por décadas persistiu o sistema de produção de leite, baseado na
pequena propriedade rural, o atual contexto institucional reforça a sobrevivência de
organizações que sejam capazes de alcançar índices de produtividade e qualidade
compatíveis com os índices aceitos no mercado externo.
155
8. CONCLUSÕES
8.1 A importância das instituições
Na rede de poder da carne bovina, o fortalecimento dos vínculos
institucionais aumentou a capacidade de intervenção, pois elementos como confiança e
compromisso de longo prazo permitiu aos atores trocas de recursos, informações, e
negociações menos conflituosas. Os resultados da interação estão associados aos
resultados obtidos pelo Programa de Melhorias da Cadeia da Carne, amplamente
favoráveis aos atores de toda a rede.
O Sebrae explorou um recurso único e diferenciado: a sua legitimidade, o
que fez com que este ator assumisse papel central na condução das discussões no núcleo
da rede. Mais do que isto, assumiu também as tarefas de consulta e coordenação dos
recursos disponibilizados pelos outros atores para a realização das atividades previstas
no programa.
A identificação precisa dos atores de cada organização em rede somente
ocorre após sucessivas trocas, e esta capacidade se adquire com o aprendizado,
cumulativamente. O aprendizado também permite às organizações apreenderem os
mecanismos de troca de recursos e informações, que ocorrem nos diferentes níveis da
rede. Isto permite, por exemplo, que sindicatos rurais e associações do interior pleiteiem
soluções específicas para sua região.
Assim, o arranjo organizacional institucionalizado no Programa Cadeia
da Carne Bovina de Mato Grosso do Sul consolidou padrões formais de comunicação e
troca de recursos, com o objetivo de aumentar a competitividade conjunta dos atores em
rede, por meio do fortalecimento de suas competências essenciais. Sendo que este
arranjo foi desenhado a partir de práticas consideradas racionais no quadro institucional
prevalecente, e as organizações envolvidas aumentaram a posse de recursos, temos H1
corroborada.
Por sua vez, as características da rede de poder territorial láctea
indicaram uma estrutura com elevado número de membros, o que condiz com os limites
156
fracamente definidos da rede. Os valores dos membros são conflitantes, e a interação,
instável, ocorrendo somente em situações específicas, como períodos de crise no setor.
O grau de interdependência de recursos entre os membros da rede
encontra-se em um nível intermediário. O principal objetivo de alguns atores na rede,
principalmente os produtores rurais, é a aquisição de novos recursos. Estes atores
buscam a interação, mas a rede continua pouco institucionalizada frente ao conflito de
interesses com a indústria e o elo responsável pela distribuição.
As características estruturais mostram que a relação de poder nesta rede é
desigual, dado que os participantes têm recursos limitados e acesso restrito à formulação
e implementação de políticas. Duas constatações derivam das evidências observadas na
rede láctea sul-mato-grossense: a) os resultados políticos somente foram obtidos por não
ameaçarem os interesses dos grupos econômicos que detêm recursos de poder
diferenciados; e b) a implementação da política ocorreu descolada de sua formulação,
sendo que a ação estratégica dos atores interessados não foi suficiente para garantir o
alcance das metas inicialmente estabelecidas na arena política.
A importância dos recursos de poder na interação estratégica dos atores
em rede é limitada pelas oportunidades e incentivos impostos pelo quadro institucional
vigente. Na rede da bovinocultura de corte, a cristalização das percepções acerca do
desempenho competitivo de toda a cadeia produtiva, e a maior complexidade do
contexto institucional em nível territorial, tornaram as organizações mais colaborativas.
Mais do que isto, elas passaram a cooperar.
A diferença entre colaborar e cooperar não é trivial. A colaboração pode
ser entendida como o mútuo engajamento das organizações em um esforço coordenado
para alcançar um objetivo comum. Por sua vez, a cooperação enseja uma clara divisão
de tarefas, sendo cada organização responsável por uma parte do esforço coletivo.
Assim, na cooperação as empresas buscam principalmente ampliar seus resultados,
enquanto empresas decidem colaborar, pois compartilham as mesmas visões de mundo.
Os conflitos na rede de poder territorial láctea, e a cooperação na rede de
poder territorial da bovinocultura de corte, podem ainda serem conseqüências da
natureza das interações na rede. De fato, enquanto a rede de poder láctea emergiu como
resposta ao elevado poder de barganha de laticínios e supermercados, uma característica
endógena do encadeamento produtivo, a rede de poder da bovinocultura de corte se
157
institucionalizou, como um arranjo organizacional, a partir das supostas demandas de
exigentes mercados consumidores e concorrentes competitivos, ambos situados no
mercado externo. A racionalidade construída a partir desta visão da globalização, é um
componente claramente exógeno, cuja (ampla) difusão pode ser previamente
identificada nos extremos do encadeamento produtivo, a partir do discurso de
lideranças, e dos meios de comunicação de massa.
Deste modo, cooperação e conflito podem ser vistos como resultado da
interação, e das instituições socialmente construídas em determinado entorno. Estas
instituições podem fossilizar-se ao longo do tempo e tornarem-se visões de mundo
(MARCH; OLSEN, 1993).
Os atores da rede láctea estudada neste trabalho adotam estratégias
desconectadas do quadro institucional vigente. As visões de mundo nesta rede remetem
às décadas passadas, quando o setor lácteo contava com a intensa participação
governamental na arena econômica e política. Os resultados do agronegócio lácteo no
entorno estudado, tanto em nível individual quanto coletivo, poderiam ser melhores.
Ampliando a análise, ficou evidenciada até mesmo a exclusão de pequenos produtores
da atividade. Isto corrobora H2.
Isto parece indicar que o ambiente institucional vigente, constituído por
normas de produção de leite mais exigentes, reforça a sobrevivência das organizações
com maior produtividade média e gestão mais eficiente. Isto se traduz na obtenção, por
algumas organizações da rede, de recursos distintos, como contratos de fornecimento,
prêmios por escala, e ainda, recompensas pela qualidade.
8.2 Sugestões para futuras pesquisas
A noção de agronegócio, ou “agribusiness”, como foi cunhada
originalmente na escola americana de Harvard, pressupõe a necessidade da
incorporação da visão sistêmica em qualquer trabalho desenvolvido sobre o tema
(DAVIS; GOLDBERG, 1957). A visão sistêmica é um recurso útil, que permite ao
pesquisador abarcar em seus estudos, diferentes setores agrícolas ou agroindustriais,
responsáveis em maior ou menor grau, pela oferta de produtos acabados aos
consumidores finais.
158
Assim, os estudos de encadeamentos produtivos são normalmente
elaborados a partir de uma estrutura baseada na movimentação de produtos semi-
acabados entre diversos agentes econômicos, na direção da produção primária ao
consumidor. Na direção oposta, movimentam-se recursos financeiros e informações, e
suportando estas transações, aparecem as organizações de apoio, como bancos privados,
atores estatais, e cooperativas, entre outros.
Decorre disto a possibilidade de analisar-se o encadeamento produtivo
responsável pela produção de soja, pela produção do arroz, pela produção do açúcar, e
assim por diante. É possível ainda citar o encadeamento produtivo da carne bovina de
corte, caracterizado pela heterogeneidade de tipos de pecuaristas, pela concentração
industrial, e pela recente importância das grandes redes varejistas como pontos de
distribuição da carne no país.
Mas o que ocorre quando um subproduto, obtido ainda na etapa da
produção-primária, assume tamanha importância que se torna possível determinar um
encadeamento produtivo específico para sua industrialização e distribuição ao
consumidor final? Tal caso pode ser representado pelo leite proveniente de vacas com
dupla aptidão, extraído no período da safra por pecuaristas com foco na pecuária de
corte, e comercializado no mesmo mercado onde concorrem proprietários de estâncias
leiteiras.
A situação supracitada pode ser encontrada no estado de Mato Grosso do
Sul, e foi anteriormente explorada por LIMA FILHO, FIGUEIREDO e PIRES NETO
(2003a). Os autores mostraram que a grande oferta de leite no período das águas
(outubro a março), e sua escassez na entressafra, não decorrem unicamente da
sazonalidade inerente à atividade agrícola, mas também à estratégia dos pecuaristas de
corte com gado de dupla aptidão, que obtêm o leite de seus animais com custos de
oportunidade igual a zero, aumentando assim a oferta de leite entre a safra e a
entressafra em aproximadamente 50%.
A esta implicação econômica se atribui máximo interesse, em
decorrência dos desdobramentos políticos passíveis de análise. Provavelmente, um dos
tópicos mais interessantes é o uso compartilhado dos serviços das organizações de
apoio, dado que, em tese, estes atores formam suas inclinações primárias em um
159
contexto caracterizado pela mesma estrutura de oportunidades, no que tange aos
recursos destas organizações colocados à disposição dos pecuaristas
43
.
Sob a perspectiva de redes, a questão torna-se ainda mais interessante. Se
na análise de encadeamentos produtivos as organizações de apoio são coadjuvantes, na
análise sociológica de redes estas organizações são vistas como atores relevantes, que
disputam e distribuem recursos diferenciados. Estes recursos permitem aos atores em
rede movimentarem-se em direção a – ou permanecerem em – posições de maior poder,
no que tange aos processos de negociação com os demais atores, individuais ou
coletivos
44
.
Este trabalho mostrou que é possível a análise, dentro de um mesmo
encadeamento produtivo, de diferentes tipos de redes, com características estruturais
distintas, e resultados para os atores, diferenciados. Subsistemas estratégicos, grupos de
cooperação e parcerias, dentro de um mesmo encadeamento, podem ser portanto melhor
analisados, enquanto objetos de estudo, através da análise de redes.
Um caminho promissor para pesquisas futuras consiste no estudo, sob a
perspectiva de redes de poder, do processo de elaboração e implementação da Instrução
Normativa nº 51, do governo federal. Esta norma, que define os padrões de qualidade
para a produção de leite no Brasil, parece favorecer em um primeiro momento a
produção especializada de leite. As dificuldades previstas no processo de adaptação das
propriedades não especializadas são maiores, o que justifica a análise de interesses e
estratégias, desde o processo inicial até o atual estágio de implementação da norma.
Uma análise final, é que mesmo após o prazo de vigência para a
produção do leite tipo C, a concorrência dos produtores que atuam na informalidade não
deverá ser menosprezada, de modo especial aqueles produtores que não cumprem as
exigências da Instrução Normativa nº 51. Historicamente, os órgãos responsáveis pela
fiscalização sanitária deste elo tem encontrado dificuldades em evitar a comercialização
43
Tal argumento pode ser corroborado pela análise da inclusão do leite pasteurizado no programa social
do governo estadual de MS. De fato, a medida contemplou indistintamente pecuaristas de gado de corte
de dupla aptidão e pecuaristas de gado leiteiro, já que a aquisição do leite ocorria a partir da indústria de
laticínios, que compra indistintamente de cada grupo de pecuaristas, observando apenas pré-requisitos
mínimos de qualidade. Um outro dado pode ser esclarecedor: apenas 9% do gado bovino em MS têm
aptidão exclusiva para a produção de leite (SEBRAE/MS; FAPEC, 2004).
44
A noção de redes aqui adotada contempla apenas a análise de organizações, excluindo indivíduos da
análise. Portanto, são considerados atores individuais empresas ou organizações, e como atores coletivos,
associações de interesses.
160
de produtos que estão fora das especificações técnicas. Portanto, mesmo havendo
condições para a mudança estrutural do setor, presume-se que ainda haverá a
competição entre os concorrentes já estabelecidos e produtores de gado de corte, que
vislumbram no período das “águas”, a possibilidade de extrair leite de seu rebanho
zebuíno ou cruzado, e ofertá-lo ao mercado, focando segmentos de mercado que
manifestam hábitos alimentares e culturais favoráveis a este produto. Em alguns anos,
será possível verificar se de fato, modificou-se a organização do trabalho no setor, e
qual a influência de um quadro institucional mais complexo nesta mudança.
161
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ANEXO
169
ANEXO A – Exportação de produtos e subprodutos* com origem nos estados da região Centro-Oeste e São Paulo no período 2000-2003
* Os couros foram recortados desta análise, dada a dinâmica singular de sua cadeia produtiva
Fonte: Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio / Secretaria de Comércio Exterior (SECEX)
Quantidade do produto exportada (toneladas-líquidas)
UF Principais produtos / subprodutos
2000 2001 2002 2003
% período
Carnes desossadas de bovino, congeladas 7.971 36.267 24.140 34.198 329,06
Carnes desossadas de bovino, frescas ou refrigeradas 4.863 7.519 14.687 19.824 307,68
Línguas de bovino, congeladas 189 384 204 235 24,63
Outras miudezas comestíveis de bovino, congeladas 1.325 2.085 1.616 2.338 76,49
GO
Rabos de bovino, congelados 107 171 64 76 -29,27
Carnes desossadas de bovino, congeladas 7.385 19.141 23.588 31.731 329,70
Carnes desossadas de bovino, frescas ou refrigeradas 2.297 5.016 4.939 9.366 307,74
Línguas de bovino, congeladas 248 314 122 114 -54,05
Outras miudezas comestíveis de bovino, congeladas 2.910 2.325 2.410 2.309 -20,63
MT
Preparações alimentícias e conservas de bovinos 6.273 4.244 7.079 8.564 36,53
Carnes desossadas de bovino, congeladas 13.955 51.079 21.238 15.438 10,62
Carnes desossadas de bovino, frescas ou refrigeradas 8.890 18.228 6.274 7.053 -20,66
Fígados de bovino, congelados 205 45 33 38 -81,56
Línguas de bovino, congeladas 265 587 252 212 -19,99
Outras miudezas comestíveis de bovino, congeladas 5.531 5.727 3.082 3.877 -29,90
MS
Outras peças não desossadas de bovino, congeladas 12 122 1 37 205,36
Carnes desossadas de bovino, congeladas 83.747 137.160 214.526 333.762 63,78
Carnes desossadas de bovino, frescas ou refrigeradas 30.207 48.282 75.695 104.249 245,12
SP
Preparações alimentícias e conservas de bovinos 97.126 104.663 121.587 132.945 36,88
170
APÊNDICE
171
APÊNDICE A – Intervenção governamental durante a formação do setor industrial lácteo e mudanças e interferências na política agrícola brasileira
Intervenção Governamental Durante a Formação do Setor Industrial Lácteo Mudanças e Interferências na Política Agrícola Brasileira
Período Fase Orientação, Modos de Intervenção e Instrumentos Período Fase Orientação, Modos de Intervenção e Instrumentos
1930
a
1964
Agricultura
Primitiva
Intervenções isoladas e contingenciais
Queima de café para conter excedentes
O governo federal estimula a mistura de álcool à
gasolina
1930
a
1970
Gênese
Decreto-lei nº 22.239/32: benefício fiscal para
cooperativas de laticínios
O governo do estado de São Paulo decreta em 1939 que
todo leite distribuído à população deve obrigatoriamente ser
pasteurizado (são também definidos os tipos de leite
pasteurizado: A, B e C)
Tabelamento do leite iniciado em 1945, no RJ, e depois
todo o país
O governo federal, em 1952, publica o Regulamento de
Inspeção Industrial e Sanitária de Produtos de Origem
Animal (RIISPOA)
Em 1964, o governo federal deixa de ficar o preço do leite
destinado à indústria e libera o tabelamento dos derivados
lácteos
O governo federal, em 1969, institui o regime de
pagamento diferenciado para os leite-cota e leite-excesso
1964
a
1978
Montagem do
Sistema
Nacional de
Planificação
Agropecuária
SNPA: estudos e diagnósticos, definição de medidas
Regulação de fluxos e transformações estruturais
Políticas favoráveis à indústria penalizam agricultura
Políticas compensatórias
Intervenção nos sinais de mercado
Instrumentos: crédito rural, política de garantia de
preços mínimos, programas específicos para produtos
e programas de desenvolvimento regional e rural
1978
a
1989
Desequilíbrio
Externo e
Crise da
Dívida
II PND – Políticas desenvolvimentistas
Deterioração das condições macroeconômicas
Reversão da conjuntura favorável nos mercados
agrícolas internacionais
Problemas internos de abastecimento
Cai o volume de crédito rural e reativa-se a política
de garantia de preços mínimos
Reativados instrumentos para aumentar exportações e
oferta interna e responder ao aumento do poder
aquisitivo, do emprego, e dos programas sociais
Plano Verde
Fim da conta movimento
1970
a
1991
Moderniza-
ção Parcial
Na década de 70, o governo federal passa a importar, com
exclusividade, grandes quantidades de leite em pó e
manteiga, para fornecer às empresas empacotadoras de
leite pasteurizado
Pró-Leite: Programa de Incentivo à modernização da
pecuária leiteira
Programa de Melhoramento da Alimentação e Manejo do
Gado Leiteiro (Planam)
Programas governamentais de crédito específicos para
determinadas regiões: Proterra, Condepe, Polocentro, etc
Subsídios para a produção de leite C
Criação da Comissão Permanente do Setor Leiteiro
(objetivo: apurar o custo da produção de leite)
1989
a
1991
Transição
para a
Política
Liberal
Paralisação da reforma agrária
Liberalização e desregulamentação de mercados
Expansão de importações devido a insuficiência da
oferta
(continua)
172
Intervenção Governamental Durante a Formação do Setor Industrial Lácteo Mudanças e Interferências na Política Agrícola Brasileira
Período Fase Orientação, Modos de Intervenção e Instrumentos Período Fase Orientação, Modos de Intervenção e Instrumentos
1992
a
2002
Auto-
regulação
Fim do tabelamento do leite pasteurizado B e C (1991)
Abertura da economia à concorrência externa pela redução
de barreiras tarifárias
Liberação das importações de leite em pó e demais
produtos lácteos para a iniciativa privada
Medidas anti-dumping
Programa Nacional de Melhoria da Qualidade do Leite
(PNMQL)
Pró-LEITE destinado à aquisição facilitada de tanques e
equipamentos
1992
a
2002
Período Atual
Políticas não foram adaptadas ao novo contexto
institucional
Restrições monetárias e orçamentárias (Constituição
1988)
Economia aberta
Novos instrumentos do governo: cédula do produto
rural (CPR), contrato de opção de vendas (COV),
prêmio de escoamento de produto (PEP), etc
Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura
Familiar (PRONAF)
Fonte: Adaptado de Alves (2001), Paulillo, Herrera e Costa (2002) e Souza Filho (2003)
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